Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A ESCOLA COMPLEMENTAR DE PIRACICABA SEGUNDO O
JORNAL LOCAL GAZETA (1897-1911): UMA ANÁLISE DOS
NOTICIÁRIOS COTIDIANOS À LUZ DOS DISCURSOS DA 1ª.
REPÚBLICA
CLARICE PAVAN CHIARELI
Piracicaba - SP
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A ESCOLA COMPLEMENTAR DE PIRACICABA SEGUNDO O
JORNAL LOCAL GAZETA (1897-1911): UMA ANÁLISE DOS
NOTICIÁRIOS COTIDIANOS À LUZ DOS DISCURSOS DA 1ª.
REPÚBLICA
CLARICE PAVAN CHIARELI
Orientadora: Profa. Dra. Célia Margutti do Amaral Gurgel
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UNIMEP
como exigência para a obtenção do
título de Mestre.
Piracicaba - SP
2007
ads:
BANCA EXAMINADORA
Professora Doutora Célia Margutti Do Amaral
Gurgel (Orientadora)
Professora Doutora Marilena Aparecida Jorge
Guedes de Camargo (UNESP)
Professora Doutora Virginia Célia
Camilotti (UNIMEP)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a presença Dele em minha vida. Presença que torna possível
esse trabalho. Que torna possível minhas escolhas. Que a todo o momento me
ajuda e ensina a enfrentar as dificuldades do dia a dia. Que a todo o momento
me dá motivos para continuar em paz com a vida.
Ao CNPQ e a CAPES eu agradeço a bolsa que me confiaram e a qual
viabilizou por dois anos o início, meio e fim da pesquisa que almejei. Sem essa
certamente não poderia ter concluído tal empreendimento pessoal e
profissional.
Agradeço a professora doutora Célia Margutti do Amaral Gurgel.
Professora, você foi meu diálogo comigo mesma quando precisei refletir sobre
este trabalho. Você foi minha “anja”, que em momentos nos quais eu pensei
em desistir, me instigava a continuar. Você foi uma amiga quando precisei
desabafar e uma segunda mãe quando estive carente da primeira. Por todo o
tempo você foi humana comigo, antes de ser orientadora. E isto professora, te
torna uma excelência em orientação. Meus agradecimentos por você são
infinitos. Agradeço também a sua família, que por muito foi privada da tua
companhia para te dividir comigo e que, apesar disso, sempre me recebeu com
carinho e amizade.
Agradeço a minha mãe Lindamir que mesmo distante dos meus olhos
sempre foi presente em minhas motivações para fazer desta pesquisa algo
além do sonho, algo concreto em minha história. Mãe, você me inspira e te
amo porque te amo, por ser exatamente quem é e como é.
Agradeço a meu pai Maurício que sem entender nada do que eu faço me
apóia e acredita em mim. Pai, sua fé no outro, seu caráter, sua humanidade me
estimulam diariamente a continuar meus empreendimentos profissionais e
pessoais: te amar é fácil. Agradeço a Nilmara que tem se mostrado paciente e
amável comigo e que tem feito a minha tranqüilidade possível olhando por meu
pai.
Agradeço ao meu irmão Fábio. Fabinho você é uma alegria sensata, um
olhar sincero, um sorriso maroto e um conselho amigo. É meu irmão de sangue
que eu escolheria para a vida se não o fosse. Eu te amo muito “brother”. Aqui
nesta pesquisa você aparece no começo, no meio e no fim, pela admiração
que possuo, principalmente, em sua maneira de ver e sentir a vida.
Agradeço a Rita e a Eloísa. Amigas que conheci neste curso. Mulheres
lindas, inteligentes, sensíveis. E como amigas são melhores ainda. Amigas que
minha alma escolheu não só intelectualmente, mas também,principalmente,
pelo caráter que demonstraram.
Agradeço ao apoio e incentivo que recebi dos os amigos que fiz neste
curso: Marcelo, André, Thiago, Donizeti, Clarice entre muitos outros.
Agradeço aos meus amigos que me acompanham fora do campo
acadêmico, amigos que sempre me apoiaram e incentivaram. Preciso de vocês
onde quer que eu vá e eu carrego vocês comigo no que quer que eu faça.
Agradeço aos professores da pós-graduação em Educação por tudo que
me ensinaram, por responderem todas as questões que me inquietavam e por
fazerem destas respostas espaços para novos questionamentos. Em especial
gostaria de agradecer ao professor Dr. Elias Boaventura pelo carinho e pela
atenção que durante todo o curso demonstrou sentir por mim. Professor, você
me fez chorar com seu livro de “Dês – memórias”, me fez pensar em teorias
sem me colocar nervosa – acredite, no meu caso, isso é inédito - , me fez
brigar com meu lado tenso e depois entender que sem ele eu não sou eu. O
senhor também me fez refletir em minha pesquisa com uma simples pergunta:
cadê seu objeto? Por tudo isso eu lhe sou grata. Porque me fez dar significado
ao que eu estava fazendo e sendo.
Agradeço a professora Dra. Virgínia C. Camilotti que vem me
acompanhando desde a graduação. Que seria desta pesquisa sem sua
intervenção? Que seria da minha escrita sem você? Professora, você sabe o
carinho e respeito que tenho por tudo que já vivenciamos. Você ficará em
minha história de vida por todos os momentos que compartilhamos. Momentos
esses sempre produtivos, sempre carinhosos e de respeito mútuo. Por tudo eu
agradeço a você.
Agradeço a professora Dra. Marilena A. J. Guedes de Camargo que de
pronto atendeu meu pedido para fazer parte da banca. Obrigada, por
disponibilizar-se a negociar a data da defesa de acordo com minhas
necessidades. Por ter sido carinhosa e atenciosa, respeitando minha
ansiedade em terminar essa etapa da minha vida.
Agradeço, também, ao curso de História da universidade (UNIMEP). Em
especial aos professores doutores Luiz Francisco A. Miranda, Raimundo
Donato do P. Ribeiro, Joseli N. Mendonça, Márcia R. C. Naxara e Fernando T.
da Silva por terem feito parte, ainda que indiretamente, desta pesquisa. Ter tido
aulas com vocês foi um privilégio. Ter tido contato com vocês além da sala de
aula foi uma honra. Saber da hombridade que carregam no dia a dia de vocês
e ter vivido para ver isto profissionalmente foi um aprendizado. Vocês são os
educadores que tenho como referência profissional e pessoal.
Para papai, mamãe
e “Fabinho”, meu irmão que tanto amo.
RESUMO
O objetivo central deste trabalho é analisar e refletir sobre a
representação da Escola Complementar de Piracicaba, a partir dos noticiários
cotidianos veiculados pelo jornal local Gazeta (1897-1911). Em termos
específicos, o estudo pretende apresentar uma análise dos conteúdos contidos
nesses noticiários, à luz do ideário dos discursos da 1ª. República no Brasil,
cuja intenção foi implementar uma escola pública e democrática para todos os
brasileiros. O estudo foi pensado e desenvolvido como uma contribuição para a
historiografia brasileira na área de Educação e outros estudos da cultura
escolar local e nacional, com perspectiva de continuidade e ampliação do tema
por outros interessados. A escolha da Gazeta de Piracicaba, como fonte de
investigação, decorreu das possibilidades desejadas para a pesquisa em
questão, já que este jornal apresentava uma maior densidade e qualidade
documental acerca da Escola Complementar, quando comparada aos dados
contidos, por exemplo, no Jornal de Piracicaba, outro jornal tradicional da
imprensa piracicabana. A metodologia adotada pautou-se na seleção de textos
sobre a Escola Complementar inseridos na Gazeta no período em destaque.
As categorias mais relevantes para a análise emergiram dos próprios excertos
selecionados tais como as notícias sobre a rotina administrativa-burocrática, de
natureza cultural/social e de natureza educacional. Os principais indicadores
dos resultados revelaram um painel de indagações que envolvem a
modernidade republicana, a Educação apresentada pela imprensa, e esta
última enquanto um canal de diálogo entre as instituições públicas de ensino e
a comunidade local.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................p.10
CAPÍTULO 1
LUGAR DA EDUCAÇÃO E DA CONSTITUIÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS
NO IDEÁRIO REPUBLICANO.......................................................................p.18
CAPÍTULO 2
A INVESTIGAÇÃO: FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS...................................................................................... p.43
2.1- A imprensa como fonte para estudos sobre a História da Educação...p. 43
2.2- Dos campos da investigação na História e na Memória à criação do
documento.............................................................................................p.52
2.3- O conceito de representação social e poder simbólico das
palavras.................................................................................................p.62
2.4- Critérios adotados para a seleção dos textos jornalísticos.................p.64
CAPÍTULO 3
A ESCOLA COMPLEMENTAR NA GAZETA DE PIRACICABA:
ENTRECRUZANDO NOTICIÁRIOS COTIDIANOS E OS DISCURSOS DA 1ª.
REPÚBLICA...................................................................................................p.68
EM CONCLUSÃO..........................................................................................p.94
NOTAS...........................................................................................................p.99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS............................................................p.101
10
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo central investigar em que termos a Escola
Complementar de Piracicaba se fez representar junto à comunidade social local
e regional de sua época, a partir dos noticiários cotidianos veiculados pelo
jornal local Gazeta (1897-1911). Especificamente, o estudo pretende trazer
uma análise dos conteúdos contidos nesses noticiários à luz do ideário dos
discursos da 1ª. República no Brasil, o qual almejou a construção de uma
escola pública e democrática para todos os brasileiros.
A imprensa local de Piracicaba, segundo fontes documentais investigadas
no contexto da 1ª. República, sempre procurou divulgar notícias referentes às
políticas públicas educacionais para a cidade de Piracicaba. Em particular, o
jornal Gazeta foi mais abrangente e completo neste sentido ao fazer sua
cobertura sobre a Escola Complementar no período de 1897-1911, difundindo
e ao mesmo tempo dialogando com a comunidade piracicabana republicana
sobre a função social desta escola, sob o ponto de vista da sua rotina
administrativa e político-ideológica.
A investigação tem como intenção responder, no decorrer de seu
processo, duas questões fundamentais:
1- Quais atividades administrativas escolares e ou informes em geral,
próprios da rotina da Escola Complementar de Piracicaba, eram
veiculadas pela Gazeta no período de 1897-1911?
11
2- Essas atividades e ou informes refletiam o ideário republicano em
seus conteúdos e propósitos de construir uma escola pública e
democrática para atender a população do país?
A opção por este trabalho tem um sentido afetivo considerando minha
relação acadêmica e, também, afetiva com esta Escola, que hoje é
denominada Escola “Sud Mennucci”. Ao concluir o curso de Magistério
licenciei-me em História e, durante esse período, pude participar de vários
encontros, pesquisas, lançamentos de livros sobre História e Memória, dentre
outros. Foram essas experiências que contribuiram para que despertasse em
mim certa inquietação e interesse sobre os tipos de escolas e suas criações na
cidade de Piracicaba. A partir de então, investigar a história da Escola
Complementar de Piracicaba foi uma alternativa que se apresentou possível
por ser esta Escola centenária e central no contexto sociocultural da educação
piracicabana republicana, bem como de significativa relevância em nível
regional, estadual e nacional.
Nesse sentido, pois, este trabalho foi pensado e desenvolvido como uma
contribuição para a historiografia brasileira na área de Educação e outros
estudos da cultura escolar local e nacional, com perspectiva de continuidade e
ampliação do tema por outros interessados.
A escolha da Gazeta de Piracicaba como fonte de investigação, por sua
vez, decorreu das possibilidades desejadas para a pesquisa em questão, já
12
que esta apresentava uma maior densidade e qualidade documental acerca da
Escola Complementar quando comparada aos dados contidos, por exemplo, no
Jornal de Piracicaba, outro jornal tradicional da imprensa piracicabana.
A tese de Eliana Tadeu Terci “A cidade na Primeira República: Imprensa,
Política e Poder em Piracicaba” (1997, p.21), assim se refere sobre a imprensa
Gazeta:
O jornal moderno como alavanca poderosíssima do progresso social, tem uma
missão muito nobre e muito difícil: é o guia mental das classes que se afadigam
no trabalho dia a dia, e que desejam esclarecer-se ao lado da roda da máquina
no labor incessante. O povo não tem tempo para ler livros, o seu livro é o
jornal, o seu modo de pensar é o que está em voga, ou antes, é o que a folha
que ele assina lhe dita ou lhe aponta como verdadeiro. Além da sua espécie de
presciência e do bom senso, o povo quer ter quem lhe venha dizer como deve
manifestar-se a este ou aquele respeito; quer ter finalmente quem lhe defenda
seus direitos, direitos, aliás sagrados e inatacáveis, direitos que lhe são as
mais das vezes sonegados e extorquidos por governos autoritários e iníquos. O
jornal é do povo e para o povo. (Gazeta de Piracicaba, 01/01/1889 )
Ao refletir sobre esse extrato pensamos, também, nos valores difusos
contidos nele em relação à missão que o jornal Gazeta se comprometia a
cumprir.
De acordo com Melo (2002)
a leitura é uma atividade que o indivíduo
desenvolve a fim de se comunicar com o mundo externo, mas ela se limita a
receber informações. Diferente dos meios de comunicações em geral que
estão articulados com a interatividade. Podemos afirmar com isso que a leitura
se encontra na região da recepção, onde o destinatário a decodifica. Desta
forma, é possível afirmar também que ela é a tradução dos símbolos que se faz
na leitura: movimento solitário, unilateral, onde o leitor é o sujeito que
armazena os significados trabalhados pelos símbolos.
13
Ao trazer para o público a nota acima apresentada, o jornal Gazeta faz
referência a um universo cultural capaz de atribuir uma significação
transcendente ao que está sendo manipulado por meio de símbolos. Assim,
ocorre um feedback, na medida em que a nota faz referência a uma conjuntura
sociocultural, construída naquele contexto histórico, do início da segunda
década da Primeira República.
Por entenderem o jornal moderno como alavanca poderosíssima para os
que almejavam certo “progresso social”, nota-se que a frase exprime bem as
significações atribuídas ao jornal como meio de comunicação popular. A
imprensa se apresentava assim, como que se defendendo enquanto aparato
político e ideológico, o qual resguardaria os direitos dos populares e difundiria
os comportamentos mais apropriados para o mundo contemporâneo.
Particularmente, a Gazeta também se colocava como abolicionista e
republicana. Ela foi “organizada em 1882, em Itu, pelos irmãos Manuel e
Prudente de Moraes Barros, com o objetivo de fazer campanha
abolicionista, movimento republicano e defesa e divulgação da política
sanitária e civilizadora”. (TERCI, 1997, p. 23). (grifo nosso)
Isso não ocorreu com o Jornal de Piracicaba, fundado em 1900 por um
dos colaboradores da Gazeta, Antonio Pinto de Arruda, com o objetivo de ser
um jornal defensor dos interesses locais. Apesar de muitas vezes se colocar
opinando sobre uma ou outra circunstância política, esse jornal se negou a
tomar partido ou vincular-se a qualquer corrente filosófica.
14
Esta postura apartidária e independente vai permitir ao periodista ser livre
em suas análises e possibilitar a ele fazer também o olhar crítico do cotidiano.
Esse mesmo descompromisso acabou trazendo, não apenas para o Jornal de
Piracicaba (JP), mas para todos os jornais com esta mesma característica, uma
elite intelectual afastada desde as oligarquias.
Muitos intelectuais do JP que assumiram cargos editorialistas e
comentaristas políticos acabaram por iniciar uma carreira política.
Posteriormente, de 1925 até 1928, foi fundado o Partido Republicano
Independente que tem o JP como seu órgão partidário. Logo em seguida, ele
vai se assumir como simpatizante do movimento liberal reformista de São
Paulo, nascido este em meio à Campanha Nacionalista.
Essa diferença de enfoque na imprensa não ocorre apenas em
Piracicaba, mas, é uma característica que vai permear todos os países do
Ocidente que estavam interessados na modernidade proposta pelos europeus.
Jurgen Habermas apud Terci (1997, p. 25) classifica essa imprensa de duas
formas: imprensa política, que possui um interesse em formar opinião e a
imprensa comercial, que visa o lucro. De acordo com Terci (1997), a Gazeta se
enquadra na imprensa política. E é assim que pode ser compreendido o papel
dessa imprensa. Na busca de perceber a posição política e o tipo de crítica que
o jornal Gazeta fazia ao sistema republicano, pode se reconhecer neste
artefato tecnológico como um dos instrumentos dos republicanos para se fazer
difundir, entre os populares, as égides da República.
15
Ainda segundo Terci (1997), o jornal Gazeta passou por inúmeras
dificuldades financeiras sendo muitas vezes sustentado pelos seus
proprietários e editores. A partir de 1897 ele se consolida como órgão do
Partido Republicano de Piracicaba e dessa forma procura garantir sua
existência e estabilizar sua condição econômica
1
.
Esse breve histórico permite entender como foi (e ainda é) importante a
Imprensa no interior do Estado. As disputas individuais pelos editoriais, dos
partidos políticos por um espaço nesse meio de comunicação, as disputas
entre os jornais pelo público, as dificuldades financeiras ou mesmo a ausência
de problema financeiro. Todas essas características de alguma forma indicam
a meta da imprensa e o objetivo proposto por cada jornal. Vale destacar,
também, que essas posturas oposicionistas aconteceram em Piracicaba e
percorreram todo o interior de São Paulo.
