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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR:
AS INTERRELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E
CULTURA NO GOVERNO DA FRENTE POPULAR
EM CHAPECÓ (1997-2004)
MARINILSE NETTO
Joaçaba
2007
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II
UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR –
AS INTERRELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E
CULTURA NO GOVERNO DA FRENTE POPULAR
EM CHAPECÓ (1997-2004)
MARINILSE NETTO
Dissertação apresentada ao
Programa de Mestrado em
Educação da Universidade do
Oeste de Santa Catarina
UNOESC, Campus de Joaçaba,
para obtenção do grau de Mestre
em Educação, sob orientação da
Prof. Dra. Roselane Fátima
Campos.
Joaçaba
2007
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III
UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR –
AS INTERRELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E
CULTURA NO GOVERNO DA FRENTE POPULAR
EM CHAPECÓ (1997-2004)
MARINILSE NETTO
Orientadora: Profª.Dra. Roselane Fátima Campos.
Joaçaba
2007
IV
DEDICATÓRIA
A
Paulo e Ricardo
metades de infinita intensidade
V
AGRADECIMENTOS
O exercício da pesquisa é sempre um fazer coletivo; da leitura a interpretação e
depois, da reflexão a escrita. Momentos que se fazem por instantes de sonhos, de
motivações, de gozo e tédio, constituintes da vontade de aprender e apreender. Agradeço a
tantos, cujas vozes ressoam e a outros que silenciosamente preenchem lacunas nas palavras
aqui escritas.
Aos autores projetados nesta pesquisa e aos professores titulares do curso de Mestrado em
Educação da Unoesc-Campus Joaçaba-SC;
A orientadora prof. Dra. Roselane Fátima Campos, pela paciência desmedida, pelo apoio e
ensinamentos;
A prof. Dra. Arlene Renk, por ter aceito o convite de participação de banca;
A minha família, meus pais e irmãos, pelo apoio incondicional;
A Celer Faculdades, espaço que me proporciona descobrir novos caminhos na educação,
em especial a prof. Ioli Rossato, exemplo a ser seguido de mulher, empresária e amiga;
Aos colegas Jairo Santos, Maristela e Vanderléia, interlocutores nas longas horas de estrada
nas tantas idas e vindas;
A Josiane Roza de Oliveira, companheira de projetos e sonhos na área cultural;
A amiga (e também amiga das pedras) Irma Tatiane Bigliardi.
VI
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS...................................................................
VIII
LISTA DE ANEXOS......................................................................................................
IX
RESUMO........................................................................................................................
X
ABSTRACT....................................................................................................................
XI
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
1
1 A CULTURA NO CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO..............................
11
1.1 Produção cultural brasileira – contextos....................................................................
11
1.2 Cultura popular, cultura de elite, cultura do povo – a genealogia dos conceitos e os
movimentos culturais brasileiros......................................................................................
17
1.3 Cultura Brasileira – as categorias Popular e Elite como distinção de classes sociais
27
2 OS CENTROS POPULARES DE CULTURA – A ARTE COMO CAMPO
IDEOLÓGICO NA BUSCA PELO NACIONAL-POPULAR..................................
32
2.1 Antecedentes culturais-históricos dos CPC´s – o Teatro Brasileiro de Comédia e o
Teatro de Arena................................................................................................................
35
2.2 Os Centros Populares de Cultura – Proposta de uma arte popular revolucionária.... 43
2.3 O Nacional Popular e o caráter educativo da arte popular revolucionária dos
CPC´s...............................................................................................................................
52
3 DOS CPC´s –CENTROS POPULARES DE CULTURA NOS ANOS 60 AOS
CACP´s – CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR NOS ANOS
2000.................................................................................................................................
63
3.1 A cidade de Chapecó..................................................................................................
65
3. 2 A questão cultural no governo popular: a criação dos CACP´s...............................
74
3.3 A implementação e desenvolvimento dos CACP´s : a segunda gestão do governo
popular 2000-2004...........................................................................................................
77
4 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS DOS CACP´s – AVANÇOS E
LIMITES.........................................................................................................................
85
4.1 Função social da arte e cultura nos CACP´s..............................................................
86
VII
4.1.1 Arte e cultura como bem social.............................................................................. 88
4.1.2 A cultura como mediação para a conscientização do povo.....................................
90
4.1.3 Cultura como meio para o desenvolvimento pessoal..............................................
94
4.1.4 Cultura como memória local...................................................................................
96
4.2 Educador cultural ou professor?.................................................................................
98
4.3 A construção de uma política cultural como uma política pública............................
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................
102
REFERÊNCIAS ............................................................................................................
108
ANEXOS.........................................................................................................................
112
VIII
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
CACP Centros Artísticos de Cultura Popular
CPC Centro Popular de Cultura
EAD Escola de Arte Dramática de São Paulo
IBESP Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política
IHGB Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PMC Prefeitura Municipal de Chapecó
TBC Teatro Brasileiro de Comédia
TPE Teatro Paulista do Estudante
UNE União Nacional dos Estudantes
IX
LISTA DE ANEXOS
ANEXO I - QUADRO 01 - CACP - QUADRO DEMONSTRATIVO
PROFESSORES CONTRATADOS - ANO 2002...........................................................
113
ANEXO II - QUADRO 02 - CACP - QUADRO DEMONSTRATIVO
PROFESSORES CONTRATADOS - ANO 2003...........................................................
114
ANEXO III - QUADRO 03 PROPOSTAS PARA CULTURA E ESPORTE E
LAZER.............................................................................................................................
115
ANEXO IV - QUADRO 04 - PLANO DE GOVERNO.........................................
115
ANEXO V - QUADRO 05 – PLANO DE AÇÃO PARA A CULTURA...............
116
ANEXO VI - QUADRO 06 – PLANO PLURIANUAL.........................................
117
ANEXO VII - QUADRO 07 – RELATÓRIO DE ATIVIDADES...........................
118
ANEXO VIII - QUADRO 08 RELATÓRIO DE ATIVIDADES DOS CACP´s
ANO 2003.....................................................................................................................
119
X
RESUMO
Neste trabalho o enfoque está no projeto Centros Artísticos de Cultura Popular,
desenvolvido no período de 1999 a 2004 no município de Chapecó, Santa Catarina.Criado
no interior do governo municipal da Frente Popular, tem em sua origem a experiência dos
Centros Populares de Cultura dos anos 50-60, constituindo-se como projeto popular central
na área da cultura de Chapecó durante gestão municipal (1997-2004). Esta pesquisa tem
por objetivo fazer uma análise do Projeto Centros Artísticos de Cultura Popular buscando
apreender as relações estabelecidas nesse com a educação do município que tem como
suporte teórico a metodologia histórico-crítica, e o educador Paulo Freire como precursor
de um processo dialógico e crítico. Nessa concepção, a área da cultura apresenta uma
renovação na medida em que as atividades artísticas se transformam em ações
descentralizadoras e inclusivas e a noção de popular ganha sentido como instrumento de
consciência às massas. Esta pesquisa tem como base de sustentação a pesquisa documental
interpretada pela cnica de Análise de Conteúdo e como instrumento de coleta de dados,
documentos oficiais, elaborados no interior da Prefeitura Municipal, selecionados como
corpus de análise.
Palavras Chave: Cultura – Cultura popular – Educação – Conscientização.
XI
ABSTRACT
In this work the approach is in the project Artistic Centers of Popular Culture, developed in
the period of 1999 the 2004 in the city of Chapecó, Santa Catarina. Created in the interior
of the municipal government of the Popular Front, has in its origin the experience of the
Popular Centers of Culture of the years 50-60. One consists as central popular project in the
area of the culture of Chapecó during municipal management (1997-2004). This research
has for objective to make an analysis of the Project Artistic Centers of Popular Culture
searching to apprehend the relations established in this with the education of the city,
therefore it is about a study that has as focus a proposal cultural, developed in the scope of
the public politics with educative conceptions. In this conception, the notion of popular
earns sensible as instrument of conscience to the masses, having as theoretical support the
description-critical methodology, that has the educator Paulo Freire as precursory of a
dialógico and critical process. This research has as sustentation base the documentary
research interpreted by the technique of Analysis of Content and as instrument of collection
of data, official documents, elaborated in the interior of the Municipal City hall, chosen
teams as analysis corpus.
Words Key: Culture - popular Culture - Education - Awareness.
XII
INTRODUÇÃO
A proposta de discutir cultura é sempre polêmica e plural, o que pode ser atribuído
ao seu caráter polissêmico. Essa dificuldade acentua-se quando se trata de discutir os
diversos conceitos, derivados das diferentes interpretações sobre os processos culturais que
se desenvolveram, historicamente, em nossas sociedades. Assim, falar, por exemplo, de
cultura de elite/cultura popular, ou de nacional-popular, implica abordar não apenas a
conceituação, mas também a origem histórica dos mesmos.
Tratar de cultura é sempre um exercício importante, na medida em que a
concebemos como espaço onde são construídas as múltiplas relações entre os homens, os
objetos produzidos pelo homem, as motivações (ideologias), os sonhos que projetam no
homem o desejo da descoberta (e também da negação dela), os modos como essas variáveis
se entrecruzam, produzindo outros tantos modos de interação. Concordamos com Canclini
(1989, p.8) quando diz que a cultura “é pública” e, por refletir os modos pelos quais a
palavra é interpretada pelas diferentes áreas, comporta diferentes interesses ou ideologias.
Considerados esses aspectos, este trabalho tem como objetivo fazer uma análise do
Projeto Centros Artísticos de Cultura Popular buscando apreender as relações estabelecidas
nesse com a educação. O projeto foi desenvolvido durante gestão da Frente Popular, no
município de Chapecó durante o período de 1999 a 2004. Neste trabalho se projetam dois
campos a educação e a cultura tratando-se de um estudo que tem como foco uma
proposta cultural, desenvolvida no âmbito da política pública com concepções educativas.
Nessa concepção, a noção de popular ganha sentido como instrumento de consciência às
massas, projetadas na metodologia histórico-crítica, que tem Paulo Freire como precursor
de um processo dialógico e crítico. Para o educador “A concepção de liberdade [...] é a
matriz que sentido a uma educação que não pode ser efetiva e eficaz senão na medida
em que os educandos nela tomem parte de maneira livre e crítica”(FREIRE,2005, p.59).
XIII
A área cultural desenvolvida nessa esfera tem por pretensões conceber e disseminar
o ideário político de consciência popular, proposto pela administração blica através de
atividades artísticas (dança, teatro e música) desenvolvidas em diversos locais no município
de Chapecó, pelos Centros Artísticos de Cultura Popular. Percebemos que a administração
popular buscou inspiração nos CPC’s, imprimindo no município uma forma própria de
administração política, comprometida com os ideais de representatividade da classe
trabalhadora, oprimida, contrariando uma situação de hegemonia colocada pela política
desenvolvida até então.
O exercício de reflexão proposto nesta pesquisa encontra motivação pessoal na
medida em que, encorajada em pensar a cultura local como espaço plural e multifacetado,
construído a partir do encontro (e desencontro) de grupos étnicos, indígenas, caboclos
(brasileiros), de colonos (alemães, poloneses e italianos) e de ‘estrangeiros’ construo outras
significações culturais para esse espaço, que não somente a de ‘cultura do trabalho’.
Motivações estas que foram reforçadas com a atuação profissional junto à área da
cultura do município no período de 2002 a 2004, quando da coordenação do projeto
Centros Artísticos de Cultura Popular. A concepção de popular, premissa da administração
publica municipal, foi compreendida como concepção metodológica ainda quando atuava
em uma escola municipal na disciplina de Artes. Encontrava meios bastante criativos de
‘entrar’ com a disciplina em todas as temáticas escolhidas como tema gerador, que era
dificultoso ou ‘limite’ para a maioria dos professores (ouvia-se isso freqüentemente); para
mim, tornava-se uma experiência de extrema expressividade. As dificuldades de adaptação
de materiais para as atividades e o convívio com outras realidades, que não a minha,
fizeram-me acreditar que era possível ampliar esses conceitos na área cultural, tornando-a
espaço de expressão da pluralidade, onde todos pudessem se sentir incluídos na sociedade,
como participantes, desmistificando a idéia local de cultura para a elite.
É na dinâmica cultural da cidade de Chapecó que pude perceber as influências e os
contrastes que delimitam uma sociedade ainda marcada pela tradição e conservadorismo.
Conhecida por ter sido palco, em sua origem, de disputas territoriais, carrega em sua
XIV
história o desconforto no (des) encontro de índios kaigangues, brasileiros, colonos
descendentes de italianos e alemães e um coronel. Uma terra que viu suas matas
devastadas, a madeira descendo rio abaixo no “bom e velho Uruguai” com destino ao país
vizinho, a Argentina.
Buscando a veracidade nas informações extraídas de documentos oficiais, a
pesquisa ora apresentada constitui-se não somente numa interpretação histórica da política
cultural local, mas também um registro histórico de um período em que a área cultural
representa uma renovação em termos de dinâmica local.
Percurso da pesquisa
Desde a escolha do tema, conforme as motivações já abordadas, seguiu-se um
percurso de investigação desenhado a partir dos seguintes momentos: a) revisão de
literatura ; b) coleta e classificação de materiais e, c)análise dos documentos selecionados,
mediante a técnica de análise de conteúdo.
Para esta investigação foi necessária uma revisão bibliográfica que possibilitasse
compreender o conceito de cultura, a partir de diferentes áreas de conhecimento, atentando
para a apreensão das variantes históricas nas quais o termo foi concebido pelos autores. No
cenário brasileiro, procuramos autores que nos ajudassem a compreender a constituição do
“nacional-popular”, uma vez que este conceito está na base dos movimentos culturais
denominados de “populares”.
No capítulo 1, apresentamos, então, as concepções que orientaram autores
brasileiros em discussões sobre a sociedade e a cultura brasileira; as ‘aventuras e
desventuras’ (parafraseando ORTIZ, 2003, p.50) das tendências romântica e ilustrada; a
participação do Estado no financiamento das pesquisas (e na construção do Nacional) e o
papel da vanguarda como ‘legítima representante do povo’. Neste sentido, quando se fala
em distinções de categorias ou campos culturais, projetam-se distinções em torno dos
comportamentos e articulações de classes sociais, como campo de luta hegemônica.
XV
Nessa divisão de classes sociais, de pensamentos e tendências, é possível perceber
uma força de contra-hegemonia pensada e articulada dentro dos movimentos sociais nos
anos 60, a partir de atividades político-panfletárias do Partido Comunista Brasileiro e da
União Nacional dos Estudantes, apoiados, de modo significativo, por representantes do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros e da vanguarda artística. A relação entre os
intelectuais do ISEB no campo cultural e no desenvolvimento da concepção de “nacional-
popular” é assim destacada por Ortiz (2003,p.68):
Para o ISEB os intelectuais têm [tinham] um papel fundamental na
elaboração e na concretização de uma ideologia do
desenvolvimento; são eles que devem explicitar o processo de
tomada de consciência, e, por conseguinte, viabilizar o projeto de
transformação do país.
Esse movimento origem aos CPC’s que, discutindo os destinos político-sociais
do país, se propõe a “chegar ao povo” e construir uma unidade de pensamento político-
social. É no Anteprojeto do Manifesto dos CPC’s que se percebe a premissa da construção
de uma arte revolucionária, que tem como concepção a teoria marxista, através dos escritos
de Antonio Gramsci. Essa concepção proporciona à arte cepecista característica de direção
cultural e política de consciência às massas. O debate sobre o movimento cultural dos anos
de 1960 é objeto de discussão no capítulo 2 desta dissertação.
Em seqüência a esse levantamento, trazemos para o debate o Projeto dos Centros
Artísticos de Cultura Popular – CACP’s, implementado e desenvolvido no período de 2000
a 2004 na área cultural do município de Chapecó, durante o governo da Frente Popular.
Procuramos mostrar, no capítulo 3, a origem e desenvolvimento do CACP’s evidenciando,
em especial, a centralidade destes na política cultural da Frente Popular, suas formas de
organização e de diálogo com a sociedade civil.
A fidelidade ao ideário marxista e as concepções de consciência às massas via
cultura indica pontos de convergência entre o projeto aqui citado (os CACP’s), e aquele
desenvolvido nos anos de 1960, sob a coordenação da UNE e de setores da esquerda
brasileira: os CPC’s (Centros Populares de Cultura). A partir dessa contextualização,
XVI
buscamos discutir as convergências analisando, então, as concepções orientadoras do
Projeto dos Centros Artísticos de Cultura Popular. No capítulo 4, analisamos a concepção
de arte e cultura, e a concepção de educador popular, orientadoras dos CACP’s.
A elaboração dos capítulos 3 e 4 tiveram como base a análise de documentos
produzidos no âmbito da administração municipal documentos do orçamento
participativo, por exemplo; documentos produzidos nas áreas de educação e, mais
especificamente, na área de cultura. Tivemos dificuldades com o trabalho documental, pois
as fontes nem sempre apresentavam condições de análise, além da precariedade de
produção e conservação dos documentos do final da gestão da Frente Popular (2004).
O processo de trabalho com os documentos ocorreu em três etapas: a) seleção de
documentos que pudessem estar relacionados com a área da cultura; b) classificação dos
documentos de acordo com sua pertinência aos objetivos da pesquisa: esse processo levou-
nos a classificar os documentos em “centrais”, que constituiriam efetivamente o corpus de
análise, e documentos “complementares”, que não foram submetidos diretamente à análise,
mas foram importante apoio para o trabalho com o corpus da pesquisa; c) análise dos
documentos: para a qual utilizamo-nos da técnica da análise de conteúdo.
Empregada originalmente em pesquisas sobre o conteúdo de jornais, a técnica de
análise de conteúdo AC
6
foi utilizada, primeiramente, em investigações sobre opinião
pública e propaganda, posteriormente, passou também a ser usada para identificar
características do conteúdo de obras literárias, didáticas e científicas, em campos como a
sociologia e a psicologia. É hoje uma das técnicas mais comuns nas investigações empíricas
desenvolvidas nas áreas das ciências humanas e sociais.
6
Franco (2005) com relação a origem da AC: “ a definição dos símbolos, sinais e ‘mensagens de Deus’ marca
a primeira tentativa de responder à questão ‘o que esta mensagem significa?’ (sic) no século dezenove, o
francês Bourbom (1888-1892) tentou captar a expressão das emoções e das tendências de linguagem. (sic)
estava, então, aberto o campo de sistematização da análise de conteúdo das mensagens, seus enunciados, de
seus locutores e de seus interlocutores. Dentre as manifestações do comportamento humano, a expressão
verbal, seus enunciados e suas mensagens, passam a ser vistos como indicadores indispensáveis para a
compreensão dos problemas ligados às práticas educativas e a de seus componentes psicossociais (p.8)
XVII
Aplicada como instrumento metodológico em discursos diversificados, a AC
consiste no tratamento de mensagens ou falas significativas como forma de reflexão
qualitativa do conteúdo. A característica qualitativa se pela análise das categorias como
reflexão dos núcleos de sentidos ou significados latentes. Como técnica de tratamento de
informações, a AC, para Franco (2005, p. 11), passou a ser utilizada para produzir
inferências acerca de dados verbais e/ou simbólicos obtidos a partir de perguntas e
observações de interesse de um determinado pesquisador. Como sugere Franco (2005,
p.20):
Com base na mensagem que responde às perguntas: o que se fala?,
o que se escreve? com que intensidade? com que freqüência? que
tipo de símbolos figurativos são utilizados para expressar idéias? e
os silêncios? e as entrelinhas?... e assim por diante, a análise de
conteúdo permite ao pesquisador fazer inferências sobre qualquer
um dos elementos da comunicação.
Neste sentido, torna-se indispensável à leitura do material (escritos ou não) a partir
de uma ótica analítica, interpretando as mensagens (explícitas ou latentes), bem como as
condições em que as mesmas são processadas (emitidas ou recebidas). Franco (2005, p.14)
especifica, ainda, que a análise de conteúdo assenta-se nos pressupostos de uma concepção
crítica e dinâmica da linguagem. Linguagem como símbolo e expressão da vida humana,
que se dinamiza na medida em que elabora, (des) construindo novas formas de
comunicação (verbais ou simbólicas).
Costa (2006, p.133) reitera o processo de análise de conteúdo a partir das fases
propostas por Bardin(1977): (i) pré-análise, (ii)exploração do material e (iii) análise e
interpretação dos resultados. Bardin (citada por FRANCO, 2005) conclui que o analista é
como um arqueólogo, pois trabalha com vestígios. Para o pesquisador que utiliza a análise
de conteúdo ‘os vestígios’ são decodificados através de dados e fenômenos obtidos na
investigação, descritos e interpretados, tendo a inferência como mediação. É a partir deste
desenvolvimento (fases) que descreveremos os procedimentos adotados nesta pesquisa, que
começa com a garimpagem de documentos.
XVIII
Como mencionamos acima, a primeira etapa de nosso trabalho foi a coleta de
documentos para a sistematização e seleção do corpus de análise da pesquisa. Nessa etapa,
percebemos uma enorme escassez de registros documentais dos projetos ou ações
projetadas/desenvolvidas na área da cultura, de uma forma geral, em todo o acervo
(memória) da administração pública local. Os documentos mais recentes e que demonstram
as atividades desenvolvidas pelo setor cultural a partir de 1997 foram encontrados em
arquivos da Secretaria de Educação. No Arquivo Público Municipal nos deparamos com
uma situação bastante complexa: o setor passa por constantes mudanças, o local onde estão
‘guardadas as memórias de Chapecó’ não possui uma estrutura de boa qualidade, nem
profissional com qualificação para a guarda e atendimento, o que se são prateleiras
repletas de documentos ‘catalogados’ por gestão político-administrativa, dificultando a
localização de documentos mais específicos.
Diante das circunstâncias mencionadas, encontramos documentos importantes que
nos deram sustentação metodológica para a pesquisa, e que serão apresentados a seguir
como já mencionamos. A seleção dos documentos esta assim dividida: a) Principais:
referem-se ao projeto CACP’s propriamente dito, projeções, ações e atividades
desenvolvidas de 1999 até o ano de 2004; b) complementares: documentos que
indiretamente trazem informações ou contribuições a compreensão de ações culturais no
município, nas quais se evidencia a criação dos CACP’s, apresentados nos quadros 1 e 2.
Quadro 1 – Documentos selecionados para análise
Nº DCTO TITULO DO DOCUMENTO ORIGEM DATA
01 Lei orgânica do Município referente
a organização da esfera cultural na
cidade de Chapecó
04/04/1990
02 Proposta Política Pedagógica do Secretaria Municipal de Educação 18/12/1992
XIX
Departamento de Educação de Chapecó
03 Plano Decenal de educação para Todos Secretaria da Educação e Cultura 1993
04 Plano Setorial Secretaria da Educação e Cultura 1993
05 Relatórios e planejamentos
Cultura/Escola de Artes/Departamento
do Patrimônio Histórico e Memória
Secretaria da Educação e Cultura 1994
06 Proposta Política Pedagógica
departamento Patrimônio Histórico
Memória e Cultura
Secretaria da Educação e Cultura 1996
07 Plano de governo para área da cultura
administração 1997/2000
Secretaria da Educação e Cultura 1997
08 Lei Orgânica do Município Emenda
LOM 3/97, Lei Complementar 48
de dezembro de 1997 e parecer 010/98
e Lei Complementar nº 67 de 03 de
dezembro de 1998, que organiza a
educação municipal em ciclos
Gabinete do prefeito 22/12/1997
09 Projeto Político Pedagógico
Educação popular
Secretaria de Educação e Cultura 1997
10 Relatório das atividades realizadas pelo
Departamento da Cultura
Departamento da Cultura 1997
11 Relatório das ações realizadas pelo
departamento de Juventude e Lazer no
período de janeiro a julho de 1998
Secretaria de Esporte, Cultura e
Lazer
1998
12 Propostas para Cultura, Esporte e Lazer
Secretaria de Esporte, Cultura e
Lazer
1999
13 Plano de Governo dos candidatos á
administração pública municipal (2º
mandato)
Frente
Popular/PT/PcdoB/PSB/PAN
2000
14 Plano de Ação da cultura Departamento da Cultura 2001
15 Mensagem 1740/02 propõe o
projeto de lei complementar em 20 de
maio de 2002 – criação da Fundação
Cultural no município
Gabinete do prefeito 20/05/2002
16 Plano Plurianual 2002/2005 Secretaria de Educação e Cultura 2002
XX
17 Agenda Cultural 2002 Departamento da Cultura 2002
18 Relatório das atividades desenvolvidas
pelos Centros Artísticos de Cultura
Popular
Departamento da Cultura 12/2002
19 Projeto de Lei que cria o Conselho de
Cultura no município
Gabinete do prefeito 03/03/2003
20 Relatório das atividades desenvolvidas
pelos Centros Artísticos de Cultura
Popular
Fundação Cultural de Chapecó 12/2003
21 Relatório das atividades/2004 Fundação Cultural de Chapecó Sem data
Após esse levantamento de documentos, selecionamos aqueles que consideramos
centrais para nossos objetivos de pesquisa, quais sejam, aqueles diretamente relacionados
ao projeto objeto de nossa análise, os Centros Artísticos de Cultura Popular.
Quadro 2 – Documentos constituintes do corpus de análise
DOCUMENTO ORIGEM DATA
Propostas para Cultura Esporte e
Lazer
Secretaria de esporte, Cultura e Lazer 1999
Plano de Governo dos candidatos
á administração pública
municipal (2º mandato)
Frente Popular/PT/PcdoB/PSB/PAN 2000
Plano e Ação da Cultura 2001-
2004
Depto Cultura(Lizeu,Avito,Tatiana,Carla,Paulo,
Magda, Francisco,Luciane,Simone e Joice)
14/05/01
Plano Plurianual 2002-2005 Secretaria da Educação e Cultura 2002
Relatório das Atividades
desenvolvidas no período de
março a dezembro de 2002
Coordenação dos Centros Artísticos de Cultura Popular
– Depto de Cultura
Dez/2002
Relatório 2003 centros
Artísticos de Cultura Popular
Coordenação e professores dos Centros Artísticos de
Cultura Popular – Depto de Cultura
Dez/2003
Relatório das atividades/2004 Fundação Cultural de Chapecó Sem data
XXI
Como mencionamos, a análise de conteúdo propõe a interpretação das
representações ou sinais de linguagem (conteúdo manifesto/latente) embutidas nas ações
como projeções ideológicas. Esta dicotomia é para Franco (2005, p.23-24)
[...] a fala humana é tão rica que permite infinitas extrapolações e
valiosas interpretações. Mas é dela que se deve partir (tal como
manifestada) e não falar por meio dela”, para evitar a possível
condição de efetuar uma análise baseada, apenas, em um exercício
equivocado e que pode redundar na situação de uma mera projeção
subjetiva. Os resultados da analise de conteúdo devem refletir os
objetivos da pesquisa e ter como apoio indícios manifestos e
capturáveis no âmbito das comunicações emitidas.
Como política pública, e composto a partir de características de inclusão social e
emancipação política, os CACP’s se configuram como proposta de contra-hegemonia no
campo cultural chapecoense, configurando, assim, ainda que pese suas contradições e
ambivalências, uma proposta revolucionária.
1 A CULTURA NO CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO
Conceituar cultura é tarefa difícil, no nimo desafiadora. No decorrer da história,
os sentidos atribuídos à palavra cultura foram sendo modificados, alterados, agregados a
diferentes propósitos, justificados em múltiplas ações, nas mais diferentes áreas. Mas o que
é cultura? Como definir um termo global levando em conta as características sociais que o
engendram, sem que toda tentativa de conceituação não o feche mais uma vez a uma
XXII
ideologia, a um fim, a um pré-conceito? Parafraseando Guattari (1996), cultura é uma
palavra cilada, pois possui características polissêmicas.
Por essas razões, dedicaremos este capítulo para discutir o conceito de cultura em
suas relações com o contexto sócio-histórico brasileiro, procurando, em especial, apreender
os condicionantes sociais, econômicos, políticos e históricos que estão na base de conceitos
como cultura popular, cultura de elite, nacional-popular, conceitos estes que orientaram
significativamente as produções culturais brasileiras, até a atualidade.
1.1 Produção cultural brasileira - contextos
Como dissemos, cultura é um conceito polissêmico, de difícil definição e, com
freqüência, lido como as grandes realizações das artes, da educação, da religião. Nessa
visão, apenas determinados grupos são fazedores de cultura. Quem não se inclui num grupo
é considerado incapaz de fazer cultura, é definido como primitivo. Outra forma de definir
cultura estaria fundamentada nos valores e anti-valores universais: na dicotomia cultura da
paz cultura da violência; cultura da solidariedade e da vida cultura da morte. Ou ainda,
como uma superestrutura ou ideologia. É possível ainda falar da cultura de massas, como
uma rede globalizante.
As discussões em relação aos aspectos pelos quais a cultura é entendida e
interpretada pressupõem uma investigação a partir de alguns autores, considerados
estudiosos do tema. A
filósofa Marilena Chauí (2006, p.105-6), resgatando as origens
históricas do conceito de cultura destaca que “[...] a cultura era a moral (o sistema de
valores ou de costumes de uma sociedade), a ética (a forma correta da conduta de alguém
graças à modelagem de seu ethos natural pela educação) e a política (o conjunto de
instituições humanas, relativas ao poder e à arbitragem de conflitos pela lei)”. Ainda para a
autora cultura significa os: “[...] resultados expressos em suas obras, feitos, ações e
instituições: as artes, as ciências, a filosofia, os ofícios, a religião e o Estado”.
XXIII
A autora realiza tais fundamentações a partir da descrição do verbo latino colere
que, originalmente, traz a idéia do cuidado, do cultivo, do tomar conta de, estabelecendo
relações entre o homem (corpo e alma) e a natureza. Cultura, nesse sentido, é descrita
como intervenção deliberada do homem em relação à natureza de outros homens: “O
vocábulo estendia-se, ainda, ao cuidado com os deuses, os ancestrais e seus monumentos,
ligando-se à memória e, por ser o cuidado com a educação, referia-se ao cultivo do
espírito” (CHAUÍ, 1987, p.11).
A vinculação com a idéia de cultivo parece ter-se mantido até meados do século
XVII, quando cultura estava ligada às tradições. O termo germânico kultur simbolizava
todos os aspectos espirituais de uma comunidade, “[...] enquanto que a palavra civilization
referia-se principalmente às realizações materiais de um povo” (LARAIA, 1986, p.25). De
acordo com Laraia, na língua inglesa, o termo culture, tomado em seu amplo sentido
etnográfico,a partir da conceituação feita por Edward Tylor, “[...] é este todo complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.
1
Nesse sentido, é importante ressaltar os modos pelos quais a antropologia enquanto
ciência se construiu a partir das discussões e tentativas de definição do que seria cultura,
desenvolvendo metodologias para melhor compreender essa dimensão da vida humana. A
abrangência das idéias conceituais projetadas na área científica, e aqui em especial a partir
da visão construída pela antropologia através de Tylor e Geertz (1989, p.3), denuncia o
ecletismo conceitual nas definições de Tylor:
Não sei se é exatamente dessa forma que todos os conceitos
científicos basicamente importantes se desenvolvem. Todavia, esse
padrão se confirma no caso do conceito de Cultura, em torno do
qual surgiu todo o estudo da antropologia e cujo âmbito essa
matéria tem se preocupado cada vez mais em limitar, especificar,
enfocar e conter (sic) para substituir “o todo mais complexo” de
E.B.Tylor, o qual, embora eu não conteste sua força criadora,
1
Com esta definição Tylor (1832-1917) abrangia em uma só palavra todas as possibilidades de realização
humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de aquisição
inata, transmitida por mecanismos biológicos.(LARAIA,1986:p.25)
XXIV
parece-me ter chegado ao ponto em que confunde muito mais do
que esclarece.
É possível perceber também as discordâncias projetadas como interpretações
conceituais, pois, para Geertz (1989, p.4), a defesa pelo conceito de cultura passa pela
linguagem semiótica:
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal
amarrado as teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a
cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como
uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência
interpretativa, à procura do significado. É justamente uma
explicação que procuro, ao construir expressões sociais
enigmáticas na sua superfície.
Diante de tais contradições e extensões conceituais nos escritos de Tylor, Laraia
concordando com Clifford Geertz, afirma que: [...] as centenas de definições de Tylor
serviram mais para estabelecer uma confusão do que ampliar os limites do conceito” (1987,
p.4). Seguindo essa linha de análise, a crítica dos autores citados se pela ampliação do
termo cultura, que de uma forma geral não reflete um conteúdo conceitual a partir das “[...]
realidades estratificadoras políticas e econômicas, dentro das quais os homens são
reprimidos em todos os lugares e com as necessidades biológicas e físicas sobre as quais
repousam essas superfícies” (GEERTZ, 1989, p.21). Neste sentido, tais teorias são vistas
por Geertz como uma interpretação em nível de observação.
Ainda refletindo essas contradições, dentro da esfera de discussões sobre cultura no
Brasil, Ortiz (2003, p.10) diz que:
XXV
Mas, se voltei para a Antropologia na busca de novos horizontes,
foi-me necessário sair dela ao tratar da problemática da cultura
brasileira. A Antropologia Clássica, ao se ocupar das sociedades
primitivas, deixa de lado, ou minimiza, uma série de questões que
são cruciais para o entendimento das sociedades industrializadas.
Nos estudos realizados da realidade cultural brasileira, no período de
desenvolvimento industrial, a partir do século XVIII, o termo cultura surge a partir do
conceito de civilização, termo derivado do latim cives e civitas, como forma de moldagem
aos valores da sociedade
2
. Como nível para determinar o grau de desenvolvimento de um
grupo social o termo cultura, numa visão iluminista, passa a ser visto como medida de
civilização ou progresso de uma sociedade a partir de seus valores e de sua produção, daí as
discussões dos termos arte culta e arte popular.
Roger Keesing (1974) em seu artigo Theories of Culture”, apresenta teorias que
consideram a cultura como um sistema adaptativo. Nessa perspectiva,
Cultura são sistemas de padrões, de comportamentos socialmente
transmitidos, que servem para adaptar as comunidades humanas
aos seus embasamentos biológicos. Esse modelo inclui tecnologias
e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento,
de agrupamento social e de organização política, crenças e práticas
religiosas, e assim por diante (KEESING, apud LARAIA,1996,
p.60-61).
Keesing (1974) ainda refere-se às teorias idealistas de cultura, subdividindo-as em
três abordagens: a) Cultura como sistema cognitivo, produto dos chamados novos
2
Referia-se ao civil como homem educado, polido, e à ordem social (donde o surgimento da expressão
sociedade civil) Entretanto, civilização possuía um sentido mais amplo do que civil. Significava por um lado,
o ponto final de uma situação histórica, seu acabamento ou perfeição, e por outro lado, um estágio ou uma
etapa do desenvolvimento histórico-social, pressupondo, assim, a noção de progresso. Todavia a ilustração
relaciona Cultura e Civilização de maneiras opostas. Alguns, como Rousseau, consideram os dois termos
antiéticos. Civilização é artifício, cultivo da exterioridade,sujeição da sensibilidade e do “bom natural” aos
espartilhos de uma razão artificiosa, decadente. Civilização seria o início e o término da barbárie. Em
contrapartida, Cultura é bondade natural, interioridade espiritual, sentimento e imaginação, vida comunitária,
espontânea. Assim enquanto Civilização designa convenção e instituições sócio-políticas, Cultura se refere à
religião natural, às artes nascidas dos afetos, à família e à personalidade ou subjetividade como expressões
imediatas e naturais do espírito humano não-pervertido. Civilização é a sociedade política. “Cultura”, “ainda
que evidentemente uma prática social, relacionava-se com a ‘vida interiorem suas formas mais acessíveis e
seculares:’subjetividade’, ‘imaginação’, e ‘indivíduo’. (In: CHAUÍ, 1987, p.11-12)
XXVI
etnógrafos, que se apropriam de métodos lingüísticos – essa abordagem antropológica
distingue-se pelo estudo dos sistemas de classificação de folk
3
, cuja análise de modelos é
construída pelos membros da comunidade a respeito do universo em que vivem, cultura
neste sentido constitui-se como forma de conhecimento; b) Cultura como sistemas
estruturais
4
definida como “[...] um campo simbólico que é uma criação acumulativa da
mente humana. O seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios
cultuais mito, arte, parentesco e linguagem os princípios da mente que geram essas
elaborações culturais”(KEESING apud LARAIA,1996, p.62); c) Cultura como sistemas
simbólicos pesquisadores como Clifford Geertz e David Schneider estão entre os que
defendem primeiramente a definição do homem baseada na definição da cultura, negando
as idéias iluministas e antropológicas ditas clássicas. Para Geertz “[...] um dos mais
significativos fatos sobre nós pode ser finalmente a constatação que todos nascemos com
um equipamento para viver mil vidas, mas terminamos no fim tendo uma só!”(LARAIA,
1996, p.63); referindo-se às limitações projetadas no contexto social em que a criança está
inserida e onde se desenvolverá.
É a partir de interpretações como estas que a antropologia percebe o homem e suas
relações com a natureza, com os outros seres, com os bens produzidos, com as energias que
movem, modificam, controlam e reelaboram os seres e a natureza, e num contexto
histórico. Pois para Geertz (1989, p.32):
[...] a cultura é melhor vista não como complexos de padrões
concretos de comportamento costumes, usos, tradições, feixes de
hábitos -, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto
de mecanismos de controle planos, receitas, regras, instruções ( o
que os engenheiros de computação chamam de “programas”) –
para governar o comportamento. A segunda é que o homem é
precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais
mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais
programas culturais, para ordenar seu comportamento.
3
Sistemas de classificação desenvolvidos pelos próprios membros da comunidade (In: LARAIA (1996,p.62).
4
Perspectiva desenvolvida por Lévi-Strauss, que “define cultura como um sistema simbólico que é uma
criação a cumulativa da mente humana. O seu trabalho tem sido o de descobrir na estrutura dos domínios
culturais – mito, arte, parentesco e linguagem os princípios da mente que geram essas abordagens culturais”
(LARAIA,1996,p.62).
XXVII
Se a perspectiva Geertz possibilita-nos compreender a cultura como processo
histórico, vinculado ao próprio processo de produção da humanidade, é importante
considerarmos, contudo, que esse processo histórico não é desprovido de intencionalidades,
de condicionantes materiais, inscrevendo-se, portanto, também no plano das relações
políticas.
Para explicitar melhor essa perspectiva da cultura, em sua dimensão política,
retomamos o pensamento marxista a partir de Antonio Gramsci, pois contrariando teorias
idealistas, o autor relaciona cultura com a categoria de hegemonia; para o autor, [...] a
hegemonia é a cultura numa sociedade de classes (sic) é uma práxis e um processo, pois se
altera todas as vezes que as condições históricas se transformam, alteração indispensável
para que a dominação seja mantida” (GRAMSCI Apud CHAUÍ, 1987, p.21-22).
Da perspectiva gramsciana, podemos observar que o conceito de cultura não existe
como um conceito “puro”, mas se constitui historicamente, a partir das relações de classe,
servindo para classificar diferentemente os indivíduos, de acordo com a pertença a uma ou
outra classe A categoria hegemonia de Gramsci comporta o campo cultural como
possibilidade de mudança de visão de mundo, através das experiências vividas pelos
homens. Para Chauí (1987, p.14),
Cultura é o campo simbólico e material das atividades humanas,
estudadas pela etnografia, etnologia e antropologia, além da
filosofia. Em sentido restrito, isto é, articulada à divisão social do
trabalho, tende a identificar-se com a posse de conhecimentos,
habilidades e gostos específicos, com privilégio de classe, e leva à
distinção entre cultos e incultos de onde partirá a diferença entre
cultura letrada-erudita e cultura popular.
Nesse sentido é que podemos compreender o ideário do senso comum ainda vigente,
que designa e separa os indivíduos em cultos e incultos, sendo os primeiros aqueles
considerados “educados intelectual e artisticamente, constituindo as ‘humanidades’,
apanágio do homem ‘culto’, em contraposição ao homem ‘inculto’” (CHAUÍ, 1987, p.13).
XXVIII
Os aspectos antropológicos, bem como os estudos gramscianos de cultura e
sociedade fundamentam os estudos de pesquisadores brasileiros, que buscam formas de
entender e interpretar nosso campo cultural.
1.2 Cultura popular, cultura de elite, cultura do povo a genealogia dos conceitos e os
movimentos culturais brasileiros
Conforme mencionamos na seção anterior, os conceitos são construções sociais
condicionados pelo contexto histórico de cada época. Assim, para compreendermos
conceitos como cultura popular, cultura de elite, cultura nacional-popular, é preciso que os
tomemos em suas relações com os movimentos culturais e com as representações sociais
sobre povo, nação, identidade nacional no seio dos quais tomaram sentido e se difundiram
como referências classificatórias e legitimadoras de relações sociais quer de dominação,
quer de emancipação do povo brasileiro. Nesta seção, procuramos abordar a genealogia
desses conceitos, identificando suas filiações com os movimentos político-culturais
desenvolvidos no Brasil desde o século XIX.
A análise da literatura sobre a constituição da chamada “cultura nacional”, bem
como dos diferentes movimentos culturais que aqui se difundiram (ORTIZ,2001,
2003,2003; Chauí, 1984,1987,2003; Coutinho,2004) nos revela, por um lado, a pluralidade
de concepções e representações de cultura que orientavam os autores nacionais e, por outro,
esclarecem sobre as relações dessas produções com os grupos sociais aos quais se
vinculavam e representavam.
Nessa perspectiva, Ortiz (2001, p. 13), ao analisar a constituição da chamada
‘cultura nacional’, destaca que: “A discussão da cultura popular e da cultura brasileira
constitui uma tradição entre nós, com isso quero dizer que ela manifesta um traço constante,
eu diria constituinte, de um itinerário intelectual coletivo”.
Evidenciando essas diferentes representações sobre a cultura nacional, o autor
destaca como esta foi tratada em diferentes obras de referência ao pensamento intelectual
XXIX
brasileiro, e nos diferentes momentos de nossa história: Silvio Romero e Gilberto Freyre
abordam-na de modo conservador (cultura/tradição), ao passo que autores como Mário e
Oswald de Andrade, evidenciavam uma tendência modernista (manifestações culturais
livres das formas acadêmicas clássicas, com temáticas brasileiras); estatal e autoritária no
Estado Novo (utilização ideológicas de meios massivos como rádio e televisão); para os
isebianos, cultura estava associada ao nacional-desenvolvimentismo e, por fim, tomada
como ação revolucionária para os movimentos culturais e estudantis dos anos de 1960, com
apoio da política de esquerda (ORTIZ, 2001).
Seguindo esse ‘roteiro’ de abordagens, proposto por Ortiz, é possível sublinhar que,
em solo brasileiro, o movimento romancista identifica o nacionalismo a partir da fusão das
raças, porém, falta-lhe pontuar na historicidade brasileira a complexidade dos elementos
étnicos que a compõe, bem como seus pertencimentos.Essas influências se expressaram em
aspectos como apego às tradições nacionais, na busca (construção) de um passado de fausto
e triunfo, da referência à natureza, na elaboração do mundo simbólico através das lendas e
narrativas objetivando a afirmação da nacionalidade como padrão cultural
5
. O autor
destaca que:
Os parâmetros raça e meio fundamentam o solo epistemológico dos
intelectuais brasileiros de fins do século XIX e início do século
XX. A interpretação de toda a história brasileira escrita no período
adquire sentido quando relacionada a esses dois conceitos-chaves”
(ORTIZ, 2003, p.15-16)
Para os românticos da primeira geração, o conceito de mestiçagem, parafraseando
Ortiz (2003), e do ser nacional, está na figura do índio e do europeu, eleitos como
5
Ortiz (2003) traz a obra O Guarani de Carlos Gomes como exemplo: “ ao se ocupar da fusão do índio (idealizado) com o
branco, ele deixa de lado o negro, naquele momento identificado somente pela força do trabalho, mas até então destituído
de qualquer realidade de cidadania”. (p.37) Peri, personagem criado por José de Alencar, personifica a visão romântica de
nação e de cultura através da exaltação do sentimentalismo, da docilidade, do exótico.O indígena de Gonçalves Dias
3
é
retratado com heroísmo e ao lado do “homem branco”, as diferenças ganham ares de sublimação na medida em que se
constrói a narrativa de que ambos participam na construção de um passado glorioso.Gonçalves Dias, considerado “poeta
síntese” do movimento romântico pela sua mistura étnica: descendente de índios, brancos e negros, solidifica a fábula das
três raças
4
ou ainda o “mito das três raças”
5
criado em fins do século XIX e início do século seguinte, trazendo para a
história de nossa cultura cívica, a imagem do aborígine guerreiro, um herói civilizado, porém ainda não corrompido. O
termo Ser Nacional, proposto pelo autor designa o mestiço como categoria na busca da identidade nacional.
XXX
elementos formadores da nação brasileira. O negro representa uma grande lacuna nessa fase
do romantismo brasileiro. Identificado como sinônimo de atraso e barbárie é visto como
incapaz de fornecer símbolos patrióticos para a construção da civilização.
Para exemplificar sua análise, Ortiz (2003, p.94) retoma as obras de Freyre,
sublinhando o caráter antagônico destas; para o autor, Freyre, ao postular uma condição
harmônica entre sociedade e cultura, apresenta a noção de mestiçagem englobando outras
idéias e significados, associando o termo à “democracia” e “liberdade”. Para o autor, Freyre
trabalha as diferenças culturais numa perspectiva positivista, não representando em suas
obras a extrema contradição presente na idéia sincrética de cultura.
Também discutindo essa lacuna com a relação à presença do negro como um
elemento constituinte da cultura nacional, Coutinho (2000, p 32) destaca que “A luta
abolicionista não se fazia em nome de um projeto cultural e político dos escravos, mas de
uma nova ordem liberal que garantiria o desenvolvimento do capitalismo”. Com o processo
abolicionista, o negro passou a figurar na retórica dos intelectuais brasileiros como força
subalterna, considerado pela sociedade, conforme assinala Ortiz (2003, p.19), “cidadão de
segunda categoria”.
6
O século XIX representa, na história do Brasil, o período da construção de conceito
de nação e de povo brasileiro. Nesse período de “independência proclamada” urge a criação
de símbolos que representem um passado glorioso e um futuro promissor, tarefa da
intelectualidade iluminista. Neste momento, cultura passa a ser definida pela antropologia a
partir de um padrão estabelecido pelo grau de progresso, tendo como nivelamento a Europa
capitalista.
6
Se na perspectiva romântica, o povo, as lendas, os mitos, aparecem como possibilidade de afirmação de uma
identidade cultural para o país, enaltecendo-se, assim, as origens populares da mesma, o contrário se observa
na perspectiva iluminista. Nesta, a cultura popular é tratada como resíduo da tradição, das superstições, dos
cultos, dos mitos e lendas que representam o mundo folclórico, mundo esse possível e passível de ser re-
elaborado pela ciência. Tais idéias consideram que a cultura de um povo pode ser ‘melhorada’ através de
estudos científicos. Em 1933, o livro, Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, pontua a história da
formação do povo brasileiro como uma ruptura entre o pensamento de nacional através do determinismo
racial, trazendo o termo cultura ( com idéia de abrangência e compreensão também sociológica e não somente
antropológica) como categoria nacional em substituição a categoria raça.
XXXI
As pesquisas científicas e registros literários deste período explicitam a preocupação
com a construção da idéia de civilização nas grandes metrópoles. No Brasil, o Estado foi o
grande investidor quase que exclusivo dessas atividades e os pesquisadores detinham
uma independência relativa, pois, se por um lado seus olhos estavam voltados aos
problemas sociais, ou seja, ao contexto local e suas diferenças sociais que se agravavam
enormemente, suas atividades estavam sendo regidas por padrões internacionais, fruto da
formação acadêmica da maioria dos profissionais e das ondas de modernização que
chegavam ao continente
7
. Segundo Ortiz (2003, p.80),
As relações entre cultura e estado são antigas no Brasil. Se
tomarmos um exemplo relativamente recente, o dos anos 30,
veremos que com o advento do Estado novo, o aparelho estatal
encontra-se associado à expansão da rede das instituições culturais
(...) à criação de cursos de ensino superior e também à elaboração
de uma ideologia da cultura brasileira.
Na difusão do ideário iluminista, em que a “[...] cultura torna-se medida de uma
civilização, meio para avaliar seu grau de desenvolvimento e progresso” (CHAUÍ, 1987,
p.12), pesquisas são realizadas em instalação públicas, nas áreas de educação e saúde, como
instrumentos valiosos para a resolução dos problemas sociais. Poderíamos, assim,
7
Sobre as relações entre a intelectualidade brasileira e as relações desta com o Estado, destacamos a criação
de centros de estudos sobre a realidade brasileira. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGBe o
Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB. Podemos perceber que a problemática da identidade
brasileira preocupou bastante nossa intelligentsia, que se serviu da ciência (história e artes) para construir as
tradições, lidas como passado. O IHGB foi criado em 21/10/1838, tendo por inspiração o Institut Historique,
fundado em Paris, em 1834. Membros da "boa sociedade" figuras importantes da elite econômica e literária do
Rio de Janeiro, associaram-se de imediato. Desde a sua inauguração o IHGB contou com a proteção de D.
Pedro II, expressa por uma ajuda financeira que a cada ano significava uma parcela maior do orçamento do
Instituto. Mas foi somente a partir de 1840 que o Imperador, além de participar freqüentemente de suas
sessões, tornou-se o grande incentivador da Instituição. O ISEB, que será melhor tratado no capítulo 2, foi
criado em 1955 por um decreto do governo interino de Café Filho e extinto 13 abril de 1964 por decreto de
Ranieri Mazzili (Presidente provisório). Vinculado e financiado pelo Ministério da Educação,o IBESP difunde
a visão do nacional através das áreas de filosofia, história, sociologia, ciência política e economia. O Instituto
tinha como primeiro objetivo pesquisa e planejamento de tudo o que se relacionasse com a realidade
brasileira. Durante sua existência, o ISEB difunde a idéia nacional-desenvolvimentista do país através da ação
do Estado no planejamento do desenvolvimento econômico através da indústria, da ideologia do
desenvolvimento que para SODRÉ (1990 : p.167) refletia “o desejo do chamado grupo de Itatiaia de realizar
a mobilização da intelligentsia brasileira, ou daquilo que supunha ser isso, para sob sua direção, formular um
pensamento político, a que, na falta de melhor nome, se batizou então de ‘ideologia do
desenvolvimento’”(p.167).
XXXII
denominar esses espaços de ciência como centros de inteligência brasileira em que a noção
de um consensus gentium
8
serve de base para interpretar o homem e a cultura.
Em relação às contradições presentes nas teorias romântica e ilustrada, no que tange
a cultura e o popular, Chauí (1987, p.19-20) sublinha que:
O povo romântico sensível, simples, iletrado, comunitário,
instintivo, emotivo, irracional, puro, natural, enraizado na tradição
nasce de motivos estéticos, intelectuais e políticos.
Esteticamente, é a resposta do Romantismo ao Classicismo, a
revolta da natureza contra a “arte”. Intelectualmente, é a resposta
dos sentimentos contra o racionalismo Ilustrado, a revolta da
tradição contra o progresso das Luzes, do sobrenatural e do
maravilhoso contra o “ desencantamento do mundo”.
É possível perceber que, na perspectiva romântica, cultura popular é concebida a
partir de um primitivismo de retomada de tradições ‘sem o povo, teriam sido perdidas’ –;
no ‘comunitarismo’ como criação coletiva e anônima expressão da natureza e do espírito
e boa dose de purismo, estando a cultura popular romântica, ‘livre’ de contaminações da
vida urbana –, ou seja, a idéia de primitivismo coloca a cultura popular como uma arte ou
manifestação “local”, longe da esfera industrial e desenvolvimentista (CHAUÍ,1987,p.19),
e a idéia do ‘comunitarismo’ coloca a arte dentro de uma coletividade anônima, sem
expressividade do local.
Esta localização da cultura (num contexto específico) possibilita ao pensamento
ilustrado a criação de novas demandas culturais, uma vez que popular significa tradição e
tradição significa passado, em consonância com o modelo de vida do grupo que representa,
projetando um novo campo de cultura, destinado à elite brasileira. Neste sentido, é possível
projetar dois grupos distintos: o povo (inculto, incapaz) e a elite (representada pela
ilustração). Essa aproximação, para Chauí (1987, p.20-21), “[...] é feita por uma associação
em que se postula que a Razão ‘vai ao ‘povo’ para educar a sensibilidade tosca (eis o papel
8
Geertz (1989, p.28-29) O autor traz a noção de consensus gentium ( um consenso de toda humanidade) a
noção de que algumas coisas sobre as quais todos os homens concordam como corretas, reais, justas ou
atrativas, e que de fato essas coisas são portanto, corretas, reais, justas ou atrativas .
XXXIII
das vanguardas políticas), e o Sentimento ‘vai às elites’ para humanizá-las (eis o papel das
vanguardas artísticas)”.
Se a cultura popular é submetida a um passado, a modernidade toma caráter de
futuro, na premissa de desfazer o tradicional e, em conseqüência, transformar a cultura
brasileira sob a ótica ilustrada. A arte surge como campo fértil para essas mudanças na
construção de um repertório de símbolos para conceber a identidade nacional. Ainda
segundo Canclini (2003, p.81), “[...] a preocupação mais intensa com a ‘brasilidade’
começa com as vanguardas de 20”. Retomando as discussões em torno do modernismo
cultural, o autor afirma que esse movimento, em vários casos, “[...]em vez de ser
desnacionalizador, deu o impulso e o repertório de símbolos para a construção da
identidade nacional” (CANCLINI, 2003, p.81).
Voltando-nos às concepções do século XVIII, se cultura é vista como padrão ou
critério que mede o nível de civilização de uma sociedade, então o conjunto de práticas
realizadas no interior delas sugere uma hierarquia social, um critério de evolução, onde as
sociedades passaram a ser avaliadas segundo a presença ou ausência de alguns elementos
que são próprios do ocidente capitalista; e a ausência foi considerada sinal de falta de
cultura ou de uma cultura pouco evoluída. Para Chauí (2006, p.106):
A partir do século XVIII, cultura, porém, ganha um novo sentido,
passando a significar os resultados daquela formação e ou
educação dos seres humanos, de seu trabalho e de sua
sociabilidade, resultados expressos em obras, feitos, ações e
instituições: as artes, as ciências, a filosofia, os ofícios, a religião e
o Estado.
No início do século XX a tendência modernista traz para o Brasil a discussão de
uma arte e de uma cultura genuinamente brasileira. As artes acadêmicas, em especial as
artes plásticas, são recriadas pela vanguarda modernista da década de 20
9
como forma de,
9
A Semana de Arte Moderna de 22 é o ápice deste processo que visava atualização das artes, e a sua identidade nacional.
Pensada por Di Cavalcanti como um evento que causasse impacto e escândalo. Esta Semana proporcionaria as bases
teóricas que contribuirão muito para o desenvolvimento artístico e intelectual da primeira geração Modernista e o seu
encaminhamento, nos anos 30 e 40, na fase da Modernidade Brasileira.
XXXIV
em primeiro lugar, deixar de repetir os padrões europeus e recriar uma arte legítima e, em
segundo, fazer uma arte que fosse acessível, em termos de leitura e interpretação, ao povo
brasileiro, considerado ainda analfabeto esteticamente. Canclini (2003,p.78-79), em relação
aos artistas modernistas brasileiros e o confronto com as transformações por que passava o
país, ressalta que:
[...] Oswald de Andrade teve grande repercussão ao regressar neste
mesmo ano da Europa com o manifesto futurista de Marinetti e
confrontar-se com a industrialização que decola com os imigrantes
italianos que se instalam em São Paulo. Junto com Mário de
Andrade, Anita Malfatti, que volta fovista depois de sua estada em
Berlim, e outros escritores e artistas, organizam em 1922 a Semana
da Arte Moderna, no mesmo ano em que se celebra o centenário da
Independência. [...] Os modernistas beberam em fontes duplas e
antagônicas: de um lado, a informação internacional, sobretudo
francesa; de outro, ‘um nativismo que se evidenciaria na inspiração
e busca de nossas raízes (também nos anos 20 começam as
investigações de nosso folclore).
Nesta retomada, o folclore, exaltado como arte nativa, livre das regras acadêmicas
européias (fonte que nossos intelectuais tomavam como referência) é tema polêmico nas
discussões sobre cultura popular. Como arte popular, o folclore retoma a idéia da tradição,
e se coloca como uma força conservadora diante da ordem estabelecida pela modernidade,
“[...] seja na forma de tradição-sobrevivência ou na perspectiva de memória coletiva que
age dialeticamente no mundo da práxis” (ORTIZ, 2003, p.70).
Durante o Estado Novo, a área cultural brasileira estava sob os auspícios do
desenvolvimento de uma ideologia que se destinasse a difundir uma concepção de mundo
para o conjunto da sociedade. O rádio foi o principal ‘meio de massa’ na difusão dessa
ideologia. “Como ‘serviço de interesse nacional’; a radiodifusão é pensada em termos
estratégicos, e para se garantir a finalidade ‘educadora’ do veículo ele deve ser coordenado
e disciplinado pelo poder central” (ORTIZ, 1002, p.52).
O discurso estadonovista apresenta contradição entre os destinos das mensagens
radiofônicas e a ideologia no controle do veículo: “[...] é prejudicial a radiodifusão livre
[,...] é cedo para a radiodifusão exclusivamente oficial”. Para Ortiz, essa contradição revela
uma lacuna entre a intenção política do Estado e a realidade social. Assim chega-se ao
XXXV
consenso de que emergência e consonância, tanto em rádios comerciais como oficiais,
ainda que não atuando em forma de rede, dos interesses dos setores privados com os
interesses do Estado, congregando uma mídia hegemônica.
A cultura, nesse sentido, está projetada a partir da idéia de “desenvolvimento da
racionalidade capitalista e da mentalidade gerencial”. Para Ortiz (2001, p.55), “O espírito
capitalista e racional penetra dessa forma a esfera cultural e organiza a produção nos
mesmos moldes empresariais das indústrias”. Este caráter de domínio da cultura pelo
Estado encontra resistência e oposição, a partir dos anos 50 e mais efusivamente na década
de 60, dos movimentos sociais, liderados pela política de esquerda, tendo como orientação
teórica os intelectuais do ISEB e como principal instrumento os CPC’s.
Como uma proposta de contra hegemonia, a arte revolucionária ou cepecista,
disseminada como consciência política às massas, reflete o contexto social da época. Para
Chauí (1987,p.26):
A ‘massa’ torna real o sonho da democracia liberal, onde as
divisões sociais podem ser reduzidas a divergências de interesses
entre grupos e indivíduos, capazes de chegar ao consenso político à
maneira do mercado que se auto-regula, regulando os interesses
particulares. Na trilha da ‘sociedade de massa’ vinha a ‘cultura de
massa’, expressão da democracia cultural criada pelos meios de
comunicação, símbolos vivos da liberdade de pensamento e de
expressão e da plena transparência da informação.
Em relação a essa síntese, é possível constatar que:
Na perspectiva romântica, o “bom povo” e a “boa nação”,
porém adormecidos, cabendo aos artistas e intelectuais despertá-los
(sic) enquanto na perspectiva populista de esquerda o “povo bom”
e a “nação boa” estão por vir, no presente estão alienados, cabendo
aos artistas e intelectuais a tarefa da conscientização nacional e
popular. Na perspectiva romântica a bondade existe porque obra
da Natureza; na populista de esquerda, está por vir porque
resultado da História (CHAUÍ, 1984, p.48).
Vimos então que questões como nacional e popular se tornam debate em
expressivos movimentos sociais, em instituições que poderiam chamar-se “centros de
inteligência brasileira”; o Estado entra como co-partícipe, como mantenedor das ações
XXXVI
culturais e políticas de cunho ideológico favorável e como repressor nos casos em que a
ideologia colocada pelos manifestantes era contrária às do grupo hegemônico. Para
Marilena Chauí “ O estado é a encarnação jurídica da Nação”.
Nesse sentido, é possível perceber um processo de autoridade do Estado na
disseminação da noção do nacional dentro da cultura brasileira, incluindo o povo, agora
denominado massa, através do sentimento de ser nacional. ntese construída na colagem
de elementos de interesses de poder e ideologia, de engajamento político, em nome de uma
ação de renovação ou revolução cultural.
Segundo Chauí (1984, p.8), “O intelectual que fala ‘pelo Estado, para o Estado e a
partir do Estado’ torna-se consciência da cultura, uma consciência que tem a posse da
verdade como um todo, esclarecedora e com pretensões de unir aquilo que a própria
realidade política se encarrega de separar”.
