surgido como um aparelho disciplinador, docilizador do sujeito por um poder que se
disseminava, vigiando e se fazendo sentir por toda parte (FOUCAULT: 2004d), a eficácia da
escola como tal já não se observa nos dias atuais, como o próprio Foucault (2004b) avaliou
mais tarde: “a idéia de uma moral como obediência a um código de regras está desaparecendo,
já desapareceu”. Se os procedimentos de punição não valem mais para a escola, não funcionam
como antes, há que se trabalhar a disciplina como auto-disciplina, como técnica de si e para
isso, o reconhecimento do outro como ser racional é fundamental.
Como assinalado no capítulo 3, Foucault (2002; 2003a; 2003b 2004a) discorre sobre
as formas que podem tomar as “práticas de si” pelo sujeito na constituição de uma estética da
existência (2004b). Até mesmo a confissão (FOUCAULT: 2003a), que coloca o sujeito numa
posição de subordinação à instância que recebe a confissão, produz no sujeito um efeito de
auto-adestramento, já que ao confessar, ele se auto-avalia.
Nesta pesquisa, verificou-se o quanto essas práticas podem produzir resultados, pois
em todo o desenvolvimento do projeto, de alguma forma, os alunos foram interpelados a se
observarem e a dizer sobre a sua visão de si mesmos, bem como das atividades realizadas.
Houve momentos de confissão, sobretudo ao declararem como se sentiam envergonhados e
nervosos em falar perante os outros. Houve a escrita de hypomnematas, anotações sobre o que
tinham ouvido, discutido e o que pensavam sobre tudo isso, pelo que eles se apropriaram do
discurso sobre os gêneros tratados. Sobretudo, aconteceram os momentos de expressão, tanto
por escrito como oralmente, de si mesmos, em suas histórias, em suas apreciações.
Ao passarem por todo esse processo, foi possível constatar mudanças, diferentes em
cada um, que se manifestavam no próprio comportamento e atitude perante as atividades: o
desejo de falar, a escuta atenta dos outros, o envolvimento na escrita, a disposição de enfrentar
a timidez e o embaraço inicial para narrar, e ainda, algumas manifestações espontâneas de
alunos que procuravam pela professora, até mesmo fora da sala de aula para dizer que livros
estavam lendo, que histórias tinham gostado, para saber quando iria se repetir a contação, para
dizer que achavam que estavam lendo melhor.
Quando esta pesquisa se iniciou, ainda sem a perspectiva foucaultiana, tinha-se em
mente as palavras de Machado (2004) a respeito da possibilidade de as crianças
experimentarem a sua própria história ao ouvir e ler narrativas tradicionais, percorrendo “a
paisagem de suas imagens internas”, resignificando suas vidas, pois, para Machado, contar
histórias “é, na verdade, um exercício constante, um aprimoramento de possibilidades internas