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Universidade de São Paulo
Escola de Comunicações e Artes
A COMUNICAÇÃO NO VÍNCULO CONJUGAL
ANA CELIA MARTINEZ GUARNIERI
Tese de doutoramento apresentada à Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor em Ciências da Comunicação, na
área de Teoria e Pesquisa em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho
São Paulo
2007
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2
Universidade de São Paulo
Escola de Comunicações e Artes
A COMUNICAÇÃO NO VÍNCULO CONJUGAL
ANA CELIA MARTINEZ GUARNIERI
Tese de doutoramento apresentada à Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor em Ciências da Comunicação, na
área de Teoria e Pesquisa em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho
São Paulo
2007
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3
Esta tese foi defendida em ___/___/___ perante a
seguinte banca examinadora:
Professor
Orientador
Prof. Dr. Ciro Marcondes
Filho
4
A Tânia Martinez, médica, pesquisadora,
fisofa e melhor mãe do mundo.
A Eulogio Martinez, meu primeiro amor.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador e amigo, Ciro Marcondes Filho, com quem tive o privigio de dialogar
durante todo o percurso, por sua sabedoria, discernimento e intelincia.
Aos componentes do Grupo de Estudos Filosóficos da Comunicação – Filocom.
A minha amiga Tarcyanie Cajueiro dos Santos, pela amizade incondicional de tantos anos,
pela colaboração e constante estímulo à minha formação acadêmica.
A Rosamaria Rocha, por seus valiosos conselhos durante a minha qualificação.
A Aldo Fornazieri, meu melhor chefe, por tudo o que me ensinou, por sua amizade e
sabedoria.
A Heitor Pinto e Silva Filho, pela forma generosa com que me acolheu, por sua inteligência
inspiradora.
6
Ao meu amor, marido e amigo Fernando Henrique Guarnieri, por cuidar de mim e dos
meus filhos com uma quantidade descomunal de carinho, paciência, compreensão e
dedicação.
A os meus pais, Eulogio e Tânia, e às minhas avós, Olga e Loriz, por seu amor
incondicional e constante apoio e estímulo em tudo o que faço.
Aos meus filhos, Mario Eduardo e João Antonio, por darem um novo e lindo significado a
tudo.
A minha irmã Maria Anita e ao meu irmão Eulógio, meus grandes amigos.
Aos meus sobrinhos, Ana Carolina, Gabriel Eugio, Luisa e Léo, pequenos amores que me
enchem de alegria.
Ao meu sogro, Gianfrancesco Guarnieri, que continua presente na minha vida e na vida da
minha família, por seu amor, por sua existência e por sua obra.
7
Título:
A COMUNICAÇÃO NO VÍNCULO CONJUGAL
8
RESUMO
A presente pesquisa tem por objetivo discutir a teoria da comunicação a partir dos
seus desdobramentos nas relações familiares e, mais especificamente, no vínculo conjugal.
Para tanto, utilizamo-nos da análise de fenômenos característicos de ambientes familiares e
descritos como patogênicos, em que se pode constatar a ausência de comunicação, como
definida por Marcondes Filho dentro do enfoque teórico trabalhado no projeto Nova Teoria
da Comunicação.
Constatamos, fundamentados em diversas pesquisas empíricas, que a forma com
que a comunicação ocorre no ambiente familiar é responsável por patologias como a
comunicação esquizofrênica, conforme interpretação de Gregory Bateson, e relações
neuróticas em casais. No entanto, verificamos que a linguagem, independente de sua forma,
seja ela verbal ou não-verbal, não é o que determina a satisfação ou insatisfação conjugal.
PALAVRAS-CHAVE
Comunicação patológica, linguagem, casamento, esquizofrenia, família.
9
ABSTRACT
The present research examines the communication theory from its unfoldings in
familiar relations and, more specifically, in the marital bond. In order to do so, we analyze
characteristic phenomena from the familiar environment, described as pathogenic, where
we can demonstrate the absence of communication, as defined by Marcondes Filho in the
theoretical approach developed by the projectNova Teoria da Comunicação” (New
Communication Theory).
Our work evidences, based on diverse empirical researches, that the form in which
communication occurs in the familiar environment is responsible for pathologies such as
schizophrenic communication, as defined by Gregory Bateson, and neurotic relations
among couples. However, we verify that language, independent of its form, verbal or non-
verbal, is not what determines marital satisfaction or dissatisfaction.
KEYWORDS
Pathological communication, language, marriage, schizophrenia, family.
10
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
Tema, Objetivos e Panorama dos Capítulos 14
CAPÍTULO 1 - Nova Teoria da Comunicação 23
Comunicação e Solidão 23
Comunicação para Marcondes Filho 25
Comunicação e Informação 27
Comunicação para Von Foerster 28
A Autopoiese de Maturana e Varela 30
Comunicação para Maturana 32
Comunicação para Luhmann 34
Comunicação para Bateson 35
Comunicação para Watzlawick 37
A Caminho de uma Nova Teoria da Comunicação 39
11
CAPÍTULO 2 – A Família e o Vínculo Conjugal 43
A Família 43
A família como indutora de comportamentos 46
Os Casamentos 50
A percepção do outro 51
Heinz von Foerster equívocos da percepção e da linguagem 52
A perspectiva interacional 54
O Amor Romântico 55
CAPÍTULO 3 – A Comunicação no Vínculo Conjugal 61
O Duplo Vínculo (Double Bind) e a Comunicação Esquizofrênica 61
O Processo de Mistificação em Laing 72
A Pragmática da Comunicação Humana 78
O Vínculo Conjugal 83
A Manutenção da Relação Patológica 85
O Poder na Relação Conjugal 86
CAPÍTULO 4 – O Além da Linguagem 92
CONCLUSÃO 95
12
BIBLIOGRAFIA 101
ANEXO 1 - Síntese de Indicadores Sociais 2006. 113
ANEXO 2 – Perceptions of power and interactional
dominance in interpersonal relationships 119
ANEXO 3 - Mystification, Confusion and Conflict 126
13
A COMUNICAÇÃO NO VÍNCULO CONJUGAL
14
INTRODUÇÃO
...Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria
deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela
não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a
grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque
tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros,
quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que já eram...
Clarice Lispector
Tema, Objetivos e Panorama dos Capítulos
A presente pesquisa vincula-se ao projeto NOVA TEORIA DA COMUNICAÇÃO,
coordenado pelo Professor Ciro Juvenal Marcondes Filho da Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo e que tem como objetivos: a proposição de um novo
modelo teórico para trabalhar os processos comunicacionais e de um novo método de
investigação dos estudos da comunicação.
Procuramos discutir a teoria da comunicação a partir dos seus desdobramentos nas
relões familiares e, mais especificamente, no vínculo conjugal. Para tanto, utilizamo-nos
da análise de fenômenos característicos de ambientes familiares e descritos como
patogênicos, em que se pode constatar a ausência de comunicação, como definida dentro
deste novo enfoque teórico.
15
No primeiro capítulo – Nova Teoria da Comunicação –, trabalhamos diferentes
definições da comunicação e do evento comunicacional. Utilizamos autores que irão
abordar, nos capítulos seguintes, a comunicação no ambiente familiar e entre casais. Para
uma melhor compreensão da descrição de processos que caracterizariam uma suposta
patologia nas formas de comunicar dos casais, consideramos essencial o entendimento da
forma com que cada autor compreende a comunicação em si.
Iniciamos com os ensinamentos de Marcondes Filho, para quem a comunicação é
um processo social, um acontecimento, uma combinação de múltiplos vetores (sociais,
históricos, subjetivos, temporais, culturais), que se dá pelo atrito dos corpos e das
expressões e deve ser trabalhada como um “tornar comum”, um vínculo que se estabelece
entre dois seres que sinalizam um para o outro e que tentam colocar em contato mundos
que são próprios, peculiares, interiores a si mesmos.
1
Em um segundo momento, passamos à teoria de Heinz von Foerster, que afirma que
a comunicação é impossível, já que duas pessoas representam duas atividades nervosas
distintas, intransponíveis, tratando-se portanto de um processo irrealizável. Para von
Foerster, nada, em princípio, pode ser comunicado, e observações do tipo “Você a cor
deste objeto como eu o vejo?” são carentes de qualquer sentido.
2
Já para Humberto Maturana, comunicação é linguagem: ...nenhum comportamento
isolado, nenhum gesto, nenhum movimento, nenhum som, nenhuma postura corporal, por
si só, é parte da linguagem. Mas, se está inserida no fluir de coordenações consensuais de
ação, é parte da linguagem”.
3
Gregory Bateson, cuja obra é largamente utilizada em todo este trabalho, não
consegue imaginar os organismos fora de sua relação com o ambiente. Ao contrário, o
1
Ciro Marcondes Filho, Até que ponto, de fato, nos comunicamos?, São Paulo: Paulus, 2004.
2
Heinz von Foerster, “Wissen und Gewissen [Conhecimento e consciência], org. Siegfried J. Schmidt,
Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1994.
3
Humberto Maturana, “Cognição, ciência e vida cotidiana”, org. e trad. de Cristina Magro e Victor Paredes,
Belo Horizonte, Ed. da UFMG, 2001.
16
contexto externo para ele é imprescindível e é lá que se engendram atitudes,
comportamentos, o desenvolvimento da vida. Relacionar-se com o outro, comportar-se
socialmente é necessariamente comunicar e não-comunicar é simplesmente impossível.
Paul Watzlawick, ao tratar da pragmática, ou seja, dos efeitos comportamentais da
comunicação, parte, assim como Bateson, do pressuposto de que é impossível não
comunicar. Para o autor, da perspectiva da pragtica, todo o comportamento, não só a
fala, é comunicação; e toda a comunicação – mesmo as pistas comunicacionais num
contexto impessoal – afeta o comportamento. Watzlawick sugere que a impossibilidade de
não-comunicar faz com que todas as situações entre duas ou mais pessoas sejam
interpessoais e comunicativas.
4
No entanto, como veremos ao final deste trabalho, o grande problema da linguagem
parece ser o de não significar nada naquilo que se refere à satisfação emocional Os
sentimentos estão além da fala, que entra como algo puramente acessório. As diversas
formas de comunicação, sejam elas analógicas (não-verbais), digitais (verbais) ou com
qualquer outra denominação, não são suficientes para explicar o comportamento das
pessoas.
No Capítulo 2 – A Família e o Vínculo Conjugal, procuramos definições
relativas à família e, mais especificamente, ao casamento. Utilizamos autores com uma
abordagem mais sociológica para a compreensão da família em um contexto histórico e
estudiosos do comportamento humano para a compreensão da família como indutora de
comportamentos. Optamos por uma visão mais crítica da família e, para tanto, utilizamos
alguns conceitos trabalhados por Ronald Laing, David Cooper e Mark Poster.
4
P. Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora
Cultrix, 1967.
17
Para estudar o evento comunicacional dentro do ambiente familiar, recorremos a
estudiosos que trabalhassem a comunicação e sua relação com o comportamento humano,
tais como Paul Watzlawick, Gregory Bateson, Jurandir Freire Costa e Humberto Maturana.
Procurando um maior aprofundamento no vínculo conjugal, descrevemos as
principais linhas de pesquisa sobre o casamento. Para tanto, utilizamos como referência o
estudo “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the 21st
Century”,
5
de Gottmann e Notarius.
As primeiras pesquisas publicadas sobre o casamento concluíram que não era tanto
a personalidade de cada um, mas sim a percepção da personalidade do outro que se
relacionava à satisfação conjugal. Tais conclusões são reforçadas pelos ensinamentos de
von Foerster, segundo o qual os indivíduos não percebem o mundo a sua volta ou, se o
percebem, o fazem a sua maneira, de forma autocriativa. Mesmo com a linguagem, diz o
autor, a percepção do mundo é pessoal e precária.
Na década de 1950, houve uma grande mudança na pesquisa conjugal com o
advento da perspectiva interacional. Essa mudança aparece, pela primeira vez, no clássico
artigo sobre o duplo vínculo (double bind) de Bateson, Jackson, Haley & Weakland (1956).
O artigo sugeria, como veremos de forma mais detalhada no Capítulo 3, que padrões
interacionais disfuncionais rigidamente enraizados poderiam ser observados em famílias
com o desmantelamento dos componentes sicos, verbais e o-verbais, da mensagem
enviada e recebida. Mais adiante, os autores sugeriam que esses padrões repetitivos de
comportamento interativo tinham profundas implicações para esquemas disfuncionais de
pensamento.
Em “The mirages of marriage”, Lederer & Jackson (1968) sugerem que ilusões
românticas não-realistas e altos padrões, também irrealistas, sobre o amor eram
características de casamentos infelizes e instáveis. Analisamos, com maior detalhamento, as
ditas ilusões românticas sobre o amor, fundamentais para a compreensão do vínculo
5
John Gottmann e Clifford Notarius, “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the
21st Century”, Fam. Proc., Summer, 2002, v.41.
18
conjugal. Para tanto, utilizamos as lições de Freire Costa. Segundo o autor, o amor
romântico é uma crença emocional e, como toda crença, pode ser mantida, alterada,
dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida. O amor foi inventado como o fogo e a
roda, diz o autor, e nenhum de seus constituintes afetivos, cognitivos ou conotativos é fixo
por natureza.
6
Ainda tiramos algumas idéias da obra de Victor Dias, que define o vínculo amoroso
como a atração erotizada entre o homem e a mulher, responsável pela sensação de
encantamento do casal.
7
Em entrevista com a terapeuta familiar Helena Maffei Cruz, perguntamos os
motivos pelos quais os casais se separavam com tanta freqüência. Para Maffei Cruz, os
casais se separam tanto porque o exercício da construção do “nós”, em uma sociedade que
privilegia tanto o prazer, é dificultado, afetivamente, pelo discurso do amor romântico e,
pragmaticamente, pelo discurso moderno dos direitos e das quantificações. A comunicação
nos casais, segundo a terapeuta, é difícil porque estamos imersos em discursos sociais que
não favorecem a renúncia, o abriro, o negociar e o esperar.
Já Humberto Maturana acredita no amor. Ele não trata do amor romântico, mas do
amor como emoção fundamental na hisria dos homens e afirma que a sociedade não se
rege pelo conflito, mas pela harmonização. Há ódios, lutas, matanças, diz o autor, mas tudo
termina na aceitação do outro.
8
No capítulo 3 – A Comunicação no Vínculo Conjugal –, analisamos os fenômenos
descritos como patogênicos e sua relação com a comunicação no ambiente familiar.
6
Jurandir Freire Costa, Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico, Rio de Janeiro, Rocco, 1998.
7
Victor R. C. S. Dias, Vínculo conjugal na análise psicodramática: diagnóstico estrutural dos casamentos, ,
São Paulo, Agora, 2000.
8
Humberto Maturana, A ontologia da realidade, org. de Cristina Magro, Miriam Graciano, Nelson Vaz, Belo
Horizonte, Ed. UFMG, 1997.
19
Em “O Duplo Vínculo (Double Bind) e a Comunicação Esquizofrênica”
apresentamos as principais idéias contidas no artigo “A caminho de uma teoria da
esquizofrenia”, de Gregory Bateson.
Em 1956, Gregory Bateson, juntamente com outros pesquisadores de Palo Alto,
formulou a hipótese de que o esquizofrênico precisa viver em um universo onde as
seqüências de acontecimentos são de tal natureza que os seus hábitos comunicacionais
resultarão, em certo sentido, adequados. Isso levou-os a postular e identificar certas
características essenciais dessa interação, para a qual criaram o termo “dupla vinculação”
(double bind). Ao aplicar a teoria da comunicação ao distúrbio mental, Bateson sugere que
o defeito não reside no paciente individual, mas na lógica das interações na rede familiar.
Segundo o autor, a capacidade de cada indivíduo diferenciar entre tipos lógicos desmorona
no instante em que cai numa situação de double bind, descrita em detalhes no Capítulo 3.
Em Steps to an Ecology of Mind, Bateson adota o conceito de homeostase familiar
de Don D. Jackson e assinala que todas as famílias tendem a desenvolver padrões de
interação que se tornam muito estáveis e fixos. Segundo o autor, qualquer esforço para
perturbar o sistema de família, especialmente nas famílias ditas disfuncionais, enfrentará
grande resistência por parte de todos os membros.
No item “O Processo de Mistificação em Laing”, procuramos mostrar como R.D.
Laing define o processo de mistificação dentro dos ambientes familiares. O autor descreve
“o jogo implacável das atribuões”, em que os pais impõe uma identidade a uma criaa.
Laing considera as atribuições muitas vezes mais poderosas do que as ordens (ou outras
formas de coerção ou persuasão), pois, partindo de pessoas emocionalmente tão próximas,
é impossível ou muito difícil para a criança escapar a internalizá-las. Para Laing, estamos
constantemente dandos (knots) em nós mesmos e nos outros.
Copiamos, no Anexo 3, casos de mistificação e esquizofrenia no ambiente familiar
descritos por Laing e que julgamos fundamentais para uma melhor compreensão da forma
como ocorre a comunicação patológica.
20
Em “A Pragmática da Comunicação Humana”, descrevemos a forma com que
Watzlawick e seus colaboradores trabalham a teoria do duplonculo de Bateson, de modo
a convertê-la numa “teoria de paradoxos pragmáticos”.
Watzlawick destaca o aspecto relacional da comunicação, em que qualquer
comunicação implica um comprometimento, um compromisso e, por conseguinte, define a
relação.
Bateson formulou a hitese de que um dos equívocos básicos que ocorrem quando
se traduz de um para outro modo de comunicação é a suposição de que uma mensagem
analógica (não-verbal) é, por sua natureza, afirmativa ou denotativa, tal como o são as
mensagens digitais (verbais). No entanto, todas as mensagens analógicas são invocações de
relações e, portanto, são propostas relativas às regras futuras da relação: pelo meu
comportamento, eu posso mencionar ou propor amor, ódio, combate etc., mas compete à
outra parte atribuir um futuro valor de verdade, positivo ou negativo, às minhas
proposições. É neste ponto que residiria a origem de todos os conflitos.
Ainda em “Pragmática da Comunicação Humana”, temos que todas as permutas
comunicacionais ou são simétricas ou complementares. A interação simétrica é
caracterizada pela igualdade e a minimização da diferença; e a interação complementar
baseia-se na maximização da diferença.
Watzlawick afirma que em uma relação simétrica existe o perigo sempre presente da
competitividade. Essa tendência explicaria a “escalada da interação simétrica”, uma vez
que se perdeu a sua estabilidade e ocorreu um desequilíbrio como, por exemplo, nos
conflitos maritais e nas disputas entre nações. Watzlawick não irá tratar, de forma direta,
das relações de poder dentro de um relacionamento.
As patologias das relações complementares, descritas pelo autor, tendem, por sua
vez, mais a desconfirmações do que a rejeições do eu do outro.
Em “Vínculo Conjugal” utilizamos as lições de Victor Dias, que chama de vínculo
conjugal toda e qualquer relação existente no casamento entre um homem e uma mulher. O
21
vínculo conjugal abrange o casamento como um todo e é composto por três outros vínculos:
o amoroso, o compensatório e o de conveniência.
Onculo compensatório ou simbiótico, a ser detalhado no Catulo 3, é um vínculo
de dependência que muito se assemelha às relações complementares de Watzlawick.
Delegam-se aos parceiros, independentemente da concordância destes ou não, funções
psicológicas que deveriam ser de responsabilidade de si mesmos.
Em “Manutenção da Relação Patológica” descrevemos pesquisas cujos resultados
corroboram as teses apresentadas pelos autores citados.
No capítulo “Poder na Relação Conjugal” estudamos as relações de poder e de
dominação dentro de um relacionamento. A dominação (dominance), a submissão e o poder
m sido considerados já há algum tempo por sociólogos, psicólogos, antropólogos e
estudiosos da comunicação como uma das dimensões fundamentais da relação interpessoal.
Dunbar & Burgoon
9
sustentam que a dominação é necessariamente manifesta. Ela
se refere a padrões interacionais, dependentes de contexto e relacionamentos, nos quais a
afirmação de controle por parte de um ator depende da aquiescência do outro.
Segundo Christensen, Sagrestano & Heavey, diversos estudos sobre a interação
demanda/retirada, detalhada no Capítulo 3, revelaram que ela se relaciona a diferenças
estruturais de poder. Especificamente, em casos em que um parceiro quer a mudança e o
outro não, os autores argumentam que aquele que procura a mudança tem menos poder
estrutural e a pessoa a quem se pede a mudança tem mais poder estrutural, pois pode
decidir se muda ou não.
10
9
Norah E Dunbar e Judee K. Burgoon, “Perceptions of power and interactional dominance in interpersonal
relationships”, Journal of Social and Personal Relationships, 22(2): 207–233, 2005.
10
A.Christensen, L. Sagrestano, C. Heavey,. “Perceived power and physical violence in marital conflict -
Social Influence and Social Power: Using Theory for Understanding Social Issues”, Journal of Social Issues,
1999.
22
Por fim, no Capítulo 4 O Além da Linguagem –, trabalhamos com as conclusões
dos estudos apresentados e com a imprevisibilidade da comunicação utilizando, para tanto,
as lições de Gilles Deleuze e de Marcondes Filho.
Nossa pesquisa partiu das seguintes hipóteses:
1 – Nas famílias e, principalmente, nos casais, ocorrem processos que acabam com
a comunicação, restando apenas a troca de informações.
2 – A forma com que a comunicação ocorre no ambiente familiar é responsável por
patologias como a comunicação esquizofrênica e relações neuróticas em casais.
3 – A tradução de mensagens analógicas (toda comunicação não-verbal) com a
suposição de que são, por sua natureza, afirmativas ou denotativas, tal como o são
as mensagens digitais (toda comunicação verbal), redundam em impasses
interacionais.
23
CAPÍTULO 1
Nova Teoria da Comunicação
Comunicação e Solidão
Vivemos uma grande fantasia no que diz respeito à comunicação. Celulares,
computadores eternamente conectados, tudo parece chamar o homem moderno, dos séculos
XX e XXI, para a comunicação. As novas tecnologias de comunicação prometem
intensificar as trocas entre pessoas e o compartilhamento de sensações e emoções. No
entanto, o homem nunca esteve tão só. Segundo Cajueiro dos Santos, se no final do século
XIX, a histeria e a neurastenia tiveram uma grande repercussão social em alguns países
ocidentais, hoje é a depressão e a sua ligação com a solidão que revelam as mutações da
individualidade.
11
A solidão, na atualidade, relaciona-se de forma direta a uma necessidade, pouco
clara e evidente, do outro. Trata-se da necessidade da presença sica, de se saber que há
alguém ao lado, o que não ocorre nas conversas telefônicas ou na troca de correspondência
pela internet. Observamos cenas em que a simples presença de mais pessoas em um velório,
em um bar ou em uma pescaria parece ser suficiente para superar a angústia da solidão.
12
São momentos em que se recupera alguma sociabilidade. Por outro lado, quando nos
conectamos à internet, nossa cabeça parece estar “cheia de gente”, mas estamos sozinhos na
sala, no quarto ou em qualquer outro lugar. Verificamos trocas de informações e até mesmo
de emoções por meio dessa pluralidade de tecnologias, mas parece que essas formas de
comunicação não são suficientes para que o homem não se sinta só. Tem-se a impressão de
que a “comunicação real” estaria, de alguma forma, relacionada à presença física.
11
Tarcyanie Cajueiro dos Santos, Por uma cartografia da solidão, tese de doutoramento apresentada à Escola
de Comunicação e Artes da USP, 2003.
12
Ver Ciro Marcondes Filho, “Solidão e sociabilidade”, in Atrator estranho, p.6.
24
O fato de as pessoas trocarem os espaços públicos de convívio, como praças, bares,
restaurantes, lanchonetes, por um banco em frente a uma tela de televisão ou de
computador indica uma mudança significativa no comportamento social. Lipovetsky
13
fala
da ascensão de uma segunda revolução individualista nas sociedades atuais que faz com
que o espaço público deixe de ser investido. Existe, segundo o autor, uma rearticulação em
função do espaço privado. Os indivíduos continuam “conectados” com a realidade, até
porque nunca houve um processo de profusão de tantos meios informacionais e
tecnológicos como o que estamos presenciando. Mas são meios que estão estruturados
dentro da lógica do privado, feitos para a exacerbação do eu. Não é raro encontrarmos
pessoas com cópias daquilo que escreveram para os outros, da forma com que foram
elogiadas, de comentários que redigiram sobre determinado assunto. Parece que o outro, em
muitas situações, é o que menos importa. E quanto mais as pessoas se procuram, menos
elas se encontram. Não nos comunicamos, mas entramos num processo em que todos
querem provar que estão efetivamente comunicando. A comunicação aparece como o
grande mito tecnológico dos séculos XX e XXI, e as pessoas estão dentro dessa fantasia do
comunicar, quando efetivamente parece que não estão comunicando.
Descrevemos a seguir distintas formas de se compreender a comunicação.
Utilizamo-nos de autores que mais adiante irão abordar a comunicação no ambiente
familiar e, mais especificamente, entre casais. Para uma melhor compreensão da descrição
de processos que caracterizariam uma suposta patologia nas formas de comunicar dos
casais, consideramos essencial a compreensão da forma com que cada autor compreende a
comunicação em si.
13
Gilles Lipovetsky, A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo, Lisboa, Relógio D’Água,
1988.
25
Comunicação para Marcondes Filho
O termo comunicação designa, em geral, o ato de transmitir e trocar signos e
mensagens, referindo-se também à circulação de bens e pessoas. De forma mais ampla, ela
se aplica aos processos técnicos de transmissão e troca de mensagens que vieram com a
imprensa, o rádio, a televisão, os satélites. Segundo Marcondes Filho, os estudiosos da
comunicação ora se dedicam à pesquisa eminentemente lingüística, ora à pesquisa dos
sistemas de comunicação como grandes complexos de transmissão de informações, ora se
voltam para comunicações espontâneas ou inconscientes. Mas todos esses modelos são
parciais, apesar de suporem dar conta do processo comunicacional. São definições que
pecam por se aterem ao plano formal da comunicação, constituindo-se em meras definições
nominalistas que nada dizem sobre o processo humano de comunicar. O autor cita a
personagem Gregório, na Metamorfose de Kafka, que não morreu porque se transformou
em barata, mas porque perdeu a possibilidade de comunicação com a família.
14
Para Marcondes Filho, os mais ingênuos e muitos lingüistas acreditam que para
haver a comunicação basta a transmissão de A para B de uma mensagem, por meio de um
digo, através de um canal. E que se trata de B decodificar o que A emitiu e incorporar
internamente essa mensagem por meio do processo dialógico. Essa corrente prende-se ao
lado puramente formal da comunicação e da linguagem, toma seres humanos como meros
sistemas técnicos que emitem, recebem e voltam a emitir.
Segundo o autor, a comunicação é um processo social, um acontecimento, uma
combinação deltiplos vetores (sociais, históricos, subjetivos, temporais, culturais), que
se dá pelo atrito dos corpos e das expressões e deve ser trabalhada como um “tornar
comum”, como uma espécie de vínculo que se estabelece entre dois seres que sinalizam um
para o outro e que tentam colocar em contato mundos que são próprios, peculiares,
interiores a si mesmos. Ela “não é nada ontológica, nenhuma coisa que ‘passe de um para
outro’, que se materialize em mensagens ou se autonomize em entidades conceituais em si.
14
Ciro Marcondes Filho,. O Espelho e a Máscara: o enigma da comunicação no caminho do meio, Discurso
Editorial/Editora Unijuí, São Paulo, 2002.
26
Não sendo, em princípio, nada que possa ser separado, ela não permite nenhuma verdade,
não pode ser traduzida”.
15
Ainda segundo o autor, o evento comunicacional não acontece necessariamente
entre pessoas que se relacionam para essa finalidade, mas acaba necessariamente
acontecendo na presença muda, nos olhares, no contato dos corpos. Há comunicação
quando consigo fazer com que o outro atinja a mesma faixa de freência de meu
pensamento, entre em minhas idéias, as sinta como eu. Como diria Merleau-Ponty:
O meu pensamento e o do outro formam um tecido comum. Meus propósitos e os de meu
interlocutor são solicitados pelo estado da discussão e se inserem numa operação comum, na qual
nenhum de nós dois é criador. Há aí um ser em dois e o outro para mim não é mais um simples
comportamento de meu campo transcendental, nem aliás eu no dele, nós somos um para o outro
colaboradores numa reciprocidade perfeita. Nossas perspectivas deslizam uma para a outra, nós
coexistimos através do mesmo mundo.
16
Definição similar à proposta por Marcondes Filho pode ser encontrada em entrevista
com o terapeuta familiar Harrry Goolishiam em que, respondendo à pergunta “O que
sustenta a efetividade de uma conversação terapêutica? Como se distingue, em termos de
efetividade terapêutica, uma conversação com um terapeuta de uma conversação com um
amigo?”, ele afirmava:
É necessário distinguir entre falar e estar em uma conversação. Estar em uma conversação
é sempre manter intercâmbios dialógicos em que se criam novos significados. (…) É possível falar
de maneira tal que não se esteja em uma conversação: neste falar no qual não há diálogo, não existe
necessariamente criação de significados. (…) Quando nos referimos a conversações, estamos
falando sempre de intercâmbios. Na situação de um vizinho que diz a outro: - que bonito está o dia,
hoje!, e o outro responde: - sim, hoje está bonito, mas ontem choveu muito, não existe intercâmbio
de significados, não se criou nada de novo.
17
15
Ciro Marcondes Filho, Até que ponto, de fato, nos comunicamos?, São Paulo: Paulus, 2004.
16
Maurice Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção, Lisboa, Martins-Fontes, 2001.
17
In Sistemas Familiares, ano 7, n.1, p. 67, abril 1991.
27
Comunicação e Informação
Fernando Nogueira Dias
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traz conceitos semelhantes ao distinguir a comunicação
da informação. Enquanto a informação é o ato de divulgar, esclarecer e dar conhecimento
de algo a alguém, a comunicação é um processo que gera mudanças nos elementos que dele
participam em um tempo, espaço e contexto. Para Dias, se a informação é caracterizada por
uma relação unívoca entre emissor e receptor, o processo de comunicação gera no emissor
e no receptor reversibilidade na inteligência, reciprocidade na afetividade e objetividade nas
significações.
Ainda segundo o autor, como a informação é unilateral, não permite ao receptor
reagir ou pronunciar-se sobre o conteúdo, a forma e a intenção da mensagem, o que pode
naturalmente provocar irreversibilidade, desnivelamento ou equívocos de compreensão. Se
na informação há uma relação de imposição por parte do emissor, já na comunicação pode
verificar-se uma interação dos elementos nela envolvidos, uma vez que tanto emissor como
receptor participam de um mesmo processo, que a ambos é comum.
Para Marcondes Filho, vivemos hoje em um esquema de comunicabilidade em que
as pessoas, muitas vezes, simplesmente extraem informações. No entanto, em casos de
crise, percebe-se a grande carência informacional que efetivamente vivemos. No dia 11 de
setembro de 2002, quando aviões pilotados por terroristas bateram nas Torres Gêmeas de
Nova York, as pessoas saíram correndo, de forma desesperada, procurando por todo tipo de
informão. Em momentos como este, de alta densidade, de busca por informação,
descobre-se que não se sabia de nada e que o mais prudente é duvidar de tudo.
Para Heinz von Foerster, da Universidade de Illinois, as pessoas confundem
substância com processo, relação com predicado, quantidade com qualidade. A
“informação”, que não passa de um processo, de algo profundamente pessoal, é
compreendida pelas pessoas comouma coisa”, um bem, uma substância. No entanto, trata-
18
Fernando Nogueira Dias, O processo de comunicação autêntica na relação familiar: contributos para uma
perspectiva sistémica, Lisboa, Instituto Piaget, 2002.
28
se de algo que se constitui apenas na relão (só atribuo o valor de informação àquilo que
me interessa naquele momento) e que não constitui nenhum predicado. Daí se equivocarem
ao achar que as impressões externas são também “coisas”, predicados, quando, em verdade,
diz von Foerster, não passam de sinais, de intensidades.
Achamos, diz von Foerster, que uma biblioteca pode armazenar e recuperar
informações, quando, na verdade, uma biblioteca só pode armazenar livros, fichas, filmes,
slides e objetos semelhantes. Pode-se virar uma biblioteca de ponta-cabeça que não irá cair
nenhuma informação. Só vamos encontrá-la se lermos os livros, se assistirmos aos filmes,
se consultarmos as fichas. E o mesmo se passa com uma conversa entre duas pessoas, ela
nunca é uma “troca”, troca de idéias, de pensamentos, de opiniões, de sentimentos. Não dá
para trocar nada.
Isso tudo porque informação, pela definição de Heinz von Foerster,
19
é um conceito
relativo que só adquire significado quando relacionado à estrutura cognitiva do observador
dessa manifestação (do receptor). Ela é diferente do mero sinal. Se um soldado recebe uma
ordem e a executa em seguida, ele agiu automaticamente diante de um sinal. Mas, se ele
resolve desobedecer, teremos a informação. A informação é criada, fabricada, produzida
quando uma decisão é tomada.
Comunicação para Von Foerster
Para o biólogo,sico e matemático austríaco Heinz von Foerster a ngua cria um
mundo fechado em si mesmo.
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O significado das palavras só pode ser dado por outras
palavras. Segundo o autor, somente a pragmática da comunicação pode romper com esse
19
H. von Foerster, Sicht und Einsicht [Vista e conhecimento, Braunschweig/Wiesbaden, Friedr. Vieweg &
Sohn, 1985.
20
H. von Foerster, Wissen und Gewissen [Conhecimento e consciência], Org. Siegfried J. Schmidt, Frankfurt
am Main, Suhrkamp, 1994.
29
cio, pois, nesse caso, as frases não apenas significam algo, elas efetivamente agem. Falar
Desculpa!”, quando pisamos no pé de alguém no ônibus não é apenas uma forma
lingüística, ela é a própria desculpa, diz von Foerster. Uma língua, assim, tem de sair de si
mesma, ela precisa poder dizer a palavra “língua”, ela deve usar da auto-referência, voltar-
se a si mesma, referir-se ao seu próprio referir, fato esse que Wittgenstein sintetizava com a
frase: “O que é uma pergunta?”.
Em relação à teoria da comunicação, von Foerster desdobra o conceito de
informão exposto anteriormente, segundo o qual não há “a informação”, que é algo
somente relacional. Da mesma forma, a comunicação, que tampouco pode ser vista como
algo dado”, não deve partir dos símbolos, das palavras ou das mensagens, pois eles não
passam de tecnologias, símbolos primários que, em verdade, representam
comunicabilidades [Kumunikabilien].
21
Ao contrário, a comunicação baseia-se numa
linguagem puramente conotativa, constituindo-se numa representação interna de um
organismo que interage com uma representação interna de outro organismo, formando
comportamentos esveis (valores próprios).
Segundo essa definição, dois sujeitos interagindo entre si recursivamente
[discursivamente] formam modos de comportamentos próprios estáveis que, ao olhar de um
terceiro, aparecem como signos, símbolos, palavras, a saber, como comunicabilidades.
Uma interação entre dois sujeitos que satisfaça essas condições será, então, efetivamente
comunicativa “se cada um dos dois vir-se através dos olhos do outro, diz Heinz von
Foerster.
22
Por aí se vê, complementa o autor, que termos comoconcordância” ou
“consenso” só aparecem depois de instalada a comunicação entre os sujeitos.
A teoria da comunicação de von Foester não aceita o compartilhamento, uma vez
que ele afirma que a atividade de um sistema nervoso não pode ser compartilhada com
21
Ver Ciro Marcondes Filho, “O Círculo Cibernético”, existo.com, n.12, jan./fev./mar./abr. 2007, São Paulo,
disponível em <http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/existocom/index.html>.
22
H. von Foerster, Wissen und Gewissen [Conhecimento e consciência], Org. Siegfried J. Schmidt, Frankfurt
am Main, Suhrkamp, 1994.
30
outro organismo. Nada, em princípio, pode ser comunicado e observações do tipo “Você vê
a cor deste objeto como eu o vejo?” são carentes de qualquer sentido. A comunicação é
impossível, já que duas pessoas são duas atividades nervosas distintas, intransponíveis,
tratando-se portanto de um processo irrealizável.
Para o autor, o mundo não é verdadeiro nem falso, ele “é o que é” e só nos transmite
sinais, puras intensidades. Dessa forma, ele não é partidário da corrente teórica que acredita
que a mensagem porte alguma coisa, um “alimento” como ele diz, que o sinal carregue em
si um conteúdo. Como os objetos, os acontecimentos, o ambiente e o mundo, em prinpio,
não existem, tampouco pode existir a mensagem. O pensar, o sentir, a consciência são,
antes, “princípios explicativos” que são usados para explicar, mas que não podem, eles
próprios, ser explicados.
Von Foerster afirma ainda que trabalhar com comunicação inclui uma questão ética,
pois, para ele, somente o ato comunicativo pode tornar cada homem próximo de outro
homem. Somente um saber comum, ou seja, uma identificação entre as pessoas aproxima as
consciências e realiza a comunicação, como também realiza o amor e a ética.
A Autopoiese de Maturana e Varela
O biólogo chileno Humberto Maturana juntou-se, no final da década de 1960, ao
grupo de Heinz von Foerster, na Universidade de Illinois. Sua principal contribuição à
ciência foi a criação do termo autopoiese, junto com seu ex-aluno Francisco Varela.
Para a autopoiese, não é possível explicar femenos de um domínio com elementos
de outro. O termo autopoiese remete a um sistema autônomo fechado, auto-referente e que
se constrói a si mesmo.
23
23
Humberto Maturana, e Francisco Varela, Autopoiesis and Cognition. The Realisation of the Living,
Dordrecht, D. Reidel, [1972] 1980.
31
Um sistema autopoiético é necessariamente homeostático, quer dizer, possui um
dispositivo para manter uma variável crítica dentro dos limites fisiológicos. Em outras
palavras, o sistema sobrevive mesmo que se alterem elementos de sua estrutura
organizacional; há uma preservação de sua identidade apesar de sucessivas mudanças em
sua aparência.
Nesse sentido, Maturana e Varela reformularam a “Lei de Berkeley”
24
– que dizia
que o que existe tem que ser percebido, senão não existe – ao afirmarem que o que existe
pode ficar irreconhecível quando o vemos posteriormente, que ele pode mudar totalmente a
estrutura mantendo entretanto sua organização. Logo, “a coisa” propriamente dita nunca
existe de fato. A inexistência de atributos fixos que definam os seres liquida igualmente
com sua teleologia, quer dizer, deixa de existir uma finalidade neles, não há mais um para
quê”, os seres simplesmente “sobrevivem”.
A auncia da intencionalidade leva Maturana a dizer também que os sistemas não
possuem input nem output como queria a antiga teoria dos sistemas: diante das irritações
exteriores eles simplesmente mantêm constantes suas condições de conjunto. Somos nós, os
observadores, que lhes atribuímos suas estruturas, suas leis, seu percurso, seu sentido.
Maturana e Varela sugerem, para explicar sua lógica, uma analogia com um homem que
passou toda sua vida dentro de um submarino e que a única coisa que sabe fazer é
manipular seus instrumentos. Quando nós, na praia, vemos o submarino, podemos
cumprimentar seu piloto, que se desviou bem dos recifes e emergiu com muita elegância,
mas para ele, que jamais saiu de dentro do submarino, nunca houve recifes nem manobras,
ele só fez acionar alavancas e girar botões, estabelecendo relações entre indicadores
segundo uma seqüência anteriormente já praticada.
Assimo os sistemas, dizem eles. Vivem segundo suas próprias condições
interiores e tudo o que se lhes atribui parte de um observador externo.
24
Cf. Ciro Marcondes Filho, Peripécias de Humberto Maturana no país da comunicação, Famecos, Porto
Alegre, n.31, dezembro de 2006.
32
Comunicação para Maturana
Para Maturana, a linguagem, diferentemente do sentido que lhe dão os lingüistas,
não é constitda de trocas simlicas, não é a relação de significação e sentido, mas pura e
simplesmente uma forma de comunicação (conjunto de comportamentos, gestos,
movimentos, sons, posturas corporais), e as palavras são apenas “nós” no que ele chama de
“fluir das coordenações de ação”. Elas funcionam para atar, para ligar coisas num fluir em
que só interessam as próprias coordenações de ações.o vem ao caso o quê se fala, mas
como as coisas funcionam via linguagem. Linguagem, assim, é formalização e não
simbolização, seus usos não interessam e todos os conceitos reduzem-se à situação de
signos em relação a um dado ao qual eles permanecem exteriores.
25
Dessa forma, para Maturana, comunicação é linguagem: “nenhum comportamento
isolado, nenhum gesto, nenhum movimento, nenhum som, nenhuma postura corporal, por
si só, é parte da linguagem. Mas, se está inserida no fluir de coordenações consensuais de
ação, é parte da linguagem”
26
. “Linguagem tem a ver com o fluir em recursão nas
coordenações consensuais de conduta, e podemos fazer isso de muitas maneiras. E de fato o
fazemos: com o corpo, com o som, com os gestos.
27
Assim, ao debruçar-se sobre a questão “o que levou a que o tamanho do cérebro
entre os hominídeos crescesse de 450 para 1.450 centímetros cúbicos?” e ao constatar que
não foi o uso das ferramentas que provocou semelhante evolução mas a linguagem,
Maturana sugere que um comportamento aproximativo, uma certa socialidade (o toque, o
acariciar-se mútuo na convivência de interações consensuais) foi o que provocou o
25
Ver Ciro Marcondes Filho, Peripécias de Humberto Maturana no país da comunicação, Famecos, Porto
Alegre, n.31, dezembro de 2006.
26
Humberto Maturana, Cognição, ciência e vida cotidiana, org. e trad. de Cristina Magro e Victor Paredes.
Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001, p.73.
27
Humberto Maturana, Cognição, ciência e vida cotidiana, org. e trad. de Cristina Magro e Victor Paredes.
Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001.
33
surgimento do homem, não o discurso propriamente dito. Bastou a convivência e as
interações, em uma palavra “seu modo de vida”, para que ocorresse o crescimento do
cérebro.
28
Para Maturana, a existência humana acontece no espaço relacional do conversar. Na
história de nossa espécie, a conservação de um modo de vida baseado na ternura, na
sensualidade e no compartilhar da comida, ou seja, na conservação de comportamentos
consensuais, pode ter gerado evolutivamente um modo de coordenações consensuais de
comportamentos consensuais, ou seja, a linguagem. A linguagem pode assim ser concebida
como uma possibilidade de, através da negociação de sentidos e de sons, ampliar a gama de
relações entre pessoas e entre elas e seu ambiente.
29
Maturana afirma ainda que é somente na disposição corporal de aceitação que pode
ocorrer a coexistência social. Como veremos mais adiante, a essa disposição de aceitação
ele denomina amor, comportamento observável em todos os animais sociais, especialmente
entre os mamíferos. Nesse contexto, o conversar é entendido como o entrelaçamento entre
linguagem e emoção.
Marcondes Filho, ao comentar a teoria de Maturana, indaga: “Ora, se tudo o que
temos só pode ser colocado nos restritos termos da linguagem, e se a esta não importam os
conteúdos, como se justifica que a linguagem esteja na base de tudo o que constituiu o
humano?”.
30
O autor afirma que o mesmo só pode ocorrer se a linguagem for tomada como
mero espírito que interliga todo o processo social, uma espécie de alma, de élan vital a dar
energia e vida aos relacionamentos humanos. Mas há um problema: sendo conjunto de
movimentos, gestos, posturas, sons, ela tem que incorporar tudo, inclusive oo-dito (o
não-exprimível, o não-sígnico e oo-simbólico, o lingüisticamente incomunicável, as
28
Ver Ciro Marcondes Filho, Peripécias de Humberto Maturana no país da comunicação, Famecos, Porto
Alegre, n.31, dezembro de 2006.
29
Ver Humberto Maturanae Gerda Verden Zöller, Amar e Brincar – Fundamentos esquecidos do humano,
Editora Palas Athena, São Paulo, 2004.
30
Ciro Marcondes Filho, “Humberto Maturana”, Ex1st0.com, n.12, jan./fev./mar./abr. 2007, São Paulo,
disponível em <http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/existocom/index.html>.
34
sensações e os sentimentos), ou seja, também o fora da língua. E aí é que para Marcondes
Filhos sobressai a ambigüidade com que Maturana opera o termo “linguagem”, ao mesmo
tempo usada de formas opostas, ora com um uso amplamente abrangente, ora como um
conceito de uso severamente restritivo; ora como comunicação genericamente envolvendo
tudo o que é humano, inclusive o não-lingüístico, ora como algo só formal, “aquilo que as
palavras conseguem expressar”, no sentido da filosofia analítica de Russell, dorculo de
Viena e do campo simlico de Lacan.
Comunicação para Luhmann
O sociólogo alemão Niklas Luhmann também não acredita na comunicação. Ele
defende que o modelo de comunicação bem-sucedida não pode se realizar no plano do
“ideal normativo” de Habermas
31
e prefere um modelo autopoiético, de percepção isolada
das pessoas. Para ele, as duas “caixas-pretas” permanecem – como para von Foerster
impenetráveis, uma em relação à outra. A posição de Luhmann é de que a comunicação
seria uma operação “autopoiética (que cria a si mesma) de um sistema autopoiético” e só se
relacionaria consigo própria.
32
31
O filósofo alemão Jürgen Habermas acredita na racionalidade dos atos humanos e sua sobrevivência
possível pela comunicação. Sua teoria argumentativa acha possível que indivíduos ainda se constituam como
sujeitos da comunicação e conquistem um espaço de relevância no social. Quatro seriam os requisitos para
tanto: inteligibilidade, verdade, autenticidade e justiça. Habermas defende a recuperação da razão, o que se
daria pelo entendimento entre os homens pela estratégia do bom senso, em que os agentes voltariam a
repensar seus planos e projetos a partir de uma postura representada pela dotação de autonomia e pela
capacidade de intervenção de homens historicamente localizados. Cf. J. Habermas, Teoria de la acción
comunicativa, Madri, Taurus, 1987.
32
Ver Ciro Marcondes Filho, O Espelho e a Máscara: o enigma da comunicação no caminho do meio,
Discurso Editorial/Editora Unijuí, São Paulo, 2002.
35
Niklas Luhmann conclui, como veremos mais adiante, que a linguagem não
consegue resolver os conflitos conjugais, pois ela tem expressões prontas que inviabilizam
a reconstrução de um diálogo.
Comunicação para Bateson
De uma perspectiva diametralmente oposta, Gregory Bateson não consegue
imaginar os organismos fora de sua relação com o ambiente. Ao contrário, o contexto
externo para ele é imprescindível e é lá que se engendram atitudes, comportamentos, em
uma palavra, o desenvolvimento da vida. Relacionar-se com o outro, comportar-se
socialmente é necessariamente comunicar; e não comunicar é simplesmente impossível.
São as seguintes as suas principais teses no campo da comunicação: (1) a
comunicação é um processo mais analógico do que digital, ou seja, ela ocorre em vários
níveis verbais e não-verbais, e é exatamente nos não-verbais que ela é mais eficiente; assim,
o processo humano de comunicação configura-se como um “jogo” com esses vários níveis
ou tipos lógicos; (2) comunicação é o mesmo que comportamento, realiza-se
automaticamente na medida que existimos, é um processo que não tem oposto, ninguém
pode não se comportar assim como não pode deixar de comunicar; (3) a esquizofrenia é
uma incapacidade de identificar sinais metacomunicacionais; (4) numa relação entre dois
agentes, não se pode falar apenas em “transferência de energia”, ocorre muito mais uma
“troca de informação”; (5) na mente humana não existem objetos ou eventos, mas somente
perceptos e regras; (6) a essência da comunicação é a crião de redunncias.
33
33
Ver G. Bateson, Don D.Jackson, J.Haley e John H. Weakland , “A caminho de uma teoria da
esquizofrenia, in G. Bateson et al., Schizophrenie und Familie, Frankfurt/M, Suhrkamp, 1984, p.11-43,
extraído de “Towards a Theory of Schizophrenia”, Behaviour Science, v.1, p.251-246, 1956, trad. de Ciro
Marcondes Filho.
36
Gregory Bateson afirma que, assim como os demais mamíferos, somos seres que se
comunicam antes por gestos, posturas corporais e formas não-verbais. A comunicação é um
processo que envolve diferentes planos e diferentes modulações. O mais elementar é o
plano da linguagem verbal indicativa: “Este é um gato”, “O gato está no capacho” etc., que
John Austin chamava de declaração constatativa. Mas esse plano precisa ser “checado” por
outros planos que acompanham a fala para ser efetivamente compreendido. Quer dizer, não
basta saber que a coisa é dita, é preciso ver como ela é dita, se é como informação,
advertência, ironia, gozação etc. Estes outros planos da linguagem, acima do plano
meramente denotativo, são formas conotativas que podem estar dentro da linguagem
(ironias, metáforas etc.) ou fora dela (expressões corporais, faciais, inflexões etc.).
Isso faz com que Bateson diga que a comunicação humana é antes de mais nada um
tipo de jogo, mais do que um processo uniforme e lógico. As pessoas têm que saber
associar a coerência de uma frase dita a uma determinada situação, à maneira como ela é
falada, às intenções claras ou escondidas do falante para poderem se posicionar.
Para Marcondes Filho, Bateson descreve um processo caótico, em que os atores dão
lances criando situações e outros respondem, mas cujo desenrolar é imprevisível por força
da própria inconstância da ação dos participantes e de suas expressões verbais e não-
verbais. Para Bateson, um grande número de pessoas tem, por isso, dificuldade em operar
com os diferentes níveis comunicacionais. Uma resposta atravessada é antes uma agressão
ao outro e não está associada ao sentido da mensagem. Por exemplo, se um colega de
trabalho pergunta ao outro: “Como você conseguiu ir para casa ontem, em pleno horário de
expediente?”. E o outro responde: “De carro, ora!”, a resposta foi usada antes como uma
farpa à pergunta atrevida do colega.
34
As pessoas sempre podem dizer “Não entendo o que você quer dizer com isso?”,
“Foi isso mesmo que eu entendi?”, para melhor mapear esta operação com diferentes tipos
lógicos que constitui uma única mensagem comunicacional. Mas a sensação é sempre de
34
Ciro Marcondes Filho, “Gregory Bateson”, Ex1st0.com, n.12, jan./fev./mar./abr. 2007, São Paulo,
disponível em <http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/existocom/index.html>.
37
uma certa nebulosidade, exatamente porque as falas jamais são diretas e suficientes. Diz
Bateson que, exatamente por esse motivo, confiamos mais nos meios não-verbais de
postura, gestos, expressões faciais, entonação e contexto para comunicar níveis acima do
meramente denotativo.
Nos Metálogos, que reúne as conversas que Bateson desenvolve imaginariamente
com sua filha, o autor refuta a idéia de que a linguagem é feita de palavras, dizendo, ao
contrário, que ela é em primeiro lugar um sistema de gestos. A linguagem dos gestos é
muito mais expressiva, mais rica que a linguagem falada e nela confiamos mais; muitas
vezes, parar de falar diz muito mais do que continuar falando. É porque no processo
humano da comunicação, diz Bateson, captamos primeiro a conotação (como a coisa é dita)
e só depois a denotação (a própria coisa). Por isso temos dificuldade com os cegos, pois
eles não nos transmitem as mensagens que nos deixam assegurados em um diálogo atras
do movimento dos olhos. Por isso, também, se dissermos a uma jovemeu te amo”, ela irá
dar mais atenção ao componente cinético e paralingüístico do que à frase propriamente dita,
diz Bateson.
Sem fazer uso de concepções freudianas, Bateson afirma que todo o comportamento
poderia ser considerado comunicação, mas não em termos das intenções do indivíduo. A
comunicação é, sobretudo, uma questão de interação e de regras para a interação.
Comunicação para Watzlawick
A partir das descobertas de Gregory Bateson, desenvolveu-se nos Estados Unidos
um campo de pesquisa da pragmática da comunicação humana que utilizou modelos
matemáticos para análise, tratamento e interferência no comportamento das pessoas.
Watzlawick, Beavin & Jackson, por exemplo, adotaram uma matriz teórica, segundo a qual,
todos os comportamentos sociais e, portanto, as práticas comunicacionais no interior desses
38
relacionamentos, são “jogos”, quer dizer, seqüências de comportamentos governados por
regras, e marcados pelo que eles chamam de relações e padrões de relações. Seres
humanos, segundo essa escola, são repetitivos e viciosos, da mesma forma que os sistemas
técnicos. Mas não são sistemas fechados, como afirmam Luhmann, Maturana ou Heinz von
Foerster. Os sistemas sociais são, como dizem Watzlawick e seus colaboradores
pragmáticos da comunicação, sistemas abertos. Literalmente, segundo eles, seria
impossível, na moderna biologia, estudar qualquer organismo, ainda que seja o mais
primitivo, isolando-o artificialmente do meio. As patologias – ainda de acordo com eles –
o são um problema exclusivo do doente.
Paul Watzlawick, ao tratar da pragmática, ou seja, dos efeitos comportamentais da
comunicação, parte, assim como Bateson, do pressuposto de que é impossível não
comunicar. Para o autor, dessa perspectiva da pragmática, todo o comportamento, não só a
fala, é comunicação; e toda comunicaçãomesmo as pistas comunicacionais num contexto
impessoal afeta o comportamento. Watzlawick sugere que a impossibilidade de não
comunicar faz com que todas as situações entre duas ou mais pessoas sejam interpessoais e
comunicativas.
As principais teses dos pragmáticos são as seguintes: (1) a comunicação é
comportamento e o comportamento é comunicação; eles não têm oposto: é imposvel não
se comportar como é impossível não se comunicar; (2) só existem relações e padrões de
relações, as quais constituem a essência da experiência humana; (3) comunicação é
conflito, envolve um problema de interação; (4) a pontuação organiza os eventos
comunicacionais e sua circularidade; (5) a retroalimentação permite que os componentes
acomodem-se na patologia.
A afirmaçãoNão dá para não comunicar” baseia-se no fato de que todo
comportamento, e não somente a fala humana, é comunicação. Falar ou ficar em silêncio,
dirigir-se ao outro ou fechar-se em seu pequeno mundo, são todas formas de comunicar
algo. Da mesma maneira, os autores negam que a comunicação ocorra quando houver
intenção, quando for consciente ou bem-sucedida. “Atividade ou inatividade, palavras ou
silêncio, tudo possui um valor de mensagem; influenciam outros e estes outros, por sua vez,
39
o podem não responder a essas comunicações e, portanto, também estão comunicando.
Deve ficar claramente entendido que a mera ausência de falar ou de observar não constitui
exceção ao que acabamos de dizer”.
35
Em Pragmática da Comunicação Humana, Watzlawick, Beavin & Jackson utilizam
o termo comunicação analógica para se referir, como vimos, a toda comunicação não-
verbal: “o termo deve abranger posturas, gestos, expressão facial, inflexão de voz,
seqüência, ritmo e cadência das próprias palavras, e qualquer outra manifestação não-verbal
de que o organismo seja capaz, assim como pistas comunicacionais infalivelmente
presentes em qualquer contexto em que uma interação ocorra”.
36
As formas analógicas de
comunicação referem-se, dessa forma, ao processo primário do psiquismo, ou seja, ao
inconsciente e suas manifestações. Já as formas digitais relacionam-se aos processos
secundários, a elaboração linística e verbal da comunicação.
Nesse sentido, os autores referem-se à “dupla moldura”: falas pessoais necessitam
de uma moldura (das bordas) para dar sentido a um fundo de significação. Comunicação é,
assim, ao mesmo tempo, “relação” e “conteúdo”: a relação corporal ou visual dos gestos
encaminha o conteúdo verbal da mensagem. A margem ou moldura (comportamento
analógico: aquilo queo é código, ou seja, nossa postura, nosso jeito) enquadra o texto (o
digital: nossa fala expressa).
A Caminho de uma Nova Teoria da Comunicação
Marcondes Filho entende que a afirmação de que sempre nos comunicamos está
vinculada à interpretação do corpo como linguagem, isto é, ao fato de que o inconsciente
35
P.Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora
Cultrix, 1967, p.45.
36
P.Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora
Cultrix, 1967.
40
revela-se sempre, queiramos ou não. Segundo o autor, a psicanálise clássica baseava-se na
linguagem do corpo para capturar processos psíquicos internos, de difícil acesso à
consciência:
que o ego, estrutura consciente e censora, inviabiliza racionalmente o ingresso do analista
e do paciente às estruturas subterrâneas que, não obstante, aparecem nos sonhos, nos atos falhos e
nos chistes, cabe ao médico sair em busca dessas pistas através do comportamento do paciente. E,
como comportamento é comunicação, a maneira como o corpo se coloca, a posição do tronco, dos
braços, das pernas, as expressões, a postura, a entonação, o olhar, o sorriso, as mãos, tudo isso trai o
paciente, denunciando, trazendo à luz seu inconsciente.
37
Por isso “o corpo fala”, como dizem os manuais populares de psicologia. Isso não
significa, para Marcondes Filho, que se aceite que pode haver comunicação sem intenções,
pois, mesmo negando que se queira comunicar, do ponto de vista do inconsciente, há
intenções, seja na postura, no silêncio ou noo-comunicar.
Para Marcondes Filho, Watzlawick e seus colegas confundem uma transmissão
obrigatória de sinais, um “mero existir”, com o comunicar.
É natural que para comprovar a minha presença no mundo eu tenha de me fazer ver. Mas há
coisas que não são visíveis e que comunicam, há seres que são visíveis e passam totalmente
despercebidos, ou seja, comunicar encerra necessariamente a validação do outro ou das outras
coisas.
38
Ainda segundo o autor, comunicar é partilhar sentimentos, idéias. Comunicamos
pelo olhar, pelo amor. A comunicação ocorre “entre espíritos”.
Marcondes Filho sugere ainda que o mais correto seria dizer que o corpo está
sempre emitindo sinais, já que, segundo a forma com que esse autor compreende o processo
comunicacional, a comunicação pressupõe a troca mais densa, com resultados novos entre
37
Ciro Marcondes Filho, “Gregory Bateson”, existo.com, n.12, jan./fev./mar./abr. 2007, São Paulo, disponível
em <http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/existocom/index.html>.
38
Ver Ciro Marcondes Filho, O Espelho e a Máscara: o enigma da comunicação no caminho do meio,
Discurso Editorial/Editora Unijuí, São Paulo, 2002.
41
os comunicantes e uma real interpenetração de consciências. A emissão de sinais seriam as
formas analógicas, no sentido que Bateson lhe confere. As formas analógicas referem-se,
segundo o autor, ao processo primário do psiquismo, quer dizer, ao inconsciente e suas
manifestações. Já as formas digitais têm a ver com os processos secundários, a elaboração
lingüística e verbal da comunicação. A comunicação analógica está nas origens da evolução
e possui muito mais validade que a comunicação digital dos discursos, das frases, da pura
denotação.
Von Foerster e Luhmann, por sua vez, não acreditam na comunicação, pois “caixas-
pretas” jamais vão se reconhecer. No entanto, se assim fosse, não poderia haver
compartilhamento de emoções, sensações, vivências que algumas formas estéticas, que
certos “entendimentos tácitos”, que certas “telepatias” viabilizam.
Para que possamos analisar a comunicação patológica no vínculo conjugal,
compreendemos aqui a comunicação como o processo pelo qual marido e mulher, pais e
filhos constituem relação uns com os outros. A forma pela qual os elementos do processo
comunicacional podem expressar e simultaneamente comungar a sua subjetividade. Esse
processo não implica todavia a redução ou o nivelamento das diferenças que caracterizam
as relações familiares. Como afirma Orgogozo, “la comunication est une activité d’écharge
– incessante et pourtant improbable – entre deux ou plusiers unités (individuelles,
organizacionelles ou sociales) qui cherchent à modifier leurs comportements mutuels pour
réduire l’incertitude inhérente au fait que ces unités sont et resteront différentes les unes
des autres”.
39
Comunicar efetivamente, para Marcondes Filho, é sentir junto, o mais denso e
profundo que se possa imaginar. É um processo que se realiza em graus distintos de
sucesso. A empatia, a “química” bem-sucedida, a transmissão de sensações, mesmo sem ou
além da linguagem é um fenômeno mais complexo do que parece, o que torna a
comunicação um conceito muito usado, mas pouco conhecido. Para o autor, a comunicação
se realiza em flashes, momentos, cenas breves e passageiras, em situações-chave nas quais
as condições ótimas de co-possibilidade tenham encontrado um síntese favorável.
39
Isabelle Orgogozo, Les Paradoxes de la Communication, Paris, Les Editions d’Organisation, 1988.
42
Zigmunt Bauman, ao tratar do amor, afirma que o mesmo destaca “um” outro de
todo mundo”, e por meio desse ato remodela um” outro, transformando-o num alguém
bem definido”, dotado de uma boca que se pode ouvir e com quem é possível conversar de
modo a que alguma coisa seja capaz de acontecer.
40
Deleuze, ao comentar a obra de Foucault, descreve a forma pela qual esse diferencia
o amor da paixão:
A distinção é antes a distinção entre dois tipos de individuação: um, o amor, pelas pessoas; o
outro, pela intensidade, como se a paixão diluísse as pessoas, não no indiferenciado, mas num campo
de intensidades variáveis e contínuas sempre implicadas umas nas outras (‘era um estado sempre
móvel, mas queo vai em direção a um ponto dado, momentos fortes e momentos fracos,
momentos em que isso é levado à incandescência, em que isso flutua, é uma espécie de estado
instável que se prolonga por razões obscuras, talvez por inércia; em última análise, procura manter-se
e desaparecer... já não faz sentido ser si mesmo...’). O amor, para Foucault, é um estado e uma
relação de pessoas de sujeitos. Mas a paixão é um acontecimento subpessoal que pode durar o tempo
de uma vida, um campo de intensidades que individua sem sujeito.
41
Como procuramos demonstrar nos próximos capítulos, o grande problema da
linguagem parece ser o de não significar nada naquilo que se refere à satisfação emocional.
Os sentimentos estão além da fala. A sensação angustiante da solidão é superada pelo
simples estar junto, seja em um velório, em um bar ou em uma pescaria. A fala entra como
algo puramente acessório. As diversas formas de comunicação, sejam elas analógicas,
digitais ou com qualquer outra denominação, não são suficientes para explicar o
comportamento das pessoas. Existe algo am, perdido e ao mesmo tempo encontrado no
meio dos sentimentos e que o homem não consegue nomear. Parece que é aí que se
encontra a verdadeira comunicação, que modifica e engrandece o ser humano.
40
Zigmunt Bauman, Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, São Paulo, Editora Jorge Zahar,
2004.
41
Gilles Deleuze, Conversações, 1972-1990, Rio de Janeiro, Editora 34, 2000.
43
CAPÍTULO 2
A Família e o Vínculo Conjugal
Para este capítulo procuramos definições relativas à família e, mais especificamente,
ao casamento. Utilizamos autores com uma abordagem sociológica para a compreensão da
família em um contexto histórico e estudiosos do comportamento humano para a
compreensão da família e do casamento como indutores de comportamentos.
A Família
Em seu livro “Amor Líquido”, Bauman cita Jonathan Rowe:
No final da década de 1990, em meio ao boom da alta tecnologia, passei algumas horas num
café na área dos teatros de São Francisco... Observei uma cena recorrente lá fora. A mãe está
amamentando seu bebê. Os garotos estão beliscando seus bolinhos, em suas cadeiras, com os pés
balançando. E lá es o pai, ligeiramente reclinado sobre a mesa, falando ao celular... Deveria ser
umarevolução nas comunicações”, e no entanto aqui, no epicentro tecnológico, os membros dessa
família estavam evitando os olhares uns dos outros.
42
Zigmunt Bauman lembra uma época (de lares/oficinas, de agricultura familiar) em
que os filhos eram produtores e a divisão do trabalho e a distribuição de papéis familiares
se sobrepunham. A chegada de um filho trazia consigo a expectativa de melhoria do bem-
estar da família. Ainda segundo o autor, houve outra época (das fortunas de família
passadas de geração para geração, segundo a árvore genealógica, e da posição social
hereditária) em que os filhos eram pontes entre a mortalidade e a imortalidade, entre uma
42
Bauman, Zigmunt, Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos,o Paulo, Editora Jorge Zahar,
2004.
44
vida abominavelmente curta e a infinita duração da família. Para o autor, vivemos em uma
época em que um filho é, acima de tudo, um objeto de consumo emocional.
Inúmeros autores têm ressaltado as mudanças nos padrões de vida familiar e o
declínio da estrutura patriarcal. Deparamo-nos com novas formas de relacionamento, cada
vez mais igualitárias e menos duráveis. Para Anthony Giddens, essas novas modalidades
afetivas estão relacionadas à transformação da intimidade e podem ser expressas pelo termo
relação pura. De acordo com o autor, tais fenômenos explicitam “uma situação em que se
entra em uma relação social apenas pela própria relação, pelo que pode ser derivado por
cada pessoa da manutenção de uma associação com outra, e que só continua enquanto
ambas as partes considerarem que extraem dela satisfações suficientes, para cada uma
individualmente, para nela permanecerem”.
43
Ainda segundo Giddens, na sociedade que se separa e se divorcia, a família nuclear
gera uma diversidade de laços de parentesco associados, por exemplo, às famílias
recombinadas. No entanto, a natureza desses laços muda à medida que estão sujeitos a
maior negociação do que outrora. As relações familiares costumavam ser tomadas como
certas, na base da confiança; agora, a confiança precisa ser negociada, barganhada, e o
compromisso assume as mesmas proporções que o existente nos relacionamentos sexuais.
É importante ressaltar que a divisão de uma “hisria da família” em épocas,
levando-se em conta a sua estrutura e a importância dada aos filhos, é muito delicada.
Vivemos em um mundo onde diferentes realidades se sobrepõem. Ainda encontramos
inúmeras localidades, principalmente em ambientes rurais, onde um filho representa mais
mão-de-obra para ajudar no trabalho do campo. Da mesma forma, não são raros os casos de
casamentos arranjados em todas as regiões do planeta e muitas famílias consideradas
tradicionais dão grande importância à questão da hereditariedade. Um filho pode ser
considerado, nas palavras de Bauman, um objeto de consumo emocional, em grandes
cidades modernas, onde se vive na lógica do consumo.
43
Anthony Giddens, A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas,
São Paulo, Editora da Unesp, 1993.
45
Para Cajueiro dos Santos,
44
a individualização dos relacionamentos familiares
pressupõe a importância das exigências pessoais em detrimento das regras institucionais. A
qualidade do relacionamento, bem como a ênfase no relacional e na negociação fazem parte
da socialização das crianças, que passam a viver nas chamadas “famílias recombinadas”.
Autores como Castells vêm alertando para a modificação nesse padrão de socialização das
novas gerações, que desde a infância já têm a necessidade de se adaptarem a ambientes
estranhos e aos diferentes pais exercidos pelos adultos. Como resultado desse processo,
“novas personalidades vêm à tona, mais complexas, menos seguras, pom mais capazes de
adaptarem-se a papéis em constante mudança dentro dos contextos sociais, uma vez que
seus mecanismos de adaptação são acionados por novas experiências desde a mais tenra
idade”.
45
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE),
46
o modelo tradicional de família perde, a cada ano, espaço para novas formas de
arranjos familiares. No ano de 2005, essas “famílias tradicionais” passaram a representar
50% do total. Em 1995, eram 57,6%. Isso significa que, pela primeira vez, esse modelo,
apesar de continuar sendo o mais comum, já divide o mesmo espaço dos outros tipos de
famílias, que, somadas, representam também 50% do total. Cresceram, nos últimos dez
anos, as famílias com um único morador (10,4% do total), os casais sem filhos (15,2%), as
mulheres solteiras com filhos (18,3%) e outras formas de arranjos (6,3%).
Esse avanço relaciona-se diretamente ao aumento da expectativa de vida e à
emancipação feminina. No caso dos idosos, como os brasileiros estão vivendo mais,
aumenta o número daqueles que moram sozinhos ou com onjuge sem filhos. No caso das
mulheres, elas aumentam sua presença no mercado de trabalho, adquirem maior
44
Tarcyanie Cajueiro dos Santos,, Por uma cartografia da solidão, tese de doutoramento apresentada à
Escola de Comunicação e Artes da USP, 2003.
45
Manoel Castells, O poder da identidade(a era da informação: economia, sociedade e cultura), o Paulo,
Paz e Terra, 2002.
46
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, “Síntese de Indicadores Sociais 2006, Estudos e
Pesquisas, Informação Demográfica e Socioeconômica, n.19, Rio de Janeiro, 2006.
46
independência financeira e adiam o projeto de ter filhos, o que faz, também, com que a
fecundidade caia.
A emancipação feminina ajuda a explicar por que, de 1995 a 2005, foi de 20,2%
para 28,5% o percentual de mulheres entre o total de chefes de família. Esse aumento
aconteceu mesmo em famílias em que havia cônjuge. Em 1995, do total de mulheres chefes
de família, 3,5% viviam com seus maridos. Em 2005, esse percentual aumentou para
18,6%. Copiamos trechos da análise do IBGE no Anexo 1. Optamos por não copiar as
tabelas, que se encontram disponíveis na página do instituto.
47
Cajueiro dos Santos cita o trabalho das pesquisadoras americanas Florence Kaslow
e Lita Schwartz, segundo o qual houve uma mudança nas razões alegadas para o pedido de
divórcio a partir da década de 1980, nos Estados Unidos. A “falta de entrosamento” e “falta
de comunicação com o parceiro” são respostas obrigatórias nas pesquisas, partindo
prioritariamente das mulheres.
A família como indutora de comportamentos
A família é defendida e atacada com igual veemência. Suas novas formas mais
flexíveis parecem ser tão prejudiciais, na visão de alguns autores, quanto as formas rígidas
tradicionais. Essas, por sua vez, aparecem como responsáveis por oprimir as mulheres,
maltratar as crianças, disseminar a neurose e impedir a comunidade. São também louvadas
por sustentarem a moralidade, serem um freio à criminalidade, manterem a ordem e
perpetuarem a civilização. A família é o lugar de onde se procura desesperadamente fugir e
o lugar onde nostalgicamente se procura refúgio. Para alguns, a família é enfadonha,
sufocante e intrometida; para outros, é amorosa, solidária e confidente.
Entre os estudiosos do comportamento humano com uma visão mais ctica da
família, encontramos R.D. Laing e David Cooper. Para Laing, no espaço emocionalmente
47
Página do IBGE: http://www.ibge.gov.br
47
estanque da família, cada membro tenta regular a vida interior do outro a fim de preservar a
sua própria. A função da família seria, resumidamente, a de criar um homem
unidimensional, de promover o respeito, a conformidade, a obediência, de induzir o medo
do fracasso, de promover o respeito pelo trabalho e de promover o respeito pela
respeitabilidade:
From the moment of birth, when the Stone Age baby confronts the twentiety-century mother,
the baby is subjected to these forces of violence, called love, as its mother and father, and their
parents and their parents before them, have been. These forces are mainly concerned with
destroying most of its potentialities, and on the whole this enterprise is successful. By the time the
new human being is fifteen or so, we are left with a being like ourselves, a half-crazed creature
more or less adjusted to a mad world. This is normality in our present age.
48
A família é vista como uma instituição por vezes destrutiva e exploradora, e como
local onde os seus integrantes procuram aceitação, respeito e atenção. Para o autor, existe
uma batalha constante entre os membros da família, que buscam proteção das opiniões
negativas dos outros membros.
Laing diferenciou a família presente, empírica, e a imagem coletiva ou fantasia da
família internalizada por seus membros, que chamou de “família”. A “família” está sujeita
a idealizações e distorções e pode, grosso modo, equivaler àquilo que alguns terapeutas
definem como o mito familiar.
49
A “família” não consiste meramente de representações
internas dos pais, mas também de irmãos e da família estendida, em padrões conflitantes e
convergentes de relacionamento – padrões que são vividos e sofridos de forma passiva, em
um primeiro momento, para depois serem expressos em sintomas corporais, alterações de
humor e em preocupações incessantes. Mais adiante, quando abordarmos a comunicação
patológica no ambiente familiar, retomaremos a obra de Laing de forma mais detalhada.
48
Peter Levine, R.D. Laing: The Politics of Mind, Toronto, CBC Publications, 1975.
49
Daniel Burston, Family, Phenomenology and Schizophrenia in R.D. Laing, Center for the Philosophy of
Science, 817 Cathedral of Learning, University of Pittsburgh, 1998.
48
David Cooper também se refere a essa “família” internalizada, de que se pode estar
distante milhares e milhares de quilômetros e, mesmo assim, a ela permanecer atado:
Someone I saw was trying desperately to free himself from a complex family situation that
seemed to invade every move he made in relation to his work and his relationship with his wife and
child. Then one day his mother told him a well-known Jewish story. It was about a young man who
fell in love with a beautiful princess in the next town, several miles away. He wanted to marry her
but she made the condition that he would have to cut out the heart of his mother and bring it to her.
He went home and while his mother was sleeping he cut out her heart. Joyously (but secretly only
joyfully) he ran back over the fields to the princess but at one point he stumbled and fell. The heart
fell out of his pocket. As he lay there the heart spoke and asked him, 'Have you hurt yourself, my
darling son?' By being too obedient to the internal mother, projected in one form into the princess,
he became totally enslaved by this internal mother whose omnipresent immortal love he could
never escape again.
50
Cooper pontua algumas características do ambiente familiar:
a) as pessoas têm o hábito de grudarem-se umas às outras devido à sua própria sensação
de incompletude;
b) a família é mais especializada em estabelecer papéis para os seus membros do que em
criar as condições para cada um assumir livremente a sua identidade;
c) a família, na sua função de socialização primária do indivíduo, instila controles sociais
na criança em doses nitidamente maiores do que ela precisaria para sobreviver;
c) a família instila nas crianças um elaborado sistema de tabus.
Watzlawick cita Antonio Ferreira para explicar o mito familiar. Para Ferreira,
recorre-se ao mito familiar, real ou fantasiado, sempre que certas tensões atingem limiares
predeterminados entre os membros da família e quando, de algum modo, essas tensões
50
D. Cooper, The Death of the Family, New York, Vintage Books, 1971.
49
ameaçam perturbar as relações existentes.]O mito tende a manter e, por vezes, até aumentar
ovel de organização da família ao estabelecer padrões que se perpetuam a si próprios
com a circularidade e a autocorreção de qualquer mecanismo homeostático.
51
Mais uma
vez, deixamos para o Capítulo 3 um estudo mais aprofundado da obra de Watzlawik e dos
mecanismos ora descritos.
51
Watzlawick, P.; Beavin, J.H. & Jackson, D. J. Pragmática da Comunicão Humana.o Paulo, Editora
Cultrix, 1967.
50
Os Casamentos
Descrevemos a seguir as principais linhas de pesquisa sobre o casamento,
procurando introduzir, com mais propriedade e embasamento, as teorias de Watzlawick e
seus colegas sobre a pragmática da comunicação humana e a comunicação no casal. Para
tanto, utilizamos como referência o estudo “Marital Research in the 20th Century and a
Research Agenda for the 21st Century”,
52
de Gottmann & Notarius.
A primeira pesquisa publicada sobre o casamento foi um livro de Terman,
Butterweiser, Ferguson, Johnson & Wilson.
53
Eles tinham uma questão principal: “Qual é a
diferença fundamental entre casamentos felizes e casamentos infelizes?”. Essa questão
tornou-se persistente no campo da pesquisa matrimonial durante todo o século XX. Terman
e outros ainda trabalhavam na perspectiva da teoria da personalidade individual e, portanto,
colocavam a questão da seguinte forma: “Existem características (da personalidade) que
são mais favoveis para um casamento de sucesso?”. Os autores não encontraram
evidências que fundamentassem um perfil de personalidade ideal para casamentos felizes.
Pessoas infelizes no casamento, por sua vez, tendiam a reclamar sobre uma grande
variedade de temas, um fenômeno mais tarde chamado de “negative affectivity and
neuroticism”.
Os trinta primeiros anos de pesquisa sobre casamentos basearam-se quase que
inteiramente em medidas de depoimentos pessoais sobre o funcionamento de casamentos e
na procura de respostas a variantes da pergunta original de Terman, eventualmente
incluindo a estabilidade à satisfação. Entre as primeiras descobertas da pesquisa
matrimonial, verificou-se que: em casamentos infelizes as pessoas tendem a validar
praticamente todas as características negativas de seu cônjuge; em casamentos felizes, as
pessoas tendem a destacar praticamente todos as características positivas de seus cônjuges.
Na década de 1980, o mesmo fenômeno é descrito pela attribution theory” da seguinte
52
John Gottmann e Clifford Notarius, “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the
21st Century”, Fam. Proc., v.41, Summer 2002.
53
L.M. Terman, P. Butterweiser, L.W. Ferguson, W.B. Johnson e D.P. Wilson, , Psychological factors in
marital happiness, Stanford, CA, Stanford University Press, 1938.
51
maneira: em casamentos infelizes, as pessoas tendem a atribuir as coisas negativas que seus
njuges fazem a traços de personalidade duradouros e vergonhosos (o mais comum sendo
o egoísmo) e atribuem as atitudes positivas de seus pares a efêmeros fatores situacionais.
Em casamentos felizes, as pessoas atribuem as atitudes positivas de seus parceiros a
qualidades duradouras de sua personalidade e as coisas negativas a efêmeros fatores
situacionais. Desta forma, chegou-se à conclusão de que não era tanto a personalidade de
cada um, mas sim a percepção da personalidade do outro que se relacionava à satisfação
conjugal.
54
A percepção do outro
Notarius e outros
55
foram pioneiros ao adotar metodologia para mapear a interface
entre percepção e comportamento em sua investigação experimental dos conceitos de
domínio do sentimento positivo ou negativo (positive or negative sentiment override). O
conceito de donio do sentimento implica uma discrepância entre a avaliação subjetiva do
comportamento do cônjuge e a observação de um terceiro a respeito do mesmo
comportamento. A observação de discrepâncias entre a avaliação do comportamento do
njuge por parte do seu parceiro e por parte de um observador imparcial é que define o
domínio do sentimento negativo ou positivo.
Os autores encontraram uma surpreendente similaridade entre esposas não-infelizes
(nondistressed wives) e maridos infelizes e não-infelizes (distressed and nondistressed
husbands). A percepção de esposas infelizes estava sob forte influência do domínio do
sentimento negativo e era menos provel que essas mulheres reagissem negativamente às
atitudes negativas de seus maridos. Em contraste, era mais provável que esposas não-
54
John Gottmann e Clifford Notarius, “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the
21st Century”, Fam. Proc., v.41, Summer 2002.
55
Notarius et al., “Exploring the interface between perception and behavior: An analysis of marital interaction
in distressed and nondistressed couples”, Behavioral Assessment, 11: 39-64, 1989.
52
infelizes e maridos infelizes e não-infelizes avaliassem, de forma subjetiva, as mensagens
negativas de seus parceiros como neutras ou positivas; mesmo quando a avaliação era
negativa, era menos provável que os parceiros respondessem de forma negativa.
No Anexo 2 copiamos trechos da pesquisa “Perceptions of power and interactional
dominance in interpersonal relationships”, publicado por Dunbar & Burgoon, em que os
autores descrevem estudos nos quais se compara a percepção de um indivíduo das suas
tentativas de controle verbais e não-verbais com a percepção dos outros sobre essas
mesmas tentativas. O estudo de Dunbar & Burgoon será tratado com mais detalhes no
Capítulo 3 quando abordarmos o poder e o vínculo conjugal.
Heinz von Foerster – equívocos da percepção e equívocos da linguagem
Para Heinz von Foerster os indivíduos não percebem o mundo a sua volta ou, se o
percebem, o fazem a sua maneira, de forma autocriativa. Mesmo com a linguagem, a
percepção do mundo é pessoal e precária.
56
Von Foerster relata o caso de seu amigo, o Dr. Viktor Frankl, psiquiatra vienense,
ex-sobrevivente de campo de concentração, que perdeu seus pais e esposa na guerra, mas
ajudava outros sobreviventes a recompor sua vida. O autor então comenta sobre um casal
que também tinha estado num campo de extermínio nazista e voltou a se reencontrar em
Viena, e que, dois meses após esse fato, a mulher morreu. O homem, que havia entrado em
forte depressão, que vivia encurvado de dores, que se sentava na cozinha num banquinho e
não comia, não queria falar, só queria ficar só, que não dava ouvidos a ninguém, resolveu,
então, visitar o Dr. Frankl. O médico lhe disse: Imagine o Sr. que Deus me desse a força
de criar uma mulher que fosse exatamente igual à sua, não apenas na aparência, na fala, nos
gestos, mas também na harmonia intelectual e espiritual que vos tiveram juntos. E que o
56
H. von Foerster, Sicht und Einsicht [Vista e conhecimento]. Versuche zu einer operativen
Erkenntnistheorie, Braunschweig/Wiesbaden, Friedr. Vieweg & Sohn, 1985.
53
Sr. não encontraria nenhuma diferença. Devo criar essa mulher?”. O homem, segundo o
relato de von Foerster, ficou sentado calado por um longo tempo e depois respondeu:
Não”. Levantou-se, deu a mão ao médico, saiu e voltou-se novamente para a vida. Von
Foerster ficou perplexo: como havia conseguido tal façanha? Ao que o Dr. Frankl lhe
respondeu: “s nos vemos a nós mesmos pelos olhos do outro. Quando ela morreu, ele
ficou cego. Mas quando ele viu que estava cego, então ele pôde ver”.
57
Para Heinz von Foerster, experiências como essa indicam que vemos e ouvimos
coisas que não estavam lá ou que não emitiram sons, ao mesmo tempo que ignoramos o que
de fato estava lá. Mas isso não é apenas uma deficiência perceptiva “normal”; em casos
sociais mais amplos torna-se uma verdadeira “doença” moderna. O observador não apenas
não vê, ele o vê queo . Estaríamos tendendo, nas sociedades modernas, a sermos
pessoas “disnósticas”, indivíduos que não conseguem avaliar sua própria identidade.
Ainda segundo von Foerster, a realidade ou o ambiente que percebemos é nossa
invenção, visto ser a codificação do mundo externo algo exclusivamente subjetivo.
Segundo Marcondes Filho,
58
essa tese não é nova. No século XVI, Montaigne já afirmava
que as coisas em si mesmas podem ter seu peso, sua medida, suas condões intrínsecas,
mas, dentro de nós, a alma as transforma como entende, dá uma nova vestimenta a tudo o
que captura do ambiente externo. As almas dos humanos, explica ele, “não se puseram de
acordo” acerca dos estilos, das regras e das formas e que não cabe nos desculparmos com
as qualidades externas das coisas, pois cabe a nós determiná-las. Para Heinz von Foerster, a
descrição realizada pelo cérebro ocorre em vários momentos. A cada nova fase de todo o
processo mental, a coisa é mais uma vez retrabalhada, reduzindo-se o ato de conhecer a um
cálculo de uma descrição da realidade.
57
H. Von Foerster, Short Cuts, Frankfurt am Main, Zweitausendeins, 2002.
58
Ciro. Marcondes Filho, “O Círculo Cibernético”, existo.com, n.12, jan./fev./mar./abr. 2007, São Paulo,
disponível em <http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/existocom/index.html>.
54
A perspectiva interacional
Com o estudo de normas e padrões de desenvolvimento da satisfação conjugal,
chegou-se a algumas constatações. Burguess
59
chegou à conclusão de que, para a maioria
dos casais, a satisfação conjugal era alta logo após o casamento e depois se iniciava um
lento, contínuo e considerável decnio. A marcha contínua em direção à decepção, miséria
e desilusão aparentava ser característica de quase todos os casamentos. Muitos estudos
apontavam a chegada de filhos como geradora de estresse e responsável por uma queda
íngreme e perigosa na felicidade conjugal.
60
Na década de 1950, houve uma grande mudança na pesquisa conjugal com o
advento de uma perspectiva interacional, que tomou o lugar de uma perspectiva focada na
personalidade (Terman). Essa mudança aparece, pela primeira vez, no clássico artigo sobre
o duplo vínculo (double bind) de Bateson, Jackson, Haley & Weakland (1956). O artigo
sugeria, como veremos no Capítulo 3, que padrões interacionais disfuncionais rigidamente
enraizados poderiam ser observados em famílias com o desmantelamento dos componentes
básicos, verbais e não-verbais, da mensagem enviada e recebida. Mais adiante, os autores
sugeriam que esses padrões repetitivos de comportamento interativo tinham profundas
implicações para esquemas disfuncionais de pensamento.
A hitese interacional surgia, dessa forma, para explicar como interações
específicas dentro do ambiente familiar se relacionavam e até que ponto eram responsáveis
por psicopatologias de membros da família (Bateson et al., 1956; Watzlawick et al.,
1967).
61
Esta abordagem marca o início de uma grande mudança de perspectiva. Não é
mais a personalidade individual a principal determinante de bem-estar ou infelicidade
59
E.W. Burgess, e P. Wallin, Engagement and marriage, Philadelphia, J.B. Lippincott, 1953.
60
John Gottmann e Clifford Notarius, “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the
21st Century”, Fam. Proc., v.41, Summer 2002.
61
G. Bateson et al., “A caminho de uma teoria da esquizofrenia”, in Schizophrenie und Familie, Frankfurt/M,
Suhrkamp, 1984, p.11-43, extraído de: “Towards a Theory of Schizophrenia”, Behaviour Science, v.1, p. 251-
246, 1956, trad. Ciro Marcondes Filho. P. Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson, Pragmática da
Comunicação Humana,o Paulo, Editora Cultrix, 1967, p.45.
55
pessoal, mas sim as interações sociais com outros as principais responsáveis pelo bem-estar
físico e psicológico.
No final da década de 1960 e na década de 1970 aparece uma grande gama de
perguntas sobre aquilo que poderia ser considerado “disfuncional” tanto no comportamento
interativo como na cognição em relacionamentos. Na área conjugal, o esquema cognitivo
disfuncional identificado por Paul Watzlawick sugeria a existência da atribuição de
características ou coisas a um parceiro sem evidência adequada ou da espera que o ouvinte
soubesse aquilo que o falante necessitava sem que nenhuma informação explícita fosse
fornecida. Esse esquema será tratado com maior detalhamento nos próximos capítulos.
Em “The mirages of marriage” (1968), Lederer & Jackson sugerem que ilusões
românticas não-realistas e altos padrões, também irrealistas, sobre o amor eram
características de casamentos infelizes e instáveis.
62
Passamos à alise das ditas ilusões românticas sobre o amor, fundamentais para a
compreensão do vínculo conjugal.
O Amor Romântico
Segundo Anthony Giddens, a difusão dos ideais de amor romântico libertou o
nculo conjugal de laços de parentesco mais amplos e proporcionou-lhes um significado
especial. Maridos e esposas são vistos cada vez mais como colaboradores em um
empreendimento emocional conjunto. O “larpassou a ser considerado um ambiente
distinto, separado do trabalho e, pelo menos em princípio, converteu-se em um local onde
62
W.J. Lederer, e D.D. Jackson, The mirages of marriage, New York: W.W. Norton, 1968.
56
os indivíduos poderiam esperar apoio emocional, em contraste com o cater instrumental
do trabalho.
63
No entanto, para Freire Costa, sem a retaguarda de laços culturais mais vastos, o
amor tornou-se derrisório. Insistindo em ser o mesmo num mundo que se tornou outro, o
ideal amoroso fez explodir contradições latentes em sua história cultural: “Em vão
quisemos fazer dele um só e o mesmo passaporte para a ‘ilha dos prazeres’ e para o céu das
emoções perenes”.
64
Ainda segundo o autor:o amor não é uma impostura e também não é
o sagrado profanado por nossa impiedade narcísica (…) O amor é uma crença emocional e,
como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou
abolida (…) O amor foi inventado como o fogo, a roda. Nenhum de seus constituintes
afetivos, cognitivos ou conotativos é fixo por natureza”.
65
O autor explica ser a imagem do amor transgressor e livre de amarras mais uma
peça do ideário romântico, destinado a ocultar a evincia de que os amantes, socialmente
falando, são, na sua maioria, sensatos, obedientes, conformistas e conservadores. O amor é
seletivo como qualquer outra emoção presente em códigos de interação e vinculação
interpessoais.
Freire Costa ainda utiliza Sartre, Simmel e Péret para descrever as regras do
aprendizado emocional seguidas no exercício do amor:
Quando analisamos mais detidamente o amor romântico imaginado pelos autores – e é de
amor rontico que, inegavelmente, se trata –, vemos que pelo menos cinco injunções estão contidas
nele: a) a idealização de um sentimento pessoal, apresentado como pleno,gico, extico e superior
em intensidade e gozo a qualquer outra experncia emocional do indivíduo; b) a desqualificação
moral do exercio puramente físico da sexualidade; c) a exigência de uma sexualidade livre e, ao
mesmo tempo, submissa ao amor. Só esta última condição a torna digna do amor sublime; d) o
estabelecimento da sexualidade como pré-requisito da realização do amor sublime e a conseqüente
63
Anthony Giddens, A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas,
São Paulo, Editora da Unesp, 1993.
64
Jurandir Freire Costa, Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico, Rio de Janeiro, Rocco, 1998
65
Idem.
57
“sexualização do universo” e, por fim, e) a exigência de que o indivíduo entregue sua chance de
felicidade ao acaso, que a ele pertence o poder de revelar a pretensa imagem do ser amado que ele
possui sem saber, e que corre o risco de jamais encontrar enquanto viver, pois pode sempre confundi-
la com mais uma miragem. Vistas de perto, as exigências do ideal romântico são tão duras quanto a
maioria dos ideais de autoperfeição que o Ocidente inventou.
66
Victor Dias define o vínculo amoroso como a atração erotizada entre o homem e a
mulher.
67
Ele é responsável pela sensação de encantamento do casal, e é o que sustenta a
relação de amor. O vínculo amoroso se instala a partir de um foco de atração que vai
desencadear uma paixão ou uma situação de encantamento.
Tanto a paixão como o encantamento podem ser entendidos como sentimentos, nos
quais existe uma intensa atração pela pessoa amada e uma sensação de que ela possa
preencher todas as lacunas afetivas da outra. É uma sensação de ter encontrado uma alma
gêmea. O autor diferencia o estado de paixão do de encantamento pelo fato de a paixão,
além do encantamento, reeditar uma relação diádica e a ilusão do amor incondicional.
No estado de paixão ou de encantamento, diz Dias, a pessoa amada tende a ser vista
e sentida como perfeita, além de ser capaz de preencher todas as lacunas psíquicas e
afetivas do parceiro. É um estado no qual existe uma forte carga de admiração pela pessoa
amada. A admiração é um sentimento diretamente ligado à erotização e qualquer perda de
admiração tende a influenciá-la. Outra sensação presente nesse estado de encantamento é a
de serem almas gêmeas e sentirem, pensarem e perceberem da mesma forma, criando a
sensação de intensa cumplicidade.
Segundo o autor, esse estado de encantamento e de paixão tende a ser transitório e,
com a convivência, vai se abrindo espaço para uma visão mais realista da pessoa amada.
Essa visão mais realista implica necessariamente uma fase de decepção, desencanto e
frustração em relação à pessoa amada.
66
Idem.
67
Victor R. C. S. Dias, Vínculo conjugal na análise psicodramática: diagnóstico estrutural dos casamentos,
Agora, São Paulo, 2000.
58
Dessa forma, a evolução do estado de encantamento e de paixão, dentro do vínculo
amoroso, passa necessariamente por uma fase de decepção, desencanto e frustração, quando
vão sendo observados os traços de personalidade menos nobres e até mesmo traços
neuróticos na pessoa amada, outrora vista como perfeita.
Para Dias, o melhor antídoto da paixão é a convincia. Não se tem notícia, na
literatura mundial, de nenhuma paixão que tenha sobrevivido a ela, exceto as paixões
platônicas em que, por circunstância ou por impedimentos, a convivência entre os amantes
foi impossível.
O processo de desencanto e de decepção vai interferir no sentimento de admiração,
causando uma perda de erotização em relação à pessoa amada.
Na medida em que o casal consegue estabelecer um diálogo franco e sincero sobre
as decepções e assumir suas características menos nobres e mesmo seus traços neuróticos,
um diante do outro, vão se instalando intimidade, cumplicidade e confiança, que serão a
plataforma de sustentação para a relação de amor. Além disso, possibilita o retorno da
admiração em bases mais realistas e, conseqüentemente, o favorecimento do clima
erotizado entre eles.
Destacamos outro trecho do livro Amor Líquido, de Zigmunt Bauman:
A afinidade nasce da escolha, e nunca se corta esse cordão umbilical. A menos que a
escolha seja reafirmada diariamente e novas ações continuem a ser empreendidas para confirmá-la, a
afinidade vai definhando, murchando e se deteriorando até se desintegrar. A intenção de manter a
afinidade viva e saudável prevê uma luta diária e não promete sossego à vigilância. Para nós, os
habitantes deste líquido mundo moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se
ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode ser mais do
que aquilo que estamos dispostos a exigir numa barganha.”
68
68
Zigmunt Bauman,,. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, Editora Jorge Zahar, São Paulo,
2004.
59
Para Bauman, o cidadão da nossa “líquida sociedade moderna” e seus sucessores
são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e dedicação próprias, nos
laços que pretendem usar com o resto da humanidade. No entanto, nenhuma das conexões
que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes ou obsoletos tem a
garantia da permanência. De qualquer modo, eles só precisam ser frouxamente atados, para
que possam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem – o
que, na “modernidade líquida”, decerto ocorrerá repetidas vezes.
O autor fala de uma misteriosa fragilidade dos vínculos humanos que inspira um
sentimento de segurança e estimula desejos conflitantes de apertar os laços e ao mesmo
tempo mantê-los frouxos. O amor seria, para Bauman, uma das respostas paliativas a essa
bênção/maldição da individualidade humana, que tem como um de seus principais atributos
a solidão.
Em entrevista com a terapeuta familiar Helena Maffei Cruz, perguntamos os
motivos pelos quais os casais se separavam com tanta freqüência. Para Maffei Cruz, os
casais se separam tanto porque o exercício da construção do “nós”, em uma sociedade que
privilegia tanto o prazer, é dificultado, afetivamente, pelo discurso do amor romântico e,
pragmaticamente, pelo discurso moderno dos direitos e das quantificações. A comunicação
nos casais, segundo a terapeuta, é difícil porque estamos imersos em discursos sociais que
não favorecem a renúncia, o abriro, o negociar e o esperar.
Para Maturana, o problema ético fundamental que um homem enfrenta como um
membro-observador de uma sociedade é a justificação ética das relações particulares de
cessão de autonomia e de individualidade que ele exige de si mesmo e dos outros membros
da sociedade, que ele gera e valida como sua conduta.
Humberto Maturana acredita ainda que o amor seja o fundamento do femeno
social. Para o autor, os fenômenos sociais, em um domínio qualquer de interação, duram
somente enquanto o amor persistir nesse domínio. Ele afirma que a origem antropológica
do homo sapiens não ocorreu através da competição, mas sim através da cooperação, e a
60
cooperação só pode se dar como uma atividade espontânea através da aceitação mútua, ou
seja, através do amor.
69
Dessa forma, a sociedade não se rege pelo conflito, mas pela harmonização, e a
emoção fundamental na história dos homens é o amor. Há ódios, lutas, matanças, mas tudo
termina na aceitação do outro. Cada vez que há destruições, fracassos, guerras, quando se
acaba a loucura da destruição, o que aflora sempre é o amor. Ele é um fenômeno biológico,
um encaixe dinâmico recíproco e espontâneo que não requer justificação.
Ainda segundo Maturana, a maior parte do sofrimento humano surge com a negação
do amor, e a maior parte de nossa falta de compreensão do sofrimento humano resulta de
nossa falta de compreensão do papel fundamental que o amor desempenha na biologia
humana. A sociedade, no fundo, é solidariedade. “O humano se constitui na história dos
primatas bípedes à qual pertencemos, com a origem da linguagem. E a linguagem se origina
em uma certa intimidade do viver cotidiano, no qual nossos antepassados conviviam
partilhando alimentos, na sensualidade, em grupos pequenos, na participão dos machos
na criação das crianças, no cuidado com as crias, nas coordenações de ação que isso
implica”. E ainda: “Assim, temos... sistemas sociais, que são sistemas de convivência
constituídos sob a emoção do amor, que é a emoção que constitui o espaço de ações de
aceitação do outro na convivência. A partir daí, sistemas de convivência fundados na
emoção que não seja amor não são sistemas sociais”.
70
69
Humberto Maturana, A ontologia da realidade, org. Cristina Magro, Miriam Graciano, Nelson Vaz), Belo
Horizonte, Ed. UFMG, 1997.
70
Idem.
61
CAPÍTULO 3 – A Comunicação no Vínculo Conjugal
O Duplo Vínculo (Double Bind) e a Comunicação Esquizofrênica
Gregory Bateson nasceu em 1904, na Inglaterra. Sua formação acadêmica deu-se no
campo da biologia e da genética, tendo posteriormente se dedicado ao estudo da
antropologia e da etnologia. A partir de 1945 e dos encontros com cientistas como H. von
Foerster, N. Wiener e K. Lewin, Bateson desenvolve um interesse especial pela cibernética,
aprofundando os seus conhecimentos no campo dos sistemas e mecanismos de retroação.
No Palo Alto Mental Research Institute, Gregory Bateson, incorporado a uma equipe
pluridisciplinar, estudou a comunicação com base na observação de diferentes formas de
comportamento humano e animal. Em 1951, em colaboração com o prestigiado psiquiatra
Jürgen Ruesch, publica: “Comunicação: a matriz social da psiquiatria”, em que apresenta os
conceitos de codificação, tipo lógico das mensagens (fundamentado na teoria dos tipos
lógicos de Bertrand Russell e Whitehead) e metacomunicação.
Esse investigador, biólogo, antropólogo e etnólogo desenvolveu uma nova
concepção de comunicação, considerando-a como elemento fundamental de compreensão e
explicação do comportamento animal e humano.
Em 1956, Gregory Bateson, juntamente com outros pesquisadores de Palo Alto,
abordou o fenômeno da comunicação esquizofnica de um ponto de vista radicalmente
diferente daquelas hipóteses segundo as quais a esquizofrenia constitui, primordialmente,
um distúrbio intrapsíquico (uma desordem do pensamento, um funcionamento débil do ego,
uma inundação da consciência por material do processo primário etc.) que afeta,
secundariamente, as relações do paciente com as outras pessoas e, finalmente, as relações
destas com ele. Eles procuraram averiguar quais as seqüências da experiência pessoal que
induziriam (em vez de serem causadas por) um comportamento capaz de justificar o
diagnóstico de esquizofrenia. O grupo formulou a hipótese de que o esquizofnico precisa
62
viver em um universo onde as seqüências de acontecimentos são de tal natureza que os seus
hábitos comunicacionais resultarão, em certo sentido, adequados. Isso levou-os a postular e
identificar certas características essenciais dessa interação, para a qual criaram o termo
dupla vinculação (double bind).
Ao aplicar a teoria da comunicação ao distúrbio mental, Bateson sugere que o
defeito não reside no paciente individual, mas na lógica das interações na rede familiar.
Segundo Mark Poster, a aplicação de Bateson da teoria da comunicação à psicoterapia trata
exclusivamente da esquizofrenia. Se, como categoria diagnóstica, a esquizofrenia remonta a
Emil Kraepehn e Eugen Bleuler, no início do século XX, ela só foi identificada com certa
freqüência depois da Segunda Guerra Mundial. Para Poster, a esquizofrenia aparece como
uma nova forma de patologia que sugere um novo tipo de crise social. Ainda segundo o
autor, os sintomas da esquizofrenia são definidos de maneira extremamente vaga pelos
estudiosos da saúde mental, mas os seguintes tros são normalmente mencionados:
fragmentação da experiência que separa os sentimentos das iias e os atos dos
pensamentos, e resulta em comportamento “bizarro”; confusão de fantasia e realidade, de
modo que as palavras tornam-se coisas e a pessoa gera um mundo mental privado; tênues
fronteiras do ego, pelo que a pessoa não pode discriminar entre sua própria ação ou
pensamento e os dos outros; percepção coisificada do eu, de modo que a pessoa sente-se
morta, ou vazia ou manipulada por outras; sentimentos de terror e isolamento que
impossibilitam a confiança em outras pessoas.
71
Consideramos de suma importância tecer alguns comentários sobre os estudos mais
recentes sobre a esquizofrenia. Uma pesquisa publicada na revista Proceedings of the
National Academy of Sciences (PNAS) e citada no jornal O Estado de S. Paulo, no dia 31
de julho de 2007, descreve o trabalho da equipe coordenada por Ari Sawa, diretor do
programa de psiquiatria molecular da Faculdade de Medicina da Universidade John
Hopkins, que alterou geneticamente camundongos para que desenvolvessem esquizofrenia,
tendo por objetivo compreender melhor a doença, que afeta quase 1% da população
mundial. A equipe partiu da descoberta, feita há poucos anos, de que alterações de um gene
71
M. Poster, Critical Theory of the Family, Boston, Beacon Books, 1980.
63
chamado DISC-1 aumentam substancialmente o risco de se desenvolver o transtorno da
esquizofrenia.
Os camundongos modificados mostraram-se mais agitados do que os animais
normais e tiveram dificuldade para encontrar alimentos escondidos, o que demonstrou a
existência de problemas relacionados à hiperatividade, ao olfato e à apatia, existentes em
humanos esquizofnicos. Os exames de ressonância magnética revelaram defeitos
característicos de estrutura cerebral ligados à doença, mas atenuados – sinal, explica Sawa,
de que é preciso mais de um gene para desenvolver a enfermidade.
Esse trabalho vai ao encontro da definição do psiquiatra Mario Rodrigues Louzã
Neto, coordenador do Projeto de Esquizofrenia (Projesq) do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Segundo o psiquiatra, “a
esquizofrenia é uma doença que se caracteriza por uma desorganização de diversos
processos mentais, levando o portador a apresentar vários sintomas. Ela se manifesta em
crises agudas, quando os sintomas são mais intensos, intercaladas com períodos de
remissão. Sua causa ainda é desconhecida. Fatores heredirios e ambientais parecem
contribuir para o seu aparecimento”.
72
Não utilizamos a obra de Bateson como ferramenta para estudar a esquizofrenia
como distúrbio psiquiátrico. Nosso interesse reside naquilo que ele define como
comunicação esquizofrênica no ambiente familiar e que introduz uma nova forma de se
estudar a relação entre comportamento e comunicação.
Bateson iinverter totalmente a maneira freudo-lacaniana de trabalhar a
linguagem. Para efetuar a cura, descarta a remissão a situações e cenas da infância, mesmo
que as patologias tenham origem remota, e, em lugar do modelo energético de Freud,
propõe um modelo centrado “na troca de informações”, à semelhança da segunda lei da
termodinâmica, que fala da troca de energia, dos fluxos internos e do comportamento
recíproco de todos os envolvidos nas situações de conflito. O modelo freudiano perguntava
72
http://www.lincx.com.br/lincx/saude_a_z/saude_mental/esquizofrenia.asp
64
sobre o porquê dos comportamentos; o modelo batesoniano irá se debruçar sobre o como
dos relacionamentos.
Para Bateson e seus colaboradores, as partes obrigatórias de uma situação double
bind são as seguintes:
a) Duas ou mais pessoas. A uma delas referimo-nos, com vistas à definição, como a “vítima”. Não
aceitamos que a double bind seja imposta apenas pela mãe, mas ocorra pela ação conjunta com o pai ou
os irmãos.
b) Experiência repetida. Supomos que a double bind repita-se na experiência da vítima. Nossa hipótese não
evoca nenhuma experiência traumática, mas uma experiência de tal forma repetida, que a estrutura da
double bind torne-se uma expectativa habitual.
c) Uma ordem primária negativa. Esta pode ter duas formas: (a) “Faça ou o faça isso ou eu lhe castigo”,
ou (b) “Se você fizer ou não fizer isso, eu lhe castigo”. Neste caso, escolhemos um contexto de
aprendizado que se estrutura mais fortemente no evitar da punição do que na busca de recompensa. Não
há possivelmente nenhum motivo formal para esta escolha. Partimos do pressuposto de que a punição
consiste ou numa supreso do amor ou numa manifestação de ódio ou irritação, isto é – em sua forma
mais devastadora – consista naquele tipo de abandono que corresponde à expressão de extremo
desamparo por parte dos pais.
d) Uma ordem secundária, que entra em conflito com a primeira num plano mais abstrato e, como a
primeira, é imposta por meio de punição ou sinais, que ameaçam a vida. Esta ordem secundária é mais
difícil de descrever que a primeira, por dois motivos. Em primeiro lugar, a ordem secundária é
transmitida à criança geralmente por caminhos não-verbais. Postura do corpo, gestos, voz, atitudes
adequadas e as implicações escondidas na comunicão verbal são utilizáveis para a transmissão dessas
mensagens mais abstratas. Em segundo lugar, a ordem secundária pode chocar-se com um elemento da
ordem primária. A verbalização da ordem secundária pode, por isso, abranger um amplo campo de
formas, como, por exemplo: “Não veja isto como uma punição”, “Não me veja como alguém que pune”,
“Não obedeça às minhas ordens", "Não pense naquilo que você não pode”, “Não duvide de meu amor,
para o qual a ordem primeira é (ou não é) um exemplo” etc. Outros exemplos são possíveis quando a
double bind não é imposta apenas por uma pessoa, mas por duas. Assim, por exemplo, o pai ou a mãe
podem, num plano mais abstrato, negar a ordem um do outro.
e) Uma ordem negativa terceira, que proíbe à vítima de abandonar o lugar. No sentido formal, talvez não se
necessite mencionar esta ordem como um aspecto separado, já que o reforço a ambos os outros planos é
65
ameaçador da vida e torna uma fuga praticamente impossível, quando as double binds são impostas
durante a infância. Parece, contudo, que o abandono do território em alguns casos é inviabilizado através
de alguns meios que não são inteiramente negativos: por exemplo, as oscilantes promessa de amor.
f) Finalmente, toda a série de elementos isolados torna-se desnecessária se a vítima aprendeu a perceber seu
universo no esquema da double bind. Quase todas as partes de uma seqüência double bind podem ser
suficientes para desencadear pânico ou raiva. A estrutura das ordens antagônicas pode até mesmo ser
assumida por vozes alucinatórias.
73
Os efeitos da double bind
Segundo Bateson e seus colaboradores, a capacidade de cada indivíduo diferenciar
entre tipos lógicos desmorona no instante em que cai numa situação de double bind.
Quando os autores se referem aos tipos lógicos, eles nos remetem à “Teoria dos Tipos
Lógicos” de Russell e Whitehead (1910), que afirma que existe uma descontinuidade entre
uma classe e seus membros. Nem a classe pode ser um membro de si mesma, e nem pode
um de seus membros ser a classe, pois o conceito utilizado para a classe deriva de um outro
nível de abstração – é outro tipo lógico – em relação ao conceito que se utiliza para os
membros.
A Teoria dos Tipos Lógicos é uma tautologia que pretende explicar como são
gerados, lingüisticamente, os paradoxos do gênero Epimênides de Creta, também chamados
paradoxos russelianos. Seu axioma central pode ser assim resumido: “o que quer que
envolva a totalidade de uma coleção não pode fazer parte dessa coleção”.
74
Assim,
declarações ou proposições, bem como nomes etc., organizam-se em conjuntos que podem
ser distribdos em níveis, ou tipos lógicos, em que os conjuntos ou classeso agrupados
73
G. Bateson, Don D. Jackson, J. Haley, John H. Weakland, “A caminho de uma teoria da esquizofrenia”, in:
G. Bateson et al., Schizophrenie und Familie, Frankfurt/M, Suhrkamp, 1984, p.11-43, extraído de:Towards a
Theory of Schizophrenia”, Behaviour Science, v.1 (1956), p.251-246, trad. de Ciro Marcondes Filho.
74
A. N. Whitehead e B. Russel, Principia Mathematica (apud Watzlawick, Weakland & Fisch, 1977, p.23).
66
em conjuntos de conjuntos, ou classes de classes, sendo cada conjunto um membro do
conjunto de conjuntos a que pertence. Os paradoxos são gerados toda vez que declarações
referentes a membros são associadas a declarações referentes a conjuntos e tratadas como
logicamente equivalentes. Em todos os cretenses são mentirosos”, dito por Epimênides de
Creta, o paradoxo é gerado porque a asserção refere-se a um conjunto (os cretenses), e
Epimênides, nomeado como seu autor (portanto um conjunto que a contém), é identificado
pela expressão “de Creta”, como membro daquele conjunto. Temos assim um conjunto A
que contém um conjunto B e é por ele contido ao mesmo tempo, sem que sejam iguais. O
que Whitehead e Russel demonstraram é que a interpretação dessa asserção exige que
tratemos como equivalentes as expressões “Epimênides de Creta” e “cretenses”, o que gera
um circuito recursivo em que a expressão “Epimênides de Creta” classifica a expressão
todos os cretenses são mentirosos” e é por ela reclassificada, o que exige nova volta ao
circuito e, assim por diante, de tal forma que o resultado formal dessa operação será algo
como “se sim, então não”.
.Em seu artigo “A caminho de uma teoria da esquizofrenia”, Bateson explica que
enquanto na lógica formal tenta-se manter a descontinuidade entre uma classe e seus
membros, essa descontinuidade é foosamente suprimida na psicologia da comunicação
real e devemos contar, a priori, com o aparecimento de uma alteração doentia no
organismo humano quando determinadas estruturas formais dessa supressão entram na
comunicação entre mãe e filho(a).
Ainda segundo esse autor, exemplos de como as pessoas utilizam multiplamente
tipos lógicos na sua comunicação são encontrados nas seguintes áreas:
1. O uso de diferentes formas de comunicação na comunicação interpessoal. “Exemplos
disso são os jogos (brincadeiras), o não-jogo, a fantasia, o ritual (sacrament), a metáfora
etc. Até mesmo com os mamíferos inferiores parece ocorrer uma troca de sinais que
identificam um determinado comportamento com sentido, como ‘jogo’”.
67
2. Humor. É, por exemplo, uma descoberta quando se percebe, de repente, que uma
mensagem não é usada somente metafórica mas tamm textualmente – ou o contrário.
3. A falsificação dos sinais determinadores dos modos. Nos seres humanos, somos
confrontados com fenômenos curiosos da falsificação inconsciente de tais sinais. Isso
pode acontecer no interior do eu – por exemplo, quando o sujeito, como indício de um
jogo metafórico, dissimula de si mesmo sua própria, real inimizade – ou quando o
sujeito falsifica inconscientemente seu entendimento dos sinais determinadores dos
modos, tomando, por exemplo, timidez por desprezo. De fato, a maioria dos erros da
auto-referência encontram-se sob essa rubrica.
4. Aprendizado. O nível mais simples desse femeno é ilustrado pela situação na qual
alguém recebe uma mensagem e age de acordo com ela.
5. Planos múltiplos de aprendizagem e a determinação dos tipos lógicos de sinais. Aqui se
trata de dois grupos inseparáveis de femenos – inseparáveis, pois a capacidade de
operar com múltiplos tipos de sinal representa, ela mesma, uma capacidade aprendida e,
assim, uma função dos múltiplos planos de aprendizado.
Para Bateson, somente seres humanos são capazes da linguagem denotativa.
Animais utilizam-se da linguagem não-verbal, entendem entonações e são capazes até
mesmo de certa metacomunicação, ou seja, da “comunicação sobre a comunicação”. Nas
pesquisas realizadas por Bateson no zoológico Fleishhacker, em São Francisco, ele
constatou que macacos também podiam representar, ou seja, engajar-se em seqüências
interativas cuja unidade de ações era similar mas não a mesma que a de um combate; a
troca de sinais que eles emitiam carregava a mensagem “isto é uma representação”. Trata-
se de uma declaração negativa, diz Bateson, que contém uma metadeclaração
implicitamente negativa, ou “o que estamos fazendo não remete àquilo que isso supõe
remeter”.
68
Também a ameaça é uma espécie de representação, diz Bateson, pois o punho
cerrado não é o mesmo que dar um soco no outro mas sugere um possível soco futuro.
Além disso, há os fenômenos de histrionismo, ou seja, a risada artificial, a simulação de
amizade, as trapaças com o outro, como também há, não raro, aquelas falsificações que
ocorrem inclusive no plano do inconsciente, quando, por exemplo, o desprezo se reveste da
timidez, diz Bateson.
As formas lingüísticas não-verbais estão diretamente associadas ao processo
primário, isto é, aos mecanismos inconscientes. Em nossos gestos, em nossa entonação, na
expressão de nosso olhar, de nosso rosto, o inconsciente se mostra plenamente. Não
escondemos nada. São essas nossas manifestações lingüísticas mais arcaicas e através delas
sente-se a ingenuidade, a simplicidade dos animais, característica essa que desapareceu no
homem.
O artigo trabalha ainda o conceito de “função do ego” (utilizado quando um
esquizofrênico é descrito como dotado de uma “fraca função do ego”) como o processo de
diferenciação dos modos de comunicação, seja no eu (no self) ou entre o eu e os outros. O
esquizofrênico demonstra fraqueza em três âmbitos dessa função: (a) ele tem dificuldade de
subordinar as mensagens que recebe dos outros ao correto modo de comunicação; (b) ele
tem dificuldade de subordinar as mensagens que ele mesmo expressa, verbal ou não-
verbalmente, ao correto modo de comunicação; (c) ele tem dificuldade de subordinar suas
próprias idéias, sensações e percepções ao correto modo de comunicação.
As características gerais dessa situação são as seguintes:
1. O indivíduo envolve-se num relação intensiva, isto é, numa relação em que a ele lhe parece vital
para a sobrevivência poder diferenciar exatamente que tipo de mensagem lhe é transmitida, para que
possa reagir de forma correspondente.
2. O indivíduo é preso em uma situação na qual a outra pessoa exprime dois tipos de mensagens, em
que uma suprime a outra.
69
3. O indivíduo não está em condições de avaliar criticamente a mensagem externalizada para corrigir
sua decisão – a que mensagem ele deve reagir - ou seja, ele não pode chegar a nenhuma constatação
metacomunicativa.
75
Exemplos da práxis clínica
A análise de um incidente que ocorreu entre um paciente esquizofrênico e sua mãe ilustra a
situação double bind. Um jovem que se recuperou de forma relativamente bem de um ataque
esquizofrênico teve no hospital a visita de sua mãe. Ele se alegrou de -la e colocou impulsivamente
seu braço nos ombros dela, fato que a entorpeceu. Ele retirou seu braço e ela perguntou: ‘Você não
me ama mais?’. Ele corou e ela disse: ‘Meu querido, você não precisa ficar sem jeito tão facilmente,
nem ter medo de seus sentimentos’. O paciente, em seguida, já não estava em condições de ficar com
ela mais do que alguns minutos e, depois que ela se foi, ele segurou-se a um assistente e foi posto no
banho.
É evidente que este final poderia ter sido evitado se o jovem pudesse ter dito: ‘Mãe, é
evidente, que você se sente incomodada quando ponho meu braço nos seus ombros e que para você é
difícil aceitar de mim um gesto carinhoso’. Entretanto, essa possibilidade não está à disposição de
um paciente esquizofrênico. Sua forte dependência e adestramento o impedem de exprimir-se
criticamente sobre o comportamento comunicativo dae, embora ela se exprima sobre o dele e o
obrigue a aceitar o complicado procedimento e a tentar se ocupar disso.
76
A homeostase familiar
Em Steps to an Ecology of Mind, Bateson adota o conceito de Don D. Jackson de
homeostase familiar e assinala que todas as famílias tendem a desenvolver padrões de
interação que se tornam muito estáveis e fixos. Qualquer esforço para perturbar o sistema
75
Idem.
76
Ibidem.
70
de família, especialmente nas famílias com comportamento descrito pelo autor como
disfuncional, enfrentará grande resistência por parte de todos os membros.
77
Se o estado de
um esquizofnico melhora durante a hospitalização, o seu regresso à família causará, com
freqüência, uma crise no sistema familiar. Ou o paciente reatará a sua esquizofrenia ou
algum outro membro da família adoecerá. Observando que as famílias de pacientes
psiquiátricos demonstravam, freqüentemente, repercussões drásticas (depressão, acessos
psicossomáticos etc.) quando o paciente melhorava, Jackson postulou que esses
comportamentos e, talvez, portanto, a doença do paciente, eram “mecanismos
homeostáticos” operando para restabelecer o delicado equilíbrio do sistema perturbado.
A estabilidade da família, asseveram Bateson e o grupo de Palo Alto, deriva de sua
estrutura comunicacional, a qual se baseia no laço de retroalimentação. A família não pode
ser vista como um agrupamento de indivíduos distintos, mas como um conjunto de
relações. Os laços entre membros estão profundamente enraizados porque essas relações
comem-se de padrões de mútua expectativa. Assinala Bateson: “Temos de considerar não
só as reações de A no comportamento de B, mas também como essas reações afetam o
comportamento subseqüente de B e o efeito disso sobre A”.
78
Em laços de retroalimentação como esse, o sistema é mantido através das ações
ressonantes de todos os membros e não em pontos distintos da ação individual. Assim, se
um pai faz um gesto de dominação acerca das finanças familiares, isso deve, na grande
maioria dos casos, ser respondido pela mãe e filhos com mensagens de submissão e
aceitação, e só então o laço está completo. Ambos os lados da comunicação devem ser
considerados a fim de se compreender como a família funciona. Nesse sentido, a
esquizofrenia não é “causada” pela mãe, nem é uma “deficiência contida no íntimo” da
criança esquizofrênica; é, isto sim, parte do sistema familiar como um todo.
Os laços de retroalimentação sãorculos viciosos em que o marido censura a
mulher por importuná-lo, enquanto ela o recrimina por retirar-lhe atenção, cada um
77
Gregory Bateson, Steps to an Ecology of Mind, New York, Ballantine, 1972.
78
Citado em Watzlawick, Beavin, & Jackson, Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora
Cultrix, 1967.
71
pensando ser o outro a causa dos problemas da família. De fato, estão ambos envolvidos
num padrão mutuamente confirmatório.
Watzlawick relata o caso de um casal que inicia a terapia conjugal por insistência da
esposa, cujas queixas parecem mais do que justificadas. Seu marido, um jovem bonito,
simpático e esperto, conseguiu chegar ao final do curso primário sem ter aprendido a ler ou
escrever. Durante o serviço militar também conseguiu livrar-se com êxito de um curso
especial para soldados analfabetos. Desmobilizado, começou a trabalhar como operário em
uma construção e viu-se impedido de qualquer avanço ou aumento de salário. A esposa é
uma pessoa atraente, enérgica e extremamente conscienciosa. Em conseqüência do
analfabetismo do marido, ela carrega o fardo das responsabilidades familiares e, em muitas
ocasiões, tem de conduzir seu marido no carro para os locais de novas construções onde ele
trabalha, dado que ele é incapaz de ler as tabuletas de ruas ou plantas da cidade.
Relativamente cedo, no decurso da terapia, o marido decidiu matricular-se em um
curso noturno de alfabetização, mobilizou a ajuda de seu pai como uma espécie de
supervisor de estudos e adquiriu uma proficiência rudimentar em leitura. De um ponte de
vista terapêutico, tudo parecia progredir às maravilhas quando, um dia, o médico recebe um
telefonema da esposa do rapaz, informando-o que não viria mais às sessões conjuntas e que
requerera o divórcio. Como na velha piada, “a operação foi um sucesso, mas o paciente
morreu”. O terapeuta negligenciara a natureza interacional da queixa concreta (o
analfabetismo do marido) e, ao eliminá-la, tinha alterado as relações complementares do
casal, embora esse resultado fosse, exatamente, o que a esposa tinha esperado, em primeiro
lugar, da terapia.
79
79
P. Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora
Cultrix, 1967.
72
O Processo de Mistificação em Laing
… quando não interessa como uma pessoa sente ou como atua, quando não interessa que
significado ela dá à situação, os seus sentimentos ficam privados de validade, os seus atos
desprovidos de motivos, intenções e conseqüências, a situação fica destituída de significado para
ela, de modo que a pessoa é totalmente mistificada e alienada.
80
R.D. Laing irá definir o processo de mistificação dentro dos ambientes familiares. O
autor descreve “o jogo implavel das atribuições”,
81
em que os pais impõe uma identidade
a uma criança. Laing considera as atribuições muitas vezes mais poderosas que as ordens
(ou outras formas de coerção ou persuasão), pois, partindo de pessoas emocionalmente tão
próximas, é impossível ou muito difícil para a criança escapar a internalizá-las. A própria
identidade da criança, a sua experiência e a sua individualidade passam a ser negadas para
se viver a máscara da atribuição parental.
Ainda segundo Laing, no espaço emocionalmente estanque da família, cada
membro tenta regular a vida interior do outro, a fim de preservar a sua própria. O defeito da
família nuclear – e, por implicação, a base para a expressão da esquizofrenia – seria a
necessária, mas excessiva intromissão de cada membro em relação uns aos outros, o que é
inerente a esse tipo de família em que não existe uma real privacidade. Nas famílias
nucleares, os pais afirmam saber melhor do que os filhos o que estava na mente desses, e os
filhos têm dificuldade em formar sua própria separação, uma vez que a identidade deles
está psiquicamente vinculada à dos pais. Essas confusões de intersubjetividade tornam-se
manifestas durante os esforços da criança para separar-se da família durante a adolescência.
Para o autor, cada vez que definimos a realidade para nós mesmos também estamos, em
parte, definido-a para aqueles que estão ao nosso redor:
80
Ronald D. Laing, “Mystification, Confusion and Conflict”, in P. Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson,
Pragmática da Comunicação Humana,o Paulo, Editora Cultrix, 1967.
81
Ver M. Poster, Critical Theory of the Family, Boston, Beacon Books, 1980.
73
When I use a word,” Humpty Dumpty said, in a rather scornful tone, “It means just what I choose
it to mean. Neither more nor less.”
“The question is,” said Alice, “whether you can make words mean so many different things.
“The question is,” said Humpty Dumpty, “who is to be master. That is all.”
82
Aquele que pode definir as coisas é o mestre. Pais definem por seus filhos,
professores por seus alunos, médicos para seus pacientes etc. Segundo Marcondes Filho, a
conquista da consciência significa um acesso direto ao poder. Deter, assim, as regras do
certo e do errado, do verdadeiro e do falso funciona como mecanismo de dominação.
83
O
poder, para Foucault, é precisamente o elemento informal que passa entre as formas do
saber, ou por baixo delas. Daí a expressão “Microsica do Poder”.
84
Para Laing, estamos constantemente dandos em s mesmos e nos outros.
Existem pessoas que se sobressaem “dando nós” e pessoas que se destacam por serem
amarradas por nós. Aquele que amarra e aquele que é amarrado estão, na maior parte das
vezes, inconscientes da forma com que isso ocorre ou mesmo daquilo que está
acontecendo.
85
Segundo o autor, a dupla vinculação de Bateson é um tipo particular de nó: uma
situação em que um indivíduo é compelido a responder a dois comandos contraditórios
apresentados simultaneamente.
82
Lewis Carroll, Alice in Wonderland, New York, Scholastic Inc., 2001.
83
Ciro Marcondes Filho, O Espelho e a Máscara: o enigma da comunicação no caminho do meio.o Paulo,
Discurso Editorial/Editora Unijuí, 2002.
84
Ver Gilles Deleuze, Conversações, 1972-1990, Rio de Janeiro, Editora 34, 2000.
85
R.D. Laing, Knots, New York, Pantheon Books, 1970.
74
Em “Mystification, Confusion and Conflict”,
86
Laing define a mistificação como
uma forma de se confundir, obscurecer, mascarar o que quer que esteja acontecendo, quer
se trate de uma experiência, ação, processo ou qualquer que seja o “assunto”:
The state of mystification, mystification in a passive sense, is possibly, though not
necessarily, a feeling of being muddled or confused. The act of mystification, by definition, tends
to induce, if not neutralized by counteraction, a state of mystification or confusion, not necessarily
felt as such. It may or may not induce secondary conflicts, and these may or may not be recognized
as such by the persons involved.
87
O processo de mistificação é ainda mais potente quando envolve um sistema de
direitos e obrigações em que uma pessoa parece ter o direito de determinar a experiência da
outra ou, de forma complementar, quando uma pessoa possui uma obrigação de
experimentar ou de deixar experimentar ela mesma, os outros ou mesmo o seu mundo. Para
Laing, a mistificação funciona para manter papéis estereotipados e para ajustar pessoas a
moldes preexistentes: os pais lutam para preservar sua própria integração mantendo rígidos
preconceitos sobre quem eles são e quem deveriam ser, quem seus filhos são e deveriam ser
e a natureza da situação que caracteriza a vida em família. Esses pais são impermeáveis às
necessidades de seus filhos que ameacem romper com seu esquema preconcebido e
mascaram ou conciliam situações perturbadoras na família, fingindo que elas não existem:
Imperviousness and masking are very common concomitants of mystification in the present
tense when, for instance, they are backed up by transpersonal action on the other person, when, for
instance, attempts are made to induce the other to believe that his emotional needs are being
satisfied when clearly they are not, or to represent such needs as unreasonable, greedy, or selfish
because the parents are unable or unwilling to fulfil them, or to persuade the other that he just
thinks he has needs but has not “really, and so on.
88
86
R.D. Laing, “Mystification, Confusion and Conflict”, in I. Boszormenyi-Nagy e J. L. Framo (org.),
Intensive Family Therapy: Theoretical and Practical Aspects, New York: Harper & Row, 1965.
87
Idem.
88
Ibidem.
75
Neste contexto, a dupla vinculação de Bateson seria necessariamente mistificadora,
mas a mistificação não precisa se constituir em um duplo vínculo.
No Anexo 3, copiamos casos de mistificação e esquizofrenia no ambiente familiar,
descritos por Laing e que julgamos fundamentais para uma melhor compreensão da forma
como ocorre a comunicação patológica.
O primeiro caso descreve a história de Maya, diagnosticada como esquizofrênica. A
garota, de 28 anos, saiu de sua casa quando tinha apenas oito anos de idade e voltou aos
quatorze, idade em que acha que começou a imaginar “coisas sexuais”. Enquanto viveu
com sua família, tinha um relacionamento muito íntimo com o pai, com quem conversava
muito, nadava, orava etc. Depois de voltar para casa, estava modificada. Já não se sentia tão
à vontade perto do pai e o seu comportamento passou a ser percebido como diferente e
doente pelos pais que, entre outras coisas, achavam que a menina conseguia ler os seus
pensamentos e criavam situações para comprovar sua hipótese.
Laing descreve o comportamento dos pais de Maya como “mistificador” e ilustra a
forma com que persistem em mostrar para a garota que ela está doente e é diferente,
contradizendo suas memórias, sentimentos, percepções, motivos e intenções. Ao mesmo
tempo, as descrições dos pais de Maya acerca daquilo que, de fato, ocorreu é confusa e
contraditória.
Maya algumas vezes reagia a tais mistificações com percepções lúcidas a respeito
delas. Mas isso era muito mais difícil para ela do que para as outras pessoas, pois ela não
mais sabia quando poderia confiar na sua própria memória ou na de seus pais, na sua
perspectiva e “metaperspectiva” ou nas daqueles que a puseram no mundo.
A mãe de Maya constantemente a questionava a respeito de sua memória de uma
forma geral, fazendo-a crer que estava doente, mostrando para a filha que ela: (1) estava
amnésica; (2) não conseguia compreender alguns fatos de forma adequada; ou (3) que
imaginava se lembrar de algo por ter escutado comentários de seus pais sobre o fato há
algum tempo.
76
O segundo caso descrito por Laing é o de Ruby, uma jovem que, aos 18 anos, foi
internada em um hospital psiquiátrico completamente muda e catatônica. Quando
finalmente começou a se expressar, a garota o fazia de forma vaga, desconexa e
constantemente se contradizia. Em um momento ela dizia que a sua mãe a amava para, em
seguida, falar que essa mesma mãe estava tentando envenená-la. Ela ria quando falava de
uma gravidez e aborto recentes e reclamava de vozes que vinham de dentro e de fora de sua
cabeça, chamando-a de “vagabunda”, de “prostituta” e de “suja”. Ela imaginava que
“pessoas” estariam falando sobre ela de forma injuriosa.
Ruby era fruto de uma união ilegítima e havia sido criada por sua mãe, sua tia (ir
da mãe) e um tio. Todos moravam na mesma casa. Sua família vivia assombrada pela idéia
de escândalo e de fofoca, pelo medo daquilo que as pessoas poderiam estar falando ou
pensando. Quando a garota ficou grávida, tudo ficou mais intenso.
Assim que ficaram sabendo da gravidez de Ruby, a mãe e a tia tentaram fazer com
que a menina abortasse na sala de casa com sabão e água quente. Enquanto o faziam,
contavam a Ruby, em meio a lágrimas e reprovações, misturando sentimentos de pena com
sentimentos de vingança, tudo ao mesmo tempo, como ela era tola, como era uma
vagabunda, como se encontrava em uma situação ruim (exatamente como a sua mãe), como
o garoto era um bastardo (exatamente como o seu pai), como a história se repetia...
Essa foi a primeira vez que a sua real condição, de filha ilegítima, foi abertamente
colocada para a garota. Segundo o relato de um primo, Ruby já sabia há muito tempo
daquilo que a família insistia em esconder de todos e dela própria.
Laing ainda descreve a relação conflituosa que Ruby tinha com o tio.
Para o autor, os membros de uma família de um paciente esquizofnico utilizam a
mistificação como o meio preferido para controlar a experiência e ação do paciente
esquizofrênico.
Laing afirma ainda não ter, em sua carreira, visto um pré-esquizofrênico que não
estivesse em um “grande estado de mistificação” antes de sua crise psicótica se manifestar.
O estado de mistificação não é reconhecido por outros membros “ativamente mistificantes”
77
da família, mas é freqüentemente identificado por um membro emocionalmente neutro do
rculo familiar. O episódio psitico pode algumas vezes ser compreendido como uma
tentativa frustrada de se reconhecer o estado de mistificação em que a pessoa se encontra.
O último caso descrito por Laing é o de Ruth. Os pais de Ruth transformam as suas
ações em sinais de um processo patológico, numa tentativa de separar aquilo que Ruth
realmente é daquilo que, para os pais, ela deveria ser.
Quando Ruth veste meias diferentes e quer sair com rapazes, coisa comum para uma
garota da sua idade, os seus pais afirmam que essa não é a Ruth verdadeira, mas sim uma
Ruth doente que sente, faz e fala coisas que ela realmente não gostaria, mas que o
consegue evitar, porque tudo é devido a essa sua doença. A garota “melhora” e percebe que
todas as suas atitudes eram atitudes de uma pessoa doente.
No Anexo 3, os ts casos acima resumidos são descritos com mais detalhes.
78
A Pragmática da Comunicação Humana
Como vimos anteriormente, Watzlawick e seus colaboradores irão tratar da
pragmática, ou seja, dos efeitos comportamentais da comunicação. Em Pragmática da
Comunicação Humana, os autores procuram trabalhar a teoria do duplo vínculo de Bateson,
de modo a convertê-la numa teoria de paradoxos pragmáticos”.
Watzlawick destaca o aspecto relacional da comunicação, em que qualquer
comunicação implica um comprometimento, um compromisso e, por conseguinte, define a
relação. Para os autores, quanto mais espontânea e “saudável” é uma relação, mais o
aspecto relacional recua para um plano secundário. Inversamente, as relações “doentes” são
caracterizadas por uma constante luta sobre a natureza das relações, tornando o conteúdo da
comunicação cada vez menos importante. A discordância sobre como pontuar a seqüência
de eventos estaria na raiz de incontáveis lutas em torno das relações.
No Capítulo 1, descrevemos a comunicação anagica como toda a comunicação
não-verbal. Assim como Bateson, os autores explicam serem as vocalizações, os
movimentos intencionais e os sinais de humor dos animais comunicações analógicas pelas
quais eles definem a natureza de suas relações. “Sempre que a relão é o ponto central da
comunicação, verificamos que a linguagem digital é quase anódina. Este não é apenas o
caso entre animais e entre homem e animal mas em muitas outras contingências da vida
humana, por exemplo, no namoro, amor, socorro, combate e, é claro, em todo o trato com
crianças muito pequenas ou pacientes mentais gravemente perturbados.”
89
A principal “deficiência” da linguagem analógica residiria no fato de não existirem
equivalentes para elementos tão vitalmente importantes do discurso como “se… então”,
ou… ou” e muitos outros. Citando Haley emMarriage Therapy”:
89
P. Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora
Cultrix, 1967..
79
Quando um homem e uma mulher decidem que a sua associação deve ser legalizada com
uma cerimônia matrimonial, eles propõem um problema que continuará durante todo a casamento:
agora que estão casados, permanecem juntos porque desejam ou porque devem?
90
Pelos mesmos motivos, o autor sugere que o divórcio seria sentido como algo muito
mais definitivo se o usualmente seco e desinteressante ato legal da obtenção da sentença
final fosse implementado por alguma forma analógica de separação final. A linguagem
digital é descrita como uma sintaxe lógica sumamente complexa e poderosa, mas carente de
adequada semântica no campo das relações, ao passo que a linguagem analógica possuiria a
semântica, mas não tem uma sintaxe adequada para a definição não-ambígua da natureza
das relações.
Comunicação patológica
Bateson formulou a hitese de que um dos equívocos básicos que ocorrem quando
se traduz de um para outro modo de comunicação é a suposição de que uma mensagem
analógica é, por sua natureza, afirmativa ou denotativa, tal como o são as mensagens
digitais. No entanto, todas as mensagens analógicas são invocações de relações e, portanto,
são propostas relativas às regras futuras da relação: pelo meu comportamento, eu posso
mencionar ou propor amor, ódio, combate etc., mas compete à outra parte atribuir um
futuro valor de verdade, positivo ou negativo, às minhas proposições. É neste ponto que
residiria a origem de todos os conflitos.
Watzlawick afirma haver pouca diferença entre o comportamento dos indivíduos e
das nações: “Quando surge uma séria tensão entre dois países, o passo habitual é romper as
relações diplomáticas e, conseqüentemente, recorrer a comunicações analógicas como
mobilizações, concentrações de tropas e outras mensagens analógicas da mesma espécie. O
90
G. Bateson et al., Schizophrenie und Familie, Frankfurt/M, Suhrkamp, 1984.
80
absurdo de tal procedimento está no fato de que a comunicação digital (procedimento
diplomático) rompe-se no exato momento em que é mais desesperadamente necessária do
que nunca”.
91
No campo pessoal, discrepâncias não resolvidas na pontuação das seqüências
comunicacionais podem redundar diretamente em impasses interacionais em que,
finalmente, as acusações mútuas de loucura ou maldade são proferidas.
Interação simétrica e complementar
Ainda em Pragmática da Comunicação Humana, temos que todas as permutas
comunicacionais ou são simétricas ou complementares. A interação simétrica é
caracterizada pela igualdade e a minimização da diferença; e a interação complementar
baseia-se na maximização da diferença.
Escalação simétrica
Watzlawick afirma que em uma relação simétrica existe o perigo sempre presente da
competitividade. Essa tendência explicaria a “escalada da interação simétrica”, uma vez
que se perdeu a sua estabilidade e ocorreu um desequilíbrio como, por exemplo, nos
conflitos maritais e nas disputas entre nações.
Numa relação simétrica saudável, os parceiros são capazes de se aceitarem
mutuamente, o que leva ao respeito recíproco e à confiança no respeito do outro, e equivale
à confirmação realista e mútua de seus respectivos eus. Se e quando uma relação simétrica
91
Idem.
81
se desintegra, observamos habitualmente a rejeição, mais do que a desconfirmação, do eu
do outro.
Analisando a peça Quem tem medo de Virgínia Wolf?, Watzlawick observa que o
jogo competitivo de George e Martha (casal “patológico” e principais protagonistas) parece
ser um conflito em colaboração ou uma colaboração conflitante:
(…) poderá haver algum “limite máximo” para sua escalada e há regras compartilhadas, como já se
entreviu, sobre o modo de fazer o jogo. Essas regras impõe ressalvas à regrasica de simetria e
conferem ao fato de ganhar (ou perder) seu valor dentro do jogo; sem elas, ganhar e perder não têm
significado algum (…) Assim, como sublinhamos freqüentemente, isso converte-se num novo
round do mesmo velho jogo, com as apostas cada vez mais altas, que os deixa aliviados, mesmo
exaltados, mas não mais sensatos ou diferentes. Pois nada existe para distinguir a sua
metacomunicação da sua comunicação corrente; um comentário, uma súplica, um ultimato sobre o
seu jogo não constitui exceção às regras do jogo e, portanto, não pode ser aceito ou, num certo
sentido, nem mesmo escutado pelo outro. (…) Com efeito, seria extremamente difícil adivinhar, em
qualquer momento, o que acontecerá em seguida. Contudo, seria bastante fácil descrever como
acontecerá entre George e Martha. Pois as varveis que definem aqui a estabilidade são as de
relações, não de conteúdo, e em termos do seu padrão de relação o casal demonstra uma gama de
comportamentos extremamente restrita
.
92
É importante ressaltar o comentário dos autores sobre a previsibilidade da forma, de
como o conflito ocorrerá, repetido mesmo quando o casal for conversar a respeito da sua
comunicação, ou seja, durante a “metacomunicação”. É um padrão que se repete e do qual
dificilmente o casal consegue sair.
Em “Martital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the 21st
Century
93
, Gottmann e Notarius citam ainda pesquisa realizada por Bruman & Margolin
92
Ibidem.
93
John Gottmann e Clifford Notarius, “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the
21st Century”, Fam. Proc., v.41, Summer 2002.
82
(1993) comparando casais com comportamento de agressividade física com casais não-
infelizes e com poucos conflitos. Os casais com agressividade física se caracterizavam pela
reciprocidade de sentimentos hostis e por rígidos padrões de comportamento que eram mais
fortes e duradouros do que aqueles apresentados pelos outros casais. Casais não-infelizes
também apresentavam comportamentos de hostilidade recíproca, mas saíam destes ciclos
de interação negativa com mais rapidez e facilidade. Os dados sugerem que casais violentos
não encontram uma saída ou ritual de saída para suas interações hostis recíprocas ou em
escalada (escalating).
Watzlawick e outros sugerem, com base em observação clínica, que as famílias
patogênicas demonstram, geralmente, padrões de interação mais restritos do que as famílias
normogênicas.
Complementaridade rígida
Já as patologias das relações complementares tendem a equivaler mais a
desconfirmações do que a rejeições do eu do outro: “Nessas relações, observamos um
crescente sentimento de frustração e desespero em um ou ambos os parceiros. Queixas de
sentimentos cada vez mais assustadores de auto-alienação e despersonalização, de abulia
assim como irracionalidade compulsiva (acting-out), são freqüentemente expressas por
indivíduos que, fora de seus lares (ou de qualquer outro modo na ausência de seus
parceiros), são perfeitamente capazes de funcionar em termos satisfatórios e que, quando
entrevistados individualmente, podem parecer muito bem ajustados”.
94
Watzlawick cita o famoso artigo “La folie à deux”, escrito por dois psiquiatras
franceses mais de um século, como o mais notável estudo da patologia das relações
complementares:
94
P. Watzlawick, J.H. Beavin e D.J. Jackson, Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora
Cultrix, 1967.
83
(…) A descrição acima pertence à pessoa insana, o agente que provoca a situação dedelire à
deux”. O seu parceiro é uma pessoa muito mais complicada para definir e, no entanto, uma
cuidadosa pesquisa ensina-nos a reconhecer as leis que são obedecidas por esse segundo parceiro
na insanidade comunicada… Uma vez que o contrato tácito vincula ambos os lunáticos está quase
resolvido, o problema consiste não em examinar a influência do insano no homem supostamente
o mas também o oposto, a inflncia do indiduo racional sobre o delirante, e mostrar como,
através de compromissos mútuos, as diferenças entre eleso eliminadas.”
95
Vínculo conjugal
Victor Dias chama de vínculo conjugal toda e qualquer relação existente no
casamento, entre um homem e uma mulher. O vínculo conjugal abrange o casamento como
um todo e é afetado por qualquer crise que se instale. É composto por três outros vínculos:
o amoroso, o compensatório e o de conveniência. Uma crise conjugal pode se instalar em
qualquer um desses vínculos, comprome-los, ou até mesmo comprometer outros vínculos
relacionados.
O autor compara a estrutura do vínculo conjugal com uma tenda de circo, onde
encontramos, além da lona de cobertura, as vigas mestras e as auxiliares. As vigas mestras
são as que sustentam a lona de cobertura e as auxiliares. Qualquer um dos vínculos que
come onculo conjugal pode funcionar como viga mestra, e qualquer um deles também
pode funcionar como viga auxiliar.
O vínculo amoroso, como vimos no Capítulo 2, caracteriza-se pela atração erotizada
entre o homem e a mulher. É responsável pela sensação de encantamento que se instala
entre o casal, e é o que sustenta a relão de amor. O vínculo amoroso se instala a partir de
um foco de atração que ocorre entre um homem e uma mulher. São três as características
95
Idem.
84
que funcionam como foco de atração entre um homem e uma mulher: atração sexual,
atração afetiva e atração intelectual.
96
Os vínculos de conveniência são os baseados nas relações de interesse que
acontecem entre os parceiros numa relação conjugal.
O vínculo compensatório ou simbiótico é sempre um vínculo de depenncia.
Delegam-se aos parceiros, independentemente da concordância deles ou não, funções
psicológicas que deveriam de responsabilidade de si mesmos.
Ao mesmo tempo em que osnculos compensatórioso fonte de tensão na relação
conjugal, eles também passam a ser um forte elo de ligação e de dependência entre os
parceiros, e ocorre uma estabilidade na relação conjugal. Estabilidade neurótica, mas que
não deixa de ser estável. Dessa forma, é comum vermos casais cujo vínculo amoroso já está
deteriorado, mas o casamento persiste pela impossibilidade de ambos acharem que a
sobrevivência seria viável sem os respectivos parceiros, ou melhor dizendo, sem as
dependências instaladas dos parceiros. D alguns casamentos ficarem mantidos
principalmente pelos vínculos estáveis que, dessa maneira, viram, segundo o autor,
“vínculos neuróticos estáveis”. Os vínculos compensatórios seriam, dessa forma, um
exemplo daquilo que Watzlawick e seus colegas definem como relações complementares.
A crise conjugal assentada sobre o vínculo compensatório está sempre ligada ao
não-cumprimento da função delegada por um ou ambos os parceiros. O parceiro que tem a
responsabilidade sobre a função delegada, com o tempo, passa a se sentir usado, explorado,
cansado, revoltado e deixa de complementar a função da qual foi investido. Isso gera um
rculo vicioso. Quanto mais o parceiro estiver frustrado, mais ele cobra e exige do outro a
complementação. O outro, quanto mais exigido e cobrado, mais revoltado e cansado vai
ficando. Então, ele se nega a cuidar, julgar ou orientar, aumentando a frustração do
primeiro e gerando esserculo vicioso.
96
Ver Victor R.C.S. Dias, “Vínculo conjugal na análise psicodramática: diagnóstico estrutural dos
casamentos, São Paulo, Agora, 2000.
85
Dessa forma, vai se instalando no casal um clima de cobrança, revolta, exincia,
acusações,-vontade, vinganças, pirraças e até mesmo desamor. É um diálogo repetitivo,
no qual o tema é sempre o mesmo e não oferece nenhuma mudança de atitude. O casal se
desgasta e as conseqüências são, além de um foco de tensão permanente na relação, um
clima de retaliação de vingança e de ressentimentos.
Como já vimos anteriormente, a crise conjugal assentada no vínculo amoroso vai ser
o resultado da má elaboração da fase de decepção e de desencanto que, necessariamente, se
segue à fase de encantamento e paixão.
A crise conjugal assentada no vínculo de conveniência está sempre relacionada a um
esvaziamento dos investimentos afetivos e/ou materiais na relão do casamento.
A Manutenção da relação patológica
Os pesquisadores Biglan, Hops & Sherman
97
examinaram a potencial “função” do
comportamento agressivo e do comportamento deprimido na depreso. Eles compararam
casais não-infelizes e casais infelizes com uma esposa deprimida. Primeiramente, eles
observaram que casais com uma esposa deprimida exibiam maiores taxas de
comportamento depressivo do que outros casais observados. Depois, chegaram a duas
interessantes constatações: era menos provável que maridos de esposas deprimidas em
casamentos infelizes se comportassem de maneira agressiva após um comportamento
depressivo da esposa do que maridos de esposas deprimidas em casamentos não-infelizes;
era menos provável que esposas deprimidas em casamentos infelizes tivessem
comportamento depressivo depois que seus maridos tivessem um comportamento agressivo
do que as esposas deprimidas em casamentos não-infelizes. Essas constatações sugeriam
que o sistema conjugal poderia estar mantendo os sintomas depressivos.
97
A. Biglan et al., “Problem solving interactions of depressed women and their spouses”, Behavior Therapy,
16: 431-451.
86
Van Widenfelt (1995),
98
com novo estudo comparativo entre casais holandeses
infelizes e não-infelizes, confirmou um padrão de diferenças interacionais replicadas em
diversos estudos conduzidos nos Estados Unidos da América. Ela definiu comportamentos
interacionais e constatou que casais não-infelizes emitem mais mensagens visando a
resolão de problemas, a validação do parceiro e a exposição de seus pensamentos e
sentimentos. Por outro lado, os casais infelizes emitem mais mensagens para impedir a
resolução de problemas e para invalidar seus cônjuges do ponto de vista emocional.
Segundo Watzlawick, nos conflitos de casais geralmente um dos cônjuges mostra-se
impressionado com a distorção da realidade” produzida pelo outro. Eles constatam que “é
muitas vezes difícil acreditar que os dois indivíduos pudessem ter opiniões tão divergentes
sobre tantos elementos de uma experiência conjunta”. O problema, para eles, está na
incapacidade de ambos metacomunicarem sobre seus respectivos padrões de interação.
Vuchinich
99
estudou disputas que aconteciam naturalmente durante o jantar. Ele
constatou que em 200 casos de conflitos, 67% terminaram em impasses, em que ninguém
cedia e o assunto era deixado de lado. Em 33% dos conflitos a reação mais comum era a de
desistência, quando uma das partes simplesmente se recusava a continuar a discussão. Os
casos de “submissão”, em que uma pessoa cedia ou se comprometia com algo foram muito
raros.
O poder na relação conjugal
O poder é um conceito que os sociólogos inicialmente colocaram como fundamental
para a compreensão dos casamentos. Eles procuravam estender as idéias de status e classe
dovel social para o nível familiar ou conjugal. No entanto, o poder acabou se tornando
um conceito complexo e difícil para o estudo dos casamentos. Todas as formas de se
98
Idem.
99
S. Vuchinich, “Arguments, family style”, Psychology Today, 19: 40-46, 1985.
87
operacionalizar o poder (como quem ganha decisões contestadas) faziam sentido, mas,
diferentemente da satisfação conjugal, elas tendiam a não se relacionar umas com as outras.
Segundo Broderick
100
centenas de estudos foram realizados para se compreender as
relações de poder na família (quem exerce poder sobre quem) e a questão se tornou
complicada e de difícil compreensão. Para o autor, a produção acadêmica sobre poder e
família é volumosa, complexa e muitas vezes contradiria. Todas as definições de poder
necessitam do conflito e a sua quantidade varia enormemente entre famílias e fases da vida.
Além do mais, como vimos, pesquisas observacionais (Vuchinich, 1985) demonstram que a
maior parte dos conflitos durante as refeições terminam em impasses, nos quais ninguém
cede e o assunto é deixado de lado. No restante dos casais, os conflitos terminam, mais
freqüentemente, pela simples desistência de uma das partes. Os casos de “submissão”, em
que uma pessoa cede ou se compromete com algo, são muito raros. Como acessar a
estrutura de poder dentro de uma família em conflitos do dia-a-dia?
Em “Perceptions of power and interactional dominance in interpersonal
relationships”, Dunbar & Burgoon afirmam que a dominação (dominance), a submissão e o
poder m sido considerados já há algum tempo por sociólogos, psicólogos, antropólogos e
estudiosos da comunicação como uma das dimensões fundamentais da relação interpessoal.
Para os autores, poder e dominação são aspectos importantes de todos os relacionamentos
e, principalmente, de relacionamentos pessoais mais próximos, porque as pessoas que se
relacionam dependem umas das outras para atingir seus objetivos. Quando metas eso em
conflito, o poder pode ser exercido como uma forma de se alcançar os seus objetivos em
detrimento dos objetivos do seu parceiro. O poder tem ainda importantes implicações no
casamento e na falia mesmo quando os conflitos nãom à tona.
101
Apesar da sua prevalência na literatura acadêmica, poder e dominação são conceitos
evasivos, definidos de formas diferentes por diversas disciplinas. Eles são freqüentemente
confundidos entre si e com outros conceitos relacionados como ostatus”. Os autores
100
C.B. Broderick, Understanding family process: Basics of family systems theory, Newbury Park, CA, Sage
Publications, 1993.
101
Norah E. Dunbar e Judee K. Burgoon, “Perceptions of power and interactional dominance in interpersonal
relationships Journal of Social and Personal Relationships, 22(2): 207-233, 2005.
88
argumentam que, mesmo com sua clara conexão, o poder e a dominação devem ser
considerados como conceitos separados, e procuram elucidar a conexão entre poder e
dominação de forma conceitual e empírica por meio de uma investigação de como o poder
é percebido e a dominação é exercida em encontros interpessoais próximos.
Ainda segundo os autores, o poder é a capacidade de se produzir efeitos pretendidos
e, mais especificamente, a habilidade para se influenciar o comportamento de outra pessoa.
Por ser uma habilidade como outras habilidades, o poder nem sempre é exercido. Quando
exercido, ele nem sempre é bem-sucedido e, mesmo quando é bem-sucedido, sua
magnitude pode não ser totalmente evidente se ele não se opuser a uma força contrária de
força apropriada. Pessoas poderosas podem não necessariamente estar cientes de seu poder,
da mesma forma que o poder não é somente fundamentado na relação entre duas pessoas,
mas também influenciado por normas culturais e pela sociedade como um todo.
Por outro lado, Dunbar & Burgoon sustentam que a dominação é necessariamente
manifesta. Ela se refere a padrões interacionais, dependentes de contexto e
relacionamentos, nos quais a afirmação de controle por parte de um ator depende da
aquiescência do outro. Se a dominação (dominance) pode ser compreendida em outros
campos do conhecimento como um traço da personalidade, no contexto da comunicação ela
é um estado dinâmico que reflete a combinação de temperamento individual com situações
que exijam, libertem ou encorajem o comportamento dominante. Trata-se de uma variável
bipolar na qual tentativas de controle por parte de um indivíduo são aceitas por seu parceiro
interacional. A dominação interpessoal é definida como atos comunicativos expressivos,
baseados em relações, pelos quais o poder é exercido e a influência obtida. No Anexo 2,
copiamos trecho do estudo de Dunbar & Burgoon no qual os autores descrevem uma série
de indicadores verbais e não-verbais de dominação.
Para os autores, “pessoas extremamente poderosas” não precisam de muito esforço
para exercer controle. Em virtude de seu poder latente, elas mantêm o controle sem ao
menos parecer dominantes. Um bom exemplo para tal afirmação é o padrão interacional de
89
demanda e retirada. Segundo Christensen, Sagrestano & Heavey,
102
o padrão de interação
demanda/retirada caracteriza-se por um parceiro tentando discutir problemas, criticar ou
culpar o outro por problemas, enquanto o outro parceiro procura evitar a discuso,
defender-se contra a crítica e se retirar da interação.
Para os autores, diversos estudos sobre a interação demanda/retirada revelaram que
ela se relaciona a diferenças estruturais de poder. Especificamente, em casos em que um
parceiro quer a mudança e o outro não, os autores argumentam que aquele que procura a
mudança tem menos poder estrutural e a pessoa a quem se pede a mudança tem mais poder
estrutural, pois pode decidir se muda ou não. O uso da demanda e da retirada pode ser
interpretado como o uso de táticas de influência, especialmente até o ponto em que aqueles
com menos poder usam a demanda como uma tática coercitiva para influenciar o seu
parceiro para mudar, enquanto aqueles com menos poder se retiram para proteger o seu
status quo ou evitar a escalada de uma interação conflituosa.
Christensen & Heavey
103
descobriram que o padrão usual de esposa-demanda/
marido-retirada era mais marcante quando o tópico era mais importante para a mulher do
que para o marido. As mulheres, de uma forma geral, querem mais mudanças no que se
refere à proximidade do casal, tarefas dosticas e cuidados com as crianças. Os maridos,
que são presumidamente a parte mais beneficiada e poderosa em um casamento, podem
resistir a cooperar em tais áreas por meio de uma “retirada” da comunicação. Como eles
não têm nada a ganhar discutindo problemas com suas esposas, eles podem preservar seu
status quo e sua posição de poder evitando o conflito ao invés de manifestar o seu poder
por meio do confronto.
102
A. Christensen, L. Sagrestano e C. Heavey, “Perceived power and physical violence in marital conflict
Social Influence and Social Power: Using Theory for Understanding Social Issues”, Journal of Social Issues,
1999.
103
A., Christensen, e C.L. Heavey, “Gender and social structure in the demand/withdraw pattern of marital
conflict” Journal of Personality and Social Psychology, 59: 73- 81, 1990.
90
Da mesma forma, para Dunbar & Burgoon, é improvável que pessoas “fracas
(powerless) expressem suas queixas quando temerem que suas tentativas de controle
possam resultar em retaliações, violência ou término do relacionamento.
Segundo os autores, encontrar casais com exatamente o mesmo nível de poder é
improvável porque as pessoas possuem diferentes tipos de expertise e diferentes recursos
que podem ou não ser avaliados da mesma forma. É mais provável que casais com pouca
diferença de poder tentem exercer controle quando, por exemplo, seus parceiros
questionem suas decisões, do que casais com grandes e claras diferenças de poder. Em
outras palavras, relacionamentos mais igualitários resultam em tentativas de controle
maiores do que naqueles em que há grandes diferenças de poder.
É interessante notar que a dominação é de difícil análise e observação. O casal,
devido a sua proximidade, é levado por uma correnteza de dicas sutis e não-verbais que um
terceiro observador não consegue detectar. Além do mais, homens e mulheres parecem
utilizar diferentes formas para expressar o seu poder para o seu parceiro. A dominação é
assim compreendida como um construto multifacetado, que pode ser demonstrado de
diversas maneiras, mas cujo significado depende do contexto e do observador.
Para Marcondes Filho, o cerne de todas as discussões está no plano das relações em
que se definem, clara ou tacitamente, posições de poder. O autor utiliza Nietzsche, que
propõe, de forma contundente, que na base de todas as relações humanas e mesmo no
âmago do instinto de conservação da espécie está a vontade de poder. O mundo “visto por
dentro”, diz ele, o mundo caracterizado e determinado em seu caráter inteligível, não é
outra coisa senão pura e simplesmente vontade de poder. Onde há “coisa viva”, há a
vontade de poder. Seja no sacrifício, seja nos serviços prestados, seja nos olhares amorosos,
nos traços de decadência, até mesmo lá a vida sacrifica-se pela vontade de poder. Pode-se
tirar tudo, diz Nietzsche parafraseando Martinho Lutero, o corpo, os bens, a honra, os
filhos, a mulher, pode-se deixar tudo isso ir embora, mas o “reino”, esse tem que ficar com
91
a gente! É esse plano, das relações de poder, que detém a posição dominante e que, em
última análise, valida a comunicação.
104
Segundo Deleuze, Nietzsche se felicita por ter sido o primeiro a fazer uma
psicologia do sacerdote, e de ter analisado a natureza de seu poder (o sacerdote trata a
comunidade como um “rebanho” e a dirige inoculando nela o ressentimento e a má
consciência). Mas Foucault redescobre o tema de um poder “pastorale lança a análise
numa outra direção: define-a como “individuante”, ou seja, como querendo apropriar-se
dos mecanismos de individuação dos membros do rebanho. O poder, segundo Foucault,
assim como a potência para Nietzsche, não se reduz à violência, isto é, à relação da força
com um ser ou um objeto; consiste na relação da força com outras forças que ela afeta, ou
mesmo que a afetam (incitar, suscitar, induzir, seduzir etc. são afectos).
104
Ciro Marcondes Filho, “O Círculo Cibernético”, existo.com, n.12, jan./fev./mar./abr. 2007, São Paulo,
disponível em <http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/existocom/index.html>.]
92
CAPÍTULO 4 – O ALÉM DA LINGUAGEM
O estudo “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the 21st
Century”,
105
de Gottmann & Notarius, depois de analisar grande parte dos autores que
utilizamos em nossa pesquisa e diversos outros, conclui que a pesquisa emrica com
famílias problemáticas nunca foi capaz de sustentar a complexa perspectiva dos “padrões
de disfunção comunicacional” – que impediriam um desenvolvimento saudável da relação
– baseada substancialmente em observações clínicas. De uma forma geral, a pesquisa
demonstrou que famílias problemáticas não se caracterizavam pelo uso mais freqüente de
mensagens double-binding, por maior inconsistência entre a comunicação verbal e a não-
verbal ou por menos mensagens metacomunicacionais”.
De forma contrária, os dados demonstraram que famílias problemáticas (ou casais
infelizes) eram simplesmente mais negativas (ou, em alguns poucos casos, menos positivas)
e mais propensas a reagir de forma negativa do que falias e casais mais felizes. Dessa
forma, os dados observados direcionaram pesquisadores para a importância do afeto para a
compreensão de casamentos funcionais e disfuncionais.
Poster,
106
ao criticar a obra de Bateson, em 1972, parecia antever os resultados dos
trabalhos que vêm sendo publicados. Por que, pergunta-se, os problemas de comunicação
acarretariam a perturbação mental? Para o autor, ao contrário de Freud, Bateson não parece
capaz de explicar a relação entre a comunicação defeituosa como erro técnico e distúrbio
emocional. Por que a forma das mensagens levaria ao sofrimento emocional? A única
resposta de Bateson a essa acusação é dada ao nível existencial, não ao de comunicação ou
comportamento: “Os seres humanos têm um empenho nas soluções que descobrem, e é esse
105
John Gottmann e Clifford Notarius, “Marital Research in the 20th Century and a Research Agenda for the
21st Century”, Fam. Proc., v.41, Summer 2002.
106
M. Poster, Critical Theory of the Family, Boston, Beacon Books, 1980
93
empenho psicológico que torna possível serem atingidos do modo que membros de famílias
esquizofrênicas são atingidos”.
107
Para Gottman & Notarius, um bom terapeuta familiar precisaria ser um especialista
em emoções. Os estudiosos da família e da relação conjugal hoje se voltam para a
compreensão de experiências e expressões emocionais e pesquisadores do mundo todo
agora procuram compreender a contribuição da intimidade e de outros processos afetivos
para a satisfação e estabilidade conjugal.
A tese de Marcondes Filho de que as pessoaso se comunicam, salvo raras
exceções, encontra grande respaldo nas conclusões dos autores estudados. O fato de os
padrões comunicacionais, ou seja, a forma pela qual as pessoas se comunicam, e mesmo o
conteúdo de suas falas não terem relação com a maior ou menor felicidade ou “não-
infelicidade” do casal, demonstra que aquilo que Marcondes Filho definiria como uma
mera troca de informações entre as pessoas não define a natureza dos relacionamentos.
Como compreender a intimidade e outros processos afetivos? Será que são
mensuráveis? Ou estaríamos penetrando no que Deleuze descreve como “aquilo que a
simbolização, as instituições, a classificação ainda não esterilizou, aquilo que não perdeu
sua força, que dança por espaços não esquadrinhados, que é energia, tônus, vivacidade,
animação, força vital?
108
Para Deleuze & Guattari (1995), toda fala não passa de “discursos indiretos”. Não
somos os donos de nossos discursos, estamos sempre falando outras falas. Esse contínuo
deslocamento das falas, enunciações, linguagens por diversos períodos de tempo e em
diferentes espaços é o que, segundo os autores, nos torna sempre iguais e sempre diferentes.
Para os autores, a significação está no contexto, para além das enunciações reduzidas,
individualizadas. O sentido não está nas alturas e nas profundidades, mas nas fronteiras”,
isto é, na superfície de contato.
107
Gregory Bateson, Steps to an Ecology of Mind, New York, Ballantine, 1972.
108
Idem.
94
O problema hoje, escreve Deleuze, não é mais fazer com que as pessoas se
exprimam, mas arranjar-lhes vacúolos de solidão e de silêncio a partir dos quais elas teriam
enfim algo a dizer. As forças repressivas não impedem as pessoas de se exprimir, ao
contrário, elas as forçam a se exprimir. A suavidade, o direito de não ter nada a dizer é a
condição para que se forme algo raro ou rarefeito, que merece um pouco ser dito, e que
consiga fugir deste império anônimo do já sentido, do já falado e experimentado.
109
Marcondes Filho trabalha na construção de um discurso em que ao transitório seja
reconhecida a legitimidade, do qual o paradoxo e a ambigüidade não sejam excluídos, e em
que o objeto estranho, cujas pegadas não podem ser recuperadas, seja integrado no trabalho.
Em suma, um saber que valide o espectro de processos, agentes e combinações que
escapam ao campo do empirismo, do imediatamente reconhecível, do formalmente
legitimado. Mas que atue também no campo das temporalidades pontuais que, pela sua
própria natureza, constituem o real enquanto tal.
Segundo o autor, a vida – a razão, o sentido, o conteúdo, o valor, o revelador, o
evocador, o sugestivo – não está seguramente na cristalização dos corpos (na estrutura, na
forma, na instituição ou no corpo social) nem na sua dissolução episódica em crises,
viradas, mudanças de estado, saltos; ela está no jogo dialético dos extremos, no durante, no
corpo pulsante, no organismo vital, vibrante, que interage com o ambiente, que dá e recebe,
forma e desforma, cria e destrói. A razão durante é “a coisa funcionando”, é a tentativa de
ver a comunicação em vários planos: na plenitude de que falava Merleau-Ponty e seu
diálogo, isto é, no plano intersubjetivo associado às formas de entendimento e de
aprendizado do outro além da linguagem.
109
Gilles Deleuze, Conversações, Conversações, 1972-1990, Rio de Janeiro, Editora 34, 2000,
p162.
95
CONCLUSÃO
… El hilo se ha perdido; el laberinto se ha perdido también. Ahora ni siquiera sabemos si nos rodea un
laberinto, un secreto cosmos, o un caos azaroso. Nuestro hermoso deber es imaginar que hay un laberinto y un
hilo. Nunca daremos con el hilo; acaso lo encontramos y lo perdemos en un acto de fe, en una cadencia, en el
sueño, en las palabras que se llaman filosofía o en la mera y sencilla felicidad.
Jorge Luis Borges
Segundo os dados apresentados no estudo de Gottmann & Notarius, podemos
concluir que os sentimentos estão além da fala. O ser humano, com todas as desilusões
amorosas, falta de compreensão, erros de interpretação, insiste em se relacionar, em morar
junto, enfim, em saber que não está só. A presença física do outro em nossa vida é
fundamental, seja em um casamento, em um velório, em um bar ou em uma pescaria. Como
vimos, a solidão, na atualidade, relaciona-se de forma direta a uma necessidade, pouco
clara e evidente, do outro.
A fala parece entrar como algo puramente acessório. Para Bateson, as falas jamais
são diretas e suficientes e, exatamente por esse motivo, confiamos mais nos meios não-
verbais de postura, gestos, expressões faciais, entonação e contexto para comunicar níveis
acima do meramente denotativo.
As diversas formas de comunicação, sejam elas analógicas, digitais ou com
qualquer outra denominação, não conseguem explicar o comportamento das pessoas. O
evento comunicacional, como descrito por Marcondes Filho, não acontece necessariamente
96
entre pessoas que se relacionam para essa finalidade, mas acaba ocorrendo na presença
muda, nos olhares, no contato dos corpos. É algo que se encontra além da linguagem e que
é de impossível mensuração.
Como avaliar o ato comunicativo, o saber comum descrito por Von Foerster, que
aproxima as consciências e realiza a comunicação, como também realiza o amor e a ética,
se não conseguimos identificá-lo, se é impossível a sua compreensão?
Utilizamos as lições de Maturana, para quem a linguagem pode ser concebida como
uma possibilidade de, através da negociação de sentidos e de sons, ampliar a gama de
relações entre pessoas e entre elas e seu ambiente. O problema reside na identificação e na
compreensão dos “sentidos e sons” que comunicam. Nos Metálogos, Bateson já afirmava
que, muitas vezes, parar de falar diz muito mais do que continuar falando. Como
diferenciar os gestos que comunicam daqueles que pouco dizem? Como saber qual o
sentido do silêncio” para cada casal?
Bauman, ao tratar do amor, afirma que ele destaca um outro detodo mundo”, e por
meio desse ato remodela um” outro, transformando-o num “alguém bem definido”, dotado
de uma boca que se pode ouvir e com quem é possível conversar de modo a que alguma
coisa seja capaz de acontecer.
110
Comunicar efetivamente, para Marcondes Filho, é sentir
junto, o mais denso e profundo que se possa imaginar. É um processo que se realiza em
graus distintos de sucesso e que se realiza apenas em alguns momentos, em cenas breves e
passageiras.
Se, como a pesquisa demonstrou, famílias e casais problemáticos não se
caracterizavam pelo uso mais freqüente de mensagens double-binding, por maior
inconsistência entre a comunicação verbal e a não-verbal ou por menos mensagens
“metacomunicacionais”, a resposta pode realmente se encontrar neste além da linguagem,
que Marcondes Filho e Bauman acreditam que seja constituído por momentos intensos,
cheios de troca, de paixão e de cumplicidade.
110
Zigmunt Bauman, Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, Jorge Zahar, São Paulo, 2004.
97
Desde a primeira pesquisa publicada sobre o casamento por Terman et al., a grande
questão, que ainda o foi e, possivelmente, nunca será respondida é: “Qual é a diferença
fundamental entre casamentos felizes e casamentos infelizes?”.
Aprendemos com alguns dos estudos citados que, para a maioria dos casais, a
satisfação conjugal é alta logo após o casamento e depois se inicia um lento, contínuo e
considerável declínio. A marcha contínua em direção à decepção, miséria e desilusão
aparenta ser característica de quase todos os casamentos. Muitos estudos ainda apontam a
chegada de filhos como geradora de estresse e responsável por uma queda íngreme e
perigosa na felicidade conjugal.
Se, como afirma Victor Dias, o melhor antídoto da paixão é a convivência, todos os
casamentos estariam fadados ao fracasso, pelo menos do ponto de vista emocional. Aqueles
que permanecem casados seriam, como acredita Freire Costa, na sua maioria, “amantes”
sensatos, obedientes, conformistas e conservadores.
Acreditamos que as hipóteses de Freire Costa e Victor Dias não encontrem respaldo
em pesquisas acadêmicas. Não as encontramos. Se a felicidade ou infelicidade de um casal
é de difícil mensuração, a definição daquilo que caracterizaria ou não o amor ou a paixão
em um relacionamento também não nos parece muito palvel e foge do objeto do presente
estudo.
Bauman e a terapeuta familiar Helena Maffei Cruz acreditam que o homem, na
atualidade, possui uma maior dificuldade de se relacionar. Ao mesmo tempo em que ele
precisa fugir da solidão, o comprometimento, a renúncia em favor do outro são muito
difíceis e não condizem com o discurso de sua época. Bauman fala de desejos conflitantes
de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos. Para Maffei Cruz, nossa
sociedade privilegia o prazer e a quantificação. A comunicação nos casais, segundo a
terapeuta, é dicil porque estamos imersos em discursos sociais que não favorecem a
renúncia, o abrir mão, o negociar e o esperar.
98
Dessa forma, o homem estaria indo ao encontro daquilo que Maturana acredita ser o
fundamento do femeno social, ou seja, o amor. Se considerarmos os ensinamentos do
biólogo chileno, que afirma que a maior parte do sofrimento humano surge com a negação
do amor, e que a maior parte da nossa falta de compreensão do sofrimento humano resulta
de nossa falta de compreensão do papel fundamental que o amor desempenha na biologia
humana, o fracasso dos casamentos seria resultado da nossa incapacidade de compreender a
importância do amor.
É fundamental ressaltar que o fato de as formas de comunicação descritas como
patológicas por Bateson e Watzlawick não serem decisivas para a maior felicidade ou
infelicidade do casal não significa que elas não existam. Como vimos, os padrões
interacionais descritos pelos autores são comprovados por diversas pesquisas.
A comunicação esquizofrênica, como compreendida por Bateson, pode ser
constatada em situações cotidianas por que todos passamos O autor é hoje citado por
praticamente todos os estudiosos do comportamento familiar.
Os laços de retroalimentação descritos por Watzlawick, ou seja, os círculos viciosos
em que o marido censura a mulher por importuná-lo, enquanto ela o recrimina por retirar-
lhe atenção, cada um pensando ser o outro a causa dos problemas da família, também não
são nada difíceis de se observar no nosso dia-a-dia.
Bateson e Watzlawick dedicam grande parte de seus estudos à linguagem analógica.
Parece-nos que aquilo que os autores descrevem como analógico, os gestos, as trocas com
as crianças pequenas, os movimentos na paixão e no desespero, misturam-se com o que se
encontra além dela mesma, ou seja, com o além da linguagem. A importância da presença
física por si, o conteúdo de momentos de silêncio. A principal deficiência da linguagem
analógica definida pelos autores, o fato de não existirem equivalentes para elementos tão
vitalmente importantes do discurso como “se… então”, “ou… ou”, não interfere no
resultado final, naquilo que realmente importa para a “felicidade ou infelicidade” do casal.
No entanto, a hipótese de Bateson de que um dos equívocos básicos que ocorrem
quando se traduz de um para outro modo de comunicação é a suposição de que uma
99
mensagem analógica é, por sua natureza, afirmativa ou denotativa, tal como o são as
mensagens digitais, é comprovada por diversos estudos. Pelo comportamento, pode-se
mencionar ou propor amor, ódio, combate etc., mas compete à outra parte atribuir um
futuro valor de verdade, positivo ou negativo, às proposições.
Um ponto que chamou nossa atenção foi a análise que Watzlawick e seus colegas
fizeram da peça Quem tem medo de Virgínia Wolf?. Ao descrever os conflitos do casal
George e Martha, o autores afirmam que seria extremamente dicil adivinhar, em qualquer
momento, o que acontecerá em seguida nas brigas do casal. Contudo, seria bastante fácil
descrever “como” o conflito ocorrerá entre George e Martha. Os autores diferenciam as
variáveis de relações daquelas de conteúdo. Verificamos depois, com base nas pesquisas
descritas no Capítulo 3, que muitos casais que se comunicam de forma “mais patológica”,
em termos do seu padrão de relação, demonstram uma gama de comportamentos
extremamente restrita. Tal conclusão vai ao encontro da sugestão de Watzlawick e outros,
com base em observação clínica, de que as famílias patogênicas demonstram, geralmente,
padrões de interação mais restritos do que as famílias normogênicas.
Quando Watzlawick cita o artigo “La folie à deux”, escrito por dois psiquiatras
franceses há mais de um século, comprovamos que a “patologia das relações
complementares” não representa nada de novo. Algumas pessoas parecem escolher seus
parceiros para viver uma situação de “delire à deux”, da qual se tornam dependentes,
mesmo depois do vínculo amoroso, como descrito por Victor Dias, ter-se deteriorado.
A questão da percepção e do comportamento, descrita em pesquisas nas quais
podem-se observar grandes discrepâncias entre a avaliação do comportamento do cônjuge
por parte do seu parceiro e por parte de um observador imparcial, reforça a nossa hipótese
da impossibilidade de se mensurar a comunicação ou a forma com que ela ocorre entre os
casais.
Quando trabalhamos com o poder nos relacionamentos, verificamos que ele tem
importantes implicações no casamento e na família. No entanto, todos os estudos sobre o
poder nos pareceram inconclusivos. Concordamos com Marcondes Filho, que acredita que
a conquista da consciência significa um acesso direto ao poder, que deter as regras do certo
100
e do errado, do verdadeiro e do falso, funciona como mecanismo de dominação. Também
estamos de acordo com os ensinamentos de Laing, segundo o qual existem pessoas que se
sobressaem “dando s” e pessoas que se destacam por serem amarradas pors. Mas os
estudos e pesquisas sobre poder e dominação nos casamentos não conseguem observar o
universo de sentimentos que interferem em cada conflito, a importância de cada disputa
para cada cônjuge, elementos que, a nosso ver, encontram-se naquilo que descrevemos
como o “além da linguagem”.
O que acontece com os casais em momentos de silêncio? O que caracteriza o afeto?
Como compreender um olhar?
Nossa pesquisa termina com a comprovação de todas as nossas hipóteses, a saber: 1
– Nas famílias e, principalmente, nos casais, ocorrem processos que acabam com a
comunicação, restando apenas a troca de informações; 2 - A forma com que a comunicação
ocorre no ambiente familiar é responsável por patologias como a comunicação
esquizofrênica e relações neuróticas em casais; 3 - A tradução de mensagens analógicas
(toda comunicação não-verbal) com a suposição de que são, por sua natureza, afirmativas
ou denotativas, tal como o são as mensagens digitais, redundam em impasses interacionais.
Mas ela termina também com a constatação de que o que mais importa para a felicidade do
casal e, provavelmente, para a felicidade de qualquer pessoa em qualquer situação está
além da linguagem e de todos os processos comunicacionais descritos.
101
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113
ANEXO 1
Síntese de Indicadores Sociais 2006.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
111
(...)
Famílias
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD revela, em 2005, que na
chefi
a feminina das famílias com parentesco cresce a composição daquelas onde figura a
presença do cônjuge. Do total das famílias com parentesco, em 28,3% a chefia é feminina, e
neste conjunto, 18,5% contam com onjuge. Comparando este resultado com aquele
verificado para o ano de 1995, o crescimento é bastante expressivo, quando apenas 3,5%
estavam nesta situação. A nomeação de uma pessoa de referência112 ocorre no seio do
contexto familiar, sendo tomada em função do reconhecimento de seus membros sobre a
autoridade moral ou financeira de um deles. No caso dos levantamentos estatísticos
realizados pelo IBGE, esta indicação se faz necessária em termos operacionais. Com
objetivo de cada vez mais aprimorar os instrumentos de coleta, pretende-se num futuro
próximo investigar não somente a adequação dos termos utilizados até então nas pesquisas
domiciliares, como, também, as razões pelas quais é escolhida uma pessoa como
referência/responsável pelas famílias.
111
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2006. Estudos e
pesquisas, Informação Demográfica e Socioeconômica, número 19. Rio de Janeiro, 2006.
112
Pessoa de referência é a pessoa responsável pela família ou assim considerada pelos demais membros.
Para efeito desta análise, o conceito chefe da família foi considerado como equivalente.
114
A proporção de mulheres na chefia das famílias com parentesco nas áreas
metropolitanas é muito mais elevada do que a nacional (28,3%), variando de 31,0% na
Região Metropolitana de Porto Alegre a 42,0%, em Salvador. Tal indicador sugere uma
mudança de padrão na caracte
rizão das famílias, onde a figura do provedor e/ou responsável
não está mais somente atrelada ao sexo masculino. Certamente, nestas áreas onde o acesso
à informação e ao mercado de trabalho apresentam condições mais favoráveis, as mulheres
têm maiores condições de assumir a chefia familiar.
Em termos gerais, os resultados de 2005 confirmam as tendências já verificadas nos
últimos anos: a redução do tamanho da família devido ao processo de redução da
fecundidade e o crescimento do número de famílias chefiadas por mulheres. Tais
tendências vêm mudando as formas de organização das famílias brasileiras, especialmente,
devido às transformações culturais ocorridas nas últimos anos no mundo industrializado,
resultando em novos tipos de arranjos, fato este que merece estudos específicos para melhor
compreensão da abrangência do fenômeno.
A presença de parentes nas famílias se reduziu entre 1995 e 2005, passando, por
exemplo, no Nordeste de 6,
8% dos arranjos de casal com filhos e parentes para 5,0%. No
Sudeste, o percentual era de 4,8%, caindo para 3,7%. Reduziu-se, também, o percentual de
casal com filhos que era de 63,7% para 53,3%, na Região Nordeste, mudança também
ocorrida no Sudeste. Essa queda é fruto, provavelmente, da redução da fecundidade das
mulheres no País como um todo. Outro resultado expressivo neste período foi o
crescimento das famílias com mulheres com filhos e sem cônjuge na chefia familiar: no
Nordeste, de 17,4% para 20,1% e no Sudeste de 15,9% para 18,3%.
As unidades unipessoais apresentaram um crescimento contínuo e sistemático nos
últimos 10 anos, atingindo quase seis milhões em 2005. Na Região Norte, este tipo de
arranjo é menos freqüente em comparação com as outras regiões do País. Chama atenção o
percentual referentes a Região Metropolitana de Porto Alegre, 15,0%, seguido por 13,8%
na do Rio de Janeiro. É importante mencionar que as unidades unipessoais são ocupadas
em sua maioria por pessoas de mais de 60 anos e, em especial, por mulheres (Tabelas 5.2,
5.7 e 5.8).
115
Quanto à distribuição dos arranjos familiares em relação ao rendimento familiar per
capita, houve uma redução das unidades cujo rendimento não ultrapassa ½ salário mínimo.
Pode-se inferir que este conjunto de unidades familiares vive numa situação vulnerável em
relação ao bem-estar de seus membros. No Nordeste, verifica-se uma queda 3,5 pontos
percentuais (48,4% para 44,9%), mas o contingente ainda é bastante expressivo de pessoas
nestas condições. No Sudeste, em 2005, apenas 15,8% dos arranjos apresentavam estes
patamares de rendimentos, revelando as desigualdades espaciais históricas existentes entre
estas duas regiões.
O tamanho médio dos arranjos familiares diminuiu neste período de 3,9 para 3,4
componentes no Nordeste, e de 3,4 para 3,1 no Sudeste. Todavia, ainda se observa que as
famílias mais numerosas ainda eram aquelas que percebiam um rendimento mensal per
capita menor, enquanto os maiores rendimentos foram característicos das famílias com
menor número médio de pessoas. Este comportamento foi verificado para todos os estados
e regiões metropolitanas.
(...)
Casamentos, separações judiciais e divórcios
As Estatísticas do Registro Civil dispõem de um conjunto de informações voltadas
para os estudos dos arranjos conjugais oficiais no País, revelando o número e as
características dos casamentos, separações judiciais e divórcios, ocorridos em um
determinado ano e permitindo a observação do comportamento destes fenômenos, nos
diversos níveis espaciais. Por se tratarem de informações obtidas junto aos cartórios do
Registro Civil, resultantes, portanto, de atos legais, as uniões consensuais, bem como suas
dissolões, não são objetos
destas estatísticas.
Em 2005, o total de casamentos realizados no Brasil foi de 835 846, 3,6% superior
ao total de 2004. O crescimento do total de casamentos no País vem ocorrendo desde 2001
e, em geral, resulta do aumento do número de casais que procuram formalizar as uniões
116
consensuais. Além disso, a prevalência de uma certa estabilidade econômica, nos últimos
anos, favoreceu o crescimento dos casamentos, visto que este fato social guarda signifi
cativa relação com a disponibilidade financeira dos indivíduos e famílias envolvidos.
A taxa geral de nupcialidade legal
113
, medida mais adequada para avaliar a evolução dos
casamentos no conjunto da população, revela que houve, em 2005, ligeiro crescimento da
relação número de casamentos/ população, em comparação a 2004, sendo, respectivamente,
6,3‰ e 6,2‰. Em 1995, a taxa de nupcialidade estava no patamar de 6,8 casamentos para
cada 1000 pessoas com 15 anos ou mais de idade.
O Acre foi a Unidade da Federação onde se verificou a maior taxa de nupcialidade
(9,6) e o Amapá apresentou a menor, 3,5 casamentos para cada 1000 pessoas, com 15 anos
ou mais de idade, no ano de 2005.
A análise das taxas de nupcialidade legal, por grupos etários, possibilita uma
caracterização mais detalhada dos diferentes padrões de casamento de homens e mulheres.
Em 2005, verificou-se que entre as mulheres a maior taxa de nupcialidade legal ocorreu no
grupo etário de 20 a 24 anos (29,8‰). Os homens, por sua vez, apresentaram uma taxa
mais elevada no grupo cujas idades estavam compreendidas entre 25 e 29 anos (31,3‰).
No Brasil, as taxas de nupcialidade legal das mulheres são maiores apenas nos grupos
etários mais jovens (15 a 19 anos e 20 a 24 anos). Nos demais, as taxas observadas para os
homens são, sistematicamente, maiores que as das mulheres.
Em 2005, 85,9% dos casamentos realizados foram de cônjuges solteiros, percentual
ligeiramente inferior ao de 2004 que foi de 86,4%. O período de 1995-2005 é marcado pela
queda contínua do percentual de casamentos entre solteiros, cuja proporção era de 91,2%,
em 1995. O Amazonas foi a Unidade da Federação com o maior percentual de casamentos
entre solteiros, em 2005 (97%) e o Rio de Janeiro teve a menor proporção (80,8%).
113
A taxa de nupcialidade legal é obtida pela divisão do número de casamentos pelo de habitantes e
multiplicando-se o resultado por 1000. Neste trabalho, foram considerados os casamentos e a população
acima de 15 anos de idade.
117
A análise dos resultados por estado civil dos cônjuges evidencia ainda o
crescimento das uniões legais entre solteiros e divorciados. O percentual de mulheres
solteiras que se casaram com homens divorciados passou de 4,1% para 6,2%, enquanto o de
mulheres divorciadas que se uniram legalmente com homens solteiros cresceu de 1,7% para
3,1%, respectivamente, em 1995 e 2005. Os casamentos entre cônjuges divorciados
também aumentou, foi de 0,8% para 1,9%.
As estatísticas do registro civil permite ainda calcular a idade média dos homens e
das mulheres à época do casamento. Em 2005, para o País como um todo, a média de idade
dos homens na data do casamento foi de 30,2 anos e, para as mulheres, a idade média foi de
26,8 anos.
As separações judiciais concedidas em 2005 foi de 7,4% maior que em 2004,
retomando uma trajetória de crescimento gradativo. Os divórcios tiveram crescimento de
15,5% em relação a 2004.
A taxa de separões judiciais por mil habitantes de 20 anos e mais de idade foi, em
2005, para o País de 0,9‰ enquanto a taxa de divórcio atingiu o patamar de 1,3‰, a maior
taxa dos últimos dez anos.
Na análise da distribuição das 100 448 separações judiciais concedidas pelas
Grandes Regiões do País, observa-se que a tendência de crescimento ocorreu nas Regiões
Norte, Nordeste e Sudeste, enquanto no Sul e Centro-Oeste houve decréscimo de 1,3% e
1,2%, respectivamente.
Já os divórcios, quando comparados com o ano anterior, tiveram, na Região Norte,
crescimento de 17,8% e na Sudeste, a maior elevação, 21,8%. Nas Regiões Nordeste, Sul e
Centro-Oeste, os percentuais de crescimento fi caram abaixo da média nacional,
respectivamente, 15%, 5,8% e 2,9%.
A alteração do marco legal sobre divórcios proporcionou aos casais que decidissem
pelo fi m da união, que, passados dois anos de separação de fato, poderiam entrar
diretamente com o pedido de divórcio, da mesma forma, àqueles que estivessem separados
judicialmente há pelo menos um ano. Esse tipo de medida tem feito com que o volume de
118
divórcios aumente, passando os casais, à época da dissolução das uniões, a optarem pelo
divórcio direto. Em 2005, os divórcios diretos foram de 70,3% do total concedido. Dessa
maneira, os divórcios indiretos representaram 29,7% do total. Os percentuais de divórcios
indiretos vêm gradativamente diminuindo. Em 1995, este percentual era de 31,6%.
Outra explicação para o aumento dos divórcios ao longo da década se refere à maior
participação da mulher no mercado de trabalho, o que permitiu uma independência
financeira maior do cônjuge feminino, reduzindo esse obstáculo para a dissolução da união.
A média de idade dos casais nas separações judiciais e nos divórcios acompanhou o
padrão de alta sistemática ocorrido na década passada. As médias de idade eram mais altas
nos casos de divórcio do que nos de separação judicial, em função da exigência legal de se
ter pelo menos um ano de separação judicial ou dois anos de separação de fato para que o
processo de divórcio possa ser iniciado. Para os homens, as idades médias foram 38,5 anos,
na separação judicial, e 42,9 anos, no divórcio. As idades médias das mulheres foram de
35,4 e 39,4 anos, respectivamente, na separação e no divórcio.
As médias de idade são mais altas nos casos de divórcio do que nos de separação
judicial, em função da exigência legal de se ter pelo menos um ano de separação judicial ou
dois anos de separação de fato, para que o processo de divórcio possa ser iniciado.
O tempo médio transcorrido entre a data do casamento e a da separação judicial
ocorrida em 2005, observado neste ano, foi de 12,1 anos. Constatou-se, ainda, a variação no
tempo de duração dessas uniões legais, conforme a Unidade da Federação. O Amazonas
(9,7 anos) e o Acre (10,3 anos) foram aquelas nas quais esses casamentos tiveram menor
duração. O Rio Grande do Sul e Santa Catarina foram os estados onde o conjunto de uniões
legais analisado foi mais duradouro, 13,9 anos e 13,5 anos, respectivamente.
119
ANEXO 2
Perceptions of power and interactional dominance in interpersonal
relationships
Norah E. Dunbar and Judee K. Burgoon
114
(…)
Verbal and nonverbal indicators of dominance
For quite some time, communication scholars have argued the necessity of studying
both verbal and nonverbal signals of relational states in order to gain an accurate and
complete understanding of relational definitions (e.g., Higginbotham & Yoder, 1982; Jones
& LeBaron, 2002). Although we advocate that all communication studies should include
elements of both
verbal and nonverbal cues, dominance in particular warrants such
treatment.
At the nonverbal level, widely ranging cues have been associated with expressions
of dominance and power (Burgoon, Birk, & Pfau, 1990; Schwartz, Tesser, & Powell, 1982;
Sillars, Coletti, Parry, & Rogers, 1982), and several studies have identified individual
behaviors that are potential control or dominance attempts. One way to divide nonverbal
cues is by the general code used to classify them (such as kinesic, vocalic, proxemic, haptic,
etc.). Kinesics is the richest of all the codes and includes facial expression, eye gaze,
114
Dunbar, Norah E; Burgoon, Judee K. (2005). Perceptions of power and interactional dominance in
interpersonal relationships. Journal of Social and Personal Relationships, Vol. 22(2): 207–233.
120
posture, body movements and gestures, among other facets. Individual kinesic behaviors
that have been demonstrated to be associated with dominance include posture, elevation,
relaxation (Burgoon & Hoobler, 2002; Cashdan, 1998; Schwartz et al., 1982), body lean,
gesturing,
smiling, eye gaze (Burgoon, Buller, Hale, & deTurck, 1984; Kimble &
Musgrove, 1988; Lamb, 1981), and a higher visual dominance ratio (a higher looking-
while-speaking to looking-while-listening ratio (Dovidio & Ellyson, 1982, 1985; Ellyson,
Dovidio, Corson, & Vinicur, 1980; Exline, Ellyson, & Long, 1975). A unique study in
which nonverbal behavior was manipulated as an independent variable also confirmed that
relaxation and eye gaze are dominant behaviors in that relaxed facial expressions increased
ratings on all of French and Raven’s (1959) power bases – reward, legitimate, expert,
referent, and credibility – and more direct eye contact increased ratings of credibility
(Aguinis, Simonsen, & Pierce, 1998). Cues associated with the voice have also been found
to have a connection to dominance. Lamb (1981) concluded that individuals high in vocal
control actually exert more control over resources and outcomes. Other research has found
that vocal features such as the amount of talking time, speech loudness, speech tempo, and
pitch play a role in perceptions of dominance, credibility, and leadership ability (Burgoon
& Hoobler, 2002; Cashdan, 1998; Gregory & Webster, 1996; Kimble & Musgrove, 1988;
Lamb, 1981). Those who initiate and succeed with control attempts will be perceived as
dominant by their partners and by third-party observers. To the extent that control attempts
rely upon or incorporate noticeable nonverbal behavior, dominant individuals should be
perceived as using a
dominant style of nonverbal communication. Thus, the prototypical
nonverbally dominant communicator would be kinesically and vocally dynamic (using
more gestures, greater eye gaze, more vocal animation and
greater amounts of talk) while
giving the impression of relaxation and confidence.
At the verbal level, there are a variety of influence strategies individuals can use to
try to alter the behavior of their partner in relationships, ranging from problem-solving and
compromise to unilateral accommodation and
the use of insults, threats, and physical force
(Fitzpatrick & Winke, 1979; Klein & Johnson, 1997). Canary and Spitzberg (1987)
distinguished among three types of strategies: integrative strategies that are cooperative in
nature, distributive tactics that are competitive and antagonistic, and avoidance strategies
that seek to diffuse discussion of the conflict. Sillars et al.
(1982) identified nonverbal
121
behaviors that are perceptual correlates of the verbal tactics in the integrative–distributive–
avoidance distinction. Specifically, increased speech productivity and eye gaze were
associated with integrative verbal tactics, frequent use of adaptors was associated with
avoidance verbal tactics, and eye glances toward the partner were associated with
distributive and avoidance verbal tactics.
The use of verbal influence strategies could be viewed as a type of control
attempt.
Frieze and McHugh (1992) include six types of verbal strategies: positive–direct (talking
about the issue), other–direct (referring to past experience or what others do in the same
situation), coercive–direct (verbal and physical coercion), positive–indirect (being
affectionate and nice), ignore–indirect (ignoring the issue or pretending there is no
disagreement), and withdraw–indirect (emotional withdrawal, refusal of sex, and
threatening to leave). Their research showed that the most common strategies used by both
husbands and wives were indirect–positive strategies, followed by direct strategies.
Similarly, Falbo and Peplau (1980) proposed a two-dimensional model of power strategies
in intimate relationships. According to this model, the two dimensions along which the
power strategies vary are labeled ‘directness’ and ‘bilaterality.’ The directness dimension
ranges from direct strategies such as asking the target and talking to the target about the
desired goal on one end, to indirect strategies such as hinting and putting the target in a
good mood on the other end. The bilaterality dimension has to do with the interactivity of
the approach and ranges from bargaining and persuasion on one end to withdrawal on the
other. Typically, direct strategies are considered to be more
dominant than indirect
strategies (e.g. Rogers & Farace, 1975). Individuals who have greater personal influence
(i.e. are more dominant and less egalitarian) are more likely to use bilateral strategies
(Falbo & Peplau, 1980).
Dominant behavior has also been examined using coding schemes that have been
created for the operationalization of relational control, most notably those created by
Rogers and Farace (1975) and Friedlander and
Heatherington (1989). These schemes
usually assume that individual messages should be treated as a ‘one-up’ (exerting control)
or aone-down (relinquishing control) but that controlling maneuvers should be examined
dyadically (Mark, 1971). That is, a person who displays the most one-up moves that are
122
met by one-down moves from the other person is obviously more dominant than a person
who makes more one-down moves that are followed by one-up moves by their partner. The
Relational Communication Control Coding Scheme (RCCCS) added the neutral one-across
maneuver and spawned a program of research by Rogers and her colleagues (e.g.,
Escudero, Rogers, & Gutierrez, 1997; Rogers, Castleton,
& Lloyd, 1996; Rogers-Millar &
Millar, 1979) in which the interactional nature of dominance is emphasized. Examining
pairs of messages in a dyad’s conversation, they have found that interactants continually
define the degree of dominance or submissiveness in their relationship based on who has
the right to direct, delimit, and define the action of the interpersonal system (Millar &
Rogers, 1987).
Friedlander and Heatherington (1989) continued this line of research by expanding
the RCCCS to group communication. They called their expanded model the Family
Relational Communication Control Coding Scheme (FRCCCS). They asserted that ABAB
sequences are not inevitable in groups as they are in dyads because A and B do not always
take turns reciprocally. One person may intrude on a two-party exchange or a person may
deflect a question to a third party (Friedlander & Heatherington, 1989). Siegel, Friedlander,
and Heatherington (1992) also expanded the FRCCCS to include nonverbal cues, which
were sorely lacking in other relational control models. They found that certain nonverbal
behaviors, such as a head nod or a raised eyebrow, are commonly understood and discrete
ways of either gaining or relinquishing control of a social relationship.
In light of the panoply of potential verbal and nonverbal indices of dominance, one
of the purposes of the current investigation was to validate the many different measures of
verbal and nonverbal dominance cited in the extant literature on dominance. Because much
of this research has been conducted within the context of close relationships, such as
differential expressions of dominance between husbands and wives (e.g. Escudero et al.,
1997) or conflict strategies employed in conflicts or problem-solving discussions with
friends or roommates (e.g. Burgoon & Dunbar, 2000;
Sillars, 1980), we, too, chose close
relationships as the context for study. We explored whether specific verbal and nonverbal
indicators of dominance used by previous researchers and assessed by coders are related to
general perceptions of dominance, overall. Thus, we asked the following research question:
123
RQ1: What is the relationship between an individual’s verbal and nonverbal control
attempts and others’ perceptions of dominance during an interaction?
Differing perspectives
A persistent issue in the relational communication literature has been, who is best
qualified to report on dominance – the participants themselves or ‘objective’ observers?
Whereas in the animal kingdom, dominance is often obvious based on which animal
acquires the most food, the best territory,
or access to fertile females, among humans and
especially during conversation,
objective markers of dominance are typically lacking. Thus,
dominance is partly in the eye of the beholder. But which beholder(s) – ‘insiders’ (i.e.,
members of the relationship) or ‘outsiders’? In our previous studies (Burgoon & Dunbar,
2000; Dunbar, Ramirez, & Burgoon, 2003), participants and observers have not always
seen the same behavior in exactly the same way, especially dominance behavior, due to
their differing perspectives. Burgoon and Dunbar (2000) found differences according to
perspective in the extent to which perceptions of dominance varied with the truthfulness of
the encounter and the relationship between participants. Also, Dunbar et al. (2003) found
that participants rated their fellow interaction partners more favorably on a number of
dimensions, including credibility, involvement, and pleasantness, than did observers. Other
research has found low levels of agreement between self-report and objective measures of
the same construct (Sypher & Sypher, 1984). Attribution theory provides some explanation
for this difference in perspective. Based
on Heider’s (1958) assumption that human beings
seek to make sense of their social environment by attributing causes for events they
experience, participants observe one anothers communication behavior, interpret it by
assigning a causal attribution to the behavior, and then use the attribution to guide their own
response (Stamp, Vangelisti, & Knapp, 1994). However, these attributions are often biased
by self-serving interests – what is known as the fundamental attribution error. Individuals
tend to make more attributions
about negative behaviors than positive behaviors, and tend
to make mostly positive attributions for self-behaviors. A related phenomenon, called the
actor–observer effect, assumes that participants are unable to see their own behavior and so
situational variables attain more salience than dispositional variables. In addition, actors
124
know their own feelings about, and reasons for, their behavior. They understand the history
behind their actions and what their behavior has been in other, similar, situations. Thus,
participants are more likely to make situational attributions and observers are more likely to
make dispositional attributions for the same behavior
(Fiske & Taylor, 1991; Sypher &
Sypher, 1984). This has been demonstrated
specifically regarding nonverbal behaviors
(Sillars, 1980; Woodall, Burgoon, & Markel, 1980).
Also, participants and observers differ in the sensory immersion and degree of
presence’ they experience during the interaction. Participants, by virtue of their physical
proximity, have access to subtle nonverbal and verbal cues that observers may not be able
to witness or experience. Burgoon and Newton (1991) put it this way: ‘Participants, due to
their proximity to one another, are awash in a stream of subtle and visceral nonverbal cues
that the observer, standing on the banks, as it were, cannot detect (p. 109). Observers are
unlikely to feel as though they are sharing a personal or intimate moment with the
participants, to feel transported to the interaction, or to feel immersed in the experience. In
short, participants are more ‘there’ than observers.
Finally, participants who are part of the on-going relationship being studied may be
unable to separate their perceptions of the encounter at hand from their perceptions of their
partner more generally. Asking a wife to evaluate her husband’s dominance during a
particular discussion means she must be able to isolate that encounter and separate it from
other discussions in which she has seen him act more or less dominant. She may be
comparing his behavior to his ‘usual’ behavior or to her general impression of his
dominance overall. Observers, by contrast, do not know the husband’s norm and so may be
able to be more objective about a particular encounter without biasing it based on other
knowledge and experience with his behavior.
Despite these differences in perspective, past research has found at least some level
of concordance between the ratings of participants and observers. Burgoon and Newton
(1991), like many before them, found a
positivity bias among participants, relative to
observers, in their judgments of relational messages. They assigned more socially desirable
meanings to nonverbal behaviors than did observers. Yet observers’ and participants’
ratings were highly correlated, supporting a general social consensus in the relational
125
interpretations assigned to many nonverbal behaviors. Burgoon and Dunbar (2000)
similarly found a fair degree of consensus among senders, receivers, and trained coders in
that they all viewed socially skilled individuals as more adept at controlling their social
behavior and emotional
expressions, and Dunbar et al. (2003) found that actors and
observers did
not differ significantly in their perceptions of dominance or rapport. It
remains unclear, then, whether participants are able to see the subtle differences that occur
in interactions. This could be especially difficult in interactions with friends or relational
partners where people have relatively equal status.
Third-party observers, especially trained ones, bring a level of detachment to their
observations that participants are not capable of, as participants are more involved in the
interaction and are therefore more cognitively busy (Burgoon & Dunbar, 2000; Burgoon &
Newton, 1991). By contrast, participants are more attuned to their partners’ communication
style, especially if the encounter being observed is part of an ongoing relationship and not
simply an encounter between strangers staged for the laboratory. They may be unable to
distinguish their partners’ current behavior from their normal behavior and therefore are not
necessarily reporting on the same behaviors that the trained observers have seen.
126
ANEXO 3
Mystification, Confusion and Conflict
R.D. Laing
115
(…)
Case Descriptions
The following examples are from the families of three female schizophrenics, Maya,
Ruby, and Ruth.
MAYA
Maya (aged 28) thinks she started to imagine "sexual things" at about the age of 14
when she returned to live with her parents after a sixyear separation during World War II.
She would lie in her bedroom and wonder whether her parents had sexual intercourse. She
began to get sexually excited, and at about that time she began to masturbate. She was very
shy, however, and kept away from boys. She felt increasingly irritated at the physical
115
Laing, R. D.. Mystification, Confusion and Conflict. em I. Boszormenyi-Nagy e J. L. Framo
(organizadores), Intensive Family Therapy: Theoretical and Practical Aspects. New York: Harper & Row,
1965.
127
presence of her father. She objected to him shaving in the same room while she had
breakfast. She was frightened that her parents knew that she had sexual thoughts about
them. She tried to tell them about this, but they told her she did not have any thoughts of
that kind. She told them she masturbated and they told her that she did not. As for what
happened in 1945 or 1946, we have, of course, only Maya's story to go on. However, when
she told her parents in the presence of the interviewer that she still masturbated, her parents
simply told her that she did not!
Maya's mother does not say: "How bad of you to masturbate," or "I can hardly
believe that you could do that." She does not tell Maya not to masturbate. She simply tells
her that she does not.
Her mother repeatedly tried to induce Maya to forget various episodes that she
(mother) did not want remembered. She did not, however, say:
"I don't want you to mention this, much less remember it." She said, instead: "I want
you to help the doctor by remembering, but of course you can't remember because you are
ill."
Mrs. Abbott persistently questioned Maya about her memory in general, in order
(one gathers, from the mother's point of view) to help her to get insight into the fact that she
was ill by showing her either (1) that she was amnesic, or (2) that she had got some facts
wrong, or (3) that she imagined she remembered because she had heard about it from her
mother or father at a later date.
This "false" but "imaginary" memory was regarded by Mrs. Abbott with great
concern. It was also a point on which Maya was most confused.
Mrs. Abbott finally told us (not in Maya's presence) that she prayed that Maya
would never remember her "illness" because she (mother) thought it would upset her
(daughter) to do so. In fact, she (mother) felt this so strongly that she said that it would be
kindest even if it meant she had to remain in a hospital!
128
Both her parents thus not only contradicted Maya's memory, feelings, perceptions,
motives, intentions, but their own attributions are curiously selfcontradictory. And, further,
while they spoke and acted as though they knew better than Maya what she remembered,
what she did, what she imagined, what she wanted, what she felt, whether she was enjoying
herself or whether she was tired, this "oneupsmanship" was often maintained in a way
which was further mystifying. For instance, on one occasion Maya said that she wanted to
leave the hospital and that she thought her mother was trying to keep her in the hospital
even though there was no need for her to be an inpatient any more. Her mother replied: "I
think Maya is ... I think Maya recognizes that whatever she wanted really for her good, I'd
do ... wouldn't I ... Hmm? (no answer) No reservations in any way ... I mean if there were
any changes to be made I'd gladly make them . . . unless it was absolutely impossible."
Nothing could have been further from what Maya recognized at that moment. But one notes
the mystification in the statement. Whatever Maya wanted is qualified most decisively by
"really" and "for her own good." Mrs. Abbott, of course, was arbiter (1) of what Maya
"really" wanted, in contrast to what she might think she wanted, (2) of what was for her
own good, (3) of what was possible.
Maya sometimes reacted to such mystifications by lucid perceptions of them. But
this was much more difficult for her to achieve than for us. Her difficulty was that she
could not herself tell when she could or could not trust her own memory, her mother and
father, her own perspective and metaperspective, and her parents' statements of their
perspective and metaperspectives.5
Close investigation of this family in fact revealed that her parents' statements to her
about her, about themselves, about what they felt she felt they felt, etc., and even about
what factually had happened could not be trusted. Maya suspected this, but she was told by
her parents that such suspicions were her illness. She often therefore doubted the validity of
her own suspicions; often she denied what they said (delusionally) or invented some story
that she clung to temporarily. For instance, she once insisted she had been in the hospital
when she was eight, the occasion of her first separation from her parents.
This girl was an only child, born when her mother was 24, her father 30 years of
age. Mother and father agreed that she had been her daddy's girl. She would wake him up at
129
4:30 in the morning when she was 3 to 6, and they would go swimming together. She was
always hand in hand with him. They sat close together at table, and he said prayers with her
last thing at night. Until she was evacuated at the age of 8 they went for frequent long
walks together. Apart from brief visits home, she lived away from her parents until the age
of 14.
Mrs. Abbott expressed nothing so simple as jealousy in and through her account of
Maya's early intimacy with her father. She seemed to identify herself so much with Maya
that she was living through her a revision of her relationship with her own father, which
had been, according to her, one of rapid, unpredictable switches from acceptance to
rejection and back.
When Maya at 14 came back to live permanently at home, she was changed. She
wanted to study. She did not want to go swimming or for long walks with her father
anymore. She no longer wanted to pray with him. She wanted to read the Bible by herself,
for herself. She objected to her father expressing his affection for her by sitting close to her
at meals. She wanted to sit further away from him. Nor did she want to go to the cinema
with her mother. She wanted to handle things in the house and wanted to do things for
herself. For instance (mother's example), she washed a mirror without telling her mother
she was going to do it. Her parents complained to us also that she did not want to
understand her mother or her father and that she could not tell them anything about herself.
Her parents' response to this changed state of affairs, which was evidently a great
blow to them, was interesting. Both of them felt that Maya had exceptional mental powers,
so much so that both the mother and the father became convinced that she could read their
thoughts. Father attempted to confirm this by consulting a medium. They began to put this
to the test in different ways.
FATHER: "If I was downstairs and somebody came in and asked how Maya was, if
I immediately went upstairs, Maya would say to me, 'What have you been saying about
me?' I said, 'Nothing.' She said, 'Oh, yes, you have, I heard you.' Now it was so
130
extraordinary that unknown to Maya, I experimented with her, you see, and then when I'd
proved it, I thought, 'Well, I'll take Mrs. Abbott into my confidence,' so I told her, and she
said, 'Oh, don't be silly, it's impossible' I said, 'All right, now when we take Maya in the car
tonight, I'll sit beside her and I'll concentrate on her. I'll say something, and you watch what
happens.' When I was sitting down, she said, 'Would you mind sitting at the other side of
the car. I can't fathom Dad's thoughts.' And that was true. Well, following that, one Sunday
I saidit was winterI said, 'Now Maya will sit in the usual chair, and she'll be reading a book.
Now you pick up a paper and I'll pick up a paper, and I'll give you the word and er ...Maya
was busy reading the paper and er ... I nodded to my wife, then I concentrated on Maya
behind the paper. She picked up the paper ... her... em... magazine or whatever it was and
went to the front room. And her mother said, 'Maya, where are you going? I haven't put the
fire on.' Maya said, 'I can't understand.... No, 'I can't get to the depth of Dad's brain. Can't
get to the depth of Dad's mind'!"
Such mystifications have continued from before her first "illness" to the present,
coming to light only after this investigation had been underway for over a year.
Maya's irritation, jumpiness, confusion, and occasional accusations that her mother
and father were "influencing" her in some way had been, of course, completely "laughed
off" by her father and mother in her presence for years, but in the course of the present
investigation the father told Maya about this practice.
DAUGHTER: Well, I mean you shouldn't do it, it's not natural.
FATHER: I don't do it ... I didn't do it ... I thought... 'Well, I'm doing the wrong
thing, I won't do it.'
DAUGHTER: I mean, the way I react would show you it's wrong.
FATHER: And there was a case in point a few weeks back, she fancied one of her
mother's skirts.
131
DAUGHTER: I didn't. I tried it on and it fitted.
FATHER: Well, they had to go to a dressmaker... the dressmaker was recommended
by someone, Mrs. Abbott went for it, and she said, "How much is that?' The woman said,
'Four shillings.' Mrs. Abbott said, 'Oh, no, it must have cost you more than that,' so she
said, 'Oh, well, your husband did me a good turn a few years back and I've never repaid
him.' I don't know what it was. Mrs. Abbott gave more, of course. So when Maya came
home, she said, 'Have you got the skirt. Mum?' She said, 'Yes, and it cost a lot of money
too, Maya.' Maya said, 'Oh, you can't kid me, they tell me it was four shillings.'
DAUGHTER: No, seven I thought it was.
FATHER: No, it was four you said, exactly, and my wife looked at me and I looked
at her ... So if you can account for that, I can't.
Another of Maya's "ideas of reference" was that something was going on between
her parents that she could not fathom and that she thought was about her but she could not
be sure.
Indeed there was. When mother, father and Maya were interviewed together, mother
and father kept up a constant series of knowing smiles, winks, nods, gestures that were so
"obvious" to the observer that he commented on them after about twenty minutes of the
first triadic interview. From Maya's point of view, the mystification was that her mother
and father neither acknowledged this remark from the researcher, nor had they ever, as far
as we know, acknowledged the validity of similar perceptions and comments by Maya. As
a result, so it seemed to us, she did not know when she was perceiving something to be
going on and when she was imagining it. The open, yet secret, nonverbal exchanges
between father and mother were in fact quite public and perfectly obvious. Her "paranoid"
doubts about what was going on appeared, therefore, to be in part expressions of her lack of
trust in the validity of her suspicions. She could not "really" believe that what she thought
she saw to be going on was going on. Another consequence to Maya was that she could not
discriminate between what (to the researchers) were not intended to be communicative
132
actions (taking off spectacles, blinking, rubbing nose, frowning, and so on) of people
generally and what were indeed signals between mother and father. The extraordinary thing
was that some of these signals were partly "tests" to see if Maya would pick them up. An
essential part of the game the parents played was, however, that if cemented on, the
rejoinder should be, "What do you mean, what wink?" and so on.
RUBY
When Ruby (aged 18) was admitted to the hospital, she was completely mute, in an
inaccessible catatonic stupor. She at first refused to eat, but gradually she was coaxed to do
so. After a few days she began to talk. She rambled in a vague way, and she often
contradicted herself. At one moment, for instance, she said her mother loved her, and the
next she said she was trying to poison her.
In clinical psychiatric terms, there was incongruity of thought and affect, e.g., she
laughed when she spoke of her recent pregnancy and miscarriage. She complained of
hangings in her head and of voices outside her head calling her "slut," "dirty," "prostitute."
She thought that "people" were talking disparagingly about her. She said she was the Virgin
Mary, and Elvis Presley's wife. She thought her family disliked her and wanted to get rid of
her; she feared she would be abandoned in the hospital by them. "People" did not like her.
She feared crowds and "people." When she was in a crowd, she felt the ground would open
up under her feet. At night "people" were lying on top of her, having sexual intercourse
with her; she had given birth to a rat after she was admitted to the hospital; she believed she
saw herself on television.
It was clear that the fabric of this girl's sense of "reality," of what is the case and
what is not the case, was in shreds.
133
The question is: Has what is usually called her "sense of reality" been torn in shreds
by others?
Is the way this girl acts and are the things she says the intelligible effluxion of
pathologic process?
This girl was confused particularly as to who she was. She oscillated between the
Virgin Mary and Elvis Presley's wife and she was confused as to whether or not her family
and "people" in general loved her and in what sense-whether they liked the person she was
or desired her sexually while despising her.
How socially intelligible are these areas of confusion?
In order to spare the reader the initial confusion of the investigators, not to say that
of the girl, we shall tabulate her family nexus.
BIOLOGICAL STATUS TITLES RUBY WAS TAUGHT TO USE
father - uncle
mother - mummy
aunt (mother's sister) - mother
uncle (mother's sister's husband) - daddy, later uncle
cousin - brother
Simply, Ruby was an illegitimate child, reared by her mother, her mother's sister,
and the sister's husband.
134
We shall refer to her biological relatives without inverted commas, and as she called
them, and/or as they referred to themselves, with inverted commas.
Her mother and she lived with her mother's married sister, this sister's husband
('daddy' and 'uncle'), and their son (her cousin). Her father, who was married and had
another family elsewhere, visited them occasionally. She referred to him as 'uncle.
Her family violently disagreed in an initial interview with us about whether Ruby
had grown up knowing "who she was." Her mother ('mummy') and her aunt ('mother')
strongly maintained that she had no inkling of the real state of affairs, but her cousin (her
'brother') insisted that slie must have known for years. They (mother, aunt, and uncle)
argued also that no one in the district knew of this, but they admitted finally that of course
everyone knew she was an illegitimate child, but no one would hold it against her. The
most intricate splits and denials in her perception of herself and others were simultaneously
expected of this girl and practiced by the others.
She got pregnant six months before admission to the hospital (miscarriage at four
months).
Like so many of our families, this one was haunted by the specter of scandal and
gossip, by the fear of what "people" were saying or thinking, etc. When Ruby was
pregnant, all this became intensified. Ruby thought "people" were talking about her (they in
fact were) and her family knew they were, but when she told them about this, they tried to
reassure her by telling her not to be silly, not to imagine things, that of course no one was
talking about her.
This was just one of the many mystifications to which this girl was subjected.
The following are a few of the others.
1) In her distracted, "paranoid" state, she said that she thought her mother, aunt,
uncle, and cousin disliked her, picked on her, mocked her, despised her. As she got "well,"
135
she felt very remorseful about having thought such terrible things, and she said that her
family had been "really good" to her and that she had a "lovely family."
Indeed, they gave her every reason to feel guilty for seeing them in this way,
expressing dismay and horror that she should think that they did not love her.
In actuality, they told us that she was a slut and little better than a prostituteand they
told us this with vehemence and intensity.
They tried to make her feel bad or mad for perceiving their real feelings.
2) She guiltily suspected that they did not want her home from the hospital and
accused them, in sudden outbursts, of wanting to get rid of her. They asked her how she
could think such things, but in fact, they were extremely reluctant to have her at home.
They tried to make her think they wanted her home and to make her feel mad or bad
if she perceived that they did not want her home, when, in fact, they did not want her home.
3) Extraordinarily confused attitudes were brought into play when she became
pregnant.
As soon as they could after hearing about it from Ruby, 'mummy' and 'mother' got
her on the sittingroom divan, and while trying to pump hot soapy water into her uterus, told
her with tears, reproaches, sympathy, pityingly and vindictively at once, what a fool she
was, what a slut she was, what a terrible plight she was in (just like her 'mummy'), what a
bastard the boy was ("just like her father"), what a disgrace, history was repeating itself,
how could one expect anything else. . . .
This was the first time her true parentage had ever been explicitly made known to
her.
136
4) Subsequently, Ruby's feeling that people were talking about her began to develop
in earnest. As we have noted, she was told this was nonsense, and her family told us that
everyone was "very kind" to her "considering." Her cousin was the most honest. "Yes, most
people are kind to her, just as if she were colored."
5) The whole family was choked with the sense of shame and scandal. While
emphasizing this to Ruby again and again, they simultaneously told her that she was
imagining things when she said she thought that people were talking about her.
6) Her family accused her of being spoiled and pampered, but when she tried to
reject their pampering, they told her (1) she was ungrateful, and (2) she needed them, she
was still a child, etc. (as though being spoiled was something she did).
The uncle was represented by the mother and aunt to the researchers also as a very
good uncle who loved Ruby and who was like a father to her. They were assured that he
was willing to do anything he could to help them elucidate Ruby's problem. Despite this, at
no time was it possible to see him for a prearranged interview. Six mutually convenient
appointments were made during the period of the investigation, and every one was broken,
and broken either without any notice at all or with no more than twentyfour hours' notice.
The uncle was seen eventually by the researchers, but only when they called at his house
without notice.
According to the testimony of uncle, mother, and aunt to the researchers, this girl
was repeatedly told by her uncle that if she did not "mend her ways" she would have to get
out of the house. We know that on two occasions she was actually told by him to go and
she did. But when she said to him that he had told her to get out, he denied it to her (though
not to us)!
137
Her uncle told us tremblingly how she had pawed him, run her hands over his
trousers, how he was sickened by it. His wife said rather coolly that he did not give the
impression of having been sickened at the time.
Ruby, when questioned later, had apparently no conscious idea that her uncle did
not like being cuddled and petted. She thought he liked it, she had done it to please him.
Not just in one area, but in every conceivable wayin respect of her clothes, her
speech, her work, her friendsthis girl was subject to mystifications, permeating all the
interstices of her being.
The members of the families of the schizophrenic patients so far studied use
mystification frequently as the preferred means of controlling the experience and action of
the schizophrenic patient.
We have never yet seen a preschizophrenic who was not in a highly mystified state
before his or her manifest psychotic breakdown.
This mystified state is, of course, unrecognized as such by the actively mystifying
other family members, although it is frequently pointed out by a relatively detached
member of the family circle (a "normal" sib, an aunt or uncle, a friend). The psychotic
episode can sometimes be seen as an unsuccessful attempt to recognize the state of
mystification the person is in. Each attempt at recognition is violently opposed by every
conceivable mystification by the active mystifiers in the family.
138
RUTH
The following example of mystification again entails the confusion of praxis with
process.
What to the investigators is an expression of the girl's real self, however disjunctive
it is with her parents' model of what this is, her parents regard as mere process; that is, they
ascribe no motive, agency, responsibility or intention, to such behavior. Behavior that to the
investigators seems false and compliant, they regard as healthy, normal, and her true or real
self. This paradoxical situation is a constantly repeated one in our data.
Ruth from time to time puts on colored woolen stockings and dresses generally in a
way that is quite usual among certain sections of Londoners, but unusual in her parents'
circle.
This is seen by her parents as a "symptom" of her illness. Her mother identified
Ruth's act of putting on such stockings as the first sign of another "attack" coming on. That
is, her mother (and father) convert her action (praxis) into a sign of a pathologic process.
The same action is seen by the investigators as an assertion of a self that is disjunctive with
her parents' rigidly held view both of who Ruth is and what she ought to be.
These acts of selfassertion are met with tremendous violence both from Ruth herself
and from her parents. The result is an ensuing period of disturbed experience and behavior
that is clinically diagnosable as a "psychotic episode." It ends with a reconciliation on the
basis that Ruth has been ill. While being ill she felt things, did things, said things, that she
did not really mean, and which she could not help, because it was all due to her "illness."
Now that she is better again she herself realizes this.
When Ruth puts on colored stockings at first, the issues for the parents are: What is
making her disgrace us this way? She is a good girl. She is always so sensible and grateful.
She is not usually stupid and inconsiderate. Even if she wants to wear stockings, etc., like
that, she knows it upsets her father and she knows he has a bad heart. How can she upset
him like that when she really loves him?
139
The difficulty in analyzing this girl in her nonpsychotic periods, as is not
infrequently the case with schizophrenics in their "mute" phase, is that she completely sides
with her parents in their view that she has "attacks" of her "illness" periodically. Only when
she is "ill" does she repudiate (and then, of course, only with part of herself) her parents'
"axis of orientation."
An approach to the logic of the mystification in this case might be attempted as
follows.
X is good. All not-X is bad. Ruth is X. If Ruth were Y she would be bad. But Ruth
appears to be Y.
Thus Y must be the equivalent to X, in which case Ruth is not really not-X, but is
really X.
Moreover, if Ruth tries to be, or is, Y, she will be bad. But Ruth is person X, that is,
she is good, so Ruth cannot be bad, so she must be mad.
Ruth wants to put on colored woolen stockings and go out with boys, but she does
not want to be bad or mad. The mystification here is that without being bad or mad she
cannot become anything except a dowdy aging spinster living at home with her aging
parents. She is persecuted by the "voices" of her own unlived life if she is good and by the
"voices" of her parents if she is bad. So she is maddened either way. She is thus in what I
have called an untenable position (Laing, 1961, p. 135).
The therapist's task is to help such a person to become demystified. The first phase
of therapy, in such a case, consists largely in efforts at demystification, of untangling the
knot that he or she is tied in, or raising issues that may never have been questioned or even
thought of except when the person was "ill," namely, is it had or is it a disgrace, or is it
selfish, inconsiderate, ungrateful, etc., to be or to do notX and is it necessarily good to be
X, etc.?
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