Junto à construção de Brasília, marco de civilização e as obras arquitetônicas
modernistas
10
, o Estado promove ao povo brasileiro a idéia de uma nação
desenvolvimentista em consonância com os avanços mundiais. As classes sociais destacam-
se por seus interesses e gostos. A elite brasileira das grandes capitais é força aliada do
Estado na construção da nação e de suas identidades, firmando assim as diferenciações
quanto a classes ou níveis socioeconômicos, seus interesses e demandas.
Se por um lado o povo legitima o pensamento hegemônico da modernização e
democracia, produzido pelos intelectuais com investimentos do Estado, por outro esse
mesmo povo constitui-se ameaça à desestabilização hegemônica diante da “abertura
democrática”. Como manter o povo e, por conseqüência, a nação, “sob o olhar de pai
severo” do Estado?
10
A originalidade e a imaginação que Niemeyer revelou nos seus trabalhos valeram-lhe uma reputação de
líder da arquitetura moderna. Junto a Lúcio Costa, os arquitetos pretendiam construir uma cidade utópica. O
desejo era "construir um urbanismo com luz, ar e sol, com a transparência do cristal e a gica de uma
equação" (Goerdeler,2000).
XXXVII
É possível a partir disso, tecer os meandros em relação aos conceitos construídos em
torno das terminologias cultura popular e de elite, questões que não podem ser negadas
quando se pensa a dinâmica cultural brasileira, proposta de reflexão que faremos a seguir.
Pois para Renato Ortiz (2001, p.13) discutir cultura popular e cultura brasileira é uma
tradição: “[...] não é por acaso que a questão da identidade se encontra intimamente ligada
aos problemas da cultura popular e do estado [...] falar em cultura brasileira é discutir os
destinos políticos de um país”.
A arte erudita, a arte culta, a arte burguesa são categorias que aparecem com a
modernidade. As distinções se fazem a partir do momento em que a arte passa a ser
considerada capital como classificação das categorias, a partir da noção de classes sociais.
Algumas questões levantadas neste capítulo serão abordadas de forma mais específicas nos
capítulos 3 e 4.
Como podemos perceber, pensar em cultura brasileira é pensar nessa ambivalência
de fatores e condicionantes que fazem da diversidade a tônica da formação brasileira. Uma
definição é por demais determinista e reducionista; como refletir sobre esse processo
híbrido e multifacetado de produção tendenciosa e idealista, sem incorrer mais uma vez a
um conceito ou determinação generalizada?
1.3 Cultura Brasileira – as categorias ‘popular’e ‘elite’ como distinção de classes
sociais
Os escritores Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha foram os
precursores dos estudos sobre a identidade cultural brasileira a partir da visão dos
condicionantes “raça e meio”. Paralelamente a essa teoria, o escritor Gilberto Freyre
constrói um caráter “de mestiçagem” para o povo brasileiro (agora denominado caráter
sincrético), produto do cruzamento de três culturas: a branca, a negra e a indígena.
XXXVIII
As idéias de desenvolvimento, progresso e civilização compunham a base para a
construção de uma nação em consonância com o restante do mundo. Idéias essas que geram
em território brasileiro, grandes lacunas entre as classes sociais, distinções que fazem
crescer a problemática nacional quanto à organização social e cultural brasileira.
Nesse capítulo vimos como as tendências romântica e iluminista tencionam
abordagens antagônicas da questão da cultura. Em relação ao popular o pensamento se
repete, poderíamos dizer, ainda, se alarga contraditoriamente. Se o programa iluminista
“percebe e comporta” o povo e, conseqüentemente, o popular na política brasileira, os
românticos utilizam-se de conceitos de popular como fruto da vida comunitária do povo
bom, pobre e simples.
O caráter primitivista, de preservação das tradições, do coletivo anônimo da cultura
popular criado pela tendência romântica, no papel de guardiã do passado, abre expectativa
na ilustração, que contraditoriamente nega-o. “Momento de selvageria, da ignorância, da
irracionalidade e da barbárie [...] pois seu tempo é o presente racional e o futuro
progressivo”. (CHAUÍ, 1987, p.20)
Canclini (2003, p.210), em consonância com o acima exposto, salienta que “[...] os
românticos se tornam mplices dos ilustrados. Ao decidir que a especificidade da cultura
popular reside em sua fidelidade ao passado rural, tornam-se cegos a mudanças que a
redefiniam nas sociedades rurais e urbanas”.
Em meados do século XIX, o termo folclore
11
é utilizado como meio mais eficiente
para afirmar uma identidade nacional, que se procurava descobrir. Silvio Romero,
apontado como pai dos estudos folclóricos brasileiros, busca as origens do folclore por
meio dos contos e poesias tradicionais projetando um futuro para a cultura. Amparado pela
teoria da seleção natural de Darwin, afirma que “[...] pela lei da adaptação as raças
tenderiam a modificar-se no mestiço, que tenderia a se integrar à parte, formando um novo
11
O termo folklore folk (povo), lore (saber) foi criado pelo arqueólogo inglês Willian John Thoms em 22
de agosto de 1846 e adotado com poucas adaptações por grande parte das línguas européias, chegando ao
Brasil com a grafia pouco alterada: folclore. O termo identificava o saber tradicional preservado pela
transmissão oral entre os camponeses e substituía outros que eram utilizados com o mesmo objetivo –
“antigüidades populares”, “literatura popular” (VILHENA, 1997 :p.24. Apud CATENACCI, 2001,p.2).
XXXIX
tipo em que predominaria o branco. Neste sentido, o futuro do Brasil pertenceria a essa
raça, que todos os primeiros tipos nacionais têm origem branca [...]”. (CATENACCI,
2002, p.4)
Em relação à teoria darwiniana para entendimento da cultura, Ortiz (2003, p.14)
alerta que: “Se o evolucionismo torna possível a compreensão mais geral das sociedades
humanas, é necessário, porém, completá-los com outros argumentos que possibilitem o
entendimento da especificidade social [...]”. Continua o autor: “Ser brasileiro significa
viver em um país geograficamente diferente da Europa, povoado por uma raça distinta da
européia” (p.17).
Segundo essa linha de pensamento, é possível dizer que a tendência romântica
difunde a idéia de “povo bom”, de “cultura boa”; os ilustrados, na contramão, estariam
localizados numa esfera superior, ou seja, não fazem parte dessa categoria, não é povo.
Neste aspecto: “Os Ilustrados estão aprisionados num círculo contraditório: estão contra a
tirania, em nome da vontade popular, e contra o povo, em nome da razão” (BARBERO
apud CHAUÌ, 1987, p.17). Conclui, ainda: “Não são os dominantes que transformam o
popular em nacional para poder convertê-lo à neutralidade homogênea do ‘típico’, como
observa Nestor Canclini?” (p.30).
Aos ilustrados cabe a autonomia para orientar, guiar (e vigiar) aqueles que,
definidos por ela, desprovidos de saber e intelecto necessitam de proteção, à ideologia
dominante (a elite) como produto da classe dominada, do subalterno. Porém definir a
cultura é, para Chauí (2003, p.39-40), uma atividade complexa, pois:
Haveria entre os termos uma diferença que se exprime na
diversidade entre duas manifestações culturais específicas? Ou
haveria apenas uma diferença aparente e uma coincidência real
entre ambas? Poderia a diferença ser algo mais do que uma
diversidade e muito mais do que uma coincidência, isto é, haveria
entre os termos uma contradição?
A elite, composta pela burguesia em crescente ascensão, bem como por aqueles que
ao lado dela compunham a força política e social brasileira, pelos centros de estudos dos
problemas brasileiros, sob a proteção do Estado, dispunha de meios e mecanismos
XL
hegemônicos como forma de organizar a sociedade a partir de seus próprios interesses.
Neste sentido, Chauí (2003, p.40) acrescenta a essa discussão que: “[...] o autoritarismo das
elites se manifestaria na necessidade de dissimular a divisão, vindo abater-se contra a
cultura do povo para anulá-la, absorvendo-a numa universalidade abstrata, sempre
necessária à dominação em uma sociedade fundada na luta de classes”.
Quando o folclórico (ou popular) se confronta com a modernidade, assume um
caráter de subalterno. À medida que a tendência moderna se fixa como padrão cultural,
assume o termo popular como aquilo que agrada ao povo, que causa pertencimento,
embora, não necessariamente por ter sido produzido por ele. A subalternidade do típico
está, para Nestor Canclini (2003), como a posição colocada para a cultura popular pelo
grupo hegemônico. Considerado como atraso, em relação à modernidade, o folclore é
destinado a enriquecer a história contada como tradição, como resíduo do passado de um
povo. No pensamento moderno, afirma ainda Canclini: “O povo interessa como legitimador
da hegemonia burguesa, mas incomoda como lugar do inculto por tudo aquilo que lhe falta”
(p.208).
Os estudos folclóricos trazem o popular para Catenacci (2002, p.6) como:
[...] depósito da criatividade camponesa, da suposta transparência
da comunicação a cara a cara, da profundidade que se perderia com
as mudanças exteriores da modernidade. Neste sentido, os
folcloristas dão pouca explicação sobre o popular, não sendo
capazes de reformular seu objeto de estudo de acordo com o
desenvolvimento de sociedades em que os fenômenos culturais
poucas vezes tem as características que o folclore define e valoriza.
A modernidade traz a idéia da cultura de massa como uma tendência democrática,
acessível, que comporta as diferenças e agrada, pois tem o poder de agregar multidões em
torno de um evento ou espaço. A partir dessa simulação, a categoria povo, amplamente
discutida pelos cientistas sociais, ganha a denominação de massa, corpo sem unidade, sem
consciência, homogêneo.
No outro hemisfério da massa está a elite, no cume da pirâmide capitalista está,
segundo Chauí (1987, p.29), “[...] a alta, formada por indivíduos que se distinguem dos
XLI
demais pelas capacidades extraordinárias a elite - os melhores e maiores (...) A ideologia
considera que a elite está no poder não só porque detém os meios de produção, os postos de
autoridade e o Estado, mas porque possui competência para detê-los”.
Presos a uma tradição formal e acadêmica, e atrelados a uma condição social e
política populista, os artistas brasileiros das últimas décadas do século 20, buscavam por
meio da arte a construção de uma cultura nacional. Os espaços de discussão e
problematização se transformam em campos políticos e a busca pelo nacional popular
conjuga diferentes classes de intelectuais, artistas e estudantes. O popular se reveste de um
caráter revolucionário, a arte preconizada pelo Anteprojeto do Manifesto dos Centros
Populares de Cultura se transforma em símbolo de uma era de renovação cultural e política
do país.
Ainda que se tenha recorrido a fontes marxistas, na redação do Anteprojeto do
Manifesto dos Centros Populares de Cultura, o popular se constitui como “[...] capacidade
de um intelectual ou de um artista para apresentar idéias, situações, sentimentos, paixões e
anseios universais que, por serem universais, o povo reconhece, identifica e compreende
espontaneamente”; “[...] capacidade para captar no saber e na consciência populares
instantes de ‘revelação’ que alteram a visão de mundo do artista ou intelectual que, não se
colocando numa atitude paternalista ou tutelar face ao povo, transforma em obra o
conhecimento assim adquirido” ou, ainda, “capacidade de transformar situações produzidas
pela formação social em temas de crítica social identificável pelo povo”. (GARCIA,2002,
p.51) Os cepecistas buscam construir uma estrutura própria quando definem o popular e o
nacional. Tais reflexões estão apresentadas no capítulo 3.
2. OS CENTROS POPULARES DE CULTURA A ARTE COMO CAMPO
IDEOLÓGICO NA BUSCA PELO NACIONAL-POPULAR
XLII
No capítulo anterior, retomamos o conceito de cultura, abordando-o a partir de
diferentes perspectivas, ao mesmo tempo em que procuramos relacioná-lo com a dinâmica
sócio-histórica da sociedade brasileira. Neste capítulo, procuraremos compreender a
emergência, nos anos de 1960, dos Centros Populares de Cultura CPC, projeto cultural
que tinha como objetivo a construção de uma cultura nacional popular através da
disseminação de uma arte politicamente engajada destinada às massas. Como veremos, a
idéia de uma cultura nacional-popular encontra suas raízes na própria constituição do
Estado brasileiro, na criação imagética da identidade nacional.
Conforme mencionamos anteriormente, a discussão sobre a arte e cultura
brasileira ganha sentido e significado, como discurso, nos anos de 1930 e 40, período de
vigência do Estado Novo. Nesse contexto, dois discursos se contrapunham: um vinculado à
perspectiva romântica, sustentado no pressuposto de que para além da cultura ilustrada
hegemônica existiria uma cultura popular, autêntica e autônoma, susceptível de ser
resgatada pela idéia de Nação Nova ou Estado Novo. Contrariamente a esta, a perspectiva
ilustrada percebe a cultura popular como resíduo das tradições, como o ‘tradicional’, em
vias de ser desfeito pela modernidade: “O popular como resíduo elogiado: depósito da
criatividade camponesa, da suposta transparência da comunicação cara a cara, da
profundidade que se perderia com as mudanças “exteriores” da modernidade” (CANCLINI,
2003, p.209).
Nesse debate, destaca-se a presença do Estado, seja pela criação de instituições
especializadas, voltadas para a discussão do Brasil como nação, estudando suas
características e identidade, seja pela vinculação dos literatos com o aparelho do Estado,
pois grande número deles era de funcionários públicos. Entre as instituições criadas nessa
época e que influenciaram os debates culturais, citamos o IHGB
1
, em 1938 e,
posteriormente, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB(1955).
1
Criado em 21 de outubro de 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o IHGB, é inspirado no
Institut Historique, fundado em Paris, em 1834. Membros da "boa sociedade" figuras importantes da elite
econômica e literária do Rio de Janeiro, associaram-se de imediato. Desde a sua inauguração o IHGB contou
com a proteção de D. Pedro II, expressa por uma ajuda financeira que a cada ano significava uma parcela
maior do orçamento do Instituto. Mas foi somente a partir de 1840 que o Imperador, além de participar
freqüentemente de suas sessões, tornou-se o grande incentivador da Instituição.
XLIII
É possível percebermos que a problemática da identidade brasileira preocupou
bastante nossa intelligentzia, que se serviu da história, da poesia e ciência para formular os
pressupostos para a construção de uma identidade nacional. Com relação ao ISEB, cabe
destacar sua importância no cenário político-cultural brasileiro, em especial, no
desenvolvimento de um projeto político que ficou conhecido como “nacional-
desenvolvimentista”. Criado em 1955 por um decreto do então presidente conservador Café
Filho e extinto em 13 de abril de 1964, logo após o golpe militar que depôs João Goulart.
O ISEB, que desde sua fundação esteve vinculado ao Ministério da Educação e
Cultura, foi uma continuidade do IBESP Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e
Política, entidade civil que congregava intelectuais e técnicos governamentais de diferentes
matizes ideológicas; partidários da idéia de um projeto de desenvolvimento nacional. Desde
1952, o IBESP promoveu seminários sobre a realidade político-econômica brasileira,
editando também a importante revista “Cadernos de Nosso Tempo” (cinco números). Na
continuidade da perspectiva nacional-desenvolvimentista do IBESP, o ISEB passa a ocupar
a cena intelectual, comandado por intelectuais como Hélio Jaguaribe, Álvaro Vieira Pinto,
Nelson Werneck Sodré, entre outros, vinculados anteriormente ao IBESP.
Entre os objetivos e atividades do ISEB pode-se destacar o estudo, o ensino e a
divulgação das ciências sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à
compreensão crítica da realidade brasileira, no intuito de promover o desenvolvimento
nacional. Sem dúvida, o instituto desempenhou importante papel na construção de uma
ideologia “nacional-desenvolvimentista”, com repercussões importantes no cenário cultural
brasileiro.
Segundo Sodré (1990, p. 167), a difusão da ideologia do nacional-
desenvolvimentismo dar-se-ia por meio da ação do Estado associando a idéia de
desenvolvimento econômico com a industrialização; refletia assim a ideologia do
desenvolvimento
2
que, para o autor, expressava o “[...] o desejo do chamado grupo de
2
F
ormulada a partir das contribuições de teorias universalistas de Marx, Schumpeter e Keynes e de economistas latino-
americanos e nacionais, como os estruturalistas Raúl Prebisch e Celso Furtado e o marxista Ignácio Rangel na qual se
buscam bases teóricas que aprofundem o processo de transformações que o país vivia desde a Revolução de 1930.
XLIV
Itatiaia de realizar a mobilização da intelligentzia brasileira, ou daquilo que supunha ser
isso para, sob sua direção, formular um pensamento político a que, na falta de melhor
nome, se batizou então de ‘ideologia do desenvolvimento’”.
Contudo, não podemos esquecer que, se o Brasil das décadas de 1950 e 60 passava
por uma fase de desenvolvimento econômico com a deflagração do processo de
industrialização, em termos gerais, no que se refere ao desenvolvimento de áreas como
organização política e cultural, saúde e educação, viveu anos de espera. O desenvolvimento
industrial trouxe a disseminação de hábitos estrangeiros ao nosso país, assimilados como
‘modernidade’.
É nesse contexto, constituído de contradições, expressas sobretudo pela ideologia
nacional-desenvolvimentista, pelo crescimento industrial e pela ascensão de governos ditos
de cunho “popular”, que nascem os Centros Populares de Cultura CPC’s. Construídos
como espaço de engajamento político por um grupo que ‘proclamava’ uma renovação
cultural como consciência das massas, os centros reuniam a vanguarda da intelectualidade
brasileira. Esta era aliada dos estudantes e de suas entidades representativas no intuito de
promover um amplo movimento de conscientização político-social, tendo como foco a
discussão, criação e promoção de uma cultura nacional-popular.
Como veremos a seguir, esse movimento cultural, fortemente influenciado pela
ideologia do ‘nacional-desenvolvimentismo’, foi marcado por contradições, por avanços e
recuos, cujas marcas persistem até os dias de hoje no cenário cultural brasileiro.
2.1 Antecedentes histórico-culturais dos CPC’s o Teatro Brasileiro de Comédia e o
Teatro de Arena
Buscava-se também transpor o “complexo cultural colonial” termo de Roland Corbesier –, característico de nossas
elites, que tendem a reproduzir de forma acrítica experimentos de países ricos.
XLV
Até a origem dos centros populares de cultura e a construção de uma arte nacional
popular, a dinâmica artística cultural brasileira se desenvolveu a partir de artistas das áreas
visuais, musicais e plásticas e dos literatas (com algum apoio governamental) com
propostas de criação de espaços de arte e cultura restritos à uma parcela da população. Com
fortes influências européias, a arte desenvolvida no Brasil apresentava uma mescla de
tendências estéticas européias e americanas, uma vez que os artistas brasileiros com
formação acadêmica resultavam dessas escolas.
Nesse contexto, é importante registrar o papel desempenhado pela Escola de Arte
Dramática EAD, primeira escola de formação de atores no Brasil. Criada em 1948 e
dirigida por Alfredo Mesquita, constituiu-se como um espaço onde se desenvolvia tanto a
preparação de atores e diretores quanto à produção teatral, com a escolha de um repertório
de autores europeus e americanos, utilizando uma linguagem formal, acadêmica. De acordo
com Costa (1998, p.103):
Os seus protagonistas, todos direta ou indiretamente ligados ao TBC,
[Teatro Brasileiro de Comédia] assumiram a tarefa de dotar o país
desse melhoramento, a saber, espetáculos compatíveis com o padrão
europeu e norte americano, cujas características de modernidade iam
desde o plano da dramaturgia, concepção de espetáculo, métodos de
direção e atuação, etc., até o da produção material, que envolvia tantas
fontes de financiamento quanto administração empresarial de elencos
estáveis.
Funcionando no mesmo prédio do Teatro Brasileiro de Comédia, a EAD foi um
importante “celeiro” de artistas para os espetáculos deste e berço também da Companhia
Teatro de Arena, nascida das críticas e divergências com relação à proposta do TBC. De
acordo com Garcia (2002, p.63) “[...] ironicamente, o Teatro de Arena assim que constituiu
para si uma identidade própria, passou a ser conhecido como ávido crítico da estrutura dita
exclusivamente comercial do TBC, sobretudo em relação ao predomínio do repertório
europeu e do público de classe média”.
Caracterizado por Peixoto (1989, p.16) como “árvore de onde ramificam, a seguir
todas as principais manifestações do novo teatro”, o TBC inspirado ‘numa noite de euforia’
por Franco Zampani, em 1947, estréia em 11 de outubro de 1948, em São Paulo, com as
XLVI
peças “A Voz Humana”, de Jean Cocteau, e “A mulher do próximo”, de Abílio Pereira de
Almeida. Instrumentaliza-se a partir da linguagem teatral italiana, na contratação de Adolfo
Celi (direção) e Aldo Calvo (cenografia) e Ziembinsky entre os estrangeiros; artistas
brasileiros também listam o percurso desta companhia, entre eles Cacilda Becker, Flavio
Rangel e Armando Paschoal.
Essa tradição de “importar” diretores vinha na gica do desenvolvimento
capitalista, que trazia cnicos estrangeiros para as grandes indústrias. O objetivo disso,
segundo Peixoto (1989, p.12), “[..] era o produto-mercadoria, bem embalado e com
aparência européia”.
Embora fosse um dos mais bem sucedidos grupos teatrais da época, com
aperfeiçoamento técnico, formação de platéia e especialização de atores, cenógrafos,
figurinistas e diretores, o TBC não tinha como foco de interesse o desenvolvimento de uma
dramaturgia nacional, tampouco dispunha de mecanismos de inclusão das classes menos
favorecidas às sessões de teatro. De caráter empresarial e com um público burguês, o TBC,
dirigido por José Renato, nos anos 60, não correspondia às inquietações dos jovens
dramaturgos por não suprir uma demanda social, ou seja, a formação de uma platéia que
entendesse e participasse da linguagem apresentada, bem como promover a aproximação da
classe artística com o povo através da produção de uma dramaturgia crítica da realidade
social brasileira.
Em entrevista a Fernando Peixoto, publicada pelo Correio do Povo de Porto Alegre,
em seu suplemento literário no dia 5 de março de 1960, o diretor italiano Franco Zampani
(que estava no estado do Rio grande do Sul fazendo campanha de temporada do TBC na
capital gaúcha) comenta a origem do TBC bem como as principais repercussões que as
atividades desenvolvidas pela companhia tiveram junto à classe artística. Segundo Peixoto
(1989, p.11):
O aparecimento do TBC coloca uma série de problemas, como o
sufocamento de uma tradição de teatro popular e desprovido de
sentido cultural mais autêntico, as vantagens e desvantagens da
união em uma companhia profissional dos diversos movimentos
de teatro amador que existiam em São Paulo, a implantação de uma
XLVII
estética importada e eclética, profundamente comercial,
ideologicamente comprometida com uma classe, desvinculada com
a realidade cultural do país, institucionalizada durante muito tempo
como símbolo de qualidade sagrada, etc. E igualmente a reação que
a alienação cultural proposta pelo TBC provocou na juventude
brasileira, ocasionando o aparecimento de correntes nacionalistas
de dramaturgia e encenação, como foi o caso do teatro de Arena e
de outros grupos, mesmo amadores, em outros estados.
Ainda de acordo com o autor, o TBC, nascido de uma “brincadeira cultural da
burguesia” e marcado por uma estética estrangeira desprovida de autenticidade, provoca na
juventude brasileira o desejo de reação contrária, dando origem a discussões de uma arte-
manifestação nacional-popular e à proposta da criação da Companhia Arena no Rio de
Janeiro (PEIXOTO, 1989, p.8).
A peça “O Demorado Adeus”, de Tennessee Willians, dirigida por Décio de
Almeida Prado e encenada por José Renato, na Escola de Arte Dramática é realizada em
espaço circular ou de arena, criando uma proposta cênica intimista, ainda inédita no Brasil.
Esse evento impulsiona a organização da Companhia de Teatro e Sociedade Arena, que
teve como primeiro espetáculo a peça “Esta Noite é Nossa” de Stanford Dickens. Com
estréia em 11 de abril de 1953 nas dependências do Museu de Arte Moderna de São Paulo,
foi dirigida por José Renato, Geraldo Matheus, Sérgio Sampaio e Emílio Fontana, sócios
fundadores do Arena.
3
Embora nascido em oposição à linguagem e proposta do TBC, de acordo com
Garcia (2002, p.37), nos anos de 1953 a 1955, a companhia teatral Arena teve em seu
repertório o desenvolvimento de uma linguagem teatral semelhante àquela desenvolvida (e
criticada) no TBC. Para Magaldi (1984, apud GARCIA, 2002, p.37): “[...] de uma espécie
de TBC pobre, ou econômico, o grupo evoluiu para converter-se em porta-voz das
aspirações vanguardistas de fins dos anos cinqüenta”. Ainda, para a autora:
Embora a preocupação com as implicações estéticas e ideológicas
do teatro tenha transformado o teatro de Arena em porta-voz das
3
A sede própria do Arena foi inaugurada em 1 de fevereiro de 1995, na rua Theodoro Bayma, nº 94 em frente
à Igreja da Consolação em São Paulo (In: Garcia (2002).
XLVIII
aspirações vanguardistas, é preciso considerar que o precário
orçamento destinado ao aperfeiçoamento técnico e ao pagamento
de impostos e direitos autorais (comparado aos recursos
disponíveis para as grandes companhias da época como o TBC e o
Teatro Cacilda Becker) contribuiu para renovação do teatro
brasileiro ancorado na adoção do gênero teatro de arena, na
aplicação do sistema de sócios, na fusão entre teatro de Arena e
Teatro Paulista do Estudante (TPE) e na politização do repertório
através da inserção do problema nacional-popular (p.37
).
Magaldi (1984, apud GARCIA, 2002, p.38) em referência ao Teatro de Arena,
retoma palavras do então diretor José Renato: “No teatro de arena preocupamo-nos com um
espetáculo mais puro. Sua verdadeira vedete é o texto. Com ausência de cenários e a
proximidade do palco, toda a atenção se concentra sobre a peça e o desempenho”.
Em fins dos anos 50 e início dos anos 60, o Teatro de Arena, agora sob a direção de
Augusto Boal
4
, aliado ao Teatro Paulista do Estudante-TPE
5
, constrói uma identidade
própria, tanto na dramaturgia voltada para a expressão da realidade nacional” como nas
atividades de reflexão da estética popular. Registremos aqui o importante espaço de
discussão e reflexão, constituído pelos Seminários de Dramaturgia e Ciclos de Estudos
Teatrais, organizados e coordenados por Boal. Nesses seminários discutem-se também os
problemas estéticos do teatro, as características e tendências do teatro moderno brasileiro,
com estudo da realidade artística e social brasileira; são realizados entrevistas, debates e
conferências com artistas e dramaturgos, dando início ao que, posteriormente, viria a se
denominar de uma linguagem estética teatral voltada para reflexões sobre o nacional-
popular.
4
Formado no curso de Dramaturgia e Direção pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, integra os
quadros do teatro de Arena como segundo encenador, a convite de José Renato. Muda-se para São Paulo em
julho de 1956. Dirigiu dois espetáculos elogiados pelos melhores críticos: Ratos e Homens de Steinbeck e
Juno e o Pavão de Sean O’Casey, ambos seguem a linha realista, segundo Boal, seriam estímulos à autores
brasileiros.
5
Fundado por estudantes da FFLCH da USP, o TPE, que se apresentava em horários alternativos na sede
do Teatro de Arena, via na proposta de junção oferecida por José Renato, então diretor do teatro de Arena, um
a possibilidade de profissionalização paralela ao modelo tido como exclusivamente comercial pelo,TBC,
enquanto para o teatro de Arena, a união favorecia a formação de um elenco permanente e outro itinerante.A
participação de Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri pertencentes ao TPE acrescentava ao
teatro de Arena a preocupação com a formação de um teatro nacional-popular, realista e crítico, sob forte
influência de Ruggero Jacobbi, o mais politizado encenador contratado pelo TBC. ( Patriota , 1999b, p.98
Apud Garcia, 2002, p.38)
XLIX
Ressaltando a importância desses seminários Peixoto (1989, p.33) faz referência a
Augusto Boal, retomando uma declaração deste:
Estamos incentivando a organização de outros seminários de
dramaturgia, pois cremos em sua necessidade. Em São Paulo
existe outro, na escola de Arte dramática. Creio que em breve
haverá um numa cidade do interior de São Paulo, Marília. E
aproveitando a próxima temporada do “Arena” no Rio (muitos dos
membros dos seminários são atores do “Arena”), vamos organizar
um seminário com participação de elementos cariocas e paulistas.
As concepções e propostas construídas pelos artistas do Arena colaboram para que
se difunda no meio teatral o desejo de uma dramaturgia brasileira e os Seminários se
constituem como espaço de reflexões acerca da linguagem estética e temática. Duas peças
são ‘aprovadas’ nos seminários: “Eles não usam Black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, e
“Chapetuba Futebol Clube”, de Oduvaldo Vianna Filho.
A motivação para o desenvolvimento de uma arte popular, via teatro, modulava as
ações do Teatro de Arena, orientando também as discussões sobre a dramaturgia nacional-
popular. Podemos verificar essa intenção no discurso e nos planos de Augusto Boal,
conforme referência encontrada em Peixoto (1989,
p.34-35
):
O objetivo é a integração maior do teatro com a população. Vamos
fazer, eu e elementos do seminário (alguns, não todos), verdadeiro
teatro político. Escolheremos temas e problemas fundamentais da
sociedade. Queremos enfrentar os problemas sociais mais sérios, de
maneira atingirem o maior número de espectadores. Queremos uma
platéia popular, a que o possa pagar cem cruzeiros ou mais por
uma entrada de teatro. Será uma tentativa de teatro não emocional
[...] duas estão certas: O que sabe você sobre o Petróleo? [...] e
Vida, Paixão e Morte do Presidente Vargas.
Boal (apud PEIXOTO, 1989, p.34) afirma que:
Com a existência e o trabalho do seminário, o Arena pôde
determinar esta sua linha: encena textos brasileiros. Agora
podemos também encontrar mais facilmente um estilo de
representação nacional. Vamos inaugurar brevemente o laboratório
de Interpretação. Pesquisas, fora de ensaios, em um método e estilo
brasileiro, para maior autenticidade nas interpretações.
L
A atuação política de Gianfrancesco Guarnieri e o sucesso da peça Eles Não Usam
Black-Tie
6
, resultou um levante vanguardista. A peça foi considerada pelo público e crítica
como porta-voz da linguagem teatral brasileira, além de contribuir sensivelmente para sanar
dificuldades financeiras por que passava a Companhia Teatral Arena, que já sofria
transformações de toda ordem.
Estimulado pelo sucesso, Guarnieri escreve o artigo “O Teatro como Expressão da
Realidade Nacional” que, para Garcia (2002, p.40), define “[...] os pressupostos teóricos do
engajamento teatral com base no conceito nacional-popular”. Nesse artigo, Guarnieri
destaca que:
A obra dos novos autores brasileiros demonstra claramente a
necessidade geral de tratar de temas sociais, problemas de nosso
povo em nosso tempo, o que nos dá a medida de quanto nossa
juventude se aflige com os problemas atuais e quanto os artistas
jovens procuram participar dessas lutas (GUARNIERI, 1959,
p.122, apud GARCIA, 2002, p.42).
O Teatro de Arena, utilizando-se da influência que a peça de Guarnieri cria no
âmbito cultural brasileiro, desencadeia um movimento de reflexão sobre o repertório
dramatúrgico institucionalizado pelas companhias brasileiras, gerando discussões em
relação às linguagens artísticas apresentadas como arte pura ou ao sentido do belo ou,
ainda, a supremacia da forma através da técnica e estética. Toda reflexão gira em torno da
cultura popular em consonância com o nacional-popular.
Apesar da fértil discussão estabelecida no cenário cultural nacional, o Teatro de
Arena era permeado por divergências internas que terminaram por provocar reorientações
em suas atividades e divisões internas, aproximando seus integrantes de outras entidades
sociais e populares. Marca esse processo o artigo escrito por Oduvaldo Viana Filho,
intitulado “O artista diante da realidade”. Nele, Vianna Filho critica o então diretor da
6
A peça Eles Não Usam Black-Tie foi estreada em 22 de fevereiro de 1958 e aborda as relações individuais e
coletivas que norteiam a apresentação de problemas sociais urbanos sob a égide da luta de classes.
LI
Arena, José Renato, sugerindo a aproximação do teatro a entidades estudantis(UNE),
partidos políticos (PCB), sindicatos, e ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).
A discussão sobre a estética teatral, cujo pano de fundo era a polêmica
‘desenvolvimento artístico ou empresarial’, expressava as principais indisposições entre os
autores citados, criando no interior do Arena um movimento dissidente. Argumentava-se
que a linguagem teatral desenvolvida até aquele momento não chegava às massas devido a
sua estética formal, destinando-se apenas a uma parcela da população que podia pagar pelo
ingresso, não disseminando no país uma arte considerada autêntica.
Influenciados pelos acontecimentos e revoluções culturais que aconteciam no
cenário mundial, o grupo dissidente defendia o desenvolvimento de uma arte que cumprisse
“seu papel social de conscientização”; desenvolvesse uma linguagem estética engajada que
se aproximasse do povo. Os membros do grupo defendiam que a arte deveria ser entendida
pelo povo e que promovesse a idéia de uma consciência nacional, com características de
emancipação. Em relação a esse caráter ideológico, Hollanda (2004: p.23) salienta:
Trata-se claramente, de uma concepção, da arte como instrumento
de tomada de poder. Não lugar aqui para os “artistas de
minorias” ou para qualquer produção que não faça uma opção de
público em termos de “povo”. A dimensão coletiva é um
imperativo e a própria tematização da problemática individual será
sistematicamente recusada como politicamente inconseqüente se a
ela não se chegar pelo problema social.
A aproximação do grupo de artistas e dramaturgos aos intelectuais do ISEB
inaugura uma nova fase nas atividades culturais no Brasil, em especial na linguagem teatral.
O musical ‘A mais valia vai acabar, seu Edgar’, encenado no Arena, composto por Carlos
Lira e dirigido por Oduvaldo Vianna Filho, com aparato teórico marxista de Carlos
Estevam Martins, assistente de Álvaro Vieira Pinto, põe em discussão a mais-valia dentro
LII
do sistema capitalista, transformando-a numa peça-modelo, “precursora” das novas
propostas do Teatro de Arena.
7
O grupo dissidente do Arena, liderado por Oduvaldo Vianna Filho
(Vianinha) e Chico de Assis, juntamente com o Isebiano Carlos
Estevam Martins, autor do Anteprojeto do Manifesto dos Centros
Populares de Cultura CPC’s, busca na União Nacional de
Estudantes - UNE e em seu presidente, Aldo Arantes, recém-
eleito, apoio para realização de um curso de Filosofia. Originam-se
os Centros Populares de Cultura, cujo funcionamento, entre os
anos de 1962 a 1964, ocorreu junto à Faculdade Nacional de
Arquitetura, no Rio de Janeiro.
Os CPC’s, sob a ‘proteção’ do Partido Comunista Brasileiro e da UNE, constituídos
então como espaço e expressão do desejo de construção de uma arte nacional popular, têm
sua origem marcada por dissidências geradoras no interior de dois grandes movimentos na
cena cultural brasileira: o Teatro Brasileiro de Comédia – TBC e o Teatro de Arena.
Nem TBC, tampouco Arena. Neste momento o engajamento artístico e político se
volta para o CPC’s que, para Guarnieri, constitui-se uma nova força cultural, a própria
vanguarda: “Ou ficamos com o que caminha para a destruição, ou ficamos com o que
surge, com o novo” (GUARNIERI, 1959,p.124, apud GARCIA 2002, p.42).
Em síntese, como procuramos demonstrar nessa seção, Oduvaldo Vianna Filho,
Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, com artistas, políticos vinculados ao Partido
Comunista Brasileiro, estudantes da UNE e intelectuais ligados ao ISEB, em especial na
figura do sociólogo Carlos Estevam Martins, constroem os CPC’s, como um movimento
cultural engajado na construção da consciência política das massas oprimidas, consciência
‘promovida’ na/pela arte, mediatizada por artistas e intelectuais revolucionários.
7
em fins de extinção o ISEB alia-se com a esquerda. A ideologia nacional que os isebianos propunham
estaria em consonância com o nacionalismo largamente difundido na opinião pública, que tais posições
estariam presas às cisões que dividiriam tanto as elites quantos as classes médias brasileiras e, por fim, que
os isebianos teriam se engajado à esquerda à medida que se acentuariam as tensões políticas - e estariam
indiscutivelmente ao lado das forças progressistas, sendo assim percebidos tanto por seus aliados quanto por
seus adversários. Álvaro Vieira Pinto, convidado por Roland Corbisier assume a direção do Departamento de
Filosofia do ISEB, tendo Carlos Estevam Martins como secretário.
LIII
2.2 Os Centros Populares de Cultura – Proposta de uma arte popular revolucionária
Conforme já mostramos anteriormente, se não é possível pensar a criação dos CPCs
sem mencionar suas vinculações ao TBC de São Paulo, tampouco do Arena do Rio de
Janeiro, é preciso também não esquecer que sua criação deu-se a partir da vontade de se
atingir diretamente às massas, através de uma linguagem menos técnica ou formal, com
textos pertinentes à realidade social brasileira, refutando a arte como atividade
exclusivamente empresarial. Nesse sentido, destacamos também as influências que recebeu
dos chamados “intelectuais isebianos” e de militantes do PCB. Conforme afirma Garcia
(2004, p.135) [...] o CPC, sob o apoio da UNE, inspirou-se esteticamente no teatro de
Arena e ideologicamente no PCB e no ISEB”. É no bojo de tais correntes que nascem as
discussões em torno de conceitos de povo, do nacional-popular e das relações de Estado
projetadas pelo grupo de vanguarda, tendo como principais representantes, os artistas e os
intelectuais isebianos.
A arte engajada constitui a base das ações políticas do CPC e a linguagem artística
foi usada como instrumento de aproximação, articulação e de comunicação com o povo,
motivo esse que levou os artistas à criação de espaços públicos de arte, a uma nova
concepção de dramaturgia com a realização de teatro de rua, divulgação de oficinas de arte
e exposições.
Vale dizer que no inicio dos anos 60 fervilhava em nosso país uma vontade de
mudança em todos os níveis; a criação dos CPC’s e as discussões em torno do nacional-
popular não se davam fortuitamente. O país vivia sob os auspícios da industrialização e, em
conseqüência, numa forte dependência econômica estrangeira; com um número
considerável de não-alfabetizados, o povo brasileiro vivia à margem da modernização e de
uma elite burguesa que apoiava a política brasileira, de caráter populista, comprometida às
suas demandas. Com o fortalecimento do ensino superior nas capitais, os jovens brasileiros
ligados a associações estudantis e sindicatos dão corpo à dinâmica revolucionária que
estava por vir. A adesão da intelectualidade oriunda da classe média, deu-se sobretudo,
LIV
pela participação de artistas e estudantes na formação de uma conjuntura ainda nova para a
cultura e a política nacionais” (GARCIA, 2002, p.01).
O Partido Comunista Brasileiro PCB foi o principal articulador de uma “frente
única” que, para Garcia (2004: p.129), caracterizou-se pela “[...] organização de uma
unidade política a partir de segmentos sociais distintos com o intuito de realizar no país
uma revolução baseada nos princípios de antifeudalismo e do antiimperialismo, com ênfase
no caráter nacional e democrático”. O PCB reivindicava ao Estado coerência política e
forçava uma dinâmica de contra-hegemonia. Nesse contexto, de efervescência político-
cultural, a produção cultural brasileira, nas mãos do pensamento de esquerda, conforme
destaca Hollanda (2004, p.21):
Seja ao nível da produção em traços populistas, seja em relação às
vanguardas, os temas da modernização, da democratização, o
nacionalismo e a fé do povo estarão no centro das discussões,
informando e delineando a necessidade de uma arte participante,
forjando o mito do alcance revolucionário da palavra poética.
O CPC, sob a proteção da UNE, cria uma estrutura administrativa financeira
autônoma e no dia 8 de março de 1962 tem seu regimento interno aprovado em assembléia
geral
8
. Carlos Estevam Martins, sociólogo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros -
ISEB, redigiu as bases teóricas do Centro Popular de Cultura, em 1961-1962. Intitulado
Anteprojeto do Manifesto do CPC. Este documento tornou-se o discurso oficial de um
projeto programático sobre o nacional e o popular na cultura. Tendo como suporte teórico a
óptica marxista, o documento representa os fundamentos da vanguarda popular; de caráter
revolucionário, sustenta discussões e reflexões dogmáticas e estéticas concebendo padrões
para o campo da cultura na sociedade brasileira tendo como lema “O CPC é o órgão
cultural das massas”.
8
De 1961 a 1964 (origem e extinção) integraram a direção do CPC: Carlos Estevam Martins, Carlos Diegues
e Ferreira Gullar. Nos dois últimos anos, era possível identificar dentro do CPC duas correntes, uma liderada
por Oduvaldo Vianna Filho, outra por Carlos Estevam Martins, ocasionadas pelas teses, conceitos e idéias do
Manifesto do CPC.
LV
O Manifesto não se restringe a atividades culturais, aborda a construção de uma
nova mentalidade do povo brasileiro, em especial a classe trabalhadora, considerando que
os operários constituem a massa ainda não consciente. Hollanda (2004, p.144) destaca a
importância da construção das bases da proposta cepecista, presente no manifesto:
Não poderia haver CPC antes que fossem criadas e consolidadas as
diversas formas de arregimentação e fortalecimento das massas,
antes que fossem constituídos os sindicatos operários, as entidades
e associações profissionais e regionais, os diretórios estudantis, os
partidos políticos de esquerda, os núcleos, as ligas, as frentes, as
uniões e todos os demais organismos de vanguarda que centralizam
e dirigem unificadamente a ação ascensional das massas
.
Estevam Martins defendia em seu Manifesto, uma arte revolucionária destinada à
conscientização política das massas, fazendo críticas severas às concepções estético-
formalistas defendidas por alguns artistas ligados às mais diversas manifestações artísticas
(cinema, música, teatro, literatura, pintura). Propunha aos novos produtores de cultura,
reflexões sobre a importância da integração social e política do artista no âmbito de uma
determinada comunidade, a necessidade de ser ativo, participante, revolucionário.
É preciso relembrar, como já dissemos anteriormente, que os anos 50-60 são
marcados como um período de busca pelo nacionalismo, em que uma desigualdade
profunda (em todos os níveis sociais) contrapõe-se ao surgimento de uma elite (burguesa-
ufanista). Nesse cenário surge uma “vanguarda aguerrida do povo”
9
, movimento que,
segundo Chauí (1986, p.105), estabelece “ [...]o que o povo é e como deve ser, e o que deve
fazer e o que deve pensar para que se cumpram as ‘leis objetivas da história’, trazidas para
a consciência popular através da ‘vanguarda revolucionária’”.
Em certo sentido, a classe vanguardista toma para si a tarefa de conduzir o povo
brasileiro para a tomada de consciência, definindo as bases necessárias para a renovação
cultural e a emancipação crítica, através de um “estilo pedagógico-persuasivo”.
9
De acordo com Chauí (1984, p.91): “[...] a definição de vanguarda [...] a coloca na qualidade de sujeito (do
conhecimento, da ação, da decisão prática), enquanto o povo permanece passivo, conduzido”.
LVI
Nesse contexto, podemos compreender as críticas que o Manifesto traz ao artista
despolitizado. Considera-se que “[...] o artista que pratica sua arte situando seu pensamento
e sua atividade criadora exclusivamente em função da própria arte é apenas a pobre vítima
de um logro tanto histórico quanto existencial” (HOLLANDA, 2004,p.136). Isso porque,
qualquer tipo de arte sem vinculação com a militância política e com os ideais de
transformação era considerada arte alienada e alienante. Os intelectuais-artistas eram
definidos pelas seguintes categorias: 1º) os conformistas (agentes da ideologia da
dominação); 2º) os inconformistas (agentes que se autoproclamavam neutros ou
independentes em face dos grupos sociais dominantes ou dominados); 3º) os partidários de
uma atitude revolucionária.
Assim, o artista revolucionário seria livre, eficaz e verdadeiro. Consciente das leis
da história, que são imutáveis, e utilizando a arte revolucionária para conscientizar o povo,
seria capaz de transformar a sociedade sob a vontade ideológica. Para tanto, o artista
revolucionário precisaria educar-se, transformando-se “em porta-voz dos interesses reais de
uma comunidade”. Esse teor de liberdade, competência e realidade produz no e para o
artista revolucionário uma condição de “soldado no front” ou ainda, para Hollanda (2004,
p.139), “funcionário da servidão”, visto que a este cabe o despojamento de todo e qualquer
vínculo com um pensamento que não seja de luta consciente aos imperativos ideológicos
populares. Analisando o papel destinado ao artista revolucionário no Manifesto, Chauí
(1984, p. 89), destaca que:
O artista popular revolucionário preconizado pelo manifesto deve
despojar-se de sua origem de classe, de sua educação artística
‘pequeno-burguesa’, de sua liberdade ‘alienada’, de suas
preocupações estéticas ‘burguesas’, das veleidades formais e
estilísticas, enfim de tudo quanto não esteja a serviço da causa
justa
.
As fortes pressões por uma arte de engajamento político cria no interior do CPC
sérias divergências entre seus membros. Oduvaldo Vianna Filho declarou-se contrário às
propostas do manifesto, o artista defendia a realização de espetáculos com padrões estéticos
e artísticos, mesmo que destinados a um público diversificado. Em contrapartida, Carlos
LVII
Estevam Martins fazia duras críticas à produção estética de Vianna, dizendo que era preciso
“baixar o nível de sofisticação” para atrair o povo. De acordo com Garcia (2004,
p.136
),
Nos dois últimos anos (1963-1964) havia pelo menos duas
correntes distintas no interior do CPC: uma corrente liderada por
Oduvaldo Vianna Filho e outra por Carlos Estevam Martins, estas
ainda vinculadas às idéias e teses do ‘Manifesto do CPC’.
Podemos notar que a questão estética da arte brasileira estava no foco das atenções
(e discussões) de artistas e intelectuais. Vianna ainda trava embate estético-ideológico com
Leandro Konder, tendo como discussões as temáticas “função social da arte, arte engajada e
a condução das políticas culturais”.
As dissidências promovidas no interior dos grupos de artistas e intelectuais
vanguardistas já é percebida na época do TBC, depois no Arena: as dificuldades no
entendimento do que seria uma arte nacional popular, problemas de público e de
financiamento para as atividades constituem as limitações e as cisões dos programas. No
CPC não foi diferente.
Como espaço de reflexão e tentativa da construção de uma nova mentalidade
cultural, se fazia necessária a inclusão de uma linguagem que chegasse às massas. Isso
evidencia que havia uma constante revisão das atividades junto à intelectualidade
Cepecista. Buscavam-se novos caminhos, capazes de fazer frente às contradições por que
passavam o projeto CPC, em cujo alvo estava a severa crítica de que o intelectual do CPC
“falava do povo e não para o povo”. Segundo Garcia (2004, p.79),
A partir daí as oposições e dissidências foram se acentuado cada
vez mais. O estudo em particular de cada cineasta, compositor ou
ator que participou das atividades do CPC, revela como o debate
em torno da arte e das políticas culturais foi diverso e variado.
Aliás, o maior mérito do “manifesto do CPC” talvez seja esse: o de
promover, com maior intensidade, a sua própria contestação e, a
partir disso, colaborar para o surgimento de novas concepções e
idéias sobre o engajamento artístico.
LVIII
Quem era o povo para os cepecistas? “Povo” era entendido pelos artistas e
intelectuais do CPC como a camada subalterna da sociedade, os trabalhadores, a força
revolucionária capaz de emergir na e da transformação. Para isso era preciso, contudo, que
tivessem consciência de seus próprios papéis na sociedade brasileira. Discutindo essa
celeuma que cindia o CPC, Chauí (1984, p. 86) faz uma importante observação:
Curiosamente, porém, o Manifesto não se dirige ao “povo”, mas
elege um outro destinatário: o intelectual e o artista ‘alienados’ que
ainda não compreenderam que os ‘membros do CPC optaram por
ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu
exército no front cultural’. Visto que ‘ser povo’, entabula um
diálogo inter pares com outros intelectuais e artistas, tendo como
pano de fundo a cisão entre o bom e o mau artista, a verdadeira e a
falsa arte, a alienação servil e a vontade consciente e livre
.
Chauí (1984,
p.86)
ainda nos propõe a seguinte reflexão:
Ao povo, o Manifesto reserva uma definição, uma diferenciação
interna e uma missão. É definido com ‘o novo na história’;
diferencia-se em povo ‘fenomênico’ (alienado, passivo, rude,
tosco, imediatista, distraído vitalmente) e o povo ‘essencial’
(consciente, ativo, cultivado, comunitário); sua missão é a
‘passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade’
quando puder ser ‘o autor politizado da polis’ criado pela
vanguarda político-cultural.
O Manifesto do CPC propõe um “atrelamento” entre arte e política. Como forma de
compreender os conceitos que envolvem esses dois contextos – arte e cultura revolucionária
– o manifesto refuta a arte do povo e a arte popular:
A arte do povo é predominantemente um produto das comunidades
economicamente atrasadas e floresce de preferência no meio rural
ou em áreas urbanas que ainda não atingiram as formas de vida que
acompanham a industrialização. O traço que melhor a define é que
nela o artista não se distingue da massa consumidora. Artista e
público vivem integrados no mesmo anonimato e o vel de
elaboração artística é tão primário que o ato de criar não vai além
de um simples ordenar os dados mais patentes da consciência
popular atrasada. A arte popular, por sua vez, se distingue desta
não pelo seu público que é constituindo pela população dos
centros urbanos desenvolvidos, como também devido ao
aparecimento de uma divisão de trabalho que faz da massa a
LIX
receptora improdutiva de obras que foram criadas por um grupo
profissionalizado de especialista. Os artistas se constituem assim
num estrato social diferenciado de seu público, o qual se apresenta
no mercado como mero consumidor de bens cuja elaboração e
divulgação escapam ao seu controle
(Anteprojeto do Manifesto do
CPC, apud HOLLANDA, 2004, p.147).
Ainda, seguindo o Manifesto, “tanto a arte do povo, em sua ingênua inconsciência,
quanto a arte popular, como arte da distração vital, não podem ser aceitas pelo CPC como
métodos válidos de comunicação com as massas, pois tais formas artísticas expressam o
povo apenas em suas manifestações fenomênicas e não em sua essência” (apud
HOLLANDA, 2004, p.149).
A arte popular revolucionária, escolha feita pelos artistas e intelectuais do CPC,
parte da essência do povo e pode ser vivenciada pelo artista quando ele se defronta com
a realidade social desse povo. Contrário a tais concepções, Leandro Konder, pautado nas
concepções estéticas do húngaro Georg Lukács que se contrapõe à chamada “arte
panfletária”, trava sérias críticas ao pensamento e em especial à estética cepecista,
argumentando:
O CPC nasceu muito sectário. O documento programático de
autoria do Carlos Estevam Martins, era um negócio meio aterrador,
aquela divisão de arte popular, arte para o povo, arte popular
revolucionária, sendo que a arte popular revolucionária era boa,
as outras duas eram alienadas. Eu achei aquilo um horror.
Posteriormente o CPC na prática foi retificando a linha, mas que
fiquei sempre preso àquela primeira imagem. (apud GARCIA,
2002, p.58)
Em relação às críticas, Carlos Estevam Martins, em seu manifesto declara:
De modo algum somos artistas impedidos de dizer o que queremos
pelo fato de dizermos o que pode ser ouvido [...] todos que
recusam validade à arte política centralizam seu ataque sobre os
limites que ela impõe à atividade criadora e jamais percebem, por
lamentável insuficiência de auto-reflexão e auto-crítica, que no
presente quadro da vida brasileira, qualquer outra espécie de arte,
seja ela qual for, carrega igualmente consigo limitações intrínsecas
invencíveis (Anteprojeto do Manifesto do CPC, 1962, apud
HOLLANDA, 2004, p.153-154).
LX
A arte cepecista se identificava com os objetivos do povo aliando-se a ele na luta
pela direção da sociedade. Impossível nos negarmos a fazer a reflexão, de que os próprios
integrantes do CPC, ao negarem legitimidade às manifestações populares, aproximam a
cultura popular à “falsa cultura”. Cabia ao artista revolucionário a privação de recursos
técnicos e formais como modo de aproximação com o público, uma vez que esse não possui
critérios formais para apreciação. Trata-se de um público, segundo o manifesto,
“artisticamente inculto”. Com isso, de acordo com Chauí (1984, p.92), o manifesto reduziu
a cultura de massa:
O artista do CPC é e não é povo - não é povo, como indica a visão
que possui de seu público; e é povo porque vanguarda do herói do
exército de libertação popular e nacional [...]. Entre duas
alienações - a da arte superior e a da arte do povo - e entre dois
alienados - o artista superior e o artista do povo - insere-se a figura
extraordinária do novo mediador, o novo artista que possui os
recursos da arte superior e o encargo de fazer arte inferior sem
correr o risco da alienação presente em ambas. Assim, através da
representação triplamente fantástica - do artista alienado, do artista
do povo e do artista popular revolucionário em missão - é
construída a única imagem que interessa, pois é ela que se
manifesta no Manifesto: o jovem herói do CPC
.
O compromisso assumido pelo CPC recusava a obsessão de alguns artistas “da
forma pela forma”, característica representada numa arte para minorias, concebendo a arte
com comunicabilidade entre conteúdo e forma: O artista popular não pode jamais ir além
do limite que lhe é imposto pela capacidade que tenha o espectador para traduzir, em
termos de sua própria experiência, aquilo que lhe pretende transmitir o falar simbólico do
artista” (HOLLANDA, 2004, p.160).
Em 1963, o Grupo de Trabalho GT de reestruturação do CPC propunha uma
nova estrutura orgânica capaz de atender às demandas e ao crescimento da entidade
10
. A
10
O poeta e engenheiro Marcos Konder Reis [...] orientado pelas informações fornecidas por Carlos Estevan
Martins (então diretor geral do CPC) afirmou que a entidade era dividida em: Assembléia geral; Conselho
Consultivo;Diretor Geral, encarregado de coordenar a Direção de Administração e produção, a Direção
Cultural e Editorial, a Direção de realização, a Direção de Vendas e de Publicidade e a Direção de
Coordenação do Movimento de Conscientização da Massa; Departamento Financeiro; FILMEX e
PRODAC.(p.145)
LXI
educação estética e a política cepecista tiveram seu fim com o golpe militar e o incêndio da
sede da UNE, em de abril de 1964. Neste curto espaço de tempo, a arte desenvolvida em
solo brasileiro apresentou características doutrinárias, presa a uma forma de conversão
preconizada pelo manifesto cepecista, envolta em discussões estéticas e temáticas
ideológicas. Se antes da criação dos CPC’s havia na cultura brasileira uma arte
esteticamente formal e acadêmica, que não chegava ao povo, restrita a elite, a arte pós-
CPC’s pode ser apresentada como um grito silencioso, cujos ecos somente serão ouvidos
décadas depois. O caráter persuasivo, de teor educativo da arte cepecista nos propõe as
reflexões que apresentaremos a seguir.
2.3 O Nacional Popular e o caráter educativo da arte popular revolucionária dos
CPC’s
Como mencionamos, a ideologia isebiana nacional-desenvolvimentista compõe o
arsenal teórico para o desenvolvimento dos CPC’s, e entre os autores lidos pela
intelligentzia está o italiano Antonio Gramsci. É a partir dos conceitos de nacional-
popular, de artista engajado ou intelectual orgânico e de hegemonia que nos propomos a
analisar o caráter educativo e social da arte cepecista.
[...] redigido provavelmente pela equipe de redação do CPC por volta de setembro de 1963, informa a
organização interna do CPC, estruturada em seis grupos de trabalho (GT de Repertório;GT de Construção do
Teatro;GT de Cinema; GT de espetáculos Populares; GT da Produtora de Arte e Cultura e GT de
Reestruturação) um conselho diretor composto de dois representantes de cada GT e um coordenador. (p.145)
Manoel Costa Berlink, um dos primeiros pesquisadores (senão o primeiro) a adotar o CPC como objeto de
pesquisa, constatou que a organização da instituição estruturava-se em Assembléia Geral; Conselho Diretor
(Diretor executivo e Coordenadores dos departamentos); departamentos artísticos e administrativos.
Primeiramente foram criados departamento de Teatro ( subdivididos em Teatro convencional e Teatro de
Rua) e Cinema; em seguida foram criados os departamentos de Música, Arquitetura, Artes Plásticas e
Administração e, por último, foram criados os departamentos de Alfabetização para Adultos e Literatura.
Também criou-se o departamento de Relações durante a I UNE Volante e a editora PRODAC, encarregada
de distribuir livros e discos produzidos pelos CPC. (p.14
5)
LXII
Conceituando sua arte a partir de seu caráter popular-revolucionário, os CPC’s
entendiam a arte como reflexo da essência do povo e estabeleciam, ao artista engajado, a
missão de vivenciar essa essência junto ao povo, na condição de massa oprimida. Está no
manifesto: “Se não se parte daí não se é nem revolucionário, nem popular, porque
revolucionar a sociedade é passar o poder ao povo” (HOLLANDA, 2004, p.23).
A arte popular revolucionária de caráter nacional popular construída pelos CPC’s
representava, no cenário brasileiro, uma práxis pedagógica com pretensões de hegemonia
às massas. A renovação cultural proposta pela arte engajada define também caminhos
políticos para o povo, definição esta liderada pela vanguarda que abre mão de sua
linguagem poética, captando uma “sintaxe das massas”.
Nesse sentido, a arte brasileira adquire um caráter educativo, ou seja, ela se projeta
como proposta de produção de elementos de construção de uma contra-hegemonia. Para
isso, está contida no manifesto a idéia de que “nossa arte se populariza porque repudia a
métrica e a ótica do ego da arte alienada e ambiciona, ao contrário, intensificar em cada
indivíduo a sua consciência de pertencimento ao todo social” (Anteprojeto do Manifesto do
CPC, apud CHAUÍ, 1984, p.88).
Para Antonio Gramsci, toda relação de hegemonia é, necessariamente, uma relação
pedagógica. A arte sob esse prisma não está condicionada ao rebaixamento enquanto
linguagem estética, mas como melhoramento da capacidade crítica e estética do próprio
público: não se deve “baixar o nível da arte para alcançar a cultura do povo, mas ao
contrário,“levantar a cultura” do povo para que este possa tanto produzir como usufruir da
arte.
Nos anos 20 e 30 o italiano Antonio Gramsci (2004) considerava a sociedade civil
11
como uma arena de luta de classes, um espaço político por excelência. Cabia aos
intelectuais revolucionários manterem um diálogo com seus interlocutores das camadas
11
Segundo Coutinho (2000). Para Gramsci sociedade civil é o conjunto de aparelhos privados de hegemonia
que organizam interesses e valores, e aos quais em geral se ligam os intelectuais nos países onde não houve
um processo de transformação pelo alto.
LXIII
populares, superando limites entre o bom senso e o senso comum
12
. Formada por uma rede
de funções educativas e ideológicas, responsáveis pelas atividades diretivas da sociedade, a
sociedade civil comportaria, de acordo com Gramsci, dois planos superestruturais: conjunto
de organismos vulgarmente chamados de privados (igreja, escolas, sindicatos, etc) e o da
sociedade política ou Estado, que correspondem à função de hegemonia que o grupo
dominante exerce em toda a sociedade e à de domínio direto ou de comando, que se
expressa no estado e no governo jurídico.
Um dos aspectos essenciais da sociedade civil seria o de criar e difundir os
elementos que compõe a estrutura ideológica entre o quais, o principal deles, a escola
como instrumentos de hegemonia. São as condições culturais principalmente, ao lado das
políticas e econômicas que possibilitam a expansão da hegemonia, ou o nascimento de uma
nova hegemonia. Coutinho (2000, p.15) ressalta que “[...] sem uma organização da cultura
não existe sociedade civil, no sentido gramsciano da expressão”.
Referindo-se às idéias do pensador italiano com relação à organização da cultura,
Chauí (2003 : p.87) enuncia:
Distingue três estratos: os fossilizados, que refletem condições
de vida passada e que por isso são reacionários e conservadores; os
inovadores e progressistas, determinados espontaneamente pelas
condições atuais de vida e, finalmente aqueles que estão em
contradição com a religião e moral vigente. São estes que devem
mais interessar a quem se ocupa com o nacional-popular
.
Na perspectiva gramsciana, o nacional e o popular se constituem a partir de óticas
diferentes, isso se pelo afastamento da classe de intelectuais que, presos a uma tradição
elitista, colocam-se numa posição de afastamento do povo. O termo popular (situado no
contexto italiano) se coloca como “[...] a capacidade de um intelectual ou de um artista para
apresentar idéias, situações, sentimentos, paixões e anseios universais que, por serem
universais, o povo reconhece, identifica e compreende espontaneamente” (GRAMSCI,
apud CHAUÍ, 2004, p.88).
12
senso comum para Gramsci: concepção acrítica do mundo, que tratada pedagogicamente pode vir a se
tornar o bom senso.
LXIV
O termo Nacional aparece como resgate da tradição utilizada como manipulação (na
imposição de uma forma hegemônica) pela classe dominante e Popular como essência dos
sentimentos populares.
Neste sentido, o popular adquire um aspecto de liberdade de fronteiras, uma vez que
muitas das obras chamadas clássicas são populares na medida em que são reconhecidas
pelo povo. Assim sendo, no pensamento gramsciano, o popular não está necessariamente
vinculado à cultura local, possuindo caráter universal e atemporal. Diferentemente do
pensamento cepecista em que a produção artística deve necessariamente refletir os
problemas sociais brasileiros, trazê-los à tona possibilitando a conscientização do povo para
a problemática nacional, com a esperança de mudança de realidade.
Marilena Chauí (2003, p.93-94) explicita o conceito de nacional popular em
Gramsci:
O nacional-popular parece ser, por um lado um campo de práticas e
de significações delimitadas pela formação social burguesa, mas,
por outro lado, uma reestruturação contínua da experiência social,
política e cultural que refaz e redefine, em momentos
historicamente determinados, as relações sociais, o campo prático e
semântico no qual os sujeitos sociais em presença se representam
uns aos outros reinterpretando o espaço e o tempo sociais, a
liberdade e a necessidade, o possível e o impossível, o justo e o
injusto, o verdadeiro e o falso, a legalidade e a legitimidade e o
fazem pela mediação desses dois termos cambiantes e instáveis que
são o nacional e o popular.
A representação pode ser ilustrada por agentes que possuem identificação com o
povo, bem como por aqueles que, oriundos do povo, exercem a qualidade de intelectuais
orgânicos. Ainda, para Chauí (2004, p.89) feita: “[...] seja por aqueles que se identificam
com o povo, seja por aqueles saídos organicamente do próprio povo, a cultura nacional-
popular gramsciana possui um caráter pedagógico que não pode ser negligenciado”.
O nacional-popular, preconizado pelo Anteprojeto do Manifesto do CPC, conforme
mencionamos, defende a construção e desenvolvimento de uma arte de caráter
pedagógico-político; para os cepecistas, numa leitura reducionista de intelectual orgânico
da teoria gramsciana, o intelectual artista revolucionário opta por ser povo, numa “missão
LXV
assumida como tal: trata-se de um dever, de um compromisso com o povo e com a justiça
vindoura – a revolução nacional e popular” (HOLLANDA, 2004, p.31).
Para os ideólogos do CPC, o popular é a fonte a partir da qual a arte popular
revolucionária encontra o seu eixo mestre”: o conceito do movimento dialético segundo o
qual o homem aparece como o próprio autor das condições históricas de sua existência”.
(Anteprojeto do Manifesto do CPC, apud HOLLANDA,2004, p.152).
Essa noção de autoria consciente de vida (ou conscientização) constitui-se a base da
idéia de “educação do povo”, ou do caráter educativo intrínseco à própria arte e cultura
popular; conforme consta no Manifesto: “[...] nossa arte revolucionária pretende ser popular
quando se identifica com a aspiração fundamental do povo, quando se une ao esforço
coletivo que visa dar cumprimento ao projeto de existência do povo” (Anteprojeto do
Manifesto do CPC, apud HOLLANDA, 2004, p.150).
Essa idéia da arte como espaço de “conscientização do povo” apresenta nexos com a
noção de conscientização difundida pelo educador Paulo Freire, nos movimentos de
Educação Popular
13
como proposta de mobilização e conscientização política, social e
cultural às massas, desenvolvido no inicio dos anos 60. Para Freire (2005, p.30):
A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto
mais conscientização, mais se dês-vela a realidade, mais se penetra
na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos
para analisá-lo. Por essa mesma razão, a conscientização não
consiste em estar frente à realidade assumindo uma posição
falsamente intelectual [...] por isso mesmo a conscientização é um
compromisso histórico.
Para o autor, não existe uma educação neutra no sentido de ser completamente
desvinculada dos fatores ideológicos pertencentes a uma classe. Nesse sentido, Freire
converge com o pensamento gramsciano, para quem a educação representa um instrumento
13
O movimento começou em 1962 na região Nordeste onde cerca de 300 trabalhadores foram alfabetizados
em 45 dias. Com o apoio do governo federal, o método foi desenvolvido durante o período de junho de 1963 e
março de 1964, com cursos de capacitação para professores dos estados da Guanabara (Rio de janeiro) Rio
Grande do Norte, São Paulo, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Sul. O plano para 1964 previa a instalação de
20.000 Círculos de Cultura capazes de formar, no mesmo ano, por volta de 2 milhões de alunos. Estava
prevista para iniciar na zona urbana e depois alcançar a zona rural. O movimento teve seu fim durante golpe
de 64.
LXVI
a hegemonia é reconhecida como um processo, um meio para a elaboração de uma
concepção de mundo.
Etimologicamente grega, a palavra hegemonia quer dizer: guiar, conduzir, mandar,
governar, ser chefe. O substantivo etimológico significa a ação de ir à frente, ser guia,
condutor. O conceito de hegemonia é também referência para Gramsci discutir a questão da
cultura popular e o nacionalismo. Para o pensador italiano, o conceito de hegemonia
pressupõe correlação ou oposição de forças, operando em dois níveis: direção cultural e
direção política (CHAUÍ, 1984, p.18).
Discutindo o conceito de hegemonia, Jesus (1989, p.18), considera que se esta “é a
capacidade de direção cultural ou ideológica de uma classe sobre o conjunto da sociedade”,
é preciso considerar que é também uma “[...] relação de dominação entre dirigentes e
dirigidos, responsáveis pela formação de um grupo orgânico e coeso em torno de princípios
e necessidade defendidos pela classe dominante”. Sendo direção política-ideológica do
povo, hegemonia não se confunde, contudo, com governo (como instituição política, uso de
força), nem com ideologia (sistema abstrato e invertido de representações, normas, valores
dominantes): “Não é forma de controle sociopolítico nem de manipulação ou doutrinação,
mas uma direção geral (política e cultural) da sociedade” (CHAUÍ, 1984, p.18-19).
Assim, a energia que move a substituição de uma hegemonia por outra está
vinculada a fontes econômicas, políticas e culturais, amarradas a um processo pedagógico.
De acordo com Gramsci (1989, p.56), “[...] é neste sentido que as relações hegemônicas são
pedagógicas, e como a realização de uma tarefa pedagógica implica a compreensão das
contradições para transformá-las em concepção de mundo unitária e coerente, as relações
pedagógicas são igualmente hegemônicas”.
A hegemonia precisa de seus elementos diretivos tanto para sua implantação como
para sua manutenção: poder-direção ou dominação-consenso. Hegemonia não é ausência de
poder ou de autoridade, ao contrário, os elementos de dominação coexistem dialeticamente
com os elementos de direção, como pólos de uma relação. Tomando-se como ponto de
partida uma classe dominada, esta usará de meios pedagógicos (elementos diretivos) para
desmascarar e vencer as contradições; uma vez dominadora, ela procurará ocultar as
LXVII
contradições que ameaçam a sua hegemonia, tentando assegurar pela construção das
consciências, as relações de dominação.
Para Chauí (2004, p.90):
Isto significa, por um lado, que a hegemonia determina o modo
como os sujeitos sociais se representam a si mesmos e uns aos
outros, o modo como interpretam os acontecimentos, o espaço, o
tempo, o trabalho e o lazer, a dominação e a liberdade, o possível e
o impossível, o necessário e o contingente, as instituições sociais e
políticas, a cultura em sentido restrito, numa experiência vivida ou
mesmo refletida.
O trabalho educativo desenvolve-se tanto na hegemonia como na contra-hegemonia,
visando as relações sociais que incluem o homem como sujeito que pode modificar ou
manter uma certa estrutura social. Nessa direção, Gramsci ( 2004, p.43) compreende o
homem como sujeito histórico, concreto, “[...] vivo em uma série de relações ativas
processuais, a humanidade que se reflete em cada individualidade é composta por diversos
elementos: 1) o indivíduo; 2) os outros homens; 3) a natureza”.
O homem produz e transforma bens em nível de estrutura ou de
superestrutura na relação com os demais homens e com a natureza;
nessa relação o processo educativo tem a função de “moldar” o
consenso, a energia de uma ação consciente. Em sua dupla dimensão,
individual e social, o homem modifica e renova o mundo pela
educação ao mesmo tempo em que se renova e se modifica em busca
da hegemonia.
Como já mencionamos, os CPC’s tinham como concepção de intelectuais três
distinções: os conformistas, os inconformistas e os partidários. Vimos também que os
isebianos, em especial o autor do anteprojeto do manifesto dos CPCs Carlos Estevam
Martins, bebiam em águas marxistas, através do pensador Antonio Gramsci. Porém, ainda
assim, os isebianos faziam uma reinterpretação das idéias marxistas, á luz do cenário
brasileiro dos anos 60.
Para Antonio Gramsci há uma distinção entre o intelectual-político e o intelectual-
artista; o primeiro deve ser observador dos meandros projetados na vida social, sem
imagens a priori”, pois o futuro parece ter sido planejado pelas tradições do passado. Ao
LXVIII
segundo, exercendo sua função pedagógica, cabe a fixação de imagens, seu registro e
identificação na gica da realidade do tempo, a possibilidade de “[...] refazer a memória
num sentido contrário ao da classe dominante, de modo que o corte histórico-cultural seja
um corte de classe” (CHAUÍ, 2004, p.89).
Nos CPC’s o intelectual artista é também o intelectual político, pois a arte cepecista
revolucionária “[...] parece então, uma saída conceitual para um problema político e um
nome diferente para a espécie de mecenato ideológico que via de regra marca as produções
engajadas” (HOLLANDA, 2004, p.23).
De uma forma mais ampla, o conceito de hegemonia para Gramsci
é representado por uma ação de consenso que se desenvolve na
estrutura econômica, política e cultural da sociedade, produzindo e
reproduzindo-se através de orientações ideológicas, construindo
relações e contradições que agem pedagogicamente.
Neste cenário, os atores, os agentes ou organismos atuantes da sociedade são
categorizados por Gramsci por intelectuais, definidos por sua função e não por um aparato
de intelectualidade. Este não se constitui em classe propriamente dita, mas em grupos
vinculados às diferentes classes. A categoria “intelectual”, para o autor, é traduzida como
alguém que é ou torna-se capaz de desenvolver determinada função na sociedade,
representando um grupo social.
Os intelectuais orgânicos definem-se pela compreensão do curso da história e são
legitimados por seus pares como líderes; ser orgânico é ser permanente, é ser co-natural,
coerente, consistente, unido e necessário cumprindo a obrigação de legitimar a situação
vigente e torná-la aceitável pela massa.
Os intelectuais tradicionais apresentados pelo autor cumprem o papel de consolidar
a hegemonia da classe dominante, dificultando a contra-hegemonia; são representados
pelos eclesiásticos e pelos intelectuais rurais ligados à aristocracia. Gramsci julga-os
responsáveis pela desagregação social da massa operária e camponesa. O predomínio desse
tipo de intelectual tem como conseqüências, a consolidação da hegemonia da classe
dominante e dificultar a contra-hegemonia.
LXIX
Antonio Gramsci recusa o modelo de intelectual herdado da tradição idealista e
individualista, classificado como “utopia social”. Seguindo seu pensamento “Todo homem
é intelectual porque não pode existir atividade humana da qual se possa excluir toda
intervenção intelectual, todo homem fora da profissão, desenvolve uma atividade
intelectual qualquer, participa de uma concepção de mundo e contribui para promover
novas maneiras de pensar” (apud CHAUÍ, 1984, p. 43).
Com relação à categoria exposta Jesus (1989, p.72) fundamenta:
Gramsci queria superar o perigo do elitismo, pensando um
intelectual orgânico, um intelectual-trabalhador, não sendo
somente aquele que pensa, mas que faz, desaparecendo assim, as
contradições entre trabalho manual e trabalho intelectual.O novo
intelectual deve ser pesquisador, técnico, organizador e
administrador da sociedade civil e política, enfim o educador e
dirigente (especialista + político). É esse o intelectual que
participando ativamente da vida prática, tem condições para elevar
a técnica-trabalho à cnica-ciência. Eliminando as causas das lutas
de classe.
Ligado às forças populares emergentes, Gramsci legitima-se pela necessidade
histórica da superação de uma hegemonia por outra hegemonia, representa não apenas um
aliado, um companheiro, um teórico ou artista, mas uma força estreitamente ligada á classe
dominada.
Ainda, segundo Jesus (1989, p.65):
O intelectual orgânico á classe dominante cumpre a função de
legitimar o domínio, manipulando os meios de comunicação e
publicidade, as artes, a educação e a política. Por meios
persuasivos, tentam acabar a contestação, procurando fazer como
normal o que de fato é absurdo, fortalecendo desse modo a sua
hegemonia [...] assim, o intelectual é definido como representante
da hegemonia, funcionário da superestrutura, agente do grupo
dominante e aquele que é responsável pelo consenso ideológico
(poder + hegemonia) da massa em torno do grupo dirigente e
articula a superestrutura à infra-estrutura.
Citado por Heloisa Buarque de Hollanda, o escritor Arnaldo Jabor declara:
LXX
O aspecto mais parnasiano do movimento cepecista foi justamente
o atrelamento da obra ao pensamento grave europeu, a colocação
da obra de arte como uma força auxiliar da política. A obra de arte
como um serviço social. [...] o que ficou de maravilhoso no
período de 61-64 da Cultura brasiliensis foi justamente a doideira
conscientizante que se apossou dos artistas. [...] Nunca se acreditou
tanto na arte como força política no mundo! (JABOR, apud
HOLLANDA, 2004, p.33-34)
14
Essa concepção de arte, baseada em sua função social de conscientização do povo,
da constituição de uma consciência de classe, elementos necessários à transformação social,
provem de uma demanda colocada pela efervescência político-cultural dos anos 60 e, ainda
que tiradas suas características estéticas de origem, representou um alto nível de
mobilização das camadas mais jovens, artistas e estudantes.
Radical como é, nossa arte revolucionária pretender ser popular
quando se identifica com a aspiração fundamental do povo, quando
se une ao esforço coletivo que visa dar cumprimento ao projeto de
existência do povo o qual não pode ser outro senão o de deixar de
ser povo tal como ele se apresenta na sociedade de classes, ou seja,
um povo que não dirige a sociedade da qual ele é o povo.
(Anteprojeto do Manifesto do CPC apud HOLLANDA, p.149-
150).
De caráter educativo, a arte cepecista tinha a intenção de educar o povo, de
conscientizá-lo, de levá-lo a adquirir uma consciência de si como classe social. Nesse
sentido, pretendiam usar a arte para construir uma nova hegemonia.
14
Em entrevista publicada no jornal Pasquim em 1972. Jabor diz ainda: Nesta doideira paternalista,a de
enfiar Engels por dentro da goela do Pavão Misterioso, se redescobriu (ainda muito bobamente) nossa
paisagem social, que andava soterrada nos anos medíocres que se seguiram à Semana da arte Moderna de
1922. De novo, de um novo ângulo voltou-se a olhar o Brasil: não mais a anta de 26, nem o tatu de 37, nem os
índios, nem Macunaíma, mas o povo, mal visto, desfocado, esquematizado, mas, afinal de contas no
entrevisto, e foi então se compondo aquele pobre presépio de madeira de caixote, barro, palha, cana, bambu,
farinha, couro de vaca, tuberculose, que é a nossa realidade no campo. E foi se compondo o outro presépio
mais industrial, feitos de rodas dentadas, tijolos, operários em construção, marmita, fumaça e favela que é
nossa realidade urbana. ( In: HOLLANDA, 2004, p.33)
LXXI
3 DOS CPC’s CENTROS POPULARES DE CULTURA NOS ANOS 60, AOS
CACP’s – CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR – NOS ANOS 2000
Neste capítulo abordaremos o projeto dos Centros Artísticos de Cultura Popular
desenvolvido durante gestão político-administrativa do Partido dos Trabalhadores PT
(1997-2004) no município de Chapecó, estado de Santa Catarina. Nosso objetivo é
apreender as concepções que o orientavam analisando as relações entre estas e as práticas
culturais realizadas, identificando, ainda, o caráter educativo das mesmas.
Partimos do pressuposto, apoiando-nos na perspectiva gramsciana, que os processos
culturais são sempre intencionais, portanto, politicamente orientados e, nesse sentido,
podem contribuir para manter ou transformar as relações sociais vigentes. Dessa
perspectiva, analisamos o projeto Centros Artísticos Cultura Popular “carro-chefe” do
governo popular, na cidade de Chapecó –, interrogando-nos sobre a orientação político-
pedagógica do mesmo, seu delineamento como política cultural de caráter popular e suas
LXXII
filiações político-ideológicas com o movimento cultural dos Centros Populares de Cultura,
desenvolvido no Brasil nos anos de 1960.
Nesse estudo, procuramos apresentar também dados sobre o processo de construção,
implementação e desenvolvimento dos CACP’s procurando apreender as contradições que
o moveram no município de Chapecó. Os CACP’s, organizados a partir de atividades
culturais diversificadas, tais como dança, teatro e música, desde sua origem até o fim das
atividades (1999-2004), caracterizaram-se como principal programa público na área de
cultura durante a administração popular
1
.
Em que pesem as contradições presentes em projetos dessa natureza, é importante
registrar seu caráter de ruptura com a orientação política predominante até meados da
década de 1990, para a área cultural. Até esse período, perdurava na cidade a presença de
uma política chamada de “direita”, comprometida com o poder econômico local,
priorizando os interesses privados desses setores como orientação para a administração do
município.
Em 1997, com a vitória da Frente Popular, inicia-se uma série de mudanças de
ordem político-social em Chapecó, tendo como principal marca a implementação do
orçamento participativo, a administração popular via este como o principal instrumento
para definições políticas a partir das necessidades e demandas públicas; difunde-se a idéia e
a prática da decisão coletiva na distribuição dos investimentos públicos, haja vista que as
plenárias públicas constituíram-se nos principais espaços de discussão e deliberação
popular.
Essa nova concepção de administração expressou-se também nos âmbitos da
educação e cultura, dando a estas uma nova direção: conscientização popular, dialética,
inclusão social, emancipação. Essas áreas ganham destaque numa perspectiva destinada à
1
O Governo Popular, articulado a partir da “Frente Popular” teve como força majoritária o Partido dos
Trabalhadores; além deste participaram o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Socialista
Brasileiro (PSB) o Partido Popular Socialista (PPS) e Partido dos Aposentados da Nação (PAN). Essa frente
exerceu o governo municipal por dois mandatos: o primeiro, entre 1997 2000, e o segundo entre 2001
2004, quando foi substituída por uma coligação de direita, liderada pelo PFL e PSDB.
LXXIII
inclusão social, trazendo para o cenário municipal propostas de participação popular,
inspiradas no ideário marxista. Tais questões serão ainda abordadas neste capítulo.
Para bem compreender a importância de uma administração popular, bem como
suas rupturas com as práticas políticas locais e, ao mesmo tempo, compreendê-la também
como um produto histórico, condicionando pelas próprias condições objetivas do contexto
sócio-histórico em que ocorreu, faremos uma breve retomada da história do município de
Chapecó, seu desenvolvimento social e político, bem como sua estrutura social, nos anos
2000, condição esta necessária à compreensão dos processos desenvolvidos durante o
período aqui relatado.
3.1 O município de Chapecó
A cidade de Chapecó situa-se na região Oeste do estado de Santa Catarina, faz
fronteira com o estado do Rio Grande do Sul. Fundada em 25 de agosto de 1917, Xapeco
“lugar de onde se avista o caminho da roça
2
”– carrega em seu nome traços da etnia
indígena de grupos que habitavam grande parte do território oestino antes da chegada dos
colonos. Traços que não são demarcadores da cultura social e política local.
no culo XVIII, a região Oeste de SC é ocupada com fazendas de criação de
gado por fazendeiros do Paraná e São Paulo. Alvo de disputas entre os estados do Paraná,
Rio Grande do Sul e o país vizinho, a Argentina, recebe em fins do século XIX a instalação
2
Em relação ao nome da cidade e às origens da palavra, é possível verificar que ainda mantém-se uma certa
dissonância nas origens e significações da palavra. Tal questão pode ser evidenciada em um registro de
Selistre de Campos no jornal A Voz de Chapecó, em 14 de março de 1948, refletindo uma significação da
palavra, quanto às origens, feita pelo Contra Almirante Lucas Boiteux. Dizia Selistre de Campos: “Chapecó
De Echá, ver, avistar, apé, o caminho e cô, a roça, logar donde se avista o caminho da roça? [...] Chapecó será
palavra indígena? Durante algum tempo assim entendíamos, mas hoje a esse respeito vacilamos em nosso
modo de pensar [...] decomposta a palavra Chapecó em seus elementos componentes, sejam tupis-guaranis, ou
caingangs, será de admitir se que cada sílaba teria significado especial, decorrente de expressões diferentes,
formando uma locução e apresentando desse fórma características das nguas de aglutinação, afastando-se
das monosilábicas e das de flexão” (CEOM Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina A VOZ DE
CHAPECÓ- artigos de Antonio Selistre de campos – 1939
a 1952. Chapecó: Argos, 2004).
LXXIV
da Colônia Militar Chapecó,
3
como forma de incorporar e garantir a região Oeste ao
território brasileiro.O Oeste de Santa Catarina recebe esta nominação a partir de 1920, até
este período constava em mapas como zona desconhecida, neste contexto, com a ocupação
já proclamada, coube aos ‘primitivos’ a adesão à catequese, ou a condição de minoria, e aos
‘estrangeiros’ a condição de tarefeiros.
A organização do território oestino a partir da visão de desenvolvimento e
civilização inicia-se em 1920 com o processo de colonização
4
, visto como uma forma de
povoamento de áreas desocupadas, desencadeando o processo de desenvolvimento. Tem-se
neste período um emergente fluxo de ocupação por diferentes grupos étnicos que, além das
colônias de plantio de cereais e criação de animais, exploram a erva-mate, planta típica da
região e da comercialização da madeira, vendida para a Argentina. registros da atuação
do caboclo na extração da erva como trabalho tarefeiro, de assalariado que, para Renk
(1995, p.224), “[...] corresponde a um ofício étnico de exclusividade dos brasileiros que não
encontram colocação em outra atividade remunerada. O extrativismo é avaliado de fora
como o mais baixo de uma hierarquia de ofícios”. A economia local, entretanto, não teve
como base de sustentação apenas a extração de matérias-primas; desde cedo passou a
incorporar processos básicos de manufatura de produtos, destacando-se aí, as madeireiras:
Paralelamente a exportação da madeira em toras, vão surgindo os
engenhos de serra ou serrarias, incrementando a industrialização da
região. Muitas delas eram de propriedade das empresas
3
Alvo de disputa, entre Espanha e Portugal, no século XVIII, o Extremo-oeste do estado passou a ser
reivindicado pela Argentina, no século passado. Os direitos do Brasil foram reconhecidos em 1895, através da
interferência do presidente Cleveland, dos EUA. Com o objetivo de proteger os interesses nacionais da região,
o governo imperial criou em 1859, a Colônia Militar de Chapecó, cuja fundação somente ocorre em 1882
(HASS, 1997 ,p.48).
4
Entre as empresas que atuaram no antigo Chapecó, criado em 1917, podemos destacar a Bertaso e Maia, Cia
Territorial Sul Brasil, Barth e Benetti, Chapecó-Peperi, Luce e Rosa e a Volksverein. A Cia territorial Sul
Brasil S.A., com sede em Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, constituída em 23 de maio de 1925,
adquiriu a Empresa Construtora e Colonizadora Oeste Catarinense Ltda., que possuía 2.467.074.800m2 de
terras, nos quais haviam sido demarcados 510 lotes urbanos, 685 lotes coloniais e 80 chácaras. As imensas
glebas de terras destinadas à extração da madeira e venda de lotes rurais aos colonos forma conseguidas em
troca da abertura de estradas. Estes contratos eram altamente vantajosos para as colonizadoras e garantiam
fabulosos lucros.(WERLANG, 2002, p.8-9). É possível a partir de (HASS,1997,p.49-50) além das
companhias citadas por WERLANG (2002) identificar ainda Empresa Colonizadora Industrial Saudades (São
Lourenço do Oeste) e Empresa Colonizadora irmãos Lunardi (Xaxim).
LXXV
colonizadoras, que primeiro exploravam a madeira para depois
venderem a terra aos colonos (HASS, 1997, p.51)
Em relação às origens do processo de desenvolvimento da região, vale destacar
ainda que as empresas colonizadoras, de uma forma geral em todo o Oeste, “[...] além da
colonização, que era sua atividade principal”, promoveram o dinamismo econômico local
com “[...] a instalação de diversas indústrias: serrarias, cerâmica, moinhos de trigo, energia
elétrica, frigorífico, imprimindo os primeiros passos ao processo de industrialização”
(ROSSETTO, 1989, apud HASS, 1997,p.52).
5
Neste sentido, os colonos, imigrantes europeus, junto aos mandatários locais, donos
das colonizadoras e representantes da ordem religiosa estabelecida, submetem os grupos de
caboclos e indígenas, reduzindo-os ao silêncio, ao papel de subalternos, auto-denominando-
se pioneiros
6
ou desbravadores do Oeste ( RENK, 2004). Segundo a autora, “No Brasil, o
trabalho do colono foi tomado com sinônimo de liberdade e também mbolo do progresso
e do pioneirismo. As trajetórias familiares, quando narradas, apontam o despojamento
inicial, contando unicamente com um capital: o trabalho” (RENK, 2004, p. 32).
É importante destacarmos, nesse contexto, a atuação da Empresa Colonizadora
Bertaso
7
, que não desencadeou o processo de colonização como projetou o comércio e a
5
Rossetto refere-se especialmente à Empresa Colonizadora Bertaso e Maia que, em face do ‘pioneirismo’ já
mencionado por Renk (2004), a empresa organiza o espaço territorial, agindo como poder local.
6
“A representação do pioneirismo é a face pública da história, conhecida e reconhecida enquanto história
oficial e utilitária dos de origem. Está próxima à sociodicéia, pela constante explicitação do lugar que ocupa,
na qualidade de construtor do progresso. A idéia do pioneirismo está acoplada à de conquistador, de
desbravador, aquele que venceu a natureza inóspita e com seu trabalho plantou o progresso, que pode ser
associado aos de origem, como uma de suas virtudes étnicas. A narrativa do pioneirismo é multifacetada e
apresenta gradações. É associada à organização inata dos de origem, representada na construção dos
equipamentos comunitários, tais como escolas, igrejas, hospitais e clubes. O sentimento de auto-
enaltecimento se faz presente”. (RENK,2004, p.33-34).
7
Um breve histórico da empresa: A Empresa Bertaso, Maia e Cia., fundada a 18 de setembro de 1918, pelo
coronel Agilberto maia, então prefeito do município de Guaporé, seu irmão coronel Manoel dos passos Maia
e o coronel Ernesto Francisco Bertaso, teve sua primeira sede na cidade de passo Fundo, no Rio Grande do
Sul [...]. Em junho de 9120, por concessão do estado de Santa Catarina, a empresa obteve posse da Fazenda
Chapecó (atual Quilombo). [...] Em 11 de fevereiro de 1922 após o cel Manoela dos passos maia ser eleito
Superintendente do município de Chapecó, a Empresa Colonizadora Bertaso, maia e Cia transferiu sua sede
para um lugar denominado Passo dos Índios (atual Chapecó), passagem obrigatória entre Passo Bormann e
Xanxerê [...] Em novembro de 1923 a empresa é dissolvida e o coronel Bertaso forma uma nova firma
denominada Empresa Colonizadora Ernesto Francisco Bertaso. No final de 1948, ela foi alterada para
Empresa Colonizadora e Industrial Ernesto F. Bertaso S.A, tendo como diretores, o coronel, seus filhos
Serafim e Jaime e seu cunhado Paulo Pasqualli. Nesta ocasião a empresa dedicava-se á colonização, extração
LXXVI
indústria em solo oestino através de seu proprietário, o Coronel Ernesto Francisco Bertaso.
Italiano de nascimento, naturalizou-se brasileiro em 1941, em solo catarinense. Vindo do
estado do Rio Grande do Sul, simboliza o coronelismo na região (com Diploma do Clube
Militar de Oficiais da Guarda Nacional, compra título de coronel da Guarda Militar). O
coronel representa a face do poder econômico e político local. Hass (1997 p.54) situa a
figura do coronel no contexto local:
[...] comparando com o coronelismo nordestino constata-se que
enquanto no nordeste o coronel era preponderantemente um
latifundiário, ocasionando uma relação de dependência entre eles e
os que trabalhavam em sua propriedade, no oeste catarinense, o
coronel Bertaso era um colonizador, que utilizava a maior parte de
suas terras para comercialização, existindo uma relação de
paternalismo entre eles e os imigrantes que incentivou a
explorarem a região. Na verdade, os colonos, apesar de serem
donos de suas terras, acabam subordinados a uma classe
possuidora, legitimando mais tarde sua ação política.
Essa tradição coronelista parece ter se mantido durante a Primeira República e parte
do período do Estado Novo, projetando para os filhos de coronéis a perpetuação política. O
então presidente da república Getúlio Vargas nomeia, em 1944, Serafim E. Bertaso prefeito
de Chapecó. “Confirma-se com essa aproximação dos Bertaso com o governo de Getúlio
Vargas, que a escolha dos prefeitos nomeados seguia o mesmo procedimento adotado na
indicação dos interventores federais nos estados” (HASS, 1997, p. 75).
Até a década de 50, sob a proteção do Partido Socialista Democrático, o PSD,
(fundado pela família Bertaso) a política local comporta esse processo político hegemônico,
fortemente atrelado ao governo estadual e federal. Esta aliança caracterizou na região o
fortalecimento no mandonismo local, de dominação social e política.
Neste período, a população chapecoense era essencialmente rural, a pequena
produção familiar constituía-se como base na economia regional. Paralelamente, o centro
e exportação de madeiras e cerâmica. Estava associada, ainda, a vários ramos da indústria, inclusive
transportes, moinho e a uma fábrica para aproveitamento de subprodutos de mandioca. Em 1942, uma filial
foi instalada em União da Vitória, no Paraná, na direção desse empreendimento comercial estava o filho do
cel Ernesto F. Bertaso, Jaime Bertaso. A sucursal também atuava na colonização e, além disso, possuía uma
fábrica de caixas de cabos, fábrica de carvão e derivados, bem como serrarias para a exploração da madeira
(HASS,1997,p.53-54).
LXXVII
da cidade estruturava-se em termos comerciais e industriais, associações e agremiações,
hospitais e mídia escrita, sendo a elite representada por colonizadores, madeireiros,
comerciantes, médicos, advogados, juízes de direito, promotores, representantes do Estado
e da Igreja , entre outros.
A partir dos anos de 1950, o pensamento hegemônico do PSD (madeireiros e
colonizadores) encontra oposição; passa a dividir o poder com os partidos UDN, PTB, PSP
e PL (profissionais liberais) que após quebrarem a hegemonia pedessista, diluem-se em
cargos públicos e no “controle” do desenvolvimento local. Vale dizer que os profissionais
liberais desta época, médicos, engenheiros, advogados, descontentes com a política local,
também se constituem como representantes da elite (HASS,1997). Em relação à
representação política local, Hass (1997, p.152) assim se refere:
Na organização partidária operada por essas elites políticas, está
ausente qualquer significado ideológico mais profundo, salvo em
alguns momentos do PTB e do PSP.A opção partidária ocorre,
principalmente, pela definição oposicionista local, aos herdeiros
estadonovistas frente a interesses imediatos inconciliáveis,
evidenciando juntamente com a oligarquização da estrutura
partidária, o conservadorismo do sistema partidário chapecoense
.
A tradição política local se fez por esses pioneiros, através de sucessivos mandatos,
com isso, segundo Renk (2004, p.41-42), [...] a elite local conseguiu representar-se como
construtora do progresso e do desenvolvimento [...] silenciou vozes locais e passou a ler seus
próprios feitos, fatos e narrativas como glória e o enaltecimento da necessidade feito virtude”.
Originalmente um distrito agrícola, na década de 70, Chapecó “levanta vôo”
8
,
firmando-se como pólo econômico nacional através do desenvolvimento da suinocultura e
avicultura e com uma economia focada especialmente na agroindústria, com a instalação da
Sadia S/A. O seu parque industrial deixa, aos poucos, de basear-se totalmente na
agroindústria e a partir dos anos 80 tem-se um crescimento notável, diversificando seus
produtos, com a introdução de indústrias de embalagens, softwares, transportes, plástico,
móveis, bebidas, industrialização de carnes, entre outros. Permanece ainda na política
8
Palavras de Altair Wagner, político influente na região. Em relação ao desenvolvimento de Chapecó vale
citar: WAGNER, Altair. E. Chapecó levantou vôo. Florianópolis: De Letra Editora, 2005.
LXXVIII
chapecoense o caráter hegemônico de uma elite que assume os ideais desenvolvimentistas
que, para Paim ( 1997,p.18):
[...] foram sendo amplamente divulgados principalmente entre a
‘liderança industrial da Capital do Oeste’, que profetizavam um
futuro paradisíaco se fossem seguidos os seus preceitos, onde
afirmavam que: ‘Nossa política é nosso trabalho; Nosso lema é
desenvolvimento e Nosso ideal é o bem estar social.
A razão dada ao desenvolvimento, à tradição e aos costumes pode ser evidenciada
também pela face religiosa na ação católica que, assumida como instituição capaz de
manter juntamente com a elite a manutenção da representatividade local, nega a dinâmica
de fé dos grupos indígenas e caboclos. Pois para Kujawa ( 2001, p.88):
As práticas religiosas populares eram muito ecléticas e, por isso,
consideradas ignorantes e fanáticas, não seguidoras do verdadeiro
cristianismo. Com essa visão, a Igreja encontrou na aliança com as
elites locais, que exerciam uma influência coronelística e tinham
uma prática de compadrio, a forma de influenciar o maior numero
de adeptos possível e buscar a concretização do seu projeto.
Dessa forma o espaço local se configura pelos costumes ditados pela estrutura
cristã, marginalizando os costumes de popular, que para Schuh (2001,p.132) significa:
As práticas religiosas dos brasileiros no Oeste catarinense, com toda uma gama de ritos, de
rezas e mbolos próprios, por sua vez, podem ser englobados no nominado ‘catolicismo
popular’ ou ‘catolicismo antigo’, ou seja, um catolicismo não romanizado”.
A ordem religiosa católica impõe ao povo normas de ‘bem viver em comunidade’.
Vale dizer que a Igreja coexiste com o dogma religioso e o poder político local,
constituindo-se de principal fonte de religiosa no oeste catarinense, aspecto esse citado
por Diel (2001,p.107): “A Igreja procurou monopolizar os bens de salvação, o que definiu
uma exclusão religiosa dos caboclos, incapazes de absorver as novas representações
simbólicas e a nova divisão dos serviços religiosos”.
LXXIX
Esta ordem encontra oposição na década de 50, na inserção da Igreja Evangélica
Assembléia de Deus, que “mesmo ocupando um mesmo espaço na eminente área urbana da
cidade, essa religiosidade encontra acolhimento junto a uma parcela da população, que
desenvolvia suas práticas culturais nas margens de um poder hegemônico constituído em
sua maioria por ‘colonos’ ítalo-brasileiros e pela Igreja católica representativa da
confessionalidade religiosa desse grupo”. (OLIVEIRA,2001, p.289-290).
A cultura local comporta e se molda a essas características: uma política de ‘direita’
com alinhamento da católica que vinculada aos interesses de um grupo social distinto,
busca o crescimento da cidade e da região essencialmente através do seu desenvolvimento
político-econômico sob a guarda e proteção da igreja católica.
Nos anos 90, o povo rompe com essa tradição cultural proposta pela política local
conservadora e comprometida com a elite, elegendo para o governo um grupo partidário de
filiação ao ideário de esquerda. Nos anos de 1997 - 2004 a administração pública municipal
tem como governo a Frente Popular, que pela primeira vez conduz a política local
desenvolvendo programas ideologicamente calcados pela participação popular.
De acordo com Werlang e Hass (2003, p.16), esse governo “[...] se coloca como o
‘novo’ no campo político, envolvendo rupturas em relação às práticas políticas
tradicionais”, uma vez que as administrações populares têm “[...] imprimido uma nova
forma de administração pública, instituindo formas alternativas de relacionamento entre
Estado e sociedade civil em âmbito municipal, conjugando a democracia representativa e a
democracia direta” (WERLANG e HASS, 2003, p.16).
A política desenvolvida pela Frente Popular tem premissas da participação do povo
na administração dos projetos e recursos públicos, que instituíram na administração
municipal o Orçamento Participativo
9
como principal campo articulador e de diálogo com a
sociedade civil. Deste modo, criaram-se espaços diretos de participação e decisão do povo
9
Orçamento Participativo (OP) é uma prática governamental reconhecida mundialmente, criada no intuito de
submeter o destino de parte dos recursos públicos à consulta pública, através de reuniões comunitárias abertas
ao público, onde primeiramente são coletadas sugestões, depois votadas as prioridades, e encaminhadas ao
governo para que ele atenda a solicitação através de investimento público.
LXXX
nos destinos da cidade. Em relação a essa forma própria de administração e as expectativas
geradas na sociedade civil, Werlang e Hass, analisando o comportamento político dos
chapecoenses afirmam:
Geralmente, quando questionados a respeito dos aspectos positivos
da administração municipal, os eleitores estabeleceram uma
correlação entre os aspectos positivos da administração em suas
áreas de atuação e as prioridades do próximo governo. Destacam-
se preferencialmente os investimentos na área da saúde, educação,
empregos, estradas, agricultura, com poucas alterações nesta ordem
(WERLANG e HASS, 2003, p.22).
Conforme procuramos mostrar, até o ano de 1996, a política local tinha a
hegemonia de grupos e partidos políticos conservadores. Com a ascensão de partidos
políticos de esquerda e de centro esquerda apoiados pelos movimentos sociais
10
nas
eleições municipais em 1996, esse cenário é revertido, causando uma ruptura na hegemonia
política local. A partir daí, tem-se no município uma gestão administrativa pautada no
ideário de um novo modelo de sociedade; nesse novo processo, a educação, tomada como
possibilidade de emancipação e de construção de consciência crítica, torna-se um elemento
central, sendo objeto de uma reforma significativa.
A Secretaria Municipal de Educação e Cultura adota como proposta pedagógica a
Educação Popular e a organização curricular em ciclos de formação, conforme Lei
Complementar 48 de 22 de dezembro de 1997. A organização pedagógica da escola
pública municipal passa a ser orientada por um novo princípio, assim definido:
10
Igrejas, principalmente a igreja católica liderada pelo Bispo D. José Gomes, os sindicatos cutistas, os
movimentos populares, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, o Movimento das
Mulheres Agricultoras - MMA, a União Brasileira das Mulheres UBM, o Movimento dos Atingidos por
Barragens - MAB, Organizações Estudantis, UMES União Municipal dos Estudantes, DCE Diretório
Central dos Estudantes da UNOESC, agora UNOCHAPECÓ, o movimento popular das pessoas com
necessidades especiais, do qual destaca-se a Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes, FCD -
Chapecó/SC, entre outras” (SANTOS, 2006, p.27).
LXXXI
A organização do ensino fundamental em ciclos, com base na
idade e no ciclo de formação, visa superar o processo seletivo e
excludente em que se constituiu o sistema seriado construído numa
lógica linear que fragmenta o conhecimento na transmissão de
conteúdos pré-determinados, precedentes de forma cumulativa,
exigindo ritmos médios em tempos curtos, com a avaliação
seletiva, centrada em provas e notas, gica que causou grandes
prejuízos ao sistema escolar brasileiro (CÂMARA DE
VEREADORES DE CHAPECÓ - PARECER 10/98,
APROVADO EM 11/11/98).
A substituição do sistema seriado pelo sistema de ciclos não foi, contudo, apenas
uma questão organizativa ou metodológica. Como vimos na referência acima, visava a
superação dos processos seletivos e excludentes que, historicamente, caracterizam a
educação brasileira. Em consonância com esse novo princípio organizativo, a secretaria de
educação adotou também uma nova orientação teórico-metodológica na definição dos
currículos de ensino: a Pedagogia de Paulo Freire passou a ser a principal referência, e os
temas geradores tornam-se o principio básico de sua organização.
Esta pedagogia se concretiza com a lei complementar 48, de 22 de dezembro de
1997 e a partir daí o processo de construção nas escolas municipais inicia-se num ritmo
acelerado, pois era preciso desconstruir uma prática curricular histórica e fixar as bases para
a proposta que estava por vir. Para Santos (2006, p. 27):
Essa opção revela o compromisso político-pedagógico com a
superação das contradições sociais opressoras, impostas pelo
sistema capitalista e pela política neoliberal; explicita uma
educação voltada às classes populares, que busca um processo
educativo que considere as diferentes possibilidades de aprender e
de ensinar de cada um, respeitando as diferenças que constituem os
seres e propõe ações pedagógicas que respeitem os diferentes
tempos do desenvolvimento humano em suas formas: cognitivo,
social, afetivo, psicológico, corporal.
Os princípios de inclusão social, emancipação crítica e comprometimento com uma
educação popular se estendem por todos os campos da administração, incluindo o campo
cultural. No segundo mandato da Frente Popular (2000-2004), o setor da cultura entra em
consonância com as orientações políticas de cunho democrático-popular, encontrando-se
LXXXII
mais fortemente assimilado pelo projeto dos Centros Artísticos de Cultura Popular
(CACP’s), objeto de nossa discussão a seguir.
3.2 A questão cultural no governo popular - a criação dos CACP’s
Conforme mencionamos, a administração da Frente Popular constrói, no
município de Chapecó, uma experiência de gestão orientada a partir dos princípios de
emancipação e inclusão social; princípios estes vinculados ao pressuposto de que a
participação direta do povo, compreendido como sujeito social coletivo organizado, deve
ser o principal meio a partir do qual as políticas públicas podem ser definidas,
implementadas e controladas.
Como abordamos anteriormente, até a chegada da Frente Popular ao poder, os
princípios elitistas que sustentavam políticas excludentes e de privilégios para minorias
dominantes se estendiam também para o âmbito da educação e da cultura. No que tange
nosso objetivo, vale ressaltar que essas práticas sociais estendiam-se também para o âmbito
da cultura, motivo pelo qual podemos afirmar que o desenvolvimento do CACP’s
representou, em sua concepção e realização, uma ruptura com a direção até então existente.
Na área cultural do município, até a criação dos Centros Artísticos de Cultura
Popular, o principal instrumento cultural de Chapecó foi a Escola de Artes.
11
Criada, em
de maio de 1979, pela lei municipal 052/79, denominada inicialmente de “Escola de
Belas Artes”, teve sua inauguração no dia 15 de maio de 1980, em grande solenidade no
11
Em ofício ao superintendente da Fundação Catarinense de Cultura, Sr. João Nicolau Carvalho, o secretário
da Educação e Cultura de Chapecó, Hilton Rovere, faz menção à solenidade de inauguração da escola: “Por
ocasião da inauguração da Escola de Belas Artes de Chapecó, no dia 15 de maio de 1980, no Clube recreativo
Chapecoense, com a presença do exmo. Sr. Prefeito municipal Milton Sander, outras autoridades e um grande
público, tivemos, como ponto alto da solenidade, a apresentação do violonista Eladio José de Souza, que
representou condignamente a Fundação Catarinense de Cultura, patrocinadora do nobre espetáculo” (oficio
SCPS/093/80-MLB de 1 de junho de 1980.) Durante a década de 90 a Escola institui uma Associação de Pais
e Professores – APP como gestora das atividades. A Prefeitura municipal de Chapecó contribui com a
contratação dos professores e aluguel do espaço físico e a escola através de recursos providos de
mensalidades dos alunos, gerencia despesas de manutenção.
LXXXIII
Clube Recreativo Chapecoense. Sua origem está vinculada à efervescência cultural vivida
pelas elites da cidade nas décadas de 1970 e 80, momento em que eram promovidos
grandes eventos artístico-culturais como salão de artes plásticas, recitais, globais de arte,
intercâmbios com a capital do estado, mediados pelo Conselho Estadual de Cultura. A
criação da escola veio, nesse sentido, concretizar o espaço da arte e da cultura como forma
legitimadora e intimista, construída pelas elites e, sobretudo, destinada para as elites.
12
Na lei de sua criação, assim são definidos os objetivos da escola:
Propiciar ao aluno condições de entender a importância cultural da
arte, como expressão de sentimento, criatividade, sociabilidade e
veículo de comunicação; propiciar ao aluno, meios de praticar e
desenvolver aptidões artísticas; propiciar meios que favoreçam o
desenvolvimento da apreciação, avaliação e valorização do
artístico-cultural; favorecer conhecimentos iniciais da arte e da
cultura, que possibilitem ao aluno ingressar em novas etapas do
desenvolvimento artístico cultural (Lei de criação da escola
052/79 de 01 de junho de 1970).
Tais objetivos evidenciam o caráter da arte desenvolvida dentro da escola; com
ênfase nas questões estéticas e artísticas, na produção e apreciação da arte, destina-se a
formar produtores e apreciadores das artes. Os alunos que a freqüentam dispõe de recursos
para compra de instrumentos de música, material didático e roupas apropriadas ao exercício
das atividades, além de pagamento de mensalidades, compondo assim um público
específico, ou seja, as classes média e alta. Como mencionamos, a administração da
Frente Popular instituiu mudanças na área da educação nos primeiros meses após ter
assumido a política local, porém, na área cultural foi preciso ainda dois anos para que a
proposta popular fosse efetivada,
13
fato esse verificado no Documento Propostas para
12
A escola não possui instalações próprias, isso ocasionou ao longo dos anos várias mudanças de locais para
o desenvolvimento das atividades, nem sempre condizentes com o número de alunos e com as atividades
desenvolvidas. O ensino técnico-formal e a carência de salas ambientes adequadas geraram na cidade uma
demanda por outros espaços de fomento e produção culturais.
13
Até 1997, portanto antes do Mandato da Frente Popular, a cultura ficava vinculada, como Departamento
específico, à Secretaria Municipal de Educação. Quando a Frente Popular assume, cria-se a Secretaria da
Juventude, Esporte, Cultura e Lazer, sendo este departamento transformado em uma diretoria dentro dessa
nova Secretaria, ali permanecendo até o início do mandato (2001-2004). Em função da adoção da proposta
de educação popular e dos ciclos, pela Secretaria de Educação, a cultura volta a ser um departamento desta
LXXXIV
Cultura, Esporte Lazer do ano de 1999”, onde se faz menção ao projeto cultural
chamado “Arte Popular”, com os seguintes objetivos:
Difundir, incentivar e ampliar o fazer artístico-cultural, valorizar e
resgatar a cultura local. Implantar, construir, em locais existentes
nas localidades centros populares de artes, em 10 locais de
Chapecó, destinados a oferecer oficinas, aulas de musicalização,
dança, teatro, artes plásticas e outras (SECRETARIA DE
ESPORTE CULTURA E LAZER/DIRETORIA GERAL DA
CULTURA, 1999).
O projeto “Arte Popular”, criado a partir da idéia da descentralização da cultura e
dos preceitos dos movimentos de educação e cultura popular, dará, posteriormente, origem
à criação dos Centros Artísticos de Cultura Popular.
No Plano de Governo dos candidatos a Administração Pública Municipal
(2000), onde se apresentam indicadores do primeiro mandato e se traçam orientações e
proposições para o segundo mandato da Frente Popular (2001-2004),
14
é possível verificar
que, no final da primeira gestão, estavam em funcionamento diversas atividades,
fazendo-se menção ao número de alunos que as freqüentavam, ainda no âmbito do Projeto
Arte Popular. Desenhavam-se desde então, as orientações que se presentificariam
posteriormente, de forma mais sistematizada, no projeto dos CACP´s.
3.3 Implementação e desenvolvimento dos CACP´s: a segunda gestão do governo
popular (2001-2004)
Secretaria, posto que se gestava também o projeto de Centros Artísticos de Cultura Popular, orientada por
princípios similares aqueles da educação. Permanece vinculada a educação até 2003, ano de criação da
Fundação Municipal de Cultura.
14
Conforme consta no Plano de Governo dos Candidatos à Administração Pública Municipal, tinha-se como
objetivo: Ampliar os centros Artísticos de Cultura Popular nas diversas regiões do município, que hoje
atendem gratuitamente três mil alunos”.
LXXXV
Como mencionado, o projeto ARTE POPULAR o empurrão inicial para a
proposta do desenvolvimento, na área cultural, de atividades de cunho popular, originando
então os CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR. Nos anos seguintes –
pode-se verificar no Documento “Plano de Ação para a Cultura 2001/2004”, datado de 14
de maio de 2001 o projeto CACP’s figura como proposta central na área cultural do
município, pois é apontado como prioridade nos investimentos públicos pela comunidade,
definida através do orçamento participativo, conforme registro: “Ampliação dos Centros
Artísticos de cultura popular (conforme demanda reivindicada pelo orçamento
participativo).” [Plano de Ação para a Cultura 2001/2004]
O documento acima mencionado, Plano de Ação para a Cultura 2001/2004,
articula-se a partir de três seções orientadoras, conforme segue:
a) Sonho de Mundo e Sociedade: discute-se aqui questões relacionadas à preservação da
cultura e à produção artística como valorização e resgate das manifestações da cultura
local;
b) Sonho de Política Cultural: delineia-se e aponta-se para a construção de uma política
cultural com uma concepção libertadora, pautada no diálogo entre as diferentes culturas e
entre diferentes sujeitos;
c) Desafios: são estruturados tendo como base quatro grandes eixos: 1) Resgate,
organização, preservação e socialização da memória histórica; 2)Ampliação do acesso da
população ao conhecimento, formação e produção artística/cultural; 3) Criar, fomentar e/ou
apoiar empreendimentos culturais; e 4) Criação da Fundação Municipal de Cultura.
Em continuidade ao projeto cultural delineado no “Plano Plurianual 2002-2005”,
evidencia-se um conjunto de ações voltadas à área cultural do município, fortalecendo-se a
idéia dos Centros Artísticos como proposta de inclusão social e como programa de
governo. Viabiliza-se a construção dos espaços físicos destinados às atividades e à criação
LXXXVI
da Fundação Municipal de Cultura, como garantia, aos chapecoenses, de acesso à política
cultural. Conforme o documento já citado:
O município possui uma estrutura de serviços públicos na área
cultural constituída pela Escola de artes, biblioteca Pública
Municipal, 19 Centros Artísticos de Cultura Popular que atendem
mais de 5.000 pessoas em atividades educativas nas áreas de
música, dança, artes plásticas e artes cênicas. O Departamento da
Cultura organiza e desenvolve eventos culturais que envolvem a
participação de milhares de pessoas como o carnaval popular,
teatro da paixão, dia do desafio, mostras culturais, mateadas, etc. O
Departamento da Cultura resgata, organiza e preserva a memória
histórica através dos museus, murais e monumentos (Secretaria da
Educação e Cultura. Plano Plurianual – 2002-2005).
Cabe ainda ressaltarmos, que nesse documento são firmadas diretrizes e ações
voltadas a uma política cultural de âmbito popular, conforme segue: Aprofundar a gestão
democrática da política cultural incluindo o Orçamento Participativo, o Conselho
Municipal de Cultura e os Conselhos da Escola de Artes e dos Centros Artísticos de
Cultura Popular e a participação popular em todo o processo cultural”.
O Projeto Centros Artísticos de Cultura Popular, como pudemos verificar em
registros anteriores, vinha sendo desenvolvido no âmbito do Projeto “Arte Popular”.
Todavia, como o Projeto não dispunha de uma coordenação que o impulsionasse e lhe
sistematizasse, funcionou, nesse período, de forma incipiente e espontaneísta, carecendo,
nesse sentido, de uma sustentação teórica mais sólida que possibilitasse uma compreensão
aprofundada da cultura, no âmbito de uma administração popular.
Como reflexo desse processo, muitas improvisações ocorreram, inclusive no que se
referiu à contratação de professores para as atividades (Anexo I) a maioria sem
qualificação técnica-formal e, muitos deles, pouco partilhando os preceitos político-
ideológicos da então administração popular. Sem essa vinculação maior com o projeto
político que estava na base dos CACP’s, muitos professores desenvolviam suas atividades
de acordo com sua “própria direção”, fato esse agravado ainda pela ausência, no Projeto
dos CACP’s, de uma unidade de pensamento, no que se referia a uma proposta popular na
área da cultura. Como conseqüência desse processo, muitas atividades artísticas
LXXXVII
desenvolvidas voltavam-se mais para o aspecto de entretenimento. O quadro de contratação
de professores (Anexo II), nos um panorama do número de profissionais contratados e
das linguagens artísticas trabalhadas nos anos de 2002/2003.
Quadro 3 – Abrangência – ano 2002 (locais onde são realizadas as atividades)
Local Atividade Local Atividade
01 Centro da cidade Dança (estilo livre),
grupos de idade,
Teatro e Música
13 EBM Rui Barbosa Teatro
02 Bairro Universitário Dança (estilo livre) 14 Linha Faxinal dos Rosas Dança (estilo
livre), Música
03 Bairro Colatto
Dança (estilo livre),
Música e teatro
15 Bairro São Cristovão Dança (estilo
livre)
04 Bairro Jardim do Lago
Dança (estilo livre) 16 Colônia Bacia Música
05 Bairro Belvedere Dança (estilo livre),
Música e teatro
17 Vila Páscoa Dança (estilo
livre) e Teatro
06 Rodoviária Dança (estilo livre) 18 Bairro Cristo Rei Dança (estilo
livre), Música e
Teatro
07 Bairro Passo dos
Fortes
Danças Folclóricas
alemãs, teatro e
Música
19 Bairro Santa Luzia Teatro
LXXXVIII
Fonte: Relatório das atividades desenvolvidas no período de março a dezembro de 2002. Centros Artísticos de
Cultura Popular. (Dezembro de 2002).
As atividades desenvolvidas pelos Centros Artísticos de Cultura Popular aparecem
mais detalhadas, nos documentos que analisamos, a partir de 2001. No Relatório das
Atividades Desenvolvidas no Período de Março a Dezembro de 2002 [doc. 5] por
exemplo, aparece a indicação de atividades de planejamento nos Centros Artísticos,
conforme é mencionado: Planejar em conjunto com a equipe de professores, as ações
educativas a partir das necessidades e vivências de cada grupo, dentro das linguagens
música, teatro e dança”. Estabelecer o planejamento das atividades dos CACP’s como um
dos objetivos expressa as mudanças que foram ocorrendo nesse período, em especial, a
introdução de uma concepção de caráter mais pedagógico, e não apenas de entretenimento,
para as atividades em curso
15
.
Vinculados, então, à Secretaria da Educação, os CACP’s passam a adotar também
em sua prática a perspectiva da educação popular, assimilada por essa secretaria.
Fundamentada no ideário de Paulo Freire e na sua concepção de conscientização pela
15
Destaco aqui minha participação como coordenadora do projeto CACP’s (função desempenhada no período
de março de 2002 a abril de 2004) a convite da Secretaria da Educação, órgão o qual estava lotada como
professora de Artes da rede municipal de ensino. A função de coordenação previa a construção na área
cultural de uma proposta em consonância com os pressupostos da administração pública, os quais já estavam
sendo desenvolvidos em outras secretarias, em especial na área da educação.
08 Linha Batistello Dança (estilo livre)
e Música
20 Bairro Jardim América Música
09 Vila Real Dança (estilo livre) 21 Bairro SAIC Teatro
10 Bairro São Antonio Dança (estilo livre) 22 Colônia Cella Danças
Folclóricas –
italianas e
Música
11 CEIM CRIANÇA
ESPERANÇA
Dança (estilo livre) 24 Marechal Bormann Música
12 Linha Simonetto Música e dança
(estilo livre)
LXXXIX
educação, os CACP’s inspiram-se, por um lado, nessas experiências educacionais e, por
outro, resgataram preceitos do movimento dos CPC’s, desenvolvidos nos anos de 1960, em
especial a concepção do caráter transformador e revolucionário da arte.
Ancoradas nessas referências, as atividades, no âmbito dos CACP’s, passaram a ser
mais organizadas, prevendo-se, por exemplo, espaços de reflexão e formação destinados
aos educadores atuantes no Projeto. O objetivo era que os professores
16
se tornassem
agentes disseminadores de mudanças nos padrões tradicionais estabelecidos pela elite
chapecoense, constituindo-se nesse sentido, como uma contra-hegemonia.
Quadro 4 – Abrangência – ano 2003 (locais onde são realizadas as atividades)
16
Os professores que atuavam nos CACP’s eram contratados pela Secretaria da Educação, através de edital
público, apresentando além de currículo com habilidade na área pretendida, um projeto apresentando as linhas
gerais no desenvolvimento das atividades artísticas, ou aulas. Os candidatos às vagas eram avaliados pelo
currículo (horas de atividade/capacitação) e são contratados por 11 meses a contar do início do ano letivo nas
escolas municipais, no mês fevereiro. O professor é contratado em regime temporário para os meses de
fevereiro a dezembro com carga horária de 8hs diária, podendo ser contratado de 20 a 40hs semanais. São em
sua maioria, portadores de diploma do ensino médio completo e alguns iniciando cursos em vel superior.
Ainda é possível verificar que o quadro possui professores sem o nível médio completo, sendo contratados
como estagiários, com carga horária de 20hs/semanais. Como
o recrutamento se dá por edital aberto,
é
possível verificar também uma certa rotatividade de professores. Alguns dos professores
desenvolvem as
atividades desde a origem do projeto CACP.
Local Atividade Local Atividade
01
Centro da cidade Dança Teatro
Música (violão e
teclado) e danças
folclóricas
13 Linha Serraria Reato Dança
02
Bairro Palmital Dança e Teatro 14 Linha Faxinal dos Rosas Dança
03
Distrito Marechal
Bormann
Música (violão) e
Dança
15 Bairro São Cristovão Dança
04
Bairro Jardim do Lago
Dança 16 Bairro Pres. Médice Música (violão) e
Dança
XC
Fonte: Relatório 2003 - Centros Artísticos de Cultura Popular (dezembro/2003).
As ações voltadas para os professores, conforme consta no Relatório das
atividades desenvolvidas nos períodos de março a dezembro de 2002, são assim
definidas:
Formar um grupo de professores com perfil indicado para um
trabalho popular em arte e cultura com qualificações a seguir:
comprometido com as políticas educacionais nas ações
desenvolvidas para com o educando; tenha postura de educador,
percebendo o aluno como um ser pensante, com vontade e sonhos;
que seja desafiado e desafiante; que organize e articule a
comunidade onde atua, sendo elo de ligação entre o aluno-
comunidade e cultura e que se sinta responsável pelo crescimento
do CACP.
Em 2003, com o trabalho de coordenação chegando ao seu primeiro ano, foi
possível verificar nos Centros Artísticos de Cultura Popular o processo de reflexão e
capacitação realizado. O Relatório dos Centros Artísticos produzido em dezembro/2003
[doc.6] traz informações em relação à implementação pedagógica, conforme consta: “Paulo
Freire é legitimado pelo grupo como pesquisador, pedagogo, estudioso de uma proposta
05
Bairro Belvedere Teatro e Dança 17 Vila Páscoa Teatro e Dança
06
Linha Boa Vista Dança 18 Bairro Cristo Rei Música (violão)
Dança e Teatro
07
Bairro Passo dos
Fortes
Teatro, Música
(Violão e Teclado) e
Danças Folclóricas
19 Bairro Colina do Sol Dança e Música
(Violão)
08
Linha Batistelo Música (Violão e
Teclado)
20 Bairro Bela Vista Música
(Acordeon) e
Dança
09
Vila Real Dança e Música
(violão)
21 Bairro Thiago Dança e Teatro
10
Bairro São Antonio Dança 22 Colônia Cella Danças
Folclóricas
11
Bairro Universitário Dança 24 APAE Dança
XCI
fundamentada na práxis, na dialogicidade, no contato com as diferentes realidades e sua
transformação a partir de um trabalho emancipatório”.
Em síntese, a criação de uma coordenação específica e os encaminhamentos
pedagógicos mediados pela secretaria da educação, proporcionou ao Projeto uma nova fase
com organicidade nas atividades realizadas, evidenciando, ainda, comprometimento da
administração com o mesmo.
A criação da Fundação Cultural em 2003 também contribuiu para dar novo impulso
aos CACP’s, seja em relação à sua difusão ou descentralização para os diversos bairros da
cidade. A partir disso, são estabelecidos canais diretos de diálogo com a comunidade para a
definição das atividades que comporiam o Projeto em cada localidade. Conforme
mencionamos, o Orçamento Participativo (OP) constituiu-se no mais importante canal de
participação popular, e as demandas para a área cultural ocorriam também no âmbito das
plenárias do mesmo. Uma vez apresentadas e definidas as demandas culturais pela
comunidade, constando, portanto, no orçamento para o período, o líder comunitário
tornava-se o elo entre a comunidade e o setor cultural, tanto na organização de espaço físico
para a realização das atividades (salões comunitários, salas anexas a igrejas, escolas,
programas sócio educativos, etc), como na divulgação junto à comunidade.
O processo de descentralização das atividades culturais foi mantido até 2004,
ocorrendo nesse ano a inclusão de novas comunidades e a supressão de outras. No que se
refere às atividades desenvolvidas, observa-se ainda o predomínio das atividades de dança,
seguidas daquelas relacionadas ao aprendizado da música em diferentes instrumentos
musicais.
Ainda no que tange a atuação da Fundação Municipal de Cultura e sua presença
junto à área cultural da cidade, vale registrar que, em que pese à importância de sua criação,
sua atuação nesse período foi dificultada por problemas de ordem estrutural e política. Por
exemplo, a descontinuidade administrativa num curto espaço de tempo, menos de um ano
de sua criação, a presidência da Fundação havia sido substituída três vezes fato que
XCII
demonstrava conflitos, de ordem político-administrativa, dentro do governo municipal.
Outro fato a mencionarmos é a destinação orçamentária, sempre restrita quando destinava a
atender as demandas culturais da cidade.
As crises internas provocadas pelas dissonâncias de ordem política acabaram por
interferir no andamento dos projetos e, em especial, ao grupo de professores dos CACP’s,
com prejuízos para a continuidade dos trabalhos de formação e capacitação. Com a
substituição do corpo administrativo
17
, em 2004, último ano da gestão da Frente Popular, o
Projeto CACP’s ganhou novos contornos, conforme verificamos nos documentos referentes
a este período.
Essas mudanças se refletiram inclusive na sistematização da documentação do
Projeto; os dados referentes a 2004 encontram-se esparsos, reunidos em uma pasta-arquivo,
tratando-se mais de registros espontâneos do que documentos de planejamento, diretrizes
ou avaliação. Não nesta pasta nenhum registro documental realizado pela coordenação
que forneça dados consistentes sobre o desenvolvimento das atividades deste ano, os
documentos se constituem de registro feito pelos professores, de atividades realizadas e
expectativas.
Contudo, esses documentos, mesmo prejudicados, expressam os encaminhamentos
dados aos CACP’s, em especial, pela mudança na orientação do planejamento das
atividades a serem desenvolvidas que passam, então, a serem elaborados por área, pelos
professores responsáveis, evidenciando a ausência de uma orientação pedagógica mais
orgânica e unitária.
4PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS DOS CACP´s – AVANÇOS E LIMITES
17
A minha saída da coordenação do CACP se deu neste momento.
XCIII
Assim como a arte, os elementos culturais ganham novos significados de acordo
com o contexto social, de tal forma que a cultura acaba se constituindo num conjunto de
sistemas de símbolos que articulam significados novos a cada reelaboração, pois a arte
como produção social é sempre histórica, geradora de impulsos que modificam e
transforma tanto o contexto sócioeconomico quanto o contexto sóciocultural.
Como mencionamos anteriormente, até o início da gestão da Frente Popular a
cultura do município é constituída por concepções geradas pela elite chapecoense, na
produção de uma arte formal, com espaços definidos pela classe artística, que para Chauí
(2006, p.9) “Pode ser concebida como campo das belas artes – cultura como talento nato ou
fruto de treinamento ou formação, com ênfase na exposição do resultado.” Contrapondo-se
a essa perspectiva, a implementação do Projeto dos Centros Artísticos de Cultura Popular
representou, do ponto de vista político, uma proposta renovadora, com intenções
transformadoras. Conforme sublinha Freire (1978, p. 13), a arte popular se desenvolve,
[...] em oposição às classes dominantes, nascendo do seio da
cultura popular negada, sendo permanentemente regida pela análise
crítica dos valores, pois essa ação é transformadora e se transforma
sempre [...] uma forma radical e resistente de ser dos seres
humanos, pois se expressa de forma consciente e com a
necessidade do recriar para resistir
.
Os Centros Artísticos de Cultura Popular apresentam-se na esfera cultural de
Chapecó como um projeto que propõe a popularização da arte e da cultura, contrapondo-se
à arte desenvolvida no campo cultural do município até fins da década de 90, que tinha na
Escola de Artes, na classe artística chapecoense, em especial, nas artes visuais, nos
escritores e em algumas atividades na área privada, seus principais representantes. O setor
cultural mantém-se por décadas na reprodução de uma arte acadêmica formal, não criando
políticas públicas de fomento à produção local, salvo algum tipo de apoio institucional em
nível estadual, na organização de mostras de artes plásticas ou lançamento de livros.
A política cultural apresentada pela Frente Popular a partir de 1997 até 2004,
promove no município uma renovação em termos de concepções no setor, implementando
XCIV
um projeto que tem na arte a linguagem de aproximação com o povo e na cultura o espaço
de participação popular. A atividades artísticas-culturais desenvolvidas pelos CACP´s, as
aulas de dança, teatro e música, cumprem função de construir novos conceitos pautados
pela concepção de emancipação.
As concepções de engajamento político e articulação de consciência e emancipação
do indivíduo como mediação para consciência crítica, tem como fonte de inspiração os
pressupostos dos Centros Populares de Cultura da década de 1960, concebido como
proposta de renovação do cenário cio-cultural brasileiro, provendo reflexões em torno da
arte nacional e popular destinada à conscientização das massas.
Neste capitulo apresentaremos discussões em relação às concepções que orientaram
os CACP´s, priorizando duas categorias: a função social da arte e da cultura e a concepção
do educador cultural.
4.1 Função social da arte e cultura nos CACP´s
Os CACP´s tem origem na esfera pública municipal como um projeto
descentralizador, com princípios de inclusão e sensibilização através das linguagens
artísticas. Na medida em que se desenvolve, cumpre a função proposta em sua origem:
tornar o campo cultural do município um campo popular, usar a arte como uma linguagem
de aproximação com o povo, visando criar junto ao povo consciência crítica em relação a
sua realidade, ao contexto sócio-político, provocando a transformação social do sujeito e
contexto.
A arte engajada dos CACP´s tem nos CPC´s a inspiração de origem, pois ambas em
seu desenvolvimento, tem o objetivo de promover a possibilidade de consciência crítica e
de visão de mundo ao público participante.
Conforme mostramos no capítulo 2, os Centros Populares de Cultura, também
reivindicavam uma renovação cultural no contexto brasileiro da década de 60. Almejavam
XCV
produzir uma arte essencialmente política, tomando povo como criador, retirando-o,
portanto, de sua condição de espectador. Conforme Garcia (2002, p.63): “[...] baseada na
atuação com os grupos sociais, estava voltada para a união e formação do povo, não
somente como recebedor, mas também como criador de cultura.”
Como projeto desenvolvido dentro de uma esfera pública que tem concepções
políticas de inclusão e participação social, os CACP´s, diferentemente dos CPC´s cujo
núcleo fomentador se constituía de artistas, intelectuais e movimentos sociais, orientam
suas atividades para esse fim, pois recebem respaldo teórico da Secretaria de Educação,
comprometida com a educação popular, criando assim dentro do município uma unidade de
pensamento nos campos de atuação.
O projeto CACP apresenta em seus objetivos diferentes concepções acerca da
função social da arte e da cultura. Tais concepções evidenciam a dinâmica de estruturação
por que passava. A arte é vista como bem público social através da garantia do acesso da
população ao conhecimento, formação e produção artística/cultural; arte como meio para
conscientização do povo a arte na busca da consciência e do desenvolvimento popular na
busca da liberdade e igualdade” e arte como resgate da memória popular “resgatar,
preservar e socializar a memória histórico-cultural do povo chapecoense”.[Doc.3 Plano
de Ação para a Cultura 2001-2004; doc. 4 - Plano Plurianual 2002-2005]
Tais concepções convergem para o desenvolvimento de uma política que expressa a
valorização pelo povo através da criação e desenvolvimento de espaços populares de
cultura, atribuindo ao povo o poder de renovação cultural.
4.1.1 Arte e cultura como bem social
Dentre os objetivos dos Centros Artísticos de Cultura Popular registra-se sua
intenção de configurar uma outra dinâmica cultural na cidade, invertendo a crença popular
de que a arte e cultura sejam bens acessíveis apenas para uma determinada classe social. O
projeto desenvolvido pretendia transformar o campo cultural do município em um campo
XCVI
democrático, não restrito a elite chapecoense, tradição conservada por décadas. Procurou
configurar-se assim, com uma política pública centrada tanto em uma intenção formativa
a conscientização como proposta de emancipação do indivíduo e, por conseguinte da
sociedade, conforme consta no Documento 3 [Plano de Ação para a Cultura 2001-2004]:
O constante crescimento dos envolvimentos nos fazeres culturais na construção de um
mundo novo”.
Nesta perspectiva a idéia de cultura não pode ser separável da de grupos e classe
sociais e, ao democratizar o campo cultural, o Projeto CACP´s concebe a cultura como um
bem social e um direito universal, que não pode ser negado, negligenciado ou restrito a um
grupo ou classe.
“Ampliar o acesso da população ao conhecimento, formação e
produção artística/cultural”. [doc. 3 - Plano de Ação da Cultura
2001-2004]
“Que o povo tenha acesso aos bens simbólicos, culturais, onde todos
sejam sujeitos e capazes de produzir cultura, memória”. [doc. 3 -
Plano de Ação da Cultura 2001-2004]
“Possibilitar o acesso às pessoas ao conhecimento das diferentes
culturas e ao conhecimento universal”. [doc. 4 - Plano Plurianual
2002-2005]
Uma gestão popular de cultura deve ser entendida como prioritária e social, como
impulso de transformações. Ao romper com a estrutura cultural da elite, pretendia-se
construir com o Projeto, uma contra-cultura como instrumento de crítica e conhecimento,
ampliando a cidadania. Vista deste modo, a cultura deixa de ser um bem destinado a alguns
e passa a ser um bem social, assim como as áreas de esporte, saúde e educação.
XCVII
A política cultural desenvolvida durante a gestão da Frente Popular concebe os
CACP´s como uma arte sem caráter formal ou acadêmico, esteticamente construída como
linguagem de aproximação com o povo, entendido aqui como os moradores do centro,
bairros e do interior do município, excluídos pelas políticas públicas na área da cultura por
décadas, por questões problematizadas nesta pesquisa. Em sua origem, no projeto Arte
Popular prevê “implantar, construir, em locais existentes nas localidades centros populares
de artes, em 10 locais de Chapecó, destinados a oferecer oficinas, aulas de musicalização,
dança, teatro, artes plásticas e outras”. [doc. 1 - Propostas para a Cultura, Esporte e
Lazer – 1999]
Ainda que seja possível perceber o caráter descentralizador proposto pelo setor
cultural, não há registros de construção desses centros, fato esse que gerou dificuldades em
termos de uma efetiva difusão do Projeto levando-o, assim, a desenvolver estratégias de
ocupação dos espaços comunitários para a viabilização do mesmo. Os espaços utilizados
para as aulas são na maioria salões comunitários, salas disponibilizadas pelas escolas
municipais, programas sócio-educativos, nem sempre condizentes com as atividades
propostas bem com o número de alunos nas aulas.
Contudo, apesar das dificuldades, foi inegável a força política impressa no projeto,
uma vez que os registros apontam números elevados de alunos participantes das atividades
( cerca de três mil alunos nas mais variadas idades), bem como a abrangência dos mesmos
durante o curto tempo de desenvolvimento, que pode ser evidenciado em relatórios dos
anos de 2002 e 2003.
1
Chauí ( 2006, p.75), referindo-se a política cultural implementada na
cidade de São Paulo, também durante uma gestão popular, momento em que assumiu a
Secretaria de Cultura, se referiu as dificuldades encontradas para implementar um projeto
com esse caráter:
[...] a política da cidadania cultural, longe de ser uma proposta
imediatamente praticável, revelou-se um lento e difícil processo
político cultural. Por não ser óbvia ou evidente e por não encontrar
1
Não registros que comprovem algum tipo de destinação de verbas para compra de equipamentos ou
materiais para as atividades.
XCVIII
raízes assentadas na tradição cultural da cidade, implementá-la
significou explicá-la, explicitá-la continuamente para os
cidadãos[...]
2
Neste sentido, na construção de um projeto renovador é possível perceber em seu
delineamento fatores que se impõem como premissas de organicidade e de conteúdo, que
comportam contradições e dissonâncias, geradas pela própria dinâmica de atuação.
4.1.2 A cultura como mediação para a conscientização do povo
Dentro do Projeto CACP´s, o campo cultural adquire uma função educativa,
formalizada pelos centros como aulas de dança, de teatro e de música e o profissional, onde
atuam professor(a)/educador(a) e aluno/aluna. A arte configura-se como atividade não
acadêmica, tem características de expressividade e liberdade de criação, visa uma cultura
que motive e respalde a produção artística e a liberdade das diferentes formas de
criação”. [doc. 3 - Plano de Ação da Cultura 2001-2004]
Essa função educativa, atribuída à arte e à cultura no Projeto em análise, configura-se como
proposta de conscientização popular, o que se expressa tanto nas referências às bases
teóricas da educação popular, em especial as contribuições de Paulo Freire, como em sua
própria sistemática de organização, criando as possibilidades de participação direta da
população de cada comunidade na definição do “formato” do projeto em seu local. Nos
objetivos dos CACP´s, essa intenção educativa, assim se expressava: [documento 3
Plano de ação da Cultura 2001-2004]:
“A arte na busca da consciência e do desenvolvimento popular na
busca da liberdade e igualdade”.
Construir uma política cultural com uma concepção libertadora
onde o diálogo entre as diferentes culturas seja entre sujeitos”.
2
Em relato da experiência realizada pela Prefeitura de São Paulo. Cidadania Cultural em Ação – 1989-1992 –
Prestação de contas da Secretaria Municipal de Cultura, em dezembro de 1992.
XCIX
Ao preconizar para os CACP´s essa função de mediação na construção de uma
consciência social crítica, observamos uma aproximação com aquelas funções atribuídas
aos CPC´s, nos anos de 1960, pelos seus realizadores. Discutindo essa intenção de
conscientização das massas dos CPC´s, Hollanda (2004, p. 23), destaca:
Trata-se, claramente, de uma concepção, da arte como um
instrumento de tomada de poder. Não há lugar aqui para os ‘artistas
de minorias’ ou para qualquer produção que não faça uma opção
de público em termos de ‘povo’. A dimensão coletiva é um
imperativo e a própria tematização da problemática individual será
sistematicamente recusada como politicamente inconseqüente se a
ela não se chegar pelos problemas social.
Dizendo de outro modo, a proposta de arte desenvolvida pelos Centros Artísticos de
Cultura Popular, nasce com um caráter inclusivo (trazer o povo para reflexão e
manifestação no campo cultural) cultivo e tradição (reconhecer e valorizar as manifestações
culturais locais) e promove nas comunidades a consciência crítica da sua realidade. A
função da arte dos CACP´s está pautada pela possibilidade de mudança em nível social,
operando nas comunidades como meio para a emancipação social.
Como mencionamos anteriormente, a forte referencia em Paulo Freire, em sua
concepção de educação popular e libertadora, vinculava também aos CACP´s a direção
implementada para a educação pública municipal, que passou desde a assunção da Frente
Popular do poder, a adotar uma nova proposta teórico-metodológica baseada, em termos
curriculares, nos temas geradores. Nesse sentido, havia uma unidade de pensamento tanto
em termos da direção mais ampla da Frente Popular, como em termos da relação concebida
entre educação e cultura. Os conceitos construídos de arte e cultura durante a administração
da Frente popular, arte como inclusão social e arte como conscientização nos apontam os
caminhos pelos quais as linguagens artísticas se inserem nos centros e o percurso educativo
que os professores desenvolvem nas comunidades através das atividades de dança, teatro e
música.
No âmbito dos CACP´s, os professores/educadores começam estudos a partir dos
escritos de Paulo Freire, em especial os livros “Pedagogia do Oprimido” e “Pedagogia da
C
Libertação”. No documento 6 [Relatório de Atividades de 2003], encontramos a seguinte
menção: “Paulo Freire é legitimado pelo grupo como pesquisador, pedagogo, estudioso de
uma proposta fundamentada na práxis, na dialogicidade, no contato com as diferentes
realidades e sua transformação a partir de um trabalho emancipatório”.
Ainda no documento citado acima, encontramos evidências do trabalho de reflexão
sobre as atividades realizadas:
O que se propõe o projeto Centros Artísticos de Cultura
Popular- A inclusão através da Arte? A sensibilização às
linguagens artísticas? Espaço de reflexão de quem somos ( em
nossa cidade, em nossa região, o que representamos no país, no
mundo) e o que produzimos culturalmente? Disseminar uma
ideologia partidária? O reconhecimento de nossa cultura local e
seus condicionantes históricos?” [Relatório de Atividades de
2003]
A relação entre educação e conscientização tão presente na obra de Freire, conforme
expressa o autor quando afirma que “uma educação deve preparar, ao mesmo tempo, para
um juízo crítico das alternativas propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher seu
próprio caminho”( FREIRE, 2005, p.23), tem a conscientização, processo pelo qual o
cidadão se torna libertário e liberto, como principal vetor, também na arte/cultura, para a
tomada de consciência, como compromisso histórico.
A construção de uma unidade de pensamento dentro do campo cultural em
consonância com outros setores da gestão popular gerou, portanto a necessidade de formar
nos professores ou agentes culturais o caráter de comprometimento, de engajamento,
visando à construção do campo cultural como um campo de reflexões. Este objetivo está
expresso no Documento 3 [Plano de ação da Cultura 2001-2004], quando determina
como pré-requisito à exigência de uma “habilitação mínima para ingresso e programa de
formação continuada aos servidores da cultura”.
A partir desse contexto a arte desenvolvida no interior dos CACP´s concebe
também espaços de discussão e de formação para o grupo de professores. Por esse aspecto,
CI
podemos inferir o caráter de engajamento da arte nas atividades desenvolvidas com os
alunos e os CACP´s se tornam também referências para o coletivo, por suas características
de envolvimento comunitário, movimento de luta e de inclusão.
Fazendo referência a esse caráter político-educativo que as experiências culturais
podem proporcionar e, fazendo referência particular às experiências realizadas em gestões
populares, Chauí, reafirma o caráter emancipatório da cultura e da arte, uma vez que a,
[...] capacidade de decifrar as formas da produção social da
memória e do esquecimento, das experiências, das idéias e dos
valores, da produção das obras de pensamento e da obras de arte,
sobretudo, é a esperança racional de que dessas experiências e
idéias, desses valores e obras surja um sentido libertário, com força
para orientar novas práticas sociais e políticas das quais possa
nascer outra sociedade. (CHAUÍ, 2006, p.8).
4.1.3 Cultura como meio para o desenvolvimento pessoal
Para Paulo Freire (1981, p.36) a principal função da educação é seu caráter
libertador. Para ele, ensinar seria fundamentalmente, um ato educativo para a liberdade, a
“educação para o homem-sujeito” uma educação não como condicionamento social, mas
para a liberdade e para a autonomia. Assim, não se pode entender o desenvolvimento
humano sem a cultura.
Ao conceber a cultura como um campo fértil de mudanças de visão de mundo,
portanto, reconhecendo suas potencialidades de transformação, a política desenvolvida
pelos partidos de esquerda defende princípios norteadores de inclusão e emancipação
crítica, refutando a lógica hegemônica capitalista.
Como vimos, as linguagens artísticas desenvolvidas nos CACP´s não eram
concebidas a partir de padrões estéticos pré- definidos, as comunidades onde são
CII
desenvolvidas as atividades são em sua grande maioria pertencentes às classes mais pobres
da cidade. A arte desenvolvida pelo CACP ganha função e significado de aproximação
com povo. Ela se torna meio popular, de sensibilização às linguagens artísticas, de
desenvolvimento social e entretenimento. Esse caráter se evidencia também nos modos
como são concebidas as contribuições dos alunos no desenvolvimento das atividades:
“desenvolver a capacidade crítica das pessoas e da liberdade de produção artística
cultural”. [doc 4 - Plano Plurianual 2002-2005]
O caráter educativo que norteia as atividades dos CACP´s, aproxima-se das
concepções histórico-críticas que tem na conscientização e na emancipação, a participação
como ação do sujeito e a autonomia na escolha de caminhos. Freire (1996,p.41) se refere a
“assunção” da identidade cultural que significa:
Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante,
comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz
de ter raiva porque capaz de amar [...] A aprendizagem de assunção
do sujeito é incompatível com o treinamento pragmático ou com o
elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do saber
articulado.
Se o sentido educativo da cultura projetado pelos CACP´s não é apenas para
transmitir conteúdos ou inserção social, esta volta-se também para o desenvolvimento de
habilidades e competências e autonomia pessoal. A inserção na realidade com a consciência
para a transformação torna o homem um sujeito que cria cultura que para Paulo Freire,
significa:
Um sentido muito diferente e muitíssimo mais rico do que tem no
uso ordinário. A cultura – por oposição à natureza, que não é
criação do homem é a contribuição que o homem faz ao dado, à
natureza. Cultura é todo o resultado da atividade humana, do
esforço criador e recriador do homem, de seu trabalho de
transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens
(PAULO FREIRE (2005, p.43).
Vale registrar que a arte produzida pelos CACP´s não tinha como foco o
desenvolvimento de um trabalho estético, aos moldes acadêmicos, mas na estética da
CIII
linguagem, no desenvolvimento de atividades que trouxessem outros valores que não
aqueles disseminados pela mídia contemporânea, chamados alienantes. As atividades se
caracterizam como forma de refutar os modelos impostos pelo sistema capitalista, incluindo
a população chapecoense ao campo cultural através de suas produções e manifestações
locais.
É possível verificar este aspecto pelas temáticas trabalhadas com os professores,
visando que estes, conforme detalhado em documento 6 [Relatório 2003 Centros
Artísticos de Cultura Popular] trabalhassem também com os alunos: sexualidade, gênero,
etnia, cultura, ecologia, liberdade, entre outras, como possibilidades de transformá-las em
reflexões com os grupos, criando assim núcleos de atividades artísticas culturais que
desenvolvendo linguagem artística (musica, teatro e dança) refletissem também sobre suas
próprias condições de vida, seus desejos, suas necessidades e avanços.
4.1.4 Cultura como memória local
Os CACP´s apresentavam também como um de seus objetivos, propiciar que o que
o povo tenha acesso aos bens simbólicos, culturais, onde todos sejam sujeitos e capazes de
produzir cultura, memória. [Documento 4 – Plano Plurianual 2002-2005, grifos nossos]
É possível verificar que o conceito de arte como resgate de memória e cultivo se
apresenta como forma de criar mecanismos que estimulem a comunidade à valorização de
seus bens culturais. Dentro desta política, ressaltamos a palavras resgate presente nos
documentos, tais como:
“Valorizar e resgatar a cultura local”. [doc. 1 Propostas para
Cultura Esporte e Lazer –1999]
“Valorização do resgate cultural e a importância da produção
artística”. [doc . 3 - Plano de ação da Cultura 2001-2004]
CIV
“Resgatar, preservar e socializar a memória histórico-cultural do
povo chapecoense”. [doc. 4 – Plano Plurianual 2002-2005]
A palavra resgate empregada de forma concisa nos primeiros anos de
implementação do projeto, revela a necessidade de ‘retomar, recuperar’, trazer algo (que
estaria esquecido, deixado de lado) de volta ao cenário, percebe-se o conceito de arte como
tradição, cultivo da memória.
vimos nesta pesquisa que na tendência romancista no Brasil, a cultura popular
ganha sentido de primitivo, o popular nesta esfera é revestido por uma capa de tradição.
Para Chauí (1987,p.19): “[...] cultura popular é a retomada e preservação de tradições (que,
sem o povo, teriam sido perdidas).” A noção de tradição para os CACP´s se coloca como
reconhecimento do campo cultural local, da realidade. Por isso, reconhecer a cultura local e
os modos como os diferentes grupos sociais se relacionam com o contexto e seus
condicionantes históricos, significa conceber a mudança a partir do cultivo (originariamente
o conceito de cultura). É preciso perceber a realidade e através desta projetar as mudanças.
A esfera pública (1997-2004) tem na administração municipal a Frente Popular
composta por partidos que defendem em suas práticas políticas, a noção do popular como
representação do povo O termo popular na cultura é tratado nos escritos de Gramsci (Apud
CHAUÍ, 1984, p.17) como expressão da consciência e dos sentimentos populares,
[...] a transfiguração expressiva de realidades vividas, conhecidas,
reconhecíveis e identificáveis, cuja interpretação pelo artista e pelo
povo coincide. Esta transfiguração pode ser realidade tanto pelos
intelectuais que se identificam com o povo’ quanto por aqueles
que saem do próprio povo, na qualidade de seus intelectuais
orgânicos.
Canclini (2003,p.272) numa visão contemporânea, diz que “O popular permite
abarcar sinteticamente todas essas situação de subordinação e dar uma identidade
compartilhada aos grupos que convergem em um projeto solidário.” Esse significado do
CV
popular permite que diferentes grupos sociais, ou diferentes temáticas sejam organizadas a
partir da idéia de uma ação comunitária, um movimento popular.
Chauí (1987, p.108) aprofunda ainda mais essa questão e entrando especificamente
no caráter político que o popular é concebido no Brasil dos anos 50-60, diz que : “O
popular se torna não só objeto de construção e de exibição, mas ainda se converte em
palavra de ordem da ação política, na medida em que se trata de tomar o poder do Estado
para criar um “verdadeiro Estado nacional” porque “Estado Popular””.
Nesta experiência, é possível dançar sob a luz da realidade sem os demi-pliés e
grand-pliés, precisos e iguais do ballet clássico e perceber a arte como uma esfera possível
e passível de ser vivida. Cultura Popular, neste sentido pode ser identificada pela concepção
de Chauí (1987,p.40), como “[...] uma manifestação cultural na qual os participantes se
exprimem e se reconhecem mutuamente em sua humanidade e em suas condições sociais,
marcando a distância e a proximidade com outras manifestações culturais [...]”
4.2 Educador cultural ou professor?
No CPC o artista revolucionário popular é concebido como aquele que opta por ser
povo, que para Hollanda (2004,p.30) “[...] sua opção é moral. Sua ação política é um
problema de honra e doutrina [...] trata-se de um dever, de um compromisso com o povo e
com a justiça vindoura a revolução nacional e popular.” Nos CACP´s o agente cultural,
denominado por professor/educador popular, deve-se ter aptidões artísticas e capacitação na
linguagem desenvolvida dentro do campo cultural, um leitor crítico de mundo e sociedade,
que perceba o aluno como um ser pensante, com limites e potencialidades a serem
desenvolvidas, numa pedagogia dialética, que para Freire (1996, p.28) se traduz num
processo gnóstico de: “dodiscência – docência-discência.”
O CACP´s apresentam no ano de 2002 a projeção para formação de um grupo de
professores com perfil indicado para o trabalho popular em arte e cultura, “é um debate a
ser feito mediante a contratação dos professores para o próximo ano”. [Doc. 5 – Relatório
CVI
das atividades desenvolvidas no período de março a dezembro de 2002]. Vejamos qual
é o perfil escolhido para o educador popular:
- Comprometido com as políticas educacionais nas ações desenvolvidas com o
educando;
- Que tenha postura de educador, percebendo o aluno como um ser pensante, com
vontades e sonhos;
- Que seja desafiador e desafiante;
- Que perceba, organize e articule a comunidade onde atua, sendo elo de ligação
entre o aluno – comunidade – departamento de cultura;
- Que se sinta responsável pelo crescimento do projeto centros artísticos. [Doc. 5 –
Relatório das atividades desenvolvidas no período de março a dezembro de 2002]
No trabalho de formação com os professores, tomou-se além de Paulo Freire,
também as contribuições de Henri Giroux. Este último, na tentativa de construir um modelo
teórico, aproxima-se também dos estudos de Paulo Freire e Mikhail Bakhthin esboçando
uma pedagogia emancipatória. O uso da linguagem, considerado por Bakhtin como um ato
eminentemente social e político, aprofunda a compreensão sobre a natureza da criação,
fornecendo subsídios para análise de como as pessoas concebem valores e o a partir de
diferentes níveis do discurso.
Para Henry Giroux, Paulo Freire amplia e aprofunda o projeto de Bakhthin, pois a
experiência de Freire está enraizada em uma visão da linguagem e de cultura na qual o
diálogo e o significado estão fortemente unidos a um projeto social que enfatiza o campo
político, além de trabalhar como central na noção de fortalecimento social e político de uma
luta coletiva por uma vida sem opressão. Tanto Bakhthin como Freire, trabalham a partir de
uma visão de linguagem, de diálogo, de cronotipo e de diferença, rejeitando uma concepção
totalizante da história. Ambos fornecem um modelo pedagógico que se inicia com as
experiências concretas da vida diária. Os autores percebem a necessidade de analisar como
as experiências humanas são produzidas, contextualizadas e legitimadas dentro da dinâmica
CVII
do cotidiano da sala de aula. Assim, Giroux argumenta a favor do desenvolvimento de uma
pedagogia radical como forma de política cultural.
Ainda para o autor, (1988,p.82)
[...] a escola é a incorporação, histórica e estrutural, de formas de
cultura que são ideológicas. Ela dá significado á realidade pelo
modo como é freqüente e ativamente contestada e pelas diferentes
maneiras como é experienciada por indivíduos e grupos.”
O autor, citando Paulo Freire e Mikhail Bakthin, associa a pedagogia radical a uma
forma de política cultural, onde a linguagem, o significado e as práticas sociais envolvidas
num movimento dialético produzem um projeto social que enfatiza a pedagogia
emancipatória.
A formação e qualificação dos professores, para atuar nos CACP´s, passava por
concepções de cultura como espaço de formação humana. Conforme mencionamos no
capitulo anterior, as atividades culturais nos Centros eram desenvolvidas no formato das
aulas, sendo o organizadas em termos de horas/aula, e turmas estruturadas a partir de
faixa etária. Nesse sentido, poderíamos dizer que sua estrutura didática está inspirada no
caráter formal da educação. Tais contradições encontram sentido na medida em que o
projeto, como atividade inédita está sendo construída com o grupo de professores e com a
relação nas comunidades.
4.3 A construção de uma política cultural como uma política pública
Uma política pública cultural deve conceber a formação a partir da idéia de
democracia e pluralismo. Para tanto, ao se implementar uma política pública voltada para o
setor deve-se ter como objetivo prioritário da ação cultural, contribuindo para ampliar e
melhorar as opções, as experiências e o acesso da população, a criações artísticas,
prioritariamente as locais, estendendo-as ao conhecimento universal.
CVIII
Em relação ao contexto chapecoense, é importante ressaltar que o CACP tem
origem durante a primeira administração da Frente Popular em 1999 como uma política
cultural para a cidade porém, o projeto se torna central na área da cultura a partir da
segunda administração, no ano de 2002 com a seguinte proposta: construir uma política
cultural com uma concepção libertadora onde o diálogo entre as diferentes culturas seja
entre sujeitos”. [doc. 3 – Plano de Ação para a Cultura 2001-2004]
O documento 4 [Plano Plurianual 2002-2005] detalha os modos pelos quais a área
da cultura planejava a política pública:
“Aprofundar a gestão democrática da política cultural incluindo o
orçamento participativo, o conselho municipal de cultural e os
conselhos da Escola de Artes e dos Centros Artísticos de Cultura
Popular e a participação popular em todo o processo cultural”.
mencionamos que, na esfera cultural do município, desde sua origem reproduzia-
se o pensamento da elite como produção cultural local, excluindo do cenário chapecoense
as diferentes manifestações culturais. A cultura neste sentido configura-se a partir dos
moldes impressos pela sociedade de consumo, de características homogêneas, não sendo
legitimadas e valorizadas como cultura as diferentes formas de expressão produzidas. Não
encontrando espaço para sua expressão, essas manifestações ficam reduzidas a uma
condição de ‘produção subalterna’, àquela produzida pelas elites.
A proposta da administração popular pretende ser inclusiva e emancipadora, no
sentido de construir junto às comunidades espaços de discussão através das plenárias do
orçamento participativo e das atividades dos CACP´s. Vale dizer ainda que, embora se
priorize os centros como projeto central de sua gestão, são mantidos na cidade os espaços
institucionalizadas pela elite, como a Escola de Artes, além de criar a Galeria de artes
Dalme Marie Grando Rauen, na praça central da cidade e manter sob o monumento ‘O
Desbravador’ as obras do artista Paulo de Siqueira, transformado esse espaço em Memorial
que leva o nome do artista e expõe suas principais obras.
CIX
Quando tratamos de cultura, o papel do Estado é fundamental, pois reflete a maneira
como o poder articula-se em torno do interesse comum, tencionado ora por uma esfera, ora
por outra. No caso da Frente Popular a política cultural estava pautada pela política de
esquerda impressa na administração pública municipal, que é de garantir a todos os
chapecoenses o acesso à política cultura”.[doc. 4 – Plano Plurianual 2002-2005]
Ainda que refletindo as contradições em que se constituí os CACP´s é possível
defini-lo como uma dinâmica renovadora, pois cria junto às comunidades possibilidades de
gerar novas formas culturais, o campo cultural chapecoense se configura com novos
espaços de reflexão, a parcela da população excluída pelas práticas culturais anteriores, tem
acesso aos bens culturais, optando por ser parte ou fazer parte da cultura chapecoense.
CX
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma pesquisa que refletisse o contexto local e que pudesse servir como
compreensão sobre a área cultural, foi a primeira vontade na escolha da temática deste
trabalho. Neste percurso, da escolha e hoje escrevendo os parágrafos finais, percebi que o
tema é muito mais abrangente e plural do que havia sido considerado. Discutir cultura é
sempre um exercício que nos leva a refletir sobre os homens, as mulheres, seus contextos
históricos, mundos imaginários, as relações de poder e as formas em que manifestam, a
subordinação ou aprovação às formas hegemônicas.
Destaco aqui o conceito de cultura que mais se aproxima de minhas experiências e
expectativas em desmitificá-la, Clifford Geertz (1989, p.4) interpreta cultura “[...] não
como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à
procura de significado.”
Neste sentido, na busca de significados para a cultura é possível descrever o que se
apreendeu nesse caminho a partir do objetivo proposto, ou seja, refletir sobre o caráter
educativo compreendendo neste percurso as interrelações entre educação e cultura no
governo da Frente Popular no período de duas gestões político administrativas no
município de Chapecó, Santa Catarina (1997-2004).
CXI
As reflexões apresentadas sobre os modos como o termo Cultura foi definido por
diferentes autores em diferentes contextos históricos, nos leva a compreender a cultura
brasileira como um campo plural ao mesmo tempo em que singular. Essa dicotomia pode
ser percebida na pluralidade das diferentes etnias que compõe o povo brasileiro; pelos
diferentes modos de conceber a vida e a morte; de estabelecer relações como grupos sociais
distintos, de como alguns se condicionam à categoria de subalternos, enquanto outros se
colocam na categoria de elite; nas relações com o Estado e na singularidade dos pequenos
detalhes que compõe esse todo num cenário multifacetado.
Cultura como um espaço de renovação no cenário brasileiro é a proposta dos
Centros Populares de Cultura, cuja arte teve como principal característica o engajamento
político, como força impulsora de uma “vanguarda aguerrida” que proclama a defesa da
cultura brasileira permeada até então por tendências estrangeiras (que são representadas
nas artes como estilos e movimentos) e teorias classificatórias ( definidas por grupos que
não levam em conta a formação e a diversidade do povo brasileiro de forma histórica e
reflexiva). Os CPC´s reúnem artistas, estudantes intelectuais e políticos – a vanguarda
brasileira - no intuito de promover um amplo movimento de conscientização política social
através da arte/cultura nacional-popular.
Como uma experiência nova o CPC se constrói também a partir de dissidências e
contradições, vale chamar a atenção aqui, as disputas entre artistas do TBC e Arena, as
pesquisas feitas pelos integrantes do ISEB, a movimentação dos estudantes da UNE, a
agitação dos políticos do PCB, as diferentes concepções encontram uma forma de juntos
construir na nação brasileira, o seu campo cultural, genuinamente nacional, o popular.
De uma experiência nascem outras, foi assim com os CACP´s, criados tendo como
projeto inspirador os CPC´s constitui-se no município de Chapecó nos anos 2000 numa
dinâmica de participação popular. Teve como sentido orientador, a arte como emancipação
do indivíduo, tornando-o sujeito, cidadão que participa construindo o cenário local. Como
uma política pública cultural, as atividades dos CACP´s são desenvolvidas tendo como
sustentação teórica a concepção ideológica da Frente Popular, que prevê a participação do
CXII
povo na decisão de demandas prioritárias para o desenvolvimento da cidade, através do
orçamento participativo que teve como slogan: quem participa, decide!
A pesquisa nos trouxe o desafio de falar abertamente sobre a constituição histórica
do município de Chapecó, a ocupação territorial e a formação das primeiras comunidades,
os (dês) enfrentamentos dos grupos sociais, o papel dos coronéis mandatários, a herança
política conservadora e tradicional, que mantêm o campo cultural por décadas sob esse
prisma: a arte como um espaço privilegiado da sociedade, destinada ao desfrute de alguns, e
a arte sob o governo municipal constituída como espaço de formação técnica-profissional.
Os CACP´s rompem com a tradição do setor cultural inserindo-se nas comunidades
como uma proposta popular de descentralização em arte e cultura, de acesso público, torna-
se dentro da esfera municipal principal política na área cultural. As comunidades percebem
e apóiam o desenvolvimento das atividades, na participação das plenárias do orçamento
participativo, os CACP´s são alvo de reivindicações, como proposta aceita pelo povo.
A arte desenvolvida pelos centros ganha caráter de expressão e função de
conscientização, revitalizando espaços alternativos nas comunidades, servindo de elo de
ligação entre o povo e o poder público municipal, configura-se assim como popular. O
caráter educativo impresso nas linguagens artísticas se expressa em sua concepção teórica
dialética e ainda em que pesem as contradições apresentadas nesta pesquisa, contradições
percebidas na organicidade do projeto e em seus direcionamentos, nas relações
estabelecidas com o governo municipal, os CACP´s representam na história cultural do
município como uma dinâmica de transformação e renovação no campo cultural do
município.
Como política pública municipal cumpre seu papel de promover espaços de
discussão, de reconhecimento das formas culturais locais, de interpretação de costumes,
trazendo ao cenário cultural as comunidades mais afastadas do centro da cidade e
incluindo-as em seu programa de governo.
CXIII
Vale ressaltar aqui o compromisso com a área da cultura assumido pelo Partido dos
Trabalhadores em seu programa de governo: “A valorização da cultura nacional é um
elemento fundamental no resgate da identidade do país [...]Trata-se na linha de nossa
melhor tradição cultural resgatar os traços peculiares de nossa identidade em formas de
expressão de cunho universal, isto é, em diálogo aberto com todo o mundo. É essencial,
nessas condições realizar um amplo processo de inclusão cultural, garantindo de forma
progressiva, o acessos de toda a cidadania à produção e fruição cultural, bem como a livre
circulação de idéias e formas de expressão artística.”(
ÍTEM 35 DAS CONCEPÇÕES E
DIRETRIZES DO PROGRAMA DE GOVERNO DO PT PARA O BRASIL)
É possível definir que a arte e a cultura se colocam dentro da política de esquerda
como negação à arte e cultura enquanto animação ou as belas artes como captura da
formalidade, representando um espaço popular de discussão e problematização política-
social, o campo cultural se configura como um espaço de possibilidade de consciência e
emancipação do povo, que para Antonio Gramsci se comporta como meio para mudança de
visão de mundo.
Nascido de uma vontade política de trazer ao cenário local outras formas que não
fossem àquelas desenvolvidas na área cultural, uma dinâmica que imprimisse na
comunidade valores culturais democráticos e inclusivos, os CACP´s representam para o
governo da Frente Popular em especial, para o campo cultural da cidade de Chapecó um
desafio.
Desafios que começam com a compreensão das concepções que o orientaram, pois
repetir uma experiência é sempre um processo complexo. Na medida em que tem a
inspiração de movimento de renovação nos CPC´s com a vanguarda (constituída por
artistas, intelectuais e políticos) tendo em seu Manifesto do Anteprojeto dos CPC´s, a
‘construção de um regulamento’, as discussões e a caracterização de sua arte como popular
revolucionária, os CACP´s começam a discutir seus pressupostos, objetivos e estrutura
organizacional dois anos após o inicio das atividades, tendo como suporte teórico a
CXIV
proposta da Educação Popular de Paulo Freire, através de educadores da Secretaria
Municipal de Educação.
Ainda que não tenha concebido um caráter revolucionário ( a exemplo dos CPC´s)
no campo cultural, é possível verificar ainda que nos anos de 2002 e 2003 os CACP´S
participam ativamente das políticas públicas municipais, com apresentações nas plenárias
do orçamento participativo e em mostras realizadas nas comunidades. Percebe-se neste
período uma aproximação estreita com o governo municipal, com as concepções definidas
pela orientação política, de renovação cultural.
Vale ressaltar que o projeto ganha visibilidade no governo e as discussões, estudos e
debates realizados no interior do mesmo denunciam a preocupação da administração
cultural em fundamentar e organizar as atividades desenvolvidas pelos CACP´s. Porém, os
investimentos públicos disponibilizados para este projeto, caracterizam-se basicamente
pela contratação dos professores, pois os locais das aulas eram disponibilizados pelas
comunidades. Ainda que tenham sido projetadas ações no sentido de construção de espaços
destinados às atividades, não registros que certifiquem as construções bem como
investimentos públicos para este projeto, na capacitação dos professores, ou investimentos
com equipamentos.
As contradições que norteiam esse projeto podem ser entendidas como um processo
de dialogicidade, desde sua criação caracteriza-se como espaço de discussão pois tratava-se
de um movimento inédito na área cultural do município, como algo novo a ser criado,
fundamentado e implementado, necessitava de certo tempo para imprimir na área cultural
as concepções que o norteavam, de conscientização ao povo, processo esse interrompido
com a perda da Frente Popular nas eleições municipais em 2004.
CXV
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CXVI
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CXVIII
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_____. Plano plurianual 2002-2005. Chapecó – SC: SEC, s.d.
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WERLANG, Alceu A .A colonização do Oeste Catarinense. Chapecó: Argos, 2002.
CXIX
ANEXOS
CXX
ANEXO I
ANEXO IANEXO I
ANEXO I
Quadro 1 – CACP quadro demonstrativo professores contratados - ano 2002
Quantidade
Qualificação profissional Atuação Carga horária Tipo de contrato
01 Acadêmico de Filosofia música 40hs/aula ACT
01 Acadêmico de Letras teatro 40hs/aula ACT
01 2º grau completo Dança (estilo livre)
40hs/aula Cargo
comissionado
02 Acadêmica de
Licenciatura em Educação
Artística
Dança (estilo livre)
40hs/aula ACT
06 2º grau incompleto Dança (estilo livre)
e Teatro
20hs/aula estagiária
01 Graduada em educação
Física
Dança (estilo livre)
40hs/aula efetiva
01 Acadêmico de Turismo Danças folclóricas 40hs/aula ACT
01 Graduada em educação
Física
Dança (estilo livre)
40hs/aula ACT
01 2º grau completo Música 40hs/aula ACT
01 2º grau completo Teatro 40hs/aula ACT
01 Acadêmico de Turismo Dança (estilo livre)
40hs/aula ACT
Legenda:
ACT Contratação em caráter temporário ( a escolha do profissional se por análise de projeto apresentado
na área de atuação)
CARGO COMISSIONADO contratação em regime especial por tempo indeterminado (relação de confiança
com a administração)
ESTAGIÁRIO – programa de alunos de ensino médio, durante o ano letivo + um ano
EFETIVO – profissional que passou por concurso público municipal.
Fonte: Diário de Registro de atividades - coordenação
CXXI
ANEXO II
ANEXO IIANEXO II
ANEXO II
Quadro 2 – CACP quadro demonstrativo professores contratados -ano 2003
Quantidade
Qualificação profissional
Atuação Carga horária Tipo de contrato
01 Acadêmico de História violão 40hs/semanais ACT
01 2ºgrau completo Teclado e violão 30hs/semanais Cargo
comissionado
01 Graduado em Filosofia Acordeon e violão 40hs/semanais ACT
02 2º grau incompleto violão 40hs/semanais estagiários
01 Graduado em educação
Física-Mestre em
Educação
dança 40hs/semanais ACT
01 Acadêmico de Turismo-
experiência com cursos de
danças folclóricas no
Brasil e Europa
Danças folclóricas-
italiana e alemã
40hs/semanais ACT
01 Graduada em
Licenciatura Plena em
Educação Artística
dança 30hs/semanais ACT
01 Graduada em educação
física - especialista
dança 30hs/semanais ACT
01 Graduada em educação
Física
dança 40hs/semanais efetiva
01 Acadêmico de educação
Física
dança 20hs/semanais ACT
01 Acadêmica de
Publicidade e
Propaganda bailarina
do corpo de ballet da
Escola Municipal de Artes
dança 20hs/semanais ACT
06 2º grau incompleto dança 20hs/semanais estagiários
01 Graduado em licenciatura
Plena Letras
teatro 40hs/semanais ACT
01 2º grau completo teatro 40hs/semanais ACT
01 Graduada em
Licenciatura Plena
educação Artística
Especialista Artes Cênicas
Mestranda em
Educação
coordenação 40hs/semanais 20hs efetiva
20hs ACT
Legenda:
ACT Contratação em caráter temporário ( a escolha do profissional se por análise de projeto apresentado
na área de atuação)
CARGO COMISSIONADO contratação em regime especial por tempo indeterminado (relação de confiança
com a administração)
ESTAGIÁRIO – programa de alunos de ensino médio, durante o ano letivo + um ano
EFETIVO – profissional que passou por concurso público municipal.
Fonte: Diário de Registro de atividades – coordenação
CXXII
ANEXO III
ANEXO IIIANEXO III
ANEXO III
Quadro 3 – Propostas para Cultura e Esporte e Lazer
Documento nº 1 - Propostas para Cultura Esporte e Lazer
Ano: 1999
Autoria: Secretaria de esporte Cultura e Lazer/Diretoria geral da Cultura
Objetivo: Projetar as atividades e ações na área da Cultura no município de Chapecó com
levantamento orçamentário ( projeto: ARTE POPULAR)
Categorias
Unidade de registro
Difundir, valorizar e
resgatar a cultura local
Oferecer oficinas, aulas
de musicalização, dança
teatro, artes plásticas
Difundir, incentivar e ampliar o fazer artístico-cultural, valorizar e
resgatar a cultura local. Implantar, construir em locais existentes nas
localidades centros populares de artes, em 10 locais de Chapecó,
destinados a oferecer oficinas, aulas de musicalização, dança, teatro,
artes plásticas e outras.
Fonte: Arquivo Público Municipal – Chapecó-SC.
ANEXO IV
ANEXO IVANEXO IV
ANEXO IV
Quadro 4 - Plano de Governo
Documento 2 Plano de Governo dos candidatos á administração pública municipal (2º
mandato)
Ano: 2000
Autoria: Frente Popular/PT/PcdoB/PSB/PAN
Objetivo: Realizar campanha política-eleitoral ao segundo mandato municipal elencando
prioridades nas áreas da saúde, cultura, esporte e lazer
Categorias Unidade de registro
Atendem gratuitamente Ampliar os Centros Artísticos de Cultura Popular nas diversas regiões
do município, que hoje atendem gratuitamente três mil alunos
Fonte: Secretaria Municipal de Educação – Chapecó-SC.
ANEXO V
ANEXO VANEXO V
ANEXO V
Quadro 5 – Plano de ação para a cultura
CXXIII
Documento nº 3 – Plano de Ação para a área da Cultura
Ano: 2001
Autoria: Departamento de Cultura (grupo: Lizeu, Avito, Tatiana, Carla, Paulo, Magda, Francisco,
Luciane, Simone e Joice)
Objetivo: Planejamento para a área da cultura no município para os anos 2001 a 2004
Categorias Unidade de registro
Acesso ao povo
consciência e
desenvolvimento
popular-liberdade e
igualdade
Política cultural com
concepção libertadora
Cultura como sonho de
mudança
Acesso da população ao
conhecimento artístico
Ampliar dos CACPs
Proposta pedagógica
Construção de Espaços
físicos polivalentes
Criação de espaços
alternativos
Resgate,produção e
difusão cultural
Espaços de expressão
popular
Financiamento da cultura
Que o povo tenha acesso aos bens simbólicos, culturais, onde todos
sejam sujeitos e capazes de produzir cultura, memória.
A arte na busca da consciência e do desenvolvimento popular na
busca da liberdade e igualdade
Construir uma política cultural com uma concepção libertadora onde
o diálogo entre as diferentes culturas seja entre sujeitos
O constante crescimento dos envolvimentos nos fazeres culturais na
construção de um mundo novo
Ampliar o acesso da população ao conhecimento, formação e
produção artística/cultural
Ampliação dos centros Artísticos de Cultura Popular (conforme
demanda reivindicada pelo Orçamento)
Formação e capacitação aos profissionais/definição de conceitos
Construção de espaços sicos polivalentes para os Centros Artísticos
de Cultura Popular (preferência junto as escolas nos bairros)
Criação de espaços alternativos de expressão da arte
Construir uma cidade que se caracterize pelo resgate, produção e
difusão cultural
Construir um movimento cultural aliando espaços alternativos de
expressão popular (muros, rótulas, canteiros da avenida, portas de
fábricas, transportes coletivos)
O financiamento público para a cultura (Lei de incentivo a cultura)
Fonte: Secretaria da Educação – Chapecó-SC.
ANEXO VI
ANEXO VIANEXO VI
ANEXO VI
Quadro 6 – Plano Plurianual
Documento nº 4 – Plano Plurianual
CXXIV
Ano: 2002
Autoria: Secretaria de Educação e Cultura
Objetivos: Realizar diagnóstico traçando diretrizes, objetivos, ações das unidades e dos programas
desenvolvidos para os anos de 2002 a 2005
Categorias Unidade de registro
Participação popular na
cultura
Acesso ao conhecimento
cultural
Liberdade de produção
artística-cultural
Resgatar,socializar e
preservar
Ampliar as estruturas
físicas da cultura
Acesso ao povo da
política cultural
Construção de espaços
de cultura popular
Financiamento da cultura
Aprofundar a gestão democrática da política cultural incluindo o
Orçamento Participativo, o Conselho Municipal de Cultura e os
Conselhos da Escola de Artes e dos Centros Artísticos de Cultura
Popular e a participação popular em todo o processo cultural
Possibilita o acesso às pessoas ao conhecimento das diferentes culturas
e ao conhecimento universal
Desenvolver a capacidade criativa das pessoas e da liberdade de
produção artística cultural
Resgatar, preservar e socializar a memória histórico-cultural do povo
chapecoense
Ampliar e melhorar as estruturas físicas dos espaços culturais
Garantir a todos os chapecoenses o acesso à política cultural
Construir Centros Artísticos de Cultura popular
Apoiar financeiramente empreendimentos culturais
Fonte: Secretaria da Educação – Chapecó-SC
ANEXO VII
ANEXO VIIANEXO VII
ANEXO VII
Quadro 7 – Relatório de atividades
Documento 5 Relatório das atividades desenvolvidas nos período de março a dezembro de
2002 – Centros Artísticos de Cultura Popular
CXXV
Ano: 2002
Autoria: Coordenação dos Centros Artísticos de Cultura Popular
Objetivos: Apresentar as ações/atividades realizadas durante o ano de 2002, apresentando as
projeções para o ano de 2003
Categorias Unidade de registro
Ações artístico-educativas
Valorizar e difundir os
CACPs
Trabalho popular em arte
Comprometimento com as
políticas educacionais
Educador que perceba o
aluno como ser pensante
Educador que perceba
organize e articule a
comunidade
Comprometimento com o
crescimento dos CACPs
Planejar em conjunto com a equipe de professores as ações
educativas a partir das necessidades e vivências de cada grupo,
dentro das linguagens música, teatro e dança
Organizar apresentações, mostras de musica, teatro e dança
objetivando a troca de experiências entre os diferentes grupos e
comunidades envolvidas, atendendo solicitação de escolas,
secretarias, industrias e comercio de Chapecó, valorizando e
difundindo o projeto CACP
Formar um grupo de professores com perfil indicado para um
trabalho popular em arte e cultura, com qualificações a seguir:
-que seja comprometido com políticas educacionais nas ações
desenvolvidas para com o educando;
-que tenha postura de educador, percebendo o aluno como um ser
pensante, com vontades e sonhos;
-que seja desafiador e desafiante;
-que perceba, organize e articule a comunidade onde atua, sendo o
elo de ligação entre o aluno-comunidade-departamento da cultura
-que se sinta responsável pelo crescimento do projeto centros
artísticos
Fonte: Departamento da Cultura – Chapecó-SC.
ANEXO VIII
ANEXO VIIIANEXO VIII
ANEXO VIII
Quadro 8 – Relatório de atividades dos CACP´s – ano 2003
Documento nº 6 – Relatório dos Centros Artísticos de Cultura Popular
Ano: 2003
Autoria: Coordenação e professores dos centros Artísticos de Cultura Popular
CXXVI
Objetivo: Relatar os caminhos percorridos pelo projeto CACPs durante os últimos dois anos, as
reflexões, propostas de entendimento e de ações através dos espaços de capacitação continuada e
dos relatos das experiências vividas pelos professores junto as comunidades e alunos, além de
apresentar as participações em eventos municipais e regionais
Categorias Unidade de registro
Defasagens pedagógicas
nos planejamentos
Estudos a partir da
historicidade da
educação e cultura
popular no Brasil
Práxis da dialogicidade,
transformação e
emancipação
MCPs e CPCs,
envolvimento
comunitário e
movimento de luta e
inclusão
Proposta pedagógica
Conscientização da
comunidade com
perspectiva
transformadora
Professor mediador,
concepção cultural,
produção, o que esse
trabalho é?
Busca
capacitação/formação
Prioridade na cultura
através de investimentos
(verba)
Nos mês de maio os professores foram “desafiados” a apresentarem
seus planejamentos individuais, os quais mostraram defasagens
pedagógicas que apontaram caminhos para o processo continuado de
formação.
Assim,iniciamos um processo de leitura e estudo para conhecer mais
profundamente trabalhos desenvolvidos na área da educação e cultura
no Brasil, que estivesse de alguma forma proporcionando a ampliação
e fundamentação teórica do trabalho desenvolvido pelos Centros
Artísticos de Cultura Popular
Paulo Freire é legitimado pelo grupo como pesquisador, pedagogo,
estudioso de uma proposta fundamentada na práxis, na dialogicidade,
no contato coma as diferentes realidades e sua transformação a partir
de um trabalho emancipatório.
Os MCPs Movimentos de Cultura Popular e os CPCs Círculos
Populares de Cultura difundidos na década de 60 como programas
problematizadores, cuja proposta pedagógica também amplia
conceitos difundidos por Paulo Freire, se torna referência para o
coletivo, pelas características de envolvimento comunitário,
movimento de luta e de inclusão.
Acredito que seja um trabalho em processo de formatação, tanto de
entendimento da proposta do CACPs tanto num processo de
aproximação junto à comunidade. Acredito que é preciso avançar
muito no sentido da conscientização da comunidade quanto ao
objetivo do projeto, mas busco uma perspectiva transformadora
através de minha metodologia, dando voz e espaço aos alunos,
tentando trazer outras referencias.
Na intenção de ser um professor mediador e sempre buscando
alternativas para o envolvimento dos alunos embasados em Paulo
Freire e outros teóricos, percebo que grandes resultados foram
alcançados. Porém, muito a ser feito, principalmente no trabalho
relativo as questões de concepção cultural, produção, o que fazer com
ela e quais são os resultados práticos das aulas ( o que este trabalho é).
Certa vez após um aluno me perguntar quando seria nossa próxima
apresentação e eu responder que não sabia, pois enfrentávamos a falta
de transporte, ele falou quando for prefeito vou dar prioridade á
cultura e mandar mais verba pra Fundação Cultural” todos na sala
ficaram calados.Não se ouviu uma única palavra por um longo tempo,
mas muitos sabiam o que os colegas estavam pensando.Alguns
acreditaram, outros riam e outros o achavam um sonhador.
CXXVII
Apresentações artísticas
como lazer, processo
sensibilização e educação
Transformação pela
expressão, criticidade e
discernimento
Projeto que nasceu de
um governo popular,
necessidade de
proporcionar e favorecer
as pessoas acesso à arte.
Poucos recursos
financeiros e lugares
adaptados
Luta, aprendizagem
através da arte,
transformação
Movimento
Transformador e
libertador que promove
ações de sensibilização e
valorização cultura
Pesquisa no teatro
Inclusão através da arte
da cultura popular, ação
Exemplos simples mas que confirmam este benefício: ter a
possibilidade da disponibilidade da escola, seja para emprestar a sala
e deo, seja para dispensar os alunos nas apresentações. E esta
também tem seu retorno: através das apresentações artísticas dos
CACPs na escola, não são apenas os alunos que participam dos
CACPs que se beneficiam, quem assiste a uma apresentação, além de
encher os olhos de divertimento, engrandecer sua vivência, percebe
novas possibilidades de cultura, de arte, de vida, além do fato de
quem participa de atividades artísticas extracurriculares, melhora seu
desenvolvimento escolar.
Uma transformação necessária de ser vivenciada por qualquer ser
humano que deseja manifestar-se, expressar-se culturalmente e reagir
com criticidade e discernimento.
O que vou relatar fala de diferentes pessoas, palavras, gestos e sonhos.
Falo do projeto centros Artísticos de Cultura popular que nasceu de
um governo popular em 1999, onde sentia-se a necessidade de
proporcionar e favorecer as pessoas o acesso à arte.
Continuamos o trabalho com pouquíssimos recursos financeiros, com
muitos alunos, em lugares adaptados, sem nenhuma divulgação dos
trabalhos.
Este foi um ano de muita luta, de aprendizagem e de acontecimentos
importantes na minha vida profissional dentro dos centros Artísticos
de Cultura popular. Quando se trabalha com comunidades diferentes,
com alunos que enfrentam dificuldades familiares, escolares,
problemas de relacionamento, financeiros, etc... desenvolver um bom
trabalho com todas essas particularidades torna-se um tanto quanto
complicado, mas a arte por si só é transformadora.
Exercer a função de professora num projeto que tem na cultura um
meio de promover ações que objetivem sensibilizar alunos e
comunidade quanto à importância e necessidade da cultura na vida
das pessoas é sem dúvida, ser privilegiada por poder participar de um
movimento transformador e libertador.
Os trabalhos desenvolvidos com o teatro no ano de 2003 foram
baseados em um eixo fundamental, a pesquisa.
Ter contato com as comunidades, pais e alunos participantes das
ações, entender o processo político gerado por e para o
desenvolvimento de uma ação cultural pública, viabilizar a construção
de um projeto pedagógico agregador de valores, da construção de um
proposta de organização cujo objetivo geral é o da sensibilização e
inclusão através da arte da cultura popular .
As mostras deram visibilidade aos valores construídos nas
comunidades, aos trabalhos bem articulados, bem organizados, com
características de emancipação e transformação. Se por um lado vimos
CXXVIII
pública, projeto
pedagógico
Emancipação e
transformação em
mostras artísticas
Defasagens e limites de
compreensão de
conceitos
Programa verdadeiro,
Popular
Ações de Transformação
e emancipação
Proposta transformadora
nas ações desenvolvidas
Formação pedagógica
aspectos positivos, as mostras também foram vitrines que nos
revelaram problemas estruturais, defasagens e limites na compreensão
de conceitos, ou ainda lamentavelmente, reforçando práticas
individuais refutadas no coletivo.
Nunca houve neste município, em tempo algum antes da efetiva
implementação deste programa, algo tão consistente, verdadeiro,
popular no sentido Gramsciniano da palavra.
Qual é o significado de falas do tipo:”falta de estrutura sica” falta
de divulgação” – “ falta de recursos financeiros” diante a verdade
proposta por ações que devem ter em seu bojo temas como
transformação e emancipação?
Algumas falas significativas, coletadas em entrevistas com as
comunidades que vivenciam essas atividades, respaldam as ações
garantindo a continuidade do programa, e este, dentro de suas
especificidades, como movimento social, como ação pública, como
proposta transformadora, como política cultural tem carência de
agentes, educadores, coordenadores que pensem o programa, que
trabalhem no sentido de dar continuidade ao processo de formação
pedagógica, á visibilidade, à divulgação, ao fomento e credibilidade
desta proposta de cultura popular que não pode, de forma alguma,
servir de tema ou lema para campanhas político-partidárias.
Este é um programa construído pelo povo chapecoense e dever ser
assim, para o povo.
Fonte: Fundação Cultural de Chapecó
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