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VALÉRIA MAIA SOARES BITTAR
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE
PROFESSORES DE ARTES VISUAIS
Juiz de Fora - 2007
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Valéria Maia Soares Bittar
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE PROFESSORES
DE ARTES VISUAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade
Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Déa Lúcia Campos
Pernambuco
Juiz de Fora
2007
TERMO DE APROVAÇÃO
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VALÉRIA MAIA SOARES BITTAR
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE PROFESSORES DE ARTES
VISUAIS
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, pela seguinte banca
examinadora:
_______________________________________
Prof. Drª. Déa Lúcia Campos Pernambuco
(Orientador)
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF
_______________________________________
Prof. Drª. Maria Teresa de Assunção Freitas
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF
_______________________________________
Prof. Drª. Mirian Celeste Ferreira Dias Martins
Programa de Pós-Graduação em Educação, UNESP
Juiz de Fora, 27 de junho de 2007.
AGRADECIMENTOS
Chegar a estas páginas pressupõe que etapas foram vencidas e em cada
uma delas estiveram envolvidas muitas pessoas. Este é, portanto, o momento de
agradecer àqueles que ajudaram a construir este trabalho com diálogos, idéias,
leituras, observações, críticas, parcerias ...
Agradecer primeiro a Deus, por toda a sua providência.
Ao Marcus, querido esposo, companheiro dedicado e compreensivo e ao Filipe e
ao Víctor, filhos amados, pela paciência nos momentos difíceis, pelo
entendimento nas ausências, pelo carinho e apoio.
Aos meus pais, Zoraida e Genaro , pelo exemplo de amor e fé.
Aos meus irmãos que, mesmo distantes, torceram por mim.
Ao meu sogro e meus cunhados, pelo apoio, assumindo tarefas para que eu
pudesse trilhar meu caminho.
À minha orientadora, Déa Pernambuco, professora experiente que acreditou em
minhas idéias e sonhos.
A Vilma Cristina, que conduziu com zelo e presteza o meu lar para que eu
pudesse realizar meu trabalho.
Aos professores, participantes deste estudo que se prontificaram, envolveram-se
e contribuíram na construção desta pesquisa.
À amiga e professora de Arte Neide Marinho, pelas informações relevantes, pela
parceria intelectual e pela defesa da arte na educação.
A Mariângela, pela paciência e dedicação na verificação técnica desta
dissertação.
À professora Maria Teresa, pelos apontamentos e contribuições durante a
pesquisa.
Aos colegas professores, alunos e funcionários da Escola Municipal Olinda de
Paula Magalhães, pelas experiências que me levaram a este estudo e aos demais
colegas de profissão pela força e pela torcida.
Aos colegas do mestrado, em especial Ana Cristina e Rosangela Veiga, pela
amizade, pelos desafios transformados em aprendizagem, pelas conversas e
alegrias compartilhadas.
À Prefeitura de Juiz de Fora, em especial à Secretaria de Educação, por
possibilitar a continuidade de meu processo formativo.
E a todos aqueles que, de alguma maneira, tornaram esta pesquisa possível de
se realizar.
RESUMO
Este estudo tem como objetivo compreender as concepções de ensino de Arte de
professores de Artes Visuais e suas práticas na escola. Para tal, fez-se uma
pesquisa qualitativa de abordagem cio-histórica, buscando uma interlocução
entre autores e pesquisadores do ensino de Arte e da construção social do
conhecimento, articulando-se as idéias dos autores Vygotsky e Bakhtin com a
questão do ensino de Arte na atualidade. Nove professores de escolas públicas e
particulares de Juiz de Fora, Minas Gerais, constituíram-se como sujeitos desta
pesquisa, cujos instrumentos metodológicos foram entrevistas e grupos focais. A
análise dos dados revelou que a concepção de ensino de Arte construída pelos
professores pesquisados coincide com a concepção contemporânea que
considera o ensino dessa disciplina como fonte de aquisição e construção de
conhecimentos, incluindo a arte como um fenômeno da cultura humana que não
pode ser sonegada no âmbito da educação Escolar. Além disso, pôde-se
depreender que os professores de Arte realizam práticas que envolvem trabalhos
interdisciplinares e integradores, fazendo uso da Abordagem Triangular com o
objetivo de desenvolver no aluno capacidades de representar, interpretar,
imaginar, compreender o que o cerca e a si mesmo.
PALAVRAS-CHAVE: Professor de Artes Visuais, Concepções, Práticas,
Formação de professores, Contexto.
ABSTRACT
This study is aimed at analysing the concepts of Art Teaching as shared by the
teachers of Visual Arts as well as their classroom work. In order to do so, a socio-
historical qualitative research was carried out, seeking for an interaction between
authors and researchers in the field of Visual Art teaching and the social
construction of knowledge, weaving the ideas proposed by Vygotsky and Bakhtin
into the present issue of how to teach Visual Arts. Nine teachers from public and
private schools of Juiz de Fora, in Minas Gerais, were selected as subjects for the
research, which comprised interviews and focal groups. Data analysis revealed
that the concept of Visual Art teaching as constructed by the subjects is the same
as the contemporary view which considers Visual Art teaching as a phenomenon
of human culture which cannot be overlooked within the school context. Apart from
that, Visual Art teachers were found to develop interdisciplinary and integrating
projects, making use of the Abordagem Triangular, aiming at making students
develop the skills of acting, interpreting, imagining and understanding their
surroudings as well as himself.
Key words: Art teaching, Concepts, Classroom work, Teachers´formation, Context.
SUMÁRIO
1. UM MEMORIAL...................................................................................................1
2. O PROCESSO METODOLÓGICO......................................................................7
2.1 As entrevistas do estudo piloto......................................................................8
2.2 A técnica do grupo focal.................................................................................9
2.3 A construção dos grupos focais..................................................................11
3. DIALOGANDO E INTERAGINDO COM OS AUTORES...................................16
3.1 A função da Arte na escola...........................................................................17
3.2 A formação dos professores de Arte...........................................................22
3.3 Arte: uma linguagem carregada de sentido................................................29
3.4 Artes Visuais: construções sígnicas portadoras de significado..............45
4.DIALOGANDO E INTERAGINDO COM ATORES E AUTORES.......................50
4.1 Diálogos singulares.......................................................................................50
4.2 Diálogos conjuntos......................................................................................56
4.3 O valor da disciplina de Arte na escola......................................................58
4.4 A formação do professor de Arte e a formação continuada de
professores...........................................................................................................62
4.5 A Abordagem Triangular e sua aplicabilidade...........................................79
4.5.1- O vértice“Contextualizar”....................................................80
4.5.2 - O vértice“Fazer”..................................................................82
4.5.3- O vértice“Apreciar”..............................................................88
4.6 A experiência artística e a educação do olhar............................................92
4.7 O conteúdo interdisciplinar e o currículo
integrado..............................................................................................................99
5. AMPLIANDO FRONTEIRAS...........................................................................108
REFERÊNCIAS...................................................................................................114
ANEXOS..............................................................................................................117
LISTA DE ANEXOS
1. Ofício da Secretaria de Educação...................................................................118
2. Ficha de identificação dos participantes dos grupos focais.............................119
3. Termo de compromisso dos participantes dos grupos focais..........................120
4. Auto-retratos....................................................................................................121
4.1. Auto-retrato I.......................................................................................122
4.2. Auto-retrato II......................................................................................123
4.3. Auto-retrato III.....................................................................................124
4.4. Auto-retrato IV....................................................................................125
4.5. Auto-retrato V.....................................................................................126
4.6. Auto-retrato VI....................................................................................127
5. Releitura da obra “O Grito” de Edward Munch realizada por uma aluna da
professora Teresa................................................................................................128
6. Texto “Contexto Nacional: as principais mudanças políticas e conceituais na
visão dos arte/educadores”..................................................................................129
7. Texto “PCN nas escolas: e agora?”.................................................................133
1. UM MEMORIAL
A arte é uma mentira que nos faz ver a verdade.
Pablo Picasso
Entender a arte como uma dimensão de conhecimento humano que não
pode ser negada no âmbito escolar foi a certeza que me trouxe até este trabalho
investigativo. Por entendê-la como uma outra via para chegar ao conhecimento,
busquei o caminho da pesquisa, por acreditar na arte como uma linguagem
mediadora da aprendizagem. Daí a epigrafe instigante que reflete sobre esta
linguagem simbólica que nos faz compreender a vida, os outros e a nós mesmos.
É com este olhar que pretendo iniciar esta dissertação.
Considero necessário trazer algumas lembranças significativas de minha
vida e de minha formação a essas ginas iniciais, pois, para chegar a este
trabalho, foi preciso passar por todo um processo pessoal e profissional que
considero único.
Na década de 1980, aos 17 anos, quando me preparava para o vestibular,
tive a oportunidade de estudar com um professor de Ciências no ensino médio
que, buscando sempre orientar e esclarecer as dúvidas da turma, debruçava-se
em explicações sobre as diversas profissões, universidades e cursos. Foi ele que
me falou sobre o curso de Design Industrial e o de Arquitetura, ambos da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, despertando meu interesse por essa
área. No terceiro ano do ensino médio estava determinada a prestar o vestibular
para Arquitetura. Não gostava da idéia de ser professora, queria uma “profissão
de homem”.
Nessa mesma época chegou às minhas mãos um currículo do Curso de
Educação Artística da Universidade Federal de Juiz de Fora. Observei que
poderia estudar desenho arquitetônico, desenho mecânico, aprenderia a fazer
perspectivas de interiores e fachadas de casas. Além disso, teria aulas de
desenho artístico e poderia cursar disciplinas opcionais de pintura em telas. Era
uma boa opção, porém, continuaria a sonhar com a Arquitetura. Iniciei o curso de
Educação Artística em 1984 e me formei em 1988, Bacharel em Desenho
Arquitetônico. Logo consegui emprego numa empresa terceirizada dentro da
Siderúrgica Mendes Júnior atual Belgo Mineira, em Juiz de Fora. Trabalhei como
desenhista de projetos mecânicos e arquitetônicos. Ao perder o emprego, voltei
para a UFJF para fazer a Licenciatura, formando-me em 1991. Como costumo
dizer, caí de ra-quedas na Educação sem saber de sua importância, de seus
fundamentos e de minha capacidade para ministrar aulas. Neste mesmo ano fui
trabalhar numa escola da zona norte da cidade de Juiz de Fora, substituindo um
professor, no turno da manhã e da noite, em turmas do ensino fundamental e
médio. Talvez por isso, minha opção profissional tenha mudado tanto, acho que o
desafio me encantou. Estava, a partir daí, definitivamente, envolvida com o
magistério. O desejo de cursar Arquitetura foi deixado para trás. Minha vida
estava tomando novo rumo.
De 1991 em diante trabalhei em escolas estaduais, particulares e
municipais. Conheci escolas com filosofias de trabalho diferentes, contextos e
metodologias de ensino diversificadas, enfim, realidades e desafios os quais eu
não imaginava que um professor tivesse de enfrentar. Tais desafios
impulsionavam-me a permanecer na profissão e a querer vencê-los. Gostava de
estar com os alunos, de falar sobre arte e, juntos, produzirmos trabalhos. Era um
caminho que eu estava disposta a percorrer. A visão ingênua em relação à
profissão do professor foi dando lugar a uma postura de inquietações, de
questionamentos em relação ao trabalho do professor de Arte e da realidade da
disciplina na escola. A escolha profissional foi, por assim dizer, transformando-se
em esforço para entender a própria profissão.
Atuando como professora de Arte nos ensinos infantil, fundamental e médio
pude observar sempre a existência de uma realidade complexa. A imposição do
conteúdo de desenho geométrico no planejamento das aulas, as cobranças feitas
por coordenadores, colegas de trabalho e da própria direção da escola para que
desenvolvesse atividades relacionadas às datas comemorativas, interferindo na
autonomia do conteúdo a ser ministrado. A carga horária reduzida, a falta de
espaço adequado e de materiais específicos, muitas vezes inexistentes, eram e
são algumas das muitas situações enfrentadas pelos profissionais. Essa realidade
apontava para a questão: qual é, afinal, a função da disciplina de Arte no
processo de ensino e aprendizagem? Qual o motivo ou motivos de sua
desvalorização na escola?
Porém, foi em 1995, trabalhando na Escola Municipal Olinda de Paula
Magalhães, em Juiz de Fora, MG, que pude, pela primeira vez, ver na prática um
trabalho interdisciplinar envolvendo a arte. Essa experiência de trabalho tão
singular foi de extrema importância para minhas escolhas teóricas e para criar as
bases de meu trabalho de pesquisa.
Na tentativa de resolver os problemas de evasão e repetência existentes, a
Escola Municipal Olinda de Paula Magalhães, em 1995, implantou um projeto
chamado “Trabalhando com Artes”. Sua criação foi de responsabilidade de três
professoras de Língua Portuguesa que deram inicio a uma revisão intensa do
conteúdo programático da disciplina de Português, cuja linha passou a voltar-se
para o estudo de textos e a utilização de “meios que facilitassem”
1
a produção, a
leitura, a análise e a interpretação. Justamente nesse período fui designada para
trabalhar nessa escola e logicamente passei a fazer parte de todo o processo
desencadeado pelo projeto “Trabalhando Com Artes” ao longo dos anos
seguintes.
O projeto “Trabalhando com Artes” foi dividido em três semanas culturais:
Semana de Artes, Semana de Estudos Folclóricos e Semana de Poesia,
inicialmente com tema livre. Com o amadurecimento do projeto, os assuntos de
cada semana passaram a ser estruturados tentando conciliar o artístico e o
didático-pedagógico. O tema passou a ser escolhido e trabalhado, de forma
interdisciplinar e artística, por professores e alunos, desde a educação infantil até
a série, culminando com apresentações artísticas e culturais criadas a partir da
temática eleita. Durante a elaboração dos trabalhos, professores e alunos se
empenham em pesquisas, discussões em sala, execuções de trabalhos plásticos,
dramatizações, produções de textos, cartazes, fotos, danças, desfiles, gincanas e
outros tipos de apresentação sobre o tema proposto. A movimentação da escola,
antes e durante os dias das semanas culturais, é intensa. Os resultados dos
trabalhos são avaliados por alunos e professores e a escola possui dados
estatísticos relativos à evasão e à repetência desde a implantação do projeto.
Em 1997, os professores da escola participaram de um curso na
Universidade Federal de Juiz de Fora, ministrado por Bernd Ficthner
2
. O curso
1
É importante observar que o meio utilizado pelas professoras foi a arte, no caso: artes visuais, arte popular e
literária.
2
O Professor Dr. Bernd Ficthner, é profesor e pesquisador da Universität Siegen, UNI-SIEGEN, Alemanha.
“Vygotsky: a aprendizagem como atividade” causou grande impacto nos
professores, dada a semelhança entre a teoria apresentada por Ficthner e a
prática da escola. O professor Ficthner foi convidado a visitar nossa escola e,
nessa visita, uma conversa com o professor alemão marcou o início de minhas
investigações e de meus estudos sobre Vygotsky. Ele disse: “Você faz o que
Vygotsky fala”. Logo pensei: “Quem será esse tal de Vygotsky?” Para não
demonstrar minha falta de conhecimento em relação ao autor, tratei de concordar
com ele e mudei de assunto. Após esse acontecimento, ficamos sabendo que o
professor alemão iria dar um curso sobre Vygotsky no Centro de Formação do
Professor da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora. Participando do
curso, pude conhecer um pouco sobre a teoria vygotskyana e passei a entender
melhor por que minha prática e a de outros professores do projeto tinham
relações com os conceitos trabalhados por ele.
Como fora mencionado, a arte foi escolhida como elemento integrador das
atividades desenvolvidas pelos professores do projeto “Trabalhando com Arte”.
Percebíamos sua capacidade em fazer o elo entre as disciplinas, por ser uma
linguagem que transitava pelos diversos conteúdos. As experiências vividas em
minhas aulas proporcionavam aos alunos estabelecerem uma vinculação da
realidade com a fantasia, o que Vygotsky(1987) considera como a primeira e
principal lei a que se subordina a função imaginativa. Pude observar também que,
principalmente nos dias das apresentações dos trabalhos, uma espécie de
“sentimento social“ ou “efeito catártico” tomava conta da escola, outro ponto
importante trabalhado por Vygotsky(1998) que se mostrava presente nas
semanas culturais.
Tendo Ficthner visitado e apreciado nosso trabalho reiteradas vezes,
concluiu que havíamos criado “um modelo de escola diferenciada”. Este foi o
primeiro reconhecimento que tivemos do trabalho que lutávamos para
desenvolver. Nosso projeto ganhou, também, expressão em Juiz de Fora, tendo
sido notícia da imprensa escrita e televisiva. Em 2001 fomos convidados a
ministrar palestras em um seminário na Universidade de Siegen, na Alemanha.
Eu e mais cinco professores participamos desse seminário, representando a E. M.
Olinda de Paula Magalhães. Todo esse caminho percorrido, pela escola e seus
membros, resultaram na busca pelo aperfeiçoamento e trazendo-me ao mestrado.
Decorre de toda essa experiência, com o ensino de artes e do
entrelaçamento de minhas idéias com diversos autores, o meu interesse em
dialogar com outros profissionais da área, conhecer suas concepções de ensino e
como desenvolvem suas práticas.
Sempre tive um incômodo sentimento de impotência diante da
desvalorização da disciplina de Arte nas escolas. Um sentimento que, embora
fosse amenizado enquanto membro do projeto “Trabalhando com Arte”, estava
presente quando comparava nossa realidade com a realidade da maioria das
escolas que havia trabalhado e, também, quando conversava com outros
professores de Arte. Até mesmo a minha escola deixava a desejar quando o
assunto era, por exemplo, aumentar a carga horária dessa disciplina. Assim, e em
função desses questionamentos, me propus desenvolver esta pesquisa, cuja
questão é compreender as concepções e práticas de professores de Artes
Visuais na escola.
No segundo capítulo faço considerações sobre a metodologia utilizada e
sobre alguns dados referentes aos interlocutores desta pesquisa. Também
esclareço sobre a opção pelo grupo focal e de sua pertinência como método para
a coleta de dados.
No terceiro capítulo estabeleço um diálogo com os autores, observando a
pertinência de suas idéias para a compreensão das concepções de Ensino de
Arte na atualidade, volto um pouco no tempo e exponho algumas conquistas
realizadas por educadores, pesquisadores em arte, buscando trazer para a
atualidade as influências dessas lutas. Procuro esclarecer quais métodos estão
sendo utilizados na aprendizagem artística, falando sobre o potencial da
Abordagem Triangular como sistema metodológico, além de expor sobre a
necessidade da experiência artística para a aquisição de conhecimento e das
possibilidades de construção do saber artístico integrado a outros saberes.
Procuro compreender, no quarto capítulo, as práticas de professores de
Arte e as concepções de ensino dessa disciplina através das análises dos dados
colhidos nos encontros dos grupos focais descritos nesta dissertação. Procuro
apresentar minha questão de estudo como mais um elo na cadeia desses
enunciados. Faço reflexões sobre a formação do professor de Arte e da formação
continuada de professores a fim de evidenciar sobre a realidade vivida por esses
atores, seus contextos, suas experiências.
No quinto e último capítulo, teço algumas considerações sobre os achados
desta pesquisa, apontando algumas respostas para as questões levantadas nesta
dissertação.
Penso que os resultados alcançados por esta investigação possam não
contribuir para uma visão ampliada do papel do professor de Arte e de sua
disciplina, mas também de gerar reflexões em busca de renovação da prática
pedagógica e da valorização da arte na escola.
2. O PROCESSO METODOLÓGICO
A busca pelo conhecimento e pela compreensão das concepções dos
professores de Artes Visuais sobre sua disciplina e do modo como estão sendo
desenvolvidas as práticas dessa disciplina exigem uma proximidade do
pesquisador com seu objeto de estudo. Minha experiência nessa função, atuando
como professora de Arte, mostra que a realidade o é algo externo ao sujeito. O
olhar e os significados atribuídos a ela fazem parte do universo do pesquisador.
Optando pela pesquisa com abordagem qualitativa, organizei minha
investigação em duas fases: a primeira foi realizada através de um estudo piloto
composto por entrevistas individuais e a segunda, com a formação de grupos
focais.
A organização do trabalho nestas duas fases se consubstancia na posição
de Morgan a utilização de grupos focais em seqüência às entrevistas individuais
facilita a avaliação do confronto de opiniões, que se tem maior clareza do que
as pessoas isoladamente pensam sobre um tema específico(MORGAN, 1997
apud GONDIM, 2002, p.06).
Este trabalho investigativo vai além da descrição dos acontecimentos
observados, pois, extrapolando a superficialidade dos fatos, procurei
compreendê-los em profundidade. Como assumi uma postura interativa durante a
investigação nos grupos, o diálogo estabelecido constituiu-se fator fundamental
para compreender as concepções e práticas dos professores pesquisados. Esses
aspectos caracterizam a pesquisa desenvolvida dentro de uma abordagem sócio-
histórica. De acordo com essa perspectiva, o diálogo estabelecido entre
pesquisador e pesquisado é fundamental para a compreensão do fenômeno
observado. Diz Freitas (2002):
O pesquisador, portanto, faz parte da própria situação de
pesquisa, a neutralidade é impossível, sua ação e também os efeitos
que propicia constituem elementos de análise. Bakhtin contribui para
complementar essas idéias afirmando que o critério que se busca
numa pesquisa não é a precisão do conhecimento, mas a profundidade
da penetração e a participação ativa tanto do investigador quanto do
investigado. Disso também resulta que o pesquisador, durante o
processo de pesquisa, é alguém que está em processo de
aprendizagem, de transformações. Ele se ressignifica no campo. O
mesmo acontece com o pesquisado que, não sendo um mero objeto,
também tem oportunidade de refletir, aprender e ressignificar-se no
processo de pesquisa. Bakhtin e Vygotsky tornam o processo de
pesquisa um trabalho de educação, de desenvolvimento. (p.25-26)
Atenta a essas características, organizei o trabalho da seguinte forma: na
primeira fase da investigação realizei um estudo piloto composto de entrevistas
individuais, semi-estruturadas com três professoras de Arte, selecionadas por sua
participação constante em reuniões ocorridas no ano de 2005, promovidas pela
Secretaria de Educação (SE), visando ao aprofundamento de discussões e
debates acerca do Ensino de Arte nas Escolas Municipais de Juiz de Fora,
observando também critérios subjetivos, tais como envolvimento com a prática
pedagógica, disponibilidade para discussão e conhecimento teórico.
2.1 - As entrevistas do estudo piloto
Considero as entrevistas individuais, realizadas através do estudo piloto em
2005, como um ensaio, um primeiro momento no campo como pesquisadora. As
entrevistas individuais serviram de alicerce para a realização dos grupos focais.
Entrevistar individualmente alguns professores de Arte, gravar, transcrever,
analisar e relacionar suas falas com meu quadro teórico foi muito importante para
garantir meu desempenho na segunda fase do trabalho, trazendo significativas
contribuições para este estudo.
No ano de 2005, ocorreram reuniões, promovidas pela SE, específicas
para os professores do Ensino de Arte. Fui convidada a participar dessas
reuniões, pois sou professora de três escolas blicas municipais. Ao mesmo
tempo, percebia que esta era uma oportunidade única de estar envolvida com um
número grande de profissionais das escolas municipais da área, debatendo sobre
“a arte na escola” em seus vários aspectos. Portanto, era de fundamental
importância iniciar um estudo, observando e registrando tais encontros.
As reuniões da SE, que se estenderam por todo o ano de 2005, sempre
contavam com um número razoável de participantes, cerca de 30 a 40
professores. Os professores manifestavam-se através de depoimentos e debates
sobre os temas propostos pelas organizadoras. Muitos participantes não eram
formados em Arte, porém estavam trabalhando com a disciplina de Arte em 2005.
Algumas tinham assumido vagas em função de projetos das escolas envolvendo
Arte e Literatura, sendo, em sua maioria, professoras formadas no magistério ou
pedagogas.
Para as entrevistas foram convidadas três professoras de Arte,
selecionadas pela participação ativa nas reuniões da Secretaria de Educação (SE)
em que se destacaram pela freqüência e pela participação nos debates e,
também, pela disponibilidade em cederem um pouco de seus horários para
fazerem as entrevistas.
São professoras que possuem cargos efetivos (20 h) em escolas públicas
municipais, sendo que uma delas trabalha paralelamente em uma escola particular
de ensino superior. São elas: a professora Helena
3
que trabalha com turmas de
ensino fundamental, de a séries; a professora e artista plástica bora que
trabalha com crianças da educação infantil (3ºperíodo) numa escola de tempo
integral (Caic - Centro de Atenção Integral à Criança) e turmas do ano do
Magistério Superior, e a professora Teresa que trabalha com turmas de a
séries e com alunos da educação infantil (3º período).
Através das entrevistas individuais, acredito que foi possível, não só,
entender minha tarefa como pesquisadora, como também trazer reflexões
importantes para as questões propostas por esta pesquisa, questões que foram
aprofundadas nos grupos focais organizados na segunda fase da investigação.
2.2 – A técnica do grupo focal
Acredito que a técnica do grupo focal possibilita uma coleta de dados que
permite pensar, construir, compartilhar e discutir, em seu interior, temas
relevantes para a compreensão da realidade do professor de arte e suas
concepções acerca de seu trabalho, viabilizando, também, a auto-reflexão de
cada colaborador e a ação emancipatória desse grupo diante dos demais
profissionais.
3
Os nomes dos professores foram substituídos por nomes fictícios a fim de preservar suas
verdadeiras identidades.
A razão da escolha pelo trabalho com grupo focal se consolida na posição
de Gatti (2005):
O grupo focal permite fazer emergir uma multiplicidade de
pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de
interação criado, permitindo a captação de significados que, com
outros meios, poderiam ser difíceis de se manifestar.(p.9)
O grupo focal é um método oral e grupal e identifica-se por ser uma técnica
de investigação qualitativa/hermenêutica apoiada na descrição, no entendimento,
na busca de significado, na interpretação, na linguagem e no discurso. A definição
de Powell e Single (1996) é também esclarecedora desse método: um grupo
focal é um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para
discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua
experiência pessoal (1996, p. 449). Nessa técnica o pesquisador assume uma
posição crítica de mediador/participante da discussão, em torno de um conjunto
de questões relevantes para o grupo. De acordo com recomendações
4
, podemos
reunir um mínimo de 3 grupos até 12 grupos com, geralmente, 6 a 10 membros:
A quantidade de grupos deve considerar a homogeneidade
da população em relação ao objeto da avaliação, variando de um
mínimo de 3 a 4 grupos até 10 a 12 grupos no máximo. O
importante é selecionar pessoas com diferentes opiniões em
relação ao tema a ser discutido e o objetivo é obter não uma
representação quantitativa de diferentes opiniões e setores, mas
sim o relato de cada segmento sobre o objeto da avaliação. (2001)
Em relação ao número de sessões, Gatti (2005) sugere que é possível
conseguir os dados necessários com uma a duas sessões. Porém, esclarece que
existem grupos que necessitam de ultrapassar esse número. Como minha
intenção foi de formar apenas dois grupos focais, precisei estender o número de
sessões a fim de obter respostas para as questões necessárias aos objetivos da
pesquisa e criar, deste modo, um espaço propício de intervenção e de trocas.
É importante destacar que esse tipo de trabalho permite a manifestação de
uma diversidade de idéias, opiniões, conceitos, bem como perceber as normas e
4
Como operacionalizar um grupo focal (2001) Disponível em: http://www.bireme.br/bvs/adolec. Acesso em
27 de março de 2007
valores que governam o grupo. Perceber, respeitar, potencializar e valorizar
tamanha riqueza, eis uma importante tarefa para o pesquisador.
A presença de relatores para anotarem as discussões ocorridas durante os
encontros e de equipamentos para o seu registro é fundamental nesse tipo de
pesquisa.
Através dos debates estabelecidos nos grupos focais, pude perceber as
concepções dos professores em relação ao ensino de arte e, ao mesmo tempo,
por meio desses relatos, pude compreender suas práticas. Acredito que dessa
forma foi possível contribuir para a reflexão do professor, ampliando os modos
como percebemos a arte e seu ensino.
Criando uma interação natural nos grupos focais, pude dar voz aos
professores para que resignificassem suas práticas, conforme Bakhtin (1995): “O
centro organizador e formador da atividade mental não está no interior do sujeito,
mas fora dele, na própria interação verbal. Não é a atividade mental que organiza
a expressão, mas a expressão que organiza a atividade mental, modelando e
determinando a sua orientação” (Freitas,1995,p.138).
Nesse sentido, diante do objetivo de conhecer as concepções e práticas de
professores de Artes Visuais, a opção pela metodologia da pesquisa qualitativa
parece ser a mais adequada. No dizer de Mazzoti: “o pesquisador se torna parte
da situação observada, interagindo por longos períodos com os sujeitos,
buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que é estar naquela situação”.
Todo esse processo vivencial é subsídio para que a pesquisa possa
construir compreensões sobre a complexidade de formas de pensar e agir em
face das questões expostas levadas para os grupos e trazidas por eles.
2.3 - A construção dos grupos focais
Conforme antecipado nas entrevistas individuais, muitos dos participantes
das reuniões promovidas pela SE em 2005 não eram formados em Arte. Pude
detectar esse problema quando, ao entrar em contato com os participantes por
telefone com a finalidade de convidá-los para participar do grupo focal, vários
comentaram o fato de não serem formados. Para me inteirar melhor sobre esse
assunto, pedi à SE, em 2006, um documento
5
em que constasse o número de
professores de Artes atuantes na Rede Municipal de Educação, entre formados e
não formados. Fiquei surpresa, pois o documento relatava que, naquela data, a
maioria dos professores, entre efetivos e contratados, eram habilitados em Arte,
realidade diferente da constatada por mim no ano anterior.
Assim, foi através das listas de presença das reuniões de 2005, cedidas
pelas organizadoras que, em 2006, entrei em contato com vários professores para
convida-los a participarem do grupo focal, incluindo duas professoras que eu
havia entrevistado individualmente na primeira fase da investigação, são as
professoras Teresa e Débora. Como não me propusera o estabelecimento de
critérios rígidos em relação à escolha dos professores participantes do grupo
focal, optei por trabalhar com os que haviam sido assíduos nas reuniões da
Secretaria de Educação. Com o intuito de abarcar uma maior diversidade dos
membros participantes, procurei trabalhar com professores que, pelo menos,
atendesse ao critério de ser formado em Arte, estar trabalhando com a disciplina
em sala de aula e pertencer à rede pública. Como se poderá perceber, os
participantes atenderam, pelo menos, a um desses itens. Essa diversidade é
saudável para as discussões e faz parte da constituição dos grupos
6
:
O grupo deve ter uma composição homogênea, preservando
certas características heterogêneas - um balanço entre
uniformidade e diversidade - do grupo, o que permite que os
participantes sintam-se confortáveis e livres para participar da
discussão (aspectos como mesmo sexo, faixa etária aproximada,
experiência profissional ou envolvimento/participação na atividade
avaliada podem servir como variáveis). A escolha das variáveis
vai depender do que se avalia e do para quê da avaliação (2001).
Para formar dois grupos focais, tive que atender aos horários
disponibilizados pelos professores e encontrar um local de fácil acesso para
todos. Os encontros foram realizados no período de 15/05/06 a 07/07/06, no
Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEM, que se localiza no complexo do
Centro Cultural Bernardo Mascarenhas na região central da cidade de Juiz de
5
Tal documento consta do anexo 1.
6
Como operacionalizar um grupo focal (2001) Disponível em: http://www.bireme.br/bvs/adolec. Acesso em
27 de março de 2007.
Fora. O grupo da noite reunia-se às quintas-feiras no horário de 18h e 30min `as
20h e o grupo da tarde às quartas-feiras no horário de 15h às 16h e 30min.
O CEM atendia às nossas necessidades por ser de fácil acesso e
disponibilizar uma sala de reuniões para a realização dos encontros. Sobre esse
aspecto, a recomendação é que:
O local para as reuniões deve favorecer a interação entre os
participantes: uma sala com cadeiras confortáveis ou em volta de uma
mesa é suficiente. Também recomenda-se que os encontros durem
entre 1 e ½ a 2 horas e no máximo 3 horas”(2001).
Organizei uma ficha de identificação
7
para ser preenchida pelos membros
dos grupos focais. Essas fichas continham e-mails e telefones e foram muito
importantes para facilitar minha comunicação com o grupo entre um encontro e
outro, enviar textos e esclarecer dúvidas. Junto com essa ficha entreguei um
termo de compromisso
8
que reforçava a importância da assiduidade e
participação nos encontros. Acredito que esse documento dá segurança ao grupo,
pois demonstra a seriedade com que nosso trabalho é feito. Ao mesmo tempo
esse termo de compromisso ajuda a manter a freqüência dos membros em
nossos encontros.
O grupo da noite, o qual passarei a chamar de grupo N, formado por
professores que trabalham ou são formados em Arte, é heterogêneo, sobretudo
no que diz respeito a tempo de experiência, que varia de 4 a 23 anos.
Pela diversidade dos professores, considero necessário destacar as
características individuais de cada um para obtermos a devida compreensão dos
dados. Interagindo como mediadora/facilitadora dos debates nos dois grupos,
inicio as apresentações com meus dados: professora Valéria, formada em
Educação Artística pela UFJF, mestranda em Educação pela UFJF, trabalha na
rede municipal de ensino com turmas das ries finais do ensino fundamental (5ª
a ries), 15 anos de magistério. Os demais membros do grupo N o: a
professora Regina, formada em Arte pela UFJF, mestre em Literatura Brasileira,
trabalha com Desenho Geométrico no Colégio Militar, oito anos de magistério; a
professora Débora, formada em Pedagogia e formada pela vida em Arte, pai
7
No anexo 2 consta um modelo desta ficha.
8
O modelo do termo de compromisso utilizado se encontra no anexo 3.
artista plástico e professor de Desenho e Pintura, especialista em Arte e
Educação Infantil pela UFJF, professora de Artes da rede municipal em turmas de
educação infantil e professora de Arte do curso de Pedagogia da Faculdade
Particular do Instituto Grambery, 23 anos de magistério; a professora Teresa,
formada em Desenho e Plástica pela UFJF, trabalha com a disciplina de Artes na
rede municipal de ensino com turmas de educação infantil e ensino fundamental,
23 anos de magistério; a professora Marta, formada em Educação Artística pela
UFJF, trabalha com a disciplina de Artes na rede municipal de ensino com turmas
de educação infantil, séries iniciais e projeto da idade, 4 anos de magistério; a
professora Rosa, formada em Educação Artística pela UFJF, que trabalha com
Desenho Artístico em oficinas do CEM, 11 anos de magistério. Além de Patrícia,
aluna de período do curso de Arte, que participou como redatora e tem
experiência de estágio em escolas da rede pública municipal de ensino e
Andressa, aluna do período do curso de Arte, que ajudou nas filmagens dos
encontros.
O grupo focal da tarde, que passarei a chamar de grupo T, seria formado
por seis professores, porém três não compareceram. Cheguei a fazer contato com
os professores ausentes para me certificar se estariam presentes no próximo
encontro. Uma das pessoas me disse que não poderia comparecer e as outras
duas, embora tenham reiterado a intenção de participar do grupo focal, nunca
apareceram. Optei por continuar trabalhando com um grupo menor, de apenas
três membros, primeiro por respeito àqueles que se disponibilizaram em participar
e, segundo, porque mesmo com um número reduzido esse grupo traria
contribuições para nossos estudos e também para os próprios membros
envolvidos. São membros do grupo T: André, que é artista plástico e professor da
Rede Municipal de Ensino atuando de a séries do ensino fundamental,
formado em Educação Artística pela UFJF, 6 anos de magistério, com projeto
aprovado pela Lei Murilo Mendes: “Mestres das artes visitam a escola”; a
professora Elisa, professora de Artes da rede municipal nas 1ª, e ries do
ensino fundamental e nas escolas da rede estadual de ensino nas 7ªe ries
do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio, formada em Desenho e Plástica
pela UFJF, 27 anos de magistério e a professora Rosane que trabalha nas 1ª, 3ª
e 4ª séries do ensino fundamental na rede pública municipal e a séries do
ensino fundamental nas escolas da rede Estadual de ensino, formada em
Educação Artística pela Fundação Escola Guignard em Belo Horizonte, 18 anos
de magistério.