As considerações postas fazem entender melhor em que termos os
sujeitos que lêem o jornal fazem uma atribuição de significados à sua leitura a
partir do contexto no qual está submerso. Ao apresentar os alicerces que
asseguram à imprensa um poder político quase que partidário e um pouco da
dicotomia presente na história das motivações da imprensa piracicabana
Gazeta (a partir de 1882) e Jornal de Piracicaba (a partir de 1900), fica mais
clara a opção pelo jornal Gazeta como fonte deste trabalho, para o estudo
sobre a Escola Complementar de Piracicaba
16
Finalmente, vale um destaque a dois fatos relevantes no período em
estudo.
Em 1897 a Escola Complementar de Piracicaba foi inaugurada
oferecendo à comunidade piracicabana o ensino intermediário (complementar).
Em 1911, ela incorpora a Escola Normal que, após a sua inauguração, se
transforma em único centro de ensino público responsável pela formação de
professores da cidade de Piracicaba.
Em novembro de 1910 A Gazeta de Piracicaba anuncia a intenção das
autoridades do governo de São Paulo em construir o ensino secundário aqui
em Piracicaba e, em 1911, logo no início do ano, o jornal Gazeta de Piracicaba
apresenta as chamadas para as matrículas nesta escola.
Para o melhor entendimento do estudo desenvolvido, esta dissertação
apresenta a seguinte organização:
Introdução: é apresentada a temática da pesquisa, seus objetivos e
justificativa. Também é apresentado um breve histórico sobre a importância do
jornal Gazeta de Piracicaba como fonte de investigação.
Capítulo 1- Lugar da Educação e da Constituição das Escolas
Públicas no ideário Republicano. Este capítulo trata da elaboração da
proposta por um ensino público, o ensino público e o ideário da República e a
Escola Complementar em Piracicaba.
Capítulo 2- A investigação: fundamentos e procedimentos teórico-
metodológicos. Este capítulo apresenta alguns fundamentos sobre a imprensa
17
como fonte para a História da Educação e a imprensa na Primeira República:
considerações a respeito dos campos da investigação na História e na
Memória; à criação do documento; o conceito sobre representação social que
permeia o estudo; os critérios adotados para a seleção dos textos jornalísticos
que vão compor a análise dos dados sobre a Escola Complementar de
Piracicaba na 1ª. República.
Capítulo 3- A escola complementar na Gazeta de Piracicaba:
entrecruzando noticiários cotidianos e os discursos da 1ª. República.
Neste capítulo são apresentados alguns excertos selecionados dos
noticiários do jornal Gazeta reconhecendo-os como mais significativos para a
análise pretendida.
Na conclusão é apresentada uma reflexão sobre os resultados do
trabalho com novos indicativos para aprofundamento desta pesquisa.
18
CAPÍTULO 1
LUGAR DA EDUCAÇÃO E DA CONSTITUIÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS
NO IDEÁRIO REPUBLICANO
Este capítulo tem como objetivo apresentar o “como” e o “por que” o
projeto republicano, em finais do século XIX e início do século XX, conduziu a
difusão do ensino laico e público na transição do Império para a República.
Para tanto, será feita uma apresentação dos ideais republicanos e das
estruturas construídas para se atingir tais objetivos, em especial, as condições
de criação e implementação da Escola Complementar.
1.1- A formação da proposta por um ensino público
Esse item do capítulo objetiva apresentar um panorama sobre a História
da Educação no Brasil. Para tanto, foi feito um recorte que se inicia na Reforma
Pombalina e chega até meados da Instauração da República. Essa data foi
escolhida porque ao se falar do ensino republicano entendemos, também, estar
falando de um conhecimento que não emerge laico na República, mas, se
constrói com o compromisso de se fazer laico. Isso ocorre não propriamente na
República brasileira, mas, é uma busca que tem sua origem identificada com o
Iluminismo europeu.
19
A literatura sobre História da Educação Brasileira traz que a laicização do
saber é um dos instrumentos adotados pelos republicanos para defender a
educação popular no país.
Em início do século XIX a educação institucional no Brasil mantinha um
sistema estruturado de ensino que se aproximava muito do sistema de ensino
de Portugal. Em Portugal, no ano de 1759, Marquês de Pombal expulsou a
Ordem Jesuítica por meio de um Alvará. Essa decisão acabou por fechar os
colégios dos jesuítas em atividades no Brasil, rompendo com um monopólio
que a Ordem exercia. (VECHIA, 2005).
A reforma no ensino se deveu, neste momento, à influência do Iluminismo
que, por meio das sociedades literárias, quebrava gradualmente com a
mentalidade do ensino clássico-humanístico jesuítico e introduzia uma
concepção de saber aproximada dos ideais do Marquês de Pombal e dos
enciclopedistas franceses. (VECHIA, 2005)
Influenciado por essas inovações ideológicas o bispo Azeredo Coutinho,
formado em Coimbra, expandiu no Brasil um olhar para a educação que seguia
a mentalidade do Marquês de Pombal e substituiu as aulas-régias por uma
estrutura disciplinar ordenada e gradual. Essa estrutura vai ser dividida em
duas categorias denominadas: ensino clássico tradicional e o ensino moderno.
O ensino tradicional era formado pela gramática, retórica e filosofia. A
filosofia particularmente tinha ramificações dos saberes que objetivavam formar
o corpo discente a partir das “questões úteis”. Já o ensino moderno fazia
20
menção às Ciências Experimentais, que se dividiam em Química, Física e
História Natural. Esta área de saber foi difundida segundo um método que
explicava os fenômenos a partir da observação direta e da experiência que,
por sua vez, determinava a veracidade do conhecimento que seria produzido.
A meta teoria que orientava esta forma de instrução e de produção do
conhecimento a ser difundido, estava alicerçada em uma ideologia que
apregoava a relação natureza e cidadão. Na verdade o indagador só poderia
conhecer se fosse buscar nas suas fontes e, essas fontes, seriam encontradas
na própria natureza tida como representante maior para a produção do
conhecimento humano. Esta natureza teria necessariamente que passar por
experimentos que comprobatoriamente demonstrariam em laboratórios suas
leis de funcionamento.
A estrutura que permeou principalmente a formação secundária brasileira
teve início em 1800, no Seminário Episcopal de Olinda, por meio do Bispo
Azeredo Coutinho. O Seminário de Olinda foi o primeiro local que abraçou a
reforma pombalina ao fazer uma mistura do classicismo e do modernismo. Sua
prática de ensino casava aulas-régias com seminários. Esse hibridismo
permeou a instituição educacional brasileira por todo o século XIX e parte do
século XX.
Após ter sido outorgada a Constituição do Império em 1824, o artigo 179
falava da educação nos seguintes termos: “a inviolabilidade dos direitos civis e
políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança
21
individual e a prosperidade, é garantida pela Constituição do Império.” Logo,
assim se encontrava falando de educação: “instrução primária gratuita a todos
os cidadãos e pela criação de “Colégios e Universidades” onde serão
ensinados os elementos das ciências, letras e artes”. Com tal premissa
orientando o direito constitucional do Império na primeira parte do século XIX, o
que se percebe são construções inúmeras de projetos voltados para a
sistematização da educação pública. Esses projetos em geral eram ideais
importados de uma Europa industrializada e que, na prática, pouco contribuiu
para um Brasil agrário e escravocrata.
O entendimento da escola como uma instituição leiga, obrigatória e
gratuita se constrói, até o século XIX, com uma visão contrária ao pensamento
que vinculava um olhar para o sistema educacional carregado de valores
religiosos. A luta era travada por intelectuais que entendiam a educação como
estrutura geradora de ideais da liberdade de pensamento, princípio identificado
na classe burguesa européia, especificamente francesa. Assim, a educação é
assumida tanto na constituição do Império, quanto nas discussões da elite
como um direito a ser garantido com a finalidade de acabar com a
desigualdade. Para tanto, se fez necessário que ela fosse gratuita, reflexão que
mantinha oposição às doutrinas difusas nas escolas particulares que eram de
cunho religioso.
De acordo com Saviani (2004), as reformas pombalinas, por se
contraporem ao predomínio dos ideais religiosos e ao abraçarem a laicização
22
do ensino, acabaram por atribuir privilégio ao Estado para tudo que diz respeito
à educação. Em 1834 é colocado um Ato Adicional que transfere para as
províncias a responsabilidade do ensino primário e secundário. No decorrer do
século XIX o poder público foi legislando sobre mecanismos que permitissem a
construção das escolas públicas. O que ocorreu foi que apenas com a
República a escola pública, entendida em seu sentido próprio, conseguiu se
fazer presente no Brasil. (SAVIANI, 2004).
Nesse processo, que tinha como finalidade regimentar e legislar acerca do
ensino público, é interessante perceber que tanto Saviani, Souza, Zotti e
Vechia, imprimiram em suas investigações sobre a origem da escola pública
uma análise que emprega, para a educação do século XIX, um olhar todo
voltado para a intelectualização da elite brasileira. De acordo com os autores, e
nisto eles possuem uma forte semelhança analítica, a escola foi fundada para
necessariamente nesse período atender às classes sociais mais abastadas.
A teoria de que o universo escolar não pertencia à população de forma
geral, mas sim, a uma classe burguesa capaz de financiar os estudos dos seus
filhos, advém do fato de que por mais que os liberais e republicanos lutassem
pela laicização do ensino, e que ele fosse público e de direito de todos, os
ideais franceses e de aspecto industrializado, ao se confrontarem com a
realidade brasileira, encontravam uma população rural que tinha muita
dificuldade em levar as crianças para as escolas.
23
Ainda, para implantar o ensino como a elite intelectual nacional havia
planejado, nesse período, era necessário construir infra-estrutura e criar
recursos pedagógicos aplicáveis nesses espaços voltados para a educação.
Assim, passa a ocorrer a percepção de que o espaço escolar era o lugar de
formação e os recursos materiais que ali seriam empregados eram de
responsabilidade do professor. Na prática, isso significou que as aulas
passaram a ser ministradas por um longo período, até a República, dentro da
casa desse profissional.
O Estado limitava a pagar o salário do professor e a apresentar as
diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada. Por isto que se dificultou, e
muito, o acesso da classe popular ao ensino público no decorrer da monarquia
no Brasil.
O Colégio Imperial Pedro II, por exemplo, fundado em 1837, foi a primeira
medida adotada pelo Governo Imperial para construir um ensino público
secundário integral e nivelado ou seriado. Mas, esse Colégio foi fundado na
cidade da Corte e tinha como objetivo instruir a elite intelectual brasileira, ou
seja, construir tal elite para a Nação a partir de fundamentos da realidade que
aqui que se estruturava. Segundo Vechia (2005) sua origem encontra-se
recheada de muitas expectativas a ponto de este Colégio passar a ser uma
referência nacional de como deveria ser o ensino público no Brasil.
O fato é que, no decorrer dos anos, a proposta pedagógica e curricular do
Colégio Imperial Pedro II sofreu diversas alterações. Muitos projetos e decretos
24
foram empregados e alterados neste espaço com a finalidade de formar
pessoas aptas a seguir com o ensino superior e formar bacharéis de Letras.
Com a vinda da República, o Colégio Imperial Pedro II recebe uma nova
denominação: “Gymnasio Nacional”.
De acordo com Benjamin Constant, o ensino secundário deveria ter as
Ciências fundamentais a partir das divisões apontadas por Augusto Comte, um
conhecimento que hoje é identificado como enciclopédico. Na prática, isso
significava que todo aluno do Gymnasio Nacional deveria apresentar um
acervo acerca do conhecimento humano e isso seria averiguado no Exame de
Madureza aplicado no final do curso.
Contudo, isto não aconteceu da forma esperada por Benjamin Constant,
já que seu projeto de educação fora revisado e re-elaborado desde sua
construção até seus objetivos finais. Inúmeras reformas ocorreram no período
de 1892 a 1899 que acabaram por caducar o plano de Benjamin para essa
nova estrutura que se desenhava com a República. (VECHIA, 2005).
1.2- O ensino público e a República: uma construção simultânea
Como mencionado anteriormente, o Ato Adicional de 1834
descentralizou a responsabilidade de difusão do ensino. Antes do Ato Adicional
haviam sido criadas as Assembléias Legislativas Provinciais e com o Ato
Adicional de 1834 coube às Províncias criar estabelecimentos próprios para
prover a instrução pública. O governo geral seria responsável pelo ensino
25
primário (preliminar e complementar) e secundário apenas da Corte e, o ensino
superior, de todo o Império. (MACHADO, 2005).
Ao pensar na formação da estrutura e organização escolar seriada e
como espaço, cujo objetivo era facilitar ao professor e ao aluno processo de
alfabetização e profissionalização, consideramos importante ressalvar as
discussões e práticas que eram culturalmente vivenciadas na segunda metade
do século XIX.
Muitas foram às transformações que o Iluminismo provocou. A maioria
destas transformações difundidas, reorganizadas e re-construídas ano a ano
na Europa, estava extremamente articulada com os ideais de países
industrializados e livres da escravidão. Mas, o Brasil não vivia dessa realidade
em seu cotidiano. Ao contrário, como já apontado, antes de 1889 o Brasil
vivenciava a realidade onde predominava uma realidade rural num sistema
escravocrata. Em contrapartida, havia uma classe da elite brasileira que, ao ir
completar seus estudos no exterior, quando não, fazer todo o seu estudo no
exterior, retornando ao Brasil, tentava aplicar conhecimentos adquiridos
naquela realidade ao cotidiano e esferas públicas nacionais. Muitas vezes isto
irá aparecer nos projetos voltados para a sociedade brasileira.
Portanto, discussões acerca da criação da escola para a população
nacional estavam diretamente articuladas com a República. Investir na
educação significava também investir na formação do cidadão que um dia seria
26
eleitor, ou seja, significava também criar o homem moderno brasileiro para o
sufrágio universal. (MACHADO, 2005).
Esta forma de pensar a educação advinha de uma corrente ideológica
que valorizava o cientificismo, positivismo e liberalismo que impregnavam a
formação dos intelectuais, dos acadêmicos e dos políticos neste período. Ao
final do século XIX pensava-se, pois, em formas de secularizar a sociedade
civil.
A identidade do Brasil foi uma das principais motivações para pensar um
projeto de Nação alfabetizada longe da barbárie assinalada por alguns
viajantes que daqui mesmo ou da própria Europa pintavam e recheavam as
histórias sobre um Novo Mundo com monstros, pecadores e com uma natureza
que era quase indomável (NAXARA,2001). Esta identidade deveria ser
construída em alicerces que conferissem ao Brasil um estado de participação
na história do Ocidente, uma condição de portador da civilidade e dos valores
que o Ocidente carregava registrado para a posteridade.
Naxara (2001) assim sintetiza esse sentimento que mobilizava a elite a
buscar construir uma identidade para o Brasil que perdidamente procurava se
encontrar em meio ao liberalismo europeu:
O sentimento em nós é brasileiro, a imaginação é européia (NABUCO, 1895).
Viver a contradição entre o amor da pátria e da terra brasileira e o desejo e
projeção da civilização imaginada, a ser construída pelos artifícios da razão,
também européia (...) Elites que excluíram o “povo” ou, melhor dizendo,
grandes parcelas da população brasileira para pensar o Brasil; elites que se
vêem “sem povo” ao pensar o mesmo Brasil. (NAXARA, 2001, p. 431-433)
27
Construir uma história nacional, portanto, que tornasse o Brasil um país
ocidental com características centenária. Isto era buscado nas escolas quando
o pálio confraternizador era repetidamente levado para a formação do aluno
por meio das aulas, dos professores, da imprensa e até mesmo da sua
concepção de justiça :
(...) São as virtudes do povo que tornam sua bandeira respeitada;
são os seus trabalhos, os seus empreendimentos, o poder da sua
inteligência, a inteireza do seu caráter e a magnanimidade do seu
coração, que lhe dão prestígio diante do mundo. (ALVES apud
NUNES, 2000, p.373).
Olhares instrumentalizados e informados no Velho Mundo, tentando
trazer e construir uma tradição nesse mundo, ainda tão distante da civilidade
européia, parecia ser o objetivo das elites (NAXARA, 2001, p.434-435).
Pensamos que seriam múltiplas as realidades vividas nesse país na segunda
metade do século XIX: uma realidade envolvendo o sujeito que constituía a
elite brasileira, a realidade dos que serviam a essa elite direta ou indiretamente,
a realidade dos homens livres que, tampouco, tinham alguma projeção de
futuro e, a realidade dos escravos que estavam longe de serem sujeitos do
plano de civilidade que a elite propunha empregar nas escolas e no cotidiano
da sociedade.
A escola dita “popular” não escapou às reformas que buscavam
construir uma identidade coesa e coerente para a Nação brasileira. O Ministro
do Império Carlos Leôncio de Carvalho, em 1879, através do decreto n.7247,
28
iniciou o processo de organização da escola pública. (MACHADO, 2005, p. 94).
Ele construiu disposições que eram para ganhar evidência nos regulamentos
de instrução primária e secundária no município da Corte ao instituir a
liberdade de ensino nesses estabelecimentos, assim como no ensino superior
em todo país
2
.
“A liberdade de ensino foi postulada por Leôncio de Carvalho
como forma de incentivar o aumento do número de
estabelecimentos de ensino. Esta medida estimularia a livre
concorrência em proveito dos alunos e da sociedade, forçaria
os professores a se dedicarem mais ao ensino, sem que o
Estado tivesse o monopólio do saber (MACHADO, 2005, pg.
95)”
Esse Decreto causou muitas discussões na elite brasileira, pois,
Carvalho considerava o ensino livre, pregava a livre freqüência e tornava o
ensino religioso facultativo. Sua intenção era tirar das mãos do Estado o
monopólio sobre a Educação, abrindo para a livre concorrência. A liberdade do
ensino abalaria a supremacia do Estado no âmbito educacional e no controle
das atividades das instituições particulares. Assim, com a livre concorrência, os
professores teriam que se dedicar mais ao ensino.
Acerca da “liberdade de ensino”, Machado (2005) indica em seu texto
uma diversidade de possibilidades que justificariam esta expressão:
(...) poderia ser entendida como liberdade de abrir as escolas, como liberdade
de pensamento ou ainda como não interferência do Estado em matéria
educacional. Em outro plano, também, poderia ser entendida como defesa dos
princípios liberais nos negócios brasileiros, e a preparação para uma nova
sociedade assentada sobre a liberdade individual, na medida em que a
escravidão estava em vias de extinção. (MACHADO, 2005, p. 95).
29
Outra característica que aparece nesse Decreto é a obrigatoriedade da
educação. A não ser que o menino morasse a mais de um quilômetro e meio
da escola ou mesmo a menina residisse a mais de um quilômetro da escola
pública, eles teriam que freqüentar a escola sob a condição dos seus
responsáveis ficarem sujeitos à multa em dinheiro.
O Estado também era responsável pelo vestuário, pelos livros e outros
objetos que eram necessários aos estudos. Outra alteração apresentada no
Decreto é a divisão do ensino primário em dois graus de quatro anos cada e a
liberdade do aluno que não era católico de não freqüentar o ensino religioso.
Também, se exigia a criação de jardins de infância e estimulava a criação de
caixas escolares que estariam abertas para receber donativos que seriam
aplicados para a educação. Outros inúmeros fatores aparecem nesse Decreto
que definiria posteriormente a cara do sistema educacional brasileiro. Enfim,
Leôncio de Carvalho acreditava na uniformização do ensino e analisou em
relatório que as escolas eram escassas e precárias em sua organização.
Conforme Saviani (2004), Rui Barbosa foi o participante na Assembléia
Legislativa que iria relatar o Decreto – Lei n.7247. Suas anotações foram
detalhistas e, posteriormente, se transformaram em material para a redação
dos seus Pareceres/ Projetos sobre a educação. Nesses Pareceres, Rui
Barbosa sinaliza estatisticamente a situação atual que vivia o ensino público.
Sua análise indicava um ensino popular praticamente inexistente e para
30
suprimir esse quadro ele destacou a necessidade do Estado financiar
diretamente as escolas ou fiscalizar o trabalho realizado nas mesmas.
De acordo com Souza (2005) os alunos no período do Império não
representavam mais que 2% da população. E o recenseamento de 1870
indicava que 78% da população com mais de 15 anos era analfabeta. Ainda,
segundo Souza (2005), para Barbosa a situação não havia se alterado muito
de 1853 para 1872. Apesar do aumento da população livre, no período de 21
anos atrás o número de alunos era 0,57% inferior à data que ele analisava.
Isso, conforme Rui Barbosa, sinalizava que a cada 37 anos se poderia somar
1% de acréscimo para o aumento das inscrições nas escolas. Ele defendia
ainda a criação de jardins das crianças, das escolas normais, gratuidade do
ensino, obrigatoriedade, laicidade, freqüência obrigatória, o ensino da cultura
cívica e moral, da higienização nas escolas. Também defendia o fim do ensino
religioso na escola e discutia com afinco a necessidade de se fazer a
separação do Estado e da Igreja. (SOUZA, 2005; MACHADO, 2005).
Sobre a liberdade de ensino, Rui Barbosa apoiava a visão de Leôncio
de Carvalho. Ele também considerava prejudicial para o sistema educacional o
monopólio do Estado acerca da Educação. No entanto, a situação brasileira era
de que, sem ser o Estado, apenas a Igreja Católica tinha condições de entrar
na concorrência e manter suas escolas. Assim, o melhor era rever o orçamento
destinado à Educação que na época era 1,99% do orçamento geral contra
31
20,86% da despesa total que os militares recebiam. Era necessário, também,
garantir o ensino público para as crianças de 7 a 14 anos. (MACHADO, 2005).
Podemos reconhecer, portanto, que os projetos e discussões que
acabamos de assinalar ficaram marcados na vida política do sistema
educacional, estendendo sua relevância até o início do século XX.
Muitos outros projetos apareceram e tentaram de uma forma ou de
outra, no fim do Império, trazer para o Brasil ideais para a sistematização da
educação que eram presentes na Europa. O fato é que não havia uma oferta
significativa de escolas para os populares e a instrução primária acabava por
ficar sobre a responsabilidade da família. Inclusive, em muitas províncias –
como havia sido decretada a obrigatoriedade da instrução primária – as multas
eram destinadas aos pais de família que não estivessem cumprindo as
determinações legais.
Alguns fatores posteriormente interferiram para a difusão das
instituições públicas no Brasil fora da cidade da Corte. Dois parecem merecer
destaque: primeiro, a imigração que vinha para o Brasil para garantir mão-de-
obra para a agricultura e a indústria com o fim da escravidão; segundo, que
com a instauração da República, os ideais da elite para se fazer do país um
lugar com uma identidade casada com o ocidente em tradição e civilidade,
precisava inicialmente criar condições para o sufrágio universal. Ou seja, que a
criação da República pedia instituições que legitimassem esse novo sistema
entre os populares, sendo a educação um dos caminhos principais para
32
estabelecer esse contato e também disseminar os valores que eram
considerados em consonância com o Velho Mundo.
Esses valores, tidos como capazes de regenerar o Brasil anular a
identificação com o atraso e ignorância que caracterizava a sociedade
brasileira, se apoiarão nos fundamentos positivistas e irão influenciar a
essência dos princípios da Educação no Brasil em seus vários aspectos. Neste
sentido, vale ponderar sobre a questão da Educação na Modernidade no Brasil,
sobretudo, acerca da cultura vigente no período.
A época era de tornar o Brasil uno, coeso. Uma pátria com uma
identidade a ser difundida nos outros países do Ocidente. Esta busca pela
nacionalidade respondia aos anseios de uma elite que pretendia divulgar a
civilização aqui efetivada e em plena sintonia com a Europa industrializada.
Isso, apesar da aparente barbárie que o povo mestiço e a natureza selvagem
revelavam nos registros dos viajantes (artistas, pesquisadores, literatos
europeus) que eram difundidos no exterior. (BRESCIANI, 2001).
Os ideais republicanos, com a proposta de afastar a selvageria e
instaurar definitivamente a civilidade, ofertaram uma especial atenção aos
populares que seriam o alvo para a domesticação planejada. A escola
entra como espaço para disciplinar esse grupo e será apresentada para o
povo como a ponte que o colocará de frente com uma vida de liberdade.
Esta idéia sinalizava tanto entusiasmo a ponto de fazer os mais
33
desprovidos sonhar em um dia assumir uma empresa ou mesmo serem
presidente do país. (NUNES, 2000). (grifo nosso)
Quanto à escola,esta, no início do século XX, apresentava três elementos
de base para a organização escolar: a moral, a higiene e a estética. De acordo
com Nunes (2000) esses fatores eram diariamente trabalhados na escola.
Cada aluno tinha uma ficha e participava de um pelotão que tinha tarefas
higiênicas a serem cumpridas. As fichas individuais continham alternativas
sobre sua rotina que o aluno preenchia sem poder mentir afirmando, por
exemplo, se havia tomado banho com água e sabão, se não havia mentido
(“nem brincando”), se andava sempre calçado e com roupas limpas, etc.
(NUNES, 2000).
Essas fichas eram guardadas com a professora e eram mensalmente
encaminhadas para a direção da escola para o inspetor e para o médico de
cada distrito. A finalidade era fazer cada criança incorporar algumas normas de
condutas e formas de uso do corpo na esfera privada e na pública. O controle
era exercido entre as crianças, por elas próprias. Quando alguém era
considerado “bom aluno”, cabia a ele conferir e examinar os seus colegas.
(NUNES, 2000, p.385).
Ao final do século XIX muitos indícios dessa transformação, trazida
posteriormente pelo “escolanovismo”
3
, efervesciam na rotina burocrática
escolar. Os inspetores apresentavam em seus relatórios algumas referências
padrões analisadas na escola, tais como: se a criança ocupava o lugar central
34
na ação educativa; a importância atribuída à higiene no processo disciplinar da
conduta e do corpo do aluno; o nível científico escolarizado dos saberes e suas
extensões sociais; o estímulo atribuído à intuição, observação e à construção
do conhecimento do discente. (VIDAL, 2000).
Segundo Vidal (2000) o ensino, nesse período, era aplicado de forma
diferente à anterior. Era denominado intuitivo porque deslocava sua forma de
apreensão do “ouvir” para o “ver”. Já nos anos 20, as preocupações estavam
voltadas para estimular o aluno a agir na produção do próprio saber, era
articulado o “ver” e o “fazer”. (grifo nosso).
No começo da República foi introduzido o ensino graduado na forma dos
“grupos escolares”, transformando o processo de alfabetização. Era
denominado como “curso preliminar” para crianças de 7 a 12 anos. A escola
complementar também era graduada e funcionava em prédio diferente do curso
preliminar. Tinha sua estrutura parecida com a grammar school americana,
fazendo o intermédio entre o ensino preliminar e o ensino secundário, sua
estrutura foi concebida como uma “segunda” parte do ensino primário, a
duração do curso era de 4 anos.
Muitas das escolas foram pensadas como “escola – modelo”, quase que
um laboratório experimental para teorizar a forma de se fazer a democratização
do ensino. Neste processo, a institucionalização do saber foi feita transferindo
as aulas dos espaços caseiros para um lugar específico voltado à alfabetização
que é a escola primária.
35
Em 1907 a escola primária (maioria) já tinha uma só classe com um
professor responsável por ela, os alunos estavam em diferentes níveis de
graduação e as aulas eram com cinco horas de duração. (RIBEIRO, 1978). No
Ensino Médio a maioria das escolas era privada, com apenas algumas
públicas. O conhecimento era transmitido nos seus resultados finais, sem
apresentação do método científico aplicado em sua produção. O ensino do
conhecimento científico era praticamente difundido como os de bases literárias.
(RIBEIRO, 1978)
1.3- A Escola Complementar até 1911
A Escola Complementar republicana, até 1911, foi implementada imersa
no contexto político e sociocultural acima apresentado. Inserida no âmbito do
ensino primário ela se apresentou como um curso complementar ao curso
preliminar. O curso preliminar era obrigatório para crianças de 7 a 12 anos de
ambos os sexos que deveria ser ministrado em escolas preliminares regidas
por normalistas ou complementaristas e suas auxiliares. Por sua vez, o curso
complementar, com duração de quatro anos, destinava-se aos alunos
habilitados no curso preliminar e deveria ser ministrado em escolas
complementares. (SOUZA, 1998, p. 44)
A partir de 1911 as escolas complementares foram transformadas em
escolas normais primárias que se tornaram praticamente as responsáveis pela
formação do magistério primário. Vale destacar que neste momento ocorre
36
uma valorização social do professor e o início da profissionalização do
magistério primário, aspectos significativos nas transformações educacionais
verificadas no final do século XIX no Estado de São Paulo. (SOUZA, 1998)
Segundo Souza (1998, p. 61),
A importância dada à educação popular nesse período propiciou a constituição
de representações sobre a profissão docente nas quais os professor passou a
ser responsabilizado pela formação do povo, o elemento reformador da
sociedade, o portador de uma nobre missão cívica e patriótica. Era pelo
professor que se poderia reformar a escola e leva-la a realizar as grandes
finalidades da educação pública.
Ainda, durante os primeiros governos do Estado republicano em São
Paulo, houve grandes investimentos na formação dos professores e na
valorização do magistério por meio da reforma da Escola Normal, bem como na
concessão de melhores salários aos professores. “Foram sobretudo incisivos
na conclamação moral do magistério, ressaltando-o como apostolado e
sacerdócio”. (SOUZA, 1998, p. 62)
Ao considerar que a questão posta sobre o ensino complementar
restringia-se a uma preocupação com a formação do aluno no decorrer
desse ensino, a República precisava de professores para alfabetização
popular.
4
(grifo nosso).
Com a urgência em se ter um corpo docente para as escolas preliminares
que já estavam sendo inauguradas no interior paulista, fez-se necessário fazer
uma produção rápida de docentes. A medida adotada pelo governo para
solucionar esse problema foi transferir para as escolas complementares
37
(segundo grau do curso preliminar) a formação de professores para o ensino
preliminar.
Essa medida descaracterizou a Escola Complementar que tinha como
objetivo inicial formar o discente para ele no segundo grau se preparar no
ensino do magistério. Acabou criando uma dualidade: por um lado o ensino
complementar que era um pouco mais profundo que o ensino preliminar e por
outro lado a Escola Normal com um ensino mais aprofundado que o elementar.
De acordo com Tanuri (apud SOUZA, 1998) a Escola Normal formou 1188
professores, sendo 314 homens (26,48%) e 872 mulheres (73,52%). As
Escolas Complementares formaram 2382 profissionais, sendo 840 homens
(35,26%) e 1542 mulheres (64,74%). Desse modo os professores formados
pelas escolas complementares eram os maiores responsáveis pela instrução
primária nas instituições públicas do Estado de São Paulo. (SOUZA, 1998,
p.67)
As Escolas Complementares tinham sua grade de ensino compreendendo as
seguintes disciplinas: “português, francês, moral e educação cívica, noções de
história, geografia universal, história e geografia do Brasil, aritmética elementar
e elementos de álgebra até equações do 2º. Grau, geometria plana e no
espaço, noções de trigonometria e de mecânica, astronomia elementar,
agrimensura, noções de física e química experimental e história natural,
noções de higiene, escrituração mercantil, noções de economia política para
homens e economia doméstica para mulheres, desenho a mão livre,
topográfico e geométrico, exercícios militares, ginástica e trabalhos manuais.
(SOUZA, 1998, p.66-67)
Como podemos perceber, nenhuma disciplina era específica do
magistério. Esta parte da formação era feita com a prática de ensino em
38
escola-modelo ou grupos escolares designados pelo governo. (SOUZA, 1998,
p.67).
Ao serem comparadas com as Escolas Normais, as Escolas
Complementares eram consideradas de baixo custo. Isso porque era
contratado um único professor polivalente, assim como no ensino preliminar,
que era responsável de lecionar todas as disciplinas a cada ano do curso. Ou
seja, dado o elevado número de disciplinas e a amplitude cultural na qual elas
estavam comprometidas, o que se percebe é que o conhecimento trabalhado
em classe deixava muito a desejar por ser um único profissional responsável
por todo ele.
Profissionais da área do magistério, na época, fizeram inúmeras críticas
ao ensino da escola complementar. Isto porque o profissional saía da escola
complementar com um pouco a mais de saber que o aluno da preliminar e
praticamente sem contato, a não ser teórico, com atividades propostas no
currículo. Muitas vezes a escola não possuía aparelhagem, por exemplo, para
a prática da educação física ou mesmo laboratórios para disciplinas específicas
que solicitavam esse espaço.
No momento em que a escola complementar perde suas características
iniciais e adquire o compromisso de formar professores para o ensino primário,
ocorrerá uma distorção no projeto de formação de professores que indica
também as fragilidades do projeto republicano para o sistema educacional. Ou
39
seja, por um lado, a instituição de excelência com o ensino Normal, por outro
lado, a precariedade do ensino proposto na escola complementar.
As escolas modelos acabavam por tornarem-se verdadeiras aberrações
quando comparadas com as escolas do ensino público no geral. Elas eram
absurdamente equipadas e difundiam uma imagem de inovação e de adoração
ao republicanismo que destoavam e não carregavam os problemas que as
outras instituições de ensino enfrentavam em suas realidades.
1.4- A Escola Complementar em Piracicaba
Elias Netto (2003), em sua obra intitulada Memorial de Piracicaba:
Almanaque 2002-2003, destaca que a Escola Complementar de Piracicaba
foi criada em 1897 para formar professores para o ensino primário, tendo
como primeiro aluno matriculado José Martins de Toledo. “Possuía, então 12
anos e foi aprovado nos exames de admissão, ao lado de Adolfo Carvalho,
Dario Brasil, Felinto de Brito, Joaquim da Silva Nunes, Joaquim Diniz, José
Henrique de Menezes, Querubim Fernandes de Sampaio.” (ELIAS NETTO,
2003, p. 271)
Criada, a Escola Complementar de Piracicaba foi instalada de forma
festiva em 21 de abril de 1897, por decreto de Dr. Bernardino de Campos. Em
fevereiro deste mesmo ano foram nomeados para as duas seções feminina e
masculina os professores Antonio Alves Aranha e sua esposa D. Escolástica
do Campo Aranha. “Segundo editorial da Gazeta de Piracicaba de 14.03.1897,
40
a Escola Complementar já havia matriculado mais de trinta alunos e seu Diretor
estava recebendo do Governo as mobílias e trastes necessários”. (TORRES,
2003, p. 201)
Importante dizer que Piracicaba sempre foi considerada um centro
educacional respeitável. Durante anos se destacou na área de educação pelo
número de suas escolas e pelo grande número de intelectuais tendo vários
prédios públicos edificados a partir do novo governo republicano.
Em 1897, por exemplo, sua história registra a doação do imóvel onde
funcionou “a Sociedade Propagadora de Instrução de Piracicaba – organização
fundada em 1890 e extinta em 1896 – para que ali o governo estadual
instalasse a primeira Escola Complementar de Piracicaba e também do Estado.
Tratava-se de um edifício de características neo-clássicas.” (ELIAS NETTO,
2003, p.384).
Além disso, Miss Martha Watts, em 1882, já havia fundado o Colégio
Piracicabano, que era uma escola particular confessional para meninas. Esta
educadora metodista escrevia com freqüência cartas a seus superiores e
amigos nos Estados Unidos. Em uma das cartas ela relata o cotidiano da
cidade em relação aos hábitos de trabalho, aos costumes empregados na vida
social, à educação das meninas na escola e até mesmo sobre conversas e
diversões dos moradores da cidade. (MESQUITA, 2001 apud Elias Netto,
2002, p. 10)
41
Em relação ao universo educacional da cidade, Torres (2003) enfatiza
que ao final do século XIX o nome de Piracicaba já vinha se projetando no
Estado de São Paulo. Alguns nomes são freqüentes nas citações acerca da
história educacional da cidade, dentre eles, lavradores empresários como Luiz
Vicente de Souza Queiroz que, além de ser o primeiro na indústria de tecidos e
na iluminação elétrica em Piracicaba, lutará por uma Escola Prática de
Agricultura. Outros setores no campo educacional também surgiram como a
Escola na Fazenda Pau d’Alho, na zona rural, que em março de 1898 já
funcionava regida pelo professor Antonio de Oliveira.
De acordo com Torres (2003, p. 202)
(...) uma nova sociedade denominada Sociedade Egualitária fundada por
iniciativa de um grupo de negros, entre os quais se contavam José Francisco
Lázaro, Hermógenes da Conceição, Franklim César, Horácio de Carvalho Filho
e João Cotrim, foi inaugurada no dia 13 de maio de 1898. Nesta Escola,
quando morreu o abolicionista Antonio Bento, na Sala de Aula, realizou-se uma
sessão fúnebre, sendo inaugurado o seu retrato.
Estes dados sugerem que podemos reconhecer que o universo
educacional de Piracicaba atendeu às demandas de um novo momento político
nacional, ou seja, os primeiros anos da República e seu grande surto industrial,
particularmente em São Paulo, graças à imigração européia. Como diz Torres
(2003), Piracicaba seria uma cidade onde predominava a classe média
denominada por Décio Saes como camadas médias urbanas
5
.
42
No ano de 1900 a cidade de Piracicaba contava com quatorze mil
habitantes urbanos. Neste mesmo ano a Escola Complementar forma seus
futuros professores. Segundo o Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, de
1907/1908, foi de 232 sendo 135 mulheres e 97 homens.
43
CAPÍTULO 2
A INVESTIGAÇÃO: FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
Papai, então me explica: para que serve a história?
(Pergunta feita a Marc Bloch e que lhe inspirou a
Obra “Apologia da História ou o ofício de historiador”.)
Neste capítulo serão discutidos os principais fundamentos teórico-
metodológicos que deram apoio ao processo de construção do trabalho.
Será argumentado inicialmente sobre a relevância da imprensa como
fonte para estudos sobre História da Educação, será apresentado, na
seqüência, algumas considerações sobre o campo de investigação histórica:
memória e documento, o conceito de representação social que está permeando
o estudo e, finalmente, os critérios adotados para a seleção dos discursos
jornalísticos que irão compor a análise da pesquisa.
2.1 - A Imprensa como fonte para estudos sobre a História da
Educação
44
Nóvoa (2002), quando organizou o livro Repertório Português cuja
finalidade era discutir Educação e Ensino em fins do século XIX e início do XX
em Portugal, apresenta argumentos importantes sobre a imprensa
especializada em Educação.
De acordo com Nóvoa (2002, p.11)
A análise da imprensa permite apreender discursos que articulam práticas e
teorias, que se situam no nível macro do sistema, mas, também no plano micro
da experiência concreta, que exprimem desejos de futuro ao mesmo tempo
que denunciam situações do presente.
O objeto desta pesquisa, como já enunciado, é investigar uma imprensa
cotidiana criada para atender a cidade de Piracicaba esclarecendo e
informando a comunidade local sobre os eventos e acontecimentos ocorridos
no decorrer do dia-a-dia. Embora haja diferença no estilo e objeto presentes
nas fontes dos estudos de Nóvoa e os deste estudo entende-se, como o autor,
a pertinência da apropriação do pesquisador de História da Educação da
imprensa enquanto fonte de dados, que podem contribuir para a produção de
conhecimento para essa área de saber e de investigação histórica.
Entende-se como Nóvoa (2002) que a imprensa é um lugar ideal para
apreender a multiplicidade do cotidiano sociocultural. Essa multiplicidade se
aplica à contribuição da imprensa que, por meio de sua periodicidade e
preocupação com a informação, possibilita a socialização do indivíduo e
apresenta as disposições éticas e estéticas que orientam o dia-a-dia daquela
comunidade. Isto significa que os jornais, por exemplo, podem expressar os
45
valores e direcionar, informar – educando/manipulando, o indivíduo para um
determinado sistema de organização social.
Também, este autor indica que a produção da informação construída na
imprensa pode ser diferenciada devido à linguagem simples, clara e imediata
que este meio de comunicação utiliza no processo de sua criação. Seu
discurso se constrói a partir dos múltiplos atores sociais e apresenta uma
ligação entre o Estado e a vida cotidiana do indivíduo. Considera a polêmica
presente nos periódicos como um dos motivos que tornam a imprensa uma
fonte interessante de análise para a historiografia, que no caso deste estudo, é
da Educação.
As suas páginas revelam, quase sempre a “quente”, as questões essenciais
que atravessaram o campo educativo numa determinada época. A escrita
jornalística não foi ainda, muitas vezes, depurada das imperfeições do
quotidiano e permite, por isso mesmo, leituras que outras fontes não autorizam.
(NÓVOA, 2002, p.31)
A imprensa se torna um lugar para que um grupo se afirme e uma
permanente regulação coletiva se consolide. “O conjunto da imprensa
periódica põe-nos perante o esforço imenso que gerações sucessivas levaram
a cabo para edificar a educação”. (NÓVOA, 2002, p.14).
Essas motivações historiográficas de Nóvoa para elaborar sua obra
despertam as atenções e neste sentido entende-se ser importante sinalizar que
tais motivações possuem a finalidade de indicar o lugar de que onde se
enxerga a presença da imprensa para o campo da História da Educação.
46
O jornal Gazeta de Piracicaba, enquanto fonte de dados para este
trabalho, também será considerado um instrumento que vai expor a diversidade
e a riqueza do cotidiano da cidade de Piracicaba. Em relação à Educação este
jornal explora os olhares da comunidade para a instituição pública de ensino e
indica medidas adotadas pelas autoridades locais para influenciar ou mesmo
interferir diretamente no cotidiano da escola. No caso deste estudo buscou-se
perceber este movimento a partir das notícias e artigos que fizeram referência
à Escola Complementar até 1911.
Nessa perspectiva, Capelatto (2002, p.147) afirma:
A imprensa se configura como um veículo de ideologia muito particular. Sua
especificidade reside no fato de que ela se expressa em dois campos: nas
informações (notícias) e nas idéias (contida nos editoriais e artigos). Esses dois
aspectos da imprensa não se excluem, ao contrário entrecruzam-se. Disso
resulta a particularidade dos jornais na atuação social.
As informações que chegam pelo jornal Gazeta de Piracicaba de 1897 a
1911, período de interesse de nossa análise, são inúmeras e de diferentes
origens. Podem ser identificadas desde notícias administrativas, por exemplo,
abertura de licitação pública para compra de material escolar ou mesmo
divulgação de aprovados no exame de admissão até artigos com relatos e ou
reflexões de autoridades e intelectuais locais acerca de suas percepções sobre
o ensino público.
Será esta gama de informação sobre as práticas cotidianas
administrativas e as expectativas sociais, que eram projetadas sobre a
instituição escolar republicana local, que possibilitará à imprensa não
47
especializada tornar possível se tornar um objeto de estudo autônomo. Neste
sentido, ela indica e se permite ser uma alternativa de ampliação das
perspectivas de análise acerca da História da Educação, já que explora o
cotidiano de práticas, ainda que ligeiras sobre a Escola Complementar,
circunstâncias que colocam essa instituição em diálogo ou relação de
troca com outras estruturas e ramos da comunidade. (Grifo nosso)
Esta forma de apropriação intelectual dos jornais se justifica porque a
imprensa sistematiza em seu conteúdo um conjunto de informações que faz
referência às necessidades das instituições públicas ao método em que a
comunidade pode dialogar com finalidade de suprir essas necessidades. Pode
ser citada, no caso, a instituição escolar quando, por exemplo, anuncia a
abertura de uma licitação. Consideramos relevante perceber o jornal com
funções que estão articuladas ao construto de uma linguagem de poder capaz
de contribuir significativamente para a instauração de uma nova ordem social.
Isto porque, pode ser percebida, nessa estrutura, uma ponte de diálogo entre o
micro e o macro, conforme sinalizado no início do texto com a citação do
Nóvoa (2002).
Para melhor evidenciar a influência do poder da linguagem da imprensa
no corpo social pode ser resgatado Soares (2002), ao fazer uma análise
política do ato da leitura e do papel do autor afirmando que a leitura não é um
ato solitário que distancia o leitor do seu cotidiano, do seu mundo. Pelo
contrário, a leitura é exatamente a “interação verbal entre os indivíduos” (p.18).
48
São culturas dialogando. A cultura do leitor, a cultura do autor. Realidades que
ao se encontrarem são geradoras de conhecimento.
O leitor é uma pessoa que carrega um mundo de experiências: possui seu
próprio universo, sua posição social, sua forma de relacionar-se e suas
relações com o externo: com as coisas e com o outro. O autor não é diferente,
apresenta uma bagagem de experiência que o torna para o leitor o outro, o
desconhecido a ser desvendado para o construto de um novo conhecimento.
Nesse momento de contato de realidades distintas acontece a enunciação que,
de acordo com Soares (2002, p.18) é o “processo de natureza social, não
individual, vinculado às condições de comunicação que, por sua vez, vinculam-
se às estruturas sociais – o social determinando a leitura e constituindo seu
significado.”
Avançando um pouco mais na discussão política sobre a escrita,
entendida aqui como uma forma de comunicação social, Melo (2002) considera
que esta sinaliza uma preocupação com as leituras feitas pelos indivíduos em
meios de comunicação de massa onde apenas o legível pode ser usado como
emissor de informação. O centro desse processo de emissão-recepção das
mensagens é construído em um espaço de interesses e experiências comuns
que facilitam a interação social: “diálogo entre pessoas e entre grupos ou
mesmo coletividades”. (p.18)
Sob esta perspectiva é que Capelato (2003) chama atenção para o
jornalista e o equipara ao artista. Para a autora, a produção de um texto para
49
ser de interesse comum para toda uma comunidade, requer do jornalista que
ele incorpore na sua rotina uma diversidade de personagens, sinteticamente,
para apresentar uma notícia política. Pode-se citar o caso de um texto que se
apresente com referências de representação social, num determinado
momento, ele faz com que o indivíduo leia e atribua significado representativo a
partir da notícia. Assim, o leitor, passa a utilizar em seu cotidiano essas “novas
informações já significadas” na forma de referência de lugar e espaço da sua
existência social (independente da distância que a temática possa representar
para o leitor).
O jornalista, ainda de acordo com a autora, é capaz de mobilizar
multidões, por motivos religiosos ou mesmo laico, e é considerado um
personagem que é formador e condutor de opinião. “Toda essa operação
genérica de conquista e domínio é dissimulada pela aparência tranqüilizante
de objetividade, neutralidade e imparcialidade.” (CAPELATO, 2003, p.141).
Lima Sobrinho (1997) diz que é possível pensarmos na imprensa como
um lugar de apresentação dos ideais e problemas sociais a serem enfrentados.
O jornalista, com seu poder de descarte do que pode vir a ser interessante,
sempre vivencia a dicotomia da crítica e da sua motivação por uma matéria que
seja, para além de seus interesses, de interesse comum da instituição na qual
trabalha e do seu público leitor. “Os fatos são sagrados e a opinião é livre”.
(SCOTT apud CAPELATO, 2003, p.141). Com essa máxima, a questão da
50
objetividade do texto fica posta e evidencia a necessidade do jornalista
entender o fato como matéria-prima.
Assim como na História, o pesquisador entende sua colocação, por
melhor que seja fundamentada, como uma versão dos fatos ocorridos. No
jornalismo essa máxima acerca da matéria-prima desaparece ao aparecer
como uma das alternativas que o jornalista fez para publicar em sua coluna.
O criticismo que distancia o jornalista de um literata é que ele não pode
alterar o acontecimento em sua ordem ou construto. Ele deve manter seu
compromisso em evidenciar sempre que possível a veracidade dos fatos
narrado. Já o literata, tem os acontecimentos a mercê de sua vontade,
pertence a ele a ordem e a forma na qual o acontecimento vai aparecer e o
contexto e desfecho de sua existência.
Ainda para Capelato (2003) a imprensa, na Primeira República, no
Brasil, assume uma função semelhante a dos partidos políticos em razão
da estrutura partidária frágil existente. A autora destaca que, durante a
Proclamação da República, os primeiros donos de jornais fortaleceram o
movimento republicano com entusiasmo e desmedidamente
apresentaram suas críticas ao Império. Isso significa que, se pensarmos
na história política nacional, a imprensa sempre participou e interferiu
com vigor nas construções ideológicas difundidas em âmbito nacional.
Um exemplo no caso da Educação, seria a concepção de Escola enquanto
51
espaço comprometido com a formação do cidadão para a República
Brasileira. (SOUZA, 2005). (grifo nosso)
No caso desta pesquisa, ao se procurar verificar como a imprensa Gazeta
de Piracicaba apresenta através de seus noticiários as demandas educacionais
da Escola Complementar, sobretudo as relativas a atividades e ou rotinas
administrativas da escola (período de 1897-1911), pretende-se estabelecer
entre as notícias veiculadas e o ideário do discurso da 1ª. República Brasileira
um contraponto para verificar até que ponto podem ser identificadas
convergências e ou divergências entre seus discursos.
A questão colocada, nesse sentido, é se a representação social da Escola
enquanto espaço social comprometido com a formação de uma sociedade
republicana e democrática aconteceu ao ser veiculada por esta mídia, levando
os indivíduos a atribuírem seus significados sobre o sentido social e
educacional daquela escola sob a égide do discurso republicano.
Capelato (2003, p.149) diz: “esse movimento pendular entre a ordem e a
liberdade caracteriza a história da imprensa brasileira”.
Acerca da liberdade de imprensa, importante dizer que os donos de
jornais, desde sempre, na imprensa nacional, decidiram atribuir aos tribunais o
poder de julgar os desmandos dos poderosos. Mas, os jornalistas, sempre
sofreram a pressão da multiplicidade de interesses que envolviam sua
profissão como difusor de informações. “Os compromissos estabelecidos na
esfera pública ou privada, não desapareciam quando atuavam na área pública.
52
A interpenetração dessas esferas, definia os limites da sua própria liberdade”.
(CAPELATO, 2003, p.149).
Na próxima parte deste capítulo, propõe-se apresentar uma discussão
que defina as diferenças entre os conceitos da história, da memória e
documento. No que tange ao documento será defendido a imprensa de forma
geral (popular ou especializada) como fonte para história da educação. Essa
parte foi pensada porque são poucos os estudos, dentro da história da
educação, que entendem a imprensa periódica não educacional como fonte
para a historiografia da educação. Não se tem claro se essa medida é uma
postura política de se buscar apenas espaços específicos da educação, ou
mesmo, se não encontra uma justificativa para o uso da imprensa periódica
não educacional ser utilizada como produtora de história.
Assim, procurou-se apresentar uma discussão teórica sobre a imprensa
como documento e incorporar nessa discussão como fica o “ser” historiador
frente ao passado ao ser indagado por meio dessa fonte.
2.2 - O campo de investigação histórico: memória e documento
Pensar a História pode significar uma procura na representação do
passado, que por meio de um olhar, apresente alternativas, ainda que
descontínuas, por contrastes ou relativizações, para conferir inteligibilidade e
assim suprir/ responder/ esclarecer/ (des) (re)construir pontuações ou
53
indagações emergidas no presente. Aqui vale o presente ser indicado como
tempo atual, contemporâneo, símbolo de uma geração humana em atividade.
A pergunta: o que é história? Ou mesmo: o que significa e para que serve
a história? Pode ser respondida de diversas formas. Pode-se citar duas
possíveis respostas, independente das críticas que à elas são atribuídas: é o
estudo do passado pelo valor do passado na busca por uma identidade no
presente, ou ainda, o estudo do passado que possibilita compreender o
presente.
Qualquer que seja a resposta atribuída à pergunta apresentada será
insuficiente para a demonstração da complexidade de representação da
historiografia para o tempo vivido. Mas ao se aproximar de uma resposta, o
pesquisador de História define o que reconhecerá como documento-fonte e
como memória social. Sabe-se que a palavra história articula-se com o
passado, mas é na medida, na intensidade e no olhar direcionado para o
passado, que ocorrem as diferentes construções conceituais envolvendo
História – aqui se justifica a existência das Escola Históricas (Nova, Cultural,
Marxista por exemplo).
A palavra conceito assume, nesse texto, um papel definidor, esclarecedor
na formação dos significantes presentes na estrutura normativa das palavras
história e passado.
O passado está exposto, quando em mãos do historiador, a percorrer um
caminho de transformação em seu interior estrutural que o desloca do campo
54
memorialístico, singular e individual para transcender para o universo público
na procura da referência sociocultural ( aqui incorpora-se um olhar também
para a economia e a política). De acordo com Hobsbawm (1998) o passado
social formalizado, objeto de estudo da História, fixa o padrão normativo (torna-
se regente) para o presente. Neste caso as leis sociais, as metodologias
científicas e a própria organização política, econômica, cultural (de Gênero,
Classe e Etnia) de uma dada sociedade, são instrumentos de reflexão do
passado em busca de reconhecer a rede formadora do poder sociocultural do
presente. Com essa reflexão teórica a história – não mais como sinônimo do
passado, mas como parte do corpo do passado – provoca a legitimação dos
costumes em atividade no social.
A individualização, ocorrida em fins do século XIX e início do século XX,
sai do campo biológico e caminha para as Ciências Sociais construindo na
análise historiográfica a abordagem do passado como tempo ido e inimitável e
seus eventos como acontecimentos dos quais nunca serão repetidos, mesmo
que para contar a mesma coisa. (VEYNE, 1998). Desse modo, o evento é
determinante para se definir a História e, por vezes, se torna seu sinônimo
normativo e cronológico ao propor a ordenação dos acontecimentos dos
eventos.
De acordo com Veyne (1998) a História é uma narrativa de eventos. A
capacidade de trazer um século para uma página e dez anos de um país ser
representado por inúmeros autores numa diversidade bibliográfica (por vezes
55
dicotômicas) faz a História assumir um caráter narrativo multifocal, com o
compromisso que objetiva identificar as “verdades” que circundam o que o
pesquisador de História reconhece como evento.
A história, o passado escolhido (propositalmente ou mesmo
aleatoriamente) como memorável e a definição do que é documento são
escolhas que passam no pesquisador de História gerado a partir de sua
experiência de vida. Ou seja, a subjetividade do pesquisador contamina o
objeto que ele escolheu para análise, assim como a própria definição do que
será seu objeto está infectada por suas impressões pessoais de
reconhecimento dos eventos.
A própria fonte é uma criação criteriosa do pesquisador de História, que
com liberdade procura abandonar os mitos e as hipóteses para construir uma
História que ele entende como coesa, coerente e una através do que lhe é
documental.
(...)basta admitir que tudo é histórico para que esse
problema se torne, ao mesmo tempo, evidente e inofensivo;
sim, a história não é senão respostas a nossas indagações,
porque não se pode, materialmente, fazer todas as perguntas,
descrever todo o porvir, e porque o progresso do questionário
histórico se coloca no tempo e é tão lento quanto o progresso
de qualquer ciência; sim, a história é subjetiva, pois não se
pode negar que a escolha de um assunto para um livro de
história seja livre. ( VEYNE, 1998, p. 37)
A memória não existe. (NORA, 1981). Essa é uma frase ou expressão
carregada de sentidos, implicada na sua formação como anacrônica, isto é, a
concepção do que é ou se apresenta como História. Para tanto, é preciso
56
entender a história em constante conflito com a memória, opondo-se aos
alicerces mais fundamentais que esse conceito indica no seu enunciado.
Resgatando a concepção de História e Memória de Nora (1981),
apresentamos uma síntese dos campos possíveis de serem pensados como
fonte para a historiografia.
História
1) A História é sempre uma reconstrução falha, incompleta, discutível
do que não existe mais, ou, não se reconhece e/ou discute mais. (p.09)
2) A História assume uma representação na sua difusão de
conhecimento, ou mesmo na sua construção narrativa. Ela é uma
representante do passado. (p.09)
3) A História necessita de instrumentos para uma análise crítica e
para a fomentação de um discurso crítico. Instrumentos que são resultados de
uma operação intelectual indissociada das construções do saber laico. (p.09)
4) A História assume uma função frente ao conhecimento universal,
sua posse ultrapassa os limites do particular, individual. Ela pertence a todos,
simultaneamente, ela não pertence a ninguém. (p.09)
5) A História possui seus alicerces calcados na transformação social,
na determinação temporal e na relação que as coisas estabelecem entre si.
(p.09)
6) A História distancia-se do saber absoluto para construir-se de forma
relativa, o que a torna um campo das incertezas da verdade. (p.09)
57
7) A História dilacera a memória, a deixa em silêncio, em condição de
fatalidade. (p.09)
8) A História não possui um compromisso com a exaltação dos fatos
verdadeiros, ela anula em seu movimento esse modelo de expressão social.
As forças e seus resultados permeiam suas características. (p.09)
9) Finalmente, a História é a desligitimação do passado vivido. (p.9)
O passado é perturbado e desconsertado frente à História. Ela se alimenta
desses fragmentos, muitas vezes sem enunciar seu sabor nas forças que
construíram seus eventos. (p.09)
Memória
1) A Memória é constituída pela vida e seus sujeitos. Ela é permeada
pelas psico - patologias sociais, culturais e individuais. Ela não reconhece sua
disfunção e sobrevive no movimento dialético estabelecido entre a lembrança e
a amnésia, o esquecimento. (p.09)
2) A Memória não é limitada pelo tempo. A sua relação com a
temporalidade diferencia-se por estar sujeita a um longo período de latência e a
repentinas revitalizações.(p.09)
3) A Memória não está distante do presente, ela não pertence
somente ao passado. Desse modo, o elo de sua existência é com o atual, com
o presente. (p.09)
58
4) A Memória atravessa os sentidos coletivos e individuais. Ela cria
sua existência: projeta-se, censura-se, transfere-se e coloca-se em atividades.
(p.09)
5) A Memória possui seus alicerces no sagrado. No seu julgamento,
no seu discurso teleológico sobre as coisas. (p.09)
6) A Memória emerge de um grupo que ela une (p.9). Ela é um
resultado de forças dilaceradas, com múltiplas interpretações, com uma
existência plural e particular. (p.09)
7) A Memória é localizável. Ela define-se pelo espaço que ocupa,
pela imagem que projeta, pelo gesto que constrói o sujeito e pelo objeto que
emerge. (p.09)
8) A Memória é a “dona” do absoluto, das certezas. O que a indica é
a aparição espontânea, desprovida do criticismo da História. (p.09)
Esse olhar de Nora (p.09, 1981) tumultua uma relação e concepção
harmônica de História-Memória, a ponto de inviabilizar a historiografia
memorialista e eliminar a memória coletiva como herança das Nações. Mas,
não impede de pensar a História como filha da Memória.
A Memória de uma sociedade fica em atividade no corpo social a partir
das crenças, valores, rituais e instituições. Seu lugar em uma cultura é
reconhecido no discurso amplo e complexo a partir da articulação dos fatores
percebidos nos rituais e no que lhe é mítico, no histórico e psicológico. O ato de
rememorar e o próprio esquecimento são condições que garantem à História
59
um lugar de discurso para o social. Lugar que por mais diversificado e
multifacetado que seja, construiu e des-construiu dialeticamente uma suposta
identidade para o Ocidente. Assim, fica possível afirmar que não é possível
existir a História Total. Ou seja, a definição dos lugares de atuação da História
e da Memória identifica, para o pesquisador de História, a corrente
historiográfica que definirá o caminho a ser percorrido na análise de seu objeto
de estudo. Desta forma ele constrói um olhar de pano de fundo que justifica o
movimento (a dinâmica) da sociedade eleita para análise. A Memória, neste
sentido, assume nos alicerces da História as contingências produzidas e
enfrentadas pelo corpo social, fazendo-se reconhecer, até mesmo nos silêncios
da História, vozes que resultam no cultivo dos ritos, mitos, crenças e valores
sociais.
Estas contingências aparecem na historiografia no momento de se fazer
a interpretação dos eventos. Ao fazer o reconhecimento do evento (fato)
ocorrido, o historiador procura encontrar nos vestígios do passado as
proveniências que fizeram emergir seu objeto e nessa busca são as intenções,
a rede das relações de poder motivadoras das atividades sociais que se tornam
instrumentos de análise.
O equívoco que o pesquisador de História deve evitar em sua relação
com o seu objeto de estudo é a leitura dos desenvolvimentos ocorridos após o
evento como conseqüências das atividades geradoras do evento por si. Ou
seja, ocorrer uma leitura do passado na qual uma cadeia de eventos aparecem
60
como lineares e decorrentes de um movimento social equilibrado e
predestinado, colocando (impondo) o silêncio ao tratamento dado pelo social
aos fatores relativos/emergidos no que foi vivido no campo das incertezas, na
projeção do futuro.
No deslize de incorrer por esse caminho, o pesquisador (estudioso) de
História atribui ao evento características de um protagonista, com uma
autonomia nos seus movimentos que quase independe da ação humana. O
que é uma falácia. Ora, se existe evento, fato, um simples acontecimento, e
isso é algo considerado rememorável para o pesquisador de História, ele só é
relevante porque existe vida humana em movimento motivada pela dinâmica do
que lhe é incerto (futuro) e na busca pela sobrevivência individual e coletiva.
Entende-se aqui que todo historiador busca construir uma face para o
tempo passado com instrumentos escolhidos no presente. Indicaríamos mais
um aspecto relativo à fontes para o campo da História a partir de instrumentos
produzidos no cotidiano e que contribuem para a construção da Memória nos
dias de hoje. Trata-se de acervos das inumeráveis formas de mídias
tecnológicas, incluindo a Internet e periódicos. A memória estruturada pelo
exato tempo e espaço como representação da cultura e identidade de uma
sociedade é praticamente inexistente frente à velocidade desenfreada dos
meios de comunicação e a alta velocidade que se procura efetivar a
globalização da informação. “Quanto mais memória armazenada em bancos de
61
dados, mais o passado é sugado para a órbita do presente (...) a percepção da
distância espacial e temporal está se apagando”. (HUYSSEN, 2000, p.74)
É possível ir mais longe com essa percepção do contemporâneo e
chegar a afirmar que essa acessibilidade a toda e qualquer fonte da Memória
desencadeia uma amnésia coletiva que resulta em sua valoração, apenas,
quando se deseja usá-la como alternativa para construir uma possibilidade de
se lucrar ou instaurar uma política com fins imediatistas. Nesse momento a
historiografia, os museus e todos os lugares que se reconhecem como próprios
para a conservação da memória são espaços combatentes do esquecimento,
mas, que em meio dessa velocidade exorbitante tornam-se lugares de
entretenimento por vezes buscados como possíveis instrumentos de respostas
para o cotidiano. Ou seja, não é a problematização do movimento e da análise
das vivências da humanidade frente às inúmeras eras temporais - já
fragmentadas e re-construídas pelos pesquisadores de História - que recebe
notoriedade, mas a necessidade de se identificar o utilitarismo funcional
imediatista do estudo ou conservação (no caso dos acervos) do espaço da
Memória. Utilitarismo que mobiliza a busca pela “informação” histórica e assim
que se vislumbra uma alternativa, de forma paradoxal, transforma aquele
conhecimento em algo efêmero e descartável.
Entende-se aqui que a imprensa sofre com esta percepção de
efemeralidade e descartabilidade, sendo por vezes negligenciada enquanto
produtor de história do cotidiano sociocultural. As afirmações feitas acerca do
62
uso da imprensa cotidiana como fonte documental para a História da
Educação, apesar de ter seu campo de investigação assegurado na
historiografia geral, não é comumente utilizada nas pesquisas sobre Educação.
E é neste sentido que neste trabalho busca-se considerar a relevância da
imprensa não especializada como fonte possível para a produção do
conhecimento História da Educação.
2.3- O conceito de representação social e poder simbólico das palavras
Ficou apontado na Introdução dessa dissertação, quando foi tratado sobre
a relevância da imprensa para a construção das representações sobre o social
e o cultural, que a leitura, conforme Melo (2002) é uma atividade que o
indivíduo desenvolve a fim de se comunicar com o mundo externo e que ela se
limita a receber informações. Ou seja, diferente dos meios de comunicação em
geral que estão articulados com a interatividade, a leitura se encontra na região
da recepção, onde o destinatário a decodifica. Desta forma, é possível afirmar
que a tradução dos símbolos que se faz na leitura é um movimento solitário,
unilateral, onde o leitor é o sujeito que armazena os significados trabalhados
pelos símbolos.
Bourdieu (2000, p.57) traduz com muita propriedade o poder que a ação
das palavras revelam em certas condições, na citação abaixo:
Graças aos filósofos da linguagem, Austin em especial, os lingüistas vieram a
se perguntar o que faz com que as palavras ajam: como é que, quando digo a
63
alguém ‘abra a janela’, em certas condições, essa pessoa a abra. E até, se eu
for um velho lorde inglês que lê seu jornal no fim de semana, posso contentar-
me em dizer ‘John, não acha que está um pouco frio’? e John fecha a janela.
Em outras palavras, como é que as palavras produzem efeitos? Isso é
uma coisa completamente espantosa quando refletimos sobre ela. Trata-
se pura e simplesmente de magia: e para dar conta dessa ação à
distância, sem contato físico, é preciso, como no caso da magia, segundo
Marcel Mauss, reconstruir todo o espaço social em que são geradas as
disposições e as crenças que tornam possível a eficácia mágica. (grifo
nosso)
O sociólogo considera que o poder simbólico que circunda o mundo social
é um poder econômico, político, cultural, dentre outros, “que está em
condições de se fazer reconhecer, de obter o reconhecimento, ou seja, de se
fazer ignorar em sua verdade de poder, de violência arbitrária. A eficácia
própria desse poder exerce-se não no plano da força física mas, sim, no plano
do sentido e do conhecimento.” (BOURDIEU, 2000, p. 60).
Compreende-se, como Bourdieu, que o vocabulário da dominação está
cheio de metáforas, mas, deve-se procurar nas palavras o princípio do poder
que elas em certos casos detêm. Como ele diz, as palavras exercem um poder
tipicamente mágico ao fazer ver, fazer crer, fazer agir. No entanto, como na
magia, é preciso perguntar onde reside o princípio dessa ação. “O poder das
palavras só se exerce sobre aqueles que estão dispostos a ouvi-las e a escutá-
las, em suma, a crer nelas (...) Se o trabalho político é, quanto ao essencial, um
trabalho sobre as palavras, é porque as palavras ajudam a fazer o mundo
social”. (Bourdieu, 2000, p. 61).
Sob este aspecto é que se considera que as palavras contidas nos
noticiários cotidianos referentes à escola Complementar de Piracicaba na
64
Gazeta de Piracicaba no período de 1897 a 1911 se constituíram de um poder
simbólico econômico, político, cultural, dentre outros, próprio do momento
histórico republicano, impregnado de um ideal otimista e progressista em
relação à nova ordem social emergente.
Os sistemas escolares, como considera Bourdieu, assumem como
função inculcar a cultura. Mas, acontece que essa cultura é socialmente
distribuída de maneira desigual. A escola, como instituição social, carrega em
sua educação formal uma mensagem subliminar produzida com repercussão
no inconsciente. Por vezes esta representação tem ficado limitada a um poder
formal e impessoal, mas, indiscutivelmente, sempre teve e tem repercussões
na construção cultural de novas segregações e (re) produções.
2.4- Critérios adotados para a seleção dos discursos
Os documentos escolhidos para o estudo passaram por um critério de
seleção onde se identifica, no jornal Gazeta, a associação da República e da
Instrução Pública. A seleção dos dados, ao privilegiar notícias relacionadas à
Escola Complementar, considerou esta instituição como um espaço escolar
imerso em um contexto sócio-cultural que contribuiu significativamente para
sua legitimação na sociedade, isto é, o contexto da ordem e do progresso
segundo a filosofia positivista. Vale destacar, ainda, que a pressa em
implementar o modelo europeu de educação - trazido por Benjamim Constant
ao Brasil - vai fazer com que a Escola Complementar se afaste de seu objetivo
65
inicial que era o de ser um espaço educacional de formação intermediária,
passando a se consolidar como de formação de professores. Este
deslocamento funcional da instituição compromete os objetivos propostos pelos
republicanos, observados quando consideramos a exaltação pelo ensino
público e a qualidade de ensino ofertada/prometida.
Por que, então, não foi escolhido o Grupo Escolar ou mesmo a Escola
Normal para se falar da educação apresentada no jornal Gazeta? Por que foi
escolhida a Escola Complementar? As respostas a estas perguntas serão
melhores exemplificadas na medida em que os artigos forem analisados.
Contudo, é possível adiantarmos que essa transformação funcional da Escola
Complementar foi que gerou a razão dessa opção, visto que a transformação
simboliza um projeto republicano com fragilidades em seus alicerces de
consolidação.
Nas mudanças propostas inicialmente pelos republicanos não cabia
qualquer flexibilidade nos objetivos e na práxis dos mesmos, ao contrário, o
discurso era coeso, coerente e articulado e assim devia ser implantado. Isso
não significa afirmar que se tivesse tudo ocorrido como o projeto republicano
defendia para a Educação, as crises no sistema educacional teriam sido
evitadas. Reporta-se apenas para a força do discurso positivista no construto
da política educacional republicana e busca-se desconstruir os mitos criados na
invenção da construção da República, tal como a igualdade de direitos de
acesso ao ensino por todos.
66
Os textos selecionados e por sua vez os excertos deles recortados,
poderão auxiliar nessa linha de raciocínio. As categorias definidas emergiram
dos próprios textos selecionados sobre a Escola Complementar de Piracicaba
e foram as que demonstraram ser mais relevantes para a análise. São elas:
1) notícias sobre a rotina administrativa-burocrática – matrículas,
notas de licitações, divulgação de aprovação dos alunos etc.
2) notícias de natureza cultural/social – eventos que ocorrem
envolvendo os integrantes da escola: festas, formaturas,
celebrações cívicas etc.
3) Notícias de natureza educacional – artigos que discutem a
qualidade de ensino, a formação de professores, a articulação
políticas públicas e ensino etc.
Esta última categoria foi definida a partir de textos que não
necessariamente estavam diretamente relacionados à Escola Complementar.
É que, por vezes, os textos escolhidos foram revelando questões mais gerais
sobre o ensino público local e nacional apontando para uma dimensão de
contexto mais ampla e significativa para a análise e compreensão do lugar da
Escola republicana que entendemos em dialética com a sociedade.
Essas categorias, no próximo capítulo, estarão dialogando de modo
articulado com os diferentes excertos selecionados para a pesquisa. Vale a
nota de que os excertos foram selecionados em um primeiro momento pelo ano
67
de sua publicação. Como o trabalho pretendeu abarcar o período de 1897 a
1911, e nesse período mostrar que o jornal mantém-se por todo o tempo atento
às questões voltadas à Educação, entendeu-se que seria representativo
analisar excertos destes dois períodos. Utilizou-se preferencialmente os
excertos dos anos de 1897 e 1911, mas, também foram analisados excertos de
1898 e 1910. Em um segundo momento, foi feita a seleção do que se entendeu
como relevante para discutir tanto a Educação quanto a Escola Complementar
em Piracicaba. Em um terceiro e último momento procurou-se analisar os
excertos pela temática que eles possuíam e encontrar nesses anos (separados
por um pouco mais de uma década) uma temática comum.
68
CAPÍTULO 3
A ESCOLA COMPLEMENTAR NA GAZETA DE PIRACICABA:
ENTRECRUZANDO NOTICIÁRIOS COTIDIANOS E OS DISCURSOS DA
1ª. REPÚBLICA
Neste capítulo serão apresentados alguns dos excertos extraídos dos
noticiários veiculados no período de 1897-1911 pela Gazeta de Piracicaba
sobre a Escola Complementar. As análises dos conteúdos desses excertos
serão apresentadas segundo as categorias indicadas anteriormente e
obedecendo as etapas sugeridas por Bardin (1991) quais sejam: pré-
análise (organização do material documental), descrição analítica (estudo
aprofundado do material que vai se constituir no corpus da análise,
orientado pelas questões norteadoras da pesquisa e referenciais teóricos) e
interpretação inferencial (fase de reflexão embasada pelos materiais
empíricos, estabelecendo-se relações e aprofundando as conexões das
idéias, sobretudo desvendando o conteúdo latente que os documentos
analisados possuem).
Vale destacar, finalmente, que na transcrição dos excertos foi
respeitado o português que era de uso do jornal.
69
Excerto 1
GAZETA DE PIRACICABA
Completou hontem quinze annos a nossa Gazeta de
Piracicaba.
Quantas vicissitudes passadas, quantos
desfallecimentos solfridos, quantas difficuldades
vencidas, só pode avaliar quem já lidou no
jornalismo do interior.
Quinze annos de existência para um humilde orgam
da imprensa provinciana já é uma grande victoria.
Que somma de sacrifícios não representa a
conquista dessa vantagem?
Apezar de todas as vicissitudes, porque tem
passado desde o seu inicio, a Gazeta conservou
sempre a sua orientação de orgam republicano.
Desde esse tempo tem procurado bem servir os
interesses do município, e há cerca de 6 annos que
ella só vive por Piracicaba e para Piracicaba.
Não fosse o amor intenso que sentimos por nossa
terra, e não fosse a enorme vergonha de Piracicaba
não possuir um só jornal, que há um muito tempo
teria deixado de existir a Gazeta, tal é a somma de
sacrifícios que a sua manutenção tem imposto.
Em grande parte essa manutenção é devida á
generosidade do partido republicano que mais de
uma vez tem supprido os nossos defficits, por meio
de subscripções entre os co – religionarios.
Esperamos que d´ora em diante não mais teremos
neccessidade de recorrer ao auxilio dos
companheiros políticos porque à frente da
administração do periódico está um cidadão activo e
econômico, todo elle – amor e dedicaçção pela
Gazeta – o seu editor e nosso distincto amigo
Manoel José Ribeiro de Magalhães, que dessa
posição só pode auferir uma insignifincante
remuneração pelo seu ingente trabalho.
Quando no princípio do anno fomos obrigados a
suspender a publicação da Gazeta, ex-vi do
abandono em que a deixára o seu editor, farto dos
proventos que lhe tinham creado a independência,
não tínhamos mais esperança de vel-a ressurgir à
70
tona da publicidade: e foi então que nos lembramos
da índole serviçal e desinteressada do nosso amigo
Ribeiro Magalhães, e delle conseguimos que
puzesse ás costas o pezado encargo de administrar
a Gazeta. Eis ahi porque Piracicaba ainda conta um
orgam de imprensa. (GAZETA DE PIRACICABA
12/06/1987)
Análise
O início com este excerto das análises foi intencional, já que, no momento
em que o mesmo foi lido pensou-se na quantidade de idéias significativas e
relevantes ali registradas para compreendermos o ideal que a Gazeta defendia
e assumia em seus princípios. É um texto que esclarece o seu leitor e o que ele
usa para se inteirar do seu cotidiano. Para exaltar a data de aniversário do
jornal, o autor do texto (não identificado no jornal), transcorre por meio da
história desse órgão nos ideais que esse defende em sua atividade e nas
dificuldades que essa imprensa obteve no decorrer dos seus quinze anos de
vida.
Verifica-se nesse excerto que a Gazeta é, sem dúvida, um jornal
republicano. Nascida para defender a bandeira da República e do
abolicionismo, será um órgão utilizado pelos republicanos para divulgar,
justificar e esclarecer o cidadão que reside em Piracicaba de seus projetos e
suas ações sociais.
As dificuldades enfrentadas por esse jornal em seu processo inicial foram
nesse trecho exploradas de forma a fazer pensar no compromisso quase que
missionário que os construtores desse órgão atribuíam à Gazeta.
71
Evidencia-se uma visão romântica do jornalismo. É o jornalismo como um
instrumento de formação da cidadania moderna. De acordo com Terci (1997)
a Gazeta enfrentava em 1897 uma grande indiferença do meio social, desse
modo sua manutenção via partido político ou governo era essencial para sua
atividade permanente.
Em diversos momentos esse jornal tem a sua história de vida amarrada à
história do Partido Republicano. O que garantia a existência do periódico e até
do partido, era o poder político que os engajados no partido conquistaram em
Piracicaba. A homenagem a Manoel José Ribeiro Magalhães, editor do jornal,
nada mais é do que a exaltação de mais um personagem que defende a
República e que faz de sua vida um instrumento dos ideais republicanos. É a
construção do herói republicano. É também a chamada para outros “heróis”.
Divulgar que ele assumiu o que estava falindo por uma ideologia é
praticamente contribuir para uma imagem de sociedade que está despertando,
por meio de pessoas como Manoel, para a civilidade e democracia almejada
internacionalmente por todo o Ocidente, e que portanto merecia ser cultivada e
consolidada.
O jornal o transforma em um ser vencedor por sua atividade cotidiana. De
acordo com Terci esse grupo defensor do novo regime político e da própria
política republicana consegue prestígio pessoal. Com o passar do tempo isso
viabiliza a ascensão social individual ao colocar disponível para cada um desse
72
grupo, declaradamente republicano, o papel de guia do público ou mesmo,
disponibilizar a eles cargos públicos.
Por todo o texto é possível perceber que o autor se refere ao jornal
Gazeta como se esse órgão fosse uma entidade. Um ser. E um ser que ama a
sua cidade. É uma representação do cidadão piracicabano na medida que luta
para sua sobrevivência em um lugar provinciano. Assim como o seu editor
Manoel. É um espaço mais do que civil. Para o autor não identificado, é a
existência desse espaço de comunicação que garante a Piracicaba uma
vantagem frente a outras cidades do interior.
Para concluir essa análise entende-se ser relevante salientar que o fato
desse jornal ser o único na cidade não significa que todos em Piracicaba eram
republicanos. Havia aqui também os monarquistas, mas, eles não encontram
nessa imprensa um espaço de debate. Ao contrário, sofrem retaliações na
Gazeta toda vez que se manifestam politicamente na cidade.
Excerto 2
VIVA A REPUBLICA!
Oh! Soldado valente que cahiste sacrificado no altar
da Pátria, ressurge e vinde dizer ao povo brazileiro
que sois um heroe, que sois o prototypo dos
defensores da Republica!
Oh! Moreira Cezar ressurge como o Cid para plantar
victoriosa a bandeira da Pátria em ponto
inaccessível aos seus inimigos!
Valoroso entre os mais bravos, disciplinado entre os
mais correctos, perdeu a Republica neste desastre
um dos mais sólidos sustentáculos, perdeu o
73
glorioso exercito brazileiro um dos seus mais
brilhantes e notáveis officiaes.
Parece incrível. Doe-nos acreditar que Moreira
Cezar, o glorioso soldado que combateu a revolta,
cuja mão férrea como o raio feria os inimigos da
Republica, fosse agora morrer estupidamente, entre
uma horda de fanáticos, bandidos e assassinos!
Ai de vós monarchistas! Si a morte do heróico
soldado heróico não é extranho o interesse político
que representais, temos medo de acreditar!...
...Seria impossível evitar uma hecatombe.
Uma onda invencível de indignação e uma sede
insaciável de vingança seriam os propugnadosres da
defeza da Republica. Ai dos seus inimigos!
(GAZETA DE PIRACICABA 11/03/1897)
Análise
Também esse excerto foi selecionado intencionalmente para que tenha
mais algumas referências de contexto sobre o ideal do jornal Gazeta para
nossas análises relativas à educação da época e da Escola Complementar.
Esse texto faz referência ao assassinato de um determinado militar
republicano, soldado que foi a combate em Canudos e lá, durante a luta
recebeu uma bala. O autor também não é identificado, o que nos faz pensar
que são os articulistas do jornal que escrevem essas matérias. Verifica-se que
há quase uma ameaça esse artigo. Uma ameaça aos monarquistas da cidade
de Piracicaba.
Mas, como já foi discutido historicamente, o movimento de Canudos,
liderado por Antonio Conselheiro, foi um movimento político com princípio
religioso. Sua origem se deveu aos problemas financeiros e sociais que o
interior da Bahia estava vivendo: desemprego, latifúndio improdutivo e seca
74
principalmente, entre outras motivações também de ordem pessoal e grupos
considerados de minoria como mulheres e negros.
Apesar de o governo divulgar que esse movimento era contra os
republicanos, os revoltosos nunca se colocaram como contestantes do regime
recém-adotado. Contudo, foi essa imagem que o governo passou do
movimento de Canudos e isso fez com que esses manifestantes recebessem a
antipatia do sudeste. O jornal Gazeta de Piracicaba mostra bem a repercussão
desse equívoco de leitura sobre o evento nesse dia.
Só de imaginar que essa guerra começou para defender o regime
republicano de monarquistas, faz com que no dia onze de março de 1897,
praticamente toda a primeira página do jornal seja dedicada ao apoio aos
soldados republicanos e apresentar o repúdio do jornal ao antigo regime e seus
adeptos.
Esse é o espaço que os monarquistas encontraram na Gazeta. O espaço
da retaliação, do confronto. Sem direito a retórica. Não há nenhuma publicação
que tenhamos encontrado oferecendo o direito da resposta a esse grupo
denominado pelos republicanos como atrasados, imorais, fanáticos e inimigos
– o próprio excerto assim denomina (fanáticos e inimigos) atribuindo
culpabilidade dos monarquistas na morte de Moreira Cezar.
Nesse sentido, este será mais um “herói” republicano que entrega sua
vida aos ideais e projetos que prometem a “ordem e progresso”. É a defesa da
75
modernidade que está posta. Do pensar que esse é o caminho para felicidade
da Nação.
O conceito da modernidade, e aqui é entendido como Marshall Berman,
está comprometido com aventura, poder, alegria, crescimento,
autotransformação e transformação da matéria que está ao redor. “Isso está
claramente casado com a destruição de tudo que temos. De tudo que
sabemos. De tudo que somos”. (BERMAN, 2006, p. 15)
Essa raiva, esse ressentimento dos republicanos pelos monarquistas e
vice e versa pode ser pensado como a resistência do novo regime pelo antigo,
e do antigo pelo novo. É a tradição que está sendo confrontada. Não é um
despropósito essa promessa de vingança. Não é um despropósito esse
assassinato supostamente feito por monarquistas. Foi assim que se defendeu,
naquele momento, ideais e propostas de vida para a sociedade.
O jornal Gazeta, nessa matéria de primeira folha, retrata sua indignação e
seu repúdio a tudo que possa contrariar os pensamentos e projetos
republicanos. Ele cria um novo herói e o transforma em símbolo de luta. Como
se os republicanos e mesmo o cidadão comum tivessem que entender naquela
morte uma afronta à sua forma de vida que deveria ser, segundo o jornal, pela
e para a modernidade proposta pelo republicanismo.
Observa-se nos excertos 1 e 2 que dessa forma instrumentos para se
consolidar a República foram construídos. A imprensa e a instituição pública de
ensino são dois desses órgãos que a República nacional apresentou para a
76
sociedade brasileira. Ambos já existiam no Império, mas, a República fez deles
sua extensão. Como se eles fossem um poder a parte que garantem o sucesso
e permanência desse regime.
Esses órgãos se misturam. E essa consciência de que a imprensa
trabalha com educação é expressa por uma reflexão de Barbosa Lima
Sobrinho:
Para os defeitos que se registram na imprensa há,
pois, muitos responsáveis e não é possível emenda-
la agindo tão somente contra um dos três culpados
[o público, a própria imprensa e o governo]. É
necessário cuidar de providenciar para os outros.
Mas elevar o público, educá-lo, corrigindo-lhe a
moralidade, não é obra para uma geração. Às vezes
resulta impossível... Há defeitos na imprensa
incorrigíveis e diante dos quais é preciso cruzar os
braços, pelo receio dos danos imensos que qualquer
intervenção acarretaria. Esclareça-se o espírito
público, difunda-se a instrução e entregue-se à
educação o preparo de caracteres; à medida que
esse esforço venha atuando, a imprensa
naturalmente se elevará. (LIMA SOBRINHO, 1997,
p. 187)
Nos próximos excertos que serão analisados, a educação aparecerá de
forma mais evidente, em especial a Escola Complementar. Os excertos até
agora trabalhados tinham como propósito apresentar o olhar da Gazeta de
Piracicaba para sua própria história e o diálogo que ela travava com seu
contexto sócio-cultural.
77
Excertos 3, 4 e 5
ESCOLAS ESTADUAES
Uma notícia, publicada pela imprensa da capital e
por nós em data recente transcripta, registra o facto
de ser intenção do governo do Estado fazer
construir, em todas as sedes de municípios, edifícios
apropriados para o funccionamento das escolas
estadoaes.
(...) As nossas escolas primarias, na sua totalidade,
funccionam em prédios particulares, construídos
para vários destinos e, mesmo por isso, falhos das
condições mais elementares em tal utilisação.
Adaptações se não fazem, visto que, construídos
para fim diverso – moradia, em geral – taes
immoveis só accidental e temporariamente são
occupados por escolas.
O resultado – profundamente lamentável, forçoso é
confessa! O é que a mor parte das nossas escolas
isoladas carece de ar, de luz e de accommodações,
sem as quaes o ensino se não póde fazer, por maior
que seja a dedicação do professor, com a desejável
proficuidade.
São esses inconvenientes, por sua natureza
gravíssimos, que o governo do Estado visa sanar
com a acertada providencia que ora se fala em pôr
em pratica.
Quando ella for uma realidade tangível, quando cada
escola publica em sede de município funcionar em
prédio próprio, indubitavelmente teremos dado mais
um largo passo na senda que vimos trilhando com
brilhantismo. (GAZETA DE PIRACICABA
06/08/1910)
O EDIFICIO DO GRUPO ESCOLAR
O edifício publico mais bonito que existe em
Piracicaba é o edifício do Grupo Escolar.
78
É mais bonito do que o Mercado Municipal, que é
muito cômodo e sólido, mas algum tanto chato.
É mais bonito do que a Cadeia Nova, si bem que
esta, pela sua posição topographica, lhe leva as
lampas quanto ao effeito scenico do horisonte.
(...) É mais bonito do que a igreja dos frades, cujas
estatuas exteriores distinguem-se dos judas porque
não estão sobre palmitos.
Enfim, como dizia a principio, o edifício destinado ao
Grupo Escolar é o edifício publico mais bonito da
nossa pitoresca cidade.
Elle bem merece, pois, em torno de seu corpo, um
delicado jardim, circumdado de gradil de ferro, em
cujas flores a puerícia estudiosa veja symbolisada a
ternura da Terra, tão nobre, tão sugestiva, tão
consoladora como a philosophia qu ella creou pela
bocca do santo, do divino, do immortal Spinosa.
ANTONIO PINTO DE A. FERRAZ (GAZETA DE
PIRACICABA 25/03/1897)
ESCOLA COMPLEMENTAR
Por não haver no respectivo edifício sala que
comportasse o numero elevado de alumnas do 1º.
Anno, vai elle funcionar no prédio situado á esquina
da rua do Rosário com a rua Prudente de Moraes.
(GAZETA DE PIRACICABA 08/02/1911)
Análise
Observamos que esses excertos possuem o mesmo tema apesar do
tratamento e período serem distintos.
O primeiro excerto é de 1910, o segundo 1897 e o terceiro 1911. Cada
um deles possui uma motivação diferente para se referir ao mesmo assunto: a
instalação física da educação pública.
79
Iniciando a análise pelo primeiro excerto observa-se que este discorre
sobre a necessidade de se construir espaços físicos diretamente voltados para
o ensino público. Ele faz uma crítica ao fato das escolas de Piracicaba
ocuparem espaços que nunca foram pensados como próprios para a formação
instrucional, onde por vezes até residências foram ocupadas emergencialmente
para ali se instalar a escola. De acordo com o jornal esse despreparo de
espaço físico inviabilizava o processo educativo, isentando o professor do
ensino que era feito sob essas condições.
Para terminar, o excerto faz menção e elogios ao atual regime que se
propôs a patrocinar a construção de lugares próprios para instrução pública.
Isso se apresenta no jornal como mais uma medida digna de um regime que se
propõe a lutar pela civilidade nacional. Trilhar um caminho estreito, uma senda.
É assim que esse jornal republicano entende como forma de se consolidar o
regime republicano definitivamente.
No entanto, ao refletir sobre esse excerto, pode-se entender também que
ele isenta o próprio governo republicano de inaugurar tais instituições escolares
em espaços tidos como impróprios para alojar escolas estaduais. E, ao isentá-
lo de construir essas escolas republicanas, desde as suas origens em espaços
próprios para a educação formal, a notícia exalta e parabeniza o atual regime
por pensar nessa construção.
O terceiro excerto notifica, em uma nota rotineira, administrativa, a falta de
espaço físico que os alunos matriculados na Escola Complementar
80
enfrentaram para estudar nessa instituição. Já havia se passado um ano do
anúncio de que o governo faria a distribuição de verba com a finalidade de
construir novos prédios voltados para a educação. E, ao que tudo indica nas
notícias, isso ainda não havia sido efetivado.
É possível perceber, ainda, que essa nota aparentemente administrativa
não faz nenhuma abordagem crítica ou mesmo não apresenta nenhuma
reflexão que responsabilize o governo republicano por essa alteração de
endereço. É o que se entende como um discurso subliminar, ou seja, onde se
procura naturalizar uma situação-problema.
O segundo excerto, no entanto, discorre sobre o Grupo Escolar com a
paixão que os republicanos apresentavam pela formação primária e, o autor,
nesse caso em particular, pelo ensino elementar. Ao elogiar o prédio, destacá-
lo até mesmo frente a outras estruturas que simbolizam a modernidade
almejada pelos republicanos, o autor do texto Antonio P. de A. Ferraz elege,
poeticamente, pela estética do prédio no qual se fixa o Grupo, o que lhe é mais
importante de todas as estruturas construídas pelo republicanismo: a instituição
que prima pela formação elementar.
Vale concluir essa análise pensando a partir dos diferentes olhares dos
republicanos que, através do jornal, refletem sobre a instrução pública em
Piracicaba. A escola é tida como espaço físico que está comprometido com a
formação da Nação brasileira. Comprometido com a formação da identidade do
Brasil. O jornal Gazeta, a partir da missão que ele se propôs ao defender o
81
espaço físico de ensino, ao exaltar esse lugar da educação e, até mesmo, ao
notificar uma alteração de endereço desta instituição, se apresenta como um
órgão que olha para a escola de forma política, cultural e a considera ativa
socialmente.
Entende-se, desta forma, que este jornal, que se apresenta como um
órgão republicano, se compromete em acompanhar as transformações pelas
quais as instituições de ensino de Piracicaba pudessem vir a passar, e mais,
como defendê-las na medida em que são espaços republicanos.
Excerto 6
ESCOLA COMPLEMENTAR
Realizou-se hontem ao meio dia a installação da
Escola Complementar, que funciona sob a direcção
do sr. Antonio Alves Aranha.
(...)aberta a sessão o presidente deu a palavra ao
Dr. Antonio Pinto que produziu um dos melhores
discursos que temos ouvido.
O talentoso orador durante uma hora prendeu a
attenção do auditório discorrendo proficientemente
sobre a instrução popular, relacionando-a com a
idéia de liberdade, pelo que em phrases felizes
evocou no dia de hontem, 21 de abril, a memória de
Tiradentes.
Perpassando os olhos pela historia antiga o erudito
orador fez surgir duas das figuras mais grandiosas
desse período – Alexandre o Conquistador, e
Aristóteles, o cérebro mais bem organisado da
antiguidade, tornando sallente que emquanto a obra
de Alexandre, o guerreiro, construindo uma collossal
monarchia, não foi duradoura, os trabalhos
82
scientificos de Aristóteles o philosopho, frutificam
ainda hoje em todos os ramos dos conhecimentos
humanos, pela applicação do methodo indutivo do
qual foi elle o creador.
Sentimos deveras não poder reproduzir aqui a
magnífica peça de erudição acadêmica do talentoso
dr. Antonio Pinto. Apenas notamos que s.s. terminou
saudando a instrucção, no meio de palmas e
applausos dos circumstantes.
Em seguida em eloqüente improvizo o professor
Mello Cotrim, congratulou-se com Piracicaba pela
installação da Escola Complementar, que veio
satisfazer uma palpitante neccessidade da nossa
instrucção publica.
Falou ainda o dr. Antonio de Moraes saudando o dr.
Antonio Pinto como genuíno representante da
instrucção pelo seu peregrino talento, vasta erudição
e aturado estudo, e finalmente o sr. Antonio Alves
Aranha, digno Director da Escola, agradeceu em
phrases sinceras o comparecimento de todos,
convidando-os para tomarem um copo de cerveja.
Enxutos os copos e as garrafas, retiraram-se todos
bem impressionados com a ordem, asseio e arranjo
co-ordenado do edifício e de todos os utensílios
escolares. (GAZETA DE PIRACICABA 22/04/1897)
Análise
Esse excerto, sem dúvida, carrega o que entendemos como o discurso
mais apaixonado do jornal pela Escola Complementar. Fala da esperança que
se depositou nessa instituição de ensino. Talvez o autor deste excerto quisesse
reproduzir o discurso do doutor Antonio Pinto para defender essa educação
pública junto com o orador. Fica nessa análise uma tentativa de saudar a esse
jornalista. Seu discurso funcionou. Sua linguagem simples, direta e
entusiasmada demonstra com profundidade o que significava para os
83
intelectuais de Piracicaba encontrar um espaço destinado às formações dos
que ali residem.
Vamos recordar o lugar que a Educação assumiu para a União. Não é
uma medida com origem nacional o ingresso da população no mundo letrado.
Esse projeto de alfabetização é um projeto que sociedades tidas como
modernas adotaram em suas culturas e passaram a exigir das sociedades com
as quais mantinham relações diplomáticas. Então, apesar da educação pública
ser um espaço valorizado pelos republicanos de Piracicaba, por exemplo, é
também um espaço que foi deixado pela União como responsabilidade dos
Estados Federados durante a República e no Império para as Províncias.
O jornal e a educação pública, lugares tidos como distantes da
religiosidade, serão espaços destinados às reflexões laicas. A imprensa
republicana, mais livremente, com todo o respeito que se era exigido para com
a religião, se desobriga em discutir assuntos de natureza confessional. A não
ser que abster-se dessa discussão significasse aos olhos desse órgão,
prejudicar a consolidação do regime republicano. Na escola o mesmo princípio.
O ensino laico acontece nas escolas públicas e o confessional passa a
ser combatido. A Gazeta de Piracicaba se posicionou frente ao ensino
religioso, apesar de ser um trecho que não incluímos nos excertos a serem
analisados.
Vale a pena colocar a posição da mesma sobre o ensino religioso nas
escolas estaduais.
84
De acordo com a Gazeta a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro recebeu de um deputado um projeto a ser aprovado que permitiria o
ensino religioso nas escolas públicas. A Gazeta entende que esse projeto é
inconstitucional e lamenta a deliberação dada pela Assembléia. O projeto não
foi efetivado porque a Comissão de Instrução Pública indeferiu o mesmo. No
caso ele precisaria dessa aprovação para ser posto em atividade nas escolas.
O jornal Gazeta de Piracicaba assim demonstra sua indignação frente tal
projeto:
Teria, em face da legislação republicana, direito o sr.
Deputado de apresentar o seu projeto?
Certamente, não. Quer a Constituição federal, quer a
do Estado do Rio estabelecem a separação
completa entre o civil e o religioso, ipso facto,
impondo, como corollario desse principio, o ensino
leigo nas escolas publicas.
Por esse simples facto que o mais rudimentar bom
senso apprehende, vê-se o quanto de illegal tem o
projecto do sr. Deputado Leite Carvalho(...).
(...) Que teima do sr. Leite de Carvalho!
Apresentando o seu absurdo projecto o sr.
Deputado estabeleceu o seguinte dilemma: ou
desconhece uma das clausulas primordiais da literal
Constituição republicana ou sophisma para servir ao
appetite reaccionário de uma seita.
(GAZETA DE PIRACICABA 17-10-1897)
Pelo exposto, não era somente o prédio educacional que era percebido
pela Gazeta. Mas todo o conjunto sociocultural que envolvia o ensino público,
até mesmo o que se aprendia nesse espaço. Esse jornal, em sua aparente
preocupação com o ensino público, também demonstrava um olhar de defesa
85
do mesmo na medida em que esse representava um dos alicerces para a
sustentação da República.
Se a proposta era construir uma nova mentalidade sociocultural, logo, o
ensino laico com fundamentos racionais (positivismo) foi adotado pelos
republicanos como princípio para a Educação pública.
No discurso que o doutor Antonio Pinto, de acordo com a Gazeta, faz
sobre a inauguração da Escola Complementar, sobressai para nós a retomada
de Aristóteles. Até onde entendemos, a Escola Complementar poderia até
estar sendo pensada como uma procura pela razão.
É grande o risco de falar de um discurso não transcrito. Mas, vale
observar o texto do articulista do jornal, o qual fez daquele momento algo
memorável no que tange à história da educação. Transforma um evento
particular a um contexto em que um evento pode representar toda a euforia
que a modernidade de proposta educacional despertava.
Para concluir esta análise, buscou-se realizar uma reflexão no sentido de
que os conceitos buscados pelos republicanos, ao pensar em sociedade civil,
articulavam progresso, civilização, liberdade e pátria, conjeturando por meio
desses conceitos o ideário republicano. Isso posto, destacaríamos também que
todos esses princípios perpassaram o ensino proposto por esse novo regime,
incluindo aqui o direito de todos ao mesmo, ainda que teoricamente.
86
Excertos 7 e 8
A INSTRUCÇÃO
Feliz da nação, cujo povo sabe acolher
devidamente, venerar e comprehender, a
sublimidade que encerra um estabelecimento de
ensino.
Ella ver-se-há forçosamente feliz, porque o ensino
traz a instrucção e a instrucção a paz –
principalmente bases para o engrandecimento e a
felicidade de um povo! (GAZETA DE PIRACICABA
27/02/1898)
ESCOLA COMPLEMENTAR
Os srs. José Eurico D. Martins Antonio Augusto
Simões Pires Junior, Antonio Branco, Higuiville
Hentz e José de Mello Gouvêa, em visita hontem
feita a este estabelecimento, consignaram no livro
de impressões as seguintes linhas: “Deixamos aqui
bem patente a nossa optima e agradável impressão,
em visitando a Escola Complementar de Piracicaba,
já pelo modo pelo qual aqui se ministra a instrucção,
já pela delicadeza e polidez dos seus professores e
alumnos.
Deixamos egualmente patente os nossos protestos
de agradecimentos ao digno director pelo modo com
que nos acolheu. (GAZETA DE PIRACICABA
07/08/1910)
Análise
O que esses excertos têm em comum? O entusiasmo pela educação.
O primeiro excerto faz isso expressando as suas expectativas de futuro se
a educação for entendida como base para a sociedade almejada pelos
87
modernos. O segundo excerto demonstra afetivamente o tipo de educação
esperada. A educação modelo esperada para um povo civilizado.
A educação, em ambos os excertos, aparecem discutidas por meio do
estabelecimento de ensino: a escola. O conceito de escola significava um lugar
especializado que possuía uma função predefinida – espaço do trabalho
docente e do ensino. (SOUZA, 1998).
Como foi sinalizado no primeiro excerto é a paz que se busca atingir. A
paz e a felicidade. Mas, isto é posto na medida em que a escola, enquanto um
espaço republicano, é entendida como um lugar de superação do atraso.
O prédio escolar é formado por salas de aula, jardins, corredores, pátios,
banheiros grandes que podem usar concomitantemente mais de uma pessoa
no geral. Andar e conviver com o outro nessa dimensão física significa também
aprender a ética e os movimentos de corporeidade que são ali exigidos.
(SOUZA, 1998).
Aprender isso significava lapidar as relações. E isso, no segundo excerto,
aparece claramente nos elogios deixados no caderno da escola. O
comportamento é por todo o tempo referência para demonstrar civilidade e
moralidade dos que usam deste estabelecimento.
Era fundamental que o discente percebesse que mesmo dividindo o
espaço físico com o professor e o auxiliar, ele soubesse que seu lugar era de
aluno. Sua relação de igual era com outro aluno. Com o professor, sua relação
mudava completamente seu comportamento. Com o auxiliar também. Apesar
88
da proximidade física, fica posta a distância nos lugares em que cada um
ocupa nesse espaço destinado ao ensino. O próprio ensino escolar “cresce”
nessa perspectiva. E aqui falamos que ele cresce no sentido de ampliar seus
paradigmas de atuação no discente.
O ensinar passa a significar também disciplinar o corpo do discente.
Disciplinar esse corpo na sua relação com autoridades – aluno com professor,
por exemplo. Disciplinar esse corpo na sua relação com seus semelhantes –
aluno com aluno, por exemplo.
Essa forma de se estabelecer as relações é que determinou o ritmo e o
método da educação que seria utilizado no ensino das disciplinas. É como uma
teia. Um microcosmo, como chama Souza (1998), um microcosmo que produz
em dialética com o social o indivíduo para essa sociedade. Mas, uma
sociedade que possui esse estabelecimento – a Escola. (grifo nosso)
É um mundo não segregado, mas, distante do ritmo da cidade. Suas
regras foram pensadas com o objetivo de disciplinar o indivíduo que ali
freqüenta. Muitas vezes distanciar-se da sala de aula significava respirar com
um pouco mais de “liberdade”. Por exemplo, e aqui adoto o exemplo de Souza
(1998, p.141): “ir ao banheiro era uma excelente oportunidade para gazear,
vadiar um pouco”.
Ordem, limpeza e disciplina são componentes primordiais para
uma boa organização escolar, fazem parte de um conjunto de
dispositivos de contenção dos gestos, dos instintos, das
emoções. (SOUZA, 1998, p. 143)
89
Ao mesmo tempo em que esse espaço era para transformar o
comportamento físico também era para discipliná-lo para o social. Também, ao
mesmo tempo era um lugar de encontros. Um espaço de convívio para a
criança e o adolescente, até mesmo o adulto. Será na escola que muitas
amizades ou mesmo, inimizades, foram construídas. Souza (1998) salienta que
esses encontros e convívios se davam em lugares como os corredores, os
banheiros e os pátios escolares.
Vale lembrar que esses prédios nem sempre foram construídos com a
finalidade de serem escolas. A própria Escola Complementar funcionou na
casa onde ficava a “Sociedade Propagadora de Instrução de Piracicaba”. Isso
por vezes tornava o espaço inadequado para o ensino comunitário. Mas,
mesmo assim, a autoridade e a disciplina eram exigidas dos discentes que
nessa escola, por exemplo, se matriculavam.
Excertos 9, 10 e 11
ESCOLA COMPLEMENTAR DE PIRACICABA
Matriculas para o 1º. Anno
Faço publico que de 22 do corrente em diante
estarão abertas, no edifício da Escola, as matrículas
para o 1º. Anno do curso complementar.
Será admitido á matricula o alumno ou alumna que
exhibir certificado de habilitação geral nos estudos
preliminares, e na falta desse certificado o candidato
será submetido a um exame de habilitação, feito
90
sem tempo e ponto determinados, sendo que esse
exame versará sobre as matérias do curso
preliminar.
Alem da prova de habilitação os candidatos devem
provar que não padecem de moléstias contagiosas
ou repugnantes, e terem sido vaccinados ou
affectados de varíola. (GAZETA DE PIRACICABA
17/02/1897)
ESCOLA COMPLEMENTAR
Começarão hoje a funccionar regularmente as aulas
deste estabelecimento.
Por falta de vagas não se matricularam 54
candidatas approvadas nos exames, como se viu
pela lista que hontem inserimos. Concorreram em
1911 à matricula do 1º. anno deste estabelecimento:
Candidatos do sexo masculino 47
Candidatos do sexo feminino 105
Total 152
(GAZETA DE PIRACICABA 01/02/1911)
CURSO DE PREPARATORIOS
Os abaixos assignados communicam ás pessoas
interessadas que no dia 6 do corrente começará a
funcionar, à rua do Commercio, 173, um curso de
preparatórios para as Escolas Complementar,
Agrícola, Commercio e Gymnasios do Estado.
As aulas funccionarão da 1 da tarde ás 4.
As matrículas acham se abertas desde já.
Fernando Lopes.
João Alves de Almeida.
(GAZETA DE PIRACICABA 17/02/1911)
Análise
Ao se analisar estes excertos pode-se perceber que a idéia da República
sobre educação para todos não deixou de ser uma teoria que nunca conseguiu
91
espaço para a sua prática. Vamos detalhar mais essa afirmação a partir desses
excertos.
O primeiro excerto faz referência à abertura das matrículas da Escola
Complementar. Tornar pública essa matrícula de fato se constituiu em
verdade, pois, todos da cidade ficaram cientes disso.
No entanto, não se deve esquecer que as crianças que moravam a mais
de 1 km da escola não tinham obrigação de freqüentar o ensino se fossem
meninas e, a mais de 1 km e meio, se fossem meninos. Isso significa que a
escola era feita para o bairro em que ela era inaugurada. No caso de
Piracicaba, tanto o Grupo quanto a Escola Complementar (representantes do
ensino primário público) foram inaugurados na região central da cidade. E ali
funcionaram durante o período que estamos pesquisando aqui.
Ainda sobre o primeiro excerto, pode-se chegar à conclusão de que
quem tomava ciência da abertura da matrícula não necessariamente possuía
condições iguais de disputar essa vaga para estudar. O próprio fato de se ter
um exame classificatório e eliminatório já fazia um processo de seleção entre
os indivíduos. Essa seletividade não deveria existir se fosse praticado o que
está no princípio da educação republicana brasileira que prega o ensino para
todos.
Casado com este fato, vale destacar o terceiro excerto que sinaliza a
existência de um curso preparatório para os interessados em fazer os exames
das escolas assinaladas. Esse cursinho era pago e não foi oferecido somente
92
em 1911. Por todo o período estudado, exceto 1897 e 1898, encontramos a
divulgação desse cursinho preparatório. Se o cursinho era pago então, quem
tinha acesso a ele necessariamente precisava ter recursos materiais e
financeiros.
Dessa forma, são identificados dois obstáculos para quem não possuía
recursos financeiros: o primeiro obstáculo seria a distância física para um
ruralista, por exemplo, poder matricular seu filho ou filha nesse estabelecimento
de ensino. O segundo obstáculo seria, no caso dele conseguir inscrever seu
filho ou filha para esse exame, se não tivesse dinheiro para pagar o cursinho
para seu filho(a) estudar, esse(a) estaria concorrendo com pessoas que
estavam melhores preparadas que cursar. Isto é, pessoas que tinham
condições de financiar o estudo para prestar esse exame.
No segundo excerto o que se pode perceber é que mesmo que o jovem
fosse aprovado, mesmo assim ele sofria o risco de não ingressar na Escola
Complementar por falta de vagas. Ou seja, a educação não era em sua prática
para todos. Mas, para poucos que tinham recursos materiais e físicos de
freqüentarem e viverem o universo escolar republicano. Na verdade, era uma
elite da sociedade que conseguia ingressar na Escola Complementar.
Quanto à Gazeta, importante observar que ela mesma será o palco de
apresentações destes discursos conflitantes dos republicanos.
Ela instiga a comunidade para o estudo, notifica a comunidade sobre a
falta de vagas para todos, divulga o processo seletivo que os interessados
93
tinham que passar para ingressar na instituição de ensino. Enfim, será a
Gazeta, o jornal republicano que vai fazer também a propaganda do cursinho
preparatório que objetiva viabilizar o ingresso da criança ou jovem para esse
universo escolar. É como se a própria modernidade selecionasse quem dela
poderia participar.
O jornal Gazeta, segundo esses excertos e nossa compreensão,
mais se revela como uma fonte de propaganda das modernizações do
período analisado, porém, ao mesmo tempo voltando sua propaganda
para poucos consumidores, ou seja, para apenas uma pequena elite da
sociedade piracicabana.
94
EM CONCLUSÃO
O objetivo desta pesquisa foi verificar como a imprensa local de
Piracicaba, no caso a Gazeta de Piracicaba, apresentou a política educacional
desenvolvida na Escola Complementar no período de 1897-1911. Ou seja,
analisar por meio deste jornal se ocorria um diálogo com a comunidade
piracicabana sobre a função social desta escola por meio da sua rotina
administrativa e político-ideológica.
Este objetivo foi alcançado. E a hipótese de que o espaço do jornal fora
utilizado com a finalidade de construir uma ideologia republicana para
consolidação da República quando ele analisa a realidade escolar ou
simplesmente traz uma nota meramente informativa sobre educação e/ou
ensino, também se confirmou.
As motivações que fizeram esse trabalho se concentrar no jornal como
fonte foram no início da pesquisa explicitadas. Inicialmente se tinha o interesse
de falar sobre a Escola Complementar por meio do acervo da atual Escola Sud
Mennucci. O grau de dificuldade para manusear o acervo ali existente tornou
inviável usar dessa fonte, dado o tempo de duração do curso do Mestrado. O
acervo encontrava-se muito desorganizado e sem catalogação.
Pensou-se em mudar a temática da pesquisa, mas, decidiu-se buscar
uma outra alternativa para não deixar de estudar esta escola republicana que
como foi apontado na Introdução do estudo foi /é tão cara não só em termos
95
afetivos como também acadêmicos, para esta pesquisadora. Foi então que se
decidiu analisar o jornal Gazeta de Piracicaba por perceber que ali existia uma
fonte de análise rica ainda pouca investigada sobre o tema.
Conforme a pesquisa foi acontecendo, cada vez mais era percebida a
riqueza do material que se tinha em mãos. O diálogo que a imprensa Gazeta
de Piracicaba travava com a República e com as questões voltadas à
Educação sempre surpreendia por sua radicalidade ideológica.
Por ser um jornal assumidamente republicano, a Gazeta interessou na
medida em que discutia a realidade na qual a Escola Complementar tentava
ascender socialmente. Era o ensino público que estava ganhando espaço e ele
contava com o apoio de um órgão republicano.
O Jornal de Piracicaba não foi escolhido como fonte porque praticamente
não fazia menção à Escola Complementar. Muito raramente trazia um evento
que ali ocorrera. Mas, se considerada a história da formação do Jornal de
Piracicaba fica justificada essa “ausência” na discussão sobre a Escola
Complementar. Este Jornal entendia que sua função era manter um
distanciamento político – partidário. Dessa forma, ele assumia um
compromisso com a sociedade como um órgão independente. Ele negava ser
um espaço político e conseqüentemente o de tomar partido. Sua origem se deu
em 1900 e foi fundado por um ex-colaborador da Gazeta como vimos
inicialmente.
96
Nesse sentido foi que se entendeu que pelo fato do Jornal de Piracicaba
não se aprofundar nas questões que envolviam a Escola Complementar ele
também não se constituía em um órgão de divulgação das modernizações
propostas pela República, assumidamente, como era de interesse para este
estudo.
Nesta pesquisa, portanto, procurou-se o tempo todo reconhecer como se
difundia esse discurso educacional republicano no interior de São Paulo,
particularmente em Piracicaba. E assim, identificar seus limites e conflitos
quando postos em prática nas escolas. Desta forma, buscou-se compreender
como a instituição pública de ensino se consolidou como um órgão também
representante da modernidade almejada pela elite republicana. Entendeu-se
que a Gazeta contemplou a presente pesquisa cumprindo com seu objetivo de
difusão dos ideais da República.
A metodologia empregada na análise do material selecionado foi
construída a partir dos nossos referenciais teóricos. Esses referenciais estão
expostos na bibliografia, mas, foram selecionados pensando em responder
perguntas, por exemplo: Como um jornal não educacional pode contribuir para
a História da Educação? Como a História da Educação Brasileira republicana
está discutida na historiografia? Quais foram as representações do espaço
escolar que se fizeram representar para os republicanos e como essas
representações se consolidaram na Primeira República? Piracicaba e a
modernidade: como a Escola Complementar nesse contexto é discutida pela
97
imprensa local? Como essa imprensa percebe a difusão do ideário
republicano?
Essas perguntas, casadas com questões que as tangenciaram, foram as
formadoras da pesquisa em questão. Esperamos ter conseguido despertar,
com seus resultados, mesmo inconclusos, um painel das indagações que
envolve a modernidade republicana, a Educação apresentada pela imprensa, e
esta enquanto um canal de diálogo sobre as instituições públicas de ensino e
a comunidade local.
Essa pesquisa, ainda, ao procurar responder perguntas faz formular
novas perguntas. Questões que fazem pensar nos princípios que fundaram as
instituições escolares. Na permanência destas instituições por mais de um
século e no distanciamento hoje dos princípios que motivaram sua fundação.
A imprensa e a educação foram norteadores dos nossos olhares. É no
diálogo desses órgãos sociais que encontramos uma cultura construída de
forma a ser excludente. Onde o discurso e o cotidiano se conflitaram por todo o
tempo. O lugar que não é possível encontrar a harmonia e equilíbrio ensejado
pelos republicanos.
Não se pode esquecer que para se ler jornal é preciso ser alfabetizado.
E, o acesso às informações que ali estão sendo difundidas, passa inicialmente
por quem já está incluso naquela realidade, no caso desse estudo, da
modernidade republicana.
98
Para concluir este trabalho, parece rica a seguinte reflexão de Marshall
Berman:
(...)Isso não resolverá as contradições que impregnam a
vida moderna, mas auxiliará a compreendê-las, para que
possamos ser claros e honestos ao avaliar e enfrentar as
forças que nos fazem ser o que somos. (BERMAN, 2006, p.
12).
Apesar de se ter clareza dos diversos limites que esta pesquisa possui –
mesmo não conseguindo ter ciência de todos eles – espera-se ter modificado
um pouco o olhar para a nossa condição sociocultural e nossas representações
sobre a Educação Brasileira, a partir de um cenário local.
99
NOTAS
1
Importante dizer que o Partido Republicano também vai passar por diversos problemas e
cisões e, em 1915, Paulo de Moraes Barros lidera juntamente com Cincinato Braga, João
Sampaio e outros, a cisão do Partido Republicano de Piracicaba. Paulo de Moraes se afasta da
política depois disso e Samuel de Castro Neves e Fernando Febeliano da Costa apóiam a
cisão e fundam o PRM (Partido Republicano Municipal).
2
De acordo com Maria Cristina Gomes Machado (2005, p. 94), Luiz Antonio Cunha (1980,
p.84) e Jorge Nagle (1974, p.243) o Decreto 7247 foi promulgado em 19 de abril de 1879. Já
Romualdo Portela de Oliveira (2001, p.16) no artigo “O Direito a Educação” fala que a Reforma
Leôncio de Carvalho ocorre em 1878.
3
De acordo com Jorge Nagle o escolanovismo no Brasil se divide em duas fases. A primeira
vai até 1920, onde ele entende que ocorre uma “preparação de terreno” para o movimento
liberal que aparece com maior vigor em meados de vinte. Até 1920 “ existia um sólido padrão
de pensamento e de realização educacional que se esgotava no ideário cívico-patriótico da
educação popular, questão de natureza mais política que pedagógica” (p. 241 ). Após 1920,
Nagle afirma que as reformas propostas pelo escolanovismo “vão facilitar o desenvolvimento
do processo de remodelação que estará no presente nos planos de reorganização da instrução
pública elaborados a partir do segundo lustro da década.” Ele denomina de “movimento
remodelador” as transformações iniciadas na instrução pública que conotavam “críticas aos
moldes tradicionais de estruturação das instituições escolares e, assim, preparavam o terreno
para outras modalidades de estruturação.” (NAGLE, 1974, p. 241-243)
4
Apesar da carência de professores para a escola primária, devemos destacar aqui que a
primeira Escola Normal de São Paulo foi criada em 1846. Já a primeira Escola Normal
brasileira foi criada pela lei número 10, em 1835, no Rio de Janeiro. Essa escola do Rio de
Janeiro permaneceu até 1949, pois nesse período todo ela havia formado apenas 14
profissionais sendo que somente 11 exerceram o magistério. (TANURI, 2000, p. 64)
5
As classes médias não podem ser pensadas segundo um conjunto de característicos
exclusivamente para uma só classe, individualizada. As classes médias se compõem de
conjuntos que têm diversas localizações ao nível econômico, o que torna mais complexa a
100
avaliação de seus limites. Esses dois conjuntos podem ser caracterizados como antigas
classes médias (ou pequena burguesia) e novas classes médias (ou simplesmente classes
médias). (PAES apud TORRES, 2003, p.276)
101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARDIN, Laurence, Análise de Conteúdo, Lisboa/Pt: Edições 70, 1991.
BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar: aventura da
modernidade. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2006, p.09-40.
BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia (orgs). Memória (res)sentimento.
Indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Ed. UNICAMP, 2001.
CAPELATO, M. Helena. Imprensa na República: uma instituição pública e
privada. IN: SILVA, Fernando T. da et al. (orgs). República, Liberalismo,
Cidadania. Piracicaba: UNIMEP, 2003, p. 139 – 150.
CATANI, A.; NOGUEIRA, M. A. (orgs). Pierre Bourdieu. Escritos de
Educação. Petrópolis: Ed.Vozes, 1998, p. 39 – 64.
ELIAS NETTO, Cecílio. Memorial de Piracicaba: Almanaque 2002-2003.
Piracicaba: Tribuna Piracicabana, 2002-2003.
HOBSBAWM, Eric. O sentido do passado. In: Sobre História. São Paulo:
Companhia das letras, 1998, p. 22 - 36.
HUYSSEN, Andreas. Monumentos e memória do Holocausto numa idade da
mídia. In: Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio
de Janeiro: Aeroplano, 2000, p. 67 - 88.
LIMA SOBRINHO, Alexandre José Barbosa. O problema da imprensa. Rio de
Janeiro: EDUSP, 1997.
102
MACHADO, Maria Cristina Gomes. O decreto de Leôncio de Carvalho e os
Pareceres de Rui Barbosa em debate – A criação da escola para o povo no
Brasil no século XIX. IN:STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara
(org.). Histórias e memórias da Educação no Brasil. Vol. II – Século XIX.
Petrópolis: Vozes, 2005, p.91 – 103.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. In:
Projeto História. Revista do programa de Estudos Pós-Graduados em História
e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: Educ, 1981, p. 07-28.
NÓVOA, António. A imprensa de Educação e Ensino: concepção e organização
do repertório português. IN: CATANI, Denice B.; BASTOS, M. Helena C.
(orgs.). Educação e em Revista: a imprensa periódica e a História da
Educação, São Paulo: Escrituras, 2002, p. 11 – 31.
NUNES, Clarice. (Des) Encantos da modernidade pedagógica. IN: LOPES,
Eliane M. Teixeira et al.. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte:
Autêntica, 2000, p. 371-398.
RIBEIRO, Maria L. S. História da educação brasileira. São Paulo: Cortez e
Moraes, 1978.
SAVIANI, Dermeval. O Legado educacional do “longo Século XX” Brasileiro. IN:
SAVIANI, Dermeval et. al.. O Legado Educacional do Século XX no Brasil.
Campinas: Autores Associados, 2004, p. 9 – 50.
SOARES, Magda Becker. As condições sociais da leitura: uma reflexão em
contraponto. In: ZILBERMAN, Regina e SILVA, Ezequiel Theodoro da (orgs.).
103
LEITURA: Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Editora Ática, 2002,
p.18 - 30.
SOUZA, Rosa Fátima de et al.. Templos de Civilização: A implantação da
Escola Primária Graduada no Estado de São Paulo. São Paulo: UNESP,
1998.
TANURI, Maria Leonor. História da Formação de professores. In: Revista
brasileira de Educação, mai – ago, número 014, 2000, p. 61-88.
TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Piracicaba no século XIX.
Piracicaba: Degaspari, 2003.
VECHIA, Ariclê. O ensino secundário no século XIX: instruindo as elites. IN:
STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs). Histórias e
memórias da Educação no Brasil. Vol. II – Século XIX. Petrópolis: Vozes,
2005, p. 78 – 90.
VEYNE, Paul. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história.
Brasília: Ed. Universidade de Brasilia, 1998.
VIDAL, Diana G. Escola nova e processo educativo. IN: LOPES, Eliane M.
Teixeira e outros. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica,
2000, p. 497 – 518.
ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, Educação e Currículo no Brasil.
Campinas: Autores Associados; Brasília: Editora Plano, 2004.
104
DISSERTAÇÕES E TESES
SOUZA, José Donizeti de. A instrução religiosa nos pareceres de Rui
Barbosa (1882-1883) e seus desdobramentos na laicização educacional
pública nas reformas da Primeira República. (Dissertação de Mestrado).
Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba/SP, 2005.
TERCI, Eliana Tadeu. A cidade na Primeira República: Imprensa, Política e
Poder em Piracicaba. (Tese de doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, 1997.
FONTE/ PERIÓDICO
GAZETA DE PIRACICABA – 1897/ 1911
PERIÓDICO CONSULTADO
JORNAL DE PIRACICABA – 1900/1901
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ARAÚJO, J. C. S.; SCHELBAUER, A. R. (orgs). História da educação pela
imprensa. Campinas: Ed. Alínea, 2007.
CAMARGO, M. A. J. G. Coisas velhas. Um percurso de investigação sobre
cultura escolar (1928 – 1958). São Paulo: Ed. Unesp, 2000.
CARR, E. H. O historiador e seus fatos. In: Que é história? Conferências
George Maucalay Trevelyan proferidas por E. H. Carr na Universidade de
105
Cambridge, janeiro-março de 1961. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 11 –
29.
COSTA, Ângela; SCHWARCS, Lilia M. Virando séculos. 1890-1914 no tempo
das certezas. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
GUERRINI, Leandro. História de Piracicaba em quadrinhos. Piracicaba:
Imprensa Oficial do Município, 1970.
LINS, D. (org.). O campo econômico: dimensão simbólica da dominação-
Pierre Bourdieu. Campinas/SP: Papirus, 2000.
MELO, José Marques de. Comunicação social: da leitura à leitura crítica. IN:
ZILBERMAN, Regina e SILVA, Ezequiel Theodoro da (orgs.). LEITURA:
Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Editora Ática, 2002, p.100 – 110.
SEVCENKO, Nicolau (org.). República: da Belle Epoque à era do rádio. São
Paulo: Cia das Letras, 2001.
VARELA, Júlia. Categorias espaço-temporais e socialização escolar: do
individualismo ao narcisismo. IN: COSTA, Marisa Vorraber (org). Escola
Básica na virada do século: cultura, política e currículo. São Paulo: Cortez,
2002, p. 73- 106.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo