96
outro, normalizando o trabalho precário.
213
Isto comprova a solução de continuidade que as
funções sociais e punitivas assumem na política geral do Estado, tornando indispensável
compreender suas funções conexas e suas transformações. Um primeiro passo pode ser dado
ao se recordar da origem desta instituição total, que nos seus primórdios oscilava entre as po-
orhouses e workhouses. A tendência que presentemente se assinala portanto, desde os Estados
Unidos, é a substituição progressiva do Estado social pelo Estado penal.
Assim deve-se acatar a hipótese de que o encaminhamento rumo a uma gestão carcerá-
ria da pobreza é mais pronunciado quando a política econômica e social do país considerado é
fortemente inspirada nas teorias neoliberais, e o Estado do bem-estar em questão é pouco de-
senvolvido.
214
Há vários estudos empíricos confirmando-a. MICHAEL CAVADINO e
JAMES DIGNAN, num sugestivo artigo intitulado Penal policy and political economy
215
concluem, após analisar as diferentes políticas econômicas e a severidade punitiva de doze
países (Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Alemanha, Ho-
landa, França, Itália, Suécia, Finlândia e Japão), a partir das distintas taxas de encarceramento
neles encontrada, que há um acentuado vínculo que une as últimas às primeiras segundo a
seguinte premissa: quanto menor a presença social do Estado maior o numero de pessoas no
interior de suas prisões.
216
Em que medida essa relação varia, ou em que intensidade o vínculo
se estabelece é um enigma que não cabe aqui tentar decifrar. Mas no nível das tendências, há
213
WACQUANT, As prisões da miséria. p. 96: “Longe de contradizer o projeto neoliberal de desregulamentação
e falência do setor público, a irresistível ascensão do Estado penal americano é como se fora o negativo disso –
no sentido avesso mas também revelador -, na medida em que traduz a implementação de uma política de crimi-
nalização da miséria que é complemento indispensável da imposição do trabalho assalariado precário e sub-
remunerado como obrigação cívica.”
214
WACQUANT, Loïc. A tentação penal na Europa. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano 7. n
11. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 7-13. Este número da revista brasileira editada pelo Instituto Carioca de
Criminologia, do Rio de Janeiro, reproduziu o número 124 da revista francesa Actes de la Recherche en Sciences
Sociales intitulado De L’État social à L’État pénal, publicada em setembro de 1998, à época dirigida por Pierre
Bourdieu. No mesmo sentido, aplicando a hipótese para as unidades autônomas dentro dos Estados Unidos,ver
BECKETT, Katherine; WESTERN, Bruce. Governing social marginality: welfare, incarceration, and the trans-
formation of state policy. Punishment & Society. v 3, n 1, p. 43-59.
215
CAVADINO, Michael; DIGNAN, James. Penal policy and political economy. Criminology & Criminal Jus-
tice. v 6, n 5, 2006, p. 435-456.
216
A pesquisa qualifica os países investigados nos seguintes grupos: neoliberais (EUA, África do Sul, Nova
Zelândia, Grã-Bretanha e Austrália); corporativistas conservadores (Holanda, Itália, Alemanha, e França); social-
democratas (Suécia e Finlândia); finalmente, corporativismo oriental (Japão). No interior destes grupos, vislum-
bra-se, na ordem descrita, altas taxas de encarceramento entre os neoliberais, que decai entre os corporativistas
conservadores (Holanda: 123 para 100.000 habitantes) e assim sucessivamente, até culminar no Japão (58:
100.000). Estes resultados, principalmente os japoneses, impeliram os autores a apontar diversos fatores que
genericamente se poderiam intitular culturais que influem na questão. A maior proximidade das relações pesso-
ais baseadas num forte traço tradicionalista, do Japão, explicaria seu alto nível de inclusão social, consequente-
mente, a reduzida taxa de encarceramento. Os Estados Unidos, segundo os dados coletados nesta pesquisa, em
2003 já somavam a impressionante quantia de 714 presos para cada 100.000 habitantes.