Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
CONSTRUINDO CIDADANIA DE CRIANÇAS
- PELOS VEIOS DA HERMENÊUTICA
JURÍDICA E BÍBLICA INFANTIL
ANDRÉA PANIAGO FIDELES
Goiânia
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
CONSTRUINDO CIDADANIA DE CRIANÇAS
- PELOS VEIOS DA HERMENÊUTICA
JURÍDICA E BÍBLICA INFANTIL
ANDRÉA PANIAGO FIDELES
ORIENTADORA:
PROFA. DRA. IVONI RICHTER REIMER
Dissertação apresentada no curso
de Mestrado em Ciências da
Religião, como requisito para
obtenção do grau de Mestre.
Goiânia
2005
ads:
3
Dissertação do Mestrado em Ciências da Religião, defendida em 28 de
fevereiro de 2005, e aprovada com nota 10 (dez), Conceito A, pela Banca
Examinadora.
1) Profa. Dra. Ivoni Richter Reimer (presidente) _____________________________.
2) Prof. Dr. Haroldo Reimer (membro) ______________________________.
3) Prof. Dr. Pedro Sérgio dos Santos (membro) _____________________________.
4
Aos meus amados,
pai Luiz Paniago e mãe Odila Fideles.
Às amadas,
Sandra e Rafaela.
E ao meu adorado noivo,
Hebert Moreira Magalhães.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a minha orientadora Ivoni Richter Reimer, pelo
acolhimento, afeto e humanidade. A quem devo toda a minha admiração e
reverência, por ter transbordado seus conhecimentos em sua pupila, que ressoam
nas palavras consignadas nesta dissertação.
Aos meus primeiros mestres, no MCR, Prof. Dr. Valmor da Silva, Prof. Dr.
Haroldo Reimer e a Profa. Dra. Ivoni Richter Reimer, que me ensinaram e
incentivaram a ler a Bíblia com múltiplas possibilidades, de forma a utilizar outras
lentes que aplicam seu texto e contexto com amor, com humanidade.
A todas as pessoas que durante meu caminhar no MCR me marcaram por
suas indagações, perspectivas, incompreensões, personalidades e suporte.
A todos vocês que me lançaram ao amadurecimento, longo caminhar, por
todos nós percorrido, eternas crianças aos olhos de Deus.
Muito obrigada.
6
RESUMO
FIDELES, Andréa Paniago. Construindo cidadania de crianças pelos veios da
Hermenêutica Jurídica e Bíblica Infantil. Goiânia: UCG, 2005.
Esta dissertação tem por escopo ajudar a reconstruir cidadania de crianças.
Para tanto, analisa os termos gregos bréfos, corásion, país, téknon, thygáter, népios
e huiós, nos textos do Novum Testamentum Graece, na tentativa de posicionar a
criança como sujeito hermenêutico, jurídico e religioso nas dimensões temporais,
espaciais e sociais. Num primeiro momento, aprofundamos na realidade da infância
brasileira, pela Hermenêutica Jurídica na expressão do princípio de prioridade
absoluta que a criança detêm no ordenamento jurídico pátrio. Num segundo
momento, adentramos nos mundos patriarcais da região do Mar Mediterrâneo,
sobretudo quanto a história de crianças na Grécia, Roma e Palestina antigas,
questionando sobre a posição social que a infância ocupou até o séc. I dC, pelo
importante trânsito entre estas culturas, apontando diferenças e jungindo
semelhanças de tratamento com nossas crianças, e assim, ajudando a construir
cidadania. Depois de termos aprofundado na realidade e no contexto que serviram
de pano de fundo para os Evangelhos serem vividos e testemunhados, que nos
auxiliam a compreender nossas raízes patriarcais (legais, culturais) greco-romanas e
judaicas, poderemos finalmente contextualizar a realidade de nossas crianças e
realizar a releitura a que nos propomos: ler a bíblia ‘com olhos de crianças’ na
formulação da Hermenêutica Bíblica Infantil. Percebemos que a realidade sofrida
das crianças contemporâneas de Jesus e do mundo antigo não é tão distante de
nossas crianças no Brasil de hoje. A intenção é desamarrar a criança das exegeses
e hermenêuticas que excluem dos seus discursos a infância, pelas leituras e
tradições adultocêntricas, patriarcais e androcêntricas, que invizibilizam as crianças
nos textos bíblicos do Segundo Testamento.
7
ABSTRACT
FIDELES, Andréa Paniago. Constructing citizenship from children all the way
through the Legal Hermeneutic and Infant(ile) Biblical Hermeneutic. Goiânia: UCG,
2005.
The objective of this dissertation is to contribute towards the reconstruction of
the concept of ‘child’ citizenship. There for, we research the use of the greek words
bréfos, corásion, país, téknon, thygáter, népios e huiós, in the texts of the Novum
Testamentum Graece, trying to observe the child as an hermeneutic, legal and
religious subjects, in different dimensions of time, geographic space and social
environment. Then we delve into the reality of brazilian childhood, using Legal
Hermeneutics as expressed by the absolute priority principle` that the child holds in
our legal system. Afterwards, investigate the patriarchal worlds, of ancient
civilizations of the Mediterranean Sea, focusing on Greek, Roman and Palestine
cultures, to reelaborate histories of children, questioning about their social status until
the first century, for its importance in cultural interchange, pointing out differences in
and merging similarities conditions of children treatment practices, thus helping
construct citizenship. After studing the ancient context as backdrop to those who
witnessed and lived the events described in the Gospel, that helps we understand
our patriarchies roots (legal, cultural) greco-romans and jewish, we’ll be able to
contextualize the reality of the bible child and finally carry through the new
perspective we want to present: read the Bible ‘with eyes of a child’ in order to
formulate the Infant(ile) Biblical Hermeneutic. We notice the suffering reality of
biblical child and the ancient world are not that far from our brazilian children
nowadays. The intention is to untie the child from those exegesis and hermeneutics
that by childhood excluding speeches from their discourse, resulting from adult-
centered, patriarchal and androcentric interpretations and traditions, makes children
invisible in the New Testament scriptures.
8
LISTA DE FIGURAS
Fig. 01 Crianças em situação de abandono......................................................36
Fig. 02 Pequenos jornaleiros acolhidos pelas ruas.......................................... 46
Fig. 03 Crianças auxiliam no sustento familiar..................................................55
Fig. 04 Crianças trabalham em lavouras de fumo e são campeãs em notas
vermelhas nas escolas .........................................................................56
Fig.05 Criança escrava (país) chorando..........................................................66
Fig. 06 Criança brincando.................................................................................78
Fig. 07 O Império Romano no tempo neotestamentário...................................81
Fig. 08 As crianças em Roma...........................................................................85
Fig. 09 Crianças servindo refeição romana......................................................89
Fig. 10 A Palestina no tempo do Segundo Testamento..................................100
Fig. 11 Meninas na brincadeira chamada Efédris...........................................105
Fig. 12 Menina brincando com dados.............................................................114
Fig. 13 Serviçais infantis no recinto das mulheres..........................................133
Fig. 14 Escultura tumular de um homem jovem com seu país (criança
escrava)...............................................................................................137
Fig. 15 A criança ............................................................................................140
Fig. 16 O texto de Mc 9,36 .............................................................................153
Fig. 17 Menino escravo (pais) enlutado..........................................................163
9
LISTA DE QUADROS
Qd. 01 Comparação da passagem da criança/menina para ao de jovem
esposa.................................................................................................116
Qd. 02 O termo bréfos no NTG.......................................................................156
Qd. 03 O termo népios no NTG......................................................................158
Qd. 04 O termo país no NTG..........................................................................160
Qd. 05 O termo corásion no NTG...................................................................164
Qd. 06 O termo téknon no NTG......................................................................165
Qd. 07 O termo huiós no NTG........................................................................169
Qd. 08 O termo thygáter no NTG....................................................................173
10
ABREVIATURAS
aC antes de Cristo
art. artigo
AT Antigo Testamento
cap. capítulo
CC novo Código Civil
CF Constituição Federal de 1988
Cot Coríntios
CP Código Penal
1 Cr 1 Crônicas
dC depois de Cristo
Dt Deuteronômio
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13/7/90)
Eclo Eclesiástico
Ef Efésios
Ex Êxodo
Ez Ezequiel
Gl Gálatas
Gn Gênesis
Hb Hebreus
Jo João
Js Josué
Jr Jeremias
Lc Lucas
Lm Lamentações
Lv Levítico
1 Mac 1 Macabeus
11
Ml Malaquias
Mc Marcos
Mt Mateus
NT Novo Testamento
NTG Novum Testamentum Graece
Nm Números
Pv Provérbios
Qo Qohélet ou Eclesiastes
Rm Romanos
1 Rs 1 Reis
Rt Rute
1 Sm 1 Samuel
1 Tm 1 Timóteo
12
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO ................................................................................................15
CAPÍTULO I - HERMENÊUTICA JURÍDICA - RETRATANDO A CRIANÇA
BRASILEIRA....................................................................................................20
1.1. Entendendo a Hermenêutica Jurídica .....................................................21
1.2 A realidade social, histórica e jurídica brasileira: reflexos na legislação em
face da criança empobrecida ..........................................................................30
1.3. A criança enquadrada como ‘menor’: questão de segurança pública ou
social?............................................................................................................. 32
1.4. O ordenamento internacional que abraça as crianças ............................40
1.4.1. Ferramentas que resguardam as crianças no ordenamento jurídico
nacional ..........................................................................................................44
1.4.2. O produto dos movimentos internacionais e nacionais: o ECA.............49
1.5. Considerações finais: ponderações sobre a pedofilia na internet ...........59
13
CAPÍTULO II - A CRIANÇA NA ANTIGUIDADE - EM BUSCA DE
REALIDADES DENTRO DE MUNDOS PATRIARCAIS .................................65
2.1. Lentes pelas quais devemos ler os textos do séc. I dC............................68
2.2. Cenários e realidades da criança na Antiguidade ...................................69
2.3. A paz vinda de Roma 63 aC a 135 dC..................................................79
2.3.1. A criança nos territórios de Roma.........................................................85
2.3.2. Família greco-romana ...........................................................................87
2.3.3. Educação e os maus-tratos...................................................................91
2.3.4. O matrimônio, o direito de divórcio e a herança das crianças...............97
2.4. O povo judeu sob dominação romana - a criança na Palestina...............99
2.4.1. Criança no cotidiano judaico ...............................................................101
2.4.2. O nascimento da criança e os privilégios do primogênito ..................104
2.4.3. Educação na Palestina .......................................................................109
2.4.4. O casamento da criança judaica do direito de repúdio ao direito de
herança das crianç as....................................................................................113
2.5. Considerações finais: a realidade da criança é revelada .....................118
CAPÍTULO III - HERMENÊUTICA BÍBLICA INFANTIL - CONSTRUINDO
REFERÊNCIAS DE CIDADANIA ..................................................................121
3.1. Construindo cidadania ........................................................................123
3.1.1. Um pouco de História da Cidadania.................................................124
3.1.2. Cidadania hoje...................................................................................129
3.2. A cidadania no movimento de Jesus .....................................................133
3.3. Formulações sobre a Hermenêutica Infantil ..........................................140
3.3.1. Hermenêutica Infantil: ‘com olhos de criança’ ....................................146
3.4. Amparar as crianças: um princípio evangélico ......................................151
3.5. Termos alusivos a criança nos Evangelhos ..........................................155
14
3.5.1. Bréfos criancinha desde o ventre.....................................................156
3.5.2. Népios crianças pequenas................................................................158
3.5.3. País - criança escrava, serva, diarista, trabalhadora ..........................160
3.5.4. Corásion menina ..............................................................................164
3.5.5. Téknon crianças................................................................................165
3.5.6. Huiós e Thygáter - filho e filha.............................................................169
3.6. Considerações finais: a importância da Hermenêutica
Infantil............................................................................................................174
CONCLUSÃO: construindo cidadania...........................................................176
REFERÊNCIAS ............................................................................................184
15
INTRODUÇÃO
Ouço uma criança chorando, outra cantando, vejo crianças repartindo o pão,
roubando o pão, crianças que vivem plenamente suas infâncias, e outras que são
chamadas prematuramente a vida adulta, lançadas ao trabalho. Não parece certo,
mas de quem é a culpa?
Responder a estas questões e outras, muitas outras, é preocupação
constante de famílias, educadores, de Estados, igrejas, religiões, de organismos não
governamentais nacionais e internacionais; é preocupação cotidiana dos Conselhos
Tutelares espalhados pelo Brasil, por Goiânia.
Com estes temas, outros se levantam em direção aos adultos e adultas.
Afinal, quem roubou a infância das crianças? Será que isto só acontece neste
século? Saudosas, algumas pessoas suspiram ao lembrar das crianças de
antigamente que eram diferentes, respeitavam e obedeciam os mais velhos. Mas
será? Quem roubou a infância das crianças? O que ouvimos delas?
Não quase nenhum estudo perguntando sobre suas realidades de vida.
São poucos os levantamentos sistemáticos e históricos, principalmente no Brasil,
que desenvolvam a criança pobre, empobrecida, esquecida, que viveu ou vive à
margem da riqueza; a criança raramente conta sua própria história. Procuramos
traços delas não nas narrações de pequenas crianças notáveis, com adjetivos e
missões grandiosas, mas daquelas que marcaram as leis antigas, as histórias e
16
culturas dos povos que influenciaram a escritura da Bíblia, que aparecem como
coisa, que são consideradas propriedade dos(as) adultos(as). Procuramos
principalmente por aquelas crianças que não tiveram cidadania, que foram
escondidas e invisibilizadas. Por isso propomos reler os tempos, rever o contar das
histórias, para recontá-las posicionando a criança como sujeito jurídico, religioso,
social, histórico, hermenêutico.
O tema da criança é social, é histórico, mas será puxado pelos veios da
Hermenêutica Jurídica (ordenamentos, mandamentos, preceitos, códigos, etc.) e
pela Hermenêutica Bíblica, para recontar suas histórias e reposicioná-las nas
sociedades que iremos abordar: a nossa, a antiga greco-romana e judaico-cristã do I
dC. A metodologia empregada perguntará pelo processo no qual a criança se
desenvolveu como pessoa ou coisa desde a Antiguidade, no transcorrer da história,
inclusive a atual, num processo hermenêutico de constituição do sujeito criança.
A Hermenêutica Jurídica e a Hermenêutica Bíblica Infantil serão os pilares
fundantes e que permearão toda a investigação e sistematização das idéias, que
tem por escopo apresentar uma hermenêutica na perspectiva da criança: a
Hermenêutica Infantil.
Ao iniciarmos nossa jornada pelos caminhos da Hermenêutica Jurídica e
Hermenêutica Bíblica Infantil, em busca da construção de cidadania para a infância,
levantaremos questões sobre o panorama jurídico da criança na legislação brasileira
desde o séc. XX, perpassando pelo histórico e social que acompanham este
levantamento sistemático de informações. Para tanto, fez-se preeminente explicitar e
descrever a Hermenêutica Jurídica na edificação do princípio de prioridade absoluta
outorgado à criança pela Constituição Federal de 1988. Questionar e entender o
alcance dessa expressão, dada pelo Direito à infância brasileira, que atribuiu-lhe
substância e consumou o erigido pela realidade social mundial, é um de nossos
17
objetivos. Enfrenta o empobrecimento da criança junto a suas famílias, em meio à
sociedade, frente ao Estado, questionando se a criança enquadrada como ‘menor’ é
um problema social ou de segurança pública. Levantaremos ainda a importância de
adentrar no texto e em seu contexto, sobretudo da criança marginalizada pelas
políticas e ulteriormente pela legislação e sua aplicação prática. Esses reflexos
captados pela nossa legislação hodierna, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente, fruto da pressão internacional e nacional, que resguarda a criança,
serão os tópicos do cap. I, que realiza uma primeira leitura sobre os fatos atinentes à
infância e à cidadania que o nosso Brasil quer lhes ofertar.
Num segundo momento, após conhecer um pouco melhor o que existe sobre
o tema pelo apanhado bibliográfico de nossas crianças da atualidade, iremos
comparar e exemplificar algumas legislações antigas que fizeram da criança
propriedade dos adultos(as), e não sujeitos de direitos como a conhecemos.
Constataremos semelhanças tristes de tratamento ao adentraremos na Antiguidade,
sobretudo greco-romana. Essa é a tentativa do cap. II, de aprofundamento nas
realidades de crianças em mundos patriarcais, nos quais se primavam os ritos de
passagem para a fase adulta. Discutiremos as nuances do patriarcalismo judeu e
romano que afetam diretamente a menina e o menino, inseridos no cotidiano intra e
extra-casa, ou seja, sua colocação na família, educação, casamento, herança das
crianças, no aprendizado de seus ofícios, na sociedade, enfim abordaremos a
criança desde o seu nascimento até a entrada na fase adulta. Mostraremos ainda a
diferenciação da instrução e os privilégios de algumas crianças sobre outras,
acontecimentos vivenciados sob domínio imperial romano.
É impressionante o que podemos realizar quando lemos e reelaboramos o
conhecimento quanto a criança, e conjugamos estes dois períodos, a Antiguidade e
o contemporâneo, caminhos que corroboram no processo de cidadania que
18
queremos ajudar a construir. A Hermenêutica Bíblica Infantil nos revela, assim como
a Hermenêutica Jurídica o fez, o princípio de prioridade absoluta, entrelaçando o
ocorrido no séc. I e o que tentamos desenvolver presentemente com nossas
crianças. O cap. III constrói referências de cidadania para as nossas crianças, por
meio das próprias crianças, que conviveram e obtiveram cidadania no contato com a
comunidade de Jesus. Para tanto, conheceremos o que é a Hermenêutica Bíblica
Infantil, o que desejamos quando abordamos o tema cidadania e o que há de
comum entre as duas. Veremos que o movimento de Jesus foi cercado pelo princípio
ativo de cidadania participativa e inclusiva, diferencial entre os mundos patriarcais
nos quais estava inserido, inclusive o judeu. Formularemos questões sobre a
Hermenêutica Bíblica Infantil, demonstrando a influência fundamental da
Hermenêutica Feminista para o nascedouro desta ‘nova’ chave de leitura. Dispõe um
novo e maravilhoso desafio, o de reler textos e contextos na perspectiva da criança,
‘com olhos de crianças’, apontando veios de cidadania para a prática da leitura
bíblica, jurídica, religiosa, etc, desnudando o simbolismo frágil atribuído à criança,
como santa, pura, como as representações angelicais. Veremos como a criança foi
colocada no centro da sociedade comunitária de Jesus - amparar a criança era
também prioridade e prática deste homem que inspirou os Evangelhos de Mateus,
Marcos, Lucas e João. Será feito um levantamento exegético dos termos referentes
à criança nestes quatro livros. Trabalharemos com as palavras gregas bréfos,
corásion, país, téknon, thygáter, népios e huiós, dando destaque ao que
consideramos o aprendizado da comunidade, após os ensinamentos do mestre
Jesus, dando novo rosto e novo formato a leituras como a de Jo 6,9, onde uma
criança pequena, pobre e escrava, se faz protagonista nesse processo de cidadania,
dentro do ordenamento criado por Jesus.
19
A lógica que permeia os três capítulos é a seguinte. Primeiramente, lemos a
realidade de nossas crianças, no caso, por meio da Hermenêutica Jurídica. Depois,
aprofundamos no séc. I dC, por meio da Antiguidade, dos patriarcalismos da
sociedade greco-romano e judaica. De posse de elementos formadores e
reformuladores dos contextos nos quais os textos neotestamentários foram escritos,
é que a proposta do último capítulo resgata a chave de leitura assentada também no
primeiro capítulo: a criança como prioridade absoluta; para aliar a nossa realidade
com a vivenciada mesmo nos tempos de Jesus, por crianças rejeitadas,
abandonadas e marginalizadas pelas instituições, sociedades e famílias também
naquele tempo como no nosso.
Desejamos concluir respondendo se é possível contribuir para libertar nossas
crianças. O que faremos com o nosso adultocentrismo, patriarcalismo e
androcentrismo? O objetivo é suscitar possibilidades e afrontamentos que por vezes
evitamos, escondemos, ou negamos, ou sequer vemos. Vamos rever a criança,
escutar suas vozes, deixá-las escrever suas histórias, participar da história da
humanidade que se repete, repete, repete. Queremos construir pontes, queremos
suscitar cidadania de crianças, não apenas como mais um discurso desta pós-
modernidade (modernidade!), mas como prática cotidiana em respeito a essa
categoria escondida por nós adultos(as), escondida em nós e por nós.
Então, principiemos nossa leitura, retratando a criança do presente em busca
da criança do passado, recontando o que foi arquitetado com a figura da criança
bíblica e jurídica.
20
CAPÍTULO I
HERMENÊUTICA JURÍDICA - RETRATANDO A CRIANÇA BRASILEIRA
As crianças, aqui, são o elo entre as Ciências Bíblicas e as Ciências
Jurídicas
1
, que juntas procuram elucidar questões acerca da cidadania para a
infância. Nesta ocasião de junção, a cidadania será abordada do ponto de vista
hermenêutico, que profere à criança condição de sujeito histórico, jurídico e religioso.
A Hermenêutica Jurídica colabora com a Hermenêutica Infantil ao perceber
como as crianças são acolhidas dentro do ordenamento jurídico, isto é, abrangidas
pelas chaves de leitura, nas quais são salvaguardadas ou não dentro de nossas leis.
Esta análise, que também será objeto de apreciação nas passagens que
citam crianças como sujeitos dentro dos Evangelhos, quer aqui ser apreendida e
discutida também na orla do Direito. Esta busca pretende assinalar pontos
congruentes e divergentes entre os preceitos bíblicos sobre a criança com a práxis
contemporânea de cidadania para a fase da infância. A investigação trabalha
sistematicamente com narrativas evangélicas em busca de aprimoramento e crítica
da aplicabilidade da norma vigente.
É exatamente na junção da Hermenêutica Bíblica Infantil com a Hermenêutica
Jurídica na perspectiva da criança que o passado e o presente se entrelaçam para
reformular melhores e mais humanos caminhos de convivência. Afinal, a
1
Recorremos ao texto de Ferreira (2003b) para iniciar o diálogo interdisciplinar.
21
Hermenêutica desempenha papel sine qua non no desenrolar da justiça, ao
direcionar o direito a cada caso concreto e particular que procura mediação jurídica,
na combinação incansável dos(as) juristas em unir a Justiça e o Direito.
1.1. Entendendo a Hermenêutica Jurídica
A Hermenêutica Jurídica (HJ) é “o estudo e a sistematização dos processos
aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões em Direito”
(MAXIMILIANO, 1999, p. 1), “que devem ser utilizados para que a interpretação se
realize” (FRANÇA, 1997, p. 3).
Para Castro (2004, s.n.), a Hermenêutica Jurídica seria “um domínio teórico,
especulativo, cujo objeto é a formulação, o estudo e a sistematização dos princípios
e regras de interpretação do direito”. Este método, que auxilia na interpretação da
norma pelo(a) jurista
2
, expõe a substância e a finalidade da lei para colocá-la em
exercício no caso concreto demandado.
Segundo Maximiliano (1999, p. 1), a Hermenêutica Jurídica também utiliza os
arremates da Filosofia do Direito
3
, que estão ainda intrinsecamente ligados à
Sociologia
4
, para fixar modelos na aplicação do processo de interpretação jurídica.
Esses modelos de interpretação por si só não precedem a aplicação da Justiça,
2
O conceito de jurista “é aquele que tem a exata noção da sua função social, como operador jurídico,
que decorre da sua condição de bacharel em direito” (GSCHWENDTNER, 2004, s.n.).
3
A filosofia do direito “pode ser caracterizada como o estudo dos princípios ou pressupostos
fundamentais do direito” (MONTORO, 1991, p. 109). Sobre a integração e as lacunas do direito como
“processo de preenchimento de eventuais vazios normativos”, ver Castro (2004, s.n.).
4
Segundo Souza (1994, p. 35), a sociologia é uma ciência da pessoa que “investiga processos
humanos de convivência [...] estuda as maneiras de comportamento do homem [e da mulher] num
determinado meio e suas diferentes modalidades de adaptação”.
22
fazendo-se necessário, como doutrina Maximiliano (p. 5), a intervenção do(a)
hermeneuta que auferirá “o sentido e o alcance das expressões do Direito”
5
.
Para se chegar à uma interpretação comprometida com o contexto histórico-
social, é indispensável percorrer os caminhos indicados pela hermenêutica, pois são
as suas regras que vão perquirir e ordenar “o bom entendimento dos textos legais”
(FRANÇA, 1997, p. 4 e 21).
Logo, ao hermeneuta que discute a situação da criança na prática legal cabe
não só investigar a intenção do legislador e a letra da lei (FRANÇA, 1997, p. 4), mas
também adentrar nos espaços social, temporal e espacial, no qual o dispositivo foi
criado, adaptando-o à realidade cotidiana, no caso, à fase da infância. Afinal, as leis
constituem commune preaceptum [evidenciando...] que a sua fórmula genérica e
concisa deve ser devidamente esmiuçada para melhor adequação aos casos
concretos” (p.4). No Direito costuma-se atribuir conotações humanas à lei, como lhe
construir um corpo, ou seja, a lei escrita, e lhe conferir um espírito, isto “significa tirar
conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no
texto e dos fatores nele considerados” (CASTRO, 2004, s.n.).
O escopo é o de não construir a partir da regra o Direito, mas a partir do
Direito a regra (PAULO apud MAXIMILIANO, 1999, p. 48), quer dizer, o Direito deve
ser a premissa, na qual o hermeneuta deita seus olhos para encontrar um diálogo
entre a legalidade e o cotidiano. Seu alvo é construir métodos para a aplicação da
Justiça e não se ater rigidamente, inflexivelmente, às regras já escritas. Assim, pela
exegese, que varia segundo o aplicador (MAXIMILIANO, 1999, p. 48), “fecunde a
letra da lei na sua imobilidade” (JANDOLI apud MAXIMILIANO, 1999, p. 47).
5
O processo de interpretação jurídica integra os seguinte elementos: fixação do sentido, alcance da
norma jurídica e ”investigação do princípio jurídico a ser aplicado a casos não previstos nas normas
vigentes” (MONTORO, 1991, p. 370-1).
23
Ultrapassar o sentido da norma ou sua mera interpretação, a Hermenêutica
Jurídica quer ir além da intenção primeira do legislador, quer chegar a necessidade
do caso real e sua aplicação atual, indo para fronteiras mais profundas do que
estatuem as letras do texto escrito. O objetivo é chegar à linguagem e à realidade
vivenciada pela pessoa humana, no caso a criança, dentro de sua convivência em
sociedade, com seus singulares momentos históricos, sociais e religiosos.
Os procedimentos hermenêuticos devem ser compreendidos como apêndices
das “suas condicionantes sociais e políticas [...] É preciso ver o processo
hermenêutico por inteiro” (AZEVEDO, 1989, p.15), isto é, o caso prático (ou o
objeto), avaliar o/a intérprete, sopesar os métodos designados para atingir o
objetivo, considerar o contexto histórico-social no qual o processo se realiza
(LAGNEAU-DEVILLÉ apud AZEVEDO, 1989, p.15).
Imprescindível, portanto, levar em conta o contexto histórico-social para
apreender e ocasionalmente, e sempre que necessário, modificar o “substrato
teórico a orientar o raciocínio na aplicação das normas jurídicas, o papel ideológico
da formação jurídica, e os efeitos satisfatórios ou insatisfatórios desse processo”
(AZEVEDO, 1989, p. 15).
A atividade do intérprete deve assentar-se no trabalho hermenêutico que
reconhece nas normas jurídicas não verdades absolutas, mas considera sua
subjetividade na aplicação de cada caso concreto
6
, deve “ajustar-se às novas
realidades em que e para que é revivida” (RECASÉNS SICHES apud AZEVEDO,
1989, p. 16-7). Esse novo ânimo de vida atribuído à lei pode gerar justiça ao invés
de nutrir uma aplicação normativa enquadrada em parâmetros ultrapassados que
não respondam à demanda individual ou social. Assim é impossível não recair em
6
A aplicação ao caso concreto “é o momento final do processo interpretativo, sua concretização, pela
efetiva incidência do preceito sobre a realidade de fato” (CASTRO, 2004, s.n.).
24
engano, no qual o estudo e a investigação do direito se realizariam “em um sistema
fechado, cujos pressupostos são aprioristicamente tidos como verdadeiros e cujo
objeto mostra-se imune à crítica e distante dos problemas sociais reais” (AZEVEDO,
1989, p. 21). Este engano advém da censura ao direito positivista
7
, emergente nas
palavras de Azevedo, resultante da submissão à lei e à primazia que os intérpretes
atribuem à técnica jurídica, concluindo que “não há lugar onde a concepção
positivista do direito se mostre mais insuficiente do que na interpretação das normas
jurídicas” (p. 23). Assim:
“O direito não pode ser escravo da norma. Valores são indispensáveis. A Justiça é o
valor supremo do Direito. O discurso racional não logrou legitimar este valor. É
dentro desta perspectiva que é anunciada a virtude do amor pelo cristianismo. Ela é a
justificação da Justiça. Mais que uma virtude, na verdade um verdadeiro enunciado
dirigente-axiológico, na medida que determina que todos os valores somente podem
se justificar a partir dele. Qualquer ontologia hermenêutica do Direito, portanto, não
pode se escusar da consideração de que, existindo para implementação das
possibilidades existenciais do homem, deve a Justiça ser considerada dentro do
prisma legitimador do amor e, neste diapasão, não pode tolerar as idéias de
vingança e dominação que em geral tem determinado seu conteúdo” (TÁRREGA,
2004, p. 21-22).
O direito não pode ser escravo da norma, nem dos valores tidos como
naturais/intuitivos do ser humano. Visto que aos(às) novos(as) hermeneutas do
Direito cabem ainda afirmações presas à cadeia culturalmente instituída e que
perpassam despercebidas na sustentação do pensamento, como a de Oliveira em
sua dissertação de Mestrado, que, discorrendo sobre a ética, cita: “os valores, que
ao homem se revelam intuitivamente, são então organizados pela razão humana
7
O positivismo busca normas e conceitos auto-explicáveis, não admite juízo de valor “sobre sua
validade intrínseca ou sobre a legitimidade da fonte de que procedem. As leis formalmente postas
pelo poder estatal são dadas e como tal devem ser recebidas e aceitas [...] A afirmativa teórica,
ideologicamente veiculada pelo positi vismo, de que a consideração valorativa do direito, por não ser
científica, deve ser expungida do raciocínio jurídico” (AZEVEDO, 1989, p. 24).
25
como um ‘dever ser’” (SILVA apud OLIVEIRA, 2004, p. 19-20).
Então, o intuitivo que é o criado e depois recriado pelos sistemas simbólicos
transmitidos pela cultura
8
, que se entranham em nosso cotidiano, no ser da pessoa
humana, são transformados em naturais ou intuitivos! Assim como o patriarcalismo,
o adultocentrismo e o androcentrismo
9
, o direito positivo (norma jurídica) e o ‘dever
ser’ (ética) aplicados nas normas são tidos como quase que divinos e insuperáveis.
Como bem leciona Reale (2004, s.n.):
“O ser do homem é o seu dever ser, quer dizer que cada homem tem em si mesmo
uma diretriz condicionante fundamental. São duas condicionantes fundamentais. Uma
é o DNA, que governa a minha existência biológica, e a outra são os valores que se
põem como estrelas diretoras deste percurso que é viver”.
São exatamente estes valores, transmitidos pela cultura, que dão norte aos
discernimentos da pessoa humana e que fundamentam as normas de convivência
social. Essas normas que parecem fluir naturalmente da pessoa, mas na verdade
são fruto do processo cultural no qual a pessoa se insere e se acomoda.
Vale recordar que as leis brasileiras, no início do período republicano, tinham
sido elaboradas reforçando as tradições religiosas, predominantemente católicas, e
patriarcais (ROHDEN, 2001, p. 768)
10
. Na década de 1970, contudo, essas bases
patriarcais foram abaladas e se inicia uma nova legislação emancipadora das
relações familiares (LÔBO, 2004, s.n.), que delineiam a vida privada. As
conseqüências são a retomada da solidariedade e de suas relações; o privado agora
8
Cultura aqui “denota um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em
símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais
os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à
vida” (Geertz, [2002], p. 103).
9
Androcentrismo “é a forma de organização que privilegia um determinado tipo de homem, no nosso
contexto: branco, cristão, ocidental de classe alta, adulto, viril” (NEUENFELDT, 2000, p. 30).
10
Pode-se citar o exemplo da ‘himenolatria’, ver Rohden (2001). Ver também Freyre (2000) que
reforça o legado das tradições do Brasil Colônia e Imperial.
26
vai sendo reorganizado, homens (pobres e ricos), mulheres, crianças e idosos
passam a ser, paulatinamente, sujeito de direitos.
Então, em virtude do declínio do patriarcalismo legitimador do exercício do
poder masculino que submete o feminino (poder marital) e as crianças (pátrio
poder
11
), estas acabam tendo maior visibilidade e tratamento por parte do Estado
que passa a se preocupar com o social no privado
12
. Destacam-se, também, as
discussões e movimentos sociais das décadas antecedentes, que vieram aos
poucos substituindo as estruturas hierárquicas pela “coordenação e comunhão de
interesses e de vida” (LÔBO, 2004, s.n.).
Rohden (2001) assevera que é exatamente pela ausência de implantação das
políticas que a pessoa humana, na figura do pobre, da mulher, da criança e do
idoso(a), sofre violência por parte institucional do sistema penal e civil, que reproduz
a violência estrutural das relações sociais capitalistas e patriarcais
13
.
O desafio lançado ao jurista e ao Direito seria a “capacidade de ver a pessoa
humana em toda sua dimensão ontológica e não como simples sujeito abstrato de
relação jurídica. A pessoa humana deve ser colocada como centro das destinações
jurídicas, valorando-se o ser e não o ter” (LÔBO, 2004, s.n.).
A Hermenêutica Jurídica deveria ter o papel de desamarrar o(a) aplicador(a)
da lei (AZEVEDO, 1989, p. 24), que, após a exegese do texto, busca o seu sentido
11
O art. 1.630, do novo CC, alterou a expressão “pátrio poder” por “poder familiar”. Pátrio poder
exprime a idéia fundamental de patriarcado, da supremacia do pai.
12
Portanto, “a família patriarcal, que nossa legislação civil tomou como modelo, ao longo do século
XX, entrou em crise, culminando com sua derrocada, no plano jurídico, pelos valores introduzidos na
Constituição de 1988” (LÔBO, 2004, s.n.). Ou melhor, ainda luta contra esses modelos.
13
O processo de libertação do patriarcado é uma realidade que devemos ainda atrelar à ruína do
adultocentrismo, dando à criança voz para que sua história seja contada por seus olhares e não pelo
imaginário construído pelos adultos(as), ver cap. III.
27
legal, acostando-o ao episódio que demanda a prestação jurisdicional, uma
aplicação coerente com as transformações sociais.
Não se pode esquecer da advertência de Maximiliano (1999, p. 48) sobre o
fato de algumas exegeses jurídicas prevalecerem devido “as idéias dominantes, os
pendores individuais”. Azevedo (1989, p. 24) diz que o positivismo se torna um
obstáculo, que tolhe e complica a evolução e superação do direito e, em
conseqüência, a evolução e superação dos dados histórico-sociais”.
Com tudo isto, a hermenêutica jurídica esbarra na apregoada neutralidade
científica juspositiva, que, hipoteticamente, se afasta do mundo real e colabora na
manutenção de qualquer status quo. Pois não se dá ao trabalho de questionar se as
leis são injustas ou impróprias, considerando tais assuntos como não jurídicos ou
não pertencentes à Ciência do Direito; lembrando que esta Ciência também pode
fazer opções ideológicas e políticas. Infelizmente, ainda não é possível, no
ordenamento jurídico brasileiro, esquivar-se de aplicar uma norma por ser injusta!
14
A hermenêutica tem este limite a ser transposto, como afirma Azevedo (1989, p. 25):
“Se injusta no seu nascedouro, ou se injusta ou inadequada no caso concreto,
deverá, de todo modo, ser mecanicamente aplicada. O aplicador (não é à toa que se
quer assim denominar o juiz) exime-se de toda e qualquer responsabilidade no estrito
e estreito cumprimento de seu dever”.
Este apego se traduz na crítica ao processo de interpretação jurídica: em
qualquer hipótese, o papel do intérprete se reduz a aplicar precisa e mecanicamente
a regra querida pelo legislador, ainda que há 100 ou 200 anos antes” (MONTORO,
1991, p. 377). Assim, aos destinatários da interpretação jurídica se negará não só a
hermenêutica como também a função judicial, que visa solucionar os litígios,
14
A doutrina e a jurisprudência reconhecem que o Executivo “pode deixar de aplicar os atos
legislativos que considere inconstitucionais. A interpretação judicial [final e vinculante] para os outros
Poderes pode ser superada pela alteração do texto da própria Constituição” (CASTRO, 2004, s.n.).
28
frustrando as expectativas daqueles(as) que procuram a justiça dos homens
(AZEVEDO, 1989, p. 25). E mais, as políticas públicas que se baseiam no social e
são estruturadas por legislações caducas também findarão frustradas por não terem
alcançado o precípuo valor: o bem estar social.
Para evitar estas conseqüências, deve-se situar o processo hermenêutico
jurídico dentro do processo histórico global, na busca de (re)integrar o discurso
jurídico “como ingrediente essencial da vida sócio-cultural, ligado às lutas e forças
sociais, influenciando e sofrendo a influência de todos os fatores em jogo no quadro
histórico” (AZEVEDO, 1989, p. 26).
Defendemos a idéia de extrair do labor hermenêutico uma faceta habitual de
procedimento e inserir no enfoque “pós-positivista uma reflexão sobre a produção
jurídica baseada na hermenêutica da faticidade” (SILVA, 2003, p.377). Isto
significaria a junção da Hermenêutica Jurídica com os fatos históricos e sociais, não
podendo continuar a ser arquitetada no entendimento tradicionalista do positivismo
que aparta o Estado da sociedade e do individual.
Em todo caso, para facilitar o entendimento de como seria o processo
hermenêutico e a sua interpretação, França (1997, p. 30-1) aponta três espécies de
conjuntos de regras: - as legais; - as científicas; - as da jurisprudência. E as funde
nas seguintes regras hermenêuticas para a interpretação:
“I O ponto de partida da interpretação será sempre a exegese pura e simples da lei.
II Num segundo momento, de posse do resultado dessa indagação, o intérprete
deverá reconstruir o pensamento do legislador, servindo-se dos elementos lógico,
histórico e sistemático.
III Num terceiro momento, cumprir-lhe-á aquinhoar a coincidência entre a expressão
da lei e a descoberta auferida, da intenção do legislador.
IV Verificar a coincidência, estará concluído o trabalho interpretativo, passando-se
desde logo à aplicação da lei.
V Averiguada, porém, desconexão entre a letra da lei e a mens legislatoris
devidamente comprovada, o intérprete aplicará esta e não aquela.
29
VI Se, na indagação da mens legislatoris, os resultados forem diversos, cumprirá
preferir aquele que seja mais consentâneo com a índole natural do instituto que a
norma regula, bem assim como as exigências da realidade social e do bem comum.
VII Se os resultados viáveis forem ainda insuficientes, em virtude de defeito ou
omissão da lei, deverá o intérprete recorrer à analogia, e, quando inexeqüível, às
formas suplementares de expressão do direito.
VIII No uso dessas outras formas, mutatis mutandis, será mister agir de modo
semelhante ao da interpretação da lei, procurando, inicialmente, descobrir na forma
exterior a exata expressão da regra supletiva, e, em seguida, a sua conformidade
com a intenção do órgão fautor da regra.
IX Na utilização das formas suplementares de expressão do direito, necessário se
fará obedecer à hierarquia prevista na lei: costume (aí inclusos a jurisprudência e o
standard jurídico), princípios gerais de direito, e, por fim, as demais formas, como a
doutrina, o direito comparado etc.
X Quando, a despeito de todas essas providências, houver ainda falta de
elementos, com base nos princípios gerais de direito (do sistema positivo, do direito
natural e da doutrina consagrada), o intérprete poderá construir, com vistas postas na
realidade sociojurídica, a norma especial aplicável ao caso”.
Destacamos deste breve estudo sobre a Hermenêutica Jurídica o ponto
fundamental de que é o(a) hermeneuta quem vai aliar os conceitos jurídicos
construídos sobre a criança e aplicá-los na realidade sócio-política do país.
Se por desventura o(a) hermeneuta não estiver conectado(a) à construção
histórico-legal do menor, e assim, não perceber que o sistema positivo e a doutrina
consagrada não mais respondem às necessidades dos meninos e meninas,
principalmente os(as) em situação de risco social (ALENCAR, 2000, p. 21), tendo
que evoluir ou ser flexionada
15
, poderá incorrer em erro por ignorância dos fatos
sociais (faticidade).
Aqui podemos tecer um link com a Hermenêutica Bíblica na perspectiva da
criança, que busca o exercício de sua cidadania, que estaria alocado no
aprimoramento do seu desenvolvimento integral. A combinação da Hermenêutica
Jurídica com a Hermenêutica Bíblica Infantil tem por finalidade apresentar a criança
15
Ver as considerações finais deste capítulo.
30
como sujeito, com olhares múltiplos em sua subjetividade, intrínseca a todo ser
humano. O objetivo não é colocar todo o peso dos atos de cidadão(ã) nas crianças,
mas buscar proteger sua dignidade, sua liberdade, seu desenvolvimento, indo além
da mera sobrevivência e repetição de idéias.
Essencial se faz, portanto, ter uma visão panorâmica de como o mundo trata
e absorve as prerrogativas das crianças. Assim, a criança passa a ser estudada
como personagem e não como um mero agente ou objeto que obedece e cumpre
papéis (FRONTANA, 1999, p. 19).
1.2. A realidade social, histórica e jurídica brasileira: reflexos na legislação em face
da criança empobrecida
A sociedade brasileira convive com dois conceitos de criança, que fazem
parte de um discurso que designa dois pólos bem distintos. Ora são aquelas
amparadas por um lar, ora aquelas que dependem de ação assistencial (RIZZINI,
2003, p. 102). Esses dois conceitos separam a criança pobre das outras crianças de
classe média em diante. Esta polarização não está contida apenas na falta de
recursos econômicos, mas se corporifica por privações de toda a gama, que
interferem no pleno desenvolvimento de sua infância.
O desenvolvimento da criança empobrecida brasileira sofre todo o tipo de
violência e discriminação. Geralmente, as crianças pobres estão à mercê do que
encontram fora da escola, por estarem ausentes das salas de aula. Vagam pelas
ruas, entregues a si mesmas, visadas pelos(as) traficantes de drogas e de corpos.
Outro empecilho grave ao desenvolvimento da criança é a saúde que está
comprometida pelas débeis políticas de saneamento e de seu acesso. Além disso,
31
as crianças pobres não possuem acesso ao lazer, muito menos à cultura
(FRONTANA, 1999, p. 32).
O distanciamento entre as crianças que possuem currículos repletos de
atividades extracurriculares e as crianças que trazem apenas o certificado da miséria
faz parte da volumosa representação da infância no país. São realidades
completamente diversas que habitam os fatos e atos do povo brasileiro.
Esta questão de exclusão social, que submete as crianças à pobreza de suas
famílias, ou à sua marginalização ante a coletividade, é um problema que envolve
toda a sociedade civil, pois está diretamente ligada
“às condições precárias de vida material educação, saúde e moradia de grande
parte da população urbana; ao desemprego, subemprego ou emprego intermitente;
ao perfil das políticas econômicas, de caráter excludente e concentrador de renda;
aos baixos salários e conflitos distributivos no campo e nas cidades; à exclusão dos
processos políticos decisórios e às inúmeras formas de opressão e violência
presentes no cotidiano da sociedade” (FRONTANA, 1999, p. 33).
As famílias empobrecidas não podem oferecer recursos às crianças, muito
menos a sociedade é capaz de atendê-las todas, pesando sobre elas ainda os
preconceitos erigidos ao longo da história brasileira. O Estado, por conseguinte,
ainda consegue se esquivar da responsabilidade com respostas como falta de
recursos. Enquanto uma outra parcela da sociedade cobra providências viáveis e
imediatas, conscientes dos preconceitos erigidos, recontam e reconstroem a história
da criança brasileira.
A pobreza e a miséria são demandas de cunho social, tratadas com políticas
assistencialistas, como o programa governamental Bolsa Família, sem perspectiva
evidente de aprimorar as condições de emprego, saúde, educação, ou dos direitos
básicos de todos(as) os(as) cidadãos(ãs).
32
Entretanto, quando a sociedade visualiza a pobreza, tem a tendência a
relativizá-la, como um acontecimento normal, uma fatalidade, vontade de Deus, ou
ainda atribuindo toda a culpabilidade “às características psicológicas ou morais do
pobre, miserável ou analfabeto” (FRONTANA, 1999, p. 35)
16
.
Esta perspectiva não é acontecimento solitário na nossa história brasileira.
Faz parte de um processo cultural que necessita ser superado. Faz-se imperativo
ultrapassar o mito gerado pelos regimes antecedentes ao Código de Menores que
pregavam a ‘salvação’ por meio do Estado, que asseguravam controlar a criança
problema, ameaça e perigo para a Nação. “Durante séculos, vem se defendendo a
importância de ‘salvar as crianças’. É preciso transcender o mito da ‘salvação’, cujo
foco foi o controle sobre a criança pobre, potencialmente perigosa para a Nação”
(RIZZINI, 2003, p. 108).
A leitura da criança empobrecida como ‘menor’, constitui um problema social
(FRONTANA, 1999, p. 36) O termo ‘menor’ não apenas distingue juridicamente a
criança do adolescente e do adulto, pela faixa etária, mas o termo é marca de uma
construção histórica e cultural, e por isso que aqui se resgata o contexto no qual
emergiu.
1.3. A criança enquadrada como ‘menor’ - questão de segurança pública ou social?
Em 1921, Freyre (apud RAJEZUK, 2004, p. 1) já assinalava para a
importância de adentrarmos no mundo da criança, pois é pela “história do menino [e
menina] brasileiro[a] [... que] será possível chegar-se a uma idéia sobre a
16
A miséria no Brasil é tratada ou pelo assistencialismo social ou pela visão que unifica a miséria com
a “desordem e o caos social, associando-a à criminalidade e, nestes termos, transformando-a numa
questão de segurança e repressão [...] podendo combinar-se” (FRONTANA, 1999, p. 36).
33
personalidade do brasileiro. É o menino que revela o homem”, e a menina que
revela a mulher. Essa história principia com o termo ‘menor’.
A palavra ‘menor’ começou a ser usada no vernáculo jurídico no final do séc.
XIX, como sinônimo de criança, jovem, adolescente, utilizada como sinal do limite
etário que impedia “as pessoas de ter direito à emancipação paterna ou assumir
responsabilidades civis ou canônicas” (LONDOÑO, 1992, p. 130). O termo sempre
aparecia em documentos
17
associada à palavra ‘idade’.
Os juristas brasileiros seguiram as transformações internacionais, mormente a
européia e a estadunidense, copiando modelos que visavam “regenerar a partir de
uma disciplina rigorosa que vigorava nas instituições de internamento no século XIX,
além de adotar o trabalho físico e manual como elemento reabilitador, educador,
disciplinar e formador das crianças infratoras e abandonadas” (p. 133).
O re-significado da palavra ‘menor’ abarca as crianças pobres como um
perigo à sociedade. Os juristas e os novos especialistas inauguraram o discurso
‘menor’, caracterizados “principalmente como criança pobre, totalmente desprotegida
moral e materialmente pelos pais, seus tutores, o Estado e a sociedade” (p. 135-8).
Nos inícios do séc. XX, o termo passou a “referir e indicar a criança em relação à
situação de abandono e marginalidade, além de definir sua condição civil e jurídica e
os direitos que lhe correspondem” (p. 129)
18
.
17
Sobre o ‘menor’ nas leis civis, penais, documentos jurídicos antigos, como as Ordenações do
Reino, Código Criminal do Império de 1830, Código Penal de 1890, ler Londoño (1992). As
Ordenações do Reino eram influenciadas pelo direito canônico e romano e foram a fonte do Direito
Penal que vigorou no Brasil (PIERANGELLI, 1980 p. 6).
18
Existe “uma relação essencial entre o cotidiano de crianças e adolescentes das classes populares e
as representações constitutivas da imagem do ‘menor’“ (FRONTANA, 1999, p. 21), o termo, assumido
no século passado, evidencia a formação dessa nova categoria social (p. 23).
34
O primeiro conjunto de leis estabelecido no Brasil para as crianças, o Código
de Menores de 1927, foi montado exclusivamente para o controle da infância e da
adolescência abandonadas e delinqüentes (RAJEZUK, 2004, p. 3).
O ‘problema do menor’ foi circunscrito e reduzido a uma questão social, ou
melhor, de segurança pública, entregue ao sistema repressivo-correcional do Estado
(FRONTANA, 1999, p. 24-5). Mas foi só na década de 60 que o Estado brasileiro se
tornou o grande interventor e o principal responsável pela assistência e pela
proteção à infância pobre e à infância desviante (RAJEZUK, 2004, p. 3). No período
de 1964, quando o debate acerca da criança se intensificou, acreditava-se, como
hoje, em formar indivíduos para a vida em sociedade, em defesa do bem estar
social. Entretanto, ao longo da história, durante o regime militar até 1985, a criança
acabou “sendo objeto de tratamento especial por parte do Estado e da sociedade”
(FRONTANA, 1999, p. 19).
Este tratamento especial, na verdade, passou a ser um estado de controle
social, preocupado com a defesa da sociedade, visando manter a paz, reprimindo a
violência que se evidenciava, erroneamente, nas crianças pobres. Essas eram as
expressões jurídicas formuladas que reiteraram “o estigma que associa pobreza e
miséria a abandono e delinqüência e fez do seu espaço uma ‘escola para o crime’
sempre atualizada” (PASSETTI, 2000, p. 359), e a partir deles fundamentaram-se as
iniciativas legais que produziram o Código de Menores de 1927 e de 1979.
Foi durante a vigência do Código de Menores que os princípios de vigilância e
proteção terminaram de transformar “crianças e adolescentes em indivíduos
dependentes e submissos ou em marginais potencializados” (ROURE, 1996, p. 93).
A República foi o período no qual as crianças ricas e as pobres foram
delineadas, uma para ser a dirigente da sociedade, alvo de atenção e das políticas
de educação e familiar, a outra estigmatizada e “inserida nas ‘classes perigosas’, era
35
objeto de controle especial, de educação elementar e profissionalizante, que a
preparasse para o mundo do trabalho” (MARCÍLIO, 1998, p. 224).
Do Código de Menores de 1927, primeiro conjunto de leis voltado à infância e
ao controle dos abandonados e delinqüentes, até a Política Nacional do Bem-Estar
do Menor (ou Código de Menores de 1979, Lei federal nº 6.697, 10/10/79)
19
foram
usadas práticas de internação e medidas de assistência
20
.
A Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBM), que criou a Funabem
Fundação Nacional do Bem -Estar do Menor - ao invés de promover realmente o
‘bem-estar’, “conseguiu estigmatizar crianças e jovens da periferia como menores
perigosos [...] As unidades da Febem em cada estado se mostraram lúgubres
lugares de tortura e espancamentos” (PASSETTI, 2000, p. 358)
21
.
Fajardo (2004a, p. 13) afirma que a relação histórica-estatal com a sociedade
está estreitamente ligada com “os modelos de Estado e as políticas públicas para a
infância”. Contudo, assim como nós, Passetti (2000, p. 358) discorda de Fajardo,
quando afirma que estas práticas independem do regime, democrático ou ditatorial
que a nação se encontra. Isso porque não se pode negar a importância do regime
democrático, contudo, não se pode deixar a lei livre, nas mãos de legisladores (em
sentido lato) que se encontram enclausurados(as) em ‘pre-concepções’
androcêntricas, patriarcais e adultocêntricas, conhecimentos absorvidos e
reproduzidos sem questionamentos e discussões populares e científicas que
19
O Código do Menor de 1927 foi reelaborado pelo novo Estatuto do Menor de 1979, tendo em vista
a pressão feita pela Declaração Universal dos Direitos da Criança e pela atividade presencial de
organizações não-governamentais, nacionais e internacionais, que apresentaram uma nova postura
em relação ao bem-estar e à proteção das crianças, apresentando seus direito e os deveres do
Estado (MARCÍLIO, 1998, p. 225-6).
20
Sobre o assunto, ver Marcílio (1998).
21
Para aprofundar no debate quanto ao ‘menor’ na lei, o Código de Menores, a Política Nacional do
Bem-Estar do Menor, FEBEM, remetemos o(a) leitor(a) a obra de Passetti (1992).
36
detenham a noção de suas interferências no cotidiano público e
privado.
Fig. 01 Crianças em situação de abandono
Fonte: Rajezuk (2004, p.1).
Os meninos e meninas em situação de rua representam
o descaso, a impunidade no desvio das verbas públicas,
a ignorância social, o aconchego que a sociedade,
o Estado e a família não conseguem lhes dar.
O que fica assentado e claro é o ponto comum do trato da questão social e da
criança que independentemente do regimento interno do país, a ênfase permanece
nas questões de segurança, controle e ordem social (FRONTANA, 1999, p. 35).
Deste conglomerado de construções conceituais, que macularam a imagem
das crianças provenientes das periferias das grandes cidades, surgem então os
chamados ‘menores’. Estas crianças eram distinguidas como:
37
“filhos de famílias desestruturadas, de pais desempregados, na maioria migrantes, e
sem noções elementares da vida em sociedade [...] Eles são menores de idade
juridicamente independentemente da procedência de classe social e são menores
quando procedentes dos estratos mais baixos da hierarquia socioeconômica”
(PASSETTI, 2000, p. 357).
Edificam-se as falas que sustentam o discurso configurador do “espaço de
vivência especial, capaz de fixar um lugar institucionalizado destinado a
circunscrever, vigiar, controlar e disciplinar as ações desse segmento da infância”
(FRONTANA, 1999, p. 22). A dita proteção e as garantias dos direitos sociais das
crianças se decompõem e, nesses ambientes, se “reforçam a discriminação,
mediante práticas de confinamento, maus-tratos e castigos, fomentando relações de
conflito que degeneram em protesto, fugas e rebeliões” (p. 32-33).
Assim sendo, a imagem da criança ‘menor’ no Brasil é uma construção
histórica e juridicamente fundamentada, que foi sendo gerada e assumida pela
sociedade, com todas as suas idealizações e formatos. Essa imagem amarra o
“segmento que engloba, predominantemente, crianças e adolescentes pertencentes
às camadas populares, filhos de trabalhadores de baixa renda que têm uma
experiência de vida diferenciada, marcada tanto pela ausência de bem-estar social e
econômico como pelo estigma da ‘marginalização’” (FRONTANA, 1999, p. 19).
Verificamos esta inculturação quando o(a) brasileiro(a) lê algum jornal ou
revista que aborda o tema ‘menor’. Logo vem a imagem dos meninos e meninas de
rua, crianças que praticam o roubo, cheiram cola, vendem balas e doces nos
sinaleiros. Para Freitas (1993, p. 5), não há diferença entre as crianças que vivem
nas ruas e aquelas que permanecem nas favelas e/ou periferias, pois a pobreza é a
mesma. As que vagam pelas ruas são a conseqüência das que saem dos locais de
miséria para incomodar a sociedade, tornando-se visível, trazendo à tona um
problema que se tenta esconder e ninguém quer ver.
38
Na verdade, a visibilidade política e social crescente dos meninos e meninas
nos espaços públicos, mormente a partir da década de 1970 (FRONTANA, 1999, p.
19), trouxe à baila a questão do menor no Brasil República, através de denúncias
regulares veiculadas pela imprensa, “principalmente após o golpe de 64 e o fracasso
do milagre econômico” (PASSETTI, 1992, p. 146).
Como bem considera Freitas (1993, p. 5), os meninos e meninas de rua na
realidade são meninos e meninas da miséria. As medidas até então encontradas
pelo poder público de recolhê-los das ruas não se mostra uma solução, pois “logo
outros os substituirão, eis a resposta da miséria”.
Por ser uma categoria que se mostra silenciada, sem representatividade até a
década de 1980, a identidade desse(a) ‘menor’ foi paulatinamente forjada pelos(as)
adultos(as) e assumida pelo sujeito, ou seja, pela criança.
“Em outras palavras, o termo ‘menor’ constitui-se na maneira como os setores
dominantes da sociedade fazem seu reconhecimento da condição específica de
crianças e adolescentes pertencentes às classes trabalhadoras de baixa renda os
filhos de negros, nordestinos ou brancos pobres -, que carregam as marcas e os
estigmas da exclusão, que exibem, enfim, os signos da discriminação que recaem
sobre sua classe social. Esse mesmo reconhecimento denuncia, em outra
perspectiva, a existência concreta de uma categoria social que se apresenta aos
outros exibindo certo modo de estar no mundo, por meio de expressões visíveis.
Entretanto, o que particulariza essa categoria social é que sua identidade não é
construída a partir de sua própria expressão e de suas formas de se auto-representar,
de modo que acaba por aparecer predominantemente na ‘fala dos outros’ sujeitos
sociais, a partir de seus próprios pontos de vista e por meio de sua própria linguagem
e seus signos, recobrindo-a assim de uma expressão simbólica estranha às suas
experiências concretas” (FRONTANA, 1999, p. 22).
O ‘menor’ passou a ser uma das categorias de crianças que compreende a
imagem social e jurídica que foi construída historicamente, constituiu-se num
instrumento de identificação e controle desse segmento social da infância [...] que
impõe objetivamente a condição de ‘menor’ a algumas crianças” (FRONTANA, 1999,
39
p. 22). Hoje esta categoria de meninos e meninas em situação de risco social
(ALENCAR, 2000, p. 21) continua a reivindicar que suas histórias sejam contadas a
partir delas e não pelo ponto de vista adulto e por seus simbolismos de crianças
marginalizadas como ‘menor’.
No cenário internacional, o Brasil ainda é um país de índices crescentes de
desrespeito aos direitos elementares de crianças que vivem em condições de
absoluta miséria agregadas à ausência de perspectiva de futuro. Os noticiários e
jornais não deixam calar os maus-tratos, torturas e assassinatos brutais de crianças
e jovens, flagrante afronta aos preceitos da Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança e do Adolescente (FRONTANA, 1999, p. 26).
Apesar disto, é extraordinário ressaltar que tanto o poder público quanto a
sociedade civil têm se mobilizado juntamente com seus políticos e governantes, por
movimentos organizados ou não, por representantes de organizações internacionais,
como a “Anistia Internacional e o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), Human Rights Watch” (FRONTANA, 1999, p. 27).
No Brasil damos destaque ao MNMMR (Movimento Nacional dos Meninos e
Meninas de Rua), movimento não-governamental, criado em 1980, fundado por
educadores preocupados com a situação da criança e do adolescente
marginalizados. Esse movimento se baseia em dois princípios: “considerar o menino
sujeito da história e desenvolver o trabalho educativo com os meninos no seu próprio
contexto social” (ROURE, 1996, p. 92).
Neste diapasão de providências a nível nacional e internacional, passamos a
esboçar leis internacionais que se preocuparam com o presente e o futuro de
crianças, até chegar à aplicabilidade dessas providências no ordenamento positivo
brasileiro, que seguem os princípios internacionais que protegem as crianças.
40
1.4. O ordenamento internacional que abraça as crianças
A Declaração de Genebra de 1924 foi a primeira declaração internacional que
ordenou propostas em prol dos Direitos das Crianças. Em seguida, a ONU
(Organização das Nações Unidas), formulou a Declaração Universal dos Direitos das
Crianças, em 1959 (CHAVES, 1997, p. 33).
Este rompimento com o silêncio que se fazia em anuir com as perversidades
em todo o mundo contra a criança irrompeu no início do século passando. A questão
da criança passa a ser discutida abertamente a nível mundial e foi sendo trabalhada.
Estes documentos destacavam a falta de políticas emergenciais e protetoras à
infância. Essas preocupações emitidas em papel nada mais eram do que o resultado
negativo da vida cotidiana de milhões de meninos e meninas espalhadas pelo globo,
que sofreram/sofrem/sofrerão com a negligência de seus países, comunidades e
famílias.
O conglomerado de tratados e ações, no tecido internacional, acabou por
obrigar e comover alguns governos, que incitados pela comoção se sentiram
impelidos ou a acordar com os tratados ou a permanecerem na ignorância no trato
com suas crianças. Assinar tratados não basta para que as nações concretizem o
compromisso, retificando os debates infindáveis, mobilizando suas políticas para
integrar os acordos firmados a prática desejável de implementação dos Direitos da
Criança.
Mas, felizmente, o ordenamento jurídico internacional não só estruturou a
proteção à infância, via tratados e convenções, ao estabelecer compromissos e
metas em relação aos Estados signatários, mas também, através de documentos,
assentou a criança em local de destaque dentro das primazias de governos,
tornando-a prioridade incondicional. Inaugurou maciçamente uma forte passagem
41
para as crianças saírem do anonimato de sua pobreza para ganharem destaque e
condição de sujeito de direitos.
Estes documentos exigem objetivamente que a assistência às crianças seja
integral, e que elas tenham absoluta primazia sobre qualquer outra iniciativa estatal.
Isso significa dizer que tudo o que está vinculado à administração dos municípios,
territórios, estados, enfim, a nação fica atrelada “ao princípio da prioridade absoluta
[...] se o atendimento à infância é prioridade absoluta, não pode o Administrador, a
qualquer pretexto, deixar de prestar esse atendimento, tampouco optar entre um
investimento na proteção à infância ou em outra obra” (SANTOS, 2004b, s.n.)
22
.
Afinal, a realidade das crianças é vista diariamente nos jornais e canais
televisivos: as crianças sendo mortas por intolerância, guerras, impunidades,
corrupção, fome, tráfico, doenças. Outras são focos de trabalhos de adultos,
obrigadas a trabalhar para sustentar sua infância, sua família, até mesmo sua
comunidade, entrelaçadas na teia da produção, da mais valia.
São dignas de reconhecimento as iniciativas internacionais que visam
minimizar as mazelas que atingem crianças pelo mundo. Como exemplo temos as
Convenções
23
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que regulam a idade
mínima admissível ao labor infanto-juvenil, que é a de 16 anos (Convenção 138), e
22
Alguns documentos internacionais essenciais para tornar a criança prioridade absoluta: Declaração
Universal dos Direitos da Criança (1959); Declaração Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de
San José - 1969), destaque para o art. 19, que dispõe: “Toda criança tem direito às medidas de
proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado”; a
Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança (promulgada no Brasil pelo Dec.
99.710/90); a Declaração Mundial Sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da
Criança nos Anos 90 (Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, Nova Iorque, 1990); Declaração de
Estocolmo, resultado do Congresso Mundial sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
(1998); O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à venda de
crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil (2000, válido desde 2002).
23
Lembramos ainda a Convenção 182 da OIT (Genebra, em 1999, ratificada pelo Brasil em 2000) e a
Recomendação 190 (esta recomendação complementa a Convenção 182, também em 1999).
42
estabelecem ainda a eliminação efetiva das piores formas de trabalho das crianças,
exigindo uma ação em conjunto imediata para assegurar a integração social de
crianças e adolescentes, levando ao mesmo tempo em consideração as
necessidades das respectivas famílias (Convenção 182).
Igualmente, a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o
Desenvolvimento da Criança, firmada nos anos de 1990, também é um destes
documentos que priorizam as políticas e os ajustes institucionais voltados para
garantir e concretizar fluxogramas que devem ser tidos como de “alta prioridade”.
Baseados no princípio da absoluta prioridade, os administradores públicos
possuem o dever de ajustar suas contas e separar recursos para o desenvolvimento
integral da criança, seja em época de austeridade econômica ou ajustes estruturais.
Não se isenta de forma alguma os(as) administradores(as) públicos(as) que:
“se recusam a cumprir o princípio da prioridade absoluta, sob o velho e batido
pretexto da ‘falta de verbas’. Quer dizer, todas as outras obras devem até mesmo ser
paralisadas até que se concretize o atendimento das necessidades da infância, pois
só estas são ‘prioridade absoluta’”(SANTOS, 2004b, s.n.).
Criam-se iniciativas públicas e políticas, submetidas pelos meios legais e a
processos disciplinares de responsabilidade que se fundamentam no princípio da
prioridade absoluta, para proteger os interesses das crianças. Prestigiam -se os
cuidados especiais, ou prerrogativas, que estes pequenos(as) cidadãos(ãs)
necessitam para desfrutar de uma vida plena.
E assim, vários países, inclusive o Brasil, se comprometem a dedicar
cuidados especiais no trato com a infância. Esse é outro ponto que fica claro na
Declaração dos Direitos da Criança, quando o dispositivo considera a “imaturidade
física e intelectual” da criança (SILVA, 1998, p. 35), significa dizer que, essa
Declaração assinala a total dependência que a infância, essa fase da vida humana,
43
tem com os adultos(as), que devem obrigatoriamente prover seu desenvolvimento
integral. Estes cuidados especiais estão na tangente do exercício efetivo dos
deveres cívicos e políticos que as crianças ainda não praticam, prerrogativas estas
inerentes ao cidadão. Então, no lugar da ausência da possibilidade de exercitar
esses atos, elas carecem de auxilio do universo adulto. Tal auxílio só pode vir pela
representação das pessoas que decidem e lutam por seus direitos, seja na esfera do
público, como os Conselhos Tutelares
24
, seja na esfera do privado, como pelas
associações e Ong’s espalhadas pelo Brasil e no mundo, e também por suas
respectivas famílias, quando existem.
“A materialização de todos os Documentos Internacionais que protegem a infância
resultou de um longo e complexo processo, de dimensão universal, marcado por um
debate sério e responsável que envolveu os principais Estados e organizações do
mundo” (SANTOS, 2004b, s.n.).
Estas corroborações de ações em prol da criança tiveram seu ápice com a
Convenção das Nações Unidas pelos Direitos da Criança (1989), e um pouco antes
aqui em nosso país, com a introdução do art. 227 na Constituição Federal de 1988
25
.
Hoje no Brasil podemos comemorar ajustes que têm por base a adoção da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Nações Unidas. Podemos citar
o exemplo do Ministério do Trabalho e Emprego, a Associação Brasileira de
Supermercados e o da Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança, que assinaram,
em setembro de 2002, termo de compromisso para a erradicação do trabalho infantil.
Pode-se citar também o exemplo do governo de Goiás que, em recente
acordo, celebrado em julho de 2004, reuniu assinaturas de entidades
24
Os Conselhos Tutelares foram criados pela Lei 1.201/92 (alterada pela Lei 1.433/95, revogadas
pela Lei 1.759/99). As atribuições dos Conselhos Tutelares estão previstas no ECA, arts. 136, 191 e
194, e possuem por finalidade garantir os Direitos das Crianças e adolescentes no âmbito municipal.
25
Este alargamento da defesa dos Direitos das Crianças se materializou concretamente pelas
diversas medidas internacionais realizadas desde o início do séc. passado (RIZZINI, 2003, p. 101).
44
governamentais e não-governamentais desse estado que resolveram cooperar para
erradicar o trabalho infantil, em especial o trabalho infantil doméstico
26
. Assinaram o
presente acordo: o Forum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
e Proteção ao Trabalho do Adolescente (FEPETI-GO), Ministério Público do
Trabalho em Goiás (MPT 18ª Região), Ministério do Trabalho e Emprego (DRT/GO),
Ministério Público Estadual, Secretaria de Estado de Cidadania, Secretaria de
Estado de Educação, Secretaria de Estado da Saúde, Secretaria Municipal de
Educação, Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG), Conselho Estadual
dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e Adolescente e o Conselho Tutelar.
Estes acordos no Brasil são frutos das Declarações internacionais que
entendem a importância da criança para o mundo, em consonância com as leis
pátrias, como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, como veremos.
1.4.1. Ferramentas que resguardam as crianças no ordenamento jurídico nacional
No Brasil, foi com a Constitucional Federal de 1988 que a criança passou a
ser prioridade absoluta. O art. 227 é considerado por diversos(as) autores(as), como
26
“Além de promover a cooperação inter-institucional, o termo visa à construção conjunta de
instrumentos de ação direta, comunicação e sensibilização da população. Pretende atingir os
profissionais das áreas de educação, saúde e assistência social; os conselheiros tutelares e de
direitos da criança e do adolescente; os empresários e empregados da indústria e do comércio e
outros agentes institucionais no que se refere à prevenção e à erradicação do trabalho infantil
doméstico no estado de Goiás”. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/noticias/2004/06/n309.html.
Acesso em: 30 nov. 2004). Contudo, nenhuma de suas ações cuida da criança como um todo, como
participante ativa do seu núcleo familiar, ou na comunidade na qual vive.
45
Santos (2004b) e Rizzini (2003), a síntese da Convenção das Nações Unidas Sobre
os Direitos da Criança.
Antes da formulação do artigo, houve no país várias discussões sobre o tema
‘A Criança e a Constituinte’, gerada pela comoção e organização da sociedade civil
na década de 1980 em defesa da criança
27
. Esse aglomerado de petições culminou
na inclusão do art. 227:
“um artigo inusitado na Constituição Federal. O artigo 227, baseado nos postulados
da Declaração Universal dos Direitos da Criança e detonador do processo que
culminou na elaboração de uma nova lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente”
(RIZZINI apud SANTOS, 2004b, s.n.).
A norma ali contida é de eficácia cabal, pois foi exatamente onde se
sedimentaram os direitos fundamentais da criança no ordenamento jurídico
brasileiro. Assim, as crianças devem ser entendidas como “prioridade absoluta e
imediata, em relação às outras matérias constitucionais, é lógico que não se está
diante de dispositivo meramente programático ou de eficácia limitada” (SANTOS,
2004b, s.n.), mas continua sendo preceito constitucional auto-aplicável.
O art. 227 (CF/88), não exaustivo, traz em seu bojo elenco das prerrogativas
que foram motivo de belas lutas a nível mundial em prol das crianças, como se lê:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Estas deveriam ser as possibilidades básicas (ou mínimas) de todas as
crianças brasileiras, oportunidades que lhes dariam a chance de escolher seu
27
Como o MNMMR, visto no final do ponto 1.3.
46
próprio caminho. Este deveria ser o olhar pelo qual a criança, como sujeito
hermenêutico jurídico, deveria ser visualizada.
Fig. 02 Pequenos jornaleiros acolhidos pelas ruas.
Fonte: Huzak(2000, p. 78).
Os pequenos jornaleiros dormem na rua, um sobre “travesseiro de notícias de sábado para
domingo. De manhãzinha, come umas bolachas e vai à luta. O prêmio é levar dinheiro para casa e
passar o resto do domingo com a família” (p. 79).
Todavia, para falarmos de leis que abraçam as crianças, a Hermenêutica
Jurídica lança mão de alguns princípios que norteiam este acolhimento
constitucional.
Ao observar o artigo, deve-se lembrar de que ele é de raiz constitucional,
portanto, possui uma superioridade quanto a outras leis dentro do ordenamento
positivo, sendo hierarquicamente superior a qualquer medida, resolução, portaria,
47
etc. Nenhum ato jurídico pode prevalecer em conflito com a Constituição (CASTRO,
2004), mas deve ser imbuído de sua substância para tornar a lei aplicável e eficaz.
O caráter político da norma constitucional vincula toda e qualquer decisão no
âmbito do Estado, sendo coordenadora e reguladora suprema da vida em
sociedade. Insere valores e princípios que devem ser observados por todas as
pessoas que passem pelos espaços e territórios nacionais.
Logo, é com as ferramentas dadas pelo art. 227 que se inicia o trabalho de
leitura de um cenário brasileiro de acolhida de meninos e meninas que vivem sob a
tutela do Estado, da sociedade e da família
28
, que deveriam ter nelas e por elas a
prioridade de suas administrações.
Subseqüente a implantação do art. 227, promulgou-se a Lei 8.069/90,
anunciando-se um novo caminho a ser percorrido no que tange à proteção da
criança no Brasil. Mas antes de adentrar nesse assunto, deve-se suscitar as
construções legais, históricas e sociais que formaram o pano de fundo, no qual a
criança ascende até chegar ao ECA.
Os anos seguintes ao artigo foram de mobilização tanto estatal quanto social,
chegando a se criar o Ministério da Criança (1990). Nesse mesmo ano foi redefinido
o cenário legislativo com a aplicação do novo Estatuto que agora tinha como
destinatários todas as crianças e adolescentes da nação brasileira, que a priori não
eram mais denominadas de ‘menor’.
Passetti formula que o ‘menor’ é, como já consignado, o modo jurídico-social
de controle estatal sobre as crianças que pertencem ao proletariado, condenadas a
esse estigma pela condição de possíveis infratoras, incorporadas como delinqüentes
pelo saber das instituições.
28
Perceba que a ordem dada pelo artigo 227 é a família, a sociedade e o Estado, atribuindo uma
ordem na representatividade e responsabilidade no trato com a infância.
48
“Substituir o termo menor por criança e adolescente pode trazer apenas nova
modernização reconfortante aos técnicos e aos internos políticos de ocasião” [...] “Por
outro lado, saber operar com a categoria menor como estigma e, ao mesmo tempo,
como elemento de uma política de resistência e enfrentamento ao Estado, passa a
ser uma das possibilidades para que estratégias possam se articular libertariamente”
(PASSETTI, 1992, p. 172-3).
A Funabem foi extinta, surgindo em seu lugar a CBIA (Fundação Centro
Brasileiro para a Infância e Adolescência), que logo também foi suprimida. “O
governo continuava tratando os assuntos da infância de forma [...] aleatória,
descontínua e muitas vezes inconseqüente” (MARCÍLIO, 1998, p. 227).
Temos de reconhecer, com a autora Marcílio, que no campo das leis, o ECA
realmente representou um avanço, que proporcionou uma quebra no paradigma do
‘menor’ e, como veremos, implementou caminhos para que as políticas públicas
fossem efetivadas tendo como prioridade o bem-estar da infância.
O Brasil, no entanto, continua acumulando títulos mundiais em desrespeito à
infância, como a exploração do trabalho infantil, a péssima distribuição ou elevada
concentração da renda que agravam o desenvolvimento e a vida da criança, além do
lucrativo comercio com o turismo internacional pornográfico e as altas taxas de
prostituição infanto-juvenil
29
, exploração sexual das crianças
30
, massacres como o
da Candelária, etc. Além de tudo isso temos ainda as ações violentas das polícias,
evidenciada nomeadamente na figura da criança negra
31
.
29
A propósito da ausência de cidadania e de políticas públicas no Brasil relativas à prostituição e
violência infanto-juvenil, ver Pinheiro (2004).
30
Sobre a violência contra crianças e o turismo sexual no Brasil ver comunicado apresentado à
Comissão dos Direitos Humanos na ONU, em Genebra, em 1993 (LAGENEST, 1990).
31
Ver Marcílio (1998, p. 228). Esta afronta aos Direitos das Crianças será abordada também no cap.
II, quando trataremos da criança na Antiguidade e suas realidades, que na comparação de
prerrogativas, o ontem e o hoje se encontram mostrando que a criança padece pela falta de avanços
nas relações humanas, apesar dos efetivos ganhos legislativos e tecnológicos do hoje.
49
Como falar em cidadania para crianças num Brasil de tantas desigualdades
sociais, econômicas e políticas? Como defender o ser criança cidadã que busca ter
o que elenca a Constituição Federal em relação ao bem-estar social? Para começar
a responder é fundamental elencar os princípios fundamentais que agasalham a
criança e são fontes precípuas do desenvolvimento integral da criança, inseridos no
ECA. Para discuti-los propomos observar o que se segue.
1.4.2. O produto dos movimentos internacionais e nacionais: o ECA
“Foi com a indicação de 1978 como Ano Internacional da Criança que a história da
criança no Brasil e de sua repressão começou a ser pesquisada. Isso levou à
formação de diversas associações que articularam-se a outras na defesa dos direitos
da criança e que acabaram influenciando o Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990” (PASSETTI, 1992, p. 147).
A Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990, o ECA, adveio do mesmo
processo desencadeado mundialmente, que forçou o Estado Brasileiro, através da
animação social regional e internacional, mediante a nova política externa de atitude
universal em prol dos direitos humanos básicos voltados à infância, a mudar de
atitude perante a classe das crianças, principalmente a marginalizada. Essa lei,
inspirada na doutrina da proteção integral da criança e do adolescente (VERONESE,
1998, p. 121)
32
, só pode ser materializada graças ao art. 227 (CF), que inaugurou
uma mudança quanto à criança, posicionando-a como sujeito de direito.
Foram estes dispositivos que estabeleceram e firmaram, em solo brasileiro, a
“implementação da doutrina da proteção integral” (SANTOS, 2004b, s.n.). Para o
Brasil, representou uma autêntica permuta de “paradigma, retirando a criança e o
32
Para aprofundar na legislação infra-constitucional que tutela os interesses individuais, difusos e
coletivos da criança ver Veronese (1998).
50
adolescente da posição de meros objetos de proteção dos adultos ou do Estado,
colocando-os na posição de sujeitos de direitos” (2004b, s.n.).
A criança não é mais mero objeto nas mãos do Estado, da comunidade, e da
família, mas agora é sujeito de direitos, e os olhos da comunidade internacional
também se voltam ao cumprimento efetivo dos Direitos das Crianças em nosso país.
Tal mudança retira a criança do mundo de silêncio em que foi colocada pelo
adultocentrismo/androcentrismo/patriarcalismo, passando a ser sujeito histórico,
tendo a oportunidade de ter suas histórias recontadas. Tal rompimento re-posiciona
a categoria infantil como protagonistas. Implica dizer que “em virtude de sua
dignidade de pessoa, está acima das coisas e acima das aplicações do progresso
técnico” (BOHNEN, 1987, p. 50).
“A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente
recepcionaram toda a essência filosófica contida nos Documentos Internacionais
sobre a infância” (SANTOS, 2004b, s.n.). Dessa forma, estes dois dispositivos
brasileiros conclamam a família, a comunidade e o Estado, “a proverem condições
adequadas ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, sem qualquer tipo de
distinção ou discriminação (RIZZINI, 2003, p. 101).
A discriminação e a distinção, de acordo com Rizzini (2003, p. 101), são
superadas no Estatuto, tendo em vista “os estigmas históricos associados à
concepção de ‘menor’“, conjugada como abandono e delinqüência. Mas, será
realmente que os estigmas históricos, androcêntricos, patriarcais, racionalistas,
adultocêntricos foram superados?
Esta ruptura com o velho sistema do Código de Menores, brevemente
demonstrado nas páginas anteriores, e seus resquícios, ainda terão que caminhar
algum tempo para eliminar da criança que foi classificada como ‘menor’ toda a carga
negativa que ainda paira em nossa cultura, que absorveu o conceito. Pois é bem
51
difícil posicionar todas as crianças como sujeitos de direitos, em face a tanta falta de
cidadania, a tanto preconceito latente.
É verdade que os meninos e meninas dos últimos 15 anos são reconhecidos
como sujeitos detentores de direitos e caracterizados por sua condição de ‘pessoa
em desenvolvimento’. E que os Conselhos Tutelares são a visível “proteção especial
àquele segmento considerado pessoal e socialmente vulnerável [...] incentivando a
municipalização das ações e a participação local” (p. 102).
Apesar do art. 227 e do ECA constituírem uma revolução nas questões sobre
a criança, e terem alcançado uma reformulação, realmente uma quebra de
paradigmas, nas relações das crianças com o Estado e os(as) adultos(as) (MENDEZ
apud SANTOS, 2004b, s.n.), observamos que esses avanços convivem com
impasses na “inexistência de políticas sociais públicas capazes de garantirem os
direitos mais básicos das crianças, como à vida, à educação, à saúde, à habitação e
à convivência familiar e comunitária” (RIZZINI, 2003, p. 102). Marcílio argumenta:
“existe um abismo profundo entre as normas e a dura realidade da infância brasileira
[...] chegamos hoje a um impasse ante a legião de crianças desvalidas vagando pelas
ruas, aprisionadas nas Febem’s ou similares, exploradas por um pornoturismo
infame, ou ainda, tendo seu desenvolvimento massacrado por trabalhos pesados,
sem proteção, cercadas, em muitos casos, de toda a sorte de violência, em casa, nas
ruas ou praticada pelo próprio Estado, que deveria ser seu guardião ou protetor”
(MARCÍLIO apud RAJEZUK, 2004, p. 3).
Um dos objetivos que o ECA tenta alcançar é a superação desta concepção
histórica do ‘menor’, associada ao abandonado e à delinqüência. Isso se mostra
claro na tentativa de imprimir o juízo de amparo integral às crianças, e assim
“evidenciar a condição de cidadania de crianças” (RIZZINI, 2003, p. 101).
Esta condição de cidadania está prevista no art. 6º, na expressão ‘pessoa em
desenvolvimento’, que seriam as crianças que reconhecidamente são “sujeitos
detentores de direitos e caracterizados por sua condição de ‘pessoa em
52
desenvolvimento” (RIZZINI, 2003, p. 101). Ao falarmos de desenvolvimento integral
da criança se reivindica com esta expressão os “direitos especiais decorrentes da
condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento” (CURY apud
SANTOS, 2004b, s.n.)
A proteção especial estaria assentada na perspectiva pela qual a população
infantil é vista, sendo considerada socialmente vulnerável. De tal proteção fariam
parte as medidas sócio-educativas e a implantação de Conselhos Tutelares
(RIZZINI, 2003, p. 102). Essa proteção integral à criança está inserida no texto do
ECA, art. 1º, sendo detalhada no art. 3º:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-
se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de
lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e de dignidade”.
A priori, seriam suficientes a letra da lei constitucional e o Estatuto para se
salvaguardar a criança e garantir todos os direitos fundamentais inseparáveis da
pessoa humana, e que obriga a família, a sociedade e o Estado a velarem pelo início
de vida e de desenvolvimento da criança.
O Estatuto esmiúça estes caminhos pelos quais se deve colocar em prática a
proteção integral à criança, incluindo, o princípio da prioridade absoluta, que
complementa os princípios básicos para o desenvolvimento integral da criança, que
seriam a “efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária" (SANTOS, 2004b, s.n.).
O que fica evidenciado pela expressão jurídica contida no art. 4º, parágrafo
único, alínea ‘d’, é a seguridade na preferência dos assuntos relativos à criança
também quanto aos recursos públicos: "A garantia de prioridade compreende: d)
53
destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção
à infância e à juventude".
Estes princípios erguidos pela CF e detalhadamente descritos nos primeiros
artigos do Estatuto são como bases fundantes na construção do novo contexto em
que se insere a criança como sujeito de direito. Faz-se, todavia, necessário
fortalecer, na esfera do público e do privado, a concepção da criança como sujeito
de direitos, restaurando-se sua imagem estigmatizada, e agindo concomitantemente
com políticas que agreguem soluções para retirar das crianças a responsabilidade e
a necessidade de ajudar economicamente suas famílias. Isso seria dar um passo na
dianteira da cidadania adquirida pelos infantes. “Seria saltar para o patamar de uma
compreensão mais extensa possível e de colaborar na produção de conhecimentos
científicos eticamente comprometidos com a emancipação desses sujeitos” (SOUSA,
2003, p. 7-8).
Com facilidade apreendem-se as colocações estatutárias que permitiriam a
imediata execução dos direitos fundamentais acima narrados. Contudo, tais
comandos, apesar de teoricamente afastar “a velha desculpa da inexistência de
verbas públicas para a implementação da proteção integral à criança” (SANTOS,
2004b, s.n.), não são implementados, não estão acontecendo espontaneamente.
“Veja-se que, mesmo apesar da clareza com que as normas (detalhadas) do ECA
impingem ao Poder Público, à família e à sociedade a obrigação de efetivar os
direitos fundamentais da infância, há Administradores Públicos deixando de lado o
atendimento integral e prioritário a essa população, a pretexto de ‘falta de verbas’!
Imagine-se se as normas dessa Lei não fossem tão diretas e não contivessem tantos
detalhes” (SANTOS, 2004b, s.n.).
Garantir a ampla defesa de seus direitos e coibir arbitrariedades na
discricionariedade do uso do poder, são algumas das idéias do Estatuto (RIZZINI,
54
2003, p. 102). Entretanto, o cotidiano brasileiro demonstra outra realidade
33
. Não
obstante a consolidação normativa dos Direitos das Crianças, e tantas obrigações à
sociedade, ao Poder Público e à família para cumprir com as prerrogativas da
população infantil, a administração pública e suas políticas continuam “praticamente
sem operar, preferindo [...] construir pontes, estradas e campos de futebol a investir
no cuidado para com as crianças. E impunemente” (SANTOS, 2004b, s.n.).
Apesar de afrontar o erigido por nossas leis, a violação dos direitos básicos
da criança e a inexistência de políticas sociais públicas que garantam às crianças
vida, educação, saúde, habitação, convivência com a família e a comunidade
(RIZZINI, 2003, p. 102), é a realidade do nosso país. Muitas crianças procuram
subsistir, sobreviver com seus trabalhos, que acabam por sustentar toda uma
economia, um município, uma região. Essa situação econômica social das famílias é
bem típica da região de culturas e plantações de folhas de fumo, cana, fábricas de
sapato, etc, também o comércio e a indústria exploram a criança.
Podemos afirmar que as crianças são tolhidas desde a mais tenra idade de
sua cidadania, apartadas da educação, por terem que acompanhar a luta de seus
pais (RIZZINI, 2003, p. 103) ou responsáveis, quando estes existem, e assim iniciam
a repetição/aprendizado do mesmo ofício de seus pais e mães, por sobrevivência e
por total falta de opção, pois não há escolha, não se oferecem possibilidades. Essa
situação lastimável talvez persistirá por muitas outras gerações, pois suas condições
nada mais são do que o reflexo das possibilidades que possuem suas famílias,
33
Exemplos de detenção ou privação de liberdade de crianças e adolescentes infratores, que ainda
hoje não possuem lugar adequado para serem recolhidos ou cumprir suas sentenças. Como é o caso
de Goiânia, pela falta de estrutura municipal e estadual de acolhida desses infratores, a competência
residual tem sido dos Batalhões da Policia Militar, inexistindo lugar apropriado de recolhimento e de
pessoal qualificado.
55
impossibilitadas completamente a prática do estatuído nos diplomas legais, que
evocam o desenvolvimento integral (p. 103) da criança.
Fig. 03 Crianças auxiliam no sustendo familiar.
Fonte: Huzak (2000, p. 8).
“No Brasil milhões de crianças trabalham
para ajudar a complementar a renda familiar”.
Fica consignado que a situação sócio-econômica da família está
estreitamente ligada à entrada prematura das crianças no trabalho, ao afastamento
das escolas, envolvimento com a criminalidade, ao aumento da desnutrição, das
crianças sem teto, prostituição, as crianças desprotegidas se configuram em
marginais e sofrem . As crianças e suas famílias lutam juntas para sobreviverem em
meio a muitas carências. “Esse é o quadro de desigualdade que favorece o
processo de marginalização e a existência de crianças sobrevivendo no espaço das
ruas” (RIZZINI, 2003, p. 104-5). Essa realidade mostra-se muitas vezes
desesperadora, e continua existindo para salvar a economia que depende do
trabalho infantil que está anelado ao trabalho de subsistência das famílias.
56
Num diálogo sistemático com quem advoga e vive a história do país desde
meados do século passado, o tema desponta como utopia desejada nas novas leis
que tentam abrigar a criança, ou que assistem erros já ocorridos
34
.
Fig. 04 Crianças
trabalham em lavouras
de fumo e são campeãs
em notas vermelhas nas
escolas.
Fonte: Huzak
(2000, p. 70).
Desta forma, o ECA pode ser questionado em vários de seus pontos frágeis
35
.
Um deles é a celeridade processual. A celeridade que se busca com a justiça em
relação às crianças visa, a priori, protegê-las de uma larga e traumática via
processual, encurtando o momento da defesa. Mas todo processo envolve desgaste
emocional e econômico.
“Mas justamente esse processo poderia ser um exercício de cidadania [...] claro, de
uma forma apropriada, não de uma forma adulta que os atos cometidos contra
outras pessoas têm conseqüências. Ainda, estas conseqüências não deveriam ser
apresentadas rapidamente, como faz a justiça instantânea, pois são as
34
Há de se questionar a superação dos problemas coercitivos do Estado. Nesse mesmo sentido ver
Marcílio (apud REJAEZUK, 2004, p. 3).
35
Fajardo (2004b, p. 13) diz que existe uma certa idolatria ao ECA, a “própria lei dá margem a
ambigüidades que, por sua vez, dão margem a lacunas, negligências, abusos, equívocos, diferenças
de interpretação. E isso acaba por vulnerar direitos”.
57
conseqüências que fazem aprender e enfrentar os atos cometidos. O adolescente
poderia aprender, através de uma linguagem apropriada, e sem abusos, claro, que
está havendo uma sanção” (FAJARDO, 2004a, p. 2).
Outro paradigma a ser vencido seria o do ‘Estado proteção’, que é o controle
social que o Estado realiza predominantemente na implementação da lei, e não o de
‘Estado social’ que se preocupa com o bem -estar da criança. Esse controle social do
Estado está intrinsecamente ligado ao fator histórico do antigo Direito do Menor. O
“que fundamenta o ECA é a noção do controle social e da segurança pública e não a
noção da proteção da infância” (FAJARDO, 2004a, p. 2 e 4).
Ainda há muito que se caminhar para que o que está escrito não se torne letra
morta, caduque ou se mostre ineficaz diante dos fatos novos, ou contenha falhas, ou
ainda, se mostre preconceituoso e tolhedor de direitos e deveres escusos, como já
demonstrado nas laudas retro.
“O problema não está, obviamente, nas leis. O ECA, bem como a Convenção das
Nações Unidas pelos Direitos da Criança ressaltam o direito de a criança viver em
família, com o objetivo de assegurar o seu desenvolvimento integral [...] Não é
apenas a democracia que está em jogo, mas o próprio sentido do homem em busca
do ideal de uma sociedade mais justa e humana” (RIZZINI, 2003, p. 107).
Talvez, a princípio, possamos aceitar que a percepção de que ‘obviamente’ as
leis não sejam o problema, esteja concentrada no apego ao juspositivismo, que inibe
a concepção de que as leis possam ser falhas. Sendo perfeitas e maravilhosas,
assim como o ECA foi considerado, assim como o Código de Menores foi tido como
a ‘solução’. O cerne do problema ainda está na questão social, história e jurídica do
‘menor’, que não desapareceu. Está também na interpretação das leis que protegem
a criança, que muitas vezes não são conjugadas com os princípios hermenêuticos
de prioridade absoluta e desenvolvimento integral da criança, e que não levam em
consideração a criança como ‘novo’ sujeito de direito e da história.
58
Contudo, não se pode esquecer que elas, as leis, também fazem parte do
processo histórico-jurídico-social brasileiro. Essa perspectiva de perfeição não se
ausenta do ponto de vista dos(as) leitores(as) que não colocaram os óculos de uma
Hermenêutica Jurídica que trabalha a favor dos princípios construídos que moldam
as duas principais chaves de leituras jurídicas em torno da criança: o de prioridade
absoluta e o de desenvolvimento integral.
Mas realmente o ECA deu um imenso passo na área legislativa, necessitando
agora de, como os autores Santos (2004b), Rizzini e Marcílio alegam, políticas que
efetivem soluções e prevenções à infância, de juristas que utilizem os princípios
erigidos pela HJ. Essas afirmações são acuradas, pois os caminhos já estão bem
torneados pela legislação. O que falta são medidas conjuntas que diminuam a
desigualdade social e jurídica.
Entender o problema da infância como um todo é reconhecer que o
desenvolvimento integral das crianças está atrelado à família, com o sistema social
que não colabora para atenuar as discrepâncias entre as crianças que se
diferenciam , enquanto a maioria pobre preenche o seu dia com necessidades
imediatas, como comer para sobreviver, a outra se diverte e aprende a desfrutar das
prerrogativas que a ‘vida’ lhes deu (RIZZINI, 2003, p. 107). Realmente, já não
podemos mais culpar o destino por tais infortúnios.
A prevalência dos princípios dos direitos da pessoa humana, entre eles o
direito das crianças, não pode se ater à regra positiva. O Direito deve ser arquitetado
na observância não apenas de alguns aspectos da existência humana (BOHNEN,
1987, p. 55), mas o seu todo deve ser analisado concomitantemente com os
processos de sua história, no percorrer contínuo do desenvolvimento da criança e o
respeito à sua subjetividade.
59
Para que predominem as conquistas realizadas no âmbito da infância, e não
se deixe de conjugar as idéias de cidadania, carecemos de “determinação política
para superarmos a tradição excludente e segregatória e planejar um Brasil mais
eqüitativo” (RIZZINI, 2003, p. 108). Diagnósticos e diretrizes não faltam para
melhorar a vida de crianças, mas os fatos demonstram as discrepâncias entre a lei e
a vontade pública.
A questão está num conjunto de fatores que colaboram com a não-efetivação
das leis, das políticas públicas, no adormecer das leis penais que deixam impunes
criminosos adultos(as) que corrompem a infância brasileira, como veremos a seguir.
1.5. Considerações finais: ponderações sobre a pedofilia
36
na internet
Foi através das comoções organizadas nacional e internacionalmente que se
forçou a defesa dos Direitos Humanos das Crianças no Brasil, que tomaram, assim,
forma e substância no ordenamento jurídico pátrio.
De reles objeto dos(as) adultos(as), as crianças passaram a ser consideradas
como “criaturas merecedoras de respeito, [...] e donas de sua privacidade individual”
(MOTT, 1992, p. 59). Esta conclusão decorre do levantamento realizado pelos veios
da Hermenêutica Jurídica dentro da história social da criança. Contemplamos que a
criança se firmou, ante os preconceitos relativos ao conceito de ‘menor’, como
36
A pedofilia, que na tradição luso-brasileira ocorria com freqüência e violência, nunca fora
considerada crime específico. A mudança de mentalidade quanto aos estupros infantis aconteceu
com os donos do poder na segunda metade do séc. XIX, que mascarados pelo pretexto de proteger
crianças e adolescentes, reprimiram-nas e dessexualizaram-nas (MOTT, 1992, p. 58). A pedofilia,
seria o impulso sexual compulsivo direcionado à criança, a relação sexual de adulto(a) com a criança
(p. 45). A pedofilia não é tipificada, na legislação brasileira, como crime. O que existe é o estupro e o
atentado violento ao pudor, quando praticados contra a menina(o) menores de 14 anos, são
considerados crimes hediondos, regulados pela Lei 8.072/90 (revogou o art. 263, do ECA, e alterou
as penas do art. 213 e 214, do CP), com pena mínima de 9 anos de reclusão.
60
princípio de prioridade absoluta, de responsabilidade do Estado, da família e da
sociedade em geral, que devem primar por seu desenvolvimento integral.
