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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PAPEL DA RELIGIÃO JUNTO A FAMILIARES DE
PACIENTES COM CÂNCER
Marta Alexandrina de Almeida Santos
GOIÂNIA
2005
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PAPEL DA RELIGIÃO JUNTO A FAMILIARES DE
PACIENTES COM CÂNCER
Marta Alexandrina de Almeida Santos
Orientadora: Prof
a
Dra. Carolina Teles Lemos
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Ciências da Religião da Universidade Católica
de Goiás como requisito parcial para a obtenção
do grau de mestre.
GOIÂNIA
2005
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DISSERTAÇÃO DO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO DEFENDIDA
EM 14 DE MARÇO DE 2005
BANCA EXAMINADORA
Dr
a
Carolina Teles Lemos (Presidente) ______________________________
Dr. Haroldo Reimer (Membro) ______________________________________
Dr
a
Maria Alves Barbosa (Membro) __________________________________
4
Ao meu esposo Renato, às minhas enteadas Mariana e Beatriz,
que me ensinaram a prática de viver em família, e a Luisa
Alexandrina, gerada durante a realização desta dissertação,
completando o prazer de ser família.
Aos meus pais José e Aurinda, minha tia M
a
Madalena, amigas
Sônia Regina e Gláucia Helena, pelo apoio, incentivo e
colaboração nos momentos difíceis, e que, pelo amor e afinidade,
desempenham tão bem o fato de ser família.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente,
para a realização deste estudo. Em especial, agradeço aos que se seguem.
A Deus, por tudo que sou e tenho e pela possibilidade de conviver com
tantos mestres.
À Professora Dr
a
Carolina Teles Lemos, que, mais do que orientação,
proporcionou-me apoio e confiança para que fosse possível a finalização desta
dissertação, partilhando sempre comigo o seu saber.
Ao meu esposo Renato, que tanto me ajudou na digitação do trabalho e
pelo carinho, paciência e compreensão nos momentos de ausência física.
Ao Professor Dr. Haroldo Reimer, pelas sugestões no exame de
qualificação, que tanto enriqueceram teoricamente o meu trabalho.
À Professora Dr
a
Maria Alves Barbosa, pelas sugestões que tanto
melhoraram este trabalho.
6
À amiga Maria das Neves Decesaro, pelo incentivo e auxílio nos
momentos conturbados.
Aos meus irmãos Mara, Morjube, Áurea Sandra, Vitor, Geórgia,
Diógenes, José, Tércia e Nara, sempre presentes.
Ao enfermeiro Jurivê, que sempre trazia algo para somar à pesquisa.
A todos os colegas e amigos da Clínica de Ortopedia e do Ambulatório
de Quimioterapia do Hospital das Clínicas de Goiânia, pela paciência e auxílio
nos momentos das entrevistas.
Ao Prof. Dr. Valmor da Silva, pela compreensão e apoio nos momentos
de incertezas.
À secretária Geyza Pereira, à bibliotecária Solange, que sempre me
atenderam com presteza.
Às minhas secretárias Keila e Lucicléia, que cuidaram da minha família e
de minha casa com tanta dedicação e responsabilidade, conferindo-me
tranqüilidade para desenvolver o trabalho.
Ao Roberto Alves Marinho, por me ter auxiliado nos primeiros momentos
desta dissertação.
À minha amiga e gerente Sônia Regina Bertolim, que entendeu e ainda
entende as minhas ausências, sempre repassando-me a sua experiência de ser
enfermeira.
A todos os pacientes e familiares com os quais convivi, que trouxeram a
idéia do tema.
7
Àqueles que não tiveram êxito no tratamento, o meu respeito, in
memoriam: Maria Cléia, Neusa Bertolim, Tia Apolônia, Eliane, João Paulo e
Elaine.
À minha psicóloga Suécia, amiga que sempre esteve presente.
À Prof
a
. e amiga Joana Abrantes, pelo incentivo ao meu crescimento
como pessoa.
À minha amiga Lucília, pelo carinho e amizade durante a caminhada.
8
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS 5
RESUMO 10
ABSTRACT 11
INTRODUÇÃO 12
OBJETIVO 14
1. METODOLOGIA 15
2. CONTEXTO CULTURAL 20
2.1 Relação entre saúde e doença 21
2.2 Câncer 26
2.3 Descobrindo e compreendendo a doença 30
2.4 Dificuldades com o tratamento 43
3. MUDANÇA FAMILIAR 47
3.1 União familiar 47
3.2 Relação entre a família, a enfermagem e o paciente 54
9
4. RELIGIÃO 61
4.1 O problema da teodicéia 80
4.2 Convicção religiosa 85
4.3 O sagrado 88
4.4 Morte 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS 99
REFERÊNCIAS 103
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA DE CAMPO 111
APÊNDICE B – RESUMO DAS ENTREVISTAS 113
APÊNDICE C – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO 117
10
RESUMO
SANTOS, Marta Alexandrina de Almeida. Papel da Religião Junto a Familiares
de Pacientes com Câncer. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião)
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2005.
A pesquisa objetivou identificar o papel da religião para os familiares dos
pacientes portadores de câncer durante o tratamento médico. Os sujeitos do
estudo foram pacientes em tratamento ambulatorial no Hospital das Clínicas de
Goiânia. Os dados foram coletados em entrevistas individuais, buscando o real
significado da religião entre os membros da família. Mostraram que a família,
sendo um dos principais cuidadores, está centrada no processo saúde-doença,
ficando tão ou mais vulnerável que o próprio paciente. Assim, encontra na
religião respostas para seus anseios e suporte para enfrentar a doença. O
membro familiar quer sempre proteger o paciente, estando junto a ele e, muitas
vezes, omitindo ou ocultando a verdade sobre o seu diagnóstico. A luta pela
saúde torna-se exaustiva e cheia de percalços, mas o membro familiar, com
toda a força que emana da família, reúne os demais componentes para oferecer
ao paciente o apoio necessário para enfrentar a doença. As palavras câncer e
morte trazem aos entrevistados sentimentos de pavor e medo. Pouco
mencionadas, são, porém, muito observadas nas entrelinhas. Conclui-se que a
religião fornece força à família e seus membros para enfrentarem o câncer em
parentes.
11
ABSTRACT
SANTOS, Marta Alexandrina de Almeida. The Role of Religion on the Family
Members of Câncer Patients. Thesis (Master´s Degree in Religion Science)
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, Brazil, 2005.
The purpose of this study was to identify the role of religion on the family
members of patients with cancer while they were under medical treatment at the
university hospital of the medical school of the Federal University of Goiás. The
data was collected from individual interviews searching for the real meaning of
religion among the family members. It showed that the family, as one of the
main caretakers, is centered in the health desease process, being as vulnerable
as or more vulnerable than the own patient. Thus, in religion the family finds the
answers for their anxiety, and support to face the desease. The family members
are always willing to protect the patients, and often hide the truth from them
about the diagnosis. The fight for health comes to be exhausting and full of
drawbacks but the family members with all their strengy gather futher means to
offer the patients the necessary support to cope with the desease. The words
cancer and death provoke fielings such as fear and horror which are seldom
mentioned but commonly read between the lines. Conclusion: Religion provides
the family with strenght to cope with in their relatives.
12
INTRODUÇÃO
O ser humano merece cuidados quando se encontra frágil, doente e
triste. Muitas vezes recorre aos seus entes queridos, isto é, à família, que,
quase sempre, funciona como seu ponto de apoio.
Percebemos que, durante a permanência de um paciente num hospital,
ambulatorial ou não, sempre há um membro da família presente e tanto ou mais
ansioso que o próprio paciente.
Dependendo do diagnóstico, o paciente solicita mais a família.
Escolhemos trabalhar com o membro familiar do paciente com câncer que faz
quimioterapia ambulatorial, devido à doença ter um prognóstico quase sempre
indefinido, uma incerteza de cura e um longo e sofrido tratamento.
A harmonia familiar, no momento da doença, é de suma importância
Concordamos com Cardoso apud Silva et al (2004, p. 105) quando ressalta que
a religião, a saúde e a doença caminham juntas desde épocas remotas até os
dias atuais.
O membro familiar quase sempre é fortaleza para o doente. Muitas
vezes, poupa-o de saber de seu diagnóstico, acreditando ser essa a melhor
13
opção. Mas questionamos: será isso bom para os dois? Como a família reage
frente ao diagnóstico de câncer, sua confirmação e o seu tratamento? Que
papel desempenha a religião para a família do paciente após o diagnóstico de
câncer em um de seus membros?
A família passa por transtornos em que estão presentes a negação e o
isolamento, a raiva, a negociação, a depressão e a aceitação. Em muitos
momentos, ignora o lado cientifico e técnico do prognóstico e apega-se às
crenças, porque necessita de suporte para enfrentar a doença (câncer).
Esta dissertação compõem-se de quatro capítulos que desenvolveu um
estudo associando câncer, religiosidade e família. Assim sendo, o trabalho
discorre sobre saúde, doença, família, enfermagem, religião e morte.
No primeiro capítulo, aborda a metodologia utilizada para a realização da
pesquisa, o cenário e a rotina ambulatorial.
No segundo capítulo, aborda o contexto cultural, a relação entre a saúde,
a doença e o câncer. Discorre sobre a descoberta e a compreensão da doença
e as dificuldades encontradas durante o tratamento, mostrando os anseios, as
angústias e as esperanças do familiar diante do seu paciente.
O terceiro capítulo apresenta as mudanças no âmbito da família,
abordando a relevância da união familiar e a inter-relação entre a família, a
enfermagem e o paciente. Destaca a importância dessa inter-relação, visando à
melhoria do paciente.
O quarto capítulo aborda a religião sob conceitos de diversos autores e o
problema da teodicéia, interrogando se Deus é culpado pela doença no ser
humano. Também fala sobre a importância da convicção religiosa e do sagrado
14
no processo saúde-doença. Discorre sobre o tema morte, muito ocultado
durante as entrevistas, mas presente nas emoções dos entrevistados, que se
sentem tão aterrorizados por ela ou pelo desconhecido que a omitem muitas
vezes em seus discursos.
Objetivo Geral:
Identificar o papel da religião para os familiares dos pacientes portadores
de câncer, durante o tratamento médico.
15
1. METODOLOGIA
Estudo do tipo descritivo-exploratório, caracterizado como estudo de
caso. Foi realizado no Ambulatório de Quimioterapia do Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, um hospital escola de
atendimento gratuito e direcionado à comunidade e aos pacientes do Sistema
Único de Saúde (SUS).
O ambulatório funciona de segunda a sexta-feira, das sete às dezoito
horas, atendendo a pacientes que fazem quimioterapia ambulatorial, com
capacidade para até nove (09) pacientes. Funciona como campo de estágio
para médicos residentes e acadêmicos de Enfermagem.
A planta física compõem-se de uma sala, onde funciona o tratamento
quimioterápico, e uma outra sala de procedimento
1
.
As paredes são pintadas na cor branca; o piso é de paviflex cor cinza. A
sala de tratamento possui: nove poltronas de tratamento com descanso para os
1
Realiza Biópsia de Medula
16
pés, duas geladeiras, sendo uma pertencente à reumatologia de pesquisa, um
computador, um balcão para secretário, duas pias, um arquivo, um bebedouro,
um rádio portátil, um mural, uma estante vazada, uma maca, um aparelho de ar
condicionado e duas banquetas. Na sala de procedimento há: uma mesa, duas
cadeiras, uma maca, um criado mudo, uma balança, uma bala de oxigênio, uma
escadinha.
Trabalha no ambulatório uma equipe multiprofissional, constituída de
médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, secretária e auxiliar de serviços
diversos.
O ambulatório apresenta alta rotatividade. Atende pacientes de Goiânia e
entorno, do interior e de outros Estados.
Não é permitida a presença constante de acompanhante durante o
tratamento, devido ao espaço insuficiente. As poltronas são distribuídas uma ao
lado da outra, com pequena separação entre si.
Quanto à enfermagem, o ambulatório funciona no período matutino, com
duas técnicas de enfermagem, um secretário e uma enfermeira, que atende
pela manhã ou à tarde. No período vespertino, dois técnicos de
enfermagem. Quanto aos médicos dois médicos que atendem aos
pacientes.
O hospital oferece aos pacientes café da manhã, almoço e lanche da
tarde. O ambulatório, às vezes, recebe doações de empresas, que oferecem
refrigerantes, bolachas, sorvetes, entre outros. No momento, não recebe
nenhuma doação.
17
O serviço não conta com psicólogo, e assistente social exclusivos para o
ambulatório.
Fizeram parte da pesquisa membros de dezenove (19) famílias de
pacientes que estavam fazendo quimioterapia ambulatorial, geralmente
administrada em seqüência diária, dia após dia. Sendo assim, os
acompanhantes e os pacientes eram quase sempre os mesmos, o que foi um
motivo relevante para encerrar a pesquisa.
Foram escolhidas famílias que ora vivenciam o processo de saúde-
doença, residentes ou não na cidade de Goiânia. Foi entrevistado o membro da
família que estava acompanhando o paciente no momento da coleta.
As entrevistas foram realizadas entre outubro e dezembro de 2004, nos
períodos matutino e vespertino. Os entrevistados que concordaram em
participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento (Apêndice C).
Segundo Gil (1999, p. 206), a entrevista é “a técnica em que o
investigador apresenta-se frente ao investigado e lhe formula perguntas com o
objetivo de obter dados que interessam à investigação”.
A entrevista tem como vantagem a variedade de informações que
alcança, a maior profundidade no tema, a flexibilidade para o entrevistador
esclarecer dúvidas e a possibilidade de adaptar as suas formas à pessoa, à
circunstância e à reação entre o entrevistado e o entrevistador. Permite coletar
informações sobre atitudes, sentimentos e valores (Tozo, 1996, p. 11).
Para o desenvolvimento da pesquisa foi elaborado um planejamento com
os seguintes procedimentos:
18
escolhemos a instituição - referência de saúde para a seleção do
grupo que fez parte da amostra, por ser um Hospital Escola, que
serve de campo de ensino e pesquisa para estudantes e
profissionais da área, ser de fácil acesso à comunidade e oferecer,
também, tratamento ambulatorial gratuito aos pacientes do SUS
(Sistema Único de Saúde);
formalizamos as considerações éticas de acordo com a Resolução
N
o
196/96 sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, do
Conselho Nacional de Saúde, Brasil (1996);
aprovamos o projeto de pesquisa no Comitê Permanente de Ética
em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos;
entramos em contato com a instituição e iniciamos a seleção de
amostragem de sujeitos;
após definição dos critérios de escolha dos pacientes,
selecionamos as famílias que se enquadravam na pesquisa;
a partir dos critérios, realizamos o primeiro contato com as famílias
e apresentamos-lhes o projeto, levando em consideração os
seguintes aspectos éticos de realização de estudo: esclarecimento
aos participantes sobre os objetivos da investigação, liberdade de
participação ou não do familiar em relação ao estudo proposto,
autorização por escrito do membro da família, liberdade da família
ou de qualquer componente de se retirar da pesquisa a qualquer
momento, manutenção do anonimato dos participantes;
19
resguardamos as identidades dos entrevistados utilizando nomes
fictícios. No texto, o nome fictício consta junto à idade, o grau de
parentesco e a religião;
realizamos entrevista gravada em fita de áudio (K7), com roteiro
semi-estruturado, composto de 23 perguntas abertas, conforme
anexo ( Apêndice A);
anotamos informações e percepções das entrevistas em diário de
campo.
Entre os dezenove pacientes que estavam fazendo quimioterapia
ambulatorial, treze eram do sexo feminino e seis, do sexo masculino.
Dos entrevistados, treze residem na cidade de Goiânia, quatro no interior
de Goiás e dois são de outros Estados; quatro entrevistados estão na faixa
etária de 18 a 30 anos, oito entre 31 e 45 anos e sete de 46 a 62 anos; doze
são católicos, seis evangélicos e um espírita; dentre eles, onze eram filhos(as),
uma irmã, duas esposas, quatro esposos e uma amiga; onze entrevistados
residem com o familiar e oito moram em casa separada do paciente.
Os familiares que participaram do estudo foram entrevistados na sala de
procedimento do Ambulatório de Quimioterapia e responderam,
espontaneamente à entrevista.
As respostas foram gravadas em fita de áudio (k7), com a autorização
dos sujeitos e, posteriormente, transcritas integralmente, foram analisados os
fragmentos que interessavam à investigação.
Após a coleta, fizemos a compilação dos dados e a análise de conteúdo,
tal como recomenda Bardin (1977).
20
2 - O CONTEXTO CULTURAL
[...] considerando não mais como “ciência da saúde” mas como
prática social desencravada, é possível mostrar que ela carrega
um certo número de representações ligadas ao social e
particularmente a essa forma de expressão do social que é o
religioso. De um lado, a doença, experiência aprendida e
informada através dos modelos sociais, é percebida tanto em
nossa sociedade quanto em qualquer outro meio menos como um
fato bruto que como um problema que exige sua mobilização e
confere a alguns de seus membros o “poder terapêutico” que, entre
nós, ultrapassa em muito a doença, visto que se estende a uma
grande parte do que diz respeito não apenas ao corpo, mas ao
psiquismo (não se fala mais de alma), à sexualidade, à
alimentação, às situações de desvios sociais, ao trabalho, ao lazer,
ao sono, à educação e à própria morte. Por outro lado, a partir da
experiência de sua doença, o indivíduo qualquer que seja ele
procede inelutavelmente a uma reinterpretação simbólica da
prática e do discurso eruditos.
Laplantine (2004, p. 234-35).
21
2.1 - Relação entre saúde e doença
O ser humano necessita da saúde em seu conceito global, pois o mundo
social coloca o indivíduo em posição de sobrevivência. Para estar com a vida
plena, é necessário ter moradia, lazer, bem estar físico, mental e espiritual,
emprego e outros.
Para Peixoto (2000, p. 44), a saúde foi conceituada pela 8
a
Conferência
Nacional de Saúde, 1986, Brasília, como:
A resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da
terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das
formas de organização social da produção as quais podem gerar grandes
desigualdades nos níveis de vida.
Mas Peixoto (2000, p. 44-45) ainda afirma que nesse conceito faltou o
aspecto psico-espiritual, “força vital do equilíbrio integral do ser humano”.
Conforme Berger (2003, p. 18-33), o ser humano constrói o mundo e se
relaciona com ele continuamente, produzindo linguagem e símbolos que os
acompanham em todos os momentos de sua vida. A sociedade tem a base e o
alicerce no ser humano, que a mantém. “A realidade empírica da construção
humana do mundo é sempre social”. O autor ressalta que a sociedade é o
resultado e a condição necessária da cultura, isto é, um produto da atividade
humana. É necessário haver ordem na sociedade, ou seja, nomos. O mundo
cultural existe na coletividade, em que o ser humano representa os papéis ora
de pai, ora de filho, mas devendo sempre ter consigo que é um homem.
22
Para Berger (2003, p. 34): “a sociedade é a guardiã da ordem e do
sentido não objetivamente, nas suas estruturas institucionais, mas também
subjetivamente, na sua estruturação da consciência individual”.
Ainda conforme Berger (2003, p. 34-35), quando o indivíduo se separa
radicalmente do mundo social ou torna-se anômico (sem mundo) perde a sua
orientação na experiência, na realidade e na identidade. O ser humano é
construído e sustentado por um nomos (ordem) e, quando o perde, através da
separação física ou morte, desintegra-se e entra em anomia (desordem). Seu
mundo começa a desintegrar-se. Para Berger (2003, p. 36), “todo nomos
socialmente construído deve enfrentar a possibilidade constante de ruir em
anomia”.
No presente estudo, podemos observar esse “ruir em anomia” na fala do
entrevistado Osmar, na visão que ele tem da doença:
Olha eu ... é uma coisa que só vem para atrapalhar na vida da gente. Tava tudo
tão bom antes dessa doença. veio para atrapalhar (Osmar, 18 anos, filho,
católico).
Para o entrevistado, a vida estava tranqüila, nômica. Depois da doença,
sua nomia ruiu. Neste sentido, concordamos com Rover (2004, p. 123) quando
diz que:
A doença, o sofrimento, a dor vêm interromper o curso normal da vida; é algo
sem sentido. Por isso em uma sociedade que teme a doença como a maior
desgraça possível, tudo aquilo que pode servir de cura é bem visto, alimenta
esperanças.
Para Boff (1999, p.144), a saúde pode ser conceituada da seguinte
forma: “a saúde não é um estado, mas um processo permanente de busca de
23
equilíbrio dinâmico de todos os fatores que compõem a vida humana”.
Devemos acolher a vida em todo seu ciclo: virtualidade, finitude e mortalidade.
Concordamos ainda com a idéia de Boff (1999, p.144) de que: “a força
de ser pessoa traduz a capacidade de conviver, de crescer e de humanizar-se
com estas dimensões de vida, de doença e de morte”. Assim também a
entrevistada Maristela percebe a doença:
Como parte de um processo de crescimento espiritual, embora seja um
sofrimento físico, mas passageiro (Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
Muitas vezes, é no sofrimento, na doença, que o ser humano se dá conta
do que é, do que está fazendo aqui e do que pode fazer para ser melhor como
pessoa. Na doença, o homem se depara com situações e pessoas que irão
fazer parte de sua história.
Quando o ser humano está doente, procura abrigo na religião, na e no
sagrado. Busca incessantemente um alívio para o sofrimento. Reimer (2002,
p.1234) afirma o seguinte:
É na vida que percebemos e sentimos múltiplas formas de dor, sofrimento,
doença, decepções... E esses são alguns dos momentos privilegiados que nos
fazem buscar uma relação com o sagrado.
O ser humano sempre recorre ao transcendental para sair do estado
doente. É o caso da entrevistada Dulce, que fala do que experimenta com a
doença:
Pra gente é um terror, um pouquinho. Mas se tratar em tempo tem salvação;
mas se deixar passar da hora é meio brabo. Porque eu ainda tenho muita fé,
sou católica, rezo muito, peço muito a Deus e ainda tenho muita que ela vai
sarar ainda (Dulce, 50 anos, filha, católica).
24
Pela visão da entrevistada, observamos que os seres humanos procuram
a religião, Deus, o sagrado e outros, mas também vão ao médico com
esperanças de encontrar a cura. Seguem muitas vezes a terapia alopática
(médica) e a terapia da (religião e outras). No momento da doença sempre
buscam explicações e respostas para o inexplicável. Pensam até que o médico
é o ‘primo primeiro de Deus’ e nele depositam toda a sua confiança. Em Deus a
esperança de vida, saúde e cura. Algumas vezes, a esperada cura não chega,
mas chega a morte, o que os deixa completamente perplexos.
Uma das entrevistadas relata que:
Assim, hoje, eu vejo de outra forma, mas quando eu fiquei sabendo, você vê,
acho, a morte viva na sua frente, você fala: “não, não tem jeito, a pessoa vai
morrer” (Fabiana, 29 anos, irmã, evangélica).
Nesse relato, a entrevistada deixa claro que o seu primeiro pensamento,
ao saber da doença (câncer), foi o de relacioná-la com a morte. Mas hoje
consegue ter mais esperança no prognóstico, isto é, vê a possibilidade de cura.
Para Lima et al (2002, p.20), devemos ter saúde psicológica, saúde
religiosa e saúde do mundo. E a pior doença é a guerra entre as religiões.
Podemos observar que a saúde deverá ser sempre completa e plena.
Conforme Reimer (2002, p.1236), se uma parte do corpo adoece, todo o resto
sofre. Então, é importante cuidar bem de si para que a doença não se
acomode.
Percebemos isso em uma entrevistada que descreveu a trajetória da
doença de seu familiar da seguinte forma:
Ela estava na clinica psiquiátrica, porque teve uma depressão pós-parto
quase dois anos atrás. Aí ela ficou um mês nessa clinica e a perna inchou. E aí,
25
quando inchou, foi inchando muito e ela não conseguia nem andar. ela foi,
saiu da clinica, demorou uns quinze dias, conseguiu uma consulta aqui no
Hospital, encaminhada pelo SUS, pelo CAIS (Centro de Atendimento Integral a
Saúde). ficou um mês internada, os médicos fazendo exames... Ficou na
ortopedia, ficou na reumatologia... fez biópsia, descobriu, pela biópsia, e
daquela... tomografia (Fabiana, 29 anos, irmã, evangélica).
Nesse relato, podemos observar que o desequilíbrio da paciente estava
vindo desde pós-parto: ela teve depressão, depois, edema em sua perna, e,
após vários exames, foi diagnosticada com câncer.
Oliveira (2003, p. 159) ressalta que o ser humano fragilizado fica mais
propício à doença:
[...] a doença nas diversas culturas constitui a experiência do caos, do
anticosmos, da fragilidade e vulnerabilidade do indivíduo e do grupo. Por isso é
necessário a integração e o restabelecimento da harmonia para que a paz e o
equilíbrio possam reinar na natureza e junto aos grupos sociais. [...] Mas as
sociedades, ao tentarem objetivar suas doenças, não se restringem apenas à
suas causas, mas procuram algo que lhes dê sentido e que torne
compreensível o contexto social de produção. Assim, necessário se faz dar um
sentido último à dor e ao sofrimento para que se torne suportável.
Ainda Oliveira (2003, p. 155-57) fala sobre os povos bantu das regiões
da África e Sul do Saara. A religião é relevante para podermos entender a sua
cultura e sua vida. Para eles, a religião está ligada aos antepassados. Tudo o
que ocorre de bom ou ruim está relacionado diretamente aos antepassados,
que regem todo o sistema social, moral e espiritual.
alguns anos, a doença era vista como impureza, pecado, herança
familiar. Os doentes eram tratados como pessoas que deveriam ficar longe da
família, da comunidade e do seu habitat. Quem entrasse em contato com eles
tornava-se também impuro.
26
De acordo com Peixoto (2002, p. 255), as religiões colocaram salvação,
saúde e bem estar com o mesmo significado. Quando a religião não resolve a
doença, ela perde seu sentido. Atualmente, o ser humano está sempre doente e
necessitando de algo para lhe fortalecer e sustentar. E busca isso na religião.
A entrevistada Maristela, quando questionada sobre a sua freqüência à
religião, disse:
Freqüento. Freqüento o catolicismo e até mesmo o evangélico. Porque eu acho
que em cada paciente existe uma maneira diferente de ver e eu tenho que me
aproximar desta maneira de ver dela. Eu tenho que conhecer a religião para
conhecer o paciente (Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
A entrevistada freqüenta a religião da paciente para poder entendê-la
melhor e se aproximar mais dela.
2.2 - Câncer
A incidência de câncer é bastante freqüente e traz grandes transtornos à
vida do paciente e de sua família. Tashiro (2001, p. 275) apresenta o tumor
ósseo e sua evolução nas duas últimas décadas: o avanço dos tratamentos
quimioterápico, radioterápico e cirúrgico resultou na possibilidade de sobrevida
acima de cinco anos de 50% dos pacientes.
O câncer é uma doença grave, que gera nas pessoas muito medo,
inclusive o de pronunciar o seu nome.
Possui etiologia pouco conhecida, dificultando a prevenção e a detenção.
Existem fatores de risco, como o tabaco, a dieta rica em gorduras, o álcool, a
predisposição genética, os fatores socioeconômicos, a radiação ultra-violeta, o
estilo de vida sexual, incluindo as DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis).
27
Tashiro (2001, p.275) aborda a doença da seguinte forma:
O diagnóstico precoce, a eficácia do tratamento, assim como a qualidade de
vida dos pacientes com tumores ósseos dependem do trabalho de uma equipe
multidisciplinar composta pelo próprio paciente e sua família, pelo médico
ortopedista, oncologista, radiologista, patologista, radioterapeuta, pelo
enfermeiro, psicólogo, farmacêutico, fisioterapeuta, assistente social, terapeuta
ocupacional e nutricionista.
O tratamento é bastante sofrido e doloroso. Segundo Apley (1998, p.
111):
O sombrio prognóstico de tempos atrás sofreu uma sensível melhora com a
terapêutica de associações, embora não haja ainda dados estatísticos precisos
disponíveis. Os fundamentos são simples: amputação para o tumor primário,
quimioterapia para as micrometástases e radioterapia para os restantes; porém,
uma radiografia do tórax e uma biópsia do tumor são preliminares essenciais.
De acordo com Otto (2002, p. 25), nos Estados Unidos, a cada ano, são
diagnosticados mais de 1,2 milhões de casos de câncer, com incidência maior
em homens. Negros têm mais câncer de esôfago do que os brancos. O câncer
é a segunda causa de óbito. No Brasil, segundo o INCA (Instituto Nacional do
Câncer), o câncer de mama é a primeira causa de morte por neoplasia nas
mulheres. Para os homens, os tipos de câncer mais comuns são os de pulmão,
próstata e estômago.
Muitas doenças graves provocam na família insegurança e medo,
principalmente pela sua associação com a morte. Por isso, doenças como o
câncer e outras são aquelas que as pessoas nunca admitem poderem
acontecer com elas próprias ou com alguma pessoa querida e próxima. Nesse
sentido, quando se recebe o diagnóstico de câncer em um dos membros da
família, essa é afetada como um todo. As famílias geralmente dizem: “somos
28
afetados como um furacão, que não respeita obstáculos, nem limites,
destruindo tudo e todos que pela frente”. [Informações obtidas pelas observações
durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Para Ross (2002), o diagnóstico de câncer no indivíduo faz com que
esse o associe ao sofrimento e à morte. E a religião tem contribuído bastante
para que o indivíduo aceite e suporte com maior resignação esse sofrer e
morrer.
A paciência, a dedicação, o contato físico são terapêuticos para o
sofrimento de um enfermo grave que, podendo estar em casa e receber uma
alimentação feita com carinho e amor, sempre se sentirá reconfortado em seu
espírito.
Concordamos com Ross (2002, p. 10) quando afirma que:
Sei também que paciência, familiares, alimentação poderiam ser substitutos de
um frasco de soro intravenoso ministrado, pelo simples fato de atender às
necessidades do corpo sem envolver muitas pessoas e/ou cuidados
particulares de enfermagem.
Bielemann apud Elsen (2002, p. 221) diz que o diagnóstico de câncer
traz medo e incerteza, mas o pior é que as estruturas e as relações familiares
ficam abaladas com o sofrimento. Um entrevistado afirma:
Fiquei muito abatido... Mas tive que me manter forte. Afinal ela tinha que contar
comigo. Não podia demonstrar fraqueza perto dela. Mas fiquei muito abalado.
Não desejo este sofrimento para ninguém (Quinca, 31 anos, esposo,
evangélico).
No relato podemos perceber que o entrevistado Quinca, por mais que se
sentisse sem forças e abatido, não podia deixar transparecer isso diante da
esposa.
29
Geralmente, no momento da enfermidade, a pessoa se pergunta por que
Deus lhe permitiu a doença. Assim diz Savioli (2004, p. 18):
Sob o ponto de vista filosófico e teológico, as doenças surgiram decorrentes da
perda da imunidade divina do primeiro casal, como conseqüência do pecado
primeiro. A partir do momento em que o pecado entrou no mundo, como
resultado da desobediência a Deus, o homem ficou susceptível a todos os tipos
de doenças e, conseqüentemente, à morte (“Porque és pó, e em irás te
tornar”, Gn 3, 19).
Temos um relato de uma pessoa que vivia preocupada com os afazeres
domésticos e outros e despreocupada do alimento do espírito. Era rígida
consigo mesma e com os filhos. Foi ao médico fazer exames de rotina.
estava em casa quando o médico do laboratório ligou, pedindo-lhe que
comparecesse com urgência à unidade. Chegando lá, foi informada de que
estava com leucemia em estado avançado. Amigos e parentes começaram a
fazer orações, preces e novenas. A paciente, mesmo sem acreditar muito, ia às
reuniões. Assim, o seu espírito e sua foram crescendo. Hoje ela relata que a
sua a sustenta e que ela foi a maneira que Deus encontrou para chamá-la
para junto dele. Ela ainda continua com o tratamento médico, mas segue uma
religião. Está feliz, revigorada e fala da sua experiência religiosa para outros
doentes. [Informações obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa (Diário de
Campo).]
30
2.3 – Descobrindo e compreendendo a doença
O ser humano é carente e quando se encontra doente percebe ter
ainda outras necessidades. Uma delas é o diagnóstico correto. Para se chegar
a um diagnóstico correto, são necessários exames que levam bastante tempo,
como ressalta uma das entrevistadas:
Através de exames. Ela estava sentindo alguns problemas, mas a
gente trouxe e ficamos um mês acompanhando e fazendo exames
(Alice, 47 anos, filha, católica).
Pelo relato acima fica evidente a dificuldade para diagnosticar a doença
e o tempo gasto.
Ela fez os exames. Começou a passar mal, fez os exames e ficou
comprovado que era câncer (Leila, 42 anos, filha, católica).
O câncer é uma doença que deve ser bastante investigada para um
diagnóstico correto, pois o tratamento é muito específico e nem sempre traz
resultados satisfatórios.
Ele fez uma endoscopia e descobriu... Eles viram, começou a tratar
(Heloisa, 30 anos, esposa, evangélica).
depois que ela passou mesmo a sentir os sintomas, não teve jeito.
teve que ir pro hospital e eu fiquei sabendo (Osmar, 18 anos, filho,
católico).
Muitas vezes, o indivíduo não tem recursos financeiros para procurar um
médico particular e recorre ao SUS (Sistema Único de Saúde). Mas o sistema
de saúde hoje oferecido pelo governo (SUS) tem apresentado dificuldades
materiais, como o sucateamento, o subemprego da equipe multiprofissional, a
administração pública, entre outros. A sua grande demanda faz com que o
indivíduo que o procura fique à mercê da própria sorte.
31
Mas outras formas de descobrir a doença. pessoas que procuram
diagnósticos através do sobrenatural, como neste relato:
Através dos próprios parentes dela e através do momento em que ela
visitou o centro espírita (Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
Uma das entrevistadas percebeu o diagnóstico da mãe da seguinte
forma:
Soube de mim. eu tinha feito uma mamografia em Uberlândia e eu fiz e
ele me mandou. Chegou aqui a gente foi olhar e deu um carocinho no seio do
lado esquerdo, né? Aí, então, através dele que eu descobri, porque aí eu
peguei e falei pra ela que eu tinha feito um exame e fui saber. O médico disse
que tinha que tirar porque era perigoso. Ela disse: “não minha filha, não
esquenta com isso não, porque eu tenho um aqui”. Passei a mão e vi um
caroço assim. Eu ainda pensei, falei com minhas irmãs e a gente foi dando
um jeito de marcar consulta pra ela. Aí foi fazer mamografia e constatou (Dulce,
50 anos, filha católica).
Neste relato fica evidente que a mãe, até o momento da descoberta da
doença, não tinha dado importância ao tumor que desenvolvia no seio, talvez
por ignorância ou por falta de acesso hospitalar.
Para Boff (1999, p. 145), a saúde é muito mais do que simplesmente
estar doente. Como ele ressalta:
Saúde não é ausência de danos. Saúde é a força de viver com esses danos.
Saúde é acolher e amar a vida assim como se apresenta, alegre e trabalhosa,
saudável e doentia, limitada e aberta ao ilimitado que virá além da morte.
A saúde e a doença são questões político-econômicas. Os doentes não
têm a quem pedir socorro, pois o sistema de saúde está doente e sucateado.
Com isso, as pessoas, hoje, recorrem mais às igrejas que prometem cura,
prosperidade e exorcismo. Concordo com Reimer (2002, p.1237) quando afirma
32
que: “é preciso transformar a saúde privada em saúde pública. E é necessário
anunciar tempos de solidariedade local e global”.
A entrevistada Gleice relata o seguinte sobre a doença:
Acho que essa doença é cruel, é uma doença que, como se diz, Deus pra
ajudar a gente (Gleice, 58 anos, filha, católica).
Com esse relato, Gleice afirma a crueldade da doença e o apego a Deus,
ao religioso para receber ajuda. Sobre isso, Geertz (1989, p. 76) afirma:
Como problema religioso, o problema do sofrimento é, paradoxalmente, não
como evitar o sofrimento, mas como sofrer, como fazer da dor física, da perda
pessoal, da derrota frente ao mundo ou da impotente contemplação da agonia
alheia algo tolerável, suportável – sofrível, se assim podemos dizer.
O sofrimento traz o desconforto interno e o ser humano necessita de
sustentação. Para Malinowski (1984), a religião auxilia o ser humano nesse
momento. A crença no sobrenatural e o rito colocam o ser humano em contato
com Deus. A doença sempre traz a dor e sofrimento.
Há relatos de entrevistados sobre o que vêem da doença:
Difícil de aceitar (Benedita, 35 anos, filha, católica).
É uma coisa muito difícil de falar (Clarice, 40 anos, filha, católica).
Olha... é difícil, muito difícil (Enio, 52 anos, filho, evangélico).
Como vejo? Num sei responder isso aí não (Silvio, 24 anos, esposo, católico).
De acordo com esses relatos, podemos perceber que, para os seres
humanos, em qualquer tempo, a doença é vista como algo difícil de aceitar, que
o ser humano quer uma vida plena, isenta de sofrimentos, de dor e de morte.
Tudo o que ameaça essa plenitude tem uma conotação de indesejável, de
imerecido.
33
Geertz (1989, p.77) fala do rito de cura dos navajos, feito através de
cânticos, para remover a doença física ou mental. É realizado com a presença
de três atores: ”Cantor ou curandeiro, paciente, família e amigos do paciente”.
Ainda afirma:
Existem três atos principais: uma purificação do paciente e da audiência; uma
declaração, através de cantos repetitivos e manipulações rituais, do desejo de
restaurar o bem-estar (“a harmonia”) do paciente; uma identificação do paciente
com o povo sagrado e sua conseqüente cura.
A entrevistada Noemia também vê a doença da mesma forma:
Vejo que, peço a Deus que vai ter cura, que ela sare (Noemia, 43 anos, filha,
católica).
A entrevistada solicita que Deus cure, restaure o bem estar e a harmonia
de seu familiar.
Concordamos com Peixoto (2002, p.249) que saúde é:
Uma fonte de riqueza da vida cotidiana. Saúde é uma prática diária de vida, um
modo de bem viver conosco, em família, em ambientes de trabalho, nas
comunidades e no planeta em que habitamos.
A doença, na maioria das vezes, traz dependência, isolamento,
depressão, introjeção e altera os hábitos do dia-a-dia do indíviduo e dos seus
familiares.
Para os entrevistados, a vida é para ser vivida plenamente, mas existem
pessoas que não a querem viver assim e vão se matando aos poucos, desistem
de viver e lutar. Outras lutam com afinco para viver e manterem-se vivas. É
preciso saber que nascer, crescer e morrer fazem parte do ciclo de vida e que,
talvez, uma doença surpreenda o ser humano em uma dessas fases do ciclo.
34
Mas é necessário ter e esperança, pois até no sofrimento aprende-se
para seguir a caminhada.
O entrevistado Régis compreende a doença como o inesperado que
pode acontecer a qualquer família:
Eu penso assim, porque, se existe a doença, não pode pensar que até na
mesma família vai acontecer não, Assim como aconteceu em vários, aconteceu
na minha família também. Nada está... Uma família perto do doente, outra...
Então é uma coisa que sempre pode acontecer na minha família, pode
acontecer em outra e pode acontecer em algumas outras famílias (Régis, 54
anos, esposo, evangélico).
A entrevistada Maristela, ao ser perguntada sobre o que espera que
acontecer à amiga que acompanha, diz:
Difícil, porque eu sei que pouco posso esperar em relação ao câncer e todas as
outras doenças incuráveis. Mas eu só espero, em relação a ela, que ela seja
cada vez mais forte e tenha esperanças independente do que aconteça. E
desejar neste momento que ela tenha cada vez mais fé, porque nos momentos
de maiores dificuldades, das provações mais duras, nos momentos mais
dolorosos é que têm que aumentar a confiança e a esperança. E que a maneira
de servir, embora seja dolorosa, doída, não deixa de ser um jeito de servir a
Deus, através da paciência, através da tolerância, através do entendimento.
Que a vontade de Deus acontece através de nós e nós somos instrumentos
deste trabalho (Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
A entrevistada Maristela coloca seu sofrimento em relação à
possibilidade da cura que poderá vir e defende que a paciente deverá ter
suporte para enfrentar a doença através da fé. E o sofrimento também é uma
forma de estar servindo a Deus.
A teórica Travelbee (1979, p.137) acredita que a doença ajuda a pessoa
a compreender sua limitação e condição humanas. Sua concepção está
embasada na crença de que a experiência da doença ajuda o ser humano a
35
crescer e se fortalecer, porque reconhece a sua limitação e potencialidade. A
experiência da doença leva a pessoa a compreender sua própria vida,
encontrando, a partir dela, as forças interiores necessárias para a luta travada
na recuperação ou adaptação a uma situação que não pode ser mudada. Mas
essa adaptação, na visão da autora, não tem o sentido do conformismo, mas o
de realmente compreender e aceitar a realidade e sua limitação.
A entrevistada Leila ressalta sua visão da doença como:
Hoje eu vejo, tipo assim, com mais força porque antes era um bicho, né? de
imaginar. A gente tem mais força, mais esperança (Leila, 42 anos, filha,
católica).
Já a entrevistada Júlia vê a doença como:
É uma coisa natural que a gente sabe que existe. Então estou encarando com
naturalidade (Júlia, 45 anos, esposa, evangélica).
Nos dois relatos, um antagonismo: uma a doença como um “bicho”
e a outra a percebe com naturalidade. Mas nos dois relatos é necessário o
enfrentamento.
Travelbee (1979, p. 287) refere que o fato de ajudar a pessoa a encontrar
sentido na sua enfermidade está embasado na crença de que a doença pode, e
deve ser, uma experiência de crescimento e aprendizagem. Este pode provocar
na pessoa um desenvolvimento como ser humano a partir da consciência de
seu próprio sofrimento. Geralmente, as pessoas doentes têm tendência a
acusar-se e aos outros como causa da sua doença: culpam Deus, a má-sorte, o
destino, os amigos, a família, os companheiros de trabalho e outros.
Culpatibilizar faz parte da tentativa da pessoa em encontrar sentido para sua
doença e descobrir razões para seu sofrimento.
36
A entrevistada Alice acredita que o pensamento de Deus sobre o câncer
seja o seguinte:
Eu acho que Ele encara ele (câncer) como qualquer outra doença. Eu acho
assim, que tudo que chega. Por exemplo, seja um corpo estranho em mim: a
partir daquele momento, minha vida deixou de ser saudável e aquilo pra mim é
uma ameaça. Mas vendo Deus como sendo o centro de tudo, ele sabe porque
que aconteceu e ele tem, ele que vai determinar, né? Eu acho que ele deve
imaginar que não é coisa boa também, mas também não foi ele quem pôs. As
coisas acontecem talvez assim: desde que o mundo é mundo existem as coisas
boas e as ruins. As doenças, elas existem, mesmo Deus não querendo que o
filho sofra. Mas eu acho que isso são coisas pré-estabelecidas a partir do
momento que a gente nasce, ou também você pode ter feito este caminho,
percorrido esse caminho pra chegar a este fim. A gente é o que a gente come e
o que a gente bebe. Então eu não sei... (Alice, 47 anos, filha, católica).
A entrevistada fala que a doença acontece porque tem que acontecer,
como algo pré-estabelecido, ou a doente pode ter caminhado para esse fim.
De acordo com Quintana apud Lemos (2002, p. 484),
A doença se torna incompreensível, ininterpretável para o ser humano. A
doença e o sofrimento que ela comporta se nos apresentam sempre, sem
dúvida, como algo inexplicável, como algo sem sentido. Por que adoeci? Por
que eu? E se adoeci, por que não me curo? Qual é o sentido disso que está me
acontecendo?
Percebemos que as pessoas, quando se encontram doentes, se
aproximam mais de Deus, seja através de leituras bíblicas, ou através de
palavras de um sacerdote, mago ou profeta. Talvez isso aconteça devido
estarem com mais tempo livre no momento, mais vulneráveis, ou talvez pelo
medo da morte e pela possibilidade de terem uma vida melhor em outro mundo.
A entrevistada Júlia diz que a doença trouxe mudanças na sua vida:
37
Mudou, assim, em termos de tranqüilidade e alegria virou o contrário. Agora, em
termos de religião não. Continua... mudou assim, que a minha outra filha que
mora aqui também aceitou Jesus e virou evangélica. Passamos a ler mais a
Bíblia, a participar de grupos de oração e foi só. E em termos de
relacionamento em casa, tristeza, tristeza (Júlia, 45 anos, esposa, evangélica).
Embora diga que no primeiro momento não houve mudança, a
entrevistada Júlia passou a buscar mais os grupos de oração e a ler mais a
Bíblia. Em sua família aconteceu a passagem de sua outra filha para a religião
evangélica.
E a entrevistada Maristela relata que:
Eu espero que o próprio paciente tenha uma visão diferente de Deus e da
Justiça Divina para que possa, vencendo esta dificuldade passageira neste
plano, possa enfrentar tarefas maiores em outras encarnações (Maristela, 43
anos, amiga, espírita).
Para a entrevistada, a crença na reencarnação traz fortalecimento e
sustentação para os embates da vida.
A entrevistada Júlia falou também o seguinte sobre a freqüência à
religião:
Freqüentava a Assembléia de Deus. Porque eu não tenho uma religião fixa e
agora com a doença de meu marido não tenho tempo pra ficar indo. Depois que
ele operou do coração, tem quase quatro anos que estamos lutando com a
doença. Então não sobra tempo disponível... apesar de que pra Deus a gente
tem que fazer um tempo. Mas em casa não está tendo esse tempo (Júlia, 45
anos, esposa, evangélica).
Neste relato podemos perceber que esta família não está tendo tempo
pra professar uma religião e para se dedicar a Deus. Embora ache importante
ter um tempo para Deus.
38
O ser humano necessita de saúde, harmonia e equilíbrio para viver.
Sempre foi assim, desde a Antiguidade.
No mundo grego, segundo Terrin (1998), as pessoas doentes iam para
templos designados, para sonhar com suas curas. Sempre se apegavam a um
deus que lhes trouxessem a harmonia espiritual e corporal. Ainda afirma que a
saúde está sempre ligada à salvação, que está no campo religioso. Jesus disse:
“Ide e curai os doentes”.
A entrevistada Noemia afirma que:
Espero que Deus cure, né? Não tem nada que facilite, Ele que pode fazer
por nós (Noemia, 43 anos, filha, católica).
Vemos que o apego a Deus para a cura não mudou. Os doentes se
apegam ao sagrado independente de qual seja sua religião. Nos hospitais,
encontramos quase sempre a presença de algum objeto que represente esse
sagrado.
A entrevistada Irene relata que:
Pra Deus nada é impossível (Irene, 44 anos, filha, católica).
Já a entrevistada Gleice ressalta o que espera de Deus:
Eu espero misericórdia dele, faça um milagre (Gleice, 58 anos, filha, católica).
As pessoas transportam a responsabilidade da cura para Deus. Como
Deus tem esse poder transcendental e tudo pode, cabe a ele, na visão das
entrevistadas, a cura.
De acordo com Terrin (1998, p. 203), “parece chegado o momento de
mudar a concepção da doença: de uma compreensão fisiológica e biológica
para uma interpretação ‛sistêmica’, psicológica e espiritual”.
39
Assim, para um dos entrevistados, o pensamento de Deus sobre a
doença é:
Olha, eu acho assim, para o Senhor, ele pensa assim, pra Ele não tem nada
que não possa fazer. Depende do tempo certo. Pra tudo tem a hora e pra tudo
tem o tempo. Se Ele ainda não curou ela, então o plano para a vida dela é dar
tudo pra ela. Se Ele, nem os médicos, nem eu chorar, nem os médicos fazer,
Ele não vai deixar. Chegou a hora dela (Régis, 54 anos, esposo, evangélico).
Para o entrevistado, em Deus tudo tem o tempo certo. Ele aceitará o que
Deus fizer com o seu familiar, isto é, deixará imperar a vontade divina.
A doença também esconde variáveis psicológicas, sociológicas e
espirituais, que se relacionam com o ambiente.
Outra entrevistada diz:
Eu acho que toda a vontade de Deus se faz através de nós, embora seja doído.
Eu acho que cabe a cada aprendiz a sua lição e, se existe, foi por aprovação
Divina e por uma necessidade humana (Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
De novo, a vontade de Deus é suprema e a cada ser humano cabe a sua
lição. O ser humano é único e é um aprendiz na vida.
Também Siegel (1998, p. 145) afirma: “Deus nos restaura e sustenta. Se
perco a saúde, então Deus está ali para me ajudar a recuperá-la e para me dar
apoio”.
Os seres humanos têm grande capacidade de cura auto-induzida, que o
próprio organismo se encarrega de cicatrizar uma ferida, numa cura de dentro
para fora. E para isso acontecer é necessário que sejam restabelecidos o
equilíbrio, a nomia.
As pessoas percebem que a religião tem características que trazem
conforto, ânimo ao ser humano, que vive sempre em busca de respostas para o
40
incompreensível e o inaceitável. A saúde tem que ser plena em todos os
sentidos: físico, emocional, psicológico e espiritual. Assim, o ser humano possui
nomia e consegue desempenhar com equilíbrio os papéis que a vida lhe
apresenta.
A entrevistada Maristela relata como se sente na religião que professa:
Eu me sinto em paz agora. Porque eu encontrei fundamentos que me deram
força e estrutura para suportar dores alheias e as minhas próprias dores
(Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
A doença é o caos, o fracasso, a dor, a escuridão, a anomia que traz
consigo desgastes, fazendo com que o indivíduo recorra à religião para
encontrar e restabelecer a sua nomia.
De acordo com Berger (2003, p. 35), na nomia acomodação tranqüila,
adequada ao mundo construído. O indivíduo dialoga com os outros e consigo
mesmo; o mundo é plausível. a anomia é o caos, a desordem. Faz com que
a sociedade esqueça o que cobrou do indivíduo e este perde o diálogo com os
outros e consigo. No caso da doença, quando acometido, o ser humano sente
como se o mundo desabasse sobre sua cabeça, deixando-o atônito, imóvel e
sem saída. A doença traz sempre a anomia e, para se ver livre dela, o ser
humano recorre a algo fora dele, como a religião.
Assim, podemos perceber que o caos está presente na fala da
entrevistada a seguir, que vê a doença da seguinte maneira:
Eu vejo como coisa que assusta, mas, porém, faz parte. Como outra doença, no
final sempre não é boa. Por exemplo, qualquer doença, por mais simples que
ela seja, se você não tiver um tratamento, ela pode estar terminando de uma
maneira trágica também (Alice, 47 anos, filha, católica).
41
O’Dea (1969, p. 26-28) ressalta que a religião tem funções: 1) adaptação
emotiva; 2) sacerdotal: por meio dos ritos, traz segurança, identidade ao ser
humano, dando-lhe estabilidade, ordem, mantendo o status quo; 3) legitimação
de normas e valores da sociedade. Sacraliza normas e valores, o que colabora
para o controle social; 4) profética: protesto e mudança social; 5) estabilização
da identidade: em sociedade multiétnica, a confissão religiosa identifica o ser
humano; 6) amadurecimento individual: é ambivalente, podendo “ser um fator
de sustentação ou de inibição do amadurecimento individual e do
autodirecionamento”.
Enfim, a religião ao homem apoio, consolação e reconciliação,
contribui para a estabilização da ordem e para a manutenção do status quo.
Berger (2003, p. 34-35) também diz que: “O nomos objetivo é
interiorizado no decurso da socialização”. O indivíduo não só representa papéis,
mas é e deve ser, aprende desde que nasce. É por esse motivo que a
separação radical do mundo social, ou anomia, constitui tão séria ameaça ao
indivíduo”. Ainda, para o autor (p. 35), a anomia pode ser intolerável, levando à
morte.
Observamos uma paciente que pediu para buscar sua alimentação no
restaurante, dizendo que a Igreja Batista acertaria a conta. O que veio ela não
desejava comer. A mesma paciente, no entanto, louvou a Deus e ao mesmo
tempo chamou sua própria família de “família do diabo”. Recitou versículos da
Bíblia e cantou em tom alto hinos de igreja. [Informações obtidas pelas observações
durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
42
Por esse relato, podemos concordar com Weber (1991, p. 281), quando
ressalta que o domínio da ação religiosa está na regulação das relações entre
os homens e os sobrenaturais. A paciente tem forças para cantar a Deus, mas
destrata seus parentes, que são os que cuidam dela. A igreja fornece a
alimentação, mas, mesmo assim, não traz o que agrada a paciente.
A doença traz alterações diversas. Quintana (1999 p. 46) ressalta que:
A doença é vista como uma irrupção no cotidiano e se manifesta no corpo,
impedindo a pessoa de realizar suas tarefas habituais. Se a doença é
caracterizada pela desordem, falta de significação, a cura, por sua vez, vai
procurar uma reordenação, uma re-significação.
Também Weber (1991, p.354) aborda que o indivíduo cria e é
responsável pelo seu destino, que deseja esteja sempre em ordem.
A ordem na vida do ser humano traz equilibro e harmonia, conforme
Peixoto (2000, p.88):
A saúde no sentido ideal qualifica as quatro dimensões da pessoa, formando
um conjunto inseparável: saúde psíquica, saúde psico-física e saúde psico-
espiritual. A doença é a primeira experiência pessoal do anti-cosmo, do caos e
da desordem, violenta o doente em seu interior e para realizar a cura física é
imprescindível a cura psico-espiritual.
Régis vê a doença da seguinte forma:
Eu vejo que é uma doença muito grave. que como ela tava, né? Estamos
trabalhando e é confiar no Senhor que vai ter a vitória, né? (Régis, 54 anos,
esposo, evangélico).
Novamente, um dos entrevistados coloca em Deus a cura e trabalha
através da fé, da oração, confiando Nele para ter a vitória esperada.
43
Conforme Weber (1991, p. 279), a ação religiosa ou magicamente
motivada é uma ação racional que se orienta pelas regras da experiência para
que o indivíduo viva bem e por muitos anos. A ação ou o pensamento religioso
ou mágico tem fins na natureza econômica, qualquer que seja. Está voltada
para as preocupações deste mundo. As práticas religiosas e as crenças levam
a viver muitíssimo e com fartura (viver muito e muito bem). Olham a
religiosidade a partir do processo de racionalização (vida longa e com fartura).
De acordo com Teixeira et al (2003, p. 74), a religião para Weber é
importante para ditar, recusar, aceitar ou criar novos tipos de vida. A religião
tem a capacidade de formar uma sociedade.
2.4 - Dificuldades com o tratamento
Uma primeira dificuldade é que tratamento do paciente com câncer é
longo e sofrido, pois quase sempre está ligado ao “se”: se o organismo reagir,
se o medicamento fizer o efeito esperado, se... E assim cada dia para o
paciente é uma luta pela vida.
Observamos o que afirma Alice sobre o tratamento:
Sinto satisfeita, porque, apesar de assim, não é uma coisa que a gente tem,
assim, como se diz... uma doença que é muito do “se”: se o organismo
funcionar, se o organismo reagir, se o tratamento der certo... Pode não dar,
pode fazer o efeito que você quer, pode fazer o efeito que você não quer. Mas
eu estou satisfeita pelo fato de podermos levar ela até o ponto que a gente tem
condições de fazer. Aquilo que está no nosso alcance, nós estamos
conseguindo (Alice, 47 anos, filha, católica).
Nesse relato, a entrevistada Alice coloca com clareza a sua incerteza
sobre o tratamento, sempre ligado à condição do “se”.
44
No decorrer das entrevistas, pudemos perceber que o paciente não tem
condução particular para se locomover até o hospital, indo e vindo quase
sempre de ônibus, o que lhe dificulta tratar-se:
A gente vem de ônibus, de moto (Gleice, 58 anos, filha, católica).
Eu já vim de táxi, ônibus, carona (Fabiana, 29 anos, irmã, evangélica).
Ele é aposentado. A gente tinha como vir, o prefeito da cidade ajudava, mas
agora, até janeiro, pra vir tem que pagar o petróleo e é, no mínimo, R$ 100,00
[...] (Benedita, 35 anos, filha, católica).
Há quase um ano atrás, a gente tava vindo de ônibus. Agora, as duas vezes da
sessão que ele está fazendo, o prefeito pôs uma ambulância para trazer a
gente (Júlia, 45 anos, esposa, evangélica).
Venho de ônibus. Estou vindo de táxi porque, por exemplo, no momento, ela
não está agüentando vir de ônibus (Alice, 47 anos, filha, católica).
A gente paga caro pra vir... é a maior dificuldade pra gente chegar até aqui
(Irene, 44 anos, filha, católica).
O doente vem de ambulância, mas a gente vem de ônibus. Não pode vir na
ambulância porque, quando ela vem de lá, ela vem lotada (Noemia, 43 anos,
filha, católica).
Os pacientes, na sua grande maioria, não dispõem de recursos
financeiros o que faz com que se sintam mais fragilizados. Enfrentam
dificuldades de transporte para chegar ao Ambulatório de Quimioterapia.
Geralmente, estão debilitados e imunodeprimidos pela medicação
administrada no tratamento e ainda se vêem sem recursos para o transporte.
Encontramos ainda um entrevistado que disse o seguinte:
Não tenho (recursos). Se tivesse não vinha nem aqui (Enio, 52 anos, filho,
evangélico).
45
O entrevistado Enio demonstra sua insatisfação com a falta de recurso
para fazer o tratamento em outro local.
Mas, mesmo apresentando essas dificuldades, o paciente geralmente
está acompanhado por duas pessoas, amigos ou familiares, que um sustenta o
outro para se fortalecerem mutuamente nesse momento de tanto sofrimento
para todos. [Informações obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa (Diário
de Campo).]
A estrutura física do Ambulatório de Quimioterapia não comporta
acompanhante, que fica esperando do lado de fora da sala, isto é, no corredor,
onde bancos de madeira. Ficam extremamente mal acomodados. Vez por
outra, podem entrar no ambulatório ou na sala de quimioterapia, para ver como
está seu familiar. Não banheiro na sala de quimioterapia, sendo necessário
que o paciente de soroterapia se desloque junto com seu acompanhante ao
banheiro mais próximo, em longo trajeto.
No início da doença e, conseqüentemente, da terapia, o paciente deseja
maior atenção e quer o acompanhante (familiar) a todo momento. Superada
essa carência inicial, ela torna-se gasta ou mais evidente no decorrer da
doença. Quando o paciente precisa de ajuda para se locomover, apresenta-se
mais irritado ao ser auxiliado pelo familiar. Alguns pacientes exercitam o debate
religioso, mas a enfermagem sempre interfere para que o façam em outro
momento e em outro lugar. Quando pacientes neopentecostais, o debate
torna-se mais alterado e mais freqüente. [Informações obtidas pelas
observações durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
46
Durante o tratamento, a família quase sempre omite do paciente seu
verdadeiro estado, dizendo muitas vezes que, até o momento, não foi
encontrado o diagnóstico correto. [Informações obtidas pelas observações durante a
realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Tal comportamento da família pode estar ligado à relação do câncer com
a morte, ou com a difícil cura. Acreditam estarem poupando seu familiar doente
de um sofrimento maior. Mas estarão poupando o doente? Ou a si próprio?
Quando perda familiar, ela sempre é sentida por todos que se relacionam
em comum.
47
3 - MUDANÇA FAMILIAR
Muitas pessoas, submetidas a um profundo stress ou sob o peso de
uma fatalidade, são mais bem sucedidas quando se comunicam real e
autenticamente com aqueles que amam. Se essa comunicação for
ineficiente ou cessar, é tarefa daquelas mais intensamente envolvidas
- paciente, companheiro, pessoas significativas, profissional - fazer o
possível para restaurar e fortalecer as relações. Muitas pessoas
podem lidar melhor com a tensão, a dor e a confusão de um
diagnóstico de câncer quando trabalham e choram juntas do que
quando estão sozinhas.
Leshan (1992, p. 83).
3.1- União Familiar
A família tem importante papel no contexto saúde-doença, pois
representa um conjunto de valores, crenças, mitos e conhecimentos que
auxiliam na prevenção da doença, na promoção da saúde e atuam como
especial cuidador.
48
A doença é vista como conflito e a família tem de ser o aconchego, a
tranqüilidade, o conforto, o porto seguro”, ajudando o doente a encontrar a
nomia.
Simonton (1990, p. 15) ressalta que:
Enquanto o paciente com câncer aprende a lutar contra a doença e a lidar
melhor com o estresse, a família tem um papel importante: apoiar ou não as
mudanças que ocorrem com ele... A família é um fator primordial da sua
recuperação, seja evitando fatores desnecessários de estresse ou ajudando-o a
lidar com ele, para que possa, tranqüilamente, fazer as mudanças necessárias.
Essa citação vem ao encontro da seguinte fala:
Mudou, né? O pessoal passou a se unir mais. Ficou mais unido porque isso foi
uma coisa que afetou todo mundo (Clarice, 40 anos, filha, católica).
Nessa fala, fica evidente a união familiar após a doença e que todos são
afetados por ela.
Nitschke (1999, p. 98), ao desenvolver um trabalho com famílias, pediu
que elas descrevessem o que era família em sua concepção, o que resultou na
seguinte definição:
Como ela é complicada, ela é ao mesmo tempo descomplicada. A família tem
momentos de divergência, de conflitos podendo ter problemas. A família tanto
educa como se educa [...] os membros da família respondem por ela [...] A
família não se acomoda, procura caminhar sempre buscando melhorar algo que
não a satisfaz mais. A família tem elos que não se limitam aos elos de
sangue.
É possível perceber que a concepção de família, para elas mesmas, é
muito complexa. Posso dizer também que a convivência e as relações
familiares o são, pois depende de cada ser humano individualmente e das
vivências da família como um todo, suas crenças, valores e costumes. As
49
dificuldades enfrentadas na convivência e nas relações familiares intensificam-
se ainda mais quando há, dentro da família, um portador de doença fatídica.
Isso não significa pré – conceito, mas, segundo as próprias famílias, deve haver
mudança na rotina familiar para se conviver com a nova realidade.
Um entrevistado, ao ser perguntado sobre a mudança familiar após a
doença da esposa, respondeu que:
Sim, muito. Os familiares ficaram mais perto. Importaram-se mais uns com os
outros. Nos unimos mais (Quinca, 31 anos, esposo, evangélico).
A doença trouxe para essa família mais cuidado entre si, o que fortaleceu
a relação.
Os laços de emoção são característicos do convívio familiar, o que faz
muitos autores definirem a família nessa dimensão. Alguns, porém, são mais
abrangentes. Elsen (1994, p.68), por exemplo, ao apresentar o conceito de
família do GAPEFAM (Grupo de Assistência, Pesquisa e Educação na Área da
Família), a define como:
Uma unidade que se auto-estima positivamente, onde os membros convivem e
que se percebem mutuamente como família por determinado espaço de tempo,
com uma estrutura e organização para atingir objetivos comuns e atingir uma
história de vida, os membros da família estão unidos por laços consangüíneos,
adoção, interesse e/ ou afetividade. Tem uma estrutura e organização para
definir objetivos e prover os meios para o crescimento e desenvolvimento,
saúde e bem –estar de seus membros. A família saudável se une por laços de
afetividade exteriorizada por amor e carinho, tem a liberdade de expor
sentimentos e dúvidas, compartilha crenças, valores e conhecimentos. Aceita
a individualidade de seus membros, possui capacidade de conhecer e usufruir
seus direitos, enfrenta crises, conflitos e contradições.
Pudemos observar que a forma como a família recebe o diagnóstico
depende da estrutura familiar: em alguns casos, a notícia de um familiar
50
portador de câncer instala o caos e a família não consegue se organizar e
continuar a viver em harmonia; em outros, porém, o momento do diagnóstico é
difícil, mas, com o passar do tempo, a família consegue se organizar e prestar
os cuidados de que o doente precisa. E, principalmente nesse momento, é
possível observar que uma forma de a família enfrentar a facticidade é o apego
à religião, que lhe cede um fortalecimento espiritual.
Outra entrevistada ponderou sobre a mudança na sua família após o
diagnóstico da doença:
Mudou, porque é coisa que mexe com todo mundo. Por mais que, não vou dizer
que minha família é muito desunida, mas alguma coisa muda, porque você tem
que chegar e chamar todo mundo e dizer: “olha acontecendo isso, uma coisa
que até então não acontecia e nós precisamos nos unir para darmos uma força
pra ela porque se ela não tiver esse apoio vai ser difícil pra ela sozinha” (Alice,
47 anos, filha, católica).
Pelo relato, um membro da família teve que reunir os demais para
distribuir as tarefas, aumenta o elo familiar, promovendo a sustentação para a
paciente enferma. Se não, a paciente ficaria solitária em sua doença.
Ouvimos também os seguintes relatos:
Não, nós ficamos com mais atenção. Fica assim, como se fosse assim,
precisando de mais cuidados. Mas ninguém mudou não (Leila, 42 anos, filha,
católica).
Mudou não, ficou foi triste, todo mundo triste. Ficou pior pra gente. Muito triste
(Noemia, 43 anos, filha, católica).
Não. Não tem como mudar, não tem mudança nenhuma, normal. Foi uma coisa
que ninguém esperava, que aconteceu e a única coisa que a gente tem que
fazer é lutar, fazer o tratamento (Enio, 52 anos, filho, evangélico).
51
Embora os entrevistados tenham respondido que não houve mudanças,
em suas falas compreendemos que algo mudou: seja o maior cuidado que se
teve com o familiar, seja o estado de espírito familiar, que se encheu de tristeza,
ou a luta contra a doença, empenhando-se no tratamento.
Ao tratar um câncer, deve-se levar em conta os aspectos físicos e
psicológicos do paciente. Segundo Simonton (1990, p. 15), é necessário que a
família esteja envolvida no processo terapêutico, pois ela precisa muitas vezes
dividir tarefas, organizar-se para cuidar melhor possível do paciente, que
espera, nesse momento, amor, apoio e solidariedade.
Pudemos observar que, no momento do sofrimento com o câncer, muitas
vezes as famílias se unem bastante e se envolvem tanto que minimizam o
quadro de depressão e dor do paciente.
Marcon apud Elsen (2002, p. 313) ressalta a preocupação com a família,
porque ela, via de regra, é a principal responsável pelo controle e cuidados que
as pessoas precisam para manter sua saúde o menos comprometida possível.
Adverte que a família nem sempre está preparada para cuidar do paciente,
principalmente em situações mais complexas, e, portanto, ela precisa ser
orientada, treinada e acompanhada durante o processo.
Houve um entrevistado que disse o seguinte sobre a mudança familiar:
É claro, o sistema nervoso fica aguçado, a preocupação aumenta e, claro, a
parte financeira influencia neste caso. Psicologicamente, a gente é afetado
(Telmo, 62 anos, esposo, católico).
De todos os entrevistados, esse foi o mais alegre e eufórico ao ser
questionado. Percebemos que, embora falasse sobre dificuldades financeiras,
disse que tinha algumas posses e que lutou muito para chegar até onde está
52
hoje. Não é da cidade de Goiânia, mas a procura para melhores condições
médicas e de saúde. De todos os entrevistados, parecia ser o mais abastado. A
paciente que acompanhava também demonstrava certeza de cura e alegria no
olhar. [Informações obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa (Diário de
Campo).]
Será que a alegria no olhar dos dois devia-se à tranqüilidade financeira
ou à tranqüilidade religiosa? Embora descontentes com a religião católica, que,
segundo eles, “inovou demais”, diziam não ter abalado sua fé.
Apesar de a família conviver com a saúde e a doença, existem
determinadas patologias que abalam de forma incontestável sua estrutura e
convivência.
Assim respondeu uma entrevistada ao ser perguntada sobre as
mudanças em seus familiares, após a descoberta da doença:
Muito, eu principalmente entrei quase em desespero (Paula, 47 anos, filha,
católica).
Como dissemos anteriormente, o indivíduo vive numa ordem e qualquer
coisa que abale ou ameace essa ordem é sinal de um perigo que desencadeia
o desespero.
Ao pesquisar famílias de crianças com câncer, Motta apud Elsen (2002,
p.163) constatou que, ao saber do diagnóstico, a família sofre profundo abalo
emocional. O mundo e a vida ficam estremecidos, deixando-a insegura e
aterrorizada, provocando profundo estresse em todos os seus integrantes.
o relato de um pai de uma criança com sete anos de idade. Quando
soube que sua filha estava com diagnóstico de câncer confirmado, disse:
53
Parece que abriu um buraco sob meus pés. Quando soube, saí transtornado do
hospital. O sofrimento que tenho com uma doença na minha família não se
compara a nada. posso pedir a Deus que faça a sua vontade aqui (Gomes,
2004, p.4).
No desabafo a Deus, para que Ele “faça a sua vontade aqui”, o pai
certamente acredita em algumas das respostas que a teodicéia para isso.
Sobre a teodicéia iremos falar em outro momento.
Dentro dessa perspectiva, ou seja, de a família enfrentar doença grave
em um de seus membros, Ribeiro apud Elsen (2002, p. 199-200) refere que,
além da importância da informação, a família sente ainda a necessidade de
acompanhar a evolução do quadro, atenta a cada sinal de melhora ou piora.
Destaca que, nesse momento, suas opiniões e sugestões para a equipe de
saúde são muito importantes. Ressalta também que o afastamento da família
de sua residência a leva a sentir necessidade de afeto, aconchego e
proximidade dos outros componentes familiares.
Uma entrevistada relata como se sente tendo o câncer em um familiar:
Pra mim, assim, não vou falar pra você que muda tudo. Muda, muda, mas
poderia estar acontecendo comigo como está acontecendo com ela. Então eu
tenho que encarar isso com uma naturalidade. Não vou dizer assim, pensar
assim “não, isso é natural”. Não, não é. Mas uma vez que aconteceu, eu
espantar agora, ficar traumatizada, não vai me ajudar em nada. Eu acho que eu
tenho que encarar com a devida seriedade que ela merece ser encarada e de
certa forma com uma normalidade. Porque eu preciso encarar ela com
normalidade pra mim saber os trâmites que eu tenho que correr. Nada de
exaltar agora (Alice, 47 anos, filha, católica).
Percebemos no relato que famílias que tentam ver a doença com
naturalidade, fazendo os caminhos necessários do tratamento. Outros dizem
que não houve grandes mudanças, como o entrevistado a seguir:
54
Não. Só fé mais, muita fé (Régis, 54 anos, esposo, evangélico).
Embora responda negativamente, houve, sim, mudança na intensidade
da crença no sobrenatural, no caso chamado fé pelo entrevistado.
Temos também os seguintes relatos sobre mudança familiar:
Sim, eu acho que mudou porque parece que os irmãos estão mais unidos
(Gleice, 58 anos, filha, católica).
Mudou. Agora eles dão mais atenção pra ele (Heloisa, 30 anos, esposa,
evangélica).
Mudou. A gente fica chateado com essa doença (Irene, 44 anos, filha, católica).
Mudou pro lado ruim, porque a família está toda, está mais unida por causa
disso (Osmar, 18 anos, filho, católico).
Mudou. Quando a gente ficou sabendo, ficou preocupado (Sílvio, 24 anos,
esposo, católico).
Mudou. Mudou assim que todo mundo ficou mais triste e os outros ainda dizem
que o problema é porque ela era católica. E faz uns cinco anos que ela é
evangélica [...] (Dulce, 50 anos, filha, católica).
Nesses relatos, podemos perceber que cada família a mudança de
um jeito seu, peculiar. Mas o seu maior objetivo é o apoio e o restabelecimento
do seu familiar.
3.2 - Relação entre a família, a enfermagem e o paciente
muitas famílias que interagem com o paciente e com a equipe de
enfermagem, o que favorece o tratamento. E outras que se fecham com o
paciente e excluem a equipe, o que acarreta dificuldades de diálogo e de
assistência mesmo nos pequenos cuidados. A família é a extensão do paciente
55
e a enfermagem, a medicina e o hospital, a possibilidade da cura, que nem
sempre acontece. O hospital deve manter a família informada e integrada ao
processo terapêutico. Caminhando juntos, maiores serão os sucessos no
tratamento.
Observamos uma menina de 10 anos, internada com dor intensa na
perna e diagnosticada com osteossarcoma (câncer no osso). Sua mãe era
muito simpática e acessível à equipe, o que tornou o tratamento e o convívio
harmoniosos. Mas a criança nunca sorria ou se inteirava de seu quadro clínico.
Isso foi durante todo o tratamento. Hoje, ela continua o tratamento via
ambulatorial. teve várias complicações em conseqüência da doença, mas
ainda continua triste e alheia como antes. [Informações obtidas pelas observações
durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Acreditamos que essa criança ficou, conforme Ross (2002, p. 43-117),
estacionada em um dos cinco estágios da morte: negação e isolamento, raiva.
Os demais estágios serão citados no capítulo sobre a morte.
Também, a equipe de enfermagem do Ambulatório de Quimioterapia tem
muito cuidado com seus pacientes. Fala com eles de maneira carinhosa e
sempre os motiva a continuar o tratamento. É uma equipe que expressa alegria
e felicidade. Por exemplo, ao abrir a marmita para o seu paciente, diz o
seguinte: “Seu João, olha que comida mais gostosinha que foi preparada para o
senhor!”. [Informações obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa (Diário de
Campo).]
De acordo com Cardoso apud Silva et al (2004, p. 104)
...Médicos e paramédicos envolvidos no restabelecimento da saúde configuram-
se como verdadeiros semideuses. [...] também os curandeiros, os gurus, os
56
xamãs, os benzedores, exorcistas e demais agentes envolvidos com o processo
de cura por meio de uma atuação mística e/ou religioso assumem esse papel
divinizado do exercício de algum modo de terapia.
Quando chegam pacientes e a medicação a ser administrada está em
falta, a equipe de enfermagem explica com atenção e presteza a ausência do
medicamento, instruindo os pacientes a irem á diretoria do hospital para que
essa lhes uma resposta satisfatória e uma posição precisa para a seqüência
do tratamento. Assim percebemos que os pacientes saem daquele recinto
calmos e dispostos a usufruir de seus direitos dentro da instituição. [Informações
obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Percebemos que a relação família, enfermagem e doente deve ser
pautada no diálogo, na harmonia, na empatia e no respeito. Porque, na doença,
a estrutura familiar é abalada profundamente, alterando rotinas, horários,
finanças, crenças religiosas e planos dos diversos integrantes. A enfermagem,
juntamente com a família, maior cuidador, trabalhando juntas, darão ao enfermo
um ambiente harmonioso e acolhedor, o que propicia uma terapêutica
humanizada.
Durante os dias em que o paciente necessita ir ao ambulatório para
administração da quimioterapia, geralmente durante três dias seguidos, a
família se reveza entre si. Mesmo assim, um desgaste entre seus membros.
O paciente sente-se um peso, percebendo que os familiares alteram suas
rotinas e horários para se fazerem presentes naquele momento. [Informações
obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Ribeiro apud Elsen (2002, p. 199-200) discorre sobre a necessidade de a
família receber a ajuda dos amigos e colegas e da instituição hospitalar/saúde,
57
assistência religiosa, e também sobre a necessidade da união do casal no
enfrentamento da situação. Aí, como diz Goldrick (1995), as necessidades das
famílias variam de acordo com o ciclo de vida e com as suas vivências.
Na visão de Varella (2004, p. 30): “Decifrar intenções contidas no que diz
a pessoa doente e seus familiares talvez seja o mais difícil da medicina”. Nas
entrevistas, também percebemos que as famílias, ao responderem como se
sentiam em relação à doença de seu familiar, sentem a mesma dificuldade:
Não queira tá na minha pele, viu? É difícil (Clarice, 40 anos, filha, católica).
Eu sinto uma latada (Irene, 44 anos, filha, católica).
É um choque. Nossa família, assim não tinha. Acho que teve um caso só
(Fabiana, 29 anos, irmã, evangélica).
As famílias se sentem chocadas e sem palavras diante da doença. A
expectativa é a da morte, que pode chegar a qualquer momento, sem oferecer
data e hora marcada. As sensações que as entrevistadas sentiram e que nos
foram passadas durante as entrevistas serão descritas no capítulo sobre a
morte.
Simonton (1990, p. 38 e 39) considera o seguinte sobre o morrer:
Muitos pacientes e suas famílias com quem trabalho criaram beleza e um
significado a partir da conscientização de que podem morrer. [...] Quando cada
momento torna-se precioso, ficamos mais conscientes de nossas interações
com as pessoas, se estamos realmente nos comunicando e expressando nossa
afeição. Começamos a perceber quanto gostamos da vida, e esse tipo de
pensamento não ocorre apenas à pessoa que tem câncer. Também se estende
à família, que incentiva e toma parte nesta exploração.
A família, de frente com o câncer, é esclarecida sobre o tratamento e
sobre a incerteza da cura.
58
Para Simonton (1990, p. 43), o tratamento possui “pontos obscuros”, as
combinações de medicamentos sendo variadas de um médico oncologista para
outro. Os efeitos colaterais e a probabilidade de cura são diferenciados. O
câncer é uma doença que não tem rotina certa a seguir. O autor ressalta que o
paciente oncológico geralmente ouve a seguinte frase da equipe médica:”eis os
tratamentos usados neste tipo de tumor. Vou lhe dizer quais são os resultados
possíveis, para que possamos escolher a melhor opção”.
Vejamos o que a entrevistada Clarice afirma:
A verdade é que eu queria que ele sarasse, mas no fundo sei que ele não vai
sarar. Principalmente, quando soube que o câncer dele é raro e nem os
médicos sabem como curar. O que fazem os médicos estão fazendo, o resto
Deus. Se ele achar que é o melhor pra ele sarar ele vai sarar porque ele tem
e eu também. Mas aí, se olha o tratamento vendo uma medicação e outra, e
pega os resultados e o médico diz que não melhorou nada, você vai no chão
e aí você entrega pra Deus (Clarice, 40 anos, filha, católica).
Nesse relato, fica clara a impotência do homem (médico) diante da
seriedade da doença. O familiar coloca a sua angústia em relação ao resultado
satisfatório e à onipotência de Deus para realizar a esperada cura.
A fragilidade familiar é ressaltada por Simonton (1990, p. 102) ao dizer
que “toda família é afetada”, pois ela é um sistema que precisa ser regado e
cuidado a cada dia. As respostas que tivemos sobre mudança familiar
confirmam o que Simonton diz:
Muita coisa (Benedita, 35 anos, filha, católica).
Muda, muda sim (Fabiana, 29 anos, irmã, evangélica).
59
A família, como diz Simonton (1990, p. 102), é um sistema. Quando
alguma estrutura desse sistema se abala, o resto sofre e se desequilibra. Mas
houve uma entrevistada que nos respondeu o seguinte sobre mudança familiar:
Para os não preparados, sim; para o que tinha uma visão muito imediatista da
vida, sim. Mas para quem tem uma visão mais de futuro, de futuro de outras
vidas até, eu acho que não houve muita mudança (Maristela, 43 anos, amiga,
espírita).
A família é suporte do ser humano, é a base. E a pessoa doente sente
necessidade de companhia e amparo. O medo da doença grave e da morte faz
com que o ser humano sinta-se solitário.
Vejamos o que ressalta Simonton (1990, p. 46) sobre o diagnóstico do
câncer:
O diagnóstico de câncer cria um profundo estresse em todos os integrantes da
família, e cada um deve cuidar de manter sua saúde. Quando um caso de
doença possivelmente fatal na família, todos, não apenas o paciente, precisam
de proteção e apoio; caso contrário, podem vir a ficar doentes.
Talvez por este motivo, o paciente quase sempre vem acompanhado de
outro membro familiar que o apóie, para encontrar maior força nesse momento,
como eles mesmos relatam: “tão difícil”. [Informações obtidas pelas observações
durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Vemos também que a família que crê e tem sua religiosidade definida
tem suporte para auxiliar seu familiar a superar a anomia
.
As entrevistadas revelam o seguinte sobre o tratamento da doença:
Eu me sinto bem segura, porque eu creio que Deus deu a sabedoria pros
médicos e eles sabem o que estão fazendo (Júlia, 45 anos, esposa,
evangélica).
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Eu sinto, tenho mesmo que vai curar. Sinto que vai dar tudo certo. (Noemia,
43 anos, filha, católica).
Eu espero que ela vai ficar boa, se Deus quiser. Porque o médico disse que ela
vai fazer três e depois vai ver se vai tirar “o coisa”, se vai fazer cirurgia ou não.
Mas se precisar de fazer... Porque, às vezes, acaba com ele ali, mas se deixar
pode ficar pior. Sei que é cansativo pra ela, mas assim que tudo na vida a gente
tem que agüentar. Aí agora, se o médico falar: vai fazer a cirurgia, mas não vai
adiantar, então a gente não vai fazer não. Quero que ele passe um remédio pra
que ela não fique sentindo dor, porque ela disse que dói, coça. Mas tudo
primeiramente na mão de Deus, só Deus. Todo dia eu rezo, peço muito a Deus.
Ela reclama de eu acender vela pra santa, mas mesmo assim eu peço. Sei que
ela não acredita, mas peço, porque sou devota (Dulce, 50 anos, filha, católica).
Nesse último relato, a religiosidade da entrevistada Dulce vem carregada
da esperança no poder do sagrado. Refere-se à vela e à santidade, mesmo
sabendo que a paciente para a qual solicita cura não crê.
O tema sobre o sagrado será abordado no próximo capítulo.
61
4 - RELIGIÃO
O pensamento moderno concebe as relações com o sagrado no modo
único da mediação, porque ele tenta interpretar a realidade primitiva a
partir de um religioso parcialmente purificado de seus elementos
maléficos.
Girard (1998, p. 334).
Neste capítulo, iremos abordar os conceitos de religião de vários
estudiosos da área de sociologia, visando entender por que e como ela pode
contribuir para a nomia, nos casos de diagnóstico de câncer.
Otto (1985, p. 41) ressalta que:
[...] os fundadores da sociologia vêem na religião também uma realidade social,
que sofre os embates das transformações econômicas, que se forçada a
modificar suas orientações sob a pressão dos acontecimentos políticos, que
irromper em seu próprio seio os conflitos sociais e filosóficos da época sendo
muitas vezes levada à divisão interna por influências externas.
Vejamos o que diz o entrevistado Osmar sobre a religião que professa:
Eu acredito que através da a gente pode melhorar alguma coisa (Osmar, 18
anos, filho, católico).
62
Nesse relato, podemos perceber que o indivíduo procura na religião algo
que não encontra no mundo real.
Na religião, o homem se relaciona com o sagrado através dos ritos que o
influenciam. A simbologia de que está carregada a religião traz transformações
interiores e exteriores ao indivíduo, que é carente por natureza e necessita de
nomos.
De acordo com Geertz (1989, p. 95), “a religião é uma espécie de ciência
prática, que produz valor a partir de um fato”. Para o referido autor (1989, p.
93):
A religião nunca é apenas metafísica. Em todos os povos as formas, os
vínculos e os objetos de culto são rodeados por uma aura de profunda
seriedade moral. Em todo lugar, o sagrado contém em si mesmo um sentido de
obrigação intrínseca: ele não apenas encoraja a devoção como a exige; não
apenas induz a aceitação intelectual como reforça o compromisso emocional.
Assim, podemos ver que religião é uma maneira de cultuar Deus, isto é,
de acreditar num Deus. É adorá-lo, é o alicerce da alma atuando como sustento
e alimento espiritual.
A entrevistada Alice deixa claro isso quando abordada sobre o que
espera de Deus no caso da doença
Olha, é uma pergunta muito assim, vamos dizer, difícil de responder. Porque,
logicamente, eu não vou atribuir tudo que acontece... Não é porque Deus
fazer um milagre. Ele vai fazer o que achar que é melhor pra ela. Eu vejo que
Ele tem dado isso pra ela e a força, a resistência em acreditar Nele. Então,
porque eu creio, eu acredito que Ele de alguma forma es segurando ela,
porque se ela não tivesse este apoio Dele ela não teria sobrevivido até hoje
(Alice, 47 anos, filha, católica).
63
A religião é relevante, pois desempenha um papel muito importante na
vida social e política de todos os povos. Ela contribui para o desenvolvimento
pessoal do indivíduo e pode ajudar o homem a encontrar respostas para
questionamentos levantados ao longo dos séculos.
É um fenômeno que está presente em todas as sociedades desde todos
os tempos, afirmam teóricos, como Durkheim (1989), Malinowski (1984), Berger
(2003), Weber (1991) e outros.
Religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas
sagradas, isto é, separadas, interditadas; crenças e práticas que unem em uma
mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem.
O segundo elemento que ocupa um lugar em nossa definição e que não é
menos essencial que o primeiro, é o fato de que a idéia de religião é
inseparável da idéia de igreja, isto quer dizer que a religião deve ser uma forma
eminentemente coletiva (Durkheim, 1989, p. 538).
A entrevistada Júlia, quando perguntada se permanecia na mesma
religião antes de saber da doença, responde que:
Não, mudei pra Assembléia, pelo comportamento das pessoas, pelos
ensinamentos e pelo, como se diz, jeito de orar, de pedir, de agradecer, se
comportar e de aceitação, né? Dentro da Assembléia tem uma aceitação mais
rígida e eu aceitei ficar lá (Júlia, 45 anos, esposa, evangélica).
Nesse relato, a entrevistada afirma claramente que o comportamento das
pessoas, isto é, a coletividade que Durkheim (1989, p. 538) ressalta, foi um
elemento importante na escolha da mudança de religião.
Durkheim apud O’Dea (1969, p. 23-25) ressalta que o grupo e a
sociedade são o objeto da religião. E que “o culto de Deus é o culto disfarçado
da sociedade, a grande entidade de que o indivíduo depende”. A sociedade é
64
mantida pela religião que promove no crente “impressões de bem-estar e
dependência”.
Ainda afirma que (1969, p. 24): “O crente que se comunicou com seu
deus (...) é um homem mais forte. Em seu íntimo, sente mais força seja para
enfrentar as provas da existência, seja para dominá-las”.
Houve um entrevistado que, questionado sobre se freqüentava alguma
religião, disse:
Católica. Por convicção, por batismo e porque eu acho que existe um Deus
que, mesmo nas dificuldades, nos orienta (Telmo, 62 anos, esposo, católico).
O relato mostra que o indivíduo, ao freqüentar determinada religião,
sente-se em comunhão plena com Deus, que irá orientá-lo mesmo nas
dificuldades. E que traz a mesma religião de seus pais.
Para Wilges (2002, p. 15), religião é religar o homem a Deus, é tornar a
escolher Deus, é o reconhecimento de sua dependência a um ser supremo; é o
conjunto de crenças, leis e ritos através dos quais o homem pode obter favores.
Freqüento, a Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Porque eu pesquisei sobre
a Bíblia e achei que esse caminho é o verdadeiro caminho e me sinto muito
bem, porque a vitória que eu tenho alcançado através da religião é muito
grande (Régis, 54 anos, esposo, evangélico).
De acordo com Samuel (1997, p. 18), “religião é um conjunto de crentes
unidos por instituições mais ou menos organizadas ligadas por uma tradição,
crença e ritos comuns”.
Concordamos com Berger (2003 p.112) quando afirma que: “Pode se
dizer, portanto, que a religião aparece na história quer como força que sustenta,
65
quer como força que abala o mundo. Nessas duas manifestações ela tem sido
tanto alienante quanto desalienante”.
Observamos o depoimento da entrevistada Alice sobre como se sente na
religião que freqüenta:
Me sinto satisfeita. Nunca me senti decepcionada, porque, às vezes, nós temos
mania de querermos muito o imediato e Deus, nosso Deus, não é do imediato.
É o Deus do que é bom, do que é bom pra mim. Às vezes eu quero, aquilo é
bom pra mim, mas Deus sabe mais do que eu, e ele sabe o que é bom pra mim
(Alice, 47 anos, filha, católica).
Para a entrevistada, Deus não é imediato e que tudo o que acontece é
por sua vontade.
O’Dea (1969, p. 10) diz que, para Durkheim, a religião seria fonte para a
“cultura mais elevada”. Marx relatou que seria o “ópio do povo”. Afirma ainda
O’Dea (1969, p. 10): “Não se pode negar que representa um conjunto de
atividades humanas e um complexo de formas sociais de grande importância”.
Ao perguntarmos para uma entrevistada sobre qual religião freqüenta e
por que o faz, ela respondeu:
A católica, porque eu me sinto bem, é o eixo de sustentação (Alice, 47 anos,
filha, católica).
A sua resposta concretiza a idéia de sustentação que a religião ao
indivíduo.
Para o ser humano é importante ter esperanças no momento da doença
grave e a religião traz suporte durante a enfermidade. Segundo Reimer (2002,
p. 1234), “a busca pela saúde através da religião denuncia a miséria humana,
na qual geralmente se encontram os doentes e todo o seu meio ambiente”.
66
Essa busca faz com que as igrejas, principalmente as neopentecostais, fiquem
lotadas de adeptos, pois prometem as “três maravilhas”: cura, prosperidade e
exorcismo.
Geralmente, as igrejas neopentecostais ficam em pontos estratégicos e
sempre uma em cada bairro, o que facilita o acesso dos fiéis aos seus
templos.
Ao ser perguntada se professava alguma religião, uma entrevistada
relata:
Freqüento a Evangélica. Porque eu gosto de ir, é mais perto, é a única igreja
mais perto que tem de casa. A Católica fica muito longe pra gente ir (Noemia,
43 anos, filha, católica).
Isso significa que o indivíduo, que anda carente de trabalho, habitação,
emprego, comida, lazer, saúde e outros, se pouco animado para buscar
ajuda espiritual longe de casa.
Concordamos com O’Dea (1969, p. 14-15), quando ressalta que a
existência humana possui três características: a contingência, a impotência e a
escassez, e a religião vem ao encontro do homem, auxiliando no “ajustamento
dos elementos aleatórios e frustradores”.
Conforme Malinowski apud Geertz (1989, p. 76), a religião suporte
para as pessoas nos momentos de estresse emocional e as perturba e
estimula, pois ”a esperança não pode falhar nem o deseja enganar”. Do suporte
da religião, o ser humano que o sofrimento poderá vir, mas que aprenderá
muito com ele.
67
Geertz (1989, p. 76) afirma que, com a religião, o sofrimento que não tem
como ser evitado pode ser tolerável e suportável. Ela possui recursos
simbólicos que expressam emoções, sentimentos, paixões, afeições.
Podemos perceber que, de fato, a religião traz respostas a tantos
porquês do indivíduo, a partir da fala de uma entrevistada ao ser perguntada
sobre qual religião freqüenta. Respondeu assim:
Espírita. Porque foi nela que eu encontrei consolo e amparo para explicações a
respeito do próprio câncer: onde meu marido faleceu e minhas crianças tinham
problemas genéticos sérios e também faleceram (Maristela, 43 anos, amiga,
espírita).
A entrevistada encontrou consolo, como ela mesma diz, dentro da
religião espírita, porque ela lhe respondeu algumas dúvidas.
O mesmo consolo é encontrado em outra expressão religiosa. Vejamos o
relato de mais um entrevistado sobre se freqüentava alguma religião:
Sim, freqüentamos a Igreja Monte da Santidade. Acho que é muito importante
ter a presença de Deus (Quinca, 31 anos, esposo, evangélico).
Isso indica que a presença de Deus se concretiza através da prática da
religião.
Geertz (1989, p. 77) afirma que os símbolos religiosos proporcionam
garantia cósmica para compreender o mundo e definir emoções. O sofrimento é
um problema do mal. Geralmente, para o sofredor, o sofrimento é visto como
imerecido. Vemos claramente isso nos portadores de câncer. Eles sempre se
perguntam: “O que fiz para merecer isto?”.
68
Durante as entrevistas, uma mãe que estava acompanhando sua filha no
Ambulatório de Quimioterapia, mas não tinha querido participar da pesquisa
efetivamente, disse que queria conversar conosco. E relatou que:
Como pode minha filha, tão boa, tão estudiosa, adolescente, ter uma doença
como esta, que detona a vida da gente? [Informações obtidas pelas
observações durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
No desabafo, nota-se que a mãe a doença da filha como algo
imerecido, que torna a vida sem sentido e sem significado.
Também Frankl (1986, p.55) afirma que o problema do sentido da vida é
essencialmente humano e, se a pessoa não consegue encontrá-lo, pode entrar
num abatimento profundo, comprometendo sua saúde. Ressalta que a religião é
uma forma de a pessoa encontrar sentido para a vida e que essa dimensão
humana está diretamente relacionada ao amor.
Observemos o que diz uma entrevistada sobre o que sente em relação à
doença (câncer) de seu familiar:
No caso dela, eu sei que seria da vontade dela ficar, seria da vontade dela lutar
e vencer e eu acho que o que quer que aconteça, ela ficando ou não, ela estará
vencendo só pela força de vontade, pelo amor, por toda a dedicação que ela
tem com os filhos. Então acho que o amor está acima de qualquer coisa e a
morte não quebra isso, a doença não quebra esse amor. Dificuldade nenhuma
isenta a gente de amar mais ainda (Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
Refere ainda o autor Frankl (1986, p. 149) que o ser humano pode
encontrar o sentido na vida a partir de três categorias de valores: criadores,
vivências e atitudes. Os primeiros se realizam mediante o fazer, a segunda diz
respeito à vivência do eu com o mundo-natureza, e a terceira se realiza
quando algo inelutável, ou fatal, tem de ser aceito como ele é. É através desse
69
pensamento que ele acredita que a vida humana pode atingir sua plenitude, não
apenas no criar e gozar, mas também no sofrimento (Frankl, 1986, p.149).
E a religião vem ao encontro ao enfermo para lhe dar sustentação num
momento de tantas perguntas muitas vezes sem respostas. Todos os indivíduos
desejam vida plena e sem sofrimentos. Não querem lembrar que a morte faz
parte do ciclo da vida e pensam em viver muitos anos com saúde e plenitude.
Observamos o que diz o entrevistado quando perguntado sobre o que
espera que irá acontecer com o paciente:
Eu espero e tenho fé em Deus que ele vai ficar bom, terminar o tratamento e ele
ser recuperado, sem precisar ficar vindo todo mês aqui (Enio, 52 anos, filho,
evangélico).
Este entrevistado afirma o poder da cura no tratamento médico e na
em Deus.
O ser humano precisa compreender a doença e a religião, pois, no
momento em que a pessoa se encontra enferma, ela entra em anomia. E uma
das muitas funções da religião é dar sentido, esperança, fé e conforto.
Hoje, temos várias religiões que dão ao indivíduo nomia. Wilges (2002, p.
11-12) afirma: “nenhuma ciência conseguiu provar a veracidade ou
inveracidade de qualquer religião. A religião é o resultado de uma experiência
religiosa/sagrada”.
Ressaltamos o que dizem as entrevistadas:
Eu espero que, eu tenho a esperança que, e a perseverança da cura. isso
que eu espero. Apesar da gente sentir lá no fundo uma fraqueza e um medo de
acontecer alguma coisa contrária, mas eu espero que fique na cura, na cura
e na devoção (Júlia, 45 anos, esposa, evangélica).
70
A gente pede a Deus pra que ela saia dessa. Tenho que ela saia dessa
(Leila, 42 anos, filha, católica).
Estas respostas nos trazem o pensamento de Gaarder (2001, p. 13-38):
compreendemos que religião são modos de pensar ou agir, conforme princípios
estabelecidos.
Estudando as religiões, certificamo-nos da importância, do respeito que
se deve ter pelos vários pontos de vista, opiniões e convocações que
caracterizam as diferentes religiões. O respeito pela vida religiosa dos outros
não significa aceitar tudo como absolutamente correto, mas compreender que
cada um tem o direito de ser respeitado e o dever de respeitar os demais,
considerando os direitos humanos básicos.
Wilges (2002, p. 8) confirma que: “a religião é uma força que nem
políticos, nem sociólogos, nem psicólogos e pessoas em geral podem ignorar,
porque faz parte da cultura cotidiana”.
Um entrevistado, ao ser questionado como se sente na religião que
freqüenta, respondeu:
Muito bem... ela nos reconforta com a palavra de Deus (Quinca, 31 anos,
esposo, evangélico).
O homem é um ser religioso. A religião faz parte de sua vida,
fortalecendo-o a cada dia. O ser humano, como dizia Weber (1991, p. 179),
quer viver muitos anos e com muita fartura. E, quando se vê doente, apega-se a
um ser fora de si que lhe dê força e confiança para seguir adiante.
Alves (2003, p. 12) afirma também que:
É quando a dor bate à porta e se esgotam os recursos da técnica que nas
pessoas acordam os videntes, os exorcistas, os mágicos, os curadores, os
71
benzedores, os profetas e poetas, aquele que reza e suplica, sem saber direito
a quem... E surgem então as perguntas sobre o sentido da vida e o sentido da
morte, perguntas das horas de insônia e diante do espelho...
Presenciamos a mãe de uma paciente dizer que havia recorrido a
todos os recursos tanto humanos quanto sobrenaturais. [Informações obtidas pelas
observações durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Observamos que, nas entrevistas, diante da dor e da doença, as pessoas
buscam mais orações, conforto e sustentação para viver o sofrimento.
Procuram explicações no imaginário. Alves (2003, p. 27-31) fala do poder das
coisas invisíveis que podem ser contempladas pelos olhos da fé; ressalta
que a religião tem o poder, o amor e a dignidade do imaginário.
Disse um entrevistado, ao ser perguntado sobre o que espera de Deus
em relação à doença:
Misericórdia, um milagre (Quinca, 31 anos, esposo, evangélico).
Conforme Berger (2003), a religião constrói e mantém uma sociedade,
traz significado. Através da religião, nutre o ser humano de uma força invisível
que o conduz dia a dia. Mesmo os povos antigos tinham suas crenças e ritos.
A experiência religiosa se entrelaça com a ação social, transcendendo a
sua realidade concreta, sua organização, presente como algo essencial à
constituição e manutenção de um povo.
Fala o que espera de Deus uma entrevistada:
Eu acho que a gente tem que por nas mãos de Deus. Deus. Porque a
gente ainda procura, porque Deus ajuda a gente. Mas a gente tem que procurar
medicamento, um remédio pra tomar, pra passar. Mas primeiramente é Deus.
Só Deus sabe o certo se você vai sarar ou não, só ele realmente é Deus (Dulce,
50 anos, filha, católica).
72
Sabemos que o homem tem apego à religião para fortalecê-lo nos
momentos difíceis. A construção do homem e da sociedade está alicerçada na
religião, na experiência religiosa, que é única e intransponível e necessita ser
experimentada individualmente. É uma manifestação própria do ser humano.
Por isso, é universal. Todos os povos, tribos ou culturas, em qualquer nível,
cultivam alguma forma de religião.
Para O’Dea (1969, p. 13), a religião contribui para as sociedades e
culturas humanas, tendo como característica principal: ”a transcendência da
experiência diária no ambiente natural”.
Os conceitos de cultura devem ser vistos dentro dos costumes, hábitos
de vida de um grupo, digo, da sociedade. O pensamento sincrético popular é
recheado e visualizado por imagens, mbolos e expressões orais. O sistema
simbólico religioso faz-se presente até para o mais humilde e analfabeto, pois
utiliza vários mecanismos de comunicação. a casta sacerdotal faz-se
presente somente para poucos, distanciando-se cada vez mais das massas.
Davis apud O’Dea (1969, p. 27) ressalta que: “A religião ao indivíduo
um sentido de identidade com o passado distante e o futuro ilimitado. Amplia
seu ego, ao tornar seu espírito significativo para o universo, e o universo
significativo para ele”.
Nas modernas ciências da religião - sociologia da religião, filosofia da
religião, fenomenologia religiosa, predomina a idéia de que a religião é um
elemento independente, com estrutura própria, embora ligada aos elementos
73
sociais e econômicos. O homem tem uma força interior, um dinamismo, uma
energia que o impele para Deus.
Observamos o que afirma uma entrevistada, quando questionada sobre
o que espera acontecer com o seu paciente:
Milagre, eu acho assim, acontece. Eu, logicamente, coloco nas mãos de Deus,
pra ele nada é impossível. Mas assim perante, por exemplo, assim, se for
pensar do lado da ciência, a gente sabe que é uma doença que, não sei, ela
pode, como se diz, dar uma amenizada, sei lá, estagnar, alguma coisa assim.
No ponto da ciência em si, não, ela vai estagnar. Mas, quer dizer, pensando
pelo lado espiritual, pra Deus nada é impossível (Alice, 47 anos, filha, católica).
Nessa resposta, podemos perceber que a religião traz conforto à alma,
ao corpo; muitas são as pessoas que buscam a religião no momento de
atribulação como numa doença grave (o câncer). No momento da doença, a
religião atua como ‛terapêutica’, dando possibilidades de cura, entendimento,
provação, esperança e fé.
Para Savioli (2004, p. 20), o problema da fé é o seguinte:
Muito se tem discutido a respeito de como a pode atuar em nosso
inconsciente, ou mesmo consciente, liberando-nos de doenças. Pesquisadores
de respeito demonstraram, em estudos de neurofisiologia, a existência, no
sistema nervoso central, de um “centro da fé”. Essa região estaria localizada em
áreas contíguas àquela que regula toda a defesa do organismo, de modo que
estímulos de acionariam todas as áreas da defesa orgânica. Assim, a prática
da fé liberaria substâncias que estimulariam as células da defesa do organismo,
combatendo assim as doenças.
Notamos isso em alguns dos nossos pacientes portadores de câncer
(oncológicos) que, muitas vezes, por terem religião, e apoio familiar, passam
pelo tratamento, bastante doloroso, com maior entusiasmo, resignação,
74
possibilidade de cura, paciência, minimizando os efeitos adversos da
quimioterapia, da cirurgia, sendo mais susceptíveis ao tratamento médico.
Diz uma das entrevistadas:
Espero que ele fique bom. Vai voltar pra casa, que é o sonho dele. Ver ele bom
é o que todo mundo espera (Benedita, 35 anos, filha católica).
Temos outros relatos que também falam isso:
Espero que ela vai ficar boa, vai voltar pra casa, vai cuidar das coisinhas dela
(Noemia, 43 anos, filha, católica).
Vai curar, graças a Deus, se Deus quiser (Sílvio, 24 anos, esposo, católico).
Pelo primeiro relato, sempre alguém a espera do familiar enfermo, na
sua volta ao lar. No segundo, a cura e a fé estão ligadas à vontade de Deus.
De acordo com Savioli (2004, p. 20-21), os monges beneditinos,
comparados aos religiosos que fazem orações diárias, tiveram menor índice de
hipertensão arterial, o que nos leva a crer na eficácia da ação curativa da
oração e da fé. Ainda Savioli mostra que, em um hospital americano,
pesquisadores observaram dois grupos de pacientes com a mesma patologia e
características clínicas. Um grupo pertencia e praticava alguma religião e o
outro era agnóstico ou ateu. Resultado: os pacientes que tinham religião
tiveram melhor evolução clínica.
Terrin (1998, p. 149) afirma que:
é bem sabido que se o homem não precisasse de ‛salvação’ as religiões seriam
inúteis, mas elas têm igualmente se tornado bastante supérfluas em um outro
caso: quando não são capazes de sanar as doenças e os incômodos físicos e
psicológicos cotidianos do homem. È essa segunda questão que hoje mostra-
se mais flagrante e de algum modo põe em dificuldade as religiões
especialmente a religião cristã. Contudo, a incapacidade ou a declarada
75
incompetência do cristianismo em ‛sanar’ os males e as doenças dos homens
de hoje não podem ser considerados um fato expiado. Trata-se de uma
omissão bastante grave, porque o homem contemporâneo é, antes de tudo, um
ser doente de corpo e espírito, um paciente é um sofredor que sabe que está
doente e que pede, com absoluta prioridade, para ser ‛curado’.
No momento da doença, a religião preenche a vida da pessoa dando-lhe
sentido e significado. Uma pessoa sem religião se perde no cosmos.
Vejamos como Terrin (1998, p. 195) conceitua a doença:
a doença foi definida como ‛o lado escuro da vida’. Basta ter lido livro de ou
vivido pessoalmente uma doença muito grave, ou mesmo ter visto nos olhos de
um parente ou de um amigo o desgaste do sofrimento e da doença, que agride
física e espiritualmente, para compreender o abismo de negatividade que ela
esconde. É totalmente lógico que a doença como mal, ou melhor, como a
concretização física e ‛determinativa de um mal’, entre no contexto das religiões
e defronte-se com o problema da vida e do seu significado. De fato, a doença
nos leva às margens da vida, a uma erosão da existência, à mortificação e à
crise do viver. Conduz, para todos os efeitos, à perda da integridade e da
própria identidade pessoal.
Berger (2003, p. 26-37) também concorda com Terrin (1998), pois coloca
para o ser humano o nomos como o ‘lado diurno’ da vida e a anomia como a
‘noite’.
Temos alguns relatos que dizem como se sentem os familiares em
relação à doença de um de seus membros:
Um cisquinho gelado, que tem fé, mas tem medo, muito pequeno perante o
poder de Deus e a gravidade da doença (Júlia, 45 anos, esposa, evangélica).
Sinto péssima, porque não tenho como me sentir bem. Mas é uma coisa que a
gente tá sujeita, ninguém tá livre (Leila, 42 anos, filha, católica).
76
Nos relatos, o medo pode ser chamado de ‘lado escuro’ ou ‘noite’ e está
presente. Na fala da entrevistada Júlia, um raio de luz que pode ser
chamado de fé.
Vemos que, quando ocorre uma doença grave, a pessoa se apega a
uma religião e até a várias, para encontrar alívio e respostas para seu
sofrimento. Freqüenta muitas vezes a igreja católica, mas toma passes, água
fluidificada, vai a cultos evangélicos, usa amuletos e outros.
Uma das entrevistadas, que é católica, ao ser perguntada sobre se
freqüenta outras religiões, quais, e por que, revela:
Não, de vez em quando vou a Assembléia, mas freqüentar mesmo, não. Porque
até que eu me sinto até bem lá, mas continuo na mesma (Leila, 42 anos, filha,
católica).
O ser humano apega-se a Deus, à fé e a tudo que lhe traga forças para
enfrentar a doença. A religião não o protege, mas lhe fornece forças para tornar
o sofrimento possível. Segundo Wilges (2002, p. 15), “a religião não termina
com o sofrimento, mas o torna suportável, dando-lhe um significado”.
Vejamos alguns relatos dos entrevistados sobre o que esperam de Deus
em relação à doença:
Que Deus forças pra gente encarar o tratamento, encarar todas as etapas,
porque eu acho que isso é o mais difícil (Fabiana, 29 anos, irmã, evangélica).
Ajuda, né? (Sílvio, 24 anos, esposo, católico).
Nos dois relatos, percebemos a espera de que Deus conforte, console e
apóie, para que se possa suportar o momento da doença.
77
A teoria weberiana (1991, p. 289) relata que o que interessa ao indivíduo
em sua vida cotidiana é a relação com um Deus “supremo” ou com espíritos e
demônios “inferiores”.
O ser humano precisa acreditar no sobrenatural para estar fortalecido e
acredita, muitas vezes, que tudo o que lhe acontece está relacionado a Deus.
Assim também relata um entrevistado:
Nada acontece a ninguém sem que Deus permita. A doença é muito cruel
(Quinca, 31 anos, esposo, evangélico).
No relato, percebemos a onipotência que o entrevistado refere a Deus e
à crueldade da doença.
Weber (1991, p. 293) afirma que as orações dos fiéis são direcionadas
para o livramento do mal e favorecimento de vantagens ‘neste mundo’. Até
mesmo nas religiões ligadas ao além podemos observar isso.
Na visão weberiana (1991, p. 298), os deuses nos quais os homens
buscam abrigo, proteção devem seguir uma “ordem e fazer dela o conteúdo
específico de sua vontade divina”.
Vejamos o que afirmam os entrevistados ao serem questionados sobre o
que esperam de Deus em relação à doença:
A cura que Ele vai me dar (Régis, 54 anos, esposo, evangélico).
Espero a cura por parte Dele, isso é óbvio, né? (Enio, 52 anos, filho,
evangélico).
Os relatos vêm ao encontro da visão weberiana citada anteriormente.
Berger (2003, p. 99) afirma que: “A religião tem sido um dos mais
eficientes baluartes contra a anomia ao longo da história humana”.
78
Podemos ver isso quando o ser humano, em situação de perigo, recorre
ao sobrenatural para ser reabastecido com coragem, força e esperança de uma
vida sempre plena e longa.
Conforme Martelli (1995, p. 85), para Weber, as concepções religiosas
influenciam o processo histórico tanto nas relações econômicas quanto nas
sociais, “seja impedindo ou estimulando os conflitos sociais”.
O’Dea (1969, p. 09) diz que não religião completa se não observamos
seus aspectos sociológicos.
A religião desempenha funções diversas, o que faz com que sociólogos a
caracterizem de formas diferentes. Para O’Dea (1969, p. 09 -10), a religião tem
força dentro da ordem social e na forma comportamental do ser humano. É
institucionalizada, tem caráter de moralidade, ordem pública, paz interior, e
pode enobrecer e civilizar a humanidade. Mas também tem sido acusada de
promover o fanatismo, a ignorância, a intolerância, superstição e o retardo do
progresso.
O autor (1969, p,09) diz ainda : “Refere-se ao “além” , à relação do
homem com esse “além” e sua atitude diante deste, e ao que os homens
consideram as conseqüências práticas do “além” para a vida humana”.
Conforme O’Dea (1969, p. 28), a religião pode contribuir positiva ou
negativamente para a sociedade, apoiando-a ou enfraquecendo-a, sendo um
elemento desintegrador e revolucionário.
O que gera uma sociedade está permeado do poder da religião. Mesmo
para escolher um sémem no banco de esperma, além das características
físicas escolhidas, a religião é um item que deverá ser definido.
79
Concordamos com Gramsci (1995, p. 29) quando diz que: “a escola [...] e
a igreja são as duas maiores organizações culturais”.
Assim respondeu uma entrevistada quando perguntamos: freqüenta
alguma religião? Qual? Por quê?
Católica. Porque eu nasci nela, nunca participei de outras, assim, conheço, mas
sempre católica. Acho que se Deus me chamar pra outra vou continuar sendo
católica (Leila, 42 anos, filha, católica).
A entrevistada criou uma opinião rígida e uma fidelidade à igreja.
Segundo Berger (2003 p. 15): “Toda sociedade humana é um
empreendimento de construção do mundo”. A sociedade é um produto do
homem e o homem, produto da sociedade. A religião se destaca na construção
do mundo. O mundo construído é precário e muda constantemente. Em todos
os tempos, lugares e povos, há a presença da religião.
Conforme Wilges (2002, p. 10), no Brasil, a religião está presente em
todos os lugares. Os temas religião e política sempre estão presentes no lazer,
no bate-papo ou festas. Toda cidade ou vilarejo tem igreja católica e/ou templos
de outras religiões. Temos muitas festas religiosas em nosso país. De alguma
maneira, já participamos de uma procissão, de uma novena e de ‘acendimento’
de vela. As pessoas desejam batizar seus filhos na igreja, mesmo os não
praticantes. A mídia está recheada de programas religiosos.
Ainda o referido autor (2002, p. 10):
Nossa Senhora Aparecida é padroeira do Brasil. Iemanjá é a rainha do mar. O
mundo pára no Natal. Talvez alguns nem se dão conta de que se trata de uma
festa religiosa! Mesmo as novas gerações que acham que a religião era,
acabam se encontrando com as perguntas sobre o sentido da vida, do bem e
do mal. Acabam convencidas de que a vida é mais do que nela percebemos.
Sentem e desejam a presença de algo mais! É o sagrado.
80
É possível perceber a religião como uma crença capaz de explicar a vida
e o sofrimento e de inserir os crentes numa ordem que os transcende. A religião
é quase sempre sustentada por uma instituição religiosa. Muitas são as
religiões e os comportamentos religiosos.
Não existe nenhum povo que não tenha religião, ritos e mitos sagrados.
Mesmo os primitivos se apegavam aos seus deuses, quando tinham de
enfrentar alguma luta ou doença.
4.1 - O Problema da teodicéia
Mas quanto mais próxima a concepção de um deus único, universal e
supramundano, tanto mais facilmente surge o problema de como o
poder aumentado ao infinito de semelhante deus pode ser compatível
com o fato da imperfeição do mundo que ele criou e governa.
Weber (1991, p. 351).
Segundo Weber (1991, p. 351-359), teodicéia é o sofrimento individual e
a injustiça social racionalizados. Seriam as interrogações sobre o sofrimento, a
doença, a morte, a pobreza, feitas a Deus, que deixa o justo sofrer e o ímpio
prosperar. Para o autor, através da experiência, do sofrimento humano de si
próprio ou do outro, que fere e parece ser imerecido, a necessidade de
respostas para o ser humano. Weber (1991 p.351) afirma que: o problema da
teodicéia encontrou soluções diversas e estas estão numa relação muito íntima
com a formação da concepção de Deus e também com as idéias de pecado e
salvação”. Um Deus virá e colocará cada um na posição que merece neste
81
mundo. Deus é todo poderoso; Deus é absolutamente bom; contudo, o mal
existe. Isto é teodicéia.
Vejamos o que diz o entrevistado Enio ao ser perguntado como se sente
em relação ao câncer de seu familiar:
Normal, porque quem sou eu pra duvidar do que Deus faz. Se está com esse
problema é porque foi dado por Deus. Alguma coisa aconteceu pra ele ter essa
doença (Enio, 52 anos, filho, evangélico).
Enio não duvida de Deus, mas se seu familiar está doente é porque deve
ter feito algo para receber isso. Assim é sua compreensão religiosa.
Diversas são as formas sócio-culturais da adesão aos credos religiosos.
A religião tem um importante papel no controle da aflição devido a um amplo
espectro de problemas que dominam o homem (enfermidades, incapacidades,
morte, ruptura das relações pessoais, desemprego, miséria, violência social),
apontando para o enfrentamento de situações de sofrimento.
Wilges (2002, p. 14) concorda com essa idéia: “é justamente no
sofrimento, no momento de medo e de insegurança que as pessoas recorrem
ao sagrado. Elas se sentem inquietas quando não sabem explicar determinados
acontecimentos”.
Observemos o que diz um entrevistado, quando perguntado sobre o que
acha que Deus pensa do câncer:
Olha, pra te falar a verdade, eu acho que nem sei. sei que não devia existir
isso, não (Osmar, 18 anos, filho, católico).
O entrevistado não consegue responder, acha que a doença não deveria
existir.
82
Muitas pessoas que sofrem pensam que merecem o que estão passando
por acreditarem que estão pagando algo. Outras maldizem a religião, outras se
apegam demasiadamente a ela, buscando cura ou alívio para sua dor.
Weber (1991, p. 350-359) algumas soluções apresentadas pelas
religiões aos problemas da teodicéia: um Deus onipotente que tudo criou, como
deixa que aconteçam a dor, a morte, o sofrimento? As soluções são as
seguintes:
referência a uma compensação futura neste mundo (escatologias
messiânicas): Deus tarda, mas não falha, está reservado para
outra vida;
a concepção de um além almas que podem salvar-se pela idéia
ética da retribuição do bem e do malfeito concreto:juízos,
comportar-se muito bem. Quem tem que alcançar a salvação é o
próprio indivíduo - “aqui se faz, aqui se paga”. Existem códigos
morais e a salvação é uma conquista;
concepção de um Deus todo poderoso que está além de todas as
pretensões éticas de suas criaturas: predestinação sobre a terra e
após a morte. Respeito aos desígnios de Deus, relativizando a
concepção de um além. Deus tem um plano para cada um,
independentemente do comportamento ético, mas deverá haver
gratidão para com Deus, porque não sabemos quem é o
escolhido;
83
dualismo, jogo de forças entre o bem e o mal: bem são coisas
espirituais e mal são coisas físicas. “Salve sua alma e negue seu
corpo”;
doutrina do carma, transmigração das almas, que trabalha com a
soma do bem e do malfeito. Significa encontrar formas de
salvação.
Observemos o que diz o entrevistado Quinca:
Deus não quer que seus filhos passem por nenhum sofrimento. Mas permite
que alguns sofram para que sejam provados para serem, ou não, aprovados.
(Quinca, 31 anos, esposo, evangélico).
Esse relato encaixa-se numa das respostas de Weber - a soma do bem e
malfeito.
Olha, eu acho que o câncer não é culpa de Deus. A gente está aqui, qualquer
um de nós está sujeito a qualquer enfermidade (Fabiana, 29 anos, irmã,
evangélica).
No relato, a compreensão expressada seria a de que Deus tem um plano
para cada um e não compete ao ser humano saber qual será o escolhido, mas
aceitar o que lhe foi designado. Assim também respondeu a entrevistada Paula:
Acho que Ele não queira isso pra ninguém, mas temos que aceitar (Paula, 47
anos, filha, católica).
Conforme Berger (2003, p. 61-71), a sociedade e a religião são
produzidas pela “atividade humana”. A teodicéia, para Berger, traz significado e
não propriamente a felicidade, pois, ainda em momentos de sofrimento e dor, a
“necessidade de significado é tão forte quanto a necessidade de felicidade ou
talvez maior”. Assim, a teodicéia, para o autor, responde ao indivíduo, dando-
84
lhe sentido, sem muitas vezes prometer felicidade. As teodicéias servem até
como “ópio” para os miseráveis e menos afortunados, desempenhando função
social, legitimando a ordem social e explicando as desigualdades.
Tanto para Berger (2003, p. 71) como para as teorias weberianas (1991,
p. 350 360), as teodicéias justificam a pobreza para o pobre, para que viva
sua situação sem rebelar-se, e a riqueza para o rico, para que usufrua de seu
poder e de sua conta bancária. Assim, mantém o mundo em uma “ordem
institucional particular”. Segundo Berger (2003, p. 92): “Os mundos que o
homem constrói estão permanentemente ameaçados pelas forças do caos e,
finalmente, pela realidade inevitável da morte”.
Percebemos que, diante da doença (câncer) e do longo tratamento
quimioterápico, o ser humano sente-se fragilizado. Dizem algumas
entrevistadas sobre o tratamento:
Acho que é meio cansativo pra ela, pra gente ficar pensando no que todo
mundo falou que ela vai ficar muito fraca. Mas eu falei pra ela que depois volta
tudo ao seu normal de novo. Tem que se alimentar bem: “eu sei que o cabelo
da senhora vai cair, mas fazer o quê? Tem precisão, né?” (Dulce, 50 anos, filha,
católica).
Sinto que é uma bomba. Isso é um tratamento que ela fica mal e, quer dizer, é
uma bomba pra doença e não pra matar ela (Leila, 42 anos, filha, católica).
No primeiro relato, a entrevistada refere-se ao cansaço e à apreensão
diante do tratamento e ao aspecto físico da paciente, ameaçado pela queda de
cabelo. Mas tenta reconfortar sua mãe dizendo que tudo voltará ao normal, isto
é, ao nomos.
85
No segundo relato, a entrevistada Leila refere-se ao tratamento como
uma “bomba” que detona a doença e não a doente. O que às vezes lhe traz
dúvidas.
Ao perguntarmos sobre o que esperam de Deus em relação à doença,
responderam:
Eu espero tudo de bom de Deus, desde que nós façamos a nossa parte (Júlia,
45 anos, esposa, evangélica).
Graça, benção, que a gente tá recebendo (Benedita, 35 anos, filha, católica).
Ele sabe o que faz... (Clarice, 40 anos, filha, católica).
Eu acho que, é uma coisa que... é o que eu acabei de falar: ele não quer isso
pra nós, mas que está com a doença é confiar nele e esperar uma solução
melhor (Paula, 47 anos, filha, católica).
Percebemos que todos depositam em Deus a esperança de cura.
Conforme Berger (2003, p. 7), “religião é modo de conhecer o mundo e
situar- se nele”. Ainda o autor (2003, p. 7) compartilha com Marx a convicção
“de que a sociedade é feita pelos homens”. O homem precisa de nomia, de
ordem para viver e evitar a anomia.
4.2 - Convicção Religiosa
Seguindo Durkheim, que define a religião como um conjunto de
práticas e representações revestidas de caráter sagrado, Bourdieu
trata a religião como linguagem: sistema simbólico de comunicação e
de pensamento. É enquanto sistema de pensamento que a religião
interessa à sociologia, uma vez que ela opera para uma dada
sociedade a ordenação lógica do seu mundo natural e social,
integrando-o num cosmos. Ou seja, para a religião tudo que existe ou
86
venha a existir tem sentido porque se integra numa ordem cósmica.
Teixeira et al (2003, p. 178-179).
O ser humano busca o equilíbrio para viver melhor e, segundo Bourdieu
(1974, p. 45-56), a religião é responsável pela estruturação da sociedade.
A religião desempenha a função social de oferecer respostas para as
grandes questões da vida, do amor, da morte, da ira e outras; tem capacidade
de simbolização, de manter ou agregar as virtudes, os valores aceitos por
todos; responder as indagações do ser humano; solucionar contingências do
dia-a-dia para quem não tem acesso ao imediato; atuar como pronto socorro do
capitalismo político e econômico. Na religião, mora uma força que ajuda a curar
as doenças, que vai além do consolo ao mundo cruel e varia entre grupos
sociais que assumem a religião e domesticam as forças do desconhecido a seu
favor.
Bourdieu (1974, p. 48) ressalta que:
Se a religião cumpre funções sociais, tornando-se, portanto, passível
de análise sociológica, tal se deve ao fato de que os leigos não
esperam da religião apenas justificações de existir capazes de livrá-
los da angústia existencial da contingência e da solidão, da miséria
biológica, da doença, do sofrimento ou da morte. Contam com ela
para que lhes forneça justificações de existir em uma posição social
determinada, em suma de existir como de fato existem, ou seja, com
todas as propriedades que lhes são socialmente inerentes.
Ainda para o autor (1974, p. 50), as funções sociais da religião
apresentam diferenças quanto ao grupo ou classe que a professa.
87
Teixeira et al (2003, p. 179-80) afirmam também que a religião funciona
como estruturadora da sociedade, dando às relações sociais a maneira como
agir e como não agir, ditando as regras a serem seguidas.
O ser humano necessita de respostas e, enquanto não as encontra,
passa por várias denominações religiosas.
A entrevistada Dulce é católica e, quando perguntada se freqüenta
alguma religião, disse:
De vez em quando eu freqüento centro espírita. Eu tenho um irmão
que é espírita. Porque ele é meu irmão e quando eu tenho uns
trabalhos eu vou lá e acho até bom. Até, inclusive, eu vinha passando
mal com uma dor no lado aqui na barriga parecendo que eu tava
operada. Então, aí, os médicos não descobriram, e foi meu irmão que
descobriu. E fez um trabalho e eu joguei aquelas “porqueiras” tudo
pra fora. Ele é espírita, mas freqüenta a igreja Católica também, do
mesmo jeito (Dulce, 50 anos, filha, católica).
Pelo relato, podemos perceber que a doença não foi diagnosticada
pelos médicos, mas num centro espírita. Segundo a dissertação de Santos
(2004, p. 106):
O espiritismo tem uma cosmovisão própria sobre a doença, a cura, a
saúde e os meios para proporcionar o tratamento espiritual pela
terapêutica espírita, como as reuniões públicas, sessões de
desobsessões, passes, água fluidificada, recomendações de leituras
espíritas, reforma íntima e prece.
A busca da harmonia numa vida turbulenta faz com que o ser humano
recorra à igreja mais próxima para transportar suas insatisfações e desejos,
buscando sempre o equilíbrio.
88
4.3 - O sagrado
O ser humano tem necessidade do poder que emana do sagrado, que
pode estar presente num objeto natural, humano, vegetal ou no sobrenatural.
Segundo Girard (1998, p. 45): “o sagrado é tudo o que domina o homem,
e com tanta mais certeza quanto mais o homem considere-se capaz de dominá-
lo”. Para o autor (1998, p. 11-54) reconhece que o desconhecido constitui uma
dimensão fundamental do religioso. Ainda Girard (1998 p. 121): “a presença do
religioso na origem de todas as sociedades humana é indubitável e
fundamental”.
Durante nossas observações, percebemos que uma paciente trazia
consigo a Bíblia durante todo o tratamento de quimioterapia. Dizia que tudo o
que estava vivendo estava escrito na Bíblia e que o ser humano devia conhecê-
la. Disse ainda que já possuíra vários “Novos Testamentos” e já os havia
distribuído a quem estava precisando da palavra de Deus. Para a paciente, a
Bíblia atuava, como ela mesma ressaltou, como “a espada de Deus”. Acreditava
que o poder dos cânticos, da leitura bíblica e da oração promoveriam a tão
esperada cura. [Informações obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa
(Diário de Campo).]
Conforme Girard (1998, p. 333), a comunidade teme o sagrado e lhe
deve tudo.
O ser humano tem uma ligação forte com o sagrado, principalmente
quando se encontra doente. O homem vida ao objeto sagrado que o
89
fortalece nos momentos de infortúnio, trazendo segurança. E sente-se inseguro
ao perdê-lo.
Vejamos o que Batista
(2001, p. 23) diz sobre o sagrado:
Os mistérios do sagrado, ao longo do tempo, continuam a despertar, no ser
humano, a fé que insiste em decifrar os grandes enigmas da vida e da morte. O
homem em meio às conturbações do seu contexto social, move-se em busca da
reordenação da vida presente na segurança de Deus, o qual se encontra além
das asperezas deste mundo.
Na entrada do hospital, há uma capela e, de frente à subida da rampa de
entrada, existe uma imagem de Nossa Senhora, sempre repleta de velas
acesas, flores e bilhetes com pedidos e agradecimentos. As pessoas que
transitam pelo local fazem quase sempre o sinal de persignação (sinal da cruz)
diante da imagem. [[Informações obtidas pelas observações durante a realização da
pesquisa (Diário de Campo).]]
O que leva as pessoas a tal ato? Certamente, a crença no poder do
sobrenatural que irradia do objeto sagrado.
Assim, para Girard (1998, p. 334):
O pensamento moderno concebe as relações com o sagrado no modo único da
mediação, porque ele tenta interpretar a realidade primitiva a partir de um
religioso parcialmente purificado de seus elementos maléficos.
Essa mediação do sagrado foi observada durante a quimioterapia de
uma paciente que solicitou à enfermagem para sintonizar o rádio na estação
que transmitia a missa do padre Marcelo. A missa para ela, naquele momento,
estava carregada de sagrado, trazendo-lhe conforto, sustentação e esperança
de cura. [Informações obtidas pelas observações durante a realização da pesquisa (Diário de
Campo).]
90
Croatto (2001, p. 91) ressalta que “a infinita variedade das coisas ajuda a
visualizar o sagrado de muitas formas, sem que nenhuma delas o esgote”.
Já Girard (1998, p. 334) afirma que o ser humano é governado, regulado,
vigiado e fecundado pelo sagrado.
O poder que o sagrado irradia ajuda o ser humano, pois é numinoso
(numen - divindade), conforme Otto apud Jorge (1998, p. 30-32). Faz com que o
homem tenha sua experiência religiosa. O sagrado traz sensações espirituais
de alegria, confiança e atração, podendo também trazer temor e respeito. Ainda
para o autor, a experiência religiosa é única e intransponível. O sagrado
transcende a razão, dá ao homem elementos sobrenaturais de poder.
Otto apud Martelli (1995, p. 138) também partilha do pensamento
anterior: “a religião não consiste nas suas expressões racionais”, mas na
experiência religiosa.
Para o ser humano, o sagrado tem poderes que extrapolam a razão e
nutrem o homem religioso, inacabado por natureza.
Em qualquer religião, existe a presença do sagrado. Durkheim apud
Martelli (1995, p. 92) “prevê a possibilidade do declínio das instituições
religiosas existentes, mas afirma que as funções assumidas pela Religião
permanecem, assim como permanece a necessidade do sagrado [...]”.
Ainda para o autor, o sagrado retrata, simbolicamente, o todo social,
fortalece vínculos sociais, reforça valores e normas que regem a ordem na
sociedade. Pode haver mudanças na religião, mas não haverá
desaparecimento do sagrado.
91
De acordo com Berger (2003, p. 30-38), a religião desempenha o papel
de empreendimento humano pelo que se estabelece o cosmos sagrado”.
Sendo assim, o sagrado está envolto de poder e se relaciona com o homem
através de objetos animados ou inanimados. Pode trazer ao ser humano um
imenso poder, até mesmo o de colocar ordem e significado na sua vida.
O ser humano aproxima-se do sagrado quando se percebe em situações
de risco, como a morte, a doença, as dúvidas e outras. O homem é um ser
inacabado que necessita do transcendente para estar em harmonia.
4.4 - Morte
Na morte há morte, mas também há vida. Não existe vida, no plano da
comunidade, que não fale da morte. Assim a morte pode aparecer
como a verdadeira divindade, como o lugar onde o mais benéfico e o
mais maléfico se reúnem. Girard (1998, p. 320).
A possibilidade da morte a qualquer instante para o paciente com câncer
traz-lhe estresse e ansiedade. O cuidador (família) geralmente se apega a algo
fora dele, como a religião, que lhe proporciona alento no momento difícil.
Ross (2002, p. 43-117) faz um estudo clássico sobre a morte e o morrer e
apresenta os cinco estágios da morte: negação e isolamento, raiva, negociação,
depressão e aceitação.
Quando o paciente recebe a notícia de uma doença grave, o câncer, por
exemplo, tanto ele quanto a sua família experimentam esses estágios, embora
alguns às vezes fiquem estagnados em alguns deles, retardando o tratamento e
a possibilidade de cura.
92
Ao saber de um diagnóstico de câncer, o paciente se sente na iminência
da morte. Compara o câncer com doença fatal, pois a morte traz consigo o
medo do desconhecido. Todos sabem que ela faz parte da vida, mas fazem
questão de ignorá-la, de negá-la, e muitas vezes de maldizê-la. Querem vida
eterna e sem sofrimento, apesar de saberem que isso não existe. Às vezes
correm tanto da morte que se esquecem de viver, de estar com quem amam e
de fazer o de que gostam.
Ross afirma (2002, p. 3) que, nos momentos que precedem a morte,
“quantas coisas não são ditas sem pronunciar palavras, mas são sentidas,
vivenciadas, vistas e dificilmente traduzidas verbalmente?” Sendo assim, faz-se
necessário no morrer, ou quando se está diante de um enfermo grave, ficar ao
seu lado, ouvi-lo, observá-lo, tocá-lo ou estar atento ao seu olhar, que muitas
vezes diz muito sobre o momento. Observamos que acompanhantes,
familiares e ou amigos que, no momento em que seu paciente está na
iminência da morte, esse pede-lhe uma água, uma mudança de posição.
Geralmente, os acompanhantes chamam alguém da equipe de enfermagem
para fazê-lo, embora o paciente esteja desejando apenas um último toque, um
contato, um aconchego daquele que ele ama e sabe que está deixando. Neste
momento último, que é de muita intimidade, é necessário que o cuidador
(família) esteja ao lado do seu paciente de corpo e alma, não esperando o
momento de morrer.
O pavor que o morrer traz é muito antigo, Ross (2002, p. 7). Os egípcios,
quando enterravam seus mortos, deixavam junto deles alimentos e roupas, para
93
que não sentissem falta de nada e fossem felizes; os antigos índios americanos
também enterravam seus mortos com tudo o que lhes pertencia.
A morte sempre foi encarada como algo ruim, mas deveria ser tratada
com respeito e não com medo. O ser humano deveria abordar a morte nas
conversas com amigos, familiares, na escola, na academia, enfim, em lugares
que representam vida. Pois a morte faz parte da vida e do viver - todos vão um
dia morrer e ausentar-se fisicamente para as pessoas que amam e por quem
são amados.
Uma acompanhante falou que o “enterrar debaixo da terra” é o que traz o
desespero do morrer. Talvez, se todos fossem cremados e jogados no ar, no
mar, nas montanhas, teriam a certeza da vida eterna. [Informações obtidas pelas
observações durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Varella (2004, p. 7-8) afirma que: “morte é a ausência definitiva”. E que
aguardar a morte a cada segundo no nosso destino é angustiante. Do cotidiano,
ela não faz parte. Os seres humanos vivem como se fossem imortais e sempre
tentam acreditar que a vida é eterna.
Pudemos perceber que a palavra morte não foi citada muitas vezes pelos
entrevistados. Eles expressam de maneira diferente esse estado, como
podemos perceber no seguinte relato:
Que logo, no caso dela, seja curada e que logo surja um tratamento que
realmente acabe com isso (Leila, 42 anos, filha, católica).
A entrevistada Leila não acredita na cura com a terapêutica usada hoje e
espera um novo tratamento mais eficaz para a certeza de cura e de vida.
A verdade é que eu queria que ele sarasse, mas, no fundo, sei que ele não vai
sarar.[...] (Clarice, 40 anos, filha, católica).
94
A palavra morte humana, do nunca mais visto, nem tocado é a causa do
pavor do ser humano. Oculta-se a palavra morte, mas o sentimento da sua
iminência não pode deixar de ser vivido e sentido.
Berger (2003, p. 64) afirma:
Toda sociedade humana, em última instância, consiste em homens unidos
perante a morte. O poder da religião depende, em última instância, da
credibilidade das bandeiras que coloca nas mãos dos homens quando estão
diante da morte, ou mais exatamente, quando caminha inevitavelmente para
ela.
Todo ser humano tem seu fim último na morte. E por mais que um
familiar esteja sofrendo no leito, moribundo, os familiares geralmente pedem em
oração para que Deus prorrogue a sua vida. [Informações obtidas pelas observações
durante a realização da pesquisa (Diário de Campo).]
Berger (2003, p. 36) coloca que a morte é um problema para a
sociedade, pois ameaça a “continuidade das relações humanas” e “põe em
xeque os pressupostos básicos da ordem sobre os quais descansa a
sociedade”.
Quando a família constata o diagnóstico de câncer, sempre diz: “por que
comigo?”.
Varella (2004, p. 9) também afirma que:
O diagnóstico de uma doença fatal é um divisor de águas que altera
radicalmente o significado do que nos cerca: relações afetivas, desejos, objetos,
fantasias, e mesmo a paisagem. “Nunca mais foi como antes”, ouvi de muitos
doentes curados e de outros que vieram a falecer.
95
Segundo Ross (2002, p. 11), morrer é triste, solitário, mecânico e
desumano, sendo difícil detectar a hora certa em que a morte ocorre.
Geralmente, o paciente grave é levado para o hospital, removido bruscamente
de casa. Lá, é separado de seus familiares, pessoas estranhas com gorros,
máscaras, luvas, de um lado para outro, buscando aparelhos de última geração,
administrando medicações para salvar a vida. Ninguém o olha como um ser que
às vezes quer dizer muitas coisas, pois parar para ouvir o paciente pode ser
perda de tempo. Assim, ele se sente solitário, como afirmou Ross.
É necessário lembrarmos que o paciente grave tem sentimentos,
desejos, vontades e quer ser ouvido.
Para Girard (1998, p. 319), “a morte é a pior violência que se pode sofrer;
é, portanto, extremamente maléfica”.
Por isso, é difícil falar de morte para si próprio ou quando ela está
rondando a família. O ser humano deseja que ela o esqueça e sempre pede a
Deus “saúde e paz”. [Informações obtidas pelas observações durante a realização da
pesquisa (Diário de Campo).]
Talvez por isso Ross (2002, p. 11) afirme: “quanto mais avançamos na
ciência, mais parece que tememos e negamos a realidade da morte”.
É necessário enfrentar a morte com coragem, resignação e dignidade,
vendo-a como uma passagem que faz parte do ciclo da vida. Hennezel e Leloup
(2003, p. 39-40) afirmam que se faz necessário respeitar e escutar o moribundo
de forma aberta, “para que ele entre vivo na morte”. Os autores afirmam que: “a
96
morte não é um fracasso. Ela faz parte da vida. É um acontecimento que se tem
de viver”.
Ross (2002, p. 19) pergunta:
qual o papel da religião nestes tempos de transição? Antigamente, havia maior
número de pessoas que acreditava incondicionalmente em Deus, inclusive
numa vida futura, onde as pessoas seriam aliviadas de dores e sofrimentos.
Havia uma recompensa nos céus e, se tivéssemos sofrido muito na terra,
seríamos reconhecidos após a morte, dependendo da coragem, do denodo, da
paciência e da dignidade com que tivéssemos carregado nosso fardo.
Hoje, podemos observar que algumas pessoas não acreditam na vida
após a morte, correm do sofrimento e da dor. Algumas religiões ainda
conseguem adeptos que acreditam que o sofrimento purifica a alma, tornando o
ato de morrer mais compensador.
Hennezel e Leloup (2003, p. 40) ressaltam que:
Seja qual for o amor que sintamos por alguém, não podemos impedi-lo de
morrer, se tal é o seu destino. Também não podemos evitar um certo sofrimento
afetivo e espiritual que faz parte do processo do morrer de cada um. Podemos
somente impedir que essa parte de sofrimento seja vivida na solidão e no
abandono; podemos envolvê-la de humanidade.
Vejamos o que respondeu uma das entrevistadas:
Na casa dela eu sei que seria da vontade dela ficar, seria da vontade dela lutar
e vencer e eu acho que o que quer que aconteça ela ficando ou não ela estará
vencendo [...] (Maristela, 43 anos, amiga, espírita).
A entrevistada Maristela acredita que, de alguma forma, a paciente está
vencendo a vida ou a morte. Mas através de muita luta.
97
Concordamos com Hennezel e Leloup (2003, p.9) quando ressaltam que,
na cultura ocidental, o tema morte está carregado de tabu, morbidez, negação e
afetação.
A morte faz o ser humano pensar sobre o sentido da existência, valores
profundos que se tenta esconder durante toda a vida. Sempre perguntamos:
para onde vamos? Existe um além? Hennezel e Leloup (2003, p. 52) relatam
que uma paciente grave disse: “Não acredito em nada, mas estou curiosa em
conhecer o que vem depois...”.
O ser humano não sabe precisar com exatidão o que vem após a morte.
Sabe que há uma separação entre o homem e a sociedade.
Morin (1997, p. 10) aborda que:
A sociedade funciona não apenas apesar da morte e contra a morte
(secretando especialmente uma formidável entropia negativa imaginária em que
a morte é negada e recalcada), mas que ela existe, como organização, por,
com e na morte.
Aceitar a própria morte deveria ser o princípio da vida e do viver de
todos, mas o ser humano tem dificuldades em lidar com isso e vivenciá-lo.
Motta apud Elsen (2002, p. 173) relata “que o convívio cotidiano com a
dor, o sofrimento e o fantasma da morte é uma realidade dura e de difícil
manejo”. Diz ainda que “... a morte é uma realidade existencial, partilhada por
todos os seres”.
Assim disse uma entrevistada ao ser questionada sobre o que sente em
relação à doença de seu familiar:
98
Eu fico preocupada, pensando coisa ruim, pensando que não vai sarar. Mas
vai (Noemia, 43 anos, filha, católica).
A preocupação com a “coisa ruim” que pode acontecer durante a doença
traz a negação citada. Depois ela diz “mas vai”. Disfarça a palavra morte,
mas ficam a dor, a saudade e a perda.
A finitude do homem assusta e é dolorosa. Precisa-se de meios para
minimizá-la junto com a equipe multiprofissional, com a família e com o doente.
Para Morin (1997, p. 31), todos os homens “pensam na morte e têm
horror a ela”. Ainda afirma que (1997, p. 80-1): “a sociedade é humana. O
homem é social”. E a saúde social do homem e da sociedade está na religião,
que “acalma a angústia mórbida individual da morte”.
O ser humano vive numa sociedade em que o eterno deve ser estendido
à saúde, beleza, juventude, idade, enfim, a tudo que é belo e bom. Esquece
que é um ser mortal, dotado de capacidade para viver o luto do morrer.
Mas, segundo Silva et al (2004, p. 111), às vezes, o sofrimento do
indivíduo é tão intenso que morrer significa caminhar para a “dignidade
humana”, porque o sofrimento, a dor crônica progressiva tornam-se humilhantes
para o ser humano, que deseja viver com qualidade.
A morte interrompe a relação homem-sociedade. O homem sente
necessidade de prolongar a relação indo ao encontro da religião. Marx apud
Morin (1997, p. 333) afirma que: “a religião é a realização fantástica do ser
humano”.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendendo que o ser humano busca na religião respostas para o
incompreensível e o inaceitável, a família, ou melhor, os membros familiares
recorrem a ela, para encontrarem conforto, ânimo, apoio e explicações para a
dor, o sofrimento e a morte.
A religião tem o poder invisível, transcendental de oferecer ao ser
humano constante equilíbrio, sustentação e suporte. A força que a religião
fornece ao ser humano ajuda-o a manter-se em sociedade, inferindo que a
crença religiosa apresenta-se como um dos principais suportes do indivíduo
portador da doença e de sua família, para continuar lutando e vivendo, mesmo
na dor, nas limitações e nos difíceis desafios que se apresentam.
Saúde é o que todo ser humano almeja. Mas, às vezes, a doença
acontece. E nesse momento o indivíduo recorre ao serviço médico e à sua
crença religiosa.
100
Uma vez diagnosticada a doença em seu ente querido, as pessoas se
apegam à religião, ao que emana do religioso, para se manterem firmes no
tratamento e na esperança da cura que nem sempre ocorre. Mas a certeza de
cura é tão presente para eles que, muitas vezes, ignoram a gravidade da
doença.
Os entrevistados transitam entre as religiões, mas não abandonam a
religião à qual pertenciam antes do diagnóstico de doença.
Dos dezenove entrevistados, somente uma mudou de denominação
religiosa, passando da católica para a evangélica, devido à doutrina, ao
acolhimento, maneira de orar, agradecer e pedir, enfim, pelo conforto interior
que essa igreja lhe proporcionou. Três entrevistados afirmaram freqüentar
outras religiões: dois católicos que participam da igreja evangélica e uma
espírita, que freqüenta tanto a igreja católica quanto à igreja evangélica.
Relatam que simpatizaram com as idéias dessas religiões, mas não desejam
mudar a religião a que pertencem.
A religião traz ao ser humano acalento e resposta ao inexplicável, faz
com que tenhamos subsídios para viver o processo saúde-doença. Todos os
entrevistados pertencem a uma determinada religião, mesmo quando não
freqüentada regularmente. No entanto, isso não abala a e a crença em Deus.
Todos acreditam que Ele é todo poderoso e Dele irradiam o milagre, a
misericórdia e a tão almejada cura do seu familiar. A família desempenha um
grande papel durante o tratamento, sempre interessada e presente, ou melhor,
101
o membro familiar busca força para enfrentar o câncer na religião, no
sobrenatural, no invisível, que emana luz e enfrentamento.
Neste estudo, observamos que a família tem se voltado mais para o
próprio grupo familiar, tornando-se mais solidária, participativa, amiga, gerando
uma união familiar voltada para a religião e o resgate dos laços familiares.
Mostramos o que os entrevistados expressam diante do diagnóstico de
uma doença grave como o câncer e a relação que têm com a religião.
A relação que o indivíduo faz do câncer com a morte é real e o pavor foi
trazido pelas falas ao longo dos textos. O estigma que a doença representa faz
com que o nome câncer não seja pronunciado, até muitas vezes ocultado do
próprio paciente.
Por ser o câncer uma doença que requer tratamento prolongado, que
muda características físicas visíveis no paciente em tratamento e com
resultados nem sempre satisfatórios, percebemos que a expectativa e a
qualidade de vida são uma das aflições dos entrevistados, que vêem a
medicina sem muito controle da doença, mas bastante empenhada na cura.
Para eles, Deus não é culpado pela doença, mas a Ele cabe a cura.
A religião e a estão sempre presentes no momento da dor, do
sofrimento, da doença e da morte. O ser humano necessita de suporte para
enfrentar a doença e a religião lhe proporciona essa força no invisível, no
transcendental e no sobrenatural. Então o indivíduo entrega a Deus toda a
responsabilidade de restabelecer a saúde.
102
Concordamos com Cardoso apud Silva et al (2004, p. 103) quando
ressalta que:
A concepção que fazemos de Deus modifica-se ao longo da história e das
diversas civilizações, porém, nunca perdendo a característica de poder
supremo nem saindo da esfera do sobrenatural, do místico. Ou seja,
independente de como, quando, onde ou quem e com que intensidade se creia,
Deus, mesmo assumindo inúmeras formas, nomes e características, será
sempre o mais poderoso de todos os seres, bem como o criador primevo de
tudo e de todos.
Recomenda-se a replicação deste trabalho em outros contextos,
acreditando que estes e outros resultados poderão contribuir para maior
compreensão do comportamento da família de um portador de câncer.
103
REFERÊNCIAS
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111
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA DE CAMPO
Questionário
1. Nome
_______________________________________________________________
2. Endereço
_______________________________________________________________
3. Idade
_______________________________________________________________
4. Profissão
_______________________________________________________________
5. Grau de instrução
_______________________________________________________________
6. É acompanhante? ( ) sim ( )não
7. Grau de parentesco em relação ao paciente.
_______________________________________________________________
8. Mora com o doente?
_______________________________________________________________
9. Qual a sua religião?
_______________________________________________________________
10. Como soube da doença?
_______________________________________________________________
11. Como você vê a doença?
_______________________________________________________________
12. Meios que dispõe para tratamento?
_______________________________________________________________
13. Você tem alguma religião? Qual? Por que?
_______________________________________________________________
14. Você freqüentava alguma religião antes de saber da doença?
_______________________________________________________________
15. Permanece na mesma religião que freqüentava antes de saber da doença de seu
parente? Mudou-se para qual mudou e porque?
_______________________________________________________________
16. Como se sente na religião que freqüenta?
_______________________________________________________________
17. O que acha que Deus pensa do câncer?
_______________________________________________________________
112
18. O que você espera de Deus em relação a este caso da doença?
_______________________________________________________________
19. Você freqüenta outras religiões além da sua? Qual? E por que?
_______________________________________________________________
20. Mudou alguma coisa na família quando souberam da doença?
_______________________________________________________________
21. Como você se sente em relação a essa doença em seu familiar?
_______________________________________________________________
22. Como você se sente com o tratamento?
_______________________________________________________________
23. O que você espera que vai acontecer com o paciente?
_______________________________________________________________
113
APÊNDICE B – RESUMO DAS ENTREVISTAS
1) Alice, 47 anos, professora, possui terceiro grau completo, católica,
acompanha a mãe e mora com ela em Goiânia. “Eu vejo como coisa que
assusta, mas, porém faz parte, como outra doença e no final sempre não é
boa. Por exemplo, qualquer doença por mais simples que ela seja se você
não tiver um tratamento ela pode estar terminando de uma forma trágica”.
2) Benedita, 35 anos, auxiliar de serviços gerais, possui terceiro grau, católica,
acompanha o pai e moram juntos no interior de Goiás. “Espero que ele fique
bom, vai voltar pra casa que é o sonho dele. Ver ele bom é o que todo
mundo espera”.
3) Clarice, 40 anos, feirante, possui até a oitava série, católica, acompanha a
mãe, mas não mora com ela. Moram em Goiânia. “É uma coisa muito difícil
de falar; de vez em quando vou na igreja, mas não é direto”.
4) Dulce, 50 anos, doméstica, não alfabetizada, católica, acompanha a mãe.
Residem em Goiânia. “Porque eu ainda tenho muita fé, sou católica, rezo
muito, peço muito à Deus e ainda tenho muita fé que ela vai sarar ainda”.
5) Enio, 52 anos, funcionário público, possui primeiro grau completo,
evangélico, acompanha o pai, mas não mora com ele. Ambos residem em
Goiânia. “Normal, porque quem sou eu pra duvidar do que Deus faz? Se
114
está com esse problema é porque foi dado por Deus, alguma coisa
aconteceu pra ele ter essa doença”.
6) Fabiana, 29 anos, estudante, possuir terceiro grau incompleto, acompanha
a irmã e moram juntas em Goiânia. “Olha, eu acho que o câncer não é culpa
de Deus. A gente está aqui, qualquer um de nós está sujeito a qualquer
enfermidade; Que Deus forças pra gente encarar o tratamento, encarar
todas as etapas, porque eu acho que isso é o mais difícil”.
7) Gleice, 58 anos, copeira, não alfabetizada, católica, acompanha a mãe, mas
não mora com ela. Ambas residem em Goiânia. “Acho que essa doença é
cruel, é uma doença que, como se diz, só Deus pra ajudar a gente”.
8) Heloisa, 30 anos, do lar, possui primeiro grau completo, acompanha o
esposo, moram juntos em outro Estado. Assembléia de Deus, porque ele é
da Assembléia e aí eu passei”.
9) Irene, 44 anos, do lar, possui primeiro grau incompleto, católica, acompanha
a mãe, não mora com ela, mas ambas residem em Goiânia. “Pra deus nada
é impossível”
10) Júlia, 45 anos, costureira, possui 2
o
grau completo, evangélica, acompanha
o marido com quem mora no interior de Goiás. “É uma coisa natural que a
gente sabe que existe, então estou encarando com naturalidade”.
115
11) Leila, 42 anos, do lar, 1
o
grau completo, católica. Acompanha a mãe. Não
mora com ela e ambas residem em Goiânia. “Acho que quando Ele (Deus)
quer nada é impossível. Quando Ele quer tem salvação”.
12) Maristela, 43 anos, do lar, curso superior, espírita, acompanha a amiga.
Ambas residem em Goiânia. ”Eu me sinto em paz agora. Porque eu
encontrei fundamento que me deram força e estrutura para suporta dores
alheias e as minhas próprias dores”.
13) Noemia, 43 anos, doméstica, 2
o
completo, católica, acompanha a mãe. Não
moram juntas, mas ambas residem no interior de Goiás. ”Freqüento a
evangélica, porque eu gosto de ir. É mais perto é a única igreja mais perto
que tem de casa. A católica fica muito longe pra gente ir”.
14) Osmar, 18 anos, carpinteiro, 2
o
grau incompleto, católico, acompanha a
mãe, moram juntos em Goiânia. “Espero que o dia em que acabar o
tratamento dela ela esteja curada”.
15) Paula, 47 anos, manicure, possui 1
o
grau completo, católica, acompanha a
mãe e moram juntas no interior de Goiás. “Católica, porque eu gosto”.
116
16) Quinca, 31 anos, professor, possui pós-graduação, evangélico, acompanha
a esposa e moram juntos em Goiânia. Fiquei muito abatido... mas tive que
me manter forte. Afinal ela tinha que contar comigo. Não podia demonstrar
fraqueza perto dela. Mas fiquei muito abalado. Não desejo este sofrimento
para ninguém”.
17) Régis, 54 anos, pedreiro, possui 1
o
grau incompleto, evangélico, acompanha
a esposa e moram juntos em Goiânia. “A cura que Ele (Deus) vai me dar”.
18) Sílvio, 24 anos, lavador e vigilante de carro 1
o
grau incompleto, católico,
acompanha a esposa. Moram juntos em Goiânia. “Vai curar graças a Deus.
Se Deus quiser!”.
19) Telmo, 62 anos, agricultor, possuir 2
o
grau incompleto, católico, acompanha
a esposa. Moram juntos em outro Estado. Católico. Por convicção, por
batismo e porque eu acho que existe um Deus que, mesmo nas
dificuldades, nos orienta”.
117
APÊNDICE C – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.
Você esta sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em um
pesquisa intitulada “Papel da religião junto a familiares de paciente com
câncer”. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de
aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em
duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável, em caso
de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma. Se aceitar participar e
decidir retirar seu consentimento, não será prejudicado em seu tratamento. Em
caso de dúvida sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com as
pesquisadoras responsáveis: Dr
a
. Carolina Teles Lemos no fone 261 8294 ou a
Enfermeira Marta Alexandrina de Almeida Santos no fone 9973 6160.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA.
A pesquisa tem como objetivo identificar o papel da religião junto a
familiares do paciente portador de câncer durante o tratamento médico.
Farão parte desta pesquisa famílias de pacientes com câncer em
tratamento nos anos de 2002 a 2004 que concordarem em participar do estudo.
Garantimos sigilo e privacidade dos dados pessoais. A pesquisa será através
de questionário sendo gravada e realizada na sala de procedimentos da
quimioterapia (ambulatório) do Hospital das Clínicas onde uma mesa com
118
cadeiras e toda uma infraestrutura, dando privacidade e segurança ao familiar
pesquisado.
Essa pesquisa deverá servir como estudo para profissionais de saúde
contribuindo com a formação de novos profissionais com visão assistencial
humanizada a pacientes e familiares.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.
Eu, _____________________________________________________
RG________ CPF________________ abaixo assinado, concordo em
participar do estudo “Papel da religião junto a familiares de paciente com
câncer” como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido pela
pesquisadora Marta A de A Santos sobre a pesquisa, os procedimentos
nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes
de minha participação. Foi me garantido que posso retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem que isto leve à qualquer
penalidade ou interrupção de meu acompanhamento no tratamento.
______________________________________
Local e Data
______________________________________
Nome e Assinatura do Sujeito
______________________________________
Nome e assinatura do Pesquisador Responsável
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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