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SULEMI FABIANO
A PRÁTICA DA PESQUISA COMO SUSTENTAÇÃO DA APROPRIAÇÃO DO
CONHECIMENTO NA GRADUAÇÃO EM LETRAS
Universidade Estadual Paulista – UNESP
Araraquara – São Paulo
2007
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SULEMI FABIANO
A PRÁTICA DA PESQUISA COMO SUSTENTAÇÃO DA APROPRIAÇÃO DO
CONHECIMENTO NA GRADUAÇÃO EM LETRAS
Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Faculdade de Ciências e Letras
da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de
Araraquara - SP, como parte dos requisitos para
obtenção do título de doutor em Letras.
Orientador: Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto
Universidade Estadual Paulista – UNESP
Araraquara – São Paulo
2007
2
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BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto
Profª Drª Nilsa Brito Ribeiro
Prof. Dr. Luiz Percival Leme Britto
Prof. Dr. Antonio Suarez Abreu
Profª Drª Marymarcia Guedes
Araraquara – São Paulo
2007
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu orientador Prof. Dr.
Valdir Heitor Barzotto por ser um mestre capaz de
apostar no incerto, na mudança, na construção e na
apropriação do conhecimento. Por ser alguém que
não considera que o pronto esteja feito, mas
acredita que o aluno é um sujeito capaz de
apreender, experienciar, reformular, transformar,
criar e produzir sentidos a partir do que antes lhe era
totalmente obscuro.
4
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto por toda dedicação ao longo dos anos de orientação e
por proporcionar aprendizado constante por meio de suas atitudes de compromisso com a
educação e pela sua preocupação efetiva com a formação de professores;
À Profª Drª Cláudia Riolfi pelo convite para trabalhar no Projeto “Círculo de Leitura”;
Ao Prof. Dr. Luiz Percival Leme Britto pelas observações no exame de qualificação;
Aos alunos da Universidade do Estado de Mato Grosso que forneceram seus trabalhos para
esta pesquisa;
Ao meu esposo Luiz Carlos pela compreensão no percurso deste trabalho;
À minha família - pai, mãe, irmãos, cunhados e sobrinhos;
Ao Caio pela colaboração e sobretudo pela leitura criteriosa deste trabalho;
À Dinair, minha amiga, uma alma-irmã;
Aos amigos de longas caminhadas;
Aos colegas da UNEMAT, UNESP, FIT, FEUSP, em especial aos integrantes do GEPPEP
-Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise.
5
Fabiano, Sulemi
A prática da pesquisa como sustentação da apropriação do
conhecimento na graduação em Letras/Sulemi Fabiano -
Araraquara-SP, 2007, 210, f.: 30 cm
Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
Orientador: Valdir Heitor Barzotto
1-Lingüística Graduação em Letras Análise do Discurso.
Gêneros do discurso Incorporação Apropriação do
conhecimento
2-Educação Pesquisa Universidade Produção do
conhecimento
6
RESUMO
Esta tese, resultante da análise de textos produzidos por alunos de graduação em Letras a
fim de verificar como se a incorporação do discurso do “outro” na escrita, aponta para a
prática constante da pesquisa durante a graduação como forma de sustentação da
apropriação do conhecimento. O trabalho traz uma análise das conseqüências da visão
hegemônica da teoria do gênero do discurso no ensino, principalmente quando se reduz o
texto a uma forma. Traça ainda um percurso sobre a constituição da universidade, o
processo da construção da hegemonia e a pesquisa na graduação. Percorre-se a concepção
de ciência, de discurso científico e outros conceitos advindos da Análise do Discurso. Os
resultados mostram que a escrita hoje na universidade encaminha para uma produção do
conhecimento que tem por base o consumo e indica a necessidade de se efetivar a prática de
pesquisa na graduação como possibilidade de se inverter o quadro atual deste tipo de
produção.
Palavras-chave: Graduação em Letras. Gênero do discurso. Universidade. Pesquisa.
Incorporação. Apropriação do conhecimento.
7
ABSTRACT
This thesis, resultant of the analysis of texts produced by pupils of graduation in Letters in
order to verify how it happens the incorporation of the speech of the "other one" in the
writing, points to the constant practical of the research during the graduation as a form of
sustentation of the appropriation of the knowledge. The work brings an analysis of the
consequences of the hegemonic vision of the theory of the genus of the speech in education,
mainly when the text is reduced to a form. It still traces a passage on the constitution of the
university, the process of the construction of the hegemony and the research in the
graduation. It passes through the conception of science, scientific speech and other
happened concepts of the Analysis of the Speech. The results show that the writing
nowadays made at the university is directed for a production of the knowledge that has for
base the consumption and indicates the necessity of accomplishing the practical one of
research in the graduation as possibility of inverting the current situation of this type of
production.
Key-words: Graduation in Letters. Sort of the Speech. University. Research. Incorporation.
Appropriation of the Knowledge.
8
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 12
CAPÍTULO I
UM OLHAR PARA O OBJETO DE ESTUDO 16
1.1. A elaboração dos gêneros do discurso vista pela forma 16
1.1.1. Exemplo 1: Utilização do gênero bilhete em livros didáticos do
ensino fundamental 21
1.1.2. Exemplo 2: Apresentação de um estudo do gênero carta em
livros didáticos de português 25
1.1.3. Exemplo 3: Apresentação do resultado de uma prática de
escrita de cartas 30
1.1.4. Exemplo 4: Delimitação da forma como limite na escrita de
monografias na graduação 38
CAPÍTULO II
UM ESTUDO SOBRE A UNIVERSIDADE 46
2.1. A constituição da universidade na Idade Média 46
2.2. Alguns modelos de universidade 55
2.3. A universidade e o processo de construção da hegemonia 61
2.4. A universidade e a pesquisa 66
CAPÍTULO III
ANCORAGEM TEÓRICA 74
3.1. A ciência e o conhecimento 74
3.2. O conhecimento científico na perspectiva de Bachelard 76
3.3. O discurso científico na perspectiva de Pêcheux 79
3.4. A constituição do corpus da pesquisa 86
CAPÍTULO IV
UM CAMINHO JÁ PERCORRIDO 89
4.1. Alguns estudos já realizados sobre produções estudantis 89
4.1.1. Exemplo 1: Análise sobre problemas textuais encontrados em
9
redação de vestibular 90
4.1.2. Exemplo 2: A produção da dissertação no vestibular 92
4.1.3. Exemplo 3: O problema da informatividade em texto de
vestibular 93
CAPÍTULO V
INCORPORAÇÃO DO DISCURSO DO “OUTRO” NA ESCRITA DOS
GRADUANDOS 96
5.1. Presença de paráfrases 105
5.2. Repetição de conceitos teóricos 119
5.3. Repetição de análise de dados 144
5.4. Imitação alinhada aos autores de área 151
5.5.Contra-senso: concepção de ciência que embasa os textos dos
graduandos 158
CAPÍTULO VI
APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS DA ÁREA EM TEXTOS DE
GRADUANDOS 167
6.1. Criação de estratégias para apropriação do conhecimento 174
6.2. Compreensão do texto através de questionamento da bibliografia lida 178
6.3. Operação com a teoria e os dados analisados 184
6.4. Absorção do discurso do “outro” 187
POSSÍVEIS CONSIDERAÇÕES 191
BIBLIOGRAFIA 202
10
APRESENTAÇÃO
Este trabalho inscreve-se num movimento de reflexão sobre a produção de
textos na universidade. Tal movimento, que tem no FALE (Fórum Acadêmico de Letras) e
no Seminário de Leitura e Produção no Ensino Superior seu espaço de congregação de
profissionais interessados no assunto, tem origem no ensino de graduação praticado por
alguns professores universitários que entendem haver uma escrita específica a ser
desenvolvida nesse nível de formação, resultante de pesquisa, e da construção de um perfil
específico. Este trabalho de condução das disciplinas da graduação, com a pesquisa
imbricada no processo, nos respalda desde 1998, quando desenvolvemos um projeto de
pesquisa na Universidade do Estado de Mato Grosso, cujo resultado foi uma dissertação de
mestrado
1
.
Depois de algum tempo de condução das disciplinas com pesquisa e de
participação nos eventos acima mencionados, os profissionais envolvidos nesse movimento
entendem que é necessário tomar a escrita na universidade como objeto de reflexão. Nesta
pesquisa, vamos analisar, portanto, peças como aquela sobre a qual Britto (2004, p. 182)
afirma que “não são consideradas redações e são submetidas a outro tipo de correção e
avaliação”, ou seja, os trabalhos de alunos de graduação.
Nossa preocupação em tomar os trabalhos produzidos por alunos de
graduação como objeto de análise deve-se a dois fatores: a) entendemos que o curso de
Letras não é o lugar em que o aluno vai simplesmente aprender a fazer redação, mas o lugar
em que vai aprender a redigir textos próprios à sua área de conhecimento e b) sentimos,
durante nossa prática de sala de aula, de pesquisa e de reflexão compartilhada com colegas
em eventos, que não estudos que tomem o texto de alunos de Letras enquanto produção
1
A idéia da pesquisa de mestrado surgiu a partir da experiência como uma das coordenadoras do projeto
“Pesquisa na Graduação” desenvolvida pelo Departamento de Letras, dessa universidade, no período de 1998
a 2000, sob assessoria técnico-pedagógica do Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto. Com base no desenvolvimento
desse projeto, foi feita a constatação da dificuldade dos graduandos de produzirem textos de caráter científico.
E ao realizar a pesquisa de mestrado, intitulada “Pesquisa na Graduação: a produção de um gênero acadêmico
submetido a normas”, observamos quais discursos estavam materializados nas produções de dez graduandos
participantes desse projeto e qual a postura tomada pelos alunos frente ao objeto pesquisado, à linguagem, à
língua, ao estilo do gênero acadêmico, às normas metodológicas, entre outros. Diante da caracterização,
constatamos que a adequação ao gênero não é suficiente para considerar que o aluno produz um texto de
caráter científico.
11
de um profissional que deva assumir um fazer próprio, durante a formação. Não
encontramos, por exemplo, nenhum trabalho sobre a escrita de alunos de Letras que tenha
se dedicado a verificar como estes alunos utilizam os conhecimentos específicos de uma
disciplina.
Temos como um dos objetivos deste trabalho observar, por meio da
análise de textos acadêmicos, problemas que suscitam discussões acerca da escrita na
universidade. Nota-se que há várias explicações teóricas sobre a escrita, mas não se tem um
olhar mais acurado desse mesmo pesquisador quando está na prática, em sala de aula, para
observar o que vem ocorrendo com a escrita de seus alunos - por exemplo, como esse aluno
está correlacionando as teorias estudadas que dão suporte à sua formação com a produção
escrita do trabalho de conclusão de curso.
Ao olharmos para a universidade nos moldes como seu ensino é hoje
estruturado, uma certa inquietação frente ao tipo de alunos que estamos formando.
Nossa observação se deu na área de Letras, esse é o lugar em que propomos centrar nossa
investigação, especificamente, as produções textuais das áreas de Língua Portuguesa e
Lingüística. No entanto, acreditamos que seja possível ampliar o alcance da reflexão que
aqui empreendemos para outras áreas do conhecimento.
A universidade oferece uma formação que se caracteriza por fatores que
condizem com a modernidade, que conduz a construção da hegemonia, tendo por base a
idéia de competitividade do mercado de trabalho.
Segundo Chauí (2001) seria uma das conseqüências impostas pelo BID
(Banco Internacional de Desenvolvimento) nos anos 90, que impôs a aplicação de
investimentos ao ensino superior baseados nos mesmos critérios que são válidos para os
investimentos em empresas. Uma política totalitária que toma da universidade a autonomia,
que mede o ensino superior pela produtividade, como se a universidade fabricasse
conhecimentos e os resultados fossem medidos de forma concreta e direta; como a venda de
um produto na prateleira. Isso também reflete a globalização que rompeu com muitos
paradigmas, intensificando as práticas capitalistas e acelerando o consumismo. E é esse
mesmo consumo que afeta a escrita na universidade, pois não espaço para a apropriação
do conhecimento. Ao longo do trabalho são esses os pilares de nossa discussão: a relação
12
entre uma escrita que é produzida com a finalidade da aprovação do aluno no final do curso
de graduação e a ausência da prática efetiva de escrita, ou seja, a apropriação do
conhecimento.
Esse olhar tem um longo percurso que nos acompanha desde a formação
como aluna de graduação, depois de mestrado e também como professora de instituição de
ensino superior, participando em programas de formação de professores, projetos de
pesquisa, orientação de trabalhos monográficos, em eventos, discussões com pesquisadores
da área. Ou seja, esta investigação é resultado de nossa atuação de vários anos de pesquisa e
de observação.
Temos os vários discursos que apontam que a cada dia os alunos escrevem
pior. É comum, inclusive, ouvir-se em bancas de defesa de mestrado e doutorado que os
alunos estão escrevendo mal e dificilmente se um texto bem escrito. Será o fato que
antes se tinha mais tempo para pesquisar, ou mesmo, porque os maiores nomes, de autores
consagrados pela academia, tiveram tempo de amadurecer seus textos e percorreram longos
anos de pesquisa e de escrita? Seria falta de considerar a prática da escrita no ato de avaliar
os alunos? Ou, que tipo de representação se tem na universidade da produção do
conhecimento? Nisso se aguça a indagação sobre o que os alunos devem fazer para se
aproximar do universo da escrita acadêmica? Quais os recursos deveriam ser utilizados para
que os acadêmicos conseguissem atingir esse universo?
Passemos agora a uma apresentação do modo como esta tese está
organizada, traçando um panorama do conteúdo de cada uma de suas partes, de maneira
que fique mais evidente o modo como atuam juntas para compor um quadro de discussão
que aponta a escrita hoje na universidade como resultado de uma produção de consumo.
No primeiro capítulo, iniciamos nossas reflexões com uma abordagem
sobre o emprego da teoria dos gêneros do discurso como modelo para o ensino da produção
textual, por acreditarmos que a quase hegemonia desta perspectiva precisa ser examinada
com cuidado.
No segundo capítulo, apresentamos um breve percurso sobre a
constituição da universidade na Idade Média, apoiando-nos nos estudos de Le Goff e
Verger e nos estudos sobre a construção da hegemonia nos dias atuais de acordo com
13
Wolff, Santos e Chauí. Isso nos levou a percorrer, no terceiro capítulo, a algumas
concepções de ciência e conhecimento, como a de Bachelard no campo do idealismo, de
modo que pudéssemos situar os estudos de Pêcheux a partir do materialismo histórico e da
teoria do discurso, com ênfase às propostas sobre o discurso científico. No último item
desse capítulo, expomos a constituição do corpus da pesquisa, que são textos produzidos
por graduandos no final do curso de Letras.
No quarto capítulo, antes de iniciarmos a análise do corpus, abordamos um
caminho percorrido, ao analisar alguns trabalhos realizados que envolvem textos
estudantis que têm por base a normatização.
No quinto capítulo, definimos o que consideramos em nossas análises
como a incorporação do discurso do “outro” nos textos dos graduandos. Dividimos este
capítulo em quatro categorias de análise: paráfrase, repetição, imitação e a concepção de
ciência que embasa os textos dos graduandos, com vistas a propor, no sexto capítulo, uma
discussão sobre apropriação de conceitos em textos de graduandos, ou seja, a produção de
um conhecimento específico da área.
O ponto central deste trabalho consiste em discutir os limites da repetição
como produção de conhecimento na universidade. Antes de tudo, é preciso admitir que a
universidade não está completamente aberta para a introdução de novas propostas de
ensino, como a prática de pesquisa na graduação. Toda tentativa de intervenção se
defrontará com uma resistência, de caráter estratégico, científica, e ainda com um cotidiano
de práticas e modos de fazer bastante arraigados no interior da universidade. Pensar na
pesquisa implica lidar com uma prática contínua da escrita, cuja presença e força não
devem ser negligenciadas. O trabalho apresentado nas páginas seguintes é nossa
contribuição para o assunto, por meio do qual propomos, uma reflexão da incorporação do
discurso do “outro” na escrita dos graduandos e sobre o modo da apropriação do
conhecimento.
14
CAPÍTULO I
UM OLHAR PARA O OBJETO DE ESTUDO
1.1. A elaboração dos gêneros do discurso vista pela forma
Analisando os estudos de Bakhtin, em obra publicada pela primeira vez
em (1953)
2
, sobre os gêneros do discurso, observamos que para esse autor um gênero não é
produzido por meio de um ato isolado de fala, pois sempre uma pergunta ativa que
provoca uma resposta a um enunciado. Nesse sentido, o falante oferece ao gênero uma
contribuição estilística no que se refere a sua expressividade individual, o que, se por um
lado, não implica uma criação de língua ou de gêneros genuínos, por outro também não
implica recepção passiva dos modelos já construídos.
Consideramos que, do final da década de 90 para cá, uma forte
tendência em se pensar os gêneros do discurso como uma forma estática, o que tem
favorecido um ensino de Língua Portuguesa pouco voltado para a reflexão sobre a língua,
pouco investigativo, como se fez durante muito tempo com o ensino de gramática. Todavia,
numa perspectiva bakhtiniana os gêneros não são vistos apenas como produtos estáticos
(forma), mas sim pelo próprio processo de produção. Cada esfera da atividade da
comunicação concebe um gênero apropriado a uma especificidade, correspondente a uma
determinada condição de produção, que, por sua vez, apresenta gêneros que são
relativamente estáveis, do ponto de vista temático, composicional e estilístico. As normas
dos gêneros funcionam como referência à vinculação social e como meios de reflexão e os
gêneros do discurso apresentam-se como recursos para pensar e dizer. Daí que o domínio
dos gêneros permite a subversão possível desses mesmos gêneros, num determinado
momento da história, contribuindo para novas variedades entre a infinita possibilidade de
2
Esclarecemos ao leitor que, quando possível, identificamos o ano de publicação da obra original. Embora os
manuais de metodologia ou ABNT aprovem a indicação do ano da obra editada, optamos por indicar na
primeira vez citada no texto a data da obra original, nas demais citações, permanece a data da obra editada.
Na bibliografia fornecemos tanto a data da obra original quanto a data da publicação da edição lida durante
nossa pesquisa.
15
gêneros. É possível dizer então que não basta uma adequação a um tipo de forma para
considerar que o sujeito elaborou um determinado gênero específico. Esta pesquisa enfatiza
que os valores do texto não estão na materialização do aspecto formal, mas em toda sua
produção.
Assim, defendemos a posição de que uma vez que ser falante implica
inserir-se em gêneros específicos para interagir numa sociedade que, organizadamente, os
produz, o ensino de Língua Portuguesa não pode caracterizar-se pelo ensino do gênero, pois
esta perspectiva é passiva da bastante conhecida crítica ao chamado ensino tradicional:
ensina-se português para quem sabe português. Agora, corre-se o risco de ensinar
gênero para quem sabe gêneros. Antes o sujeito era desapropriado de sua língua para
que se pudesse lhe ensinar uma outra língua que seria supostamente sua. Hoje, com a
perspectiva do gênero, corre-se o risco de se fazer a mesma coisa. Se, por ser falante,
praticam-se os gêneros, parece que não se trata de ensinar.
Esses gêneros do discurso nos são dados quase como nos é dada a língua
materna, que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe estudemos a
gramática. A língua materna a composição de seu léxico e sua estrutura
gramatical não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a
adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos
durante a comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que
nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas formas
assumidas pelo enunciado e juntamente com essas formas. As formas da
língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do discurso,
introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência
conjuntamente e sem que sua estreita correlação seja rompida. Aprender a
falar é aprender a estruturar enunciados (porque falamos por enunciados e
não por orações isoladas e, menos ainda, é óbvio, por palavras isoladas).
Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a
organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa
fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato,
16
bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o
volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura
composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis
ao todo discursivo que em seguida, no processo da fala, evidenciará suas
diferenciações. Se não existissem os gêneros do discurso e se não os
dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da
fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a
comunicação verbal seria quase impossível. (Bakhtin, 2000, p. 301-302)
De acordo com Bakhtin (2000, p. 301), moldamos nossa fala às formas
dos gêneros, ora padronizados, ora mais maleáveis, mas não deixa de obedecer a uma
ordem imposta pelos gêneros. Por essa via, a prática da escrita dos textos científicos
contribui para que o aluno se aproxime mais das especificidades dos gêneros do discurso
que são exigidos na graduação.
Os gêneros do discurso impõem condições, segundo Bakhtin (2000, p.
301) pode-se dizer que um querer-dizer do locutor que se adapta a uma determinada
“especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal” e esse querer-dizer se realiza a
partir do intuito discursivo do locutor, ou seja, “à sua individualidade e à sua subjetividade”
e sem esses elementos não texto. Logo, o texto não direciona totalmente o sujeito-autor,
mas lhe fornece um esquema, com o qual o texto pode polemizar introduzindo elementos
de outros gêneros, do contrário não se entenderia a constituição histórica dos gêneros
discursivos. Geraldi (1996, p. 28) aponta que:
O estudo e o ensino de uma língua não podem, neste sentido, deixar de
considerar como se fossem não-pertinentes as diferentes instâncias
sociais, pois os processos interlocutivos se dão no interior das múltiplas e
complexas instituições de uma dada formação social. A língua, enquanto
produto desta história e enquanto condição de produção da história
presente vem marcada pelos seus usos e pelos espaços sociais destes usos.
Neste sentido, a língua nunca pode ser estudada ou ensinada como um
17
produto acabado, pronto, fechado em si mesmo, de um lado porque sua
‘apreensão’ demanda apreender no seu interior as marcas de sua
exterioridade constitutiva (e por isso o externo se internaliza), de outro
lado porque o produto histórico resultante do trabalho discursivo do
passado é hoje condição de produção do presente que, também se
fazendo história, participa da construção deste mesmo produto, sempre
inacabado, sempre em construção.
Como Bakhtin (2000), ainda, Geraldi (1996) afirma que não existe um
modelo operacional pronto de língua. O aspecto estrutural do texto, de alguma forma, é
idêntico a todo o texto. O que provoca o efeito de sentido é justamente aquilo que permite
que essa forma lingüística signifique num dado contexto, aquilo que a torna um modelo
adequado de compreensão às condições de uma situação concreta dada.
Com base no pensador russo, pode-se afirmar que a língua penetra na vida
por meio de enunciados concretos que a realizam a partir de uma interação verbal viva, e é
também, por meio desses enunciados concretos que a vida penetra na língua, constituindo,
assim, a interação. A língua existe não por si mesma, mas em conjunção com a estrutura
individual de uma enunciação concreta. É apenas através da enunciação que a língua toma
contato com a comunicação, imbui-se do seu poder vital e torna-se uma realidade. Neste
sentido, o autor define o gênero inserido num contexto e num tempo determinados. Como
os sujeitos produtores do discurso são históricos, também os gêneros do discurso estão
profundamente enraizados na história.
Complementando essa retomada sobre os gêneros do discurso
pretendemos, através de quatro exemplos, mostrar como essa teoria é levada ao espaço
escolar, às vezes priorizando somente o aspecto formal como componente específico na
produção do gênero. Trazemos exemplos quanto à adequação às formas trabalhadas em
contextos diferenciados de ensino, percorrendo o caminho dos gêneros do discurso na
escola, para posteriormente, chegarmos ao foco de nossa pesquisa: a sustentação da
apropriação do conhecimento na graduação por meio da prática de pesquisa.
18
No primeiro exemplo analisamos uma proposta de atividade sobre a escrita
do gênero bilhete retirado do livro didático de Língua Portuguesa da série do ensino
fundamental da coleção “Linguagem e Vivência
3
”. No segundo exemplo descrevemos a
publicação do resultado de um estudo realizado sobre atividades propostas em livros
didáticos do português sobre gênero carta
4
. No terceiro exemplo fazemos um breve
comentário sobre o livro “Mapas da cidade: autoria, identidade e cidadania”
5
em que duas
professoras juntamente com seus alunos se propuseram a escrever um livro a partir do
resultado da escrita de cartas sobre suas realidades em contextos diferenciados entre alunos
moradores de dois morros da cidade de Porto Alegre-RS. No quarto exemplo retomamos
parte do resultado da nossa pesquisa de mestrado
6
para mostrarmos por meio da análise de
dados coletados em 10 monografias de final do curso de Letras como a forma do gênero
não sustenta a escrita do texto. Ao analisarmos os textos percebemos que houve somente
uma adequação às normas estabelecidas para elaboração de um gênero do discurso exigido
(monografia), mas os textos não apresentaram outros fatores relevantes para sua
sustentação, por exemplo, a apropriação de conhecimento e questionamento às teorias lidas.
A partir dessa observação, propusemos a investigação deste estudo nesta tese de
doutoramento.
3
SILVA, A. S.; BERTOLIN, R.; OLIVEIRA, T. A. Linguagem e Vivência: Língua Portuguesa. São Paulo:
IBEP, 2001. (2ª série)
4
SOUTO MAIOR, A. C. A carta: Uma análise das atividades de produção em livros didáticos de português.
In: ALVES, J. H. P. (org) Território da linguagem. Campina Grande: Bagagem, 2004.
5
ZATT, A. C. S.; SOUZA, J. M. (orgs) Mapas da cidade: autoria, identidade e cidadania. Petrópolis-RJ:
Vozes, 1999.
6
FABIANO, S. Pesquisa na graduação: a produção de um gênero acadêmico submetido a normas”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Faculdade de Ciências e Letras da
Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Araraquara – SP, 2003.
19
1.1.1. Exemplo 1: Utilização do gênero bilhete em livros didáticos do ensino
fundamental
Neste primeiro item, recorremos a uma abordagem de como é trabalhada a
proposta de gênero bilhete em um livro didático do ensino fundamental. Para tanto, a
análise consiste em mostrar como é apresentada a proposta de atividades sobre a escrita de
bilhete do livro “Linguagem e Vivência”:
Imagine que um amigo seu deixou o seguinte bilhete sobre a sua carteira:
Encontre-me sem falta
na casa do Ricardo para
fazermos o trabalho
de Ciências.
Valeu!
A seguir há as seguintes proposições:
- Você conseguiria fazer o que se pede no bilhete?
O autor do bilhete conseguiu se comunicar por meio desse texto? Por
quê?
- Reescreva o bilhete em seu caderno, dando todas as informações
necessárias para haver comunicação entre o produtor do texto e a pessoa
a quem se destina a mensagem.
Produção escrita
- Que tal escrever um cartão ou um bilhete para seu colega ao lado?
- Diga-lhe, por escrito, quem você é, sua idade, o que gosta de fazer.
- Utilize a sua imaginação. Mande uma mensagem bem bonita para seu
novo ou velho amigo.
20
- Comuniquem-se não com palavras, mas também com desenhos, fotos
ou recortes de revistas. Caprichem! (p. 13)
Verificamos na proposta da atividade um entrecruzamento da teoria da
comunicação e com a teoria da enunciação. Tomamos Jakobson (1970)
7
como
representante da teoria da comunicação e como quem produziu um esquema muito
difundido na década de 80 nos livros didáticos no Brasil, utilizado para explicar o processo
de comunicação a partir dos seguintes elementos: remetente, destinatário, código,
mensagem, referente, contexto e canal. O grande problema é que os livros didáticos
costumam simplificar excessivamente o ato de comunicação, pois concebem o remetente e
o destinatário simplesmente como pólos neutros que devem produzir, receber e
compreender a mensagem. Desconsiderando as situações efetivamente reais que envolvem
o processo de comunicação, assim como acontece hoje com a proposta de escrita dos
gêneros do discurso.
O mesmo “círculo vicioso” pode ser notado com a teoria da enunciação
advinda pela teoria de Benveniste (1966), que propôs um novo conceito de língua, para o
autor o homem se apropria da língua para ser sujeito e analisou a classe formal dos
pronomes, como: o eu pessoa-subjetiva, o tu pessoa não-subjetiva e o ele a não-pessoa ao
explicar o processo de comunicação entre os sujeitos da enunciação
8
.
7
“A linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções. Antes de discutir a função poética,
devemos definir-lhe o lugar entre as outras funções da linguagem. Para se ter uma idéia geral dessas funções,
é mister uma perspectiva sumária dos fatores constitutivos de todo processo lingüístico, de todo ato de
comunicação verbal. O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Para ser eficaz, a
mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou ‘referente’, em outra nomenclatura algo ambígua),
apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de l verbalização, um CÓDIGO total ou
parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras ao codificador e ao decodificador
da mensagem): e, finalmente, um CONTACTO, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente
e o destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. [...] Cada um desses
seis fatores determina uma diferente função da linguagem. Embora distingamos seis aspectos básicos da
linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única
função. A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa diferente
ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função
predominante. Mas conquanto um pendor (Einstellung) para o referente, uma orientação para ao CONTEXTO
em suma, a chamada função REFERENCIAL, ‘denotativa’, ‘cognitiva’ seja a tarefa dominante de
numerosas mensagens, a participação adicional de outras funções em tais mensagens dever ser levada em
conta pelo lingüista atento”. (Jakobson, 1970, p. 122-123, destaques do autor)
21
As propostas teóricas de Bakhtin presentes na obra publicada em (1929)
9
sobre o dialogismo e a interação verbal
10
como elementos constitutivos de todo ato de
comunicação, foram também levadas ao espaço escolar como um modismo. Geralmente os
livros didáticos de alguma forma adotam, emprestam ou remetem ao conceito de interação,
embora esse seja considerado num sentido restrito como é o caso da atividade analisada no
livro didático em que centraliza a interação somente como a presença do “outro” no
processo de comunicação.
Ao observarmos a proposta de atividade do livro “Linguagem e Vivência”,
há um entrecruzamento da teoria da comunicação com a da interação, que hoje seriam mais
8
“Essa referência constante e necessária à instância de discurso constitui o traço que une a eu/tu uma série de
‘indicadores’ que pertencem, pela sua forma e pelas aptidões combinatórias, a classes diferentes. [...] É
identificando-se como pessoa única pronunciando eu que cada um dos locutores se propõe alternadamente
como ‘sujeito’. Assim, o emprego tem como condição a situação de discurso e nenhuma outra. Se cada
locutor, para exprimir o sentimento que tem da sua subjetividade irredutível, dispusesse de um ‘indicativo’
distinto [...] haveria praticamente tantas línguas quantos indivíduos e a comunicação se tornaria estritamente
impossível. [...] Quando o indivíduo se apropria dela, a linguagem se torna em instâncias de discurso,
caracterizadas por esse sistema de referências internas cuja chave é eu, e que define o indivíduo pela
construção lingüística particular de que ele se serve quando enuncia como locutor. Assim os indicadores eu e
tu não podem existir como signos virtuais, não existem a não ser na medida em que são atualizados na
instância de discurso, em que marcam para cada uma das suas próprias instâncias o processo de apropriação
pelo locutor. [...] A ‘terceira pessoa’ representa de fato o membro não marcado da correlação de pessoa. É por
isso que não truísmo em afirmar que a não-pessoa é o único modo de enunciação possível para as
instâncias de discurso que não devam remeter a elas mesmas, mas que predicam o processo de não importa
quem ou não importa o que, exceto a própria instância, podendo sempre esse não importa quem ou não
importa o que ser munido de uma referência objetiva. Assim, na classe formal dos pronomes, os chamados de
‘terceira pessoa’ são inteiramente diferentes de eu e tu, pela sua função e pela sua natureza”. (Benveniste,
1995, p, 279-282, grifos do autor)
9
A obra “Marxismo e Filosofia da Linguagem” foi originalmente publicada em russo com a assinatura de V.
N. Volochínov em Leningrado, 1929, em duas edições sucessivas sob o título de Marksizm i filossófia iaziká,
mas os tradutores Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira basearem-se, principalmente na tradução francesa de
(1977) e recorreram, contudo, constantemente à tradução americana de (1973). (Nota dos Tradutores, retirada
da obra reeditada em 1999).
10
“Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de
alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-
me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de
ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o
meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. [...] O diálogo, no sentido
estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da
interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido amplo, isto é, não apenas como
comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo
que seja”. (Bakhtin, 1999, 113-123, grifos do autor)
22
facilmente explicadas pela teoria dos gêneros do discurso, conforme os estudos atuais sobre
a escrita.
Salientamos que essas propostas teóricas não entram em material didático
para dar sustentação à escrita, mas como uma espécie de engessamento em que os autores
de livros didáticos recorrem aos conceitos mais discutidos no momento para elaborarem o
material, passarem pela aparência de adequação às novas propostas de ensino. Ponderamos
que isso muitas vezes não ultrapassa a forma, ou mesmo, a menção de tais conceitos no
material publicado.
Na atividade proposta especificamente na questão: “Você conseguiria
fazer o que se pede no bilhete?” a cobrança dos elementos básicos exigidos no processo
de comunicação “remetente” e “destinatário”, assim como poderíamos dizer que na teoria
dos gêneros seriam: “lugar de produção” e “lugar de recepção” e na teoria na enunciação,
interação verbal: o “eu” e o “outro”.
Em outra questão temos: “O autor do bilhete conseguiu se comunicar por
meio desse texto?” a pergunta indica para uma resposta negativa, já que os autores do Livro
Didático consideram que há a ausência dos elementos considerados básicos para o processo
de comunicação, como o remetente e o destinatário.
Quando a questão do livro pede para o aluno reescrever o bilhete fica
evidente qual é a exigência: “as informações necessárias para haver comunicação entre o
produtor do texto e a pessoa a quem se destina a mensagem”. Na verdade, não são
informações necessárias referentes ao conteúdo, pois essas foram dadas de forma
simplificadas no bilhete, exige-se que o aluno atenda às exigências da forma do gênero
bilhete, além do que os autores desconsideraram o mais essencial, o contexto de produção.
Apesar disso aparentemente os autores estariam exigindo o que pode ser chamado de
“contextualizadores”.
Quanto à proposta de “produção escrita” o livro restringe-se apenas a
exigir que o aluno escreva para seu colega do lado. Isso provoca um certo estranhamento,
pois se o bilhete ou a carta são gêneros que são utilizados para enviar notícias a quem está
distante, como poderia o aluno ter criatividade para dizer ao seu colega “por escrito, quem
você é, sua idade, o que gosta de fazer?”.
23
Em relação à questão “comuniquem-se não com palavras, mas também
com desenhos, fotos ou recortes de revistas” percebemos a inserção das chamadas múltiplas
linguagens, outro conceito muito difundido em livros didáticos, porém pouco trabalhado
com exemplos mais precisos sobre as várias formas de comunicação.
Nisso podemos retomar Geraldi (1996, p. 138) ao afirmar que “um texto
não existe sem materializar-se nos recursos expressivos que nele trabalham; estes, por seu
turno, não existem fora de sua remessa a sistemas de referências. Ambos, recursos e
sistemas, constituem-se concomitantemente”. Pois não é possível cobrar na escrita do
bilhete somente alguns aspectos exigidos dos gêneros e anular principalmente a própria
subjetividade do aluno.
Centrar o ensino no texto é ocupar-se e preocupar-se com o uso da língua.
Trata-se de pensar a relação de ensino como lugar de práticas de
linguagem e a partir delas, com capacidade de compreendê-las, não para
descrevê-las como faz o gramático, mas para aumentar as possibilidades
do uso exitoso da língua. (Geraldi, 1996. p. 71)
Com base nesse ponto de vista damos continuidade à apresentação dos
exemplos para mostrar como a forma não sustenta a prática da escrita.
1.1.2. Exemplo 2: Apresentação de um estudo do gênero carta em livros didáticos de
português
Neste segundo exemplo analisamos um artigo “A carta: uma análise das
atividades de produção em livros didáticos em português” de Souto Maior (2004). Segundo
a autora, o objetivo do trabalho é verificar se a categoria de condição de produção lugar
social proposta nas atividades com o gênero está voltada com maior freqüência para as
práticas reais da sociedade
11
ou apenas para objetivos escolares. Utilizou como apoio
11
O contexto de produção pode ser definido como o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma
influência sobre a forma como um texto é organizado. Se, teoricamente, múltiplos aspectos de uma situação
de ação poderiam ser mencionados (as condições climáticas, a refeição anterior do produtor, seu estado
24
teórico os estudos de Bronckart publicado em (1985) sobre gêneros textuais e analisou 20
atividades retiradas de quatro coleções de Livros Didáticos do Português (LDP) do ensino
fundamental.
A preocupação central das análises girou em torno do lugar social, ou seja,
a ligação da situação social à ação comunicativa, essa categoria de condição de produção
vinculada ao lugar de produção e o lugar de recepção. Para obter um bom resultado das
análises foram verificadas as propostas de atividades de produção de texto que priorizaram
o “uso social da escrita relacionadas às situações efetivas de interlocução [...] como lugar
de produção, o espaço e o tempo do momento da produção e o lugar de recepção como
sendo o endereço do destinatário, para onde vai ser remetida a carta” (Souto Maior, 2004,
p. 373-374). Consideramos que a pesquisadora tomou por base as seguintes definições
apresentadas em Bronckart (1999):
Esses mundos formais são conjuntos de representações sociais que podem
ser objeto de uma descrição a priori. Entretanto, em uma determinada
emocional, etc.), nós, entretanto, de acordo com a maioria dos teóricos, acentuaremos exclusivamente os
fatores que exercem uma influência necessária (mas não mecânica) sobre a organização dos textos. Esses
fatores estão reagrupados em dois conjuntos: o primeiro refere-se ao mundo físico e o segundo, ao mundo
social e ao subjetivo. [...] No primeiro plano, todo texto resulta de um comportamento verbal concreto,
desenvolvido por agente situado nas coordenadas do espaço e do tempo; portanto, todo texto resulta de um ato
realizado em um contexto ‘físico’, que pode ser definido por quatro parâmetros precisos: O lugar de
produção: o lugar físico em que o texto é produzido; O momento de produção: a extensão do tempo durante
a qual o texto é produzido; O emissor (ou produtor, ou locutor): a pessoa (ou máquina) que produz
fisicamente o texto, podendo essa produção ser efetuada na modalidade oral ou escrita; O receptor: a (ou as)
pessoa(s) que pode(m) perceber (ou receber) concretamente o texto. [...] Quando é escrita, o receptor
geralmente não está situado nas coordenadas do espaço-tempo do produtor, em alguns casos, esse receptor
distante pode responder ao produtor e, assim, tornar-se seu interlocutor (na troca de cartas, por exemplo): em
outros casos, o receptor não dispõe de nenhuma possibilidade de resposta, não se constituindo, portanto em
interlocutor. [...] No segundo plano, a produção de todo texto inscreve-se no quadro das atividades de uma
formação social e mais, precisamente, no quadro de uma forma de interação comunicativa que implica o
mundo social (normas, valores, regras, etc.) e o mundo subjetivo (imagem que o agente de sai ao agir).
Esse contexto sociosubjetivo também pode ser decomposto em quatro parâmetros principais. [...] O lugar
social: no quadro de qual formação social, de qual instituição ou, de forma mais geral, em que modo de
interação o texto é produzido: escola, família, mídia, exército, interação comercial, interação informal, etc.
[...] A posição social do emissor (que lhe dá seu estatuto de enunciador): qual é o papel social que o emissor
desempenha na interação em curso: papel de professor, de pais, de cliente, de superior hierárquico, de amigo,
etc.? [...] A posição social do receptor (que lhe seu estatuto de destinatário): qual é o papel social
atribuído ao receptor do texto: papel de aluno, de criança, de colega, de subordinado, de amigo, etc.? [...] O
objetivo (ou os objetivos) da interação: qual é, do ponto de vista do enunciador, o efeito (ou os efeitos) que o
texto pode produzir no destinatário?”. (Bronckart, 1999, 92-94, grifos do autor)
25
situação de produção, o agente dispõe apenas de versões particulares
dessas representações sociais. Portanto, convém distinguir a situação de
ação de linguagem externa, isto é, as características dos mundos formais,
tais como uma comunidade de observadores poderia descrever, e a
situação de ação de linguagem interna ou efetiva, isto é, as representações
sobre esses mesmos mundos, tais como um agente as interiorizou. [...]
Além disso, é necessário admitir que é essa situação de ação
interiorizada que influi diretamente sobre a produção de um texto
empírico. [...] Para produzir um texto, o agente deve então mobilizar
algumas de suas representações sobre os mundos, efetuando-se essa
mobilização em duas direções distintas. De um lado, representações sobre
os três mundos são requeridas como contexto da produção textual (qual é
a situação de interação ou de comunicação na qual o agente-produtor julga
se encontrar?) e esses conhecimentos vão exercer um controle pragmático
ou ilocucional sobre alguns aspectos da organização do texto. De outro
lado, representações sobre os três mundos são requeridas como conteúdo
temático ou referente (quais temas vão ser verbalizados no texto?) e vão
influenciar os aspectos locucionais ou declarativos
12
da organização
textual. (Bronckart, 1999, p. 92-94, grifos do autor)
Porém, a análise de Souto Maior (2004) sobre “A carta: uma análise das
atividades de produção em livros didáticos em português” se deu de forma quantitativa e
explicativa em relação à avaliação dos livros didáticos, partindo da observação sobre o
material que preenchia ou não os requisitos ligados à questão do lugar social da escrita do
gênero carta na escola. A autora seguiu orientações muito parecidas com as que foram
mostradas na análise do Exemplo 1 e uma das conclusões sobre o material é que em sua
12
Neste ponto o autor coloca a seguinte nota: “O termo declarativo não é utilizado aqui em sua acepção
gramatical (frases declarativas por oposição às frases imperativas ou interrogativas), mas em sua acepção
lógica ou cibernética (que tem, entretanto, relação com a primeira): um conhecimento estabilizado e
conceitualizado (ordem do saber), por oposição a um conhecimento procedimental (ordem do saber-fazer)”.
(Bronckart, 1999, p. 94, grifo do autor)
26
maioria apenas o domínio escolar é utilizado como espaço de interlocução das atividades
propostas:
Não existindo a relação de finalidade real e prática (escrever uma carta
para alguém, em algum lugar, com o objetivo determinado), a atividade se
apresenta como uma simples atividade escolar, não focalizando as relações
sociais presentes nas diversas situações comunicativas do nosso cotidiano.
[...] Devemos realçar que uma confusão entre gênero e tipo textuais,
pois os autores desta coleção de LDP afirmam que o aluno irá criar uma
dissertação e logo em seguida enfatizam que o aluno deverá escrever uma
carta, como se a dissertação fosse a própria carta. (Souto Maior, 2004, p.
376-378).
Percebemos nesse recorte um outro elemento que se tornou muito
difundido nos últimos anos, no nosso ponto de vista desnecessário para o aprendizado da
escrita dos gêneros, a da autora afirmar que há uma confusão entre “gênero e tipo textuais”.
Questionamos se relevância dessa diferenciação teórica ao se produzir um material
didático que se propõe ensinar ao aluno a elaborar carta, ou mesmo, se isso não seria mais
uma das teorias que surgiram para afirmar que existem várias formas de escrever, quando
na verdade, são somente conceituações diferenciadas para mascarar ou justificar a ausência
de uma prática real e efetiva da escrita no âmbito escolar. Uma vez que, por muito tempo
foi ensinado na escola que existiam três tipologias textuais: narração, descrição e
dissertação, porém a partir da teoria dos gêneros do discurso interpretada por alguns
teóricos, essa teoria passou a ter nomes diferentes, inclusive se transformou numa tabela
representacional nos PCNs
13
como: gêneros da ordem do narrar, do relatar, do
argumentar, do expor, do instruir, do prescrever. Ou seja, para ensinar o que já é da ordem
da língua, conforme afirma Bakhtin (2000, p. 302) “aprender a falar é aprender a estruturar
enunciados [...] aprendemos a moldar nossa fala às normas do gênero” passou a ser ditado
como regra à escola. Em alguns casos, ainda, admite-se que a predominância de alguns
13
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
27
desses aspectos nos textos, o que não deixa também de categorizá-los, como se a língua não
fosse por si só argumentativa e produtiva.
Por outro lado, a autora descreve sobre a análise do material didático: “os
autores desta coleção de LDP afirmam que o aluno irá criar uma dissertação e logo em
seguida enfatizam que o aluno deverá escrever uma carta, como se a dissertação fosse a
própria carta” conforme foi exposto para interpretar que o conteúdo de uma carta não
passa pelo aspecto dissertativo, argumentativo. A autora neutraliza com isso os diversos
“tipos” de cartas e suas finalidades a partir de condições “reais” de produção.
A autora concluiu o seu estudo com a seguinte proposição: os livros
didáticos não trabalham bem com a proposta dos gêneros. Observemos:
As atividades de produção textual propostas pelas coleções de LDP devem
desenvolver as competências e as habilidades do aluno com atividades de
escrita em situações efetivamente reais de comunicação de maneira
progressiva e adequada (de uma série para outra e no interior de cada uma
delas). No entanto, percebemos que as coleções dos LDP analisados ainda
continuam privilegiando o ensino de produção textual como uma mera
prática escolar, não atribuindo o devido valor ao ensino de gêneros
textuais para o favorecimento de uma cidadania que deva começar na
escola. (Souto Maior, 2004, p. 380)
Diante disso, podemos dizer que a análise dos LDP se prendeu aos
aspectos formais, conforme verificamos ao analisar a atividade proposta no Exemplo 1,
também retirada de um livro didático. Em ambos os casos, a focalização se deu a partir de
elementos da ordem prescritiva “formal” para a elaboração do gênero do discurso e não
sobre questões como: a de ensinar o aluno a lidar com situações efetivamente reais. Cabe
perguntar por que o ensino do gênero carta deve estar no Livro Didático de Português e não
na vida real dos alunos.
Como oposição à perspectiva de inserir propostas de ensino de escrita de
cartas, nos livros didáticos, passamos a descrever no próximo item o trabalho realizado
28
pelas professoras Zatt e Souza (1999) a partir de trocas de experiências entre alunos de
ambientes diferentes.
1.1.3. Exemplo 3: Apresentação do resultado de uma prática de escrita de cartas
Enfocamos agora como uma prática de produção de escrita pode
funcionar, independente da categorização das formas pré-estabelecidas em livros didáticos
de português e mesmo independentemente de sua existência. Contrastamos os dados
anteriores analisados ao apresentarmos a obra “Mapas da Cidade: autoria, identidade e
cidadania” resultado de um projeto “Mapas da Cidade” desenvolvido em duas escolas em
Porto Alegre-RS pelas professoras Ana Cláudia Souza Zatt e Jane Marí de Souza com
turmas de alunos da sexta série; no Morro da Polícia na escola Marcírio e no Morro Alto na
escola Gilberto Jorge, onde professoras e alunos se propuseram a se corresponder por meio
de cartas. Desde o projeto inicial todos os envolvidos sabiam que a finalidade da escrita
das cartas resultaria na publicação de um livro para ser lido pelos colegas, pelo pai, pela
mãe, irmãos, vizinhos, ou seja, tinham leitores (destinatários) diversos para seus textos.
Podemos considerar isso uma valorização da língua, do professor e do aluno e da cultura
letrada de vozes singulares por meio de uma prática real da elaboração de um determinado
gênero.
O livro foi publicado para relatar o resultado obtido durante o
desenvolvimento do projeto, numa mesma obra o relato de ambas as experiências dos
alunos. Na própria estética do livro se percebe que onde uma história começa a outra
termina, não uma continuidade habitual como de outras publicações, mas uma
organização que nos a sensação de que a ordem nos remete à própria experiência das
duas professoras que conseguiram colocar os dois morros de cabeça para baixo. Isso fica
29
ainda mais claro ao ler as cartas que os alunos produziram a partir da experiência
14
vivida
em contextos diferenciados e que estão relatadas em suas escritas.
Chamou-nos a atenção a escrita dos prefácios
15
do livro em que uma
discussão sobre a finalidade de ensinar a escrever escrevendo. Expomos cinco excertos para
o leitor compreender o modo de dizer do autor dos prefácios sobre a escrita, que tomou por
base a própria experiência dos alunos e professores envolvidos no projeto:
(a) Escrever é como escrever cartas: tem alguém lá longe, no outro lado da
cidade, do país, do mundo, do tempo pra quem pode ser muito legal dizer
umas coisas na esperanças de que ele/ela nos diga umas outras coisas de
volta;
(b) Textos circulam pela cidade e não apenas redações escolares, que se
confinam à sala de aula. Texto a gente escreve para leitores; redação
escolar a gente esconde no meio daquela pilha em cima da mesa do
professor;
14
“O que a escola vai possibilitar à criança? Pela escrita, cuja aprendizagem exige mediadores, expandem-se
nas escolas as oportunidades, expandem-se nas escolas as oportunidades de processos interlocutivos.
Fundamentalmente, parece-me que a principal diferença consiste nas instâncias destes processos. Se no
período anterior à escola a criança foi capaz de extrair, nas situações mais variadas de conversações de que
participou e continuará participando, a forma e o funcionamento da linguagem em uso, na escola abrem-se
novas possibilidades de interações, mas elas mudam em sua natureza. Trata-se de instâncias públicas de uso
da linguagem. Note-se, não é a linguagem que antes era privada e agora se torna pública. São as instâncias de
uso da linguagem que são diferentes. E estas instâncias implicam diferentes estratégias e implicam também a
presença de outras variedades lingüísticas, uma vez que as interações não se darão mais somente no interior
do mesmo grupo social, mas também com sujeitos de outros grupos sociais (autores de textos, por exemplo).
E outros grupos sociais construíram também historicamente outras categorias de compreensão da realidade. A
aprendizagem destas se dará, não sem contradições, concomitantemente à aprendizagem da linguagem
utilizada em tais instâncias”. (Geraldi, 1996, p. 39-40, grifos do autor)
15
Explicamos que na obra “Mapas da Cidade: autoria, identidade e cidadania” dois prefácios, por se tratar
de uma interação entre as escolas, a estética do livro é correspondente ao projeto desenvolvido pelas
professoras Zatt e Souza em duas escolas no Morro da Polícia e no Morro Alto. Os resultados são publicados
num único volume, só que com uma organização de cabeça para baixo, que nos dá a sensação de que a ordem
do livro nos remete à interação contínua no processo de comunicação. E o professor Guedes sobre descrever
bem essa interação, entre os morros, na escrita dos dois prefácios, tanto que recortamos alguns trechos para
mostrar ao leitor.
30
(c) O meu texto me possibilita construir minha identidade, dizer-me o que
sinto, o que penso, o que sei que sou, o que quero sentir, pensar, saber, o
que aspiro sentir, pensar, saber que sou, o que quero ser;
(d) E enquanto respondiam as perguntas que organizavam o roteiro do
livro, os alunos trocavam cartas com os colegas da outra escola,
redescobrindo uma das mais antigas funções da escrita, tão mascarada pela
prática escolar: a escrita como interlocução à distância, como construção
de um texto que vai dizer não apenas o conteúdo sobre o qual escrevo, mas
também vai dizer de mim, que escolho o conteúdo, o que dizer sobre ele, o
modo como dizer, e vai dizer do que penso do meu interlocutor, por que
acho que devo falar-lhe de tal conteúdo, por que uso exatamente estas
palavras, por que acho que devo expressar exatamente estas idéias;
(e) Ensinou que a gente escreve a língua que a gente fala na língua em que
se escreve, que é nosso o patrimônio de recursos expressivos construído
pelos que falaram e escreveram na língua que falamos e na língua em que
temos de escrever. (Guedes, In: Zatt; Souza, 1999, p. 13-17)
Em (a) o autor não fala das teorias sobre o gênero textual
16
, por exemplo,
“situação de produção” e “situação de recepção”, mas é como se reescrevesse esses
conceitos a partir do resultado da experiência vivida pelo grupo de alunos e professores dos
morros, assim como em (b) ao dizer “Texto a gente escreve para leitores” isso abrange a
amplitude da escrita. Em (c) o autor discorre sobre como acontece a construção da autoria e
da identidade por meio da prática real de escrita “O meu texto me possibilita construir
minha identidade, dizer-me o que sinto, o que penso, o que sei que sou, o que quero sentir,
pensar, saber”. Em (d) o autor consegue explicar como o conteúdo das cartas ultrapassa a
forma prescrita para o gênero carta: “a escrita como interlocução à distância, como
construção de um texto que vai dizer não apenas o conteúdo sobre o qual escrevo, mas
16
Terminologia adotada pelo autor Bronckart (1999).
31
também vai dizer de mim, que escolho o conteúdo [...] vai dizer do que penso do meu
interlocutor [...] por que uso exatamente estas palavras” e em (e) o autor mais uma vez
explica que a língua em que falamos não é constituída por regras gramaticais, ou mesmo,
forma prescrita pelo gênero ao dizer: “ensinou que a gente escreve a língua que a gente fala
na língua em que se escreve”. Essa definição é tão rica quanto a experiência vivida pelos
participantes do projeto no “Morro Alto e no Morro da Polícia” que o autor se encarregou
de prefaciar o resultado ao ser publicado no livro “Mapas da Cidade”.
Ao analisar a obra verificamos que numa primeira tentativa as professoras
procuraram definir os alunos pela faixa etária, sexo, mas pela heterogeneidade das turmas
isso não funcionou, pois o objetivo do trabalho era mapear a cidade com histórias ímpares e
essa heterogeneidade impediu que categorias de homogeneização fossem construídas. Isso
condiz com a própria experiência vivida, pois pelas cartas distinguimos a espontaneidade
de seus redatores, tanto das professoras como dos alunos. Tanto as cartas das professoras
quanto dos alunos não se prenderam às regras formais propriamente dita sobre a elaboração
do gênero carta, porém todas as cartas tiveram a mesma finalidade, comunicar com alguém
por meio da escrita de textos e trocar experiências.
Em ambas as escolas envolvidas no projeto “Mapa da Cidade” foram
desenvolvidas as mesmas atividades como: elaboração de cartas coletivas e individuais,
cuja finalidade foi relatar práticas do cotidiano de sala de aula, vivência no bairro. As
professoras definiram cinco temáticas: 1) A história do meu bairro; 2) Eu e minha família;
3) Coisas que eu sei fazer; 4) Eu e o lugar onde vivo e 5) Eu e os outros. A maioria dos
alunos optou por utilizar as temáticas como títulos das cartas, mas vários modificaram os
títulos como: “Relacionamento com minha família”; “A vida”; “Cidade Maravilhosa”;
“Convivendo e aprendendo com as coisas que eu sei fazer”.
Selecionamos cinco trechos das cartas produzidos pelos alunos de ambos
os morros para mostrar ao leitor como dado ilustrativo do resultado do trabalho de pesquisa
das professoras:
32
Texto 1
A história do meu nome
Angélica Marli da Silva 13 anos
Quem escolheu o meu nome foi meu pai. O primeiro nome
Angélica foi por causa da cantora da televisão. O segundo nome Marli foi
porque ele no passado namorou uma menina chamada Marli. E claro, eu
não gostei.
Se eu tivesse outro nome quem sabe eu seria diferente. Teria
cabelos compridos, mais alta, um pouco mais gorda e mais feliz. [...] (p.
43, Morro Alto);
Texto 2
Coisas interessantes que eu sei fazer bem
Camila Ruchinsque Ribeiro – 13 anos
Tem coisas que eu sei fazer bem. Quando estou sozinha, sem fazer
nada, pego uma folha e escrevo coisas tão legais, bonitas, inteligentes, por
exemplo, escrevo poesias, crio histórias bem legais etc.
Mas, além disso, tem coisas que eu sei fazer e gosto como, dançar,
fazer os outros rir, ser amiga, mas quando eu quero. [...] (p. 47, Morro
Alto);
33
Texto 3
Eu e a minha vila
Maiara Patrícia D. Ramos – 13 anos
Eu moro no Partenon, no Campo da Tuca, na rua I, número 79. Minha casa
é branca por fora. O assoalho da cozinha é de piso e a parede é bege.
O pátio de minha casa tem um de pinheiro bem grande, tem
de pitanga e tem árvores de cinamomo.
A rua onde moro é muito legal de passear, andar de bicicleta e
passear com minhas amigas. [...] (p. 115, Morro da Polícia)
Texto 4
My family
Samuel Barcelos de Lima – 11 anos
Olá! Eu vou contar um pouco sobre minha família e eu. Nasci no
dia 12 de julho de 1986, aqui em Porto Alegre, no Hospital Presidente
Vargas.
Eu morei em dois bairros, todos eles em Porto alegre, desde que
nasci. morei no Parque Humaitá durante 6 anos e moro aqui no
Partenon há 5 anos [...] (p. 144, Morro da Polícia)
Dentre os textos escritos pelos alunos teve um que nos chamou a atenção
quando escreveram sobre o que aprendemos escrevendo este livro:
Texto 5
Eu aprendi
a viver
34
sem sofrer.
Aprendi a gostar
sem me
magoar.
[...]
Aprendi a estudar
sem reclamar.
Enfim, aprendi
a ver que a história da minha vida é muito
mais feliz do que
a de muitos jovens
da minha idade que
andam drogados, passando fome,
que gostariam de ter
pelo menos a vida que eu tenho aqui.
Aprendi na prática
da escrita
a gostar de tudo
que não gostava em mim.
Pâmela Rodrigues da Luz (Morro da Polícia, p. 173)
Nesses trechos examinamos que não uma limitação da escrita aos
aspectos básicos da comunicação exigidos no livro didático anteriormente mostrados e nem
um modelo fixo para a elaboração do gênero carta. Nesses textos os alunos escreveram
para um possível leitor, explicando, descrevendo informações relevantes que consideraram
sobre a história de seus nomes, coisas que sabem fazer, relacionamentos com bairro,
família, colegas e assim por diante.
Quanto ao aspecto formal, a estética, observamos que alguns alunos
fugiram totalmente daquilo que é definido como modelo de carta, como é o caso do Texto
5, em que a aluna escreveu sua carta em forma de poema e o conteúdo da carta revela o
aprendizado adquirido pela experiência: “Aprendi na prática da escrita a gostar de tudo que
não gostava em mim”. Isso condiz com o que Geraldi (1996) afirma:
35
Do ponto de vista da recepção, o destinatário de uma carta a
considerando que, na produção, seu autor o tinha presente (enquanto
imagem que se constituiu na história das interlocuções entre ambos). Mas
do ponto de vista da produção uma diferença essencial, não pelo uso
da modalidade escrita e pela interação à distância, mas principalmente pelo
fato de que o locutor tem presente que seu texto escrito (ainda que uma
carta pessoal) poderá ser lido por um terceiro (e esta possibilidade está
sempre no horizonte, o que aparece em cartas em que o signatário levanta
um tema, mas diz que sobre ele não escreverá, adiando seu tratamento para
quando se encontrar pessoalmente como destinatário). E neste sentido a
carta se constitui como documento, possível de recuperação histórica. (p.
45)
Além das cartas, os alunos produziram outros textos, como quadros
estatísticos nas aulas de matemática com dados levantados a partir das informações das
cartas. Alguns assuntos giraram em torno de atividades escolares, lucrativas, lazer e outras.
E na disciplina de ciências houve um momento em que os alunos fizeram um estudo sobre a
natureza e como a interferência humana modifica o meio.
Os alunos tiveram um momento de encontro para socialização das cartas e
para conhecer seus parceiros de correspondência. Produziram textos sobre esse encontro,
assim como escreveram sobre suas experiências como redatores, como leitores. Escreveram
também depoimentos sobre o que acharam de tudo o que produziram, leram, vivenciaram e
aprenderam durante os meses em que realizaram o trabalho.
Optamos por relatar em nosso trabalho a experiência de Zatt e Souza
(1999) para registrar duas posturas distintas frente ao ensino de Língua Portuguesa.
Enquanto no exemplo anterior, o artigo de Souto Maior (2004), embora se propusesse uma
escrita em “situações efetivamente reais”, a atividade carta é inserida no Livro Didático de
Português, neste exemplo, Zatt e Souza (1999) levaram os alunos a trocar
correspondências, de fato. Assim, aprende-se a escrever por meio da prática direta de
escrita e não mediada por um manual.
36
Neste último exemplo trazemos ao leitor o resultado de uma pesquisa
realizada por nós durante os anos de 1998 a 2000, que foi base da nossa dissertação de
mestrado, com o objetivo de reafirmar que somente a ênfase na forma do gênero não
sustenta a conquista da escrita e nos remeter à nossa discussão central desta tese: o que
sustenta a escrita na universidade?
1.1.4. Exemplo 4: Delimitação da forma como limite na escrita de monografias na
graduação
Ao propormos um estudo de produções textuais na graduação em Letras
em nosso trabalho de mestrado, observamos quais os discursos que se encontravam
materializados nas produções estudantis e verificamos como os valores são veiculados nos
textos-objetos frente à linguagem, à língua, ao estilo do gênero acadêmico, às normas
metodológicas, bem como depreendemos se esse sujeito-aluno era questionador em relação
ao seu objeto de estudo. Para isso, caracterizamos as produções estudantis em um gênero do
discurso, analisando a correlação entre a produção do gênero acadêmico, a posição do
sujeito-aluno e a instituição-universidade. Com base no que propusemos como discussão e
no que foi possível problematizar com a caracterização das produções estudantis,
constatamos que os alunos envolvidos na pesquisa utilizaram melhor os aspectos formais
dos textos de caráter científicos do que os alunos não envolvidos no projeto. Diante disso
passamos a considerar que somente a adequação formal ao gênero não seria suficiente para
considerar que o aluno produziu um texto de caráter científico. Em virtude disso, surgiu o
questionamento de que não basta o aluno moldar o texto avaliado simplesmente pela forma.
Além da forma, outros fatores precisam ser mobilizados para que se considere que o aluno
tenha um estilo “próprio”, ou que seja considerado um pesquisador.
Na nossa investigação do mestrado tomamos como corpus textos
produzidos por alunos participantes do projeto “Pesquisa na Graduação” do Departamento
de Letras da Unemat, do Campus de Cáceres, que consistia em inserir o aluno na prática da
pesquisa durante o desenvolvimento das disciplinas que cursavam. A seleção dos textos-
objetos para a constituição do corpus partiu dessas condições de produção. Todos os textos
foram produzidos em situação de pesquisa e sempre com base em conteúdos voltados para
37
Língua Portuguesa e Lingüística. Assim, as condições de produção foram estáveis e
homogêneas, no sentido de que todos os alunos estavam envolvidos na pesquisa. Optou-se
por estabelecer uma ordem de classificação dos textos-objetos por letra do alfabeto de A a
J, para poupar a verdadeira identidade de nossos sujeitos-alunos escolhidos para compor o
corpus da pesquisa.
Naquele momento, entre os objetivos propostos examinamos algumas
características metodológicas de elaboração do trabalho científico em relação à
caracterização de trabalho científico, os chamados aspectos formais. Tomando por base a
definição dos “Aspectos Técnicos da Redação”, um item exposto por de Severino (1985),
esse autor afirma que um trabalho científico deve conter: capa; página de rosto; sumário;
lista de tabelas e figuras; núcleo do trabalho: introdução, desenvolvimento, conclusão;
apêndices e anexos; bibliografia e capa final. Analisamos os textos-objetos pelas
características que são dadas e consideramos que houve uma aproximação na estética dos
textos a uma adequação às normas metodológicas exigidas. Para isso, fizemos um
levantamento desses aspectos formais nos dez textos-objetos que compunham o corpus
daquela pesquisa e vejamos como os alunos de A - J os utilizaram:
Capa
17
: A a J;
Capa de Rosto: A a J;
Dedicatória: A a J menos o G;
Sumário: A a J sendo que 06 (seis) foram iguais e 04
(quatro) diferentes;
Introdução: C, D, E, F, G, H e J
Apresentação: B, A e I;
Corpus: A a J;
Fundamentação: A direta; B direta, C indireta, D direta, E
indireta, F indireta, G indireta, H direta, I
direta e J indireta;
Análise do corpus: A a J;
Considerações Finais: A, B, F, G, H, I e J;
Conclusão: C, D e E;
Bibliografia: A a J;
Anexos: A a J menos C e D.
17
Os dados que compõem o quadro foram apresentados na pesquisa do mestrado, estão sendo retomados para
exemplificarmos como os alunos adequaram seus textos somente aos aspectos formais do gênero.
38
Informamos que todos os trabalhos apresentaram um aspecto formal
semelhante ao indicado no manual analisado. Vimos uma característica explícita do aspecto
formal nas produções dos graduandos. Obviamente, questionávamos se uma adequação a
esse tipo de forma era o bastante para considerar que os alunos elaboraram um texto de
caráter científico. Aquela análise nos fez definir mais um olhar para os textos-objetos e
enfatizar que os valores do texto não estão somente na materialização do aspecto formal;
essa faz parte de um conjunto de técnicas, mas não determina a composição do gênero.
Dessa forma, o que caracteriza um texto como científico não são os aspectos formais, mas a
sua constituição em um gênero do discurso.
Caracterizar os textos em um gênero do discurso, mesmo se não estiverem
condizentes com as características do livro de metodologia, é considerar que o texto é
sempre uma atividade responsiva, uma resposta ao “outro” e está inserido em uma esfera da
comunicação verbal, seja em qual for o aspecto que o sujeito estiver, ao começar a produzir
um texto oral ou escrito, a identificação do gênero é realizada. Verificamos também como
não era possível estabelecer somente um aspecto metodológico (formal) para que um texto
fosse caracterizado como gênero acadêmico. Examinamos como os alunos de A-J iniciaram
a escrita dos textos
18
:
A - O presente trabalho, denominado de “Ensino de Língua x
Gramática: pouco entendimento, muita contradição” tem como
finalidade enfocar a idéia de língua como algo inerente ao ser humano e
que se através do processo natural, recebendo grande influência do
meio em que vive, constituindo-se assim um sistema de comunicação
verbal entre os indivíduos de determinado grupo social, e de gramática
como algo necessário, porém, vista dentro do contexto e a desnecessidade
de se ensinar a gramática normativa de forma tradicional como é ensinada
nas escolas. (p. 04, grifos nossos)
18
Esses dados de A a J também fazem parte do corpus de pesquisa do mestrado e tem por finalidade apontar
como há uma canonização de modelos pré-estabelecidos para se iniciar a escrita de um trabalho acadêmico.
39
B - A intenção de se pesquisar e estudar a questão da transitividade,
numa relação com as ocorrências cotidianas e as regras gramaticais, surgiu
da conscientização da importância de se estudar a gramática e pesquisar os
fatos de linguagem, tarefa que não é responsabilidade somente dos
gramáticos, mas também de todo aluno que busca melhor compreender o
funcionamento dos processos de linguagem. (p. 04, grifos nossos)
C - No presente ensaio monográfico estaremos realizando uma
reflexão sobre os verbos auxiliares, que é nosso objeto de pesquisa. (p. 04,
grifos nossos)
D - Este trabalho tem por finalidade através de pesquisar e análises,
procurar mostrar o uso dos pronomes oblíquos e retos na língua falada e
escrita, utilizada pelos brasileiros. (p. 05, grifos nossos)
E - O presente trabalho tem por finalidade analisar os vícios de
linguagem apresentados pela gramática em relação aos estilos, presentes
nas obras literárias a pesquisa partiu da necessidade de maiores
esclarecimentos e distinções entre ambos, o corpus que pretende-se
analisar refere-se a questões polêmicas da gramática, vícios de linguagem
que serão analisados juntamente com trechos de alguns poetas que
caracterizam os estilos de linguagem com a subversão do código, ou seja,
vão contra as normas elaboradas pela gramática tradicional, com o
objetivo de enfatizar idéias presentes nas poesias. (p. 04, grifos nossos)
F - A partir de discussões feitas em sala de aula desde o primeiro
semestre do curso de Letras, nas disciplinas de Produção de Texto,
Sintaxe, Semântica e Redação Científica, [...] é que se propõe analisar
nesta pesquisa o exame dos operadores argumentativos no corpus
40
redativos de alunos do Ensino Médio, residentes na cidade de Rio Branco,
Estado de Mato Grosso, que vise mostrar a importância de ensinar tais
elementos dentro da seqüencialidade textual. (p. 04, grifos nossos)
G - Neste trabalho pretendo abordar como pressupostos para minha
pesquisa; o estudo da preposição até, discorrendo definições sobre a
mesma e como ela é ensinada nas escolas. (p. 04, grifos nossos)
H - Este trabalho objetiva analisar o uso dos pronomes anafóricas e
dêiticos como fenômeno de referencialidade ressaltando sua importância
no estabelecimento da coesão textual (p. 05, grifos nossos)
I - Diante da crise que ostenta no ensino da língua portuguesa, ficamos
mais do que convencidos que necessidades de algumas mudanças; uma
delas é tornar-se diferente o “como ensinar a gramática”, pois esse ensino
gramatical demasiado e descontextualizado, tende a impressionar o aluno,
mantendo-o preso a esse fator, e isso faz com que ele anule os demais
requisitos que são de suma importância na construção de qualquer texto.
(p. 05, grifos nossos)
J - O seguinte trabalho tem por objetivo fazer abordagens sobre a
presença dos neologismos semânticos contidos na língua portuguesa.
Estabelecendo uma relação entre “Neologismo e Preconceito Lingüístico”,
no âmbito que diz respeito que a língua é viva e está sujeita a constantes
transformações possibilidade de se criar novas palavras a partir do uso
real do falante e o livre acesso que tem com a língua. E, assim poder-se-á,
concretizar o aparato entre Neologismo e Preconceito Lingüístico. (p. 04,
grifos nossos)
41
Com exceção dos alunos B, F e I, todos os outros iniciaram os textos de
forma semelhante. Avaliamos que essa atitude corresponde a uma tentativa de adequação
formal ao gênero acadêmico, porque todo gênero do discurso tem um conteúdo
composicional mais ou menos estável. Podemos dizer que sempre fica uma marca que
contribui com a identificação do gênero. Os textos-objetos coincidem no que se refere a
uma forma de texto científico. Os sujeitos-alunos procuraram se aproximar desse aspecto
formal com expressões do tipo: o presente trabalho; o seguinte trabalho; no presente
ensaio; este trabalho tem por finalidade através de pesquisas e análises; a intenção de
se pesquisar e estudar, etc. Mas isso não implica afirmar que esses alunos seguiram
rigorosamente as normas estabelecidas para a elaboração do trabalho científico.
Entendemos, então, que o gênero do discurso envolve uma certa
padronização, conforme o contexto empregado. Podemos considerar pelas análises dos
textos-objetos que os graduandos produziram relativamente um gênero acadêmico,
utilizaram fundamentalmente características formais da escrita científica cujo objetivo é
exatamente estabelecer uma forma ao texto.
Diante dessas ocorrências, e na perspectiva de Bakhtin (1953),
concluímos que a prática da escrita dos textos científicos contribui, portanto, para que o
aluno se aproxime mais das especificidades dos gêneros do discurso que são próprios à
universidade, em consonância com as normatizações, mesmo sabendo que o sujeito-aluno
não produz exatamente um texto que condiz com as características impostas, pois sabemos
que não podemos estabelecer na língua uma ação baseada somente em conceitos abstratos,
ou seja, distante da interação verbal.
Passamos, então, a apontar questionamentos como: o domínio da forma
do gênero é condição suficiente para que se tenha um trabalho científico? Dado que os
manuais de Metodologia Científica não contemplam os aspectos da produção de um texto
científico, por outro lado em que medida a obediência a um percurso considerado ideal para
a pesquisa científica garante resultados pertinentes e diferentes dos alcançados
anteriormente ou por outras formas de raciocínio?
Com base nessas constatações propusemos nossa pesquisa de doutorado e
dando continuidade ao estudo da escrita na universidade, buscamos analisar em que medida
42
a prática da pesquisa pode dar uma sustentação aos textos que são produzidos na
graduação.
Inserido em nossa trajetória, este trabalho representa mais uma
oportunidade de reafirmamos um compromisso de estudar a escrita como parte da produção
do conhecimento. muito notamos que esta faceta da formação se distancia da
universidade e paralelamente mascara-se a produção com a divulgação de um jargão
próprio da área. O que mais nos instiga são os dados analisados para esta pesquisa, que
demonstram que uma incorporação do discurso do “outro” nos textos dos alunos e uma
ausência de investigação, marcas de apropriação ou indícios de criação. Diante disso,
apontamos para uma questão política das universidades que pendem a priorizar os cursos de
profissionalização e que não estão preocupadas com os alunos que as deixam sem saber se
posicionar e apropriar-se criticamente de um conhecimento sobre as questões básicas
teóricas do seu curso.
Em suma, como procuramos demonstrar até aqui, nossa preocupação com
o domínio do gênero sem a prática efetiva da escrita é de não levar o aluno a aprender mais
do que o domínio da forma do gênero. E não repetirmos com o ensino do gênero o que
Geraldi (1996) já havia salientado sobre o ensino de língua:
O ensino tradicional de língua portuguesa investiu, erroneamente, no
conhecimento da descrição da língua supondo que a partir deste
conhecimento cada um de nós melhoraria seu desempenho no uso da
língua. Na verdade, a escola agiu mais ou menos como se para aprender a
usar um interruptor ou uma tomada elétrica fosse necessário saber como a
força da água se transforma em energia e esta em claridade na lâmpada
que acendemos. Obviamente, espaço para saber estas coisas todas e
aqueles que a elas se dedicaram e as sabem. Se precisar de uma
informação, posso consultá-los. [...] Cada um de nós, em sua área
profissional, tem conhecimentos e pode transmiti-los a outros, mas
nenhum de nós imagina que todos queiram saber conhecimento que
caracterizam a nossa profissão. (Geraldi, 1996, p. 71)
43
Reforçamos, então, mais uma vez que não é objetivo de nossa investigação
e nem acreditamos que exista um ensino correto para o aprendizado do gênero. A função do
percurso apresentado a partir dos exemplos citados é de reafirmar que nossa tese principal é
insistir na inserção da prática da escrita na escola desde as séries iniciais para que o aluno
desde cedo comece, por meio da prática de escrita, a apropriar-se de um conhecimento, pois
uma escrita específica que o aluno precisa dominar, escrever textos que demonstram
uma reflexão sobre a língua e não passar anos na escola aprendendo como se escreve por
meio de modelos, ou mesmo, como se escreve um “bom” texto para o exame do vestibular,
como conseqüência esse aluno chega na universidade sem ter adquirido uma prática real de
escrita. Isso contribui com a ressonância e permanência da mesma prática até então
dispensada ao aluno no ensino da escrita.
Partimos dessas reflexões como meio de introduzir o leitor em outros
caminhos que propomos para chegarmos ao cerne da nossa discussão: o que se produz hoje
na graduação em Letras. Para tanto iniciamos com um percurso sobre a constituição da
universidade, passamos por algumas bases teóricas sobre produção do discurso científico
para analisarmos o corpus e mostrarmos como se dão as categorias de escrita: paráfrase,
repetição, imitação, concepção que embasa os textos dos graduandos, apropriação do
conhecimento e um capítulo em que discutimos a questão da repetição autorizada.
CAPÍTULO II
UM ESTUDO SOBRE A UNIVERSIDADE
Neste capítulo, olhamos para universidade, ao apresentar estudos de alguns
autores que já propuseram a discutir sobre a constituição da universidade e o surgimento do
44
intelectual na Idade Média. Mostramos ainda alguns modelos definidos sobre a
universidade, assim como a produção da pesquisa e a construção de hegemonia na
universidade.
Reunimos estes estudos para montarmos um item monográfico que
sustentação a um aspecto importante em nosso trabalho: a universidade, a pesquisa e a
produção do conhecimento. Não é nosso interesse aprofundarmos esse assunto, mas apenas
contextualizar o leitor sobre a constituição e formação da universidade para melhor
refletirmos sobre a produção e a apropriação do conhecimento.
2.1. A constituição da universidade na Idade Média
Apresentamos a seguir um panorama de como se constituiu a universidade.
Sabemos que isso requer um ambicioso estudo que inicia desde o seu surgimento na Idade
Média, precisamente nos séculos XII e XIII, quando a Igreja, em busca de um saber mais
aprofundado sobre algumas áreas do conhecimento, resolveu criar instituições onde jovens
clérigos pudessem estudar além do ensino elementar
19
.
A universidade, desde o seu princípio, tem a vocação de formar jovens
com um certo domínio do saber. Verger (1999) aponta que o homem do saber tinha posse
de um tipo de cultura devido a uma certa idéia acerca da noção de cultura, era alguém que
dominava o conhecimento e tinha um longo período de estudo.
Na Idade Média, a língua latina era essencialmente a base fundamental da
cultura erudita:
O latim medieval era, antes de tudo, a língua sagrada, aquela da Escritura,
aquela da liturgia, do culto e dos sacramentos; em outras palavras, era a
língua dos padres e dos monges. No domínio religioso, a língua vernácula
restringia-se praticamente à pregação oral destinada aos leigos. A redação
ou a tradução em língua vernácula de obras religiosas, a começar pela
própria Bíblia, ainda que não fosse completamente desconhecida ou
19
“No conjunto, o nível dessas escolas era medíocre; muitas dispensavam apenas um ensino elementar
(leitura, escrita, cálculo) e somente visavam a preparar os jovens clérigos para suas tarefas litúrgicas”.
(Verger, 1999, p. 20).
45
proibida, não era praticada sem muita parcimônia e suscitava facilmente a
desconfiança da Igreja, sobretudo quando os autores eram, eles também
laicos. O latim era, por outro lado, a língua portadora de toda a herança da
Antiguidade. [...] Até o final da Idade Média, pouquíssimas obras originais
haviam sido produzidas em língua vernácula nas disciplinas de cultura
erudita. Julgavam-se essenciais as traduções e mesmo essas teriam sido
tardias, pouco numerosos e freqüentemente medíocres. Além do mais,
essas traduções não eram exatamente destinadas aos homens de cultura,
conhecedores do latim, mas a um público laico, um pouco difícil de ser
delimitado, sem dúvida bastante restrito, provavelmente recrutado,
sobretudo, na alta aristocracia e nos ambientes de corte. (Verger, 1999, p.
25-26)
Compreendemos que havia uma exigência para que alguém fosse
considerado um homem do saber, tinha de dominar a língua latina e as bases filosóficas de
Aristóteles. Naquela época os poucos escritos eram publicados em latim e as traduções em
língua vernácula não tinha reconhecimento no mundo dos intelectuais. Portanto, saber o
latim era sinal de poder, prestígio e respeito. Os homens das letras, assim como eram
conhecidos os eruditos na Idade Média, pertenciam ao grupo de pessoas do saber.
Esse homem intelectual, do saber, aparece com as cidades, um homem
cuja profissão era escrever ou ensinar. Uma presença marcante de um homem do saber na
Idade Média é Abelardo
20
, uma figura moderna de intelectual dentro dos limites de
modernidade do século XII, ele é o primeiro professor considerado na época o cavaleiro da
dialética. Sua figura de intelectual surge antes da universidade. Ele foi um dos estudiosos
20
“Filósofo francês, nascido em Le Pallet, perto de Nantes, na Bretanha (1079-1142). Foi discípulo de
Roscelino (1045-1120), um dos principais defensores do nominalismo, com o qual estudou lógica.
Posteriormente, foi discípulo de Guilherme de Champeaux (1070-1121), que seguia orientação contrária à de
Roscelino, defendendo o realismo dos universais. Nesse sentido, a ‘querela dos universais’ foi, desde cedo,
um dos principais centros de interesse de Abelardo. Em relação a essa questão, manteve uma posição
contrária aos seus dois mestres, conhecida como conceitualismo. Para ele, os universais são conceitos,
‘concepções do espírito’, realidades mentais que dão significado aos termos gerais que designam propriedades
de classes de objetos”. Acesso em 15 de janeiro de 2007. (www.pucsp.br/~filopuc/verbete/ abelardo .htm .)
46
que se colocava entre os adeptos dos fatos e os adeptos dos sinais, ou seja, Abelardo
21
ficava entre os realistas e os nominalistas e entre os positivistas e os formalistas, era um
crítico inveterado da idéia de ciência como um pensamento acabado, pronto.
O estudo sobre a universidade na Idade Média nos faz entender que era
prioridade como proposto por Abelardo, antes mesmo do surgimento da universidade, a
preocupação com o saber do homem, aquele que fosse capaz de pensar racionalmente por
meio da filosofia, o intelectual deveria ter um tempo integral para se dedicar à meditação e
à produção.
Um dos temas centrais da discussão da obra Le Goff publicada em (1957)
é um estudo sobre o intelectual na Idade Média, que tinha suas funções escolares quase que
estritamente voltadas à Igreja, inclusive eram denominados como clérigos, sobretudo
monges. A docência era vista como um trabalho espiritual a serviço de Deus.
O aparecimento da universidade se deu na Idade Média, as primeiras
universidades européias como a de Paris, Bolonha, Oxford surgiram nos séculos XII e XIII.
Em meio à criação da universidade definiram-se três poderes: clerical, monárquico e o
universitário. Nesse período havia somente as faculdades de Teologia, Medicina, Direito e
Artes. Sendo a Faculdade de Teologia a que mais tempo ocupava de seus alunos, 15 anos
até concluir o doutorado e de Artes menos tempo, mas ambas não tinham o mesmo
reconhecimento político e social que tinham as faculdades de Medicina e Direito. Por muito
tempo a ascensão social era somente dos médicos, esses ganhavam fortunas no campo da
política e em segundo lugar o prestígio era dos alunos de Direito que cuidavam de questões
jurídicas e outras vezes literárias. Os teólogos na maioria se dedicavam ao ensino, aos
serviços da Igreja e os alunos da Faculdade das Artes, que por sua vez não tinham muito
reconhecimento e nem uma definição exata de área, preparavam os artesãos, professores
para as séries iniciais e pequenos comerciantes.
21
Abelardo era um intelectual que vivia apenas para a inteligência, não sabia lidar com o campo e nem com
tarefas domésticas, vivia das doações de seus alunos e por conta da Igreja. Um dos seus maiores dramas
pessoais foi o de se apaixonar por Heloísa, uma jovem também para sua época considerada culta. Foram
proibidos de manterem o casamento que fora realizado em segredo. Tiveram que se separar após a traição de
Fulbert, tio de Heloísa, que autorizou a castração de Abelardo, que a partir de então, para curar-se de sua dor,
dedicou-se inteiramente às atividades intelectuais, destinadas às meditações teológicas ou filosóficas.
47
Desde essa época observamos uma separação hierárquica entre as áreas do
conhecimento, algumas sendo mais privilegiadas do que outras, no reconhecimento, na
remuneração e na ascensão social. Algo que ainda se perpetua na universidade nos dias
atuais. Um exemplo dessa diferenciação pode ser visto comparando-se anais de publicação
de relatórios de pesquisa financiadas pelas fundações de apoio à pesquisa do governo ou de
alguma ONG. Encontraremos quais são as linhas de pesquisas mais privilegiadas nos
financiamentos.
Como também acompanhamos nas explicações de Santos (1987) ao definir
o modelo do paradigma dominante:
O modelo de racionalidade que preside à ciência moderna constitui-se a
partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos
seguintes basicamente no domínio das ciências naturais. Ainda que com
alguns prenúncios no século XVIII, é no século XIX que este modelo
de racionalidade se estende às ciências sociais emergentes. A partir de
então pode falar-se de um modelo global de racionalidade científica que
admite variedade interna mas que se distingue e defende, por via de
fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, de duas formas de
conhecimento não científico (e, portanto, irracional) potencialmente
perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou
estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e
teológicos). Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é
também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a
todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus
princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas. É esta a sua
característica fundamental a que melhor simboliza a ruptura do novo
paradigma científico com os que precedem. (Santos, 2002, p. 10-11)
Sabemos que os cursos ligados às Ciências Humanas sofrem um desgaste
para firmar-se como ciência nos dias atuais, para comprovar sua eficiência e prestígio no
48
mundo do saber, principalmente com o encurtamento do prazo das qualificações; a
objetividade dos textos também aumentou: não exigência, por exemplo, de leituras
imersas em textos filosóficos.
Desde o surgimento do homem moderno se tinha a crítica de que o
intelectual imitava os antigos, pois “os modernos, eis o que são e sabem ser. Mas modernos
que discutem com os antigos; pelo contrário, imitam-nos, deles se alimentam, trepam-lhes
para os ombros” (Le Goff, 1985, p. 29). Nesse período, o intelectual universitário tinha
somente a função de exegeta, um mero interpretador. Somente em épocas posteriores que o
exegeta passa a ser um pensador, nasce a partir do momento que ele passa de passivo a
ativo, com isso se deu uma abertura para que o intelectual começasse a produzir algo que
não fosse somente as repetições exigidas pela função de exegeta que se resumia a
memorizar os textos e recitá-los aos seus mestres, nada se podia acrescentar ao sentido
literal dos textos.
Percebemos que há reflexos da imitação
22
desde a época da constituição da
universidade, quando se dava relevância à exegese, o intelectual tinha de se preocupar
somente com o comentário ou com a interpretação dos escritos antigos, não havia liberdade
para acrescentar idéias aos textos filosóficos e, muito menos aos textos religiosos. A Igreja
questionava a interferência naquilo que era considerado sagrado e acabado. Restava ao
intelectual reduzir sua atividade à leitura literal dos textos e fazer estudos gramaticais
aprofundados e uma espécie de memorização do que era interpretado e apresentado em
longas sabatinas aos mestres ou aos membros da própria Igreja. Mais adiante veremos que
hoje mesmo entre as disciplinas que propõem análises de textos, pouca análise dos
textos acadêmicos. A análise fica restrita aos dados.
22
Aristóteles diz que “o ‘imitar é congênito no homem’. na espécie humana a tendência natural para o
imitar, aliás, isto o distingue de outros seres da natureza, pois entre todos os outros o homem é o mais
verdadeiro. Ele se utiliza da imitação para adquirir as primeiras noções. Ao longo da descrição de sua
concepção das artes poéticas, Aristóteles observa duas grandes divisões nos modos de imitar, sobre as quais
todas as outras espécies de imitar se reúnem: o modo de imitar por meio da narrativa e o modo de imitar por
meio de atores. Como Aristóteles não acredita no mundo das idéias, não considera errado imitar, ao contrário,
é bom, pois é fonte de prazer e conhecimento (‘Por imitação o homem aprende’) e alega que a imitação purga,
purifica o leitor (catarse), sendo, então, útil”. (Aristóteles, 2003, p. 239-243).
49
Podemos dizer que a sociedade da época era ideologicamente controlada
pela Igreja e politicamente cada vez mais pela burocracia laica e eclesiástica como afirma
Le Goff (1985, p. 08) “os intelectuais da Idade Média, são, antes de tudo, intelectuais
‘orgânicos’, fiéis servidores da Igreja e do estado” devido a esse controle as universidades
se tornavam muitas vezes jaulas por causa das limitações que eram impostas aos
intelectuais.
No século XII temos o intelectual urbano comparado com o artesão e o
mercador, pois as escolas tinham se transformado em oficinas de onde se exportavam as
idéias, como se fossem mercadorias, nisso o professor se aproxima do artesão no momento
de produzir o trabalhador. Mas também havia uma resistência por parte dos intelectuais em
aceitar tal comparação, como:
Homem de ofício, o intelectual tem consciência da profissão a assumir.
Reconhece a necessária ligação entre ciência e ensino. não é dos que
pensam que a ciência deve ser entesourada, mas sim posta em circulação.
As escolas são oficinas de onde se exportam as idéias, como se fossem
mercadorias. No terreno urbano, o professor emparelha, por um mesmo
intento de produzir, com o artesão e o mercado. (Le Goff, 1985, p. 80)
Desde o século XII a universidade tem a função de exportar idéias e
produzir o trabalhador, os intelectuais eram comparados com o artesão. Disso pode-se
extrair pelo menos dois reflexos que ainda estão presentes nas instituições de ensino
superior. O primeiro é a mercantilização do ensino, a comparação da universidade com o
supermercado, onde se vendem produtos prontos e não se “fabrica” o conhecimento. O
segundo é a perpetuação de aulas na universidade em que a pesquisa se apresenta distante
do contexto como uma prática que deveria ser imbricada ao ensino. Ambos os casos iremos
discutir ainda neste capítulo.
50
O século XIII é considerado o século das universidades porque é o século
das corporações
23
. Neste momento, se definiam as corporações nas universidades apesar de
ter suas origens “tão obscuras como as dos outros corpos de ofícios”, uma vez que os
grupos de mestres e alunos “organizavam-se lentamente”. (Le Goff, 1985, p. 84). Com o
fortalecimento da universidade essas corporações criaram forças e começaram a reivindicar
sua independência ou privilégio como professores. Essa luta se prolongava porque os
poderes eclesiásticos eram fortes e as universidades eram administradas pela Igreja. O
bispo local exigia a sua submissão ao Papa, que detinha o controle geral dessas instituições.
A universidade da Idade Média conseguiu sua autonomia a partir somente
de 1231, após vários acontecimentos sangrentos. Inclusive, muitos estudantes foram mortos
pelos guardas locais nos quase dois anos de greve. Apesar disso os intelectuais do ocidente
vão tornar-se, em certa medida, mas inevitavelmente, agentes pontifícios.
Em sua estrutura, a universidade se organizava por meio das corporações,
mestres e alunos e se dividia em faculdades ditas superiores como Direito, Medicina e
Teologia
24
eram dirigidas por mestres titulares ou regentes tendo à cabeça o deão
25
. Com a
evolução das universidades surge a presença do reitor nas Faculdades de Artes, no final do
século e se tornou o chefe reconhecido de toda corporação.
Segundo Le Goff (1985) a Idade Média distinguia mal os graus do ensino,
as universidades não eram estabelecimentos somente de ensino superior. O ensino primário
e o secundário eram também ministrados parcialmente na universidade e por ela
controlados, uma das causas dos alunos entrarem muito cedo na universidade.
23
“É fase institucional do surto urbano, que materializa em comunas as liberdades políticas conquistadas e em
corporações as posições adquiridas no domínio econômico. [...] A organização corporativa cristaliza aquilo
que consolida. Conseqüência e sanção de um progresso, deixa transparecer um esgotamento, anuncia uma
decadência. O mesmo se passa com as universidades no século XIII, de acordo com o contexto geral”. (Le
Goff, 1985, p. 83)
24
Na Idade Média surge o naturalismo e o humanismo de Chartres para ele “o homem é antes de mais um ser
racional. É nele que se opera essa união activa da razão e da fé, que é um dos ensinamentos dos intelectuais
do século XII”. (Le Goff, 1985, p. 71). Nesse período foi valorizado um ensino não apenas como disciplina,
mas também as técnicas científicas e artesanais eram consideradas partes essenciais da atividade humana.
25
Dignitário eclesiástico; coordenador de um grupo de párocos.
51
Se examinar, ainda hoje, alguns programas curriculares de alguns cursos
de graduação, percebe-se que assim como na Idade Média uma inadequação desses
programas, pois muitas vezes eles estão a serviço das linhas de pesquisa dos professores
26
do departamento e não atendem às especificidades do curso a partir das diferentes áreas do
conhecimento.
A organização dos programas dos cursos mudava segundo estes, por
exemplo, na Faculdade das Artes prevaleciam a lógica e a dialética, o aluno tinha de
comentar, pelo menos em Paris, a obra de Aristóteles. Os exames para a obtenção dos graus
eram definidos por cada universidade, em alguns cursos os alunos eram submetidos a
longas sabatinas e havia várias fases, muito parecido com o que acontece hoje nas defesas
de mestrado e doutorado.
Os professores não tinham salários estipulados para exercerem suas
funções, viviam de doações feitas pelos alunos, muitas vezes questionadas pela Igreja, que
considerava ensinar um dom divino e por isso não deveriam ser cobradas. Os professores
questionavam sobre como poderiam sobreviver somente de doações e morando em
mosteiros. Para sobreviverem os alunos pagavam coletas aos seus professores. Com o
tempo a Igreja considerou essa situação vergonhosa e passou a assegurar um benefício aos
mestres, isso teve como conseqüência uma dependência material da Igreja e muitos
passaram a não concordar com a situação:
O resultado foi que puderam ser professores nas universidades aqueles
que aceitavam esta dependência material relativamente à Igreja. Sem
dúvida, ao lado das universidades e apesar da oposição feroz da Igreja,
puderam fundar-se escolas laicas; mas em vez de proporcionarem uma
instrução geral refugiavam-se num ensino técnico essencialmente
destinado aos mercadores: escrita, contabilidade, línguas estrangeiras.
26
“Necessário, será este trabalho possível? De qualquer modo, não poderia ser recortado segundo as normas
preestabelecidas que regeram toda a formação dos professores atuais e que os levam muitas vezes,
atualmente, a manter seu próprio modelo sob o nome de ‘cultura’ (o que ela foi, mas não é mais), ao visar
somente à formação de outros universitários, segundo o sistema que erege a reprodução do mesmo em lei e
quer que o semelhante, indefinidamente, gere o semelhante”. (Certeau, 1995, p.106)
52
Assim se alargava o fosso entre cultura geral e formação técnica. (Le Goff,
1985, p. 115)
Os intelectuais eram obrigados a seguir rigidamente os mandamentos da
Igreja e não havia nenhum tipo de abertura para criação. A maioria dos textos escritos e
estudados era de cunho religioso e na filosofia havia por bases doutrinárias Aristóteles, isso
contribuía em grande parte para a reprodução do conhecimento.
Houve um período de anti-intelectualismo, isso aconteceu no momento em
que os intelectuais deixaram de dar ênfase às doutrinas de Aristóteles e a universidade
passou a dar ênfase ao religioso e abandona a cientificidade, a filosofia e o pensar
racionalmente pela Ciência.
Feito esse breve percurso, ponderamos que, após os 40 anos da publicação
da obra de Le Goff (1957), a concepção do mundo escolar e universitário medieval que nele
se apresenta não se desgastou. Depreendemos ainda o modelo de universidade que se tinha
nos séculos XII e XIII, um resquício daquilo que foi definido como universidade e
intelectual. Por um lado, temos hoje uma universidade não presa à Igreja, mas presa às
questões políticas neoliberais, uma universidade que está mais a serviço da
profissionalização do que do produzir conhecimento, uma universidade que perdeu sua
autonomia frente à criação da figura do intelectual. Um intelectual que se define mais como
um profissional com habilidades para preencher vagas no mercado de trabalho do que um
profissional que tem seu tempo dedicado à docência e à pesquisa. Nisso retomamos Chauí
(2001, p. 55) ao dizer que “a universidade, exatamente como a empresa, está encarregada
de produzir incompetentes sociais, presas fáceis da dominação e da rede de autoridades”.
2.2. Alguns modelos de universidade
53
Wolff em (1969) esboça quatro modelos de universidade, são modelos
considerados pelo autor como tipos ideais, em alguns casos não seria possível aplicar à
realidade das universidades que temos hoje.
O primeiro modelo apontado é a “Universidade como santuário do saber”.
Wolff (1993) retoma a intelectualidade da Idade Média para criticar a defesa do intelectual
na universidade ideal que esteja distante do que realmente vem a ser uma universidade em
seus fins e propósitos. Ele chama de grande medievalista o professor que se encarrega de
desenvolver a atividade da erudição por meio de raízes históricas em que a investigação se
prendia aos textos e não ao mundo, o que valia era o que estava posto e caberia ao mestre
por meio de exegese interpretar o texto e não acrescentar sua opinião, pois quem seria o
homem para acrescentar uma palavra à palavra de Deus? “a preocupação do erudito é com
o mundo textual e não com o mundo sobre o qual o texto fala” (Wolff, 1993, p. 31),
valoriza-se a erudição do professor e um certo distanciamento com a sociedade.
Como conseqüência do abandono da exegese, temos hoje na universidade,
de certo modo, ausência da prática da leitura do texto e os leitores se tornariam uma espécie
de simulacro de Deus, uma vez que acrescentam sentidos paralelos ao texto, não
importando às vezes, o que foi escrito.
ainda para Wolff (1993) uma outra forma dessa tradição intelectual se
apresentar na universidade, pois:
O propósito fundamental de uma educação superior é iniciar o estudante
no diálogo, inteirá-lo das grandes idéias nessas várias personificações
literárias e desenvolver aquela sensibilidade e receptividade que permitirá
a ele compartilhar da tradição com seus companheiros iniciados. Os
eruditos cujo trabalho cuidadoso preserva os grandes textos são também
homens educados versados nas maiores obras de todo o espectro da
Tradição. Uma universidade que personifica esse ideal é assim uma
comunidade de intelectuais e estudantes que palestram sobre uma literatura
comum. Embora as sutilezas de erudição avançada possam ser apreciadas
por uns poucos especialistas somente, todo o membro da comunidade
54
pode, pelo menos, servir como uma platéia informada para os vários
especialistas. (Wolff, 1993, p. 32)
Isso se transformou em outro resquício nas universidades de hoje, o
simulacro de sutilezas de erudição presentes em palestras, mas essa prática não acontece
somente em palestras em que pessoas se agrupam para ouvir intelectuais, é pois, uma
prática comum na universidade em que aulas são ministradas como palestras, erudições
acumuladas em anos de pesquisa, sem que resultem necessariamente em iniciação ao
conhecimento, ou seja, em iniciar o estudante ao diálogo com outros autores.
O segundo modelo proposto “a universidade como campo de treinamento
para as profissões liberais”, retoma a profissionalização das faculdades européias nos
séculos XII e XIII em que se constituíam Faculdades de Direito, Medicina e Teologia, as
duas primeiras voltadas para a profissionalização, com vistas a papéis ocupacionais, que:
São organizados como grupos auto-reguláveis e autocredenciáveis de
homens e mulheres que possuem e exercitam uma habilidade especial ou
um conjunto de conhecimentos técnicos. [...] A transformação de papéis
ocupacionais em profissões liberais pode ser racionalizada, pelo menos em
parte, pelo firme aumento do componente técnico ou teórico do trabalho
moderno, embora seja certamente óbvio que muitas das ‘profissões’ mais
recentemente estabelecidas são meros empregos dando-se ares de grande
importância. (Wolff, 1993, p. 36-38)
Diante disso, o autor apresenta uma discussão entre o credenciamento
profissional e a iniciação intelectual, sendo o credenciamento a pré-condição social para o
emprego na profissão, uma espécie de avaliação. “A diferença entre criação intelectual e
atividade profissional está assentada numa distinção muito mais profunda do que a que
existe entre profissional e o amador” (Wolff, 1993, p. 48). E define que:
O componente não profissional na pós-graduação é a interação intelectual,
emocional e moral através da qual um estudante aprende de um professor
55
o que é ser um intelectual criativo. Não regras socialmente
determinadas nessa relação, nem pré-requisitos, credenciamentos ou
diplomas. Nenhum ato de uma universidade pode conferir criatividade
intelectual a um professor que não a tenha, e nenhuma lei pode compelir
um estudante a entrar numa relação a que ele resiste ou que condena.
(Wolff, 1993, p. 50)
Tal prática que confunde o espaço da universidade, ou mesmo, pós-
graduação, com campos de profissionalização, pode levar ao abandono do ensino e a uma
descrença por parte do aluno. Essa profissionalização que impõe exigência do diploma para
o exercício de diversas áreas ocupacionais transforma-se numa regra. Como se esperasse
que o aluno tenha nascido com um “dom” para aprender tais técnicas.
O terceiro modelo é “A universidade como agência de prestação de
serviço” uma proposta feita a partir do teórico Clark Kerr. Wolff (1993) se apóia nesse
autor, que tem como modelo a universidade norte-americana, para fazer uma crítica a
universidade como multiversidade, isso significa uma universidade a serviço do mercado,
da indústria, do estado, a serviço daqueles que a sustentam.
O quarto modelo, “A universidade como linha de montagem para sistema”
se refere à universidade como uma empresa, um grande mercado de prestação de serviços a
certos setores lucrativos da sociedade, uma forma de treinar mão de obra para a absorção do
mercado. Essas questões envolvem o sistema capitalista, ou seja, uma relação empregado-
patrão. De um lado os alunos que se sentem explorados e sem direitos a reivindicação,
como a greve e de outro os professores, que num modelo norte-americano, segundo Wolff
(1993), atendem às demandas do mercado e os diplomas mais disputados são negociados,
pois se houver muitos profissionais no mercado o preço do serviço vai diminuir. O autor
define essas novas tendências como:
Três concepções sobre o que deveria ser a educação de graduação estão
em vigor nos Estados Unidos hoje. A elas correspondem três tipos de
currículos de graduação. A primeira concepção é a de que a faculdade é
56
meramente uma extensão da escola secundária mais matérias, a
exigência de um nível mais alto de perfeição, uma liberdade de escolha e
independência de hábitos de trabalhos um pouco maiores, mas
essencialmente mais quatro anos de escola secundária. A segunda
concepção é a de que a faculdade é, ou deveria ser, o estágio inicial do
treinamento profissional em resumo, que a faculdade deveria ser
realmente uma escola de pós-graduação. [...] A terceira concepção diz que,
entre a acumulação de conhecimento e de habilidades no nível secundário
e a preparação profissional na graduação, deveria ocorrer uma experiência
intelectual, cultural e emocional que não fosse nem uma mera continuação
daquilo que se passou antes, nem um mero antegozo daquilo que se deve
seguir. (Wolff, 1993, p. 41-42)
Diante do exposto, podemos observar nas universidades brasileiras, forte
tendência, ao modelo norte-americano ao admitir em alguns casos essa mesma estrutura.
Registramos aqui um outro modelo de universidade que surgiu no final da
década de 90, o chamado Tratado de Bologna, que propõe um enxugamento nos prazos dos
cursos e uma intensificação da profissionalização. Uma universidade nova que prevê dentre
outros elementos, o crescimento do ensino à distância, turmas com módulos e com um
maior número de alunos por sala.
O Tratado de Bologna
27
é uma declaração conjunta dos ministros da
educação representantes da União Européia, reunidos na cidade italiana de Bologna em 19
de junho de 1999, que se insere dentro de um contexto mais amplo de direcionamento de
esforços desta comunidade rumo a uma crescente integração. Desta forma, devemos
percebê-lo como um acontecimento pontual dentro de uma preocupação histórica que põe
em relevo o papel central das universidades no desenvolvimento das dimensões culturais
européias.
27
http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=11878;
http://www.puedoprometeryprometo.com/2005_05_01_archivo.html;
http://www.bologna-berlin2003.de/pdf/bolognadeclaration.pdf. Acesso no dia 13 de janeiro de 2007.
57
Em termos práticos, tal acordo possui como metas a serem atingidas a
homogeneização das titulações universitárias para que funcionem como engrenagens
facilitadoras do reconhecimento mútuo entre os países integrantes da União Européia e a
flexibilização de suas estruturas como mecanismo que viabilize sua adaptação às
necessidades da sociedade e favoreça o intercâmbio entre os países que compõem este
bloco.
De uma maneira bastante sintética, podemos dizer que a relevância deste
tratado se localiza no estabelecimento dos pilares para a construção de um Espaço Europeu
de Ensino Superior ao qual se outorga o cumprimento de duas funções primordiais, a saber:
o incremento das oportunidades de emprego na União Européia e a transformação do
sistema europeu de formação superior em um chamariz que venha atrair tanto estudantes
quanto professores de outras partes do mundo, acelerando assim o processo de
globalização, ao mesmo tempo em que eleva o próprio conceito do sistema universitário
europeu.
Verificamos que são vários os modelos de universidade, assim como
Wolff (1993), não propomos um modelo como ideal de universidade, o que precisa ser
mudado é a forma como a universidade se coloca diante da construção do conhecimento.
Pois temos muitos cursos que funcionam por meio de um ensino totalmente apostilado, ou
seja, com coletânea de textos previamente selecionados e fotocopiados para os alunos e
esquecem que “a função da investigação colide freqüentemente com a função de ensino,
uma vez que a criação do conhecimento implica a modalização de recursos financeiros,
humanos e institucionais dificilmente transferíveis para as tarefas de transmissão e
utilização do conhecimento”. (Santos, 1999, p. 189)
Por meio desses apontamentos, entendemos que a universidade caminha
ao lado da dominação de classe, apesar da proliferação das universidades temos ainda uma
hierarquia no ensino que dificilmente seria destituída, justamente por que não tanto
espaço para a produção do conhecimento na universidade. Mais tarde Santos (2004) afirma
que:
A concentração na crise institucional foi fatal para a universidade e deveu-
se a uma possibilidade de factores, alguns evidentes no início da década
58
de noventa, outros que ganharam um peso enorme no decorrer da década.
A crise institucional era e é, desde pelo menos dois séculos, o elo mais
fraco da universidade pública porque a autonomia científica e pedagógica
da universidade assenta na dependência financeira do Estado. Enquanto a
universidade e os seus serviços foram um inequívoco bem público que
competia ao Estado assegurar, esta dependência não foi problemática, à
semelhança do que se passa, por exemplo, com o sistema judicial, em que
a independência dos tribunais não é beliscada pelo facto de serem
financiados pelo Estado. No momento, porém, em que o Estado, ao
contrário do que se passou com a justiça, decidiu reduzir o seu
compromisso político com as universidades e com a educação em geral,
convertendo esta num bem que, sendo público, não tem de ser
exclusivamente assegurado pelo Estado, a universidade pública entrou
automaticamente em crise institucional. Se esta existia antes, aprofundou-
se. Pode dizer-se que nos últimos trinta anos a crise institucional da
universidade na grande maioria dos países foi provocada ou induzida pela
perda de prioridade do bem público universitário nas políticas públicas e
pela conseqüente secagem financeira e descapitalização das universidades
públicas. (p. 12-13)
Nisso entendemos que administrativamente a universidade não tem
autonomia, é presa ao governo ou às empresas que financiam as pesquisas de laboratório
em algumas áreas. A grande maioria das universidades públicas depende do repasse de
verbas que é feito pela União ou pelo Governo do Estado, algumas com os repasses
vinculados à arrecadação de impostos. Com isso tem-se um limite muito claro quanto ao
crescimento e desenvolvimento de pesquisas nas instituições, por um lado de se prestar
contas às empresas financiadoras das pesquisas, essas muitas vezes são desenvolvidas em
“pacotes encomendados” e por outro lado tem-se o desenvolvimento de pesquisas ligadas
somente às linhas dos departamentos. Por vezes não abertura para o professor trabalhar
59
de forma a não produzir um conhecimento pré-determinado que é definido pelos seus
financiadores.
Todos esses fatores contribuem para questionarmos que tipo de
cientificidade a universidade hoje oferece aos alunos, ou mesmo, o que pode ser
considerado ciência nos cursos de Letras, aqui entendida como produção de conhecimento.
Paralelamente, a universidade enfrenta a concorrência das instituições
privadas, inclusive o incentivo do Governo Federal para ampliar as vagas ao número de
estudantes, assim como na Idade Média havia as escolas laicas que cobravam para formar
os estudantes para ocuparem cargos inferiores como a profissão de escreventes,
professores; hoje temos a proliferação dos cursos técnicos que descaracterizam o papel da
universidade como produtora do conhecimento e esta passa a ter uma função de
profissionalização. Segundo Wolff (1993, p. 39) “todas as escolas profissionais e
programas que concedem diplomas profissionais deveriam ser retirados da universidade e
forçados a se estabelecerem como institutos independentes”.
2.3. A universidade e o processo da construção da hegemonia
Para tratar da formação na universidade não podemos abandonar as
questões sociais, essas não poderão ser desvinculadas da dominação de uma cultura e de
uma classe como reprodução de um saber elitista, assim como Bourdieu e Passeron (1992)
apresentam uma crítica à forma como o ensino é destinado nas universidades francesas e
com base numa perpetuação no discurso dominante.
Certeau (1993) critica a massificação da cultura a começar pela forma
como são ministradas as aulas
28
na universidade, o que se ensina aos alunos é um conteúdo
resultante da formação de um grupo de professores com suas linhas de pesquisa, uma forma
28
Na pesquisa de doutoramento Entrecruzamento de gêneros discursivos na universidade: esferas do político,
do científico e do ensino da professora Nilza Brito Ribeiro, a afirmação “nesse sentido, o processo de
ensino opera ao mesmo tempo com representações do discurso científico de produção do conhecimento e do
discurso pedagógico de transmissão de conhecimento. Essa articulação se revela por marcas que se traduzem
em generalizações (presente genérico), definições, enunciados assertivos, seqüências explicativas, paráfrases,
exemplos, objetivação de conceitos, etc. São marcas que revelam, ao mesmo tempo, a existência de um saber
inquestionável a ser aprendido e a possibilidade de tornar esse saber acessível ao aluno”. (Ribeiro, 2005, p.
162-163)
60
de manter a qualquer custo o seu próprio modelo em nome de uma cultura, isso leva a uma
formação universitária calcada na reprodução de conhecimentos, pois:
A cultura não é apenas absurda quando cessa de ser linguagem o
produto, a ferramenta e a regulamentação daqueles que a falam; quando
volta contra eles a arma de uma discriminação social e a navalha destinada
a um desempate: quando a operação cirúrgica [...] diz respeito à produção
cultural (ensinar e aprender) [...] a massificação do recrutamento
universitário indica à cultura sua própria definição ao remeter o saber
estabelecido a uma prática do pensamento, e os objetos conceituais que ela
veicula aos sujeitos que as produzem. (Certeau, 1995, p. 106)
Compreendemos que uma divisão entre o saber de uma cultura
dominante e uma cultura de massa
29
e com a proliferação das universidades a questão da
seleção não é mais um entrave, houve o tempo em que somente os alunos de classes de
elite tinham acesso ao ensino superior. A universidade tem as portas abertas para os alunos
de classes populares, confere uma certificação, mas ao mesmo tempo uma queda na
qualidade do ensino que é ofertado, pois os egressos continuam sem formação suficiente
para se engajarem no mercado de trabalho, uma vez que a universidade falha na
profissionalização desses jovens.
29
porém, duas outras maneiras de instrumentalizar a cultura, mais sutis e perigosas. A primeira, partindo
da indústria cultural, consiste em convencer cada indivíduo de que estará fadado à exclusão social se cada
uma de suas experiências não for precedida de informações competentes que orientem sua ação. Seus
sentimentos, desejos e fins. A cultura se transforma em guia prático para viver corretamente. [...] A segunda
consiste em confundir conhecimento e pensamento. Conhecer é apropriar-se intelectualmente de um campo
dado de fatos ou de idéias que constituem o saber estabelecido. Pensar é enfrentar pela reflexão a opacidade
de uma experiência nova cujo sentido ainda precisa ser formulado e que não está dado em parte alguma, mas
precisa ser produzido pelo trabalho reflexivo, sem outra garantia senão o contato com a própria experiência. O
conhecimento se move na região do instituído; o pensamento, na do instituinte. A universidade brasileira está
encarregada dessa última forma de instrumentalização da cultura. Reduz toda esfera do saber à do
conhecimento, ignorando o trabalho do pensamento. Limitando seu campo ao saber instituído, nada mais fácil
do que dividi-lo, dosá-lo, distribuí-lo e quantificá-lo. Em uma palavra: administrá-lo”. (Chauí, 2001, p. 59-60)
61
É, portanto, particularmente urgente tudo que possa devolver à
universidade seu papel propriamente intelectual - um papel que,
paradoxalmente, ela deixa escapar, ao qual ela até mesmo renuncia,
quando se recusa a colocá-lo sob sua forma atual, isto é, em termos de
massa, e quando ela não leva a sério, com seu recrutamento real, a nova
tarefa que lhe está, assim destinada na nação. (Certeau, 1995, p. 105)
A universidade em tempos atuais passa por diversas crises como a de
legitimidade
30
, a institucional
31
e a mais grave, segundo Santos (1999, p. 192), é a crise da
hegemonia “porque nela está em causa a exclusividade dos conhecimentos que a
universidade produz e transmite”. Isso é resultado justamente das constantes
desvalorizações do intelectual na universidade e pela desvalorização dos diplomas
universitários. Essa hegemonia vai caracterizar como “os três fins principais da
universidade passaram a ser a investigação, o ensino e a prestação de serviço”. (Santos,
1999, p. 192). E o que conduz a construção da hegemonia é a idéia da competitividade.
Assim, a universidade se encarrega da função de empresas. Entretanto,
para que a atuação das empresas seja eficaz, é necessário que tenham no seu interior, como
parte de sua política de desenvolvimento, centros de pesquisa próprios ou consorciados
com outras empresas e com laboratórios. Mas a política de pesquisa e desenvolvimento não
é de uma universidade e sim de uma empresa que vise às suas finalidades comercialmente
competitivas. Sem isso, não o desafio do mercado, não avanço tecnológico e não há,
por fim, inovação no produto. Uma das características fundamentais do conhecimento na
atualidade é o seu utilitarismo. “Sendo certo que os conhecimentos adequados à formação
de produtores não se adequam à formação de consumidores num caso são necessários
conhecimentos específicos, no outro são necessários conhecimentos gerais -, a tendência
30
“Na crise de legitimidade está em causa o espectro social dos destinatários dos conhecimentos produzidos e,
portanto, a democraticidade da transmissão destes. Os factores desta crise configuram-se no período do
capitalismo organizado, por via das lutas pelos direitos sociais (entre os quais, o direito à educação) e
econômicos, cujo êxito conduziu ao Estado-Providência”. (Santos, 1999, p. 192)
31
“Finalmente, na crise institucional está em causa a autonomia e a especificidade organizacional da
instituição universitária. Os factores desta crise configuram-se no período do capitalismo desorganizado e
decorrem, em geral, da crise do Estado-Providência”. (Santos, 1999, p. 192)
62
para privilegiar a formação de consumidores acabará por se repercutir no núcleo
curricular”. (Santos, 1999, p. 197)
Esse mesmo autor, mais tarde, reafirma que o problema central com a
construção do processo de hegemonia é que:
uma questão de hegemonia que deve ser resolvida, uma questão que,
parecendo residual, é central, dela dependendo o modo como a
universidade poderá lutar pela sua legitimidade: é a questão da definição
da universidade. O grande problema da universidade neste domínio tem
sido o facto de passar facilmente por universidade aquilo que o não é. Isto
foi possível devido à acumulação indiscriminada de funções atribuídas à
universidade ao longo do século XX. Como elas foram adicionadas sem
articulação lógica, o mercado do ensino superior pôde auto-designar o seu
produto como universidade sem ter de assumir todas as funções desta,
seleccionando as que se lhe afiguraram fonte de lucro e concentrando-se
nelas. (Santos, 2004, p. 64)
Nesse mesmo contexto, Chauí (2001) faz uma dura crítica ao processo da
construção da hegemonia e àqueles que comparam a universidade como um supermercado
onde se vendem produtos, explicando como funciona a magia das prateleiras, os
consumidores que ali entrem ignoram todo o trabalho de produção das mercadorias, desde
os que os fabricam, àqueles que colocam os preços, os funcionários dos caixas. Segundo
ela, os consumidores ignoram a origem do produto, o trabalho do agricultor, do pecuarista,
ou seja, todos que contribuíram para que as mercadorias chegassem ali para serem
vendidas. Mas o supermercado não fabrica nada, não produz, ele apenas recebe o produto,
organiza e vende para seus consumidores. A autora afirma que:
Essa universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem
de sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e a admiração que
levam à descoberta do novo, anula toda pretensão de transformação
63
histórica como ação consciente dos humanos em condições materialmente
determinadas. (Chauí, 2001, p. 193)
Essa crítica se dá justamente em função da descaracterização da
universidade enquanto instituição de produção e circulação do conhecimento, porque
quando comparada ao supermercado, a universidade é colocada como um lugar de venda de
produtos prontos e acabados e os alunos são consumidores que chegam para comprar seus
produtos prontos e não como as fábricas que os produzem. Chauí (2001) afirma que a
produtividade dos professores passa a ser a improdutividade, pois essa analogia não
considera o trabalho intelectual dos professores para produzirem uma aula, um seminário,
seus anos de pesquisa. O aluno quer ser avaliado a partir do que é oferecido, ganhar boas
notas, ser aprovado e, no final do curso, obter seu diploma. Ou seja, o ensino que é ofertado
nas universidades não garante ao aluno uma formação suficiente nem mesmo para enfrentar
o mercado de trabalho.
Fato curioso essa comparação entre a universidade e o supermercado se
considerarmos a escrita, quando o aluno os textos publicados pelos seus professores ou
de teóricos de área não considera o trabalho de produção de escrita e muitas vezes esse
percurso não é retomado durante as aulas. Acontece o mesmo procedimento com a venda
das mercadorias no supermercado, a escrita se pelo aspecto encantador, admirador e o
aluno a reproduz mecanicamente porque desconhece o percurso que os seus professores
passaram para escrever e produzir tais textos, formação que durou anos, e um fato
importante muitas vezes desconsiderado, são as rupturas entre as áreas do conhecimento, ou
seja, a própria história da ciência. Nas aulas de graduação muitas vezes não espaço para
o aprender por meio da investigação
32
. O que passamos a discutir no próximo item.
2.4. A universidade e a pesquisa
32
“Em face das incertezas do mercado de trabalho e da volatividade das formações profissionais que ele
reclama, considera-se que é cada vez mais importante fornecer aos estudantes uma formação cultural sólida e
ampla, quadros teóricos e analíticos gerais, uma visão global do mundo e das suas transformações de modo a
desenvolver neles o espírito crítico, a criatividade, a disponibilidade para inovação, a ambição pessoal, a
atitude positiva perante o trabalho árduo e em equipa, e a capacidade de negociação que os preparem para
enfrentar com êxito as exigências cada vez mais sofisticadas do processo produtivo”. (Santos, 1999, p.198)
64
Um termo que requer interpretação em nosso trabalho é a palavra
pesquisa, não a retomamos num sentido que muitas vezes é defendido nas instituições de
ensino superior, algo dissociado do ensino, um dever a ser cumprido a partir de um rigor
acadêmico muitas vezes acompanhado de uma obrigatória bolsa de Iniciação Científica.
Não pretendemos romantizar o conceito de pesquisa, mas tomamos pesquisa como uma
prática intrínseca à formação, não uma prática pedagógica de pesquisa, mas uma prática de
investigação, um ensino em que a heurística esteja presente e o aluno passa a ser visto não
como mero receptor de um conhecimento pronto, acabado, escolarizado, normatizado onde
o professor é o expositor e o aluno ouvinte.
Esta proposta defende o princípio da formação de um aluno capaz de ir
além do que é proposto em sala de aula, um aluno capaz de fazer leituras não engessadas a
partir de um único ponto de vista, de um único autor, um aluno que seja capaz de encontrar
no espaço acadêmico um ensino em que as bases de sustentação não sejam somente a de
projeções teóricas a partir de utilização de métodos de constatações de um fazer idealista.
Mas julgamos necessário que haja um espaço para apreender o conhecimento científico
subjetivo, o aluno tem de tomar seu próprio “corpo” na universidade, apropriar-se de um
conhecimento e aflorar sua criticidade, assim como confirmar ou descartar um ponto de
vista e construir um embasamento teórico suficiente para se tornar num aluno questionador
e capaz de fazer questionamento da bibliografia lida.
Existem várias definições de pesquisa, a que se aproxima da nossa
discussão é uma prática indissociável entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Sobre esta
última não falaremos neste trabalho.
Como princípios de organização dos conteúdos ministrados na graduação,
segundo Paoli (1989), no cotidiano de trabalho nas instituições de ensino superior nota-se
que a realização dessa indissociabilidade é bastante complexa; tanto que nem sempre é
possível constatar com nitidez onde, como e quando essa relação indissociável acontece.
Esse autor defende que a experiência profissional nos leva a perceber que as relações entre
o ensino, a pesquisa e a extensão não se definem a partir da natureza de cada uma dessas
atividades. As formas de articulação entre esses três objetivos vão depender de um conjunto
de condições históricas muito diversificadas, marcado pelas peculiaridades que cada
65
instituição de ensino superior tem para a sua produção. Ou seja, as relações entre o ensino,
a pesquisa e a extensão não são dadas pelas suas próprias naturezas, mas dependem de uma
construção.
O autor aponta, ainda, que a idéia de indissociabilidade, ou o desejo de
uma realização, decorre de uma crença, ou perspectiva, de que: a) a associação proporciona
um melhor desempenho e qualidade na atividade fim, ou seja, o ensino poderá ser de
qualidade superior quando articulado com a pesquisa e a extensão; b) a pesquisa será
aperfeiçoada quando associada ao ensino e à extensão; c) a extensão será mais efetiva e
adequada quando realizada em parceria com a pesquisa e o ensino. Dessa maneira, o fulcro
da questão é a realização da atividade fim de maneira competente, eficiente, adequada,
responsável e com padrões de qualidade respeitáveis e em constante aperfeiçoamento.
Assim, com a intenção deliberada de se produzir um aperfeiçoamento na realização das
atividades fins, a indissociabilidade pode se apresentar como uma estratégia de extrema
valia. Dessa forma o que está em jogo, quando se coloca a indissociabilidade como questão,
é o sentido das articulações que podem ser criadas.
Nas discussões sobre a revisão da estrutura e organização de disciplinas
num curso de graduação, o professor Paoli (1989) afirma que é preciso considerar que,
além de introduzir inovações em conteúdos, seria interessante aumentar a acuidade em
perceber e propor situações em que os alunos e professores possam exercitar o trabalhar
intelectual dentro de formas as mais ricas possíveis.
Para Paoli (1989), a idéia de ensino com pesquisa consiste num passo
anterior ao ensino para pesquisa ou para formação de profissional pesquisador ou
acadêmico. O ensino com pesquisa trata de habilidades intelectuais básicas para que ocorra
a reflexão; no caso de continuidade em termos de formação para a pesquisa, outras
qualidades são acrescentadas como originalidade e domínio de um campo de conhecimento.
A formação para a pesquisa implica na produção de um conhecimento ou interpretação
original, que acrescente elementos para um avanço numa dada área de conhecimento; a
formação com pesquisa reflete na produção de um conhecimento que seja novo para o
estudante e não necessariamente para a área. Mas há, ainda, certo domínio quase exaustivo
66
das explicações e teorias já existentes numa determinada área e já a formação com pesquisa
implica saber como e onde buscar as explicações dentro da área.
Segundo o autor, a proposta de disseminação de atitudes científicas -
ensino com pesquisa - é uma alternativa que se oferece para o ensino de graduação como
uma situação onde também se podem formar pessoas com discernimento, com a percepção
aguçada para lidar com o conhecimento, com a experiência de ter vivenciado alguns
processos básicos contidos no seu modo de produção. Isso é algo que não se confunde com
a formação do pesquisador profissional - ensino para pesquisa no qual o grau de
aprofundamento, de destreza e de habilidade estaria em um outro nível de lapidação e
finura.
Convém ressaltar que na contribuição de Paoli (1989) riscos, pois uma
apreensão rápida de suas proposições pode manter uma hierarquização, nem sempre
justificáveis, entre um grupo selecionado para dedicar-se especificamente à pesquisa e
outro para recorrer à pesquisa para descobrir apenas o que a saber sobre o que foi
produzido.
A perspectiva de ensino com pesquisa será menos discriminatória quanto
mais for adotada como estratégia de formação e menos como princípio. Essa perspectiva foi
bastante discutida pelo grupo que defende a pesquisa na graduação durante o Fórum
Acadêmico de Letras (FALE) em 1996 e 1997. Depois, percebendo os riscos, este grupo
67
partiu em busca
33
de outras possibilidades de reflexão sobre os princípios que podem
nortear a efetiva apropriação da pesquisa na graduação.
Neste contexto de indissociabilidade entre pesquisa e ensino, cabe
destacar que para Damasceno (1999) a formação de professores é concebida como um
processo que se integra à vida acadêmica, e não apenas como uma atividade livresca
baseada na acumulação de informações. Desse modo, todo esforço é realizado no intuito de
superar a dissociação entre pesquisa e as demais atividades universitárias. Enfatiza-se,
portanto, a integração entre estes campos como condição para que o iniciante assuma
efetivamente o papel de investigador. Dessa forma, a prática e a teoria devem estar
intimamente relacionadas, pois o ativista sem teoria ou o teórico desarticulado da prática
traduz em uma postura ingênua do pesquisador. A formação da consciência do pesquisador
é fundamental para que ele amplie o seu rendimento profissional. O fazer da pesquisa
pode ser concluído como trabalho coletivo, livre, criativo e transformado, na medida em
que contribui para a formação dos que investem no aprendizado cotidiano da realidade. E
não importa a forma como é realizada essa pesquisa, porque:
O importante não é definir se agindo dessa forma o profissional está ou
não realizando pesquisa, pois essa definição depende da concepção de
ciências e da produção de conhecimento que está em pauta. Por um lado,
pode-se argumentar que esse tipo de atividade de investigação realizada
33
Dessa busca resulta a tese de doutorado de Riolfi (1999). A postura cada vez mais clara da ANPGL-
Associação Nacional de Pesquisa na Graduação de Letras - discute juntamente com os sediadores do evento o
fomento de futuras pesquisas em universidades carentes nesse aspecto, uma vez que a política de pesquisa na
graduação nas diversas instituições do país é bastante distinta. Minha própria dissertação de mestrado é um
resultado dessa política. Os dados analisados surgiram de uma experiência com a pesquisa na graduação na
Universidade do Estado de Mato Grosso como uma prática do ensino indissociada da pesquisa, por meio
dessa experiência surgiu o projeto “Pesquisa na Graduação” em junho de l998, por ocasião do IX Fórum
Acadêmico de Letras-FALE, realizado no Campus Universitário da UNEMAT, localizado em Sinop-MT. O
objetivo desse projeto foi contribuir com o desenvolvimento da pesquisa a fim de oferecer, aos professores e
alunos, fundamentos teóricos, e possibilitar uma sistematização da pesquisa como atividade integrada em sala
de aula. Desse modo, ao lado de uma formação teórica, estabeleceu-se por parte de alguns professores a
prática do ato de pesquisar, firmada na compreensão de que a pesquisa pode desenvolver várias habilidades
relativas à aprendizagem, entre as quais o contato direto do aluno com textos teóricos, além dos trabalhados
em sala de aula. Essa aposta retoma o trabalho inicial que deu origem ao FALE: uma escrita específica
que o universitário de Letras precisa dominar, escrever textos que demonstram uma reflexão sobre a
linguagem.
68
pelos docentes na sua atividade cotidiana faz parte de qualquer atividade
profissional, não podendo ser confundida com a atividade de pesquisa.
Por outro lado, pode-se dizer que a sacralização do modelo de pesquisa,
nos moldes acadêmicos, assenta-se em um regime de verdades, criado
pelas comunidades científicas, que têm poder para ditar as normas e os
critérios para validar esse tipo de atividade. Nesse contexto, a profanação
desse modelo, pela articulação de grupos que começam a instituir novos
caminhos e orientações para a produção do conhecimento pedagógico,
poderia ser vista como formas emergentes de luta contra determinadas
forças hegemônicas e contra as hierarquias existentes no campo da
produção do conhecimento. (Santos, 2001, p. 22)
A prática de pesquisa, a relação de indissociabilidade do ensino e da
pesquisa, entre outras contribuições, pode proporcionar ao aluno-pesquisador a atitude de
observador frente ao objeto pesquisado. Essa prática ainda propicia uma melhor
compreensão diante dos dados colocados, ao se extrair um conhecimento ressignificado,
que pode se traduzir como um produto, ou até mesmo uma forma diferente de ver o
problema. Sob tal perspectiva, o pesquisador se apresenta como um crítico do objeto
pesquisado, como alguém que por deter conhecimento sobre determinado assunto está apto
a interpretar assuntos que estão relacionados ao objeto pesquisado.
Para Zeichner (1998, p. 209) um outro tipo de política nas
instituições, que cultivam de modo ferrenho dois tipos de professores: um se encarrega de
ensinar e outro de pesquisar e uma rixa secular entre essas categorias uma vez que “na
maioria das vezes, tanto os pesquisadores ignoram os professores como os professores
ignoram os pesquisadores”. Para esse autor muitos pesquisadores vão às escolas somente
para explicitar os horrores do sistema educacional. Mas dificilmente se os mesmos
professores pesquisadores convidarem os professores a se engajar numa pesquisa para
serem sujeitos participantes do projeto de pesquisa, desde a sua elaboração e na análise dos
dados. É muito comum a maioria das pesquisas educacionais servirem somente para
beneficiar os professores pesquisadores em suas carreiras acadêmicas. Ele sugere, ainda,
69
que os professores pesquisadores deveriam ter a obrigação de ir até a escola e divulgar os
dados da pesquisa e não somente publicar um artigo numa revista como finalização de uma
etapa, deveriam ter o compromisso em esclarecer os dados analisados.
Enxergamos o mesmo procedimento em sala de aula quando se trata de
trabalhar a pesquisa na graduação, muitos vêem essa possibilidade somente a um número
muito reduzido de alunos e aos demais são direcionados somente as aulas expositivas e
rotineiras.
Trazemos para este questionamento as críticas que Certeau (1995) traz
sobre o ensino na universidade, especificamente sobre a pesquisa científica e a
massificação do recrutamento dos alunos nas universidades em torno de um ensino muitas
vezes de elite, dono de uma única voz, ou seja, da massificação de uma cultura dominante,
como vai tratar o autor.
O que se torna crucial é o ato cultural próprio à ‘colagem’, a invenção de
formas e de combinações e os procedimentos que tornam capaz de
multiplicar as composições. Ato técnico por excelência. A atenção não se
dirige, pois, para as práticas. Não nos surpreendemos ao ver o interesse
dos estudantes passar dos produtos da pesquisa aos métodos de
produção. Sob esse ponto de vista, esse interesse é semelhante àquele
encontrado entre os científicos e os literários. Mas ele se frustra na medida
em que o docente passa o tempo (mata o tempo) expondo seus resultados,
e não explicando, no curso de uma prática coletiva, como eles são obtidos,
o que apaixonaria seus alunos. [...] É verdade que isso é submeter suas
pesquisas à crítica, em relação análoga àquela que ele mantém com os
‘colegas’. Mas, com isso, ele não impede o futuro dos produtos obtidos;
ele o abre. Além disso, ele não responde somente a uma exigência que diz
respeito essencialmente aos métodos e a uma tarefa pedagógica
proporcional à multiplicidade das criações de que é suscetível um material
cultural [...] em suma, ele não apenas se adapta à questão ‘que fazer diante
de tudo isso?’ Ele se situa exatamente onde se colocam as pesquisas mais
70
decisivas, onde se elaboram novas práticas científicas [...] onde elas
podem ser verificadas, criticadas e comparadas [...] Ele se acha no terreno
da pesquisa, ao mesmo tempo que no dos seus estudantes”. (Certeau, 1995.
p. 114, grifos nossos)
Esse autor critica a prática da pesquisa como um ato técnico, e salienta
sobre uma prática costumeira nas aulas de graduação em que o professor leva mais tempo
expondo seus produtos de pesquisa do que instigando os alunos a questionarem um
conhecimento para produzir um outro conhecimento. Ele sugere que o docente deveria
mudar sua prática e colocar em dúvida os produtos prontos para que os alunos possam
verificar, comparar e criticar e criar outros saberes.
Para Chauí (2001, p. 62) a universidade não produz o conhecimento
porque a própria forma como ela está estruturada não é para permitir os alunos a “dar a
conhecer para que não se possa pensar. Adquirir e reproduzir para não criar. Consumir, em
lugar de realizar o trabalho de reflexão,” pois segundo a autora a universidade controla e
manipula intelectualmente um tipo de conhecimento e esse é repassado para os alunos
como única verdade.
Para Santos (2004) o que justifica a ausência da produção do
conhecimento científico na universidade é resultado da imposição de uma produção
descontextualizado da realidade entre a universidade e a sociedade. Pois:
O conhecimento universitário ou seja, o conhecimento científico
produzido nas universidades ou instituições separadas das universidades,
mas detentoras do mesmo ethos universitário foi, ao longo do século
XX, um conhecimento predominantemente disciplinar cuja autonomia
impôs um processo de produção relativamente descontextualizado em
relação às premências do quotidiano das sociedades. Segundo a lógica
desde processo, são os investigadores quem determina os problemas
científicos a resolver, define a sua relevância e estabelece as metodologias
e os ritmos de pesquisa. É um conhecimento homogêneo e
71
organizacionalmente hierárquico na medida em que agentes que
participam na sua produção de conhecimento, têm a mesma formação e a
mesma cultura científica e fazem-no segundo hierarquias organizacionais
bem definidas. É um conhecimento assente na distinção entre pesquisa
científica e desenvolvimento tecnológico e a autonomia do investigador
traduz-se numa certa irresponsabilidade social deste ante os resultados da
aplicação do conhecimento. Ainda na lógica deste processo de produção
de conhecimento científico e outros conhecimentos é absoluta, tal como o
é a relação entre ciência e sociedade. A universidade produz conhecimento
que a sociedade aplica ou não, uma alternativa que, por mais relevante
socialmente, é indiferente ou irrelevante para o conhecimento produzido.
(Santos, 2004, p. 40)
Diante das diversas exposições podemos concluir que falar de pesquisa na
universidade requer um olhar menos taxativo no que se refere a uma prática efetiva do
professor em seu cotidiano, pois não um consenso da definição do termo pesquisa, mas
há um consenso sobre as conseqüências que a ausência da prática da pesquisa pode causar à
universidade. Por isso defendemos a idéia de uma reformulação na forma como o ensino de
graduação é direcionado aos alunos, para que os graduandos possam apropriar-se de um
conhecimento e passar a entender as rupturas das áreas, inclusive das barreiras que os
separam do mundo do “saber”, da intelectualidade que como vimos era somente para
poucos desde a Idade Média e hoje continua sendo destituída pelo crescente processo de
construção de hegemonia na universidade e por uma forte adesão à profissionalização do
ensino universitário.
No próximo capítulo apresentamos alguns conceitos que consideramos
relevantes como ancoragem teórica para nossa pesquisa e outros conceitos são mobilizados
para dar sustentação às análises no decorrer da escrita do trabalho.
72
CAPÍTULO III
ANCORAGEM TEÓRICA
3.1. A ciência e o conhecimento
Neste item discorremos sobre alguns conceitos de ciência e conhecimento,
ainda que a discussão em torno desses conceitos seja ampla, temos como pretensão apenas
fazer um esboço sistemático. Sabemos que são vários os parâmetros de definições para o
conhecimento como verdade, objetivação, metodologia e relação entre sujeito e objeto, mas
esses conhecimentos são abalados pela crise da razão que se instaurou no século XX como
conseqüência das várias evoluções do conhecimento no campo científico, um dos motivos
da crise foi justamente a vinculação da razão às questões sociais.
Numa das conceituações de conhecimento temos a relação estabelecida
entre o sujeito e o objeto a ser conhecido, é aquilo que o sujeito se propõe a conhecer e para
isso utiliza-se de um método. A definição de conhecimento varia dependendo do método e
da área de atuação, por exemplo, para Aristóteles, o conhecimento se por meio da
episteme, uma vez que para ele, a ciência se dá pela observação e dialética.
Um dos conceitos mais veiculados de ciência é o que está correlacionado
com a verdade, “quando se pensa em conhecimento, estamos comprometidos com o
conceito de verdade. [...] Para se possuir conhecimento, particularmente científico, é
preciso deter algum tipo de justificação para sustentar aquilo em que acreditamos”. (Costa,
1997, p. 21) Esse autor mostra os variados tipos de conhecimento, uns vinculados à lógica,
outros aos métodos dedutivos ou indutivos.
concepções diferenciadas de ciência nos períodos históricos
34
. Na
antigüidade estabeleceram-se várias diferenças para o conhecimento como o de essência e
aparência, entre lógica e verdade e outros. Na Idade Média vimos que um dos métodos
utilizados se resumia em “pensar é um ofício cujas leis estão minuciosamente fixadas”, que
34
Histórico aqui entendido como tempo cronológico dos fatos e acontecimentos.
73
se definia como escolástica
35
e tinha por base a gramática e a ligação dos pensamentos da
Filosofia Aristotélica ao pensamento cristão. Uma autoridade ilustre desse período foi São
Tomás de Aquino
36
, um tipo de conhecimento muito produzido por ele era os comentários
de textos feitos através de análises profundas da gramática que iniciava com o aprendizado
da letra e ia até a explicação da lógica e do sentido, essa interpretação revelava o conteúdo
de ciência e pensamento.
na Idade Moderna aconteceu uma revolução sobre a teoria do
conhecimento e surgiram outras concepções como o racionalismo; alguns de seus
representantes como Descartes
37
e Kant
38
defendiam que a realidade se resolve nos limites
da experiência e do pensamento.
Outro filósofo que produziu conhecimento a partir da lógica foi Frege, sua
teoria baseia-se na lógica perfeita e uma das questões era a fórmula por ele defendida: p&q,
35
“A escolástica alimenta-se de textos. É método de autoridade e apóia-se no duplo contributo das civilizações
precedentes: O Cristianismo e o pensamento antigo enriquecido, como vimos, pelo desvio árabe. É resultado
de um momento, de um renascimento. Assimila o passado da civilização ocidental. A Bíblia, a Patrística,
Platão, Aristóteles e os Árabes são elementos do saber e as matérias-primas da obra. Aqui o perigo é a
repetição, o psitacismo, a imitação servil. [...] é que às leis da imitação, a escolástica acrescenta as leis da
razão; aos preceitos da autoridade, os argumentos da ciência”. (Le Goff, 1985, p. 106-107)
36
“Filósofo e teólogo italiano. A sua obra marca uma etapa fundamental na escolástica. É ele que prossegue e
conclui o trabalho de Alberto Magno. Monge dominicano ficou conhecido como o «doutor angélico». Em
1879, as suas obras foram reconhecidas como sendo a base da teologia católica. A filosofia de Tomás de
Aquino é conhecida como tomismo. A obra de Tomás de Aquino é imensa, destacando-se todavia as Súmulas.
Na Suma Contra os Gentios, defende a compatibilidade entre a razão e a fé. Procurou conciliar a filosofia
aristotélica com os princípios do cristianismo, em oposição à tendência que predominava na época e que
adaptava um cristianismo de inspiração neoplatônica. [...] A influência de Aristóteles é tão notória na sua
filosofia que esta é também designada como aristotelismo cristão”. Acesso em 9 de março de 2007.
(afilosofia.no.sapo.pt/10aquino.htm.)
37
“O filósofo francês René Descartes, morto em 1596, foi um dos fundadores do moderno movimento
racionalista ao tempo em que introduziu a dúvida como elemento primordial para a investigação filosófica e
científica. A partir dele, as ciências físicas e naturais liberaram-se da escolástica e da religião, dando início a
sua impressionante marcha ascendente para a consagração no mundo moderno”. Acesso em 9 de maio de
2007. (www.terra.com.br/voltaire/cultura/descartes.htm.)
38
“Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos mais importantes e influentes filósofos da modernidade. Seus
estudos e ensinamentos nos campos da Metafísica, Epistemologia, Ética e Estética tiveram grande impacto
sobre a maioria dos movimentos filosóficos posteriores. Kant abordava o estudo da religião de forma bastante
diferente daquela ensinada e aceita na época. Seus ensinamentos eram baseados no racionalismo e não na
revelação, ou seja, ele baseava suas crenças religiosas principalmente na lógica, e não na simples fé”. Acesso
em 9 de maio de 2007. (www.10emtudo.com.br/artigos_1.asp?CodigoArtigo.)
74
ou seja, uma relação direta e comprovável da língua pela referência
39
do elemento num
mundo concreto e verificável, por exemplo, “Pedro é o pai de Manoel”
40
seria verificável
no mundo a existência de uma referência, nomes próprios que correspondessem a essa
relação de parentesco. E se fosse enunciado “Pedro é Pedro” para Frege isso não poderia
ser verificável porque não haveria possibilidade do enunciado ir além da própria estrutura.
Nesse caso a lógica torna-se o núcleo da ciência.
As concepções de ciência que se baseiam na lógica, na verdade, no
comprovável calcam-se numa relação entre a língua observável e a língua teórica. Nessas
concepções de ciência acaba-se por acreditar que uma relação entre o funcionamento da
língua e o pensamento. Essa concepção logicista vai se esbarrar nas oposições ideológicas
de imperfeições da linguagem e colocar o próprio limite do idealismo.
Esses lógicos não observaram, por exemplo, que essas proposições não são
nem universais nem particulares, mas singulares. Sujeito concreto, posição idealista. Essa
concepção idealista ameaça a teoria do discurso. Uma das principais críticas dirigidas ao
idealismo é o de reduzir a realidade ao pensamento.
3.2. O conhecimento científico na perspectiva de Bachelard
Para este esboço sobre o conceito de conhecimento científico baseamo-nos
especificamente em Bachelard na obra “A formação do espírito científico: contribuição
para uma psicanálise do conhecimento”, publicada em (1938) ao tratar sobre o prejuízo que
o conhecimento geral trouxe ao conhecimento científico, por exemplo, o conceito de
ciência de Aristóteles, ele caracteriza o conceito de verdade por meio de observação, o
39
“A conexão regular entre o sinal, seu sentido e sua referência é de tal modo que o sinal corresponde um
sentido determinado e ao sentido, por sua vez, corresponde uma referência determinada, enquanto que a uma
referência (a um objeto) não deve perceber apenas um único sinal. O mesmo sentido tem expressões
diferentes em diferentes linguagens, ou até na mesma linguagem”. (Frege, 1978, p. 63)
40
“Com isto, a sentença a = b não mais se referiria a uma coisa, mas apenas à maneira pela qual a
designamos; não expressaríamos por seu intermédio, propriamente, nenhum conhecimento. Mas é justamente
isto o que queremos em muitos casos. Se o sinal ‘a’ apenas enquanto objeto (aqui, por sua configuração), não
enquanto sinal isto é, não pela maneira como designa alguma coisa então o valor cognitivo de a = a
tornar-se-ia essencialmente igual ao de a = b, desde que a = b seja verdadeira”. (Frege, 1978, p. 62)
75
empirismo, “um perigoso prazer intelectual na generalização apressada e fácil” (Bachelard,
1996, p. 69).
O autor propõe uma teoria cuja abstração científica seja a sustentação do
processo investigativo e defende a idéia de que “as leis gerais bloqueiam atualmente as
idéias. Respondem de modo global, ou melhor, respondem sem que haja pergunta”
(Bachelard, 1996, p. 71), pois a generalidade imobiliza o pensamento e quanto mais for
breve a questão da identificação, mais fraco será o pensamento experimental.
O conceito de espírito científico, para Bachelard (1996), seria uma
intersecção entre o particular e o universal, um entendimento entre a compreensão e a
extensão, a “fecundidade de um conceito científico é proporcional a seu poder de
deformação” (Bachelard, 1996, p. 76). E essa fecundidade se daria numa proporção que não
corresponde ao fenômeno isolado ou a um conjunto que reúna os fenômenos mais
heteróclitos.
A nuança intermediária será realizada se o enriquecimento em extensão
tornar-se necessário, tão articulado quanto a riqueza em compreensão.
Para incorporar novas provas experimentais, será preciso então deformar
os conceitos primitivos, estudar as condições de aplicação desses conceitos
e, sobretudo, incorporar as condições de aplicação de um conceito no
próprio sentido do conceito. [...] Como a aplicação está sujeita a
sucessivas aproximações, pode-se afirmar que o conceito científico
correspondente a um fenômeno particular é o agrupamento das
aproximações sucessivas bem ordenadas. [...] Na experiência, procura
ocasiões para complicar o conceito, para aplicá-lo, apesar da resistência
desse conceito, para realizar as condições de aplicação que a realidade não
reúne. É então que se percebe que a ciência constrói seus objetos, que
nunca ela os encontra prontos. (Bachelard, 1996, p. 76-77)
O autor trabalha com uma diversidade de dados ilustrativos para mostrar
que com diferentes posições sobre o fato pesquisado vai se chegar a um novo valor e haverá
76
oposições a esse valor e “produz automaticamente atração ou repulsão” (Bachelard, 1996,
p. 81). Assim o espírito científico se formaria com referência ao conceito examinado. Para
esse autor a extensão dos exemplos pode melhorar a explicação, ajuda a pensar a
experiência, uma vez que a ausência ilustrativa poderá recair na generalização e no senso
comum.
Esse autor apresenta o conceito de espírito pré-científico como o momento
que antecede a prática da pesquisa, seriam as atitudes de um cientista iniciante, porém,
ressalta que uma vez constatado um fato científico alguns pesquisadores passam a atribuir
inúmeros adjetivos para explicar um mesmo fenômeno já observado por outros
pesquisadores, pois passam a classificar um conhecimento e julgar conhecê-lo. Esse
conhecedor do espírito pré-científico não é capaz de propor uma crítica ao seu próprio
trabalho, ao contrário do conhecedor do espírito científico que tem a capacidade de
autocrítica e formular novas questões sobre um fenômeno investigado.
Significa que o pesquisador participante do espírito científico, além de
observar os fatos colocados, deve ser capaz de acrescentar novos exemplos, o pesquisador
que domina uma teoria tem de analisar os dados e não somente repetir os conceitos teóricos
de uma área, como uma forma de sustentar o discurso do saber. Essa concepção de pesquisa
proposta por Bachelard (1996) vai do particular a uma extensão e não a partir de
generalizações e comparações sem uma investigação mais detalhada dos dados, pois não
como conceber uma afirmação pelo lugar da generalização, isso seria uma explicação pelo
lugar do maior.
O pensamento da generalização serviu de base para as pesquisas do século
XVIII. Hoje um cientista moderno é caracterizado pela “objetividade e não pelo
universalismo: o pensamento deve ser objetivo, será universal se puder, se a realidade
lhe permitir” (Bachelard, 1996, p. 89).
Para o autor “o conhecimento a que falta precisão, ou melhor, o
conhecimento que não é apresentado junto com as condições de sua determinação precisa,
não é conhecimento científico. O conhecimento geral é quase fatalmente conhecimento
vago” (Bachelard, 1996, p. 90).
77
O registro do resultado de uma investigação é muito importante para
avaliar se o pesquisador conseguiu materializar, ou mesmo, ilustrar, com explicações e
dados suficientes, para que haja compreensão por parte do leitor e validação dos fatos
analisados. Ao tratar:
De uma explicação verbal com referência a um substantivo carregado de
adjetivos, substituto de uma substância com ricos poderes, os fenômenos
são expressados: parece que foram explicados. São reconhecidos:
parece que são conhecidos [...] Por mais que se faça, as metáforas seduzem
a razão. São imagens particulares e distantes que, insensivelmente,
tornam-se esquemas gerais. Uma psicanálise do conhecimento objetivo
deve pois tentar diluir, senão apagar, essas imagens ingênuas. Quando
abstração se fizer presente, será a hora de ilustrar os esquemas racionais.
Em suma, a intuição primeira é um obstáculo para o pensamento
científico; apenas a ilustração que opera depois do conceito, acrescentando
um pouco de cor aos traços essenciais, pode ajudar o pensamento
científico. (Bachelard, 1996, p. 91- 97)
O autor alerta quanto ao perigo das metáforas imediatas para a formação
do espírito científico, uma vez que nem sempre essas metáforas são percebidas, levando
muitas vezes à idéia de um pensamento autônomo e a confundir a pesquisa como um reino
de imagens.
3.3. O discurso científico na perspectiva de Pêcheux
Neste item apresentamos uma conceituação de discurso científico na
perspectiva da Análise do Discurso, tomamos como pressuposto teórico as discussões de
Pêcheux em sua obra “Semântica e Discurso: Uma crítica à Afirmação do Óbvio”
publicada em (1975) ao afirmar que “não ‘discurso científico’ puro”. Nas teorias do
discurso temos uma outra concepção de ciência, uma que não é ligada à concepção do
78
empirismo lógico, da verificação da verdade, ou da ilustração de fatos, ou seja, uma teoria
que se preocupa em desenvolver métodos de pesquisa a priori e que valoriza o aspecto da
comprovação.
Pêcheux (1997) faz uma crítica à filosofia idealista da linguagem ao
conceber o homem, o sujeito, como produtor do conhecimento, que considera o homem em
sociedade e na história, isto é atividade humana e social e histórica, isso é o idealismo cuja
base é o “evidente” a “verdade” e não considera os aspectos ideológicos. Na teoria
materialista do discurso a constituição do sentido se junta à constituição do sujeito e não
campos particulares ideológicos.
Os estudos no idealismo se baseiam nos chamados conceptuais-científicos,
evocam uma verdade, uma evidência no discurso do sujeito, do pensamento de um sujeito,
numa relação pela qual a “realidade” se torna dependente do “pensamento”, essa é a
principal marca do idealismo. “O idealismo, não se encontra, de maneira alguma, na
estrutura formal (lingüística ou lógica) da expressão, a saber, um nome próprio afetado por
uma determinação, mas, ao contrário, na posição da realidade como realidade-para-o-
pensamento”. (Pêcheux, 1997, p. 170)
No domínio de uma teoria do discurso considera-se que a língua não
funciona somente a partir de sua materialidade lingüística, o seu funcionamento se pela
relação com seu exterior ideológico. Pêcheux (1997) explica que a língua se constituiu
ciência primeiramente quando Saussure (1916) propõe uma reflexão sobre os aspectos
fonológicos, morfológicos e sintáticos. Foi preciso, neste primeiro momento, romper com
as fronteiras do sentido. Mas, retomar o discurso é adotar aspectos semânticos da língua
que foram deixados de lado em virtude de uma não comprovação da língua como objeto da
ciência.
As bases que reconstituem a sustentação do discurso têm de desconsiderar
a concepção exclusiva de uma neutralidade entre a lógica e a lingüística, pois uma
descontinuidade entre ciências/ideologias ao remeter-se ao desconhecido e caracterizar o
discurso científico. Essa é “uma abordagem teórica materialista do funcionamento das
representações e do ‘pensamento’ nos processos discursivos”. (Pêcheux, 1997, p. 124)
79
Assim, para falarmos em discurso científico na teoria do discurso temos de
considerar a expressão “a ideologia é exterioridade” voltada para uma teoria materialista
dos processos discursivos. uma distinção entre prática científica e prática ideológica.
Neste trabalho vamos somente discutir o conceito da prática científica, que trata da
“questão da produção dos conhecimentos científicos, em suas incidências sobre o problema
dos processos discursivos”. (Pêcheux, 1997, p. 190)
Esse autor afirma que o conceito de ideologia não é o mesmo da classe
dominante que tem uma história; pois para ele a ideologia em geral não tem história, a
ideologia é exterioridade para a ciência e para a realidade que se manifesta por meio da
exposição dos conceitos numa dada formação discursiva e formação ideológica. O
funcionamento da ideologia em geral como interpelação dos indivíduos em sujeitos se
realiza através do complexo das formações ideológicas e especificamente através do
“interdiscurso intrincado nesse complexo e fornece a cada sujeito sua realidade, enquanto
sistema de evidências de significações percebidas, aceitas e experimentadas”. (Pêcheux,
1997, p. 192)
O pré-construído é o que remete a uma construção anterior e exterior,
ao sujeito a impressão de que o sentido “está sempre ali”, “mas sempre independente, em
oposição ao que é ‘construído’ pelo enunciado”. (Pêcheux, 1997, p. 99)
O caráter material do sentido é mascarado pela transparência da linguagem
como se as coisas tivessem de ser ditas daquela forma e não de outra. A primeira impressão
é a literalidade do significante. Mas não transparência pela linguagem, pois uma
determinação ideológica que está em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras
foram reproduzidas.
O próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do
sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do
interdiscurso, que determina essa formação discursiva como tal,
objetividade material essa que reside no fato de que ‘algo fala’ (ça parle)
sempre ‘antes, em outro lugar e independente’, isto é, sob a dominação
do complexo das formações ideológicas. (Pêcheux, 1997, p. 162)
80
Os sentidos das palavras se constituem a partir das formações discursivas e
as palavras mudam de sentido ao passar de uma formação para a outra. Pode-se dizer que
expressões diferentes podem ter o mesmo sentido no interior de uma mesma formação
discursiva.
Não uma separação entre o ponto de vista real e o ponto de vista
ideológico na ciência, uma vez que a ciência é produzida pelo sujeito e o sujeito é afetado
pela ideologia que é exterioridade. “De um lado o ponto de vista das ciências sobre o real e,
de outro, o ponto de vista da ideologia. Na verdade, todo ponto de vista é o ponto de vista
sobre o real, uma visão ou uma construção que representasse o real”. (Pêcheux, 1997, p.
179)
Apoiando-nos nessas propostas podemos afirmar que a universidade
reproduz um conhecimento, conforme está estruturada. Quando nos referimos à
universidade não estamos falando nos sujeitos empíricos que compõem o corpo docente,
discente, diretores, e sim da posição que cada um assume frente a uma dada formação
ideológica pré-estabelecida. Por exemplo, não como exigir das produções textuais
analisadas uma transformação, se a própria instituição não ocupa um lugar ideológico de
formadora.
Na forma-sujeito a ideologia é exterioridade e o homem “sujeito empírico”
não determina o que tem de ser dito, isso está pré-estabelecido. Pensar na apropriação de
um conhecimento no âmbito da graduação é pensar numa grande mudança, numa
revolução, porque a universidade primeiramente deveria se desvincular da posição
empirista/idealista a qual seu ensino está pautado.
Os dados da nossa pesquisa apontam que a formação do professor pauta-se
numa concepção idealista, pois não há uma ruptura teórica a ponto de se poder dizer que os
alunos foram afetados pelos discursos da ciência. Os alunos confundem o “real” com a
realidade e buscam incessantemente a comprovação empírica, como se as respostas
estivessem na transparência da linguagem e não compreendem que o sentido está, ou
mesmo se constrói a partir do que eles produzem.
81
Para falar das condições ideológicas
41
da reprodução/transformação das
relações de produção na universidade é preciso olhar para a construção do conhecimento a
partir de uma determinação que não seja a lógica pragmática.
Apontamos para a busca de uma mudança frente ao ato de ensinar. Não
como conceber um ensino em que a produção venha vinculada à formação ideológica de
um grupo e que não haja espaço para criar. Insistimos que na própria organização das
disciplinas já há uma determinação do que este aluno vai produzir.
A prática da pesquisa como sustentação da apropriação do conhecimento
se aplica numa postura em que o professor não assumiria frente aos alunos um ensino que
fosse por métodos fechados, com práticas de leituras engessadas e utilização de material
apostilado. Compreendemos que o modo como a universidade se organiza forma alunos
totalmente submissos a determinadas formações ideológicas. Mesmo quando se trata de
pesquisa em área como a Análise do Discurso, na universidade tende-se a ministrá-la como
um conteúdo a ser devolvido por escrito para verificação da aprendizagem. Não se propicia
aos alunos uma compreensão, por exemplo, de uma ruptura de área,
Isso equivale a dizer que o verdadeiro ponto de partida em referência ao
qual podemos compreender porque ‘a ideologia é exterioridade’ para a
ciência e para o real é exatamente o mesmo ponto de partida que nos levou
a desenvolver a análise da forma-sujeito na qual a ideologia não possui um
exterior. Esse verdadeiro ponto de partida, se sabe, não é o homem, o
sujeito, a atividade humana etc., mas ainda uma vez, as condições
ideológicas da reprodução/transformação das relações de produção.
(Pêcheux, 1997, p. 179-180)
41
Reprodução Social. O texto ‘Ideologia e Aparelho Ideológicos de Estado’ não restringe a questão da
ideologia à superestrutura, mas se situa no contexto das relações entre infra-estrutura e superestrutura, ou seja,
na questão da reprodução social. O ponto de partida é pressuposto de que, embora a produção econômica
determine a totalidade social, supõe, por sua vez, a reprodução das condições da produção, e essas condições
são sociais em geral e não exclusivamente econômicas, para se reproduzirem, pressupõem, por sua vez, a
reprodução de condições econômicas, políticas e ideológicas”. (Althusser, 1985, p. 9)
82
O sujeito é afetado pela ideologia, não um discurso científico puro,
porque não como pensar em neutralidade do sujeito e transferência da linguagem. O
sujeito produz a partir do lugar em que ocupa e se ele ocupa o lugar da reprodução não
consegue apropriar-se de um conhecimento.
Desde as séries iniciais
42
, uma concepção muito forte do sujeito
idealista. As próprias teorias da aquisição da linguagem, na maioria, adotam uma base
cognitivista como se a mente humana estivesse afastada de tudo que é constitutivo ao
sujeito em seu mundo exterior. Na prática da escrita na universidade não é diferente, não há
como conceber que os alunos produzem aquilo que não é ensinado, pois em muitos casos a
base da sustentação do discurso da universidade é o da inculcação.
Nisso avaliamos que diante de uma teoria do discurso nãocomo manter
a “evidência” do homem sujeito, da atividade humana como produtores do conhecimento
científico. um sujeito da ciência que não é o empírico. O conhecimento que o sujeito
produz é vinculado a uma rede de dizeres, não é o homem em sua atividade humana que irá
pré-estabelecer esse conhecimento. Portanto, a necessidade de a universidade investir
numa formação em que o aluno não somente reproduza um conhecimento mecanizado e
reproduzido em sala de aula. Os alunos precisam ser afetados pelos discursos que sustentam
sua formação e têm de se reconhecerem como sujeitos do discurso e daquilo que eles
produzem.
Para Pêcheux (1997) existem algumas concepções que não deveriam ser
consideradas ao estabelecer a questão da produção dos conhecimentos científicos em
relação aos processos discursivos como: a) a concepção de que a evidência; b) a
concepção de que o homem, o sujeito, a atividade humana que produz o conhecimento
científico; c) a concepção idealista em pensar que não são os homens em sociedade e na
história que produz os conhecimentos científicos. O autor ainda ressalta que na produção do
conhecimento em relação aos processos discursivos temos de descartar todas as
formulações que consideram o homem como produtor do conhecimento por serem
consideradas vagas e não apresentar uma referência e o modo a que se implica a produção.
42
Conforme mostramos por meio dos exemplos analisados no Capítulo I sobre as propostas de atividades de
escrita do gênero bilhete e carta em Livros Didáticos de Língua Portuguesa.
83
Essas formulações pressupõem a existência da sociedade e da história independentemente
das relações de reprodução e da luta de classes e a produção do conhecimento não está
acima ou separada da história da luta de classes. A história está inscrita na especificidade da
luta de classes.
Não se poderia também pensar que a produção de um conhecimento
científico estaria vinculada ao pensamento da inovação das mentalidades, da criação de
imaginação humana ou do desarranjo dos hábitos do pensamento. O conhecimento
científico se por meio do efeito e é parte de um processo histórico determinado pela
produção econômica. Para que haja a produção dos conhecimentos científicos inscritos nas
condições da reprodução/transformação das relações de produção temos de considerar essas
ressalvas conforme aponta Pêcheux (1997).
As condições da produção/transformação são, como foram assinaladas
econômicas e não-econômicas e estão ligadas às ideologias práticas do modo de produção
capitalista. E as ideologias práticas atribuem suas formas e seus limites às ideologias
teóricas, próprias a uma época histórica dada, com as formações discursivas que lhes são
correspondentes, são, em últimas instâncias, determinadas pelo todo complexo com o
dominante das formações ideológicas em presença. (Pêcheux, 1997, p. 191)
Partindo dessas reflexões teóricas e com base em outras leituras que são
mobilizadas no decorrer do trabalho, nos próximos capítulos analisamos os dados coletados
de nossa pesquisa para mostrarmos como se no nosso ponto de vista a incorporação do
discurso do “outro” e a apropriação do conhecimento. Antes, porém, apresentamos três
exemplos de pesquisas já realizadas com produções estudantis para chamar a atenção para o
fato de que nossa preocupação não é o aspecto formal da escrita ou as normatizações
comumente exigidas de textos estudantis.
Entendemos por normatização as pesquisas que têm por base somente a
avaliação de aspectos gramaticais, empregos adequados dos elementos coesivos, problemas
na construção de orações, argumentação, informatividade e que não visam a prática
contínua.
84
3.4. A constituição do corpus da pesquisa
Compreendendo as discussões propostas, apresentamos nosso corpus
constituído de textos monográficos de conclusão da graduação em Letras. Salientamos que
a análise dos textos acontece em diferentes níveis, que podem ser de palavras, sentenças,
períodos, textos. Propomos uma leitura dos dados numa perspectiva discursiva em que os
sentidos são construídos historicamente, não fazendo uma distinção linear entre texto e
discurso. O texto é visto como uma unidade significativa e, para analisar um texto que tem
por base o aspecto discursivo, retomamos o processo de produção. Os textos são utilizados
como suporte para a análise e o que se considera são as práticas de escrita mediante
processos discursivos, ou seja, da historicidade que envolve fatores ideológicos em um
contexto que é a própria universidade, onde os textos foram produzidos.
Por essas vias, podemos dizer que não será prioridade, na pesquisa,
separar rigorosamente questões teóricas das questões analíticas, pois essa atitude
constituiria uma incoerência quanto ao desenvolvimento da análise proposta. Os capítulos
são elaborados sem priorizar essa distinção, de modo que teoria e prática se movimentam
conjuntamente nas análises e na construção deste texto.
Nas análises dos dados adotamos o seguinte critério: quando remetemos a
um conceito de qualquer autor e não for possível a utilização da citação, por motivo de
quebra no texto, fazemos o uso da nota de rodapé para definirmos os conceitos, com o
intenção de melhor localização do leitor nas questões teóricas.
Os trechos dos dados analisados estão colocados com a mesma fonte e
espaçamento do texto como um todo, essa opção facilita a leitura dos dados e também
justifica que eles fazem parte da pesquisa, servem de embasamento para discutirmos a
proposta do trabalho apresentado. As citações seguem ao mesmo padrão dos dados
analisados quando colocadas junto ao texto, mas sempre aparecem acompanhadas com os
nomes dos autores (fonte-origem) e os recortes com os trechos produzidos pelos alunos são
sempre enumerados e denominados como: Aluno (1); Aluno (2) e sucessivamente, quando
retomados no texto e comparados com outros dados trazemos a mesma enumeração.
85
Fazemos uma descrição dos objetivos de pesquisa ao introduzir os dados no texto. Os
destaques tanto dos dados analisados quanto das citações estão em negritos.
Tomamos como corpus 25 (vinte e cinco) trabalhos produzidos no final
de cursos de Letras
43
concluídos entre julho de 2004 a dezembro de 2006. A escolha dos
textos para análise se deu devido à nossa inquietação, alimentada durante 9 (nove) anos de
experiência, quanto à dificuldade do graduando de manifestar uma palavra própria após 4
(quatro) anos de curso.
Adotamos dois critérios para a escolha dos textos objetos: a) escolhemos
textos de alunos concluintes do curso de graduação em Letras e b) todos os trabalhos estão
inseridos na área de Língua Portuguesa ou Lingüística. Quanto aos recursos metodológicos,
para uma melhor compreensão do nosso leitor, os textos dos alunos foram enumerados a
partir da primeira apresentação dos dados por uma ordem de classificação de 1 a 25: Aluno
(1) a Aluno (25) para resguardar a verdadeira identidade dos sujeitos-alunos escolhidos
para compor o corpus da pesquisa e todos os dados analisados estão transcritos exatamente
como foram produzidos, sem qualquer correção.
Quanto às condições de produção, todos os textos foram elaborados no
interior da disciplina de Monografia que faz parte do Projeto Pedagógico Curricular dos
cursos de Letras. Todos os alunos tiveram um orientador e passaram por uma banca
examinadora composta por três professores para serem aprovados, conforme exigência da
disciplina.
Os objetos de estudos analisados nos textos foram escolhidos pelos alunos
e os professores auxiliaram na orientação de bibliografia adequada a cada tema e também
na definição dos objetivos. Salientamos que os textos não tiveram acompanhamento
integral dos professores orientadores e houve professores que orientaram até cinco
trabalhos por semestres. Exceto o aluno (25) que foi acompanhado quinzenalmente por seu
orientador durante os 20 meses em que foram dedicados à pesquisa e à escrita do trabalho.
Envolvidos nesse contexto, discutimos algumas categorias de escrita como
paráfrase, repetição, imitação, apropriação. Não propomos aqui nenhuma reformulação
43
Salientamos que os trabalhos selecionados para a análise são resultados da disciplina Monografia que foi
implementada nos cursos de licenciaturas a partir de 2000.
86
desses procedimentos, buscamos apenas questionar o uso excessivo desses recursos na
escrita acadêmica e não, por exemplo, o grau de paráfrase ou repetição de um determinado
texto. Enfim, analisamos os dados com o objetivo de compreendermos a atual realidade da
produção e apropriação do conhecimento na universidade, especificamente no curso de
Letras.
87
CAPÍTULO IV
UM CAMINHO JÁ PERCORRIDO
Partimos do princípio de que a produção recente sobre a escrita de
estudantes universitários aponta, de forma quase generalizada, para uma ausência de
elementos necessários para a sustentação da escrita acadêmica. Assim, com esta pesquisa
revisitamos um tema conhecido, pois vários trabalhos escritos sobre o assunto na área.
Comecemos por relacionar autores que se dedicaram à escrita para depois adentrarmos à
análise dos dados. O que propomos é analisar os textos para discutir o que de fato os alunos
estão escrevendo no final do curso de Letras e registrar como os dados nos permitem
refletir sobre a apropriação do conhecimento durante a graduação.
Não apelamos para a questão da normatização (erro) e não negamos a
necessidade de uma matriz de texto (forma), mas “a noção de erro tem muito a ver com o
caráter informativo da linguagem, quando é absolutizado” (Orlandi, 2001, p. 120). Não
estamos também preocupados com a transmissão de informação, mas com a produção de
sentidos e procuramos observar como a apropriação aparece nos textos produzidos no
interior da universidade. O que buscamos é apontar a diferença do nosso enfoque sobre a
preocupação com a sustentação da escrita e uma ausência de uma prática efetiva de ensino
que respalda na investigação e não na repetição de informações, domínio de termos
técnicos e memorização de regras.
4.1. Alguns estudos já realizados sobre produções estudantis
Neste item procuramos observar textos produzidos por pesquisadores na
área de Lingüística e Língua Portuguesa com o objetivo de mostrar algumas pesquisas
realizadas, tomando por base textos estudantis. Das inúmeras pesquisas realizadas sobre as
produções estudantis selecionamos apenas três trabalhos relevantes sobre o assunto:
88
Problemas de Redação
44
; A magia da mudança: vestibular Unicamp. Língua e literatura
45
e
Redação e Textualidade
46
.
Temos como um dos objetivos deste estudo observar na análise da
pesquisa dessas produções estudantis o aspecto da normatividade, isso é, pesquisas que
tomam como interlocutor fundamental uma certa tradição de ensino que está relacionada ao
como fazer, ou ao como agir, que a norma estabelece padrões de comportamento de uso,
ou mesmo, modelos de correções para esses padrões.
O plano da normatividade, portanto, está no plano do certo e do errado e
não toma a questão da linguagem como fenômeno social, histórico, ideológico, que
ultrapassa a questão da forma e das regras.
4.1.1. Exemplo 1: Análise sobre problemas textuais encontrados em redação de
vestibular
Iniciamos nossa apresentação pela obra de Pécora (1983), que tem como
objetivo investigar “problemas mais recorrentes encontrados na produção escrita de
vestibulandos e alunos do primeiro ano da universidade” (Pécora, 1983, p. 19). O autor
analisa um corpus de 60 redações, verificando uma seqüência de conteúdos de várias
ordens como: acentuação, pontuação, ortografia, emprego de anafóricos, argumentação,
problemas de uso de lugar comum e outros.
O autor inicia a análise sobre “problemas na oração” com o seguinte
diagnóstico: “A noção de oração é empregada aqui sem maiores novidades, uma vez que a
razão de seu emprego não é o de uma investigação gramatical e tampouco conceitual; trata-
se simplesmente de uma razão estratégica” (Pécora, 1983, p. 29). Ao acompanharmos a
análise dos dados apresentados no item 1 temos: “(Numa prova bimestral os alunos estão
44
PÉCORA, A. Problemas de redação. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
45
DURIGAN (et al) A magia da mudança: vestibular Unicamp: língua e literatura. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1987.
46
COSTA VAL, M. G. Redação e Textualidade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1991.
89
muito apreensivos,) cada qual com uma opinião propria (sic) da decisiva avaliação”, o
enfoque é voltado para problemas relacionados à grafia. Chamou-nos a atenção o autor se
referir à grafia incorreta da palavra própria”, embora inicialmente tenha salientado que o
“problema evidente dessa ocorrência, que inclusive não traz dificuldades de entendimento
daquilo que a oração pretendeu dizer”, ainda assim, destinou duas páginas para justificar o
que definiu de “erro” na acentuação. Explicou que esse tipo de problema não interfere na
pronúncia do aluno, que se refere ao desconhecimento do código específico de escrita e
afirmou que “evidentemente, uma falha na alfabetização do usuário: de alguma forma,
este não chegou a dominar inteiramente as normas de acentuação do português escrito”.
Consideramos, pois, que apesar de o autor ter fechado sua análise com a seguinte avaliação:
“Esse problema não leva a qualquer outro lugar além daquele em que se o processo de
aprendizado dessas convenções rudimentares: o ensino primário, a escola. Quaisquer
hipóteses relativas à incapacidade lingüística ou intelectual do sujeito, no que dizem
respeito a esse primeiro tipo de problema, não têm nenhum fundamento.” (Pécora, 1983, p.
34-35) , ele se prendeu à normatização, às regras gramaticais que interferem na produção
do aluno a ponto de se tornar um “problema de oração”.
Na análise de outra ocorrência sobre uso de lugar comum, o mesmo autor
observou a partir dos dados coletados nas redações que: “a sociedade é uma estrutura onde
se uma peça não funciona para o todo, as outras também tem de parar” e “coisa difícil de
encontrar hoje em dia. Um amigo de verdade com quem possamos sempre contar nas horas
amargas e nos momentos felizes (Pécora, 1983, p. 101). O autor considerou que esses
exemplos são enunciados que reproduzem um discurso cristalizado pela sociedade em
forma de “clichês”, pois a argumentação se a partir do uso do lugar comum. Isso de
alguma maneira cobra a falta de informações precisas nos textos dos vestibulandos, por
exemplo, o uso de termos técnicos, específicos de área, como o autor verificou uma
indeterminação das referências no texto do candidato.
Podemos aproximar essa exigência com os recursos cobrados em textos de
caráter científico, como certos termos técnicos. Uma mecanização prototípica da escrita
acadêmica universitária, em que alguns termos técnicos passam a ter um sentido mais ou
menos consagrado que adquirem nos discursos de natureza semiformalizada, esses termos
90
ajudam a preencher uma imagem da dissertação como um exemplo de objetividade e, quem
dera, rigor metodológico. Como afirma Pécora (1983, p. 102-109) isso provoca um
“movimento de indeterminação de referências, produzido pelo deslocamento de algumas
noções de seu emprego técnico, não faz mais do que evidenciar uma variante da tentativa
de responder à tarefa da escrita tal como ela é concebida historicamente no interior da
escola” Segundo o autor,é o discurso científico que constitui o padrão especificamente
dissertativo da imagem escolar da escrita sobretudo, quando essa imagem se reforça
dentro da universidade”. (Pécora, 1983, p. 109). Na escrita “é realmente admirável observar
como alunos, mal chegados à universidade, quando se trata de produzir um texto de
comentário crítico, apressam-se em se apropriar de uns quantos termos utilizados em textos
técnicos e distribuí-los ao longo do próprio texto”. Em seguida, o autor define a apropriação
de termos técnicos como uso do lugar comum, que “significa sempre um reconhecimento, a
retomada de um fragmento de linguagem amplamente conhecido, então, sem dúvida, essa
imagem do outro existe. E na medida em que esse reconhecimento condiciona-se à
reprodução”. (Pécora, 1983, p. 110). A critica do autor baseia-se somente na utilização de
termos técnicos e em reproduções. Mais tarde, Barzotto (2005) vai tocar novamente neste
assunto para afirmar que a reprodução do senso comum da área não implica produção de
conhecimento.
4.1.2. Exemplo 2: A produção da dissertação no vestibular
Na mesma direção de Pécora (1983), temos o trabalho de Durigan (1987,
et al), que objetiva “verificar de que forma os candidatos tinham respondido a uma das
propostas do vestibular e conseqüentemente identificar alguns dos problemas mais
relevantes encontrados nas respostas dadas ao que se solicitava” (Durigan, 1987, et al p. 7).
Ele reafirma em sua pesquisa as deficiências dos textos dos alunos que buscam uma vaga
na universidade. Essa pesquisa foi realizada por oito grupos de pesquisa e as análises foram
apresentadas em artigos. Selecionamos o texto de Durigan (1987, et al) A dissertação no
vestibular: um discurso de ninguém, para observar o que o autor trouxe como reflexão
sobre a produção dos textos dos vestibulandos. Neste estudo aponta-se que o aluno:
91
Na tentativa de produzir um discurso argumentativo, utiliza-se de um
chavão [...] que apenas ocupa o lugar de um argumento, apenas
preenche uma estrutura, sem, entretanto, efetivar-se enquanto tal.[...] o
chavão não serve como argumento por ser uma idéia muito
conhecida e repetida numa fórmula cristalizada, perdendo seu
significado justamente porque seu sentido se esgota em seu
reconhecimento. [...] O aluno aprende que escrever é apropriar-se de
modelos pré-estabelecidos, dominar um vocabulário sofisticado - que não
é do aluno -, mostrar que foi capaz de decorar regras de gramática. [...] O
aluno evita se posicionar, ser sujeito de seu discurso, lançando mão de
uma linguagem artificial, reproduzindo modelos consagrados para se
ausentar de uma responsabilidade para com seu próprio texto e para com
seu leitor. [...] o aluno acaba se transformando num outro, reproduzindo
um discurso alheio, um discurso de ninguém. (Durigan, 1987, et al p.
17-27, grifos nossos)
Compreendemos que o autor reclama sobre os textos repetitivos dos
vestibulandos, que pouco trazem de informatividade, seguindo apenas “modelos pré-
estabelecidos” dos textos dissertativos produzidos nesse tipo de exame. Mas não aponta os
fatores que condicionam esse tipo de reprodução.
4.1.3. Exemplo 3: O problema da informatividade em texto de vestibular
Problema semelhante é abordado por Costa Val (1991) ao analisar 100
redações elaboradas por candidatos do curso de Letras da UFMG no vestibular de 1983,
com o objetivo de estabelecer um diagnóstico e levantar algumas sugestões para o ensino
escolar de redação. A autora fez um estudo exaustivo, apontando os fatores da composição
da textualidade como: a intencionalidade, a informatividade, a intertextualidade entre
outros. Ao concluir sua pesquisa a autora afirma que:
92
As redações, em sua maioria, apresentam um arcabouço formal e
conceitual aceitável. Configuram-se como todos completos, dotados de
continuidade e progressão. Mantêm certa lógica interna e se organizam
conforme o modelo previsto para dissertações. Além de exigirem nível
satisfatório de correção gramatical. Entretanto, a impressão que se tem
após sua leitura é que se trata de maus textos, pobres, simplistas,
insípidos, quase todos iguais, muitos deles eivados de impropriedades.
São textos que não agradam, não convencem, não entusiasmam. [...]
Quanto a informatividade, conforme se viu no estudo quantitativo, há um
deslocamento da concentração de textos para o patamar mais baixo da
escala: 73% têm poder informativo insatisfatório. (Costa Val, 1991, p.
114-118, grifos nossos)
As palavras da autora confirmam as mesmas reclamações dos outros dois
pesquisadores apontados aqui no texto, como, por exemplo, a falta de informatividade e um
padrão formal em quase todos os textos analisados. Ou seja, os textos verificados não
passam de meras reproduções do “lugar comum”, do “discurso alheio” e do “discurso de
ninguém”. Costa Val (1991) traz como exemplo de falta de informatividade daqueles textos
que sonegam informações a ponto de incomodar o leitor, aquele texto cuja construção se
por meio de aspectos superficiais.
Segundo a autora pelo termo informatividade se entende “a capacidade do
texto de acrescentar ao conhecimento do recebedor informações novas e inesperadas”.
Ainda acrescenta que o texto tem de contar com uma certa “suficiência de dados” capaz de
fornecer informações ao seu recebedor. “Um texto informativo pode não ser de
processamento imediato e demandar algum esforço de interpretação. [...] se mostra apto a
engajar o recebedor, a conquistar a adesão dele, viabilizando, assim, o estabelecimento de
uma relação comunicativa verdadeira”. (Costa Val, 1991, p. 30-31)
Por sua vez, também não aborda a prática da escrita em situações reais de
produção como meio do aluno melhor se aproximar dessa escrita que é exigida nos exames
de vestibular.
93
A partir desses três exemplos é possível especular que hoje, a prática da
repetição do senso comum e de clichês, chavões específicos das áreas, Letras no caso
analisado, parece ter se generalizado, a julgar por seu volume, parece em algumas
ocorrências se configurar como objetivo mesmo do ensino superior. E precisamos nos deter
algum tempo sobre isso, pois o conhecimento tornou-se mercadoria e quanto mais gente
repeti-lo, automaticamente, melhor será para o comércio de livros e cursos, além de
propagar o próprio nome de alguns autores muito conhecidos no mercado “universitário”
como fornecedores de dicas para solucionar os “problemas de escrita”. De alguma maneira,
isso mascara e reforça o problema central, as falhas de formação dos professores na
universidade.
É interessante frisar que a produção deste aluno parece ser rejeitada apenas
nos textos acadêmicos que os tomam como estudo. Os vestibulares pouco mudam em
termos de exigência e parece que a universidade não coloca muitos obstáculos para que este
aluno obtenha seu sucesso durante a graduação, ao ofertar cursos que se tornaram mercados
de profissionalização.
Diante de tais observações no próximo capítulo iniciamos a análise do
nosso corpus. Nosso objetivo principal é compreendemos as bases sedimentadas de uma
escrita que é calcada na paráfrase, na repetição, na imitação e apontar a falta de práticas
efetivas de escrita na universidade que possibilitem ao aluno à apropriação do
conhecimento específico de área.
94
CAPÍTULO V
INCORPORAÇÃO DO DISCURSO DO “OUTRO” NA ESCRITA DOS
GRADUANDOS
Tomamos como hipótese que este estudo proporcionará um olhar mais
acurado sobre o texto do aluno pelo seguinte motivo: ao invés de apenas analisá-lo com o
objetivo de apontarmos falhas, propomo-nos a avaliar a escrita do graduando como parte da
incorporação do discurso do “outro” como: paráfrase, repetição, imitação, com o intuito de
compreender como circula o conhecimento na universidade e como esse conhecimento se
reflete na escrita dos alunos em formação.
Iniciamos a discussão deste capítulo com a apresentação do significado da
expressão “incorporar-se” retirada do Novo Aurélio de Buarque de Holanda Ferreira (1999,
p. 1096) no qual encontramos várias definições para o “ato ou efeito de incorporar-se”.
Selecionamos dez significados para apresentar ao leitor, como:
(1) Dar forma corpórea;
(2) Admitir ou receber em corporação;
(3) Reunir (diversas companhias mercantis) em uma só;
(4) Juntar num só corpo; dar unidade a; reunir;
(5) Unir, reunir, juntar, em um só corpo ou um só todo;
(6) Introduzir, embeber, imbuir;
(7) Tomar corpo; encorpar, crescer.
(8) Tomar forma corpórea; materializar-se;
(9) Entrar a fazer parte; ingressar;
(10) Reunir-se, juntar-se, congregar-se.
Esses significados dicionarizados, da expressão “incorporar-se”, podem
ser definidos como: “encorpar”, “crescer”, “ingressar”, ”introduzir”, “reunir-se”, “juntar-
se”, “tomar corpo” entre outros apontados. Considerando, então, essas definições, podemos
95
dizer que a incorporação do discurso do “outro” se quando um texto é estruturado a
partir do corpo do “outro”, um exercício de “dar forma corpórea” ao que está sendo
produzido pela materialidade do “outro”.
Acreditamos que, num primeiro estágio de produção, que pode ser
chamado de escrita inicial, essa incorporação é um procedimento aceitável para se chegar à
apropriação, mas não é aceitável considerar a incorporação como uma apropriação de
conhecimento.
Passamos a apresentar como alguns autores descrevem o termo
incorporação; para isso, percorremos algumas conceituações para mostrarmos como não
um consenso em relação à essa terminologia, e como em alguns casos essas definições
sustentam somente a justificativa da perpetuação da repetição como produção de
conhecimento.
Começamos por Maingueneau (2001) ao fazer uma aproximação entre os
conceitos de ethos e incorporação. Esse autor afirma que a incorporação é uma forma de o
texto encarnar propriedades associadas a outros textos; e ethos é um termo advindo de duas
explicações: uma da tradição retórica em que é mantido o caráter do orador e outra do tom
que todo texto escrito carrega de um outro texto. Isso explica que o ethos não se refere
apenas à eloqüência ou aos enunciados orais, mas também ao texto escrito, à corporalidade
que o sujeito reúne ao texto produzido, apoiado em outros textos. Pois:
O texto escrito possui, mesmo quando denega, um tom que autoridade
ao que é dito. Esse tom permite ao leitor construir uma representação do
corpo do enunciador (e não, evidentemente, do corpo do autor efetivo). A
leitura faz, então, emergir uma instância subjetiva que desempenha o papel
de fiador do que é dito. [...] O ethos implica, com efeito, uma disciplina
do corpo apreendido por intermédio de um comportamento global. O
caráter e a corporalidade do fiador provêm de um conjunto difuso de
representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, sobre as quais se
apóia a enunciação que, por sua vez, pode confirmá-las ou modificá-las.
(Maingueneau, 2001, p. 98-99, grifos do autor)
96
Para esse autor a partir do ponto de vista da Análise do Discurso os efeitos
do ethos são impostos pelas formações discursivas
47
, ou seja, “o que é dito e o tom com que
é dito são igualmente importantes e inseparáveis. [...] Mas o tom, por si só, não recobre, em
seu conjunto, o campo do ethos enunciativo. O tom está necessariamente associado a um
caráter e uma corporalidade” (Maingueneau, 1997, p, 46-47).
Compreendemos, então, que a incorporação do discurso do “outro” é uma
espécie de corporalidade passível de verificação na estrutura do próprio texto, justamente
pela forma como é tomado o “corpo do outro” nos efeitos de sentido do ethos. É uma
espécie de representação presente nos textos, ao mesmo, tempo inseparável do que é dito
pelo sujeito.
Se os elementos do ethos forem integrados à discursividade, esta última
aparece sob uma luz diferente: o discurso é, a partir daí, indissociável da
forma pela qual ‘toma corpo’. Introduziremos aqui a noção de
incorporação para designar esta mescla essencial entre uma formação
discursiva e seu ethos que ocorre através do procedimento enunciativo.
Apelando à etimologia, faremos essa ‘incorporação’ atuar sobre três
registros estreitamente articulados:
- a formação discursiva confere ‘corporalidade’ à figura do enunciador e,
correlativamente, àquela do destinatário, ela lhes ‘dá corpo’ textualmente;
- esta corporalidade possibilita aos sujeitos a ‘incorporação’ de esquemas
que definem uma maneira específica de habitar o mundo, a sociedade;
- estes dois primeiros aspectos constituem uma condição da ‘incorporação’
imaginária dos destinatários ao corpo, o grupo dos adeptos do discurso.
Esta perspectiva desemboca diretamente sobre a questão da eficácia do
discurso, do poder que tem em suscitar a crença. O co-enunciador
interpelado não é apenas um indivíduo para quem se propõem ‘idéias’ que
47
“Uma formação discursiva não é, pois, o texto ideal, contínuo e sem aspereza, que corre sob a multiplicidade
das contradições e as resolve na unidade calma de um pensamento coerente; não é tampouco, a superfície em
que se vem refletir, sob mil aspectos diferentes, uma contradição que estaria sempre em segundo plano, mas
dominante. É antes um espaço de dissensões múltiplas; um conjunto de oposições diferentes cujos níveis e
papéis devem ser descritos”. (Foucault, 1986, p.178-179)
97
corresponderiam aproximadamente a seus interesses; é também alguém
que tem acesso ao ‘dito’ através’ de uma ‘maneira de dizer’ que está
enraizada em uma ‘maneira de ser’, o imaginário de um vivido.
(Maingueneau, 1997, p, 48-49, grifos do autor).
No nosso ponto de vista, essas palavras do autor nos fornecem uma
sustentação para o que chamamos de incorporação: um texto que é produzido a partir de um
fiador, que tem seu “dito” enraizados na “maneira de dizer” e na “maneira de ser”, pois “a
formação discursiva confere ‘corporalidade’ à figura do enunciador e, correlativamente,
àquela do destinatário, ela lhes ‘dá corpo’ textualmente” que podemos aproximar com a
repetição e a paráfrase e “esta corporalidade possibilita aos sujeitos a ‘incorporação’ de
esquemas que definem uma maneira específica de habitar o mundo, a sociedade” que
corresponde à imitação.
Apoiando-nos em Pêcheux (1997) para quem o “pré-construído” é uma
forma de retomar “o sempre-já-aí”, “o repetível”, “os processos de articulações”,
“reformulações”, etc. Tais procedimentos podem ser admitidos como incorporação do
discurso do “outro”, por exemplo, por meio da paráfrase. Salientamos que esses conceitos
podem ser utilizados para explicar a paráfrase, mas não para justificar a repetição e
considerá-la produção de conhecimento. Vejamos um outro trecho de Pêcheux (1997):
Sobre a relação entre base (lingüística) e processo (discursivo-ideológico)
encontra aqui o ponto de partida de sua solução: se uma mesma palavra,
uma mesma expressão e uma mesma proposição podem receber sentidos
diferentes todos igualmente ‘evidentes’ conforme se refiram a esta ou
aquela formação discursiva, é porque vamos repetir uma expressão
ou uma proposição não tem um sentido que lhe seria ‘próprio’,
vinculado a sua literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em
cada formação discursiva, nas relações que tais palavras, expressões ou
proposições mantêm com outras palavras, expressões ou proposições da
mesma formação discursiva. [...] é necessário também admitir que
98
palavras, expressões e proposições literalmente diferentes podem, no
interior de uma formação discursiva dada, ‘ter o mesmo sentido’, o que
se estamos sendo bem compreendidos – representa, na verdade, a condição
para que cada elemento (palavra, expressão ou proposição) seja dotado de
sentido. (Pêcheux, 1997, p. 161, grifos nossos e do autor.)
Consideramos que essa perspectiva teórica aberta por Pêcheux (1997) é
instigante, pois explica o “processo de reformulação” de um texto feito a partir de outras
formações discursivas. Mas isso não pode ser tomado como justificativa da escrita
puramente parafrástica, buscando na teoria uma espécie de autorização da incorporação
para sustentar a prática da reprodução. Uma forma de manter o discurso hegemônico por
meio de uma “ciência” dita, ou seja, autorizar-se nela para produzir determinados efeitos
de sentidos, como nos mostrou Maingueneau (1997) com a definição do ethos.
Ao recorrermos à obra de Foucault publicada em (1971), entendemos que
a abordagem sobre o comentário, pode ser considerado uma espécie de refutação da prática
da repetição:
Por ora, gostaria de me limitar a indicação que, no que se chama
globalmente um comentário, o desnível entre texto primeiro e texto
segundo desempenha dois papéis que são solidários. Por um lado
permite construir (e indefinidamente) novos discursos: o fato de o texto
primeiro pairar acima, sua permanência, seu estatuto de discurso sempre
reatualizável, o sentido múltiplo ou oculto de que passa por ser detentor, a
reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos, tudo isso funda uma
possibilidade aberta de falar. Mas, por outro lado, o comentário não
tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o
de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto
primeiro. Deve, conforme um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao
qual não escapa nunca, dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto,
havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia
99
jamais sido dito. A repetição indefinida dos comentários é trabalhada
do interior pelo sonho de uma repetição disfarçada: em seu horizonte
não há talvez nada além daquilo que já havia em seu ponto de partida,
a simples recitação. O comentário conjura o acaso do discurso fazendo-
lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto mesmo, mas a condição
de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado. A
multiplicidade aberta, o acaso são transferidos, pelo princípio do
comentário, daquilo que arriscaria de ser dito, para o número, a forma, a
máscara, a circunstância da repetição. O novo não está no que é dito,
mas no acontecimento de sua volta. (Foucault, 2000, p. 24-26, grifos
nossos)
Analisamos que essa definição sustenta que o comentário pode ser
interpretado como repetição, uma vez que muitos textos produzidos a partir de outros textos
não passam de uma simples recitação. O próprio autor afirma que “o novo não está no que é
dito, mas no acontecimento de sua volta”. Em nosso contexto de pesquisa consideramos
que esse “novo” é a forma como o aluno se apropria de um conhecimento para produzir
outro texto. Podemos dizer que o segundo texto (comentado), as produções dos alunos, não
se afastam do texto primeiro. Porém, Foucault (2000), acredita que esse processo se ancora
em técnicas empregadas para dizer o que está articulado de outra forma no texto
primeiro, que não explicita ou configura além da justificativa da repetição disfarçada. E
percebemos que alguns trabalhos de pesquisa se apóiam nesses conceitos para defender a
autoria, a recriação, as estratégias de uma “segunda escrita” do texto “primeiro”.
Salientamos que não investigamos, neste trabalho, a autoria nos textos dos
graduandos. Consideramos ser esse um conceito bastante pesquisado por diversos
autores, como nos mostrou Foucault (2000) ao falar sobre a função-autor, sobre o próprio
conceito do comentário de outros dizeres como os chamados deslocamentos de sentido,
quando rompem paradigmas para criar uma conceituação. E também todo empenho das
pesquisas realizadas por Orlandi (1996) ao estudar e analisar a autoria como uma questão
dos gestos de interpretação do sujeito/autor, como:
100
O que caracteriza a autoria é a produção de um gesto de interpretação,
ou seja, na função o sujeito é responsável pelo sentido do que diz, em
outras palavras, ele é responsável por uma formulação que faz
sentido. O modo como ele faz isso é que caracteriza sua autoria. Como,
naquilo que lhe faz sentido, ele faz sentido. Como ele interpreta o que
interpreta. [...] A autoria está em franco processo de transformação que
a relação com a historicidade do dizer e os modos de relação com a
presença da alteridade tem sofrido mudanças, quer pelos modos como
funciona a censura, quer pelo modo como se gere a relação com a
‘originalidade’ na formação social burguesa que tempera, de forma
particular, a relação entre determinação e autonomia. Tudo isso é, enfim,
sobredeterminado pela forma como a linguagem circula e, uma vez que a
mídia impõe seu modo de relação com a interpretação, a função-autor é
certamente afetada por essa sobredeterminação. (Orlandi, 1996, p. 97-98)
Concordamos com o posicionamento de Orlandi (1996) ao justificar a
autoria como produção de um gesto de interpretação, ou seja, “na função-autor o sujeito é
responsável pelo sentido do que diz, em outras palavras, ele é responsável por uma
formulação que faz sentido” (Orlandi, 1996, p. 97). Porém não consideramos que esses
estudos refletem a prática “real” da escrita no contexto escolar, especificamente como é o
nosso objeto de pesquisa: a escrita na universidade. Questionamos justamente esse processo
ao qual a autora se refere sobre a responsabilidade pela formulação do sentido. Daí surgem
nossas indagações, se não é proporcionado em nenhum momento ao aluno “esse modo de
se fazer autor” como cobrar do aluno uma autoria? Justificando a repetição como produção
do conhecimento?
Diante dessas indagações, mais uma vez, reforçamos que este trabalho não
avalia se os alunos são ou não autores dos textos por eles produzidos, mas observar que a
escrita dos trabalhos considerados científicos em sua maioria não ultrapassa paráfrase,
repetição e imitação. Essa constatação foi feita após analisar nossos dados e na observação
101
em nossas experiências como professora no ensino superior. É perceptível na escrita dos
alunos uma ausência de apropriação do conhecimento, cujo reflexo na escrita, como
resultado de suas formações acadêmicas, aparece somente no aspecto formal do texto, ou
seja, na incorporação de termos específicos de áreas. Não notamos “criação” ou “atribuição
de sentidos”, ou mesmo, “apreensão de conhecimento” nos textos produzidos pelos alunos.
Por outro lado, podemos considerar que isso também possa ser um reflexo
das aulas ministradas na universidade, por meio de um discurso pronto, acabado, sem
aberturas para investigações que possibilitaria ao aluno de iniciar o processo da
reformulação de um conhecimento para chegar à apropriação, conforme Ribeiro (2005)
apresentou como resultado de sua tese de doutoramento:
No percurso de análise da aula, mostramos que esta se desenvolve com
base num jogo de vozes: a voz do conhecimento, a voz do professor
mediador da relação entre conhecimento e aluno e a voz do aluno que se
posiciona na base da escala hierárquica desse jogo de vozes. A nosso ver,
essa relação hierarquizada está intimamente vinculada à distribuição do
conhecimento, ou seja, assimetria existente entre professor e aluno diz
respeito à relação que professor e aluno mantêm com o saber: no processo
de transmissão do conhecimento o texto teórico, resultado do
conhecimento produzido, exerce uma diretividade sobre a forma de
organização do discurso de sala de aula. Nesse sentido é que Batista (op.
cit., p. 68) afirma que esse objeto é, ao mesmo tempo, um objeto de ensino
e um referente de discurso, na medida em que ele é retomado, objetivado
continuamente. Por essa via, o professor, enquanto mediador desse
conhecimento e de acordo com representações que tem do conteúdo que
pretende ensinar, do aluno e de si mesmo, faz retomadas e fixa certos
conteúdos e não outros. Nesse processo de mediação e pela relação que
professor e aluno mantêm com o saber, instaura-se uma relação
assimétrica orientada pelo domínio (ou não) do conhecimento. (Ribeiro,
2005, p. 245-246)
102
Avaliamos, então, como incorporação à escrita de textos em que os alunos
não se distanciam do discurso do “outro”, em sua maioria, como repetição, conforme
Foucault (2000) descreveu sobre comentário do texto primeiro para o texto segundo,
mascaramento de produção.
Notamos que o texto do aluno é ancorado em outros textos por meio de
terminologias teóricas, usadas mecanicamente, como uma salvaguarda de escrita e não
apresenta uma compreensão conceitual teórica nas análises dos dados. Os textos são
escritos de forma que se pode perceber que o ensino destinado a estes alunos não lhes tem
assegurado uma posição de sujeitos do conhecimento, mas de reprodutores de um discurso
dominante, hegemônico de área, às vezes, mediado pelo próprio professor. Pois:
Não basta constatar que um conjunto de textos, com base em certas
hipóteses, pode ser dispostos em uma mesma formação discursiva; seria
igualmente necessário compreender como, em determinado lugar, uma
população de autores pôde produzir enunciados similares, partilhar um
conhecimento tácito das fronteiras de uma formação discursiva, sabendo o
que pode ou não ser dito aí. Trata-se de saber se esta ‘imitação’ é o
resultado de uma espécie de impregnação passiva, lenta, que
desencadeia a repetição de diversas dimensões da discursividade, ou se
isto ocorreu pelo acesso a um sistema de princípios dotado de uma
grande generalidade que permitiria produzir e interpretar enunciados
inéditos em situações inéditas como dependentes do ‘mesmo’ discurso.
(Maingueneau, 1997, p. 105, grifos nossos)
Diante dos comentários, as análises deste capítulo nos ajudam a
compreender como se a escrita na graduação; vimos anteriormente como alguns
autores analisam os textos estudantis somente pelo aspecto da normatividade. Os textos
utilizados nas análises foram descritos, assim como suas condições de produção na parte
intitulada: constituição metodológica do corpus da pesquisa.
103
Consideramos que os textos produzidos pelos alunos de graduação, por
nós analisados, recaem no que chamamos de incorporação do discurso do “outro”.
Dividimos este capítulo em quatro momentos: no primeiro observamos a paráfrase; no
segundo momento os vários tipos de repetição que aparecem nos textos dos graduandos; no
terceiro a imitação vista como referência a nome de autores, um salvadorismo de
ancoragem teórica ou recorrência à estética de textos consagrados e no quarto a
concepção de ciência que embasa os textos dos graduandos.
Esses processos, os quais consideramos ser categorias de incorporação do
discurso do “outro”, são analisados separadamente nos próximos itens.
5.1. Presença de paráfrases
Recorrendo aos conceitos de paráfrases, encontramos vários autores que
defendem a proposta de paráfrase como processo de reformulação, Pêcheux (1997) definiu
dois elementos: “base lingüística e processo discursivo”, ele explica que “o processo
discursivo passará a designar o sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias,
etc, que funcionam entre elementos lingüísticos ‘significantes’ em uma formação
discursiva dada” (p. 161). Ele apresenta a possibilidade de substituição sob duas formas
fundamentais: “1ª a da equivalência ou possibilidade de substituição simétrica (dois
elementos substituíveis A e B possuem o mesmo sentido) na formação discursiva
considerada; a da implicação ou da possibilidade de substituição orientada -, tal que a
relação substituição A por B não seja a mesma que a relação de substituição B por A”.
(Pêcheux, 1997, p. 164)
Tomando como base a afirmação de que “não o mesmo no diferente,
isto é, formas diferentes significam diferentemente”, (Orlandi, 2001, p. 119). O nosso
estudo se debruça sobre o entendimento do que sejam essas formas diferentes de dizer na
produção dos graduandos. Investigamos se o que definimos como paráfrase pode ser
considerada uma produção de conhecimento, ou se os textos produzidos pelos alunos não se
enquadrariam no que Pêcheux (1997) denomina como processo de “reformulação”.
104
De acordo com Fuchs (1985)
48
, os estudos sobre a paráfrase centram-se,
basicamente, em três abordagens teóricas: a) a paráfrase vista como equivalência formal
entre frases, levando em consideração a veracidade do enunciado, com base em postulados
lógicos; b) a paráfrase definida a partir de critérios semânticos entre o enunciado primeiro e
o enunciado segundo, compreendidos a partir de uma relação sinonímica e c) a paráfrase
apontada como uma atividade de reformulação, considerando-se que tal atividade varia
segundo os sujeitos e a situação em que a atividade parafrástica é produzida.
Porém, salientamos que essas teorias não podem justificar uma
acomodação trazida pela banalização da repetição, como o de sempre repetir o texto do
outro como produção. Caracterizamos essa escrita como uma incorporação do discurso do
“outro”, consideramos esse processo como se todo o texto não tomasse “corpo”, sempre
ficasse sustentado na palavra do “outro”. Isso segundo Foucault (2000) são:
Procedimentos internos, visto que são os discursos eles mesmos que
exercem seu próprio controle; procedimentos que funcionam, sobretudo, a
título de princípios de classificação, de ordenação, de distribuição, como
se se tratasse, desta vez, de submeter outra dimensão do discurso: a do
acontecimento e do acaso. Em primeiro lugar, o comentário. Suponho, mas
sem ter muita certeza, que não sociedade onde não existam
narrativas maiores que se contam, se repetem e se fazem variar;
fórmulas, textos, conjuntos ritualizados de discursos que se narram,
conforme circunstâncias bem determinadas; coisas ditas uma vez e que
se conservam, porque nelas se imagina haver algo como um segredo ou
uma riqueza. Em suma, pode-se supor que há, muito regularmente nas
sociedades, uma espécie de desnivelamento entre os discursos: os
discursos que ‘se dizem’ no correr dos dias e das trocas, e que passam com
o ato mesmo que os pronunciou; e os discursos que estão na origem de
48
A paráfrase é uma noção difícil de precisar, tanto na teoria quanto na prática, pois é um dado imediato da
consciência lingüística dos locutores e também uma atividade lingüística dos sujeitos e uma relação entre um
enunciado ou texto-fonte e sua (s) reformulação (ões), que tendem a imitar o texto fonte. Por isso a autora
trata a paráfrase como uma reformulação imitativa. (Fuchs, 1985, p. 129)
105
certo número de atos novos de fala que os retomam, os transformam ou
falam deles, ou seja, os discursos que, indefinidamente, para além de sua
formulação, são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer. Nós os
conhecemos em nosso sistema de cultura: são os textos religiosos ou
jurídicos, são também esses textos curiosos, quando se considera o seu
estatuto, e que chamamos de ‘literários’; em certa medida textos
científicos. É certo que esse deslocamento não é estável, nem constante,
nem absoluto. Não há, de um lado, a categoria dada uma vez por todas,
dos discursos fundamentais ou criadores; e, de outro, a massa
daqueles que repetem, glosam e comentam. Muitos textos maiores se
confundem e desaparecem, e por vezes, comentários vêm tomar o
primeiro lugar. Mas embora seus pontos de aplicação possam mudar,
a função permanece; e o princípio de um deslocamento encontra-se
sem cessar, reposto em jogo. [...] Trata aí, cada vez, de anular um dos
termos da relação, e não suprimir a relação ela mesma? Relação que não
cessa de se modificar através do tempo; relação que toma em uma época
dada formas múltiplas e divergentes. (Foucault, 2000, p. 21-24, grifos
nossos)
Se observarmos o posicionamento do autor, podemos considerar que a
repetição traz um efeito danoso sobre o ensino, uma “desresponsabilização” pelo ensinar.
Ao aceitarmos a paráfrase como uma escrita, parece que estamos retomando o “velho
discurso” de que não se deve corrigir a escrita do aluno porque a lingüística aceita tudo.
Respaldados em conceitos como: “não sociedade onde não existam narrativas maiores
que se contam, se repetem e se fazem variar; fórmulas, textos, conjuntos ritualizados de
discursos que se narram, conforme circunstâncias bem determinadas” (Foucault, 2000, p.
21).
Acrescentamos que um ponto positivo no ato de parafrasear, o de se
apoiar no “outro” para atualizar o leitor sobre o que o autor do texto lido, ou mesmo, para
retomar pesquisas anteriormente feitas. Todavia, em outros momentos é difícil de aceitar a
106
paráfrase como escrita, por exemplo, quando o aluno coloca uma paráfrase como uma
análise de dados, o que mostramos nas análises dos próximos itens sobre a repetição e a
imitação na escrita dos graduandos.
Maingueneau (1997) mostra que a paráfrase tem relação com as operações
metadiscursivas
49
, pois:
Diante da atividade de parafrasagem, a AD adota um ponto de vista que
vai ao encontro das representações que os usuários fazem
espontaneamente. Para estes últimos, parafrasear consiste em colocar-se
em uma posição de exterioridade relativa face à seqüência de seu
próprio discurso; nessa concepção ‘a presença de um marcador de
reformulação parafrástico conduz à conclusão de que existem problemas
ou obstáculos à comunicação. Por um lado, a reformulação parafrástica
é um meio de superar estes obstáculos [...] em tudo o que depende da
compreensão, das hipóteses dos interlocutores, quanto aos
conhecimentos ou às capacidades intelectuais dos outros, as suposições
que fazem sobre o conhecimento partilhado, etc.; por outro lado, existem
problemas que resultam das relações que os interlocutores estabelecem
entre si, das atitudes de uma face ao outro, e das ameaças potenciais para
suas faces positivas ou negativas que qualquer ato comunicativo constitui’.
[...] A parafrasagem aparece em AD como uma tentativa para
controlar em pontos nevrálgicos a polissemia aberta pela língua e pelo
interdiscurso. Fingindo dizer diferentemente a ‘mesma coisa’ para
restituir uma equivalência preexistente, a paráfrase abre, na realidade, o
bem-estar que pretende absorver, ela define uma rede de desvios cuja
figura desenha a identidade de uma formação discursiva. (Maingueneau,
1997, p. 96, grifos nossos.)
49
“O metadiscurso se apresenta como um jogo com o discurso; na realidade ele constitui um jogo no interior
deste discurso. Presume-se, uma vez mais, que se possua uma concepção apropriada da discursividade: não
um bloco de palavras e de proposições que se impõem maciçamente aos enunciadores, mas um dispositivo
que abre seus caminhos, que negocia continuamente através de um espaço saturado de palavras, palavras
outras”. (Maingueneau, 1997, p. 95, grifos do autor)
107
Esse procedimento de parafrasagem é bastante presente nos textos
acadêmicos. Trata de um tipo de incorporação das referências das leituras feitas para
embasamento teórico dos trabalhos acadêmicos. A prática da paráfrase, presente na
construção do texto dos alunos, não mobiliza além de palavras de autores estudados para
dar sustentação à elaboração do seu texto, por isso não concordamos que “a parafrasagem
aparece em AD como uma tentativa para controlar em pontos nevrálgicos a polissemia
aberta pela língua e pelo interdiscurso” (Maingueneau, 1997, p. 96), pois não encontramos
este controle esperado pela AD, o aluno se respalda justamente na polissemia para repetir o
discurso do “outro” como se fossem suas as palavras.
Iniciamos nossa demonstração a partir de uma monografia que teve como
proposta observar As variedades lingüísticas e o ensino de língua portuguesa nos livros
didáticos e que discute a relação entre a sociolingüística e o ensino de língua, fazendo um
comentário sobre a atual situação do ensino de língua. O nosso objetivo é enfocar isso que
consideramos ser uma característica de paráfrase lingüística, um texto que se constrói por
uma escrita que se aproxima do que Pêcheux (1997) define como reformulação. Na
superfície textual, uma tentativa de o aluno (1) escrever diferentemente do autor tomado
como base para seu trabalho, enxergamos isso pela comparação entre o texto discente e o
trecho da obra consultada pelo aluno. Vejamos:
Aluno (1) - nos livros didáticos um caráter ideológico e por algumas
vezes autoritário, que simplifica o conhecimento e falseia a realidade
tendenciando as disputas e os conflitos sociais. (p. 32, grifos nossos)
Muitos têm chamado a atenção para o caráter ideológico e autoritário
do livro didático - que, além de simplificar absurdamente o
conhecimento, tende a falsear a realidade e escamotear as disputas e
conflitos sociais. (Britto, 2000, p. 251, grifos nossos)
108
Ao compararmos o trecho retirado do texto do aluno (1) com um excerto
da obra do autor que fundamenta seu trabalho, percebemos que o aluno (1) utiliza o
procedimento de paráfrase ao se aproximar das palavras no autor, se inscreve numa ordem
inversa a do autor, insere seu texto na generalização do argumento, utilizando-se de
afirmação categórica como, “simplifica” e “falseia”, enquanto o autor utiliza as expressões
“além de simplificar” e “tende a falsear” um recurso da modalização do discurso marcado
lingüisticamente. Seria uma forma à qual o aluno (1) recorre para atenuar o que está dito
numa relação de equivalência entre o texto primeiro e o texto segundo.
Procuramos uma explicação sobre o emprego da modalização para melhor
compreensão da “operação” feita pelo aluno (1). Mobilizamos Koch (1999) ao afirmar que:
O recurso às modalidades permite, pois, ao locutor marcar a distância
relativa em que se coloca com relação ao enunciado que produz, seu maior
ou menor grau de engajamento com relação ao que é dito, determinando o
grau de tensão que se estabelece entre os interlocutores; possibilita-lhe,
também, deixar claros os tipos de atos que deseja realizar e fornecer ao
interlocutor ‘pistas’ quanto às suas intenções, ‘vozes’ incorporadas ao seu
discurso, isto é, oriundas de enunciadores diferentes; torna possível, enfim,
a construção de um “retrato” do evento histórico que é a produção do
enunciado. (Koch, 1999, p. 74)
Assim, o recurso do uso da modalidade pode ser entendido quando o aluno
(1) generaliza o seu discurso como uma forma de mascarar algumas “pistas” deixadas pelo
autor consultado, como: “Muitos têm chamado a atenção para o caráter ideológico e
autoritário do livro didático”, vejamos que na expressão: “muitos têm chamado” uma
modalização típica de textos de caráter científico ao considerar a objetividade, uma forma
do sujeito de distanciar do texto.
Muitas vezes, ao produzir realmente um enunciado, o sujeito não o faz
somente com a finalidade de veicular informações, mas com o objetivo principal de se
constituir como sujeito da enunciação, dando uma direção àquilo que é dito. É por este
109
motivo que a seleção de certas palavras para veicular informações, não é arbitrária, pelo
contrário, é dotada de intencionalidade. Neste contexto podemos dizer que as inversões
feitas pelo aluno (1) estão a serviço da intencionalidade de mascarar a repetição do texto
fonte. Talvez se possa dizer que é o caso de considerar o aluno (1) como aprendiz de leitura
e produção de textos acadêmicos, pois ele é ainda pouco atento a tais alterações. Uma
forma de materializar-se no texto pelo corpo do “outro”.
Quando o aluno (1) escreve “Há nos livros didáticos um caráter
ideológico” acrescenta sentidos à frase do livro “Muitos chamam a atenção para o caráter
ideológico e autoritário do livro didático”, observamos novamente que o texto do autor
citado está incluído numa ordem da modalização, ou seja, ele informa seu leitor por meio
da autorização do discurso do “outro”. Mas no texto do aluno (1) avaliamos o contrário,
explicitamente um deslocamento de sentido quando faz essas afirmações, uma vez que
dispensando as modalizações usadas no texto do autor, o aluno (1) autoriza-se nele mesmo
de modo direto, é como entrar a fazer parte do “outro”.
Nisso retomamos a discussão de Pêcheux (1997) ao dizer que um
sentido no diferente, apesar de o aluno (1) e de o autor do livro se inscreverem numa
mesma formação discursiva: a de criticar a “simplificação do conhecimento nos livros
didáticos” podemos dizer que eles não ocupam a mesma formação ideológica, pois o autor
além da autorização de escritor é também um professor, por sua vez o aluno ao utilizar as
informações sobre a “ideologia no livro didático”, cria uma espécie de “camuflagem” para
não se comprometer com o que está sendo dito, como se fosse possível esse tipo de controle
na linguagem juntar num só “corpo” aquilo que não pode ser reunido.
Notamos que enquanto o autor lido pelo aluno (1) utiliza as operações de
salvaguarda que são construídas no próprio texto, para o aluno (1), a salvaguarda é
ancorada fora de seu texto. Confirmando o que Maingueneau (1997, p. 96) afirma, que
“parafrasear consiste em colocar-se em uma posição de exterioridade relativa face à
seqüência de seu próprio discurso”, o aluno se firma na existência de alguém autorizado, de
uma palavra autorizada, já que publicada em livro, com quem dialoga. Nisso podemos dizer
que um diferente sendo dito pelo aluno (1), uma vez que as palavras mudam de sentido
110
conforme a posição daqueles que as usam, mas avaliamos que a escrita do aluno (1) não
ultrapassa o nível da base lingüística.
Do nosso ponto de vista, o aluno (1) procede assim para escrever seu texto
diferentemente do texto do autor, como se estivesse atendendo à tarefa comum no ensino de
Língua Portuguesa: escrever com suas palavras. Sabemos que esse recurso é muito
utilizado no ensino da produção de textos, durante a formação do ensino fundamental e
médio, em que se incentiva a aplicar os sinônimos como parte da construção de sentido do
texto e definir sinônimos como sendo a substituição de uma palavra por outra
dicionarizada, como: transformar verbos em substantivos ou trocar expressão por outra
similar, etc.
Aparentemente, que isso interfere de alguma forma na escrita do aluno (1),
de modo geral é um reflexo de prática de escrita dos graduandos. Esse procedimento muito
marcado nas produções analisadas, por exemplo, para não escrever o mesmo que o autor
consultado, o aluno (1) recorre às modalizações. Para Fuchs (1985) isso é uma forma de
paráfrase lingüística, uma vez que a escrita parafrástica pode ocorrer pela substituição de
algumas construções gramaticais, pela inversão da ordem das orações ou pelo uso de alguns
sinônimos.
Dando continuidade a apresentação, examinamos outro exemplo de
paráfrase utilizado nos textos analisados:
Aluno (1) - Acabam contribuindo com uma educação que leva os
jovens para uma falsa realidade, influenciando os alunos a se alienarem
e permanecerem com conhecimentos de lugares de senso comum e
atitudes um pouco críticas em relação à sociedade. (p. 32, grifos nossos)
Bonazzi e Eco (1972), [...] afirmam que a seleção dos textos de leitura
para o ensino elementar trata de questões como a família, a pátria, a
linguagem e o trabalho, entre outros, de “maneira falsa, grotesca, risível”,
e, deste modo, “educam os jovens para uma falsa realidade, enchem sua
111
cabeça com lugares comuns, com coisas chãs, com atitudes não críticas”.
(Britto, 2000, p. 251, grifos nossos)
Nessa comparação entre o texto produzido pelo aluno (1) e do autor lido
por ele, verificamos que uma interpretação determinativa. Para o aluno a evidência
está pré-dada “Acabam contribuindo” quando no texto do autor uma interpretação
explicativa “Bonazzi e Eco afirmam”. Estruturalmente, isso se resolveria pelo do uso da
citação, outra característica formal do texto acadêmico. Como salientamos no trecho
retirado da obra de Britto (2000) há primeiramente o uso da citação indireta “Bonazzi e Eco
(1972) [...] afirmam que a seleção dos textos de leitura para o ensino elementar” e num
segundo momento o autor faz uso da citação direta, “maneira falsa, grotesca, risível” e
“educam os jovens para uma falsa realidade”. Se compararmos esse trecho com o que o
aluno (1) escreveu como sendo similar, notamos um apagamento dos sujeitos enunciadores
marcados pelo nome dos autores, pois o aluno (1) escreve: “acabam contribuindo com uma
educação que leva os jovens para uma falsa realidade”. Não é marcada no texto a voz do
“outro”, isso que caracterizamos como uma indeterminação, o aluno (1) marca
estruturalmente o sujeito gramatical da oração, sem dizer quem realmente diz “que a
seleção dos textos de leitura [...] ‘educam os jovens para uma falsa realidade’ como se o
leitor fosse seu cúmplice ou soubesse quem foi o sujeito que disse “acabam”. Essa
indeterminação consideramos ser mais uma verificação de que os alunos escrevem sob o
ponto de vista de uma ciência explicativa, pois no apagamento do uso das aspas e na
citação da fonte o sujeito se inscreve numa outra formação discursiva diferente da utilizada
pelo autor. Avaliamos esse distanciamento em alguns aspectos, no que se refere à
localização das informações “fontes”, como uma amostragem da reprodução textual.
Deve-se buscar respaldo nas teorias da Semântica para analisarmos o
emprego da negação nos textos do aluno (1) e do autor; a expressão de Bonazzi e Eco
(1972) citada por Britto (2000) é: “atitudes não críticas”, a expressão correspondente no
texto do aluno (1) é “atitudes um pouco críticas”. Existem várias formas de negar
50
e
50
Segundo Ilari e Geraldi (2004, p. 30) “é preciso, antes de mais nada, abandonar a idéia de que a negação
modifica o verbo. Na verdade, as expressões negativas são mais numerosas do que sugere a gramática
normativa, e o advérbio não, é entre todas, uma das menos confiáveis, pelos equívocos a que dá margem”.
112
alteração de sentido conforme o uso das expressões, nem sempre o “não” nega o sentido da
negação posto no enunciado. No exemplo analisado uma afirmação por trás de uma
negação, quando o sujeito enuncia “atitudes não críticas” está parcialmente afirmando que
as “atitudes não são críticas”, pois o enunciador afirma a atitude e nega o seu valor de
criticidade.
Neves (2000), em seus estudos gramaticais, afirma que a negação é tida
como algo que atua no nível sintático-semântico, no interior do enunciado, bem como no
nível pragmático. Para essa autora, o fenômeno da negação é ainda um processo formador
de sentido, que age como instrumento de interação dotado de intencionalidade.
Nessa linha pode-se ainda apontar a expressão um pouco e contrastá-lo
com pouco, o primeiro elemento tem valor de uma quase afirmação, enquanto o segundo
tem valor de quase uma negação, uma restrição que mostra que:
A explicação que acaba de ser proposta para dar conta dos efeitos de
sentido diferentes de pouco e um pouco, mesmo se se assemelhar, à
primeira vista, à de Pottier, tem sobre ela algumas vantagens, que se
relacionam especificamente com a utilização da noção de pressuposição.
Reconhecendo-se, em língua, apenas uma diferença de quantidade entre
pouco e um pouco, diferença que é necessariamente bastante fluida, tem-se
dificuldade de compreender que os efeitos de sentidos obtidos na fala
sejam radicalmente distintos, e que o simples fato de empregar as duas
expressões as faça encaminharem-se em direções diametralmente opostas.
Tal dificuldade desaparece em nossa interpretação, pois na distinção entre
posto e pressuposto permite estabelecer, desde o nível lingüístico, uma
separação radical entre pouco e um pouco. De fato, quando se olha o que
põem, essas duas expressões dependem de categorias semânticas
diferentes: pouco pertence à categoria da limitação, do mesmo modo
que os diferentes tipos de negação; um pouco, por sua vez, pertence à
categoria da posição, do mesmo modo que a afirmação e os diferentes
113
reforços da afirmação. (Ducrot, 1972, p. 211-212, grifos nossos e do
autor)
Logo, constatamos que se substituíssemos a expressão “atitudes não
críticas” por “atitudes pouco críticas” haveria uma aproximação na mesma incidência de
negar num grau mais baixo em uma escala de argumentos. O que se pode compreender é
que um pouco delimita o limite de afirmação, enquanto pouco restringe a negação. A
oposição não marca aqui uma diferença de grau, mas uma divergência radical, o enunciado
“atitudes pouco críticas” está quase perto da negação, enquanto o segundo “atitudes um
pouco críticas”, de uma afirmação.
Observamos que, por um lado, o autor generaliza a negação, pois esta
incide sobre a atitude, é o mesmo que dizer “não criticidade na atitude”; por outro lado,
temos o aluno (1) que nega a generalização ao colocar a negação numa escala de
argumentos, “um pouco crítica” é como se dissesse “há um pouco de crítica”. Os textos
novamente entram na ordem do modalizar e do generalizar pelas palavras, que são
características do texto acadêmico, mas que aqui não pode se analisado como se o aluno
utilizasse esta estratégia como um deslocamento de sentido entre o texto primeiro e o texto
segundo.
Com essa nossa explicação pretendemos apontar que, para um leitor
menos atento, talvez não houvesse nenhuma alteração de sentido em dizer “atitudes não
críticas” e substituir por “atitudes um pouco críticas” e como foi exposto uma
diferenciação entre as expressões; um pouco serve para atestar no sentido inverso, o que
aponta para uma paráfrase calcada numa compreensão limitada do texto lido pelo aluno.
Utilizamos a palavra limitada no sentido de não autorizada, o aluno (1) não
faz afirmações porque na literalidade do texto ele não ocupa um lugar de sujeito do dizer,
outorga a palavra ao outro, a um sujeito que poderia ser responsável. Relacionamos essa
questão ao que Pêcheux (1997) afirma sobre a questão do segundo esquecimento em que o
sujeito tem a ilusão de que pode selecionar as palavras e o aluno (1) ao escrever seu texto
busca no autor uma certa autorização; percebemos na escrita do aluno (1) vários momentos
114
em que procura manter um distanciamento do texto do autor e ao mesmo tempo em que o
autoriza a dizer as palavras, como se fosse possível controlar os sentidos.
Em síntese, distinguimos o seguinte movimento entre o texto produzido
pelo aluno (1) e pelo autor Britto: a) paráfrase de equivalência entre os textos analisados; b)
o aluno (1) procura em alguns momentos eliminar os sujeitos da enunciação indicados no
texto do autor; c) desaparecimento das aspas que Britto utiliza para a citação direta de Eco e
Bonazzi e d) alteração de sentido do texto de Eco e Bonazzi.
De um outro trecho do texto do aluno (1) depreendemos um exemplo do
que Fuchs (1985) definiria aparentemente como paráfrase a partir de critérios lingüísticos
entre enunciados compreendidos a partir de uma relação sinonímica. Observemos mais de
perto o que o texto tem a nos dizer:
Aluno (1) - Mesmo com o surgimento de algumas produções didáticas
que tentam trazer um perfil mais moderno, que considera as diversas
pesquisas lingüísticas em relação ao ensino de língua, não percebem
nenhuma evidência de mudança substancial ao ensino de língua
materna. (p. 32, grifos nossos)
E, ainda que as produções mais recentes de livro didático tenham
mostrado a preocupação de incorporar novas linguagens e um perfil
mais moderno, assim como valorizar tratamentos considerados
politicamente corretos de temas sociais, não evidências de que tenha
havido mudanças substanciais. (Britto, 2000, p. 252, grifos nossos)
Essa ocorrência nos mostra que o aluno (1), ao parafrasear o texto de
Britto, estabelece um jogo de equivalência sinonímica entre seu texto e o texto fonte. No
primeiro momento, se avaliarmos o contexto empregado, temos uma relação de sentido
entre algumas expressões que parecem correspondentes. No segundo momento, isso que se
tem como correspondente passa a alterar o sentido, provoca um outro significado, um
deslocamento de sentido. No texto do aluno (1), na tentativa de estabelecer uma
115
correspondência de significação entre os textos, ele escreve “surgimento” para substituir
“recentes”. Imaginemos um contexto em que alguém enuncie: (a) “surgiu uma produção
didática sobre este assunto” ou (b) “esta produção didática sobre este assunto é recente”. Há
uma alteração de sentido ao substituir “surgiu” por “recente”: em (a) interpreta-se como se
antes não existissem “produções didáticas” sobre aquele determinado assunto, remete-nos à
esfera da “unicidade”, em (b) o termo “recente” leva-nos à idéia de que existem outras
“produções didáticas” além da mencionada, mas que esta é a mais nova entre tantas
publicações que discutem sobre aquele determinado assunto; nisso temos a ruptura da idéia
de “único”. Orlandi (2001, p. 119) afirma que num processo discursivo a alteração e
classificação das orações têm um contorno significativo diferente e é preciso procurar a
diferença do sentido na alteração das palavras.
Em nossas análises consideramos que essa atitude do aluno (1) parece ser
uma indicação explícita de contraposição ao que está escrito no texto utilizado por ele como
base. Mas esse dado mostra-nos muito mais, pois se trata de uma tentativa de apoiar-se no
texto e não de dizer outra coisa que não esteja autorizada, justamente o que procuramos
anteriormente demonstrar: que um jogo textual entre os processos de modalização e
generalização que fica marcado entre as formações discursivas e ideológicas que o aluno
(1) e autor ocupam. Talvez seja mais indicado, então, apontarmos para uma insegurança na
leitura e na transposição do texto lido para seu próprio trabalho, uma marca explícita do
controle da evidência.
Observamos ainda nesse trecho novamente a inversão da generalização e
da modalização entre o texto do aluno (1) e do autor. O aluno (1) escreve “tentam trazer um
perfil mais moderno” enquanto diz Britto “tenham mostrado a preocupação de incorporar
novas linguagens e um perfil mais moderno”, verificamos que enquanto o autor generaliza
uma afirmação, o aluno (1) modaliza o seu dizer, o que nos parece é que o texto vai sendo
montado a partir desse jogo textual entre o aluno (1) e o autor Britto. O uso da modalidade
nesse jogo textual, entre o aluno (1) e o autor, também corresponde a que:
A expressão da subjetividade de um enunciador que assume com maior ou
menor força o que enuncia, ora comprometendo-se, ora afastando-se,
116
seguindo normas determinadas pela comunidade em que se insere. A isso
não escapa o discurso científico, mesmo que se caracterize pelo uso de
meios lingüísticos capazes de “fazer crer” na imparcialidade e neutralidade
da pesquisa. (Coracini, 1991, p. 113)
Notamos a tentativa de aproximação entre o texto do autor e o do aluno (1)
ao analisar os enunciados “valorizar tratamentos considerados politicamente corretos de
temas sociais” e “considera as diversas pesquisas lingüísticas em relação ao ensino de
língua”. Conforme o descrito, o autor não especifica quais são os “temas sociais” tratados
em seu trabalho, ao passo que o aluno (1) descreve esses “temas sociais” como “pesquisas
lingüísticas em relação ao ensino de língua”, o que aproxima o texto do autor da discussão
feita pelo aluno (1) em seu objeto de pesquisa é a indefinição do termo utilizado pelo autor
como: “temas sociais”.
Consideramos esse jogo textual na escrita do aluno (1) como uma
característica da paráfrase, tornando-se um problema para a escrita, e, por isso, merecedora
de mais atenção durante o curso. Atestar ao aluno (1) uma produtividade pode ser
importante para tratarmos do que ocorre na leitura em si, mas não chega a explicar sua
relação com a escrita e o conhecimento, porque não há apropriação
51
.
Não percebemos uma decisão mais explícita da escrita entre os textos do
aluno/autor, isso resulta na escrita de um texto frágil, uma vez que somente trabalha a
escrita no “domínio do pensamento”
52
, a partir de pontos de estabilização como um sujeito
que procura compreender o texto em sua estrutura, ou melhor, pelo jogo estabelecido entre
a alternância de palavras, como o fato analisado entre o uso da modalização e
generalização.
51
Apresentamos no Capítulo VI um trabalho de final de curso em que consideramos ocorrer os processos
iniciais de apropriação do conhecimento.
52
Pêcheux (1975, p. 162) chama de “domínios do pensamento” aquilo que se constitui sócio-historicamente
sob a forma de pontos de estabilização que produzem o sujeito, com, simultaneamente, aquilo que lhe é dado
ver, compreender, fazer, temer, esperar, etc. É por essa via, como veremos, que todo sujeito, se “reconhece” a
si mesmo (em si mesmo e em outros sujeitos) e se acha a condição (e não o efeito do famoso “consenso”
intersubjetivo por meio do qual o idealismo pretende compreender o ser a partir do pensamento).
117
5.2. Repetição de conceitos teóricos
Para esta análise selecionamos alguns trabalhos desenvolvidos por alunos
que buscaram embasamento na Análise do Discurso (AD). Fizemos essa opção porque a
AD é uma disciplina que desperta o fascínio nos alunos e tem aumentado o número dos que
querem fazer Trabalhos de Conclusão de Curso nessa área.
Os trabalhos elaborados pelos alunos, em geral, m se ocupado com uma
vasta descrição de dados. Os alunos, apesar de desenvolverem trabalhos numa teoria
discursiva, não conseguem se desvincular de um idealismo que está arraigado na concepção
de ciência que embasa a maioria dos trabalhos analisados. Posteriormente, vamos mostrar
com mais detalhes alguns dados que comprovam nossa hipótese. Os alunos parecem
acreditar que a produção do conhecimento é uma articulação feita pela lei “psico-lógica do
pensamento”.
Por exemplo, se o objeto de estudo pesquisado pelo aluno for propaganda,
ele se prende à descrição dos objetos, formas, figuras, cores; se for discurso político,
prende-se ao contexto histórico em que o fato aconteceu; no discurso pedagógico se prende
a falar sobre o livro didático, o professor e sua relação com o aluno. Percebe-se, entretanto,
que a maioria dos alunos não consegue estabelecer relações entre os conceitos teóricos, os
objetivos propostos e as análises, não conseguem ir além da materialidade. As descrições
que são importantes para estabelecer uma aproximação dos dados acabam por tomar o lugar
das análises.
Provavelmente esses conceitos não são aprofundados pelos alunos por
dependerem de uma ruptura entre áreas, autores, épocas, concepções teóricas.
Conseqüentemente, esses conceitos passam a ter uma valoração “abstrata”, pois os alunos
se “encantam” e acham interessante a disciplina no momento em que o professor expõe os
conteúdos, mas não conseguem compreender o funcionamento desses conceitos e aplicá-los
na escrita do texto monográfico. Tal “encantamento”, que pode ser importante para a
entrada na disciplina, por vezes, acaba por tornar estática a relação do aluno com o
conhecimento na área.
118
Consideramos que esse “encantamento” também seja um exemplo do
alerta de Certeau (1995) sobre uma prática comum da cultura estudantil, a chamada
“caleidoscópica”, como explica:
É uma charada. Não pobre, mas anônima, nisso ela é a imagem ampliada
do ensino estabelecido e da relação real que existe entre os cursos e as
disciplinas. Sob esse aspecto, ela é reveladora da universidade, desse
antigo ‘cosmos’, hoje desmantelado e fragmentado em pesquisas dispersas
entre as quais o estudante circula. E se o docente vem de uma posição
estabelecida (sua especialidade) para vislumbrar uma ampliação em outros
setores da pesquisa, não ocorre o mesmo com os estudantes que entram
nesse campo multiforme sem lhe conhecer as preliminares, sem
referências básicas e com inúmeras curiosidades solicitadas ainda pela
expansão de todos os azimutes da pesquisa ou pelas exigências incoerentes
dos professores. Sob esse ponto de vista, o ensino universitário acrescenta
seu efeito próprio à multiplicidade das informações e das imagens que a
cultura de massa veicula. Ele não as organiza; ele se acrescenta a elas. Ele
não diz a última palavra sobre a cultura de massa; ele tem a mesma forma
que ela. (Certeau, 1995, p. 112)
A cultura de massa é resultado da ideologia (operação da cultura de elite e
não de massa). Na formulação de um discurso competente a universidade se encarrega de
perpetuar esse discurso, pois não é qualquer um que pode dizer qualquer coisa a alguém.
Há uma autorização. E essa construção do discurso competente é feita pelo professor.
Mas hoje, com o processo da construção da hegemonia essa cultura erudita
passou a ser ameaçada, pois não mais uma oposição entre cultura de massa e cultura
erudita. Nas últimas décadas houve uma banalização do ensino e o professor passou a
operar num processo tipo "mascaramento do saber", parece ocultar aquilo que ele deveria
ensinar. Por exemplo, abrir o método da pesquisa. Por outro lado, se a universidade permitir
119
que o aluno se aproprie do conhecimento pode começar a colocar em risco o seu próprio
lugar de saber e poder.
Isso condiz com o que Barzotto (2005) afirma ser clássico: “nas diversas
áreas do conhecimento - e nos estudos da linguagem não é diferente - alguns postulados são
incorporados ao discurso cotidiano dos profissionais da área, formando o que se pode
chamar seu senso comum”.
Nesta parte de nossa pesquisa mostramos como o aluno, em sua produção
textual, faz uso de repetições de conceitos teóricos. Apesar de Orlandi (1996) distinguir
pelo menos três tipos de repetição: a) empírica - é a que se pelo exercício mnemônico,
um tipo de repetição mecânica; b) formal - é a repetição técnica de produzir frases,
enunciados sem atribuição de sentido e c) histórica - é a repetição que considera o processo
discursivo, a articulação, e é neste nível que o conhecimento é produzido, não encontramos
essas diferenciações de forma tão clara nos textos analisados. Nossa hipótese é que os
alunos repetem, incorporam o discurso do “outro” pelo simples fato de haver uma ausência
da prática da escrita na universidade, isso sim seria uma repetição histórica. Porém,
avaliamos que a forma como as aulas são conduzidas na universidade contribuem para a
perpetuação da repetição mecânica, uma vez que o espaço não é propício a um ensino que
mantenha uma relação com a prática de pesquisa na condução das disciplinas. Essas muitas
vezes são ministradas mais como um “seminário” ou “palestras” do que realmente como
um lugar de interlocução entre aluno, professor e conteúdo.
O ensino nas universidades brasileiras de alguma forma corrobora o que
Bourdieu e Passeron (1992) verificaram nas universidades francesas em que um esforço
em instaurar um comportamento de separação entre professor e aluno, uma divisão que é
clara pela incorporação de um tom professoral calcado no discurso do dominante, no qual
que prevalece a autoridade pedagógica.
Não só as palavras mal conhecidas ou desconhecidas aparecem sempre em
configurações estereotipadas capazes de alcançar o sentimento do
entendido, como a linguagem do magistério possui a consciência completa
da situação onde se realiza a relação de comunicação pedagógica, com seu
120
espaço social, seu ritual, seus ritmos temporais, em suma todo o sistema
das coerções visíveis ou invisíveis que constituem a ação pedagógica
como ação de imposição e de inculcação de uma cultura legítima.
(Bourdieu e Passeron, 1992, p. 121)
Os autores observaram que os professores se dirigem aos alunos por meio
de uma linguagem de inculcação que recai justamente na reprodução e em nossa pesquisa
verificamos a presença da repetição de termos teóricos
53
sem uma precisão de sentido na
análise dos dados. Mais um reflexo do modelo de aula proposto aos moldes de uma prática
tradicional pedagógica, formam-se alunos que não conseguem apreender o conhecimento e
abordá-lo nos textos produzidos de forma a sustentar sua escrita a partir de um campo
teórico definido.
A escrita acaba por se inscrever numa reformulação parafrástica,
primeiramente por meio dos pré-construídos, numa presentificação de evidência, e a
incursão à reformulação se constitui numa rede de articulações de práticas discursivas, em
outras palavras, produção de conhecimento. De alguma forma, admitimos que o primeiro
passo da escrita acontece pela repetição, depois se deslocará para uma apropriação de
conhecimento. Pêcheux (1997) percebe que uma articulação sob as diferentes formas da
coerência lógica nas relações de “causa”, de “concessão”, de “ligação temporal” se reduz à
repetição e não conduz ao fio do discurso de uma apropriação.
Diante dessas observações, passamos a dar enfoque aos dados
selecionados. Num primeiro momento mostramos como se deu a aplicação dos conceitos
em um trecho retirado de um trabalho que teve como um dos objetivos analisar O processo
de colonização de uma cidade a partir de um corpus experimental, constituído por
entrevistas com colonos e posseiros. Para esta pesquisa ressaltamos que transcrevemos uma
análise completa feita pelo o aluno (2), para compreendermos como foram feitas a
mobilização dos conceitos teóricos e sua aplicação nas análises, ou seja, observamos
53
Abdicando da necessidade de o pensar, de desentranhar o sentido de uma experiência nova e os caminhos
de uma ação por fazer, os estudantes tendem a reduzir o trabalho teórico à repetição [...] o trabalho do
pensamento [...] se consome numa pura técnica de agir circunscrita ao campo do provável e do previsível”.
(Chauí, 2001, p. 65)
121
especificamente na seleção de dados e na análise feita pelo aluno (2) questões sobre o
discurso do posseiro e as teorias da Análise do Discurso:
Aluno (2)
54
Entrevistado 1- Eu vim de Sinop para Guarantã do Norte em setenta e
nove, setenta e oito, setenta e nove e: abrimos a picada e fomos
entrando aí... (...) aí:: os meninos sempre dizia vamos entrá nesse mato
pra requerer uma terra pra nóis aí, é o que nós fizemos, entremos...”
Entrevistado 2- Eu vim do município de Laranjeira do Sul, Paraná (...)
foi im: se não engano, foi em maio, nós cheguemos aqui o dia quinze de
maio de setenta e nove, setenta e nove nós cheguemos, setenta e nove...”
Entrevistado 3- Eu vim Sinop pra cá, saímos de Sinop:: com destino de
arrumar uma terra né:: não, não sabia se existia ou poderia existir
Guarantã né... Mas nosso: interesse era arrumar uma terra pra nós mora
né... porque nós não tinha, não tinha terra né.. [...] foi em setenta e sete,
dia vinte de setembro de setenta e sete...” (grifos do aluno)
Através de uma observação atenta do recorte acima, buscamos perceber os
deslizamentos em cada posição de sujeito constituídos nas marcas
lingüísticas que produzem diferentes efeitos de sentido, e analisaremos a
constituição do espaço simbólico da interpretação como condições de
produção de sentido no discurso do posseiro.
É necessário salientarmos, a essa altura, que sujeito, situação discursiva e
contexto sócio-histórico participam do objeto do discurso contribuindo
para o processo de significação. É que o sujeito ao produzir seu discurso
o faz a partir de determinadas “posições de sujeito” (grifos nossos)
Na segunda seqüência discursiva dos posseiros entrevistados 1, 2 e 3, ao
dizerem. Eu vim de Sinop (Entrevistado 1 e Entrevistado 3) e Eu vim do
município de Laranjeira do Sul (Entrevistado 2), enunciam de um lugar
definido, morador/residente, que se muda para outra localidade (eu vim
54
Transcrevemos na íntegra a escrita da análise dos dados apresentados pelo aluno nas três entrevistas.
122
primeira pessoa do singular). E quando usam abrimos a picada e fomos
entrando, vamos entrá esse mato e requerer uma terra pra nós
(Entrevistado 1); nós cheguemos aqui, setenta e nove nóis cheguemos
(Entrevistado 2) e saímos de Sinop, mas nosso: interesse era arrumar uma
terra pra nóis morá (Entrevistado 3) ficaram numa posição indeterminada.
Quem enuncia? O posseiro representando a classe social ou o cidadão
comum/morador?
E, em se tratando da questão da posse da terra pelos posseiros, observamos
os verbos requerer na seqüência – vamos entrar nesse mato pára requerer
uma terra pra nóis (Entrevistado 1) e arrumar na seqüência mas nosso:
interesse era arrumar uma terra pra nóis morá né (Entrevistado 3). (grifos
do aluno)
Observamos no enunciado do Entrevistado 1, a constituição do espaço
simbólico, quando através do gesto de interpretação, a expressão
requerer uma terra é usada e, sem controle, o sujeito apropria-se de um
discurso outro, pois se inscreve no discurso jurídico, isto aponta para a
importância do significado dos discursos, ou seja, o discurso está
constantemente atravessado pelo discurso do outro. Enquanto que o
termo adequado, diante da estratégia desenvolvida pelos posseiros para
solucionar seus problemas sobre a questão da terra, nessa sociedade e no
confronto com a natureza, pois enquanto posição posseiro o verbo seria
arrumar bastaria, ou seja, conseguir um pedaço de chão para sobreviver
enquanto trabalhador livre. Nesse sentido para Orlandi, os processos
discursivos não se originam no sujeito, uma vez que, são determinadas
pela FD em que ele se inscreve. Podemos então dizer, que o sujeito
carrega em a ilusão discursiva não por pensar ser a fonte do sentido
denominado ‘ilusão esquecimento nº 1, mas por manter um certo controle
que diz, dominando as estratégias discursivas para dizer o que pretende
‘ilusão esquecimento nº 2’. (p. 45 e 46 grifos nossos).
123
quatro movimentos no texto do aluno (2): a) apresentação dos dados
dos entrevistados; b) tentativa de explicação por meio das teorias do discurso e retomada
dos dados; c) apresentação de uma releitura e tentativa de fazer questionamentos e d)
retorno à teoria para sustentar seu discurso.
Podemos dizer que a análise do aluno está pautada em: “o que o idealismo
impossibilita compreender é, antes de tudo, a prática política e, igualmente, a prática de
produção dos conhecimentos, [...] ou seja, precisamente, as diferentes formas sob as quais a
‘necessidade cega’ [...] se torna necessidade pensada e modelada como necessidade.”
(Pêcheux, 1997, p. 131), a crítica do autor recai justamente sobre a compreensão que o
sujeito procura obter a partir do pensamento, o famoso “consenso”.
Verificamos que o aluno (2) procura obter a validação da teoria do
discurso exatamente por meio desse “consenso” e insistentemente traz para suas análises o
vocabulário das leituras das obras realizadas na área da Análise do Discurso, mas
observamos que a teoria não faz “sentido”, uma vez que o texto do aluno (2) fica somente
no aspecto da repetição. Ele se inscreve no real e suas análises ficam no campo do “já-
dito”, do “sempre-já-aí”, o chamado “efeito pré-construído”
55
. O aluno (2) somente
incorpora o vocabulário da área e não consegue atingir o nível da articulação ou mesmo
reformulação parafrástica.
Apesar de a pesquisa do aluno (2) ser em Análise do Discurso, uma teoria
que aponta “o limite idealista de que reveste o funcionamento do par encaixe/articulação,
tal como é desenvolvido no neopositivismo lógico” (Pêcheux, 1997, p. 131), a escrita do
aluno (2) se torna dogmática e pertencente a uma formação ideológica de área. Talvez isso
reflita a sua posição frente às orientações de pesquisa e ao tipo de aula que teve durante a
graduação. Percebemos uma teoria sendo explicada por ela mesma, uma espécie de saber
axiomático, não no texto uma marca de entendimento. Sabemos que não como
estabelecer um ideal, mas insistimos na produção de conhecimento por meio da apropriação
55
“O ‘pré-construído’ corresponde ao ‘sempre-já-aí’ da interpelação ideológica que fornece-impõe a
‘realidade’ de seu ‘sentido’ sob a forma da universalidade (o ‘mundo das coisas’), ao passo que a ‘articulação’
constitui o sujeito em sua relação com o sentido, de modo que ela representa, no interdiscurso, aquilo que
determina a dominação da forma-sujeito”. (Pêcheux, 1975, p. 164, grifos do autor)
124
de conceitos de área e não somente a incorporação de um discurso “já-dito” e
“empacotado”.
O aluno (2) escreve que “numa observação atenta” percebe “os
deslizamentos em cada posição de sujeito constituídos nas marcas lingüísticas que
produzem diferentes efeitos de sentido, e analisaremos a constituição do espaço simbólico
da interpretação” e salienta que “a essa altura, que sujeito, situação discursiva e contexto
sócio-histórico participam do objeto do discurso contribuindo para o processo de
significação”. Essas são as principais estruturas às quais o aluno (2) procura dar sentido
para o conteúdo que estudou por meio da retomada de alguns conceitos de área.
O aluno (2) continuidade ao seu texto apresentando o que ele trata por
“seqüência discursiva” dos entrevistados. Conforme os dados expostos o aluno (2) vai
insistir novamente em recuperações de “sentido” como “Eu vim de Sinop”; “Eu vim do
município de Laranjeira do Sul” e “abrimos a picada e fomos entrando” para explicar que
os entrevistados 1 e 2 enunciam a partir da primeira pessoa do singular e que o entrevistado
3 enuncia a partir de uma posição indeterminada, mas não alarga sua exposição e não é
possível verificar se o aluno (2) entendeu a diferenciação proposta entre as posições de
sujeito ocupadas pelos entrevistados, pois ele finaliza sua análise com as indagações:
“Quem enuncia?” “O posseiro representando a classe social ou o cidadão
comum/morador?”. Vejamos que as perguntas confirmam nossa hipótese de um ensino
feito a partir de uma concepção idealista. Elas aparentemente estão relacionadas à falta de
entendimento em relação ao conteúdo teórico aplicado nas análises, pois ao dirigir a
pergunta ao seu interlocutor, o aluno (2) não demonstra entendimento pela estrutura do
texto da posição do sujeito assumida no discurso do posseiro.
É exatamente nesse ponto que queremos insistir com nossa investigação,
salientada em outras partes do texto, não estamos refutando ou confirmando a autoria do
aluno (2), mas sim questionando como poderia acontecer a produção de conhecimento na
universidade, uma vez que ausência de um espaço para a apropriação desse
conhecimento por meio da prática da escrita. Os dados sugerem que uma das hipóteses de o
aluno (2) incorporar a palavra do “outro” de maneira mecânica é conseqüência direta de
como se ensina em sala de aula. Um ensino ausente da prática de investigação, que
125
desconsidera “as histórias das ciências” e toma o conhecimento como universal, pronto e
acabado.
Ainda temos um quarto momento do texto de análise do aluno (2) em que
ele novamente procurar explicar o que é “a constituição do espaço simbólico” ele volta a
insistir em termos técnicos como “através do gesto de interpretação”, não retoma a divisão
posta anteriormente das pessoas do discurso, “o eu e o nós” coloca outro dado: “requerer
uma terra” e afirma que a expressão é usada sem controle “que o sujeito apropria-se de um
discurso do outro, pois se inscreve no discurso jurídico” e em seguida sugere que o
problema está no uso do verbo “arrumar” e para os posseiros solucionarem “os problemas
sobre a questão da terra” e deveriam substituir o verbo “arrumar” e acrescentar que
“bastaria, ou seja, conseguir um pedaço de chão para sobreviver enquanto trabalhador
livre”. Estamos diante de uma indefinição de leitura, algo que se aproxima de uma
incoerência, se avaliássemos somente pelo aspecto textual, pois quem fala sobre “requerer
uma terra” é o entrevistado 1 e sua conclusão se pela voz do entrevistado 3 “arrumar
uma terra”.
Mas analisamos um exemplo do que procuramos salientar na escrita dos
textos, a fuga do sentido pelo real, mas o texto não fornece pista se o aluno (2) teve essa
compreensão. Pela forma como os dados estão colocados e analisados verificamos uma
mecanização e incorporação do discurso do “outro”.
Chamaram a atenção os dados recortados no primeiro parágrafo de análise
feita pelo aluno (2):
Aluno (2) - Buscamos perceber os deslizamentos em cada posição de
sujeito constituídos nas marcas lingüísticas que produzem diferentes
efeitos de sentido, e analisaremos a constituição do espaço simbólico da
interpretação como condições de produção de sentido no discurso do
posseiro. É necessário salientarmos, a essa altura, que sujeito, situação
discursiva e contexto sócio-histórico participam do objeto do discurso
contribuindo para o processo de significação. É que o sujeito ao produzir
seu discurso o faz a partir de determinadas “posições de sujeito”
126
Fato interessante de ser observado é a quantidade de conceitos teóricos
alinhados num único parágrafo, como “posição sujeito”, “marcas lingüísticas”, “efeitos de
sentido”, “constituição do espaço simbólico da interpretação”, “condições de produção”,
“discurso”. Esse aluno (2), em toda sua análise não comenta nenhum desses conceitos e
nem analisa os dados por meio da teoria adotada como suporte. Não aponta
discursivamente os elementos que constituem o discurso posseiro. Fica a impressão de que
houve uma justaposição do dado à teoria proposta, percebe-se uma certa relação, mas é
muito tênue a demonstração de compreensão da teoria por parte do aluno (2).
O que pretendemos com esta nossa investigação é mostrar justamente a
ausência de sentido, aquilo em P. Henry (1977)
56
vai chamar de apropriação de
conhecimento, que seria a apreensão de um sentido que não está no real, não está na
resposta, e sim na movimentação dos sentidos. O aluno (2) não consegue explicar por meio
do seu texto uma compreensão teórica, não consideramos que ele materialize todos os
sentidos, pois sabemos que uma incompletude no dizer, mas estamos falando de uma
interpretação em que apareça o sentido além do aspecto formal.
Para dar continuidade a nossa pesquisa vamos apresentar alguns excertos
selecionados das produções dos alunos, para mostrar como acontece a incorporação do
conhecimento na graduação, enfatizando como apresentamos a repetição de conceitos
teóricos da área de Análise do Discurso.
No próximo trecho, retirado do trabalho do aluno (3), em que propõe
analisar um livro didático de história com objetivo de observar A construção de uma
verdade nas descrições sobre a escravidão no Brasil, novamente o emprego de termos
teóricos e fragilidade na argumentação:
Aluno (3) - Discurso no qual podemos observar que para os escravos o
autor usa a palavra “moravam”, “descansavam” e para os senhores de
engenho ele usa a palavra “residiam”, pois os negros não “residiam”
como os senhores, apenas “moravam”, enquanto convinha ao seu senhor
56
“Pode-se agora compreender duas coisas: (a) que apropriação de uma contradição, que como tal escapa
tal à categoria de sujeito, possa realizar-se concretamente em uma prática, e (b) que, quando direta ou
indiretamente levanta se a questão da relação entre objeto de conhecimento e objeto real em uma ciência,
encontra-se necessariamente, de um modo ou de outro, a categoria de sujeito”. (P. Henry, 1992, p. 23)
127
“dormir” os negros apenas “descansavam”. O autor retoma seu discurso
aos esquecimentos enunciativos e ideológicos anteriormente abordados,
sendo que podemos observar nestes discursos uma formação discursiva.
O aluno (3) procurou diferenciar em sua análise o emprego dos verbos
“moravam” e “residiam” utilizados pelo autor do livro didático e relacionar com o conceito
sobre “os esquecimentos enunciativos e ideológicos” descritos na fundamentação teórica do
trabalho, porém não correlacionou o emprego dos verbos aos discursos de uma dada
“formação discursiva”, pois notamos que o aluno (3) somente argumentou: “O autor retoma
seu discurso aos esquecimentos enunciativos e ideológicos anteriormente abordados,
sendo que podemos observar nestes discursos uma formação discursiva”. Podemos
apontar, essa escrita, para uma possível mecanização no emprego dos conceitos, que são
mais usados na tentativa de recuperar a teoria estudada do que na aplicação sobre o dado
analisado.
No trabalho elaborado pelo aluno (4), que buscou Compreender a
constituição imaginária sobre o índio a partir de diversos recortes discursivos.
Examinamos um trecho completo de análise:
Aluno (4) - O Índio Preguiçoso
A imagem de um índio preguiçoso é tão forte que mesmo que eles
queiram negar está presente em seu discurso. Vejamos o exemplo do
depoimento de um menino de 12 anos da Série engraçado que a letra
do índio (se referindo a um ex-colega índio da classe), tinha uma letra
bonita, ele era inteligente, não faltava ‘muito’, faltava quando ele tinha
que cuidar do irmão, mas de ‘preguiça’, ele não faltava não”. (diálogo
conflituoso com ele mesmo). Neste discurso existe um sujeito discursivo
conflituoso funcionando no seu inconsciente. De acordo com Orlandi as
palavras chegam até nós cheias de sentido (1999, p. 119). As palavras
simples em nosso cotidiano chegam até nos carregadas de sentidos que
não sabemos como se construíram e que, no entanto significam em nós e
128
para nós...; Sentidos que foram sendo construídos ao longo de uma
história a que não temos acesso e que falam em nós”. Esta criança
mostra no seu interdiscurso (uma memória) um conflito que pode ser
definido como as relações de força, “lugar a partir do qual fala o sujeito e
é constitutivo do que ele diz”. Relações de força, sustentado no poder
desses diferentes lugares, que se fazem valer na comunicação. Todos esses
mecanismos de funcionamento do discurso repousam no que chamamos
formações imaginárias. Segundo Orlandi (2001) não são os sujeitos
físicos e os seus lugares empíricos que funcionam no discurso, mas as
imagens que resultam dessas projeções. E são essas projeções que
permitem passar das situações empíricas (lugares do sujeito) para as
posições dos sujeitos de discurso. E esse menino vive essa tensão, pois
percebe o “engraçado”, que é o estudante índio ter letra bonita, e mais
ainda não ser preguiçoso. Em sua memória discursiva não havia esse
registro, daí ele achar engraçado o fato. (p. 20, grifos nossos)
Notamos no texto do aluno (4) duas operações, a primeira é a tentativa de
concatenar o depoimento do entrevistado com a teoria utilizada na análise e a segunda é a
repetição do que chamamos de jargões técnicos utilizados como suporte das análises. No
início do parágrafo o aluno (4) faz uma afirmação: “A imagem de um índio preguiçoso é
tão forte que mesmo que eles queiram negar está presente em seu discurso”
57
observamos
que aparecem duas marcas que retomam sujeitos exteriores ao texto: “mesmo que eles
queiram” e “está presente em seu discurso” e não no texto sujeitos para que esses
elementos anafóricos eles e seu sejam retomados. No caso de eles”, gramaticalmente,
pode ser considerado um pronome substantivo, ou seja, substitui o pronome pelo nome. O
pronome elesse refere à comunidade que se considera pertencente a uma outra formação
discursiva diferente da comunidade indígena; pessoas que concebem os índios como
preguiçosos.
57
Para contextualização do leitor recortamos um trecho completo da análise do aluno (4), não foram
suprimidos elementos ou parágrafos anteriores.
129
Nisso podemos observar uma questão textual se transformar em questão
do discurso. Pêcheux (1969) explica que são as formações imaginárias que os interlocutores
manifestam em seu discurso, uma antecipação daquilo que efetivamente é produzido que
conduz ao sentido
58
. Procuramos mostrar que imagens poderiam emergir a partir da
colocação dos elementos elese seu”, a primeira seria a imagem que o próprio aluno (4)
faz de seu interlocutor mais próximo seu professor orientador; a segunda é a imagem que
o aluno (4) tem das pessoas da comunidade a qual pesquisa sobre a “constituição
imaginária do índio”. Temos como hipótese que a imagem que eles têm sobre o “índio
preguiçoso” é negativa, por isso o aluno (4), ao utilizar uma elipse do sujeito gramatical,
marca em seu texto uma posição ideológica de “defensor dos índios” pela antecipação de
uma formação imaginária.
O aluno (4) continuidade a sua análise apresentando o depoimento do
informante, se fizermos a supressão da explicação que está posta entre parênteses, temos o
seguinte enunciado: “engraçado que a letra do índio, tinha uma letra bonita”, talvez o aluno
(4) fosse escrever “engraçado que o índio tinha uma letra bonita”, mas o aluno (4) tenta
explicar quem era o índio, um ex-colega, e acontece essa incompreensão no nível textual.
O aluno (4) conclui sua análise ao explicar que o “engraçado” seria o
menino depoente não perceber que “Em sua memória discursiva não havia esse registro, daí
ele achar engraçado o fato do índio ter a letra bonita”. Chamou-nos a atenção interpretação
que o aluno (4) faz de alguns conceitos básicos da área em que utiliza como suporte, por
exemplo, o “já-dito”, pois se o informante afirma que o “índio tinha letra bonita e não era
preguiçoso”, é curioso o aluno (4) não perceber que o fato do entrevistado negar o discurso
da “preguiça” é porque uma oposição produzindo sentido, nesse caso ele poderia dizer
que no imaginário do menino entrevistado a constituição do “índio preguiçoso”. um
confronto entre as formações discursivas: de um lado o discurso do “índio preguiçoso”, do
58
Para Pêcheux (1997, p. 83) “o que podemos dizer é apenas que todo processo discursivo supõe a existência
de formações imaginárias que serão designadas aqui da seguinte maneira:” Qual a imagem que o locutor faz
de si para falar com o destinatário? Qual a imagem que o locutor faz do seu destinatário? Qual a imagem que
o locutor faz do referente? Qual a imagem que o locutor pensa que o seu destinatário faz de si mesmo? Qual a
imagem que o locutor pensa que o destinatário faz do referente? Qual a imagem que o locutor pensa que o
destinatário faz de si mesmo? Esses são os processos considerados de antecipação de imagem que um locutor
faz do seu destinatário.
130
outro o “índio não-preguiçoso” e pelo depoimento do entrevistado percebemos justamente
esse lugar de confronto, e o aluno (4) tentou explicar esse confronto por meio da expressão
“diálogo conflituoso”. O conflito existe porque há o embate de duas posições ideológicas.
Vimos que o aluno (4) em toda a análise procurou trazer elementos
teóricos que justificassem o sentido posto ao depoimento, mas o sentido se tornou
escorregadio, talvez pelo lugar que o próprio aluno (4) ocupa na produção do
conhecimento, ou porque ele mesmo não tenha sido afetado pela teoria a qual propõe
analisar o texto. Nisso retomamos Pêcheux (1997) ao explicar que:
As palavras, expressões, proposições, etc., recebem seu sentido da
formação discursiva na qual são produzidas: retomando os termos que
introduzimos acima e aplicando ao ponto específico da materialidade do
discurso e do sentido, diremos que os indivíduos são ‘interpelados’ em
sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações
discursivas que representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas
que lhes correspondentes. (Pêcheux, 1997, p. 160-161)
Temos também a presença de recursos textuais, ou seja, elementos
coesivos que propõem estabelecer uma relação entre as descrições do dado e um
atrelamento à teoria por meio do uso desses recursos, como “Todos esses mecanismos de
funcionamento do discurso repousam no que chamamos formações imaginárias” e “E esse
menino vive essa tensão, pois percebe o ‘engraçado’, que é o estudante índio ter letra
bonita”. Vimos que os conectores esses; esse; essa; pois dão novamente a impressão da
tentativa de o aluno correlacionar teoria à análise do dado sobre o índio.
Dando continuidade às análises, mostramos outro tipo de repetição que
comumente aparece nos textos dos graduandos: o aluno que consulta determinada obra e
não marca a fonte do texto lido. Começamos pelo trabalho do aluno (5) que analisou Os
ditos populares e seu funcionamento no discurso contemporâneo e comparamos com um
trecho da autora Orlandi (1999, p. 35) citado pelo aluno (5):
131
Aluno (5) - Para falar de esquecimento, Pêcheux fez duas distinções:
Em primeiro lugar explicitou o esquecimento ideológico, que é da
instância do inconsciente, pelo qual o sujeito pensa ser a origem daquilo
que diz, instituindo o assujeitamento, ou seja, a ilusão de autonomia do
sujeito, como se suas palavras estivessem sendo pronunciadas pela
primeira vez e pudessem significar somente aquilo que ele quer. Este
seria o esquecimento1, que é identificado na Análise de Discurso como
a ilusão de onipotência do sujeito. Em segundo lugar identificou o
esquecimento nº 2, que produz no sujeito a idéia de que há uma relação
direta entre o pensamento, sentimento denominado na Análise de
Discurso de estabilidade referencial, que dá origem à ilusão de
transparência do sentido, criando no sujeito a impressão de que aquilo
que ele diz pode ter aquele sentido e não outro. Esta é a ilusão
referencial ou ilusão de onipotência do sentido. (grifos nossos, p. 16)
(Trecho retirado da obra Orlandi, 1999, p. 35).
O esquecimento número dois [...] produz em nós a impressão da
realidade do pensamento. Essa impressão, que é denominada ilusão
referencial, nos faz acreditar que uma relação direta entre o
pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que pensamos que o
que dizemos pode ser dito com aquelas palavras e não outras, que
pode ser assim. Ela estabelece uma relação “natural” entre palavra
e coisa. [...] O esquecimento número um, também chamado esquecimento
ideológico: ele é da instância do inconsciente e resulta do modo pelo
qual somos afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusão
de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos
sentidos pré-existentes.
Notamos que o aluno (5) faz uma inversão na organização da estrutura ao
parafrasear o texto da autora. Ele inicia seu texto explicando o “esquecimento 1” e a
132
autora pelo “esquecimento número dois”, assim como está definido na obra de Pêcheux
(1975). Ao longo do texto o aluno (5) escreve novamente algumas paráfrases que
consideramos ser da ordem da repetição. Nessa ocorrência o aluno (5) oculta que ele se
fundamentou na autora Orlandi, pois citou somente o nome de Pêcheux. O texto do aluno
(5) traz a marca do texto fonte sem a data da publicação Para falar de esquecimento,
Pêcheux fez duas distinções, escreve como se tivesse lido o próprio autor e omite a fonte
consultada, na qual se baseou para escrever seu texto. Pela bibliografia no final do trabalho
do aluno (5) notamos que consta somente a referência da obra autora Orlandi (1999) que se
fundamentou na obra de Pêcheux (1975) para definir o termo “esquecimento”.
Quanto à paráfrase vista como repetição, escolhemos dois trechos do texto
produzido pelo aluno (5) e comparamos com o texto da autora:
Aluno (5) - o esquecimento ideológico, que é da instância do
inconsciente.
(Orlandi, 1999, 35) esquecimento ideológico: ele é da instância do
inconsciente.
Aluno (5) - produz no sujeito a idéia de que há uma relação direta entre o
pensamento, a linguagem e o mundo.
(Orlandi, 1999, 35) produz em nós a impressão da realidade do
pensamento, a linguagem e o mundo.
No primeiro trecho do aluno (5) observamos somente a supressão do “ele”
e no segundo temos uma paráfrase que poderia enquadrar na segunda definição de Fuchs
(1985), quando afirma que a “paráfrase como sinonímia de frases” pois estabeleceu uma
alteração de “no sujeito a idéia” por “em nós a impressão” entre os enunciados. O aluno (5)
procurou se distanciar do texto fonte ao substituir “no sujeito a idéia” por “em nós a
impressão”. Nisso temos a paráfrase, pois o aluno (5) altera a palavra “sujeito” por “nós”, e
133
a palavra “idéia” por “impressão”. Nota-se assim uma relação de reformulação imitativa
conforme Fuchs (1985) definiu, pois o texto apresentou alterações tão mínimas que
podemos dizer que se aproximam mais da cópia.
No trabalho do aluno (6) ele analisa A construção da posição-sujeito
presidente no discurso político de Geisel e FHC. Percebemos no seu texto uma semelhança
com o texto do aluno (5) ao parafrasear o texto da mesma autora citada; o aluno (6)
escreveu exatamente a mesma definição do aluno (5) para o termo “esquecimento”.
Aluno (6) - Para falar em esquecimento, reportamos a Pêcheux (1997)
que apresenta duas distinções.
Em primeiro lugar explicitou o esquecimento ideológico, que é da
instância do inconsciente, pelo qual o sujeito pensa ser a origem daquilo
que diz, instituindo o assujeitamento, ou melhor, a ilusão de autonomia do
sujeito, como se suas palavras estivessem sendo pronunciadas pela
primeira vez e pudessem significar somente aquilo que ele quer. Este seria
o esquecimento 1, que é identificado na AD como ilusão de
onipotência do sujeito. Em segundo lugar identificou o esquecimento
2, que produz no sujeito a idéia de que uma relação direta entre o
pensamento, a linguagem e o mundo, sentimento denominado na AD de
estabilidade referencial, que origem à ilusão de transparência do
sentido, criando no sujeito a impressão de que ele diz pode ter aquele
sentido e não outro. (grifos nossos, p.19)
O aluno (6) escreveu a mesma conceituação para o termo “esquecimento”,
excetuando-se pequenas diferenças como: o uso da abreviatura “AD por Análise do
Discurso”; os trechos iniciais no texto do aluno (6) “Para falar em esquecimento,
reportamos a Pêcheux (1975) que apresenta duas distinções” e no texto do aluno (5) “Para
falar de esquecimento, Pêcheux fez duas distinções”. Salientamos que essa repetição não é
particularidade dos alunos (6) e (5), ao mostrar esses fenômenos apenas para apontar os
vários tipos de repetição que acontecem na escrita dos textos dos graduandos.
134
Ao analisar a escrita no que se refere à localização do texto fonte, vimos
que o aluno (5) consultou uma obra, mas não explicou no texto sua fonte, sendo que a
autora Orlandi (1999) citou em sua obra o autor do conceito “Pêcheux (1975)”. E temos o
aluno (6) que ao transpor o trecho para seu texto colocou uma outra data para a obra (1997),
de uma das edições publicadas no Brasil, que não coincide com a data da obra que autora
consultou para escrever o texto.
Passamos a apresentar outros dados selecionados que compõem o quadro
desta análise, o texto do aluno (7) tem como objetivo analisar propagandas e verificar como
se estabelecem As diferentes posições do sujeito enunciador ocupadas pela Gradiente e
veiculadas pela revista Veja. O aluno (8) estuda Os reflexos do estrangeirismo como
atravessamento ideológico na formação da identidade do brasileiro. Notamos que os
alunos (7) e (8) se basearam também no mesmo texto da autora Orlandi (1999), que
acrescentaram algumas alterações em relação aos textos dos alunos (5) e (6). Verificamos:
Aluno (7) - O interdiscurso, uma memória afetada pelo esquecimento ao
longo do dizer Pêcheux (1975) distingue duas formas de esquecimento ao
longo do discurso, primeiro chamado esquecimento ideológico, resultante
do modo como somos afetados pela ideologia, criando em nós a ilusão de
sermos origem do que dizemos. O segundo esquecimento é da ordem da
enunciação e nos coloca a impressão da verdade, a ilusão referencial que
nos faz acreditar que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras.
(grifos nossos, p. 15).
Aluno (8) - Sendo então, o interdiscurso, uma memória afetada pelo
esquecimento ao longo do dizer Pêcheux (1975) distingue duas formas de
esquecimento ao longo do discurso, primeiro chamado esquecimento
ideológico, resultante do modo como somos afetados pela ideologia,
criando em nós a ilusão de sermos origem do que dizemos. O segundo
esquecimento é da ordem da enunciação e nos coloca a impressão da
135
verdade, a ilusão referencial que nos faz acreditar que o que dizemos
pode ser dito com aquelas palavras. (p. 21, grifos nossos).
Os alunos (7) e (8) escreveram a mesma definição para o termo
“interdiscurso”, a única diferença consiste na expressão “sendo então” utilizada pelo aluno
(8) no restante tem-se a mais absoluta semelhança entre os dois textos, contudo se
avaliarmos que o termo usado é um conector, esse pode ter sido acrescentado somente para
estabelecer uma ligação entre parágrafos e não podemos considerar marca de diferenciação
entre os textos.
Nosso foco não é avaliar se esse procedimento é uma questão de má-fé dos
alunos (7) e (8), pois reconhecemos que é recorrente o aluno pegar livros em bibliotecas e
transcrever literalmente trechos para seus textos. Queremos registrar um tipo de repetição
muito comum na escrita dos graduandos que se assemelha à cópia literal. Mas sabemos que
remeter a conceitos sem a identificação do autor, além de ser um desrespeito ao outro e às
normas de citação, é também uma forma de apagar o autor do texto lido, demonstrar que
leu o autor fonte e mascarar a produção do conhecimento na universidade. Esses exemplos
falam também da circulação de textos teóricos na universidade: o texto da autora Orlandi
parece ser acessível ao aluno, mas provavelmente o de Pêcheux não.
Outro problema levantado por meio dos dados é que há uma recorrência às
definições do termo “esquecimento”, parece que se tornou um termo obrigatório em quase
todos os trabalhos desenvolvidos na Análise do Discurso, pois praticamente a conceituação
aparece em todas as monografias, exemplo a diferença entre o “esquecimento 1 e o 2” e a
definição de “interdiscurso”. Como já vimos no final da análise do aluno (2) que escreveu:
Aluno (2) - Podemos então dizer, que o sujeito carrega em a ilusão
discursiva não por pensar ser a fonte do sentido denominado ilusão
esquecimento nº 1, mas por manter um certo controle que diz, dominando
as estratégias discursivas para dizer o que pretende ‘ilusão
esquecimento nº 2. (p. 46, grifos nossos).
136
Fica a impressão de que para se falar sobre a Análise do Discurso é preciso
necessariamente repetir os mesmos autores, os mesmos conceitos, sem ter de voltar aos
autores de base e passar pela reflexão que qualquer disciplina requer para se elaborar um
texto acadêmico. Isso de alguma forma deixa explícita uma repetição mecânica, recorrida
apenas para preencher os “rituais” da escrita do capítulo teórico, que até pode ser
considerada como escrita no texto dos graduandos, uma forma de retomar os autores lidos,
mas não ser considerada produção do conhecimento.
Acrescentamos outros exemplos de repetição de conceitos teóricos muito
presentes nos textos analisados:
Aluno (7) - Temos, então, dois conceitos fundamentais para a AD: o de
formação discursiva, e o de formação ideológica. Nesse sentido, os
sujeitos podem concordar ou afrontar sobre o sentido a dar às palavras de
pendendo da conjuntura histórica a que se relaciona. Uma vez que este é
um sujeito de natureza psicanalítica, a ideologia (relação com o poder) o
inconsciente (relação com o desejo) estão ligados, determinado assim pelo
inconsciente e pela ideologia. (p. 18, grifos nossos)
Aluno (8) - As formações imaginárias contribuem intrinsecamente para a
construção de uma identidade, sendo apenas possível considerar a
identidade onde se admite a diversidade. A identidade surge de um
processo de identificação em que está presente um imaginário sobre o
outro. Assim, a identidade também se constrói na relação discursiva. (p.
14, grifos nossos)
As definições de “assujeitamento”, “formação discursiva”, “formação
imaginária”, “identidade”, “sujeito”, “interdiscurso”, “inconsciente” parecem todas
pertencerem a um mesmo trabalho. Salvo raras exceções, essas definições costumam
aparecer em blocos, como se fosse uma obrigatoriedade citar todos num único texto, senão
parágrafo.
137
No caso específico do aluno (8) ao conceituar “identidade” informamos
que ele não citou nenhum teórico como fonte. Apontou a “relação discursiva” como um
ponto importante entre “construção da identidade e a formação imaginária”. Pelo exposto,
entende-se que essa construção a qual o aluno se refere acontece de forma automática.
O mesmo procedimento acontece com o texto do aluno (9) que tem como
objetivo analisar propagandas e verificar De que forma o Banco Real vem construindo uma
nova imagem e uma nova identidade a partir das propagandas veiculadas na mídia. Ele se
utiliza das repetições de “jargões” de área, como foi dito anteriormente, são comuns e estão
diluídas por todos os textos analisados, como elementos essenciais e de autoridade para que
se faça parte da ordem de uma disciplina, como apontamos abaixo:
Aluno (9) - A Análise do Discurso lança mão de certos conceitos como a
ideologia para descrever a representação do sujeito. A definição de
ideologia, no entanto, se diferencia daquela que conhecemos, nela, a
ideologia é considerada a partir da linguagem. Trata-se de uma definição
discursiva de ideologia. [...] ‘não sujeito sem ideologia [...] ‘o
indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o
dizer’ (p.15, grifos nossos)
Não é nosso objetivo fazer uma análise quantitativa, mas destacamos as
seis vezes em que a palavra “ideologia” aparece neste recorte para destacar a repetição de
certas terminologias que se transformaram em sustentáculos de algumas disciplinas. A
repetição parece ser utilizada como um elemento que serve a mais de uma finalidade, neste
caso, à tentativa da clareza da interpretação.
Temos ainda o costumeiro bordão “não sujeito sem ideologia”, que ora
atribuído a algum autor de base como sendo o “dono” do dizer, ora sob o nome de outro
autor exercendo a função de “autoria” desse mesmo dizer. É tamanha a repetição que nem
sempre se recupera em textos acadêmicos quem disse pela primeira vez que “não há sujeito
sem ideologia”.
138
No caso do aluno (10), Analisa o livro didático e o processo de leitura
com vistas aos aspectos: estruturalista, cognitivista e discursivo. Ele procurou aplicar os
conceitos da Análise do Discurso, como:
Aluno (10) - Com isso o interdiscurso é do nível de constituição do
discurso, da ordem do repetível sendo que no livro didático o texto se
apresenta pronto, acabado, pois o professor fala sobre o texto, [...] o livro
didático seja qual for à área que é destinada, transmite valores, crenças,
enfim a visão de mundo dos autores que o produzem, existindo uma
ideologia voltada para realçar os valores das classes, instituições sociais,
família, escola [...] e isso está muito longe do sujeito leitor ficando
acostumado a ler os textos nos livros didáticos perfeitos, uma formação
ideológica em que os homens a transformam tornando assim a linguagem
convencional, o ato da linguagem é um reflexo de um valor social. (p. 9,
grifos nossos)
Nesse texto vemos uma tentativa de análise sobre a relação do livro
didático e o sujeito leitor. O aluno (10) recorreu a alguns conceitos para fundamentar sua
análise, como “o interdiscurso é do nível de constituição do discurso, da ordem do repetível
sendo que no livro didático o texto se apresenta pronto, acabado, pois o professor fala sobre
o texto”. Mas esses conceitos, além de ocuparem somente um lugar de preenchimento no
texto, estão mal aplicados. Por exemplo, o aluno (10) traz o conceito à “ordem do repetível”
e em seguida diz que o texto didático se apresenta “pronto, acabado”. O conector “sendo
que” exerce uma função de costurar uma constatação do aluno ao que é do senso comum de
área, inclusive uma mudança de vocabulário. No trecho “a visão de mundo dos autores
que o produzem, existindo uma ideologia” o aluno (10) resume “ideologia” como sendo a
visão de mundo do autor. Com isso, entendemos que o aluno (10) não conseguiu
estabelecer uma relação entre a teoria adotada e o objeto analisado, o texto se torna num
“amontoado” de palavras desconexas.
139
Consideramos que o aluno (10), ao procurar trazer conceitos teóricos para
o texto inscreve-se numa ordem do dizer autorizado, uma característica da repetição nos
textos dos graduandos.
Outra forma de repetição é o modelo canônico de iniciar um capítulo
teórico com a apresentação ao leitor da “origem” da disciplina de seus fundadores,
precursores, da época em que chegou no Brasil, seguindo assim numa repetição infindável:
(Aluna 07) - De acordo com Orlandi (1999), a AD surgiu na década de
60 e se constituiu no espaço de questões criadas por três domínios
disciplinares: a lingüística, o marxismo e a psicanálise. Interroga a
lingüística pela historicidade que ela deixa de lado; questiona o
materialismo perguntando pelo simbólico; da psicanálise desloca a noção
de homem para a de sujeito, constituindo-se na relação com o simbólico
na história; dessa forma a AD produz um novo recorte das disciplinas
e constitui um novo objeto o discurso definido por Orlandi (op. cit
p.21) não como uma transmissão de informação apenas. (p. 13, grifos
nossos)
Aluno (09) - Este trabalho está ancorado na Análise de Discurso de linha
francesa, teorizada por seu fundador, Michael Pêcheux. [...] A AD é
recente dando seu início na década de 60, século XX, ela se baseia em
três áreas do conhecimento Psicanálise, Lingüística e Marxismo. [...]
Tem outros pensadores contribuíram para alicerçar a Análise de Discurso,
entre eles, Louis Althusser, Michel Foucault e Mikhail Bakhtin [...].
Além desses três teóricos, também são considerados de grande influência
os estudos que Lacan fez sobre Freud (...). Aqui no Brasil, temos como
referência obrigatória, Orlandi. (p. 13, grifos nossos)
Aluno (10) - A AD surgiu na década de 60 e se constituiu no espaço de
questões criadas por três domínios disciplinares: a lingüística, o
140
marxismo e a psicanálise. Interroga a lingüística pela historicidade que
ela deixa de lado; questiona o materialismo perguntando pelo simbólico;
da psicanálise desloca a noção de homem para a de sujeito, constituindo-se
na relação com o simbólico na história; dessa forma a AD produz um
novo recorte das disciplinas e constitui um novo objeto. (p. 08, grifos
nossos)
Esse percurso teórico aparece com muita freqüência em trabalhos
desenvolvidos na área de Análise do Discurso, destacamos que altera-se apenas a ordem da
estrutura do texto, mas têm-se as mesmas informações e são sempre os mesmos teóricos
que são citados para dar sustentação às discussões apresentadas. Avaliamos esse recurso
como sendo uma das características de repetição no texto monográfico desenvolvido nessa
área de conhecimento.
Barzotto (2005, p. 253) tem se preocupado com esse tipo de repetição.
Segundo ele “caberia perguntar se as modificações operadas [...] seriam suficientes para a
apresentação de algo novo, que pudesse ser atribuído a uma criação por parte de quem as
realizou”. Transpondo para este contexto, questionamos quais seriam as causas que levam
os alunos a produzirem textos com esse nível de repetição e utilizar sempre as mesmas
terminologias teóricas.
Isso nos leva a construir a hipótese de que, para além de a repetição ser um
momento do aprendizado da escrita, tem se tornado, cada vez mais, parte de uma cultura
escrita própria do meio acadêmico. Segundo Barzotto (2005, p. 253) “a incorporação de um
texto em outro feita de forma repetidora ou parafrástica, protegida pelos postulados também
repetidos, parafraseados”, ou seja, ao aceitarmos o postulado de que a repetição consiste em
um momento do aprendizado, esta aceitação amplia o alcance deste enunciado para vários
outros momentos da escrita, causando problemas para a idéia de produção acadêmica.
Percebe-se por meio das análises uma compreensão sobre o que Pêcheux
(1997) critica sobre o idealismo, apesar de os alunos terem proposto fazer trabalho em
Análise do Discurso, eles não foram afetados pelo processo discursivo, pois não
conseguiram:
141
Analisar nos textos a relação entre ‘língua de observação e língua teórica’:
na concepção de ciência de ‘base idealista é sobre o movimento contínuo
do concreto ao abstrato’ que a distinção explicativa/determinativa é mais
freqüentemente concebida; não necessariamente fazendo coincidir
determinação e ‘concreto’, de um lado, e explicação e ‘abstrato’, de outro,
mas cruzando as duas oposições sem se questionar sobre as razões que
podem, em certos casos sobredeterminar, tornar confusa ou apagar a
oposição. (Pêcheux, 1997, p. 127-128, grifos do autor).
Apresentamos esse levantamento de dados a partir do estudo realizado nos
textos monográficos dos graduandos para contextualizar o leitor sobre os diferentes tipos de
repetição que aparecem nos textos dos alunos; ao mesmo tempo percebe-se que uma
semelhança entre o conjunto de trabalhos analisados, pois não um avanço a respeito
daquilo que consideramos ser fundamental em uma produção textual de final de curso,
como discutido posteriormente, a apropriação do conhecimento científico.
Assim como enfocamos, a incorporação do discurso do “outro” se opera
como aponta Pêcheux (1997, p. 198) “através das tomadas de posição (‘demarcações’, etc.)
pela objetividade científica”. Nota-se pelas análises dos textos que não há um entendimento
que a aquisição de um conhecimento é um processo que não funciona com relação a um
sujeito empírico e sim por um sujeito que é afetado pela posição em que ocupa frente a esse
conhecimento, ou seja, por uma exterioridade ideológica que lhe é constitutiva.
Entendemos, no entanto, que a formação ideológica mais presente nos textos é a própria
ordem em que os alunos então inseridos. Resultado do ensino que é oferecido na
instituição, calcado numa demarcação entre os conhecimentos científicos e a inculcação
ideológica. Pêcheux (1997) avalia como dois tipos ensino: o primeiro realista metafísico e o
segundo empirista lógico. O autor esclarece que essas duas formas de práticas burguesas da
política na pedagogia produzem um ensino que é assegurado na transmissão e na
reprodução dos conhecimentos pelo método da inculcação.
142
É necessário, no entanto, reconhecer que por parte dos alunos um
trabalho sobre os dados e os textos teóricos lidos em busca de uma descrição, compreensão
e concatenação entre dado e teoria, sendo este é um período importante de aprendizado.
Nossa análise incide apenas sobre a necessidade de se oferecer sustentação para que o aluno
chegue a um estágio mais aceitável, o de apropriar-se de um conhecimento de forma a
produzir efeitos de sentido nos textos escritos.
O caráter material do sentido é mascarado pela transparência da linguagem
como se as coisas tivessem de ser ditas daquela forma e não de outra. A primeira impressão
é a literalidade do significante. Mas não transparência pela linguagem, pois uma
determinação ideológica que está em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras
foram reproduzidas. Com isso, concluímos que o ensino que é praticado a esses alunos não
lhes permite se deslocar da posição que entende o texto acadêmico ao qual tem acesso em
sua literalidade que deve apenas ser acoplado ao seu texto para que se efetive a sua escrita.
5.3. Repetição de análise de dados
Neste bloco procuramos apontar um outro nível de discussão: como se
a repetição em análises dos dados na produção do texto dos graduandos.
A repetição de análises dos dados apresentados é outra característica
comum da escrita dos graduandos. Os recortes selecionados dos textos dos alunos (11) e
(12) são partes de dois trabalhos feitos a partir de entrevistas realizadas com alunos, pais,
professores, diretores, coordenadores em três escolas públicas, em municípios diferentes,
ambos os trabalhos com a finalidade de analisar O desinteresse do aluno pela leitura.
59
O
trabalho do aluno (13) propõe a pesquisar A leitura e seu reflexo na produção de texto. O
do aluno (14) analisa A imagem do peão construída pelo locutor narrador em versos e
poemas de rodeio e do aluno (15) estuda O processo das supressões nas salas de bate
papo.
59
Também temos o trabalho do aluno (24) que teve enfoque parecido, procurou analisar o Discurso da
culpabilidade do possível desinteresse do aluno pela leitura, os dados estão analisados no último item deste
capítulo ao mostrarmos a concepção de ciência que embasa a maioria dos textos dos graduandos.
143
A partir da coletânea desses dados, propomo-nos a observar como os
alunos analisaram seus dados de pesquisa. Mostramos nesses dados quatro tipos de
repetição de análises, os quais geralmente encontramos nos textos dos graduandos, como:
a) o uso de porcentagem; b) a enumeração de respostas; c) a descrição no lugar da análise e
d) a narrativa do objeto estudado.
A primeira repetição que apresentamos é aquela em que os alunos utilizam
as porcentagens para ler os dados, como em:
Aluno (11) - Os professores não consideram que desinteresse do aluno
pela leitura, pelo contrário, 60% acreditam que eles têm suas próprias
escolhas, apenas 40% dos professores acreditam que desinteresse pelo
motivo de os alunos não estarem alfabetizados. (p. 33, grifos nossos)
Nesse modelo temos os dados em forma de pesquisa quantitativa. A
porcentagem se encarrega de mostrar o lado favorável e desfavorável dos objetivos
pesquisados. O dado do aluno (11) confirma que os alunos participantes de sua pesquisa
têm interesse pela leitura, pois 60% das entrevistas feitas com os professores foram
favoráveis a esta proposição. Esse dado é mostrado como prova de que não é somente culpa
dos professores o desinteresse do aluno pela leitura.
Num outro momento temos a seguinte análise feita pelo mesmo aluno
(11):
Aluno (11) - Quanto ao salário, constatei que 5,5% das famílias com dois
filhos recebem meio salário mínimo; 2,7% das famílias com um filho
recebem um salário mínimo que em contra-partida temos também 2,7%
das famílias com um filho que recebem mais de seis salários mínimos;
5,5% das famílias com dois filhos recebem um salário mínimo,
contrastando também com 5,5% das famílias com a mesma quantidade de
filhos, que recebe mais de seis salários mínimos; 11% das famílias com
dois filhos recebem de um a dois salários mínimos; 19% das famílias com
dois filhos recebem de dois salários e meio a três salários mínimos e 8,3%
144
com dois filhos recebem de quatro salários e meio a cinco salários
mínimos. (p. 25, grifos nossos)
Observa-se que o aluno (11) foi mais preciso ao registrar o resultado da
pesquisa sobre a relação renda familiar e quantidade de filhos, como: 5,5%; 2,7%; 11%
etc., mas em nenhum momento foi apontada a relação da porcentagem com o objetivo
proposto em sua pesquisa de analisar: O desinteresse do aluno pela leitura.
No segundo modelo de repetição apresentamos as respostas dos
entrevistados durante a pesquisa:
Aluno (12) - Quanto às professoras, das seis entrevistadas, quatro disseram
que a TV influencia de maneira negativa, segundo essas professoras, “A
TV enche a cabeça e o tempo das crianças com heróis e anti-heróis (...)
rouba o tempo que as crianças tem para ler; Não tem programas que
desperte ou incentive a leitura; As crianças são influenciadas pelo
modernismo etc.” Somente uma professora afirma que “Se bem usadas as
pessoas conhecem o mundo, se informa, mas jamais substituirá o
livro.” e outra diz que “Anda refletindo sobre isso.” (p. 39, grifos
nossos)
No texto do aluno (12) temos uma pesquisa feita a partir da aplicação de
questionários; as análises se dão por meio da enumeração de algumas respostas dos
entrevistados. Mas não apresentam correlação entre os dados, teoria e os objetivos
propostos.
No terceiro tipo de repetição temos os alunos que fazem uma leitura do
tipo “engessada” do objeto em que pesquisou, no caso específico o texto como:
Aluno (13) - Ao lermos os dois textos pode-se observar que no texto de
número 1 [...] a aluna Roberta descreve alguns males que a guerra
promove como: fome, mortes, etc. Ela se mostra indignada quando diz
145
que as pessoas pensam em armas em vez de usar o dinheiro para acabar
com a fome, e complementa que os EUA estão fazendo isso. (p. 12, ,
grifos nossos)
Nesse terceiro modelo representado pelo excerto do aluno (13) temos as
análises de produções estudantis, o aluno (13) se limitou a descrever o que considerou
relevante nos textos analisados, porém não apresentou um detalhamento de como os dados
poderiam comprovar o que ele está se propondo a pesquisar. Percebemos que ele descreve
o texto em que pesquisou, limitando-se à descrição do conteúdo do texto produzido pelo
próprio aluno do ensino médio e não correlacionou os dados com a teoria aos objetivos
propostos no seu trabalho monográfico, que é o analisar o reflexo da leitura
(informatividade) nos textos pesquisados.
No quarto modelo apresentamos a análise do aluno (14) em forma de uma
narrativa do objeto estudado, ou seja, ele descreve todo o contexto histórico em que o dado
pesquisado foi produzido e repete a mesma contextualização como análise do dado. Fica
um texto muito demarcado, de um lado tem-se toda a história, como no exemplo citado o
peão nas festas de rodeios, e de outro uma descrição da teoria que o aluno pretendia utilizar
como base teórica. Logo, o aluno (14) contextualizou todo o procedimento de uma festa de
rodeios, da arena aos peões, mas não conseguiu estabelecer uma relação entre os dados e
teoria para atingir o objetivo proposto: analisar A imagem do peão construída pelo locutor
narrador em versos e poemas de rodeio com a teoria e dados:
Aluno (14) - A religiosidade é muito presente no rodeio, desde os
momentos de concentração nos fundos dos bretes onde os peões se
aquecem e fazem orações, até dentro da arena quando o locutor faz suas
orações juntamente com o público e os peões. A presença de imagens e
bandeiras de Jesus Cristo, Nossa Senhora Aparecida e São Sebastião
do rodeio são indispensáveis nos momentos de orações. Geralmente os
peões e locutores trazem uma foto de Nossa Senhora Aparecida ou algum
santo na copa do chapéu na parte interna e sempre nos hotéis, ou pensões
146
onde os peões se alojam é de costume reservarem um canto onde se
acende uma vela, colocam-se a Bíblia aberta, rosário e imagens de
santos. (p. 33, grifos nossos)
Esse é um excerto retirado da parte em que o aluno (14) tentou analisar os
dados, mas a escrita do texto se prendeu a relatar desde a origem da festa do peão até o
sucesso dessa festa popular no Brasil, inclusive o apogeu do espetáculo anual em Barretos-
SP. O texto lembra uma adaptação de textos de revistas e sites que trazem a história do
peão. O aluno (14) tentou utilizar a teoria de Bakhtin sobre a passagem de Rabelais ao
explorar as festas populares em sua obra “A cultura Popular na Idade Média e no
Renascimento”, publicada em (1970), mas não conseguiu estabelecer uma interpretação da
obra lida com o trabalho de investigação.
Dentre outras discussões o aluno (14) propõe os seguintes objetivos:
Aluno (14) - Temos como objetivo identificar a imagem do peão
construída nos versos e poemas de rodeio transmitidos pelo
locutor/narrador. E como objetivos específicos: a)Identificar os
principais elementos poéticos dessa composição poética oral e
b)Verificar a que outros temas a imagem do peão está associada nos
versos e poemas, especificamente os temas mulher, família e
religiosidade. (p. 9, grifos nossos)
Numa das tentativas de análise o aluno (14) apresentou o seguinte
comentário:
Aluno (14) - Uma característica fundamental na locução narração de
rodeio é a entonação, para Bakhtin (1999), a entonação expressiva, que se
entende distintamente na execução oral é um dos recursos para expressar
a relação emotivo-valorativa do locutor com o objeto do seu discurso. Na
locução de rodeio essa entonação expressiva é fundamental, pois, é ela que
147
prende a atenção do público e distingue o poema de verso. (p. 40, grifos do
aluno)
Porém, em sua pesquisa o aluno (14) se propôs analisar “elementos
poéticos” do texto em um dado momento do trabalho faz somente referência à teoria de
Bakhtin (1999):a entonação expressiva, que se entende distintamente na execução oral é
um dos recursos para expressar a relação emotivo-valorativa do locutor com o objeto do
seu discurso”, além de não mostra a distinção entre a entonação e o poema escrito, o aluno
não consegue atingir o objetivo proposto. As análises apresentadas no trabalho foram
basicamente todas iguais, conforme os dados selecionados, ora fala sobre a religiosidade do
peão, ora sobre dos bretes, ora sobre Nossa Senhora, ora sobre a origem do rodeio, mas não
há ligação com a proposição lingüística proposta no trabalho.
Abordamos outra ocorrência, outro tipo de repetição, que chamamos de
discurso do lugar comum, não há marcas no texto que demonstram o que realmente o aluno
pesquisou, quais foram os dados observados. Chamou-nos a atenção no texto do aluno (15)
a forma como ele apresentou a discussão sobre o assunto:
Aluno (15) - Preguiça Ortográfica
Hoje em dia ouve-se muito as pessoas reclamarem que não tem mais
tempo para nada, que parece que o dia não tem mais 24 (vinte e quatro)
horas, que não deu tempo de fazer certa atividade e etc. As pessoas m a
nítida impressão que não para fazer mais nada. [...] E é por isso que
tentamos, a todo custo, minimizar as coisas como forma de caber no nosso
dia. Não podemos perder tempo, temos que agilizar tudo. Tentamos
agilizar pagamentos e encontros e etc. E a linguagem, como não podia
deixar de ser, não escapou desse fenômeno. Para que possamos agilizar
a escrita, suprimimos algumas letras de algumas palavras, como
aconteceu anteriormente na história quando passaram o Latim para o
português de Portugal e posteriormente para o português do Brasil. [...]
Não é no Brasil que está acontecendo esse fenômeno, em vários países
148
é usado as supressões nas salas de bate-papo, para serem mais rápidos,
por causa do alto preço da Internet em determinados países ou por
preguiça de ficar escrevendo palavras com várias letras, sendo que, se
tirar algumas letras, não faria falta ou diferença no seu significado
final na cabeça do receptor. [...] O mais importante nas salas de bate-
papo é que todos consigam se comunicar de forma rápida e direta,
usando a linguagem oficial (gramaticalmente correta) ou usando a
linguagem da Internet. (p. 8-9, grifos nossos)
Nesse texto encontra-se como análise um relato que também se parece
com textos de revistas de sites, não encontramos reflexões do ponto de vista lingüístico, e
sim temos uma visão distorcida sobre as concepções de língua e linguagem. O texto parece
um recorte de internet e é permeado com discurso de auto-ajuda. O aluno (15) aponta como
explicação “lingüística” para as supressões das palavras encontradas nos chats “o fato de
vivermos num mundo em que não podemos perder tempo”. Como observamos, a análise do
aluno (15) se baseia em justificativas como “falta de tempo; alto preço da internet em
alguns países; preguiça de ficar escrevendo palavras com várias letras”. Ele não analisa o
fenômeno por meio de uma reflexão lingüística, por exemplo, um estudo sobre o chat na
internet e a relação com a produção de gênero hipertextual.
no texto a afirmação de que houve uma transposição: “suprimimos
algumas letras de algumas palavras, como aconteceu anteriormente na história quando
passaram o Latim para o português de Portugal e posteriormente para o português do
Brasil” sem nenhuma reflexão teórica, ou dados para exemplificação. O aluno (15)
apresenta uma explicação mecânica e errônea para o processo das supressões.
Por meio desse texto podemos questionar a concepção de linguagem de
um aluno concluinte do curso de Letras ao dizer “apesar das supressões o falante tem de
usar a linguagem oficial e gramaticalmente correta”, como se a gramática controlasse a
linguagem.
149
Se avaliarmos a escrita do aluno (15), notamos que as repetições que ele
comete estão pautadas no senso comum, falta de conhecimento sobre a língua, a linguagem,
ou seja, percebemos um aluno que não foi minimamente afetado pelo curso.
Neste item o que se sobressai é a forma mecânica e a falta de reflexão
teórica com que os alunos estão se incorporando de dispositivos de algumas disciplinas
para elaborar seus trabalhos, como exemplificado por meio das ocorrências retiradas de
trabalhos monográficos desenvolvidos especificamente na área de Análise do Discurso.
5.4. Imitação alinhada aos autores de área
Neste item abordamos a imitação, um dos fatores enfocados é o
alinhamento aos autores de área que os alunos utilizam em seus textos. Examinamos como
se a passagem de um autor de um texto para outro sem a localização da fonte, ou seja,
perdendo-se a “origem dos textos fontes” das informações citadas.
Recorremos aos dados selecionados para demonstrar como os alunos de
graduação produzem texto a partir de alguns autores que se tornaram consagrados em
determinadas áreas do conhecimento, mas, ao mesmo tempo eles não remetem ao texto
fonte pesquisado, não fazem menção ao nome do autor e nem utilizam o termo apud para
dizer a fonte a qual se referem. Consideramos que a ausência das citações, o fato de os
alunos deixarem de citar a fonte, desconsiderarem os autores que escreveram os textos;
passam a imagem de serem donos do dizer e, conseqüentemente, desconsideram o discurso
anterior. Posteriormente, analisamos como nas citações diretas os alunos não marcam
exatamente de onde retiraram a sustentação do texto citado, mostram apenas que dominam
o nome de teóricos de determinadas áreas.
Não consideramos que seja um “crime” tal atitude, mas não é aceitável
admitir que alunos concluintes do curso de Letras não aprenderam a respeitar regras básicas
de citações.
Com isso, corre-se o risco de sermos interpretados como defensores das
normas metodológicas, porém não é exatamente sobre isso que estamos tratando na nossa
150
pesquisa, e sim da incorporação do discurso do “outro” que constituem, senão sustentam, a
escrita na universidade.
Ao rememorar o conceito heterogeneidade
60
, podemos até encontrar uma
justificativa para este tipo de escrita, porque de alguma forma os alunos incorporam dizeres
“constitutivos” dos quais não como recuperar de quem realmente é a voz. Porém,
nossa preocupação é justamente o fato de essas teorias se tornarem sustentáculos para um
ensino em que não há uma preocupação com o ato de ensinar e sim imitar.
Para continuar a discussão, consideramos relevante trazer o autor
Maingueneau (1997), pois este afirma que:
Entre os fenômenos de heterogeneidade, a imitação ocupa um lugar
importante, representando uma de suas manifestações mais visíveis;
muito tempo que a retórica a codificara em trono da noção de paródia. Mas
este último termo é utilizado de modo depreciativo, enquanto a imitação
de um gênero de discurso pode assumir dois valores: a captação e a
subversão. Realmente, quando um falante se apaga por trás do ‘locutor’
de um gênero determinado de discurso, e mostra que o faz, poderá
pretender beneficiar-se da autoridade ligada a este tipo de enunciação ou
arruiná-la. No primeiro caso, quando ‘captação’, a imitação incide
sobre a estrutura explorada e, no segundo caso, quando ‘subversão’, a
desqualificação desta estrutura ocorre no próprio movimento de sua
imitação. [...] A noção de imitação precisa ser melhor especificada; um
gênero de discurso, como vimos, não é apenas um conjunto de
propriedade, pois estas últimas estão ligadas a condições de enunciação de
diferentes ordens, desde o estatuto do enunciador até o ethos. [...] A
60
“Heterogeneidade constitutiva do discurso e heterogeneidade mostrada no discurso representam duas ordens
de realidade diferentes: a dos processos reais de constituição dum discurso e a dos processos não menos reais,
de representação, num discurso, de sua constituição. Não se trata de assimilar um ao outro, nem de imaginar
um relacionamento simples, de imagem, de tradução, nem de projeção de um no outro; essa relação de
correspondência direta é interditada tanto porque ela faria supor uma transferência do dizer em suas condições
reais de existência quanto pela irredutibilidade manifesta das duas heterogeneidades. [...] Face ao ‘isso fala’
da heterogeneidade constitutiva responde-se através dos ‘como diz o outro’ e ‘se eu posso dizer’ da
heterogeneidade mostrada, um ‘eu sei o que eu digo’, isto é, sei quem fala, eu ou um outro, e eu sei como eu
falo, como utilizo as palavras”. (Authier-Revuz, 1990, p. 32, grifos da autora)
151
imitação pode incidir sobre um gênero, isto é, produzir enunciados que
não remetem a nenhum texto autêntico, conhecido pelos destinatários, ou
sobre um texto particular e, neste caso, evidentemente, também absorve as
coerções do gênero ao qual o texto pertence. (Maingueneau, 1997, p. 102,
grifos do autor)
Esse autor reconhece que em alguns casos a imitação tem uma explicação,
como é o caso da paródia que tem a finalidade de depreciar o texto parodiado. Porém, em
outros casos, tratam de valores como “captação e subversão” do discurso advindo de um
outro gênero do discurso. O fato de o falante se apagar atrás de um outro locutor pode ser
uma forma de se beneficiar da autoridade ligada ao nome citado.
Vimos nos textos analisados os dois procedimentos: “captação e
subversão”, apontados por Maingueneau (1997, p. 102), incidem sobre a estrutura
explorada e na desqualificação desta estrutura, esses procedimentos se mostram na escrita
dos alunos sustentados no alinhamento de autores, ao omitirem a fonte dos autores dos
textos lidos.
O autor, ainda, afirma que a imitação não trata de apenas de uma
incorporação como é o caso do ethos, que o texto segundo (comentado) mantém um tom do
texto primeiro. Ele alerta para uma imitação perigosa que é omitir a autenticidade do texto
consultado.
Além dessa explicação lingüística, buscamos apoio em outras áreas do
conhecimento para ilustrarmos como acontece a imitação nos textos dos graduandos, como
o autor de estudo sobre Estética Abraham Moles, especificamente sua obra “O Kitsch”
publicada em (1971) para mostrarmos a semelhança entre o que o autor discute com o que
acontece no interior da universidade com a escrita como imitação.
Em sua obra o autor relatou como se desenvolveu a imitação, ao se
sustentar a criação de objetos pela imagem e semelhança de outros objetos difundidos e em
alguns casos bastante conhecidos. O autor mostra que na reprodução uma fragmentação
do todo, pois “a fonte de produção” o trabalho, esterilizado pela cópia em massa que
fragmenta totalmente o ser, e o aliena da fabricação de objetos e produtos copiados
152
incessantemente de um modelo criado por outros”. Produz a imitação sem controle, pois
até o “Kitsch de grandes artes e também Kitsch do Kitsch”, ou seja, até as grandes
produções, não estão isentas da imitação da imitação. Logo, para esse autor o Kitsch é um
“movimento permanente no interior da arte, na relação entre o original e o banal” (Moles,
2001, p. 24-28).
O autor descreve a imitação das produções de réplicas, ou seja, a reprodução
de um objeto em outro em miniatura. Esse autor considera que tanto o agigantamento como
a redução constituem traços clássicos do objeto Kitsch que retém na fabricação uma forma
reconhecível muito mais do que uma contingência existencial. Admite que o Kitsch é a
popularização daquilo que não é acessível à massa, no alcance do homem, ao passo que a
arte está fora de seu alcance e que o Kitsch dilui a originalidade em medida suficiente para
que seja aceita por todos. (Moles, 2001, p. 32-58)
Todavia, não podemos nos contentar com esses tipos de definições. Ao
consentir com a imitação e concordar que em toda produção um traço Kitsch estamos
nos anulando diante do papel central da universidade, um lugar onde se produz
conhecimento.
No nosso ponto de vista o exagero da imitação, no caso da universidade,
leva à banalização da produção do texto acadêmico, produzem-se textos que pouco
acrescentam à reflexão teórica, além da repetição por meio da imitação de autores ou linhas
teóricas privilegiadas pelos órgãos financiadores de pesquisa. Assim, prevaleceriam textos
produzidos somente a partir de pesquisas já consagradas pela academia, por sua vez o aluno
reproduziria somente no senso comum da área e ilustraria seus textos com os nomes
“respeitáveis”.
Passamos a apresentar os dados selecionados para a análise, para
verificarmos como os alunos introduzem em seus textos os nomes dos autores das obras
pesquisadas:
Aluno (16) - Para Miller, ao leitor cabe a tarefa de decodificar, isto é, de
reconhecer os itens lingüísticos já conhecidos e descobrir o significado dos
itens desconhecidos. (p. 9, grifos nossos)
153
Aluno (17) - AD será tomada também sob a ótica de Maingueneau e
Bakhtin. Para tratar dos gêneros do discurso, cenas enunciativas e o
enunciado como unidade da comunicação verbal. (p. 11, grifos nossos)
uma imitação ao apresentar indicações de autores no corpo do trabalho
sem as devidas localizações do discurso fonte. Práticas de escrita como as demonstradas
nos dados contribuem com a incorporação do discurso do “outro”, pois o aluno que não lê o
“original” está mais propenso à imitação, uma vez que norteará sua escrita pela
interpretação de um outro autor. É como afirma Authier-Revuz:
O discurso da ciência é ocupado por nomes de vários autores, que por sua
vez ‘prestigiosos e intercambiáveis para o leitor-padrão, asseguram, tanto
ou mais talvez que uma informação, em ‘efeito de real’ e uma ‘animação’
do discurso da ciência, ‘abstrato ornamentado de plumas de concreto’ ao
mesmo tempo em que sua autoridade produz uma garantia de seriedade na
divulgação científica. (1998, p. 114, grifos da autora)
Compreendemos que a escrita dos textos dos alunos da graduação caminha
para a busca dessa ancoragem “prestigiosa”, como aponta a autora, pois nos trabalhos
nomes de autores que são reconhecidos na área em que estão pesquisando, mas que não
foram lidos por esses alunos. Inclusive, observarmos as bibliografias dos trabalhos
analisados, constatando que esse tipo de imitação é uma procura de uma referência que
sustente o discurso no momento de escrita.
Notamos que, independentemente da área, os alunos utilizam sempre os
mesmos procedimentos de citação, mas não encontra-se junto aos nomes dos autores o ano
de publicação, páginas, ou mesmo o termo apud conforme apresentamos:
Aluno (18) - Para Barthes o texto redistribui a língua. (p. 2, grifos nossos)
154
Aluno (19) - Beaugrande & Dressler vêm dedicando ao estudo dos
principais critérios ou padrões de textualidade e do processamento
cognitivo do texto. (p. 5, grifos nossos)
Aluno (20) - Halliday & Hasan apresentam o conceito de coesão textual,
como um conceito semântico que se refere às relações de sentido
existentes no interior do texto e que o definem como um texto. (p. 7, grifos
nossos)
Aluno (21) - Conforme Pêcheux, esse sujeito é o outro, (formulação de
Lacan), “o inconsciente é o discurso do outro”, o que nos leva a crer que o
“recalque inconsciente e assujeitamento ideológicos estão materialmente
ligados”. (p. 6, grifos nossos)
Ao lermos esses trechos fazemos a seguinte indagação: os autores
(pesquisadores brasileiros) de onde os alunos copiaram não citaram as fontes ou os alunos
desrespeitaram as normas de citação? Em qualquer caso, os alunos anulam a fonte do dizer
do “outro”. Essa incorporação de um autor por outro, em determinadas práticas de escrita,
somente favorece a imitação.
Sabemos que os estudantes de graduação muitas vezes não lêem os textos
teóricos “fontes”, mas somente os chamados “comentaristas”. Na maioria dos trabalhos
elaborados pelos alunos, na bibliografia encontramos os nomes dos autores
“comentaristas” que trabalham com determinado autor fonte. Em algumas universidades,
muitas vezes nem há obras de base disponíveis na biblioteca.
Constatamos por meio da análise de diversas monografias que os alunos
repetem sempre os mesmos autores em determinadas áreas do conhecimento. Apesar das
diversas teorias que apontam que os alunos têm uma certa autonomia na escrita do texto,
não pode-se considerar produção do conhecimento todo e qualquer texto escrito na
universidade. Muitos somente atendem às exigências do gênero acadêmico. Como:
155
Aluno (22) - Merleau-Ponty propõe a noção de forma e estrutura. Para
ele, o mundo é significativo para quem o percebe e nessa relação discute e
examina a relação entre objeto e sujeito, elementos fundamentais na teoria
semiótica. (p. 3, grifos nossos)
Aluno (23) Zilberberg delimita quatro grandezas que se relacionam nesse
campo epistemológico: a expressão o conteúdo, a forma e a substância.
Nessa relação a expressão aproxima-se da forma em oposição ao conteúdo.
(p. 4, grifos nossos)
Aluno (23) - Segundo Greimas & Fontanille as paixões aparecem no
discurso como portadores de efeitos de sentidos muito particulares, ele
exala como que um cheiro confuso, difícil de determinar. (p. 4, grifos
nossos)
Consideramos que não basta o texto moldar-se apenas às formas do
conteúdo composicional de um gênero do discurso, isso não garante sustentação suficiente
para afirmar que o aluno produziu um texto acadêmico. Mas um fato deve ser considerado,
é a própria paráfrase, aceitável em um momento do texto. O problema não é a existência
dela, mas o modo como atua no todo do texto.
Com isso, percebemos na universidade a instauração de um modelo de
produção de conhecimento que se por meio da cultura da imitação. “Talvez seja a idéia
de que quanto mais gente repetir, menos se embriaga, trata-se do consumo forçado do que
se considera supérfluo” (Moles, 2001, p. 33), que se aproxima de alguma forma com o
momento em que a universidade se estrutura: em que a escrita passa a ser vista como
consumo, por isso quanto mais pessoas reproduzir melhor será a comercialização de livros
de determinadas áreas. Pois “o fenômeno Kitsch baseia-se em uma civilização consumidora
que produz para consumir e cria para produzir, em um ciclo cultural onde a noção
fundamental é a aceleração”. O Kitsch está presente numa comunicação de massa e
156
prazer aos membros da sociedade de massa. Incentiva o consumismo dos objetos utilizados
pelas camadas que possuem um estilo de vida. (Moles, 2001, p. 21)
Considera-se que não são somente os alunos que estão sendo infiéis ao
discurso fonte. Com isso a imitação caminha para o apagamento do “outro”, chegando
talvez a ponto de não mais localizar de quem são as palavras. Sabemos que existem teorias
que explicam a imitação, como é o caso de Authier-Révuz (1990), quando afirma que
temos em nosso discurso os “outros” integrados e reinterpretados num novo discurso e que
desse movimento surge a heterogeneidade constitutiva. Porém, não é sobre esse processo
que esta pesquisa se debruça e sim a reprodução de uma escrita no ensino superior calcada
na imitação.
5.5. Contra-senso: concepção de ciência que embasa os textos dos graduandos
Embora esta pesquisa não vise especificamente o estudo da cientificidade
e nem atrele a prática da pesquisa a textos que são elaborados como resultado da disciplina
de Monografia, uma vez que essa disciplina foi instituída nos últimos anos na universidade
com a finalidade de ensinar ao aluno a escrita científica, vamos tecer algumas
considerações a respeito.
Ao avaliar os trabalhos dos graduandos, observa-se que a concepção de
ciência que embasa a maioria dos textos é a idealista, ou seja, a ciência que tem por base a
verificação, a comprovação, a generalização como afirma Costa (1997) ser uma ciência
cuja base exige o conceito de verdade ou uma transformação do pensamento. Nesse tipo de
concepção o aluno não é afetado pelo conhecimento específico que deveria adquirir durante
o curso de graduação, pois a transformação do conhecimento se pela relação do sujeito
com sua exterioridade sócio histórico e não por meio de comprovações concretas.
Temos insistido na idéia de que a cientificidade, se assim podemos
caracterizá-la, só é possível nos textos dos graduandos a partir de uma intervenção na forma
como se ensina hoje na universidade, ou seja, um ensino que tem por base a inculcação de
modelos, muitas vezes não ultrapassa o senso comum da área.
157
Os dados deste capítulo revelam a forma como os alunos estão
incorporando o discurso do “outro” nos trabalhos de final do curso. Por isso não
consentimos com práticas de escrita que buscam oferecer métodos, formas de como
escrever um bom texto científico, e sim, com um ensino que propicie ao aluno ir além do
repetir as fórmulas pré-estabelecidas da escrita do gênero acadêmico
61
.
Feita essa diferenciação, reafirmamos que nossa defesa consiste numa
prática contínua do ato de pesquisar, inserir os alunos a um espírito de investigação desde o
primeiro ano do curso de Letras e não atribuir a prática da pesquisa, ora a disciplina de
“Metodologia do Trabalho Científico”, ou como vimos, ora “Monografia”, apesar de
considerarmos essas disciplinas importantes na contribuição com a prática da escrita,
ponderamos que somente essas iniciativas não resolvem a falta de uma prática que propicie
ao aluno a apropriação do conhecimento. Insistimos na reavaliação da postura da
universidade frente à formação de professores.
Na análise deste item, apresenta-se como contra-senso ao que tem sido
discutido sobre a cientificidade e a escrita apenas da Monografia, ao mostrar como o aluno
pode redigir um texto monográfico sem ter sido atingido pela cientificidade do seu curso,
ou mesmo, como texto produzido pelo o aluno no final do curso revela a invalidação de sua
formação.
Diante disso, apontamos nas produções dos graduandos a concepção de
ciência que sustenta o discurso que foi incorporado como produção de conhecimento
durante o curso, e isso fica materializado na escrita do texto. Pêcheux (1997) afirma ser
essa uma postura idealista de conhecimento:
No idealismo a equivalência entre as formulações de questões, o mito
da neutralidade científica. No idealismo “a produção do conhecimento
consistiria no puro e simples desenvolvimento (empírico-dedutivo) das
propriedades do objeto é, pois, um mito idealista, que identifica ciência e
lógica e, ao colocar esta última como princípio de toda a ciência, concebe
61
No primeiro capítulo apresentamos ao leitor como desde a forma como material didático é formulado
propicia ao aluno um “modelo de inculcação”.
158
inelutavelmente a prática científica como uma atividade de triagem entre
enunciados verdadeiros e enunciados falsos, repelindo tudo o que diz
respeito às condições próprias de aparição desses enunciados, isto é, às
questões que lhes são correspondentes no interior de uma problemática
historicamente determinada. (Pêcheux, 1997, p. 197, grifo do autor)
Na concepção idealista o mito da comprovação de uma verdade, a
busca de uma comprovação dos dados, muitas vezes por meio de estatísticas. Um dos mitos
que contribui com a permanência da idéia de que não é possível desenvolver pesquisa na
área de Ciências Humanas
62
. Mas sabemos que o fator da produção do conhecimento está
no interior de uma problemática historicamente determinada, e não somente na
comprovação empirista dos dados.
Passamos a descrever os elementos que envolvem a análise dos dados e
salientamos que contamos que o fator de termos vivenciado parte da elaboração dos textos
analisados, isso fornece-nos pistas importantes para compreendermos melhor sobre as
condições de produção dos dados selecionados para compor o corpus da nossa pesquisa. No
caso específico do aluno (24) relatamos que antes de iniciar o curso de Letras estudou três
anos num curso de Química e atuou dez anos como professor de Matemática no ensino
fundamental e médio. A partir dessa informação, chamamos a atenção do leitor para
acompanhar como na escrita do texto do aluno (24) a predominância de uma
cientificidade que transparecem:
As idéias que presidem à observação e à experimentação são claras e
simples a partir das quais se pode ascender a um conhecimento mais
profundo e rigoroso da natureza. A matemática fornece à ciência moderna,
não o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da
investigação, como ainda o modelo de representação da própria estrutura
da matéria. (Santos, 2002, p. 14)
62
Conforme apontamos no Capítulo II com as discussões de Santos (2002, p. 10) sobre o paradigma
dominante das Ciências Naturais em relação às Ciências Humanas.
159
A base analítica dos dados do aluno (24) se deu somente de forma
quantitativa e estatística para descrever o resultado de sua pesquisa. Como
estudante de Letras, e então professor de Língua Portuguesa, o aluno (24)
durante todo o curso, teve como maior preocupação o foco no desinteresse
do aluno pela leitura. Em suas indagações sempre trazia à tona a questão
desse desinteresse e procurava encontrar em números um culpado: ora
professores, ora escola, ora diretores e coordenadores, ora governo, ora
pais, ora televisão, ora os próprios alunos. Diante disso, foi sugerido no
final do curso que o aluno elaborasse sua monografia, sobre o Discurso da
Culpabilidade do possível desinteresse do aluno pela leitura”. Ele propôs
a seguinte investigação:
Aluno (24) - O presente trabalho tem como ponto de referência o
desinteresse do aluno pela leitura, no qual não se busca culpados, mas a
compreensão e análise do discurso da culpabilidade do possível
desinteresse do aluno pela leitura. Para isso, abordei a questão trazendo à
tona a concepção de leitura segundo a visão de cada entrevistado, pai,
aluno, professor, diretor e coordenador das escolas estaduais. [...] Cada
entrevistado avaliou o desinteresse do aluno pela leitura, respondendo a
questão referente à influência da TV na leitura do educando. A criança, a
partir da leitura, conhece o mundo à sua volta, ela descobre, se relaciona
com o autor. [...] Procurei entender o processo que leva o aluno ao
desinteresse pela leitura, para contribuir com a temática acima, a partir
mesmo dos próprios entrevistados a sugerir ações para o ato da leitura. Os
aspectos pedagógicos, sociais e econômicos que interferem na leitura,
buscando desenvolver o gosto pela leitura, fazendo com que a comunidade
escolar perceba que a leitura é possível quando bem realizada. (p. 7)
Ao lermos o trabalho, percebemos que não uma reflexão sobre a leitura
em toda sua constituição sócio-histórica, o aluno (24) sempre pende para um caminho
160
contrário: de calcular e de comprovar estatisticamente os dados por meio de tabulações e
gráficos, ou seja, busca uma comprovação para suas indagações por meio dos números.
A partir do resultado da aplicação dos questionários aos entrevistados
(pais, alunos, professores, coordenadores e diretores de três escolas públicas) o aluno (24)
confeccionou como recorte analítico 43 gráficos em diferentes modelos, todos
acompanhados de comentários, legendas, conforme apresentamos alguns exemplos:
Aluno (24) - Distribuição de alunos, segundo lugar preferido para leitura:
Respostas Freqüência %
Casa, sala, quarto 32 73,91
Biblioteca, porque tem mais livros 5 10,86
Escola, sala de aula 2 4,34
Embaixo da árvore 1 2,17
Casa e escola 3 6,52
TOTAL 46 100,00
Essa tabulação foi um dos resultados apresentados pelo aluno (24) como
leitura para o item que relacionava a questão do desinteresse pela leitura e a distribuição
segundo a quantidade de filhos.
Observamos que o aluno (24) discorre sobre a importância de se ter um
lugar agradável para ler e em seguida apresenta por meio de porcentagens a preferência dos
entrevistados quanto aos lugares confortáveis que consideram para se ler.
Aluno (24) - Um fator importante, além do livro, para uma boa leitura, é o
lugar onde executamos a leitura que deverá ser um lugar agradável,
arejado, claro e bem confortável. Segundo os alunos, 2,17% responderam
que é melhor ler embaixo de árvores; 4,34%, disseram que é melhor ler na
escola/sala de aula; 6,52% preferem ler em casa e na escola; 10,86%
gostam de ler na biblioteca e 73,91% preferem ler em casa na sala ou no
quarto. (p. 40)
161
Em seqüência, o aluno (24) apresenta um gráfico com os valores descritos,
isso é feito para todas as questões respondidas do questionário e em seguida elabora uma
legenda que acompanha os dados estatísticos. E também uma releitura do que havia sido
apresentado pelos valores mostrados por meio de porcentagens. Conferimos alguns dos
gráficos e legendas:
Aluno (24) - Gráfico 20 - Distribuição de alunos, segundo seu lugar
preferido para leitura.
1
2
3
4
5
2,17
4,34
6,52
10,86
73,91
1
1
1
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1 2 3 4 5
5
4
3
2
1
Legenda:
1. Embaixo de uma árvore.
2. Na escola/sala de aula.
3. Na casa e na escola.
4. Na biblioteca.
5. Em casa, na sala ou no quarto.
Gráfico 07 - Distribuição de pais, segundo seu incentivo ao filho quanto à
leitura.
162
0
10
20
30
40
50
60
Pe dindo p/ le r p/ vc
Atravé s de s e u e xe m plo
Forçando diar iam e nte c/
h m arcada
Le ndo junto com e le
Outra form a
Atravé s de s e u e x. e
pe dindo p/ le r p/ vc
Um outro tipo de análise apresentada pelo aluno (24) consistiu em propor
uma descrição dos resultados. Apresentamos um item completo de análise:
Aluno (24) Quantidade de livros lidos pelos alunos.
Na relação de respondentes, temos 8,69% de alunos que leram 1 livro,
23,91% que leram 2 livros; 6,52% que leram 3 livros; 8,69% de alunos que
leram 4 livros; 6,52% de alunos que leram 5 livros; 2,17% de alunos que
leram 12; 2,17% que não leram nenhum livro e 41,30% que já leram vários
livros.
Gráfico 21 - Distribuição de alunos, segundo a quantidade de livros que
leram.
163
3%
6%
8%
11%
14%
17%
19%
22%
1 2 3
4 5 6
7 8
Após a apresentação de comentários, tabelas, gráficos e legendas, o aluno
(24) no final do trabalho escreveu a seguinte conclusão:
Aluno (24) - Ao longo das tabelas, gráficos e análises, foram implícitas e
explícitas as concepções de leitura na visão de cada entrevistado. Nesta
breve sinopse, retomo o conhecimento de cada um deles particularmente a
fim de melhor visualizar e compreender melhor o princípio racional dos
sujeitos envolvidos. [...] O objetivo desta pesquisa partiu das reflexões
sobre o possível desinteresse do aluno pela leitura. Utilizei como apoio
técnico, diversas discussões de autores que refletem sobre o processo da
leitura, para se chegar a hipótese inicial de que não é buscando os culpados
que encontramos solução para o desinteresse do aluno pela leitura, mas
construindo caminhos que nos levam à reflexões sobre essa problemática.
(p. 68)
O resultado desse trabalho chamou-nos a atenção justamente pela visão
quantitativa do problema que direcionou sua investigação. Na escrita, observamos termos
técnicos da área da matemática, ou seja, a concepção de ciência que embasa o texto é
totalmente baseada na lógica, na verificação, na comprovação. Materializa o que Santos
(2002, p. 32) define ser um rigor científico fundado no rigor matemático, que quantifica.
Ao discutir cientificidade tomando por base Bachelard (1996)
compreendemos que esse autor aponta que a constituição de tabelas serve apenas para
generalizar uma intuição particular acrescida de uma sondagem tendenciosa. Essa
concepção de ciência que tem por base a: verdade, a objetividade dos fatos, a comprovação,
são:
Imagens particulares e distantes que, insensivelmente, tornam-se esquemas
gerais. Uma psicanálise do conhecimento objetivo deve pois tentar diluir,
senão apagar, essas imagens ingênuas. Quando abstração se fizer presente,
será a hora de ilustrar os esquemas racionais. Em suma, a intuição primeira
é um obstáculo para o pensamento científico; apenas a ilustração que opera
164
depois do conceito, acrescentando um pouco de cor aos traços essenciais,
pode ajudar o pensamento científico (Bachelard, 1996, p. 97).
Consideramos satisfatória a apresentação desse tipo de escrita para ilustrar
nossa indagação de que a elaboração da monografia não é o suficiente para sustentar o
conhecimento exigido em sua área e sua apropriação.
No próximo capítulo apresentamos um trabalho que consideramos ter a
base de uma apropriação do conhecimento e como no caso do aluno (24) relatamos as
condições de produção em que o texto do aluno (25) foi elaborado.
165
CAPÍTULO VI
APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS DA ÁREA EM TEXTOS DE GRADUANDOS
Iniciamos a discussão conforme o capítulo anterior com a apresentação do
significado da expressão “apropriar-se” retirada do Novo Aurélio de Buarque de Holanda
Ferreira (1999, p. 173) no qual encontramos várias definições para o “ato ou efeito de
apropriar-se”. Selecionamos quatro significados para apresentar ao leitor, como:
(1) Tomar como propriedade, como seu;
(2) Tomar como próprio ou adequado;
(3) Apossar-se de;
(4) Tomar para si: apoderar-se.
Pelos termos dicionarizados, o “ato ou efeito de apropriar-se” não é o
mesmo que o “ato ou efeito de incorporar-se” e essa distinção está justamente na
diferenciação de “tomar como propriedade, como seu”; “apossar-se de” e “reunir-se”,
“juntar-se”, “tomar corpo”. Isso conduz-nos a afirmar que apropriar-se de um
conhecimento é:
Enfim, em escala muito mais ampla, é preciso reconhecer grandes planos
no que poderíamos denominar a apropriação social dos discursos. Sabe-se
que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo
indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer
tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que
impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e
lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter
ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes
que eles trazem consigo. Bem sei que é muito abstrato separar, como
acabo de fazer, os rituais da palavra, as sociedades do discurso, os grupos
166
doutrinários e as apropriações sociais. A maior parte do tempo, eles se
ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que
garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de
discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de
sujeitos. Digamos, em uma palavra, que são esses os grandes
procedimentos de sujeição do discurso. O que é afinal um sistema de
ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e
uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a
constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma
distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus
saberes? (Foucault, 2000, p. 43-45, grifos nossos)
Ao recorrer a Foucault (2000) sobre o conceito de "apropriações sociais"
pode-se estabelecer uma relação com o que chamamos de “apropriação de conhecimentos
de área” pois esses conhecimentos são saberes sociais que são adquiridos por meio de um
contato social, pela memória do dizer, no caso específico da graduação, pelo contato do
aluno com as teorias de sua área, “uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam [...]
senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?”
(Foucault, 2000, p. 45). E esse saber, no nosso ponto de vista, firma-se no âmbito do
ensino, ao colocá-lo em circulação social, nas instâncias de poderes constituídas e não
apenas ficar reservado a uma constituição de um “grupo doutrinário”.
Discutimos neste capítulo a apropriação de um conhecimento na escrita
dos alunos, ao apontá-lo como um engajamento subjetivo que sustenta o funcionamento da
linguagem. Mostramos como o aluno (25) se apropria de um conhecimento para entender
um fato exterior à universidade, por exemplo, textos que não são trabalhados em sala de
aula, mas que estão presentes no seu cotidiano, apresentamos esse trabalho de pesquisa para
mostrar como um aluno de graduação, ao investigar num objeto de sua vivência, que está
fora da universidade, mobiliza os conceitos teóricos para compreender algo que o incomoda
em seu ambiente de trabalho.
167
O aluno (25), no quinto semestre do curso de Letras, procurou um
professor que pudesse auxiliá-lo na elaboração de um projeto de pesquisa. Tinha como
inquietação, entender como eram produzidos os textos digitados em sua prática diária, pois
como funcionário público, desempenha a função de escrivão numa das delegacias do seu
município. Percebia que os textos Termos de Declarações, mais conhecidos como Boletim
de Ocorrência (BO), digitados por ele e por seus colegas, apesar de serem textos
considerados de caráter objetivo, ou seja, que exigem imparcialidade, possuíam a opinião
do digitador/escrivão, em relação à fala do depoente, indivíduo reclamante. Isso causava no
aluno (25) um certo incômodo, ao olhar para os textos e observar que acontecia uma
transformação entre o que o depoente falava e o texto produzido pelo digitador. A
inquietação do aluno (25) consistia justamente em compreender teoricamente o fato
observado em seu ambiente de trabalho, ou seja, os espaços produzidos entre as vozes do
sujeito/depoente (S/D) e do sujeito/escrivão (S/E)
63
e como acontecia a alteração entre
palavras, às vezes, de sentidos entre um texto e outro. O primeiro passo do orientador foi
sugerir dois teóricos para leitura e pesquisa: Benveniste e Bakhtin. A partir de então o aluno
(25) começou a investigar como esses autores poderiam sustentar suas perguntas.
Ao ler mais detalhadamente esses autores, o aluno (25) percebia nas
leituras que havia uma diferença entre os conceitos dos autores e que talvez ali estivesse
uma resposta para suas indagações. Definiu, então, um objetivo: entender como funcionava
a escrita do Termo de Declaração, por serem textos considerados objetivos, com a função
informativa, procuraria observar se o texto deixava transparecer um juízo de valor, opinião
do digitador, ou seja, traços de subjetividade.
Para delimitar seu objeto de estudo o aluno (25) passou a ler vários
Termos de Declarações e depreender o que poderia ser analisado como funcionamento da
língua a partir das teorias estudadas. A primeira dificuldade que o aluno (25) encontrou foi
entender que não poderia olhar para os textos como se fosse o sujeito/produtor. Teria de
entender que não é o sujeito empírico que determina as questões referentes à linguagem.
Para tanto, o orientador pediu ao aluno (25) que lesse e observasse vários textos produzidos
63
Informamos ao leitor que vamos utilizar em todo o trabalho e comentários, a mesma identificação feita pelo
aluno (25), (S/D) para sujeito/depoente e (S/E) para sujeito/escrivão.
168
por ele e diferentes escrivães para que o aluno (25) pudesse perceber que todos os textos
que eram parecidos. Passou, então, a ter um contato maior com os textos-objetos e
paralelamente ele fazia leituras dos textos teóricos específicos, que para compreender que o
estava lendo poderia servir como suporte teórico na sustentação da escrita de sua pesquisa.
O aluno (25) observou que nos Termos de Declarações analisados havia
uma forma de mostrar uma imparcialidade e objetividade, como:
Aluno (25) - Que em março de dois mil e três a Declarante estava no sítio
em que nasceu e durante todo aquele tempo residiu, onde o pai da
Declarante plantou árvores frutíferas e construção de uma casa de barro,
coberta com telhas francesas, lavoura de milho, arroz e feijão; Que chegou
Fábio, o filho do proprietário das terras, com revólver em sua cintura,
acompanhado com peões, começou a ameaçar a Declarante se não saísse
do local ia derrubar tudo. (p. 23)
O aluno (25) percebeu que os textos tinham uma característica peculiar o
“que” no início da introdução de todos os assuntos, essa seria textualmente uma das marcas
de imparcialidade. Porém, no interior dos mesmos textos havia algumas expressões que
confundiam o leitor, como:
Aluno (25) Que a Declarante não viu e ninguém lhe contou que foi o Fábio
que provocou os danos, mas é certo que foi, pois é a única pessoa
interessada na expulsão da Declarante e sua família daquele local. (p. 23)
O questionamento do aluno (25), incidia em analisar quem realmente
dizia: “mas é certo que foi”, pois a estrutura do texto apresentava uma certa ambigüidade,
por não saber se “mas é certo que foi” era uma opinião do (S/E) frente ao fato relatado pelo
(S/D), ou se o S/D realmente relatou o texto conforme estava escrito. Então, o aluno (25)
passou a investigar o que acontecia com a escrita do S/E que parecia interferir no relato do
169
S/D, e a verificar a imparcialidade do texto Termo de Declaração. Interrogava se isso seria
uma marca de subjetividade do S/D a ser estudada.
Outra dificuldade encontrada pelo aluno (25) foi entender os textos
teóricos, pois o desafio era compreender os limites das propostas teóricas entre o que
Benveniste propôs como subjetividade e conceito de polifonia proposto por Bakhtin. Para
isso, o orientador marcou encontros periódicos com o aluno (25) para discutirem os textos
lidos.
Salientamos que entre as leituras teóricas, elaboração do projeto de
pesquisa, definição dos objetivos, constituição do corpus, análises dos dados e elaboração
do texto monográfico o aluno (25) dedicou 20 meses, em paralelo às outras teorias
estudadas nas disciplinas do curso. Sua pesquisa era desenvolvida simultaneamente ao
curso, não tendo o aluno (25) nenhuma ligação institucional como bolsa de Iniciação
Científica.
Observa-se por meio desse relato que estamos diante de uma experiência
em que um aluno, a partir do seu curso, na universidade, busca uma resposta para algo que
o incomodava no seu cotidiano. Um dado relevante do contexto é que o aluno (25)
atuava sobre a escrita em função de sua profissão. Apontamos que este é um elemento
favorável ao desenvolvimento da pesquisa desse aluno.
Isso nos faz retomar Certeau (1995) ao tratar sobre as questões da cultura
de massa e a cultura dominante no ensino na universidade. Em seu texto o autor explica que
a universidade deveria não somente preocupar em ensinar o que está proposto em seu
programa, por exemplo, o professor não se encarregasse somente de ensinar aos seus alunos
o que pesquisou em seu mestrado, doutorado, mas que a universidade desse mais atenção às
experiências que os alunos trouxessem do seu mundo exterior. O autor cita alguns
exemplos como:
Aprendizagem de métodos, uma prática de textos, a experiência de
produções culturais e de ‘maneiras de proceder’. Sendo assim, o operário
que participa de um estudo sobre a história das políticas sindicais pode, em
nome de sua própria experiência de militante, colaborar no trabalho do
170
grupo que faz história, comparar o discurso que se lhe apresentou no seu
sindicato com a maneira como é produzido cientificamente na
historiografia e encontrar aí, com seus colegas de equipe, estudantes ou
trabalhadores, uma técnica de reflexão sobre a sociedade ou sobre suas
próprias opções. (Certeau, 1995, p. 116)
Na pesquisa proposta pelo aluno (25) vimos que ele procurou compreender
como acontece a escrita dos textos que diariamente digitava e propôs a fazer uma
investigação a partir de sua experiência.
Nesta parte do trabalho, fizemos a opção por registrar o máximo possível
de informações sobre o percurso da elaboração do trabalho e damos ênfase às análises feitas
pelo aluno (25), pois o nosso objetivo é utilizar essa experiência como exemplo do que
seria a apropriação de um conhecimento na graduação e contrapor com os dados
anteriormente analisados, em que a sustentação da escrita dos textos foi a incorporação do
discurso do “outro”. Salientamos que além do aluno (25) repetir mecanicamente alguns
dados e conceitos, conforme os demais trabalhos já apresentados, ele conseguiu propor uma
leitura analítica dos dados e produzir sentido por meio das palavras. também no
decorrer da escrita do trabalho do aluno (25) a presença de paráfrases, repetição, mas
percebemos um avanço na compreensão entre a teoria e os dados analisados, que
chamamos de apropriação do conhecimento, um sujeito imbricado em sua experiência, que
traz para a universidade uma proposta de reflexão daquilo que produz diariamente.
Durante a leitura dos dados o aluno (25) procurou mostrar os limites de
uma teoria por meio da ruptura de dois conceitos apresentados pelos autores que
sustentaram sua produção textual. Conforme o objetivo proposto:
Aluno (25) A presente pesquisa tem o objetivo entender como funciona a
língua em Termo de Declaração, por serem textos produzidos de forma
objetiva, tem a função de caráter informativo. Observamos, neste trabalho
essa suposta neutralidade: se quando o Sujeito/Depoente (S/D) narra os
fatos, o Sujeito/Escrivão (S/E) procura obter a imparcialidade dos fatos
171
narrados. Ou seja, observamos se o texto Termo de Declaração deixa
transparecer um juízo de valor, opinião, ou traços de subjetividade. (p. 9)
A partir do objetivo proposto, passamos a observar como acontece a
apropriação de um conhecimento específico de área, ainda que o texto seja carregado de
“jargões técnicos”, consideramos que seja o início de escrita em que o aluno começa a
questionar e entender uma teoria, como:
Aluno (25) Durante a narrativa dos fatos ocorre o outro mecanismo que
pertence à outra instância enunciativa o “tu” que é a função do S/E, escutar
a versão do S/D e registrar os fatos. Nesse momento o S/E ocupa a posição
do “tu”, pessoa não-subjetiva da proposta de Benveniste, uma vez que não
é dono do discurso proferido pelo “eu” - S/D. Porém, para que a
enunciação do S/D seja concretizada é necessária à presença do S/E para
que ocorra a discursivização entre o “eu” e o “tu”. (p. 24)
Neste trecho o aluno (25) explica o mecanismo entre a função “eu” e “tu”
na proposta de Benveniste. Ao fazermos a leitura completa das análises, percebe-se que o
aluno (25) procurou explicar como se a escrita do Termo de Declaração na delegacia no
momento do registro do Boletim de Ocorrência.
Consideramos haver vários tipos de apropriação e apresentamos quatro por
meio da produção textual do aluno (25) e acreditamos ser uma iniciação a apropriação do
conhecimento. Os dados ilustrativos selecionados são acompanhados de um breve
comentário. Queremos com isso apontar uma escrita própria de um graduando que tem por
base a investigação de uma prática de escrita em função do seu cargo, ou seja, acompanhar
como uma pergunta norteadora advinda de uma experiência pode sustentar a prática
pesquisa e a escrita do trabalho de conclusão de curso.
172
6.1. Criação de estratégias para apropriação do conhecimento
Criar estratégias para apropriar o conhecimento tem sido um dos pontos
fundamentais em nossas discussões, desde a exigência da leitura de um texto teórico para
sustentar “as próprias palavras”. Sabemos que num primeiro contato com a leitura teórica, o
aluno tende a incorporar o discurso do “outro”, mas essa leitura passa por diferentes
estágios e o aluno começa a criar meios para compreender o que está colocado
implicitamente no texto. Acreditamos que o mesmo procedimento acontece com a escrita,
num primeiro momento o aluno tende a ficar muito preso ao texto do autor, a assegurar em
bases terminológicas, isso funciona para retomar alguns autores, mas não mesma
garantia quando se tem pela frente um objeto a ser analisado. No caso específico do aluno
(25) ele propôs a analisar as “marcas do sujeito enunciador e verificar a subjetividade na
linguagem, segundo o olhar de Benveniste”. Mostramos na íntegra um dos textos Termo de
Declaração analisado pelo aluno (25) e em seguida a análise dos dados selecionados por
ele. Vejamos:
Aluno (25) Tendo em vista o recorte teórico proposto nos itens anteriores,
analisamos aqui as marcas do sujeito enunciador, para analisar a
subjetividade na linguagem, segundo o olhar de Benveniste. Para a análise
proposta, iniciamos com a observação do seguinte Termo de Declaração:
Texto 1
1)Comparece novamente em cartório para prestar esclarecimentos 2)
sobre a autoria do delito. Inquirido Respondeu: Que em março de dois
mil e três a Declarante estava no sítio em que nasceu e durante todo
aquele tempo residiu, onde o pai da Declarante plantou árvores frutíferas
e construção de uma casa de barro, coberta com telhas francesas, lavoura
de milho, arroz e feijão; 6) Que chegou Fábio, o filho do proprietário das
terras, com revólver em sua cintura, acompanhado com peões, começou a
173
ameaçar a Declarante se não saísse do local ia derrubar tudo; Que
noutro dia o Fábio retornou, desta vez acompanhado com policiais civis,
os quais pediram para que a Declarante os acompanhassem até a cidade
para resolver a situação, por que se não fosse as conseqüências iriam ser
piores; Que a Declarante concordou e foi a cidade em companhia de seu
esposo e seus filhos menores de idade; Que daí que ficou sabendo na
delegacia que o Flavio estava acusando a Declarante de estar
desmatando a beira do córrego, mas isso foi uma mentira, uma
estratégia 15) de Fabio para retirar a Declarante do local, visto os
peritos estiram no local para fazer averiguação, e não havia sinal de
desmatamento; Que depois de dois dias a Declarante retornou ao sitio,
onde deparou com tudo 18) destruído, e com sinais de incêndio, Que
alguns pertences estavam amontoados na estrada. Que a Declarante não
viu e ninguém lhe contou que foi o Fábio que provocou os danos, mas é
certo que foi, pois é a única pessoa interessada na expulsão da
Declarante e sua família daquele local; Que ratifica todas as
informações dadas neste inquérito, que quer esclarecer que por várias
vezes ele a ameaçou de destruir tudo, que apenas esperou um momento
oportuno para fazer tal ato, Que tudo foi planejado por ele, em mandar
policias e buscar a Declarante e levar até a cidade, para que a casa
ficasse desocupada, e daí então destruir tudo, e coloca os pertences da
Declarante na beira da estrada; Que hoje a Declarante não mora mais
no sítio, pois foi despejada por ordem judicial, que entrou com recurso
para voltar às terras, mas ainda não teve resposta; Que Flavio vendeu as
terras e hoje não mais é proprietário daquelas terras; Que esclarece a
declarante que não tem testemunhas deste fato, pois onde morava era um
lugar muito afastado e não tem moradores na região. Nada mais disse
nem lhe foi perguntado vai assinado por todos e por mim escrivão que o
digitou. (grifos do aluno).
174
Trechos da análise do Texto 1 - Termo de Declaração
Aluno (25) - Retomamos a linha 01 quando se escreve: Comparece
novamente em cartório para prestar esclarecimentos sobre a autoria
do delito”, por meio do termo novamente pressupomos que o S/D
compareceu pela segunda vez na delegacia para narrar sobre o que
aconteceu no dia em que ocorreram os fatos. O S/D ao relatar os fatos se
apropria da língua para expor a versão do dia em que estava no sítio e o
suspeito acompanhado com policiais o retirou das terras sob a acusação de
estar desmatando a beira do córrego. Percebemos que o S/D ao registrar os
fatos na delegacia, ocupa naquele momento o “eu” da discursivização
proposto por Benveniste (1995) como a pessoa subjetiva do discurso. [...]
Durante a enunciação o S/E pode mudar de posição do “tu”, para o “eu” no
discurso, pois para esclarecer os fatos a fim de realizar a transposição da
oralidade para a escrita, o S/E realiza algumas perguntas: quando, onde,
como, e com quem ocorreram os fatos, neste momento ocorre a
inversibilidade do ato enunciativo, característica da intersubjetividade.
Vejamos na linha 02: Que em março de dois mil e três a Declarante
estava no sítio em que nasceu e durante todo aquele tempo residiu
quando o S/D informa qual o dia, lugar e pessoas que estavam no palco
dos fatos, começam a discursar como aconteceram os fatos a fim de trazer
para o cartório a cena enunciativa em que o S/D participou. [...] No
terceiro momento o S/E após colher as informações necessárias para a
elaboração do texto começa a colocar a língua em funcionamento com a
transposição do discurso direto do S/D para o discurso indireto que é a
escrita em terceira-pessoa, que para Benveniste (1995) é a não-pessoa
subjetiva, justamente, porque para esse autor o “ele” está fora do quadro
da discursivização. (p. 24-25, grifos do aluno)
175
Nota-se neste item como o aluno (25) conseguiu atingir um nível
satisfatório da leitura do espaço cartorário, utilizando inclusive a terminologia “palco dos
fatos” para explicar ao leitor como acontece a inversibilidade entre o “eu”, “tu” e “ele”, ou
seja, a transposição do discurso direto para o discurso indireto. Alerta ainda seu leitor que o
“ele” está fora do quadro da discursivização para Benveniste, anteriormente analisado por
ele.
Observamos como o aluno (25) retoma as teorias para explicar seu dado,
por meio de um exemplo retirado do texto analisado:
Aluno (25) - Ao analisarmos o objeto de estudo, percebemos uma certa
limitação na teoria benvenisteana. Nas linhas grifadas analisamos o
processo da enunciação no Termo de Declaração considerado objetivo, em
que transparece o comprometimento do S/E pelas marcas deixadas no
texto. Como no primeiro grifo quando o S/D diz que foi acusado de estar
desmatando a beira do córrego. O S/E parece deixar transparecer a sua
opinião: mas isso foi uma mentira, uma estratégia (...) e não havia
sinal de desmatamento”, nesse processo o S/E parece se apropriar da
língua deixando evidente o ato individual, dando a entender que o discurso
do S/D é verdadeiro, ou seja, de que ele não é o responsável pelo provável
dano causado ao meio ambiente e de que foi uma estratégia do acusado
para alcançar seu objetivo de retirar a depoente do sítio e depois retirar os
pertences do local e destruir o barraco. Estas marcas mostram o processo
de recuperação do ato da enunciação, em que não ocorre à neutralidade do
S/E, deixando dúvidas entre quem enunciou mas isso foi uma mentira,
uma estratégia”, se foi do S/D ou do S/E, pois deixam transparecer
efeitos de várias vozes que levam a citação de Maingueneau (1996, p.
116). “no discurso direto livre encontramos elementos geralmente
considerados disjuntos: a dissociação dos dois atos de enunciação,
característica do discurso direto, e a perda de autonomia dos embreantes
do discurso citado, característica do discurso indireto”. (p. 26)
176
Entendemos que o aluno (25) mostra que uma voz que fala na
imparcialidade “mas isso foi uma mentira, uma estratégia [...] não havia sinal de
desmatamento” pela própria intercalação posta no texto o aluno (25) avaliamos que ele
consegue entender que no texto não neutralidade, explica na análise e a concatenação
com a teoria conforme acabamos de ler.
6.2. Compreensão do texto através de questionamento da bibliografia lida
O questionamento à bibliografia lida, por exemplo, por que se fala sobre
esses assuntos. Temos vários níveis de questionamento, no nosso ponto de vista, na
graduação os alunos devem perceber as diferenças entre as propostas teóricas e os
diferentes sentidos das palavras, como:
Aluno (25) - Neste momento, retomamos o texto para explicar a
transposição do discurso direto para o discurso indireto. Segundo
Maingueneau (1996, p.105) “a citação do discurso direto supõe a repetição
do significante do discurso citado e conseqüentemente a dissociação entre
as duas enunciações, citante e citada”, por exemplo, na linha 04: o pai da
Declarante plantou árvores frutíferas e construção de uma casa de
barro se convertermos para a fala citada do S/D ficaria do seguinte
modo: o meu pai plantou árvores frutíferas e construiu uma casa de
barro”, percebemos que uma transposição direta do discurso do “eu”
S/D feita pelo “tu” que digita o texto. Observamos desta forma que no
texto duas marcas de enunciação, a do S/D e a do S/E, pois a escrita na
situação de enunciação está sendo produzida em terceira pessoa, por um
“tu” da pessoa não-subjetiva do S/E que não esteve presente no momento
em que ocorreu o fato, por este motivo o S/E utiliza o discurso indireto.
Segundo Maingueneau (1996, p. 110) “levam-nos constantemente a nos
interrogar sobre a possibilidade de falar sobre a enunciação de outrem a
fim de lhe dar um equivalente”. (p. 25)
177
questionamentos apontados pelo aluno (25) no interior do seu texto
com base nas leituras teóricas realizadas durante a pesquisa que deixam transparecer uma
assimilação da teoria lida e uma compreensão ao relacionar com o dado analisado. E mostra
como por meio da análise se a transposição de um discurso indireto para o direto.
Vejamos outro dado:
Aluno (25) - Retomamos novamente o conceito de Guimarães (2002)
sobre a presença de mais de um enunciador no enunciado, que se refere ao
mesmo tempo em mais de um dizer, a do S/E que retoma o dizer da vítima
Manoel para interagir com o S/D “aqui a Declarante tomou
conhecimento que na verdade foi citada como testemunha de ameaça
que Paulo teria feito a Manoel”, e em seguida a voz do S/D que nega ter
sido testemunha do fato: “que não é verdade, pois nem sabia dessa
história”. Percebemos no texto a presença de mais de um enunciador, não
se sabe quem enunciou ou se o S/E ou o S/D, ocorrendo à multiplicidade
de vozes que enunciam, levam a entender que na enunciação o S/D e o S/E
tiveram a mesma opinião. Voltamos ao objeto sob estudo para o sentido
construído a partir da repetição do advérbio de negação não, esta palavra
utilizada pelo S/E no enunciado sugere vários sentidos: nega a enunciação
de outro, o juízo de valor, de opinião e dúvida: Que não pediu para que
seu nome fosse retirado por medo de Paulo, mas é porque não sabe de
nada da briga deles”. Pressupõe que o S/D negou a afirmação da vítima,
de informar à unidade policial que o S/D não queria que seu nome fosse
citado por medo do autor (Paulo). Também deixa a dúvida no enunciado
de quem enunciou a verdade ou a vítima (Paulo) ou o S/D. No enunciado
analisamos também a opinião: Declarante tomou conhecimento que na
verdade foi citada como testemunha de ameaça que Paulo teria feito o
Manoel, o que não é verdade, pois nem sabia dessa estória”, o não tem
um posicionamento de opinião em desfavor do enunciado anterior, após o
S/D saber que foi citado como testemunha, surge o parecer de vozes, não
178
se sabe se é do S/D ou do S/E que utiliza da voz do outro para dar a sua
opinião durante a escrita sobre a enunciação da vítima, esta opinião se
concretiza com o uso do pois, confirma a opinião anterior. O juízo de valor
está configurado no sentido dos vários não no enunciado e leva a entender
a condenação do dizer da vítima que não foi ameaçada pelo autor, ou de
indicar como testemunha uma pessoa que não participou da cena da
ameaça, orientando no enunciado para um sentido desfavorável à vítima.
(p. 37-38, grifos do aluno)
Esses seriam alguns tipos de apropriação do conhecimento na graduação
por meio da pesquisa. Consideramos que um outro nível de apropriação seria o aluno
absorver os discursos sem nenhuma marca explícita, como as ancoragens de um texto. Esse
nível de escrita requer uma prática mais longa de pesquisa e maturidade da escrita e é mais
difícil de ser depreendido nos textos de alunos de graduação.
Mas, certos momentos no texto do aluno (25) essa que a teoria produz
sentidos, por exemplo, ao explicar os limites da teoria de Benveniste, ele consegue
depreender na estrutura do texto analisado, marcas que denunciam que o sujeito não é
onipotente e que o texto mascara vozes do discurso do “outro”. Verificamos:
Aluno (25) - Trechos da análise do Texto 2 - Termo de Declaração
Agora passamos para o texto (produto) acima a fim de analisarmos o
dialogismo em Bakhtin (1999): o S/D comparece em cartório para relatar
sobre a ameaça praticada contra a vítima (Manoel), uma vez que o S/D é a
pessoa que presenciou o autor (Paulo) de ter ameaçado a vítima dentro do
supermercado Bom Preço. Percebe-se que ocorrem várias perguntas feitas
pelo S/E, um ser social da instituição policial o qual tem o intuito de
esclarecer os fatos narrados pela vítima que disse ter sido ameaçada pelo
autor (Paulo). [...] Ao realizarmos o processo de análise do texto objeto,
observamos a organização em Termo de Declaração a partir das linhas 1,
3 e 4 em que estão inseridos três nomes que: Paulo, Manoel e Valdeci,
179
pressupõe que o S/E perguntou ao S/D sobre essas pessoas: Que conhece
acerca de um ano Manoel” [...] Que conhece Valdeci desde sua
infância e quanto ao indivíduo de nome Paulo vulgo “Cascudo”, o
conhece de vista sendo ele cunhado de Valdeci”, esta introdução é uma
forma de organização textual para criar efeito de sentido dialógico para os
destinatários deste texto, é pelo enunciado que observamos o dizer do
enunciador, fazendo com que ocorra uma orientação para o destinatário
real que irá interpretar e construir o sentido por ele atribuído. [...]
Continuamos com a análise do enunciado para perceber as evidencias do
dialogismo partindo do dizer da consciência de outro, se substituirmos o
enunciado percebemos a voz do enunciador S/D eu conheço acerca de
um ano Manoel”; ao mesmo tempo sugere uma voz que enuncia de outro
lugar ele ‘S/D’ conhece Manoel”, ou ainda o enunciador S/E havia
sido enunciador em outro enunciado, e por isso sabia que o S/D
conhecia o Manoel: “eu ‘S/E’ sei que “tu” S/D conhece Manoel e
por isso trouxe este conhecimento para a enunciação para confirmar o fato
com o S/D, pois o S/E estava afetado por outros discursos, neste sentido
não ocorre a referência à pessoa S/D e nem ao S/E, mas do outro que fez
com que o discurso e o enunciado fosse constituído, entre outras palavras
através do processo de Termo de Declaração que chegamos a este dizer
que não foi uma novidade para os enunciadores dessa enunciação, mas
uma orientação aos destinatários desse enunciado. [...] Retomamos o texto
às linhas 05 a 06 para perceber a contextualização feita pelo S/E para o
S/D sobre a ameaça praticada contra Manoel: Que não tem
conhecimento de que Paulo ao se encontrar com Manoel no
Supermercado Bom Preço tenha dado a este algum dinheiro”,
pressupõe que o S/E perguntou ao S/D sobre o testemunho deste fato, pois
está afetado pela leitura de outro enunciado, e traz este fato para o
conhecimento do S/D a fim de se certificar dessa enunciação em que o S/E
não esteve presente. No entanto, através da marca de negação Que não
180
tem conhecimento deixa transparecer o conflito das vozes, daquela que
faz a pergunta sobre este fato e daquela da afirmação do encontro entre a
vítima e Paulo no Supermercado Bom Preço e a entrega do dinheiro a
Paulo: Que Paulo se encontrou com o Declarante (Manoel) no
Supermercado Bom Preço e deu dinheiro a ele”, em seguida deixa
transparecer uma opinião contrária a voz de confirmação do testemunho da
ameaça: não é verdade que falou para Manoel que tinha visto Paulo
falando para Valdeci que pretendia pegá-lo“, observe a palavra pegá-lo
que pressupõe a ameaça, que leva a mais de um sentido, ou de “bater” ou
de “matar”. A palavra pegá-lo sugere o dizer do S/D, ou seja,
provavelmente ele disse “não falei para Manoel que tinha visto Paulo
falando para Valdeci que ia pegar ele”. Com a língua escrita o S/E têm
o cuidado da formalidade com o uso do pegá-lo, e na linha 22 é substituído
este verbo pelo substantivo ameaça, com este fator percebe-se o
apagamento do coloquial para o padrão da escrita policial. Neste sentido
ocorrem diferenças lexicais de uso entre o S/E e o S/D, um está mais
acostumado com o vocabulário técnico e o outro com o vocabulário do
dia-a-dia, e que ao colocar a língua em funcionamento através da escrita o
S/E mesmo buscando a objetividade com o uso de expressões formais
deixa transparecer a subjetividade, pois não é dono do dizer do outro, mas
do seu dizer. e dele que é constituído, ou seja, o S/E ao retomar a voz do
outro se constitui pela sua voz que está constituída por outras vozes: Quem
disse ameaça, o S/E ou o S/D, ou outras vozes que enunciam no
enunciado? [...] Continuamos com análise da linha 07 o S/D ao prestar sua
versão declarara não ter presenciado a entrega do dinheiro ou da ameaça,
apenas confirmou ter visto os dois (Paulo e Manoel) no supermercado e de
saber da briga entre eles através de terceiros: Que na fazenda o pessoal
estava contando que os dois tinham brigado no mercado Bom Preço,
não sabendo a Declarante o motivo da desavença. E na linha 10 viu
no interior do mercado as pessoas de Paulo e Manoel, não tendo
181
conversado com nenhum deles e não os presenciou conversando”, na
construção do sentido observa-se a argumentação do S/D ou do S/E, não se
sabe quem é a voz que enuncia com o propósito de defender a versão de
não ter presenciado a coação do autor contra a vítima. Esta produção
exprime um sentido dialético no enunciado, que ao ser processado ganha
outro sentido dialético. (p. 33-36, grifos do aluno)
Em todo seu trabalho o aluno (25) utiliza os passos de uma pesquisa
inicial, comenta o dado, fundamenta a proposta. O texto produzido por ele produz um
sentido, como:
Aluno (25) Assim a subjetividade transpassa os limites do “eu” e do “tu”,
por mais que o S/E tente manter-se afastado, ao produzir o texto em
terceira pessoa, ele não consegue se afastar pela totalidade, uma vez que
ocorre um ato individual na escrita, deixando transparecer características
de juízo de valor a favor do S/D e contrário à justiça. Ocorre que parece
não haver um lugar definido do “eu” ou do “tu” benvenisteano, ou seja, de
quem enunciou, pode ser tanto o S/E como o S/D. O que nos leva a inferir
uma forma de impessoalidade do “ele” que se mascara para se dizer “eu”.
Esses fatos acontecem devido a inerência em toda linguagem do processo
da enunciação. Por isso se torna limitado à teoria de Benveniste (1995),
como diz Guimarães (2002) “Esse conjunto de aspectos pode levar a
censurar Benveniste, o fato de tratar a língua para o semântico de um
modo tanto automático: basta se apropriar da língua para constituir-se o
sujeito da enunciação” (p. 47, grifos do aluno)
Percebemos que o aluno confirma as palavras do autor Benveniste e ao
mesmo utiliza o texto de outro autor que questiona o limite da teoria benvenisteana. Nisso
avaliamos que uma compreensão por parte do aluno (25) em relação a sua produção e
182
não somente mecanização de conceitos de áreas. Ele mostra por mais de uma análise o
entendimento de que não há uma neutralidade no texto Termo de Declaração.
6.3. Operação com a teoria e os dados analisados
Vejamos que o aluno (25) consegue mais uma vez apresentar uma
compreensão da leitura da teoria utilizada, mostra uma leitura significativa dos dados. Faz
uma inversão das frases e procura explicar como na estrutura do texto as vozes se misturam
e não como recuperar totalmente o que se chama imparcialidade nos textos de caráter
objetivo.
No próximo trecho, mostramos como o aluno (25) analisa o dado a partir
da teoria do dialogismo e polifonia o uso das expressões “não” e “mas”. Ele procura
explicar quais são as possíveis vozes presentes nos textos:
Aluno (25) - Retomamos este conceito com o dizer de Guimarães (2002)
nos estudos da semântica da enunciação, na verificação do dialogismo e
polifonia nos enunciados em que aparecem “as diversas representações do
sujeito da enunciação no enunciado” (p. 21). O texto sob estudo produzido
em terceira pessoa tem o efeito de transposição do discurso direto
produzido pelo enunciador S/D e pelo discurso indireto produzido pelo
enunciador S/E que reflete uma dialogia interna não podendo se limitar
apenas ao dizer individual. Nessa linha, mostramos estes vestígios com
grifo que deixa transparecer várias interpretações: Que não pediu para
que seu nome fosse retirado por medo de Paulo, mas é porque não
sabe de nada da briga deles”, ocorre à perspectiva do enunciador
contrapondo com outro enunciador com as marcas de negação não e do
mas que transpõem a opinião do enunciador e das vozes no processo
enunciativo:
183
.A afirmação: pediu para que seu nome fosse retirado por medo de
Paulo”;
. A negação da afirmação: “não pediu para que seu nome fosse retirado
por medo de Paulo”;
.A da pergunta: você pediu para que seu nome fosse retirado por
medo de Paulo?”;
.A dúvida: “pediu ou não pediu para que seu nome fosse retirado por
medo de Paulo”?
No dialogismo não ocorre a dualidade do sim/não, mas de uma
consciência responsiva/ativa que se concretiza com a marca da opinião:
mas que não sabe de nada da vida deles”, o masproporciona sentido
de justificação desta negação:
. A voz “nega porque não sabe nada da briga deles”;
. A voz “não afirma porque não sabe nada da briga deles”;
. A voz pergunta “você sabe da briga deles?”;
. A voz pergunta “alguém sabe da briga deles?”.
O uso do mas justifica a perspectiva do não opondo-se ao outro
enunciador daquele que afirmou ele pediu para que seu nome fosse
retirado por medo de Paulo”, pressupõe que o mas opina/justifica:
mas ele não sabe nada da briga deles”, mas ele não pediu para que
seu nome fosse retirado por medo de Paulo”, ocorre a voz que enuncia
de um outro lugar para argumentar com o seu destinatário, estas vozes
dialogam e deixa contradições, e por isso no processo do dizer deste
enunciador o Termo de Declaração não se torna completo. (p. 36, grifos
do aluno)
O aluno (25) consegue concatenar a teoria ao dado analisado. Ultrapassa o
nível da paráfrase e da repetição ao interpretar seu objeto de estudo a luz de uma teoria, ou
melhor, entre o limite de duas teorias. Nisso consentimos, há apropriação de conhecimento,
184
pois neste trabalho em que transpomos praticamente quase todas as análises feitas pelo
aluno (25), foi possível entender que somente a forma estética da escrita monográfica não
sustentaria essa compreensão teórica mostrada nas análises feitas pelo aluno (25). Ele
consegue propor uma leitura que vai além do texto analisado, mostra um dialogo feito a
partir de suas indagações.
A partir do texto analisado em que a presença do “não” e do “mas” o
aluno (25) entendeu a teoria lingüística que explica as múltiplas possibilidades de
entendimento do discurso em funcionamento e coloca isso em prática ao elaborar os
seguintes enunciados:
Aluno (25) - No dialogismo não ocorre a dualidade do sim/não, mas de
uma consciência responsiva/ativa que se concretiza com a marca da
opinião: mas que não sabe de nada da vida deles”, o mas
proporciona sentido de justificação desta negação:
. A voz “nega porque não sabe nada da briga deles”;
. A voz “não afirma porque não sabe nada da briga deles”;
. A voz pergunta “você sabe da briga deles?”;
. A voz pergunta “alguém sabe da briga deles?”.
Nisso compreendemos que ele foi capaz de se deslocar do lugar comum da
repetição ao elaborar vários enunciados, propondo um novo sentido para o “não” e para o
“mas” a partir do seu contexto de enunciação.
O texto do aluno (25) se destacou dentre os demais por ser um texto
produzido fora da sala de aula e não teve somente como objetivo o cumprimento da escrita
da monografia de final de curso. Ele mostrou preocupação em entender o funcionamento da
língua em outros âmbitos que não fossem os textos circulados dentro da universidade, ou
por ele estudados durante seu curso. Também não procurou entender que tipo de gênero
discursivo pertencia o Termo de Declaração, seu objetivo era entender como as vozes
185
dialogam no momento em que o texto é produzido e ressignificado em outros momentos,
como foi no caso de sua análise.
6.4. Absorção do discurso do “outro”
Neste item verificamos como aparece a absorção do discurso do “outro”
no texto do aluno (25). Segundo o sentido dicionarizado, absorver é anexar, assimilar uma
cultura pela fusão com outra, dominante ou não. No caso analisado, verificamos como o
aluno (25) absorveu a teoria em relação ao objeto estudado, para isso selecionamos dois
pontos que consideramos interessantes para observar se o aluno foi capaz de assimilar o que
foi pesquisado: a introdução e as considerações finais. Nessas partes do texto é possível
depreender se uma amarração entre o que se propôs como objetivo e o lugar em que se
chegou. Mostramos ao leitor parte da transcrição desses dois itens escritos pelo aluno (25):
Aluno (25) – Introdução
A presente pesquisa tem o objetivo de entender como funciona a língua em
Termo de Declaração, por serem textos produzidos de forma objetiva, há a
função de caráter informativo. Observamos, neste trabalho essa suposta
neutralidade: se quando o Sujeito/Depoente (S/D) narra os fatos, o
Sujeito/Escrivão (S/E) procura obter a imparcialidade dos fatos narrados.
Ou seja, observamos se o texto Termo de Declaração deixa transparecer
um juízo de valor, opinião, ou traços de subjetividade. Acreditamos que
apesar destes textos não circularem em todos os espaços sociais, é
relevante verificar, como eles são produzidos, uma vez que a questão da
linguagem circula em todos os espaços sociais. Neste sentido, percebemos
que o processo de concretização da escrita Termo de Declaração, objeto
sob estudo, os sujeitos: depoente e escrivão são socialmente organizados,
dialogam no espaço cartorário para construir o sentido no texto. A
significação das palavras que retratam os sujeitos depoentes e escrivão e
levam-nos ao conceito bakhtiniano sobre o dialogismo na linguagem.
186
Nossa análise se organiza em: introdução do trabalho; objetivo do estudo;
justificativa e o corpus. uma exposição do referencial teórico da
lingüística da enunciação com as principais questões referentes à
subjetividade em Benveniste e o dialogismo na perspectiva de Bakhtin.
Em conformidade a estas teorias realizamos as análises materializadas
neste trabalho. (p. 9)
Entendemos que o objetivo proposto pelo aluno (25), conforme foi
apontado pelas suas análises, foi atingido. Ele consegue distinguir as vozes presentes nos
textos termos de declaração e indicar a subjetividade em textos considerados de caráter
objetivo. Concatenou o referencial teórico com os dados e delineou um limite entre a
linguagem técnica do Termo de Declaração e o conhecimento lingüístico adquirido durante
seu curso de Letras.
Por sua vez, nas considerações finais observa-se que o aluno (25)
realmente escreveu seu texto a partir de um discurso que poderíamos dizer “suas próprias
palavras” e percebemos a absorção de conhecimento e relação entre a teoria, objetivo e
dados propostos. Como:
Aluno (25) - Considerações Finais
Valendo-nos da noção de subjetividade, sob uma perspectiva de
Benveniste, para analisar Termo de Declaração, texto de caráter objetivo.
Defendemos a noção básica de que nestes textos objetivos, o S/E busca
estabelecer em seu ato enunciativo uma simulação de apagamento, para
não se comprometer com os fatos narrados pelo S/D, porém mesmo
mascarando este apagamento, o S/E deixa marcas de caráter subjetivo. [...]
Neste entendimento, entendemos que textos objetivos, também podem ser
considerados subjetivos, devido ao eu/S/E enunciar de outro lugar para
assumir uma posição de apagamento do discurso do eu/S/D. [...] Também
podemos esboçar nesta conclusão sob a ótica bakhtiniana que considera a
subjetividade uma troca verbal, ao observar no Termo de Declaração
187
evidências argumentativas que levam o S/E e o S/D a dividirem o mesmo
espaço discursivo, pois buscam através destes textos obter a
informatividade para elucidar fatos de natureza delituosa. O Termo de
Declaração é o resultado concreto da enunciação, e é nele que percebemos
o “outro” na linguagem. Este “outro” interlocutor que também pode
pertencer a outro grupo social que faz a leitura do Termo de Declaração
em outro espaço externo a unidade policial, que seria o “outro” da justiça
forense (juízes, promotores) e advogados, e que o Termo de Declaração
possui um discurso informativo para circular em determinado público,
neste caso a justiça forense e a unidade policial. Por fim, os textos que
trouxemos para o nosso estudo enunciativo são portadores de opinião,
juízo de valor ou traços de subjetividade, de um S/E que não é dono do
discurso do S/D, que essas marcas se concretizam pelas vozes que a
enunciam, desses sujeitos que se constituem quando produzem seus
discursos, e do discurso destes sujeitos que está constituído pelas múltiplas
vozes sociais. (p. 41)
Quando o aluno (25) descreve o espaço cartorário “Este ‘outro’
interlocutor que também pode pertencer a outro grupo social que faz a leitura do Termo de
Declaração em outro espaço externo a unidade policial, que seria o ‘outro’ da justiça
forense (juízes, promotores) e advogados, e que o Termo de Declaração possui um discurso
informativo para circular em determinado público, neste caso a justiça forense e a unidade
policial”, ele aponta na conclusão que os textos são portadores de juízo de valores, como
também a concretização de que o discurso do S/D e do S/E se constituem pelas vozes
sociais, um discurso sem delimitação fixa de interpretação e ausente de neutralidade, assim
como propõe a composição do texto Termo de Declaração.
Quanto ao fato de o aluno (25) ter experiência com a escrita, em seu
ambiente de trabalho, reconhecemos que este fato pode ter influenciado na escrita do texto,
porém cabe reafirmamos que a função da universidade é de fazer com que o aluno de fato
atue sobre a escrita durante a graduação, uma vez que não se pode contentar ou esperar que
188
a experiência da escrita venha apenas de fora da universidade, como é o caso do aluno (25)
que é escrivão e sua profissão exige uma prática constante da escrita.
Para terminar este capítulo, chamamos mais uma vez nosso leitor a refletir
sobre a necessidade de uma mudança na forma como hoje são ministradas as aulas, ou
mesmo, como o aluno tem demonstrado o conhecimento adquirido durante os anos de
graduação. E apontamos uma distinção entre incorporação e apropriação que pode ser
facilmente captada se levarmos em conta o que mostramos como paráfrase, por exemplo,
alguém que não compreendeu a teoria de Análise do Discurso pôde, no entanto, parafrasear
eficientemente um texto da área, bastando para tal ter acesso à teoria, ao passo que para
apropriar-se desse conteúdo não foi capaz de apresentar um resultado satisfatório nas
análises dos dados, pois não como analisar um dado somente repetindo os conceitos
teóricos da área. E essa diferenciação observa-se no trabalho do aluno (25) porque ele
demonstrou pela escrita das análises ter compreendido a teoria e consideramos que houve
uma apropriação do conhecimento.
189
POSSÍVEIS CONSIDERAÇÕES
Este trabalho iniciou-se com o objetivo de verificar em textos produzidos
por alunos de graduação em Letras como se o processo de incorporação do discurso do
“outro” na escrita, durante o trabalho apontamos a prática constante da pesquisa na
graduação como forma de sustentação da apropriação do conhecimento e percebemos que a
produção do conhecimento na universidade ainda se baseia numa concepção de ciência
idealista e para consumo.
Fazendo uma relação da ruptura epistemológica proposta por Pêcheux
(1975) com o ensino na universidade, vimos que a escrita dos graduandos, aqui concebida
como produção de conhecimento, revela uma base de equivalência, de reformulação
parafrástica, não uma compreensão teórica, mesmo nos trabalhos dos alunos que
propõem a fazer suas pesquisas na área de Análise do Discurso. Não na escrita
demonstração de um entendimento que não seja de uma ciência pautada na verdade, na
observação, na comprovação.
O discurso da universidade deveria provocar nos alunos uma ruptura
epistemológica, quando falamos em epistemologia seria entendimento das áreas de um
determinado curso. Mas temos uma universidade que se pauta no ensino da reprodução, nos
produtos de pesquisa, não ainda claramente uma proposta que deixe o aluno ir além da
verificação, não espaço para pensar, quando nos referimos a pensamento não
entendemos aqui como o real, mas o romper com os discursos cristalizados como o da
paráfrase, da repetição e da imitação.
A produção deveria passar por uma transformação que não fosse do sujeito
empírico, nem de uma atividade humana, teria de haver uma compreensão de produção que
não fosse o real tomado como realidade. Os alunos deveriam, no final de um curso de
graduação, entender minimamente as passagens de áreas, reconhecer os limites das
disciplinas. O conhecimento não é feito por partes, para que haja uma ruptura tem de haver
o entendimento de onde se veio e para onde se vai. Produzir é compreender o exterior à
língua, é entender que a exterioridade se dá pela ideologia.
190
A incorporação do discurso do “outro” é justamente essa ausência de
produção em que os alunos ora reescrevem, ora reformulam, ora parafraseiam, mas não
um momento de deslocamento para o produzir, o transformar. Por não entenderem o que
escrevem, a escolha mais provável é a repetição mecânica dos percursos já feitos por outros
autores.
Percebe-se que os textos analisados possuem um modelo canônico que
inclui a fundamentação teórica de um percurso da teoria que, no entanto, muitas vezes
coincide com “a incipiência da prática da produção escrita nos cursos de graduação que
restringem-se a uma seqüência de redações sobre temas supostamente polêmicos ou
resenhas ‘mal ruminadas de teorias’
64
”, (Barzotto, 2006) seguidas da apresentação da
análise dos dados com leituras descritivas. No nosso ponto de vista, refletir teoricamente
sobre a prática da escrita acadêmica denuncia a ineficiência na produção do texto
universitário.
Verifica-se uma certa tendência ao modismo de disciplinas, à incorporação
do discurso do momento, à mecanização de conceitos teóricos e à reformulação de dados.
Os alunos, ainda que se proponham a fazer pesquisa, não conseguem delimitar o objeto de
estudo e concatenar a teoria estudada durante o curso para analisar os dados.
Nisso, insistimos que não como desvincular a universidade da atual
conjuntura política, uma das explicações que encontramos para a construção do processo da
hegemonia da universidade é o atual sistema capitalista que tem como base o consumismo.
Vivemos numa época em que a informação é muito rápida e ao mesmo tempo não uma
filtragem desse conhecimento que é produzido e veiculado nos meios de comunicação. O
sujeito contemporâneo constantemente se angustia pelo sentimento de incompletude e sua
escrita reflete justamente essa situação de momentaneidade, de aplicação, de apresentar
soluções, propostas. Neste contexto a Análise do Discurso tem sido apresentada como algo
a ser usado e divulgado, e não necessariamente como conhecimento componente de uma
formação.
Esse processo constante da construção da mercantilização da universidade,
além de provocar a perda de sua autonomia, afeta o ensino. Ponderamos que atualmente o
64
Expressão formulada por Rodolfo Ilari.
191
governo tende a comparar administrativamente a universidade pública com qualquer outra
empresa, não considerando o aspecto da produção do conhecimento e nem a pesquisa. O
que interessa aos órgãos financiadores de pesquisa, como apontamos, é o utilitarismo da
pesquisa, a profissionalização imediata do aluno para o mercado de trabalho, ainda, que
muitas vezes o curso não ofereça qualidade. Por isso, os cursos mais visados tem sido
aqueles que iniciam do nada para se chegar ao nada, pois o curto tempo que é destinado ao
aluno em sala de aula não é suficiente para que haja uma apropriação devida do
conhecimento. Isso tem transformado a universidade em unidades de oferecimento de
cursos técnicos e tem sido nossa preocupação com a formação de professores,
especificamente na área de Letras.
Chauí (2001) descreve a comparação da universidade com o
supermercado, é justamente a venda do produto pronto. Pois no supermercado não
fabricação, criação, transformação, os produtos são colados em prateleiras para serem
escolhidos e vendidos, muitos nem imaginam quais são os processos pelos quais passaram
o produto para chegar até às prateleiras do supermercado. Os consumidores compram e os
consomem sem se preocuparem com a fabricação, isso é equivalente aos alunos que
querem ser aprovados no final do curso e adquirir um diploma, uma autorização de uma
instituição que lhe certifique uma formação universitária, embora essa formação seja
altamente questionável.
O discurso da universidade é o da inculcação, nem sempre os alunos
conseguem entender o funcionamento do seu curso, disciplinas, e até entender mesmo os
conteúdos, que são ministrados por meio das disciplinas, um saber transmitido de forma
técnica e que não atinge o conhecimento em seu domínio teórico. O aluno sabe que
freqüenta uma instituição de ensino superior, mas a instituição forma alunos voltados a
entender o mundo pelo “real”, ou seja, na busca de explicações palpáveis de verdades.
O que interessa, quando nos referimos à apropriação do conhecimento, é a
possibilidade de o aluno atingir os múltiplos sentidos e não somente a informação de fatos
determinados. Essa apropriação é o apreender o conhecimento e a partir disso criar sentidos
para os discursos circulados em uma determinada época e formação discursiva.
192
Temos ainda na universidade a idéia de que a atividade de dar aulas se
distingue categoricamente da pesquisa, com isso não investimento em pesquisa na
formação de professores. A universidade precisaria refletir sobre sua própria ação enquanto
lugar de formadora de profissionais com habilidade a produzir um conhecimento com bases
sustentáveis de sua área específica de atuação.
Diante desses questionamentos, Barzotto (2005) aponta para o fato de que
em geral os pesquisadores assumem uma determinada postura teórica de prestígio no
período em que estão escrevendo suas pesquisas, mas não a sustentam ao analisar os dados,
ou seja, material escolhido como fruto deste trabalho.
Ressaltamos que os textos acadêmicos lidos para embasamento de nossas
análises passam, então, a ter outras funções além de tomar parte, de alguma forma, da
sustentação teórica da nossa pesquisa. Barzotto (2005)
65
tem considerado que é importante
tomar a produção recente, em especial aquela da década de 90, sobre o ensino de Língua
Portuguesa, ao mesmo tempo como material que pode contribuir para a formação em
Letras, como embasamento teórico, mas também como corpus de análise.
Isso leva a construir a hipótese de que, para além de a repetição ser um
momento do aprendizado da escrita, tem se tornado, cada vez mais, parte de uma cultura
escrita própria do meio acadêmico. O que, segundo Barzotto (2006), é “a incorporação de
um texto em outro feita de forma repetidora ou parafrástica, protegida pelos postulados
também repetidos, parafraseados”. Ou seja, ao aceitarmos o postulado de que a repetição
consiste em um momento do aprendizado, esta aceitação amplia o alcance deste enunciado
para vários outros momentos da escrita, causando problemas para a idéia de produção
acadêmica.
Nas análises apresentadas no nosso trabalho mostramos alguns
procedimentos constantes em textos produzidos por graduandos. Os dados parecem sugerir
uma orientação para escrita do seguinte tipo: em depoimentos sobre as orientações para a
escrita de trabalhos na universidade, alunos revelam que às vezes são feitas recomendações
como a que segue: diante da dificuldade de escrita dos alunos, professores às vezes chegam
65
Ensino da Leitura: Os limites do texto e de seu suporte projeto de pesquisa desenvolvido na FEUSP-
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
193
a sugerir o próprio texto para que o aluno faça uma paráfrase. Outros chegam a ensinar a
conhecida fórmula de como escrever um capítulo teórico: copiar um texto tal qual o autor
escreveu e depois recheá-lo com as próprias palavras. Também existem aqueles que lançam
mão de facilidades como tomar textos resenhados disponíveis na WEB; baixam alguns
desses arquivos e se propõem a costurar textos, quando não transpõem integralmente
trechos para os trabalhos, sem as devidas indicações. Podemos considerar esses
procedimentos como exercício de aprendizagem de escrita, mas o que causa estranhamento
são os alunos de Letras produzindo textos monográficos seguindo essas orientações no final
do curso de graduação.
Ao refletir sobre essa formação repetidora em que nos deparamos hoje na
universidade, seria possível transpor para este contexto o que Landowski (2002) fala sobre
a situação do “estrangeiro” na França. Tem-se um discurso oficial da assimilação desse
estrangeiro, o discurso “Sr. Todo Mundo” de sua aceitação como qualquer outro francês,
sem preconceitos e sem discriminação. Da mesma forma existe também o discurso da
exclusão que faz oposição ao da assimilação:
Porque, na verdade, não encarar os fatos? Por que não admitir que o
estrangeiro, na realidade, nunca será dos nossos, que jamais poderá sê-lo,
que não deve tornar um dos nossos? Que seu ‘odor’ odioso por definição,
deve-se à sua ‘raça’, e que não é, portanto, possível de ser eliminado?
Resumindo: que é urgente conter. E mesmo provavelmente, repelir,
rejeitar excluir o estrangeiro, esse eterno “invasor”. (Landowski, 2002,
p. 9)
Segundo esse autor as duas atitudes, a de assimilação e a de exclusão,
“correspondem respectivamente, em profundidade, a cada uma das duas partes
complementares de uma única e a mesma operação: padronização e ingestão do ‘mesmo’, e
correlativamente, triagem e eliminação do ‘outro’ ”. (Landowski, 2002, p.10)
Se compararmos o estudo de Landowski (2002, p.10) com o contexto
desta pesquisa, podemos dizer que temos uma universidade que finge aceitar esse estudante
194
que produz por meio da repetição, da paráfrase e da imitação, ao aprová-lo na graduação e
até absorvê-lo em programas de pós-graduação. Esse seria o discurso da assimilação de
aceitação do aluno egresso. Por outro lado temos o discurso da exclusão ao vermos esses
mesmos programas tecendo críticas sobre a produção desses alunos em bancas de defesas,
afirmando que esses alunos não sabem escrever. E não raro quando se submetem a
concurso fracassam em deter um lugar na ordem de uma universidade de destaque,
reproduzindo assim, também, uma segregação entre IES “de excelência” e IES “menores”
(às quais resta imitar as primeiras e buscar nelas, sempre, auxílio).
Nosso questionamento incide sobre o discurso da assimilação, do qual
trata Landowski (2000) porque se a universidade continua a alimentar com naturalidade a
repetição, sempre irá existir a diferença entre os grandes centros de ensino e de pesquisa,
assim como os médios e os pequenos. Existirão sempre as mesmas referências para os
mesmos assuntos. Irão perpetuar a reprodução do conhecimento em massa.
A universidade deveria solucionar esse problema assim como aponta
Certeau (1995), ao falar sobre as universidades diante da cultura de massa, pois nessa
relação “entre cultura e a massificação de seu recrutamento, a conjuntura requer que ela
produza uma cultura de massa” que esteja voltada para o cotidiano de seus alunos e não
reproduzir um conhecimento por meio do discurso do dominante. Sabemos que:
A cultura do estudante do primeiro ciclo, portanto, é muitas vezes uma
acumulação e uma miscelânea. Ela procede por ‘colagens’ e por
justaposições, ainda que, no interior de cada especialidade, ao modo de
uma iniciação que apresenta paradoxalmente (e abstratamente) a disciplina
sob a sua forma mais rígida (e, enfim, a menos científica), o discurso
universitário separe cuidadosamente ‘livros básicos’ e ‘livros de
vulgarização’, classifique minuciosamente as referências segundo seu
‘valor’ em uma gradação particular do docente, situe-se ele próprio graças
a uma diferenciação entre o ‘puro’ e o ‘impuro’, distinguindo-se, assim,
por oposição a toda vulgarização. Também o docente é presa de espanto,
diante de uma aberração quase ultrajante, quando o estudante associa à
195
melhor ‘obra básica’ a ‘pior’ das vulgarizações, sem que pareça ter a
percepção de uma diferença de níveis entre elas. Esse nivelamento desafia
a hierarquização características das referências universitárias. (Certeau,
1995, p. 112-113)
Sabemos também que outra controvérsia: precisamos reiterar a prática
da escrita na universidade para conseguir um lugar na comunidade acadêmica, ou como
comunidade leitora, uma vez que o “diferente não tem um lugar garantido”, como afirma
Landowski (2002). Finge-se aceitá-lo, mas não aceitação nem aberturas para tais
questionamentos na universidade, pois de alguma forma a repetição se tornou parte dessa
cultura. E para que aconteça essa reiteração do aluno na comunidade leitora, Chartier
(1994), alerta que:
Deve-se levar em conta, também, que a leitura é sempre uma prática
encarnada em gestos, em espaços, em hábitos. Distante de uma
fenomenologia que apaga qualquer modalidade concreta do ato de ler e o
caracteriza por seus efeitos, postulados como universais (como também o
trabalho de resposta ao texto que faz com que o assunto seja mais
facilmente compreendido graças à mediação da interpretação), uma
história das maneiras de ler deve identificar as disposições específicas que
distinguem as comunidades de leitores e as tradições de leitura. Essa
abordagem pressupõe o reconhecimento de várias séries de contrastes; em
primeiro lugar, entre as competências de leitura. A clivagem entre
alfabetizados e analfabetos, essencial mas grosseira, não esgota as
diferenças em relação ao escrito. Aqueles que são capazes de ler textos
não o fazem da mesma maneira, e uma grande diferença entre os
letrados talentosos e os leitores menos hábeis, obrigados a oralizar o que
lêem para poder compreender, ou que só se sentem à vontade com algumas
formas textuais ou tipográficas. contrastes, igualmente, entre as
normas e as convenções de leitura que definem, para cada
196
comunidade de leitores, os usos legítimos do livro, as maneiras de ler,
os instrumentos e procedimentos da interpretação. Contrastes, enfim,
encontramos entre os diversos interesses e expectativas com os quais os
diferentes grupos de leitores investem a prática da leitura. Dessas
determinações que governam as práticas dependem as maneiras pelas
quais os textos podem ser lidos e lidos diferentemente por leitores
que não dispõem das mesmas ferramentas intelectuais, e que não
mantêm uma mesma relação com o escrito. (Chartier, 1994, p. 13, grifos
nossos)
Percebe-se na exposição das idéias do autor que não é qualquer leitor que
está autorizado a interpretar qualquer texto, isso depende de uma habilidade, e essa, por sua
vez, se adquire por meio de uma prática que tem de ser ensinada e não incorporada ao acaso
de formações esporádicas como acontece em algumas instituições.
Quanto às publicações repetidoras, a aceitação manifesta-se por sua
publicação em revistas indexadas, mas intrinsecamente sua qualidade não resiste a
comparações com textos anteriores das quais não se distingue, nas quais não se apóia, mas
se cola, com as quais não luta, pois é dependente. São produções excluídas porque não
correspondem a uma obra no sentido usado por Bakhtin (2000):
As obras de construção complexa e as obras especializadas pertencentes
aos vários gêneros das ciências e das artes, apesar de tudo o que as
distingue da réplica do diálogo, são, por sua natureza, unidades da
comunicação verbal: são identicamente delimitadas pela alternância dos
sujeitos falantes e as fronteiras, mesmo guardando sua nitidez externa,
adquirem uma característica interna particular pelo fato de que o sujeito
falante - o autor da obra manifesta sua individualidade, sua visão do
mundo, em cada um dos elementos estilísticos do desígnio que presidia à
obra. Esse cunho de individualidade aposto à obra é justamente o que cria
as fronteiras internas específicas que, no processo da comunicação verbal,
197
a distinguem das outras obras com as quais se relaciona dentro de uma
dada esfera cultural as obras dos antecessores, nas quais o autor se
apóia, as obras de igual tendência, as obras de tendência oposta, com
as quais o autor luta, etc. (Bakhtin, 2000, p. 298, grifos nossos)
Nesse trecho entendemos que o autor fala sobre uma generalidade da
produção de um determinado gênero da ciência, mas salienta para uma individualidade que
é interna à produção. São consideradas obras complexas justamente porque se incluem
numa esfera verbal em que o autor, por meio dos recursos estilísticos, tem de mostrar uma
competência no conteúdo composicional do gênero e essa está ligada a uma determinada
aprovação de uma esfera cultural pré-estabelecida pela fronteira externa existente e imposta
pelo próprio sujeito falante. Nem todos estão autorizados a validarem os textos produzidos
em uma determinada época. Esses o são pela própria história arraigada nos antecessores.
Não há como criar um gênero da ciência com características individuais sem considerar um
conhecimento universal que já existe.
Na mesma linha de raciocínio encontramos Haroche (2005), que por sua
vez apresenta concepção de um sujeito contemporâneo que vive em um mundo envolto pela
“repetição e a rapidez e, nesta, a desatenção a que ela induz: observa, descreve e a
conhecer, demonstra a passagem da percepção para a idéia pela repetição” (p. 351)
Outro enfoque que a autora é sobre a “causa e efeito entre a exigência
corporativa de produtividade e o fato de que toda publicação está reduzida à idéia de
número”. Nesse sentido, tomamos como hipótese o próprio “incentivo” dos órgãos oficiais
à publicação terem ser tornado comum, no meio acadêmico, expressões como: requentar
artigos, publiquismo, etc. , ou seja, tem-se o mesmo texto publicado mais de uma vez, por
veículo “diferente”, às vezes com a modificação do título, alguns termos técnicos do texto
original (palavras, verbos, conceitos), mas sem indicação em nota de rodapé de que este
texto foi publicado em outra versão. Uma prática que aparentemente se insere na
necessidade de entrar no rol dos que mais publicam durante o ano. Podemos relacionar esse
publiquismo com o que afirma (Haroche, 2005, p. 357) “o pensamento individual, original,
parece ter declinado diante da corporação, do grupo, do coletivo: submetido à pressão, que
198
se tornou anônimo, esse pensamento fundamenta-se e se agora legitimado pelo número,
a quantidade, e tende, a partir daí, a se tornar cada vez mais homogêneo e conformista”.
Então, notamos queuma preocupação com o volume, com a repetição e
não com a profundidade. De alguma forma temos o espírito de empresa na universidade
que afasta a reflexão, a produtividade, pois submete-se a “urgência desprovida de reflexão,
uma produtividade cega e descomprometida [...] observa uma crise geral no exercício do
juízo, que atribui à pressão a que o mercado submete o trabalho de pensamento:
estimulando, privilegiando o automático, o repetitivo, o mercado desenvolve um saber
instável, efêmero, não cumulativo”. (Haroche, 2005, p. 357)
Com isso, vemos a universidade reduzir seus discursos a características
monológicas, em que se finge aceitar a heterogeneidade, mas se preserva “intata a
homogeneização real ou suposta”, se perpetua o paradoxo da heterogeneidade ao se criarem
“distâncias e desigualdades entre grupos sociais”. (Landowski, 2002, p. 11)
Barzotto (2006) afirma que nesse tipo de produção “perdem-se trabalhos
realizados no interior das escolas que possam ser considerados bons, porque em geral os
estudos não incidem sobre eles, ou eles são mal documentados. Ou ainda, eles são apenas
relatos de experiência que deram certo devido à intervenção de quem está relatando sem
passar pelo crivo de uma análise mais acurada”.
Deparamo-nos no final desta pesquisa com uma “realidade” não muito
fácil de encarar e lidar, pois como expomos essa formação repetidora tem seu efeito cascata
garantido no meio acadêmico, tocar neste ponto é mexer nas bases de algumas concepções
teóricas arraigadas no interior da universidade, mas este trabalho tem sua relevância ao
registrar dados reais de escrita como resultado de uma formação que é ofertada aos alunos
nos cursos de Letras, como é o caso particular, do local em que os dados foram
selecionados.
Diante do exposto consideramos que os textos produzidos na graduação
mostram-se inadequados, malsucedidos no ponto de vista da apropriação do conhecimento
e isso é conseqüência direta de uma ausência de pesquisa. Defendemos que a inserção de
uma efetiva prática da pesquisa na sala de aula sustentaria a apropriação de um
conhecimento na produção textual e não um ensino cuja prática é sustentada pelo consumo,
199
ou seja, a universidade tem se preocupado mais em diplomar o aluno do que formá-lo,
oferece uma formação que tem suas bases na inculcação de conceitos prontos, acabados e
não oferece um ensino que sustente uma apropriação do conhecimento da área.
200
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