Essa composição dos grupos proporciona uma riqueza de pontos de
vista. Ao mesmo tempo, percebe-se que os principais aspectos debatidos
coincidem nos dois grupos, o que nos oferece uma dimensão global das questões
que envolvem o Ensino de Arte.
Realizei um número maior de sessões não apenas para compensar
um número menor de grupos formados, mas também por sentir necessidade de
um aprofundamento maior das questões propostas e proporcionar maior interação
entre os membros dos grupos. Em tais sessões foram utilizados recursos
variados, na seguinte ordem: um auto-retrato modelo para que cada membro
participante elaborasse o seu próprio auto-retrato (nem todos fizeram o “dever de
casa”), um texto sobre o contexto atual do ensino de arte, um texto sobre os
PCN´s Arte, fichas com pequenos trechos de falas de Vygotsky, um questionário
com perguntas direcionadas ao foco das questões debatidas e cenas de filmes
que discutem a questão da educação e da arte.
Os auto-retratos
9
foram usados como dinâmica para conhecer o grupo,
permitir espaços de falas no início dos encontros e, ao mesmo tempo, perceber
como os professores fazem leituras de imagens. Nesse sentido, as cenas dos
filmes apresentadas aos professores foram utilizadas exatamente com essa
mesma intenção de observar como cada membro do grupo faz a leitura da
imagem, como interpretam as cenas, como fazem a contextualização das obras.
Concluídas as etapas de transcrição das falas dos interlocutores,
organização e classificação do material coletado, mergulhei nas análises, sempre
operando com conceitos do referencial teórico. Acredito que os procedimentos
realizados, juntamente com os documentos anexados ao final deste estudo,
garantem o rigor desta pesquisa. As transcrições das falas selecionadas e
inseridas na análise dos dados são documentos que garantem ao leitor acesso ao
“material bruto” para que possa tirar suas próprias conclusões, atitude que
também contribui para a confiabilidade e a legitimidade das interpretações feitas e
dos resultados alcançados nesta dissertação.
9
Os auto-retratos produzidos se encontram no anexo 4.
3. DIALOGANDO E INTERAGINDO COM OS AUTORES
Para realizar a tarefa de compreender as concepções e práticas de
professores de Artes Visuais, é preciso compreender o processo de Ensino de
Arte na escola, o que torna necessário abordar não apenas uma questão, mas
várias questões, as quais se mostram desafiadoras.
Considero que a escola deve ser porta-voz de novos conceitos sobre a arte,
conceitos que irão se refletir na aprendizagem e na sociedade. A
responsabilidade pela descoberta das possibilidades da arte que podem ser
realizadas na escola é do professor de Arte. Por isso, é preciso saber qual é a
visão e a prática desses profissionais e qual é o espaço destinado a essa prática.
O referencial teórico, alicerçado numa abordagem sócio-histórica, oferece as
bases para a análise desse estudo sobre o Ensino de Arte e seus atores.
Compreendo o professor como aquele que faz a mediação de
conhecimentos por meio de um diálogo democrático, e não aquele que impõe
conhecimentos de forma autoritária. O professor deve compreender que seus
alunos têm, cada um, o seu tempo de aprendizagem. Uma aprendizagem que se
na mediação entre professor e aluno, mas que pode acontecer através de
colegas, livros, imagens, cinema, teatro, mídias. Uma aprendizagem que
acontece no coletivo e que ganha novo sentido na individualidade de cada
interpretação.
O professor mediador é aquele que “está entre”, interagindo, propondo,
considerando, construindo e aprendendo junto com seus alunos. Assim, o
professor mediador em Artes Visuais deverá estar atento às possibilidades de
incorporação do conteúdo artístico no dia-a-dia de seus alunos, intervindo no
sentido de garantir encontros com o objeto de arte.
Nessa perspectiva, o foco desta dissertação es relacionado a uma das
linguagens artísticas, as Artes visuais, buscando analisar as concepções e
práticas dos profissionais que trabalham essa linguagem na escola. Para tal,
através da análise reflexiva do discurso dos professores de Arte, colocam-se as
seguintes questões: (a) como ensinam arte?; (b) a quem ensinam arte?; (c) que
tipo de arte ensinam?
Esse diálogo está dividido em quatro sessões que se entrelaçam. Como
existem idéias bastante comuns entre os autores, o trabalho torna-se coeso,
viabilizando as análises e os debates.
3.1 - A Função da arte na escola
Através de leituras, reflexões e diálogos sobre os fazeres pedagógicos em
arte, pude ir construindo um pensar que desse suporte a este trabalho. Em
diversos momentos desta pesquisa surgiram questionamentos sobre a função da
arte na escola. Li e ouvi testemunhos do envolvimento de alunos com projetos de
arte cujos resultados foram surpreendentes. Nestes momentos surgia a questão:
se a arte é tão importante por que sua desvalorização na escola? Esta é minha
indagação constante. Apresento algumas definições que ajudam a clarificar quais
são às funções atribuídas à arte na escola. Podemos buscar a contribuição de
Hernandez (2000):
...quando um estudante realiza uma atividade vinculada ao
conhecimento artístico, a pesquisa evidenciou algo que, por óbvio,
muitos esquecem: que não potencia uma habilidade manual,
desenvolve um dos sentidos (a audição, a visão, o tato) ou
expande sua mente, mas também, e sobretudo, delineia e fortalece
sua identidade em relação às capacidades de discernir, valorizar,
interpretar, compreender, representar, imaginar, etc. o que lhe
cerca e também a si mesmo. (p.42)
Ainda poderíamos citar Barbosa (1991), quando diz:
Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um
país que se desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é
profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o
mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo,
arte representa o melhor trabalho do ser humano. (p.4)
Além desses autores que apresentam essas definições para a função da
arte na escola, existem outros que, em seus postulados, reconhecem na arte uma
linguagem complexa e fundamental para a vida do ser humano.
Vygotsky (2004) escreveu um capítulo sobre a Educação Estética em seu
livro Psicologia Pedagógica no qual faz análises e críticas às concepções do
Ensino de Arte de sua época. Assim define Vygotsky: “Educar esteticamente
alguém significa criar nessa pessoa um conduto permanente e de funcionamento
constante, que canaliza e desvia para necessidades úteis a pressão interior do
subconsciente”(p.338,339).
Para reforçar ainda mais o papel da arte na educação como um potente
instrumento para o desenvolvimento individual e cultural, podemos ressaltar o
dizer de Barbosa (2005a):
A arte como linguagem aguçadora dos sentidos transmite
significados que não podem ser transmitidos por meio de nenhum
outro tipo de linguagem, tal como a discursiva ou a científica.
Dentre as artes, as visuais, tendo a imagem como matéria-prima,
tornam possível a visualização de quem somos, de onde estamos
e de como sentimos (p.99).
Perceber a arte como uma “forma outra de chegar ao conhecimento” me
levou a leituras diversas. Leituras que falavam sobre a função da arte na escola e
questionavam sobre sua desvalorização. A despeito dessa desvalorização
registram-se vários esforços no sentido de se buscar elevar a disciplina ao
patamar que ela merece ocupar na escola, resgatando-a de uma posição
marginalizada. A esse respeito, Biasoli (1999) assim se manifesta:
A desvalorização da arte e de seu ensino é fruto de um
processo histórico, uma herança de nossa colonização ora
concebida como trabalho manual, ora como acessório cultural de
refinamento da elite intelectual, exatamente pelo fato de a idéia da
arte não ser considerada uma forma de conhecimento. O
conhecimento, historicamente, está relacionado ao racional, à
alma, e é tido como algo superior, ao passo que a arte está
relacionada ao corpo, ao sensível e, por isso, é considerada algo
inferior.(p.80)
Na história do Ensino de Arte as contradições são constantes, os desvios
conceituais estão presentes, tal como explica essa mesma autora (1999):
Ao longo de sua trajetória histórica e ainda hoje -, a arte e seu
ensino sofrem a ação de dois fatores distintos: o político e o
conceitual. O político, pelo preconceito da classe dirigente em
relação ao ensino da arte nas escolas. E o conceitual, pela
desvalorização da arte como área de domínio específico do
conhecimento humano por parte da classe dominante e, talvez, por
uma fração dominante – a dos próprios professores de arte ( p.80).
Sobre esse aspecto, é importante ressaltar que as próprias instituições,
Secretarias Municipais de Educação e Escolas desvalorizam a Arte como
disciplina quando reservam a ela uma carga horária mínima. O professor de Arte
tem um contato muito pequeno com as diversas turmas existentes na escola e
uma produção bem menor do que a desejada.
A partir da nova lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB 9394/96,
sancionada em 20 de dezembro de 1996, o Ensino de Arte torna-se obrigatório,
passando a constar do artigo 26, parágrafo 2º, nos seguintes termos: “O ensino
da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.
Embora a disciplina conste como componente curricular obrigatório,
segundo a lei, sabemos que apenas a prescrição legal não é certeza de sua
legitimidade e consolidação no espaço escolar. Para que tal ocorra, é preciso que
a instituição escolar esteja aberta à novas análises e abordagens
interdisciplinares, instituindo-se como um campo predisposto a mudanças. Neste
sentido, o papel desempenhado por professores e pesquisadores do Ensino de
Arte tem sido fundamental, pois estão abrindo novas perspectivas para o
reconhecimento da disciplina no currículo escolar.
O Ministério da Educação (MEC) propõe, no final do ano de 1997 e início
de 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs, sugerindo atividades
artísticas para uma melhor assimilação do conhecimento nas diversas áreas do
saber, revelando a natureza multidisciplinar da arte. A poesia, a música, as
dramatizações, as leituras de imagens, o artesanato, entre outras atividades, são
mescladas ao dia-a-dia de professores e alunos.
Os PCN-Arte estabelecem três diretrizes que retomam, embora não
especifiquem diretamente, os eixos da Abordagem Triangular. Essa abordagem
será tratada nesta dissertação posteriormente. Importa saber no momento que
essa proposta, defendida por Ana Mae Barbosa, é bastante conhecida pelos
professores de Arte dos dois grupos focais desta investigação. Com a adoção
dessas diretrizes, os PCN-Arte buscam estabelecer uma postura coerente com as
investigações desenvolvidas no campo do Ensino de Arte, ajudando a fortalecer
as especificidades da arte como área de conhecimento.
Tais documentos propõem a utilização de quatro linguagens artísticas:
Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, porém não esclarecem como implantar
estas quatro áreas dentro do currículo escolar. A falta de esclarecimento gera
uma visão de professor polivalente, capaz de ensinar todas as linguagens. Assim
afigura-se mais um dos desafios para o Ensino de Arte hoje: como operacionalizar
a implantação das diversas linguagens artísticas nas escolas, principalmente nas
escolas públicas? A esse respeito, esclarece Penna
10
:
Uma questão crucial, portanto, é o professor que irá colocar em
prática os PCN-Arte: qual deverá ser a sua qualificação? A
característica geral da proposta, que se direciona para o resgate dos
conhecimentos específicos da arte, a complexidade dos conteúdos nas
diversas modalidades artísticas, tudo isso parece indicar a
necessidade de professores especializados em cada linguagem. Mas,
na verdade, não há definições claras sobre a formação do professor de
Arte, nem nos PCN, nem na atual Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Por
conseguinte, como muitas vezes a contratação de professores está
submetida à lógica de custos e benefícios, acreditamos que
dificilmente as escolas contarão - a curto ou médio prazo - com
professores especializados em cada uma das quatro modalidades
artísticas dos PCN-Arte.
Como a própria autora irá afirmar em seu texto, será preciso que cada
escola defina a melhor maneira de utilizar uma das linguagens artísticas,
elaborando uma proposta pedagógica condizente com as necessidades da
comunidade escolar, garantindo uma prática pedagógica de qualidade.
10
Artigo publicado no boletim Arte na Escola. Disponível em www.artenaescola.org.br . Acesso em
05/06/06.
O Ensino de Arte na contemporaneidade tenta abarcar tanto o conceito de
arte como experiência cognitiva quanto o conceito de arte como instrumento de
mediação cultural. Pelo fato de vivermos em uma época em que a informática, os
meios de comunicação, a publicidade estão presentes na vida cotidiana, é
recorrente o uso da expressão de que estamos na era da imagem. Autores como
Hernández (2000) fazem uma análise muito apropriada das mudanças educativas
e do envolvimento da cultura visual nesse processo:
Se o ensino de arte quiser chegar a ser um veículo de
conhecimento e contribuir para uma visão intercultural e alternativa
diante da homogeneização da atual cultura global e tecnológica, é
necessária uma mudança que se vincule à transformação da
formação dos professores e que possa voltar a pensar a função da
escolaridade (p.89).
Nesse aspecto, o autor sinaliza para a necessidade de levar em conta os
debates em torno da cultura visual e do papel que a educação e a arte exercem
na sociedade. Os diversos projetos de arte desenvolvidos nas escolas o
resultados da necessidade de contemplar as propostas dos PCNs, estabelecendo
uma inter-relação entre os códigos culturais dos diferentes grupos e atentos à
pluralidade dos aspectos culturais do contexto escolar, buscam situar a arte como
fenômeno da cultura humana que difere de um grupo cultural para outro.
Delineado o quadro e partindo do princípio de que arte é conhecimento, de
que arte é uma “linguagem aguçadora dos sentidos”, é possível reafirmar a
questão proposta por essa pesquisa que tem como objetivo compreender as
concepções e práticas de professores de artes visuais na escola.
3.2 - A Formação dos Professores de Arte
Para abordar o trabalho de professores de Arte, é necessário entender os
modos pelos quais se aprende arte, visto que muito daquilo que se ensina é
reflexo de vivências pessoais e acadêmicas. Envolve valorizar o profissional,
apostar no seu potencial inventivo, conhecer e debater sobre a sua formação e
atuação. Portanto, procuro encaminhar esta dissertação no sentido de que
possamos compreender o professor de arte, desvelando o sentido e a função do
seu próprio trabalho.
Considero que o Ensino de Arte seja modelado pelo mundo da arte em seu
contexto mais amplo, constituindo-se como um reflexo dos valores do mundo da
arte. Acredito que existe uma ligação entre o que reconhecemos como arte e as
maneiras de ensiná-la. Nas últimas décadas as produções artísticas
contemporâneas, as novas tecnologias e as discussões em torno do Ensino de
Arte levaram a mudanças nas formas de ensinar essa disciplina.
Como diz Wilson (in Barbosa, 2005a): “se quisermos saber o futuro do
ensino da arte, a bola de cristal que devemos consultar é o mundo da arte
contemporânea”(p.90). E qual é o delineamento do Ensino de Arte na atualidade?
O perfil do Ensino de Arte hoje está intimamente ligado ao desenvolvimento
cognitivo e a todas as operações envolvidas na cognição. E quais seriam os
métodos adotados pelo professor de Arte para conseguir o desenvolvimento
cognitivo do aluno?
Para responder a tal questão, é importante destacar que muito se vem
discutindo sobre a questão da função exercida pelo Ensino de Arte nas escolas.
Em 1989, organizou-se, em São Paulo, o III Simpósio Internacional de Ensino da
Arte e sua História. Professores e pesquisadores brasileiros e estrangeiros
discutiram uma concepção de Ensino de Arte baseado na epistemologia da arte e
no modo como se aprende arte, a metodologia do DBAE discipline-based art-
education, ou seja, Arte/Educação como disciplina. Nessa metodologia estavam
incluídas quatro disciplinas ou áreas distintas: 1) produção artística, 2) história da
arte, 3) crítica de arte e 4) estética. Esse método faz parte do projeto Getty Center
for Education in the Arts, Fundação Getty para Educação em Arte, criado para
pesquisar as causas do fraco desempenho do ensino da arte nas escolas
americanas” (Osinski, 2001, p.106).
Dados de pesquisas realizadas no início da década de 1990 apontavam
para o fato de que “a concepção do Ensino de Arte como expressão pessoal por
meio do fazer artístico e para o desenvolvimento da criatividade e da
autoliberação” (Biasoli 1994, p.28-68) ainda eram os objetivos principais dos
professores de Arte.
Porém, a Abordagem Triangular elaborada por Barbosa (1991) vem
interferindo significativamente na qualidade do trabalho desenvolvido pelos
profissionais de Ensino de Arte. A proposta metodológica da autora promove a
fusão da crítica de arte e estética, defendida pela DBAE, num outro elemento
educativo, a leitura da obra de arte. Portanto, a abordagem triangular apresenta
três vértices metodológicos: 1) História da arte (ou contextualização); 2) Fazer
Artístico (ou produção) e 3) Leitura da Obra de Arte (ou apreciar). Nas palavras de
Barbosa (1991):
Um currículo que interligasse o fazer artístico, a história da arte
e a análise da obra de arte estaria se organizando de maneira que
a criança, suas necessidades, seus interesses e seu
desenvolvimento estariam sendo respeitados e, ao mesmo tempo,
estaria sendo respeitada a matéria a ser aprendida, seus valores,
sua estrutura e suas contribuições específicas para a cultura. (p.35)
Dessa forma, uma nova concepção estava surgindo no Ensino de Arte, no
Brasil dos anos 1990, incluindo conceitos ligados à cognição, à construção do
pensamento a partir da imagem: “Como a matemática, a história e as ciências, a
arte tem um domínio, uma linguagem e uma história”(Barbosa, 1991, p.6).
Ensinar arte envolve trabalhar a criação (produção/fazer), a leitura da obra
de arte (apreciação) e a contextualização, vértices do triangulo proposto por
Barbosa a partir das condições estéticas e culturais da contemporaneidade. Hoje
essa forma triangular vem sendo transformada, por professores e pesquisadores,
em um verdadeiro zig-zag
11
:
11
T
exto publicado em Diálogos e Reflexões:Mary Vieira. SP:Centro Cultural do Banco do Brasil ,
2005.
Hoje a metáfora do triângulo não corresponde mais à sua
estrutura. Nos parece mais adequado representá-la pela figura do
zig-zag, pois os professores nos têm ensinado o valor da
contextualização tanto para o fazer como para o ver. O processo
pode tomar diferentes caminhos: /Contextualizar\ Fazer/
Contextualizar\ Ver ou Ver/Contextualizar\fazer/contextualizar\ ou
ainda Fazer/ Contextualizar\ Ver/ Contextualizar\.
O fazer sempre esteve presente nas aulas de arte, porém o que se deve
questionar são os processos de criação desenvolvidos nessas aulas. Na
abordagem triangular, o fazer (produção,criação) não acontece sozinho, ele vem
acompanhado do apreciar e do contextualizar. A produção artística ajuda o aluno
a pensar de forma inteligente sobre as imagens visuais. Suas criações podem
conter força expressiva, coerência, inventividade. O domínio da técnica irá facilitar
as possibilidades expressivas do aluno e estimular novas criações.
Observo que, quando os alunos dizem não saber fazer, estão se referindo
ao fazer estereotipado e não ao fazer que envolve sentir e perceber o mundo e os
elementos que o compõem. O professor de Arte tem a possibilidade de capacitar
alunos para reproduzirem estereótipos ou estimular-lhe a criação, a leitura e a
fruição.
O apreciar e o contextualizar acabam levando os professores de Arte a
proporem releituras. Ana Amália Tavares Bastos Barbosa (in Barbosa,2005a)
possui uma boa definição para a prática da releitura:
O que quer dizer releitura? Reler, ler novamente, dar novo
significado, reinterpretar, pensar mais uma vez...É olhar o mundo a
nosso redor e criar a partir de tantas coisas que vemos no mundo, na
arte, na TV... enfim tudo aquilo que nossa retina registra pode ser
usado”(p.145)
Na releitura o que importa é apropriar-se da maneira como os artistas
realizam seu trabalho, apoderar-se dos elementos visuais contidos na
composição e a partir daí criar seus próprios trabalhos. Dar aos alunos elementos
para que possam conhecer arte, para que possam criticar e escolher aquilo que
vão ver na TV, no cinema, nas ruas, nos sites, este é um objetivo que pode ser
alcançado através da releitura. Entretanto, a prática de muitos professores tem
sido de solicitar aos alunos para, simplesmente, copiarem o que vêem. Reduzindo
o trabalho de releitura a cópia, os professores estão inviabilizando as
possibilidades de criação, de estabelecerem relações com outros artistas. Utilizar
elementos, cores, estilos, faz parte da interação entre o aluno e a obra
apresentada. Ao proceder à releitura o aluno imprimirá novo significado ao
trabalho, apoiado no artista observado.
A leitura de imagens na atualidade é vista como apreciação, como uma
interpretação cultural, uma leitura do mundo e de nós mesmos. Esse vértice do
triângulo será analisado de forma mais ampla nesta dissertação, na medida em
que o trabalho de pesquisa demonstrou uma necessidade maior de se exercer
uma educação para o olhar.
A tendência contemporânea de Ensino de Arte coloca a necessidade da
leitura de imagens em sala de aula. A leitura é aqui entendida não apenas como
contemplação, abrangendo, antes, uma função de interpretação, considerando a
obra de arte como texto. Esse entendimento será aprofundado nos diálogos
estabelecidos com os postulados de Bakhtin que serão discutidos,
posteriormente, neste capítulo. É importante salientar, entretanto, que este
trabalho pretende, não tratar profundamente a questão da leitura de imagens,
mas sim salientar alguns pontos que tornarão visível o trabalho do professor de
Arte no escopo desse vértice da abordagem triangular.
O primeiro ponto a saber é como o professor de Arte está sendo preparado
para fazer leitura de imagens e, conseqüentemente, como isso irá refletir em sua
prática na escola.
Percebo que, no curso de Arte, raramente são ofertadas disciplinas, com a
finalidade de introduzir os licenciandos em processos de leitura de imagens. Isso
dificulta as possibilidades de utilização e de entendimento do processo de leitura
que podem e devem ser realizados na sala de aula.
Um segundo ponto a ser analisado refere-se ao modo como as leituras são
feitas em sala de aula. Em relação a essa leitura, a semiótica oferece uma analise
da produção e apreensão de sentidos em textos diversos que podem fornecer
subsídios para a interpretação de imagens no campo das artes e da educação.
A semiótica busca descrever e analisar o que diz o texto e como esse
enunciado acontece. São analisadas as qualidades sensíveis da imagem, cores,
formas e conteúdos expressos pelo texto. O professor poderá fazer uso desses
recursos para desenvolver no aluno um olhar sensível e critico em relação às
imagens, ao mundo ou a si mesmo.
Quando os alunos interpretam o que vêem, estão revelando os contextos
por eles vivenciados, portanto o professor de Arte não deve impor sua
interpretação. A compreensão estabelecida faz parte de uma construção social,
gerada pelo contexto cultural do aluno. Assim, podemos ler obras de arte como
expressões da generalidade humana, que são atuais em qualquer tempo e
também podemos ler imagens efêmeras, produtos da mídia contemporânea, que
são direcionadas à movimentação da engrenagem do consumo capitalista.
Analisadas sob essa perspectiva as imagens fazem-nos compreender o
homem como ser social, não apenas na sua condição de gênero, raça ou nação,
mas em sua heterogeneidade cultural, como transformador do mundo e produtor
de novas realidades.
Como contextualizar e ler imagens são vértices muito próximos, não raro
se confundem nas interpretações feitas pelos professores. Contextualizar é
analisar a cultura circundante, o contexto, o campo de referências do artista e do
aluno. A contextualização ajuda o aluno a conhecer um pouco do tempo e do
lugar onde a obra se . A análise do contexto pode ser feita pela via histórica,
social, política, cultural, etc, sempre que possível fazendo paralelos com as
questões surgidas na contemporaneidade.
Para que aluno e professor possam fazer leituras, é preciso inseri-las num
contexto. Para educar é necessário estar atento ao contexto do aluno. Nesse
sentido, podemos citar Freire (1982):
Ler é adentrar nos textos, compreendendo-os na sua relação
dialética com seus contextos. O contexto do escritor e o contexto do
leitor. Ao ler eu preciso estar informando-me do contexto social,
político, ideológico, histórico do autor. Eu tenho de situar o autor num
determinado tempo.(p. 4-5)
Assim algumas questões se nos afiguram: Como acontece a preparação do
professor para lidar com essas novas concepções de ensino da Arte? E os
profissionais que já estão trabalhando? Será que estão renovando seus modos de
ensinar Arte?
Observa-se que a prática da disciplina Arte, muitas vezes, está
desvinculada de uma teoria, de uma história, contradizendo ao perfil exposto
acima e provocando desconfianças de outras esferas da educação. Uma arte
descontextualizada, baseada no fazer artístico. Uma possível causa para esse
descompasso entre o que se define como Ensino de Arte e a prática no “chão da
escola” é que nem todos os que estão trabalhando arte na escola são formados
em Arte e, mesmo os que são formados, carregam consigo falhas na formação.
A estrutura do curso de Arte, muitas vezes, está centrada no domínio da
técnica, o que leva os alunos da licenciatura, ao chegarem à Prática de Ensino, a
enfatizarem o fazer artístico envolvendo cnicas de pintura, mosaico, cerâmica,...
e à utilização de instrumentos para a execução dos trabalhos artísticos, como
ilustração e não como campo de conhecimento.
Em relação ao fato de as aulas de Arte estarem sendo ministradas por
professores de outras áreas, alega-se que não professores formados em Arte
em número suficiente para atender às necessidades das escolas, principalmente
nas séries iniciais, resultando num ensino de pouca qualidade, assumido por
pessoas que têm “boa vontade” e pouco conhecimento de Ensino de Arte, o que é
extremamente desastroso, pois as séries iniciais e educação infantil são os
períodos mais propícios para o estimulo à criação e ao desenvolvimento do
gráfico como expressão. Sobre esse fato, Martins (1998) irá dizer:
De fato, uma série de desvios vem comprometendo o ensino de
arte. Ainda é comum as aulas de arte serem confundidas com lazer,
terapia, descanso das aulas “sérias”, o momento para fazer a decoração
da escola, as festas, comemorar determinada data cívica, preencher
desenhos mimeografados, fazer o presente do Dia dos Pais, pintar o
coelho da Páscoa e a árvore de Natal. Memorizam-se algumas
“musiquinhas” para fixar conteúdos de ciências, faz-se “teatrinho” para
entender os conteúdos de história e “desenhinhos” para aprender a
contar. (p.12)
Percebe-se que é fundamental que o professor que atua com crianças
pequenas tenha um conhecimento maior sobre arte, mesmo que na escola exista
o professor especialista. A escola cobra o “trabalhinho” do professor de Arte,
espera dele atitudes como as descritas por Martins e, muitas vezes, o professor
que se nega a realizar esse tipo de trabalho não é compreendido pela
comunidade escolar.
Nesse contexto, o professor de Arte precisa desmistificar os conceitos e
pré-conceitos sobre a arte e seu ensino, na tentativa de mudar a visão de senso
comum arraigada na escola. Isso envolve perceber uma arte que o está
descontextualizada do mundo e de seus saberes. Como o professor é um agente
de formação cultural, um construtor de relações entre arte e vida, o trabalho
desse profissional envolve desenvolver na criança e no adolescente a capacidade
de desvelar o que está contido na obra de arte, interagindo através da leitura,
decodificando a gramática visual, transportando seus significados para o mundo
real através da expressão.
Sem dúvida, é fundamental que o professor conquiste um conhecimento
que o faça sentir-se seguro frente ao conteúdo a ser trabalhado, uma vez que
esse conhecimento deve ser subsídio para o desenvolvimento das percepções,
interpretações e reflexões sobre o objeto artístico. Nesse sentido a formação
continuada é a melhor maneira de se manter atualizado e consciente de suas
atribuições, pois a arte está em constante mutação. Entretanto, faz-se necessário
ressaltar que o fato de se sentir seguro não significa que o professor seja capaz
de esgotar o assunto. Quando se trata de arte, isso é impossível, até porque as
interpretações a respeito do objeto artístico são pessoais, impossibilitando ao
professor abranger todas as interpretações possíveis.
Na escola, podemos perceber que alguns significados são melhor
expressos através de imagens visuais ou por trabalhos que envolvam movimento
corporal, por exemplo. Aquilo que não podemos articular em palavras podem ser
expressos pela arte. Como diz Eisner (2005b): “A arte nos ajuda a conhecer o que
não podemos articular. À medida que as escolas queiram auxiliar os estudantes a
conhecer, as artes tornam-se recursos educacionais potentes”(p.92).
Dessa feita, afigura-se a importância de a proposta de ensino balizar-se em
uma abordagem sócio-histórica, através da qual as práticas realizadas nos
permitirão desvelar os processos implícitos nas obras de arte. É o que procuro
apresentar ao longo deste estudo.
3.3 - Arte: uma linguagem carregada de sentidos
Encontrei parceria nas idéias de Vygotsky e, através de um
aprofundamento em suas obras, foi possível encontrar uma concepção de arte
comprometida e engajada com sua visão sócio-histórica do desenvolvimento do
ser humano. O autor a arte como um produto do social. Considero importante
ressaltar que foi por intermédio da arte que Vygotsky chegou à psicologia:
A Literatura e a Arte sempre foram a sua paixão e a elas se
dedicou teórica e praticamente. Foi diretor de teatro, fundou uma
revista dedicada à crítica e à Literatura de vanguarda e participava
de círculos literários. Os trabalhos que empreendeu na primeira
metade dos anos vinte relacionavam-se a temas de Estética,
Crítica e Teoria da Literatura. Aos 19 anos, começou a escrever um
artigo sobre Hamlet, notável por sua criatividade e sutileza crítica.
Esse artigo foi incluído no livro que resume suas investigações dos
anos de 1915 a 1922 no terreno artístico: Psicologia da arte. O
ponto chave desse livro é o que faz uma obra de arte ser artística?
(Freitas,1995,p.75)
Os conceitos definidos por Vygotsky, em sua tese de doutorado Psicologia
da Arte, são conceitos do mundo da arte e não especificamente da arte no
processo educativo. Contudo, suas idéias são extremamente coerentes e podem
ser relacionadas a outros textos escritos pelo autor especificamente voltados para
a educação estética. Em sua tese, o autor faz uma análise das teorias
psicológicas relativas à arte de sua época.
Vygotsky determina três teorias de arte sujeitas a um exame crítico. A
primeira delas é uma teoria puramente intelectual, que a arte como
conhecimento. O ponto principal dessa teoria baseia-se no fato de que os
mesmos elementos encontrados na palavra são encontrados, também, na obra de
arte:
Verifica-se, pois que a poesia ou a arte são modos específicos de
pensamento, que acabam acarretando o mesmo que o
conhecimento científico acarreta, que o faz por outras vias. A
arte difere da ciência apenas pelo seu método, ou seja, pelo modo
de vivenciar, vale dizer, psicologicamente. (Vygotsky, 1999, p.34)
Para fazer uma contraposição à teoria intelectual, surge outra teoria
psicológica, uma teoria que vê a arte como procedimento. Seus teóricos tentam
centralizar a forma artística pura independentemente de qualquer conteúdo. A
composição ou construção do material é considerada procedimento em arte,
subentendendo por forma toda disposição artística do material pronto, feita com a
finalidade de causar um determinado efeito estético.
Sobre esse mesmo aspecto, Vygotsky irá afirmar que a seleção do material
para a construção, a escolha do tema e o conteúdo tratado, ou seja, a estrutura
da obra de arte não é indiferente em termos de efeito psicológico do todo da obra.
Segundo a corrente formalista, os elementos citados anteriormente não
desempenhariam nenhum papel na obra de arte, baseando-se apenas nas
propriedades externas da obra. Diz Vygotsky (1999): “De fato, o princípio básico
do formalismo mostrou-se totalmente incapaz de revelar e explicar o conteúdo
psicossocial historicamente mutatório da arte e a escolha do tema, do conteúdo
ou do material condicionado àquele conteúdo” (p.79).
A terceira teoria, analisada e criticada por Vygotsky, é aquela que fala da
relação entre a arte e a psicanálise. As duas teorias psicológicas da arte
examinadas mostraram que, enquanto nos limitarmos à análise dos processos
que ocorrem na consciência, dificilmente será encontrada a resposta para as
questões fundamentais da psicologia da arte. As causas do efeito artístico estão
ocultas no inconsciente e, penetrando nele, conseguiremos estudar os problemas
da arte.
Dois equívocos acometem essa teoria, o desejo de reduzir, a qualquer
custo, todas as manifestações do psiquismo humano à mera atração sexual e o
de desconsiderarem os momentos conscientes no ato de vivenciar a arte,
apagando, dessa forma, o limite entre a arte como atividade carregada de sentido
e a formação sem sentido da neurose e dos sonhos.
A esse respeito afirma Vygotsky (1999) que:
abandonando integralmente a psicologia social e fechando os
olhos à realidade pode-se ter a ousadia de afirmar que o escritor,
em sua criação, visa exclusivamente a conflitos inconscientes, que
o autor em sua obra não cumpre nenhuma tarefa social consciente
(p.96).
Após essas considerações sobre as teorias psicológicas da arte, considero
importante ressaltar um outro capítulo onde o autor faz análises sobre a arte
como catarse. O autor esclarece que a teoria da arte depende do ponto de vista
que se estabeleceu nas teorias da percepção, do sentimento e da imaginação.
A teoria da percepção que desempenha um papel quase que auxiliar, contém
uma visão ingênua de que a arte é apenas “alegria proporcionada por coisas
belas”. O autor afirma que o imbricamento entre os outros dois campos,
sentimento e imaginação, é que nos dará a correta compreensão da psicologia da
arte.
O sentimento que surge a partir do contato com a arte é complexo e exige
grande esforço daquele que procura relacionar-se com ela. Vygotsky (1999) irá
procurar na literatura exemplos para mostrar esse emaranhado de idéias sobre o
sentimento e suas funções. Diz ele:
Veremos que o poeta, ao contrário, recorre ao dispêndio
extremamente não econômico das nossas forças quando dificulta
artificialmente o desenrolar da ação, excita a nossa curiosidade, joga
com nossas conjecturas, leva-nos a desdobrar a nossa atenção, etc
(1999, p.256).
Portanto, é possível concluir que sentimento e fantasia não são dois
processos separados. A fantasia é a base dos jogos infantis, das emoções que
sentimos ao ver uma cena no cinema, ou seja, da ilusão estética causada pela
obra de arte. As vivências podem ser fantásticas e irreais, porém as emoções
suscitadas por elas são absolutamente reais. A respeito desse aspecto Eisner
(2005b) aponta que:
A gramática da arte é o meio pelo qual experimentamos os
significados que as obras destes artistas possibilitam. As obras de
arte falam o inefável, cultivam a sensibilidade, para que o sutil
possa ser visto, o secreto desvelado. Em resumo, a arte nos ajuda
a conhecer o que não podemos articular. À medida que as escolas
queiram auxiliar os estudantes a conhecer, as artes tornam-se
recursos educacionais potentes. O desenvolvimento da mente e a
introspecção são duas contribuições importantes da arte, mas onde
está a mágica? Nenhuma análise da arte ou justificativa de seu
papel seria adequada se negligenciasse os prazeres da arte em si.
A arte tem a capacidade mágica de mandar-nos à lua.
12
(p.92)
O termo “gramática”, segundo o dicionário, significa o sistema dos fatos de
uma língua, ou ainda, o complexo dos princípios que regem uma arte ou ciência.
O conhecimento em arte implica o estudo e a utilização desses princípios. Eisner
irá afirmar que um programa de Ensino de Arte consegue cumprir sua missão
contemplando tanto estrutura quanto mágica.
Para Vygotsky (1999), o verdadeiro sentimento causado pela obra de arte é
a catarse. Afirma que: “da fábula à tragédia a lei da reação estética é uma só:
encerra em si a emoção que se desenvolve em dois sentidos opostos e encontra
sua destruição no ponto culminante, como uma espécie de curto-circuito” (p.270).
Assim, a arte estabelece um domínio do conteúdo através da forma, ponto onde
ela atinge seu triunfo.
Vygotsky (1999) faz uma definição de obra de arte na qual demonstra o
triunfo do homem sobre o material escolhido para a construção da obra de arte.
Em suas palavras:
É essa máquina mais pesada que o ar que lembra uma obra de
arte. Ela escolhe como material sempre a matéria mais pesada
que o ar, (...) esse peso do material está sempre contrariando o
vôo, sendo sempre arrastada para baixo, e a partir da
superação dessa oposição que surge o verdadeiro vôo (p.287).
Observo esse fato, quando os alunos realizam seus trabalhos gráficos. O
aluno experimenta essa sensação de triunfo quando consegue desenhar num
espaço bidimensional e causar a sensação de estarmos diante de um objeto
tridimensional. É exatamente nesse jogo de linhas na superfície do papel que
consiste a peculiaridade do gráfico como arte. A escultura e a arquitetura nos
mostram também a oposição entre o material e a forma. Na escultura, o artista
procura em materiais como o metal e o mármore a representação do corpo
humano ou dos animais, justamente em materiais que parecem menos
12
Trecho do texto publicado no Journal of Art & Design Education, Londres, 1988, v. 7, nº.2. Tradução
Fundação Iochpe e que consta do livro Arte-Educação: leitura no subsolo, organizado por Barbosa, ed.
Cortez, 2005.
adequados para esculpi-los. Através desses exemplos, a lei da catarse se
confirma e se torna clara.
Vygotsky conclui seu trabalho, no livro Psicologia da Arte, com uma relação
entre arte e vida. Inicia procurando fazer uma ligação da reação estética com o
significado da arte no sistema geral do comportamento humano. Lembra que seria
desolador se a arte tivesse a finalidade de contagiar as pessoas através da
expressão de sentimentos alegres, animados, de dor, de medo etc. A natureza da
arte implica transformação, supera o sentimento comum:
A arte está para a vida como o vinho está para a uva disse um
pensador, e está coberto de razão, ao indicar assim que a arte
recolhe da vida o seu material mas produz acima desse material
algo que ainda não está nas propriedades desse material.(1998,
p.307,308)
A partir dessa análise geral das funções exercidas pela arte postuladas por
Vygotsky (1999), passaremos a refletir sobre a importância dada a ela, por esse
autor, no processo educativo. “Tudo que a arte realiza, ela o faz no nosso corpo e
através dele, (...) desde a remota Antiguidade, a arte tem sido um meio e um
recurso da educação” (p.320,321).
O autor, em seu livro Psicologia Pedagógica, expõe que algumas
concepções estabelecem que o sentido da estética está na distração e na
satisfação. Quando enxergam o sentido sério da emoção estética, ela,
normalmente, é utilizada como meio para atingir resultados pedagógicos
estranhos à estética. Diz Vygotsky (2004): “Essa estética a serviço da pedagogia
sempre cumpre funções alheias e, segundo os pedagogos, deve servir de via e
recurso para educar o conhecimento, o sentimento ou a vontade moral”.(p.324)
Tourinho
13
, em seu texto Transformações no ensino da Arte: algumas
questões para uma reflexão conjunta, reúne alguns argumentos que, ao contrário
de defender o Ensino de Arte na escola, acabam escamoteando funções como o
conhecimento e a mágica:
13
Texto que faz parte do livro Inquietações e Mudanças organizado por Ana Mae Barbosa,
publicado em 2002
Dentre os mais conhecidos destes argumentos para a defesa do
ensino de Arte na escola não desprezíveis, porém, nem sempre
educacional e artisticamente sustentáveis encontramos: 1.
aprendizagem da Arte para o desenvolvimento moral, da
sensibilidade e da criatividade do indivíduo; 2. ensino da Arte como
forma de recreação, de lazer e de divertimento; 3. Arte-Educação
como artifício para a ornamentação da escola e como veículo para
a animação de celebrações cívicas ou familiares naquele ambiente;
4. Arte como apoio da aprendizagem e memorização de conteúdos
de outras disciplinas, e, finalmente; 5. Arte como benefício ou
compensação oferecida para acalmar, resignar e descansar os
alunos das disciplinas consideradas “sérias”, importantes e difíceis
(p.31).
A autora expõe que, embora tais argumentos tragam possibilidades
educativas próprias da arte, não produzem uma fundamentação sólida para seu
ensino.
Essa descaracterização do Ensino de Arte faz parte dos questionamentos
de Vygotsky. O autor critica uma literatura infantil falsa e de estilo artístico
grotesco. Ressalta que eram retirados da obra de arte os seus elementos não
artísticos, usando a obra como pretexto para fazer suposições acerca de algumas
regras morais, perdendo seu valor autônomo. A obra de arte passava a ser “uma
espécie de ilustração para uma tese moral de cunho geral” (2004, p.328). Dessa
forma não se impossibilita a construção de hábitos e habilidades estéticas,
além de se desviar a atenção do aluno da própria obra para o seu sentido moral,
criando uma aversão estética pela literatura clássica.
Percebo que o professor de Arte deve estar atento ao fato de que os
trabalhos artísticos possuem uma estrutura e um conteúdo que não podem ser
camuflados. Aceitar e admitir que a educação estética servirá como meio de
ampliação de conhecimento dos alunos não implica substituir o estudo dos fatos e
leis estéticas pelo estudo dos elementos sociais contidos nas obras de arte. Sobre
esse aspecto diz Vygotsky (2004):
a obra de arte nunca reflete a realidade em toda a sua plenitude e
verdade real mas é um produto sumamente complexo da elaboração
dos elementos da realidade, de incorporação a essa realidade de uma
série de elementos inteiramente estranhos a ela (p.329).
Desse modo, percebe-se que a literatura é encarada, muitas vezes, como
uma cópia da realidade, e muitos fatos, traços individuais e específicos são
obscurecidos. A realidade da arte não coincide com a realidade vivida, que
aparece na arte modificada, transformada por sentidos intransferíveis para a vida.
O último equívoco discutido por Vygotsky (2004) é quando a pedagogia
tradicional “reduz a estética ao sentimento do agradável, ao prazer pela obra de
arte e vê nela um objetivo em si, noutros termos, reduz todo o sentido das
emoções estéticas ao sentimento imediato de prazer e alegria que elas suscitam
na criança” (p.331). Como resultado dessa visão torpe da arte, a escola deixa
escapar o verdadeiro significado do Ensino de Arte, obtendo resultados contrários
aos esperados.
Portanto, o professor de Arte deve procurar contemplar conhecimento,
estrutura e mágica, não deixando que a Arte se transforme em suporte para as
outras disciplinas.
Considero importante ressaltar um outro aspecto analisado pelo autor que
está relacionado à vivência com a arte. A vivência artística é uma das categorias
que serão analisadas no capítulo dedicado à análise dos dados desta dissertação.
Compartilho das idéias de Vygotsky de que a vivência estética não é passiva, o
contemplador é estimulado a elaborar uma resposta. O autor comenta que um
quadro não representa um pedaço de pano quadrangular com tinta aplicada sobre
ele e que quem o observa interpreta esse pano e essas tintas como a
representação de pessoas, coisas ou animais. Esse trabalho de transformação do
tecido pintado é um trabalho realizado pelo psiquismo do receptor. Diz Vygotsky
(2004):
Uma obra de arte vivenciada pode efetivamente ampliar a
nossa concepção de algum campo de fenômenos, levar-nos a ver
esse campo com novos olhos, a generalizar e unificar fatos amiúde
inteiramente dispersos. É que, como qualquer vivência intensa, a
vivência estética cria uma atitude muito sensível para os atos
posteriores e, evidentemente, nunca passa sem deixar vestígios
para nosso comportamento (p.342).
Portanto, é possível afirmar que encontramos uma fonte de prazer pela
catarse provocada pela obra de arte, sendo esse seu objetivo final. Colocar-se
acima do feio no riso, vivenciar a tragédia para poder superá-la, enfim, a arte seria
uma atividade extremamente complexa de luta interna que se conclui na catarse.
Pude estabelecer um paralelo entre Vygotsky, neste capítulo dedicado à
Educação Estética, e a proposta triangular defendida por Barbosa. As tarefas
descritas pelo autor: educar a criação infantil, ensinar às crianças habilidades
técnicas da arte e educar nas crianças o juízo estético podem ser contempladas
na proposta triangular de contextualizar (história da arte), o produzir (fazer
artístico) e apreciar (leitura da obra de arte).
Diz Vygotsky que o desenho infantil ensina ascensão ao psiquismo,
esclarecendo que a criança aprende, através do desenho, a dominar suas
vivências, vencê-las e superá-las. A criação infantil tem suas peculiaridades e sua
originalidade que devem ser aceitas e respeitadas pelo adulto, exigências básicas
da psicologia.
O que determina os caminhos da Educação Estética o os mesmos
caminhos traçados pelo sistema geral, visam incluir a criança numa rede mais
ampla possível da vida, ampliando o contato entre o psiquismo e as esferas mais
amplas da experiência social. Nas palavras do autor:
A humanidade acumulou na arte uma experiência tão
grandiosa e excepcional que qualquer experiência de criação
doméstica e de conquistas pessoais parece ínfima e mísera em
comparação com ela. Por isso, quando se fala de educação
estética no sistema da educação geral deve-se sempre ter em vista
essa incorporação da criança à experiência estética da sociedade
humana: incorporá-la inteiramente à arte monumental e através
dela incluir o psiquismo da criança naquele trabalho geral e
universal que a sociedade humana desenvolveu ao longo dos
milênios, sublimando na arte o seu psiquismo. Eis a tarefa básica e
o objetivo... Aqui reside a chave para a tarefa mais importante da
educação estética: introduzir a educação estética na própria vida
(Vygotsky, 2004, p.351,352).
Nesse contexto, a arte não é uma coisa rara e fútil e, sim, uma exigência
do dia-a-dia. O que devemos levar em conta é uma arte que tem como regra o
o adornamento da vida, mas a elaboração criadora da realidade. A tarefa do
Ensino da Arte é desenvolver e preservar as potencialidades criadoras do ser
humano. Diz Vygotsky (2004):
Em nenhum outro campo da psicologia essa idéia
encontra confirmação tão nítida quanto na arte. A possibilidade
criadora para que cada um de nós se torne um co-participante de
Shakespeare em sua tragédia e de Beethoven em suas sinfonias é
o indicador mais nítido de que em cada um de nós existem um
Shakespeare e um Beethoven (p.363).
Vygotsky, em seu livro La Imaginacion y el Arte em la Infância, ressalta que
o processo criativo acontece com todo vigor desde a infância e o valor dessa
criação está, justamente, onde o ser humano imagina, combina, modifica e cria
algo novo, mesmo que pareça pequeno em comparação à criação dos grandes
gênios.
Desse modo, os professores de Arte e os professores que trabalham com
alunos de ries iniciais e educação infantil deveriam ter mais informações sobre
o processo criativo da criança, evitando muitos dos erros cometidos na escola.
Saber da importância do entrelaçamento da fantasia com a realidade é
fundamental na aprendizagem. Na prática esse entrelaçamento acontece quando,
por exemplo, numa aula de Geografia, o professor comenta sobre os vulcões e a
criança consegue visualizar mentalmente o fenômeno. Quando somos capazes
de imaginar apenas baseados em relatos e descrições sobre fatos ou lugares,
sem ter experimentado pessoalmente ou se deslocado até o local acontecido, é
nossa imaginação quem nos ajuda a entender essa experiência.
Quanto mais a criança vê, ouve e experimenta, quanto mais elementos
reais ela dispõe, mais produtiva será a sua atividade criadora. Nesse sentido, a
fantasia não se contrapõe à memória, apóia-se nela para obter novas
combinações.
A reciprocidade entre a imaginação e a emoção retoma e confirma as
reflexões a respeito das emoções reais que sentimos ao ver um filme ou ao ler um
livro e que, na verdade, são frutos da imaginação.
É importante ressaltar que a base de toda ação criadora reside sempre na
inadaptação, nas fontes de necessidades e desejos do homem. Esses fatos
servem de impulso para criar: Diz Vygotsky(1987): “Todo inventor, por genial que
sea, es simpre producto de su época y de su ambiente”(p.37). Assim, afirma que
a atividade da imaginação criadora não pode ser idêntica em crianças, jovens e
adultos.
Observa-se que o adolescente perde a afeição pelo desenho, passando a
fazer severas críticas a sua produção gráfica. Dois tipos de imaginação surgem
nesse período: plástica (exterior) e emocional (interior).
La imaginación plástica emplea preferentemente impresiones
exteriores, construye con elementos tomados del exterior, lo emocional,
por el contrario, construye con elementos tomados de adentro. Podemos
designar a una objetiva y subjetiva a la otra (1987, p.45).
Uma última questão dentro da temática da imaginação em crianças e
jovens que considero importante destacar é a questão da vinculação da criação
ao talento. Se considerarmos que a criação consiste em fazer algo novo,
poderemos chegar à conclusão de que, em maior ou menor grau, todos podemos
criar e que a criação acompanha normalmente o desenvolvimento infantil.
Conhecer as etapas de desenvolvimento do desenho na criança é
fundamental na formação do professor de Artes Visuais. As crianças têm um
interesse natural pelo desenho, que permite a expressão de desejos e
inquietações. Esse interesse diminui à medida que a criança cresce, e passa a
ser substituído pela arte literária. A literatura é, portanto, a arte típica da idade
escolar e o desenho é um modo de expressão típico da idade pré-escolar.
Para despertar as reações criadoras de crianças e jovens, é necessário
determinar tarefas ou temas, proporcionando o domínio de técnicas e diversas
impressões musicais, pictóricas, tiradas da realidade.
Vygotsky (1987) conclui, ressaltando a importância de estimular a criação
artística na idade escolar:
El hombre habrá de conquistar su futuro con ayuda de su
imaginación creadora; orientar en el mañana, una conducta basada en el
futuro y partiendo de ese futuro, es función básica de la imaginación y,
por lo tanto, el principio educativo de la labor pedagógica consistirá en
dirigir la conducta del escolar en la línea de prepararle para el porvenir,
ya que el desarrollo y el ejercicio de su imaginación es una de las
principales fuerzas en el proceso del logro de este fin. (p.108)
Concluo, provisoriamente, esse diálogo com os textos de Vygotsky a
respeito da arte, tendo a certeza de não estar esgotando todas as possibilidades
de análise, muito pelo contrário. Reafirma-se a pertinência de alimentar
discussões e criar grupos de estudos e pesquisas com educadores que estejam
dispostos a repensar suas práticas, conhecer teorias e mudar os rumos da
educação estética.
Sem dúvida, a arte é uma linguagem ubíqua, produto da criatividade
humana, que transmite uma visão de mundo, permitindo interpretações, leituras e
diferentes formas de ver e conceber a vida. Vygotsky amplia os vínculos entre
arte e educação, mostrando-nos caminhos, pontes para novas descobertas.
Entender a arte como “uma linguagem aguçadora dos sentidos” irá nos
levar a diálogos com outro autor, Bakhtin. Como Bakhtin é um filósofo da
linguagem, a amplitude de relações que podemos estabelecer a partir de sua obra
nesse contexto é extremamente rica e extensa. Reforçando esse conceito de arte,
podemos citar: “O que distingue essencialmente a criação artística das outras
modalidades de conhecimento humano é a qualidade de comunicação entre os
seres humanos que a obra de arte propicia, por uma utilização particular das
formas de linguagem” (PCN-Arte, v.6, p.37).
Penso ser importante expor neste trabalho alguns dos muitos motivos que
me levaram a estabelecer um diálogo sobre a arte com Bakhtin. Um diálogo que
se iniciou no Mestrado em Educação, na disciplina: Processos de Pensamento e
Linguagem, através da qual fomos sendo conduzidos a uma viagem fantástica
pelo mundo de Bakhtin, envolvidos com suas análises sobre a literatura, sobre a
linguagem e, conseqüentemente, sobre arte. Através de conceitos como os de
enunciação, carnavalização, polifonia e dialogismo, Bakhtin constrói uma
perspectiva nova para várias questões que envolvem a arte. Uma arte
imanentemente sociológica:
A arte, como todos os produtos da atividade humana,
nasce na e para a sociedade, portanto ela é essencialmente social.
O meio social afeta a arte, de fora, encontrando resposta direta e
intrinsecamente dentro dela. Daí que seu estudo poderá ser
efetivo a partir de uma teoria sociológica. Considerou (Bakhtin)
necessário transcender aquilo que é apenas o meio material da
comunicação artística e se concentra no objeto estético como um
sistema dinâmico de signos axiológicos, um conjunto de três
elementos: criador, contemplador e tópico (Freitas, 1995, p.142).
O pequeno texto, Arte e Responsabilidade, será o primeiro a ser analisado
nesse percurso e, provavelmente, voltará a ser objeto de estudo em outros
momentos desse diálogo. Nesse texto, Bakhtin (2003) coloca a vida e a arte lado
a lado, unidas pela responsabilidade:
Os três campos da cultura humana - a ciência, a arte e a
vida - só adquirem unidade no indivíduo que os incorpora à sua
própria unidade. Mas essa relação pode tornar-se mecânica:
temporariamente o homem sai da agitação do dia-a-dia” para a
criação como para outro mundo “de inspiração, sons doces e
orações”. O que resulta daí? A arte é de uma presunção
excessivamente atrevida, é patética demais, pois não cabe
responder pela vida que, é claro, não lhe anda no encalço. “Sim,
mas onde é que nós temos arte diz a vida -, nós temos a prosa
do dia-a-dia (p. XXXIII).
Sempre vi a arte como um reflexo do contexto histórico e cultural do ser
humano, mas de qual arte estaríamos falando? A verdadeira arte deve
comprometer-se com a vida e dela fazer parte, portanto, no ato da criação não me
desvinculo dela. Parece óbvio, mas merece atenção. Reportemo-nos, nesse
momento, à produção artística escolar e nos perguntemos: ela traduz a
responsabilidade com a vida?
Só desse pequeno texto já poderíamos iniciar uma investigação.
Caminho para outro texto, Bakhtin: A Aventura Dialógica, escrito por
Faraco. O contextualizar, vértice da Abordagem Triangular, justifica-se e se
fortalece nas análises feitas por Bakhtin em relação a temporalidade dos textos.
Aqui encontro, também, uma definição sobre o significado da palavra
compreensão que nos orienta na prática do Ensino de Arte:
a compreensão não é uma experienciação psicológica da ação dos
outros, mas uma atividade dialógica que diante de um texto gera
outro(s) texto(s). Compreender não é um ato passivo (um mero
reconhecimento), mas uma réplica ativa, uma resposta, uma
tomada de posição diante do texto que pode ocorrer na dimensão
daquilo que Bakhtin chama de pequena temporalidade (o texto em
sua realidade imediata ou contemporânea) ou na dimensão da
grande temporalidade (o texto em contextos futuros e na história da
cultura) (Faraco, 1993, p.200).
Se, ao ler essa definição, pudermos compreender a obra de arte como um
texto, se a obra de arte é linguagem e me comunico através dela, então, quando
falamos em releitura de obras, na verdade, podemos estar gerando uma nova
compreensão da obra. Na sala de aula, quando um aluno do ano de 2007 se
surpreende ao ver a obra de Leonardo da Vinci, Mona Lisa, datada de 1505, é
porque a grande temporalidade do texto ou obra causou-lhe sentimentos novos.
Diz Bakhtin (2003) em relação ao contexto de interpretação da fala: (...) o grande
tempo – o diálogo infinito e inacabável em que nenhum sentido morre (p.409).
Ainda reforçando a idéia de arte essencialmente sociológica, Bakhtin irá
contra o fetichismo da obra de arte, aspecto em que a arte está resumida a si
mesma, sendo enfatizados apenas os aspectos formais e materiais da obra. Por
outro lado, existe, também, a análise da arte limitada às experiências do criador
ou do contemplador. Bakhtin (1926) entendia que, na verdade, a arte seria a inter-
relação dessas partes: “O artístico é uma forma especial de inter-relação entre
criador e contemplador fixada em uma obra de arte” (Discurso na vida e discurso
na arte, Bakhtin/Voloshinov, p.4).
Portanto, é na interação entre esses três elementos, o autor (criador), a
obra e o contemplador, que a obra de arte se dá. O papel do sujeito não é central,
esse papel é substituído por diferentes vozes, ou seja, o dialogismo é o espaço de
interação entre o eu e o tu ou entre o eu e o outro, no texto. O centro da
interlocução é o espaço criado entre o eu e o tu, ou seja, a obra de arte. Uma
obra de arte possui em seu interior vários textos que dialogam e polemizam entre
si. Esse cruzamento de pontos de vista, através de várias vozes que dialogam, é
definido por Bakhtin como polifonia. Vem daí nosso interesse pelas imagens, visto
que existe uma variedade de idéias nelas contidas, além do fato de podermos
contribuir com outras.
O papel do enunciado na concepção bakhtiniana de linguagem é central.
Assim, para compreender a comunicação artística ou o enunciado poético,
Bakhtin faz uma análise dos enunciados cotidianos, “das falas da vida”. Em um
enunciado concreto estão presentes duas partes: uma realizada em palavras e a
outra presumida (o dito e o não dito). A parte presumida envolve os julgamentos
de valor que são refletidos na obra de arte, ou seja, o artista revela seus
presumidos em suas obras. Isso ocorre, principalmente, na literatura: “O estilo do
poeta é engendrado pelo estilo de sua fala interior, que por sua vez, é o produto
de sua vida social inteira. O fato é que nenhum ato consciente pode existir sem a
fala interior, sem palavras, entonações e avaliações” (Freitas, 1995, p.147).
Os presumidos revelados pelo artista são interpretados quando fazemos a
leitura da obra de arte. Nesse caso, também devemos nos lembrar das produções
feitas pelos alunos e que revelam seus presumidos.
Outro ponto importante nesse percurso é o conceito de Carnavalização,
como sendo a “segunda vida” do povo. Bakhtin desenvolve a questão ao
descrever as festas medievais na obra de Rabelais. Nessas festas o mundo era
colocado do avesso; leis, desigualdades sociais e hierarquias eram invertidas. As
pessoas aproximavam-se e desenvolviam novas formas de convivência.
Entender esse processo de carnavalização dentro do ambiente escolar, no
desenvolvimento de projetos é perceber a importância da ambivalência que se
instaura nas atividades realizadas pelos alunos, a cada desfile, a cada trabalho
exposto, a cada vez que meninos e meninas sobem ao palco para dançar,
teatralizar, recitar seus próprios versos. Os alunos são, nesse momento, o centro
das atenções, e não o professor. Essa inversão de lugares aos alunos um
sentimento renovador e, por que não dizer de identidade fortalecida. Esse simples
ato de inversão faz com que os alunos reformulem o mundo que os rodeia,
passando a ver a realidade sob novos prismas.
O discurso artístico, como uma manifestação que tanto pode ser plástica,
dramática, sonora, literária, ou utilizando-se de novas tecnologias, é um ponto de
vista, um recorte, um olhar angular do artista. Esse olhar revelará sua maneira de
interagir com os outros e consigo mesmo. Nesse sentido o artista, através de sua
obra, constrói um discurso que tanto pode negar como afirmar os valores vigentes
da sociedade em que vive. Transpondo essa análise para a produção escolar, em
que o aluno produz sua obra e se comunica através dela, podemos dizer que
essa ação é uma revelação do aluno, ela nos faz conhecê-lo e faz também com
que ele passe a conhecer melhor a si mesmo e ao mundo em que vive.
Para entendermos o artista e sua obra na sociedade atual, podemos citar
as palavras de Nunes (2002), na obra Introdução à Filosofia da Arte:
A criação perdeu a sua impulsividade, o seu primitivo
ímpeto emocional. O artista torna-se um tipo reflexivo, como previa
Hegel, interroga-se a si mesmo sobre o sentido e o destino de suas
próprias criações. Sente-se responsável pelo destino da Arte e
assume este destino, como risco de sua condição no mundo em
que vive. Essa consciência de responsabilidade, que se associa
com o sentido de risco, manifesta-se positiva ou negativamente,
transformando-se para uns em tarefa social ou encargo político, e
para outros em gesto de revolta e atitude de protesto. Estamos
muito distantes do artista romântico, senhor de si e da Natureza,
para quem a Arte era uma certeza incontestável. O artista do nosso
tempo põe em discussão a própria Arte. Seu modo de produzir é
polêmico: cria interrogando-se e interrogando a Arte, a qual deixou
de ser para ele uma certeza vidente guiando as suas relações com
o mundo. Agora a Arte é uma dúvida que o agita, uma interrogação
que angustia, um resultado a alcançar, algo problemático, que ele
está empenhado em possuir e conquistar e não mais um objetivo
conquistado e possuído (p.107,108).
Através da fala de Nunes, retomamos a questão da arte produzida com
responsabilidade, uma arte ligada à vida, questão debatida por Bakhtin. Tentamos
mostrar as possibilidades de diálogo entre os conceitos bakhtinianos e a arte para
ampliar nossa forma de compreendê-la. Ainda que não tenhamos nos
aprofundado nesse diálogo, são abordagens possíveis e que podem contribuir
para outras pesquisas.
Desse modo, podemos pensar novamente na questão da leitura, que
dessa vez na leitura da obra de arte e não na leitura da imagem. Pillar (2001) irá
dizer que:
Ler uma obra de arte seria, então, perceber, compreender,
interpretar a trama de cores, texturas, volumes, formas, linhas que
constituem uma imagem. Perceber objetivamente os elementos
presentes na imagem, sua temática, sua estrutura. No entanto, tal
imagem foi produzida por um sujeito num determinado contexto, numa
determinada época, segundo sua visão de mundo. E esta leitura, esta
percepção, esta compreensão, esta atribuição de significado vai ser
feita por um sujeito que tem uma história de vida, em que objetividade
e subjetividade organizam sua forma de apreensão e de apropriação
do mundo (p.15).
A leitura da obra de arte nos faz abordar um tema discutido nos grupos
focais e que permeia toda a analise dos autores trabalhados até o momento,
trata-se das relações que fazemos entre as situações reais vividas com o objeto
de leitura, ou seja, a busca por significado. Para que haja aquisição de
conhecimento é preciso que a experiência do leitor seja tocante.
Para realizar esse diálogo podemos citar uma fala de Barbosa (2005) em
que a autora faz uma análise das idéias de três grandes pensadores: John
Dewey, Paulo Freire e Elliot Eisner:
Para Dewey experiência é conhecimento, para Freire é a
consciência da experiência que podemos chamar conhecimento.
Eisner destaca da experiência do mundo empírico sua
dependência de nosso sistema sensorial biológico, que é a
extensão de nosso sistema nervoso (p.12).
A esses autores poderia acrescentar Larrosa (2004) com a sua proposta de
pensar a educação valendo-se da experiência: “A experiência é o que nos passa,
ou o que nos acontece, ou o que nos toca. Não o que passa ou o que acontece,
ou o que toca, mas o que nos passa, o que nos acontece ou o que nos toca”
(p.154). Percebe-se, portanto, a necessidade de estudar os processos de
significação como forma de atribuir sentido, tema tão bem explorado por
Vygotsky.
Assim, é tarefa do professor de Arte proporcionar experiências artísticas
significativas. O aluno que entra em contato com uma obra de arte em galerias,
museus, livros ou no atelier do artista irá desempenhar sua capacidade de
interpretação e posteriormente de criação. As leituras são muitas, pois vêm
carregadas dos presumidos do receptor.
3. 4 - Artes Visuais: construções sígnicas portadoras de significado
Buscar compreender as concepções que os professores de Arte carregam
sobre seu conteúdo, os modos pelos quais lidam com sua disciplina na escola e a
maneira como propõem trabalhos aos alunos ainda nos coloca diante de um outro
aspecto, o caráter universal da arte. Por serem as Artes Visuais uma linguagem
que se localiza na intersecção de muitas outras instâncias, podemos trabalhar a
arte integrada a outros conteúdos. Essa capacidade de mediar a aprendizagem
faz da arte um meio integrador de projetos interdisciplinares.
Em relação a projetos interdisciplinares, considero que a interdisciplinaridade
se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de
integração real das disciplinas, no interior de um projeto específico de pesquisa.
Penso que seja importante ressaltar neste estudo que, dentro da própria
disciplina, instaura-se a possibilidade de diálogo com outros saberes, ou seja, o
professor, dependendo da forma como encara o conhecimento, pode possibilitar
ao aluno um pensamento integrado e não fragmentado do conteúdo. Vejamos a
definição feita por Fazenda (1996):
A interdisciplinaridade pressupõe basicamente uma
intersubjetividade, não pretende a construção de uma superciência,
mas uma mudança de atitude frente ao problema do conhecimento,
uma substituição da concepção fragmentária para a unitária do ser
humano (p.40).
A interdisciplinaridade, portanto, busca as possibilidades de diálogos entre
conteúdos. Nesse sentido, deve haver colaboração entre as diversas disciplinas
para que o trabalho interdisciplinar aconteça.
A integração seria o modo como as disciplinas se organizam num projeto de
estudo. Esse currículo integrado é defendido por Parsons in Barbosa (2005a) que
faz uma interpretação dessa expressão:
O currículo integrado consiste, essencialmente, em ensinar para
obter significado e compreensão. Não é uma questão de programar o
dia da escola nem de usar determinados métodos de ensino, como o
método de projetos. Trata-se de ensinar e de aprender determinados
tipos de idéias com as quais nenhuma disciplina é capaz de lidar
sozinha (p.296).
O autor aponta três categorias de influências no currículo: a social, a
psicológica e a epistemológica e descreve cada uma delas. Parsons argumenta,
por exemplo, que alguns problemas sociais são grandes e que as disciplinas
isoladas não são capazes de lidar com eles. O uso de vários saberes, ao mesmo
tempo, pode ajudar na compreensão desses problemas, dando-lhes possíveis
respostas.
Os cuidados que o professor de Arte deverá ter com essa capacidade da
arte de permear por essas questões é de não deixar transformá-la num simples
instrumento como foi debatido anteriormente. O Ensino de Arte deve assumir
seu papel de propositor de experiências.
A idéia de currículo integrado fez surgir algumas reflexões sobre a
capacidade da arte de “estar entre”, no sentido de fazer a ligação entre os alunos
e seus saberes. Através de minha experiência como professora de Arte e como
membro de um projeto interdisciplinar
14
, que envolve a Arte e seu entrelaçamento
com as demais disciplinas escolares, chamou-me a atenção um conceito criado
por Vygotsky que é fundamental em educação: a mediação.
Vygotsky é um autor que transita por várias áreas: psicologia, arte, crítica
literária, filosofia, educação e linguagem. Ao analisar suas proposições acerca da
questão da mediação, principalmente quando relacionada ao caráter semiótico,
visto que a linguagem artística é um processo sígnico, foi possível fazer um
paralelo com o caráter integrador da arte. Ainda que me exima de aprofundar-me
acerca da questão semiótica, é necessário lembrar que o que caracteriza o signo
é constituir-se como um meio inventado pelos homens para representar a
realidade. A arte faz parte desse mundo simbólico construído pelo homem,
“construções sígnicas portadoras de significado”.
Os seres humanos criam instrumentos e sistemas de signos cujo uso lhes
permite transformar e conhecer o mundo, comunicar suas experiências e
14
O projeto citado no início do texto: “Trabalhando com Artes”, desenvolvido pela Escola Municipal
Olinda de Paula Magalhães, em Juiz de Fora.
desenvolver novas funções psicológicas. A arte, seja pintura, literatura, música,
dança, teatro, é um desses instrumentos por meio dos quais podemos transformar
e conhecer o mundo em que vivemos. Uma instrumentalidade fundada no
estético, conforme Barbosa (2001) afirma em seu livro John Dewey e o Ensino da
Arte no Brasil :
Dewey afirmara que os objetos estéticos “contêm sua própria
razão de existência, não precisam de desculpas para existir,
simplesmente porque são encarregados da tarefa de estimular a
compreensão, de alargar o horizonte de visão, de refinar a
discriminação, de criar padrões de apreciação, que são confirmados e
aprofundados por experiências suplementares” (p.147).
Observo que, na literatura específica de Ensino de Arte, não existem muitos
autores que façam alguma referência a respeito da mediação em Vygotsky.
Hernandez (2000) é um dos poucos que buscam fazer esse paralelo:
Entendo por função mediadora uma derivação da idéia de
Vygotsky de mediação que pressupõe que “o signo é possuidor de
significado”. Isso implica que a arte, os objetos e os meios da
cultura visual contribuem para que os seres humanos construam
sua relação-representação com os objetos materiais de cada
cultura. Nesse sentido, a cultura visual contribui para que os
indivíduos fixem as representações sobre si mesmos e sobre o
mundo e sobre seus modos de pensar-se. A importância primordial
da cultura visual é mediar o processo de como olhamos e como
nos olhamos, e contribuir para a produção de mundos, isto é, para
que os seres humanos saibam muito mais do que experimentaram
pessoalmente, e para que sua experiência dos objetos e dos
fenômenos que constituem a realidade seja por meio desses
objetos mediacionais que denominamos como artísticos (p.52).
A mediação dos sistemas de signos corresponde ao que podemos chamar
de mediação semiótica, através da qual podemos explicar os processos de
internalização e objetivação, as relações entre pensamento e linguagem ou a
interação entre sujeito e objeto do conhecimento. O conceito de mediação
semiótica, trazido à tona pela obra de Vygotsky, observado por Pino, parece
contemplar perfeitamente as expectativas de conceitualização do termo. Nas
palavras de Pino (1991):
Num sentido amplo, mediação é toda a intervenção de um
terceiro “elemento” que possibilita a interação entre os “termosde
uma relação. Nesse trabalho, o termo mediação é utilizado para
designar a função que os sinais desempenham nas relações entre
os indivíduos e destes com o meio. Mais especificamente, é
utilizado para designar a função dos sistemas de signos na
comunicação entre os homens e na construção de um universo
sócio-histórico (p.32,33).
Estabelecendo uma ligação do conhecimento fornecido por esse conceito
com a natureza sígnica da arte, torna-se clara sua compreensão como um
sistema de signos, uma forma de linguagem capaz de mediar conhecimentos de
um modo diferente, por uma outra via, a via do “elemento” arte. Para efeito de
entendimento do papel mediador de conhecimentos exercido pela arte, podemos
citar o dizer de Vygotsky (1999):
os processos intelectivos que surgem em cada um de nós com a
ajuda e por motivação da obra de arte não pertencem à
psicologia da arte stricto sensu . São uma espécie de resultado,
de efeito, de conclusão, de conseqüência da obra de arte (p.43).
A partir disso é possível afirmar que a obra de arte provoca o surgimento
de processos intelectivos, ou seja, a arte se torna mediadora da aquisição de
conhecimentos. Através de um contato inicial, pareceu ser possível fazer uma
leitura da experiência vivida como membro do projeto Trabalhando com a Arte,
tendo como base o pensamento de Vygotsky, visto ser a arte elemento que
permeia, que faz a relação entre o homem e o conhecimento.
Vygotsky (2002), em seus postulados, designa à mediação papel central na
aprendizagem. Nesse contexto, o papel do professor afigura-se como de
importância fundamental no processo ensino-aprendizagem. O conceito de Zona
de Desenvolvimento Proximal (ZDP) expressa essa função mediadora entre
docente e discente. A ZDP é:
a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado através da
solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes (p.112).
A proximidade entre os termos integração e mediação esjustamente no
fato de que na mediação a arte é uma via diferente para chegar ao conhecimento.
No caso da integração proposta por Parsons a arte seria um dos saberes que
trabalharia junto a outros saberes para a obtenção de conhecimento. Essas
proposições, que ainda demandam mais aprofundamento, fornecem pistas para a
ampliação das fronteiras da Arte e seu ensino.
Nesse panorama, a disciplina de Artes Visuais pode estar entre as demais
disciplinas, alternando-se como propositora de experiências. Cabe aos
professores de Arte articular as relações que podem e devem ser feitas com
outros saberes, tomando os devidos cuidados para não deixar que ela seja
utilizada como meio para atingir resultados pedagógicos estranhos à estética.
4. DIALOGANDO E INTERAGINDO COM ATORES E AUTORES
Com o objetivo de compreender as concepções e as práticas de
professores de Artes Visuais, procurei, nos diálogos construídos entre
pesquisador e pesquisados, operando paralelamente com os conceitos do
referencial teórico, a base para achar as respostas às indagações levantadas
nesta pesquisa.
Primeiramente me reportarei às entrevistas individuais desenvolvidas com
o intuito de abrir caminho para entender o papel do pesquisador que até então
não havia assumido. A partir da interação com os professores de arte, acabei
elegendo-os como foco principal desta dissertação. O foco do estudo, naquele
momento, era conhecer e compreender o papel da arte na escola. Porém, mesmo
com foco voltado para o Ensino de Arte, estendi meu olhar para analisar o
professor de Arte, esse profissional, esse “batalhador” que aparece nas falas das
entrevistadas.
4.1 - Diálogos singulares
Compreender as falas das professoras entrevistadas não parecia ser tarefa
difícil, falavam de algo de que faço parte há 16 anos, tanto que, muitas vezes, elas
pareciam ler meus pensamentos. As professoras falavam da importância da arte,
de sua função na escola, de como ela é fundamental para a vida do ser humano.
Enquanto davam depoimento de suas práticas, de seus projetos, pude fazer o
entrelaçamento das concepções teóricas defendidas por autores que se
debruçaram a pensar sobre a arte como conhecimento, como linguagem, como
forma de expressão, capaz de abrir os caminhos para um mundo de imaginação,
criação, sentimento e fruição.
Quando procedemos a uma análise das concepções que os professores
de Arte carregam, estamos refletindo, também, sobre as atitudes dessas pessoas
como educadores e sobre seus saberes (sua formação). Portanto, nossa
entrevista iniciava-se solicitando que os entrevistados falem sobre sua trajetória
pessoal e profissional e seu envolvimento com o Ensino de Arte.
Após esse primeiro contato, em que as entrevistadas tiveram
oportunidade de falar de si mesmas, perguntei acerca de qual seria o papel da
arte na escola e como essa instituição veria o ensino dessa disciplina.
Respondendo sobre o papel da arte na escola, foi comum, nas três
respostas, a referência à arte como promotora da integração entre as disciplinas.
Individualmente, aparecem, nas respostas, referências à arte com o papel
de educar o olhar, de promover conhecimento, de desenvolver a imaginação e de
promover experiências significativas.
Assim responde a professora Teresa:
Eu vejo a arte como uma ponte, uma ligação com os demais conteúdos, justamente
porque em toda civilização, toda civilização, é você pegar a história...Então é isso, a
arte é língua do mundo, é uma linguagem universal. Então vamos para o Português ou
pro Inglês, a Música, quantas letras,... A arte na Língua Portuguesa, a arte na História e
na Geografia, a arte nas Ciências, que agora foi essa última etapa que nós trabalhamos,
o meio ambiente, com a reciclagem.
Ao responderem sobre como a escola o Ensino de Arte, as
entrevistadas fazem referência direta ao seu próprio trabalho e aos reflexos desse
trabalho sobre a sua comunidade escolar. A professora Débora comenta que,
através do trabalho por projetos, a arte passou a ter mais espaço e voz na escola
e seu trabalho recebeu o apoio dos demais colegas. Normalmente, são trabalhos
interdisciplinares cujos temas podem ser realizados em conjunto. Porém, os
cuidados a serem tomados pelo professor de Arte são no sentido de que sua
disciplina não seja usada apenas como suporte para os outros conteúdos. Sobre
esse aspecto lembramos de Eisner (2005) quando diz: “Enfatizo que as conexões
entre a arte e as outras disciplinas devem ser feitas quando possível, desde que
os valores da arte não sejam diminuídos” (p.87).
Vejamos a fala da professora Débora:
Nós temos um projeto e atualmente a coisa está se encaminhando, acho que num
crescendo, o grupo como um todo...
A equipe amadureceu um pouquinho mais, além de enriquecer as aulas das crianças,
nós começamos a colocar tudo o que fazíamos nos murais, colocamos pra fora.
…E os professores começaram a perceber que houve muita diferença, os trabalhos dos
meninos eram outros.
Ao refletir sobre a maneira como a escola encara a disciplina de Arte, a
professora Helena amplia a questão. Sua resposta não envolve apenas a
formação precária do professor de Arte, mas de todos os demais professores, que
passaram pela escola e que carregam uma visão deficiente em arte, uma visão
de “aula de arte” como a descrita por Barbosa (2002):
Em minha experiência tenho visto que as Artes Visuais ainda
estão sendo ensinadas como desenho geométrico, seguindo a
tradição positivista, ou continuam a ser utilizadas principalmente
nas datas comemorativas, na produção de presentes muitas vezes
estereotipados para o dia das mães ou dos pais. A chamada livre-
expressão ainda é uma alternativa melhor que as anteriores, mas
sabemos que o espontaneísmo apenas não basta, pois o mundo
de hoje e a Arte de hoje exigem um leitor informado e um produtor
consciente. A falta de uma preparação de pessoal para entender
Arte antes de ensiná-la é um problema crucial, nos levando muitas
vezes a confundir improvisação com criatividade (p.14,15).
Essa falta de formação adequada para entender arte acaba acarretando
um sentimento de resistência à disciplina. Vejamos, portanto, a resposta da
professora Helena:
Acho que existe uma resistência por parte dos professores em relação ao Ensino de Arte,
e em outros casos, uma deficiência na formação do professor de Arte, porque este
professor também não sabe o que vai fazer na aula.
Me pergunto:_Por que a internet entrou tão rápida e o Ensino de Arte não entra tão
rápido na escola? Então, por que essa resistência? Por que um ser pensante não
interessa, não é? E quem estuda arte, quem um livro de arte, tem um espírito crítico.
Num livro de arte você está falando de História, está falando de Geografia, você localiza
as coisas no espaço e no tempo principalmente. Então,...eu acho que ainda uma
vontade nesse sentido, eu acho que fazer pensar ainda não é uma vontade política “lá de
cima” não.
A professora Teresa fala de paradigmas que estão sendo quebrados, de
uma escola que começa a perceber a arte de uma outra forma. A resposta da
professora em questão abre espaço para dois outros problemas: o espaço físico
inadequado e a falta de materiais.
Eu vi que a escola entende, agora, a arte de outra forma. Porém, a gente muda ou
quebra os paradigmas com o tempo, e a gente tem que ter paciência, e os frutos a gente
vai colhendo, e vamos aprendendo com eles também. Existe uma troca e estamos
sempre voltados a aprender, é um aprendizado. Eu fico feliz quando eu vejo que os
colegas e que a escola tem dado apoio. As duas escolas em que eu trabalho não
oferecem mais recursos por falta de condições. Infelizmente quando você entra numa
escola, você não vê nem a sala de artes, nem a sala de teatro, nem a quadra de
esportes. Você salas de aula, carteiras enfileiradas, um quadro e giz, você a
sala de professores, há uma biblioteca, muitas vezes está fechada e com poucos livros.
Esses entraves (falta de infra-estrutura da instituição) e esses avanços
(paradigmas quebrados) são aspectos que também aparecem nos debates
implementados no grupo focal.
Percebe-se que alguns comentários importantes, feitos pelas professoras
entrevistadas, não estão diretamente ligados às perguntas desenvolvidas para a
realização das entrevistas, sendo falas que demonstram como as professoras
entrevistadas concebem o Ensino de Arte ou de situações esclarecedoras da
realidade das professoras. Outros comentários permitem os diálogos com os
autores desta pesquisa.
Selecionei o trecho abaixo, no qual a professora Débora ressalta sobre o
desenho infantil e a necessidade de que este desenho seja respeitado pelo
adulto:
Porque uma professora que poda, uma professora que faz com que todos os alunos
coloram as flores de vermelho, os caules de marrom e as folhas de verde... Ela não está
deixando ninguém dizer nada, ela esta fazendo uma “pseudoarte”. Porque está colorindo
um desenho estereotipado. E colorindo tudo igual, então a criança não está criando nada.
Ela não está deixando ter arte nenhuma ali.
Agora se você realmente fala com as crianças para observarem umas flores no jardim
de casa ou no jardim da escola e desenhar aquela flor que viu e colorir, você está
deixando os meninos verem a sua imagem e colorirem da sua maneira.
A preocupação em estimular a criança para a melhoria de sua capacidade
criadora e desenvolver atividades que proporcionem experiências significativas
aparece, novamente, no final da fala da professora Débora. O comentário revela a
necessidade de formar professores esclarecidos do potencial integrador da arte no
currículo:
Você tem que fazer a imaginação dos meninos montarem cenas. Você pode fazer uma
dramatização, fazer um teatro, e os meninos gostam de fazer teatro também, senão
esquecem. A coisa é vivida, a coisa é vivida. Então olha a professora que tem um
pouquinho mais de arte, ela vai dar, a Geografia, a História, as Ciências, a Literatura, vai
contar histórias, etc e tal. Vai ficar rico, vai ficar rico.
No trecho abaixo a professora Helena comenta, no início, sobre a leitura
da obra de arte, o contexto de interpretação da obra, o grande tempo revelado
nas atividades de releituras. Outra questão apontada pela professora é a natureza
integradora da arte e o seu incoerente isolamento vivenciado na escola:
Você coloca um trabalho, começa a falar com eles sobre o trabalho e eles mesmos te
chamam a atenção para um detalhe que você não tinha visto, isso é ótimo. É por isso
que eu falo que seria importante que todo mundo trabalhasse junto, porque o menino te
diz quem ele é a partir do momento que ele olha um quadro, que ele te chama a atenção
para uma coisa que você não viu antes, é porque, de repente, aquilo que você não
percebeu não faz parte do seu universo, mas faz parte do universo daquele menino.
Quando se depara com a coisa prática, com a questão prática, que a arte ajuda muito
nisso, você não tem com quem dividir...
A relação entre fantasia e realidade, a materialização da fantasia e sua
capacidade de influenciar efetivamente na realidade são características citadas
pela professora Teresa que possibilitam promover um diálogo entre as
considerações feitas por Vygotsky (2004) e as experiências vividas nas aulas de
arte. Diz o autor: “Aqui reside a chave para a tarefa mais importante da educação
estética: introduzir a educação estética na própria vida. A arte transfigura a
realidade não na construção da fantasia mas também na elaboração real dos
objetos e situações”(p.352).
Vejamos, portanto, o comentário da professora Teresa que demonstra esse
fato:
Se de repente aquilo se transforma numa peça de teatro,... Mesmo que ele não seja um
ator ... ele vai trabalhar o cenário, por exemplo, ele vai ter que pesquisar, ler um livro, ele
passa a falar e vivenciar aquilo como um agente, um pensador e não um receptor.
Então por isso que eu não enxergo uma escola sem arte, porque ela fica morta. É
uma entidade sem brilho, e o aluno na aula de artes ele enriquece o conhecimento dele,
ele é critico e passa a ser mais critico, a auto-avaliar. Perceber que ele pode dar mais, ele
mesmo reconhece que ele não desenvolveu aquilo que poderia, ele quer buscar mais.
Numa atividade de auto-retrato proposta pela professora Débora em sala
de aula é possível observar a preocupação do professor de Arte em desenvolver
um trabalho relacionado com a multiculturalidade, muitas vezes, com o objetivo de
fortalecer a identidade dos alunos:
Aí eu disse:
- Gente, olha aqui, olha para esse retrato e olha para ele, não é ele? Agora vocês vão me
falar, se ele tivesse colorido o desenho de branquinho aqui, era ele? Não era, não é
mesmo?
eu trabalhei em cima da diversidade, da identidade, da etnia, etc. Olha o cabelo dele,
se ele fizesse ele com o cabelo escorrido igual ao meu, seria ele? Não, não seria ele. Ele
fez o retrato dele, então eu repeti:
- Está maravilhoso!! Gostei.
cada um começou a colorir o dele mais moreninho, porque realmente ele era
moreninho, aí cada um teve que fazer o dele.
- Olha como ficou bonito esse aqui?
A auto-estima melhora, etc e tal. Mas identificam também as diferenças.
E isso a gente pode trabalhar com a arte também. Essas diferenças de raça, de roupa, de
lugares, você vai mostrando fotos diferentes, de coisas diferentes, não é? Inclusive
mostrei Picasso também.
Esse primeiro contato como pesquisadora colocou-me diante de um campo
amplo de possíveis análises para a compreensão da função da arte na escola.
Alguns aspectos levantados pelas professoras indicam uma prática
comprometida, as professoras demonstram ter um conhecimento da teoria e dos
debates sobre o Ensino de Arte realizados por Barbosa, principalmente os que se
sucederam a partir da década de 1990.
As principais impressões sobre o papel da arte na escola, levantadas pelas
entrevistas individuais, levam-nos às seguintes relações possíveis para o
desenvolvimento do Ensino de Arte: arte e linguagem, arte e conhecimento, arte e
expressão, arte e imaginação, arte e conteúdo. Tais relações contribuem
sensivelmente para o andamento das investigações desta pesquisa.
Em relação à visão da escola sobre o trabalho desenvolvido pelas
professoras, todas falam de preconceitos existentes e de mudanças que se fazem
sentir. Falam de um “apoio” que ora parece ser de um trabalho interdisciplinar
sério, ora parece ser da utilização da aula de arte para a aprendizagem e
memorização de conteúdos de outras disciplinas, perdendo seu valor autônomo,
argumento questionado por Tourinho e Vygotsky no quadro teórico realizado
nesse estudo.
Os dados produzidos nessas entrevistas consubstanciam-se como
indicativos importantes para a consecução da estratégia metodológica adotada
posteriormente, uma vez que apontaram as primeiras possibilidades de analise
desta pesquisa.
4.2 - Diálogos conjuntos
Na verdade, as entrevistas individuais sinalizaram questões que foram
debatidas novamente e com mais intensidade nos grupos focais. Assim, as
relações possíveis encontradas nas entrevistas individuais para o
desenvolvimento do Ensino de Arte serão novamente expostas, agora de uma
forma mais ampla e mais precisa nas discussões implementadas nos grupos.
Para estabelecer as categorias de análise, analisei cada uma das
videogravações dos encontros realizados com os grupos focais, anotando os
aspectos mais significativos em relação aos objetivos de estudo. Fui buscar nas
transcrições as falas dos membros dos grupos focais que melhor elucidavam
cada aspecto detectado em cada encontro.
Para ter certeza das categorias que se formavam resolvi verificar os aspectos
que mais apareciam durante as discussões. Desse modo, estabeleci cinco
categorias de análise, quais sejam:
O valor da disciplina de Arte na escola
A formação de professores de Artes Visuais e a formação continuada de
professores.
A Abordagem Triangular e sua aplicabilidade.
A vivência artística e a educação do olhar
O conteúdo interdisciplinar e o currículo integrado.
A proposta do primeiro encontro com os grupos formados foi de esclarecer
o foco da pesquisa e deixar que os professores falassem livremente sobre suas
práticas. Expus para o grupo sobre o objetivo dos encontros: conhecer o que os
professores de Artes Visuais entendem sobre a disciplina que ministram e
como acontecem suas práticas. Algumas perguntas estavam sempre em
minha mente: o que os professores concebem sobre a arte na escola? Qual é o
papel que esses professores exercem na função de arte/educadores? O que
oferecem a seus alunos? Como conduzem suas aulas?
Esclareci para os participantes o que era um grupo focal. Falei sobre
minhas experiências profissionais e deixei que eles falassem um pouco sobre
suas experiências. Vários assuntos foram levantados nesse primeiro encontro. No
grupo N, pude destacar a queixa sobre a desvalorização da Arte/educação, a
formação do professor de Arte (Licenciatura) e a formação continuada de
professores, a importância da vivência em arte, a produção, a apreciação da obra
de arte e a contextualização, que são os vértices da abordagem triangular de
Barbosa. O grupo T acabou focando-se principalmente nos métodos de trabalho,
suas últimas experiências. Pude perceber que as propostas de trabalho estavam
voltadas para a Abordagem Triangular, porém senti nesse encontro uma ênfase
maior para a leitura da obra de arte (a interpretação). Esses assuntos irão
permear os demais encontros, com menor ou maior ênfase.
Propus aos dois grupos uma atividade extra no primeiro encontro com o
objetivo de nos conhecermos, de deixarmos cair as máscaras e transformarmos
nossos encontros em confidências possíveis. Propus que fizéssemos auto-
retratos. Mas não seriam auto-retratos que expressassem nossa aparência física
e sim auto-retratos que expressassem nosso interior, que expressassem o
momento que estávamos vivendo, a forma como nos sentíamos. Levei o meu
auto-retrato (anexo 4.1) e expus para o grupo, deixei que apreciassem e pedi que
dissessem o que viam. Aos poucos os membros do grupo foram revelando o que
eu sentia, meus anseios, meus problemas, meus conflitos internos. Também fui
acrescentando idéias durante as falas, o que fez com que eles passassem a
conhecer um pouco de mim. Após a análise do grupo, expus a visão que tinha de
mim mesma e que, em muitos pontos, parecia-se com a leitura que haviam feito
de meu auto-retrato.
No segundo encontro alguns membros levaram seus auto-retratos e
pudemos fazer uma análise dos mesmos. O auto-retrato foi exposto pelo autor e
os outros membros presentes faziam seus comentários. Foram abordados, a
partir da leitura do auto-retrato exposto, sentimentos, emoções e aspectos
relativos à família, religião, profissão, futuro. Após as interpretações, o próprio
autor fazia seus comentários, revelando o que sentia ao ver seu trabalho
analisado pelos demais participantes. Considero que o trabalho proposto cumpriu
o objetivo de fazer com que nos conhecêssemos melhor e através dele pude,
também, perceber como, cada membro do grupo, fazia a leitura da imagem em
questão.
4.3 - O valor da disciplina de Arte na escola
Considero importante iniciar esta análise com uma categoria que aparece,
implícita ou explicitamente, em diversos comentários dos professores
participantes do grupo focal. Considero, também que ao partirmos da questão do
valor do Ensino de Arte na escola, é possível obter uma visão mais concreta da
realidade da disciplina e dos problemas enfrentados pelos professores.
No primeiro encontro houve um desabafo, nos dois grupos formados,
relativo à desvalorização do Ensino de Arte. Entendo essa desvalorização como
uma conseqüência de uma educação que não prioriza a cultura, reflexo de um
contexto político-econômico social e cultural da sociedade brasileira. Os avanços
tecnológicos, a mundialização da economia e as novas concepções de trabalho e
produção configuram o que se denomina sociedade da informação e do
conhecimento, apontando para uma nova configuração global, na qual são
ressaltadas novas concepções do saber articuladas à questão do poder entre as
mais diversas culturas, povos e nações.
Nesse sentido, a discussão sobre a multiculturalidade se faz necessária no
espaço da educação escolar, porque essa impõe um sistema de trocas, inter-
relacionando diversas culturas e saberes, compreendendo a escola e a vida como
instâncias não neutras e carregadas de complexidade. Entretanto, essas
discussões e mudanças de paradigmas estão acontecendo de forma muito lenta
no ambiente escolar.
A desvalorização do Ensino de Arte, que é um exemplo claro dessa
dificuldade em obter mudanças no espaço da educação escolar, é uma
preocupação constante para os professores de Arte. A fala de uma das
professoras do grupo N aponta a falta de reconhecimento do artista plástico como
profissão, estabelecendo um paralelo desse fato com a desvalorização do
professor de Arte:
Rosa: Eu, quando fazia a minha declaração de imposto de renda, tinha que escolher a
opção de pintor de paredes e correlatos, não tinha artista plástico, não tinha a figura do
artista. Ou então desenho técnico, mas como eu não estava trabalhando mais como
desenhista de projetos, na época, eu não ia colocar. É muito difícil isso. Realmente, um
país que não existe como profissão o artista plástico, não vai existir o professor de Arte.
Porque esse professor de Arte é o que afinal de contas? Porque quando você faz
faculdade você tem como optar pela Licenciatura ou Bacharelado em Artes. Mas se você
esta fazendo o bacharelado, você não vai ter uma profissão, porque essa profissão não
existe.
O descaso com o artista plástico e, conseqüentemente, com a arte e seu
ensino apontado pela professora acaba trazendo para o debate uma outra
questão que evidencia essa desvalorização. O professor de Arte na educação
infantil e séries iniciais é visto e pensado, por muitos diretores, supervisores e
professores, como um “folgador”, ou seja, aquele que dá folga ao professor
regente, um prestador de serviço. Devemos levar em conta que a realidade da
escola nas séries iniciais e na educação infantil é diferente da realidade nas
séries finais do ensino fundamental, tanto do ponto de vista do papel do professor,
da linguagem a ser trabalhada, quanto da rotina da escola. Nas séries iniciais os
afazeres dos professores implicam colocar alunos em fila no horário de entrada e
de saída, levar alunos para merendar, tomar conta do recreio, fazer um
planejamento adequado à faixa etária e ter uma linguagem acessível aos alunos
menores. Vejamos a fala que se segue:
Teresa: Aí vocês estavam falando de quem está assumindo a disciplina de Arte de 1ª a 4ª
séries. Então, a primeira escola que eu fui trabalhar, foi na sua (referindo-se à escola da
Marta). Você chega, é um choque, porque você é encarado como folgador de professor.
Marta: Isso é verdade.
Teresa: É como se o professor de arte prestasse serviço para o colega, nós não somos,
ali, alguém que foi com uma proposta de ensino, de educação para o aluno, para
enriquecer a cultura dele, o conhecimento dele, a visão ou o ensino. Não. Nós estamos
ali a serviço do colega regente. Você está entendendo, foi o primeiro impacto, a primeira
forma que me assustou.
Valéria: É o tapa buraco.
A carga horária pode ser apontada também como um reflexo dessa
desvalorização. Existe um sentimento de incômodo em relação à forma como a
escola e seus profissionais encaram as aulas de arte e a maneira como
manipulam com os horários para atender às necessidades das “disciplinas mais
importantes” e facilitar a vida das professoras regentes.
Ao analisar o horário de aulas de um professor de Arte é possível perceber
que a questão da grade curricular é algo muito sério. Um professor de Arte, que
tenha dois cargos nas escolas municipais, possui, em média, 25 turmas.
Normalmente esse professor terá 1 aula de 50 minutos por semana em cada
turma e, às vezes, em determinadas séries duas aulas. São 25 diários de classe
para preencher, aproximadamente, 625 alunos para conhecer, ensinar e avaliar
em Arte. Lembrar-se do aluno, de seu nome, acompanhar seu desenvolvimento é,
no mínimo, uma tarefa bastante difícil. O trecho selecionado exprime bem essa
situação:
André: Sabe com quantos diários eu estou atualmente? 25.
Risos.
Valéria: 25 diários?
André: É, 25 diários de classe. Você tem que tomar o maior cuidado pra não desvalorizar, porque
a maioria dos alunos você não lembra o nome. A maioria dos alunos, que estão no diário, eu não
sei quem são. Vocês vão me desculpar, eu não sei quem é o aluno. Você tem que ter uma
memória, porque a gente tem uma aula em cada turma.
Valéria: Você não tem que pedir desculpas.
André: Vocês entendem o que eu estou falando, não é? série e séries são duas aulas, o
resto é uma aula.
Elisa: E você mudou de escola esse ano, o é? Ainda tem esse agravante. A minha vantagem é
que eu acumulo anos na mesma escola.
André: Não tem como, gente! Não tem! É difícil você lidar com isso. Eu tenho medo de ser injusto
na hora de dar uma pontuação, às vezes você deixa de ver um trabalho de um aluno que é muito
bom, é complicado. É difícil você avaliar em Arte.
Além disso, para completar o cargo, esse professor provavelmente terá que
trabalhar em 3 ou 4 escolas diferentes, pois o número de turmas oferecidas não
são suficientes para fechar o cargo. Fica a pergunta: como conhecer o aluno, a
comunidade escolar e a realidade do bairro num esquema como esse?
Os professores acreditam que, para mudar essa situação, a escola deveria
ser de tempo integral e os professores trabalharem em regime de dedicação
exclusiva. Encaram esses dois aspectos como ideais, que teriam tempo para
fazer pesquisas, atualizar conhecimentos, levar alunos a exposições e museus,
ter tempo para expor trabalhos realizados em sala, conhecer os alunos e sua
realidade.
Outra questão levantada diz respeito à maneira como, na escola, se
evidencia a desvalorização do Ensino de Arte e, conseqüentemente, do
profissional. O professor, ao ouvir comentários que desqualificam a disciplina,
geralmente, mobiliza-se na sua defesa. Entretanto, quando isso é constante, os
profissionais declaram-se, muitas vezes, cansados de precisar assumir tal
posição. Manifestam-se desanimados pelo fato de terem sempre de reafirmar a
importância de seu trabalho e, mesmo assim, freqüentemente serem
lembrados em ocasiões em que se faz necessária a decoração do ambiente
escolar ou a promoção de atividades de lazer. “Somos um mero componente do
currículo. Estou cansada, isso está me machucando, isso vai virar um câncer”, diz
a professora Teresa
Essa desvalorização da disciplina parece relacionar-se com o fato de não
haver profissionais formados em Arte em número suficientes para atender às
escolas na educação infantil e séries iniciais. Um fato que aponta para a
desvalorização, também, na gestão do sistema, não da escola. Como alegam
não existirem esses profissionais, a Secretaria de Educação contrata professores
de outras aulas para assumir, principalmente, os projetos de Arte e Literatura,
hoje desenvolvidos em várias escolas municipais. Profissionais que não foram
devidamente preparados para exercer o cargo, professoras de pedagogia ou
mesmo de outras especialidades que tentam fazer um bom trabalho. Algumas
participam de palestras, treinamentos, cursos de aperfeiçoamento e eventos na
área de artes. Porém, na maioria das vezes, o resultado é desastroso. Repetem-
se as atividades prontas, mimeografadas, desenhos estereotipados, atividades
descontextualizadas, priorizando a prática de técnicas.
Observa-se essa realidade, tanto na rede pública quanto na rede particular.
Muitas escolas têm utilizado a própria professora regente para realizar a tarefa de
ensinar arte aos alunos pequenos. Verifica-se, também, que uma boa parte dos
professores de Arte não tem uma linguagem e um manejo apropriado para lidar
com crianças nas séries iniciais e na educação infantil. A falta de
aprofundamento, de formação adequada traz conseqüências enormes na
formação dos alunos e na própria visão do papel da arte pela comunidade
escolar.
Teresa: Tenho cinco anos de trabalho na rede municipal e nunca vi nenhum professor
dando aula de Matemática que não seja formado em Matemática ou de Português que
não seja licenciado.
Rosa: Por que dar aula de Arte pode, não é?
Teresa: Olha, é tão agressivo isso. E é isso que está fazendo a nossa desvalorização, as
professoras não conhecem arte, as diretoras o conhecem arte, as coordenadoras não
conhecem arte, então eles acham que arte é trabalhos manuais, eles estão vivendo,
numa época de...
Marta: Desenhos rodados no mimeógrafo para colorir, não é?
A partir dessas falas fica evidente que a desvalorização do Ensino de Arte
irá esbarrar no processo de formação do professor. A formação do professor de
Arte é, sem dúvida, o tema mais debatido nos encontros realizados.
4.4 - A Formação do professor de Arte e a formação continuada de
professores
As referências à formação do professor de arte e à formação continuada
foram temas que permearam a maioria de nossos encontros. A formação do
professor aparece em todos os sete encontros do grupo N e em quatro dos seis
encontros do grupo T, portanto é nítida a relevância desse tema para essa
pesquisa.
Em Juiz de Fora as disciplinas de licenciatura acontecem nos dois últimos
períodos do Curso de Artes. Para um curso de quatro anos de duração, apenas
um ano será dedicado à formação do professor de Arte. Além de ser um período
curto de tempo de formação consideramos também o fato de ser no final do
curso. Argumentou-se que o aluno deveria, logo no início do curso, ter uma
disciplina básica que esclarecesse as questões do Ensino de Arte.
A maioria dos alunos, ingressa no Curso de Arte com a intenção de serem
artistas plásticos ou designers. Uma minoria tem a intenção de ser professor de
arte. Depois de formados, ao caírem no mundo do trabalho, buscam o magistério
como alternativa financeira. Sobre esse aspecto podemos citar Barbosa (2005):
“A realidade é que a maioria dos/as artistas, quando ensinam Arte, o fazem para
complementar o orçamento”. (p.101). Os trechos abaixo revelam esse fato:
No grupo T:
André: A gente percebe isso na própria faculdade, na realidade a gente faz o curso pra
artes plásticas e ao mesmo tempo a gente que precisa de emprego, não é? Mesmo
porque existe um contexto no curso que não condiz com a realidade que está no
mundo, a gente precisa de trabalhar. A gente o é preparado pra enfrentar a sala de
aula, você coloca a questão da arte-educação, na própria Faculdade de Arte existe o
maior preconceito com a arte-educação. Eu sou artista plástico e nunca tive problema
com isso. Eu acho fundamental, pra formação de público, que exista a arte nas escolas.
O aluno ter contato com os artistas é a base de tudo, pra que um dia esse aluno tenha
um pouco de interesse por arte.
No grupo N:
Teresa: Nós fazemos o curso com a intenção de nos aprofundarmos na arte, de sermos
artistas, de sermos autônomos. Nós passamos muito tempo na Universidade com essa
intenção, e aí nós caímos no mundo do trabalho, e por um acaso vamos para a
educação, por um acaso. Eu não acho que a maioria dos alunos que estão saindo tenha
a intenção de se tornar professor, ele gostaria se tornar um profissional da arte.
A respeito dessa questão, foi unânime a opinião dos participantes de que
não fomos preparados adequadamente para sermos professores de Arte. Os
professores acreditam que uma parte desse despreparo tem relação com a
própria estrutura do curso de Arte. A predominância do enfoque curricular do
curso de Arte ainda está organizada a partir de uma lógica tecnicista: na
fragmentação e compartimentalização do conhecimento. São as disciplinas que
introduzem os alunos no saber fazer – desenho, pintura, escultura, mosaico,
cerâmica etc. As disciplinas voltadas à contextualização, à interpretação da
imagem são aquelas que abordam a História da Arte. Raramente são oferecidas
disciplinas com a finalidade de introduzir os alunos, em processos de leitura de
imagens. Quando estes chegam às disciplinas de Licenciatura, terão dois
períodos para dominar a leitura da imagem e propor esse tipo de prática a seus
alunos.
Por outro lado, tenho observado uma movimentação maior no sentido de
uma integração do Instituto de Arte e Design (IAD) com a Faculdade de Educação
da UFJF. Esse interesse pode ser traduzido como um reflexo das discussões a
respeito da interdisciplinaridade, da transdiscipinaridade que tem ocorrido no
ensino nos últimos anos. A despeito de tais avanços demorarem a dar frutos,
essa iniciativa já representa um bom começo.
Outro questionamento envolvendo o curso de Arte da UFJF, observado
pelos participantes do grupo focal (ex-alunos do curso de Arte), diz respeito ao
objetivo dos professores do curso em formar artistas plásticos com visão e
produção pós-modernas. Essa visão acaba demonstrando um preconceito em
relação aos alunos que têm uma produção figurativa, que gostam dos clássicos,
de fazer retratos por exemplo. O grupo nessa atitude uma forma de imposição,
ou mesmo de permitir que o aluno faça o movimento inverso de iniciar com
abstrações e terminar com trabalhos figurativos. Durante esse debate estávamos
de posse de uma grade curricular do Curso de Arte e pudemos observar as
disciplinas oferecidas atualmente, comparando-as com as experiências vividas
pelo grupo.
Conforme foi evidenciado anteriormente, a desvalorização do Ensino de
Arte esbarra na questão da formação de professores. A falta de professores
qualificados para dar aulas de Arte na educação infantil e ries iniciais, com
desvio de função de professores de outras áreas, sem preparo para assumir a
função dos arte/educadores, é uma preocupação evidenciada nos dois grupos
focais, portanto penso ser importante fazer algumas considerações a respeito
dessa questão.
No texto da LDB de 1996, ficou assegurado o Ensino de Arte em todos os
níveis do ensino fundamental. Trata-se de uma conquista que levou à ampliação
da docência para a primeira fase do ensino fundamental. Nesta última década,
várias escolas particulares e algumas prefeituras trouxeram para seus quadros
professores de Arte com a finalidade de atuarem nessa fase. Outro avanço
importante foi a mudança curricular, em boa parte dos cursos de pedagogia,
visando a inclusão do Ensino de Arte na formação do pedagogo, mudança esta
que beneficiou nossa área, com a abertura de concursos nas Faculdades de
Educação e Cursos de Pedagogia para incluir o profissional de Ensino de Arte em
seus quadros docentes.
As discussões implementadas nos cursos de Pedagogia, referentes ao
Ensino de Arte estão voltadas para uma formação cultural do pedagogo,
objetivando a desmistificação dos conceitos e pré-conceitos sobre a arte e seu
ensino. O trabalho do professor de Arte é na perspectiva de formar esse educador
para ser um colaborador e agente da formação cultural das crianças, bem como
para um trabalho que construa e não desconstrua a relação da criança com a
arte, principalmente na Educação Infantil. O trecho selecionado retrata a
importância dessa formação em arte nos primeiros anos de escolarização:
Teresa: O meu interesse em buscar a arte na infância é porque eu percebia que o
desenho é nato, é natural, isto é fácil para o início, para a criança. Porém, ele está sendo
mal conduzido, mal trabalhado ou podado, como se fosse uma árvore, que vai cortando
os galhos e ele fica tão fechado que chega na adolescência, pra você voltar isso, buscar
essa forma de expressão, através de pequenos traços, pequenas linhas, o desenho, a
imagem, fluir a imaginação, fazer ele gostar disso é muito difícil. Então eu fui conviver
com uma escola de primeiras séries, fui ver o dia a dia de uma sala de aula e percebi
que, e realmente posso dizer hoje, porque estou há cinco anos trabalhando com 1º, 2º, 3º
período e a 4ªsérie, eu posso dizer hoje, sem medo de errar que está se fazendo um
massacre nas escolas com as crianças. Vocês concordam?
Débora: Concordo
No final do encontro do grupo N, a professora Teresa pediu para
estender um pouco nosso tempo de encontro para mostrar alguns trabalhos de
seus alunos. Observamos os trabalhos e passamos a analisá-los. Um dos
desenhos analisados
15
pela professora e pelo grupo revela pouca maturidade e
apropriação da linguagem visual, como se tivesse parado no tempo, são as
nuvens pintadas de azul e o céu branco, as árvores de formato de algodão cheias
de maçãs e as figuras humanas inspiradas no personagem do quadro de Munch.
O trecho selecionado abaixo registra o momento em que comentávamos sobre o
referido trabalho. Considero importante destacá-lo, pois demonstra as dificuldades
de nossos alunos para se expressarem graficamente, dando-nos pistas para
encontrar as causas desse problema:
Teresa: Olha, quando me deparei com este trabalho de uma aluna de oitava série. Eu
levei um choque! Olha, isso aqui são aquelas folhas mimeografadas que passaram no
sub-consciente dessa pessoa anos e anos. Você não apaga.
Rosa: Eu vivo esse problema nas minhas aulas de desenho, inclusive eu orientei, no
primeiro dia, sobre as nuvens, o sol, as cores.
Débora: Mas depois de um tempo, não tem mais isso não.
Teresa: Menina, escuta aqui, essa aluna está na oitava série, meu bem. Olha, turma 802,
essa aluna passou pela 5ª, pela 6ª, pela 7ª, está na 8ª, meu bem!
Rosa: Mas não é isso não, eles desenham o céu branco, põem a nuvem azul e o sol
amarelo. (mostrando desenho) Isso é uma questão de figura e fundo, não é? Quais foram
os professores de Arte dessa aluna?
Teresa: Isso que eu quero revelar. que eu descobri o desastre que é a criança passar
o período, o 2º, o primeiro ano, que agora o período chama primeiro ano, até a
quarta série. Gente...olha...
Valéria: A desconstrução...
Teresa: Olha, menina, você tem que tirar leite da pedra. Porque o ser humano é uma
planta, tem que cultivar.
Marta: Me lembrei da fala de uma professora de história, que está dando aula de artes,
ela reclamando:__Eu não sei o que é que eu faço com os meus alunos, porque eu não
sei o que eu vou dar. dei aula de brincar, dei aula de colorir e agora o que é que eu
faço? O que quer dizer, ela estava numa angústia porque não é formada em Arte.
A fala das professoras aponta para a questão da deficiência na formação
em arte, tanto dos alunos quanto dos professores. Não só no 1º encontro, mas em
quase todos os outros encontros, estávamos constantemente voltando ao tema
da formação de professores. O desenho infantil desenvolve-se num crescendo e o
professor pode ajudar a criança a desenvolver sua capacidade de expressão
gráfica, estimulando sua percepção visual e sua imaginação criadora. A
deficiência apontada pelos participantes do grupo N é justamente pelo fato de que
os professores que estão sendo designados para exercer esse trabalho não
conhecem as bases para o desenvolvimento das representações gráficas.
15
O desenho em questão se encontra no anexo 5.
As falas, que se sucedem, esbarram num outro fato importante dentro do
processo de desenvolvimento do desenho infantil e que está relacionado ao
processo de aquisição da escrita. Na fase mencionada pela professora Teresa,
educação infantil e séries iniciais, a escrita é a grande novidade, pois a criança
está iniciando o processo de alfabetização. Tanto o professor quanto os pais
estão direcionando toda a atenção para que a criança seja bem sucedida nessas
novas habilidades de ler e escrever. As linguagens artísticas ficam em segundo
plano neste momento. Paralelamente à valorização da escrita, acontecem
julgamentos da produção artística do aluno, ou seja, o adulto avalia o trabalho,
padroniza, cria estereótipos, o que faz com que o aluno passe a temer expressar-
se, temer expor-se.
Regina: É, porque a partir do momento que se insere a cultura escrita, a ordem de
entrada...
Teresa: Eu digo porque é um pecado.
Regina: Eles castram a expressão de desenho e padronizam.
Rosa:_Tem que fazer assim.
- Ah não, assim está feio.
- Assim eu não quero.
Teresa: Ela disse uma coisa hoje que é muito importante (apontando para a Regina).
Você atinge a escrita, a decodificação disso aqui (apontou para o texto) porque se for um
aluno do Japão a escrita é outra, se for na Rússia é outra, se for no Brasil é outra, quer
dizer, as letras, o código é outro. Então, você diminui o potencial do aluno de dominar a
língua, porque ele só alcança isso se ele estiver com o outro lado bem trabalhado, se ele
combinar o desenho`a escrita, à expressão, isso é um trampolim pra ele conseguir a
alfabetização...
Regina: É o exercício da imaginação.
Nessa perspectiva é fundamental que o professor que atua com crianças
pequenas tenha um conhecimento maior sobre a imaginação criadora na infância.
Conforme já exposto no quadro teórico desta dissertação, Vygotsky faz um estudo
aprofundado dessa questão da imaginação e da fantasia na criança. Buoro
(2001), ao analisar o trabalho desse autor, também irá dizer:
A imaginação criadora antecede a razão e predomina em toda a
ação infantil. Por esse motivo, percebemos a criança, desde pequena,
como um ser potencialmente criativo e imaginativo. Por meio do jogo
simbólico, da fantasia, da imaginação criadora, ela compreende o mundo
e a si mesma, acumulando, na memória, um repertório próprio de
conhecimento e de formas visuais (p.83).
Porém, a promoção de eventos isolados de capacitação do professor para
lidar com essas questões e outras que envolvam as linguagens artísticas não o
torna capaz de exercer a função do professor de Arte, ou seja, o substitui a
aula especializada de Arte na escola. Por isso, consideramos importante que esta
disciplina faça parte da formação do pedagogo, assim como as demais disciplinas
do currículo do curso de Pedagogia: Matemática, Geografia, História, Língua
Portuguesa, Ciências, Ed. Física, Língua Estrangeira etc. Quando os pedagogos
não possuem o contato com as linguagens artísticas e seu ensino, aparecem as
dificuldades no momento de planejar e conduzir aulas nessa linguagem, correndo
o risco de realizarem produções descontextualizadas e meramente técnicas que
são comuns nas escolas. Assim, é motivo de preocupação quando os poderes
públicos e executivos ameaçam retirar os professores especialistas em Arte que
trabalham no ensino infantil e nas séries iniciais, com a alegação de que os
pedagogos estão sendo preparados para assumir essas aulas.
Outro aspecto debatido foi o fato de que muitos de nossos colegas
professores não sabem o que é uma aula de Arte. Suas experiências, quando
estudantes, foram, provavelmente, ligadas às aulas de desenho geométrico,
técnicas manuais e a livre expressão ou nem isso. Preocupados com a
conscientização dos demais profissionais da escola, os membros do grupo focal
acreditam que é preciso promover palestras e reuniões para refletir sobre o
Ensino de Arte e expor como a arte pode ser trabalhada na escola.
Esse tema abre espaço para uma outra preocupação dos grupos, a
formação continuada de professores. Reclamam sobre a falta de mestrados e
doutorados em Ensino de Arte, falam da falta de opções de pós-graduações na
nossa área. As iniciativas de formação partem do próprio professor que busca se
atualizar através de livros e cursos.
Teresa: São raríssimas as Universidades que têm alguém na nossa área, então fica
complicado.
Rosa: Eu já pesquisei num monte de sites, da USP, UFMG, UFRJ, mas é muito difícil de
conseguir.
Regina: Na área de educação tem. Eu não sei de arte-educação?
Valéria: Mestrado e doutorado em Arte-educação na USP, com a Ana Mae Barbosa.
Rosa: Eu acho que tem arte-educação, artes plásticas e tem uma outra área lá...
Valéria: Eu acho que no Rio Grande do Sul agora tem mestrado em arte/educação.
Teresa: Agora na UFMG eu não esperava, é só um item e muito fechado, eu fiquei triste
de ver aquilo, é direcionado pra uma área, é muito restrito.
Estes e outros comentários me ajudaram na escolha de um texto
16
que
trouxesse informações a respeito de entidades, associações de arte/educadores
espalhadas pelo país. Falei sobre a Associação Mineira de Arte Educação
AMARTE e a Federação de Arte Educadores do Brasil FAEB, sites e boletins
específicos para a área de ensino de arte que alguns professores não conheciam.
O texto escolhido é uma entrevista realizada pela jornalista, editora do
boletim Arte na Escola e consultora de comunicação da Fundação Iochpe, Sylvia
Bojunga Meneghett com o título “Contexto Nacional: as principais mudanças
políticas e conceituais na visão dos arte/educadores”. (Boletim Arte na Escola,
Número 20, março/1999) As Arte/educadoras entrevistadas são: Elizabeth Aguiar,
Lucimar Bello, Rosa Iavelberg, Mariazinha Fusari e Heloisa Ferraz.
Elisa: Por que isso não é divulgado? Eu acho engraçado que nós que somos professores,
olha só...
Valéria: Exatamente, exatamente por isso que eu coloquei esse texto na mão de vocês.
Elisa: Mas eu vou falar pra você outra coisa, olha só, nós do Município, porque eu ainda
sou do Estado e sou recente no Município, eu tenho 26 anos de Estado. O Estado não
tem nada, não é André? Que você já passou por lá e sabe disso. O Estado não tem nada
que nos una, que a gente converse.
Através dessa fala é possível verificar a aplicabilidade da metodologia do
grupo focal, principalmente quando se trata de uma pesquisa apoiada por autores
sócio-históricos. O processo de interação oferecido pelo grupo focal apresentou
resultados positivos. Como pesquisadora, e ao mesmo tempo como membro do
grupo, marquei minha presença trazendo questões, fazendo comentários,
levantando dúvidas, expondo minhas experiências. Estive envolvida nesse
processo de pesquisa buscando compreender a complexidade das vozes de
meus pares. Ou seja, assumi um papel ativo que permitiu a construção e
reconstrução dos modos como o professor e pratica sua disciplina. Nesse
sentido, o grupo funcionou como um espaço de formação, um espaço de
intervenção junto aos sujeitos desta pesquisa. Selecionei alguns trechos que
elucidam esse fato.
Rosa: Valéria, eu acho que, sinceramente, eu acho que vai ser ótimo esta oportunidade
da gente se reunir. Sinceramente, ultimamente, isso está vindo de encontro a uma
16
O texto em questão consta do anexo 6.
vontade minha. Ultimamente o que eu mais estava querendo fazer é ver a experiência
das outras pessoas da área, porque a gente não tem esse contato.
Regina: Só esses encontros que eu tive aqui já me deram um envolvimento, uma
argumentação suficiente, sabe? Fez com que esses dias todos eu estivesse pensando
muito sobre as coisas da gente.
André: Eu acho muito legal o que a Valéria está fazendo porque ela está abrindo uma
porta.
Rosane: Com certeza.
André: Eu acho legal, Valéria, porque essa porta que você está abrindo é pra todo mundo
que é professor de arte, principalmente. Porque aqui todo mundo pode fazer mestrado.
Valéria: Olha eu...
André: Eu quero fazer mestrado, um mestrado em Arte, na realidade.
Rosa: Como você anotou o e-mail de todo mundo, você manda o e-mail pra gente e a
gente vai fazendo a rede.
Valéria: Ah, certo, isso mesmo.
Teresa: Agora, eu fico olhando, o seguinte, como a gente tem sede de contato, irmanar,
...
Marta: Estamos muito isolados.
Teresa:Isolados, eu acho que o dia que você falar que acabou, eu vou chorar.
Risos.
Valéria: Aí vocês, a partir de agosto se reúnem aqui pra estudar para a prova de
mestrado.
Retomando o texto lido no encontro, selecionei um trecho onde uma das
entrevistadas do Boletim Arte na Escola, fala sobre a formação continuada. Nesse
trecho, que recebeu o total apoio dos participantes dos grupos focais, Mariazinha
Fusari diz: “Os arte/educadores reivindicam mais educação continuada, mais
pesquisas, maior integração universidade-escola, mais publicações - além de
livros e revistas, outras mídias como imagens, vídeos, CDRoms. Enfim, um
ensino atualizado” (1999).
Um assunto importante, discutido pelo grupo, principalmente no
encontro, foi os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Arte e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Artes Visuais. Em relação aos
PCN-Arte, levei o texto: PCN nas escolas: e agora?
17
Esse texto foi entregue a
título de enriquecimento das discussões acontecidas no encontro que
falavam sobre os PCN`s. Li com o grupo apenas alguns pontos que considerei
necessários para serem debatidos e cujas opiniões dos participantes seriam
17
A autora, Maura Penna, é professora do Departamento de Artes da UFPB, lecionando no curso
de Educação Artística e no Mestrado em Educação, coordenadora do Grupo Integrado de
Pesquisa em Ensino das Artes, graduada em Música e em Educação Artística pela UNB, mestre
em Ciências Sociais pela UFPB, doutora em Lingüística pela UFPE. O texto de Maura Penna
consta do anexo 7
importantes. A autora elogia os PCN-Arte e também reafirma a qualidade da
abordagem triangular como possibilidade para trabalhar o ensino de Arte. Porém,
questiona os Parâmetros Curriculares no que diz respeito à abrangência da
proposta na área de Arte. Os PCN-Arte propõem quatro modalidades artísticas:
(1) Artes Visuais - com maior amplitude que Artes Plásticas, englobando artes
gráficas, vídeo, cinema, fotografia e as novas tecnologias, como arte em
computador; (2) Música; (3) Teatro; (4) Dança, que é demarcada como uma
modalidade específica.
A polivalência, questão antiga e tão debatida no período da Educação
Artística da década de 1980, volta a ser alvo de discussões com a proposta dos
PCN-Arte. Para que tal proposta se efetivasse o ideal seria contratar quatro
profissionais para as quatro linguagens artísticas propostas pelos PCN`s. A autora
revela a complexidade desse problema, ao expor em seu texto:
Diante deste quadro, vislumbramos três perspectivas, não muito
promissoras:
1) Poderá ser exigida do professor uma polivalência ainda mais
ampla - e mais inconsistente - que aquela promovida pela Educação
Artística e tão criticada. Inclusive as provas dos concursos para
ingresso em redes públicas de ensino poderão ser elaboradas neste
formato, abordando as diversas linguagens artísticas, como
acontece em muitos locais nos concursos para Educação Artística.
2) As propostas dos Parâmetros serão realizadas apenas na
medida dos recursos humanos disponíveis. Assim, se o professor de
Arte de uma dada escola for formado em Música, por exemplo, será
esta a linguagem artística contemplada no currículo. Uma outra
variante desta situação, que já começa a ter lugar em
estabelecimentos particulares, é a escola escolher a(s)
modalidade(s) artística(s) que considera mais conveniente(s) para os
seus interesses, contratando um professor com formação adequada.
Neste caso, podem pesar argumentos acerca da conveniência de
evitar reclamações dos pais na hora de comprar material para as
aulas de Artes Visuais, ou então sobre como determinado campo da
arte pode contribuir para o marketing da escola - ao produzir
apresentações teatrais, por exemplo.
3) Ou ainda - e pior - as propostas dos PCN poderão servir como
base para planejamentos e relatórios que ficarão apenas no papel,
sem mudanças efetivas na prática educativa em sala de aula.
Enfim, acreditamos que, em termos de Brasil, serão poucas as
escolas - de elite, certamente - que se empenharão em oferecer as
quatro linguagens artísticas de modo consistente, contratando para
tal diversos professores com formação específica.
Como exemplo da dificuldade de implantação do PCN-Arte na escola
pública atual, os professores citaram a falta de recursos materiais (instrumentos,
sala ambiente) e a carga horária pequena. O trecho selecionado elucida essa
discussão:
Teresa: Deixa eu fazer uma pergunta: Vocês já viram um professor de música trabalhar?
Imagina que ele vai trabalhar os sons. Vai ter uma hora que ele vai ter que colocar a mão
na massa, os meninos vão ter que usar um instrumento, só de percussão, só de batuque.
Quais são os instrumentos que a escola tem?
Valéria: Então, falta material.
Débora: Ainda pode ser que a escola tenha outro instrumento, as flautas.
Teresa: Uma meia dúzia pode ser que tenha. É igual o nosso trabalho, de Artes Visuais,
tem giz de cera, lápis de cor e papel, não tem mais do que isso. Então vai ficar uma
mesmice, uma coisa assim difícil pra ele e os meninos vão ficar reconhecendo os
sons. Imaginando, ouvindo.
Valéria: O professor pode tentar formar um coral, alguma coisa assim. Mas...
Rosa: Mas tem professor formado em Música que está dando aula de Artes Visuais?
Trabalhando só com Música?
Valéria: Tem projetos de música em algumas escolas.
Débora: sim, eu entendo que a Música, eu acho o seguinte um professor de Música,
música mesmo, que sabe tocar um violino, que saiba tocar um piano, ele trabalha mais é
com projetos. Porque imagina assim, você trabalhar piano, por exemplo, 50 minutos,
você entrou agora na série, daí a 50 minutos você vai pra 8ªsérie, esse piano vai pra
onde? Qual é o ambiente?
Dessa forma, esses professores, que o habilitados em Artes Visuais,
apontam as dificuldades em trabalhar as quatro áreas propostas pelos PCN-Arte,
que, não possuindo experiências significativas em outras modalidades
artísticas, ao enveredarem num trabalho envolvendo Música, Teatro ou Dança,
irão fazê-lo sem o aprofundamento necessário. Daí a dificuldade de se pensar a
prática dessas quatro modalidades no âmbito escolar. Por outro lado, os PCN-
Arte também não apresentam formas de viabilizar essa proposta, sugerindo que,
"a critério das escolas e respectivos professores, (...) os projetos curriculares se
preocupem em variar as formas artísticas propostas ao longo da escolaridade,
quando serão trabalhadas Artes Visuais, Dança, Música ou Teatro" (PCN-Arte, p.
62-63).
Em relação às Diretrizes Curriculares Nacionais - DCN´s, procedi a uma
pesquisa
18
no site do MEC e encontrei as DCN`s de outras linguagens Artísticas:
Teatro, Música, Dança, Museologia. À época as Diretrizes para o ensino das
Artes Visuais havia sido retirada para revisão. Na pauta de discussões do grupo
18
Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne. Acesso em 20/06/06
focal estava a autonomia de escolhas no planejamento curricular dos professores
de Artes. Alguns professores reivindicaram as diretrizes de Artes Visuais, outros
questionaram sua necessidade.
“Arte tem conteúdo, é uma disciplina, uma matéria como as outras”, estas
são falas insistentes dos membros do grupo focal, das quais se servem como
argumento para tentar amenizar os equívocos e discriminações por que
passamos na escola. Os participantes fizeram comparações entre a disciplina de
Arte e as demais disciplinas. Observamos que não possuímos livros didáticos ou
um programa curricular relativo às séries que vamos trabalhar, com conteúdos
definidos, pré-requisitos que um aluno deve ter para acompanhar a disciplina de
Arte em qualquer lugar onde estudar. Somos autônomos para fazermos
nossas escolhas, porém pagamos um preço por essa autonomia, principalmente,
quando estamos iniciando a profissão. Não temos onde nos apegar. A escola nos
cobra um planejamento anual e não temos com quem debater sobre o mesmo.
Normalmente só existe um professor de Arte na escola em cada turno. Na hora de
planejar, procuramos afinidades de trabalho integrado com outras disciplinas ou
ficamos s. Os professores acreditam que seria diferente se o Ensino de Arte
tivesse um programa claro com conteúdos a serem cumpridos.
Alguns reclamam que o trabalho de preparação das atividades artísticas é
desgastante e cansativo. São muitas atividades anuais em cujo planejamento
estão incluídas a seleção de conteúdos e metodologias apropriadas, continuidade
com conteúdos anteriores, inter-relações significativas com as outras áreas do
currículo e com a comunidade, além da procura por livros, por materiais a serem
utilizados pelos alunos em suas produções, do ato de registrar as atividades,
envolvendo inclusive questões financeiras. Selecionei a fala da professora Elisa
do grupo T que expõe sobre esse fato:
Elisa: - Pra preparar as minhas aulas de arte, independente de ser ensino médio,
série ou 5ª, 6ª, e 8ª, porque eu dou aula pra isso tudo! Eu compro muito livro, eu
gasto muito dinheiro. Gente, eu volta e meia estou dentro de livraria. Por quê? Porque a
linguagem da arte muda, as técnicas de trabalho mudam. Os alunos têm outro
comportamento e outros interesses hoje em dia, e olha que eu sou professora muito
tempo, dou aula há 27 anos, eu sou velha, comecei a dar aula antes de formar.
Como pesquisadora, resolvi instigar esse debate para perceber melhor o
que realmente pensavam sobre essa questão de um programa curricular
específico para o ensino de Artes Visuais. Introduzi a seguinte pergunta:
Valéria: Vocês não acham que existem dois lados de uma mesma moeda? Porque tem
esse lado, assim, de ter um programa já elaborado pra você chegar e trabalhar, e tem um
outro lado que é o da autonomia, que é de trabalhar aquilo que você tem maior domínio
ou que você gosta mais de trabalhar e você tem essa liberdade de poder trabalhar
aquilo que você tem maior gosto.
Teresa: É que eu entro na formação da universidade, eu gostaria de visitar a
universidade pra ver o histórico escolar, os conteúdos, as matérias que esses alunos
estão desenvolvendo, pra ver se eles estão sendo preparados para ter esta facilidade de
montar um planejamento anual, um projeto...
Rosa: Essa autonomia, essa capacidade de discernir o que vão dar, eles não têm.
Teresa:...na 5ª, na 6ª, na 7ª.
Rosa: Eles não têm. Não têm.
Portanto, existe uma preocupação, por parte dos membros do grupo, com
os professores que estão iniciando a profissão. Observo que o grupo tem dúvidas
a respeito da capacidade dos novos professores de Arte de programarem
atividades para todas as séries do currículo com a competência necessária.
Nesse sentido, são favoráveis às DCN`s de Artes Visuais que poderiam servir de
alicerce para o planejamento das aulas.
No encontro, tanto do grupo T quanto do N, senti necessidade de tornar
claros alguns tópicos debatidos, percebi que deveria introduzir questões
estruturadas para direcionar as respostas e tirar dúvidas que estavam surgindo no
debate aberto. Lancei 6 questões para o grupo pensar e responder:
1 – Qual o perfil do bom professor de Arte?
2– O que o professor deve fazer para não “engessar” o aluno?
3 Quando o professor manda o aluno copiar uma obra de arte ele está
reprimindo a criação da criança?
4 – Até que o ponto o professor deve interferir na produção da turma?
5 O que uma criança perde quando não tem a chance de aprender o que é
comunicação visual?
6 – Qual é a finalidade da disciplina de Arte?
Entreguei as questões por escrito, permitindo que os participantes dos
grupos focais levassem-nas para casa e refletissem sobre as perguntas com
calma. Alguns escreveram por escrito, outros responderam oralmente no encontro
seguinte.
Lendo as questões para os participantes, obtive algumas respostas
imediatas. Sobre a primeira questão que perguntava acerca do perfil do bom
professor de Arte? No grupo N os participantes estabeleceram competências ou
qualidades necessárias ao professor de Artes Visuais, tais como: o professor de
Arte deve conhecer o que é arte, ter o olhar do artista, estimular sem engessar.
Transcrevo abaixo duas respostas a essa questão:
Marta: O primeiro passo, conhecer o conteúdo da arte para ensinar os alunos. Porque
podemos partir do princípio de que o professor formado em Arte saiba e conheça
bastante de arte, não para conceituá-la para o aluno, mas para promover um diálogo
sobre ela.
Débora: É ter aquele olhar de artista. Porque o olhar do artista enxerga diferente!
Enxerga diferente o mundo, enxerga diferente o aluno, enxerga diferente a criação do
aluno.
Nas respostas dadas por escrito pude observar que são apontadas como
atribuições aos professores de um modo geral, características tais como: ser
atualizado, ser alegre, comprometido, flexível, possibilitar descobertas. Considero
que no escopo desse perfil do bom professor de Arte estão, também, embutidos
os objetivos que os professores de Arte querem alcançar com seus alunos e que
estes objetivos determinam suas ações. Algumas reflexões acerca de tais
objetivos puderam ser realizadas pelo direcionamento dado pela atividade
proposta no 6º encontro com o grupo N.
Com esse grupo foi possível promover um encontro extra cuja intenção foi
de oferecer uma atividade na qual se pudesse perceber como os participantes
reagem às imagens, como as interpretam, enfim, como realizam a leitura da
imagem. Para tanto organizei a exibição de trechos de dois filmes: Sonhos de
Akira Kurosawa, episódio O Corvo e Sociedade dos poetas mortos de Peter
Weir. Essa atividade acabou revelando, de forma espontânea, os objetivos dos
professores de Arte. Procederei, portanto, à descrição das cenas apresentadas
em ambos os filmes:
No episódio O Corvo, o autor utiliza efeitos especiais através das quais a
imagem se mistura com a pintura que tenta reproduzir as pinceladas de Van
Gogh. Inicialmente o personagem central é um espectador que observa obras de
Van Gogh em uma galeria de arte. Em dado momento o espectador se dentro
do quadro e resolve seguir à procura do artista, passando por diversas de suas
obras. O episódio retratado é um mergulho nas obras de Van Gogh. As
professoras fazem uma verdadeira “viagem”, sorrindo enquanto acompanham as
cenas e fazendo relações com suas próprias vivências como arte/educadoras.
Vendo Van Gogh carregar seus instrumentos de trabalho, as professoras
comentam sobre as sacolas de materiais que carregam quando vão dar suas
aulas: “-Precisávamos ter um carrinho de supermercado para colocar os
materiais”, disse a professora Marta.
Tecendo relações com outros filmes, a professora Regina recomenda um
outro que também leva o espectador a viajar na obra de um artista, nesse caso, a
viagem é na vida de Pablo Neruda em O carteiro e o poeta.
Após os comentários provocados pela exibição do episódio O corvo, iniciei
a apresentação do trecho do filme Sociedade dos poetas mortos. Passo a
descrever, agora, o filme e as cenas escolhidas:
O filme Sociedade dos Poetas Mortos, (1989), do diretor Peter Weir não se
trata de mera ficção descontextualizada, uma vez que e em cena as
representações e os valores sociais da sociedade contemporânea. O personagem
principal é Keating, interpretado por Robin Williams, um professor de literatura
que chega para trabalhar numa escola tradicional onde fora aluno, trazendo seu
“moderno método de ensino”. Introduzindo na escola práticas educativas que
levavam em conta as reais necessidades e aspirações dos alunos. Keating vai
analisar a poesia além do rigor da composição, mostrando os impulsos e paixões
dos poetas, buscando pela fruição da vida, por tornar extraordinárias as vivências
do dia-a-dia. É nesse sentido que o professor vai buscar através da poesia, a via
para chegar ao conhecimento, possibilitando ao indivíduo uma formação não
da racionalidade cientifica, objetivante e calculadora, mas uma formação plena
para a vida, na qual expressar-se e conhecer-se se processam através do
sensível.
A primeira cena escolhida é uma aula em que o professor Keating pede
para os alunos retirarem páginas de um livro de literatura e jogarem no lixo. O
professor, nessa aula, faz uma relação da poesia com a vida, esclarecendo aos
alunos que, para falar de poesia, é necessário ter paixão, dizendo: “-Vocês podem
contribuir com um verso”.
Essa cena é catártica, algo bem fora do comum para uma escola para
rapazes, conservadora, tradicionalista, que procura formar alunos que se
encaixem num padrão cultural cujos valores são marcados pela competição e por
interesses econômicos.
Através da provocação estabelecida pela reprodução da cena do filme,
surge a questão: -Essa escola favorece o questionamento acerca do sentido e do
valor da vida para cada aluno? Primeiramente, as professoras do grupo N falaram
sobre a escola que aparece no filme. Através de uma metáfora descrita pela
professora Teresa, é possível resumir os comentários:
-
Uma escola que pensa
num ser humano como lápis dentro de uma caixa, todos de mesmo formato,
organizados e bem apontados”.
Analisam também, o objetivo do professor Keating de formar alunos livre-
pensantes. Percebem que a linguagem utilizada pelo professor para alcançar seu
objetivo é a arte. Com essa análise partimos para uma das finalidades
importantes da arte/educação: resgatar a magia e a sensibilidade na escola. As
professoras lembraram das depredações que estão acontecendo na escola,
observaram que o aluno não se identifica com a escola e a encara como um fardo
para carregar, lugar de sacrifício e não de prazer. Falaram da necessidade de
educar o aluno para respeitar trabalhos expostos, ser um espectador atento, fazer
silêncio para assistir a uma peça de teatro, ter acuidade musical, enfim, educar o
aluno para as linguagens artísticas e para captar a cultura.
Após esses comentários, parti para a segunda cena escolhida. Novamente
é uma cena que se passa na sala de aula. O professor Keating propusera numa
aula anterior que os alunos compusessem um poema para recitar em sala de
aula. E dirigindo seu olhar para um de seus alunos, questiona: “_Qual é o seu
verso?” O aluno em questão se sente totalmente incompetente para executar a
tarefa, se esforça-se para realizá-la mas é vencido pelo medo de se expor frente
ao grupo de colegas. O professor, ciente da dificuldade do aluno, insiste que ele
à frente e fale o que lhe vem à mente sobre um retrato exposto numa das
paredes da sala. Pede que o aluno feche os olhos, que não ouça seus colegas,
gira o aluno, provoca-o, instiga-o para que fale. O aluno, então, enuncia um
poema, feito naquele momento, diante de todos. Quando o rapaz abre os olhos,
toda a turma o aplaude.
Os comentários sobre essa cena giram em torno do professor e de sua
atitude. O professor Keating insiste em encorajar o aluno a se expressar com
originalidade. A questão do protagonismo surge com a idéia de reforçar no aluno
sua identidade.
Observamos que o diretor, Peter Weir, propõe ao público uma questão
muito séria a respeito da escola que o aluno como depósito de informações,
cuja filosofia educacional não enxerga a Arte como conhecimento. Para esse tipo
de educação, um advogado, médico ou engenheiro não precisa de poesia. Ao
combater esse pensamento, os personagens, professor Keating e seus alunos,
vão vivenciar vários problemas. Procurando instigar o grupo, questionei acerca do
tipo de aluno que queremos formar. A professora Regina, respondendo à
provocação, comenta ser papel do professor agir como um fomentador de idéias.
As idéias se somavam, ao dizerem que buscamos formar alunos sensíveis
que se emocionam, que sabem lutar por seus direitos, alunos críticos, que sabem
polemizar, alunos criativos, que sabem se virar em qualquer situação, alunos
cultos, que conhecem arte.
Em relação à segunda questão, em que se interroga sobre as ações do
professor para não “engessar” o aluno, pude observar respostas que se
aproximam muito das já faladas na primeira questão, uma vez que se referiam ao
professor de Arte como o que não engessa, que não tem o objetivo de colocar o
aluno em uma forma, que não oferece o conteúdo pronto e apresenta as técnicas
como arquivo básico de memória para contribuir na criação dos alunos.
Marta: Hoje eu passei no centro de formação, tinha alguns trabalhos, de escolas,
expostos lá. Chamou minha atenção o fato de estarem todos iguaizinhos, são trabalhos
muito bonitos, muito bem feitos e tinha mais o nome da professora do que do aluno. Eram
dobraduras de araras, umas diferentes das outras, mas a base do papel foi feita pela
professora, então tinha um galho de árvore, todos têm esse mesmo galho e colaram as
dobraduras sobre eles. Mas cadê a individualidade do aluno? Cadê a expressão do
aluno? Cadê aquela liberdade de fazer um fundo diferente não é? Então eu acho que
entra esse conhecimento que ela está falando, incentivar o aluno a ter a expressão, em
cima de alguma coisa que você está direcionando, porém sem engessar.
Débora: Porque é uma mentalidade do ensino tradicional que foi formado. Nós viemos
de uma escola tradicional, então sem querer você quer a coisa toda dentro de
parâmetros, tudo certinho. E eu acho que a pessoa que tem aquela coisa de arte, ela não
consegue ser igual e não consegue fazer com que seus alunos sejam iguais.
Marta: E na hora de apresentar um trabalho coletivo, o professor fica preocupado com o
acabamento. Às vezes ele vai matar o trabalho do aluno porque ele quer dar um
acabamento bonitinho e acaba interferindo naquele trabalho:
_Vamos fazer uma margem aqui.
_Vamos corrigir aqui porque ficou torto.
E acaba tirando a característica do aluno para aparecer tudo bonitinho no final.
Novamente a questão da formação do professor é questionada pelos
participantes do grupo N, ao perceberem que alguns professores utilizam
repertórios tradicionais e que não condizem com a linguagem dos alunos. Sobre o
fato do ajuste feito pelo adulto, “ajudando” nos trabalhos dos alunos,
desrespeitando a espontaneidade da sua linguagem, é Martins(1998) quem nos
fala: “No círculo vicioso, repetem-se as “mãos de gato”, repetem-se os desenhos
copiados”(p.15).
No grupo N, as respostas para as perguntas apresentadas no encontro
foram respondidas oralmente no e encontros, porém algumas professoras
ainda fizeram um registro das respostas por escrito. No encontro, e último, a
professora Marta leu um pequeno texto contendo suas respostas, que foi bem
aceito pelo grupo, visto que parecia resumir diversos pontos tratados durante
nossos encontros.
A partir destas falas é possível concluir que os professores percebem uma
necessidade urgente de formação continuada tanto para nossos pares como para
os professores de outras áreas a fim de ressignificar a arte na escola,
desmistificando a idéia de arte como luxo, ornamentação ou disciplina não-séria
no currículo escolar. Percebem, também, que o Curso de Arte precisa oferecer
mais disciplinas que tenham como objetivo introduzir os alunos em processos de
leitura de imagens e contextualização do objeto artístico para que os mesmos
possam propor estas atividades em suas práticas pedagógicas.
As quatro questões ainda não analisadas até aqui referem-se a aspectos
que serão desenvolvidos durante o desenrolar deste capítulo.
4.5 - A Abordagem Triangular e sua aplicabilidade
Os professores dos grupos focais trabalham a apreciação, a produção e a
contextualização. Fazem também as releituras enquanto produção, realizada
através da apreciação de obras de arte. A proposta metodológica baseada em
ações de fazer, apreciar e contextualizar são, portanto, comuns na prática dos
professores. Contudo, o movimento de zig-zag do contextualizar para fazer, do
contextualizar para apreciar é comum entre os participantes. A metáfora do
triângulo deu lugar ao zig-zag na prática dos professores.
O contextualizar, o apreciar e o produzir através de releitura são elementos
que podem ser observados nos trabalhos que a professora Teresa levou no
encontro e que acabaram sendo alvo de várias análises. Os trabalhos
apresentados por ela, além da análise mencionada anteriormente, eram
releituras realizadas por suas turmas de séries do ensino fundamental. Ela
expôs para o grupo N como havia realizado seu trabalho. Selecionei um trecho
que nos dá uma visão dos três vértices da abordagem triangular, a leitura da
imagem, o contextualizar e o fazer (aqui utilizando a releitura), vistos e
trabalhados pela professora.
Teresa: Eu posso mostrar pra vocês uma coisa, vocês me dão um tempinho pra eu
mostrar uma coisa. Eu tenho isso aqui, pensei: - Eu vou levar e se tiver condições eu vou
mostrar.
Este ano de 2006, este ano agora no primeiro semestre, eu trabalhei o grafismo
com os alunos de séries. Aqui na cidade, as obras de Picasso “Guernica”, de Munch
“O Grito” e outros, estão sendo grafitadas nos pontos de ônibus.
Nós fizemos um estudo histórico desde a época das cavernas, o primeiro grafismo
da humanidade, fiz um histórico e tudo mais com os meninos. Aí fotografei essa pintura e
fui mostrando para os meninos, (Mostrou para nós Guernica pintada no ponto de ônibus).
É Guernica, os alunos olharam, levaram o maior susto: - Ah, não entendo aquilo, aquilo é
uma loucura. Dentro do ônibus o motorista também estava perguntando sobre a obra
quando tirei a foto.
dei um texto retirado do próprio livro de história deles para eles lerem,
reconheceram Guernica. Foram estudar a obra, eles viram que era o símbolo da
opressão e violência política, não é? Tudo bem.
Esse trecho nos permite observar a sistematização da Abordagem
Triangular na prática da professora em questão. Para dar maior clareza das
possibilidades de aplicação da abordagem triangular como todo de trabalho,
esta sessão foi dividida em três sub-sessões, cada uma delas dando ênfase a um
vértice da abordagem triangular em especial, estabelecendo, entretanto, as
conexões necessárias entre elas.
4.5.1 - O vértice “Contextualizar”
Conforme foi dito no quadro teórico, contextualizar é analisar a cultura
circundante, o contexto, o campo de referências do artista e do aluno.
Contextualizar colabora com o ato de conhecer a imagem produzida pelos artistas
e pelos alunos.
Podemos analisar nesta sub-sessão dois aspectos que estão
ligados ao ato de contextualizar, a leitura da imagem e, conseqüentemente, a
educação do olhar. Todavia, precisamos ter em mente que se constituem como
atos de natureza diferentes. Fazemos a leitura da imagem com a intenção de
educar o olhar da criança, processo de aprendizagem no qual o ato de
contextualizar também irá contribuir.
Contextualizar a obra contando a história da vida do artista, falando de sua
época, criando relações com as situações atuais são formas de ajudar a conhecer
a obra. Porém, nos depoimentos dos professores, o ato de contextualizar e o ato
de fazer a leitura da imagem são atitudes muito próximas. Sabemos que exercitar
a leitura daquilo que está oculto na imagem é uma prática de buscar o sentido da
obra e contextualizando também chegamos ao mesmo objetivo. Um exemplo foi
dado a respeito das obras de Piet Mondrian. A professora Rosane, do grupo T,
leva livros de imagens para trabalhar com seus alunos e analisa o fato de que,
algumas vezes, as obras se confundem com as experiências de vida do artista.
Rosane: Na turminha do 1º e 2º períodos, nós estamos aprendendo a ler imagens. Então
no primeiro dia que eu cheguei nessa turma eu levei uns livrinhos, e falei: nós vamos ler.
Um deles disse assim: - Mas eu não sei ler.
Só que agora nós estamos aprendendo a ler desenhos, porque a imagem é uma leitura, e
é claro que você sabe ler. agora nós estamos vendo uma história de um macaquinho,
aquela do Ronaldo Simão. Quando eu mostrei a capa do livro o Patrick, pequenininho, de
cinco aninhos, gago, falou: - Essa história é do macaquinho. É a leitura da imagem feita
pelo Patrick, e a gente vive num mundo extremamente imagético, não é? E eu permeio
muito isso com poesia, o sentido oculto da poesia. As poesias infantis de Cecília
Meireles. Que Cecília Meireles escreveu poema infantil o que menina! Olha a
profundidade desses poemas dela, não é não?
Valéria: Parecem ter sido feitas para os adultos.
Rosane: Nossa! Mas é uma poesia que ajuda você a desenvolver, eu acho que o grande
barato das artes é que exercita em você a leitura atrás da imagem, é um sentido, o
sentido oculto daquilo. Olha Mondrian, aquelas árvores de Mondrian, aquelas imagens
que parecem óculos, ou então que parece um monte de pedaços. Você vai ver aonde
Mondrian passou a infância dele, não é? O quê que ele vivia, você vai ver que era tudo
mágico no mundo dele, aquele olhar distante dele...
Ao se contextualizar, pode-se fazê-lo de formas diversas: contextualização
cronológica, social, histórica. Pelas falas dos professores que se constituem
sujeitos desta investigação, embora se perceba uma tendência à contextualização
histórica, aparecem outras formas de contextualização quando falam de cultura,
em que enfatizam a necessidade de se trabalhar com a cultura da região,
explorando o contexto social do aluno, relacionando-o com o conteúdo proposto.
Além disso, percebi também, o fato do contexto político refletir-se nas análises
das obras, na necessidade de se falar dos acontecimentos atuais, ou seja, estar
conectado faz parte do contextualizar.
Teresa: A contextualização é muito importante, gente. Talvez seja porque o que não faz
sentido pra mim eu não aprendo, nada. Se isso aqui não fizer sentido, se eu não
compreender aquela lógica. Primeiro eu dou aula pra mim mesma. Quando eu estou
montando aula eu sou minha aluna, então de repente eu sempre tive necessidade de
entender aquilo que eu estava estudando. Por que eu nunca aprendi química? Porque
não fazia sentido. A professora entrava em sala, enchia com aqueles ccc, eu nunca entrei
num laboratório. Aquilo não fazia sentido pra mim
Teresa:...O professor tem que levar o aluno pra viajar com ele. Transportar. A riqueza
está aí, então a pessoa tem que amar o que faz. Se o professor entra na sala, frio, com
apenas aquele conteúdo que ele decorou, que ele viu, que ele gostou, que ensinou na
Ana Maria Braga uma técnica lá, ele não leva ninguém com ele.
Observei que muitas vezes os professores revelavam que o ato de ler a
imagem está intimamente ligado à vivência do artista em dado tempo histórico.
Em outras palavras, o ato de contextualizar ajuda na interpretação da imagem.
Dessa forma, revelar o processo individual do artista, o seu meio social,
seu momento histórico o fundamentais para que o aluno possa perceber o
conteúdo contido na obra de arte.
4.5.2 - O vértice “Fazer”
O professor André relatou que elaborara um projeto para trabalhar com
seus alunos, descrevendo para o grupo os procedimentos de seu trabalho:
elegeu quatro artistas brasileiros para trabalhar, escolheu algumas obras desses
artistas, tirou cópias coloridas em transparências das obras escolhidas, projetou
as obras para os alunos apreciarem, mostrou os elementos da composição, falou
sobre a técnica usada pelo artista, desenhou ao lado da projeção os principais
contornos da obra no quadro negro, comentou sobre o artista, sua vida, sua
época, sobre a escolha do tema da obra, comparando com outros artistas de seu
tempo. Solicitou, então, que os alunos pesquisassem sobre a bibliografia do
artista e pediu-lhes que fizessem trabalhos inspirados no trabalho que estava ali
projetado. Os alunos fizeram releituras das obras, aproveitando para usar
materiais diferentes do usado pelo artista. Foram utilizados: giz de quadro,
carvão, pis de cor, jornais, papéis coloridos e outros materiais. Essa descrição
sucinta do trabalho do professor do grupo T foi compartilhada no encontro e
transcrita no trecho abaixo:
André: Então eu comecei a pesquisar a vida e a obra dos artistas, não é? Agora
eu comecei a passar pra releitura da imagem. Eu mostro uma obra na transparência e
eles vão fazendo. Ao mesmo tempo, que eu projeto, pra eles não ficarem muito perdidos,
eu faço também um desenho olhando. E é interessante porque a gente pensa que ele vai
ficar muito preocupado em copiar, então eu tiro um pouco isso da cabeça do aluno
também. Eu acho que ele deve usar a obra como inspiração pra ele: - Nunca que eu vou
conseguir fazer isso, professor. Isso é o que eu ouço e na verdade sai algo muito
diferente, você sente que tem alguma coisa a ver com a obra do artista. Então isso é que
é releitura. Eu acho assim, que é importante, a gente apresentar (mostrou a
transparência) que esta é uma obra de Guignard, que o Guignard foi um artista
importante e ir mostrando a obra para o aluno para que possa conhecer e comparar,
fazendo essa conotação com a obra do artista é muito bom pro aluno. Sabe por quê?
Quando eu fui aluno, no meu tempo de ginásio no “Colégio dos Jesuítas”, eu não tive
uma aula de artes desse jeito, então eu acho que eu estou fazendo um papel muito
bom para o meu aluno.
Por outro lado, uma contextualização mal feita, uma análise superficial da obra
ou apenas a apresentação de alguns dados biográficos do artista, seguidas de
uma releitura que lembra cópia são problemas que podem interferir no
desenvolvimento de um bom trabalho. Assim, o aluno não se identificará com o
conteúdo proposto, resultando em uma experiência vazia. Nesse sentido, alguns
autores fazem criticas severas à releitura, devido ao aspecto de cópia que lhe
pode ser imprimido. Vejamos as palavras de Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
( in Barbosa 2005a)
Isso é abordagem triangular? Eu diria que é redução e não
interpretação. Os resultados são trabalhos em que o aluno tenta
agradar o professor copiando a obra ou o próprio professor acha que o
melhor resultado é o que se encontra mais próximo
representacionalmente da obra, em questão (p.144-145).
Contudo, a releitura pode se constituir como um dos muitos recursos
didáticos e metodológicos eficientes utilizados pelo professor de arte, desde que
essa releitura seja conduzida de modo a analisar as obras sob pontos de vista
estéticos, técnicos e conceituais. Nessa perspectiva, o professor deve abrir
espaço para que o aluno possa criar com ela, apropriando-se dos elementos
visuais da obra em questão, do jeito de trabalhar, das características do artista
escolhido por ele. Uma forma para evitar cópias, pode ser o trabalho com a
memória visual do aluno. Na verdade existem várias formas de propor um
trabalho de releitura, ficando a cargo do professor a escolha pelo método de
trabalho que melhor lhe convier.
No 5º encontro do grupo T, os três professores participantes responderam
sobre a terceira pergunta feita no encontro: “Quando o professor manda o
aluno copiar uma obra de arte ele está reprimindo a criação da criança?”
Estávamos falando justamente sobre a questão da releitura e as respostas
dos professores demonstram como essa questão está ligada diretamente às
várias formas de propor um trabalho para o aluno.
André: Ok. Deixa eu tentar colocar aqui. Porque eu acho que são valores
completamente diferentes, você mandar copiar é uma coisa, observar, copiar, é um valor
do exercício artístico. Tá? Você mandar abstrair é outro valor do exercício artístico. Você
mandar reler é outro valor. Entendeu o que eu estou falando? São valores que você deve
explorar.
Elisa: E quando você manda o aluno criar é outra coisa.
André: É só você imaginar que você está dando uma aula de desenho e você pegou uma
pessoa que não sabe nada de desenho, essa pessoa deve primeiro o quê? Deve fazer o
que? Vamos colocar um objeto aqui e vamos observar como é que faz. Depois vamos
começar a abstrair em cima desse objeto, e depois vamos começar a criar alguma coisa.
Entendeu? Então o processo de sala de aula deve ser mais ou menos a mesma coisa.
Agora, quando você pega uma criança, pequenininha não adianta colocar um objeto pra
ela copiar não. Você tem que saber com que público você está lidando, não é? Você tem
que fazer um diagnóstico desse público.
Rosane: Mas você pode chegar e falar assim: - Gente, vamos desenhar essa obra de
novo. Eu quero que vocês copiem essa obra, mas mudando cinco coisas.
André: Ah, é legal bem.
Rosane: Eu passo uma tarefa para o aluno criar sem perceber que está criando. Se eu
der uma coisa e falar: - faça um desenho. Ele vai fazer uma bobeirinha, uma casinha, um
solzinho e acabou.
Portanto, a produção, o fazer estão intimamente ligados aos objetivos que o
professor deseja alcançar com seus alunos. Nessa direção a releitura é uma das
formas de propor trabalhos aos alunos que tem sido muito utilizada. Propor essa
questão aos professores foi uma forma de clarificar como ela acontece na prática.
Observo que os professores têm consciência de que seus alunos só poderão
adquirir liberdade de escolhas para criarem seus trabalhos artísticos se tiverem
conhecimento de materiais, suportes, cnicas artísticas e das possibilidades de
articulações entre estes elementos. Para alcançar esse objetivo é necessário
propor outras formas de trabalho e não se limitar à proposta de releitura. Os
professores entendem que é necessário oferecer aos alunos uma diversidade de
estímulos, dando-lhes os conceitos e as informações necessárias para o ato de
criar.
Em relação ao processo de criação, devemos levar em conta a faixa etária
do aluno. Na adolescência, os alunos vão se tornando contempladores exigentes
do mundo real e seus desenhos refletem essa característica. No trecho abaixo é
possível observar essa preocupação em conhecer a fase em que o aluno se
encontra para propor trabalhos que atendam aos seus interesses.
Valéria: - A referência de arte é a clássica e a fonte de inspiração para a criação continua
sendo a realidade.
André: - Exatamente. Mas isso acontece quando? Acontece com os alunos mais
maduros, quando vão chegando na 7ª, série e ensino médio. Por quê? Porque
perderam aquela coisa da criança, eles desenham e acham que... a criança tem uma
liberdade de expressão e acabam fazendo coisas maravilhosas e os adolescentes são
travados, porque já tem aquele senso crítico, acham que os outros vão criticá-los.
Nessa fase, que corresponde aos 13, 14 anos, é necessária a orientação do
professor para o desenvolvimento de técnicas que garantam uma representação
mais complexa dos objetos. O problema da falta de treinamento para a criação
leva o adolescente a abandonar a linguagem gráfica. Vygotsky, em seu livro: La
imaginacion y el arte em la infância”, fala de 4 etapas do desenvolvimento do
desenho infantil. Em relação a faixa etária do adolescente, o autor esclarece:
La creación imaginativa del adolescente tiende en este período a
la forma ilusória y naturalista, quiere hacer de modo tal como es en
realidad, los órganos de la vista le permiten asimilar los métodos de la
representación perspectiva del espacio (p.101).
O desenho geométrico foi lembrado pelos dois grupos que percebem, nos
alunos, um despreparo para o uso de instrumentos técnicos básicos como, por
exemplo, a régua. Dificuldades que se revelam no traçado de linhas e formas,
conhecimentos úteis para a execução de desenhos artísticos. Elementos do
desenho que vão desde o ponto, a linha, plano, a superposição, figura e fundo, a
perspectiva, a profundidade, a proporção, o volume, a sombra e a luz. Selecionei
algumas falas dos grupos que elucidam a necessidade de elementos básicos de
desenho, elementos estes que podem garantir uma melhora na produção da
turma, ajudando a desenvolver a linguagem gráfica dos alunos:
No segundo encontro do grupo N, pontuei a questão seguinte:
Valéria: Eu fiz questão de convidar a Regina, porque é o outro lado, não é? Regina é
professora do Colégio Militar, dá aulas de Desenho Geométrico e é formada em Arte pela
UFJF.
A Rosa comentou assim: - O aluno não tem mais a formação em Desenho Geométrico,
nem o professor de Matemática, que tem seis aulas, não tira uma aula para dar Desenho
Geométrico e o professor de Artes, que tem uma aulinha só, não vai priorizar o desenho
Geométrico, ele vai priorizar a Arte. Graças a Deus, está é a minha posição. Porém o
Desenho Geométrico ficou no ar. O menino, às vezes, não sabe pegar uma régua e
medir três centímetros, você fala com ele, ele começa a medir do um, ele não começa do
zero.
Rosa: Eu falei sobre a parte do Desenho Geométrico, não é que eu ache que eles têm
que sair da arte para uma coisa mais tecnicista não, mas é que isso...
Teresa: É pré-requisito.
Rosa: Isso é pré-requisito pra um monte de outras coisas.
Regina: Na verdade as áreas estão muito próximas, a gente está vivendo um momento
em que as pessoas estão tomando consciência de que uma coisa precisa da outra
.
No terceiro encontro do grupo N a questão aparece novamente:
Rosa: Eu estou ensinando desenho para os meus alunos e eles não têm base, eu falo
com eles na aula assim:
_Sabe o que é perpendicular gente?
_Não lembro mais não, professora.
_ E um ângulo de 90º? Sabe o que é um ângulo de 90º?
Eu tive que parar, ir no quadro e dar uma aulinha pra eles, fiz os símbolos, fiz os ângulos,
fui mostrando, isso aqui tem 90º. Por que eu tive que fazer isso? Eu vou falar com eles
que um rosto tem uma simetria, que a linha dos olhos é perpendicular à linha do eixo do
rosto que eu estou fazendo ali. Como eu vou fazer você entender que se você inclina o
rosto essa linha (mostrando o eixo de simetria de seu rosto) inclina? Eles estavam
fazendo assim, um aqui e o outro aqui, mantendo a horizontal. Então é assim, uma coisa
básica, mas numa turma de mais ou menos 15 alunos, eles estavam tendo dificuldade.
O fazer envolve a técnica, aspecto pelo qual os professores do grupo T
demonstraram maior interesse em debater que o grupo N. Na verdade os
professores trocaram muitas informações de como trabalhar técnicas, ou seja, um
queria saber como os outros desenvolviam seus trabalhos. O professor André
expõe suas idéias e volta a comentar sobre os “valores” artísticos, que considero
serem elementos da composição plástica que podem ser trabalhados na instancia
do “fazer”. O trecho selecionado nos dá essa visão.
André: Uma coisa muito legal pra trabalhar em artes que eu não sei se vocês já
exploraram, é fundo e forma. Fundo e forma. Tipo assim, os meninos desenharam um
jarro de flores. Usamos carvão no jarro, depois a gente recortou o jarro de flores e depois
recortamos um pedaço de papel colorido e pegamos uma folha e viemos colocando, o
papel colorido tipo uma mesa. Então veio o papel branco, o pedaço de papel colorido e
depois o jarro em cima colocado. Essas coisas assim.
Risos.
Valéria: Interessante, eles vêem o que é o fundo, o que é a figura, o que é plano.
André: Eu acho que essas coisas que têm volume, sombra e luz, perspectiva, você tem
como trabalhar demais em arte. São os valores da arte que você pode estar passando
para o aluno e eles descobrirem que é possível fazer isso. Perspectiva, quando eles
descobrem que podem fazer uma perspectiva de um prédio de esquina, eles ficam
babando, com ponto de fuga e tudo, que é mais ou menos uma geometria, mas não deixa
de ser arte também. Quando eles descobrem que podem estar fazendo isso, que aquilo
não tem nada de talento, que aquilo é técnica. E ele começa a achar que ele pode
desenhar, entendeu?
Rosane: Eu trabalho muito a perspectiva.
Ainda dentro do vértice do fazer da abordagem triangular, que está sendo
discutido neste capítulo, surgiu a questão da avaliação dos trabalhos produzidos
em Arte e do resultado alcançado pelo aluno. Não falamos de métodos de
avaliação, priorizamos a interferência no momento da produção como forma de
avaliar visualmente o potencial do aluno e a necessidade de comentar sobre o
trabalho executado individual ou coletivamente, dependendo da natureza do
trabalho, no sentido de melhorar sua qualidade. Na verdade observei nos
professores um impulso maior no sentido de falar dos resultados alcançados
através da vivência com a arte. Os resultados alcançados são revelados no dia-
a-dia entre professor e aluno.
Em arte os métodos de avaliação variam de professor para professor e no
ensino fundamental a maioria das escolas utiliza conceitos e não notas numéricas
para valorar os trabalhos realizados. Considero relevante na prática do professor
de Arte o acompanhamento simultâneo dos trabalhos em sala de aula. Sobre
esse aspecto surge a questão da interferência do professor no trabalho realizado
pelo aluno, que se constitui como a quarta pergunta feita no encontro dos
grupos focais: “Até que ponto o professor deve interferir na produção da turma?”
Ao discutirem tal questão, os professores apontam diferentes posições, tais
como a necessidade de o se estabelecer modelos, de estimular os alunos, de
apresentar trabalhos diferentes, tanto de artistas renomados quanto da própria
produção da turma. Nessa perspectiva, o ato de interferir deveria ser no sentido
de buscar desabrochar, instigar, provocar, bastante diverso das “mãos de gato”
citadas anteriormente. Nessa discussão, ressalta-se, inclusive, o papel da
participação ativa dos colegas na produção, ou seja, o aluno mediador como o
que ajuda o outro, explicando como elabora sua atividade, além de também
opinar sobre o trabalho do colega.
Nesse contexto, a aula de arte pode ter um clima diferente e proporcionar
um maior entrosamento entre alunos, um clima de trocas, de movimentação, fato
não raro, confundido com indisciplina. Nota-se que existe uma preocupação com
a disciplina, por parte não apenas dos professores de Arte, mas também da
direção da escola. Porém, o tumulto no início da aula pode ser transformado em
quietude durante a produção. Quando o aluno interioriza o sentido do trabalho, ele
se aquieta. Nesse momento alunos fechados e tolhidos saem da rotina e “fazem
diferente”. Cantar, brincar, contar histórias, proporcionar momentos felizes, o
atitudes próprias das professoras das séries iniciais e educação infantil. É bem
mais difícil ver essas atitudes com alunos maiores. Os alunos confundem
determinadas atividades com brincadeira e lazer, esquecendo-se do
aprendizado proporcionado por essas ações. É preciso servir-se do caráter lúdico
da arte tendo o cuidado de definir para os alunos quais são os objetivos da
atividade proposta. Portanto, essa pode ser uma forma de demonstrar seriedade
sem perder o encantamento que, certamente, não atinge a todos.
Os professores do grupo T demonstraram um certo incômodo com a opinião
dos outros professores e da direção a respeito do fato de haver barulho na sala
de aula:
André: A gente tem que entender os alunos também. Eles não trazem materiais, eu dou
carvão, giz de professor, giz de cera, então tem aquela troca de material. Eu acho que
tudo faz parte. Fazer uma colagem, por exemplo, a tesoura circula de mão em mão, é
pedaço de papel colorido que gira pela sala, é cola. Então, gente, senão a aula de artes
seria uma aula...uma aula...
Elisa: Enquadrada, não é?
André: Enquadrada, igual às outras aulas que você passa e está todo mundo em silêncio.
Não pode ser, eles devem achar que eu sou louco, quando passam perto da minha sala e
vêem aquele fuzuê.
Elisa: Mas que eles acham um absurdo, eles acham. Eles falam que aula de Arte é assim
mesmo, mas eu falo que no fundo eles estão te criticando. Eu acho que no fundo é uma
crítica.
As escolas municipais e estaduais de Juiz de Fora, em sua maioria, não
possuem sala própria para a disciplina de Arte e os professores, geralmente,
trabalham com escassez de materiais, driblando a sua ausência com criatividade,
com a colaboração dos alunos e com um gasto extra do próprio orçamento.
4.5.3 - O vértice “Apreciar”
A leitura da obra de arte tem sido chamada de apreciação, entretanto, nos
grupos focais percebi que os participantes, muitas vezes, confundem o ler com o
contextualizar.
O exercício visual muitas vezes é considerado como o primeiro passo na
aprendizagem da arte, apreciar as obras de arte. Apresentar o artista ao aluno
através de algumas de suas obras, apreciar o trabalho do artista e depois analisar
o contexto onde o processo se dá. As produções de trabalhos podem
acompanhar esse processo, pois exercitam a leitura e a descoberta de novos
significados.
Esse início de contato com o mundo da arte é considerado pelo grupo como
um pré-requisito para que daí em diante o aluno amadurecendo e buscando
novas fontes de convívio com a arte. Levar os alunos aos museus, galerias,
teatros, cinemas são atividades reconhecidas pelo grupo como uma necessidade,
porém, se não for possível sair com eles, levamos até eles os museus e galerias,
apreciando as reproduções de imagens em sala de aula, levando filmes,
convidando artistas para mostrar seu trabalho na escola ou, quando possível,
fazendo visitas virtuais na internet. Enfim, educar o olhar do aluno para as
linguagens artísticas.
A leitura da imagem não é considerada apenas como um ato
contemplativo, mas, num sentido amplo, um ato de interpretação do objeto
artístico. No ensino de Artes Visuais a busca por uma leitura crítica da obra de
arte vem sendo ampliada para outras possibilidades. Ler as imagens das
propagandas de TV, dos cartazes, dos outdoors. A professora do grupo T,
Rosane, fala-nos de um “conteúdo oculto na imagem” publicitária.
Rosane:... O segredo está nas aulas de Arte, essa leitura atrás da imagem, você
contextualizar uma propaganda, uma imagem, você lembra até um tempo atrás tinha uma
propaganda de revista, até daquele cara da “Bom-Bril” vestido com a roupa de Che
Guevara, aí a frase era, esqueci. Como é a frase?
Valéria: Hei de endurecer, mas perder a ternura jamais. Essa frase dele é bem
conhecida.
Rosane: Exatamente, olha bem a leitura atrás da imagem que aquilo traz, a gente
precisa, a gente deve exercitar isso nos alunos da gente e é as artes que tem mais
espaço pra isso. Uma novela na televisão, uma propaganda.
Considero importante neste momento voltar à questão dos auto-retratos,
lembrando que, conforme foi dito no início deste capítulo, os auto-retratos foram
introduzidos, também, com a função de perceber como os professores dos grupos
focais apreciam, analisam e interpretam desenhos. Enfim, verificar nos
professores a sensibilidade para perceber o não dito em palavras, o dito através
das imagens. Os professores fizeram uma verdadeira viagem nos auto-retratos e
me deram um retorno bastante sensível nesse exercício, decifraram com muita
sensibilidade e conseguiram com sucesso perceber o que os demais colegas
sentiam através da leitura dos auto-retratos. Os trechos selecionados
demonstram esse fato.
A leitura de meu auto-retrato no grupo T:
Valéria: Fiz um auto-retrato meu para servir de exemplo para que vocês façam o de
vocês e a gente trocar idéias. Eu comecei a fazer um auto-retrato de como eu me sentia
e não como eu me via no espelho e saiu esse desenho aqui. (mostrei o desenho)
O que vocês estão vendo, como vocês conseguem ver a Valéria nesse auto-retrato?
Rosane: Muito apaixonada pelo Picasso.
Elisa: Não. Muito técnica, muito mecânica. Muito máquina, muito geométrica.
Valéria: Também.
Elisa: Acho que é a máquina, você está muito ligada à máquina.
Rosane: Você sabe o que eu achei interessante, esse desenho olhando pro outro, meio
nu. Você desnuda mesmo, exposta, você aberta, sem mascaras olhando pra Valéria que
esta lá na engrenagem, não é?
Elisa: Eu acho que a Valéria está muito triste, eu acho.
Rosane: Eu acho esse negócio muito chique, esse negócio de imagem, de ler, olha o
tanto que a gente leu.
Elisa: A gente sofre um pouquinho pra se desenhar?
Valéria: Essa semana eu gostaria que vocês fizessem esse esforço, de pegar uma folha
de papel e se colocar, a Elisa vida, profissão, e a Rosane também.
A leitura de meu auto-retrato no grupo N:
Valéria: Eu fiz o meu auto-retrato assim ó! Está aqui, olha sou eu.
(Mostrei o desenho)
Risos
Rosa: Meia engrenagem do tempo, ...
Valéria: É. Aí cada um pode falar, o que você vê, Débora? Como você vê esse desenho?
Débora: É você como ser humano e você, assim, no meio da luta, realmente, agora, de
mestrado, da falta de tempo ou o tempo pressionando em cima, mas tem também um
pouco da técnica de Picasso.
Risos
Teresa: É. O cubismo dela está retratando sabe o que? O lado direito, eu vejo o lado
humano, você aquela pessoa simples, tranqüila, você uma pessoa leve e o outro, o lado
esquerdo que é o da engrenagem, aquele ser humano movido ao tempo, e tendo que dar
conta de um monte de coisas e isso está te sufocando, fazendo com que você mude até
o seu olhar, seu olhar esta até puxado, sua pálpebra até desceu aqui, olha... Isso está te
cansando.
Valéria: Nossa, vocês estão fazendo um auto-retrato mesmo!
Rosa: Um dia o meu aluno perguntou assim: - Você pode analisar a gente através do
desenho? Eu disse: - Nossa e como, a gente consegue dissecar bem, não é?
Concordam e sorriem.
Teresa: Agora eu entendi esse seu auto-retrato.
A leitura da imagem está vinculada à questão da cultura visual de uma
forma mais ampla. Nesse sentido, ler a imagem parece ser inevitável para os
tempos atuais. Observei esse fato na resposta à pergunta do questionário
realizado no 4º encontro do grupo T: “O que uma criança perde quando não tem a
chance de aprender o que é comunicação visual?”
Apesar de a resposta envolver a questão da pessoa portadora de
necessidades especiais e não ser do interesse desta pesquisa discutir o aspecto
levantado pela professora Rosane, sua resposta define o conhecimento que pode
ser adquirido através dos meios de comunicação visual.
Rosane: Vivemos num mundo imagético, começamos assim. Você tem mais pena, hoje,
de um deficiente visual ou de um deficiente auditivo? Hoje?
Elisa: Ah.
Rosane: Porque há um século atrás, o conhecimento que a gente recebia era muito maior
através do processo auditivo, a oralidade, não é? Uma pessoa surda/muda tinha uma
perda muito maior do que a pessoa que era deficiente visual. Hoje nesse mundo
imagético que a gente vive, gente, é complicadíssimo. A pessoa ficar antenado sem...
André: Ver
Rosane: Sem conseguir usufruir essa quantidade de conhecimento através da visão que
a gente recebe. Então essa leitura oculta que esna imagem, não é? A gente tem uma
quantidade de imagens, de conhecimento, e o menino não conta de absorver isso
tudo...
André: Eu acho que o recurso da visão é tão amplo, mas tão amplo, que, realmente, é
mais triste não ter a visão.
Elisa: Mas existem tantos recursos hoje em dia. Vocês viram, naquele programa de TV,
uma professora que está trabalhando com dança para pessoas cegas? Eu vi, também,
uma propaganda de um cara, que está jogando futebol, que é cego.
Nessa sociedade imagética, o acesso a vídeos, CDROM e DVDS nos
coloca diante de novos desafios. Como diz Barbosa (2005a):
Para compreender e fruir a arte produzida pelos meios
eletrônicos, o público necessita de uma nova escuta e de um novo
olhar.
O aprimoramento da recepção da obra de arte produzida com a
participação do computador e de outros meios eletrônicos é o que
interessa agora.
Saber ver e avaliar a qualidade do que passa na tela iluminada
do computador é ser crítico e atual
A consciência da tecnologia e da arte para a educação da
recepção das artes tecnologizadas é o que deveríamos procurar
desenvolver para ter um público crítico e informado (p.110).
Assim, frente à expansão da comunicação visual com as tecnologias
contemporâneas, a emergência de sua inserção no planejamento curricular vem
se colocando como um dos muitos desafios para o professor de Arte.
Evidencia-se, nestas análises, a aplicabilidade da Abordagem Triangular
como um sistema metodológico que proporciona ao professor incorporar à
atividade de produção artística, o exercício de reflexão acerca do contexto da
obra de arte e da leitura da imagem no desenvolvimento da capacidade de
interpretação visual, ou seja, essa abordagem introduz os alunos nas dimensões
sociais, culturais e estéticas que envolvem as produções artísticas. Porém a
Abordagem Triangular não é um método, ela nos ajuda a estruturar o
conhecimento de nossa área e estabelece caminhos para a aprendizagem
artística.
4. 6 - A experiência artística e a educação do olhar
Proporcionar o contato com a arte, visitando ateliês e galerias de arte,
feiras de artesanato, olhando a arquitetura da cidade, observando grafites nas
paredes, outdoors, participando de eventos locais, indo ao cinema, ao teatro,
discutindo sobre a vida na cidade e interagir com seus espaços, é tarefa do
professor de Arte. Esse ato de “ver” é um estímulo para outras descobertas e tem
um caráter de “iniciação”. Esse contato com as linguagens artísticas dá subsídios
aos alunos para terem experiências artísticas significativas. Porém, para que essa
experiência artística aconteça realmente, é necessário educar o olhar dos alunos.
A vivência em arte é a experiência do individuo com a arte, conhecendo, fazendo
e experimentando. A produção do aluno faz parte da instância da experiência
artística, experiência que será significativa se a leitura da imagem e a sua
contextualização forem bem trabalhadas.
A vivência em arte foi discutida em vários encontros, contudo no
encontro do grupo N esse tema dominou o debate. Quando se fala em vivência
artística, surge uma análise relativa às questões econômicas e sociais dos alunos.
A questão que se impõe é de que em nossa sociedade existe uma elite que tem
acesso e domina a cultura e uma massa grande da população, da qual faz parte a
maioria de nossos alunos, que vai à escola para comer, para adquirir hábitos de
higiene, para não ficarem abandonados nas ruas. Esses alunos são influenciados
apenas pela cultura do próprio meio em que vivem (bairro afastado dos centros
culturais da cidade) e dos pequenos estímulos proporcionados pela família e
pelos meios de comunicação.
Face a tais dificuldades, essa vivência artística pode ser adquirida, através
da sensibilização em sala de aula, levando obras e artistas à escola, estimulando
a freqüência aos ambientes culturais oferecidos pela cidade através de visitas
organizadas pela escola, passeios a cinemas e teatros. A professora Rosa
trabalha com oficinas de Desenho Artístico no CEM e possui alunos de idades
que variam entre 12 a 70 anos, oriundos dos bairros periféricos de Juiz de Fora.
Para fazer um diagnóstico de suas turmas, Rosa resolveu criar um questionário
19
19
O questionário elaborado pela professora consta nos anexos.
com perguntas. Logo no primeiro encontro do grupo N, ela nos fala que um dos
objetivos do questionário é saber qual e a vivência artística e cultural de seus
alunos.
Rosa: _ Eu tenho um questionário que aplico nos alunos do CEM desde quando comecei
aqui, foi em 2003 que eu comecei a fazer esse questionário. Então, já passaram por mim,
mais de 8 turmas, acho que essa é a nona ou a décima, de 2003 para cá. Então eu tenho
esses questionários guardados. Eu ia até me desfazer deles, mas já vi que não vou me
desfazer.
Valéria: É a memória histórica.
Rosa: É um documento. É um documento que eu tenho, porque nesse questionário eu
estou perguntando se eles tinham visto exposição de Artes Plásticas, qual é a vivência
deles de teatro, de música, de cinema, se tocam algum instrumento, se conhecem
museus, se conhecem o Cine Teatro Central. Perguntas básicas assim, mas dá pra gente
perceber qual é a vivência artística e cultural deles.
Valéria: Você pode trazer esse questionário para o próximo encontro?
Rosa: Claro. Como eles são de vários bairros, o que acontece? para você ter uma
visão de Juiz de Fora com esse questionário.
Temos consciência da realidade, convivemos com infinitos problemas relativos
à estrutura familiar, social e econômica de nossos alunos. Sabemos que num
modelo de organização social racionalista, fragmentado e excludente como o de
nosso país, museus, teatros, livros, cinemas e a própria educação escolar de
qualidade são bens que a maioria da população não tem acesso, mesmo sabendo
que, de alguma forma todos s pagamos através de impostos para a sua
existência.
Por outro lado, existe uma outra realidade, a dos alunos que possuem
condições financeiras bem melhores, mas que também não conhecem, nem
freqüentam os espaços culturais da cidade.
Débora: Eu estou dando aula de Metodologia de Artes Visuais, no curso Normal Superior
e um dos trabalhos que eu faço é isso, mandar em campo. Meus alunos devem
pesquisar sobre as Galerias de Arte, os teatros, mando elas virem fazer pesquisas no
Bernardo Mascarenhas, no Fórum da Cultura. A grande maioria nunca foi a esses locais.
Não sabiam...
Valéria: São meninas do Grambery que é um colégio tradicional e renomado em Juiz de
Fora.
Débora: Elas ficam encantadas com Juiz de Fora, com as pinturas, com as coisas, elas
vão atrás, estão assim, oh, borbulhando, porque elas não sabiam, são adultas!!
Valéria: Meninas que, em muitos casos, tem boas condições financeiras.
Rosa: Mas por quê que existe...
Débora: E a aluna que vai ser professora dos meninos de a séries, que não tem
essa sensibilização para a arte, vai ser aquela que vai massacrar,...
Teresa: Vai massacrar.
Débora: Inclusive algumas falas das meninas são de que elas não sabiam que era de
graça. Uma delas veio encantada e disse: - Eu posso ir ao teatro. Ela não sabia que ela
podia ir ao teatro. Porque o grupo dela foi fazer a pesquisa nos teatros. Ela falou: - Eu
posso ir ao teatro. Ela descobriu com quase 30 anos que podia ir ao teatro e que ele era
franqueado, que não era de elite, que não era de um grupo específico e que era de
graça. Então uma professora que não tem esse conhecimento, como é que ela vai formar
crianças?
Promover a vivência em arte é, portanto, uma preocupação dos
professores dos dois grupos focais. Para tanto, educar o olhar é fundamental
porque envolve, como foi dito, ler com competência os estímulos visuais
apresentados. Mas a questão não se esgota, haja vista que as produções
realizadas em sala de aula são igualmente importantes. Para que o aluno tenha
competência em sua produção, é necessário sensibilizá-lo para o ato de ver, ou
seja, educar o olhar. O trecho selecionado, é a descrição de um trabalho
desenvolvido por duas professoras com alunos de faixas etárias diferentes,
exemplifica o salto que o aluno quando consegue expressar-se através do
desenho. A professora Débora realizou seu trabalho com alunos das séries
iniciais do ensino fundamental e a professora Marta empreendeu uma atividade
semelhante com alunos da terceira idade.
Débora: Coisa que eu fiz com os meninos, foi observação da natureza. Então eu
conversei com eles sobre as cores do céu? As cores e as formas das folhas? E a minha
escola tem a boa qualidade de ser rodeada de montanhas, de ter árvores e tudo. Então
eu já fui para fora da sala para que eles vissem que existem formas diferentes de
árvores, de troncos e caules diferentes, tamanhos, de folhas e flores diferentes. Então
eles ficavam observando tudo, céu, nuvem e quando eu voltei pra sala, falei: - Agora
vocês vão desenhar pra mim as árvores que vocês viram. E nenhum fez aquela cópia
que todo mundo desenha, e outra coisa este desenho ninguém deixou que eu ficasse,
nenhuma turma que eu fiz esse trabalho, eles não me deram, eles quiseram o trabalho
pra eles, de tanto que eles gostaram de fazer aquilo. Porque eles sabiam fazer, árvores
diferentes, com cores diferentes e formas diferentes.
Valéria: Então olha o salto, não é? Esse momento é o que é mais interessante.
Quando o aluno descobre que tem uma capacidade de expressão, que ele sabe fazer e
que fica lindo.
Marta: Eu tive uma experiência de uns três, quatro anos trabalhando com alunos da
terceira idade, num projeto de extensão da terceira idade então eu pegava pessoas
de idade que nunca pegaram num lápis pra fazer um desenho, nunca pegaram num
pincel pra nada. Analfabetos artísticos, totalmente, de desenho, de tudo.
Eu tive uma aluna assim, com 70 anos. Eu fiz um trabalho parecido com esse da Débora.
Pedi que, quando eles estivessem na rua, no bairro, olhassem as folhas. Porque na hora
de fazer o desenho de paisagem, essa aluna não tinha noção, falei: - Vai olhar, vai
observar. Ela veio maravilhada, porque ela começou a achar folhas amarelas, folhas, não
é flor não. Folhas roxas, vermelhas, coloridas. Ela passou a fazer coleção de folhas, ela
falou: - Gente, nunca tinha visto uma folha dessas!
Risos.
Marta: Mas foi uma descoberta.
As falas das professoras são exemplos de como o exercício visual,
acompanhado de atividades práticas de produção de trabalhos, pode contribuir
para um conhecimento da linguagem artística e, ao mesmo tempo, ampliar o
conhecimento de si e do mundo. Essa possibilidade de descobrir algo novo
proporcionado pelas professoras faz com que os alunos exercitem o sentido de
pertencimento, de ser cidadão. Tal possibilidade “de que algo nos toque”, de que
ocorram mudanças na forma de olhar o mundo e de se olhar são fundamentadas
na fala de Larrosa (2004):
A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou algo nos
aconteça ou nos toque requer um gesto de interrupção, um gesto que é
quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar,
para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar
e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-
se nos detalhes, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e
a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (p.160).
A arte requer dos alunos o desenvolvimento desses gestos, dessas
atitudes tão bem ponderadas por Larrosa. Quando a experiência acontece, o
resultado é um verdadeiro salto de qualidade do indivíduo. Para o aluno que
conseguiu dominar a linguagem gráfica e mostrar através do desenho as
observações feitas no ato de olhar a natureza, foi uma experiência tocante, foi um
ato de superação de limites antes ainda não ambicionados por ele. Transportar
suas idéias para um papel e ver surgirem formas, volumes, cores, paisagens é
motivo de orgulho e satisfação e certamente do fortalecimento da auto-estima. No
sentido de perceber o salto realizado pelo aluno quando domina a linguagem
artística e consegue se expressar através dela, trago as palavras de Vygotsky
(2004):
O desenho infantil sempre é um fato alentador em termos
educativos, embora vez por outra seja esteticamente feio. Ele ensina a
criança a dominar o sistema das suas vivências, a vence-las e supera-
las e, segundo uma bela expressão, ensina ascensão ao psiquismo. A
criança que desenha um cão vence, supera e coloca-se acima da
vivência imediata (p.346).
Outra experiência que pode ser destacada nesta pesquisa foi um trabalho
descrito pela professora Rosane, do grupo T, que tocou seus alunos, tendo sido
motivo de orgulho para a professora em questão: a atividade “cama de gato”. A
preocupação da professora foi de transformar uma brincadeira em
experimentação, é tornando a produção algo concreto para o aluno, “algo que
tenha utilidade para o aluno” foram suas palavras. A professora coloca que nessa
idade (séries iniciais do ensino fundamental) os alunos precisam começar suas
atividades pelo concreto para depois abstrair.
Rosane: Eu estou começando a trabalhar com geometria nas artes, abstração
geométrica. eu comecei a brincar com aquela “cama de gato”, aquele barbantinho, me
deu um insight, eu tenho um livrinho que diz que tudo pode ser brinquedo...
Valéria: Qual turma que você tá trabalhando isso?
Rosane: Quarta série. Nós começamos e eu fiquei impressionada com aquele
barbantinho, você sabe o que é cama de gato? Aquele barbantinho que você passa nos
dedos e o outro tira, você sabe aquela brincadeira? Então, a princípio a aula era uma
brincadeira: - Nós vamos brincar hoje. Menina quase ninguém sabia! Aquela brincadeira
é folclórica. Como eu brincava com aquilo quando eu era criança! Quase ninguém sabia.
Os que sabiam, se achavam os tais e ensinavam pra todo mundo. Nós ficamos uma aula
brincando de cama de gato. Qual era o meu objetivo? Queria que os alunos observassem
os desenhos que o barbante forma. Eu comecei com besteira, de olhar os desenhos que
a cama de gato forma. Gente, eu não imaginei que isso fosse dar um furor, na escola, tão
grande. O recreio, naquela semana, teve que ser estendido por dois dias. Os meninos
das outras séries queriam aprender também, a diretora pediu aos meninos da quarta
série para ensinar, foi um sucesso a cama de gato. E o objetivo..., não imaginei, a gente
fica conversando assim: - Puxa se eu tivesse mais tempo! Agora vamos desenhar a
cama de gato.
Na medida em que os participantes iam descrevendo suas práticas, fui
percebendo uma ligação entre a experiência de fazer arte e a necessidade de
educar o olhar para saber vivenciar melhor a arte. Um olhar atento, um olhar
demorado, um olhar mediado. Segundo Tiburi
20
:
Ver está implicado ao sentido da visão. Costumamos, todavia,
usar a expressão olhar para afirmar uma outra complexidade do ver.
Quando chamo alguém para olhar algo espero dele uma atenção
estética, demorada e contemplativa, enquanto ao esperar que alguém
veja algo, a expectativa se dirige à visualização, ainda que curiosa, sem
20
TIBURI, Márcia. Aprender a pensar é descobrir o olhar. Jornal do Margs, Porto Alegre, n.103,
set/out., 2004, p.8. Disponível em www.margs.org.br Acesso em: 08/04/2007.
MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul
que se espere dele o aspecto contemplativo. Ver é reto, olhar é sinuoso.
Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado. A
imediaticidade do ver torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma,
mas não se olha um fantasma. Vemos televisão, enquanto olhamos uma
paisagem, uma pintura (2004, p.8).
Observando a fala da professora Regina, do grupo N, percebo que é papel
do professor de Artes Visuais, educar o olhar do aluno. O professor deve ter o
olhar analítico de um pesquisador, o olhar sensível de um artista e deve exercitar
esse olhar no aluno, para que ele possa compreender o mundo, os outros e a si
mesmo.
Regina: É, eu acho que a gente tem que bater nessa tecla, de que existe um conteúdo que é
necessário para a formação integral do aluno e esse conteúdo está sendo perdido por algum
motivo e as pessoas estão achando isso desnecessário, mas não é. É você ampliar a sua visão, o
seu olhar, eu falo com os meus alunos: a gente nasce enxergando, a gente consegue andar e tudo
agora saber ver é uma questão de você apurar o seu olho e isso é um processo muito mais
profundo entendeu? Você pode ser um analfabeto visual, você olhar um desenho e não ver nada,
e ficar ali e quando o seu olhar for trabalhado você consegue ver as nuances, fato igual acontece
com a música.
O trecho selecionado revela um pouco da própria formação da professora
em questão. Como Regina é Mestre em Teoria da Literatura, comenta que a
produção de textos está muito ligada ao pensamento imagético, que durante a
leitura de um texto, seja ele de Geografia, História, Português, estamos criando
imagens. O trecho selecionado elucida esse aspecto.
Regina: Eu quero aproveitar a fala dela, porque eu achei muito importante e tem a ver
com o meu trabalho de mestrado. Eu trabalhei essa questão da imagem dentro do texto
literário, trabalhei o que existe de imagem na literatura poética. Eu trabalhei com Clarice
Lispector. Acho muito importante os professores terem consciência, os professores de
língua portuguesa, por exemplo, eles têm essa preocupação de alfabetizar, de fazer com
que os alunos produzam textos, mas eles não percebem que a produção de texto está
muito ligada ao pensamento imagético, à produção das imagens mentais. Se essas
imagens não são produzidas e não se desenvolvem, o texto fica pobre, ele perde, ele fica
totalmente abstrato, então existe uma riqueza de imagens a todo momento. Qualquer
texto que você lê, até de Geografia ou de História, você está ali criando imagens, você
compreende o texto através das imagens, aprecia o texto pelas imagens, e eu acho que
é que entra o professor de artes. Se essas imagens não são trabalhadas fora da
literatura, como é que depois elas vão entrar? Como é que o professor vai exigir que o
aluno seja criativo num texto se ele trabalha a escrita simplesmente distante,
desconectada das imagens?
A respeito da importância da articulação entre imaginação e texto Vygotsky
(1987) irá dizer:
En tal sentido la imaginación adquiere una función de suma
importancia en la conducta y en el desarrollo humano, convirtiéndose en
medio de ampliar la experiencia del hombre que, al ser capaz de
imaginar lo que no ha visto, al poder concebir basándose en relatos y
descripciones ajenas lo que no experimentó personal y directamente, no
está encerrado en el estrecho círculo de su propia experiencia, sino
puede alejarse mucho de sus límites asimilando, con ayuda de la
imaginación, experiencias históricas o sociales ajenas. En esta forma, la
imaginación constituye una condición absolutamente necesaria para casi
toda función cerebral del ser humano. Cuando leemos los periódicos y
nos enteramos de miles de acontecimientos que no hemos podido
presenciar personalmente, cuando de niños estudiamos la geografía o la
historia, cuando conocemos por carta lo que sucede a otra persona, en
todos estos casos nuestra fantasía ayuda a nuestra experiencia (p.20).
O mecanismo da imaginação criadora é dotado de um processo complexo
que Vygotsy irá trabalhar profundamente em seu livro. Os professores de Arte
devem conhecer melhor esse processo para promover atividades que estimulem
a imaginação.
Evidencia-se nesta categoria o papel do professor de Arte como mediador
cultural. Porém sua função não é de proporcionar o contato do aluno com a
obra de arte, sua função é bem mais complexa, envolve decifrar a linguagem
artística, educar o olhar para que os alunos possam analisar, interpretar, fruir.
Educar o olhar para que os alunos possam ter uma assimilação concreta de suas
vivencias estéticas. Educar o olhar para promover experiências que toquem os
alunos.
4.7 - O Conteúdo Interdisciplinar e o currículo integrado.
No 3º encontro do grupo N, ao discutir as questões relativas aos PCN-Arte,
surgiram questionamentos a respeito da interdisciplinaridade e da
multiculturalidade. Não entrarei em maiores detalhes a respeito da
multiculturalidade por ser um tema debatido com menor ênfase pelos grupos
focais. O tema que aparece, inicialmente unido ao multiculturalismo, é a
interdisciplinaridade que surge de diversas formas em vários encontros. Irei,
portanto, apenas descrever o comentário do grupo a respeito do termo
multiculturalidade, concentrando a análise na interdisciplinaridade e,
conseqüentemente, na questão do currículo integrado. Existe uma preocupação,
por parte dos professores, em trabalhar para atender aos objetivos da
multiculturalidade. Esse interesse aparece com maior clareza no comentário da
professora Teresa:
Teresa: O que está pedindo nos PCN-Arte é a interdisciplinaridade e o multiculturalismo.
Por quê? Porque durante muitos anos o domínio da cultura do branco sobressaiu nesse
país. Era a cultura européia. Uma cultura elitista. Então hoje você trabalha com a cultura
do negro, a cultura do índio e a cultura do branco, equiparadas, vonão mais trabalha
a cultura do branco. O Ensino de Arte está visando o histórico-social, resgatando tudo
o que veio com a nossa formação, mas realçando o outro lado, o mundo do aluno. O
mundo de quem vem da periferia, você está entendendo? O lado social.
Com certeza, os professores de Arte têm condições de trabalhar com os
alunos dentro de um enfoque que priorize a formação cultural, que permita uma
maior interação social, que fale sobre a diferença entre as pessoas, que explore
sobre os estereótipos de beleza e outros tópicos que são comuns dentro de um
currículo integrado. Observei que os professores falam em interdisciplinaridade
para expressar a integração possível da arte com outros conteúdos, buscando
parcerias com outros professores ou trabalhando essa integração diretamente
com seus alunos. Conforme exposto no capítulo desta dissertação, a
interdisciplinaridade acontece quando existe uma integração real entre as
disciplinas para a solução de problemas, levando o aluno a perceber as
similaridades existentes entre os conteúdos. Parsons in Barbosa (2005a) irá
dizer:
A integração ocorre quando a aprendizagem faz sentido para os
estudantes, especialmente quando a conectam com os próprios interesses,
experiências de mundo e vida. Finalmente, é a mente do estudante que é
integrada. É claro que, quando se diz “mente” incluímos emoções, intuições,
valores e experiências sensoriais ( p.296).
Acredito que a preocupação do professor em contextualizar a obra de arte,
um dos vértices da abordagem triangular, leve-o a pensar de forma integrada. Ao
perceber, na linguagem artística, seu caráter universal, sua ubiqüidade,
provavelmente, o professor perceberá uma ampla variedade de temas
proporcionados pelas obras de arte. No ato de interpretar, de buscar os “porquês”
do trabalho do artista, o professor acaba percebendo que existe uma ligação
direta entre a obra analisada e as questões sociais, culturais, políticas, religiosas,
éticas, ecológicas. Enfim, os valores, as crenças que podem e devem ser
trabalhadas com os alunos.
Quando perguntamos: - O que a obra nos diz?” Essa leitura da imagem
certamente nos conduz a temas integradores. O professor pode ou não fazer as
ligações com as outras disciplinas do currículo, isso é uma questão de escolha,
de metodologia de trabalho. É ele quem deve escolher com que artista vai
trabalhar, que obras, como e por quê. A professora Teresa tece o seguinte
comentário:
Não tem conteúdo mais rico do que a arte para se trabalhar a interdisciplinaridade. A arte
está em todas as disciplinas. A primeira etapa neste ano eu trabalhei arte na História e
Geografia, com o livro de História e Geografia, com o mapa-mundo, com tudo, e montei
um trabalho sobre isso. A segunda etapa que eu estou terminando é a arte na
Matemática, então eu trabalhei com o livro de Geometria, mas vendo a arte dentro
daquele livro, no ano passado eu dei um enfoque, esse ano eu estou dando outro
enfoque.
Tentando encontrar uma função para o Desenho Geométrico, como uma
das engrenagens que compõem o sistema educacional da escola em questão, a
professora Regina procura estabelecer vínculos com outros conteúdos,
demonstrando a aplicabilidade do desenho na vida do aluno. São vários os
exemplos desencadeados a partir dessa fala que estabelecem uma relação entre
aquilo que ensinamos e a possibilidade de uso desse conhecimento na prática:
Eu tento trabalhar muito nesse sentido interdisciplinar. Porque a minha escola é
tecnicista, é conteudista, é voltada mesmo para o vestibular, pra concurso, pro mercado
de trabalho. Ninguém esta pra adquirir conhecimento espiritual, conhecer a arte oculta
numa pintura, não. É nota, nota, nota, entendeu.
Eu sinceramente, eu vejo em todas as profissões. Eu encontro com ex-aluno meu que
faz Biologia e ele fala: - Professora, eu não dava muito valor para a aula de Desenho,
mas agora quando eu vou estudar a borboleta, eu vejo que a borboleta é simétrica, e a
noção que eu tenho de simetria me faz no curso de Biologia ser diferente daquele que
não tem visão nenhuma
.
Essa capacidade da arte de permear por diversas áreas,
proporciona, ao professor, uma infinidade de temas que podem ser desenvolvidos
em sua prática. Inevitavelmente, em se tratando do Ensino da Arte essa
capacidade irá se vincular aos outros conteúdos escolares. A contextualização
demonstra a integração da obra com outros conteúdos. Os comentários dos
professores do grupo T, ao verem a transparência da obra de Guignard, trazida
por André, revela as ligações possíveis da obra com a História, com a Geografia,
com a cultura local e com o artista, sua vida e sua obra, proporcionando, também,
estabelecer relações com o contexto atual.
André: É maravilhoso isso. Você faz as montanhas, as igrejas, os meninos soltando pipa,
mais cada desenho maravilhoso.Talvez não com tanta complexidade, não é? Os
alunos falam assim: - Professor, quantas igrejas é pra desenhar? Porque olha tem
1,2,3,4,5,6,7,8,9, tem 9 igrejas nesse trabalho dele.
Valéria: E se eles forem a Ouro Preto eles verão que existem várias igrejas, próximas
umas das outras, acho que existem mais de 9.
André: O universo de Guignard é esse. Ele se identificou muito com Minas Gerais, é o
pintor mais mineiro que tem no Brasil, a gente pode dizer isso. Que ele pinta muitas
igrejas, muita montanha, ele é lírico não é? Combina com a paisagem de Minas Gerais, é
interessante que aqui tem um cemitério. Os alunos perguntam: -Vai desenhar o
cemitério?
Risos
André: A gente está bem distante dessa questão histórica de Minas Gerais, desse toque
do Barroco, não é? Juiz de Fora é uma cidade imperial, ela é ligada a Petrópolis, é ligada
à corte do Rio de Janeiro.
Valéria: Exatamente.
Dentro dessa integração, também foi colocado que as Artes Visuais podem
mediar conhecimentos que favoreçam o processo de letramento do aluno, ou
seja, através da arte é possível dar contribuições para tornar o aluno competente
na leitura e na escrita. Lembrando que, na educação infantil, trabalhar com
livros de imagens traz resultados eficientes para o desenvolvimento da
interpretação e do gosto pela leitura. A educação do olhar deve começar desde a
infância e os elementos que compõem o desenho (proporção, volume,
superposição, textura, sombra e luz) devem ser desenvolvidos junto com a
aprendizagem das letras.
Rosane: Eu fiz um curso de Especialização em Psicopedagogia e, na mesma
época, fui trabalhar com meninos de a 4ª séries para a Prefeitura. Porém, trabalhando
pelo Estado, ganhei uma vaga no curso de Especialização em Alfabetização e
Linguagem na UFJF. Inscrevi-me e acabei ficando, porque eu comecei a ver essa
questão do letramento, essa condição sofrível dos meninos de série, dos meninos da
série, em relação ao ato de ler um texto e interagir com ele, não é? Eu comecei a me
questionar: - O que eu, como professora de Artes, o que eu posso fazer em relação a
isso? Porque eu não fiz magistério, não sou professora alfabetizadora, porém com o
curso pude conhecer um pouco mais de alfabetização, pude me envolver mais com isso
e foi muito bom.
Essa consciência de poder realizar um trabalho integrado revela que o
conteúdo artístico é capaz de permear as demais disciplinas com facilidade. E
mais, é capaz de promover a aprendizagem de uma forma outra, de chegar aos
conteúdos tratados pelos demais professores por uma outra via. Atribuir
significado àquilo que é aprendido, de forma concreta, decodificar o código
artístico, promovendo, com isso, uma aprendizagem competente e prazerosa.
Observei que alguns professores procuram fazer trabalhos
interdisciplinares, objetivando demonstrar para os colegas professores de outras
áreas, através do entrelaçamento de conteúdos, o valor da arte para a
aprendizagem, acreditando que, fazendo essa integração, os professores
entenderiam melhor o conteúdo artístico e sua dinâmica. Porém, é necessário
tomar cuidado para não fazer da disciplina uma ferramenta que serve apenas
para ensinar conteúdos que não pertencem ao Ensino de Arte. Isso acontece
com freqüência e contribui com a desvalorização da disciplina e de seus objetivos.
Teresa: vocês não queiram imaginar como é difícil, mas quando você consegue ser
entendida, as pessoas passam a ter uma visão completamente diferente da disciplina.
Marta: A luta é essa mudar a visão naquele meio onde você está, eu acho que a luta é
essa.
Teresa: Então agora nessa terceira etapa foi a arte na Língua Portuguesa, vou trabalhar
o cordel. Então eu vou trabalhar inclusive com o professor da área, eu chamo o colega: -
Eu estou pensando em fazer isso, o que você vai trabalhar com seus alunos? Eu troco
idéia com ele, eu vou até ele, eu busco. Agora ele fala: - Teresa, você poderia fazer
isso pra mim?
Valéria: é que tem que tomar cuidado, Teresa. Tem que tomar cuidado com essa
frase.
Teresa: Se eu não tivesse embasamento, tudo bem. Aí ele ia me levar no bico.
Valéria: Se você não fosse esperta.
Teresa: Mas como eu sei aonde eu quero ir e onde eu quero chegar, aí ele não me leva.
Eu tenho meu domínio.
Valéria: Mas um outro professor de Arte pode ser manipulado.
É importante buscar, em Barbosa (2005a), as palavras de Michael Parsons,
tecendo explicações sobre o aspecto discutido acima, pois usar a arte apenas
como ferramenta para os conteúdos das outras disciplinas é o maior entreve para
a prática de um currículo integrado. No texto intitulado “Currículo, arte e
cognição”, o autor, que é professor da Universidade de Ohio State, Estados
Unidos, revela que:
Professores do ensino básico (elementary school) são com
freqüência encorajados a integrar Arte em seus planos de aula e talvez
se percam usando obras de arte apenas como ilustração de tópicos não-
artísticos. Mostram pinturas para ilustrar eventos históricos ou pedem
aos estudantes que façam desenhos para ilustrar o que escreveram. Em
tais casos, não existem idéias derivadas do mundo da arte, nenhuma
discussão do caráter das imagens como imagens nem qualquer atenção
às entrelinhas de seus significados visuais (p.310,311).
Conclui-se que um currículo integrado pode fazer com que o Ensino de
Arte desempenhe um papel importante no planejamento curricular da escola,
tornando-o mais significativo aos olhos da comunidade escolar, porém devemos
estar atentos aos modos de exercer essa prática. Como o próprio Parsons
(2005a) irá dizer, não é fácil trabalhar um currículo integrado.
Um currículo integrado não implica que os professores precisem
entender menos dos assuntos do que na maneira tradicional de
organizar conteúdos. Ao contrário. Para os professores de Arte, implica
entender bem de arte e também de alguns aspectos de importantes
questões que possam ser usadas para expressar questões que digam
respeito à vida dos estudantes e a nossa vida comum numa democracia
(p.311).
Esta proposição nos coloca novamente diante do fato de que cada
professor de Arte terá sua maneira de conduzir as aulas, buscando fortalecer seu
conteúdo, tornando-o mais prazeroso e representativo para seus alunos.
Vale, neste momento, analisar a última pergunta do 4º encontro dos grupos
focais: “Qual é a finalidade da disciplina de Arte?”
Em relação a tal questão, pode-se perceber que os professores parecem
identificar a finalidade da disciplina aos objetivos do professor de Arte. Ao falarem
de seus objetivos, os professores acabaram por resumir as cinco categorias de
análise que compõem este trabalho de pesquisa.
Portanto, no último encontro dos dois grupos, questionei-lhes acerca do
objetivo central de cada participante, pedindo que refletissem acerca do que
motivava suas ações, do objetivo a ser alcançado no planejamento das aulas de
Artes visuais.
Os professores do grupo T, embora tenham apontado para a dificuldade de
se resumir em poucos objetivos, colocaram que um deles é fazer a leitura da
imagem, despertar a linguagem oculta nas imagens, ler nas entrelinhas, sendo
como dissecar um texto. Essa leitura da imagem soa como contextualização, pois
interpreta o tema proposto na obra, o momento histórico da obra, a
atemporalidade da obra. Porém, colocam que essa leitura pode ser subjetiva, não
precisa ser clara, não é receita de bolo.
A releitura tem o seu espaço garantido como produção do aluno. Insistem
em dizer que não é cópia, não é para ficar igual, mas serve de inspiração, que
existe uma unicidade, aquela história de que “eu não sou você”, de que cada mão
faz diferente e de que, portanto, o resultado é individual. É reler, é ler de novo,
não copiar.
Ainda em relação à produção, o protagonismo é um dos objetivos
expostos, ou seja, fazer com que o aluno saiba expressar-se com autoria. Estar
presente no trabalho com sensibilidade, que seja levada em conta sua história de
vida, de colocar-se no trabalho. O professor deve respeitar o protagonismo do
aluno. Esse aspecto está presente na fala da professora Elisa em resposta ao
questionário proposto no 5º encontro. Ligado a esse protagonismo, os professores
do grupo T, ainda acrescentam que é preciso desenvolver a auto-estima do aluno,
pois ele está escrevendo a sua história e na arte não existe errado, existe
diferente.
Assim, desenvolver a sensibilidade no aluno é um dos objetivos do
professor de Arte. No grupo T a sensibilidade é importante no sentido de
proporcionar a vivência com a arte, educando o olhar do aluno.
Rosane: É triste quando alguém não consegue se emocionar numa cena dramática de
um filme ou quando não consegue viajar num quadro. Privar o aluno do contato com a
arte na escola é uma perversidade. O aluno de escola pública, muitas vezes, tem pouco
contato com as linguagens artísticas. A aula de arte é quem faz esse papel.
Ter compromisso com a profissão, ter consciência do conteúdo a ser
ministrado, saber que existe um objetivo implícito a ser alcançado são
fundamentos para que, aluno e comunidade escolar, não tenham um olhar
pequeno em relação ao Ensino de Arte. É preciso ter em mente que as aulas de
Artes Visuais têm seus domínios. Recordar conteúdos anteriores e fazer paralelos
com outras disciplinas demonstra a relevância do assunto trabalhado, ou seja,
são os pré-requisitos necessários aos alunos para prosseguirem a aprendizagem.
Elisa:- Se você não tiver compromisso com o seu conteúdo os alunos perceberão o
descaso e assim agirão também.
Rosane: - O clima da aula propicia aquela aulinha de brincar.
Não deixar que a aula de Arte seja um simples suporte para as outras
disciplinas e reconhecê-la como uma disciplina que possui seus domínios e que
esses domínios contribuem para a aprendizagem dos alunos, são estes os
aspectos abordados pelo grupo T.
No filme Sociedade dos poetas mortos o professor queria que seus alunos
vivessem cada minuto de suas vidas intensamente. “Carpe Diem, rapazes!
Aproveitem o dia! Façam de suas vidas algo extraordinário” e com esse objetivo
ele desenvolvia seu trabalho inspirando seus alunos por meio da poesia (só podia
ser através de uma linguagem artística).
As professoras foram enumerando os objetivos: fazer com que os alunos
sejam capazes de fazerem novas descobertas, ampliar a visão artística do aluno,
ampliar, também, sua visão de mundo, perceber e desenvolver os sentidos (ver,
ouvir, tatear), capacitar o aluno para se expressar através das linguagens
artísticas, preparar para a vida, desenvolver a auto-estima para que o aluno possa
reconhecer-se como individuo e como coletivo.
Por fim, solicitei aos participantes que emitissem um parecer acerca dos
encontros, dos assuntos debatidos, da experiência vivida como participante do
grupo focal. As respostas revelam nossa carência de espaços de fala, espaços de
trocas de idéias e experiências. Revelam nosso isolamento, revelam também
nossa capacidade de superação de problemas e o quanto acreditamos naquilo
que trabalhamos, ou seja, o quanto temos consciência da importância da arte na
escola. Unir-se para defender a arte na escola passou a ser objetivo dos
participantes do grupo focal. Sobre este aspecto destaco algumas frases
significativas:
Teresa: Gostaria de propor que não acabasse, adorei, fiz amizades foi muito rico...
somos órfãos e precisamos de contato.
Rosa: Vamos trocar e-mails e telefones para mantermos contato.
Débora: Serviu para melhorar nossa própria didática.
Marta: Os encontros proporcionaram uma energia nova, animo. Nós aqui no
encontro falamos das mesmas angustias, não ficamos isolados, trocamos idéias.
Regina: Tenho agora consciência de estar imersa, de descobrir o magistério mais
forte em mim.
Valéria: Vou tentar montar um grupo de estudo para manter o vínculo.
Os participantes do grupo T falaram da importância de trocar experiências,
reconheceram o grupo focal como um espaço para discutir sobre suas práticas
pedagógicas e do enriquecimento pessoal e profissional adquirido a partir dos
encontros. Foi muito recorrente a questão do isolamento. Como o professor de
Arte se sente sozinho na escola, essa possibilidade de encontro com seus pares
mostrou-se como altamente prazerosa e enriquecedora para os membros do
grupo.
Um aspecto comum aos dois grupos focais foi a solicitação para que os
grupos não acabassem, para que criássemos um grupo de estudo em Ensino de
Arte, que arranjássemos tempo e espaço para continuarmos nos encontrando.
Percebi a necessidade de atualização dos participantes, um interesse em
continuar estudando, de fazer um mestrado. Em relação a isso estamos dando
continuidade, pois foi formado um grupo de pesquisa, o Grupo Argo, no Instituto
de Arte e Design (IAD) na UFJF e, por meu intermédio, 6 dos 11 membros
envolvidos com os encontros do grupo focal estão participando desse grupo de
pesquisa.
Um retorno que me deixou lisonjeada foi a questão da admiração pelo
trabalho que estava realizando nos grupos. Percebi que a minha luta como
mestranda, como profissional e como pessoa servirá de estímulo para os
participantes trilharem seus próprios caminhos em busca de formação. Na
verdade como fazia parte do grupo e tinha participação no debate, pude colocar
para o grupo minhas experiências profissionais, minhas angústias e minhas
conquistas, com as quais se identificaram, assim como eu me vi em muitos dos
relatos feitos pelos professores nos encontros. Os participantes expuseram o fato
de que eu estaria plantando uma semente do Ensino de Arte no mestrado em
Educação da UFJF. Neste sentido devo esclarecer que esta dissertação é a
primeira investigação de Ensino de Arte aceita e desenvolvida no Mestrado em
Educação da UFJF.
5. AMPLIANDO FRONTEIRAS
Sem a nova arte não haverá o novo homem.
Liev Semiônovitch Vygotsky
Quando voltamos no tempo, percebemos o papel fundamental da arte na
história do ser humano e nos damos conta de que a arte vem acompanhando a
trajetória do homem, mesmo antes de outras formas de comunicação terem sido
registradas.
Considero que é com o mesmo grau de importância que a arte deve
acompanhar o aluno em sua trajetória na escola. Com essa convicção, volto às
questões que nortearam esta pesquisa: compreender as concepções e práticas
dos professores de Artes Visuais. Para tentar responder a essas questões preciso
voltar e tocar em alguns pontos significativos desta pesquisa, não com a
pretensão de concluir, mas com a finalidade de expor minhas descobertas.
Assim, retomo as cinco categorias que se formaram nesta pesquisa, quais
sejam: (a) o valor da disciplina de Arte na escola; (b) a formação de professores
de Artes Visuais e a formação continuada de professores; (c) a Abordagem
Triangular e sua aplicabilidade; (d) a vivência artística e a educação do olhar; (e)
o conteúdo interdisciplinar e o currículo integrado. Tais categorias demonstram a
existência de um campo vasto de possibilidades de investigação dentro do Ensino
de Arte.
O presente estudo revelou que a concepção de Ensino de Artes Visuais
dos professores pesquisados é voltada para a idéia de arte como conhecimento,
uma arte carregada de significados. Concebem a arte como um fenômeno cultural
que precisa ser apreendido pelos alunos. Os professores não abrem mão de
ensinar sobre os elementos e valores estruturais do objeto artístico, todavia
querem acrescentar a eles as interpretações e os contextos ali contidos,
tornando-os visíveis aos alunos.
Em relação aos conceitos que os professores de Arte possuem de sua
própria função, foi possível observar que eles têm consciência de que são
responsáveis pelo acesso dos alunos, principalmente os de escolas blicas, aos
bens estéticos e artísticos da humanidade, ou seja, o professor de Arte é um
mediador cultural. Essa postura do professor de Arte leva-o a buscar informações
que garantam um domínio maior da gramática visual, visto que sua tarefa inclui
tornar possível decifrar os códigos artísticos.
No que tange à prática do professor de Artes Visuais, o presente estudo
revela que senecessário repensar desde o simples planejamento de uma aula,
a aplicação desse planejamento em sala de aula, a verificação dos resultados
alcançados, até a viabilidade de estruturar cursos de formação continuada para
nossos pares e para os colegas de outras áreas. O professor de Arte da
atualidade deve estar munido de uma nova bagagem teórica que inclui os
conhecimentos do mundo da arte, seus conceitos, sua magia, sua estrutura e
uma nova bagagem procedimental, que inclui os métodos a serem adotados para
tornar possível o aprendizado dos alunos.
Em relação aos procedimentos metodológicos, a Abordagem Triangular
com seus três vértices, fazer, apreciar e contextualizar, mostrou ser um eficiente
sistema metodológico para alicerçar o trabalho do professor de Arte, observando
as variações em zig-zag realizadas pelos professores.
Com base nos diálogos e análises estabelecidos neste trabalho, espera-se
que outras reflexões acerca das propostas metodológicas do fazer artístico sejam
fomentadas, tendo em vista a existência de propostas que resumem este fazer a
releituras de obras de arte.
O vértice contextualizar, dessa Abordagem Triangular, especialmente, está
sendo considerado, pelos professores pesquisados, como um elemento
importante para que os alunos construam novos discursos sobre a arte,
analisando o campo de referencias do artista, entrelaçando-o com o contexto
atual. Portanto, para fazer essa contextualização, é preciso que o professor saiba,
muito mais do que simplesmente dominar informações, trazer esses dados para a
vida dos alunos.
Assim sendo, espera-se que este trabalho possa alimentar outras
discussões e pesquisas acerca da forma como o ato de contextualizar vem sendo
exercido e dos seus desdobramentos na aprendizagem escolar.
Promover o contato do aluno com o objeto artístico, educar o olhar dos
alunos através de leituras de imagens para que possam desenvolver uma visão
crítica do mundo e de si mesmos foram ações defendidas nos grupos focais e que
devem ser assumidas pelo professor de Arte. Por isso, é preciso que o professor
de Arte seja um mediador, aquele que “está entre”, ou seja, numa posição
delicada. Sua tarefa é complexa e exige a reconstrução crítica do sentido e da
função do seu próprio trabalho.
No Brasil, o Ensino de Arte foi considerado ao longo da história da
educação, por vezes como técnicas manuais, por vezes como um fazer
espontâneo e livre. Essas formas de propor o Ensino da Arte fizeram com que a
disciplina fosse considerada subalterna em relação às disciplinas “sérias” do
currículo escolar, uma arte sem contexto e sem sentido.
Assim, percebo que a estrutura do Curso de Arte é um reflexo da própria
história do Ensino de Arte, oferecendo uma formação cuja ênfase é dada à
técnica, ao fazer em detrimento da leitura da imagem e de sua contextualização.
Este é um “nó” que precisa ser desfeito na Universidade.
Assim, emerge a necessidade para os professores de Arte, que se
encontram atuando na educação básica, de que lhes sejam oferecidas
oportunidades de não apenas formação continuada, mas também de encontros,
uma vez que o isolamento imputado a tais professores pelas próprias condições
de trabalho tem-lhes sido altamente prejudicial. Como se pôde depreender pelas
próprias falas dos sujeitos desta investigação, as trocas favorecem o
amadurecimento de métodos e formas de conceber a disciplina. Nesse sentido,
posso dizer que a participação desses sujeitos no grupo focal afigurou-se como
uma possibilidade de formação continuada.
Além dessa questão da formação, ainda a prática de as escolas
contratarem professores de outras áreas para as aulas de Arte. Tais profissionais,
ainda que reproduzam trabalhos convenientes à manutenção da sistemática da
escola, não condizem com a prática pedagógica do professor de Arte que se
defende nesta dissertação.
É necessário ressaltar que este estudo responde a um pensamento
contemporâneo acerca do Ensino de Arte, que pretende incluir as dimensões
artísticas, estéticas e sociais existentes no universo artístico aos trabalhos
realizados no espaço escolar. Embora esse pensamento, se considerarmos os
estudos realizados por teóricos e pesquisadores, esteja se desenvolvendo
bastante tempo, parece que só agora começa a penetrar no chão da escola, onde
ainda é muito presente a visão de arte vinculada à ornamentação, lazer, livre
expressão e desenvolvimento de habilidades manuais. Como em outros setores,
percebe-se que a escola ainda se mostra como um espaço resistente às
mudanças, afeita às tradições com as quais está habituada.
De acordo com as discussões estabelecidas nos Grupos Focais, a trama
que o professor de Arte tem que construir para ressignificar a arte na escola
envolve articular seus conhecimentos, desmistificar e combater preconceitos. A
promoção de cursos, encontros, palestras relativas ao Ensino de Arte e a própria
manifestação do professor de Arte sobre sua área em reuniões são elementos de
transformação e de formação de uma consciência das funções do Ensino de Arte
na escola. Na sala de aula a trama será ainda maior, porque envolve ressignificar
sua disciplina junto aos alunos, incluindo aos conhecimentos sobre diferentes
operações técnicas, estéticas, críticas, históricas e sociais, conteúdos que
proporcionem experiências significativas.
Como se pôde depreender pelos debates estabelecidos nos grupos focais,
posso afirmar que tive como amostra um grupo seleto de profissionais, com
atributos variados, tais como grande experiência profissional, compromisso,
participação nas reuniões da Secretaria de Educação. Tais qualidades
proporcionaram um debate de bom nível em que as questões sobre o Ensino de
Arte puderam ser problematizadas e, pelo que vimos, contemplam os atuais
debates acerca da disciplina. Pelo comprometimento dos grupos e pelo vigor dos
debates, penso poder afirmar que teríamos muito a ampliar em nossas
discussões, se assim o pudéssemos fazer.
Outro aspecto importante a ser ressaltado diz respeito à utilização do
grupo focal organizado de acordo com as concepções da abordagem sócio-
histórica. Pela maneira como os grupos foram desenvolvidos, permitiu-se que os
sujeitos, pesquisadora e pesquisados, pudessem interagir, ressignificando suas
práticas. Nessa perspectiva, o grupo focal apresentou-se como espaço propício
de formação e de trocas. Na condição de professora de Arte e pesquisadora,
posso afirmar que a riqueza dos debates realizados nos grupos focais foi além de
minhas expectativas, proporcionando um grande aprendizado.
Como fora anteriormente mencionado, os achados desta pesquisa
evidenciam muitos dos debates estabelecidos por autores e pesquisadores do
Ensino de Arte. Observa-se que as concepções de arte reveladas pelos
professores nos grupos focais e as concepções defendidas pelos autores na
atualidade coincidem. Ambos percebem um Ensino de Arte comprometido com a
vida, relacionado a uma arte aguçadora de sentidos. Evidencia-se esse fato nos
textos de Barbosa, citados no terceiro capítulo deste estudo. A arte desenvolve a
cognição, facilita o aprendizado, estimula a expressividade e fortalece a
identidade do aluno, qualidades da arte e de seu ensino que foram debatidas
pelos professores dos grupos focais e paralelamente são respaldadas por
pesquisas realizadas por Barbosa e por outros autores.
Independente da obra de Vygotsky datar do início do século XX, seus
pensamentos são extremamente atuais, suas pesquisas demonstraram a
fundamental importância da educação estética para a construção da imaginação
criadora na infância, fato percebido também pelos professores dos grupos focais
em suas experiências profissionais. O autor trata da arte como algo capaz de
equilibrar o ser humano com o mundo nos períodos mais difíceis de suas vidas, o
que rejeita a concepção de arte como um fazer descontextualizado e acrítico,
aspecto também defendido pelos professores pesquisados. Portanto esta
pesquisa constitui-se como mais um elo na corrente para entender a arte na
escola e para buscar respostas aos nossos entraves.
Dessa forma, proporcionar a vivência artística, educar o olhar, proporcionar
experiências que toquem, buscar a integração entre conteúdos são passos para
se trilhar em direção a um Ensino de Arte renovado e transformador. A
articulação entre o Ensino de Arte e as idéias postuladas por Vygotsky e Bakhtin
amplia as fronteiras para a compreensão da linguagem artística e de sua
dimensão social. Ambos percebem a capacidade da arte de transformar e decifrar
a vida, evidenciam-na como uma forma particular de conhecimento humano,
demonstrando as diversas formas de comunicação que podem ser estabelecidas
pelas linguagens artísticas. Reafirma-se, portanto, a pertinência de alimentar
discussões e criar grupos de estudos e pesquisas a fim de ampliar as relações
possíveis com esses autores.
Desse modo, considero que este estudo contribuiu para melhor
compreender as concepções dos professores de Arte e de suas práticas na
escola, que constituía seu principal objetivo. Porém, tenho consciência dos
diálogos infinitos que se instalam quando as respostas estão comprometidas com
o que somos, o que pensamos e o que fazemos. Diante das análises
empreendidas, percebo que esta pesquisa propõe caminhos para a renovação da
prática pedagógica em Artes Visuais e para a valorização da disciplina de Arte na
escola. Portanto, considero que esta investigação pode contribuir para ampliar a
visão sobre as concepções de Ensino de Arte e das práticas que podem ser
empreendidas na instituição escolar.
Assim como voltar no tempo foi a maneira encontrada para perceber o
papel fundamental da arte para a história do ser humano, será tentando imaginar
o papel da arte no futuro que pretendo concluir esta dissertação. não
dúvida de que ela continuará acompanhando a trajetória do novo homem.
Portanto, acredito em um Ensino de Arte para todo o tempo e para além do
tempo.
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ANEXOS
1. ANEXO
2. ANEXO
Ficha de identificação dos participantes do Grupo Focal
1- Nome:___________________________________________________________
2- Endereço:___________________________________________________________
_____________________________________________________________
3- Telefone:_______________________________
4- E-mail:_________________________________
5- Formação Acadêmica:
Graduação:____________________________________Instituição:_____________
Especialização:_________________________________Instituição:_____________
Mestrado:_____________________________________Instituição:_____________
6- Vida Profissional:
Tempo de magistério: ___________________________
Local de trabalho: ____________________________________________________
Telefone:_____________________________________
Função que exerce:____________________________________________________
3. ANEXO
Termo de compromisso dos participantes do Grupo Focal
Eu, ___________________________________________________, portador(a) da CI:
_______________________________, comprometo-me a participar do grupo focal
coordenado pela professora e mestranda Valéria Maia Soares Bittar, matriculada no
Mestrado em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de
Fora sob o 102040182, que será realizado no período de 18 de maio de 2006 a 29 de
junho de 2006, às quintas-feiras no horário de 18:30 às 20:00, no Centro de Educação de
Jovens e Adultos - CEM. Permito que os registros do grupo sejam utilizados na pesquisa
da professora acima mencionada ou em publicações a cerca de sua pesquisa, se necessário.
Assim sendo,
__________________________________________________
4. AUTO-RETRATOS
4.1 – Auto-retrato I
Professora e pesquisadora Valéria
4.2- Auto-retrato II
Professora Rosa
4.3 – Auto-retrato III
Professora Marta
4.4 – Auto-retrato IV
Professora Elisa
4.5 – Auto-retrato V
Professora Rosane
4.6 – Auto-retrato VI
Professora Teresa
5. ANEXO
6. ANEXO
Contexto Nacional: As principais mudanças políticas e conceituais na
visão dos arte-educadores
Sylvia Bojunga Meneghetti
Jornalista, editora do boletim Arte na Escola e consultora de comunicação da Fundação
Iochpe
O que mudou no cenário da arte-educação brasileira? Quais foram as principais
conquistas no campo do ensino e da aprendizagem da Arte? O quanto avançamos?
Esta matéria sintetiza o conteúdo de entrevistas realizadas em janeiro/99 com
professores que pensam e fazer arte-educação no Brasil*.
Como disse Ivone Richter, sem o resgate histórico, perdemos nossas raízes. "E esse
resgate não pode ser feito de uma única visão - ele se completa no mosaico das
lembranças". Sem a pretensão de abarcar todos os acontecimentos de um período pleno de
realizações, com tantos e tão diversos cenários e atores, buscamos dar uma "pincelada" no
contexto nacional em que nasceu e se desenvolveu o Projeto Arte na Escola.
O mosaico das lembranças registra 1989 como marco de grandes transformações.
Em agosto, aconteceu na Cidade Universitária da USP, em São Paulo, o Terceiro Simpósio
Internacional sobre o Ensino da Arte e sua História, evento que reuniu mais de 2.000
pessoas, constituindo-se em contribuição teórica fundamental para o processo de
reorientação curricular.
O momento político era particularmente importante pois, no ano anterior, começara
a ser reestruturada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e havia a ameaça de
eliminação da Arte no currículo escolar de e graus. Preocupados em melhorar a
qualidade do ensino, os arte-educadores buscavam aprofundar o pensamento teórico e
explicitar os conteúdos da Arte para evitar sua retirada do currículo. O discurso oficial
alegava que era necessário recuperar a educação brasileira "através dos conteúdos" e que
"Arte não tem conteúdo".
Se Arte tem conteúdo, isso chama para uma reflexão metodológica", convocava
Ana Mae Barbosa, organizadora do Simpósio da USP, então diretora do MAC/USP e
consultora do Projeto Arte na Escola que a Fundação Iochpe começava a desenvolver em
Porto Alegre.
Os anais desse Simpósio registram o desafio que se colocava para os educadores:
"Precisamos continuar a luta política e conceitual para conseguir que a Arte seja não
apenas exigida mas, também, definida como uma matéria, uma disciplina igual às outras no
currículo. Como a Matemática e as Ciências, a Arte tem um domínio, uma linguagem e
uma história. Constitui-se, portanto, num campo de estudos específicos e não apenas em
mera atividade. A anemia teórica é um dos males da Arte-Educação no Brasil, mesmo na
Universidade."
As associações e núcleos de arte-educadores brasileiros, constituídos no início dos
anos 80, prepararam a base da mobilização para vencer preconceitos e investigar, com
maior profundidade, os modos como se ensina e se aprende Arte. Após o longo período
sob regime militar, tornava-se possível mapear o que havia sido realizado no país durante a
repressão.
Os eventos da primeira metade da década tinham, portanto, o objetivo principal de
conhecer a realidade, organizar os professores e constituir associações para representá-los
regionalmente. Foram anos férteis no sentido da reconstrução do ego cultural dos arte-
educadores e da identificação de lideranças.
Em 1986, em Salvador, durante o II Simpósio Internacional de História da Arte-
Educação, as associações e núcleos de arte-educadores assumiram o compromisso de criar
uma Federação Nacional. Em 1987, em Brasília, por ocasião do II Encontro Latino-
Americano de Arte-Educação, no I FLAAC (Festival Latino-Americano de Arte e
Cultura), nasceu a FAEB (Federação dos Arte-Educadores do Brasil), com o propósito de
congregar as associações e núcleos regionais, dando-lhes voz em âmbito nacional.
Os maiores fóruns nacionais de debate e reflexão que se seguiram acompanharam e,
de certa forma, promoveram a mudança de mentalidade dos arte-educadores, nos aspectos
político e conceitual. Na segunda metade da década de 80, proliferaram pelo país encontros
com os mesmos objetivos: reafirmar o papel do professor de arte, promover a articulação
entre os profissionais, refletir e disseminar a produção científico-pedagógica e questionar a
formação dos docentes.
De 88 a 98, a FAEB realizou 11 congressos anuais. Os dois primeiros (Tabatinga e
Brasília) tiveram discussões centradas na formação do professor e na LDB. A tônica do
terceiro (1990), organizado em conjunto com a Associação dos Arte-Educadores de São
Paulo (AAESP), foi a sensibilidade. A partir do quarto Congresso, realizado com a
Associação Gaúcha de Arte-Educadores (AGA), em Porto Alegre (1991), a FAEB
afirmou-se como entidade forte em nível nacional. Mais de mil professores participaram do
evento, que reuniu 13 conferencistas internacionais, entre eles Elliot Eisner, então
presidente da INSEA (International Society for Education Through Art).
O V Congresso da FAEB, em Belém do Pará (1992), foi o primeiro na região
Norte, organizado pela Associação de Arte-Educadores do Pará. Paralelamente às
apresentações de conferencistas nacionais e internacionais, foi realizado o Fórum sobre
os Currículos dos Cursos de Artes.
O primeiro Congresso da FAEB na região Nordeste aconteceu em Recife, em 1993,
passando a chamar-se de CONFAEB. O 2º Fórum de Currículos desenvolveu-se no mesmo
período, com a participação de representantes do MEC. Na ocasião foi solicitada a
reativação da CEEARTES (Comissão de Especialistas de Ensino de Artes e Design) para
debater a reformulação do Ensino Superior de Arte.
Em 1994 foi a vez do Centro-Oeste. Campo Grande (MS) foi sede de três eventos
paralelos: o VII CONFAEB, o III Encontro Latino-Americano de Arte-Educadores e o II
Fórum Nacional de Avaliação e Reformulação do Ensino Superior das Artes. Em 1995, o
VIII CONFAEB aconteceu em Florianópolis, sob responsabilidade da UDESC.
Em 1996, a AAESP tornou a sediar o evento, em sua nona edição, com o apoio da
PUC de Campinas. O encontro teve caráter científico, ao abordar metodologias, e histórico,
ao promover uma mesa redonda com os presidentes da FAEB. A versão preliminar dos
Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC (PCNs) foi discutida com os arte-educadores,
num ano importante no cenário da luta política pelo ensino da Arte. Houve intensa
mobilização, com manifestações em todas as cidades, culminando, em dezembro, com a
aprovação da LDB no Congresso Nacional e sua sanção pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Macapá sediou o X CONFAEB (1997), alvo de grande comemorações. Em 98,
Brasília foi mais uma vez o ponto de encontro, colocando em pauta o tema Arte-Políticas
Educacionais e Culturais no Limiar do Século 21 no XI CONFAEB.
Nesse contexto, destacam-se também os doze Seminários Nacionais de Arte-
Educação da Fundarte, de Montenegro/RS (1987-98), pelo mérito da continuidade e da
busca de um caráter mais científico, com a apresentação de projetos, pesquisas e relatos de
experiência. Estudantes de artes de Pernambuco, participantes do Congresso de Belém
(1992), deixaram uma mensagem que caracteriza o "clima" dos eventos dos anos 90:
"Viemos com uma mala cheia de preocupações. Voltamos com duas. Mas voltamos
também com a certeza de que temos muitos com quem compartilhar nossas angústias, e de
que estamos lutando pela causa certa."
Os temas cruciais da década de 90 incluem, além da inserção da Arte na LDB, a
interdisciplinariedade, assunto que era alvo de reflexões nos anos 60 e 70, em âmbito
internacional. "A década de 80 esqueceu o tema e a de 90 o retomou, relacionando-o à
multiculturalidade, agora com um enfoque bem mais amplo", lembra Ana Mae Barbosa.
"Os educadores estão começando a entender que somos a porta para a compreensão da
cultura, da diversidade cultural. Por isso insisto tanto que os componentes do ensino da
Arte sejam o fazer, mas também a leitura - a alfabetização cultural que podemos dar ao
aluno - e a contextualização, ou seja, o entendimento da arte dentro da cultura geral",
sustenta Ana Mae. "O componente realmente socializador é a contextualização".
Desde 1996, os PCNs propostos pelo MEC figuram na pauta de discussões como
um referencial importante para o professor. Sua função é orientar e garantir a coerência de
políticas educacionais que propiciem melhor qualidade para o Ensino Fundamental, em
todas as áreas.
Os PCNs-Arte englobam o ensino de artes visuais, teatro, dança e música,
abordando cada linguagem separadamente, com indicações para o desenvolvimento de
trabalhos que integram a Arte com as demais disciplinas do currículo.
Ao analisar os PCNs-Arte, Elizabeth Aguiar aponta a presença de pressupostos pós-
modernos, expressos pela disponibilização da arte para o ensino. Ela considera que este é
um encaminhamento essencial para superar diferenças e preconceitos, atribuindo ao
multiculturalismo grande potencialidade de colaboração, através da escola, para a
construção de um mundo mais solidário.
O processo de divulgação dos PCNs na rede escolar ainda é recente, mas os arte-
educadores, em geral, afirmam que boa receptividade. "O professor sente que o PCN-
Arte dialoga com sua prática. Ele se reconhece no documento", avalia Rosa Iavelberg.
No Ensino Superior, a década de 90 assinalou a consolidação de cursos de pós-
graduação e a publicação de teses de Mestrado e Doutorado sobre ensino de artes visuais.
"Na universidade, as pessoas estão mais dispostas a entender a imagem, a discuti-la e a
fundamentar uma compreensão sobre ela", afirma Lucimar Bello. "Não dúvida de que
hoje há maior aprofundamento e maior certeza do que se quer buscar."
Quanto à mudança curricular, Lucimar Bello e Ivone Richter enfatizam a
importante contribuição da CEEARTES. Os fóruns sobre a reformulação do Ensino
Superior de Arte (1994-95) foram fundamentais para que as universidades percebessem
que estavam encaminhando às escolas profissionais completamente despreparadas para
lecionar Arte.
As pesquisas ganharam maior espaço no cenário nacional. No início da década, no
âmbito das universidades, havia apenas uma linha de pesquisa em arte-educação, na USP,
ligada às Artes. Hoje pesquisas sendo desenvolvidas em outras universidades, como é o
caso da UFRGS (Faculdade de Educação).
A ANPAP (Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas), entidade
nacional voltada ao fortalecimento da pesquisa qualificada em Artes Plásticas, também
abriu linha de pesquisa em Arte-Educação. Ao comemorar seu 10º aniversário, em outubro
de 96, a ANPAP promoveu um grande Congresso Nacional, em São Paulo, com o apoio da
ECA/USP e de comissões regionais de professores.
Nos eventos internacionais, os trabalhos apresentados por arte-educadores
brasileiros demonstram perfeita sintonia bibliográfica e conceitual, na avaliação de
Lucimar Bello, que, juntamente com Ivone Richter, representa o Brasil na INSEA. A
participação de educadores brasileiros em eventos mundiais, no entanto, foi mais
expressiva no início da década. No encontro da INSEA, em 1989, no Canadá, havia 23
arte-educadores brasileiros; em 1997, na Escócia, o grupo reduziu-se a 5 pessoas.
Em sala de aula, embora as realidades regionais sejam bastante diversas, e às vezes
até contraditórias, considerando-se as dimensões do país e as acentuadas diferenças
culturais, os arte-educadores identificam alguma melhoria nos percursos educativos em
Arte. As mudanças ocorrem lentamente, num cenário ainda muito pobre no que se refere
ao preparo do professor e ao acesso a informações e materiais atualizados.
Em algumas regiões, como no interior de São Paulo, a municipalização da educação
vem impulsionando investimentos em projetos pedagógicos escolares e em capacitação.
"Nos últimos três anos, por orientação das redes públicas, tem sido possível para o
professor de arte trabalhar com o todo, numa interação com colegas de outras áreas do
currículo", relata Iveta Maria Borges Ávila Fernandes, coordenadora do projeto "A
Educação Pública e a XXIV Bienal de São Paulo".
É crescente o número de professores que buscam maior interação com instituições
culturais para viabilizar o acesso de seus alunos à produção artística. Em São Paulo, todos
os museus de arte já oferecem serviços de monitoria e atendimento a grupos escolares.
Em 1998, a Bienal de São Paulo criou a Diretoria de Educação, materializando,
pela primeira vez, uma proposta de ação educativa sistêmica para a mais importante mostra
de arte do país. Em sua 24ª edição, a Bienal atendeu, indiretamente, cerca de três milhões
de alunos do estado de São Paulo. Reconhecendo a arte como instigadora de abordagens
múltiplas, grupos que nunca haviam demonstrado interesse na área começam a buscar
maior informação e exposição ao tema, entre eles diretores de escolas e orientadores
pedagógicos.
A formação de professores é questão-chave que ainda deixa muito a desejar. Além
do número reduzido de arte-educadores habilitados, sobretudo nas séries iniciais, existem
realidades bastante díspares. Enquanto grupos bem articulados, principalmente no
Ensino Fundamental de 5ª a séries e no Ensino Médio, outros professores mantêm
práticas muito tradicionais, ou assumem novas abordagens mas não as praticam com boa
qualidade. Esta é a visão de Mariazinha Fusari, que reforça a necessidade de trabalhar o
conceito de professor aprendiz, ou "professor reflexivo", para que as novas propostas
sejam assumidas de fato, com qualidade, na vida dos professores.
A falta de conhecimento e de domínio técnico do professor atravessou a década e se
mantém como desafio fundamental, principalmente no contexto de aceleradas inovações
tecnológicas dos últimos anos. Os arte-educadores reivindicam mais educação continuada,
mais pesquisas, maior integração universidade-escola, mais publicações - além de livros e
revistas, outras mídias como imagens, vídeos, CDRoms. Enfim, um ensino atualizado.
"Seja através de estágios, ou na formação continuada, através da observação em sala de
aula, da análise de vídeos do professor em situação de trabalho, etc, é necessário evitar que
a formação teórica e a formação prática sejam dicotômicas", enfatiza Rosa Iavelberg.
Como consultoras de Arte, Mariazinha Fusari e Heloisa Ferraz observaram, em suas
pesquisas, que muitos professores brasileiros mantêm práticas tradicionais, mesmo depois
de expostos a abordagens e propostas inovadoras e abertas, que propõem a integração da
várias linguagens e a utilização de novas mídias. "Muitos professores ainda praticam um
ensino exclusivamente ligado à expressão, sem qualquer contextualização. A mudança tem
ocorrido de um modo muito lento. É um processo longo, mas certamente humanizador e
mais permanente".
Artigo extraído do BOLETIM Número 20 de Março 1999
Anexo 7
PCN nas escolas: e agora?
Maura Penna
Professora do Departamento de Artes da UFPB, lecionando no curso de Educação Artística
e no Mestrado em Educação. Coordenadora do Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino
das Artes. Graduada em Música e em Educação Artística pela UNB. Mestre em Ciências
Sociais pela UFPB. Doutora em Lingüística pela UFPE.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (PCN) foram
elaborados “com a intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que (...)
origem a uma transformação positiva no sistema educacional brasileiro”, segundo declara o
Ministro da Educação e do Desporto, no texto “Ao Professor”, que abre todos os volumes
dos PCN para as 5a a 8a séries. Os PCN estão nas escolas, influenciando a prática
pedagógica e também gerando inquietações, inclusive em nossa área.
Os PCN e especificamente a proposta para Arte envolvem complexas questões,
que o Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes, da Universidade Federal da
Paraíba, tem se dedicado a investigar, desde 1997, quando tivemos acesso ao texto final da
proposta de Arte para as 1a a 4a séries. Uma análise preliminar de alguns aspectos dos
PCN resultou no Caderno de Textos Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as
concepções de arte (CCHLA/UFPB, 1997), esgotado. Atualmente, encontra-se no prelo
a coletânea É este o ensino de arte que queremos? (Editora da UFPB), que reúne artigos
que analisam a fundo os dois documentos dos PCN para Arte, inclusive as propostas para
cada linguagem artística. Os frutos de todo esse processo de trabalho têm sido apresentados
e discutidos em diversas ocasiões, inclusive no XIII Encontro Nacional Arte na Escola
(João Pessoa, abril 2001). Assim, retomamos aqui alguns pontos das análises,
desenvolvidas no Grupo, quanto à viabilidade da proposta para Arte dos PCN,
privilegiando o documento para as 5a a 8a séries (PCN-Arte), por ser este o nível de ensino
em que o professor licenciado costuma atuar.
Em todos os ciclos da educação fundamental, os Parâmetros Curriculares dão à área
de Arte uma grande abrangência, propondo quatro modalidades artísticas: (1) Artes Visuais
- com maior amplitude que Artes Plásticas, englobando artes gráficas, vídeo, cinema,
fotografia e as novas tecnologias, como arte em computador; (2) Música; (3) Teatro; (4)
Dança, que é demarcada como uma modalidade específica.
Nos PCN-Arte, as propostas para essas diversas linguagens artísticas estão
submetidas à orientação geral, apresentada na primeira parte do documento, que estabelece
três diretrizes básicas para a ação pedagógica. São diretrizes que retomam, embora não
explicitamente, os eixos da chamada "Metodologia Triangular" - ou melhor, "Proposta
Triangular" -, defendida por Ana-Mae Barbosa na área de artes plásticas e bastante
conhecida de todos que participam do Projeto Arte na Escola. Segundo os próprios
Parâmetros, o "conjunto de conteúdos está articulado dentro do processo de ensino e
aprendizagem e explicitado por intermédio de ações em três eixos norteadores: produzir,
apreciar e contextualizar" (PCN-Arte, p. 49). Vale ressaltar que, em nosso país, a Proposta
Triangular representa a tendência de resgate dos conteúdos específicos da área, na medida
em que apresenta, como base para a ão pedagógica, três ações mental e sensorialmente
básicas que dizem respeito ao modo como se processa o conhecimento em arte².
Com os eixos norteadores adotados, os PCN-Arte colocam-se em sintonia com as
buscas desenvolvidas no campo do ensino de arte, refletindo o próprio percurso da área.
Neste sentido, podem ajudar a consolidar uma nova postura pedagógica e a concepção da
arte como uma área de conhecimento específico. No entanto, certamente um grande
descompasso entre a realidade das escolas e essa renovação pretendida pelas instâncias
regulamentadoras e pelos trabalhos acadêmicos, até porque os Parâmetros são bastante
recentes: os PCN para as 5a a 8a séries completaram 2 anos de seu lançamento oficial no
Palácio do Planalto em outubro de 2000 e não chegaram de imediato a todas as escolas
do país.
Ao se pensar a prática pedagógica na escola, a primeira grande questão é: como
realizar, na sala de aula, a proposta dos PCN para Arte, com suas quatro modalidades
artísticas? O fato é que os PCN-Arte, que apresentam uma proposta tão abrangente, não
chegam a apresentar de modo claro a forma de encaminhar concretamente o trabalho com
as diversas linguagens artísticas. As disposições neste sentido são poucas e dispersas pelo
texto, de modo que a questão de quais linguagens artísticas, quando e como serão
abordadas na escola permanece, em grande medida, em aberto. Os PCN-Arte optam pela
organização dos conteúdos por modalidade artística - e não por ciclo, como nos
documentos das demais áreas -, delegando às escolas a indicação das linguagens artísticas
e "da sua seqüência no andamento curricular" (PCN-Arte, p. 54). Neste sentido, sugerem
que, "a critério das escolas e respectivos professores, (...) os projetos curriculares se
preocupem em variar as formas artísticas propostas ao longo da escolaridade, quando serão
trabalhadas Artes Visuais, Dança, Música ou Teatro." (PCN-Arte, p. 62-63 - grifos
nossos).
À primeira vista, a flexibilidade presente na proposta de Arte procura considerar as
diferenciadas condições das escolas, levando em conta também a disponibilidade de
recursos humanos. Diante das condições do sistema de ensino em nosso país, seria
irrealista pretender vincular a abordagem de cada linguagem artística a séries
determinadas, num programa curricular fechado. Mas esta flexibilidade pode, em certa
medida, comprometer a função básica dos Parâmetros Curriculares, que é garantir um
padrão de qualidade no ensino, em nível nacional, inclusive em termos dos conteúdos
estudados. Pois, na área de Arte, muito é deixado a cargo de cada escola ou mesmo do
professor, inclusive com respeito à abordagem dos conteúdos. Neste sentido, os PCN-Arte
declaram que: "Os conteúdos podem ser trabalhados em qualquer ordem, conforme decisão
do professor, em conformidade com o desenho curricular de sua equipe" (PCN-Arte, p. 49
- grifos nossos).
Esta flexibilidade tem, então, várias implicações, como nos casos de transferência,
que podem vir a trazer prejuízos para a formação do aluno. Já que cada escola pode
selecionar tanto as modalidades artísticas quanto os próprios conteúdos, um aluno que
tenha que se transferir pode tornar a repetir os mesmos conteúdos na mesma modalidade
artística, ou então pode ter dificuldades em acompanhar um trabalho mais aprofundado em
uma linguagem que não tenha sido contemplada em sua antiga escola. Nos casos de
mudanças de escola, que afetam com freqüência os alunos das camadas populares, os
efeitos práticos dessa flexibilidade podem até mesmo invalidar as recomendações do
próprio documento acerca da continuidade do processo educativo (cf. PCN-Arte, p. 62).
A nosso ver, a proposta dos PCN na área de Arte é ambiciosa e complicada de ser
viabilizada na realidade escolar brasileira. Para a sua aplicação efetiva, seria necessário
poder contar com recursos humanos com qualificação - o que implica desde a valorização
da prática profissional até ações de formação continuada e acompanhamento pedagógico
constante -, além de recursos materiais que atendessem às necessidades da prática
pedagógica em cada linguagem artística.
Uma questão crucial, portanto, é o professor que irá colocar em prática os PCN-
Arte: qual deverá ser a sua qualificação? A característica geral da proposta, que se
direciona para o resgate dos conhecimentos específicos da arte, a complexidade dos
conteúdos nas diversas modalidades artísticas, tudo isso parece indicar a necessidade de
professores especializados em cada linguagem. Mas, na verdade, não definições claras
sobre a formação do professor de Arte, nem nos PCN, nem na atual Lei de Diretrizes e
Bases (LDB). Por conseguinte, como muitas vezes a contratação de professores está
submetida à lógica de custos e benefícios, acreditamos que dificilmente as escolas contarão
- a curto ou médio prazo - com professores especializados em cada uma das quatro
modalidades artísticas dos PCN-Arte.
Diante deste quadro, vislumbramos três perspectivas, não muito promissoras:
1) Poderá ser exigida do professor uma polivalência ainda mais ampla - e mais
inconsistente - que aquela promovida pela Educação Artística e tão criticada. Inclusive
as provas dos concursos para ingresso em redes públicas de ensino poderão ser elaboradas
neste formato, abordando as diversas linguagens artísticas, como acontece em muitos
locais nos concursos para Educação Artística.
2) As propostas dos Parâmetros serão realizadas apenas na medida dos recursos humanos
disponíveis. Assim, se o professor de Arte de uma dada escola for formado em Música, por
exemplo, será esta a linguagem artística contemplada no currículo. Uma outra variante
desta situação, que começa a ter lugar em estabelecimentos particulares, é a escola
escolher a(s) modalidade(s) artística(s) que considera mais conveniente(s) para os seus
interesses, contratando um professor com formação adequada. Neste caso, podem pesar
argumentos acerca da conveniência de evitar reclamações dos pais na hora de comprar
material para as aulas de Artes Visuais, ou então sobre como determinado campo da arte
pode contribuir para o marketing da escola - ao produzir apresentações teatrais, por
exemplo.
3) Ou ainda - e pior - as propostas dos PCN poderão servir como base para planejamentos
e relatórios que ficarão apenas no papel, sem mudanças efetivas na prática educativa em
sala de aula.
Enfim, acreditamos que, em termos de Brasil, serão poucas as escolas - de elite,
certamente - que se empenharão em oferecer as quatro linguagens artísticas de modo
consistente, contratando para tal diversos professores com formação específica.
Tais perspectivas colocam em discussão a possibilidade de os PCN-Arte trazerem
mudanças efetivas para a prática pedagógica na área. A pretensão de um único professor
realizando as propostas dos PCN-Arte em todas as linguagens artísticas contradiz a
amplitude e profundidade das propostas específicas, atualizando a polivalência e
conduzindo, inevitavelmente, a um esvaziamento de conteúdos. Se os PCN-Arte forem
implementados desta forma, ou se ficarem apenas no papel - em belos planejamentos e
relatórios -, estarão sendo reduzidos a meros atos de discurso, mascarando, na verdade, a
ausência de renovação das ações pedagógicas em arte.
Receamos que isto possa vir a acontecer, até porque os próprios PCN prevêem um
processo progressivo para sua aplicação, como base para a atuação do professor em sala de
aula - o que nem sempre está ocorrendo. Segundo os documentos introdutórios para os
diversos ciclos, os Parâmetros deveriam ser utilizados progressivamente para subsidiar: 1o)
as próprias ações do MEC para o ensino fundamental o que está sendo feito; 2o) as
revisões ou adaptações curriculares desenvolvidas pelas secretarias de educação, no âmbito
dos estados e municípios; 3o) a elaboração do projeto educativo (proposta pedagógica) de
cada escola, construído num processo dinâmico de discussão, envolvendo toda a equipe. E
então, no quarto e último nível de concretização, caberia ao professor a realização da
proposta curricular na sala de aula. Este processo seria capaz, portanto, de respaldar a ação
do professor na realização das propostas dos PCN-Arte. Temos observado, contudo, que
muitas vezes os PCN-Arte simplesmente "caem na cabeça" do professor, de quem a
direção da escola cobra a aplicação das propostas, a despeito da falta de apoio e de
condições. Diante deste quadro, é fundamental que as escolas assumam a responsabilidade
de elaborar o seu “projeto educativo” (nos termos dos PCN) ou “proposta pedagógica”
(conforme a LDB). Seguindo princípios de flexibilidade e autonomia, a LDB delega aos
estabelecimentos de ensino a incumbência de “elaborar e executar sua proposta
pedagógica” (Lei 9394/96, Art. 12), o que é reafirmado pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental (Resolução no 2/98 CNE), que têm estas sim
caráter obrigatório. Pois vale lembrar que, embora o MEC esteja colocando os PCN como
referência para a avaliação das escolas e alocação de recursos, do ponto de vista formal
eles não têm obrigatoriedade. Segundo o Parecer 03/97 do Conselho Nacional de Educação
(CNE), “os PCN resultam de uma ação legítima, de competência privativa do MEC e se
constituem em uma proposição pedagógica, sem caráter obrigatório, que visa à melhoria da
qualidade do ensino fundamental e o desenvolvimento profissional do professor. É nesta
perspectiva que devem ser apresentados às Secretarias Estaduais, Municipais e às Escolas
(grifos nossos).
Cada escola pode e deve, portanto, elaborar sua própria proposta pedagógica. Se
construída de forma participativa e compromissada – não se revestindo apenas de um
caráter burocrático –, deve decidir como utilizar os recursos humanos e materiais
disponíveis de modo a atender às necessidades específicas de seu alunado. A proposta
pedagógica é, pois, o espaço ideal para definir o melhor modo de encaminhar o trabalho de
arte na escola, fazendo uso da autonomia prevista na LDB e nas Diretrizes Curriculares, e
atendendo à flexibilidade da proposta dos PCN-Arte. Neste quadro, sendo analisados e
discutidos com cuidado, os PCN-Arte podem ser utilizados para respaldar uma atuação
mais aprofundada em determinada linguagem artística, ou ainda como base para
reivindicar as condições necessárias para uma prática pedagógica de qualidade.
Para concluir, é preciso deixar claro que, apesar de todos os questionamentos em
torno dos PCN-Arte, reconhecemos a importância destes documentos, que podem ajudar a
fortalecer a presença da arte na escola. Sem dúvida, os PCN-Arte sinalizam um
redirecionamento do ensino de arte, respondendo às buscas da própria área. É preciso
lembrar, no entanto, que as normas contam sobretudo pelos seus efeitos, de modo que os
PCN dependem de sua concretização - ou seja, de sua realização na prática escolar. Nesta
medida, tanto a renovação da prática pedagógica em arte quanto a “transformação positiva
no sistema educacional brasileiro”, a que se refere o Ministro da Educação, passam
necessariamente pela prática concreta com todos os seus conflitos , pois é nela que tais
mudanças terão que ser construídas e conquistadas.
Artigo publicado no boletim Arte na Escola, consulta realizada no dia 05/06/06.
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