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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
MARIA CRISTINA DOS SANTOS PINTO
AUTOBIOGRAFIA E SUBJETIVIDADE:
ANÁLISE DO DISCURSO DE ALUNOS DE
CURSO NORMAL SUPERIOR
TAUBATÉ
2007
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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
MARIA CRISTINA DOS SANTOS PINTO
AUTOBIOGRAFIA E SUBJETIVIDADE:
ANÁLISE DO DISCURSO DE ALUNOS DE
CURSO NORMAL SUPERIOR
Dissertação apresentada para a obtenção
do Título de Mestre pelo Curso de
Lingüística Aplicada do Departamento
de Ciências Sociais e Letras da
Universidade de Taubaté.
Área de concentração: Formação de
professores.
Orientadora: Profª Drª Elzira Yoko
Uyeno
TAUBATÉ
2007
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Pinto, Maria Cristina dos Santos
Autobiografia e Subjetividade: análise do discurso de alunos
de Curso Normal Superior / Maria Cristina dos Santos Pinto. –
Taubaté: UNITAU/PRPPG,2007.
169f. : il.
Orientador: Elzira Yoko Uyeno
Dissertação (Mestrado) – Universidade de Taubaté,
Departamento de Ciências Sociais e Letras, 2007.
1. Análise do Discurso 2. Curso Normal Superior 3.
Feminização do Magistério 4. Autobiografia 5. Subjetividade –
Dissertação. I. Universidade de Taubaté. Departamento de Ciências
Sociais e Letras. II. Título.
MARIA CRISTINA DOS SANTOS PINTO
AUTOBIOGRAFIA E SUBJETIVIDADE: ANÁLISE DO DISCURSO DE ALUNOS
DE CURSO NORMAL SUPERIOR
Dissertação apresentada para a obtenção do
Título de Mestre pelo Curso de Lingüística
Aplicada do Departamento de Ciências Sociais e
Letras da Universidade de Taubaté.
Área de concentração: Formação de professores.
Orientadora: Profª Drª Elzira Yoko Uyeno
Data: ________________________________
Resultado: ____________________________
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Maria Aparecida Garcia Lopes-Rossi Universidade de Taubaté
Assinatura ___________________________
Profª. Drª. Beatriz Maria Eckert-Hoff Universidade __________
Assinatura ____________________________
Profª. Drª. Vera Lúcia Bataglia de S. Renda Universidade de Taubaté
Assinatura ____________________________
Profª. Drª. Claudete Moreno Ghiraldelo Universidade ___________
Assinatura ____________________________
Aos meus filhos Mariana e João Paulo
Aos mestres de uma vida inteira
Aos amigos, especialmente Maria Cláudia e
Vagner
Às minhas alunas do Curso Normal Superior
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus pelo dom da vida
À Prof..ª Drª. Elzira Yoko Uyeno pela orientação e paciência que definitivamente
contribuíram para o meu amadurecimento acadêmico.
Aos amigos Vagner e Maria Cláudia pela amizade e colaboração.
À Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo pela oportunidade desta
conquista por meio da concessão da Bolsa Mestrado.
Às alunas do Curso Normal Superior que colaboraram com a pesquisa.
Ao Centro UNISAL – U.E. de Lorena pelo apoio.
À Universidade de Taubaté, de modo especial aos mestres e funcionários pela acolhida.
Da mesma forma que há um modo
masculino de ver e conceber o mundo,
entre as mulheres existe o que se pode
nomear de uma “visão feminizante do
mundo”, ou seja, um modo peculiar de
enxergar, de conceber o mundo e suas
relações, que é produto da internalização
e da consolidação de valores, hábitos,
crenças, modo de pensar e de ser, a que
cada mulher está sujeita, e que constitui
um trabalho que é processado durante
toda a nossa existência (...). Esses modos
de ser e de viver são peças que compõem
as histórias de vida destas mulheres,
professoras, alunas e que seguramente,
têm muitos traços em comum com outras
histórias de vida de outras mulheres,
alunas ou professoras (...) que
influências variadas tiveram e ainda têm
lugar. Família e escola são os espaços
onde se educa e se constrói a mulher e,
mais adiante, a Professora.
Denice Bárbara Catani
RESUMO
A presente pesquisa visava entender os motivos que levaram as alunas do Curso
Normal Superior a se inscreverem no ensino superior enunciando o desejo de exercerem
atividades docentes nas séries iniciais do ensino fundamental, se a graduação em outras áreas
do ensino superior poderia lhes proporcionar prestígio profissional e econômico. Sob a
hipótese norteadora de que sua opção pelo Curso Normal Superior era determinada por um
discurso histórico de uma atividade tipicamente feminina, esta dissertação analisou o discurso
produzido pelos alunos desse curso, por meio da aplicação de questionário e redação de um
texto autobiográfico. Mais especificamente, buscou rastrear, na materialidade lingüística do
discurso das alunas do Curso Normal Superior, a manifestação de sua subjetividade. O
percurso analítico pautou-se na perspectiva da Análise do Discurso de linha francesa, partindo
do pressuposto da inseparabilidade entre o sujeito e seu discurso (Pêcheux) e postulados
foucaultianos da confissão e da escrita de si como dispositivos que possibilitam o auto-
conhecimento. A pesquisa considerou que o sujeito enuncia sob a ilusão de que o dizer lhe
pertence, quando, na verdade, repete discursos já existentes, sob a ilusão de que tem controle
absoluto do que profere e analisou a eficácia dos dispositivos da confissão e da escrita de si
como possibilidade de auto-conhecimento. Resultados da análise das respostas ao
questionário revelaram que elas optam pela freqüência nesses cursos determinadas pela
memória discursiva do que seja professora de séries iniciais. Levaram, ainda, à conclusão de
que a representação que as alunas têm de si mesmas e do fazer docente: uma missão que
requer indivíduos vocacionados para o exercício do magistério, uma atividade tipicamente
feminina. A análise do segundo corpus, constituído de autobiografias, permitiu concluir que,
ao falar de si, ratificaram a determinação histórica de sua escolha por esse curso, tornaram
possível o seu auto-conhecimento, permitido por meio do funcionamento dos dispositivos da
confissão e da escrita de si, pois ao redigir o texto autobiográfico, ainda que as alunas não o
pretendessem, foi possível conhecerem-se um pouco mais.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do discurso; Curso Normal Superior; Feminização do
magistério; Autobiografia; Subjetividade
ABSTRACT
This research aimed to understand the motives that took the female students of Superior
Normal Course to enrol themselves in such course and the aspiration of performing teaching
activities to the inicial years of the “Ensino Fundamental”, taking into consideration that the
graduation in other areas of studies could offer them professional and economical prestige.
Under the hypothesis that the choice for this course was made by the historical discourse of
being a typically female activity, this dissertation analyzed the discourse produced by the
female students of this course, through a questionnaire and an autobiographical essay. But
specially, it searched to trace, in the linguistic materiality of the discourse of the students of
de Superior Normal Course, the manifestation of its subjectivity. The analytical way was
regulated by the perspective of the French discourse analysis line, from the presupposition of
inseparability between the subject and its discourse (Pêcheux) and Foulcot postulates of the
confession and writing about oneself as disposition that make it possible the self-discovery.
The research considered that one enunciates under the illusion that the saying belongs to
oneself, when, in reality, one repeats discourses already made before, under the illusion that
one has the absolute control on what utters and has analyzed the efficiency of the confession
and of the writing about oneself as possibility of self-discovery. The analysis of the answers
of the questionnaire showed that they chose this course because of the discursive memories of
what it is to be an early stage teacher. The results also took to the conclusion that the
representation of the female students about themselves and their teaching: a mission that
needs people with inner call to teaching, a typically female activity. The analysis of the
second corpus made from the biographies brought to the conclusion that, talking about
themselves, confirm the historical determination of their choice, it made it possible the self-
discovery from the confession and writing about themselves and also allowed the female
students, even without intention, to learn a bit more about themselves.
KEY WORDS: Discourse analysis, Superior Normal Course, femininity of teaching
profession, Autobiogrphy, Subjetivity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................10
PARTE I PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .....................................................
13
CAPÍTULO 1 O CURSO NORMAL SUPERIOR NO BRASIL ....
14
1.1. Trajetória histórica do Curso Normal no Brasil...........................................14
1.2. O Curso Normal Superior: Legislação.. ....................................................19
1.3 O Curso Normal Superior do Centro Universitário Salesiano de São
Paulo – U.E de Lorena - (UNISAL)...................................................................24
CAPÍTULO 2 A ESCOLA PRIMÁRIA NO BRASIL.....................36
CAPÍTULO 3 A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO...................62
CAPÍTULO 4 A ANÁLISE DE DISCURSO DE LINHA
FRANCESA..................................................................
80
4.1. Análise do discurso: percurso histórico ................................................. .82
4.2. Autobiografia, confissão e escrita de si....................................................104
PARTE II CURSO NORMAL SUPERIOR: UM UNIVERSO FEMININO
ANÁLISE DE CORPUS..............................................................
116
CAPÍTULO 1 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO DAS
ALUNAS DO CURSO NORMAL SUPERIOR...........
118
CAPÍTULO 2 PROFESSORAS DE SÉRIES INICIAIS: UM
DISCURSO FEMININO ............................................
121
2.1 Professoras de crianças: um fazer feminino ............................................122
2.2. A imagem da docência das séries iniciais de nível de ensino
fundamental..............................................................................................127
2.3. A imagem do professor de séries iniciais de nível de ensino
fundamental.................................................................................132
CAPÍTULO 3 AUTOBIOGRAFIA E ESCRITA DE SI..................143
3.1. Professoras de crianças: um fazer feminino...........................................143
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................
152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................
.155
ANEXOS..........................................................................................................
163
ANEXO A – Quadro de Legislação do Curso Normal Superior ..........................................164
ANEXO B – Questionário ................................................................................................... 168
ANEXO C – Texto autobiográfico ..................................................................................... 169
10
INTRODUÇÃO
O desejo de desenvolver a presente pesquisa partiu do contato com o ensino superior,
no Curso Normal Superior, destinado a formação de professores para o exercício da docência
nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Mediante minha própria experiência no magistério
e questionamentos das alunas
1
surgiu o desejo de desvendar os motivos pelos quais as alunas
do Curso Normal do Centro Unisal – U.E. de Lorena optaram pelo magistério para as séries
iniciais do ensino fundamental e qual a imagem estas têm se si e da atividade docente Isso
porque ouvia muitas vezes, as alunas manifestarem sentimentos de menos valia por causa dos
comentários que ouviam quando revelavam o curso que escolheram. De modo geral, as alunas
relatavam que as pessoas têm atitudes de espanto e até menosprezo comentando: mas é
preciso fazer faculdade para dar aulas para crianças? Mas você vai ser professora?! Dessa
forma, para iniciar a pesquisa fez-se necessário compreender a história do curso de formação
de professores no Brasil.
A criação das Escolas Normais públicas no Brasil data da época da província quando
houve que se incluir no nível de ensino secundário ministrado nos liceus, cuja clientela era
essencialmente masculina. Os liceus eram dedicados à preparação para o ingresso no ensino
superior e sempre tiveram como modelo o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro. (Kulesza,
1998, p.63).
Segundo Teixeira (1969), a primeira escola de educação de nível universitário que
existiu no Brasil foi a “Escola de Professores” do Instituto de Educação do Rio de Janeiro,
criado em 1932. Embora breve, tendo compreendido o período entre 1932 e 1937, a
experiência dessa Universidade marcou o sentido do que é uma escola profissional de
1
A pesquisa foi realizada com as classes de 2º e 3º anos do Curso Normal Superior, compostas somente por
mulheres
11
educação destinada à licença do magistério de nível primário, médio e superior. Pelo Decreto
3.810, de 19 de março de 1932, a escola normal existente na época foi transformada em
Instituto de Educação destinado a ministrar educação secundária a preparar professores
primários e secundários. Observe-se com isso que, já naquela época, havia uma preocupação
com a formação adequada de professores.
Para Mello (2001), “o curso tinha uma identidade muito própria e até meados dos anos
1970 conservava, de um modo geral, um bom nível.” Com o passar do tempo, o magistério foi
perdendo o valor, passando a constituir uma classe profissional desvalorizada em termos
econômicos e sociais e, em decorrência disso, a formação do professor também perdeu a
qualidade.
Sob a hipótese norteadora de que sua opção pelo Curso Normal Superior é
determinada por um discurso histórico de uma atividade tipicamente feminina, este estudo
analisou o discurso produzido pelas alunas desse curso através da aplicação de questionário,
elaboração de texto e autobiografia. Mais especificamente buscou rastrear na materialidade
lingüística do discurso das alunas do Curso Normal Superior a manifestação de sua
subjetividade, pautando-se na perspectiva da Análise do Discurso de linha francesa, partindo
do pressuposto da inseparabilidade entre o sujeito e seu discurso. A pesquisa considera, ainda
que o sujeito enuncia sob a ilusão de que o dizer lhe pertence, quando, na verdade, repete
discursos já existentes e sob a ilusão de que tem controle absoluto pelo que profere, quando
deixa resvalar enunciações à sua revelia.
O trabalho está dividido em duas partes. A primeira parte constitui a fundamentação
teórica e está dividida em quatro capítulos. O primeiro capítulo percorre brevemente a
trajetória histórica do Curso Normal Superior no Brasil na qual evidenciam-se os fatores
sociais, políticos, econômicos e culturais determinantes na sua instalação, demarcada por um
caráter masculino e elitista. Entretanto, emerge durante o início do século XX, uma Escola
12
Normal essencialmente feminina. Ainda nesse capítulo, com o intuito de entender a
identidade desse curso, recorre-se à legislação pertinente e dados sobre o Centro Unisal, local
onde se realizou a coleta de dados. O segundo capítulo resgata a origem da escola por meio do
aporte teórico foucaultiano que a caracteriza como mecanismo de poder e vigilância,
determinantes na organização da escola primária no Brasil e delineamento da atividade
docente. O terceiro capítulo traz subsídios que explicam o processo de feminização do
magistério no Brasil que corroboram com a hipótese do discurso histórico que determina que
a docência se constitui de um fazer feminino.O quarto capítulo trata de conceitos da ADF que
constitui a perspectiva de análise do corpus coletado.
A segunda parte constitui a análise de corpus e está dividida em três capítulos. O
primeiro capítulo se refere às condições de produção do discurso das alunas do Curso Normal
Superior. O segundo capítulo apresenta a análise das respostas ao questionário em que as
alunas justificam a escolha pela docência nas séries iniciais do ensino fundamental. O terceiro
capítulo discorre sobre a análise dos textos autobiográficos, redigidos pelas alunas-professoras
do Curso Normal Superior, ancorando-se em pressupostos foucaultianos da confissão e escrita
de si como dispositivos que possibilitam o auto-conhecimento.
13
PARTE I
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A presente parte do estudo teve por finalidade levantar dados sobre a trajetória
histórica do Curso Normal no Brasil para entender o que motivou a política educacional, por
meio da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96, a priorizar a
formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental, exigindo o nível
superior.
Para tanto, fez-se necessário, no capítulo 1, buscar subsídios por meio de pesquisa
bibliográfica sobre a implantação do curso Normal no Brasil, em nível de ensino médio e,
atualmente em nível superior levantando dados sobre a legislação pertinente. Levando em
consideração que a pesquisa se compôs de dados coletados com as alunas do Curso Normal
Superior do Centro Unisal –U.E. de Lorena, a pesquisa contemplou também um levantamento
sobre o Projeto Político Pedagógico da Instituição.
A partir da hipótese levantada pela pesquisa de que o magistério se constitui de um
fazer tipicamente feminino, realizou-se, no capítulo 2, um levantamento sobre a escola
primária no Brasil, com no intuito de perceber o como ela se constituiu e os determinantes
históricos que a demarcaram como em espaço do fazer feminino.
No capítulo 3 discorre-se sobre a feminização propriamente dita do magistério no
Brasil, no sentido da constatação de que o magistério se constitui ainda como um fazer
feminino.
No capítulo 4, propôs-se traçar um esboço do percurso histórico da Análise do
Discurso de perspectiva francesa (ADF) apresentando-se seus aportes teóricos e
pressupoostos pcheutianos e foucaultianos que fundamentam a pesquisa.
14
CAPÍTULO 1
O CURSO NORMAL SUPERIOR NO BRASIL
O presente capítulo teve por objetivo apresentar informações colhidas sobre a
trajetória histórica do Curso Normal no Brasil, para compreender o seu processo de
implantação em nível médio e, posteriormente, em nível superior, conforme determina a nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96. Discorre também, sobre o
Projeto Político Pedagógico do Curso Normal Superior, do Centro Unisal –U.E. de Lorena,
instituição em que foram coletados os dados que compõem o corpus de análise da pesquisa.
1.1 . TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO CURSO NORMAL NO BRASIL
Para compreender a existência de um Curso Normal em nível Superior no Brasil, é
necessário que se busquem dados na história do magistério. Para Lima (197___, p. 103), a
vinda da Família Real representou a verdadeira “descoberta do Brasil”, pois:
a abertura dos portos, além do significado comercial da expressão, significou a
permissão dada aos ‘brasileiros’ (madeireiros de pau-brasil) de tomar conhecimento
de que existia, no mundo, um fenômeno chamado civilização e cultura
2
Em 1824, foi outorgada a primeira Constituição brasileira que, no artigo 179,
apregoava a instrução primária e gratuita para todos os cidadãos. Em 1823, na tentativa de
suprir a falta de professores, instituiu-se o Método Lancaster, ou do ensino mútuo, segundo o
qual o aluno treinado (decurião) ensinava um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida
vigilância de um inspetor. Em 1826, um Decreto instituiu quatro graus de instrução:
Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Em 1827, um projeto de lei
propôs a criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na
2
Grifos do autor
15
seleção de professores, para nomeação, propondo também a abertura de escolas para meninas.
Em 1834, um ato Adicional à Constituição dispôs que as províncias passariam a ser
responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Em decorrência desse ato,
em 1835, surgiu a primeira Escola Normal do Brasil, em Niterói. Em 1837, foi criado o
Colégio Pedro II no Rio de Janeiro.
Segundo Kulesza (1998, p. 63), com a sua criação, as Escolas Normais públicas nas
províncias tiveram de se acomodar ao ensino secundário ministrado nos Liceus,
essencialmente masculinos e dedicados à preparação para o ingresso no ensino superior e
tiveram sempre como modelo o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro. Esses Liceus tiveram
papel fundamental no desenvolvimento do ensino normal, no empréstimo de seus professores,
nos regulamentos e nas instalações, de maneira que ambos acabaram se influenciando
mutuamente, ao mesmo tempo em que se configuravam como escolas distintas.
A mulher obteve o direito à educação em virtude da criação das escolas primárias pela
Lei de 15/10/1827, o que fez com que surgissem as primeiras vagas para o sexo feminino no
magistério, pois não se concebia a idéia de tutores de sexo diferente dos alunos. Naquela
época, a Escola Normal era destinada exclusivamente aos homens, uma vez que o papel da
mulher se resumia às tarefas domésticas.
Entretanto, foi apenas na primeira década do século XX que emerge, em todo o
território nacional, uma Escola Normal, essencialmente feminina, dotada de escolas-modelo
anexas destinadas à prática pedagógica que desencadeou o processo de profissionalização do
magistério para as séries iniciais do ensino Fundamental.
Se nunca garantiu uma carreira de grande prosperidade, o Curso Normal
correspondeu, durante mais de uma centena de anos, a uma promessa de respeitabilidade,
sobretudo para as moças que encontravam nele praticamente a única preparação profissional
16
aceita na época para as mulheres já que poderiam conciliar as tarefas domésticas com o
exercício do magistério.
Segundo Castro (1995, p.18), é possível perceber, no Estado de São Paulo, como o
processo de desenvolvimento econômico, a partir dos fins do século XIX, refletiu no ensino e,
em particular, na formação dos professores. Examinando a formação dos professores na São
Paulo do Império até os anos de 1930, Campos (1990 apud CASTRO, 1995, p.19) afirma que,
desde o início, o Curso Normal visava não apenas à preparação de um professorado
competente, como também atender à demanda do crescente contingente crescentes de
mulheres que almejavam continuar os estudos após o curso elementar.
Pela 1ª Constituição Republicana (1891), a Escola Primária e a Escola Normal,
como sua complementação, continua sob a alçada das províncias, agora chamadas
estados, enquanto ao Governo federal reserva-se, mas não exclusivamente, o ensino
secundário e superior (CAMPOS,1985 apud CASTRO, 1995, p.19).
Nas leis e nas outras determinações legais, a Escola Normal não aparecia nem como
uma escola secundária de orientação nem como uma escola de formação profissional e foi
sempre mencionada ao lado desses dois tipos de escola, permanecendo como uma escola de
formação geral que visava preparar para a profissão de professor, inicialmente freqüentada
quase que exclusivamente por homens.
Cabe ressaltar que, durante o Império, o ensino secundário era propedêutico e
destinado àqueles que pretendiam caminhar com seus estudos em nível superior e isso não era
permitido às mulheres. Dessa forma, a Escola Normal passou a representar a única
oportunidade de as mulheres se profissionalizarem, seja porque queriam lecionar seja porque
queriam adquirir formação geral de nível antes do casamento. (BRUSCHINI e AMADO,
1988, apud CASTRO, 1995, p.15).
O pensamento da época era o de que a mulher era dotada biologicamente da
capacidade de socializar crianças como parte de suas funções maternas. Em virtude desse
senso comum e do fato de a escola elementar ser vista como uma extensão dessas atividades,
17
o magistério primário, desde o século passado, tem sido encarado como uma profissão para
mulheres. Isso interferiu na sua valorização salarial, uma vez que não seriam elas a sustentar
seus lares, reforçando a idéia de que a profissão docente constituía atividade complementar,
mal remunerada e que só poderia ser exercida como atividade paralela ou, então, exercida por
aqueles que não encontravam ocupação melhor remunerada. Paralelamente, o magistério
tornou-se a única profissão feminina aceita na sociedade até a década de 30.
Conforme Magalhães (2003, p. 34) na década de 50 constata-se um avanço em relação
aos papéis sociais das mulheres época em que se iniciou o movimento feminista no Brasil.
A década de 60 é marcada por uma grande expansão de vagas nas escolas públicas por
um processo de democratização do ensino. Segundo Pimenta, (1990, p.41 apud CASTRO,
1995, p. 21:
permanecendo inalterada em termos de conteúdos e métodos, a Escola Normal não
conseguiu redefinir suas finalidades para colocar-se como resposta em termos de
formação do novo professor, que compreendesse as novas exigências que a demanda
quantitativa lhe colocava, enquanto expressão mesma de profundas alterações
políticas e estruturais. A escola Normal foi formando professores não apenas
incapazes de ensinar a uma nova população, como também inconscientes quer dos
determinantes dos sistemas de ensino que têm afogado seu trabalho em sala de aula,
quer dos determinantes estruturais da sociedade que atravancaram suas condições de
trabalho.
Durante mais de um século, precisamente de 1834 a 1971, a Escola Normal cumpriu
seu papel de formação do professor primário. A Lei nº 5.692/71 transformou o Curso Normal
em habilitação profissionalizante ao magistério, incorporando a formação de professores
como uma das habilitações do 2º grau. Dentro dos vários modelos de organização curricular
proposto pelo Parecer CF 349/72, a formação de professores se fazia após o aluno ter cursado
as disciplinas do núcleo comum (formação geral) em um ano e, optando pelo magistério,
cursava as disciplinas profissionalizantes em mais dois ou três anos. Dessa forma, considera-
se a habilitação ao magistério mais como um curso de formação técnica. As pesquisas de
Gatti e Bernardes (1977, apud CASTRO, 1995) atestam essa condição, ao avaliarem as
habilidades dos concluintes desse curso de formação, concluindo que os futuros professores
18
não só não dominam os conhecimentos profissionais básicos para o exercício do magistério,
como têm sérias dificuldades em transferir os conhecimentos que adquiriram para o cotidiano
de sala de aula, evidenciando as deficiências na formação do professor.
Cury (1982, apud CASTRO 1995, p. 24) aponta mais críticas à formação dos
professores quando comenta que o docente foi aos poucos expropriado de seu instrumento de
trabalho: o conhecimento. Pimenta (1988, apud CASTRO 1995, p.24) descreve as
características da habilitação do magistério como “uma habilitação descaracterizada,
esvaziada de conteúdo, ausente articulação didática e de conteúdo; ausente articulação entre a
realizada ao ensino de 1º grau e o 3º grau (Pedagogia); estágios desorganizados e fragmenta-
se a formação”.
Outro aspecto a se considerar é o fato de que, gradativamente, os cursos do magistério
foram sendo abandonados pelas jovens da classe média e passaram a ser freqüentados por
jovens de camadas sociais menos favorecidas. Esses dados foram apontados por
pesquisadores brasileiros que conduziram reflexões sobre a escola no final da década de 70.
Pode-se afirmar que, a partir de 1979, a formação de professores passou a ser tema principal
de conferências e seminários sobre educação, reaparecendo o termo educador que permanece
até hoje em nosso vocabulário que, segundo Castro (1995, p. 24), teve, a partir desse
momento, o sentido de um chamamento ético, de um chamamento sobre a responsabilidade
social da profissão. A década de 80 também foi marcada por discussões que tomaram como
pontos básicos o caráter político da prática pedagógica e o compromisso do educador com as
classes populares. Considerava-se mais importante, naquele momento, definir a natureza da
função docente e também o papel do professor para, a partir de então, daí, direcionarem-se as
reformas dos cursos de formação de professores. Em diferentes artigos publicados, durante
esse período (Silva, 1981; Brandão, 1982; Candau, 1982; Mello, 1985; Pimenta, 1988),
educadores se manifestaram, criticando a estrutura e o conteúdo dos cursos de formação de
19
professores e especialistas. Uma das tentativas para se modificar a situação em que se
encontrava a formação de professores no Brasil foi proposta pelo Ministério da Educação e
Cultura (MEC) nos anos 80, com a criação dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério, os chamados CEFAMs, visando ao desempenho de uma ação específica como
agência formadora dos profissionais do magistério para as séries iniciais do Ensino
Fundamental, de modo eficiente e adequado.
Esse processo desencadeou as reformas em relação à formação de professores, e, com
a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a nossa nova LDBEN – Lei 9394/96
determina-se a formação em nível superior para professores da educação básica no Brasil. Eis
que tem origem o Curso Normal Superior no ano de 1996.
1.2. O CURSO NORMAL SUPERIOR – LEGISLAÇÃO
Conforme Relatório do Parecer CNE/CP 009/2001, que dispõe sobre as Diretrizes
Curriculares para a formação inicial de professores da Educação Básica em cursos de nível
superior e que deu origem à Resolução nº 01/2002, de 18/02/2002, dentre as mudanças
importantes promovidas pela nova LDBEN, vale destacar: (a) integração da educação infantil
e do ensino médio como etapas da educação básica a ser universalizada; (b) foco nas
competências a serem constituídas na educação básica, introduzindo um paradigma curricular
novo, no qual os conteúdos constituem fundamentos para que os alunos possam desenvolver
capacidades e constituir competências; (c) importância do papel do professor no processo de
aprendizagem do aluno; (d) fortalecimento da escola como espaço de ensino e de
aprendizagem do aluno e de enriquecimento cultural; (e) flexibilidade, descentralização e
autonomia da Escola associados à avaliação de resultados; (f) exigência de formação em
20
nível superior para os professores de todas as etapas de ensino; (g) inclusão da Educação de
Jovens e Adultos como modalidade no Ensino Fundamental e Médio.
É de interesse nesta pesquisa destacar que as novas tarefas atribuídas à Escola e a
dinâmica por elas geradas impõem a revisão da formação docente em vigor, na perspectiva de
fortalecer ou instaurar processos de mudança no interior das instituições formadoras,
respondendo às novas tarefas e aos desafios enfrentados pelo magistério que incluem o
desenvolvimento de disposição para atualização constante de modo a inteirar-se dos avanços
do conhecimento nas diversas áreas, incorporando-os, bem como aprofundar a compreensão
da complexidade do ato educativo em sua relação com a sociedade. Para isso, não bastam
mudanças superficiais. Faz-se necessária uma revisão profunda de aspectos essenciais da
formação de professores, tais como: a organização institucional, a definição e estruturação dos
conteúdos para que respondam às necessidades da atuação do professor, aos processos
formativos que envolvem aprendizagem e desenvolvimento das competências do professor, à
vinculação entre as escolas de formação e aos sistemas de ensino, de modo a assegurarem-
lhes a indispensável preparação profissional.
Sabe-se que, como toda profissão, o magistério tem uma trajetória construída
historicamente. A forma como surgiu marcado pelas interferências do contexto sócio-político
no qual esteve e está inserido, as exigências colocadas pela realidade social, as finalidades da
educação em diferentes momentos e, conseqüentemente, o papel e o modelo de professor, o
lugar que a educação ocupou e ocupa nas prioridades de Estado, os movimentos e lutas da
categoria e as pressões da população e da opinião pública em geral são alguns dos principais
fatores determinantes do que foi, é e virá a ser a profissão magistério. Dessa forma, a
formação de professores como preparação profissional passa a ter papel crucial, no atual
contexto, para possibilitar o desenvolvimento de competências necessárias para atuar neste
21
novo cenário, reconhecendo-a como parte de uma trajetória de formação permanente ao longo
da vida.
Quando define as incumbências dos professores, a LDBEN
3
não se refere a nenhuma
etapa específica da escolaridade básica. Traça um perfil profissional que independe do tipo de
docência: multidisciplinar (Educação Infantil ou Séries iniciais do Ensino Fundamental) ou
especializada, por área de conhecimento ou disciplina, para crianças, jovens ou adultos. O
artigo 13 da LDBEN estabelece as incumbências dos docentes, a saber:
1. participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
2. elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino;
3. zelar pela aprendizagem dos alunos;
4. estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;
5. ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente
dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento
profissional;
6. colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade
(p.34).
Conforme os relatores, as inovações que a LDBEN introduz nesse Artigo constituem
indicativos legais importantes para os cursos de formação de professores: a) posicionando o
professor como aquele a quem incumbe zelar pela aprendizagem do aluno – inclusive daquele
com ritmos diferentes de aprendizagem –, tomando como referência, na definição de suas
responsabilidades profissionais, o direito de aprender do aluno, o que reforça a
responsabilidade do professor com o sucesso nessa aprendizagem; b) associando o exercício
da autonomia do professor, na execução de um plano de trabalho próprio, ao trabalho coletivo
de elaboração da proposta pedagógica da escola; c) ampliando a responsabilidade do
professor para além da sala de aula, colaborando na articulação entre a escola e a comunidade.
Complementando as disposições do Artigo 13, a LDBEN dedica um capítulo
específico à formação dos profissionais da educação, com destaque para os professores. Esse
3
LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96
22
capítulo se inicia com os fundamentos metodológicos que presidirão a formação, como se
pode atestar na sua transcrição:
Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos
dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do
desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
1. a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em
serviços;
2.aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e
outras atividades (p. 49).
É importante observar que a lei prevê que as características gerais da formação de
professor devem ser adaptadas ou adequadas aos diferentes níveis e modalidades de ensino
assim como a cada faixa etária. É preciso destacar a clareza perseguida pela Lei, ao constituir
a educação básica como referência principal para a formação dos profissionais da educação.
Definidos os princípios, a LDBEN dedica os dois Artigos seguintes aos tipos e
modalidades dos cursos de formação de professores e sua localização institucional, como se
pode observar na transcrição a seguir:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Art. 63. Os Institutos Superiores de Educação manterão:
1. cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o Curso
Normal Superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e
para as primeiras séries do ensino fundamental;
2. programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação
superior que queiram se dedicar à educação básica;
3. programas de educação continuada para os profissionais de educação dos
diversos níveis(p.50)
É importante notar alguns pontos desses dois artigos: (a) a definição de todas as
licenciaturas como plenas; (b) a reafirmação do ensino superior como nível desejável para a
formação do professor da criança pequena (educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental), meta que será reafirmada nas disposições transitórias da lei, como se verá mais
23
adiante; (c) a abertura de uma alternativa de organização para essa formação em Curso
Normal Superior.
Um outro ponto que merece destaque nesses artigos refere-se à criação dos Institutos
Superiores de Educação (ISE). Coerente com o princípio de flexibilidade da LDBEN, a
Resolução CNE 01/99 deixa em aberto a localização dos ISE – dentro ou fora da estrutura
universitária – e os posiciona como instituições articuladoras. Para tanto, determina a
existência de uma direção ou coordenação responsável por articular a elaboração, execução e
avaliação do projeto institucional, promovendo, assim, condições formais de aproximação
entre as diferentes licenciaturas e, conseqüentemente, o desenvolvimento da pesquisa sobre os
objetos de ensino. Aborda, ainda, dentre outras questões, princípios de formação,
competências a serem desenvolvidas, formas de organização dos Institutos, atribuindo-lhes
caráter articulador, composição de seu corpo docente, carga horária dos cursos e finalidades
do Curso Normal Superior. Aos ISE é atribuída a função de oferecer formação de professores
para atuarem na educação básica.
O Decreto 3276/99, alterado pelo Decreto 3554/2000, regulamenta a formação básica
comum que, do ponto de vista curricular, constitui-se no principal instrumento de
aproximação entre a formação dos professores das diferentes etapas da educação básica. Essa
regulamentação foi motivo de parecer nº. 133/01 da Câmara de Educação Superior do
Conselho Nacional de Educação, no qual fica evidenciado que a formação de professores para
atuação multidisciplinar terá que ser oferecida em cursos de licenciatura plena, eliminando-se,
portanto, a possibilidade de uma obtenção mediante habilitação. Pelo próprio parecer, fica
esclarecido que: a) quando se tratar de universidades e de centros universitários, os referidos
cursos poderão ser oferecidos preferencialmente como Curso Normal Superior ou como curso
com outra denominação, desde que observadas essas diretrizes para formação de professores
para educação básica em nível superior e respectivas diretrizes curriculares específicas para
24
educação infantil e anos inicias do ensino; b) as instituições não-universitárias terão que criar
Institutos Superiores De Educação, caso pretendam formar professores em nível superior para
a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, e essa formação deverá ser
oferecida em Curso Normal Superior, obedecendo ao disposto na resolução CNE/CP 01/99.
A formação em nível superior de todos os professores que atuam na educação básica é
uma meta a ser atingida em prazo determinado, conforme Artigo 87 das Disposições
Transitórias da LDBEN, cuja especificidade se transcreve a seguir:
Parágrafo 4
o
– Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos
professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em
serviço (p.57).
Nesse quadro legal, tendo em vista as necessidades educacionais do país, a revisão da
formação de professores para a educação básica é um desafio a ser enfrentado de imediato, de
forma inovadora, flexível e plural, para assegurar efetivamente a concretização do direito do
aluno de aprender na escola.
A pesquisa bibliográfica empreendida leva-nos a compreender e a concluir a
necessidade da implantação do Curso Normal Superior no cenário educacional brasileiro.
Toda preocupação com as questões da educação é permeada pela questão da formação de
professores que deve preparar pessoas qualificadas e competentes para o exercício da
profissão magistério.
1.3. O CURSO NORMAL SUPERIOR DO CENTRO UNIVERSITÁRIO
SALESIANO DE SÃO PAULO – U.E. DE LORENA (UNISAL)
Como o corpus de análise desta pesquisa constitui-se de material coletado com as
alunas do Curso Normal Superior do Centro Universitário Salesiano – Centro UNISAL - U.E.
25
de Lorena, justifica-se o levantamento de dados sobre a instituição e o Curso Normal
Superior. Dessa forma, nessa etapa do trabalho, os dados que caracterizam o Centro
Universitário Salesiano – Centro UNISAL – U.E. de Lorena constituem partes do Projeto
Político-Pedagógico 2006 do Curso Normal Superior. O Centro UNISAL, fundado em
princípios éticos, cristãos e salesianos (Razão, Religião e “Amorevolezza”
4
, tem por missão
contribuir na formação integral de cidadãos, por meio da produção e difusão de conhecimento
e da cultura, em um contexto de pluralidade.
Em março de 2001, o Centro Unisal recebeu a visita de uma comissão avaliadora do
MEC, designada pela portaria nº 3.891/00 de 23/12/2000/SESu/MEC, publicada no DOU de
26/12/2000, seção 2, p.8, com a incumbência de verificar “in loco” as condições de
autorização e funcionamento da habilitação - Magistério das Series Iniciais da Educação
Básica - no Curso de Pedagogia.
A portaria N
o
. 2478 de 21 de novembro de 2001, Art. 1º, autorizou o funcionamento
da habilitação Magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, com 90 vagas. Art. 2º
pede providências, no sentido da Implantação do Instituto Superior de Educação para abrigar
as licenciaturas e o Curso Normal Superior, conforme dispõe o Decreto N
o
. 3.276/99,
alterado pelo Decreto N
o
. 3.524/2000, a resolução CP/CNE N
o
01/99 e o Parecer CES/CNE
N
o
133/2001. Portanto, o Centro UNISAL, para manter sua tradição de prontamente atender
às demandas regionais, investiu a partir de 2002, no Curso Normal Superior que viria a
permitir o exercício do magistério dedicado a Educação Básica nas primeiras quatro séries do
Ensino Fundamental.
Com a introdução do Curso Normal Superior, o Curso de Pedagogia, que até então
oferecia as Habilitações das Disciplinas Pedagógicas do 2° Grau (hoje, denominado Ensino
Médio), Administração Escolar, Supervisão e Orientação Educacional, optou por reformular a
4
AMOREVOLEZZA: palavra italiana sem tradução literal que se refere ao aspecto afetivo valorizado na
educação salesiana, proposta por Dom Bosco.
26
grade para atender às demandas específicas e passou a oferecer as habilitações plenas em
Administração Escolar e em Orientação Educacional.
A partir da Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, que instituiu a carga
horária dos cursos de graduação com licenciatura plena em formação de professores da
Educação Básica, o Sr. Ministro de Estado da Educação resolveu que a carga horária seria
efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2.800 (duas mil e oitocentas) horas, nas
quais a articulação teórico-prática garantisse, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as
seguintes dimensões dos componentes comuns: I – 400 (quatrocentas) horas de prática como
componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; II – 400 (quatrocentas) horas de
estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do curso; III – 1 800
(mil e oitocentas) horas para os conteúdos curriculares de natureza acadêmico-científico–
cultural; IV – 200 (duzentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza
científico-cultural.
No Parágrafo único desse parecer, consta que os “alunos que exercem atividades
docentes regulares na educação básica poderão ter redução de carga horária do estágio
curricular supervisionado até no máximo 200 (duzentas) horas”. Também consta, nessa
resolução, que os 200 (duzentos) dias letivos devem ser cumpridos e o curso deve ser
integralizado em, no mínimo, 3 (três) anos letivos.
O Curso Normal Superior do Centro UNISAL – UE de Lorena está estruturado em
regime de semestralidade e oferece o mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho letivo
divididos em dois semestres, sendo o 1
o
semestre compreendido entre fevereiro e junho (40
semanas) e o segundo entre agosto e dezembro (40 semanas).
O quadro abaixo apresenta um resumo das atividades desenvolvidas:
27
Total de horas de Trabalhos Científicos- Acadêmicos 2232
Total de Horas de Estágio Supervisionado 400
Total de Horas de Atividades acadêmico-científico-culturais 200
TOTAL GERAL 2832
Como escola católica e salesiana, o Centro UNISAL busca-se consolidar como centro
de excelência, reconhecido nacional e internacionalmente na produção, sistematização e
difusão do conhecimento e na qualidade de serviços prestados à comunidade. Procura cumprir
sua função social embasada nos fundamentos filosóficos da educação integral e desenvolver
aspectos físicos, cognitivos, psíquicos, sociais e espirituais.
A preocupação é traçar uma proposta curricular “dinâmica” que atenda à concepção
teórico-metodológica renovada de formação de educadores e, por conseguinte, traçar um novo
perfil profissional para os licenciados que apresentem competências e habilidades de atuação
profissionais para a dimensão da formação básica.
A Lei nº. 9394/96 vem ao encontro dos ideais da instituição no sentido da valorização
do magistério, ao priorizar a formação do educador. Dessa forma, o corpo discente e o
Colegiado do curso procurou elaborar projetos com ações inovadoras, diante das necessidades
da profissão, do curso, da clientela da região e de novas diretrizes para a formação do
educador.
O Centro UNISAL reconhece que a Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, incorporou uma série de inovações no sistema de ensino brasileiro, buscando a
melhoria e a qualidade do ensino público e privado. Ao estabelecer critérios de ingresso e
progressão, a Lei criou bases para a estruturação da carreira e levou o professor a procurar
qualificação no ensino superior e nos cursos de pós-graduação o que valorizou o magistério.
O Projeto Político-Pedagógico visualiza também a explosão tecnológica, a economia
28
globalizada e os impactos socioeconômicos e culturais que se propagam vertiginosamente
com a explosão das informações que marcam um novo momento histórico pelo qual a
sociedade contemporânea está passando indicando metas a serem atingidas pela instituição.
Em virtude dessa realidade, o Centro UNISAL prioriza na formação de professores os
seguintes aspectos: a) o desenvolvimento de disciplinas que complementem e garantam a
competência para a atuação do profissional na área do magistério nas Séries Iniciais do
Ensino Fundamental; b) a prática como componente curricular em articulação intrínseca com
o estágio supervisionado e com as atividades de trabalho acadêmico; c) a flexibilização
curricular através de um espaço criado na Matriz Curricular denominado - Tópicos
Avançados abordam temas para atualização dos alunos e/ou complementação da formação; d)
prática supervisionada e atividades científicas – acadêmicas em um espaço pedagógico
denominado: Oficina Pedagógica, com o objetivo de garantir ao nosso alunado experienciar a
construção de conhecimento e das metodologias de ensino para a docência nas Séries Iniciais
do Ensino Fundamental; e) a inserção das novas tecnologias em todas as metodologias de
ensino; f) parcerias com a Diretoria de Ensino abrangendo as Escolas Públicas, Municipais,
Particulares, também com o PROVIM (Projeto Vida Melhor) e FEBEM - Projeto que integra
os cursos de Direito, Psicologia, Pedagogia e Normal Superior - para os adolescentes em
Liberdade Assistida; g) pesquisas junto a Escolas Públicas Estaduais e Municipais com o
objetivo de compreender o cotidiano da escola; os avanços e/ou vulnerabilidades
possibilitando o reajuste de conteúdos e discussões no curso de graduação; h) cursos de
especialização na área da Educação, nível LatuSensu que atendam a comunidade regional; i) o
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso que deverá ser desenvolvido ao longo do curso; j)
projetos interdisciplinares, integrados à Matriz Curricular; l) o Observatório de Violências
nas Escolas, em convênio com a UNESCO e a UCB (Universidade Católica de Brasília),
desenvolvendo estudos e pesquisas sobre o fenômeno das violências no âmbito escolar; m)
29
atividades de EAD (Educação a Distância) como complementação e apoio às atividades
desenvolvidas em sala de aula (utilizando a plataforma TelEduc).
Considerando a missão da instituição, fundamentados em princípios éticos, cristãos e
salesianos (Razão, Religião e “Amorevolezza
5
”), tem por compromisso contribuir na formação
integral de cidadãos, por meio da produção e difusão de conhecimento e da cultura, em um
contexto de pluralidade. Tendo em vista esses aspectos, o colegiado mantém reuniões mensais
para discutir as expectativas do alunado e mercado de atuação. Dessa forma, conforme o
Projeto Político-Pedagógico, o currículo do Curso Normal Superior contempla: a pesquisa
enquanto eixo articulador da teoria e da prática, o conhecimento das ciências que
fundamentam a educação como instrumento de libertação do ser humano; a formação e o
aperfeiçoamento de profissionais que, munidos de conhecimentos teóricos, diretrizes éticas e
instrumental metodológico, tecnológico educacional estejam capacitados a obterem sucesso
no desempenho da profissão de educador e assim poder efetivar mudanças significativas no
quadro social atual; e a participação em projetos capazes de articular ensino, pesquisa e
extensão para a comunidade em geral.
O diferencial do Curso Normal Superior está ancorado em uma proposta pedagógica
que busca integrar o processo acadêmico e profissional dos alunos com o amadurecimento nas
dimensões humanas, religiosas, moral e social, segundo os princípios salesianos, respeitando-
se as convicções de cada um. Com base na Filosofia de Educação fundamentada na concepção
de Dom Bosco – a “Pedagogia Salesiana” – amorevolezza, ética, solidariedade,
profissionalismo, compromisso e responsabilidade; a busca de experimentação e de crítica, de
interesse e trabalho solidário, de iniciativa e colaboração configura-se no que denomina
“responsabilidade social”; a extensão a comunidade de projetos sociais destinados ao
atendimento de criança e adolescente.
5
AMOREVOLEZZA: palavra italiana, sem tradução literal que se refere ao aspecto afetivo valorizado na
educação salesiana proposta por Dom Bosco.
30
Diante do que se vivencia hoje na educação, especialmente nas Séries Iniciais do
Ensino Fundamental, assim como na Educação Infantil há a necessidade de uma melhor
qualificação do professor. Para tanto, sabe-se que não basta o desenvolvimento de projetos de
formação continuada, se não se promoverem mudanças significativas na formação inicial
desse professor. Assim, O Centro UNISAL busca oferecer um curso voltado para a formação
de professores que possibilite trabalhar a teoria e a prática mais articulada, assegurando a
possibilidade de inserção doa alunos, na atividade docente e/ou atividades de pesquisa já nom
primeiro semestre do curso. Isso garante a formação de sujeitos sociais diretamente
envolvidos na ação pedagógica integral (práxis), capacidade esta “indispensável ao
desenvolvimento de atitudes investigativas, de alternativas pedagógicas e metodológicas na
busca de uma qualidade social da educação”
O curso Normal Superior proposto pelo Centro UNISAL tem seus objetivos
estabelecidos em consonância com a missão da instituição e determinações legais. Com as
modificações do currículo, o curso Normal Superior pretende formar o professor como um
profissional que se perceba atuante diante das demandas sociais decorrentes da realidade. Um
profissional que compreenda a necessidade de uso das novas tecnologias, da constante
requalificação profissional, da pesquisa na educação, do planejamento educacional e da
preservação ambiental nas definições políticas e educacionais na implementação e atuação de
programas sociais para crianças, jovens e/ou adultos das séries Iniciais do Ensino
Fundamental.
Dentre os objetivos gerais do Curso Normal Superior, apresentados no Projeto Político-
Pedagógico, destacam-se a necessidade de articular o ensino, a pesquisa e a extensão,
buscando a produção do conhecimento e a solução de desafios e de problemas da prática
pedagógica e reconhecer a aprendizagem como um processo de construção contínua de
conhecimento realizado pelo indivíduo, sendo que este está inserindo em um contexto social e
31
cultural específico. Dos objetivos específicos, destacam-se a formação de um professor
“sintonizado com os aspectos relativos aos cuidados e à educação de crianças” (MEC, 2005,
pp.24-25), garantindo a aquisição de conhecimentos em todas as suas dimensões (cognitivo-
lingüístico, afetivo-emocional, social, físico), a compreensão da cidadania como participação
social e política; o posicionamento crítico, responsável e construtivo nas diferentes situações
sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; o
conhecimento e valorização da pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como
aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer
discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia
ou outras características individuais e sociais; o reconhecimento do homem como integrante,
dependente e agente transformador do ambiente; o desenvolvimento de um conhecimento
ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física,
cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com
perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania; a utilização adequada
das diferentes fontes de informação, pesquisas e recursos tecnológicos para adquirir e
construir conhecimentos; o desenvolvimento da capacidade para atuar com crianças, jovens e
adultos com dificuldades de aprendizagem; a elaboração e desenvolvimento de projetos
pedagógicos englobando atividades de ensino e administração fundamentados nos valores
salesianos de “amorevolezza”, ética, solidariedade e profissionalismo – compromisso e
responsabilidade; desenvolvimento do espírito científico; a compreensão da profissão do
professor como mediador e pesquisador permanente.
Em consonância com os objetivos gerais e específicos estabelecidos no Projeto
Político-Pedagógico 2006 do Centro UNISAL, o perfil profissiográfico do professor formado
na instituição salesiano é de saber, fundamentalmente, no saber atuar como um agente de
32
transformação social, consciente do conhecimento como um valor de si mesmo e de que esta
construção deverá ser permanente e imbricada ao ideal da educação humanística.
Como base da formação, o perfil profissiográfico do curso, contempla as teorias e a
prática através de pesquisas, oficinas e estágios supervisionados. O curso procura oferecer
noções e subsídios sobre o atendimento nos vários campos educativos de tipo formal e não
formal – contribuindo para a formação de um profissional consciente das novas realidades e
das necessidades educativas contemporâneas. Dessa forma, o aluno deve estar preparado para
o exercício da docência nas séries iniciais do ensino fundamental apto a promover o
desenvolvimento das capacidades previstas para as crianças a partir da compreensão das
expectativas de desenvolvimento e aprendizagem específicos dos alunos de cada etapa da
escolaridade, selecionar e organizar atividades e conteúdos de Linguagem oral e escrita,
Língua Portuguesa, alfabetização e letramento, além das áreas que envolvem a Matemática,
História, Geografia, Ciências Naturais, Arte e Motricidade, de modo a assegurar sua
aprendizagem pelos alunos, desde sua inserção na escola; planejar e gerenciar o tempo, o
espaço e as rotinas escolares; selecionar e usar bons recursos didáticos e estratégias
metodológicas; analisar as produções dos alunos e interpretar o significado dos "erros", para
fazer intervenções apropriadas que façam as crianças avançarem em suas hipóteses, a partir
do conhecimento sobre desenvolvimento e aprendizagem e do confronto entre esse
conhecimento e a aplicação de teorias e práticas didáticas; trabalhar os temas que são
transversais ao currículo dessa etapa de ensino, tanto em sua área específica como no convívio
escolar; trabalhar com crianças portadoras de necessidades especiais, na perspectiva da
pluralidade e inclusão, a partir da adaptação curricular das diferentes áreas de conhecimento
às necessidades específicas dessas crianças.
Para alcançar o que almeja enquanto instituição, o corpo docente procura desenvolver
os conteúdos teóricos articulados à prática de forma interdisciplinar, pois acreditamos que a
33
construção das competências exige que a formação contemple os diferentes âmbitos do
conhecimento profissional do professor como as didáticas específicas atreladas a pesquisas
que fomentem essas didáticas.
A matriz curricular está distribuída em quarenta e sete (47) disciplinas, incluindo
Formação Básica, Trabalho de Conclusão de Curso e Tópicos Avançados em Educação,
distribuídos em 2232 horas (duas mil, duzentas e trinta e duas horas ), além de 400 horas
(quatrocentas horas) de Estágio Supervisionado, e 200 horas (duzentas) de atividades
acadêmico- científico-culturais, perfazendo um total 2832 horas (duas mil, oitocentos e trinta
e duas horas). A vivência prática, os estágios, o TCC, e os Tópicos Avançados garantem a
flexibilização do currículo, oferecendo também a possibilidade do aluno optar por cursar uma
disciplina a ser oferecida em outro curso de Licenciatura do Centro UNISAL – U.E. Lorena.
Além disso, a participação de grupos de pesquisa e estudos, atendimentos a crianças e
adolescentes com dificuldades de aprendizagem compõem o conjunto que, acrescido das
atividades extracurriculares (cursos de pequena duração, visitas às organizações, contato com
autores, etc.), assume uma nova perspectiva como atividades interdisciplinares de leitura,
contato com o meio educacional e teorização da realidade.
As disciplinas foram distribuídas por eixos que englobam: Formação Básica/estrutural,
Formação Complementar/integrador e Formação Profissional /contextual.
As disciplinas que englobam o que denominamos por Formação Básica configuram
um conjunto de estudos que fornecem a base estrutural de conhecimentos gerais e específicos
capazes de desenvolver as habilidades intelectuais indispensáveis a um profissional docente
das Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Enfocam as especificidades da condição humana e
suas múltiplas dimensões, compreende o desenvolvimento humano enquanto processo
contínuo, imbricado ao aspecto sócio-histórico. A formação básica oferece o conhecimento
em uma perspectiva de totalidade.
34
As disciplinas da Formação Complementar entendida como “integradoras” devem
atender às necessidades sociais atuais e expressivas no panorama regional e nacional, como,
por exemplo, as questões sobre Planejamento e Política Educacional, Fundamentos da
Educação Infantil, Gestão Democrática na Escola, Estatística Aplicada à Educação, Leitura e
Produção de Textos, além de outros temas, que deverão ser abordadas nos Tópicos Avançados
em Educação, segundo escolha e consenso entre os discentes da série em questão.
A Formação Profissional contempla um grupo de disciplinas que, de forma
“contextual”, garantem a articulação entre a teoria e a prática dos conhecimentos. Além dos
assuntos específicos o Curso Normal Superior do Centro UNISAL, enfatiza o uso de
tecnologias aplicadas ao processo educativo. Utiliza o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil, a Política Nacional de Educação Infantil, os Parâmetros Curriculares
Nacionais, as orientações gerais para o Ensino Fundamental de nove anos e o Plano Nacional
de Educação que balizam os estudos de alunos e professores na contextualização de
conteúdos. Esses estudos permitem a construção de conhecimentos, as metodologias
específicas, bem como as tecnologias aplicadas a cada área de estudo.
Em consonância com a identidade e missão específica da instituição, o Projeto
Político-pedagógico revela a importância que se dá para a formação de professores para o
exercício da docência nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
O capítulo que ora se encerra discorreu sobre a trajetória do Curso Normal Superior no
Brasil no intuito de compreender os fatores que influenciaram sua implantação e sua
identidade no cenário educacional brasileiro. Também discorreu sobre o Curso Normal
Superior do Centro UNISAL – U. E. de Lorena devido ao fato de as alunas do 2º e 3º anos
desse curso terem participado dessa pesquisa respondendo a um questionário e redigindo um
texto autobiográfico que compõem o corpus de análise, com o intuito de perceber aspectos
significativos na proposta do curso que revelam sua identidade em consonância com a política
35
educacional voltada para a formação de professores para atuarem nas séries inicias do Ensino
Fundamental.
36
CAPÍTULO 2
A ESCOLA PRIMÁRIA NO BRASIL
Para se entender a história da escola primária no Brasil, faz-se necessário compreender
a origem da Escola no Brasil. A Escola como instituição surge no século XVIII numa época
em que, segundo Foucault (2006), há uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder:
corpo que se manipula, se modela, se treina; que obedece e responde, se dociliza enfim. É
dócil um corpo que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado.
A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, ‘corpos dóceis’. Aumenta
as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas
forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do
corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura
aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e
faz dela uma relação de sujeito estrita. (...) A invenção dessa nova anatomia política
não deve ser entendida como uma descoberta súbita. Mas como uma multiplicidade
de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de localizações esparsas,
que se recordam, se repetem, ou se imitam, apóiam-se uns sobre os outros,
distinguem-se segundo seu campo de aplicação, entram em convergência e esboçam
aos poucos a fachada de um método geral. Encontramo-los em funcionamento nos
colégios, muito cedo;mais tarde nas escolas primárias (FOUCAULT 1975/ 2006a, p.
119).
O quadro da Escola vai se desenhando nas minúcias dos regulamentos, no olhar atento
dos inspetores e professores, no controle das mínimas parcelas da vida e do corpo. Para a
manutenção da disciplina, torna-se necessária a distribuição dos indivíduos no espaço e, para
isso, utilizam-se de diversas técnicas. Nos colégios, impõe-se o modelo dos conventos.
Percebe-se essa semelhança observando-se o exemplo da “classe”
Nos colégios dos jesuítas, encontrava-se ainda uma organização ao mesmo tempo
binária e maciça: as classes, que podiam ser de até duzentos ou trezentos alunos,
eram divididas em grupos de dez; cada um desses grupos, com seu decurião, era
colocado em um campo, o romano ou cartaginês; a cada decúria correspondia uma
decúria adversa. A forma geral era a da guerra e da rivalidade; o trabalho, o
aprendizado, a classificação eram feitos de forma justa, pela defrontação dos dois
exércitos; a participação de cada aluno entrava nesse duelo geral; ele assegurava, por
seu lado, a vitória ou as derrotas de um campo; e os alunos determinavam um lugar
que correspondia à função de cada um e a seu valor de combatente no grupo unitário
de sua decúria (FOUCAULT 1975/2006a
6
, p. 125).
6
A primeira data se refere à data da edição original a segunda a que foi utilizada nesta disseetação.
37
Depois de 1762, o espaço escolar se desdobrou, e a classe tornou-se homogênea e se
compôs de elementos individuais colocados uns ao lado dos outros, sob os olhares do mestre.
A ordenação por fileiras começou a definir a forma de organização no espaço e na ordem
escolar e, em seguida, a organização de um espaço serial foi uma das grandes modificações
técnicas do ensino elementar, o que permitiu ultrapassar o sistema tradicional em que o aluno
trabalhava por alguns minutos com o professor, enquanto o grupo desocupado ficava ocioso e
sem vigilância, pois, determinando-se um lugar a cada um, tornou-se possível o controle de
cada um e o trabalho simultâneo. Dessa forma, foi organizada a economia do tempo de
aprendizagem o que fez o espaço escolar funcionar não só como uma máquina de ensinar,
mas, acima de tudo, de vigiar, de hierarquizar e recompensar.
As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam espaços
complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços
que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e
estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a
obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos
gastos. São espaços mistos: reais pois que regem a disposição de edifícios, de salas,
de móveis, mas ideais, pois projetam-se sobre essa organização caracterizações,
estimativas, hierarquias. A primeira das grandes operações da disciplina é então a
constituição de “quadros vivos” que transformam as multidões confusas, inúteis ou
perigosas em multiplicidades organizadas (FOUCAULT 1975/2006a, pp. 126-127).
O controle das atividades em relação ao horário, uma velha herança das comunidades
monásticas que se difundiu na escola, tinha por objetivo estabelecer as cesuras, obrigar as
ocupações determinadas e regular os ciclos de repetição. Nas escolas elementares, a divisão
do tempo tornou-se cada vez mais esmiuçante; e as atividades, cercadas por ordens a que se
tem que responder imediatamente. Para garantir a qualidade do tempo, é exercido um controle
ininterrupto com a pressão de fiscais que procuram anular tudo o que possa perturbar ou
distrair.
Define-se uma espécie de esquema anátomo-cronológico do comportamento. O ato é
decomposto em seus elementos; é definida a posição do corpo, dos membros, das
articulações; para cada movimento é determinada uma direção, uma amplitude, uma
duração; é prescrita sua ordem de sucessão. O tempo penetra o corpo, e com ele
todos os controles minuciosos do poder. (FOUCAULT 1975/2006a, p. 129)
38
Segundo Foucault (1975/2006a, p. 131), o princípio subjacente ao horário em sua
forma tradicional era essencialmente negativo, porque se baseava no princípio da não-
ociosidade, pois era proibido perder um tempo que era contado por Deus e pago pelos
homens. Já a disciplina organiza uma economia positiva por colocar o princípio de uma
utilização teoricamente sempre crescente do tempo. A escola dos Gobelins, prevista com a
criação de uma fábrica, em 1667, é um exemplo do desenvolvimento e uma nova técnica para
a apropriação do tempo das existências singulares, para reger as relações do tempo, dos
corpos e das forças para realizar uma acumulação da duração e para inverter um lucro em
utilidade, sempre aumentado o movimento do tempo que passa. Nela, encontramos
características da aprendizagem corporativa, pois as crianças eram confiadas a um mestre que
deveria realizar sua “educação e instrução” e depois eram colocadas para aprender com os
mestres tapeceiros da manufatura. Depois de seis anos de aprendizagem, quatro anos de
serviço e uma prova qualificatória, os alunos tinham o direito de “erguer e manter loja” em
qualquer cidade do reino. A forma da domesticidade se mistura a uma transferência de
conhecimento. Em 1737, um edito organizou uma escola de desenho para os aprendizes dos
Gobelins que não se destinava a substituir a formação com os mestres operários, mas
completá-la. Sua organização remete em muitos aspectos a organização da escola que se
conhece hoje:
ela implica numa organização do tempo totalmente diversa. Duas horas por dia,
menos aos domingos e festas, os alunos se reúnem na escola. È feita a chamada
segundo uma lista afixada à parede; anotam-se as ausências num registro. A Escola é
dividida em três classes. A primeira para os que não tem nenhuma noção de
desenho; mandam-nos copiar modelos, mais difíceis ou menos difíceis, segundo as
aptidões de cada um. A segunda “para os que já têm alguns princípios” ou que já
passaram pela primeira classe; devem reproduzir quadros“ à primeira vista e sem
tomar-lhes o traço”, mas considerando só o desenho. Na terceira classe, aprendem as
cores, fazem pastel, iniciam-se na teoria e na prática do tingimento. Regularmente os
alunos fazem os deveres individuais: cada um desses exercícios, marcado com o
nome do autor e a data da execução, é depositado nas mãos do professor; os
melhores são recompensados; reunidos no fim do ano e comparados entre eles,
permitem estabelecer os progressos, o valor atual, o lugar relativo de cada aluno;
determinam-se então os que podem passar para a classe superior. Um livro geral
mantido pelos professores e seus adjuntos deve registrar dia por dia o
comportamento dos alunos e tudo o que se passa na escola; pé periodicamente
submetido a um inspetor (FOUCAULT 1975/2006a, p. 133).
39
A Escola como uma organização militar se evidencia por meio de quatro processos
presentes na organização atual da escola e na prática pedagógica.
Segundo Foucault (1975/2006a, p. 134), primeiro, divide-se a duração em segmentos
sucessivos ou paralelos, isolando, por exemplo, o tempo de formação e o período da prática,
decompondo o tempo em seqüências separadas e ajustadas. Segundo, organizam-se essas
seqüências mediante um esquema analítico no qual a sucessão de elementos tão simples
quanto possível se combina segundo uma complexidade crescente. No século XVI, o
exercício militar consistia principalmente em uma mímica do todo ou de parte do combate e
na promoção do crescimento da habilidade ou força do soldado. No século XVIII, a instrução
do “manual” segue o princípio do “elementar” e não mais do “exemplar”: gestos simples,
posição dos dedos, flexão da perna, movimentos dos braços que são, no máximo, os
componentes de base para os comportamentos úteis que efetuam um treinamento geral da
força, da habilidade, da docilidade.
O terceiro processo consiste em finalizar os segmentos temporais, fixar um termo
marcado, estabelecer uma prova que tem por função indicar se o indivíduo atingiu o nível
estatutário, garantir que sua aprendizagem esteja em conformidade com a dos outros e
diferenciar as capacidades de cada um.
No quarto processo, estabelecem-se séries de séries, prescrevendo-se a cada um,
conforme seu nível, sua antigüidade, seu posto, os exercícios que lhe convêm; os exercícios
comuns têm um papel diferenciador e cada diferença comporta exercícios específicos.
Na escola, percebe-se esse tempo disciplinar na prática pedagógica: na especialização
do tempo de formação, destacando-o do tempo do adulto, do tempo do ofício adquirido; na
organização de diversos estágios separados uns dos outros por provas graduadas; na
determinação de programas de cada fase e que comportam exercícios com dificuldades
crescentes qualificando o indivíduo. Percebe-se, também, o tempo de formação inicial
40
tradicional, controlada por um só mestre, sancionado por uma única prova é substituído pelo
tempo disciplinar com séries múltiplas e progressivas. Forma-se toda uma pedagogia
analítica, minuciosa, que decompõe os mais simples elementos da matéria de ensino,
hierarquizando, no maior número possível de graus, cada fase do progresso. A colocação em
“série” das atividades sucessivas permite todo investimento da duração pelo poder:
possibilidade de um controle detalhado e de uma intervenção pontual de diferenciação, de
correção, de castigo e de eliminação do tempo - o que evidencia a possibilidade de utilizar os
indivíduos, conforme o nível que têm nas séries que percorrem - e de acumular o tempo e a
atividade, de encontrá-los totalizados e utilizáveis num resultado último, que é a capacidade
final de um indivíduo.
Segundo Foucault (1975/2006a, p. 143), o poder disciplinar é, com efeito, um poder
que, em vez de se apropriar da vida e de retirá-la, tem como função maior “adestrar” ou, sem
dúvida, adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. O exercício da disciplina
supõe um dispositivo que obriga, pelo jogo do olhar; um aparelho em que as técnicas que
permitem ver induzam a efeitos de poder e em que, em troca, os meios de coerção tornem
claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam: em síntese um observatório que tem como
modelo os acampamentos militares que começam a ser substituídos por uma arquitetura
própria ao adestramento. O edifício-escola devia ser um aparelho de vigiar: quartos repartidos
ao longo de um corredor, com uma série de pequenas celas onde, a intervalos regulares,
encontrava-se um alojamento de oficial. E até hoje, nota-se na arquitetura da escola uma
organização para facilitar o “olhar”
7
dos mestres e inspetores, e o que pertence à penalidade
disciplinar é a inobservância, tudo o que está inadequado à regra, tudo o que se afasta dela, os
desvios. Do mesmo modo, a escola torna-se uma espécie de aparelho de exame ininterrupto
que acompanha em todo o seu comprimento a operação do ensino.
7
Grifo meu
41
Os Irmãos das Escolas Cristãs queriam que seus alunos fizessem provas de
classificação todos os dias da semana: o primeiro dia para a ortografia, o segundo
para aritmética, o terceiro para o catecismo da manhã e de tarde para a caligrafia
(FOUCAULT 1975/ 2006a, p. 155).
O exame permite ao mestre, ao mesmo tempo em que transmite seu saber, conhecer
seus alunos. O exame supõe um mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a
uma certa forma de exercício do poder que o professor manifesta, ainda hoje em seu discurso,
quando mantém a disciplina da classe com a ameaça de aplicar a prova ou torná-la difícil
para os alunos.
A escola constitui-se, dessa forma, de um espaço fechado, delimitado que permite uma
vigilância constante, onde os indivíduos estão num lugar fixo e têm seus movimentos e
atitudes controlados a fim de serem docilizados, adestrados para se tornarem úteis, conforme
os padrões sociais determinam.
Segundo Foucault (1975/2006a, p. 165), o panóptico de Bentham é a figura
arquitetural dessa composição.
O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no entro, uma torre;
esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a
construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da
construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da
torre; outra , que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a
lado.. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco,
um doente, um condenado, um operário ou um escolar. (...) O dispositivo panóptico
organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer
imediatamente (FOUCAULT 1975/ 2006a, p. 166).
O efeito mais importante dessa organização é induzir o indivíduo a um estado
consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder,
não sendo necessário recorrer à força para obrigar o escolar à aplicação.
No Brasil, a história da escola primária não poderia ser diferente e, para compreender
esse processo, é necessário entender como se deu a constituição da sociedade brasileira logo
após as primeiras décadas do descobrimento.
42
Segundo Xavier (1994, p.28), na leitura da história do Brasil e, por conseqüência, a
história da Escola, tende-se a alternar duas posições simplificadoras: as que jogam
exclusivamente para o exterior ou para as razões internas à constituição de determinadas
formas de organização econômico-social e político-cultural do país. Entretanto, pode-se
afirmar que foi da interação de interesses internos e externos que resultou a formação da
sociedade brasileira. Assim, a sociedade brasileira não é fruto somente dos grandes
descobrimentos, mas resultante decisivamente da transição européia da Idade Média feudal
para a Modernidade capitalista, demarcada pela utilidade dos mercados cativos por meio dos
monopólios para a acumulação de bens e capitais no comércio mercantilista. A marca era: o
novo mundo a serviço da modernidade européia, e esse era o caso do Brasil. Dessa forma, o
país se organiza, iniciando seu povoamento sobre uma economia agrária, latifundiária e
escravista, instalando-se sob o que se convencionou chamar de economia colonial
agroexportadora.
A sociedade brasileira nasceu duplamente explorada pelos proprietários locais e
pelos empresários internacionais, financiadores e distribuidores das mercadorias
brasileiras. Conviveu com a mais desprezível forma de exploração do homem, a
escravidão, que sobreviveria por praticamente quatro séculos. Isso significa que a
nossa sociedade se configurou, já em sua origem, saltando a fase do capitalismo
liberal ou concorrencial, como concentradora de propriedade, riqueza, poder e
prestígio social (XAVIER, 1994, p 31).
O espaço econômico era então demarcado pelos que produziam, isto é, pelos que
tinham a propriedade dos meios de produção e dos bens produzidos. Os demais, ou exerciam
o serviço público, ou constituíam a população marginalizada (degredados e aventureiros
fracassados). Foram necessários três longos séculos para que se pudesse falar em camadas
médias da população que constituíam uma pequena parcela da população local e, em parte, as
autoridades em caráter transitório. Somente desfrutavam de prestígio os funcionários da
Coroa portuguesa, como o ouvidor-mor (Justiça), o provedor-mor (Fazenda) e o capitão-mor
(Defesa), além dos governadores gerais e, depois, os vice-reis. O restante da população
43
trabalhava para a administração ou era de trabalhadores livres (rurais e urbanos), além dos
marginalizados e escravos que constituíam uma parcela inexpressiva do ponto de vista
econômico, político e social. Como os portugueses professavam a fé católica, trouxeram a
Companhia de Jesus para dar suporte espiritual aos “civilizados” súditos da Coroa portuguesa,
cuidar dos degredados que para cá vieram com o intuito de expiar seus pecados e,
principalmente, revelar o reino dos céus aos nativos. Assim, a população colonial
permaneceu, por séculos, sob o jugo do poder senhorial, do poder religioso e do poder
burocrático. A sociedade brasileira era marcada pelo autoritarismo religioso e pelo elitismo,
desenvolvendo, em conseqüência disso, uma cultura precária, até mesmo entre os círculos
socialmente mais seletos. Os filhos primogênitos herdavam das famílias proprietárias a função
de gerir os negócios que garantiam a posição social, e, aos demais, sobrava a tarefa sacerdotal
ou intelectual.
Os jesuítas vieram para o Brasil com a incumbência de cuidar da reprodução interna
de sacerdotes, necessários para a continuidade da obra, e sua tarefa educativa básica era
aculturar e converter “ignorantes e ingênuos” como os nativos para criar uma atmosfera
civilizada e religiosa para os degredados e aventureiros que para cá vieram. Tratava-se de
dominar, pela fé, os instintos selvagens dos donos da terra que nem sempre recebiam
pacificamente os novos proprietários, difundindo o medo entre a população da metrópole. No
trabalho desenvolvido pelos jesuítas, os índios não aprendiam apenas uma nova língua, uma
nova interpretação da vida e da morte; não ganhavam apenas um novo deus, mas, pelo
batismo, eram objeto de uma operação de renascimento que transformava a vida cotidiana
dessa população. A leitura, a escrita e o cálculo eram os conteúdos que davam base para a
compreensão das Escrituras Sagradas, e esse trabalho pacificava e civilizava os indígenas,
transformando-os em súditos da Coroa e filhos de Deus.
44
Numa fase inicial, cabia à Companhia de Jesus criar condições mínimas de vida
civilizada na Colônia para viabilizar seu povoamento.
Conforme Xavier (1994, p.45) passada essa etapa, a catequese foi perdendo espaço na
preocupação e ação dos jesuítas que concentraram sua atenção e sua ação educacional nos
colégios e seminários. De início, os seminários eram instalados para atender à formação de
novos sacerdotes e, com o tempo, caracterizando-se como instituição de ensino, passaram a
atender a estudantes leigos que não buscavam a carreira religiosa, mas a instrução
propedêutica que lhes permitisse prosseguir estudos na Europa. Os jesuítas passaram a ser os
formadores das elites na Colônia, montando um sistema de ensino baseado nos moldes
europeus, fazendo algumas concessões quanto à utilização da língua portuguesa e das próprias
línguas nativas em ocasiões de descontração, tolerando uma certa indisciplina e uma menor
seriedade no vestuário, por causa, por exemplo, do clima. O Ratio Studiorum, o Plano de
estudos dos jesuítas, reinava absoluto por séculos, mesmo após a sua expulsão em1759 e o
desmantelamento do sistema educacional colonial.
O ensino era subsidiado pela Coroa (padrão de redízima que correspondia a 10% dos
impostos cobrados na Colônia), e os cursos de Humanidades, Filosofia e Teologia abrangiam
desde a instrução elementar e secundária à superior, numa duração média de dez anos.
Entretanto, não concediam diplomas, - privilégio da Metrópole - o que forçava a continuidade
de estudos na Europa, mais freqüentemente em Coimbra, reforçando os laços de identificação
cultural com a “pátria-mãe”. O ensino elementar, embora fosse oferecido pelos jesuítas, era de
costume ser realizado na própria família, por meio de parentes ou de preceptores que
ensinavam o domínio de línguas e instrumentos musicais. Com a Reforma Pombalina, entre
outras medidas, a de maior interesse para esta pesquisa se refere à expulsão dos jesuítas em
1759, afastados sob a acusação de serem culturalmente atrasados, economicamente poderosos
45
e politicamente ambiciosos, fato que ocasionou o desmantelamento do sistema educacional da
Colônia.
Segundo Marcílio (2005, p. 21) em 1772, o Marquês de Pombal regulamentou a
instrução primária e secundária, leiga e gratuita disseminando aulas de ler, escrever e contar,
junto com elementos da doutrina cristã. Para concretizar a lei de 06 de novembro de 1772, D.
José I criou o imposto chamado Subsídio Literário pelo qual o povo pagava para manter o
ensino público. O ensino passou a ser ministrado por meio das Aulas Régias que eram as
aulas avulsas, sustentadas pelo Subsídio Literário, paradoxalmente criado após treze anos do
decreto que as instituía. As Aulas Régias deveriam suprir as disciplinas antes oferecidas nos
extintos colégios e atendiam a mesma parcela reduzida que deveria continuar os estudos na
Europa. O poder metropolitano cria o cargo de Diretor Geral de Estudos, responsável pelos
concursos para “professores régios” para ministrar as diferentes disciplinas e pela concessão
de licenças para o magistério público ou privado. Contudo, não havia uma sistematização nem
disponibilidade de professores em quantidade e qualidade suficiente, pois os proventos
provenientes do novo imposto cultural eram pequenos, o que leva à conclusão de que a
instrução nessa época foi drasticamente limitada.
Conforme Marcílio (2005, p. 21),
Cada aula régia constituía uma unidade de ensino, com professor único, instalada
para determinada disciplina. Era autônoma, isolada, pois não se articulava com
outras nem pertencia a escola alguma, nem mesmo a nenhum plano geral. Não havia
currículo, no sentido de um conjunto de estudos ordenados e hierarquizados, nem a
duração pré-fixada se condicionava ao desenvolvimento de qualquer matéria. O
aluno se matriculava em tantas ‘aula’ quantas fossem as disciplinas que desejasse.
Para agravar esse quadro, os professores eram geralmente de baixo nível, porque
improvisados e mal pagos, em contraste com o magistério
dos jesuítas, cujo preparo
chegava ao requinte.
É importante lembrar e destacar que as condições econômicas e sociais da colônia não
favoreciam, até então, o desenvolvimento de algo semelhante ao que se conhece hoje e que,
na época, existiam em países mais adiantados os ensinos público e particular. A população
colonial era constituída de 2/3 de escravos, uma parcela inexpressiva de trabalhadores livres e
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uma pequena, mas poderosa, camada de proprietários e poucos e ricos comerciantes para os
quais a cultura escolar era um luxo dispensável. Isso evidencia que o próprio ensino da elite
não era encarado como prioridade ou com especial cuidado. Também é importante ressaltar
que as meninas foram excluídas desse processo, sem direito à escola pública. Somente em
1803, haveria as primeiras aulas destinadas ao público feminino com as recém-chegadas
Irmãs de Caridade francesas (MARCÍLIO, 2005, p. 21).
A situação do sistema escolar no Brasil alterou-se com a chegada de D. João, príncipe
regente que, por problemas políticos e econômicos, transferiu a Corte portuguesa para o
Brasil. Segundo Xavier (1994, p. 53), com a abertura dos portos em 1808, decretada por D.
João, gesto que simbolizou o fim do monopólio português sobre o comércio brasileiro,
garantia-se a independência econômica do Brasil em relação a Portugal, apesar da intenção
metropolitana de que essa fosse uma solução transitória. A partir de então, a proclamação da
independência do Brasil, em 1822, apenas formalizaria a emancipação política do Brasil. O
Rio de Janeiro, como sede da Corte portuguesa, sofreu um inédito impulso cultural e
educacional que se originou da necessidade de suprir as deficiências coloniais.
Embora não seja prioridade neste estudo aprofundar questões políticas e econômicas, é
inegável que essas questões influenciaram a criação de escolas no Brasil, apesar de o ensino
primário não ter sido prioridade para D. João. O processo de alfabetização poderia durar
meses ou anos e se iniciava pelo ensino do alfabeto, passando às sílabas simples, às mais
complexas para, somente depois, chegar às palavras. Utilizava-se, nessa época, a lousa ou
“pedra” de ardósia individual, pois o papel era caro e raro. A promoção dos alunos de
primeiras letras para a gramática latina era controlada por meio de atestados dos mestres e
exames de admissão no nível ascendente. Percebe-se que a metodologia no ensino do alfabeto
e os critérios de avaliação perpetuam até hoje nos sistemas de ensino.
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Segundo Marcílio (2005, p.24), o trabalho do mestre-escola passou a receber alguma
atenção das autoridades após as reformas pombalinas. O governador da capitania e o bispo
tornaram-se os grandes inspetores do ensino, que davam ou tiravam licença para o magistério.
Tinham o poder de censurar e punir a conduta e o procedimento dos professores, de velar pelo
seu pagamento e de premiar alunos de valor. Os que mantinham escolas clandestinas
poderiam ser punidos com rigor, com penas que iam da simples suspensão à prisão ou
degredo para Angola. Os mestres particulares precisavam requerer exames de habilitação e
passá-los perante os mestres régios já concursados, para poder ensinar em suas casas. Com
freqüência, o professor aprovado em concurso, nomeado, não recebia seus proventos
enquanto não viesse das autoridades centrais a sua licença. Ministrava aulas com o auxílio do
rateio pago pelos alunos. Esse entrave burocrático levava professores a revoltas.
Diz José Jacinto dos Santos Bernardes, casado e morador nesta cidade, que depois
de servir sua alteza real muitos anos, para poder alimentar sua casa e família, se
expôs ao exame de ler, escrever e contar, do qual saiu o Suplicante aprovado, e vive
com escola pública, recebendo a paga que lhes dão os pais dos meninos. O
Suplicante tem exercido esta ocupação com gosto do povo
{...) requer licença e
provisão, pois não tem outros meios para poder amparar sua casa (MARCÍLIO,
2005, p. 24).
Geralmente, exercia a ocupação de mestre-escola particular indivíduos pobres,
deficientes físicos, idosos ou mulheres com dificuldade de sobrevivência.
Difundiu-se nessa época, no Brasil, o Sistema Pedagógico de Ensino Mútuo,
sistematizado inicialmente por Andrew Bell em 1789, em Madras, na Índia, sistema esse que
tinha o objetivo de instruir os soldados ingleses. Na mesma época, Joseph Lancaster abriu em
Londres, em 1798, uma escola para crianças pobres, aplicando método semelhante. Nesse
sistema, um adolescente (monitor) instruído diretamente pelo mestre, com variedade de
tarefas, ensinava a outros adolescentes.
O método resumia-se no seguinte: em um único local bem grande, em cujo modelo
ideal constam três grandes naves divididas por colunas, ao longo das quais estão
dispostos em quadrado os bancos das várias classes, os alunos, sentando um ao lado
do outro de acordo com o mérito e o aproveitamento, são confiados aos monitores.
O mestre está na extremidade da sala sentado sobre uma cadeira alta (MARCÍLIO,
2005, p. 38).
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A organização da classe para a aplicação do Sistema Pedagógico de Ensino Mútuo
retrata bem o panóptico, segundo o qual é necessário organizar o espaço para se exercer o
controle: os alunos eram enfileirados, e o professor se colocava num local estratégico para
manter sob seu olhar que “vigiava” os alunos que deveriam se manter disciplinados e dóceis.
Na introdução do livro Microfísica do Poder (1979/2004, XVII), Machado esclarece
muito bem a disciplina ou poder disciplinar de Foucault, vista como um dispositivo, um
mecanismo, um instrumento de poder: são “métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
relação de docilidade-utilidade”.
A disciplina é, então, em primeiro lugar, um tipo de organização do espaço no qual os
indivíduos são distribuídos de forma a facilitar a vigilância, embora essa seja sua
característica menos importante, uma vez que as relações de poder não requerem
necessariamente um espaço fechado para se realizarem.
A disciplina é também controle do tempo, pois estabelece a sujeição do corpo ao
tempo, com o objetivo de produzir o máximo de rapidez e o máximo de eficácia.
Ainda nessa introdução Machado (1979/2004, XVIII) afirma que a vigilância é um dos
principais instrumentos de controle disciplinar. Não se trata de uma vigilância que se exerce
de modo descontínuo, mas que é ou precisa ser vista aos que a ela estão expostos como
contínua e permanente: o olhar invisível – inspirado no panóptico de Bentham que permite
ver tudo permanentemente sem ser visto – que deve impregnar o vigiado de tal modo que este
adquira de si mesmo a visão de quem olha.
Ao mesmo tempo em que se exerce poder, produz-se um saber enquanto implica um
registro contínuo de conhecimento. Para obter a disciplina e a aplicação nos estudos, eram
admitidos os castigos físicos e a palmatória. A palmatória era o castigo que fazia parte do
sistema individual de ensino e de professor único e vigorou no Brasil, desde a Colônia até
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início do século XX. Além disso, esse sistema destinava-se a diminuir as despesas da
instrução, abreviar o trabalho do mestre e acelerar o progresso dos alunos que deveriam
tornar-se mão-de-obra para o trabalho na administração pública.
É importante ressaltar que os ideais de um ensino público e gratuito, direito básico de
todo cidadão, foram proclamados na Carta Magna de 1824 e confirmados pelo Ato Adicional
de 1834, cuja marca era a descentralização do ensino primário e secundário, e a colocação,
nas mãos do presidente de cada província e de suas assembléias provinciais, da
responsabilidade integral do sistema educacional de base, evidenciando uma preocupação
com a educação popular. Apesar dessa marca, faltavam escolas, e as famílias da elite
educavam seus filhos em casa por sua própria conta ou contratavam um preceptor. As escolas
eram poucas e precárias, prejudicando o acesso à escolarização. Além disso, a luta pela
sobrevivência da família também afastava a criança da escola, pois, na imensidão do território
mal povoado com uma população dispersa por fazendas, sítios e roças de subsistência, Escola
não significava um bem de primeira necessidade para a maioria.
Segundo Marcílio (2005, p. 93), o período de 1870 a 1990 é reconhecido como
“Século da Escola”, e vários fatores influenciaram o desenvolvimento do sistema escolar no
Brasil, principalmente em São Paulo: o crescimento vertiginoso da população, a abolição da
escravatura, a entrada dos imigrantes, o processo de industrialização e, conseqüentemente, de
urbanização e a emancipação da mulher.
A meta prioritária da vanguarda política dos anos derradeiros do império, com as
novas idéias, era colocar o país “ao nível do século”. Para tanto, se fazia urgente
criar uma nova realidade nacional que só poderia ser através da escola, da imprensa
ou da lei, que conduziriam o país ao destino sonhado. O apego à educação como
elemento regenerador da sociedade é reflexo, maia uma vez, da transposição de
idéias da Europa; nem havia condições para não ser assim. Os republicanos
buscavam a laicização do ensino público, a difusão do ensino primário, a liberdade
de ensino, a gratuidade do ensino público (MARCÍLIO, 2005, p.116).
No ano de 1893, surgiram em São Paulo os “Grupos Escolares”, instituídos pela Lei
169, de 07/07/1893, que mudariam o panorama da instrução pública e a concepção de
50
educação primária no Estado de São Paulo, tornando-se paradigma educacional para todo o
Brasil. O princípio que regia esse sistema era reunir em uma só construção as diversas escolas
que funcionavam em um mesmo bairro; daí à denominação “Grupo Escolar” que significa
agrupamento de escolas. O termo foi se consagrando, caindo em desuso o termo “escola” que
passou a ser usado como sinônimo do velho sistema de aula de professor único, de ensino
individual, de alunos de idades e adiantamentos variados e de primeiras letras. A reunião de
escolas em um único edifício, com um diretor; alunos distribuídos em classes, cada classe
com um professor, trouxe os princípios das mudanças no ensino primário: a racionalização, a
padronização do ensino, a divisão do trabalho docente, a classificação dos alunos por séries, o
estabelecimento de exames, a necessidade de prédios próprios, o estabelecimento de
programas amplos, a profissionalização do magistério, novos métodos de ensino, uma nova
cultura escolar, sem se mencionar um início de burocratização administrativa (MARCÍLIO,
2005, p. 166).
O ensino primário foi dividido em dois ciclos: as escolas primárias elementares e
complementares. Para cada série, haveria duas classes, uma para os meninos e outra para as
meninas. O curso elementar teria duração de quatro anos, e o ensino era ministrado por alunos
da Escola Normal. Para as escolas-modelo, eram escolhidos como professores os melhores
alunos da Escola Normal da capital, muitos dos quais se tornaram importantes autoridades do
ensino.
Com a implantação dos Grupos Escolares, o grande problema foi a falta de professores
qualificados e, para solucioná-lo, o próprio Regimento interno dos Grupos Escolares obrigava
os professores a freqüentar, pelo menos uma vez por semana, as aulas das escolas-modelo, e
os diretores deveriam fazer estágio na Escola Modelo da capital. Com a criação do Grupo
Escolar, o professor saiu engrandecido, valorizado socialmente. Nada teve em comum com o
51
antigo mestre régio de primeiras letras que trabalhava solitário em sua escolinha isolada.
Iniciava-se, assim, a profissionalização do magistério.
Apesar da implantação dos Grupos Escolares, subsistiam escolas primárias isoladas,
denominadas pela reforma de 1920 de rurais que recebiam alunos de idades variadas e séries
diferentes para serem educados por um mesmo professor. Essas escolas geralmente tinham
um aspecto desagradável pelas condições precárias (escolas multisseriadas, como são
conhecidas até hoje). Outra modalidade de escola primária era a chamada “Escola Reunida”
que resultava da incorporação de escolas isoladas.
O Grupo Escolar era marcado por um caráter democrático, pois nele conviviam
crianças de nacionalidades e classes sociais diversas. O grupo Escolar também marcou o
início da escolarização, em massa, das meninas.
Os prédios dos grupos escolares eram edifícios esteticamente bem concebidos e
monumentais e constituíam um espaço para atender a função de propagar a ação do governo
pela educação democrática, divulgando uma imagem de estabilidade e nobreza das
administrações. Na década de 1910, foram construídos em São Paulo muitos grupos escolares
com projetos de arquitetos famosos. Em 1930, porém, muitos funcionavam de modo precário:
muitas das salas não ofereciam comodidade aos professores e alunos porque a divisão
permitia que se ouvisse a voz do professor enquanto ele explicava na sala ao lado, o que
deixava os alunos irrequietos.
Conforme Marcílio (2005, p.180-181), multiplicar o número de grupos escolares não
bastava. Era preciso providenciar mobiliário adequado e material escolar. No fim do século
XIX, surgiu na Europa um conjunto aprimorado de técnicas da mobília escolar. Debates com
médicos, pedagogos, legisladores e industriais tinham como tema o melhor modelo de
carteiras para o aluno. No Brasil, foi aceito que as carteiras individuais fossem mais
recomendadas por serem consideradas ideais para manter a distância entre os alunos, o que
52
evitaria contatos perniciosos e brincadeiras, garantindo a disciplina, a moral e a higiene.
Observe-se a eficácia do panoptismo foucaultiano. Por medida de economia, entretanto, a
maioria das escolas acabou adotando o modelo de carteiras duplas, fixas no assoalho e
dispostas em fila. A disposição espacial das carteiras dos alunos, a mesa central do professor
diante dos alunos e o quadro-negro consolidaram o triunfo do ensino simultâneo. Impõe-se
uma organização que mais uma vez denota o mecanismo do procedimento de se “vigiar” de
que fala Foucault.
A disciplina e a utilização do tempo, rigidamente estabelecidos e ordenados nos
regimentos das escolas, impuseram a alunos e professores, mas igualmente ao
diretor, aos funcionários e até às famílias um comportamento novo: a racionalização
do tempo, próprio das relações capitalistas que progrediam então. Cumpriram eles,
além disso, uma função educativa, hábitos de civilidade e sociabilidade, de ordem,
limpeza e disciplina. A escola acabou por impor novo uso de tempo não apenas às
crianças, mas à sociedade como um todo (MARCÍLIO, 2005, p. 181).
A partir dos anos 20, os prédios suntuosos dos grupos escolares passaram a ser
criticados pelos defensores da democratização da escola pública, pois passaram a significar a
elitização da educação e o desprezo das autoridades para com a educação da população mais
pobre. Não se é possível deixar de observar como as desigualdades sociais refletiam na escola
já desde aquela época no Brasil. De um lado, havia as escolas públicas que atendiam à elite e,
de outro, outros tipos de escola que visavam a atender os pobres. É a partir dessa realidade
que se consolida o discurso da Escola redentora, aquela cuja missão é a salvação,
principalmente dos menos favorecidos, pois seria por meio dela que o indivíduo obteria a
ascensão social, além do fato de ser necessário que se preparassem indivíduos para servir à
sociedade: a escola redentora do indivíduo e da sociedade. Surgiu, em São Paulo, por
exemplo, as escolas noturnas para alfabetizar adultos e atender adolescentes trabalhadores. O
ensino profissional primário surgiu em São Paulo, em 1825, quando o governador da
província, preocupado com o destino do grande número de crianças abandonadas e órfãs da
cidade, criou instituições com o objetivo de protegê-las. Uma das conseqüências imediatas da
Lei do Ventre Livre (1871) e do pânico que se instaurou entre os grandes fazendeiros e a elite
53
diante da evidência da extinção do trabalho servil foi a criação de Escolas de Aprendizes e
Artesãos em quase todas as capitais de província e a criação de estabelecimentos de internatos
e de segregação da sociedade para as crianças e adolescentes carentes e órfãos, pois era
necessário treinar meninos e meninas para o mundo do trabalho – doméstico, agrícola e
industrial. Foi o Presidente Nilo Peçanha quem assinou o decreto 7.566, de 23/09//1909,
criando as Escolas de Aprendizes Artífices nas capitais do Brasil. O próprio decreto
justificava a criação dessas escolas.
Está no fato de que o aumento constante da população das cidades exige se facilite
às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta
pela existência. Assim, se torna necessário não só habilitar os filhos dos
desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual como
fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade
ignorante, escola do vício e do crime. Além do que um dos primeiros deveres do
Governo da República é formar cidadãos úteis à nação (MARCÍLIO, 2005, P. 193).
Conforme afirma Marcílio (2005, p. 198), a filantropia atraía as elites no final do
século XIX. Segundo Foucault (2004), acreditava-se que por meio dela se poderia exercer o
controle sobre a sociedade. O que se buscava, além da manutenção da ordem, era o
equacionamento dos conflitos sociais em uma sociedade liberal. A utopia filantrópica
almejava uma sociedade harmônica, estável e feliz. Os discursos contemporâneos parecem
constituir o eco desses tempos. Os meios para alcançá-la passavam pela ética e pela educação.
Em 1873, era fundada em São Paulo a Sociedade Propagadora da Instrução Popular, por um
grupo de jovens educadores liderados por Leôncio de Carvalho. Em 1874, esse grupo
transformou a Sociedade em Liceu de Artes e Ofícios, com aulas noturnas de primeiras letras
e caligrafia, aritmética, sistema métrico e gramática portuguesa. As aulas eram gratuitas, de
freqüência livre, e os alunos recebiam, sem ônus, livros, penas, papel e tinta; assistência
médica, e havia o sistema de prêmios para os melhores alunos. A finalidade era preparar
artífices para a indústria nascente e para o comércio urbano. Essa visão filantrópica
corroborava a ideologia de uma escola redentora, responsável pela salvação do homem no
54
sentido de torná-lo apto a construir o modelo de sociedade harmônica, estável e feliz. Se a
elite necessitava dos menos favorecidos como mão de obra, era necessário prepará-los para
atender as suas necessidades e, ao mesmo tempo, para docililizá-los com o objetivo de
solucionar os conflitos da sociedade de classes que se estabelecia.
Segundo Niskier (1996, p. 36), a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN – Lei 9394/96), estabelece, no artigo 21, que a educação, composta de dois níveis
de ensino - educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e
educação superior - deve vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Estabelece que a
educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Estabelece ainda que o ensino seja
ministrado com base nos princípios de igualdade de condições para acesso e permanência na
escola; liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e
o saber; pluralismo de idéias e concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à
tolerância; coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais; valorização do profissional da educação escolar; gestão
democrática do ensino público; garantia do padrão de qualidade; valorização da experiência
extra-escolar e vinculação entre a educação escolar, trabalho e práticas sociais.
O próprio texto da lei também reforça, em seus objetivos e princípios, a idéia de uma
educação que tem por objetivo preparar o indivíduo para ser útil à sociedade que desejamos
construir, conforme os padrões da solidariedade e harmonia. A educação é, então, a salvação:
somente por meio dela e pela ética é possível transformar a sociedade, e para isso, a
organização se utiliza de mecanismos do “poder” e da “vigilância” impondo uma sujeição aos
indivíduos com o intuito de garantir e manter a ordem estabelecida.
55
“É preciso investir na educação”, pois a “educação é a solução”, revela o discurso da
sociedade hoje. Esse discurso se vê materializado no investimento de entidades particulares
em programas educacionais que visam atender a crianças e jovens carentes para prepará-los
para atuarem na sociedade.
Apesar do discurso da emancipação do sujeito, possível pela ação educativa, percebe-
se que existe uma força maior que coloca a educação a serviço da sociedade capitalista. Dessa
forma, a escola como afirmam Bordieu e Passeron, reproduz a cultura dominante do lucro e
da produção de qualidade para manter-se num mercado competitivo que percebe o ser
humano apenas como peça fundamental nessa engrenagem: um ser humano que deve estar
preparado para servir e manter esse processo.
Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo
indivíduo em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de
discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede as linhas que
estão marcadas pela distância, elas oposições e lutas sociais. Todo sistema de
educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos
discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo (FOUCAULT/1971,
2005a, p.43-44).
Embora reconhecida como direito de todos, proclamado nos textos legais a começar
pela Carta Magna (Constituição de 1988), a educação tem servido a manutenção do poder
dominante do capital. É nesse sentido que Foucault fala sobre o que chamou de “apropriação
social dos discursos”, pois apesar de possibilitar a todo indivíduo o acesso a qualquer tipo de
discurso verifica-se uma sujeição ao discurso dominante porque não há como negar a
necessidade de preparo para a manutenção da sobrevivência no sistema em que se vive.
Assim, “o que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma
qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um
grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma apropriação do discurso com seus poderes e
seus saberes?” (Foucault, 1971/2005b, p. 44-45).
Neste sentido, pode-se falar na educação como violência simbólica tema discutido na
França por vários estudiosos dos quais se destacam Bourdieu (1975) e Foucault (1979/2004).
56
Toda ação pedagógica (AP) é objetivamente uma violência simbólica enquanto
imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural. (...) A ação pedagógica
que reproduz a cultura dominante, contribuindo desse modo para reproduzir a
estrutura das relações de força, numa formação social onde o sistema de ensino
dominante tende assegurar-se no monopólio da violência simbólica legítima
(Bourdieu & Passeron, 1975, p.20).
Essa violência simbólica se manifesta na crise que vivenciamos em relação
principalmente ao ensino da nossa língua. A história da escola primária no Brasil é demarcada
pela sua imposição da língua dos colonizadores e ainda hoje existem resquícios de uma
dominação silenciosa no sistema educacional. Bordieu em “Escritos de Educação” (1998)
afirma que a escola, ao ignorar as desigualdades culturais entre crianças de diferentes classes
sociais, ao transmitir conteúdos que opera, bem como seus métodos e técnicas e os critérios de
avaliação que utiliza, favorece os mais favorecidos e desfavorece os mais desfavorecidos.
“Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato,
como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às
desigualdades iniciais diante da cultura” (BORDIEU, 1998, p. 53).
Para Foucault (1979/2004, p. 182), a análise do poder deve evitar a questão da
soberania e da obediência dos indivíduos que lhes são submetidos e focalizar o problema da
dominação e da sujeição.
Assim,
(...) em vez de orientar a pesquisa sobre o poder no sentido do edifício jurídico da
soberania, dos aparelhos de Estado e das ideologias que o acompanham, deve-se
orientá-la para a dominação, os operadores materiais, as formas de sujeição, os usos
e as conexões da sujeição pelos sistemas locais e os dispositivos estratégicos. É
preciso estudar o poder colocando-se fora do modelo do Leviatã, fora do campo
delimitado pela soberania jurídica e pela instituição estatal. É preciso estudá-lo a
partir das técnicas e táticas de dominação (...) (FOUCAULT 1979/ 2004, p. 186).
Dessa forma, segundo o autor, algumas precauções metodológicas se impõem para
desenvolver a questão.
Em primeiro lugar não se trata de analisar as formas regulamentares e legítimas do
poder em seu centro, no que possam ser seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes,
57
mas ao contrário captá-lo em suas extremidades, ou seja, captá-lo na “extremidade cada vez
menos jurídica de seu exercício”. A segunda precaução se refere a estudar o poder onde se
implanta e produz efeitos reais, “estudar o poder em sua face externa, onde ele se relaciona
direta e imediatamente com aquilo que podemos chamar provisoriamente de seu objeto, seu
alvo ou campo de aplicação”. A terceira se refere a não tomar o poder como um fenômeno
maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, mas analisá-lo como algo que circula,
que só funciona em cadeia e não está localizado em determinado lugar, nas mãos de alguém –
“o poder funciona e se exerce em rede”. A quarta precaução metodológica se refere a fazer
uma análise ascendente do poder: “partir dos mecanismos infinitesimais que têm uma história,
um caminho, técnicas e táticas e depois examinar como esses mecanismos de poder foram e
ainda são investidos, colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados,
desdobrados,etc., por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global.
Finalmente, a quinta precaução metodológica se refere ao fato de que “é bem possível que as
grandes máquinas de poder tenham sido acompanhadas de produções ideológicas”. “Houve
provavelmente, por exemplo, uma ideologia da educação, do poder monárquico, da
democracia parlamentar, etc., mas não creio que aquilo que se forma na base sejam
ideologias: é muito menos e muito mais que isso”. É preciso compreender que os aparelhos de
saber constituídos para que se exerçam os poderes não são construções ideológicas
(FOUCAULT 1979/ 2004, pp. 182-186).
Ao estudar o poder a partir das estratégias de dominação e não a partir da teoria
jurídico-política da soberania, Foucault chama a atenção para a relação entre poder e saber,
baseada nas disciplinas:
Este novo tipo de poder, que não pode mais ser transcrito nos termos da soberania, é
uma das grandes invenções da sociedade burguesa. Ele foi um instrumento
fundamental para a constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que
lhe é correspondente, este poder não soberano, alheio à forma da soberania, é o
poder disciplinar." (FOUCAULT 1979/2004, p. 188).
58
Assim, o que possibilitou o discurso das ciências humanas foi o confronto de dois
discursos heterogêneos: “de um lado, a organização do direito em torno da soberania, e de
outro, o mecanismo das coerções exercidas pelas disciplinas” (FOUCAULT 1979/ 2004a, p.
190).
A constituição do sujeito, numa dada cultura, se processa através de práticas e
discursos diversos de uma determinada cultura, enquanto subjetividade.
Para Foucault (1979/2004a, pp.183-184), “o indivíduo é um efeito do poder e
simultaneamente, ou, pelo próprio fato de ser efeito, é seu centro de transmissão”. O poder
passa através do indivíduo que ele constituiu “.
Para ele, o poder é microfísico não subordinado a nada e existe numa variedade de
formas adquirindo uma positividade. Essa noção de positividade do poder é uma das
importantes contribuições de Foucault no campo de estudos sobre o poder, pois suas análises
vão além dos seus aspectos negativos – o proibir, reprimir, coagir, etc. – e focalizam sua
positividade como organizador e produtor de saberes, discursos e sujeitos.
se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da
censura, da exclusão, do impedimento, recalcamento, à maneira de um
grande super-ego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria
muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do
desejo - como se começa a conhecer – e também a nível do saber."
(Foucault, 1979/2004a, p. 148).
Dessa forma, pode-se entender por meio dos estudos de Foucault que o poder é
exercido através de micro-relações que perpassam o dia-a-dia dos indivíduos,
circulando em rede. O sujeito como centro produtor e transmissor do poder está
sempre em posição de exercê-lo e sofrer a sua ação a partir da constituição de seus
59
discursos. “O indivíduo não é o outro do poder, é um de seus primeiros efeitos”
(FOUCAULT 1979/ 2004a, p. 183).
O poder é um fenômeno que tem sido discutido amplamente nas ciências sociais,
devido ao aumento da complexidade das organizações, em conseqüência do processo de
globalização e avanços que estamos vivenciando. Bordieu (2001, p. 7-8) defende a existência
de um poder simbólico que se manifesta por meio do poder das classes dominantes que se
reproduzem por meio das instituições e práticas sociais. As instituições e práticas sociais são
para ele, instrumentos da integração social e da reprodução da ordem social dominante.
Para Foucault (1979/2004a, p. 280), a governamentalidade envolve várias maneiras de
governar que se manifestam na medida em que as pessoas possam exercer o poder (o pai, o
professor, o chefe, etc). Existem, dessa forma, múltiplas formas de poder que se cruzam no
interior da sociedade e do Estado.
A disciplina e todas as instituições no interior da qual se desenvolveu, no século XVII
e início do século XVIII – escolas, oficinas, exército, etc. – como mecanismos de
confinamento e formas diferentes de vigiar, só se compreende “a partir do desenvolvimento
da grande monarquia administrativa”. A disciplina é então valorizada a medida que se
procurou gerir a população nos mínimos detalhes (Foucault, 1979/2004, p. 291).
Desde o século XVII, vivemos na era do governamentalidade. Governamentalização
do Estado, que é um fenômeno particularmente astucioso, pois se efetivamente os
problemas da governamentalidade, as técnicas de governo se tornaram a questão
política fundamental e o espaço real da luta política, a governamentalização do
Estado foi o fenômeno que permitiu ao Estado sobreviver. Se o Estado é hoje o que
é, é graças a essa governamentalidade, ao mesmo tempo interior e exterior ao
Estado. São as táticas de governo que permitem definir a cada instante o que deve ou
não competir ao Estado, o que é público ou privado, o que é ou não estatal, etc.;
portanto o Estado, em sua sobrevivência e em seus limites, deve ser compreendido a
partir das táticas gerais da governamentalidade. (FOUCAULT 1979/2004a, p. 292)
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a Escola no Brasil, enquanto estrutura física e
ao mesmo tempo uma instituição, tal qual o Estado, foi e continua sendo instrumento de
60
manutenção e reprodução de uma ordem social estabelecida que necessita de uma mão-de-
obra docilizada para atingir aos seus propósitos.
A crise no ensino da língua, especificamente, foi desencadeada a partir do processo de
democratização do ensino que modificou a escola apenas no aspecto quantitativo (ampliando
o número de vagas) e no aspecto qualitativo do alunado (diversificando o alunado, ao permitir
o acesso dos indivíduos de classe popular à escola), e não do ensino. A crise é, então,
conseqüência da não-reformulação do padrão até então adotado. Isso permite a afirmação de
que a escola abriu suas portas, garantindo o acesso, mas não a permanência do aluno na
Escola, pois não se adaptou à realidade dessa nova clientela. Atribuir a responsabilidade do
fracasso escolar à incapacidade dos menos favorecidos do que reconhecer que o fracasso
resulta do sistema que permanece o mesmo, resulta do fato de que não é esse o real desejo,
pois, se ministrada de forma eficiente, levaria os indivíduos a pensarem criticamente,
especialmente sobre sua condição de indivíduo dominado intelectual, social e
economicamente. Essa é uma afirmação que explica o sistema de ensino como uma
organização preparada para docilizar o indivíduo por meio dos mecanismos do poder e da
vigilância.
Conclui-se que em nosso país é notório um tipo de discurso que se transformou numa
crença ideológica que define a Escola como instrumento de promoção social, redentora do
indivíduo da sociedade. Essa perspectiva ideológica da Escola como salvação para os menos
favorecidos que, por meio dela, teriam oportunidade de “vencer na vida” esconde, por assim
dizer, as verdadeiras causas dos problemas sociais que se enfrenta: a existência de uma
sociedade de classes marcada pela concentração de poder, riqueza e desigualdade.
A idéia da Escola redentora, a partir da segunda metade do século XIX, que
desencadeou a campanha pela Escola pública e gratuita, na qual a educação tem a finalidade
61
de promover o desenvolvimento dos indivíduos para que possam viver em sociedade e
responder aos seus anseios, permanece ainda hoje no imaginário das pessoas e se evidencia no
que enunciam cotidianamente.
62
CAPÍTULO 3
A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NO BRASIL
Conforme Louro (1997, pp.88-89) se as instituições e as práticas sociais se constituem
por gêneros elas não somente fabricam sujeitos como elas próprias são produzidas por
representações de gênero, bem como por representações étnicas, sexuais, de classe, etc.
Nesse sentido pode-se afirmar que a escola, como uma instituição social é atravessada
pelos gêneros uma vez que perpassam pelas construções sociais e culturais do masculino e do
feminino. A escola, ao longo da história tornou-se alvo da atenção da igreja, do estado e das
famílias se constituindo numa instituição fundamentalmente necessária para a formação das
crianças. “Á ela foi atribuída, em diferentes momentos, a produção do cristão; do cidadão
responsável; dos homens e das mulheres virtuosos/as; das elites condutoras; do povo sadio e
operoso; etc.” (LOURO, 1997, p. 90).
À medida que a escola se tornava espaço privilegiado de formação, o que se passava
em seu interior tornava-se importante, mesmo que continuasse a existir outras formas de
promover a educação, o que colocava a escola e os alunos em evidência. Conforme Louro
(1997, p. 91-92):
Isso representou não apenas olhar para as crianças e jovens e pensar sobre as formas
de discipliná-los, mas também observar – e disciplinar – aqueles que deveriam
“fazer a formação, ou seja , os professores. O processo educativo escolar, que se
instala nos tempos modernos, se assenta, pois, na figura de um mestre exemplar
.
Dessa forma, o mestre exemplar (no caso os jesuítas representavam essa figura) passa
a ser preparado com cuidado para exercer o magistério tornando-se um especialista na
infância, dominando conhecimentos e técnicas para conquistar as crianças, manter a
vigilância, treinar seu caráter, estimular a vontade e corrigir com afeto, pois é ele o
responsável primeiro pela formação dos indivíduos.
63
Os religiosos constituem, dessa forma, as primeiras representações do magistério:
“modelos de virtudes, disciplinados e disciplinadores, guias espirituais, conhecedores das
matérias e das técnicas de ensino.” (Louro, 1997, p. 93). Além disso, esses primeiros mestres
deviam exercer a docência como um sacerdócio, como uma missão nobre que exige doação.
Também no Brasil a escola foi primeiramente masculina e religiosa, calcada na
atuação dos jesuítas que para cá vieram no início do processo de colonização empreendida
pelos portugueses.
No Brasil, já às vésperas da República, as mulheres constituíam a maioria dos alunos
das escolas normais e, já em 1950, eram predominantes não só no magistério primário, quanto
no secundário e, conseqüentemente, nos cursos de formação de professores. É necessário
retomar a história para se compreender como o magistério se tornou uma profissão feminina
no país.
Conforme já apontado neste trabalho, durante o período colonial (1500-1822), a
maioria das escolas no Brasil era administrada pelos jesuítas, destinada aos filhos da elite e
atendia somente os homens. Aos meninos, era garantido o direito de aprender a ler, escrever e
contar e, para as meninas, restava aprender os afazeres domésticos.
Após a independência política do Brasil, com a Lei de 15 de outubro de 1927, foram
criadas as primeiras escolas primárias e, a partir de então foi autorizada a criação de escolas
também para as meninas que deveriam ser ensinadas por mulheres. Dessa forma, abre-se a
oportunidade de inserção das mulheres no magistério, e elas deveriam freqüentar as Escolas
Normais que até então atendia somente a clientela masculina.
Segundo Campos (2002, p. 18), nesse período, nota-se uma contradição nos valores da
sociedade: de um lado, o sexo feminino encontrava dificuldades consideráveis de acesso ao
ensino, pois a educação formal não era considerada necessária para as funções que iria
64
desempenhar na sociedade; por outro, o exercício da atividade docente, especialmente no que
se refere às crianças, era visto como sendo tarefa própria das mulheres porque seriam dotadas
de habilidades inatas.
Aos poucos, percebe-se que avolumaram-se os argumentos a favor da instrução
feminina, sempre vinculada à tarefa materna na educação dos filhos, e isso afetou diretamente
o caráter do magistério, primeiro, impondo a necessidade de professoras mulheres e,
posteriormente, favorecendo a feminização da docência. Às mulheres, por uma questão de
constituição natural, cabia socializar as crianças, e, dessa forma, o magistério primário foi
considerado essencialmente feminino como uma extensão do lar, pois as mulheres educariam
as crianças como parte de suas funções maternas, conforme os ditames dos padrões da época.
Conforme aponta Louro (1997, p. 95) é possível identificar no Brasil algumas
transformações, a partir da segunda metade do século XIX, que permitiram a entrada e o
predomínio das mulheres nas salas de aula. Embora apresentasse características particulares,
se assemelhou-se ao que ocorreu em outros países. e, de qualquer forma seria ingênuo buscar
apenas na legislação as razões desse processo. O mais adequado seria reconhecer que o
processo de urbanização daquele momento, do qual outros grupos sociais, outras expectativas,
práticas educativas e oportunidades de trabalho emergiam, um novo estatuto de Escola
também se instituía, tornando o magistério uma atividade permitida e, após muitas polêmicas,
indicada
8
para as mulheres.
Embora professores e professoras, a partir de então, passassem a compartilhar da
exigência de uma vida exemplar que servisse de modelo, estabelecem-se expectativas de
funções diferentes, sendo incumbidos de tarefas separadas por gênero, em outras palavras,
senhoras honestas e prudentes ensinavam, meninas; homens com as mesmas virtudes
ensinavam os meninos. Além disso, homens e mulheres tratavam de saberes diferentes por
8
Grifos da autora
65
meio de programas e currículos que distinguiam conhecimentos e habilidades adequados a
eles ou elas, recebiam salários diferentes, disciplinavam de modo diverso, tinham objetivos
diferentes a avaliavam de forma distinta. Aos poucos, foram se avolumando, os argumentos à
favor da mulher, geralmente vinculados à maternagem, o que afetou o caráter do magistério,
primeiro impondo a presença das mulheres na sala de aula e, posteriormente favorecendo a
sua feminização.
Segundo Louro (1997, pp.96-97),
já que se entende que o casamento e a maternidade, tarefas femininas fundamentais,
constituem a verdadeira carreira das mulheres, qualquer atividade profissional será
considerada um desvio dessas funções sociais, a menos que possa ser representada
de forma a se ajustar a eles. Em seu processo de feminização, o magistério precisa,
pois, tomar de empréstimo atributos que são tradicionalmente associados às
mulheres, como amor, sensibilidade, o cuidado, etc. para que possa ser reconhecido
como uma profissão admissível ou conveniente.
Esse é o motivo pelo qual se começa a perceber o interesse político em incentivar o
acesso das mulheres às escolas normais e, também, principalmente devido ao fato de que a
carreira do magistério não mais atraía os homens, por causa da baixa remuneração que não
lhes oferecia condições para manter uma família dignamente. Dessa forma, as mulheres que,
além de não precisarem sustentar suas famílias, eram constituídas de qualidades inatas
favoráveis ao desempenho docente, seriam ideais para o exercício do magistério.
Conseqüentemente, o currículo das escolas femininas e das escolas normais eram
diferenciados como uma forma de manter a docilidade, a fragilidade e o instinto maternal.
Cécile Dauphin (1993, p. 141 apud LOURO, 1997, p. 97) afirma que “os ofícios novos
abertos às mulheres neste fim de século levarão a dupla marca do modelo religioso e da
metáfora materna: dedicação-disponibilidade, humildade-submissão, abnegação-sacrifício”.
Nota-se que a representação do magistério é transformada, e as professoras são vistas
como mães espirituais e, conseqüentemente cada aluno deve ser percebido como filho e cada
aluna percebida como filha. “As marcas religiosas da profissão permanecem, mas são
66
reinterpretadas e, sob novos discursos e novos símbolos, mantém-se o caráter de doação e de
entrega que já se associava à atividade docente” (Louro, 1997, p. 97).
As escolas de formação docente enchem-se de moças, e esses cursos passam a
constituir seus currículos, normas e práticas de acordo com as concepções
hegemônicas do feminino. Disciplinas como Psicologia, Puericultura e Higiene
constituem-se nos novos e prestigiados campos de conhecimentos daquelas que são
agora as novas especialistas da educação e da infância (LOURO, 1997, p. 97).
Assim, o magistério vai se firmando como atividade essencialmente feminina, pois os
homens, pouco a pouco, vão deixando a escola primária e isso, associado a outras alterações,
acabam por determinar a grande participação da mulher no mercado de trabalho.
Vive-se, segundo a opinião de muitos/as, uma época em que as sociedades se
complexificam.
De acordo com Michel Foucault apud Louro, 1997.p.97,
a ordenação e a regulação dos sujeitos têm de ser feitas, agora, de outros modos;
espera-se que os próprios indivíduos aprendam a se auto-governar e, para que tal
aconteça é preciso todo um investimento nas crianças e em seus processos de
formação. A infância é, assim, o alvo preferencial dos novos discursos científicos.
Walkerdiner (1995, apud Louro 1997, p. 98) explica que não é mera coincidência que,
nesse momento, os cursos de formação de professores passaram se dirigir às mulheres, pois,
na medida em que as teorias psicológicas e pedagógicas começaram a considerar o afeto
como facilitador da aprendizagem, a docência, principalmente nas séries iniciais do Ensino
Fundamental, passou a ser feminina.
A atenção dos políticos, da Igreja, bem como as expectativas dos pais em relação à
formação dos filhos são dirigidas para as professoras. A professora passa a ser objeto de
poesias, músicas, datas comemorativas, alegorias e exortações, adquirindo uma identidade
que permite seu imediato reconhecimento. Conforme Uyeno (1995), os professores no interior
de uma instituição escolar, não constituem suas presenças físicas, enquanto “organismos
humanos individuais”
9
, mas representação de lugares determinados na estrutura de uma
9
Grifo da autora
67
formação social (Pêcheux,1988). Dessa forma, as professoras de séries iniciais do Ensino
Fundamental sempre foram e ainda são objeto de representações que, ao longo do tempo,
determinam características que as identificam.
Essas representações não podem ser consideradas meras descrições de qualquer
profissão. São, acima de tudo, fruto de um contexto sócio-histórico que determina a posição
que o sujeito ocupa na sociedade, constituindo sua identidade, ou seja, a representação das
professoras de séries iniciais do Ensino Fundamental é fruto de um discurso social que
determina características consideradas apropriadas para o exercício da docência. Assim, como
já mencionado nesta pesquisa, as professoras foram e ainda são vistas, como solteironas ou as
tias que, dóceis, afetivas e habilidosas, transferem para seus alunos seu instinto maternal. Por
serem consideradas seres especiais dotados de habilidades biológicas e aptos para cuidar
adequadamente de crianças, as professoras passaram a constituir modelo de virtude.
Dalton (1996 apud LOURO 1997, p. 100) realizou uma investigação que denominou
de “currículo de Hollywood”, um estudo em que examinou “quem é o bom professor” ou a
“boa professora”
10
nos filmes americanos das últimas décadas. Louro (1997, p. 101) lembra
que,
de ao Mestre com carinho a um tira no Jardim da Infância, passando por Sociedade
dos Poetas Mortos e tantos outros, a autora vai nos mostrando como Hollywood
constrói um professor (na grande maioria dos filmes, um homem) que é capaz de
quase tudo para “salvar” um aluno ou aluna. Nas telas do cinema eles e elas são
heróis individuais, que usualmente dão pouca importância para promoções, salários
ou carreiras. Criativos, inventam modos muito próprios de lidar com o currículo
escolar, transformam as rotinas das escolas, despertam entusiasmo, estimulam e
provocam o crescimento pessoal de cada estudante LOURO (1997, p. 101).
Conforme análise da autora o professor ou a professora é um outsider
11
que não é bem
visto pelos outros professores que geralmente são hostilizados pelos alunos, sentem medo
deles ou estão ansiosos por dominá-los. O bom professor e a boa professora são representados
por aquele que se envolve com os alunos, aprende com eles e mantém bom relacionamento
10
Grifos da autora
11
Grifo da autora
68
com os diretores, além de algumas vezes terem senso de humor e adaptarem suas atividades
para atender as necessidades dos alunos. Apesar das críticas que possamos fazer a esses filmes
não como negar que essas representações de professores e professoras fazem parte do
cotidiano produzindo efeitos sobre a imagem da atividade docente, principalmente para as
séries iniciais do ensino fundamental, uma atividade que exige pessoas vocacionadas para
exercê-la.
Segundo Louro (1997, p. 102) outras representações de professores e professoras
circulam atualmente, por vezes diferentes e opostas a essa pessoa vocacionada e é importante
notar que nelas há sempre jogos de poder. Essas representações estão sempre estreitamente
ligadas ao poder.
Silva (1996 apud Louro, 1997, p. 102) chama a atenção para o fato de que
os significados que as representações acabam produzindo não preexistem no mundo,
mas eles têm que ser criados, e são criados socialmente, isto é, são criados através de
“relações sociais de poder” Os modos como os grupos sociais são representados
podem nos indicar o quanto esses grupos exercitam o poder, podem nos apontar
quem é, mais freqüentemente, “objeto” ou “sujeito” da representação.
Assim, se a atividade docente, principalmente para as séries iniciais do ensino
fundamental foi se feminizando é possível observar as transformações que ocorreram como
afirma Louro (1997, p. 103),
Quem “falou” sobre as mulheres professoras, quem construiu e difundiu com mais
força e legitimidade sua representação foram os homens: religiosos, legisladores,
pais, médicos. Elas foram muito mais objetos que sujeitos dessas representações.
Para elas, sobre elas, em seu nome foram escritos poemas, pintados quadros, feitos
discursos e orações; criaram-se caricaturas e símbolos, datas e homenagens,
cantaram-se canções.
Dessa forma, podemos identificar marcas evidentes da construção da representação da
atividade docente na sociedade, combinando atributos femininos e elementos religiosos, ou
seja, o exercício da docência, especialmente para as séries iniciais do Ensino Fundamental,
exige dedicação, amor e vigilância. Como extensão do trabalho do lar e de sua maternidade,
são as mulheres as pessoas mais indicadas para o exercício do magistério. Vocacionadas, as
mulheres são dotadas de atributos característicos de sua feminilidade que favorecem o
69
exercício do magistério que nem ao menos precisa se bem remunerado, pois, como já
apresentado nesta pesquisa, inicialmente, considerava-se que não era a mulher a responsável
pela manutenção de seu lar.
É importante notar que essas representações estão sempre ligadas ao poder, ou seja, o
significado que as representações acabam produzindo na sociedade são produzidas por meio
de relações sociais de poder, indicando o modo pelos quais os grupos exercitam esse poder,
apontando quem é o “objeto” ou “sujeito” da representação.
Professoras e professores eram caracterizadas/os através de vários meios. Os
almanaques e os jornais, bem como eventualmente, algumas revistas escolares,
traziam – ao lado de poemas de exaltação à sua abnegação – desenhos e caricaturas
que as/os representavam como figuras carrancudas, severas (algumas vezes, as
professoras pareciam quase bruxas, vestidas com roupas longas e fechadas e
utilizando uma vara para apontar o quadro-negro ou uma palmatória). As fotografias
antigas também permitem reencontrar essas figuras austeras, elas com vestidos
abotoados até o pescoço, cabelos presos e... óculos (haverá um objeto mais
recorrente para representar uma professora ou um professor?). Essa “secura”,
produzida e demonstrada pela aparência física e pelo controle dos gestos, poderia
esconder (e os contos e crônicas exploram muitas vezes esse tema) um “enorme
coração”, uma “infinita bondade” (LOURO, 1997, p. 105).
Assim, conforme aponta Uyeno (1995), por meio das “tecnologias de dominação”
(Foucault 1994//2006) o indivíduo moderno é fabricado e por meio das “tecnologias do eu”
auto disciplina-se e se constitui enquanto sujeito (Foucault 1988), sendo que a associação de
ambas pretende a construção de indivíduos dóceis e governáveis (Foucault, 1979/2004) e,
conseqüentemente, úteis à sociedade.
No Brasil, conforme apontam Bruschini e Amado (1988, p.5), em torno de 1930, o
magistério era a única profissão feminina respeitável e a única forma institucionalizada de
emprego para as mulheres de classe média, uma vez que a Escola não atendia as mulheres de
classe social menos favorecida. A partir da década de 1960, há a expansão do sistema de
ensino, e os cursos normais ampliam-se, recebendo mais mulheres de camadas
socioeconômicas menos favorecidas, o que teria desqualificado e desvalorizado, ainda mais, o
magistério primário, em virtude de a expansão dos cursos de nível secundário e médio que
exigirem formação em nível superior para o exercício da docência. Entretanto, estudos como
70
os de Rosemberg (1994) evidenciam que, mesmo com a expansão dos cursos de nível
superior, na década de 1970, e o notável ingresso das mulheres na universidade, elas ainda
continuam optando pelos cursos de magistério.As lutas feministas promoveram, desde a
colonização, muitas mudanças no Brasil, no que se refere às mulheres, principalmente no
século XX. Podemos considerar que as desigualdades de acesso à educação entre os sexos no
Brasil estão superadas; contudo o fato de, hoje, as mulheres serem mais escolarizadas que os
homens, segundo as estatísticas, não se traduz em melhoria em suas condições sociais e
econômicas. Ainda assim as mulheres continuam optando por carreiras associadas ao modelo
feminino e, como afirma Rosemberg (1994, p. 49),
é como se fosse desvelada uma armadilha, pois a discriminação que vivencia a
mulher no sistema educacional muda de rumo: ela não se efetua mais através do
impedimento de acesso ao sistema educativo, mas se transferiu para o seu interior”
Não é mais negado o acesso às mulheres a nenhuma carreira, entretanto elas, em
grande número, continuam escolhendo as licenciaturas, a enfermagem e o serviço social. Essa
afirmação remete ao problema de onde partiu esta pesquisa: se não é mais negado o acesso às
mulheres a quaisquer carreiras, por que continuam optando por carreiras consideradas
desvalorizadas e mal remuneradas como o magistério primário que exige formação em nível
superior?
Segundo Bruschini e Amado (1988, p. 7), a ideologia que alega que o salário da
mulher pode ser inferior ao salário do homem, devido ao seu caráter secundário ou
complementar de renda familiar, serviu para legitimar o empobrecimento crescente do
professorado, devido à constante deteriorização dos salários que atinge a categoria.
Conforme Diniz (2001, p.199) ao longo da história é possível compreender o processo
de feminização do magistério por meio da análise da forma de organização social, política e
cultural do Brasil. As mudanças econômicas e sociais promoveram em nosso país um
processo lento de urbanização e o início da industrialização, com a conseqüente vinda de
71
imigrantes, provocou a ampliação dos setores médios da sociedade aumentando e
diversificando as oportunidades de trabalho para os homens, apontando para a necessidade de
uma escolarização mais ampla. Em conseqüência desse processo há o afastamento dos
homens da área educacional e a necessidade de ampliação e expansão do ensino e começa a
expandir as oportunidades para as mulheres atuarem na educação.
Assim, essas mudanças e pressupostos bio-psicológicos acabaram por atribuir – e
ainda atribuem – às mulheres características essenciais para o exercício da docência,
principalmente para as séries iniciais, como a sensibilidade, compreensão e afetividade, que
as constituem por natureza.
Essas concepções, sem dúvida, influenciaram sobremaneira a entrada da mulher no
mercado de trabalho. Nessa perspectiva que considera a proximidade do trabalho em
educação com o fato da mulher ser mãe, o magistério é colocado na esfera do não
trabalho, que é como se qualifica a atividade da dona de casa e mãe; a diferença é
que o exercício da professora se dá na escola, na esfera do público e o da mãe no lar,
ou seja, na esfera do privado (DINIZ, 2001, p.199).
Enguita (1991, apud Diniz, 2001, p. 200) afirma que a forte presença das mulheres no
magistério levou a uma desvalorização salarial da profissão o que se deve a concepções
arraigadas em nossa sociedade. Para ele, a primeira dessas concepções se refere a idéia de que
o salário da mulher é complementar ao do homem e a segunda se refere ao fato do magistério
ser visto como um emprego temporário para a mulher e mais flexível por permitir-lhe
conciliá-lo com suas tarefas de mãe e dona de casa.
Nesse sentido, é importante ressaltar as idéias de Stuart Hall (1997, p. 20 apud
LOURO, 2002, p. 231) ao se referir a campos teóricos que participam da chamada “política
de identidades”
12
, ou seja, de movimentos culturais de grupos tradicionalmente
secundarizados, tais como as mulheres, que levantam sua voz reclamando o direito de auto-
representar-se, falar por si e de si. Esse movimento contemporâneo é notável em várias parte
12
Grifo do autor
72
do globo, inclusive no Brasil e evidencia que esses grupos não abandonaram os objetivos
ligados ao acesso a bens materiais, mas sobretudo estão centrados na cultura.
A cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da
mudança histórica do novo milênio. Não deve nos surpreender, então, que as lutas
pelo poder sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tornar
simplesmente uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assumam
progressivamente a feição de uma política cultural (Hall, 1997, apud LOURO,2001,
p. 213).
A mulher passa, dessa forma a ocupar lugares antes destinados ao sexo masculino,
construindo historicamente representações que tiveram e ainda têm “poderosos efeitos de
verdade” (LOURO, 2001, p. 232).
Assim, interessa a essa pesquisa analisar como são atribuídos os significados sociais e
como a linguagem produz essas representações.
Essa ideologia que determina a profissionalização feminina no magistério e a
desvalorização salarial é tão evidente e antiga, que já fora denunciada por Graciliano Ramos.
__ Espera lá. O Nogueira e o Gondim me falaram nela. Mulher prendada, bonita.
Perfeitamente. O Gondim falou muito. O Gondim do Cruzeiro, um da venta chata.
__ Sei.
E recolheu, sorrindo, os elogios à sobrinha.
__ Pois uma menina como aquela encafuar-se num buraco, seu...
__ Paulo Honório d. Glória. Faz pena. Isso de ensinar bê-a-bá é tolice
13
. Perdoe a
indiscrição, quanto ganha sua sobrina ensinando bê-a-bá
14
?
D. Glória baixou a voz para confessar que as professoras de primeira entrância
tinham apenas cento e oitenta mil-réis.
__ Quanto?
__ Cento e oitenta mil réis.
__ Cento e oitenta mil réis? Está aí! É uma desgraça minha senhora. Como
diabo se sustente um cristão com cento e oitenta mil réis? Faz até raiva ver uma
pessoa de certa ordem sujeitar-se a semelhante miséria. Tenho empregados que
nunca estudaram e são mais bem pagos. Por que não aconselha sua sobrinha a
deixar essa profissão, d. Gloria?
__(...) Vou indicar um meio de sua sobrinha e a senhora ganharem dinheiro a
rodo. Criem galinhas. (GRACILIANO RAMOS, 2001, p. 75-76)
Atualmente, essa situação não mudou apesar das reformas que se tem presenciado
desde a década de 1990 e da criação do FUNDEF mesmo ganhando baixos salários, muitas
13
Grifo do autor
14
Grifo meu
73
mulheres conseguem conciliar as tarefas domésticas com o magistério que garante a
sobrevivência de muitas famílias no Brasil.
É interessante observar que a construção de uma concepção do que pudesse ser uma
professora se inicia no séc. XVI, no interior de Congregações Religiosas. As Ursulinas, por
exemplo, propuseram, nessa época, a educação de mulheres por meio de uma “maternidade
espiritual”
15
e do apostolado, como elementos mais importantes que a clausura para a
modificação de comportamentos e condutas.
Para bem se desincumbir do dever de professora três coisas são necessárias: a
primeira é a estima por esta função; a segunda é a afeição pelas crianças; e a terceira
uma grande paciência. Esta afeição é necessária a uma professora para amar seus
alunos e ser mais amada, para instruí-los com prazer, doçura e proveito e enfim para
viver e trabalhar juntas como boas filhas e verdadeiras mães espirituais que
trabalham sem cessar para a instrução de seus caros alunos, que não omitem nada
daquilo que elas crêem poder facilitar-lhes a aquisição da ciência dos Santos, que é
aquela da Salvação e que tem grande zelo e cuidado de Deus (BONNET, Monsieur.
Conference (Supérieur de la Compagnie des Filles de la Charité de St. Vincente de
Paul – 19 de set. 1727 apud LOPES, 2001, p. 41).
Observa-se que a associação do magistério e da maternidade é ainda muito forte em
vários discursos do cotidiano atual, evidenciando a imagem e a representação social do sujeito
feminino no exercício da docência.
Segundo Graupe (2006) o magistério já vinha se delineando claramente como uma
atividade tipicamente feminina, chegando às mulheres a 70% do total de funcionários
encarregados pelo ensino, já em 1921. Dados da Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo indicam que nas primeiras séries do Ensino Fundamental a predominância feminina e o
avanço das mulheres das séries iniciais do Ensino Fundamental para o nível II (5ª a 8ª séries)
e cargos de especialistas.
Conforme dados estatísticos da rede estadual de ensino de São Paulo, a porcentagem
de mulheres na atividade docente em 1990 apresentava os índices de 97,2% delas atuando no
magistério das séries iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª série – Ciclo I) e 75,5% atuando
15
Grifo da autora
74
no ciclo II (5ª a 8ª série). Em outras atividades os índices também são significativos: 72,3%
atuavam na supervisão de ensino, 76,0% na direção de escolas e 79,5% na vice-direção.
Os dados revelam a presença maciça das mulheres no exercício do magistério,
principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental reforçando a construção histórica da
imagem das professoras na sociedade.
Não podemos dizer que os/as professore/as em todos os tempos são iguais. Mas, na
diferença, há um resto que insiste em ser dominante, em dizer a verdade. A verdade
admitida aí não é uma verdade material (muito embora esteja materializada em um
imenso volume de discursos que repetem sempre, com poucas variações, a mesma
coisa), mas uma verdade histórica, que se impõe pela força da repetição e não da
argumentação (LOPES, 2001, p. 38).
O fato de reconhecer na mulher habilidades inatas para o exercício do magistério
aparece aqui vinculada à questão da vocação e da missão, evidenciando que, em nossa
sociedade existe, um sistema de representações que legitima uma ordem social.
A presença maciça do sexo feminino no magistério criou umrculo vicioso que
confirma a opção das normalistas pela docência baseada na ideologia da vocação natural das
mulheres, com implicações na valorização e qualificação profissional.
Conforme perguntam e hipotetizam Bruschini e Amado (1988, p. 7): “como se explica
que o magistério ainda seja visto como um sacerdócio ou vocação? Provavelmente porque a
ideologia da vocação, do amor e da dedicação tem justamente por função encobrir as
condições concretas em que se dão as relações de trabalho”.
Percebe-se que estão implícitas as posições que se oferecem às mulheres pela estrutura
ainda fortemente sexuada da divisão do trabalho, reforçadas pela família e toda a sociedade
consolidando a dicotomia entre atividades masculinas e femininas.
Segundo Bordieu (2005, p. 72-73),
a lógica social do que chamamos de “vocação”, tem por efeito produzir tais
encontros harmoniosos entre as disposições e as posições, encontros que fazem com
que as vítimas da dominação simbólica possam cumprir com felicidade
16
(duplo
sentido do termo) as tarefas subordinadas ou subalternas que lhes são atribuídas por
16
Grifo do autor
75
suas virtudes de submissão, de gentileza, de docilidade, de devotamento e abnegação
(BORDIEU, 2005, p. 72-73).
Algumas mulheres parecem continuar buscando profissões relacionadas a sua natureza
maternal, o que indica que acreditam na existência de profissões essencialmente masculinas e
femininas e que elas devem optar por aquelas mais condizentes com o sexo feminino.
A consolidação da profissão docente ocorreu em decorrência da intervenção e de seu
enquadramento pelo Estado que substituiu a Igreja (de onde se origina o nome
professor como “aquele que professa – publicamente – as verdades religiosas”)
como entidade de tutela do ensino. Esse enquadramento que o caracterizou como
mero executor da transmissão de um saber que lhe é determinado e de uma forma
também pré-determinada revela a divisão social do trabalho a qual está na origem do
autoritarismo e da tecnocracia em educação. Essa divisão, por sua vez, reforça ainda
mais o caráter alienante, próprio do modo de produção capitalista, não constituindo
um ato meramente técnico mas eminentemente sócio-político. O autoritarismo
erigido sobre o já determinado e a tecnocracia calcada na pré-determinação de como
executar a tarefa de “professar o saber”, além de despojá-lo do contexto sócio-
histórico que lhe dava sentido pressupõe a admissão da inutilidade na compreensão
do real. É essa divisão social, portanto, que determina o papel do professor na
sociedade (UYENO, 1995).
Dessa forma, reconhece-se que a feminização do magistério, especialmente do
magistério para as séries iniciais do ensino fundamental, é um dos principais fatores que
interfere na desvalorização social da profissão que encarna características maternais de
docilidade e obediência. “Das mulheres se espera que sejam ‘femininas’, isto é, sorridentes,
simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas” (BORDIEU,
2005, p. 82).
É através do adestramento dos corpos que se impõem às disposições mais
fundamentais, as que tornam ao mesmo tempo inclinados e aptos a entrar nos jogos
sociais mais favoráveis ao desenvolvimento da virilidade: a política, os negócios, a
ciência, etc. (A educação primária estimula desigualmente meninos e meninas a se
engajarem nesses jogos e favorece mais nos meninos as diferentes formas da libido
dominandi, que pode encontrar expressões sublimadas nas formas mais “puras” da
libido social, como a libido sciendi (BORDIEU, 2005, p. 71).
Observa-se em nossa sociedade que já na infância as crianças são objetos de
expectativas diferentes em relação ao masculino e ao feminino. Nas famílias é exige-se do
menino e da menina um comportamento adequado à sua condição até mesmo em relação as
brincadeiras infantis: meninas brincam de boneca, casinha e escolinha e aos meninos é
76
permitida brincadeiras que evidenciem sua virilidade e força, como o jogo de futebol, luta,
etc. ou qualquer outra brincadeira que o coloque no comando.
A feminização do magistério constitui fator de manutenção da ordem dominante uma
vez que, aliada à concepção de escola como espaço de disciplina, onde se deve somente ouvir
e não se manifestar transforma a educação e a professora em reprodutores de um sistema
vigente que precisa ser revisto e questionado. Há de se reconhecer que a vocação e o gosto em
realizar uma atividade profissional devem fazer parte não só do magistério, mas de todas as
profissões.
Percebe-se que a discussão em torno da feminização do magistério no Brasil é bastante
complexa envolvendo diversos fatores. Alguns elementos apontados nessa pesquisa,
entretanto, são imprescindíveis para facilitar a compreensão desse processo. Primeiramente, é
preciso considerar que a história da feminização do magistério no Brasil é demarcada por
imperativos sociais que determinaram as representações e imagens do magistério,
caracterizando uma identidade para o seu exercício, principalmente nas séries iniciais do
Ensino Fundamental. Essa história foi determinada por um conjunto de relações sociais
demarcadas por uma relação de poder ao longo da história. Em segundo lugar reconhece-se
que, a partir de determinações históricas e ideológicas, a profissionalização do magistério é
demarcada por valores determinados estando fortemente atrelada ao caráter vocacional, que
caracteriza o fazer docente tamanha a dedicação exigida para seu exercício.
Segundo Bandeira e Siqueira (1997, apud Magalhães 2003, p.34) a definição dos
papéis sociais das mulheres e homens tem sido discutida atualmente na Sociologia. Constata
um avanço considerável em relação à década de 50 quando se iniciou o movimento feminista.
Dessa forma, observa-se que hoje as mulheres exercem hoje funções do universo masculino
no trabalho, na política e nos mais diversos domínios sociais, entretanto, existem
77
ambigüidades nessas conquistas, pois as promessas da modernidade ainda não se
concretizaram integralmente.
De fato, para as mulheres não é mais negado o acesso ao mercado de trabalho, mas a
desigualdade de gênero ainda é bem demarcada, principalmente no que se refere ao salário
das mulheres que é inferior ao salário dos homens.
Segundo Bordieu (2005, p. 106) é indiscutível as mudanças que ocorreram em relação
à dominação masculina a qual a mulher estava sujeita. Para o autor em primeiro lugar isso se
deve ao trabalho crítico dos movimentos feministas que, pelo menos em certas áreas rompeu o
círculo do reforço generalizado. Verificou-se, dessa forma, o aumento no acesso às mulheres
ao ensino secundário e superior e ao trabalho assalariado o que favoreceu seu acesso à esfera
pública. Também é evidente que o afastamento das atividades domésticas, das funções de
reprodução relacionada ao progresso e uso generalizado de contraceptivos, queda nos
percentuais de casamentos e aumento dos divórcios também contribuíram para isso.
Modificações importantes em relação à divisão do trabalho podem ser observadas.
Observa-se assim, um forte aumento da representação de mulheres nas profissões
intelectuais ou na administração ou nas diferentes formas de venda de serviços
simbólicos (jornalismo, cinema, rádio, televisão, relações públicas, publicidade,
decoração) e também uma intensificação de sua participação nas profissões mais
próximas da definição tradicional de atividades femininas (ensino, assistência
social, atividades paramédicas). Apesar disso, as diplomadas encontraram sua
principal oferta de trabalho nas profissões intermediárias d nível médio (quadros
administrativos de nível médio, técnicos, etc), mas continuam vendo-se praticamente
excluídas dos cargos de autoridade e de responsabilidade, sobretudo na economia,
nas finanças e na política (BORDIEU, 2005, p. 108).
Bordieu (2005, p. 112) afirma que, as próprias mudanças da condição feminina
continua obedecendo a uma lógica tradicional que estabelece modelos para o masculino e o
feminino. Os homens continuam no domínio dos espaços públicos e as áreas do poder
(sobretudo o econômico) enquanto, às mulheres, se destinam o espaço privado (doméstico)
“em que se perpetua a lógica da economia de bens simbólicos ou a essas espécies de
78
extensões deste espaço, que são serviços sociais (sobretudo hospitalares) e educativos, ou
ainda aos universos da produção simbólica (áreas literária e artística, jornalismo, etc.).
Se as estruturas antigas da divisão sexual parecem ainda determinar a direção e a
forma das mudanças, é porque, além de estarem objetivadas nos níveis, nas
carreiras, nos cargos mais ou menos fortemente sexuados, elas atuam através de três
princípios práticos que não só as mulheres, mas também seu próprio ambiente,
põem em ação em suas escolhas: de acordo com o primeiro destes princípios, as
funções que convém às mulheres se situam no prolongamento das funções
domésticas: ensino, cuidados, serviços; segundo que uma mulher não pode ter
autoridade sobre os homens e tem, portanto, todas as possibilidades de, sendo todas
as coisas em tudo iguais, ver-se preterida por um homem para uma posição de
autoridade ou de ser relegada a funções subordinadas, de auxiliar; o terceiro confere
ao homem o monopólio da manutenção dos objetos técnicos e das máquinas
(BORDIEU, 2005, pp. 108-109).
Diversos fatores evidenciam aspectos negativos da docência, principalmente nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, apesar de mudanças significativas, mas que precisam ser
sedimentadas na sociedade. Observa-se que ainda há a procura pelo Curso Normal Superior,
persistindo a percepção da escolha pelo curso como manifestação de dom, vocação e missão
que exige características e habilidades específicas para sua atuação, como uma extensão de
suas tarefas domésticas e maternas. A marcante presença das mulheres no magistério
confirma a preferência fundamentada na ideologia da vocação natural, do dom e da missão
com implicações para um projeto de qualificação e valorização profissional.
A profissão docente, interpelada por um discurso sócio-histórico que desenvolveu essa
ideologia da vocação, da missão e do dom se reveste de uma realização que vai além do
aspecto econômico, ou seja, trata-se de uma profissão que realiza o profissional pelo fato de
reconhecer que nasceu para isso. As mesmas autoras analisam a questão e afirmam:
Embora o encargo da mulher com a socialização infantil seja fruto da divisão sexual
do trabalho, diferenças biológicas são invocadas para justificar esse fato como
“natural”. Daí a considerá-lo uma vocação é apenas um pequeno passo.
Historicamente, o conceito de vocação foi aceito e expresso pelos próprios
educadores e educadoras que argumentavam que, como a escolha da carreira devia
ser a adequada à natureza feminina, atividades requerendo sentimento, dedicação,
minúcia e paciência deveriam ser preferidas. Ligado à idéia de que as pessoas têm
aptidões e tendências inatas para certas ocupações, o conceito de vocação foi um dos
mecanismos mais eficientes para induzir as mulheres e escolher as profissões menos
valorizadas socialmente. Influenciadas por essa ideologia, as mulheres desejam e
escolhem essas ocupações, acreditando que o fazem por vocação; não é uma escolha
79
em que se avaliam as possibilidades concretas de sucesso pessoal e profissional na
carreira (BRUSCHINI e AMADO, 1988, p.7).
Nesse sentido, torna-se necessária uma reflexão acerca do processo de feminização do
magistério no Brasil como uma construção social, propondo questões a serem
problematizadas na formação docente, principalmente nos cursos que habilitam para a
docência nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
80
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA
Este capítulo se propõe a traçar um esboço do percurso histórico da Análise do
Discurso de perspectiva Francesa (doravante ADF), a apresentar os principais elementos que
lhe garantiram o reconhecimento como disciplina e caracterizar as três “épocas” de Michel
Pêcheux (1969, 1975 e 1983), seu principal articulador. Os aportes teóricos da ADF pela
observação das regularidades discursivas que aparecem nos textos, permitirão a analisar-se os
motivos que levaram as alunas do Curso Normal Superior do Centro Unisal de Lorena a
optarem pelo Magistério e a representação que elas têm em relação ao SER professora, apesar
do desprestígio da profissão e dos desafios que enfrenta a educação em nosso país.
A Análise do Discurso de perspectiva francesa é uma prática e um campo da
Lingüística e da Comunicação especializado em analisar construções ideológicas presentes
num texto e abordar o papel da linguagem de forma diferente de uma visão estruturalista e
redutora, percebendo-a pela ótica discursiva.
Conforme Indursky e Ferreira (2005, p. 15) a linguagem pela ótica discursiva ganha
um traço fundacional na constituição do sujeito e do sentido, distinguindo-se da condição que
lhe é conferida pela psicanálise. Portanto,
O sujeito do discurso não é apenas o sujeito ideológico-marxista-althusseriano, nem
apenas o sujeito do inconsciente freudo-lacaniano; tampouco, é apropriado afirmar
que esse sujeito seja uma mera adição entre essas partes. O que vai fazer a diferença
desse sujeito é o papel de intervenção da linguagem na perspectiva de materialidade
lingüística e histórica que a AD lhe atribui. (INDURSKY e FERREIRA, 2005, p.
15).
A Análise do Discurso encontra-se na confluência entre o lingüístico e o social e
assume as marcas lingüísticas enquanto produto histórico-social com base nas condições de
produção. Dessa forma, pode-se afirmar que todo discurso é uma construção social que pode,
81
considerando-se seu contexto histórico-social, ser analisado e reflete uma determinada visão
de mundo, necessariamente vinculada a seus autores e à sociedade em que vivem. Para
Pêcheux (1983), o discurso é uma prática social (sem com ela confundir-se) que se produz
materialmente pela língua e precisa ser entendido em sua dupla materialidade lingüística e
histórica.
A ADF surgiu na França com Michel Pêcheux em sua tese “Analyse Automatique du
Discours”, em 1969, como reação a duas fortes tendências em destaque no campo da
linguagem: o estruturalismo e a gramática gerativa transformacional. Na época, Pêcheux
trabalhava em um Laboratório de Psicologia Social, e sua idéia era produzir um espaço de
discussão, opondo-se à Análise de Conteúdo difundida na área das ciências humanas, que
concebia o texto em sua transparência, buscando realizar uma análise do texto considerando a
sua opacidade.
Para a ADF, a interpretação considera o modo de funcionamento lingüístico – textual
dos discursos, as diferentes modalidades do exercício da língua num determinado contexto
histórico-social de produção (BRANDÃO, 1998, p.1).
Segundo Ferreira (2005, p. 16), a AD surgiu no campo da filosofia e das ciências
humanas e trouxe bem marcado o traço da ruptura, que tem relação com sua entrada no
quadro epistemológico das ciências sociais e com a forma de intervenção política que
representou sua criação. Dessa forma, para entender essa ruptura é necessário traçar o
percurso histórico da AD.
82
4.1. ANÁLISE DO DISCURSO: PERCURSO HISTÓRICO
A ADF surgiu no cenário da intelectualidade francesa na década de 60, como reação a
duas fortes tendências em destaque no campo da linguagem: o Estruturalismo e a Gramática
Gerativa Transformacional.
O Estruturalismo caracteriza-se, desde seu início, como fenômeno que contagia as
ciências sociais, como a antropologia, a filosofia e a psicanálise, para ficarmos com
cinco de seus expoentes máximos: Lévi Strauss, Roland Barthes, Michel Foucault,
Louis Althusser e Jacques Lacan. Foucault define esse novo paradigma em As
palavras e as coisas” afirmando que o estruturalismo não é um método novo: é a
consciência desperta e inquieta do saber moderno
. E para os rumos desse saber
moderno importava rechaçar o vago psicologismo então predominante e
fundamentar suas bases na legitimidade do pensamento científico. O Estruturalismo
como reflexão sobre a linguagem e como nova linguagem inscreve-se num projeto
múltiplo que procura distinguir com nitidez ciência e ideologia, chamando atenção
para os conceitos de ruptura e diferença – ruptura de uma linguagem em relação à
anterior e diferença que subitamente intervém na lógica do pensamento
estruturalista. No centro desse novo paradigma, situa-se o estruturalismo lingüístico
a servir de norte e inspiração. Afinal, a Lingüística em seu papel de ciência – piloto
das ciências humanas tem condições de fornecer aos aficcionados do novo
paradigma as ferramentas essenciais para a análise da língua, enquanto estrutura
formal, submetida ao rigor do método e aos ditames da ciência, tão valorizada na
época. Ao longo do percurso triunfal dos estruturalistas, que marcou de forma
indelével os anos 50 e 60, houve sempre uma constante: a deliberada exclusão do
sujeito.(...). Importava normalizar o sujeito, já que era visto como elemento
suscetível de perturbar a análise do objeto científico, que deveria corresponder a
uma língua objetivada, padronizada (FERREIRA, 2004, p.1).
Segundo Strogenski (2005, p.1), o Estruturalismo inspirado em Saussure nunca
considerou o falante como elemento importante na produção lingüística. Seu objeto de estudo
sempre foi a língua por ela mesma e sua intenção era simplesmente descrever os diversos
sistemas lingüísticos, independentemente das condições de produção ou dos falantes que deles
faziam uso. Se, por um lado, essa postura proporcionou à lingüística o status de ciência, por
outro, gerou uma série de equívocos não só no que se refere ao estudo das línguas, mas
também em relação aos métodos de ensino que passavam a ser do tipo “siga o modelo”.
A Gramática Gerativa Transformacional que entrou na França somente em 1967,
graças a Nicolas Ruwet, que encantou-se com os trabalhos revolucionários para a
época de Noam Chomsky, não chega a ser propriamente um rompimento com o
estruturalismo. O que o gerativismo Chomskiano a rigor faz é levar às últimas
conseqüências os postulados saussurianos, ocupando os espaços deixados pela
formulação pioneira de Saussurre. (...) Pelo formalismo do método e pela obstinada
83
rejeição do sentido o gerativismo se inscreve na tradição do estruturalismo, dando-
lhe continuidade e novo alento no final dos anos 60. (FERREIRA, 2004, p.2).
Quando Chomsky lançou a Gramática transformacional, revolucionou o meio
lingüístico, porque transferiu a atenção dos estudiosos do objeto pronto para o processo de
produção, o que significou um passo decisivo no estudo da linguagem, que passou a se
preocupar não somente com os resultados empíricos do processo, mas com os mecanismos
envolvidos na sua produção. A Lingüística passa a ser, de fato, a ciência que estuda a
linguagem (sentido amplo) e não mais o estudo da língua (produto). Entretanto, a Gramática
Gerativa, como concebeu Chomsky, sempre apresentou um grande inconveniente que é o
conceito de homogeneidade. Para que a homogeneidade funcione, é preciso conceber um
falante ideal, que viva em uma sociedade ideal e infelizmente (ou felizmente), o mundo não é
homogêneo e nós, seres humanos, menos ainda (STROGENSKI, 2005, p.1).
Com a ADF, cria-se uma nova maneira de entender a linguagem humana, por ela
deslocar o ponto de partida da análise do produto pronto ou do processo interno de produção
para as condições de produção, ou seja, o objeto de estudo deixa de ser centrado na fala, na
escrita ou no texto em si para recair nas condições, na situação, no momento de produção,
invertendo a linha de raciocínio a respeito do processo de produção. O sujeito falante, na
concepção de Pêcheux (1988), seria o resultado de um processo histórico social e influenciado
pela ideologia que lhe deixa marcas no discurso e, conseqüentemente, transforma-o. Se, por
um lado, é fácil conceber um sujeito num contexto sócio-histórico, de outro, a questão da
ideologia merece discussões, pois há discursos em que se percebe a ideologia presente, como
nos discursos políticos, mas, em outros, como nos não-políticos, é difícil perceber o caráter
ideológico.
A questão deixou de ser “o discurso existe independentemente do sujeito” como no
Estruturalismo ou no Gerativismo ou “determinado tipo de indivíduo produz
determinado tipo de discurso” como na sociolingüística, para ser “o porquê” de
determinado tipo de indivíduo produzir determinado tipo de discurso
(STROGENSKI, 2005, p. 1).
84
Como afirma Ferreira (2004), a ADF, em sua constituição epistemológica apresenta-se
como uma disciplina heteróclita que desempenha uma função de absoluta singularidade no
campo das ciências humanas. Isso ocorre porque ela se inscreve na confluência de três regiões
do conhecimento científico.
Segundo Pêcheux & Fuchs (1975, pp. 163-164),
o quadro epistemológico da AD constitui-se da articulação de três regiões do
conhecimento científico: a) o materialismo histórico, como teoria das formações
sociais e suas transformações, compreendendo a teoria das ideologias, b) a
lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao
mesmo tempo; c) a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos
processos semânticos. Importante ressaltar que todas as três regiões são atravessadas
e articuladas por uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica).
A análise do discurso vai em busca do sujeito antes menosprezado e encontra-o
inserido num contexto sócio-histórico que o assujeita por meio de uma ideologia que
determina sua constituição enquanto sujeito (Althusser, 1985). Conforme Indursky e Ferreira
(2005, p. 14), ainda busca o sujeito descentrado e afetado pela ferida narcísica, distante do
sujeito consciente, que se pensa livre e dono de si; e ainda como um sujeto do discurso que se
coloca estratégica e perigosamente entre o sujeito da ideologia (pela noção de
assujeitamento) e o sujeito da psicanálise (pela noção de inconsciente) ambos constituídos e
revestidos materialmente pela linguagem.
Segundo Cotrim (2005, p.107), a influência desse tripé epistemológico traz
conseqüências tanto na teoria quanto na metodologia proposta de Pêcheux.
Teoricamente, para Pêcheux, o discurso só tem sentido se considerado sob a ótica
lingüístico-histórica, cuja forma sujeito, dado o seu assujeitamento, tem a ilusão de
ser sua fonte – porque reproduz o já-dito, o já-lá, o pré-construído-, daí seu caráter
ideológico. Metodologicamente, ele trabalha na busca da construção de um
dispositivo de análise, donde se podem absorver vestígios da história e memória
discursiva.
Para a ADF, segundo Orlandi (2005, pp 19-20), a língua tem sua ordem própria, mas
só é relativamente autônoma (distinguindo-se da Lingüística); ela reintroduz a noção de
sujeito e de situação na análise da linguagem. A história tem seu real afetado pelo simbólico
85
(os fatos reclamam sentidos), e o sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real
da língua e também pelo real da história, não tendo controle sobre o modo como elas o
afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela
ideologia.
As palavras do dia-a-dia nos chegam carregadas de sentidos que não sabemos como se
constituíram, mas que já têm sentido em nós e para nós. Assim, conforme Orlandi (2005), a
AD sendo herdeira de três regiões do conhecimento, interroga a Lingüística pela historicidade
que ela desconsidera, questiona o materialismo histórico, perguntando pelo simbólico e
demarca-se da Psicanálise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia
como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele.
Segundo Martins (2004, p.4), em uma tentativa de problematizar os deslocamentos
teóricos da AD, Pêcheux em Análise do Discurso: três épocas (1983), analisa as três fases por
que passou essa disciplina no percurso de sua constituição. Na passagem de uma fase para
outra, houve mudanças significativas, não apenas de caráter metodológico, mas também
teórico.
No percurso de sua constituição a AD, ocorreu nas três fases o abandono de uma
análise estruturalista de conteúdo que procurava explorar o que o texto queria dizer para
passar a considerar a linguagem na sua opacidade deslocando o questionamento para o
significado do texto.
Segundo Orlandi (2005, p. 18),
há aí um deslocamento, já pronunciado pelos formalistas russos, onde a questão a
ser respondida não é o “o quê” mas o “como”. Para responder, ela não trabalha com
os textos apenas como ilustração ou como documento de algo que já sabido em
outro lugar e que o texto exemplifica. Ela produz um conhecimento a partir do
próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica própria e
significativa, como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua
discursividade
.
86
Enquanto a análise de contexto procura extrair sentidos do texto para verificar o que
esse quer dizer, a AD considera que a linguagem não é transparente, questionando, dessa
forma o “como este texto significa”
17
.
A articulação dessas três áreas do conhecimento empreendida por Pêcheux a partir da
releitura da Saussure, Marx e Freud determinou a evolução teórica da ADF, possibilitando
reconstruções que desembocaram no que o autor chamou de “três épocas da análise do
discurso”.
Segundo Gregolin (2004, p. 61), o que é chamado de “primeira época por
Pêcheux
18
” - e que Maldidier (1990) considera como aventura teórica
19
- inicia-se com o
livro Analyse Automatique du Discours
20
(1969); trata-se de uma proposta teórico-
metodológica impregnada pela releitura de Saussure pelo deslocamento do objeto, pensando a
langue (sistematicidade e caráter social) como base dos processos discursivos, nos quais estão
envolvidos sujeito e História. Na concepção do objeto discurso,
21
cruzam-se Saussure (relido
por Pêcheux), Marx (relido por Althusser) e Freud (relido por Lacan). As teses althusserianas
sobre os aparelhos ideológicos e o assujeitamento propõem um sujeito atravessado pela
ideologia e pelo inconsciente (um sujeito que não é fonte nem origem do dizer; que reproduz
o já- dito, o já-lá, o pré-construído).
Este primeiro momento caracteriza-se pela exploração metodológica da noção de
maquinaria discursiva estrutural, concebendo o processo de produção discursiva, segundo
Pêcheux (1997, p. 311) “como uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma, de
tal modo que um sujeito – estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos”.
O sujeito acredita-se produtor de seu discurso, mas é apenas assujeitado, suporte para a
produção desse discurso.
17
Grifo da autora
18
Grifo da autora
19
Grifo da autora
20
Grifo da autora
21
Grifo da autora
87
No segundo momento, com a incorporação dos conceitos de formação discursiva e
interdiscurso, há um deslocamento teórico em relação ao primeiro momento, passando a ser
foco de estudo as relações entre as máquinas discursivas estruturais (MARTINS, 2004).
Na sua autocrítica, Pêcheux (1983) considera que o princípio metodológico adotado na
análise automática teve como efeito o “primado do Mesmo sobre o Outro”, conduzindo-o à
“segunda época” quando inicia o movimento em direção à heterogeneidade, ao Outro, à
problematização metodológica.
Segundo Gregolin (2004, p. 62), a re-interpretação do conceito de Formação
Discursiva (FD) de Foucault (1969/2005)
22
– que se estabelece a partir de determinadas
regularidades do tipo ordem, correlação, funcionamento e transformação – faz as propostas
peuchetianas ingressarem naquilo que Maldidier chama de “a época dos tateamentos
23
”, um
período de polêmicas, reajustes, que são visíveis no artigo escrito por Pêcheux e Fuchs
(1975).
Conforme Gregolin (2004, p. 90), descrever um conjunto de enunciados no que ele
tem de singular, paradoxalmente, é descrever a dispersão desses sentidos, detectando uma
regularidade, uma ordem em seu aparecimento sucessivo, correlações, posições,
funcionamentos, transformações...
Dessa forma, pensando os enunciados como formas de repetição e sistemas de
dispersão, Foucault deriva o conceito de formação discursiva:
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma ordem,
correlações,posições, funcionamentos,transformações), entre os objetos, os tipos de
enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos uma formação discursiva
(FOUCAULT 1969/ 2005, p. 43).
No artigo escrito por Pêcheux e Fuchs (1975), é apresentado um quadro
epistemológico geral da análise do discurso, explicitando a vinculação com Saussure, Marx e
22
A primeira data refere-se a publicação original; a segunda refere-se a edição utilizada neste trabalho
23
Grifo da autora
88
Freud e Pêcheux, a qual refina a análise das relações entre língua, discurso, ideologia e
sujeito, formulando sua teoria dos “dois esquecimentos”.
Segundo Pêcheux e Fuchs (1997, pp.168-169), o sujeito caracteriza-se por dois
esquecimentos. No esquecimento um, o sujeito tem a ilusão de que é o criador absoluto de seu
discurso, a origem do sentido, apagando tudo que remeta ao exterior de sua formação
discursiva. O esquecimento número um constitui zona inacessível ao sujeito, e por essa razão,
aparece como constitutivo da subjetividade da língua.
No esquecimento dois, o sujeito tem a ilusão de que tudo o que ele diz tem apenas um
significado que será captado por seu interlocutor. Há o esquecimento de que o discurso
caracteriza-se pela retomada do já dito, tendo o sujeito a ilusão de que sabe e controla tudo o
que diz.
Conforme Brandão (2004, p. 46-52), o discurso é uma das instâncias em que a
materialidade ideológica se concretiza e, para se articular ideologia e discurso, é necessário
ater-se aos conceitos de formação discursiva (FD) e formação ideológica (FI).
As formações ideológicas (FI) comportam como um de seus componentes uma ou
várias formações discursivas (FD) interligadas que determinam o que pode e deve ser dito, a
partir de certa relação de lugares no interior de um aparelho ideológico e inscrita numa
relação de classes.
Nos referimos a formação ideológica para caracterizar um elemento (este aspecto da
lutas nos aparelhos) suscetível de intervir como uma força em confronto com outras
forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em dado
momento; desse modo cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de
atitudes e de representações que não são nem individuais, nem universais, mas se
relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflitos umas com
as outras (PÊCHEUX e FUCHS, 1997, p. 166-167).
Conforme Pêcheux e Fuchs (1997, p. 167-169), toda formação discursiva deriva de
condições de produção específicas e identificáveis. Uma formação discursiva existe
historicamente no interior de determinadas relações de classe e pode fornecer elementos que
89
se integram em novas formações discursivas, constituindo-se no interior de novas relações
ideológicas que colocam em jogo novas formações ideológicas.
A interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua pela identificação
(do sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na qual ele é
constituído como sujeito): essa identificação, fundadora da unidade (imaginária) do
sujeito, apóia-se no fato de que os elementos do interdiscurso que constituem, no
discurso do sujeito, os traços daquilo que o determina, são re-inscritos no discurso
do próprio sujeito (PÊCHEUX, 1988, p. 163).
Segundo Orlandi (2005, p. 30-31), as condições de produção compreendem
fundamentalmente os sujeitos e a situação. A memória também faz parte da produção do
discurso.
Podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e amplo. Se as
considerarmos em sentido estrito, temos as circunstâncias da enunciação, ou seja, o contexto
imediato. Se a considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto
sócio-histórico e ideológico.
As condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e
historicidade), o que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo
imaginário que produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de
uma conjuntura sócio-histórica (Orlandi, 2005, p. 40).
Temos assim a imagem da posição sujeito locutor (quem sou eu para falar assim?),
mas também da posição sujeito interlocutor (quem é ele para me falar assim, ou para
que eu lhe fale assim?), e também a do objeto do discurso (do que estou lhe falando,
do que ele me fala?). É pois todo um jogo imaginário que preside a troca de
palavras (ORLANDI, 2005, p. 40)
A memória, quando pensada em relação ao discurso, é tratada como interdiscurso
definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente.
Em outras palavras, é o que chamamos memória discursiva: o saber discursivo que
torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na
base do dizível, sustentando cada tomada da palavra (ORLANDI, 2005, p. 31).
90
Segundo Orlandi (2005, p. 30), as condições de produção compreendem
fundamentalmente os sujeitos, a situação e a memória que também faz parte da produção do
discurso na maneira como aciona essa produção. Dessa forma, podemos considerar as
condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação – contexto
imediato. Se considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto
sócio-histórico-ideológico.
A memória tem suas características quando pensada em relação ao discurso e nessa
perspectiva é tratada como interdiscurso, definido como aquele que fala antes, em outro lugar,
independentemente. È o que chamamos de memória discursiva.
O saber discursivo que torna possível todo dizer e que retoma sob a forma do pré –
construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da
palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito
significa em uma situação discursiva dada (...). Todos esses sentidos já-ditos por
alguém, em algum lugar, em outros momentos, mesmo muito distantes, têm um
efeito (ORLANDI, 2005, p. 31).
Dessa forma, podemos afirmar que o dizer não é propriedade particular. As palavras
que dizemos não são nossas, mas adquirem significado por meio de uma construção sócio-
histórica. Assim, quando proferimos algo pensamos que sabemos e temos domínio sobre o
que dizemos, porém não temos acesso e controle sobre o modo pelo qual os sentidos se
constituem (Orlandi, 2005)
O interdiscurso é todo conjunto de formulações feitas e já esquecidas que
determinam o que dizemos. Para que [minhas] “as” palavras tenham sentido é
preciso que elas façam sentido. E isto é efeito do interdiscurso: é preciso que o que
foi dito por um sujeito específico, em um momento particular se apague na memória
para que, passando para o anonimato
24
, possa fazer sentido em [minhas] palavras
25
(ORLANDI, 2005, p. 34)
Somos afetados pela ideologia e determinados por nossa relação com a língua e a
história por meio de nossas experiências e a Análise do Discurso se propõe construir escutas
que possibilitam levar em conta esse efeito, considerando o que é dito em um discurso e em
24
Grifo da autora
25
Grifo da autora
91
outros, bem como a forma como são ditos, procurando o não-dito naquilo que pe dito, pois só
uma parte do dizível é acessível ao sujeito..
Conforme Orlandi (2005, p. 43) pode-se afirmar que o sentido não existe em si., mas é
determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em
que se produzem as palavras, ou seja, elas mudam segundo as posições de quem as
empregam.
Há uma relação entre o já-dito e o que esse está dizendo que é a que existe entre o
interdiscurso e o intradiscurso ou, em outras palavras, entre a constituição do sentido e sua
formulação. O interdiscurso se refere a dizeres já-ditos e esquecidos que representa o dizível e
o intradiscurso se refere às formulações, ou seja, o que dizemos em determinado momento e
determinadas condições.
A constituição determina a formulação, pois só podemos dizer (formular) se nos
colocamos na perspectiva do dizível (interdiscurso, memória). Todo dizer na
realidade se encontra na confluência dos dois eixos: o da memória (Constituição) e o
da atualidade (formulação). É desse jogo que se tiram os sentidos (ORLANDI, 2005,
p. 31)
Para Pêcheux (1975 apud Orlandi, 2005, p. 34-35), como mencionado, tem-se duas
formas de esquecimento no discurso. Um é também chamado de esquecimento ideológico que
é da instância do inconsciente e se refere ao modo pelo qual somos afetados pela ideologia –
trata-se do esquecimento número 1. O outro é da ordem da enunciação, ou seja, ao falarmos, o
falamos de uma maneira e não de outra, e ao longo desse dizer, formam-se as famílias
parafrásticas que indicam que esse dizer poderia ser outro – trata-se do esquecimento número
2. Ele produz em nós o efeito de que o que dizemos só pode ser dito de uma maneira e não de
outra. “Estabelece uma relação ‘natural’ entre a palavra e a coisa” (Orlandi, 2005, p. 35).
Segundo Pêcheux (1988 apud Indursky e Ferreira, 2005, p 140) a “função principal da
ideologia é a de produzir uma idéia de evidência ‘subjetiva’, entendendo-se subjetiva como
evidências nas quais se constitui o sujeito”. O sujeito tem a ilusão não só de estar na fonte do
92
sentido (ilusão – esquecimento número 1), como também de ser dono da enunciação, capaz
de dominar as estratégias discursivas para dizer o que quer (ilusão – esquecimento número 2).
Ilusão porque, na verdade, os sentidos que produzimos não nascem em nós, nós apenas os
retomamos do interdiscurso.
Nesse sentido, é importante destacar o conceito de formação discursiva, ainda que
polêmica, segundo a autora,, porque permite compreender o processo de produção dos
sentidos, sua relação com a ideologia e ainda possibilita ao analista estabelecer regularidades
no funcionamento do discurso
A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada –
ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada –
determina o que pode e deve ser dito. Daí a compreensão de dois pontos (...): A. O
discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em
uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro. Por aí
podemos perceber que as palavras não têm sentido nelas mesmas, elas derivam seus
sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. As formações discursivas,
por sua vez,, representam no discurso as formações ideológicas. Desse modo, os
sentidos sempre são determinados ideologicamente (...). B. É pela referência à
formulação discursiva que podemos compreender no funcionamento discursivo, os
diferentes sentidos. Palavras iguais podem significar diferentemente porque se
inscrevem em formações discursivas diferentes (...) (ORLANDI, 2005, p. 44-45).
Conforme Orlandi (1993, p. 20) a ideologia se produz no encontro da materialidade da
língua com a materialidade histórica constituindo esse ponto de articulação, as formações
discursivas.
O dizível (interdiscurso) se parte em diferentes regiões (as diferentes formações
discursivas) desigualmente acessíveis aos diferentes locutores. Quando se concebe a
língua – como os lingüistas – enquanto sistema de formas abstratas (e não material)
têm-se a transparência e o efeito de literalidade. Porém, se a concebemos – na
perspectiva discursiva – como materialidade, essa materialidade é o lugar da
manifestação das relações de força e de sentidos que refletem os confrontos
ideológicos. Essa perspectiva desenvolve a opacidade do texto ao olhar do leitor
(ORLANDI, 1993, p. 20-21).
Dessa forma, compreender o que é efeito de sentidos é compreender a necessidade da
ideologia como constitutiva dos sujeitos e dos sentidos de seu dizer. “Falar em ‘efeitos de
sentido’
26
é aceitar que se está sempre no jogo, na relação das diferentes formações
26
Grifo da autora
93
discursivas, na relação entre diferentes sentidos” e aí se situa o trabalho do silêncio”
(Orlandi,1993, p.21-22).
Para Orlandi (1993, p. 24), é possível distinguir entre o silêncio fundador (o que está
nas palavras e significa o não-dito não dando espaço de recuo significante, produzindo as
condições para significar) e a política do silêncio que se subdivide em silêncio constitutivo
que nos indica que “para dizer é preciso não-dizer”, ou seja, uma palavra apaga outras
palavras, e em silêncio local que se refere à censura.
“Isso tudo nos faz compreender que estar no sentido com palavras e estar no sentido
em silêncio são modos absolutamente diferentes entre si. E isto faz parte da nossa forma de
significar, de nos relacionarmos com o mundo, com as coisas e com as pessoas”
(Orlandi,1993, p. 24).
Assim, podemos afirmar que silêncio não significa ausência de palavra, pois elas são
cheias de silêncio e a relação dito/não-dito pode ser contextualizada no social e na história,
particularmente em relação ao poder-dizer. “A política do silêncio se define pelo fato de que
ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma
situação discursiva dada”. Determinado pelo caráter fundador do silêncio, o silêncio
constitutivo, de interesse nessa pesquisa, pertence a ordem de produção do sentido e preside
qualquer produção de linguagem (ORLANDI, 1993, p.69-75).
Se há um apagamento necessário para a constituição do sujeito e isto constitui sua
incompletude – há também um desejo, ou antes uma injunção à completude
(vocação totalizante do sujeito) que em sua relação com o apagamento, desempenha
um papel fundamental no processo de constituição do sujeito (e do sentido). A
incompletude do sujeito pode ser compreendida como trabalho do silêncio. O sujeito
tende a ser completo e, em sua demanda de completude, é o silêncio significativo
que trabalha sua relação com as diferentes formações discursivas, tornando mais
visível a sua contradição constitutiva. Sua relação com o silêncio é a sua relação
com a divisão e com o múltiplo (ORLANDI, 1993, p.80).
Segundo Brandão (2004, p. 50), embora uma formação discursiva determine a seus
falantes o que deve e pode ser dito, buscando uma homogeneidade discursiva, os efeitos das
contradições ideológicas de classe são recuperáveis no interior mesmo da “unidade” dos
94
conjuntos de discurso. Cabe à AD trabalhar seu objeto – discurso – inscrevendo-o na relação
da língua com a história, buscando na materialidade lingüística as marcas das contradições
ideológicas.
Analisar o discurso para Foucault (1969/2005a, p. 187, apud Brandão, 2004, p. 50) “é
fazer desaparecer e reaparecer as contradições: é mostrar o jogo que jogam entre si; é
manifestar como pode exprimi-las e dar-lhes corpo, ou emprestar-lhe uma fugidia aparência”.
È nesse sentido que Foucault vê uma formação discursiva como um “espaço de dissenções
múltiplas” em que atuam oposições – a contradição entre a unidade e a diversidade, entre a
coerência e a heterogeneidade – cujos níveis e papéis devem ser descritos não com o objetivo
de nivelá-las ou pacificá-las em forma gerais de pensamento, mas demarcar “o ponto em que
elas se constituem de definir a forma que assumem as relações entre si e os domínios que elas
comandam (FOUCAULT,1969/2005a, p. 192).
Conforme Brandão (2004, p. 51), ao aproximar as duas abordagens de formação
discursiva feitas por Pêcheux e Foucault, Courtine vê o conceito de formação discursiva ligar
contraditoriamente dois modos de existência do discurso como objeto de análise:
o nível do enunciado: diz respeito ao sistema de formação dos enunciados que
englobaria “um feixe complexo de relações” funcionando como regra. Enquanto
regra, esse sistema determinaria “o que pode e deve ser dito” por um sujeito
falante situado num dado lugar, numa dada conjuntura, no interior de uma FD,
sob a dependência do interdiscurso desta última. Esse nível é o lugar da
constituição da “matriz do sentido” de uma FD determinada no plano dos
processos históricos de formação, reprodução e transformação dos enunciados.
Esse nível se situa no plano das “regularidades pré-determinais”, aquém da
coerência visível e horizontal dos elementos formados.
O nível da formulação refere-se ao “estado terminal do discurso” onde os
enunciados manifestam certa “coerência visível horizontal”. Trata-se do
intradiscurso em que a seqüência discursiva existe como discurso concreto no
interior do “feixe complexo de relações” de um sistema de formação (Courtine
1981, apud Brandão, 2004, p. 51-52)
Dessa forma, toda seqüência discursiva deve ser analisada em um processo discursivo
de reprodução/transformação dos enunciados no interior de uma formação discursiva dada o
que explica o fato de o estudo do intradiscurso de toda seqüência manifesta estar associado ao
interdiscurso da formação discursiva.
95
Há dois conceitos básicos na Análise do Discurso: o de ideologia e o de discurso. Os
dois conceitos que vão influenciar a Análise do Discurso de linha francesa são, de um lado, a
ideologia com os conceitos de Althusser e, de outro, do discurso, as idéias de Foucault. Sob a
influência desses teóricos, Pêcheux elabora seus conceitos.
Segundo Chauí (1980, p. 23), o termo “ideologia”, criado pelo filósofo Destutt de
Tracy em 1810, na obra Elements de ideologie, nasceu como sinônimo da atividade científica
que procurava analisar a faculdade de pensar, tratando as idéias “como fenômenos naturais
que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente.
O termo ideologia passou a ter um significado pejorativo, contrariando o do original, quando
Napoleão qualificou os ideólogos franceses de “abstratos, nebulosos, idealistas e perigosos
(para o poder) por causa do seu desconhecimento dos problemas concretos” (Reboul, 1980, p.
17, apud BRANDÃO, 2004, p.19). A ideologia passou a ser vista, a partir de então, como
uma doutrina irrealista e sectária, sem fundamento objetivo, portanto perigosa para a ordem
estabelecida.
Chauí (1980 apud BRANDÃO, 2004, p.21) chega à caracterização da ideologia,
segundo a concepção marxista. Para a autora, a ideologia
é instrumento e dominação de classe porque a classe dominante faz com que suas
idéias passem a ser idéias de todos. Para isso eliminam-se as contradições entre a
força de produção, relações sociais e consciência, resultantes da divisão social do
trabalho material e intelectual. Necessária à dominação de classe, a ideologia é
ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade
.
Em Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado (1985), Althusser afirma que, para
manter sua dominação, a classe dominante gera mecanismos de perpetuação ou de reprodução
das condições materiais, ideológicas e políticas de exploração. Para ele, o Estado, por meio de
seus Aparelhos Repressores – ARE – (governo, administração, exército, polícia, tribunais,
prisões,) e de seus Aparelhos Ideológicos – AIE – (religião, escola, família, o direito, a
política, o sindicato, a cultura, a informação), intervém ou pela repressão ou pela ideologia,
96
tentando forçar a classe dominada a submeter-se às condições de exploração. A diferença
entre os ARE e os AIE estaria em sua forma de funcionamento: os ARE funcionam de uma
maneira massivamente prevalente pela repressão, inclusive física, embora funcione
secundariamente pela ideologia; os AIE funcionam de um modo massivamente prevalente
pela ideologia, embora secundariamente pela repressão, mesmo que, no limite, mas apenas no
limite, seja bastante atenuada, dissimulada ou até simbolizada.
Para explicar a ideologia, Althusser formula três hipóteses.
A primeira é a de que a ideologia representa a relação imaginária de indivíduos com
suas reais condições de existência. Isso significa que a ideologia é, para ele, a maneira pela
qual os homens vivem sua relação com as condições reais de existência, e essa relação é,u
necessariamente imaginária, pois é constituída de formas simbólicas de representação da sua
relação com a realidade concreta. Assim, o imaginário é o modo como o homem atua,
relaciona-se com as condições reais de vida.
A segunda hipótese é a de que a ideologia tem uma existência porque existe sempre
num aparelho e na sua prática ou suas práticas. Para Althusser, a existência da ideologia é
material porque as relações vivenciadas, nela representadas, envolvem a participação
individual em determinadas práticas e rituais no interior de aparelhos ideológicos concretos. A
ideologia se materializa nos atos concretos, assumindo com essa objetivação um caráter
moldador das ações, o que o leva a concluir que a prática só existe numa ideologia e por meio
dela.
A terceira hipótese é a de que a ideologia interpela indivíduos como sujeitos. Para ele,
toda ideologia tem a função de constituir indivíduos concretos em sujeitos. Nesse processo de
constituição, a interpelação e o (re)conhecimento, enquanto mecanismos, permitem o
funcionamento da ideologia nos rituais materiais da vida cotidiana transformando os
indivíduos em sujeitos. O reconhecimento ocorre no momento em que o sujeito se insere – a
97
si mesmo e às suas ações – em práticas reguladas pelos aparelhos ideogicos. Será somente
por meio do sujeito e no sujeito que a existência da ideologia será possível.
Na “terceira época” (período entre 1980 a 1983) – que Maldidier (1990) denomina
como aquela da “desconstrução dirigida” –, numa crise irreversível das esquerdas francesas,
Pêcheux afasta-se de posições dogmáticas sustentadas por seu vínculo com o Partido
Comunista. Esse é o momento do encontro com uma “nova história” de aproximação com as
teses de Foucault, Pêcheux critica duramente a política e as posições derivadas da luta na
teoria, abrindo várias problemáticas sobre o discurso, a interpretação, a estrutura e o
acontecimento (GREGOLIN, 2004, p. 64).
É o momento marcado pela falência da possibilidade de construção de um analisador
sintático, de uma maquinaria discursiva. Vive-se a crença da Lingüística da dispersão e da
heterogeneidade enunciativa ao se observar que as condições de produção não são estáveis,
mas submetidas às contingências sócio-históricas. O sujeito deixa de ser visto como uma voz
unitária para ser heterogêneo e disperso.
Segundo Foucault (1979/2004a, p.7), a noção de ideologia parece ser dificilmente
utilizável e o autor aponta três razões para isso:
A primeira é que, queira-se ou não ela está sempre em oposição virtual a alguma
coisa que seria a verdade. Ora, creio que o problema não é de se fazer a partilha
entre o que num discurso releva da cientificidade e da verdade e o que relevaria de
outra coisa; mas de ver historicamente como se produzem efeitos de verdade no
interior de discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos. Segundo
inconveniente: refere-se necessariamente a alguma coisa como o sujeito. Enfim, a
ideologia está em posição secundária com relação a alguma coisa que deve
funcionar para ela como infra-estrutura ou determinação econômica, material, etc.
Conforme Guerra (2006, p.10), nos estudos foucaultianos a construção do ideológico
pode ser sintetizada dessa maneira: “a verdade está circularmente ligada a sistemas de poder,
que produzem e a apóiam e a efeitos de poder que ela induz e a reproduzem”. Dessa forma, se
existe uma relação entre verdade e poder, todos os discursos podem ser vistos funcionando
98
como regimes de verdade, ou seja, cada sociedade tem os tipos de discursos que aceita e faz
funcionar como verdadeiros.
Segundo a autora, Foucault entende que a verdade, organizada e convencionada por
instituições, é estreitamente ligada à formação de sujeitos e sua linguagem. O saber é
constituído de um conjunto de práticas discursivas que pressupõe relações que se referem à
instituições, acontecimentos políticos, práticas e processos econômicos como determinantes
das práticas discursivas. O poder não é, dessa forma, um objeto natural, mas uma prática
social constituída historicamente que intervém materialmente atingindo e constituindo os
indivíduos ideologicamente e penetra em suas práticas cotidianas.
Conforme Gregolin (1988, apud Guerra 2006, p.11), nessa perspectiva,
o poder mostra a alternância entre uma positividade e uma negatividade que lhe é
atribuída, mantendo a idéia de propriedade e exercício de um único soberano, ou de
uma minoria, sobre uma maioria. As relações de poder inserem-se em todos os
lugares, em todos os micropoderes existentes na sociedade.
No entanto, é preciso ter em mente que, conforme Foucault (1979/2004a, p. 241) a
partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência.
Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação em
condições determinadas e segundo uma estratégia precisa.
Foucault (1969/2005a) concebe os discursos como uma dispersão, isto é, como sendo
formados por elementos que não estão ligados por nenhum, princípio de unidade, cabendo à
análise do discurso descrever essa dispersão, estabelecendo regras capazes de reger a
formação dos discursos. Foucault chamou essas regras de “regras de formação”, e elas
possibilitariam determinar elementos que compõem o discurso: os objetivos, os diferentes
tipos de enunciação, os conceitos e os temas e teorias. Essas regras que determinam uma
formação discursiva se apresentam como um sistema de relações entre objetos, tipos
enunciativos, conceitos e estratégias, caracterizando-a em sua singularidade e possibilitam a
99
passagem da dispersão para a regularidade que é atingida pela análise dos enunciados que a
constituem.
Definindo o discurso como um conjunto de enunciados que se remetem a uma mesma
formação discursiva, para Foucault (1969/2005a, p.121-133), a análise de uma formação
discursiva consistirá na descrição dos enunciados que a compõem. Concebe o discurso como
uma família de enunciados pertencentes a uma mesma formação discursiva.
Conforme Brandão (2004, pp. 33-36), Foucault enumera quatro características que
constituem o enunciado.
A primeira se refere ao cuidado de fixar o vocabulário, ou seja, à relação do enunciado
com o seu correlato que ele chama de “referencial” – aquilo que o enunciado enuncia
(condição de possibilidade do aparecimento, diferenciação e desaparecimento dos objetos e
relações que são designados pela frase).
A segunda se refere à relação do enunciado com o sujeito. Para Foucault, descrever
uma formulação enquanto enunciado não consiste em analisar as relações entre o autor e o
que ele diz (ou quis dizer, ou disse sem querer), mas em determinar qual é a posição que pode
e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito. “Descrever um enunciado não significa
isolar e caracterizar um segmento horizontal, mas definir as condições nas quais se realizou a
função que deu a uma série de signos” (FOUCAULT, 1969/2005a, p. 123). O discurso não é
atravessado pela unidade do sujeito e sim pela sua dispersão; dispersão essa decorrente das
várias posições possíveis de serem assumidas por ele no discurso: “as diversas modalidades
de enunciação em lugar de remeter à síntese ou à função unificante de um sujeito, manifestam
sua dispersão” (1971/2005b, p.69). A concepção de discurso como um campo de
regularidades, em que diversas posições de subjetividade podem manifestar-se, redimensiona
o papel do sujeito no processo de organização da linguagem, eliminando-o como fonte
geradora de significações.
100
O sujeito do enunciado não é causa, origem ou ponto de partida do fenômeno de
articulação escrita ou oral de um enunciado e nem a fonte ordenadora, móvel e
constante, das operações de significação que os enunciados viriam manifestar na
superfície do discurso (FOUCAULT, 1971/2005b apud BRANDÃO, 2004, p.35).
A
terceira característica diz respeito à existência de um domínio associado ao
enunciado integrando-o a um conjunto de enunciados, já que, ao contrário de uma frase ou
proposição, não existe um enunciado isoladamente.
A quarta característica que compõe o enunciado para Foucault é aquela que o faz
emergir como objeto: refere-se à sua condição material. Para caracterizar essa materialidade
ele faz uma distinção entre enunciado e enunciação. A enunciação se dá toda vez que alguém
emite um conjunto de signos. Enquanto que a enunciação se marca pela singularidade, pois
jamais se repete, o enunciado pode ser repetido. Como a repetição de um enunciado depende
de sua materialidade, que é de ordem institucional, isto é, depende de sua localização em um
campo institucional, uma frase dita no cotidiano, inserida num romance ou inscrita num outro
tipo qualquer de texto, jamais será o mesmo enunciado, pois cada um desses espaços, possui
uma função enunciativa diferente.
Conforme Gregolin (2004, p. 101-103), o objetivo da análise foucaultiana é
desconstruir a idéia do sujeito como origem e fundamento dos sentidos a fim de chegar à
figura do sujeito histórico. Pensando esse sujeito como figura discursiva , Foucault em “O que
é um autor” (1992) trata do efeito da autoria. Entendendo esse efeito como uma instalação no
discurso da evidência de um sujeito que se submete a múltiplas determinações histórico-
sociais, o autor nos conduz a olhar a história das condições de produção, de disseminação e
apropriação dos textos por meio da análise dos movimentos históricos da atribuição de um
nome próprio a um texto. Assim, a criação da função-autor foi um processo que se
desenvolveu desde a Idade Média como um dispositivo de controle da circulação dos textos
ou para garantir-lhes autoridade por meio de uma assinatura que os legitimam.
101
O conceito de autoria pode, dessa forma, ser analisado numa perspectiva sócio-
histórica acompanhando a constituição do autor como personagem criado entre os séculos
XVII e XVIII, momento marcado pela forte individualização das idéias, dos conhecimentos e
das ciências. Da mesma forma, analisar a autoria na relação texto-sujeito que o produziu
significa conceber esse sujeito da escrita como uma construção do próprio discurso. Trata-se,
portanto, do sujeito do discurso, inscrito na materialidade do texto, na maneira como ele
aponta para seu autor e não do sujeito empírico, nem do sujeito enquanto indivíduo.
Foucault (1969/2006c, p. 56-57) propõe quatro particularidades que definem a função
autor:
a função autor não está ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra,
determina, articula o universo dos discursos; não se exerce uniformemente e da
mesma maneira sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas as formas
de civilização; não se define pela atribuição espontânea de um discurso ao seu
produtor, mas através de uma série de operações específicas e complexas; não
reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo dar lugar a vários
“eus” em simultâneo, a várias posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos
podem ocupar.
Foucault (1971/2005b, p. 51-52) afirma que, para analisar o discurso “em suas
condições, seu jogo e seus efeitos, é preciso optar por três decisões às quais nosso pensamento
resiste um pouco e que correspondem aos três grupos de funções evocadas: questionar nossa
vontade de verdade; restituir ao discurso seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a
soberania do significante” (p.51). Para isso, são necessários certos princípios.
Primeiramente, um princípio de inversão: lá onde, segundo a tradição, cremos
reconhecer a fonte dos discursos, o princípio de sua expansão e de sua continuidade,
nessas figuras que parecem desempenhar um papel positivo como a do autor, a
disciplina, da vontade de verdade, é preciso reconhecer, ao contrário, o jogo
negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso (...)
Um princípio de descontinuidade: o fato de haver sistemas de rarefação não quer
dizer que por baixo deles e para além deles reine um grande discurso ilimitado,
contínuo e silencioso que fosse por eles reprimido e recalcado e que nós tivemos por
missão descobrir restituindo-lhe, enfim, a palavra. (...). Os discursos devem ser
tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se
ignoram e se excluem.
Um princípio de especificidade: não transformar o discurso em um jogo de
significações prévias (...). Deve-se conceber o discurso como uma violência que
fazemos às coisas, como uma prática que lhes impomos em todo caso; e é nesta
prática que os acontecimentos do discurso encontram o princípio de sua
regularidade.
102
Quarta regra, a da exterioridade: não passar do discurso para seu núcleo interior e
escondido, para o âmago de um pensamento ou de uma significação que se
manifestariam nele, mas a partir do próprio discurso, de sua aparição e de sua
regularidade, passar às condições externas de possibilidade, àquilo que dá lugar à
série aleatória desses acontecimentos e fixa suas fronteiras.
Conforme Gregolin (2004, p.106-107), a esses princípios está subentendido as idéias
que Foucault expôs em Arqueologia do saber (1969/2005a), de onde retoma quatro princípios
reguladores para a análise do discurso, opondo-se às categorias das análises advindas das
abordagens históricas tradicionais (a “idéia de unidade, originalidade e significação, que
dominam a história tradicional das idéias”), as quais propõe substituir pelas idéias de
acontecimento, série, regularidade e possibilidade.
Se na história tradicional buscava-se o “ponto de criação e a unidade de uma obra,
tema ou época”, Foucault propõe que a tarefa da história atualmente deve ser a de
“estabelecer as séries diversas, entrecruzadas, divergentes muitas vezes, mas não autônomas,
que permitem circunscrever o ‘lugar’ do acontecimento, as margens de sua contingência, as
condições de sua aparição” (FOUCAULT, 1971/2006, p. 56).
Segundo Gregolin (2004, p.107), Foucault propõe substituir as noções tradicionais de
consciência e continuidade, signo e estrutura pelas noções de acontecimento e série,
regularidade, casualidade, descontinuidade, dependência, transformação, que constituem a
base da análise dos discursos pensada por ele.
Na análise do discurso proposta por Foucault, os discursos devem ser tratados como
conjunto de acontecimentos discursivos, pois
é sempre no âmbito da materialidade que se efetiva, que é efeito; ele possui seu
lugar e consiste na relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação, seleção de
elementos materiais; não é o ato nem a propriedade de um corpo; produz-se como
efeito de uma dispersão material (1971/2005, p. 57)
Destacam-se, conforme Brandão (2004, p. 37), dentre as contribuições das idéias de
Foucault, as que se referem à concepção de discurso e à de formação discursiva para o estudo
da linguagem. A primeira se refere à concepção do discurso como prática que provém da
103
formação dos saberes e à necessidade, sobre a qual insiste, de sua articulação com outras
práticas não-discursivas. A segunda diz respeito ao conceito de “formação discursiva” cujos
elementos que a constituem são regidos por determinadas “regras de formação”, dentre os
quais, ressalta-se a distinção entre enunciação (que em diferentes formas de jogos
enunciativos singulariza o discurso) e o enunciado (que passa a funcionar como unidade
lingüística básica, abandonando-se dessa forma, a noção de sentença ou frase gramatical com
essa função). Destaca-se ainda a concepção de discurso como jogo estratégico e polêmico, na
qual o discurso não pode mais ser analisado simplesmente sob seu aspecto lingüístico, mas
como jogo estratégico de ação e de reação, de pergunta e resposta, de dominação e de esquiva
e também como luta. O discurso é o espaço em que saber e poder se articulam uma vez que
quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente, que
passa por verdadeiro, que veicula saber – o saber institucional – e é gerador de poder. Por fim,
ressalta-se a idéia de que a produção desse discurso gerador de poder é controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certos procedimentos que têm por função eliminar
toda e qualquer ameaça à permanência do poder.
Segundo Gregolin (2004, p. 63), reafirmando sua vinculação com as propostas
althusserianas, Pêcheux retoma a tese da interpelação ideológica acentuando o caráter
contraditório e desigual
27
do assujeitamento e o fato de os aparelhos ideológicos não só
reproduzirem mas também transformarem
28
as relações de produção. Retoma também o
conceito de formação discursiva
29
a do texto de “Arqueologia do saber” e acrescenta a ele a
reflexão sobre a materialidade do discurso e do sentido
30
. Postula que:
os indivíduos são interpelados em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso)
pelas formações discursivas que representam ´na linguagem` as formações
ideológicas que lhes são correspondentes (...) Toda formação discursiva dissimula,
pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao
27
Grifo da autora
28
Grifo da autora
29
Grifo da autora
30
Grifo da autora
104
“todo complexo com dominante” das formações discursivas (PÊCHEUX, 1988,
pp.161-162).
Fazendo uma auto-crítica de sua primeira obra, Pêcheux (1988, p.277) declara que não
ficou quite com o materialismo histórico pela simples referência às condições sócio-históricas
do discurso e acrescenta ser essa uma das mais graves falhas do trabalho publicado em 1969.
Conclui que era preciso explicar o conjunto complexo, desigual e contraditório das formações
discursivas em jogo, numa situação, dada sob a dominação do conjunto das formações
ideológicas, tal como a luta ideológica das classes determina (PÊCHEUX, 1988, p. 254). Ele
acentua o papel da luta ideológica de classes na produção de sentidos.
4.2 AUTOBIOGRAFIA, CONFISSÃO E ESCRITA DE SI
A compreensão da língua enquanto discurso e mediação entre o homem e sua
realidade social exige considerar os processos e as condições de produção da linguagem pela
análise da relação entre os sujeitos que a enunciam e as situações que determinam o seu dizer
(UYENO, 2006, p. 265), pois, conforme Pêcheux (1988), não há discurso sem sujeito e não
há sujeito sem ideologia. Dessa forma, o discurso é a materialização do dizer de um
indivíduo interpelado em sujeito pela ideologia. O discurso, constitui-se do objeto teórico da
AD – objeto histórico-ideológico – que se produz socialmente por meio de sua materialidade
específica (a língua) e de uma prática social, cuja regularidade só pode ser apreendida a partir
da análise dos processos de sua produção, não dos produtos. O discurso é a dispersão de
textos e a possibilidade de entender o discurso como prática deriva da própria concepção de
linguagem marcada pelo conceito de social e histórico com a qual a AD trabalha.
Partindo do pressuposto de que não se é possível separar o indivíduo do seu discurso
(Pêcheux, 1988), Uyeno (2006, p. 273), ao analisar resenhas das professoras de Língua
Portuguesa, alunas do curso de especialização, percebeu que as alunas escreveram usando
105
pronomes na primeira pessoa do singular em um texto que exigia uma análise de artigos para
posterior redação de resenha que requer o uso de terceira pessoa e concluiu que isso ocorria
porque ao escreverem sobre um assunto que requeria a sua remissão à sua atividade
pedagógica, sem que se percebessem, escreviam sobre si. A pesquisadora concluiu também
que, no momento em que escreviam sobre si mesmas, como se estivessem confessando,
acabavam por conhecer-se um pouco mais, comprovando o funcionamento do dispositivo da
confissão, segundo o qual, o indivíduo que confessa não se faz conhecido apenas por aquele
que obtém a confissão, mas também por aquele que confessa, porque a verdade aflora no
momento da confissão. Isso levou a autora a afirmar que, ao falar de si, as pessoas se
conhecem um pouco mais.
Conforme Uyeno (2006, p.270), a autobiografia inaugurada por Rousseau em sua obra As
Confissões, difundiu-se como gênero literário explorado por Goethe, Wordsworth e Stendhal.
A proposta de Rousseau em comunicar verdades sobre o ser humano por meio do relato
autobiográfico tem em Santo Agostinho de Hispona seu mais ilustre seguidor.
Na tentativa de definir a autobiografia enquanto gênero, busca-se a demarcação
proposta por Philippe Lejeune, considerado um dos estudiosos que mais tem se dedicado em
apresentar originalmente suas idéias e os problemas que circundam a autobiografia. Segundo
Marques (2004, p. 3), Lejeune em seu livro Pacte autobiographique (1975, p. 1) define a
autobiografia como uma “narrativa (récit) retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de
sua própria existência enfatizando sua vida individual, em particular, a história de sua
personalidade” . Essa definição põe em jogo elementos de quatro categorias: 1) quanto à
forma da linguagem: (a) uma narrativa; e (b) em prosa; 2) quanto a seu assunto: uma vida
individual, a história de uma personalidade; 3) quanto à situação do autor: identidade do autor
(cujo nome remete a uma pessoa real) e do narrador; 4) quanto à posição do narrador: (a)
identidade do narrador e do personagem principal; (b) perspectiva retrospectiva da narrativa.
106
A autobiografia opera um eu centrado, capaz de dar unidade a uma seqüência de
experiências, de estabelecer uma ordem e que se impõe a tarefa de colocar sua vida em uma
narrativa compreensível, julgando-se capaz de estabelecer uma ordem a suas memórias e
sentimentos (Marques, 2004, p. 6).
Conforme Gomes (2006), Lejeune também coloca a escrita autobiográfica não como
uma relação estabelecida do exterior, entre eventos extratextuais e textuais, nem pela análise
interna do funcionamento do texto, mas como um “contrato de leitura” estabelecido, que
determina o modo de leitura do texto e engenha os efeitos que, a ele atribuídos, parece- nos
defini-lo como autobiografia.
A autobiografia é, antes de tudo, um texto literário, pois a narrativa de vida de uma
pessoa, se bem escrita pode trazer ao leitor o mesmo prazer da leitura de um romance. É
ainda, na visão do autor uma utopia se pensar a autobiografia presa apenas a relatos de fatos
particulares tais como ocorreram, uma vez que esse tipo de escrita é o reflexo e não uma
reprodução, uma cópia fiel da realidade. Além do mais, há a questão do tempo, ou seja, existe
um espaço temporal entre o momento vivido e a escrita atual que leva a espaços em branco
que serão preenchidos pela memória, assim como o eu atual que, modificado em relação ao eu
do passado, fará uma narração sob uma nova visão.
Conforme Larrosa (1994, apud UYENO, 2006, p. 272),
considerando-se que a pessoa é constituída de um conjunto de relações consigo
mesma, e que a autobiografia é constituída pelo relato sobre si, é constitutiva desse
gênero a “experiência sobre si”, uma vez que permite ao indivíduo aprender a se ver,
a se dizer ou a se julgar que nada mais significam do que “prender a fabricar o
próprio duplo”. Não se trata, entretanto, de um duplo constituído da projeção
espontânea ou de uma espécie de reflexividade natural, mas “constituído” ela
colocarão em funcionamento e uma série de mecanismos e de relação: os
mecanismos óticos que determinam o que se pode ver de si mesmo e como se pode
se ver; os mecanismos discursivos que estabelecem o que se pode dizer de si
mesmo e como se pode dizê-lo e os mecanismos jurídicos que dizem respeito ao
como se pode julgar-se e as ações que constroem o que de si pode ser afetado por si
mesmo e a forma dessa ação de afetar.
107
Segundo Maciel (2004, p.3), a autobiografia se insere na categoria de gêneros
confessionais que são tão antigos no universo literário quanto o desejo humano de salvar da
morte sua existência. O instinto autobiográfico é tão antigo quanto a escrita que evidencia o
desejo humano de registrar suas vivências.
Para Camargo (2006, p. 19), a literatura memorial de cunho autobiográfico é a que tem
como temática a história de vida do autor sendo sua essência a volta do indivíduo para si
mesmo. Esse autor deverá ser uma pessoa real que produz uma narrativa retrospectiva em
prosa de sua própria existência focalizando sua vida individual. A essência da autobiografia é,
dessa forma, o indivíduo voltar-se para si.
Conforme Lejeune (1975, apud Camargo, 2006, p. 19) a definição de autobiografia
envolve quatro categorias diferentes: a forma lingüística (narrativa em prosa); o assunto
tratado (vida individual, história pessoal); a situação do autor (o autor cujo nome designa uma
pessoa real) e o narrador são idênticos; o ponto de vista do narrador (narrador e protagonista
são idênticos e o relato ou narração é orientada de forma retrospectiva).
Nessa perspectiva, uma narrativa somente pode ser considerada uma autobiografia se
preencher todas as condições indicadas nas categorias acima, podendo inclinar-se, segundo o
autor, ora para a narrativa histórica, ora para a prosa literária.
O exercício autobiográfico se situa na perspectiva do tempo e, conforme observa
Mathias (1997, apud Camargo, 2006, p. 19),
o autobiógrafo propõe-se decifrar, por detrás do percurso que foi seu, a identidade
que lhe subjaz, a verdade profunda que o anima e determina a sua unidade, em suma
fundamentalmente finalidade da sua ambição.Preocupação de inteligibilidade que o
levará a operar uma escolha, estabelecer prioridades, a fixar a inteireza da sua
personalidade. Porém, ao fazê-lo introduz – porventura sem disso se dar conta –
um elemento de reinterpretação que falseia a própria essência do que pretende
provar.
Segundo Lejeune (1975, apud Camargo 2006, p. 20), o fato de reinterpretar seus “eus”
para reconstruir ou reconhecer sua identidade oculta seu resultado ilusório não constitui
problema para o autobiógrafo, não sendo necessário validar informações, pois muito mais
108
importante será a fidelidade do autor a si mesmo, até mesmo porque aquele que se deseja ter
sido é tão ou mais importante na definição do que se é do que aquele que, na realidade, acaba-
se por ser. É por esse motivo que para Lejeune, é realizado o que ele denomina pacto
autobiográfico que tem por finalidade estabelecer que o texto seja uma autobiografia e para
isso é necessário que o autor, o narrador e a personagem principal possuam a mesma
identidade que em última instância pode ser apenas um codinome.
O falar se si como dispositivo de individuação que homogeiniza a sociedade por meio
de espaços disciplinadores especiais e normaliza as condutas e os enunciados se realizam por
meio de técnicas disciplinares (Foucault, 1975/2006). Dessas técnicas disciplinares a
confissão (Foucault, 1976/1988) e as tecnologias do eu
31
(Foucault, 1994/2006b) se colocam
entre os mais importantes para a produção das verdades sobre os indivíduos.
Conforme Uyeno (2006, p. 271), no século XVII, a confissão – prática sacramental
cristã em sua gênese – passou a constituir a tarefa de dizer, de se dizer a si mesmo e de dizer
a outrem sobre si, passando da confissão diante de sua comunidade (exomologesis) para a
confissão diante de um interlocutor hierarquicamente determinado (exogouesis). A confissão
diante da comunidade constituía apenas de um ritual de assujeitamento e de filiação do
indivíduo como cristão. A confissão para a um interlocutor determinado que a acolhia,
avaliava e aplicava uma penitência. O dispositivo da confissão para efeito da extração da
verdade se legitimou em virtude de a verdade se mostrar não estar somente no sujeito que a
revelaria pronta e acabada ao confessá-la, mas de se constituir na dupla ação – ação daquele
que fala e ação daquele que ouve. Eis as próprias palavras do autor:
Creio ser este um dos mais notáveis traços da prática de si naquela época: o sujeito
deve tornar-se sujeito de verdade. Deve ocupar-se com discursos verdadeiros. É
preciso, pois, que opere uma subjetiivação que se inicia com a escuta dos discursos
verdadeiros que lhes são propostos. É preciso, pois, que ele se torne sujeito de
verdade, de que lê próprio possa dizer o verdadeiro, que possa dizer a si mesmo o
verdadeiro (FOUCAULT, 2001/2004b, p. 438-439).
31
Grifo meu
109
O dispositivo da confissão permaneceu durante muito tempo engastado na prática da
penitência, mas, pouco a pouco, a partir do protestantismo, da Contra-Reforma, da pedagogia
do século XVIII e da medicina do século XIX, perdeu sua situação ritual. Difundiu-se e foi
utilizada em toda uma série de relações: entre crianças e pais, alunos e professores, doentes e
psiquiatras, delinqüentes e peritos. Seus efeitos se diversificaram tomando forma de
interrogatórios, consultas, narrativas autobiográficas ou cartas. (FOUCAULT, 1976/1988, pp.
67-68).
A obrigação da confissão nos é, agora, imposta a partir de tantos pontos diferentes,
já estão tão profundamente incorporada a nós que não a percebemos mais como
efeito de um poder que nos coage; parece-nos, ao contrário, que a verdade, na região
mais secreta de nós próprios, não “demanda” nada mais que revelar-se; e que, se não
chega a isso é porque é contida à força, porque a violência de um poder pesa sobre
ela, finalmente, só se poderá articular à custa de uma espécie de liberação
(FOUCAULT, 1976/1988, p 69).
Dessa forma, segundo o autor, a confissão libera e o poder reduz ao silêncio. “A
verdade não pertence à ordem do poder mas tem parentesco originário com a liberdade”
(Foucault, 1976,2006, p. 69).
A confissão é um ritual de discurso na medida em que coincide o sujeito que fala com
o sujeito do enunciado. É também um ritual que se desenvolve numa relação de poder, pois,
não se confessa sem a presença ao menos virtual de um parceiro, que não é
simplesmente o interlocutor, mas a instãncia que requer a confissão, impõe-na,
avalia-a e intervém para julgar, punir, perdoar, consolar, reconciliar; um ritual onde
a verdade é autenticada pelos obstáculos e as resistências que teve de suprimir para
poder manifestar-se; enfim, um ritual onde a enunciação em si, independentemente
de suas conseqüências externas, produz em quem a articula modificações
intrínsecas: inocenta-o, resgata-o, purifica-o, livra-o de suas faltas, libera-o,
promove-lhe a salvação
(FOUCAULT, 1976/1988, p. 70-71).
Foucault (1994, apud UYENO, 2006, p. 272) define como “tecnologias do eu”
aquelas que determinam no indivíduo o estabelecimento de uma relação consigo mesmo.
Constituem os procedimentos propostos aos indivíduos para fixar sua identidade, mantê-la ou
transformá-la em função de determinados fins graças a relações de autodomínio ou
autoconhecimento.
110
Conforme Manga (2006, p. 1), Foucault apresenta, no ensaio crítico A escrita de si , um
panorama dos significados que assumem os auto-relatos em dois contextos que influenciaram
a vida ocidental. Foucault define a escrita de si como sendo o registro de movimentos
interiores, pensamentos, desejos e ações daquele que escreve. O autor comenta que:
nesta pesquisa, o filósofo francês apresenta uma análise de três formas de auto-
relatos encontrados em documentos da literatura cristã e em registros da
Antigüidade grega, detendo-se, principalmente, nas funções exercidas por essas
formas de auto-relatos para seus autores. Essa mesma função foi observada por
Foucault ao analisar outra forma de escrita de si, conforme era praticada na Grécia,
aproximadamente dois séculos antes: a correspondência. Ao examinar as cartas de
Sêneca e Lucílio, Foucault aponta que elas forneciam, aos correspondentes, a
impressão de proximidade física e que reproduziam, de certo modo, a sensação de
um “contato face-a-face” (Foucault, 1992, p. 150 apud MANGA, 2006, p. 1).
Segundo Foucault (1994/2006b, p. 146-148), a escrita de si era, para os filósofos
gregos, uma das atividades que contribuíam para o “auto-adestramento”, uma prática
essencial no aprendizado da arte de viver. Nos textos de Epícteto, a escrita aparece associada
à meditação, ao exercício do pensamento sobre ele mesmo que reativa o que ele sabe, torna
presentes um princípio, uma regra ou um exemplo, reflete sobre eles, assimila-os e, assim se
prepara para encarar o real. Também se percebe a escrita associada ao exercício do
pensamento de duas maneiras. Uma toma a forma de uma série “linear”
32
: vai da meditação à
atividade da escrita e desta ao gummazein, quer dizer, ao adestramento na situação real e à
experiência (trabalho de pensamento, trabalho pela escrita, trabalho na realidade). A outra é
circular: a meditação precede as notas, que permitem a releitura, que por sua vez, revigora a
meditação. Entretanto, seja qual for o ciclo de exercício em que ocorre, a escrita constitui uma
etapa essencial no processo para o qual tende toda a askêsis: como verdadeiros em princípios
racionais de ação. Como elemento de treinamento de si, a escrita tem, segundo Plutarco, uma
função etopoiéitica: ela é operadora de transformação da verdade em éthos. Essa escrita
etopoiéitica que aparece em documentos dos séculos I e II parece estar no interior de duas
formas já conhecidas e utilizadas para outros fins: os hypomnêmata e a correspondência.
32
Grifo do autor
111
A escrita como exercício pessoal praticado por si e para si é uma arte da verdade
contrastiva; ou, mais precisamente, uma maneira reflectida de combinar a autoridade
tradicional da coisa já dita com a singularidade da verdade que nela se afirma e a
particularidade das circunstâncias que determinam o seu uso (FOUCAULT,
1992/2006, p. 141).
Os hypomnemata tiveram origem nos livros de contabilidade, registros públicos,
cadernetas individuais que serviam de lembrete. Sua utilização como livro de vida e guia de
conduta parece ter se tornado comum a todo um público culto. Como hypomnemata notavam-
se citações, fragmentos de obras, exemplos e ações testemunhadas ou narradas e lidas,
constituindo uma memória material das coisas lidas, ouvidas ou pensadas.
Por mais pessoais que sejam, estes hypomnemata não devem porém ser entendidos
como diários íntimos, ou como aqueles relatos d experiências espirituais (tentações,
lutas, fracassos e vitórias) que poderão ser encontrados na literatura cristã ulterior.
Não constituem uma “narrativa de si mesmo”; não têm por objetivo trazer à luz do
dia as arcana conscientiae cuja confissão – oral ou escrita – possui valor de
purificação (FOUCAULT, 1992/2006, p. 137).
Os hypomnemata não deveriam ser considerados como simples suporte de memória,
pois não se destinavam a substituir eventuais falhas de memória, mas constituir, de
preferência, material para exercícios a serem freqüentemente executados: ler, reler, meditar,
conversar consigo mesmo e com os outros. Nas palavras do próprio autor:
Os hypomnêmata devem estar também novamente inseridos no contexto de uma
tensão muitpo evidente na época: em uma cultura muito fortemente marcada pela
tradicionalidade, pelo valor reconhecido do já dito, pela recorrência do discurso,
pela prática “da citação” sob a chancela da antigüidade e da autoridade, se
desenvolvia uma ética muito explicitamente orientada para o cuidado de si na
direção de objetivos definidos como: recolher-se em si, atingir a si mesmo, viver
consigo mesmo, bastar-se a si mesmo, aproveitar e gozar de si mesmo
(FOUCAULT, 1994/2006, p. 149)
Conforme Nascimento e Neves (2006, p.1) numa tradução a partir de “Dits et Écrits”,
1994, vol. IV, pp. 783-813, Foucault, ao iniciar o estudo sobre as regras, os deveres e as
proibições e as restrições associadas à sexualidade, interessou-se não somente pelos atos
permitidos ou proibidos, mas também pelos sentimentos que estavam representados, os
pensamentos e os desejos que podiam ser suscitados, a inclinação a perscrutar no si todo
sentimento escondido, todo movimento da alma, todo desejo travestido sob formas ilusórias.
A diferença entre as proibições da sexualidade e outras formas consiste no fato de que, ao
112
contrário de outras proibições, as sexuais estão sempre ligadas à obrigação de dizer a verdade
sobre si. Dessa forma, as reflexões de Foucault o conduziram à hermenêutica das técnicas de
si na prática pagã, depois à prática cristã, estudo no qual encontrou algumas dificuldades
porque essas práticas não eram muito conhecidas. Essas dificuldades se referem ao fato de,
em primeiro lugar, o cristianismo sempre está mais interessado na história de suas crenças do
que na de suas práticas efetivas. Segundo, esse tipo de hermenêutica, contrariamente à
hermenêutica textual, não esteve organizada em um corpo de doutrinas. Em terceiro lugar,
uma confusão se instalou entre a hermenêutica de si e as teologias da alma e, em quarto lugar,
uma hermenêutica de si difundiu-se por toda a cultura ocidental, infiltrando-se pelos
numerosos canais e integrando-se a diversos tipos de atitudes e de experiências, de forma que
se tornou difícil isolá-la ou distingui-la de experiências espontâneas.
Conforme Nascimento e Neves (2006, p. 2), o objetivo de Foucault era esboçar uma
história das diferentes maneiras nas quais os homens elaboraram um saber sobre eles mesmos
(economia, biologia, psiquiatria, medicina, criminologia) considerando que o essencial não é
tomar esse saber e nele acreditar, mas analisar essas pretensas ciências como outros tantos
“jogos de verdade” que são colocados como técnicas específicas para que os homens
compreendam o que são. Essas técnicas se dividem em quatro grupos: 1) as técnicas de
produção, graças às quais podemos produzir, transformar e manipular objetos; 2) as técnicas
de sistemas de signos, que permitem o uso de signos, de sentidos, de símbolos ou de
significações; 3) as técnicas de poder, que determinam a conduta dos indivíduos, submetendo-
os a certos fins ou à dominação, objetivando o sujeito; 4) as técnicas de si, que permitem aos
indivíduos efetuarem, sozinhos ou com ajuda de outros, um certo número de operações sobre
seus corpos e suas almas, seus pensamentos, condutas, modos de ser; de se transformarem a
fim de atender um certo estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou de imortalidade.
É raro o funcionamento desses tipos de técnicas separadamente. Cada um desses tipos de
113
técnicas implica em certos modos de educação e transformação dos indivíduos, na medida em
que se trata de adquirir certas aptidões e atitudes.
Os dois primeiros tipos de técnicas se aplicam ao estudo das ciências e da lingüística
(técnicas de produção e técnica de sistema de signos), e são as técnicas de si e de poder que
despertam o interesse de Foucault.
Ao esboçar a evolução da hermenêutica de si, Foucault considera dois contextos
diferentes, mas historicamente adjacentes: a filosofia greco-romana dos dois primeiros séculos
do começo do Império Romano e a espiritualidade cristã e os princípios monásticos tais como
se desenvolveram nos séculos IV e V, sob o Baixo-Império. Por outro lado desejava abordar o
sujeito de um ponto de vista teórico e em relação com um conjunto de práticas da Antigüidade
tardia. Para os gregos, as práticas tomavam a forma de um preceito: epimeleisthai sautou
(tomar conta de si, ter cuidado consigo, preocupar-se, cuidar-se de si). Para os gregos, esse
preceito configura um dos grandes princípios das cidades, uma das grandes regras de conduta
da vida pessoal e social. Hoje isso é obscuro e perdeu sua força e quando se coloca a questão:
“Qual é o princípio moral que domina toda a filosofia da Antigüidade?”, a resposta não é o
“tome conta de si mesmo”, mas o princípio délfico, gnôthi seauton (conhece-te a ti mesmo).
Nascimento e Neves (2006, p. 3) apontam, nessa tradução, que nos textos gregos e
romanos, a imposição para conhecer-se a si mesmo está sempre associada ao princípio do
cuidado de si, e é essa necessidade de tomar conta de si que torna possível a aplicação da
máxima délfica. Segundo Sócrates, três coisa são importantes e concernem à maneira como
convida os demais a se ocuparem de si mesmos: 1) sua missão lhe foi confiada pelos deuses e
ele não a abandonará antes de seu último suspiro; 2) ele não exige nenhuma recompensa por
sua missão, é desinteressado e a cumpre com bondade; 3) sua missão é útil para a cidade. A
filosofia antiga e o ascetismo cristão se colocam sob o mesmo signo: aquele do cuidado de si
114
sendo a obrigação de conhecer-se um dos elementos centrais do ascetismo cristão.
Concluindo, Nascimento e Neves (2006, p. 4) afirmam que,
existem muitas razões que explicam que o “conhece-te a ti mesmo” eclipsou o
“cuida de si mesmo”. A primeira é que os princípios morais da sociedade ocidental
passaram por uma profunda transformação. Experimentamos a dificuldade de
fundamentar uma moral rigorosa e princípios austeros sobre um preceito que mostra
que devemos nos preocupar conosco mesmos mais do que qualquer outra coisa.
Inclinamo-nos, em princípio, a considerar o cuidado de si como qualquer coisa de
imoral, como um meio de escapar a todas as regras possíveis. Herdamos isso da
moral cristã que faz da renúncia de si a condição da salvação. Paradoxalmente,
conhecer-se a si mesmo constituiu um meio de renunciar a si mesmo.
A segunda razão é que na filosofia teórica que vai de Descartes a Husserl, o
conhecimento de si (sujeito pensante) ganhou uma importância tanto maior enquanto
ponto de referência da teoria do conhecimento. Para resumir: tem ocorrido uma
inversão na hierarquia dos dois princípios da Antigüidade, “cuida de ti mesmo” e
“conhece-te a ti mesmo”. Na cultura greco-romana, o conhecimento de si aparece
como conseqüência do cuidado de si. No mundo moderno, o conhecimento de si
constitui o princípio fundamental.
Por meio do falar de si por meio da escrita do texto autobiográfico o indivíduo
conhece a si mesmo porque a escrita provoca
33
a maiêutica e a compreensão, por suscitar e
trazer
34
à lembrança o que se conserva na memória, no esforço para recordar.
Conforme Larrosa, (1994 apud UYENO, 2004, p. 273-274 ), a ontologia do sujeito,
assim, não é mais que a experiência de si do que a “subjetivação” focaultiana. Há um sujeito
porque é possível traçar a genealogia das formas de produção dessa experiência porque é
possível estudar a constituição do sujeito como objeto para si mesmo: a formação de
procedimentos pelos quais o sujeito é induzido a observar-se a si mesmo, analisar-se, decifrar-
se, reconhecer-se como um domínio de saber possível. Trata-se, portanto, da história da
“subjetividade”, se a entendemos como o modo no qual o sujeito faz a experiência de si
mesmo em um jogo de verdade no qual está em relação consigo mesmo.
A partir do entendimento que o ser humano é sujeito sócio-histórico,
determinado pela ideologia, a autobiografia permite que, ao falar de si, esse sujeito evidencie
características pessoais, emocionais e culturais que lhe garante uma identidade própria. Uma
33
Grifo meu
34
Grifo meu
115
identidade construída em uma ação coletiva e individual refletindo a cultura e os valores do
meio social.
É nesse sentido que se justifica nessa pesquisa empreender um projeto de ensino de
escrita para poder ter acesso à razão pela qual as alunas do Curso Normal Superior do Centro
UNISAL optaram pelo curso que as habilitam para o exercício da docência nas séries iniciais
do ensino fundamental. Assim, a prática pedagógica se relaciona não só aos saberes teóricos
que lhe servem de pressuposto, mas se relaciona, sobretudo com a vida que se manifesta em
valores e condições sócio-históricas e econômicas que influenciam a maneira de pensar e agir
dos professores.
116
PARTE II
CURSO NORMAL SUPERIOR: UM UNIVERSO FEMININO
ANÁLISE DE CORPUS
O presente estudo teve como ponto de partida buscar entender por que algumas
pessoas ingressavam em um curso de nível superior que lhes outorga a docência das séries
iniciais de educação formal, quando o ingresso em quaisquer outros cursos superiores lhes
reverteria em prestígio e em remuneração superiores.
Confirmado formalmente o que informalmente já se indiciara, isto é, a predominância
no Curso Normal Superior de alunas do sexo feminino, levantou-se a hipótese de que elas
ingressam nesse curso porque são determinadas por um discurso histórico de que constitui
uma atividade tipicamente feminina.
Esta pesquisa, assim, objetivou, no primeiro momento, detectar, na materialidade
lingüística do discurso dessas alunas, discurso esse manifestado em respostas por escrito a um
questionário que lhes fora solicitado, os indícios dessa determinação.
Num segundo momento, propôs-se uma atividade pedagógica de produção escrita de
autobiografia, um dos chamados gêneros da vida, na disciplina “Fundamentos da
Alfabetização”, ministrada no Centro Universitário Salesiano – U.E. de Lorena. A proposição
dessa atividade pretendeu o desenvolvimento da habilidade de redigir um tipo de texto não
considerado na escola e que ocupa, hoje, um lugar de proeminência (Coracini, 2002, Uyeno,
2006), dado o pressuposto de que contribui para o auto-conhecimento, por permitir ao autor
falar sobre si. A outra razão para a proposição do desenvolvimento da autobiografia era o fato
de esse tipo de texto permitir o rastreamento, na materialidade lingüística do discurso
produzido nessas produções textuais: 1) a reiteração da determinação histórica para a sua
117
escolha pela formação de professores de séries iniciais bem como 2) a presença de indícios
de que escrever sobre si leva ao conhecimento de si.
Esta segunda parte da dissertação, assim, apresenta, no primeiro capítulo, as condições
de produção do discurso de professoras-alunas de Curso Normal Superior; no segundo
capítulo, a análise de um corpus, constituído a partir de respostas a um questionário solicitado
pela pesquisadora, e, no terceiro capítulo, a análise de um outro corpus, constituído de
produções textuais da autobiografia produzida por essas mesmas alunas - professoras. Faz-se
oportuno explicitar, em síntese, que esta dissertação um corpora complexo.
118
CAPÍTULO 1
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO DE ALUNAS DO CURSO
NORMAL SUPERIOR
A condição de produção do discurso compreende, como apresentado na parte teórica,
fundamentalmente, os sujeitos e a situação, incluindo também a memória.
Segundo Orlandi (2005, p 30),
podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e temos as
circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em
sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico,
ideológico
.
A coleta de dados para a composição do corpus destinado à análise foi realizada por
meio de dois instrumentos: a) respostas a um questionário que visou coletar depoimentos
sobre o que significava para elas ser professora alfabetizadora e os motivos que as levaram a
escolher a profissão docente, e b) produção de um de um texto autobiográfico que visou
desenvolver nas alunas a habilidade de redigirem um tipo de texto que lhes permitiria, por
meio dessa escrita, um auto-conhecimento, a partir da percepção de sua a trajetória de vida
até o momento atual em que, tendo optado pelo magistério para as séries iniciais, freqüentam
o Curso Normal Superior.
As alunas realizaram as atividades nas aulas da disciplina Fundamentos da
alfabetização. Os textos analisados foram redigidos por alunas do 2º e 3º anos do Curso
Normal Superior, regularmente matriculadas no ano letivo de 2006, no Centro Universitário
Salesiano – U.E. de Lorena. As classes eram compostas de quarenta e doze alunas
respectivamente, totalizando cinqüenta e duas alunas, sendo que todas participaram da
119
pesquisa, tendo respondido o questionário e redigido a autobiografia que constituíram os
dados brutos dos quais se compôs o corpus para efeito de análise desta pesquisa.
A solicitação pelas respostas ao questionário sobre as razões que as teriam levado a
optar pela docência para séries iniciais do ensino formal teve por objetivo obter subsídios que
permitissem atingir o objetivo de detectar, em seu discurso, uma determinação histórica da
atividade feminina para responder à primeira pergunta de pesquisa: As alunas do Curso
Norma Superior optam por um curso de nível superior para lecionar para as séries iniciais do
EF se qualquer outra carreira poderia lhes garantir melhores salários e prestígio porque são
determinadas por um discurso histórico?
Essa solicitação visou, ainda, obter subsídios para se detectar, em seu discurso, o
imaginário da docência das séries iniciais do Ensino Fundamental para responder às segunda e
terceira perguntas de pesquisa, quais sejam: Qual é a imagem que as alunas do Curso Normal
Superior têm da atividade docente em séries iniciais de nível de Ensino Fundamental ? Qual é
a imagem que as alunas do Curso Normal Superior fazem de professores de séries iniciais de
nível de Ensino Fundamental?
Num segundo momento da pesquisa, foi proposta uma atividade de redação de um
texto autobiográfico. Essa proposição pretendeu desenvolver nas alunas-professoras a
habilidade de redigir um tipo de texto que, embora não seja considerado um texto
propriamente escolar, tem ganhado espaço no âmbito pedagógico (Coracini, 2002), por
permitir um auto-conhecimento por aquele que o redige.
Essa proposição de redação do texto foi antecipada pela elucidação das características
fundamentais da autobiografia. A produção do texto também não foi subsidiada por instruções
específicas quanto à forma, mais especificamente, quanto à paragrafação, no que diz respeito
à extensão ou quanto ao conteúdo, mais precisamente, quanto à fase da vida a que se
refeririam ou ao foco da autobiografia.
120
A composição do corpus de pesquisa, sob a perspectiva discursiva de linha francesa,
contempla o que se denomina “regularidade discursiva” (Orlandi, 1986) que se constitui de
dizeres que se repetem e, como tal, caracterizam-se como enunciados que não emanam de
indivíduos empíricos (chamados de “reais” pelo senso comum), mas de indivíduos enquanto
ocupantes de um lugar institucional, no caso da presente pesquisa, alunas-professoras de
Curso Normal Superior, e indivíduos afetados pelo momento sócio-histórico e pela ideologia
que perpassa esse momento. Contemplar a regularidade discursiva significa que o corpus
discursivo destinado à análise sob a perspectiva discursiva francesa se faz por meio de
recortes discursivos. “O recorte é uma unidade discursiva que se constitui de fragmentos
correlacionados de linguagem e situação. Dito de outro modo, é um fragmento da situação
discursiva” (Orlandi, 1986).
No caso da presente pesquisa, o corpus de análise constituir-se-á de recortes,
fragmentos de enunciados produzidos na situação discursiva em que estão inseridas alunas-
professoras de Curso Normal Superior do Centro Universitário Salesiano – U.E. de Lorena
(UNISAL).
121
CAPÍTULO 2
PROFESSORAS DE SÉRIES INICIAIS: UM DISCURSO FEMININO
Neste capítulo, apresenta-se a análise das respostas ao questionário em que as alunas
do Curso Normal Superior justificavam a escolha pela docência de ‘series iniciais da
educação formal.
Analisam-se, a seguir, os excertos de depoimentos (doravante ED)
35
que permitiram
entender as razões que levaram as alunas pesquisadas a optarem pelo curso Normal Superior.
Faz-se necessário esclarecer que os excertos de depoimentos - ED - foram recortados
(Orlandi, 1986) das respostas das alunas-professoras do Curso Normal Superior ao
questionário nos quais explicitavam as razões pelas quais haviam se inscrito nesse curso.
Também é oportuno que se elucide que o critério para o estabelecimento de cada item de
análise se fundamenta na Análise do Discurso de linha francesa, como mencionado, na
descrição das condições de produção do discurso. Contemplaram-se, assim, as regularidades
discursivas, dito de outra forma, os dizeres regulares, os dizeres que se repetem, os dizeres
que predominam nos textos coletados.
Leva-se em consideração que, se os dizeres se repetem, eles não emanariam de pessoas
reais com suas experiências pessoais, mas de pessoas que representam um lugar social.
Privilegiando-se a regularidade discursiva, ter-se-á acesso à representação que alunas-
professoras de séries inicias do nível de ensino fundamental fazem de professores dessas
séries, para se obter as razões pelas quais eles se inscrevem na Escola Normal Superior.
35
Legenda
ED: excerto de depoimento
EA: excerto autobiográfico
A: aluna
122
Analisam-se, neste capítulo, os dizeres que se repetiram, que se revelaram
predominantes nos questionários.
2.1. PROFESSORAS DE CRIANÇAS: UM FAZER FEMININO
A partir da hipótese norteadora desta dissertação de que a opção das alunas do Curso
Normal Superior do Centro UNISAL – U.E. de Lorena era determinada por um discurso
histórico de que o magistério era uma atividade tipicamente feminina, este item contemplou a
regularidade discursiva mais proeminente que se refere à hipótese levantada por esta pesquisa,
das quais se elegeram algumas para efeito de análise.
Analise-se o Excerto de Depoimento (doravante ED)1, abaixo transcrito, da aluna
(doravante A)11:
ED1
A11 Escolhi este curso porque gosto de trabalhar com crianças.
Ao afirmar a opção pelo Normal Superior pelo fato de “gostar de criança”, A11
enuncia julgando-se dona de seu dizer, quando, na verdade, profere um dizer interdiscursivo
determinado pela memória discursiva. Isso significa que esse dizer pertence a um “já-dito”
que se manifesta na idéia de que as mulheres são seres especiais para trabalhar com as
crianças. Todo esse sentido, já dito por alguém, em algum lugar, em outros momentos,
mesmo que distantes, de que fala Orlandi (2005), tem efeito sobre o que A11 afirma: ela julga
que profere um dizer que lhe pertence, quando esse dizer constitui um dizer já dito.
Ao afirmar que escolheu o curso por gostar de criança, A11 enuncia reconhecer o
caráter profissional do magistério; entretanto não se refere à remuneração o que torna evidente
123
o efeito do silêncio constitutivo de todo dizer que se manifesta pelo apagamento de outras
vozes específicas “o qual adquire caráter de evento histórico institucionalizando o sentido”,
afirmado por Orlandi (1993, p, 142).
Não há como negar que A11 profere um discurso histórico, compartilhado e tácito de
que a educação das crianças é considerada, em nossa sociedade, uma atribuição feminina e,
por essa razão, a tarefa de uma mulher é justamente “cuidar” das crianças. O discurso de A11
repete o dizer de que a mulher e dotada de características ideais, já que naturais, inerentes a
ela, para desempenhar o papel de educadoras de crianças.
Analise-se, a seguir, no ED2, proferido por A10, em repetição ao afirmado por A11:
ED2
A10 A primeira razão que me levou a optar pelo Curso Normal Superior foi por gostar
demais de crianças.
Ao dizer que sua opção pelo magistério para as séries iniciais se deve ao fato de gostar
demais de crianças, A10 imagina que é fonte de seu dizer quando afirma a sua opção (o que
me levou...). Sujeito de sua história, enuncia sob a ilusão de produzir esse dizer; entretanto ele já
f
az parte da crença compartilhada por todos de que, para se dedicar ao magistério, é necessário
gostar e querer cuidar especificamente de crianças. Observe-se também, no dizer de A10, o
caráter maternal de que é revestido o magistério, quando argumenta que gostar de crianças
determinou a escolha pelo Curso Normal Superior, sem que faça qualquer menção ao
trabalho.
A10 revela repetir um dizer determinado pela memória discursiva de que existem
diferenças naturais entre homens e mulheres, segundo as quais, por sua constituição natural,
cabe-lhe a tarefa de educar e socializar as crianças, como parte e extensão de suas funções
maternas. Observe-se como a memória discursiva de uma qualidade feminina predomina
124
sobre o aspecto profissionalizante do Curso Normal Superior, aspecto que lhe é inerente, mas
é silenciado por A10.
Analise-se, a seguir o discurso de A12:
ED3
A12 Eu escolhi esta profissão pelo imenso amor que tenho por crianças, não
conseguiria me ver fazendo outra coisa...
Ao afirmar que sua opção está relacionada ao imenso amor que sente pelas crianças,
A12 também revela enunciar sob a ilusão de que esse dizer é só seu, quando, na verdade, não
é fonte nem origem desse dizer. Ao usar o adjetivo imenso, A 12 reforça o caráter feminino e
maternal da atividade docente. Para compreender esse aspecto, é importante recorrer às teses
de Althusser sobre os aparelhos ideológicos e sobre o assujeitamento que pressupõem um
sujeito atravessado pela ideologia. Afirmar que o amor que tem por crianças determinou a
escolha pela profissão da docência constitui, na verdade, um dizer já dito. A12 acredita que é
produtora do discurso que profere, mas, na realidade, enuncia assujeitada pela história e pela
ideologia que construíram um conceito de SER professor relacionado à tarefa de cuidar de
crianças. Cabe ressaltar que a tarefa de educar e socializar crianças, durante muito tempo,
exigia um trabalho baseado na aprendizagem pela assimilação de modelos ideais, como
lembra Schaffrath (2000). A criança era colocada diante de grandes personagens da história
para se espelhar em suas qualidades morais. O mesmo acontecia e acontece até hoje em
relação ao professor, do qual se exige o exemplo, o modelo de moralidade, a inteligência e a
virtude para que os alunos nele possam se espelhar. Se esse é um requisito indispensável para
o exercício do magistério, não há modelo melhor do que aquele que escolhe uma profissão
pelo amor que tem pelas crianças. Ao afirmar que não conseguiria se ver fazendo outra
125
coisa, A12 revela assumir o caráter natural do sujeito feminino: a maternidade. É como se ela,
para existir, necessitasse dessa tarefa para reafirmar sua feminilidade: mulher nasceu para ser
mãe e educadora e para amar crianças incondicionalmente. Percebe-se aqui a representação do
caráter vocacional da tarefa de educar as crianças. O magistério é visto como um sacerdócio e,
dessa forma, só pode ser exercido por pessoas devotadas e dóceis que não precisam, em
conseqüência desse caráter vocacional, serem bem remuneradas, porque, em primeiro lugar,
está o amor à profissão. A12 também revela em seu dizer o apagamento, o silêncio
constitutivo que evidencia “o que não é preciso ser dito” (Orlandi, 1993, p. 91). Isso significa
afirmar que o magistério possibilita à mulher realização profissional, porque é uma atividade
que lhe permite conciliar as tarefas domésticas com o trabalho e, além disso, explica o
apagamento do aspecto financeiro pelo fato de, geralmente as mulheres não serem as
primeiras responsáveis pela manutenção de seus lares. Embora A12 se refira ao aspecto
profissional da docência, silencia sobre o aspecto econômico. O depoimento de A12 revela-se
heterogêneo, constituído por um discurso contemporâneo que impõe o ensino superior como
necessidade e uma formação discursiva de profissão que é atravessada pela formação
discursiva do feminino.
Analise-se o ED4, fragmento do discurso de A8 que ressoa do discurso de A8 que
ressoa do discurso de A12
ED4
A8 Optei em fazer o Curso Normal Superior porque quero ter uma profissão que me
dê prazer e não há nada que me dê mais prazer que “crianças”; adoro estar com
elas.
126
Ao afirmar que a opção pelo Normal Superior fora determinada pela crença na
necessidade de ter uma profissão que desse prazer, A8 parece reforçar (ou justificar) a idéia
de que o professor deve ser vocacionado para exercer a profissão, logo, a sua realização não
está relacionada a salário, mas à satisfação pessoal. Do uso do verbo optei (que significa
“escolhi entre outras opções”) deduz-se que ela acredita que, embora existam profissões que
são mais valorizadas (as quais ela não escolheu), e ela saiba que a profissão do magistério não
é valorizada, o magistério lhe oferece uma satisfação pessoal por meio da realização
profissional, satisfação pessoal essa relacionada à natureza feminina: a mulher nasceu para ser
mãe e educadora. Mais uma vez, denota-se, aqui, a reprodução de um dizer e um
atravessamento pelo histórico e ideológico, segundo o qual o exercício do magistério é tarefa
feminina e exige características naturais como a maternidade. É a mulher que, pelo exemplo
de virtude, dote natural que exerce pela maternidade, está preparada para educar as crianças,
seres que necessitam de cuidados. Não há, além disso, a necessidade de ser uma atividade
bem remunerada, pois as mulheres não eram as responsáveis pela manutenção de suas casas,
tarefa que cabia ao homem.
Aproxima-se desse dizer a afirmação de A22 cujo conteúdo é semelhante ao de A8 no
que diz respeito à vocação, com a particularidade de ampliar seu conceito que é analisado em
outra categoria de análise.
Os dizeres analisados, neste item, permitem a percepção de um sujeito heterogêneo
constituído de um discurso contemporâneo que enuncia a profissionalização como necessária
e afetado pela memória discursiva de que o magistério constitui uma atividade tipicamente
feminina o que confirma a hipótese inicial desta pesquisa.
127
2.2. A IMAGEM DA DOCÊNCIA DAS SÉRIES INICIAIS DE NÍVEL DE
ENSINO FUNDAMENTAL
Comprovada a hipótese da qual se partiu, procede-se ao rastreamento na materialidade
lingüística do discurso das alunas aspectos que transcenderam essa hipótese e que
constituíram regularidades discursivas.
Analisam-se, a seguir, os excertos que permitiram apreender a imagem que as alunas
pesquisadas têm da atividade docente em séries iniciais de nível do Ensino Fundamental e a
imagem que fazem de professores de séries iniciais de nível de Ensino Fundamental.
Analise-se, no ED5, abaixo transcrito, um enunciado de A22 apresenta um dizer que
se refere à atividade docente:
ED5
A22 Meu despertar para essa profissão deu-se no contato diário com as crianças, foi
através delas que descobri minha vocação para lecionar e é por elas que desejo
estudar e buscar a melhor maneira de ajudá-las em sua humanização.
Nota-se, aqui, que o aspecto vocacional, para A22, é relevante e isso implica querer
estudar para exercer a profissão do magistério. No dizer de A22, duas palavras merecem
atenção: despertar e vocação. Etimologicamente (Ferreira, 2001, p. 228), o termo despertar
significa, entre outras coisas, “aparecer, despontar, mostrar-se, revelar-se”. Observe-se como,
ao afirmar “meu despertar” para essa profissão A22, faz pressupor que a docência é algo
latente e que se mostra, revela-se a partir do seu contato com crianças. È como se o fazer
docente já existisse nela e despontasse, aparecesse sob a forma de “opção” pelo magistério
128
nas séries iniciais do ensino fundamental. O termo vocação (Ferreira, 2001, p. 713) vem do
latim vocatione e significa “ato de chamar, escolha, chamamento, predestinação”. A menção
a “despertar” para a “vocação” por meio do contato com crianças revela uma descoberta que
reforça o caráter feminino do magistério. O ser mulher no imaginário social e presente no
imaginário de A22 está associado ao cuidar de crianças, vocação especificamente feminina. A
palavra vocação entendida como “ato de chamar” revela o aspecto místico e religioso de que é
revestida a palavra vocação: é Deus quem chama o sujeito para uma missão, para a qual ele já
nasce predestinado a cumprir. Esse significado do termo vocação apresenta-se no discurso do
Centro UNISAL, manifesto no Projeto Político Pedagógico quando menciona o tripé no qual
se assenta a educação salesiana – Razão, Religião e Amorevollezza
36
. A22 remete a esse
discurso, ao mencionar a palavra “vocação”, revelando que julga que não há outra forma de
dizer que o fazer docente exige pessoas predestinadas ao exercício do magistério. Em uma
síntese do dizer de A22, descobri minha vocação equivale a “retirei” o que encobria, escondia
a minha predestinação, a missão para a qual vim para este mundo. Ao afirmar que é por meio
das crianças que descobrira a sua vocação para lecionar e é por elas que deseja estudar e
buscar a melhor maneira de ajudá-las em sua humanização, A22 manifesta um dizer
interdiscursivo entendido como um conjunto de formulações feitas e já esquecidas que
determinam o que dizemos, de que fala Orlandi (2005). A22 traz a marca do esquecimento
número um (esquecimento ideológico) que, segundo Orlandi (2005), é da instância do
inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia. A 22 reproduz um
dizer que julga que a educação é a solução para todos os problemas que enfrentamos. Seu
dizer se faz pela ilusão de que esse discurso é seu; entretanto esse é um dizer reproduzido,
determinado pela ideologia e pela história. A Educação e o professor são vistos como
36
Amorevolezza = palavra italiana que não tem tradução literal e expressa o amor que deve permear o ato
educativo.
129
“redentores” do próprio homem, pois somente pela educação e pela ação do professor é
possível humanizá- lo.
Além de revelar pensar-se vocacionada, A22 afirma a necessidade de preparo e
dedicação, uma vez que sua tarefa como professora é nobre: ajudar as crianças a se tornarem
humanas. Não há como não se remeter aos propósitos dos primeiros missionários de tornar
silvícolas (leia-se: não humanos) humanos. O aspecto missionário da atividade docente é
demarcado na palavra “ajuda” que define a nobre tarefa altruísta do profissional professor.
Percebe-se que o discurso de A22 reitera a proposta do Centro UNISAL – U.E. de Lorena que
é uma instituição católica que fundamenta o fazer pedagógico no tripé Razão-Religião-
Amorevolezza, utilizando-se; inclusive, da máxima “a educação é obra do coração” que se
constitui de palavras do próprio fundador da obra salesiana, Dom Bosco. A imagem que A22
faz do fazer docente é a de uma atividade em que há a exigência da vocação para tornar
possível ao professor realizar sua missão de humanizar e mudar as crianças. A22 permite
perceber, em seu discurso, que detém uma imagem da atividade docente relacionada à escola
redentora e transformadora que pode salvar o ser humano, isto é, é preciso freqüentar a Escola
para se ser alguém na vida. Esse é um discurso do cotidiano que afirma que, se não o for pela
Escola e pela ação docente, o ser humano não pode ser reconhecido como ser humano: a
educação é a solução.
O discurso proferido pelas alunas no que se refere ao caráter vocacional do exercício
do magistério, remete à etimologia do termo professor resgatado por Nóvoa (1992). Buscando
ao longo da história, ele encontrou em Kreutz (1986) a referência ao significado do termo
professor que, segundo ele, advém do termo que significa aquele que “professa fé e
fidelidade aos princípios da instituição e se doa sacerdotalmente aos alunos, com parca
remuneração aqui, mas farta na eternidade”
37
. Assim, o professor é aquele ser sublime que
37
Grifo do autor
130
se realiza profissionalmente não pela remuneração que recebe, mas pela satisfação de ver seus
alunos aprendendo, que traduz sua tarefa em sinônimo de amor, dedicação e vocação.
O mesmo dizer pode ser observado no ED6 em que a A19 evidencia, em seu discurso,
a missão salvífica da Escola, missão essa que se realiza por meio da atividade docente, um
dom maravilhoso.
ED6
A19 ...Ser professor é um dom maravilhoso, e que regado com muito amor, tornará os
problemas mais fáceis, pois você ama aquilo que faz. Acredito que tudo pode ser
mudado através da educação.
A19 usa a palavra “dom” que significa “dádiva, presente; qualidade inata” (Ferreira,
2001, p. 244) para se referir à opção pelo magistério, reforçando o caráter vocacional e de
apostolado da profissão. Tal como, para A22, para A19, a docência nas séries iniciais do
ensino fundamental está latente em alguns professores dos quais ela julga ser um.
A 19 revela acreditar que o professor nasceu com o dom para educar e sua tarefa é
nobre, uma vez que, se regar com muito amor, pode tornar mais fáceis os problemas a serem
enfrentados. A palavra “regar” aparece aqui com o sentido de cuidado. Regar com amor
parece evidenciar a necessidade de oferecer o necessário para que a criança cresça saudável
na escola, pois A19 acredita que “tudo pode ser mudado através da educação”.
A 19 evidencia uma imagem do fazer docente relacionado ao aspecto vocacional da
atividade docente que exige pessoas que nasceram com características apropriadas ao
exercício do magistério, principalmente, para as séries iniciais do ensino fundamental.
O enunciado “Acredito que tudo pode ser mudado pela educação” constitui uma
formulação feita sob efeito ideológico e remete a um dizer proferido em outras épocas e que
131
ainda marca o nosso discurso, evidenciando como somos determinados, afetados pela
ideologia. Ao afirmar que pela ação docente há a possibilidade de mudança e que acredita que
a educação é a solução, A19 revela enunciar sob a ilusão de que esse é um discurso que lhe
pertence quando, na verdade, apenas reproduz um dizer presente em discursos de toda
sociedade contemporânea que foi repetido em outros momentos históricos e no presente,
sobretudo, no discurso político. Note-se que, no dizer da aluna, não há referência à docência
como exercício de uma profissão remunerada. Ela silencia esse dizer e comprova que a
escolha pelo magistério tem outras razões que não a econômica. Observe-se como, para ela, se
há amor naquilo que se faz, os problemas se tornam mais fáceis, evidenciando a missão
salvífica da escola e o aspecto vocacional da atividade docente que exige o dom, a dádiva
que, para o exercício de uma atividade missionária, deve ser acrescida de amor.
No ED7, transcrito abaixo, A9 profere um dizer que relaciona a atividade docente
como uma atividade que possibilita evolução ao ser humano:
ED7
A9 Estou aqui porque tenho paixão por esta profissão por ela ser a mais linda das
profissões, pois dá a chance do ser humano evoluir.
Etimologicamente, o termo evoluir significa, conforme Ferreira (2001, p.302), 1.
executar ou sofrer evolução; 2. passar gradualmente de um estado a outro, por uma série de
transformações.
Ao afirmar que o magistério é a mais linda das profissões porque dá a chance do ser
humano evoluir, A9 reproduz o discurso de uma atividade que promove a evolução do ser
humano, que possibilita a passagem gradual de um estado a outro no que se refere a aquisição
dos conhecimentos sistematizados pela escola e que o professor tem a incumbência e
132
responsabilidade de transmitir. Aqui também denota-se o sujeito atravessado por uma
ideologia, segundo a qual a atividade docente se constitui numa profissão que proporciona ao
aluno e a ele (professor) crescer. Ao afirmar estou aqui,porque tenho paixão por esta
profissão, A9 julga que a razão para sua paixão pela docência se explica pelo fato de
considerá-la a mais linda das profissões. O uso das palavras paixão e linda parecem
evidenciar a intensidade que marca a escolha pelo magistério nas séries iniciais do ensino
fundamental.
Os enunciados analisados neste item revelam um sujeito heterogêneo constituído por
um discurso determinado pela ideologia capitalista e pela memória discursiva de que a
docência é uma profissão, mas deve ser exercida por pessoas vocacionadas, escolhidas,
predestinadas a realizar missão de humanizar as crianças, favorecendo seu desenvolvimento.
O aspecto vocacional missionário é fortemente presente nos dizeres das alunas do Curso
Normal Superior do Centro Unisal – U.E. de Lorena que contempla, em seu Projeto Político
Pedagógico, essa dimensão da atividade docente por meio da proposição do objetivo de
formar bons cristãos e honestos cidadãos.
As regularidades lingüísticas evidenciam que a imagem que as alunas fazem da
docência é que se trata de uma atividade para a qual se nasce e possibilita tornar humanos os
alunos, tendo em vista a solução de problemas e a transformação.
2.3. A IMAGEM DO PROFESSOR DE SÉRIES INICIAIS DE NÍVEL DE
ENSINO FUNDAMENTAL
Este item de análise contemplou a regularidade mais proeminente que se relaciona à
imagem que as alunas do curso Normal Superior do Centro UNISAL – U. E. de Lorena têm
de professores que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental.
133
No ED8, transcrito abaixo, A17 afirma em seu dizer, que a atividade docente é missão
e vocação, tal como afirmara A22 no item de análise anterior:
E8
A17 Não estou aqui por acaso, compartilho da idéia de que professor é missão. É
vocação, ele tem que vivenciar o dia-a-dia como se fosse o último de sua vida e
acreditar que seus alunos podem conseguir tudo o que sonharem.
Ao afirmar que “compartilha a idéia de que professor é missão e vocação”, A17
sugere acreditar que a docência exige pessoas que nasceram para exercê-la. O enunciado: não
estou aqui por acaso! ganha o significado de que sua presença na Escola Normal Superior não
é circunstancial, não é contingencial, de que não foi ela que escolheu a docência, mas ela é
que foi escolhida para essa missão. O que equivale dizer “não escolhi a docência como
profissão” no sentido de atividade pela qual se é remunerado.
Essa passagem do enunciado de A17 permite a percepção de um dizer determinado
pela memória discursiva, um já-dito que se manifesta na imagem da atividade docente como
aquela, segundo a qual já existem pessoas pré-destinadas, isto é, não se torna professor: o
professor nasceu para ser professor,
Observe-se, no enunciado de A17, que o sentido das palavras que utiliza é sustentado
pela posição que ocupa enquanto aluna do Curso Normal Superior que a habilitará para o
exercício no magistério das séries iniciais do ensino fundamental, confirmando o postulado
pcheutiano de que o sentido de uma palavra ou expressão não está nela, mas é delimitado,
determinado pela sua condição de produção.
Ao enunciar que precisa “vivenciar o dia-a-dia como se fosse o último”, cujo efeito de
sentido é de que o professor precisa se consagrar à docência, tal a importância de sua
134
atividade, A17 sugere que não se trata, para ela, de profissão, mas de uma atividade que lhe
atribui sentido à vida, que lhe proporciona realização pessoal.
O enunciado “acreditar que seus alunos podem conseguir tudo o que sonharem”
revela o aspecto missionário da atividade docente que, para ela, é responsável pela
concretização dos sonhos dos alunos.
No ED9, abaixo transcrito, pode-se observar a imagem que A27 tem da atividade
docente:
ED9
A27 O professor é pai, mãe, monitor, amigo e se possível doutor, pois tem a missão
de cuidar de todos os alunos com carinho, dedicação, entusiasmo fazendo com que
aprendam de forma inteligente e agradável.
A27 evidencia uma imagem da atividade docente como aquela que exige algumas
características que não revelam a importância da competência profissional. A27 revela uma
imagem de atividade docente que exige, precisa, de pessoas “naturalmente boas”, pois
estariam dispostas a assumir o papel de pai, mãe, monitor amigo e se possível doutor,
portanto, alguém disposto a exercer a nobre tarefa, a grande missão de cuidar de todos os
alunos com carinho.
No imaginário social, instituem-se muitas imagens acerca do professor: a do
“professor-modelo”, a do “professor-espelho”, a do “professor-salvador”, a do professor-
escultor”, a de que o “professor sabe tudo” (Hoff, 2001, p. 89). Uma imagem de professor
que tem a missão de cuidar de todos os alunos com carinho. Etimologicamente a palavra
missão significa, conforme Ferreira (2001, p.465), 1. função ou poder que se confere a alguém
135
para fazer algo; encargo; 2. Obrigação, dever; 3. Instituição de missionários para pregação da
fé cristã.
O dizer de A27 revela a imagem que tem do professor como alguém que deve assumir
outros papéis além do da transmissão de conhecimentos sistematizados, alguém a quem se
confere a função de cuidar de todos. A construção dessa imagem do professor está
relacionada ao fato de socialmente se reconhecer que, para se ser professor é preciso assumir
características de quem exerce a função de cuidar com carinho e dedicação. Assim, A27
profere seu discurso sob o esquecimento número um que resulta do modo como somos
afetados pela ideologia. Ela tem a ilusão de ser a origem do seu dizer, quando, na realidade,
retoma um já-dito próprio de instituições religiosas, como o Centro UNISAL, que determinam
os papéis que o professor deve assumir na atividade docente. Da mesma forma que A17, A27,
ao enunciar “pois tem a missão de ...”, imputa à missão do professor (leia-se ter nascido para
tal, ter sido escolhida para tal) a causa (pois) para dever ser pai, mãe, monitor, amigo, e se
possível doutor e cuidar dos alunos com carinho no exercício da docência nas séries iniciais
do ensino fundamental.
As palavras pai, mãe, amigo e doutor assumem no dizer de A27 um caráter
missionário do professor que assume diversos papéis no exercício de sua profissão. Ser pai,
mãe significa ser aquele que gera vida e tem a responsabilidade de prover os meios para
garantir a manutenção e sobrevivência dos filhos; ser amigo significa ser alguém com quem
se possa contar e partilhar a vida; ser doutor significa ter a capacidade de curar e dar vida
também. O professor é visto, dessa forma, como alguém predestinado a exercer a missão de
cuidar dos alunos com amor, assumindo vários papéis que são determinantes na sua atuação
como docente de séries iniciais do ensino fundamental.
O dizer de A27 no que se refere à palavra mãe que etimologicamente significa 1.
mulher ou qualquer fêmea que deu à luz um ou mais filhos; 2. Fonte, origem (Ferreira, 2001,
136
p. 438) remete a idéia de que existem tarefas específicas para as mulheres, o que, num
determinado momento atendia a interesses histórico-sociais que visavam manter a hegemonia
masculina sobre as mulheres especificando que tarefas cabiam a elas. A partir disso,
desenvolveu-se a idéia de que a mulher é o ser dotado de características inatas, apropriadas ao
exercício do magistério, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental. É assim
que, como já apontado nesta pesquisa, o magistério se constituiu numa atividade extensiva
das atividades domésticas, próprias de quem nasceu para cuidar da casa, do marido e dos
filhos. Assim, as mulheres nasceram para serem mães e, conseqüentemente, professoras.
O discurso de A27 revela a imagem de professor como um ser, acima de tudo,
poderoso, por isso é capaz de cuidar de todos com carinho e dedicação, evidenciando o caráter
ideológico de um discurso construído ao longo da história que atribui ao professor uma
missão para a qual deve ter habilidades específicas e presente no discurso de textos legais,
inclusive na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96) e também no Projeto
Político Pedagógico do Centro UNISAL e que marca o dizer de A27.
Observe-se, no ED10, transcrito a seguir, como A22 apresenta um dizer que se refere
ao SER professor:
ED10
A22 Meu despertar para essa profissão deu-se no contato diário com as crianças, foi
através delas que descobri minha vocação para lecionar e é por elas que desejo
estudar e buscar a melhor maneira de ajuda-las em sua humanização.
Percebe-se, aqui, a imagem do professor para as séries iniciais do ensino fundamental
como um profissional idealizado, como aquele que já nasceu predestinado para cumprir a
137
missão de humanizar . É por acreditar nessa predestinação que estuda no Curso Normal
Superior do Centro UNISAL.
A22 deixa perceber a imagem do professor como alguém portador de um dom, uma
vocação. Observa-se que a atividade docente é influenciada pelo mundo simbólico que nos
rodeia, sendo relacionada a uma vocação e missão: o professor é aquele que já nasce
predestinado para sê-lo e é para cumprir essa missão que deve adquirir o saber para, por meio
desse saber, ajudar os alunos em sua humanização.
O termo humanizar significa “dar condição humana a; humanar; civilizar; tornar-se
humano, humanar-se” (Ferreira, 2001, p.369 – Dicionário Aurélio) e A22 escolhe a palavra
“humanização”, sob a ilusão intradiscursiva, esquecendo-se de que ela tem como
pressuposto ajudar “não-humanos a se tornarem humanos” que evoca um discurso
missionário, catequizador da memória discursiva do professor e presente em uma instituição
religiosa como o Centro UNISAL.
Existe, no discurso de A22, uma imagem de professor como profissional que faz parte
da memória discursiva, isto é, que foi construída na história. Se, por um lado, vivenciamos
uma desvalorização da profissão e conseqüente perda de prestígio, por outro, no plano
simbólico, a imagem do professor permanece elevada, pois sobre ele se colocam muitas
expectativas e responsabilidades: sua atividade assume, no imaginário das pessoas, um caráter
missionário.
No enunciado “desejo estudar e buscar a melhor maneira de humanizá-las” revela
crer que é o Curso Normal Superior que vai lhe proporcionar o saber para o exercício de
humanizar. Ao afirmar que “deseja estudar”, ela enuncia ocupando o “lugar de aluna” como
aquele que não sabe e precisa aprender para ajudar as crianças em seu processo de
humanização, sua grande missão.
138
Faz pressupor por meio da expressão “buscar a melhor maneira” que ela acredita que
existem várias maneiras e o professor de séries iniciais do ensino fundamental é aquele que
escolhe a melhor para realizar a tarefa de formar cidadãos como a sociedade deseja, evocando
a positividade do exercício de poder de que fala Foucault e o objetivo maior proposto pela
educação salesiana contemplado no Projeto Político Pedagógico do Centro UNISAL: formar
bons cristãos e honestos cidadãos.
Essa melhor maneira deve ser empregada para uma atividade na qual se pode perceber
a imagem que tem em relação ao SER professor como alguém que detém saberes, dos quais
escolhe o melhor e possui uma missão cristã: a de humanizar (leia-se: a de tornar humano
alguém que não o é). E, para poder cumpri-la, precisa ser legitimada pela freqüência no Curso
Normal Superior.
No ED11, abaixo transcrito, observe-se que A25 se refere ao professor como
profissional que melhora o mundo:
ED11
A25 Quando escolhi esta profissão tive como objetivo ensinar, orientar, instruir
procurando fazer o melhor que posso como uma educadora, visando através deles,
que serão o nosso futuro, um mundo melhor.
Aqui também se observa, no dizer de A25, a imagem do professor como um
profissional idealizado como alguém que tem um objetivo específico: detentor do saber para
instruir os alunos para que atinjam um futuro melhor. Ela enuncia sob a ilusão de produzir
esse dizer, já que faz parte do contexto sócio-histórico o dizer que afirma que a tarefa docente
consiste em ensinar, orientar e instruir com vista à construção de um mundo melhor. Revela,
139
em seu dizer, um dizer do senso comum de que as crianças são o nosso futuro e de que cabe
ao profissional professor prepará-las para construir a sociedade que almejamos.
A imagem de professor de A25 evidencia o caráter transformador de sua atuação como
docente. O professor é visto como alguém com capacidade e poder de transformar o mundo..
É por meio da educação e, conseqüentemente, da sua atuação como professora que será
possível transformar o mundo e melhorá-lo conforme os padrões que almeja a sociedade. Essa
marca também é evidente no Projeto Político-Pedagógico do Centro UNISAL que contempla
no perfil profissiográfico do aluno/profissional que pretende formar as características
necessárias para contribuir para a formação de cidadãos críticos, responsáveis e participativos
capazes de construir um futuro melhor. Esse dizer proferido por A25 revela também o quanto
somos interpelados por uma ideologia que determina o nosso dizer e as posições que
assumimos enquanto sujeitos sócio-históricos.
No ED12, observe-se que A32 se refere ao professor como sábio e portador da
capacidade e poder de formar cidadãos mais humanizados:
ED12
A32 O professor é um ser sábio que tem nas suas mãos a capacidade de formar
cidadãos mais humanizados e atuantes...
Como já mencionado, conforme Ferreira (2001, p. 369), humanizar significa dar
condição humana a; civilizar; tornar-se humanos. A palavra atuante (Ferreira, 2001 opcit
p.369) significa 1. que está em ato ou exercício de sua atividade e 2. se refere a quem age e
não se omite”. Ao afirmar que o professor tem a “capacidade de formar cidadãos mais
humanizados e atuantes”, A32 faz pressupor por meio do advérbio “mais” que as crianças são
menos humanizadas e menos atuantes e o professor, enquanto sábio, transformá-la-á em um
140
ser mais humano e mais atuante, isto é, que não se omite na sociedade em que vive. O
discurso de A32 se evidencia atravessado por várias vozes que determinam o papel
missionário e transformador do professor das séries iniciais do ensino fundamental, sendo ele
incumbido de fazer efetivar a tarefa da Escola de tornar humanas as crianças e torná-las mais
atuantes.
O termo sábio significa “1. que sabe muito, 2. que encerra sabedoria. 3. sensato,
judicioso; 4. homem erudito; sabedor” (Ferreira, 2001, p. 617). Ao enunciar que o “professor
é um ser sábio”, A32 faz pressupor que o professor é um ser especial.
Na menção do professor como um sábio, A32 deixa perceber que o considera detentor
de poder, pois tem nas mãos a “capacidade de formar cidadãos” evocando a positividade do
poder disciplinador de que fala Foucault e a proposta da educação salesiana de formar bons
cristãos e honestos cidadãos. O professor visto como um ser sábio revela sua posição no
imaginário social: alguém acima e que ocupa lugar relevante na sociedade, pois forma
“cidadãos atuantes e mais humanizados”.
Neste item de análise, percebe-se, no enunciado das alunas do curso Normal Superior,
o passado sempre presente no sentido de que, apesar das conquistas da mulher, ainda
permanece, no imaginário social uma imagem de professora como um ser que nasceu dotado
de características apropriadas para o exercício da docência. Se a professora é um ser sábio
com características apropriadas, reúne habilidades que facilitam o exercício do magistério que
constitui um fazer extensivo de sua tarefa como mãe e dona de casa, não precisando dessa
forma de reconhecimento ou de uma remuneração privilegiada, daí o paradoxo: ser nobre,
relevante socialmente e não precisar de remuneração à altura dessa importância e ela
perpetuar esse paradoxo por assumi-lo como natural. Além de submeter-se à ideologia
dominante de que mulher nasceu para ser mãe e professora, ela carrega, ainda, a
obrigatoriedade de ser sábia e, para exercer com competência sua tarefa, deve estar sempre
141
atualizada, revestindo-se de um saber-poder que se traduz na magnitude de seu fazer: a
formação de bons cidadãos para a sociedade que almeja construir.
Além disso, a professora assume papéis para exercer sua tarefa: além de ser pai, mãe,
monitor e amigo deverá ser, se possível, doutor. A imagem de professor como um ser, acima
de tudo, poderoso e capaz de cuidar com carinho, dedicação e entusiasmo evidenciam o
caráter ideológico de um discurso construído na história que atribui ao professor uma tarefa
nobre para a qual tem habilidades. O professor é visto também como alguém responsável pelo
aprendizado do aluno que deve ser, acima de tudo prazeroso, que ressoa o conteúdo dos textos
legais, inclusive na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) e também
no Projeto Político Pedagógico do Centro UNISAL – U.E. de Lorena.
Neste capítulo, que ora se encerra, foram analisados recortes de depoimentos (ED) das
alunas do Curso Normal Superior do Centro UNISAL – U. E. de Lorena.
Do primeiro item de análise conclui-se que as alunas revelaram-se determinadas por
uma memória discursiva de que a docência em séries iniciais da educação formal é
considerada atividade tipicamente feminina. O exercício do magistério, ao longo da história, é
visto como uma possibilidade de profissionalização da mulher que pode conciliar as tarefas
domésticas, estendendo-as ao cuidado de crianças na escola. As alunas como sujeitos
determinados pela memória discursiva enunciam sob a ilusão de que esse dizer lhes pertence,
quando, na verdade, apenas reproduzem o já-dito de que a mulher detém características e
habilidades específicas que lhe outorga a tarefa de educar e de se dedicar ao magistério nas
séries iniciais do ensino fundamental.
Os dizeres das alunas evidenciam o caráter vocacional e missionário da atividade
docente que exige amor e dedicação e pessoas com características apropriadas para o
exercício do magistério, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
142
No item de análise que se refere à imagem que elas têm da atividade docente nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, os dizeres das alunas levam à conclusão de que ela é vista
como uma profissão capaz de transformar e contribuir para a construção de um mundo
melhor, constituindo uma atividade própria para as mulheres que possuem atributos
necessários para o exercício no magistério para as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Esses dizeres reiteram a imagem do fazer tipicamente feminino que evidencia o aspecto
vocacional da atividade docente, pois são as mulheres os seres dotados de habilidades inatas e
características apropriadas para o exercício do magistério, principalmente nas séries iniciais
do Ensino Fundamental.
No item que se refere à imagem que as alunas têm do professor que atua nas séries
iniciais do ensino fundamental percebe-se que as alunas repetem o dizer que atribui ao
magistério o caráter vocacional, missionário, de múltiplas atribuições e capaz de transformar e
humanizar as crianças. O professor é visto como alguém importante para a sociedade pelo fato
de deter o saber e o poder de realizar a nobre missão de humanizar aos alunos transformando-
os em cidadãos atuantes. Esse dizer compartilha do discurso da Escola redentora que
possibilita a transformação dos alunos, tendo em vista as transformações necessárias para
tornar nossa sociedade mais justa, solidária e democrática. Detentor de saber o professor, é
visto como alguém responsável pelo futuro enquanto forma cidadãos do futuro.
Conclui-se nesse capítulo que os dizeres das alunas são determinados por um já-dito
construído na história e demarcado por uma ideologia que nos interpela enquanto sujeitos,
fazendo com que inconscientemente reproduzam esses dizeres. A análise do discurso nos três
itens confirmam a hipótese levantada de que o magistério é uma atividade tipicamente
feminina e, para além dessa comprovação, evidencia o caráter vocacional e missionário do
magistério que silencia o seu caráter profissional e econômico.
143
CAPÍTULO 3
AUTOBIOGRAFIA E ESCRITA DE SI
Analisados, no capítulo anterior, os discursos das professoras no questionário em que
responderam sobre as razões que as levaram a se inscreverem no Curso Normal Superior,
analisam-se, neste capítulo, os textos autobiográficos por meio dos quais se pretendeu atingir
dois objetivos específicos, a saber: desenvolver nas professoras a habilidade de redigirem uma
tipologia textual e verificar se, por meio dessa escrita, realizam um auto-conhecimento sobre a
escolha da docência.
Mais especificamente, este capítulo relata a análise dos textos autobiográficos
redigidos pelas alunas-professoras de Curso Normal Superior, ancorando-se no pressuposto
foucaultiano de que o falar sobre si – constitutivo da autobiografia – possibilitaria às alunas se
conhecerem e, por conseguinte, consolidarem ou não os motivos de sua opção pelo magistério
nas séries iniciais do ensino fundamental.
3.1. PROFESSORAS DE CRIANÇAS: UM FAZER FEMININO
Como mencionado nas condições de produção do discurso, solicitou-se que as alunas
do Curso Normal Superior redigissem um texto em que relatassem a sua trajetória de vida até
aquele momento em que se encontravam freqüentando o curso.
Para efeito de se compararem os dizeres presentes no questionário e no texto
autobiográfico e, para facilitar a leitura desta dissertação, transcrevem-se novamente os
primeiros excertos.
144
ED1 (retranscrição)
A11 Escolhi este curso porque gosto de trabalhar com crianças.
Ao ter afirmado que a opção pelo Normal Superior fora determinada pelo fato de
“gostar de criança”, no capítulo de análise anterior que focalizou o discurso produzido pelas
alunas nos questionários, A11 revela ter enunciado julgando-se dona de seu dizer, quando, na
verdade, proferira um dizer interdiscursivo determinado pela memória discursiva, repetindo
um “já-dito” que determina a imagem da mulher como ser especial, perfeito, para trabalhar
com as crianças.
No recorte discursivo, isto é, fragmento ou excerto de texto autobiográfico (doravante
EA), redigido como atividade em sala de aula, foco deste capítulo de análise, A11 inicia um
relato memorialista de sua história mais recente e relativo ao magistério:
EA 14
A11 Em 2002 entrei para fazer o magistério e foi lá que descobri que minha vocação
seria ensinar. (...) Aqui estou e não pretendo parar mais, pois ensinar é contagioso e
sempre que procuramos aprender mais com certeza nos inovamos.
Como se pode observar, ao redigir seu texto, A11 faz uma retrospectiva de sua vida,
como requer uma autobiografia, mencionando quando iniciara a experiência docente,
afirmando que se descobrira nessa atividade,. A palavra descobrir, segundo Ferreira (2001, p.
216) significa, entre outras coisas, “tirar a cobertura que ocultava, deixando à vista, deixar
ver, mostrar; perceber e reconhecer”, evidenciando que, para A11, é como se sua vocação
estivesse latente e sua entrada no magistério permitiu essa descoberta. Assim, sua vocação “já
estava lá” e apenas e veio à tona. Mantendo ainda a essência da característica autobiográfica
145
que constitui uma materialização do dispositivo da confissão e da escrita de si, também se
nota que, embora não argumente por meio de um operador argumentativo, deixa patente que o
seu ingresso no Curso Normal Superior se deve a essa descoberta.
Logo em seguida, entretanto, A11 vai além da autobiografia: se, na elocução aqui
estou, com verbo no presente do indicativo cujo sentido aspectual é o de meramente descrever
um estado atual, o presente do indicativo em sua forma negativa em não pretendo parar mais,
não tem esse mesmo efeito de sentido, mas o da convicção. Essa elocução revela que a
atividade da redação da autobiografia promoveu, ainda que não pretendesse, um certo
conhecimento sobre si. Observe-se, ainda, que esse conhecimento sobre si, deflagrado pela
escrita da autobiografia, não se limita no plano do relato, mas é argumentado pela conjunção
de valor explicativo pois seguida da explicação: ensinar é contagioso e sempre que
procuramos aprender mais com certeza nos inovamos. A metáfora ensinar é contagioso
corrobora a convicção de que ela se sente realizada por meio do fazer docente. O sentido
dessa metáfora não é o do senso comum de que o contágio ocorre de uma pessoa para outra,
mas o de que ela, A11, se auto-contagia pelo ato de ensinar. Acrescenta a essa metáfora a
asserção de que estudar leva à inovação, asserção essa que remete a seu enunciado anterior de
que não pretende parar mais. Ao afirmar que “não pretende parar mais” A11 revela-se um
sujeito incompleto em busca de realização que acredita ser possível por meio do exercício da
docência para as séries iniciais do ensino fundamental.
Esse caminho argumentativo que transcende o relato memorialista, próprio da
autobiografia, parece comprovar o funcionamento do dispositivo da confissão e da escrita de
si de que fala Foucault: ao “confessar-se” autobiograficamente, isto é, escrevendo sobre si,
não apenas se tornou visível a quem lê seu texto, mas e, sobretudo, para ela mesma,
produzindo a “escrita de si”.
146
Proceda-se à análise do excerto de discurso retirado do texto autobiográfico (ED) de
outra aluna-professora. No capítulo de análise anterior, A10 afirmara ter optado pelo
magistério pelo fato de “gostar demais de crianças”, como se observa no ED2, novamente
transcrito para efeito de fluência de leitura:
(ED2) (retranscrição)
A10 A primeira razão que me levou a optar pelo Curso Normal Superior foi gostar
demais de crianças.
No texto autobiográfico que lhe coube redigir como atividade de ensino e
aprendizagem da tipologia textual autobiografia, A10, no EA15, abaixo transcrito, confirma,
reitera o seu dizer do capítulo de análise anterior:
EA15
A10 Desde criança sonhava em montar uma escolinha, brincava freqüentemente de
escolinha com minhas bonecas e minha irmã. (..) Foi então que optei pelo Normal
Superior. Meus pais me apoiaram na minha escolha, mas outras pessoas chegaram a
me chamar de louca e falar que eu não ganharia bem, que eu tinha capacidade pra
fazer coisas melhores. (..) Hoje estou cursando o 2º ano de Normal Superior no
Unisal, estou amando o que faço e a cada dia que passa sou mais apaixonada pelo
que faço, pelas minhas crianças e pela educação.
Observe-se que A10 ratifica sua opção, quando, na tarefa de redigir a autobiografia,
recorre a sua memória, lembra-se das brincadeiras da infância e as relata. Como se pode
notar, essas brincadeiras já se mostravam demarcadas pelo fazer docente que se revela
determinado por um discurso feminino: brincar com bonecas é um treino do fazer materno, e
ela brincava de escolinha com as bonecas.
147
Ao se referir à opção pelo magistério para séries iniciais, A10 revela que, embora seus
pais a tivessem apoiado, ouviu críticas que constituem um dizer do senso comum atual que
desvaloriza o fazer docente de uma maneira geral. A10 faz referência ao problema de onde
partiu esta dissertação, ao dizer que algumas pessoas argumentaram que ela não ganharia
bem e que ela tinha capacidade pra fazer coisas melhores. Observem-se, nesse dizer, a visão
desprestigiada de que a docência relativa às séries iniciais do nível de ensino fundamental é
mal remunerada e a visão simplificada e reducionista do fazer pedagógico dessas séries que
desmotivariam qualquer indivíduo que busca uma ocupação remunerada e imposta pelo do
sistema capitalista.
A10, entretanto, revela não se ter deixado convencer por esses sensos comuns: revela
que aquele fazer docente embrionário na infância foi constituindo sua identidade e ganhou
uma forma incisiva, ao ponto de levá-la a afirmar que está amando o que faz e que a cada dia
está mais apaixonada pelo que faz, e, ao se referir às crianças, assume-as como “suas” –
minhas crianças. É oportuno, aliás, que se mencione que o pronome pessoal “minhas” dessa
expressão não corresponde ao de “meu trabalho” ou ao de “meus funcionários” que
constituiriam, respectivamente, “o trabalho que exerço” e “as pessoas que trabalham para
mim”. “Minhas crianças” constituiriam “as crianças que dependem de mim”; assumindo as
crianças para si, A10 revela o amor que sente por elas, característica própria das mulheres-
mães.
Ao se referir ao fazer profissional docente, também não lhe atribui uma qualificação
própria de relação trabalhista, mas de paixão: a cada dia que passa sou mais apaixonada (...)
pela educação.
Em síntese, da mesma forma que A11, cujo discurso foi analisado no E14, A10
comprova os postulados foucaultianos da confissão e da escrita sobre si mesmo, segundo os
quais essa atividade permite um conhecimento sobre si.
148
Focalize-se, a seguir, a análise no discurso de A12. No EA16 que corresponde ao dizer
de A12, analisado no capítulo de análise anterior, a aluna proferira um dizer que evidenciava
sua opção pelo imenso amor que sentia pelas crianças e que não conseguiria se ver fazendo
outra coisa, como se pode verificar na retranscrição abaixo.
(ED3) (retranscrição)
A12 Eu escolhi esta profissão pelo imenso amor que tenho por crianças, não
conseguiria me ver fazendo outra coisa.
Em estilo mais informal que parece acompanhar o fluxo da memória que A12 resgata,
em seu texto autobiográfico, profere:
EA16
A12 É engraçado que eu desde menina, a minha brincadeira preferida era de
“escolinha”. Me lembro bem que era exigente, os caderninhos dos meus aluninhos
eram impecáveis, e isso é legal pois eu já me espelhava em meu futuro. (...) foi assim
que fui despertando de pouquinho em pouquinho o gosto pela coisa. (...) Meu objetivo
é ser uma das melhores professoras.
Note-se que A12 revela que, já na infância, incorporara atitudes e gestos de mãe (era
exigente e os caderninhos eram impecáveis) na sua atividade de brincar de escolinha,
aproximando-se do discurso de A10 e revelando a, já observada no capítulo anterior
determinação da escolha pela docência para séries iniciais por um discurso feminino. No uso
do diminutivo “escolinha”, A12 faz uma retrospectiva temporal e usa do termo que crianças
atribuem à Escola. Embora esse uso remeta à infância, também faz parte do vocabulário de
professores de séries iniciais do ensino fundamental o uso de diminutivos como
149
caderninhos”. Ao usar o diminutivo “aluninhos”, A12 evidencia o carinho com que o
professor deve exercer a atividade docente, pois seres frágeis (os aluninhos) necessitam de
atenção redobrada e requerem carinho, daí a necessidade de “ser uma da melhores
professoras”. Ao afirmar que, na infância, já se “espelhava” em seu futuro, deixa perceber
que agia como se já soubesse qual seria sua ocupação futura, o que confirma, reitera, ratifica
um dizer anterior (no ED3), no qual proferira que não conseguiria se ver fazendo outra coisa.
Ao falar sobre si, A12 comprova o postulado do assujeitamento ideológico, segundo o qual
nos submetemos à ideologia – sem que percebamos – em nossa constituição enquanto sujeitos
de nosso dizer, um dizer demarcado pela ideologia que construiu uma imagem do professor de
séries iniciais do ensino fundamental como aquele a quem cabe a tarefa de cuidar de crianças,
assumindo esse caráter constitutivamente feminino.
Perceba-se que, de forma análoga a A11 e a A10, respectivamente, no excerto de
autobiografia 14 (EA14) e no excerto de autobiografia 15 (EA15), deste capítulo de análise,
A12 também se desloca do texto autobiográfico e deixa perceber que se conhece ao afirmar:
Meu objetivo é ser uma das melhores professoras. O verbo ser no tempo presente do modo
indicativo – é – de é ser uma das melhores professoras não mais pertence a um relato
memorialista, mas a uma descoberta sobre si. Confirma-se, novamente, a eficácia do caráter
confessional da atividade de redigir a autobiografia: sem que perceba, A12 revela entender-se
um pouco mais e, dada essa compreensão, reafirma a sua convicção em se dedicar à atividade
docente em níveis de ensino básicos.
Analise-se, a seguir, o discurso de A19, no questionário (ED6), retranscrito, e no texto
autobiográfico (EA19):
(ED6) (retranscrição)
150
A19. Ser professor é um dom maravilhoso, e que regado com muito amor, tornará os
problemas mais fáceis, pois você ama aquilo que faz. Acredito que tudo pode ser
mudado através da educação.
A 19 permite que se perceba em seu discurso que detém uma imagem da atividade
docente relacionada à escola redentora e transformadora que pode salvar o ser humano e este
dizer é repetido em sua autobiografia, como se observa na transcrição abaixo:
EA19
A 19 (...) ser professora é uma tarefa árdua, mas também muito gratificante (...) é
preciso ter amor pelo o que se faz.
Se, nos excertos autobiográficos anteriores, predominavam o caráter remissivo à vida
requerido pelo texto autobiográfico e apresentava traços, certamente incontroláveis, de
conhecimentos de si, no texto autobiográfico da aluna-professora A19, predomina o caráter
argumentativo. Sob o ponto de vista de caracterização do texto autobiográfico, pode-se dizer
que ela incorreu em desvio desse tipo de texto.
Note-se que A19 repete um dizer segundo o qual o magistério é tarefa para mulheres:
embora não seja possível afirmar que ser professora, escrita no feminino, refere-se a A19, ela
própria, ou a professoras de uma maneira geral, trata-se de um fazer feminino.
Também como as outras alunas-professoras, A19 revela que o magistério não é
constituído de uma relação meramente trabalhista e não constitui uma atividade apenas
profissional, ao afirmar que é preciso ter amor pelo [o] que se faz.
Fugindo completamente a tipologia textual da autobiografia, o excerto discursivo de
A19 revela o funcionamento da confissão associada à atividade de escrita que caracterizam o
gênero autobiográfico, um funcionamento já detectado por Uyeno (2006), ao analisar as
resenhas redigidas por alunas-professoras de cursos de especialização. É, ao falar sobre si, que
A19 reconhece que a tarefa docente é árdua e ao mesmo tempo gratificante. É possível dizer
151
que A19, em lugar de redigir uma autobiografia, tenha redigido um monólogo: ela escreveu
para si mesma, ela se fez ouvir por ela mesma.
A análise dos textos autobiográficos redigidos pelas alunas do Curso Normal Superior
que aqui se conclui permite concluir a relevância da proposição da atividade de redação do
tipo textual autobiografia, por ela permitir ao aluno falar sobre si, uma atividade com pouco
espaço na sala de aula, e esse falar sobre si (postulado foucaultiano) permitir-lhe conhecer-se
um pouco mais. No caso do presente estudo, a redação da autobiografia permitiu às alunas
reafirmarem que não se enganaram na escolha da carreira. Permitiu-lhes, ainda, ratificar que
realmente apreciam o que fazem, evidencia pelo seu o silêncio em relação ao aspecto
profissional e econômico da atividade docente.
Da análise desse capítulo, conclui-se a importância da proposição da atividade da
escrita de cunho memorialista no Curso Normal Superior, para que as alunas falem sobre si o
que não tem sido estimulado ou permitido não só no âmbito da Educação, como em quaisquer
âmbitos sociais.
Falar sobre si transcende o efeito da liberação – o efeito terapêutico da confissão do
postulado foucaultiano – e ganha um segundo efeito: o conhecer-se um pouco mais como
professor e como sujeitos que se inserem no fazer capitalista e ter de trabalhar – o efeito de
conhece-se um pouco mais para, como detecta Uyeno (2006) liberar-se da angústia socrática
de se saber que não se sabe.
.
152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do discurso produzido por alunas do Curso Normal Superior comprovou a
hipótese da qual partiu esta dissertação de que elas o procuram determinadas por um discurso
histórico de que a docência para as séries iniciais constitui uma atribuição feminina.
Esse discurso histórico se manifestou por meio de regularidades discursivas
observadas nos textos das alunas de 2º e 3º anos do Curso Normal Superior do Centro
Universitário Salesiano de Lorena – UNISAL que permitiram identificar a determinação da
memória discursiva do fazer docente para as séries iniciais do Ensino Fundamental de que
constitui uma atividade extensiva do papel feminino, atividade essa que se inicia com a
instituição das Escolas Normais que determina as imagens que elas têm da atividade docente.
A criação das Escolas Normais públicas no Brasil data da época da província
evidenciando a preocupação com a formação de professores. No início tiveram de se
acomodar ao ensino secundário ministrados nos Liceus, essencialmente masculinos e, nessa
época, o papel da mulher se resumia às tarefas domésticas. A mulher obteve o direito à
educação, em virtude da criação das escolas primárias, em 1827,por determinação legal (Lei
de 15/10/1827) conquistando espaço, pois, numa escola essencialmente masculina não se
concebia a idéia de tutores de sexo diferente dos alunos. Assim, percebe-se que,
historicamente o caráter feminino da docência, principalmente para as séries iniciais do
Ensino Fundamental, é demarcado pela idéia de que a mulher é o ser apto para o exercício do
magistério por ser dotada de características apropriadas, relacionadas à maternidade e sua
feminilidade. Para a mulher, o magistério constituía uma atividade extensiva do lar, pois era a
única que possibilitava conciliar suas tarefas domésticas com o exercício de uma profissão,
fator que interferiu na pouca valorização do magistério: a mulher não precisava ganhar muito
153
porque não era a responsável pela manutenção de seu lar. É essa a justificativa apresentada
pelas alunas em seu discurso para a sua escolha pelo Curso Normal Superior.
Observa-se, ainda, nos enunciados das alunas que a opção pelo Curso Normal Superior
é demarcada pela imagem que elas têm de professores de séries iniciais do nível de Ensino
Fundamental, considerados por elas como pessoas vocacionadas e movidas pela possibilidade
de realização profissional, não pela via da remuneração, mas pela realização pessoal em
realizar a missão de humanizar as crianças, possibilitar-lhes evolução e de transformá-las para
contribuir para um futuro melhor.
O dizer proferido pelas alunas do Curso Normal Superior evidencia que a freqüência
no curso representa para elas a possibilidade de atualização e de preparação para o exercício
da profissão que constitui um fazer tipicamente feminino, para o qual as mulheres nascem
predestinadas a exercer por causa de características que lhes são inerentes.
A análise do corpus nos permite observar e concluir que o discurso é uma construção
social que somente pode ser analisado, levando-se em conta o contexto histórico-social – a
relação língua-discurso-ideologia – comprovando que não há discurso sem sujeito e não há
sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a
língua faz sentido.
As regularidades discursivas observadas nos dizeres das alunas evidenciam esse
postulado permitindo perceber o significado desse dizer na sua constituição enquanto sujeito.
A formação histórico-social que as interpela é revelada por meio da escrita e é a língua
o meio pelo qual se efetiva a condição do sujeito de realizar atos de interpretação, tomadas de
posição como efeitos de identificação assumidos, caracterizando-as como sujeito, porém um
sujeito que não é fonte de seu dizer que é essencialmente ideológico.
A análise do segundo corpus constituído de autobiografias permitiu a conclusão de que
as alunas reiteram os resultados obtidos da análise do primeiro corpus, no sentido de que
154
escolheram a freqüência no Curso Normal Superior deeterminadas pela memória discursiva
de que se trata de uma atividade essencialmente feminina.
Permitiu ainda, a conclusão de que a proposição da atividade de redação de textos
autobiográficos, possibilita ao aluno falar sobre si e esse falar sobre si permitir-lhe conhecer-
se um pouco mais. Esse conhecer-se a partir da atividade de redigir um texto autobiográfico é
permitido pelo funcionamento do dispositivo da confissão e da atividade de escrever sobre si
mesmo que permitem, ainda que os redatores não o percebam, conhecerem-se um pouco mais.
Percebe-se que, de maneira geral, a vida em sociedade não tem cedido espaços para
que se fale de si e que também não se tem contemplado atividades que permitam alunos a
falarem sobre si.
Dessa forma, esta dissertação espera poder contribuir para a compreensão da
relevância da proposição de atividades pedagógicas cotidianas que permitam aos redatores a
possibilidade de conhecerem-se um pouco mais como professores e sujeitos inseridos num
contexto sócio-histórico que determina o seu fazer.
155
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163
ANEXOS
ANEXO A – Quadro síntese da legislação sobre o Curso Normal Superior
ANEXO B – Questionário
ANEXO C – Autobiografia
164
QUADRO SÍNTESE DA LEGISLAÇÃO SOBRE O CURSO
NORMAL SUPERIOR
RESOLUÇÃO DECRETO PARECER
CNE/CP
38
nº 01 de
30/09/1999: dispõe sobre os
Institutos Superiores de
Educação, considerando os
artigos 62 e 63 da Lei
9394/96 e o art. 9º,
parágrafo 2º, alíneas “c” e
“h” da Lei 4024/61, com
redação dada pela Lei
9131/95.
Decreto nº 3.276/99, de
06/12/1999: dispõe sobre a
formação em nível superior
de professores da Educação
Básica. Regulamenta os
artigos 62 e 63 da LDBEN,
confirmando, em seu artigo
3º, parágrafo 2º, que a
formação em nível superior
de professores para a
atuação multidisciplinar
destinada ao magistério da
EI e AIEF
39
far-se-á
exclusivamente em cursos
normais superiores.
CNE/CES
40
nº 970/99, de
09/11/99 trata das
especificidades dos Cursos de
Pedagogia e Normal Superior,
reforçando a distinção entre os
Cursos de Pedagogia e Normal
Superior evidente no artigo 64
da LDBEN. Provisoriamente
propôs, enquanto não estavam
estabelecidas e aprovadas as
diretrizes curriculares do Curso
Normal Superior, que o Curso de
Pedagogia poderia ministrar
habilitações para a formação de
professores para a EI e AIEF
CNE/CP nº 01 de
18/02/2002: institui as
Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação
Decreto nº 3.554/2000, de
07/08/2000: dá nova
redação ao parágrafo 2º do
art. 3º do Dec. 3.276 /99, de
CNE/CP Nº 09/2001 de
08/05/2001: Diretrizes
Curriculares para a formação
inicial de professores da
38
CNE/CP = Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno
39
EI – Educação Infantil AIEF = Anos Iniciais do Ensino Fundamental
40
CES = Câmara de Educação Superior
165
de professor da Educação
Básica em nível superior,
licenciatura de graduação
plena.
06/12/1999, que passou a
ter a seguinte redação: “a
formação em nível superior
de professores para a
atuação multidisciplinar,
destinadas ao magistério na
EI e nos AIEF far-se-á
preferencialmente em
cursos normais superiores”
Educação Básica em nível
superior. Deu origem à
Resolução 01/202.
CNE/CP nº 2 de
19/02/2002: institui duração
e carga horária dos cursos
de licenciatura, de
graduação plena, de
formação de professores da
Educação Básica em nível
superior.
CNE/CP Nº 21/2001 de
06/08/2001: Não homologado
por ter sido retificado pelo
Parecer nº 28/2001.
CNE/CP nº 1 de 15 de maio
de 2006: estabelece, no art.
1º, as Diretrizes curriculares
para o curso de graduação
em Pedagogia, licenciatura,
definindo os princípios,
condições de ensino e de
aprendizagem,
CNE/CP Nº 27/2001: dá nova
redação ao item 3.6, alínea “c”
do Parecer CNE/CP 09/2001.
166
procedimentos a serem
observados em seu
planejamento e avaliação
apelos órgãos dos sistemas
de ensino e pelas
instituições de educação
superior nos termos
explicitados nos Pareceres
CNE/CP nº 5/2005 e
3/2006; no art. 2º,
estabelece que as Diretrizes
curriculares para o curso de
Pedagogia aplicam-se à
formação inicial para o
exercício da docência na EI
e AIEF.
CNE/CP Nº 28/2001: dá nova
redação ao Parecer CNE/CP
21/2001, que estabelece a carga
horária e a duração dos cursos de
formação de professores da
Educação Básica em nível
superior, curso de licenciatura,
de graduação plena.
CNE/CEB
41
nº. 133/2001, de
30/01/2001: estabelece que a
oferta de cursos destinados à
formação de professores de nível
superior para atuar na EI e AIEF
obedecerá a alguns critérios: a)
quando se tratar de
universidades e de centros
41
CEB = Câmara de Educação Básica
167
universitários, os cursos poderão
ser oferecidos preferencialmente
como Curso Normal Superior ou
como curso com outra
denominação, desde que
observadas as diretrizes
curriculares; b) as instituições
não-universitárias terão que criar
os ISE, caso pretendam formar
professores em nível superior
para EI e AIEF, e essa formação
deverá ser oferecida em Curso
Normal Superior obedecendo
ao disposto na Resolução
CNE/CP 1/99.
168
Esta pesquisa será/está sendo realizada pela pesquisadora Maria Cristina dos Santos
Pinto, aluna do Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada da Universidade de
Taubaté, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística
Aplicada. A pesquisadora informa que a sua participação não acarretará quaisquer danos à
sua pessoa, não constando o seu nome ou qualquer outro dado que possa identificá-lo(a), na
dissertação final ou em qualquer publicação que possa resultar desta pesquisa.
Tendo ciência das informações sobre a pesquisa,
EU__________________________________________________________________,
RG nº _______________________ AUTORIZO a utilização, na dissertação a ser
apresentada ao Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada da Universidade de
Taubaté e em publicações dela resultantes, dos dados por mim fornecidos.
QUESTIONÁRIO
1. Para você o que significa SER professor(a) alfabetizador(a) ?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
____________________
2. Qual foi o principal motivo que o(a) levou a escolher essa profissão?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
169
Esta pesquisa será/está sendo realizada pela pesquisadora Maria Cristina dos Santos
Pinto, aluna do Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada da Universidade de
Taubaté, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística
Aplicada. A pesquisadora informa que a sua participação não acarretará quaisquer danos à
sua pessoa, não constando o seu nome ou qualquer outro dado que possa identificá-lo(a), na
dissertação final ou em qualquer publicação que possa resultar desta pesquisa.
Tendo ciência das informações sobre a esquisa,
EU__________________________________________________________________,
RG nº _______________________ AUTORIZO a utilização, na dissertação a ser
apresentada ao Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada da Universidade de
Taubaté e em publicações dela resultantes, dos dados por mim fornecidos.
AUTOBIOGRAFIA
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
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