Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
As Representações do Diabo no Imaginário dos
Fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus
Mestrando: Pedro Antonio Chagas Cáceres
GOIÂNIA
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
As Representações do Diabo no Imaginário dos
Fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus
Mestrando: Pedro Antonio Chagas Cáceres
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Ciências da Religião à Comissão Julgadora
da Universidade Católica de Goiás, sob a
orientação do Prof. Dr. Alberto da Silva
Moreira.
GOIÂNIA
2006
ads:
À minha família.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Alberto da Silva Moreira, pela orientação competente e dedicada,
mas, sobretudo pelo ser humano que é.
Ao Prof. Dr. Luigi Schiavo e à Profª. Drª. Carolina Teles Lemos pela competência
e valiosas indicações.
Ao Prof. Dr. Pedro Célio Alves Borges por ter aceito, de bom grado, o convite para
compor a banca de defesa de minha dissertação.
À Profa. Dra. Cecília Loreto Mariz por ter sido muito atenciosa e gentil em todos os
momentos e solicitações.
Ao Prof. Dr. Valmor da Silva e à Secretária Executiva Geyza Pereira pela
acessibilidade, dedicação e competência.
À grande amiga Eliana Fleury Curado pelas correções ortográficas, incentivo,
críticas e olhar aguçado frente à construção do texto.
Aos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus que somaram significativamente
para a realização dessa pesquisa.
EPÍGRAFE
LITANIAS DE SATÃ
Charles Baudelaire
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
SUMÁRIO
RESUMO....................................................................................................................09
ABSTRACT................................................................................................................10
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
CAPÍTULO I
1. REPRESENTAÇÕES DO DIABO..........................................................................17
1.1. Representações sociais na Escola de Moscovici............................................17
1.2. Representações sociais nas matrizes sociológicas.........................................21
1.2.1. Representações sociais em Émile Durkheim........................................22
1.2.2. Representações sociais em Max Weber...............................................27
1.2.3. Representações sociais em Pierre Bourdieu.........................................30
1.2.4. Representações sociais em Peter Berger.............................................36
1.3. As representações do Diabo no cristianismo nascente...................................39
1.3.1. A guerra santa - Cristo contra o Diabo....................................................39
1.4. As representações do Diabo no imaginário europeu e suas influências no
imaginário brasileiro neopentecostal (IURD).....................................................43
1.5. As representações e o medo do
Diabo............................................................47
1.6. A complexidade das representações...............................................................50
1.7. O reducionismo das representações...............................................................52
CAPÍTULO II
2. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS – O ESPAÇO DO DIABO...............55
2.1. Um breve relato histórico..................................................................................55
2.2. A Importância do Diabo e a parceria com Deus...............................................62
2.3. Sacrifícios: uma arma para vencer o Diabo.....................................................65
2.4. Exorcismo, conversão, e cura..........................................................................70
2.5. Diabo X Deus – A teologia da guerra santa.....................................................75
2.6. Teologia da prosperidade: O Diabo derrotado.................................................81
CAPÍTULO III
3. O FIEL DA IURD FACE A FACE COM O DIABO.................................................87
3.1. O perfil do fiel da IURD.....................................................................................87
3.2. O fiel da IURD e os problemas da modernidade brasileira..............................90
3.3. A culpa é do Diabo...........................................................................................96
3.4. A ressemantização do Diabo na IURD...........................................................102
3.5. As incorporações do Diabo............................................................................103
3.5.1. Nas doenças físicas e mentais...............................................................104
3.5.2. Nos problemas financeiros.....................................................................108
3.5.3. Nos problemas familiares.......................................................................112
3.6. Olhar nos olhos do Diabo ou ser devorado por ele........................................115
3.7. O Diabo existe: “estou salvo”.........................................................................118
CONCLUSÃO..........................................................................................................121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................126
ANEXOS..................................................................................................................134
RESUMO
Cáceres, Pedro Antonio Chagas. As representações do Diabo no imaginário dos
fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. Dissertação (Mestrado) Universidade
Católica de Goiás – Goiânia, 2006.
Este trabalho teve como objetivo investigar as representações do Diabo no
imaginário dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Pretendeu-se
examinar também as origens antropológicas, históricas e sociais das representações
do Diabo e suas influências nas representações dos fiéis da IURD. Além de analisar
os mecanismos desenvolvidos pelo fiel da IURD para a compreensão dos problemas
do mundo e de si mesmo, exploramos também as estruturas históricas e doutrinárias
desta igreja, bem como seus mecanismos teológicos, como a teologia da guerra
santa e a teologia da prosperidade. As representações do Diabo ganham um
significativo reforço no imaginário dos fiéis, através dos discursos da Igreja Universal
dirigidos à pessoas geralmente fragilizadas. Para elas a única forma de salvação é
através da associação com Deus mediante a instituição religiosa. O fiel da IURD
representa o Diabo como o grande provocador de suas dores a aflições e por
meio de ações da fé e da tomada de decisão pessoal que ele pode ser derrotado.
Palavras-chave: representação, imaginário, diabo, fiel, Igreja Universal do Reino de
Deus.
ABSTRACT
Cáceres, Pedro Antonio Chagas. The representation of Devil in the Universal Church
follower imaginariness. Master Dissertation Universidade Católica de Goiás
Goiânia, 2006.
The purpose of this work is to investigate the representation of Devil in the Universal
Church follower imaginariness. We analyze the anthropological, historical and social
origins of this imaginariness and its effects on the Universal Church follower. We also
intend to identify and analyze the mechanisms developed by the Universal Church
follower to understand his and world problems. Then we will explore the historical
and doctrinal Universal Church structures, as well as its theological mechanisms
such as the Theology of the Holy War and the Theology of the Prosperity. The
representation of Devil has a meaningful input in the follower imaginariness in due to
the speeches of the Church that often meet some people necessities. The only way
to salvation is the association to God through the religious institutions that function as
mediators to the sacred itself. The Universal Church follower represents Devil as the
great reason of his pain and grief. Defeating him is only possible by acts of faith and
right decisions.
Key words: representation; imaginary; devil; follower; Universal Church.
INTRODUÇÃO
Nas duas últimas décadas a figura do Diabo, no Brasil, tem sido exaltada,
comentada, explorada, divulgada, criticada e até queimada, no meio religioso e, em
particular, no movimento neopentecostal. Filha e principal representante desse
movimento, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), hoje com milhares de
templos no país e com aproximadamente 2 milhões de fiéis (Oro, Corten e Dozon,
2003, p.22), apresenta-se como a maior e mais eficaz agência de extermínio de
demônios. Esta Igreja explora um universo rico em sentimentos e emoções, convida
o fiel a partilhar dos “símbolos sagrados” e projetar toda e qualquer espécie de
mazelas existentes como sendo ações dos demônios. Podemos citar alguns desses
problemas: desemprego, fome, miséria, humilhação, síndrome do pânico,
depressão, crise financeira, doenças de ordem geral, dramas familiares, entre
outros.
Não pertence à IURD a criação dessa visão de mundo, porém a forma com
que ela desenvolve o discurso acerca dos males que afetam as pessoas encontra
um público consumidor, sedento por esses bens de “salvação” (Weber, 1999). Essa
visão de mundo é aceita de bom grado por uma parcela significativa da sociedade
brasileira, que busca sentido para as contradições de suas existências. Fato é que
as igrejas estruturadas no neopentecostalismo vêm crescendo nos últimos anos
dentro e fora do país. (Oro, 1996). As atitudes dos fiéis em incorporar as mazelas no
Diabo fazem-se notar nos comportamentos, atitudes e ações dos mesmos, em suas
interações com a sociedade e, no geral, em suas visões de mundo.
É certo que o fenômeno neopentecostal e a Igreja Universal foi e continua
sendo objeto de longos e profundos estudos. Ari Pedro Oro (1996), Cecília Loreto
Mariz (1996), José Bittencourt (2003), Paul Freston (1993), Ricardo Mariano (1999),
entre outros pesquisadores, desenvolveram inúmeros estudos distribuídos entre
livros, teses e artigos científicos sobre o cenário desse movimento religioso e suas
relações com outros elos da sociedade. Porém, muito que se falar sobre os
cenários mais particularizados do fenômeno IURD e suas diversas matizes. Um
importante recorte consiste em analisar os fiéis dessa denominação. Mais
especificamente, as representações do Diabo no imaginário destes.
Para realizar uma pesquisa das representações do Diabo no imaginário dos
fiéis da IURD, foi preciso inicialmente entrar em contato com esse universo. Em
2003, quando iniciamos a delimitação do tema começamos a observar de forma
criteriosa os programas televisivos, radiofônicos, publicações impressas, e o site
oficial da IURD. Foram gravados cinco programas de TV, três de rádio e dez Folhas
Universal on-line, para análises posteriores, além do material esporádico que
chegava em nossas mãos. Nossa finalidade era, de certa forma, nos aproximar do
discurso que os fiéis compartilhavam.
O segundo passo consistiu em visitas periódicas a alguns templos da Igreja
18
,
principalmente às terças-feiras, quando ocorre a sessão do descarrego. Ao longo
desses anos realizamos cerca de dezoito visitas ao todo, sendo onze visitas
específicas às terças-feiras, o restante foi dividido entre outros dias da semana. As
visitas se tornaram mais intensas e profícuas no ano de 2005, devido ao
18
Foram visitados templos da IURD de vários bairros de Goiânia e Aparecida de Goiânia Go, relacionados
abaixo.
amadurecimento natural do tema. No total foram visitados cinco templos, um em
cada bairro, setor ou conjunto. Os templos visitados na cidade de Goiânia foram:
Setor Central (sete visitas) e Setor Campinas (três visitas). Os templos visitados na
cidade de Aparecida de Goiânia foram: Conjunto Cruzeiro do Sul (três visitas), Setor
Vila Brasília (duas visitas) e Centro da Cidade de Aparecida (três visitas).
As reuniões temáticas da Igreja Universal ocorrem todos os dias, sendo
destinado a cada dia uma abordagem específica
19
. Chamou-nos a atenção o grande
número de fiéis nas reuniões que ocorrem principalmente no Templo da Fé,
localizado na Avenida Goiás, no. 1449 - Centro. Conversando informalmente com
alguns destes fiéis, constatamos uma muitas vezes exacerbada, uma atmosfera
de esperança, de euforia em que cada um buscava o equilíbrio, o fim dos
sofrimentos, enfim, a felicidade. Isso tudo nos levou a questionar por que é tão
importante para estas pessoas fazer parte das reuniões da Universal. Qual é a
origem e como se formam as representações do Diabo em seus imaginários? Qual é
a importância dessas representações para suas vidas? Qual é o papel da IURD na
formação e reafirmação da figura do Diabo presente no imaginário dos fiéis? Quais
são as armas utilizadas contra os demônios e como estas pessoas enfrentam o
Diabo em seus cotidianos?
Levantamos como hipótese a idéia de que a IURD oferece um sentido para a
vida dessas pessoas, indicando um caminho para a superação de seus problemas.
Inseridos nesse ambiente, os fiéis da Universal constróem representações do Diabo
com a finalidade de enfrentar os diversos problemas, transtornos e complicações da
vida prática. A necessidade de transformar esses conflitos em uma luta contra as
forças demoníacas é uma forma bastante eficaz de dar identidade às pessoas e
19
Segunda-feira a Domingo, respectivamente: Prosperidade, Sessão do Descarrego e reunião da cura, Filhos de
Deus, Família, Libertação, Terapia do Amor, Louvor e Adoração/Sta. Ceia.
sentido aos inúmeros problemas. As práticas sociais dos fiéis baseiam-se em
vigilância e cuidado para que o mal não tome conta de suas vidas. Nesse sentido, os
fiéis buscam sinais de prosperidade a fim de confirmar suas vitórias sobre as forças
do mal.
Em relação ao preparo e desenvolvimento do projeto e realização da
dissertação, no que tange às partes teóricas e de pesquisa de campo, asseveramos
que ela se deu da seguinte forma: a primeira fase metodológica consistiu na seleção
da bibliografia específica leitura e análise; explicitação dos conceitos centrais e
redação parcial. A segunda fase, que se intercalou com a primeira, consistiu na
montagem e aplicação do instrumental de pesquisa de campo, que segue abaixo:
Utilizamos, no primeiro momento, entrevistas dirigidas Para tal fim lançamos
mão dos estudos de Chizzotti (2000), Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998).
Diante desse procedimento trabalhamos com o programa Evoc 2003, que tem a
função de realizar uma amostragem das evocações dos pesquisados. Tais
evocações consistem em destacar palavras mais lembradas pelos fiéis ao longo dos
questionários
20
. Foram produzidas duas perguntas, cada uma aplicada em fiéis
diferentes. Cada fiel deveria evocar pelo menos cinco percepções, no mínimo, e oito,
no máximo. Vinte e cinco fiéis evocaram percepções acerca de uma questão e
outros vinte e cinco acerca de outra. O total de evocações ultrapassou trezentas
percepções.
No segundo momento foi realizada uma aproximação das evocações dos fiéis
da Universal. O programa Evoc 2003 nos ajudou a limpar o terreno com a finalidade
de delimitar um grupo reduzido de palavras (palavras-chave), que resumissem as
representações do Diabo no centro de cada resposta. As palavras-chave
20
Anexo, p, 135, 136 e 137.
selecionadas
21
fizeram parte de um terceiro momento, mais específico, em que se
realizaram entrevistas semi-estruturadas, com perguntas abertas. Nesse momento
foram entrevistados seis fiéis da IURD, todos com mais de dois anos de
pertencimento à Igreja, maiores de vinte e um anos, contabilizando quatro homens e
duas mulheres, no total.
A dissertação se estruturou em três capítulos que ora são apresentados:
Para iniciar o desenvolvimento e tentativa de esclarecimento do nosso objeto
de pesquisa, faze-se necessário o diálogo com relevantes teóricos que pesquisaram
e pesquisam direta e indiretamente as representações sociais e o imaginário. Para
isso, no primeiro capítulo, buscamos os conceitos da Escola de Moscovici,
Durkheim, Weber, Bourdieu, Berger, Delumeau, Le Goff e Laura de Mello, entre
outros, a fim de estabelecer paralelos entre as teorias, seus pontos e contrapontos.
Devemos alertar que o primeiro capítulo terá a função de problematizar, mais do que
aprofundar o objeto. O segundo e principalmente o terceiro capítulo será mais
dedicado à tarefa de ir à raiz do objeto, com a intenção de trazê-lo à superfície.
Moscovici e Durkheim serão utilizados nos três capítulos, pois consistem em
referencias teóricos de base.
No segundo capítulo, Igreja Universal do Reino de Deus: O espaço do Diabo
apresentamos brevemente a história da IURD, bem como as intersecções de suas
práticas teológicas com as atitudes e ações assumidas pelos fiéis. A parceria do
Diabo com Deus como atribuição de sentido o tom de sua importância para a
Igreja e seus fiéis. Os sacrifícios, a conversão, o exorcismo, a cura e a prosperidade
são mecanismos utilizados para vencer o Diabo. Logo, atribui também um sentido
para além da teologia da guerra santa que configura um dos principais aspectos do
discurso neopentecostal da Universal. Dentre outros autores, buscamos como
21
Foram selecionadas três palavras-chave: Problemas financeiros – Crises familiares – Doenças.
referenciais teóricos Antoniazzi (1994), Cecília Loreto Mariz (2003), Paul Freston
(1993), Ricardo Mariano (1999).
No terceiro capítulo, O fiel da IURD face a face com o Diabo, apresentamos o
perfil cio-econômico do fiel, bem como suas relações com os problemas da
modernidade brasileira. Não podemos esquecer que, segundo a pesquisa do ISER
realizada no Rio de Janeiro, o fiel da IURD é o mais pobre, o mais negro e o menos
escolarizado (Mariano, 2003, p. 61). Ele atribui a culpa de suas mazelas aos
demônios incorporados nas doenças e nos problemas familiares e financeiros. Cada
um deve aceitar a existência do Diabo e ter a “consciência” de que ele é o causador
de todos os males. A partir dessa tomada de “consciência”, os fiéis podem encarar
os demônios com a finalidade de derrotá-los. o utilizadas nesse capítulo algumas
relevantes contribuições de Berger (1985), Bittencourt (2003) e Durkheim (1973),
Guareschi (1995), entre outros importantes referenciais.
Na etapa conclusiva do trabalho, afirmamos que as representações do Diabo
no imaginário dos fiéis da IURD nascem de rias fontes históricas, sociais e
antropológicas, cuja raiz remonta a inúmeros contextos, civilizações, culturas e
religiões. Os fiéis criam, recriam e ressemantizam seus cotidianos, que se
preenchem de significado, ganhando um viés mágico. Tais representações podem
ser a chave para se entender os grandes paradoxos do mundo, suas contradições e
o grande problema da teodicéia. As leituras simples e carregadas de conteúdo
simbólico dos crentes da Universal talvez possam ser uma forma eficaz de
compreender o mundo, e a si mesmos.
Para aprofundarmos um pouco mais nesse mundo imaginado e representado,
convidamos o (a) leitor (a) a mergulhar nas páginas dessa dissertação que é uma
tentativa de compreender um pequeno universo que se faz tão grande e
peculiarmente interessante.
CAPÍTULO I
AS REPRESENTAÇÕES DO DIABO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
do céu, em que reinaste, e nas escuridões
do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
seus ramos como um Templo novo se estender!
– Baudelaire
1.1. Representações Sociais na Escola de Moscovici
O comportamento religioso está diretamente ligado à prática social e sabemos
que toda prática social é passível de representação. Contudo, não podemos falar de
“prática” e menos ainda de “representação social dessa prática” sem percebê-la
inserida no espaço onde as ações que lhe dão materialidade ocorrem, ou seja, no
cotidiano. Assim define Moscovici o conceito de representação (apud SÁ, 1996, p.
31):
Por representações sociais, entendemos um conjunto de
conceitos, proposições e explicações originadas na vida cotidiana no
curso de comunicações interpessoais. Elas são o equivalente, em
nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades
tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea
do senso comum.
Através de uma interação dialética com o meio, o indivíduo se conecta ao
grupo social. Em seu cotidiano realiza a ligação com o grupo social. Partindo do
processo dialogal, a singularidade debate e interage com a coletividade, dando
andamento à dinâmica social. As relações são às vezes conflituosas e exasperadas,
difusas e perturbadoras, mas é nesse processo de embates que surge a mescla do
singular e do coletivo. Sobreviver a esse processo implica conhecer as relações
existentes antes mesmo de nossa própria existência. O mundo nos é dado pronto
sob diversos aspectos. Constantemente pequenas mutações, porém a força
coletiva, de coerção social, como dizia Durkheim (1973)
22
, incide penosamente sobre
nossas cabeças.
Na vida cotidiana tudo é representado: objetos, fenômenos, pessoas, fatos,
acontecimentos, instituições etc. Todo homem possui representações a respeito do
mundo que o cerca. Não existe sociedade sem indivíduos e nem indivíduos sem
uma história social. A teoria das representações sociais é capaz de estabelecer o elo
entre o indivíduo, o grupo e a humanidade.
Afirma Sá (1996, p. 32):
Em primeiro lugar, considera que uma representação
social é uma forma de saber prático que liga um sujeito a um objeto.
Com relação ao objeto, que pode ser de natureza social, material ou
22
Moscovici desenvolve sua teoria sobre as representações sociais a partir da teoria das
Representações Coletivas de Durkheim. Nesse sentido, o conceito de Durkheim sobre
representações coletivas será fundamental.
ideal, a representação se encontra em uma relação de simbolização
(está no seu lugar) e de interpretação (confere-lhe significados). A
representação é, por outro lado, uma construção e uma expressão do
sujeito, que pode ser considerado do ponto de vista epistêmico (se se
focalizam os processos cognitivos) ou psicodinâmico, mas também
social ou coletivo, na medida em que sempre se de integrar na
análise daqueles processos o pertencimento e a participação sociais e
culturais do sujeito.
Nesse sentido, o elo de ligação entre a teoria das representações sociais e o
neopentecostalismo da IURD se faz muito presente. As práticas sociais vivenciadas
pelos fiéis da Igreja Universal são passíveis de representação, pois há o sujeito (fiel)
e o objeto (diabo) que é representado pelo primeiro. A forma de representar o Diabo
se altera de acordo com a singularidade de cada grupo cultural, sociedade e religião.
O objeto de representação se altera com as interpretações dos sujeitos que
participam de um determinado grupo; nesse caso específico, um grupo religioso.
Como se o as representações do Diabo nos fiéis da IURD é o que veremos a
seguir.
A religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do
que desejamos (...). É necessário reconhecê-la como presença
invisível, sutil, disfarçada, que se constitui num dos fios com que se
tece o acontecer do nosso cotidiano. (ALVES, 2003, p. 13).
As representações sociais que os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD) fazem do Diabo estão ligadas diretamente com o cotidiano do indivíduo e da
sociedade. O Diabo tem um papel fundamental no cotidiano do fiel, alterando sua
vida para pior, causando transtorno em seus relacionamentos afetivos, ruína em
seus negócios, enfim, prejudicando ao máximo o seu dia-a-dia.
Todavia, as representações sociais dos fiéis da IURD não se formam
sozinhas, elas precisam de ancoragem, de um discurso construído e re-construído,
desenvolvido e ressemantizado pelos contextos sociais e históricos, pelo discurso
dos dominadores e dos dominados. Também se ancora na cultura, nas religiões, na
luta pelo poder simbólico (BOURDIEU, 1999). As representações se alteram diante
de novos contextos e visões de mundo. Diz Guareschi (1998, p.219):
O mal também necessita ser ancorado. De onde vêm todos
esses males e doenças? De onde vem o desemprego? E os problemas
familiares, como o abandono do marido, as filhas que engravidam sem
casar, a falta de aluguel, a falta de escolas? A resposta é imediata: são
os exus e as pomba-giras. São encostos que esses maus espíritos
colocam sobre as pessoas. Essas entidades malignas recebem até
nomes. Ao realizar os exorcismos, uma das primeiras perguntas feitas
ao “doente-pecador” é: Qual o teu nome? Satã? Pomba-gira? Legião?
Exu do cemitério? Exu macumbeiro? Exu preto? Exu das quebradas?
Exu da encruzilhada?
Os fiéis da IURD fazem a representação social do Diabo apoiados na
hermenêutica bíblica neopentecostal que exaspera a figura dos demônios, tornando-
os arquiinimigos do homem e de Deus. Desta forma, criam uma resposta
extramundana para as desgraças e dificuldades do cotidiano. A IURD identifica o
Diabo como o causador de todas as espécies de males que acometem o mundo.
Não é de hoje que o mal é identificado como obra de uma divindade oposta ao “deus
do bem”.
A Igreja Universal lança mão de recurso carregado de emoção e
dramaticidade ao convidar o fiel a vivenciar o simbólico e atribuir toda a espécie de
problemas à ação do Diabo, a saber: o desemprego, as doenças, a fome, as dívidas,
a síndrome do pânico, a violência urbana e os problemas afetivos e conjugais, entre
tantos outros. Nesse sentido o Diabo é passível de representações, pois seu caráter
é prático e em sua figura se aglutinam inúmeros acontecimentos do cotidiano que
são canalizados e reduzidos a símbolos de representações; no caso específico, as
representações do Diabo nos fiéis da IURD. Tais representações não são inatas,
suas raízes remontam a outras representações construídas ao longo da história
humana.
Para entender melhor a teorização das representações sociais e suas
imbricações no universo neopentecostal e principalmente no cotidiano dos fiéis da
IURD, faz-se necessário abordar outros pesquisadores. Para esse fim trazemos à
baila alguns dos principais clássicos do pensamento sociológico (Durkheim e
Weber), como também seus leitores e relevantes sociólogos da atualidade (Bourdieu
e Berger).
1.2. As representações sociais nas matrizes do pensamento sociológico
As teorias sociológicas clássicas, e o que se derivou delas, sempre contou
com o estudo das representações sociais. Émile Durkheim
23
(1973) desenvolveu,
entre outros, os conceitos de: “fato social”, “solidariedade mecânica e orgânica”,
“consciência coletiva e individual”. Max Weber (1999) buscou analisar as “ações
sociais com sentido e visão de mundo”. Trazendo à tona conceitos desenvolvidos
em seus estudos sobre a sociologia da religião, mais específicos para esse estudo,
como os de “predestinação, caminhos de salvação e cura das almas”. (WEBER,
2004). Bourdieu (1999) e Berger (1985) trabalham conceitos ligados ao poder
23
Mesmo tendo suas teorias criticadas por intelectuais contemporâneos (Pierre Sanchis, 2003), ainda se pode
utilizar as categorias de Durkheim para compreender nosso objeto.
simbólico, ao campo religioso, à exteriorização, objetivação e interiorização, nomia e
anomia, respectivamente.
1.2.1. Representações sociais em Émile Durkheim
Para Durkheim (1973) as representações sociais são conjuntos de normas,
crenças, regras, valores sobre os quais se estabelecem as religiões, a política, a
economia, sendo que as categorias estão na base, pois são raízes, noções
essenciais. Para ele, categorias como tempo, espaço, gênero, número, causa
(princípio), substância, personalidade (pessoa) estão presentes no universo são
conteúdos básicos da mente humana. As representações sociais interagem
diretamente com as categorias, sendo as primeiras o reflexo pragmático das
segundas. Para Durkheim é importante estudar o que ele julgava serem as “religiões
elementares”, pois é ali que se estabelecem as origens das representações sociais.
“Há muito se sabe que os primeiros sistemas de representações que o homem
produziu do mundo e de si próprio são de origem religiosa”. (DURKHEIM, 2000, p. XV).
A interação entre as categorias e as representações sociais se dentro de
um processo de correlações. Por exemplo, a categoria de gênero se altera devido ao
lugar, ao tempo, a personalidade dos integrantes do grupo social. O processo se
na própria sociedade (o indivíduo não será idêntico a si sempre interação). As
representações coletivas foram formadas durante um longo processo, no tempo e no
espaço. Sua complexidade se instituiu ao longo de gerações de pensamentos,
personalidades e sentimentos. Diz Durkheim (2000, p. XXIII):
Na imensa cooperação, uma multidão de espíritos diversos
associou, misturou, combinou suas idéias e seus sentimentos; longas
séries de gerações nelas acumularam suas experiências e seu saber.
(...) O homem é duplo - dois seres nele: um ser individual, que tem
sua base no organismo e cujo círculo de ação se acha, por isso
mesmo, estreitamente limitado, e um ser social, que representa em nós
a mais elevada realidade, na ordem intelectual e moral, que podemos
conhecer pela observação, quero dizer, a sociedade.
As representações sociais interagem com as categorias e ambas se
modificam de acordo com o contexto social. Tais contextos são também históricos,
permeados de ocorrências, guerras, conflitos, interesses, etc. As representações
são vivas, mutáveis, possuidoras de uma certa instabilidade. A aproximação teórica
das representações do Diabo nos fiéis da IURD será mais precisa com o resgate das
matrizes religiosas dessa Igreja
24
.
Para Durkheim, a melhor forma de estabelecer uma leitura mais apurada da
sociedade é buscar elementos nas sociedades que ele considerou elementares,
sendo que as sociedades totêmicas são ideais para esse estudo. “Entre as crenças
sobre as quais repousa a religião totêmica, as mais importantes são naturalmente as
relacionadas ao totem; portanto, é por elas que devemos começar”. (DURKHEIM,
2000, p. 96). A origem do totem é hierárquica, pois ele define as relações sociais
quem pertence ou não ao grupo. Aqueles que pertencem ao totem são considerados
sagrados, os que não possuem são excluídos dos rituais e práticas sagradas.
Afastados das cerimônias, são considerados profanos e impedidos de tocar
nos objetos sagrados, de pisar sobre solo sagrado. Os excluídos do totem
geralmente são crianças, mulheres e indivíduos de outros totens. Todo e qualquer
elemento que não compuser o totem é considerado profano. Isso se estende a
24
Não é tarefa nossa fazer um estudo enciclopédico das raízes religiosas do Diabo que influenciam a Igreja
Universal e seus fiéis, mas, ao menos trazer à discussão algumas das principais fontes.
territórios geográficos, ritos, mitos, crenças e cultos. Cada totem possui seus
elementos sagrados. o pertencer a eles é encontrar-se no mundo profano. O
totem constitui forças materiais e morais, sendo que as forças morais imprimem as
mesmas obrigações que a família.
Os fiéis da IURD buscam o totem, que nesse caso específico é a própria
igreja. É em seu seio que os crentes se sentem pertencentes a um projeto muito
maior que suas próprias individualidades. O sentimento de pertencimento é
importantíssimo para aqueles que se encontram perdidos, abandonados e excluídos
pela sociedade. Não é por acaso que a grande maioria dos fiéis da IURD são de
origem humilde. Quando o totem maior (sociedade vigente) não dá conta de atender
às expectativas mais comuns dos indivíduos, é bastante normal que estes busquem
formas alternativas de pertencimento. Entre esses casos estão a criminalidade
(formação de gangues) e também as novas seitas
25
religiosas. São exemplos de
formas alternativas de inclusão social. É comum perceber o crescimento da IURD
em países pobres ou miseráveis, com exceção de alguns que possuem fortificados
seus bens de salvação tradicionais
26
. Para Durkheim o indivíduo isolado é frágil, por
esse motivo é que ele necessita e busca o grupo.
Nas reuniões da IURD, por exemplo, são exaltadas as paixões e carências
comuns, os sentimentos e atos do grupo. O indivíduo isolado é pequeno e fraco, em
assembléia ele se faz forte pela própria força do grupo. O indivíduo é elevado acima
de si mesmo, sendo que a comum se manifesta no ato comum. As forças
superiores ao sujeito, como a moral do grupo domina os interesses particulares,
nascem daí odemônio da inspiração oratória tão pertinente às grandes comoções
25
Utilizamos o conceito de seita em Weber (1999).
26
O México se configura como um exemplo marcante na América Latina, onde a IURD não teve grande
penetração. Nesse país a crença na Virgem de Guadalupe é muito forte entre a população de baixa renda. “(...)é
importante compreender que as inúmeras formas de reativação desses cultos e práticas rituais acontecem graças a
uma autonomia da religiosidade popular, bem característica do México”. (ORO, p. 97, 2003).
populares. Nesse momento não é o simples indivíduo que fala, é o grupo encarnado.
Nascem daí atos de heroísmo, violência (ex, Cruzadas), em que o sujeito luta e
morre pelo coletivo e sua singularidade deixa de existir. “Uma vez reunidos os
indivíduos, sua aproximação libera uma espécie de eletricidade que os transporta
rapidamente a um grau extraordinário de exaltação”. (DURKHEIM, P. 221, 222). O
sentimento que a sociedade tem reforça o sentimento que o sujeito tem de si
mesmo. Nesse sentido, se estabelece a harmonia moral, a sustentação contínua do
eu moral (a força moral é algo além da pessoa; é imanente). O tônus moral do
indivíduo depende do grupo social (a sociedade existe antes e além do indivíduo).
Segundo Durkheim, a sociedade cria duas realidades: o mundo das coisas
sagradas e o mundo das coisas profanas. Os homens divinizados (soberanos
possuidores do “Mana”) são representações da divindade. As divindades são
criadas pela sociedade, como são criados os seres profanos. Mas, da mesma forma
que a sociedade diviniza indivíduos, objetos, ou qualquer outra coisa, ela tem o
poder de tornar profanos os mesmos elementos. Nesse sentido, as representações
não são estáticas. Elas sofrem alterações no seio da sociedade. Algumas mudanças
são mais lentas e graduais; outras, em menor escala, são mais rápidas e dinâmicas.
Não existem religiões falsas para Durkheim, pois elas tornam legítimas as
relações humanas através das crenças e ritos. As forças heterogêneas do totem são
os poderes orenda, mana forças impessoais que se encontram em tudo, mas
não pertencem a ninguém e não se esgotam em ninguém não estão no tempo,
nem no espaço. O totem possui a força física que age mecanicamente através das
coerções e sanções. Para Durkheim (2000), a força é, então, a própria sociedade.
Ela é superior aos indivíduos, que acreditam depender dela e dela receber sua força,
isto é, a religião. Como a força da sociedade é real, a base da religião é real. “Uma
vez reunidos, portanto, seu primeiro movimento deve ser o de afirmar uns aos outros
essa qualidade que se atribuem e pela qual se definem. O totem é o signo de
congraçamento deles, e é por essa razão que eles o desenham no corpo”. (IDEM, p.
387). O totem é simbolizado pelo deus totêmico (poder e força). Ele representa o clã
que é a própria sociedade. Se ambos são representados por uma única coisa, o
deus do clã é, então, o próprio clã.
Segundo Durkheim, o indivíduo tende a se aproximar do sagrado através dos
ritos miméticos. Dessa forma, a vida cotidiana torna-se sagrada, repleta de
momentos mágicos, pois o sujeito sai da vida ordinária e entra na vida
extraordinária. A mimese ao indivíduo características do sagrado, como poder,
força, transcendência. Esses elementos transformam a vida simples e rotineira em
sagrada. Como nos disse em entrevista a fiel Joana (28 anos). “Procurei Deus, na
Universal, não pela fé, mas pela dor. Ele me fortalece”. O sagrado atribui sentido à
vida, que em muitos casos se encontra totalmente esfacelada. Porém, os momentos
extraordinários são brevíssimos; logo o sujeito volta à sua vida comum,
necessitando retornar posteriormente ao seio do grupo (igreja), a fim de se
recarregar do poder sagrado”. Mesmo por um breve instante o indivíduo se
relaciona intimamente com o sagrado. uma suspensão temporária da vida
ordinária. Estabelece-se, momentaneamente, um elo entre os dois mundos, que
passam a ser um só. O sujeito começa a perceber que é capaz de alterar sua vida
para melhor, que o reino de Deus pode se concretizar no “aqui e agora”.
Em uma de nossas visitas periódicas aos templos da IURD pudemos
constatar momentos em que muitos fiéis demonstravam estados de êxtase. Corpos
sinalizavam na direção do céu ou do objeto desejado. Em uma dessas ocasiões, o
pastor propôs aos fiéis que estes se direcionassem para suas casas, no intuito de
pedir proteção para a mesma e todos que ali vivessem. No mesmo instante,
centenas de pessoas começaram a orar em voz alta, uns pulavam, outros
abraçavam o ar, alguns choravam desesperadamente. Um senhor, de meia idade,
me chamou a atenção, pois abaixava e levantava as mãos, em movimentos
frenéticos, como alguém que apanha frutos raros e frágeis no pomar. Cada qual com
seus problemas, cada qual isolado em sua singularidade.
Na IURD ocorre ao mesmo tempo a necessidade do pertencimento ao grupo,
e a busca individual pela salvação. As pessoas sentem a necessidade de
comparecerem às sessões mas não há, necessariamente, vínculos institucionais,
sentimentais ou qualquer associação profunda com a Igreja. O fiel comum é
estimulado a buscar a realização de seus desejos, não em ajudar a concretizar os
sonhos daqueles que estão do lado. Nesse sentido as representações do Diabo são
singulares e a vitória sobre ele também deve ser.
1.2.2. Representações sociais em Max Weber
Weber, ao falar de sinais de salvação (2002, p. 78), aponta inversamente para
o discurso da IURD, bem como para a postura dos fiéis da mesma. O discurso da
Igreja Universal do Reino de Deus é totalmente inverso às hermenêuticas ascetas
do calvinismo dos séculos XVI e XVII. O espírito capitalista retratado por Weber não
se encaixa na visão de mundo do fiel da igreja neopentecostal citada. O contexto é
outro, a forma de conquistar a riqueza e usufruir dela é tomada de maneira
diferenciada do contexto analisado pelo sociólogo. A doutrina da IURD prega
essencialmente a “libertação dos espíritos demoníacos, a crença na prosperidade
como vontade de Deus, e a autonomia da igreja em relação aos grupos tradicionais”
(MACEDO, 2000, p. 35). Quanto à prosperidade, Macedo afirma que Deus é “pai de
todos”, logo todos merecem a herança que Deus tem a obrigação de fornecer. Deus
é rico e, por conseguinte, seus filhos também o são. O problema consiste em
indivíduos que não vivem segundo os preceitos do Pai, por isso, ainda, vivem
sofrendo.
Não são apenas alguns os predestinados por Deus à salvação. A riqueza
continua sendo um forte sinal do chamado de Deus, mas as “Portas Celestes” estão
abertas para todos que escutam o “chamado”, ao contrário da doutrina calvinista,
que era restritiva.
Aqueles, da humanidade, que são predestinados à vida, foram
escolhidos por Deus antes da criação do mundo, de acordo com Seus
eternos propósitos imutáveis, por secreta decisão e satisfação de Sua
vontade com Cristo e em eterna glória, simplesmente por Sua livre
graça e amor, sem qualquer outra coisa na criatura com causa ou
condição que O levassem a isso, e tudo para exaltação de Sua gloriosa
graça.
Quanto ao resto da humanidade, foi do agrado de Deus,
conforme a decisão a decisão insondável de Sua própria vontade, que
esparge ou retém mercês conforme Lhe apraz, pela glória de Seu
soberano poder, sobre suas criaturas, dispensá-la e condená-la à
desonra e à ira por seu próprio pecado, para louvor de Sua gloriosa
justiça. (WEBER, 2002, pp. 79-80).
Não existe predestinação para o fiel da Universal. Seu destino, por exemplo,
pode ser alterado por ações diabólicas. “Aqueles anjos decaídos formam hoje os
exércitos das trevas, que são comandados pelo diabo, cujo objetivo sempre foi
destruir o povo de Deus”. (BISPO MADURO, p.14, 2004). Na teologia da IURD, cabe
a cada um traçar seu próprio destino lutando contra as ciladas do mal, com o apoio
de Deus via instituição religiosa
27
.
Diferentemente do Deus calvinista, o Deus da Universal está bem perto do
fiel, podendo se tornar seu sócio, e a qualquer momento, aceitar seu filho de volta. O
Deus calvinista é imutável, seus designos são irrevogáveis, tudo está pré-traçado. O
Deus da IURD é flexível, tudo e todos podem sofrer alterações, o destino pode e
deve ser modificado através da vontade e determinação de cada um. Não é Deus
que designa o destino de suas criaturas, mas sim suas criaturas que através da e
atitude alteram suas vidas para melhor. A salvação ou a perdição, nas garras do
mal, depende única e exclusivamente das ações e tomadas de decisão de cada um.
Cabe a Deus, apenas acolher, em seus braços, seus filhos. Tais percepções
teológicas dão às representações dos fiéis um traço singular. Principalmente em
relação às representações do mal e suas relações com os projetos de Deus aos
seus filhos.
O sucesso da IURD entre a população de baixa renda, como dissemos acima,
não é por acaso. O fato do indivíduo a qualquer momento poder impor a Deus sua
salvação transforma a realidade cruel daqueles excluídos em algo mais sustentável.
Provocar alterações positivas no próprio destino é ter o poder de transformar-se em
divindade, colocando-se no pedestal dos deuses. O discurso de Calvino certamente
excluiria inúmeros brasileiros. Todavia, o discurso da Universal arrebanha milhares
de fiéis que não querem aceitar ou não suportam a realidade.
Weber não tem como ponto central de seu discurso a religião. Sua
preocupação é compreender a sociedade capitalista, a civilização moderna. Por isso
27
As falas dos pastores são carregadas do discurso da auto-ajuda. É muito comum ouvir: “Você é vitorioso, você
é capaz, você e filho de um Pai poderoso e rico, por esse motivo, você também pode vencer”.
estudou a religião, seus processos funcionais, relacionais e motivadores, pois eles
são fundamentais para compreender os aspectos econômicos da sociedade.
Assim Weber passa de seus estudos sobre a economia
propriamente dita para os sobre religião quando observa que o sucesso
do capitalismo moderno requer um novo estilo de vida. Julga que a
religião pode ajudar a entender por que alguns indivíduos se
dispuseram a abandonar o estilo de vida herdado de seus pais e outros
não. A sociologia da religião de Weber emerge, portanto, desse seu
interesse sobre o surgimento do capitalismo. O protestantismo teria
criado um estilo de vida, um ethos que teria uma afinidade eletiva com
o modo de produção capitalista, segundo Weber. (MARIZ, 2003, p. 75).
Weber constrói seus argumentos sobre religião observando as práticas e os
sentidos subjetivos aplicados a tais ações sociais. O sociólogo afirma que o sucesso
do capitalismo, por exemplo, ocorreu devido a determinadas posturas racionais que
visavam um objetivo específico. No caso da religião calvinista, a salvação (propósito
final), deveria ser alcançada através de uma vida ascética. (WEBER, 2004). O
conceito de salvação para o fiel da IURD está bem distante do conceito asceta. Ele é
mundano
28
, é um indivíduo que conversa, debate, discute com seu deus. Utiliza meio
físico (dinheiro) para agir sobre um mundo transcendente, que retroage sobre a vida
cotidiana, trazendo vitórias.
1.2.3. Representações sociais em Pierre Bourdieu
Segundo Bourdieu, o sistema simbólico da religião permite ao homem
organizar o mundo natural e social dentro da classe a que pertence. Esse sistema
torna-se visível na arte, na política e em outros veículos de poder que diferenciam e
28
Mundano no sentido de querer o sucesso pessoal, dinheiro, prosperidade, beleza, saúde, ser empresário e ter
carros importados.
legitimam as diferenças sociais. As representações sociais que os fiéis da IURD
possuem do Diabo e de si mesmos aproximam-se das análises de Bourdieu. Tais
fiéis buscam compreender o mundo social ao qual pertencem, sua dinâmica e
estrutura. Representá-lo é uma tentativa de compreendê-lo. O sociólogo, ao retomar
as análises de Max Weber e de Karl Marx, diz que a religião tem como função a
conservação da ordem social, a legitimação dos poderes dos dominantes e a
domesticação dos dominados.
Neste ponto, Weber está de acordo com Marx ao afirmar que a
religião cumpre uma função de conservação da ordem social
contribuindo, nos termos de sua própria linguagem, para a
“legitimação” do poder dos “dominantes” e para a “domesticação dos
dominados”. (BOURDIEU, 1999, P. 32).
Essa constatação não é compartilhada por todos. Otto Maduro (1983), entre
outros autores, pensam de outro modo. As bases teóricas e práticas da Teologia da
Libertação, para citar um exemplo, indicam outras funções da religião. Afirma
Maduro (1983, p. 175):
As religiões não desempenham sempre nem apenas funções
conservadoras com respeito às relações sociais conflitivas de
dominação. As religiões não necessariamente constituem um obstáculo
à autonomia das classes subalternas nem a suas alianças contra a
dominação. Muitas religiões, em um sem-número de processos
historicamente registrados, parece que desempenharam claro papel
nas lutas dos dominados contra a dominação interna e/ou externa.
Por isso a religião organiza e se especializa em seu trabalho para que,
investida de poder, cumpra a sua função social e política em favor de diferentes
classes sociais. Essa função tem sucesso, pois a religião possui uma forte virtude de
eficácia simbólica.
Para Bourdieu o campo religioso possui diferentes interesses com seus
diversos sistemas de práticas e trocas simbólicas. origem a um conjunto
moralizante que se estrutura nas crenças, nos critérios e imperativos éticos. Tais
características se inserem principalmente na formação tecnológica do
desenvolvimento da vida urbana. Nesse contexto ocorre a divisão do trabalho
intelectual e do trabalho material, constituindo uma relação de interdependência
entre dois mundos
29
. Há, progressivamente, uma concentração do poder religioso
nas mãos daqueles que institucionalizaram as práticas religiosas. Diz Bourdieu
(1999, p. 34):
O conjunto das transformações tecnológicas, econômicas e
sociais, correlatas ao nascimento e ao desenvolvimento das cidades e,
em particular, aos progressos da divisão do trabalho material,
constituem a condição comum de dois processos que podem
realizar-se no âmbito de uma relação de interdependência e de reforço
recíproco, a saber, a constituição de um campo religioso relativamente
autônomo e o desenvolvimento de uma necessidade de ”moralização”
e de “sistematização” das crenças e práticas religiosas.
Apesar da centralização do poder simbólico religioso nas mãos dos
dominadores, ele não é hegemônico. O poder simbólico nasce e está, também, nas
mãos dos leigos. Portanto, não dominação plena, nem resignação absoluta.
Podemos perceber essas práticas nas relações mantidas entre os pastores e os fiéis
da IURD. A doutrina, a teologia, a economia, o poder, as condutas moralizantes
proferidas pelos profissionais da (WEBER, 1999) são filtradas e ressemantizadas
29
Tal divisão abrange outras dimensões, caracterizando as diferenciações entre o mundo religioso
institucionalizado e o mundo religioso popular. Cada qual com suas representações de mundo.
pelos fiéis, que criam e recriam suas próprias representações. Cada um, pastor e
fiel, possuem significativas parcelas de poder simbólico (BOURDIEU, 1999). Na
IURD, ambos utilizam, às vezes sem saber da origem, representações tão antigas
quanto a história das primeiras civilizações, transformando-as em importantes
poderes simbólicos que cumprem o papel de legitimador social. Nossa intenção não
é estabelecer os papéis, ou as dominações do poder religioso existentes entre os
sacerdotes e fiéis da IURD, mas tentar entender como se estabelecem as
representações do Diabo nos seguidores dessa doutrina neopentecostal.
Não é privilégio da doutrina iurdiana o domínio e a criação das
representações simbólicas. Essa Igreja apenas utiliza, de forma reestruturada, várias
representações, muitas delas vinculadas à religiosidade popular, ligadas aos cultos
mágicos e práticas sacrificais presentes há muito no imaginário humano.
Bourdieu (1999) diz que a religião está disposta a assumir funções
ideológicas e práticas políticas de absolutização do relativo e legitimação do
arbitrário. Consiste em reforçar a força material e a força simbólica, possível de ser
mobilizada por um grupo ou uma classe, assegurando e legitimando tudo o que
define socialmente este grupo ou uma classe na medida em que ele (grupo ou
classe) ocupa uma posição determinada na estrutura social. A legitimação acontece
através de duas modalidades: as sanções santificantes e quando inculca nas
pessoas ou grupos um sistema de práticas e representações consagradas.
É muito comum entre os neopentecostais a prática santificante do “batismo
nas águas”. Tal ação simbólica é carregada de poder, pois separa dois mundos. Um
de derrotas e sofrimento, que fica para trás; outro de vitórias e conquistas, que
começa a partir do renascimento simbólico (consagrado no batismo). Na IURD os
problemas cotidianos dos fiéis são representados nos discursos acalorados dos
pastores, como sendo ciladas e armações do “exército diabólico”. Todos os tipos de
transtornos deixam de fazer parte de um mundo ordinário, atingindo uma outra
esfera, alcançando um mundo extraordinário. Esses problemas não são causados
por crises políticas, complicações de ordem emocional, falta de estrutura familiar,
entre outros. As dificuldades que assolam a vida dos fiéis são única e
exclusivamente de origem diabólica. Para superá-las deve-se, então, derrotar todo
um exército de agentes espirituais do mal. Um bom começo é criar representações
mágicas do mundo.
Tendo em vista que uma prática (ou uma ideologia religiosa),
por definição, pode exercer o efeito propriamente religioso de
mobilização (correlato ao efeito de consagração) na medida em que o
interesse político que a determina e a sustenta subsiste dissimulado
em face tanto daqueles que a produzem como daqueles que a
recebem, a crença na eficácia simbólica das práticas e representações
religiosas faz parte das condições da eficácia simbólica das práticas e
das representações religiosas. (BOURDIEU, 1999, p. 54).
As representações do Diabo reproduzidas pela IURD e ressemantizadas
pelos fiéis possuem eficácia simbólica, pois abrangem de forma eficiente a vida
cotidiana daqueles que buscam respostas para problemas às vezes insustentáveis,
além de reduzir as inúmeras complexidades da vida. Bourdieu diz que a religião
deve cumprir funções sociais além do que os leigos esperam de justificação de
existir, e livrar das angústias, solidão, miséria, doenças, sofrimentos e morte. Eles
esperam que a religião forneça justificações de existir em uma determinada função
social, com todas as propriedades que lhes são inerentes. Será mais eficaz a
religião quando conseguir satisfazer aos interesses religiosos, aos grupos de leigos;
se exercer o efeito simbólico; se for capaz de mobilização; se tornar absoluto o que
é relativo; se legitimar o arbitrário. Desta maneira, segundo ele, o campo religioso
cumprirá a função externa de legitimação da ordem estabelecida e de manutenção
da ordem política.
Para Bourdieu, todo fenômeno religioso nasce de uma experiência muito
profunda e intensa, vivida por uma pessoa que é profundamente carismática. Tal
experiência religiosa do carismático tende a atrair seguidores, discípulos que irão
definir seus símbolos religiosos, que serão portadores da energia da experiência
religiosa vivida pelo carisma fundante. O carisma é o poder simbólico que confere ao
carismático o fato de acreditar em seu próprio poder simbólico.
A eficácia simbólica que se agrega aos agentes religiosos na
medida em que aderem à ideologia do carisma, isto é, o poder
simbólico que lhes confere o fato de acreditarem em seu próprio poder
simbólico. (BOURDIEU, 1999, p. 55).
A rotinização do carisma será estabelecida, principalmente a partir do
momento em que o fundador do fenômeno religioso morrer ou se ausentar da
comunidade dos crentes. Nesse estágio do processo do fenômeno religioso nasce a
figura do sacerdote, que vai sistematizar o processo de vivência do carisma,
construindo dogmas e determinando um comportamento ético dos seguidores. É
nesse momento que o fenômeno religioso constrói a Igreja. Tal instituição vai
garantir, através dos seus ritos e mitos, a rotinização do carisma. Para Bourdieu os
sacerdotes, que são profissionais da fé, sustentados pela instituição religiosa, vão
garantir a permanência da eficácia do carisma fundante do fenômeno religioso em
questão. A religião como empresa de salvação possui um capital de autoridade em
função da força simbólica que exerce nos fiéis. A racionalização religiosa leva à
burocratização com a conseqüente hierarquização. Esta formulação religiosa levada
ao plano simbólico legitima a sociedade burocrática, classista e hierarquicamente
constituída. (BOURDIEU, idem, p. 60). As releituras realizadas por Bourdieu se
estruturam com os aspectos vivenciados na Igreja Universal, bem como com o papel
e representações dos fiéis da mesma. O poder carismático de Cristo, Vencedor do
Diabo, está nas mãos dos sacerdotes, mas o fiel também deve tomar esse poder
para si, realizando, nesse sentido, o papel de filho legítimo de Deus, assunto que
trataremos no segundo e terceiro capítulos.
1.2.4. Representações sociais em Peter Berger
No Dossel Sagrado Berger diz que a sociedade deve ser entendida de forma
dialética. Afirma que a religião ocupa um importante papel na construção social, mas
para que tal construção seja compreendida lança mão, inicialmente, de três
conceitos: exteriorização, objetivação e interiorização. Para Berger a sociedade é
um produto humano, isto é, o mundo do homem não corresponde ao mundo dos
animais (pré-determinado). O mundo humano é precário, “o homem é curiosamente
inacabado ao nascer” (BERGER, 2004, p. 17), portanto, necessita construir e ser
construído por si próprio, constantemente. O processo contínuo de construção do
mundo e do próprio ser humano por ele mesmo é denominado exteriorização. O
resultado de tal processo Berger chama de cultura. Sendo o mundo constantemente
construído e reconstruído pelo homem, os processos de representações também
sofrem alterações constantes. Apesar de que as representações sobre o Diabo nos
fiéis da IURD tenham origem em representações muito antigas, não são as mesmas.
As representações do Diabo nos fiéis da Igreja Universal possuem uma
singularidade específica, interagindo constantemente com a cultural, da qual faz
parte.
A cultura é a totalidade dos produtos dos indivíduos e das sociedades,
consistindo nos objetos materiais (ex. ferramentas), bem como na elaboração de
objetos não-materiais como a própria linguagem que é erguida como forte
construção simbólica que abarca todos os aspectos da vida. A cultura é uma espécie
de segunda natureza, ela se distingue da primeira natureza em sua origem, por ser
um produto do homem.
Seja como for, a sociedade, naturalmente, nada mais é do
que parte e parcela cultural o-material. A sociedade é aquele
aspecto desta última que estrutura as incessantes relações do
homem com os seus semelhantes. Como apenas um elemento da
cultura, a sociedade compartilha do caráter desta como produto
humano. (BERGER, 2004, p. 20).
Sendo produtos da construção humana, as estruturas da cultura são frágeis e
propensas a mudar. “E na sociedade os produtos dessas atividades podem
durar”. (BERGER, 2004, p. 21).
Os produtos exteriorizados pelo indivíduo assumem uma identidade
diferenciada do produtor. Os produtos passam a ter uma “distinção em relação
àqueles que os produzem”. Tal transformação que os objetos materiais e imateriais
assumem, distinguindo significativamente de seus criadores, é chamado por Berger
de objetivação. O mundo que anteriormente foi construído pelo homem atinge um
caráter de realidade objetiva. No primeiro momento (exteriorização), o sujeito cria
objetos materiais e não-materiais. No segundo momento os objetos ganham
autonomia e passam a exercer “uma lógica objetivada” sobre os próprios criadores
(objetivação). Os instrumentos criados pelos indivíduos passam a impor sobre eles
suas próprias lógicas. O homem tem que se adequar à lógica dos objetos.
Em um primeiro momento o indivíduo cria representações do mundo
(exteriorizações). Em um segundo momento, suas exteriorizações se objetivam,
exercendo sua lógica sobre aqueles que as desenvolveram. Seguindo essa lógica
podemos dizer, parcialmente, que os fiéis da IURD o representam livremente o
Diabo. As representações do Diabo nos fiéis dessa Igreja fazem parte de um
grandioso conjunto de representações estruturadas (objetivadas), porém, passíveis
de se alterarem. Nesse processo ganham outras formas e matizes, importantes para
o equilíbrio do indivíduo que, a partir desses pontos, promove a leitura e busca
compreender o mundo.
Para Berger, a nomia funciona como um escudo contra o terror. O indivíduo
busca o equilíbrio de sua própria existência, convivendo em sociedade. A separação
brutal dos laços que prendem o homem ao contexto social pode levá-lo ao estado de
anomia. Toda realidade socialmente definida permanece ameaçada por
”irrealidade” à espreita. Todo nomos socialmente construído deve enfrentar a
possibilidade constante de ruir em anomia”. (BERGER, 1985, P. 36). A anomia traz
transtornos em vários aspectos: moralidade, sexualidade, integração social, etc. O
papel da sociedade e da religião é o de afastar o sujeito da anomia ou retirá-lo de tal
estado. O sujeito busca equilíbrio (nomos), se comparando com os outros, buscando
equivalências que poção legitimar suas ação, atitudes e tomadas de decisões. A
sociedade tem a função de atribuir méritos, conceder atributos ao sujeito. Mas, da
mesma forma que o indivíduo recebe os reconhecimentos, a sociedade pode retirá-
los, podendo levar o sujeito ao mais profundo estado de anomia.
Quando a sociedade não corresponde à busca de sentido do homem, a
religião possui a função nomizadora, quando a sociedade não dá mais respostas
para o indivíduo, quando ele não consegue buscar sua identidade em padrões pré-
estabelecidos pelo corpo social. Quando não tem seu eu aprovado e comprovado
por uma força que é maior e exterior a ele, quando a interiorização não é mais
possível, a religião cumpre esse papel. Cabe nesse momento relatar uma breve nota
sobre as ações sociais promovidas pela IURD, ações que o divulgadas com
orgulho por fiéis da mesma, sem falar dos eficientes meios midiáticos utilizados por
ela. A presença da Igreja em presídios, hospitais e locais de recuperação psíquica,
química e física, entre outros, é repercutida como uma das lutas contra as forças
diabólicas. Lutas que levam o indivíduo à vitória em todos os meios sociais, portanto,
afastam ou retiram o sujeito da anomia.
1.3. As Representações do Diabo no Cristianismo Nascente
A importância de estudar as representações do Diabo no Cristianismo
Nascente torna-se relevante devido ao simples fato de que os fiéis da IURD são
cristãos. Além de se autodenominarem cristãos, suas interpretações e práticas
religiosas fazem uso das fontes, das origens, exaltam um Cristo vitorioso, vencedor
da guerra santa contra o Diabo. Jesus é representado como guerreiro destemido;
aquele que derrotou as doenças, a morte e seus causadores, o exército de
demônios. As representações de uma época distante, em que o líder carismático
andava promovendo milagres e exorcismos, é evocada constantemente pelos fiéis
da Universal. As hermenêuticas realizadas sobre o filho de Deus que nasceu entre
os homens e realizou com sucesso seu projeto de vida
30
é, para os fiéis da IURD a
maior prova de que todos os filhos do Pai podem ser vitoriosos.
1.3.1. A Guerra Santa - Cristo Contra o Diabo
A nova de que Cristo rompeu o poder dos demônios pela força de sua
inspiração e salvaria seus adeptos do poder deles constituía no
Cristianismo primitivo uma das mais destacadas e eficazes de suas
promessas. (WEBER, 1999, P. 356).
As representações sociais que os fiéis da IURD fazem do Diabo são
diferentes das representações sociais que os indivíduos da Antigüidade no contexto
vivido por Jesus faziam. E também diferentes das representações do Diabo da Idade
Média européia. São diferentes, porém as raízes pertencem ao mesmo solo. Para
isso é importante resgatar algumas representações-chave para entender como e por
quê ainda ocorrem representações do Diabo no início do terceiro milênio.
Representar o Diabo não é coisa nova; muito pelo contrário, as raízes são profundas
e para entendê-las, deve-se promover o diálogo com representações específicas. É
o que faremos aqui, na terceira parte desse capítulo.
Diversos textos do Novo Testamento falam de Jesus e sua luta contra seres
espirituais do mal. Algumas dessas passagens são clássicas e altamente difundidas.
Na tentação do deserto, Cristo não ficou imune às avassaladoras seduções do mal.
Segundo Mateus (4,1-11):
Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser
tentado pelo diabo. Depois de ter jejuado quarenta dias e quarenta
noites, acabou sentindo fome. O tentador aproximou-se e lhe disse:
30
Jesus pregou, principalmente, a chegada do Reino de Deus.
(...) “Tudo isso te darei, se, prostrando-te, me adorares. Então Jesus
lhe diz: “Retira-te, Satanás! Pois está escrito: Ao Senhor teu Deus
adorarás e só a ele prestarás culto”. Então o diabo o deixou, e eis que
se aproximaram anjos, e o serviam.
Segundo Cohn (1996), na tradição judaica, a tentação não era considerada
sedução, mas uma prova de força. Jesus trava uma terrível batalha com Belial
(Diabo); as forças sagradas do bem e do mal estão novamente emparelhadas,
prontas para mais um combate. Não presenciamos aqui um combate sangrento e
destemperado. Pelo contrário, desenvolve-se uma luta intelectual, enriquecida por
perguntas e respostas desafiantes. Belial quer vencer através da oratória. O
discurso aparece carregado de investidas e inversões de idéias, mas Jesus
consegue sair vitorioso.
Não podemos esquecer também que muitas das curas de Jesus estavam
intimamente ligadas ao combate contra Satã e suas obras malignas. “Ao anoitecer,
trouxeram-lhe numerosos endemoninhados. Ele expulsou os espíritos pela palavra e
curou todos os doentes” (MATEUS, 8, 16-17). O contexto social vivido por Jesus e
seus contemporâneos era bastante paradoxal, também era paradoxal o contexto
sagrado. Havia uma grande batalha pela frente que, além de incluir a luta pela
igualdade social, centrava-se no dualismo escatológico. “(...) Jesus é descrito (...)
como o agente escatológico que enfrenta e derrota Satanás na batalha escatológica,
trazendo para os justos a libertação definitiva.” (SCHIAVO, 2003, p. 121). Jesus
possuía os atributos, dados por Deus, para combater Satã e seu exército. Como sua
capacidade de enfrentá-los se encontrava limitada por possuir um corpo mortal,
Jesus agia através dos exorcismos, sendo que, estes estavam ligados diretamente a
diversas enfermidades: distúrbios de ordem emocional, problemas orgânicos e até a
morte
31
.
Os relatos encontrados em Gênesis 3, são interpretados pela IURD como
ciladas do Diabo que levaram o homem a cair nas garras de mal. “Ora, a serpente
32
era o mais astuto de todos os animais do campo” (GÊNESIS 3, 1), seduziu a mulher
e a fez pecar, logo o homem também pecou e ambos foram expulsos do paraíso e
de todos os privilégios. A morte e todos os sofrimentos passaram a existir devido às
palavras sopradas pela suave e aquecida brisa sedutora do Diabo.
O cristianismo primitivo concedeu ao Diabo enorme destaque
em sua doutrina. Algo quase inevitável dada a dificuldade de conciliar a
onisciência, a onipotência, a onipresença e a suprema bondade do
Deus cristão com a existência de tanto mal, tanta injustiça e tanto
sofrimento humano. Como aliar a perfeição divina à imperfeição de sua
obra? Como justificar o culto e a obediência a um Deus que permitiu o
pecado e suas conseqüências, o mal e a morte? (MARIANO, 1999, P.
109).
A missão cristã consistia em implantar o Reino de Deus, e para isso
necessitava derrotar definitivamente as forças diabólicas. Deveria preparar o terreno
e os corações das pessoas. Cristo através do dom da palavra anunciava a “boa
nova”, comunicava a breve chegada de um novo mundo e o retorno do paraíso
perdido. Segundo Cohn (1996, p.257),
O mesmo significado é atribuído à atividade de Jesus e seus
discípulos enquanto pregadores. Quando Jesus ordena a seus
seguidores que preguem a vinda do reino, também os encarrega, ao
mesmo tempo e como parte da mesma missão, de expulsar demônios,
31
Inúmeras civilizações atribuem aos deuses do mal os sofrimentos enfrentados pelo homem. A
morte era encarada como uma vitória dos deuses malignos. (COHN, 1996).
32
O mal era simbolizado de várias formas na Antigüidade Oriental. As principais formas eram a
serpente e o dragão. (COHN, 1996).
curar os enfermos e oferecer o perdão para seus pecados três
formas de dizer a mesma coisa, pois as palavras que significam
“curar”, “expulsar demônios” e perdoar os pecados” eram sinônimos
intercambiáveis. O exorcismo, a cura e o anúncio da chegada do reino
eram maneiras de libertar as pessoas do domínio de Satã.
Levar a palavra de Deus às pessoas, exorcizar, curar gradativamente os
enfermos, anunciar a chegada do Reino do Bem eram formas de “higienizar” o
mundo que o Diabo, juntamente com seu exército, havia dominado. Todos os reinos
da terra estavam sob o comando do mal, mas, a vinda de Jesus abalou
definitivamente o âmago desse domínio. Segundo Cohn (1996, p.257), “Satã, antes
senhor de todos os reinos da terra, está perdendo o poder, seu domínio chega ao
fim, sua ruína é certa”. Para Schiavo (2000, p. 103),
Jesus foi visto, também, como o Filho de Deus. Refletindo
sobre seus milagres sinal de um poder divino incomum –, sua vida,
sua pregação e, sobretudo, sobre sua morte e ressurreição, seus
discípulos e as primeiras comunidades chegaram à conclusão de que,
em Jesus, Deus tinha se revelado de forma total e definitiva.
Jesus traz boas notícias, promessas verdadeiras de reconquista do paraíso,
extermínio de todas as doenças, derrota final e definitiva dos reinos satânicos sobre
a terra. Finalmente a paz será restaurada e o filho de Deus poderá viver com todas
as riquezas que é D’ele e um dia foi também do homem. Cristo perdoa todos os
pecados, e o perdão é um chamamento para a volta ao reino de Deus. Nesse
contexto a morte recebeu uma nova conotação, pois “é perdoando que se é
perdoado, é amando que se é amado e é morrendo que se nasce para a vida
eterna”. Cristo cumpriu seu papel de guerreiro, um messias destemido que
combateu de frente as forças do mal. Mas o mito do combate ainda não cessou, o
mal vive e assombra a paz do jardim. Como esse mito é ressemantizado em culturas
posteriores e ricamente vem contribuir com o sincretismo religioso brasileiro é o que
veremos abaixo.
1.4. As representações do Diabo no Imaginário Europeu e suas influências
no imaginário brasileiro neopentecostal (IURD)
Se o Mundo lhe fala através de suas estrelas, suas plantas e
seus animais, seus rios e suas pedras, suas estações e suas noites, o
homem lhe responde por meio de seus sonhos e de sua vida
imaginativa. (ELIADE, 2002, p.126).
Como dissemos acima, o Diabo ganha representações diferenciadas na
medida em que se alteram os modos como os indivíduos se relacionam com o meio
social, político, econômico, religioso e cultural, sem falar de mudanças violentas
causadas por guerras, epidemias, catástrofes ou outras perturbações. As
representações não são estáticas; elas sofrem modificações, pequenas ou grandes,
dependendo do dinamismo que cada sociedade possa vir a enfrentar.
Durante o vasto e rico período medieval europeu, as representações do Diabo
foram inúmeras. A atmosfera estava repleta de demônios; entre os homens
andavam grandes legiões de espíritos diabólicos, cuja função era atrair os indefesos
para as mais terríveis perdições. Segundo Le Goff (1994), as narrativas sobre as
viagens ao além era inúmeras. As viagens para o terrível inferno eram as que mais
chamavam a atenção e causavam pavor. Tais representações eram temperadas
pela rica religiosidade popular que quase sempre esteve em conflito com a
religiosidade oficial, apesar dessa última assimilar muitos traços da primeira. Afirma
Le Goff (1994, p. 142):
Até ao século VII, a vontade da Igreja de destruir ou ocultar a
cultura folclórica – por ela assimilada ao paganismo – fez praticamente
desaparecer as viagens ao Além. Só alguns farrapos do outro mundo
escaparam em certos Diálogos de Gregório Magno.
Do século VII até ao século X, viveu-se a grande época das
visões do Além. Correspondia ela ao Grande movimento do
monaquismo e à filtragem, pela cultura monástica, dos elementos
populares ressurgentes.
Cabia ao homem comum lutar contra todas e quaisquer tentações. O meio
mais comum do Diabo penetrar na vida do indivíduo era através de seu corpo.
Todos os tipos de doenças do corpo e/ou desejos sentidos por este, eram indícios
de que as tentações rondavam o cotidiano de cada um. O horror ao corpo culmina
em seus aspectos sexuais. “A abominação do corpo e do sexo atinge o cúmulo no
corpo feminino. De Eva à feiticeira do final da Idade dia, o corpo da mulher é o
lugar de eleição do Diabo”. (idem, p. 146). As bruxas foram consideradas, no final da
Idade Média, as grandes servas do Diabo.
Laura de Mello e Souza (1987), em seu estudo sobre A feitiçaria na Europa
Moderna, revela os canais que o Diabo mantinha abertos através das bruxas, suas
servas e amantes terrenas. Não é de se admirar que as mulheres na IURD
manifestem demônios com muito maior freqüência que os homens. “Nós mulheres
somos mais frágeis e mais abertas às ciladas do Diabo” (Maria, 41 anos). Sobre o
poder e a influência do imaginário, afirma Swain, (1993, p. 48):
O imaginário trabalha um horizonte psíquico habitado por
representações e imagens canalizadas de afetos, desejos, emoções,
esperanças, emulações; o próprio tecido social é urdido pelo imaginário
suas cores, matizes, desenhos reproduzem a trama do fio que os
engendrou. O imaginário seria condição de possibilidade de realidade
instituída, solo sobre o qual se instaura o instrumento de sua
transformação.
Durante séculos coube às mulheres, em alguns casos, ações nem sempre
consideradas aceitas pelos grupos sociais majoritários. Práticas ligadas à magia,
contatos mantidos com a natureza (cultos animistas), com seres encantados, com
espíritos de outros mundos (duendes, gnomos, fadas), ou fórmulas, que na maioria
das vezes eram secretas. As mulheres satânicas dominavam o mundo mágico,
portanto poderoso e ameaçador. Diz Souza (1987, p. 11):
Na Grécia, em Roma, entre as populações bárbaras que
vieram a constituir os países europeus, as práticas mágicas, quase
sempre exercidas por mulheres, apresentavam estreita relação com os
cultos lunares, com as divindades ligadas à fertilidade.
Não é nossa intenção desenvolver um estudo sobre o papel da mulher nas
culturas passadas, mas tentar estabelecer quais seriam os elos de ligação entre as
representações do Diabo no passado e suas influências na IURD. Nossa intenção é
compreender as representações do Diabo nos fiéis desta igreja. Como as mulheres
da IURD são muito mais suscetíveis às ações do Diabo, é comum possuírem uma
participação mais efetiva (como fiéis e obreiras), bem maior (numericamente) que a
dos homens, apesar de serem mais retraídas e subservientes
33
.
Apesar dos grandes desenvolvimentos científicos da Renascença, de
descobertas parciais de mundos “selvagens”, da adoção antropocêntrica do mundo,
ele não deixou de ser encantado. Forças misteriosas assombravam o imaginário do
homem europeu, estórias fantásticas preenchiam a mente humana de fantasmas,
anjos, sereias, monstros marinhos gigantescos, demônios terríveis, entre outras
33
Na IURD não existem pastoras, as mulheres trabalham auxiliando os pastores que, em muitos casos são seus
maridos.
criaturas cabíveis, apenas no rico e fecundo imaginário. Parece que sempre houve
um dualismo quando se tratava de terras e mares desconhecidos. Antes de ser
desbravado, o Oceano Atlântico era chamado de Mar Tenebroso. O próprio
Colombo ficou decepcionado por não encontrar nenhum monstro marinho na viagem
que culminou no “descobrimento” das Américas. O pavor e o medo do demônio
eram maiores que a alegria fomentada pela conquista. Como afirma Souza (1999, p.
26):
O Atlântico passará a ocupar papel análogo no imaginário do
europeu quatrocentista reduto derradeiro das humanidades
monstruosas, do Paraíso Terreal, do Reino do Preste João, talvez
como diz frei Vicente do Salvador reino do próprio demo, que, aqui,
travará combate encarniçado contra a Cruz e seus cavaleiros. O
maravilhoso estaria fadado a ocupar sempre as fímbrias do mundo
conhecido pelos ocidentais: o mundo colonial americano seria, pois, a
sua última fronteira.
A forma maniqueísta de olhar o desconhecido é bastante natural e comum. A
Terra de Santa Cruz, carrega ainda hoje, depois de meio milênio traços das
representações e do imaginário do homem europeu, a terra do futuro e das
oportunidades, a terra sem males entra em conflito com um Brasil de fome,
desemprego, miséria, falta de esperança, incerteza e descrédito na política. Os
medos não são os mesmos dos séculos passados, mas o Diabo está vivo nas
representações cotidianas de milhares de brasileiros.
1.5. As representações e o medo do Diabo
Nada é mais miserável do que o homem entre tudo o que respira e se
move. Plutarco
O medo é uma das paixões humanas, uma paixão que para muitos é
desprezível, mas não podemos negar que, indiferentemente à época, à cultura, à
sociedade ou à crença, o ser humano sempre temeu o conhecido e principalmente o
desconhecido. Vários mecanismos foram desenvolvidos para, de alguma forma,
apaziguar, dominar, acalmar os raios e trovões, as secas periódicas, o ataque de
pragas, ou de inimigos humanos, enfim, as diversas ameaças que assombravam o
cotidiano desses indivíduos. Ter medo é, em certa medida, uma forma de relação
com o mundo de descobertas e conquistas, uma maneira de o homem conviver da
melhor forma possível com o natural e o sobrenatural.
Tais representações o comuns entre as variadas espécies animais, porém
o sapiens-sapiens se diferencia dos demais. Sua representação ultrapassa os limites
da imanência, indo na direção da transcendência. Os medos naturais tornam-se
medos metafísicos, provas contundentes de que o homem possui uma forte
característica que vai além da razão. Estamos falando de seu imaginário.
No entanto o medo é ambíguo. Inerente à nossa natureza, é
uma defesa essencial, uma garantia contra os perigos, um reflexo
indispensável que permite ao organismo escapar provisoriamente à
morte. (DELUMEAU, 1999, p. 19).
Como a morte, as doenças, e muitos outros males que assombram o dia-a-dia
dos indivíduos são misteriosos e desconhecidos, seus agentes causadores também
o são. Como então combater forças invisíveis, incompreendidas e distanciadas da
crua realidade humana? Como tais forças não podem ser vencidas com o uso de
lanças, flechas, fogo, ou qualquer outra arma mecânica, deve-se utilizar armas
equivalentes para afastar e/ou derrotar o mal diabólico que promove o medo.
As representações e o medo do Diabo entre as culturas antigas e a
representação dos fiéis da IURD se distanciam no tempo, porém possuem um
mesmo núcleo central. Como diz Delumeau (1999, p. 25):
O medo tem um objetivo determinado ao qual se pode fazer
frente. A angústia não o tem e é vivida como uma espera dolorosa
diante de um perigo tanto mais temível quanto menos claramente
identificado: é um sentimento global de insegurança. Desse modo, ela
é mais difícil de suportar do que o medo. Estado ao mesmo tempo
orgânico e afetivo manifesta-se de maneira menor (a ansiedade) por
“uma sensação discreta de aperto da garganta, de enfraquecimento
das pernas, de tremor, acrescentada à apreensão com o futuro”; e no
modo maior, por uma crise violenta.
A angústia é provocada pelo medo, o medo que brota de um mundo mágico e
que deve ser controlado por ações mágicas. Somente elas podem enfrentar os
perigos e ameaças invisíveis. Um mundo repleto de encantamento povoa as
representações cotidianas de uma contemporaneidade acessível aos demônios do
medo.
O medo do Diabo se altera na medida em que as representações sociais são
forçadas por meios internos e externos a se modificarem. As representações sociais
do século XI, na Europa, não foram as mesmas dos séculos seguintes, e não
podemos dizer que as representações e os medos do Diabo na atualidade sejam os
mesmos do século XIX. Tais representações se alteram na medida em que fazem
parte de outros grupos sociais, pertencentes ao mesmo contexto histórico.
Certamente os medos e as representações dos romanos invasores eram totalmente
diferentes das representações e medos dos judeus subjugados. O que hoje não
ameaça, amanhã pode corromper; o que ontem curou, amanhã pode matar; o que
salva, pode condenar. Dessa forma, a humanidade caminha representando sempre
um novo mundo, se livrando de antigos medos e constituindo outros. Como afirma
Delumeau, (1999, p. 239):
Satã pouco aparecia na arte cristã primitiva e os afrescos das
catacumbas tinham-no ignorado. Uma de suas mais antigas
figurações, nas paredes da igreja de Baouït no Egito (século VI), o
representa sob os traços de um anjo, decaído (...), herói abatido nas
decorações de certas igrejas orientais da mesma época, Lúcifer,
outrora criatura preferida de Deus, ainda não é um monstro repulsivo.
Para o historiador Delumeau, na medida em que as crises se agravavam, o
Diabo se tornava mais horrível e cruel. As representações artísticas, literárias,
teatrais ganharam ares sombrios e tenebrosos nos séculos XIV e XV. A Guerra dos
Cem Anos (1337-1453) entre França e Inglaterra, a Peste Negra, entre 1346 e 1353,
epidemia causada por bactérias (Peste Bubônica), originárias do Oriente, dizimou
mais de um terço da população européia, estimada, na época, em oitenta milhões.
Tais tempestades sombrias somaram-se aos conflitos sociais e à fome que mataram
outros milhares. Esses abalos contribuíram para a transformação negativa das
representações do homem europeu. O medo se alastrou pelas cidades e campos e
o Diabo se tornou muito mais feio e terrivelmente forte; o fim estava próximo.
A divina comédia de Dante (autor que faleceu em 1321) “marca
simbolicamente a passagem de uma época a outra e o momento a partir do qual a
consciência religiosa da elite ocidental deixa por um longo período de resistir à
convulsão do satanismo”. (idem, p. 240). Diante de tamanha complexidade, o
indivíduo tenta se manter em equilíbrio, buscando fórmulas para fazer do mundo
algo um pouco mais suportável.
1.6. A Complexidade das Representações
Os cenários até aqui apresentados se mostraram um tanto quanto complexos.
Conflitos sociais, guerras, doenças, pavor da morte, são apenas alguns dos diversos
problemas que os seres humanos tiveram de enfrentar ao longo dos milênios de sua
existência civilizatória. Tais cenários muitas vezes se apresentaram de forma
assustadora, paradoxal, contraditória e conflitante. Infinitamente superior ao limitado
poder de compreensão de nossa mente, a complexidade do mundo suplantava em
muito nossas representações. Mesmo limitado diante de tal complexidade, o
indivíduo criou mecanismos para que as suas leituras do mundo pudessem
aproximá-lo de uma realidade um pouco mais clara.
Pensando antropologicamente, imaginemos os primeiros quadros mentais da
espécie humana, dotada de uma relativa consciência de estar no mundo, com o
mundo e com os seus iguais; os relacionamentos grupais que ao longo dos anos
foram ganhando maturidade com a divisão social e sexual das funções; a
capacidade de transcender os limites espaciais e temporais para um mundo
imaterial, lançando o imaginário para o infinito. Tais tentativas, que não nos cabe
aqui julgar, foram necessárias para que o espírito do homem continuasse seu
caminho.
Representar o mundo é uma tentativa de reduzir a complexidade do mesmo.
Representando o que se vê, se sente, se escuta e se imagina, o ser humano
consegue delimitar um cenário que parece infinito. O lago é largo e profundo e às
vezes se torna um rio caudaloso, repleto de cachoeiras, onde nem sempre as
margens o avistadas. Representar em suas diversas formas é um grande alento
para o espírito humano. “Para o homem religioso, a Natureza nunca é
exclusivamente ‘natural’: está sempre carregada de um valor religioso”. (ELIADE,
1982, p. 127), principalmente para uma população pobre e analfabeta, em que o
recurso de que dispõe para a interpretação da realidade são as categorias da
experiência e a linguagem religiosa.
A complexidade das representações funciona como um jogo de espelhos,
onde o observador aprecia sua própria imagem, tentando apreender o máximo da
realidade. Na impossibilidade de obter sucesso, o sujeito projeta seus fracassos e
sucessos para além da imagem que se forma do espelho, a fim de entender, da
melhor forma possível sua própria realidade. O Diabo, inserido nesse aspecto,
possui a função de redutor de complexidade. É o que veremos abaixo.
1.7. Reducionismo das Representações
Como compreender um forte barulho que nasce no u e se irradia em todas
as direções, fazendo tremer a terra e os corações humanos? Como entender as
ações de um raio que rasga o céu em direção à terra fazendo, em instantes, uma
gigantesca árvore se partir ao meio? Para preencher essas e outras lacunas, o
indivíduo cria os mitos, simboliza suas representações
18
. Enxergar mundos
carregados de conteúdos simbólicos consistia na tentativa de buscar sentido para
uma vida repleta de acontecimentos sombrios, aterrorizantes e angustiantes, como
as doenças e a morte. No ambiente extraordinário criado pela imaginação humana
eram travadas batalhas entre forças antagônicas (saúde x doença; bem x mal)
19
. Os
reflexos desses combates simbólicos determinaram e ainda permanecem
18
As representações se alteram, entram em crise, renascem, mas não se limitam apenas ao mundo religioso.
19
Tais forças antagônicas não existiram para os hebreus; doenças, crises, guerras e injustiças eram
causadas pelo deus supremo, como forma de punição quando os crentes traíam os preceitos divinos.
influenciando a vida ordinária dos indivíduos. O mundo sagrado ultrapassou a ponte
da imaginação tornado-se parte do mundo “empírico”.
Diante de tais observações, lanço o olhar sobre as representações do Diabo
nos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. A figura do Diabo ganha vida e se
insere nas relações cotidianas, espalhando e contaminando, através de seus
tentáculos sutis o imaginário e as representações de inúmeros grupos sociais,
principalmente religiosos inseridos no neopentecostalismo
20
. Pode-se perceber essa
influência, silenciosa ou não, em programas de TV, rádio e em outros meios de
comunicação de massa
34
. Tais formas de expressar o sagrado são próprias do
mundo moderno. Mas existem outras maneiras, mais sutis, como os símbolos
presentes nos mitos, que estão nesse momento em ação, meios de trazer à tona a
perturbadora figura do Diabo; caminhos que certamente passam desapercebidos
aos olhares menos atentos, ações muitas vezes inconscientes e afastadas de uma
intenção direta, mas que fomentam e enriquecem as representações do Diabo.
Determinados comportamentos dão origem a novas formas simbólicas que
permeiam e dinamizam o mundo encantado. O discurso se intensifica em algumas
abordagens das Igrejas neopentecostais, que ressaltam a importância dos demônios
no cotidiano da humanidade. A IURD tem sido tema de muitos estudos, porém a
maioria dos casos faz uma abordagem ampla do objeto, sem tomar de forma
particularizada o fiel e suas representações do Diabo
35
.
A relevância, força e influência dessas representações nos comportamentos,
atitudes e práticas religiosas e sociais está sendo fomentada pelo crescimento dos
20
No próximo capítulo iremos desenvolver esse tema.
34
Os conceitos de indústria cultural e cultura de massa foram desenvolvidos por Adorno e Horkheimer
(2000)– ver obra: Dialética do esclarecimento.
35
Ver o artigo de Cecília L. Mariz O demônio e os pentecostais no Brasil (MARIZ, 2000), e o texto
de Pedrinho Guareschi “Sem dinheiro não salvação”: ancorando o bem e o mal entre os
neopentecostais – Textos em representações sociais (1998 pp. 191).
neopentecostais, principalmente da IURD
36
, no cenário da sociedade brasileira. Esse
fato contribui para enriquecer o imaginário acerca de um mundo povoado por magias
e crenças. As lutas transcendentais (Deus x Diabo) e as ações malignas sofridas
pelos indivíduos que são apenas e cinza frente às forças orgiásticas que fazem
tremer e temer (OTTO, 1985, p. 17) e que ganharam forte valor simbólico com a
presença da Universal.
Para o fiel da IURD que, segundo dados estatísticos (ISER
*
, 1995)
37
, é o mais
pobre, o mais negro e o menos escolarizado, isto é, o mais excluído socialmente,
pensar:
No crescente desemprego que assola muitos países do mundo,
inclusive nações ricas. Na automação que vem substituindo a mão-
de-obra humana por máquinas mais eficazes e velozes;
No projeto fracassado de modernidade, na globalização que exclui
muito mais que inclui, na violência doméstica, na banalização da
morte violenta que ocorre todos dias nas ruas;
Na crise econômica, nos escândalos políticos, na corrupção, nas
crianças e idosos que sofrem horrores nas infinitas filas dos
hospitais, esperando a morte pelo descaso;
A causa e no por quê de tudo isso é por demais complexo, para
muitos se torna mais fácil reduzir toda complexidade, dizendo: “é o
Diabo o causador de todos os males do mundo”.
36
Sobre o Crescimento da IURD no Brasil e no mundo ver a obra Igreja Universal do Reino de Deus:
os novos conquistadores da fé Oro, 2003.
*
Os dados do ISER foram retirados da referência: Mariano, 1999.
37
Retomaremos esse assunto no terceiro capítulo, com maior atenção.
Essas inúmeras mazelas fazem parte do cotidiano dos fiéis da IURD, bem
como da maioria dos brasileiros. Perceber esses problemas ligados a causas
políticas, econômicas e sociais é de certa forma uma barreira para esses fiéis. Ter
que as fontes de todos os males provêm de ações do Diabo é simplificar a
compreensão de um mundo paradoxal. Uma das importantes raízes religiosas que
ajudam a reduzir tais complexidades, no cenário atual, está presente no discurso
neopentecostal, que tem como igreja mais representativa a IURD. Para entender
melhor seus mecanismos reducionistas, passemos ao segundo capítulo.
CAPÍTULO II
A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (IURD)
“O pão te garantia o êxito; o homem se inclina diante de quem
lhe , porque é uma coisa incontestável, mas, se um outro se torna
senhor da consciência humana, largará ali mesmo o teu pão para
seguir aquele que cativa sua consciência”. (DOSTOIEVSKI, 1973, p.
190).
2.1. Um Relato Histórico
Apesar da distância temporal entre as origens do cristianismo e a nova
roupagem hermenêutica dada pela IURD às teologias cristãs, existem aproximações
teóricas e empíricas entre o cristianismo nascente e as novas interpretações
lançadas pela Universal. Para fazer emergir tais aproximações devemos, a princípio,
lançar mão de um breve relato histórico e conceitual das principais características
das Igrejas neopentecostais. Para esta tarefa, recorremos primeiramente às origens
da terceira onda pentecostal e/ou neopentecostalismo, proposta por Paul Freston
(1993) e por Ricardo Mariano (1999).
As singularidades e pertinências da Igreja Universal do Reino de Deus fazem
parte também de uma rica herança de fontes religiosas com raízes distantes na
história. Para analisar a origem e o desenvolvimento da IURD, que tem como base
teológica e doutrinal, declarada por seus líderes, a em Jesus Cristo e na Bíblia,
necessariamente é preciso estabelecer a distinção que tal Igreja faz desses
elementos. Recorrer às origens de suas raízes históricas e contextos sociais talvez
seja o melhor caminho para conhecer a IURD e suas bases e perceber com maior
clareza, como são, quem são e como constroem suas representações do Diabo.
Antes de tentar relatar a história de uma nascente igreja devemos lançar o
olhar sobre o contexto maior do qual o próprio movimento religioso surgiu. Para isso
utilizo as periodizações propostas por Paul Freston (1993) e Ricardo Mariano (1999).
Na mesma tentativa de fazer uma estruturação histórica do pentecostalismo, Ricardo
Mariano apresenta uma divisão, em etapas, parecida com a de Freston no que se
refere aos cortes históricos, propondo, contudo, uma nomenclatura diferente para as
partes. O autor chama o que Freston
38
nomeou de primeira onda, de
38
Paul Freston lança a tese das três ondas pentecostais para distinguir os movimentos de chegada e
surgimento dessas novas denominações religiosas. “O pentecostalismo brasileiro pode ser
compreendido como a história de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década
de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e a Assembléia de Deus (1911) (...) A
segunda onda pentecostal é dos anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a
relação com a sociedade se dinamiza e três grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a
Quadrangular (1951), Brasil Para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O contexto dessa pulverização
é paulista. A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais
representantes são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça de
Deus - R. R. Soares é seu fundador e líder (1980). (...) O contexto é fundamentalmente carioca. A
característica central do primeiro grupo foi o ascetismo e o caráter sectário; a segunda onda detém-se
na cura divina”. (Freston, p. 187).
pentecostalismo clássico; a segunda, de deuteropentecostalismo e de
neopentecostalismo a terceira onda. As origens históricas e contextuais da IURD
estão na terceira onda ou neopentecostalismo, como argumenta Mariano fazendo
uma leitura de Freston (idem, p. 32):
A terceira onda começa na segunda metade dos anos 70, cresce
e se fortalece no decorrer das décadas de 80 e 90. A igreja de “Nova
Vida”, fundada em 1960, no Rio de Janeiro, pelo missionário
canadense Robert McAlister, como escreveram Freston (1993:96),
Hortal (1994:1) e Azevedo Junior (1994:7) está na origem das Igrejas
Universal do Reino de Deus (Rio, 1977), Internacional da Graça de
Deus (Rio, 1980) e Cristo Vive (Rio, 1986). Estas três, ao lado de
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (Goiás, 1976),
Comunidade da Graça (São Paulo, 1979), Renascer em Cristo (São
Paulo, 1986) e Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (São Paulo,
1994) constam entre as principais igrejas surgidas neste período.
Talvez seja relevante mencionar que esse esforço para dividir em etapas o
movimento pentecostal tem seus méritos, mas também suas limitações. O caráter
pedagógico acaba sendo mais expressivo do que o caráter histórico. Não podemos
achar que cada etapa do pentecostalismo tenha claramente delineado os seus
contornos. Por outro lado, é também perigoso querer estabelecer um efeito dominó
de implicações históricas. Tanto Freston quanto Mariano argumentam a favor de
etapas do pentecostalismo que, ao mesmo tempo, são influenciadas pelas etapas
anteriores, mas que apresentam diferenciais completamente novos. A terceira onda,
em particular, exalta elementos considerados novos para os pentecostais da
primeira e segunda onda
39
. Para Mariano o que distingue os neopentecostais do
39
A Assembléia de Deus (1910) e a Congregação Cristã (1911) foram as duas denominações pentecostais
pioneiras no Brasil. Pertencem, portanto ao pentecostalismo clássico (primeira onda). A Assembléia de Deus é a
maior igreja pentecostal do país, que sozinha detém 20% dos evangélicos brasileiros. Na cada de 50, com a
chegada dos missionários da Cruzada Nacional de Evangelização, vinculados à Igreja do Evangelho
Quadrangular formam a segunda onda pentecostal. (Mariano, 1999).
pentecostalismo clássico é a teologia da prosperidade, a guerra santa e a
liberalização dos costumes que provocam mudanças na ética protestante.
A Igreja Universal do Reino de Deus surge em 1977. O mundo, apesar da
diminuição das tensões vividas pelo medo de uma iminente guerra termo-nuclear,
ainda vivia a bipolaridade política da Guerra Fria. O planeta constituía um grande
tabuleiro de xadrez, para as duas superpotências, EUA e URSS, que disputavam
“ideologicamente” o comando hegemônico mundial. O Brasil se inseriu nesse
contexto como “país em desenvolvimento”, sendo que, no ano de 1964 sofrera o
conhecido Golpe Militar. O novo regime político, que o Brasil vivenciava, tentava
demonstrar ares de crescimento econômico, político e conseqüentemente social,
mas não foi bem assim. Em 1977, ano do surgimento da Universal, o país
atravessava dias tempestuosos. Todo o primeiro semestre de 1977 foi politicamente
bastante atribulado, assinalando-se o fechamento do Congresso, em virtude de
desacordos interpartidários a respeito da reforma constitucional e a cassação de
vários dissidentes. O salário mínimo, bem antes da ditadura militar, amargava
perdas. Podemos observar que desde antes de 1958 o salário veio sofrendo
grandes quedas, minando a força do trabalhador, principalmente o humilde
40
.
Podemos observar o gráfico abaixo que demonstra a queda vertiginosa do poder
aquisitivo do trabalhador brasileiro.
Índice Salário Máximo Real
300
200
100
40
A maioria dos fiéis da Universal são de origem humilde – geralmente assalariados.
0
58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 Anos
Fonte dos Dados: DIEESE. In Jornal da Tarde, 30-4-74.
A Igreja Universal do Reino de Deus nasce em meio a esse tumultuado
contexto político-econômico que, nos últimos suspiros do regime militar, nos anos
1980, vai se fortalecer bastante. É evidente que o grande crescimento da Universal,
ocorrido principalmente nos anos 1980 e 1990, possui outros aspectos, além dos já
mencionados, mas que não cabem ser investigados nessa oportunidade.
Fruto da Terceira Onda Pentecostal, a Universal é sua filha mais bem
sucedida. Tão bem sucedida que alcançou, em poucos anos, um sucesso imediato e
consistente. Como alguém, por mais entusiasmado que fosse, por mais apurado que
fosse seu olhar analítico e reflexivo, poderia dizer que aquela tímida igreja que em
1977 começou a funcionar em uma sala de uma antiga funerária no bairro da
Abolição, subúrbio da zona norte do Rio de Janeiro, poderia se tornar uma das mais
representativas igrejas do Brasil? Se analisados através do enfoque da sua própria
teologia da prosperidade, a IURD e seu fundador, Edir Macedo, são provas vivas de
que os filhos de Deus são merecedores do sucesso e da felicidade, aqui e agora.
Aos 18 anos de idade, Edir Macedo se incorpora à Igreja de Nova Vida
41
,
através de sua irmã, que havia sido curada de bronquite asmática nessa
denominação. Após doze anos de pertencimento na Nova Vida, Macedo, em 1975,
cansado do elitismo dessa igreja e sem apoio para suas atividades evangelísticas,
consideradas agressivas, decidiu dar outros rumos à sua vida religiosa. Segundo
Freston (1996, p. 132-133)
41
“Fundada em agosto de 1960 no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, pelo missionário canadense
Walter Robert McAlister, a Nova Vida nasceu na esteira de seu programa pentecostal. (Mariano, p.
51).
Em 1977, aos 33 anos, Edir deixou o emprego para se dedicar ao
trabalho religioso. De origem católica, entrava na Igreja de Nova Vida
na adolescência após breve passagem pela umbanda. A Nova Vida foi
berço de três grupos da terceira onda (IURD, IIGD e Cristo Vive) cujos
fundadores (Macedo, Soares e Miguel Ângelo respectivamente) foram
membros lá. Não é por acaso. A Nova Vida foi pioneira de um
carismatismo de classe média, um tanto à frente do seu tempo no
Brasil. Por isso, e pelo estilo de liderança do fundador estrangeiro, não
cresceu muito entre a classe média propriamente, mas atraiu pessoas
de classe média baixa que aproveitaram o treinamento para
elaborarem receitas inovadoras para o pentecostalismo de massas.
Edir Macedo traz em seu discurso de ação e as bases ideológicas da
IURD. Homem pragmático e decidido, Macedo possui um discurso agressivo, que
deixa bem claro seus objetivos, dentre eles: a luta contra o mal, a associação do fiel
diretamente com Deus, a prosperidade a ser alcançada por todos os verdadeiros
fiéis e vencedores e a felicidade imediata (conquistada aqui e agora). Não
milagre, como diz Mariano, mas uma visão clara dos anseios e necessidades de
uma sociedade, além das fortes tendências midiáticas que Edir Macedo
implementou através do aluguel
42
de espaços radiofônicos e posteriormente
televisivos. Existe também um rico cenário sincrético pertencente à religiosidade
brasileira que ao longo de todo seu processo histórico aceitou, muito bem, as
diversas leituras e os mais variados movimentos religiosos que aqui chegaram.
Para melhor compreender a IURD e o movimento no qual ela está inserida,
uma das perguntas a serem feitas é: quais os elementos diferenciais desta Igreja
que a faz marcadora de um período histórico? Ou seja: o que essa igreja têm que as
outras não possuem?
42
Os aluguéis desses espaços (O primeiro programa (1977), tinham inicialmente apenas cinco
minutos na Rádio Metropolitana), tiveram um breve percurso. Em poucos anos a Universal já possuía
dezenas de estações de rádio e posteriormente adquiriu redes de TV.
Para Mariano, dois problemas para delimitar com clareza a vertente
neopentecostal inaugurada pela Universal. O primeiro é que não há uma
uniformidade teológica nas igrejas dessa corrente e o segundo é que essas igrejas
neopentecostais acabaram influenciando muito outras igrejas do pentecostalismo
clássico e do deuteropentecostalismo, fazendo com que elas assumam várias
características neopentecostais
43
. Mesmo assim, segundo Mariano, é possível
demarcar alguns contornos. Uma das características é a influência estrangeira.
Desde a cada de 40 o modelo de igreja pentecostal implantado no Brasil segue,
de alguma maneira, os parâmetros norte-americanos. Por ser um movimento
herdeiro de uma história, o neopentecostalismo carrega muitos elementos das
etapas anteriores, entre eles: o dom de cura; o dom de línguas; e os sacrifícios
“ofertas e dízimos”. Ocorreu que as igrejas do neopentecostalismo e particularmente
a Igreja Universal re-significaram muitos destes elementos, fazendo um verdadeiro
sincretismo. Segundo Mariano (1999, p. 42),
A fonte inicial da prática da Universal e da Internacional da Graça,
por exemplo, de ‘entrevistar demônios’ e combater os cultos afro-
brasileiros (batalha para a qual o contexto carioca é decisivo) foi a
Nova Vida, denominação na qual Edir Macedo, R.R. Soares e Miguel
Ângelo deram também seus primeiros passos rumo à Teologia da
Prosperidade e foram doutrinados para romper o legalismo
pentecostal.
Segundo Bittencourt (2003), Mariano e Freston, outros elementos também
são marcantes no neopentecostalismo: a exacerbação do combate aos demônios ou
guerra santa contra o Diabo. Os cultos são geralmente caracterizados por
exorcismos e lutas contra as forças do mal. A afirmação do mundo como lugar de
43
Apego às coisas materiais (teologia da prosperidade), exorcismos indiscriminados, ofertas (sacrifícios) e
desafio a Deus, entre outras.
realização das graças de Deus é um claro contraste com as correntes anteriores. A
corrente neopentecostal afirma o mundo e seus bens materiais como conquistas
merecidas do verdadeiro fiel. A conseqüência desse rompimento com o ascetismo
gera uma outra característica fundamental: o abandono do legalismo pentecostal em
favor de uma ética quase sem normas, “uma visão mágica e utilitária”, segundo
Bittencourt (idem, p. 24). Por fim, podemos destacar a Teologia da Prosperidade
44
que é a alma dos neopentecostais. Tal teologia é enfatizada principalmente pelos
meios de comunicação de massa, especialmente a TV e o rádio.
2.2. A Importância do Diabo e a Parceria com Deus
A figura do Diabo possui tamanha importância na agenda da Igreja Universal
que, num dia especial da semana, o culto é reservado exclusivamente para tratar
dele. Tal dia recebe o nome de sessão do descarrego
45
, sendo a mídia utilizada para
a divulgação desse fim a mais intensa e bem desenvolvida. Para tal objetivo são
aplicadas as mais avançadas técnicas de marketing por profissionais específicos da
área. Esses recursos estão à disposição, afinal a IURD é dona de um grande
império midiático.
Segundo levantamento do Instituto de Estudos e Pesquisas
em Comunicação (Carta Capital, 06/03/2002), a Universal possui no
Brasil 62 emissoras de rádio (21 AM e 31 FM, formando a Rede
Aleluia) e sua Rede Record reúne 63 emissoras de televisão
proprietária de 21 delas; cf. TV Dados 2001), formando a terceira rede
em números de retransmissoras e em audiência. (FONSECA, 2003,
p. 259).
44
A Teologia da Prosperidade será desenvolvida no subtítulo abaixo.
45
A sessão do descarrego acontece todas as terças-feiras, às quinze horas (15h) e principalmente às
dezenove horas (19h). Essa sessão, que ocorre em Goiânia (Catedral da Av. Goiás), é bastante
freqüentada, chegando a atingir cerca de dois mil fiéis, principalmente às 19h.
É lugar comum dizer que o Diabo tem mais importância no discurso dos
profissionais da dessa igreja do que Deus e Jesus. Muitos pesquisadores
alertaram para o fato, afirmando que Deus fica em segundo plano, na esfera das
pregações e orações. Discordo parcialmente dessa tese, pois acredito que o Diabo
é, na verdade, um forte parceiro de Deus. Tal parceria tem tudo para dar certo, pois
de um lado temos o senhor do fracasso, da ruína, do sofrimento, da desesperança,
do abandono, do desemprego, da miséria, do medo, da depressão, entre outras
mazelas. Do outro lado temos o Pai que deu a esperança, que prometeu a cura, o
alívio, a felicidade, a bonança, a prosperidade, a riqueza, a plenitude, o gozo eterno,
bastando àquele que crê, colher os frutos herdados de Deus. Como diz Moreira
(1996, p. 28-29):
O ministro ou pastor, dotado da força de Deus, expulsa o demônio (no
exorcismo) e “resolve” o problema pela raiz. Dá-se a catarse, o alívio,
o reordenamento das coisas, a reintegração na comunidade, além da
participação do fraco no poder de Deus. Neste sentido, o “demônio” é
o grande aliado da igreja de Edir Macedo, muito mais do que Jesus
Cristo. Sem a demonização do negativo, sua “corporificação” e
expulsão através do agente religioso, tais igrejas provavelmente não
teriam tanta “eficácia”.
Ainda, segundo Moreira, a vitória parcial de Deus sobre o Diabo funciona
como uma eficiente pedagogia midiática. Através dos meios de comunicação de
massa, a transmissão da derrota diária do Diabo promove uma educação da vitória
santa, do milagre cotidiano, que atrai “as pessoas ao visibilizar imageticamente a
transformação operada no fiel” (MOREIRA, 1994, p. 29). Cecília Loreto Mariz (1999,
p. 8), reforça os argumentos a favor da ligação íntima entre Deus e o Diabo ao
afirmar que “o Diabo era, assim, elemento complementar e indispensável à certeza
da existência de Deus”. Pois, não pode haver Deus sem o Diabo, como afirmavam
os demonólogos e teólogos do final da Idade Média.
Mas os demônios não podem morrer definitivamente, porque a vitória total e
infinita traria a negação do sentido ao discurso da IURD. Na Universal os filhos do
Diabo são humilhados, massacrados, derrotados no altar, via internet, ao vivo, pela
TV e pelas ondas do rádio. Mas, com certeza, no outro dia eles estarão prontos para
aterrorizar o cotidiano dos fiéis, “principalmente o dia-a-dia de pessoas afastadas
dos planos de Deus” (Pastor da IURD). O poderoso exército do Diabo está sempre
pronto para entrar em ação. O poder desses espíritos malignos pode se concretizar
através de uma simples dor de cabeça, ou até pela manifestação de um terrível
câncer de intestino. O Diabo cumpre sua parte afetando negativamente a vida das
pessoas. Seu parceiro (Deus), interpretado pela IURD, através de um Jesus
guerreiro e vitorioso, combate tais forças. Mas como um bom e velho roteiro literário,
mesmo depois de derrotado, o mal permanece como uma ameaça sombria e
aterrorizante. Como diz Eliade (1982, p. 91):
A extinção dos fogos, o regresso das almas dos mortos, a confusão
social do tipo Saturnais, a licença erótica, as orgias, etc.
simbolizavam a regressão do Cosmos ao Caos. No último dia do ano,
o Universo dissolvia-se nas águas primordiais. O monstro marinho
Tiamat, símbolo das trevas, do amorfo, do não-manifestado,
ressuscitava e tornava a ser ameaçador. O mundo que tinha existido
durante um ano inteiro, desapareceria realmente. Visto que Tiamat
estava de novo, o Cosmo estava anulado e Marduk (o deus
criador do Cosmo) era forçado a cria-lo mais uma vez, depois de ter
vencido de novo Tiamat.
A luta parece ser eterna e a contradição da parceria entre as duas forças
transcendentais não pode ser encerada com explicações racionais, por constituírem-
se de uma outra natureza. Fazem-se necessárias explicações religiosas, contidas na
representação e no imaginário de cada um que compartilha de um cenário
encantado. Se o inimigo pertence a uma outra realidade, deve-se tomar medidas
que contenham o mesmo teor. É sobre esse aspecto que discorreremos abaixo.
2.3. Sacrifícios: uma arma para vencer o Diabo
Inserido no interior das representações que cada cultura realiza do mundo
que a cerca, o sacrifício é mais uma forma de diálogo do homem com as forças
sagradas. Uma maneira de interação, um pacto com os deuses. Nesse pacto as
forças interagem e se confirmam, os indivíduos necessitam dos deuses e esses
devem provar suas forças. Os sacrifícios são elos íntimos entre dois lados que se
fortalecem mutuamente, legitimando uma associação entre as forças extraordinárias
e o mundo ordinariamente humano. Para Mauss (2001, P. 147), o termo sacrifício
sugere
Imediatamente a idéia de consagração e poderíamos ser induzidos a
crer que as duas noções se confundem. Com efeito, é bem certo que o
sacrifício implica sempre uma consagração; em todo sacrifício, um
objeto passa do domínio comum ao domínio religioso; é consagrado.
Mas nem todas as consagrações são da mesma natureza. Existem
aquelas que esgotam seus efeitos no objeto consagrado, qualquer que
ele seja, homem ou coisa. É, por exemplo, o caso da unção. Um rei é
consagrado? a personalidade religiosa do rei é modificada; fora
dela, nada é mudado. No sacrifício, ao contrário, a consagração
irradia-se para além da coisa consagrada; alcança entre outras a
pessoa moral que faz os gastos da cerimônia. O fiel que forneceu a
vítima, objeto da consagração, não é, no fim da operação, aquilo que
era no começo. Adquiriu um caráter religioso que não tinha, ou
desembaraçou-se de um caráter desfavorável que o angustiava;
elevou-se a um estado de graça ou saiu de um estado de pecado.
Num caso como no outro, está religiosamente transformado. (MAUSS,
2001, P. 147).
Os sacrifícios são tão antigos quanto as primeiras religiões. As inúmeras
tentativas de dominar as forças da natureza realizando sacrifícios, de variadas
espécies, eram formas gicas encontradas pelos homens para domar as energias
consideradas invisíveis. Dos sacrifícios se espera algo concreto, prático, que
proporcione benefícios ou, na pior das hipóteses, que os deuses, pelo menos,
impeçam que os demônios se apossem em definitivo da vida humana. “O sacrifício é
originariamente um dom que o selvagem faz a seres sobrenaturais a quem precisa
apegar-se”. (Tylor apud Mauss, 2001, p. 141). Nesse sentido o sacrifício possui um
caráter prático, uma ação que representa fortes influências na vida cotidiana do
indivíduo. Tais sacrifícios sofrem alteração na medida em que as relações entre os
deuses e os homens se alteram. Para Mauss os ritos sacrificiais nascem com o
distanciamento dos deuses, sendo preciso criar mecanismos mais adequados de
transmissão de dom aos seres transcendentais. Afirma Mauss (2001, p. 142):
Ao dom sucedeu a homenagem onde o fiel não
exprimiu mais nenhum desejo de retorno. Daí, para que o sacrifício se
tornasse abnegação e renúncia, não havia mais do que um passo;
desta forma, a evolução fez passar o rito, dos presentes do selvagem,
ao sacrifício de si. Mas se esta teoria descrevia muitas fases do
desenvolvimento moral do fenômeno, não lhe explicava o mecanismo.
Em suma, não fazia mais do que reproduzir numa linguagem definida
as velhas concepções populares. Não dúvida de que tinha, em si
mesma, uma parte de verdade histórica. E é certo que os sacrifícios
foram geralmente, em certo grau, dons que conferiam ao fiel direitos
sobre seu deus.
Se os dons são atribuídos ao deus ou deuses, deve-se desenvolver
mecanismos de controle desses dons; conseqüentemente, de controle dos deuses.
Como então promover o controle dessa força tão poderosa? Deve-se adotar
posturas básicas diante das forças sobrenaturais, sendo as ações sacrificiais um
meio para se alcançar os anseios pessoais e/ou coletivos. Tais posturas sicas
estão no alicerce que Weber chama de súplica e/ou coação dos deuses.
A questão mais simples, a de se cabe tentar influenciar
determinado deus ou demônio mediante coação ou súplica é, em
primeiro lugar, somente uma questão do resultado. Assim como o
mago tem de provar seu carisma, o deus tem de provar seu poder. Se
a tentativa de influenciá-lo mostra-se constantemente inútil, ou bem o
deus não possui poder algum ou são desconhecidos os meios
adequados para influenciá-lo, e se desiste de tentá-lo. (WEBER, p.
295, 296).
Utilizar sacrifícios para obter uma boa colheita, vencer a guerra, conquistar
um emprego ou ser bem sucedido (a) nos negócios possui o mesmo mecanismo.
Esse mecanismo regula o equilíbrio da associação entre dois níveis, entre dois seres
(humanos e deuses). De um lado, um sujeito que alimenta, que apazigua, que
mantêm o fogo acesso, que cumpre sua parte na associação, de outro lado um deus
que responde de forma positiva ou negativa, dependendo da contrapartida do “sócio
mortal”. Como toda e qualquer boa associação, cada um deve cumprir sua parte,
caso contrário o pacto se quebra.
Ou então pode-se até concluir com eles um pacto que impõe
obrigações a ambas as partes (...). Ou o sacrifício é um meio de
desviar magicamente para outro objeto a ira do deus uma vez
desatada, seja este objeto um bode expiatório ou (e nomeadamente)
uma vitima humana. Ainda mais importante e provavelmente também
mais antigo é outro motivo: espera-se que o sacrifício, especialmente
o de um animal, estabeleça uma communio, uma comensalidade com
efeito de confraternização, entre o sacrificador e o deus. (Weber,
1999, p. 293).
Tais formas de confraternização entre os sacrificadores e os deuses são
ainda hoje realizadas, principalmente nas igrejas que utilizam práticas
profundamente mágicas. O fiel da IURD utiliza tais recursos para alcançar a graça
pretendida e principalmente confirmar seus laços com o Reino de Deus. Para
Birman (2001, P. 75), o fiel da Universal é tanto objeto quanto sujeito do ato de
reciprocidade que estabelece com o Reino dos Céus”. Não é livre para se conectar
diretamente com o sagrado, pois entre os dois estão os intermediários (Igreja). A
prática sacrificial do crente consiste em utilizar mecanismos para vencer o Diabo. Na
medida em que o fiel deposita nas mãos de Deus seus problemas e realiza sua
parte (doação de dinheiro), deve viver como se tivesse recebido a graça, cabendo
ao Pai a obrigação de garantir ao filho sua parcela na herança. Há, em tal relação,
um misto de suplica, coação, interação e associação entre o fiel-sacrificador e a
divindade realizadora das graças (WEBER, 1999). Na IURD, o principal sacrifício
consiste na doação de dinheiro (dízimo, além de ofertas esporádicas)
46
, que ocorre
geralmente em vários momentos das reuniões. “Assim, esta teologia transforma o
dízimo no escandaloso princípio ‘é dando que se recebe’. (BIRMAN, 2001, p. 73).
Os pastores afirmam que a prova maior dos resultados eficientes dos
sacrifícios está diretamente ligada ao sucesso obtido pelos fiéis da IURD que
alcançam as graças esperadas. A prosperidade financeira, a cura de uma doença, o
abandono do alcoolismo, o fim das brigas conjugais, demonstram a derrota dos
“espíritos imundos”.
46
Anexo, p. 138.
Os mecanismos mágicos têm a finalidade de promover mudanças positivas
no cotidiano daqueles que se associaram a Deus. Principalmente, que cumpriram
sua parte no acordo, isto é, aqueles que venceram o Diabo utilizando
adequadamente a importante arma do sacrifício. “A fé, justamente, despotencializa
os demônios e permite a reintegração de posse, garantida pelo compromisso divino
do dê-me, dou-te”. (GOMES, 1994, P. 238). O Sacrifício realizado através da oferta
sela o compromisso entre Deus e o fiel. Segue Gomes (idem): “Quanto mais difícil
for realizar a oferta, maior a que se manifesta frente ao risco e, obviamente, maior
o benefício”.
No discurso da IURD o desafio da “maior oferta” não tem ligação nenhuma
com aspectos morais pertinentes às privações físicas (jejum ou voto de silêncio, por
exemplo). A maior oferta consiste na entrega (sacrifício) de um bem material, de
valor significativo para o sacrificante. Nesse sentido, as ações sacrificiais dos fiéis da
IURD se afastam completamente das práticas ascéticas. Em outros termos, o
sacrifício é bem mais um modo de comprovar a própria fé, de pô-la em ato, do que
propriamente uma privação de caráter ascético. (idem, ibidem, 239). Trata-se da
troca de um bem material por outro maior ainda, que, dependendo do pedido, pode
ser desde a estabilidade conjugal até um carro importado.
Muitas pessoas se perguntam por que devemos dar os dízimos
e as ofertas. Algumas questionam a o fato de Deus ser um espírito
e dizem que, por isso, Ele não precisa de dinheiro. Todavia, vale
ressaltar que os dízimos e as ofertas são tão sagrados quanto a
Palavra de Deus, visto que os dízimos significam fidelidade, e as
ofertas representam o amor do servo para com o Senhor.
É através dos dízimos e das ofertas que a obra de Deus se sustenta,
que novos templos são erguidos e muitas almas são salvas. "Trazei
todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na
minha casa; e provai-me nisso, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não
vos abrirei as janelas dos céus e não derramar sobre vós bênçãos
sem medidas. Por vossa causa, repreenderei o devorador, para que
não consuma o fruto da terra, a vossa vida no campo não será estéril
(...)" (MALAQUIAS 3.10-11). (Folha Universal – 10.01.2006).
O mais importante é que, na mentalidade da IURD, a oferta sacrificial
impulsiona Deus a retribuir; cria um elo, uma associação entre a divindade e o fiel.
Estabelece um acordo que não pode ser rompido. Quando a ação sacrificial é
lançada pelo desafio, Deus deve cumprir sua parte. Como afirmou um pastor dessa
Igreja durante uma sessão do descarrego realizada em Goiânia: “Deus se
compromete com o fiel quando este entrega em suas mãos aquilo que possui de
maior valor”. O ônus é proporcional ao bônus.
Constantemente, os pastores asseguram aos seus fiéis que
deixariam de ser pastores ou “rasgariam a Bíblia”, se Deus não lhes
devolvesse, com a prosperidade, as suas ofertas. Dissolve-se então o
paradoxo do esquema, aparentemente bastante simples, que rege a
doutrina da Igreja Universal, o “dar para receber”. Na verdade, este
deve ser lido como doar à Igreja para receber de Jesus. (GOMES,
1994, P. 239).
Torna-se claro, para a Universal, que o sacrifício consiste em um caminho
fundamental para a posse. Sem ele o fiel dificilmente associa-se com Deus, mas
conseqüentemente se distancia dos bens almejados. Sua vida torna-se insustentável
e perversa. Portando, umas das formas mais eficazes de salvação provém do
sacrifício que não é o único caminho. Antes o fiel deve se libertar das ações do
Diabo através do exorcismo, visando sua conversão e finalmente a cura total.
2.4. Exorcismo, Conversão e Cura
É bastante comum encontrar pessoas convertidas nas Igrejas de “crentes,
pois ali encontram a salvação” (Joaquim, 48 anos). As mazelas são apontadas como
sinais da vitória do Diabo sobre a vida da pessoa. É importante mencionar que
existem duas formas dos demônios passarem a fazer parte da vida dos indivíduos.
Os demônios podem se apossar da pessoa. Nesses casos,os demônios se
manifestam. Quando os profissionais da fé, pastores e bispos promovem os
exorcismos, os demônios se manifestam. É nessa hora que começa a sessão do
descarrego. Os casos mais comuns são os de encosto. Nesses casos os demônios
não incorporam, mas passam a fazer parte do dia-a-dia do sujeito. Encostados no
“pobre” mortal, os “servos de Satã” atormentam-lhe a vida, em todos os níveis.
Desgraças são arquitetadas, brigas conjugais e tentações de todos os tipos passam
a representar aspectos importantes da presença do Diabo no cotidiano do sujeito.
Quanto à teologia da Universal acerca dos tipos de ações demoníacas
(possessões e encostos), não consenso entre o que diz Edir Macedo e os
discursos de seus pastores. Para Macedo, existe uma forma dos demônios
agirem na vida das pessoas: se apossando delas. Em sua concepção não existe
encosto, isto é, os demônios se apossam ou não da pessoa. Se o fiel é guiado pela
luz de Cristo, não existe motivo para demônios “andarem dependurados nele”. Ainda
segundo Macedo (2005, p. 58), os demônios que tomam conta da vida das pessoas
chamam-nas de “cavalos”.
Logo, não aceitamos o encosto. Ou a pessoa está
endemoninhada ou não está. Ou vive no reino de Deus ou no de
Satanás. Não existe meio-termo. Nada disso! Encosto é mais um ardil
do diabo, um meio que os demônios usam para perturbar a pessoa,
causar doenças ou infelicidade. (...) Se as pessoas tivessem
realmente apenas um encosto, não cairiam endemoninhadas como
acontece sempre quando oramos por elas em nossas reuniões.
(MACEDO, 2005, p. 58, 59).
Contradizendo a teologia de Macedo, alguns pastores da Universal afirmam
que os demônios provocadores de encostos são mais comuns e mais fracos que os
de possessão. Estes são mais fortes, exigindo uma difícil luta, o exorcismo, para que
deixem a vida dos fiéis. Deste modo os agentes do inferno são vencidos em
momentos extraordinários, como ocorre na sessão do descarrego. Não são vencidos
apenas, são também humilhados, queimados e dobrados pela “força e nome de
Nosso Senhor Jesus Cristo” (Frase pronunciada comumente pelos pastores da
IURD). Os exorcismos são mecanismos utilizados comumente pelos sacerdotes da
IURD para demonstrar suas superioridades sobre os demônios. Em especial na
terça-feira, quando ocorre a sessão do descarrego, mencionada acima, os demônios
ganham espaço para suas manifestações. Durante alguns minutos muito intensos os
pastores da Universal revezam, entre si, as orações, que possuem o propósito de
fazer os demônios se manifestarem. Podemos considerar esse momento o mais
forte e significativo da sessão do descarrego. Gritos de ordem sugestionam para que
o mal se manifeste.
Que todo o mal que está em sua vida, sai! Que todo o rancor,
ódio, miséria e maldição manifestem-se agora! Encosto, possessão,
macumba, perseguição, sai! Desemprego, traição, fome, depressão,
desejo de suicídio, queima! (...). (Pastor da IURD).
Podemos perceber a representação do Diabo no depoimento do fiel Joaquim:
Os demônios se manifestam nas atitudes das pessoas (...) O
demônio age, ele é forte, mas se nós formos fracos ele vencerá. Cabe
ao fiel lutar com toda fortaleza contra essas criaturas malignas.
Por esses motivos é que as conversões não se dão do dia para a noite.
Aquele que entra pela primeira vez na IURD tem “todo tempo do mundo para se
converter e aceitar a Jesus”. (Miguel, 35 anos). Nesse sentido, diz o pastor Júnior:
“cabe a cada um buscar, todos os dias, os caminhos que levam à graça já concedida
por Deus a seus filhos”.
Fica claro perceber que o mal é necessário para a manutenção do discurso
da IURD. Nesse sentido, o mal deve ser derrotado, porém não definitivamente. A
agressão, a violência, o medo, a depressão não são apenas vitórias dos demônios,
mas também derrotas das pessoas que sofrem. O demônio age, ele é forte, mas se
os indivíduos forem fracos ele os vencerá.
Em duas conversas específicas que mantive com pastores da IURD, pude
perceber nos discursos acerca da conversão que, para eles, se o fiel for forte, resistir
e colocar à prova sua herança de filho legítimo de Deus, os demônios serão
derrotados. Nesse sentido, o mal não é mais forte do que o bem, o mal se instala
na vida da pessoa se ela demonstrar fraqueza, se estiver abalada, se abaixar a
guarda. A obreira Maria (41 anos), diz que:
Aqueles que pecam, que matam, estão condenados ao
inferno, mas eles têm uma segunda chance, basta que se arrependam
e se convertam, mas se eles não se converterem dos maus caminhos,
Deus não pode fazer nada.
O fiel da IURD deve ser sempre um guerreiro confiante de Deus, sendo a
vitória uma construção diária. Se o indivíduo acreditar em sua potencialidade, em
sua força, os espíritos do mal não tomarão posse de sua vida. É importante
mencionar que os demônios chegam de várias formas, inclusive por hereditariedade.
É comum ouvir nos discursos dos pastores, principalmente durante a sessão do
descarrego, que as possessões são herdadas de avós, pais, ou de qualquer parente
que tenha um dia caído nas garras do exército do mal.
Para o fiel, ser exorcizado é um importante passo para a conversão, um
caminho natural que os filhos perdidos devem, necessariamente, passar para
alcançar a salvação no Reino de Deus. Manter-se afastado de amuletos, imagens,
símbolos, falsas crenças é também uma importante medida para confirmar e manter
o caminho traçado por Deus. Evidentemente, o caminho certo para que o fiel
alcance, sem erro, a salvação no aqui e agora é a Igreja Universal do Reino de
Deus. Ao criticar outras igrejas, crenças e cultos, a IURD afirma que ela é a única
capaz de restabelecer o sujeito nos designos de Pai. No final da reunião de
domingo, os participantes são convidados para o batismo. Mas é bom lembrar que a
conversão, a derrota dos encostos e das possessões não é um processo rápido,
varia de indivíduo para indivíduo, dependendo da força da subjetividade de cada um.
Para Francisco (29 anos), a cura é primeiramente uma vitória
de Deus, depois da pessoa. Quando a pessoa se enxerga e diz:
‘nossa o que ou estava fazendo o tempo todo me embriagando,
ficando na sarjeta, sendo humilhado’. Ela começa a restabelecer os
laços com Deus. São poucas as pessoas que têm carinho, respeito
por alguém que está no fundo do poço. É muita humilhação para a
pessoa agüentar sozinha, eu sei de tudo isso porque meu pai foi
alcoólatra. Mas a partir do momento em que a pessoa volta para os
braços do Senhor Jesus e diz: ‘Senhor eu estou aqui e entrego toda a
sujeira, enterro todo o mal’; a partir daquele momento ela renasce,
aquele indivíduo que ajudava a destruir a vida não existe mais, ele
está morto e todo mal enterrado.
Segundo Birman (2001, p. 78), para a IURD exorcizar a pobreza possui
sentido ambíguo. Por um lado, pode ser interpretado como ação que na
prosperidade um bem afastado da visão de mundo e o ethos católico, da humildade
e do sofrimento (exemplificado na paixão de Cristo). Por outro, pode ser visto como
gesto que objetiva conectar os excluídos e fracassados ao mundo dos ricos.
2.5. Diabo X Deus – A Teologia da Guerra Santa
Como foi visto no capítulo anterior, a luta contra o Diabo está presente desde
a origem das primeiras civilizações. Muitos textos do Novo Testamento falam de
Jesus em luta contra os seres malignos. Algumas dessas passagens são clássicas e
altamente difundidas. Não cabe nesse momento expor e analisar as hermenêuticas
bíblicas que fizeram e fazem uso de argumentações defendendo os escritos
canônicos. Independentemente de utilizar as interpretações sociológicas de tais
passagens bíblicas, o fato é que no imaginário individual e coletivo a força
germinadora da imaginação contribuiu e contribui para o fomento de um mundo
fantasioso, mágico e divino. Segundo Swain (1993, p.48):
O imaginário trabalha um horizonte psíquico habitado por
representações e imagens canalizadas de afetos, desejos, emoções,
esperanças, emulações; o próprio tecido social é urdido pelo
imaginário – suas cores, matizes, desenhos reproduzem a trama do fio
que os engendrou. O imaginário seria condição de possibilidade de
realidade instituída, solo sobre o qual se instaura o instrumento de sua
transformação.
Swain (1993), afirma que o poder do imaginário no cotidiano, bem como sua
capacidade incisiva de transformar uma dada realidade, revela e ao mesmo tempo
transforma os diversos contextos aos quais ele pertence. Independentemente das
análises a priori ou a posteriori, o fruto do imaginário possui uma autonomia cercada
de um mundo não real, mas que se concretiza na medida em que atua na formação
íntima e profunda da sociedade.
O caso da “tentação do deserto” evidencia que, mesmo sendo filho de Deus,
segundo a cristã, não ficou imune à força avassaladora do mal. Não podemos
esquecer que muitas curas de Jesus estavam intimamente ligadas ao combate
contra o Diabo. Cada cura representava a vitória do bem sobre o mal, cada
epidemia, morte, injustiça e outras tormentas significavam a vitória dos anjos do mal.
Estes dados são para a Igreja Universal do Reino de Deus fundamentais para
estruturar seu discurso acerca da luta contra o Diabo e sua legião de anjos
decaídos. Para Gomes, (1994, p. 241). “As tão propaladas curas divinas, assim
como os milagres que, segundo alguns, constituiriam o cerne do imaginário da
Igreja Universal nada são senão um dos efeitos possíveis da expulsão dos
demônios”.
Esta oposição entre bem e mal, fortalecida pela influência grega, perpassou
toda a história do cristianismo. O século II conheceu um movimento asceta que
influenciou consideravelmente a Igreja até o século XIX. Trata-se da fuga-mundi
efetuada pelos monges e religiosos de modo quase geral. Fugir para o deserto
significava sair do mundo dominado pelos demônios. No deserto também se travava
uma luta contra estes entes sobrenaturais. A diferença em enfrentá-los no deserto é
que o religioso, longe das influências do mundo (mulheres, festas, álcool, brigas),
tinha muito mais condições de vencê-los.
Mircea Eliade, utilizando tipos ideais, traz pressupostos teóricos acerca do
simbólico, elemento fortemente vivenciado pelo fiel da IURD. “É bem provável que
as defesas dos lugares habitados e das cidades tenham começado como defesas
mágicas”. (ELIADE, 1996, p. 35). Constatamos que as relações simbólicas viventes
hoje têm uma raiz comum no simbolismo arcaico. As sociedades arcaicas e até
medievais simbolizavam de forma “mágica” as fronteiras que separavam o mundo
sagrado do espaço profano. As muralhas que cercavam os castelos medievais eram
construídas dentro de um ritual sagrado, carregado de simbolismo, elas
simbolizavam, a princípio, uma proteção contra forças espirituais (demônios). A
IURD bebe dessa fonte rica de magia, como podemos observar no discurso de um
pastor da Universal durante a Sessão do Descarrego: “aqueles que buscam o
verdadeiro Deus devem se manter, também, afastados dos lugares demoníacos,
como é o caso dos terreiros de Umbanda”, entre outros lugares considerados, por
eles, profanos.
Para os neopentecostais, o Diabo está permanentemente
tentando tomar conta do mundo, e a Igreja tem que criar estratégias de
guerra e invadir este mundo para cumprir sua missão de lutar contra o
Diabo. E a IURD entra no mundo e usa as mesmas armas do Diabo pra
combatê-lo. Ou seja, se o Diabo possui um banco, que possuir um;
se ele possui uma rede de televisão,que adquirir uma; se o local de
ação do Diabo é o cinema com seus filmes pornôs, que comprar
aqueles espaços e neles abrir templos (LEMOS, 2004, p. 250, apud
SOARES, 1990; MARIZ, 2004).
Na Idade Média, como foi visto, o demônio também andava à solta. A Igreja
Católica via demônios em todas as manifestações, consideradas ultramundanas que
não estivessem dentro de seus crivos teológicos e doutrinários. A inquisição, como
observado, também foi um penoso processo para “salvar” os infiéis dos demônios;
os sacramentos, também, na maioria dos casos tinham a função de servir de escudo
para defender o fiel das forças do mal.
A Igreja Universal do Reino de Deus não tem uma tradição própria sobre o
Diabo. Ela utiliza elementos que estão imbricados no bojo da cultura e da
religiosidade. Sua peculiaridade está no modo de lidar com este ser espiritual. A
IURD identifica o Diabo com toda espécie de mal que acontece no mundo. É desta
afirmação que deve partir toda a nossa análise e nossa investigação.
Não é de hoje que o mal é identificado como sendo obra de uma divindade
oposta a um deus do bem. Para explicar a existência do mal no mundo, o
cristianismo sempre usou de satanás e de suas astúcias. Isto, portanto, não é
criação da IURD. O curioso, contudo, é como essa Igreja consegue convencer seus
fiéis de que toda espécie de problema existente no mundo é obra do demônio.
Desemprego, doença, fome, dívida, terremotos, guerras, problemas afetivos,
nervosismo, são obras do Diabo
47
.
Mas quem é o Diabo? Como podemos identificá-lo? Com quem ele se
parece? Aqui está um dos pontos mais conflitantes da IURD. Em quase todas as
reuniões desta Igreja, os demônios são personificados com figuras, rituais, símbolos
e entidades das religiões afro-brasileiras. Os cultos espíritas e kardecistas também
não ficam impunes. A IURD trava, ao seu modo de dizer, uma guerra contra as
forças do mal. Os demônios, presentes principalmente nos ritos e práticas das
47
Estamos usando as palavras diabo, demônio e satanás indiscriminadamente porque, na IURD,
estes nomes são usados como sinônimos. Todos eles representam as forças do mal que podem agir
no homem, embora sabemos que etimologicamente e nas raízes cristãs estes entes, se assim
podemos chamá-los, possuem significados diferentes e até mesmo representam realidades
diferentes. No tempo de Jesus, por exemplo, o demônio era identificado na maioria das vezes, com
doenças psicossomáticas. A palavra satanás está ligada, na raiz hebraica, ao termo adversário,
enquanto diabo é tudo aquilo que divide.
denominações religiosas que citamos, são a razão da desgraça no mundo e por isso
precisam ser exterminados.
No best-seller Orixás, caboclos e guias deuses ou demônios, o fundador
da IURD, Edir Macedo, faz uma varredura em várias formas de cultos religiosos,
considerados por ele armadilhas de Lúcifer. A crença em bruxas, gnomos, pirâmides
e cristais são chamados pela Universal de “alto espiritismo”, portando, portas para o
Diabo. As divindades no Candomblé e os guias espirituais ou entidades da
Umbanda, bem como suas correlações sincréticas com o catolicismo ortodoxo e
popular, são também duramente atacados. Macedo deixa bem claro que Deus é o
único salvador, o único caminho para a libertação e conquista do fiel. Qualquer outra
forma de relação espiritual é muito perigosa e pode levar a pessoa a compactuar,
mesmo sem saber, com seres malignos. Segundo Macedo (2004, p. 80-81):
Existem círculos de crescimento, doutrinação e até estudos de
doutrinas espíritas, onde não somente os ensinamentos de Jesus,
mas os de toda a Bíblia, são distorcidos, para que os demônios se
deleitem enquanto enganam a humanidade.
Doutrinas, ensinamentos, cerimônias, reuniões de caridade e
tantas outras coisas o artifícios usados pelos demônios para
prender os incautos. Daí para frente é quase impossível evitar
contatos mais íntimos com os espíritos, que levam essas pessoas ao
ponto de abrirem a vida, totalmente, à ação de satanás e seus
demônios”.
E não faltam casos de violência contra os membros das religiões afro-
descendentes. Mariano cita o caso do “auxiliar de marceneiro José Targino, de 30
anos, adepto da seita do ‘bispo’ Macedo, que matou, com golpes de marreta, o
biscateiro Josimar Vaz dos Santos, de 40 anos, umbandista (…) na Rocinha”. Em
Goiânia, presenciamos, no final de 2004, o episódio relacionado à exposição
artística
48
de orixás no lago do Parque Vaca-brava
49
. Várias igrejas, a maioria de
origem neopentecostal, promoveram um abraço simbólico, realizando orações com a
finalidade de expulsar as grandes esculturas, que para eles eram presenças
perturbadoras dos demônios.
Se as forças do mal, isto é, seus demônios, podem agredir, ou passar a
possuir qualquer um, é preciso então identificá-los. A IURD criou alguns critérios
para saber se a pessoa está ou não possuída por demônios. Segundo Macedo,
apud Mariano (1999, p. 115):
Os demônios se apossam das pessoas por: participação direta
ou indireta em centros espíritas, hereditariedade, trabalhos ou
despachos, maldade, envolvimento com pessoas que praticam
espiritismo, comidas sacrificadas aos ídolos. Os endemoniados
apresentam sintomas. Enumera dez sinais típicos de possessão:
nervosismo, dores de cabeça constantes, insônia, medo, desmaios ou
ataques, desejo de suicídio, doenças cujas causas os médicos não
descobrem, visões de vultos ou audição de vozes, vícios e depressão.
Diante da variedade de sintomas apresentados pelo bispo, torna-se quase
impossível uma pessoa não estar possuída ou ser atormentada, em seu cotidiano,
por forças do mal.
Valendo-se de recursos nem sempre claros, a IURD reforça a idéia de que
demônios hereditários. Como dizemos acima, uma pessoa pode estar doente o
porque ela mesma fez algo para merecer, mas a culpa está em seus antepassados.
Sofisticando mais esta teologia, os pastores da IURD sustentam que se qualquer
parente, por mais distante que seja, tiver mantido qualquer tipo de relação com cultos
considerados demoníacos, toda a família pode estar sendo vítima de um demônio ou
48
O conjunto de peças produzidas pelo artista plástico Tatti Moreno, expostas no Parque Vaca-brava, celebraram
a semana de união e consciência negra.
49
Anexo, p. 139.
de uma verdadeira legião deles, herdada dos antepassados. O curioso é que a igreja
busca não prender o fiel por causa de seus próprios problemas, mas também
pelos problemas de seus antepassados. Para o babalorixá Kênio
50
:
Essas igrejas trabalham com a ignorância e fraqueza das
pessoas, pois estas não tiveram acesso à própria cultura religiosa do
país. A forma com que deturpam os cultos de origem afro geram
medo e ódio entre as rias religiões. Exu, que é tão massacrado pela
IURD, é apenas um mensageiro. O verdadeiro demônio está nas
pessoas.
Num país com tamanha miscigenação como o nosso é quase impossível
encontrar uma pessoa que não tenha tido, na sua família, alguém que freqüentou
cultos de origem afro. Deste modo, todos, em potencial, podem estar amarrados por
um demônio hereditário. O jogo, portanto, sempre funciona.
A teologia da guerra santa, entre outros fatores, possui como principal meta a
vitória definitiva sobre as forças do mal, sendo a prosperidade a maior prova de êxito
contra o Diabo. Para explorar como a teologia da prosperidade, promovida pela
IURD, se insere na vida dos fiéis da mesma, passemos para o tema abaixo.
2.6. Teologia da Prosperidade: O Diabo Derrotado
A teologia da Prosperidade tem sido aventada como a
marca do pentecostalismo praticado pela Universal e por outras Igrejas
identificadas como neopentecostais. Marca negativa, que une duas
coisas que a princípio devem (sic) estar sempre separadas: a e o
dinheiro. (BIRMAN, 2001, P. 73).
50
O babalorixá Kênio nos cedeu entrevista por telefone.
Historicamente, a teologia da prosperidade, assim como o movimento
pentecostal, também teve o seu berço nos EUA. Nasceu na década de 40 e na
década de 70 ganhou status doutrinário e visibilidade com o apoio dos grupos
carismáticos desse país. A essência desta teologia está na relaçãoé dando que se
recebe”. A graça divina está condicionada à disponibilidade do fiel em doar os seus
dízimos e ofertas a uma igreja.
Nesse sentido, para desenvolver o tema da teologia da prosperidade é
preciso retomar, em diferentes abordagens, o tema do sacrifício tratado acima.
Porém, vamos procurar estabelecer quais são os graus de aproximação entre os
sacrifícios dos fiéis, suas práticas e ações e a concretização da prosperidade. Mas
não é apenas o sacrifício que determina a prosperidade; para alcançá-la o fiel deve
promover diversas ações. Entre elas a ênfase dada ao poder da palavra. Em
palestra proferida (07.06.93), o deputado federal e pastor Paulo De Velasco diz:
As palavras proferidas com encerram o poder de criar
realidades, visto que o mundo espiritual, que determina o que acontece
no mundo material, é regido pela palavra. Em suma: as palavras
pronunciadas com fé impelem Deus a agir. (Apud MARIANO, 1999,
p.153).
Mas somente a palavra não é suficiente para criar realidades como a que
acabamos de ver. É preciso que a pessoa tenha fé. A graça chega à pessoa que
possui consciência de seu direito e age como se tivesse vivendo no paraíso. Se
alguém recebe uma cura, mesmo que volte a sentir os sintomas da doença, não
deve reclamar, porque deve agir como se já estivesse completamente curado. “O
fazer de conta” é um meio de concretizar aquilo que está prometido por Deus.
Segundo Mariano (1999, p.154):
A constitui elemento fundamental para alcançar tais
bençãos. Pela fé os cristãos podem possuir tudo (desde que não
conflite com a moralidade bíblica) o que determinarem verbalmente em
nome de Jesus. Saúde perfeita, ou cura das enfermidades,
prosperidade material, triunfo sobre o Diabo, uma vida plena de vitória
e felicidade, ‘direitos’ dos cristãos anunciados na Bíblia, figuram entre
as bênçãos mais declaradas por eles.
No tocante à Igreja Universal do Reino de Deus, pode-se dizer que, ao lado
de outras igrejas neopentecostais, a teologia da prosperidade ocupa um ponto
central em sua estrutura. Para facilitar nossa compreensão deste assunto, ligado
totalmente com a reflexão sobre a representação do Diabo, vamos enfocar seus
principais pontos.
Para que a teologia da prosperidade alcançasse terreno fértil, a IURD
elaborou um discurso diferente das igrejas pentecostais tradicionais no que tange ao
mundo. Este, longe de ser rejeitado torna-se um bem a ser buscado, vivido e
desfrutado. Ao contrário dos pentecostais da primeira e da segunda onda, o
ascetismo é colocado de lado e os bens materiais são muito valorizados. O modo
como a IURD se relaciona com o mundo é uma das suas principais características.
Ao invés de negar o mundo para alcançar bens celestiais, o que os pastores fazem é
afirmar que é direito do cristão de possuir a felicidade terrena. Afirma Macedo (2003,
p. 25, 26):
Imagino que Deus não é um Pai pior do que eu ou do que
outros pais. Eu, por exemplo, tenho duas filhas e, pela minha
vontade, daria a elas um castelo milionário no melhor lugar do mundo.
As melhores roupas, as mais lindas jóias, a mais fina educação, e, se
pudesse, escolheria para elas príncipes que as desposassem. Não
tenho a menor dúvida de que faria isso, se pudesse.
(...) Eu faria para elas tudo o que de melhor pudesse fazer,
simplesmente porque elas são minhas filhas...
Assim eu vejo e compreendo o Senhor Deus: um Pai que tem
todo o poder nas mãos, toda a autoridade, toda a riqueza, toda a
glória, enfim, tudo o que existe no Universo. Tudo está em Suas mãos
e creio que Ele tem pelos Seus filhos um amor maior que o meu.
Partindo desta perspectiva, os pastores pregam com todo o fervor que o
destino de todas as pessoas são as bênçãos prometidas por Deus, contidas na
Bíblia. Mas para que isso aconteça é preciso que o homem reate com o Pai a
aliança que foi quebrada por Adão e Eva. O meio de refazer esta aliança é a
disponibilidade da pessoa de colocar tudo nas mãos d’Ele. Segundo o Bispo Robson
Rodovalho (apud MARIANO, 1999, p.160) “Deus não precisa de nosso dinheiro,
porque dele é a prata e o ouro. Mas Ele precisa que nós o obedeçamos para que
possa nos abençoar”.
Na pregação do bispo, dar a oferta é obedecer a Deus. Quem não paga os
dízimos é um desobediente. Conseqüentemente, atrai sobre para si todas as
maldições. Por outro lado, quem paga fielmente os seus dízimos adquire um direito
para com Deus. Pela lógica da teologia da prosperidade, Deus não é autônomo e
sim condicionado pelo fazer humano. “Nós ensinamos as pessoas a cobrar de Deus
aquilo que está escrito. Se Ele não responder, a pessoa tem que exigir, bater o pé,
dizer ‘tou aqui, tou precisando’” (MACEDO, Folha de São Paulo, 20.6.91).
O rezador apresenta ao deus os serviços prestados,
esperando contraprestações correspondentes. Também o sacrifício
aparece no princípio como meio mágico. Em parte diretamente a
serviço da coação sobre o deus(...). A questão mais simples, a de se
cabe tentar influenciar determinado deus ou demônio mediante coação
ou súplica é, em primeiro lugar, somente uma questão do resultado.
(WEBER, 1999, p. 292, 195).
Para confirmar as graças de Deus, a IURD não poupa esforços. Os
testemunhos dos fiéis vinculado na mídia, escrita, radiofônica e televisiva, chegam
nas casas e carros de cada um que queira ouvir, ali mesmo, no palco da ”, onde
vários fiéis, alguns em êxtase, glorificam ao Pai por tamanha prosperidade. Nos
cultos, esse mecanismo fica claro. Os fiéis que passaram a pagar o dízimo,
confirmando a associação com Deus, como foi dito acima, recebem as graças do
céu, tornando-se felizes e bem sucedidos.
Um colega de serviço e irmão na foi desafiado por Deus a
dar o dízimo todos os meses, e foi durante aquele período que sua vida
teve sucesso. Depois de um ano ele parou de dar e começou um
período de crise geral em sua vida” (JOANA, 28 anos).
Além do dízimo e das ofertas comuns, ainda as correntes da prosperidade
e o desafio da maior oferta. Os fiéis são convidados, nestes desafios, a doar uma
quantia significativa de dinheiro. Quanto maior for a quantidade do objeto destinado
ao sacrifício (dinheiro), maior é a interação entre a divindade e o fiel. Maria da Glória
(43 anos), relata: “passei por várias igrejas, mas parei na Universal porque ela é a
única que não exige pagamento de oferta ou dízimo. A gente se sente à vontade
para dar ou não”. O discurso comum entre os pastores dessa igreja, acerca do
dízimo e das ofertas, se baseia na liberdade de escolha do fiel. Cabe a ele escolher
a associação com Deus, porém essa associação deve ser justa para ambas as
partes. Cabe à divindade entrar com a parcela equivalente à parte cedida pelo
sacrificador-fiel. Dessa forma, quanto maior for o sacrifício, maior será a retribuição
provinda de Deus.
Em estudo realizado por Pedrinho Guareschi (1995, p. 207) “Sem dinheiro
não salvação”: ancorando o bem e o mal entre os neopentecostais. O
pesquisador constata que
É admirável a capacidade dos pregadores em convencer os
fiéis da obrigação e necessidade de contribuir, até mesmo para eles se
salvarem. Os fiéis estão convencidos de que eles não estão sendo
explorados economicamente por seus pastores. Nem chegam a pensar
nessa possibilidade. Eis a reação de uma mulher à tentativa de
questionamento sobre a possibilidade de exploração econômica: -
‘Exploração? Nunca! A pessoa o que ela quiser. Não há obrigação
de dar. Você não paga por tudo o que compra? Do mesmo modo, por
que não pagar a Deus?”.
O dinheiro, como valor simbólico, é carregado de poder transformador da
realidade. “Sua aplicação é voltada para a manutenção e ampliação das obras do
Reino de Deus sobre a terra” (Pastor, reunião de domingo). Ajudar efetivamente a
concretização dessa realidade é assumir a parceria com o Ser Sagrado. Weber diz
que “por meio de atos significativos procura-se obter efeitos reais”. (1999, p. 282). O
poder do dinheiro ultrapassa seu valor monetário, ganhando um forte poder
simbólico, carregado de força mágica, somada com a fé, a determinação, a ação e a
entrega de todos os males ao Pai. “O afastamento do mal externo e a obtenção de
vantagens externas ‘neste mundo’ constituem o conteúdo de todas as ‘orações’”
(WEBER, 1999, p. 293) e de todos os sacrifícios, sejam eles de qualquer espécie, ou
de qualquer época.
Independentemente de qual for a forma para assegurar a prosperidade no
“aqui é agora”, é importante relembrar que o Diabo é o grande obstáculo que deve
ser superado a qualquer custo. Não prosperidade sem a derrota dos demônios.
Apesar de todas as orações, sacrifícios e outros meios de buscar a prosperidade,
ela só poderá ser obtida com a vitória sobre os anjos do inferno. E mesmo depois de
obtida, ainda permanecerá viva a insistente sombra aterrorizante do mal sobre o
cotidiano do fiel da IURD.
CAPÍTULO III
O FIEL DA IURD FACE A FACE COM O DIABO
A ação religiosa ou magicamente motivada, em sua existência
primordial, está orientada para este mundo. As ações religiosas ou
magicamente exigidas devem ser realizadas ‘para que vás muito
bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da terra’. (WEBER,
1999, P. 279).
3.1. O perfil do fiel da IURD
Neste capítulo vamos abordar o perfil do fiel da Universal, seu contexto social
e histórico, os mecanismos de alívio das culpas, as incorporações do Diabo em
diversas mazelas e a busca por sentido. Nossa intenção inicial consiste em realizar
um breve levantamento sócio-cultural do fiel dessa Igreja. Ele nos dará dados
empíricos que terão importância fundamental no decorrer deste capítulo, pois, as
construções simbólicas e as representações do Diabo elaboradas pelos fiéis da
IURD têm fortes ligações com suas origens étnicas e culturais e baseiam-se também
em suas condições educacionais e nos papéis que ocupam na sociedade. Não são
apenas estes fatores que determinam suas representações do Diabo, como vimos
ao longo do texto, mas são determinantes para reforçar e tornar absoluto o relativo
(BOURDIEU, 1999).
Não era nosso propósito principal, na pesquisa de campo, fazer qualquer
levantamento estatístico acerca da origem racial, sexual, da renda ou da
escolaridade dos fiéis da Universal. Mas não pudemos deixar de observar, nas
entrevistas semidirigidas, nas conversas e em visitas periódicas aos templos da
mesma, que a grande maioria dos membros era pardos, negros e do sexo feminino.
No geral de origem humilde.
Em muitas ocasiões pudemos chegar mais cedo nas escadarias do Templo
da e observar de onde vinham os fiéis. Uma pequena quantidade, comparada à
maioria, chagava de automóvel particular, mas a grande parte vinha de ônibus,
alguns fretados pela própria Igreja. Ricardo Mariano (1999) possui um
posicionamento bastante duro em relação às práticas realizadas pela IURD e outras
igrejas que seguem a mesma linha. Segundo ele, a Universal alicia pessoas das
classes mais baixas da sociedade e a partir delas, constrói seu império.
Em vez de aliciar empresários, tais cultos restringiram-se, sobretudo, a
atrair fiéis desejosos de prosperar e, em parte, interessados em montar
um negócio próprio, seja para escapar das agruras do desemprego,
seja para livrar-se dos perversos efeitos da crescente precarização do
mercado de trabalho no País. (MARIANO, 2003, p. 60).
Apesar do pequeno número (seis no total) de fiéis que participaram das
nossas entrevistas semiestruturadas, observamos que apenas uma estava cursando
a universidade, mas havia se convertido à IURD antes de começar o curso superior.
Foi levada à sessão do descarrego por uma tia, pois, segundo depoimento, estava
passando por graves crises no relacionamento conjugal. Desses entrevistados, 50%
eram pardos, 30% negros e 20% brancos, 80% homens e 20% mulheres. Apesar da
pequena amostragem, os nossos números equivalem à ampla pesquisa promovida
pelo ISER na cidade do Rio de Janeiro.
A pesquisa Novo Nascimento (Fernandes, 1996), realizada
pelo instituto Superior de Estudos da Religião (ISER) em meados da
década de 1990, na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro,
comprova seu insucesso na conquista de fiéis nas classes média e
alta. Ela revela que 63% dos fiéis da Universal ganham menos de dois
salários mínimos e 28% entre dois e cinco salários. Ou seja, 91%
recebem mensalmente menos de cinco salários. 50% têm menos de
quatro anos de escolaridade e 85% não passaram do primário. 60%
são: pardos (36%) e negros (24%). (Fernandes, 1996). Por pior que
sejam os indicadores sociais brasileiros, os membros da Universal têm
renda e escolaridade bem inferior às da população. São, portanto, os
muito pobres e marginalizados que fazem a fortuna da IURD.
(MARIANO, 2003, p. 61).
Esses números reforçam a tese de que os fiéis da Universal buscam sentido
para suas existências e, conseqüentemente, para a compreensão das mazelas que
afetam suas vidas. Anseiam por soluções, na maioria das vezes imediatas. Querem
ao menos participar e ter seus direitos garantidos, viver com dignidade, se sentirem
pertencentes a uma comunidade. Eles projetam no hoje um amanhã melhor,
sonham com a casa própria, com a melhoria salarial, com um emprego estável.
Enfim, desejam coisas simples, mas que se tornam distantes devido aos abismos
sociais do país.
Muitos dos problemas para os quais os fiéis da IURD buscam solução, nas
variadas sessões promovidas pela Igreja, surgiram e/ou ganharam outras
características na modernidade, que possui roupagens específicas no Brasil. Abaixo
veremos como os problemas da modernidade brasileira contribuem para a
construção das representações e do imaginário dos fiéis da Universal,
principalmente das representações do Diabo contidas em seu imaginário.
3.2. O fiel da IURD e os problemas da modernidade brasileira
Não podemos dissociar o fiel da IURD dos aspectos pulsantes da
modernidade. Ele trabalha, se relaciona, constrói, projeta, sonha, busca
aprimoramento profissional, corre no ritmo cadenciado do relógio, consome,
freqüenta shoppings, enfim, ele tenta pertencer ao dinamismo frenético imposto pela
modernidade. Para Giddens (1991), “a modernidade refere-se ao estilo, costume de
vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do culo XVII e que
posteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”.
O fiel da IURD nasce das novas tendências mundializantes que se
intensificam, no Brasil, entre 1970 e 1980
51
. Ele é fruto de um contexto efêmero, do
individualismo, da competição e superação, do sucesso a qualquer preço, da
prosperidade material como principal projeto aceitável de vida (HOUTART, 2002). É
vítima da pobreza, do desemprego, da doença, da falta de saúde pública, do projeto
fracassado de modernidade. Afirma Rouanet (1993, p. 9):
51
Um importante aspecto desse contexto é a formação de uma cultura televisiva, localizada principalmente nos
centros urbanos.
Todos dizem que a modernidade está em crise. É um lugar-
comum, mas como outros lugares-comuns este pode ser a
verdadeiro, desde que se entenda bem o alcance do diagnóstico. O
que existe atrás da crise da modernidade é uma crise de civilização. O
que está em crise é o projeto moderno de civilização, elaborado pela
Ilustração européia a partir de motivos da cultura judeo-clássita-cristã e
aprofundado nos dois séculos subseqüentes por motivos como o
liberal-capitalismo e o socialismo.
Mas, como esse indivíduo pode perceber o mundo que o cerca? Perdido no
interior de um mundo vasto e complexo, ele vaga na busca de um caminho, de um
cajado que mostre qualquer estrada para a “salvação”. Construções e destruições
permeiam constantemente seu cotidiano, novidades são lançadas a cada momento.
As tradições se quebram na velocidade adotada pelo ritmo moderno; novos
conceitos e padrões são impostos. Estas são algumas ferramentas utilizadas pelo
capitalismo moderno para criar um mercado consumidor ordeiro e fiel (Talvez o
presente se direcione rumo a um futuro incerto, não que o futuro um dia tenha sido
certo e preciso). Mas que as características abordadas por Charles Baudelaire
(1985) e outros acerca do século XIX e suas heranças recebidas pelo século das
grandes destruições mostrem um viés totalmente diferenciado dos contextos
passados pela história das grandes civilizações.
O projeto civilizatório da modernidade tem como ingredientes
principais os conceitos de universalidade, individualidade e autonomia.
A universalidade significa que ele visa todos os seres humanos,
independentes de barreiras nacionais, étnicas ou culturais. A
individualidade significa que esses seres humanos são considerados
como pessoas concretas e não como integrantes de uma coletividade
e que se atribui valor ético positivo à sua crescente individualização. A
autonomia significa que esses seres humanos individualizados são
aptos a pensarem por si mesmos, sem a tutela da religião ou da
ideologia, a agirem no espaço público e adquirirem pelo seu trabalho
os bens e serviços necessários à sobrevivência material. (ROUANET,
1993, p. 9)
Como é possível um ser sensível, cheio de paixões e desejos, sonhos e
esperanças, em um lugar que não existe, em um não lugar”, em um mundo
intangível? O que resta a fazer, em meio ao nada
52
, diante de cobranças por
resultados imediatos e urgentes? Preso no interior das grandes “selvas de pedra”, o
homem pobre da modernidade capitalista periférica anseia por realizações que nem
ele sabe bem o que sejam. Em um mundo dessacralizado, impessoal, anônimo,
resta, ao herói solitário, lançar suas preces às religiões eletrônicas, aos novos
“amuletos de plástico” vendidos em butiques de shoppings, aos corpos esculpidos
pela exigência da nova moda que aprisiona o indivíduo em tendências efêmeras,
impostas pela indústria midiática.
A perspectiva, que é muito salutar a qualquer um, não se encontra presente
na mesa de grande parte da população, que às vezes não possui sequer uma mesa
para chorar e esbravejar, ou mesmo espalhar suas contas que acumulam a cada
mês. Parece que o anseio geral é o possuir, o ter, não o ser. Mas como seria
possível o ser sem o ter em meio ao discurso consumista? A necessidade de possuir
bens materiais se tornou uma constante com o discurso da modernidade, da
massificação e da aproximação do mundo local com o mundo global. Quando essa
necessidade atinge os semi-excluídos sociais, abre-se uma importante porta para o
discurso neopentecostal. Diz Mariz (1996, p. 37):
52
A modernidade excluiu o homem de seu projeto: as caldeiras, as máquinas, as indústrias, o dinheiro
e o lucro estavam presentes, mas o indivíduo humano teve que se coisificar para entrar como força
útil na lógica fria e mecânica desse novo contexto.
uma concordância que esta (IURD) é uma religião
do pobre e do oprimido em geral, mas descorda-se se ele ajuda a
transformar a vida do oprimido ou se reforça esta sua opressão. As
duas interpretações distintas das conseqüências do pentecostalismo
ganham defensores nos trabalhos que apareceram nas décadas
seguintes.
Talvez a riqueza material nunca tenha sido o exaltada como vem ocorrendo
nos discursos e práticas neoliberais. A felicidade, a segurança, o bem-estar
podem existir inseridos no contexto do verbo ter. Ter um bom emprego, segurança,
uma ótima casa, um excelente plano de saúde, uma boa escola para os filhos, são
conseqüências do ter, não do ser. Podemos perceber este cenário nas reuniões
diárias, promovidas pela IURD, onde o ponto central consiste na associação do fiel
com Deus. Esta associação pode ser consolidada a partir da doação de dinheiro,
da entrega incondicional a Deus. Quanto maior for o dízimo, ou a oferta especial,
maiores serão as garantias do crente alcançar as ricas retribuições do Pai.
Nas reuniões da corrente, os envelopes são levados ao altar e
as pessoas, de os dadas, numa grande corrente de , oram
pedindo a Deus que resolva seus problemas, principalmente os
financeiros. (R. R. SOARES, apud MARIANO, 1999, p. 167).
No Segundo Tratado Sobre o Governo o filósofo e pensador político John
Locke (1978) ressalta que a garantia da propriedade é o trabalho, é ele que a
posse material ao homem, determina e assegura legalmente a propriedade ao
indivíduo. “Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no
qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se algo que lhe
pertence e, por isso mesmo, tornando-se propriedade dele”. (Locke, 1978, p. 43).
Locke, ao longo de seu discurso liberal, fala-nos que a propriedade é uma busca
constante do homem, sendo a garantia de sua felicidade e segurança. Mas em um
contexto em que a desigualdade social é latente, em que milhares não possuem
nem o básico, como podemos pensar em propriedades que lhes garantam a
felicidade e a segurança, ou ao menos um pouco de dignidade?
Esta sociedade do mercado gera uma cultura e umamoral”
próprias, expressas por exemplo no ideário neoliberal. Entre os
valores e condutas a serem buscados, avulta a competição entre
pessoas, a disputa de grupos e empresas por maior criatividade,
competência e poder aquisitivo. Vencedor é quem vence a
concorrência, quem é capaz de amealhar para si ou para seu
reduzido grupo o melhor proveito possível. (MOREIRA, p. 25-26,
1992).
“Mas você é o grande responsável pelo seu sucesso ou fracasso. Se não
possui propriedades, é porque não trabalhou o suficiente, é um incompetente ou
porque é um perdulário”. (LOCKE, 1978, p. 46). O individualismo é, sem dúvida,
uma das características do discurso liberal, que retira a responsabilidade das
autoridades e joga toda a culpa sobre os ombros do indivíduo-herói. Afinal, as
“coisas” têm um valor perecível, se perdem com o tempo, e por isso devem ser
substituídas por peças novas. O indivíduo, inserido no dinamismo neoliberal, se
preso ao movimento mecânico do pêndulo temporal, tornando-se dia-a-dia mais
“coisificado” na busca cega de um ter fugaz.
Fechados todos os canais, resta o nível do simbólico e do
imaginário, âmbito das vivências, dos desejos, dos signos e dos
valores e da dimensão religiosa. Aqui sim, a posse se torna uma
realidade tangível e a miséria um paradoxo explicável. Nesse caso,
sim, uma vida digna se torna possível e a existência quotidiana de
marginalização, miséria e morte, algo mais suportável. Usando a (dês)
propósito uma frase de Baudrillard, poder-se-ia mesmo dizer que “se,
por vezes, os objetos escapam ao controle prático do homem, jamais
escapam ao imaginário”. Resta saber por quanto tempo. (GOMES,
1994, p. 249-250).
Tal discurso liberal é utilizado com freqüência nas igrejas neopentecostais, a
prosperidade é um forte sinal de que o fiel está no caminho correto. As graças
alcançadas fazem parte do compromisso que Deus selou com seus filhos, mas
como bons sócios cada qual deve cumprir sua parte no acordo (MACEDO, 2003, p.
61). Estar doente, viver endividado, ter problemas na família (drogas, brigas,
separação conjugal, traições, etc.) são alguns sinais de afastamento do Reino de
Deus. Por conseguinte, da prosperidade.
Na reunião da prosperidade
53
que ocorre toda segunda-feira, o discurso do
pastor consiste na obediência ao dízimo, porém apenas esse recurso não resolve os
problemas. O fiel, segundo o pastor, deve ter atitude, ação e determinar seus
caminhos. Nesse dia, além das orações é realizado o Congresso dos Escolhidos
54
,
onde ocorre uma palestra temática. Todos possuem uma pasta com os temas do
mês. Tudo muito bem elaborado e organizado, sendo o assunto do congresso
intercalado com alguma passagem bíblica.
Somos todos filhos de um Deus rico, portanto, somos todos
príncipes e princesas, fomos criados para a vitória e para o sucesso.
Não devemos deixar que qualquer demônio tome conta de nossas
vidas. Nosso caminho deve ser de saúde, felicidade, amor e muito
dinheiro. (Discurso do pastor da Universal Reunião da
Prosperidade).
53
A campanha da prosperidade recebe o nome de: Nação dos 318 homens de Deus, ou Reunião dos
Empresários (realizada na Catedral da Av. Goiás) Fazendo referência a alguma passagem do
Primeiro Testamento. Observamos que o perfil dos fiéis que freqüentam essa reunião, ao contrário do
que pensávamos, é na grande maioria, de pessoas humildes, como acontecem nos outros dias.
Alguns temas: Despojamento, o segredo das riquezas; Como administrar as riquezas das nações; Em
que tenho depositado minha esperança?
54
Anexo, p. 140.
O discurso da IURD é centrado na aquisição do sucesso, na conquista da
felicidade, da concretização material, no momento presente. “Vir a possuir significa
na verdade uma reintegração de posse”. (MOREIRA, 1992, p. 32). O sagrado e o
sujeito são coagidos a cumprirem sua parte no acordo, sendo a parte mais fraca a
do fiel. Quando a graça não chega, quando a doença não cura, quando a miséria
não abandona a família, o grande fracasso é do indivíduo que não teve fé nem ação.
Não soube exigir do Pai sua parte na herança, não soube cumprir seu papel na
associação com Deus. Porém, nem tudo está perdido, existem mecanismos na
teologia da IURD que impedem que o fiel se perca definitivamente. O Diabo entra
como re-estabilizador de sentido, afinal a culpa de todo o mal é dele.
3.3. A culpa é do Diabo
Não volta à magia entre os (neo) pentecostais uma
vez que esses tinham, antes da conversão, uma concepção religiosa
bastante mágica. Não pode, portanto, ter havido volta, pois nunca
houve afastamento. (MARIZ, 1999, p. 37).
Culpabilizar o outro, o diferente, é uma prática bastante utilizada pelos seres
humanos. Em diversos momentos da história passada e contemporânea o outro foi e
é utilizado como bode expiatório, uma importante lvula de escape para as visões
de mundo reducionistas. O outro é colocado como ameaça, e se alguma providência
não for tomada, corre-se o risco das ações maléficas (do outro) transformarem o
cosmo em caos. Pois ele, por motivos reais ou forjados, tenta destruir o mundo
cósmico, a realidade em que se vive, ou na maioria das vezes, que se anseia. O
outro possui dois propósitos representados pelo homem: por um lado é uma força
ameaçadora, um inimigo que deve ser combatido com todas as armas possíveis.
Mas por outro lado é um importante parceiro, pois funciona como redutor de
complexidade, como catalisador de um mundo caótico e complexo. É um grande
filtro que purifica a culpa, impedindo que as mais terríveis sujeiras venham a
embaçar mais ainda o cenário obscuro. Nas duas ocasiões o outro cumpre bem o
seu papel. No primeiro caso, ele é o grande alvo a ser abatido, No segundo, o doce
remédio para que seja possível viver no mundo.
Mas afinal, quem ou o que é o outro? O outro, na maioria das hermenêuticas,
é aquele que está fora do mundo sagrado, é aquele que ronda mundos estranhos
(imundos), que habita as sombras, as florestas escuras, é aquele que permanece no
centro dos umbrais, indefinidamente entre o sagrado e o profano. Diante deste
aspecto o outro é ambíguo, possuidor de elementos estranhos, não pertencentes ao
grupo dominante. Podemos citar, como um breve exemplo, os casos encontrados
em sociedades patriarcais, onde a mulher, na grande maioria das vezes, não
participa da vida pública, estando afastada das principais funções sociais. Nesse
sentido a mulher é a outra, é um ser que deve ser mantido distante dos elementos
sagrados.
O outro é aquele que não possui nenhuma espécie de identidade com o grupo
majoritário, como é o caso das comunidades totêmicas. Nessas sociedades
“elementares” o totem funciona como identificador de indivíduos que pertencem ao
mesmo grupo. Estes estão inseridos no ciclo sagrado das relações comunitárias.
Aqueles que não pertencem ao totem são considerados os outros, portanto
profanos. Nesse caso, o totem tem a função de agrupar e identificar aqueles do
mesmo clã ou família, como afirma Schoolcraft apud Durkheim (1996, p. 107):
O totem é na verdade um desenho que corresponde aos
emblemas heráldicos das nações civilizadas e que cada pessoa é
autorizada a portar como prova da identidade da família à qual
pertence. É o que demonstra a etimologia verdadeira da palavra,
derivada de dodaim, que significa aldeia ou residência de um grupo
familiar.
Aqueles que não possuem o emblema totêmico devem ser convertidos ao
grupo, derrotados, ou mantidos afastados. O terror do caos assombra o cosmo,
sendo o outro uma ameaça constante de desestabilização. Qualquer situação de
ameaça que o outro proporcione deve ser controlada. Os controles devem ser
mágicos quando se trata do espiritualmente-outro, figuras fantasmagóricas que
assombram o cotidiano, que escapam do mundo dos pesadelos para habitar uma
realidade representada pelo rico imaginário humano. O outro se potencializa na
medida em que ganha aspectos encantados, distanciados de qualquer realidade
racional que possa ser mensurada, pesada, catalogada e registrada pela ciência. O
outro ganha asas, chifres, patas, características que caminham para o infinito, para
onde a imaginação levar. Mas a realidade representada de forma mágica pode
parecer mais amena do que a realidade desnuda de encantamentos.
Encarar a realidade despida, despossuída de qualquer máscara ou manto é
um tanto quanto assustador e torna-se, às vezes, uma pesada carga sobre os
ombros do indivíduo comum. É muito mais reconfortante saber que todos os
problemas do mundo são armações do outro, maquinações maléficas construídas
para “derrotar o homem e tudo o que legitimamente lhe pertence”
55
. Nesse caso
específico, o outro é o Diabo, portanto a culpa de todos os males que ocorrem com o
mundo e com os indivíduos é única e exclusivamente do Diabo.
A teologia da IURD exime o homem de toda e qualquer culpa, de todo e
qualquer pecado. O sujeito não peca por suas próprias forças e consciência, ele é
55
Palavras pronunciadas por um pastor da Igreja Universal, via programa de rádio.
levado ao pecado ou erro pelas ciladas do Diabo. “As forças das trevas são espíritos
que andam errantes, procurando corpos que possam possuir para, através deles,
cumprirem sua missão maligna”. (Maduro, 2004, P.19).
Quando um indivíduo se entrega às drogas, ou a qualquer vício, tal fato o
pode ser considerado um pecado, ou falha única do sujeito, pois o exército
demoníaco sempre está pronto para prender a alma humana em suas garras. O
sujeito, em muitos casos, se encontra enfraquecido, debilitado diante dos inúmeros
problemas que enfrenta em seu cotidiano. É nesse momento que as armadilhas do
Diabo entram em cena. O pobre homem, então, é utilizado para destruir, matar,
corromper, usurpar, transformar o cosmos em caos, se possível definitivamente.
Muitas pessoas têm dificuldade em crer que o Diabo está
derrotado. Isso acontece quando, por exemplo, olham para algumas
igrejas e percebem que muitos membros, e a pastores, estão
vivendo uma vida de derrotas constantes, e vivem abalados
emocional, física e espiritualmente. (Idem, p. 21).
Segundo a teologia da IURD, o mal foi derrotado mais de dois mil anos,
por Jesus Cristo. Porém, se o indivíduo não tomar consciência desse fato, pode se
tornar um instrumento do mal na terra. O indivíduo degrada sua própria existência,
afastando-se dos “verdadeiros caminhos propostos por Deus”. O pecado existe
porque o Diabo domina o espírito humano, polui seu coração e o enche de rancor.
Portanto, o sujeito erra, trai, mata, rouba, estupra, violenta, vicia-se, devido às ações
dos espíritos maus. Sem eles, certamente o mundo seria perfeito. Nesse sentido, a
culpa é do Diabo, é ele que possibilita os erros e pecados, as dores do mundo.
Atribuir a culpa ao Diabo é uma importante representação para assegurar o
nomos, a ordem; é uma via para ganhar adesão, gratidão, fidelidade. É uma
representação otimista que afasta o sujeito das perigosas representações
pessimistas dos culos XIV-XVI. Delumeau (2003) descreve em detalhes as
representações de uma “época de pranto, angústia e tormento”, um período em que
o mundo era o “grande pecador”.
A aculturação culpabilizadora tornou-se, então, acreditável por
uma situação angustiante. Elas se reforçaram reciprocamente,
imbricadas uma na outra. (...) Com os infortúnios da segunda metade
do século XIV penúrias, pestes, Guerra dos Cem Anos, lutas civis e
revoltas diversas. Grande Cisma e avanço turco deixamos o domínio
do banal e do geral. Quem viu essas desgraças abatendo-se sobre a
cristandade experimentou o sentimento de entrar numa época de
calamidades inéditas, explicáveis apenas pelos excessos de uma
humanidade e de uma Igreja terrivelmente pecadoras. Tudo agora
parecia estar na maior desordem e o desenlace dessa crise parece
que deveria ser o julgamento final. (Delumeau, 2003, p. 213, 214,
215).
Não cabe no discurso da IURD, nem na mentalidade dos fiéis da mesma, o
medo do juízo final, pois o reino de Deus deve ser construído aqui, nesse momento.
Para que este fim seja alcançado, o Diabo deve ser derrotado. O verdadeiro culpado
deve ser posto em seu devido lugar, para que os filhos legítimos do Pai
restabeleçam o que lhes é de direito: uma vida segura, feliz e prospera. Em nossa
primeira entrevista realizada com uma obreira da Universal, Amanda (28 anos),
podemos perceber claramente a culpabilização dos demônios:
Não enfrentamos a luta contra a carne, estamos
enfrentando a luta do espírito que rege, que conduz as pessoas a
fazerem coisas erradas, fora da lei de Deus. Nãoo as pessoas que
praticam o suicídio, o homicídio, a prostituição, o latrocínio e outras
coisas mais. Então não são as pessoas que praticam essas coisas,
isso é a intervenção, é algo que é conduzido por ele, porque ele veio
para matar, roubar e destruir. Ele não veio para construir, ele não veio
para dar, ele veio para fazer o contrário de Deus. O demônio é o
oposto de Deus, ele tenta retirar tudo da pessoa, até levá-la a ruína
total. Nós somos carne, carne é fraca, então temos que ter aquele
sustento em Deus. Acontece que tem pessoas que não m força para
buscar Deus. Muitas não acreditam que Deus existe, estão passando
por muito sofrimento, muitas provações que provocam o
enfraquecimento da fé. Então Deus não existe, não olha para eles.
Deus não é buscado pelo amor, mas pela dor, pelo sofrimento, por uma
necessidade de ter algo, de acreditar em algo. O ser humano não é
capaz de tirar a própria vida, de matar outra pessoa, os demônios
usam os momentos de fragilidade para usar as pessoas com a
intenção de destruir tudo e todos.
Nas entrevistas fica evidenciado que os discursos teológicos da IURD estão
internalizados nos fiéis, apesar dos mesmos passarem por filtros. Uma coisa é o que
o pastor fala, a outra é o que os fiéis assimilam, selecionam, escolhem, e descartam
fora o que não serve, no momento. As representações são compartilhadas nos
grupos sociais, mas algumas são particularizadas, pertencentes a um universo
íntimo, escondido no âmago de cada um. Nas sessões do descarrego, ou em
qualquer sessão, pudemos perceber que cada fiel se concentra única e
exclusivamente em seu eu, não direcionamento ao irmão (a) que está do lado.
Cada qual comparece à sessão com a finalidade de resolver os seus problemas
pessoais, no máximo, o de suas famílias. A partilha, a união, o contato com o outro
(a) praticamente não existe. A subjetividade, a singularidade, o isolamento, a
competitividade são exaltadas, cabendo a cada um selar individualmente o pacto
com o ”Deus de Vitória”. Segundo Mariz, (1996, p. 42):
Algumas características do neopentecostalismo assinadas na
literatura o distinguem, contudo, das religiões mágicas e emocionalistas
tradicionais. O que Jardelino (1994) chamou de um “verniz de
modernidade” seria uma dessas distinções. Segundo este autor, este
verniz serve para atrair mais fiéis e é responsável por uma religião
individualista e massificadora.
Na grande maioria dos casos analisados durante a pesquisa, fica claro que
antes de conhecer a vitória, ou ter a possibilidade de obtê-la, os fiéis da IURD
tiveram várias experiências de derrotas. Na Igreja Universal eles encontraram, de
certa forma, respostas para entender melhor as origens do mal que atingia
diretamente suas vidas. Os fiéis dessa Igreja, variando de grau de intensidade,
conseguem realizar uma ressemantização dos problemas. Qual é a relevância desse
aspecto na vida do fiel é o que veremos a seguir.
3.4. A ressemantização do Diabo
Para o fiel da IURD, o Diabo adquire conotações funcionais e explicativas. Ele
não é apenas um ser invisível, um anjo caído que espreita silenciosamente a vida de
cada pessoa. O Diabo é principalmente ação e força destrutiva que age
constantemente sobre suas vítimas. A qualquer hora, lugar ou ocasião, ele está
pronto para lançar suas garras sobre a vida de qualquer um. Ele se constitui de força
espiritual, por isso a importância e eficácia da guerra santa, porém, suas ações são
sentidas na experiência empírica. Como afirma o fiel João (55 anos):
É muito difícil descrever o Diabo, ele não aparece fisicamente, como
se fosse algo, ele é um espírito que se apresenta nos problemas da
pessoa, em algo de grave que aconteceu na vida da pessoa, em
doenças como o câncer. Deus não deixou o câncer, mas o Diabo o
colocou lá. Isso é coisa demoníaca, a enfermidade, a depressão, o
alcoolismo são tudo coisas regidas por espíritos maus que se
apoderam da vida da pessoa.
Cria-se um paradoxo, pois o Diabo pertence ao mundo mágico, a “outra
realidade”, totalmente diferenciada da vida cotidiana do fiel da IURD. Então, quais
são os motivos que levam o Diabo e seu exército a agir sobre suas vidas? Segundo
as representações dos fiéis, ele quer derrotar os filhos de Deus. Impedir, portanto,
que o Reino de Deus se realize. Portanto, o Diabo é o agente provocador de todos
os males, como foi visto acima. Ele possui superpoderes mágicos que podem ser
vencidos com o auxílio de forças igualmente mágicas. Tais forças estão diretamente
associadas a objetos da religiosidade popular, benzeduras, óleos aromáticos, sal
grosso, água benta, entre outros. Esses elementos possuem uma força especial
para os fiéis da IURD, adquirem conteúdos mágicos, ganham status de objetos
consagrados. Por esse motivo, fortes ligações religiosas entre o discurso da
IURD, as representações dos fiéis e a religiosidade popular. Diz Mariz (1996, p. 41):
A capacidade (das igrejas neopentecostais) de falar a
mesma língua do povo, de construir um discurso sobre a mesma
matriz cultural da religiosidade popular é vista, contudo, como uma
vantagem e desvantagem. Alcançam o povo pobre, mas não lhes
oferecem nada de novo.
Na grande maioria dos fiéis entrevistados, as vantagens da representação do
mundo e do Diabo eram claras, pois o inimigo a ser encarado e vencido possui uma
identidade e seu propósito é definido. Esses demônios não causam tanto pavor ou
desespero descontrolado, pois eles estão na realidade cotidiana. Em qualquer fila de
hospital público, nas favelas, dormindo dos bancos de uma grande cidade, em noite
de inverno, a presença do mal pode ser encontrada. A figura do Diabo é trazida para
dentro das casas, para a intimidade dos casais. Ela se introduz nas veias através
das drogas, encontra-se na dor de cabeça e no câncer, na desilusão e no acidente
de trânsito. Os demônios pertencem ao cotidiano dos fiéis da IURD, na proporção
que os problemas pertencem à sociedade.
3.5. As incorporações do Diabo
Para a pesquisa de campo, no que tange às entrevistas quantitativas, foram
produzidos basicamente dois questionais
56
, como falamos na introdução. Eles
possuem o mesmo teor, invertendo apenas a pergunta. Vamos Trabalhar com o
questionário que é constituído da seguinte pergunta: Quais são os comportamentos
(atitudes/ações) que te mostram que uma pessoa está sofrendo influência do Diabo?
(mínimo: 05 respostas). As respostas foram diversas, porém algumas se mostraram
mais freqüentes. Abaixo iremos desenvolver análises das três primeiras palavras-
chave, as que se destacaram ou apareceram na maioria das evocações.
3.5.1. Nas doenças físicas e mentais
O desafio de compreender o fenômeno da concepção
da doença como um mal fruto da ação do Diabo, no universo
neopentecostal, se coloca no seio da compreensão do próprio
cristianismo e de sua trajetória de busca de oferecer uma resposta
satisfatória para a questão do mal. (Lemos, 2003, p. 251).
As diversas formas de doenças físicas e/ou consideradas de fundo emocional,
conhecidas ou não, são associadas pelos fiéis da IURD a ações demoníacas. Esta
representação adquire apoio na teologia dessa Igreja, que inumera dez sinais de
possessão do mal. São eles:
56
Anexo, p. 135.
1-Nervosismo
2-Dores de cabeça
constantes
3-Insônia
4-Medo
5-Desmaios ou ataques
6-Desejo de suicídio
7-Doenças que os
médicos não descobrem
as causas
8-Visões de vultos ou
audições de vozes
9-Vícios
10-Depressão
Edir Macedo (2005) afirma que não são todos os casos que apresentam
esses sintomas, ligados diretamente às ações diabólicas. Porém, a grande maioria
das pessoas que procuram a Universal, como esses sinais, “manifestam um espírito
demoníaco após a oração de fé” (Idem, p. 60). Segundo o comentário informal do
Dr. Apparício J. F. Neto, Neurocirurgião, 86% dos casos de epilepsia são
provocados por perturbações emocionais Apenas 14% são de origem física.
O quadro de doenças mentais é ainda mais alarmante.
Praticamente inexiste um atendimento ambulatorial qualificado para
aquilo que o senso comum denomina “doenças nervosas”. Persiste
uma gama de neuroses e psicopatias adicionadas às sociopatias, na
proporção em que se ampliam os segmentos da população submetidos
ao estado de miséria absoluta, num ambiente de violência, inclusive
institucional. (Bittencourt, 1994, p. 25).
Para Macedo, cada demônio possui uma função ou ação maligna própria.
Segundo ele, tais ações são inversamente semelhantes às funções dos santos da
Igreja Católica, pois ali, cada um possui seus atributos ligados diretamente a seus
nomes (Macedo, 2005, 47). Demônios, como os santos católicos possuem atributos
mágicos capazes de alterar, para pior (no caso dos demônios), a vida da pessoa.
É proporcionalmente inverso à falta de estrutura física na área da saúde
pública no Brasil, entre outras necessidades, com o crescimento de templos
religiosos que propõem realizar curas. Os dados indicam que nos países pobres ou
em desenvolvimento a Universal, juntamente com outras igrejas da linha
pentecostal, têm alcançado maior penetração. O número de fiéis dessa
denominação tem crescido no mundo inteiro, mas o crescimento na América Latina
é maior. (Oro, Corten Dozon, 2003).
Ricardo Mariano (1999), entre outros pesquisadores, afirma que as igrejas
que surgiram do movimento neopentecostal funcionam como
Pronto-socorros espirituais e como tais são procuradas.
Baseiam-se em promessas e rituais para a cura sica e emocional,
prosperidade material, libertação de demônios, resolução de problemas
afetivos, familiares, de crise individual e de relacionamento
interpessoal. (Idem, p. 9).
As incorporações do Diabo nas doenças não são vistas como negatividade
total. Pelo contrário, incorporar o Diabo nas doenças é atribuir explicações e
possíveis soluções para as mesmas. No imaginário dos fiéis, quando uma doença
complexa como o câncer ou simples, como uma dor de cabeça, invade seus corpos
e almas, ou de algum membro da família, deve-se contar com o auxilio divino.
Como afirmamos acima, os fiéis da IURD, apesar da maioria fazer parte de uma
parcela distanciada dos projetos de modernidade, em grande parte deles a
consciência de que o tratamento espiritual deve ser paralelo ao tratamento médico.
Não existe em suas representações um afastamento do mundo. Pelo contrário, eles
anseiam desfrutar de tudo que o mundo moderno oferece, inclusive de um bom
plano de saúde.
A busca da cura no âmbito religioso não deixa de expressar
algum grau de protesto simbólico dessas pessoas contra a situação da
saúde pública que vigora no país. Ou seja, ao invés de enfrentarem
longas e demoradas filas diante de postos de saúde ou hospitais, ou de
desembolsarem altas somas para obter atendimento médico particular,
os membros das classes média-baixa e baixa da sociedade recorrem
aos templos ou a outros espaços sagrados ou, sem saírem de casa,
assistem a programas religiosos em que pregadores abençoam água,
vestimentas, pão, óleo, etc, infundindo-lhes poder de cura. (Oro, 1996,
p. 60).
O estado de doença é representado no imaginário dos fiéis da Universal como
vitória parcial do Diabo. Quando a doença avança progressivamente pelo corpo da
pessoa, isto é um forte indício de que o mal está prestes a vencer totalmente.
Conseqüentemente, o Diabo pode provocar a morte. Esse ponto é bastante
controverso, pois os fiéis argumentam que a vida e a morte pertencem a Deus, mas
sustentam que o Diabo possui forças para provocar doenças e ceifar a vida. Monta-
se um cenário maniqueísta entre as forças do bem (Deus) e as temíveis forças do
mal (Diabo). No centro da batalha estão os filhos vitoriosos do primeiro ou as vítimas
do segundo. Independentemente de Deus ou do Diabo, o fiel é livre para ser um
vitorioso ou um derrotado. Basta escolher e determinar. “O consolo que a Igreja traz
ao reunir mulheres e homens que, juntos, expressam seu sofrimento é
magnificamente resumido na fórmula Pare de sofrer (Oro, Corten Dozon, 2003, p.
15). Segundo Weber (1999, p. 289):
O que sempre importou e ainda importa é quem mais interfere
nos interesses do indivíduo na vida cotidiana, se o deus teoricamente
“supremo” ou os espíritos e demônios “inferiores”. Se são os últimos,
então a religiosidade cotidiana está determinada sobretudo pela
relação com estes, independentemente de como se apresente o
conceito do deus da religião racionalizada.
As representações do Diabo no imaginário dos fiéis da Universal participam
efetivamente de suas representações das doenças
57
. Portanto, as representações
57
Caberia um estudo específico sobre as representações sociais das doenças nos fiéis da IURD.
das doenças estão ligadas diretamente com as representações do Diabo. As
enfermidades são ações diretas dos demônios sobre o corpo e a mente dos
freqüentadores da IURD. Logo, estes seres malignos possuem forte determinação
sobre a vida cotidiana dos fiéis. Os demônios são incorporados nas doenças que
podem se manifestar a qualquer momento, cabendo ao fiel lutar contra a chegada ou
permanência das mesmas. “Deus tem prometido, abundantemente, na Sua Palavra,
curar os Seus filhos” (Macedo, 2003, p. 46). Portanto, prosperar significa também,
ter o corpo e a mente saudáveis, porém essas condições dependem de fatores
ligados diretamente com a posse de bens materiais. A ausência de poder econômico
é sinal de derrota e fracasso. Para explorar esse assunto, trataremos abaixo das
questões relacionadas às incorporações do Diabo nos problemas financeiros.
3.5.2. Nos problemas financeiros
Tal como os poetas amam os seus próprios versos, e os pais
os filhos, assim também os homens de negócio se interessam pelas
suas riquezas como obra sua, e também devido à sua utilidade, como
os demais. Por isso, é difícil o convívio com ele, pois nada mais
querem exaltar senão a sua riqueza. – Platão –
As necessidades econômicas básicas são imprescindíveis para a
sobrevivência de cada um e se ampliam à medida que cresce a complexidade da
sociedade de que o indivíduo participa. Conseqüentemente, quanto maior e mais
dinâmico for o contexto social, mais intensa será a forma para obter o sucesso
material. Por conseguinte, o sentimento de fracasso individual se prolonga na
medida que as portas da vitória material se fecham. O medo do fracasso individual é
muito comum nas sociedades contemporâneas. Tratando-se da realidade brasileira,
ocorre uma mescla entre os padrões desencantados da razão com os do
encantamento livre das representações.
Representar significa, a uma vez e ao mesmo tempo,
trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo
que satisfaçam as condições de uma coerência argumentativa, de uma
racionalidade e da integridade normativa do grupo. É, portanto, muito
importante que isso se de forma comunicativa e difusiva, pois não
outros meios, com exceção do discurso e dos sentidos que ele
contém, pelos quais as pessoas e os grupos sejam capazes de se
orientar e se adaptar a tais coisas. Conseqüentemente, o status dos
fenômenos da representação social é o de um status simbólico.
(MOSCOVICI, 2003, P. 216).
A complexidade do mundo contemporâneo contribui para a formação de
representações sociais abstraídas de uma realidade concreta. No caso específico,
as representações sociais do Diabo e suas incorporações nos problemas financeiros
dos fiéis da IURD. Representar os fracassos financeiros como obra dos demônios é
tornar familiar o próprio problema. Afinal, como entender o problema da teodicéia do
deus cristão, que seus atributos consistem na onisciência, na onipresença e na
onipotência, sendo ele pai de misericórdia e infinita bondade? Como entender
tamanha desigualdade social, injustiça, descaso, falta de dinheiro, falta de moradia,
promessas políticas que não se cumprem? Como entender tudo isso em um mundo
construído por um deus com essas características? Sobre as dores do mundo
relacionadas ao problema da teodicéia, Weber (1999, p. 354) afirma:
Soluções sistematicamente refletidas do problema da
imperfeição do mundo, além da predestinação, são oferecidas por
apenas dois tipos de concepções religiosas. Em primeiro lugar, o
dualismo (...), o desenvolvimento posterior da religião de Zaratustra (...)
e até as concepções do maniqueísmo.
Em segundo lugar está a solução formalmente mais
perfeita do problema da teodicéia é a obra específica da doutrina
indiana do “carma”, da chamada crença na transmigração das almas.
As concepções de mundo dos fiéis da Universal abraçam a primeira solução
para explicar as grandes imperfeições do mundo. Existe um Deus que é todo
poderoso e aguarda o momento certo para destruir definitivamente o Diabo e seus
anjos. “O processo cósmico doloroso, mas inevitável, é uma depuração contínua que
separa a luz da impureza. A idéia da luta final” (1999, p. 254) consiste para os fiéis
da Universal na batalha final entre o bem e o mal, onde Deus arrebatará
definitivamente para o seu Reino aqueles que estiverem vivendo-o no aqui e agora.
Participar da construção desse Reino consiste em exigir de Deus a vitória financeira.
Retomemos o assunto sobre a campanha da prosperidade desenvolvida pela
IURD. Todos os fiéis o convidados a participar da campanha dos 318 homens de
Deus. Essas reuniões são indicadas para aqueles que querem prosperar
financeiramente. Consultorias, dicas de negócios, estratégias de vendas são
oferecidas aos fiéis, mas o ponto mais forte da campanha é a aquisição da
autoconfiança
58
. Os membros são estimulados a tornarem-se empresários de
sucesso, tornando-se assim seus próprios patrões. Essa medida os afastaria do
desemprego e das outras mazelas sociais ligadas ao mundo das finanças.
O Diabo reduz a complexidade das relações sociais existentes no capitalista
tardio, principalmente no cenário da vida urbana. É ele que provoca o desemprego,
causa miséria, impede que as contas sejam pagas. Se os demônios tomam o
dinheiro, ou impede que ele seja adquirido, deve-se fazer algo para impedir. Se o
problema é de ordem espiritual, e se o homem é fraco para combater sozinho o
Diabo, ele deve contar com a parceria de Deus. Segundo os fieis que participaram
58
Anexos, p. 140.
da nossa pesquisa, não parceiro melhor. Muitos afirmavam: Ele é a minha
fortaleza”. Outros diziam: É dele o cajado e a espada”. Uns mais empolgados
exclamavam: Ele é o senhor dos exércitos! Mil cairão no meu lado esquerdo, outro,
do meu lado direito e eu, junto ao Pai, ficarei de”.
A parceria com Deus é a porta segura para a prosperidade financeira. Sem
ela, o Diabo tudo domina. Ser fiel a Deus através do dízimo, da oferta especial
59
, das
contribuições espontâneas é a garantia de que o Pai cumprirá suas promessas de
vida em abundância. “Somos sócios de Deus, portanto devemos honrar a nossa
parte através do dízimo. Do contrário, Deus rompe o acordo e nós caímos em
desgraça”. (Sebastião, 55 anos). Nesse sentido, doar significa se associar a Deus,
contribuir para a construção de Seu Reino na terra. Para Guareschi (1995, p. 214) o
princípio de reciprocidade é:
Um componente forte do universo simbólico das pessoas mais
empobrecidas da sociedade brasileira. No fundo, a reciprocidade se
liga à própria dimensão da solidariedade, da entreajuda. Se eu recebo
um favor de alguém, eu tenho de restituir, de uma maneira ou outra.
Fazer próspero o Reino de Deus é também se fazer próspero. “Não participar
da associação dos projetos de Deus é um suicídio; é se perder definitivamente”.
(Maria, 38). Mas outro fiel assegura que “Deus sempre uma segunda chance,
sempre esperança” (Guilherme, 22 anos). “A forte ênfase dada ao econômico,
nas igrejas neopentecostais, salta imediatamente à vista. Não reunião, oração,
serviço ou concentração, em que a necessidade de contribuir não seja
constantemente lembrada”. (Guareschi, 1998, 206). Os problemas financeiros
provocados pelas amarrações do Diabo começam a se quebrar com a contribuição à
59
Em anexo (p. 142), um modelo de crédito e débito demonstrado em um dos livros da Universal: Como ser um
dizimista fiel – Furucho, 2003.
Igreja, que é intermediária de Deus. É com esse ato que o fiel sela o compromisso
com o Pai, e decreta o fim de seus problemas financeiros, que aliás, sempre
ameaçam retornar.
Os problemas ligados à saúde ou voltados às questões financeiras não são
os únicos que perturbam os fiéis da IURD. “Não é possível contar os grãos de areia
da praia, nem as estrelas do céu, nem tampouco, os servos de Satanás”. (Maria).
Como cada demônio é responsável por uma mazela (Macedo, 2005), o fiel da
Universal possui quase uma infinidade de problemas para vencer. Sobre alguns
desses problemas que afetam o seio das famílias dos fiéis da IURD é que
discorreremos a seguir.
3.5.3. Nos problemas familiares
Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são
infelizes cada uma à sua maneira. (Tolstoi, 2003, p. 9).
Não foi por acaso que deixamos para tratar das incorporações do Diabo nos
problemas familiares por último. Quase que geralmente os problemas de saúde são
enfrentados na intimidade da família. As contas atrasadas, o aluguel por vencer, a
escola dos filhos, a compra do mês, o orçamento estourado, todos são debatidos e
enfrentados na família. Todos os problemas praticamente se convergem à família,
independente da sua origem ou de sua natureza. Vamos listar as reuniões semanais
promovidas pela Universal para vislumbrar a importância da família para essa Igreja.
Reuniões da Felicidade
*
*
Agenda oficial da Igreja Universal do Reino de Deus extraída do site oficial da IURD:
http://www.igrejauniversal.org.br/ - dia 10.01.2006.
2
a
.
Prosperidade
3
a
.
Sessão do descarrego e reunião da cura
4
a
.
Filhos de Deus
5
a
.
Família
6
a
.
Libertação
Sábado
Terapia do Amor
Domingo
Louvor e Adoração/
Santa Ceia
Como podemos observar, na segunda temos o Culto da Prosperidade, na
terça a Sessão do Descarrego, na quarta a Reunião Filhos de Deus, na quinta a
Reunião da Família, na sexta o Culto de Libertação, no sábado a Terapia do Amor e
no domingo o Louvor e Adoração – Sta. Ceia. Todas as reuniões estão ligadas direta
e indiretamente com a estrutura familiar. Com as graças alcançadas em qualquer
desses dias “especiais”, o sucesso se destina não apenas para o fiel agraciado, mas
também para sua família.
A Igreja Universal possui um código de conduta moral que estabelece regras
claras, muitas que atingem a família em suas relações entre marido e mulher, pais e
filhos, patrão e empregado. O fiel deve ter uma família estruturada no respeito, na
fidelidade e no amor. A mulher deve se submeter ao seu marido, auxiliando-o em
tudo que for preciso. Os filhos devem obedecer e respeitar os pais, pois eles são o
centro do lar. A prosperidade familiar se pauta nesses princípios que sofrem a
ameaça constante de espíritos do mal. Sobre o papel moralizante das igrejas
neopentecostais no Brasil, diz Mariz (1999, 37):
Ainda faz parte desse imaginário construído sobre o Brasil a
idéia de ser este um país com certo grau de permissividade e com
moral flexível. (...) Assim, o Brasil é visto como um país que carece de
princípios éticos claros, explícitos e universalmente valorizados.
O fato da mulher ou marido desejar sexualmente outras pessoas é a
comprovação as ações do Diabo tentando fazer o que ele mais sabe, pois ele veio
para matar, roubar e destruir os filhos de Deus”. (Gabriel). Estas ações diabólicas
levam à destruição do lar. Gradativamente os agentes do mal minam a família,
enfraquecem os laços, provocando abandono do lar, alcoolismo, depressão, solidão,
síndrome do pânico. Os filhos passam a usar drogas, as filhas se prostituem; idéias
de seqüestro, de roubo e estupro começam a rondar a cabeça do pai; a mãe lança
olhares para o vizinho. Logo, tudo estará perdido definitivamente.
É comum ver nas ruas das grandes cidades
pessoas desabrigadas perambulando sem saber para
onde ir ou endemoninhadas por não conhecerem a
Deus. A preocupação com o bem-estar da sociedade
sempre foi muito importante para Igreja Universal do
Reino de Deus. Participativa e solidária, ela está
presente nas comunidades mais precárias e carentes,
nos presídios e nos hospitais, a fim de levar a Palavra
do Senhor e oferecer assistência aos necessitados.
(Folha Universal – 10.01.2006).
Sobre as incorporações do Diabo na intimidade da família, temos uma
entrevistada que nos chamou muito a atenção. Trata-se de uma dona de casa,
casada dez anos, cujo marido, na época de sua conversão, estava
desempregado. Esta jovem senhora nos declarou que mesmo estando casada e
dizendo amar o marido, sentia desejos incontroláveis por outros homens. Durante a
Terapia do Amor, no momento de oração, perdeu a consciência. Quando acordou,
estava sendo amparada por vários pastores que a seguravam e a sacudiam
firmemente. Segundo o relato, seu corpo estava exausto. “Eu me senti como se
tivesse levado uma grande surra. Um cheiro horrível de enxofre exalava por todo
meu corpo”.
Quais o os limites do imaginário? Até onde podem ir as representações e
as incorporações do Diabo? Certamente perto do infinito. Em outro caso, um fiel
(Francisco) relatou que, durante anos, a família inteira vinha sofrendo com o
alcoolismo do pai. Este chegava em casa embriagado, batia na mãe, nos filhos e
filhas, quebrava móveis.
Quando via meu pai bêbado, não podia reconhecê-lo, parecia
outra pessoa, depois que me converti e fui batizado na Igreja
Universal que pude perceber que era Satanás que se apossava de
meu pai. Hoje todos da milha família estão curados pela graça de
Deus.
Ainda em relação às drogas e a criminalidade que assombram a sociedade
brasileira, afirma Bittencourt (1994, p. 25, 26):
A vida dos brasileiros está povoada de medos: desde o assalto
à mão armada a a insegurança quanto ao próprio futuro e dos filhos.
Neste caso principalmente quando a média de idade para o ingresso
no crime organizado e no consumo de drogas é cada vez mais baixa.
Todos esses fatores contribuem para estruturar as representações e o
imaginário do povo brasileiro e, de forma particularizada, do fiel da IURD. As
incorporações do Diabo vão muito além do que tratamos nesse momento, porém
não pretendemos esgotar o assunto, Prosseguiremos adiante, na tentativa de
observar o fiel da Igreja Universal olhando nos olhos do Diabo.
3.4. Olhar nos olhos do Diabo ou ser devorado por ele
Para os fiéis da IURD o Diabo é real, ele é um espírito que possui poder para
agir, dominar, levar doenças, trazer discórdias, ruínas e caos para a vida cotidiana
das pessoas. Negar a existência do causador de todos os males é virar as costas
para a felicidade, segurança e garantia de uma vida próspera e abundante. Negar o
Diabo é de certa forma negar a Deus. Como dissemos acima, o mal é reduzido na
figura do Diabo; ele absorve todas as mazelas do mundo, na medida em que se
responsabiliza pelas dores dos fiéis. Um mundo sem demônios seria um mundo
vazio de conteúdo simbólico, despossuído de imaginação. Um lugar onde não
haveria espaço para as representações mágicas.
Em um dos programas televisionados (TV Record) da Universal, ouvimos de
um pastor: “Um dos primeiros passos que o novo fiel deve dar no caminho da é
aceitar a Jesus deixando, que Ele tome conta de sua vida e tomar consciência de
que todos os seus problemas são provocados pelo grande exército de Satanás”. Ao
tomar consciência, o fiel volta os olhos na direção de seus problemas. Se for
alcoólatra, passa a encarar o álcool como demônios. Cria-se uma outra realidade,
pois ele passa a saber que espíritos malignos tomaram posse do seu corpo e alma,
forçando o pobre ser indefeso a realizar coisas horríveis. Nasce um outro sentido,
esse mais concreto e fácil de absorver.
Ao fazer parte da Igreja Universal, o novo fiel recebe um mundo onde tudo
parece ganhar gica. As incoerências da vida recebem sentido, o imundo torna-se
mundo, o transcendente preenche de significado o vazio cotidiano. Para Berger
(1985, p. 46, 48):
A religião legitima as instituições infundindo-lhes um status
ontológico de validade suprema, isto é, situando-as num quadro de
referência sagrada e cósmico. (...) Toda legitimação serve para manter
a realidade isto é, a realidade, definida numa coletividade humana
particular. A legitimação religiosa pretende relacionar a realidade
humanamente definida com a realidade última, universal e sagrada. As
construções de atividade humana, intrinsecamente precárias e
contraditórias, recebem, assim, a aparência de definitiva segurança e
permanência. Dito de outra maneira, os nomoi humanamente
construídos ganham um status cósmico.
Participar de uma comunidade religiosa, se sentir pertencente a um
determinado grupo que oferece explicações plausíveis para os problemas pessoais
e familiares, consiste em uma eficaz forma de sair da anomia ou permanecer no
nomos. Chamou-nos a atenção que a grande maioria dos fiéis entrevistados eram
ou possuíam parentes que eram ex-dependentes químicos, ex-presidiários, ex-
deprimidos, etc.
Se Cristo olhou nos olhos das desgraças humanas, se teve força para encarar
o causador de todas as mazelas, se morreu e derrotou, em três dias, as trevas do
fim, os fiéis da IURD também são capazes de fazê-lo. O Jesus de vitórias, o Senhor
das causas impossíveis deve ser imitado. “A representação dos sentidos humanos
se torna mimesis dos mistérios divinos” (BERGER, 1985, p.51). Deve-se alcançar o
divino, seguir seus passos de vitória, pisar na cabeça da serpente do mal, não temer
o Diabo, pois Deus é todo poderoso, logo os seus filhos também são.
Compartilhar do imaginário oferecido pela IURD é buscar uma via de
reintegração social, significa para o fiel se restabelecer nas convenções
consideradas ideais. Aceitar os demônios como realidade concreta, olhar em seus
olhos é se autopreservar, impedindo que corpo e alma sejam tragados pela
escuridão do inferno de cada dia.
Ir contra a sociedade é sempre arriscar-se a mergulhar na
anomia. Ir contra a ordem da sociedade como é legitimada
religiosamente é, todavia, aliar-se às forças primevas da escuridão. (...)
O negador arrisca-se, então, a ingressar no que se pode chamar de
qualidade negativa se se quiser, a realidade do demônio. (BERGER,
1985, p.52).
Gritar bem alto que o Diabo existe, que o mundo concreto da realidade
cotidiana é permeado de seres invisíveis, mas que causam problemas visíveis é a
garantia de dizer: estou salvo”. Discorreremos abaixo sobre as vantagens obtidas
pelos fiéis da Universal quando crêem no Diabo.
3.5. O Diabo existe – “estou salvo”
O universo do fiel da IURD é carregado de significados mágicos. Sua vida
cotidiana reflete, em certo nível, representações do Diabo. Logo, a existência deste
último consiste em uma garantia de salvação no aqui e agora. Parece bastante
paradoxal pensar no Diabo como “bem de salvação”. Um posicionamento um tanto
grotesco e de mau gosto, para muitos, porém eficiente. Esse problema se intensifica
na medida em que representa um antagonismo transcendental que se derrama na
vida do fiel. De um lado, temos um ser demoníaco que tudo destrói, que tudo
prejudica. De outro, um “Ser Supremo de Luz” que tudo restabelece, que tudo salva.
No centro dessa ‘guerra de titãs’ temos o indivíduo humano que busca
desesperadamente por um sentido para a vida.
A análise dominante, em nossa cultura, a realidade como
uma luta entre o bem e o mal. Existe um Deus responsável por tudo o
que há de bom no mundo e um Diabo responsável por todos os males.
Essa visão é conseqüência do dualismo, ideologia nefasta em nossa
civilização. (Luís Schiavo e Valmor Silva, 2000, p. 51).
O fiel da IURD está inserido nessa ideologia, consome esse remédio que às
vezes é doce, outras, amargo. Para ele, acreditar na existência do Diabo, ter a
certeza de que tal criatura provoca o mal, em todas as instâncias, é acalentador.
Imaginá-lo no cotidiano é, para aquele que crê, uma forma rica de compreensão do
mundo, um modo de representar as relações conflitantes, as ameaças constantes,
os medos que fazem os ossos trincarem, a angústia e a incerteza que esmaga o
coração. Acreditar na figura do Diabo é re-estabelecer o centralismo do mundo, é
enchê-lo de sentido, é encontrar respostas para perguntas complexas e, na maioria
das vezes, incompreendidas. Diz Durkheim (2000, p. 466):
Somente o homem possui a faculdade de conceber o ideal e
ampliar o real. De onde lhe vem, pois, esse singular privilégio? Antes
de fazer disso um fato primeiro, uma virtude misteriosa que escapa à
ciência, convêm estar seguro de que ele não depende de condições
empiricamente determináveis.
A explicação que propusemos da religião tem precisamente a
vantagem de dar uma resposta a essa questão, pois o que define o
sagrado é que ele é acrescentado ao real.
Nesse sentido, as ações atribuídas ao Diabo são sagradas, pois além de
serem acrescentadas ao real, elas cumprem um importante papel na vida cotidiana
dos fiéis da Universal. Tendo na existência do Diabo, o fiel da Universal
transforma o mundo profano, sem sentido, em um mundo ideal. Segue Durkheim
(2000, p. 493):
O fiel que comungou com o seu deus não é apenas homem
que verdades novas que o incrédulo ignora: é homem que pode
mais. Ele sente em si força maior para suportar as dificuldades da
existência e para vencê-las.
O fiel da IURD concebe o ideal e dessa forma amplia sua realidade. Atribui
significado onde não sentido. Compreende a realidade por meio de uma lupa
carregada de encantamento. Pode, dessa forma, encarar o cotidiano com maior
disposição e coragem. Nesse sentido, a racionalidade científica não conta de
responder a todas as perguntas. Existe um grande vazio epistemológico que é
preenchido pela religião. “O comportamento religioso dos homens contribui para
manter a santidade do mundo” (ELIADE, 1982, p. 111). Sua função é atribuir sentido
onde, por vários motivos, a sociedade não obteve sucesso. Portanto, conhecer o
Diabo e, ter na sua existência é olhar para a vida com sentido, com um porquê,
um para quê e um para onde.
CONCLUSÃO
Não podemos deixar de mencionar o quão produtivo e enriquecedor foi
pesquisar as representações do Diabo no imaginário dos fiéis da IURD. Ao
admitirmos que as representações e os imaginários são constituídos de forma
bastante complexa, é preciso assumir as lacunas que talvez nenhum instrumental de
pesquisa poderá preencher totalmente. Pesquisar seres humanos em constante
mutação é lidar com a subjetividade que torna precária toda e qualquer forma de
análise, porque histórias e verdades que escapam ao nosso olhar e
entendimento.
É por isso que, embora enriquecidos pela experiência construída, sabemos
que os desafios para uma compreensão ampliada e profunda das representações e
construções da figura do Diabo no imaginário dos fiéis da Universal permanecem. A
conclusão não representa o fim, não constitui um esclarecimento fechado do objeto,
mas apenas um afastamento, para que de longe possamos enxergar as
imperfeições próprias de qualquer tentativa reducionista da realidade.
A tese de Weber (1999) sobre o desencantamento do mundo, apesar de ser
um tipo ideal, em certa medida, não comporta toda realidade presente no cenário
religioso brasileiro. O universo mágico-religioso do país é bastante rico, construído
por diversas influências vindas de todos as partes do Mundo. O Brasil nunca deixou
de ser encantado: da África veio o candomblé; da Europa foi herdado o cristianismo,
seja católico, protestante ou popular; das Américas veio o animismo indígena. Esses
são alguns exemplos das inúmeras religiões e crenças que ajudaram a construir as
representações e os imaginários que constituem a religiosidade brasileira. As
diversas formas de olhar o sagrado, em nosso país, permitiram mesclar os
elementos sagrados, míticos, simbólicos e ritualísticos das crenças tradicionais e
não-tradicionais, formando um rico sincretismo. “Por esse motivo, optamos por
privilegiar os contrastes e as contradições que marcam a formação da nossa
nacionalidade e, conseqüentemente, nossa história religiosa”. (Bittencourt, 2003, p.
27).
Sanchis (2001) afirma que o neopentecostalismo se associou ao dinâmico
universo religioso brasileiro que é magnificamente carregado de encantamento (ou
assombramento). Apesar dos contatos mantidos com pastores estrangeiros,
principalmente estadunidenses, o neopentecostalismo brasileiro possui suas
próprias características, herdadas de uma religiosidade cristã, tipicamente
tupiniquim, e enriquecida por estruturas teológicas do candomblé e da umbanda. As
características do neopentecostalismo brasileiro vêm se firmando como expressões
religiosas que, no mínimo, têm provocando mudanças, mais ou menos acentuadas
em todo cenário religioso nacional.
As peculiaridades desse neopentecostalismo se expressam na Igreja
Universal do Reino de Deus, que exalta a figura do Diabo como o grande
responsável por todas as mazelas humanas. A IURD cresce apoiada em um terreno
construído por séculos de cultura religiosa. Essa Igreja utiliza as mesmas entidades
e divindades adorcizadas por uns (religiões de origem afro), para promover
perseguições, humilhações e exorcismos das mesmas.
A figura do Diabo é recriada com elementos da própria cultura religiosa
brasileira. O Diabo da IURD é brasileiro, como qualquer um que tenha nascido no
Brasil. Fruto de várias culturas, raças, crenças, o povo e o Diabo desse país são
bem brasileiros. Os fiéis da Universal também fazem parte desse universo cultural
religioso, inserem-se no mesmo caldeirão de magias e contra-magias da Terra de
Santa Cruz.
O ethos e a visão de mundo dos fiéis da IURD são carregados de conteúdos
encantados. Suas atitudes de e ação consistem na tentativa de buscar sentido e
solução para uma vida repleta de acontecimentos sombrios e aterrorizantes, como a
miséria e as doenças. No ambiente extraordinário que se constrói no cotidiano de
cada um são travadas batalhas entre forças antagônicas (saúde x doença; emprego
x desemprego; prosperidade x fracasso). Os reflexos desses combates simbólicos
determinam a vida ordinária dos fiéis da Igreja Universal. O mundo sagrado
ultrapassa a ponte da imaginação, tornado-se parte do mundo empírico.
Para o fiel da IURD o Diabo existe, ele é real, não poderia deixar de ser.
Negá-lo é tornar mais amarga a vida, é sofrer mais, é perder toda a esperança de
poder vencer as próprias dores. Acreditar no Diabo é reduzir as mazelas, subtrair
toda e qualquer forma de sofrimento, humilhação, abandono, solidão e medo. Nas
ricas representações do Diabo no imaginário dos fiéis da Universal a magia tem
poder e força para agir no mundo. Seu poder simbólico consiste em estabelecer
ordem ao caos, acabar com as contradições do mundo.
A oferta de sentido oferecida pela IURD aos seus fiéis possui eficácia. Porém,
esse sentido é mercantilizado através de trocas simbólicas entre aqueles que
buscam uma graça (fiéis), a divindade que realiza (Deus) e os intermediários
(pastores/igreja). Nesse comércio de bens religiosos os fiéis ganham um grande
reforço no que tange ao universo das explicações mágicas. Porém essas
explicações, reforçadas pelo discurso da Universal, distanciam as pessoas das
causas reais de seus problemas. Foi comprovado, em certa medida, através das
entrevistas, que a vida dos fiéis, depois de ingressarem na IURD, obteve melhoras.
Houve um aumento e melhora na auto-estima, na capacidade de sair de um estado
destrutivo, na capacidade de lutar pela realização dos projetos. Se as ofertas de
sentido não obtivessem sucesso, provavelmente os templos da Universal estariam
vazios. Como disse um fiel: “Minha vida se encheu de glória”. Porém essa
capacidade é real na permanência dos fiéis no seio da igreja. O sentido existe,
mas as pessoas literalmente pagam por ele, às vezes mais do que podem, para
permanecerem salvas.
As representações do Diabo no imaginário dos fiéis não são genuinamente
suas, nem da Universal, elas existiam. Fazem parte da herança cultural religiosa
brasileira, mas também ganham retoques particulares na pregação radical da IURD.
o Diabo não tem chifres, nem de bode. Ele é a doença, o desemprego, a
depressão. O Diabo são as mazelas de cada um. Ele está no cotidiano de milhares
de brasileiros. Acreditar no Diabo e lutar contra ele é não aceitar as condições de
humilhações sofridas nos transportes urbanos apertados, nas filas de hospitais, na
falta de moradia e terra para plantar. Reduzir as complexidades, atribuir a culpa aos
demônios é para o fiel a garantia de manter ou restabelecer sua identidade humana.
Se a modernidade brasileira exaspera o luxo, a riqueza, a beleza, a juventude
eterna, a saúde do corpo, o carro importado, a casa de praia, a vida de empresário é
porque isso tudo é bom. Como pregava um pastor: “Devemos ter uma vida de reis e
rainhas! Se Deus é Rei, quem não é vive no pecado”. Logo, o único caminho para a
entrada nesse representado e imaginado “Reino de Deus” é através da
prosperidade, que só pode ser alcançada através da vitória sobre o Diabo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubens. O que é religião? São Paulo: Loyola, 2003.
ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER. O método nas ciências naturais e
sociais – pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998.
ANTONIAZZI, Alberto et alli. Nem anjos nem demônios: Interpretações sociológicas
do pentecostalismo. Rio de Janeiro: CERIS, Petrópolis: Vozes, 1994.
ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
BERGER, Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
religião. Org. Luiz Benedetti; trad. José Barcelos. São Paulo: Paulus, 1985.
______. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural.
Trad. Waldemar Boff, Jaime Clasen. Petrópolis : Vozes, 1996.
BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália
séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BÍBLIA DE ESTUDOS TEB. Tradução ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
BIRMAN, Patrícia. Conexões políticas e bricolagens religiosas: questões sobre o
pentecostalismo a partir de alguns contrapontos. In: SANCHIS, Pierre (org.). Fiéis &
cidadãos: percursos de sincretismo no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.
BITTENCOURT, José. Matriz religiosa brasileira: religiosidade e mudança social.
Petrópolis: Vozes, 2003.
BITTENCOURT, José. Remédio Amargo. In: Nem anjos nem demônios:
Interpretações sociológicas do pentecostalismo. ANTONIAZZI, Alberto et alli. Rio de
Janeiro: CERIS, Petrópolis: Vozes, 1996.
BONFATTI, Paulo. A expressão popular do sagrado: uma análise psico-
antropológica da Igreja Universal do Reino de Deus. São Paulo: Paulinas, 2000.
______. Remédio amargo. In: Antoniazzi ... (et al.). Nem anjos nem demônios:
interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999.
CAMPOS, Leonildo. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997.
CAMPOS, Pedro; LOUREIRO, Marcos (orgs). Representações sociais e práticas
educativas. Série Didática 8, Goiânia, UCG, 2003.
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja cristã.
São Paulo: ed. Vida Nova, 1995.
CERBELAUD, Dominique. il diavolo: storia, religione, credenze popolari, letteratura.
Milano: San Paolo, 2000.
CESAR, Waldo e SCHAULL, Richard. Pentecostalismo e o futuro das igrejas cristãs:
promessas e desafios. Petrópolis: Vozes – São Leopoldo: Sinodal, 1999.
______. Sobrevivência e transcendência: vida cotidiana e religiosidade no
pentecostalismo. Religião e Sociedade, ISER, v. 16, n. ½, nov. De 1992.
CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: (mito, sonhos, costumes, gestos,
formas, figuras, cores, números). Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez,
2000.
COHN, Norman. Cosmos, caos e o mundo que virá: as origens das crenças no
Apocalipse. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
CORTEN, André. Os pobres e o Espírito Santo. O pentecostalismo no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1996.
COSTA, Marcos. Maniqueísmo: história, filosofia e religião. Petrópolis: Vozes, 2003.
DELUMEAU, Jean. O pecado e o medo: a culpabilização no ocidente (século 13-18).
Vol. I e II. Trad. Álvaro Lorencini. Bauru, São Paulo: Educ, 2003.
DOPAMU, Ade. Exu O inimigo invisível do homem. São Paulo: ed. Oduduwa,
1990.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Paulo Neves.
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social. Trad. José Arthur Giannotti. São
Paulo: Abril Cultural, 1973.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano – A essência das Religiões. Lisboa: ed. L.B,
1982.
______. O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
______. Imagens e mbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.
______. Mito e Realidade. Trad. Póla Civelli. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
______. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
FILHO, José Bittencourt. Matriz religiosa brasileira: religiosidade e mudança social.
Petrópolis: Vozes, 2003.
FONSECA, Alexandre B. evangélicos e mídia no Brasil. Bragança Paulista: Edsf,
2003.
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment.
Campinas: IFCH-Unicamp, 1993. Tese de doutorado em Sociologia.
FROC, Isidore (ED.). Esorcisti e mistero Del male: Vere e false possessioni
diaboliche, malefici, sortilegi, complessi e paure. Milano: San Paolo, 2000.
FURUCHO, Natal. Como ser um dizimista fiel. Rio de Janeiro: Universal, 2001.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro
perseguido pela inquisição. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
GOMES, Wilson. Nem anjos nem demônios. In: Antoniazzi ... (et al.). Nem anjos
nem demônios Interpretações sociológicas do Pentecostalismo. Petrópolis: Vozes,
1994.
GOODE, William. Métodos em pesquisa social. São Paulo: Ed. Nacional, 1979.
GOFF, Le Jacques. O imaginário medieval. São Paulo: Ed. Estampa, 1994.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Trad. De Maria
Raposo. Petrópolis: Vozes, 1985.
GOZZELINO, Giorgio. Angeli e demoni: L’invisibile creato e la vicenda umana.
Milano: San Paolo, 2000.
GUARESCHI, Pedrinho; JOVCHELOVITCH, Sandra (org.). Textos em
representações sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
GUARESCHI, Pedrinho. “Sem dinheiro não salvação”: ancorando o bem e o mal
entre os neopentecostais. In: Textos em representações sociais. GUARESCHI,
Pedrinho; JOVCHELOVITCH, Sandra (org.). Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
HINKELAMMERT, Franz, J. Sacrifícios humanos e sociedade ocidental: Lúcifer e a
besta. São Paulo: Paulus, 1995.
HOUTART, François. Mercado e religião. São Paulo: Cortez, 2002.
IURD Igreja Universal do Reino de Deus - www.igrejauniversal.org.br/. Acesso em: 03
jul. 2005.
JOHNSON, Paul. História do cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
LABURTHE-TOIRA, Philippe. Etnologia Antropologia. Trad. De Anna Hartmann
Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1997.
LEMOS, Carolina Teles. Sob a ação de Deus (Bem) ou do Diabo (Mal): concepções
de saúde e de doença no universo neopentecostal brasileiro. Caminhos, Goiânia, v2,
n.2, p. 245-260, jul.dez. 2004.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LOCKE, J. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
PAGELS, Elaine, As Origens de Satanás – Um estudo sobre o poder que as forças
irracionais exercem na sociedade moderna. São Paulo: Ediouro, 1996.
MACEDO, Edir. Orixás, Caboclos e Guias: deuses ou demônios? Rio de Janeiro: ed.
Universal, 2004.
______. Vida com Abundância. Rio de Janeiro: ed. Universal, 2000.
______. Nos passos de Jesus. Rio de Janeiro: ed. Universal, 2004.
______. O perfeito sacrifício: o significado espiritual dos zimos e ofertas. Rio de
Janeiro: ed. Universal, 2001.
______. Doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus 3
o
. Volume. Rio de
Janeiro: ed. Universal, 2000.
______. Aliança com Deus. Rio de Janeiro: ed. Universal, 2004.
MADURO, Renato. Nossa batalha. Rio de Janeiro: ed. Universal, 2004.
MAGGI, Alberto. Gesù e Belzebù: Satana e demòni nel vangelo di marco. Firenze:
Cittadella Editrice – Assisi, 2000.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo sociologia do novo pentecostalismo no
Brasil. São Paulo: Loyola, 1999.
______. A Igreja Universal no Brasil. In: ORO, CORTEN, DOZON, (Org.). Igreja
Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. Coleção religião e
cultura. São Paulo: Paulinas, 2003.
MARIZ, Cecília. A sociologia da religião em Max Weber. In: TEIXEIRA, Faustino
(org.) Sociologia da Religião: Enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2003.
______. A Teologia da batalha espiritual: Uma revisão da bibliografia. In Revista
brasileira de informação bibliográfica em ciências sociais. No. 47, 1
o
. semestre. pp.
33-48. Rio de Janeiro: BIB, 1999.
______. Perspectivas sociológicas sobre o pentecostalismo e o neopentecostalismo.
Revista de Cultura Teológica, no. 2, São Paulo: Ipiranga, 1996.
______. MACHADO, Maria. Encontros e desencontros entre católicos e evangélicos
no Brasil. In: SANCHIS, Pierre (org.). Fiéis & cidadãos: percursos de sincretismo no
Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.
MATOS, Keila. A arte e a técnica da produção científica. Goiânia: Ed. UCG, 2004.
MAZZOTTI, Alda; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais
e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 2002.
MAUSS, Marcel. Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva, 2001.
MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico, volume 2, livro1.
Rio de Janeiro: Imago, 1996.
MOREIRA, Alberto; ZICMAN, Renée (orgs). Misticismo e novas religiões. Petrópolis:
Vozes, 1994.
MOREIRA, Alberto da Silva. O homem perante o novo milênio. O projeto de humano
da modernidade In. Cadernos do IFAN, no. 1, Bragança Paulista: EDUSF, 1992.
______. (org.). Sociedade global: cultura e religião. Petrópolis: Vozes, 1998.
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social.
Petrópolis: Vozes, 2003.
______. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978.
MUCHEMBLED, Robert. Uma História do Diabo Século XII-XX. Trad. Maria helena
Kuhner. Rio de Janeiro: Bom texto, 2001.
NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru: EDUSC, 2000.
NOVAIS, Adauto (org). A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998.
O’DEA, Thomas F. Sociologia da Religião. São Paulo: Pioneira Editora, 1992.
ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis: Vozes, 1996.
______. O outro é o demônio uma análise sociológica do fundamentalismo. São
Paulo: Paulus, 1996.
ORO, Ari Pedro, E STEIL e Carlos A. (Orgs). Globalização e religião. Petrópolis:
Vozes, 1997.
ORO, Ari Pedro e E. SÉMAN, Pablo. Os pentecostalismos nos países do Cone-Sul:
panorama e estudos. Religião e sociedade, ISER, v. 18, n2, ISER, dez. De 1997.
ORO, Ari Pedro, CORTEN, André e DOZON, Jean-Pierre. Igreja Universal do Reino
de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, 2003.
OTTO, Rudolf. O sagrado: Um estudo do elemento não-racional na idéia do divino e
sua relação com o racional. São Bernardo do Campo: Ed. Metodista, 1985.
PAGELS, Elaine. As origens de Satanás. Um estudo sobre o poder que as forças
irracionais exercem na sociedade moderna. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
PIERONI, Geraldo. Banidos: a inquisição e a lista dos cristãos-novos condenados a
viver no Brasil. Rio de Janeiro: Bertand, 2003.
RABUSKE, Irineu. Jesus exorcista: estudo exegético e hermenêutico de Mc 3,20-30.
São Paulo: Paulinas, 2001.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-estar na modernidade: ensaios. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.
______. - Revista USP 15 28/09/04-
http://www.usp.br/revistausp/n15/fbertexto.html. Acesso: 22 jul. 2005.
RUSSEL, Jeffrey. O diabo: as percepções do mal da Antigüidade ao cristianismo
primitivo. Ed. Campus: Rio de Janeiro, 1991.
______. Lúcifer: o diabo na Idade Média. São Paulo: Ed. Madras, 2003.
SÁ, Celso Pereira de. A construção do objeto de pesquisa em representações
sociais. Rio de Janeiro: ed. UERJ, 1998.
______. Sobre o núcleo central das representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1996.
SANCHIS, Pierre. Fiéis & cidadãos: percursos de sincretismo no Brasil. Rio de
Janeiro: Ed. UERJ, 2001.
______. A contribuição de Émile Durkheim. In: TEIXEIRA, Faustino (org.). Sociologia
da Religião – Enfoques teológicos. Petrópolis: Vozes, 2003.
SANFORD, John A. Mal: O lado sombrio da realidade. São Paulo: Paulus, 1988.
SCHIAVO, Luigi. O simbólico e o diabólico: a vida ameaçada. Fragmentos de
Cultura, Goiânia, v.11, n.6, p. 139-44, nov.dez. 2001.
______. As três Redes de Satanás. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v.11, n.5, p.
849-859, set.out. 2001.
______. A tradição do opositor Escatológico e suas imagens no Novo Testamento.
Caminhos, Goiânia, v1, n.2, p. 119-143, jul.dez. 2003.
______. O mal e suas representações simbólicas: O universo mítico e social das
figuras de Satanás na Bíblia. Estudos de Religião, São Bernardo do Campo, SP:
Umesp, no. 19, dezembro de 2000,
______. A batalha escatológica na fonte dos ditos de Jesus. A derrota de Satanás
na narrativa da tentação (Q 4,1-13). Tese (Doutorado em Ciências da Religião)
Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, 2003.
SCHIAVO, Luigi; SILVA, Valmor. Jesus, milagreiro e exorcista. São Paulo: Paulinas,
2000.
SEVERINO, Antônio. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2002.
SILVA, José Avelino. Zeus e a lógica do mito. Goiânia: Ed. Deescubra, 2003.
SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade
popular no Brasil colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1999.
______. A feitiçaria na Europa Moderna. São Paulo: Ática, 1987.
SOUZA, Jessé. O malandro e o protestante: A tese weberiana e a singularidade
cultural brasileira. Brasília: UnB, 1999.
SPINELLI, Miguel. Filósofos pré-socráticos: primeiros mestres da filosofia e da
ciência grega. Porto Alegre: Edipucrs, 1998.
SPINK, Mary (org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na
perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995.
SWAIN, Tânia Navarro (org.). Você disse imaginário? Brasília: UnB, 1993.
TEIXEIRA, Faustino (org). Sociologia da Religião Enfoques teóricos. Petrópolis:
Vozes, 2003.
VIANA, Nildo. A Elaboração do projeto de pesquisa. Goiânia: ed. Germinal, 2002.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe
Barbosa. Vol. 1, 2. Brasília: Ed. Brasília, UnB, 1999.
______. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Ed. De Antônio Flávio
Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
WITTE, Bernd. - Revista USP 15 28/09/04-
http://www.usp.br/revistausp/n15/fbertexto.html.
Anexos
Este questionário tem finalidade, exclusivamente, acadêmica. Todos os dados
colhidos servirão para fins de pesquisa ligada ao Mestrado em Ciências da Religião
(UCG). As pessoas que participarem não sofrerão qualquer prejuízo moral ou
particular. Muito obrigado pela colaboração. (Mestrando Pedro Cáceres)
Quais são os comportamentos (atitudes/ações) que te mostram que uma pessoa
está com as graças dadas por Deus? (mínimo: 05 respostas).
1________________________________________________________________________
2________________________________________________________________________
3________________________________________________________________________
4________________________________________________________________________
5________________________________________________________________________
6________________________________________________________________________
7________________________________________________________________________
8________________________________________________________________________
Este questionário tem finalidade, exclusivamente, acadêmica. Todos os dados
colhidos servirão para fins de pesquisa ligada ao Mestrado em Ciências da Religião
(UCG). As pessoas que participarem não sofrerão qualquer prejuízo moral ou
particular. Muito obrigado pela colaboração. (Mestrando Pedro Cáceres)
Quais são os comportamentos (atitudes/ações) que te mostram que uma pessoa
está sofrendo influências do Diabo? (mínimo: 05 respostas).
1________________________________________________________________________
2________________________________________________________________________
3________________________________________________________________________
4________________________________________________________________________
5________________________________________________________________________
6________________________________________________________________________
7________________________________________________________________________
8________________________________________________________________________
CLASSIFICAÇÕES DAS EVOCAÇÕES
- Fis guiados pelas graças de Deus -
Prosperidade
32%
Estabilidade
Financeira
22%
Saúde
18%
Outras
15%
Praticar Boas
Ações
7%
Felicidade
6%
Prosperidade
Estabilidade Financeira
Sde
Outras
Praticar Boas Ações
Felicidade
CLASSIFICÃO DAS EVOCÕES
- Fiéis sofrendo influências do Diabo -
Problemas
Financeiros
28%
Doenças
17%
Vícios/Alcoolismo
8%
Problemas
Familiares
15%
Outras
32%
Problemas Financeiros
Doenças
Vícios/Alcoolismo
Problemas Familiares
Outras
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo