Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
RUDIMAR MENDES
DA ÉTICA DO INDIZÍVEL À FUNÇÃO DO SILÊNCIO NO TRACTATUS LOGICO-
PHILOSOPHICUS DE WITTGENSTEIN
São Leopoldo, julho de 2007.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
RUDIMAR MENDES
DA ÉTICA DO INDIZÍVEL À FUNÇÃO DO SILÊNCIO NO TRACTATUS LOGICO-
PHILOSOPHICUS DE WITTGENSTEIN
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
Filosofia. Programa de Pós-Graduação em
Filosofia. Centro de Ciências Humanas.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos -
UNISINOS
Orientador: Prof. Dr. Mario Fleig.
São Leopoldo, julho de 2007.
ads:
DEDICATÓRIA
Dedico este estudo:
aos meus pais;
às minhas irmãs;
ao meu afilhado, Matheus;
à minha companheira, Eliana.
AGRADECIMENTOS
Foram muitos, os que me ajudaram a concluir este trabalho.
Meus sinceros agradecimentos...
...aos Mestres, pelo conhecimento e sabedoria, diante das minhas limitações;
... ao amigo Claitor, pela força e confiança;
... aos amigos do mestrado, pelas conversas e pela amizade;
...à direção, aos professores, aos alunos que participaram deste trabalho;
...ao prof. Dr. Mario Fleig, por aceitar a condução deste estudo e conduzir seu
desenvolvimento com, sabedoria e paciência.
EPÍGRAFES
Cada átomo de silêncio contém a
possibilidade de um fruto maduro. (P.Valéry)
A atmosfera dessa amizade pura é o silêncio, mais puro que a
palavra. Porque falamos para os outros, mas calamos para
nós mesmos. O silêncio também não traz, como a palavra, a
marca de nossos defeitos, dos nossos esgares. É puro, é
verdadeiramente uma atmosfera.
(Marcel Proust)
RESUMO
A presente dissertação analisa em que sentido Wittgenstein nos convida ao silêncio
a partir de seu último aforismo no Tractatus logico-philosophicus (1921), que foi
norteador deste trabalho: “Sobre o que não se pode falar, sobre isso deve-se calar.”
(7). Observa-se que o silêncio ocupa um lugar de identidade, ou seja, será
necessário guardá-lo, protegê-lo, pois é a partir do silêncio, para Wittgenstein, que
será possível encontrar a “clareza” que se busca sobre o mau uso que se faz da
linguagem. O silêncio é, portanto, o hiato entre o dito e o não-dito; nele estão
contidas as condições de possibilidade para compreensão daquilo que está para ser
dito, mas que só pode ser mostrado. Paradoxalmente, para Wittgenstein mais uma
vez o silêncio representa a atitude, porque para ele o significado da vida não poderia
ser suficiente ou logicamente explicado através de sistemas lógicos. Segundo tese
de Wittgenstein, há um limite para a linguagem, ou seja, nossa linguagem é
insuficiente e, portanto, seria necessário apelar a instâncias, como o ético, o estético
e o místico. O filósofo seria uma espécie de zelador silencioso do limite do dizível,
então o silêncio é como uma estratégia do calar ao essencialmente inefável. Essa
análise permite concluir que esse duplo estatuto do silêncio é a condição a priori
para estabelecer o sentido entre o dito e o não-dito. O interdito!
Palavras-chave: Ética. Linguagem. Silêncio. Tractatus. Wittgenstein.
ABSTRACT
The current presentation analyzes the sense in which Wittgenstein invites us to the
silence from his last aphorism in Tractactus logico-philophicus (1921), which has
oriented this work: " Whereof one cannot speak, thereof one must be silent. "
Observe oneselt that the silence occupies a place of identity, that is, It will be
necessary to keep itselt, protect itselt, because it is from silence to Wittgenstein, that
it will be possible to find the “clarity” that is sought over the bad use of the language.
The silence is, therefore, the hiatus between what is said and what is unsaid, in it are
the conditions of the possibility to a comprehension from that is still to be said, but it
can only be shown. Paradoxically, to Wittgenstein once more the silence represents
the attitude, because to him, the meaning of life could not be enough or logically
explained through the logic systems. According to Wittgenstein is thesis, there is a
limit for the language that is, our language is insuffcient and therefore, it would be
necessary to turn to the instances, like the ethic, the esthetic and the mystic. The
philosopher would be a type of a silence keeper of the limit of utterable, so, the
silence is be like a strategy of the quietness to the essencially ineffable. This analysis
allows to conclude that, this double silence statute is the condition a priori to stabilish
the sense between the said and the unsaid. The interdict!
Keywords: Ethics. Language. Silence. Tractatus. Wittgenstein.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................10
2 CONTEXTO DA DESCOBERTA...................................................................15
2.1 Tractatus propriamente dito.........................................................................18
2.2 Crátilo de Platão a Wittgenstein: um percurso ao místico...........................29
2.2.1 Um percurso ao místico............................................................................33
3 A ÉTICA DO INDIZÍVEL.................................................................................35
3.1 Ética como objeto de valor..........................................................................40
3.2 Significado da vida para Wittgenstein.........................................................47
3.3 Da linguagem ao mundo no Tractatus........................................................53
4. A FUNÇÃO DO SILÊNCIO............................................................................55
4.1 Sobre o que não se pode dizer...................................................................61
4.2 Silêncio como atitude diante do problema da vida......................................65
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................74
REFEFÊNCIAS.................................................................................................76
INTRODUÇÃO
A presente dissertação teve sua origem em um encontro preparatório para
este trabalho com o professor Dr. Gabriel Balbo, realizado em junho de 2005. A
temática versaria sobre a leitura que o Dr. Jacques Lacan fez do Tractatus logico-
philosophicus (1921), de Ludwig Wittgenstein, principalmente em relação à questão
do avesso das coisas, da tautologia e de suas implicações teóricas e clínicas.
Na oportunidade, a apresentação sobre o filósofo foi realizada pelo professor
Dr. Ernildo Stein, com a mediação do professor Dr. Mario Fleig. Foram propostas
questões relacionadas à tentativa do autor de encontrar a forma lógica do mundo e
reconhecer seu fracasso, tendo, nesse interdito, o silêncio como a atitude diante dos
problemas da vida, imortalizado no célebre aforismo que conclui sua obra: “Sobre o
que não se pode falar, sobre isso deve-se calar.”
1
Escolhendo, assim, o último aforismo como norteador da problemática,
delimitou-se como título do presente trabalho “Da ética do indizível à função do
silêncio no Tractatus logico-philosophicus de Wittgenstein”, na tentativa de retomar o
percurso enfrentado pelo autor ao escrever o Tractatus, obra que hoje se constitui
em instrumento para os mais diversos campos do pensar.
Três grandes temas desta dissertação são: contexto da descoberta, ética do
indizível e função do silêncio. Inicia-se este trabalho pelo contexto da descoberta.
Para se compreender o propósito do filósofo ao escrever esse importante livro,
precisa-se situar em que contexto o autor o escreveu, seja ele intelectual ou pessoal.
Para tanto serão destacados alguns pontos, com o objetivo de delimitar a pesquisa
ao aspecto ético (indizível) para concluir com a função do silêncio.
Esses pontos apresentam relação direta com os autores que o influenciaram
ao longo de sua vida como Schopenhauer, Tolstoi, Russell, Frege e outros que
1
(7) : “Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen.” Conforme tradução sugerida
pelo filósofo Ernildo Stein em sua conferência sobre Wittgenstein, em junho de 2005, é importante
não anular o “sobre isso” (darüber), caso contrário o “calar-se” tomaria uma generalização indevida.
Indicam-se os aforismos no texto entre parênteses, apenas com o número, proposta instituída por
Wittgenstein no Tractatus.
serão convidados a fazer parte deste texto, na tentativa de esclarecer o contexto e
dar forma à proposição norteadora. (7)
O contexto da descoberta sobrevoa de forma panorâmica o principal aspecto
pertinente à vida de Wittgenstein. Nesse sentido, a sua motivada inscrição como
voluntário no Exército austríaco. Esse ato está contido em seu conteúdo ético; em
outras palavras, conjetura-se que o filósofo teve nesta atitude algo semelhante à
forma como conduziu seus escritos tractatianos, levando consigo as últimas
conseqüências para, enfim, defrontar-se com o limite, que, no Tratactus, dá-se
através da linguagem.
Ainda, referindo-se ao contexto, faz-se necessário resgatar a leitura de textos
filosóficos clássicos em sua origem, embora esse não tenha sido o interesse
específico de Wittgenstein. Analisa-se o Crátilo, de Platão, e sua relação com a
teoria do Tractatus, principalmente no que refere à concepção tractatiana de que a
forma lógica da linguagem espelha a forma lógica do mundo, nós construímos
figurações dos fatos dirá Wittgenstein no aforismo 2.1.
Trata-se de uma similitude entre a estrutura do pensamento e a estrutura
gramatical da frase, por isso o Tractatus tem espaço nesse período histórico, pois
permite a análise da relação de que uma língua só diz os fatos do mundo se sua
forma lógica for, isomorficamente, a do mundo.
Em suas proposições, Wittgenstein sugere de forma imperativa: “Minhas
proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba de reconhecê-las
como contra-sensos, após ter escalado através delas – por elas – para além delas.
(Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela)” (6.54). Para o
autor, somente ao fazer a terapia da linguagem, com suas proposições, dever-se-
ia jogar a escada fora.
2
O filósofo, ao encerrar-se em seu solipsismo, contido na metáfora da
escada, não quer apenas denunciar os limites da linguagem, mas propôr que sobre
questões, pertinentes às ciências naturais, deve-se calar, por não haver a pretensão
de uniformidade e certeza.
2
De acordo com Glock (1988, p. 133), essa metáfora foi utilizada por Wittgenstein, que a extraiu das
leituras da obra de Fritz Mauthner, que, por sua vez, a pediu emprestada de Sexto Empírico.
Por mais que a ciência intencione exatidão e certeza, deve-se considerar
que sobre o sentido/valor da vida não há proposições dotadas de sentido que
possam abarcar com rigor e certeza, por isso ele as considera contra-sensos.
O Tractatus busca estabelecer a fronteira entre o que se pode falar e o que se
deve calar, reconhecendo que nem tudo pode ser dito, pois é preciso calar sobre os
estados de coisas, sobre o sentido/valor da vida. Neste estudo o foco no caso, recai
sobre questões éticas reconhecendo também as propriedades da função do silêncio.
Como se pode observar, se a hipótese desenvolvida por Wittgenstein tem
com solução o silêncio, pergunta-se: quais seriam as funções desse silêncio? Seria
calar-se diante daquilo que não pode ser dito, mas apenas ser mostrado, como
compreende o filósofo?
No segundo grande tema, quer-se investigar o caminho da ética no Tractatus,
mais precisamente, da ética do indizível, por se entender como o fez Wittgenstein:
“Sentimos que, mesmo que todas as questões científicas possíveis tenham obtido
resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados.” (6.52).
Torna-se elementar contextualizar a relação que o filósofo mantinha com a
ciência da época, demonstrando a necessidade de estabelecer a fronteira entre o
que deve ser científico e o que está no âmbito filosófico, ou seja, o filósofo acreditou
que a ciência não deveria tudo abarcar, pois, em se tratando do sentido da vida, não
caberia a ela encontrar a solução.
Embora o pensador não conceba a existência de proposições éticas, ele
admite que alguma espécie de escrito tem a função de produzir algum ensinamento
ou objetivo moral, mas se procura mostrar que no Tractatus a ética deve ser vista
como meio de superação e se verá que a maneira que o pensador encontra está
referenciada em sua Conferência sobre ética, escrito que no ajuda na compreensão
dessa questão.
Inspirado em Frege, mais precisamente em seu texto Os fundamentos da
aritmética, Wittgenstein aceita os seguintes princípios fregeanos: O primeiro é
separar de maneira clara o psicológico do lógico, o subjetivo do objetivo e o segundo
é nunca se informar da significação de uma palavra de maneira isolada, mas apenas
no contexto de uma proposição.
Para o autor não seria possível haver, por exemplo, uma disciplina que
lecionasse questões sobre ética. Para tanto, cita-se Wittgenstein: “Se um homem
pudesse escrever um livro de ética que realmente fosse um livro de ética, este livro
destruiria, com uma explosão, todos os demais livros do mundo.” (1995, p. 212).
Encontram-se nesse capítulo alguns vestígios da relação da ética em
Wittgenstein com o Principia Ethica, de Moore, ainda que de forma breve. Explicita-
se o emprego da palavra bom, em Moore, que para Wittgenstein recebe uma
“ampliação”, embora o autor também o relacione com a palavra belo, na estética.
Não será abordado esse termo por esse viés, mas por um ângulo exclusivamente
ético, ou seja, o fato de saber simplesmente se uma ação é boa. Mesmo ele
desencorajando a teorização moral, sua primeira e segunda obra tiveram grande
repercussão nesse sentido.
E o terceiro grande tema se propõe a analisar o fato de que há em
Wittgenstein uma função para o silêncio, imposto em sua metáfora da escada,
quando refere que ao subir por ela, se deverá abandoná-la, invocando um silêncio.
Assim como em seu aforismo norteador: “Sobre o que não se pode falar,
sobre isso deve-se calar” (7), é a partir do silêncio que será possível para
Wittgenstein encontrar a clareza, sobre o mau uso que se faz da linguagem,
portanto, devemos dele cuidar, protegê-lo.
O filósofo compreende que o silêncio quer representar uma atitude diante da
vida, e que não quis colocar-se passivamente, mas sempre teve uma atitude ética
para consigo mesmo e diante do mundo. O silêncio é, portanto, o hiato entre o dito e
o não-dito; nele estão contidas as condições de possibilidade para compreensão
daquilo que está para ser dito, mas que só pode ser mostrado.
Por fim, apresenta as considerações finais a que se chegou após análise do
tema proposto. Nessa direção, começa-se a entrar na leitura do Tractatus a fim de
fazer com que o texto teça; tecer novos fios, embaraçar novamente os signos e
produzir novas perspectivas à luz de sua atualidade para o contexto da
modernidade. Eis aí como brotou o germe para a possibilidade desta dissertação,
que será explorado a partir do contexto em que a obra foi escrita.
2 CONTEXTO DA DESCOBERTA
Antes de iniciar este capítulo, é importante deixar claro que contexto da
descoberta é entendido aqui como a relação de fatos que são necessários para o
entendimento do pensamento filosófico de Wittgenstein. Objetivando analisar a
problemática acerca da ética do indizível à função do silêncio, se falará de modo
conciso da primeira obra do autor, bem como de seus outros escritos.
Wittgenstein, em meio a críticas, é considerado um dos filósofos mais
influentes do século XX, embora em vida tenha produzido apenas um livro, o
Tractatus, em 1921. Em sala de aula, como professor, foi responsável por uma
importante coletânea de textos compilados por seus devotados alunos. Tais textos
permitem determinar a importância desse filósofo no meio acadêmico.
3
O filósofo conduziu seus escritos de modo diverso, principalmente a partir do
Tractatus, e os temas denotam, além da Filosofia, uma abrangência das mais
diversas áreas do conhecimento, tais como: psicologia, psicanálise, semiótica,
lingüística, entre outras. Em sua primeira obra, constituída de aforismos, queria
rigorosamente encontrar o sentido da vida e, com isso, é capaz de produzir um livro
que permaneceu aberto ao questionamento e à compreensão devido à
complexidade e à profundidade de seus escritos.
Ludwig Josef Johann Wittgenstein nasceu em 1889, em Viena (Áustria), então
conhecida como um importante centro de desenvolvimento da cultura, pois para lá
se dirigiam importantes pensadores. Ele participou do contexto que acolheu a
novidade freudiana em suas origens e pela qual nutria uma ambígua admiração,
sendo que chegou a denominar-se de seu discípulo. Acredita-se que tenha lido
Freud por influência de sua irmã Margareth, paciente de Freud. Uma das obras
freudianas comentadas pelo filósofo foi a Interpretação dos sonhos (1900).
Antes de expressar seu desejo de ser filósofo, o autor dedicou-se às ciências
da aeronáutica, mas foi persuadido por Bertrand Russell a desistir, após procurá-lo
por indicação de Frege. A partir desse contato, passou a fazer parte do seleto grupo
de pensadores no Trinity College, em Cambridge (1912-1913). Porém, quando
emerge a Primeira Guerra Mundial, em 1914, resolve alistar-se como voluntário.
3
Sugerimos a excelente biografia escrita por Monk (1995), a que norteou a construção deste capítulo.
Nesse momento, começa a revelar sua agudez e precisão para temas
ligados à lógica. Seria, então, leitor e crítico de Frege e Russell, tanto que, no
prefácio de sua obra, diz que ela seria entendida apenas por quem já tivesse alguma
vez pensado por si próprio.
Mesmo antes, em seu Diário Filosófico, escrito em (1914-1916), Wittgenstein
denunciava a primazia da lógica e, por conseguinte, da ciência, como se pode
evidenciar em seu primeiro aforismo: “A lógica deve cuidar de si mesma.” (22.8.14).
Assim, posteriormente, no Tractatus, esse aforismo passa a fazer parte do seu livro
na proposição (5.473), na qual, além de repetir o enunciado, acrescenta
subseqüentemente na sentença (5.4731): “A evidência, de que Russell tanto fala, só
pode se tornar prescindível na lógica se a própria linguagem impedir todos os erros
lógicos. Ser a lógica a priori consiste em que nada pode ser pensado ilogicamente.”
Poder-se-ia dizer que o objetivo central do Tractatus, não é construir uma
arquitetônica de uma linguagem ideal (perfeita), proposta enfrentada pelo
positivismo lógico, bem como, não é estabelecer o critério científico utilizando como
método a verificabilidade, ao passo que esse método recusa tudo o que não seguir
esse critério. Para ele, o conceito de Filosofia deve conter o elemento de
investigação transcendental.
O Tractatus propõe que a estrutura lógica de nossa linguagem é
determinante, atribuindo um isomorfismo entre linguagem e mundo. Percebemos
isso quando nos diz em seu aforismo: “A lógica não é uma teoria, mas uma imagem
especular do mundo. A lógica é transcendental.” (6.13). Nada para Wittgenstein,
reafirma-se, pode ser dito fora do espaço lógico, por isso ele pergunta como seria
um mundo ilógico?
Seu Diário foi escrito no período em que estava na prisão, pois lutava em
favor do Exército austríaco, fator curioso não pelo patriotismo expresso em seu ato,
mas porque começava a se delinear, através dele, a forma (radical) com a qual ele
conduziria sua filosofia levando-a às últimas conseqüências. Revela-se por um
posicionamento positivista no momento inicial de seus escritos.
Sobre isso Monk (1995, p.150) acrescentou: “Wittgenstein sentia que a
experiência de enfrentar a morte poderia, de uma ou outra maneira, torná-lo uma
pessoa melhor. Poder-se-ia dizer que ele partiu para a guerra não em prol de seu
país, mas de si mesmo.” Ao fim da guerra, como se isso não bastasse, após se
expor em situações de perigo, ele foi preso pelo Exército italiano, no mesmo período
em que, na prisão, escrevia cartas a Russell, as quais continham seus escritos
tractatianos e a solicitação de que fossem avaliados. Após algum tempo, conseguiu
publicá-los, porém o filósofo não concordou com o prefácio, acreditando que esse
havia dado um cunho eminentemente lógico e matemático ao texto.
Após dois anos, quando já exercia a função de professor em universidade
inglesa quando pediu demissão da Universidade de Cambridge e passou a viver de
forma isolada em sua cabana na Noruega. O filósofo começou a lecionar em escolas
de ensino público e é responsável, nesse período, pela publicação de um dicionário
voltado à escola primária.
Conta-se, a partir da biografia citada, que ele privilegiava os alunos que se
destacavam, dando-lhes aulas particulares, ao passo que para os outros eram
reprimidos com punições. O autor faleceu em 1951, vítima de câncer, na casa de
seu amigo (médico), a quem, antes de morrer, pediu que dissesse aos que
perguntassem sobre sua vida: “Diga-lhes que eu tive uma vida maravilhosa”, como
se essa última fala resumisse toda a sua ética.
2.1 Tractatus propriamente dito
Na Filosofia que perdurou até o século XIX, situam-se Schopenhauer e
Nietzsche, dois autores marcantes na vida de Wittgenstein essa Filosofia seguia um
modelo socrático de argumentação, imortalizado nos diálogos de Platão. Com a
introdução do Tractatus, seu livro é marcado por um neo-kantismo e por uma série
de outras tradições; havia um neo-hegelianismo, neo-aristotelismo, entre outros. A
hipótese é de que essa foi a tentativa de Wittgenstein encontrar um caminho para
a perplexidade, e a incerteza do século XX.
O Tractatus é uma obra composta de sete afirmações que se desdobram em
subitens dispostos numa ordem decimal de classificação. Essa obra abriria e
mostraria, de certo modo, para o mundo o início daquilo que seria a crítica da
linguagem, nascida no contexto do empirismo lógico, mas indo muito além. A tese
central na interpretação do Tractatus, segundo o próprio Wittgenstein, em sua
introdução, é a seguinte:
O livro trata de problemas filosóficos e mostra – creio eu – que a
formulação desses problemas repousa sobre o mau entendimento da
lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia talvez apanhar todo o sentido do
livro com essas palavras: o que se pode em geral dizer, pode-se dizer
claramente; e sobre o que não se pode falar, sobre isso deve-se calar.
(2001, p. 131).
O autor, ao determinar um sentido ético para sua obra, encerrou com a
possibilidade ética, pois para ele não seria possível proposição constituída de
sentido no âmbito ético; assim, à filosofia nada mais caberia definir, pois “todos” os
problemas filosóficos teriam sido resolvidos a partir do Tractatus, ao passo que
foram provados por reductio ad absurdum.
Há, no entanto, na obra, a tentativa de demonstrar a evidência de proposições
metafísicas que transcendem os enunciados empíricos e que devem ser
consideradas por fazer sentido. Seu texto rompe, então, com o critério empirista,
declarando a existência de proposições sem sentido, proposições essas que não
apresentam, portanto, um caráter de verificabilidade.
Em todo caso, Wittgenstein em seu texto, pleno de aforismos, pressupõe a
existência de quatro tipos de usos de proposições:
a) uso sensato, das proposições que tem a forma lógica, isto é, que tem um
sentido possível: aqui a noção central é a de “forma lógica”, como no aforismo: “A
figuração tem em comum com o afigurado a forma lógica da afiguração.” (2.2) e
seguintes, segundo a qual uma imagem ou figura tenha a mesma estrutura que seu
modelo (os fatos, a realidade, o referente). Uma proposição somente tem sentido se
ela igualmente realiza uma certa comunidade de forma com a realidade, ou seja, que
tenha uma forma lógica, ele dirá: “proposição é um figuração da realidade. A
proposição é um modelo da realidade tal como pensamos que seja.” (4.01). Uma
forma lógica corresponde a um fato possível, que apenas o é se ele tem a forma de
um fato real.
b) o uso tautológico ou analítico, em proposições desprovidas de conteúdo
de sentido, em seu aforismo: “As proposições da lógica são tautológicas.” (6.1).
Após dirá: "As proposições da lógica, portanto, não dizem nada. (São proposições
analíticas.” (6.11).
c) O uso de contra-senso, que produz pseudoproposições, como são em
grande parte as proposições filosóficas, desprovidas de forma lógica, visto que nelas
se encontram elementos cuja significação exata não pode ser determinada, ou seja,
elas não têm a estrutura de um fato possível. Os exemplos são as proposições do
próprio Tractatus, por exemplo, “As minhas proposições elucidam dessa maneira:
quem me entende acaba por reconhecê-las como contra-sensos,...”(6.54).
Deste modo, a forma lógica da realidade se mostra em toda proposição e se
mostram nas proposições lógicas que tornam presentes, o aforismo que segue
demonstra essa intenção: “As proposições lógicas descrevem a armação do mundo,
ou melhor representam-na. Não ‘tratam’ de nada. Pressupõem que nomes tenham
significado e proposições elementares tenham sentido: e essa é sua ligação com o
mundo." (6.124). O que se pode concluir disso é que os dois primeiros usos da
linguagem admitem esta função que poderia ser tomada como marginal: mostrar,
indicar.
Em tudo isso, o que se mostra e não pode se expressar é precisamente o
fato de que a linguagem diz alguma coisa, exprime alguma coisa e isso é
precisamente o sentido. O uso indicativo da linguagem se relaciona à linguagem em
seu ato, ao dizer algo indica que se está dizendo.
Ora, para dar conta deste uso indicativo da linguagem, Wittgenstein teve que
fazer uso de proposições que nem são tautológicas e nem tem a forma lógica, mas
que, apesar disso, mostram, indicam, visam a linguagem naquilo que ela tem de
insuperável. Isso o leva a ter que admitir um lugar para a linguagem logicamente
imprecisa e incorreta, ou seja, utilizar a linguagem de uma maneira não
representativa.
A filosofia de Wittgenstein pode ser dividida em dois momentos: O primeiro
conta a partir do Tratactus (1921), obra que exerceria enorme influência no círculo
de Viena (positivismo lógico). Nessa primeira obra, que pode ser divida em
pressupostos lógicos e pressupostos metafísicos, Wittgenstein procura mostrar a
linguagem e os seus limites. Segundo Rorty;
Wittgenstein jamais teria aceito a doutrina dos positivistas lógicos segundo
a qual os problemas filosóficos surgiriam de um mal entendimento daquilo
que chamaram de "a sintaxe lógica da linguagem". Ele jamais teria
acreditado que houvesse tal sintaxe. Sua versão da virada lingüística era
tanto idiossincrática quanto seu estilo aforismático. ( 2005, p. 10).
É em sua segunda obra, Investigações filosóficas, que se reconheceu um
pensador com caráter lógico, menos rigoroso. Esse livro destina-se à discussão, a
partir dos “jogos de linguagem”, da linguagem que não seria mais vista pelo prisma
isomórfico mundo/linguagem. É uma obra que trata sinteticamente do uso e
significado das palavras, permitindo reflexões acerca das relações entre linguagem e
filosofia. Esse texto tem o caráter de ser mais “leve”, portanto menos aforismático ou
rígido, revelando um processo de amadurecimento intelectual do autor.
A respeito dessas denominações (primeiro/segundo), há uma quantidade
enorme de discussões: alguns identificam semelhanças entre as duas obras, ao
passo que outros reprovam, totalmente, esta perspectiva.
Antes de tudo, Wittgenstein deve ser considerado por atribuir à análise lógica
da linguagem uma nova categoria denominada indizível, como isso, queria traçar os
limites para a expressão dos pensamentos, tarefa essa destinada à Teoria do
Conhecimento. O filósofo procurou confrontar aquilo que podia ser pensado, como
da ordem do cognoscível, para além da cognoscibilidade.
Em outras palavras, descrever o indizível a partir do dizível. Transcreve-se in
verbis seu pensamento: “Cumpre-lhe limitar o pensável e, com isso, o impensável.”
(4.114). Ele também afirma, referindo-se à linguagem, que “ela significará o indizível
ao representar claramente o dizível”. (4.115). Até se poderia dizer que o Tractatus
antecipou a revolução da Filosofia no século XX.
Sua obra, marcada pela crítica da linguagem e nascida no contexto do
empirismo lógico, é composta de sete afirmações que se desdobram em sub-itens
dispostos numa ordem decimal de classificação, que se pode ler abaixo:
1 O mundo é tudo que é o caso.(Die Welt ist alles, was der Fall ist.);
2 O que é o caso, o fato, é a existência dos estados de coisas. (Was der
Fall ist, die Tatsache, ist das Bestehen von Sachverhaten.);
3 A figuração lógica dos fatos é o pensamento. (Das logische Bild der
Tatsachen ist der Gedanke.);
4 O pensamento é a proposição com sentido. (Der Gedanke ist der
sinnvolle Satz.);
5 A proposição é uma função de verdade das proposições elementares.
(Der Satz ist eine Wahrheitsfunktion der Elementarsätze.) ;
6 A forma geral da função da verdade é: [p,ξ, N(ξ )]. Isso é a forma
geral da proposição. (Die allgemeine Form der Wahrheitsfunktion ist: [p,ξ,
N(ξ )]. (Dies ist die allgemeine Form des Satzes.);
7 Sobre o que não se pode falar, sobre isso deve-se calar (Wovon man
nicht sprechen kann, darüber muß man schweigen.).
Wittgenstein quis provar em sua obra que os problemas surgem por fazermos
mau uso (confusões) de nossa linguagem. Seria preciso estabelecer certos limites
para o uso da linguagem: aquilo que faz sentido ser dito que possa ser dito, e que se
possa calar aquilo que não pode ser dito, porque seria um contra-senso dizer, como
referimos nos usos da linguagem acima. O que o filósofo queria dizer com isso? Ele
mesmo respondeu:
A maioria das proposições e questões que se formularam sobre temas
filosóficos não são falsas, mas contra-sensos. Por isso, não podemos de
modo algum responder a questões dessa espécie, mas apenas estabelecer
seu caráter de contra-senso. A maioria das questões e proposições dos
filósofos provém de não entendermos a lógica de nossa linguagem.
(4.003).
Quando Wittgenstein criticou a proposição que não apresentava sentido,
queria mostrar que não se tratava de um defeito das palavras, mas da relação com
aquele que faz uso das palavras, portanto o falante. Ao enunciar proposições
lógicas, o falante percebe-se diante da incomensurabilidade do significado das
palavras. Assim, afirma em sua proposição: “O homem possui a capacidade de
construir linguagens com as quais se pode exprimir todo sentido, sem fazer idéia de
como e do que cada palavra significa – como também falamos sem saber como se
produzem os sons particulares.” (4.002).
Em um chiste, por exemplo, pode-se dizer que não se entendeu o que o
falante quis dizer, mas que se entendeu suas palavras. Neste sentido, a proposição
norteadora dessa dissertação é “Sobre o que não se pode falar, sobre isso deve-se
calar.” (7). Quer-se aprofundar esse conceito para mostrar que, além dos limites da
linguagem, não se trata de não haver verdade indizível, mas simplesmente, sem
sentido, ou mesmo não calar sobre tudo, mas sobre o indizível, por isso se pode
falar, segundo Wittgenstein.
Nessas condições, se perceberá ao longo da obra a forma categórica com a
qual Wittgenstein empregou o verbo auxiliar dever, que em alemão se expressa pelo
verbo müssen, e que também está referenciado na expressão “deve-se calar” do
sétimo e último aforismo, endereçando o leitor a uma perspectiva do inefável, por
isso silenciar, o que leva a pensar na maiêutica do diálogo,
4
herdada da tradição
socrática, uma maiêutica do silêncio. No aforismo de Wittgenstein;
o método correto da filosofia seria propriamente este: nada dizer, senão o
que se pode dizer; portanto, proposições da ciência natural – portanto, algo
que nada tem a ver com a filosofia; e então, sempre que alguém
pretendesse dizer algo de metafísico, mostrar-lhe que não conferiu
significado a certos sinais em suas proposições. (6.53).
No entanto, para que essa condição de possibilidade se estabeleça na
linguagem, é necessário levar em conta alguns pressupostos instituídos pela
arquitetônica wittgensteiniana, tais como: Qual seria a função da linguagem? Ao
4
Maiêutica: processo dialético e pedagógico socrático, em que se multiplicam as perguntas a fim de
obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em questão.
passo que para os neoplatônicos serviria de instrumento para atingir o
transcendental, para descrever a realidade. A linguagem em Wittgenstein também
tem a função de dar sentido a um conjunto de proposições que descrevem ou
figuram (teoria pictórica)
5
os fatos, idéia muito explorada pelo círculo de Viena,
exemplificada por ele através de um acidente em que as “maquetes” representariam
a linguagem do fato ocorrido. Nesse viés se poderia sintetizar famosa frase do senso
comum: “Uma imagem vale por mil palavras.”
Essa idéia irá desembocar na proposta de leitura do Tractatus, que é a
distinção entre o dizer e o mostrar referida por Glock como:
A real importância da distinção entre dizer e mostrar reside no fato de ela
estabelecer um vínculo entre as duas partes, interditando tanto proposições
acerca da essência da representação simbólica, quanto pronunciamentos
místicos relativos à esfera de valor. (1998, p.129).
Isto posto, se poderia dividir o Tractatus em lógica (ontologia atomista, teoria
pictórica, tautologia, matemática, ciência) e mística (solipsismo, ética e estética). O
vínculo entre esses elementos denota a importância da distinção entre dizer e
mostrar. O pensamento e a linguagem para Wittgenstein são uma e a mesma coisa,
diferentemente de Kant, que procurou esclarecer as condições de possibilidade do
pensamento, ao passo que Wittgenstein buscou desenvolver as condições de
possibilidade para a linguagem.
O pensador sinalizou, no entanto, para expressões que não descrevem o fato,
que não têm sentido, pois para ele não figuram nada. Entre essas expressões
filosóficas, encontram-se, os valores, os sentidos da vida, etc. São as expressões
que transcendem o mundo e, portanto, não podem ser expressas na forma lógica.
A Filosofia nada pode dizer acerca do mundo, pois não é uma ciência.
Wittgenstein o fez em sua primeira obra, na qual mostrou que há condições
evidentes para que a fala não seja considerada apenas como um ruído, e sim que
há condições de dizer uma realidade, muito embora esses conceitos sejam
impossíveis (indizíveis) de exprimir pela linguagem, por isso necessitam ser
mostrados. Para o filósofo “a filosofia limita o território disputável da ciência natural.”
(4.113). Só é possível à Filosofia esclarecer os pensamentos.
5
Entende-se essa expressão como sinônima da teoria da proposição como modelo do fato.
Assim inicia o Tractatus: “O mundo é tudo que é o caso.” O significado disso
ele mesmo diz: “O mundo é a totalidade dos fatos não das coisas.” (1.1).
Interessante pode ser o fato ou a afirmação. É nesse sentido que Wittgenstein
afirmou que devemos silenciar o que não podemos conhecer através da linguagem.
Porém, todo fato que pudesse ser verificável seria então verdadeiro, o que constitui
uma diferença essencial de toda sua filosofia.
Para ele, “Toda filosofia é ‘crítica da linguagem’. (Todavia não no sentido de
Mauthner
6
). O mérito de Russell é ter mostrado que a forma lógica aparente da
proposição pode não ser sua forma lógica real.” (4.0031). Resumindo: a “crítica da
linguagem” procura demonstrar que nós nunca conseguimos dizer o que acontece
conosco, ou seja, que nos limites da linguagem não há um saber no mundo, porque
há um saber que não se objetiva.
Para o filósofo, a busca pela verdade deve se dar através da expressão
máxima da linguagem, portanto, além de denunciar a primazia da linguagem na
estrutura do falante, também impõe questionar-se quais são as condições de
possibilidade para alcançar a verdade? Em Wittgenstein não há a preocupação com
um simbolismo formal, com uma linguagem ideal, perfeita. Assim o filósofo diz: “A
filosofia não é uma das ciências naturais” (4.111), devendo a filosofia estar “acima”
ou “abaixo” em relação às ciências naturais.
Entre esses pensadores que Wittgenstein se deixou influenciar, inclui-se
Schopenhauer, cuja experiência ético-metafísica consiste na contemplação do
mundo pelo sujeito do ponto de vista do eterno. Esse modelo lógico, que comandou
a filosofia ocidental, é responsável por tudo que temos até a introdução de um
modelo anti-socrático,
7
portanto um antimodelo, sobretudo inaugurado por
Schopenhauer no Mundo como vontade e representação, onde a questão da
vontade pôde ser enfatizada em detrimento da representação argumentativa. Essa
obra produziu grande influência no pensamento do filósofo, principalmente no que se
refere ao sujeito volitivo como limite, em que vamos encontrar a famosa expressão
propositiva: “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo.”
6
“A linguagem é congenitamente incapaz de descrever a realidade e que devemos refugiar-nos no
silêncio,” presente em seu texto: Cf. Margutti em: Crítica da linguagem e misticismo (2002, p.501).
7
O modelo socrático de argumentação havia comandado a Filosofia anteriormente.
(5.6). Mas quem para Wittgenstein representa o sujeito? O filósofo dirá: “O sujeito
que pensa, representa, não existe.” (5.631).
Wittgenstein foi buscar o conceito de sujeito em Schopenhauer, mais
especificamente em Mundo como vontade e representação, pois este conceito pode
ser entendido como:
Aquele que tudo conhece sem ser conhecido é o sujeito. Por conseguinte o
sujeito é o substratum do mundo, a condição invariável, sempre
subentedida de todo fenômeno, de todo objeto, visto que tudo o que existe,
existe apenas para o sujeito. (SCHOPENHAUER, 1991, p. 32, grifo do
autor).
Schopenhauer concebeu o sujeito transcendental como aquele que constitui
seu sistema filosófico, que é, no entanto, herdeiro do idealismo kantiano, cunhado
pelas frases: “O mundo é minha representação.” Ou “O mundo é minha vontade.” É
neste aspecto que introduzimos a transcendentalidade da ética no Tractatus,
expressão essa que nos apoiamos em Dall’Agnol, quando refere: “Vivendo sub
specie aeterni, o sujeito volitivo atribui sentido ao mundo. Não resta dúvida que a
ética é a condição do mundo, ou melhor, de seu sentido.” (1995, p.155).
Outro autor importante, que influenciou sobremaneira Wittgenstein; foi
Nietzsche. Em sua obra: O nascimento da tragédia no espírito da música escreve
em forma de proposições silogísticas, mas que, no fundo, não se apresentavam de
modo ordenado, assemelhando-se ao antimodelo de que o pensador serviu-se no
Tractatus.
Paradoxalmente, Wittgenstein introduziu em seu discurso aforismático uma
interdição ao falar, impondo o calar, determinando uma forte influência no idealismo
transcendental de Schopenhauer a Nietzsche, dando início a uma forte tradição
como crítica da linguagem, na qual irá afirmar que: “ética e estética são uma só.”
(6.421).
Faz-se necessário, frisar que estes dois importantes filósofos destacaram-se
no pensamento filosófico de Wittgenstein, pois contribuíram para a compreensão do
significado da vida para o filósofo, como corrobora em nossa reflexão Dall’Agnol, ao
dizer que:
A realização dessa boa vontade não se dá nem por um caminho
schopenhauriano (negação da vontade), nem por um nietzcheano
(afirmação da vontade) em por um estóico (resignação da vontade em
relação ao mundo), mas por outro lado, a saber, pela adequação da
vontade à facticidade. A aceitação do mundo é condição de felicidade. Isso
contudo, não é sucetível de descrição figurativa: não podemos dizer, mas
somente mostrar na forma do viver. (Dall’Agnol, 1995, p.155).
Sugerir proposições que representem um escopo diferente para cada objeto
significa a Wittgenstein procurar chegar às últimas conseqüências para o dizer, e aí,
então, mergulhar em um solipsismo
8
do qual Wittgenstein foi partidário e que,
influenciado por Schopenhauer e Weininger, identificou a característica do gênio
como aquele que poderá atingir a excelência.
Pensar a partir desses autores citados, permite compreender o Tractatus
como uma obra que buscou ser reconhecida não apenas como um escrito de lógica,
mas também como uma obra que demonstra o significado da vida.
O autor queria superar, através da análise lógica ou da análise sintática, os
problemas da metafísica, como ele mesmo afirma (2001, p.131): “O limite só poderá,
pois, ser traçado na linguagem, e o que estiver além do limite será simplesmente um
contra-senso.”
Mas, para se compreender esse limite (indizível), é preciso torná-lo dizível.
Mais uma vez o autor choca-se contra os limites da linguagem e principalmente se
dá conta de sua insuficiência, tanto que convoca o silêncio.
Ao se lançar à crítica da linguagem, Wittgenstein colocou uma questão sem
solução, questão essa que fazia os filósofos se debaterem, pois, ao promoverem a
crítica da linguagem, precisariam estar fora dela (da linguagem) para fazê-lo. Isso
significa que teríamos de falar desde um outro lugar. Esse é um problema essencial
até hoje, e é a circularidade de quem faz crítica da linguagem, porque critica o objeto
com o próprio objeto como instrumento (a linguagem), tal como o problema
vivenciado pelo filósofo.
Por outro lado, essa é a porta de entrada para compreender a formulação
feita por Wittgenstein comparando sua teoria à Teoria dos tipos, de Russell na
8
Uma forma de solipsismo, relaciona-se a tese schopenhauriana entre realismo empírico e idealismo
transcendental.
lógica, com o objetivo de analisar a inefabilidade das verdades éticas. Nesse
sentido, Monk refere:
Aquilo que a teoria dos tipos procura dizer pode ser mostrado por um
simbolismo apropriado e o que se deseja dizer acerca da ética só pode ser
mostrado intuindo-se o mundo sub specie aeternitatis: “Há por certo o
inefável. Isso se mostra, é o Místico”. A famosa última frase do livro – sobre
aquilo de que não se pode falar, deve-se calar – expressa ao mesmo
tempo uma verdade lógico-filosófica e um preceito ético. (1995, p. 150).
Paradoxalmente, Wittgenstein introduz em seu discurso aforismático uma
interdição ao dizer, impondo o calar, reafirma desta forma, uma forte tradição a
Filosofia como crítica da linguagem, ou seja, pretendeu chegar as últimas
conseqüências para o dizer, e após mergulhar em um solipsismo, influenciado, por
Schopenhauer e Weininger, como se constata anteriormente.
O filósofo referiu, por exemplo, em seu escrito Notas sobre lógica que:
“desconfiar da gramática é o primeiro requisito para fazer filosofia” (1982, p.160). A
crítica da linguagem, esclarecida pela gramática da linguagem, é para ele a instância
que reside o problema filosófico. Reconstruir uma espécie de simetria entre
linguagem e mundo, este é o propósito dogmático de Wittgenstein.
Para se apropriar dessa perspectiva, necessita-se ter presente a segunda e
mais importante obra: Investigações filosóficas,
9
haja vista demonstrar de forma
mais clara sua proposta sobre o que chamou “jogos de linguagem”, em que revê o
logicismo anterior, implicando um novo conceito de linguagem visto, dessa vez,
através de funções múltiplas da linguagem em seu uso e significado.
Agora, portanto, abriu mão de uma proposta unicamente lógico-formal para a
linguagem, conforme está no Tractatus e que representa o desafio primeiro, cito
Glock (1998, p.193) quando afirma “A noção de gramática chama a atenção para o
fato de que falar uma língua é, entre outras coisas, tomar parte em uma atividade
guiada por regras.” Essa proposta foi mantida nas duas obras supracitadas.
9
No Tractatus logico-philosophicus (1921), Wittgenstein quer “traçar um limite para o pensar, ou
melhor, não para o pensar, mas para a expressão dos pensamentos” (2001, p.131), pois, a partir de
sua introdução, esse limite deveria ser traçado na linguagem. Ele examina, portanto, a essência da
linguagem, ao passo que em sua segunda obra, intitulada Investigações filosóficas (1953), refere:
“Não devemos perguntar o que é a linguagem, mas de que modo ela funciona. Não nos cabe buscar
uma suposta essência oculta na linguagem, mas tão-somente compreender os diversos usos da
linguagem.” (WITTGENSTEIN, 1998, p. 86).
Para ele, faz-se mau uso da linguagem e é preciso corrigi-la. Em sua obra
Investigações filosóficas, com suas próprias palavras, “A significação da palavra é o
que explica a explicação da significação”. Isto é, se você quer compreender o uso da
palavra ‘significação’, então verifique o que se chama de ‘explicação da
significação’.” (1991, p.151).
Nessas proposições, Wittgenstein apontou para o nível transcendental, que
pressupõe que possa ser verdadeiro ou falso e, quando não o for, não estará na
forma lógica, portanto, não diz a verdade, denunciando uma dimensão sobre a qual
se deveria silenciar.
Qual é a função desse silêncio em Wittgenstein? Poder-se-ia pensar que
quer silenciar o método socrático, após silenciaria a lógica e mais ainda a lógica
transcendental, principalmente o silêncio daquilo que não se pode dizer do inefável?
Essa dimensão é a do discurso metafísico que alguns filósofos do Círculo de Viena
gostariam de ter eliminado.
Há como sair dessa interface – dizer e calar –? O autor queria mostrar que
há um limite para o dizer além desse limite. Precisa-se aceitar o que é o silêncio ou
como o denomina em sua Conferência sobre ética como o de sentir-se
“absolutamente seguro”. (1995, p. 215).
2.2 Crátilo de Platão a Wittgenstein: o percurso ao místico
Entende-se como necessário, em alguns momentos, retornar às raízes para
que se possa compreender o cenário filosófico, sobre o qual quer-se dissertar.
Assim, se tomaria como ponto de partida o período platônico, destacando dentre os
diálogos de Platão, o de Crátilo.
A partir dessa perspectiva platônica, a linguagem constitui-se um excesso, por
isso há um horizonte metafísico para o surgimento do indizível, isso não é
considerado, necessariamente, um defeito da linguagem.
Historicamente, os filósofos que tratavam do indizível apóiavam-se em textos
platônicos, os quais estão permeados de ilustrações acerca da virtude do dizer. Para
o filósofo, o lugar da Filosofia não é em um círculo fechado, mas em todo lugar onde
o bom-senso possa predominar. Por outro lado, Platão surgiu como um filósofo que
insistia nessa função da palavra como prova, ou seja, no fato de que uma idéia
impossível de ser dita não é necessariamente uma idéia.
Nesse viés pode-se localizar, a partir de sua proposição, toda uma tradição
que, tendo como ponto de partida Platão, debruçou-se sobre a questão do indizível.
Evidencia-se em Platão a metafísica levada à condição de indizível, de um lado, se
poderia chamar via moral, e, por outro, na digressão filosófica da Sétima carta, onde
Platão revela:
Nós afirmamos que o nome não tem nenhuma estabilidade em nenhuma
de suas partes; e nada impede que chamemos “direito” ao que chamamos
“circular” e “circular” ao que chamamos “direito”, pois nem por isso o seu
valor significativo será menos estável para os que fizeram esta
transformação, se o voltarem ao contrário (PLATÃO, 1963, 347 a-b, p.7).
Em Platão, a palavra não poderia ser condição sine qua non de verdade,
apenas o meio pelo qual o homem poderia dispor da alma, portanto, o dizer era
apenas considerado um exercício que, depois de realizado, poderia tornar-nos aptos
a alcançar a verdade.
O Crátilo de Platão, ou o diálogo acerca da justeza dos nomes, por exemplo,
quis formular, em sua origem a linguagem; assim, propôs-se a discutir a sua origem
pelo viés natural e convencional. Esse é o problema que estimula todo o diálogo. Ao
sobrepujar a linguagem pelo pensamento platônico não significa que haja um
conhecimento direto das coisas sem mediação. Mas, sim, denota que o ingresso à
verdade somente é possível através da essência das coisas por uma linguagem.
Neste sentido, cabe explorar o essencial diálogo de Crátilo, que permite fazer
a ponte histórica com as proposições de Wittgenstein. Desde os gregos, a verdade
(Alétheia)
10
, compreendida por eles como movimento divino do ser, é um elemento
preponderante a todo pensamento filosófico. Todavia, já em Crátilo de Platão, onde
aparece a primeira afirmação da transcendência das idéias, ela é feita a partir da
idéia referente a um objeto físico. Em Crátilo, verdadeiro é o discurso que diz as
coisas como são; falso é aquele que diz as coisas como não são.
A linguagem de Crátilo de Platão, tinha como função, portanto, de traduzir o
acontecimento inaugural da coisa mesma, ou seja, seu enfoque se dava a partir do
Logos, visto que a linguagem não era objeto definido de estudo. Sua importância e
destaque como elemento primário deve-se a Wittgenstein, que deu à linguagem
status científico, recusando-se a atribuir à linguagem um papel secundário.
Contudo, a importância conferida à linguagem de Crátilo é justificada por
desenvolver uma investigação sobre o significado/referência, limitada ao escopo do
ato de nomear ou, da correção dos nomes, assim em Crátilo de Platão se pode
encontrar: ónoma (nome) e onomastón (a nomear) são, segundo Sócrates,
compostos de on (ser), hou (do qual) e da forma platônica masma (investigação),
derivada de maiesthai, que tem por sinônimo zatein (procurar). (1963, p.108).
É possível considerar, de um lado, que os nomes são denominados de modo
livre por quem fala, sendo eleitos por suas próprias sensações e, de outro, a partir
de um conceito naturalista, em que os nomes designam a natureza das coisas.
A tese convencionalista, ao afirmar a perfeita arbitrariedade de todos os usos
lingüísticos, portanto a impossibilidade de confrontá-los e corrigi-los, reconhece em
todos a mesma validade. A tese de caráter natural da linguagem é levada, por outro
lado, a admitir as mesmas conclusões. Uma vez que os signos lingüísticos são tais
por natureza e cada um é suscitado ou produzido pelo objeto que expressa, todos
10
Alétheia (verdade) é explicado com um composto de ale (divagação) e theia (divina). A verdadeira
etimologia, porém, é lethe (de lanthanein =esconder) com o prefixo a (negativo).
são igualmente válidos, e é impossível confrontá-los, modificá-los ou corrigi-los.
Ambas as teses levam à conseqüência de que é impossível dizer o que não é,
porque dizer o que não é significa não dizer.
Assim, a teoria convencionalista, que se aproxima da segunda obra
Investigação filosófica, de Wittgenstein, assemelha-se ao retorno das teses clássicas
pela correção dos nomes, isto é, a relação entre as palavras e o objeto que elas
nomeiam é estabelecida por uma convenção.
Por outro lado, de certa forma, pode-se auferir que a significação
desenvolvida por Platão no Crátilo pode ser identificada, posteriormente, nos
escritos de Wittgenstein, cuja concepção tractatiana de que a forma lógica da
linguagem espelha a forma lógica do mundo, a linguagem imita a natureza das
coisas.
À doutrina naturalista da linguagem, símile da tese tractatiana, cujo ponto de
vista se verá expresso por Crátilo no diálogo homônimo de Platão: “Não devem
então ser nomeadas as coisas da maneira como é natural nomeá-las e com meios
adequados a isso, mas não como nos apraz, se quisermos estar de acordo com as
nossas conclusões?” (Platão, 1963, p.18). Da mesma forma, a tese da naturalidade
foi tomada com um forte vigor pela lógica matemática contemporânea.
Essa tese reafirmou o princípio de correspondência termo a termo entre os
signos lingüísticos e as coisas, princípio já expresso pelos cínicos, os quais diziam
que a linguagem é aquilo que manifesta o que uma coisa era ou é. Nesse ponto, o
Tractatus pretendia, portanto, estabelecer esses limites, ou seja, o que pode ser dito
com sentido, e o que se excede a essa “forma lógica”, que então deveria ser
mostrado, calado, considerado transcendental ou sem sentido.
Wittgenstein quer mostrar que existe algo mais importante no discurso lógico,
que é o discurso místico. O místico compreende a ética, a estética e o solipsismo
como instância lógica transcendental desenvolvida.
Essa forma dar-se-ia pela relação e compreensão correta dos limites do
mundo e da linguagem, em que essa revelaria o aspecto místico. A estrutura da
linguagem estaria metaforicamente representada pela escada, enquanto o místico
representaria a verdade. Só aquele que conseguisse escalar os degraus seria digno
de encontrá-la.
2.2.1 Um percurso ao místico
Outra via a ser explorada, além da via moral, referida aqui sinteticamente, diz
respeito à tese neoplatônica de que o uno é ele próprio uno, ou seja, não é possível
nomeá-lo, dar opinião sobre ele ou conhecê-lo. Portanto, se o uno é uno, isso
significa que não estabelece relação com nada. O máximo que se pode fazer é
negar que ele é isto ou aquilo. É nossa tarefa diferenciar a mística de Wittgenstein
da posição mística clássica de Plotino. Ao se refletir, vê-se que a teologia negativa
clássica sempre esteve sensível ao fato de que o absoluto é indizível.
Ullmann (1995) auxilia a pensar a etimologia do termo místico apoiando-se
em Plotino.
11
Pode-se pensar que o caminho para o indizível em Plotino é um
percurso que determina um limite, ou seja, a linguagem sendo vista como um
problema.
Sua função em Plotino é, portanto, um limitador da capacidade de comunicar-
se com o Uno e a impossibilidade de fazê-lo, derivando a recorrência à via da
negação que vai culminar no silêncio, logo, nada pode ser dito sobre ele.
Por fim, Plotino é quem demonstrou que Deus não é virtuoso, ou mesmo, que
não é no sentido de que não se poderia atribuir-lhe o ser. Em contrapartida, a
posição de Wittgenstein
12
diante da posição insuperável da linguagem na teologia
negativa ganha um novo sentido, como se verifica no aforismo: “A proposição não
pode representar a forma lógica, esta forma se espelha na proposição. O que se
espelha na linguagem, esta não pode representar”. (4.121).
Tolstói, outro importante autor, na qual, Wittgenstein, absorveu o conceito de
experiência mística – como a própria experiência do sentido da vida – que se
alcança quando se vive pelo amor no presente autêntico. Tolstói acreditou que esse
fato é como equivalente a estar unido a Deus, princípio e fundamento da vida. Nessa
11
Mística deriva do verbo grego mýô e significa fechar-se; especialmente fechar os olhos, recolher-
se. Por isso, mystikón é o oposto de phanerón (aberto, manifesto). Em Plotino, a mística é pensada
como háplosis, isto é, como máxima simplificação da Alma racional, quando ela se retrai para o
fundamento do seu ser. Para que se dê tal união, misteriosa, secreta e indizível com o Uno, é mister
deixar atrás de si a matéria. A mística plotiniana não é deificação, mas assemelhação com o divino
(ULLMANN, 1995, p. 368).
12
Não abordaremos, no presente texto, os problemas de que padece o recurso à mística, conhecida
como o de garantir a identidade entre o objeto da teologia negativa e a realidade vivida no êxtase.
Considera-se aqui o indizível metafísico, na medida em que procura fundir-se na experiência.
perspectiva, o cristianismo tolstoiano é uma religião sem fé e sem mistérios, capaz
de pronunciar a beatitude neste mundo mesmo e não numa hipotética vida futura. A
experiência mística não envolve nada de sobrenatural, filosofia essa que se
assemelhava a de Schopenhauer, na qual, abordamos, sinteticamente, no capítulo
anterior.
Assim, é de extrema importância diferenciar que quando Wittgenstein refere
que o místico é indizível, não afirma que não se possa falar sobre questões éticas,
místicas ou religiosas. Ele quer dizer que não se pode ter a pretensão de sentido,
mas que se pode falar. É no Tractatus que Wittgenstein se propôs a mostrar o
místico de forma monista, ou seja, como substância una da realidade, assim o
místico estaria na mesma relação de indizível, mas poderia ser demarcado pelo
dizível.
A tarefa da Filosofia para o filósofo realiza-se enquanto tarefa crítica pela
análise de proposições filosóficas. Ao mesmo tempo em que ele diz que a ciência é
limitada, procura mostrar um novo método de compreensão através do dizer do falar.
O dizer estaria relacionado ao expressar com pretensões de sentido, como, por
exemplo, ao construir figurações, e o falar estaria expresso sem pretensões de
sentido, como no exemplo quando se proferem tautologias, contradições, contra-
sensos, pseudoproposições, entre outros.
3 A ÉTICA DO INDIZÍVEL
Wittgenstein pretendeu dar ao Tratactus um sentido ético, contudo, não quis
caracterizar sua obra como um manual de ética, conforme ele mesmo afirmou:
“Não é, pois, um manual”. (2001, p.131). Nesse sentido propôs que suas
proposições fossem entendidas como aquelas que não buscam respostas (postura
anterior no pensamento filosófico), mas que pudessem ser superadas. Por isso, sua
obra não poderia ser lida como um conjunto de doutrinas. No prefácio diz: “O quanto
meus esforços coicidem com os de outros filósofos, não quero julgar.”
(WITTGENSTEIN, 2001, p.131).
Muito embora o filósofo não tenha feito referências explícitas à suas
influências para o desenvolvimento de seus escritos, contudo, é apenas no prefácio
que refere o estímulo que teve suas idéias de Frege e Russell, poder-se-ia presumir
a partir do contexto da descoberta, que Wittgenstein estaria endereçando sua
“crítica” a toda tradição filosófica que o antecedeu.
A crítica estabelecida por ele impõe-se com uma visão paradoxal e, se
tratando da esfera do ético a crítica é o conjunto de todos os estados de coisas
possíveis e por, outro lado, o mundo é o conjunto de todos os estados de coisas
existentes ou fatos.
A sugestão wittgensteiniana mostra-se como uma proposta a partir das
condições gerais que tornam possível que uma linguagem, agora entendida como
objeto, possa falar da realidade. Contudo, no Tractatus, essas condições gerais
implicam a presença de um indizível. Não seria, portanto, possível falar de forma a
dar sentido a essas proposições.
Wittgenstein concebia essa possibilidade no início de seus trabalhos, quando
previu que o simbolismo lógico seria capaz de conter o que nossa linguagem
corrente não conseguisse expressar, em outras palavras, a lógica teria um estatuto
de universalidade produzindo assim a compreensão de todos os signos lingüísticos.
No entanto, a formulação de Wittgenstein pressupôs a existência de um
indizível, fato muito criticado pelo Círculo de Viena como um elemento obscuro na
obra do filósofo, pois é perceptível a dupla relação que existe entre a teoria do
indizível e as metalinguagens.
13
Emprega-se o caminho da ética no Tractatus, mais precisamente como ética
do indizível, por se entender como o fez Wittgenstein: “Sentimos que, mesmo que
todas as questões científicas possíveis tenham obtido resposta, nossos problemas
de vida não terão sido sequer tocados.” (6.52).
Assim, é imprescindível que se tenha presente a distinção entre o dizer e o
mostrar para que se possa compreender o sentido ético do Tractatus. Esse sentido
subverte a idéia de uma linguagem lógica ideal, empreendida por seus mestres
(Frege, Russell) e outros, da qual, Wittgenstein compartilhou desde o primeiro
momento.
Ao se ressaltar o último aforismo, que representa a essência mesma do ético
em Wittgenstein, tem-se: “Sobre o que não se pode falar (sagen), sobre isso deve-se
calar.” (7) e não se pode dizer sobre o indizível, mas se pode falar sobre ele. Embora
o verbo sagen possibilite o uso dos dois sentidos dizer/falar, o filósofo procurou fazer
uma distinção entre eles. Não se pode falar sobre questões éticas, mas sobre
questões ligadas às ciências naturais.
O livro para Wittgenstein tem o propósito de expressar pensamentos através
da linguagem, mas, ao expressá-los, segundo o filósofo, nos damos conta da
insuficiência de nossa linguagem, portanto, devemos calar. Assim, o binômio
falar/calar representa o núcleo fundamental do ético no Tractatus.
14
Em Kant,
15
por exemplo, percebe-se sua tentativa de estabelecer as
“condições de possibilidade do conhecimento”, quando diz: “A filosofia precisa de
uma ciência que determine a possibilidade, os princípios e o âmbito de todos os
13
De um lado teríamos Carnap e Wittgenstein teria de recusar que sua linguagem filosófica poderia
ser julgada a partir de uma metalinguagem. De outro, haveria Russell, e Wittgenstein teria de admitir
que a série de metalinguagens sobrepostas a uma língua dada seria fechada e constituiria, digamos
assim, uma realidade lingüística única.
14
Cabe ressaltar que o outro sentido ético subliminar no Tratactus diz respeito ao contexto ético
clássico, aquele que previa que a ética seria uma disciplina que trataria da vida feliz, da eudamonía,
não como um manual de comportamento para as ações humanas, como já se referiu em parágrafo
anterior.
15
Kant propôs estabelecer os fundamentos do conhecimento científico não mais com base na
metafísica racionalista, que então considerava ultrapassada, mas a partir das “categorias a priori do
entendimento”, ancoradas na idéia do “sujeito transcendental” e da razão como tal. Estabeleceu,
assim, os limites para a filosofia, que são os próprios limites enunciados em sua teoria do
conhecimento.
conhecimentos a priori.” (1991, p. 27). A idéia de que a razão tem limites em seu
conhecimento, o que se denomina dimensão crítica do conhecimento, é a afirmação
central no pensamento kantiano e influenciou profundamente a tradição filosófica
posterior, especialmente a filosofia analítica e a fenomenologia.
A dimensão crítica do conhecimento retorna na Filosofia analítica, de modo
especial em Wittgenstein, principalmente em seu Tratactus, considerado como
emblemático do assim denominado “giro lingüístico”, que influenciou toda a
revolução da Filosofia no século XX: os limites do conhecimento agora são os limites
da linguagem, os limites do que se pode dizer e do que não se pode dizer.
Como crítica à linguagem, Wittgenstein enfrentava em geral a questão: Por
que a crítica da linguagem propriamente não é possível? Porque, para criticar a
linguagem seria preciso estar fora da linguagem; teríamos de falar desde um outro
lugar. Portanto um problema essencial até hoje é a circularidade de quem faz crítica
à linguagem, porque critica o objeto, pelo próprio objeto, como instrumento, logo, a
crítica da linguagem para ele não poderia significar também isso.
Ao chegar a esse ponto, não foi mais possível a Wittgenstein compartilhar
com os neopositivistas. Abandonou-os bruscamente, assim a substituição da
doutrina da forma lógica de representação, que não pode ser representada, passa a
contituir para o filósofo um indizível, surgindo então o elemento místico. Sua
formulação e justificativa se dão através da tese, de um lado, de mostrá-lo, dá-lo a
ver (Zeigen, aufweisen) e, de outro, de representá-lo, exprimi-lo (abbilden,
ausdrücken).
Então, mostrar para Wittgenstein era evidenciar a realidade de um fato
qualquer, ao passo que dizer seria constituir, através de uma específica utilização de
sinais, como em seu exemplo “as maquetes”, uma imagem do fato. Ele dirá: “Sua
forma de afiguração, porém, a afiguração não pode afigurar; ela exibe.” (2.172). No
encadeamento de suas proposições, mais adiante refere:
A proposição não pode representar a forma lógica, esta forma se espelha
na proposição. O que se espelha na linguagem, esta não pode representar.
O que se exprime na linguagem, nós não podemos exprimir por meio dela.
A proposição mostra a forma lógica da realidade. Ela a exibe. (4.121).
Cabe, sinteticamente, situar essa questão, que toma corpo na segunda obra,
Investigações filosóficas, em que haverá a substituição do conceito de visão
sinóptica, antes entendido como um tipo diferente de sinopse esclarecedora dos
dados, passando a ser visto pela existência de diferentes métodos, assim como de
diferentes terapias. Nas palavras de Wittgenstein :
Uma fonte principal de nossa incompreensão é que não temos uma visão
panorâmica do uso de nossas palavras. – Falta caráter panorâmico à
nossa gramática – a representação panorâmica permite a compreensão,
que consiste justamente em ver as conexões. Daí a importância de
encontrar e inventar articulações intermediárias. (§ 122, 1991, p. 56).
Em uma leitura do texto Diário filosófico, de 20/10/1914, pode-se ver que
Wittgenstein já externava essa distinção (dizer/mostrar), quando dizia : “São
pseudoproposições aquelas que uma vez analisadas, se limitam, no entanto, a
mostrar de novo o que deveriam dizer. ” Após, no Tractatus, dirá: “A proposição
mostra seu sentido. A proposição mostra como estão as coisas se for verdadeira. E
diz que estão assim.” (4.022).
Poder-se-ía objetar que uma das funções da lógica seria a de demonstrar a
estrutura lógica da realidade, mas é justamente a esse aspecto que Wittgenstein
endereçou sua crítica, ao referir que a lógica não diz sobre as leis lógicas; poderia
apenas construir uma proposição, poderia a proposição provar que a proposição
complexa é tautológica, ou seja, verdadeira.
É o que o próprio Wittgenstein assume: “Que as proposições da lógica sejam
tautológicas, isso mostra as propriedades formais – lógicas – da linguagem, do
mundo.” (6.12). Dessa maneira, o pensador deflagrou a primazia do ético em
detrimento do lógico, sendo que em Filosofia, referiu que iniciamos o discurso pelo
ético e o terminamos pelo ético.
Embora Russell, manifeste, ironicamente, na introdução realizada por ele no
Tractatus, que Wittgenstein propôs encontrar uma maneira de dizer muitas coisas
sobre o que não pode ser dito, o que na verdade Wittgenstein revela é que seu livro
pretende mostrar, mas não dizer:
Ao mostrar, através da crítica à linguagem que ante questões pertinentes aos
âmbitos ético, estético e místico devemos calar, Wittgenstein defendia a existência
do inefável. Não há possibilidade de formalização dos conceitos nesse espaço
transcendental, produzindo através deste interdito a ética do indizível. A distinção
entre o dizer e o mostrar e a metáfora da escada que deve ser jogada fora
confirmam esta perspectiva.
3.1 Ética como objeto de valor
Wittgenstein escreveu breves estudos sobre ética. Identifica-se e destaca-se
nesses escritos a forte influência de Weininger e de Schopenhauer. No primeiro, isso
se deve à leitura do livro Sexo e caráter, a qual Weininger declarou que a lógica e a
ética são uma só. Percebe-se em Wittgenstein a força desse enunciando, quando
propõe que devemos ter a obrigação moral de buscar a clareza lógica, assim como a
distinção entre dizer e mostrar exposta no Tractatus, o que confirma o valor que
atribuiu às proposições de Weininger.
A segunda forte influência sofrida por Wittgenstein em relação à ética e à
Filosofia moral foi de Schopenhauer. No Diário Filosófico, em 02/08/1916, comenta :
“Caberia dizer a partir de Schopenhauer.
16
O mundo da representação não é bom
nem mau, é portanto o sujeito volitivo. ” (WITTGENSTEIN, 1982, p.135). Assim, o
sujeito volitivo não é o ser humano enquanto corpo, pois o corpo humano,
representa uma parte do meu mundo.
Felizmente, a imensa gama de escritos pós-morte do autor permite fazer
algumas conjeturas sobre o olhar wittgensteiniano as quais o aproximam de um
conceito sobre o sentido da vida. Monk, na biografia de Wittgenstein, mostra que
O idealismo transcendental de Schopenhauer, conforme expresso em seu
clássico O mundo como vontade e representação, foi a base da filosofia
mais incipiente de Wittgenstein. Sob vários aspectos, trata-se de um livro
fadado a agradar o adolescente que perdeu a fé religiosa e está buscando
algo para substituí-la. Pois, embora Schopenhauer reconheça a
“necessidade da metafísica do homem”, ele insiste que não é necessário
nem possível para uma pessoa inteligente e honesta acreditar na verdade
literal das doutrinas religiosas; querer que alguém acredite, diz
Schopenhauer, é como pedir a um gigante que calce os sapatos do anão.
(1995, p. 32 ).
É importante lembrar que o idealismo transcendental em Schopenhauer foi
demarcado de forma solipsista,
17
como se pode ver em sua proposição fundamental:
16
Em linhas gerais, Schopenhauer propôs em sua obra O mundo como vontade e representação, a
distinção radical entre representação e vontade, ou seja, entre o que pode ser manifestado por meio
da linguagem e o que se encontra além dessa, acessível apenas pelo sentimento e pela decisão, que
é o âmbito da vontade.
17
Schopenhauer desenvolveu a primeira noção alegando que o “sujeito do conhecimento”, ao qual o
mundo como representação aparece, é simplesmente um “ponto indivisível”.
“O mundo é minha representação”, em que um único sujeito (conhece sem ser
conhecido) mais o objeto (que se encontra no espaço e no tempo e está submetido
à causalidade) seriam suficientes. Assim como o solipsismo em Wittgenstein “quer
significar é inteiramente correto; é apenas algo que não se pode dizer, mas que se
mostra.”(5.62).
Wittgenstein, em seu Diário filosófico (24/07/1916), referiu: “A ética não trata
do mundo. A ética há de ser uma condição do mundo, como a lógica. ética e estética
são uma só ”. Após, no Tractatus (1921), utilizará a palavra ética em apenas três
sentenças:
a) É por isso que tampouco pode haver proposições na ética. Proposições
não podem exprimir nada de mais alto. (6.42).
b) É claro que a ética não se deixa exprimir. A ética é transcendental. (ética
e estética são uma só). (6.421).
c) O primeiro pensamento que nos vem quando se formula uma lei ética da
forma “você deve...” é: e daí, se eu não o fizer? É claro, porém, que a ética
nada tem a ver com punição e recompensa, no sentido usual. (6.422).
Nessas proposições, o filósofo apontou para o nível transcendental, que diz
respeito às condições de possibilidade de verificação do valor de verdade ou não, ou
seja, decidiu sobre o verdadeiro ou o falso e, quando isso não for possível, não se
configura uma forma lógica que permitiria aferir a verdade. Nesse caso, denuncia-se
algo sobre o qual nós deveríamos silenciar.
Em Wittgenstein, somente as proposições empirícas da ciência são dotadas
de significado, demonstrando que a esfera do valor está no âmbito do indizível por
não apresentar um referente, portanto, contingentes (verdadeiro ou falso). Em
resumo, podem ser mostradas, mas não podem ser ditas. Cumpre, antes de
qualquer coisa, distinguir os significados diferentes para a palavra ética até a
proposta de Wittgenstein. A etimologia do conceito ética na língua grega pode ser
compreendida como ciência da conduta.
Há duas concepções fundamentais dessa ciência. A primeira considera a
Ética como ciência do fim para a qual a conduta dos homens deve ser orientada e
dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do
homem. Já a segunda considera a Ética como ciência do móvel da conduta humana
e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir e disciplinar essa conduta.
Essas duas concepções, originadas na Antigüidade, atravessaram o mundo
moderno. Na primeira está contida uma linguagem ideal para a qual o homem se
dirige por sua natureza, como conseqüência em essência ou substância. No entanto,
a segunda concepção trata dos motivos ou das causas da conduta humana. Glock
(1998, p.143), quando cita a carta de Wittgenstein a von Ficker, em 10/11/1919
serve de apoio: “Wittgenstein sustentou que o ponto central do Tractatus logico-
philosophicus tem natureza ética : delimitar a Esfera do ético de dentro para fora,
guardando silêncio em relação a ele.”
Nessa direção, a matriz originária do mundo grego para a construção de uma
definição de ética permite identificar a influência sofrida por importantes pensadores,
que, neste momento, ressalta-se a obra Principia Ethica (1903), de Moore. Sua
filosofia moral de inspiração analítica, postula que antes de a Filosofia investigar a
natureza do universo moral, deveria analisar o conteúdo dos termos empregados
nas proposições prescritivas, assim como os significados dos predicados morais.
Moore refere: “A ética é a investigação do que é bom.” (1999, p. 85). Esse filósofo
abriu uma trilha para a semântica da justificação do justo e seu valor.
Para ele, a função da análise visa à clarificação dos conceitos e não apenas a
mera exegese das palavras, mas a análise das proposições que as manifestam.
Nesse cenário, propôs Moore (1999, p.9) “O bom é definível, enquanto bom em si
mesmo não o é.” Essa afirmação crítica foi endereçada ao naturalismo, e Moore
(1999, p.11) auxilia a compreendê-la: “Se bom é definido com o sendo outra coisa
que ele mesmo, então se torna impossível provar que uma definição é má ou de
recusar alguma.”
Para Moore, o erro do naturalismo está em reduzir o bem a uma forma
substancial. Ele exemplifica: Quando alguém diz “eu sou feliz” e adjetiva o conceito
dizendo, “felicidade é algo bom”, não quer dizer com isso que a felicidade é algo
bom, e o predicado bom signifique a felicidade. Em outro exemplo dirá:
Quando dizemos que uma laranja é amarela, não pensamos que a nossa
afirmação nos obrigue a considerar que ‘’laranja’’ não significa outra coisa
senão amarelo ou que além de laranja nada mais possa ser qualificado de
amarelo ou suponhamos que a laranja seja doce! Porventura isto nos
obriga a afirmar que “doce” é exatamente a mesma coisa que “amarelo”,
que “doce” deve ser definido como “amarelo”? (MOORE, 1999, p.14).
Ao determinar que só existe uma maneira correta de dizer que laranjas são
amarelas, para Moore seria o mesmo que apreender o “amarelas” como uma noção
indefinível. A partir desse conceito, presupõe a possibilidade de identificar o que se
julga ser o bem, pela intuição. Contudo não está se referindo ao intuicionismo como
pressuposto da faculdade cognoscente, como Descartes e Kant pensaram, mas às
proposições que definem o valor ou a justeza de nossos atos não serão possíveis de
demonstração empírica.
Moore enfatiza que não haverá regras que possam disciplinar a ação moral,
crítica direta ao idealismo, que previu que tudo existe na consciência. Moore
debruça-se na busca de um estatuto científico para a Ética. Essa não era apenas
pretensão do autor, outros tentaram. Assemelha-se à Antiguidade em que havia um
consenso de que a Ética visava ao bem, portanto, a meta de cada um seria
(re)conhecer e atingir o bem como virtude em Aristóteles.
Em Wittgenstein esse conceito do Principia produziu uma “ampliação”
quando referiu que a ética não se propõe a toda especulação, não se constitui como
doutrina, consoante já introduzido neste texto, a ética passa a ser vista em seus
escritos, após o Tractatus, como um projeto de vida, ou seja, uma forma de vida
(Lebensformen). Assim em sua Conferência sobre ética, revelará:
Ao invés de dizer que a “ética é a investigação do que é bom”, poderia ter
dito que a ética é a investigação sobre o valioso, ou sobre o que realmente
importa, ou ainda, poderia ter dito que a ética é investigação sobre o
significado da vida, ou daquilo que faz com que a vida mereça ser vivida,
ou sobre a maneira correta de viver. (1995, p. 209).
É na Conferência que Wittgenstein manteve algumas teses do Tractatus e
ampliou sua idéia de que a ética é indizível, havendo uma irredutibilidade das
competências que se referem aos valores no mundo objetivo. Como já se disse,
Wittgenstein procurou demonstrar que o discurso ético está no âmbito do contra-
senso.
Assim o Tractatus é endereçado como revela Dall’Agnol “justamente contra
esse cientificismo que pretende tudo abarcar, até mesmo a ética” (1995, p.100).
Wittgenstein apresentou, ainda, a distinção entre sentido relativo (trivial) e sentido
ético (absoluto). Para o primeiro, descreveu como aquele que envolve a satisfação
de certos padrões. Ex.: quando se diz “Você canta bem.”No segundo caso, o sentido
ético (absoluto) é alusivo principalmente por não haver proposição que constitua
logicamente um juízo de valor. Ex.: “Você deve se comportar decentementemente.”
Sobre o sentido relativo, Wittgenstein (1995. p. 210) o reforçou, dizendo: “De
fato, a palavra ‘bom’ no sentido relativo significa simplesmente que satisfaz um certo
padrão predeterminado”. Assim, quando se afirma que esse homem é um bom
pianista, quere-se dizer que pode tocar peças de um certo grau de dificuldade com
um certo grau de habilidade.
Wittgenstein (1995, p. 211), em sua conferência sobre ética, afirma: “O que
agora desejo sustentar é que, apesar de que se possa mostrar que todos os juízos
de valor relativos são meros enunciados de fatos, nenhum enunciado de fato pode
ser nem implicar um juízo de valor absoluto.”
Pode-se também atribuir a distinção dos conceitos de juízos relativos e
absolutos a partir do aforismo: “O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas”
(1.1), ou seja, o mundo engloba todos os fatos ou ainda se pode dizer é igual à
totalidade dos fatos. Cabe lembrar que para ele o mundo e a realidade são
instâncias isomorfas, ao passo que o pensamento ocupa lugar de terceiro
(mediador), nessa relação biunívoca mundo/realidade.
Para invocar o sentido absoluto, Wittgenstein anunciou a experiência mística
de espanto diante de um fato que não é possível explicar cientificamente. Como
exemplo absurdo, referiu que se alguém nascesse com cabeça de leão e começasse
a rugir, ao menos que conseguisse explicar cientificamente tal fato como sendo um
milagre. Na mesma conferência foi enfático:
Sinto-me inclinado a dizer que a expressão lingüística correta do milagre da
existência do mundo – apesar de não ser uma proposição na linguagem –
é a existência da própria linguagem. Mas, então o que significa ter
consciência deste milagre em certos momentos e não em outros? Tudo o
que disse ao transladar a expressão do milagroso de uma expressão por
meio da linguagem à expressão pela existência da linguagem é, mais uma
vez que não podemos expressar o que queremos expressar e que tudo o
que dissemos sobre o absolutamente milagroso segue carecendo de
sentido. (1995, p.219).
Em rigor, Wittgenstein pretendeu mostrar que à Filosofia cumpre o
esclarecimento das coisas, o autor reconheceu que mesmo se todos os problemas
científicos fossem resolvidos, caberia ao homem desenvolver a reflexão acerca do
significado da vida.
Viva feliz! dirá o filósofo, mesmo que essa tenha sido sua última imperativa
proposição: “ Diga a todos que tive uma vida feliz. ” Tecia os primeiros escritos em
seu Diário Filosófico (30/7/1916), anunciando essa que seria a forma de vida que
pretendia escolher para si, quando também enunciou que a vida feliz é boa, e a
infeliz é má, parece para ele que a vida feliz se justificaria por si mesma, por isso
seria uma tautologia afirmá-la.
Essas proposições tomaram corpo no Tractatus, e revela: “O mundo do feliz
é o mundo diferente do mundo do infeliz.” (6.43). Em que reside essa diferença para
Wittgenstein ? Ele mesmo respondeu já em seu Diário Filosófico em (30/7/1916):
A vida feliz parece ser num sentido qualquer mais harmoniosa do que a
infeliz. Mas em que sentido? Qual é o traço distintivo objetivo da vida feliz
harmoniosa? Mais uma vez fica claro que não pode existir nenhum traço
distintivo desse tipo, que pudesse ser descrito. Não pode existir nenhuma
descrição de um traço distintivo, assim como os homens que começaram a
ter clareza ética acerca do sentido da vida, depois de longas dúvidas,
também não podiam dizer em que consistia esse sentido. (1982, p. 133).
Na estrutura lógica da linguagem, cujo valor não é sequer mostrado em
proposições dotadas de significado,
18
em atitudes diante dos problemas da vida ou
sua forma estética, como no caso da arte, as sentenças do Tractatus não dizem,
mas mostram, por isso são contra-sensos, segundo Wittgenstein, elas despertam o
sentimento místico. Acredita-se que esse despertar do autor esteja ligado ao período
da guerra, da qual participou. Segundo o filósofo, “tudo o que pode ser em geral
pensado pode ser pensado claramente. Tudo que se pode enunciar, pode-se
enunciar claramente.” (4.116).
Para que isso aconteça, é preciso que Wittgenstein proponha um novo
conceito de Filosofia, pois seu conceito pode ser compreendido como “crítica à
18
Sugere-se a distinção proposta por Frege para Sinn/sentido, significando modo de apresentação do
objeto designado pelo signo, e Bedeutung/significado, que se atribui ao próprio objeto designado.
Frege exemplifica: Estrela da manhã e estrela da tarde possuem o mesmo significado (ser planeta),
mas com sentidos diferentes.
linguagem”, na qual persiste o constante exame das “condições de possibilidade da
linguagem”. O que se depreende, conseqüentemente, é que a “crítica à linguagem”
procura demonstrar que nunca se consegue dizer o que acontece conosco. Em seu
conceito de Filosofia, enfatizou que todo o problema da Filosofia repousa no mau
entendimento da lógica de nossa linguagem, que o “fim da filosofia é o
esclarecimento lógico dos pensamentos.” (4.112).
Porém, como são gerados os contra-sensos presentes em sua obra como
fator de crítica? Para ele, os contra-sensos são originados da pretensão de dizer o
indizível, tendo em vista que, para analisar a linguagem, seria preciso estar fora da
linguagem, em uma “metalinguagem” para se referir a partir da linguagem. Nesse
sentido, o dizer algo é figurar proposicionalmente.
3.2 Significado da vida para Wittgenstein
Poderia-se perguntar como um lógico, através de seus enunciados, estaria
preocupado com o significado da vida? No início de seus escritos, mais
especificamente, no Tratactus, se vale dos conceitos matemáticos e lógicos para
tentar explicar o valor e o significado da vida. Compartilha dessa hipótese Margutti
quando relata em seu texto Sentido da vida e valor da vida: uma diferença crucial:
“Wittgenstein ansiava pela experiência de compreender o significado da vida, e
mesmo antes de consegui-la, descreveu-a como a súbita erupção de gêiser.” (2004,
p.33).
Atribuí-se como hipótese mais plausível que Wittgenstein se alistou como
voluntário no Exército austríaco, a fim de se confrontar com a busca pelo significado
da vida através do limiar da morte. Seria a morte a tentativa de encontrar esse limite
para Wittgenstein?
Parece que a questão sobre o sentido estava, analogamente, vinculada à
questão do valor. Sua remissão deu-se pela experiência como voluntário, mas sua
tentativa frustrou-se quando tentou colocar em palavras, reduzindo essa dificuldade
a um puro contra-senso, calando-se. Seja como for, precisou expor-se para chegar a
essa conclusão.
Da mesma forma, a experiência (des)escrita a partir do Tractatus, permite
conjeturar acerca de sua “crítica suicida” através da linguagem constituída de seus
aforismos, pois o autor encerra, paradoxalmente, em seu último aforismo, dizendo
que o que não havia escrito/dito seria o mais importante.
Como conceber que o mais importante seja o, que não é escrito/dito? No
entanto, para isso é preciso dizer, e assim confronta-se, inevitavelmente, com a
fronteira do indizível através do dizível.
O pensador refere: “Percebe-se a solução do problema de vida no
desaparecimento desse problema (não é por essa razão que as pessoas para as
quais, após longas dúvidas, o sentido da vida se fez claro não se tornaram capazes
de dizer em que consiste esse sentido?).” (6.521).
Em outro caso, se poderia conjeturar que a experiência de voluntariado
permitiu transformar o Tractatus em outra experiência estética (sua escrita), e talvez
por isso se possa pensar por que o autor atribuiu à estética o mesmo sentido que o
ético, pois, em suas palavras, a ética e a estética são uma só. Margutti, ao tentar
traduzir a essência do que possa ter se passado com Wittgenstein, esclareceu:
A morte surge não como a redenção do não-ser, mas como castigo para
aquele que não foi capaz de mudar a maneira de ver as coisas e entrar em
contato com o absoluto. Talvez tenha sido por isso que, no acerto de
contas consigo mesmo que fez ao morrer, o atormentado Wittgenstein
mandou dizer aos amigos que tivera uma vida maravilhosa. (MARGUTTI,
2004, p. 56).
Em contrapartida, as palavras metalingüísticas ordinárias, como: dizer, calar-
se, sentido, etc produzem em Wittgenstein, conforme já afirmado a busca por
compreender os limites do dizível no indizível, lançando-se à análise lingüística,
estabelecendo critérios rigorosos, como refere no Tractatus : “Os limites de minha
linguagem denotam os limites do meu mundo.” (5.6). O prólogo e o fim da obra
expressam de maneira concreta como Wittgenstein se refere ao silêncio.
O sistema tractatiano pode ser compreendido então em termos metafísicos e
lógicos. A crítica mordaz à sua obra diz respeito à frase: “Portanto, é minha opinião
que, no essencial, resolvi de vez os problemas da filosofia.” (WITTGENSTEIN, 2001,
p.133). Para ele, o silêncio é inevitável quando a lógica tenta penetrar na essência
da linguagem, como já mencionado em nosso texto, contudo, a razão de seu
sentido, pode ser expresso como “a atitude diante dos problemas da vida.”
O filósofo desafia à compreensão de sua obra, dizendo que somente aqueles
que já tiverem experimentado todo o teor de seus aforismos, cuja provocação,
aparentemente ingênua, denota todo o caráter de um jovem que se lança,
literalmente, no front da Primeira Guerra Mundial para prescrutar, buscar aquele que,
para ele, seria o significado da vida, portanto, somente aquele que se atravessa nos
ditames de vivido, poderia falar, mas não dizer, apenas mostrar.
É a partir desta tríade: dizer/falar/mostrar que Wittgenstein conceitua sua
filosofia, é possível perguntar: Onde o silêncio poderia a partir do indizível
representar a atitude diante dos problemas da vida? Pois em sua filosofia, por mais
que, imperativamente, peça que calamos sobre o que não se pode dizer, essa não
parece ter sido a atitude de Wittgenstein diante de sua própria vida,
19
permeada de
movimentos, mesmo que abruptos: nunca estava no mesmo lugar, estimulava seu
alunos e admiradores para experimentasse viver de forma humilde, da forma que,
ele mesmo viveu, sendo professor em escolas regulares, jardineiro, e outros,
despojando-se de sua herança (milionária), doando bens a literários e poetas, como
Rilke.
A verdade, mesmo que possa ser não-toda (que algo escape ao dizê-la),
parece que sempre foi a tentativa feita por Wittgenstein, cujo saber do indizível
poderia ser extraído para ser transmitido através de suas proposições lógicas,
porém, o efeito subversivo instituído pelo filósofo previa que a descoberta pelo
sentido da vida ocorria quando é possível contemplar o eterno presente, através da
essência transcendental ou pelo sujeito transcendental.
Em outras palavras, a busca da verdade onde quer que ela esteja - na
ciência, na Filosofia, na psicanálise, no místico - pressupõe que possa ser feita de
fora para dentro, como concluiu em seu aforismo da seguinte forma:
Essa consideração fornece a chave para se decidir a questão de saber em
que medida o solipsismo é uma verdade. O que o solipsismo quer significar
é inteiramente correto; apenas é algo que não pode dizer, mas se mostra.
Que o mundo seja meu mundo é o que se mostra nisso: os limites da
linguagem (a linguagem que, só ela, eu entendo) significam os limites de
meu mundo. (5.62).
A verdade pode ser racionalizada, escondida, postergada, etc; mas o que
coube a Wittgenstein em sua obra foi referir aquela verdade que não pode ser dita,
mas apenas mostrada. E com essa identifica-se a expressão máxima do solipsismo,
19
Para aquele que cresceu escutando recitais de importantes mestres clássicos e teve em sua casa
professores dedicados, sair em busca de si-mesmo, a partir de um endereçamento a Russell para
que o ajudasse a definir se seria um completo idiota, então seguiria a Aeronáutica, mas se tivesse
vocação para o gênio, seria filósofo. Mesmo Russell não compreendendo o pedido de Wittgenstein,
solicitou que ele escrevesse algo sobre Filosofia que alguns dias depois levou a Russell, que, ao ler
apenas algumas linhas, referiu que ele não deveria seguir a carreira de engenharia, sem saber
Russell permite a Wittgenstein a possibilidade de viver, pois, segundo a Filosofia de Weininger,
somente o gênio poderia viver, ao passo que o ignorante deveria suicidar-se, fato este que Weininger
toma in verbis.
que é referida em seu aforismo: “Aqui se vê que o solipsismo, levado às últimas
conseqüências, coincide com o puro realismo. O eu do solipsismo reduz-se a um
ponto sem extensão e resta a realidade coordenada a ele.” (5.64).
A solução do problema do significado da vida emerge quando o sujeito
transcendental percebe, através dos limites do mundo, que não poderá solucionar o
problema da vida, porque o mesmo só poderia ser solucionado pela linguagem, mas
o significado de minha linguagem denota o limite de meu mundo, como Wittgenstein
apregou em seus aforismos.
A linguagem é limitada para dizer sobre o significado da vida, não pode dizer,
mas pode mostrar; no entanto, mostrar através da imagem de uma figuração da
realidade ou, ainda, proposições declarativas, enunciados que promovam o
questionamento, a expressão de emoções, mas, enunciados que expressem valores
como: o significado da vida é inefável.
Seria, então, um contra-senso enunciar alguma coisa que estivesse fora do
âmbito lógico, considerado transcendental para Wittgenstein. De certo modo, à
crítica da linguagem imposta no Tractatus confere-se um fracasso, pois, na tentativa
de dizer o indizível, o filósofo expressa.
Ao mostrar através de seu último aforismo (7), enunciado no prefácio da obra,
Wittgenstein quis denunciar a referência insofismável quando pretendeu estabelecer
o limite para o dizer. Neste limite, de um lado, encontra-se tudo aquilo que pode ser
falado de forma clara, ou seja, proposições dotadas de sentido, para, em outro,
situar proposições ausentes de sentido, das quais, podem ser citadas: éticas e
estéticas, justamente, por serem desprovidas de sentido em sua essência.
Em outras palavras, essa clássica questão é respondida por Wittgenstein ao
referir que ética e estética não estão no âmbito da ciência, pois, é de sua essência
natural estar desprovidas de sentido. Poder-se-ia perguntar para Wittgenstein,
porque seriam elas consideradas sem sentido? Ele responderia: Justamente por
fazermos mau uso de nossa linguagem.
Um pensamento, na sua forma simples, pode ser dotado de sentido, porém
na sua forma complexa, exige que se possa articular ao contexto essa proposta
mantida e ampliada em sua segunda obra escrita: Investigações filosóficas.
Wittgenstein sinalizou no Tractatus que: “a proposição com sentido enuncia algo e
sua demonstração mostra que assim é: na lógica, toda proposição é a forma de uma
demonstração.” (6.1264).
Parafraseando Wittgenstein, conforme a primeira página de sua conferência
sobre ética, que a ética é a investigação sobre o significado da vida, ou daquilo que
faz com que a vida mereça ser vivida, ou ainda sobre a maneira correta de viver.
Então, investigar sobre o significado da vida exige, segundo o autor, que se consiga
estar fora do âmbito do lógico, porque exigiria também que não se estivesse do lado
de proposições dotadas de juízos lógicos imperativos sobre, por exemplo, como
deveria se comportar, pois Wittgenstein quis romper a partir de suas leituras de
Schopenhauer com a ética kantiana que propõe uma ordem imperativa para o
comportamento. O filósofo ensina:
Na vida, a proposição matemática nunca é aquilo de que precisamos, mas
utilizamos a proposição matemática apenas para inferir, de proposições
que não pertencem à matemática, outras que igualmente não pertencem à
matemática. (Na filosofia, a questão para que usamos propriamente esta
palavra, esta proposição? Conduz invariavelmente a iluminações valiosas).
(6.211).
Wittgenstein referiu: “O sol se levantará amanhã, é uma hipótese; e isso quer
dizer não sabemos se ele se levantará” (6.36611), embora esta seja a pretensão da
ciência: ter o domínio e o controle do tempo em se tratando da vida, não se pode
pensar da mesma forma.
O autor sugeriu que muitas seriam as maneiras como ela poderia ser vivida,
não seria possível instituir um livro sobre ética que contivesse todas as maneiras
corretas de se viver, principalmente, em se tratando de distinções infinitas que
poderão ser denominadas por aquele que enuncia a sua maneira correta de viver,
contidas no sentido relativo e absoluto do viver. Wittgenstein e Mauthner são os
responsáveis pela relativização das ciências contemporâneas, pois reivindicaram a
queda das certezas absolutas.
Em Margutti, a partir de seu texto Crítica da linguagem e o misticismo no
Tractatus, mostra-se que
a complementaridade das escadas aponta em direção à identificação da
lógica com a ética, entendidas como condições do mundo. A lógica permite
contemplar a essência do mundo; a ética permite activar o sujeito
transcendental para contemplar tal essência. E como a contemplação da
essência constitui a suprema experiência estética, ética e estética são uma
só. Nesta perspectiva, todas são transcendentais e contribuem para
compor uma experiência mística unitária, que corresponde à descoberta
silenciosamente clarificada do sentido da vida. ( 2002, p. 517).
É tarefa proposta diferenciar a mística de Wittgenstein da posição mística
clássica, de Plotino. Ao se refletir, vê-se que a teologia negativa clássica sempre
esteve sensível ao fato de que o absoluto é indizível. Em contrapartida, a posição de
Wittgenstein diante da posição insuperável da linguagem na teologia negativa ganha
um novo sentido, como se verifica no aforismo: “A proposição não pode representar
a forma lógica, esta forma se espelha na proposição. O que se espelha na
linguagem, esta não pode representar.” (4.121).
3.3 Da linguagem ao mundo no Tractatus
A Filosofia no Tractatus para Wittgenstein tomou forma a partir de seus
discursos, e sua prerrogativa era enfatizar a importância da construção do
conhecimento e sua condição de possibilidade impostas à linguagem como ponto
central e, por conseguinte, enfrentar o choque com seus limites. Atribuí-se a
Wittgenstein a formulação, no Tractatus, da teoria do que se pode expressar
(gesagt) em proposições constituídas de sentido, e o que poderia ser pensado, mas
não poderia ser dito, apenas mostrado (gezeigt), considerando-se sem sentido ou
contra-senso, como o ético, o estético e o místico.
Desde as Notas sobre Lógica (1913), Wittgenstein sustentou que a Filosofia é
a doutrina da forma lógica das proposições científicas, assim após no Tractatus dirá
que “a filosofia não é uma das ciências naturais. A palavra filosofia deve significar
algo que esteja acima ou abaixo, mas não no lado, das ciências naturais”. (4.11).
Wittgenstein quis decretar o fim da Filosofia pela análise lógica das proposições.
Essa afirmação representa, pois, o período inicial, em que o filósofo diz que
não era o papel da Filosofia corroborar ou refutar a investigação científica. Ela a
(filosofia) é para Wittgenstein expressa e reformulada no Tractatus: “O
esclarecimento lógico dos pensamentos.” (4.112). É nesse sentido para Wittgenstein
que a Filosofia não se presta apenas ao esclarecimento lógico de nossa linguagem,
mas às condições de possibilidade de toda e qualquer linguagem.
A Filosofia moral depara-se, assim, com a dificuldade de encontrar um tertium
datur entre ética e moral, tratando os valores ora de forma dogmática transcendente
e universal, ora aceitando o relativismo ético, no qual os valores se justificariam por
sua mera existência. Como para o filósofo a Filosofia não deveria estar no lugar de
um manual de ética, não pretendia dar à Filosofia um caráter normativo, haja vista,
no período anterior kantiano, essa, está crítica, certamente, estaria a ela
endereçada, mesmo que a fizesse através de Schopenhauer.
No entanto, Wittgenstein, ao desenvolver sua teoria da estrutura da
linguagem procurou mostrar, necessariamente, o que não podia ser dito. Supôs que,
o que não podia ser dito, a metafísica seria a mais visível. Assim, a teoria da
figuração lógica
20
desenvolvida no Tractatus é a que se apresenta nas seguintes
proposições:
a) A totalidade dos estados existentes de coisas é o mundo. (2.04).
b) A existência e a inexistência de estados de coisas é a realidade. À
existência de estados de coisas, chamamos também um fato positivo; à
inexistência, um fato negativo. (2.06).
c) A realidade total é o mundo. (2.063).
Como se sabe, Wittgenstein queria resolver de forma definitiva as questões
da filosofia. Sua obra encantava pela profusão de aforismos: tudo o que pode ser
pensado pode ser dito, apenas mostrado. Assim, os limites da linguagem significam
os limites do pensamento, de maneira que uma tentativa de ter a Filosofia como
definitiva, principalmente pelo que pode ser dito, assemelha-se ao que Kant
denominava “entendimento”, aliás, embora Wittgenstein não o tenha, o citado
encontra-se muitas semelhanças.
É em Wittgenstein que a ênfase para os problemas metafísicos decorrentes
daquilo que não pode ser dito passam a ser analisadas por sua teoria da “figuração
lógica”. Inicialmente, existe o problema entre as sentenças atômicas e os fatos
atômicos. Em seu método referiu que a relação não pode ser dita, mas pode ser
mostrada.
Para Wittgenstein não se pode usar a linguagem para nos situar entre
linguagem e mundo; em outras palavras, não se pode medir a relação entre fato
atômico e proposição atômica através do dizer, salvo se se estiver usando a
proposição de que a verdade está tentando explicar. Há, portanto, a
indissociabilidade, para Wittgenstein, entre o fato atômico e a sentença que o figura.
Concluí-se, a partir do pensamento do filósofo, que os limites do pensamento são os
limites da linguagem. Por isso, aquele que subir a escada, como em sua famosa
metáfora, ao subir por ela deverá abandoná-la.
20
Essa formulação tractatiana propõe que se possa pensar segundo Wittgenstein, a existência de
um isomorfismo entre linguagem e mundo, que pode ser entendido como uma correspondência
biunívoca entre dois conjuntos, preservando as características de cada um. Em outras palavras,
pode-se observar quando há uma relação de ponto a ponto, sem alterar as características deste
último.
4 A FUNÇÃO DO SILÊNCIO
Após todas as análises feitas, se pode chegar ao ponto de discutir a “função
do silêncio”, a partir da proposição norteadora (7). O imperativo de guardar silêncio é
declarado no início e no fim do Tractatus, como já desenvolvido nos capítulos
anteriores, todavia, cumpre abordar o aspecto relativo a importante metáfora da
escada descrita pelo filósofo no término de sua obra. A estrutura da linguagem e o
mundo que ela afigura seriam como a escada, e o místico seria a verdade daquele
que conseguisse, como entendeu Wittgenstein: “após ter escalado através delas –
por elas – para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter
subido por ela).” (6.54).
O filósofo excluiu-se após subir os degraus da escada e referiu que nada mais
cabe à Filosofia refletir. O pensador quis, na verdade, chamar a atenção ao longo de
toda sua obra, não só para a existência dos limites da linguagem, mas que, em se
tratando do sentido da vida, exige que se tenha uma dimensão superior que
interceda para o entendimento, ao passo que essa compreensão não se encontra,
segundo Wittgenstein, no âmbito lógico do sistema, ou na forma lógica. Wittgenstein
dirá:
O homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais se
pode exprimir todo o sentido, sem fazer idéia de como e do que cada
palavra significa – como também falamos sem saber como se produzem os
sons particulares. A linguagem corrente é parte do organismo humano, e
não menos complicada que ele. É humanamente impossível extrair dela, de
modo imediato, a lógica da linguagem. (4.002).
Faz-se necessário explorar os níveis a partir do ético, lógico e do místico.
Embora cada elemento apresente suas especificidades, percebe-se que para
Wittgenstein há uma mútua relação entre eles, que se pode precisar pela esfera do
indizível. Ressalta-se: o silêncio está presente na linguagem, o que significa para
Wittgenstein a atitude diante do(s) problema(s) da vida e do mundo.
Essa chave de compreensão no Tractatus, denominada a partir do seu
primeiro livro, está contida, posteriormente, em seus outros escritos, principalmente
em sua Conferência sobre ética, publicada em 1929 e que se pode constatar a forte
presença do pensamento tractaniano nessa conferência.
A conferência é um exemplo claro de que Wittgenstein estava preocupado
com o estatuto ético e as implicações para um viver feliz. Para tanto, ele procurou
demonstrar que o lugar do ético e do místico ocupa o mesmo nível de importância.
Na medida em que se tenta explicar de forma lógica o sentido da vida e do mundo,
incorre-se em um contra-senso,
21
por isso é indizível. Em Wittgenstein o pensável
“significará o indizível ao representar claramente o dizível.” (4.115).
Assim, no Tractatus, especialmente em seu aforismo norteador: “Sobre o que
não se pode falar, sobre isso deve-se calar.” (7), observa-se que o silêncio ocupa um
lugar de identidade, ou seja, será necessário guardá-lo, protegê-lo, pois é a partir do
silêncio que para ele será possível encontrar a “clareza” que se busca sobre o mau
uso que se faz da linguagem. O silêncio é, portanto, o hiato entre o dito e o não-dito;
nele estão contidas as condições de possibilidade para compreensão daquilo que
está para ser dito, mas que só pode ser mostrado.
Deseja-se dizer que o silêncio aponta para o mostrar. Assim como a
linguagem ocupa um lugar de primazia para o filósofo, o silêncio representa o
instrumento que poderá alcançar a verdade. Pode-se questionar: que silêncio é esse
ao qual Wittgenstein da demasiado valor? Mas ao extrair suas relações com o ético,
lógico e o místico, nota-se que ao filósofo cabe uma função. Pode-se concluir que há
uma função para o silêncio, com a qual se ocupa no Tractatus, bem como em seus
outros escritos.
Poder-se-ia também perguntar: como se pode silenciar, quando, na verdade,
para nos tornarmos compreensíveis precisamos falar escrever, enfim articular
formas de comunicação, utilizando instrumentos lingüísticos ou mesmo através de
signos? O que Wittgenstein quis deixar claro, a partir do Tractatus é que silenciar
não significa não falar, não significa, enfim quietude para tudo ou para todos, mas
significa falar sobre aquilo que está constituído de sentido, ou também,
aparentemente, sem sentido.
Como, por exemplo, sobre Deus, deve-se silenciar, pois Deus pode-se
apenas mostrar, ou seja, essa é uma diferença crucial para a compreensão daquele
que se lança na busca de entender os aforismos de Wittgenstein. Sua sétima e
última sentença refere que se deve calar “sobre isso”, mas não sobre tudo. Cumpre,
21
Wittgenstein refere no prefácio do Tractatus: “Contra-senso é aquilo que fica do outro lado do limite
da linguagem.” (2001. p. 2).
portanto, à filosofia clássica o papel de desvelar a verdade; assim, Wittgenstein não
quer, erroneamente, fazer compreender que à Filosofia nada mais resta.
Historicamente, percebe-se, no capítulo anterior desta dissertação, que o silêncio
pôde ser vivenciado a partir de diversos matizes, é necessário que se possa apontá-
los, contextualmente, como sugere o próprio Wittgenstein, ou seja, a partir dos usos
da linguagem como se sinalizou no capítulo sobre o contexto da descoberta.
Para ele o silêncio está relacionado ao advento da ciência moderna, elemento
esse que trouxe consigo a forte impressão de que a própria ciência responderia por
“todos” os problemas da humanidade. Mas é justamente sobre essa insuficiência
que Wittgenstein quer criticar, ou seja, sobre o sentido da vida e do mundo, que
nossos conhecimentos a partir da linguagem não abarcariam. Mesmo a própria
Filosofia não seria capaz de dar conta disso, nem qualquer outro sistema doutrinário,
como a religião, por exemplo.
Colocar como elemento último para a resolução de “todos” os problemas em
apenas um sistema, estar-se-ia, inevitavelmente, fadado ao fracasso. E ressalta-se
que é nesse cenário histórico que o jovem filósofo redige seus escritos, atuando
como soldado voluntário na Primeira Guerra Mundial (1914).
O sistema lógico tractatiano preconizou o silêncio a partir da representação
pictórica, é a relação biunívoca entre mundo e linguagem, que denuncia os limites
para que o silêncio exerça essa função. Em outras palavras: Wittgenstein referiu que
os limites do mundo estão presentes a partir dos limites da linguagem. Quando isso
acontece, chega-se ao nível do nonsense, por isso, deve-se silenciar. Poder-se-ia
pensar que essa é uma atitude ingênua de um romântico ou de quem não teria
argumentos filosóficos para sustentar?
Todavia, observa-se novamente no Tractatus que é dado ao falante a
responsabilidade sobre o limite que terá seu mundo, a partir de sua fala e não o
limite da linguagem, enquanto linguagem. Assim, o limite está sobre aquele que
enuncia, e nesse momento, Wittgenstein quer recusar o caráter metalingüístico da
linguagem, ou seja, não há metalinguagem para ele.
Somente se poderia falar, segundo Wittgenstein, fazer a “crítica da
linguagem”, estando fora da linguagem, e a esse pressuposto percebe-se a tentativa
de outros filósofos, principalmente dos membros do círculo positivista, de criar uma
linguagem universal (ideal). O filósofo menciona: “Uma função não pode ser seu
próprio argumento, porque o sinal da função já contém o protótipo de seu argumento
e ele não pode conter a si próprio.” (3.333). Wittgenstein recusa, enfaticamente, a
metalinguagem, como forma de expressão da proposição.
O que Wittgenstein vislumbrou, visionariamente, embora não com a
denominação que se tem hoje, foi a existência do computador no futuro. Dizia de
que seria possível uma máquina pensar por si mesma, e essa é ainda uma das
grandes fantasias almejadas pela ciência, mas que só era possível, até então, no
cinema, na ficção.
Ressalta-se que ele quis estabelecer os limites sobre o que se pode dizer
com sentido, em detrimento do que não se pode dizer com sentido. Essa tentativa,
demarcatória, lógica e metafísica, foi explorada somente no Tractatus,
abandonando-a em seus outros escritos. É importante que também se possa
enunciá-la, pois essa dualidade toma uma característica de “rigor”, própria do
filósofo, ou seja, ele se lança às conseqüências como um bom lógico faria e como
ele o fez.
Afinal, por que falamos? Essa é também uma questão wittgensteiniana, ele
diria, “para expressar um significado”. Mas é exatamente ao se tentar expressar um
significado, que nos damos conta, segundo Wittgenstein, da insuficiência da
linguagem, aquela que não traz “clareza”
22
aos enunciados. Quando se fala de uma
proposição sem sentido, como, por exemplo, a do clássico de Russell: “O rei da
França é calvo”, não é verdadeira e não é falsa, pois não existe rei da França; entra-
se em um emaranhado de confusões conceituais, não se entende o significado do
que se diz. Nesse sentido, dever-se-ia fazer a “terapia da linguagem.”
23
Na segunda obra, Investigações filosóficas ele dirá: “Uma nuvem inteira de
filosofia se condensa numa gotinha de gramática.” (WITTGENSTEIN, 1991, p. 214).
22
Caráter panorâmico: Uebersichtlichkeit. Essa palavra significa também clareza, assim como
uebersichtlich significa claro.
23
Segundo Glock (1998), um dos tipos de explicação que Wittgenstein fornece serve para localizar as
fontes das confusões filosóficas; ele sugere, contudo, que, distinguindo-se das explicações
diagnósticas da medicina, tais explicações não são causais. Detectaram várias semelhanças entre
sua terapia filosófica e a psicanálise: (a) ambas procuram trazer à tona as preocupações reprimidas
dos pacientes; (b) o critério definitivo para articulação dessas preocupações é que o paciente as
reconheça; (c) ambas envolvem uma luta contra a vontade e também contra o intelecto; (d) a doença
só pode ser curada depois de ter seguido o seu curso. (p. 150).
Também se pode conjeturar sobre a intenção de Wittgenstein em tornar a Filosofia
uma ciência.
Na hipótese de que determinados enunciados morais e místicos estão
constituídos de elementos que fazem sentido, se deve, obviamente, calar. Porém,
para chegar a esse estágio é preciso que o filósofo tenha feito o percurso até o fim
do livro, mas ao fazê-lo o pensador jamais será o mesmo, terá se modificado, pois
algumas questões estarão presentes, mesmo que a proposta de Wittgenstein seja a
de silenciar, ou seja, para experimentar o absoluto silêncio é necessário que antes
se faça o caminho da experiência. É nesse sentido que Wittgenstein quer mostrar
que seu livro tem um efeito ético sobre o leitor.
É bem verdade que ele irá sustentar, em sua última proposição, que se deve
silenciar; isso abriria, no entanto, precedentes para muitas interpretações da sua
obra. Milhares delas foram feitas. Uma primeira impressão foi a de Russell, que
referiu ironicamente que Wittgenstein teria conseguido falar sobre uma série de
coisas, frase essa repudiada pelo filósofo, que considerou como incompreensível a
leitura de Russell sobre o Tractatus.
Assim, pode-se concluir, que seus enunciados são construídos de forma a
produzir um encadeamento numérico lógico, ao passo que cada enunciado, tomado
em sua especificidade, pode ser compreendido de muitas maneiras. Faz-se
necessário, contudo, que se possa tomar o autor do Tractatus a partir do contexto
autobiográfico como foi feito no primeiro capítulo, dessa obra, bem como alicerçar-se
na compreensão das influências intelectuais do autor.
Para haver “sentido”, deve-se ver que a questão do silêncio pode estar ligada
às leituras que fez de Tólstoi, James, Schopenhauer e outros. Wittgenstein, por
exemplo, não trata do silêncio de forma plotiniana, por isso, sua definição está
destituída de caráter religioso, como elemento Uno, ligado a Deus. O silêncio, no
filósofo, atinge a esfera do místico pela via do indizível, mas não quer ficar
“passivamente” à espera de uma resposta divina, porque a filosofia tractatiana quer
buscar a superação para a compreensão dos limites do mundo e da realidade,
daquilo que é possível e impossível, do dito e do não-dito; é necessário, portanto,
estabelecer qual seja esse limite.
É importante que se lembre da proposição que Wittgenstein proferiu: Minhas
proposições elucidam dessa maneira: quem me entende...” (6.54). (Grifo nosso.) O
filósofo coloca-se na primeira pessoa, demonstrando a exata separação entre ele e
sua filosofia.
O Tractatus quis desvincular a Filosofia de sua pretensa ambição em se
tornar ciência, ou seja, ele não se caracterizou como um filósofo epistêmico, mas
isso só acontece depois de ter percorrido seus aforismos e visto a limitação do
mundo e da linguagem. Do lado da Filosofia, para Wittgenstein, seu sistema lógico é
formado de pseudoproposições, conseqüentemente, de contra-sensos. A Filosofia
que o filósofo quer enterrar é aquela baseada no modelo socrático de
argumentação, que para ele era considerado fechado e que não leva em conta a
linguagem como sistema filosófico.
4.1 Sobre o que não se pode dizer?
O que a Filosofia de Wittgenstein propõe é demarcar a metafísica, a lógica, a
estética e a ética, demonstrando que o instrumento utilizado para atingir tal meta é a
crítica da linguagem. Em outras palavras; quer purificar os abusos produzidos até
então pelos filósofos.
Quando Wittgenstein levou o Tractatus para Cambridge, a fim de ser avaliado
como tese doutoral, falou a seus avaliadores, Moore e Russel: “Não adianta, vocês
não irão entender.” Mesmo assim, lhe concedem bolsa de estudos para seguir suas
pesquisas. O filósofo tentava dizer a eles que não entenderiam, pois dariam um
cunho eminentemente lógico à sua obra. De certa forma, essa valoração já teria sido
enunciada pelo filósofo no Tractatus quando afirmou: “Todas as proposições têm
igual valor.” (6.4).
O filósofo retornou à Filosofia e após 16 anos, escreve sua segunda obra de
maior importância: Investigações filosóficas, fazendo nela uma crítica severa à sua
primeira obra, o Tractatus: “Com efeito, desde que há dezesseis anos comecei
novamente a me ocupar da filosofia, tive de reconhecer os graves erros que
publicara naquele primeiro livro.” (WITTGENSTEIN, 1991, p.8). Sua crítica é
desferida ao atomismo lógico do Tractatus e, principalmente, à linguagem que,
nessa obra, era vista como representação do mundo.
Um fato importante nesse segundo livro, e que se deve ressaltar, é que
Wittgenstein não voltou a falar do imperativo de guardar silêncio, nem mesmo de seu
significado lógico como havia feito no Tractatus. Remete ao silêncio apenas como “a
fala em silêncio, ‘interior’, não é um fenômeno semi-oculto, como se fosse percebido
através de um véu.” (1991, p. 213).
Talvez, agora, se possa perguntar: sobre qual silêncio Wittgenstein está se
referindo no Tractatus? Sabe-se que não se trata do silêncio místico escolástico,
mas se trata, imperativamente, de guardar silêncio sobre alguma coisa ou algo
(sobre isso). O filósofo não se referiu aos ruídos internos da linguagem, que, por sua
vez, tenta mostrar que o silêncio seria válido. Quando se enuncia uma proposição
que não contém sentido, dever-se-ia silenciar, sinais no trânsito, por exemplo,
representam signos que mostram informações, sem que se precise dizer, mostram
de forma indicativa. A essa questão se associa diretamente o solipsismo
wittgensteiniano que quis dizer:
Essa consideração fornece a chave para se decidir a questão de saber em
que medida o solipsismo é uma verdade. O que o solipsismo quer significar
é inteiramente correto; apenas é algo que não se pode dizer, mas que se
mostra. Que o mundo seja meu mundo, é o que se mostra nisso: os limites
da linguagem (a linguagem que, só ela, eu entendo) significam os limites
de meu mundo. (5.62).
O pensador toma, portanto, o silêncio como obrigação moral, ele tem função
diante das circunstâncias vividas. Quer evitar, portanto, que se enuncie,
abusivamente, coisas sem sentido. Seu último aforismo (7), por exemplo, estabelece
uma relação direta entre o uso e o abuso do dizer.
Mas o que Wittgenstein entendia por experiência mística? Vimos no aforismo:
“Há por certo o inefável. Isso se mostra, é o místico.” (6.522). Assim, para ele a
experiência mística diz respeito a um sinal de espanto, ou mesmo, a um momento
em que estamos maravilhados com a existência do mundo. Ele mesmo dirá: “O
místico não é como o mundo é, mas o que ele é.” (6.44). O filósofo está se referindo
ao impulso humano diante do estado místico, como confirma em: “A intuição do
mundo sub specie aeterni é sua intuição como totalidade-limitada. O sentimento do
mundo como totalidade limitada é o sentimento místico.” (6.45).
Wittgenstein, no Tractatus, pressupôs que havia uma relação mística, como
forma de dar explicação àquilo que não pode ser dito. O místico nesse autor teria um
caráter monista, como substância una da realidade. Assim, no Tractatus, o filósofo
considerou que o indizível e, por conseguinte o silêncio poderia ser delimitado a
partir do interior do dizível. Portanto isso exige que se tenha a compreensão correta
dos limites do mundo e da linguagem, instâncias entendidas como isomorfas.
Essa experiência mística do silêncio estende-se à experiência religiosa de se
estar seguros e salvos. Isso é o que Wittgenstein referiu mais tarde, muito embora
conciliando com o pensamento do Tractatus em sua Conferência sobre ética:
A experiência da segurança absoluta. Todos sabem o que significa na vida
cotidiana estar seguro. Sinto-me seguro em minha sala, já não pode
atropelar-me um ônibus. Sinto-me seguro se já tive a coqueluche e,
portanto, já não poderei tê-la novamente. Sentir-se seguro significa,
essencialmente, que é fisicamente impossível que certas coisas possam
ocorrer-me e, por conseguinte, carece de sentido dizer que me sinto seguro
aconteça o que acontecer. (1995, p. 216).
Não há metalinguagem que consiga dizer como é que a linguagem exprime,
especularmente, a realidade. O método equivalente criado por Wittgenstein está na
distinção entre o dizer e o mostrar, que foi desenvolvido longamente neste texto
sobre a ética do indizível (Cap.2). O que realmente interessa a ele são as coisas
valiosas do mundo, assim como ser feliz, o sentido da vida e do mundo, Deus, a
religião, como comentado por ele; “O sentido do mundo deve estar fora dele. No
mundo, tudo é como é e tudo acontece como acontece; não há nele nenhum valor –
e se houvesse, não teria nenhum valor.” (6.41). A expressão máxima dessa intenção
em Wittgenstein também pode ser encontrada nos aforismos a seguir subscritos:
a) O mundo é independente de minha vontade. (6.373);
b) Ainda que tudo que desejássemos acontecesse, isso seria, por assim
dizer, apenas uma graça do destino, pois não há nenhum vínculo lógico
entre vontade e mundo que o garantisse, e o suposto vínculo físico, por seu
lado, decerto não é algo que pudéssemos querer. (6.374);
c) Da vontade enquanto portadora do que é ético, não se pode falar. E a
vontade enquanto fenômeno interessa apenas à psicologia. (6.423).
Pode-se conjeturar que a possibilidade de guardar, imperativamente, silêncio
diante do indizível, age como um mecanismo de defesa, a partir da percepção de
abuso da linguagem quando excede e torna-se sem sentido. Em outras palavras,
pode-se dizer que o silêncio protege o falante de produzir confusões em sua
linguagem, justamente porque é sobre o mau uso da linguagem que Wittgenstein
está endereçando sua crítica: deve-se calar sobre aquilo que for enunciado de forma
inadequada na visão wittgensteiniana.
É claro que essa postura, em Wittgenstein, dá à linguagem primazia, embora
torna-se mais branda nos seus escritos sobre ética, mais especificamente, em sua
Conferência. E o que se pode constatar, muito embora mantenha a idéia de que
falar sobre valores é indizível.
Refere que:
Vejo agora que estas expressões sem sentido não eram contra sensos por
que eu ainda não tinha encontrado as expressões corretas, mas que sua
falta de sentido era sua própria essência. Porque tudo o que eu queria
fazer com elas era apenas ir além do mundo, ou seja, além da linguagem
significativa. (1997, p. 43).
Sobre o que se deve silenciar? A proposição wittgensteiniana convoca à
quietude, ao vazio completo, a um espaço, impronunciável, destituído de toda e
qualquer possibilidade de compreensão. Insere-se nessa proposição o elemento
indizível. Sabe-se que essa instância ou lugar de silêncio que se quer indizível, mas
dizível a partir desse falar, calar, apenas para o que não pode ser dito e, portanto,
falar sobre proposições dotadas de sentido, ou mesmo pintar, musicar e outros
elementos que possam permitir expressões, que indicam e mostram.
4.2 Silêncio como atitude diante do problema da vida
Antes de prosseguir, espera-se ter demonstrado que a função do silêncio
representa a fereza com que Wittgenstein tentou demonstrar “as condições de
possibilidade para a linguagem.” Em outras palavras, é no estabelecimento dessa
fronteira (lógico-mística) que Wittgenstein enuncia de forma imperativa: “Sobre o que
não se pode falar, sobre isso deve-se calar.”
Não só enunciou, como se pode dizer que atingiu a meta de delimitar essa
fronteira, algo tão almejado por seus antecessores, desde Leibniz,
24
passando por
Frege
25
até Russell. Há recusa de falar em Wittgenstein, sendo que seu silêncio não
se mostrou apenas como efeito da recusa de falar, ou seja, o autor não se ocupou
com a construção de um simbolismo ideal, perfeito, como Russell, Frege e outros
tentaram, mas com os limites do que pode ser dito.
Vê-se, no entanto, que a recusa do falar também implica a impossibilidade de
se calar. Por mais que Wittgenstein recomendou o silêncio aos filósofos, necessitava
ao mesmo tempo transgredi-lo, para se fazer entender em seus escritos.
Necessitava, igualmente, formalizar os conceitos indizíveis. Talvez, agora, seja
possível compreender por que essa foi chamada “crítica suicida”, empreendida por
Mauthner que, ao fim de sua obra, promulga o silêncio como representante, assim
como o fez Wittgenstein ao jogar fora a escada.
Embora tenha enfatizado em sua filosofia tractatiana os juízos lógicos, dados
por sua inegável adesão à ciência, o metafísico é concebido pelo filósofo como
indizível, diferentemente de Kant, que o concebeu como incognoscível. Confirma-se
essa hipótese, quando Wittgenstein refere em seu aforismo:Há por certo o inefável.
Isso se mostra, é o místico.” (6.522). Em resumo, o místico se mostra, porém é
inefável.
24
Leibniz, a partir de sua monodologia esclareceu que o tempo, a extensão e a mudança constituem
manifestações das mônadas imutáveis que compõem o fundamento do metafísico de todos os
fenômenos. Esse grande pensador procurou estabelecer uma base racional para as teorias científicas
através da demonstração de que aquelas categorias, a pesar de não espelharem a estrutura final da
realidade, são bem fundadas nessa mesma realidade, e constitui um legítimo instrumento de
descrição científica do mundo.
25
Frege esbarra em sua Conceitografia com o obstáculo da insuficiência da linguagem, que se revela
cada vez menos capaz de expressar proposições lógicas, por se tornarem cada vez mais complexas.
Sabe-se que o mundo se reduz a fatos atômicos, por serem descritos por
proposições atômicas. A lógica em Wittgenstein definiu o discurso dotado de sentido
no Tractatus, já que, preferencialmente, são proposições da ciência natural. Por isso,
a verdade é compreendida como verdadeira ou falsa. Wittgenstein problematizou a
partir da proposição, consoante análise:
O método correto da filosofia seria propriamente este: nada dizer, senão o
que se pode dizer; portanto, proposições de ciência natural – portanto, algo
que nada tem a ver com filosofia; e então sempre que alguém pretendesse
dizer algo de metafísico, mostrar-lhe que não conferiu significado a certos
sinais em suas proposições. Esse método seria para ele insatisfatório
não teria sensação de que lhe estivéssemos ensinando filosofia; mas esse
seria o único rigorosamente correto. (6.53).
Poder-se-ia pensar que as dificuldades em discernir diferenças e a imprecisão
nas definições atribuem relevância “absoluta” ao silêncio. Para Janik e Toulmin
(1973, p.131), autores considerados como os que melhor articulam a lógica e a ética
no Tractatus, referem que “a crítica wittgensteiniana nasce em contradição e termina
em silêncio.”
Vejam-se agora algumas precisões conceituais, a fim de que se possa
distinguir o que se entende por silêncio e por função. O silêncio
26
(do Latim silentїu),
pode ser compreendido como estado de quem se cala ou se abstém de falar.
Wittgenstein defendeu que há algo mais importante no discurso lógico que é o
discurso místico, que se chamaria indizível. Mas o que é esse místico e esse
indizível que se relaciona com o silêncio?
Ao anunciar que a busca da verdade é uma obra instituída pela origem do
filosofar, independentemente da finalidade à que se formula essa verdade, parte-se
do pressuposto de que haja dúvida, questionamento, portanto, esse elemento
(dúvida) é mérito daqueles que levantam a hipótese de que a verdade esteja fora
dele (filósofo). Assim foi com Leibniz, Frege e Russell que, na tentativa de formar
uma linguagem ideal, lançaram-se na formalização do signo lógico.
26
O silêncio também pode ser compreendido como atitude mística diante da inefabilidade do ser
supremo. (Cf., por exemplo, Boa Ventura, Itinerarium mentis in Deum. VII, 5). Ou, então, segundo
Jaspers, atitude diante do ser de transcendência (Phil. III p. 223). Fica, pois, claro que a definição que
se está analisando leva em conta a posição de Wittgenstein, quando o define como a atitude diante
dos problemas da vida (grifo nosso) no Tractatus. Extraído de (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.1.014).
Frege, por exemplo, denunciou a inadequação da linguagem corrente,
propondo o estabelecimento de uma linguagem simbólica, que possa contemplar
essa inadequação, nesse cenário escreveu sua importante obra intitulada:
Conceitografia (Begriffsschrift) (1879). Seu objetivo era fazer uma verificação
rigorosa de provas matemáticas; em outras palavras, Frege propunha a redução da
matemática à lógica e à teoria dos conjuntos. Para que esse intento fosse atingido,
precisou superar a lógica aristotélica clássica – sujeito, predicado – para analisá-la
em termos de função e argumento.
Por outro lado, a palavra função como propositivo do Latim functione, pode
ser compreendida como trabalho, exercício, execução e funcionamento. O conceito
de função, desenvolvido por Frege, emprega o símbolo matemático de F. ƒ(x) para
indicar proposições da forma. Por exemplo, “a baleia é um mamífero”, em que o
símbolo x representa o argumento, o sujeito do qual se fala (a baleia ou outro
mamífero qualquer), e ƒ corresponde à propriedade que se lhe atribui (mamífero). O
sinal ƒ também é chamado função proposicional, ou predicado.
27
Frege, então, demonstrou que as categorias tradicionais (aristotélicas) de
sujeito e predicado devem ser abandonadas. Ele argumentou que essas categorias
são gramaticais, e não lógicas, sugerindo que sejam substituídas pelas categorias
de argumentos e função. A parte permanente é a função, e a outra, o argumento.
(FREGE, 1998, p.197).
Russell e Whitehead construíram, com o Principia mathematica, fazendo uso
da analogia entre estrutura das proposições e estruturas associadas, a teoria das
funções presentes na análise matemática, ou seja, sua teoria diferia da de Frege por
não ser concebida sua análise através de verdadeiro ou falso, mas sim a partir de
proposições.
Ao se retornar à leitura do Tractatus, observa-se que Wittgenstein sugere que
sua teoria (dizer e mostrar) substitua a Teoria dos tipos, de Russell, que levou ao
27
Função proposicional em Wittgenstein. Suponha-se, pois, que a função F. f (x) pudesse ser seu
próprio argumento; haveria, nesse caso, uma proposição “F(F(fx))”, e nela a função externa F deve ter
significados diferentes, pois a interna tem a forma (ø (FX), a externa, a forma Ψ (ø (fx)). Ambas as
funções têm em comum apenas a letra “F”, que sozinha, porém, não designa nada. Isso fica claro no
momento em que, ao invés de “F(F(u))”, escreve-se “(... øu). ø =Fu”. Liquida-se, assim, o paradoxo de
Russell.
“paradoxo dos conjuntos de todos os conjuntos que não são membros de si
mesmos ;” (por exemplo,“ a classe dos leões é um leão”).
Wittgenstein postulado que uma função proposicional não pode ser seu
próprio argumento, como ele expressa na proposição: “Nenhuma proposição pode
enunciar algo sobre si mesma, pois o sinal proposicional não pode estar contido em
si mesmo (isso é toda a ‘Theory of types’).” (3.332).
Eis por que se percebe a dificuldade em estabelecer uma linha divisória entre
as teorias da natureza (ciências exatas) ou as da alma (ciências humanas). Na
tentativa de construção de seu edifício teórico, ambas esbarram na impossibilidade
de expressão concreta e definitiva do que se propõem. Sabe-se que essa
prerrogativa não é mérito dos pensadores “modernos”, já que o mundo antigo
debruçou-se também nesta busca da verdade.
A verdade, ela mesma uma palavra, uma palavra, que implica uma lógica
proposicional, nenhum diálogo é possível, salvo se se situar no nível do discurso,
para supor, sem cessar, essa verdade, sem ter a necessidade de saber e investigar
se ela é verdadeira. Mas o que é verdadeiro? O que é verdadeiro é e pode ser
mostrado segundo Wittgenstein: “O que pode ser mostrado não pode ser dito.”
(4.1212). E o que é dito? São as proposições que só podem ser enunciadas se
constituídas de sentido. Como instância última, Wittgenstein buscou
desesperadamente compreender os limites da linguagem, dizendo em seu aforismo:
“Os limites de minha linguagem denotam os limites do meu mundo.” (5.6).
Necessita-se, todavia, retroceder às origens dessa formulação, para, então,
compreender suas conseqüências, o que ela representa para o pensamento
filosófico contemporâneo e a chamada virada lingüística. Não custa lembrar que
Wittgenstein apresentou-se à comunidade filosófica de Cambridge (Inglaterra), como
um privilegiado leitor de Bertrand Russell. Russell, por sua vez, representava um
importante pensador de lógica e, naquele momento, trabalhava em sua Teoria dos
tipos lógicos. Para Russell é a forma lógica, esse padrão, que torna nosso dizer
possível. É porque tem um sentido que a proposição dita numa língua qualquer será
compreendida.
Wittgenstein “recitou” a Moore, de forma embrionária, a Teoria do simbolismo,
que esboçava de maneira preliminar a distinção entre o dizer e o mostrar. Essa
formulação daria origem ao primeiro texto filosófico, conhecido como Notas sobre
Lógica, apêndice ao Diário Filosófico. Lá, ele enunciava como eixo de sua teoria que
as chamadas proposições mostram as propriedades lógicas da linguagem e,
portanto, do Universo, mas nada dizem. Essa distinção estaria posta na tentativa de
refutar a Teoria dos tipos de Russell, e de substituí-la por sua Teoria do simbolismo.
Para Wittgenstein, não se pode dizer que existem tipos diferentes de coisas
(objetos, predicados, propriedades, etc.), mas se pode mostrar mediante diferentes
tipos de símbolo. Assim, essa diferença em relação a Russell torna-se
imediatamente visível e completa: “Já foi dito que Deus poderia criar tudo, salvo o
que contrariasse as leis lógicas. – É que não seríamos capazes de dizer como
pareceria um mundo ilógico.” (3.031).
Glock lançou algumas pistas empreendidas por Wittgenstein, que são os
seguintes agrupamentos da ordem do inefável:
a) A forma lógica comum às proposições e àquilo que afiguram (o caráter
inexprimível da harmonia entre pensamento e realidade); b) o significado
dos signos e o sentido das proposições (interdição à semântica); c) as
relações lógicas entre proposições (não há regras de INFERÊNCIA
LÓGICA); d) a categoria lógico-sintática dos signos (conceitos são
pseudoconceitos); e) a estrutura do pensamento e do mundo (os limites do
pensamento são estabelecidos a partir do interior); f) o místico (a
inefabilidade do valor). (1997, p.129).
Na visão de Wittgenstein, a forma lógica não poderia ser enunciada, como já
se afirmou, mas deveria haver uma atividade de elucidação. Ele acrescentou: “Ela
significará o indizível ao representar claramente o dizível.” (4.115). A própria
existência do dizível parece ser confirmada na medida em que ele for, de uma
maneira ou de outra, dizível.
Quando fazemos uma crítica da linguagem (principal descoberta dessa
“crítica” é a distinção entre o dizer e o mostrar), mesmo que ela seja sem sentido, é
preciso dar-se conta de que a linguagem trata propriamente só dos fatos.
Naturalmente, a Teoria do simbolismo, de Wittgenstein, sinteticamente
explicitada nesta dissertação, destaca sua primazia interpretativa: “fatos, não
palavras” (facta non verba). Wittgenstein elegeu, primeiramente, o nível lógico
(suporte lógico-matemático) como tentativa de explicação para os problemas da
vida, o que se atribui à forte influência da leitura positivista na época, que Glock
chama “clímax de uma tradição realista, que atribuía importância aos fatos como
constituintes do mundo e que independem das mentes que os percebem.” (1998,
p.158).
Em seu Diário filosófico referido acima, Wittgenstein estava envolvido em
tentar saber como a linguagem figura no mundo, ou seja, quais elementos da
linguagem e do mundo tornam possível que essa figuração ocorra. Em seu aforismo
denúncia todo o rigor de sua influência: “O mundo é tudo que é o caso” (1) ou, ainda:
“O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas” (1.1) e seguiu até concluir em
direção ao ético, em seu aforismo (7), pois significa como uma lei ética.
Esse é, portanto, o método empregado por Wittgenstein, apoiado em Russell,
em que verdade e falsidade seriam a sua relação com a lógica daquilo que é fato
(estrutura). Ele compreende a proposição como um modelo (Bild), uma figuração,
por isso, teoria pictórica
28
da realidade, cito Monk, que nos ajuda a esclarecer esta
tese:
Durante todo o mês de outubro, Wittgenstein desenvolveu as
conseqüências desta idéia, que chamou de “teoria da figuração lógica”.
Assim como um desenho ou uma pintura é uma figuração pictórica,
também uma proposição é uma figuração lógica. Isso significa dizer que
existe – e tem de existir – uma estrutura lógica comum entre uma
proposição (“A relva é verde”) e um estado de coisa (a relva ser verde), e é
esta comunhão de estrutura que permite à linguagem a realidade. (1995,
p.117).
No Tractatus, Wittgenstein pretendeu resolver, do ponto de vista da crítica da
linguagem, a antinomia schopenhauriana entre o gênio e o homem vulgar, e não
apenas subsidiária das antinomias entre instituição e discurso, arte e ciência,
essência e fenômeno, vontade e representação, sujeito transcendental e indivíduo,
vida feliz e infeliz.
Pode-se dizer, a partir da leitura da obra de Wittgenstein, que o silêncio não é
uma conseqüência mística, e sim, sua causa. Aquilo que o silêncio produz, por meio
da experiência mística, organizada na ausência da fala, pressupõe um
desordenamento do mundo “normal”, um mundo no qual a língua ordena e identifica
28
Propõe Wittgenstein, através da “crítica da linguagem”, em sua formulação entre o pensamento
(Gedanke) e o signo proposicional (Satzzeichen) fazer a análise lógica (Zeichensprechen) do
pensamento à linguagem. (Sprachwissenschaft).
os sujeitos e os objetos. Essa experiência do silêncio místico permite supor um
certo aniquilamento do homem, quando se entende que é a partir da linguagem que
ele poderia ser restituído dessa ausência.
Em Wittgenstein, o silêncio é tomado não apenas como efeito da recusa da
fala, mas, precisamente, como uma fala a partir das “condições de possibilidade da
linguagem”, que lhe impõe um silêncio prudente. Essa análise permite concluir que
esse duplo estatuto do silêncio é a condição a priori para estabelecer o sentido entre
o dito e o não-dito. O interdito!
O sistema tractatiano pode ser compreendido então em termos metafísicos e
lógicos. Wittgenstein foi extremamente criticado ao enunciar à frase: “Portanto, é
minha opinião que, no essencial, resolvi de vez os problemas.” (WITTGENSTEIN,
2001, p.133). Para ele, o silêncio é inevitável quando a lógica tenta penetrar na
essência da linguagem, como referido acima, na razão de seu sentido, que pode ser
expresso como “a atitude diante dos problemas da vida.” Paradoxalmente, para
Wittgenstein mais uma vez o silêncio representa a atitude, porque para ele o sentido
da vida não poderia ser suficiente ou logicamente explicado através de sistemas
lógicos.
Se considerar a hipótese de um mundo onde a língua ordena e identifica os
sujeitos escolhendo, assim, a tese de Wittgenstein de que há um limite para a
linguagem, ou seja, que nossa linguagem é insuficiente, seria necessário apelar a
instâncias, como o ético, o estético e o místico. O filósofo seria uma espécie de
zelador silencioso do limite do dizível, então o silêncio, seria como uma estratégia do
calar ao essencialmente inefável.
Contudo, essa experiência, paradoxalmente, só pode ser expressa pelo
dizer. O autor refere: “O místico não é como o mundo é, mas o que ele é.” (6.44). O
“como” estaria ao lado dos fenômenos, da matemática, portanto, no discurso da
ciência, ao passo que “é” (verbo ser no intransitivo) representaria a essência mesma.
“Todas as proposições têm igual valor.” (5.4), afirma Wittgenstein. Sua intenção é a
de que se possa incluir as proposições consideradas por ele como contra-sensos,
tais como as proposições relativas à estética e a mística.
O Tractatus busca, por fim, estabelecer a fronteira entre o que se pode falar e
o que se deve calar, e redefinir o conceito leibniziano da linguagem unitária,
reconhecendo que nem tudo pode ser dito, pois é preciso calar sobre os estados de
coisas, sobre o sentido/valor da vida, nesse caso sobre questões éticas,
reconhecendo também as propriedades da função do silêncio.
Já em sua segunda obra, Investigações filosóficas, Wittgenstein buscou
certificar-se da inexistência de uma essência da linguagem e reconheceu que
nenhuma linguagem pode pretender-se universal. Há linguagens e lógicas
particulares, e essas são fruto do contexto onde estão inseridas. Todos os jogos de
linguagem possuem perfeição desde que façam sentido dentro de uma determinada
forma de vida. Assim, o autor afirma:
O ideal está fixado em nossos pensamentos de modo irremovível. Você
pode sair dele. Você tem que voltar sempre de novo. Não existe um lá fora;
lá fora falta o ar vital. – Donde vem isto? A idéia está colocada, por assim
dizer, como óculos sobre o nosso nariz, e o que vemos, vemo-lo através
deles. Não nos ocorre tirá-los. (
WITTGENSTEIN, 1991, p. 69).
Neste momento, a metalinguagem não se coloca como instrumento superior
que produziria “limite”, e as “condições de possibilidade”, referidas para a linguagem,
serão agora vistas a partir do jogo “possível” da linguagem. É Wittgenstein (1998, p.
86) quem diz: “Não existe a linguagem, mas simplesmente linguagens, isto é, uma
variedade imensa de usos, uma pluralidade de funções ou papéis que poderíamos
compreender como jogos de linguagem.”
Pode-se afirmar, a partir da leitura da obra de Wittgenstein, que o silêncio não
é uma conseqüência mística, mas sua causa. O transe místico, encontrado pelo
filósofo, principalmente em Schopenhauer, permite que ele possa experimentar o
silêncio em sua exterioridade radical, mesmo que por pouco tempo.
O que é possível apreender do que Wittgenstein nos disse? Deixou um rastro
de muitas pistas a partir do Tractatus, demonstrando que sua Filosofia poderia ser
compreendida para a vida. Em sua Filosofia, quis discutir o sentido da vida, porém
não queria dar uma única definição sobre esse sentido, pois, para ele, sobre esse
aspecto, não se conseguiria traduzir em palavras, é indizível segundo Wittgenstein.
Sua obra, construída a partir de aforismos, não pretendia ser um receituário
ou mesmo ter um caráter dogmático, pois não implicava dar respostas. Em
Wittgenstein o sentido da vida é algo da ordem do indizível, porque não
conseguimos expressar esse sentido como uma fórmula que deva ser seguida, uma
receita ou um padrão, definido por um sistema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Teve-se como objetivo principal apresentar uma interpretação da primeira
obra escrita de Wittgenstein, o Tractatus logico-philosophicus (1921), especialmente
em seu aforismo norteador: “Sobre o que não se pode falar, sobre isso deve-se
calar.” (7). Foi possível mostrar que para a compreensão desse aforismo foi preciso
situá-lo no contexto em que foi escrita a obra, principalmente, as correntes de
influência sofridas pelo autor.
Essa análise parece confirmar o caráter de atualidade dessa obra, tendo em
vista as profícuas questões pertinentes ao limite do objetivo e do subjetivo, ou seja,
por mais que se possam produzir conhecimentos que sustentem ou demarquem as
fronteiras do que venha a ser a ordem do objetivo, de outro lado, o subjetivo parece
que ainda há sobre isso muito a refletir.
Quanto ao percurso escolhido para fazê-lo, partiu-se do contexto da
descoberta, passando pela ética, entendida como indizível em Wittgenstein, para
então chegar à função do silêncio. A cada passo dado, foi possível construir
algumas reflexões que certamente não visam a ser absolutas. O propósito é permitir
que novas questões possam estar presentes.
Como se pôde acompanhar neste texto, além da produção de uma
investigação do Tractatus, foi possível formular novas questões para entender o
momento histórico que estamos vivendo, ou seja, em Wittgenstein o espírito
científico estava voltado às verdades absolutas, por isso, sua crítica se endereçava
e se concentrava nesse movimento.
Identifica-se que na contemporaneidade esse elemento deixa suas marcas,
ou seja, produz novos discursos, novas roupagens, porém o elemento, constituído
em sua essência, parece não se modificar, por exemplo, na industrialização, na
implementação de novas tecnologias em detrimento do fator humano, nas
medicalizações; enfim, embora se saiba que só se tem “uma certeza, às muitas
incertezas”, a tentativa de estabelecer os limites para o pensamento engessa toda e
qualquer possibilidade de haver dúvidas.
Essas dúvidas são importantes a todo pensamento que se queira filosófico e
que representa a importância que Wittgenstein concedeu a ele em sua segunda
obra, quando a escreve de maneira mais fluída, portanto, menos rígida que o
Tractatus.
Na busca de estabelecer uma lógica perfeita para os enunciados, depara-se
com o sem-sentido, com sua insuficiência; esbarra-se naquilo que é estranho num
primeiro momento e, muitas vezes, descarta-se esse estranho por não estar
constituído de sentido.
Mesmo após ter feito o caminho do Tractatus, na busca de sentido para suas
proposições wittgensteinianas, percebe-se que o que causa peso à humanidade é
exatamente o não-sentido, e isso Wittgenstein soube muito bem entender quando foi
como voluntário para o front na Primeira Guerra Mundial. Pode-se agora conjetura
que ele foi em busca de sentido para sua vida.
O aprendizado que se extraí disso tudo está, necessariamente, expresso no
conteúdo ético com que Wittgenstein nos capturou, ou seja, seu gênio, impresso de
forma rigorosa em suas ações.
Este trabalho permite concluir, como o fez este autor ao se lançar de forma
suicida aos limites da linguagem e ao não encontrá-la, demonstrou que ela é
impossível, impronunciável e indizível e que por isso não a encontrou. Mas para
constatar esse indizível, foi preciso fazer o caminho. Assim, mesmo sabendo que
Wittgenstein condensou suas idéias a ponto de algumas se tornarem impenetráveis,
é possível seguir com propósitos de estudos futuros.
REFERÊNCIAS
ABBAGNO. N. 2000. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, p.1014.
CANTOR-ESPERBER, M. 2003.Org. Dicionário de ética e filosofia moral.V2. São
Leopoldo: Ed. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
DALL’AGNOL, D. 1995. Ética e linguagem uma introdução ao Tractatus de
Wittgenstein. 2 ed. Florianópolis: Ed. da UFSC. Editora UNISINOS, 203 p
FREGE, G.1980. Os fundamentos da Aritmética. In. Peirce, C.S. Escritos Coligidos.
Seleção e trad. De A.M. de Oliveira.Gottlob Frege. Sobre a Justificação Científica de
uma conceitografia: Os fundamentos da aritmética. Seleção e trad. De LUIZ.H.L. dos
Santos. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os pensadores.
GOLDSCHMIDT, Victor. 2002. Os diálogos de Platão. Estrutura e método dialético.
São Paulo: Loyola.
GLOCK, Hans-Johann. 1998. Dicionário Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
JANIK, A. TOULMIN, S. 1973. Wittgenstein’s Vienna. Nova York: Touchstone.
KERFERD, G. B. 2003. O Movimento Sofista. São Paulo: Loyola.
MARGUTTI, Pinto, P. R. 1998. Iniciação ao silêncio: Análise do Tractatus de
Wittgenstein. São Paulo: Loyola, 365 p.
_____, Pinto, P. R. Sentido da vida e o valor da vida: Uma diferença crucial.Goiânia:
Philósophos/Editorial Philosophia,V.9 n.1, 33 p.
_____, Pinto. P. R. Crítica da linguagem e misticismo. Portugal: Braga, Faculdade de
Filosofia da U.C.P., 17 p.
MONK, R. 1995. Wittgenstein. O dever de um gênio. São Paulo: Cia das Letras, 571
p.
MOORE. G. E.1999. Principia ethica.Trad. Manuela R. Santos.Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian. 401 p.
NIETZSCHE. F.1978. O nascimento da tragédia no espírito da música. 2ed.São
Paulo: Abril Cultural.
PLATÓN. 1999. Diálogos II. Gorgias, Menéxeno, Eutidem, Menón, Crátilo. Madrid:
Gredos. 461 p.
PLATÃO. 1963. Crátilo: Diálogo sobre a justeza dos nomes. Lisboa: Livraria Sá da
Costa. 160 p.
RENZO.T. 2000. Dicionário de sentenças latinas e gregas. São Paulo: Martins
Fontes, 903 p.
RORTY, Richard. 1998. El Giro lingüístico: Dificuldades metafilosóficas da filosofia
lingüística. Barcelona: Paidós. I.C.E. de la Universidad Autonoma.
SCHOPENHAUER, A.1991. O mundo com vontade e representação. São Paulo:
Nova Cultural, 235 p.
_____, A 2001. Sobre o fundamento da moral. São Paulo: Martins Fontes, 226 p.
ULLMANN, R.1995. Plotino - o retorno ao Uno. Porto Alegre: In: Teocomunicação,
nº 108, p. 361-373.
_____, R. 1997. A mística de Plotino. Porto Alegre: In: Teocomunicação, nº 116, p.
217-232.
WITTGENSTEIN, L.2001. Tractatus logico-philosophicus. Trad. e apresentação de
Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: Edusp. 294 p.
_____. L.1990. Conferência sobre ética. Introducción de Manuel Cruz. Universidad
Autónoma de Barcelona: Ediciones Paidós. I.C.E..43p.
_____. L.1982. (1914 –1916) Diário filosófico. La traducción Jacobo Muñoz.
Barcelon: Editorial Ariel, 245 p.
_____. L.1991. Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural. 222 p.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo