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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO
MARCUS TADEU DE SOUZA TAVARES
AS MARCAS DA LINGUAGEM TELEVISIVA NA SALA DE AULA:
A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES DE CRIANÇAS
DE DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIRIO
Rio de Janeiro
2007
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MARCUS TADEU DE SOUZA TAVARES
AS MARCAS DA LINGUAGEM TELEVISIVA NA SALA DE AULA:
A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES DE CRIANÇAS
DE DUAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Dra. Guaracira Gouvea
Rio de Janeiro
2007
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T231 Tavares, Marcus Tadeu de Souza.
As marcas da linguagem televisiva na sala de aula: a
constituição das identidades de crianças de duas escolas do
município do Rio de Janeiro / Marcus Tadeu de Souza
Tavares. – 2007. 157 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Bibliografia: f. 123-130.
1. Televisão. 2. Criança. 3. Educação. I. Título.
CDD-302.2345
3
4
Dedico este trabalho a meu eterno amigo,
companheiro e pai, Orlando Tavares, e, in
memoriam, a minha mãe, Iracy de Souza
Tavares, e a minha tia Neuza Tavares Alves.
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço à professora Guaracira Gouvea por ter me dado liberdade na
condução da pesquisa. Agradeço à professora e amiga Regina de Assis pelo incentivo e pelo
apoio, sem os quais seria praticamente impossível desenvolver esta dissertação. A ela, minha
eterna gratidão por tudo. Agradeço também aos amigos que estiveram ao meu lado desde o início.
A torcida de Marilena Rescala e Franci Borges (ainda na pré-inscrição na seleção do mestrado), a
comemoração das irmãs Ana Lúcia e Ana Paula e dos amigos Inger Teixeira, Sérgio Branco,
Pilar Robles, Élida Vaz, Maria Inês Delorme, Eliane Bardana e Martha Neiva Moreira. A
inestimável paciência, o carinho, a certeza da vitória e o apoio diário inesquecível da Valeria
Recio, da Ana Cecília Pacheco e da Marcia Stein e, é lógico, da sempre eterna mestra Flávia
Lobão.
A todos, o meu muito obrigado.
6
O começo de uma hipótese
Fotomontagem - Trabalho compôs o pôster “A recepção da TV na escola”, apresentado pelo mestrando em março de 2006 no
Fórum Mundial de Educação. Fonte: Arquivo do Caderno de Educação do Jornal dos Sports.
7
“A televisão não é mais o que era.
E a criança também já não é mais quem foi.”
Marcus Tavares, parafraseando José Saramago
8
RESUMO
A dissertação busca identificar e analisar de que maneira a linguagem televisiva está
presente na sala de aula de duas escolas municipais da rede pública da Prefeitura do Rio de
Janeiro. A partir disso, apresenta de que forma essa linguagem impacta, transforma e faz parte da
constituição das identidades de meninos e meninas, e como, de fato, seus professores trabalham
com essa interface tão presente no cotidiano. O estudo é fruto de um cuidadoso processo de
observação e de interação com as crianças no próprio ambiente escolar, levando em conta as
características dos professores e as características externas, ou seja, do bairro onde se localizam
as escolas e do contexto familiar. A análise dos dados propicia a construção de cinco categorias,
pelas quais fica evidente que a linguagem televisiva participa da constituição das identidades dos
alunos. São elas: idéia de grupo, entendimento do mundo, linguagem, imaginário e brincadeira.
Palavras-chave: Televisão, Criança, Educação.
9
ABSTRACT
This dissertation seeks to identify and to analyse how television language is present inside the
classroom in two public schools of the municipality of Rio de Janeiro. Thus it shows how
television language influences the constitution of boys and girls’s identities and how, in fact, their
teachers works with this interface that is often present in evereday life. This paper is the result of
a careful process of observation and interaction with children inside the classroom, taking into
consideration characteristics of the teachers and those related to school location and family
context. Data analysus provides for the construction of five categories, through whitch it is made
clear that television language takes part in the constitution of children’s identities. There five
cathegories are: the idea of group, the comprehension of the world, language, imaginary and
children’s play.
Keywords: Television, Child, Education.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ______________________________________________________________ 1
CAPÍTULO 1
1.1 – Um novo mundo, uma nova escola: identidades ________________________________ 5
1.2 – O histórico do interesse ___________________________________________________ 10
1.3 – Referencial teórico-metodológico ___________________________________________ 15
1.4 – A coleta dos dados _______________________________________________________ 20
1.5 – Análise e interpretação dos resultados obtidos _________________________________ 26
CAPÍTULO 2
2.1 – Por que o olhar sobre a TV?
A linguagem que atrai, impacta e o cotidiano ______________________________________ 28
2.2 – A linguagem da TV
O fascínio que exerce sobre as crianças ___________________________________________ 36
2.3 – Crianças. Que crianças?
Um olhar em um tempo e espaço ________________________________________________ 40
2.4 – Da tela da TV, a constituição das identidades
Identidades fragmentadas, múltiplas, padronizadas, voláteis ___________________________ 43
2.5 – Crianças, televisão e identidades: a grande trama
Qual é o papel da escola nesse contexto? __________________________________________ 53
2.6 – Televisão e educação: 57 anos
Um capítulo de desencontros na escola ____________________________________________ 64
CAPÍTULO 3
3.1 – As marcas da televisão ____________________________________________________ 71
11
3.2 – O questionário __________________________________________________________ 71
3.3 – A observação ___________________________________________________________ 80
3.4 – As marcas da televisão e o impacto na constituição das identidades das crianças ______ 84
CAPÍTULO 4
Afinal, os pais, o entorno da escola e os professores fazem diferença? __________________ 107
CAPÍTULO 5
Considerações finais _________________________________________________________ 117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________________ 124
APÊNDICE A – questionário para as crianças _____________________________________ 133
APÊNDICE B – questionário para os responsáveis/pais______________________________ 137
APÊNDICE C – questionário para os professores __________________________________ 143
APÊNDICE D – desenhos de alunos/questionário __________________________________ 150
12
Introdução
A pesquisa “As marcas da linguagem televisiva na sala de aula: uma análise do seu
impacto na constituição das identidades de crianças de duas escolas do município do Rio de
Janeiro” foi desenvolvida durante o segundo semestre de 2006. Sua proposta é identificar e
analisar de que maneira a linguagem televisiva es presente na sala de aula dessas duas escolas.
E de que maneira essa presença impacta, transforma e faz parte da constituição das identidades
das crianças.
Foram realizados encontros diários com alunos de duas turmas do segundo ciclo de
ensino. Partiu-se para campo com alguns questionamentos e hipóteses, frutos de minha
experiência profissional e de levantamentos realizados durante o curso de Pós-Graduação em
Educação (Mestrado) da UniRio.
O estudo que se segue está dividido em cinco capítulos. No primeiro, apresento um
panorama inicial da pesquisa: os antecedentes, o objeto de estudo, a forma pela qual a dissertação
será desenvolvida e, dialogando principalmente com Bakhtin, Da Matta e Freitas, os principais
pressupostos teóricos e metodológicos que nortearão o trabalho. Nesse mesmo capítulo, explico
passo a passo como se deu o processo de escolha do campo e quais são as categorias de análise,
bem como de que maneira os dados serão analisados.
No segundo capítulo, respondo, inicialmente, a alguns pontos essenciais da pesquisa. Por
que estudar a televisão e não outro meio de comunicação social? Por que a linguagem televisiva
fascina tanto as crianças? E quem são as crianças deste mundo de hoje? A narrativa é
desenvolvida a partir de uma revisão bibliográfica e de dados estatísticos e empíricos coletados
nas escolas.
13
Ainda nessa etapa da dissertação, estabeleço a discussão do estudo: a constituição das
identidades das pessoas noculo XXI. Faço isso a partir da análise de antropólogos, sociólogos,
especialistas e estudiosos do tema, que trabalham enfatizando os efeitos e os impactos dessa
constituição sobre a atual geração de crianças.
O capítulo termina com uma análise sobre o papel da escola pública no contexto que
envolve a linguagem televisiva, as crianças e a constituição das identidades. Por que parece que a
escola ignora a linguagem televisiva em seu cotidiano? Por que parece que os professores o
vêem com bons olhos a presença da linguagem televisiva na sala de aula? Por que a linguagem
televisiva é vista apenas como entretenimento e não como possibilidade de se educar? Segundo
alguns pesquisadores, será esta a diferença: a televisão apresenta um discurso lúdico que atrai as
crianças, enquanto a escola mantém um discurso autoritário que afasta, cada vez mais, os alunos?
A discussão do papel da escola encaminha o leitor para o terceiro capítulo. É nessa etapa
que apresento os resultados da pesquisa, detalhando de que forma a linguagem televisiva está, de
fato, presente nas escolas, impactando a constituição das identidades de meninos e meninas. São
apresentadas as categorias de análise final, num diálogo com as discussões e os pressupostos
(teóricos e metodológicos) comentados nos capítulos anteriores. Textos, situações do
cotidiano, bate-papos, conteúdos escolares, fotografias, ilustrações compõem o capítulo,
reforçando, explicando, destacando e evidenciando o que se observou durante os 40 encontros
realizados, de agosto a novembro de 2006, com 57 crianças/alunos, de duas regiões da cidade do
Rio de Janeiro.
Para responder a um questionamento central da pesquisa (qual a influência do contexto
familiar, dos professores e do bairro onde vivem as crianças na interface delas com a televisão?),
foi elaborado o capítulo quarto. Novos dados são apresentados, analisados e comentados.
As considerações finais estão expostas no capítulo cinco. De uma forma concisa e
14
objetiva, procuro reunir todas as idéias da pesquisa, respondendo aos questionamentos e
comprovando ou não as hipóteses iniciais. São apresentadas e analisadas as conclusões sobre
duas áreas de conhecimento: educação e comunicação. O capítulo sugere caminhos para novos
estudos.
Nos apêndices, estão os questionários aplicados aos pais/responsáveis, às crianças e a seus
professores. também alguns desenhos feitos pelas crianças, material que reforça e legitima -
ainda mais - a forte presença da televisão em suas vidas.
15
Capítulo 1
1.1 - Um novo mundo, uma nova escola: identidades
Que haverá hoje que nos possa sugerir o que poderá vir a ser a escola de
amanhã? Perdoem-me que lhes lembre as transformações operadas nos
grandes empreendimentos que dirigem a informação e as diversões modernas:
a imprensa, o cinema, o rádio e a televisão. Algo de semelhante será o que irá
suceder com a escola, com a classe e com o professor. (...) A sua escola de
amanhã lembrará muito mais um laboratório, uma oficina, uma estação de TV
do que a escola de ontem e ainda de hoje. Entre as coisas mais antigas,
lembrará muito mais uma biblioteca e um museu do que o tradicional edifício
de salas de aulas. (TEIXEIRA, 1969, p. 17-18)
O trecho citado acima faz parte do capítulo ‘Mestres do Amanhã’, do livro ‘Educação e
o Mundo Moderno’, de Anísio Teixeira, escrito e publicado em 1969. Trinta e oito anos nos
separam do texto, que poderia ser creditado a algum educador contemporâneo que estivesse
analisando o papel do professor no mundo de hoje, marcado pela influência e pelo impacto dos
meios de comunicação, pela mídia
1
.
À primeira vista, pode-se dizer que a escola dos dias atuais pouco mudou em relação à
de 1969. Sua estrutura física nada se assemelha a um laboratório ou a uma estação de dio ou
de TV, como vislumbrava Anísio Teixeira. Muitos professores ainda continuam
desempenhando sua função da mesma forma que seus antecessores, promovendo e
secularizando a chamada educação bancária
2
, denominada pelo educador Paulo Freire.
Mas, talvez, trata-se de uma análise macro e superficial. Afinal, o século XX foi pródigo
em mudanças, em perspectivas econômicas, políticas, tecnológicas e culturais. O próprio espaço
1
Entende-se mídia como sinônimo de meios de comunicação e vice-versa. Entre as diversas definições existentes para o termo
mídia (e também aqui meios de comunicação), utilizo a seguinte: “todo suporte de difusão da informação que constitui um meio
intermediário de expressão capaz de transmitir mensagens; meios de comunicação social de massas não diretamente interpessoais
(como as conversas, diálogos públicos e privados). Abrangem esses meios: o rádio, o cinema, a televisão, a escrita impressa (ou
manuscrita, no passado) em livros, revistas, boletins, jornais, o computador, o videocassete, os satélites de comunicações e, de um
modo geral, os meios eletrônicos e telemáticos de comunicação em que se incluem também as diversas telefonias.” (HOUAISS,
2001, p. 1.919).
2
Esse tipo de ensino se caracterizava pela presença de um professor depositante e de um aluno depositário da educação (FREIRE)
16
educacional, por sua vez, elaborou novas questões e estabeleceu metas e processos. “Novas
formas da sociedade fazem surgir novos problemas, estimulam novos agentes e novas
percepções sobre o papel dos participantes da aventura educacional.” (CALAZANS; BRAGA,
2001, p. 45-46)
Portanto, é preciso observar e analisar de perto o cotidiano das escolas para poder avaliar
como elas se configuram na atualidade. É necessário pesquisar o que estudiosos sobre o assunto
vêm descobrindo. É importante identificar quais são as reais relações que hoje as unidades
escolares estabelecem com a mídia. a partir disso será possível chegar a conclusões e
comparações minimamente fidedignas.
Uma coisa é certa: como qualquer instituição viva, a escola muda, se transforma e se
(res)significa o tempo todo. A razão é muito simples: nela estão pessoas (crianças/alunos e
adultos/professores) conectadas com o mundo. Pessoas que trazem, querendo ou não, o
cotidiano para dentro da escola, estabelecendo novas formas de pensar, de agir e de interagir.
(BACCEGA, 2000, p. 21)
Neste sentido, por conta da onipresença da mídia no dia-a-dia da sociedade
contemporânea, é possível arriscar que essa mídia também está presente na escola. A instituição
escolar pode não ter se transformado numa emissora de TV, num estúdio de rádio ou numa sala
de cinema, mas tem - em seu lócus - a forte e marcante presença da mídia. Os alunos e
professores são parte integrante de um cenário internacional que está absolutamente submetido
a todas as influências e todos os impactos dos meios de comunicação.
Os professores posicionam-se como praticantes e usuários freqüentes da
programação veiculada pelos canais comerciais. As novelas são assuntos
constantes na hora do recreio, seja nas salas dos professores, seja nos pátios e
corredores. Muitas vezes essas discussões aproximam os professores da vida e
do interesse dos alunos e dos outros professores, humanizando essas relações. É
preciso ver e sentir o cotidiano das salas de aula com todas as suas cores e
17
nuances e não apenas pelas estratégias formais que as constituem (LEITE,
2004, p. 16)
Muitas pesquisas já foram e vêm sendo realizadas no Brasil e no exterior com o objetivo
de analisar a recepção da mídia entre os indivíduos. Mas grande parte das análises é feita
tomando como referencial a casa e/ou o tempo livre das pessoas. Poucos são os levantamentos
que têm como objeto de estudo a escola, seus alunos e professores. Poucos os que têm o
objetivo de verificar de que forma a presença da mídia se apresenta no meio escolar. De que
forma ela se manifesta? De que forma ela é representada pelos alunos? De que forma ela
participa da constituição das identidades
3
de meninos e meninas na sala de aula?
Neste sentido, o objeto de estudo desta dissertação é a relação que se estabelece entre as
crianças (alunos) e a linguagem da televisão no espaço da sala de aula. O objetivo é identificar
de que forma a linguagem televisiva
4
está presente na sala de aula e em que medida esta
presença contribui para a constituição da identidade das crianças. A pesquisa tem como foco a
realidade de duas escolas do Ensino Fundamental da Rede Municipal da Prefeitura do Rio.
Escolas localizadas em contextos socioeconômicos, culturais e espaciais diferentes.
A priori, parto do pressuposto de que a tevê está na escola, seja nas narrativas dos
alunos, nos desenhos, nas redações, nos assuntos de interesse, nos intervalos, nas conversas
informais, nos valores, nas brincadeiras, nos exemplos citados pelos professores. “Ela [a
televisão] não chegou à escola por demanda da instituição escolar. Chegou por interesse dos
próprios alunos e por pressão social, e não como parte das estratégias educativas pra o processo
de ensino-aprendizagem.” (BACCEGA, 2000, p. 81)
3
Entende-se identidade como um construto de natureza social, que é fortemente constituída nas e pelas práticas discursivas, entre
elas pelas práticas discursivas da mídia, em especial pela linguagem televisiva. “Cada um de nós é membro de muitos discursos e
cada discurso representa uma de nossas múltiplas identidades.” (GEE, 1990, p. xix)
4
Entendida como um conjunto de idéias, valores, conhecimentos, informações, linguagens que usam narrativas.
18
Além disso, advogo, também inicialmente, de acordo com os fundamentos apresentados
por Lopes (2003) no artigo ‘Socioconstrucionismo: discurso e identidades sociais’, que os
indivíduos constituem suas identidades a partir de suas práticas sociais, a partir de suas
experiências, a partir dos discursos produzidos, oferecidos e consumidos, e a partir das trocas que
são estabelecidas com outros indivíduos e contextos, permeadas em todos os sentidos, nos seus
momentos e espaços, hoje mais do que nunca, pela mídia.
Ao identificar a presença da TV no cotidiano das crianças, no dia-a-dia da sala de aula, a
pesquisa pretende revelar o quanto, especificamente, a linguagem televisiva impacta, influencia e
transforma a constituição das identidades de meninos e meninas. Seguindo o pensamento de
Vygotsky (2003), somos seres sociaiso somente por sermos determinados pelas circunstâncias
sociais de nossas vidas, mas porque nossas capacidades de pensar e agir são em si mesmas
socialmente constituídas. Uma dinâmica que traz novas questões e novos desafios para a
educação, para as escolas e seus professores.
A necessidade de estudar as identidades sociais se explica pelo grande
momento de reflexividade que vivemos na vida contemporânea, no que alguns
chamam de modernidade tardia, sobre os modos atuais de experienciar a vida
social ou as novas identidades sociais que se apresentam. Algumas
possibilitadas pelas mudanças sócio-político-culturais (...) e outras pela
tecnologia. A rapidez dos meios de comunicação, por exemplo, possibilita que
as pessoas se comuniquem mais rapidamente, e em tempo real, com pares
identitários transglobalmente na chamada sociedade em rede. (LOPES, 2003,
p.17)
Portanto, é importante destacar e comprovar, por meio de estudos científicos, que a
televisão, sim, chega às escolas (de que forma e por quais vias?) e participa da constituição das
identidades das crianças. Talvez, o reconhecimento dessa situação seja o primeiro passo para se
pensar em novas práticas e novos caminhos.
19
As mudanças pelas quais as sociedades vêm passando, cada vez mais densas e
em ritmo veloz, exigem um repensar das relações que as pessoas estabelecem
com todas as coisas, especialmente com seus pares e com o mundo em geral.
Em função destas novas demandas, as instituições sociais vivenciam um
dinâmico processo de atualização, do qual o podem deixar de participar.
Muito menos as escolas, que têm a tarefa histórica de educar crianças, jovens e
até mesmo adultos de maneira diferenciada de outros espaços sociais e de
favorecer o acesso de todos à mídia, em suas diferentes formas de linguagem
das publicações à informática, passando pela TV e pelo rádio. Em face destas
mudanças, torna-se necessário que as escolas repensem suas posturas,
atividades e compromissos – explicitando o que deve ser mantido, o que precisa
ser redimensionado e o que pode vir a ser implementado para garantir o sucesso
de professores e alunos, na vida pessoal e coletiva, dentro e fora de seus muros
(REVISTA NÓS DA ESCOLA, n. 14, 2003, p. 18).
Ao desenvolver a pesquisa será possível estabelecer possíveis correlações entre a
televisão, o entorno da escola (sua comunidade) e o contexto vivido por alunos, seus professores
e suas famílias. Será que os professores e os pais determinam/condicionam uma maior ou menor
proximidade das crianças da televisão? Será que o entorno em que a escola se localiza
determina/condiciona uma maior ou menor proximidade das crianças da televisão? Se uma
forte presença da televisão na sala de aula, de que forma os professores trabalham com ela? Será
que os educadores percebem que a linguagem televisiva exerce forte influência na constituição
das identidades de seus alunos? O que eles fazem a partir dessa constatação?
A pesquisa não tem a pretensão de se esgotar nela mesma, nem caberia. Seu resultado
deverá servir de ponto de partida para outras análises e outros estudos. Mas se constituirá num
importante instrumento para algumas áreas de estudo, em especial para a Educação, que terá em
mãos um estudo de como a influência da televisão se nos dias atuais numa sala de aula e que
conseqüências isso traz para o seu trabalho de sistematização e organização dos conhecimentos,
para o seu trabalho de ensino, para o seu trabalho de educar. Enfim: para a sua missão. A
dissertação também despertará o interesse da área de Comunicação Social: os produtores de
conteúdo da TV perceberão o quanto a tevê exerce impacto no cotidiano de alunos e professores.
20
Outras áreas de estudo e de pesquisa interessadas nos complexos mecanismos de
apropriação da televisão pelas crianças do mundo de hoje também terão acesso a um material
atual e focado na sala de aula de duas escolas do município do Rio de Janeiro, que mantém uma
das maiores redes de escolas públicas da América Latina.
1.2 – O histórico do interesse
14 anos, exerço a profissão de jornalista, cobrindo, especificamente, a área de
Educação. O interesse de estudar o tema criança/televisão/escola surgiu em 1999, quando fui
procurado, como jornalista da área, para desenvolver uma pesquisa bibliográfica em jornais,
revistas, monografias, dissertações e teses sobre a relação entre as crianças e a televisão. O tema
instigante acabou, inclusive, sendo o foco do meu trabalho de conclusão de curso de pós-
graduação em Metodologia do Ensino Superior, oferecido pela UniverCidade e concluído em
dezembro de 1999.
Em 2001, fui convidado para trabalhar na Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura
do Rio de Janeiro
5
(MultiRio), na qual pude me aproximar mais ainda do dia-a-dia das escolas, de
suas questões e demandas. Naquele mesmo ano, também fui convocado pela Fundação de Apoio
às Escolas Técnicas do Estado do Rio de Janeiro para tomar posse como professor (especialista
em Jornalismo) da Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, no curso Técnico de Produção
Audiovisual.
5
A MultiRio é a Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro. Criada em 1993, ela está ligada diretamente à
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Ela produz programas de televisão, publicações e sites na internet com o
objetivo de contribuir para o sucesso escolar dos alunos das 1.057 escolas da rede municipal, que envolvem cerca de 40 mil
professores e 750 mil alunos. A empresa é dividida em três núcleos: TV, Rádio e Cinema; Publicações e Impressos;Tecnologia da
Informação. Há também uma Diretoria de Mídia e Educação, que dialoga com cada núcleo na criação, elaboração e produção das
ações da casa. Mais informações no site www.multirio.rj.gov.br.
21
O trabalho desenvolvido na MultiRio em diferentes setores da empresa (Núcleo de
Televisão, Núcleo de Publicações e Núcleo de Tecnologia da Informação), conjugado com o
exercício do magistério, levou-me novamente, e em profundidade, a rever o assunto. Levou-me a
pesquisar e discutir sobre a relação entre as crianças e a mídia de uma forma geral. Creio que o
fato de ter sido convidado, pela MultiRio, para editar o sítio da Cúpula Mundial de Mídia para
Crianças e Adolescentes
6
(4ª CMMCA), em agosto de 2003, foi decisivo para a ampliação destes
estudos e do desejo de pesquisar tal interface de uma forma mais sistematizada.
Logo após a realização do trabalho como editor do sítio da CMMCA, fui convidado
para prosseguir o trabalho, editando, desta vez, o sítio do Centro Internacional de Referência em
Mídias para Crianças e Adolescentes - o Rio Mídia
7
. O Centro, criado pela MultiRio por ocasião
da CMMCA, tinha e tem como meta aprofundar, estabelecer e propiciar um debate, via
internet, sobre mídia, infância e juventude. Semanalmente, são publicados matérias, artigos,
entrevistas, pesquisas, informações sobre o assunto. Foi esse o contexto que me levou a ingressar
no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UniRio).
Portanto, esta pesquisa partiu inicialmente de toda essa história profissional adquirida.
Partiu de uma leitura analisada. Partiu de alguns autores que tinham sido lidos, de pesquisas
analisadas, de reportagens produzidas e de entrevistas realizadas com profissionais (educadores,
psicólogos, cientistas sociais, antropólogos, sociólogos, comunicadores, professores dos Ensinos
Fundamental, Médio e Superior e gestores de políticas públicas) que vinham e vêm estudando
o assunto.
6
O encontro foi realizado em abril de 2004 no Rio de Janeiro. Promovido pela Prefeitura do Rio, por meio das ações da MultiRio,
o evento reuniu cerca de três mil pessoas de 70 países, bem como 150 adolescentes de 40 nações. A cúpula faz parte de um
movimento internacional, coordenado pela Fundação Mundial de Cúpulas de Mídia para Crianças, cuja sede fica na Austrália. A
Cúpula do Rio foi a primeira a ser realizada na América Latina e a primeira em um país em desenvolvimento. O encontro tinha
como objetivo geral debater a qualidade de mídia produzida para crianças e adolescentes. Mais informações no site
www.riosummit2004.com.br.
7
Mais informações no site www.multirio.rj.gov.br/riomidia.
22
Definidos o objeto de estudo e os objetivos da dissertação, elaborei a minha amostra a ser
pesquisada. Para colocar a prova minhas hipóteses e questionamentos, para identificar de que
forma a linguagem televisiva está presente na escola e contribui para a constituição das
identidades das crianças, foram escolhidas duas turmas de série da Rede de Escolas da
Prefeitura do Rio de Janeiro.
A escolha dessa rede pública de ensino se deveu ao fato de ela atender o maior número de
alunos/crianças da cidade (aproximadamente 750 mil crianças e jovens). A opção pela série é
explicada pelo fato de que os alunos matriculados na série tinham, em média, 9 ou 10 anos de
idade. Portanto, nasceram na metade da década de 1990, período no qual mais de 80% dos
domicílios brasileiros segundo dados do IBGE (Pnad) tinham acesso à televisão. Estamos
falando de uma geração nascida e criada, em muitos aspectos, pela televisão.
Soma-se a isto o fato de que a 4ª série é uma fase da vida escolar que encerra e inicia um
ciclo importante de estudo, período no qual a criança adquire e desenvolve habilidades e
competências necessárias para expressar sua opinião, seus desejos e suas necessidades, tanto
sob a forma oral quanto sob a forma escrita
8
.
Para definir as escolas municipais da Prefeitura do Rio de Janeiro que participariam da
pesquisa, foram desconsideradas as unidades que desenvolviam (ou eram sede de) programas
8
De acordo com o Núcleo Curricular Básico MultiEducação, que rege as escolas da Prefeitura do Rio de Janeiro, os alunos
matriculados na rie desenvolvem, entre outras, as seguintes atividades pedagógicas planejadas por seus professores: a
produção/leitura/interpretação de textos, verbais e não verbais, narrativos/descritivos/poéticos; reflexão crítica sobre as diferentes
formas de linguagens (plástica, cênica, musical, televisiva, escrita, etc.) encontradas no cotidiano; reconhecimento de que o
contato com as tecnologias possibilita a ampliação da visão de mundo do ser humano, desencadeando emoções e sensações
diversas; criação de textos em diferentes linguagens expressando fatos marcantes ocorridos ao longo da vida do aluno; utilização
dos recursos das linguagens do seu tempo na produção artística do aluno; exploração/debate sobre a produção artística brasileira
(teatro, cinema, música, televisão, literatura, artes plásticas, etc.), visando a sua valorização pelo aluno; expressão do pensamento
do aluno através do relato, da argumentação, da avaliação de informações de fontes diversas, utilizando diferentes linguagens
(oral, corporal, cênica, plástica, musical, literária); e utilização de expressões artísticas como mediadoras da comunicação,
transformando e aproximando diferentes linguagens. (Fonte: MULTIEDUCAÇÃO)
23
pedagógicos ligados direta ou indiretamente à mídia, implantados pela Secretaria Municipal de
Educação
9
. Muitos desses projetos debatem a influência da mídia no dia-a-dia das crianças.
A partir disto, para se chegar às duas escolas, optou-se, primeiramente, por trabalhar
com dois grupos de escolas: GRUPO A - Escolas localizadas em bairros que careciam de
equipamentos culturais; GRUPO B - Escolas localizadas em bairros que detinham grande
quantitativo de equipamentos culturais
10
.
Para isso, foi tomado como base o levantamento produzido pelo Instituto Pereira Passos
(2004) que fez uma radiografia dos equipamentos culturais da cidade do Rio de Janeiro,
segundo as Áreas de Planejamento (AP) e Regiões Administrativas (RA).
Ao pesquisar escolas localizadas em áreas que careciam de equipamentos culturais, tinha
como hipótese que a presença da televisão seria mais veemente e visível do que em outras
unidades, localizadas em bairros que possuíam um grande quantitativo de equipamentos
culturais.
A tese de doutorado ‘Ciência, cultura, museus, jovens e escolas: quais as relações?’, de
Sibele Cazelli (2005), ratificava essa suposição. O estudo concluiu que o acesso de boa parte
das crianças e jovens aos equipamentos culturais da cidade está associado às ações de
professores e à localização das escolas. A autora explica que uma maior aproximação física das
escolas dos equipamentos culturais facilita o acesso, inclusive, a outros meios e suportes de
comunicação, ampliando o capital cultural de alunos e professores o que de certa forma pode
diminuir ou atenuar, mesmo que temporariamente, a influência da televisão na vida das pessoas.
9
A Secretaria Municipal de Educação oferece os seguintes programas pedagógicos: Salas de Leitura; Clube Escolar; Núcleo de
Arte; Pólo de Educação pelo Trabalho; Meio Ambiente e Saúde; Ciranda de Espetáculos; Orquestra de Vozes Meninos do Rio;
Escola de Bamba (Escola de Samba Mirim); Jogos Estudantis; FECEM; Mostra de Dança; Poesia na Escola; Reaprender a
ouvir Capela Magdalena; e Concurso de Imagens. De certa forma, estes programas trabalham de alguma maneira com a questão
da recepção crítica da mídia ou de parte dela. Fonte: www.rio.rj.gov.br/sme.
10
Entende-se como equipamento cultural: museus, bibliotecas populares e especializadas, escolas e sociedades musicais, espaços
e centros culturais, galerias de arte, teatros e salas de espetáculo, cinemas e bens tombados (Instituto Pereira Passos, 2000).
24
De acordo com os dados obtidos no Instituto Pereira Passos, a região do Rio de Janeiro
que apresentava, em 2006, um maior quantitativo de equipamentos culturais era a II RA (349
equipamentos culturais). A II RA englobava as seguintes localidades cariocas: Aeroporto,
Castelo, Centro, Fátima, Lapa e Praça Mauá.
Por outro lado, a região da cidade que apresentava o menor número de equipamentos
culturais era a XXXIII RA (apenas um equipamento cultural), englobando os bairros: Realengo,
Magalhães Bastos, Vila Militar, Deodoro, Jardim Novo, Mallet, Campo dos Afonsos, Sulacap.
Com base em outro levantamento
11
, também produzido pelo Instituto Pereira Passos
(2000), foram listados, desse conjunto, os bairros de cada um dos grupos (A e B) que
apresentavam o maior percentual de pessoas que viviam em domicílios com energia elétrica e
TV. O objetivo era definir a amostra a partir das regiões que tivessem o maior número de
residências com energia elétrica, conseqüentemente com maior probabilidade de ter acesso à
televisão.
Segundo o estudo, o bairro que apresentava o maior percentual de energia elétrica da II
RA era o Centro do Rio. E os bairros que apresentavam os maiores percentuais na XXXIII RA
eram: Deodoro, Vila Militar, Campo dos Afonsos e Jardim Sulacap. A partir desse recorte,
chegamos a um número de escolas por região: duas unidades representativas da II RA; e seis
unidades da XXXIII RA. Como qualquer escola que viesse a ser escolhida era representativa do
universo oferecido, foram selecionadas a ESCOLA A, localizada no bairro de Deodoro
(referente ao grupo A) e a ESCOLA B, localizada no Centro do Rio (referente ao grupo B).
Definidas as escolas, todo o processo de autorização para realizar a pesquisa foi
deflagrado. Primeiramente, foi procurada a Secretaria Municipal de Educação (SME) da
11
O levantamento trazia indicadores de habitação acesso a bens de consumo. Percentual de pessoas que vivem em domicílio
com televisão, telefone, carro, geladeira e computador, por bairro ou grupos de bairros.
25
Prefeitura do Rio de Janeiro. Uma cópia do projeto foi deixada para análise. Recebendo a
aprovação da SME, o pesquisador se dirigiu às respectivas Coordenadorias Regionais de
Educação de cada uma das escolas. De posse de uma carta de apresentação, chegou-se às
escolas. A partir de entendimentos com a direção de cada unidade e com os respectivos
professores cujas turmas seriam pesquisadas, foram selecionadas as turmas da 4ª série.
1.3 - Referencial teórico-metodológico
Nos últimos anos, estudiosos da área de Comunicação e Educação no Brasil e no
exterior vêm analisando de que forma se a recepção da televisão entre as pessoas. Muitas
pesquisas têm como foco, inclusive, as crianças. Um desses estudiosos, o pesquisador Jesús
Martín-Barbero diz que é impossível saber o que a tevê faz com as pessoas se desconhecemos as
demandas sociais e culturais que elas fazem à TV. “Demandas que põem em jogo o contínuo
desfazer-se e refazer-se das identidades coletivas e dos modos como elas se alimentam e se
projetam sobre as representações da vida social que a tevê oferece.” (BARBERO, 2004, p. 31)
Na opinião de Barbero (2004), é fundamental verificar o que a pessoa faz com a televisão,
que tipo de demanda ela estabelece e, conseqüentemente, que representação social ela tem da TV.
Para isso, é importante que o pesquisador veja a pessoa, no caso, a criança, como um ser humano
que interage. Uma pessoa que tem, frente aos meios de comunicação e, em especial, a televisão
– uma atitude responsiva ativa. (BAKHTIN, 1992)
Bakhtin (1992, p. 290) afirma que o ouvinte que recebe e compreende a significação e a
lingüística de um discurso adota simultaneamente para com este uma atitude responsiva ativa:
Ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se
para executar, etc. Esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante
todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às
26
vezes nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. A compreensão de uma
fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude
responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda
compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a
produz: o ouvinte torna-se o locutor.
Diz Bakhtin (1992) que, cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo
por uma pessoa encontrará, em seguida, um eco no discurso ou no comportamento subseqüente
do ouvinte. Essa formulação, colocada pelo autor, é essencial para compreender que a
linguagem televisiva não é de forma alguma consumida pelas crianças sem qualquer tipo de
filtro.
A postulação de Bakhtin reitera que as pessoas (no caso a ser estudado, as crianças)
trazem consigo experiências, demandas, atitudes, gostos, tradições, empatias e culturas que são
(res)significadas em contato com outros discursos, com outras narrativas, com outras realidades,
num ambiente de polifonia muitas vezes promovido, instaurado e instigado pelos meios de
comunicação – e, em especial, pela televisão.
Partindo-se da hipótese de que todas as pessoas, sejam elas crianças, jovens ou adultas,
reagem a um enunciado, a uma narrativa, a um discurso e que, portanto, têm uma atitude
responsiva ativa, faz-se necessário, na pesquisa, levar em consideração a fala, o pensamento, o
discurso, a análise, ou seja, a produção de significado que as crianças/alunos fazem sobre a tevê.
Neste sentido, os alunos não devem ser vistos como sujeitos sem mobilidade de uma
dada realidade, na qual o pesquisador tem o poder de realizar uma interpretação sobre eles sem
abrir um espaço amplo e polifônico para a participação ativa deles no processo de análise e de
interpretação.
Em seu artigo ‘Dialogismo e alteridade na utilização da imagem técnica em pesquisa
acadêmica: questões éticas e metodológicas’, a professora e psicóloga Solange Jobim Souza, ao
27
parafrasear Mikhail Bakhtin, afirma que a verdade o se encontra no interior de uma única
pessoa, mas está na interação dialógica entre pessoas que a procuram coletivamente.
O mundo em que vivemos fala de diversas maneiras, e essas vozes formam o
cenário onde contracenam a ambigüidade e a contradição. É possível perceber
a unidade do mundo no particular, no efêmero, ou seja, a totalidade, a
expressão de uma experiência mais universal pode estar presente nas
múltiplas vozes que participam do diálogo da vida. A unidade da experiência
e da verdade do homem é polifônica. Dialogismo e alteridade constituem as
características, essenciais e necessárias, a partir das quais o mundo pode ser
compreendido e interpretado de muitas e diferentes maneiras, tendo em vista
seu estado de permanente mutação e inacabamento. (JOBIM SOUZA, 2003,
p. 92).
É necessário considerar a pessoa investigada como uma pessoa possuidora de uma voz
reveladora da capacidade de construir um conhecimento sobre sua realidade, tornando-a co-
participante do processo de pesquisa. (FREITAS, 2003)
Situando ainda Bakhtin, a professora Maria Teresa de Assunção Freitas (2003, p. 28-29)
afirma que, considerando a pesquisa como uma relação entre pessoas, numa perspectiva
dialógica, a interação entre as partes o pesquisador e os pesquisados é fundamental. Diz ela:
“O sujeito é percebido em sua singularidade, mas situado em sua relação com o contexto
histórico-social, portanto, na pesquisa, o que acontece não é um encontro de psiques
individuais, mas uma relação de textos com o contexto.” O educador Lev Vygotsky afirmava
que o indivíduo não nasce pronto nem é cópia do ambiente externo. Em sua educação
intelectual, uma interação constante e ininterrupta entre processos internos e influências do
mundo social.
No artigo ‘Questões teórico-metodológicas da pesquisa com crianças’, as autoras Kramer,
Barbosa e Silva (2005) também lembram que num processo de pesquisa é fundamental ouvir os
ditos e os não ditos, escutar os silêncios. Segundo as autoras, o percurso metodológico deve se
28
basear na construção de um olhar e de uma escuta sensíveis para captar e compreender
principalmente as crianças, mas também os adultos e suas respectivas interações.
Ver: observar, construir o olhar, captar e procurar entender, reeducar o olho e a
técnica. Ouvir: captar e procurar entender; escutar o que foi dito e o não dito,
valorizar a narrativa, entender a história. Ver e ouvir são cruciais para que se
possa compreender gestos, discursos e ações. Este aprender de novo a ver e
ouvir (a estar e estar afastado; a participar e anotar; a interagir enquanto
observa a interação) se alicerça na sensibilidade e na teoria e é produzido na
investigação, mas é também um exercício que se enraíza na trajetória vivida no
cotidiano. (KRAMER, BARBOSA e SILVA, 2005, p. 48)
Segundo o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira, o trabalho do pesquisador implica,
portanto, o olhar, o ouvir e o escrever. Atos cognitivos que precisam estar disciplinados. Ou seja,
orientados pela disciplina. Assim, nenhum olhar, ouvir ou escrever será neutro, mas terá
subjacente um “esquema conceitual da disciplina formadora de nossa maneira de ver a
realidade”. (OLIVEIRA, 1998, p. 17-18)
Não como negar que o olhar do pesquisador modifica, interpreta, julga o objeto da
pesquisa de acordo com a forma que o encara, o e o admira. De acordo com os “óculos” que
usa, como bem escreveu Pierre Bourdieu (1997, p. 25-26) no livro ‘Sobre Televisão’:
Os jornalistas têm ‘óculos’ especiais a partir dos quais vêem certas coisas eo
outras; e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção e
uma construção do que é selecionado. Os jornalistas, grosso modo, interessam-
se pelo excepcional, pelo que é excepcional para eles. O que pode ser banal
para outros poderá ser extraordinário para eles ou ao contrário. Eles se
interessam pelo extraordinário, pelo que rompe com o ordinário, pelo que não é
cotidiano.
Para se conseguir o olhar mais fidedigno possível à realidade apresentada, é
imprescindível que esse olhar esteja carregado de estranhamentos afim “de transformar o
exótico em familiar e o familiar em exótico”. (DA MATTA, 1987, p. 28)
29
O estranhamento é a perplexidade diante do que observamos. Ou seja, trata-se
de uma atitude de confronto intelectual ou emocional diante das diferentes
versões e interpretações que conseguimos captar do universo pesquisado. Isto
se faz necessário em especial diante do que nos é familiar porque, muitas vezes,
naturalizamos as nossasões no meio em que vivemos. Por isso, a capacidade
de ver, no familiar, o exótico torna-se um instrumento precioso para o
pesquisador. Neste caso, o que ele estranha é o seu próprio olhar? Como isso é
possível? Colocando-se no lugar do outro. Ou seja, relativizando. É sair de uma
posição etnocêntrica e buscar o ponto de vista do outro, dar prioridade ao
discurso do outro, sendo necessário reconhecer e aceitar a diferença a fim de
captá-la. (KRAMER, BARBOSA e SILVA, 2005, p. 51)
Afirmação que encontra eco nas próprias postulações de Bakhtin (1992, p. 45), ao retratar
a importância do conceito da alteridade na concepção filosófica da linguagem:
Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de
valores, tal como ele ; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao
meu lugar, contemplar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que
ocupo fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe,
mediante o excedente de minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu
sentimento.
Freitas (2003) afirma que essa volta ao seu lugar é indispensável ao pesquisador, pois, se
ela não acontecer, este se detém apenas no aspecto da identificação. Ao voltar ao seu lugar, o
entrevistador tem condições de dar forma e acabamento ao que ouviu e completá-lo com o que é
transcendente à sua consciência. “Deste lugar fora do outro, portanto exotópico, é que o
entrevistador pode ir construindo suas réplicas que, quanto mais numerosas forem, indicam uma
compreensão mais real e profunda.” (BAKHTIN, 1988, p. 132)
No texto que descreve e relata, no texto da pesquisa é, pois, necessário
explicitar: as condições de produção do discurso; o lugar social do pesquisador
(posição de onde fala/escuta); as marcações de idade, gênero, classe social,
etnia, tamanho; as interações, falas, ações, diálogos, movimentos; (...) os modos
com que os adultos e as crianças organizam o discurso em termos do tempo
verbal (imperativo? Quem é o vocativo da fala?) e da forma (positiva ou
negativa); o auditório social em jogo (fala para quem?); o “herói” da fala – qual
o tópico da fala? –, teor e conteúdo da palavra; os diferentes sentidos
produzidos, as “franjas” das palavras e enunciados; os gestos, movimentos, a
entoação, as expressões faciais, caretas, choro, riso. (...) Mais do que “dar voz”,
30
trata-se, então, de escutar as vozes e observar as interações e situações, sem
abdicar do olhar do pesquisador, mas sem cair na tentação de trazer os sujeitos
apenas a partir desse olhar. (KRAMER, BARBOSA e SILVA, 2005, p. 55)
A partir dessas orientações, o pesquisador pode construir sua pesquisa e constituir seu
olhar polifônico e polissêmico e, ao mesmo tempo, carregado de estranhamento, contribuir para
uma análise e interpretação dos dados.
1.4 - A coleta dos dados
A escolha dos instrumentos de pesquisa não deve ser aleatória, muito menos um
resultado da arrogância da ignorância, termo descrito por Bourdieu (1992), segundo o qual
“escolhe-se um ‘método’ por não ser capaz de trabalhar com o outro e não por uma exigência
do problema a investigar.” (BRANDÃO, 2002, p. 28)
A escolha dos instrumentos de pesquisa que guiaram esta dissertação se baseou nos
pressupostos de Bakhtin e nas especificidades do objeto de estudo, que envolve crianças/alunos
e adultos/professores. Também foram analisados alguns trabalhos anteriores, bem como
metodologias já aplicadas.
Para identificar de que forma a linguagem televisiva está presente e contribui para a
constituição das identidades das crianças (dos alunos), optou-se por utilizar dois instrumentos: a
observação e o questionário.
A observação, numa pesquisa de abordagem sócio-histórica, se constitui pois
em um encontro de muitas vozes: ao se observar um evento depara-se com
diferentes discursos verbais, gestuais e expressivos. São discursos que
refletem e refratam a realidade da qual fazem parte, construindo uma
verdadeira tessitura da vida social. (FREITAS, 2003, p. 33)
31
Como afirma Bakhtin, “não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas
verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis.
A palavra está sempre carregada de um discurso ideológico e vivencial”. (BAKHTIN, 1988, p.
95)
A escolha dos instrumentos de pesquisa foi feita ainda na fase de elaboração do projeto,
mostrando-se perfeitamente cabível quando iniciada a pesquisa. Tanto na ESCOLA A quanto na
ESCOLA B, fui apresentado pela direção da unidade à professora da turma a ser pesquisada.
Desde o início, a professora de sala de aula sabia da minha intenção e do meu objeto de
estudo. Uma cópia do projeto foi deixada em cada uma das unidades. Fui apresentado aos
alunos pelas respectivas professoras. Em nenhum momento elas disseram aos estudantes o
objetivo da minha pesquisa e da minha presença. Limitaram-se a explicar que eu estava fazendo
um trabalho para a faculdade, como requisito de obtenção do grau de Mestre.
A direção da ESCOLA A foi procurada em julho de 2006. A pesquisa foi iniciada em 2
de agosto de 2006. Foram realizados de agosto a setembro 20 encontros, sempre de terça a
sexta-feira, no horário escolar, das 7h15 às 11h45. A turma tinha 23 alunos, na faixa etária dos 9
aos 15 anos (10 meninos e 13 meninas)
12
. A direção da ESCOLA B também foi procurada em
julho de 2006. No entanto, a pesquisa propriamente dita começou no dia 3 de outubro, logo
após os encontros realizados na ESCOLA A. Na ESCOLA B foram feitos de outubro a
dezembro 20 encontros, sempre de terça a sexta-feira, no horário escolar, das 7h15 às 11h45.
A turma tinha 35 alunos, na faixa etária dos 9 aos 16 anos (24 meninos e 11 meninas)
13
.
12
Havia nove alunos com dez anos; nove alunos com 11 anos; um aluno com 12 anos; dois alunos com 13; e um
aluno com 15 anos.
13
Havia 14 alunos com 10 anos; 16 alunos com 11 anos; dois alunos com 12 anos; um aluno com 13; um com 14;
outro com 16 anos.
32
Em ambos os contextos, a pesquisa iniciou-se com a observação. O objetivo era vivenciar
e analisar diferentes tempos, espaços e horários de cada uma das turmas, de cada uma das
escolas. Era uma observação que não se restringia apenas à sala de aula, mas também à hora da
entrada e da saída, ao horário do lanche, do almoço, do recreio, das festividades escolares, das
reuniões de pais, dos conselhos de classe, da sala dos professores, das conversas informais, dos
bate-papos com a própria direção de cada unidade. Além de colher informações sobre o objeto de
estudo, a observação possibilitava uma maior aproximação do pesquisador com o cotidiano das
crianças e de seus professores. Foi um processo conquistado a cada encontro.
Eu chegava às escolas minutos antes de as aulas serem iniciadas. Comportava-me como
se fosse um aluno: respeitava os horários, sentava nas carteiras (sempre na última fileira e na
última cadeira), saía da sala de aula com permissão da professora e nos devidos horários
permitidos, prestava atenção à aula, acompanhava toda e qualquer movimentação da turma pela
escola e só deixava o colégio no horário da saída.
Nas primeiras semanas de trabalho, as crianças ficaram curiosas com minha presença.
Queriam saber o que “eu” estava fazendo ali na sala de aula. Quando isso acontecia, a professora
apenas informava que se tratava de um trabalho universitário. Aos poucos, os estudantes foram se
acostumando. O que antes era visto como algo inusitado foi se transformando em uma
característica do dia-a-dia do universo das crianças. Com os encontros, uma maior interação e um
maior diálogo foram sendo estabelecidos, o que facilitou as etapas da pesquisa, a busca e a
análise das informações.
Todas as observações eram anotadas num caderno, numa espécie de diário de bordo do
pesquisador. O ato de escrever chamava a atenção dos alunos, principalmente no início. Eles
queriam saber o que estava sendo escrito. Ficavam surpresos com a rapidez com que as
informações eram transcritas. No início, inclusive, muitos estudantes policiavam suas atitudes e
33
falas, achando que tudo seria reproduzido no diário. Ao falar, olhavam para mim com o objetivo
de verificar se “eu” estava escrevendo o que eles tinham acabado de dizer.
As crianças eram informadas de que o ‘diário’ armazenava apenas observações gerais da
sala de aula. O objetivo não era escrever exatamente o que o aluno X, Y ou Z falava, mas sim o
que a turma pensava e discutia sobre um determinado assunto. Aos poucos, os alunos não se
incomodaram mais com minha presença.
Antes de iniciar a pesquisa, no entanto, foram listados momentos que, obrigatoriamente,
deveriam, em ambas as escolas, ser acompanhados e observados. Participar de pelo menos uma
reunião de pais, de um conselho de classe e de uma festividade era necessário para também
avaliar naqueles espaços a questão da televisão era de alguma forma tratada, abordada.
Participar, por exemplo, da reunião com os pais era, antes de tudo, estratégico. De um
lado, porque era uma boa oportunidade de conhecer a relação que eles estabeleciam, em casa,
com a tevê. Por meio de um questionário, apresentado e respondido durante a reunião, foi
possível aferir o grau de envolvimento deles com a TV e como eles viam a relação de seus
filhos com o meio de comunicação. De outro, era uma chance de estabelecer uma aproximação
com os responsáveis e, conseqüentemente, com seus filhos, os alunos, as crianças da pesquisa.
Foram momentos ricos, nos quais pude deixar claro aos responsáveis quais eram as
minhas intenções, desmistificar a minha presença na sala de aula, que tanto aguçava a
curiosidade das crianças. Revelados os objetivos, boa parte dos responsáveis se sentiu mais
confiante e despreocupada com a minha presença cotidiana na escola.
Em diferentes tempos e espaços na escola, a observação tinha como objetivo identificar
em que momentos a linguagem televisiva se fazia presente. Para organizar e sistematizar as
informações, o diário de campo foi dividido em três grandes áreas: o uso e a presença física do
aparelho de TV no cotidiano da escola; o registro de momentos em que a linguagem de tevê se
34
faz presente no discurso oral das crianças; e o registro de momentos que lembram ou remetem à
televisão. Antes de iniciar a observação, já havia formulado algumas hipóteses de momentos em
que a linguagem da TV, talvez, se fizesse presente. Hipóteses levantadas a partir da leitura de
alguns textos e da própria experiência profissional como jornalista e professor.
Nas hipóteses levantadas, a televisão se fazia presente: nas redações das crianças; nas
conversas informais entre as crianças e seus professores; nas conversas paralelas durante a aula;
no vestuário; nos acessórios usados pelas crianças (mochila, caderno, lápis, caneta...); na
estrutura narrativa das crianças, por exemplo, no ato de contar uma história; na linguagem, no
vocabulário das crianças; na abordagem dos assuntos; nas brincadeiras; nos apelidos criados
pelas próprias crianças; nos exemplos citados pelas crianças e pelos professores no decorrer de
um estudo; na expressão gestual das crianças; nos conhecimentos das crianças; nos valores das
crianças; nos gostos/preferências das crianças; nos estereótipos das crianças; nos temas de
interesse das crianças.
O levantamento dessas hipóteses não tinha o objetivo de viciar o olhar, mas de orientá-lo
e, acima de tudo, de tornar ‘estranho’ qualquer ação/momento escolar que pudesse ter alguma
relação com a linguagem televisiva. Era necessário ampliar, aguçar e estranhar o olhar.
Depois de um mês de observação, foi solicitado aos estudantes que preenchessem um
questionário. Por meio dos documentos, foi possível conhecer o cotidiano deles e colher dados
sobre a relação que estabeleciam com a tevê dentro e fora da escola. De que forma eles achavam
que a TV estava presente na escola? E de que lugar falavam, ou seja, a quais contextos
socioeconômicos e culturais eles pertenciam? O questionário tinha o objetivo de ratificar ou não
a minha observação, acrescentar novos dados e fazer valer a voz de alunos e professores por
meio de sua própria escrita.
35
A pesquisa não se encerrou com a aplicação dos questionários. Depois disso, outros
encontros foram realizados. Naquele momento, havia uma forte interação entre o pesquisador
e seus pesquisados, o que propiciava um diálogo mais franco e natural. nessa etapa, eu
procurava dialogar com as crianças e com os professores de uma forma mais livre a respeito do
que tinha ouvido, visto ou presenciado ao longo da pesquisa, procurando inclusive tornar mais
inteligíveis as respostas obtidas pelo questionário.
Dessa forma, levantamos elementos que contribuem, simultaneamente, para a
revisão do questionário e para a interpretação do material a ser coletado.
Procuraremos, com o conjunto das entrevistas desta fase, testar o sentido de
determinadas respostas e, quando indicado, abandonar aquelas questões que se
evidenciem incapazes de oferecer os subsídios pretendidos a priori.
(BRANDÃO, 2002, p. 36-37)
Nos últimos encontros, eram perceptíveis a interação e a aproximação que se
estabeleceram entre o pesquisador e os professores e alunos. Algumas vezes, por questões
pessoais, tive que faltar um ou dois dias, estendendo o prazo da pesquisa. A minha falta era
questionada no dia seguinte. Os alunos me perguntavam até quando eu iria ficar na escola e
pediam para eu ir embora no final do ano letivo. Outras vezes, os professores me pediam
auxílio no desenvolvimento de alguma determinada tarefa e até mesmo me solicitavam alguma
análise sobre o comportamento de um ou outro aluno. Havia um sentimento de confiança. Com
relação às crianças, esse sentimento também era bastante forte. Muitas vezes, os alunos me
confidenciavam algo ou faziam alguma determinada ‘bagunça’ e pediam para eu não revelar,
contar para a professora. Procurei em todos os momentos preservar o meu distanciamento de
pesquisador. Mas, por outro lado, não poderia abrir o de uma aproximação natural e
saudável com as crianças e seus professores, o que em muito contribuiu para a observação e
análise dos dados da pesquisa.
36
Ao longo dos encontros, outros materiais foram acrescentados à coleta de dados: provas
de alunos, anotações de cadernos, desenhos, trabalhos desenvolvidos em sala de aula e bilhetes.
Todos os materiais recolhidos tiveram o seu uso autorizado pela escola e pelos responsáveis.
1.5 - Análise e interpretação dos resultados obtidos
O modo tradicional de ver as coisas desconsidera a característica
especificamente qualitativa do pensamento coletivo na medida em que parte
do suposto de que um determinado indivíduo tem um pensamento (ou opinião,
ou crença, ou visão ou percepção, ou representação), assim como tem um peso
e uma altura. E se um indivíduo tem um pensamento, uma coletividade de
indivíduos também apresenta uma distribuição estatística desse pensamento,
da mesma forma que apresenta uma distribuição de peso, de altura, de
mortalidade, etc. (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003, p.13)
Para concretamente responder ao objetivo geral da pesquisa, foram criadas categorias a
partir das idéias centrais e expressões-chave observadas, escritas e faladas pelos alunos e
professores.
A partir das idéias centrais, foi possível construir o panorama sobre a presença da
televisão nas duas escolas pesquisadas, o discurso de cada unidade, por meio da análise do
discurso do sujeito coletivo. “Considerando a idéia central como o nome ou a marca do sentido
dos discursos, que permite “afunilar” ou reduzir a sua polissemia, pode-se dizer que as
expressões-chave representam o conteúdo ou a substância ou o recheio”, identificado por esse
nome ou por essa marca.” (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003, p. 18)
O Discurso do Sujeito Coletivo como técnica de processamento de dados com
vistas à obtenção do pensamento coletivo como resultado um painel de
discursos de sujeitos coletivos, enunciados na primeira pessoa do singular,
justamente para sugerir uma pessoa coletiva falando como se fosse um sujeito
individual de discurso. (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003, p. 32)
37
Com esse panorama montado, foi possível então fazer reflexões, dialogando os
resultados obtidos com o que alguns teóricos vêm estudando. Foi possível também alcançar
os objetivos específicos a que se propunha a dissertação, por exemplo, comparar a presença da
televisão entre duas escolas, localizadas em contextos socioeconômicos, culturais e espaciais
diferentes.
38
Capítulo 2
2.1 - Por que o olhar sobre a TV?
A linguagem que atrai, impacta e transforma o cotidiano
Por que estudar a TV e sua relação com crianças e escolas? Por que a tevê e não outro
meio de comunicação e informação? Por que foram feitas estas e não outras escolhas?
Primeiro, porque a televisão é um fenômeno sem precedentes na história da
Humanidade. Uma invenção revolucionária e poderosa que está presente em todas as classes
sociais, independente da sociedade.
Segundo, porque a linguagem televisiva ocupa grande destaque na vida das pessoas,
como meio de informação, cultura e entretenimento.
E terceiro porque, para pesquisadores e profissionais de Antropologia, Comunicação,
Educação, Psicologia, Sociologia e áreas afins, essa presença impacta o dia-a-dia dos seres
humanos (em especial, as crianças), apresentando valores e padrões de comportamento.
Apresentando modelos de ser e estar no mundo que trazem conseqüências positivas e
negativasque merecem ser foco de reflexão de adultos (pais, educadores e profissionais da
área de mídia) e instituições (governos, escolas e produtoras de conteúdo para a televisão).
A televisão constitui hoje, simultaneamente, o mais sofisticado dispositivo de
moldagem e deformação do cotidiano e dos gostos populares e uma das
mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e
cenográficas do mundo cultural popular, entendido não como as tradições
específicas de um povo, mas a hibridação de certas formas de enunciação, de
certos saberes narrativos, de certos gêneros novelescos e dramáticos (....).
(BARBERO; REY, 2004, p. 26)
39
No Brasil
14
, a tevê se constitui num forte elo da identidade nacional. Diante da tela da
TV, os brasileiros se vêem, se informam, aprendem, torcem, riem e choram. A vida particular
da maior parte da população se alimenta da mesma fonte e luz (BUCCI, 1996, p. 11).
No território brasileiro, 99,84% dos municípios e 91,4% dos domicílios recebem o sinal
da televisão aberta
15
. Trata-se do sexto maior parque de receptores de TV instalado no mundo.
Nenhuma outra mídia é tão penetrante assim no país. Nem mesmo o rádio
16
, tampouco o
cinema
17
, o jornal
18
ou o computador
19
.
Para o brasileiro, a televisão é mais importante do que a geladeira ou o fogão, como
constatou uma matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, em outubro de 2003, sob o título
“Consumidor procura mais TVs e DVDs do que fogão e geladeira”. Levantamento realizado pelo
14
A TV chegou ao Brasil em 1950, pelas mãos de Assis Chateaubriand. O país foi o quinto do mundo a possuir uma emissora,
logo depois de EUA, Inglaterra, Holanda e França. Embora fosse, inicialmente, um bem de consumo acessível apenas às classes
mais favorecidas economicamente, o aparelho logo se popularizou, sendo inclusive fabricado no território nacional. Em 1950,
havia cerca de 2 mil televisores, todos importados. Cinco anos depois, foram vendidos 85 mil aparelhos, dos quais 7 mil eram
nacionais (o recorde histórico é de 1996, quando a indústria vendeu 8,5 milhões de unidades). A adoção do videoteipe em escala
comercial, a partir de 1962, alterou profundamente a presença da TV. Com ele, a programação até então gravada e exibida no
eixo Rio-São Paulo passou a ser transmitida em outras regiões, iniciando um processo de massificação efetiva da tevê, que
ganhou mais força com a formação das redes de televisão via satélite. Fonte: Almanaque Abril.
15
A TV aberta brasileira possui 281 canais ou emissoras de televisão e 8.740 retransmissoras, de acordo com dados, de junho de
2001, do Ministério das Comunicações. São Paulo é o estado com maior número de retransmissoras (1.543 ou 18,1%) e o maior
número de canais (41). A Rede Globo de Televisão é a maior emissora do país. Seu sinal chega a praticamente todos os
municípios brasileiros (99,84%), com uma programação de 24 horas por dia no ar. Em seguida, aparecem: o SBT, a Bandeirantes,
a Record, a Rede TV e a CNT. A televisão chega a todas as camadas sociais: 8% dos telespectadores pertencem à classe A; 29%,
à classe B; 37%, à classe C; 23%, à classe D, e 3% à classe E. A maior parte está na faixa de 20 a 29 anos (22%); seguida pela de
30 a 39 anos (21%), segundo a Marplan Brasil. As grandes redes comerciais de televisão detêm 82,5% da audiência em São Paulo
e 90,4% no Rio de Janeiro, segundo levantamento do Ibope realizado no primeiro trimestre de 2000. O percentual restante é
dividido entre as emissoras educativas, como a TV Cultura, de São Paulo, e a TVE Rede Brasil do Rio de Janeiro; e as
segmentadas, como a MTV e a Rede Mulher. Fonte: Almanaque Abril.
16
O rádio é o segundo veículo de comunicação de maior alcance. Em 2005, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), 88% dos domicílios tinham o aparelho, 91,4%, televisão. Fonte: IBGE/Pnad.
17
No final da década de 70, o Brasil possuía 3,5 mil salas. Na década de 90, o número caiu para mil. Em 2005, a estimativa do setor
era que existissem cerca de 2 mil, muitas delas concentradas nas capitais. Fonte: Rio Mídia.
18
Estudo patrocinado pela Câmara Brasileira do Livro em 2001 revela que o brasileiro pouco; em média, 1,8 livro por ano.
Publicam-se cerca de três revistas por habitante. E, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a circulação média dos
jornais diários brasileiros, em 2005, foi de 6,789 milhões de exemplares, menor que a tiragem de um único jornal de Tóquio, por
exemplo, o Asahi Shimbum (12,7 milhões/dia). Fonte: Câmara Brasileira do Livro.
19
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2005, somente 18,6% de domicílios do país tinham
computador. Deste total, 13,7% tinham conexão com a internet. Fonte: IBGE/Pnad.
40
Instituto NOP World, dos EUA, em 2005, quantificou que o brasileiro dedica à televisão cerca de
18 horas semanais
20
, em média.
Tudo o que fazemos, tudo o que somos, como sujeitos e atores no mundo
social, depende de nossa relação com os outros: de como os vemos, os
conhecemos, nos relacionamos com eles, nos importamos com eles ou os
ignoramos. Vê-los é crucial. (SILVERSTONE, 2002, p. 249)
Esse cenário estabelece uma série de conjecturas e reflexões. Uma chama muita atenção:
se a constituição de conhecimentos e valores dos seres humanos se por meio das relações
sociais (Vygotsky), da observação do outro e da alteridade (Bakhtin) e se, cada vez mais, essas
relações/observações/alteridades são propiciadas, veiculadas, atravessadas e perpassadas pela
própria linguagem televisiva, pode-se afirmar, sem engano, que a TV exerce forte influência no
dia-a-dia das pessoas e, insisto dizer, especialmente no cotidiano infantil. Por meio da tevê, as
crianças, assim como os jovens e adultos, se percebem individualmente no grupo e no mundo, no
ambiente físico e social.
Na esfera familiar, por exemplo, a televisão ocupa um lugar de destaque dentro do lar. Ela
é ponto de referência na organização cotidiana. Está sempre à disposição, oferecendo sua
companhia a qualquer hora do dia ou da noite. É um refúgio nos momentos de frustração, de
tristeza ou de angústia. Ela dá sentido à realidade. Decide o que é e o que não é importante. O que
é e o que não é moda. Em muitos domicílios, depende dela a hora de deitar, de ir ao banheiro, de
quando serão feitas as refeições, bem como os trabalhos da escola. Muitas vezes é em torno de
sua programação que são organizadas as atividades da semana. (FERRÉS, 1996, p. 8)
As pessoas estão expostas a um veículo que utiliza uma linguagem criadora de
significados sobre o mundo em que se vive. Ao disseminar esses significados, a tevê estabelece
20
O levantamento avaliou o consumo de 30 países, entre eles Egito, Argentina, Itália, Rússia, Canadá, Estados Unidos,
Venezuela, México, Austrália, Coréia do Sul e Japão. No consumo de televisão, o Brasil ocupou o lugar. A pesquisa, realizada
entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2005, entrevistou 30 mil pessoas a partir dos 13 anos de idade.
41
novas práticas e dinâmicas que interferem em todas as relações sociais. Nas palavras de Fischer
(2003), ela apresenta novas formas de comunicação, modos de contar histórias, de usar a
linguagem, de descrever como são ou devem ser crianças, jovens, adultos, pobres, ricos,
mulheres, homens, negros, brancos, grupos de todas as etnias e condições sociais. Define como
eles são e como devem agir. Muitas vezes, por meio de representações singulares e múltiplas, ela
filtra e molda as realidades cotidianas, fornecendo critérios, referências para a condução da vida
diária, para a produção e a manutenção do senso comum. (SILVERSTONE, 2002, p. 20)
O impacto de uma novela é um bom exemplo. A ficção televisiva desempenha um papel
importante no contexto das manifestações culturais populares de massa no país. De acordo com
Figueiredo (2003), as telenovelas persistem na vida da população pelas características específicas
de sua construção narrativa. “Magdas e Ofélias, Lineus e Agostinhos, Pedros e Binos, Topo
Gigios e Louros José, Shazans e Xerifes, Didis e Mussuns, Odetes e Nazarés, Hildas e Anitas,
Emílias e Anastácias pedaços de nós, retratos da gente, cacos deste imenso inconsciente
coletivo chamado Brasil.” (MAIOR, 2006, p. 7)
Inspiradas na realidade e na cultura brasileiras, as novelas da Rede Globo
servem como veículo para a transmissão de mensagens educativas, difusão de
conhecimento, promoção da crítica social e incentivo à mudança de
comportamentos e ao debate a respeito de questões fundamentais para a
sociedade. É o merchandising social. (REDE GLOBO, 2005, p. 18)
Em 2000, por exemplo, a novela “Laços de Família”, da Rede Globo, contava a história
de uma menina com leucemia. Para sobreviver, a protagonista tinha que ser submetida a uma
operação de medula óssea, assim que conseguisse um doador compatível. Depois de as cenas
terem sido veiculadas, o número de cadastros no Registro de Doadores Voluntários de Medula do
país saltou de 20 para 900, segundo levantamento realizado pela emissora. Verificou-se também
um aumento no número de doadores de sangue no Instituto de Hematologia do Estado do Rio de
42
Janeiro. Passou de dez para 154 por mês; e os doadores de medula, no Instituto Nacional do
Câncer (Inca), de dez para 149 por mês.
Outro bom exemplo vem da mesma emissora. Parado na pauta de discussões do
Congresso Nacional há mais de oito anos, o Estatuto do Idoso foi retomado, colocado em votação
e aprovado pelos parlamentares. O fato aconteceu em paralelo à exibição da novela “Mulheres
Apaixonadas”, em 2003. O folhetim debatia o dia-a-dia de um casal de idosos que era
desrespeitado pela sua própria neta dentro de casa. A narrativa gerou grande revolta nos
telespectadores e desencadeou amplos debates na sociedade, que exigiam a aprovação da nova
legislação. “Os atores Oswaldo Louzada e Carmem Silva [que interpretavam o casal de idosos]
aproveitaram a repercussão da novela para alertar sobre o estado precário do Retiro dos Artistas,
asilo destinado a ex-profissionais da categoria.” (MAIOR, 2006, p. 462)
Na mesma novela, as cenas de agressão protagonizadas pelos atores Dan Stulbach e
Helena Ranaldi ajudaram a colocar na pauta do dia a legislação de combate à violência contra a
mulher no Brasil. Os atores participaram, inclusive, da cerimônia de lançamento da nova política
do governo federal sobre o assunto, divulgada amplamente em agosto de 2003, quando tomou
posse o novo Conselho Nacional da Mulher. “O presidente Lula participou do evento e, ao
empossar o novo conselho, iniciou seu discurso com a seguinte frase: ‘Mulheres do mundo, uni-
vos contra os raqueteiros!’ (MAIOR, 2006, p. 462). Na ficção, a mulher era espancada com
uma raquete de tênis.
Os exemplos acima mostram o quanto a linguagem televisiva, especialmente a
teledramaturgia, faz parte da realidade dos brasileiros. O escritor inglês Aldous Huxley
21
dizia
que o problema da ficção é que ela precisa fazer sentido, ao contrário da realidade. Com isto,
21
Fonte: Revista Veja Rio.
43
verifica-se que cada vez mais o espaço público (o mundo), interpretado pela tevê, se aproxima do
privado, entrando na casa das pessoas, re(moldando) e influenciando o cotidiano de todos,
mesmo daqueles que porventura não sejam telespectadores. Observa-se que as leis criadas e
aprovadas, a partir de um debate promovido pelas novelas, valem, na prática, para todos os
cidadãos, sejam ou não telespectadores.
François Brune (1993) traz uma interessante reflexão sobre a questão da realidade.
Segundo ele, a televisão, com o seu bombardeio diário de inúmeras realidades, seja em
telenovelas, seriados, minisséries, programas e telejornais, provoca uma desvalorização da
realidade do cotidiano do telespectador. Ocorre, de acordo com ele, uma ‘despossessão’ do real.
As pessoas perdem a referência do real. Passam a viver a realidade que é apresentada pela
televisão, que pode não ser a realidade do mundo real. Ao viver a realidade apresentada pela TV,
o indivíduo tem a realidade do mundo real mediada e influenciada. De acordo com Brune, vive-se
por uma procuração emitida, diariamente, pela televisão.
O pensamento da Nova Psicanálise ou NovaMente
22
nos subsídios para concordar com
a afirmação de Brune. Segundo essa linha de pensamento, as tecnologias, como a televisão, são
criadas pela mente humana, que é pulsionalmente orientada. A mente humana funciona como um
espelho absoluto, revirando pelo avesso qualquer coisa que se apresenta. De acordo com a linha
de pensamento, é a partir dessa competência de reviramento que o ser humano cria suas
tecnologias, suas técnicas, suas próteses. Ele cria essas próteses com o objetivo de diminuir o seu
mal-estar na civilização
23
.
22
Trata-se de um linha psicanalítica, criada pelo psicanalista MD Magno, que referenda o TecMen, projeto de extensão da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), desenvolvido pelo grupo de pesquisa ...etc. - Estudos Transitivos do
Contemporâneo. Registrado no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o grupo é formado por
pesquisadores de várias áreas e universidades públicas e privadas do Rio e de outras cidades. A Nova Psicanálise ou NovaMente
propõe uma reformatação de toda a Psicanálise, de Freud a Jacques Lacan. MD Magno retoma as bases do pensamento
psicanalítico, apresentando uma nova concepção de mente humana. Para a Nova Psicanálise, o conceito fundamental é a pulsão de
morte, no sentido freudiano.
23
Sigmund Freud, em 1929, no seu famoso trabalho O mal-estar na civilização, denunciava a difícil relação do homem consigo
mesmo e com o seu semelhante, evocando o que em 1960 Jacques Lacan, psicanalista francês, chamou “os impasses do sujeito
44
Para a Nova Psicanálise, qualquer coisa desenvolvida pela intervenção humana
é protética. O pensamento nos revela, portanto, que os seres humanos, na prática, são seres
artificialistas. Fabricam coisas o tempo todo. Estão num jogo perene de produção de técnicas, de
próteses e de realidades. Neste sentido, a televisão seria a grande indústria de criação dessas
técnicas, próteses e realidades, sem nenhum tipo de resistência ou retaliação por parte dos
telespectadores. A televisão, afinal, ‘trabalha’ como a mente humana, produzindo e criando a
partir do avesso da vida.
Desta forma, a realidade que a TV apresenta é uma realidade recriada. É uma realidade
avessa daquela que se tem na prática, mas que, algumas vezes, ora se torna a realidade do mundo
real dos indivíduos, ora influencia a realidade do mundo real dos indivíduos. A afirmação de
François Brune está certa. Nas palavras de Arlindo Machado (1988), “as mídias apenas tornam
evidente que a constituição da realidade é uma produção simbólica de homens históricos”.
Que conseqüências isso traz? Essa é a grande pergunta. São muitos os pensadores,
estudiosos e pesquisadores que vêm se debruçando sobre esse tema. Umberto Eco (1993) talvez
tenha sintetizado da melhor forma duas principais linhas de pensamento antagônicas sobre o
impacto dessa linguagem televisiva, que, segundo ele, integra algo muito maior, chamado de
cultura de massa. Essas linhas de pensamento se formaram ao longo das primeiras décadas do
século XX. Os que viam com bons olhos adia foram chamados pelo autor de “integrados”. Os
de opinião contrária, de “apocalípticos”.
Os teóricos da chamada Escola Evolucionista-Progressista pertenciam ao primeiro grupo,
que ganhou bastante espaço nas décadas de 50 e 60. Para eles, a cultura de massa, incluindo a
televisão, é democrática e pluralista, possibilitando maior âmbito de iniciativa, liberdade e
desenvolvimento para o ser humano. Com os avanços tecnológicos, todos os indivíduos teriam
com o real”.
45
acesso à cultura, que seria produzida em escala industrial, sim, mas alcançaria todos. Neste
sentido, a sociedade teria uma vida social fortalecida e não empobrecida, uma vez que todo
cidadão, independente da sua classe social, teria acesso aos valores da cultura. Ao se possibilitar
uma maior difusão de idéias e conhecimentos, a população ganharia em todos os aspectos, sendo
plural em todos os sentidos, favorecendo ainda mais a democracia e a liberdade.
os apocalípticos tinham como defensores os teóricos da Escola de Frankfurt (Adorno e
Horkheimer), que, nos anos 30 e 40, viam na produção de bens culturais padronizados e
estereotipados (a indústria cultural) a capacidade de fornecer aos indivíduos meios imaginários de
escape da dura realidade social, debilitando-os em sua capacidade de pensar de forma crítica e
autônoma. De inspiração marxista, essa corrente entendia a cultura de massa como um meio de
ideologia, um mecanismo de difusão de idéias que promovia interesses das classes dominantes.
Em primeiro lugar, compreendo ‘televisão como ideologia’ simplesmente como
o que pode ser verificado, sobretudo nas representações televisivas norte-
americanas, cuja influência entre nós é grande, ou seja, a tentativa de incutir nas
pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade, além de, como se
costuma dizer tão bem, procurar-se impor às pessoas um conjunto de valores
como se fossem dogmaticamente positivos, enquanto a formação a que nos
referimos consistiria justamente em pensar problematicamente conceitos como
estes que são assumidos meramente em sua positividade, possibilitando adquirir
um juízo independente e autônomo a seu respeito. (ADORNO, 1995, p. 80)
Ainda hoje os dois pontos de vista dividem opiniões. De certa forma, cada um encontra
eco na atualidade. Talvez, as duas escolas hoje não sejam mais vistas como antagônicas, mas sim
como complementares acerca do impacto que causa, em particular, a televisão. De um lado, a TV
amplia e possibilita um maior acesso aos conhecimentos. Mas, de outro, ela também apresenta
modelos, padrões e valores que acabam – de certa forma – sendo impostos de uma forma
homogeneizadora e não reflexiva.
2.2 - A linguagem da TV
46
O fascínio que exerce sobre as crianças
Ela está imóvel. Seu corpo se esqueceu de solicitá-la, a não ser por uma
inquietação de bicho-carpinteiro que faz com que ela assuma as posições mais
variadas na cadeira, na almofada, no tapete. um ponto do corpo permanece
fixo: o olhar, fixado na tela luminosa do aparelho, capturado pela variação
incessante de imagens e sons. O olhar, primeiro aparato de apreensão libidinal
do mundo, aquele que início a uma série de novas apreensões até a
construção de uma identidade pessoal, pela via das identificações. Olhar que
funciona sempre como antecipação da relação com o objeto, pois capta sua
imagem antes, antes que a palavra nomeie, o corpo o possua, antes que a
própria ausência obrigue a criança a simbolizá-lo. (KEHL, 1991, p. 61)
O tempo dedicado à tevê é, em geral, tão significativo que algumas pesquisas revelam que
as crianças passam mais tempo vendo TV do que na sala de aula. Levantamento realizado pelo
Unicef, em 2002, mostra que crianças brasileiras assistem à TV cerca de quatro horas por dia.
Para 51% dos entrevistados, ela é, nada mais nada menos, a segunda fonte de lazer.
De acordo com Assis (2005), outras pesquisas evidenciam que a produção audiovisual
tem o poder de estimular os dois lados do cérebro: o tecido neocortical, responsável pelas funções
superiores do raciocínio, tais como a constituição do significado de palavras e ações; e o sistema
límbico articulador dos instintos, da intuição, dos desejos, afetos e das emoções. “O cérebro das
crianças é por isto cooptado, com facilidade, pelos programas de TV, que tanto exercem atrações
sobre seu raciocínio quanto sobre seus sentimentos, desejos e afetos.”
O professor Geoff Beattie, do Departamento de Psicologia da Universidade de
Manchester, na Inglaterra, constatou que as pessoas retêm mais informação quando ela é
apresentada por meios audiovisuais, pois lidam exatamente com aspectos prazerosos. Robert
Kubey, do Centro de Estudos de Mídia dos EUA, confirma a tese do professor. Após monitorar
ondas cerebrais, por meio de eletroencefalogramas, de pessoas que assistiam à TV, Kubey e sua
equipe concluíram que as pessoas associavam o ato de assistir à tevê à sensação de repouso, à
47
ausência de tensão, como se estivessem fazendo uso de drogas químicas. O estudo indicou que
ver televisão gera mais necessidade de ver televisão.
Ocupando cada vez mais o tempo livre das crianças, principalmente as que pertencem às
classes menos favorecidas, à primeira vista desprovidas de outras fontes de lazer e
entretenimento, a televisão apresenta um mundo de informações e conteúdos nem sempre
adequado à faixa etária. Muitas pesquisas realizadas no país revelam que os programas mais
vistos pelas crianças são aqueles produzidos e destinados aos adultos. Na prática, isso ocorre em
grande medida porque a programação dirigida ao público infantil não ultrapassa 10% do total da
grade das emissoras.
Levantamento da Multifocus, empresa brasileira de pesquisa de mercado, especializada no
estudo do comportamento da audiência infanto-juvenil, indica que mais de 50% das crianças até
11 anos assistem à TV entre 18h e 21h ,e 40% delas, até as 23h. Novelas, seriados, programas de
humor, de auditório, jornais e comerciais. Elas assistem a tudo, sabem tudo e têm acesso a
qualquer tipo de informação.
O que de verdadeiramente revolucionário na TV é que ela permite aos mais
jovens estarem presentes nas interações entre adultos. É como se a sociedade
inteira houvesse tomado a decisão de autorizar as crianças a assistir às guerras,
aos enterros, aos jogos de sedução, aos interlúdios sexuais, às intrigas
criminosas. A telinha expõe aos temas e comportamentos que os adultos se
esforçaram para ocultar durante séculos. (MEYROWITZ, 1985, p. 437)
Ao possibilitar que as crianças, ao alcance de um controle remoto, saibam de tudo, a
televisão rompe com a separação entre o mundo adulto e o infantil. Os conteúdos televisivos
acabam instigando uma antecipação da vida adulta, seja no modo de vestir ou no linguajar. Seja
no consumo ou nos valores. Seja no comportamento e nos desejos. Crianças bem pequenas
falam de dieta, de cirurgia plástica, de dinheiro, de beleza, de conquistas amorosas, de intrigas, de
48
traições... Uma geração mais inteligente e informada, mas também mais vaidosa, consumista e
ligada às novas mídias.
A linha divisória entre adultos e crianças é rompida pela televisão devido a três questões:
a TV não requer das crianças nenhum tipo de treinamento; a TV não faz nenhum tipo de
exigência, nem à mente nem ao comportamento; e, terceiro, a TV não segrega o público, o
telespectador. (POSTMAN, 1999)
Com a televisão, a informação, que até então chegava às crianças sob o controle dos pais,
da família e/ou das instituições, passa a ser oferecida, dada, apresentada às crianças sem nenhum
tipo de supervisão e/ou controle. Quando tudo é dito e, principalmente, mostrado via imagem,
que diferença se estabelece entre adultos e crianças?
A própria imagem que a televisão veicula das crianças colabora para o fim dessa divisão.
Em seus estudos, Brites (2000) afirma que a publicidade brasileira, entre os anos 30 e 50 do
século XX, usava as crianças como justificativa ou destino da compra de mercadorias. Ontem e
hoje, consumir significa viver, desde a terna infância, não importando a idade do telespectador.
Vale destacar que, aos poucos, essa mesma propaganda também começou a utilizar as próprias
crianças como protagonistas de seus comerciais. Assumindo muitas vezes, inclusive, papéis de
adultos. Não são raras as cenas de meninos vestidos de terno e gravata ou de meninas pintadas e
de salto alto. Em cena, crianças adultas.
Como afirmam alguns psicólogos, a linguagem televisiva promove uma infância mais
esperta, atenta e muito pouco ingênua. Na opinião da psicanalista Maria Rita Kehl (2004),
estamos diante de uma geração que, cada vez mais cedo, não quer ser mais vista e entendida
como criança. A infância e a adolescênciasegundo elanão são conceitos naturais, que têm
um tempo biológico e determinado. A infância e a adolescência o conceitos que dependem da
49
ordem social em que o sujeito está incluído. Talvez, hoje, por exemplo, a infância esteja
realmente mais curta.
Embora nasçam e ainda sejam criadas numa sociedade que as como adultos em
miniatura ou alguém que está sendo treinado para a vida adulta, as crianças, por meio da
televisão, têm a chance de se auto-afirmar, de atingir a maioridade, desde muito cedo, perante
seus pais, sua família e escola.
Por meio dos modelos, valores e padrões de consumo apresentados pela TV, por meio de
um arsenal de conteúdo farto, amplo, extenso e ininterrupto, as crianças se impõem como se
fossem adultas e autônomas. Nas palavras de Barbosa (2004), pela televisão, as crianças têm a
noção de liberdade de escolha e de autonomia na decisão de como querem viver, vestir, comer,
falar, brincar, sermesmo que todas estas escolhas, na prática, estejam previstas pelo sistema
que se apresenta, digo aqui, pelos meios de comunicação, pela indústria cultural
24
.
Nas entrelinhas de sua linguagem, a televisão mostra que não (mais) pessoas,
instituições, códigos sociais e morais com suficiente poder para escolher por elas e para elas.
“Independentemente de minha posição social, idade e renda posso ser quem eu escolher.”
(BARBOSA, 2004, p. 22) Por mínimas que sejam as sensações e/ou as percepções desses
sentimentos, as crianças sentem-se fascinadas pela televisão pelo status de maioridade e de
autonomia que lhe é proporcionado (LIPOVETSKY, 2006). E isso tudo ocorre por conta de três
fatores explorados pela televisão: fantasia, diversão e instrução. (VILCHES, 1993)
24
Divulgação massificadora por meio da qual a mídia, funcionando como sistema mercantil e industrial, impõe formas
universalizantes de comportamento e consumo.
50
2.3 - Crianças. Que crianças?
Um olhar em um tempo e espaço
Antes de prosseguir, cabe explicar, aqui, que conceito de criança orienta esta dissertação.
O que é criança? O que é ser criança? E como ela é vista e entendida? Em várias esferas, do senso
comum às abordagens do desenvolvimento infantil, pensa-se nas crianças como seres
incompletos a serem formados e socializados. Um ser incompleto que se define em função de
algo que é evoluído e completo: o adulto.
Tal caracterização evolucionista da criança o esconde, enquanto procedente
dessa corrente de pensamento, um critério valorativo que atribui ao adulto
‘ser completo’ os pontos positivos no confronto com a criança. Partindo-se
dela, a criança é sempre alguma coisa imperfeita que necessita ser lapidada,
educada. E a lapidação será feita segundo critérios fixados pelo adulto, pois este
representa, na perspectiva evolucionista, o estágio mais avançado do organismo
vivo em suas diferentes fases. (PERROTI, 1982, p.12)
Dito isso, essa linha de pensamento entende a criança como uma tábua rasa, como um vir
a ser. Formulações que trazem intrinsecamente uma concepção evolucionista e histórica.
Histórica, como bem nos mostra o estudo de Philippe Ariès (1981) sobre ‘A criança e a vida
familiar no Antigo Regime’. Em seu livro, Ariès revela que a idéia da infância é uma construção
social e histórica do Ocidente. Portanto, nas palavras da antropóloga Clarice Cohn (2005),
pesquisadora do tema, em outras culturas e sociedades, a idéia de infância pode não existir ou ser
formulada de outros modos. O que é ser criança, diz ela, ou quando acaba a infância, pode ser
pensado de maneira muito diversa em diferentes contextos socioculturais.
Na sociedade capitalista ocidental, Perrotti classifica a organização social de
adultocêntrica, na qual as reflexões sobre a criança e seu universo cultural correm sempre o risco
de, repetindo a organização social, situar a criança em condição passiva em face da cultura:
51
“Pensamos sempre na criança em condição passiva face à cultura e nunca na criança fazendo
cultura ou, ainda, na criança fazendo e recebendo cultura ao mesmo tempo.” (PERROTTI, 1982,
p.18)
Ao entender a criança como um ser passivo, conseqüentemente, entende-se a cultura
apenas como acumulação de experiência, como transmissão e não como criação e recriação.
Visão própria de muitas escolas que vêem as crianças como seres passivos e trabalham com a
sistematização e a organização de conhecimento e valores por meio da transmissão.
Em tais condições, a criança passa a ser somente o depositário de um mundo
criado pelo adulto, sem ter jamais reconhecidos os seus direitos de intervir
ativamente no processo sociocultural que lhe diz respeito. A cultura passa a
exercer uma função domesticadora e coercitiva, dificultando a participação da
criança na História enquanto sujeito. (PERROTTI, 1982, p. 16).
Mas, como dito, trata-se de uma construção histórica. Não de uma questão natural ou
biológica. A Antropologia deixa claro isso. Ainda de acordo com Cohn, análises de sociedades
tradicionais mostram que as crianças podem ser mais que meros receptores de conhecimentos.
São ativas na construção de sentidos e de conhecimentos no processo de aprendizagem. Trata-se
de um outro olhar, de uma construção histórica fundada em outros paradigmas políticos, éticos e
estéticos, sociais e culturais.
As crianças não são apenas produzidas pelas culturas mas também produtoras
de cultura. Elas elaboram sentidos para o mundo e suas experiências
compartilhando plenamente de uma cultura. Esses sentidos têm uma
particularidade, e não se confundem e nem podem ser reduzidos àqueles
elaborados pelos adultos; as crianças têm autonomia cultural em relação ao
adulto. Essa autonomia deve ser reconhecida, mas também relativizada:
digamos, portanto, que elas têm uma relativa autonomia cultural. Os sentidos
que elaboram partem de um sistema simbólico compartilhado com os adultos.
Negá-lo seria ir de um extremo ao outro; seria afirmar a particularidade da
experiência infantil sob o custo de cunhar uma nova, e dessa vez irredutível,
cisão entre os mundos. Seria tornar esses mundos incomunicáveis. (COHN,
2005, p. 35)
52
É essa criança que orienta o nosso estudo. Não estamos diante de um indivíduo que será,
mas que é. Que possui, de acordo com sua idade e seu contexto sociocultural, uma série de
experiências e aprendizagens, assim como os adultos. Decerto que, muitas vezes, os significados
elaborados pelas crianças são qualitativamente diferentes dos pelos adultos, mas isso não quer
dizer que devem ser julgados como menos elaborados, errôneos ou parciais.
Estamos diante do que Cohn chama de criança atuante: “aquela que tem um papel ativo na
constituição das relações sociais em que se engaja, não sendo, portanto, passiva na incorporação
de papéis e comportamentos sociais.” (COHN, 2005, p. 27-28)
Reconhecer a criança atuante é assumir que ela não é um adulto em miniatura ou alguém
que treina para a vida adulta. É entender que, onde quer que esteja, ela interage ativamente com
os adultos e com outras crianças, com o mundo, sendo parte importante na consolidação dos
papéis que assume e de suas relações. (COHN, 2005)
Ao que parece, a televisão, com o intuito de ampliar o número de espectadores, faz muito
bem o seu jogo de conquista da audiência infantil, ora reconhecendo a criança atuante, ora
ratificando a construção da imagem de um adulto em miniatura. Ao contrário da maioria das
escolas, que as crianças apenas como um vir a ser, como depositárias passivas de informações
e conhecimentos. Eis aqui uma das grandessenão a principal diferenças entre as escolas e a
televisão, em especial. Instituições que vêem a criança de forma diferenciada e que, portanto,
trabalham de forma diferente
25
.
Logo o ser criança não pode ser entendido apenas como um feixe de
características naturais em desenvolvimento. Antes, tem de ser visto como um
corpo completo, sujeito a condições históricas e, por isso, variável. Se é
verdade, ao menos em princípio, que todas as crianças crescem, é verdade,
também que a direção desse crescimento estará em relação constante com o
ambiente sociocultural. (PERROTTI, 1982, p. 14-15)
25
Voltaremos a discutir essas abordagens nos próximos itens deste capítulo.
53
No entanto, não restam dúvidas de que o meio em que a criança se desenvolve é o
universo adulto, e este universo age sobre ela da mesma maneira que todo o contexto social,
político, econômico, cultural, ético, estético e midiático (em especial, a linguagem televisiva),
condicionando-a ou alienando-a. Mas isso não quer dizer que ela não interage sobre e com este
universo. É esta perspectiva que orienta o trabalho.
2.4 - Da tela da TV, a constituição das identidades
Identidades fragmentadas, múltiplas, padronizadas, voláteis
Em janeiro de 2007, o refrigerante campeão mundial de vendas veiculou uma nova
propaganda na TV aberta do país. Nela, um jovem percorria as ruas de uma cidade oferecendo a
bebida. Ao compartilhá-la, sua aparência física e quiçá psicológica ia sendo modificada,
agregando características das pessoas com as quais tinha dividido o refrigerante. Ao final dos
trinta segundos do anúncio, o rapaz estava irreconhecível. Ele havia se transformado em outro
ser, assumindo, aos olhos do telespectador, uma nova identidade.
A propaganda era simples, mas extremamente instigante, pois ela evidenciava exatamente
como a própria linguagem televisiva vem construindo a percepção para crianças, jovens e
adultos – de identidade na sociedade dos dias de hoje.
54
55
56
Imagens de 1 a 32 – Cenas do comercial do refrigerante Coca-Cola, em janeiro de 2007.
57
Na chamada sociedade contemporânea, a identidade está cada vez mais vinculada à
produção de uma imagem, ao modo de ser, à aparência pessoal e muito menos a uma qualidade
moral ou psicológica intrínseca, que, antigamente, girava em torno da função que era
desempenhada na esfera pública ou familiar. (KELLNER, 2001) Como afirma o pesquisador
Néstor Garciá Canclini (1996), “a identidade é uma construção que se narra” (seja ela de um
formato televisivo, de grupos sociais ou de um sujeito).
A televisão apresenta a identidade como um construto, como uma questão de imagem, de
estilo e de aparência que pode ser constantemente modificada. A identidade é ‘vendida’ (pelos
meios de comunicação) e ‘comprada’ (pelos telespectadores) como algo móvel, fluido, instável,
transitório. (KELLNER, 2001) São essas as idéias que as propagandas, as novelas, os seriados,
os filmes e os reality-shows ratificam a todo momento.
Os grandes artistas mundiais mostram o quanto isso é possível, permitido e prazeroso.
Michael Jackson que o diga. O popstar desfaz, por exemplo, as fronteiras entre negro e branco,
mulher e homem, adulto e jovem. Tudo é uma questão de estilo, de moda, de comportamento.
Tudo é fugaz. As identidades podem ser (e devem ser, segundo a cultura da mídia) construídas e
reconstruídas da noite para o dia e do dia para a noite.
Nas sociedades tradicionais, a identidade era fixa, sólida e estável. Segundo Kellner
(2001), ela era determinada em função de papéis sociais predeterminados e de um sistema
tradicional, fonte de orientação e de sanções religiosas capazes de definir o lugar de cada um no
mundo, bem como balizadora dos campos de pensamento e de comportamento. na pós-
modernidade, quando se acentuou a presença do capitalismo industrial, das revoluções
democráticas, da urbanização e da liberdade, o autor afirma que a identidade se tornou sujeita a
mudanças e inovações. Mudanças e inovações provocadas, em muitos aspectos, pelo
58
estabelecimento incisivo do predomínio da mídia e do que alguns autores chamam de sociedade
do consumo
26
.
É como se cada um tivesse de ter um jeito, um estilo e uma imagem particular
para ter identidade, embora, paradoxalmente, muitos dos modelos de estilo e
aparência provenham da cultura de consumo; a criação da individualidade passa
por grande mediação. (KELLNER, 2001, p. 297)
O exemplo da propaganda do refrigerante ilustra bem as palavras de Kellner e deixa claro
como os meios de comunicação e, neste estudo, em especial, a linguagem da televisão carregam
consigo ideologias, mensagens, significados e valores. A linguagem televisiva apresenta aos
espectadores uma nova forma de ser e estar no mundo. Não faltam modelos.
A linguagem da TV projeta padrões sociais e sexuais, formas apropriadas e inapropriadas
de comportamento, de estilo, de moda e valores. Demonstra como resolver problemas e como ser
feliz, bem-sucedido e popular a partir da adoção de um comportamento ‘apropriado’.
Fazendo um paralelo com as sociedades antigas, a televisão assume, hoje, as funções
tradicionalmente atribuídas ao mito. Nas palavras de Castro (1999), símbolos, mitos e rituais são
elementos que se perpetuam de geração para geração, integram os indivíduos numa ordem social,
criando, recriando, afirmando e negando valores, padrões, modelos, comportamentos e gostos.
Castro (1999) nos recorda ainda que a palavra mito vem do grego mythos e deriva de dois
verbos: mytheo (contar, narrar, falar algo para os outros) e do verbo mytheo (conversar, contar,
anunciar, designar). “Para os gregos, o mito era um discurso pronunciado para os ouvintes, que
recebiam como verdadeira a narrativa, porque confiavam naquele que narrava.” Nos dias atuais,
quem é que duvida da veracidade das informações e imagens que a televisão divulga
diariamente?
26
Sociedade característica dos países industriais desenvolvidos e subdesenvolvidos, sociedade que valoriza e estimula
excessivamente o consumo de bens materiais, artificiais e supérfluos, e que se torna dependente deles como forma de gerar
empregos.
59
Os especialistas da área da Psicologia, como Smolka (2006), ao afirmarem que o ser
humano aprende e ensina por meio da linguagem, corroboram o entendimento de que a
linguagem televisiva exerce grande impacto na aprendizagem de crianças, jovens e adultos,
exerce grande impacto na constituição das identidades. Nas palavras de Smolka, é por meio da
linguagem que o ser humano internaliza modos de falar, de pensar, de sentir e de agir.
O mito da TV, presente em praticamente 100% dos domicílios, maximiza e potencializa,
como em nenhum outro período da história da Humanidade, esses modos de falar, de pensar, de
sentir e de agir. (CASTRO, 1999) Ainda segundo Smolka, o indivíduo participa da
(inter)regulação das condutas, apropria-se das normas, constrói conhecimento, controla o próprio
comportamento. Pela linguagem, ele articula e narra sua experiência ao outro, raciocina, planeja e
imagina. Nesse processo, toda a sua produção o afeta e, ao mesmo tempo, o transforma.
A televisão está implicada na seletiva construção social do conhecimento, do
imaginário social, através do qual percebemos o mundo e a realidade vivida
pelos outros, reconstruindo a partir disso o imaginário sobre o mundo o
nosso e o dos outros. (HALL, 1997, p. 23)
Como afirma Vygotsky, o ser humano é resultado de relações sociais que estão hoje
intrinsecamente afetadas pela mídia. Para o teórico, a instituição das práticas sociais e a
constituição do funcionamento mental das pessoas encontram-se complexa e dinamicamente
articuladas. Para ele, “o signo é um meio/modo de relação social que afeta o funcionamento
mental. O signo modifica as relações interfuncionais.” (VYGOTSKY, 1996)
Baseando-se nos estudos de Vygotsky, Jobim Souza (2000) assinala que signo é imagem.
E ele é signo se provoca uma atitude interpretativa na mente daquele ou daqueles que o
percebem. Assim sendo, analisa Jobim Souza, na atualidade, nos deparamos com uma cultura de
imagens polifônicas, na qual se insere a questão da alteridade. “O sentido da imagem se constrói
60
na relação com o outro, podendo assim encaminhar soluções regressivas ou emancipadoras.” Os
significados são compreendidos como resultado dos processos sociointeracionais em que os
indivíduos se engajam no dia-a-dia no esforço conjunto de entender a vida à sua volta. (LOPES,
2003, p. 23)
Diante de uma infinidade de signos produzidos e veiculados pela mídia, teóricos, como
Baudrillard (1981), Jameson (1983) e Maffesoli (2006), afirmam que a identidade do ser humano
a partir do século XX encontra-se em contínuo desaparecimento, conseqüência dos inúmeros
processos sociais que nivelam as individualidades na sociedade “racionalizada, burocratizada,
consumista e dominada pela mídia”. (KELLNER, 2001) Fala-se de uma implosão da identidade a
partir do momento em que a mídia apresenta aos indivíduos diversas “posições de sujeito”.
Posições com as quais o público é convidado ou induzido a indentificar-se. (KELLNER)
Posições de papéis, de aparências, de imagens fixadas pelos modelos, pelos discursos,
pela linguagem da mídia. Posições que trazem consigo valores, estereótipos e modos de vida
criados a partir de um olhar do mundo, de um entendimento de mundo.
Não podemos nos esquecer de que a cultura apresentada pela mídia é produzida com uma
intenção, com um objetivo. Não se trata de uma cultura diversa, heterogênea e multicultural, mas
de uma cultura particular, capitalista e mercantil para o público. Os signos veiculados pela
televisão são signos cuidadosamente editados a partir de interesses privados mercadológicos e
ideológicos, carregados de valores (BACCEGA, 2004).
Como afirma a escritora Ana Maria Machado (2004), a mídia busca a homogeneidade e
tende à hegemonia e ao monopólio. É natural, é próprio de seu caráter, pois visa à distribuição e
ao consumo maciço. “Grandes números, gosto médio, consumo uniformizado que permita
economia de grande escala e barateamento de custos.” As reflexões da escritora encontram eco
nos estudos de Hall (1997), que, ao chamarem a atenção para a centralidade da cultura, alertam
61
para seu caráter eminentemente interpelativo. A cultura, diz ele, não é um componente
subordinado. Ela é constitutiva de nossas formas de ser, de viver, de compreender e de explicar o
mundo.
Nessa direção, Steinberg (1997) afirma que um currículo cultural voltado
especificamente para as crianças, um currículo a serviço dos interesses comerciais. A autora diz
que as grandes corporações criaram uma perspectiva cultural que se funde com ideologias
empresariais e com valores do livre mercado, explorando a fantasia e o desejo das crianças.
Segundo Steinberg, a partir dos anos 50, uma parte cada vez maior das experiências das crianças
é produzida pelas grandes corporações, pela cultura da mídia e, em especial, pela televisão, e
muito menos, pelos pais e pelas mães das crianças.
uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam
a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando
opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que
as pessoas forjam sua identidade. A cultura da mídia também fornece o material
com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de
nacionalidade, de sexualidade, de ‘nós’ e ‘eles’. Ajuda a modelar a visão
prevalecente do mundo e os valores mais profundos: define o que é considerado
bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral. As narrativas e as imagens
veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam
a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos. (KELLNER,
2001 p. 9)
Como afirma Beatriz Sarlo (1997), as bases da constituição das identidades também estão
nos objetos de consumo que se tornam, muitas vezes, os ícones das novas gerações. Porém, é
necessário destacar que nãouma homogeneidade de efeitos naquilo que a mídia produz. Isso é
fato. E de forma alguma estou aqui me contradizendo. As crianças não são vítimas de um
inescapável determinismo, não são meros receptores passíveis.
O fato é que essas crianças elaboram e (re)elaboram sentidos, conhecimentos e constituem
suas identidades a partir da mesma cultura que também é compartilhada pelos adultos, sem
62
nenhum tipo de proteção ou proibição
27
. Ou seja, apesar de cada criança reagir de modo distinto,
dependendo de todos os textos e contextos sociais, culturais e econômicos nos quais está
mergulhada, os sentidos/significados elaborados por ela partem de um mesmo sistema simbólico
compartilhado pelos adultos. Como assinala Costa (2002), respostas são, portanto, incitadas, e
condutas, modeladas e performadas.
Em muitos domínios, a mídia conseguiu substituir a Igreja, a escola, a família,
os partidos, os sindicatos como instâncias de socialização e de transmissão de
saber. É cada vez mais através da mídia que somos informados sobre o curso do
mundo, é ela que nos passa os dados novos capazes de adaptar-nos ao nosso
meio cambiante. A socialização dos seres por intermédio da tradição, da
religião, da moral cede terreno cada vez mais à ação da informação midiática e
das imagens. (LIPOVETSKY, 2006, p. 226)
Se isso é cada vez mais real no mundo de hoje, qual é então o papel da escola? Da escola
pública, em particular? O Núcleo Curricular Básico das escolas da Prefeitura do Rio,
MultiEducação, fala sobre esse tema. O livro-documento, editado em 1996, afirma que, se a
identidade se forma nas diferentes relações estabelecidas, o contexto escolar adquire grande
importância como espaço de criação e recriação de identidades.
A origem da escola, como a entendemos hoje, remonta à Revolução Francesa. Foi com ela
que surgiu a idéia de uma escola pública, gratuita, laica, igual para todos e aberta a toda a
população. De acordo com os princípios revolucionários, essa escola deveria ser universal, com o
compromisso de ensinar os conhecimentos fundamentais leitura, escrita e noções de
Matemática. Ao mesmo tempo, os jovens aprenderiam valores, como o amor à pátria, ao trabalho,
à razão e à liberdade. A escola, na visão do novo regime, formaria então o cidadão pleno.
27
No dia 12 de fevereiro de 2007, o Ministério da Justiça publicou a Portaria 264, que regulamenta as regras de classificação
indicativa dos programas de TV. Pelo documento, num prazo de 90 dias (a contar da data de publicação) os canais terão que
autoclassificar sua programação de acordo com a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, respeitando as seguintes
faixas horárias: a partir das 20h – inadequado para menores de 12 anos; a partir das 21h – inadequado para menores de 14 anos; a
partir das 22h inadequado para menores de 16 anos; a partir das 23h inadequado para menores de 18 anos. Os programas
devem ser classificados de acordo com os conteúdos de sexo e violência apresentados. Fonte: site do Rio Mídia.
63
Mas, frente às mudanças que se sucederam a partir da Revolução Francesa até os dias de
hoje, será que a escola vem cumprindo com seus compromissos, com essa nova significação que a
televisão traz para o cotidiano das crianças e dos adolescentes? Ela vem discutindo a constituição
das identidades sociais e individuais?
2.5 - Crianças, televisão e identidades: a grande trama
Qual é o papel da escola neste contexto?
Durante muitos séculos, os saberes imprescindíveis à vida adulta eram transmitidos às
crianças por suas próprias famílias. Famílias numerosas de caráter patriarcal, nas quais se dava
mais valor aos filhos primogênitos e homens. As crianças aprendiam valores e padrões de
comportamento em casa. Somente no século XIX, como decorrência da Revolução Francesa
(1789), é que surge a idéia de uma escola pública, gratuita, laica e igual para todos. A escola
surge como a ‘instituição’ capacitada para educar crianças e jovens. Cabe a ela organizar,
sistematizar e transmitir os conhecimentos. O ensino é promovido pelos professores, que detêm
as informações básicas e necessárias para ensinar os alunos.
A educação, na tradição mais longínqua, tem uma função de sedimentar os
conhecimentos e valores desenvolvidos na sociedade e assegurar sua
manutenção no tempo, através de sua passagem às novas gerações. As
sociedades ágrafas já faziam isso, através de ensinamentos e narrativas morais
de transmissão oral. (CALAZANS; BRAGA, 2001, p. 46)
Mas também é a partir do século XIX, conseqüência da Revolução Industrial, que o
capitalismo se consolida efetivamente no mundo ocidental. A expansão gera crises políticas e
econômicas, o que acaba levando o mundo às duas grandes guerras mundiais. Em paralelo, os
64
avanços científicos e tecnológicos se proliferam, muitos deles no campo da comunicação, com
vistas a uma melhor atuação e performance dos países industrializados.
O século XX se inicia com uma sociedade em profundas transformações, sob o ponto de
vista econômico, geográfico, político, cultural, ético e social. Novas formas de organização
societária, tanto macro quanto micro, são estabelecidas, gerando novos problemas, interesses,
questões, expectativas, necessidades, agentes e percepções sobre o papel dos indivíduos e das
instituições. (CALAZANS; BRAGA, 2001)
As décadas anteriores, particularmente as de 50 e 60, preocuparam-se com o
conhecimento e, às vezes, com o melhoramento de tudo o que rodeia o
homem. Desenvolveram-se bastante o planejamento econômico, o urbanismo,
o combate à poluição ambiental, a racionalização do trânsito, os sistemas de
comercialização em grande escala. Mas foi na década de 70 que se
começou a conceder uma importância concreta ao fato de o homem ser, ao
mesmo tempo, produto e criador de sua sociedade e cultura. Tomou-se em
conta que ele está rodeado pelo meio ambiente físico, mas, sobretudo, pelo
meio ambiente social, composto por outras pessoas com quem ele mantém
relações de interdependência. (BORDENAVE, 2006, p. 7-8)
Parte integrante dessas transformações, o espaço educacional, por sua vez, também
recebeu novas demandas. “As interações entre a escola e a sociedade antes quase reduzidas
ao ingresso do estudante e sua devolução posterior à sociedade como pessoa qualificada são
intensificadas e cotidianizadas. (...) Novas relações entre a escola e o espaço social se
estabelecem.” (CALAZANS; BRAGA, 2001, p. 46)
Como instituição historicamente responsável pelo ato de ensinar e pelo desenvolvimento
de crianças e jovens, a escola começa a ser alvo de novas propostas metodológicas, de novos
projetos de ensino e de aprendizagem e também de críticas. Frente a um novo mundo,
pesquisadores e educadores arriscam novos métodos, currículos são repensados, modelos
refeitos...
65
Uma das características do novo mundo que repercute na escola é o surgimento e a
proliferação de recursos midiáticos tecnológicos e eletrônicos que invadem todos os países,
redefinindo espaços e tempos, trazendo conseqüências imediatas para o campo econômico,
político, ético e estético, para o campo social, moral, cultural e emocional. Aos poucos, verifica-
se que as relações de interdependência entre pessoas, grupos, instituições, governos ficam, cada
vez mais, entrelaçadas e permeadas pelos meios de comunicação e toda a sua parafernália.
Dentro de cada nação, o controle da comunicação adquiriu suma importância,
visto que ela pode estabilizar ou desestabilizar governos. A Unesco iniciou
uma campanha mundial para conseguir que cada país tenha sua Política
Nacional de Comunicação. Assim se desenvolveu a grande árvore da
comunicação. Começou com os grunhidos e os gestos dos poucos homens
recém-emergidos da animalidade original, evoluiu e se enriqueceu em seu
conteúdo e em seus meios, ganhando cada vez maior permanência e alcance,
aumentando sua influência nas pessoas e, através delas, incidindo na cultura,
na economia e na política das nações. (BORDENAVE, 2006, p. 34)
28
Neste cenário comunicacional, as crianças têm, desde a tenra idade, acesso a uma gama
de informações e conhecimentos que nunca se viu antes na História. A televisão, em especial,
multiplica as experiências. “McLuhan dizia que uma criança que assiste à televisão fica velha
aos três anos e é quase um Matusalém quando começa a aprender coisas simples na escola.”
(FERRÉS, 1996, p. 23)
28
O lugar que a comunicação ocupou no dia-a-dia das pessoas, bem como nas questões estratégicas dos países, levou, inclusive, a
Unesco a criar uma Comissão de Estudo dos Problemas da Comunicação. A Comissão Internacional para Estudo dos Problemas
da Comunicação (MacBride) foi instituída em 1977 pelo então diretor-geral da Unesco, Ahmadou-Mahtar M’Bow, sob sugestão
da delegação dos EUA. Concordou-se que a comissão seria presidida por Seán MacBride, da Irlanda, e mais representantes de 15
outros países, convidados devido aos seus papéis em atividades de comunicação internacional e nacional e escolhidos entre
ativistas de mídia, jornalistas, acadêmicos e gestores de mídia. O relatório apresentado em 1978, também conhecido como "Um
Mundo e Muitas Vozes", tinha o objetivo de analisar problemas da comunicação no mundo em sociedades modernas,
particularmente em relação à comunicação de massa e à imprensa internacional, e então sugerir uma nova ordem comunicacional
para resolver esses problemas e promover a paz e o desenvolvimento humano. Entre os problemas identificados no documento,
estavam a concentração da mídia, a comercialização da informação e o acesso desigual à informação e à comunicação. Também
foi constatado o desequilíbrio gritante dos fluxos de informação entre o primeiro mundo e os países em desenvolvimento. No
relatório, a comissão propôs uma maior democratização da comunicação e o fortalecimento das mídias nacionais para evitar a
dependência de fontes externas, entre outras sugestões. Apesar de ter recebido forte apoio internacional, o relatório foi condenado
pelos EUA e pelo Reino Unido como um ataque à liberdade de imprensa e à doutrina do livre fluxo de informações. Em protesto,
ambos os países se retiraram da Unesco (suspendendo, assim, cerca de 30% do financiamento da organização) em 1984 e 1985,
respectivamente (e mais tarde retornaram, em 2003 e 1997, respectivamente).
66
No novo mundo que se apresenta, a escola, representada na figura do professor, não é
mais a detentora exclusiva do saber. Já não é mais o único espaço de formação e de informação.
Tanto a escola quanto a família deixaram de ser, ao longo do século XX, as únicas mediadoras
das formas de se educar e produzir conhecimento. O professor também o é mais visto e
sentido como o detentor do conhecimento, e muito menos os alunos, como depósitos de
conteúdos.
Teóricos da Educação afirmam que cabe hoje ao professor realizar a mediação entre o
conhecimento do aluno e o conhecimento sistematizado e organizado pela sociedade. Caberia ao
educador do terceiro milênio articular e promover, de forma intencional, de acordo com os
objetivos da escola, o aprendizado.
No início do século XXI, educar exige um exercício de encontro, de busca, de eco e de
significação das áreas do conhecimento (Matemática, ngua Portuguesa, Ciências, Histórias,
etc.) com os aspectos da chamada vida cidadã (saúde, sexualidade, vida familiar e social, entre
outros) e com os valores. Educar, de acordo com alguns estudiosos, é pôr em prática um
currículo integrado em diferentes aspectos.
Mas o que ensinar nos dias de hoje? Eis uma das grandes questões epistemológicas que
se coloca, atualmente, à escola. Afinal, qual é o papel da escola diante de novas gerações
conectadas com aparatos tecnológicos e eletrônicos, diante de gerações que estabelecem outras
estratégias para se chegar ao conhecimento? Diante de gerações que, mesmo desprovidas de
direitos, têm acesso à mídia, especialmente à televisão.
Em seu livro ‘Os sete saberes necessários à Educação do futuro’, o pensador Edgar
Morin (2001) talvez algumas pistas. Ele afirma que a função da escola é preparar a criança
para a vida, enfim: ensiná-la a viver. Mas o que é preciso aprender hoje para se viver em
sociedade? O que é preciso aprender para viver satisfatoriamente?
67
O Núcleo Curricular Básico - MultiEducação, implantado em 1996 pela Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro, parâmetro e base da política educacional das escolas
do município do Rio, estabelece uma proposta pedagógica que articula os campos da ética, da
política e da estética a princípios e núcleos conceituais: trabalho, cultura, meio ambiente,
linguagens, identidade, tempo, espaço e transformação. A proposta estabelece um ensino
conectado com a realidade dos alunos. Pode-se afirmar que a MultiEducação promove e
defende uma escola de constituição, onde o indivíduo aprende a partir de um processo
provocador, orientador, mediado, articulado e coletivo, em interação com seus pares, e onde a
aprendizagem é propulsora de desenvolvimento.
Por isso, a escola pública, que deve atender a todos, é uma instituição
indispensável para a democratização de oportunidades, na perspectiva da
sociedade do conhecimento, da ludicidade, da cultura e das artes. É preciso
considerar que nossa sociedade, no início do terceiro milênio, passa de uma
ordem industrial, centrada na produção de bens materiais, para uma ordem
pós-industrial, centrada na produção de bens imateriais: símbolos,
informações, estética e valores. (ASSIS, 2005)
Dito isso, como a escola pode-se fechar então para a linguagem televisiva? Ignorar a
cultura televisiva é ignorar a vida das crianças e dos jovens das pequenas, médias ou grandes
cidades do país. É ignorar o entendimento do mundo que meninos e meninas trazem para a
escola. É ignorar que os processos da escola reflexão, argumentação e estabelecimento de
relações racionais entre fatos e conceitos, sistematizações amplas, memórias históricas com
instrução de acervos, processos cumulativos de longo prazo sofrem cada vez mais a
concorrência e a atração dos processos midiáticos imagem, som, espetáculo, sedução,
narratividade, singularização de conceitos em torno de ocorrências visualizáveis, redução de
espaço argumentativo e atualização informativa exacerbada (CALAZANS; BRAGA, 2001).
68
É mais do que isso: é ignorar o que acontece na própria sala de aula. É excluir a
possibilidade de meninos e meninas terem um olhar crítico para sua própria cultura, sociedade,
vida. É desperdiçar uma outra (nova) forma pedagógica de sistematização dos conhecimentos e
valores.
Já é tempo, portanto, de virar o disco dos discursos sociológicos sobre o poder
da televisão e começar a encarar a mídia eletrônica como fato da cultura,
capaz de exprimir com eloqüência a complexidade e as contradições de nosso
tempo. (MACHADO, 1988, p. 11)
Não como negar o encanto da televisão. Não como negar o seu fascínio. Tomando
como base as palavras de Orlandi (1987), pode-se dizer que o fascínio da TV sobre a escola
reside na retórica. Enquanto a televisão se vale de um discurso lúdico e polêmico, a escola se
perpetua por um discurso autoritário. O discurso autoritário, no qual o objeto do discurso fica
dominado pelo próprio dizer, muitas vezes, tende à monossemia e à paráfrase. O discurso
polêmico, por sua vez, vive a tensão equilibrada ou controlada entre a polissemia e a paráfrase;
e, finalmente, o discurso lúdico, em que polissemia e reversibilidade, ao se estabelecerem
totalmente, possibilitam a inauguração de outras formas de dizer e atribuir significado
29
.
A tevê estuda seu público-alvo e lapida o seu discurso, o que muitas vezes a escola não
faz. A televisão produz e faz pesquisas, avalia a sua narrativa, o seu programa, o seu processo
de comunicação entre o público. Coloca em xeque, se for preciso, sua programação
30
. Faz de
29
No próximo subitem retomaremos a discussão sobre o lúdico e o entretenimento na TV.
30
Ao participar do I Encontro Internacional de Mídia – Rio Mídia, realizado pela MULTIRIO (Empresa Municipal de Multimeios
da Prefeitura do Rio) e pelo Centro Internacional de Referência em Mídias para Crianças e Adolescentes (Rio Mídia), em
dezembro de 2005, o diretor de programação da MTV Brasil, canal voltado para o público jovem, Zico Goés, disse que o é
tarefa nada fácil dar conta do desafio de criar uma programação para um universo tão diferente entre si e, por queo, diferente
em si mesmo. A faixa etária que assiste à MTV vai de 15 a 29 anos e tem rotinas diárias tão distintas quanto ir à escola e batalhar
no mercado de trabalho. Por isso mesmo, investir em pesquisas periódicas faz parte da estratégia da empresa. Não uma
expectativa de que os estudos realizados apontem para uma fórmula de sucesso, mas para elementos, pistas e informações que,
segundo Góes, sirvam de inspiração na hora de produzir. Pelos corredores da empresa, a palavra de ordem é inovar. Na MTV, os
produtores de conteúdo para o canal m licença para errar e experimentar sempre, se adequando aos desejos do telespectador.
Fonte: Caderno Rio Mídia, n. 1.
69
tudo para ser entendida, para que o seu discurso seja envolvente e inteligível para o público.
Trabalha com arquétipos e conflitos humanos. Tem, segundo Assis (2005), um efeito catártico
para as frustrações, desejos ou ambições de um alto número de telespectadores, entre eles as
próprias crianças.
Para Assis (2005), por exemplo, as novelas, por mais folhetinescas que sejam, trabalham
com a matéria-prima da vida, em todas as suas nuances e desdobramentos, e mesmo um reality
show, apesar da sua aparência tosca e medíocre, narra a saga de heróis, heroínas ou vilões em
busca de vitórias e prêmios.
Isto se alcança por meio da imaginação, da argúcia, da atenção, da
vingança, do ardil, da dominação, da traição e também da superação do
fracasso, da solidão, da pobreza e do sofrimento, em direção ao estrelato e à
fama, nem que seja por 15 minutos, ou longas semanas e meses. (ASSIS,
2005)
É exatamente o que atrai adultos, jovens e crianças. O fascínio, a retórica, o discurso, as
mensagens e as imagens da televisão se sobrepõem à escola. Ultrapassam os muros da escola.
Chegam aos alunos e aos professores. Mas, muitas vezes, não encontram eco nas escolas. Não
são trabalhados, (res)significados, analisados, discutidos, debatidos, repensados pelas crianças e
pelos professores. O que de certa forma é controverso. Se aquilo que o aluno aprende fora da
escola, nesse caso com a televisão, incide em sua aprendizagem, a escola não teria que dar conta
também dessa aprendizagem?
Para Ferrés (2005), se o problema do entretenimento televisivo é que muitas vezes ele
apela somente para as emoções primárias do espectador, sem levar em conta a sua
racionalidade; o problema dos educadores que analisam a mídia é que eles, muitas vezes,
pretendem ativar a racionalidade sem levar em conta a emoção.
70
Os debates educativos sobre o cinema ou a tevê que começam com as
clássicas perguntas ‘o que o autor quis dizer’ ou ‘qual é a mensagem do filme’
revelam a tendência de marginalizar as emoções, limitando-se a
racionalização. Substituímos assim o vazio dos conteúdos da TV pelo vazio
de emoção na educação. O problema é que este vazio de emoção é, de certa
forma, a causa do fracasso escolar. (FERRÉS, 2005, p. 166)
Diria mais: a televisão trabalha com um discurso que gera memória, que perpetua, que
fica. Ao contrário do discurso escolar, muitas vezes pautado na repetição e na memorização sem
relações emotivas. Professora do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), Gondar explica que não existem memórias
fora de um contexto afetivo. Ela afirma que o que afeta os indivíduos é antes um encontro, uma
palavra nova, uma experiência singular.
De todas as experiências que nós vivemos no aqui e no agora, selecionamos,
como impressões ou lembranças, aquelas que nos afetam em um campo de
relações. Todavia o que nos afeta é o que rompe com a mesmice em que
vivemos; a mesmidade não nos impressiona ou nos marca. Desse modo, se a
memória é um processo, o que o deflagra são relações e afetos em outros
termos, são jogos de força. (GONDAR, 2005, p. 25)
A escola, inevitavelmente, trabalha com a mesmice. Poucas são as que tentam e
desenvolvem um currículo que atenda à diversidade da sala de aula. Os alunos, na maioria das
vezes, são vistos como indivíduos homogêneos, pertencentes a um mesmo grupo e que,
portanto, recebem a mesma educação, por meio da mesma metodologia de ensino. A televisão
trabalha ao contrário. Ao mesmo tempo que visa pasteurizar as diferenças com sua estrutura
narrativa, trabalha para diferentes públicos e interesses.
O aparelho receptor de tevê está hoje no gabinete do banqueiro de Nova York,
no casebre do favelado do Rio, na maloca de uma tribo do Chade, no
escritório do intelectual parisiense, no cenóbio do monge budista; como
poderia a televisão sobreviver ignorando essas diferenças? (MACHADO,
1988, p. 19)
71
Neste sentido, a televisão está presente nas escolas apenas como um suporte físico,
utilizado para reproduzir vídeos e/ou documentários educativos. Um simples apoio didático. Tal
postura só faz aumentar o distanciamento entre as crianças e as escolas.
Não é estranho, portanto, que nossas escolas continuem vendo nas mídias
unicamente uma possibilidade de eliminar o tédio do ensinamento, de
amenizar jornadas presas de inércia insuportável. No entanto, a atitude
eminentemente defensiva da escola e do sistema educativo os está levando a
desconhecer ou disfarçar que o problema de fundo está no desafio proposto
por um ecossistema comunicativo no qual o que emerge é outra cultura, outro
modo de ver e de ler, de aprender e conhecer. A atitude defensiva se limita a
identificar o melhor do modelo pedagógico tradicional com o livro e
anatematizar o mundo audiovisual como o mundo da frivolidade e da
manipulação das mentes jovens, imaturas e indefesas. (BARBERO; REY,
2004, p. 60)
Vários pesquisadores brasileiros, como Baccega (2000), Belloni (2001), Citelli (2000),
Fischer (1984), Penteado (1991), Simões (2004) e Ramal (2004) revelam em seus estudos que, de
uma forma geral, a escola não a TV como objeto de discussão. Há um preconceito, velado ou
não, de que se trata de um produto de entretenimento apenas. Muitos professores vêem a TV
como um instrumento de alienação e como má influência.
Baccega (2000) afirma que a escola, constituída sobre a linguagem escrita e por uma
retórica pedagógica conservadora que julga a competência dos alunos frente à leitura, escrita e a
sua condição de reproduzir o que lhe é transmitido, tem manifestado resistências às imagens e a
todas as novas linguagens, o que a obrigaria a um repensar de suas atitudes.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), das quais a televisão é parte
integrante, possuem características essenciais (simulação, virtualidade, acessibilidade a
superabundância e extrema diversidade de informações) que demandam concepções
metodológicas muito diferentes daquelas das metodologias tradicionais de ensino, baseadas
num discurso científico linear, cartesiano e positivista. A utilização das TICs com fins
72
educativos exige cada vez mais mudanças radicais nos modos de compreender o ensino e a
didática. A escola, por exemplo, instituição especializada em socialização, ainda não absorveu
as transformações nos modos de aprender de sua clientela, trazidas pela televisão.” (BELLONI,
2001, p. 32)
Autores como Citelli (2000) destacam que a escola deve, portanto, otimizar o seu papel,
ampliando o conceito de leitura e de aprendizagem, equipando-se para entender melhor os
significados e os mecanismos de ação dessas novas linguagens.
Incluir a mídia no currículo da escola torna-se, desta forma, uma exigência
política, social e estética da maior importância. Se queremos saber mais sobre
nosso tempo, sobre a cultura em que vivemos, sobre os modos de vida que
produzimos e que nos produzem, é preciso lembrar que os meios de
comunicação existem não apenas para informar, divertir, ocupar nosso tempo
e vender produtos. (FISCHER, 2003, p. 23)
Para Ramal (2004), num momento em que os referenciais de acesso à informação
passam a ser as mídias eletrônicas, oferecer às crianças a possibilidade de desenvolver
competências relacionadas à apropriação consciente dos meios é mais do que uma atividade
pedagógica extra e ocasional.
Independente da vontade dos professores, das escolas e de políticas públicas que
incentivam a sua presença, a televisão se faz presente no ambiente escolar. A televisão não
chegou à escola por uma demanda da instituição, mas pelo interesse dos próprios alunos. A TV
pode não ter livre acesso à sala de aula, mas, seguramente, está nos corredores, nos intervalos,
nos recreios, nas conversas informais, tanto de professores quanto de alunos. “É urgente que
esses discursos outros saiam da clandestinidade e passem a constituir parte dos diálogos que
deveriam ocorrer em sala de aula.” (BACCEGA, 2000, p. 61)
73
As tecnologias estão presentes na escola pelo simples fato de na escola estarem pessoas,
indivíduos que as carregam em seus fazeres e seus pensares. Mais do que uma exigência dos
novos tempos, de uma escola mais antenada, de uma sociedade mais exigente ou de instituições
públicas e privadas que têm o objetivo de contribuir para o sucesso escolar, incluir a mídia, e
em especial a TV, na rotina escolar como parte de uma nova pedagogia é uma demanda que
vem sendo imposta pelas próprias crianças.
Durante a 4
a
Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, realizada em abril
de 2004, no Rio de Janeiro, 150 adolescentes de 40 países elaboraram a Carta do Rio e
deixaram isso bastante claro. No documento, eles manifestaram o desejo de que fossem criados
“espaços nas escolas para que eles pudessem ser preparados para receber, buscar e utilizar as
informações de forma crítica e produtiva, incluindo atenção especial às crianças e aos
adolescentes portadores de necessidades especiais”. (4
a
CÚPULA MUNDIAL DE MÍDIA
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 2004)
Lusted e Drummond (1985), no texto TV and Schooling”, identificaram três grupos de
professores a partir do envolvimento com a mídia: a) aqueles que pensam que a televisão deve
ser mantida à margem dos processos de ensino e aprendizagem; para eles, os meios de
comunicação não têm nada a ensinar; b) aqueles que eventualmente consideram que algum
programa de rádio, de tevê ou alguma notícia de jornal pode servir para estimular alguma
aprendizagem; para este grupo, apenas alguns programas são passíveis de serem trabalhados; c)
aqueles que vêem a televisão como constituinte de uma influência permanente no processo
educativo de crianças; por isso, o grupo acredita que é necessário trazer a televisão para a sala
de aula, com o objetivo de entender suas mensagens e aproveitar seu potencial.
74
2.6 - Televisão e educação: 57 anos
Um capítulo de desencontros na escola
Desde que surgiu no Brasil, a televisão foi alvo de inúmeros projetos que tinham o
objetivo, primordial, de utilizá-la como instrumento de formação por meio da chamada
Educação a Distância
31
. Na maioria das vezes, era dessa única forma que a escola via a
importância e a utilidade da televisão para com a educação.
Em paralelo, a televisão comercial fez ampliar sua audiência entre adultos, jovens e
crianças. Em sua história, ela reservou distintos lugares para o público infantil. Como relata
Ribes (2006), a primeira forma de inclusão da criança no universo do ‘público televisivo’ foi
quando a TV elaborou uma programação infantil baseada na dinâmica circense, em clássicos da
literatura universal ou em concursos de conhecimentos gerais.
A adesão das crianças foi tão grande que, em 1951, como aponta Fanucchi (1996),
alguns pais encontravam-se preocupados com tamanha atração que a tevê exercia nos seus
filhos
32
.
31
Oficialmente, essa aproximação surge em 1974, quando foi colocado em prática o Projeto Saci - Sistema Avançado de
Comunicações Interdisciplinares. Iniciativa do Ministério da Educação, do Centro Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento
Tecnológico e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o programa tinha a intenção de capacitar alunos e atualizar
professores das regiões Norte e Nordeste do país, por meio de produtos audiovisuais exibidos via satélite. O projeto durou até o
ano de 1978. Foi também, na década de 1970, criado o Projeto Minerva, cuja proposta era atender aos objetivos do governo
militar brasileiro, que, desde 1964, defendia uma mudança radical no processo educativo com a utilização de rádio e televisão. O
projeto, mantido até meados da década de 1980, foi desenvolvido pelo Ministério da Educação e pelas Fundações Padre Anchieta
e Padre Landell de Moura. No final da década de 80 e início da de 90, ainda surgiram outras iniciativas significativas, como: 1) O
programa de TV Salto para o Futuro, produzido pela TV Educativa do Rio de Janeiro; com financiamento do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), o programa era retransmitido para todo o país; 2) A TV Escola; no ar desde 1996, o canal
do Ministério da Educação foi criado para atualizar os professores em serviço; 3) A criação da Empresa Municipal de
Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro (MultiRio); produtora de mídia que, a partir de 1995, começou a produzir uma
programação de TV voltada para professores e alunos da rede de escolas municipais.
32
Quem estuda a televisão comercial aberta brasileira garante que não é de hoje que a sua programação é alvo constante de
preocupação de pais e educadores. Um bom exemplo, levantado por Mário Fanucchi, no livro ‘Nossa Próxima Atração’ (Editora
Edusp), data de 1951. Depois de um ano da chegada da TV ao país, a direção do Canal 3 TV Tupi-Difusora recebia cartas de
telespectadores. Uma delas trazia o seguinte trecho: ‘Desde que compramos uma TV o sabemos mais o que fazer para as
crianças irem para a cama no horário a que estavam acostumadas. Se a gente deixa, elas ficam grudadas na televisão ao último
programa. Vocês não têm alguma idéia para ajudar os pais desesperados?’ Na década de 50, no afã de conquistarem audiência, as
emissoras ainda davam certa atenção ao fato. Não é à toa que algumas gerações ainda se lembram de vinhetas exibidas pela
própria Tupi com o objetivo de marcar o horário da programação adulta. Fanucchi lembra que, por volta das 21h, surgia “a
75
Telespectadora assídua, a criança, num segundo momento, também passou a ser
protagonista dos programas que eram produzidos para ela. Meninos e meninas estréiam no
programa ‘Cirquinho BomBril’, apresentado pelo palhaço Carequinha (anos 50), e no
‘Teatrinho Gessy’ (anos 60).
na década de 80, uma reviravolta. Ainda de acordo com Ribes (2006), a
programação infantil rompe com as produções baseadas na literatura ou em apresentações
artísticas. Surgem as gincanas e as brincadeiras, comandadas pelas apresentadoras de programas
infantis que se transformam no carro-chefe da produção audiovisual
33
.
Esse novo formato confere à criança um novo lugar no espaço midiático: “Transformada
em cenário, ela se alterna entre a imobilidade de ser um mero pano de fundo e o incessante e
desconexo movimento das danças coreografadas, brincadeiras competitivas, degustação ou
exibição de produtos de empresas patrocinadoras”. (RIBES, 2006, p. 42)
Com a chegada da TV por assinatura, no final da década de 90, a criança passa
efetivamente a ser vista como uma consumidora e telespectadora em potencial. A programação
não se resume mais a uma faixa horária apenas, mas a 24 horas por dia ininterruptas.
Desconectada da escola e vista pelos professores apenas como entretenimento e lazer, a
televisão, portanto, foi, ao longo dos anos, crescendo e ampliando seu espaço entre as crianças.
imagem de um indiozinho [o Tupiniquim, como era conhecido o logotipo da emissora] deitadinho na rede, no interior de uma oca.
Seu cocar, que era uma antena de televisor, aparecia dependurado num dos postes de sustentação, e pela janelinha via-se a lua
num céu estrelado”. As imagens eram embaladas por uma canção de ninar que dizia: ‘Já é hora de dormir. Não espere a mamãe
mandar. Um bom sono pra você. E um alegre despertar.’ De acordo com Fanucchi, o efeito do jingle o primeiro a ser
transmitido sistematicamente pela tevê era instantâneo. “Para os pais, foi um alívio transferir para a estação de tevê a antipática
missão de afastar as crianças do receptor. Para as crianças, o recado do indiozinho era tão poderoso que anulava qualquer tentativa
de protesto. E, finalmente, para a direção da emissora era outro ponto a favor em seu esforço para agradar ao crescente número de
telespectadores. O saldo negativo ficou para os autores, responsáveis pela frustração de um sem-número de crianças obrigadas a ir
para cama no horário fatídico”, afirma o autor.
33
São desse período o Show do Bozo (SBT, 1981), o Balão Mágico (TV Globo, 1982), TV Criança (Bandeirantes, 1984), o Clube
da Criança (TV Manchete, 1985), ZYB bom (Bandeirantes, 1987), TV Fofão (Bandeirantes, 1987), Show Maravilha (SBT, 1987)
e o Xou da Xuxa (TV Globo, 1986). Fonte: Rio Mídia.
76
Entretenimento e lazer que, na prática, embora não seja visto pelas escolas, se traduzem em
aprendizagem, como bem analisa o filósofo Walter Benjamin (1984).
Segundo seus estudos, toda produção cultural voltada para as crianças representa um
diálogo silencioso entre gerações, no qual uma geração propõe à outra, vindoura, concepções de
mundo, de linguagem, de valores, de estética, de felicidade, enfim, de educação e cultura.
Nessa perspectiva, um programa de entretenimento não deixa de ensinar. Não deixa de
propor modelos, de contribuir na constituição de conhecimentos e valores. Seu conteúdo, seu
formato, seus personagens, seus cenários, os valores que promovem e que não promovem
educam estética e politicamente. (RIBES, 2006)
Assim como os brinquedos ou como os livros infantis, a programação
televisiva voltada para as crianças expressa o projeto educativo de uma
geração ou de um grupo, neste caso, marcado por todas as características que
envolvem a época em que a televisão surge, em que se expande como
tecnologia e se torna uma linguagem onipresente, inclusive entre as crianças.
(RIBES, 2006, p. 38)
Dessa forma, a televisão se transforma numa escola paralela na qual crianças de todas as
idades e classes sociais, assim como os adultos, constituem conhecimentos e valores de uma
forma mais atraente, sedutora e interessante do que o dia-a-dia da escola.
Historicamente, uma escola paralela não reconhecida pela instituição escolar nem pelos
próprios produtores de conteúdo da televisão, que alegam que a função do cinema, da
publicidade e da televisão não é educar, mas simplesmente entreter. Entretenimento, para eles e
para os professores, não tem a ver com educação, com o ato de ensinar e aprender.
Em dezembro de 2005, durante a realização de um seminário internacional sobre
77
mídia
34
, os roteiristas Ricardo Hofstetter, que foi autor do seriado ‘Malhação’
35
, da TV Globo; e
Patrícia Moretzsohn, responsável pela adaptação da novela ‘Floribella’
36
, exibida pela TV
Bandeirantes, ratificaram esse posicionamento. “Salientei que Malhação’ não é um programa
educativo e sim de entretenimento, uma vez que não contamos com profissionais da área de Educação
em nossas equipes. Entretanto, achamos interessante passar informações para o público, carente de
educação e cultura”, disse Hofstetter (2005), seguido de Patrícia:
Não temos compromisso com a educação ou a informação, mas com o
entretenimento. E, claro, um compromisso sério com o que levamos ao ar.
Como ‘Floribella’ é uma adaptação, precisamos mergulhar em uma outra
cultura e transferir certos valores para a nossa cultura. No original, as crianças
parecem miniadultos. A gente limpa isso. Mostramos coisas que, se a criança
quiser, pode imitar em casa. (MORETZSOHN, 2005, p. 51)
O posicionamento dos produtores de conteúdo de TV de descartar toda responsabilidade
educativa dos programas por eles roteirizados e produzidos nada mais é do que um reflexo da
compartimentalização de responsabilidades que se observa na cultura ocidental, como bem
destacou o professor Joan Ferrés (2005).
A excessiva fragmentação social, o uso e abuso da especialização facilitam a
falta de responsabilidades. É certo que o objetivo formal da televisão não é
educar, mas o é menos certo que a televisão, necessariamente educa ou
deseduca. É certo que a televisão se situa no âmbito do entretenimento, do
prazer, dos gostos, mas não é menos certo que toda satisfação de gostos
comporta inevitavelmente uns efeitos sobre a personalidade. As pessoas (e as
crianças mais do que ninguém) necessitam de modelos de identificação, e a
televisão satisfaz esta necessidade. Ninguém que trabalhe com a mídia pode
descartar sua responsabilidade no processo de construção de sentido e de valor
e, portanto, usa responsabilidade educativa. (FERRÉS, 2005, p.165)
34
I Encontro Internacional de Mídia Rio Mídia, promovido pela MULTIRIO (Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura
do Rio de Janeiro) e pelo Centro Internacional de Referência em Mídias para Crianças e Adolescentes (Rio Mídia). O evento foi
realizado de 12 a 15 de dezembro de 2005, no Planetário da Gávea, no Rio de Janeiro.
35
Novela exibida, de segunda a sexta-feira, pela TV Globo, desde abril de 1995, voltada preferencialmente para o público jovem.
36
Novela infantil exibida nos anos de 2005 e 2006 pela Rede Bandeirantes de TV. A novela era exibida à noite, das 20h20 até as
21h30.
78
Para os professores, o entretenimento está ligado ao prazer, ao divertimento e não à
educação. E a imagem, a antítese da palavra escrita, a base da linguagem televisiva, segue o
mesmo raciocínio. Polêmico, o professor Arlindo Machado (2001), em seu texto ‘O Quarto
Iconoclasmo’, afirma que de tempos em tempos retorna na história da cultura humana o surto do
iconoclasmo. A palavra vem do grego eikon (imagem) e klasmos (ação de quebrar). Trata-se,
segundo Arlindo, de um manifesto sob a forma de horror às imagens, denúncia de sua ão
danosa sobre os homens e destruição pública de todas as suas manifestações materiais. O autor
identifica quatro momentos em que o manifesto se fez presente em nossa sociedade. O primeiro
ocorreu nas culturas judaico-cristã e islâmica e na tradição filosófica grega. Na Grécia antiga,
diz Arlindo, as imagens não foram proibidas, mas o iconoclasmo tomou corpo no plano
intelectual, sobretudo na filosofia. “Platão certamente foi o pensador que deu à iconoclastia tal
expressão e furor, e ainda hoje o peso de sua doutrina ecoa em nossos debates intelectuais.”
(MACHADO, 2001, p. 9)
O segundo momento aconteceu durante o Império Bizantino, mais precisamente nos
séculos VIII e IX, quando a produção, a disseminação e o culto das imagens foram proibidos, ao
mesmo tempo em que os adeptos da iconofilia e da iconolatria, perseguidos e executados, e os
quadros, destruídos ou queimados em praça pública.
37
A terceira revolução contra as imagens data da Idade Moderna, no século XVI,
conseqüência da Reforma Protestante. Calvino e Lutero pregaram uma insurreição contra as
imagens e um retorno às Sagradas Escrituras, corrompidas pela expansão da idolatria.
37
O iconoclasmo, de acordo com o livro de Arlindo Machado, foi proclamado doutrina oficial pelo imperador Leão III, em 730, e
aplicado com firmeza por seus sucessores: Constantino V, Constantino VI e Leão V. A doutrina dilacerou o lado oriental do
antigo Império Romano durante mais de um século e provocou uma sangrenta guerra civil, que terminaria em 843, com a
restauração do culto aos ícones na catedral de Santa Sofia, em Constantinopla, atual Istambul.
79
Todos esses três ciclos iconoclastas se ancoraram numa crença inabalável no
poder, na superioridade e na transcedência da palavra, sobretudo da palavra
escrita, e nesse sentido não é inteiramente descabido caracterizar o
iconoclasmo como uma espécie de literolatria: o culto do livro e da letra. Para
o iconoclasta, a verdade está nos escritos. (...) A crítica às imagens se apóia
em uma crença cega na palavra escrita como única fonte de verdade. A
imagem (pobre dela!), ao contrário, permanece condenada à epiderme das
coisas: ela sempre é a representação das singularidades e nunca pode atingir
os níveis de abstração e generalização alcançados pela palavra escrita. Em
outras palavras, o mundo das imagens e dos espectadores das imagens é o
domínio dos ‘sem palavras’ e, portanto, dos ‘sem razão’. (MACHADO, 2001,
p. 12-13)
O quarto ciclo está sendo vivenciado na atualidade, na qual os novos iconoclastas
apregoam que as imagens, a partir de meados do século XX, começaram a se multiplicar em
progressão geométrica: elas estão presentes em todos os lugares, invadem nossa vida cotidiana,
inclusive a mais íntima, influenciam nossa práxis com sua pregnância ideológica, subtraem a
civilização da escrita, erradicam o gosto pela leitura e anunciam um novo analfabetismo e a
morte da palavra.
Mas não é assim que o próprio Machado (2001) a questão. O escritor afirma que, na
verdade, a escrita não pode se opor às imagens porque ela mesma nasceu dentro das próprias
artes visuais, como um desenvolvimento intelectual da iconografia. A primeira forma de escrita
que se conhece é iconográfica e, segundo Arlindo, deriva diretamente de uma técnica de recorte
de imagem. Ela nasceu de um impulso conceitual, de uma vontade de enunciar proposições
ocorrida no interior das próprias práticas iconográficas.
Portanto, a primeira forma de escrita que se conhece é iconográfica e deriva
diretamente de uma técnica de recorte de imagens. Ela nasceu de um impulso
conceitual, de uma vontade de enunciar proposições ocorrida no interior das
próprias práticas iconográficas. Se é verdade que a imagem está na origem de
toda escritura (e, nesse sentido, a escrita verbal é tão-somente uma forma
altamente especializada de iconografia), também é verdade que a imagem
nunca deixou de ser uma certa modalidade de escritura, isto é, um discurso
construído a partir de um processo de codificação de conceitos plásticos ou
gráficos. A arte, tantas vezes simplificada por seus detratores e acusada, de
80
maneira equivocada, de mimetizar o real, sempre foi uma forma de escrever o
mundo. (MACHADO, 2001, p. 22-23)
Assim, o iconoclasmo apresentado por Machado o faz sentido. Diz ele que não é
preciso muito esforço para perceber que a esmagadora maioria dos programas de televisão está
fundada predominantemente no discurso oral e que neles as imagens servem apenas como
suporte visual para o corpo que fala. Ao contrário da propalada civilização das imagens,
vivemos em uma civilização fortemente marcada pela hegemonia da palavra, seja ela escrita ou
oralizada. A aversão às imagens é, portanto, impensável e errônea.
Neste sentido, a escola estaria desperdiçando não apenas a possibilidade de conviver
com as imagens, mas também de pensar com as imagens e, conseqüentemente, com as crianças,
com seus alunos. “Aprender a pensar com as imagens mas também com as palavras e os sons,
pois o discurso das imagens não é exclusivista, e sim integrador e multimídia talvez seja a
condição sine qua non para o surgimento de uma verdadeira e legítima civilização das imagens
e do espetáculo.” (MACHADO, 2001, p. 33)
81
Capítulo 3
3.1 - As marcas da linguagem da televisão
O presente estudo deixa claro que a linguagem televisiva está, de fato, presente nas duas
escolas pesquisadas, independente da vontade e do trabalho desenvolvido pelas instituições e/ou
pelos professores. O estudo indica que a linguagem televisiva deixa, sim, marcas visíveis nas
crianças e na constituição de suas identidades. Basta olhar, sentir, interagir e refletir. Tanto a
observação quanto o questionário aplicado ratificam a forte influência da tevê.
Ao encontrarem-se diariamente na escola, as 57 crianças pesquisadas (ESCOLAS A e B)
formam um grupo coeso, que tem a televisão como referência, ponto em comum. Referência
que as une de tal forma que elas se percebem como indivíduos de uma mesma comunidade,
como bem aponta Barbero (2003) em seus estudos de recepção. Nesse cenário, os sentimentos
de identidade e de pertencimento ficam evidentes. Por meio da televisão, as crianças se
identificam mutuamente, brincam, dialogam, se informam, aprendem, se divertem, se
reconhecem, falam a mesma língua, formando uma mesma comunidade, na qual estão inseridas
e são aceitas entre si.
3.2 - O questionário
Os resultados dos questionários aplicados revelam que os espaços quantitativo e
qualitativo que a televisão ocupa dentro da escola estão interligados aos espaços que a tevê ocupa
fora da escola. E mais: esses espaços também estão interligados à interface cotidiana que os pais
e professores mantêm com a televisão.
82
Respondido por 78,9% dos responsáveis das crianças (das ESCOLAS A e B), o
questionário mostra que estamos diante de uma estrutura familiar que legitima a TV e concede à
linguagem televisiva uma importância vital para suas vidas, bem como para a de seus filhos.
Não é à toa que 66,6% afirmam que a tevê é o principal meio de informação, seguido do
jornal (15,5%), do rádio (13,3%) e da internet (4,45%). Aproximadamente 76% das famílias têm,
inclusive, dois ou mais aparelhos em casa. O tempo dedicado à televisão é significativo nos dias
de semana e aumenta, consideravelmente, aos sábados e domingos, reforçando a idéia de que a
televisão, nessas famílias, ocupa grande parte do tempo de lazer.
Quadro 1 – Quantitativo de horas que os pais dos alunos assistem à TV
Fonte – Questionário
Não por acaso, a televisão aparece em segundo lugar na lista de atividades que os
responsáveis desenvolvem nas horas vagas. O seu uso como fonte de lazer e entretenimento
(sobretudo nos finais de semana) pode ser explicado pela estratificação socioeconômica das
famílias.
De acordo com os critérios estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE): 73,3% das famílias pertencem às classes D e E (ou seja, recebem até quatro
Quantidade de horas que assiste
à televisão
Nos dias de semana Nos finais de semana
Nenhuma 6,6% 11,1%
De 1 a 2 horas 40% 22,2%
De 2 a 3 horas 31% 24,4%
De 3 a 4 horas 8,8% 17,7%
Mais de 4 horas 13,3% 24,4%
83
salários mínimos); 24,4% pertencem à classe C (de quatro a dez salários mínimos); e somente
2,2% pertencem às classes A e B (mais de dez salários mínimos)
38
.
No levantamento realizado, observa-se que a tevê é vista, pelos responsáveis, como meio
de acesso à informação, ao conhecimento, à cultura e ao entretenimento. Grande parte deles tem,
inclusive, uma avaliação positiva em relação à programação da tevê (80% classificam a qualidade
dos programas entre regular e ótima).
Cerca de 92% fazem uso da TV para se informar; 58%, para se divertir; e 52% para se
educar. Para 74%, a televisão é importante em suas vidas. Abaixo, algumas justificativas
apresentadas:
Quadro 2 – Por que a TV é importante para você?
Fonte – Questionário
Outro dado é o tipo de lazer proporcionado pelos responsáveis às crianças. Foi perguntado
aos pais que tipo de passeios eles faziam com seus filhos. O objetivo era identificar que outras
fontes de informação, conhecimento, cultura e entretenimento eram ofertadas às crianças. Na lista
dos passeios, encontram-se: 1º) praia, 2º) shopping, 3º) visita a casa de parentes ou de amigos, 4º)
cinema, 5º) praça do bairro, e 6º) parquinho do bairro.
38
Os dados se referem ao Critério Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. As informações foram publicadas no
jornal Gazeta Mercantil, de fevereiro de 2002.
Por que a televisão é importante?
- Nos ajuda a tomar ciência das notícias e dos acontecimentos do dia-a-dia.
- Porque diverte.
- Nos distrai e informa. Adquirimos conhecimento.
- É um meio de relaxar, se distrair e se informar.
- Com ela, podemos aprender muita coisa.
- Porque ensina.
- Porque de algum modo é a minha distração e a da minha família também.
- Por hábito, ela passa a ‘ocupar’ a casa. Costumamos deixá-la ligada para o caso de ‘falar’ algo que nos
interesse.
- Ela é o meio de educação mais acessível para todos, mostra a realidade da vida.
- É fonte de informação.
- Porque é o meio mais rápido para saber o que acontece no Brasil e no mundo.
84
Pelas respostas, é possível verificar que a televisão ocupa um espaço, senão o único,
muitas vezes, privilegiado de fonte de informação, conhecimento, cultura e entretenimento. E
mais: ela muitas vezes induz, inclusive, o que adultos e crianças podem ou devem fazer em
suas horas livres quando não estão sentados à sua frente.
O fato de o shopping center aparecer na segunda posição é um bom exemplo. Sua
aparição pode ser explicada pelo uso contínuo da própria televisão pelas famílias. Em seu livro,
Pintanudi (1992) lembra que é a televisão que está ininterruptamente estimulando o consumo
e o lugar em que esse consumo deve ser praticado, no caso específico, o shopping center. De
acordo com dados de 2006, a televisão recebeu 49% dos investimentos publicitários (R$ 19
bilhões). O restante foi dividido pelos outros meios de comunicação: jornal, revista, rádio e
internet.
É perceptível, portanto, o quanto a televisão faz parte do dia-a-dia dos responsáveis e o
quanto estes em sua grande maioria não desaprovam sua funcionalidade, muito pelo contrário.
Quando são perguntados se a televisão influencia positiva ou negativamente o dia-a-dia dos
seus filhos, os responsáveis se dividem: 53% dizem queo e 47%, que sim. Os que dizem que
sim, trazem justificativas bastante interessantes. Justificativas que encontram eco nas categorias
de análise que foram levantadas antes do início da pesquisa de campo.
De acordo com os resultados, quase a metade dos pais reconhece a influência da televisão
nos modos, no comportamento, no falar, no vestir, na identidade de seus filhos. Constatações que
também foram verificadas na própria sala de aula. Eis algumas respostas dadas pelos
responsáveis em relação à influência que a televisão exerce.
85
Quadro 3 – De que forma a televisão influencia na maneira de ser de seu (sua) filho (a)?
Fonte – Questionário
Embora o levantamento deixe claro que os responsáveis crêem que a televisão seja
importante para seus filhos (80% dizem que suas crianças aprendem com a TV); embora mais da
metade não estabeleça horários limitados para que seus filhos vejam tevê (aproximadamente
70%); e embora muitos deixem suas crianças assistirem à televisão sozinhas (93,3%), 72%
afirmam que proíbem certos programas, principalmente os que contêm cenas de violência e sexo.
Quadro 4 – Você proíbe seu filho de ver alguma coisa na TV? O que e por quê?
Fonte – Questionário
De que forma a televisão influencia na maneira de ser de seu (sua) filho(a)?
- Na maneira de brincar, nos desenhos que retrata, na linguagem.
- No comportamento, na educação.
- No modo de falar, conversar, se comportar. Há um vínculo com a TV.
- Na violência. No querer fazer o que a televisão mostra. Ser e querer responder como as novelas fazem.
- De alguma forma, há uma alienação da parte dela. Ela vive como se o mundo fosse uma novela.
- A criança gosta muito de copiar as outras pessoas.
- A TV influencia tudo porque através dela surgem os modismos.
- Contribui muito. Uma vez que não temos canais apropriados e que nem sempre podemos controlar o que se
passa... Então, infelizmente, nossas crianças são vítimas das telas brasileiras.
- Querem copiar as roupas, calçados, penteados e até a forma de falar.
- Pelo fato da criança estar em formação de caráter é que pode ocorrer uma formação errada. A criança, por
exemplo, fica mais agressiva depois de acompanhar tal filme ou novela.
- Se deixar, eles querem imitar os personagens da ‘malhação’ e dos ‘rebeldes’.
- Ela imita os ídolos.
- Na maneira de falar, vestir. Às vezes, algumas modas e até mesmo termos que são usados no dia-a-dia.
- Nos costumes e na maneira de se expressar.
Você proíbe seu filho de ver alguma coisa na TV? O que e por quê?
- Esses filmes de violência. Ele fica muito assustado e não consegue dormir à noite.
- Programas que não são para sua idade. Podem mexer com seus pensamentos.
- Filmes eróticos e programas que falam sobre sexo. As crianças não têm idade.
- Novelas, porque distorcem nossos ensinamentos.
- Programas com palavrões e eróticos. Podem influenciar.
- Programas com alto teor de agressividade, sexualidade, etc. Queiramos ou não, a TV se instala na cabeça das
crianças e forma conceitos. Naturaliza situações com as quais eu não concordo.
- Tudo o que é imoral. Porque ensina o que não deve.
- Cenas de novelas picantes, filmes de adultos ou programa fora da hora. Não ensina coisas boas. motivam
as crianças a fazer besteiras e bobagens na vida.
- Cenas ousadas. Acho cedo para ela ver esse tipo de coisa.
- Cenas de violência. Isso estimula que eles venham a se agredirem. Cenas de sexo. Penso que eles podem
ficar viciados e isso estimula muito esse lado deles. Eles não estão na idade.
- Existem muitos programas, principalmente os humorísticos, que apesar do seu horário de apresentação,
possuem conteúdo não adequado às crianças.
86
Todas as informações coletadas e apresentadas aqui, como afirma Orozco (1991), revelam
a estreita relação que se observa entre os responsáveis e a televisão, e isso, segundo o
pesquisador, serve de referência às crianças, serve de exemplo.
De acordo com pesquisas desenvolvidas por Orozco, as práticas de recepção e mediação
familiares são fatores que definem as práticas de mediação/recepção das crianças. Ao cruzar as
informações obtidas pelos questionários aplicados às crianças, a constatação é perfeitamente
visível, e as conclusões de Orozco, reforçadas.
As crianças, assim como seus responsáveis, m uma relação identitária e bastante
positiva em relação à televisão. A exemplo de seus pais, a TV faz parte do dia-a-dia dos meninos
e meninas, ocupando um espaço privilegiado.
Cerca de 65% das crianças (das ESCOLAS A e B) afirmam, por meio do questionário,
que quando chegam em casa, depois da escola, trocam de roupa e vão direto assistir à
programação da tevê. Praticamente metade das crianças assiste diariamente à TV por pelo menos
quatro horas (o que representa um tempo bastante similar ao que é dedicado à sala de aula).
39
Assistir à TV é a segunda atividade principal das crianças nas horas livres, perdendo
apenas para o ato de brincar com os amigos. Aproximadamente 67% dizem que aprendem com a
televisão. E 82,5% afirmam que a tevê é de suma importância para suas vidas. Muitos deixam
claro que seria muito difícil viver sem o aparelho:
Como seria o mundo se não existisse a televisão?
- Muito chato, porque a TV é que anima a gente.
- Sem a mínima graça. Porque não teria nada para fazer.
- Eu teria um troço, porque a televisão tem as coisas que eu mais vejo.
- Muito ruim, porque não ia dar para jogar videogame.
- Seria péssimo.
- Você não ia saber do que estava acontecendo em outros lugares.
- Seria horrível, porque todos seriam relaxados, porque não teria o que ver, estariam na rua fazendo graça.
- Sem graça, a gente ia sair na rua com medo, porque não ia saber o que estava acontecendo.
- Sem a televisão eu morreria, porque eu não vivo sem a TV.
- O mundo, se não existisse a TV, seria muito chato. Eu não poderia ver Rebelde, Malhação, Tele-cine pipoca, Páginas
39
O horário escolar tanto da ESCOLA A quanto da ESCOLA B começa às 7h30 e termina às 11h45.
87
da Vida. Seria muito chato mesmo.
- Não ia ter atores, apresentadores, desenhos...
- Não iam existir desenhos, filmes, novelas, videogame, seriados, comerciais, horário político e outros programas.
- Ninguém ia saber de nada. Ia ser um inferno. Não poderíamos ver as coisas.
- Ia ser uma droga.
- Seria meio maluco.
- Não iríamos saber sobre a chuva.
- Bom e também ruim, porque não teríamos as notícias.
- Sem a TV, as pessoas não fariam nada dentro de casa.
- Não teríamos humor e diversão.
- Desinformado.
- Não ia ser tão bom. Teríamos que arrumar outro jeito para nos divertir.
- Chato e sem sentido.
Quadro 5 – Como seria o mundo se não existisse a televisão?
Fonte – Questionário
E o que você faria se não existisse televisão?
- Se não existisse a TV, eu me matava e faria um montão de coisas ruins.
- Ficaria muito triste.
- Eu tentaria inventar uma.
- Eu ficaria na rua.
- Eu escutaria rádio, brincaria na rua com as minhas colegas e desenhava.
- Ouviria rádio.
- Brincava e saía de casa.
- Eu teria mais tempo para estudar.
- Eu saía, escutava rádio, ia pro parque de diversão, jogava futebol e minigame.
- Eu ia tentar criar uma de 42 polegadas.
- Eu ia ficar entediada, porque eu não ia ter nada para fazer.
- Eu morreria.
- Eu ficaria com a minha mãe, pois eu não saberia o que ia acontecer.
- Ia jogar bola.
- Colocaria o rádio no lugar da TV. Mas ficaria triste, pois não poderia ver as imagens.
- Nada. Mas se eu pudesse voltar no tempo, eu inventaria uma. Não ia deixar a televisão viciar as pessoas.
- Eu inventaria. Eu sou demais e conseguiria isso.
- Praticaria mais esportes e estudaria mais.
- Ficaria brincando para esquecer a TV.
Quadro 6 – O que você faria se não existisse televisão?
Fonte – Questionário
As respostas apresentadas acima revelam a fascinação que a televisão exerce no dia-a-dia
das crianças e, mais do que isso, o grau de dependência que meninos e meninas têm em relação à
tevê. Ao responderem às duas perguntas, as crianças revelam o quanto a televisão tem significado
para suas vidas. Os exemplos são bastante emblemáticos: Como seria o mundo se não existisse a
88
televisão? Chato e sem sentido. Sem a televisão, eu morreria, porque eu não vivo sem a TV. E o
que você faria se não existisse a televisão? Eu ia tentar criar uma de 42 polegadas.
Despindo-se de todo e qualquer julgamento prévio referente à faixa etária estudada,
procurando estranhar o familiar” (DA MATTA, 1987), e entendendo as crianças não como
adultos em miniatura
40
, as respostas espontâneas nos chamam a atenção para o grau de
dramaticidade e seriedade revelado.
Para as 57 crianças, a exemplo do que dizem os responsáveis, a importância da televisão
reside no fato de que ela possibilita o acesso à informação, ao aprendizado e ao entretenimento.
Nas palavras das crianças, a televisão é importante, pois:
1º) traz notícias do mundo;
2º) é possível aprender com ela, a TV ensina;
3º) e ela diverte.
Em outras palavras: a TV é vista como fonte de informação, ensino e entretenimento. Mas
e o que dizer das professoras dessas crianças? Como é a interface delas com a televisão fora do
contexto escolar? Também foi aplicado um questionário para cada uma das professoras.
Assim como os responsáveis e as crianças, as duas professoras também em a
importância da televisão pelo fato de que ela acesso a uma gama de informação até então
inimaginável. Elas também acreditam, como os pais, que as crianças aprendem pela televisão e
que sua linguagem pode e deve ser usada na sala de aula.
Também afirmam que a televisão exerce, sim, forte influência no cotidiano das crianças.
Uma das perguntas do questionário apresentava uma relação de atividades, ações e momentos em
que, na sala de aula, supostamente na avaliação do pesquisador, a televisão se fazia presente.
Praticamente todos os itens foram assinalados pelas professoras.
40
Como explicitado no capítulo 2, item 2.2.
89
Segundo elas, a tevê se fazia presente:
- Nas redações dos alunos
- Nas conversas informais entre professores e alunos
- Nas conversas paralelas entre alunos
- No vestuário
- Nos acessórios que os alunos utilizam (mochila, caderno, lápis, caneta...)
- Na estrutura narrativa dos alunos expressada, por exemplo, no ato de contar uma história
- Na linguagem, no vocabulário dos alunos
- Na abordagem dos assuntos
- Nas brincadeiras
- Nos apelidos criados pelos alunos
- Nos exemplos citados por alunos e professores
- Na expressão gestual dos alunos
- Nos valores apresentados pelos alunos
- Nos gostos/preferências dos alunos
- Nos estereótipos criados pelos alunos
- Nos temas de interesse dos alunos
O interessante é que cada uma das duas professoras possui uma relação diferente com a
televisão. Comparativamente, a professora da ESCOLA A assistia mais à TV (de duas a três
horas nos dias de semana e mais de quatro horas aos sábados e domingos) do que a professora da
ESCOLA B (diariamente, de uma a duas horas). Na casa da professora da ESCOLA A, havia dois
aparelhos de tevê, enquanto que na casa da professora da ESCOLA B, apenas um.
Para a professora da ESCOLA A, a televisão era a principal fonte de informação (mesmo
resultado apresentado pelos responsáveis das crianças). para a professora da ESCOLA B, a
principal fonte era a revista.
Ambas, porém, afirmavam que a televisão, além de influenciar as crianças, deveria ser
utilizada, sim, na sala de aula, embora a professora da ESCOLA A considerasse boa a qualidade
da programação da TV, e a professora da ESCOLA B achasse a programação de péssima
qualidade. Perguntadas sobre o papel da escola frente à linguagem televisiva, elas responderam:
90
“Orientar sempre, direcionando o nosso aluno, fazendo com que ele possa aproveitar o
que de bom a TV oferece e também aproveitando para mostrar o lado negativo, como o uso de
drogas, violência. Nossa juventude precisa muito de exemplos bons.” (professora ESCOLA A)
“Contribuir para a construção de um pensamento crítico diante da programação
veiculada pela TV.” (professora ESCOLA B)
3.3 - A observação
Os registros foram feitos com base na observação diária. Cada registro, em cada uma das
escolas pesquisadas, era anotado, minuciosamente, no diário de campo. Como explicado
anteriormente, haviam sido estabelecidas, pelo pesquisador, algumas categorias de análise de
que supostamente a linguagem da televisão se fazia imprimir na sala de aula. Partiu-se para o
campo com 16 categorias
41
.
A linguagem televisiva se fazia presente:
- Nas redações dos alunos
- Nas conversas informais entre professores e alunos
- Nas conversas paralelas entre os alunos
- No vestuário
- Nos acessórios que os alunos utilizam (mochila, caderno, lápis, caneta...)
- Na estrutura narrativa dos alunos expressada, por exemplo, no ato de contar uma história
- Na linguagem, no vocabulário dos alunos
- Na abordagem dos assuntos
- Nas brincadeiras
- Nos apelidos criados pelos alunos
- Nos exemplos citados por alunos e professores
- Na expressão gestual dos alunos
- Nos valores apresentados pelos alunos
41
Como consta no capítulo (página 20), foram hipóteses levantadas a partir da leitura de alguns textos e da minha própria
experiência profissional como jornalista e professor. O levantamento destas hipóteseso tinha o objetivo de viciar o olhar, mas
de orientá-lo e, acima de tudo, de tornar ‘estranho’ qualquer ação/momento escolar que pudesse ter alguma relação com a
linguagem televisiva. Era necessário ampliar, aguçar e estranhar o olhar.
91
- Nos gostos/preferências dos alunos
- Nos estereótipos criados pelos alunos
- Nos temas de interesse dos alunos
As categorias foram colocadas à prova durante a pesquisa. Em um exercício de
estranhamento (DA MATTA, 1987), algumas foram acrescidas e outras redimensionadas. Os
questionamentos que surgiam eram analisados e, muitas vezes, debatidos/conversados com os
próprios professores e crianças, favorecendo assim o diálogo, a polissemia e a postulação de
Bakhtin sobre a atitude responsiva ativa (1988)
42
.
As anotações foram então agrupadas e estudadas, a partir de idéias centrais
43
, a partir de
expressões-chave que remetiam às categorias ou o levantadas. Desta forma, foram
estabelecidas as categorias gerais de análise (fase inicial)
44
, num total de 19, a saber:
A linguagem televisiva se fazia presente:
- Na compreensão da realidade do mundo das crianças;
- Na forma de brincar;
- Nos apelidos;
- Nos exemplos e informações emitidos;
- Nos sonhos e desejos;
- No padrão de beleza, na estética;
- Nos gestos;
- Nas pichações;
- Nas músicas cantadas;
- Nos produtos consumidos;
- Nas respostas dadas nas provas;
- No uso dos cadernos;
- Na maneira de se vestir, pentear e se comportar;
- Nas redações (temas abordados);
- No planejamento do professor;
- No bate-papo entre os professores e alunos;
- Na estrutura narrativa dos alunos (a forma de contar uma história);
42
Como explicado no capítulo 1, item 1.2, “cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo por uma pessoa
encontrará, em seguida, um eco no discurso ou no comportamento subseqüente do ouvinte. Essa formulação, colocada pelo autor,
é essencial para compreender que a linguagem televisiva não é de forma alguma consumida sem nenhum tipo de filtro”.
43
Já explicado no capítulo 1, item 1.4, sobre a análise e interpretação dos resultados.
44
As observações levantadas e que deram fruto às categorias de análise foram aquelas correntes, recorrentes e constantes durante os
20 encontros em cada uma das escolas.
92
- Nos valores;
- Na ética.
Numa análise posterior, relendo as observações catalogadas e tendo, em seguida, uma
visão macro da pesquisa, já com os resultados dos questionários tabulados, foi feita uma nova
reelaboração das categorias. O novo exercício tomou como base as noções sobre a constituição
das identidades apresentadas no capítulo 1, por meio do trabalho de Lopes (2003), e no capítulo
2, por meio dos estudos de Kellner (2001), Baudrillard (1981), Jameson (1983), Maffesoli
(2006), Hall (1997), Steinberg (1997) e Lipovetsky (2006). Os autores entendem que a linguagem
televisiva apresenta aos espectadores uma nova forma de ser e estar no mundo. Uma linguagem
que projeta padrões sociais e sexuais, formas apropriadas e inapropriadas de comportamento, de
estilo, de moda e valores. Uma linguagem que demonstra como resolver problemas e como ser
feliz, bem-sucedido e popular a partir da adoção de um comportamento. E mais: que os
indivíduos constituem suas identidades a partir de suas práticas sociais, a partir de suas
experiências, a partir dos discursos produzidos, oferecidos e consumidos, e a partir das trocas que
são estabelecidas com outros indivíduos e contextos, permeadas em todos os sentidos, momentos
e espaços, hoje mais do que nunca.
O novo exercício também tomou como base os citados trabalhos de Bakhtin (1988),
Smolka (2006) e Vygotsky (1996), para os quais a identidade é constituída e reconstituída a partir
da linguagem. Identidade entendida como um conjunto de enunciados, atitudes, estados, diálogos,
condutas, sentimentos, sensações, emoções, pensamentos e expectativas.
Foi diante de todas essas leituras e releituras, desses referenciais teóricos que se chegou a
cinco categorias de análise. Categorias resultantes assim do conjunto de enunciados, atitudes,
estados, diálogos, condutas, sentimentos, sensações, emoções, pensamentos e expectativas das
crianças que tinham interface direta ou indireta com a linguagem televisiva.
93
Por meio dessas categorias, é possível revelar, observar e compreender o quanto, de fato,
a linguagem televisiva impacta, influencia e transforma a constituição das identidades das
crianças, na sala de aula
45
. São elas: Idéia de grupo (categoria que englobava as antigas
categorias: padrões de beleza (estética); valores; ética; produtos consumidos; maneira de se
vestir, pentear e se comportar; músicas cantadas; e uso dos cadernos), Entendimento do mundo
(categoria que englobava as antigas categorias: compreensão do mundo; exemplos e informações
emitidos; nas respostas dadas nas provas; no planejamento do professor; e no bate-papo entre
professores e alunos), Linguagem (categoria que englobava as antigas categorias: gestos;
pichação; redação (temas abordados); e estrutura narrativa), Imaginário (categoria que
englobava as antigas categorias: sonhos e desejos) e Brincadeira (categoria que englobava as
antigas categorias: apelidos e forma de brincar).
A pesquisa mostra que a linguagem televisiva impacta, influencia e transforma a idéia de
um grupo (primeira categoria), formado por meninas e meninos, imprimindo padrões, escolhas,
sentimentos e valores políticos, estéticos e éticos.
Essa mesma linguagem define a idéia de um grupo inserido em um contexto, em um
tempo e espaço apresentado e editado pela própria TV. Estamos diante de um grupo que entende,
compreende e interage com um mundo a partir da tela da televisão (segunda categoria).
Esse grupo coeso que está inserido em um contexto de mundo e o compreende a partir
da tevê estabelece entre si e com os outros uma linguagem similar à que lhe é apresentada pela
televisão. Uma linguagem (terceira categoria) que lhe confere um passaporte, uma legitimidade.
Estamos diante portanto de um grupo (que se identifica pela TV) que, além de ter uma
visão específica de mundo (a partir da TV) e uma linguagem própria (similar à da TV), sonha e
45
Eis aqui exatamente o objetivo geral desta pesquisa, exposto no capítulo 1, página 4.
94
deseja. Ou seja: que possui um imaginário (eis a quarta categoria) cerceado, criado, proposto,
induzido e incentivado também pela linguagem da televisão.
E é através da brincadeira (quinta categoria), meio pelo qual meninos e meninas
expressam e experimentam seus sentimentos, que a linguagem televisiva se faz presente de forma
lúdica, reforçando a idéia de um grupo que entende um mundo de uma forma e apresenta uma
linguagem e um imaginário ligados ao que é veiculado pela televisão.
3.4 - As marcas da televisão e o impacto na constituição das
identidades das crianças
• Idéia de grupo
Encontramos nossas identidades nas relações sociais que nos são impostas e nas
que procuramos. Nós as vivemos diariamente. Percebemos uma necessidade de
pertencer. E precisamos restabelecer a certeza de que realmente pertencemos.
Construímos idéias do que é essa coisa à qual pertencemos, e a definimos e a
compreendemos nas imagens que temos dela ou nas que nos são oferecidas.
Precisamos constantemente de que nos lembrem, nos reassegurem de que nosso
sentimento de pertencimento e nosso envolvimento valem a pena. Então
participamos de atividades que nos unem, atividades cujo único propósito é nos
unir. (SILVERSTONE, 2002, p. 182)
De diferentes contextos socioculturais, as crianças (tanto da ESCOLA A quanto da
ESCOLA B) se parecem e se identificam umas com as outras. Falam a mesma língua, vestem-se
igual, consomem os mesmos produtos, usam os mesmos acessórios, penteiam-se da mesma
forma...
É possível observar que as meninas se vestem igual. Quase todas se pintam, carregam
consigo bolsinhas com batons, brilhos, lápis para os olhos e espelhos. Falam sobre os mesmos
95
assuntos: em especial, paqueras, namoros e a novela Rebelde
46
. Quase todas têm mochilas de cor
rosa. Seus cadernos são parecidos, a começar pelas capas, que trazem quase sempre os mesmos
personagens, entre eles, Hello Kitty, Barbie ou Rebelde.
Fotos de 1 a 9 – Fotografias de alunas das ESCOLAS A e B
47
Os meninos também apresentam quase sempre o mesmo corte de cabelo: curto. Quando
não, aparecem com cortes que estão na moda, cheios de gel. a turma dos meninos que usam
brincos, outros que usam tênis da tribo dos skatistas. Mas todos, sem exceção, trazem nos s
tênis de marca. Os assuntos são quase sempre os mesmos: jogos da seleção brasileira, cenas de
46
Novela voltada para o público adolescente, exibida pelo SBT.
47
O uso da fotografia nesta dissertação tem apenas o objetivo de reforçar o que foi observado na sala de aula. Sabe-se o quanto as
fotografias podem ser analisadas e estudadas em profundidade. Mesmo assim, acredito ser de extremo valor trazê-las para esta
pesquisa a fim de corroborar com o trabalho e a observação.
96
filmes (em especial, os de luta) e mulheres bonitas (as da novela Rebelde). Todos os cadernos dos
meninos têm fotos das personagens femininas da novela Rebelde. Por meio das personagens, eles
se afirmam como meninos/homens perante o grupo de rapazes e de suas colegas do sexo
feminino.
Fotos de 10 a 18 – Fotografias de alunos das ESCOLAS A e B
48
Os personagens, os programas, as vinhetas, as músicas, as propagandas da TV funcionam
como uma espécie de senha e de lugar comum entre as crianças. Falar sobre o capítulo da novela
de ontem, sobre a cena da menina que deu à luz ou que morreu, sobre o esquete do programa
48
O uso da fotografia nesta dissertação tem apenas o objetivo de reforçar o que foi observado na sala de aula. Sabe-se, sim, o
quanto as fotografias podem ser analisadas e estudadas em profundidade. Mesmo assim, acredito ser de extremo valor trazê-las
para esta pesquisa a fim de corroborar com o trabalho e a observação.
97
humorístico ou da nova propaganda que foi ao ar, é falar sobre um mundo conhecido e
compartilhado por todos os colegas da sala de aula. É falar sobre suas vidas, sobre eles próprios.
Portanto, uma forma de se reconhecer como gente, como amigos, como pessoas e,
principalmente, como grupo. É no contato com o outro que a criança se reconhece e que,
portanto, se entende como grupo.
Ainda como idéia de grupo, é perceptível a influência que a televisão exerce nos valores
apreendidos pelas crianças. Valores políticos, estéticos e éticos. Essa ingerência aparece muito
nas redações das crianças. Ao escreverem sobre um determinado assunto, meninas e meninos
deixam claros seus respectivos posicionamentos e reflexões sobre os mais diversos temas.
Posicionamentos e reflexões balizados, copiados e condicionados pela linguagem televisiva,
pelos programas de TV, em especial pelos noticiários e pelas novelas.
A importância da TV para o grupo pode ser traduzida no seguinte diálogo entre a
professora e uma aluna da ESCOLA A:
– Tia, tia, a gente podia fazer uma coisa superlegal... (Menina)
– O quê? (Professora)
– A gente podia fazer uma vaquinha para comprar uma televisão para a nossa sala. Todo
o mundo topa, não topa gente? (Menina)
– Topamos (Todos respondem)
– Então, tia. A gente compra e deixa aqui ela ligada. A gente assiste a Xuxa, Super
Poderosa e o que tiver. A gente fica vendo. Uma TV só para a nossa turma. A da tarde,
não. Quando terminar o dia, a aula, a gente guarda. (Menina)
• Entendimento do mundo
Nossa jornada diária implica movimento pelos diferentes espaços midiáticos e
para dentro e fora do espaço da mídia. A mídia nos oferece estruturas para o
dia, pontos de referência, pontos de parada, pontos para o olhar de relance e
para a contemplação, pontos de engajamento e oportunidades de
desengajamento. Os infinitos fluxos da representação da mídia são
interrompidos por nossa participação neles. Fragmentados pela atenção e pela
desatenção. Nossa entrada no espaço midiático é, ao mesmo tempo, uma
transição do cotidiano para o liminar e uma apropriação do liminar pelo
cotidiano. A mídia é do cotidiano e ao mesmo tempo uma alternativa a ele. (...)
98
Consumimos objetos, consumimos bens. Consumimos informação. Mas, nesse
consumo, em sua trivialidade cotidiana, construímos nossos próprios
significados, negociamos nossos valores e, ao fazê-lo, tornamos nosso mundo
significativo. (SILVERSTONE, 2002, p. 24-25)
Para as crianças, o que a TV mostra é real, tem credibilidade e conexão direta com o dia-
a-dia. Os conteúdos produzidos e apresentados pela televisão são, na maioria das vezes, tomados
pelas crianças como verdade absoluta, servindo de exemplo para as aulas, para as conversas e até
mesmo para responder às questões da prova. Servindo, inclusive, de ponto de partida para a
resolução de problemas que aparecem. Ela dessa forma educa, serve de exemplo, de molde. Ao
longo da pesquisa, foi possível observar o quanto a linguagem televisiva servia, sim, como
parâmetro para a resolução de problemas e de questionamentos para entender o mundo.
A TV sentido ao mundo em que as crianças vivem, faz sentido. Tanto a observação
quanto o questionário deixaram claro que um dos grandes valores que as crianças concedem à
televisão é o fato de que ela propicia/possibilita o acesso à informação. Na visão dessas crianças,
as informações emitidas pela televisão, vistas como conhecimento, cultura, aprendizado,
constituem e constroem o mundo em que as crianças vivem. Em outras palavras: a tevê produz
significado, realidade para as crianças. Uma realidade, como foi abordado no capítulo 2,
fragmentada, editada, com objetivos mercadológicos e ideológicos, que é
entendida/vista/apreendida como o todo, como o legítimo, como o real por meninos e meninas.
Abaixo, algumas situações vivenciadas/observadas:
• Diálogo entre o pesquisador e uma menina da ESCOLA A:
– Marcus, você viu ontem a Zorra Total?(Menina)
– Ontem? O programa não passa aos sábados? Como ontem, segunda-feira?
(Pesquisador)
Não, Marcus. A Zorra Total da TV aconteceu aqui mesmo, no refeitório. Foi a maior
confusão. Você tinha que ter visto. (Menina)
• Avaliação de Geografia e História. Resposta de uma menina da ESCOLA A:
99
Questão 5 Você sabe o que significa FUNAI? E a que se destina? Na sua opinião, esse
órgão funciona? Explique.
Resposta - FUNAI significa Fundação Nacional dos Índios. Serve para cuidar dos índios
e protege. Eu nunca vi como funciona, mais acho que sim. Eu vi na TV que uma índia
tinha fugido da tribo, pois o filho dela tinha nascido com deficiência e os índios matam os
deficientes. Ela fugiu com ele e foi direto para a Fundação Nacional dos Índios. Na
minha opinião, acho que sim.
• Diálogo entre o pesquisador e uma menina da ESCOLA A:
– Tio Marcus, o que é energúmeno? (Menina)
– Sabe que não sei! Onde foi que você aprendeu isso? (Pesquisador)
– Eu vi na Vila Maluca. (Menina)
– Dá uma olhada no dicionário. (Pesquisador)
– Ah! Não. É muito chato. (Menina)
– Mas você chama as pessoas de energúmeno sem saber o que significa? (Pesquisador)
– Ah, mas deve ser uma coisa não muito ruim! (Menina)
– Mas o que é Vila Maluca? (Pesquisador)
– Era uma comédia que um cara fazia. Ele só fazia coisas erradas e era chamado de
energúmeno. Era um desenho que passava na Record. (Menina)
– Há muito tempo? (Pesquisador)
– Uns dois anos. (Menina)
– Nossa, e você não esqueceu? (Pesquisador)
– Não. Quando eu jogo vôlei, chamo todo o mundo de energúmeno. (Menina)
– E o pessoal sabe do que se trata? (Pesquisador)
– Acho que não! (Menina dá uma gargalhada e se vira para outra amiga)
– Tatiana, quantas vezes eu já te chamei de energúmena? (Menina)
– Sei lá, já perdi as contas. (Tatiana)
• Diálogo entre o pesquisador e um menino da ESCOLA A:
– Marcus, você já foi numa balada? O que é uma balada? (Menino)
–- Não sei. (Pesquisador)
–- Também não sei, nunca fui. Na verdade, eu ouvir falar na televisão. Sei que é um lugar
onde as pessoas vão dançar. Nunca fui, mas tinha muita vontade, afinal deve ser muito
bom, já que a televisão mostra.
• Trecho de uma redação de um menino da ESCOLA B:
Se eu fosse presidente, as idéias que eu não gostaria de guardar é a idéia de melhorar o
nosso país, como ter mais policiamento nas ruas e de mais professoras nas escolas para
o analfabetismo diminuísse. Se eu fosse professor eu poderia fazer uma campanha de
professores e professoras de tirar as crianças das ruas e botar todos na escola. Seu eu
for juiz, também eu prenderia os criminosos para que o povo do Brasil andasse nas ruas
com mais segurança.
100
• Diálogo entre duas alunas da ESCOLA A:
– Você está namorando o Paulinho? (Menina 1)
– Por quê? (Menina 2)
– Ontem, eu vi ele te traindo com outra menina. Você é a amante dele, né? (Menina 1)
• Diálogo entre o pesquisador e uma menina da ESCOLA A:
– Tio Marcus, só vou contar para você! (Menina)
– Tudo bem, o que é? (Pesquisador)
– Tem um tarado lá na praça que fica perto da escola. Ele fica lá, na praça, mostrando o
piru dele! (Menina)
– Sério?! E aí? (Pesquisador)
– Falei com a minha mãe. Ela sabe quem é. Falou que vai falar com ele. (Menina)
– Ela estava com você? (Pesquisador)
– Não! (Menina)
– Então como ela sabe quem é? (Pesquisador)
Eu tive uma idéia. Tive a idéia de fazer um retrato falado. A Tatiana desenhou para
mim. (Menina)
Mas quem teve a idéia de fazer o retrato falado? Por que um retrato falado?
(Pesquisador)
– Eu e a Tatiana. (Menina)
– Mas por que um retrato falado? (Pesquisador)
– Sei lá... Lembra da novela América? (Menina)
– Sei... (Pesquisador)
Lembra? Tinha um cara tarado que levava as crianças para casa. Era tarado. Na
novela, o cara foi preso. Foi preso porque conseguiram fazer um retrato falado dele.
Resolvi fazer o mesmo. E deu certo! (Menina)
Imagem 33 – O retrato falado feito pela menina da ESCOLA A
101
• Redação - São Carlos e Mineira entram em pânico
Imagem 34 – Ilustração da redação “São Carlos e Mineira”
No domingo passado, São Carlos e Mineira entraram em pânico e os moradores e o São
Carlos invadiu a Mineira e deu muitos tiros e jogou muita granada e três ficaram feridos
e um morto. E eu acho que o presidente Lula tinha que botar mais polícias nas ruas e nos
morros para ver se diminui a violência, porque está morrendo muitas pessoas inocentes
que não têm nada a ver com o tráfico. Fim! (Menino da ESCOLA B)
• Redação - As tragédias nos aeroportos
Imagem 35 – Ilustração da redação “A tragédia nos aeroportos”
A tragédia de aviões está cada vez pior. As pessoas estão se irritando porque os aviões
estão sendo seqüestrados. Num dia foram 44 vôos suspensos. As pessoas ficam dormindo
no aeroporto. Isso tem que acabar. Os ônibus de viagem que vão lucrar com isso.
(Menina da ESCOLA A)
102
• Redação - Pão à quilo
Imagem 36 – Ilustração da redação “Pão à quilo”
Agora, nas padarias do Rio de Janeiro, o pão deve ser pesado. Mas pão não pesa quase
nada?! Não pesava! Agora as padarias estão vendendo um pão enorme e mais pesado.
Na minha opinião, a compra do pão francês vai abaixar e a venda de pão de forma vai
aumentar. A lei vale em todo o Estado e a padaria que desobedecer a lei pagará uma
multa de aproximadamente R$ 5 mil. Se um cliente achar que o pão está pesado demais,
ele poder trocar por um menor e mais leve. (Menino da ESCOLA B)
Redação - O acontecimento da Tsunami na Ásia
Imagem 37 – Ilustração da redação “O acontecimento da Tsunami na Ásia”
Num dia, teve um acontecimento num país chamado Ásia e foi uma onda chamada
Tsunami. Ela tinha mais de 20 metros e essa onda matou todas as pessoas, só que teve
um casal antes do acontecimento. O casal resolveu ir ao fundo do mar, na hora que eles
103
estavam aconteceu. Quando eles saíram, eles viram tudo destruído. Foi isso que eu
entendi da reportagem. Fim!!! (Menino da ESCOLA B)
• Redação - Quem matou o Estevão de Cobra e Lagarto
Imagem 38 – Ilustração da redação “Quem matou Estevão de Cobra e Lagarto”
No dia em que o Estevão morreu todos ficaram suspeitos: a Bel, sua ex-mulher pelo roxo
no braço. Leona por ter ido se encontrar no local do crime. Foguinho por ter seguido o
Estevão. A Letícia por ter uma mancha de sangue e a Tia do Dudo por chegar com a
bolsa rasgada e Elen por ter um sobretudo vermelho e o Delegado achou uma linha
vermelha ou Leona que botou a arma do crime na casa de Bel. Mas tudo indica que foi a
Letícia que odeia o Estevão. Ela é uma santa, mas ainda não foi revelado, mas vai ser.
Então assista Cobras e Largatos. Beijos aos meus leitores de todo o Brasil. Fim. (Menina
da ESCOLA B)
• Redação - Criança de rua
Imagem 39 – Ilustração da redação “Criança de rua”
104
A criança de rua, a criança de rua não tem lugar para dormir, não tem o que comer, não
tem casa, não tem uma vida legal. Vocês já perceberam que tem gente que o tempo todo
reclama com a vida e a casa que tem enquanto outras (crianças) querem pelo menos
sonha em ter uma casinha para morar. Você deve imaginar o sofrimento da criança sem
carinho, sem amor, sem casa. A criança de rua precisa de você, você pode ajudar. É só
adotar uma. Muitas crianças esperam por isso e por você. As crianças precisam de
carinho, como o de uma criança. É a sua vez, ajude uma criança. (Menina da ESCOLA
B)
• Linguagem
A mídia nos deu palavras para dizer, as idéias para exprimir, não como uma
força desencarnada operando contra nós enquanto nos ocupamos com nossos
afazeres diários, mas como parte de uma realidade de que participamos, que
dividimos e que sustentamos diariamente por meio de nossa fala diária, de
nossas interações diárias. (SILVERSTONE, 2002, p. 21)
A linguagem da televisão está impregnada na expressão oral, escrita, visual e
gestual de meninos e meninas. As gírias usadas pelas crianças são um bom termômetro.
Expressões como “fala sério”, “rala daqui”, “menos”, “kaô”, “te gastou”, “rapa”, “caraca”,
doido, doido” utilizadas por personagens principalmente das novelas se incorporam ao
vocabulário das crianças em todos os momentos.
Nas redações, cujo tema era livre, também foi possível identificar a construção de uma
narrativa bastante similar à estrutura da linguagem televisiva: objetiva e concisa, utilizando-se de
alguns termos corriqueiros. Em algumas redações, é perceptível, inclusive, a noção do lead e da
pirâmide invertida, conceitos-chave da área do jornalismo impresso, televisivo e radiofônico
49
.
49
A denominação Pirâmide Invertida designa um modelo de redação de textos jornalísticos, no qual o autor organiza/estrutura a
notícia: das informações mais importantes para as menos relevantes. Dessa forma, os jornalistas colocam na abertura da matéria
os elementos mais interessantes do fato. As demais informações seguem em ordem decrescente de importância. O Lead é o
elemento estrutural mais importante. O lide é a primeira frase ou, em casos especiais, as duas primeiras frases. O princípio de
antecipar a informação se aplica especialmente ao lide, mas a ilegibilidade de frases longas contrai o tamanho do lide. Por isso,
redigir um lide é, tecnicamente, um problema de otimização, no qual o objetivo é articular o dado mais inovador ou relevante em
uma única frase, de acordo com o material da apuração.
105
• Redação - O enforcamento de Saddan Hussein
Imagem 40 – Ilustração da redação “O enforcamento de Saddan Hussein”
O Saddan Hussein foi condenado para ir para a forca porque ele era um ex-ditador e
fazia muitas maldades para o povo. E por isso, ele foi condenado para a forca. E depois
que o juiz falou isso, o Saddan Hussein falou: Que era melhor morrer fuzilado e não
enforcamento. E o juiz ficou furioso. Saiu em vários jornais. (...) E o povo do país ficou
muito feliz com a condenação, atiraram para o alto. Foram para a rua comemorar com
seus amigos e familiares. E os outros que gostavam do ex-ditador foram para as ruas e
atiraram para o alto com raiva. (Menino da Escola B)
• Redação - Morre heroína que salvou oito crianças
Imagem 41 – Ilustração da redação “Morre heroína que salvou oito crianças”
Morre aos 39 anos, Lana, a heroína de 8 crianças. Uma Kombi, em chamas com crianças
dentro, Lana passava na hora, quando a Kombi pegou fogo. Ela ficou com 80% do corpo
106
queimado e morreu depois de um mês e duas semanas. A maioria das crianças fez uma
homenagem a ela, uma pediu que colocasse uma carta no túmulo dela, outra deu uma
rosa. Ela morreu dando sua vida às 8 crianças. (Menina da ESCOLA B)
• Redação - O futebol de areia
Imagem 42 – Ilustração da redação “O futebol de areia”
Neste mês, está acontecendo o campeonato mundial de futebol de areia, nossa seleção
venceu dois jogos, um contra a Polônia por 9 x 2 e contra o Japão 10 x 2, agora o Brasil
enfrentará os EUA que, em minha opinião, é uma seleção fraca de futebol. A seleção do
Brasil está com novos jogadores que até agora estão se apresentando muito bem, fazendo
gols e dando passes. Na minha opinião, o Brasil é o favorito e também acho que irá
enfrentar Portugal na final. Os portugueses estão com tudo neste mundial e tem o
artilheiro. (Menino da ESCOLA B)
• Redação - Xixum
Imagem 43 – Ilustração da redação “Xixum”
107
No Rio de Janeiro, um turista chinês chamado Xixum visitou o Rio, mas o que tinha de
interessante nele era que ele é o homem mais alto do mundo. Ele tem 2,33m de altura e
roubou a atração mais turística do Rio de Janeiro: o Cristo Redentor. Para Xixum se
deitar na cama dele tem que ter uma poltrona extra para aumentar a cama. No fim do
dia, Xixum tirou uma foto ao lado do Cristo Redentor, deixando uma recordação muito
boa para o Rio de Janeiro. (Menino da ESCOLA B)
• Imaginário
É no mundo mundano que a mídia opera de maneira mais significativa. Ela
filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas representações singulares
e múltiplas, fornecendo critérios, referências para a condução da vida diária,
para a produção e a manutenção do senso comum. (SILVERSTONE, 2002, p.
20).
É notório como a linguagem televisiva, por meio de suas narrativas, faz parte do
imaginário, das crenças, dos desejos e sonhos. Ao longo da pesquisa, foram coletados desenhos e
ilustrações das crianças que bem expressam esses sentimentos. Indiscutivelmente, a TV opera no
imaginário das crianças, apresentando o que é o mundo, o que ela representa neste mundo, as
diversas possibilidades do que ela será e pode fazer neste mundo (mesmo que inalcançáveis).
Em uma das atividades propostas pela professora da ESCOLA B, os alunos tinham que
fazer um desenho e um texto sobre o que gostariam de ser quando crescessem. As respostas bem
ilustram os imaginários das meninas e dos meninos, cheios de clichês, estereótipos, modelos
vendidos pela tevê. Eis alguns exemplos:
Minha idéia é ser uma grande atriz e cantora muito famosa. E a metade eu dividiria
com as instituições carentes e pegaria todos os bichos abandonados. Eles precisam de
amparo. Eles se sentiriam muito felizes por causa disso. (Menina da ESCOLA A)
Meu sonho é ser modelo. Não posso também deixar de ajudar crianças que passam
necessidades nas ruas ou em suas casas. E com o dinheiro que ganho vou ajudar.
(Menina da ESCOLA A)
Se eu fosse jogador, eu queria jogar no Real Madri, no Flamengo, e em Barcelona.
(Menino da ESCOLA B)
108
Eu quero ser goleiro de futebol, porque eu via desenho de futebol. Depois, eu testei ser
jogador, bom não deu muito certo porque eu quase não fazia gol, ficava pegando o
rebote. Então eu testei ser goleiro e vi que eu agarrava bastante e desviava os chutes de
longa distância e bastante forte. Então passei a gostar e decidi escolher essa profissão
quando crescer. (Menino da ESCOLA B)
Imagem 44 – Ilustração da redação do menino da ESCOLA B
• O meu maior sonho era ser o maior projetista do mundo e apresentar ao mundo inteiro,
inclusive em Detroit. (Menino da ESCOLA B)
Imagem 45 – Ilustração da redação do menino da ESCOLA B
109
• Eu tenho a proposta de ser um motorista de Rally, pois eu gosto de carros e de andar na
terra e de muita velocidade. (Menino da ESCOLA B)
Imagem 46 – Ilustração da redação do menino da ESCOLA B
Eu adoraria ser astrólogo no futuro, eu estudaria todos os planetas e gostaria de
descobrir muito sobre planetas. Seu fizer isso eu irei realizar o meu sonho. (Menino da
ESCOLA B)
Imagem 47 – Ilustração da redação do menino da ESCOLA B
110
Eu vou consertar satélites, estações espaciais e buscar astronautas no espaço. (Menino
da ESCOLA B).
Imagem 48 – Ilustração da redação do menino da ESCOLA B
• Quero ser um grande médico e curar as pessoas doentes, assim poderia combater o alto
índice de mortes. E também iria doar boa parte de meu salário para pessoas pobres, que
não têm o que comer, não têm uma escola, não têm uma saúde. (Menino da ESCOLA B)
Imagem 49 – Ilustração da redação do menino da ESCOLA B
111
Se um dia eu for famosa, eu vou abrir uma casa para os pobres e deficientes. Se eu fosse
estilista eu abriria uma escola na qual seria professora. (Menina da ESCOLA B)
Imagem 50 – Ilustração da redação da menina da ESCOLA B
Na mesma ESCOLA B, a professora também incentiva bastante a produção de textos e
desenhos. Geralmente, os alunos podiam escrever e desenhar sobre qualquer tema.
Aleatoriamente e em diversos momentos, foram sendo coletados alguns desses trabalhos. Ao
final da pesquisa, foi reunido um total de 67 redações/desenhos. Ao analisá-los, é possível
constatar o quanto, mais uma vez, a linguagem televisiva se faz presente, principalmente por
meio de seus conteúdos que são apresentados. Cerca de 35% dos títulos e das narrativas das
redações têm ligação direta com algum fato noticiado pela televisão, conteúdo de filme ou novela
exibidos pela TV.
O questionário aplicado para a totalidade das crianças também traz um dado significativo:
foi perguntado para cada uma delas o que elas gostariam de fazer (trabalhar) quando crescessem,
onde elas gostariam de trabalhar. Das 57 respostas, 35 têm uma relação direta com a linguagem
112
da televisão, com a programação e, principalmente, com os personagens apresentados pela TV. É
um dado curiosíssimo que revela de maneira espontânea como a tevê participa do imaginário das
crianças.
Ao ler as respostas dos alunos, fiz uma correlação direta entre elas e os
programas/personagens/astros da TV que estavam, na época da pesquisa (agosto a dezembro de
2006), sendo veiculados pela televisão brasileira. Alguns exemplos:
Respostas dos alunos:
Foto 19 – Romário, jogador de futebol
- Ser jogador de futebol ou de vôlei (13 respostas)
De julho a dezembro de 2006, algumas emissoras de TV transmitiram os jogos do
Campeonato Brasileiro. Durante o segundo semestre, também foi realizado o Circuito
Mundial de Vôlei de Praia e o Grand Prix de Vôlei, com bastante divulgação.
Foto 20 – Renata Sorrah, atriz
- Ser advogada, juíza e trabalhar num Tribunal (7 respostas)
Em 31 de agosto de 2006, a atriz Renata Sorrah fez a sua primeira aparição na novela
Páginas da Vida, da Rede Globo de Televisão. Renata Sorrah interpretava Tereza, uma
procuradora do Ministério Público. Na época, o autor da novela, Manoel Carlos, disse que
tinha criado a personagem se inspirando na vida da juíza Denise Frossard, que foi,
inclusive, naquele mesmo ano, candidata ao Governo do Estado do Rio de Janeiro.
113
Fotos 21/ 22/ 23 – Gisele Bündchen, modelo; Grazielli Massafera, atriz e modelo; grupo Rebelde
- Ser modelo ou atriz (6 respostas)
Exemplos não faltam. Gisele Bündchen é capa de revistas e ganha espaço em vários
telejornais do país. A modelo Grazielli Massafera vira atriz e faz sua estréia na novela
Páginas da Vida, da Rede Globo de Televisão. Menina pobre do Sul do país, entra para o
Big-Brother, ganha o segundo lugar e é convidada para estrelar a novela pelo autor
Manoel Carlos. Faz um grande sucesso ao lado do ator Thiago Lacerda. Meninas e
meninos da novela Rebelde, do SBT, viram ídolos da garotada. O grupo mexicano se
apresentou no país no segundo semestre, percorrendo Rio, São Paulo e Porto Alegre.
Fotos 24 / 25 / 26Renata Dominguez, atriz que interpretava Cecília, estudante de Medicina na novela Bicho do Mato,
da Record; Regina Duarte, atriz que interpretava a médica Helena, na novela Páginas da Vida; Marcos Paulo, ator que
interpretava o médico Diogo, na novela Páginas da Vida
- Ser médico (8 respostas)
Bicho do Mato, novela da Rede Record, e Páginas da Vida, novela da Rede Globo de
Televisão, tinham médicos entre seus personagens. Na primeira trama, Renata Dominguez
interpretava Cecília. Bonita e inteligente, ela cursava a faculdade de Medicina e era
assediada pelas clínicas mais conceituadas da cidade. Em Páginas da Vida, havia um time
de médicos que trabalhavam num hospital. Os principais eram Regina Duarte,
interpretando Helena; e Marcos Paulo, interpretando Diogo.
Foto 27 – Lançamento de carro nos EUA
- Ser projetista de carros da cidade de Detroit (1 resposta)
114
Foto 28 – Policiais em ação
- Ser policial (1 resposta)
Foto 29 – Astronauta sobrevoando a Terra
- Ser astronauta (1 resposta)
Foto 30 – Cientista em seu laboratório
- Ser um cientista ou biólogo (1 resposta)
• Brincadeira
A brincadeira é um espaço em que os significados são construídos pela
participação dentro de um lugar partilhado e estruturado, ritualmente
demarcado como diferente da ordinariedade da vida cotidiana (...) E brincamos
com nossa mídia, e por meio dela. Brincamos com ela e em volta dela, quando,
com maior ou menor prazer, vemos e nos envolvemos com as provações
gladiatórias do jogo de futebol televisionado ou o romance manufaturado do
jogo de namoro pela TV. (...) E por esse brincar, a criança constrói um mundo
simbólico, um mundo de significados e seguranças: uma cultura privada, mas
também pública. (SILVERSTONE, 2002, p. 115-123)
115
O mundo que as crianças vêem pela tevê (e o seu conseqüente entendimento), os sonhos e
desejos despertados pela linguagem televisiva e os valores apreendidos pela TV são objeto de
brincadeiras. Além disso, o conteúdo e a própria dinâmica que envolve a produção dos programas
de televisão também constituem ou proporcionam situações de brincar entre as crianças. Elas se
divertem e brincam com o que vêem e escutam. Algumas observações corriqueiras:
As crianças da ESCOLA A são duramente criticadas pela professora pelo emprego de
palavrões. Utilizando a própria linguagem da televisão, eles dão um jeito para continuar
falando os palavrões, mas de uma forma velada e muito engraçada para eles.
– Vamos fazer que nem a televisão!
– Você é um ‘pi’ !
– Seu pai é um ‘pi’!
Um grupo de meninos da ESCOLA B brinca de produzir um programa de TV, mais
especificamente um telejornal. O conteúdo é cheio de violência e de palavrões, com o
objetivo de elevar a audiência. O nome do telejornal é “Filho da puta fala demais”.
– Estamos aqui na Vila Mimosa. Ei, levanta a câmera, cara! (Menino X)
– Esse aqui é o Daniel, a puta mais linda do pedaço. (Menino Y)
– Hoje, o programa é direto da Vila Mimosa. (Menino X)
– É um programa educativo. (Menino Y)
– O tema é Pitbull, hehehehehehehehe. (Menino X)
– Caramba, que programa é esse? (Pesquisador)
– É o ‘Filho da puta fala demais’. (Menino X)
– É um programa de TV? (Pesquisador)
– É um telejornal. (Menino X)
– Sobre o quê? (Pesquisador)
Temas sobre violência e sexo. Sabe, nossa produção não tem muito dinheiro. Esses
temas elevam bastante nossa audiência, com isso ganhamos mais com a propaganda,
hehehehe. (Menino X)
– O estojo serve para quê? (Pesquisador)
– Hehhehee, é a nossa câmera. Enquanto há briga, a audiência é ótima. (Menino X)
Os apelidos colocados uns nos outros, tanto na ESCOLA A quanto na ESCOLA B, têm
ligações com os conteúdos televisivos, seja por conta dos personagens de novelas,
comerciais ou de filmes que passaram na televisão. Alguns apelidos: Chucky e Shrek
(personagens de filmes exibidos repetidas vezes pela TV aberta e fechada), Filó
(personagem de programa humorístico do SBT), Frajola, Lola e Virgínia (personagens de
desenho animado), Cenoura e bronze (comercial de cosmético/bronzeador), Telão
(referência a uma televisão grande, de 42”).
116
Foto 31 – Chucky
Foto 32 – Shrek
Foto 33 – Frajola
Foto 34 – Lola e Virgínia
Tanto os meninos da ESCOLA A quanto os da ESCOLA B brincam de lutas. Lutas
inspiradas em desenhos animados e séries de TV, como Power Rangers, que também
ganham espaço em seus cadernos.
Fotos 35/ 36 / 37 Cadernos dos alunos da ESCOLA A trazem imagens de lutas de desenhos animados. Última foto
mostra a brincadeira inspirada nos desenhos
117
Capítulo 4
Afinal, os pais, o entorno da escola e os professores fazem diferença?
Como foi exposto no capítulo anterior, de fato os pais/responsáveis das 57 crianças
exercem uma forte influência sobre o uso/entendimento que suas crianças/filhos fazem/têm da
televisão. Há uma espécie de rebatimento: a relação que os pais estabelecem com a televisão é a
mesma das crianças, a começar, como explicitado, pela funcionalidade que a televisão tem
para os dois grupos: a tevê, para ambos, serve para informar, educar e entreter. Os gostos dos
pais/responsáveis servem de exemplo, de parâmetro. Os pais/responsáveis ainda são vistos pelas
crianças como modelos a serem seguidos.
Quando observamos o entorno escolar, isto é, a localização em que se encontram as duas
escolas, é preciso analisar com cuidado. As duas unidades escolhidas para participar desta
pesquisa foram selecionadas por se encontrarem em regiões diferentes quanto ao número de
equipamentos culturais existentes em seu entorno. Esse cenário diferente exerceria alguma
influência? Este era um dos questionamentos, que a ESCOLA A se localiza em Deodoro, um
dos bairros da cidade do Rio de Janeiro completamente desprovido de equipamentos culturais
50
.
Enquanto que a ESCOLA B se encontra no bairro do Centro do Rio, que apresenta o maior
quantitativo de equipamentos culturais
51
.
50
A denominação e delimitação do bairro de Deodoro foram estabelecidas por meio do decreto 3158 de 23 de julho de 1981,
com alterações do decreto n° 5280 de 23 de agosto de 1985. Com uma área de 464 hectares, Deodoro é um dos bairros que integra
a 33ª Região Administrativa (RA) da cidade do Rio de Janeiro, que, por sua vez, pertence à Área de Planejamento, uma das
regiões do município que possui o menor índice de equipamentos culturais (ao todoo 64 unidades, porém nenhuma localizada
em Deodoro). Segundo o Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Deodoro
tinha, em 2000, uma população de 11.593 pessoas, sendo 55,5% na faixa dos 20 aos 59 anos de idade. O número de crianças na
faixa etária dos 9 aos 13 anos correspondia a 7,9% do total (924). Na época, havia 3.041 domicílios, sendo 1.695 casas, 1.326
apartamentos e 9 cômodos. Em 2006, o bairro era atendido por seis unidades municipais escolares, responsáveis pela educação de
1.584 crianças e jovens, de acordo com dados do Instituto Pereira Passos. A ESCOLA A era uma dessas unidades. Na época, a
escola atendia 271 crianças, da Educação Infantil à 4ª série do Ensino Fundamental. Do total, 44 estavam matriculadas na 4ª série,
sendo 23 na parte da manhã e 21 à tarde.
51
A denominação e delimitação do bairro foram estabelecidas por meio do decreto 943 de 5 de outubro de 1967, com
alterações do decreto 5.280 de 23 de agosto de 1985. O bairro ocupa o 32º lugar no ranking de melhor Índice de
118
A hipótese levantada era que o impacto da linguagem televisiva sobre as crianças e a
presença dessa linguagem na sala de aula seria maior entre os alunos da ESCOLA A, localizada
em Deodoro. Partia-se do princípio de que, sem acesso a outras fontes de cultura, conhecimento
e entretenimento, a televisão teria um destaque maior no dia-a-dia do grupo da ESCOLA A,
diferentemente dos estudantes da ESCOLA B, cujo entorno apresentava o maior número de
equipamentos culturais da cidade do Rio.
O questionário mostra que, de fato, a linguagem televisiva ocupa um maior destaque no
cotidiano das crianças/alunos da ESCOLA A. Comparativamente aos estudantes da ESCOLA
B, os da ESCOLA A assistem muito mais à tevê. Do total de alunos da ESCOLA A, 59% dizem
que assistem, diariamente, a mais de quatro horas de televisão. Na ESCOLA B, o número chega
a 42,8%, não alcançando a metade. Além de assistirem mais à TV, os alunos da ESCOLA A
têm em suas casas, proporcionalmente aos da ESCOLA B, um maior número de aparelhos de
tevê.
Talvez o fato de os alunos da ESCOLA A assistirem mais à TV do que os da ESCOLA
B esteja realmente ligado à localização em que eles e sua escola se encontram. Desprovidos de
outras fontes de cultura e conseqüentemente de uma infra-estrutura que acompanha os bairros
que apresentam um bom quantitativo de equipamentos culturais, os estudantes em e têm a
televisão como senão a única uma das principais fontes de entretenimento. Ao entrevistá-
los, 63% das crianças da ESCOLA A afirmam que assim que chegam em casa vão direto ver
televisão. Da ESCOLA B, 65% dizem que também vêem televisão, mas essa não é a primeira
Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade. Com uma área territorial de 572 hectares, o bairro do Centro integra a II Região
Administrativa (RA) da cidade do Rio de Janeiro, que, por sua vez, pertence à 1ª Área de Planejamento, a região do município que
possui o maior índice de equipamentos culturais da cidade (504, sendo 349 somente no Centro). Segundo o Censo Demográfico
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Centro do Rio tinha, em 2000, uma população de 39.135
pessoas. O número de crianças na faixa etária de 0 a 14 anos correspondia a 14,3% (5.614). Na época, havia 16.844 domicílios,
sendo 859 casas, 14.275 apartamentos e 1.210 cômodos. Em 2006, o bairro era atendido por dez unidades municipais escolares,
responsáveis pela educação de 6.422 crianças e jovens, de acordo com dados do Instituto Pereira Passos. A ESCOLA B era uma
dessas unidades. Na época, a escola atendia 521 crianças da Educação Infantil à série do Ensino Fundamental. Do total, 103
estavam matriculadas na 4ª série, que oferecia um turno pela manhã e outro à tarde.
119
atividade a ser realizada imediatamente após quando se chega em casa. Muitas vezes, o ato de
assistir à tevê, diferentemente da ESCOLA A, é deixado somente para o início da noite.
Outro dado interessante é que, entre as atividades que mais gostam de fazer quando não
estão na escola, os dois grupos de crianças (ESCOLAS A e B) listam em primeiro lugar, brincar
com os amigos, e em segundo, ‘ver televisão’. No entanto, no caso das crianças da ESCOLA B,
logo em seguida, por poucos pontos percentuais de diferença, aparece o ato de brincar no
computador, atividade que sequer é mencionada pelas crianças da ESCOLA A.
O dado reforça uma tendência mundial. Algumas pesquisas mostram que as crianças e os
jovens das atuais gerações estão cada vez mais deixando de lado a televisão, migrando assim
para a tela do computador. Essa característica dos alunos da ESCOLA B o tem, a priori,
nenhuma ligação com o entorno escolar, ou seja, com a localização da escola, mas sim com o
perfil econômico das famílias dos alunos. A renda familiar das crianças da ESCOLA B é maior.
Enquanto 72% das famílias da ESCOLA A recebem pouco mais de dois salários mínimos
(sendo apenas uma família com uma renda entre cinco e dez salários), 81,3% das famílias da
ESCOLA B recebem mais de dois salários mínimos (sendo quatro famílias com uma renda entre
cinco e dez salários e uma família com mais de dez salários).
A priori, esse fato, como descrito acima, não tem realmente nenhuma relação efetiva
com a localização da escola, mas uma linha de raciocínio pode de certa forma reforçar, sim, essa
interface. A ESCOLA B está localizada no Centro do Rio, bairro que apresenta o maior número
de equipamentos culturais da cidade. Trata-se, portanto, de um bairro que traz consigo toda uma
infra-estrutura dos grandes centros urbanos, desde um amplo sistema de transporte, saúde,
educação, entretenimento, comércio até um amplo sistema de telecomunicações, oferecendo,
dessa forma, aos seus moradores uma oferta maior de bens e serviços. Nesta perspectiva, as
crianças que moram no Centro do Rio têm um acesso facilitado a toda essa infra-estrutura,
120
conectada a diversos setores. Mesmo que não sejam usuários em potencial de toda a infra-
estrutura do bairro, as crianças do Centro do Rio têm mais acesso a uma gama de informações e
serviços do que os seus colegas de Deodoro. Não é à toa que no ranking do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, o bairro do Centro ocupa a 32ª posição. Deodoro, a
50ª colocação. É importante destacar que não estou aqui advogando o que os antropólogos
chamam de determinismo geográfico, que considera que as diferenças do ambiente sico
condicionam a diversidade cultural. Não é o caso. As diferenças existentes entre as pessoas não
podem ser explicadas em termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato
biológico ou pelo seu meio ambiente. Mas o fato é que o meio ambiente, o entorno em que as
crianças crescem, participa, sim, da constituição de suas identidades, é um dos elementos que
exerce impacto sobre seu cotidiano. Isso não pode ser desconsiderado. Neste sentido, o que
observamos é que realmente parece que a localização dessas duas escolas contribuem
diferentemente, mesmo que timidamente, na relação que meninos e meninas estabelecem com a
televisão, conseqüentemente com o impacto que a linguagem televisiva tem sobre a constituição
de suas respectivas identidades. Pelo que foi colocado até agora, tanto os pais quanto o entorno
escolar estabelecem influências na interface entre as crianças e a televisão.
Mas a figura do professor também viria a condicionar uma maior ou menor
aproximação? Pela pesquisa realizada, a resposta é negativa. A relação que os professores
mantêm com a televisão em seu cotidiano não interfere na relação que as crianças têm com o
meio de comunicação. No entanto, a relação que os professores mantêm com a tevê em seu
cotidiano interfere drasticamente na forma pela qual a linguagem televisiva se faz presente na
sala de aula. E mais: interfere no trabalho pedagógico desenvolvido entre a escola e a televisão.
Antes de qualquer coisa, fica claro o quanto as duas professoras analisadas sabem da
importância da dia no dia-a-dia das crianças. Sabem o quanto a mídia, em especial a
121
televisão, exerce forte influência, como já apresentado no capítulo anterior. Porém, parece que a
preocupação fica apenas no discurso, no papel. Ao longo dos 20 encontros, em cada uma das
unidades, em nenhum momento houve, por parte das professoras, uma conversa, um bate-papo,
uma aula sobre a mídia, sobre os meio de comunicação, sobre o impacto desses meios nas vidas
das crianças. Nem sequer houve algum momento em que as professoras partiram de um
exemplo dado pelo aluno, de alguma brincadeira, de algum bate-papo entre os estudantes para
questionar, analisar, debater algo sobre a televisão: sua estética, seus valores, seus padrões de
comportamento, sua objetividade, seus interesses econômicos e políticos. Com certeza, não foi
pela falta de oportunidades que esse questionamento não ocorreu.
Na ESCOLA A, em Deodoro, a professora de sala de aula tinha uma relação muito
próxima com a tevê. Telespectadora assídua, a professora revelou inclusive que a televisão
funcionava para ela como uma companhia, conseguia dormir com o aparelho ligado. A tevê
era a sua principal fonte de informação. Porém, essa relação próxima com a televisão não ficava
transparente na sala de aula. A professora comentava algo relativo à televisão quando era
para exemplificar algum conteúdo ou quando o tema (a cena de uma novela, de um programa
humorístico ou de um telejornal) era mencionado pelas crianças. Nessas ocasiões, a professora
participava do bate-papo com interesse apenas de telespectadora, nada mais. Os temas
levantados eram comentados, sem nenhuma análise crítica ou aprofundamento daquilo que tinha
sido exibido ou daquilo que as crianças tinham entendido. A professora se comportava, em
todos esses momentos, como telespectadora, igual aos seus alunos e muitas vezes em um “grau
de inferioridade”, que afirmava que não tinha visto tal cena ou programa mencionado pelos
alunos (pedia então para eles narrarem o que tinha acontecido).
É importante observar que esses bate-papos aconteciam quase todos os dias e em
diversos momentos durante a aula. A professora permitia a conversa entre os estudantes. Logo
122
que chegavam à escola, por exemplo, a professora concedia uns cinco, dez minutos para os
alunos conversarem, trocarem idéias, depois iniciava a aula. Eram nesses momentos que a
presença da linguagem televisiva era bastante perceptiva
52
.
Na ESCOLA B, no Centro da cidade do Rio, foi encontrada uma outra realidade. A
professora dizia que não via televisão. Não tinha tempo nem costume. Seu pai, na época da
adolescência, proibia-lhe de assistir a alguns programas, incentivando outras atividades, como a
leitura. O aparelho de TV entrou em sua casa quando ela tinha 12 anos de idade. Hoje, a
professora diz que assiste raramente a um telejornal ou um outro programa no final de semana.
Sua principal fonte de informação são as revistas. Diante desse contexto, eram raros os
momentos em que a professora falava algo sobre a televisão. Muito pouco mesmo e muito
menos do que a professora da ESCOLA A. Pouquíssimas vezes a televisão servia até mesmo
para reforçar, por meio de uma cena ou programa, algum conteúdo.
Na prática, a metodologia adotada e aplicada pela professora da ESCOLA B o
permitia muito bate-papo entre os estudantes. Da hora que chegavam à hora da saída, os alunos
tinham o tempo todo tomado por exercícios, aulas expositivas e trabalhos em conjunto. E
diariamente tinham que escrever uma redação sobre um determinado assunto. Não havia,
portanto, muito espaço para conversas e bate-papos
53
. Diante desse cenário, encontrei, num
52
Rotina da ESCOLA A: de segunda a sexta-feira, os alunos tinham aulas de Matemática, Língua Portuguesa, Estudos Sociais e
Ciências. As aulas eram ministradas por uma única professora, numa mesma sala de aula. Mas as crianças também tinham aulas
de Educação Física, duas vezes por semana (segunda e terça-feira), aulas de Ensino Religioso, uma vez por semana (quarta-feira),
e uma outra aula (quinta-feira), que acontecia na Sala de Leitura. Na rotina da turma, não havia recreio. Assim que os alunos
chegavam, era realizado um bate-papo breve e, em seguida, eles eram dirigidos ao refeitório para fazer o chamado desjejum. Às
11h25, as aulas terminavam para ser servido o almoço. Ao longo dos 20 encontros, foi possível acompanhar o dia-a-dia das aulas,
duas reuniões de professores, um encontro com os pais, uma semana de aplicação de provas e alguns eventos festivos promovidos
pela escola.
53
Rotina da ESCOLA B: de segunda a sexta-feira, os alunos tinham aulas de Matemática, Língua Portuguesa, Estudos Sociais e
Ciências. As aulas eram ministradas por uma única professora, numa mesma sala de aula. Mas as crianças também tinham aulas
de Educação Física, duas vezes por semana (quarta e sexta-feira). Diferentemente da ESCOLA A, os estudantes da ESCOLA B
não tinham desjejum. Porém, tinham recreio. Todos os dias, das 10h20 às 10h45. Nesse intervalo, para quem quisesse, era servido
o almoço do dia. Poucas crianças de fato almoçavam. Ao longo dos 20 encontros, foi possível acompanhar o dia-a-dia das aulas,
duas reuniões de professores, um encontro com os pais, uma semana de aplicação de provas e alguns eventos festivos promovidos
pela escola.
123
primeiro momento, certa dificuldade de identificar a presença da linguagem televisiva na sala de
aula, na oralidade das crianças o que era bastante perceptível na ESCOLA A desde o primeiro
dia da pesquisa.
Fiquei intrigado: a linguagem televisiva não estaria presente no cotidiano daqueles
alunos, além, é claro, da influência sobre vestuário, consumo e modelos de comportamento? Os
alunos não conversavam sobre a televisão, sobre a linguagem da TV? Mas, ao conhecer a
metodologia da professora, percebi que, na verdade, a linguagem televisiva estava tão presente
na sala de aula da ESCOLA B quanto na sala de aula da ESCOLA A. Porém, de uma forma
diferente. Por não dar muito espaço à oralidade e incentivar, diariamente, a produção textual, a
linguagem televisiva estava presente nas redações dos alunos. Toda aquela oralidade sobre a
televisão, característica do dia-a-dia da ESCOLA A, estava impressa nas redações dos alunos da
ESCOLA B. Se não podiam dar vazão à linguagem televisiva (seu impacto e sua influência) por
meio da oralidade e da brincadeira, os alunos da ESCOLA B faziam isso por meio das letras. E
como faziam. Extravasavam ali toda a sua intimidade com a linguagem televisiva, já
apresentada no capítulo anterior.
Sem trazer a linguagem da televisão para o debate, as professoras ignoravam muitas das
atividades que as crianças desenvolviam, atividades que (bastava observar) tinham estreita
ligação com a tevê. A brincadeira dos alunos da ESCOLA B de reproduzir um telejornal na sala
de aula; o episódio do retrato falado, feito durante a aula; a brincadeira de um dos alunos da
ESCOLA A de dar movimento aos seus desenhos a partir do que tinha aprendido na tevê são
alguns dos muitos exemplos ignorados pelas professoras. Exemplos riquíssimos que poderiam
ter sido explorados, mas nem sequer foram diagnosticados. O fato é que elas ignoravam até
mesmo o que estava diante dos olhos, como a conversa diária dos alunos da ESCOLA A e o
conteúdo que era apresentado nas redações dos estudantes da ESCOLA B.
124
É bem provável que diante desse cenário façamos algumas relações e possíveis
justificativas para o quadro que se apresenta. De imediato, vêm duas colocações: a idade das
professoras e sua formação. Pelo exposto, estaríamos diante de profissionais com bastante
tempo de magistério e sem muitos anos de estudo. Afinal, professoras jovens (que nasceram e
cresceram com a TV) e com mais anos de estudo, teriam um outro olhar para com a mídia,
estabelecendo uma interface maior entre televisão e escola.
Porém, não é exatamente o que se apresenta. É bastante curioso. A professora da
ESCOLA A, talvez, se enquadre exatamente nessa hipótese. Ela tem 46 anos e cursou, até o
presente momento, o curso superior de Pedagogia. Tem mais de dez anos de profissão e cumpre
uma jornada de seis a 12 horas. a professora da ESCOLA B pertence a uma geração bem
mais atual. Ela tem 25 anos. Na época da pesquisa, tinha terminado o Mestrado e estava
aprovada para cursar o Doutorado no ano seguinte. Sua jornada de trabalho era de seis horas, e
ela estava na profissão há não mais do que dez anos. Seguindo a linha de raciocínio apresentada,
a professora da ESCOLA B, a mais nova e com mais anos de estudo, trabalharia de uma forma
muito mais espontânea com e sobre a TV do que a sua colega da ESCOLA A. A professora da
ESCOLA B estaria muito mais inserida no mundo tecnológico/fascinante da televisão do que a
professora da ESCOLA A, já que ela tinha nascido em plena década de 1980, quando a
porcentagem de domicílios com TV passou a aumentar cada vez mais. Poderíamos arriscar em
dizer que devido à idade, a cultura da professora da ESCOLA B estaria muito mais próxima dos
alunos do que a da professora da ESCOLA A.
Tudo suposições infundadas. Na prática, o que se observou foi exatamente o contrário.
Era a professora da ESCOLA A quem, na verdade, promovia, de certa forma, uma maior
abertura para a linguagem televisiva na sala de aula. Ou melhor: permitia, pelo menos, que seus
alunos falassem livremente sobre e da TV, sem nenhum tipo de corte. Ao contrário da
125
professora da ESCOLA B, em cujas aulas não eram permitidos a conversa paralela, a
brincadeira, o comentário sem estar relacionado ao conteúdo da aula. É óbvio que os alunos não
respeitavam tal metodologia, mas era assim que funcionava.
Ao conversar com as professoras, foi possível descobrir que a televisão começou a fazer
parte do dia-a-dia delas em idades diferentes. A professora da ESCOLA A, natural de Belém, no
Pará, viu pela primeira vez uma televisão aos 7 anos de idade, quando seu pai, de volta de
uma viagem que tinha feito ao Rio de Janeiro, levou um aparelho na bagagem. Embora bem
mais nova, a professora da ESCOLA B só teve acesso à televisão em casa quando completou 12
anos de idade. Seus pais não viam com bons olhos a presença da televisão. Passou toda a sua
infância sem contato com o aparelho. Os dados apresentados mostram que nem a idade nem a
formação intelectual das professoras são fatores preponderantes e/ou determinantes que
asseguram um entendimento maior ou menor da importância de se trabalhar com a televisão na
sala de aula.
Foi possível também, ao longo da pesquisa, participar de conselhos de classe (reunião de
professores), bem como de reuniões entre pais e professores. Em nenhum desses encontros, a
presença da televisão, a sua influência era pauta sequer de um bate-papo informal entre
professores e pais. Discutia-se tudo: indisciplina dos alunos, falta de atenção dos estudantes,
rendimento das crianças, novas formas/possibilidades de metodologia de trabalho das
professoras, o quantitativo de falta dos alunos, os problemas familiares dos alunos que estariam
sendo sentidos na sala de aula, o curso da política educacional do município, os problemas
administrativos da escola, o salário dos professores, a importância de desenvolver projetos em
126
conjunto (entre classes e professores)... mas nada sobre televisão
54
. O mesmo acontecia nas
reuniões que contavam com a participação dos pais dos estudantes.
Ao longo dos 20 encontros em cada escola, ficou bastante visível que as professoras
faziam uso da linguagem televisiva (quando faziam) apenas com o objetivo de reforçar algum
conteúdo programático que estava sendo trabalhado. Embora no questionário tenham deixado
claro que a escola, como instituição, deveria, sim, utilizar a programação da tevê para trabalhar
valores com seus estudantes, a linguagem televisiva, na sala de aula, assumia o-somente a
função de fonte de informação. Nada mais.
Capítulo 5
Considerações finais
54
Apenas uma vez o assunto veio à tona na reunião de professores da ESCOLA A. Na verdade, o tema foi levantado por uma
professora de uma outra turma, que, ao saber da minha pesquisa, mostrou-se interessada e disse que a influência da televisão sobre
as crianças era tamanha e que muitas vezes os professores nem sequer percebem tal fato.
127
Ao concluir a pesquisa (com base na delimitação feita), é possível chegar a algumas
conclusões, respondendo aos questionamentos iniciais, relativizando as hipóteses levantadas e
formulando outras que merecem ser foco de novos estudos.
1 Embora haja um senso comum de que a linguagem televisiva exerce forte influência
sobre as crianças, poucos estudos se debruçam em avaliar se essa influência se faz presente na
sala de aula, na escola espaço de sistematização de conhecimentos e valores. A presente
pesquisa mostra que isso ocorre sim e que, talvez, o espaço escolar seja o lócus no qual essa
presença se faz mais forte, uma vez que é lá, diariamente, que os alunos, em grupo, rodeados de
colegas de sua idade, dialogam sobre o que viram e ouviram, trocam informações, idéias e
experiências. Fatos que acontecem muito mais na escola do que na casa das crianças. Muitas
delas assistem, sozinhas, à programação da televisão. Outras não têm nem tempo de debater com
seus responsáveis sobre o que foi exibido. É na escola que essa discussão se estabelece e se
desenvolve. Analisar o impacto da influência da TV sobre as crianças na escola é um exercício
revelador de significados, que estamos nos reportando a um espaço que tem, mais do que
qualquer outro, um caráter civilizatório de ensino de conhecimentos e valores.
2 A presença da linguagem televisiva, como exposto no capítulo três, contribui, sim, na
constituição das identidades das crianças. Identidades no plural, pois estamos diante de uma
identidade, como explicitado, volátil, criada e recriada a cada instante. A linguagem televisiva
por conta de sua onipresença impacta/remodela/constitui conhecimentos e valores das
crianças. E faz isso de uma forma despercebida das próprias crianças e de alguns adultos. Faz
isso de uma forma natural e principalmente lúdica, que tem significado para meninos e meninas.
Trata-se de uma linguagem que constitui um grupo de crianças, que lhe dá referência. Trata-se de
uma linguagem que mostra o mundo de uma maneira simples, objetiva e concisa. Trata-se de uma
linguagem que apresenta e condiciona sonhos, fantasias e desejos. Trata-se de uma linguagem
128
que participa da elaboração da linguagem das crianças, da construção de sua narrativa, do seu
dia-a-dia. Trata-se de uma linguagem que propicia, a partir dela e com ela, a brincadeira. Ou seja:
trata-se de uma linguagem que participa da criação das crianças, de uma fase em que estão sendo
transmitidos, debatidos, ensinados, analisados e experimentados, dentro e fora da escola,
conhecimentos e valores, questões políticas, estéticas e éticas.
3 – O fascínio que as crianças têm pela televisão e o poder que a linguagem televisiva tem
sobre as crianças são, na maioria das vezes, reforçados pelos hábitos e costumes dos próprios
pais/responsáveis. Embora tenham algumas críticas à programação da tevê, os pais/responsáveis
creditam à TV uma importância inestimável. Para os pais, a televisão é o principal meio de
comunicação, de entretenimento, de informação e de lazer. Para eles, a televisão tem um lugar de
destaque. E mais: muitos a vêem também como uma fonte de aprendizado. Tais posturas
reforçam, estimulam e incentivam o contato das crianças com a televisão. Em casa, ver televisão
é permitido, incentivado e aprovado.
4 Nas escolas pesquisadas, o ato de ver televisão não é incentivado como forma de
adquirir ou debater, a partir dela, conhecimentos e valores. ainda um distanciamento entre a
linguagem televisiva e a escola. A escola a televisão como suporte. Suporte para os conteúdos
disciplinares que devem ser ensinados aos alunos. Oficialmente, a televisão entra na sala de aula
apenas para reforçar o exemplo do professor, a questão apresentada no livro didático ou a história
do país ou do mundo. Televisão, para as escolas pesquisadas, é entretenimento.
5 Pelo que mostra a pesquisa, essa visão é compartilhada tanto por antigos profissionais
de ensino quanto pelos novos. Observamos duas turmas. Cada uma era coordenada por uma
professora. Uma tinha 46 anos, e a outra, 25. Ambas as gerações tinham o mesmo sentimento
para com a televisão. Viam da mesma forma a importância e a funcionalidade da TV. A idade,
portanto, não é um elemento diferencial que provoca alguma mudança na interface entre a escola
129
e a televisão. Nem idade, nem formação (como foi explicitado no capítulo 4). Ao final da
pesquisa, a professora de 25 anos estava matriculada no curso de Doutorado em Letras. A
professora de 46 anos tinha encerrado seus estudos no curso superior de Pedagogia.
6 Talvez o que seja/exerça realmente um diferencial na interface entre a escola e a
televisão é o contexto vivido e experimentado pelos professores. É a relação que eles estabelecem
com a TV, desde a infância até os dias de hoje, que determinará que tipo de interface será
estabelecida entre a escola e a televisão. É do contexto vivido e experimentado pelo professor que
a relação entre a escola e a TV assume uma determinada característica, direcionamento e aposta.
7 O fato é que, independente desse contexto vivido e experimentado pelo professor, a
linguagem televisiva chega às escolas por meio dos alunos. Embora o espaço e a influência da
televisão, nas escolas onde o estudo foi realizado, sejam negligenciados pelos professores, a sua
linguagem se faz presente. A começar pelo vestuário, pelos acessórios, pela imagem das crianças.
Pela linguagem, pela forma de falar, pelo que se fala. Pelo que se deseja, se sonha e se fantasia.
Pelas brincadeiras. Pelo entendimento do mundo. Pelo sentimento de grupo. Pelo o que as
crianças são, pensam e agem. Pelo fato de que as crianças têm a televisão como uma das fontes
senão a única – de entretenimento, lazer e cultura.
8 – Imbuídos de uma velada criticidade à televisão, o que pode ser explicado pela questão
do iconoclasmo, apresentada por Arlindo Machado, as professoras pesquisadas não percebem, na
prática, essa influência e esse impacto. Mas, quando indagadas, sim. Há um afastamento da teoria
para a prática. No papel, nas ‘falas’, no bate-papo, asseguram que a TV influencia seus alunos e
que esta influência, se não for debatida, questionada e analisada, poderá trazer como uma das
principais conseqüências um olhar não crítico, um olhar passivo diante do que é apresentado
como real, como verdadeiro e único.
130
9 A chamada alfabetização midiática, que é expressa pelos professores da pesquisa
como necessária, o acontece. Está apenas na ‘fala’, enquanto, na própria sala de aula, as
crianças falam sobre a novela do dia anterior; vestem e se pintam à moda do personagem
principal da série de tevê; falam sobre namoro, moda e cirurgia plástica; sonham em ser modelos,
atrizes e jogadores de futebol; planejam soluções para seus problemas (de uma simples questão
de prova a os problemas da vida cotidiana) a partir de exemplos, experiências e fatos narrados
pela TV; brincam de/pela/com a televisão.
10 Se os alunos são proibidos de expressar o seu fascínio sobre a televisão, eles acham
brechas. É o caso da ESCOLA B, onde a professora, com sua metodologia ascética e ininterrupta,
não abre espaço para a linguagem da televisão. Mas ao exigir diariamente a escrita, por meio da
produção de redação, a professora, sem se dar conta, possibilita que todo o envolvimento das
crianças com a televisão apareça: seja nos títulos, nas ilustrações, na forma de construir a
redação, nos temas abordados, na narrativa.
11 Numa relação de custo e benefício, a linguagem televisiva se torna muito mais
atraente e cheia de significado para as crianças do que a escola, com seu discurso denso e, no
presente momento para a vida dos meninos e das meninas, aparentemente, sem nenhuma ligação
estreita com o cotidiano, sem funcionalidade, sem utilidade. Além de ser útil no aqui e agora, a
linguagem televisiva, como destacado, vem envolta de uma ludicidade, sem exigir,
aparentemente, nada em troca.
12 O ‘troco’ dado pelos telespectadores, pelas crianças, é expresso no consumo de
objetos, conhecimentos, valores, idéias, ações, posicionamentos, atitudes... Um ‘troco’ que passa
despercebido pelas crianças que estão em fase de desenvolvimento. Passa despercebido pelos
pais, que muitas vezes dão o mesmo ‘troco’. Um ‘troco’ que também não é percebido pelas
131
professoras da pesquisa. Ou melhor: é ignorado pelas professoras, uma vez que elas apresentam
em suas respectivas ‘falas’ uma visão clara sobre o assunto.
13 Nesse contexto, as crianças crescem. O entorno (tempo, espaço e família) em que
estão mergulhadas reforça ou não a influência da televisão. Mas o que se verifica, na prática, é
que a influência da televisão tende a se diluir (aqui deixando de lado o possível trabalho
pedagógico da escola) à medida que as crianças têm acesso a outras fontes de conhecimento,
valores e cultura. E esse acesso, queiramos ou não, está intimamente ligado à questão
socioeconômica, uma questão histórica e que não tem perspectivas de mudanças em um curto
espaço de tempo. Daí a importância do trabalho pedagógico.
14 Desenvolver cursos voltados para o professor, não apenas com o objetivo de induzi-
lo a usar a televisão, mas com o desafio de pensar com ele novas estratégias de ensino que
envolvam a produção cultural humana, e com ela a televisão, se faz necessário. Talvez seja
necessário ir mais a fundo e discutir o que se deve realmente ensinar nos dias de hoje. Os
conteúdos que constam, atualmente, dos currículos dos Ensinos Fundamental e Médio ainda são
significativos para as atuais gerações? Ainda dão conta da constituição dos conhecimentos e
valores das crianças que vivem o século XXI?
15 Pais e responsáveis, pelo que vimos, são fundamentais nessa interface. São eles que
estão na outra parte do dia com as crianças. Ainda são eles os primeiros educadores e os
principais exemplos para seus filhos. Incluí-los na discussão é importante. Muitos deles, durante
os poucos encontros que tivemos, deixaram claro que sabem o quanto a televisão influencia o
cotidiano de seus filhos. No entanto, acreditam, talvez, que a escola seja o contraponto dessa
relação. O que não acontece. É preciso dizer isso a eles e chamá-los para participar do debate e
do contraponto.
132
16 Como cidadãos e consumidores, não devemos apenas deixar estas questões no
universo familiar ou escolar. É preciso chamar a atenção e cobrar das emissoras de televisão um
posicionamento sobre os efeitos que causam. As emissoras de televisão são concessões públicas,
portanto, têm compromissos éticos e políticos, consagrados na Constituição, para com a
população. Quem é pai, mãe, tio ou avô se perguntou algumas vezes como uma determinada
cena pôde ter sido veiculada tão cedo da noite. ficou constrangido de assistir, ao lado de seu
filho, sobrinho ou neto, a um diálogo cheio de violência, carregado de erotismo ou de
preconceito. É claro que basta tirar da sala ou do quarto as crianças ou simplesmente desligar a
TV. Mas não deveria existir algum parâmetro? A responsabilidade cabe somente aos pais? Os
canais não deveriam seguir um padrão de conduta? Não penso em censura, mas, sim, em algumas
regras e alguns critérios, que encontram inclusive respaldo no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Da mesma forma a publicidade, que teima em induzir necessidades e desejos de
crianças para práticas e costumes, inclusive, perigosos. A propaganda também precisa, sim, de
critérios e regulamentações. Afinal, uma audiência que merece atenção e que ainda está
constituindo suas identidades, seus valores e conhecimentos. Essa audiência chama-se crianças.
17 O impacto da televisão na constituição das identidades das crianças merece novos
estudos e problematizações. Esse impacto é igual para meninos e meninas? Será que realmente
esse impacto no dia-a-dia de crianças de famílias de classe A é diluído? Será que as escolas que
trabalham efetivamente com projetos ligados aos meios de comunicação estabelecem outra
relação com a linguagem televisiva? Será que as emissoras de televisão sabem da importância e
do impacto que seus conteúdos causam nas crianças? Será que a publicidade e a propaganda têm
noção de seu poder? Por que, de uma vez por todas, a linguagem televisiva não reconhece que
educa? Por que, de uma vez por todas, a linguagem da escola não se torna lúdica e mais ainda
significativa e funcional para o cotidiano de seus alunos?
133
“A televisão não é mais o que era.
E a criança também já não é mais quem foi.”
Marcus Tavares, parafraseando José Saramago.
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APÊNDICE A –
142
QUESTIONÁRIO PARA AS CRIANÇAS
Questionário / Criança
Gostaria que você respondesse a algumas perguntas.
Preciso destas respostas para fazer o meu trabalho.
1) Quantos anos você tem? _____________________
2) Em que bairro você mora? _____________________
3) Você mora com quem?
_____________________________________________________________
4) Quantas televisões têm na sua casa?
a) uma televisão
b) duas televisões
c) três televisões
d) quatro ou mais de quatro televisões
5) Na sua casa tem TV a cabo?
a) Sim
b) Não
6) Quantas horas por dia você vê televisão?
a) Não vejo TV
b) Uma hora
c) Duas horas
d) Três horas
e) Quatro horas
f) Mais de quatro horas
7) Na maior parte do tempo, você vê televisão sozinho(a)?
a) Sim
b) Não
143
Quem vê com você? ____________________________________________________
8) O que você mais gosta de ver na televisão, coloque em ordem de preferência. O que você
mais gosta em primeiro lugar e assim por diante.
a) Novela ( )
b) Comercial ( )
c) Telejornal ( )
d) Filme ( )
e) Desenho Animado ( )
f) Esporte ( )
g) Programa infantil, tipo Xuxa ( )
h) Programa adolescente, tipo Malhação ( )
i) Programa de auditório, tipo Faustão ( )
j) Seriado ( )
9) O que você MAIS gosta de fazer quando não está na escola?
a) Ver televisão
b) Brincar no computador
c) Brincar com os amigos
d) Ir ao cinema
e) Ler
f) Escutar rádio
g) Passear
h) Ir à igreja
10) Depois que você chega da escola, o que você faz?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
11) Nos dias de semana, de que horas a que horas você, geralmente, vê televisão?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
12) No final de semana, de que horas a que horas você, geralmente, vê televisão?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
144
______________________________________________________________________________
13) A televisão é importante para você?
a) Sim
b) Não
Por quê?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
14) Como seria o mundo se não existisse a televisão?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
15) O que você faria se não existisse a televisão?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
16) Você aprende com a TV?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
17) O que você MAIS gosta na TV e o que você MENOS gosta na TV?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
18) O que você quer fazer quando crescer? Em que lugar você gostaria de trabalhar?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
19) Você é influenciado pela TV? Se for, me dê um exemplo.
145
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
20) Faça um desenho sobre o seguinte tema:
A TELEVISÃO NA MINHA VIDA
APÊNDICE B –
146
QUESTIONÁRIO PARA OS RESPONSÁVEIS/PAIS
Questionário / Responsável
Prezado(a) responsável, gostaria que o senhor (a) respondesse as perguntas abaixo.
Elas servirão de apoio para a coleta de informações para a minha pesquisa.
Muito obrigado.
1) Sexo
a) Masculino
b) Feminino
2) Quantos anos você tem? ______________
3) Em que bairro você mora? ______________
4) Qual é a sua escolaridade?
a) Até a 4ª série (antigo Primário)
b) Até a 8ª série (antigo Científico)
c) Ensino Médio completo (antigo 2º Grau)
d) Graduação
e) Pós-graduação
5) Você tem quantos filhos(as) ou quantas crianças moram com você?
a) uma
b) duas
c) três
d) quatro
e) mais de quatro
6) Quantos aparelhos de TV você tem em sua casa?
a) nenhum
b) 1 aparelho
c) 2 aparelhos
d) 3 aparelhos
e) 4 ou mais aparelhos
147
7) Você tem acesso à TV a cabo em sua casa?
a) Sim
b) Não
8) Nos dias de semana, quantas horas você assiste à TV?
a) nenhuma
b) De 1 a 2 horas
c) De 2 a 3 horas
d) De 3 a 4 horas
e) Mais de 4 horas
9) E no final de semana, quantas horas você assiste à TV?
a) nenhuma
b) De 1 a 2 horas
c) De 2 a 3 horas
d) De 3 a 4 horas
e) Mais de 4 horas
10) Com que freqüência você assiste a...
Diariamente Com freqüência Às vezes Raramente Não assisto
a) Novela ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
b) Telejornal ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
c) Filmes ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
d) Programas de auditório ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
e) Programas de entrevista ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
f) Desenhos animados ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
g) Programas infantis ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
h) Documentários ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
i) Programas religiosos ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
11) Na sua hora livre, a televisão ocupa, em média, que espaço de tempo?
a) Praticamente o tempo todo - de 80 a 100% do tempo livre
b) Boa parte do tempo - de 50 a 80% do tempo livre
c) Metade do tempo - 50% do tempo livre
d) Parte do tempo - de 30 a 50% do tempo livre
e) Pouco tempo - de 0 a 30% do tempo livre
f) Nenhum tempo – 0%
148
12) Qual é o seu principal lazer? Indique três atividades.
a) Ver televisão
b) Ir ao teatro
c) Ir ao cinema
d) Ir ao shopping
e) Viajar
f) Ler
g) Ir ao clube
h) Sair à noite
i) Dançar
j) Encontrar os amigos
l) Escutar música
m) Jogar futebol
n) Cozinhar
o) Acessar a internet
p) Ir a museus
q) Ir à Igreja
Outros ______________________________________
13) Qual é o seu principal meio de informação?
a) Jornal
b) Televisão
c) Rádio
d) Internet
e) Revista
14) Você usa a televisão para...
a) Se divertir
( ) Sim
( ) Não
b) Se educar
( ) Sim
( ) Não
c) Se informar
( ) Sim
( ) Não
149
15) Quando você era criança, você gostava de assistir à televisão?
a) Sim
b) Não
16) Você aprende com a televisão?
a) Sim
b) Não
17) Você acha que os seus(suas) filhos(as) ou as crianças que você cria também aprendem
com a televisão?
a) Sim
b) Não
Por quê?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
18) Você acha que os seus(suas) filhos(as) ou as crianças que você cria vêem mais televisão
do que você?
a) Sim
b) Não
19) Você vê televisão com seu(sua) filho(a) ou com a criança que você cria?
a) Sim
b) Não
20) Você costuma passear com seus(suas) filhos(as) ou com as crianças de que você cuida?
a) Sim
b) Não
A que lugares você costuma levá-los(as)?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
21) Na sua opinião, a programação da televisão brasileira é:
a) Ótima
b) Boa
c) Regular
d) Ruim
e) Péssima
22) Você deixa seu(sua) filho(a) ou a criança que você cria ver televisão sozinho(a)?
a) Sim
b) Não
23) Seu(sua) filho(a) ou a criança que você cria tem um quarto só para ele(a)?
a) Sim
b) Não
24) Caso seu(sua) filho(a) ou a criança que você cria tenha um quarto próprio, esse quarto
tem televisão?
a) Sim
b) Não
25) Você briga com seu(sua) filho(a) ou a criança que você cria por ver muita televisão?
a) Sim
b) Não
26) A televisão é importante para você?
a) Sim
b) Não
Por quê?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
27) Você acha que a televisão é importante para seu(sua) filho(a) ou para a criança de que
você cuida?
a) Sim
b) Não
Por quê?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
28) Você proíbe seu(sua) filho(a) ou a criança que você cria de ver algum programa de TV?
151
a) Sim
b) Não
Se você proíbe, que tipo de programa seu(sua) filho(a) ou a criança que você cria não pode ver?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
Por que você proíbe seu(sua) filho(a) ou a criança que você cria de ver esse programa?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
29) Você tem televisão no seu quarto?
a) Sim
b) Não
30) A televisão influencia na maneira de ser de seu(sua) filho(a) ou da criança que você
cria?
a) Sim
b) Não
Se for sim, de que maneira?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
31) Qual é a renda salarial de sua família
a) 1 salário mínimo
b) De 2 a 3 salários mínimos
c) De 4 a 5 salários mínimos
d) De 5 a 10 salários mínimos
e) Mais de 10 salários mínimos
152
APÊNDICE C –
QUESTIONÁRIO PARA OS PROFESSORES
Questionário / Professor
Prezada professora, conforme conversado anteriormente, gostaria que a senhora respondesse às
perguntas abaixo. Elas servirão de apoio para a coleta de informações para a minha pesquisa.
Muito obrigado.
1) Quantos anos você tem? ______________
2) Em que bairro você mora? ______________
3) Há quanto tempo você leciona em sala de aula?
a) Até 5 anos
b) Entre 5 e 10 anos
c) Mais de 10 anos
4) Qual é a sua escolaridade?
a) Curso normal
b) Curso superior
c) Especialização lato sensu
d) Mestrado
e) Doutorado
5) Sua jornada de trabalho é de quantas horas?
a) Até 6 horas
b) De 6 a 12 horas
c) Mais de 12 horas
6) Quantos aparelhos de TV você tem em sua casa?
a) 1 aparelho
b) 2 aparelhos
c) 3 aparelhos
d) 4 ou mais aparelhos
153
7) Você tem acesso à TV a cabo em casa?
a) Sim
b) Não
8) Nos dias de semana, quantas horas você assiste à TV?
a) nenhuma
b) De 1 a 2 horas
c) De 2 a 3 horas
d) De 3 a 4 horas
e) Mais de 4 horas
9) E no final de semana, quantas horas você assiste à TV?
a) nenhuma
b) De 1 a 2 horas
c) De 2 a 3 horas
d) De 3 a 4 horas
e) Mais de 4 horas
10) Com que freqüência você assiste a...
Diariamente Com freqüência De vez em quando Raramente
a) Novela ( ) ( ) ( ) ( )
b) Telejornal ( ) ( ) ( ) ( )
c) Filmes ( ) ( ) ( ) ( )
d) Programas de auditório ( ) ( ) ( ) ( )
e) Programas de entrevista ( ) ( ) ( ) ( )
f) Desenhos animados ( ) ( ) ( ) ( )
g) Programas infantis ( ) ( ) ( ) ( )
h) Documentários ( ) ( ) ( ) ( )
11) Na sua hora livre, a televisão ocupa, em média, que espaço de tempo?
a) Praticamente o tempo todo - de 80 a 100% do tempo livre
b) Boa parte do tempo - de 50 a 80% do tempo livre
c) Metade do tempo - 50% do tempo livre
d) Parte do tempo - de 30 a 50% do tempo livre
e) Pouco tempo - de 0 a 30% do tempo livre
12) Qual é o seu principal lazer? Indique, por favor, até três atividades.
a) Ver televisão
b) Ir ao teatro
c) Ir ao cinema
154
d) Passear
e) Ir ao shopping
f) Viajar
g) Ler
h) Ir ao clube
i) Sair à noite
j) Dançar
l) Encontrar os amigos
13) Qual é o seu principal meio de informação?
a) Jornal
b) Televisão
c) Rádio
d) Internet
e) Revista
14) Você usa a televisão, principalmente, para...
a) Se divertir
b) Se educar
c) Se informar
15) Você aprende com a televisão?
a) Sim
b) Não
Se a resposta for positiva ou negativa, você poderia explicar?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
16) Você acha que os seus alunos também aprendem com a televisão?
a) Sim
b) Não
Se a resposta for positiva ou negativa, você poderia explicar?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
155
17) Você acha que os seus alunos vêem mais televisão do que você?
a) Sim
b) Não
18) Você assiste à TV apenas para entender o que os seus alunos estavam conversando?
a) Sim
b) Não
19) Você utiliza a programação da televisão para trabalhar na escola?
a) Sim
b) Não
Se a resposta for positiva, você poderia explicar de que forma você utiliza a programação da
televisão para trabalhar na sua escola?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
20) Na sua avaliação, que conteúdos da 4ª série você pode trabalhar a partir da
programação da televisão?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
21) Que tipo de temas/assuntos você já trabalhou em sala de aula, com a sua atual turma de
4ª série, a partir de algo que foi veiculado pela televisão?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
22) Na sua avaliação, qual é o papel principal da televisão?
a) Educar
b) Informar
c) Divertir
156
23) Você se dá conta da influência da televisão no cotidiano de seus alunos?
a) Sim
b) Não
Se a resposta for positiva, como e de que forma você percebe a influência da televisão no
cotidiano de seus alunos?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
24) Em que momentos, ações e atividades você diria que a televisão (entendida aqui como
um conjunto de idéias, valores, conhecimentos e informações) está presente em sua sala de
aula? Você pode escolher quantas alternativas quiser.
a) Nas redações dos alunos
b) Nas conversas informais entre você e eles
c) Nas conversas paralelas entre eles
d) No vestuário
e) Nos acessórios que eles utilizam (mochila, caderno, lápis, caneta...)
f) Na estrutura narrativa dos alunos expressada, por exemplo, no ato de contar uma história
g) Na linguagem, no vocabulário dos alunos
h) Na abordagem dos assuntos
i) Nas brincadeiras
j) Nos apelidos criados pelos alunos
l) Nos exemplos citados por você e por seus alunos
m) Na expressão gestual dos alunos
n) Nos valores apresentados pelos alunos
o) Nos gostos/preferências dos alunos
p) Nos estereótipos criados pelos alunos
q) Nos temas de interesse dos alunos
25) Você costuma fazer passeios com seus alunos da 4ª série?
a) Sim
b) Não
Se a resposta for positiva, você poderia descrever em que lugares você levou sua turma e
explicar com quais objetivos
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
157
26) Você tem filhos?
a) Sim
b) Não
27) Quando eles eram pequenos (e caso sejam) você assistia (assiste) à televisão com eles?
a) Sim
b) Não
28) Quando você era criança, você gostava de assistir à televisão?
a) Sim
b) Não
29) Na sua época de escola, a televisão fazia parte do dia-a-dia da sua sala de aula?
a) Sim
b) Não
30) Se pudéssemos comparar a escola de seu tempo com a escola de hoje, na qual você
leciona, a televisão está mais presente?
a) Sim
b) Não
Você poderia explicar por quê?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
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31) De modo geral, como você avalia a programação da televisão brasileira?
a) Ótima
b) Boa
c) Regular
d) Ruim
e) Péssima
32) Na sua opinião, qual é o papel da escola frente à programação veiculada pela TV?
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33) A televisão trabalha contra ou a favor da escola?
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34) Complete: se a televisão não existisse, seus alunos de 4ª série seriam...
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APÊNDICE D
DESENHOS DE ALUNOS – QUESTIONÁRIO
Depois dos 5 anos, com a entrada na escola, a aprendizagem da leitura e
a descoberta de um universo até então inimaginado, amplia-se o
repertório da criança. O valor social de alguns objetos e de alguns temas
é reconhecido e explorado. O desenho torna-se então o eco dos
acontecimentos, modificando ou acentuando a vida social e política que a
criança exprime com seus meios técnicos próprios, utilizando um
conjunto de estereótipos culturais, profundamente marcados pela
ideologia de classe social e do país a que ela pertence. (MÈREDIEU,
1974, p. 80)
Alguns autores, como Mèredieu, vêm estudando anos a importância dos desenhos
infantis como expressão da personalidade. Em seu livro ‘O desenho infantil’, Mèredieu afirma
que o desenho é, na prática, objeto de uma interpretação, “pois o que importa não é mais o
grafismo propriamente dito, mas o que ele designa, o sentido a que remete”. Segundo a autora, o
desenho permite “aceder à personalidade de seu autor”. O desenho se constitui um lugar
privilegiado de projeção, “espelho onde se perfila o eu”.
Neste apêndice, trago nove desenhos, feitos pelas crianças tanto da ESCOLA A quanto da
ESCOLA B. São desenhos representativos
55
. Os nove de um conjunto de 12 são bastante
parecidos. Eles mostram o ato das crianças assistindo à televisão. Um ato revelado pelo desenho
prazeroso, intenso, estimulante e desejoso. As crianças do desenho aparecem contentes, felizes.
Aparecem aprendendo ao mesmo tempo em que riem e se distraem. O último desenho é
emblemático: além de revelar uma grata satisfação em assistir à TV, a criança está sentada na
“cadeira do rei”, com o controle remoto na mão.
55
As 57 crianças da pesquisa fizeram o desenho solicitado no questionário. Desse total, 12 desenhos apresentaram a mesma
grafia. Escolhi nove para serem publicados aqui.
160
Como destacado no capítulo 3, as crianças não são vítimas de um inescapável
determinismo, não são meros receptores passíveis. Mas o fato é que essas crianças elaboram e
(re)elaboram sentidos, conhecimentos e constituem suas identidades a partir da mesma cultura
que também é compartilhada pelos adultos, sem nenhum tipo de proteção ou proibição. Ou seja,
apesar de cada criança reagir de modo distinto, dependendo de todos os textos e contextos
sociais, culturais e econômicos nos quais está mergulhada, os sentidos/significados elaborados
por ela partem de um mesmo sistema simbólico compartilhado por todos crianças, jovens e
adultos. Como assinala Costa (2002), respostas são, portanto, incitadas, e condutas, modeladas e
performadas.
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