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MARKLEA DA CUNHA FERST
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL SOB A ÓTICA DOS DIREITOS
HUMANOS
Dissertação apresentada no Curso de pós-
graduação em Direito do Setor de Ciências
Jurídicas da Universidade Federal do
Paraná, como requisito parcial à obtenção
do grau de Mestre
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Katya Kozicki
CURITIBA
2007
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ii
TERMO DE APROVAÇÃO
MARKLEA DA CUNHA FERST
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL SOB A ÓTICA DOS DIREITOS
HUMANOS
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no
Curso de pós-graduação em Direito do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade
Federal do Paraná, pela banca examinadora formada pelos professores:
ORIENTADORA: ___________________________________
Katya Kozicki, UFPR
_________________________________
Cristiano Paixão Araújo Pinto, UNB
_________________________________
Ricardo Marcelo Fonseca, UFPR
Curitiba, 21 de maio de 2007.
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iii
Para meu filho Mateus,
fonte inesgotável de
amor, compreensão
e alegria
iv
AGRADECIMENTOS
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho,
em especial:
Deus, pela capacitação;
Katya Kozicki, orientadora, pelo acompanhamento e revisão de estudo;
Nilton, meu eterno amado, exemplo de profissional e ética, pelo suporte emocional,
incentivo e amor;
Selma Yud, minha querida amiga, que através de suas orações contribuiu para
conclusão deste trabalho;
Marci, irmã querida, pelo incondicional “apoio logístico”;
Mãe, pelo fundamental amor;
Pai, pela eterna torcida;
Marli, exemplo de dedicação;
Mateus, presente de Deus em minha vida, pela precoce maturidade em
compreender e aceitar minha ausência;
Carol Refatti, pelo infinito apoio e amizade.
v
SUMÁRIO
RESUMO ......................................................................................................... v
ABSTRACT ..................................................................................................... vi
INTRODUÇAO ................................................................................................ 01
1 DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA ..................... 03
1.1 INFÂNCIA CIDADÃ – A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS ....... 03
1.2 POR QUE A CRIANÇA TRABALHA .......................................................... 18
1.2.1 Pobreza e desigualdade social ............................................................... 20
1.2.2 Acesso à educação e mercado de trabalho ............................................ 28
1.2.3 Desigualdade de gênero e a exploração sexual infantil .......................... 35
1.2.4 Fatores culturais ...................................................................................... 40
2 PANORAMA DA EXPLORAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA INFANTIL .............. 44
2.1 IDENTIFICANDO O TRABALHO INFANTIL ............................................... 44
2.2 EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL ............................................... 51
2.2.1 No mundo ................................................................................................. 52
2.2.2 No Brasil .................................................................................................... 57
2.3 TRABALHO INFANTILO QUE SE PRETENDE COMBATER .................. 64
3 O TRABALHO INFANTO-JUVENIL – MEDIDAS DE PROTEÇÃO ................ 69
3.1 PROTEÇÃO LEGISLATIVA .......................................................................... 69
3.2.1 No plano nacional ....................................................................................... 71
3.2.2 No plano internacional ................................................................................. 81
3.2 EFETIVIDADE DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DOS INTERESSES
INDIVIDUAIS, DIFUSOS E COLETIVOS DA CRIANÇA ..................................... 93
3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
NO BRASIL .......................................................................................................... 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 108
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 122
vi
RESUMO
A violação dos direitos humanos da criança e do adolescente quando encontramos
num chamado Estado Democrático de Direito, a exploração do trabalho infantil, é
incontestável. Saber quais os seus motivos, limites, e as perspectivas para sua
erradicação é o objeto desta dissertação. O reconhecimento pela sociedade
contemporânea da inncia como um período da vida distinto da fase adulta,
reconhecendo sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, e conferindo-
lhe o status de sujeito de direitos, revela um novo paradigma social da condição da
criança e do adolescente na política Estatal, que passa a conferir prioridade a
proteção dos direitos destas “pessoas em desenvolvimento”. A maciça exploração
da mão-de-obra infantil nos faz questionar quais suas causas e conseqüências, e a
conclusão é de envolvem uma complexidade de fatores que se interligam
constantemente, apresentando-se como causa-conseqüência, num constante e
infindável ciclo. A efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, que
consiste na inadiável superação do reconhecimento formal dos seus direitos,
ultrapassando a realidade incontestável de “não-cidadão” para sujeito de direitos
requer estabilização social e política e consciência ética do Estado, da família e da
sociedade, pois o direito apenas formalmente reconhecido, desde sempre se
mostrou incapaz de superar a flagrante negação do direito à vida.
Palavras chaves: Direitos humanos. Exploração. Trabalho infantil.
vii
ABSTRACT
The violation of children's and adolescents' human rights, when there is the
exploitation of children work in a Democratic Rule by Law country, is unquestionable.
To know what are its motives, limits and the outlooks for its erradication is the target
of this work. The recognition, by the contemporaneous society, of childhood as a
period in life different from the adulthood, recognizing its peculiar condition of a
person in development, and awarding him the status of a person with rights, shows a
new social paradigm of the child and adolescent in the State policy, that gives priority
to the protection of these “persons in development” rights. The massive exploitation
of children's manpower makes us ask what the causes and consequences are, and
the conclusion is that it implies a complexity of factors that are constantly interlinked,
presenting itself as cause and consequence, in a constant and endless cycle. The
effectiveness of children's and adolescents' human rights, which consists of an
undelayable overcome of the formal recognition of their rights, surpassing the
unquestionable reality of “non-citizens” for the person of rights, requires political and
social stabilization and the ethical conscience of the State, family and society, since
the right, only formaly recognized, has always been unable to overcome the evident
denial of the right to life.
Key-words: Human rights. Exploitation. Children work.
INTRODUÇÃO
Todos os dias acirram-se os debates referentes aos direitos
humanos, sua disseminação e efetividade. A árdua busca pela estabilização desses
direitos tem ocupado a agenda política dos Estados, ONGs e tantos outros
militantes.
Contudo, os direitos humanos, tal como a vida em sociedade, estão
sempre em construção, ante a constante evolução da coletividade, que através da
conscientização de sua condição (ou não-condição) busca, sempre, mais direito.
É esta evolução da sociedade que superou a visão da criança e do
adolescente como mero objeto de dominação do adulto, conferindo-lhes uma outra
condição, a de cidadãos, e, portanto, titulares de direitos, pois, conforme destacam
André Viana CUSTÓDIO e Josiane Rose Petry VERONESE, “não há como negar
que a construção social da infância no Brasil foi secularmente reproduzida pelo olhar
adulto, geralmente elitista e reprodutor das condições de desigualdade histórica,
colocando a criança no lugar específico e necessário à imposição de seu poder
1
”.
É da violação dos direitos humanos da criança e do adolescente que
iremos tratar neste trabalho, pois a exploração do trabalho infantil fere a dignidade
da pessoa humana, pressuposto dos direitos humanos.
Daí a necessidade de apresentar, ainda que de forma não exaustiva,
a construção social da infância no Brasil.
O primeiro capítulo, Exploração e desrespeito aos direitos humanos
da criança, consiste num estudo sobre a mudança do paradigma da condição social
da criança, que passou de “objeto de dominação” para sujeito de direitos, trazendo
um levantamento histórico sobre o reconhecimento da cidadania e da importância
dos movimentos sociais para sua afirmação.
Tratamos, ainda, no primeiro capítulo sobre o porquê a criança
trabalha, quais os fatores que influenciam no ingresso precoce da criança e do
adolescente no mercado de trabalho, apresentando algumas sugestões para
superação do problema.
1
CUSTÓDIO, André Viana. VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho infantil: a negação do ser
criança e adolescente no Brasil, p. 11.
2
No segundo capítulo, Panorama da exploração de mão-de -obra
infantil, procuramos identificar o que pode ser considerado como exploração do
trabalho infantil, como esta exploração tem se apresentado no Brasil e no Mundo e
qual trabalho infantil se pretende combater.
No último capítulo, O trabalho da criança e do adolescente –
medidas de proteção, apresentamos todo arcabouço legislativo de proteção à
comunidade infanto-juvenil, problematizando sua efetividade e a validade das
políticas públicas existentes no Brasil, no combate à exploração da mão-de-obra da
criança e do adolescente.
Os limites deste trabalho não permitem um exaustivo esgotamento
do tema, mas apresenta de forma objetiva a evolão da condição da criança e do
adolescente no Brasil, quais os fatores (sociais, políticos e culturais) que levam a
comunidade infanto-juvenil a ingressar no mercado de trabalho, apresentando o que
já vem sendo feito e algumas sugestões do que se pode realizar para dar efetividade
à política de direitos humanos da criança e do adolescente, protegendo-lhe o direito
fundamental à vida, e especificamente ao tema deste trabalho, o direito de não
trabalhar.
3
CAPÍTULO I – DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA
1.1 – INFÂNCIA CIDADÃ – A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS
Para tratar o tema da criança como sujeito de direitos é preciso
traçar o paralelo da mudança paradigmática ocorrida, na qual se passou de uma
doutrina da situação irregular do “menor” para a doutrina da proteção integral onde a
criança é elevada ao status de cidadã.
Daí a necessidade de se fazer um resgate histórico da cidadania e
do reconhecimento através do tempo da criança e do adolescente como cidadão, em
um país que “‘descoberto’ por portugueses e ‘catequizado’ por integrantes da Igreja
Católica, traz, ao longo dos ‘Brasis’ que forjaram a Nação — Colônia, Império e
República -, elementos constitutivos da formação de uma vida social marcada por
desigualdade, exclusão e dominação
2
”.
Segundo Norberto BOBBIO, “os direitos do homem são
indubitavelmente, um fenômeno social
3
” e nos últimos anos o homem vem
incorporando ao seu patrimônio jurídico novos direitos, através do “aumento da
quantidade de bens considerados merecedores de tutela
4
” e extensão de sujeitos de
direitos, bem como o aumento do status do homem perante a sociedade. Nas
palavras do autor: “Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do
indivíduo
5
”.
Os movimentos sociais foram decisivos para a incorporação desses
novos direitos que, com a evolução da sociedade, foram sendo incorporados no
plano legislativos dos Estados.
De fato, a busca pela cidadania é vetusta e nasce das revoluções
populares, sendo reconhecida a partir da Declaração dos Direitos Humanos dos
Estados Unidos e na Revolução Francesa, eventos que, segundo Jaime PINSKY
6
2
PINHEIRO, Ângela de Alencar Araripe. Child and adolescent, social representations and constitution
process. Psicol. estud., Maringá, v. 9, n. 3, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413 - 73722004000300003&lng= en&nrm=
iso>. Acesso em: 10 Mar 2007. Pré-publicação. doi: 10.1590/S1413-73722004000300003
3
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 68.
4
BOBBIO, N. Idem, ibidem.
5
BOBBIO, N. Idem, ibidem.
6
PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi. (orgs.). História da cidadania, p. 10.
4
“romperam o princípio de legitimidade que vigia até então, baseado nos deveres dos
súditos, e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos do cidadão”.
Cidadania é um conceito histórico que possui conotações variáveis
no tempo e no espaço, motivo pelo qual a evolução do conceito não pode se dar de
maneira uniforme em todos os países, ante as características sociais, políticas e
econômicas que influenciam no seu desenvolvimento. Daí a importância de estudar,
ainda que brevemente, como foi a cidadania na antiguidade, quais suas origens, e
como seu conceito evoluiu.
Foi a partir da Declaração dos Direitos Humanos e da Revolução
Francesa que se reconheceu o que Hannah Arendt denominaria de “direito a ter
direitos”, ou seja, direito de ser cidadão, conferindo direitos sociais, civis e políticos a
um maior número de pessoas. Todavia, ao contrário do que se esperava, a mera
declaração de direitos não foi suficiente para garantir à comunidade seu gozo,
embora tenha significado um passo significativo na conquista destes direitos, pois
confere ao Estado um parâmetro a ser observado. Nesse sentido, oportuno os
ensinamentos de Flávia PIOVESAN
7
:
Uma das principais qualidades da Declaração é constituir-se em parâmetro e
código de atuação para os Estados integrantes da comunidade internacional. Ao
consagrar o reconhecimento universal dos direitos humanos pelos Estados, a
Declaração consolida um parâmetro internacional para a proteção desses direitos.
Nesse sentido, a Declaração é um dos parâmetros fundamentais pelos quais a
comunidade internacional “deslegitima” os Estados. Um Estado que
sistematicamente viola a Declaração não é merecedor da aprovão por parte da
comunidade mundial.
Mas em relação à criança e ao adolescente que direitos são estes e
onde está a sua origem? E mais, o que é preciso para dar-lhes a tão almejada
efetividade? E ainda, são as crianças e os adolescentes sujeitos de direitos? Podem
ser considerados cidadãos?
O conceito contemporâneo de cidadania é derivado da Revolução
Francesa de 1798, todavia é preciso dissociar a idéia de que a cidadania
contemporânea é uma continuidade daquela vivida no mundo antigo, pois se tratam
de mundos e sociedades diferentes com realidades e aspirações diferentes. Basta
verificarmos, por exemplo, a forma da existência social do mundo greco-romano que
7
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed., p. 38.
5
se estruturava de forma extremamente diversa dos Estados-nacionais
contemporâneos, organizando-se como cidades-estado
8
.
Todavia, impende ressaltar que muitos dos habitantes das cidades-
estado embora participassem da sociedade com seu trabalho e recursos não a
integravam como cidadãos, tais como os estrangeiros domiciliados e os escravos,
por exemplo, o que evidentemente gerou muitos conflitos. Aliás, uma das
características das cidades-estado foi estar sempre em permanente conflito, fosse
em virtude da participação política ou da distribuição dos recursos comunitários
(terra, alimentos etc), com o objetivo de sempre concentrar riquezas, visto que estas
conferiam prestígios e poder a seus detentores.
Essa luta contra a aristocracia culminou com a abertura do espaço
político, garantindo-se a liberdade individual dos membros dessas comunidades e
publicação de leis. Essa conquista foi marcada por severas crises no seio das
comunidades que eram resolvidas ou por um mediador, ou por um tirano.
De qualquer modo, a participação política dependia da força do
médio campesinato em cada cidade, tendo algumas delas desenvolvido formas mais
abertas de participação, que os antigos denominavam democracia, como era o caso
de Atenas, embora a participação nessa cidade-estado, a qual durou quase dois
séculos, fosse restrita à população masculina cidadã
9
.
Em síntese, a cidadania na antiguidade tornou-se com o decorrer do
tempo, objeto de lutas e reivindicações, em virtude das diferentes concepções sobre
os direitos e deveres dos cidadãos dentro da comunidade, os quais viviam em busca
da igualdade nas condições políticas, econômicas e sociais, “até que um poder
superior se estabeleceu sobre o conjunto das cidades-estado e suprimiu da
8
Embora devamos destacar a dificuldade de se definir cidade-estado, posto que não havia uma
homogeneidade entre elas, pois embora a maioria não tivesse ultrapassado uma dimensão territorial
que abrigasse em média cinco mil habitantes, outras chegaram a vinte mil, e algumas poucas
atingiram mais de cem mil habitantes.
9
“A democracia ateniense nunca foi absolutamente includente: dizia respeito apenas aos cidadãos
masculinos e excluía, de qualquer forma de participação política, as mulheres, os imigrantes e os
escravos. Em contrapartida, no âmbito restrito dos cidadãos, representou uma experiência notável de
participação direta no poder de todas as camadas sociais, independentemente da riqueza ou posição
social”. GUARINELLO, Luiz Norberto. Cidades-estado na antigüidade clássica. In: PINSKY, Jaime.
PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da cidadania, p. 40.
6
cidadania comunitária, progressivamente, sua capacidade de ser fonte potencial de
reivindicações.
10
”.
Importantes transformações no conceito de cidadania e de liberdade
(cuja origem se deu no protestantismo, na luta contra a Inglaterra, nas condições
específicas da colonização e influência de outros pensadores) ocorreram com a
independência dos Estados Unidos, embora a democracia americana no fim do
século XVIII fosse bastante restrita, uma vez que mulheres
11
e brancos pobres não
votavam e os ideais de liberdade conviviam com o regime escravocrata que teve fim
após a Guerra da Secessão. Na verdade, como bem ressalta Leandro KARNAL
12
“o
termo cidadania foi criado em meio a um processo de exclusão. Dizer quem era
cidadão – ao contrário de hoje, em que supomos se tratar da maioria – era uma
maneira de eliminar a possibilidade de a maioria participar, e garantir os privilégios
de uma minoria. Admitir o conceito de cidadania como um processo de inclusão total
é uma leitura contemporânea”. Ainda, segundo o mesmo autor, a Declaração da
Independência ao afirmar que “todos os homens foram criados iguais” serviu
invariavelmente a dois propósitos, pois ao apresentar um modelo ideal disfarçava as
contradições da sociedade americana e por outro lado, o texto serviu para contestar
estas mesmas contradições dentro e fora dos EUA
13
.
A partir da Revolução Industrial no século XVIII, a idéia de felicidade
nasce como meta a ser alcançada pela coletividade, embora isto não tenha
significado o fim da desigualdade, mas havia (assim como hoje ainda há) um projeto
de uma sociedade justa e igualitária a ser construída.
Impende ressaltar que tanto a Declaração de Independência
Americana como a Declaração dos Direitos do Homem possuem um caráter de
universalidade, ou seja, aplicáveis a todo homem independentemente do seu local e
condição de nascimento, o que significou uma evolução no sentido de transformar o
homem em cidadão, garantindo-lhe direitos civis através da lei.
10
GUARINELLO, Luiz Norberto. Cidades-estado na antigüidade clássica. In: PINSKY, Jaime.
PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da cidadania, p. 46.
11
As mulheres só tiveram direito ao voto após a Primeira Guerra Mundial, o que não significou a
plena igualdade, tanto que continuaram as lutas através de movimentos feministas pela ampliação da
cidadania.
12
KARNAL, Leandro. Estados Unidos, Liberdade e Cidadania. In: PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla
Bassanezi. (orgs.). História da cidadania, p. 144.
13
KARNAL, Leandro. Idem, ibidem.
7
Assim, segundo historiadores, são consideradas obras de
circunstância por assegurar a propriedade a alguns e não ser tão abrangente ao
definir os direitos civis do cidadão, o que, relativamente à Declaração dos Direitos do
Homem, por exemplo, foi apontado pelos jornalistas da época como mostra o trecho
de Mirabeau citado por Nilo ODAIA
14
:
A cada passo que a Assembléia dá na exposição dos direitos do homem vemos os
abusos que ela encerra e que o cidadão pode praticar; muitas vezes, a prudência
exagera. Daí as restrições multiplicadas, as precauções minuciosas, as condições
laboriosamente aplicadas a todos os artigos – restrições, precauções, condições
que substituem, quase por toda parte, os deveres aos diretos; entraves à liberdade
que, ultrapassando, em mais de um caso, os detalhes mais penosos da legislação
apresentam ao homem atado pelo estado servil, e não o homem livre por
natureza.
Ainda, segundo o mesmo autor, a Declaração não se restringiu
apenas a assegurar os direitos civis do cidadão, mas estabeleceu tamm seus
limites, pois, “se ao cidadão é assegurado o direito de falar e escrever, imprimir e
publicar, não lhe cabe o direito de ofender ou desobedecer o que é normatizado pela
lei. E esta é, sem dúvida, uma restrição bastante ponderável, pois coloca a lei acima
dos direitos de cidadania, tão recentemente alcançados
15
”.
A Constituição Federal Americana que foi elaborada após um
período de forte depressão econômica (comum no pós guerra), nasceu
conservadora, instituindo um governo federal forte. Embora os direitos humanos não
tivessem sido reiterados pela Constituição, foram a ela acrescentados
posteriormente, através de emendas.
De qualquer forma, toda revolução não nasce do nada ou da
vontade de alguns homens, e sim de um longo processo histórico. Portanto,
relativamente à cidadania podemos seguramente afirmar que lentamente a temos
construído, buscando sempre atender aos anseios não somente daqueles que de
alguma forma já alcançaram algum status de cidadão, mas tamm e, em especial,
daqueles que estão ainda muito longe de entender o significado e a importância de
sê-lo.
14
ODAIA, Nilo. A liberdade como meta coletiva. In: PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi.
(orgs.). História da cidadania, p. 166.
15
ODAIA, Nilo. Idem, p. 167
8
Outro fator que contribuiu para o enriquecimento da cidadania foi o
socialismo, cuja expressão se deu no século XIX, e surgiu como reação ao processo
de valorização do mercado, que com a consolidação do poder da burguesia havia se
tornado o centro da vida social, cooperou para o desenvolvimento da cidadania com
a criação de partidos, conquista do sufrágio universal e o apoio à participação
feminina.
Oportuno ressaltar tamm que a generalização internacional dos
direitos sociais se deu através da criação da Organização Internacional do Trabalho
– OIT, cuja finalidade foi a de generalizar direitos sociais mínimos a serem
respeitados pelos governos.
Outro importante avanço na defesa dos direitos do cidadão se deu
durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando a OIT adotou a Declaração da
Filadélfia, que foi anexada à sua Constituição e reformulou os fins e propósitos da
OIT, elevando os direitos sociais ao nível dos demais direitos humanos quando
alega que todos os seres humanos, independentes de raça, credo ou sexo, têm o
direito a perseguir tanto seu bem-estar material quanto seu desenvolvimento
espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e
oportunidades iguais.
Todas essas conquistas, como assegura Norberto BOBBIO, foram
fruto de lutas sociais que no Brasil do século XX tiveram uma natureza urbana,
advinda das novas funções que começaram a ocupar as cidades. Com o progresso
da indústria surgem as lutas sociais por melhores salários e condições de vida,
buscando moradia e educação dignas.
É nesse período que de maneira mais explícita começam as lutas e
movimentos em prol das crianças.
Foi na chamada Primeira República (até 1930) que as lutas sociais
urbanas se acirraram e a mesma importância que teve a questão escravocrata na
segunda metade do século XI, teve, neste período, a questão do trabalhador
imigrante, que através de organizações anarco-sindicalistas articulou lutas por
melhores condições de emprego (salário, jornada, etc), bem como pelo
congelamento do valor dos alugueres. Foi um período marcado por greves, com
ênfase na luta pela cultura, pela educação das massas e igualdade entre os sexos.
9
Ainda na fase da Primeira República, o Estado passa a tratar a
questão social como questão de polícia. Vale a pena ressaltar o quadro de pobreza
dessa época que se agravou pelos ciclos de epidemias, como a febre amarela. Além
do mais, as elites dominantes administravam voltadas aos interesses dos donos de
cafezais. Registra Maria da Glória GOHN
16
que, no Rio de Janeiro, foram
contratados pelas autoridades locais arquitetos e paisagistas para embelezar a
cidade, “os pobres e mendigos eram recolhidos das ruas como vagabundos. Muitos
deles, sem casa nem local de moradia, passavam as noites em pensões, dormindo
até nas escadas, para fugir das “borrachadas” da polícia”.
Também na Primeira República, merece destaque a Greve Geral
ocorrida em 1917, na cidade de São Paulo. Tal movimento mobilizou 30 mil
trabalhadores que lutavam por melhores salários, jornadas de oito horas e
normatização do trabalho de mulheres e crianças.
Em 1927, surge o primeiro Código de Menores do Brasil, com o
intuito de “amenizar” o problema social das crianças e adolescentes nas ruas das
cidades, presente desde o final do século XIX, que eram colocadas em casas
públicas de custódias e mais tarde, na década de 60, nas Febens, mesmo que não
fossem autoras de um fato definido como crime, o que, segundo Martha de Toledo
MACHADO,
17
“acabou por gerar tão somente uma condição de subcidadania de
expressivo grupo de jovens criados longe de núcleos familiares, nas grandes
instituições, que acabaram adultos incapazes do exercício de suas potencialidades
humanas plenas”.
Ressalte-se, por oportuno, que o tratamento dado às crianças e
adolescentes autores de crimes era o mesmo dado àquelas cujo único “crime”
cometido era o fato de serem pobres e desvalidos de todo e qualquer direito
fundamental que teoricamente a lei lhes assegurava.
O Código de Menores de 1927, adverte Josiane Rose Petry
VERONESE
18
, corporificou leis e decretos que desde 1902 tratavam de questões
atinentes ao menor de idade, alterando e substituindo “concepções obsoletas como
16
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: A construção da cidadania
dos brasileiros. p. 63.
17
GOHN, Maria da Glória. Idem, p. 28.
18
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o
conceito de sujeito-cidadão. Revista da ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de
Santa Catarina, p. 222-223.
10
as de discernimento, culpabilidade, responsabilidade, disciplinando, ainda, que a
assistência à infância deveria passar da esfera punitiva para a educacional”.
E chocou-se com o Código Civil em vigor, pois permitia ao Estado a
intervenção na relação pai e filho, enquanto a legislação civil conferia ao pai o
pátrio-poder
19
irrestrito.
No período do Estado Novo, que se deu após a Revolão de 1930,
as classes populares começam a emergir no cenário social, transformando-se em
“cidadãos”, passando a gozar de alguns direitos, tais como os trabalhistas, fruto não
de um “donativo” governamental e sim das lutas das classes inferiores,
regulamentou-se o que se reivindicava há décadas, como jornada de 8 horas, férias
remuneradas, regulamentação do trabalho de mulheres e menores, etc.
Após o fim do Estado Novo, em 1945, no chamado período
populista, o povo brasileiro, pela primeira vez na história, intervém com veemência
no cenário político. Os inúmeros movimentos no período de 1945 a 1964 foram os
mais ricos da história do Brasil.
Já no período posterior, compreendido entre 1964 a 1974, durante o
regime militar, houve uma fase de grande repressão no Brasil que culminou com
diversas lutas de resistência e protesto, vindo em seqüência o período de lutas pela
redemocratização, compreendido entre 1975 e 1982 também considerado como um
dos mais ricos períodos de lutas e movimentos na história brasileira, pois vivenciou-
se um momento de resistência e enfrentamento ao regime militar.
Em relação aos direitos da criança e do adolescente surge nesta
fase o Código de Menores, em 1979, que mostra alguns avanços em relação à lei
anterior (Código de Menores de 1927) apresentando “uma nova categoria: ‘menor
em situação irregular’, isto é, o menor de 18 anos abandonado materialmente, vítima
de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta
ou autor de infração penal
20
”.
Embora contivesse avanços, havia contradições na nova Lei
merecedora de críticas, como é o caso, segundo Josiane Rose Petry VERONESE
21
,
19
Hoje não se fala mais em pátrio poder e sim em poder familiar segundo a nova ordem legislativa
em que não há mais diferença entre homem e mulher.
20
VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, ibidem.
21
VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, p. 224.
11
do processo inquisitorial que não previa o princípio do contraditório à criança e ao
adolescente, enquanto a própria Constituição o previa para o maior de 18 anos.
E, ainda, o menor de idade suspeito de infração penal poderia ser
preso cautelarmente para fins de investigação, enquanto que para o adulto a prisão
preventiva só era possível nos casos de flagrante delito ou por ordem devidamente
fundamentada pelo juízo competente.
Tais medidas configuravam uma afronta aos direitos dos menores, a
quem não era possibilitada a ampla defesa e o contraditório, princípios que em
momento algum poderiam ter sido relegados pelo Estado, um verdadeiro insulto à
dignidade da pessoa humana.
Voltando ao período de lutas pela redemocratização, havia nessa
fase uma esperança na retomada da democracia. Movimentos feministas, criação da
Comissão Pastoral da Terra, movimentos estudantis e movimento sindical marcaram
essa fase, destacando-se o MDB – Movimento Democrático Brasileiro e algumas
alas do clero católico que foram fundamentais na luta pela democracia.
Os anos de 1982 a 1985 são tidos pelos historiadores como uma
época de negociação e de direitos, com surgimento de inúmeras movimentações
sociais, sendo importante registrar as eleições diretas ocorridas em 1982, após o
período de indicações do regime militar e a crise econômica vivenciada.
Segundo Maria da Glória CONH,
22
a década de 80 foi de extrema
importância para a compreensão da construção da cidadania dos pobres no Brasil:
Embora com o estatuto de cidadãos de segunda categoria, os pobres saíram do
submundo e vieram à luz como cidadãos dotados de direitos – direitos estes que
são inscritos na Constituição mas, usualmente, negados ou ignorados a prática.
Assistiu-se ainda ao acirramento da crise econômica ao final da década, com as
políticas neoliberais de privatizações e desativão da atuação do Estado em
áreas sociais, e o desencanto que as massas em geral sentiram, com os novos
governos que elegeram, tanto os de direita (Collor e seus escândalos financeiros)
como os de esquerda, que embora tenham inaugurado práticas de transparência
das ações pública, participações dos cidadãos e o acesso às informações,
tamm foram vítimas da inexperiência, da falta generalizada de verbas para
atender às demandas sociais, do desemprego altíssimo e das lutas intestinais que
o curto tempo do exercício democrático não permitiu superar.
Diversos movimentos merecem destaque nesse período, tais como:
Criação da CUT em 1983; Movimentos Diretas-já em 1984; Movimento pela
22
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: A construção da cidadania
dos brasileiros, p. 126
12
Constituinte em 1985-1988 e o que mais nos interessa neste trabalho, o Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua criado em 1985, que tinha como objetivo
lutar por direitos de cidadania para crianças e adolescentes.
É no período de redemocratização que se promulga a Constituição
de 1988, chamada Constituição-cidadã, em face dos direitos nela protegidos e na
qual se reconheceu os direitos da criança e do adolescente, instituindo-se no Brasil,
positivamente, a doutrina da proteção integral.
O “direito a ter direitos” e a possibilidade de efetivamente ser
concebido como cidadão nascem para a criança e o adolescente no caput do artigo
227 da Constituição Federal de 1988, que disciplina ser dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à cultura, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
A Constituição cidadã, portanto, ao instituir a doutrina de proteção
integral, reconhece a criança como sujeito de direitos. “Essa categoria encontra sua
expressão mais significativa na própria concepção de direitos humanos de LEFORT,
ou seja, da dinâmica dos novos direitos que surge a partir do exercício dos direitos já
conquistados. Desse ponto de partida o sujeito de direitos seria o indivíduo
apreendido do ordenamento jurídico com possibilidades de, efetivamente, ser um
sujeito-cidadão”
23
.
Nos anos 90, o desencantamento das massas levou à criação de
diversos movimentos, retomando-se também os direitos sociais tradicionais.
Impende ressaltar o crescimento das ONGs na década de 90 e das políticas de
parcerias implementadas pelo governo local, transferindo-se, de certa forma, as
responsabilidades do Estado.
Foi em 1990 que houve a promulgação do ECA – Estatuto da
Criança e do Adolescente, que surgiu como resultado de movimentos sociais em
prol da criança e do adolescente, com o intuito de assegurar o princípio da
23
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o
conceito de sujeito-cidadão. Revista da ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de
Santa Catarina, p. 225.
13
igualdade, garantindo, desta forma, a efetividade dos direitos humanos, que
relativamente à criança e ao adolescente, consiste em proporcionar-lhes condições
de ter assegurado, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
24
.
Há, portanto, uma mudança paradigmática na legislação que cuida
dos direitos da criança e do adolescente pois ao passo que o Código de Menores de
1979 tinha seu fundamento na doutrina da situação irregular, o Estatuto da Criança e
do Adolescente fundamenta-se na doutrina da proteção integral.
A doutrina da situação irregular, afirma Antônio Fernando AMARAL e
SILVA
25
, colocava em um mesmo patamar de “situação irregular” crianças e
adolescentes abandonados, vítimas e infratores. Segundo o autor, “causa
complexidade que se considerasse em situação irregular o menino abandonado ou
maltratado pelo pai, ou aquele privado de saúde ou da educação por incúria do
Estado”, defendendo ainda que se encontra em situação irregular “aquele que
descumprir os deveres inerentes ao pátrio poder ou quem negligenciar políticas
sociais básica. Está em situação irregular, de ilegalidade, o pai que abandona ou o
Estado que negligencia, nunca o abandonado, a vítima
26
”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente surge para superar a
legislação meramente tutelar que se apresentava com o Código de Menores de
1979. Tutela que pode ser entendida, segundo Josiane Rose Petry VERONESE,
“como culturalmente inferiorizadora, pois implica o resguardo da superioridade de
alguns, ou mesmo de grupos sobre outros, como a história registrou ter ocorrido, e
ainda, ocorrer com as mulheres, índios e outros
27
”.
E essa ideologia tutelar, mostra a história da humanidade, “resultou
em um sistema processual punitivo inquisitório. O tutelado sempre o tem sido em
razão de alguma inferioridade (teológica, racial, cultural, biológica, etc). Colonizados,
24
Conforme disposto no art. 227 da CF.
25
AMARAL E SILVA, Antonio Fernando. Comentário do debatedor. In: SIMONETTI, Celia et alli
(coords.). Do avesso ao direito, p. 37.
26
AMARAL E SILVA, Antonio Fernando. Idem, ibidem.
27
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o
conceito de sujeito-cidadão. Revista da ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de
Santa Catarina, p. 226.
14
mulheres, doentes mentais, minorias sexuais, etc. foram psiquatrizados ou
considerados inferiores, e portanto, necessitados de tutela
28
.
Ora, se todo cidadão é membro de uma comunidade, esta precisa
dar condições de inclusão aos excluídos, pois cidadania implica sentimento
comunitário, inclusão.
Esta foi a função do ECA ao regulamentar o texto constitucional e
garantir cidadania à criança e ao adolescente, pois quando em vigor o Código de
Menores não havia distinção entre o menor infrator e o menor abandonado, os quais
eram considerados em situação irregular pelo simples fato de estarem na rua. Não
havia reconhecimento de direitos à criança e ao adolescente que passaram à
condição de cidadãos com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e do
Estatuto, pois “sob o enfoque doutrinário o menor nunca pode estar em situação
irregular, pois ele não é mero objeto de decisão judicial, mas, na verdade, um sujeito
de direitos, sendo titular do direito à vida, à liberdade, à saúde, à educação, e se
estiver furtando, ou pedindo esmola, ele poderá correr um risco social, de acordo
com o art. 98 do ECA”.
29
A Constituição Federal assegura proteção integral à criança e ao
adolescente o que implica dizer que toda criança e todo adolescente que não tiver
assegurado os direitos que a Carta Política e o ECA lhes oferecem encontra-se em
situação de risco.
A parte geral do ECA consagra a proteção integral conferida pela
Carta Magna à criança e ao adolescente reconhecendo-os como sujeito de direitos e
ampliando, em relação ao Código de Menores, essa proteção, pois engloba não
somente a população infanto-juvenil pobre, mas também toda criança e adolescente,
independentemente de sua situação econômica e social, o que culmina numa
universalização do mundo da criança e do adolescente.
O ECA, em seu artigo primeiro, dispõe sobre a proteção integral à
criança e ao adolescente, assegurando, no artigo terceiro, a toda criança e
adolescente o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata a lei, assegurando-se-lhes, por lei ou
28
ZAFFARONI, Raul. “Do advogado – art. 206. In: CURY, Munir et alli (coords.) Estatuto da Criança
e do Adolescente: comentários jurídicos e sociais, p. 640.
29
CORRÊA, Claudia Peçanha. GOMES, Raquel Salinas. Trabalho infantil as diversas faces de
uma realidade, p. 53.
15
por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade.
A criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento e em
virtude desta particularidade são carecedores de proteção irrestrita, conforme
disposto nos artigos quinto e sexto do ECA. O reconhecimento da criança e do
adolescente como pessoas em desenvolvimento é uma das mais notórias
conquistas do ECA.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos,
e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento.
Isto significa dizer que qualquer ação ou omissão, seja pelo Estado
ou pela sociedade, que impeça a realização pela criança e pelo adolescente dos
seus direitos fundamentais deve ser punida.
E, ainda, que a interpretação do Estatuto deve se pautar pelos fins
sociais a que a Lei se dirige, qual seja, o de proteção integral à criança e ao
adolescente reconhecidos pela lei como em condição peculiar de “pessoas em
desenvolvimento”. “Este é o dispositivo-eixo pelo qual se há de mover todo o
Estatuto. A regra básica dessa hermenêutica é a consideração que o intérprete terá
sempre em mente de que o direito estatutário é especialmente protetor
30
”.
Adverte Josiane Rose Petry VERONESE
31
que quando não se
respeita os direitos da criança e do adolescente se está, de forma flagrante ou
mascarada, rompendo com o paradigma que se tem procurado instituir, que é o da
criança e do adolescente como sujeito de direitos. Segundo a autora, “significa que
não mais podemos coisificá-los, não mais podemos concebê-los como objetos que
passivamente são colocados frente à família, à sociedade e ao próprio Estado.
30
TAVARES, José de Farias. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente, p. 17.
31
VERONESE, Josiane Rose Petry. Discriminação e atentados ao exercício da cidadania da
criança e do adolescente. In: PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança: um
debate interdisciplinar, p. 655.
16
Nesse sentido constitui-se o conceito de criança cidadã, de jovem cidadão, pois ele
não é mais um elemento carente, merecedor de pena, a necessitar benefícios
antes é um cidadão, sujeito portanto de direitos exigíveis
32
”.
A doutrina da proteção integral adotada pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente, lembra Antônio Carlos Gomes da COSTA
33
“afirma o valor
intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua
condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da
juventude, como portadora da continuidade do seu povo e da espécie e
reconhecimento da sua vulnerabilidade” devendo, portanto, Estado e sociedade
atuar para garantir a efetividade destes direitos à criança e ao adolescente. Ainda,
segundo o autor
34
, a criança e o adolescente desfrutam dos direitos que os adultos
possuem
e teriam, ainda, direitos especiais decorrentes das seguintes causas:
1 – a criança e adolescente ainda não terem acesso ao conhecimento pleno de
seus direitos;
2 – ainda não atingiram condições de defender seus direitos frente às omissões e
transgressões capazes de violá-los;
3 – não contam com meios próprios para arcar com a satisfação de suas
necessidades básicas;
4 – por se tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e
sócio-cultural, a criança e o adolescente não podem responder pelo cumprimento
das leis e demais deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma
que os adultos.
Por esses motivos o Estatuto, em sincronia com a doutrina de
proteção integral, e em harmonia com o texto constitucional que em seu artigo 227
dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, os direitos ali consignados, assegura
prioridade desta política de proteção integral no artigo 4º e parágrafo único.
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição de 1988,
inspirados na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e na
Declaração Universal dos Direitos da Criança positivam no Brasil as normas de
32
VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, ibidem.
33
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Natureza e implantação do novo direito da criança e do
adolescente. In: PEREIRA, Tânia da Silva. (coord.) Estatuto da criança e do adolescente Lei
8.069/90: estudos sócio jurídicos, p. 16. Apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Discriminação e
atentados ao exercício da cidadania da criança e do adolescente. In: PEREIRA, Tânia da Silva. O
melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar, p. 654/655.
34
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Idem, ibidem.
17
proteção à criança e ao adolescente, conferindo-lhes uma política de proteção
integral e reconhecendo-as como sujeito de direitos.
Assim, conforme nos adverte Ângela de Alencar Araripe
PINHEIRO,
35
verificando-se a história social brasileira, identifica-se quatro
representações sociais mais recorrentes sobre a criança e o adolescente, sendo
cada uma delas emergente de um cenário sócio-histórico específico: objeto de
proteção social no Brasil Colônia; objeto de controle e de disciplinamento no início
do Brasil-República; objeto de repressão social em meados do século XX; e sujeitos
de direitos nas décadas de 70 e 80.
O que se indaga, todavia, é até que ponto a sociedade e o Estado
têm ultrapassado o limite do reconhecimento formal da criança como sujeito de
direitos para a efetivação desse pressuposto e se o mero reconhecimento da criança
e do adolescente como cidadãos tem melhorado sua condição social, política e
econômica no cenário nacional.
O que parece ser incontroverso é o reconhecimento formal da
criança e do adolescentes como sujeito de direitos, o que é questionável é por que
esses sujeitos sociais continuam sendo explorados e expostos a situações
inadmissíveis de abandono moral, intelectual, social, etc, privados do efetivo
exercício de cidadania, o que viola inquestionavelmente a dignidade de pessoa
humana.
O que neste trabalho se pretende investigar são os porquês do
trabalho infantil, suas causas e possíveis soluções.
Daí porque nos dedicamos, no próximo item, a questionar os
motivos pelos quais a pessoa humana em desenvolvimento é inserida precocemente
no mercado de trabalho, e o que pode ser feito para superar este problema, que
iremos ver, é complexo, e exige um conjunto de medidas para ser superado.
35
PINHEIRO, Ângela de Alencar Araripe. Child and adolescent, social representations and
constitution process. Psicol. estud., Maringá, v. 9, n. 3, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722004000300003&lng =en&nrm
=iso>. Acesso em: 10 Mar 2007. Pré-publicação. doi: 10.1590/S1413-73722004000300003
18
1.2 POR QUE A CRIANÇA TRABALHA
É cediço que a nova ordem constitucional elevou a criança e o
adolescente ao status de sujeito de direitos e que o Estatuto da Criança e do
Adolescente regulamentou o texto constitucional, pormenorizando os direitos da
criança e do adolescente, subscrevendo a doutrina da proteção integral preconizada
pela Convenção sobre os Direitos da Criança e da Declaração Universal dos Direitos
da Criança.
Da mesma forma, é notória a crise em que se encontra a sociedade
contemporânea, na qual a malfadada globalização e as novas tecnologias de
comunicação influenciam diretamente o comportamento e o modo de vida das
pessoas que buscam freneticamente uma “estabilização” dentro do caos em que
vivem o que, segundo Derrida, é factível, pois, segundo ele, “é porque existe o caos
que existe a necessidade de estabilidade
36
”.
Assim, se tivéssemos que batizar a sociedade hodierna, com
razoável chance de acerto, poderíamos chamá-la de sociedade do consumo, pois
esta é a nossa realidade atual onde as pessoas estão impregnadas pela cultura do
excesso.
Por outro lado, há um certo desencantamento do mundo, usando a
expressão weberiana, pois enquanto na modernidade havia uma expressa confiança
no futuro, hoje, na chamada pós-modernidade,
37
reina a dúvida, motivo pelo qual é
necessário buscar novos caminhos para superar as deficiências da modernidade
para, quem sabe, impedir o ceticismo vigorante, o que aponta para a necessidade
de uma reflexão crítica ética.
O que é notório e vem se confirmando, é uma cultura do excesso,
onde a necessidade de consumir da sociedade é cada vez maior.
Essa cultura do excesso mescla cidadania com consumo, e ser
cidadão é consumir, é poder comprar. Mas, o que fazer com aquele que sequer
36
DERRIDA, Jacques. Apud. MOUFFE, C. Deconstruction and pragmatism. London: Routledge, p.
84.
37
Diferenciar modernidade de pós-modernidade não é uma tarefa fácil, e nem se pretende aqui
desempenha-la, o uso das expressões se dará apenas para que possamos estabelecer um confronto
dentro de uma perspectiva política, lembrando que já se fala em transmodernidade e
hipermodernidade.
19
consegue comprar a comida
38
? Que sequer consegue ter garantido o mínimo
necessário para sobreviver e que é “obrigado” a inserir-se no mercado de
trabalhomuito cedo ? É um “não-cidadão”? O que é preciso para reverter este
quadro?
O que se pretende investigar é se o trabalho do menor de idade,
dentro do atual contexto social, se dá em virtude da necessidade de sobrevivência
mínima ou se a criança trabalha para se inserir na sociedade de consumo e ter
efetivado o status de cidadão.
O que passaremos a analisar agora são os motivos que levam a
criança ao mercado de trabalho e até que ponto as condições sociais, políticas e
culturais influenciam neste processo.
Sendo importante lembrar, desde logo, que as causas do trabalho
infantil não se dissociam, mas, ao contrário, estão interligadas, o que significa que a
solução é bastante complexa e exige muito mais que uma legislação protetiva e
políticas públicas.
Entre as principais causas do trabalho infantil está indubitavelmente
a pobreza, entretanto, não é a sua única razão, pois a tradição a cultura e a falta de
acesso à educação são tamm fatores determinantes, além do interesse do próprio
empresário em manter o menor trabalhando, pois o vê como uma mera mercadoria
na “cadeia de produção”.
Outro fator importante é a questão da diferença de gênero que
historicamente tem colocado a mulher em um patamar de inferioridade, o que
38
Em entrevista feita com a vice-diretora da Escola Municipal Dr. Osvaldo Cruz de Curitiba, Maria
Lucimária Barez Bodziak, sobre a qualidade de ensino nas escolas municipais foi relatado um fato
interessante que demonstra a crise ética e a inversão de valores que se encontra a sociedade
contemporânea e quanto o consumismo significa na vida das pessoas. Segundo Lucimráia dois
alunos chegaram na escola pela manhã e juntos lhe entregaram um bilhete da mãe, que dizia o
seguinte: “Professora, por favor dê alguma coisa para os meus filhos comerem pois a última refeição
que eles fizeram foi ontem pela manhã quando comeram o lanche da escola. Eu e meu marido
estamos desempregados e não temos dinheiro para comprar comida. Obrigada”. Diante do bilhete
Lucimária levou as crianças até a cantina da escola e providenciou para que tomassem café antes de
ir para sala de aula. Ao saber do ocorrido uma outra professora questionou a atitude pois o pais das
crianças as trazia de “monza” para escola. Diante da informação Lucimária chamou a mãe na escola
para investigar se realmente as crianças estavam passando fome e se eles tinham mesmo um carro,
o que seria uma incoerência. Ao ser questionada a mãe respondeu que tinham mesmo um carro e
que não conseguiam comprar comida porque a gasolina estava muito cara. O fato relatado demonstra
a crise ética e moral pela qual a sociedade passa onde a “aparência” é mais importante que o
essencial para a vida que é o alimento. Este é um quadro que precisa ser mudado. Ora, se o bem de
consumo é mais importante que o alimento, que valor esta família vai dar ao ensino?
20
incontestavelmente reflete no desenvolvimento da sociedade, como trataremos a
seguir.
1.2.1 – Pobreza e desigualdade social
A pobreza aparece incontestavelmente como o núcleo central do
problema da exploração do trabalho infantil.
A vulnerabilidade da pobreza faz com que as famílias pobres
submetam-se a qualquer forma de trabalho existente que, na sua grande maioria,
são degradantes, culminando com o desrespeito à dignidade da pessoa humana,
condição intrínseca ao cidadão.
Segundo dados da Unicef (Fundo das Nações para a Infância),
citados por Claudia Peçanha CORRÊA e Raquel Salinas GOMES
39
, são causas
determinantes da oferta de mão-de-obra infantil:
A pobreza (a própria família oferece o trabalho dos filhos muito cedo); a falta de
eficiência do sistema educacional brasileiro (a escola é desinteressante para os
alunos, com altas taxas de repetência e, consequentemente, de evasão escolar);
os valores e tradições de nossa sociedade; e o desejo das próprias crianças de
trabalhar, seja para o próprio sustento, ou para compor a renda familiar.
A pobreza, que no dizer de Sonia ROCHA,
40
“é um fenômeno
complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as
necessidades não são atendidas de forma adequada” é o grande desafio a ser
vencido pelo Estado e sociedade no combate ao trabalho infantil, para consolidação
dos direitos humanos, sendo imperiosa a implementação de políticas antipobreza
que no Brasil, diante de sua extensão e diversidade social, em cada um de seus
estados devem ser direcionadas, ou seja, a mesma política de combate à pobreza
no Paraná pode não ser eficiente no Nordeste, pois, conforme sustenta Simon
SCHWARTZMAN,
41
“a maioria das pessoas, na maioria das sociedades, é pobre, no
39
CORRÊA, Claudia Peçanha. GOMES, Raquel Salinas. Trabalho infantil as diversas faces de
uma realidade, p. 25-26.
40
ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil Afinal, de que se trata, p. 9.
41
SCHWARTZMAN, Simon. Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo
contemporâneo, p. 57.
21
sentido de que elas mal ganham o que necessitam para sobreviver no dia-a-dia
embora o conceito do que é “necessário” mude de lugar para lugar”.
Se a pobreza está associada à falta de atendimento das
necessidades de forma adequada e considerando a vinculação da cidadania com o
consumo, o pobre que não consegue consumir não é considerado cidadão e,
portanto, não está inserido na sociedade, quadro este que precisa com urgência ser
modificado, pois a pobreza inviabiliza a prática dos direitos humanos, e via de
conseqüência, torna impraticável a cidadania.
A criança pobre apresenta mais problemas de saúde do que aquelas
que gozam de uma condição social melhor, pois não tem acesso ao atendimento à
saúde e alimentação correta, o que afeta inclusive a capacidade de aprender na
escola. Destaca Helen BEE, que “a pobreza tem um efeito direto e cumulativo sobre
a saúde e sobre o desenvolvimento das crianças
42
.”, citando, ainda, que
comparando crianças pobres versus crianças não pobres, aquelas apresentam uma
porcentagem com uma condição que limita a atividade escolar 2 a 3 vezes maior
que estas.
A superação da pobreza é uma necessidade iminente que se pode
dar através da construção de uma sociedade na qual realmente coexistam igualdade
e solidariedade, pois “a lógica privada, que é quase sempre a lógica do lucro,
combinada com a ausência de controle democrático, não pode deixar de agravar as
desigualdades sociais e políticas”
43
.
É preciso construir a cidadania
44
das crianças e dos adolescentes
que na sociedade em que estão inseridos são relegados, restando-lhes a condição
de “não-cidadãos”. Esta “construção” tem que partir do Estado e da sociedade, pois
a criança sequer tem a consciência de sua “sub-condição” e, portanto, não possui
forças, tampouco condições, para lutar e modificar esta situação.
A pobreza no Brasil está diretamente vinculada a má distribuição da
renda. Dados no PNUD
45
demonstram que o Brasil possui um dos maiores índices
de desigualdade social, sendo o 10º mais desigual, numa lista de 126 países.
42
BEE, Helen. A criança em desenvolvimento, p. 154.
43
SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. Vol. I – 4. ed., p. 174.
44
Pois embora formalmente reconhecida e cidadania é cotidianamente negada.
45
Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento
22
Apesar dos avanços, o Brasil ainda é mais desigual do que todos os
países com IDH
46
superior ao seu — o que mais se aproxima é o Chile, que tem um
índice de Gini de 0,571. Além disso, em apenas oito países os 10% mais ricos da
população se apropriam de uma fatia da renda nacional maior do que a dos ricos
brasileiros. No Brasil, eles abocanham 45,8% da renda, menos que no Chile (47%),
Colômbia (46,9), Haiti (47,7), Lesoto (48,3%), Botsuana (56,6%), Suazilândia
(50,2%), Namíbia (64,5%) e República Centro-Africana (47,7%).
No outro extremo, só em sete países a parcela da riqueza
apropriada pelos 10% mais pobres é menor que no Brasil. Os pobres brasileiros
detêm apenas 0,8% da renda, fatia superior à dos pobres da Colômbia, El Salvador
e Botsuana (0,7%), Paraguai (0,6%), e Namíbia, Serra Leoa e Lesoto (0,5%). A
comparação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres mostra que no Brasil a
fatia da renda obtida pelo quinto mais rico da população (62,1%) é quase 24 vezes
maior do que a fatia de renda do quinto mais pobre (2,6%).
O relatório destaca que reduzir a desigualdade é importante porque
é uma das formas de acelerar a redução da pobreza. “A taxa de redução da pobreza
de um país se dá em função de dois fatores: o crescimento econômico e a parcela
desse incremento apropriada pelos pobres. Em outras palavras, quanto maior a
parcela apropriada pelos pobres, maior será a eficiência do país em transformar
crescimento em redução da pobreza
47
”, afirma.
A redução da pobreza e da desigualdade social deve obrigatória e
prioritariamente fazer parte da política do Estado para garantir a efetividade dos
direitos humanos não somente à criança e ao adolescente, mas a toda parcela
populacional desprovida de recursos que lhe garantam com absoluta prioridade o
direito a vida, à saúde, à alimentação entre outros assegurados na nossa carta
política.
Dados do IBGE demonstram a diminuição da pobreza e da miséria
em nossa sociedade, muito embora esteja muito longe de se alcançar o almejado
bem estar social, pois conquanto na teoria tenhamos garantido a prevalência dos
direitos fundamentais, factualmente vemos o desamparo da criança e do
46
IDH = Índice de Desenvolvimento Humano de 2005.
47
Relatório de Desenvolvimento Humano de 2006. Disponível em http://www.lpp-uerj. net / olped/
AcoesAfirmativas/exibir_opiniao.asp?codnoticias=19156. Acesso em: 03/01/2007.
23
adolescente que geralmente são privados do seu direito mais fundamental, que é o
direito à vida, e como ressalta Celso Luiz LUDWIG, “concretamente, para a maior
parte da população nos países pobres, periféricos e subdesenvolvidos, a vida não
está afirmada. Assim, na Ásia, África, Europa Ocidental e América Latina a negação
da vida humana é uma verdade empírica inafastável, uma injustiça e
irresponsabilidade ética insustentáveis e uma exigência política de transformação
inadiável
48
”.
É a pobreza o grande mal que assola os Estados, uma vez que se
reflete nos mais diversos problemas a serem enfrentados, pois pobreza é muito mais
do que não ter o que comer, é não ter acesso a saneamento básico, ensino
fundamental, saúde pública, etc, ou seja, garantia de direitos humanos mínimos. Ser
pobre é não ser cidadão.
Segundo Sonia ROCHA, do ponto de vista do rendimento, a
persistência da pobreza absoluta
49
no Brasil está vinculada à desigualdade. A triste
realidade é que o crescimento econômico não se reflete necessariamente na
diminuição da desigualdade na distribuição de renda, o que implica dizer que é
necessário focar esforços para diminuição da desigualdade social, com o fim de
redução da pobreza. Ainda, segundo a autora
50
:
O atual nível de desigualdade de renda gera tensão social crescente, em especial
nas áreas urbanas e modernas, onde os contrastes de renda, riqueza e poder são
mais evidentes. À medida que se universaliza o acesso a serviços públicos
básicos, a redução da pobreza absoluta por meio de transferências de renda
focalizadas é vista, de forma crescentemente consensual, como um instrumento
efetivo de política social.
51
O tema da pobreza é o grande foco da política social porque é a
base do problema social brasileiro. Não há harmonia entre pobreza e cidadania,
entre pobreza e direitos humanos. Equacionar o crescimento econômico à
48
LUDWIG, Celso Luiz. In: FONSECA, Ricardo Marcelo. (Org.). Repensando a Teoria do Estado, p.
285.
49
“a pobreza absoluta está estreitamente vinculada às questões de sobrevivência física; portanto, ao
não atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital. O conceito de pobreza relativa define
necessidades a serem satisfeitas em função do modo de vida predominante na sociedade em
questão, o que significa incorporar a redução das desigualdades de meios entre indivíduos como
objetivo social”. ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil. Afinal, de que se trata, p. 11.
50
ROCHA, Sonia. Idem, p. 178.
51
ROCHA, Sonia. Idem, ibidem, p. 179.
24
diminuição da desigualdade social é uma dificuldade a ser superada para efetivação
dos direitos da criança.
A carta política de 1988 fixou, em seu artigo 3º, a erradicação da
pobreza e da desigualdade social como objetivos fundamentais da República
brasileira e tão somente por isto devem figurar como política prioritária
governamental, pois a existência de ambas impede o exercício da cidadania.
Sugere Fúlvia ROSEMBERG, através de estudos realizados por
organizações, administradores e economistas brasileiros, três ordens de fatores para
superar a desigualdade na distribuição de renda: “aumento da massa de riqueza do
país; diminuição da população e alteração na distribuição dos benefícios sociais via
políticas públicas
52
”.
Relativamente ao crescimento econômico é importante ressaltar que
o coeficiente de Gini,
53
no Brasil, caiu 4% entre 2001 e 2004, passando de 0,593
para 0,569 o que, segundo especialistas, é uma queda significativa e reflete
diretamente na redução da pobreza. Entretanto, esta recente queda não é suficiente,
pois a desigualdade de renda no Brasil continua elevadíssima. Segundo dados do
IPEA,
54
a renda apropriada pelo 1% mais rico da população é igual à renda
apropriada pelos 50% mais pobres. E, “mesmo mantendo o acelerado passo com
que a desigualdade foi reduzida no período analisado, seriam necessários 20 anos
para que o país passasse a apresentar uma distribuição compatível com os países
que têm nível de desenvolvimento comparável ao brasileiro”
55
.
O relatório do IPEA demonstra de forma inequívoca que houve uma
acentuada queda na desigualdade de renda no Brasil o que refletiu na queda da
pobreza. Referida queda foi decorrente de diversos fatores, como “o
desenvolvimento de uma rede de proteção social mais efetiva; uma maior integração
dos mercados de trabalho locais; e a redução nas desigualdades de rendimentos do
trabalho, causada por reduções tanto na desigualdade educacional quanto nas
diferenças de rendimentos entre os níveis educacionais”. De qualquer forma, para
52
ROSENBERG, Fúlvia. Criança pequena e desigualdade social no Brasil. In: FREITAS, Marcos
Cezar de.(org.) Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na juventude, p. 75.
53
medida de desigualdade de renda mais comumente utilizada.
54
IPEA. Sobre a recente queda de desigualdade econômica no Brasil. Ago/2006. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/notastecnicas/notastecnicas9.pdf. Acesso em:
26/12/2006.
55
IPEA. Idem, ibidem.
25
que se continue a alcançar resultados efetivos na diminuição da desigualdade social
o relatório aponta algumas sugestões
56
:
Recomendações de políticas específicas exigem evidências e resultados mais
detalhados e profundos do que os apresentados ao longo deste relatório. Não
obstante, é possível delinear algumas estratégias acerca dos rumos a serem
seguidos no desenho de políticas públicas adequadas para o objetivo de reduzir a
desigualdade. Em particular, é possível identificar quatro aspectos que devem ser
necessariamente contemplados por uma estratégia ampla de combate à
desigualdade: a) a equalização de oportunidades para a aquisição de
capacidades; b) a equalização de oportunidades para o uso produtivo das
capacidades adquiridas (que se faz sentir principalmente pelo acesso ao trabalho);
c) redução da desigualdade de tratamento dos trabalhadores no mercado de
trabalho; e d) tornar o sistema tributário e o gasto público mais eficientes e
progressivos.
A equalização de oportunidades para a aquisição de capacidades
pode se dar ampliando o acesso à educação, pois o baixo nível de escolaridade está
diretamente ligado à pobreza e ampliar o acesso à educação, segundo técnicos do
IPEA, produz dois grandes impactos sobre a desigualdade na renda, pois a elevação
da escolaridade média da população mais pobre reduz a desigualdade educacional
na força de trabalho e, via de conseqüência, a desigualdade na renda laboral. Outro
aspecto apontado é que o aumento da oferta de mão-de-obra qualificada tende a
gerar a diminuição do prêmio por qualificação, reduzindo o diferencial de
remuneração entre níveis de educação.
De toda sorte, não basta expandir o acesso ao ensino, é
imprescindível que haja severo investimento público na qualidade do ensino
oferecido. “Caso contrário, a desigualdade de quantidade de estudo (anos de
escolaridade) seria simplesmente substituída pela desigualdade de qualidade da
educação
57
”.
O acesso ao mercado de trabalho é outro objetivo das políticas
públicas que deve ser alcançado no combate à pobreza, pois de nada adianta
qualificar a mão-de-obra se não houver postos de trabalho que absorvam os
trabalhadores.
56
IPEA. Idem, p. 9/10.
57
IPEA. Idem, ibidem.
26
Quando o ciclo do desenvolvimento humano ideal
58
é quebrado, e
há o início da atividade laboral precocemente, os postos de trabalho ocupados pela
criança e depois quando jovem e na fase adulta são aqueles que menos
remuneração oferecem e daí gera-se um ciclo de pobreza inevitável, pois a
remuneração auferida é insuficiente para garantir o bem estar da família, fazendo
com que todos (inclusive as crianças) trabalhem para contribuir para o orçamento
doméstico. Há ainda as hipóteses em que os adultos da família, por falta de
oportunidade e/ou qualificação profissional, não conseguem emprego e a criança é
explorada em serviços informais que lhe garantem uma ínfima remuneração. Para o
UNICEF:
Iniqüidade e pobreza formam um círculo vicioso de auto-reprodução. Crianças
pobres estão inseridas em ciclos intergeracionais de pobreza e exclusão. Quando
esse paradigma não é rompido, elas serão pais e mães de crianças também
pobres. Assim, crianças mal nutridas crescem e se tornam mães mal nutridas que
acabam dando a luz a bebês com baixo peso; pais que carecem de acesso a
informações cruciais tornam-se incapazes de alimentar e cuidar de suas crianças
de forma saudável; e pais analfabetos têm mais dificuldades de ajudar no
processo de aprendizagem de seus filhos. Para se transformar esse círculo
negativo em positivo, a redução da iniidade e da pobreza deve ter uma atenção
maior para com a infância, sem esquecer as demais fases e situações da vida.
59
Daí a importância dos programas sociais de transferência de renda
apontados por Fúlvia ROSENBERG como uma das políticas a ser adotada na luta
contra a desigualdade social, medidas que têm demonstrado eficácia no combate a
desigualdade social conforme apontado pelo IPEA.
Esses programas consistem em uma transferência de renda do
poder público à população carente que não consegue por si o mínimo necessário
para sua sobrevivência.
É importante, todavia, que esses programas sejam orientados de
forma a garantir não somente a transferência de renda pelo poder público, mas
tamm que esta transferência possa resultar em qualificação profissional e
colocação no mercado de trabalho, evitando a perpétua dependência do beneficiário
a estes programas.
58
entendemos como desenvolvimento ideal o crescimento da criança dentro de padrões mínimos que
lhe assegure alimentação correta; acesso à saúde; à educação; à cultura para que na fase adulta
tenha condições de competir no mercado de trabalho e satisfazer suas necessidades sociais.
59
UNICEF. Relatório sobre infância e adolescência no Brasil: equidade e diversidade, p.47.
27
Maria Carmelita YASBEK
60
atenta para o fato de que a
indispensabilidade de assegurar a subsistência mínima aos pobres na esfera estatal
vem evidenciando uma mudança de padrões na proteção social dada pelo Estado,
mudança na qual se observa, no plano das políticas e programas, através da
descentralização, novos parâmetros para a alocação de recursos e a redefinição das
relações público/privado no financiamento e na provisão de bens e serviços sociais.
Para a autora merecem reconhecimento dentro da política atual brasileira de
transferência de renda:
O Benefício de Prestação Continuada - BPC, previsto na Constituição Federal de
1988, regulamentado pela Loas em 1993 e implantado em 1996, que, apesar do
baixíssimo "corte" de renda para selecionar seus usuários, alcança
aproximadamente 1 milhão e 400 mil beneficiários; o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil - Peti; e o Programa Bolsa-Escola, que, embora constitua um
benefício bastante modesto, hoje alcança todos os municípios do país,
configurando uma emergente rede de proteção social.
É preciso discutir o espaço do social dentro da nação, ultrapassando
a barreira do assistencialismo de mero caráter paliativo, historicamente presente na
política brasileira e que não resolve o problema a longo prazo, motivo pelo qual se
critica, por exemplo, o programa Fome Zero do governo Lula porque “as ações
implementadas pelo programa mostram-se conservadoras e apoiadas em forte apelo
humanitário, sem claras referências a direitos
61
”.
Daí a importância de vincular os programas de transferência de
renda a alguma atividade/compromisso por parte de seus beneficiários para que,
com o tempo, este beneficiário (e seus descendentes) consiga melhorar sua
condição econômica e social. Então, condicionar o recebimento do benefício à
freqüência escolar, à freqüência a cursos de qualificação profissional e participação
em programas de prevenção à saúde é uma prática que deve ser implementada com
rigor.
É necessária também a avaliação dos resultados dos programas
para se averiguar sua efetividade na redução da pobreza e quais medidas podem
60
YASBEK, Maria Carmelita. O programa fome zero no contexto das políticas sociais brasileiras. São
Paulo Perspec. [online]. 2004, vol. 18, no. 2 [cited 2007-01-13], pp. 104-112. Available from:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000200011&lng=en&nrm=iso .
ISSN 0102-8839. doi: 10.1590/S0102-88392004000200011.
61
YASBEK, Maria Carmelita. Idem, ibidem.
28
ser tomadas para a evolução do quadro de diminuição da pobreza no Brasil. Outro
ponto importante a ser analisado é que para o sucesso dos programas de
transferência de renda no combate a pobreza é necessária uma coordenação,
integrando-se os programas existentes.
Visto o maior motivo da exploração da mão-de-obra infantil, a
pobreza, e as sugestões para sua superação, passemos agora a investigar o quadro
de acesso à educação no Brasil e como uma educação de qualidade pode contribuir
para melhoria da condição social da criança e do adolescente e quebrar o vicioso
círculo da pobreza e da exclusão social.
1.2.3 – Acesso à educação e mercado de trabalho
Conforme já destacado anteriormente a ordem de motivos dos
porquês que a criança trabalha é interligada, influenciando diretamente uns nos
outros e a falta de acesso à educação é uma das causas da pobreza.
Segundo Sônia ROCHA, pesquisas sobre o índice de escolaridade e
renda demonstram que cada ano adicional de escolaridade resulta em aumento da
renda variando entre 10 e 19%
62
, destacando, ainda que:
Deve ser considerado que o mercado de trabalho brasileiro vem se especializando
rapidamente, o que resulta em número insuficiente de postos e trabalho e no
aumento relativo da participação da mão-de-obra qualificada no total dos
trabalhadores ocupados. O resultado tem sido a expansão da informalidade e a
exclusão do mercado de trabalho dos trabalhadores com baixo nível de
escolaridade. De 1996 a 2001 foram extintos 1,3 milhão de postos de trabalhos
ocupados por trabalhadores com menos de quatro anos de escolaridade, em seis
regiões metropolitanas responsáveis por 30% da população brasileira. Como
efeito combinado da redução do número de postos de trabalho e do rendimento
médio, o rendimento total do trabalho para esta categoria de trabalhadores caiu
fortemente no período.
A educação é um direito fundamental do homem, garantido pela
Constituição que determina ao Estado, à sociedade e à família a incumbência de
promovê-la.
63
62
ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil. Afinal, de que se trata, p. 185
63
Nos termos do Art. 6
o
e art. 205 da Constituição Federal.
29
Tanto o direito à educação como a proteção à infância estão
previstos na Carta Magna dentro do rol dos direitos sociais, tendo como objetivo
expresso o desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho.
A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança, da qual
o Brasil é signatário, reconhece o direito da criança à educação e assegura o ensino
primário obrigatório e disponível gratuitamente a todos e que a administração da
disciplina escolar deverá refletir a dignidade humana da criança.
O artigo 29 da Convenção das Nões Unidas sobre Direitos da
Criança dispõe que a educação da criança deve estar orientada no sentido de
desenvolver sua personalidade, suas aptidões e capacidade mental e física em todo
seu potencial, forma a prepará-la para uma vida adulta responsável, fomentando o
respeito pelos direitos humanos e valores culturais e nacionais da criança e do outro.
Acesso à educação e proteção à infância estão entrelaçados, são
dependentes um do outro, pois a educação de qualidade é uma forma de proteção à
infância proporcionando ao menor a oportunidade de gozar dos direitos civis que lhe
são garantidos pela Carta Política.
O art. 206 da Constituição Federal apresenta os princípios que
devem nortear o ensino, prevendo a igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola.
As previsões constitucionais a respeito da educação e da proteção à
criança são normas programáticas, ou seja, princípios norteadores que devem
orientar os poderes públicos e que, segundo José Afonso da SILVA, a Carta Política
de 1988, que possui um “compromisso com as conquistas liberais e um plano de
evolução política de conteúdo social
64
,” ao assumir uma postura de definição de fins
e programas de ação futura com o objetivo de uma orientação social democrática,
acabou por exprimir em seus enunciados um grande grau de imprecisão, o que
compromete a eficácia e aplicabilidade imediata de suas normas. Daí a necessidade
de se buscar mecanismos que confiram a concretização das normas sociais
previstas constitucionalmente.
64
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 2004, p. 137.
30
É através da educação de qualidade que a criança irá compreender,
segundo Dubet,
65
as lógicas da integração proporcionando, desta forma, a
interiorização dos “eus sociais,” conduzindo à socialização. Ressalta Marcos Cezar
de FREITAS
66
que:
Desse empreendimento investigativo resulta a compreensão de que a socialização
da criança na escola também pode ser acompanhada e sucedida por um
movimento de distanciamento, maior ou menor conforme o caso, em relação aos
“eus disponíveis” para cada um. Para o jovem, adquirir a condição de sujeito
significa renunciar aos papéis predispostos para ele escapando dos figurinos que
inventam e propõem uma trajetória predefinida antes mesmo de sua chegada à
escola.
A qualidade do ensino tem o dever de superar o paradigma pré-
concebido de fracasso daquele aluno que “carrega” sobre suas costas o estigma da
classe, da cor, entre outros fatores, garantido-lhe o status de sujeito de direito, pois a
realidade reinante é a consolidação do “mal estar social” porque a escola não
garante à criança a possibilidade de realizar suas aspirações, se é que elas
possuem alguma, pois a constante situação de risco em que se encontram
inviabiliza muitas vezes até mesmo o sonho de um futuro melhor.
É preciso respeitar as fases de desenvolvimento da vida, e a
pobreza impede este regular desenvolvimento, pois impõe ao menor o dever de
amadurecer antecipadamente como forma de sobrevivência.
Mariano NARODOWSKI,
67
ao responder ao por quê de educar,
assevera que a tarefa de educar necessita conceber o singular, as diferenças, o
diverso, e responder para quê educamos consiste em pensar no homem que
queremos formar, lembrando que todos têm direito à formação e que ao Estado
cabe, em termos de direitos humanos e de justiça, garantir o acesso igualitário à
educação. Segundo o educador:
el Estado debería ser el garante de que cada uno de nosotros pueda dar múltiples
respuestas. En primer lugar, tiene que ser el garante, en términos de derechos
humanos, de que la respuesta que yo dé acerca de cómo educar no vaya en
65
DUBET, François. Sociologie de l´exopérience. Paris: Seuil, 1994. Apud FREITAS, Marcos Cezar
de.(org.) Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na juventude, p. 17.
66
FREITAS, Marcos Cezar de.(org.) Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na
juventude, p. 18.
67
NARODOWSKI, Mariano. Con la disolución de la asimetría se pierde la educación. Disponível
em: http://weblog.educ.ar/educacion-tics/cuerpoentrevista.php?idEntrev=128. Acesso em: 29/12/2006.
31
contra de otros; y, en segundo lugar, en términos de justicia, tiene que garantizar
que todos tengamos las mismas posibilidades y podamos educarnos conforme a
nuestros valores. Que no ocurra, como ocurre en la actualidad, que los ricos
tengan muchas más chances de construir su proyecto que los pobres, tanto en lo
que respecta a la cantidad de años de educación como respecto de los contenidos
de la educación que les van a dar a sus hijos y a sus alumnos. El único que puede
garantizar la igualdad de oportunidades, en una sociedad democrática moderna,
es el Estado, porque el mercado puede nivelar algunas cuestiones, lo puede hacer
con algunos bienes, pero no lo puede hacer con el bien educación.
Por esse motivo a educação deve ser o tema central da política
estatal, através do desenvolvimento de projetos políticos que assegurem à criança e
ao adolescente um aprendizado público sadio e eficiente, o que infelizmente não é a
nossa realidade, pois vivenciamos um ensino público deficiente que não consegue
atender aos anseios da comunidade e que transfere à iniciativa privada esta
responsabilidade.
A questão é que isto gera uma tensão social, na medida em que a
grande maioria da populão não tem condições de colocar seus filhos em escolas
privadas cuja qualidade do ensino é superior
68
. Temos, de um lado, crianças
privilegiadas com acesso à educação globalizada e, de outro, pequenos “não
cidadãos” que têm, no máximo, à disposição, uma escola pública sem atrativo
algum, o que acaba gerando um grande índice de evasão escolar.
A gritante diferença no desenvolvimento inicial da vida reflete
inclusive na concepção de cidadania. A criança que teve atendido seus anseios, que
pôde estudar e brincar no tempo certo terá noção de seus direitos e mais condições
de lutar para sua efetivação, ao contrário da criança pobre que foi obrigada pelas
circunstâncias a amadurecer porque tanto a família quanto o Estado não lhe deram
condições de seguir o desenvolvimento regular do crescimento. Faltou-lhe não
somente a educação, mas todos aqueles requisitos mínimos para se alcançar o bem
estar social e que, como já foi mencionado, classificam o conceito de pobreza.
Neste contexto onde a criança pobre é relegada pela família, Estado
e sociedade, as regras sociais não lhe servem. Destaca Marcos Cezar de
FREITAS
69
que o menor acaba tendo como habitat a rua que lhe garante a
sobrevivência através do trabalho informal e na qual encontra seguidos “rituais de
68
Isto sem falar na cruel realidade de cidades brasileiras que não tem sequer a opção pública ou
privada de acesso à escola.
69
FREITAS, Marcos Cezar de.(org.) Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na
juventude, p. 31
32
passagem,” pois da condição de pedinte pode passar a de vendedor e depois à
organização que emprega as crianças na delinqüência. Realça ainda o autor
70
que:
Essa situação de independência da tutela do adulto, ou de convívio esporádico
com regras próprias da relação família criança, faz com que essa criança
desrealize sua infância menos porque não dispõe de recursos, porque algumas
vezes a criminalidade oferece ganhos maiores que os dos pais, por exemplo, e
mais porque a situação de descompromisso e abandono abre as portas para
várias experiências precoces, incompatíveis com seu tamanho e reserva
emocional.
Há, portanto, um desvirtuamento dos princípios de moralidade e
ética porque não são apresentados adequadamente e ao tempo certo para a
criança, que vê na rua o seu encanto, o descompromisso com a norma. Na rua,
ainda que de forma avessa, encontra a “dignidade” que a família, o Estado e a
sociedade não lhe proporcionaram da forma correta.
A questão da qualidade do ensino é mais complexa do que parece,
pois não esbarra tão somente na qualificação de profissionais do ensino, nas
condições físicas da escola e em técnicas de desenvolvimento pedagógico, mas
tamm em uma estrutura social que impede o acesso e em especial a permanência
da criança na escola, e que não consegue se socializar porque carrega o estigma da
pobreza, o que a impede de interiorizar o que Dubet chamou de “eus sociais”.
Ainda que o Estado procure garantir a permanência da criança na
escola através de programas sociais como o bolsa-escola, a adversidade cotidiana
que consiste, por exemplo, em estudar meio período e trabalhar no outro, impede o
aproveitamento do ensino e a criança ao invés de ser incluída é tão somente
tolerada pelo meio social.
José Manuel MORAN
71
destaca que ensino e educação são
conceitos diferentes e enquanto no ensino há a organização de diversas atividades
didáticas com a finalidade de auxiliar o aluno a compreender as diversas áreas do
conhecimento (ciências, história, matemática, etc), na educação o foco vai além de
ensinar. O objetivo é “ajudar a integrar ensino e vida, conhecimento e ética, reflexão
70
FREITAS, Marcos Cezar de. Idem, ibidem.
71
MORAN, José Manoel, Masetto, Marcos T e Behrens, Marilda Aparecida. Novas Tecnologias e
Mediação Pedagógica, p. 12.
33
e ação, a ter uma visão de totalidade”. Segundo o autor o ensino de qualidade
envolve algumas variáveis:
Organização inovadora, aberta, dimica. Projeto pedagógico participativo;
Docentes bem preparados intelectual, emocional, comunicacional e eticamente.
Bem remunerados, motivados e com boas condições profissionais; Relação
efetiva entre professores e alunos que permita conhecê-los, acompanhá-los,
orientá-los; Infra-estrutura adequada, atualizada, confortável. Tecnologias
acessíveis, rápidas e renovadas; Alunos motivados, preparados intelectual e
emocionalmente, com capacidade de gerenciamento pessoal e grupal
72
.
Para alcançar a formação de cidadãos críticos e conscientes de
suas responsabilidades é preciso promover o acesso à educação, conscientizar a
família sobre a importância de educação formal
73
, e criar condições de permanência
da criança na escola.
Tal como os motivos da exploração da mão-de-obra infantil
envolvem diversos fatores, as soluções apontadas tamm são diversas e
complexas, pois ainda que se alcance um ensino de qualidade e se consiga tornar a
escola “atraente” para a criança, é preciso superar ainda o paradigma cultural das
famílias pobres que não vislumbram a real importância do ensino para a construção
da cidadania. É preciso conscientizar essa camada da população sobre seus direitos
de cidadão e “ensinar” o caminho para o exercício desses direitos.
Nas escolas municipais de Curitiba, responsáveis pelo ensino
fundamental, existe um projeto pedagógico modelo onde a escola, apoiada pela
Secretaria Municipal de Educação, procura oferecer um ensino adequado e
completo à comunidade.
A criança que possui alguma dificuldade de aprendizado é
encaminhada pela própria escola ao médico pediatra que vai encaminhá-la ao
médico especialista (psicólogo; fonoaudiólogo, etc.). A assistência é tão completa
que é a escola quem marca a consulta e a prefeitura fornece o vale transporte para
a criança e para a mãe irem à consulta agendada.
O problema é que muitas famílias não atendem à solicitação da
escola e deixam de levar a criança ao médico. Questionadas pela escola, algumas
72
MORAN, José Manoel, Masetto, Marcos T e Behrens, Marilda Aparecida. Idem, ibidem.
73
É preciso fortalecer a relação aluno-família-escola.
34
mães respondem simplesmente que “é muito longe o médico” ou que gastou o vale
transporte concedido pela prefeitura para fazer outra coisa.
Quando a criança falta à aula a escola entra em contato com a
família para investigar o motivo. Quando é detectada a negligência familiar o caso é
encaminhado aos Conselhos Tutelares,
74
que infelizmente não conseguem atender
aos fins a que se destinam.
O exemplo citado das escolas municipais de Curitiba comprova a
complexidade do tema, pois ainda que se tenha um ensino de qualidade,
75
somente
ele não é suficiente para superar o ciclo da pobreza ou erradicar a exploração da
mão-de-obra infantil. Procurar transferir a responsabilidade da causa da pobreza
para o ensino deficiente é uma saída parcial e reducionista.
Mas, embora não represente a única solução para as chagas
sociais, a educação é de extrema importância na formação do cidadão, pois é a
partir dela que ele vai adquirir o conhecimento necessário para conviver
democraticamente dentro da sociedade em que está inserido. Daí a importância de o
Estado, sociedade e família conjuntamente se esforçarem para garantir educação de
qualidade desde a primeira infância.
Entretanto, a realidade que nos assola demonstra a falta de
factibilidade do acesso (e desenvolvimento) à educação que só se realizará com o
desenvolvimento da sociedade, pois, conforme nos adverte Norberto BOBBIO, “a
efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao
desenvolvimento global da civilização humana
76
”.
Se a educação vai além do ensino das “ciências”, abrangendo o
“preparo” intelectual, moral, ético e psicológico da criança e do adolescente
capacitando-os para a transição à fase adulta, é preciso uma aproximação entre a
escola e a família, de modo que quando uma delas for ausente, a outra possa cobrar
a responsabilidade daquela.
A Carta Política de 1988, ao garantir o direito ao acesso a creches e
pré-escolas, confere a estas a dupla função de educar e cuidar, daí a necessidade
74
Quando a criança falta consecutivamente três vezes ou cinco alternadamente a escola preenche
uma ficha que é encaminhada ao Conselho Tutelar para que entre em contato com a família e
verifique se a criança se encontra em situação de risco e tome as providências cabíveis.
75
Embora se tenha consciência que há falhas no ensino em especial pela má qualidade dos docentes
que são desestimulados em virtude da baixa remuneração entre outros aspectos.
76
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 45.
35
de profissionais habilitados para este mister, a fim de preparar intelectual e
emocionalmente a criança para o ensino. Mais que isto, as políticas públicas, ao
ampliar o acesso à educação, devem se concentrar em garantir a permanência e a
progressão da criança dentro do sistema educacional, possibilitando o alcance de
graus de instrução que o habilitem na fase adulta a ter acesso ao mercado de
trabalho.
Outro fator determinante para diminuição da pobreza e da
desigualdade social, que consequentemente culmina na redução do trabalho infantil,
é a erradicação da desigualdade de gênero e raça presente na nossa sociedade,
onde historicamente a mulher e o negro têm menores salários, o que tem contribuído
para a perpetuação da pobreza e para a exploração da mão-de-obra infantil, tema
que passaremos a abordar no próximo item.
1.2.3 – Desigualdade de gênero e exploração sexual infantil
A desigualdade de gênero e raça é um importante fator a ser
considerado nas causas do trabalho infantil, uma vez que as atitudes
discriminatórias em relação à mulher culminam na perpetuação da pobreza, pois
estão mais sujeitas à exploração.
O relatório feito pela UNICEF sobre a situação da infância 2007
alerta que a pobreza e a desigualdade afetam desproporcionalmente as mulheres
que, segundo estimativas, constituem a maior parte dos pobres do mundo,
representando cerca de dois terços das pessoas analfabetas e juntamente com as
crianças somam 80% das mortes civis durante conflitos armados.
77
Ainda, segundo o relatório, existe uma propensão nos países em
desenvolvimento de as meninas ficarem mais fora da escola do que os meninos e
de as que estão matriculadas nas escolas freqüentemente abandonarem os estudos
na puberdade, pois são obrigadas a assumir responsabilidades domésticas. Às
meninas pobres, via de regra, existe a opção do trabalho doméstico e da
prostituição.
77
UNICEF. Situação Mundial da Infância 2007 – mulheres e crianças – o duplo dividendo da
igualdade de gênero, p. 10.
36
Aspecto interessante levantado por Maria Lucia LEAL
78
é que a
exploração sexual no Brasil é predominantemente de mulheres e adolescentes e,
segundo estudos, tal fato se dá em virtude da “precarização de sua força de trabalho
e da construção social de sua subalternidade”, ressaltando, ainda, que dados sobre
o tráfico para fins sexuais apontam que as mulheres adultas são traficadas
preferencialmente para outros países, enquanto que as adolescentes são traficadas
através de rotas intermunicipais e interestaduais, com conexão para as fronteiras da
América do Sul.
Estudos demonstram que a maioria das vítimas de exploração
sexual é de mulheres negras e mulatas, o que evidencia a dominação por gênero e
raça
79
na sociedade.
Adverte-se ainda que quanto mais novas as meninas, maior a
probabilidade de que sua primeira relão sexual tenha sido imposta. Estima-se que
por ano, 1,8 milhão de crianças estão envolvidas no sexo comercial. Dados da
Organização Mundial de Saúde alertam que 150 miles de meninas e 73 milhões
de meninos menores de 18 anos de idade sofreram relações sexuais forçadas ou
outras formas de violência física e sexual em 2002
80
.
Pesquisa feita pelo CECRIA
81
– Centro de Referência, Estudos e
Ações sobre Crianças e Adolescentes – alerta para o fato de que as relões de
gênero desfavorecem as mulheres por questões sociais e culturais enraizadas na
nossa sociedade.
O relatório cita Kathelen Mahoney que, em sua exposição no
Seminário das Américas, em Brasília, defendeu que “os valores e prerrogativas
culturais que definem o papel sexual masculino tradicional são o poder, a
dominação, a força, a virilidade e a superioridade. Os valores e prerrogativas
culturais que definem o papel sexual feminino são a submissão, a passividade, a
fraqueza e a inferioridade”
82
. Segundo a autora, a história da “supremacia
78
UNICEF. Idem, p. 58
79
Embora seja pacífico (biologicamente) a existência de uma única raça – a raça humana – quando
se diz haver diferença racial é porque o termo “raça” representa não um conceito biológico e sim uma
realidade social, uma prática discriminatória com fundo histórico, político e cultural.
80
UNICEF. Idem, p. 5.
81
CECRIA. Fundamentos e políticas contra a exploração e abuso sexual de crianças e
adolescentes – Relatório de estudo. Disponível em:
http://www.cecria.org.br/pub/livro_fund_e_politicas_publicacoes.pdf. Acesso em 4/01/2007.
82
CECRIA. Idem, ibidem.
37
masculina” leciona aos homens a falta de valor dos traços femininos e que as
mulheres são sem mérito, devendo ser tratadas com inferioridade e que dentro desta
“supremacia” os homens tem enraizada a idéia de que têm direito aos “serviços
sexuais da mulher,” podendo fazer sexo com qualquer mulher que deseje, usando a
mulher como mero objeto de prazer, o que dá abertura para toda forma de
exploração e abuso sexual de mulheres. Ainda, segundo a autora:
A idéia que a criança ou a mulher tem o direito ao próprio corpo não cabe na
ideologia supremacista masculina. As definições legais, sociais e religiosas que
vêem a mulher como propriedade masculina e o sexo como uma troca de “bens,
legitima e enraíza ainda mais na cultura a ideologia supremacista masculina. De
acordo a tais normas culturais as mulheres são valorizadas primordialmente por
sua beleza e exclusividade sexual. Isto se torna óbvio na forma como as
prostitutas são tratadas nas obras religiosas e na literatura clássica e popular.
Uma vez que a mulher é estigmatizada como prostituta ela é considerada como
desviante, de baixo valor e réles. Não é questionado o fato que ela seja inferior
aos homens que abusam dela, mesmo em tempo de guerra, quando o abuso
sexual, o estupro e a gravidez forçada são usados por seus abusadores como
estratégia de guerra. Esta forma de desumanização retira da vítima do abuso a
simpatia pública e distrai a atenção sobre o abusador. Outros, que querem
legitimar o abuso de crianças no sexo turismo, argumentam que a prostituição faz
parte da cultura do país anfitrião e que eles estão simplesmente utilizando a
estrutura existente. Dizem que estão “ajudando” a melhorar as condições de vida
de mulheres e crianças em situação de prostituição. Esses “analistas”, entretanto,
se equivocam, porque uma parte muito reduzida dos ganhos fica com a prostituta,
que deve contar com proxenetas e cafetões para ter segurança e dinheiro. Além
do status de mulheres “decaídas” elas são economicamente desfavorecidas, sem
opções de escolha de formas alternativas de emprego.
Essa visão masculina da mulher como um ser inferiorizado legitima
na consciência masculina a exploração sexual, pois não considera os aspectos
históricos e sociais suportados pela mulher e o que a leva a “optar” pela
prostituição.
Está também enraizada na consciência masculina a “disponibilidade”
da mulher, como se esta fosse a única responsável pela prostituição, pensamento
que é utilizado para justificar condutas repreensíveis de exploração sexual.
Pudemos observar a prova de que esta visão masculina que
enaltece a mulher por sua “beleza e disponibilidade sexual” está presente na nossa
sociedade, no discurso proferido na Câmara de Deputados de São Paulo no dia
27/03/2007, no qual o vereador Agnaldo Timóteo, ao falar sobre a proposta da
38
ministra do Turismo, Marta Suplicy, de combater o turismo sexual, defendeu que o
estrangeiro que vem ao País atrás de sexo não pode ser considerado criminoso
83
.
Condutas como estas são desprezíveis e merecem toda repulsa da
comunidade, ainda mais quando é um representante do povo que sobe na tribuna
para manifestar um pensamento retrógrado e preconceituoso.
O que é evidente na sociedade é a discriminação de gênero que
histórica e socialmente não reconhece à mulher os mesmos direitos e garantias,
estigmatizando-a como “inferior” e, portanto, passível de ser “dominada”.
O Relatório Situação Mundial da Infância 2007 publicado pela
UNICEF revela a necessidade de superação da desigualdade de gênero para o
benefício da criança, pois a igualdade de gênero favorece a defesa da sobrevivência
e desenvolvimento da criança. Segundo o relatório
84
:
a igualdade de gênero rende um duplo dividendo: beneficia a mulher e a criança
Mulheres saudáveis, instruídas e fortalecidas têm filhas e filhos saudáveis,
educados e confiantes. Comprovadamente, a influência que a mulher exerce
sobre as decisões familiares tem impacto positivo sobre nutrição, os cuidados de
saúde e a educação de seus filhos. Mas os benefícios da igualdade de gênero vão
além do impacto direto sobre as crianças: sem ela, será impossível criar um
mundo de eqüidade, tolerância e responsabilidades compartilhadas – um mundo
para as crianças.
A discriminação por gênero e raça ofende frontalmente os direitos
humanos e sociais previstos não somente nas tantas Convenções e Tratados de
Direitos Humanos, mas em nossa Carta Política de 1988 que veda esta distinção.
Essa histórica discriminação de gênero faz com que se perpetue a
exploração sexual, que embora tenha como “justificativa” a pobreza, não é esta a
sua única causa.
83
Nas palavras do vereador: “Agora, assume a Marta Suplicy e a primeira proposta dela é para
acabar com o tal do turismo sexual. Pelo amor de Deus minha gente, vai prender um turista porque
ele levou pro motel uma menina de 16 anos? É brincadeira! As meninas com um ´popozão´ desse
tamanho, os peitos como uma melancia e rodando bolsinha, aí o turista pega e passa a ripa. Tenha
piedade”. Após a repercussão do seu pronunciamento o vereador negou ser a favor do turismo sexual
alegando que “Houve uma repercussão absolutamente desnecessária. Primeiro, porque não defendi
nem defenderei o turismo sexual. Mas, agora, o que acho um absurdo é você prender um homem por
ter ido para cama com uma menina de 16 anos ou mais que estava rodando bolsinha em qualquer
lugar, na Avenida Paulista, na Avenida Atlântica ou na beira da praia em Fortaleza”. Fonte: SOARES,
Alexandre. Agnaldo Timóteo nega que tenha defendido o turismo sexual. Disponível em:
http://www.estadao.com.br/ultimas/cidades/noticias/2007/mar/29/190.htm. Acesso em: 01/04/2007.
84
UNICEF. Situação Mundial da Infância 2007 – mulheres e crianças – o duplo dividendo da
igualdade de gênero, p. viii.
39
Estudo desenvolvido para a tese de doutoramento da enfermeira
sanitarista Josely RIMOLI
85
, intitulado Direito à Delicadeza indica que a exploração
sexual infantil não tem como causa única a pobreza, mas também o aspecto cultural.
Segundo a pesquisadora, meninos e meninas da classe média também vendem o
corpo para adquirir drogas ou roupas de marca.
O consumismo imposto pela sociedade contemporânea faz com que
o acesso a bens seja o meio de inserção social. Assim, adolescentes que almejam
tal inserção, mas que não têm condições financeiras para isto, encontram na
prostituição um meio de “inclusão social”. Ressalta Maria Lucia LEAL que “de fato, a
idéia do consumo como meio de inserção social, estilo de vida e status, veiculada
através dos meios de comunicação, fortalece as relações de discriminação de
classe, de estilos urbanos e de comportamentos sócio-culturais capazes de
despolitizar as diferenças
86
”.
Além da pobreza e da “necessidade” de se inserir na sociedade
através da aquisição de bens de consumo, outro motivo que leva crianças e
adolescentes à prostituição são as relações intra-familiares. O adolescente muitas
vezes sofre violências físicas e morais (muitas vezes abusos sexuais por membros
da família) e para fugir desta situação acaba se deixando seduzir pelas promessas
de aliciadores.
É importante ressaltar, entretanto, que a Agenda do Milênio
87
reconhece que a igualdade de gênero é fundamental para o desenvolvimento
humano, exigindo a implementação plena da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e da Convenção sobre os
Direitos da Criança. E ainda, de acordo com a Agenda do Milênio, a igualdade de
85
RIMOLY, Joseli. Estudo avalia políticas de combate à exploração sexual. Jornal da Unicamp.
Ed. 286. 2 a 8 de maio de 2005. Disponível em:
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2005/ju286pag4b.html. Acesso em 4/01/2007.
86
Leal, Maria Lúcia, Leal, Maria de Fátima P., orgs. Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e
Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial – PESTRAF. Brasília : CECRIA, 2002, p. 53.
87
Está nas metas do milênio que se originam da Declaração do Milênio, do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), assinada por todos os 191 Estados-Membros das Nações
Unidas, entre eles o Brasil, até 2015: 1 - Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2 - Atingir o ensino
básico universal; 3 - Promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres; 4 - Reduzir a
mortalidade infantil; 5 - Melhorar a saúde materna; 6 - Combater o HIV/Aids, a malária e outras
doenças; 7 - Garantir a sustentabilidade ambiental e 8) Estabelecer uma Parceria Mundial para o
Desenvolvimento.
40
gênero transcende o objetivo de acelerar o desenvolvimento humano. É tamm um
direito moral
88
.
E conforme nos adverte Maria Lucia Pinto LEAL
89
, a desigualdade
estrutural da sociedade brasileira é também marcada pelo autoritarismo nas
relações adulto/criança, onde a criança e o adolescente não são considerados como
sujeitos, “mas objeto da dominação dos adultos, tanto através da exploração de seu
corpo no trabalho, quanto de seu sexo e da sua submissão”.
Se a desigualdade de gênero contribui para a perpetuação da
pobreza e, conforme verificamos, tamm da exploração sexual de meninas
ainda o paradigma cultural que encara com naturalidade o trabalho infantil que
iremos investigar a seguir.
1.2.4 – Fatores culturais
Outro motivo da exploração do trabalho infantil é a questão cultural
que vê com naturalidade o trabalho infantil, sob a falsa premissa de que o trabalho
educa e evita a marginalidade, ou ainda, de que as condições sócio- econômicas
dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento impedem a extinção do
trabalho (exploração) infantil, pois este significa a sobrevivência da criança e do
adolescente.
A realidade escravocrata brasileira reflete na questão do trabalho
infantil, pois, conforme salientou Daniel de BONIS, no III Fórum Social Mundial, a
forma como o trabalho infantil é visto pela sociedade está ligada à maneira como
sempre viu o trabalho escravo, “uma cultura escravocrata da própria relegação
desse trabalho, a condição do trabalhador, de qual ela deveria ser”, concluindo que
“a história do trabalho infantil até o século XIX é a história do trabalho escravo,
motivo pelo qual algumas formas de trabalho infantil que eram praticadas pelos
escravos ainda persistem até hoje, como a exploração de menores nos canaviais e o
88
UNICEF. Situação Mundial da Infância 2007 – mulheres e crianças – o duplo dividendo da
igualdade de gênero, p. 2.
89
LEAL, Maria Lúcia Pinto. A Exploração Sexual Comercial de Meninos, Meninas e
Adolescentes na América Latina e Caribe (Relatório Final – Brasil), p. 9.
41
trabalho doméstico, onde a criança, muitas vezes, tamm é submetida a castigos
físicos e abusos sexuais.
Os riscos a que são expostas as crianças que trabalham são
incontestáveis, em especial aos riscos nas piores formas de trabalho infantil, pois
sujeitam o menor a mutilações físicas e morais, tirando-lhe qualquer condição de
dignidade e possibilidade de desenvolvimento sadio.
E ainda, quando a criança deixa de freqüentar a escola para
trabalhar, está sendo prejudicada, pois, além de futuramente não conseguir se
integrar no mercado de trabalho, é privada do conjunto de fatores imprescindíveis
para o seu desenvolvimento que a escola proporciona, como a convivência com
outras crianças (que vai afetar a sociabilidade) e desenvolvimento de atividades
adequadas que irão contribuir para sua formação social.
Diversamente do que culturalmente se expõe o trabalho não
socializa, mas ao contrário, retira da criança a possibilidade de desenvolvimento
equilibrado e sadio, pois ela está deslocada ambientalmente, exercendo atividades
inadequadas à sua condição física e maturidade, o que a impede de exercer seu
correto papel dentro do grupo.
A boa notícia é que este paradigma de que o trabalho é bom para
criança está mudando. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope
90
por iniciativa da
Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI em parceria com a OIT, a
maioria da população brasileira considera o trabalho infantil prejudicial à criança
91
.
90
IPEC. Maioria da população acha que trabalho infantil é prejudicial ao país. Disponível em
http://www.oitbrasil.org.br/ipec/imp/ler_not.php?id=2575. Acesso 02/04/2007.
91
Para 77,3% dos entrevistados mais jovens, com idade entre 16 e 24 anos, é preferível trabalhar
com 16 anos ou mais. Para 44,4% da população, a responsabilidade por não permitir o trabalho
infantil é do Estado, para 32,7% a responsabilidade é da família, e para 18,6% é da sociedade. Para
90% dos jovens entre 16 e 24 anos, pessoas que utilizam mão-de-obra infantil, expondo a criança a
riscos, deveriam ir para a cadeia. Para 55,5% dos entrevistados, o trabalho infantil gera pobreza,
desemprego e é prejudicial para a economia do país. Ao todo, 68% das pessoas com idade entre 16
e 24 anos, e o mesmo percentual dos que têm entre 25 a 29 anos, discordam da afirmação de que é
correto crianças trabalharem em um país como o Brasil. 70% dos que têm nível superior consideram
que não é correto que criança trabalhe. A pior forma de trabalho infantil é, para a maioria dos
entrevistados (78%), a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Em segundo lugar,
para 65%, a pior forma de trabalho infantil é a exploração de crianças no plantio e tráfico de drogas. A
televisão e o jornal impresso são os maiores difusores do debate sobre o trabalho infantil. Ao todo,
73,9% dos entrevistados afirmou ter visto ou ouvido sobre o tema na TV, e 21,8% afirmou ter lido em
jornais impressos. FNPETI. A opinião pública sobre o trabalho infantil. Disponível em:
http://www.fnpeti.org.br/images/stories/docs_estatisticas/dados_ineditos_2006.pdf. Acesso em
02/04/2007.
42
Com relação à pergunta: “Na sua opinião, a partir de que idade seria
adequado que uma pessoa começasse a trabalhar?”, os resultados da pesquisa
demonstraram que mulheres, em sua maioria (58%), consideram que a idade
adequada para o primeiro emprego é de 16 anos ou mais, contra 51% dos homens.
E para 77,3% dos entrevistados mais jovens, com idade entre 16 e 24 anos, é
preferível trabalhar com 16 anos ou mais. Em contraposição aos jovens, essa opção
é escolhida por 37,3% dos entrevistados com idade a partir de 50 anos.
Esse dado revela que o trabalho precoce é mais aceito pelas
pessoas mais velhas, em contraposição as novas gerações, comprovando que as
políticas aplicadas têm conseguido mudar o paradigma social de aceitação do
trabalho infantil.
Contribui para mudança desse paradigma de que o trabalho
“socializa” a criança, os dados do PNAD, pois demonstram que as pessoas que
começaram a trabalhar mais cedo e aquelas com menos instrução são as que
auferem a menor renda, perpetuando o ciclo da pobreza.
De toda sorte, o que temos visto ocorrer é a transferência da
responsabilidade de sustentar
92
a família ao menor de idade, o que é inadmissível
em um Estado Democrático de Direito, pois essa responsabilidade cabe à sociedade
e ao Estado.
Devemos considerar tamm, ainda que em menor escala, dentre os
motivos do trabalho infantil, o próprio desejo do menor em trabalhar, seja para ter
acesso a bens de consumo, seja para ajudar na economia doméstica, ou ainda para
fugir de maus tratos em casa.
A estrutura familiar é um importante meio de combater a exploração
do trabalho infantil, pois a criança que não tem um lar estruturado dificilmente
conseguirá superar o ciclo da pobreza porque não tem apoio e tampouco um
referencial ético e moral a ser seguido.
Os motivos que levam a criança a trabalhar, como se viu são
diversos e o combate a eles exige não somente programas políticos, mas tamm
sociais para que haja, por parte da sociedade e da família, uma conscientização
ética e moral da perversidade da exploração do trabalho infantil, fazendo-as
92
Com a justificativa de necessidade de sobrevivência.
43
enxergar os males que esta exploração significa no desenvolvimento desta mesma
sociedade.
E embora a legislação brasileira seja farta no combate ao trabalho
infantil, falta-lhe efetividade e os programas de combate à exploração da mão-de-
obra infantil não conseguem superar os diversos motivos que levam os menores às
ruas, às empresas, ao tráfego de drogas e tantas outras formas de exploração
93
.
Dessa forma, fica claro que um dos caminhos a ser perseguido para
extinção da pobreza é, sem dúvida, o desenvolvimento econômico, com redução das
desigualdades sociais, sendo que isso só será possível através do acesso à
educação, ampliação do mercado de trabalho e efetivos programas de transferência
de renda pelo Estado e eliminação de discriminação por gênero e raça.
93
Nos termos da projeção de estimativas de erradicação do trabalho infantil, com base em
dados de 1992 – 2003, realizada pela OIT, “fazendo-se uma análise exponencial (ou logarítmica)
sobre o número de crianças trabalhadoras, em 2015, chegar-se-á, seguindo-se a mesma tendência,
a um número de cerca de 2,7 milhões de crianças trabalhadoras entre 10 a 17 anos (comparado com
as 4,6 milhões em 2003). Ou seja, em doze anos, ainda haverá um volume considerável de
ocorrências de trabalho infantil. Este número considera a hipótese de que o esforço investido entre
1992 e 2003 seja mantido”. Organização Internacional do Trabalho. O Brasil sem trabalho infantil.
Quando? Projeção de estimativas de erradicação do trabalho infantil. Disponível em:
http://www.oitbrasil.org.br/ipec/download/resumo_revisado.pdf. Acesso em: 02/04/2007.
44
CAPÍTULO II – PANORAMA DA EXPLORAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA INFANTIL
2.1 IDENTIFICANDO O TRABALHO INFANTIL
Antes de se abordar as formas de trabalho infantil, suas origens e
desenvolvimento, é preciso definir o que se considera trabalho infantil.
É certo que no passado a criança sempre foi tratada pelo Estado,
pela família e pela sociedade como um mero objeto sempre vítima de violências e
omissões. Todavia com a evolução da sociedade passa-se, progressivamente, a
reconhecer a este universo infanto-juvenil direitos, conferindo à criança e ao
adolescente o status de cidadão.
Após o advento da Constituição de 1988 que dispôs ser dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, passou-se a adotar a
terminologia criança e adolescente em substituição à expressão “menor,” utilizada
até então para proteção de seus direitos.
O termo “menor”, na esfera civil, está relacionado com a capacidade
civil, e na esfera penal, à inimputabilidade daí o porquê da adoção das expressões
“criança” e “adolescente” para determinar os direitos sociais destes, “pois a proteção
do trabalho infanto-juvenil não está relacionada à capacidade para exercer
pessoalmente atos da vida civil ou à sua inimputabilidade, mas refere-se, isto sim, à
influência do exercício de determinadas atividades na má formação educacional,
cultural, moral, física e mental das crianças e adolescentes”.
94
A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que no
dizer de Selma Regina ARAGÃO e Angelo Luis de Souza VARGAS,
95
“só foi
possível graças a um novo quadro constitucional que (...) engendrou um paradigma
94
MINHARO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente no direito do trabalho, p. 29.
95
ARAGÃO, Selma Regina. VARGAS, Ângelo Luis de Sousa. O estatuto da criança e do
adolescente em face do novo código civil, p. 11.
45
jurídico-institucional e rechaçou qualquer tipo de resquício autoritário e ameaças aos
direitos básicos da cidadania integral” considera criança a pessoa até doze anos de
idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Ao adotar as expressões “criança e “adolescente” o Estatuto rompe
com a utilização do estigmatizado termo “menor” que por décadas foi utilizado de
forma preconceituosa, representando a criança e o adolescente de forma
depreciativa, como sinônimo de infratores, e reconhece a criança e o adolescente
como sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento que em virtude se sua
peculiar situação de fragilidade devem ser protegidas pelo Estado e pela sociedade.
No passado não se conferia à criança e ao adolescente qualquer
direito, estes apenas se sujeitavam ao “poder familiar” que era irrestrito, pois não
havia nenhuma legislação que o limitasse. Relata Gustavo Ferraz de Campos
MONACO
96
que houve “casos em que a defesa da vida e de sua condição humana
precisou ser feita com base em leis existentes para a proteção dos animais, sob o
argumento de que, assim como os animais, as crianças eram seres vivos
pertencentes ao reino animal – em contraposição, por óbvio, ao reino vegetal, que
não gozaria de tal proteção
97
”.
Com o desenvolvimento da sociedade civil e através da ação de
organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho passou a
ser conferido à criança e ao adolescente o status de sujeito de direitos, um novo
paradigma que no Brasil se consolida com a promulgação da Constituição Federal e
mais tarde com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Este novo paradigma estava apoiado em dois pilaressicos: a “concepção da
criança e do adolescente como Sujeitos de Direitos e a afirmação de sua
Condição Peculiar de Pessoa em desenvolvimento”, revogando “os conceitos
ideológicos e anticientíficos de situação” e decretando o banimento do termo
estigmatizador de “menor”. Buscava-se com isso resgatar o conjunto da população
infantil e juvenil “para a cidadania e para a plenitude humana”. Os condenados à
não-cidadania – as crianças e os jovens das famílias de baixa renda nas periferias
96
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. A declaração universal dos direitos da criança e seus
sucedâneos internacionais (tentativa de sistematização), p. 102.
97
Gustavo Monaco cita um caso ocorrido em Nova York em 1874 “quando uma assistente social da
igreja, ao visitar uma família, encontrou acorrentada à cama uma menina, doente, subnutrida e
maltratada. Como não havia nenhuma lei limitando o exercício do poder familiar ou mesmo uma lei
que proibisse os abusos e os maus-tratos, não havia norma específica com base na qual se pudesse
pleitear a cessação do abuso. Foi com base na lei de proteção aos animais que agiram os defensores
sob o argumento de que tal lei proibia que maus-tratos fossem cometidos contra quaisquer seres
vivos pertencentes ao reino animal”. (nota 221)
46
urbanas e nas áreas rurais pauperizadoras – podiam regozijar-se: o subsalário, o
subemprego, a subnutrição estavam com seus dias contados; eles teriam como
reivindicar o atendimento de seus direitos individuais à vida; à liberdade, ao
respeito e à dignidade, bem como de seus direitos coletivos econômicos, sociais e
culturais. O Estatuto da Criança e do Adolescente é o estabelecimento de um
novo paradigma social.
98
A criança e o adolescentes são pessoas em desenvolvimento e tanto
a Constituição Federal em seu art. 227, quanto o Estatuto da Criança e do
Adolescente lhes conferem proteção integral que deverá ser garantida através de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência.
99
E esta peculiar situação de
pessoa em desenvolvimento a coloca não mais tão somente como em uma situação
evidentemente passiva de objeto de proteção, mas sim como de sujeito de direitos.
O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente vem reforçar o
disposto no art. 227 da Constituição Federal conferindo à família, à comunidade, à
sociedade em geral e ao Poder Público o dever de assegurar com absoluta
prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, determinando ainda que
o cumprimento desta prioridade deve se dar no plano político ao se dar preferência
na formulação e execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de
recursos públicos nas áreas relacionadas à proteção à infância e à juventude.
Dentre os direitos garantidos à criança e ao adolescente está o
direito à profissionalização e em especial o direito a não trabalhar, direito este que
vem sendo desrespeitado pela sociedade desde os tempos mais primórdios.
A definição de criança e adolescente varia de um país para outro de
acordo com os aspectos culturais, não existindo uma definição exata a respeito,
sendo consenso de que é nesta fase que a pessoa “adquire formação intelectual,
física, social e moral necessária para se transformar num adulto probo, consciente
de seus direitos e obrigações, enfim, apto para o exercício de atividades laborativas
que lhe assegurem o sustento”.
100
98
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Idem, ibidem.
99
Conforme disposto no artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
100
MINHARO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente no direito do trabalho, p. 31.
47
Considerando que a Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança adotada pela ONU e a Convenção nº 182 da Organização
Internacional do Trabalho – OIT que trata das piores formas de trabalho infantil,
utilizam o termo criança para toda pessoa menor de dezoito anos e em termos de
legislação nacional o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como criança
a pessoa com até doze e adolescente entre doze e dezoito anos de idade, para fins
didáticos se utilizará os termos “trabalho infantil” e “infanto-juvenil” para designar
todo e qualquer trabalho realizado por crianças e adolescentes, ou seja, por aquelas
pessoas de até dezoito anos, que tenha finalidade econômica.
A finalidade econômica é importante na definição do que aqui se
propôs a tratar como trabalho infantil, ou infanto-juvenil, pois quando utilizamos
estas expressões a vinculamos à exploração do trabalho infantil na medida em que o
“trabalho” desenvolvido por crianças e adolescentes no auxílio das atividades
domésticas (arrumar a cama; jogar o lixo; tarefas simples no campo como recolher
ovos
101
, etc), guardadas eventuais dimensões, não pode ser considerado trabalho
infantil nos termos aqui propostos. O trabalho infantil aqui denominado é aquele que
a criança e o adolescente exercem (são obrigados a exercer), com a finalidade de
prover o próprio sustento e de sua família e que não lhes assegura um
desenvolvimento sadio, impede o acesso à educação, e fere, enfim, a dignidade
humana.
A Convenção nº 138 da OIT objetiva a abolição do trabalho infantil,
estipulando que a idade mínima de admissão ao emprego não deverá ser inferior à
idade de conclusão do ensino obrigatório. Nos termos da referida convenção, os
Estados-membros devem delimitar qual a idade mínima a vigorar em seu território
devendo-se, todavia, observar que em qualquer hipótese não poderá ser inferior a
15 anos, observando-se, ainda, o critério de que a idade estabelecida não deverá
ser inferior à idade de conclusão do ensino obrigatório, permitindo, entretanto, que
nos países de economia e desenvolvimentos precários se adote como idade mínima
a de quatorze anos.
101
A Convenção nº 138 da OIT que trata da idade mínima para o trabalho define que não se aplica a
Convenção às propriedades familiares e de pequeno porte que produzam para o consumo local e não
empreguem regularmente mão-de-obra remunerada.
48
A meta da Convenção nº 138 da OIT é que todo país ratificante se
empenhe na adoção de políticas públicas que garantam a abolição do trabalho
infantil e elevem, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a
trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem.
O Brasil, em consonância com a Declaração, através da Emenda
Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, mudou a legislação alterando
para dezesseis anos a idade mínima permitida para o trabalho, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos.
Considerando o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente
que diz ser criança a pessoa com até 12 anos e adolescente a pessoa de 12 a 18,
pode-se dizer que é vedado qualquer trabalho às crianças e ao adolescente menor
de 16, salvo a partir dos quatorze anos na condição de aprendiz.
De qualquer forma, é vedado ainda, tanto pela Convenção nº 138 da
OIT da qual o Brasil é signatário, como no âmbito nacional pela Constituição
Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela CLT, o trabalho que por
sua natureza ou circunstância em que é executado, possa prejudicar a saúde, a
segurança e a moral do jovem.
O Estatuto da Criança e do Adolescente trata nos artigos 60 a 69 da
profissionalização e do trabalho infanto-juvenil delineando os princípios protetivos da
criança e do adolescente em relação ao exercício laboral, que deverá sempre
respeitar o desenvolvimento físico, psíquico moral e social da pessoa em
desenvolvimento e propiciar a capacitação profissional adequada ao mercado de
trabalho.
A OIT desde o seu surgimento tem se dedicado às questões
inerentes à exploração da mão-de-obra infantil e seu objetivo é o de universalizar as
regras mínimas trabalhistas, através de suas convenções e recomendações.
Desta forma, é vedada a realização de trabalho por crianças de a
doze anos ou adolescentes menores de dezesseis
102
e, ainda, por menores de
dezoito quando insalubres e/ou perigosos e que possam de alguma forma prejudicar
no desenvolvimento sadio da criança e do adolescente, sendo considerado o
102
Salvo na condição de aprendiz.
49
trabalho infantil aquele desenvolvido em dissonância aos preceitos contidos nas
Convenções da Organização Internacional de Trabalho e legislões nacionais.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança aprovada em 20 de
novembro de 1959 pela Assembléia Geral das Nações Unidas estabelece, em seu
princípio IX, que a criança deve ser protegida contra toda forma de abandono,
crueldade e exploração, não podendo ser objeto de nenhum tipo de tráfico, e que
não se deverá permitir que a criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada
e em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha,
qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação,
ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral.
Da mesma forma a Convenção sobre os Direitos da Criança
aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989
considerada como o instrumento de direitos humanos mais aceito no mundo, tendo
sido ratificada por 192 países – enuncia que todas as ações relativas às crianças,
levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais,
autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar,
primordialmente, o melhor interesse da criança, reconhecendo o direito da criança
de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de
qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja
nocivo para sua saúde o para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral
ou social.
A Convenção sobre os direitos da criança, considerada uma
“constituição” da criança e do adolescente, ao dispor sobre a vedação do trabalho
infantil preconiza que os Estados-partes adotarão medidas legislativas, sociais e
educacionais com vistas a assegurar sua aplicação, devendo os Estados-partes: a)
estabelecer uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão em emprego; b)
estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego;
e c) estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas, a fim de assegurar o
cumprimento efetivo do disposto na Convenção a respeito do trabalho infantil.
A Convenção dos Direitos da Criança, tal como a Declaração
Universal dos Direitos da Criança, enuncia direitos e liberdades a que fazem jus
toda e qualquer criança. Tais instrumentos trazem em seu bojo muitos dos direitos
contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas que em virtude da
50
peculiar situação de ser humano em desenvolvimento da criança e do adolescente
foram reunidos em documentos internacionais específicos aos interesses destes
pequenos cidadãos.
Percebe-se assim que a legislação nacional, em consonância com
as leis internacionais, almeja dar à criança e ao adolescente proteção especial que
lhes propicie o exercício de seus direitos como cidadãos, permitindo o
desenvolvimento sadio, respeitando o direito à vida e seu gozo em condições de
dignidade e liberdade.
Considerando que a Declaração Universal dos Direitos da Criança
manifesta que a criança deve ser criada num ambiente de compreensão, de
tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal, todos os
Estados devem trabalhar conjuntamente para a efetivação dos direitos garantidos à
criança e ao adolescente, coibindo toda e qualquer forma de exploração, o que na
esfera nacional brasileira implica proporcionar o exercício do princípio da dignidade
da pessoa humana, erigido pela Carta Constitucional de 1988 como fundamento da
República que, conforme adverte Fabíola Santos ALBUQUERQUE, atualmente tal
princípio impera em todas as relações humanas e “deve ser compreendido como o
fio condutor de todo o sistema jurídico constitucional. É um princípio de inclusão,
pois dirige-se ao homem concreto e individual com necessidades reais e que luta
para conquistá-las. Portanto, privilegia, protege, realiza e insere a pessoa na
realidade social
103
”.
Assim, qualquer trabalho realizado por criança e por adolescentes
menores de 16 anos
104
é vedado, sendo proibido, ainda, qualquer trabalho que
“desrealize” a criança como cidadã, ferindo-lhe a dignidade humana, ou seja, o
desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua
educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico,
mental, espiritual, moral ou social e que impeça, portanto, seu livre e digno
desenvolvimento.
103
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Poder Familiar nas Famílias recompostas e o art. 1636 do
CC/2002. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha coord. Afeto, ética, família e o novo código civil – anais
do IV congresso brasileiro de direito de família, p. 162.
104
Salvo o maior de 14 e menor de dezesseis na condição de aprendiz de acordo com a legislação
brasileira.
51
Definido no que consiste a exploração do trabalho infantil, passamos
a analisar em que nuances ela aparece no Brasil e no mundo, de que forma e em
que quantidade se apresenta.
2.2 EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
A Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os
princípios e direitos fundamentais no trabalho preceitua que todos os membros da
OIT, ainda que não ratifiquem suas convenções, têm o compromisso, pelo simples
fato de pertencerem à Organização, de respeitar, promover e tornar realidade, de
boa-fé e em conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos
fundamentais, dentre eles a abolição efetiva do trabalho infantil.
A maciça exploração da mão-de-obra infantil faz nascer na
consciência da sociedade a exigência de novas regras de uma vida mais digna.
Consciência que se reforça com a pós-modernidade, valorizando-se concretamente,
de forma ética, o alcance dos princípios fundamentais dos direitos humanos, pois, no
dizer de Cármen Lúcia Antunes ROCHA
105
Cidadania não combina com desigualdade. República não combina com
preconceito. Democracia não combina com discriminação. E, no entanto, no Brasil
que se diz querer republicano e democrático, o cidadão ainda é uma elite, pela
multiplicidade de preconceitos que subsistem, mesmo sob o manto fácil do silêncio
branco com os negros, da palavra gentil com as mulheres, da esmola superior
com os pobres, da frase lida para os analfabetos...
Como salienta Fábio Konder COMPARATO “enquanto o capital é,
por assim dizer, personificado e elevado à dignidade de sujeito de direito, o
trabalhador é aviltado à condição de mercadoria, de mero insumo no processo de
produção, para ser ultimamente, na fase de fastígio do capitalismo financeiro,
dispensado e relegado ao lixo social como objeto descartável
106
. Ora, se é
105
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação afirmativa o conteúdo democrático do princípio da
igualdade jurídica. Revista de Informação Legislativa nº 131, jul./set. 1996.
106
COMPARATO, Fabio. Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2ª ed. rev. ampl., p.
23.
52
desumano que o trabalhador adulto seja submetido a condições precárias de
trabalho, quiçá a criança que sequer desenvolveu-se física e psicologicamente.
A criança que trabalha, o faz na maioria das vezes para
complementar a renda familiar, o que causa um círculo vicioso, pois o trabalho tira a
criança da escola tornando-a um adulto sem qualificação profissional que com
certeza não conseguirá no futuro inserir-se no mercado formal de trabalho.
Todavia, há ainda uma supervalorização do trabalho como medida
curativa, como se fosse o ideal, ou, menos prejudicial, a criança trabalhar do que
ficar nas ruas.
O relatório da OIT sobre os 10 anos do Ipec no Brasil adverte que o
“trabalho infantil faz parte de uma cultura altamente aceita em nossa sociedade,
tanto pela elite como pela população de menor renda, que julga ser natural o
trabalho da criança pobre”
107
.
Daí a necessidade de se modificar o paradigma de aceitação do
trabalho infantil pela sociedade, que não vê a criança como um sujeito de direitos de
cidadania, restaurando os princípios de solidariedade, igualdade e fraternidade, para
promover a efetivação dos direitos humanos às crianças, protegendo-as, garantindo-
lhes os direitos de cidadã.
2.2.1 No mundo
O trabalho infantil é uma realidade mundial não restrita apenas aos
países pobres ou subdesenvolvidos, pois, segundo dados da OIT, no mundo inteiro
há cerca de 211 milhões de crianças e adolescentes na faixa etária de 5 e 14 anos
“economicamente ativas”, sendo 111 milhões em atividades perigosas. Destas,
cerca de 2% em países desenvolvidos, ou seja, quase 5 milhões de crianças.
107
Embora haja a tendência de superação deste paradigma pois conforme já demonstrado, pesquisas
da OIT comprovam que há grande intolerância ao trabalho infantil entre os mais jovens (16 a 26
anos).
53
A exploração do trabalho infantil remonta cerca de 2000 a.c, uma
vez que no Código de Hamurabi já encontramos medidas de proteção aos
menores
108
.
Tanto na Roma e Grécia antigas como na Idade Média, no sistema
feudal verificou-se a exploração da mão-de-obra infantil. Ressalta André Alba que
“as crianças e os adolescentes trabalhavam tanto quanto os adultos e não estavam
isentos do jugo do dono da terra
109
”.
Se na esfera do campesinato havia a exploração, no âmbito urbano
não era diferente, pois as crianças iniciavam o trabalho nas chamadas corporações
de ofício, a fim de aprender uma profissão, figurando como aprendizes podendo
ascender a companheiros e, após rigorosos testes, chegar a mestre. Não havia
nenhuma delimitação de idade ou regulamentação para os “aprendizes” que eram
submetidos a extenuantes jornadas de trabalho geralmente em troca tão somente de
alimento, sofrendo muitas vezes agressões físicas dos chamados “mestres”.
Deixar os filhos nas corporações de ofício era para muitos pais a
única opção de viabilizar alguma forma de profissionalização aos menores.
Não se pode deixar de destacar a importância histórica das referidas
corporações de ofício, pois foi a partir deste referencial que se deu origem ao atual
contrato de aprendizagem, previsto no art. 428 da CLT, com redação dada pela Lei
10.097, de 2000, que tem como pressuposto um meio de profissionalização visando
à empregabilidade futura.
Nos termos da Recomendação n. 117 de OIT, a formação não é um
fim em si mesmo, mas um meio de desenvolver as aptidões profissionais de uma
pessoa, levando em consideração as oportunidades de emprego e de permitir que
faça uso de suas habilidades como melhor lhe convier e a sua comunidade; a
formação deve desenvolver a personalidade, sobretudo quando se trata de
adolescentes
110
.
108
VIANNA, Segadas et al. Instituições de direito do trabalho, 16ª ed., vol II, p. 960.
109
ALBA, André. L´Histoire – Rome et le moyen-âge., p. 147-48.
110
R117 Vocational Training Recommendation, 1962 : Training is not an end in itself, but a means
of developing a person's occupational capacities, due account being taken of the employment
opportunities, and of enabling him to use his abilities to the greatest advantage of himself and the
community; it should be designed to develop personality, particularly where young persons are
concerned.
54
O parágrafo 1º, artigo 428 da CLT vincula a validade do contrato de
aprendizagem à matrícula e à freqüência do aprendiz à escola, desvinculando-o da
freqüência escolar na hipótese do adolescente já ter concluído o ensino
fundamental.
Tal permissivo não atende por completo à finalidade do instituto, pois
o desenvolvimento de aptidões profissionais deve obrigatoriamente estar vinculado à
educação, em especial levando-se em consideração a realidade mundial que exige
cada vez mais profissionalização (traduza-se em cursos de especialização lato e
stricto sensu) para entrar no mercado de trabalho.
Outro aspecto que merece crítica é o limite de trabalho do aprendiz,
que segundo artigo 432 da CLT é de no máximo seis horas, podendo ser de oito
horas quando o aprendiz já tiver cumprido o ensino fundamental, o que tamm
inviabiliza a continuidade do estudo, na medida em que o adolescente teria que
estudar após uma extenuante jornada de oito horas de trabalho.
Assim, respeitadas as devidas propoões, o contrato de
aprendizagem tal como acontecia com as corporações de ofício não resolve o
problema da exploração da mão-de-obra infantil por não dar condições plenas de
desenvolvimento, pois se de um lado busca viabilizar a profissionalização, de outro
“inviabiliza que a criança e o adolescente suplantem suas deficiências estruturais
através do estudo”
111
, restando, ainda, dúvidas a respeito da compatibilidade do
trabalho realizado com o desenvolvimento do adolescente.
A exploração da mão-de-obra infantil se agravou com a revolução
industrial, pois, que em face da predominância capitalista, os industriais da época
contratavam crianças e mulheres para o trabalho ante a passividade destes em
reclamar por melhores condições de trabalho e salários. Impende transcrever os
escólios de Paul MANTOUX
112
Os manufatureiros da indústria têxtil encontraram uma outra solução para o
problema que os estorvava. Consistia ela na contratação maciça de mulheres e,
principalmente, de crianças. O trabalho nas fiações era fácil de aprender, exigia
muito pouca força muscular. Para algumas operações, o pequeno porte das
crianças e a finura de seus dedos faziam delas os melhores auxiliares das
máquinas. Eram preferidas, ainda, por outras razões mais decisivas. Sua fraqueza
era a garantia de sua docialidade. (...) elas custavam muito pouco, ora recebiam
111
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, p. 778.
112
MANTOUX, Paul. A revolução industrial no século XVIII, p. 418.
55
salário mínimo, que variavam entre um terço e um sexto do que ganhavam os
operários adultos; ora recebiam alojamento e alimentação como pagamento.
Na esfera política, ressalta Erotilde MINHARO
113
, que os ideais da
Revolução Francesa pregavam direitos iguais entre empregados e empregadores
que detinham liberdade negocial das condições de trabalho, de forma que não cabia
ao estado “imiscuir-se” nas relações de trabalho.
Ressalta, ainda, a autora, que as primeiras leis para proteção da
exploração do trabalho infantil surgirammais como uma reação dos homens que,
desempregados, viam-se sem condições de suprir a própria subsistência, do que
como resultado da indignação pela imoralidade do emprego de crianças em
trabalhos pesados e em jornadas extenuantes”
114
.
É certo que o trabalho desde muito tempo vem “escravizando” o
homem, havendo uma certa cultura enraizada nas sociedades de que o trabalho
enobrece. No século XVIII o ideal dos filantropos e moralistas era o trabalho por 12 e
14 horas. Discorre Paul LAFARGUE
115
que:
No primeiro congresso de beneficência realizado em Bruxelas, em 1857, um dos
mais ricos manufatureiros de Marquette, perto de Lille, o Sr. Scrive, aplaudido
pelos membros do congresso, contava com a mais nobre satisfação, um dever
cumprido: “Introduzimos algumas distrações para as crianças. Nós a
ensinamos a cantar durante o trabalho, e também a contar enquanto
trabalham: isso as distrai e as faz aceitar com coragem aquelas doze horas
de trabalho que são necessárias para lhes proporcionar os meios de
subsisncia”.
A partir do relato acima podemos perceber que a perversidade do
trabalho era imposta aos menores naturalmente, pois, se de um lado os capitalistas
visavam ao lucro (pois o trabalho das crianças quando remunerado era em valor
bem inferior ao do homem adulto, associado ao fato da docilidade da criança que
não tinha condições de reivindicar melhores condições de trabalho e melhores
salários), a sociedade enxergava no trabalho infantil uma forma de evitar a
marginalidade, cultuando o trabalho como medida curativa, quando na verdade o
113
MINHARO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente no direito do trabalho, p. 17-18.
114
MINHARO, Erotilde Ribeiro dos Santos. Idem, ibidem.
115
LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça, p. 89.
56
trabalho precoce é adverso às necessidades do menor que se vê privado das
atividades necessárias ao seu desenvolvimento.
É certo que o trabalho prematuro interfere na formação da
personalidade da criança e do adolescente pois implica limitações no processo
educativo, o que segundo educadores é sempre desastroso.
Quando a criança é inserida precocemente no mercado de trabalho
não realiza as atividades concernentes à sua idade, tal como brincar, que segundo
especialistas é de suma importância para o seu desenvolvimento, pois ao brincar a
criança aprende sobre si mesma e sobre o mundo que a cerca o que ajuda na
definição de sua identidade.
Ademais, o cenário hostil em que a criança é exposta interfere
tamm no crescimento físico e desenvolvimento motor, estando sujeita em maior
incidência, a acidentes e doenças do trabalho em virtude de sua inexperiência e
fragilidade.
Embora a OIT tenha se empenhado no combate ao trabalho infantil,
os números ainda são alarmantes. Ásia e Pacífico são as regiões que mais
exploram a mão-de-obra infantil. Segundo dados apresentados no III Fórum Social
Mundial, ali se concentram 60%, em termos absolutos, ou seja, 127 milhões de
crianças trabalhando na Ásia.
Os países desenvolvidos
116
tamm exploram a mão-de-obra
infantil, que têm ao menos 3% da população economicamente ativa representada
por crianças entre 10 e 14 anos. Veja-se por exemplo a Espanha, onde oficialmente
o governo reconhece que existem 200 mil crianças trabalhando, quadro que se
repete em Portugal. No sul da Itália há a exploração das crianças na indústria do
turismo, onde são expostas, inclusive, às mazelas da exploração sexual.
Em todo o mundo, 70% da mão-de-obra infantil está concentrada
nos setores agrícolas, pesqueiro e extrativista simples. Importante ressaltar, ainda, é
que 6,5% das crianças que trabalham, o fazem no trabalho doméstico, uma forma de
trabalho difícil de combater, ante a dificuldade de inspeção.
116
Estes dados foram retirados do III Fórum Social Mundial, em publicação feita pelo Sindicato
Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho.
57
A questão agrícola é muito importante em todo o mundo. Na
economia norte-americana vemos que 7% da mão-de-obra agrícola é proveniente da
exploração do trabalho infantil de jovens entre 10 e 17 anos.
Temos tamm a cultura familiar em El Salvador, onde os meninos
plantam e as meninas vendem; A pesca em alto mar nas Filipinas, onde as crianças
acompanham as embarcações, que duram meses, trabalhando na pesca,
consertando redes, cozinhando, e, inclusive, servindo à lascívia de alguns
tripulantes. Na Tailândia, onde as crianças contribuem para a pesca porque têm
mais facilidade em coletar moluscos dentro dos arrecifes em alto-mar.
Dentro das denominadas piores formas de trabalho infantil
encontramos, com maior predominância em países como Bósnia, Colômbia e
Afeganistão, a exploração no tráfico de drogas e em áreas de conflito armado, em
que os menores têm a vida, a saúde e a moral colocadas em risco em virtude deste
tipo de exploração.
A exploração sexual também faz parte da realidade da criança e do
adolescente no mundo, existindo toda uma rota de oferta dessa “mão-de-obra” em
todo o mundo, destacando-se a Ásia, onde a situação é mais complexa em virtude
do aspecto cultural, onde inexiste um vínculo familiar forte com a criança, que acaba
sendo doada ou vendida pela própria família.
2.2.2 No Brasil
O combate à exploração do trabalho infantil tornou-se tema
permanente da política nacional, que com o apoio de organizações internacionais
(OIT, ex.vi) e ONGs, vêm trabalhando na luta contra o trabalho infanto-juvenil, que
por muito tempo foi visto como medida (ainda que paliativa) para a pobreza na
busca do bem-estar destes pequenos cidadãos.
Como já visto, foi mais precisamente a partir da década de 1990 que
no Brasil começamos a tratar a criança como um sujeito de direitos, e não mais
como uma propriedade da família. Mas nem sempre foi assim, pois o lugar da
criança na sociedade brasileira sofreu modificações com a modernização da
sociedade, como ressaltou Pedro Américo Furtado de OLIEIRA, no III Fórum Social
58
Mundial “a criança saiu da situação de um objeto social, de um objeto sem direitos,
para uma condição de direitos como cidadão”.
Lançando os olhos para o início da colonização verificamos que o
acesso ao ensino era limitado, tendo o ensino público sido instalado precariamente
durante o governo do marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII, e no
século seguinte as crianças (pobres) eram mais úteis na lavoura e apenas os filhos
da elite eram ensinados por professores particulares, vigendo à época a idéia de que
o trabalho era a melhor escola para a criança e o adolescente, não tendo se
preocupado a colonização portuguesa em educá-los, mas tão somente em explorar
a sua colônia.
Com a proclamação da República, os moradores de cortiços
constituíram várias e numerosas famílias e as dificuldades de sobrevivência os
levavam a abandonar seus filhos que cresciam sem a presença dos pais e sem
escolaridade transformando-se, muitas vezes, em delinqüentes, o que fez com que o
Estado interviesse através de políticas públicas com o objetivo de conter a
delinqüência. Desta forma, registra Edson PASSETI “a integração dos indivíduos na
sociedade, desde a infância, passou a ser tarefa do Estado por meio de políticas
sociais especiais destinadas às crianças e adolescentes provenientes de famílias
desestruturadas, com o intuito de reduzir a delinqüência e a criminalidade
117
”.
A criança pobre e abandonada era vista pelo Estado como potencial
delinqüente e integrá-la ao mercado de trabalho significava tirá-la das ruas.
A consolidação do capitalismo após a Revolução Industrial trouxe
conseqüências nefastas aos trabalhadores que em virtude da diminuição dos seus
salários se viam obrigados a levar para a fábrica toda sua família para auxiliar na
economia doméstica.
Nesse contexto, as crianças eram expostas a um ambiente de
trabalho insalubre e com pouca ventilação, provocando efeitos nocivos ao seu
desenvolvimento que segundo relatórios da época, eram vários: “deformações
117
PASSETI, Edson. In: DEL PRIORE, Mary (org.) História das crianças no Brasil, p. 348.
59
permanentes de constituição física, doenças incuráveis, impossibilidade de obterem
educação adequada
118
Foi a partir da greve geral de 1917 que as autoridades passam a
tratar a situação social dos operários (entre estes as crianças e adolescentes, que
representavam uma boa parte da classe operária) e não mais como um caso de
polícia. Impende transcrever o texto publicado pelo jornal A Plebe publicado em 10
de setembro de 1919, citado por Edson PASSETI
119
:
... a exploração de menores nas bastilhas de trabalho desta capital constitui um
dos crimes mais monstruosos e desumanos da burguesia protetora dos animais
(...) Basta permanecer na porta de qualquer fábrica, à hora de principiar ou de
cerrar a laboração, para se constatar, que uma enorme legião de crianças, entre
os nove e os 14 anos, se definha e atrofia, num esforço impróprio à sua idade,
para enriquecer os industriais gananciosos, os capitalistas ladrões e bandoleiros.
Em 1917, o que motivou precisamente a formivel agitação operária então
verificada, foi a ignominosa e despudorada escravidão e exploração dos menores.
Nessa época, a jornada de trabalho em vigor em todos os estabelecimentos
manufatureiros era superior a dez horas. Os salários, com que se gratificava o
sacrifício imposto a estas crianças, não ia além duns magros quatrocentos ou
quinhentos reaes por dias. O rigor disciplinar, enfim tresandava bastante ao que é
adotado nas casernas penitenciárias. Hodiernamente, as condições de trabalho
para os menores pouco se modificaram. A jornada esta, é certo reduzida a oito
horas para muitas fábricas; os salários aumentaram em muitos centros de
trabalho, uns tristes reaes. Mas que importa isto? Os mestres, os encarregados,
os diretores de fábricas, que para os filhos são todos blandícias e carinhos, para
as crianças proletárias mostram-se uns verdadeiros carrascos (...) Maltratam-se
crianças com mais insensibilidade do que se espanca um animal. Edificante, não
acham?
Embora existisse no plano legislativo alguma proteção à exploração
do trabalho infantil, tal como o Decreto nº 13.113 de 17 de janeiro de 1917 que
proibia o trabalho infantil em máquinas em movimento e faxina, tal como hoje (em
que a proteção legal é muito mais abrangente, inclusive no nível internacional,
através das Convenções da OIT), a exploração do trabalho infantil era latente, com a
intervenção mínima do Estado para contornar a situação ante o conflito de
interesses com o capital (novamente a economia como óbice à efetivação dos
direitos sociais humanos).
A cultura do trabalho infantil no Brasil remonta ao seu
descobrimento, existindo até hoje um paradigma cultural que vê com naturalidade o
118
CORRÊA, Claudia Peçanha. GOMES, Raquel Salinas. Trabalho infantil as diversas faces de
uma realidade, p. 17.
119
PASSETI, Edson. In: DEL PRIORE, Mary. (org.) História das crianças no Brasil, p. 352.
60
trabalho infantil, sob a falsa premissa de que o trabalho educa e evita a
ociosidade
120
.
As reflexões teóricas a respeito dos aspectos sociais e psicossociais
do tema ganham fôlego após o fim da ditadura militar, no início da década de 80.
Como salienta Sônia Margarida SOUZA, pesquisadora do Centro de Estudo
Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil – CEPAJ na Conferência Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente realizada em 2001
121
, a partir daí começam a nascer
debates e pesquisas sobre diversos temas, tais como institucionalização, trabalho
infantil entre outros, tornando visíveis “aspectos negados e/ou negligenciados na
discussão da infância e da adolescência brasileiras”.
Considerando o início do período colonial, verificamos que o Brasil
demorou cinco séculos para criar leis de atenção à infância e adolescência, pois
somente no século XX foi capaz de aprovar uma legislação que os protegesse, o
que segundo Sônia Margarida SOUZA
122
, esclarece a concepção histórica
dominante no Brasil a respeito da infância e adolescência, uma visão fragmentada,
com recortes de gênero e cultura que refletem no espaço social destinado àquelas,
ou seja, em uma visão conservadora, pois, partindo da premissa de que a criança e
o adolescente seriam um “não ser, ausente de desejos” não haveria a necessidade
de se perder tempo com eles, o que resultou na falta de políticas públicas sérias que
buscassem respostas para os problemas estruturais, limitando-se a um
assistencialismo que perdura até a contemporaneidade.
Em toda América Latina encontramos crianças em todas as
atividades, mas a maior concentração está nas olarias, nas pedreiras e carvoarias.
Mas, infelizmente, não pára por aí, enfrentamos tamm a triste realidade da
exploração sexual infantil.
Uma série de reportagens de autoria do repórter Mauri König e do
repórter fotográfico Albari Rosa, publicadas no jornal Gazeta do Povo retratou a
exploração sexual de crianças e adolescentes ao longo de 7 mil quilômetros de
fronteira entre Chuí (RS) e Corumbá (MS). Referida reportagem ganhou o prêmio
120
Paradigma este que está mudando conforme já se sustentou neste trabalho.
121
SOUZA, Sônia Margarida Gomes. História do atendimento à criança e ao adolescente. In: IV
Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2001, Brasília. Anais da IV
conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, v.1, p. 34.
122
SOUZA, Sônia Margarida Gomes. Idem, ibidem.
61
Vladimir Herzog de jornalismo e demonstra o quadro da exploração sexual infantil no
Brasil.
Casos como o da adolescente de 15 anos que comemora o
aniversário na boate Encanto dos Mistérios, em Tabatinga, cujo dono é conhecido
como “Zé Gay” e goza da proteção de políticos e policiais em troca da preservação
da identidade daqueles que o sustentam, são corriqueiros. Em Tabatinga as
meninas agenciadas por Zé Gay são chamadas a qualquer hora (segundo o
agenciador “a necessidade do cliente não tem hora”) para servir à lascívia de
clientes, na maioria das vezes colombianos.
123
O índice de pobreza é tão alto que os próprios pais são aliciadores.
Casos reais como o de Alice,
124
moradora de Guarajá-Mirim (RO), de 9 anos de
idade explorada pela própria mãe que a obrigava a manter relações sexuais com
idosos da Casa do Ancião Vicente de Paula, situação que só foi descoberta em
virtude da denúncia feita pela irmã mais velha de treze anos, após levar uma surra
da mãe por ter se recusado a sair com um idoso.
125
Estudo feito pelo governo federal em 2004 detectou a ocorrência de
exploração sexual envolvendo crianças e adolescentes em 937 cidades brasileiras.
A maior parte dos casos está no Nordeste (31,8%), seguida pelo Sudeste (25,7%),
Sul (17,3%), Centro-Oeste (13,6%) e Norte (11,6%).
126
As áreas fronteiriças são terrenos férteis para exploração sexual de
crianças e adolescentes, onde o “programa” pode custar um prato de comida ou um
par de sapatos. Neste “espaço”, meninas têm sua virgindade leiloada. Eis o relato
feito por Mauri König e Albari Rosa:
127
123
KÖNIG, Mauri, ROSA, Albani. No bordel, a debutante da selva. Gazeta do Povo. Disponível em:
http://canais.ondarpc.com.br/gazetadopovo/infancianolimite/asfronteiras/conteudo.phtml?id=500987.
Acesso em 3/01/2007.
124
Nome fictício utilizado pela reportagem
125
KÖNIG, Mauri, ROSA, Albani. Crianças que a família não protege. Gazeta do Povo.Disponível
em:
http://canais.ondarpc.com.br/gazetadopovo/infancianolimite/infanciaescravizada/conteudo.phtml?id=5
01732. Acesso em 4/01/2006.
126
KÖNIG, Mauri, ROSA, Albani. Fórum mundial do turismo: unidos para proteger. Gazeta do
Povo. Disponível em:
http://canais.ondarpc.com.br/gazetadopovo/infancianolimite/turismosexual/conteudo.phtml?id=
502066. Acesso em 4/01/2006.
127
KÖNIG, Mauri, ROSA, Albani. A infância no limite. Gazeta do Povo Disponível em:
http://canais.ondarpc.com.br/infancianolimite/noticias/conteudo.phtml?id=419489. Acesso em:
4/01/07.
62
Apenas convidados e freqüentadores conhecidos passavam pelos portões do
casarão no bairro Beverly Falls Park, onde ela recebia seus clientes. Ouvido pela
reportagem, um homem que acompanhou o leilão de Aline descreveu a cena:
“Não era como nesses leilões tradicionais, em que a pessoa grita o valor do lance.
Era tudo muito discreto. A menina foi apresentada aos clientes, um por um.
Naquela noite tinha muita gente importante, e eles tocavam nela, que parecia
assustada. Enquanto tocava música, eles faziam sinais para a mulher que
comandava o leilão. No final, a menina ficou com o cara que pagou mais... uns
500 dólares”. No extremo oposto, crianças são exploradas em troca de comida ao
longo da fronteira brasileira. Em São Borja (RS), um par de sapatos foi o preço da
virgindade de Luzia.
Histórias como estas são comuns e fazem parte da realidade nas
cidades fronteiriças, onde a pobreza faz com que as mães vendam suas filhas por
um prato de comida.
Embora, como já visto, não é somente a pobreza que faz com que
crianças sejam exploradas sexualmente, pois nem todas as vítimas de exploração
sexual são provenientes de famílias pobres. Ocorre que algumas adolescentes de
famílias de classe média fogem de casa, encontrando na prostituição uma forma de
se manter sozinha ou ter acesso a bens de consumo.
O fato é que no Brasil solidificou-se o “turismo sexual”, pois se vende
lá fora uma imagem de prostituição exportada pelo mercado do turismo onde se
constrói uma identidade feminina da mulher brasileira a partir da sua sensualidade
favorecendo o comércio sexual.
Fernando Carrazedo FEIJÓ
128
alerta para o fato de que a exploração
sexual no Brasil remonta à época do descobrimento, pois Pero Vaz de Caminha, ao
escrever ao Rei D. Manoel enaltece as qualidades da índia brasileira destacando
seus atributos físicos e pelas gravuras e pinturas da época que sempre exploravam
a sensualidade e nudez da mulher (índia) brasileira. O grande impulso no segmento
turístico se deu na década de 70 e 80. Ressalta Fernando Carrazedo FEIJÓ que a
EMBRATUR começa a “vender” o Brasil, enaltecendo, além das belezas naturais, a
sexualidade da mulher brasileira. Nas palavras do autor
129
:
A propaganda utilizada pela Embratur nos anos 70 e 80, enaltecia não só as
belezas naturais, mais também a sexualidade da mulher brasileira, os cartazes de
divulgação, folders, filmes publicitários e a participação de congressos mundiais
128
FEIJÓ, Fernando Carrazedo. A imagem do turismo sexual no Brasil: o “prostiturismo” no marketing
turístico. Disponível em: http://www.fernandofeijo.hpg.ig.com.br/imagem%20do%20brasil.pdf. Acesso
em 7/01/2007.
129
FEIJÓ, Fernando Carrazedo. Idem, ibidem.
63
sobre turismo, a participação da mulata e negra brasileira era presença certa,
sempre vestindo trajes sumários, a transmissão via satélite dos desfiles de
carnaval, onde as mulatas eram os principais focos de atenção, a transmissão
pela televisão dos tradicionais bailes de carnaval do Rio de Janeiro, onde a pouca
roupa das mulheres saltava os olhos ou então do mais famoso e exótico baile,
realizado pela casa de espetáculos Scala, o “Gala Gay”, onde mulheres, travestis
e homens se misturavam, imagens essas que seguiam para todo mundo
divulgando a promiscuidade do povo brasileiro.
A imagem do Brasil vendida pela indústria do turismo faz nascer no
imaginário do turista a idéia de sexualidade incomensurável “cujo eco arquétipo ou
subliminar no inconsciente do consumidor europeu ou norte-americano faz ecoar
recordações de cidades onde tudo seria permitido, como as bíblicas “Babilônia” ou
“Sodoma e Gomorra”.
130
A
131
exploração sexual comercial se apresenta de forma
diversificada entre as regiões, tendo cada uma certa particularidade.
Enquanto no Norte existem leilões de virgens e a exploração sexual
se dá nos garimpos, prostíbulos, portos, cárceres privados e fazendas, além da
prostituição em estradas e nas ruas, no Sudeste há a prevalência do pornoturismo e
exploração sexual comercial em prostíbulos/ cárcere privado e exploração sexual
comercial de meninos e meninas de rua, além da prostituição nas estradas.
No centro-oeste a exploração sexual comercial é visível nos
prostíbulos e nas fronteiras/ redes de narcotráfico (Bolívia, Brasília, Cuiabá e
municípios do Mato Grosso), havendo a prostituição de meninas e meninos de rua e
uma forte rede de prostituição (hotéis, motoristas de táxi, agências de turismo, etc.),
bem como a prostituição através de anúncios de jornais, turismo sexual, ecológico e
náutico, e no Sul se caracteriza pela exploração sexual comercial de meninos e
meninas de rua e nas redes de narcotráfico, além do tráfico de crianças e
prostituição nas estradas. No nordeste encontramos além da exploração sexual de
meninos e meninas de rua, um forte o turismo sexual e o pornoturismo.
De qualquer forma, todo e qualquer tipo de exploração do trabalho
infantil seja em fábricas, em carvoarias, em sisais, no tráfico de drogas, no conflito
armado ou na exploração sexual é considerado uma violão aos direitos da criança
e do adolescente e merece a repressão do Estado, da família e da sociedade.
130
FEIJÓ, Fernando Carrazedo. Idem, ibidem.
131
LEAL, Maria Lúcia Pinto. A Exploração Sexual Comercial de Meninos, Meninas e
Adolescentes na América Latina e Caribe (Relatório Final – Brasil), p. 20.
64
A lógica capitalista do lucro ainda impera, melindrando o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana como no Estado Liberal, que tem na
livre concorrência e no lucro a sua lógica, onde o trabalho humano não tem valor
algum e o homem, diante da falta de opção, submete-se às mais degradantes
formas de trabalho, com jornadas extenuantes e remuneração ínfima, representando
uma mera mercadoria na cadeia de produção.
Conquanto atualmente positivados, os princípios de proteção à
criança e ao adolescente são normas programáticas, e embora devessem ser
cumpridos por todos voluntariamente, obedecendo-se a um princípio ético de
solidariedade e humanidade, sociedade e Estado têm sido negligentes neste mister,
operando-se em relação a estes pequenos trabalhadores a lógica capitalista do
Estado Liberal, onde a lógica do lucro reina sobre a dignidade humana.
O fato é que a luta pelos direitos humanos da criança e do
adolescente é um constante construir que vai sempre estar caminhando ao lado da
evolução da sociedade. De qualquer forma, urge eliminar o que a OIT considera
como as piores formas de trabalho infantil, tema que passaremos a debater.
2.3 TRABALHO INFANTIL – O QUE SE PRETENDE COMBATER
A realidade da infância no Brasil e no mundo está longe de ser
considerada dentro dos padrões estabelecidos nos instrumentos internacionais de
proteção à criança.
As condições econômicas, sociais e políticas que refletem na
qualidade de vida da sociedade repercutem diretamente no desenvolvimento da
criança e do adolescente, que há décadas vem sendo explorados nas diversas
formas de labor, além de serem vítimas de outras tantas formas de neglincias.
O que se pretende problematizar neste capítulo é a forma de
exploração do trabalho infantil que se pretende combater, e se todo trabalho infantil
é prejudicial à saúde e ao desenvolvimento do menor de idade.
A OIT, em sua constante luta pela proteção da criança e do
adolescente, destaca-se pela criação das Convenções 138, que estabelece como
65
idade mínima para o trabalho a idade de 15 anos e a Convenção 182 que
estabelece as piores formas de trabalho infantil.
A Convenção 182 esclarece não ser a expressão “trabalho infantil”
todo tipo de trabalho realizado por pessoas menores de 18 anos, pois quando as
atividades desenvolvidas são adequadas à idade de quem as realiza, e o trabalho
possa contribuir para a socialização do sujeito, o trabalho é legítimo.
Assim, pelo que se extrai do texto da Convenção n. 182 se
considerada exploração do trabalho infantil as atividades que impedem o
desenvolvimento pleno da criança por serem nocivas à sua saúde e sua moral, pois
põem em risco o seu bem-estar.
O conceito de trabalho infantil que se pretende extinguir
internacionalmente e que estão consagrados pela OIT na Convenção 182 são os
seguintes
132
:
a) trabalho realizado por pessoas abaixo da idade mínima especificada pela
legislação nacional (de acordo com as normas internacionais) para o tipo de
tarefas a serem desenvolvidas e que, portanto, provavelmente prejudique a
educação ou o desenvolvimento pleno da criança ou adolescente;
b) o trabalho perigoso, que ponha em risco o bem estar físico, mental ou moral da
criança; e
c) as formas inquestionavelmente piores de trabalho infantil, ou seja, escravidão,
prostituição, conflitos armados, pornografia e outras atividades ilícitas”
Abrangem, segundo Claudia Peçanha CORRÊA e Raquel Salinas
GOMES
133
, as piores formas de trabalho infantil:
Todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como
venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o
tráfico forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento de crianças para serem
usadas em conflitos armados;
A utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a
produção de material pornográfico ou atuações pornográficas;
A utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de
atividades ilícitas, em particular para a produção e o tfico de entorpecentes,
como definidos nos Tratados Internacionais pertinentes;
O trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que se realiza, é
suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.
132
MARQUES, Maria Elizabeth, NEVES, Magda de Almeida, NETO, Antônio Carvalho. Orgs.
Trabalho infantil: a infância roubada, p. 21.
133
CORRÊA, Claudia Peçanha. GOMES, Raquel Salinas. Trabalho infantil as diversas faces de
uma realidade, p. 28.
66
Os dados fornecidos pela OIT a respeito do trabalho infantil são
alarmantes, pois de todas as crianças do mundo 352 milhões trabalham, pelo
menos 70% são nas piores formas de trabalho infantil, ou seja, crianças entre 05 e
15 anos trabalhando na prostituição, em minas, manipulando equipamentos
perigosos, em trabalho escravo, e até mesmo no conflito armado.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD,
cuja responsabilidade é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
houve uma considerável diminuição da exploração do trabalho infantil, fruto do
trabalho conjunto da OIT, ONGs e Estado.
O combate ao trabalho infantil no Brasil tem apresentado resultados
positivos, sendo considerado o país líder mundial na luta contra a exploração de
crianças e adolescentes, com o propósito de efetivar a condição de cidadão a estas
crianças.
Todavia, embora tenhamos diversos mecanismos de proteção à
criança e ao adolescente, esses são insuficientes para coibir e extinguir o trabalho
infantil, motivo pelo é imprescindível a atuação do Estado e da Sociedade em
projetos que adequados à realidade nacional dêem condições de retirar os menores
das frentes de trabalho.
Importante salientar a necessidade de projetos que apresentem
soluções ao problema da exploração da mão-de-obra infantil, bem como de
conscientização da sociedade sobre os efeitos nocivos desta prática.
É imprescindível verificar a ocupação efetiva da criança, se além de
trabalhar ela estuda e a que jornada de trabalho é submetida, para que se entenda a
dinâmica de como o trabalho infantil reflete na economia.
Os dados estatísticos não são exatos ante a dificuldade em se
chegar ao número de exploração do trabalho infantil nos setores informais rurais e
urbanos, dificultando tamm a atuação dos órgãos de proteção da criança e do
adolescente, que não têm condições de inspecionar este tipo de exploração, que se
repete década após década, pois os futuros filhos destes que hoje são explorados
acabam sendo incorporados no processo de arregimentação, o que prejudica a
própria cidadania destas crianças.
É fato incontroverso a ideologia social de supervalorização do
trabalho e quando se abre o debate a respeito da exploração da mão-de-obra infantil
67
inevitavelmente há referências às piores formas de trabalho infantil tal como a
exploração na agropecuária, nos sisais, nas carvoarias, exploração sexual e no
conflito armado, todavia estes não são os únicos tipos de trabalho infantil pois o
trabalho realizado no meio urbano nas funções de empacotadores, carregadores em
feiras; entregas de encomendas ou servos domésticos tamm configuram
exploração da mão-de-obra infantil quando praticados por menores de 16 anos
134
.
O que se discute é se o trabalho pode servir como medida educativa
e se o labor desenvolvido não prejudica o desenvolvimento da criança, mas ao
contrário o prepara para a vida adulta, lhe dando noções de responsabilidade.
Os trabalhos desenvolvidos no comércio formal e informal que não
são considerados penosos e não agridem vivel e diretamente a integridade moral e
física da criança e do adolescente
135
possuem uma considerável aceitação na
cultura das comunidades e tal situação é vista com naturalidade por todos. Ocorre
que este tipo de trabalho pode ser tão prejudicial à criança e ao adolescente quanto
o trabalho “penoso”.Ressalta Claudia Peçanha CORREA e Raquel Salinas
GOMES
136
que:
As crianças envolvidas em tais atividades amadurecem precocemente, não
brincam, não praticam esportes, não estudam, e chegam à fase adulta sem o
nimo de aprendizado necessário para que possam enfrentar o mercado de
trabalho competitivo. Assim, longe de ser o meio de capacitação que a sociedade
considera, o trabalho na infância é o principal motivo da defasagem escolar, e,
conseqüentemente, fator preponderante da desigualdade social.
O Ministério Público do Trabalho elaborou a tabela 5 que fornece as
características do trabalho infantil e os riscos à saúde e segurança de acordo com
os setores, destacando as atividades da cultura da cana-de-açúcar, serviços de
madeira e em serralherias, cultura do cisal, trabalho em carvoarias e em fábricas de
cerâmica e olarias
137
.
Estas atividades trazem riscos biológicos, ergonômicos, químicos,
mecânicos e físicos à saúde e a segurança do trabalhador, pois podem sofrer
picadas de animais peçonhentos, lesões por esforços repetitivos; exposição a
134
Salvo se na condição de aprendiz o menor de 16 e maior de 14 anos.
135
Serviços de empacotadores; guardador de carro; entregadores; engraxates, etc.
136
CORRÊA, Claudia Peçanha. GOMES, Raquel Salinas. Trabalho infantil as diversas faces de
uma realidade, p. 35.
137
CORRÊA, Claudia Peçanha. Gomes, Raquel Salinas. Idem, p. 42-44.
68
agentes químicos selantes, vernizes, cola e solventes; exposição a poeira, frio, calor
e ruídos excessivos além de ferimentos pelo uso de ferramentas cortantes.
Os riscos físicos a que são expostas as crianças e os adolescentes
quando trabalham são incontestáveis e a iminente superação desta realidade é uma
necessidade que se impõe, a fim de se assegurar a dignidade da pessoa humana,
objetivo da ONU na agenda do milênio, mas que pela sua importância moral e social
deveria estar enraizada na consciência de toda sociedade.
Todavia as políticas sociais não podem ignorar a realidade social
que se apresenta, pois embora o alvo seja que o adolescente não trabalhe, em
alguns casos o não trabalhar pode representar o não comer, a impossibilidade de
sobrevivência.
É preciso, portanto, equilibrar o desenvolvimento econômico com a
eliminação do trabalho infantil, pois somente através da evolução da economia e da
diminuição da desigualdade social se poderá extingui-lo.
Assim, o que se pretende combater em primeiro plano é a forma
degradante do trabalho, aquele que prejudica a saúde física e moral da criança e do
adolescente e que impede sua ascensão social na fase adulta, e, sistematicamente,
através do desenvolvimento da economia com a diminuição das desigualdades
sociais eliminar o trabalho infantil, conferindo à criança o efetivo direito à vida,
retirando-lhe a responsabilidade do duro jugo do trabalho.
O primeiro passo para eliminação do trabalho infantil já foi dado
através da instituição de uma completa legislação que proíbe a exploração.
Entretanto, não basta um arcabouço legislativo que vede o trabalho
infantil, sendo necessário que a legislação, para não se tornar letra morta, institua
medidas que efetivem os direitos por ela previstos, o que iremos apresentar a seguir.
69
CAPÍTULO III – O TRABALHO INFANTO-JUVENIL – MEDIDAS DE PROTEÇÃO
3.1 – PROTEÇÃO LEGISLATIVA
A “liberdade” pregada pelo Estado Liberal resultou na desigualdade
econômica, política e social, e foi a partir dele, fruto do resultado da insatisfação das
massas, que diversos segmentos sociais passaram a se organizar na luta pelos
direitos, tal como a Trade-Unions em 1830, na Inglaterra que instituiu sindicatos para
defesa de direitos trabalhistas e a Primeira Internacional instituída por Karl Marx e
Frederich Engels, em 1864, com o fim de internacionalizar as normas de amparo ao
trabalho humano
138
, fato que entre outros culminou com o Estado Contemporâneo
que tem como pressuposto um Estado intervencionista.
A partir das lutas sociais em busca de proteção ao trabalhador
temos o nascimento do direito do trabalho, encontrando, segundo Moacyr Motta da
SILVA
139
, nesse âmbito do direito o embrião dos interesses difusos quando inclui no
seu campo de atuação “princípios fundamentais do direito material e regras sobre o
contrato de trabalho, dentro de uma concepção social fundada na idéia de que o
trabalho humano constitui fenômeno dotado de valor social”, rompendo, de certa
forma, com o Estado Liberal.
No cenário político brasileiro, os direitos sociais e políticos foram
conquistados em virtude de inúmeros movimentos. Contudo, e infelizmente, estes
direitos conquistados não são plenos, pois na prática vemos cotidianamente violados
o direito à vida, ao trabalho digno; a dignidade da pessoa humana entre outros.
A Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo inteiro aos
direitos sociais, o que nos levaria a afirmar que o Brasil é um dos países que melhor
assegura o bem estar social. O que sabemos, trata-se de uma falácia, pois o país
está longe de garantir efetividade dos direitos que são assegurados pela Carta
Magna aos seus cidadãos, o que vivenciamos é uma estagnada subcidadania,
resultado do neoliberalismo que, com a cultura do lucro, busca condicionar os
direitos sociais à economia.
138
SILVA, Moacyr Motta da, VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos direitos da
criança e do adolescente, p. 25.
139
SILVA, Moacyr Motta da, VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, p. 35.
70
Basta analisar os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano
divulgado em 06/09/2005 pela ONU, onde, embora o Brasil tenha demonstrado uma
evolução no Índice de Desenvolvimento Humano – IDH
140
possui um dos maiores
índices de desigualdade social.
A falta de efetividade dos direitos sociais (corolários dos direitos
humanos) e particularmente no Brasil o elevado índice de desigualdade social,
culminam, entre outras conseqüências, com a exploração do trabalho infantil, ferindo
violentamente os direitos humanos da criança, que vê privado o seu bem maior,
que é a própria vida.
A busca pelos direitos do cidadão em sentido amplo é bem mais
antiga que a luta pelo direito da criança e do adolescente
141
.
Entretanto não há muita diferença entre a exploração de outrora e a
atual, pois a história se repete na medida em que se no século XVIII as crianças
eram exploradas nas minas de carvão na Inglaterra
142
hoje no Brasil continuam a ser
exploradas na lavoura, nos canaviais, nas minas de carvão, na prostituição infantil e
etc. pois, “o patrão dos dias de hoje, seja o usineiro, o dono de olarias, o produtor do
carvão vegetal, em relação à criança e ao adolescente, parece ter se inspirado nos
abastados patrões da Europa do Estado Liberal do século XVIII”,
143
que demonstra
que a lógica do lucro continua a imperar, ignorando o respeito à dignidade humana e
em especial à criança e ao adolescente, que têm usurpado o direito à vida, ao lazer,
à saúde e à educação, em face do trabalho precoce que lhes impede de gozar dos
direitos que lhes são conferidos pela legislação nacional e internacional que
passaremos a estudar.
140
O país tem demonstrado uma melhora constante desde 1975, sendo que de 2000 a 2003 subiu 9
posições no ranking do IDH.
141
Que após a Carta Constitucional de 1988 e da promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente passam a ser vistos como sujeito de direitos.
142
SILVA, Moacyr Motta da., VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos direitos da
criança e do adolescente, p. 12.
143
SILVA, Moacyr Motta da., VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, ibidem.
71
3.2.1 – No plano nacional
O trabalho infantil no Brasil tem estado presente desde o início de
seu povoamento, por volta de 1530, quando as crianças e adolescentes trabalhavam
como grumetes e pajens nas naus portugueses rumo ao Brasil.
Na época da escravatura a questão do trabalho infantil tamm não
era debatida, pois as crianças escravas trabalhavam primeiramente em tarefas
domésticas, nas fazendas, passando depois ao labor junto aos adultos.
O Decreto n. 1.313 de 27 de janeiro de 1891, expedido após a
abolição da escravatura, vedava o trabalho de menores de 12 anos de idade, salvo
na condição de aprendiz, a partir de 8 anos nas fábricas do Distrito Federal, vedando
ainda o labor de meninas de 12 a 15 anos por mais de sete horas diárias não
consecutivas ou por mais de quatro horas contínuas, permitindo-se o labor por até
nove horas por dia aos menores do sexo masculino de 14 a 15 anos. Todavia, como
este Decreto não foi regulamentado, suas diretrizes não foram colocadas em
prática
144
.
O Decreto nº 1.313/1891 não passou de letra morta, advertindo
CAMPOS e ALVERGA que “a ideologia do trabalho como ‘elemento educativo,
formador e reabilitador’, que justificava sua prescrição alternativa para ‘a
vagabundagem’, ajuda a explicar porque o Decreto n. 1313, de 17 de janeiro de
1891, que ‘estabelecia providências para regularizar o trabalho dos menores
empregados nas fábricas da Capital Federal’, nunca foi cumprido
145
”.
Foi com a publicação do Decreto nº 17.943-A de 12 de outubro de
1927 – Código de Menores – que o Brasil começa a se preocupar com a questão do
trabalho infantil ao vedar o trabalho de crianças menores de 12 anos e o trabalho
noturno aos menores de 18 anos, proibindo ainda aos maiores de 12 e menores de
14 de ativar-se em praças públicas.
Houve muita oposição ao Código de Menores, tendo sido suspensa
sua vigência por dois anos em virtude da interposição de um habeas corpus sob o
144
MINHARO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente no direito do trabalho, p. 24.
145
CAMPOS, Herculano Ricardo, ALVERGA, Alex Reinecke de. Trabalho infantil e ideologia:
contribuição ao estudo da crença indiscriminada na dignidade do trabalho. p. 5. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1413-294X2001000200010&lng=es&nrm=iso>.
Acesso em: 10 nov. 2005.
72
fundamento que “a lei interferia no direito da família em decidir sobre o que é melhor
sobre seus filhos
146
”. Havia também a oposição dos industriais do Rio de Janeiro e
São Paulo que defendiam a tese de que o Código de Menores estimulava o ócio
entre as crianças o que culminaria em vício e criminalidade
147
.
A categoria de “menor em situação irregular” surge com o Código de
Menores de 1979 que dirigia suas regras às crianças e adolescentes que estivessem
inseridos num quadro de “patologia social
148
”.
Somente a partir da década de 30 é que as Constituições brasileiras
passaram a disciplinar o trabalho infantil.
A Constituição de 1934 previu em seu art. 121 § 1º, alínea “d” a
proibição de trabalho aos menores de 14 anos e de trabalho noturno aos menores
de 16 e insalubre aos menores de 18 anos.
A nova Carta de 1946 reiterou a vedação de trabalho aos menores
de 14 anos elevando para 18 anos a idade mínima permitida para o trabalho noturno
e insalubre.
No período do regime militar, com a Constituição de 1967 foi
instituída a vedação do trabalho ao menor de 12 anos e do trabalho noturno e em
indústrias insalubres aos menores de 18 anos.
Por fim, a chamada Constituição Cidadã de 1988 traz em seu
arcabouço uma proteção integral aos direitos da criança e do adolescente
proclamando no art. 227 o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convincia familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
Os direitos da criança e do adolescente não se restringem dentro do
texto constitucional ao citado artigo 227, estando intrínsecos nos demais títulos “uma
146
GRUNSPUN, Hain. O trabalho das crianças e dos adolescentes, p. 53.
147
VIANNA, Segadas et al. Instituições de direito do trabalho, vol II, p. 965.
148
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o
conceito de sujeito-cidadão. Revista da ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de
Santa Catarina, p. 225.
73
vez que a Constituição em seu todo garante o direito de cidadania, e as crianças e
adolescentes são titulares de todos esses direitos
149
”.
De forma que são titulares dos princípios fundamentais que
constituem o fundamento do Estado Democrático de Direito entre eles a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
O que significa dizer que a exploração do trabalho infantil
desrespeita a valoração do trabalho humano que é o fundamento da ordem
econômica e financeira nos termos do artigo 170 da Constituição que tem por
finalidade assegurar a todos existência digna, observados, entre outros os princípios
da redução das desigualdades sociais e regionais e busca do pleno emprego.
Com a nova ordem constitucional verificou-se uma mudança
paradigmática no tratamento dos direitos da criança e do adolescente que passa a
contar com uma proteção integral e ser vista como sujeito de direitos e em virtude de
sua peculiar situação de pessoa em desenvolvimento, merecedora de prioridade nas
políticas públicas.
Dentro do Capítulo que trata dos direitos sociais na Constituição
Federal encontramos no artigo 6º a proteção à maternidade e à infância, e no artigo
7º, XXXIII a vedação de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos e no já citado artigo 227 a obrigação do Estado,
da família e da sociedade na proteção destes direitos, que em relação ao trabalho
da criança e do adolescente consiste no direito de não trabalhar.
Todavia, ainda que o art. 227 da Constituição Federal discipline o
dever concorrente do Estado, da sociedade e da família na tutela dos interesses do
menor, há uma especificação destes deveres.
Relativamente ao dever familiar dispõe o art. 229 sobre o dever dos
pais de assistir, criar e educar os filhos menores, sendo que em relação à educação
estabelece-a de forma concorrente com o Estado ao dispor, em seu artigo art. 205,
ser a educação direito de todos e dever do Estado e da família, que deve ser
promovida e incentivada, com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
149
FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A criança e o adolescente no ordenamento jurídico
brasileiro, 1999., p. 22
74
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Quanto ao Estado, a Constituição prevê, no § 1º do artigo 227 o
dever de promover programas (com absoluta prioridade, de acordo com o caput) de
assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitindo a participação
de entidades não governamentais e obedecendo aos preceitos de aplicação de
percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil
e de criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social
do adolescente portador de deficiência, mediante treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
Disciplina, ainda, no § 7º do art. 227 da Carta Magna que o Estado,
no atendimento dos direitos da criança e do adolescente levará em consideração o
disposto no art. 204 que prevê a realização de ações governamentais de assistência
social com recursos do orçamento da seguridade social, além de outras fontes.
À criança e ao adolescente é assegurando ainda todos os direitos
sociais previstos no art. 7º da Constituição, havendo previsão específica no § 3º do
art. 227 de que o direito à proteção especial abrangerá uma idade mínima para
admissão ao trabalho, garantia de direitos previdenciários e trabalhistas e de acesso
do trabalhador adolescente à escola.
A Constituição remete ainda às leis ordinárias a disciplina sobre
adoção e punição de abuso, de violência e de exploração sexual da criança e do
adolescente.
Ao disciplinar a proteção da criança e do adolescente a Carta em
vigor se filia com dignidade aos preceitos de proteção integral previstos na
Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 e na Convenção Internacional
sobre os direitos da Criança de 1989 sobre a qual falaremos adiante.
E em virtude deste paradigma de proteção integral bem como da
peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, é que não somente a família e o
Estado, mas tamm a sociedade é responsável por assegurar à criança e ao
adolescente o gozo deste rol de direitos previstos na Carta Constitucional. Quanto
75
aos deveres da sociedade, ressalta-se a observação de Maria de Fátima Carrada
FIRMO
150
:
Quanto aos deveres da sociedade referentes à criança e ao adolescente, a
Constituição lhos impôs, principalmente, o respeito à condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento, e aos direitos de cidadania das crianças e adolescentes, de
forma a garantir-lhes uma convivência comunitária salva de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
atribuindo, ainda, à sociedade o direito-dever de contribuir para que se
concretizem as propostas constitucionais de proteção integral da criança e do
adolescente e, neste sentido, consagra uma verdadeira democracia, onde as
soluções são participadas pela sociedade como um todo.
Essa política de proteção integral da Constituição Federal reconhece
a toda criança e todo adolescente os preceitos nela instituídos, independente de
estar ou não em “situação de risco”, daí a dizer-se que a chamada Constituição
Cidadã reconhece a criança e o adolescente como sujeito de direitos.
Em consonância com o texto constitucional é promulgada a Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o qual, no seu artigo 1º retrata a política de proteção integral à criança
e ao adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente declara que toda criança e
todo adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral nele estabelecida e que tais direitos
devem ser assegurados por lei ou quaisquer outros meios, a fim de facultar à criança
e ao adolescente o desenvolvimento físico, mental, moral e social, em condições de
liberdade e de dignidade
151
.
Ao disciplinar a proteção integral à criança e ao adolescente o
Estatuto rompe com o paradigma de proteção à população infanto-juvenil “menos
privilegiada”, atingindo toda universalidade de crianças e adolescentes, como
destaca Selma Regina ARAGÃO
152
ao expressar que “a universalidade direcionada
no contexto de proteção integral a qualquer criança e a qualquer adolescente
avança no sentido de não só considerar os menores desassistidos de sua cidadania,
150
FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A criança e o adolescente no ordenamento jurídico
brasileiro, p. 26.
151
Conforme art. 3º da Lei 8.069/90.
152
ARAGÃO, Selma Regina. VARGAS, Ângelo Luis de Sousa. O estatuto da criança e do
adolescente em face do novo código civil, p. 17.
76
bem como abranger todos aqueles oriundos de famílias de classes média e alta”,
ressaltando a autora que não há discriminação e sim universalização do mundo da
criança e do adolescente e que todos, sem exceção, em qualquer momento e lugar
“terão o respeito à sua existência como ser reconstrutor de seus próprios ambientes,
ecologicamente instalados no presente e no futuro
153
”.
Vale lembrar que a legislação anterior – Código de Menores de 1979
– tinha como base a doutrina da situação irregular em que se considerava na
mesma condição os abandonados, maltratados, vítimas e infratores, colocando-se
tão somente como uma legislação tutelar, enquanto que a Lei 8.069/90 revoluciona
ao adotar a doutrina da proteção integral.
Destaca Josiane Rose Petry VERONESE
154
a importância desta
nova legislação, ante a necessidade fundamental da criança e do adolescente
“passarem da condição de menores para a de cidadãos”. Ainda, segundo a autora,
“essa nova postura tem como alicerce a convicção de que a criança e o adolescente
são merecedores de direitos próprios e especiais que, em razão de sua condição
específica de pessoas em desenvolvimento, estão a necessitar de uma proteção
especializada, diferenciada e integral
155
”.
Da mesma forma que a Constituição, o Estatuto delega à família, à
sociedade e ao Estado o dever de proteger estas “pessoas em desenvolvimento”,
com absoluta prioridade, assegurando-lhes a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convincia familiar e
comunitária.
Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, esta
prioridade compreende a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias, além de precedência de atendimento nos serviços públicos, ou de
relevância pública e preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas, bem como a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
153
ARAGÃO, Selma Regina. VARGAS, Ângelo Luis de Sousa. Idem, ibidem.
154
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente, p. 101.
155
VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, p. 100.
77
O Estatuto disciplina ainda que a criança e o adolescente não
podem ser objetos de toda e qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade ou opressão, e que tais condutas, seja por ação ou
omissão, deverão ser punidas na forma da lei pois atentam aos direitos
fundamentais dessa população mirim-juvenil, o que resgata os valores dos direitos
humanos.
Ao dispor no artigo 6º que na sua interpretação levar-se-ão em conta
os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e
deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente
como pessoas em desenvolvimento, o Estatuto demonstra a preocupação em
assegurar de toda forma os direitos e garantias por ele instituídos, visto que na sua
interpretação devem ser considerados os fins sociais pretendidos pelo legislador,
pois no dizer de Selma Regina ARAGÃO e Ângelo Luis de Souza VARGAS
156
Estas “pessoas em desenvolvimento” são parte integrante de uma legislação que
não pode afastar-se do contexto social, do bem comum dos direitos e deveres
inerentes à pessoa humana, sem deixar de ser verificado que a criança e o
adolescente apresentam peculiaridades próprias de um ser que se projeta para
atividades existenciais, através dos questionamentos da vida, ingressando na
maturidade do discernir, ainda inseguros para os novos desafios.
Daí a importância do artigo 6º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, pois cabe ao intérprete da norma zelar pelo cumprimento dos direitos e
garantias visando sempre ao bem-estar social desta comunidade infanto-juvenil.
Já o título II do Estatuto inicia dispondo sobre os direitos
fundamentais, protegendo o direito à vida e à saúde desde a concepção, pois
garante à gestante atendimento pré e perinatal, garantindo ainda o fornecimento de
medicamentos e outros recursos necessários ao atendimento da criança e do
adolescente.
Em relação à saúde da criança e do adolescente se destaca, para
fins deste estudo, o artigo 13, que dispõe sobre a obrigatoriedade de comunicar aos
Conselhos Tutelares os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a
156
ARAGÃO, Selma Regina. VARGAS, Ângelo Luis de Sousa. O estatuto da criança e do
adolescente em face do novo código civil, p. 20.
78
criança e o adolescente, sem prejuízos de outras providências legais
157
, pois
representa a proteção nos casos que envolvem tratamento desumanitário.
É garantido, ainda, à criança e ao adolescente o direito à liberdade,
ao respeito e à dignidade; direito à convivência familiar e comunitária; à educação,
cultura, esporte e lazer e o direito à profissionalização e à proteção ao trabalho
158
.
Importante destacar que o artigo 15 do Estatuto expressamente reconhece a criança
e o adolescente como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como
sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
O direito ao respeito instituído no ECA consiste na inviolabilidade da
integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a
preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças,
dos espaços e objetos pessoais.
Como se pode observar, o Estatuto ampara integralmente a criança
e o adolescente, protegendo-os contra qualquer arbitrariedade, negligência,
exploração ou discriminação.
No tocante ao trabalho do menor, o Estatuto da Criança e do
Adolescente trata, no capítulo V do título II, do direito à profissionalização e à
proteção no trabalho, vedando qualquer trabalho a menores de 14 anos de idade,
salvo na condição de aprendiz, diretriz que deve ser lida de acordo com o texto
constitucional que, em virtude da Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro
de 1998 passou a vedar qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição
de aprendiz, para o menor de 16 e maior de 14 anos.
O ECA remete à legislação ordinária a proteção ao trabalho dos
adolescentes, dispondo, entretanto, sobre alguns princípios, em especial sobre
aprendizagem e formação técnico-profissional, que devem ser observados.
É considerado aprendizagem, segundo o Estatuto da Criança e do
Adolescente, a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e
bases da legislação de educação em vigor, que deverá obedecer aos princípios de
garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular, atividade compatível
157
O Conselho tutelar é um órgão que integra a política pública de proteção à infância, que tem como
finalidade garantir os direitos e garantias da criança e do adolescente. V. art. 131 do ECA.
158
Tais direitos estão contemplados nos artigos 7º a 69 do ECA.
79
com o desenvolvimento do adolescente e horário especial para o exercício das
atividades.
O Estatuto em muitos momentos reitera o que já é previsto no texto
constitucional, tal como quando assegura ao adolescente, no art. 65, os direitos
trabalhistas e previdenciários e veda o trabalho noturno, perigoso, insalubre ou
penoso.
De qualquer forma, o Estatuto prevê o direito do adolescente à
profissionalização e à proteção ao trabalho que devem respeitar a sua condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento e promover capacitação profissional
adequada ao mercado de trabalho.
O Estatuto, ao normatizar o direito à profissionalização e a proteção
ao trabalho do adolescente, permanece fiel à doutrina da proteção integral,
reconhecendo a condição jurídica do adolescente como sujeito de direitos, ante sua
condição de pessoa em desenvolvimento, como ressalta Antonio Carlos Gomes da
Costa
159
:
A afirmação da criança e do adolescente como ‘pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento’ não pode ser definida apenas a partir do que a criança não
sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser
reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a
criança e o adolescnete não são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a
ser consumada na idade adulta, enquanto portadores de responsabilidades
pessoais, cívicas, e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período
de plenitude que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja,
pela família, pela sociedade e pelo Estado. A conseqüência prática de tudo isto
reside no reconhecimento de que as crianças e adolescentes são detentores de
todos os direitos que têm os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade e mais
direitos especiais, que decorrem precisamente de seu estatuto ontológico próprio
de pessoas em condição peculiar de desenvolvimento
.
Ao dispor sobre programas sociais que tenham por base o trabalho
educativo que devem assegurar ao adolescente participante condições de
capacitação para o exercício de atividade regular remunerada, o Estatuto coloca a
aprendizagem no universo educacional, conferindo ao Estado a responsabilidade na
criação destes programas
160
.
159
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Art. 6º. In: CURY, Munir. et alli (coords). Estatuto da criança
e do adolescente: comentários jurídico e sociais. 2ª ed., p. 39/40.
160
O art. 68 do ECA dispõe que o programa social que tenha por base o trabalho educativo poderá
estar sob responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos
80
Nos termos do ECA, consiste o trabalho educativo em atividade
laboral na qual as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e
social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo. Dispõe, ainda, que a
remuneração recebida pelo adolescente por trabalho efetuado ou participação na
venda dos produtos de seu trabalho desfigura o caráter educativo.
Já no que se refere ao inciso II, do art. 69, que dispõe sobre a
capacidade profissional adequada ao mercado de trabalho, ressalta Josiane Rose
Petry VERONESE
161
que antes da instalação de programas profissionalizantes é
necessário uma séria análise do mercado, a fim de se verificar de qual o tipo de
mão-de-obra há mais carência, e quais programas devem se adequar ao processo
tecnológico urbano e rural. Oportuna a abordagem de Eline A. Maranhão de SÁ
162
:
A profissionalização e a proteção no trabalho devem ser entendidas na sua
interface como o caminho para a emancipação humana, considerando que a
primeira tem na sua dimensão política a educação global (social, política, cultural),
negando o treinamento e o domínio de habilidades como etapas isoladas da
educação básica. Quanto à segunda, passa pelo entendimento de que os direitos
que o fazem cidadão estão garantidos no fortalecimento da organização popular,
ou seja, a garantia do exercício de participação efetiva (decisão, gestão, usufruto)
no espaço contraditório das políticas institucionais. Portanto, é necessário
englobar numa mesma proposta a articulação entre formas de expressão, de
produção e de organização social, considerando que a necessidade mais concreta
está sempre vinculada ao trabalho, e este ao pensar, para não se tornar uma
atividade alienante.
A regulamentação do trabalho do adolescente encontra guarida
ainda nos artigos 402 a 441 da Consolidação das Leis Trabalhistas, que reiteram
normas já previstas na Constituição Federal e no ECA, mas trazem tamm
algumas especificações em relação à proibição do trabalho ao adolescente
trabalhador, conforme dispõe o art. 405
163
da CLT.
161
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente, p. 156-157.
162
SÁ, Eline A. Maranhão de. Art. 69. In: CURY, Munir. et alli (coords). Estatuto da criança e do
adolescente: comentários jurídico e sociais. 2ª ed., p. 205.
163
Art. 405 CLT: Ao menor não será permitido o trabalho:
I – nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para este fim aprovado pelo
diretor-geral do Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho (atualmente Secretaria de
Segurança e Medicina do Trabalho);
II em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade;
§1º (revogado pela Lei n. 10.097, de 19.12.00)
§ 2º O trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros dependera de prévia autorização do
Juiz de Menores, ao qual cabe verificar se a ocupação é indispensável à sua própria subsistência ou
a de seus pais, avós ou irmãos e se dessa ocupação não poderá advir prejuízo à sua formação
moral.
81
Observa-se assim a vedação, ao adolescente, de todo trabalho que
prejudique a sua formação e desenvolvimento físico, moral ou que seja nocivo à sua
saúde.
Os fundamentos desta proteção, segundo Garcia Oviedo,
164
são de
ordem fisiológica, cultural, moral e de segurança, a fim que ao adolescente seja
permitido o desenvolvimento normal que seria prejudicado na hipótese de trabalho
em condições insalubres ou penosas; que não o afaste da escola e que não
permaneça em ambientes que possam influenciar de forma negativa à formação do
seu caráter, bem como para que fique protegido contra qualquer infortúnio do
trabalho.
A partir da promulgação da Constituição de 1988 constituiu-se no
Brasil o marco dos direitos fundamentais da criança e do adolescente apresentando-
se um novo paradigma de proteção integral.
Esse novo paradigma foi inspirado nos diversos instrumentos de
direitos humanos previstos na esfera internacional que passaremos a destacar.
3.2.2 – No plano internacional
A legislação brasileira de proteção à criança e ao adolescente
inspirou-se nas Declarações e Convenções da ONU e OIT. Instrumentos que devem
ser aplicados pela República Federativa do Brasil, pois consta como membro tanto
da ONU como da OIT e especialmente por ter ratificado os instrumentos que
passaremos a estudar neste item.
§ 3º Considera-se prejudicial à moralidade do menor o trabalho:
a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e
estabelecimentos análogos;
b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;
c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos impressos, cartazes, desenhos, gravuras,
pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade
competente, prejudicar sua formação moral;
d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas;
§ 4º Nas localidades em que existirem oficialmente reconhecidas, instituições destinadas ao amparo
dos menores jornaleiros, só aos que se encontrem sob o patrocínio dessas entidades será outorgada
a autorização do trabalho a que alude o § 2º.
§ 5º aplica-se ao menor o disposto no art. 390 e seu parágrafo único.
164
OVIEDO, Garcia. Tratado elemental de derecho social. Madrid, 1934, p.403. Apud SAAD,
Eduardo Gabriel, SAAD, José Eduardo Duarte, BRANCO, Ana Maria Saad Castello. CLT
comentada. 38ª ed. atual. rev. e ampl., p. 310.
82
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada na
resolução 217 A da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas,
de 10.12.1948 em Paris, como resposta às atrocidades da Segunda Guerra Mundial,
foi um marco na conquista dos direitos humanos e de forma universal trata de toda
pessoa humana, daí a inclusão da criança e do adolescente como portadores dos
direitos nela estabelecidos, embora trate especificamente da criança somente no §2º
do artigo 25, ao dispor que a maternidade e a infância têm direito a cuidados
especiais e que todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da
mesma proteção social.
A Declaração de 1948 é marcada pela universalidade e
indivisibilidade dos direitos que apresenta. Segundo Flávia PIOVESAN,
165
a
Declaração “inovou extraordinariamente a gramática dos direitos humanos, ao
introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos”, daí o caráter
universal e indivisível que eleva todo ser humano à categoria de sujeito de direitos.
Segundo a autora
166
:
Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, com a
crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de
direitos, considerando o ser humano como essencialmente moral, dotado de
unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque, ineditamente, o catálogo
dos direitos civis e políticos é conjugado ao catálogo dos direitos econômicos,
sociais e culturais. A Declaração de 1948 combina o discurso liberal e o discurso
social da cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade.
Assim, conforme nos ensina Norberto BOBBIO, “os direitos do
homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos
positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como
direitos positivos universais
167
”.
A partir da Declaração de 1948, outros documentos surgem na
formação de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos e a
aprovação, em 20.11.1959, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, da
Declaração Universal dos Direitos da Criança, é fruto deste processo de
165
PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cad. Pesqui., São
Paulo, v. 35, n. 124, 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004&lng=pt&nrm =iso .
Acesso em: 10 Mar 2007. Pré-publicação. doi: 10.1590/S0100-15742005000100004
166
PIOVESAN, Flavia. Idem, ibidem.
167
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 30.
83
universalização dos direitos humanos que se iniciou com a Declaração dos Direitos
do Homem de 1948. Todavia, tal como a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, traz princípios de natureza moral, sem vinculação de obrigatoriedade dos
Estados Partes no seu cumprimento.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança apresenta um
paradigma de generalidade quando dispõe que todas as crianças, absolutamente
sem qualquer exceção, serão credoras dos direitos enunciados, vedando toda e
qualquer distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião, política ou de outra natureza origem nacional ou social, riqueza, nascimento
ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família, apresentando uma nova
política de proteção integral que leva em consideração a peculiar condição da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, assegurando-lhes
assim proteção especial através de leis ou outros meios que devem ter como meta
os melhores interesses da criança
168
.
Especificamente em relação ao trabalho, a Declaração de 1959 veda
o trabalho da criança antes da idade mínima conveniente,
169
proibindo ainda à
criança empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a
saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou
moral.
Outro instrumento internacional de proteção aos interesses da
criança e do adolescente são as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça, da Infância e da Juventude – Regras de Beijing de
29.11.1985
170
que traz em seu bojo parâmetros mínimos que devem ser observados
pelos Estados nos processos que envolvam jovens infratores, desde o processo de
investigação até a aplicação de medidas punitivas, elencando como princípio geral,
a promoção pelos Estados do bem-estar da criança e do adolescente e de sua
família, orientando aos Estados que se esforcem para garantir à população infanto-
168
O Princípio 2º da Declaração Universal dos Direitos da Criança assegura que: “A criança gozará
de proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros
meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento sico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia
e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo levar-
se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança”.
169
Percebe-se que a Declaração não apresenta um critério fechado a respeito da idade mínima
advertindo tão somente que não será permitido à criança empregar-se antes da “idade mínima
conveniente”, sem dar nenhum parâmetro para fixação da idade mínima para o trabalho.
170
Resolução 40/33, da Assembléia Geral de 29.11.1989.
84
juvenil uma vida significativa na comunidade, fomentando, durante o período de
idade em que ele é mais vulnerável a um comportamento desviado, um processo de
desenvolvimento pessoal e de educação o mais isento possível do crime e da
delinqüência
171
.
Ainda, em relação à proteção do jovem infrator, temos as Diretrizes
das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad e
as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de
Liberdade que têm por escopo respeitar os direitos e a segurança dos jovens e
fomentar seu bem estar físico e moral.
Quanto às Diretrizes de Riad, em consonância com os demais
instrumentos de proteção à criança e ao adolescente, estabelecem que os
organismos governamentais devem dar a máxima prioridade aos planos e
programas dedicados aos jovens e proporcionar fundos suficientes e recursos de
outro tipo para a prestação de serviços eficazes, a fim de garantir o pleno
desenvolvimento do jovem.
O objetivo das Diretrizes de Riad é o de prevenir a delinqüência
através do esforço de toda sociedade
172
que deve garantir um desenvolvimento
harmônico dos adolescentes e promover a formação de sua personalidade, a partir
da primeira infância, visando sempre ao seu bem-estar.
Dentro do processo de universalização dos direitos humanos foi
adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989 a Convenção
das Nações Unidas sobre Direitos da Criança
173
, que surge com escopo tamm na
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e reconhece no seu
171
O item 1.3 das Regras de Beijing dispõe que: “Conceder-se-á a devida atenção à adoção de
medidas concretas que permitam a mobilização de todos os recursos disponíveis, com a inclusão da
família, de voluntários e outros grupos da comunidade, bem como da escola e de demais instituições
comunitárias, com o fim de promever o bem-estar da criança e do adolescente, reduzir a necessidade
da intervenção legal e tratar de modo efetivo, eqüitativo e humano a situação de conflito com a lei”.
172
Nos termos da alínea “g” do artigo 8º das Diretrizes de Riad “Deverão ser formulados, em todos os
níveis do governo, planos gerais de prevenção que compreendam, entre outras coisas estreita
cooperação interdisciplinária entre os governos nacionais, estaduais, municipais e locais, com a
participação do setor privado, de cidadãos representativos da comunidade interessada e de
organizações trabalhistas, de cuidado à criança, de educação sanitária, sociais, judiciais e dos
serviços de repressão, na aplicação de medidas coordenadas para prevenir a delinqüência juvenil e
os delitos dos jovens”.
173
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças foi ratificada pelo Brasil em
24.09.1990 e faz parte da legislação brasileira através do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de
1990.
85
preâmbulo a necessidade de cuidados e assistência especial à criança, que deve
estar preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de
acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com
espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.
A Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança
reconhece como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade,
salvo nas hipóteses em que, de acordo com a lei aplicável, se alcance a maioridade
antes.
A Convenção pode ser considerada um marco na proteção dos
direitos da criança, pois a reconhece como sujeito de direitos, protegendo seus
interesses, considerando a peculiar condição de ser humano em desenvolvimento,
introduzindo diversas questões de maior interesse, através de uma política de
atendimento integral que veda qualquer distinção decorrente de raça, cor, sexo,
idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou
social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra
condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
174
De fato, como afirma Tânia da Silva PEREIRA,
175
“a convenção
representa um consenso de que existem alguns direitos básicos universalmente
aceitos e que são essenciais para o desenvolvimento completo e harmonioso de
uma criança. Representa, em definitivo, o instrumento jurídico internacional mais
transcendente para a promoção e o exercício dos Direitos da Criança”.
Nos termos da Convenção, cabe ao Estado promover medidas
apropriadas para assegurar a aplicação igualitária dos princípios nela instituídos,
que deverão sempre levar em consideração, primordialmente, o interesse maior da
criança, ou seja, há obrigação dos Estados-partes de transformar os direitos da
Convenção em realidade, assegurando o direito à vida e ao desenvolvimento da
criança.
Importante ressaltar que diferente da Declaração Universal dos
direitos da Criança, a Convenção tem natureza coercitiva exigindo dos Estados
174
Parte I, artigo 2º da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança.
175
PEREIRA, Tânia da Silva. A Convenção e o Estatuto: um ideal comum de proteção ao ser
humano em vias de desenvolvimento. In PEREIRA, Tânia da Silva (coord). Estatuto da criança e
do adolescente: Lei n. 8.069/90: estudos sócio-jurídicos, p. 98.
86
Partes determinado posicionamento. Entende Josiane Rose Petry VERONESE
176
que:
Ao contrário da Declaração Universal dos Direitos da Criança que sugere
princípios de natureza moral, sem nenhuma obrigação, representando
basicamente sugestões de que os Estados poderiam se servir ou não, a
Convenção tem natureza coercitiva e exige de cada Estado Parte que a subscreve
e ratifica um determinado posicionamento. Como um conjunto de deveres e
obrigações aos que a ela formalmente aderiram, a Convenção tem força de lei
internacional e, assim, cada Estado não poderá violar seus preceitos, como
tamm deverá tomar as medidas positivas para promovê-los. Há que se colocar,
ainda, que tal documento possui mecanismos de controle que possibilitam a
verificação no que tange ao cumprimento de suas disposições e obrigações, sobre
cada Estado que a subscreve e ratifica.
A Convenção confere à criança proteção integral garantindo-lhe
direitos e garantias como: direito ao nome e nacionalidade, proteção nos processos
de adoção, direito de convivência com os pais, liberdade de expressão e crença,
liberdade de associação, acesso à informação, proteção contra toda forma de
violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou
exploração, inclusive abuso sexual, assistência humanitária às crianças refugiadas,
proteção à criança deficiente, assistência à saúde da criança e da mãe, assistência
previdenciária, educação, lazer, cultura, reintegração social e recuperação de
crianças vítimas de conflitos armados, proteção da criança infratora, e proteção
contra exploração econômica. Para Henry J. STEINER e Philip ALSTON
177
:
A convenção é extraordinariamente abrangente em escopo. Ela abarca todas as
áreas tradicionalmente definidas no campo dos direitos humanos – civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais. Ao fazê-lo, contudo, a Convenção evitou a
distinção entre essas áreas e, contrariamente, assumiu a tendência de enfatizar a
indivisibilidade, a implementação recíproca e a igual importância de todos os
direitos
Todavia, todo este rol de direitos previstos na Convenção são
normas programáticas, pois são princípios gerais que devem ser adotados pelos
Estados-Partes.
176
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente, p. 98.
177
STEINER, Henry J.; ALSTON, Philip. International human rights in context – law, politics and
morals. 2ª ed. Oxford University Press, 2000, p. 516. Apud PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e
o direito constitucional internacional. 7. ed. rev. Ampl. e atual., p. 200.
87
Quanto à proteção da exploração laboral, estabelece a obrigação
dos Estados-Partes de proteger a criança da exploração econômica e de qualquer
trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo a
sua saúde ou a seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social, sem
especificar o que é trabalho nocivo, perigoso e que possa interferir na educação,
saúde e desenvolvimento físico, mental, moral ou social.
A Convenção estabelece normas gerais, determinando aos Estados
partes que adotem medidas legislativas, sociais e educacionais para assegurar a
aplicação dos princípios nela contidos. Particularmente quanto ao trabalho, traça
diretrizes no sentido de que os Estados-partes deverão estabelecer uma idade ou
idades mínimas para admissão em emprego e regulamentação apropriada relativa a
horários e condições de trabalho, bem como estabelecer penalidades ou outras
sanções apropriadas, a fim de assegurar o cumprimento efetivo das disposições
contidas na Convenção.
Ressalte-se, ainda, a ratificação pelo Brasil, em 27 de janeiro de
2004, dos protocolos facultativos à Convenção dos Direitos da Criança sobre a
Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis e sobre o Envolvimento de
Crianças em Conflitos Armados
178
, que tem o objetivo de fortalecer as medidas
protetivas nestes aspectos.
A proteção contra a exploração do trabalho infantil está prevista
tamm no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
179
que estabelece o dever dos Estados-Partes de adotar medidas especiais de
proteção e de assistência, em prol de todas as crianças e adolescentes sem
distinção, protegendo-os contra a exploração econômica e social e qualquer
emprego que possa prejudicar seu desenvolvimento
180
.
178
Resolução A/RES/54/263 da Assembléia Geral da ONU, adotada em 25 de maio de 2000.
179
O Brasil aderiu ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em
24.01.1992.
180
Prevê o artigo 10 item 3: “Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que: Devem-se
adotar medidas especiais de proteção e de assistência em prol de todas as crianças e adolescentes
sem distinção alguma por motivo de filiação ou qualquer outra condição. Devem-se proteger as
crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social. O emprego de crianças e
adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à moral, à saúde ou que lhes façam correr perigo
de vida, ou ainda que lhes venham a prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei. Os
Estados devem também estabelecer limites de idade sob os quais fique proibido e punido por lei o
emprego assalariado da mão-de-obra infantil.
88
Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, presente no
arcabouço legislativo brasileiro, com a promulgação do Decreto 678, de 06 de
novembro de 1992, protege genericamente os direitos da criança, dispondo em seu
artigo 19 que toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição
de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado.
A Convenção Internacional sobre Tráfico Internacional de Menores,
em vigor no Brasil desde 15.08.1997, tem como objeto a proteção dos direitos
fundamentais e do interesse da criança e adolescente com foco na prevenção e
sanção ao tráfico internacional de menores, através da adoção de um sistema
internacional de cooperação jurídica, sempre se levando em conta o superior
interesse da comunidade infanto-juvenil.
Diferente das demais normas internacionais a Convenção
Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores apresenta critérios objetivos,
definindo o que é tráfico internacional e estabelecendo aos Estados Partes além do
dever de cooperar na prevenção e sanção ao tráfico internacional de menores e na
proteção e cuidado dos menores vítimas do fato ilícito, o dever de notificar as
autoridades competentes de um Estado não Parte, nos casos em que se encontrar
em seu território uma criança que tenha sido vítima do tráfico internacional de
criança e adolescente.
Assim, para o cumprimento da Convenção, cada Estado-Parte
designa uma Autoridade Central e comunica essa designação à Secretaria-Geral da
Organização dos Estados Americanos.
Cada Estado-parte tem ainda o dever de prestar, por meio de suas
autoridades centrais e observados os limites da lei interna de cada Estado parte e os
tratados internacionais aplicáveis, pronta e expedida assistência mútua para as
diligências judiciais e administrativas, obtenção de provas, e demais atos
processuais necessários ao cumprimento dos objetivos da Convenção, além de
estabelecer mecanismos de intercâmbio de informação sobre legislação nacional,
jurisprudência, práticas administrativas, estatísticas e modalidades que tenham
assumido o tráfico internacional de crianças e adolescentes em seus territórios.
89
É atribuída competência concorrente
181
aos Estados Partes para
conhecer os delitos relativos ao tráfico de crianças e adolescentes, sendo prevento o
Estado Parte que haja sido o primeiro a conhecer do fato ilícito. As sanções serão
adotadas de acordo com o direito interno do Estado Parte.
Nos termos desta Convenção, considera-se tráfico internacional de
menores a subtração, transferência ou retenção, ou a tentativa de subtração,
transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos.
Considerando-se “propósitos ilícitos”, prostituição, exploração
sexual, servidão ou qualquer outro propósito ilícito, seja no Estado em que o menor
resida habitualmente ou no Estado Parte em que este se encontre e por “meios
ilícitos”, entre outros, o seqüestro, o consentimento mediante coação ou fraude, a
entrega ou o recebimento de pagamentos ou benefícios ilícitos com vistas a obter o
consentimento dos pais, das pessoas ou da instituição responsável pela criança ou
adolescente, ou qualquer outro meio ilícito utilizado seja no Estado de residência
habitual ou no Estado Parte em que se encontre a criança ou adolescente.
É importante observar que embora traga critérios objetivos na
definição de tráfico, propósito e meios ilícitos, este rol não é taxativo, pois a redação
do texto legal, ao indicar a expressão “entre outros”, permite que sejam agregados
outros propósitos ou meios ilícitos.
Os direitos da criança e do adolescente estão protegidos tamm
através das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que,
fundada em 1919, com o objetivo de promover a justiça social – fundamento para se
alcançar a paz universal e permanente – busca soluções que permitam a melhoria
das condições de trabalho no mundo.
A Convenção 138 da OIT, adotada em 06 de junho de 1973 com o
objetivo de abolir o trabalho infantil e de substituir os instrumentos
182
até então
181
Prevê o artigo 9º da Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores: “Serão
competentes para conhecer os delitos relativos ao tráfico de menores: a) o Estado Parte em que
tenha ocorrido a conduta icita; b) o Estado Parte em que o menor resida habitualmente; c) o Estado
Parte em que se encontre o suposto delinqüente, no caso de não ter sido extraditado, e d) o Estado
Parte em que se encontre o menor vítima de tráfico”.
182
Antes da edição da Convenção nº 138 da OIT a idade mínima para o trabalho era fixada de acordo
com os diversos setores da economia, assim: em 1919, Convenção nº 5 (indústria); 1920, Convenção
nº 7 (trabalho marítimo); 1921, Convenção nº 10 (agricultura); 1921, Convenção nº 15 (paioleiros e
foguistas); 1932, Convenção nº 33 (paioleiros e foguistas); 1932, Recomendação nº 41 (trabalhoso
industriais); 1936, Convenção nº 58 (trabalho marítimo); 1937, Convenção nº 59 (revista-indústria);
1937, Convenção nº 60 (trabalhos não industriais); 1937, Recomendação nº 52 (trabalhos industriais-
90
aplicáveis, mas restritos a certos setores econômicos, fixa uma idade mínima para o
trabalho e traça cririo objetivos aos Estados-Membros na adoção da idade mínima.
Todo Estado-membro que tenha ratificado a Convenção n. 138
compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do
trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego
ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do
jovem.
A Convenção n. 138 fixa como idade mínima para o trabalho como
não inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer
hipótese, não inferior a 15 anos, permitindo, todavia, ao Estado-membro, cuja
economia e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, após
consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, se as
houver, definir, inicialmente, uma idade mínima de 14 anos, devendo, neste caso,
incluir em seus relatórios a serem apresentados sobre a aplicação da Convenção,
nos termos do Artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho,
declaração de que são subsistentes os motivos dessas medidas ou de que renuncia
ao direito de se valer da disposição em questão, a partir de uma determinada data.
Determina, ainda, em relação a qualquer tipo de emprego ou
trabalho que, por sua natureza ou circunstância em que é executado, possa
prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem, a idade mínima de 18 anos
183
.
A Convenção n. 138 permite ao Estado-Membro, cuja economia e
condições administrativas não estiverem suficientemente desenvolvidas, após
consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores, se as houver, limitar
inicialmente o alcance de aplicação da Convenção, devendo, neste caso,
especificar, em declaração anexa à sua ratificação, os setores de atividade
econômica ou tipos de empreendimentos aos quais aplicará as disposições da
empresas familiares); 1947, Convenção nº 83 (trabalhos em territórios não-metropolitanos); 1953,
Recomendação nº 96 (trabalho subterrâneo em minas); 1959, Convenção nº 112 (pescadores); 1965,
Convenção nº 123 (trabalhos subterrâneos); 1965, Recomendação nº 124 (trabalhos subterrâneos
nas minas); 1973, Recomendação nº 138 (todos os setores) e 1973, Recomendação nº 146 (todos os
setores).
183
O artigo 2º da Convenção 138 prevê que serão definidas por lei ou regulamentos nacionais ou
pela autoridade competente, após consulta com as organizações de empregadores e de
trabalhadores interessadas, se as houver, as categorias de emprego ou trabalho que possam
prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem.
91
Convenção
184
, bem como indicar em seus relatórios, a que se refere o Artigo 22 da
Constituição da Organização Internacional do Trabalho, a situação geral com
relação a emprego ou trabalho de jovens e crianças nos setores de atividade
excluídos do alcance de aplicação desta Convenção e todo progresso que tenha
sido feito para uma aplicação mais ampla de suas disposições, podendo, em
qualquer tempo, estender formalmente o alcance de aplicação com uma declaração
encaminhada ao Diretor-Geral da Secretaria Internacional do Trabalho.
Não há a aplicabilidade da Convenção quando o trabalho for feito
por crianças e jovens em escolas de educação profissional ou técnica ou em outras
instituições de treinamento em geral ou a trabalho feito por pessoas de no mínimo
14 anos de idade em empresas em que esse trabalho é executado dentro das
condições prescritas pela autoridade competente, após consulta às organizações de
empregadores e de trabalhadores interessadas, onde as houver, e é parte integrante
de curso de educação ou treinamento pelo qual é principal responsável escola ou
instituição de formação e programa de treinamento principalmente ou inteiramente
numa empresa, que tenha sido aprovado pela autoridade competente, ou programa
de orientação para facilitar a escolha de uma profissão ou de uma linha de
formação
185
.
É permitido ainda, através de regulamentação nacional, o emprego
de jovens entre 13 e 15 anos em serviços leves desde que não sejam prejudiciais à
sua saúde e desenvolvimento e não prejudiquem a freqüência escolar ou programas
de orientação profissional
186
.
A Convenção nº 138 da OIT é complementada pela Convenção de
nº 182 que trata das piores formas de trabalho infantil e que compele os Estados-
Membros a adotar medidas imediatas e eficazes que garantam a proibição e a
184
Sendo, no mínimo, aplicáveis a: mineração e pedreira; indústria manufatureira; construção;
eletricidade, água e gás; serviços de saneamento; transporte, armazenamento e comunicações;
plantações e outros empreendimentos agrícolas de fins comerciais, excluindo, porém, propriedades
familiares e de pequeno porte que produzam para o consumo local e não empreguem regularmente
mão-de-obra remunerada. (art. 5º, 3 da Convenção).
185
Art. da Convenção n. 138 da OIT.
186
Nos termos do artigo 8º da Convenção, a autoridade competente, após consulta com as
organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, se as houver, podem, mediante
licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções à proibição de emprego ou trabalho a
crianças com idade inferior a idade mínima estabelecida na Convenção, para fins tais como
participação em representações artísticas, devendo de qualquer forma limitar o número de horas de
duração do emprego ou trabalho e estabeler as condições em que é permitido.
92
eliminação das piores formas de trabalho infantil, considerando como criança todo
ser humano com menos de 18 anos.
Para os fins da Convenção n. 182,
187
a expressão “as piores formas
de trabalho infantil” compreende: todas as formas de escravio ou práticas
análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida,
servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou
compulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; utilização,
demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de material
pornográfico ou espetáculos pornográficos; utilização, demanda e oferta de criança
para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas,
conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes e trabalhos que, por sua
natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de
prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança
188
.
De acordo com a Recomendação 190 da Convenção 182 da OIT,
para fins de se definir os trabalhos susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança
e a moral da criança deve ser considerado o trabalho que expõe crianças a abusos
físicos, psicológicos ou sexuais; trabalho embaixo da terra, embaixo da água, em
alturas perigosas ou em espaços confinados; trabalho com maquinaria, equipamento
e ferramentas perigosas, ou que envolva manusear ou transportar cargas pesadas;
trabalho em ambientes insalubres que possa, por exemplo, expor crianças a
substâncias, agentes ou processos perigosos, ou a níveis de temperatura, ruído ou
vibração que possam ocasionar danos à saúde e trabalho em condições
particularmente difíceis, como longas jornadas, durante a noite, ou onde a criança é
confinada no local de trabalho.
A Convenção estabelece a obrigatoriedade dos Estados- Membros
de criar ou adotar mecanismos apropriados para monitorar a aplicação das
disposições que dão cumprimento à Convenção, devendo elaborar e desenvolver
187
Art. 3º da Convenção nº 182.
188
Os trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são
susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança, serão, nos termos do artigo 4º
da Convenção, definidos pela legislação nacional ou pela autoridade competente, após consulta com
as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, levando em consideração as
normas internacionais pertinentes, particularmente os parágrafos 3ª e 4ª da Recomendação sobre as
Piores Formas de Trabalho Infantil, 1999.
93
programas de ação para eliminar, como prioridade, as piores formas de trabalho
infantil.
Tais programas de ação devem ser elaborados e implementados em
consulta a relevantes instituições governamentais e organizações de empregadores
e de trabalhadores, levando em consideração, se conveniente, opiniões de outros
grupos interessados.
É obrigação tamm de todo Estado-membro adotar todas as
medidas necessárias para assegurar à efetiva aplicação e cumprimento das
disposições que dão efeito à Convenção, inclusive a instituição e aplicação de
sanções penais ou, conforme o caso, de outras sanções.
Por fim, todo Estado-membro, tendo em vista a importância da
educação para a eliminação do trabalho infantil, deve adotar medidas efetivas, para,
num determinado prazo, impedir a ocupação de crianças nas piores formas de
trabalho infantil, devendo ainda dispensar a necessária e apropriada assistência
direta para retirar crianças das piores formas de trabalho infantil e assegurar sua
reabilitação e integração social.
É tamm obrigação de todo Estado-membro garantir o acesso de
toda criança retirada das piores formas de trabalho infantil à educação fundamental
gratuita e, quando possível e conveniente, à formação profissional, bem como
identificar e alcançar crianças particularmente expostas a riscos e levar em
consideração a situação especial de meninas.
Revisto o arcabouço legal que disciplina os direitos da criança e do
adolescente passaremos no próximo item a tratar da efetividade das normas de
proteção dos interesses difusos e coletivos da criança e do adolescente.
3.2 EFETIVIDADE DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DOS INTERESSES
INDIVIDUAIS DIFUSOS E COLETIVOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Conforme já exposto no decorrer do presente trabalho o Brasil
possui um arcabouço legislativo exemplar na proteção dos direitos da criança e do
adolescente. Todavia, é tamm incontestável a falta de efetividade destas medidas,
pois vemos cotidianamente a violação dos direitos da criança e do adolescente.
94
A universalização dos direitos sociais se deu através da criação da
Organização Internacional do Trabalho – OIT, cuja finalidade foi a de generalizar
direitos sociais mínimos a serem respeitados pelos governos.
A Constituição da OIT ao declarar que Considerando que uma paz
universal e duradoura pode ser estabelecida somente se estiver baseada na justiça
social; e considerando que há condições de trabalho que impõe tal injustiça,
sofrimento e privação a um grande número de pessoas que provocam tanta agitação
que a paz e harmonia do mundo estão em perigo; e uma melhoria dessas condições
é urgentemente exigida, demonstra sua motivação humanitária, política e em
especial econômica ao dispor, ainda, que a não adoção por qualquer nação de
condições humanas de trabalho é um obsculo no caminho de outras nações que
desejam melhorar as condições em seus próprios países.
A preocupação econômica entabulada pela OIT é relevante,
segundo o entendimento de que o investimento na melhoria das condições de
trabalho implica aumento no custo da força do trabalho e consequentemente
encarecimento do produto final, deixando o país que assim agisse, em desvantagem
com os demais.
Todavia, esta visão capitalista deve ser superada, pois o
investimento nas condições de trabalho respeita o ser humano como cidadão,
conferindo-lhe o gozo dos seus direitos sociais e humanos.
O que não se pode mais admitir na sociedade contemporânea é que
grandes empresas explorem a mão-de-obra feminina (em especial a infantil),
pagando ínfimas remunerações, em total desrespeito à dignidade da pessoa
humana, em prol da riqueza que, conforme já se demonstrou neste trabalho, fica
concentrada nas mãos de uma pequena parcela da população.
A falta de solidariedade assola o homem desde os tempos mais
primórdios, pois, fosse natural ao homem sentimentos de humanidade e
fraternidade, bastaria “boicotar” os mercados que exploram a mão-de-obra (os
próprios homens/seus semelhantes) para que se efetivassem melhores condições
de trabalho, mas ao contrário, a conhecida “Lei de Gerson” é que está implícita no
homem, que se mostra mau por natureza. O egoísmo, a individualidade, o desprezo
pelo outro e a falta de ética reinante não só na contemporaneidade, mas desde a
95
criação do mundo dificultam a efetivação dos direitos sociais, corolários dos direitos
humanos.
O interesse econômico sempre foi o deus do homem e sempre vai
estar presente em toda e qualquer convenção, nas entrelinhas das leis e nas
intenções dos governantes.
De qualquer forma a criação da OIT significou um grande avanço na
proteção dos direitos sociais do trabalhador, pois se tornou um órgão militante na
introdução e observância dos direitos sociais pelos países.
Outro importante avanço na defesa dos direitos do cidadão se deu
durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando a OIT adotou a Declaração da
Filadélfia, que foi anexada à sua Constituição e reformulou os fins e propósitos da
OIT, elevando os direitos sociais ao nível dos demais direitos humanos quando
alega que todos os seres humanos, independentes de raça, credo ou sexo, têm o
direito a perseguir tanto seu bem-estar material quanto seu desenvolvimento
espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e
oportunidades iguais.
A proteção aos direitos da criança e do adolescente está presente
tanto no plano constitucional como na legislação infraconstitucional e em tratados
internacionais, mas o problema reside em fazer valer toda esta normatividade.
O art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente garante o
acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e
ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos, sendo da competência
189
da Vara
da Infância e Juventude, entre outras, conhecer de ações civis fundadas em
interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente,
guarda, destituição do poder
familiar, etc.
O Título VI do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao disciplinar o
acesso à justiça, especifica as funções do Ministério Público e o papel do advogado
e traça, além da competência, os procedimentos a serem adotados, em caso de
perda ou suspensão do poder familiar disciplinando ainda as hipóteses das
189
Ressalvado os casos de competência da Justiça Federal e originária dos Tribunais Superiores nos
termos do art. 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
96
apurações do ato infracional do adolescente e irregularidades praticadas pelas
entidades de atendimento ao menor.
Para fins da presente discussão, todavia, o que nos interessa é o
artigo 208 do Estatuto que trata dos interesses individuais, difusos e coletivos da
criança e do adolescente. Dispões o art. 208:
Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa
aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes, ao não
oferecimento ou oferta irregular:
I – do ensino obrigatório;
II de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;
III – de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade;
IV – de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
V – de programas suplementares de oferta de material didático escolar, transporte
e assistência à saúde do educando do ensino fundamental;
VI – de serviço de assistência social visando a proteção à família, à maternidade,
à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que
dele necessitem;
VII – de acesso às ações e servos de saúde;
VIII – de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de
liberdade.
Parágrafo único: As hiteses previstas neste artigo não excluem da proteção
judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da
adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei.
Mas no que consistem os interesses individuais, difusos e coletivos?
Josiane Rose Petry VERONESE
190
diferencia-os nos seguintes termos:
Os interesses individuais referem-se às pretensões pertencentes a cada ser
humano singularmente considerado, o qual tem direito à liberdade física ou
individual, à liberdade espiritual – de religião, opinião -, ou seja, de acesso aos
meios que lhe garantam suprir as suas necessidades.
Os interesses coletivos dizem respeito aos interesses pertencentes a uma
pluralidade de sujeitos, os quais são passíveis de serem identificados a partir de
um vínculo jurídico que os une ou de cada um destes com a parte contrária.
Os interesses difusos, por sua vez, tratam de pretensões pertencentes a uma
série indeterminada de sujeitos, agrupados em decorrência de situações fáticas.
De qualquer forma, as divergências doutrinárias a respeito da
diferenciação entre interesses individuais, difusos e coletivos foram estancadas a
partir do disposto no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90,
aplicável à Lei da Ação Civil Pública que disciplina:
190
SILVA, Moacyr Motta da, VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos direitos da
criança e do adolescente, p. 124.
97
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá
ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
Em consonância com a legislação de proteção integral dada à
criança e ao adolescente pelo ECA ,o Código Civil atual prevê no art. 1635, V ,a
extinção do poder familiar por decisão judicial, quando o pai ou a mãe praticarem
algumas vitimizações como: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho
em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes e abusar da
sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos
filhos
191
.
De qualquer sorte, ao Ministério Público compete o
acompanhamento de toda e qualquer ação em que haja interesses de menores, bem
como a promoção de ação civil pública para a proteção dos interesses individuais,
difusos ou coletivos relativos ao mundo infanto-juvenil nos termos do inciso V do art.
201 do ECA, e impetrar os remédios constitucionais, como o mandado de
segurança, o habeas corpus e mandado de injunção, quando houver violação aos
direitos individuais da criança e do adolescente, conforme previsto no inciso IX do
citado artigo.
Para efetivação dos direitos elencados no art. 208 do ECA está
legitimada a interposição de ações fundadas nestes interesses difusos ou coletivos
concorrentemente o Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios, o Distrito
Federal e os Territórios e as associações legalmente constituídas há pelo menos um
ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos
protegidos pelo ECA.
O ECA, ao proteger os interesses individuais difusos e coletivos da
criança e do adolescente no art. 208, reforça a idéia já defendida de proteção
191
Segundo artigos 1638 e 1637 do Código Civil em vigor.
98
integral a estes pequenos cidadãos, fortalecida pelo parágrafo único do referido
artigo que dispõe não serem excludentes da proteção judicial outros interesses
individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos
pela Constituição e pela Lei.
Se há garantias de direitos e legitimados a intentar ações judiciais
para garantia e proteção destes, indaga-se quais ações são estas.
No plano processual, o Estatuto da Criança e do Adolescente
disciplina sobre a admissibilidade de todas as ações capazes de tutelar os direitos
previstos na legislação
192
, havendo uma despreocupação do ECA com a ação ou o
procedimento processual a ser adotado, preocupando-se com o conteúdo do direito
buscado.
O dever de proteção aos direitos da criança e do adolescente é
concorrente, cabendo à União, ao Estado, ao Distrito-Federal e aos Municípios zelar
pelos interesses dos menores. Ressalta Maria de Fátima Carrada FIRMO
193
que a
instituição de direitos constitucionais à criança e ao adolescente conferiu aos
Municípios direitos e deveres públicos para com estes pequenos cidadãos, pois ao
Município cabe governar para atender os interesses de seus habitantes. Segundo a
autora:
Tal descentralização constituiu uma medida inovadora de suma importância para
aproximar os tutelados da entidade governamental responsável pela proteção e
garantia de seus direitos, ou seja, tornou mais possível a aplicação das normas
sociais inerentes a essa parte desprotegida da sociedade. Além de atribuir aos
Municípios o poder de definir a política peculiar local para a infância e a
adolescência, harmonizou a participação e responsabilidades dos Municípios, dos
Estados-membros, do Distrito Federal e da União, evitando-se, assim, as medidas
desordenadas que sempre foram comuns no Brasil.
O que significa dizer que União, Estados, Distrito Federal e
Municípios devem agir conjuntamente em programas sociais e políticos eficazes que
atendam aos interesses da criança e do adolescente.
192
Art. 212 – Para a defesa dos direitos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações
pertinentes. § 1º Aplicam-se às ações previstas neste Capítulo as normas do Código de Processo
Civil § 2º Contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá
ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.
193
FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A criança e o adolescente no ordenamento jurídico
brasileiro, p. 21.
99
Mas o dever legal de prestar assistência à criança não se restringe
aos entes federados mas estende-se à família e à sociedade nos termos do art. 227
do texto constitucional.
Um dos caminhos a ser percorrido para se assegurar os direitos já
positivados de proteção à criança e ao adolescente é, segundo Josiane Rose Petry
VERONESE
194
, dar impulso aos princípios da descentralização e da participação
previstos no ECA, sendo que o princípio da descentralização “deve resultar numa
melhor divisão de tarefas, de empenhos, entre a União, os Estados e os Municípios,
no cumprimento dos direitos sociais
195
” enquanto que o princípio da participação,
aduz a autora, “importa na atuação sempre progressiva e constante da sociedade
em todos os campos de ação
196
”.
Está bem definido na legislação brasileira e nas convenções
internacionais sobre os direitos da criança e do adolescente quais são estes direitos
e quem são os responsáveis em tutelá-los.
Direitos se traduzem em ter assegurada uma infância digna onde
possa ser realizado o desenvolvimento humano. E os responsáveis pela tutela
desses direitos são o Estado, a família e a sociedade que muito mais que uma
obrigação de fazer detêm o dever ético de garantir à criança e ao adolescente o
respeito à dignidade da pessoa humana, conceito que engloba todos os demais
direitos, tais como o direito à vida; à saúde, ao lazer, à liberdade, ao respeito, e entre
tantos outros previstos em nossa legislação. Nesse sentido a exposição de Moacyr
Motta da SILVA e Josiane Rose Petry VERONESE
197
:
Não é necessário fazer muito esforço de memória para afirmar que as normas que
foram introduzidas na Constituição Federativa do Brasil de 1988, em relação à
criança e ao adolescente, não podem ser vistas somente como preceitos
mandamentais de obrigação de fazer ou de não fazer. É preciso extrair dessas
regras o seu sentido ético, pelo qual a lei não existe no mundo jurídico apenas
para ser exigida, senão que as partes cumpram-na, espontaneamente, como
dever ético de solidariedade. Não podemos perder de vista que o trabalho constitui
um valor social. É nesse sentido que a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 declara: art. 145: A todos é assegurado trabalho que possibilite
194
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o
conceito de sujeito-cidadão. Revista da ESMESC – Escola Superior da Magistratura do Estado de
Santa Catarina, p. 227.
195
VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, ibidem.
196
VERONESE, Josiane Rose Petry. Idem, ibidem.
197
SILVA, Moacyr Motta da., VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos direitos da
criança e do adolescente, p. 15.
100
existência digna. O trabalho é obrigação social. Assim, o trabalho não deve ser
olhado só em uma perspectiva jurídica, mas, sobretudo, em uma visão ética. No
plano da ética, a lei que impõe regras protetoras à criança e ao adolescente deve
ser recebida como a garantia do Estado em preservar o futuro de suas gerações,
moldadas em padrões de condutas sadias de convivência. Os deveres legais do
patrão em relação ao adolescente são, antes de tudo, deveres éticos.
No âmbito internacional, as normas estabelecidas em Tratados e
Convenções não podem ser consideradas normas coercitivas e sim meras
recomendações a serem seguidas pelos Estados Partes.
A Carta das Nações Unidas
198
disciplina que a ONU, por meio de
sua Assembléia Geral, pode tomar decisões com o intuito de recomendar medidas,
mas não prevê nenhuma hipótese de imposição obrigatória de tais decisões a seus
Estados Membros
199
, motivo pelo qual muitas vezes os direitos humanos, ora
afirmados, são, em essência, proposições abstratas e não efetivadas.
E, embora o Estado assuma, ao ratificar os tratados internacionais, a
obrigação de respeitar os direitos humanos neles reconhecidos e de adotar medidas
de proteção e garantia destes direitos, a falta de sanção eficaz no sistema jurídico
internacional “permite” omissões dos próprios Estados Partes.
Com efeito, a sanção comumente prevista para o descumprimento dessas
obrigações refere-se a meras recomendações no sentido de que se cumpram as
obrigações olvidadas ou a simples admoestações públicas que não teriam outro
intento que o de chamar a atenção dos meios de comunicação e a cobrança dos
grupos de pressão mais influentes, como as organizações não governamentais.
200
Daí a necessidade de consciência ética dos Estados Partes para
efetivação dos direitos e garantias previstos nas normas internacionais, pois já não é
sem tempo a necessidade de se ultrapassar a adesão por mera conveniência, sem
reais propósitos emancipatórios da discriminação e da desigualdade que assolam a
humanidade desde sempre.
O certo é que da falta de efetividade das normas jurídicas é que se
tem o ponto de partida para a transformação do existente, através da negação do
presente.
198
Tratado instituidor da Organização das Nações Unidas
199
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. A declaração universal dos direitos da criança e seus
sucedâneos internacionais (tentativa de sistematização), p. 58.
200
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Idem, p. 87.
101
A conscientização da situação atual é imprescindível para que o
homem consiga buscar e realizar a mudança social necessária. É a crítica do
presente que irá projetar para um futuro melhor, buscar uma nova perspectiva, uma
nova esperança, mesmo diante do quadro em crise dos paradigmas societais, com o
implacável aumento da pobreza e desrespeito aos direitos mínimos da criança e do
adolescente.
Pois embora não tenhamos ainda conseguido efetivar amplamente
os direitos humanos em relação a criança e o adolescente, o fato é que temos
avançado neste mister e o acesso à justiça garantido pelo ECA .
O que se pretende é ressuscitar a iia de confiança no futuro, de
um progresso incessante, buscando, através de uma racionalidade crítica das
“vítimas” que se reconhecem como sujeitos éticos nm mundo melhor, onde o bom
seja bom para todos, para uma igualdade de oportunidades, promovendo a tão
almejada justiça social, uma justiça, segundo José SARAMAGO
201
“para quem o
justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a
ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida, é o alimento
do corpo, sobretudo uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria
sociedade em ação, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível
imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste”.
Assim, é através de uma sociedade justa e solidária, com fortes
princípios éticos, que se conseguia efetividade das normas protetoras em relação
ao menor, pois conforme afirma Paulo Lúcio NOGUEIRA, embora haja no Brasil uma
vasta produção legislativa “o que falta, nesse complexo de leis, é fazer justamente o
Estado funcionar, através de seus governantes, que conhecem os problemas e têm
as soluções, mas que só se preocupam em desfrutar o poder”
202
Traçada a evolução legislativa dos direitos da criança e do
adolescente no Brasil e no mundo e sua (falta de) efetividade, passamos a analisar
os projetos implementados e seus resultados no combate à exploração do trabalho
infantil.
201
SARAMAGO, José. Este mundo da injustiça globalizada. Fórum social Mundial 2002.
Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/danwload/texto/ph000302.pdf>. Acesso em 26 abr
2005.
202
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado, p. 283.
102
3.3 – POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
NO BRASIL
Conforme já observado no decorrer deste trabalho, houve uma
evidente evolução nos direitos da criança e do adolescente com o objetivo de
efetivar os direitos humanos a estes pequenos cidadãos.
Mas, embora haja farta proteção legislativa, é necessária a
promoção de políticas públicas para não fazer morta a letra da lei.
Com este propósito foi implementado no Brasil o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, considerado um dos mais importantes
programas da rede de proteção social do governo federal na década de 90.
Outra política social que visa contribuir para a erradicação do
trabalho infantil é o programa Bolsa Família que integra o FOME ZERO o qual
unificou os Programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão
Alimentação.
O Bolsa Família consiste em um programa de transferência direta de
renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com
renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda
mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com Lei 10.836, de 09 de janeiro de
2004 e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006.
O Bolsa Família
203
tem como objetivo primordial a superação
imediata da fome e da pobreza, através da transferência direta de renda à família e
reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de saúde e educação e da
coordenação de programas complementares de geração de trabalho e renda e
educação de adultos.
Para ter direito ao Bolsa Família, o usuário deve cumprir algumas
condicionantes que, em relação à Saúde, de acordo com a Portaria MS/MDS
nº2.509, de 18 de novembro de 2004, consiste, para as famílias com criança até 7
anos, levá-las para vacinação e manter atualizado o seu calendário e levá-las para
pesar, medir e ser examinadas, conforme o calendário do Ministério da Saúde.
203
GOVERNO FEDERAL. Bolsa família . Disponível em: http://www.mds.gov.br/ bolsafamilia/
o_programa_bolsa_familia/o-que-e. Acesso em: 07/04/2007.
103
Ainda em relação à saúde, para as gestantes e mães que
amamentam é obrigatório participar do pré-natal, e continuar o acompanhamento
após o parto, de acordo com o calendário do Ministério da Saúde e participar das
atividades educativas desenvolvidas pelas equipes de saúde sobre aleitamento
materno e alimentação saudável.
Em relação à Educação, de acordo com a Portaria MEC/MDS nº
3.789, de 17 de novembro de 2004, esta consiste em matricular as crianças e
adolescentes de 6 a 15 anos na escola, garantindo a freqüência mínima de 85% das
aulas a cada mês, e informar ao gestor do Programa Bolsa Família sempre que
alguma criança mudar de escola, para que os técnicos da prefeitura possam
continuar acompanhando a freqüência.
Já o PETI
204
tamm é um programa do Governo Federal, mas tem
como objetivo erradicar todas as formas de trabalho de crianças e adolescentes
menores de 16 anos
205
e garantir que freqüentem a escola e as atividades
sócioeducativas.
Gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, é desenvolvido em parceria com os diversos setores dos governos estaduais,
municipais e da sociedade civil.
Através do PETI, O Governo Federal paga uma bolsa mensal
206
à
família que retirar a criança do trabalho, além de apoiar e orientar as famílias por
meio de atividades de capacitação e geração de renda.
Para cumprir o objetivo de retirar a criança do trabalho, o programa
promove atividades desportivas e de lazer no período complementar ao do ensino
regular
207
, buscando, desta forma, melhorar a qualidade de vida das famílias,
aproximando escola e comunidade.
É realizada uma avaliação para que a família possa permanecer no
programa, que consiste em a família retirar os menores de 16 anos de atividades
204
As informações referentes ao funcionamento do PETI foram retiradas do site do Governo Federal.
Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/curso_PETI.pdf. Acesso em: 07/04/07.
205
O público alvo do PETI são as famílias com menores de 16 anos que trabalham.
206
É pago o valor de R$ 25,00 por criança em atividade para a família que retirar a criança do
trabalho, em municípios, na área rural ou urbana, com população inferior a 250.000 habitantes; de R$
40 por criança, em atividade urbana, em capitais, regiões metropolitanas e municípios com população
superior a 250.000 habitantes.
207
São as chamadas jornadas ampliadas em que em um período a criança estuda e no outro pratica
atividades extracurriculares.
104
laborais e a freqüência mínima destes em 85% das atividades de ensino regular e
das Ações Socioeducativas e de Convivência
208
.
A bolsa Criança-Cidadã é paga diretamente às famílias e, para que o
município participe, é preciso demonstrar a existência de casos de trabalho infantil,
levantamento este que é realizado através dos órgãos gestores de assistência social
do município, bem como pelas Delegacias Regionais e Ministério Público.
Demonstrada a demanda, esta é validada pela Comissão Estadual e
submetida à Comissão Intergestora Bipartite (CIB) da Assistência Social (formada
por representantes do estado e municípios) que a informa ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com a relação nominal das crianças e
adolescentes a serem atendidos e as respectivas atividades econômicas exercidas.
Para implantação do PETI o município precisa criar uma Comissão
Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil que deve ser constituída por membros
do governo e da sociedade e formalizada por meio de Decreto do Prefeito Municipal,
ou por Portaria do Secretário Municipal de Assistência Social, após aprovação do
respectivo Conselho de Assistência Social.
A comissão tem o objetivo de contribuir para a sensibilização e
mobilização de setores do governo e da sociedade em torno da problemática do
trabalho infantil, podendo sugerir procedimentos complementares às diretrizes e
normas do PETIi, além de interagir com outros programas e acompanhar o
cadastamento das famílias. Enfim, a comissão deve trabalhar para erradicação do
trabalho infantil, sugerindo medidas, firmando convênios, supervisionando as
atividades desenvolvidas, etc.
Assim, procurando promover a cidadania de seus usuários
promovendo a inclusão social , o PETI tem como objetivo erradicar todas as formas
de exploração do trabalho infantil.
A Portaria 458, de 4 de outubro de 2001, do Ministério da
Previdência Social, estabeleceu diretrizes e normas do PETI e instituiu como
Objetivos Específicos possibilitar o acesso, a permanência e o bom desempenho de
crianças e adolescentes na escola; implantar atividades complementares à escola -
Jornada Ampliada; conceder uma complementação mensal de renda - Bolsa Criança
208
Ou jornadas ampliadas
105
Cidadã, às famílias; proporcionar apoio e orientação às famílias beneficiadas e
promover programas e projetos de qualificação profissional e de geração de trabalho
e renda junto às famílias.
Assim, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome
209
o desafio de combater o trabalho infantil através do PETI é
composto de sete ações, cuja implementação é compartilhada entre o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Ministério do Trabalho e Emprego, a
Subsecretaria de Direitos Humanos, o Fundo Nacional de Assistência Social e o
Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.
As ações de combate ao trabalho infantil são: apoio aos fóruns de
erradicação do trabalho infantil; concessão de bolsa a crianças e adolescentes em
situação de trabalho; ações socioeducativas para crianças e adolescentes em
situação de trabalho; fiscalização para erradicação do trabalho infantil; publicidade
de utilidade pública; atualização do mapa de focos de trabalho infantil e apoio
técnico à escola do futuro trabalhador.
O PETI conta com o apoio da OIT e do UNICEF “ao longo dos anos
se expandiu significativamente. Em 2000, ele já atendia cerca de 140 mil crianças e
adolescentes no país. Em 2001 houve um grande aumento, e em 2002 esse número
chegou a 810.769, beneficiando 2590 municípios”
210
.
Ressalta Inaiá Maria Moreira de CARVALHO que, se por um lado o
PETI demonstra problemas como cobertura insuficiente de crianças que exercem
atividades laborais, falta de apoio das prefeituras e falta de fiscalização no que se
refere a benefícios, por outro tem demonstrado a melhoria das condições de nutrição
e desempenho escolar dos beneficiários do programa contribuindo para a redução
da repetência e evasão escolar e, em especial, para a retirada destas crianças dos
postos de trabalho
211
.
Adverte, ainda, a citada autora, que retirar a criança das piores
formas de exploração do trabalho infantil é prioridade para o PETI, entretanto, como
209
GOVERNO FEDERAL. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Disponível em:
http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-especial/programa-de-erradicacao-do-
trabalho-infantil-peti. Acesso: 07/04/2007.
210
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de. Algumas lições do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 18, n. 4, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
88392004000400007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 7 Apr 2007.
211
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de. Idem, ibidem.
106
há uma idade limite para percepção deste benefício o que acaba ocorrendo é que os
ganhos são temporários e restritos, pois ao completar 18 anos não houve
transformações significativas nas condições e perspectivas dos beneficiários que, ao
se desligarem do programa, param de estudar e voltam a exercer as mesmas
funções, com as mesmas ínfimas remunerações, reproduzindo o ciclo da pobreza
212
.
O que a princípio demonstra que dentro de uma política de
promoção de Direitos Humanos o PETI pouco tem contribuído para efetivação
destes direitos, o que se confirma com o Terceiro Relatório Nacional sobre Direitos
Humanos no Brasil, publicado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e que
mostra a situação dos direitos humanos estado por estado, no período 2002-2005.
Segundo o relatório houve um recesso nas políticas e nos
programas de proteção e promoção dos direitos humanos, por parte do governo
federal e dos governos estaduais e municipais.
Segundo o relatório, as dificuldades para garantia dos direitos
básicos de cidadania começam a se manifestar já no nascimento e nos primeiros
anos de vida da criança, com os altos índices de sub-registro de nascimentos (16%
no país, chegando a 35% no Maranhão e 41% no Amazonas) e registro tardios (15%
no país, 39% no Maranhão e 46% no Amazonas).
O relatório ressalta que apesar da diversidade de programas
governamentais e não governamentais dirigidos para crianças e adolescentes é
persistente os problemas de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes
e do trabalho infantil.
O que nos chama a atenção são os dados apresentados em relação
à exploração do trabalho infantil que vinha apresentando declínio desde a década de
90 e que, segundo o relatório, aumentou no país.
De 2004 para 2005, a porcentagem da população de 10 a 14 anos
trabalhando passou de 3,5% para 3,9% na região nordeste e 0,8% para 1,0% na
região sudeste. Apesar do declínio registrado em outras regiões, o aumento no
Nordeste e Sudeste levou a um acréscimo de 2,0% para 2,1% no país.
O trabalho infantil ainda atinge 3,4% da população de 10 a 14 anos
na região norte e 2,0% na região sul. No país, em valores absolutos, o número de
212
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de. Idem, ibidem.
107
crianças e adolescentes de 10 a 14 anos trabalhando passou de 1.713.595 para
1.864.822 (+ 8,8%)
213
.
Esses dados comprovam que o PETI e o Bolsa Família (ao qual foi
incorporado o Programa Bolsa-Escola) não foram suficientes para resolver o
problema do trabalho infantil.
Analisando esses programas de transferência de renda para
erradicação do trabalho infantil, a política adotada é aquela sugerida por
especialistas, ou seja, transfere-se a renda e em contrapartida o usuário deve
cumprir certas condições que, em relação ao bolsa-família, consiste em
acompanhamento médico e educacional e, em relação ao PETI, em freqüência
escolar e às atividades extra curriculares.
E então, por que esses programas não estão sendo capazes de
erradicar o trabalho infantil, se teoricamente a política adotada está correta?
Parece-nos que falta comprometimento com a busca de resultados e
fiscalização no desenvolvimento desses programas, além de uma política que
permita aos beneficiários que se desligarem do programa pelo alcance do limite de
idade, ingressar no mercado de trabalho para poder gerir o seu sustento, uma vez
que esses programas não têm conseguido profissionalizar seus beneficiários que
“saem” do programa sem perspectiva de emprego e sem qualificação profissional
adequada às exincias do mercado de trabalho contemporâneo.
O que parece incontroverso é a necessidade de ampliação dos
programas sociais que retirem a criança do labor e que dêem plenas condições de
que atingida a fase adulta consiga ingressar no mercado de trabalho.
A criança, como já salientado, é um ser humano em
desenvolvimento, e esta concepção da infância como etapa fundamental na
construção da cidadania coloca como prioridade governamental o atendimento aos
direitos humanos infanto-juvenis que para serem atendidos envolvem não somente
políticas que garantam à criança e ao adolescente os direitos que lhe são garantidos
na legislação, mas a melhoria da condição social das famílias em que estão
inseridas, o que culmina no urgente e necessário crescimento e desenvolvimento
econômico do país.
213
NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA – USP. Relatório nacional sobre os direitos
humanos no Brasil. Disponível em: http://www.nevusp.org/home/index.php. Acesso em: 07/04/2007.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos, neste trabalho, traçar um quadro evolutivo da questão
da exploração da mão-de-obra infantil no Brasil, quais as formas e motivos desta
exploração e quais ações têm sido implementadas pelo Estado, pela sociedade e
pela família, para mudança deste quadro, em um país onde a afronta à cidadania e
aos direitos humanos é notória.
O objetivo deste trabalho foi o de analisar a forma como a criança foi
tratada historicamente para se estabelecer as causas e possíveis soluções para o
problema da exploração do trabalho infantil, que é uma realidade no Brasil desde o
século XVI, quando os colonizadores portugueses exploravam o trabalho dos
indígenas e de suas crianças.
Através do estudo da realidade social da criança e do adolescente
no contexto histórico brasileiro, verificamos que os direitos da criança foram sempre
visualizados pela ótica do adulto que via a criança como um mero objeto e não como
um titular de direitos, de sorte que “não há como negar que a construção social da
infância no Brasil foi secularmente reproduzida pelo olhar adulto, geralmente elitista
e reprodutor das condições de desigualdade histórica colocando a criança no lugar
específico e necessário à imposição de seu poder.
214
Observamos que, embora dados da PNAD – Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios, cuja responsabilidade é do IBGE, mostrem a diminuição do
trabalho infantil na última década, o Terceiro Relatório Nacional sobre Direitos
Humanos no Brasil, publicado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP,
demonstrou que de 2004 para 2005 houve um aumento de 8,8% de crianças de 10 a
14 anos exercendo uma atividade laboral.
Tais dados demonstram que a situação da exploração do trabalho
infantil no Brasil ainda é bastante preocupante e exige ação imediata e global para
sua plena extinção.
Um relevante aspecto nos direitos da criança e do adolescente foi o
reconhecimento, pela sociedade, da sua peculiar condição de pessoa humana em
214
CUSTÓDIO, André Viana. VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho infantil: a negação do ser
criança e adolescente no Brasil, p. 11.
109
desenvolvimento, superando o paradigma anterior em que a criança e o adolescente
eram tratados como um mero objeto de intervenção.
A mudança paradigmática da doutrina da situação irregular do
menor para doutrina da proteção integral teve como marco inicial, no Brasil, a
Constituição de 1988, que inspirada na Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da Criança, conferiu direitos à
criança e ao adolescente elevando-os ao status de sujeito de direitos.
Essa mudança paradigmática em relação à comunidade infanto-
juvenil se deu em virtude das lutas sociais travadas para a efetivação da cidadania
que refletiram nos direitos da criança e do adolescente.
A conscientização do “direito a ter direitos” pelo homem faz com que
nasça uma consciência social em que se passa a exigir novas regras para uma vida
mais digna, na qual se valoriza o ser humano. A conseqüência desta
conscientização traduz-se em lutas que culminam em conquistas sociais que
buscam dar efetividade aos direitos humanos.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei 8.069, de
13 de julho de 1990, foi fruto das lutas sociais em busca da cidadania, travadas ao
longo do século XX, especialmente na década de 80, e que em relação à criança e o
adolescente, resultou na superação da doutrina da situação irregular que vigia com o
Código de Menores de 1927 e de 1979.
A nova ordem constitucional disciplina o dever do Estado, da família
e da sociedade de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,
um rol de direitos que lhes garantam um desenvolvimento digno.
Essa nova doutrina de proteção integral, regulamentada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, confere direitos e garantias a toda população
infanto-juvenil, assegurando-lhes o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana. Direitos que, em virtude da peculiar condição da criança e do
adolescente como pessoa em desenvolvimento, devem ser tratados como prioridade
pelo Estado de forma a se afirmar seu valor como ser humano.
O problema a ser enfrentado consiste em ultrapassar o
reconhecimento formal da criança e do adolescente como sujeito de direitos, pois
embora a nova ordem constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente os
reconheçam, a mera positivação não tem o condão de melhorar a condição social,
110
política e econômica destes seres humanos em desenvolvimento no Brasil, um país
que tem suas raízes na desigualdade, na exclusão e na dominação.
Uma das provas da falta de efetividade dos direitos da comunidade
infanto-juvenil é o tema deste trabalho, ou seja, a exploração da mão-de-obra
infantil, prática que inquestionavelmente viola a dignidade da pessoa humana,
princípio fundamental dos direitos humanos, sem a qual é impossível o exercício
pleno da cidadania.
Daí a importância de se investigar os motivos pelos quais a criança e
o adolescente são inseridos precocemente no mercado de trabalho.
O que se pôde constatar, e parece ser incontestável, é o fato de que
a pobreza e a desigualdade social constituem o principal motivo da exploração da
mão-de-obra infantil. À pobreza e à desigualdade agregam-se um conjunto de outros
motivos de ordem cultural, social e política que juntos constituem um “fenômeno
social multifacetário, sendo necessário para sua compreensão a conjugação de uma
generalidade de aspectos que, de acordo com suas combinações, resultam no
ingresso de significativo contingente de crianças e adolescentes em idade
inadequada no mundo do trabalho
215
”.
A pobreza consiste na impossibilidade de se atender às
necessidades do ser humano de forma apropriada, e culmina no ingresso precoce
do ser humano em desenvolvimento no mercado de trabalho, como forma, muitas
vezes, de sobrevivência.
A perpetuação da pobreza tem inviabilizado a prática dos direitos
humanos, tornando impraticável a cidadania, pois a criança pobre não tem acesso à
alimentação adequada, à educação, ao lazer e à cultura. Não tem assegurado,
portanto, o direito à vida, à dignidade e ao respeito, o que interfere diretamente na
sua formação, pois a falta destes elementos impede o seu desenvolvimento sadio.
Daí a necessidade iminente de superação da pobreza, superando-se
a lógica capitalista do lucro, lógica que embora reinante é inaceitável dentro de um
Estado Democrático de Direito, que tem (deveria ter) na solidariedade e na
igualdade, o seu alicerce.
215
CUSTÓDIO, Viana André. VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho infantil: a negação do ser
criança e adolescente no Brasil, p. 85.
111
Já é ultrapassada a hora da sociedade redimir-se do papel que
conferiu à criança na construção social da infância no Brasil, que em grande parte foi
tratada como mero objeto, sempre vítima da violência e descaso por parte do
Estado, da sociedade e da própria família.
A superação da realidade social contemporânea da condição formal
de sujeito de direitos, e real, de “não-cidadão”, todavia, deve partir do Estado, da
sociedade e da família, ante a falta de consciência da criança e do adolescente de
sua “sub-condição”, pois não tiveram acesso pleno ao conhecimento de seus
direitos, não tendo condições de defendê-los.
O fator da pobreza é complexo e sua superação só acontecerá com
o crescimento econômico aliado à redução das desigualdades sociais, fatores que
consistem na base do problema social no Brasil, que embora tenha elegido a
erradicação da pobreza e da desigualdade social como objetivos fundamentais na
Constituição Federal, não têm conseguido superá-las.
A falta de acesso à educação também acaba influenciando na
exploração da mão-de-obra infantil, pois a criança que não estuda torna-se um
adulto sem qualificação, conseqüentemente, não consegue ingressar no mercado de
trabalho, reproduzindo sua história, inserindo seus descendentes precocemente no
trabalho, perpetuando-se o ciclo da pobreza e da exclusão social.
Pesquisas comprovam que cada ano adicional de escolaridade
resulta em aumento de renda. Daí a importância de investimentos na área da
educação para superação da pobreza.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente assegure o direito à
educação prevendo a obrigatoriedade do ensino fundamental, que deve ser ofertado
gratuitamente, efetivamente, o número de crianças fora da escola é expressivo. E
ainda enfrentamos o problema da qualidade do ensino ofertado, uma vez que a
escola é na maioria das vezes desinteressante para a criança, contribuindo para a
evasão escolar.
Outra dificuldade que precisa ser superada relativamente à
educação é a conscientização de sua importância para o desenvolvimento da
criança, pois através da educação a criança vai desenvolver sua personalidade,
suas aptidões. É a educação que vai habilitar a criança para uma vida adulta
responsável.
112
O acesso à educação de qualidade é a garantia de que a criança irá
ter condições de reconhecer-se como cidadã, como um ser humano que possui
“direito a ter direitos”, alcançando o status de cidadão crítico e consciente de seus
deveres e responsabilidades.
Outro fator que deve ser superado e que contribui para a exploração
do trabalho infantil é a desigualdade de gênero e raça presente na nossa sociedade,
pois as discriminações em relação à mulher e ao negro culminam na reprodução da
pobreza.
Estudos têm comprovado que a maior parte dos pobres do mundo é
representada por mulheres e crianças e que as meninas ficam mais fora da escola
que os meninos por serem obrigadas a assumir as responsabilidades domésticas.
O trabalho doméstico tamm se configura como um grande
problema a ser enfrentado na exploração da mão-de-obra infantil e que atinge
maciçamente as meninas pobres que trabalham em residências, muitas vezes em
troca apenas da comida.
Este tipo de exploração é também resultado da discriminação de
gênero, e a escolaridade da mãe é um fator determinante do trabalho infantil
doméstico, segundo Maria Pia PARENTE, pois “a proporção de meninas que
trabalham diminui com o aumento da escolaridade da mãe. E assim, a baixa
escolaridade acaba sendo passada de mãe para filha, perpetuando a pobreza
216
”.
A discriminação de gênero resulta ainda em uma das piores formas
de exploração da mão-de-obra infantil, que é a exploração sexual. Isto em virtude da
construção social da mulher na sociedade.
Quando se supera essa desigualdade de gênero, beneficia-se
logicamente a sociedade como um todo, mas a criança em especial, pois favorece
sua defesa e desenvolvimento, uma vez que comprovadamente a mulher exerce
uma influência muito grande sobre as decisões familiares no tocante à nutrição,
educação e cuidado de saúdes dos filhos
217
.
216
PARENTE, Maria Pia. Neste município criança não trabalha: o que os prefeitos podem fazer
para eliminar o trabalho infantil doméstico e proteger as jovens trabalhadoras, p. 10.
217
Segundo dados do UNICEF a igualdade de gênero beneficia a mulher e a criança, pois mulheres
saudáveis, instruídas e fortalecidas têm filhas e filhos saudáveis, educados e confiantes. In: UNICEF.
Situação mundial da infância 2007 – mulheres e crianças – o duplo dividendo da igualdade de
gênero, p. viii.
113
A Declaração Mundial sobre a sobrevivência, a proteção e o
Desenvolvimento da Criança, fruto do compromisso assumido por representantes de
80 países durante o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança realizado dias 28 e
29.09.1990, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, reconheceu que o
fortalecimento do papel desempenhado pela mulher, em geral, e a garantia de
igualdade de direitos beneficiarão as crianças do mundo inteiro e que as meninas
devem receber tratamento e oportunidades iguais às dos meninos, desde o
nascimento.
Reconhecimento feito também na Agenda do Milênio, que admite ser
a igualdade de gênero fundamental para o desenvolvimento humano.
De qualquer forma, é importante ressaltar que todas as causas até
aqui apontadas fazem parte de um complexo e que não basta a solução de somente
cada uma delas, mas de um enfrentamento globalizado, pois se as causas até então
apresentadas têm como núcleo central a pobreza (dela são conseqüência e causa),
há outros motivos (que não derivam da pobreza) para o trabalho infantil.
Há um forte aspecto cultural que tem levado meninos e meninas a
trabalhar (na maioria das vezes na exploração sexual), que é o consumismo
estabelecido pela sociedade contemporânea, onde o acesso a bens de consumo é o
meio de inserção social ou, ainda, porque não querem se submeter ao poder
familiar.
Casos como o da jovem “Bruna Surfistinha” que, oriunda da classe
média paulistana, começou a prostituir-se aos 17 anos, saída que encontrou quando
saiu de casa em virtude dos desentendimentos com os pais, estão cada vez mais
comuns
218
.
Estima-se que duas mil garotas trabalhem em prostíbulos de luxo
em São Paulo, que cobram em média R$ 700,00
219
por programa, o que, nas casas
mais “badaladas” de São Paulo, representa um faturamento mensal de R$ 20.000,00
às garotas de programa.
218
"Ela não foi para a TV afirmar que era prostituta para sustentar os filhos, nem porque morria de
fome", diz Elisiane Pasini, antropóloga da Unicamp que há dez anos estuda a prostituição. "Escolheu
ser prostituta. Isso assusta as pessoas." In: LOPES, Marcos. Revista Época. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1117999-1653,00.html. Acesso em: 15/04/07.
219
LOPES, Marcos. Revista Época. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/ Epoca/
0,6993,EPT1117999-1653,00.html. Acesso em: 15/04/07.
114
O que não se pode ignorar é a realidade contemporânea em que a
“venda” do próprio corpo deixa de ser justificada simplesmente pela necessidade de
sobrevivência, mas, com uma freqüência cada vez maior, encontramos adolescentes
se prostituindo para poder adquirir bens de grifes, freqüentar lugares “badalados”,
viajar, etc.
O problema é que o número de adolescentes inseridos no contexto
da exploração sexual é alarmante e por trás deste desejo do jovem de ser inserido
na sociedade para aquisição de bens de consumo, existe uma rede de exploração
que se aproveita dos “sonhos” desta população juvenil, auferindo altos lucros com o
comércio sexual, prática que deve ser coibida.
Dentro do contexto do trabalho infantil há desejo da própria criança e
do adolescente de trabalhar para conseguir autonomia financeira. Há, de certa
forma, uma adultilização da criança que vê no seu trabalho uma forma de melhorar a
condição social de sua família, como se sua fosse a obrigação de prover o sustento.
Há ainda o paradigma social que vê com naturalidade o trabalho
infantil, sob a justificativa que o trabalho educa e evita a ociosidade, destacando
Irene RIZZINI e outros que “a ideologia do trabalho foi profundamente enraizada em
nossa sociedade. O trabalho tornou-se valor inquestionável, mesmo o trabalho
exercido em condições indignas e humilhantes. Ao pobre, o trabalho, desde a mais
tenra idade, como elemento educativo, formador e reabilitador
220
”.
A família que usufrui do dinheiro empregado em casa pela criança e
pelo adolescente não reconhece neste ato um processo de exploração, por entender
que todos que fazem parte do núcleo familiar têm a obrigação de contribuir para o
sustento da casa.
A superação deste conceito de que “é bom que a criança trabalhe”,
que confere um caráter educativo e socializador ao trabalho infantil, contribuirá em
muito para a extinção do trabalho infantil, pois ao contrário do que se prega, o
trabalho não socializa, tampouco educa, mas impede o seu desenvolvimento
equilibrado e sadio, pois é exposta a um ambiente inadequado à sua formação
social, física e cultural, tendo sua infância completamente anulada, o que prejudica
sua identidade infantil.
220
RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irmã, HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A criança e o adolescente
no mundo do trabalho, p. 31.
115
Dados do PNAD comprovam que as pessoas que começam a
trabalhar mais cedo e as que possuem menos instrução são as que auferem menor
renda, o que perpetua o ciclo da pobreza e demonstra que o trabalho infantil
somente a reproduz, não a supera, tampouco socializa ou educa a criança e o
adolescente.
Como se pode observar, as causas da exploração de mão-de-obra
infantilo diversas, é um problema complexo cujo enfrentamento requer não
somente políticas públicas, mas tamm conscientização por parte da sociedade
dos males que o trabalho precoce pode causar à criança e ao adolescente.
E as conseqüências da exploração da mão-de-obra infantil são
irrefutáveis, pois a criança que trabalha, via de regra não estuda, e torna-se um
adulto sem qualificação profissional, que com certeza não conseguirá, no futuro,
inserir-se no mercado formal de trabalho, perpetuando-se o ciclo da pobreza.
Mas, no que consiste a exploração de mão-de-obra infantil? Dentre
os direitos garantidos à criança e ao adolescente está o direito de não trabalhar,
estabelecendo a legislação nacional ser vedado qualquer trabalho ao menor de 16
anos, salvo ao maior de 14 na condição de aprendiz.
Assim, em uma leitura literal podemos dizer que ao menor de 14
anos é vedado todo e qualquer trabalho, e ao maior de 14 e menor de 16 permite-se
o trabalho na condição de aprendiz.
Todavia, quando se fala em trabalho infantil, devemos pensar na
exploração e esta vincula-se, sempre, ao fator econômico, pois não se pode chegar
ao extremo de considerar trabalho infantil o “trabalho” desenvolvido por crianças e
adolescentes no auxílio de atividades domésticas como, arrumar a cama, jogar o
lixo, tarefas simples no campo, etc.
A exploração do trabalho infantil ocorre quando a criança e o
adolescente exercem atividade laboral com o intuito de prover o seu sustento e/ou
de sua família e que, via de conseqüência, impede o acesso à escola e prejudica o
seu desenvolvimento moral, físico e social.
O objetivo é que será sempre o melhor interesse da criança e do
adolescente. E trabalhar, exposto a um ambiente que não é condizente com a sua
peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, não atende a este interesse.
116
É prudente ressaltar, todavia, que mesmo quando se permite o
trabalho ao adolescente, é vedado o trabalho que, por sua natureza ou circunstância
em que é executado, possa prejudicar a moral, a segurança ou a saúde do jovem.
Daí a proibição de trabalho insalubre ou perigoso, ou que de qualquer forma possa
prejudicar o desenvolvimento sadio da criança e do adolescente.
O adolescente dispõe, ainda, do direito à profissionalização, que
deve ter como objetivo capacitar o adolescente para exercer uma profissão,
respeitando, sempre, seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é
signatário, estabelece que a criança deve ser protegida contra toda forma de
exploração, e que se impeça o trabalho antes de uma idade mínima. Prevê, tamm,
que em hipótese alguma será permitido a realização de qualquer atividade laboral
pela criança, que possa prejudicar sua saúde e sua educação, ou ainda, impedir seu
desenvolvimento físico, mental ou moral.
O que se pretende com a extinção do trabalho infantil, é proteger a
criança contra a exploração econômica, evitando a realização de todo e qualquer
trabalho que possa ser perigoso ou interferir na sua educação, prejudicar sua saúde
e seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social, respeitando-se,
assim, a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental de um Estado
Democrático de Direito.
Assim, qualquer trabalho que impeça a criança e o adolescente de
se desenvolver como tal, que desrespeite a idade mínima e os princípios protetores
da saúde e bem-estar da comunidade infanto-juvenil é vedado e deve ser coibido.
A abolição do trabalho infantil é um dos princípios fundamentais da
OIT, motivo pelo qual todos os seus membros têm a obrigação de arduamente
trabalhar nesse sentido, pois a criança não pode mais ser vista como uma opção de
mão-de-obra barata na cadeia de produção.
A realidade da exploração de mão-de-obra infanto-juvenil é uma
realidade mundial, inclusive nos países desenvolvidos onde tamm encontramos
crianças e adolescentes inseridos no mercado de trabalho.
No Brasil, os números ainda são alarmantes, embora tenha
implementado diversas políticas de combate ao trabalho infantil e possua uma
legislação exemplar a respeito.
117
Encontramos a exploração de mão-de-obra infantil em toda extensão
territorial do Brasil. Crianças e adolescentes são explorados nas olarias, pedreiras,
carvoaria, no trabalho doméstico, na prostituição, nas ruas vendendo produtos,
como empacotadores, entregadores, no tráfico de drogas, etc.
O que se pretende combater em primeiro plano são as denominadas
piores formas de trabalho infantil, as quais estão discriminadas na Convenção 182
da OIT, da qual o Brasil é signatário, e que consiste em todo trabalho que seja
prejudicial à saúde e ao desenvolvimento do menor, pois coloca em risco o seu bem
estar.
Isto porque quando a atividade desenvolvida é adequada à idade de
quem a realiza e o trabalho contribui para a socialização do adolescente, ele é
legítimo.
O problema está em equacionar o que é prejudicial e o que socializa,
e como estabelecer o tipo de atividade que atenda ao melhor interesse da criança e
do adolescente.
O extremo é fácil de identificar, por ser inquestionável que o trabalho
da criança e do adolescente na prostituição, em conflitos armados, em carvoarias,
sisais, pedreiras, corte de cana-de-açúçar e qualquer outro em que estejam
expostos a atividades ilícitas ou que ofereçam riscos ergonômicos, físicos e morais,
são prejudiciais e devem ser coibidos.
Questiona-se, entretanto, em quais situações especificas o trabalho
socializa e contribui para o desenvolvimento físico, moral e social do adolescente
221
.
O que a princípio não nos convence é a idéia de que o adolescente
(entenda-se aquele maior de 14 anos) que trabalhe, ainda que na qualidade de
menor aprendiz, como empacotador, engraxate, entregador, babá, e no trabalho
doméstico
222
, esteja sendo socializado e preparado para a fase adulta.
Isto porque tais atividades não estão profissionalizando o
adolescente, tampouco contribuindo para o seu desenvolvimento físico, moral e
social.
221
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se adolescente a pessoa entre 12 e
18 anos.
222
Atividades onde encontramos várias crianças trabalhando com o “aval” da sociedade.
118
O que pode socializá-lo e prepará-lo para a vida adulta, é o exercício
de atividades que, aliadas a um curso profissionalizante, contribuam para sua
formação profissional, de forma que possa, no momento oportuno e adequado, se
inserir no mercado de trabalho, pois o simples fato do trabalho não ser penoso,
perigoso ou insalubre, não faz dele legítimo.
Os direitos da criança e do adolescente estão formalmente
garantidos através das convenções internacionais da ONU e da OIT e no plano
nacional com a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que
conforme já salientado, instituíram a doutrina da proteção integral, reconhecendo a
criança e o adolescente como sujeitos de direitos e, em virtude de sua peculiar
condição de pessoa em desenvolvimento, merecedores de tutela especializada e
prioritária.
Todavia, todo este arcabouço legislativo não consegue garantir os
direitos humanos a essa população infanto-juvenil, que cotidianamente tem o direito
à vida negado, e, factualmente, ao invés de sujeitos de direitos, aparecem no
cenário nacional como “não-cidadãos”.
A exploração do trabalho infantil é uma afronta aos direitos humanos
da criança e do adolescente, pois o trabalho precoce “desrealiza a infância e
prejudica seu desenvolvimento como cidadã.
Analisando a legislão protetora dos direitos da criança e do
adolescente verificamos que é preciso dar-lhe efetividade, que só será alcançada
através de políticas públicas e de mobilização da comunidade e da família.
A partir do momento que a Constituição considerou o Estado, a
família, e a sociedade garantes dos direitos da criança e do adolescente, quando
qualquer destes agentes é omisso, o outro tem a obrigação legal e moral de cobrar a
efetividade destes direitos, o que pode ser feito através de ações judiciais, conforme
previsto no ECA.
Mas se é a pobreza a causa e conseqüência do trabalho infantil, a
extinção deste está interligada àquela. E para que isto ocorra, o Estado deve
promover políticas públicas de combate à pobreza, promovendo o crescimento
econômico e diminuindo as desigualdades sociais.
Uma das possibilidades que se abre, são os programas de
transferência de renda, que para atingir o fim de transformar a sociedade, deve
119
superar a tradição paternalista e assistencialista, vinculando a transferência de
renda ao exercício de algumas atividades pelos beneficiários, tais como cursos de
capacitação, programas de assistência à saúde, trabalhos comunitários, etc.
É preciso concomitantemente combater as causas da pobreza, e
entre elas estão o não acesso à educação e a discriminação de gênero. Questões
que reconhecidamente perpetuam o ciclo da pobreza e que precisam ser superadas.
Daí a necessidade de programas sociais que mobilizem a opinião
pública, conscientizando a sociedade da importância do ensino e da igualdade de
gênero para o desenvolvimento. Ressalta Maria Betânia ÁVILA a necessidade de
processos educativos que se imbriquem no cotidiano das pessoas, onde está
materializado o “modelo socioeconômico produtor de injustiça social”, e onde “a
desigualdade se reproduz como parte da existência”, mas onde tamm pode “se
forjar os sentimentos da injustiça e os desejos de mudança
223
”. Ainda segundo a
autora:
As práticas educativas e a ação política se tornarão tão mais consistentes para
efetivação de direitos quanto mais conhecimento for produzido sobre a relação
entre os direitos das mulheres e as suas práticas de vida cotidiana. (...) O
movimento de incluir os direitos das mulheres nas plataformas internacionais, nas
leis e nas políticas públicas nacionais, é fundamental. O caminho de volta, que
traz esses direitos para o conhecimento e apropriação da população é
indispensável, sem o qual a cidadania e os direitos humanos não ganham
implementação real. Além disso, considero que a consciência de ter direitos
faz com que o fato de ter um direito negado seja percebido como ultraje à
condição de cidadã, e isso já altera a posição de alguém no mundo.
Estudos comprovam que a menina que fica mais tempo estudando
casa-se mais tarde, tem menos filhos e amamenta por um período maior, o que
culmina na diminuição da mortalidade infantil
224
e melhora da saúde da criança e da
mulher. E ainda, quando a menina abandona os estudos, é inserida no mercado
informal, e isto aumenta as chances de seus filhos repetirem esta trajetória e
perpetuarem o famigerado ciclo da pobreza e exclusão social.
223
ÁVILA, Maria Betânia. Cidadania, direitos humanos e direito das mulheres. IN: BRUSCHINI,
Cristina. UNBEHAUM, SANDRA G. org. Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo:
Fundação Carlos Chagas, 2002, p. 140.
224
Pesquisas mostram que mulheres educadas têm menor probabilidade de colocar seus filhos na
escola. As evidências indicam uma redução de 50% nas taxas de mortalidade de menores de 5 anos
cujas mães freqüentaram a escola primária. In: UNICEF. Situação Mundial da Infância 2007 –
mulheres e crianças – o duplo dividendo da igualdade de gênero, p. 4.
120
No entanto, a realidade contemporânea é de que para cada 100
meninos fora da escola, há 115 meninas na mesma situação. E cerca de uma em
cada cinco meninas matriculadas na escola primária nos países em
desenvolvimento não conclui a educação primária
225
, o que é incontestavelmente
prejudicial à menina, futura mulher e seus futuros descendentes.
Se a desigualdade de gênero é incontestável, tamm o é o fato de
que a sua eliminação é imprescindível para superação da pobreza, pois as meninas
são mais prejudicadas que os meninos na exploração do trabalho infantil.
Segundo o UNICEF, o fator gênero é crucial no desenvolvimento de
atividades laborativas por crianças e adolescentes, pois as meninas começam a
trabalhar mais cedo que os meninos e tendem a realizar mais trabalho doméstico.
“Como resultado da adesão aos papéis tradicionais de gênero, muitas meninas são
privadas do direito à educação, ou suportam uma carga tripla: trabalho doméstico,
trabalho na escola e trabalho fora de casa, remunerado ou não
226
”.
Noutro vértice, o art. 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente
prescreve que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-
se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não
governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Dessa forma, cada ente da federação pode (e deve) implementar
políticas para o combate ao trabalho infantil. E o município, ante a proximidade com
o problema, é o lugar mais adequado para isto, pois qualquer ação governamental
precisa conhecer a especificidade do problema para obter sucesso na sua solução.
Cada região tem sua peculiaridade, e esta precisa ser levada em
consideração para que se possa adotar uma política pública efetiva. E o município,
ante a proximidade com a comunidade, possui mais condições de mobilizar recursos
humanos, técnicos e financeiros adequados à realidade local.
Maria Pia PARENTE
227
apresenta algumas sugestões para erradicar
o trabalho infantil no município. Para a autora, é preciso, em primeiro lugar,
225
UNICEF. Situação Mundial da Infância 2007 – mulheres e crianças – o duplo dividendo da
igualdade de gênero, p. 4.
226
UNICEF. Idem, p. 48.
227
PARENTE, Maria Pia. Neste município criançao trabalha: o que os prefeitos podem fazer
para eliminar o trabalho infantil doméstico e proteger as jovens trabalhadoras, p. 10-27.
121
conhecer a própria realidade que pode se dar através de listas de demandas,
atuação dos conselhos tutelares e agentes comunitários e de saúde.
Conhecida a realidade do município deve-se, segundo a autora,
potencializar a ação da escola, melhorando a qualidade do ensino, tornando a
escola atraente e permitindo a continuidade do aluno no processo de aprendizagem,
bem como possibilitando projetos profissionalizantes e inclusão de projetos
pedagógicos que incentivem a prática da cidadania e incluam questões que digam
respeito à discriminação de gênero e raça.
Por fim, privilegiar a criança, o adolescente e a família; fortalecer os
conselhos municipais e a participação de organizações não governamentais e
implementar parcerias em todas as instâncias, governamentais e não
governamentais.
De qualquer forma, a superação do trabalho infantil exige muito mais
que políticas de transferência de renda como o bolsa-escola, muito mais que
programas de erradicação do trabalho infantil como o PETI. Exige comprometimento
do poder público e da sociedade em transformar os excluídos em efetivos cidadãos.
Superar a pobreza, as desigualdades sociais, a desigualdade de
gênero e o paradigma social que encara com naturalidade o trabalho infantil, sob a
falsa premissa que o trabalho educa, é essencial.
Mas, tamm é preciso uma consciência ética que seja capaz de
superar o modelo de aparência democrática reinante, que desde sempre tem
negado a efetiva condição de cidadão à criança e ao adolescente. Afinal, não basta
ter direitos se eles não se realizam.
122
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