Contudo, observamos no meio jurídico que o direito positivo e a sua
inflexibilidade têm desguarnecido a infância que é desrespeitada perante toda a
com unidade mundial. Segundo a revista Istoé (RODRIGUES, 2004), o Brasil
conquistou o 4º lugar no ranking mundial em pornografia infantil virtual. Hoje,
divulgar imagens pornográficas ou de sexo explícito envolvendo crianças é crime
mas possuí-las não. Apesar de ser crime fotografar ou publicar cena de sexo
explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, estatuído pelo ECA
37
,
art. 241, com pena de 1 a 4 anos de reclusão, nossos tribunais e legislação não
consideravam delito a publicação na internet de imagens contendo crianças em
situação de abuso sexual
38
.
Pela total impunidade, casos de pedofilia pela rede mundial de computadores
se multiplicam. Colacionamos aqui o relato de um casal que ao entrar numa sala de
bate-papo, em 1998, foi surpreendido pelas seguintes imagens: “Uma menina com
cerca de oito anos de idade, ainda na fase de trocar os dentes, estava nua,
acorrentada pelo pescoço e pelos braços e sendo violentada por um adulto”
(RODRIGUES, 2004, p. 51)
39
.
37
Art. 240 (ECA) “Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva ou película cinematográfica,
utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica: Pena - reclusão de
um a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas
neste artigo, contracena com criança ou adolescente.”.
38
Penas muito mais severas foram aplicadas na Babilônia, com o Código de Hamurabi, e no
judaísmo quando se prostituía uma filha de um sacerdote ou um pai cometia incesto com sua filha (Lv
21,9; 20,14), analogamente se puniam os casos com a pena de morte (VAUX, 2003, p. 194). Na
Antiguidade também existiam leis que protegiam as crianças, ver o cap. II.
39
Desde então o casal, Roseane Miranda e Anderson, luta contra a pedofilia na internet recebendo
denuncias pelo endereço [email protected]. Descobriu-se mais tarde que a menina estuprada
fazia parte de uma relação de crianças norte-americanas desaparecidas e nunca foi encontrada.
61
Tais fatos atravessam mais um século, tão instruído na ciência e repleto de
leis que protegem os Direitos das Crianças. Mas o Poder Judiciário, a sociedade e o
Estado, ainda permitem casos como estes que interrompem os discursos sobre
proteção a infância, na falta da ação prática que a concretize.
Em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual 9 pessoas,
acusadas de enviar fotos pornográficas de crianças e adolescentes por correio
eletrônico, estavam para ser liberadas pela Justiça quando o caso foi levado ao STJ,
que entendeu que o ato violava o ECA, negando o pedido de habeas corpus, e
determinando a reabertura da ação penal contra os(as) acusados(as) por terem
circulado pela internet pornografia envolvendo crianças.
Ao analisarmos o que determinou o trancamento da ação penal, pelo Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ficamos surpreendidas com a fragilidade do
Poder Judiciário e a deficiência hermenêutica que se configurou. Em primeira
instância, no TJ-RJ, verificou-se a preocupação, também de Azevedo (1989), de
os(as) magistrados(as) se mostrarem ‘perfeitos(as) aplicadores(as) da lei’, enquanto
que no bom emprego da Justiça, totalmente distantes e alheios ao comprometimento
com os fatos sociais e com o princípio de prioridade absoluta que detem o sujeito
criança.
O que fundamentou a decisão do TJ-RJ foi que no Estatuto o crime é definido
apenas como o ato de ‘publicar’ imagens de sexo explícito ou pornografia
envolvendo crianças e adolescentes, e não a sua mera ‘divulgação’, que seria o
caso pela internet. Nem precisamos recorrer à imaginação para montar tal absurdo,
pois se trata de fato público e notório, o ato praticado pelos(as) réus(és) foi
totalmente escusado pelo(a) magistrado(a), que o tomou como verdade absoluta,
intransponível e inflexível, entendendo que a transmissão efetuada pelos(as)
acusados(as) foi totalmente adversa e distante da definida no tipo penal.
62
São incontáveis os casos de pedofilia também pela internet, casos que
acontecem dentro do próprio lar, como demonstra esse desabafo materno: “Socorro
sou uma fraca e preciso de ajuda. Descobri que meu marido fotografa nossa filha, de
sete anos, nua, e troca essas imagens na Internet” (RODRIGUES, 2004, p, 52).
Contudo, o ministro Gilson Dipp, do STJ, discordou da compreensão do TJ-
RJ, exatamente no ponto que criticávamos acerca do excessivo apego à norma
escrita. A limitação do(a) hermeneuta à letra da lei, quanto à questão da
diferenciação entre os verbos ‘publicar’ e ‘divulgar’, põe em xeque o(a) jurista que
está sendo mediador da justiça e do direito no TJ-RJ. Pois, para o TJ-RJ os
acusados(as) teriam apenas divulgado o material de forma restrita em comunicação
pessoal, e por isso não teriam publicado as imagens, e assim não haviam cometido
crime algum. O ministro, habilidosamente, munido de suas prerrogativas de dar vida
às normas, exercitou a justiça apontando que ambos os verbos são considerados
sinônimos, recorrendo à simples consulta em dicionários como Aurélio e Houaiss. O
crime, portanto, estaria configurado pela difusão da imagem para um número
indeterminado de pessoas, tornando-a pública. Em seu voto, o ministro afirmou que:
"As fotos eram transmitidas por sites da internet, através de chats, endereços
eletrônicos e grupos de conversação. A sua disponibilização através desses recursos
virtuais permite o acesso de qualquer usuário comum, como ocorreu com os
investigadores do núcleo de informática criado pelo MP" (RESP 617221, Acórdão
publicado em 9/2/2005).
Como se justifica o ato do TJ-RJ, que liberou os(as) pedófilos(as) por um
crime contra a criança por ser ‘apenas um mero aplicador da lei’, sem adentrar na
causa que iniciou a ação, sem perquirir nos princípios constitucionais e estatutários
de proteção a criança? Inutilizou os elementares procedimentos de interpretação da
norma, numa clara demonstração de descaso e não engajamento nas lutas sociais,
63
decidindo simplesmente por liberar os acusados, como se nada de grave estivesse
ocorrendo.
Esta é uma revelação do poder que detém o Poder Judiciário quando
imobiliza o Direito, permitindo afrontas a princípios que parecem tão simples de
serem observados e praticados, mas que nas mãos de pessoas, ou melhor
autoridades, podem se transformar em transtorno e impedimento, distanciando a
norma da Justiça e do cotidiano.
Enquanto nosso país se une contra toda forma de exploraç ão de crianças, por
organismos não-governamentais, pais e mães, escolas, e até mesmo hackers que
se juntam ao governo no combate da pedofilia virtual, observamos que o próprio
Poder Judiciário se prende a rigidez da norma, mostrando sua inaptidão de colocá-la
em uma prática que proteja a criança. Dessa forma, verificamos a necessidade de
uma renovada aplicabilidade da Hermenêutica Jurídica, que deve começar no berço
do(a) futuro(a) jurista: a faculdade.
A compreensão teórica das normas que disciplinam o Direito da Criança
sugerem a utilização de um prisma multidisciplinar: “Na realidade, o que se deve
fazer, em primeiro lugar, é reforçar nos cursos de Direito, para todos os alunos, a
formação humanística, estimulando a aquisição de conhecimento sobre a história e a
realidade das sociedades humanas” (DALLARI apud SILVA, 1998, p. 11). Mas a
realidade acadêmica é bem outra, a preocupação com o econômico se sobrepõe ao
aprendizado e, conseqüentemente, as pessoas perdem, e o humano é subtraído.
São variados os empecilhos em torno da criança, estão contidos em todas as
esferas do Poder. A criança ainda tem que lutar muito para ser sujeito de direito, pois
continua sendo objeto sexual, de trabalhos forçados e degradantes, de toda sorte de
injustiça e manipulação de autoridades despreocupadas com sua realidade.
64
No caso relatado retro, não se expôs a substância nem a finalidade das leis
que abraçam a criança no ordenamento jurídico brasileiro, no complexo harmônico e
orgânico no qual o ECA e o art. 227 se inserem, esquecendo-se de toda a peleja e
conquistas dos direitos de meninos e meninas de nosso Brasil.
Ao(a) hermeneuta cabe interpretar em conjunto a lei e os espaços sociais,
temporais e espaciais, que se dão o caso concreto e adaptá-lo à realidade. Para
assim, fecundar a lei e sua imobilidade, considerando o contexto histórico-social da
pedofilia virtual.
Num país em que a política advoga a demagogia de se construir asfalto como
prioridade de governo, onde os(as) componentes do legislativo se engalfinham entre
acordos de pêndulos individuais, e mergulham o povo em legislações pesadas e
preconceituosas, e o Poder Judiciário dá provas de sua mecanicidade frente a
emergentes questões sociais. Notamos que esses fatos não são discursos recentes,
mas se repetem e remontam toda a História da Criança desde a Antiguidade, nosso
próximo tema.
65
CAPÍTULO II
A CRIANÇA NA ANTIGUIDADE - EM BUSCA DE REALIDADES
DENTRO DE MUNDOS PATRIARCAIS
Compreendemos a infância como a fase de vida da pessoa humana até os 12
anos de idade incompletos (art. 2º, ECA). Nela, a criança está inserida em seus
primeiros experimentos sociais e/ou familiares
40
. Nesse processo contínuo de
desenvolvimento físico, psicológico, social, religioso, histórico, jurídico, delineiam -se
caminhos que perdurarão todo o ciclo vital.
O conceito de infância é estruturação moderna
41
, talvez por isso suscite
assuntos antes não inseridos no seio das preocupações políticas, sociais e
familiares em outros períodos históricos. Mesmo assim, podemos afirmar que alguns
conceitos de proteção aos Direitos da Criança que tanto são discutidos hoje, vez ou
outra aparecem na história antiga, como nos preceitos bíblicos de proteção ao órfão
(Ex 21,3.22; 2 Sm 11,26; Pv 12,4). Entretanto, a realidade geral da história antiga
40
“Pois os homens e as mulheres não são somente eles mesmos. São a região onde nasceram, o
apartamento da cidade onde aprenderam a andar, as brincadeiras que brincaram na infância, as
conversas fiadas que ouviram por acaso, os alimentos que comeram, as escolas que freqüentaram,
os esportes que praticaram, os poemas que leram e o Deus em que creram” (MAUGHAM apud
POWELL, 2000, p. 27).
41
A infância foi descoberta na Europa ocidental, do séc. XVI, e trazida ao Brasil pelos jesuítas. Com
ela dois modelos ideológicos foram erigidos: - a criança mística, e - a criança na qual se projeta o
menino Jesus. Na primeira exaltava as qualidades individuais de cada criança. A outra era inspirada
pelo “mito da criança santa” (PRIORE, 1992, p. 11-12).
66
da humanidade foi de existência de muita violência contra o universo infantil, pois
não havia interesse em relação a criança e a infância.
Fig. 05 Criança escrava (país) chorando no
túmulo de um jovem de Atenas, séc IV aC.
Fonte: Eltrop (1996, p. 66).
Malina (1996, p. 367) coloca a questão da saúde como um dos fatores de
aniquilamento de crianças. A mortalidade infantil chegava a alcançar os 30%. Outros
30% morriam em torno dos 6 anos; dessas certamente uns 60% desapareciam aos
16 anos. Estudos atuais estimam que mais de 70% das crianças perdiam um ou os
dois primogenitores antes de chegar à puberdade ficando a mercê da sociedade e
do Estado. Quase a terceira parte dos meninos que nasciam vivos morriam antes
dos 6 anos. Quando completava 15 anos haviam morrido 60%, e somente 3%
alcançavam os sessenta” (p. 367).
É importante salientar que, naquela época, aqueles(as) que chegavam aos 30
anos não são os jovens/adultos que consideramos hoje. Os jovens dos tempos
antigos são nossas crianças modernas/pós-modernas, por volta dos 12 anos de
idade que já enfrentam ritos de passagem para a fase adulta, como o matrimônio,
descritos mais adiante.
42
Para iniciar um traçado do perfil da criança na Antigüidade, faz-se
preeminente aprofundar-se no conhecimento dos povos e suas culturas (LARAIA,
42
Sobre a idade no séc. I dC, na região do mediterrâneo ver Malina (1996, p. 367).
67
1997, p. 57) e assim suscitar o significado da infância - o estado de ser criança
43
. O
exame aqui perpassa as sociedades antigas em torno do povo judeu, chegando até
o período do séc I dC, i.e., também nos cristianismos originários. Para tanto, foi
necessário adentrar nos costumes daquele povo que dominou Israel de 63 aC a 135
dC, mais especificamente o Império Romano.
Por isto aprofundaremos nos costumes das escrituras antigas e bibliografias
referentes à cultura mediterrânea, antes e durante o séc. I dC. Enfim, tudo o que
tange a criança nos ajuda a compor não só um perfil, mas diversas formas de mirar
a história, seja pela criança pobre, pela divisão de gerações, pelo sexo, pela etnia,
etc, tudo na perspectiva de meninos e meninas. Dentro do contexto antropológico
cultural geral, a tentativa é de relatar o cotidiano de crianças e questionar as
prerrogativas e desvantagens de se viver a infância. Para chegarmos a compreender
os escritos do Segundo Testamento, a pessoa de Jesus e sua comunidade,
atribuindo sentido inteligível e atualizado, é preciso estudá-lo:
“en el gran marco de la cultura palestina y mediterrânea del siglo I d.C. Porque,
además de aprender el quién, qué, cuándo, donde y como del Nuevo Testamento, el
estúdio de la cultura del período y de la región nos ayudará a penetrar em los porques
de la conducta descrita em nuestros textos” (MALINA, 1995, p. 32).
Enfim, por serem as crianças os membros mais fracos e vulneráveis da
sociedade, estas eram sempre as primeiras a sofrer as conseqüências da fome
(miséria), da guerra e da enfermidade, e em algumas zonas ou épocas poucos
alcançavam a idade adulta. Em sociedades sem escritura eram a única reserva da
memória e do conhecimento da comunidade” (MALINA, 1996, p. 367).
43
Este levantamento colaborará com o cap. I para se chegar a leitura que faremos com a
Hermenêutica Infantil (cap. III), que seria ler a realidade do séc. I cristão na perspectiva da criança e
uni-la com a criança do séc. XXI, realizando uma releitura e re-contextualização bíblica da infância.
Verifica-se que a história se repete em muitos de seus aspectos desumanos e revela outros aspectos
importantes que valem ser rememorados para a continuidade e perpetuação de seus significados.
68
Neste processo de revisão e de compreensão, crianças se revelam sujeitos
históricos e hermenêuticos, “com suas diversidades históricas, suas experiências de
vida dentro de uma sociedade patriarcal hierárquica. Todas elas têm em comum o
fato de a igreja e a sociedade as considerarem não-sujeitos” (RICHTER REIMER,
2000, p. 19). Estas questões serão perseguidas num tempo de predomínio greco-
romano, de contínua luta por identidade e liberdade, nas especificidades do
cotidiano e suas nuances sociais e individuais de cada agrupamento.
2.1. As lentes pelas quais devemos ler os textos do séc. I dC
Para conhecer melhor as histórias das sociedades do Mar Mediterrâneo,
narradas nos textos do séc. I dC, principalmente as dos escritos bíblicos desse
período
44
, devemos lê-las lembrando que foram vivenciadas e elaboradas sob o
sistema da pax romana, mundos subjugados e dominados pelo sistema patriarcal
inseridos nas relações familiares, na vida social, política e cultural-religiosa.
Diante do sistema de dominação patriarcal romana, o patriarcado judeu é o
patriarcado de um povo oprimido, buscando sua sobrevivência cultural, social e
religiosa dentro de um contexto que lhe é hostil. Esse patriarcado judeu não pode ser
identificado com o patriarcado do poder dominante romano. Por isso, o cristianismo
pode ser entendido como um movimento de renovação intra-judaico que participa
das estruturas patriarcais do judaísmo e que luta, como os demais movimentos, pela
vida e pela identidade dentro das condições do patriarcado romano. É nesse
contexto que o Novo Testamento e outros escritos da época devem ser entendidos”
(RICHTER REIMER, 2004, p. 2).
Para entender as experiências de fé neotestamentárias (RICHTER REIMER,
2004), necessitamos atentar “ao mundo greco-romano e judaico [que] se
44
“Uma exigência de qualquer hermenêutica consciente da dimensão política é reconhecer a
alteridade do texto bíblico. As sociedades nas quais foram produzidos os textos bíblicos eram muito
diferentes das nossas” (PIXLEY, 1999, p. 99-100).
69
interpenetram e influenciavam mutuamente” (WEBER, 1986, p. 16). E assim
poderemos entender e conhecer melhor as possibilidades de transição pelas quais o
movimento de Jesus atravessou.
Pois, consideramos que o rompimento com a sua própria matriz cultural-
religiosa (Gl 3,28) confere e sustenta que haviam confluências de segmentos
judaicos e extra-judaicos, que afrontavam os patriarcalismos, como os essênios, que
desenvolveram uma aplicação quanto aos pobres, que prescrevia que “o salário de
dois dias por mês” deveria ser “entregue à comunidade, a serviço dos carentes”
(ZANINI, 1989, p. 57). Tais aberturas podem ter muito bem pré-ordenado as
experiências e práticas de Jesus que abalavam o status quo judaico e romano.
Jesus também é, como homem , fruto das relações entre os povos que dominaram
seu povo judeu, fruto de sua cultura e experiências com o divino e o humano.
Aprofundemos em textos e fatos que circundam antes e durante o séc. I dC,
que formam a base dos costumes e da sociedade na qual Jesus nasceu e foi criado.
Essa bagagem cultural gerou, por Jesus, o movimento cristão, no qual suas raízes
profundas de um judaísmo de resistência, vivenciado sob a dominação romana,
proporcionou, também às crianças, um acolhimento antes nunca experimentado
pelas sociedades patriarcais. Vamos continuar a apreender um pouco sobre esses
contextos que se misturam e que foram concomitantemente superados nos atos de
Jesus, narrados nos Evangelhos.
2.2. Cenários e realidades da criança na Antiguidade
Na Antiguidade, os cenários e realidades se mostram desconfortáveis até
para uma simples leitura, ainda mais quando se trata da realidade de uma criança
70
pobre
45
. O Primeiro Testamento narra fatos assombrosos sobre crianças, numa
“sociedade desumana e abortiva que gerava marginalização, abandono e morte de
crianças” (MESTERS, 1995, p. 234).
Fatos como a prostituição infantil eram admissíveis e tolerados. “Nenhuma
proibição é aplicada à idade ou ao sexo desses jovens prostitutos; tão somente a
condição social da criança, do adolescente, o fato de pertencerem ou não à classe
dos cidadãos, é que impõem a diferença entre o lícito e o ilícito
46
” (SALLES, 1982, p.
69). Na Grécia, enquanto as crianças não fossem de nascimento livre, quer dizer,
filho ou filha de um cidadão, meninos e meninas eram simplesmente consideradas
como objetos sexuais.
47
Como hoje, existia a prática do comércio com crianças destinadas à
prostituição. Para elas se ensinava uma boa educação, isto é, aprendiam a agradar
seus clientes, dançando e cantando, aprendiam a tocar um instrumento musical,
como a flauta ou lira - atributos indispensáveis ao meretrício. Entre os gregos ou
latinos, as crianças destinadas à prostituição aprendiam também a fabricar fórmulas
45
Semelhança com as crianças pobres e marginalizadas pelo Código de Menores ver cap. anterior.
46
Incorreria em ato ilícito aquele que ao desrespeitar o direito de propriedade não realizasse o
pagamento do aluguel estipulado pelo uso do objeto sexual, a criança no caso (SALLES, 1982, p. 69).
47
A legislação Ateniense protegia as mulheres e crianças da prostituição quando elas eram de
nascimento livre, com a pena de morte, mas, se fossem crianças escravas ou estrangeiras não
haveria nenhuma condenação. “A lei diz em termos precisos que, se um pai ou um irmão ou um tutor
ou qualquer pessoa que possua autoridade aluga uma criança para prostituí-la, não deve haver
nenhuma perseguição contra a criança, mas contra quem a alugou e contra quem a aceitou, e ambos
sofrem a mesma pena. Quando a criança tiver alcançado a idade adulta, não será obrigada a
alimentar seu pai, nem a lhe oferecer alojamento, porque esse a alugou para prostituí-la. Deverá tão
somente dar-lhe sepultura e observar os ritos fúnebres, quando morrer (...). Que outra lei foi ainda
estabelecida para proteger nossas crianças? A lei sobre o proxenetismo, que prevê as maiores penas
para quem prostituiu uma criança livre ou uma mulher” (ESQUINES apud SALLES, 1982, p. 57-8). O
cidadão ateniense acusado de ter se prostituído é afastado de todos os cargos políticos, cívicos e
religiosos, por isso os que prostituíam crianças ‘livres’ cobravam caro para acobertar a ilegalidade.
71
anticoncepcionais
48
e de aborto, nas quais se misturavam procedimentos mágicos e
químicos. Mott (1992, p. 45)
49
diz que em algumas sociedades, como na Grécia
antiga, a relação sexual entre adultos e crianças “fazia parte do próprio processo
pedagógico”.
Outra prática que atingia frontalmente a integridade de crianças era o
sacrifício humano. A literatura mostra vários exemplos de crianças como alvo de
sacrifícios, comuns na religião de Canaã, tidos como uma espécie de pedido de
proteção às divindades. Mesters (1995, p. 235) faz referência e aborda dois
exemplos: 1) quando se erigia uma casa, um palácio, um templo, uma cidade, o filho
era enterrado debaixo das fundações da construção (1Rs 16,34); e, 2) sacrificava-se
um dos filhos menores (2Rs 16,2-3; 21,6; 23,10) em tempos de guerra ou de algum
tipo de crise, com o escopo de abrandar a cólera dos deuses.
Fohrer (1982, p. 63, 97) também atesta o uso de crianças como sacrifícios
desde o Primeiro Testamento até o séc. III aC, nos cultos de deuses(as) como
Ashtar, mas também aponta leis proibindo sacrifícios de crianças em cerimônias
religiosas. No livro do Êxodo (1,16.22) encontramos o decreto do faraó de matar os
meninos - somente as meninas poderiam viver. A justificativa estava no “medo do
crescimento numérico dos hebreus” (MESTERS, 1995, p. 236). Vaux (2003, p. 65)
ao contrário, advoga que o Deus de Israel abominava os sacrifícios de crianças (Lv
20,2-5), cita o exemplo dos levitas consagrados a Deus como substitutos dos
primogênitos do povo (Nm 3,12-13; 8,16-18). “Tal material tem sido descoberto no
curso de escavações, mas a alta taxa de mortalidade infantil levanta a questão de se
48
Parece que a contracepção não era prática usual entre o povo judeu (Gn 38,8).
49
Para nós isto seria chocante e cruel, um grave desrespeito à infância. Em outras sociedades,
contudo, como contemporaneamente acontece em tribos da Melanésia, esta conduta é tida normal,
método pedagógico ou ritual de iniciação no mundo adulto (MOTT, 1992, p. 45).
72
crianças já mortas não podiam ser, às vezes, substituídas pelo sacrifício real”
(FOHRER, 1982, p. 63-4)
50
.
Outra questão grave era a prática comum de abandonar crianças. O poder
público incentivava o culto de fertilidade cananeu que gerava crianças abandonadas.
Esse culto tinha por objetivo religioso “o acesso à divindade pelo contato com
prostitutas sagradas” (MESTERS, 1995, p. 236), mas, na verdade, o objetivo seria o
de aumentar o número de trabalhadores e soldados para servir o rei (Os 1,6-9).
No Código de Hamurábi, II milênio aC, encontramos a primeira
regulamentação escrita acerca do abandono de crianças, dizia que: “Se um homem
tomou uma criança para adotar com o seu próprio nome e a educou, esse filho
adotivo não pode ser reclamado” (GOODY apud MARCÍLIO, 1998, p. 21). Seria uma
declaração clara de que haviam crianças repudiadas ou sem seus responsáveis.
Na Grécia, a prática do abandono é relatada pela mitologia e pela filosofia, em
casos de bebês enjeitados
51
como Édipo ou o Deus da Luz, Júpiter. Platão, em A
República, aconselhava aos pais pobres e aqueles que pensavam em gerar mais
crianças do que pudessem manter a não tê-las, e considerava tal ato uma obrigação
vica. Aristóteles em “A Política preceituava um limite à prole e ao aborto, aprovava
o ”abandono como uma forma de controle do tamanho da família e da população.
Para ele, a lei deveria determinar quais as crianças que seriam votadas à morte,
pelo abandono” (MARCÍLIO, 1998, p. 23).
A adoção, portanto, remonta à Mesopotâmia, no II milênio aC, em Nuzu,
“região de Kerkuk, contratos de adoção fictícia cobriam toda a sorte de transações
50
Fohrer (1980, p. 369) diz que a vida sob o regime Deuteronômio proibia energicamente as
instituições e práticas cananéias, e de outras religiões alienígenas, de sacrificarem crianças,
freqüentemente utilizando a pena de morte.
51
Era costume deixar alguma espécie de sinal nos bebês abandonados que evidenciava a intenção
de recuperá-lo; mais detalhes sobre a criança abandonada, ver Marcílio (1998).
73
econômicas” (VAUX, 2003, p. 75). Existem traços de adoção no Segundo
Testamento, contudo, teve “muito pouca influência na vida comum; ela é estranha ao
direito judaico posterior” (p. 76).
52
Já na Grécia clássica, por volta de 492-337 aC, foi estabelecido o instituo da
adoção para casais que não podiam ter crianças:
“A concepção de adoção era ampla: um homem poderia adotar um rapaz que
encontrou para marido de sua filha; poderia adotar seus netos; os sobrinhos
agnásticos; e, por vezes, sobrinhas para sucedê-lo. A adoção poderia ser feita
intervivos ou, postumamente, por testamento” (MARCÍLIO, 1998, p. 23).
A adoção em sentido estrito, como transferência do pátrio poder (aliena iuris),
foi institucionalizada em Roma, visto que os romanos davam pouca importância aos
laços consangüíneos. A adoção foi utilizada para solucionar a falta de filhos das
famílias romanas (MARCÍLIO, 1998, p. 26).
A autora Marcílio (1998) descreve o poder do pai sobre seus filhos e filhas
como absoluto - não muito diferente do patriarcalismo conhecido dos povos antigos-,
indo até a condenação de morte, à venda e à exposição das crianças recém-
nascidas. A deformidade física ou a pobreza da família bastavam para a justiça
privada, intra-casa, declarar a morte ou o abandono da criança. Era uma declaração
inconteste do baixo valor que detinha a criança
53
.
52
Adoção em sentido estrito seria reconhecer uma criança com todos os direitos e deveres legais de
filho(a) natural, quer dizer, legítimo.
53
Esta prática comum, segundo Plutarco (apud WEBER, 1986, p. 11), que viveu por volta do ano 100
aC, acontecia em Esparta quando a criança nascia. O pai a levava a um lugar chamado Lesque, e lá
os anciãos das tribos examinavam a criança. Caso não apresentasse deformação ou doença, poderia
ser criada e ainda recebia um lote de terra. Mas se o contrário ocorresse, “enviavam-na a um lugar
chamado de Apótetas, uma espécie de precipício, localizado aos pés do Monte Taígeto, convencidos
que uma vida que a natureza não tinha bem dotado, desde o primeiro instante, com saúde e vigor,
nada valia nem para si nem para o estado’ (Lycurgus, 16.100)”.
74
Apesar da procriação fazer-se necessária, as crianças no mundo greco-
romano, como supra descritas, são detentoras de um status baixo, gozavam de
pouquíssima estima e eram consideradas descartáveis. Esse costume de se enjeitar
recém-nascidos, principalmente meninas, crianças aleijadas ou doentes, é
confirmado por uma carta datada do ano 1 aC:
“Uma carta de um trabalhador migrante egípcio de nome Hilarion [...] para sua mulher
Alis, que estava grávida [...] Saiba que ainda estamos em Alexandria [...] Rogo e
imploro que cuide bem do pequeno, e tão logo recebamos nosso pagamento,
mandarei o dinheiro para você. Se deres à luz a um menino, deixe-o viver; mas se for
menina, enjeite-a [...] (Papiros de Oxirinco, 744)” (WEBER, 1986, p. 11)
54
.
Em Roma as crianças abandonadas ou morriam ou eram criadas como
escravas
55
. Os meninos se tornavam gladiadores ou prostitutos como as meninas
(SALLES, 1982)
56
. Sêneca, um contemporâneo de Jesus, relata que em seu tempo
mendigos profissionais recolhiam crianças abandonadas, mutilavam-nas e depois
exploravam seu estado lastimável para conseguir esmolas” (WEBER, 1986, p. 11).
“O historiador Tácito testemunha que entre os judeus não se costumava
abandonar crianças e que ‘eles consideram um crime matar qualquer criança que
tenha nascido no seu tempo’ (Histórias 5.5)” (WEBER, 1986, p. 13).
Mas a realidade mais antiga do que a época de Tácito (que viveu de 55 a 113
dC), mostra exemplos claros de abandonos, como o do livro do Gênesis (21,8-23),
54
Apesar das atrocidades existiam os defensores dos desvalidos como Musônio que exaltou a
paternidade, a valorização da mulher e de crianças no séc. I dC. Antes dele Epícteto já protestava
contra o abandono de crianças (WEBER, 1986, p. 11).
55
No Império Romano as crianças abandonadas não tinham nenhum recurso institucional que as
protegesse. Foi somente com a legislação romana Imperial, entre 315 dC, que foi implantado um
sistema de assistência aos pais para evitar a venda ou exposição das crianças. Em 318 dC, o
infanticídio também passou a ter tratamento diferenciado, prática greco-romana, passou a ser punida
com a pena de morte (MARCÍLIO, 1998, p. 24-27).
56
Salles (1982) lembra que meninos também eram alvos da prostituição infantil.
75
Abraão, a pedido de sua mulher Sara, expulsa seu próprio filho Ismael e a
mãe/escrava Agar
57
.
As inúmeras guerras influenciavam diretamente o crescimento numérico de
viúvas e órfãos que ficavam a mercê da caridade e viviam desamparados, pois o
“povo já não dava conta de garantir uma vida digna para todos, como exigia a Lei”
(MESTERS, 1995, p. 236). A religião oficial marginalizava a mulher, e junto com a
mãe ficavam marginalizadas as filhas e os filhos pequenos (Lv 12,1-5; 12,2-4; 15,8),
o que aponta para uma desintegração da família e do clã.
Um menor de idade era considerado igual ou menor a um escravo
58
, e,
somente quando alcançava o amadurecimento podia ser uma pessoa livre e herdar
bens. O órfão era o arquétipo desse componente da sociedade mais débil.
A infância era, portanto, um tempo de terror; por isso, chegar à fase adulta
era motivo de sobra para celebrações, acompanhadas de apropriados ritos de
transição” (MALINA, 1996, p. 367).
59
O empobrecimento das populações do mediterrâneo, devido também às
guerras, era outro fator que afetava diretamente as crianças. Na perspectiva de
Mesters (1995, p. 236), a pobreza obrigava os agricultores que estavam
endividados, a venderem as crianças e jovens como escravos(as) (Ne 5,1-5; Lm
57
Provavelmente a Bíblia começou a ser escrita por volta de 1.100 aC, mais ou menos o momento da
redação dos livros, como por exemplo, Gênesis, Êxodo e Números.
58
Sobre os escravos(as) e seus filhos(as) nas leis assírias e babilônicas, como o Código de Lipit-
Ishtar, Código de Ur-Nammu, Código de Hamurabi, ir até Epsztein (1990).
59
Isto também não quer dizer que a criança não fosse querida e valorizada, o menino até mesmo
mais que as meninas. Esse era tido como aquele que, diferentemente das meninas, daria
prosseguimento à linhagem, poderia também proporcionar seguridade e proteção aos pais em sua
velhice. O lugar da esposa na família dependia de que tivesse filhos, especialmente varões. Por outra
parte, os filhos, uma vez crescidos, eram os mais próximos apoios emocionais de uma mulher,
juntamente com seus irmãos em sua família paterna” (MALINA, 1996, p. 367).
76
5,13-15). Crianças de até 12 anos podiam ser vendidas
60
(Ex 21,7), e o pai judeu
tinha o direito (patria potestas) de vender suas filhas
61
menores a um outro judeu. Na
maioria das vezes, estavam destinadas a se tornar mulher do comprador ou de seu
filho, mas poderia ser liberta com a morte do seu dono ou com os sinais da
puberdade (JEREMIAS, 1983, p. 416-7).
Outra fonte da escravidão, bem rentável, era a pirataria praticada nas ilhas e
costas do Mar Mediterrâneo, “desde sempre e até o século I a.C.” (SALLES, 1982, p.
48). A pirataria seqüestrava homens, mulheres e crianças, que tinham muita procura
nos mercados de escravos, como o de Corinto. “Crianças, adolescentes ou moças
constituem evidentemente a presa favorita desses bandos armados” (p. 48-9)
62
. Na
Antiguidade, as crianças nas ruas eram vítimas de piratas, traficantes
63
e militares,
recolhidas e vendidas como escravas. Para obtenção de lucros imediatos com a
prostituição infantil (p. 52). “Os traficantes nunca estão muito distantes dos exércitos
em combate, e, sem correrem eles mesmos nenhum perigo, sabem muito bem se
aproveitar do butim conquistado por outros” (p. 52-3).
Crianças eram maltratadas indistintamente de sua classe social, pobre ou
rica.Entre o povo judaico, assim como entre outros povos, as crianças eram
espancadas e até mesmo mortas
64
uma prática que era aprovada e até encorajada
pelas autoridades sociais” (BAIR-ILAN, 2004, p. 1). Essa realidade é denunciada
60
Sobre crianças roubadas e penhoradas no Antigo Israel, ver o texto de Grenzer (1997).
61
No Primeiro Testamento (Ne 5,2.5) temos exemplos de venda de filhos(as) na diversidade.
62
O tráfico de ‘indivíduos livres’ foi tratado pela legislação ateniense como um dos crimes mais
graves e a pena prevista era a de morte. Ver Salles (1982, p. 51).
63
No Brasil, também acontece o tráfico com crianças para a venda ou para obtenção de seus órgãos,
exemplo conhecido são os meninos emasculados do Maranhão, crianças do sexo masculino que
antes de serem mortas tiveram seus testículos retirados.
64
Existiam ainda penas de morte aplicáveis às crianças, como as de caráter religioso, característica
peculiar da legislação de Israel (VAUX, 2003, p. 193), no caso dos filhos(as) rebeldes que
desonravam seus pais.
77
também na literatura sapiencial (Lm 1,5.15.18; 2,11-12.19.20; 4,10), onde a
ideologia dominante é desmascarada e encontra resistência que denuncia crianças
famintas, abandonadas, assassinadas (MESTERS, 1995, p. 237).
É bom lembrar que o carinho para com as crianças não era fato estranho nas
diversas sociedades, assim como nas antigas, como bem aponta Áries (1981, p.
155-156). O que é recente são os sentimentos de proteção à infância que se
desenvolveram nos séc. XVIII e XIX
65
(FRONTANA, 1999, p. 37).
Apesar deste afeto, as crianças não eram, como são hoje, peças-chave de
leituras ou discussões, mas sim vítimas de um comportamento, no qual bater em
crianças era comum e regra geral. A questão da violência
66
em seus vários aspectos
(psicológico, físico e espiritual) não era considerada (BAIR-ILAN, 2004, p. 1). Essa
visão de desrespeito descreve um comportamento de dominação dos adultos(as)
sobre as crianças, baseado também em questões biológicas que tangem a
fragilidade e dependência infantil (p.2). Nessa época, não havia separação clara
das etapas de desenvolvimento psicológico, dando-se ênfase ao biológico. A
descrição da infância baseava-se no status e acreditava-se que a criança nunca
poderia mudar de personalidade; era como um adulto em miniatura.
Os israelitas, por exemplo, não idealizavam e nem prestavam muita atenção
às crianças e sua subjetividade. A fase da infância, no Primeiro Testamento, era
representada pela falta de entendimento e nada consta sobre a inocência infantil.
No geral, para as pessoas comuns, dividia-se o processo de crescimento do
ser humano em: infância, adulto e velhice. A fase adulta principiava quando uma
criança entrava no mundo dos adultos. Para o povo judeu, o rito de passagem para
65
Sobre os progressos quanto aos Direitos das Crianças ler o cap. I.
66
Sobre a violência contra crianças na sociedade brasileira contemporânea ver Roure (1996), que
relata a história da infância que sofre discriminações e abusos análogos aos da Antiguidade.
78
a fase adulta para a menina era ultrapassar a puberdade e, para o menino o
compromisso com o Bar Mitsvah (filho do mandamento) que detinha o significado de
adentrar a fase adulta, o que indica a ausência dos cuidados tanto com a infância
quanto com a adolescência. Os relatos da infância pelos(as) adultos(as) tinham
como prisma a conduta adulta da gente, pois a infância:
“era apenas a etapa que conduzia à idade adulta [...] Mas a criança era, em primeiro
lugar, um ser a educar para que se libertasse o mais cedo possível da condição
infantil e entrasse na idade adulta. Como em todas as sociedades, os autores antigos
insistem no papel da família e da escola nessa educação” (COMBY, 1988, p. 72).
Fig. 06 Criança brincando.
Fonte: Karouzou (1999, p. 150).
Criança brincando com roda e bastão.
Na mão direita, uma jarra; na cabeça,
uma coroa de folhas.
Vaso do fim do séc. V aC.
O movimento era mais social do que psicológico. Para os meninos, o ritual
consistia ainda em passar do mundo das mulheres para o mundo dos homens. Para
as meninas, o ritual constituía-se na passagem da casa paterna para a casa do
esposo (MALINA, 1996, p. 388-9). Meninos e meninas
67
, crianças e criancinhas não
tiveram tempo para muita brincadeira, ou de uma passagem da infância para a
adolescência, indo direto às responsabilidades de uma vida adulta, sustento, família,
aprendizagem do ofício do pai e da mãe.
67
Para observar as leis romanas quanto aos impúberes, ver Giordani (1987), que discute a punição
dada as crianças descritas em textos como Digesto e fragmentos da XII Tábuas.
79
2.3. A paz vinda de Roma 63 aC a 135 dC
A pax romana foi experimentada na Antigüidade por diversos povos
conquistados pelo Império, vivida e contada principalmente na perspectiva dos
vitoriosos e dos submetidos ao seu domínio. Em 31 aC, Otaviano Augusto, intitulado
o ‘abençoado’, com a vitória de suas tropas sobre as de Antônio, pôs termo às
guerras civis que dilaceraram a República durante 20 anos. Eis o início da ‘paz
romana’ (COMBY, 1987, p. 54).
68
Israel estava sob o domínio de Roma desde 63 aC, quando as tropas do
general Pompeu impuseram sobre Israel seu domínio. Sucessores dos gregos, os
romanos dominavam toda a região leste mediterrânea, preservando a “cultura e
civilização helenístico-romana, através da construção e manutenção de seu
poderoso império” (LOHSE, 2000, p. 187).
O provérbio romano: “Se você quer a paz, prepare a guerra”, descreve bem a
submissão a qualquer custo, inclusive da violência. “Multidões de assassinados e
escravizados eram vítimas do terrorismo que Roma impunha às nações com a ajuda
dos poderes locais” (VASCONCELLOS, 2003, p. 224).
A paz no Império e a segurança nas fronteiras faziam surgir novas cidades, e,
em toda parte, estava em vigor o mesmo Direito. Pôs-se fim à guerra e organizou-
se a paz! essa era a autocompreensão de Roma. Uma paz determinada de cima a
partir de Roma. O Direito a todos, justiça aos cidadãos e simpatia aos aliados
(WENGST, 1991, p. 16-18, 25).
A administração das províncias do Império começou em 27 aC, sendo
repartida entre o imperador e o Senado. Em algumas regiões, como a Judéia, o
68
O conceito e outras considerações sobre a pax romana’, veja Wengst (1991), Richter Reimer
(2000), e Lockmann (2001), que discorrem sobre a violência do Império.
80
Império permitia um regime administrativo particular, deixando no governo dinastias,
como é o caso de Herodes.
Os aspectos da segurança interna e externa, garantidos pelo poder de Roma,
abrangiam os cidadãos romanos e aqueles(as) que estavam sob seu domínio. Pela
paz, harmonia e segurança diante de inimigos externos, Roma cobrava tributos,
que geravam a miséria e pobreza do povo
69
. O estabelecimento da paz correspondia
à harmonia dos apaziguadores” (WENGST, 1991, p. 36). A soberania romana e a
‘liberdade comum’ eram mantidas pela obediência. Para os não-romanos, a
liberdade é uma liberdade concedida, bem limitada (p. 38), e a escravatura era
considerada acontecimento natural.
A ‘paz romana é paz querida politicamente pelo imperador e seus
funcionários mais altos, estabelecida e garantida militarmente pela intervenção das
legiões. Era paz-de-vitória para os romanos, paz de submissão para os vencidos. A
guerra vitoriosa esclarece as relações de poder, regulamenta a paz. “A paz
estabelecida e mantida com meios militares é acompanhada de rios de sangue e
lágrimas, cuja dimensão não se pode imaginar” (WENGST, 1991, p. 25). Nas
fronteiras do Império reinavam o estado de guerra latente e agudo (p. 31).
Para consolidar e assegurar seu poder em outros territórios, Roma envolvia “a
camada superior dos povos subjugados [que ao] participar no exercício do domínio”,
tal camada servia para “a manutenção, expansão e segurança do Império, como
também à situação interna da respectiva província ou reino”. E assim, interesses em
comum eram estabelecidos com as “camadas superiores autóctones” (WENGST,
1991, p. 41-2). O caráter econômico era decisivo para as camadas superiores dos
povos dominados se envolverem. Para Roma, a capacidade de produção e a
riqueza econômica das províncias eram vitais (p. 44).
69
A respeito dos tributos e impostos, veja Reimer (1999) e Wengst (1991).
81
A conquista de um país já era acompanhada de medidas para a abertura de
sua economia. As construções de pontes, desvios de rios, estradas e fortalezas
certamente não ficariam a cargo dos cidadãos romanos (WENGST, 1991, p. 44-5), e
toda melhoria tinha um objetivo certo: as necessidades do próprio Império.
No primeiro século
“as terras, originalmente próprias, tinham sido perdidas para prestamistas e
banqueiros da cidade por causa de alguma má colheita ou um ano de enfermidades,
quando não pela excessiva carga de impostos. Os habitantes das grandes cidades e
os favoritos do estado romano tinham se apropriado da maior parte da terra cultivável.
O desemprego rural crescera e as pessoas se deslocavam de uma aldeia para outra
em busca de trabalho e sustento” (MÍGUEZ, 1993, p. 75).
Fig. 07- O Império Romano no tempo neotestamentário.
Fonte: Almeida (s.d., s.n.).
O reconhecimento das dívidas de guerra pelos derrotados consistia em
espólio de guerra o solo e suas riquezas, os saques pós-guerra, impostos,
alfândegas, contribuições, tributos e recrutamentos. O povo judeu era onerado
82
desde a meninice com os impostos, como foi o caso ocorrido na Judéia onde
Vespasiano decretou que todo judeu de mais de três anos tinha de pagar imposto
especial, o chamado fiscus iudiacus, para reparar os gastos ocasionados pela guerra
entre os anos de 66 a 70 dC. E quem ficava a dever os seus impostos era
condenado e vendido como escravo (WENGST, 1991, p. 48)
70
.
No campo, muita gente ficou arruinada, tendo de se submeter a trabalhos ou
procurar as cidades. As famílias camponesas sofreram com os confiscos de terra
realizados por Herodes, e o processo de concentração de terras se acelerou. Assim,
as melhores extensões territoriais acabavam nas mãos de “estrangeiros ou
habitantes da capital” (VASCONCELLOS, 2003, p. 225). A produção, em sua grande
maioria, destinava-se mais “à exportação que ao próprio povo” (p. 225).
Os censos preparados pelo Império, como o do ano 6 dC, tinham como intuito
garantir o domínio sobre o país e controlar a Judéia. Os recenseamentos
objetivavam organizar a arrecadação dos impostos, e para tanto era necessário
estimar quantas pessoas existiam e o que elas possuíam ou produziam. O censo
gerava uma lista que serviria ainda para o recrutamento para as guerras imperiais.
“Josefo relata [...] (Antiquitates 18,1,1,504). Lactâncio (escritor cristão de origem
romana, séc. 3-4) mais tarde vai relatar sobre o censo: era feito com violência, tortura
e acrescentava-se mais à propriedade do que de fato tinha. Não se respeitava idosos,
crianças, doentes. Às crianças acrescentava-se idade; aos idosos diminuía-se idade.
Daí podemos imaginar porque havia rebeliões na Judéia contra os impostos por
ocasião do censo” (RICHTER REIMER, 2004, p. 18).
Nesta época era ainda cobrado, na Síria e na Judéia, o imposto capitis,
relativo a “população que não possuía terra” (RICHTER REIMER, 2004, p. 17),
cobrado para os homens entre 14 a 65 anos, e para as mulheres dos 12 aos 65
anos. O Império Romano não foi um Estado de Direito tal qual o conhecemos hoje.
70
Sobre processos de endividamento, perda de propriedade e de escravização, veja Reimer (1999).
83
O direito prevalecia para os poucos da classe dominante na proporção dos bens de
cada um. O direito estava diretamente ligado com a propriedade; quem não possuía
(bens) conseqüentemente não tinha direito (p. 14). Para uma minoria,
“o domínio romano representou bem-estar, riqueza, segurança [...] A experiência dos
grandes comerciantes, dos latifundiários, dos senadores com certeza era muito
diferente daquela vivida pelos milhares de escravos e escravas que povoavam as
grandes cidades do Império Romano” (VASCONCELLOS, 2003, p. 230).
Roma submete todas as pessoas às suas leis, como vontade divina: o direito
é elemento da Pax Romana uma segurança jurídica que está acima de toda
injustiça. Contudo, para a camada superior das províncias e até para a “nobreza
romana o Direito se mostrava frágil”. O direito que se manifestava era “o direito do
mais forte [...,] justiça de classe” (WENGST, 1991, p. 59-61).
Os romanos “recompensavam e cooptavam a lealdade dos povos por eles
dominados” (STAMBAUGH, 1996, p. 25), concedendo-lhes cidadania romana, o que
implicaria em responsabilidades como servir no exército, privilégios de voto nas
assembléias populares romanas, proteção da lei romana e isenção da maioria das
taxas.
A situação da sociedade judaica dom inada era de muita desigualdade. Os
impostos tributados não eram revertidos em proveito do povo, mas em benefício dos
próprios dominantes. A situação da saúde do povo tinha como solução mais
freqüente a morte, principalmente para o(a) pobre.
“O Império Romano certamente não se preocupava com a saúde do povo. Tampouco
o rei Herodes ou os demais governantes da Palestina. Com isso os doentes
padeciam em seus leitos e se amontoavam em lugares públicos. A solução para a
pobreza era em geral a morte” (SCHIAVO, 2000, p. 40).
E assim o Império ia se instalando, às custas de uma inocência do povo, que
se arrebatava perante as instalações de “pórticos, banhos e seletos banquetes. E a
84
isso chamava-se, para os ingênuos, modo fino de viver [...] na verdade, era apenas
um elemento de escravização” (AGRÍCOLA apud WENGST, 1991, p. 63).
A urbanização trabalhava em prol do ‘modo romano de viver’ que estimulava
e subsidiava construções nas cidades. A retórica romana era ensinada, e a língua se
difundia; os jogos divertiam os conquistados. Mas o desenvolvimento político não
correspondia ao progresso da cultura e da ciência (WENGST, 1991, p. 66).
O Imperador era apresentado como a certeza de melhores dias, como um
‘evangelho’ (VASCONCELLOS, 2003, p. 226; e, WENGST, 1991, p. 70). O
Imperador vivo era como um deus, do qual dependiam a proteção e segurança de
todos. Era cultualmente venerado em sentido religioso e servil, e, toda vez que se
pronunciava seu nome, se faziam duas orações: uma aos deuses pelo imperador e
outra ao próprio imperador. Nas províncias isso ocorria em documentos oficiais. O
culto era o vínculo de unidade do império e da fidelidade dos cidadãos aos
imperadores. A lealdade política está intrinsecamente ligada aos rituais, ao
imperador e aos deuses romanos; a não prática infringia o Direito e a Paz
(WENGST, 1991, p. 74-6).
Dita por alguns romanos como o senador Tácito e pela elite intelectual das
províncias, como Plutarco e Fócio, esta “é uma época pior do que a Idade de Ferro,
para cuja perversidade sequer a natureza encontrou nome nem metal segundo o
qual pudesse ser designada” (JUVENAL apud WENGST, 1991, p. 78).
O historiador Tácito narra que:
“Saquear, assassinar, roubar, tudo isso eles (os romanos) designam com o nome
falso de soberania e, onde criam um deserto, dão-lhe o nome de paz [...] Os (nossos)
bens transformam-se em impostos, o resultado anual dos campos torna-se
contribuições de cereais; os nossos corpos e as nossas mãos, porém, são
massacrados com golpes e ofensas na construção de estradas através de florestas e
pântanos” (VASCONCELLOS, 2003, p. 227).
85
“Violência que atingia os corpos e destruía valores e tradições”
(VASCONCELLOS, 2003, p. 227), está era a pax, construída pelas guerras e
massacres, garantida pela escravização dos milhares de vencidos, sustentada pela
estrutura econômica, saques, e pela imposição de uma justiça que sempre
beneficiava os vencedores. Agrediram crianças, tirando-lhes suas famílias,
roubando-lhes seus pais e mães, tornando-os escravos e escravas.
2.3.1. A criança nos territórios de Roma
Para entender a criança no judaísmo da Diáspora, se faz necessário adentrar
mais profundamente no cotidiano Romano e como o Império se relacionava com o
povo judeu na diáspora e dentro da Palestina. Para isso, vamos observar também as
relações greco-romanas de forma a que possam ser comparados com as judaicas.
Fig. 08 As crianças em Roma
Fonte: Dasen (2004, p. 1).
A administração romana concedia às suas províncias certa autonomia. O
direito municipal tradicional era respeitado, para que assim pudessem administrar
seus próprios assuntos, via sinédrio. Cabia, contudo, ao Senador romano a
supervisão das cidades, nomeando seus governadores e sendo visitadas,
regularmente, por um cônsul.
A história do judaísmo sob dominação romana é marcada por concessões e
privilégios que se iniciaram com Júlio César, com uma série de prerrogativas
86
“provavelmente por causa do apoio que recebeu da comunidade judaica durante sua
campanha no Egito” (ARENS, 1998, p.161).
Durante o séc. I, as relações dos judeus com Roma foram em geral
diplomáticas. É provável que o povo judeu contasse com mais privilégios outorgados
por Roma que a qualquer outro em todo o Império (ARENS, 1998, p. 160). Esses
privilégios se estendiam a todos os judeus, fossem cidadãos romanos ou não,
embora nem sempre tais direitos fossem respeitados. Entre algumas dessas
prerrogativas, contam-se: - o culto a um só deus (monoteísmo absoluto), o que os
dispensava de participar de cerimônias religiosas oficiais, como o culto imperial; - o
direito de ter sinagogas e de reunir-se regularmente nelas; - o direito de observar o
repouso do Sábado e de celebrar suas festas; - o direito de fazer a coleta do shekel
para o templo; - a dispensa do serviço militar
71
(p. 161).
Em parte, o judaísmo da diáspora encontrava-se em contínuo contato com a
Palestina. Esse contato era intensificado pela presença, em Jerusalém, de
sinagogas dedicadas especialmente ao serviço dos judeus procedentes da diáspora
durante as peregrinações, ou daqueles que se tinham instalado definitivamente no
país. A remessa dos dízimos e do imposto das duas dracmas para o templo através
de mensageiros próprios, assim como as peregrinações a Jerusalém por motivo de
festas, eram dois dos canais principais através dos quais se mantinham os laços de
união com a Cidade Santa, permitindo-lhe exercer influência sobre o judaísmo da
diáspora. Nesse judaísmo da diáspora helenizado e missionário, com seus prosélitos
e ‘tementes a Deus’ (theosebeis), o cristianismo nascente encontra o terreno mais
propício para a expansão (ECHEGARAY, 1994, p. 337-8).
As Cartas relacionadas no Segundo Testamento, datadas do séc. I, como as
paulinas, as pastorais, a maioria das católicas e uma das joaninas, demonstram a
71
O serviço militar para os filhos dos veteranos era obrigatório em Roma (GIORDANI, 1987, p. 125).
87
ligação do judaísmo da diáspora com o judaísmo-cristão que se testemunhava em
seu conteúdo, na tentativa de solucionar os conflitos de comunidades específicas na
dispersão judaica.
Apesar da importância das características próprias do judaísmo da diáspora,
“convém não esquecer de que sua diferença com relação ao judaísmo palestino é
mais questão de matizes que de essência e que os elementos comuns a ambos são
muito mais importantes que as diferenças” (ECHEGARAY, 1994, p. 337).
É certo que os judeus fora da Palestina eram mais numerosos do que os que
residiam em sua pátria. E o aumento natural da população judaica era
proporcionalmente muito mais alto que em outros povos como no Egito (chegando a
um milhão de judeus, segundo Filón) e no Império Romano (cerca de 7% da sua
população, no tempo de Augusto), pois os filhos eram considerados para os judeus
como uma bênção (MIZZOTTI, 1993, p.24-5).
Multidões se aglomeravam nos espaços públicos como praças e entradas dos
templos, entre mendigos, aleijados (At 3,2), homens e mulheres, e no meio dessa
gente toda, as crianças (Lc 7,32) (STAMBAUGH, 1996, p. 98-99).
O que se faz preeminente agora é verificar os conceitos do patriarcalismo nas
sociedades greco-romana e judaica, para que de forma comparativa com o
movimento de Jesus, possamos compor o séc. I em torno da criança, e assim
corroborar com a leitura que pretendemos, unir passado (cap. II) e presente (cap. I),
para propor uma ação para o agora (cap. III).
2.3.2. Família greco-romana
“Os escritores políticos greco-romanos entendiam a família como a célula básica da
construção do Estado [...] interessavam-se pelos relacionamentos de autoridade e
subordinação entre três parelhas: maridos e mulheres, pais e filhos (mães muitas
vezes não se mencionam), e donos e escravos” (STAMBAUGH, 1996, p. 112).
88
O ideólogo Cícero (apud RICHTER REIMER, 2004, p. 4), proveniente da
classe dominante romana, na preparação de uma teoria de Estado, durante o séc. I
aC, projetou na família patriarcal romana a elaboração de um Estado patriarcal.
Afirmou que a dominação no Estado é acontecimento ‘natural’ na qual os
espiritualmente melhores [seriam] colocados sobre os desprivilegiados [...]
entendendo-se que os primeiros pertencem à elite dominante”.
Os “impulsos ‘naturais’ e propriedade são fundamento da casa patriarcal e
têm, no Estado organizado, também sua ordem legal e religiosa: casamento
72
e
filhos legítimos (!) são essenciais para a felicidade do Estado bem organizado (res
publ V, 7)” (CÍCERO apud RICHTER REIMER, 2004, p. 5). Partindo desses
pressupostos, podemos entender o que seja a família patriarcal como célula-base de
uma sociedade patriarcal, como aquela que regula as relações das crianças, jovens,
adultos e idosos.
A casa (oikos) greco-romana estava estruturada e regia-se praticamente da
mesma maneira que a sociedade. A casa era formada por uma família e por todos
que viviam nela, inclusive os escravos(as). O modelo hierárquico da família se
estruturava assim: “o homem era sempre superior à mulher, assim como os pais
eram superiores aos filhos e os senhores aos escravos” (MEEKS, 1992, p. 43). Tal
composição estava arraigada profundamente na legis que vigorava e nos costumes
“e sua erosão era com freqüência deplorada pelos moralistas retóricos e pelos
satíricos” (p. 43).
“Os romanos temiam a desestruturação da família patriarcal” e por isso
perseguiam religiões estrangeiras “quando viam suas esposas seguir o Dionísio
bárbaro, a rainha Ísis, o legislador Moisés ou Jesus”, pois todos deveriam venerar
apenas os deuses e deusas romanas. “O marido deve governar e a esposa
72
Sobre o mercado casamenteiro e sua estrutura androcêntrica/patriarcal ver Richter Reimer (2001).
89
submeter-se” (STAMBAUGH, 1996, p. 113), assim também os filhos e filhas no
patamar da submissão, de inferioridade ao ‘cabeça’.
Diferença tremenda com a Carta paulina autêntica remetida aos Gálatas
(2,28), datada de 54 dC, na qual exortava-se a viver como se já não existissem
diferenças entre judeu ou grego, escravo ou livre, masculino ou feminino. Afronta
aos costumes vividos dentro do Império Romano que demonstra a tentativa dessa
comunidade de Éfeso em viver sem distinção de raça, gênero.
A casa e a família, para o direito privado romano, estão diretamente ligadas
às funções social e histórica desempenhadas pela família na sociedade romana.
Isso significa que esse sistema de regras, que mantinha a família como uma unidade
produtiva determinava quem era o chefe de quem. “O direito de propriedade
(dominium) é uma espécie também de jurisdição, de poder de comandar as coisas e
as pessoas da família e não surpreende que o pai dê origem ao patrão” (LOPES,
2002, p. 59). O sujeito de direito era o pai de família, apesar de encontrarmos
proteção ao escravo, a mulher e as crianças, era em regra ‘o cabeça’ o único “capaz
de deter propriedade, realizar negócios, dar unidade de ação a este complexo
produtivo que é a ‘casa’” (p. 60).
Fig. 09 Crianças servindo refeição romana.
Sarcófago sírio-romano. Museu de Constantinopla.
Fonte: Eltrop (1996, p. 118).
As famílias de classe alta tinham dois ou três filhos, acrescentando-se os
escravos. Entre as famílias pobres, a média era de dois filhos e “não poucas vezes
90
os davam em escravidão ou os punham a mendigar, pressionados pela situação
econômica; as filhas eram entregues à prostituição” (ARENS, 1998, p. 76).
As famílias do mundo greco-romano não costumavam ser grandes, tanto que
o número de nascituros
73
no Império “diminuíra de uma tal maneira que chegou a
constituir assunto da política imperial o oferecimento de concessões especiais aos
pais de três ou mais crianças” (DANA, 1990, p. 169). O hábito de descartar
74
crianças estava inserido em medidas contraceptivas, como o aborto, que na época
gerou uma grande diminuição de população (WEBER, 1986, p. 11).
Em Corinto, um imposto era cobrado de mulheres solteiras e de homens sem
filhos, “destinado a alimentar os cavalos do Estado” (CÍCERO, re publ II, 36, apud
RICHTER REIMER, 2004, p. 7). A legis também controlava a herança fazendo
distinção entre “os homens solteiros e os casados, porém, sem filhos”; estas leis,
provavelmente, não “eram rigorosamente executadas” (DANA, 1990, p. 169).
Na 1ª Carta aos Coríntios, datada de 55 dC, a fase da infância é descrita
como algo que realmente deve ser prontamente suprimido: “Quando eu era criança,
falava como criança, pensava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei
as coisas de criança” (1 Co 13,11).
A criança não era valorizada e sua personalidade era raramente notada. Os
“filhos homens saudáveis eram valorizados como futuros trabalhadores e soldados”,
os romanos simplesmente numeravam suas filhas, e também seus filhos homens a
partir do terceiro ou quinto não mais recebiam nomes” (WEBER, 1986, p. 10).
As crianças filhas de escravos(as), além de serem consideradas ilegítimas,
estavam, juntamente com seus pais, num status jurídico mais baixo de todos”.
73
Nascituro significa aquele(a) que nasceu com vida. Mais sobre o assunto ver ponto 3.5.1.
74
Sobre este costume ordinário greco-romano, voltar ao início deste capítulo.
91
Alguns filósofos os tinham “às vezes menos que humanos” (STAMBAUGH, 1996, p.
102), eram consideradas bens móveis.
“A lei romana tratava-os como peças de propriedade [...] Por outro lado, a obviedade
de que muitos escravos eram inteligentes, cheios de dotes, seres humanos espertos,
tornava um tanto ambivalente a posição daqueles aos quais se confiavam a
supervisão de uma fazenda ou de um loja na cidade, o entretenimento da família e a
educação de seus filhos” (STAMBAUGH, 1996, p. 102-3).
Existia a distinção entre os(as) escravos(as) nascidos(as) em cativeiro, onde
participavam limitadamente da vida social dentro da família que os possuíssem, e a
pessoa nascida livre que era reduzida à escravidão. Por lei, as crianças livres se
tornavam apenas servas, destino de muitas crianças abandonadas
75
(MARCÍLIO,
1998, p. 23).
Por concessão do senado, generais e imperadores poderiam elevar o status
de indivíduos romanos ou comunidades inteiras à condição de cidadão. Um não-
romano poderia adquirir a cidadania, “que também passava para seus filhos”
(STAMBAUGH, 1996, p. 104). A ascensão de status, para os(as) escravos(as),
ocorria quando um cidadão romano os(as) libertava, tornando-se “não só um libertus
ou liberta (“homem livre” ou “mulher livre”), mas também cidadão(ã) romano(a)” e
“todos os filhos nascidos após a libertação gozavam de completa liberdade social
podendo até ascender à aristocracia”, diferentemente de seus pais (p. 104-5).
2.3.3. A educação e os maus-tratos
No Oriente a educação era regida pelo sistema grego. O cultivo do idioma
permeava tudo. Os gregos orgulhavam-se disso e contagiaram os romanos: um
75
Sobre a criança abandonada e a venda de crianças (Mt 18,25) livres por seus pais romanos que
passou a ser ilícita e vergonhosa após mudanças legislativas, no séc. I dC, ver Marcílio (1998).
92
romano, que se tinha por culto, conhecia grego, além do latim” (ARENS, 1998, p. 93-
4).
“A formação básica era dada pelo grammatistês, que ensinava a ler e
escrever”. “Em etapa posterior, sob direção de um sophistês, a educação consistia
no estudo da retórica e da oratória, a arte de dominar as várias maneiras de falar
acerca de qualquer tema” (ARENS, 1998, p. 93). Além de estudar os textos clássicos
e os filósofos, a educação abrangia as matemáticas, músicas e exercícios físicos,
análise de autores, história, mitologia, moral.
Para uma boa educação primavam-se o ambiente familiar e a qualidade dos
mestres. Mas, essa boa educação era prerrogativa esmagadora para os meninos, e
meninos abastados. Em contrapartida encontram-se menções sobre educação de
meninas no séc. I, retiradas das reflexões de Musônio e outras como a de Juvenal
que “zombava das mulheres cultas” (COMBY, 1987, p. 77).
No mundo romano, “parece que os meninos e as meninas se sentavam nos
mesmos bancos da escola primária”, e uma “pequena minoria abastada que
freqüentava as escolas secundárias” (COMBY, 1987, p. 77). Para a manutenção do
Estado e da casa patriarcais, separava-se a educação de meninos e meninas.
Ambos estudavam a filosofia, pois a toda criança, independentemente do sexo,
“eram exigidas as mesmas virtudes” (p. 77), com funções díspares, a menina contida
na vida privada e o menino lançado a vida pública.
“A mulher deve saber administrar a casa, calcular bem o que é útil à família e dar as
ordens aos domésticos. Ora, declaro que essas qualidades pertencem, sobretudo à
mulher versada em filosofia [...] A mulher filósofa trabalhará com suas mãos e será
firme na fadiga, de modo que amamentará seus filhos com seu próprio leite, servirá
seu esposo com suas próprias mãos e fará, sem hesitação, trabalhos que alguns
consideram servis. Uma mulher assim não será de grande proveito para aquele que a
desposou, um ornamento para seus parentes e um modelo para aqueles que a
conhecem?
93
Mas, por Zeus, dizem alguns, as mulheres que se misturam aos filósofos são
arrogantes e ousadas, quando, tendo deixado de lado o cuidado da casa, vivem
habitualmente no meio dos homens, exercitam-se nas discussões e nos argumentos
sofísticos e resolvem silogismos, em lugar de ficarem em casa fiando a lã. De minha
parte, eu me guardaria de pedir às mulheres filósofas, como também aos homens,
que deixem seus deveres de estado e se ocupem só com discussões. Se eles
manejam argumentos, é para que estes passem para os atos... O discurso dos
filósofos convida a mulher a amar o esforço e a trabalhar com suas mãos” (MUSÔNIO
apud COMBY, 1987, p. 77-8).
Os filhos dos setores pobres da população também sofriam com a estrutura
hierárquica, pois “não eram admitidos à escola por algum preconceito, ou
simplesmente não tinham dinheiro para pagar ao mestre” (ARENS, 1998, p. 92-3). A
classe aristocrata preferia educar os membros da família com tutores particulares. E,
sendo de família romana, preferia-se tutor ou preceptor grego. “A educação era
privilégio da gente rica, das famílias que ocupavam postos de autoridade” (p. 92-3).
A instituição pública de educação mais típica das cidades greco-romanas era
em geral o ginásio. Esse podia funcionar em qualquer lugar (ARENS, 1998, p. 92-
93). Eram em geral edificações que, além do pátio central aberto, era:
“cercado por uma colunata; ao longo de um lado, havia recintos para banhos e
reuniões. Os recintos de reuniões estavam arrumados como salas de aulas: meninos
e meninas vinham juntos para aulas ministradas por um grammatistes (um
especialista em dizer e escrever). Em algumas cidades, os pais tinham de pagar os
professores, em outras incluídos nos gastos públicos por dotações especiais”
(STAMBAUGH, 1996, p. 111).
Os objetivos da educação eram de preparar para a vida pública e para as
funções que se haveriam de exercer nela, especialmente no campo político e na
administração (ARENS, 1998, p. 92-93). Meninos e meninas eram instruídos
“fortemente na cópia e memorização de determinadas seleções antológicas, que no
fim se tornaram mais ou menos padronizadas” (STAMBAUGH, 1996, p. 111). Por
meio da Filosofia, deveriam aprender a se comportar dentro dos papéis predispostos
94
pela sociedade: o homem com trabalhos extra-casa e a mulher com os trabalhos
intra-casa. Sejam meninos ou meninas, mulheres ou homens, todos estão
condicionados pelo costume da casa patriarcal a perpetuar o status quo.
Para os meninos que queriam uma educação mais avançada, isso é, para o
jovem que almejasse a vida pública era preciso vincular-se a “um sophistes (um
professor de retórica)”, “conteúdo da educação superior” (STAMBAUGH, 1996, p.
111). “A retórica penetrava a tal ponto o ambiente educacional e cultural dos sécs. I
e II, que até mesmo os filósofos que eram rivais e críticos dos sofistas, foram
incapazes de resistir a seu fascínio” (p. 111).
Musônio (apud MEEKS, 1992, p. 43) afirmava que “as mulheres também
deviam estudar filosofia”, dizendo que exceto por questões vocacionais, as filhas
deviam “receber a mesma educação dada aos filhos”, embora o seu objetivo fosse o
de se tornarem mulheres mais capazes e hábeis na direção da casa, isso é, no
desempenho de seus papéis tradicionais.
Até Filon, que acreditava firmemente na inferioridade espiritual e mental das
mulheres, concordava em afirmar que a formidável imperatriz Lívia era exceção. A
instrução (paideia) que ela recebeu capacitou-a a “se tornar homem em seu poder
de raciocinar” (MEEKS, 1992, p. 43). Não havia as mesmas oportunidades para as
mulheres de classes mais baixas.
“Bater fazia parte da educação antiga” (COMBY, 1987, p. 76). Contudo,
pessoas como Quintiliano descrevem um pensamento contrário. Apesar de aceitar
açoitadas nos escravos, ele defende as crianças, denunciando os mestres “das
escolas primárias” que eram “muitas vezes [...] uns miseráveis, mal pagos e às
vezes de moralidade duvidosa” (p. 77).
“Quanto a bater nos discípulos, embora isso seja aceito, e Crisipo não o desaprove, é
uma prática que eu não quereria por nada deste mundo, em primeiro lugar, porque
95
ela é vergonhosa e feita para escravos e o que seria aceito, se se tratasse de outra
época verdadeiramente injuriosa; depois, se uma criança tiver o espírito tão
desprovido de nobreza que não se corrija com uma reprimenda, se apanhar, ela se
obstinará como os piores escravos; enfim, não haverá necessidade dessa punição, se
ao lado da criança estiver um vigilante assíduo de seus estudos [...] Enfim, se
coagimos as crianças pequenas, batendo nelas, que fazer com o jovem, com o qual
não podemos usar essa forma de intimidação, e que deve adquirir conhecimentos
mais importantes? [...] Seja-me suficiente dizer, em relação a essa idade, que é fraca
exposta ao ultraje, que não se deve conceder a ninguém muita liberdade”
(QUINTILIANO apud COMBY, 1987, p. 76).
Encontra-se, ainda, na Sátira XIV, disposições a respeito do aprendizado das
crianças através dos exemplos dos pais e mães, pois “o veneno moral mais ativo e
mais rápido são os maus exemplos domésticos, porque eles se insinuam na alma
sob a influência de autoridades respeitáveis” (JUVENAL apud COMBY, 1988, p. 73).
Na mesma linha, “os métodos pedagógicos de Quintiliano” (DANA, 1990, p.
149), que também viveu nos fins do séc. I dC, diz que “a escola não é responsável
pelos maus costumes”, mas que esses são aprendidos em casa e dela levam para
as escolas (apud COMBY, 1988, p. 75). Desses m étodos de formação, à criança é
“devido o maior respeito, lembra-te disso, se pensas em fazer ação vergonhosa; não
desprezes a jovem idade de teu filho, e que, no momento de cair, o pensar em teu
filho no berço te retenha. Porque, se um dia ele merecer a cólera do censor e, já
parecendo-se contigo no corpo e na aparência, ele for filho dos teus costumes e
capaz de ir mais longe no mal do que tu [...] Mereces reconhecimento por teres dado
um cidadão à pátria, ao povo, sim, mereces, contanto que o tornes capaz de servir à
pátria, de ser homem útil aos campos, útil nos trabalhos da guerra e nos da paz. O
mais importante será saber que princípios e que formação tu lhe dás” (JUVENAL
apud COMBY, 1988, p. 74).
Quintiliano (apud COMBY, 1988, p. 75) relata que deseja “uma criança que
sinta-se estimulada com o louvor, que se compraza com a glória, que chore quando
fracassar”. Ora, seria um bom exemplo de que as exceções existem em todo tempo
na história, e nas diversas culturas. Visto que, ainda hoje, lutamos contra uma
96
conformidade social “do ideal masculino de bravura, ainda reprimimos nossas
crianças” (WHITMONT, s.d., p. 30).
“É difícil saber o nível preciso de educação e sofisticação retóricas no seio das
comunidades cristãs” [... na dispersão, mas] “as alusões a lugares-comuns retóricos e
filosóficos, que se achavam difusos por toda parte, nos fazem lembrar que o habitante
médio das cidades gregas tinha conhecimento básico dos clássicos, dos relatos
mitológicos e dos princípios retóricos, reforçado pelas representações teatrais, peças
burlescas e recitações de bardos em festivais e, pelas conferências e discussões de
retóricos e filósofos nas praças públicas, nos ginásios e nas esquinas das ruas”
(STAMBAUGH, 1996, p. 112).
Stambaugh (1996, p. 112) diz que há pouca informação sobre a educação
ministrada nas sinagogas da diáspora judaica. Não há indícios de que se ensinava o
hebraico”, pois os livros bíblicos estavam traduzidos para o grego, “e inscrições
judaicas da diáspora costumavam ser escritas em grego e latim”. Por outro lado,
crianças e prosélitos tinham aulas de Escritura” e os escritos neotestamentários,
endereçados a grupos cristãos de cidades greco-romanas em que moravam judeus,
pressupõem claramente conhecimento dos textos judaicos” (p. 112).
Os(as) donos(as) de pequenos negócios treinavam suas crianças para
seguirem suas profissões e eram muito menos reticentes sobre seus negócios do
que seus superiores na escala social. “Aos olhos das classes altas, eram ordinários
e servis, mas se orgulhavam de seus sucessos e realizações [...] no mundo antigo,
os pequenos empresários costumavam se identificar por suas ocupações” (p. 107).
Em suas lápides havia inscrições de suas profissões
76
.
Também existem relatos de brincadeiras com jogos, mas o descanso deveria
ser limitado para evitar a ociosidade (QUINTILIANO apud COMBY, 1987, p. 75). Os
passatempos, o amor ao divertimento, espetáculos, satisfação da curiosidade e
97
competições de contato (DANA, 1990, p.164) eram comuns nas atividades romanas.
Alguns jogos desenvolvidos dos exemplos gregos ou como em algumas cidades
gregas, os chamados jogos sagrados, “eram eventos simples de entretenimento de
interesse meramente local, com competições para os meninos e meninas da cidade”
(STAMBAUGH, 1996, p. 109). No tempo de lazer, os jovens e os ricos “podiam dar-
se o luxo de gastar horas a fio exercitando-se nos ginásios das cidades gregas, e o
banho público era faceta comum da maioria das cidades romanas” (p. 108).
“Celebrações especiais ofereciam, em ocasiões especiais, descanso da rotina normal
[...] Famílias aristocratas celebravam o aniversário de um filho, ou casamento de um
filho ou uma filha, convidando toda a cidade para um banquete ou dando presentes
em dinheiro a todos os moradores” (STAMBAUGH, 1996, p. 102).
Em algumas cerimônias religiosas, as crianças tinham lugar de destaque,
desempenhando certos papéis culturais, juntamente com as virgens. A justificativa
estava na crença de que elas estariam mais perto dos deuses, por conotarem a
figura da inocência
77
. E tal inocência “deveria incitar os adultos à virtude” (COMBY,
1988, p. 72-3).
2.3.4. O matrimônio, o direito de divórcio e a herança das crianças
Apesar do divórcio ser freqüente no Estado Romano, assim como o
concubinato (ARENS, 1998, p. 78), a celebração do matrimônio, que tinha cunho
civil, religioso e social, era considerado fundamental, “um serviço prestado [...] pelos
vínculos legais do matrimônio” (DANA, 1990, p. 168), enquanto para o mundo grego
“era o meio de assegurar uma descendência legítima, bem como a garantia dum
76
O Segundo Testamento identifica personalidades como “o filho do carpinteiro” (Mt 13,55), “Jesus, o
carpinteiro” (Mc 6,3), “Mateus, o cobrador de impostos” (Mt 10,3), “Lídia, uma vendedora de púrpura”
(At 16,14) (STAMBAUGH, 1996, p. 107).
77
Weber (1986, p. 14) acredita que a inocência infantil não é abordada no Primeiro Testamento.
98
respeitável funeral”. Daí que para os pais os filhos eram desejados na medida em
que podiam lhes garantir um descanso honroso (p. 168).
Muitas vezes os casamentos eram arranjados para atender às conveniências
políticas das famílias, e as meninas permaneciam sob a autoridade de seus pais
mesmo depois do casamento, a não ser que se tivessem casado de modo especial
segundo um raro rito romano (STAMBAUGH, 1996, p. 101).
O costume grego previa que a escolha de um marido e a decisão do
casamento competiam ao kyrios (senhor) da moça, seu pai ou, na falta do pai, seu
irmão nascido do mesmo pai, seu avô, seu tutor legal. Não diferente, o direito
romano fixava em termos muito fortes a patria potestas (pátrio poder), embora o
costume tenha apresentado uma evolução notável em sua aplicação prática no séc.
I de nossa era (GRELOT, 2001, p. 49-50).
O jovem estava apto a se unir em casamento quando chegasse à maturidade.
A jovem poderia contrair matrimônio com a média de 16 anos, havendo casos de até
13 anos, o que não era considerado “coisa muito chocante” (DANA, 1990, p. 168)
78
.
A noiva recebia um dote do pai ou tutor, que não passaria à posse do noivo; a
propriedade permaneceria com a noiva, “podendo dela dispor como quisesse”
(DANA, 1990, p. 168). E, nos casos em que a noiva era uma menina, a mãe do
noivo, ou parente adulto, poderia assumir a direção do seu dote até a esposa chegar
a amadurecer (p. 169).
As mulheres/meninas romanas eram proibidas em geral de herdarem mais de
10% das propriedades de seus maridos, ainda que algumas pudessem se tornar
78
Conflitou, porém, com esse ideal a legislação de Augusto, parte de um programa para estimular a
fecundidade da classe alta e desencorajar o celibato, que exigia que toda mulher entre a idade de 20
e 50 anos fosse casada, sob pena de perder a maior parte de seus direitos de herança e outros
privilégios. Mais tarde foi revogada pelo imperador cristão Constantino, pois conflitava com o celibato
(STAMBAUGH, 1996, p. 101).
99
ricas por herança recebida dos pais (STAMBAUGH, 1996, p. 101). “A mulher da
classe alta romana, componente da casa patriarcal” [...] “não pode ser proprietária ou
herdeira (re publ III, 17), nem possuir dinheiro. Somente em algumas exceções a
filha de um homem rico pode ser herdeira” (RICHTER REIMER, 2004, p. 6).
Fora da familia caesaris, “era muito mais comum as mulheres nascidas
escravas se casarem com homens livres do que o inverso [...] As mulheres libertas
geralmente eram alforriadas com menos idade do que os libertos e com muita
freqüência por motivos de casamento [...] 29% (por cento) das mulheres libertas se
casavam com seus próprios patrões”. Este costume era um dos meios mais comuns
para as escravas obterem a liberdade e ascender em status (MEEKS, 1992, p. 43).
2.4. O povo judeu sob dominação romana - a criança na Palestina
A partir de 6 dC, Roma impôs procuradores sobre a Samaria, Judéia e
Galiléia, entre os quais Pôncio Pilatos. Herodes foi pródigo em disfarçar suas
intenções reconstruindo o Templo de Jerusalém entre 18-10 aC.
Em 66-74 dC, a população judaica não agüentava mais a intensa repressão e
a crescente situação de miséria, cada vez mais grave, a que Roma a submetia, que
culminou com a guerra de 70
79
. Todos os vinte mil habitantes judeus da cidade de
Jerusalém foram massacrados numa só hora ao irromper da rebelião de 66 dC
(Josefo, Guerra Judaica 2.457; 7.362) (STAMBAUGH, 1996, p. 80-1). E em 73/74,
na fortaleza de Massada, foram mortos os últimos revoltosos.
Em 135 dC, Jerusalém é finalmente destruída pelos romanos. “O rabino
Hammuna (séc. IV d.C.) escreveu que: ‘Jerusalém somente foi destruída porque as
79
Tito destrói a cidade de Jerusalém, crianças e mulheres resistiram em Massada, e que foram
mortas por último.
100
crianças não freqüentavam a escola e vadiavam pelas ruas’ (Sabbath 119b)” (apud
WEBER, 1986, p. 15).
Fig. 10 A Palestina no tempo do Segundo Testamento.
Fonte: NTG (2001, s.n.).
O povo judeu neste período poderia elencar vasta lista de aspectos
extremamente negativos. Contudo, a presença da grande dominação também
“significou o incremento do comércio, transportes, lazer, educação, da segurança
101
militar e de outras vantagens” (COLEMAN, 1991, p. 217). É o que essas melhorias
primavam os interesses de Roma, daqueles que eram possuidores de propriedade.
2.4.1. Criança no cotidiano judaico
Para compreender algumas diferenças entre a sociedade patriarcal
80
romana
e a patriarcal judaica se faz necessário trazer à baila o tema do pater familia ou ‘o
cabeça’
81
. A dominação do ‘cabeça’ romano se escora, em relação às crianças, a
partir do sustento que o pai lhes garante, devendo as crianças serem obedientes e
submissas ao pai
82
. O ‘cabeça’ judeu se legitima pela Torá, assentado numa
elaboração teológica na qual a pessoa deve honrar e respeitar seu pai, conforme
está prescrito em Ex 20 e Lv 19
83
, com uma importante ressalva: caso o pai “pedisse
algo que transgredisse algum dos mandamentos divinos” (RICHTER REIMER, 2004,
p, 4) os filhos e filhas estariam desobrigadas a obedecer ao pai.
O marido é o ba’al (senhor), (MORIN, 1988, p. 55), dono de tudo e
responsável por todos, compreende tudo do ponto de vista do ‘cabeça’. Esse goza
de total autoridade sobre a ‘casa’ e os bens (comunidade de sangue e de habitação,
e sobre todas as pessoas ligadas à família), sobre todos os “irmãos”. A família
patriarcal abarcava as esposas e os filhos dos filhos casados. Havia famílias deste
80
As sociedades patriarcais impõem “valores preconceituosos e estereotipados às capacidades
biológicas das mulheres. As relações entre os gêneros não são igualitárias, mas são assimétricas. O
que é ser feminino e masculino é definido e construído por homens e em função deles”
(NEUENFELDT, 2000, p. 30).
81
“O gênero enquanto categoria de análise nos ajuda a entender [...] a dinâmica entre as teorias”
filosófico-políticas romanas “e as experiências cotidianas” das crianças nas casas, na igreja e na
sociedade (RICHTER REIMER, 2004, p. 2). Sobre este tema remetemos o(a) leitor(a) ao cap. III.
82
O pátrio poder do ‘cabeça’ romano era ilimitado, decidia sobre a vida dos recém-nascidos,
contracepção, aborto, enjeitamento de crianças de nascimento livre e o “infanticídio do filho de uma
escrava eram práticas usuais e perfeitamente legais” (MARCÍLIO, 1998, p. 23).
102
tipo amplo que dormiam num só dormitório (Lc 11,7), mas, em geral, cada casal com
seus filhos tinha seu próprio quarto (STAMBAUGH, 1996, p.75).
A sociedade judaica era composta por famílias de origem legítima e ilegítima.
As famílias de origem legítima seriam as constituídas pelos sacerdotes
84
, levitas
85
e
israelitas autênticos
86
, com todos os direitos de cidadania. Somente pessoas dessas
famílias possuíam o direito de contrair matrimônio com sacerdotes
87
, ou casar-se
entre si (MORIN, 1988, p. 76).
As famílias ilegítimas eram atingidas por uma mancha chamada leve. Os
descendentes ilegítimos no caso eram os filhos e filhas nascidos entre um sacerdote
com uma mulher sem uma genealogia considerada pura (MORIN, 1988, p. 80). Os
prosélitos também eram considerados com mancha leve, pois os convertidos ao
judaísmo, tanto homens (circuncisão) quanto mulheres (banho especial), apesar de
serem obrigados à observância da Lei, assim como a população estrangeira, eram
considerados como filhos(as) sem pai.
Esta distinção entre famílias legítimas e ilegítimas geravam conseqüências
como: - suas filhas não poderiam se casar com sacerdotes, ou melhor, com nenhum
“membro da comunidade de Israel, nem mesmo de sua última categoria” (MORIN,
1988, p. 82); - não poderiam ocupar postos oficiais; e, - existiam restrições no
83
Na Carta aos Efésios (6,1), datada do final do séc. I, está prescrito que a criança (tékna) deve
obedecer a seus pais, e esses devem criar suas crianças segundo os preceitos da Lei.
84
Eram os descendentes de Aarão. O sacerdócio em Israel era hereditário, “e o acesso ao sacerdócio
só era possível pela origem” (MORIN, 1988, p. 76-8) e ocupava na pirâmide societária interna de
Israel o primeiro lugar. Alguns exerciam a função de escribas.
85
Eram os descendentes de Levi. Exerciam a chefia da música, cerimonial do coro, chefe de portaria
e da guarda (MORIN, 1988, p. 78).
86
Nobreza leiga, em que os chefes das famílias ocupavam o Sinédrio com o encargo de anciãos
(MORIN, 1988, p. 79).
87
Tem-se no período herodiano e romano, entre 37 aC até 70 dC, uma usurpação dos costumes de
Israel. Dos 28 sumos sacerdotes, 25 “tinham saído de famílias sacerdotais comuns e não da família
legítima, descendente de Sadoc” (MORIN, 1988, p. 77).
103
tocante ao direito sucessório de seus filhos nascidos antes de sua conversão,
mesmo que também eles tenham se convertido” (p. 80-1). A situação dos escravos e
escravas pagãos
88
libertos(as) é igualada a dos prosélitos, pela mancha de sua
origem pagã, ademais da mancha da antiga escravidão.
89
Existiam ainda as famílias ilegítimas atingidas por mancha grave,
consideradas como “lixo da comunidade” (MORIN, 1988, p. 81). São elas: - os
bastardos, descendentes de uniões ilegítimas, e cuja mancha era de caráter
permanente para todos os descendentes masculinos eram privados dos direitos de
herança e libertação final de Israel, além do acesso a dignidades públicas; - os
escravos do templo eram os próprios levitas, considerados como inferiores; - os
filhos de pais desconhecidos
90
e as crianças expostas
91
, podiam ser filhos(as)
bastardos(as). Todos os de mancha grave podiam casar entre si (p. 81).
“Conforme a sabedoria bíblica e judaica, a criança não era considerada,
especialmente, inocente. Pensava-se, até, o contrário (Qo 10,16; Pv 22,15). Os
rabinos se interessavam pelas crianças porque viam nelas o futuro de Israel, seus
futuros alunos e futuros sujeitos da Lei. Mas, enquanto menor de doze anos (qatan), a
criança pertencia a uma categoria inferior, incapaz em matéria religiosa. Os textos a
colocam na mesma categoria dos surdos, dos mudos, dos cegos, dos deficientes
mentais, dos pagãos, das mulheres e dos escravos. Um rabino colocava entre as
causas que aceleram a perda de um homem: o sono da manhã, o vinho do meio-dia,
a permanência nas sinagogas de gente vulgar e a tagarelice com as crianças. Entre
88
Sobre o tema escravos(as) e Jesus, ler o texto de Wegner (1988).
89
Jeremias anota ainda diferenciações no tratamento entre os filhos menores de pobres e ricos. Os
filhos menores não podiam penetrar no átrio do templo dos israelitas. Em compensação, os filhos
menores dos “hierosolimitanos de classe alta” tinham o direito de participar no canto dos levitas
durante o sacrifício cotidiano (JEREMIAS, 1983, p.307).
90
Sobre os filhos de pais desconhecidos e as crianças enjeitadas reencontradas, segundo Jeremias
(1983, p. 453) “não contamos com minúcias dignas de serem mencionadas”.
91
Aqui encontramos outra situação de crianças abandonadas pelos judeus, apesar de autores, como
Stambaugh (1996, p. 75), afirmarem que as práticas “grego-romanas de aborto e exposição de bebês
eram estranhas aos costumes judaicos”. “Não temos muita informação sobre como os judeus
encaravam o aborto” (COLEMAN, 1991, p. 90).
104
os essênios, que se preocupavam com a formação das crianças para assegurar o
futuro da seita, a criança menor era excluída da assembléia” (MORIN, 1988, p. 60-1).
Contudo, a mesma Bíblia e outras literaturas judaicas antigas nos mostram a
criança como algo essencial ao povo judeu, pois é ela a garantia de que o povo
eleito continuará tão vasto quanto as estrelas no céu. Ter uma prole era considerada
uma benção (Gn 24,60; Rt 4,11-12; Pv 17,6; Sl 128,3; 127, 3-5)
92
.
Segundo Dana (1990), as relações familiares dos judeus “entre pais e filhos
eram excelentes. Os pais tratavam com grande consideração os filhos, e os filhos
retribuíam-lhes com honra e bondade” (p. 122), existindo, obviamente, a condição
adversa, como a passagem que relata a volta de um filho pródigo (Lc 15,11-32).
Contudo, Vaux (2003, p. 193) recorda que a legislação israelita condenava com a
pena de morte os filhos que cometessem faltas graves contra seus pais (Ex 21.15-
17; Lv 20.8; Dt 21.18-21). O apedrejamento era a forma pela qual o filho rebelde
93
era habitualmente executado (Dt 21.21). Esses exemplos são claros para mostrar
que existem na mesma literatura testemunhos diversos sobre a mesma matéria.
2.4.2. O nascimento da criança e os privilégios do primogênito
O nascimento “no lar judaico era considerado uma grande bênção, e com
especialidade se era macho. Grande era a diferença com que se recebiam os bebês
do sexo masculino e a demonstrada ao nascer uma menina” (DANA, 1990, p. 122).
De acordo com o Talmude, “o nascimento de um macho produz alegria universal,
mas o nascimento de uma fêmea produz tristeza universal (Niddah 31b)” (p. 122).
92
Sobre o parto e o nascimento de crianças, ver Vaux (2003) e Silva (2000a).
93
Outra forma de correção do filho(a) indócil eram os açoites (1Rs 12.11,14; Pv 19,18), que segundo
Vaux (2003, p. 193-4) se realizavam com quarenta golpes de chicote (ou talvez bastão) como ficou
registrado em Jr 20,2. Mais tarde passou a ser quarenta açoites menos um (2 Co 11,24).
105
Ao nascer menino, os vizinhos se reuniam para congratular os genitores,
“estando já os músicos à espera para celebrar o acontecimento” (DANA, 1990, p.
122). Mas se fosse menina, “o que marcava a sua chegada eram o desapontamento
e o aborrecimento” (p. 122). Para o pai e a mãe, o menino significava amparo na
velhice e para o presente auxílio no sustento da casa, e, para a sociedade, à nação
de Israel, mais um na “luta em prol da independência” (p. 122).
Fig. 11 Meninas na brincadeira
chamada Efédris.
Fonte: Eltrop (1996, p. 89).
Grupo em terracota,
aproximadamente 300 aC.
Em muitas sociedades antigas, os casais, além de desejarem filhos, queriam
muito uma criança do sexo masculino, pois o menino tinha o desígnio de completar a
família, de dar continuidade à descendência.
94
Os judeus não eram tão extremistas
quanto outras culturas que chegavam a deixar morrer as meninas recém-nascidas.
Mas achavam que, se nascesse um menino, evitariam muitos problemas
(COLEMAN, 1991, p. 85), portanto, haviam distinções entre os nascidos do sexo
masculino e o feminino (PELLETIER, 1997, p. 26).
94
A preferência ao menino tinha conseqüências para o nascimento de meninas, “as filhas eram
menos estimadas” (VAUX, 2003, p. 64). “As meninas sempre foram menos quistas do que os
meninos” (MALINA apud RICHTER REIMER, 2004, p. 6), devido aos valores centrais das culturas
mediterrâneas se valerem de conceitos como ‘honra’ e ‘vergonha’ do ‘cabeça’ - meninas/mulheres
106
Para a mulher
95
, não ter um bebê era uma maldição, um castigo (Gn 20,18),
uma vergonha (Gn 16,2; 30,3-9), pois a esterilidade era considerada sua máxima
culpa e uma provação. Para a época, quanto maior as famílias tanto maiores eram
as bênçãos dos céus e a aceitação pela sociedade (SAULNIER, 1983, p. 66).
Sofrendo tantas pressões, algumas judias recorriam a métodos estrangeiros,
adotando deuses(as) fora da religião judaica, na esperança de que lhes
favorecessem com a fertilidade. Outras criam nos poderes mágicos das folhas de
mandrágora. Também era comum a mulher grávida usar pedrinhas penduradas ao
pescoço, como amuleto, como proteção contra um aborto (COLEMAN, 1991, p. 91).
O parto era uma situação cercada de preocupações e, pela época, de
complicações “freqüentemente fatais” (COLEMAN, 1991, p. 84). O nascimento de
uma criança ocorria na própria casa das famílias, com a assistência de uma parteira.
Os judeus não recorriam a médicos quando se tratava de partos. Os maridos
também não assistiam em nada. A tarefa era confiada a mulheres experientes, as
parteiras (Gn 35,17; 38,28). Na maioria dos casos, a parteira era uma amiga,
conhecida ou parenta. Mas havia também a parteira profissional (p. 87).
No passado, tanto as mulheres judias como outros povos da região, davam à
luz sentadas ou agachadas. Coleman (1991, p. 87) conta que esse costume “deve
ter sido aprendido com os antigos egípcios (Ex 1,16). Às vezes, esse tamborete
sobre o qual se apoiavam nada mais era do que duas pedras”.
tinham seus corpos vinculados ao pater família. Por isso eram as primeiras a serem mortas,
abandonadas ou vendidas para a escravidão, quando recém-nascidas (OSIEK, 1995, p. 13).
95
A lei resguardava a mulher grávida, ao predispor que se dois homens estivessem brigando e um
deles acidentalmente ferisse a mulher grávida, causando-lhe algum prejuízo, ele teria que fazer
algumas reparações. Se o acidente causasse aborto o culpado pagaria uma multa (Ex 21.22,23). Mas
se a mulher sofresse danos permanentes, o culpado poderia até ser executado (COLEMAN, 1991, p.
90). Sabemos que as reparações não seriam entregues diretamente à mulher, mas ao ‘cabeça’ da
família. Sobre o assunto, ver Malina (1995) e Richter Reimer (2004).
107
Ao nascer, o bebê era lavado e esfregado com sal (Ex 16,4), para fortalecer o
neném, e era apertado e enfaixado (Lc 2,7) em fraldas, para que crescesse
convenientemente (Ez 16,4; Jó 38,8-9), segundo Vaux (2003, p. 66) costume das
camponesas da Palestina até os dias de hoje.
96
Se uma criança nascia com deformações físicas, não poderia assumir o ofício
de sacerdote, se fosse o caso (Lv 21,18). “Contudo, em outras situações, elas eram
cuidadas e auxiliadas ao máximo” (COLEMAN, 1991, p. 91).
97
Era costume da mãe atribuir nome (Gn 29,31-30; 35,18; 1 Sm 1,20) “ao
recém-nascido imediatamente depois de nascer“ (VAUX, 2003, p. 66); as vezes, o
pai (Gn 16,15; 17,19; Ex 2,22)
98
. O menino poderia receber o nome na solenidade
da circuncisão, prática atestada não antes do Segundo Testamento (SAULNIER,
1983, p. 66-7), ver Lc 1,59-60; 2,21 (VAUX, 2003, p. 66). A menina recebia o nome
no primeiro mês de vida. Ao nomear seus filhos(as), os pais procuravam escolher
um nome que fosse bastante apreciado pelos familiares. Assim era comum que
receberem o nome de um avô ou avó. Outros recebiam “nome que fosse expressão
de louvor a Deus ou uma declaração de fé” (COLEMAN, 1991, p. 88).
Não era costume dar sobrenome e o que distinguia uma pessoa homônima da
outra era o emprego do “nome do pai, antecedido da palavra aramaica ‘bar’ (filho de)
[ou] as filiações sociais e religiosas proporcionavam-lhe um nome distinto” (DANA,
1990, p. 123). Com o aumento da população, começaram a surgir problemas, e,
96
Sobre os rituais de nascimento, ver o texto da autora Pelletier (1997).
97
Em Roma, os bebês nascidos defeituosos podiam ser mortos, atirados ao mar ou queimados.
“Acreditava-se que as deformidades traziam mau agouro para a comunidade e para a família”
(MARCÍLIO, 1998, p. 24).
98
“A ação de nomear a criança era de grande importância, pois era a crença poder o mesmo
profetizar e até influenciar o caráter e ideais para os quais ela estava destinada” (DANA, 1990, p.
123). Sobre a importância do nome remetemos o(a) leitor(a) ao livro de Vaux (2003, p. 66).
108
na época do Segundo Testamento “muitos colocavam acréscimos ao nome para
facilitar a identificação do indivíduo” (COLEMAN, 1991, p. 88).
No oitavo dia após a data natalícia, o menino era circuncidado (Lv 12,3; Gn
17,12; 21,4; Ex 4,25; Js 5,2-3) “como sinal da aliança” (DANA, 1990, p. 123), prática
realizada “pelo próprio pai ou por um especialista, em casa” (SAULNIER, 1983, p.
67). Encontramos a circuncisão feita pela mãe em Ex 4,25 (VAUX, 2003, p. 70).
A circuncisão consistia na remoção do prepúcio, primeiramente feito com
facas de pedra, indicando um costume da Antiguidade, mais tarde o procedimento
cirúrgico era realizado com instrumentos de metal (VAUX, 2003, p. 70). As razões
aludidas à circuncisão são de: - saúde/higiene; - identificação que distinguia os
judeus de outros povos; - afirmação do indivíduo como homem; - a aliança com o
Deus dos judeus, Javé (COLEMAN, 1991, p. 88-90)
99
.
No final de 40 dias, após o nascimento de um menino, e 80 dias para uma
menina, a mãe deveria purificar-se, apresentando-se no templo e ofertando de
acordo com seus recursos (Lc 2,22-23). A amamentação da criança “durava longos
meses, às vezes por dois ou três anos” (SAULNIER, 1983, p. 67), o bebê poderia ser
amamentado tanto pela mãe (Gn 21,7; 1Sm 1,21-23; 1 Rs 3,21; 2 Mac 7,27), quanto
por uma ama de leite (Gn 24,59; 35,8; Ex 2,7-9; Nm 11,12; 2 Sm 4,4; 2 Rs 11,2). A
criança era desmamada por volta dos 3 anos (2 Mac 7,27), (VAUX, 2003, p. 66).
O nascimento de um menino era considerado uma bênção em dobro, pois o
nome da família seria perpetuado e o patrimônio, conservado. O primogênito recebia
uma “dupla parte da herança e a chefia da família, com a morte do pai” (MORIN,
99
A tradição da remoção do prepúcio remonta o III milênio aC, inicialmente “era um rito de iniciação
para o casamento e, por conseguinte, para a vida comum do clã” (VAUX, 2003, p. 71), ou para
marcar a passagem da puberdade. Sobre a prática judaica da circuncisão, a tradição messiânica
davídica e o argumento do batismo infantil, ir ao texto de Siqueira (1997) para posteriores reflexões.
109
1988, p. 60) e se tornaria o ‘cabeça’ da família. Era o principal herdeiro, gozando de
certos privilégios negados aos outros garotos.
100
Do filho mais velho, o primogênito, criavam-se grandes expectativas, pois se
esperava que esse fosse o líder espiritual da família, o administrador das
propriedades e dos interesses do grupo, tornando-se o juiz ‘natural’ sobre todos(as)
da família. No Segundo Testamento não existe nenhuma menção direta da prática
do direito de primogenitura, a não ser em Hb 12,16
101
(COLEMAN, 1991, p. 86). O
filho mais velho poderia vir a perder o direito da primogenitura por falta grave, atesta
o Primeiro Testamento (Gn 35,22; 49,3.4; 1 Cr 5,1). Poderia também abrir mão do
direito (Dt 21,15-17). Exemplos de um costume contrário ao direito de primogenitura,
chamado de ‘ultimogenitura’, ver Gn 4,4-5; 25,23; 37,3; 44,20; Ml 1,2-3; Rm 9,13; 1
Sm 16,12; 1 Rs 2,15.
2.4.3. Educação na Palestina
Como “dádiva concedida por Deus, as crianças apenas estavam confiadas à
guarda de seus pais” (WEBER, 1986, p. 14). Os pais eram os curadores da criança e
representavam a autoridade de Deus (p. 14). A legislação deuteronômica aplicava a
pena de morte ao filho(a) rebelde (Dt 21,18-21).
Weber (1986, p. 14) informa que desde a mais tenra idade as crianças
participavam dos ritos religiosos familiares e outras grandes celebrações que
remontam à aliança com Javé. As crianças iam com seus pais ao santuário (1 Sm
100
Todo primogênito devia ser redimido (Ex 34,20), pois pertencia a Javé (MORIN, 1988, p. 60); ou
seja, os pais deveriam pagar aos sacerdotes certos direitos, de acordo com o código mosaico exigia-
se uma taxa de cinco ciclos pelo primogênito macho. Há certa discordância quanto a quem se devia
pagar: a um sacerdote local ou em Jerusalém (Lc 2,22). Embora Bar Mitzvah tenha-se originado mais
tarde, um menino só era levado para a oração na sinagoga após completar 13 anos (STAMBAUGH,
1996, p.75).
110
1,4.20) ou ao Templo em Jerusalém (Lc 2,41s) “onde ouvia cantar os salmos e
narrar as recordações históricas que se ligavam a cada uma das grandes festas
(VAUX, 2003, p. 73).
Além da instrução familiar, haviam outros momentos de educação, nas
caravanas, junto aos poços, à porta da aldeia nos debates dos anciãos, nos
julgamentos, as transações comerciais, nas conversas dos comensais (Eclo 9,16),
nas ruas e esquinas (Pv 1,20s), (VAUX, 2003, p. 73).
Preocupamo-nos em demasia com a instrução das crianças (Apion, 1:12). Filo
confirma o mesmo fato, dizendo que seu povo, ‘desde as fraldas, e antes mesmo que
lhe fossem ensinadas as leis sagradas ou os costumes escritos, era preparado pelos
pais, mestres e instrutores a reconhecer a Deus como Pai e Criador do mundo’
(Legat. Ad Cajum, sec. 16)” (JOSEFO apud DANA, 1990, p. 123-4).
Tanto meninos quanto meninas recebiam a primeira educação das mães.
Contudo, aos “quatro anos, a situação muda conforme o sexo” (SAULNIER, 1983, p.
67), as meninas eram separadas dos meninos, continuando a receber a educação
materna para aprender o ofício da mãe: “cozinheira-dona-de-casa-futura-esposa”.
Os meninos, geralmente, iniciavam a aprendizagem da profissão do pai, os
fundamentos da religião (MORIN, 1988, p. 60) e as tradições nacionais (VAUX,
2003, p. 73), ou senão, o menino era “mandado para a casa de um outro para aí
aprender o ofício” (SAULNIER, 1983, p. 67).
102
Aos 5 anos “principiavam a ensinar à criança a Bíblia hebraica, iniciando não
com o Gênesis, como normalmente se poderia esperar, mas com o Levítico, dada a
grande importância desse livro no estudo da lei” (DANA, 1990, p. 124). Após o
101
Casos do filho mais moço suplantar o primogênito, no Segundo Testamento, ver Vaux (2003).
111
estudo do livro das prescrições rituais do culto mosaico, o Levítico, estudava-se o
restante do Pentateuco. Saulnier (1983, p. 67) informa que, ao completar 6 anos de
idade, a criança poderia ser vendida como escrava pois “após esta idade, o pai não
é mais obrigado, juridicamente, a sustentar os filhos: eles têm de aprender a se
arranjar”. Aos 10 anos, a criança “já podia entrar em contacto com a Mishná; e,
finalmente, se ainda desejasse uma cultura mais ampla, estudaria o Talmude”
(DANA, 1990, p. 124). E se o jovem judeu estivesse sendo preparado para a “função
de rabi, este era enviado para uma academia rabínica” (p. 124)
103
.
“As escolas eram reservadas para os jovens. As jovens de classe social rica
aprendiam o grego”
104
(MORIN, 1988, p. 56-7). E, para as meninas adquirirem “certa
formação” eram “graças sobretudo aos comentários do ofício sinagogal”
(SAULNIER, 1983, p. 68).
Saulnier (1983, p. 65) sustenta que, como regra geral, para os meninos
aprender a Lei era uma obrigação, enquanto as meninas eram dispensadas, nos
seguintes termos, de acordo com Morin (1988, p. 56): “Aquele que ensina a Lei à
sua filha, ensina-lhe a devassidão” ou “a prostituição”, “julgavam que era preferível
queimar a Torá (Lei) que ensiná-la às mulheres”
105
.
102
O papel da mulher era delimitado pelo papel da dona-de-casa, que deveria se ocupar dos filhos,
da casa, e assumir todas as tarefas ‘naturalmente’ cabíveis ao feminino. A condição da mulher era de
depender de seu senhor e marido, de opressão, submissão. No que tange à criança, libertar a mulher
dessa escravidão materna seria, talvez, libertar a criança igualmente de um destino preestabelecido
pelo androcentrismo e patriarcalismo. Sobre a opressão na maternidade, ver Navia Velasco (1991).
103
Sobre a escola rabínica (bêt-midrash), ver Vaux (2003, p. 74).
104
O grego era estudado até o séc. II dC, pois era a língua internacional da época, mas depois passa
a ser malvista: “Podes estudá-la, se encontrares um tempo que não seja nem o dia nem a noite”
(SAULNIER, 1986, p. 69).
105
No entanto, meninas/mulheres também aprendiam e estudavam a Tora, ver o cap. II e V, do livro
de Brooten (1982), que versa sobre mulheres (meninas!) enquanto liderança e sacerdotisas nas
antigas sinagogas judaicas. Sobre o tema, ver ainda Richter Reimer (2004b) e Jarschel (1999).
112
A educação judaica não consistia em apenas aprender um ofício, mas,
sobretudo ensinar a Torá (diretriz) aos filhos. A grande diferenciação estava no
tratamento dado às meninas e aos meninos. As meninas deveriam aprender “todos
os preceitos negativos: ‘Tu não farás...’e os que se referem à sua condição” de
mulher, “mas fora disso, quanto menos se lhe ensina, melhor é” (SAULNIER, 1983,
p. 68). Por outro lado, os meninos devem saber ler e interpretar a Lei, “a fim de
melhor conhecê-la e honrar o Senhor” (p. 68).
Mas nem todos os pais tinham condição de ensinar nestes moldes, então
vieram as escolas gratuitas destinadas só aos meninos, embora uma das finalidades
fosse preparar leitores para a sinagoga” (SAULNIER, 1983, p. 68).
“A sociedade desempenhava uma função na formação, mas é discutível a data de
implantação da escola em cada vilarejo. Uns julgam que foi a partir do ano 63 dC, sob
a influência de Josué ben Gimla, que a instrução escolar era dada às crianças de seis
ou sete anos. Outros pensam que a escola foi generalizada sob João Hircano, cerca
do ano 130, antes de Cristo” (MORIN, 1988, p. 60).
É lendo os textos sagrados que os meninos iam aprendendo a calcular, a
história do seu povo, geografia, ciências, e outros assuntos. O método utilizado era o
da repetição, com os processos mnemotécnicos da época: paralelismo, antítese,
assonância, etc (SAULNIER, 1983, p. 68). O ensino superior tem por prática central
a discussão e argumentação, entre os pupilos, de textos bíblicos.
Existem informações acerca de escolarização após o séc. II dC, como por
exemplo: - certas organizações de 5 ou 6 famílias contratavam professores para
seus filhos; - “cria-se no lugar principal da região uma espécie de escola secundária,
que são obrigados moralmente a freqüentar todos os jovens de 16 a 18 anos”
(SAULNIER, 1983, p. 69). A escola abria no nascer do sol e fechava ao pôr-do-sol.
Para Saulnier (1983, p. 68), a jornada de ida e volta para a escola além de consumir
todo o horário necessitava de apoio financeiro, de dinheiro:
113
“A não ser que tivessem uma fé profunda ou fortuna familiar que permitisse sustentá-
lo, tinham que pensar primeiro na sua alimentação. Praticamente, portanto, só os
filhos de famílias abastadas é que podiam receber tal ensino, embora os líderes de
Israel tenham tido sempre o cuidado de oferecer a mais ampla educação a todos
inclusive ao pobre e ao órfão. Foi isso que levou à criação de escolas gratuitas para
todas as crianças a partir de seis anos, em todas as aldeias”.
O açoite e a vara também auxiliavam na formação das crianças judaicas,
como observamos em Pv 13,24; 22,15; 29,15.17; 2 Sm 7,14; Pv 3,12; Eclo 30,1,
(VAUX, 2003, p. 71). Este tipo de tratamento com as crianças está contido na
linguagem do Segundo Testamento em frases como “Que preferis? Que eu vá
visitar-vos com a vara, ou com caridade e espírito de mansidão?” (1 Co 4,6).
2.4.4. O casamento da criança judaica do direito de repúdio ao direito de herança
das crianças
Era raro que as pessoas ficassem sem se casar. Até o séc. 10 dC, a lei oral
permitia ao homem ter mais de uma esposa, mas só se conhecem uns poucos casos
de bigamia. Os essênios liam Gn 1,27 como prescrição de monogamia (documentos
de Damasco e do Cairo 4.20-21 (Mt 19,4), (STAMBAUGH, 1996, p. 75).
“Até os doze anos, a criança é menor e não pode tomar decisão alguma que
comprometa de verdade” (SAULNIER, 1983, p. 69). Ao completar 12 anos, a menina
judia, e por volta dos 13 anos o menino, os destinos estavam marcados e separados
por papéis regulados culturalmente pelo sexo.
O menino se torna maior e é obrigado a observar a Torá, “que ele pode ler na
sinagoga [...] mais tarde ganhará o nome de bar-miçwah ou filho do mandamento”
(SAULNIER, 1983, p. 69-70). Nessa idade, era convidado ao trabalho com o objetivo
claro de juntar o necessário para “abrigar e alimentar corretamente mulher e filhos”
114
(p. 70). A idade mínima legal para os meninos contraírem matrimônio era aos 13
anos. “Na realidade só se casavam por volta dos 18 anos” (MORIN, 1988, p. 58).
Para as meninas, a idade mínima para contrair núpcias era de 12 anos. “Mas,
citam-se casos de meninas casadas aos 6 e aos 10 anos” (MORIN, 1988, p. 58).
Para o casamento, “os pais combinavam tudo
106
. O pai era dono de sua filha até os
12 anos e meio. Depois desta idade, em princípio devia levar em conta seu
consentimento” (MORIN, 1988, p. 58), “pois após essa data ela se torna plenamente
maior e pode portanto livremente aceitar ou não os projetos do pai”, continua
Saulnier (1983, p. 70):
A filha, entre 12 anos e 12 e meio, é uma adolescente que o pai tem o dever
absoluto de entregar a um noivo [...] e, pelo direito, pode fazê-lo contra o parecer da
filha. Contudo, aconselha-se fortemente a ele que procure ouvir a opinião dela e não
contrarie sua vontade expressa. Se o pai lhe deu um noivo ou um marido antes dos
seus doze anos, ela pode dizer, no dia em que atinge essa idade: “Considero-me
como vendida em escravidão e portanto me liberto hoje”. E ela se torna efetivamente
livre”.
Fig. 12 Menina brincando com dados.
Fonte: Eltrop (1996, p. 88).
Estátua de mármore. Cópia do séc II dC,
do original grego do séc. III aC.
106
O casamento judeu fazia-se por acordo entre o noivo de uma parte e da outra o pai da moça ou o
parente próximo previsto pelo direito costumário (GRELOT, 2001, p. 49-50). Normalmente, os pais
procuram um noivo para a filha entre os parentes, com fulcro de não dispersar os bens de família e
ainda ter a “vantagem de os futuros parceiros já se conhecerem, sendo portanto maiores as chances
de se entenderem” (SAULNIER, 1986, p. 70).
115
Interessante notar que era proibido pelos escribas que dois jovens
contraíssem matrimônio sem nunca antes se encontrar, “porque no dia do
casamento, um deles poderia dizer: ”Não tenho realmente o que eu esperava e
portanto não quero” (SAULNIER, 1983, p. 70).
O noivado era um ato juridicamente essencial
107
, que liga os futuros
esponsais e suas famílias, que estipula os diversos valores e elementos, obviamente
dependendo das posses das famílias e suas respectivas exigências.
Diante do caso de um pai que acha desonroso ter uma filha virgem tendo
passado da “flor da idade” e não se casando, ele poderia casá-la ou conservá-la
virgem (GRELOT, 2001, p. 49-50).
O dote
108
, ou provisão do pai, representava a herança paterna para sua filha.
Dela só os filhos herdavam, recebendo o mais velho uma dupla parte. No caso das
filhas, essas receberão o dote. Saulnier (1983, p. 71) assinala que se o pai vier a
falecer na indigência, os filhos que pela indigência do pai não herdaram, deverão
trabalhar em prol do dote de sua(s) irmã(s).
A duração do noivado era de mais ou menos um ano, pois, “segundo as
discussões dos rabinos, ele se apresenta claramente como o tempo necessário para
107
No contrato, devia constar: “como serão divididas as despesas da festa do matrimônio; o que o
noivo vai pagar ao pai da moça (como “preço” da noiva); o que eventualmente a moça possui como
bens próprios, bens que podem provir de herança ou de indenização por algum acidente que lhe teria
acontecido após os doze anos; o dote que o pai paga por sua filha (os bens próprios e o dote são, de
fato, administrados pelo marido que tem a posse total das rendas que eles podem dar, mas em caso
de separação dos esposos ou de morte do marido, a esposa recupera esses bens ou seu
equivalente); o penhor de casamento, enfim, indicado antes sob a forma de bens do que de dinheiro,
bens reservados para a esposa: se ela fica viúva, esses bens lhe são atribuídos e a partilha entre os
filhos só tem lugar depois; se ela é repudiada, o esposo deve dar-lhe esse penhor, exceto em alguns
casos em que fosse notória a má conduta da esposa” (SAULNIER, 1986, p. 70-1).
108
“Em todo caso, o jovem devia ‘adquirir’ sua mulher pagando uma quantia ao sogro. Oferecia
também jóias à jovem e um presente ao sogro, na época do noivado. Não é fácil saber, com precisão,
em que medida estas práticas eram aplicadas, no tempo de Jesus” (MORIN, 1988, p. 59).
116
que a moça se torne fisiologicamente uma mulher e portanto uma possível mãe”; os
rabinos insistiam para “esperar as primeiras ou até as quartas regras” (SAULNIER,
1983, p. 71). Isso não altera em nada a vida dos nubentes, sabedores, contudo, de
que estavam efetivamente ligados um ao outro, e somente poderiam se desligar pelo
‘bilhete de repúdio’ com suas conseqüências .
Pelo casamento, a menina passa da submissão paterna para a submissão do
seu novo senhor-marido. Em regra, “é necessária a viuvez ou o divórcio para que a
mulher encontre enfim sua autonomia e goze da liberdade e da possibilidade de
administrar seus negócios [...] se suas rendas lhe permitam viver!” (SAULNIER,
1983, p. 72). Segue quadro comparativo de Saulnier (p. 72), que realiza uma
comparação da passagem da criança/menina ao de jovem-esposa, da submissão do
pai para a do marido:
> criança > jovem-virgem-esposa
> nada pode possuir > possui, mas sem nenhum direito
> dever respeito ao pai e aos irmãos > deve respeito ao marido
> o que ela encontra pertence ao pai > o que ela encontra pertence ao marido
> pode-se fazer dela uma escrava > se se tornar escrava, o marido deve
resgatá-la
> não pode decidir sozinha (votos) > nada pode decidir sozinha e o marido
pode lhe impor votos
> representada na justiça pelo pai > representada pelo marido, a não ser
quando ela apresenta queixa contra ele
> mutilada ou deflorada: a indenização vai
certamente para o pai
> mutilada: a indenização fica muito
provavelmente com o marido
Qd. 01 Comparação da passagem da criança/menina para ao de jovem esposa.
Havia ainda o direito de repúdio, que era quase exclusivo do marido (Dt 24,1),
e tinha como fundamento o adultério ou outro qualquer motivo
109
(Mt 19,3), nos
seguintes termos: “esterilidade, um prato mal cozido, o encontro de uma mulher mais
agradável” (MORIN, 1988, p. 59). Para o marido equivaleria “renunciar ao usufruto
109
Saulnier opina que não é qualquer motivo que enseja o direito de repúdio, tendo como justificativa
o contrato de matrimônio que “é ao mesmo tempo um freio para os desatinos do marido e uma
garantia para a mulher” (1986, p. 66), abrindo a possibilidade descrita por Morin (1988) do direito de
repúdio ocorrer por qualquer motivo, inclusive fútil.
117
dos bens da esposa e abandonar parte dos seus próprios bens (o penhor); se alguns
felizardos podem se permitir esse sacrifício ‘por qualquer motivo’ [...] a imensa
maioria dos judeus hesita muito mais” (SAULNIER, 1983, p. 71).
Havia o repúdio realizado por mulheres (Mc 10,12), talvez por influência
estrangeira, como as mulheres da família herodiana, helenizada, que abandonavam
seus maridos. Também ocorria o repúdio por parte das esposas quando os “maridos
exercessem uma profissão particularmente repugnante (ex. o cortume)” (MORIN,
1988, p. 59), e tinham ainda o direito do divórcio quando o marido não auferia os
direitos contratuais do casamento de dar um mínimo vital à esposa, “alimento, vestes
e dinheiro para uso próprio, sem o que ela pode se queixar perante o tribunal que,
após inquérito” (SAULNIER, 1983, p. 66), obrigaria “o marido a lhe conceder o
divórcio (M. Ketuboth 5:6) [...] Para o marido, o divórcio consistia na mera
comunicação de que a mulher estava livre para casar com outrem” (STAMBAUGH,
1996, p. 75). Diante da declaração de repúdio, a mulher poderia se recasar, assim,
como o homem. Contudo, os filhos e filhas havidos no casamento, por
conseqüência, ficavam com o varão (MORIN, 1988, p. 59).
A viuvez e a herança dos filhos e filhas também foram tratadas pelo povo
judeu. Saulnier (1983 p. 71) lembra uma lei estipulada no séc. I, que já era costume
em Jerusalém, em relação aos maridos que “adquiriram o costume de deixar sua
casa para a sua eventual viúva”, e tinham, portanto, “o usufruto da casa de seu
marido” por toda a vida. “A viúva israelita, em contrapartida, não usufruía de nenhum
direito de sucessão e a herança passava totalmente para as mãos dos filhos (do
falecido) e, caso não os tivesse, para as filhas” (EPSZTEIN, 1990, p. 140). Na
Carta Pastoral a Timóteo (5,4), datada do final do séc. I, em Éfeso, afirma-se que as
crianças (tékna), filhos(as) ou netos(as) da viúva tinham o dever da piedade filial,
isso seria o de retribuir aos pais e mães o que deles receberam.
118
A sucessão e a herança na antiguidade não conheceram o documento
escrito, como o testamento. O que ocorria era que ‘o cabeça’ “resolvia oralmente a
distribuição dos bens que deixava” (VAUX, 2003, p. 77), como são os casos em Dt
21,16; Eclo 14,13; 33,24, devendo estar sempre estribados ao costume e à lei. Mas
existem alguns textos bíblicos que regulam casos particulares de herança (Dt 21,15-
17; Nm 27,1-11).
Vaux (2003, p. 77-8) afirma que havia regras fundamentais para a herança
dos filhos e filhas. Só os filhos homens tinham direito à herança, e o primogênito
recebia uma dupla parte (Dt 21,17). Proibia-se o favorecimento do filho da mulher
em detrimento do primogênito. Na falta de filhos, as filhas herdavam (Nm 27,1-8),
com a condição de que se casassem com alguém de um clã da tribo de seu pai (Nm
36,1-9). Exceções existiam , como as três filhas de Jó (42,13-15). Se o homem não
tivesse filhos(as), os bens passavam a seus consangüíneos masculinos.
2.5. Considerações finais: a realidade da criança é revelada
Entre semelhanças e diversidades, acabamos por conhecer e reconhecer
realidades de crianças na Antiguidade. Em sua maioria demonstraram que a infância
possuía um conceito tremendamente baixo e descartável, devendo essa fase da
vida ser superada o quanto antes.
Crianças sofriam abusos e ainda eram alvo de pirataria, de pilhagem -
mercadoria nas mãos de adultos(as) -, entre a prostituição infantil, os sacrifícios de
crianças, abandonos, abortados, escravidão, penas de morte, guerras que geraram
órfãos(ãs) e empobreciam ainda mais as crianças e as suas famílias.
Em meio a distintas realidades descritas nas proximidades do séc. I dC,
absorvemos que exegeses e estudos hermenêuticos esconderam a criança de
119
todos(as) nós, apagaram sua vivência sofrida e limitada por sua razão social de ser
criança. A submissão ao status do ‘cabeça’ que sustentava ou mantinha a criança,
detendo todo o direito em si e para si. A escravidão de crianças empobrecidas.
Observamos também que, para cada exemplo de abuso contra a criança,
existe a possibilidade de localizarmos testemunhos exatamente contrários
(SAULNEIR, 1986, p. 66). Por isso afirmamos existirem diversas realidades. Mas,
como fórmula geral, a criança, sobretudo a empobrecida, foi alvo de grande
desigualdade e desventura, pela legislação, pela tradição ou costume-religioso,
judaico e/ou romano.
Estas crianças que conviveram com a dominação greco-romana, foram
marcadas por sua linhagem e a estruturação familiar. Consideradas sem valor, suas
vidas eram postas à disposição da decisão adulta, se viveriam ou não. Eram
marcadas pelos costumes de um Estado patriarcal, onde a educação estava atrelada
à correção física.
A menina e o menino se distinguem em tratamento, em funções pré-
estabelecidas, assim também como a criança pobre da criança rica, escrava ou livre,
estrangeira. Repetem -se as estruturas patriarcais, na qual são geradas e
vivenciadas o sufoco de suas vidas dominadas pelos adultos(as). Na mesma divisão,
do masculino e do feminino, extra-casa e intra-casa, as crianças judias também
sofriam por serem crianças em mundos patriarcais. Com a ressalva da literatura
bíblica que demonstrou exemplos do desejo de ter crianças, em especial o menino,
pois esse daria continuidade à família e conservaria o patrimônio. De forma
generalizada, eram submissas e obedientes ao ‘cabeça’, e educadas também com o
auxílio da vara.
Crianças submissas, empobrecidas, abandonadas, escravas, trabalhadoras,
vendidas, roubadas, essas foram as realidades de crianças na história antiga dos
120
povos do Mar Mediterrâneo. São realidades que contrastam com histórias
maravilhosas de crianças como Moisés e Jesus, que tiveram infâncias
marginalizadas, mas que são contadas não pela perspectiva da vivência e
experiência da criança, e sim pela vontade dos(as) adultos(as) que prenunciavam
grandes acontecimentos desses personagens, esquecendo ou apagando suas
memórias da infância ou as mascarando.
Contudo existem influxos contrários que sobrepõem as diferenças e que lutam
e escutam as vozes que foram apagadas. São essas influências que presentemente
iremos buscar para continuar a construir cidadania de crianças, na prática de uma
comunidade que os Evangelhos testemunharam. Sem esconder o passado, mas o
resgatando para provocar veios de libertação e diálogo com o nosso presente, como
se fará com a proposta de aplicação da Hermenêutica Bíblica Infantil.
121
CAPÍTULO III
HERMENÊUTICA BÍBLICA INFANTIL
- CONSTRUINDO REFERÊNCIAS DE CIDADANIA
É na dimensão mais ampla da Hermenêutica que se insere a Hermenêutica
Bíblica Infantil que, como em outros campos hermenêuticos denominados 'fluxos
teológicos globais', se implantam nas várias leituras bíblicas. Is so importa dizer
que a funcionalidade hermenêutica expandiu-se para as inúmeras possibilidades
de leituras como a teologia da libertação, teologia feminista, teologias ecológicas,
teologias dos direitos humanos, teologia da cultura, teologias contextuais, teologia
inter-religiosa.
Cada um destes fluxos, de infinitas possibilidades, possui chaves de
leitura
110
, que se unem à sociologia e esquadrinham questões "relacionadas à
cosmologia, às ciências da vida, à espiritualidade, à orientação espiritual e à
psicanálise" (OLIVEIRA, 2000, p. 10). Essas hermenêuticas visam emancipar a
pessoa humana do status quo que coíbe categorias, como a de gênero, na qual
também se instala a criança, a Hermenêutica Infantil.
110
No caso da criança bíblica, mais exatamente nos Evangelhos, aceitamos também a proposta de
Míguez (1993, p. 74), como chave de leitura temos não somente os atos de Jesus, mas ainda as
narrações de outros atos, refletindo outras situações de vida de seus(suas) contemporâneos(as),
“como procuravam ou não solucionar seus problemas, como eram suas atitudes”.
122
Ao despertar o(a) leitor(a) para o uso da sociologia, inicia-se um
processo que vai detectar o surgimento de categorias sociais, o relacionamento
global entre as pessoas ou grupos envolvidos num determinado modo de produção
econômico e social, e, a partir daí, analisar as contradições, tensões e conflitos que
se manifestam diante das explorações de um grupo pelo outro. Esse é o chamado
modelo conflitual de leitura bíblica, que se serve da sociologia e procura ver,
através do texto, o dinamismo da sociedade e da vida do povo que está por trás
dele, e que nele transparece (FERREIRA, 2003a, s.n.).
Partindo do pressuposto que a sociologia é o eixo que articula as relações
sociais, trazemos o modelo feminista
111
da sociologia do conhecimento, que se
desdobra em variantes de movimentos feministas. Esse modelo busca isolar a
tradição libertadora dos textos patriarcal-androcêntricos; destila a essência
querigmática feminista de suas expressões androcêntricas sociocríticas das
tradições bíblicas patriarcalmente opressivas. O modelo feminista, juntamente com
a sociologia do conhecimento, vai da simples leitura dos textos androcêntricos à
construção de um "centro de vida que gere novos textos culturais, tradições e
mitologias" (FIORENZA, 1992, p. 47-8).
Sua atuação se dá na esfera pública e privada, na utilização de
instrumentos exegéticos e hermenêuticos, elabora uma ética que afirma a vida como
valor incondicional. De forma holística, quer construir novas relações de
gênero, no resgate de histórias e experiências, respeitando a diferença e a
111
Irrompem no campo bíblico a ótica de gênero, temas investigados no resgate dos cristianismos
originários, na busca de homens, mulheres, crianças, pessoas de todas as idades. Esse fluxo de
estudo oferecido pelas mulheres a toda pesquisa bíblica, comprova que ainda hoje a “ausência das
categorias de raça ou classe econômica, é o que falseia tanto estudo supostamente objetivo mas na
realidade parcializado por uma opção androcêntrica inconsciente” (FOULKES, 1996, p. 45).
123
subjetividade, afirmando a interdependência de todos os elementos da criação, em
busca da emancipação da pessoa humana.
Os textos bíblicos passam a ser lidos na perspectiva da ausência e presença
de mulheres e de pessoas pobres e empobrecidas (homens, mulheres, crianças),
procurando responder qual a "função desta menção ou deste silêncio" (RICHTER
REIMER, 1997, p. 149). O trabalho realizado pela Hermenêutica Feminista
questiona as normas e funções patriarcais, analisa ações libertadoras ou
opressoras, pergunta pelos efeitos históricos na construção das relações, faz
conhecer outras imagens de crianças, jovens, adultos, velhos, mulheres,
homens.
A abordagem sociológica feminista possibilita um novo exercício da
cidadania, que ora buscamos para as crianças do Brasil. Pelas lentes da leitura
realizada pela Hermenêutica Jurídica reafirmam -se a proposição elementar e
fundamental que serve de base para ler as crianças como pessoas humanas em
processo de desenvolvimento, como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos pela Constituição e por leis infraconstitucionais (como o art. 15, ECA),
corroborando com o princípio axiológico de prioridade absoluta, com os cuidados de
quem está em pleno desenvolvimento.
3.1. Construindo cidadania
Quando foram abordados os temas dos dois capítulos antecedentes que
posicionaram a criança como sujeito de direito e da história antiga e contemporânea,
realizou-se um traçado de uma(sua) cidadania. Agora, se somarmos os aspectos
erigidos pela Hermenêutica Jurídica, quanto à realidade, o princípio de prioridade
absoluta, a proteção de seu desenvolvimento integral, o breve levantamento
124
histórico e jurídico realizado com a criança na Antiguidade, mostrando situações
similares com às atuais, o posicionamento da menina e do menino nas comunidades
judaicas, e presentemente nas comunidades judaico-cristãs, formamos uma nova
exterioridade sobre o ser criança e suas prerrogativas, que auxiliam na leitura que
agora se fará até chegar à Hermenêutica Bíblica Infantil.
3.1.1. Um pouco de História da Cidadania
Rastreando o conceito de cidadania desde a Antiguidade até o presente,
visualiza-se uma nova leitura contextualizante. Afinal, os elementos constitutivos da
cidadania, nas idéias gerais de modernidade (pós-modernidade!), são bem
distintos e passam por um projeto da nova cidadania.
Alguns autores, como Pinsky (2003), tentam colocar na figura dos profetas
do povo hebreu uma predisposição para um Deus da cidadania. Mas, verifica-se
que a abordagem do panorama geral do conceito de cidadania que aqui se busca
não está contido nem na Grécia
112
nem em Roma, já que ali haviam também, como
entre os hebreus, graves processos de exclusão.
Apesar de seu estratagema de expansão imperial ser intitulado de cidadão,
Roma tinha na verdade um sistema de exclusão que dominava culturas, numa
demonstração clara de uma cidadania de privilégios para um pequeno número de
homens que tolhiam todas as outras pessoas. Na Grécia, esta exclusão de cunho
formal rejeitava o estrangeiro(a)
113
, o escravo(a)
114
, o pobre
115
, crianças, homens e
112
“Historicamente, a ciência política atribui a origem do conceito de cidadania aos gregos e sua
pólis, a cidade [...] cidadania grega era restrita demais, ficando fora dela todas as pessoas não livres”
(ZWETSCH, 1999, p. 10), escravos(as), mulheres e crianças.
113
Pode-se citar como exemplo a legislação ateniense que “proibia aos cidadãos casarem-se com
estrangeiras e fazerem os filhos dessa união passarem por legítimos” (SALLES, 1982, p. 44).
125
mulheres, incluindo apenas politicamente os que faziam parte da polis. As crianças
pobres em Atenas eram sacrificadas e iniciadas na prostituição, para tornar
possível a subsistência de suas famílias:
“Nas cidades antigas, é mais do que difícil garantir a subsistência cotidiana. Muitos,
entre os mais desfavorecidos, buscam antes de mais nada garantir a própria
alimentação. Uma criança cuja família não pertença ao corpo dos cidadãos e não
possua fortuna é, em muitos casos, sacrificada a fim de permitir que os seus
possam se alimentar” (SALLES, 1982, p. 55)
116
.
Também, em Israel quem exercia as prerrogativas de poder era o pater
familias, que dentro do seu clã desempenhava os direitos e personificava os de
outros tantos que viviam à sua margem e à sua sombra, submetidos a sua vontade
e julgamento
117
. Apesar de em família ‘o cabeça’ partilharem dos seus pertences, não
apresentam direitos isonômicos que respeitem a subjetividade de cada um(a).
114
Meninas e meninos eram vendidos como escravos para serem usadas como prostitutas e gerar
renda ao seu senhor. “Elas não têm mais do que quatro ou cinco anos, a idade mais favorável para
uma perfeita iniciação na profissão que as espera. Raptadas, recolhidas ou compradas, essas
crianças são as vítimas do maior tráfico que a Antiguidade conheceu, o de seres vivos” (SALLES,
1982, p. 45-7).
115
Principalmente as meninas neonatas eram abandonadas (expostas). Salles diz ser freqüente o ato
de expor crianças por necessidade econômica familiar, pelo rendimento muito modesto (SALLES,
1982, p. 46). Sobre o descarte de crianças no mundo greco-romano voltar ao cap. II.
116
Salles (1982, p. 57) transcreve trecho de um texto onde a mãe empurra a filha para a prostituição:
“Tu não compreendes, minha filha, que estamos na miséria. Lembra-te o que recebemos de teu
amante. Como teríamos vivido no inverno passado se Afrodite não nos tivesse enviado esse jovem?”.
117
Havia inclusões legais (Dt 24,17.19-21) dada preferencialmente aos órfãos, viúvas e estrangeiros,
“que necessitava especialmente da proteção de Javé. Numa sociedade patriarcal como o antigo
Israel, a segurança econômica de uma mulher dependia de seu vínculo com algum parente varão”
(WINTERS, 1992, p. 69). Assim também a criança dependia em tudo do varão. Dentro da sociedade
judaica apenas o pater familie detinha as prerrogativas de ‘cidadão’ pleno, ou melhor, que possuía
direitos e deveres que hoje, bem diferente em sua forma, função e conceito, se estende a todos e a
todas com o nome de cidadania.
126
Já no séc. XVI
118
, ainda no período de colonização, o professor da Escola de
Salamanca, Espanha, Francisco de Vitória, lançou os fundamentos do direito
internacional. Pensava-se na "possibilidade de uma comunidade de nações, de uma
fraternidade entre os povos. Assim como há vagas de colonização, há vagas do
pensamento filosófico e sobretudo religioso no sentido de propor uma ética
mundial" (apud PINTO, 2002, p. 59).
A cidadania passiva da Idade Média, ao seu modo, descortinou os
pensadores iluministas que retomaram o tema defendendo “direitos comuns a todos
os seres humanos” (NAVES, 2003, p. 563). O contexto não era a “cidadania
estendida e amorfa do Império Romano, mas [aquela], potencialmente participativa,
das pequenas cidades-estado que um dia repartiram entre si os territórios das
planícies do mediterrâneo” (GUARINELLO, 2003, p. 46).
Ao emergir a idéia de cidadania na “Europa Ocidental do século XVIII, a
questão das identidades coletivas heterogêneas ficou inicialmente fora do olhar dos
pensadores e políticos” (DEMANT, 2003, p. 343).
Presentemente, o conceito que se almeja e se forja é o que conjuga a
identificação da subjetividade, da emancipação e da cidadania, que se desdobram
em algumas e primeiras considerações sobre a cidadania
119
para crianças.
No Brasil, a cidadania percorreu "um longo caminho, 178 anos de história
do esforço para construir o cidadão brasileiro [...] com a sensação desconfortável
de incompletude. Os progressos feitos são inegáveis, mas foram lentos e não
escondem o longo caminho que ainda falta percorrer" (CARVALHO, 2003, p. 219).
118
Não encontramos menção sobre a cidadania em nossa bibliografia neste grande lapso temporal.
127
Carvalho (2003) aponta que, após a proclamação de independência do Brasil
em relação a Portugal, em 1822, o primeiro passo parcial, porém significativo, de
cidadania foi a abolição da escravatura, em 1888, incorporando aos ex-escravos os
direitos civis do país.
Em 1930, as mudanças sócio-políticas aceleraram e os anos que se
passaram se alternavam entre ditaduras e governos democráticos. Os movimentos
trabalhistas e de livre expressão democrática foram edificados nesse período
(GIDDENS, 1991, p. 160).
Em 1943, consolidaram-se as Leis do Trabalho (CLT), e, apesar dos conflitos,
os direitos sociais ampliaram seu alcance. Com o golpe militar de 1964, retrocedem
violentamente os direitos civis e políticos, mas, na contramão, investe-se na
expansão de direitos sociais (CARVALHO, 2003, p. 87 e 170).
Em 1974, a República começa uma abertura nos direitos reprimidos, e os
movimentos de oposição retomam suas lutas com novos impulsos e características
novas (CARVALHO, 2003, p.179). Esse processo culmina em 1985 com a retomada
da supremacia civil e a promulgação da Constituição Cidadã de 1989.
O séc. passado "acabou pondo a cidadania efetiva, e a autodeterminação
nacional, diante de uma alternativa [...] sua destruição, ou sua vigência apenas
formal, no quadro do regime social completamente diverso, baseado em uma total
reorganização econômica" (COGGIOLA, 2003, p. 339), desfavorecendo os sem
trabalho e as minorias de países do mundo todo.
119
O discurso da cidadania, do ‘sujeito de direitos’ emerge juntamente com o Estado que concede “à
população seus direitos básicos: habitação, alimentação, educação, saúde, contribuindo na aquisição
de cidadania” (ROURE, 1996, p. 94). Sobre a substituição do ‘sujeito religioso’ pelo ‘sujeito de
direitos’ ver Roure (1996), pois sua conseqüência possibilita o aparecimento da “noção de
responsabilidade, noção constitutiva do caráter humano, e portanto, do sujeito-cidadão” (p. 95).
128
As últimas décadas se distinguiram por uma dupla oscilação: “a crise do
poder organizado como ‘Estado-nação’ e, por outro lado, a valorização, de origem
iluminista, de direitos comuns a todos os seres humanos” (NAVES, 2003, p. 563). A
crise da autonomia dos Estados-nacionais, a progressiva perda da ação política e a
globalização são idênticas à situação suportadas pelas cidades-estado da
Antigüidade, quando incorporadas ao Império Romano (GUARINELLO, 2003, p.
46), ao perderem a relação horizontal (cidadão-cidadão), e passarem para a
vertical (cidadão-Estado).
O que se tenta retomar e renovar é a participação ativa dos sujeitos dentro de
seus Estados, no caso das crianças diante dos adultos e adultas, seus
responsáveis, que detem legalmente sua guarda, o ‘poder familiar’
120
, muitas vezes,
sua posse.
Assim, adentramos na questão dos 'novos' movimentos sociais
121
, suas
funções e prolongamento com a globalização-localizada, sendo a sociologia pedra
angular da construção dessa concepção que, a exemplo da comunidade de Jesus,
mesmo em seu tempo e espaço, foi visionário na construção da cidadania
122
.
120
Consideramos que toda forma de poder subjuga os que estão sob seu alcance. Por isso, apesar
do novo CC ter alterado a expressão “pátrio poder”, que remete claramente ao patriarcalismo, por
“poder familiar”, observamos que na mesma toada a fórmula substituta também está imersa em
hierarquia e dominação. O “poder familiar”, inserido pelo art. 1.630 (CC), evoca tanto o pai quanto a
mãe a dominarem seus filhos e filhas antes apenas o pai era o detentor do poder e subjugava-,
numa demonstração clara do adultocentrismo que queremos aqui superar para tornar a criança
sujeito de direitos, e os pais e mães detentores não de poder sob suas crianças, mas de deveres,
tendo-as como prioridade absoluta e cuidando do desenvolvimento integral.
121
Os "movimentos sociais urbanos propriamente ditos, as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base
organizadas a partir de adeptos da Igreja Católica), o novo sindicalismo urbano e, mais
recentemente, também rural, o movimento feminista, o movimento pacifista em fase de
organização sectores do movimento de jovens e outros'" (SCHERER-WARREN apud SANTOS,
1999, p. 257). Para conhecer as CEBs ver Méndez-Penñate (1992).
122
Pelo seu inconteste acolhimento de pessoas de diferentes nações, como é o caso da menina e de
sua mãe siro-fenícia (Mc 7,24-31), e acolhimento de subjetividades e respeito ao não-igual.
129
É no limite da pós-modernidade da esfera do público (relações extra-casa) e
do privado (dentro das casas, na relação familiar), que as pessoas entrevêem e
cruzam o ser, atuantes como sujeitos de direitos autônomos e nas quais o conceito
de cidadão(ã) não pode e nem suporta continuar sendo considerado abstrato ou
estagnado. Evidencia a nova proposta das diferenças, na luta pela não-hierarquia
123
das valorações de melhor ou pior, maior ou menor.
Para Guarinello (2003, p. 46), a concepção moderna de política-jurídica de
cidadania, implica em processos de inclusão, direitos civis, políticos e econômicos,
mas também implica em exclusão do outro.
3.1.2. Cidadania hoje
Os novos movimentos sociais das últimas três décadas denunciaram essa
“dupla ocultação" (SANTOS, 1999, p. 239): - a verticalização de constituintes-
constituídos
124
e, - a necessidade de compreender de forma hegemônica a
sociedade civil
125
.
Esses movimentos sociais
126
são tidos como diagnóstico quanto à
desconfiança pós-moderna na capacidade dos Estados e da ordem sócio-liberal de
suprirem as necessidades de seus cidadãos e cidadãs. A forma de participação
123
Essa não-hierarquia esta profundamente arraigada na concepção da Hermenêutica Infantil. Auclair
(1977) demonstra em Mt 18,8 esta compreensão de que na comunidade de Jesus não há lugar para
maiores do que os(as) outros(as), todos devem se fazer pequenos(as), assim também como crianças.
124
Ora, estando o contrato social assentado no modelo liberal, ou seja, numa obrigação política
vertical cidadão-Estado, a nova teoria implica uma ação política horizontal participativa, cidadão-
cidadão. "E, para isso, a igualdade formal entre os cidadãos não chega, é necessária a igualdade
substantiva, o que implica numa crítica da propriedade privada" (SANTOS, 1999, p. 239).
125
Sobre o processo de homogeneização e assujeitamento do indivíduo, ver Roure (1996).
126
Para as crianças, esses novos movimentos iniciaram no início do século passado, a nível mundial.
Discursos colocados no papel viraram leis que começaram a abraçar (acolher) a infância (ver cap. I).
130
ativa
127
nas políticas públicas mediam a desconfiança e a confiança nas instituições
públicas (CAETANO, 2004, p. 766-7). Na visão de Santos, esses novos movimentos
sociais representam:
“a afirmação da subjectividade perante a cidadania [...a] luta não é política
mas antes pessoal, social e cultural [...] pautam-se por formas organizadas
(democracia participativa) diferentes das que presidiram às lutas pela cidadania
(democracia representativa) [...] são grupos sociais, ora maiores, ora menores que
classes, com contornos mais ou menos definidos em vista de interesses colectivos
por vezes muito localizados mas potencialmente universalizáveis” (1999, p. 261).
Certamente o conceito de cidadania
128
que se quer superar está ligado
à concepção amórfica que se volta para um futuro que não leva em consideração a
subjetividade individual
129
da pessoa humana, e não lhe outorga autonomia para
emancipar-se, atuando como sujeito participativo da sua história.
A novidade no conceito de cidadania estaria na emancipação, quer dizer na
capacidade que a sociedade tem por si mesma de agir, não submetida aos eixos
127
Entre as experiências de cidadania participativa, as consideradas mais avançadas são as do
'orçamento participativo', "tentativa de levar a cabo uma reforma democrática radical do Estado,
fazendo da participação não apenas um elemento de maior transparência governamental, mas
alavanca para a construção de um tipo diferente de Estado" (SADER, 2002, p. 668-9). Pressupõe-se
uma nova forma de relação.
128
A cidadania deve ser entendida dentro da pós-modernidade. A pós-modernidade é tida como o
resultado dos excessos e déficits da modernidade. Ver Santos (1999).
129
Dessa teoria se exclui o princípio da comunidade "tal como é definido por Rousseau [...] Para
Rousseau, a vontade geral tem de ser construída com a participação efectiva dos cidadãos, de
modo autônomo e solidário, sem delegações que retirem transparência à relação entre 'soberania' e
'governo'" (SANTOS, 1999, p. 239). Que também é díspar da comunidade de Jesus, que implica
“transformação da mão, dos pés, e do olho [...] transformação da pessoa toda no relacionamento com os
outros: mudança de visão, o serviço operante, e o caminhar na esperança” (GORGULHO, 1981, p. 28).
131
reguladores estatais
130
. Combate-se, assim, os "excessos de regulação da
modernidade através de uma nova equação entre subjetividade
131
, cidadania e
emancipação
132
" (SANTOS, 1999, p. 276).
Neste novo conceito, a criança cidadã que faz parte de uma dada
comunidade, é sujeita a obrigações, a maioria delas praticadas por seus(suas)
representantes legais, e também sujeita a direitos. Esses direitos dependem da
ação coletiva que estabelece projetos e permite reivindicações e redefinições de
seus princípios e da identidade simbólica da criança. Mas ela continua sem ter voz,
e raramente conta sua própria história
133
.
130
Tendo em vista que "o princípio da cidadania abrange exclusivamente a cidadania civil e política e
o seu exercício reside exclusivamente no voto. Quaisquer outras formas de participação política são
excluídas ou, pelo menos, desencorajadas [...] A redução da participação política ao exercício do
direito de voto levanta a questão da representação [...] conduzir à naturalização da política, à
conversão do mundo numa entidade onde é natural haver Estado e indivíduos e é natural eles
relacionarem-se segundo o credo liberal. A naturalização do Estado é o outro lado da
passividade política dos cidadãos; a naturalização dos indivíduos é o fundamento da igualdade
formal dos cidadãos, o que levou Hegel a afirmar que 'o individual é o geral': concebidos de modo
abstrato, os indivíduos são fungíveis, recipientes indiferenciados de uma categoria universal"
(SANTOS, 1999, p. 238).
131
“A constelação ideológica-cultural hegemônica do fim do século parece apontar para a
reafirmação da subjectividade em detrimento da cidadania e para a reafirmação desigual de ambas
em detrimento da emancipação" (SANTOS, 1999, p. 235).
132
Para aprofundar ler Santos (1999), que trata dos temas subjetividade, cidadania e emancipação.
133
“Vale lembrar que a história da criança fez-se à sombra” (PRIORE, 1992, p. 7) de seus
contadores(as). Essa imagem criada por adultos(as) que conecta a criança a santidade, como a
devoção do menino Jesus, está desvinculada da realidade das crianças comuns, realidades
maquiadas que ajudaram a alterar o pensamento adulto. Ver o assunto Hermenêutica Infantil, ainda
mais a criança pobre, suas histórias antigas foram trocadas pelas vidas de pequenos e pequenas
heroínas e heróis, reis e rainhas, a História está repleta de suas narrações, quase sempre se
esquecendo da infância desfavorecida.
132
Hodiernamente, as lutas pelos Direitos da Criança estão assentadas na
cidadania e sua emancipação
134
, principalmente esta última estaria condicionada a
sua faixa etária, atrelada à maioridade, portanto dependente e submissa aos
adultos(as) detentores do “poder familiar”. O que lhe tem sido defeso estaria ao
alcance da subjetividade, o que concerne a substância material, intelectual e física
bens infungíveis. Sendo a criança um ser em desenvolvimento, necessita ser
amparada, protegida e acolhida pelo Estado, pela família e comunidade, no
cumprimento integral do art. 227 da CF/88.
Por não ser capaz de por si só associar-se e exercer sua liberdade, autonomia
subjetiva e defender seus interesses (SANTOS, 1999, p. 239), a criança é
representada nas diversas organizações governamentais e não governamentais que
enfrentam e se engajam em manifestações organizadas ou de simples adesão
individual. São conceitos que não são conjugados diretamente com as ações
realizadas na infância, pois a criança não se associa voluntariamente
135
em defesa
de suas prerrogativas de usufruir de todas as condições para se desenvolver
integralmente, para ser colocada como prioridade absoluta.
Estes seriam alguns traços da nova cidadania, que se preocupa não em
atribuir aos cidadãos(ãs) apenas direitos iguais, mas outorgar na diferença, as
possibilidades dos direitos a todos(as).
É nesse contexto que melhor podemos entender a construção da
Hermenêutica Infantil, que busca avançar não somente em teoria, mas também na
134
A emancipação da criança está atrelada plenamente a seus responsáveis. Essa emancipação não
atinge a meninice diretamente, pois necessita do auxilio dos(as) adultos(as) ou maiores para executar
em seu lugar direitos e deveres, tornando-se totalmente dependente.
135
A autonomia da criança e de seus interesses não acontecem pela situação psicológica e física que
não colaboram com tal desempenho, tendo que ser instruída a pequenos atos de cidadania por seus
responsáveis. Em tempo eleitoral, por exemplo, alguns lugares simulam uma votação na qual a
criança simula a prática de direitos políticos.
133
prática. Essa tentativa tem relação estreita com os novos movimentos sociais que se
intensificaram aqui no Brasil. Esses movimentos, agregados à comoção/pressão
mundial desde o início do século passado, corroboram para a construção da
cidadania dos infantes que pretendemos resgatar a partir do movimento de Jesus.
Fig. 13 Serviçais infantis no recinto das mulheres.
Gravura do séc. V aC.
Fonte: Eltrop (1996, p. 117).
3.2. A cidadania no movimento de Jesus
“Christians were told that theirs was a contemptible religion for women and men
slaves and for people with a slavish mentality. At the same moment, they were
accused of disturbing the patriarchal order and of giving women and children a place
in there communities that, in the eyes of their social environment, they did not
deserve” (SCHOTTROFF, 1995, p. 128).
Desde o ano 63 aC na Palestina, “o povo reage aos pesados tributos e à
repressão imposta por Roma. A falta de rumo leva a população a apoiar quem quer
que prometa aliviar o peso dos impostos. As camadas mais pobres, sobretudo na
Galiléia, vão do desespero à revolta” (VASCONCELLOS, 2003, p. 245).
Os anos em torno ao nascimento de Jesus são marcados por revoltas,
repressões e massacres. Os líderes populares se revestiam de uma consciência
messiânica com o fulcro de satisfazer as promessas do Primeiro Testamento. O
povo relia “suas Escrituras e ficava a espera do libertador prometido”
(VASCONCELLOS, 2003, p. 246).
134
Na época de Jesus, “Roma exerce o poder com punhos de ferro, e suga o
quanto pode o sangue da população dominada. Mas o povo aproveita os respiros
possíveis, reage, e cria formas de protestar [... através de] movimentos populares,
que ora tendem para o banditismo, ora para o profetismo ou, ainda, para o
messianismo” (VASCONCELLOS, 2003, p. 244).
A princípio, o Império percebia os cristãos mais como um aborrecimento, do
que qualquer outra coisa. “Talvez tenha sido por isso que Nero não encontrou
resistência quando decidiu persegui-los, não havia ninguém importante no governo
que quisesse defender essa seita judaica, o que a deixava bastante vulnerável.
Assim, qualquer imperador louco tinha neles presas fáceis” (COLEMAN, 1991, p.
227). As primeiras comunidades cristãs, sofriam com:
“uma sociedade socialmente fechada, cínica e interesseira, que defende os
interesses dos que vivem do tesouro imperial por meio do fisco e de outros
instrumentos. Não defende os direitos básicos de incontáveis pessoas, dos
escravos, das mulheres, das crianças” (HOORNAERT, 2003, p. 84).
“Em sua trajetória pelos caminhos da Palestina, Jesus deu origem a um
movimento sui generis. Nem ortodoxo nem revolucionário ao modo dos zelotes,
sicários e macabeus” (ZWETSCH, 1999, p. 15). Anunciava a Boa Nova e o resgate
por Deus do pobre (go’el), pregava uma nova ordem, um novo poder: o amor. Jesus
e seus(uas) seguidores(as) tendem contrariamente “a mecanismos de seleção e
segregação existentes nos mais diversos setores da sociedade de seu tempo”, pois
estavam todos(as) na escola cidadã de Cristo essencialmente inclusiv[a], o que
explica que abrange também e especialmente os superlativos da miséria como os
mais pequeninos irmãos” (WEGNER, 1999, p. 103).
135
Os que eram marginalizados e excluídos do seu tempo, pelo sistema social-
político-teológico oficial
136
, participavam com Jesus de uma mesa diferente, onde
todos se sentavam e partilham tudo, sem segregações, na qual as regras
costumeiras de comportamento, hierarquia e patriarcado não mais vigoravam,
estruturando assim associações de iguais. Como explica Dietrich (1999, p. 33-4), tal
mesa era:
comum, que contagia, que se torna eixo e referência para todas as outras relações.
Desta forma abriu o caminho para que seus seguidores[as], nas margens das cidades
do império greco-romano, constituíssem casas-comunidades que significavam um
espaço de resgate da dignidade de ser e de vivência da cidadania para os que eram
considerados pecadores e impuros pelo judaísmo oficial, e não-cidadãos pelas leis e
poderes dominantes”.
O movimento desencadeado por Jesus é includente das categorias menos
favorecidas
137
, defende e restaura a situação daquelas pessoas e grupos de
pessoas que corriam o maior perigo de rejeição, discriminação e exploração social e
religiosa [dentre elas] as crianças” (WEGNER, 1999, p. 104). Os atos de Jesus
podem ser tomados como exemplos no cuidado com as crianças, pois as resgatou
como protagonistas, tendo-as como modelo a ser seguido e tornando-as prioridade
na comunidade (Mt 18, 2; Mc 9, 36; Lc 9, 47).
No antigo Israel, a família patriarcal era a base da convivência social. “Na
Galiléia do tem po de Jesus, por causa do sistema implantado pela política helenista
do governo de Herodes Antipas (4 a.C. a 39 d.C.)” (MESTERS, 1996, p. 76), essa
136
De acordo com Zanini (1989, p. 57), no tempo de Jesus os essênios desenvolveram uma teologia
quanto aos pobres, vigorava a “prescrição de que o salário de dois dias por mês” deveria ser
“entregue à comunidade, a serviço dos carentes”.
137
Pereira (1990) aborda o assunto da dívida externa e a criança, numa leitura correspondente a
ação de Deus que prioriza as categorias marginalizadas. Este tema foi debatido em 1989, antes da X
Semana Ecumênica do Menor, em SP; a criança já era assunto de máxima importância, ela entra
para pauta como prioridade absoluta. Sobre o assunto, voltar ao cap. I.
136
família foi sendo diluída, dando-se importância ao particular. Essa mentalidade
ideológica individualista na praxis enfraquecia os valores tradicionais que protegiam
a família patriarcal judaica.
Mesmo assim, a família subsistia e as sociedades judaicas e romanas eram
compreendidas “como sociedades patriarcais [...] Entendemos a sociedade patriarcal
como uma estrutura social e simbólica na qual a figura do varão determina as
relações sociais à maneira de um fundamento-lei (ARCHILA, 1996, p. 65)
138
.
O pater familiae vivia rodeado de dependentes, mulher, filhos(as),
empregados(as), afiliados de toda espécie, os bens materiais. Ninguém escapava do
controle do pai,púbere ou não, casado ou não, um menino permanecia sob a
autoridade paterna e só se tornava plenamente ‘pai de família’ por sua vez após
a morte do pai. Ainda mais, este era um juiz natural e podia condená-lo à morte por
sentença privada” (VEYNE apud HOORNAERT, 1997, p. 70).
Com o mandamento de amar ao próximo, Jesus permite um rompimento de
paradigmas imposto pelo status quo, abre caminhos e possibilidades de “relações
igualitárias e fraternas entre opostos aparentemente difíceis ou impossíveis de
conciliar” (WEGNER, 1999, p. 105).
“Ao chamar os outros de pai, irmão, irmã, mãe, a comunidade inaugura de verdade
um parentesco artificial que chega a obter uma tal força de convencimento que
suplanta o parentesco natural. Os cristãos fazem uns pelos outros mais do que
irmãos de sangue costumam fazer. Esses inovados irmãos cultivam entre si um
senso de solidariedade, união financeira e mútua preocupação, que deixa os laços da
família de sangue para trás. Isso tem um impacto enorme sobre a sociedade”
(HOORNAERT, 1997, p. 70).
O que transparece, na tentativa destes novos irmãos e irmãs, danifica os
patriarcalismos existentes, o governo e a religião que marginalizavam as crianças,
que também eram acolhidas por Jesus (Mc 1,32; Mt 8,17; 9,13-15; Lc 8,2). “Jesus foi
137
o Go’el do povo [...] é o parente mais próximo que veio cumprir o seu dever de
defensor dos direitos do clã, da comunidade. Ele me amou e se entregou por mim!
[... para] vivermos como irmãos e irmãs” (MESTERS, 1996, p. 80-3). Nota-se
claramente certos modos de compensação e centros de autoridade no movimento
cristão que seguiam sentido contrário ao poder do pater familiae, certas crenças e
atitudes igualitárias que entravam em conflito com a estrutura hierárquica (p. 123).
Fig. 14 Escultura tumular de um homem
jovem com seus páis (criança escrava).
Fonte: Eltrop (1996, p. 65).
As relações patriarcais foram superadas também no tempo de Jesus, mas
alguns textos omitem a possibilidade de uma superaç ão de valores e estruturas de
poder que sustentavam a sociedade. “Onde não há paterfamilias chega-se mais
facilmente a uma relativização e até uma superação das relações de domínio em
nível de casa” alcançando também a “sociedade: não será mais a casa patriarcal a
servir de célula mater da sociedade” (RICHTER REIMER, 1995a, p. 78)
139
.
138
Sobre as diferenças entre o patriarcado romano e judeu voltar ao cap. II, ponto 2.1.
139
Stambaugh (1996, p. 96) sustenta que a “omissão de Jesus de ‘pais’, sua valorização da criança e
sua prática de chamar mulheres seguidoras diferem significativamente das estruturas e valores
patriarcais das cidades greco-romanas. No entanto, dentro de uma década ou duas após a morte de
Jesus, o movimento tinha cruzado a mais fundamental divisão da sociedade greco-romana, o abismo
entre aldeia e cidade, entre Cafarnaum e Corinto, e absorvera atitudes urbanas para com pais, filhos
e mulheres muito diferentes daquelas das tradições mais antigas”.
138
É essencial lembrar que entre os séculos I aC e o I dC observam-se
inovações sociais e “de liberalização em relação ao comportamento das mulheres,
que conseguiram uma maior autonomia social e econômica”, que dentro das
primeiras igrejas
140
“constituíam um setor numeroso” (FOULKES, 1996, p.46-7).
Quando falarmos de mulheres
141
, lembrar das meninas que dentro desse
mesmo processo libertário obtiveram maior abertura extra-casa. Como futuras mães,
a probabilidade de transmitir essa ruptura com o status quo patriarcal aos seus filhos
e filhas
142
é fator de transformação social e não pode ser esquecida. As mulheres
“formam a nova geração, cuidam das crianças em seus primeiros anos de vida e
geralmente fazem a iniciação da juventude à vida social e cultural de que são parte
(HERLIHY apud MEYERS, 1988, p. 10)
143
.
Igualmente importante, quando se fala em mulheres, é questionar suas
idades, para contextualizar sua participação dentro dos cristianismos originários e na
história em geral, assim também quando se citar os homens, perguntar se são
meninos. Para quando se falar em mulheres e homens que foram “liderança
140
Eram espaços de “cidadania para as pessoas sem cidadania” (DIETRICH, 1999, p. 34-5).
141
No Segundo Testamento, este rompimento com a casa patriarcal ocorreu com mulheres que
exerceram cargos importantes “no mundo religioso como pitonisas, sacerdotisas, diaconisas”,
(ARENS, 1998, p. 79). Meyers (1988) adverte que ao pesquisarmos sobre a história natural e social
de qualquer grupamento humano não se pode olvidar das funções do homem e da mulher.
142
Sobre a vinculação entre o corpo da mulher com o corpo da criança, ver Pereira (1999).
143
Diferentemente de Silva (2000b e 1997), nós adotamos a Hermenêutica Feminista como
nascedouro da Hermenêutica Infantil por crer na instrumentalidade genitora que capacita essa nova
perspectiva (ver próximo ponto 4.3.). Meyers (1988) explica que a genitora inicia em seu próprio corpo
a primeira relação com o corpo da criança, nutrindo-a fisicamente e psicologicamente. Não queremos
excluir o genitor, mas construir a proximidade dos corpos e questionar suas interferências. Sabedoras
de que nas muitas relações inter-pessoais as crianças, do passado como as do presente, sofrem e
dependem dos(as) adultos(as), podendo ser abandonadas, abortadas, rejeitadas por um ou os dois
genitores, enfim, podem ou não, depois da vida uterina estar ligados e sustentados por seu pai e mãe
biológicos. Mas a questão permanece, qual será a ligação e a influência do corpo da mulher com a
criança? O útero é receptáculo de vida, onde deveria iniciar seu desenvolvimento como ser humano.
139
reconhecidas e respeitadas em comunidades” (RICHTER REIMER, 1995b, p. 47),
poder-se responder e aproximar em qual faixa etária o fato ocorreu e foi vivenciado.
“Isso indica que essas casas tinham a possibilidade de viver uma vida diferente,
dentro daquele mundo regido por claras estruturas de poder e dominação patriarcais,
em que o homem era o chefe da casa e de tudo o que a ela pertencia: objetos,
mulher, criança e, caso existisse, também criadagem. Essas pessoas lhe deviam
submissão e cega obediência, vivendo dependentes dele. No mundo de então,
também a casa de Lídia apresentava uma exceção que mostra ser possível existir
uma vida organizada mesmo fora dos moldes filosófico-políticos dominantes”
(RICHTER REIMER, 1995a, p. 77-8).
Pois, ao aprofundarmos na linguagem e historiografia androcêntrica bíblica,
não visualizamos muita coisa sobre crianças; as idades de homens e mulheres não
são expostas, e por vezes lemos os personagens como adultos ou jovens e na
realidade são crianças. A ausência de suas atividades é corrente. O que se pode
constatar na grande parte das narrativas evangélicas que incluem crianças é que
elas estão acompanhadas de outras pessoas. Na maioria das vezes, podemos
desvendar a vida dos filhos e filhas pela trajetória de seus guardiões(ãs), homens e
mulheres, porém mais especificamente na vida de mulheres (RICHTER REIMER,
1995a, p. 26-7).
Desta forma, encontramos na comunidade de Jesus acolhida aos
marginalizados(as)
144
, lugar de liberdade para a infância que se fez missionária e
amparada na pessoa do Jesus narrado nos Evangelhos. A criança foi espelho de
benção e contradição, descrita com características para serem imitadas e outras a
serem superadas. À criança devemos o recontar suas histórias e desmistificar os
símbolos que as afastaram de sua humanidade.
144
Sobre as categorias marginais na Bíblia, ver Neutzling (1989, p. 52). Crianças que vivem no tempo
de Jesus são retratadas como a “gentalha que não conhece a lei. Elas pertencem, juntamente com as
mulheres e os escravos, ao último grau de hierarquia social. Sua única função é tornar-se adultas”.
140
Fig. 15 A criança.
Fonte: Eltrop (1996, s.n.)
3.3. Formulações sobre a Hermenêutica Infantil
A Hermenêutica Infantil (HI) busca a libertação para a criança e tudo o que ela
nos representa. Essa tentativa tem seu enfoque no social, nos pobres’ e
‘empobrecidos’, na persecução de caminhos de libertação. Esses caminhos também
utilizam instrumentos da Hermenêutica Feminina, para apresentar a criança como
sujeito hermenêutico, que está conexo no processo global histórico e religioso.
Fiorenza (1992, p. 135) delineia a metodologia da Hermenêutica Feminista.
Destaca a perspectiva de suspeita, aplicando-a à interpretação de textos e fontes
históricas judaicas e cristãs. Para tanto, deve-se considerar o ethos predominante,
pois “não podemos deixar de analisar e identificar as estruturas patriarcais
dominantes do mundo grego-romano em que emergiu o cristianismo”.
Deve-se ter em vista que os textos foram escritos do ponto de vista
androcêntrico, “refletem a experiência, opinião ou o controle do varão escritor, mas
não a realidade e experiência histórica das mulheres” (FIORENZA, 1992, p. 137),
assim como da maioria dos outros homens e crianças que viviam sob sistemas de
dominação e poder.
141
Queremos, a partir da experiência Hermenêutica Feminista, voltar o foco para
a criança e sua infância. Com esse referencial básico, queremos a leitura dos textos
sagrados o “testemunho de fé vivenciada” (RICHTER REIMER, 2002, s.n.),
afrontando-se o mundo adulto patriarcal. Assim, podemos alcançar uma leitura e
compreensão dos ambientes histórico e cultural, a partir das múltiplas experiências
humanas, seja com o transcendente, seja com o terreno. Pois, é exatamente no
limiar entre a vivência do presente e do passado que a HI se ergue e se legitima em
meio aos relacionamentos da pessoa humana entre si e/ou o cosmos.
Tomando da interpretação crítica feminista da Bíblia, que parte das
experiências de mulheres, e não da interpretação androcêntrica, alguns objetivos
podem ser coligidos para a HI, a partir da busca de realidades acerca da criança:
“1) A suspeita que nos faz buscar por trás das palavras e da linguagem androcêntrica
a realidade e a presença das mulheres; por exemplo, está claro que quando a Bíblia
fala de “os irmãos” inclui “as irmãs”, quando fala de “os discípulos” inclui “as
discípulas”, quando fala de “o homem” em termos genéricos inclui a mulher etc.; em
nossas leituras devemos dizer o nome e tornar visíveis as mulheres;
2) o anúncio que nos ajuda a descobrir o significado teológico e a força do evangelho
para a comunidade dos e das crentes de hoje;
3) a memória que procura reconstruir a partir de uma perspectiva crítica e feminista a
história bíblica; há então um movimento duplo: por um lado a recuperação da
memória do sofrimento e da exclusão das mulheres; essa recuperação possibilita a
solidariedade universal entre as mulheres do passado, do presente e do futuro; por
outro lado, ao reconstruir as origens cristãs, descobrimos o discipulado dos iguais”
(SEIBERT-CUADRA, 1993, p. 70).
Exatamente nesta busca pela redescoberta da comunidade de iguais de
Jesus, que coloca a criança em seu centro, que a necessidade de uma exegese
feminista é supreendentemente latente, não só para mulheres, mas para tudo o que
tange as relações simbólicas de poder.
Deve-se indagar, quando se fala em mulher ou no homem, se está se
abarcando ou não a menina e/ou o menino? E quando se lê pequeninos, a Bíblia
142
inclui a categoria das crianças? Então, ao analisar os textos resgata-se a experiência
real vivida pelo corpo histórico da criança, de forma holística (RICHTER REIMER,
2002, s.n.), e não parcial ou do ponto de vista da pessoa adulta. Metodologicamente
retoma-se a notabilidade dos contextos e textos onde o cotidiano está “ligado às
esferas privadas e públicas, em todas suas dimensões sociais, culturais,
econômicas, afetivas” (s.n.).
“O cotidiano é o momento de considerar a vida humana no nível existencial: os
sentimentos, a dor, as relações, as buscas pessoais e comunitárias, os espaços
existentes para a gratuidade e a festa. Entrar na ‘casa’ das pessoas do texto é chegar
até o espaço familiar: a cozinha. É o encontro ‘corpo a corpo’: a pessoa que faz a
pesquisa com as pessoas que aparecem no texto ou estão escondidas... Isso só é
possível quando há sintonia com aqueles e aquelas que são silenciados/as hoje.
Supõe ter o ‘pé e o coração junto de quem sofre’” (NAKANOSE, 2000, P. 55).
Nos colocando literalmente no lugar de crianças, procuramos por questões
que ficaram por detrás do texto (exegese) e agregamos, diante dos estudos
feministas
145
e as hermenêuticas que lidam com o histórico-social, o que fica à frente
do texto, “o que ele é capaz de dizer em sempre novas circunstâncias” (KONINGS,
1991, p. 71).
Assim, Dias afirma que:
“A dialética do pormenor e do global, das relações entre minúcias e o conjunto do
processo social de uma época implica [...] uma atitude aberta para a possibilidade de
papéis informais que escapam aos papéis prescritos, às normas, às
institucionalizações, situados num espaço intermediário entre a norma e a ação dos
agentes históricos” (DIAS apud FRONTANA, 1999, p. 18).
O movimento que se realiza é de rompimento com o silêncio. Essa quebra do
silêncio vai evidenciar as experiências de “opressão [e de libertação] vivenciada nas
relações de gênero” (RICHTER REIMER, 2002, s.n.). O diálogo deve ser efetuado
no ambiente sócio-cultural dos(as) contemporâneos(as) de Jesus sendo esse
143
“imprescindível para realizar o movimento do texto de ontem para a realidade de
vida hoje” (NAKANOSE, 2000, p. 57), sobretudo não só na perspectiva intra-casa,
mas também extra-casa, na conjugação do pormenor e do global.
Algumas autoras que despontam com a Hermenêutica Feminista, como
Dagny Kaul, Ina Praetorius e Ivoni Richter Reimer, lembram que a vida de mulheres
está estreitamente ligada com a vida das crianças. E, portanto, esses seres
humanos, assim como os adultos(as), estão numa constante aprendizagem e
reaprendizagem, pois não somos construídos de uma única e definitiva vez em
nossa primeira infância, como afirmam certos psicanalistas” (COHEN, s.d., p. 72-3),
mas abertos às possibilidades de uma continua reestruturação simbólica.
Do exposto, fica consignado que os pressupostos da Hermenêutica Infantil
foram retirados dos anais da Hermenêutica Feminista que tanto nos auxilia a
perceber histórias de mulheres, crianças e de homens que foram apagadas. Para
tanto, realizar uma leitura Hermenêutica Infantil libertadora significaria, conforme
adaptação do pensamento de Richter Reimer (2000):
Ø visibilizar as histórias e os corpos de crianças nas suas múltiplas relações;
Ø desmascarar o silêncio e a ausência de crianças;
Ø
questionar as falas e normas dos adultos(as) sobre funções de crianças;
Ø analisar as funções libertadoras ou opressoras presentes no texto;
Ø perguntar pelos efeitos históricos do texto na construção das relações;
Ø conhecer outras imagens de Deus e maneiras de relacionar-se com Deus;
Ø elaborar uma ética que afirma a vida como valor absoluto, buscando
construir novas relações de gênero, desde a infância, respeitando a diferença e a
subjetividade.
145
As feministas também contribuíram para a crítica da visão de mundos patriarcais e androcêntricos.
144
Procurar descobrir os corpos de crianças nos textos é um trabalho de
desconstrução e reconstrução de conceitos que permeiam o imaginário tanto
religioso quanto civil do nosso cotidiano hoje. Nesse processo, a exegese se alia à
“categoria de análise de gênero para elaborar [este] processo de desconstrução e
reconstrução de texto” (RICHTER REIMER, 2002, s.n.) e da realidade de seu
entorno. A análise de gênero permite entender a questão generacional em suas
dimensões de educação, cultura, família, jurídica, etc.
Mesmo assim, alguns autores insistem em dizer que:
“O NT não desenvolveu uma teologia da criança. As crianças se referem de
passagem, como assunto corriqueiro, e o papel delas se debate assim. Onde os
documentos tratam dos encontros de Jesus com crianças, não achamos nem um
amor sentimental às crianças nem uma teologia da inocência da infância”
(BRAUMANN apud COEWEN, 2000, p. 471).
Este tipo de pensamento está arraigado em uma visão obscurecida pelo
patriarcalismo que torna a invisibilidade
146
de crianças ‘natural’, ’ordinária’,
’corriqueira’. Ela não busca por sujeitos, por protagonistas que estejam na infância. A
criança como sujeito hermenêutico sofre com a falta de especificidade quanto aos
personagens dos textos:
“Se há negado a los niños y a lãs niñas la posibilidad de ser sujetos en la
comprensión de los textos. En la exégesis se há prestado poca atención a los niños, a
su presencia o ausencia, al sentido de las imágenes relacionadas con los niños; eso,
simplesmente, ¡NO ES IMPORTANTE, NI PERTINENTE!” (ARCHILA, 2004a, p. 2).
146
“As crianças com seus corpos cotidianos e frágeis atravessam” (PEREIRA, 1993, p. 10) o Primeiro
e o Segundo Testamentos invisíveis. Apesar dos textos proféticos de Eliseu narrarem
sistematicamente sacrifícios de crianças, é necessário “arrancar as crianças das garras das ursas e
da pesquisa bíblica que insiste em não ver os mais pequeninos como motivação [...] A indiferença da
pesquisa e dos comentários é tão grande que o absurdo e o desespero desta memória quase passam
desapercebidos... que jeito é esse de trabalhar com a Bíblia que silencia as mulheres com seus gritos
e desaparece com os corpos sacrificados das crianças?” (p. 15). Ver também Winters (1993).
145
Esta tentativa hermenêutica de posicionar a criança como sujeito nos lança a
um grande desafio, o de buscar enxergar, aprofundar e relatar como eram e são
suas vidas, seus sentidos, suas cores, seus corpos em conjunção com o todo social,
ou corpo social, e suas variações de funções. Faz-se necessário realizar isso na
perspectiva da criança, com a vivência e experiência de crianças.
Assinala-se a preocupação de se introduzir, com os feitos de Jesus, que
estão carregados de amor filial pelas pessoas de todas as idades, uma (re)leitura
bíblica na perspectiva da criança, “com olhos de criança [...] que representam
também uma nova cristologia, a salvação por meio da criança” (SILVA, 1997, p. 58).
Esse aspecto de “com olhos de criança” é levantado por vários(as) autores(as) que
escreveram sobre a criança na Bíblia nos últimos anos. São exemplos desse
caminho desafiador Bettina Eltrop, Carlos Mesters, Francisco Reyes Archila, Klaudio
Duarte Quapper, Ivoni Richter Reimer e Valmor da Silva
147
.
O desafio é ver com olhos de criança a situação sociocultural de um
determinado período histórico, seja o dos Evangelhos ou a atualidade brasileira.
Trata-se de perscrutar o cotidiano de crianças e do mundo ao seu redor, dentro e
fora da família, suas relações sociais e pessoais, seu status perante todos e tudo.
147
Muitos(as) outros(as) autores(as) manusearam as Escrituras em busca de crianças e esboçaram
algumas linhas, por exemplo, Delmore (1982), Battaglia (1978), Auclair (1977), mas não tão
sistematicamente e com a instrumentalidade que aufere a meninos e meninas qualidade de sujeito
hermenêutico. Despreocupados(as) com a faixa etária, elencam seus predicados como ‘pureza’ e
‘desapego’ sem questioná-los à luz das ciências que estudam o comportamento infantil. Segundo
Mott (1992, p. 44), a dessexualização da infância, fenômeno ocidental do séc. XVII, se impôs como
“valor humano fundamental de nossa civilização judaico-cristã”, que tem por pressupostos a criança
como “inocente, imatura, não se podendo relacioná-la aos prazeres eróticos sem profanar sua
natureza”. A maioria dos vocábulos e dicionários teológicos e bíblicos consultados, como de Léon-
Dufour (1999) e Vincent (1969), descrevem a criança como um ser inacabado, em um estado
imperfeito (a infância), buscam qualidades utópicas quase não humanas.
146
Mas, qual a visão desencadeada na travessia da leitura dos ambientes
evangélicos? Qual será a ponte que as crianças presentes nas narrativas dos quatro
primeiros livros do Segundo Testamento fazem com as crianças do nosso Brasil?
Estas são perguntas que permearam todo o levantamento bibliográfico e
também a pesquisa nos textos do grego koiné (NTG). Seja a nível exegético, jurídico
social-histórico, o objetivo é dar vida a letras e desmascarar afirmações românticas
formuladas ao longo da história quando se fala de criança.
A partir da ruptura com o silêncio, da recuperação de contextos e da releitura
dos textos é que se levantarão vozes e perspectivas de crianças reais. Eis a
motivação da Hermenêutica Infantil, sua tarefa, o seu desejo.
3.3.1. Hermenêutica Infantil: ‘com olhos de criança’
Para realizar a leitura a qual nos propomos, isto é, ler os textos e contextos na
perspectiva de crianças, necessitamos de chaves hermenêuticas que apontem
caminhos para construir cidadania de crianças.
Para encarnar esta perspectiva necessitamos olhar as relações macro e micro
estruturais do cotidiano ‘com olhos de criança’, procurando a criança e a exigência
de se voltar a ser como ela, e assim “poner todo el corazón, las ganas de cambiar,
los afectos, los sueños y la razón en el proceso” (QUAPPER, 1998, p. 38).
Para viver a proposta da HI, fez-se necessário recorrer à cultura e aos
costumes dos povos greco-romano e judeu, tema do capítulo anterior, e encarnar o
que era ser criança no séc. I. Ser criança em sociedades caracteristicamente
patriarcais e adultocêntricas, na qual a domesticação é a única maneira com que os
adultos(as) sabem lidar com as crianças, revela a existência de uma “exigencia
implícita de adoptar y adaptarse al mundo de los adultos” (ARCHILA, 2004b, p. 2), e
147
são barreiras que até hoje tentamos transpor. Pois, como resgatar a experiência de
crianças se isso significa ser inferior em relação ao adulto e ter suas histórias
contadas na perspectiva dos(as) adultos(as)? “La imagen del niño como una
persona carente y marginada socialmente, sigue prodominando en el imaginário
simbólico de los especialistas. Las traducciones y los comentários reflejan bien esta
imagen de los niños” (2004c, p. 2).
Esta imagem frágil, estruturada também pelo patriarcalismo, é usada por
Eltrop (1996) na construção da HI. Ela o utiliza como sinônimo de estrutura social, a
sociedade normal do tempo. Ser criança não é importante para as sociedades
patriarcais, porque à criança “se asocian facultades, actividades y experiencias
consideradas como inferiores”, fomentando um ideal: deixar de ser criança o quanto
antes, o mais rápido possível (ARCHILA, 2004a, p. 1).
A proposta de uma prática de leitura bíblica onde se evidencia o sujeito
criança, está entre os primeiros passos da HI. Para Archila, o grande desafio é voltar
à infância, condição sine qua non para realizar a reflexão hermenêutica. Isso
implicaria um mergulho profundo nas macro e micro relações que envolvem a
criança. Da crítica das realidades de meninas e meninos, através da análise de suas
histórias, é que as buscaríamos como sujeitos hermenêuticos, portanto, “a partir de
su situacion, de sus problemas, de sus cuerpos, de sus sentidos, de sus silencios,
de las maneras como ellos y ellas ven y sientem la realidad, y de los valores que
encierra esta etapa de la vida” (2004a, p. 1).
Este modelo de leitura pretende superar uma visão que considera a HI um
esforço de adequar a Palavra ao linguajar e ao mundo das crianças. Para o autor,
essa é uma maneira nova de ler e interpretar a Bíblia, e poder explorar os vários
sentidos que os textos podem propiciar (2004a, p.1-2). Falaríamos então da criança
competente, protagonista e sujeito social, desobstruindo as leituras adultocêntricas
148
até então executadas (2004c), retirando do adulto(a) a centralidade na leitura e nas
ações dos textos, levantando questões quanto à participação de crianças inseridas
nas narrações. Afinal, quem seria mais competente para protagonizar o papel de ser
criança do que o próprio sujeito criança?
Recusar os valores e experiências da fase da infância em seu enfoque de
interpretação e transmissão, não os incorporando em sua relação com a Bíblia, é o
que chamamos de adultocentrismo. a compreensão da realidade e da Palavra se
dão pela via do varão adulto e racional que se posiciona no centro da leitura (2004a,
p. 2). A racionalidade aqui levantada é um outro entrave à prática da HI. Afinal, a
razão e a racionalidade ocidentais são “proprias y constitutivas del mundo del varón
adulto. Es en nombre de esta razón adulta que se define, controla, niega o se
rechaza lo que tiene que ver con el mundo infantil y con lo feminino” (2004a, p. 2),
retirando a criança do cerne da leitura. Ao associar o adulto à idade da razão, a
infância e tudo o que se refere a ela contrapõem-se à racionalidade e é tida,
pejorativamente, como irracionalidade. Atitude de caráter:
“cerrado, reduccionista, dualista y excluyente, frente a otras maneras de comprender
el mundo (el símbolo, los mitos, la imaginación, el juego, los sentimientos, etc.)
asociadas normalmente a la sinrazón, a la locura, a lo subjetivo o a lo supuestamente
‘infantil’, es decir (en términos adultocéntricos) al mundo de lo que no es todavia, del
engano, del error, de lo inútil y de la fantasia” (ARCHILA, 2004a, p. 2).
Não se pode negar que tanto a hermenêutica quanto a exegese bíblicas
foram influenciadas por estes paradigmas de racionalidade, razão, patriarcalismo,
adultocentrismo, e que em grande parte explicam o silêncio ou o silenciamento que
estes estudos geraram.
Eltrop diz que a invisibilidade de grupos nos textos do Segundo Testamento
anda junto com a linguagem androcêntrica. Richter Reimer (apud ELTROP, 1996, p.
10-11) aponta para a direção da análise do sistema patriarcal, de maneira a
149
perceber que estes textos foram produzidos dentro dessa sociedade, visto que a
supressão ou a invisibilidade está conexa com o sistema social.
Para entender e ler os textos bíblicos e suas interpretações correntes, existe a
necessidade de uma análise, avaliação e crítica. As interpretações direcionam
essencialmente ao modelo adulto de comportamento e de características de
crianças o adultocentrismo
148
. Tais comportamentos e características são
adultocêntricas e modificam a essência da criança. Eltrop (1996, p. 2-11) aponta
para a necessidade de entender, analisar, avaliar e criticar a criança do ponto de
vista ontológico e sociológico.
A exemplo da exegese sociológica que ameniza a situação social de crianças
marginalizadas, na qual não se considera a imagem
149
de meninos e meninas em si
mesmos, mas em função dos pobres ou pequeninos, diluindo o sentido do
personagem criança, tornando-a invisível, ou dilatando demasiadamente o termo
onde a figura da criança também se perde. Queremos com o método sociológico ler
a Bíblia para à realidade de nossas crianças de hoje, voltando aos fatos históricos
concretos de raízes materiais (KONINGS, 1991, p. 70) dos povos contemporâneos a
148
Eltrop (1996, p. 11) pressupõe que, além da busca pela interpretação atenta aos contextos
patriarcais, ninguém está isento de reinterpretar os conceitos adultocêntricos da sua
contemporaneidade. Toda cultura adultocêntrica define a criança e essa definição é perpassada
“naturalmente” até a fase adulta. A autora contesta este caminhar justificada pelas ciências
biológicas, onde nossos genes não contêm instruções claras sobre o que é a criança ou o que ela faz
ou deve fazer. E mais, que as leis de sobrevivência não distinguem o mundo dos adultos do mundo
das crianças. Nesse sentido, podemos agregar que a categoria de gênero ajuda a ‘desnaturalizar’
também as funções infantis, paralelamente às de mulheres e homens.
149
A imagem da criança não pode ser tomada como uma referência descartável (fungível). “Criança é
conjuntura, é expectativa, é encarnação e, nas palavras de Hanna Arendt: ‘o milagre que salva o
mundo, a esfera dos negócios humanos, de sua ruína normal e ‘natural’ é, em última análise, o fato
do nascimento, no qual a faculdade de agir se radica ontologicamente. Em outras palavras, é o
nascimento de novos seres humanos e o novo começo, a ação de que são capazes em virtude de
terem nascido’ ” (apud PEREIRA, 1996, p. 21).
150
Jesus, que nos revelariam a realidade e novas perspectivas de crianças em mundos
patriarcais.
Faz-se mister romper com as atitudes e estilos adultocêntricos que acentuam
as carências da infância, dando forma a uma contracultura. Quapper (1998, p. 37-8)
visualiza esta contracultura como possibilidade de “aporte y lo novedoso una de sus
explicitaciones más potentes”, pois possuem em permanente construção suas
relações sociais e visão de mundo, ligadas a elementos económicos, culturales,
psicológicos, religiosos, etc., y que nos exige, por una parte, contextualizar nuestros
análisis”, reconhecendo as opções adultistas que nestes setores sociais são
assumidos.
Percebe-se ainda o androcentrismo na tradução e interpretação bíblicas
quando a palavra criança, termo neutro, que significa tanto o masculino quanto o
feminino infantil, é traduzida como “filho”, mas se trata de uma ‘criança’ (Mt 21.28-
32). Podemos observar isso também em Lc 15.31 (téknon, que significa criança) e
16.25 (téknon), assimilados como atos de meninos pelas traduções, como da Bíblia
Ave-Maria, que as traduzem como ‘filho’, excluindo-se a possibilidade de meninas, e
de um conceito bem mais amplo que é o de criança.
Além da invisibilidade e exclusão, fundadas na razão adulta, reprime-se o
infantil relacionando com ele a imaginação, sonhos, jogos, sentimentos, fantasia,
ternura, desejos, inocência, etc. Isso afeta, frontalmente, a interpretação dos textos
bíblicos, que nada mais são do que mediações hermenêuticas essenciais e válidas
na compreensão das Escrituras, realizadas por adultos(as) (ARCHILA, 2004a, p. 2).
Por isto mesmo, seria imprescindível, na busca deste mundo infantil,
reconhecer esse esforço já contemplado pelos grupos que trabalham com a
especificidade dentro do contexto comum de experiências. Is so faria “de la
151
especificidad una fuerza: La fotaleza de la diferenciación” (QUAPPER, 1998, p. 28).
Assim, não seriamos mais tão iguais e generalizados(as).
Fator importante, também levantado por Quapper (1998, p. 38) é o de
desvelar, com esta leitura, algumas alternativas ao adultocentrismo nos diálogos
intergeneracionais, na solidariedade entre as crianças e na opção de tornar-se como
criança. Esses seriam “ejes de posibilidad”, aos quais soma-se ainda a acolhida:
“Se Jesus insiste tanto no acolhimento a ser dado aos pequenos, é porque havia
muita gente pequena sem acolhimento! Com efeito, mulheres e crianças não
contavam (Mt 14,21; 15,38), eram desprezadas (Mt 18,10) e silenciadas (Mt 21,15-
16). Até os apóstolos impediam que elas chegassem perto de Jesus (Mt 19,13; Mc
10,13-14). Em nome da lei de Deus, mal interpretada pelas autoridades religiosas,
muita gente boa era excluída. Em vez de fortalecer o clã e de acolher os excluídos, a
lei era usada para legitimar a exclusão”.
”Na terra de Jesus o sistema, tanto político como religioso, era tão opressor que
impedia o povo de observar a lei de Deus que dizia: ‘entre vocês não haja pobres!’ (Dt
15,4). A religião, do jeito que era organizada e praticada, tornou-se motivo de
exclusão de um número cada vez maior de pessoas, sobretudo dos pequenos”
(MESTERS, 2001, p. 28).
Conseqüentemente, a HI reivindica os postos de sujeitos de meninas e
meninos, que foram silenciados(as) nas leituras, colocados(as) de lado pelas
interpretações e exegeses bíblicas. Não podemos esquecer, antes de prosseguir
neste processo hermenêutico de libertação da criança e pela criança, que vivemos
numa cultura permeada por todos os poros pelas tradições do patriarcalismo,
androcentrismo e adultocentrismo.
3.4. Amparar as crianças: um princípio evangélico.
Neste momento chegamos talvez ao ápice do processo de aprofundamento
hermenêutico quanto à criança. Entendendo um pouco mais sobre a realidade da
criança brasileira, poderemos praticar a HI nos Evangelhos canônicos. E, assim,
152
exercitarmos uma leitura libertária para nossas crianças de hoje, libertando as
crianças dos textos, redescobrindo seus corpos e realidades.
Os Evangelhos foram os escolhidos para a extração dos termos referentes a
criança, por terem sido produzidos no séc. I dC, período no qual se deu a pregação
e vivência de Jesus
150
. Os livros atribuídos a Mateus
151
, Marcos
152
, Lucas
153
e
João
154
foram a escola pela qual as primeiras comunidades judaico-cristãs
apreenderam o que a prática de Jesus realizava em relação à criança, nas quais
também se originaram as cartas do Segundo Testamento que orientavam conflitos
em diversas comunidades específicas onde a palavra de Jesus se fazia Lei.
Por este preceito, que acolhia e amparava a criança, a comunidade de Jesus
parece travar embate constante com outros costumes e povos, além dos próprios
conflitos internos. Entre essas tensões, Ele ensinava a prática de viver sem
diferenciar os gêneros, etnias e classes (Gl 3,28), regra que subsidia a cidadania
que queremos ajudar a construir também para as crianças.
Esta norma é descrita por palavras gregas inseridas nos textos do Novum
Testamentum Graece (NTG), que se traduzem na guarida que queremos ofertar a
nossas crianças. Pois Jesus, ao ensinar sua comunidade a acolher a criança (Mc
10,13-16), colocando-a como prioridade na comunidade (Mt 18, 1-14), inserindo-a
em seu cerne, atenta ao seu desenvolvimento dentro e fora de casa, leciona
também a nós.
150
As cartas do Segundo Testamento produzidas no séc. I (paulinas, dêuteropaulinas, pastorais,
católicas e joaninas) não serão objeto central deste cap. Contudo, auxiliaram em algumas estruturas
de pensamento que desenvolvemos com a Hermenêutica Infantil (ver por exemplo ponto 3.5.2).
151
Data provável de sua redação, depois de 70.
152
Data provável de sua redação, por volta de 60-70. Maiores informações ver Vaage (1998).
153
Data provável de sua redação, entre 70-80.
154
Este não deve ter sido escrito depois do ano 100 dC (LELOUP, 2000, p. 12-3).
153
Entendemos que a Bíblia aponta para caminhos de libertação das estruturas
que aprisionam nosso cotidiano. Para Richter Reimer (2000, p. 23) cotidiano é como
uma rede ou um tecido, no qual se cruzam diversos mecanismos de desigualdades
de gênero, sociais, econômicos, culturais, religiosos, étnicos e de idade”.
Sabedores destes argumentos, e agora no emprego da Hermenêutica Infantil,
visualizamos a criança como “novo” sujeito
155
hermenêutico, resgatando-a em
algumas palavras chaves que significam criança, sem a pretensão de esgotá-las
em seus conceitos e contextos, entendendo os textos como técnica de ensino na
escola cidadã de Jesus.
Nos Evangelhos observamos que existe uma tendência pedagógica
cronológica entre os textos e a sua provável redação. Essa convergência nos leva a
acreditar que havia um processo de aprendizagem ditado por Jesus, uma espécie de
escola, tendo como primeira lição a passagem de Mc 9,36:
Fig. 16 O texto de Mc 9,36.
Fonte: NTG (2001, p. 120).
Esta passagem nos auxilia a compreender na figura da criança (paidíon) o
próprio Jesus, pois ela diz que Tomando uma criança serva, colocou-a no meio
deles; abraçou-a e disse-lhes: ‘Todo o que recebe uma destas crianças servas em
meu nome, a mim é que recebe (Mc 9,36).
Por exemplo, o texto traduzido na Bíblia da Ave-Maria insere a palavra
‘menino’ no lugar de ‘criança serva/trabalhadora/escrava’. Portanto, a tradução exclui
155
Como a criança indígena mantida entre: - o(a) índio(a) infantilizado(a) e inocente e, - o(a) idólatra e
monstruoso(a); Ver Silva (2000b).
154
ainda da cena as meninas e a situação laboral da criança. Uma parte da infância é
invisibilizada pelas culturas patriarcais/androcêntricas/adultocêntricas inseridas na
vivência de seu ambiente e do nosso, que influenciou a exegese do texto e seus
comentários posteriores.
Como postularemos adiante, esta ptica que abafa e revela em parte a
realidade de crianças neotestamentárias é denunciada na quase totalidade das
passagens que abarcam os termos gregos que significam crianças. Temos por
exemplo Mc 10,13-16, um texto no qual os próprios discípulos e discípulas de Jesus
obstacularizavam a inserção ativa das crianças na comunidade. Nessa passagem ,
Jesus leciona e expõe as crianças e a necessidade preeminente de abraçá-las, visto
que elas estavam entre as categorias dos marginalizados e marginalizadas pela
religião e costumes judaicos e romanos. Para tanto, exorta a comunidade a
possibilitar a construção de novos caminhos para que as crianças se acheguem até
Ele e participem da vida comunitária, diferentemente do status quo que domina e
segrega. E assim, veios se abrem permitindo que as crianças sejam incluídas no
plano salvífico universal de Jesus, e isso implica também inclusão social, pois trata-
se de um plano de salvação do ser por inteiro.
Pela cronologia dos textos, é em João, o último Evangelho a ser composto,
que encontramos o auge do ensinamento de Jesus. Uma criança é posta no corpo
do próprio texto como protagonista no movimento de Jesus, indicando fortemente o
aprendizado da comunidade. É através das palavras do narrador que a criança se
coloca em destaque, ainda sem voz e sem nome, mas já incluída como personagem,
e personagem central. “Mostra que é necessário e possível resistir criativamente
contra ortodoxismos e legalismos que regem e determinam o cotidiano” (RICHTER
REIMER, 1994, p. 74).
155
Façamo-nos agora crianças da cidadania pulsante em Jesus, adentrando em
seu mundo, para sentir e rememorar a imensa abertura que esse homem fez em si
mesmo (Mc 7,24-31), em seu tempo e lugar. E assim, possamos revigorar as
palavras deste Livro Sagrado para milhões de pessoas no mundo todo, e que até os
nossos dias geram leis, regem países, comovem religiões.
Analisemos, para tanto, esta trajetória pelas passagens bíblicas
neotestamentárias e as palavras chaves que falam sobre crianças.
3.5. Termos alusivos a criança nos Evangelhos
Nos Evangelhos do NTG encontramos palavras como bréfos, corásion, país,
téknon e népios que no grego koiné possuem o significado de criança, e em outras
como thygáter e huiós, que abarcam a significação de filha e filho,
respectivamente. São vocábulos que conceituam a criança, desde o estado
embrionário até a pré-puberdade. Delas conseguimos extrair sua condição social de
serva, trabalhadora, escrava, e outras vezes são específicas de relacionamentos
filiais.
O objetivo aqui não é o de solidificar o entendimento sobre os conceitos
destas palavras, mas o de clareá-los e alongá-los na maneira de Jesus. Ampliar e
congregar o maior número possível de crianças, meninos e meninas, para que se
sintam incluídos(as) nos planos da comunidade não só de Jesus, mas nas nossas,
que por paralelismo fazem delas princípios.
Afirmações, como as de Weber (1986, p. 52), que dizem que a maior parte
das ocorrências evangélicas no Segundo Testamento relacionadas com crianças na
verdade “não se referem a criança propriamente” dita, “’crianças’, ‘filhos’, ‘filhas’ e
até ‘pequeninos’ costumam especificar mais a origem e o parentesco daqueles com
156
quem se fala do que sua idade”. Contudo, ao aprofundarmos na linguagem patriarcal
e adultocêntrica com que foram tratadas as ocorrências dos vocábulos,
constataremos que não mais podemos aceitar tais declarações sem ponderar os
prejuízos e vantagens que refletem na composição da figura da criança, na sua
exclusão total ou parcial nos textos bíblicos.
Esta ponderação nos leva a pensar no que houve com o legado da escola
cidadã de Jesus que não repercutiu de forma a superar o adultocentrismo e o
patriarcalismo de hoje e das comunidades posteriores ao cristianismo originário,
principalmente considerando a clara mudança e o retorno de comunidades cristãs
em se relacionar diferenciando e excluindo as categorias marginalizadas que Jesus
acolheu, negando o aprendizado da comunidade, principalmente a joanina.
Na tentativa de resgatar esta cidadania, fixamos o olhar nos termos referentes
a criança. Esses contêm suas especificidades, seja etária ou de filiação, mas não há
dúvida quanto ao emprego da palavra criança, quando ela é literalmente escrita e
alocada como personagem evangélico, revelando a infância, como veremos.
Para tanto, utilizaremos algumas edições bíblicas. A Bíblia Ave-Maria será
identificada com a letra
a
“; a Pastoral, com a letra
P
“; a Peregrino com
“Pe”
; a
Jerusalém com
J
;
a New King James Version com a letra “
x”
; e a versão eletrônica
da Bíblia Ferreira como “
F”
.
3.5.1. Bréfos criancinha desde o ventre
Mateus Marcos Lucas João
Bréfos
1,41 (babe
x
, criança
a, p,J
, criatura
Pe
)
.44 (babe
x
, criança
a,p, J
, criatura
Pe
);
2,12 (babe
x
, recém-nascido
a,p,J
,
menino
Pe
)
.16 (babe
x
, recém-nascido
p,j
, menino
a,
Pe
)
157
Bréfe 18,15 (infants
x
, criancinhas
a,p,Pe
,
crianças
J
)
Qd. 02 O termo bréfos no NTG.
O termo grego bréfos significa criança em seu estado fetal (Lc 1,41.44), ou
como nascituro o recém-nascido (Lc 2,12.16), ou inclusive aquelas criancinhas
com idade de conhecer as escrituras (Lc 18,15), por volta dos cinco anos.
As crianças dos relatos de Lucas (ARCHILA, 2004c, p. 3) seriam as crianças
pequeninas do ECA que têm direito a proteção à vida desde a concepção e à saúde
durante o processo de desenvolvimento, “mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência” (art. 7º).
Este acolhimento legal dado às crianças estaria garantido pelo Sistema Único
de Saúde, que assegura à gestante o atendimento pré e perinatal (art. 8º). O Poder
Público estaria ainda incumbido de prover a alimentação e nutrição à parturiente e à
nutriz, tantos detalhes que não encontramos em outra época como agora na
legislação brasileira, bem diferente da prática.
Questionar sobre a vida desde o útero materno
156
é levantar questões como o
aborto, congelamento de células tronco, personalidade jurídica, todos temas alusivos
à vida e a morte de todos nós, que precipuamente passam pela vida e morte das
crianças. Quem as defende e quem as condena?
Importante assinalar que elas inauguram a vida como prioridade absoluta da
família, da sociedade e do Estado. Lembramos que estes temas são continuamente
pesquisados pelas Ciências. Refletidos por comissões religiosas e leigas que em
156
Oliveira (2004) cita a existência de um texto hindu que versa sobre o ‘embrião’, datado de 1.416
aC, considerado um dos primeiros tratados sobre o assunto. Para o Direito Romano o feto era
considerado uma parte da mãe e não uma pessoa. Correntes doutrinárias atuais ensinam que as leis
resguardam os direitos do nascituro, quer dizer, o nascimento com vida, considera ainda que o feto
não é um ser humano, não possuindo personalidade jurídica (CHAVES, 2000, p. 21-25).
158
suas decisões afetam diretamente leis que regulam pesquisas e vidas de milhares
de mulheres e homens saudáveis, e outras pessoas de saúde precária que lidam
com a morte diariamente. Essas questões tropeçam em crianças.
3.5.2. Népios - crianças pequenas
Mateus Marcos Lucas João
Nepíois 11,25 (babes
x
,
pequeninos
a,p,J
,
ignorantes
Pe
)
10,21 (babes
x
,
pequeninos
a,p,J
,
ignorantes
Pe
)
Nepíon 21,16 (meninos e crianças
a
,
babes and nursing infants
x
,
crianças
p
, bebês e crianças
de peito
Pe
, pequeninos e
das criancinhas de peito
J
)
Qd. 03 O termo népios no NTG.
No grego a palavra népios significa ser “como criança, de menor idade”
(TAYLOR, 1991, p. 142). Para diferenciar dela o(a) adulto(a), considerava-se a
idade; para o menino, ser adulto era completar os 13 anos e para a menina, bastava
chegar aos 12 anos (WEBER, 1986, p. 72).
Weber (1986) e Archila (2004c) salientam esta diferenciação etária entre a
criança e o adulto(a). Explicam que ao vocábulo népios está atrelada a condição
carente das crianças, do ponto de vista legal e cultural, pois não são adultas. O
critério usado pelos adultos(as) para definir as crianças como carentes está na
medida em que estas utilizam sua capacidade de raciocinar (Mt 11,25); ingênuas e
imaturas são incapazes de pensar ou julgar por si mesmas (1 Cor 3,1-3). Afirmam
que o vocábulo abarca ainda conceitos como ignorância (Rm 2,20) ou tolice;
insegurança (Ef 4,14); falta de experiência (Hb 5,12-13). As crianças são sem lei, e
devem ser protegidas por tutores ou administradores até que passem para a fase
159
adulta ou ‘o cabeça’ assim o determine (Gl 4,2). Desta forma, compartilham do
mesmo tratamento que é atribuído aos escravos e escravas (Gl 4,1-3).
Ao analisarmos o emprego da palavra népios nas passagens dos Evangelhos
de Mateus e Lucas (NTG) podemos observar que as traduções, como a Ave-Maria,
retiram a palavra criança de seus textos. Podemos citar o exemplo de Mt 11,25b, no
qual Jesus profere as seguintes palavras, que nos incita até hoje: “Eu te bendigo,
Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e
entendidos e as revelaste aos pequenos”. Na Pastoral encontramos pequeninos.
Neste caso, a palavra ‘pequenos’ foi substituída de forma equivocada, pois o termo
que encontramos no NTG é nepíois, isto é, crianças, as traduções retiraram a
criança totalmente da cena principal.
O protagonismo infantil está presente desde o início da missão de Jesus e a
Exegese, em conjunto com a Hermenêutica Bíblica, deveriam destacar essa
presenç a que “por regla general se esconde em medio del protagonismo de la gente
marginada que sigue a Jesús” (ARCHILA, 2004c, p. 4).
Mesters (2001, p. 27) tenta exemplificar e argumenta esta exclusão exegética
e hermenêutica afirmando que a expressão ‘pequenos’, em grego elachistoi (Mt
25,40), mikroi (Mt 10,42; 18,6.10; Mc 9,42; Lc 17,2) e nepioi “às vezes, indica
‘criança’, outras vezes, indica os setores excluídos da sociedade”. Esse tipo de
argumentação não pode ser aceito, tendo em vista que uma das palavras
empregadas nos textos é népios que significa criança em primeira instância, que
também é um dos setores excluídos da sociedade.
Foram às crianças escolhidas na fala de Jesus por razões que até hoje
tentamos explicar, foram escondidas e delas retirado o mérito que Cristo contemplou
e proclamou. Afinal nunca lestes estas palavras: Da boca dos(as) filhos(as) e das
crianças de peito tirastes o vosso louvor? (NTG, Mt 21,16b). Foram delas, dos
160
bebês e das crianças que Deus escolheu o mais saboroso louvor, aquilo que
exatamente não entendemos, não alcançamos.
3.5.3. País - criança escrava, serva, trabalhadora
Mateus Marcos Lucas João
País 8,6 (servo
a
,
servant
x
,
empregado
p
,
criado
Pe,J
)
.13 (servo
a
,
servant
x
,
empregado
p
,
criado
Pe,J
);
17,18 (child
x
,
menino
a,
p
,Pe,J
);
19,20 (young man
x
,
jovem
a,p,Pe
, moço
J
)
2,43 (Boy
x
, menino
Pe,J
)
8,54 (little girl
x
,
criança
J
, menina
a,Pe
)
4,51 (son
x
,
menino
Pe
,
filho
a,J
)
Paidárion 6,9 (lad
x
,
menino
a,Pe,
J
)
Paidíois 11,16 (meninos
a
,
children
x
,
crianças
p,Pe,J
)
7,32 (meninos
a
,
children
x
, crianças
Pe,J
)
Paidon 14,21 (children
x
,
crianças
a,p,Pe,J
)
Paidíon
(ï)
2,9 (childx,
menino
p,Pe,J
)
.11 (young child
x
,
menino
a,p,Pe,J
)
.13 (young child
x
,
menino
a,p,Pe,J
)
.14 (young child
x
,
menino
a,p,Pe,J
)
.20 (young child
x
,
menino
a,p, Pe,J
);
18,2 (criancinha
a
,
little child
x
, criança
p
,
menino
Pe,J
)
5,39 (menina
a,Pe
,
criança
p,J
)
.40 (menina
a,p,Pe,J
);
7,30 (menina
a
,
filha
p,Pe
, criança
J
);
9,36 (menino
a
,
criança
p,Pe,J
);
10,15
(criança
a,p,Pe,J
)
1,59 (child
x
, lo
Pe
,
menino
a,J
)
.66 (child
x
, enino
a,Pe,J
)
.76 (child
x
, enino
a,Pe,J
)
.80 (child
x
, enino
a,Pe,J
);
2,27 (Child
x
,
menino
a,Pe,J
)
.40 (child
x
, menino
a,Pe,J
)
9,47 (menino
a
, little
child
x
, criança
Pe,J
)
.48 (menino
a
, little
child
x
, criança
Pe,J
);
18,17(criancinha
a
, little
child
x
, criança
Pe,J
)
4,49
(child
x
,
menino
Pe
,
ffilho
a,J
) ;
16,21
(child
x
,
criatura
Pe
,
criança
a,J
)
161
.4 (little child
x
,
criança
a,p,Pe,J
)
.5 (menino
a
, little
child
x
, criança
p,Pe,J
)
child
x
, criança
Pe,J
)
Paidíon
(ù)
14,21 (criança
a,p,Pe,J
,
child
x
);
15,38 (children
x
,
crianças
a,p,Pe,J
)
9,37(meninos
a
,
crianças
p,Pe,J
)
9,47 (menino
a
)
Paidía 18,3 (little children
x
,
crianças
p,Pe,J
);
19,13 (criancinhas
a
,
little children
x
,
crianças
p,Pe,J
)
.14 (criancinhas
a
,
little children
x
,
crianças
p,Pe,J
)
10,13
(crianças
a,Pe,J
)
.14 (pequeninos
a
,
crianças
Pe,J
)
11,7 (filhos
a
);
18,16 (criancinhas
a
,
little child
x
, crianças
Pe,J
)
21,5
(amigos
a
,
children
x
,
jovens
Pe
,
jovens
J
)
Paidia 18,15 (criancinhas
a
,
infants
x
, crianças
Pe,J
)
Paidióten 9,21 (infância
a
,
criança
p,Pe
,
pequenino
J
)
Paída 9,42 (child
x
, menino
a,Pe
,
criança
J
)
Paidas 21,15 (meninos
a
,
children
x
,
crianças
p,Pe,J
)
Paidíu 2,8 (young Child
x
,
menino
a,p,Pe,J
)
.9 (child
x
,
menino
p,Pe,J
)
.20 (young child
x
,
menino
a,p,Pe,J
)
5,40 (menina
a,p,Pe
,
criança
J
)
.41 (menina
a,p,Pe
,
criança
J
);
9,24
(menino
a,p,Pe,J
)
9,47 (menino
a
, little
child
x
, criança
Pe,J
)
Paidiske 26,69 (servas
a
,
servant girl
x
,
criada
p,Pe,J
)
14,66(criadas
a,J
,
servant girls
x
,
criada
Pe
)
.69 (criada
a,Pe,J
,
servant girl
x
)
12,45 (servos e
servas
a
, servant
x
,
servo
Pe,J
);
22,56 (criada
a
, servant
girl
x
, criada
Pe,J
)
18,17
(porteira
a
,
servant
girl
x
,
criada
Pe,J
)
Qd. 04 O termo pais no NTG.
O termo grego país significa criança, entre os seus 7 e 14 anos
(MANZANARES, 1997, p.70). Archila, por sua vez, concorda que a criança seja
162
maior de 7 anos, contudo difere dos 14 anos assumindo que a menina e o menino
seguem suas condições sociais como legais, deve ainda estar sob os cuidados de
seus tutores, pais ou mães (2004c, p. 2).
Weber (1986, p. 51) descreve o vocábulo como sendo, no geral, utilizado para
menino e ocasionalmente para a menina, do que também discordamos, pois a
palavra indica claramente tratar-se de uma criança, sem indicação do sexo. Esse
fato levanta a questão de como pode o autor fazer tal distinção, senão pelas
características culturais que apontam o patriarcalismo, o adultocentrismo e o
androcentrismo que são estruturas bem claras da época e bem distintas da ação de
Jesus Cristo para com as crianças.
Este termo atrela a condição da criança a um fim laboral, seja de criada ou
serva (TAYLOR, 1991, p. 158), denota o aspecto da escravidão. Esse ponto é de
extrema relevância, tendo em vista que este feitio de servidão em país foi mantido
encoberto por todas as exegeses e hermenêuticas que refletem a criança como
agente ativo na comunidade de Jesus, capaz de produzir e gerar renda.
Da palavra país derivam outros vocábulos, como paidíon, que quer dizer
criancinha, especificamente criancinha recém-nascida ou até os 7 anos de idade
(Brown apud COEWEN, 2000, p. 468); Malina (1996, p. 367) diz que o termo
paidíois, encontrado nas passagens de Mt 11,16 e Lc 7,32, poderia ser empregado
como um insulto - traduz o termo como menino/meninos!; O termo paidárion
significaria uma criança pequena, para Taylor (1991, p. 157) um menino, mas para
nós e para Weber o termo abrange ambos os sexos, não excluindo o feminino,
devendo ser considerado tanto para a menina quanto para o menino. Para ele,
paidárion significa uma criança que já tenha aprendido a andar e a balbuciar suas
primeiras palavras (WEBER, 1986, p. 51). Oepke (1954, p. 637) diz ser um menino
empobrecido; A palavra paidiske é diminutivo de pais (WEBER, 1986, p. 51), o
163
diminutivo implica o aspecto de servidão. Portanto, país e seus derivados retratam
uma criança escrava.
Fig. 17 Menino escravo (país) enlutado.
Fonte: Eltrop (1996, p.67)
Figura na antiga necrópole de Tarento, séc. III
aC. Berlin. Museu do Estado.
Em Mt 8,5-13 a Bíblia da Ave-Maria traduz o termo país como servo (v.6), a
Pastoral como empregado (v. 6 e v. 13), a New King James Version como servant (v.
6 e v. 13), e, veja como isto transforma a realidade do texto: “Entrou Jesus em
Cafarnaum. Um centurião veio a ele e lhe fez esta súplica: “Senhor, meu servo está
em casa, de cama, paralítico, e sofre muito”. O termo empregado é pais, e como já
conhecemos pais significa criança. Então o centurião tinha provavelmente uma
criança em casa, que padecia.
A narração muda e questiona se o servo do centurião poderia ser uma
criança. É uma criança, neste caso uma criança que trabalha (escrava ou criada).
Esse detalhe, que denuncia a escravidão e o trabalho infantil, revela o sistema
escravagista que imperava no séc. I dC. Mas por que é acobertado? Por que foi
escondido? Quem executou este fato? Para que? Tantas crianças hoje poderiam se
reconhecer nesta perícope, na ação do centurião que pedia pela saúde de sua
criança escrava, caminhos de liberdade e de diálogo poderiam ter sido construídos.
164
3.5.4. Corásion menina
Mateus Marcos Lucas João
Corásion 14,11 (girl
x
, à jovem
Pe
,
moça
a,J
); 9,24(girl
x
,
menina
a,Pe,J
)
.25 (girl
x
, menina
a,Pe
,
ela
J
)
5,41 (child
x
, menina
a,Pe,J
)
.42 (girl
x
, menina
a,Pe,J
);
6,28 (girl
x
, esta
a,J
, ela
Pe
)
Corasío 6,22 (girl
x
. moça
a
, filha
Pe,J
)
.28 (girl
x
, moça
a
, jovem
Pe
,
menina
J
)
Qd. 05 O termo corásion no NTG.
O termo grego corásion é diminutivo do vocábulo cora (WEBER, 1986, p. 51),
significa menina, mocinha (TAYLOR, 1991, p. 121). Esse termo, que só ocorre nos
Evangelhos de Mateus e Marcos, descreve uma pequena menina, provavelmente
por volta de seus 12 anos ou menos (Mc 5,42), não madura o bastante para ter seios
ou menstruar.
O emprego do diminutivo muitas vezes está ligado com o status no qual a
criança possui em sociedade, nesse caso pode estar associado ao estado de serva
ou empregada, fato esse que nestas passagens não conseguimos relacionar. Tendo
em vista que nos textos arrolados no Qd. 05 esta palavra foi empregada em
contextos de filiação, pela mãe Herodíades e pelo pai chefe da sinagoga.
Entre estas passagens que empregam o termo corásion o que mais nos
intrigou foi a de Mateus 14,11. Nela encontramos uma menina que é artífice de uma
sentença de morte, e pede a cabeça de João Batista. Era a filha de Herodíades que
dançava na festa de aniversário de Herodes. Herodes ficou de tal forma agradado
com a dança da menina que fez um juramento perante todos os seus convidados e
convidadas. Ele ficou tão entusiasmado que prometeu dar à menina o que ela
pedisse. A menina, conhecida como Salomé, consulta sua mãe, que lhe pede a
cabeça do Batista, e assim a criança o faz.
165
Este episódio levanta várias questões relacionadas à atitude da criança, de
Herodíades e de Herodes. Porém o que aqui queremos levantar primeiro é a
suspeita de pedofilia - evento este que nos surpreende-, até que colocamos a morte
de João Batista em segundo plano e assentamos a menina no centro do texto e
indagamos sua participação nele.
Herodes fica numa posição intrincada, amante da mulher de seu irmão
Herodíades, fica tão excitado com a dança da menina, filha de sua amante, a ponto
de lhe prometer metade de seu reino (Mc 6,23). Sua amásia Herodíades aparece
aliciando a criança, cambiando um desejo seu às custas dos prazeres e vontades de
Herodes, dizendo a pequena o que esta deveria pedir em troca de tê-lo agradado
(Mc 6,25). E que exemplos terríveis, a criança obedece o pleito de sua mãe e é
geratriz de uma sentença de mortal, enquanto é corrompida pelos desejos de sua
mãe e seu amante.
Estas questões de corrupção de crianças nos fazem encarar a realidade de
tantas outras crianças no mundo, que são diariamente exploradas por seus
familiares ou tutores, que sofrem em trabalhos pesados ou pela obrigação de
venderem seus corpos. Esta passagem nos leva a refletir a posição da criança, sua
fragilidade e submissão as vontades dos adultos e adultas que as orientam pela
vida, que sofrem junto delas, que padecem o cotidiano sem pão, sem casa, sem
direito. Pessoas que aliciam sua infância, que roubam sua meninice. Esta é também
a realidade do nosso Brasil crianças exploradas de todas as formas.
3.5.5. Téknon crianças
Mateus Marcos Lucas João
Téknon
9,2 (filho
a,p,Pe,J
, son
x
);
10,21 (filho
a,p,Pe,J
,
child
x
);
2,5 (filho
a,p,Pe,J
,
son
x
);
1,7 (filho
a
, filhos
p,
Pe, J
, child
x
);
166
child
x
);
15,26 (filhos
a,p,Pe, J
,
children
x
);
21,28 (filho
a,p,Pe,J
,
son
x
).
12,19
(filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
13,12
(filho
a,p,Pe,J
,
child
x
)
2,48 (filho
a,p. Pe, J
,
son
x
);
15,31 (filho
a,p,Pe, J
,
son
x
);
16,25 (filho
a,p, Pe, J
,
son
x
)
Tékna 2,18 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
3,9 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
10,21 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
18,25 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
19,29 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
21,28 (filhos
a,p,Pe,J
,
sons
x
);
22,24 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
23,37 (filhos
a,p,Pe, J
,
children
x
);
27,25 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
)
7,27
(filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
10,24(filhinhos
a
, filhos
p,J
,
subtraiu
Pe
,
children
x
)
.29 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
)
.30 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
13,12
(filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
)
1,17(filhos
a,p, Pe, J
);
3,8 (filhos
a,p, Pe, J
,
children
x
);
13,34 (filhos
a,p, Pe, J
,
children
x
); 14,26
(filhos
a,p, Pe, J
,
children
x
);
18,29(filhos
a,p, Pe, J
,
children
x
);
19,44(filhos
a,p, Pe, J
,
children
x
);
20,31(filhos
a,p, Pe, J
,
children
x
); 23,28
(filhos
a,p, Pe, J
,
children
x
)
1,12 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
8,39 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
);
11,52
(filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
)
Téknois 7,11 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
)
11,13 (filhos
a, p, Pe,
J
, children
x
)
Tékvon 7,27(filhos
a,p,Pe,J
, children
x
)
7,35 (filhos
a,p, J
,
children
x
,
discípulos
Pe
)
Áteknos 20,28 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
)
.29 (filhos
a,p,Pe,J
,
children
x
)
.30 (filhos
a,p,Pe
,
children
x
,
subtraiu
J
)
Teknía 13,33
(filhinhos
a,p,Pe,J
,
little children
x
)
Qd. 06 O termo téknon no NTG.
167
A palavra grega téknon significa, para Weber e Taylor, literalmente uma
criança pequena, “o que foi concebido ou nasceu” (WEBER, 1986, p. 51-2), uma
criança (TAYLOR, 2001, p. 220).
Ao passo que, para Archila (2004c, p. 3), o termo téknon, que abarca tanto a
menina quanto o menino, diferencia-se das expressões anteriores por ressaltar a
relação íntima filial, que é marcada pela afetividade e pela pedagogia autoritária e
vertical, na qual predominam a dependência e a inferioridade do filho e da filha.
Apesar disso a tradução mais apropriada continua sendo a de uma criança. O
termo téknon deve sim ser contrastado com os termos huiós e thygater, que
literalmente significam , respectivamente, filho e filha, e que “enfatizam a relação
legal, ética, íntima” (TAYLOR, 2001, p. 220), com seus pais e mães, enquanto
téknon “salienta os aspectos físicos e exteriores” (TAYLOR, 2001, p. 220) de uma
criança.
Ao realizarmos uma breve comparação semântica entre a versão do NTG e
outras traduções, como bem demonstra o Qd. 06 supra, verificamos que téknon e
seus derivados não são traduzidos pela palavra criança’ e sim pela palavra ‘filho’.
Essa clara ocultação do vernáculo se configura em interpretações como as de
Braumann. Para ele téknon expressa o vocábulo criancinha, contudo apesar de
estar escrito criança (ou criancinha), ele afirma que a palavra téknon, quando
empregada por Jesus, indica filiação, filho e filha, compreende “tanto a criança que
ainda não nasceu [...] e o filho mais velho (apud COEWEN, 2000, p. 470),
interpretação esta que divergirmos em parte. Por isto a dificuldade de lermos
crianças em passagens como Mc 10,24, onde Jesus chama seus discípulos e
discípulas de “Minhas crianças”, mas as traduções empregam “Meus filhos”.
A palavra ‘filho’ ou ‘filha’ pode conter todas as idades e ainda a delimitação da
perfilhação, entretanto, a palavra criança abarca a infância e tudo o que nela há,
168
ampliando e nos envolvendo no mistério de ser criança. Quando as traduções
afirmam que Jesus, apesar de dizer téknon, na verdade quis nos chamar de ‘filhos’,
não podemos simplesmente descartar a ‘criança’ de cena, com todas as suas
características por nós adultos classificadas como positivas e negativas.
Além do que a palavra ‘filho’ sugere consangüinidade, ou adoção, e induz a
uma compreensão a partir do masculino, excluindo a filha pela linguagem
patriarcal e androcêntrica que encontramos no contexto dos textos. Já a palavra
‘criança’, não nos limita na relação vertical que conhecemos de pai/mãe com seus
filhos e filhas. A própria palavra abre para espaços de liberdade de nossos
simbolismos das relações entre gerações e interroga o adultocentrismo,
patriarcalismo e androcentrismo.
Este adultocentrismo, por exemplo, nos afastou muitas vezes de enxergar a
condição real vivida pelas crianças do séc. I. Notamos claramente essa realidade na
perícope sinótica de Lucas 7, 31-35 (cf. Mt 11,16-19).
Na passagem de Lc os termos paidíois (v. 32) e téknon (v. 35) são traduzidos
respectivamente por ‘meninos’ e ‘filhos’, enquanto essas palavras deveriam ser
traduzidas como crianças. Mas qual será a diferença, se recorrermos ao texto
original do NTG? Estas crianças nas praças, que tocavam e cantavam, sofrem com
a exegese que exclui as meninas de tocarem e cantarem. Com o emprego do termo
‘filho’ exclui-se totalmente a participação de meninas nesta cena.
A hermenêutica colabora em acortinar a possibilidade do desempenho laboral
de pequenas crianças que se sustentam cantando e tocando - devido ao emprego
do derivado do vocábulo pais. Crianças que lutam para sobreviver economicamente
em praças, e não apenas estão ali como figuras decorativas, mas fazendo parte do
cotidiano protagonizando papéis importantes.
169
“O pequeno israelita passava a maior parte de seu tempo brincando nas ruas ou na
praça com os meninos e meninas de sua idade, Jr 6.11; 9.20; Zc 8.5; Mt 11.16.
Cantavam, dançavam, se divertiam com figuras de barro cozido, das quais foram
encontradas amostras nas escavações; as meninas brincavam sempre de bonecas”
(VAUX, 2003, p. 72).
Como explicar e justificar a afirmativa de Vaux, que cita a passagem de Mt
11,16 como sendo uma amostra dos pequenos e pequenas israelitas que, para ele,
passavam a maior parte do tempo brincando nas praças e, é ‘claro’, as meninas
brincavam ‘sempre’ com bonecas! De quais crianças ele falava? São esses tipos de
declarações, muitas vezes despercebidas, que minam a realidade cotidiana de um
povo empobrecido pelas subseqüentes guerras e dominações, como a romana. A
criança então passa a ser um arquétipo de diversão e despreocupação, como uma
válvula de escape na possibilidade de uma infância feliz e sem problemas. Mas essa
não é a realidade do povo depauperado do séc. I dC.
Como é intricado deixar de ler o texto pela exegese e hermenêutica, até entre
as atuais, que vincularam as crianças desta perícope com o simples desfrute de
crianças que brincam numa praça. Essa é a única realidade levantada sobre aquela
infância, que não esgota as possibilidades dos termos empregados no texto. As
traduções não contemplam nenhuma destas possibilidades, nem a laboral nem a
feminina. Extraem a criança e a privam de infinitas possibilidades de participação e
inclusão, gerando conseqüências graves que acobertam as realidades vividas por
elas.
3.5.6. Huiós e Thygáter: filho e filha
Mateus Marcos Lucas João
Huiós 1,1 (son
x
, filhos
Pe
)
.20 (son
x
, filho
Pe
)
.21 (son
x
, filho
Pe
)
1,1 (son
x
)
.11 (son
x
);
2,10 (son
x
)
1,13 (son
x
)
.16 (son
x
)
.31 (son
x
)
1,34 (filho
Pe,J
)
.42 (filho
Pe,J
)
.45 (filho
Pe,J
)
170
.23 (son
x
, filho
Pe
)
.25 (son
x
, filho
Pe
);
2,15 (son
x
, filho
Pe
);
3,17 (son
x
, filho
Pe
);
4,3(son
x
, filho
Pe
)
.6 (son
x
, filho
Pe
)
.21 (son
x
, filho
Pe
);
5,9 (sons
x
, filho
Pe
)
.45 (sons
x
, filho
Pe
);
7,9(son
x
, filho
Pe
);
8,12 (cidadãos
Pe
)
.20(son
x
, Homem
Pe
);
9,6(son
x
, homem
Pe
)
.27(son
x
, filho
Pe
);
10,23(son
x
,
homem
Pe(no rodapé “filho”
)
.37(son
x
, filho
Pe
);
11,19(son
x
, homem
Pe
)
.27(sons
x
, filho
Pe
);
12,8 (son
x
, homem
Pe
)
.23 (son
x
, filho
Pe
)
.27 (son
x
,
discípulos
Pe
)
.32 (son
x
, homem
Pe
)
.40 (son
x
, homem
Pe
);
13,37 (son
x
,
homem
Pe
)
.38 (sons
x
,
cidadãos
Pe
)
.41 (son
x
, homem
Pe
)
.55 (son
x
, filho
Pe
);
14,33 (son
x
, filho
Pe
);
15,22 (son
x
, filho
Pe
);
16,13 (son
x
,
homem
Pe
)
.16 (son
x
, filho
Pe
)
.27 (son
x
, filho
Pe
)
.28 (son
x
, filho
Pe
);
17,5 (son
x
, filho
Pe
)
.9 (son
x
, homem
Pe
)
.12 (son
x
, homem
Pe
)
.28 (son
x
);
3,11 (son
x
)
.28 (sons
x
);
5,7 (son
x
);
6,3 (son
x
);
8,31 (son
x
)
.38 (son
x
);
9,7 (son
x
)
.9 (son
x
)
.12 (son
x
)
.17 (son
x
)
.31 (son
x
);
10,33 (son
x
)
.35 (sons
x
)
.45 (son
x
)
.46 (son
x
)
.47 (son
x
)
.48 (son
x
);
12,6 (son
x
)
.35 (son
x
)
.37 (son
x
);
13,26 (son
x
)
.32 (son
x
); 14,21
(son
x
)
.41 (son
x
)
.61 (son
x
)
.62 (son
x
);
15,39 (son
x
);
.32 (son
x
)
.35 (son
x
)
.36 (son
x
)
.57 (son
x
);
2,7 (son
x
)
.36;
3,2 (son
x
)
.22 (son
x
)
.23 (son
x
)
.24 (son
x
)
.25 (son
x
)
.26 (son
x
)
.27 (son
x
)
.28 (son
x
)
.29 (son
x
)
.30 (son
x
)
.31 (son
x
)
.32 (son
x
)
.33 (son
x
)
.34 (son
x
)
.35 (son
x
)
.36 (son
x
)
.37 (son
x
)
.38 (son
x
);
4,3 (son
x
)
.9 (son
x
)
.22 (son
x
)
.41 (son
x
);
5,10 (sons
x
)
.24 (son
x
)
.34;
6,5 (son
x
)
.22 (son
x
)
.35 (sons
x
);
7,12 (son
x
)
.34 (son
x
);
9,22 (son
x
)
.26 (son
x
)
.35 (son
x
)
.38 (son
x
)
.41 (son
x
)
.49 (filho
Pe,J
)
.51 (homem
Pe
,
filho
J
);
3,13 (homem
Pe
,
filho
J
)
.14 (homem
Pe
,
filho
J
)
.16 (homem
Pe
,
filho
J
)
.17 (filho
Pe,J
)
.18 (filho
Pe,J
)
.35 (filho
Pe,J
)
.36 (filho
Pe,J
);
4,5 (filho
Pe,J
)
.12 (filhos
Pe,J
)
.46 (filho
Pe,J
)
.47 (filho
Pe,J
)
.50 (filho
Pe,J
)
.53 (filho
Pe,J
);
5,20 (filho
Pe,J
)
.21 (filho
Pe,J
)
.22(filho
Pe,J
)
.23(filho
Pe,J
)
.25 (filho
Pe,J
)
.26 (filho
Pe,J
)
.27 (homem
Pe
,
filho
J
);
6,27(homem
Pe
,
filho
J
)
.40 (filho
Pe,J
)
.42 (filho
Pe,J
)
.53 (homem
Pe
,
filho
J
)
.62 (homem
Pe
,
filho
J
);
8,28 (homem
Pe
,
filho
J
)
.35 (filho
Pe,J
)
.36 (filho
Pe,J
);
9,19 (filho
Pe,J
)
.20 (filho
Pe,J
)
171
.15 (son
x
, filho
Pe
)
.21 (no v. 22 son
x
,
fhomem
Pe
)
.25 (sons
x
, filhos
Pe
);
18,11 (son
x
, filhos
Pe
);
19,28 (son
x
, filho
Pe
);
20,18 (son
x
,
homem
Pe
)
.20 (sons
x
, filhos
Pe
)
.21 (sons
x
, filhos
Pe
)
.28 (son
x
, homem
Pe
)
.30 (son
x
, filho
Pe
)
.31 (son
x
, filho
Pe
);
21,5 (filho
Pe
)
.9 (son
x
, filho
Pe
)
.15 (son
x
, filho
Pe
)
.37 (son
x
, filho
Pe
)
.38 (son
x
, filho
Pe
);
22,2 (son
x
, filho
Pe
)
.42 (son
x
, filho
Pe
)
.45 (son
x
, filho
Pe
);
23,15 (son
x
, filhos
Pe
)
.31 (sons
x
,
descendentes
Pe
)
.35 (son
x
, filho
Pe
);
24,27 (son
x
, filho
Pe
)
.30 (son
x
, filho
Pe
)
.37 (son
x
, filho
Pe
)
.39 (son
x
, filho
Pe
)
.44 (son
x
, homem
Pe
);
25,31 (son
x
, filho
Pe
)
.58 (son
x
);
10,6 (son
x
)
.22 (son
x
);
11,11 (son
x
)
.19 (sons
x
)
.30 (son
x
);
12,8 (son
x
)
.10 (son
x
)
.40 (son
x
)
.53 (son
x
);
15,11 (sons
x
)
.13 (son
x
)
.19 (son
x
)
.21 (son
x
)
.24 (son
x
)
.25 (son
x
)
.30 (son
x
);
16,8 (sons
x
);
17,22 (son
x
)
.24 (son
x
)
.26 (son
x
)
.30 (son
x
);
18,8 (son
x
)
.31 (son
x
)
.38 (son
x
)
.39 (son
x
);
19,9.10;
20,13.34.36.41.
44;
21,27 (filho
Pe
)
.36 (filho
Pe
);
22,22 (este
homem
Pe
)
.48 (este homem
Pe)
.69 (filho
Pe
)
.70 (filho
Pe
);
24,7 (este homem
Pe
,
son
x
);
.35 (homem
Pe
,
filho
J
);
10,36 (filho
Pe,J
);
11,4 (filho
Pe,J
)
.27 (filho
Pe,J
);
12,23 (homem
Pe
,
filho
J
)
.34 (homem
Pe
,
filho
J
)
.36 (homem
Pe
,
filho
J
);
13,31 (subtraiu
Pe
,
filho
J
);
14,13 (homem
Pe
,
filho
J
);
17,1 (filho
Pe,J
)
.12 (subtraiu
Pe
,
filho
J
);
19,7 (filho
Pe,J
)
.26(filho
Pe,J
);
20,31 (filho
Pe,J
);
Qd. 07 O termo huiós no NTG.
172
Huiós é o termo que mais facilmente encontramos ao pesquisar a criança. O
termo grego huiós designa ‘filho’ varão (ARCHILA, 2004c, p. 3), independentemente
da sua idade. Porém, nem sempre foi traduzido como “filho”. Temo por exemplo a
Bíblia do Peregrino que em versículos como Lc 22,22.48 e 24,7, traduz huiós para
“Este Homem”. A palavra pode incluir ainda mulheres e meninas, “ademais devemos
lembrar-nos do preconceito masculino então dominante no Oriente e no mundo
helenístico” (WEBER, 1986, p. 54). O termo está ligado ao “filho em pleno gozo de
sua maioridade, em contraste com o período da sua menoridade” (TAYLOR, 1991, p.
228).
Nos instiga a despreocupação das traduções
157
no emprego da palavra ‘filho’,
sempre encontrada aplicada no lugar da palavra grega tékna, principalmente na
expressão ‘filhos de Deus’. Essa expressão poderia ser traduzida como ‘crianças de
Deus’ (ver Jo1,12 - children of God
x
; 11,52 children of God
x
). Já imaginou a
mudança radical de sermos crianças de Deus?
o duas expressões distintas encontradas no NTG, mas que são tratadas
com a mesma conceituação, tomada como se todos nós fossemos filhos de Deus.
Mas, na verdade, muitas passagens nos colocam como crianças de Deus. Quando
isso ocorre somos comparados, aos olhos de Deus, com a infância, não importando
nossa idade crianças, jovens, adultos(as), a melhor idade-, envolve simplesmente
as qualidades positivas e negativas de uma criança, que nos são agregadas nos
textos pelo termo tékna.
Quando retiramos as possibilidades etárias da expressão de ‘filhos de Deus’
(Lc 20,36), contidas no termo huioi, e a distinguimos de tékna, abrimos caminhos
para as crianças crianças de todas as idades-, seus simbolismos, sua polissemia,
e as colocamos novamente no centro, onde Jesus nos ensina a posicioná-las.
157
Neste caso todas as traduções pesquisadas.
173
Mateus Marcos Lucas João
Thygáter 9,18 (daughter
x
,
filha
a,Pe,J
)
5,34 (daughter
x
,
filha
a,Pe,J
)
.35 (daughter
x
,
filha
a,Pe,J
)
8,42 (daughter
x
,
filha
Pe,J
)
.48 (daughter
x
,
filha
Pe,J
).
49 (daughter
x
,
filha
Pe,J
)
12,15
(daughter
x
,
jovem
Pe
,
filha
J
)
Thýgater 9,22 (daughter
x
,
filha
a,Pe,J
)
Thygátrión 5,23 (little
daughter
x
,
filhinha
Pe,J
)
7,25 (young
daughter
x
, filha
Pe,J
)
.30 (daughter
x
,
filha
Pe,J
);
Thygatrós 6,22 (daughter
x
,
filha
a,Pe,J
);
7,29 (daughter
x
,
filha
Pe,J
)
Thygatéron 1,5 (daughters
x
,
descendente
Pe,J
)
Thygatéra 13,16 (daughter
x
,
filha
Pe,J
)
Thygatéres 23,28 (daughters
x
,
moradoras
Pe
, filhas
J
)
Qd. 08 O termo thygáter no NTG.
o termo thygáter quer dizer filha, thygátrion significa filha pequena
(WEBER, 1986, p. 51), filhinha (TAYLOR, 1991, p.99). A idade não é específica
(WEBER, 1986, p. 51), mas indica a condição da infância e a filiação (relação
familiar).
Estes dois termos possuem uma carga teológica muito grande, representam
os ‘filhos’ e as ‘filhas’, e são utilizados como sinônimo para Israel (FIORENZA, 1992,
p. 172). A comunidade judaica-cristã compõem-se dos ‘filhos’ e ‘filhas’ que têm
direito de saciarem -se primeiro com a Salvação que o Reino traz. Jesus, em seu
174
acolhimento das categorias marginalizadas, experimenta uma ruptura em si mesmo
de padrões culturais-religiosos que impediam que a salvação pertencesse a todos os
povos. Jesus demonstrou ser um homem que estava sempre em processo de
superar fronteiras culturais, androcêntricas, patriarcais, adultocêntricas
158
.
Em Mt 7,24-31 nos deparamos com esta realidade. Uma mãe siro-fenícia, tida
como pagã para os costumes e tradições do judeu Jesus, na defesa de sua filhinha
e conquista, para as duas, cidadania.
Este exemplo mostra, como também o de Mt 8,5-13, que as crianças foram,
para algumas pessoas e em certas ocasiões, fonte de primazia, e com
especificidade no movimento de Jesus. Estes episódios coadunam com a idéia que
hoje temos de prioridade absoluta dada às crianças. No caso de Mc 7,24-31, uma
mãe coloca sua filha no cetro absoluto de sua vida. Da criança necessitada, que se
expande uma força que é geratriz de vida, que conquista vida que depende de
outros(as) vidas.
3.6. Considerações finais: a importância da Hermenêutica Infantil
Quanto mais nos aprofundamos na exegese de cada palavra grega que
significa criança, encontradas nos Evangelhos do NTG, nos deparamos com
histórias escondidas de crianças pelas traduções, e percebemos quanto do contexto
dos cristianismos originários foi subtraído da prática social e religiosa, e da
Hermenêutica Bíblica.
Construir cidadania de crianças pelos veios dos Evangelhos é um desafio que
intriga ao encontrarmos na comunidade de Jesus o aprendizado do conceito
contemporanêo de cidadania participativa que formulamos. Em sua escola cidadã,
Jesus ensina que na diferença é possível que todas as pessoas possam participar
158
Ver o exemplo dado por Hoefelmann (1994).
175
da comunidade, e de forma ativa. Rompendo com o status quo, abre caminhos de
diálogo e possibilidades de relacionamentos aparentemente impossíveis de
acontecer.
A cidadania no movimento de Jesus se desenvolve superando as estruturas e
valores patriarcais e androcêntricos do Império Romano, do governo e da religião
que marginalizavam também as crianças, que as colocava em estado de submissão,
inferioridade, desiguais aos adultos(as). Essa revitalização foi sentida não somente
na vida pública, mas também na vida privada, na qual a casa patriarcal se
transforma em comunidade de iguais.
A Hermenêutica Bíblica Infantil se alia à Hermenêutica Feminista para tomar
forma e construir suas chaves de leitura, colocando os textos na perspectiva da
suspeita, abrindo espaço para a infância, para a criança. Rompe com o silêncio e
põe em evidência as experiências de opressão e libertação nas relações de gênero,
dentro delas a intergeneracional. Agora podemos escutar um pouco melhor a voz da
criança!
A simplicidade com que trabalha a Hermenêutica Infantil confronta com a sua
importância, que se faz clara ao desnudar a linguagem androcêntrica bíblica,
trazendo à tona personagens escondidos em papeis de adultos(as), de categorias
marginalizadas, de palavras semelhantes como filhos e filhas, mas que na verdade
são crianças que devem ter respeitadas suas diferenças e subjetividades.
A criança é redescoberta e é revivida para nos recontar algumas passagens
evangélicas. Ela mesma nos ensina e nos dá chaves de leitura, através de seus
olhos, de suas experiências de vida, para assim remodelar nossa esperança de
construir cidadania para todas as crianças.
176
CONCLUSÃO
Tão importante quanto ouvir as vozes de crianças através da história e poder
sistematizar esse conhecimento é aplicá-lo à realidade do presente. Quando
resgatamos, mormente no Brasil, o conjunto de leis que resguardam as crianças
desde o útero materno, vislumbramos que esse resguardar está longe de atingir toda
a infância, de construir cidadania para todas.
Assim como a história antiga dos povos do Mediterrâneo não parece
exemplar para sua aplicação ao nosso cotidiano, estremecemos ao notar
semelhanças terríveis com os fatos que pululam nossos jornais e revistas: a criança
continua sendo alvo de corrupção de toda espécie, sendo objeto nas mãos dos
seres humanos adultos(as).
Interessante notar que, apesar da pedofilia, dos maus-tratos, do comércio
com os corpos de meninos e meninas, de hoje e de ontem, encontramos modelos
que nos ajudam a reformular nossas práticas. É bonito verificar que, apesar de
exemplos solitários no decorrer das narrações dos capítulos I e II, como o casal
Roseane e Anderson, e a mulher/mãe de Mc 7,24-31 e o centurião/patrão de Mt 8,5-
13, de pessoas que lutavam e lutam para dar vida às crianças, uma comunidade
inteira chama a atenção quando se levanta em prol das crianças, em meio a
dominação greco-romana.
177
Esta comunidade, a comunidade de iguais de Jesus, consignou em seus atos
e em suas palavras, narradas também nos Evangelhos, a preocupação pulsante
para com as crianças, tornando-as, antes de qualquer formulação moderna sobre a
infância ou a sua cidadania, prioridade absoluta.
Por intermédio de Jesus, as vozes caladas da infância foram escutadas, não
só para fazer delas membro da comunidade, mas também para participar ativamente
dela, compartilhando de tudo. Em Jesus, a criança encontra posição singular, está
no cerne de seu Mistério, pregação, anunciação e própria vivência como criança.
Praticar o acolhimento ensinado por Jesus a sua comunidade é tarefa árdua
também para nós hoje. Ela se materializa, a priori, em algumas práticas
emergenciais, que colocam a criança como sujeito hermenêutico. O adultocentrismo
tem em nós sua morte, para a criação e o desenvolvimento de uma novas
possibilidades, que retiram também o androcentrismo e o patriarcalismo do seu
cerne, tornando possível a participação a todos as pessoas, de todas as idades,
inclusive as crianças.
O cap. III manifesta a importância e necessidade de se revisar as traduções
bíblicas que incluam a palavra criança em seus textos fato importante que não
pode ser protelado-, com todos os seus contornos sociais, culturais-religiosos e
políticos de empobrecimento. Outro ponto repousa, sobretudo, no resguardo quanto
ao cumprimento e melhoramento das leis e políticas públicas que promovem a
infância. Respeitar e conhecer a realidade da formação legislativa que concerne à
criança, pode, de maneira positiva, alterar atitudes e reações dos(as) adultos(as) e
responder as muitas perguntas sem respostas quanto as estilo de viver de nossas
crianças hoje.
A ausência de conhecimento quanto aos aspectos sociais e históricos do
conceito de menor, influi de modo contundente no trato de meninos e meninas que
178
são alvo da miséria e incompreensão social. Aprender a dialogar com as diversas
situações da criança, como a de rua, de fome, de miséria, de ilicitude, de
prostituição, de ruína familiar, de alternativas incomuns de sobrevivência, é
perguntar pela criança e colocá-la no centro. É necessário questionar e suscitar
suspeitas em todas as suas relações, seja dentro ou fora de casa, lutando contra o
reinado adultocêntrico, que limita, restringe e amordaça as crianças - passos
fundamentais para uma Hermenêutica ‘com olhos de crianças’, e assim poder contar
suas histórias por seus corpos, vozes e realidades vivenciadas em qualquer tempo
ou espaço geográfico.
Entender que nós adultos e adultas somos imergidos em nossa linguagem e
vivência androcêntricas, patriarcais e adultocêntricas, e que passivamente aceitamos
essas estruturas, seria outro passo decisivo para a aplicação da Hermenêutica
Infantil, em busca da construção de cidadania para crianças, em todos os aspectos:
jurídico, religioso, social, político, familiar, etc. Pois tal entendimento nos apresenta a
uma realidade escondida, que nos revelará, talvez, os porquês de tanta violência
praticada contra a criança e vinda da criança. Afinal, quem roubou sua infância?
Será que nós não colaboramos com os métodos ‘naturais’ de educação, convivência
social e familiar e abafamos nossas crianças, e hoje elas submergem, revoltadas e
incontestes, e nos mostram que tudo tem que ser diferente?
Quando conjugamos criança e cidadania em dois períodos históricos distintos,
como os dos contextos e textos neotestamentários e os legais histórico-social
também contemporâneos, notamos que ao delinear a figura da criança vários pontos
congruentes foram expostos.
Um deles foi o aprendizado da comunidade de Jesus e o da brasileira. Ambas
acolheram a criança em seu cerne, cada uma ao seu modo, tornando-a princípio de
prioridade de suas políticas sociais e públicas, através de seus veios legais, como a
179
CF/ 88, o ECA, ou pela prática diária, como o foi na vivência igualitária da constante
escola de Jesus, consignada nos Evangelhos.
Ao depositarem na criança condição de ser sujeito hermenêutico bíblico,
jurídico, histórico e social, favorecemos a aparição de questionamentos quanto à
questão da infância. Deixando-a contar sua própria história, emancipando-a em seus
atos e abrindo caminhos de participação ativa na comunidade, praticamos o que
almeja a Hermenêutica Infantil.
Redescobrir a criança em meio ao universo preponderantemente adulto nos
leva a refletir sobre as condições pelas quais a infância foi tratada e manipulada por
séculos. Ao relermos textos e contextos dos quais as crianças faziam parte, mas
foram invizibilizadas, uma nova perspectiva nos penetra. Novos caminhos se abrem
para o diálogo intergeneracional, abertura essa que ainda não conseguimos
visualizar claramente nas legislações que ora levantamos, mas que são bem
intensas na pessoa do Jesus dialogal (Mt 9,18). Apesar de todo o conjunto cultural e
simbólico permeado pelo patriacalismo judeu e romano, ambiente cultural de Jesus,
conseguiu Ele realizar uma abertura e acolhimento que nos impulsiona a fazer parte
da escola da cidadania estabelecida em sua comunidade.
Inquirindo sobre o texto e o seu contexto, nesta busca de histórias de
crianças, foram saltando episódios novos e surpreendentes como o da narração de
Jo 6,1-15, na qual uma criança pequena e escrava é protagonista. Repartindo o seu
próprio alimento se faz participante da comunidade de Jesus
159
. O termo grego ali
empregado foi paidárion, que é derivado da palavra país, que significa criança. Por
ser uma palavra neutra, paidárion significa não somente menino, como afirma Taylor
(1991, p. 157), mas inclui a menina, por se tratar de uma criança, determinando tão
180
somente sua faixa etária, como pequena, portanto, uma criança pequena
160
.
Vejamos alguns detalhes:
A raiz do termo paidárion aponta não apenas a condição de pequena criança,
a palavra demonstra não só a idade, mas também seu posicionamento na
sociedade. Seu status está atrelado à condição social que ocupa, no caso de
escravidão. Trata-se de uma criança escrava (OEPKE, 1954, p. 637), uma pequena
criança escrava, criada, serva (TAYLOR, 1991, p. 158), ou diarista.
Quem primeiro evidencia a condição escrava-trabalhadora desta criança é
Ivoni Richter Reimer (1994, 2000), e isso é a balizado mais tarde por Bettina Eltrop
(1996). É interessante notar que autores importantes para a Hermenêutica Infantil,
como Hans-Ruedi Weber (1986), ao traduzir o termo paidárion não mencionam a
condição de trabalhadora da criança, apesar de abrir o termo e acolher a menina em
seu significado.
Com esta abordagem, a pequena protagonista da multiplicação da
alimentação recebe novo perfil e muda a toada da história. Uma criança diferente é
revelada, a realidade vivenciada vem à tona pela criança que oferece o seu alimento
de subsistência. Uma criança que trabalha e que oferece comida caracteristicamente
de pobre, de escravo, de servo. São cinco pães de cevada e dois peixes secos,
comidas típicas daqueles(as) que vivem com o pouco de cada dia. A situação
econômica, política, religiosa e social do séc. I nos dá apoio e lança nossa
imaginação para configurar a imagem dessa criancinha e assim reler as passagens
onde se insere a palavra pais e suas derivações.
159
Esta reflexão de Jo 6,9, foi apresentada, pela autora desta dissertação, no Congresso Brasileiro de
Pesquisa Bíblica e V Semana de Estudos da Religião, em 2004, com o título “Hermenêutica na
perspectiva da infância brasileira”.
160
A Bíblia Almeida traduz o termo paidárion por ‘rapaz’, distanciando-o ainda mais da realidade.
181
Pode esta criancinha ser uma órfã, uma escrava de origem judaica ou de
outra etnia, ou vendida por dívidas contraídas pelos altos impostos, mas com certeza
era uma pequena escrava-trabalhadora. Imagine, então, uma criança menor de 12
anos lendo ou escutando essa passagem, ouvindo que uma criança pequena e
escrava havia entregue toda a sua comida para Jesus, comida fruto de seu trabalho.
Encharcadas de deveres e responsabilidades, a semelhança da pobreza e
empobrecimento de nossas crianças brasileiras, com as da Antiguidade, demonstra
que os braços da lei ainda hoje não as alcançam. Pois, desde os 3 anos de idade,
aproximadamente, aprendem a colher frutos, a limpar a casa, a cortar cana-de-
açúcar, bater brita, fazer carvão, catar lixo pelas ruas e nos lixões, enfim, aprendem
o ofício de seus pais e mães, quando estes se fazem presentes, e não possuem
outros recursos para oferecer, assim como a sociedade e o Estado.
Nossos pequenos(as) trabalhadores estão estreitamente ligados à pequena
criança escrava de João, que na maioria das vezes trabalham sob um regime
verdadeiramente de escravidão, seja na zona rural ou urbana. Tão cedo estas
crianças já iniciam a vida adulta. São precocemente retiradas de sua infância, para
aprender a serem adultas”.
A grande diferença que nos choca é que no séc. I a conceituação de infância
ainda não se tinha formulado como agora a temos, cercada pelos cuidados e
formulações de cidadania. Apesar de todos essas preocupações são vários os
relatos assombrosos de nosso Brasil que mostram que meninos e meninas deixam
de lado a sua infância, em favor de sua família ou de sua sobrevivência, para ajudar
a complementar ou manter a renda familiar.
Existem também as outras muitas crianças abandonadas, não só por seus
pais e mães, mas ainda pelo Estado e pela sociedade, que dão prioridade absoluta
ao capitalismo neo-liberal. Essas crianças são encontradas trabalhando em oficinas,
182
como pedreiros(as), pequenos(as) aprendizes a margem da Legislação Trabalhista e
dos Direitos Humanos das Crianças. Precisam trabalhar de sol a sol, às vezes tendo
em troca apenas a comida e um lugar para dormir.
São problemas sociais que atingem crianças pequeninas, que poderiam ser
nossos(as) sobrinhos(as), filhos(as), netos(as), crianças que continuam à margem, e
muitas vezes não percebemos o seu esforço diário, sua situação calamitosa. Nossas
leis prescrevem direitos e garantias ao bem estar dessas crianças, mas não
viabilizam a manutenção do cotidiano. Temos o exemplo dos fiscais do trabalho que
lutam para retirar as crianças dos trabalhos escravos, ilegais, noturnos, que as
afastam da escola e da infância. Mas, não dão conta de promover o seu lar, de levar
à família condições dignas que permitam a liberação da obrigação de trabalho, de
mostrar uma nova direção. Nossas leis não fazem isso, apenas entoam um canto
bonito, mas seu espírito está vazio, o(a) hermeneuta não a coloca em prática. A
realidade, portanto, é outra. É de sobrevivência. Lemos muitos relatos terríveis e
assombrosos de crianças que diziam odiar serem crianças
161
, e não era pirraça,
muito menos algo dito da boca pra fora, mas a expressão exata da realidade de
suas vidas.
Exatamente ali, no tempo da infância, crianças são moldadas
prematuramente em homens e mulheres. Atrofiam o seu físico, pelos trabalhos
diários, turnos exaustantes, pesos insuportáveis, trabalhando em condições não
humanas, experimentando vícios, como a cola para os(as) aprendizes de sapateiro.
Ganham menos que os adultos homens, menos até que as mulheres adultas, pois
sabem muito bem que mesmo se produzirem como um adulto, ou até mais, irão
perceber salários menores, se receberem. Elas sabem muito bem porque odeiam
ser crianças, conhecem a desvantagem de viverem sua infância.
161
Ler testemunho em Huzak (2000).
183
Uma certa desilusão inicial desestimulou a pesquisa que visitava os caminhos
hermenêuticos na perspectiva de crianças. Pensamos em escrever um belo retrato,
mas até lá muita luta tem que ser travada, muitas leis implementadas e postas em
prática, para todas as crianças. Há muitos pães e peixes a serem distribuídos para a
partilha até chegarmos ao ânimo de mudança.
Finalizamos com o pensamento de Geertz. Diz ele que uma criança nasce
apta a ser socializada em qualquer cultura existente, “para viver mil vidas”, por ter
múltiplos caminhos a escolher. No entanto, tal amplitude é limitada pela realidade
circundante e específica onde de fato o pequeno ou pequena infante se desenvolve,
e terminamos no fim tendo vivido uma só” vida (GEERTZ apud LARAIA, 1997, p.
63-4). Qual será o tipo de vida, e possibilidades de vivê-la, que estamos propiciando
a nossas crianças?
Em meio a tantas impossibilidades, surge a esperança de recontar histórias,
reconstruir imagens reais e vivenciar no hoje o ato de um a criancinha escrava que
foi exemplo de solidariedade
162
em a pobreza e a exploração. Vamos proporcionar
às nossas crianças ocasião de vida e não mais apenas de resistência para terem
uma sobrevida, mas oferecer oportunidades de viverem a vida, uma vida abundante
de possibilidades felizes, de hermenêuticas que atuem como libertadoras.
162
Dreher (1993) fala da solidariedade que ameniza a fome e que reintegra os marginalizados,
confirmando os atos de Jesus que coloca a vida acima da propriedade, das leis e do sagrado. Agora
que cortaram o cordão umbilical quem “alimentará” a criança?
184
REFERÊNCIAS
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulinas, 1981.
ALEIXANDRE PARRA, Dolores. Jesus y la mujer siro-fenícia. Una história desde la
frontera (Mc 7,24-30). Alternativa Revista de Análisis y Reflexión Teológica,
Ma nagua, n. 16/17, p. 89-96, 2000.
ALLGAYER, Antônio Estevão. Jesus e os excluídos do Reino. Petrópolis: Vozes,
1994.
ARCHILA, Francisco Reyes. Voltar a ser crianças, uma bela utopia. Revista de
Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, n. 23, p. 53-70, 1996.
______. Leer la Biblia con ojos de los niños. Pequeños esbozos de un desafío.
Disponível em: http://www.dominicos.org/cidal/Alternativas/revist11.htm. Acesso em:
14 abr. 2004a.
______. Imágenes de Dios y sus implicaciones en el mundo de los jóvenes:
principios teológicos para una pastoral juvenil. Disponível em:
http://www.ccdhonduras.org/praxis/praxis2-reyes.htm . Acesso em: 14 abr. 2004b.
______. Volver el corazón a nuestra niñez. Los niños en el Nuevo Testamento.
Disponível em:
http://www.google.com.br/search?q=cache:pmlOu3e3tJMJ:ar.geocities.com/rebilac_c
oordcont/corazon+. Acesso em: 14 abr. 2004c.
ARENS, Eduardo. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João. As pectos sociais
e econômicos para a compreensão do Novo Testamento. Trad. João Rezende
Costa. São Paulo: Paulus, 1998.
185
ARIÈS, Phillipe. História Social da Criança e da Família. Trad. Dora Flaksman. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
AUCLAIR, Marcelle. A alegria pelo Evangelho. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1977.
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989.
ALENCAR, Marco Túlio (coor.) Infância na mídia: uma pesquisa. FEBEM: emoção
sem sensacionalismo. A impresna posicionou-se sob a ética e a ótica dos direitos.
Brasília: Agência Nacional dos Direitos da Infância e Instituto Ayrton Senna, 2000,
134p.
BAIR-IRLAN, Meir. A criança judia na antiguidade. Disponível em:
http://www.usp.br/ip/laboratorios/lacri/criançajudia.doc. Acesso em: 22 jun. 2004.
BALANCIN, Euclides Martins. Como ler o evangelho de Marcos, quem é Jesus? 5
a
ed. São Paulo: Paulus, 1991.
BARBAGLIO, Giuseppe et al. Os evangelhos (I). Trad. Jaldemir Vitório e Giovanni di
Biasio. São Paulo: Loyola, 1990.
BATTAGLIA, Oscar; URICCHIO, Francesco; LANCELLOTTI, Ângelo. Comentários
ao evangelho de São Marcos. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1978.
BIBLE. New King James Version. National Publishing Company: Nasville,
Tennessee, 1987.
BÍBLIA. São Paulo: Ave-Maria. 96ª ed. 1995.
BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. Almeida Revista e Corrigida, Estados Unidos:
CPAD (Casa Publicadora das Assembléias de Deus), 1998.
BÍBLIA DO PEREGRINO. São Paulo: Paulus. 2002.
BÍBLIA ELETRÔNICA. Almeida. 2ª ed. s.d.
BÍBLIA. Pastoral. 34ª ed. São Paulo: Paulus, 1999.
BÍBLIA SAGRADA. Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Primor Ltda, 1988.
186
BOHNEN, Aloysio. A criança e a constituinte. Estudos Leopoldenses, n. 23, p. 47-57,
1987.
BORTOLINI, José. Como ler o Evangelho de João: o caminho da vida. São Paulo:
Paulus, 1994.
BROOTEN, Bernadette J. Women leaders in the anciente synagogue. s.l.: Brown
University Editora, Brown Judaic Studies, v. 36,1982.
BROSSE, Olivier de La et al. Dicionário de termos da fé. Trad. A. Maia da Rocha.
São Paulo: Santuário, s.d.
BROWN, Raymond Edward. A comunidade do discípulo amado. Trad. Euclides
Carneiro da Silva. São Paulo: Paulus, 1999.
BUJÁN, Federico F. de. Primazia do coração. Amar além dos limites da razão. Trad.
Roberto Gicello I. Bastos. São Paulo: Paulinas, 1995.
CALIL, Maria Izabel. Meninos e meninas de rua: são um perigo ou estão em perigo?
Leopoldianum (Revista de Estudos e Comunicações da Universidade Católica de
Santos), ano 27, n. 75, p. 9-16, dez. 2001.
CASTRO, Aldemario Araújo. Interpretação constitucional. Disponível em:
http://www.dirconstitucional.hpg.ig.com.br/textoc.htm . Acesso em: 18 out. 2004.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 4
a
ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CÉSAR, Ely Éser Barreto. O Método Histórico-crítico Hoje. Método Histórico Crítico,
São Paulo: Centro Ecumênico de Documentação e Informação, p.87-90, 1992.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado versículo por
versículo (v. 1). São Paulo: Editora e Distribuidora Candeia, s.n.
CHAVES, Antônio. Comentário ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São
Paulo: LTr, 1997.
CHAVES, Benedita Inêz Lopes. A tutela jurídica do nascituro. São Paulo: LTr, 2000.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Trad. Vera da
Costa e Silva et al. 13ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.
187
COEWEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. Trad. Gordon Chown. 2
a
ed. s.l.: Vida Nova, 2000.
COGGIOLA, Osvaldo. Autodeterminação nacional. In: PINSKY, Jaime; PINSKY,
Carla Bassanezi (orgs.) História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p.311-
341.
COHEN, Abner. O homem bidimensional. Antropologia do poder e o simbolismo em
sociedades complexas. Trad. Sônia Corrêa. Rio de Janeiro: Zahar Editores, s.d.
COLAVECCHIO, Ronaldo L. O Caminho do Filho de Deus. Leitura contínua do
Evangelho de São Marcos. 10
a
ed. São Paulo: Santuário, 2000.
COLEMAN, William L. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. Trad. Myrian
Talitha Lins. 1ª ed. Venda Nova: Betânia, 1991.
COLLIN, Francoise et al. Ninãs buenas, ninãs malas: testimonios y reflexiones.
Revista Latinoamericana de Ecofeminismo, Espiritualidade y Teologia (Con-
spirando), n. 17, Santiago: Mosquito Editores, p. 12-19, set. 1996.
COMBY, Jean; LEMONON, Jean-Pierre. Roma em face a Jerusalém visão de
autores gregos e latinos. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1987.
______. Vida e religiões no Império Romano no tempo das primeiras comunidades
cristãs. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1988.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
COSTA, Antônio Carlos Gomes da et al. Brasil. Criança. Urgente. A lei. 1
a
ed. São
Paulo: Columbus Cultura, 1990.
DANA, H.E. O mundo do Novo Testamento: um estudo do ambiente histórico e
cultural do Novo Testamento. Trad. Jabes Torres. 4ª ed. Rio de Janeiro: JUERP,
1990.
DASEN, Véronique. L’enfant à Rome. Disponível em:
http://www.unifr.ch/scant/hist/enfant.htm. Acesso em: 5 mai. 2004.
DELORME, J. Leitura do Evangelho Segundo Marcos. São Paulo: Paulinas, 1982.
DEMANT, Peter. Direitos para os excluídos. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla
Bassanezi (orgs.) História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 343-383.
188
DIETRICH, Luiz José. Cidadania resgatar a dignidade de ser. Revista de
Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, n. 32, p. 20-38, 1999.
DODD, Charles Harold. A interpretação do quarto Evangelho. Trad. José Raimundo
Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1977.
DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. Trad. Mônica Siqueira Leite de Barros e Zilda
Zakia Pinto, s.n.
DREHER, Carlos A. As uvas do vizinho. Revista de Interpretação Bíblica Latino-
Americana, Petrópolis, n. 14, p. 19-34, 1993.
ECHEGARAY, J. González et al. A Bíblia e seu contexto. Trad. Frei Antônio Eduardo
Quirino de Oliveira e Prof. Mário Gonçalves. 1ª ed. São Paulo: Ave-Maria, 1994.
EPSZTEIN, Léon. A justiça social no antigo oriente médio e o povo da Bíblia. São
Paulo: Paulinas, 1990.
ELTROP, Bettina. Denn solchen gehort das Himmelreich. Kinder im
Matthäusevangelium . Eine feministisch sozialgeschichtliche Untersuchung.
Stuttgart: Verlag Ulrich E. Grauer, 1996.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (Lei 8.069, de 13.7.90).
FAJARDO, Sinara Porto. Entrevista com Fajardo. Disponível em:
www.fld.com.br/textos.asp?cod=10. Acesso em: 12 ago. 2004a.
______. Proteção integral ou controle social? Jornal JOREV LUTERANO, Porto
Alegre, nº 675, jul. 2004b, p. 13.
FERREIRA, Joel Antônio. A leitura sociológica da Bíblia com acento no modelo
conflitual. Texto entregue em sala de aula (Mestrado em Ciências da Religião)
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2003a.
_____. O diálogo interdisciplinar. Texto entregue em sala de aula (Mestrado em
Ciências da Religião) Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2003b.
FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher Uma nova
hermenêutica. Trad. João Rezende Costa. São Paulo: Paulinas, 1992.
FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Paulinas, 1982.
189
FLORISTÁN, Casiano. Catecumenato: história e pastoral da iniciação. Petrópolis:
Vozes, 1995.
FOUILLOUX, Danielle et al. Dicionário Cultural da Bíblia. Trad. Marcos Bagno. São
Paulo: Loyola, 1998.
FOULKES, Irene. Invisíveis e desaparecidas: resgatar a história das anônimas.
Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis, n. 25, p. 44-54, 1996.
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. 6
a
ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
FREITAS, Jânio. Meninos da miséria. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 jul. 1993.
Caderno I, p. 5.
FREITAS, Marcos Cézar de (org). História Social da Infância no Brasil. 2
a
ed. São
Paulo: Cortez Editora, 1997.
FREYNE, Sean. A Galiléia, Jesus e os Evangelhos Enfoques literários e
investigações históricas. Trad. Tim Noble. São Paulo: Loyola, 1996.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. Introdução à história da sociedade
patriarcal no Brasil 1. 41ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: RECORD, 2000.
FRONTANA, Isabel C. R. da Cunha. Crianças e adolescentes nas ruas de São
Paulo. São Paulo: Loyola, 1999.
GARCIA, Paulo Roberto. Respostas ao imponderável. CULT Revista Brasileira de
Cultura, Cristianismo e modernidade. São Paulo, n. 64, edição especial, p. 42-3,
2002.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. s.e., [2002].
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São
Paulo: UNESP, 1991.
GIORDANI, Mário Curtis. Direito penal romano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1987.
GIRARD, Marc. Os Símbolos na Bíblia: ensaio de teologia bíblica enraizada na
experiência humana universal. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1997.
190
GORGULHO, Gilberto. O caminho e o seguimento de Jesus. Estudos Bíblicos.
Petrópolis, n. 2, p. 25-49, 1981.
GRELOT, Pierre. A condição da mulher segundo o Novo Testamento. Trad. José
Augusto da Silva. Aparecida: Santuário, 2001.
GRENZER, Matthias. Crianças roubadas e penhoradas? Estudos Bíblicos.
Petrópolis, n. 54, p. 52-57, 1997.
GSCHWENDTNER, Loacir. A sociedade limitada no novo Código Civil. Disponível
em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3903 . Acesso em: 10 nov. 2004.
GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-Estado na Antigüidade Clássica. In:
PINSKEY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.) História da cidadania. São
Paulo: Contexto, 2003, p. 29-47.
JARSCHEL, Haidi. Para que a memória histórica de resistência das mulheres seja
guardada... (Gênesis 38). Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana.
Petrópolis, n. 32, p. 39-48.
HARRIS, R. Laird (org.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento.
Trad. Márcio Loureiro Redondo et al. São Paulo: Vida Nova, 1998.
HEATON, E.W. O mundo do Antigo Testamento. Trad. Fernando de Castro Ferro. 3
a
ed. Rio de Janeiro: ZAHAR Editores, 1965.
HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos Símbolos. Trad. João Rezende Costa. São
Paulo: Paulus, 1994.
HOEFELMANN, Verner. Superando fronteiras O encontro de Jesus com a mulher
siro-fenícia (Mc 7,24-30). Estudos Bíblicos. São Leopoldo, n. 41, p. 58-64, 1994.
HOORNAERT, Eduardo. As comunidades cristãs dos primeiros séculos. In:
PINSKEY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.) História da cidadania. São
Paulo: Contexto, 2003, p. 81-95.
_______. Cristãos da terceira geração (100-130). Petrópolis: Vozes, 1997.
HORSLEY, Richard A. Arqueologia, história e sociedade na Galiléia O Contexto
Social de Jesus e dos Rabis. Trad. Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2000.
191
HUZAK, Iolanda; AZEVEDO, Jô. Crianças de fibra. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1994.
JAUBERT, Annie. Leitura do Evangelho Segundo João. Trad. José Raimundo
Vidigal. 3
a
ed. São Paulo: Paulinas, 1985.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no tempo de Jesus pesquisas de história
econômico-social no período neotestamentário. Trad. M. Cecília de M. Duprat. São
Paulo: Paulinas, 1983.
KARNAL, Leandro. Estados Unidos, liberdade e cidadania. In: PINSKEY, Jaime
PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.) História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003,
p. 135-157.
KAUL, Dagny; PRAETORIUS, Ina. Crianças/Filhos. In: GÖSSMANN, Elisabeth (org.)
Dicionário de teologia feminista. Trad. Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes,
1997.
KAROUZOU. National Museum. Atenas. 1999, p. 150. Disponível em:
http://warj.med.br/img/vfv/i060.asp. Acesso em 12 abr. 2004.
KÖNIG, Franz (org.). Léxico das Religiões. Trad. Luiz M. Sander et al. Petrópolis:
Vozes, 1998.
KONINGS, Johan. Encontro com o quarto Evangelho. Petrópolis: Vozes, 1975.
______. Jesus comunica o Pai: o Evangelho de João explicado ao povo. São Paulo:
Paulinas, 1989.
______. A leitura da Bíblia. Estudos Bíblicos. Petrópolis, n. 32, p. 58-73, 1991.
______. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. Petrópolis: Vozes, 2000.
LAGENEST, J. P. Barruel de. Violência contra as crianças e o turismo sexual no
Brasil. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis, p. 652-6, 1990.
LAMARÃO, Maria Luiza; BRITTO, Rosyan Campos de Caldas. Criança, violência e
cidadania. Belém: UNAMA, 1994.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1997.
192
LEIPOLDT, Johannes; GRUNDMANN, Walter. El Mundo del Nuevo Testamento II.
Madrid: Cristiandad, 1975.
______. El Mundo del Nuevo Testamento III. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1975.
LELOUP, Jean-Yves. O Evangelho de João. Petrópolis: Vozes, 2000.
LÉON-DUFOUR, Xavier (org.). Vocabulário de Teologia Bíblica. Trad. Frei Simão
Voigt. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
LIMA, Cyzo Assis. Jesus e os samaritanos todas as culturas devem ter lugar no
Reino. Estudos Bíblicos. Petrópolis, n. 41,1994.
LIMA, João Batista de Souza. As mais antigas normas de direito. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1983.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Disponível em:
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201 . Acesso em: 30 out. 2004.
LOCKMANN, Paulo. A violencia do império e a justiça do Reino. Estudos Bíblicos.
Petrópolis, n. 69, p. 61-71, 2001.
LODS, Adolphe. Israel, desde los orígenes hasta mediados del siglo VIII (a.C.). Trad.
Vicente Clavel. México: Union Tipografia Editorial Hispano Americana, 1956.
LOHSE, Eduard. O contexto e Ambiente do Novo Testamento. Trad. Hans Jörg
Witter. São Paulo: Paulinas, 2000.
LONDOÑO, Fernando Torres. A origem do conceito menor. In: PRIORE, Mary Del
(org.) História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1992, p. 129-145.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 2ª ed. São
Paulo: Max Limonad, 2002.
MACKENZIE. Dicionário Bíblico. Trad. Alvaro Cunha et al. 3
a
ed. São Paulo:
Paulinas, 1993.
MALHERBE, Abraham J. Social Aspects of Early Christianity. 2ª ed. Philadelphia:
Fortress Press, 1983.
193
MALINA, Bruce J. El mundo del Nuevo Testamento Perspectivas desde la
antropología cultural. Trad. Víctor Morla Asensio. Espanha: Verbo Divino, 1995.
______; ROHRBAUGH, Richard L. Los evangelios sinópticos y la cultura
mediterránea del siglo I Comentario desde las ciencias sociales. Trad. Víctor Morla
Asensio. Espanha: Verbo Divino, 1996.
MANZANARES, César Vidal. Dicionário de Jesus e dos Evangelhos. Trad. Fátima
Barbosa de Mello Sinion. Aparecida: Santuário, 1997.
MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. São Paulo:
HUCITEC, 1998.
MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de São João: análise lingüística e
comentário exegético. Trad. Costa. São Paulo: Paulinas, 1989.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18ª ed. Rio de Janeiro:
Revista Forense, 1999.
MEEKS, Wayne A. Os primeiros cristãos urbanos o mundo social do Apóstolo
Paulo. Trad. I.F.L. Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1992.
MEIRA, Sílvio A. Instituições de Direito Romano. 2
a
ed. São Paulo: Max Limonad,
s.n.
MEYERS, Carol L. As raízes da restrição: as mulheres no Antigo Israel. Estudos
Bíblicos. Petrópolis, n. 20, p. 9-25, 1988.
MÉNDEZ-PEÑATE, Adriana. Uma espiritualidade para a Mulher? Revista de
Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis, n. 13, p. 75-89, 1992.
MESTERS, Carlos. Sobre a mística que anima a defesa da vida da criança no Antigo
Testamento. Convergência. Rio de Janeiro, v. 30, n. 282, p. 234-246, 1995.
______. Reconstruir a casa. Jesus defende a vida das crianças, dos pequenos.
Estudos Bíblicos. Petrópolis, São Leopoldo, n. 50, p. 75-84, 1996.
______. Criança não é problema! Ela é solução! Estudos Bíblicos. Petrópolis, São
Leopoldo, n. 34, p. 9-20, 1997.
194
______. Meninas e Meninos. Sobre a mística que anima a defesa da vida da criança
na História do Povo de Deus. Estudos Bíblicos. Petrópolis, São Leopoldo, n. 162,
2001, 42p.
MÍGUEZ, Nestor O. O império e os pobres no tempo neotestamentário. Revista de
Interpretação Bíblica Latino-americana, Petrópolis, n. 5/6, 1990.
_______. Jesus na vida cotidiana. Revista de Interpretação Bíblica Latino-
Americana, Petrópolis, São Leopoldo, n. 14, p. 73-83, 1993.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971.
MIZZOTTI, Jose. História de Israel 7. Las primeras comunidades cristianas (70
135 d.C.). Lima: Centro Mariano Montfortiano e Equipo de Coordinación de Lectura
Pastoral de la Bíblia, 1993.
_______. Jesus na vida cotidiana. Revista de Interpretação Bíblica Latino-
americana. Petrópolis, nº 14, 1993.
MONLOUBOU, L.; BUIT, F. M. Du. Dicionário Bíblico Universal. Trad. Gentil Tihon et
al. Aparecida: Santuário, 1997.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 20
a
ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1991.
MORACHO, Félix. Como ler os evangelhos: para entender o que Jesus fazia e dizia.
São Paulo: Paulus, 1994.
MORIN, Émile. Jesus e as estruturas de seu tempo. Trad. Vicente Ferreira de
Souza. 6 ed. São Paulo: Paulus, 1988.
MOSCONI, Luis. Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos. 6
a
ed. São Paulo:
Loyola, 1996.
MOTT, Luiz. Pedofilia e pederastia no Brasil antigo. In: PRIORE, Mary Del (org.)
História da criança no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 1992, p. 44-60.
MOULTON, W.F.; GEDEN, A.S. A concordance to the Greek Testament. 50ª ed.
Grã-Bretanha: T&T Clark Edinburg, 1996.
MOXNES, Halvor. A economia do reino conflito social e relações econômicas no
Evangelho de Lucas. Trad. Thereza Cristina F. Stummer. São Paulo: Paulus, 1995.
195
MYERS, Ched. O evangelho de São Marcos. Trad. I.F.L. Ferreira. São Paulo:
Paulinas, 1992.
NAKANOSE, Shigeyuki. Uma história para contar A Páscoa de Josias. São Paulo:
Paulinas, 2000.
______. Javé fechou o útero: uma leitura de 1 Samuel 1,1-28. Estudos Bíblicos,
Petrópolis, n. 54, p. 34-43, 1997.
NAVES, Rubens. Novas possibilidades para o exercício da cidadania. In: PINSKY,
Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.) História da cidadania. São Paulo: Contexto,
2003, p.563-583.
NAVIA VELASCO, Carmiña. A mulher na Bíblia: opressão e libertação. Revista de
Interpretação Bíblica Latino-americana, Petrópolis, n. 9, p. 51-70, 1991.
NEUENFELDT, Elaine Gleci. Menstruação, parto e impureza no Levítico: controle de
corpos e líquidos das mulheres. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 66, p. 29-35, 2000.
NEUTZLING, Inácio. Jesus e os marginalizados do seu tempo: uma meditação
bíblica. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 21, p. 47-53, 1989.
Novum Testamentum Graece. Deutsche Bibelgesllschaft, Nestle-Aland, 2001.
OLIVEIRA, Gustavo Paschoal Teixeira de Castro. Criopreservação e descarte de
embriões humanos: delimitações bioéticas e constitucionais. Dissertação (Mestrado
em Direito) - UNAERP, Ribeirão Preto, 2004.
OLIVEIRA, Flávio Martinez. Interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e teologia.
Disponível em: www.redemptor.com.br/~soter/Teologia_Flavio.htm. Acesso em: 7 jul.
2004.
OEPKE. Verbete País ktl , In: FRIEDRICH, Gerhard (org.). Theologisches
Wörterbuch zum Neuen Testament, vol V. Stuttgart: W.Kohlhammer Verlag, s.d.
(prefácio de 1954), p.636-653.
OSIEK, Carolyn. The New Handmaid: The Bible and the social sciences. Theological
Studies, nº 50, 1989, p. 260-278.
______. O Novo Testamento e a família. Concilium, Petrópolis, nº 260, p. 10-20,
1995.
196
PASSETTI, Edson. O menor no Brasil Republicano. In: PRIORE, Mary Del (org.)
História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1992.
______. Crianças carentes e políticas públicas. In: História das Crianças no Brasil. 2
a
ed., São Paulo: Contexto, 2000, p. 347-375.
PAUL, André. O judaísmo tardio. História política. Trad. Benôni Lemos, São Paulo:
Paulinas, 1983.
PELLETIER, Anne-Marie. Mães e filhos no Antigo Testamento. Estudos Bíblicos,
Petrópolis, n. 54, p. 24-28, 1997.
PEREIRA, Nancy Cardoso; TORRES, Luis. Dívida externa e criança: Nossos filhos e
filhas são tão bons como os deles (uma experiência). Revista de Interpretação
Bíblica Latino-americana, Petrópolis, n. 5-6, p. 93-103, 1990.
______. Profecia e Coditiano Mulher e criança no ciclo do profeta Eliseu. Revista
de Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, n. 14, p. 7-18, 1993.
_______. O messias precisa sempre ser criança. Revista de Interpretação Bíblica
Latino-americana, Petrópolis, n. 24, p. 18-26, 1996.
______. Brincando de cidadania. Crianças, tomates e panelas na Bíblia e em
Promissão. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, n. 32, p.
49-57, 1999.
PIERANGELLI, José Henrique (coor.) Códigos penais do Brasil. Evolução histórica.
1ª ed. São Paulo: Jalovi, 1980
PIKAZA, Xavier. Para comprender hombre y mujer en las religiones. Espanha: Verbo
Divino, 1996.
PINHEIRO, Veralúcia. Políticas públicas, serviço social e cidadania: a questão da
prostituição infanto-juvenil. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 37-54, jan.
2004.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da cidadania. São Paulo:
Contexto, 2003.
PINTO, Carlos Josaphat. Ética, religião e globalização. CULT Revista Brasileira de
Cultura, Cristianismo e modernidade. São Paulo, edição especial, nº 64, ano VI, 17,
2002, p. 58-9.
197
PIXLEY, Jorge. O aspecto político da hermenêutica. Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana, Petrópolis, n. 32, p. 85-100, 1999.
______. A história de Israel a partir dos pobres. Trad. Ramiro Mincato. 7
a
ed.,
Petrópolis: Vozes, 2001.
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja. São Paulo:
Vozes, Paulinas, 1994, p. 57-59.
POWELL, John; BRADY, Loretta. Arrancar Máscaras! Abandonar papéis! Trad.
Bárbara Theoto Lambert. 11
a
ed. São Paulo: Loyola, 2000.
PRIORE, Mary Del (org). História das crianças no Brasil. 2
a
ed. São Paulo; Contexto,
1992.
QUAPPER, Klaudio Duarte. Dios es Joven. Outra mirada desde las posibilidades
que lo juvenil aporta a la esperanza. Sembrando, Costa Rica, n. 78, p. 28-38, 1998.
RAJEZUK, Leandra. Para conhecer a trajetória dos pequenos excluídos. Disponível
em:
http://www.usp.br/jorusp/arquivo/1999/jusp487/manchet/rep_res/rep_int/univers3.htm
l. Ac esso em: 17 abr. 2004.
REALE, Miguel. Noventa anos de Miguel Reale. Disponível em:
http://www.superlegendas.com.br:8080/valcir/noventa_anos_de_miguel_reale.htm .
Acesso em: 17 nov. 2004.
REIMER, Haroldo. Exegese, Releituras e Sentidos. Fragmentos de Cultura, Goiânia,
v.13, n. 5, p. 961-966, 2003.
______; RICHTER REIMER, Ivoni. Tempos de Graça. O jubileu e as tradições
jubilares na Bíblia. São Leopoldo: Sinodal, 1999.
RICHTER REIMER, Ivoni. O pão na crise: alimentando a resistência criativa.
Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 42, p. 71-77, 1994.
______. Vida de mulheres na sociedade e na Igreja Uma exegese feminista de
Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1995a.
______. Lembrar, transmitir, agir. Mulheres nos inícios do cristianismo. Revista de
Interpretação Bíblica Latino-americana, Petrópolis, n. 22, p. 45-59, 1995b.
198
______. Não temais… Ide ver… e anunciar! Mulheres no Evangelho de Mateus.
Revista de Interpretação Bíblica Latino-americana, Petrópolis, n. 27, p. 149-166,
1997.
______. O Belo e as Feras e o Novo Tempo. São Leopoldo: CEBI; Petrópolis:
Vozes, 2000.
______. A lógica do mercado e a transgressão de mulheres: uma visão teológico-
cultural a partir dos Evangelhos. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 69, p. 50-60, 2001.
______. Sociedade e Cultura dos Cristianismos Originários. Apostila entregue em
aula no Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás, 2002.
______. Patriarcado e Economia Política um jeito romano de organizar a casa.
2004 (Texto inédito).
______. Religião e economia de mulheres. Fragmentos, 14/8, p. 1482-1486, 2004b.
RIZZINI, Irene. O século perdido. Raízes históricas das políticas públicas para a
infância no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 1997.
______; SILVA, Nivia Carla Ricardo da. Direitos humanos e direitos da criança e do
adolescente: reflexões sobre desigualdades sociais e a questão dos “meninos de
rua”. In: SOUSA, Sônia M. Gomes (org). Infância e adolescência: múltiplos olhares.
Goiânia: UCG, 2003, p. 99-111.
RODRIGUES, Alan; FILHO, Mário Simas. Perigo digital pedofilia. ISTOÉ, n. 1829,
p. 50-55, out.2004.
ROHDEN, Fabíola. Honra no Brasil: da moral sexual à imagem da nação. História
ciência saúde Manguinhos, v. 8, n. 3, p. 767-773, set.dez., 2001.
ROURE, Glacy Q. de. Vidas Silenciadas: a violência com crianças e adolescentes na
sociedade brasileira. São Paulo: UNICAMP, 1996.
SADER, Emir. Para outras democracias. In: SANTOS, Boaventura Sousa (org.)
Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa, v. 1, Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 668-675.
SALLES, Catherine. Nos submundos da antiguidade. Trad. Carlos Nelson Coutinho,
São Paulo: Brasiliense, 1982.
199
SANTOS, Boaventura Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade. 5
a
ed. São Paulo: Cortez. 1999.
_____(org.). A Globalização e as Ciências Sociais. 2
a
ed. São Paulo: Cortez, 2002.
_____(org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa
(Reinventar a emancipação social: para novos manifestos). v.1. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
SANTOS, Bento Silva. Teologia do Evangelho de São João. Aparecida: Santuário,
1994.
SANTOS, João de Almeida. A cidadania, hoje. Disponível em:
www.lxxl.pt/babel/biblioteca/cidadania.html. Acesso em: 25 mai. 2004a.
SANTOS, Nilton Kasctin dos. A estrutura normativa de proteção à infância: breves
comentários. Disponível em:
http://www.mp.rs.gov.br/hmpage/homepage2.nsf/pages/CIJ_Doutrina. Acesso em:
27 set. 2004b.
SARAT, Magda. O nome da escola infantil: as percepções de infância em exposição.
Comunicações (Revista do programa de pós-graduação em educação da
Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP), ano 9, n. 2, p. 37-47, 2002.
SAULNIER, Christiane; ROLLAND, Bernard. A Palestina no tempo de Jesus. Trad.
Pe. Jose Raimundo Vidigal, 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1983.
SCHIAVO, Luís; SILVA, Valmor da. Jesus milagreiro ou exorcista. São Paulo:
Paulinas, 2000.
SCHOTTROFF, Luise. Lydia’s Impatient Sisters A Feminist Social History of Early
Christianity. Trad. Barbara e Martin Rumscheidt. Louisville: Westminster John Knox
Press, 1995.
SCHUSTER, Ignácio; HOLZAMMER, Juan B. História Bíblica Nuevo Testamento. 2
a
ed. Barcelona: Editorial Liturgia Espanhola, S.A., 1947.
SÊDA, Edson. O novo direito da criança e do adolescente. Campinas: Governo do
Brasil (Ministério da Ação Social), 1991.
SEIBERT-CUADRA, Ute. A mulher nos evangelhos sinóticos. Revista de
Interpretação Bíblica Latino-americana, Petrópolis, n. 15, p. 68-84, 1993.
200
SILVA, Kelly Susane Alfren da. Hermenêutica Constitucional. Forense, v. 366, p.
370385, 2003.
SILVA, Valmor da. Criança no Novo testamento. Estudos Bíblicos, Petrópolis, São
Leopoldo, n. 34, p. 58-70, 1997.
______. As dores de parto e o nascimento na literatura bíblica. Estudos Bíblicos,
Petrópolis, n. 65, p. 9-25, 2000a.
______. Bíblia e cidadania. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 10, n. 5, p. 847-865,
set./out. 2000b.
SILVA, Moacyr Motta da; VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos
direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1998.
SIQUEIRA, Tércio Machado. O rei menino. Estudos Bíblicos. Petrópolis, n. 54, p. 44-
51, 1997.
SOUSA, Sônia M. Gomes (org). Infância e adolescência: múltiplos olhares. Goiânia:
UCG, 2003.
SOUZA, Daniel Coelho de. Introdução à ciência do direito. 6ª ed. revista e
atualizada, Belém: CEJUP, 1994.
SCHULTZ, Valdemar. Criança não atrapalha. Disponível em:
http://www.est.com.br/publicacoes/proclamar_libertacao/12_10_03.pdf. Acesso em: 2
set. 2004.
STAMBAUGH, John E., BALCH, David L. O Novo Testamento em seu ambiente
social. Trad. João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1996.
TÁRREGA, Maria Cristina Vittode Blanco et al. Justiça, ethos e ontologia
hermenêutica fundamental do direito - O amor como enunciado dirigente axiológico.
Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/doutrina/textos/x/74/22/742/direitonet_textojur_742.doc.
Acesso em: 28 set. 2004.
TAYLOR, Willian Carey. Dicionário do Novo Testamento Grego. Rio de Janeiro:
JUERP, 10
a
ed., 1991.
201
TERNAY, Henri de; WEILER, Lúcia; MAZZAROLLO, Isidoro. Uma leitura global da
Bíblia na dinâmica da Aliança. Estudos Bíblicos, Petrópolis e São Leopoldo, p. 31-
40, 1992.
TERRA, João Evangelista Martins. Evangelho de João: uma leitura espiritual.
Aparecida: Santuário, 2000.
THEISSEN, Gerd. Sociologia do Movimento de Jesus. Trad. Werner Fuchs e
Annemarie Höhn. São Leopoldo: Sinodal, 1989.
VAAGE, Leif E. Que o leitor tenha cuidado! O evangelho de Marcos e os
cristianismos originais da Síria-Palestina. Revista de Interpretação Bíblica Latino-
americana, Petrópolis, n. 29, p. 11-31, 1998.
VASCONCELLOS, Pedro L.; SILVA, Valmor da. Caminhos da Bíblia Uma história
do povo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003.
VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. Trad. Daniel de
Oliveira. São Paulo: Teológica, 2003.
VERMES, Geza. Jesus e o mundo do Judaísmo. Trad. Adail Ubirajara Sobral e
Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1996.
VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela jurisdicional dos interesses individuais,
difusos e coletivos da criança e do adolescente (parte II). In: SILVA, Moacyr Motta
da. A tutela jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Ltr,
1998.
VIANA, Moacir da Cunha. Dicionário Bíblico Ecumênico. s.l.: Didática Paulista, s.d.
VINCENT, Albert. Dicionário Bíblico. Trad. Monjas Beneditinas de B.H. São Paulo:
Paulinas, 1965.
VINHAL, Flávia; MACHADO, Maria Conceição Sarmento Padial. O enfrentamento da
violência por crianças e adolescentes do CEJAP. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v.
14, n. 1, p. 169-168, jan. 2004.
WEBER, Hans-Ruedi. Jesus e as crianças: subsídios bíblicos para estudo e
pregação. Trad. Annemarie Höhn. São Leopoldo: Sinodal, 1986.
WEGNER, Uwe. Os evangelhos, Jesus, os escravos. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n.
18, p. 53-72, 1988.
202
______. Aspectos da cidadania no movimento de Jesus e nas primeiras
comunidades apostólicas. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana.
Petrópolis, n. 32, p. 101-115, 1999.
WENGST, Klaus. Pax Romana pretensão e realidade. Trad. António M. da Torre.
São Paulo: Paulinas, 1991.
WINTERS, Alicia. A memória subversiva de uma mulher: 2 Samuel 21,1-14. Revista
de Interpretação Bíblica Latino-Americana, São Leopoldo, n. 13, p. 67-74, 1992.
______. Uma vasilha de azeite: Mulheres, dívidas e comunidade (2Rs 4-17). Revista
de Interpretação Bíblica Latino-Americana. São Leopoldo, n. 14, p. 47, 1993.
WHITMONT, Edward C. Retorno da Deusa. Summus editorial, [19__].
_____________; GROSVENOR, Mary. A Grammatical Analysis of the Greek New
Testament. Roma: Editrice Pontificio Insituto Bíblico, 1988.
ZANINI, Ovídio. Opção pelas categorias de marginalizados em Paulo. Estudos
Bíblicos, Petrópolis, n. 21, p. 56-69, 1989.
ZERWICK, Max. Analysis Philologica Novi Testamenti Graeci. 3
a
ed. Roma:
Sumptibus Pontificci Instituti Biblici, 1966.
ZWETSCH, Roberto E. Bíblia e cidadania: reflexões despretensiosas sobre um tema
candente. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, n. 32, p. 7-19, 1999.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo