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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO NA CONSTRUÇÃO
DE VÍNCULOS SOCIAIS DE ADOLESCENTES,
JOVENS E ADULTOS DA ESCOLA NOTURNA
Maria Aparecida Gomes Ramos
Goiânia/2006
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO NA CONSTRUÇÃO
DE VÍNCULOS SOCIAIS DE ADOLESCENTES,
JOVENS E ADULTOS DA ESCOLA NOTURNA
Maria Aparecida Gomes Ramos
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Avelino da Silva
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências da Religião, da
Universidade Católica de Goiás, como requisito
para a obtenção do título de Mestre em Ciências da
Religião. Linha de pesquisa: Religião e Cultura
Goiânia/2006
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DISSERTAÇÃO DO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO DEFENDIDA EM
24 DE FEVEREIRO DE 2006
E APROVADA COM A NOTA 9,0 (NOVE INTEIROS)
PELA BANCA EXAMINADORA
1) Dr. J. C. Avelino da Silva/UCG (Presidente)
2) Dra. Carolina Teles Lemos/UCG (Membro)
3) Dra. Maria Margarida Machado/UFG (Membro)
À Maria Gomes, minha mãe, muita gratidão
pela vida.
À Lucelene Auxiliadora, professora que
atravessou a margem do Rio das Antas aos
15 anos e ensinou-me as primeiras letras
na zona rural.
A Rede das Palavras
Sabia que a religião é uma linguagem?
Um jeito de falar sobre o mundo...
Em tudo, a presença da esperança e do sentido...
Religião é tapeçaria que a esperança constrói com palavras.
E sobre estas redes as pessoas se deitam.
É. Deitam-se sobre as palavras amarradas umas nas outras.
Como é que as palavras se amarram?
É simples.
Com o desejo.
Só que, às vezes, as redes de amor viram mortalhas de medo.
Redes que podem falar de vida e podem falar de morte.
E tudo se faz com as palavras e o desejo.
Por isto, para se entender a religião, é necessário entender o caminho da linguagem.
(Rubem Alves)
Agradecimentos
Para a realização deste trabalho foi necessário um coletivo de pessoas e
instituições, sem as quais não seria possível realizá-lo. Por isso, agradeço
imensamente:
Ao Deus da vida, pela capacidade, pelos dons.
Às irmãs dominicanas de Monteils, pelo incentivo aos estudos, como busca
da verdade.
Ao amado e companheiro Geraldo Vanderlei Vieira que surgiu em meu
caminho, no início dessa pesquisa, tornando-se apoio incondicional em todas as
horas.
À Rede Municipal de Educação de Goiânia, pela licença concedida destes
dois anos para que eu me dedicasse a esse aprimoramento.
À escola Professora Marília Carneiro que possibilitou o contato com os alunos
e foi campo desta pesquisa.
Aos adolescentes, jovens e adultos, migrantes, sujeitos religiosos e
aprendentes que, carinhosamente, dispuseram-se a ser entrevistados.
De modo especial, ao professor José Carlos Avelino da Silva, pela paciência
e dedicação na orientação deste trabalho.
Aos professores Manuel Ferreira Lima Filho e Carolina Teles Lemos, pelas
contribuições no exame de qualificação e à professora Maria Margarida Machado
que aceitou fazer parte desta banca de defesa.
Aos professores(as) e colegas da turma do mestrado e a todos os
funcionários de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Católica de
Goiás, com quem convivemos nestes últimos dois anos.
Às colegas Ivaneuma, Magda, Nilza, Nelci e Marta pelos oitos anos de
trabalho pedagógico em conjunto no EAJA, na tentativa de mudança do fracasso
para uma cultura cidadã.
Ao Jaime e Rosalina, presidentes das associações de bairro do Jardim
Guanabara II e do Conjunto Jardim Guanabara III, gestão 2003 - 2006 que muito
contribuíram para a contextualização histórica dos setores.
Ao pastor, aos padres e ao cooperador das igrejas que, gentilmente,
enriqueceram esse estudo, concedendo suas entrevistas.
À Comissão de Justiça e Paz da Família Dominicana do Brasil, na defesa dos
Direitos Humanos, pela infra-estrutura material oferecida.
À Devanir, pela cuidadosa revisão do texto e pelas ricas sugestões.
Às vizinhas e amigas, Sônia, Ione e Conceição, braço direito na lida cotidiana,
sem as quais não concluiria o texto hoje.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................11
CAPÍTULO 1 – JARDIM GUANABARA: UMA HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO...... 19
1.1 Jardim Guanabara I ..............................................................................................21
1.2 Os Conjuntos Jardim Guanabara II e III ...............................................................27
1.3 As Invasões do Jardim Guanabara II....................................................................32
CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: PROCESSO
DE EXCLUSÃO E CONQUISTAS...........................................................39
2.1 O Perfil do Aluno no Contexto da Escola Noturna................................................40
2.2 O Fracasso Escolar de Adolescentes, Jovens e Adultos..................................... 53
2.3 A Voz do Aluno sobre a Escola Noturna...............................................................60
CAPÍTULO 3 – A CENTRALIDADE DA RELIGIÃO NA VIDA DOS ALUNOS........64
3.1 A Formação do Povo Brasileiro e o Desenraizamento dos Alunos......................65
3.2 A Matriz Religiosa Brasileira e suas Influências...................................................72
3.3 A Reforma Protestante e o Pluralismo Religioso .................................................78
3.4 Participação: na Religião Sim, nos Movimentos Sociais Não.............................. 86
3.5 O Perfil dos Agentes Religiosos das Igrejas.......................................................111
CAPÍTULO 4 – MEMÓRIA RELIGIOSA, SÍMBOLO, EDUCAÇÃO
E CULTURA................................................................................128
4.1 Memória e Prática Religiosa dos Alunos............................................................131
4.2 A Prece de Mauss ..............................................................................................139
4.3 A Prece na Perspectiva dos Alunos....................................................................142
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................146
REFERÊNCIAS.........................................................................................................154
APÊNDICE A............................................................................................................160
APÊNDICE B............................................................................................................161
APÊNDICE C............................................................................................................162
APÊNDICE D............................................................................................................164
APÊNDICE E.............................................................................................................165
APÊNDICE F.............................................................................................................166
APÊNDICE G............................................................................................................169
ANEXO 1...................................................................................................................171
RESUMO
RAMOS, Maria Aparecida Gomes. A influência da religião na construção de vínculos
sociais de adolescentes, jovens e adultos da escola noturna. Dissertação (Mestrado
em Ciências da Religião) – Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2006.
Esta dissertação aborda o tema da relação igreja e realidade social, especialmente
no que diz respeito aos vínculos sociais dos estudantes migrantes, matriculados na
escola noturna. A pesquisa de campo foi realizada com os alunos da Educação de
Adolescentes, Jovens e Adultos (Eaja) de uma escola da Rede Municipal de
Goiânia. Identificou-se que a religião, enquanto cultura, tem ocupado um papel
importante na vida do ser humano, ela está presente no cotidiano da sociedade e da
escola, principalmente no ensino noturno, onde se encontram os alunos
trabalhadores, migrantes em sua maioria e tardiamente escolarizados. Para este
grupo, a religião é um dos elementos formadores de vínculos social, que os alunos
ainda a mantêm, mesmo diante de tantas exclusões e desenraizamentos pelos quais
passaram. Sobrou, para estes marginalizados, uma crença que carregam na
memória para onde vão. A participação religiosa nas igrejas permite uma grande
mediação nessa trajetória. Mostra-se assim que a crença em um Deus torna-se a
razão de viver desse grupo, no enfrentamento do cotidiano da cidade.
Palavras-chave: religião, cultura, educação, vínculo social.
ABSTRACT
RAMOS, Maria Aparecida Gomes. Religious Influence in the Construction of Social
Bonds among Adolescents, Young Adults, and Adults Studying in the Evening.
Dissertation (Master’s Course on Religious Science) Universidade Católica de Goiás,
Goiânia, 2006.
This dissertation deals with the relationship between church and social reality,
especially, in what social bonds among migrating students studying in the evening.
This field research was performed along with EAJA students Adolescent, Young-
Adult, and Adult Schooling – from a public school in the municipality of Goiânia. Both
religion and culture were identified as having an important role in human life, being
present in our school and society day-by-day, mainly in the evening courses, which
are mostly composed of workers, usually migrating people, who went later to school
than expected. For this group religion is one of fundamental elements for the creation
of social bonds, relationships kept by most of them, due to the loss of roots and
exclusion faced by them. What is left to these marginal people is the belief they carry
with wherever they go. Religious service participation allows them a bond in their
trajectory. Thus, this shows that believing in one God has become their reason for
living in a big city.
Key word: religions, culture, education, social bonds.
LISTA DE SIGLAS
AJA - Experiência Pedagógica dea 4ª Séries do Ensino Fundamental para
Jovens e Adultos
AMG III - Associação dos Moradores Jardim Guanabara III
Aspeg - Associação dos Servidores Públicos do Estado de Goiás
Ceasa - Centro de Abastecimento de Goiás
CEB - Câmara de Educação Básica
CEF - Caixa Econômica Federal
Celg - Companhia Energética de Goiás
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Eaja - Educação de Jovens Adolescentes e Adultos de Goiânia
EJA - Educação de Jovens e Adultos
Eneja's - Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MEB - Movimento de Educação de Base
Mobral - Movimento Brasileiro de Alfabetização
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Saneago - Saneamento de Goiás
SEE - Secretaria Estadual de Educação
SME - Secretaria Municipal de Educação
TRE - Tribunal Regional Eleitoral
LISTA DE FIGURAS
Gráfico 1: Origem Migratória dos Estudantes Entrevistados......................................24
Gráfico 2: Atividade Profissional dos Pais dos Entrevistados.................................... 25
Gráfico 3: Atividade Profissional dos Alunos Entrevistados....................................... 25
Gráfico 4: Número de Escolas em que Estudaram os Alunos Entrevistados.............45
Gráfico 5: Grau de Instrução dos Pais dos Entrevistados..........................................54
Gráfico 6: Procedência dos Alunos Entrevistados......................................................68
Gráfico 7: Participação dos Entrevistados em Movimentos Sociais..........................91
Gráfico 8: Religião de Origem dos Alunos Entrevistados ..........................................93
.........................................................................................................................................
.........................................................................................................................................
.........................................................................................................................................
.........................................................................................................................................
Gráfico 9: Religião Atual dos Alunos Entrevistados....................................................93
Quadro 1......................................................................................................................35
Quadro 2......................................................................................................................35
Quadro 3......................................................................................................................36
Quadro 4......................................................................................................................36
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é uma investigação sobre a influência da religião na
construção de vínculos sociais de adolescentes, jovens e adultos do ensino noturno,
mais especificamente, alunos de a séries, da Escola Municipal Marília
Carneiro, situada no Jardim Guanabara III, no município de Goiânia. O objetivo é
compreender o sentido da religião, para este grupo acima citado, como formadora
de valores sociais e individuais e suas influências no cotidiano da escola e nas
relações humanas. Busca-se observar de que forma a religião atua como formadora
de vínculos sociais que contribuem para superar as exclusões e enfrentar o
desenraizamento sofrido por estes estudantes, diante das transformações sócio-
culturais.
Foi também a partir da experiência pessoal de 11 anos vivida na escola
noturna, no ensino fundamental de adolescentes, jovens e adultos e na inserção em
alguns movimentos sociais desta pesquisadora, que a temática religiosa surgiu
como problema instigante. Durante este tempo, observou-se que esta população de
alunos deixa de freqüentar as aulas formais na escola para participar dos eventos
oferecidos pelas igrejas; alguns não participam de determinadas atividades proposta
pela escola, como filmes e momentos culturais, por observância a preceitos
religiosos. Parte-se do princípio de que é importante compreender o universo desses
alunos e a influência de sua religiosidade, como elemento socializador na sua vida
cotidiana.
É preciso considerar que a religiosidade, enquanto expressão cultural, tem
ocupado um papel importante na vida do ser humano, ela está presente no cotidiano
da sociedade e da escola, principalmente, no noturno onde se encontram os alunos
trabalhadores, migrantes em sua maioria, e tardiamente escolarizados. Para este
grupo, a religião é um dos elementos de formação de consciências. No contexto
atual, em que a participação nos movimentos sociais apresenta um cenário pouco
ativo, a religião tem sobressaído como solução para as tensões geradas pelas
transformações sociais; isto acarreta uma procura muito intensa pelas diversas
igrejas.
12
A degradação do mundo rural e a nova reestruturação do mundo da cidade
são fatos sociais muito presentes no Brasil e, principalmente, no estado de Goiás,
que é um dos estados receptores de migrantes vindos, sobretudo, da região
Nordeste. Neste cenário, devido às transformações sócio-culturais sofridas por esta
população de alunos, tais como a migração do campo para a cidade, o
enfrentamento de novas relações de trabalho e o retorno à escola, entre outros, a
religião ainda é um elemento importante na socialização desses alunos e ela
permanece como valor de busca vivencial entre os estudantes da escola noturna.
foram realizados trabalhos sobre o projeto AJA (Alfabetização de Jovens e
Adultos) da SME de Goiânia, como o de Maria Margarida Machado (1997), sobre as
políticas educacionais; Maria Emília de Castro Rodrigues (2002), sobre o aspecto
pedagógico desta experiência e Ivonete Maria da Silva (2004), sobre a não
permanência desses alunos na escola e a centralidade do trabalho em suas vida.
No programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Católica
de Goiás existem trabalhos relacionados à educação; o de Sabatine (2001), por
exemplo, trata da fenomenologia e do comportamento dos jovens universitários;
Quinteiro (2002) aborda representação religiosa e a proposta pedagógica da escola
pública para crianças e recentemente, Santos (2005) trabalhou os docentes e o
ensino religioso na Rede Estadual de Goiás.
Como se pode ver, o estudo no campo específico da dimensão religiosa dos
educandos jovens e adultos trabalhadores, migrantes, da escola pública noturna se
reveste de importância e de significação em razão da existência de pouca pesquisa
nesse aspecto. Igualmente, é relevante a abordagem do tema em relação ao quadro
teórico e empírico. Esta pesquisa traz como novidade a abordagem do aspecto
13
religioso dos sujeitos, a partir da migração, do desenraizamento, da memória
histórica.
A pesquisa de campo foi desenvolvida com alunos de à série do Ensino
Regular Noturno da Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos (Eaja) na Escola
Municipal Professora Marília Carneiro de Azevedo Dias, localizada no conjunto
Jardim Guanabara III, em Goiânia Goiás. A escolha dessa escola deveu-se a sua
posição geográfica no conjunto habitacional e também por ser um dos lugares onde
manifestações religiosas consideráveis. O espaço geográfico escolhido é outro
fator importante. O Jardim Guanabara e o seu entorno, onde os alunos vindos de
vários estados brasileiros residem, abrigam muitos templos religiosos.
O caminho percorrido para a constituição do objeto proposto na pesquisa e
para coletar os dados necessários à construção dos capítulos compôs-se de vários
recursos: questionários, entrevistas, observações participantes, visitas em busca de
memórias. Além disso, recorreu-se à da contribuição importante dos autores que
compõem o referencial teórico escolhido: Maria Francisca de S.C. Bites, Ecléia Bosi,
Carlos R. Brandão, José Severino Croatto, Darci Ribeiro, Otto Maduro, Marcel
Mauss, Maria Helena S. Patto, Simone Weil e outros. O processo de coleta de dados
foi desenvolvido em quatro etapas: uma com os alunos, outra com os agentes
religiosos, a terceira com os professores da escola campo e a quarta com os
presidentes da associação do bairro do Jardim Guanabara II e do Conjunto Jardim
Guanabara III.
Para a obtenção dos dados sociais, econômicos, culturais e religiosos dos
sujeitos, aplicaram-se questionários (Apêndice A e B) abrangendo 20% da média
dos 115 alunos matriculados, freqüentes nas quatro turmas. O objetivo foi levantar
as características gerais dessa população e coletar outros dados considerados
14
importantes. Com esses dados confeccionaram-se gráficos que ajudam a visualizar
melhor a realidade dos entrevistados.
Realizaram-se também entrevistas abertas através de um roteiro (Apêndice
C) com 20% do total de alunos. Estas foram divididas em três blocos: no primeiro, as
perguntas são destinadas a conhecer a história de vida dos sujeitos da pesquisa. No
segundo, elas objetivam perceber o significado da religião e a colher elementos que
sejam influentes na formação de vínculos sociais nesse segmento de alunos. No
terceiro bloco, as questões visam a descobrir a relação dos alunos do Eaja com a
escola e como o processo ensino-aprendizagem. Ainda com os alunos, mas
somente com os da série, foi desenvolvida a mesma técnica acima, para
identificar suas práticas religiosas e o trabalho de memória descrito no capítulo
quatro.
Os resultados da pesquisa apontaram várias realidades que caracterizam os
sujeitos do ensino noturno. As principais são as seguintes: o laço forte com a
religião, o alto índice migratório, a pouca instrução escolar, a não participação nos
movimentos sociais. Deu-se prioridade aos três primeiros itens, porque estão
relacionados com a proposta do projeto. Entretanto, a questão da não participação
nos movimentos sociais foi também considerada importante e incluída na análise
para estabelecer o contraponto com a intensa participação religiosa destes alunos, e
também por ser considerada conseqüência da migração que provoca o
desenraizamento das pessoas. Esta foi a primeira etapa da coleta de dados
realizada com os alunos; está apresentada no texto de duas formas: entre aspas e
citada em forma de bloco vazado.
O mesmo processo foi proposto para os representantes administradores dos
serviços religiosos de três igrejas, as mais freqüentadas por esses estudantes e
15
situadas no Jardim Guanabara: Igreja Católica, Assembléia de Deus e a
Congregação Cristã no Brasil. O questionário foi realizado para fazer um
levantamento do perfil desses agentes; as entrevistas, para que se percebesse o
sentido e a natureza do trabalho religioso desenvolvido nessas igrejas, as suas
doutrinas e orientações.
Para completar esses quadros sobre os alunos e os agentes religiosos fez-se
a observação participante de cultos e celebrações religiosas, nas igrejas citadas. Por
meio desta observação, pôde-se obter informações sobre a realidade dos atores
sociais, no seu próprio contexto de expressão celebrativa e, assim, perceber outras
variedades de situações que não apareceram nas respostas dos entrevistados. Tais
observações possibilitaram conhecer melhor as concepções culturais e os
sentimentos que marcam a experiência religiosa de cada educando; isto foi
imprescindível para se compreender a importância da religião, que é o objeto
específico dessa pesquisa. Foi útil para a análise, os discursos dos representantes
das igrejas; as informações importantes sobre as mensagens que passam e os seus
critérios de pertença e participação nestas igrejas. Enfim, para se compreender o
sentido manifesto ou oculto na relação humana e religiosa dos estudantes.
Segundo essa orientação, propôs-se focalizar a dimensão religiosa dos
educandos trabalhadores adolescentes, jovens e adultos da escola noturna do
ensino fundamental, ou seja, não se trabalhou com uma única expressão religiosa
em particular, mas com as igrejas às quais os alunos declararam pertencer. Esse foi
o critério de escolha, para a segunda etapa. As análises dessa abordagem
encontram-se no capítulo três.
Na terceira etapa, recorreu-se a alguns professores para com eles fazer
memória do trabalho educativo desenvolvido ao longo dos anos de 1997 a 2004, na
16
escola Marília Carneiro; trabalho este que teve por objetivo motivar a presença e a
participação dos alunos do ensino noturno e evitar a evasão deles da sala de aula.
Na saudade e nas lembranças recordadas, encontram-se fotografias; imagens que
mostram um pouco dessas tentativas, as fotografias encontram-se no apêndice..
Na quarta etapa, através de visitas e de entrevistas não estruturadas buscou-
se o diálogo, por várias vezes, com os presidentes das associações do Jardim
Guanabara II, da parte da invasão e do conjunto habitacional Jardim Guanabara III.
As informações e os documentos fornecidos por eles muito contribuíram para a
construção da história do bairro, conforme se pode ver no capítulo um.
Outro recurso metodológico utilizado foi o diálogo constante entre os sujeitos
e os autores citados acima que deram suporte teórico no texto. A perspectiva
adotada foi a da fala de um iluminando a do outro. Esta pesquisa não tem a
pretensão de defender esta ou aquela teoria, mas sim de tentar compreender um
fato social: a importância da religião na vida dos educando jovens e adultos da
escola noturna, no contexto da migração para a cidade de Goiânia. Contudo, em
alguns momentos fixou-se mais na discussão dos autores, a fim de aprofundar as
questões.
Observa-se que a grande maioria dos alunos entrevistados gosta de Goiânia
e preferem morar aqui por diversos motivos:
tem mais recurso de saúde que eu preciso; eu gosto mais daqui, pois foi
aqui que consegui um emprego para matar minha fome; Aqui é melhor de
trabalhar e mais fácil de viver, Gosto mais daqui devido ter mais
oportunidades, a cidade oferece mais melhora; acho bom em todos os
assuntos na saúde, nos estudos; Gosto mais daqui porque aqui as pessoas
são amigas, tem outras concorrências, muitas outras coisas.
17
Vê-se que os interesses almejados por todos na mudança, do campo para a
cidade ou do interior e de outros estados para a capital de Goiás, é a busca de uma
cidadania mais plena: saúde, trabalho e educação. São essas as condições básicas
que fixam os seres humanos num lugar. Alguns deles, no entanto, carregam o gosto
amargo da exclusão e do abandono vivido no local de origem. Por isso, não gostam
nem de se lembrar desse lugar. É o caso da aluna que veio do estado do Piauí:
“gosto mais daqui, pois não quero lembrar das coisas que eu passei lá. [Quais as
lembranças que você tem de lá?] “Era da minha mãe viva, dos meus irmãos, de
alguns que lembro”.
[Quais as coisas ruins de que você se lembra?] As coisas ruins é que tem
muita pobreza. Muitas pessoas precisam de ajuda e não têm como viver. Os
prefeitos ligam para eles mesmos, não ligam para a cidade, não ligam
para nada. Isso agente acha triste, porque a gente vê tanta coisa acontecer
e ninguém faz nada (Entrevista /junho de 2005).
O primeiro capítulo deste trabalho aborda-se o contexto migratório na história
da cidade de Goiânia, as ações de despejo e de formação de invasões que
recheiam o do surgimento do Jardim Guanabara, onde a maioria dos alunos da
escola noturna moram.
No segundo capítulo, procurou-se aprofundar a dimensão histórica do
fracasso escolar, permeada de preconceito e exclusão, enfoca-se as possíveis
causas da evasão, um problema social que atinge diretamente os alunos da escola
noturna.
No terceiro capítulo, fez-se uma forte interlocução entre os sujeitos da
pesquisa e os teóricos em busca da origem religiosa dos alunos, percorrendo as
fontes da formação do povo brasileiro e das matrizes religiosas do período colonial,
18
marcadas pelo catolicismo rural e urbano. Foi feita, ainda, uma breve discussão que
partiu da Reforma e chegou às novas denominações religiosas, nestas últimas,
muitos alunos entrevistados encontram-se atualmente. Por isso, foi necessário
conhecer o perfil dos agentes religiosos que atuam nas igrejas freqüentadas pelos
alunos.
No quarto capítulo, desenvolveu-se um trabalho com a memória religiosa,
com as práticas e crenças dos alunos da Eaja, relacionando-as com os símbolos,
com a cultura e com a educação como elementos socializadores dos sujeitos.
19
CAPÍTULO 1
JARDIM GUANABARA: UMA HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO
[...] o homem reconheceu a natureza (a Terra-Mãe)
como um primeiro ponto fixo ao qual sua consciência
nascente podia se apegar. Era seu primeiro
referencial de estabilidade e constância, na qual
podia – e tinha que – confiar...
(José Carlos Avelino da Silva)
Não se tem o objetivo de rescrever a história de Goiânia, mas pretende-se,
com um recorte dela, nesse capítulo, contextualizar o bairro Jardim Guanabara em
sua trajetória histórica. Procurou-se compreender a realidade da população deste
bairro que é, em sua maioria, formada de imigrantes vindos do interior do estado de
Goiás e de várias outras partes do Brasil e que continuam a chegar à capital, no
decorrer de cada ano, em busca de uma vida melhor. Dentre esses imigrantes estão
os adolescentes, jovens e adultos trabalhadores sujeitos dessa pesquisa. Este grupo
de alunos trabalhadores enfrenta, na mudança do campo para a cidade, várias
transformações socioculturais: novas relações de trabalho, retorno à escola e,
principalmente, a participação em novas igrejas. Isto porque, mesmo no vai-e-vem à
20
procura de um destino mais seguro, esses sujeitos não perdem de vista a vivência
de uma religião.
Para uma melhor compreensão desse bairro é necessário fazer algumas
distinções sobre a sua delimitação e diferenças físico- geográficas. Quando se fala
de Jardim Guanabara I, II e IV refere-se a áreas que foram organizadas através de
loteamentos. Porém, quando são citados os 'Conjuntos Jardim Guanabara II e III,
faz-se referência aos conjuntos habitacionais populares que foram construídos de
forma planejada, para atender a uma determinada população (Anexo 1). O
Guanabara II é caracterizado por duas realidades: uma parte é o Conjunto e a outra
é formada por uma invasão.
Acrescenta-se ainda que esta pesquisa analisará de modo especial o Jardim
Guanabara II que é uma área formada por lotes e por uma ocupação de moradores
remanejados de outros setores de Goiânia, o que será explicado posteriormente. É
onde moram muitos alunos do ensino noturno os quais foram entrevistados. Analisa-
se também o 'Conjunto Jardim Guanabara III', estruturado de modo mais planejado,
e onde fica localizada a Escola Municipal Professora Marília Carneiro Azevedo Dias,
local do estudo de campo desta pesquisa.
Esta análise será realizada com o auxílio de dados coletados em diversas
fontes: de entrevistas com os presidentes das Associações dos Moradores do
Jardim Guanabara II e III, de reportagens dos Jornais Diário da Manhã, e O Popular
e também dialogando com Silva (2004) que, em sua recente pesquisa, revela a
origem da força de trabalho que construiu Goiânia e as condições de vida dos
trabalhadores imigrantes. A partir desses dados procurou-se delinear a história do
Jardim Guanabara assim como os problemas e desafios do cotidiano enfrentados
pela população que reside neste bairro hoje.
21
1.1 Jardim Guanabara I
Iniciar-se-á pelo surgimento da primeira etapa do setor Jardim Guanabara I,
que foi regularizada em 1953 e se desenvolveu à margem esquerda da Avenida
Vera Cruz. Os primeiros moradores lembram com saudades da agricultura de
subsistência nas fazendas que originaram o bairro e que sustentava os pioneiros. As
paisagens do local, naquele momento, eram caracterizadas por plantações de milho,
café, arroz e por uma mata fechada onde foi construído, mais tarde, o Aeroporto
Santa Genoveva. Ao lado está o antigo 10º Batalhão Militar, única instituição que
servia, naquela época, de apoio àquela comunidade recém-nascida. Apesar da
economia voltada para agropecuária, o quartel do exército era também fonte de
renda e de cultura para essa população. Muitas mulheres do Guanabara eram
lavadeiras e cozinheiras dos militares. Como dona Nicinha, de 61, anos que
trabalhou durante 22 anos. Ela conta que, na década de 1970, "houve um
aumento populacional significativo na região, os militares serviam janta para a
maioria dos moradores. Muita gente sobrevivia da comida do quartel".
Em um "mato sem fim", repleto de gado e plantações, João Bico, 84 anos, pai
de Nicinha, abria com seu facão as estradas do local, além de preparar o terreno
para construir a casa de sua família, feita de saco de cimento e palha de arroz. A
família de Nicinha, umas das pioneiras do bairro, faz parte dos mais de cinqüenta mil
moradores que hoje residem no setor.
O Jardim Guanabara I fica localizado na região norte de Goiânia, e sua área
estende-se desde a entrada da Brigada de Operações Especiais do Exército até a
BR-153, próximo à Central de Abastecimento de Goiás (Ceasa). O setor tem como
origem duas fazendas que ocupavam a área acima descrita. Ali, gradativamente,
22
foram sendo construídas as casas. "Os moradores vieram aos poucos, por isso os
nomes Guanabara I, II, III e IV”, explica o funcionário público Reinaldo Aves, 42
anos, antigo morador.
A segunda etapa do Guanabara I nasceu em 1975. Esta etapa resultou de
uma desapropriação do Setor Nova Vila, onde atualmente localiza-se o Parque de
Exposições Agropecuárias; os habitantes desalojados foram remanejados para a
área que hoje é nomeada de Guanabara II; esta, no entanto, foi regularizada em
1986.
Fatos como esses mostram que, desde o início de sua história,
Goiânia conviveu com problemas de habitação popular. Por um lado, havia
necessidade dos trabalhadores para a construção da cidade, por outro, não
havia áreas determinadas para suas moradias, exceto os alojamentos
temporários. (SILVA, 2004, p. 38).
Não se pode esquecer de que a construção de Goiânia, nova capital do
estado, em 1935, deu-se no contexto de urbanização pós Revolução Industrial, que
foi um dos vetores que determinaram o crescimento rápido das grandes cidades. O
reflexo dessa revolução ocorrida no século XX é visível, a partir daí, urbanização e
industrialização se tornaram inseparáveis, ou seja, uma não acontece sem a outra.
Em relação à urbanização de Goiânia, assim como de outras cidades brasileiras, o
processo não foi diferente.
Com a crescente imigração provocada pela urbanização industrial capitalista,
não há lugar para estes, 'os pobres', sempre excluídos, a não ser ocupar os espaços
indevidos. No álbum de fotografias de Goiânia, publicado em comemoração aos 60
anos do jornal O Popular (1998), descreve-se essa realidade precária de moradia
dos imigrantes não qualificados que aqui chegavam, a partir de 1935. Viam-se
23
diante da necessidade de alojar suas famílias, não tinham recursos para morar ou
adquirir lotes urbanos nos bairros populares. Passaram a ocupar os vazios, sem
houvesse repressão imediata do poder público (O POPULAR, 1998). Esta forma de
ocupação urbana em Goiás, não recebeu o nome de favela, mas sim de 'invasão'.
Dessas invasões surgiram os bairros Setor Universitário, Vila Nova, Fama, Criméia.
O nascimento do Jardim Guanabara também não foi exceção.
Tanto o Jardim Guanabara I, que surgiu primeiro, quanto o II, que nasceu em
segundo, foram ocupações desordenadas. Seus lotes e casas, em determinadas
ruas, não foram planejados. Algumas ruas são espaçosas enquanto outras são
estreitas, também, vielas e becos. Desta forma, hoje, o Jardim Guanabara é
constituído, em várias partes, por essas invasões que posteriormente foram
chamadas de posse urbana.
Assim, a realidade de conflito pela posse da terra urbana, no município de
Goiânia, faz-se presente também na história desse bairro. Silva (2004, p. 39)
recorda que na "década de 1930, empresários se apropriavam de toda terra
passível de ser comprada e que se localizava entre o núcleo de Goiânia e a cidade
de Campinas". Desse modo, os operários foram sendo expulsos dando origem às
periferias.
A questão dos conflitos pela posse da terra na capital ainda persiste. Poder-
se-ia enumerar vários exemplos: nas décadas de 1980 a ocupação do Jardim Nova
Esperança; em 1990 surgiu Jardim Dom Fernando, Jardim das Oliveiras e muitas
outras. Em fevereiro de 2005, ano em que se escreve esse texto, houve um violento
despejo de 3.500 famílias no Parque Oeste Industrial, região Oeste. Esta última
questão, ainda não foi resolvida. Com respeito a esse caso, uma carta denúncia
chama atenção: "Goiás e Goiânia violam os direitos humanos. Temos aqui
24
verdadeiro coronelismo urbano formado pelos empresários das imobiliárias".
(SASSATELLI..., 2005, p. 3). Essa denúncia reafirma a palavra de Silva (2004) sobre
os empresários urbanos da década de 1930, fatos como esse se repetem
praticamente todos os anos.
A expulsão da população do campo é uma das causas do crescimento da
cidade. A pesquisa demonstrou claramente essa questão na origem migratória dos
estudantes do ensino noturno. Treze deles são oriundos da zona rural, o que
equivale a 65% do total, como mostra o Gráfico 1.
Gráfico 1: Origem Migratória dos Estudantes
Fonte: a autora, com base na pesquisa de campo
Os dados mostram, ainda, um outro lado da questão que é a não qualificação
profissional desses sujeitos para viverem na cidade. Isso merece novamente um
recorte na história da construção de Goiânia. Silva (2004, p. 40) descreve que em
Goiás faltava mão-de-obra qualificada, como mestre-de-obra, pedreiro,
pintor, encanador, eletricistas. Neste sentido foram necessárias muitas
campanhas de divulgação com essa finalidade[...] O recurso utilizado foi
buscar pessoas qualificadas em São Paulo, Rio de Janeiro, onde fosse
possível.
25
65%
35%
Zona Rural
zona urbana
Esse problema da qualificação é também permanente. A exemplo, a pesquisa
verificou que os alunos trabalhadores, ao saírem de suas origens, enfrentaram uma
nova relação de trabalho na cidade. No quadro das profissões fica bem clara essa
diversidade: cinco são domésticas, quatro donas são de casa, os demais são
manicure, servente, pedreiro, mecânico, chapa, desempregado. Ao se observar a
geração de seus pais, as profissões também não variam: são aposentados rurais,
lavradores, pedreiro, costureira, vigia, ferroviário, donas de casa.
Gráfico 2: Atividade Profissional dos Pais
Fonte: a autora, com base na pesquisa de campo
26
34%
22%
4%
Lavradores
Do lar
Aposentados
Pedreiros
lavadeira
Servente
Ferrovrio
Costureira
Vigia
Conf/estoque
25%
20%
5%
5%
5%
5%
5%
5%
5%
5%
5%
5%
5%
Domésticas
Do lar
Manicure
Babá
Serv.Gerais
Vend.Avon
Servente
Mecânico
Chapa
Pedreiro
Conf/Ceasa
Aposentada
Desempregada
Gráfico 3: Atividade Profissional dos Alunos
Fonte: a autora, com base na pesquisa de campo
Diante dos gráficos profissionais de pais e filhos, consta-se que a realidade
não mudou. Nove pais são lavradores, ou seja, 34% do total. Seis são mulheres que
também trabalham em casa. Isso leva a pensar nas conseqüências da falta de uma
política de reforma agrária abrangente, que fixe realmente o trabalhador a terra. Fica
visível também que esses pais de famílias foram expulsos do campo e que
continuam sendo excluídos e marginalizados, em vários aspectos, aqui na cidade:
na moradia, na qualificação para o trabalho, na educação, sobrevivendo apenas
pelos subemprego, quando não desempregados como mostram os gráficos 2 e 3.
Atualmente, na capital goiana, um crescimento de luxuosos condomínios
fechados, o que mostra o poder aquisitivo de alguns e a ação especulatória das
imobiliárias, pois são elas que os administram. É o próprio capital escondendo-se da
violência e da desigualdade que ele mesmo produz. Nesse contexto, também o
Jardim Guanabara não fica de fora. Ao seu lado direito, na margem da BR-153, em
direção à Brasília, está o condomínio Aldeia do Vale. Dito ecologicamente correto, é
administrado pela Imobiliária Tropical, a mesma que dirige o Terminal Rodoviário de
Goiânia. Muitos alunos do ensino noturno, participantes desta pesquisa, trabalham
nesse condomínio como domésticas e jardineiros. Domésticas que arrumam belas
mansões e que moram em barracos, jardineiros que cuidam de enormes jardins e
não têm espaço para o seu quintal. Enfim, cuidam do ecológico do outro e não têm
para si a não ser o beco, onde não sequer o saneamento básico. Assim são as
ocupações que ficam entre os conjuntos Jardim Guanabara II e III. É o contraste
gerado pela desigualdade social do sistema capitalista. Neste sentido, pode-se
concordar com Silva (2004, p. 43) que "a Idéia de metrópole hoje não pode ser
entendida como um todo orgânico. A periferia, as invasões na constituição da
metrópole vão além do espaço Geográfico".
27
Esse é o processo de formação de periferias das grandes cidades brasileiras,
e está sendo também o de Goiânia e, conseqüentemente, o de bairros como o
Jardim Guanabara. É o espaço urbano planejado convivendo com o invadido. Esse
bairro convive de forma evidente com essas duas realidades; dento do Jardim
Guanabara I estão localizados os dois conjuntos de casas populares Guanabara II e
III; e abaixo dos dois fica a invasão, às margens do Córrego Pedreira. É esta
realidade descrita a seguir, um outro campo da pesquisa, além da escola.
1.2 Os Conjuntos Jardim Guanabara II e III
Os Conjuntos Jardim Guanabara II e III localizam-se também na região norte
de Goiânia e estão ao lado da BR-153, abaixo do Guanabara I. Ficam a quatorze
quilômetros do centro da cidade de Goiânia. Os conjuntos foram criados a partir de
1989 e resultaram de um projeto desenvolvido pela Associação dos Servidores
Públicos do Estado Goiás (Aspeg). A compra da casas foi financiada em 25 anos
pela Caixa Econômica Federal (CEF). A Aspeg comprou a área, e a Companhia
Warre Engenharia executou o projeto em duas etapas. A primeira foi entregue em
1989 e a segunda em 1990. São casas geminadas. Em cada lote de 14 x 30m foram
construídas duas casas de dois quartos, sala, cozinha e um banheiro. No total são
duas mil e duzentas e cinqüenta unidades. Cabe ressaltar que o material de
construção dessa casas é de terceira classe. Os primeiros moradores contam que,
no começo, cada funcionário escolhia em qual casa gostaria de morar. No entanto,
enfrentaram muitas dificuldades: receberam as residências somente com fiação e
cal nas paredes, embora, tivessem que pagar uma poupança de doze meses e mais
28
a taxa da chave. Tempo em que a inflação encontrava-se no patamar de 25% a 28%
ao mês. Muitos dos futuros moradores não puderam pagar e perderam a casa.
Uma característica comum aos moradores é que se tratavam de funcionários
públicos de vários níveis e categorias: da Companhia Energética de Goiás (Celg), da
Saneamento de Goiás (Saneago), do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), dos
correios, professores e policiais. Com o passar do tempo, esta realidade foi-se
transformando como em qualquer outro bairro. As casas foram sendo modificadas e
ampliadas para se tornarem uma habitação mais confortável. Hoje, encontram-se
poucas unidades em seu estilo original. Muitas delas estão sendo vendidas a outros.
O motivo que, muitas vezes, levou as pessoas a venderem suas casas foram
as altas prestações cobradas pela CEF e os baixos salários dos funcionários
públicos, que sempre estão abaixo dos índices da inflação e incompatíveis com uma
vida digna. O salário dessas classes de profissionais no país já passou até oito anos
sem um aumento sequer. prestações de algumas dessas casas que chegam a
R$ 250,00 a R$ 300,00 reais mensais. Embora muitos tenham conseguido a
quitação do financiamento desses imóveis através dos planos e medidas provisórias
dos dois últimos governos federais, ainda muitas famílias com saldo devedor
altíssimo, com prestações elevadas, atrasadas e pagando-as na justiça.
Atualmente, o Jardim Guanabara III é um conjunto bastante peculiar. Sem ter
perdido as características de uma cidadezinha do interior e de zona rural; faz jus à
origem de fazenda que era; contudo, tornou-se também um pólo comercial e de
prestação de serviços. Encontram-se ali supermercados, panificadoras,
restaurantes, farmácias, papelarias, postos de saúde, lojas de importados, de
vestiários, dezenas de salões de beleza e barbearias, lojas de eletrodomésticos
29
domésticos, de construção em geral, oficinas mecânicas, fábricas de móveis. Enfim
é um setor que tem uma infra-estrutura urbana.
Um dos problemas do conjunto, levantado pela associação dos moradores, é
a falta de políticas públicas para o lazer. Por isso, "o Guanabara torna-se violento.
Os jovens entram no mundo das drogas, roubos, prostituição", relata a presidente da
associação do Guanabara III. Das cinco áreas destinadas para tal e pelas quais os
moradores pagam, duas foram doadas em 1996, aos acampados que ocupavam
uma dessas praças, por um prefeito em final de mandato. Isso gerou duas
ocupações dentro do conjunto; o que, revela também a carência de políticas
públicas para a moradia.
Um outro problema é a ocupação das margens do Córrego Pedreira que
passa ao lado dos conjuntos. É uma área onde não poder haver construções pois é
protegida por leis ambientais. No entanto, ali se instalaram centenas de moradores.
Isto está provocando a poluição do córrego, devido à quantidade de lixo e esgoto
que corre a céu aberto e vai parar no seu leito. Segundo a presidente da associação
de moradores do III, "muitos dos detritos que provocam essa poluição vêm não
da invasão mas de outras áreas de ocupações que estão dentro dos dois conjuntos
e não têm a mesma estrutura básica". Com as grandes chuvas, desce muito lixo,
para o córrego. Em 2003, isso causou uma forte enchente que matou duas pessoas
e deixou muita gente desabrigada. Isto ocorre porque não um trabalho de
conscientização ecológica de todos os moradores para o dever de preservar e
cobrar soluções do poder público responsável.
Em relação à participão da comunidade nos trabalhos sociais
desafios e dificuldades, pois os moradores encontraram os conjuntos com uma
certa infra-estrutura: com água, energia e asfalto. Isso os leva a uma
30
acomodação. Conforme disse o diretor de cultura da associação de moradores do
Guanabara III, “alguns consideram-se pequenos burgueses, não participam e são
exigentes. A diretoria da associação, para estes, é um mero corpo de funcionários
que trabalham sem remuneração". Porém, essa afirmação é um pouco contraditória,
visto que os moradores das áreas de ocupação, que estão dentro do conjunto e o
têm esses benefícios, também não participam das atividades promovida pela
associação. Esta visão individualista não se restringe somente aos aspectos
habitacionais. Há uma cultura do individualismo na pós-modernidade.
O conflito entre o planejado e o invadido explicita uma relação discriminatória
e preconceituosa entre ambos. Tal relação se entre os conjuntos Guanabara II e
III e as áreas de ocupação do córrego. Os dois primeiros são conjuntos com certa
infra-estrutura, com uma população também definida de funcionários públicos que,
muitas vezes, têm um emprego e salários garantidos. Essas condições tornam os
moradores indiferentes, individualistas, fechados em suas próprias casas: todas com
grades ou portões bem altos.
A percepção dessa dificuldade de participação aparece também na entrevista
de um dos padres católicos que atende esta região, quando perguntado sobre os
desafios de trabalhar nessa realidade:
Os Conjuntos Jardim Guanabara com a estrutura de quadras, é fechado, o
que dificulta o trabalho pastoral. É diferente de um bairro que nasce
devagar. O conjunto surgiu pronto. [O conjunto Guanabara III] considera-
se mais rico que o II. Além do pessoal das áreas de ocupação que não
participa, não se sentem integrados. Esta realidade é desafiante.
Segundo a diretoria da atual associação do Jardim Guanabara III, a
participação maior é dos membros da Igreja Católica, comunidade Nossa Senhora
31
das Graças, onde a entidade encontra mais espaço para se reunir, divulgar seus
projetos e realizar suas ações. Neste sentido, uma participação mais consciente
dessas pessoas, membros dessa igreja. Porém, não participação do pessoal da
invasão. Como o padre falou, eles não se integram ao conjunto, nem nas atividades
da igreja e nem nas da associação.
Para a divulgação dos seus trabalhos, a associação do Jardim Guanabara III
conseguiu espaço também na Igreja Assembléia de Deus do Residencial
Felicidade, setor ao lado do conjunto III. Esta associação tem realizado ainda várias
atividades em parceria com duas escolas municipais do conjunto, principalmente
com a Escola Marília Carneiro, sede dessa pesquisa. São exemplos dessa parceria
a Campanha do Natal sem Fome, as festas juninas, culto ecumênicos, Jogos da
primavera e outras. Isso demonstra a abertura da escola, e que é possível as
entidades caminharem juntas na construção de uma melhor educação, com a
participação de toda a comunidade.
Aliás, esta foi uma das finalidades da fundação da Escola Municipal Marília
Carneiro, no Jardim Guanabara III. A proposta de uma escola voltada aos interesses
da comunidade está explícita no convite de inauguração da Secretaria Municipal de
Educação e do então vereador Mário Ghannam: "a nova escola é diferente das
demais, pois foi construída a partir de um novo projeto de educação, que busca a
integração da escola com a comunidade" (SME, 1994, p. 1).
Atualmente, a associação de moradores do Jardim Guanabara III tem
procurado desenvolver várias atividades, uma delas é melhorar as opções de lazer
com o projeto iniciação esportiva, do qual participam cerca de 180 crianças. Desde
junho, são ministrada aulas de futebol nos campos gramados da quadra 72. Para os
jovens e adultos, está sendo realizado o programa Caminhando com Saúde, em
32
convênio com a prefeitura de Goiânia, que oferece professores especializados.
Durante toda semana, aulas de ginástica, alongamento e relaxamento na praça.
Conseguiu-se também melhorias no transporte; são oito novos ônibus que passam
atualmente no setor; aumento do horário de atendimento do posto de saúde do
conjunto que agora fica aberto das 7h às 23h; poda de árvores e da grama das
avenidas e praças; limpeza e reposição de tampas e bocas de lobo; retirada de
entulhos de lixo das vias públicas; reposição de lâmpadas. Isto significa mais
qualidade de vida para essa população.
Os próximos objetivos a serem conquistados com relação à melhoria da
qualidade de vida desses moradores são: funcionamento 24 horas, do posto de
saúde; novas linhas de ônibus que atendam à comunidade local; construção do
Centro de Convivência da comunidade local; construção da praça e da quadra de
esportes da Escola Municipal Marília Carneiro; edificação da sede da associação
dos moradores; recapeamento asfáltico; restruturação da iluminação pública do
bairro. Os conjuntos populares permitem um certo planejamento de ações que
promovam melhorias, é uma das diferenças entre estes e as áreas de invasão como
o Jardim Guanabara II.
1.3 As Invasões do Jardim Guanabara II
A história do Jardim Guanabara II é bem diferente e mais antiga que a dos
conjuntos habitacionais Jardim Guanabara II e III. A CPU
1
é uma ocupação que foi
oficializada em 1986, e sua população é resultado de dois remanejamentos: o
primeiro trata-se do pessoal que veio do setor Criméia Leste, em 1975, e originou a
1
CPU: é uma sigla que define e localiza o lote na invasão. Informação prestada pela Celg. Exemplo:
Rua GB 25, CPU 38, Jardim Guanabara II.
33
segunda etapa do Guanabara I. Este não comportou todos que vieram, o que
provocou um segundo remanejamento, a mudança foi feita para outra área, uma
parte baixa que fica às margens do Córrego Pedreiras. Os moradores são divididos
em duas classes "D" e "E", definida pelo então presidente da Associação do
Guanabara II de "classe baixa e o pessoal de alto risco", ou seja, é onde reside parte
da população que não teve condições financeiras de construir suas casas. Esta
formou a ocupação chamada CPU que fica bem próximo, ao Córrego. Nesta
ocupação mora o atual presidente da associação, com todos seus familiares:
esposa, filhos, mãe, irmãos. É nesta faixa do córrego que mora a classe mais pobre
dos Guanabaras. Hoje os barracões são de alvenaria, mas sem acabamento, sem
espaço entre um e outro, muito menos quintal.
Segundo o presidente da associação comunitária do II, essa comunidade é
composta de "80% de imigrantes baianos e paraibanos"; ele próprio e sua família
são do estado da Bahia. Esse dado confirma o alto índice migratório para o estado
Goiás e para a cidade de Goiânia. Isso também ficou evidenciado nas entrevistas
dos alunos: dos vinte estudantes pesquisados, somente dois nasceram em Goiânia.
Os demais: são sete do interior estado de Goiás, seis da Bahia, dois do Piauí; um do
Ceará; um da Paraíba e um do Maranhão, ou seja, mais de 50% são nordestinos.
Os heróis sem nomes da construção de Goiânia encararam distâncias
enormes a pé, em busca de melhores condições de vida. De alguns municípios
como Correntina e Santa Maria da Vitória na Bahia e Corrente no Piauí vieram para
centenas e mais centenas de pessoas. Também de outros estados como Minas
Gerais, Ceará, Maranhão e do próprio interior de Goiás. Segundo o documentário de
O Popular (15/04/ 1988) "sertanejos que nunca tinham visto uma cidade eram
transformados em operários da construção civil, de carteira assinada."
34
Hoje, as famílias que continuam vindo permanecem encarando não a
dificuldade da distância geográfica, mas também a da desigualdade econômica, da
falta de melhores condições de trabalho, de moradia digna, de voltar a estudar,
mesmo que tardiamente. Atualmente, as mulheres, os homens e os jovens são mão
de obra reserva da Aldeia do Vale, dos Conjuntos Jardim Guanabara II e III, das
industrias de móveis e marcenaria do setor.
Financeiramente, essa população tem a contribuição da renda cidadã, ajuda
do governo estadual às famílias de baixa renda, para manterem os filhos na escola.
O que tem contribuído para baixar o índice de evasão escolar do período diurno.
Entre os problemas enfrentados por essa população está o das chuvas que
provocam alagamento das casas pelas inundações vindas do Córrego Pedreiras,
consequências da falta de moradia adequada, de esgoto e de saneamento básico. A
questão da saúde é outro problema sério, o posto ainda não funciona 24 horas e não
tem médico o suficiente para atender a todos os bairros do Guanabara. "Tenho que
sair o tempo todo para levar gente nos hospitais", disse o presidente da associação
do Guanabara II. A questão do lazer é outro problema, não área disponível para
isto. somente um campo de futebol e a sede da associação: são os únicos
espaços desse grupo. "Esse lado é uma grande carência da comunidade, no
entanto, o lazer é algo principal", fala o então presidente da entidade do II.
Quanto à participação dos moradores na associação, ela é também muito
fraca. Falta a confiança da comunidade. A entidade está desacreditada e tenta
reconquistar o povo com várias ações sociais como a alfabetização de adultos.
uma turma de 25 estudantes na sede da associação do II que atua em parceria com
o programa de alfabetização do governo federal e procura diminuir a taxa de
analfabetismo.
35
Esta situação é expressa pelo então presidente da associação do Guanabara
II da seguinte forma: "não tem nenhuma participação do Conjunto Guanabara II. Eles
não se misturam. Acham que têm o rei na barriga". A relação de conflito dá-se
também pelo preconceito; os moradores dos conjuntos atribuem a violência e o uso
de drogas ao pessoal da invasão. É uma comunidade gueto, triplamente
discriminada: por residir na invasão, por ser em sua maioria negra e por ter um
grande número de analfabetos, ou quando muito semi-alfabetizados. Os dados
expressos nos Quadros 1 a 4 mostram essa realidade.
Quadro 1: Dados Gerais da População do Jardim Guanabara II e do Conjunto JB III
População por Sexo
Jardim Guanabara II Jardim Guanabara III:
Homens: 2.764 Homens: 2.715
Mulheres: 2.975 Mulheres: 3.072
TOTAL: 5.739 TOTAL: 5.787
Fonte: Dados Baseados no Diário da Manhã, 13/06/2004, Seção Meu Bairro
Quadro 2: Número de Eleitores do Jardim Guanabara II e do Conjunto JB III
Número de Eleitores
Jardim Guanabara II Jardim Guanabara III:
3.455 2.818
Fonte: Dados Baseados no Diário da Manhã, 13/06/2004, Seção Meu Bairro
36
Quadro 3: Pessoas Residentes Não Alfabetizadas de Cinco Anos de Idade ou Mais, por Grupo de
Idade, Segundo o Jardim Guanabara II e o Conjunto Jardim Guanabara III
Jardim Guanabara II
5 a 19 20 a 39 40 a mais de 60 Total
248 89 255 592
Conjunto Jardim Guanabara III
5 a 19 20 a 39 40 a mais de 60 Total
183 36 89 308
Fonte: Dados Baseados no Diário da Manhã, 13/06/2004, Seção Meu Bairro
Quadro 4: Taxa de Alfabetização Jardim Guanabara II e o Conjunto Jardim Guanabara III
Jardim Guanabara II Jardim Guanabara III:
88,6% 96,5%
Fonte: Dados Baseados no Diário da Manhã, 13/06/2004, Seção Meu Bairro
Segundo o Jornal Diário da Manhã de 13/06/2004, a estatística de
analfabetismo no Guanabara II e III mostra 592 pessoas analfabetas no primeiro e
308 no segundo. São índices muito altos, sobretudo, quando distribuídos entre a
população adulta 89 pessoas de 20 a 39 anos e 255 entre os 40 e 60 anos,
conforme o quadro acima.
Pode-se observar também que o índice de analfabetismo do Jardim
Guanabara II é bem maior que o do Conjunto Jardim Guanabara III. Principalmente,
entre os extremos das idades: na faixa dos 05 aos 19 anos são 248, e na faixa de 40
a 60 anos são 255 pessoas não alfabetizadas. A diferença entre os dois setores é de
280 pessoas não alfabetizadas. Isto demonstra que existem ainda muitas crianças,
adolescentes e jovens fora da escola e, no outro extremo, muitos adultos, pais e
avós dessa geração mais nova, que não tiveram oportunidade de estudar na idade
37
certa. Todos juntos somam um total de 592 moradores não alfabetizados, no Jardim
Guanabara II. Os dados mostram que há 11,4% dessa população a ser alfabetizada.
São justamente os habitantes que residem na área loteada e na invasão a citada
antes.
Por outro lado, no Conjunto Guanabara III, o índice maior de não
alfabetizados é de 183 na camada mais jovem, e 125 em idade adulta, o que perfaz
um total de 308 analfabetos. No conjunto, constata-se que o número de analfabetos
é menor, mesmo diante de uma população mais numerosa. Levando-se em
consideração que suas condições de infra-estrutura básica são melhores, como
foi exposto anteriormente, conclui-se que onde há se tem um pouco de qualidade de
vida, eleva-se o nível de escolarização da população.
A Secretaria Municipal de Goiânia possui uma rede de 158 escolas, desse
universo, 102 trabalham com período noturno. No conjunto dessas 102 escolas, 81
têm a Eaja, Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos do ensino fundamental, ou
seja, de 1ª a 8ª série.
Na região do Jardim Guanabara existem seis escolas municipais, quatro delas
oferece o período noturno com ensino fundamental que alfabetiza adolescentes
jovens e adultos. Há vagas suficientes para atender a demanda. Iniciam o ano letivo,
geralmente, com salas cheias, mas o termina com quinze, vinte alunos, isto ocorre
devido ao fenômeno da evasão, problema característico nessa fase de ensino.
Creches municipais há duas; uma situada no Guanabara I e outra no Conjunto JB III.
São poucas para atender toda a demanda da população; quase sempre não
vagas. também duas escolas estaduais; ambas contam com o ensino médio
noturno, mas não oferecem o ensino fundamental. cinco escolas particulares,
38
uma delas oferece o ensino médio. Com esse quadro de escolas não deveria haver
analfabetismo no setor.
Diante do quadro acima exposto, cabe perguntar: Por que tantas pessoas
que não encontram seu lugar na escola? Onde elas encontram espaço para sua
socialização? Esta análise será feita no próximo capítulo; nele buscar-se-á apontar
as possíveis causas de desencontro desses sujeitos com o mundo da esccola.
No que se refere a presença das Igrejas no setor, ela é bem numerosa. Ali
existem várias denominações religiosas como Luz para os Povos, Batista, Universal
do Reino de Deus, Adventista do Sétimo Dia, Casa da Bênção, Comunidade Cristã,
Deus é Amor. A intenção desta pesquisa, no entanto, é analisar somente as igrejas
freqüentadas pelos alunos entrevistados. São elas: a Assembléia de Deus, que tem
vinte templos no Jardim Guanabara e uma média de duzentos na grande Goiânia; a
Católica, que tem nove comunidades no setor; a Congregação Cristã no Brasil, com
três templos na região; uma aluna apenas participa da Igreja da Graça Deus, no
centro da cidade.
39
CAPÍTULO 2
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
PROCESSO DE EXCLUSÃO E CONQUISTAS
O que o mar sim aprende do canavial:
A elocução horizontal de seu verso;
A geórgica de cordel,ininterrupta,
Narrada em voz e silêncio paralelos.
O que o mar não aprende do canivial:
A veemência passional da preamar;
A mão-de-pilão das ondas na areia,
Moída e miúda, pilada do que pilar.
(João Cabral de Melo Neto)
Esse capítulo faz um recorte na história da educação brasileira e analisa
certos momentos de exclusão e avanços por que passaram a educação de jovens e
adultos, no Brasil, em Goiás e no município de Goiânia. Os referenciais de suporte
para o aprofundamento dessa temática são os trabalhos de Patto (1993), Paiva
(1987) e Bites (1992) que fazem uma fiel denúncia das exclusões e do fracasso
sofrido pelo ensino noturno desde suas origens. Também os estudos de Machado
(1997) e de Silva (2004) fazem parte desta reflexão ao contribuir, criticamente, com
40
suas análises sobre as conquistas da educação de adolescentes, jovens e adultos,
no final do milênio passado e início desse novo milênio na Secretaria Municipal de
Educação de Goiânia. A pesquisa de campo aplicada com os alunos oferece dados
enriquecedores, sobre os quais esta análise se apóia. Primeiro, traça-se o perfil do
aluno na história da escola noturna; em segundo, lugar aborda-se o fracasso escolar
de adolescentes, jovens e adultos.
2.1 O Perfil do Aluno no Contexto da Escola Noturna
A história das primeiras salas de ensino noturno do Brasil começa na época
do Império. As raízes do ensino primário para adolescentes e adultos analfabetos
estiveram presentes, naquele período, nas províncias e posteriormente nos
estados. Porém, no decorrer de toda a história educacional brasileira, uma das
marcas das políticas para essa modalidade de ensino é a descontinuidade.
Implantadas por diferentes discursos, projetos e leis, cada uma procurou adequar-se
às pressões internas e externas sofridas pelo Brasil com relação ao seu
desenvolvimento industrial e à preparação da mão-de-obra, de acordo com cada
realidade econômica que surgia. A educação de jovens e adultos está dentro dessa
realidade. Os alunos da escola noturna são, em sua grande maioria, trabalhadores e
pais de famílias, como demonstrou o gráfico nº 3, da página 25 .
Na verdade, se pode falar em uma política de educação de jovens e
adultos analfabetos, no Brasil, na década de 1940. Antes, houve iniciativas, como a
que ocorreu na época imperial,1850, quando foram criadas as primeiras escolas
para trabalhadores que não puderam freqüentá-las no tempo certo. Porém, tais
experiências eram limitadas, descontínuas, com número bem reduzido de
41
educandos e com uma intenção muito clara. Tratava-se de uma “educação como
instrumento de ascensão social e como condição de erradicação do analfabetismo e
ampliação do colégio eleitoral” (PAIVA, 1987, p. 168).
O surgimento das escolas noturnas no Brasil, desde o início, não foi planejado
e organizado de forma específica; elas eram implantadas como apêndices.
Consistiam em cursos de adultos, montados com um pequeno acréscimo de
despesas nos colégios existentes, sob a responsabilidade de professores das
mesmas escolas, os quais recebiam uma gratificação salarial.
As escolas noturnas, em Goiás, surgiram em 1872. Eram subvencionadas
pelo governo e destinadas à instrução de jovens e adultos. Resultaram de iniciativas
de professores ou associações como a Sociedade São Vicente de Paula, que criou a
escola noturna para meninos pobres e escravos.
Com a transferência da capital de Goiás para Goiânia, em 24 de outubro de
1933, foram criados cursos noturnos, a partir da ampliação dos cursos comerciais,
por iniciativa dos próprios comerciantes. O objetivo era a preparação de mão-de-
obra. Em 1960, ocorreu a extensão das classes do Lyceu, que funcionavam durante
o dia, para o turno noturno.
Os cursos noturnos em Goiânia, inicialmente, destinavam-se à educação de
jovens e adultos: à alfabetização, isto é, “aos que a idade e a necessidade de
trabalhar não permitem freqüentar cursos diurnos” (BITES, 1992, p. 23).
Atualizando a reflexão anterior sobre as condições em que aconteceram o
ensino noturno até a década de 1990, pode-se dizer que ele continuava sendo
operacionalizado sem se levar em conta sua especificidade, ou seja, o ensino
noturno se realizava nos mesmos modelos e esquemas do ensino diurno, tanto em
relação à organização escolar, quanto à grade curricular e à metodologia.
42
Percebe-se que os órgãos oficiais responsáveis, na época, ainda não
compreendiam que o ensino noturno, face ao diurno, se configura como alternativa
de escolaridade para aqueles que, sofrendo as injunções da contradição social mais
ampla, por questões conjunturais, de vida e de trabalho, não puderam obter
formação acadêmica em tempo previsto. Desde o início, os cursos noturnos
destinaram-se à camada social marginalizada e que, conseqüentemente, recebe um
ensino pobre, que não é um projeto efetivo de educação para alunos trabalhadores.
Neste sentido, torna-se pertinente examinar alguns problemas, entre eles o
fenômeno da exclusão e da evasão e observar quais os motivos e causas que
levavam os alunos daquele período a evadirem da escola.
Alguns referenciais teóricos configuram o fenômeno da evasão escolar no
curso noturno. Pode-se vê-lo, por exemplo, nas raízes históricas das concepções
sobre o fracasso escolar em Patto (1993).
As constatações desta autora fazem entender que, no Brasil, as escolas
públicas de Ensino Fundamental falham em sua tarefa básica de alfabetização.
Desde o início, as crianças são eliminadas da escola, por preconceitos, pelo
processo seletivo que a sociedade lhes impõe ou por terem que trabalhar para
ajudar no sustento da família. Tudo isso leva as crianças, ainda nas primeiras séries,
a abandonarem a escola. A constatação da natureza do fracasso escolar impõe aos
professores a necessidade de “um trabalho inconformado que não com
naturalidade o processo de exclusão que as camadas populares sofrem na escola
pública de 1º Grau”. (PATTO, 1993, p. X)
Esta afirmação da autora deixa claro e confirma, mais uma vez, que o
educando do ensino noturno, quando chega a esta escola, foi discriminado e
rejeitado muito antes: por ser criança pobre, por trabalhar cedo e por não poder
43
estudar na idade certa. Portanto, a saída da escola é apenas mais uma exclusão em
sua história. Nas palavras de Patto (1993, p.14),
... a escola ao receber alunos das classes populares, relega-os a
instituições e carreiras escolares encerradas em um destino escolar
previamente traçado. Em decorrência, a desigualdade social estaria
transformada a partir das práticas pedagógicas, em desigualdade
propriamente escolar, ou seja, a desigualdade de nível ou de realização
escolar esconde e consagra uma desigualdade de oportunidades de acesso
aos graus mais elevados de ensino.
Dessa forma, a escola torna-se um aparelho de distribuição das pessoas em
categorias sociais determinadas. Favorece os favorecidos e exclui, repele e
desvaloriza os desfavorecidos. Nessa engrenagem, a evasão e a repetência
acontecem de forma peculiar no ensino noturno.
Paulo Carvalho (Apud BITES, 1992, p. 6) comprova, em sua pesquisa de
mestrado, que grande parte dos alunos, paulatinamente, vai sendo excluído do
sistema escolar:
Nota-se que a capacidade de retenção do sistema é muito pequena e que
na escola de 8 anos implantada no Brasil, somente 50% dos que matriculam
na 1ª série conseguem chegar na 2ª série; concluir a 8ª série é um privilégio
de 20%, por isso as taxas de evasão são altas. (BITES, 1992 P. 6)
Esta taxa pode ser comparada também de um turno para outro, como fez
Bites (1992, p. 20-7) “a evasão do noturno é de 35%, enquanto que a do diurno é de
10%". Apesar de o estudo de Bites possuir 14 anos de história, esta realidade da
evasão, no noturno, ainda é bem presente.
44
Na tentativa de compreender melhor o fenômeno da evasão e da exclusão e
sua complexidade, descreve-se aqui alguns dos problemas enfrentados pelos alunos
do ensino noturno. Apontam-se os seguintes problemas como possíveis causas da
evasão desses aluno: as condições internas da escola como a evasão administração
escolar controladora e rígida com o horário, a freqüência, a nota, o número
determinado de alunos por sala, a formação do professor que nem sempre é
adequada e especializada para este turno. Disto resulta uma grande dificuldade na
relação professor/aluno. A coordenação e a administração não sabem lidar com
estes alunos. O medo da reprovação, o desequilíbrio emocional, dentre outros
problemas, levam os alunos a abandonarem a escola.
Por outro lado, há outros fatores, por exemplo, a decepção com as condições
de vida e de trabalho, doenças, o desemprego, dificuldades financeiras para pagar o
transporte entre a moradia, o trabalho e a escola; a falta de tempo para estudar. A
ausência consecutiva e o cansaço levam ao desânimo e, conseqüentemente, à
desistência. Os alunos falam sobre o motivo das faltas ou do abandono da escola:
Fico desanimado e cansado;
o motivo que falto é o cansaço;
só falto devido o cansaço;
falto à escola quando atraso no trabalho;
porque tenho que trabalhar, devido ao trabalho porque trabalho até às oito
horas da noite;
às vezes falto por causa do trabalho;
Já deixei a escola pelo trabalho e devido eu pagar aluguel;
tive que deixar de estudar por causa do aluguel;
abandonei a escola com problemas em casa com os pais e irmãos;
deixei de estudar porque engravidei muito nova e fiquei com vergonha de
estudar, mas me arrependi muito.
(entrevistas com alunos, junho de 2005)
45
Esse resumo da fala dos os entrevistados mostra um retrato das causas
imediatas que levam os estudantes a não permanecerem na escola. Dentre as
principais, estão a luta pela sobrevivência, os problemas familiares e o cansaço
decorrente do trabalho. Desta forma, pode-se dizer, como Baudelot e Establet que a
divisão social do trabalho, que espera os indivíduos à saída do processo de
escolarização, estava determinada nos seus mecanismos, desde o início desse
processo. Constata-se que muitos alunos do noturno ingressam na escola e a
abandonam por diversas vezes, e, por fim, saem definitivamente dela sem a
escolarização almejada. O Gráfico 4 mostra por quantas escolas os estudantes que
participam desta pesquisa já passaram:
45%
40%
15%
01 a 02 escolas
03 a 04 escolas
05 a 06 escolas
Gráfico 4: Número de Escolas em que Estudaram
Fonte: autora, com base na pesquisa de campo
Os dados indicam que o número de alunos que passam por até duas escolas
é de 45%, enquanto os que passaram por três a seis escolas somam um total de
55%. Os destinatários da escola noturna, desde o início, são aqueles que, devido à
idade e por necessidade de trabalhar, não puderam freqüentar a escola diurna.
46
Conseqüentemente, a análise do ensino noturno deve passar pela relação
escola/trabalho. Essa modalidade de escolarização, nessa faixa etária, ficou
reservada, praticamente, àqueles que necessitam combinar estudo e trabalho. É o
horário em que a classe popular tem acesso à escola, pois a luta pela sobrevivência
ocupa-a, diariamente, no trabalho. Por outro lado, a rotina da escola prepara a força
de trabalho para ser oferecida ao mercado. Esta relação mostra que a história da
escola noturna é permeada pelas oportunidades desiguais, por preconceitos que
sofrem os alunos do ensino noturno.
Os fatores que determinam a saída desses alunos da escola são bem mais
amplos do que se pensa. São de ordem da estrutura sociopolítico-econômica;
interagem tanto fora como no interior da escola e, por isso, favorecem a manutenção
do quadro da evasão e da repetência. Esse quadro é resultante de toda uma
conjuntura sociopolítico-educacional no âmbito do país, do estado, do município e de
cada unidade escolar. A evasão e a repetência não ocorrem pela ação do aluno,
mas da escola, da comunidade, da sociedade e do Estado. Assim sendo, a melhoria
do ensino público é fundamental, para que possa ocorrer a melhoria do ensino
noturno como um todo.
A análise das raízes históricas das concepções sobre o fracasso escolar,
segundo Patto (1993), mostra o triunfo da classe burguesa, de sua visão de mundo
a natureza das idéias dessa classe que assumem um discurso que adquire a força
de crenças sobre a pobreza e que justifica a não escolarização das classes
marginalizadas. Estas idéias provêem das teorias racistas, culturais e psicologistas
que serviram de base para discutir as causas da evasão escolar, no final da século
XIX.
47
A causa da pobreza está enraizada numa sociedade de classe, na qual a
burguesia, com seu poder, atinge e segrega cada vez mais o trabalhador
impossibilitando-o de qualquer mudança. Por vezes, impede-o de ascender
socialmente durante toda a sua história de vida. A visão de mundo da classe
burguesa, no período iluminista, foi é fortemente intermediada pela crença de que o
progresso do conhecimento humano se de forma individual, racional e
econômica. Portanto, cabe a pergunta: direitos iguais para quem? Essa sociedade
burguesa é completamente desigual para a grande maioria dos trabalhadores. A sua
concepção de ensino é marcada por três visões dominantes da nova ordem social:
a crença no poder da razão e da ciência, legado do iluminismo; de outro, o
projeto liberal de um mundo onde a igualdade de oportunidades viesse a
substituir a desigualdade baseada na herança familiar; a luta pela
consolidação dos estados nacionais (PATTO 1993, p.21-22).
Nesse contexto, a educação tem o papel de universalizar as diferenças de
classe. Ou seja, de mascarar as desigualdades. Mais uma vez, a ideologia liberal,
que vem substituir a igualdade advinda da herança familiar, está legitimando a
pobreza como hereditária. Esta mentalidade tornou-se um legado cristalizado até
nas brincadeiras e na linguagem, em expressões como 'quem manda nascer pobre',
ou 'na outra geração quero nascer rico'. Apesar de o liberalismo clássico e a
Declaração dos Direitos do Homem preconizarem a igualdade frente à lei e
oportunidades iguais de sucesso profissional, só chega a elas quem puder.
Na concepção burguesa de sociedade, a divisão social em classes superiores
e inferiores se pelo critério do talento individual e pelo poder da razão; essa
concepção sustenta-se na explicação dada pela psicologia para o fracasso escolar,
principalmente, no que se refere ao fracasso escolar dos jovens e adultos.
48
inúmeros preconceitos relativos a estes alunos: são considerados de classes
inferior; têm talentos, não os aproveitam porque não querem. Esse discurso serve
para sustentar a própria política capitalista liberal quando esta afirma que a
oportunidade é dada para todos.
Os princípios ideológicos da escola do século XIX adquiriram diferentes
significados para cada grupo e classe social, em função do lugar que ocupam nas
relações sociais de produção. Analisando as fases da política educacional do
ocidente, observa-se que, durante o nacionalismo, a escola teve a missão de unir a
humanidade, construir nações nacionais de acordo com o progresso do poder da
razão e das descobertas iluministas. Assim, o papel da escola era unificar a língua e
os costumes e implantar o nacionalismo. Esse período entra em crise com a I
Guerra Mundial. Ocorre também uma crise na própria pedagogia tradicional.
O segundo período da política educacional, no pós I Guerra, expressa um
movimento de revisão dos princípios da educação nacionalista. A perspectiva é fazer
da escola um serviço em prol da paz e da democracia, a inspiração para tal é a
pedagogia da Escola Nova. Estudar o surgimento da Escola Nova é muito
importante para que se compreendam as teorias racistas, culturais e psicologistas
que lhe serviram de suportes. Isso possibilita, ainda, perceber com mais clareza o
fenômeno da evasão escolar no ensino noturno. Como já se disse, esta questão tem
uma história, uma herança de filiações e de idéias que norteiam e justificam o
fracasso escolar da classe pobre no Brasil.
Enquanto a idéia da igualdade se constituiu em um dos eixos fundamentais
da revolução francesa, o pensamento liberal não demonstrou a tese de que a
desigualdade desapareceria. Ao contrário, reforçou-a ainda mais, quando
transformou as desigualdades sociais em desigualdades raciais, pessoais e culturais
49
de forma determinista. Sabe-se também que o Positivismo francês e sua filosofia
influenciaram os intelectuais brasileiros que basearam seus conhecimentos nas
ciências naturais, concebendo-as como neutras e objetivas.
As idéias racistas emergiram, no início do século XIX, com o seguinte
discurso: existem raças anatômica e fisiologicamente distintas, psicologicamente
desiguais. Afirmavam também que desigualdade de raças provenientes da
relação entre clima, e temperamento e herança de caracteres adquiridos. Essa
teoria foi fortemente pregada na França, devido à influência do determinismo
anticlerical iluminista, porém, na Inglaterra, encontrou fortes obstáculos devido à
doutrina Católica que defende a criação dos homens à imagem e semelhança de
Deus. As idéias racistas foram formuladas, em várias partes do mundo, até por volta
de 1930. No Brasil, essa teoria chegou em tempo de pleno colonialismo cultural,
quando os intelectuais da elite brasileira buscavam suas referências diretamente na
França.
Portanto, na consolidação da sociedade capitalista brasileira, o racismo, antes
de ser uma ideologia para justificar a conquista de outros povos, foi usado para
justificar as diferenças de classes, foi instrumento que serviu como arma de luta
entre elas. Afirmações como esta indicam o grau das justificativas: “o principal
indício da qualidade das raças é sua capacidade de dominação" (POLIAKOV, Apud
PATTO, 1993, p. 21-3). Comte, autor que desenvolveu a filosofia positivista
reconhecia apenas três raças: a branca cheia de inteligência, a amarela, portadora
de atividades e a negra, movida pela afetividade.
A sociologia, a antropologia e a psicologia, ciências que nasceram nessa
época, não reverteram a visão de mundo dominante, devido ao etnocentrismo
europeu. É importante compreender como se engendram as representações de
50
mundo a partir do modo como os homens se relacionam a fim de produzir e
reproduzir a vida, numa estrutura social como a das sociedades capitalistas. A
história é contada sob o ponto de vista dos que dominam. Conseqüentemente, a
neutralidade e a objetividade das ciências não existem.
A sociologia comtiana descreve uma sociedade funcionando harmonicamente
e integrada em suas funções como um todo. Durkheim preocupou-se com os
conflitos gerados na sociedade capitalista liberal e com a harmonização de uma
sociedade justa que se daria com a distribuição das pessoas em classes sociais,
com base na capacidade pessoal e de natureza constitucional. A psicologia científica
do início do século XX não escapou da influência da teoria da evolução natural.
Dessa forma, contribuiu na formação da crença no talento individual dos mais aptos
para a formação da nova organização social e escondeu as desigualdades
historicamente determinadas sob a gênese da biologia da diferença. Emergindo
assim a teoria das diferenças culturais.
A psicologia experimental, em pesquisa de laboratório, criou vários testes de
medidas, chamados de testes psicológicos, que deram origem aos testes de
inteligência. O objetivo destes testes era comprovar que as aptidões humanas são
herdadas.
As diferenças individuais, apontadas por essa psicologia científica dos aptos,
normais e anormais, eram vistas sob a ótica da ideologia da igualdade de
oportunidades supostamente existente nas sociedades de classes. Segundo essa
visão, o mundo da classe média do século XIX estava aberto para todos. Portanto,
os que não conseguiram aproveitar a oportunidade era por falta de inteligência, era
inapto. Dentre os que recebiam essa herança racial diferenciada estavam os pobres,
trabalhadores das cidades industriais e da zona rural.
51
Analisando essas idéias, observa-se que elas não deixaram de influenciar a
geração de psicólogos e pedagogos da Escola Nova que desenvolveram seus
trabalhos procurando promover os mais aptos, independentemente de sua etnia ou
de origem social. Esse era o sonho de educação de uma sociedade igualitária.
Contudo, na realidade, ela não aconteceu assim.
Junto ao aumento da demanda pela educação, nos países capitalistas da
Europa e da América, e à expansão dos sistemas nacionais de ensino vieram,
também, os problemas que os educadores deveriam enfrentar: explicar as
diferenças do rendimento escolar dos alunos e justificar o acesso desigual à escola.
Não poderiam, porém, tocar na ideologia liberal de que o mérito pessoal é o único
critério de seleção educacional. Destas teorias vieram os discursos que mascaram o
fracasso na escolarização de adultos.
A psicologia muito contribuiu para esta visão de mundo que propagava o
seguinte discurso: as oportunidades se encontravam, igualmente, ao alcance de
todos, mas na medida “em que os resultados nos testes de inteligência favoreciam,
via de regra, os mais ricos, os mais capazes ocupavam os melhores lugares”
(PATTO, 1993, p. 40). A psiquiatria também passou a fazer parte do instrumental
usado para identificar as dificuldades de aprendizagem que passaram a ser vistas
como anormalidade orgânica. Com isso, surgiram clínicas especializadas para
diagnosticar essa anomalia. Essas tendências influenciaram fortemente a educação
até a década de 1930. Após esse período, perde força o pensamento que atribuía
peso determinante do baixo nível nos testes psicológicos à hereditariedade e à raça.
Em contra partida, o baixo nível nos testes passou ser atribuído aos fatores culturais.
Essa nova tendência da teoria cultural veio da própria psicologia diferencial
que se apropriou de conhecimentos da antropologia cultural para explicar os baixos
52
rendimentos dos grupos e classes mais pobres, na escola e na medida de
capacidade psíquica. Nesse caso, o conceito de raça foi substituído pelo de cultura
como elemento de explicação das desigualdades sociais. A ideologia que norteava
essa mudança de perspectiva era a seguinte: os grupos atrasados, rudes, que não
acompanham os valores dominantes, são considerados inferiores no que se refere à
sua cultura.
Este pensamento deu origem à teoria da carência cultural que tanto
influenciou nos anos sessenta e que justificou, também, o acesso desigual das
classes sociais aos bens culturais. A teoria propunha uma explicação para o
sucesso escolar e profissional desigual de forma preconceituosa e estereotipada. É
um discurso que reafirma a deficiência cultural das pessoas pobres como a principal
causa do fracasso escolar. Assim resume Patto (1993, p. 51):
O tema das diferenças individuais numa sociedade dividida em classes e,
conseqüentemente, a pesquisa das causas do fracasso escolar das classes
empobrecidas e os programas educacionais a elas especificamente
destinados, movimenta-se num terreno minado de preconceitos e
estereótipos sociais.
Ainda na busca dessas raízes no Brasil, observa-se que a I República nasceu
sob o espírito do liberalismo, cujo pensamento dominante defendia as diferenças
entre raças e grupos. No ideário político liberal, entravam a psicologia das diferenças
individuais, e os princípios da Escola Nova chegam aos grandes centros urbanos
brasileiros.
A Escola Nova, em seu auge, elaborou uma nova concepção de infância que
muito influenciou na elaboração de justificativas para os problemas educacionais.
Essa concepção era voltada para a decifração da mente humana. Segundo Patto
53
(1993, p. 63), “a partir dos anos trinta, a psicologia começa a se configurar no País
com a prática do diagnóstico e tratamento, justificando o fracasso escolar”. Assim, a
Escola Nova juntamente com a psicologia promoviam os mais capazes. Seus
principais interlocutores foram Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Froibar. Nesta
época, o Estado não priorizou o ensino básico; preferiu investir no secundário e no
superior, com isso, garantia aos mais ricos o diploma e criava uma casta de
intelectuais.
O perfil do aluno no contexto histórico da escola noturna é marcado pela
exclusão, pela evasão e, conseqüentemente, pela repetência. Essas são as
características do ensino noturno, resultado da falta de investimento, de políticas
adequadas para atender as necessidades dos educandos trabalhadores. Isso
contribuiu para as diferenças sociais e para o fracasso escolar dessa categoria de
estudantes.
2.2 O Fracasso Escolar de Adolescentes, Jovens e Adultos
Nessa história de preconceitos, não se pode esquecer a relação entre o
urbano e o rural. Na medida em que as cidades foram se estruturando, foram se
sobrepondo ao rural. A cidade passou a ser sinônimo de civilização. Nesse contexto,
o mestiço foi caracterizado como apático, desanimado, preguiçoso. O preconceito
contra o negro e o mestiço voltou-se contra o caboclo e o caipira. Na ideologia do
mundo citadino há uma valorização da vida urbana que se constitui culturalmente na
construção de estereótipos negativos do homem rural.
Outra causa presente nessa realidade de preconceito e de fracasso escolar é
a questão do racismo. Não apenas o alicerçado na cor, mas também em outros
54
aspectos da vida desses alunos. Esses jovens e adultos se apresentam diferentes
por carregarem, em seu passado, uma história de analfabetismo herdada dos avós,
dos pais; por carregarem também o estereótipo da pobreza, da inferioridade e da
desigualdade como herança cultural. O Gráfico 5 mostra o nível de escolaridade dos
pais dos alunos entrevistados nesta pesquisa.
Gráfico 5: Grau de Instrução dos Pais
Fonte: a autora, com base na pesquisa de campo
A realidade da maioria dos alunos do noturno não difere dessa. O gráfico
acima demonstra que mais da metade do universo de trinta pais, 56% não são
alfabetizados, 13% estudaram a 3ª e a 4ª séries e somente dois concluíram o ensino
fundamental, o equivalente a 7% do total. A grande maioria desses alunos vem da
zona rural e das cidades do interior como foi dito. São alunos que carregam a
carência e o atraso na aprendizagem das disciplinas, que não são qualificados para
o trabalho e que sofrem a humilhação de serem migrantes, desenraizado dos seus
costumes, oriundos das diversas regiões do país. Essa herança, que atinge
gerações, passa a justificar a classe dos inferiores na cor, no socioeconômico, no
político e, conseqüentemente, no ensino aprendizagem.
Outra dimensão dessa história de pobreza dos jovens e adultos é a questão
da mão-de-obra. Muitas vezes ela não passa pela escola. A qualificação mínima,
55
56%
7%
13%
7%
7%
10%
Não alfabetizados
1ª a 2ª rie
3ª a 4ª rie
5ª a 6ª rie
7ª a 8ª rie
Não informaram
exigida pelo modelo capitalista do século XIX, por exemplo, era, sobretudo,
desenvolver atitudes adequadas à nova forma de produzir criada pela Revolução
Industrial. O operário aprendia conforme o ritmo da indústria. A profissionalização
era feita no próprio trabalho. Por isso, a “fábrica foi nos anos de consolidação do
capitalismo, a escola profissionalizante por excelência” (PATTO, 1993, p. 24).
Atualmente, o modelo capitalista está implantando uma nova fase: a chamada
globalização
2
, cuja economia é a de mercado, dentro do sistema político neoliberal.
Essa configuração do capitalismo torna esses jovens e adultos estudantes cada vez
mais excluídos do mercado de trabalho, visto que este exige mão-de-obra cada vez
mais qualificada, capaz de operacionalizar máquinas e tecnologias mais sofisticadas
como a informática e a eletrônica. Resumindo: o mercado de trabalho está cada vez
mais exigente e seletivo.
Nesse novo contexto, a escola noturna não oferece aos alunos essas
condições de formação exigida pelo mercado. E este aluno é tão empobrecido que
está longe de ter acesso a essa nova tecnologia. Em certo sentido, os alunos
também não esperam da escola mudanças em suas vidas, no que se refere à
profissionalização. Quem quer se qualificar melhor busca fazer cursos particulares
ou pertencer a uma empresa que invista em seus empregados. A grande maioria
dos alunos da escola noturna é de subempregados, ou de trabalhadores informais,
como pedreiros, diaristas, descarregadores de cargas no Ceasa, domésticas, babás.
Portanto, eles não vêem possibilidades de mudanças e são descartados deste
2
Globalização, em duas palavras, é a absolutização do econômico em detrimento do social. Segundo
Frigotto (1998, p. 41), “o conceito de globalização se caracteriza por ser um processo heterogêneo no
desenvolvimento do capitalismo e da história das sociedades modernas. Essas grandes mudanças na
composição internacional, como a internacionalização do capital, a economia aberta e a
competitividade, a intensificação de grandes empresas globais e grandes blocos econômicos Nafta,
Alca, Mercosul trazem conseqüências muitas vezes desastrosas aos trabalhadores e ao mercado de
trabalho. Algumas de suas características marcantes são a obsolescência ocupacional, o
desemprego que atinge mais a mão-de-obra desqualificada e leva à informalidade e à precarização
Essa globalização está baseada na terceira revolução industrial, marcada por uma nova base
tecnológica e por novas modalidades de organização e gestão da produção”.
56
mercado excludente, que está, cada dia mais, gerando desemprego. Para que se
tenha a dimensão da exclusão do mercado de trabalho entre esses alunos,
apresenta-se aqui o seguinte dado: no grupo de vinte alunos entrevistados, somente
um tem carteira de trabalho assinada.
No momento, as ações governamentais, embora seja um governo eleito como
popular, têm priorizado o aspecto econômico em detrimento do social como a
educação, a saúde, o emprego, a moradia, e o lazer entre outros aspectos de
cidadania que ainda não foram conquistados pela população. Estes direitos estão
sendo substituídos nos projetos e nos discursos do governo por outros valores como
redução de custos, produtividade para exportação, tecnologia e infra-estrutura. Esse
processo de exclusão faz com que o trabalhador tenha que travar uma verdadeira
luta na concorrência pelo emprego, com milhões de outros trabalhadores que, a
cada momento, são demitidos do mercado de trabalho. O desemprego é um dos
problemas estruturais no capitalismo mundial.
Uma análise mais detalhada dessa realidade mostra que o acréscimo nas
taxas de emprego não recoloca, no mercado, as vagas extintas durante a primeira
metade da década deste novo século. O grande número de ambulantes nas ruas, o
contigente de trabalhadores informais e a rotatividade da mão-de-obra em busca da
sobrevivência, desmentem as estatísticas governamentais do Ministério do Trabalho.
É nessa realidade de desemprego, de subemprego, de falta de distribuição de
renda e de qualificação que vivem os alunos da escola noturna. Eles são sacoleiros,
fazedores de bico, funcionários de fundo de quintal. Isto comprova um dos motivos
que leva o abandono da escola: a busca da sobrevivência cotidiana. A experiência
em sala de aula tem mostrado que a freqüência escolar cai em épocas de festas
como a pecuária, romaria de Trindade, rodeio e outras. Os alunos passam a semana
57
trabalhando, garantido uns trocados para o sustento da família. O mesmo acontece
com os alunos que são pedreiros e serventes, quando conseguem trabalho nas
obras situadas em outros bairros, em cidades do entorno e até em outros estados.
Por motivo de trabalho desaparecem uma, duas, três semanas e, muitos deles, não
voltam mais. Uns por medo de não ser mais aceitos, outros porque decidem não
voltar mais.
Diante desse quadro evidencia-se, na escola noturna atual, aspectos dessas
teorias do fracasso. Apesar da escola ter passado por mudanças em alguns
referenciais, por exemplo, em relação à aprendizagem, a métodos de avaliação e à
compreensão de que as dificuldades das classes populares decorrem de suas
condições de vida, a escola pública ainda é pensada e adequada para o
atendimento de um determinado padrão de aluno e para funcionar durante o período
diurno. Os professores tendem a agir como se estivessem diante de um aluno ideal,
padronizado, ou seja, a escola parte de um modelo abstrato, logo, não sabe lidar
com esses problemas. Ela discrimina os alunos de classe baixa por serem atrasados
em relação à série que cursam; falta-lhe sensibilidade e conhecimento dos fatores
que geram os padrões culturais dos alunos.
Além desses fatores, evidencia-se também na história da educação brasileira
a permanência da descontinuidade nas propostas implantadas pelos governos
federal, estadual e municipal. A educação de adolescentes, jovens e adultos não é
diferente dessa realidade. As propostas são implantadas das variadas formas,
atendendo aos diferentes interesses de seus propositores. É clara a relação entre a
educação de jovens e adultos e os problemas políticos e econômicos: a estrutura
social do país, ideologicamente determinada pelas classes mais favorecidas, marca
sua concepção elitista. As políticas sociais implantadas pelo Brasil, após a crise do
58
capitalismo industrial em 1929, partiram mais de um ângulo exclusivista do trabalho,
que de uma preocupação com o trabalhador em si.
No fim das décadas de 1940 e 1950 foram sendo gestados na sociedade
brasileira a insatisfação e o questionamento com relação à ineficiência das
campanhas, marchas e projetos para a erradicação do analfabetismo. Somadas às
pressões internacionais para a elevação do índice de alfabetização e ao aumento de
iniciativas populares, algumas ações procuram superar os índices provenientes
deste descaso dos governos para com a educação de jovens e adultos. Houve uma
grande motivação vinda dos diversos setores da sociedade civil, na década de 1960,
ligados à igreja, aos partidos de oposição e aos movimentos estudantis
secundaristas e universitários. Estes segmentos da sociedade retomaram as
discussões em torno não apenas da educação de jovens e adultos, mas da defesa
da escola pública em geral. Isto foi importante porque até aquele momento essa
educação ocorria fora dos ambientes escolares, nas casas de famílias, nos locais de
trabalho, nas instituições culturais e religiosas.
O período compreendido entre 1964 - 1984, época do Regime Militar, foram
retiradas de cena as iniciativas populares que buscavam erradicar o analfabetismo
como o Movimento de Educação de Base (MEB), que era um instrumento de
conscientização e transformação da sociedade, e que atuava, principalmente, nas
camadas populares; funcionava, muitas vezes, em espaços cedidos pela Igreja
Católica. Ao mesmo tempo, houve iniciativas do governo com o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (Mobral), que reforçou uma visão utilitarista da escola,
implantando um conceito funcional de alfabetização, ou seja, aprender a ler para ser
útil ao mercado capitalista de trabalho. O Mobral serviu muito mais ao governo como
59
forma de propaganda e gastou o desnecessário, para reduzir em 8% o índice do
analfabetismo total do país, em 19 anos de existência do movimento.
A partir dos anos oitenta, com o discurso da redemocratização do país, em
relação à educação de adolescentes, jovens e adultos, a política que se instaura é
da garantia de acesso à escola àqueles que foram dela excluídos. Porém, este
discurso ainda diverge da realidade e está muito distante do que tem ocorrido nos
estados e municípios.
A educação de Adolescentes, jovens e adultos vem sofrendo ao longo de sua
história o descaso das políticas públicas. Conseqüentemente, não clareza por
parte das secretarias de educação estaduais e municipais no que se refere à
aplicação dos recursos destinados a esta clientela, à especificidade deste
atendimento e à superação das propostas imediatas das campanhas de erradicação
do analfabetismo. As diferentes experiências, que ainda ocorrem no país, têm
alertado para o aumento do número de alunos que deixam a rede pública diurna, em
busca da opção pelo ensino noturno, uma vez que, milhares de adolescentes e
jovens ingressam prematuramente no mercado de trabalho, sem ter concluído o
ciclo básico de escolarização. Esta questão exige uma reflexão mais profunda
dessas mudanças, além da urgência de uma revisão do próprio sistema educacional
e social do país.
A realidade nacional e internacional de hoje tem exigido a necessidade de
uma política permanente e bem definida de educação de jovens e adultos e que não
se limite apenas à superação do analfabetismo. Além de pessoas que lêem e
escrevem, o mundo está cada vez mais a exigir pessoas que pensem os processos
de mudanças pelos quais passam, para que possam ser sujeitos críticos de sua
aprendizagem e não apenas tecnicamente capacitados para responderem às
60
exigências deste mundo globalizado. É necessário uma educação que respeite os
indivíduos e o seu direito de ser agente de sua própria história.
O fracasso escolar de adolescentes, jovens e adultos passa por preconceitos
e estereótipos ligados ao mundo rural e ao urbano. Isto ocorre à migração, às
desigualdades sociais e culturais, à desqualificação de uma política educacional
marcada pela descontinuidade. Faz-se urgente uma transformação da educação
para esse público.
Nesse sentido, o sujeito dessa pesquisa traz o estigma de fracassado, de
excluído na sociedade e na escola. Mas é um grupo que não perdeu a esperança de
tudo. Por isso, a mediação forte da religião nas dificuldades do cotidiano. Esses
alunos carregam consigo o famoso ditado ‘Deus tarda, mas não falha’. Essa é a
realidade de milhares de brasileiros.
2.3 A Voz do Aluno sobre a Escola Noturna
Na realidade, é o aluno quem pode dizer melhor, o que representa a escola
para ele. Ele é o sujeito no qual reflete se toda a ação pedagógica. Sua fala aos
professores a direção do ensino aprendizagem e também a ressonância das
atividades desenvolvidas pela escola. Foi com essa intenção que a estes alunos
foram indagados sobre a escola. E a primeira resposta sugere idéias
pedagógicas: “acho que escola precisa pôr os alunos para ler mais”; “a escola está
muito boa, maravilhosa, porque a gente aprende e entende os nossos direitos”; “a
escola é legal e participativa”; “a escola me ajuda a conhecer mais pessoas e fazer
mais amigos”. Observa-se que aparece, nessas falas, o senso de cidadania, de
61
participação, de desejo de aprender mais. A escola é lugar de integração, um
espaço coletivo e, por isso, socializador.
A escola noturna tem despertado positivamente o gosto pelo aprender, pela
continuidade é o que demonstram estas falas:
É uma escola muito boa, se soubesse que era assim teria começado a
mais tempo; acho muito bom, quero aprender. Tive muita dificuldade em
escrever, eu só sabia ler. Eu achava muito ruim. Às vezes tinha que pedir ao
meu marido para fazer as coisas para mim. Não entrava as palavras na
minha cabeça. Hoje estou conseguindo. Eu quero estudar, não digo que
vou me formar, mas quero ir até onde der, vou continuar.
Outro aspecto fortemente salientado nessas falas ainda é a relação escola-
trabalho, ela é vista como chance de mudança de vida, de oportunidade de sonhar
com o futuro, com uma profissão melhor. Os alunos esperam da escola “encontrar
um emprego melhor, um futuro melhor”. É o que mostra a experiência desse
educando: “eu passei a ser conferente no Ceasa depois que entrei na escola. Esse
ano comecei a aprender a escrever o nome das pessoas, anotar as caixas que
saem, que entram, que não voltam”; outro deseja “terminar a 4ª série e fazer o curso
de enfermagem”; espero chegar até a faculdade e formar em direito”; “ter um bom
trabalho”. Alguns são mais modestos e entregam o destino para Deus, como se
fosse o único interlocutor: “se Deus me der vida eu quero chegar até a 8ª série. Deus
é quem sabe”. Outros querem conquistar a independência “pela minha idade, 36
anos, se eu fizer até a 3ª, série, se eu tiver a chance de estudar mais tudo bem,
se não, de saber ler, escrever e não ter que ficar pedindo ajuda para as pessoas
tá bom. Acho assim, a pessoa que não sabe ler e escrever é tipo um inválido” .
Um segundo aspecto positivo, de melhora, levantado pelos alunos, é o
reconhecimento conferido à escola que oferece muitas coisas boas, sua função é
62
servir à vida cotidiana. Para eles a Escola Professora Marília Carneiro, na qual
estudam, oferece “vida melhor, aprendizagem, oportunidade para a vida,
professores qualificados, um futuro melhor, ajuda a gente a ser educado”. Alguns
lamentam o tempo perdido dizendo que “a escola oferece coisas que eu não
pensava, coisas boas que eu perdi, se antes eu tivesse aqui”.
Foi-lhes perguntado se a religião os ajuda a compreender as explicações
dadas pela professora? Todas as repostas dos estudantes foram unânimes em dizer
que sim. Para uns, ajuda “na tranqüilidade e na paz eu aprendo mais”; “pra gente
que acredita em Deus o ensino flui”. Enquanto que para outros, o material da igreja
como “o jornal da missa me ajuda a ler melhor”; “nós podemos tudo. A leitura da
Bíblia ajuda a entender os textos da escola”. Alguns conseguem compreender as
duas dimensões: “foi na escola que aprendi a participar melhor na igreja, abrir a
bíblia e achar os livros certos, os capítulos, os versículos”. Ainda na mesma idéia, “a
escola ajuda em meus estudos da Bíblia”.
Porém, no diálogo durante as entrevistas, os educandos deixam claro a
diferença de uma instituição para outra. A escola oferece muita coisa boa como a “o
saber e a educação” [Quem oferece mais a escola ou a igreja?] “As duas oferecem
coisas boas, mas a escola oferece coisas diferentes”. [O que a escola oferece de
diferente?] De forma muito efetiva, um dos alunos entrevistados responde: mulher,
festa e passeio. Foi lembrado o lazer, socialização integrada desenvolvida pela
escola e muitas vezes ausente na vida desses educandos. A fala seguinte: “a gente
aprende a viver não na igreja, para ter uma vida melhor”, mostra que os
educandos delimitam o espaço entre a escola e a igreja. A diferença está oculta,
porém, pressentida no terreno do profano e do sagrado, conforme explicar-se-á
posteriormente.
63
Ao ouvir os educandos do ensino noturno nessa nova perspectiva das ações
educativas percebe-se como esses estudantes vêem a escola e se sentem
envolvidos nela. O que possibilita aos educadores e a própria SME, órgão gestor,
avaliarem o processo educacional.
64
CAPÍTULO 3
A CENTRALIDADE DA RELIGIÃO NA VIDA DOS ALUNOS
[...] a função própria da religião consiste em
impregnar de luz toda a vida, sem dominar de
nenhuma forma.
(Simone Weil)
O objetivo desse capítulo é analisar e compreender e analisar a influência da
religião na formação de valores e de vínculos sociais e individuais na vida dos
alunos de a séries do ensino noturno do Eaja, a proposta central desse
trabalho.
A pesquisa de campo, realizada para este fim, suporte para identificar
quem é este aluno, quais suas práticas cotidianas e crenças religiosas. Como
referencial tem-se os principais teóricos: Ribeiro (1980), que trata da formação do
povo brasileiro e seu contexto de colonização; Weil (2001) enriquece essa
abordagem estudada por Ribeiro, tratando a questão do desenraizamento causado
pela migração e por processos de conquistas de territórios. Bittencourt Filho (2003)
65
contribui com sua obra Matriz Religiosa Brasileira, quando busca as origens
religiosas dos alunos, no processo histórico, colonizador do país. Camargo (1973) e
Gutierrez (1996), contribuem com a reflexão sobre a Reforma Protestante e o novo
cenário religioso plural do Brasil. Trabalhou-se ainda com as obras de Gohn (2003),
que faz uma análise dos movimentos sociais na atualidade; Com Camargo (1971b) e
com Maduro (1981), que estabelecem um parâmetro da influência e diferenças entre
o catolicismo rural e o mundo urbano e moderno; na sociedade dividida em classes.
No perfil dos agentes religiosos, descreve-se as observações do ponto de vista dos
discursos, das doutrinas das igrejas freqüentadas pelos estudantes e as suas
possíveis influências, a analisa-se as ações dessas igrejas a partir de Bosi (1999).
3.1 A Formação do Povo Brasileiro e o Desenraizamento dos Alunos
É importante contextualizar a origem do povo brasileiro e observar em que
processo civilizatório ele foi gestado para, posteriormente, analisar a influência das
matrizes religiosas dentro deste processo. De modo especial, o interesse desta
pesquisa é focar essa influência sobre os alunos jovens e adultos trabalhadores do
ensino noturno, principalmente, no que se refere à participação religiosa do grupo
citado.
O referencial para essa análise é a obra de Darcy Ribeiro (1980), Os
brasileiros. Segundo esse autor, os processos civilizatórios-mercantis-salvacionistas
implantaram colônias escravistas nas Américas.
O processo civilizatório sobre as etnias em expansão deu-se por um
movimento de aceleração evolutiva que produziu duas vertentes: uma, por meio da
qual o povo cresceu preservando sua autonomia, conduzindo seu próprio destino; a
66
outra é o caso dos povos "alcançados" por essas expansões; nesta última, este
processo aconteceu de forma diferente. Ele foi um movimento de incorporação
histórica, que colocou certos povos sob o domínio de um "centro reitor" (RIBEIRO,
1980, p. 43) que os fez passar para uma outra etapa evolutiva, contudo, a perda de
sua autonomia, convertendo-os em proletariado externo de outros povos, ou seja,
como provedores de força de trabalho, produtores destinados a promover a
prosperidade alheia.
Dentro dos esquemas evolutivos, o Brasil do passado e do presente pode ser
classificado tanto como uma formação escravista, como feudal ou capitalista.
Enquanto a Península Ibérica do século XV classifica-se como feudal, capitalista e
até escravista.
De acordo com esses fatores, Ribeiro (1980, p. 48) fala que "o Brasil surge
como formação colonial-escravista subordinado a um império mercantil-
salvacionista”. Essa realidade é demonstrada pelo atraso dos povos-novos das
Américas e de modo especial o do Brasil, no que se refere ao processo de
institucionalização de fazendas e pela escravidão dentro de movimentos de
colonização que se exerciam sobre as populações de modelo tribal. Os
desempenhos advindos tanto da civilização agrário-mercantil como na urbano-
industrial foram contraditórios. Ontem como hoje, criaram-se empresas prósperas,
mas não acessíveis à população nem capazes de permitir o crescimento econômico-
social, porque transferem ao exterior a parte maior do fruto do trabalho nacional.
Esse processo, conseqüentemente, gera uma estratificação social encabeçada por
uma classe que Ribeiro (1980, p. 73) chama de "dominante consular porque é
dependente de interesses exógenos, retrógrada, oposta a qualquer transformação
profunda na estrutura socioeconômica". Por isso, as classes oprimidas de ontem
67
viveram na penúria como escravas e hoje vivem marginalizadas da força de trabalho
normal.
Nessas condições, os povos-novos, aos quais pertencem os brasileiros, nem
chegam a constituir-se em povo como categoria política, como sujeitos capazes de
influir no próprio destino, integrados à civilização industrial; sempre estão imersos
numa condição de atraso social e de dependência neocolonial; de preconceito racial
nos graus de integração e participação na sociedade e na cultura nacional. Ribeiro
(1980, p. 75), explica esta situação:
aqueles que não estando incorporados ao sistema produtivo moderno, não
chegam a ser assalariados regulares, pouco produzem para o mercado e
quase nada consomem. Ademais, estão excluídos da nação porque não
participam da vida política, como analfabetos, não são eleitores e, quando
alfabetizados e eleitores estão de tal modo submetidos ao despotismo
patronal que não alcançam ser cidadãos de uma pátria.
A partir das disparidades histórico-culturais pode-se compreender que o povo
não é considerado nação. Esse é um direito de uma minoria diferenciada e oposta
ao povo-massa. Essa diferença fundamental mostra os impedimentos à ascensão
social das classes subalternas como as indígenas que de povos dominados
passaram à condição de etnias avassaladas, e a africana que sofreu as formas mais
opressivas de escravidão e passou à condição de trabalhadores livres. O atraso e o
subdesenvolvimento dos povos-novos é explicável, por um lado, pela estratificação
social de ordem sociopolítica e, por outro, pelo que evidencia os conteúdos
ideológicos responsáveis pelo caráter cultural.
Nesta mesma linha, o pensamento de Weil (2001) vem ao encontro do de
Ribeiro, quando ela se refere ao desenraizamento das nações conquistadas. Estas
"desenraízam em grande medida, pois hora assimila, retira, recebe pedaços de
68
cultura" (WEIL, 2001, p. 93). Em conseqüência, é mais uma doença da qual a
humanidade sofre, pois o desenraizamento geográfico provoca nas coletividades o
deslocamento territorial; este pode se dar entre cidades, bairros ou conjunto de
vilarejos, províncias ou regiões. Isso acarreta a perda de sentido dessas
coletividades.
Na realidade brasileira, isto ocorre em suas diversas regiões. Em Goiás, no
município de Goiânia, essa situação é bem concreta para os alunos do ensino
noturno. Eles saem do campo para a cidade, migram de um bairro para outro, de
uma região para outra.
Gráfico 6: Procedência dos Alunos
Fonte: a autora, com base na pesquisa de campo.
Pela procedência dos alunos (Gráfico 6) vê-se o grau da migração no país.
Ela ocorre entre as regiões, sobretudo, a do nordeste que soma 58%, mas também
do interior do estado de Goiás para a capital 32%. É oportuno lembrar, lembrando
ainda, que 65% dessa migração tem origem rural. Este dado mostra que o grupo de
alunos, seus descendentes e antepassados, como foi citado anteriormente, não
tiveram e não têm pátria; não têm um lugar definido e muito menos cidadania. Com
relação a isto, Weil (2001, p. 93) alerta que
69
35%
10%
30%
10%
5%
5%
5%
Interior de Goiás
Gonia
Bahia
Piauí
Ceará
Maranhão
Minas Gerais
somente a nação desempenha o papel que constitui por excelência a
missão da coletividade para com o ser humano, a saber, assegurar através
do presente uma ligação entre o passado e o futuro.
A partir dos dados apresentados pode-se afirmar que o grupo de alunos
pesquisados não tem nação porque são desenraizados. Isso tem dificultado que se
organizem, participem em movimentos sociais, e que mantenham sua permanência
na escola para que possam conseguir ascensão social com uma nova vida na
cidade. Portanto, ter uma pátria, como lugar delimitado, é fundamental na vida dos
seres humanos em suas instituições socializadoras. Weil (2001, p. 96) analisa que
“não haverá um movimento operário saudável se ele não encontrar à sua disposição
uma doutrina designando à noção de pátria, e um lugar determinado".
Ribeiro (1980, p.77) relata ainda que
em nenhum momento no curso do processo de colonização, o contigente
envolvido na produção constitui uma comunidade para si, com aspirações
próprias. Constituem sim o combustível humano em forma de energia
muscular destinado a ser consumido para gerar lucros mercantis
exportáveis.
O atraso a que foi submetido o povo brasileiro dificultou a formulação e a
participação em projetos próprios que viabilizassem novas formas de organização
social. Sabe-se que houve, na história brasileira iniciativas de movimentos sociais,
mas estes eram, muitas vezes, de intelectuais e não englobava as massas.
É no contexto das configurações histórico-culturais que cada um dos povos
atingidos pelas diferentes ondas de expansão e conquista se viram reduzidos, no
plano socioeconômico, a proletariado externo. Assim foi também no plano ético-
70
cultural; esses povos experimentaram profundas alterações resultadas da junção
conflitiva entre seu patrimônio de tradições culturais, e o dos colonizadores. É
importante reafirmar que entre as massas marginalizadas estão, principalmente, os
povos indígenas, que são tidos como povos-testemunhas, e os de origem africana,
que formaram os povos-novos.
Dentre as quatro configurações de povos citadas por Ribeiro (1980) estão os
povos-transplantados, os povos-testemunhas, os povos-novos e os povos
emergentes. O Brasil é incluído por ele entre os povos-novos, ao lado da Venezuela,
da Colômbia, do Chile e do Paraguai. O Brasil distingue-se como tal, devido a sua
origem de junção de matrizes étnicas diferenciadas: a indígena de modelo tribal, o
colonizador ibérico e o escravo africano. Tudo isso de forma imposta por interesses
de empreendimentos coloniais escravistas, seguida da desculturação dessas
matrizes, em detrimento racial de seus continentes e de sua aculturação
incorporadas em novas etnias. O que Ribeiro (1980, p. 70) traduz como
"característica distintiva é a de uma espécie nova no plano ético, não é indígena,
nem africana e nem européia, mas inteiramente de todas elas".
Essa vertente é contrária a dos povos-transplantados que conservam o perfil
europeu e a dos povos-testemunhas das Américas que conduzem dentro de si as
duas tradições originais sem conseguir fundi-las. Os povos-novos, segundo o
pensamento de Ribeiro (1980, p. 70), "concluíram sua auto-edificação étnica, no
sentido de que não estão presos a qualquer tradição do passado". Essa questão
pode ser percebida na resposta do aluno, cuja idade é 55 anos, quando lhe foi
perguntado porque estava mudando de religião; o aluno respondeu:
porque a gente está procurando uma melhoria, a gente tem que procurar
uma religião. Quer dizer religião não salva, mas a gente tem que procurar
71
uma solução. [Que solução o senhor está procurando?] Crer em Deus
primeiramente. [Na igreja católica também não tem que crer?] Sim, como eu
te falei eu não sei muito bem se sou um crente, mas quando o coração pedir
para ir naquela igreja eu vou. As vezes, estou na Assembléia de Deus, no
Residencial onde eu moro; quando é no domingo vou em cima no
Guanabara I, na Universal.
A religião aparece nos depoimentos dos sujeitos pesquisados como elemento
de suporte, no sentido de não deixá-los desmoronar enquanto seres humanos e
assim mantém neles a confiança e a esperança no futuro.
Os povos-novos são povos em disponibilidade, uma vez que, separados de
suas matrizes, são abertos ao novo, como gente que só tem o futuro e só conta com
ele, ou seja, conta com a sua liberdade interior de ir e vir. Na procura da solução
acontece esse trânsito religioso que aparece de modo pendente na participação
religiosa. Tanto faz ir à Igreja Assembléia, à Católica ou à Universal. Na realidade,
tem-se aí a edificação étnica de que fala Ribeiro. Contudo, ao migrar para a cidade e
desenraizado de seus costumes, este aluno pode ter perdido a sua identidade
religiosa. Aqui os problemas são outros, a busca por melhorias também.
Conforme Ribeiro (1980), os povos-novos são produto da expansão colonial
européia que se juntou, por ato de vontade, às matrizes que os formaram, embora o
objetivo fosse apenas criar empresas produtoras de artigos exportáveis para seus
mercadores e gerar lucros empresariais. Com essa intencionalidade, vilas foram
instituídas através de títulos de novas terras e suas primeiras cidades fundadas por
ordens expressas. Ainda hoje, cidades e continuam sendo criadas artificialmente,
além de serem regidas em sua vida econômica, social, política, religiosa e espiritual
pela vontade estatal nela representada.
Segundo Ribeiro (1980), o atraso e o subdesenvolvimento dos povos-novos
são explicáveis pela estratificação social de ordem sociopolítica, na qual o que se
72
evidencia é o papel dos conteúdos ideológicos responsáveis pelo seu caráter
cultural. Isso se pela manutenção intencional do empreendimento colonial, que
permitiu montar uma enorme estrutura militar, governativa e eclesiástica para reger a
vida social em cada detalhe. Tudo isso para, em primeiro lugar, defender a
prosperidade da colônia em usufruto da metrópole e, em segundo, mas como
fundamental coluna do sistema, para criar na sociedade metropolitana a lealdade
ideológica católico-missionária. Por tudo o que foi dito, tratar da matriz religiosa
engendrada no imaginário brasileiro é imprescindível.
A configuração cultural dos povos-novos deu-se conforme a contribuição de
cada agente formador: os indígenas contribuíram na qualidade de matriz genética e
de agente cultural na transmissão de sua experiência milenar de adaptação
ecológica às terras recém-conquistadas; o negro também com a matriz genética,
mas, principalmente, com a força de trabalho geradora dos bens e das riquezas
produzidas; o branco foi o promotor da colonização e multiplicador das instituições
socializadoras da vida social, foi agente da expansão cultural nas Américas, como
réplicas de suas nações de origem. Entre essas instituições está a religiosa: a igreja.
3.2 A Matriz Religiosa Brasileira e suas Influências
Para que se compreenda melhor o fenômeno religioso que ocorre no Brasil, e
do qual os alunos desta pesquisa fazem parte, parte-se do princípio de que nesse
país continente não existe apenas uma matriz religiosa, mas várias, e elas se
encontram engendradas no imaginário do povo, em conseqüência de sua
configuração cultural e étnica. A intenção desta pesquisa é perceber a influência, os
73
laços dessas matrizes que cercam a participação religiosa dos alunos do ensino
noturno.
Para abordar esse tema, faz-se necessário aproximar-se de um certo conceito
de matriz religiosa a fim de delinear o caminho a seguir. Pode-se definir matriz
religiosa como estilos de espiritualidade, condutas religiosas uniformes que
evidenciam a presença influente de um substrato religioso-cultural (BITTENCOURT
FILHO, 2003). Porém, não se entende matriz religiosa somente como sendo um
conceito, mas como uma rede de integração de idéias e símbolos religiosos
produzidos ao longo dos séculos. Segundo Bittencourt Filho (2003, p. 41), “Matriz
Religiosa não se trata de uma categoria de definição, mas de um objeto de estudo”.
Desta forma, acredita-se que para abordar as matrizes religiosas que se fazem
presentes no Brasil, faz-se necessário um recuo na história.
A igreja chegou à América sob as bases do espírito das cruzadas que unia os
interesses políticos aos religiosos através do poder dos reis ibéricos e do direito do
padroado régio. Assim os reis católicos, por ordem do papa, tinham o direito de
administrar as terras descobertas e também as relações de dos cristãos e infiéis,
ou seja, a empresa colonial sempre foi acompanhada pela igreja. É nesse contexto
histórico e particular da Europa e do papado que a igreja chega ao Brasil para
evangelizar, fazendo parte integrante do Estado Português. Esse fato trouxe
conseqüências conflituosas, que ainda não estão resolvidas, como a questão: a
igreja e o catolicismo estão a serviço de quem?
Esse processo de integração de símbolos religiosos e de idéias, que se deu
secularmente, gestou a mentalidade religiosa brasileira, bem como a de muitos
outros países da América Latina. Gerou também uma representação coletiva que
perpassa todas as classes sociais, sem distinção. Sabe-se que tal processo se
74
pelo contato entre as diferentes culturas. No caso do Brasil, os estudiosos falam de
seis matrizes que aqui se desenvolveram ao longo desse processo. É a partir,
portanto, dessa realidade de colonização que se a origem de todas essas
matrizes.
O descobrimento da América e nela o do Brasil, segundo Galeano (1987), se
deram pela tradição militar de guerras de cruzadas, no estilo medieval, e pela
presença da Igreja Católica que dava caráter sagrado às conquistas do além mar. A
expansão do reino de Castela ampliava o reino de Deus sobre a terra, mas não
deixava esquecida a doutrina religiosa que era “servir a Deus e a sua Majestade na
conquista do ouro e da prata” (GALEANO,1987, 25 -24).
Nesta linha, cabe perguntar: Quais elementos somaram-se na formação
dessa primeira matriz? Segundo a história nacional, foi com a vinda dos
colonizadores portugueses e espanhóis que chegaram o catolicismo ibérico e a
magia européia. Chegaram famílias de fidalgos falidas e pobres famílias de colonos
excluídas socialmente. Essas famílias trouxeram a religião tradicional popular de
cunho medieval. Aqui no Brasil e nos demais países da América Latina, essa
religiosidade européia encontrou-se com as religiões dos povos indígenas; iniciava
ali o processo de entrelaçamento. Mais tarde, o encontro se deu com as religiões
africanas, chegadas à colônia devido à escravidão. Tais encontros deram origem ao
processo de sincretismo religioso; e este se tornou a segunda matriz religiosa.
Ainda configurando esses elementos é preciso lembrar que grande parte da
população da Europa, no século XVI, era analfabeta. Por esse motivo, a religião das
massas era permeada por uma visão mítica do mundo e por elementos folclóricos,
originados da magia medieval. Isto ocorria porque a maioria da população européia,
75
dessa época, vivia no campo. Isso sinaliza que as religiões, tanto primitivas como as
atuais, são dotadas de poderes sobrenaturais.
Nesta perspectiva não é difícil perceber que a rede dos costumes foi sendo
tecida pelos colonizadores e colonizados, mantendo-se a proximidade com o mundo
mítico. Por exemplo, a presença, nas religiões, da magia popular e da cura. Para
tudo se exigiam técnica e rituais, jejum e oração; essas técnicas vieram dos
europeus portugueses, enquanto a cura era um elemento oriundo da magia, cuja
função mágica era desempenhada pelos curandeiros e curandeiras e esses, aqui no
Brasil, eram índios e negros.
O processo de colonização mostra esse imaginário que veio para o Mundo
Novo através dos colonizadores. A América Latina e mais especificamente o Brasil
foram vistos como um paraíso, repleto de belezas naturais, contudo, era visto
também como lugar de sofrimento, expiação e dificuldades.
Durante os três primeiros séculos de ocupação, o Brasil colônia foi
mentalizado tanto no imaginário europeu quanto no brasileiro como uma terra de
natureza paradisíaca, porém, habitada por entes demoníacos, era uma espécie de
purgatório. Foi justamente neste período que as tradições se fundiram: europeus,
ameríndios e africanos. Portanto, a prática religiosa colonial ocorria entrelaçada de
elementos católico-europeus, africanos e indígenas.
Dessa forma, a ‘matriz religiosa brasileira’ pode ser considerada o resultado
inerente do encontro de culturas e mundividências, ou seja, essa matriz é composta
de duas grandes concepções religiosas: “uma que sacralizava o ambiente natural e
as forças espirituais a ele subjacentes; outra que ressaltava símbolos religiosos
abstratos e transcendentais”, diz Bittencourt Filho, (2003, p. 49). Em função do
exposto, reafirma-se que não se pode trabalhar com uma única matriz religiosa e
76
desconsiderar as demais, sobretudo, para se compreender as novas vertentes
religiosas que têm surgido no momento.
Na visão do autor acima, os índios e os negros não encontraram dificuldades
de adaptação à nova forma de religiosidade, quando foram incorporados ao
catolicismo ibérico de raiz medieval. Isso porque tanto para os indígenas como para
os africanos, as forças da natureza eram provenientes de espíritos superiores que
eram personagens míticas. Assim, essas duas etnias concebiam uma ligação direta
entre o ser humano (mundo natural) e suas crenças (mundo espiritual). Exemplo do
que foi dito pode ser encontrado na sociedade colonial em cujas festas religiosas ou
em cultos apareciam elementos dos ancestrais ligados às forças da natureza. Tais
cultos funcionavam como forma de coesão social entre os grupos.
Em relação à ideologia da cristandade tem-se clara a afirmação do padre
Gregório Garcia, proferida no século XVII. Ele “sustentava que os índios eram de
ascendência judaica e como os judeus, são preguiçosos, não crêem nos milagres de
Jesus Cristo e não são gratos aos espanhóis por todo o bem que lhes fizeram”
(GALEANO, 1987, p. 53). A não submissão dos povos indígenas à catequese,
engendrou não uma matriz religiosa como também uma imposição de rótulos a
esse grupo e a essa cultura. Tais rótulos vêm até os dias atuais. Conforme Bidegain
(1993, p. 65),
a união da conquista e missão, a mentalidade com que será feita a
colonização e a evangelização dos territórios estará assinalada pelo
interesse de se produzir um aumento de adeptos da religião católica, uma
pregação do evangelho no sentido de doutrina em função da salvação das
almas; a redução dos índios, sujeitando-os á conversão e ao poder real.
77
A primeira matriz é tecida pelos elementos padroado régio, inquisição e pela
ideologia de cristandade. A segunda dá-se no encontro da religião católica européia
e a cultura indígena. A cultura africana, na história brasileira, é considerada a
terceira matriz; é formada pelo catolicismo tradicional (europeu), pela religiosidade
dos índios e pelos africanos imigrantes forçadas. Essas matrizes são formadas pelos
contatos inter-étnicos e culturais entre os povos indígenas, brancos e negros
concretizando-se no sincretismo do catolicismo e religiões afros.
Toda essa relação intercultural tem um significado familiar e coletivo, é a
busca privilegiada na qual os afro-brasileiros se esforçam por reencontrar a
identidade perdida da África e superar a opressão econômica e social que começou
com a escravidão e prossegue até hoje.
Uma comparação entre as práticas religiosas afro-brasileira mostra a força da
africanidade. A organização de suas confrarias e a estrutura das cerimônias atestam
que se encontra diante dessa civilização do símbolo que é a especificidade das
religiões africanas, em oposição às civilizações do signo, próprios do mundo
ocidental moderno. O sonho do africano escravo era voltar à terra onde o sentido
das coisas e dos acontecimentos não foram abalados; ao seu próprio universo
simbólico, à África perdida. Nesse sonho, novamente presente, os antepassados
reaparecem e recompõem a história.
Essa conclusão confirma que o grande sincretismo, gerado ao longo da
história do Brasil e em todo o Mundo Novo, resultou, em primeiro lugar, das relações
do sistema colonial, e em segundo, do encontro das culturas. Dos confrontos dos
sistemas simbólicos e religiosos entre pessoas e grupos foi que surgiram novas
perspectivas e identidades. Segundo Bittencourt Filho (2003, p. 53),
78
tal peculiaridade, ao lado da formação de uma nova cristandade composta
de índios, negros e mulatos, conferiu ao catolicismo brasileiro
características diferentes, além de margens a exercícios autônomo de
grande criatividade.
3.3 A Reforma Protestante e o Pluralismo Religioso
A quarta matriz é formada pelos elementos: catolicismo, religiosidade
indígena e negra mais a Reforma Protestante no Brasil e também pela influência
kardecista. É importante tratar da Reforma porque esta traz componentes novos ao
cenário religioso vivido no Brasil, um dos países considerado mais católico da
América do Sul. No entanto, é necessária uma visão do protestantismo inglês, para
que se compreenda o norte-americano e, posteriormente, o brasileiro.
A Reforma foi um movimento que teve bases religiosas, políticas, econômicas
e sociais, ou seja, a ela saiu do campo das etnias. O que a Reforma tem em comum
com o catolicismo é o cristianismo. Até 1500, o mundo ocidental era católico, com
subgrupos que desejavam reformas, como os albingenses, os valdeses e outros.
Lutero (1483-1546) teve um papel importante nesse movimento, ele pregava
a base da reforma com sua suma teológica ‘só a fé salva’. Era contra a cobrança de
dízimos e a posse de terras pela igreja, na Inglaterra e na Alemanha e contra a
questão do poder temporal, fatores que facilitaram a propagação da Reforma.
Calvino, idealizador da reforma na França e Suíça agregou outra sentença à
doutrina de Lutero: a “salvação era dada pela graça, pela predestinação”
(MENDONÇA, 1984, p. 30), influenciando o comportamento ético da Reforma.
Entre 1509 -1547, por questões políticas, Henrique III criou o anglicanismo, na
Inglaterra, separando-se da Igreja Romana. A força da Igreja Anglicana, apoiada
79
pelo Estado como a oficial e o crescente poderio econômico e político fizeram da
Inglaterra o berço do protestantismo no mundo.
A Igreja Católica Apostólica Romana reagiu com a Contra-Reforma criando a
companhia dos Jesuítas. O panorama da Europa era de uma guerra santa, por isso
os países europeus investiram nas conquistas. Após a guerra, a Inglaterra, a
Holanda e a França colonizaram o Caribe.
A América Latina estava sendo ocupada por países católicos que não
queriam a guerra. Índios e negros tinham que ser batizados e os judeus,
convertidos. Foi nesse contexto que a Reforma chegou às Américas. No Brasil, ela
chegou com as imigrações a partir de 1800.
Em 1830, os principais grupos religiosos vindos da Europa para os Estados
Unidos através das migrações, foram os metodistas, os luteranos, os calvinistas, os
anglicanos, os batistas e os presbiterianos.
Além da Reforma, fazem parte dessa matriz as religiões mediúnicas que
datam da mesma época. Camargo (1973) usa o termo religiões mediúnicas; isto
porque ele leva em consideração todas as formas religiosas que acreditam na
possibilidade de o homem entrar em contato com os seus mortos. Não se esquecer
de que não é o espiritismo, que tem essa crença, as religiões ameríndias e afros
também usam desses atributos seja na pajelança ou na umbanda.
O início da história do Kardecismo e de seus fenômenos ocorreu em 1848,
numa pequena cidade do estado de Nova Iorque, Hydesville, USA, com as duas
irmãs Fox. Elas movimentaram copos e outros objetos numa mesa. Logo após, o
fenômeno difundiu-se pela Inglaterra e França. Em 1857, o então Dr Hypolite,
conhecido por Alan Kardec, publicou em Paris o Livro dos Espíritos. No Brasil, os
80
primeiros grupos surgiram na Bahia, entre 1865 1874 e no Rio de Janeiro, em
1873. A Federação Espírita Brasileira data de 1884.
Nas outras regiões do país surgiram outras expressões religiosas: ao Norte e
no Maranhão o catimbó, tambor de minas e o codó; em Pernambuco o xangô; na
Bahia o candomblé; no Rio e São Paulo a umbanda e a macumba; no Rio Grande
do Sul, o batuque.
A doutrina espírita diz que Deus é a inteligência suprema, eterno, único,
imaterial, justo e bom; deve ser infinito em suas perfeições. Jesus Cristo é um
espírito evoluído através de suas várias reencarnações.
O ritual dos espíritas são sessões de transe. Os espíritos que são guias
ajudam e são do amor. Há outros que podem perturbar e desorientar os fiéis, são os
espíritos menos evoluídos. A maior virtude, para os espíritas, é a caridade.
A partir desses elementos surge o pentecostalismo no panorama brasileiro. O
pentecostalismo que se constituiu no Brasil foi formado pelo Catolicismo, pelos
ameríndios, pelos negros e pela Reforma Protestante.
Para compreender o movimento pentecostal do século XX, na América Latina
e no Brasil, é preciso ter claro o seu caráter mundial, sua dinâmica própria, porém
com as marcas teológicas da Inglaterra e dos Estados Unidos, principalmente do
metodismo; é necessário também, fazer uma contextualização periódica do
movimento. De 1909 a 1929, deu-se o início e inserção do pentecostalismo crioulo e
do pentecostalismo missionário; de 1930 a 1960, ocorreu a estabilização e
consolidação comum e um crescimento relativo de ambos; de 1960 a 1992, houve
crescimento e diversificação dos movimentos heréticos e o pentecostalismo de cura
divina e de prosperidade. Tudo isso, hoje, resulta em um tabuleiro diversificado de
igrejas em todas a grandes cidades brasileiras.
81
O pentecostalismo crioulo teve sua origem nas igrejas históricas, e suas
raízes vieram da cultura popular católica. É independente de missão estrangeira, e
tem pastoral autóctone, enquanto o pentecostalismo missionário, oriundo dos
Estados Unidos e da Europa, é organizado de forma burocrática, dependente dos
padrões estrangeiros.
Os movimentos pentecostais heréticos nasceram das igrejas crioulas. Estes
têm fortes padrões messiânicos, são organizados em cooperativas comunitárias e
conduzidos por um líder carismático.
o pentecostalismo de cura divina e prosperidade surgiu de dissidências ou
alternativas às igrejas crioulas. Possui fortes modelos messiânicos, de estrutura
empresarial e é dependente do herói carismático e empresarial. Por exemplo, a
igreja Universal do Reino de Deus.
No Brasil, assim como em outros países da América Latina, o contexto do
pentecostalismo teve uma relação estreita com o regime militar. Foi neste período
que esse tipo de religiosidade mais se expandiu; era uma das formas que os
cidadãos, naquela época, tinham para se expressarem. Mas poucos estudiosos da
época deram importância ao movimento pentecostal.
No entanto, tal movimento é um desafio para as igrejas protestantes
históricas. Em relação aos números desses pentecostais, na América Latina,
certo consenso de que sejam em torno de 70% a 80% dos evangélicos. Esse tipo de
pentecostalismo é o da chamada quarta corrente evangélica, originou a partir da
segunda metade do século XIX e começo do século XX.
Segundo Gutiérrez (1996, p. 11-13), a primeira corrente é chamada de
protestantismo de imigração. Essa corrente foi motivada por alguns líderes políticos,
representantes da economia de livre mercado.
82
O modelo das igrejas de imigração européia caracterizam-se como uma igreja
étnica, religiosa, definida, de imigrantes. Nisto, elas enfatizam a ordem cultural da
vida, fazem uma interpretação aberta da Bíblia, exigem um pastoreio de alto padrão,
além de se organizarem em democracia representativa, assegurando a identidade
do imigrante. Seguem a estrutura organizacional dos povos-transplantados.
A segunda corrente foi formada por missionários, principalmente, dos Estados
Unidos. Esse modelo recebeu o apoio dos governantes latino-americanos para
desenvolver o campo educacional nos diversos países, desse continente baseia-se
no trabalho e na disciplina. Comparada à igreja de imigração, cuja função era
preservar a identidade étnica e cultural dos seus países, a igreja de missão tinha o
propósito de fundar igrejas como resultado do trabalho missionário.
A terceira corrente chamada de missões de , foi constituída pelos cristãos
que discordavam das igrejas históricas e formaram as sociedades internacionais
como a Missão Internacional Centro-Americana, Aliança Cristã, União Evangélica da
América do Sul e outras. O maior êxito dessa corrente ocorreu após a II Guerra
Mundial.
A quarta e última corrente é a que está em evidência na atualidade, ou seja,
houve o crescimento e uma maior influência dos pentecostais evangélicos.
Distinguem-se aqui as principais denominações: Assembléia de Deus, oriunda do o
pentecostalismo missionário e o pentecostalismo crioulo, frutos de pastores e leigos
nativos; a Metodista do Chile, a Igreja para Cristo no Brasil e a atual Congregação
Cristã no Brasil.
Na perspectiva sociológica, o movimento pentecostal vem das mudanças
estruturais da sociedade contemporânea latino-americana. É uma manifestação
típica da modernidade. Na visão de Gutiérrez (1996, p. 14), o pentecostalismo
83
responde às necessidades de sobrevivência e de ascensão social. Assim o
progresso e a modernização de uma sociedade implicam em novas divisões
e organização do trabalho e também uma maior complexidade das
instituições sociais.
Através das entrevistas, os alunos revelam os motivos pelos quais buscam a
igreja: "pela vontade de resolver problemas, em busca da bênção"; "busco ajuda por
causa do desemprego, do vício da bebida do meu marido e do meu filho"; "Para
alcançar a salvação eu aceitei Jesus. Então senti a necessidade de servir a Deus".
As respostas dadas por eles demonstram os problemas enfrentados na cidade e
com a vida moderna.
No contexto da crise socioeconômica e política que ocorre nos países do
continente americano e que massifica e despersonaliza a população que migra do
campo para a cidade, como é o caso dos alunos do ensino noturno, que são parte
dessa população, é importante realçar uma outra característica do pentecostalismo.
Trata se do fato de que, inerente a essa mudança tão radical, a nova igreja ajuda a
reconstituir valores do mundo rural que ficaram para trás e, ao mesmo tempo, ajuda
os adolescentes jovens e adultos a ‘resistirem aos desafios do mundo moderno’,
mesmo de forma mascarada e ideológica como ocorre na teologia da prosperidade.
Do ponto de vista psicológico, segundo alguns estudiosos, as comunidades
pentecostais são personalizadas, acolhedoras e participativas. menos hierarquia
entre pastores e leigos, os crentes sentem-se mais sujeitos. É o caso das igrejas
Congregação Cristã no Brasil e da Assembléia de Deus visitadas durante essa
pesquisa. Percebe-se esse estilo de tratamento com seus fiéis. É oferecida a
palavra, são convidados para ir até à frente para dar o testemunho de vida e receber
a bênção.
84
Em relação à pastoral, Sepúlveda (apud GUTIÉRREZ, 1996, p. 15) afirma que
“o pentecostalismo não é uma doutrina, mas uma nova experiência de Deus sem
mediação”. Sua teologia de mediação é o Espírito Santo e esta, por sinal, é pessoal,
direta. Culturalmente, o universo simbólico criado pelo pentecostalismo designa uma
mediação entre a pessoa e o sagrado. O cooperador da Igreja Cristã no Brasil,
quando perguntado sobre como enfrentava os problemas no trabalho religioso, disse
que “tudo é pelo Espírito Santo”.
Pode-se dizer que foram todas as matrizes anteriores mais o modelo de
desenvolvimento do pentecostalismo, que originou o neopentecostalismo. Este,
portanto, é composto pelo catolicismo, ameríndios, negros e pelo pentecostalismo. É
também o que os pesquisadores do fenômeno religioso chamam de terceira onda.
A terceira onda surge em um contexto de crescimento e de crise, nos anos de
1980. A igreja mais famosa dessa década é a Igreja Universal do Reino de Deus,
além das igrejas pentecostais Deus é Amor, Igreja Internacional da Graça, Ministério
da Comunidade Cristã e Sara Nossa Terra.
Esse tipo de religião se adapta às mudanças do período pós militar, ao
aprofundamento da industrialização, ao crescimento das cidades pela migração do
campo, ao crescimento da moderna estrutura dos meios de comunicação, à crise da
Igreja Católica e ao crescimento da umbanda.
As práticas que se observam no dia-a-dia do neopentecostalismo são as
sessões de cura, oferta e exorcismos. Estas são suas categorias fundamentais, mas
para compreendê-las é necessário entender a categoria posse. O ser humano pode
ser possuído, tomado; a posse existe não nas igrejas africanas e católica, ela
está presente em todos os povos. É uma dimensão psicológica, e portanto, é fato
social.
85
A posse, como categoria, tem como primeira premissa que a vida humana,
autêntica conforme a vontade de Deus, é aquela em que os homens possuem e
desfrutam dos bens desse mundo. É a doutrina da prosperidade.
A segunda premissa parte do princípio de que, se o homem estiver em
harmonia com o plano de Deus, estará abençoado. Porém, aqueles que não
possuem um plano frustram a criação e estão amarrados pelo demônio. Neste
sentido, o elemento perturbador da ordem é diabólico.
Atualmente, a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) é uma das maiores
representantes desse tipo de prática: põe ordem, exorciza e expulsa os demônios
como função terapêutica aos fiéis. Dar saúde às pessoas é a primeira salvação.
Quem é o neopentecostal da Iurd? É o pobre, o sofrido, o que quer
prosperidade. São os que sofrem das forças do mal, demoníacas, das doenças
físicas, morais, sociais, do desemprego. O diabo é o causador de todo esse caos,
por isso, é preciso combatê-lo, para que as pessoas se libertem de todo mal. Como
o povo está carente de todos os elementos essenciais para uma vida digna, e a
sociedade não lhe oferece, tais elementos, as pessoas acabam buscando novas
práticas religiosas que lhes prometem mais, via uma crença cheia de possibilidades.
É importante observar que, nos rituais de expulsão, são utilizados elementos
de origem católica, como a água, a bênção, as campanhas e as correntes de
orações, mas também elementos de religiões afro, como o transe, a posse e outros.
O que confirma que são elementos vindo das matrizes anteriores e originários da
terceira matriz. Talvez por isso, alguns alunos participam da Igreja Católica e da
Universal ao mesmo tempo e não sentem nenhuma diferença entre uma e outra,
como é o caso do entrevistado, quando foi lhe perguntado: [Você acha que mudou
de religião?]
86
não, a minha religião é a mesma, a Católica. Eu creio em todas, na
Universal e na Católica também. Eu não tenho calco de mudar não. Eu
nasci católica eu vou ser católica até o dia que Deus me chamar. [Você não
se sente dividida?] Não, eu me sinto bem em todas. Para mim tanto faz ir na
Católica ou na Universal. [Você não acha nada diferente?] Não, acho
diferente é só que na Igreja Católica as orações são diferentes, o pai nosso
é diferente; os cantos eu acho lindos os cantos de todas as igrejas, mas da
Igreja Católica eu acho mais bonitos.
Outro ponto importante a ser considerado é que essas igrejas não incentivam
a participação de seus fiéis nos movimentos sociais. A não participação é uma
característica dessa população.
3.4 Participação: na religião sim, nos movimentos sociais não
Esta pesquisa demonstrou que os alunos do ensino noturno praticamente não
participam dos movimentos sociais, de forma real e presente como “ações sociais
coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da
população se organizar e expressar suas demandas”, conforme Gohn (2003, p. 13),
define participação. Nessas demandas, na ação concreta, organizam-se estratégias
bem variadas desde uma simples denúncia a pressões diretas que são as
mobilizações, marchas, greves, negociações, até as pressões indiretas, se for
necessário.
Hoje, os principais movimentos sociais se articulam utilizando os novos meios
de comunicação e informação, atuando por meio de redes locais, regionais, nacional
e internacional.
A existência dos movimentos sociais representa as forças organizadas da
sociedade, que, segundo Gohn (2003), aglutinam pessoas não como força tarefa, de
87
ordem numérica, mas como campo de atividade e de experimentação social, em
pequenos grupos. As atividades, quando desenvolvida, são fontes geradoras de
aprendizagem, criatividade e inovações culturais. Estas experiências se recriam
cotidianamente, nas diversas realidades que enfrentam.
Os movimentos sociais são importantes porque constituem representações
simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas. Eles dão identidade aos
grupos dispersos. Ao realizarem ações, reacende em seus participantes o
sentimento de pertença e emancipação social. Os que antes eram excluídos,
sentem-se incluídos na ação do grupo. Essa mesma dinâmica dos movimentos
sociais vale também para os movimentos das igrejas que incluem os seus membros.
Nesse novo milênio, os movimentos sociais que mais têm-se destacado no
cenário da mídia são, sobretudo, as lutas de defesa das culturas locais contra os
efeitos devastadores da globalização. Eles estão empenhados na construção de um
novo padrão civilizatório que esteja orientado para o ser humano e que busque
sentido e função das coisas públicas, dos espaços e instituições. Reivindicam ética
na política e, ao mesmo tempo, fiscalizam a atuação do poder legislativo nas
políticas públicas; reivindicado, ainda, aspecto da subjetividade como crenças,
valores, sexualidade. Tais movimentos têm buscado também a autonomia de
pensamento na construção de projetos, programas, agendas, flexibilidade de acordo
com os interesses dos grupos envolvidos e incorporação daqueles que ainda não
participam, ou seja, priorizam a autonomia na prática da cidadania.
Com base nos valores éticos universais, a participação cidadã democrática
tem como objetivo fortalecer a sociedade civil a fim de construir uma nova realidade
social: sem exclusões de qualquer natureza. Essa concepção de cidadania tem um
88
projeto emancipatório: a construção de uma sociedade democrática, sem injustiças
sociais.
Contudo, para haver uma participação cidadã, os sujeitos de uma
comunidade precisam estar mobilizados de forma que os ideais fragmentados, como
os destes alunos migrantes, moradores da invasão, possam ser rearticulados,
respeitados nas suas diferentes culturas, nos seus valores, hábitos e
comportamentos de grupos e individuais.
Os movimentos sociais no Brasil, no final dos anos 1970 a 1980, foram fortes,
persistentes contra a ditadura militar, principalmente, os grupos de base cristã
inspirados na Teologia da Libertação.
Ao final dos anos 1980 e inicio dos anos 1990, o quadro sociopolítico
brasileiro mudou. Houve mudança também nas manifestações de ruas, e um certo
recuo de determinados movimentos. No entanto, aumentou a mobilização dos
movimentos populares na cidade, o que contribuiu bastante na conquista de vários
direitos inscritos na constituição de 1988.
A partir dos anos 1990, surgiram outras formas de organizações mais
institucionalizadas como os fóruns nacionais pela moradia, pela reforma agrária e
urbana; comitês como o da ética na política; central dos movimentos populares;
grupo de mulheres e outros. Todos esses movimentos organizam-se através de
parceria com a sociedade civil, com práticas e intercâmbios nacionais; estabelecem
objetivos e metas em comum para solucionar os problemas.
Ainda nessa década, cabe destacar três outros movimentos sociais
importantes: dos indígenas, dos funcionários públicos, principalmente das áreas de
educação e saúde, dos ecologistas. Os povos indígenas cresceram em suas
organizações pelas demarcações de suas terras e pelas vendas de seus produtos
89
com preços competitivos no mercado. Os funcionários públicos organizaram-se em
sindicatos e associações contra a retirada progressiva dos direitos sociais,
provocada pelos ajustes fiscais do governo. Os ecologistas, após a Eco/92,
fundaram inúmeras organizações não-governamentais (ONG’s). Estas atuam no
terceiro setor, executando políticas de parcerias entre o poder público e a sociedade
nas áreas mais carentes de serviços sociais.
No início do novo milênio surgiram os questionamentos que ora são citados:
O que houve com os Movimentos Populares? Desapareceram? Mudaram de perfil?
De acordo com Gohn (2003, p. 23), a resposta é “não. Eles sempre foram
heterogêneos em termos de temática e demandas. O que unifica o universo de suas
demandas são as carências socioeconômicas”. Conforme se referiu, através de
redes com outros sujeitos, traçam-se estratégias no campo sindical, no campo
político-partidário, no campo religioso, com as ONG’s. Assim os movimentos se
ampliaram e se fortaleceram.
Os discursos e as práticas dos movimentos sociais mudaram em decorrência
dessas transformações e em função da mudança da conjuntura. Não se trata de
ignorar o Estado, mas de participar das políticas e parcerias. Portanto, esses
movimentos ajudaram a construir outros canais de participação como os fóruns, os
conselhos municipais, estaduais e nacional.
Com a mudança da conjuntura social, mudou-se também o eixo das ações
dos movimentos; isto deu novos sentidos e significados às suas práticas. Segundo
Gohn (2003, p. 24), “resulta desse processo uma identidade diferente, construída a
partir da relação com o outro, e não centrada exclusivamente dos atores populares”.
Essa novidade vai ao encontro das novas formas de relacionamento com o
associativismo, com as instituições compartilhadas com as ONG’s e a participação
90
nas políticas públicas. A nova prática, portanto, gestou um novo projeto político dos
movimentos populares, com outras articulações bem mais amplas. Isto significa que,
outros temas entraram para a agenda dos movimentos urbanos, uma cidadania
planetária, os direitos humanos se fortaleceram.
Deve-se concordar com Gonh que dentre os movimentos populares urbanos,
a luta pela moradia foi um dos mais centrais e talvez a mais organizada e presentes
em todas as grandes cidades brasileiras. Acrescenta-se também que foi nesse
movimento que a pesquisa mostrou alguma participação dos alunos, devido a
carência de moradia, principalmente, entre as classes mais pobres.
No exercício dessas novas práticas houve um maior conhecimento sobre a
gestão das políticas governamentais e com isso, uma nova concepção de esfera
pública. Esses foram os primeiros instrumentos de aprendizagem para enfrentar as
atuais políticas neoliberais, geradoras de miséria, desemprego e exclusão social.
Nesse contexto, os profissionais da educação de jovens, adolescentes e
adultos souberam se posicionar e lutar pelo atendimento de suas demandas. Desde
a década de 90, através do aprendizado e conquistas, as escolas públicas em
especial a noturna, foram abrindo seus muros à participação comunitária, na busca
de solução para os problemas de segurança, da violência, das drogas e também na
realização de eventos culturais, incentivando a permanência dos alunos na escola. A
experiência da Escola Professora Marília Carneiro e da associação de bairro do
Guanabara III é resultado dessa parceria.
Feita esta explicação, é preciso formular uma pergunta: Participam de uma de
uma religião por quê? O povo em geral não tem a cultura de participação e não a
tem, principalmente, a classe marginalizada, Por quê? Conforme descreveu Ribeiro,
(1980) uma classe que detém o poder superior, que decide e traça o destino da
91
maioria. Simone Weil quando fala da conquista colonial, afirma que ela causa
desenraizamento e morte, na medida em que suprime de forma brutal as tradições.
Frente às questões postas, vê-se que os alunos do ensino noturno fazem parte dos
excluídos e desenraizados; de diversas formas não participam dos movimentos
sociais como mostra o Gráfico 7. Dos vinte alunos entrevistados, somente três
participam de alguns desses movimentos; desses, um é participante apenas
provisório do movimento moradia. Outros também participaram, porém, quando
alcançam a meta, deixaram o movimento, como muitos disseram "eu participei,
mas consegui meu lote no Vale dos Sonhos". Este participa ainda de abaixo
assinados, de momentos de solidariedade, como os mutirões de corte de cabelo;
outro participa dos momentos de lazer da associação dos moradores do Jardim
Guanabara III; somente o terceiro é sindicalizado. O gráfico abaixo mostra o que foi
dito. Os motivos da não participação são apresentados logo a seguir.
Gráfico 7: Participação em Movimentos Sociais
Fonte: a autora,com base na pesquisa de campo
Sou desligado desses movimentos;
Tanto faz participar, não é interesse. Hoje na vida que estamos não
compensa participar nem da política;
Por falta de tempo;
Devido ao trabalho;
Não gosto, não me interesso;
Não foi convidado;
Não conhece.
92
85%
5%
5%
5%
Não participam
Movimento de moradia
associação de bairro
Sindicato
A o participação vem da própria exclusão sofrida pelos sujeitos. A excluo
pela desinformação, pelo emprego temporário quando o tem, pela falta da moradia. Por
isso esse aluno não tem raiz, não tem lugar fixo, como fala Weil (2001). Além disso, os
movimentos sociais do Brasil o atingem as camadas populares que estão às
margens. Os sindicatos estão ao vel dos operios de grandes empresas, fazem
negociações com as multinacionais, que mantêm no país suas filiais. Por isso, o
atinge alunos trabalhadores, migrantes, desqualificados que nem sindicalizados são,
pois quando muito o subempregados, como demonstrou o quadro das suas
profises anteriormente. O Gfico 7 mostra ainda que os alunos estão
desmobilizados.
Após 505 anos de história do Brasil, o que restou para os pobres
desenraizados, os alunos do ensino noturno, foi a religião, mesmo que de forma
imposta, ela está presente em todo lugar seja no campo, no centro da cidade ou nas
periferias, ela tem um lugar, garantido. Maduro (1981, p. 70), explicita esse lugar da
religião na sociedade divida em classes
nenhuma religião opera no vácuo. Toda religião, qualquer que seja ela, é
uma realidade situada num contexto humano específico: isto é, um espaço
geográfico, um momento histórico e um ambiente social concreto e
determinado.
Além do espaço, ou seja, da realidade contextualizada, as várias religiões têm
um conteúdo, uma linguagem comum. A religião é uma instituição permanente na
sociedade. Ela está presente e faz parte do cotidiano da vida dos alunos
entrevistados antes e depois de migrarem para Goiânia como mostram os gráficos 8
e 9:
93
Gráfico 8: Religião de Origem Gráfico 9: Religião Atual
Fonte: a autora, com base Fonte: a autora, com base
pesquisa de campo pesquisa de campo
Observa-se, através dos dados apresentados nos gráficos acima, que 95%
dos alunos têm uma religião, tanto antes como depois da mudança para a capital.
Porém, mudam alguns índices em relação aos percentuais e denominação das
igrejas, quando trocam o interior ou a zona rural de origem pelo o mundo urbano. A
Igreja Católica, antes declarada por 80% dos alunos, cai para o índice de 45% na
capital. A Igreja Assembléia de Deus está presente nos dois cenários, mas com uma
porcentagem maior no atual, sobe de 10% para 25%. Houve também um
crescimento significativo de outras igrejas na atualidade em comparação com o
quadro de origem. Antes da mudança foram citadas apenas três igrejas, agora os
alunos declararam fazer parte de cinco.
Para esta análise, é importante considerar também o tempo de migração
desses alunos. Em uma escala de um a dez anos, quatro alunos mudaram para
Goiânia; de onze a vinte anos aproximadamente nove alunos passaram a residir na
cidade; na faixa de vinte um a trinta anos, cinco estudantes migraram ; somente dois
moram há mais de quatro décadas nesta capital. Essa migração demonstra que, nos
94
45%
25%
10%
5%
5%
5%
5%
Calica
Assembia
Cat/Universal
Igr. da Graça de Deus
Cong.Cristã no Brasil
Nenhuma
Não Informou
10%
80%
5%
5%
Assembia
Católica
Cruzada
Nenhuma
últimos 30, anos o êxodo rural foi muito intenso dentro do conjunto de alunos. Pode-
se também que a cidade mostra um novo cenário religioso com o aparecimento
de novas igrejas. Isto levou os alunos a praticarem um trânsito religioso.
As motivações que levam os alunos a aderirem a estas igrejas são bem
diversificadas, como se pode ver pelas declarações deles próprios. Uma delas é a
família preciso a gente fortalecer em Deus"; “a gente sente melhor"; "desde
pequena vou a igreja com minha família"; "vou mais pela família, não sou muito de
igreja. Minha mãe que é devota". Outra motivação é a e a espiritualidade "pela
necessidade de servir a Deus"; "Jesus é o fundamento de tudo, a pessoa que tem
fé, sabe o que é ruim e o que é bom, tira dos vícios como as drogas"; "porque gosto
e confio no Senhor". Os momentos de dor e de solidão são motivos fortes: "Quando
eu perdi minha mãe, eu apeguei muito com Deus. Se não fosse Ele eu não estaria
aqui"; "ajuda a livrar do vício do meu marido". Também apareceu o motivo de ir a
igreja pela alegria, "vou pela vontade própria, pelo encontro".
Diante dessas motivações, cabem algumas perguntas fundamentais. A
religião é um elemento que contribui para o fortalecimento dos vínculos sociais das
pessoas, no caso específico desta pesquisa, dos alunos do ensino noturno? Pelas
respostas acima, vê-se que ir à igreja, para eles, é uma alternativa segura, e a
religião contribui sim, com normas e valores que os guiam ao enfrentar o cotidiano
na cidade. De que forma aparecem as representações sociais presentes na religião
desses alunos? Aparecem como fortalecimento dos laços familiares, da fé, do
sofrimento, da solidão, da alegria, do encontro com os amigos, em fim, fortalecem o
sentido da vida. O que confirma a hipótese de que a religião é um fator que contribui
para o fortalecimento dos vínculos sociais das pessoas, porque ao propiciar aos fiéis
a participação nas atividades de sua instituição religiosa, a igreja gera e transmite os
95
valores da participação, do reconhecimento e da valorização do ser humano. Pois
se sabe que a religião foi a alternativa que restou para esse grupo de alunos diante
de tantas exclusões e fracassos.
As obras de Maduro (1981), Religião e luta de classe, e de Camargo (1971),
Igreja e desenvolvimento, nas quais analisam o catolicismo rural e urbano,
possibilitam uma melhor visibilidade da questão das normas e funções da religião
em relação às origens da participação religiosa dos alunos de hoje.
Na época da colonização, a religião católica foi um sólido pilar da ordem
estabelecida e servia à ideologia da a classe dominante. Conforme o modelo de
igreja assumido, a religião tem dupla função: de um lado, conservar o sistema
religioso; do outro, ser revolucionária, libertadora. Por isso o campo religioso é um
lugar de conflitos sociais. A religião tem uma autonomia relativa dentro desse campo
e nele atuam as forças que ora fortalecem o poder da classe dominante ora
estimulam a resistência das classes populares rumo a construção de uma nova
sociedade.
A definição sociológica de religião para Maduro (1981, p. 40) é a seguinte:
estrutura de discursos e práticas comuns a um grupo social referentes a
algumas forças tidas pelos crentes como anteriores e superiores a seu
ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa
dependência e diante das quais se consideram obrigados a um certo
comportamento em sociedade com seus semelhantes.
Essa é uma definição de religião que a torna como parte de uma dinâmica
social que, por sua vez influi sobre ela e dela recebe efeitos. É uma definição
elaborada na perspectiva dos fenômenos sociais, da influência que as instituições
religiosas ou as igrejas exercem sobre os processos sociais e dos condicionamentos
96
que a dinâmica da sociedade impõe ao desenvolvimento das religiões. Têm-se como
exemplo as sociedades capitalistas dos países emergentes como o Brasil e tantos
outros da América Latina e da África, onde houve o surgimento de diversas igrejas,
sobretudo, as neopentescostais, nas últimas décadas.
A partir do olhar sobre a sociedade capitalista-colonial-mercantilista
perpassado pelas matrizes religiosas que essa mesma sociedade reflete, observa-se
como o fenômeno da religião exerce influência sobre os alunos do ensino noturno e
compreender ainda o que ficou de influência dessa religião e se essa influência atua
como um elemento de dominação ou de libertação social. A pesquisa de campo
demonstrou que a influência sobre os alunos migrantes ocorre pela religião da
dominação, da submissão, da não participação social, como bem demonstrou o
Gráfico 7. Em relação à participação nas instituições religiosas a maioria dos sujeitos
entrevistados não assume nenhum cargo de destaque em suas igrejas.
As respostas a essa questão da participação na igreja foram as seguintes:
dos vinte alunos entrevistados, dezessete participam em suas Igrejas somente como
membros comuns, os outros três: uma é superintendente da escola dominical, outra
paga o dízimo e a terceira ajuda na limpeza da igreja. Alguns não ocupam cargos na
igreja, por questões doutrinais como mostra o depoimento "não tenho cargo porque
eu era desviada e não sou casada. Sou viúva e moro com um homem solteiro, como
ainda não me casei, então eu não participo da ceia. Participo da oração e das visitas
só". Para outros a participação está no sonho "participo como membro, mas ainda
não perdi a esperança de que vou cantar para nosso Senhor Jesus" disse uma das
alunas. Apesar das igrejas e da escola serem os raros lugares a que estes sujeitos
têm acesso, a participação deles ainda é mínima e insignificante na igreja. Fica
evidente que as pessoas nem sempre freqüentam ou praticam a religião visando a
97
construir comunidade. As entrevistas afirmam que, na igreja, encontram outras
pessoas, encontram conforto. A questão da participação é portanto, um indicador de
desafios e as instituições precisam garanti-las em suas práticas a curto e a longo
prazo.
A religião como cultura, algo concreto para cada ser humano, é compartilhada
a um tempo através de uma vida coletiva, econômica, afetiva, familiar, lingüística
e política, ou seja, a religião está ligada e relacionada aos demais aspectos da vida
social, a todas as outras dimensões da vida comunitária. Para os alunos do ensino
noturno essa realidade é notória, pois eles não têm outras formas de lazer, a não ser
ir à igreja. Isso ficou evidenciado no caso daqueles alunos que moram no jardim
Guanabara II. Na invasão não espaço nem para as residências. Durante a
pesquisa foi declarada, várias vezes, pelo presidente da associação, a falta do lazer
nesse bairro.
Como se disse, a religião não opera no vazio, em cada caso concreto
encontra uma sociedade estruturada de um modo determinado. Assim as estruturas
sobre as quais se organiza uma sociedade constituem um foco de inclusões e
exclusões, de possibilidades e de dificuldades, de fechamentos e de aberturas e
também de resistências. A forma de organização social da produção condiciona e
determina quais as ações religiosas são permitidas, toleradas, estimuladas e
determina também os níveis de participação dentro das instituições da sociedade.
Sabe-se que, em uma sociedade dividida em classes, enquanto uma minoria
vai aumentando sua capacidade de decisão sobre o trabalho e a vida dos demais
como um todo, a maioria dos membros se vai constituindo em conjunto de classes
dominadas; conduta que reduz, paulatinamente, a participação das classes
subalternas nas decisões concernentes a seus direitos e interesses.
98
A análise sociológica das religiões, pode servir para reconstruir o conjunto
articulado de limitações e orientações que uma determinada sociedade exerce sobre
as ações religiosas realizadas em seu seio e as conseqüências sociais dessas
ações religiosas para cada uma das diversas classes sociais.
O universo empírico considerado nesta pesquisa é um público 95% religioso,
com 65% vindos do meio rural. Por isso, é relevante a forte influência do catolicismo
tradicional rural sobre essa população em relação às normas e valores. De acordo
com Camargo (1971, p. 11),
os traços característicos do catolicismo rural brasileiro prendem-se,
realmente, ao passado nacional, de origem portuguesa, e ao
desenvolvimento de uma religião que, embora cristalizada em formas
relativamente estáticas, também se amoldou à sociedade.
A identificação entre catolicismo e sociedade se no âmbito dos valores
religiosos e de sua expressão normativa e os valores da sociedade. Dá-se de forma
a legitimar os valores religiosos, suas normas e papéis predominantes. Nas
entrevistas realizadas aparecem os valores e normas como orientadores de conduta
na vida dos alunos. Quando perguntados sobre a importância da religião, eles
responderam:
quem é religioso não é de bagunça e não anda aprontando certas coisas,
caminha mais reto;
A religião tira as pessoas das drogas, do álcool, das confusões também.
Hoje o mundo vive no crime, as pessoas vivem fazendo o que não presta.
Então a religião ajuda a tirar a gente do caminho do mau.
A importância para mim é que Deus colocou uma palavra em nosso
coração, então a importância é o respeito, saber amparar o próximo e muito
amor.
99
Percebe-se que os valores, as normas e os papéis desempenados na
sociedade são explicitados de maneira sacramental, cognitiva e constituídos pelo
repertório do catolicismo tradicional. Desse modo, as normas de conduta e os
valores a que eles remetem são vistos como padrões normais de comportamento
social. É como se fossem sancionados pela autoridade religiosa, ou seja, os papéis
desempenhados na vida profana são também confirmados pelas normas e valores
da religião. Na realidade o grupo de alunos entrevistados não separa a sociedade
civil da religiosa. Isso para Camargo (1971, p. 12) é "o que convencionou denominar
de ‘cristandade’, caracterizada pela profunda institucionalização do catolicismo" Esta
referência retoma novamente a matriz religiosa brasileira. Uma vez que a
cristandade é uma de suas colunas mestras.
O grupo religioso exemplifica a vida cotidiana na estrutura social em função
dos valores religiosos presentes em suas atividades ligadas ao lazer e à diversão.
Esse aspecto da vivência religiosa dos alunos entrevistados também é visível em
algumas falas: "eu gosto de ir todos os domingos para a igreja. Sinto bem com as
pessoas que convivem comigo lá"; "participo na igreja pela alegria do encontro com
as pessoas". Esses depoimentos mostram ser a igreja um lugar que possibilita a
socialização para os alunos do ensino noturno. É um espaço onde ocorre uma
relação de gratuidade sem obrigações expressas, o que é diferente da escola e do
movimento social onde as obrigações são expressamente exigidas. Por isso, a
conduta cotidiana é pautada pela tradição religiosa. Neste sentido, Camargo (1971,
p. 14) afirma que a
influência profunda e generalizada do catolicismo na sociedade rural
evidencia-se também no uso do lazer. Assim as diversões e festas são
freqüentemente de caráter religioso-católico como as Folias do Divino
Espírito Santo, as quermesses, as procissões e romarias.
100
Este autor descreve ainda que uma das conseqüências mais importantes da
identificação entre o catolicismo tradicional brasileiro e as normas da sociedadea
capacidade efetiva do catolicismo rural - diversamente do catolicismo urbano - de
fornecer os quadros de referência, as normas e os valores que orientam a vida dos
indivíduos" (CAMARGO, 1971, p.14). Esses quadros perpassam as formas de
liderança, as práticas religiosas, a questão do espaço e o tempo sagrado, o ideal
religioso e a ideologia.
Para Camargo (1971), a coletividade religiosa católica constitui um importante
sistema social no que se refere à função de confirmar a estrutura da sociedade,
permitindo a hierarquização de classes, categorias étnicas e grupos sociais. Os
status sociais são distribuídos e localizados de acordo com a ordem social
dominante por meio das situações e papéis que o catolicismo lhes propicia.
Dentre as funções e papéis que surgem no catolicismo rural, pela escassez e
ausência de padres nas comunidades mais distantes, destaca-se a dos 'rezadores' e
'rezadoras' que assumem a liderança religiosa. As mulheres, geralmente, têm a
função de organizar a catequese, os cantos e a reza do terço, conforme o destaque
carismático de cada personalidade. No entanto, entre os alunos pesquisados que
hoje vivem na cidade, essa liderança não foi constatada, mesmo dentro da igreja
católica. Uma única aluna assume a escola dominical, ela é da igreja evangélica.
Outra característica das práticas religiosas do catolicismo e que retrata o nível
da cultura de participação de determinados grupos é a prática de rezas, promessas,
bênçãos, procissões e romarias. Essas práticas foram registradas no grupo de
alunos entrevistados. Observa-se que, pela tradição da família, tais costumes
permanecem após migrarem do campo e enfrentarem novas experiências na cidade,
como se pode constatar nas falas das entrevistadas "eu não mudei de religião
101
porque minha mãe sempre me ensinou as coisas da igreja católica. Também sou
muito devota de Nossa Senhora Aparecida, tenho uma imagem dela em minha
casa". Outros participam da de "confiar no Deus vivo que a gente vai receber
aquela bênção na oração". Nessa mesma linha, fala a educanda "o que o padre fala
para mim e para todos na igreja é uma bênção de Deus". Quanto ao que buscam na
igreja, muitos desses alunos buscam justamente a "bênção de Deus para a vida de
todos nós, até para a vida dos nossos inimigos". Uma entrevistada depois de vir
morar em Goiás tornou-se romeira do Divino pai Eterno: "sou mineira, mas agora
vou todo ano à Trindade pagar minha promessa".
A sacralidade da cultura rural pode ser percebida nas dimensões do sagrado
e do profano. O espaço rural, geralmente, é marcado pela existência de alguns
espaços que levam os fiéis a um comportamento de respeito, medo, veneração. É o
caso das igrejas e as capelas com seus ícones: o altar, os santos; as cruzes, os
santuários, os oratórios e as festas dos santos populares que marcam esses
lugares. Essas imagens e lugares estão na memória de muitos alunos como se
mostrará posteriormente.
É importante estabelecer uma comparação entre o catolicismo rural e o
urbano para analisar as diferenças e as mudanças na religião vivida no campo e na
cidade, pelo grupo de alunos migrantes. Uma das diferenças, para Camargo (1971),
é que o catolicismo urbano no Brasil é um contraste do rural: não orienta
efetivamente a conduta das pessoas, nem constitui o centro das determinações
valorativas da sociedade como o é o catolicismo rural.
Um fator a ser considerado é que no mundo urbano, a religião católica
tradicional fica na esfera dos ritos e sacramentos, é desvinculada dos valores e
conhecimentos que no passado serviam para orientar a vida e o comportamento dos
102
fiéis no cotidiano. As questões fundamentais da existência, no meio urbano, são
respondidas e orientadas por valores de uma sociedade competitiva, secularizada,
com uma ética leiga. O que há de mais forte nessa influência é o aspecto morall. No
entanto, ainda persistem sinais de comportamento religioso de tipo rural nas áreas
urbanas. É o que mostram as entrevistas. Quando se perguntou do que mais gostam
na igreja, eles responderam: "a palavra de Deus"; "as pessoas cantando as
músicas"; "o altar, o cortinado"; "de Maria nossa mãe"; "o que mais gosto é do culto
da oração".
Outro fator é o rápido processo de urbanização das cidades brasileiras, como
é o caso de Goiânia, descrito no primeiro capítulo. Com esse processo, um grande
número de pessoas de origem rural passaram a habitar nas cidades. Essa
população tem na memória o conteúdo e as funções do catolicismo rural, mas este
se torna inadequado para a missão de orientar a vida, frente às exigências da
sociedade urbana e industrial. Na visão de Camargo (1971, p. 18),
o catolicismo rural dificilmente se mantém nas cidades, através de um
ritualismo mecânico. Falta todo um contexto social que lhe serve de apoio.
Dessa forma, seus valores, conhecimentos e papéis ficam sem sentido. Os
papéis não encontram os padrões de inter-relação que lhes correspondam.
O catolicismo rural, na cidade, torna-se fatalmente disfuncional.
Dessa forma, os migrantes de origem rural que passam a morar na grande
cidade procuram soluções religiosas, conforme a tradição rural, mas funcionalmente
urbanas, como o pentecostalismo de 1960 e o neopentecostalismo, a partir de 1992,
que prometem aos fiéis cura e prosperidade, como é citado anteriormente na matriz
neopentecostal. Essas religiões constituem alternativas, sob forma de sistemas
103
valorativos e de organização de conduta, que contribuem para o típico processo de
integração urbana moderna, do final do século XX e início do XXI.
Essas transformações ocorridas na religiosidade de origem rural para a
urbana são de ordem crescente. Conforme a pesquisa de campo realizada com o
grupo de alunos, o número de igrejas de origem, declarado por eles, eram três: as
Igrejas Católica, Assembléia de Deus e Cruzada Cristã, mas no panorama urbano
passou para cinco denominações: Universal do Reino de Deus, Congregação Cristã
no Brasil, Igreja da Graça de Deus, além da Católica e Assembléia. Fica claro que,
na cidade, o leque do mercado religioso e as opções são bem maiores. Em virtude
disso o número de fiéis na Igreja Católica, considerada majoritária, diminuiu muito,
como mostra os dados da pesquisa: dezesseis membros antes de mudarem para
Goiânia e apenas nove depois da mudança. Porém, a Igreja Assembléia de Deus
cresceu de dois para cinco membros. As demais igrejas ficaram com números mais
baixos e dispersos. É curioso que, no meio desse fenômeno de mudança, acontece
a dupla participação na Universal e na Católica. É o caso da entrevistada, quando
respondeu em qual igreja participava:
participo da Matriz Jesus Bom Pastor e da Universal. [Você é católica e
participa da Universal, por que?] Porque eu acho mais perto e maiscil da
gente ir, além de ter companhia; para eu ir para a Igreja Católica eu não
tenho.
Ao estabelecer uma tipologia dos fiéis urbanos em termos de seu grau de
participação na igreja e ao avaliar as funções da religião na sociedade, deve-se
considerar que a importância do catolicismo urbano diminuiu muito em comparação
com seu significado no mundo rural. Isto se deve ao fato de os valores, as normas e
padrões da sociedade camponesa não serem os mesmos da coletividade do mundo
104
urbano. Por isso, o catolicismo tradicional da cidade perde sua função de orientar a
conduta dos fiéis. Seu quadro de valores torna-se menos relevante na influência
direta da vida cotidiana. Ao catolicismo é negada uma participação significativa na
esfera das decisões sociais, ou seja, a igreja, não é mais convidada a dar sua
contribuição frente aos problemas do mundo. É o mercado que responde por estas
questões. Hoje os cristãos buscam no mundo secularizado as respostas e as
escolhas para suas práticas. Observa-se isto pelo nível das respostas às perguntas
sobre a questão : O que é a religião para você?
Religião para mim é o caminho para chegar a Deus;
É ter Deus e poder falar com ele; é tudo de bom na minha vida; não sei
explicar porque freqüento pouco;
É muito importante porque ela nos ensina a amar;
É importante porque fala de Deus, traz felicidade;
É um motivo de conhecer mais sobre a Bíblia e receber muitas orações; é
um caminho que me leva aproximar mais de Deus e que pode levar ao céu";
A religião para mim é ter fé;
É ter Deus em primeiro lugar, no coração de gente. Seguir os mandamentos
da Bíblia, nunca praticar o mal, pois o que faz mal, recebe o mal, se a gente
praticar o bem recebe o bem;
Religião para mim é que crente e católico é o mesmo. Ele não muda a
religião. [o que ele muda?] O que muda é que se ele roubava ele não rouba
mais, se bebia ele não bebe mais. [E católico pode roubar?] Depende se
quiser, mas é o que mais vê. Não vou dizer que não tem crente errado, mas
ele tem mais um corrigimento. Nós estamos na igreja, se nós passamos
algum defeito o pastor chama nós. Ele nos acompanha mais de perto. Tem
a doutrina, as disciplina da igreja. Se a gente é membro da igreja fica sem
participar da ceia, porque a pessoa está em pecado. Todo mundo peca mas
tem pecado mais dolorido como o pecado do adultério, do roubo, matar os
outros. Nós somos os mesmos não mudamos nada. Religião para mim
então é a crença que, através dela nós vamos para o céu. Como a palavra
de Deus que diz: se a gente confiar Nele e fizermos aquilo que Ele esta
mandando, a gente ganhará o Reino de Deus. É isso ai a religião. É isso
que espero. Espero ir para o céu; A gente tem que se apegar em qualquer
coisa. Tenho muita fé, Eu gosto muito de ouvir a palavra de Deus. Minha
105
loucura é aprender a ler para eu ler a Bíblia e conhecer bem a Palavra de
Deus.
Pelas falas, esses sujeitos buscam no passado os valores para a
reconstrução da identidade que ficou perdida com a migração do meio rural para o
urbano. Essa mudança exige uma nova identidade e a religião é um poderoso
agente nessa reconstrução. Mas como essa reconstrução ainda está acontecendo
de forma individualizada, as experiências religiosas também estão se dando nesse
nível, mesmo que praticadas em espaço coletivos.
É uma visão de uma religião intimista, espiritualista, de cunho moral e de
obediência. Em relação à importância da religião em suas vidas, as falas dos
entrevistados ficaram praticamente no mesmo nível.
É importante para servir a Deus;
É importante porque fica mais perto de Deus, buscar a Deus, a oração;
ter Deus para mim é tudo;
A religião é importante porque sem Deus não vivemos;
E importante porque traz a palavra de Deus;
Traz felicidade"; "ela ajuda esquecer dos meus problemas;
A importância dela para mim, é porque me ajuda a obedecer os
mandamentos de Deus, ela traz salvação;
Acho importante sim. A gente tem que acreditar em Jesus. Ele que morreu
na cruz por nós, para nos salvar. Se não fosse Jesus nós não estaríamos
aqui;
A religião ajuda a tirar a gente do caminho do mal. A gente pensa muito em
Deus; a importância para mim é que Deus colocou uma palavra em nosso
coração, então a importância é o respeito, saber amparar o próximo e muito
amor no coração;
È importante porque sinto paz. Eu gosto de ir todos os domingos para a
igreja;
É muito importante, porque eu bebia, fumava e hoje não faço isso mais.
Então eu agradeço primeiramente a Deus e a religião, porque se eu não
tivesse essa doutrina eu fazia as mesmas coisas. Hoje eu tenho aquele
temor a Deus, se eu desobedecer, não estou fazendo a sua vontade; sei lá,
106
minha vida é muito assim, tem dia que sinto muita solidão, sinto depressão.
Então eu apego muito, às vezes estou triste eu peço a Deus. A tarde eu
estou mais aliviada. Parece que Deus me ouviu e me deu paz;
A religião creio assim, a gente ir a igreja, ouvir a palavra de Deus e ter bom
coração.
O que se é a demonstração de uma religião ligada a uma obediência
moral, principalmente entre os evangélicos; uma religião que serve de remédio para
os problemas da cidade como a violência, o desemprego, os vícios, as drogas, as
doenças como depressão. Enfim, nela sente alívio. As motivações que expressam a
adesão a uma religião, explicitam as funções e os significados que ela passa a ter
na vida moderna. Os católicos participam das missas e de alguns ritos de passagem
como o batismo, de forma obrigatória, pela obediência como a virtude central. A
aluna deixa claro esta afirmação dizendo: "hoje eu tenho aquele temor a Deus, se eu
desobedecer não estou fazendo a sua vontade". Nessa mesma seqüência, sobre
que mensagem busca na igreja a entrevistada, diz "busco na igreja é como devo
obedecer a palavra de Deus." Os evangélicos expressam uma forte moral, a religião
é o caminho para a retidão como mostra a frase desta aluna, "nós estamos na
igreja, se nós passamos algum defeito o pastor chama nós. Ele acompanha nós
mais de perto. Tem a doutrina, a disciplina da igreja."
Restam, na religião urbana tradicional, segundo Camargo (1971, p. 21),
"funções que são latentes e potenciais, que não deixam de existir e ter significado na
cultura brasileira". São latentes as funções das práticas religiosas, dos símbolos e
imagens. Exemplos: o batismo, o casamento religioso, a missa, o culto, o cerimonial
aos mortos. São rituais comuns e ministrados à maioria dos brasileiros e nas várias
igrejas, independentes da religião e do espaço, se urbano ou rural. Essas práticas
religiosas têm funções sociais latentes, são ritos de passagens. Predominam os fiéis
107
que recebem os sacramentos nas etapas marcadas por mudanças na existência
humana. É também um momento de socialização das famílias envolvidas nos rituais,
o que torna tais sacramentos importantes na história de vida de cada pessoa. Os
símbolos são coerentes com as imagens persistentes da tradição religiosa. Neles os
indivíduos encontram ressonância do sistema de conhecimentos e valores. Assim,
os cristãos urbanos mantêm, em nível pouco consciente, um certo respeito aos ritos
de passagens e uma disposição de não romper com a tradição, com os mistérios
transcendentes. Na fala dos alunos entrevistados os símbolos da igreja adquirem as
seguintes representações:
A Bíblia, palavra de Deus, representa a verdadeira bênção para mim;
Os símbolos da igreja é laço de muita fé, é aprendizagem;
Representa paz, descanso da mente;
A palavra de Deus é luz, cura e libertação;
O altar representa paz. Eu ajoelho faço minhas orações, entrego para
Deus alguns problemas, eu faço mais é agradecer a Deus. representa a
beleza, a esperança da gente, porque a gente está ali fazendo um voto com
Jesus; Igreja Católica ela é mais silêncio, tem as imagens dos santos eu
acho lindo. A igreja Universal não tem santo, não tem cruz, que ela pede
muito dinheiro, mas a gente dá só se puder e quiser.
Os símbolos falam muito na vida desses alunos. Dentre eles, o mais forte é a
'Palavra de Deus'. É sem dúvida, o objeto de que mais gostam, de maior referência.
A Bíblia é "luz, manual que leva ao céu, conforto, esperança". Além da bíblia a figura
do pastor e do padre também são símbolos para esse povo como mostram os
entrevistados:
Representa não a palavra de Deus, mas também o pastor a explicar,
porque a bíblia fechada é um livro qualquer, mas ela aberta é a boca de
Deus falano com nóis. Essa palavra de Deus me conforta tanto. O que o
108
padre fala para mim e para todos na igreja é uma graça de Deus. As vezes
eu estou triste quando chego na igreja e escuto aquelas palavras me
fortaleco. Eu fico calma e vou para casa mais alegre.
Na perspectiva social, não se pode esquecer de que não alternativas que
substituam a religião na sociedade brasileira secularizada para organizar e
regularizar os rituais de passagens da existência humana. Especialmente no que se
refere ao batismo, ao casamento religioso e à encomendação dos mortos. Esses
ritos de passagens são indispensáveis para as mudanças de status e inserção no
processo social. Camargo (1971, p. 22) descreve que "a sociedade profana mostra-
se incapaz de organizar alternativas com igual vitalidade para esta função latente de
marcar as passagens pelos ciclos da vida humana".
A outra característica do catolicismo urbano é a sua potencialidade que se
manifesta em determinados momentos, isto é, em momentos de atualização da vida
religiosa que ocorre nas crises e tensões emocionais. No período das fortes crises,
busca-se na religião conhecimentos e interpretações que reavivam fontes de
explicação que dão sentido para a vida. Passado o tempo de reavivamento volta-se
à rotina normal.
Dentro do catolicismo urbano estão as categorias de catolicismo tradicional e
internalizada que são fundadas em diferentes funções da religião, ligadas ao tipo de
sociedade e as suas tensões. Portanto, na modalidade tradicional de catolicismo são
enfatizadas as funções latentes e potenciais, de maneira psicossociais de aderir à
religião. Por outro lado, a forma internalizada aguça a consciência do conteúdo
religioso e faz desabrochar um estilo consciente e intencional da vivência religiosa,
onde os alcances e repercussões na vida social são procurados e assumidos
(CAMARGO,1971, p. 23).
109
A partir da diferenciação feita acima, pode-se constatar que o catolicismo
tradicional representa uma ideologia conservadora, tendendo a contribuir para a
manutenção de formas de organização social, enquanto o catolicismo internalizado é
mais dinâmico, exerce funções que propiciam mudança social. Conseqüentemente,
a procura de valores, de orientação de vida, inerente à internalização, representa
uma condição do processo de mudança social. Essa internalização do catolicismo
constitui uma das alternativas para organizar e dar sentido às transformações da
sociedade. A exemplo dessa alternativa e inspirado nela, juntamente com os
movimentos sociais, tem-se a teologia da libertação e, fruto desta, as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) que foram força e expressão de consciência dentro da
igreja e da sociedade como agentes transformadoras durante a década de 1980.
Cabe também analisar as tendências do processo de internalização do
catolicismo brasileiro que estão ligadas às diversas situações sociais do
desenvolvimento. Tais tendências passam pela via do sentido da espiritualidade,
pelo sentido social e pelo sentido da adaptação à vida moderna. O sentido social foi
um tipo de internalização católica que se desenvolveu a partir dos problemas sociais
brasileiros, após a II Guerra Mundial.
As raízes sociais que deram origem ao movimento da Ação Católica foi a
emergente classe média urbana, representada especialmente pela Juventude
Universitária Católica (JUC), com suas tensões e angústias face às incertezas e
contradições da sociedade da época. O conteúdo e as proporções que o movimento
assumiu no país ampliaram a base social, incluindo e influenciando parte do
proletariado e do campesinato. Assim, a Ação Católica desenvolveu-se também
entre a Juventude Operária a (JOC) e na atuação de alguns bispos, nas diversas
regiões do país, dedicados à educação de base, nos sindicatos rurais.
110
A fundamentação dessa atuação religiosa da igreja é uma visão cristológica
com base na fraternidade humana. No nível ideológico, esse movimento procurou
enfrentar as contradições da estrutura social brasileira, vista como responsável pela
situação de miséria e pela alienação das classes mais pobres. Acreditava que o
ideal cristão, sincero analisaria as causas estruturais da pobreza do povo e viam
uma disposição para superá-las.
Tal experiência mostra que, "o catolicismo social preenche o sentido da vida
dos adeptos, que, com a intensidade da experiência religiosa internalizada,
vislumbram também novas formas de vida social para a nação" (CAMARGO,1971, p.
31). Em conseqüência dessa tomada de posição naquele momento, o problema
social tornou-se central no catolicismo brasileiro. Por isso, a questão social e política
passou a ser o centro da discussão católica.
Outros grupos de intelectuais também tentam adequar-se à vida moderna,
atuando nas religiões mediúnicas. Com isto, há o crescimento do pluralismo religioso
como forma alternativa e como meio de se efetivar o processo adaptativo das
personalidades às exigências da vida urbana. Por essa via, a pesquisa mostrou o
aumento do neopentecostalismo e a aderência a ele dos alunos do Jardim
Guanabara, assim como em toda Goiânia e no Brasil.
Parte da Igreja Católica, através dos processos de internalização, tem uma
função semelhante ao das religiões atrás referidas: contribuir para a mudança social
e constituir a forma valorativa de conhecimento pela qual se realiza a modernização
da sociedade. A aceitação e a vivência de padrões normativos e dos papéis
característicos da vida moderna podem efetivar-se por influência predominante da
igreja Católica, cujos valores, internalizados conjuntamente com as normas,
111
conhecimentos e papéis da vida moderna constituem uma unidade coerente e
funcional de orientação na vida das pessoas.
A internalização dessa forma, leva à conscientização de valores católicos que
passam a ter um sentido renovado na experiência dos fiéis. Essa nova orientação de
vida funcional, para a sociedade moderna, confirma padrões valorativos do
catolicismo e adequa-se as novas situações. Essas orientações, porém, não
atingiram os sujeitos pesquisados, pois estes são migrantes, em sua maioria do
meio rural, e moram na periferia, na invasão. Por isso, não são atingidos por essas
orientações. Sua está diretamente ligada ao catolicismo rural originado da
primeira matriz.
3.5 O Perfil dos Agentes Religiosos das Igrejas
Ao traçar o perfil desses agentes partiu-se dos questionários e entrevistas
dirigidos aos representantes das igrejas freqüentadas pelos estudantes, para que se
pudesse obter dados sobre as doutrinas e crenças transmitidas aos seus fiéis.
Utilizou-se a observação participante dos cultos e celebrações religiosas para
conhecer melhor o contexto de expressão celebrativa, as concepções culturais e
sentimentos que marcam a experiência religiosa dos alunos entrevistados. Através
dos discursos dos representantes religiosos pôde-se perceber os níveis de
influências sobre a vida dos estudantes.
Foram entrevistados quatro agentes religiosos das igrejas de que os alunos
participam: dois padres da Igreja Católica Apostólica Romana, responsáveis por
nove comunidades na região do Guanabara; um pastor de uma congregação da
Igreja Assembléia de Deus e um cooperador da Igreja Congregação Cristã no Brasil.
112
Para identificar melhor as falas dos agentes religiosos, distinguem-se os padres
católicos pelas denominações P1, P2, Pastor para o agente da Assembléia de Deus
e Cooperador para o da Congregação Cristã, o que corresponde também às
respectivas denominações usadas nas igrejas que conduzem.
Primeiramente, tentar-se-á traçar os dados gerais desses agentes. P1 é
brasileiro, 43 anos, de origem rural, natural de Catalão - GO; filho de pais lavradores,
migrantes e analfabetos, tem mais dez irmãos. Em 1978, deixaram o campo e se
mudaram para a cidade de Catalão. Desde os 18 anos mora em Goiânia; trabalhou
na roça, depois como auxiliar de escritório de uma barragem e hoje é padre,
religioso da congregação São Pedro de Advíncula, e tem a função de vice-vigário
paroquial. Desenvolve trabalhos de atendimento durante toda a semana. Recebe
dois salários mínimos e esse salário é comunitário, assim como é o salário dos
demais padres da comunidade; paga o INSS. Sua religião sempre foi a Católica.
Iniciou seus estudos aos dez anos de idade e terminou o ensino médio aos 30 anos.
Cursou o terceiro grau completo em Filosofia e Teologia.
P2 é espanhol da região da Galícia, 56 anos, veio para Goiânia em 2001, é
religioso da mesma congregação de P1 e vivem na mesma comunidade. Trabalha
como pároco responsável pela paróquia Jesus Bom Pastor, situada no Jardim
Guanabara I, e pelas demais igrejas católicas da comunidades do jardim
Guanabara.
O pastor é natural de Caiapônia - GO, 60 anos de idade, casado, pai de três
filhos, residente no jardim Guanabara III, em casa própria. É funcionário público,
com oito horas de trabalho diárias, seu salário fica em torno de R$ 690,00 e mais
uma cesta básica recebida pelo serviço prestado à igreja. É filiado ao Sindigoiânia,
Sindicato dos Servidores do Município de Goiânia. Seus pais eram pequenos
113
agricultores, a escolaridade deles foi apenas até a série. O Pastor é de origem
urbana, mora em Goiânia desde 1969. Sua primeira religião foi a presbiteriana e a
atual é a Assembléia de Deus. A sua escolaridade é o terceiro grau, cursou Ciências
Contábeis e Teologia; está cursando agora o Normal Superior.
O Cooperador é natural de Cotegibe - BA, 38 anos, casado, pai de três filhos.
Seus pais eram lavradores e tiveram o ensino primário incompleto. Exerce a
profissão de pedreiro, trabalha de 10 a 12 horas por dia, esse salário está em torno
de R$ 1.000,00, mais o salário da família que é de R$ 500,00. Não participa de
nenhum movimento social. Sua origem é rural, migrou para Goiânia em 1985. Na
Bahia, sua base religiosa eram os costumes católicos dos pais, mas atualmente é
membro da Congregação Cristã no Brasil. Sua formação escolar é a série do
ensino fundamental. [Não sentes necessidade de continuar os estudos?]. "Não, tudo
é inspirado pelo Espírito Santo, dons espirituais". Palavras do cooperador.
De imediato, constata-se que os agentes religiosos têm histórias de vida
semelhantes a dos alunos em vários aspectos: primeiro, todos são migrantes, seja
de outros estados, do interior de Goiás e até de outro país; segundo, suas origens
são rurais ou de famílias camponesas; terceiro, praticamente nenhum participa dos
movimentos sociais. Em relação ao nível de escolaridade, metade deles estudou
tardiamente como o P1 ou está ainda nas séries iniciais, no caso do Cooperador,
embora três deles tenham conseguido chegar ao 3º grau.
Atentando para as igrejas que esses agentes conduzem, e analisando como
se posicionam quanto as questões apresentadas na entrevista, pôde-se observar a
abrangência de cada uma delas, as diferenças de linguagem nos discursos, os
conflitos e desafios assumidos por elas. Os dois padres atendem a nove
comunidades: Jardim Guanabara I, II, III, São Judas, Residencial Felicidade,
114
Residencial Guanabara, Asa Branca, Vale dos Sonhos e Aldeia do Vale. O Pastor é
responsável por uma congregação da Assembléia de Deus do Residencial
Guanabara; é um grupo pequeno de 35 a 40 pessoas que se reúne em uma sala
alugada. O Cooperador também assume somente uma Congregação Cristã no
Brasil, no Residencial Felicidade. É um grupo maior, em uma Igreja construída com
espaço para umas 100 pessoas.
A igreja Católica, como tem maior tradição no país, organiza o atendimento a
seus fiéis em grandes grupos e em áreas geográficas maiores, em templos
construídos por região. A Assembléia de Deus e a Congregação Cristã são bem
mais recentes, nasceram na metade do século XIX, nos Estados Unidos, fruto do
Pentecostalismo evangélico missionário da chamada quarta corrente, no começo
do século XX surgiram as primeiras igrejas no Brasil. Em 1909, foi fundada a
primeira congregação da Assembléia de Deus em Belém - PA. No ano seguinte,
1910, em Santo Antônio da Platina PR, nascia a primeira fundação da igreja
Congregação Cristã no Brasil. Ambas têm em comum a organização distinta de
congregação, conforme a explica a matriz pentecostalista; uma de suas
características é organização em pequenos grupos. uma sede central e várias
unidades nos bairros. O cooperador calcula que na grande Goiânia "há 200
unidades com 2.000 membros. A sede central da Congregação Cristã no Brasil fica
no Setor Fama; na região do Guanabara três templos". O pastor assegura que
tem "cerca de 20 templos da Assembléia no Jardim Guanabara e 200 na capital. Sua
matriz fica no Setor Campinas". A pesquisa registrou cinco igrejas no Guanabara
II.
Em relação às funções exercidas pelos agentes, em todas as três igrejas, os
papéis que desempenham obedecem a uma hierarquia. Na Igreja Católica, o P2 é
115
pároco e o P1 é vice-pároco da Paróquia Jesus Bom Pastor, da região do
Guanabara e está em comunhão com o arcebispo local que conduz toda a igreja de
Goiânia.
Na Congregação Cristã no Brasil as funções são desempenhadas pelo
ancião, cujo papel é realizar o batismo, a unção e a santa ceia uma vez ao ano, na
época da páscoa; pelo cooperador, que celebra os cultos, visitas e evangelização
espiritual e pelo diácono, que é responsável pelas coisas materiais e pela
assistências aos pobres. Os cooperadores são escolhidos pelos anciãos, conforme
os critérios de bom testemunho e honestidade. O ancião é o mais velho, como
manda a lei do Antigo Testamento. Todo o serviço em prol da igreja é voluntário,
nenhum dos cargos é remunerado. A coleta é espontânea e não pode ser nominal.
Não é cobrado o dízimo, pois este significa 10% do que ganha o fiel, nesta igreja
isso não existe. Tudo é feito pela cooperação como a mão de obra nas construções
das igrejas e a diária de serviço nos finais de semana.
Na Assembléia de Deus, o pastor tem a função de dirigente, é um cargo
vitalício, também coopera e é um pregador itinerante. Isto é, se for convidado por
outro pastor, de outra congregação a pregar durante o culto ou a fazer palestras, ele
pode exercer a itinerância.
Quanto aos valores buscados pelos fiéis, P1 supõe que buscam o que mais
necessitam:
a paz, a não violência, não as drogas, o que a sociedade civil não oferece. A
preocupação inevitável das famílias são essas. Quanto ao falso discurso
das igrejas evangélicas de que mudam as pessoas, de que elas deixam de
beber, de fumar, os vícios em geral, não é bem assim, quem muda é a
pessoa. Daí o princípio da igreja Católica não trabalhar com o medo, mas
com a liberdade.
116
Para o Cooperador, os fiéis têm buscado "o culto de adoração a Deus,
refrigério da alma, uma libertação, ouvir a palavra de Deus, sentir a Deus". De forma
semelhante pensa P2: “buscam a paz espiritual, a tranqüilidade de vida, o diálogo
com as coisas de Deus". O pastor imagina que
primeiro, o fiel tem de ser crente convertido a Deus. Ao se converter, ele é
um carente, ele busca a ajuda divina. Exemplo: Nicodemos, se ele não for
um convertido ele não entra no Reino de Deus. O gozo espiritual do crente é
a aproximação do espírito de Deus.
Vê-se que colocações diferentes, umas mais ligadas às questões da vida
cotidiana e outras mais diretamente à espiritualidade, porém, são semelhantes no
que se refere ao papel da religião que é atender às necessidades humanas. As falas
dos agentes religiosos coincidem com a dos fiéis, que, nesta pesquisa, são os
alunos entrevistados; eles também buscam na mensagem religiosa a:
Salvação;
Adorar a Deus;
A presença de Deus;
A paz espiritual;
Busco mais inteligência, paz em casa, saúde e para Deus encaminhar um
bom serviço para o meu marido, para nóis lá em casa, porque praticamente
está todo mundo desempregado. [São quantas pessoas?] Seis. Minhae
nunca trabalhou fora, meu menino mais velho está fazendo bico,
trabalhando de servente.
Sobre o sentir-se preparado para trabalhar com esses fiéis e responder ao
que eles têm buscado, esses agentes têm diversos desafios e soluções para eles,
de acordo com a doutrina da sua igreja. O cooperador sente que "ninguém está
preparado. problemas em certos momentos, porém, são neles que a gente se
117
prepara para resolver. Tudo vem espontâneo, tudo é espiritual". Em relação à
participação, segundo o cooperador, na igreja pessoas de todos os níveis, mas
os que mais participam são "os humildes. É a palavra de Deus que sustenta o povo,
o temor a Deus". Os problemas enfrentados na realização do trabalho com os féis
vêm da disciplina desta igreja que é muito rígida.
A doutrina da Igreja Congregação Cristã em relação às mulheres diz que elas
não podem cortar os cabelos, devem usar véu, não podem dirigir o culto, "pois não
tem na lei nenhuma mulher que foi chamada para ser discípula, conforme as cartas
de Paulo". Na igreja sentam-se separadas dos homens. Foi perguntado ao
cooperador [por que só há regras para as mulheres?] Risadas... "Os homens devem
ter bom caráter, não podem usar bermudas, nem ter vícios". Os seus féis podem
assistir televisão, mas somente alguns canais, como o SBT e a Record, são
permitidos. Também não é permitido aos membros a participação nos movimentos
sociais como manifestações pró-moradia, greves, sindicatos, ser candidatos à
eleição em nenhum partido político ou associações de qualquer natureza.
Quanto ao preparar-se, pastor também segue a espontaneidade dizendo: "a
preparação vem espontânea, mesmo assim, a gente cobra da gente mesmo, lendo
boas leituras, não desprezando a Bíblia, participando de seminários e palestras".
Este, porém, considera importante outras fontes de preparação para corresponder
ao serviço do povo. Para o pastor a "consagração para o fiel é tudo". Quanto às
dificuldades para realizar o seu trabalho, uma delas é a "falta de terreno para
construir. Nós somos diferentes da Igreja Católica, quando nasce um bairro ela
tem um lote. Falta tempo para dedicar mais, o caminho é estreito. O pastor nunca
acha difícil. II Cr: 5,10".
118
A doutrina da Igreja Assembléia tem a Bíblia como livro base. O pecado não é
erradicado por completo; o sexo fora do casamento é adultério; a questão do
vestuário é exemplo de pecado. O crente que se encontra nessas situações de
pecado não participa da ceia. Essa igreja também não motiva seus membros a
participarem dos movimentos sociais. Quando muito, informam os locais e as
possibilidades para obtenção de lotes para a moradia. Mas os interessados têm que
enfrentar filas e não têm nenhum privilégio. Foi perguntado também ao pastor sobre
a participação na política partidária, que esta igreja tem vereadores, deputados
em Goiânia e no Congresso Nacional. Ele respondeu "que esse é um projeto
pessoal, que eles simplesmente apoiam o irmão com o voto".
Na igreja Católica, as dificuldades, nas palavras do P1, é "o crescimento das
comunidades. O desafio é como atingir mais pessoas, o que poderia fazer para
socializar mais". Em algumas comunidades isso melhorou muito, em vários sentidos.
Segundo ele: "os leigos que trabalham no Conjunto Guanabara III, são frutos do
trabalho de 15 anos da presença da congregação São Pedro de Advíncula". Foi lhe
perguntado se muitos conflitos na comunidade? Ele respondeu que "sim, tem
casos particulares de conflitos. Nós, padres, temos que esclarecer com sinceridade,
de acordo com aquilo em que a gente acredita. Afinal o crer é da pessoa.
conflitos de autoridade, porém, a organização da igreja não permite estar com o
povo".
Para o P2, preparado ninguém está e o que tem dificultado o trabalho na
comunidade é "a falta de perseverança, as fofocas e a falta de disponibilidade para
assumir o trabalho pastoral".
Pelos depoimentos dos agentes religiosos católicos, percebe-se que o desafio
das igrejas é o da participação mais integrada de seus membros. É a questão do
119
tempo, do espaço, do atingir e socializar mais, da perseverança, das disponibilidade,
da conscientização.
Os problemas e desafios aparecem também nas mensagens deixadas por
cada um deles. P2 diz que "o principal desafio é colocar nas celebrações e homilias
o compromisso fundamental de transformação do mundo, o compromisso do
batismo, de justiça e paz. Ajudar as pessoas a ter consciência de que o mundo e a
igreja são o grande desafio". P1, também representante da Igreja Católica, deseja
que os cristãos compreendam que "Deus é pai, que nos ama a todos
indiscriminadamente, que Jesus morreu por nós, que o Espírito Santo atua em nós e
nas comunidades". O representante da Igreja Assembléia de Deus quer a
"santificação e levar a salvação para alcançar a vida futura". O cooperador da
Congregação Cristã faz o convite de "sempre estar congregando, participando do
culto, alimentando a vida material e esperando a vida eterna, a volta do mestre
senhor Jesus".
Um dos pontos mais fortes de todas as religiões são as práticas litúrgicas, na
linguagem do catolicismo, e os cultos, nas igrejas evangélicas. Por isso, é pertinente
perguntar com Bosi (1999), que faz uma reflexão sobre o culto e o enraizamento na
cultura popular do migrante: "De que maneira as práticas religiosas se tornam uma
fator de enraizamento ou desenraizamento do povo"?
Uma das formas é que as práticas religiosas fazem chegar às pessoas
simples os livros clássicos da fé como a Bíblia e permitem que eles convivam com a
grande arte: o texto, a música, a pintura, a arquitetura, a dança, a poesia. Todas
essas formas de arte se tornam canais de comunicação e expressão simbólicas
integrante do culto.
120
O estudo de Bosi vem ao encontro da realidade do povo que, mesmo não
sabendo ler, tem verdadeira reverência e paixão pela Bíblia. Durante esta pesquisa
a 'Palavra de Deus' foi citada 27 vezes pelos estudantes, inclusive, é um dos seus
motivos de buscar a escola: ela lhes permite, depois, participar mais na igreja. É que
mostra estas falas: "quero aprender mais para eu ler a Bíblia melhor"; "Vou à igreja
para ouvir a Palavra de Deus", ou então "o que mais gosto na igreja é a Palavra de
Deus". Esta resposta foi unanimidade, não entre os evangélicos como também
entre os católicos, quando perguntados sobre: o que eles buscavam na religião, o
que eles mais gostam dentro da igreja e sobre que objeto, dentro da igreja mais lhes
representava. A apropriação da linguagem bíblica, principalmente para os
evangélicos, é o motivo mais forte.
Eles repetem e decoram determinados versículos, aqueles de que mais
gostam, até torná-los expressões de sua sabedoria no cotidiano: "agora que estou
mais velha voltei para a Assembléia, você não pode ter vaidade, pois o pastor
exige, porque 'nóis somos a luz do mundo', como a luz fica representado a trevas?
Tem que clarear".
Diante do sofrimento, é comum ouvir expressão do tipo: "Pai afasta de mim
esse cálice", "Bem aventurados os que tem fome de justiça". Tais expressões
tornam-se consagradas na vida das pessoas, por isso não devem ser modificadas;
Bosi (1999, p. 32) explica que "alterar essas sentenças populares com inovações
discutíveis é torná-las postiças e estranhas. A mudança não deve excluir um
elemento que era superior como expressividade".
Além do texto bíblico, a música, em muitas igrejas, é um elemento que
mantém vivo o teor da informação e ampara a participação com ritmo, rima e
sonoridade que o tempo e a tradição comprovam. Essa experiência foi bem palpável
121
durante as observações realizadas nos cultos das igrejas Congregação Cristã no
Brasil e Assembléia de Deus.
Na Congregação Cristã, muita participação e liberdade de escolha dos
hinos que são acompanhados de muitos instrumentos como o teclado, tocado
somente por mulher; trombone, saxofone, flauta. Cantam-se três hinos ao iniciar o
culto. Os membros presentes, com o hinário em mãos, cantam, Não é um grupo
como em algumas comunidades católicas, mas todos soltam as vozes com muita
energia, como se fosse a mais forte expressão da alma. O ritmo muito animado, as
notas e uma rima perfeita, a repetição dos refrões, tudo isso facilita a aprendizagem
da melodia. Cantam aquilo que desejam, pois a sugestão vem espontânea, cada
pessoa fala o número do hino que quer.
Registra-se que, durante a observação realizada o cooperador coordenou um
roteiro simples: fez a oração inicial apresentando as súplicas do cotidiano da
comunidade, a apresentação de testemunhos pelo Espírito Santo: momento em que
qualquer membro que se sentir interpelado e ir à frente do altar, ao microfone, e falar
das graças recebidas, das libertações alcançadas durante a semana.
Uma mulher e dois homens participaram deste momento no dia em que foi
realizada a observação. É um momento em que a mulher pode fazer outra coisa,
além de cantar. É bom lembrar que, nesta igreja, a mulher assume poucos papéis.
Cantou-se novamente outro hino. Um membro qualquer fez a leitura de Is, 55.
Houve a revelação da palavra pelo Espírito Santo a um membro que foi até à frente
e fez a pregação da leitura de forma aleatória, falou da realidade, citou muitos outros
textos bíblicos, não se fixou no texto que foi lido, exaltou as qualidades e diferenças
da ação da igreja como a não exigência do dízimo. Durante esse momento de
pregação a assembléia ficou repetindo: “Glória a Jesus”, todos ao mesmo tempo.
122
Registra-se que é por ouvir e acreditar no que está sendo dito, que eles dão glória.
Mais um hino foi cantado, oração final e hino de encerramento.
Percebe-se, pela forma como realizam o culto, que a participação é livre e
democrática. formalidades especificas: a maioria dos homens usa terno e
assentam-se separados das mulheres, e estas usam um véu, vestidos ou saia
longas durante o culto. O interior da igreja é muito simples e organizado, duas
portas de entrada, de um lado entram as mulheres e do outro, os homens.
A observação realizada mostrou ainda que o culto na Assembléia de Deus tem
semelhanças com o da congregação Cristã em vários pontos. Um deles é na
música, cantou-se muito, e todos participaram de maneira intensa, principalmente, o
pastor e sua esposa; houve o acompanhamento de violão e trompete, um diácono
era responsável pelo som. Após os hinos iniciais, ele acolheu os membros presentes
e as visitas, incentivou os crentes a trazerem as crianças para aprenderem desde
pequenas a importância do culto. Uma irmã foi convidada a ir até a mesa e fazer a
leitura, ela motivou os fiéis a ouvir a Palavra. Mais duas irmãs, também à frente,
deram o testemunho; outras duas senhoras foram convidadas a cantar o corinho,
mais duas crianças, muito bem vestidas, também se apresentaram cantado um hino.
Seguiu-se a pregação por um pastor convidado, era de Palmas - TO, e se
encontrava na cidade. Ele leu mais dois versículos diferentes dos que já haviam sido
lidos e os explicou com muita eloqüência, buscou outros textos, contou a própria
experiência, chorou, falou em língua diferente, encerrou sua pregação com o violão,
apresentando duas música do seu recém-lançado CD, cuja divulgação e venda eram
o motivo de sua visita nesta comunidade.
O Pastor deu os avisos e convidou insistentemente os membros a
participarem de uma festa, em um ginásio da capital, com um pregador muito
123
famoso, demonstrando a importância de todos conhecê-lo. O ônibus viria até o
bairro, o que facilitaria a ida de todos, dizia o pastor. Cantou-se mais um hino para
encerrar.
Constatou-se que essa igreja é formada por um grupo pequeno, mas com
uma participação muito intensa das mulheres seja nos cantos ou na leitura da
palavra. A própria esposa do pastor é uma pregadora, faz palestra, e ajuda muito o
marido. Os papéis de cada um são mais definidos. Outro ponto comum entre essa
igreja e a anterior é a comunidade afirmar o que acredita, quando o pregador está
falando, os fiéis repetem o todo tempo, junto com ele a palavra aleluia. Os
momentos fortes de seus cultos são os hinos. A voz é muito valorizada, assim como
a leitura e a pregação. Portanto, a Bíblia e o hinário são instrumentos inseparável
dos fiéis.
Em relação a esse material utilizado pelas igrejas, seja a Bíblia, os folhetos ou
os livros de cantos como forma de mensagem, como canal de comunicação deve-se
considerar os motivos da não leitura por alguns fiéis: o analfabetismo, a vista
cansada do operário, depois de tanto anos e horas de trabalho, neste sentido, os
folhetos das missas da igreja Católica não favorecem a leitura; as letras são muito
pequenas e carregados com vários textos. Isso dificulta a leitura e o
acompanhamento desse leitor que mais uma vez é humilhado e marginalizado
dentro da própria igreja, um dos lugares que poderia viabilizar uma maior
participação.
Bosi (1999) chama atenção dos editores em relação ao tamanho da letra dos
textos sagrados para o grande público de leitores idosos e populares atentos e
vibrantes. "Eles já não lêem para alcançar status ou por competição, lêem buscando
124
compreender a própria sustância da vida, confrontar memória com memória,
experiência, com experiência" (BOSI, 1999, p. 34).
Outro problema grave é a redução desses textos. Essa operação acontece
também nos folhetos das missas, quando antes das três leituras do Antigo e Novo
Testamento um comentário prévio dos textos. Por meio dele, o comentarista
simplifica, tira conotações de natureza moral ou política sem primeiro deixar o texto
falar, ignora-se assim que o primeiro comunicador deveria ser o profeta, as cartas, o
evangelho.
Os textos bíblicos são o que de mais concreto na linguagem religiosa e
não simplesmente difíceis metáforas; são mensagens que resistiram aos séculos e
inspiram gerações. No Antigo Testamento os profetas usam figuras simbólicas, os
salmos cantam pura poesia, nos evangelhos contam-se as parábolas. A linguagem
Bíblica é muito rica, metafórica, poética, concisa e altamente informativa em si
mesma. Por isso, os comentários e interpretações antecipadas, segundo Bosi (1999,
p. 36),
é um dano religioso, pois impedem que a interioridade suplicante do fiel
receba o alimento puro que ele espera. Um dano estético, porque o
comentário turva essa fonte de significações infinitas. Impede a livre
decodificação. Fecha a obra aberta e ancora o texto. Amarando apenas um
significado conveniente, para o qual dirige a atenção, impede a misteriosa,
imprevisível síntese pessoal. Também é um dano físico, porque a
proliferação de palavras escritas satura a página fatigando o leitor. A
divulgação arranca da obra original aquela centelha de ouro puro que ela
continha: o momento platônico em que a Verdade e a Beleza se abraçam.
A Igreja Católica é intelectual por tradição e essa intelectualidade aparece em
seu corpo estruturante. Na liturgia é clara a divisão organizacional. Nos grandes
centros o padre costuma fazer tudo, nas periferias, organizadas, vários grupos
125
de leigos que assumem diversas funções. Um grupo canta, outro faz os comentários
e leituras, outro o ofertório, a dança, o teatro e povo assiste e repete as repostas
prontas.
Respondendo à pergunta inicial: Como as práticas religiosos podem ser
fatores de enraizamento, vínculo social e fortalecimento da memória? Pode-se
afirmar que a celebração do culto envolve dois grandes princípios enraizadores: o
alimento e a música. Na liturgia evangélica das duas igrejas, como foi descrito, a
música é a alma do culto. A assembléia inteira acompanha as palavras nos hinos.
Na Igreja Católica, os festejos pascais e natalinos nos bairros populares geralmente
não ficam dentro das igrejas, mas no caminho, na visitação, na novena, na procissão
e no cortejo como nas folias de reis, nas romarias. O que relembra a origem do
catolicismo rural. É nessa fonte que se deve buscar inspiração ao trabalhar com os
migrantes.
Durante as novenas nas casa a visitação é enraizamento. É a oportunidade
das pessoas irem até os amigos e parentes de quem um mundo de opressão os
separou. Apesar do cansaço, das horas extras de luta que sugam o tempo,
fragmentam o mundo, separam as pessoas, em algumas datas, nestas visitas
reencontram-se os amigos ajuntam-se os cacos que sobraram.
Os crentes populares entendem a visita às casas do bairro, em especial às
casas dos doentes, como uma missão, um prolongamento do culto. No entanto, a
sociedade atual não possibilita tais encontros: o estresse diário, a intensa jornada de
trabalho, a televisão, tudo procura impedir a visitação dos pobres. A visita é
importante porque age como um meio de evitar o isolamento e o desenraizamento.
Para Bosi (1999, p. 38), "a especulação urbana criou rupturas e abismos entre
os que se querem ver, mas os pontos distanciados se aproximam, e o mapa afetivo
126
da cidade se reconstitui então". Os evangelhos mostram a importância dessa
prática: Maria visita Isabel, os pastores visitam José e Maria.
As músicas religiosas, na vida das comunidades rurais, sempre estão ligadas
a um determinado tempo, seja ao de colheita ou ao das estações renováveis,
portadoras de significados e esperanças que renascem a cada ano. Devido a essa
sua natureza, essas músicas guardam uma forte herança cultural, e, por isso, os
agentes religiosos da liturgia não devem renová-las apenas por renovar. Assim
sendo, não se pode desvalorizar a memória dos adultos e idosos, que guardam
entre as lembranças os hinos de infância e juventude. O velho, na comunidade, quer
aprender novos cantos e ensinar os de outrora. Sua identidade precisa ser
reconhecida e revigorada; sua memória preservada. O sentimento enraizador é
portador de esperanças, de poder cantar de novo os cânticos das festas de
antigamente. Portanto, não motivo para substituir os hinos de que o povo lembra
e gosta por outros passageiros que pouco falam da sua realidade, que se aprende
hoje e esquece amanhã. O canto representa a própria igreja para um aluno
entrevistado, como revela esta fala "a igreja representa o dom de cantar que Deus
deixou pra gente. Isso deixa o coração bem e aliviado".
A inovação, portanto, tem sentido pela criação de obras significativas para
o povo, a partir de uma prática de transformação do mundo. A mensagem enraizada
e participada tem resistência e alcance mais longo, porque capta o transcendente
além do tempo e das espécies. A liturgia pode ser um fator de enraizamento, desde
que ela guarde a memória da sua origem grega: leitoygía, serviço ou atividade feita
pelo povo. Desta perspectiva, "o enraizamento é um direito humano esquecido. O
migrante vem chegando à cidade com as raízes partidas. A liturgia pode enraizá-lo,
criar e reviver tradições, valores lembranças que dão sentido à vida", afirma Bosi,
127
(1999, p. 41). O que confirma mais uma vez, nesta pesquisa, que a participação
religiosa influencia e favorece os vínculos sociais.
128
CAPÍTULO 4
MEMÓRIA RELIGIOSA, SÍMBOLO, EDUCAÇÃO E CULTURA
À sua maneira, as crenças religiosas Cristalizam-se
em grupos, comunidades, igrejas, irmandades,
ordens, seitas, com um impacto social inevitável.
(José Severino Croatto)
Esse capítulo tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre como a memória e o
simbolismo religioso, a partir da cultura, podem contribuir com uma educação de
jovens e adultos que conduza a uma participação mais efetiva e transformadora
desses sujeitos reinraizados na sociedade.
O referencial teórico que suporte para essa busca é Halbwachs (1990),
que trabalha a memória coletiva na visão sociológica concreta, próxima da realidade;
Brandão (2002a) que trata da educação como cultura, e (2002b) que trabalha a
questão da educação popular na escola cidadã; e outros como Croatto (2001),
Eliade (1991), Geertz, (1989), Rocher (1971).
129
A questão central desse estudo é feita a partir do trabalho com a memória.
Busca-se conhecer melhor a religiosidade dos alunos, observar como esses sujeitos
elaboram estratégias e pensam ações para o futuro, ou seja, objetiva-se
compreender o trabalho de memória dos alunos do ensino noturno, que possuem
uma história individual e coletiva, permeadas de lutas cotidianas, incluindo a
migração até a periferia da cidade grande e que tem a religião como aliada nessa
trajetória.
O referencial teórico metodológico básico é Bosi (2003), especialmente, sua
obra Memória e sociedade: lembranças de velhos, confrontando-a com a memória
coletiva, social, na perspectiva de Maurice Halbwachs (1990). Buscar-se-á suporte,
também em Moscovici 2003, que aprofunda o estudo das representações no campo
da psicologia social; na dissertação de mestrado de Margarete Sueli Bertti (2002),
intitulada Memória coletiva e educação em assentamentos rurais goiano’. Outro
suporte desse estudo é a pesquisa empírica feita por meio de entrevistas realizadas
com uma 3ª série de alunos do ensino noturno.
Inicia-se fazendo um pequeno histórico do que seja o trabalho de memória
individual e coletiva a partir desses autores. No presente estudo enfoca-se o
conceito de memória fundado nas ciências humanas, no âmbito da história e da
antropologia, especificamente da memória coletiva, enquanto trabalho de
reconstrução do passado, da experiência vivida pelos grupos, de reelaboração das
lembranças a partir dos ethos culturais da sociedade.
Segundo Halbwachs, o passado não pode ser revivido, mas reconstruído.
Essa reconstrução, feita pelo indivíduo, é realizada através da visão de mundo da
sociedade no tempo presente. Na obra Os quadros sociais da memória de 1929,
Halbwachs fala que é impossível conceber o problema da evocação e da localização
130
das lembranças se não considerarmos os quadros sociais reais que servem de
pontos de referência nesta construção que chamamos memória. Nesta perspectiva,
as relações estabelecidas não são entre corpo e espírito, mas nas relações
interpessoal, nas instituições sociais.
Halbwachs estuda a memória a partir das instituições sociais. Para ele, a
memória individual depende da participação do sujeito na família, na escola, na
igreja, na profissão, com a classe social, com os grupos de convivência própria
desse sujeito. Segundo esse autor, é impossível conhecer a evocação e localização
das lembranças se não ativer mais ao ponto de aplicação dos quadros sociais reais
que servem de referências na construção da memória.
O autor valoriza e considera as instituições sociais como formadoras do
sujeito. Em sua visão, o que faz a pessoa se lembrar são os traços materiais, o
presente e os grupos sociais dos quais ela participa. Isto leva Bosi (1987. P. 17), que
utiliza esse referencial ao estudar memória dos velhos, a afirmar: “lembrar não é
reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens de hoje, a experiência do
passado”. Memória é reencontrar o passado no presente.
Nessa discussão, estudar a memória individual não tem sentido se ela não for
colocada em relação a um coletivo do qual o indivíduo faz parte. A ênfase é dada no
caráter interpessoal das instituições sociais. Dessa forma, a memória do indivíduo
depende do relacionamento com estas instituições, da mediação que estas são
capazes de lhe proporcionar.
Nesta linha, Bosi (1987, p.331) reafirma esse ponto de vista, pois considera
que é preciso reconhecer que muitas de nossas lembranças, idéias e valores não
são originais, são derivadas de uma práxis coletiva.
131
4. 1 Memória e Prática Religiosa dos Alunos
A partir das entrevistas feitas com alunos de uma turma de série dos do
ensino noturno, sujeitos participantes das instituições como escola e igreja, tentar-
se-á ver a relação da memória coletiva desses alunos, com a prática da religião.
No primeiro depoimento, procurou-se ver a memória do lugar onde moravam;
buscou-se esse dado porque ele pode mostrar a questão do enraizamento, ou da
fragmentação. Este foi o primeiro questionamento feito: Onde você morava antes de
mudar para Goiânia?
Natividade – TO,
São Valério – TO,
Imperatriz – MA,
São Luís – MA,
Brasília – DF,
Carmo do Rio Verde – GO,
Fazenda Nova – GO,
Goiânia- GO
Pires do Rio – GO,
Goianápolis – GO,
Goiânia – GO,
Campina Grande – PB,
João Pessoa – PB,
Barreiras – BA.
Correntina – BA,
Santa Maria da Vitória – BA.
Quanto as suas origens, esses alunos vêem de seis estados brasileiros; isto
mostra o fluxo migratório, sobretudo, das regiões norte e nordeste e mostra também
132
que a variedade cultural e religiosa trazida por essa população é muito rica. Este
dado confirma a hipótese levantada sobre os alunos migrantes e os vínculos destes
com a religião, na nova cidade onde passaram a residir.
Outro elemento a ser considerado neste trabalho é a identificação. A busca
da identidade que se dá não só pela mediação da religião mas também, pela afeição
pelo o lugar onde moram. Tuani (Apud BERTTI, 2002 p. 71), diz que “o lugar
constitui identidade, o lugar é um arquivo de lembranças afetivas e realizações
esplêndidas que inspira o presente”. É o caso do aluno membro da Igreja
Assembléia de Deus que lembra com muita saudade dos hinos que cantava. Essa
idéia demonstra que as pessoas têm afeição por seu lugar não por exclusividade de
povo ou cultura, mas o lugar existe em diferentes escalas, pode ser a pátria, uma
região, uma cidade ou um povoado. O lugar é onde se constroem e acumulam
experiências, laços afetivos e culturais.
Conforme se mencionou, as religiões estão solidamente afixadas no
espaço, no solo, não somente porque se trata de uma condição que se impõe a
todos os seres humanos e a todos os grupos; mas porque uma sociedade de fiéis é
conduzida a distribuir entre os diversos pontos do espaço o maior número de idéias
e imagens que são defendidos por essas religiões. Estão presentes nesses espaços
lugares sagrados que evocam lembranças religiosas.
No questionamento número dois perguntou-se: você participava de qual
religião? treze alunos disseram participar da Igreja Católica, dois da Assembléia de
Deus, um que transitou para a Igreja Luz Para os Povos, um espírita e outro que não
segue nenhuma igreja.
Os relatos dizem respeito a um momento da vida de cada estudante e
conferem identidade a esses sujeitos. Tais relatos são elementos que fazem parte
133
da constituição da memória coletiva. Eles demonstraram vínculos religiosos no
aspecto simbólico, pois dos dezessete alunos entrevistados, em sua maioria
católicos, somente um não participa de nenhuma igreja. Além disso, mantêm ligação
com os santos, com as festas populares e com as romarias de que todos se
lembram e, ainda, são devotos de uma grande diversidade de santos. Estes dados
confirmam as palavras de Bosi (2003, p. 55): “a lembrança é uma imagem
construída pelos materiais que estão, agora, a nossa disposição, no conjunto das
representações que povoam nossa consciência atual”.
Na visão de Halbwachs, o passado se conserva no meio do material que nos
cerca: no espaço, sobre o nosso espaço - aquele que ocupamos, por onde
sempre passamos, ao qual sempre temos acesso, é que nossa imaginação ou
nosso pensamento é capaz de reconstituir - que devemos fixar e voltar nossa
atenção," (HALBWCHS, 1999, p. 143). Esta é a condição para que reapareça esta
ou aquela categoria de lembranças. Em consequência, não grupo, nem gênero
de atividade coletiva que não tenha qualquer relação com um lugar, isto é, com uma
parte do espaço.
É o que se de forma bem concreta nas respostas à questão número três,
quando se perguntou: De quais festas você mais se lembra?
Festa de São Pedro, da tradicional festa a Nossa Senhora do Rosário; festa
junina da Bahia;
Festa de batismo nas águas, eu gostava muito, por isso, não me esqueço
delas;
Eu lembro das festas de nossa Senhora Aparecida, São Pedro, São Jorge e
Santa Luzia;
Eu lembro e gosto muito das festas de reis;
A festa de Trindade é maravilhosa, participo dela desde pequeno;
O que mais lembro é da noite de Natal;
134
ficou na minha lembrança a Romaria do Senhor do Bonfim; as festas de São
João.
Pode-se observar que as narrações sobre as festas fazem referência a um
passado no qual estão contidos acontecimentos que marcam a vida dos alunos: a
romaria do Senhor do Bonfim, as festas de reis, a devoção a Nossa Senhora
Aparecida, a festa de batismo nas águas e outros fatos que ficam bem marcados na
memória individual e coletiva de cada sujeito que lembra. Toda religião tem sua
memória feita de tradições, revelações que aconteceram no passado, e suas raízes
são garantidas através de testemunhas, que depois dão origem as romarias e as
peregrinações. Lugares por onde os fiéis percorrem caminhos e refazem a memória
histórica dos santos.
Qualquer que seja o papel dos cultos aos lugares santos na história dos
cristãos, sempre referência ao espaço religioso, porque sendo Deus onipresente,
não existe região ou lugar que não possa participar do mesmo caráter sagrado, onde
Deus manifesta. Isso basta para que os fiéis comemorem coletivamente sua e
guardem as lembranças recordando cada local. O que importa é a significação
invisível e eterna desses fatos lembrados.
Na quarta questão foram perguntados sobre as imagens de que mais se
recordam. Nas respostas surgiram as imagens de
São João, de Nossa Senhora Aparecida, a santa de minha devoção (seis
vezes);
De Jesus Redentor e Santa Luzia; da bandeira dos Santos Reis;
De Santo Antônio; do quadro colorido nas paredes de Igreja;
A partir dos depoimentos sobre as imagens e ícones, pode-se constatar que
as lembranças se apóiam nos lugares e símbolos como a bandeira dos Santos Reis,
nos quadros coloridos das paredes, nas imagens dos santos populares. Isto
135
corresponde ao itinerário percorrido pelo grupo e funciona também como marcas do
tempo vivido. Assim, no espaço e no tempo, situam-se as ações dos seres
humanos.
Neste sentido, é importante abordar a memória como elemento essencial de
busca individual ou coletiva, busca esta que é uma das atividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades. A memória coletiva, além de ser uma conquista, é
também um instrumento e um objeto de poder; luta pela dominação de recordação e
da tradição. É por isso que, segundo Bosi (2003, p. 55), “Halbwachs liga a memória
da pessoa à memória do grupo; e esta última à esfera maior da tradição, que é a
memória coletiva de cada sociedade”.
A memória do grupo é contínua, ela retorna aos lugares, refaz o espaço pelas
lembranças e sensibilidade do pensamento. Esse grupo de alunos tem a religião
como apoio, como se descreve na formação do povo brasileiro. Sobrou para os
marginalizados uma crença que levam na memória para onde vão. Por isso, o grupo
religioso, tem a necessidade de apoiar-se sobre um objeto, sobre uma realidade que
dure e permita-lhe projetar o futuro sobre o caos.
Cada aluno do grupo tem uma representação coletiva comum que é a religião.
Esta tem sentido em relação ao o grupo do qual faz parte, pois supõe um
acontecimento vivido em comum. Por isso, a
memória individual existe, mas ela está enraízada dentro dos quadros diversos
que a simultaneidade ou a contingência aproxima momentaneamente. A
rememorização pessoal situa-se na encruzilhada das malhas de solidariedades
ltiplas dentro dos quais estamos engajados (HALBWACHS,1999 p.14).
Dessa forma, situam-se os estudos a partir de grupos sociais, de alunos
trabalhadores, de pais de famílias, de vida religiosa, de histórias de vidas. um
136
vasto conhecimento não institucionalizado, que contrapõe aos interesses do poder
oficial. Nesta linha, importa neste estudo buscar a memória dos alunos, como forma
de preservar as suas histórias de vida, mas também uma síntese feita por eles
mesmos, enquanto sujeitos sociais em ação.
A mediação da religião, conforme se referiu, ocorre como apoio e canal de
expressão, de enraizamento, dando direção e significado mais amplos à vida, pois o
sujeito social lembra e confirma a tradição. Quanto às religiões, elas estão
solidamente fixadas no espaço. Por esse motivo lugares sagrados que evocam
lembranças religiosas. A sociedade religiosa consegue recordar os lugares ou
reconstituir em torno dela uma imagem simbólica dos lugares nos quais ela se
originou. Conforme explica Halbwachs (1990, p. 159)
porque os lugares participam da estabilidade das coisas materiais e é
baseado neles, encerrando-se em seus limites e sujeitando nossa atitude à
sua disposição, que o pensamento coletivo do grupo dos crentes tem maior
oportunidade de se eternizar e de durar: esta é realmente a condição da
memória.
Desse modo, o grupo religioso faz a separação entre os lugares sagrados e
profanos, pois parte do espaço que o grupo de fiéis considera proibido, mas
outros espaços que se tornam um abrigo, um apoio sobre o qual firmam suas
tradições.
A igreja não é somente um lugar onde se reúnem os fiéis. Devido seu aspecto
interior, ela é diferente dos outros lugares e recintos da vida coletiva. Sua
organização atende às necessidades do culto, e se inspira em tradições e
pensamentos do grupo religioso. Seja pelos diferentes lugares que são preparados
para os fiéis, pelos sacramentos, pelas formas de devoção ali encontradas, as
137
igrejas impõem por si mesmas, aos membros do grupo, atitudes, reverências, um
conjunto de imagens determinadas e imutáveis como os ritos, as preces, os dogmas
impregnados de mistérios. Assim, as religiões se desenvolvem e se aproximam no
espaço. Essas são as condições que asseguram sua sobrevivência.
Outro instrumento de que não se pode esquecer de referir ao estudar a
memória é a linguagem. Ela é o elemento socializador que unifica e aproxima no
mesmo espaço histórico e cultural as imagens lembradas. A língua expressa as
representações ou símbolos vindos das situações vividas, sonhadas em grupo.
Nesse pensamento, a religião é referência para esse grupo de alunos, pois
nada escapa da existência social e da combinação de diversos elementos culturais,
que emergem em forma de lembranças, as quais são traduzidas em linguagem.
O estudo das representações sociais permite analisar o processo de
construção dos vínculos religiosos dos alunos em sua realidade, através do senso
comum, da prática. O senso comum consiste em um conteúdo informal, carregado
de informações e saberes é produzido pelos membros do grupo a partir do
conhecimento popular, das tradições, e da comunicação social que as pessoas
estabelecem com os valores sociais na vida cotidiana. Segundo Moscovici (2003, p.
27), é “impossível eliminar o conteúdo do senso comum, o conhecimento popular, e,
em particular, a psicologia popular, se pretendemos compreender o pensamento e a
ação humana”.
Nas repostas dadas às questões três e quatro, nas quais se indagou sobre as
festas e imagens de que mais se lembram, fica bem clara a ligação dos alunos
(jovens e adultos) com o catolicismo popular. Esta é uma religião voltada para a vida
aqui na terra e, por isso, é uma religião prática. É uma prática que afirma as ões
simbólicas da vida social desses grupos. A festa é um momento de troca, de alegria,
138
de fartura, de pagar promessas, é rito de passagem da vida diária, uma herança do
catolicismo rural que possibilita fazer memória.
A folia de reis, por exemplo, é uma festa popular que reúne as pessoas,
alegria ao povo, recolhe as dádivas para os santos que tornam as festa mais
eficazes. A folia assegura o pagamento das promessas e a proteção do santo.
Assim os valores e representações simbólicas estão expressos na união coletiva dos
foliões que representam o festeiro; na bandeira do santo: símbolo sagrado para
todos os participantes.
Conclui-se essa análise com as palavras de Parker (1995), que faz uso
específico do termo ‘religião popular’, por ser mais adequado para tratar
cientificamente as expressões religiosas e culturais do povo latino-americano. Para
este autor,
as religiões populares são manifestações coletivas que exprimem a seu
modo, de forma particular e espontânea, as necessidades, as angústias, as
esperanças e os anseios que não encontram respostas adequadas na
religião oficial ou nas expressões religiosas das elites e das classes
dominantes (PARKER, 1995, p. 55-6).
Os alunos do ensino noturno, hoje residindo nas periferias da capital, ainda
têm vínculos com a religião, e participam de uma igreja como forma de
reenraizamento aos valores presentes na tradição coletiva para uma melhor
sobrevivência. Como fala Bosi (1999) inspirada em Weil, "o ser humano tem uma
raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que
conserva vivos certos tesouros e certos pressentimentos do futuro" .
139
4. 2 A Prece de Mauss
Através das considerações feitas acima, fica constatado que a presença da
religião no universo das representações criadas pelos seres humanos dá-se pelo
pensamento, pela linguagem falada e escrita, pela arte e também pela própria
organização social, na medida em que se progride na história.
Mas para que a vida em sociedade aconteça é necessária a existência de um
mínimo de valores comuns entre seus membros, isto é, para que haja adesão efetiva
e afetiva a esses valores. Uma das condições para que tais valores se tornem
coletivos, sociais, e para que sejam eficazes é o compartilhamento dos valores
comuns almejados. Segundo Lemos (2004, p.130), “essa condição é obtida quando
os valores são remetidos a representações, que se articulam em modelos culturais
estruturados do viver e do sobreviver”.
A prece é um dos elementos inerentes aos ritos existentes nas diversas
representações religiosas, e assim sendo, interage dialeticamente com a sociedade.
Ela pode fornecer valores que favoreçam a vida social? Essa é a questão
fundamental que tentaremos evidenciar a partir dos estudos do artigo ‘A prece’ de
Mauss (1979)
3
e também da realidade empírica dos alunos, coletada através da
entrevista escrita.
A prece é um fenômeno religioso, faz parte das manifestações do conjunto
das coisas sagradas. Ela está presente na história das religiões. De todos os
fenômenos sagrados é o que dá, de imediato, a impressão de profundidade, de vida,
de riqueza, de complexidade. Isto porque a prece é um dos fenômenos centrais da
vida religiosa. Ela é o ponto de convergência, de adesão a muitos outros fenômenos
3
Reproduzido de Mauss, M. La prièe. In: oeures. Ed. Cit. Liv. I. V. I, p.357-414. (Introdução definitivamente).
140
religiosos, através de dois meios distintos: os ritos e as crenças. A prece participa da
natureza do rito e da natureza da crença. Os dois pólos regulam a experiência
religiosa. As crenças consistem nas representações. Enquanto os ritos são ações
que dão sentido às diversas visões de mundo de todos os grupos religiosos e
sociais. Assim sendo os ritos e as crenças formam um sistema de representações
que explicam o sagrado, e a prece é um dos elementos desse sistema.
Nesse mesmo aspecto, Eliade (2001, p. 19) analisa a questão de “o sagrado
e o profano que constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações
existenciais assumida pelo homem ao longo da história”. A prece é uma forma de
unir essas duas modalidades do universo humano. É na experiência íntima com o
sagrado que se a prece, pois este universo contém em si o sagrado e o profano,
que representam o bem e o mal na construção de sua organização social.
A prece é um rito pois é uma atitude assumida, um ato realizado em vista de
coisas sagradas e se dirige a uma divindade. É uma crença em certo grau, um credo
que exprime um mínimo de idéias e sentimentos religiosos. O ser humano se
relaciona com o sagrado como algo que se encontra acima e é diferente dele. É
como se o sagrado fosse uma arma poderosa para enfrentar o caos.
Dessa forma, a prece apresenta diversos papéis: é uma exigência, uma
ordem, um contrato, um ato de fé, uma confissão, uma súplica, uma louvação, um
hosana, segundo Mauss (1979).
Na prece, o fiel age e pensa, a prece é pensamento e ação. Neste sentido,
ambos estão intimamente ligados em um mesmo momento religioso. A oração para
Mauss (1979) é uma palavra, é a linguagem, é a comunicação, é um movimento que
tem um objetivo e um efeito. É um instrumento da ação humana. Falar é ao mesmo
tempo agir e pensar: a prece é, simultaneamente, crença e culto.
141
Por outro lado, a prece é um dos melhores sinais pelos quais se manifesta o
estado de desenvolvimento de uma religião. Ela é um rito que pertence a uma
religião; seus destinos e os da religião estão estritamente unidos. Através do
desenvolvimento da oração, podemos perseguir o fio que conduz às grandes
correntes que agiram sobre o conjunto dos fenômenos religiosos.
Uma religião nasce de simulações de várias naturezas: da liturgia, que é uma
das formas de prece; do espaço temporal, que afirma a fundação de uma religião;
dos oráculos, que são narrativas fundantes de uma religião; das fórmulas teológicas
e dos objetos sagrados. Tudo isso é organizado por um corpo de especialistas que
dão continuidade aos ritos e às crenças revisando os mitos, transformando-os e
zelando pela sua existência. É a função exercida pela agentes religiosos.
A experiência religiosa, quando institucionalizada, quer dizer juntar, unir,
religar. Nisto ela se caracteriza por uma estrutura simbólica, procura dar sentido
único, global e comunitário à vida para os que nela crêem. Por isso, ela é também
uma organização nos parâmetros sociais.
No decorrer da história, o ser humano, na sua busca por respostas e sentido
de vida, sempre faz uso de sua capacidade de transcender-se. Isto ocorre porque
ele acredita no transcendente ao qual deu o nome de criador, mantenedor da ordem
cósmica, providência, bem, deus, princípio, vida. Essa crença é testada nos mitos de
origem em praticamente todas as religiões, afirma Schiavo (2004). Assim a religião
faz parte da cultura de um povo porque ela é a tentativa de busca, de dar
significados e respostas aos questionamentos mais profundos do cotidiano da vida
das pessoas.
A partir das considerações feitas acima sobre religião, compreende-se melhor
as origens da prece. Segundo a definição de Mauss (1979, p. 146) ela é “um rito
142
religioso, oral, diretamente relacionada com as coisas sagradas.” No início, ela foi
totalmente mecânica, agindo por meios de sons proferidos, acabou adquirindo a
forma mental e interior. Dessa dimensão passou para efusão do pensamento da
alma. Primeiramente coletiva, segundo formas comuns, tornou-se a livre conversão
do indivíduo a Deus. A prece de chegar a essa etapa devido à sua natureza oral.
Assim, a oração sendo, uma palavra, acha-se bem próxima do pensamento, por isso
pode abstrair-se e espiritualizar-se.
A origem da prece pode ser encontrada nas formas de ritos orais, petição
dirigida à personalidade divina ou ao menos espiritual. No entanto, foi-se revestindo
de formas fixas e específicas. Da simples mantra, passa à prece mental, à
concentração mística do pensamento, superior a todo rito. A prece é um fato interior
que escapa à observação, pois ela faz parte do campo da espiritualidade. Por isso, é
um fenômeno inapreensível, que segundo Mauss (1979) se pode conhecer
interrogando a si próprio ou àqueles que rezam.
4. 3 A Prece na Perspectiva dos Alunos
Foi na tentativa de apreender melhor o significado da prece, para um
determinado grupo, que se entrevistou os alunos da terceira série do Ensino
Fundamental noturno do município de Goiânia da Eaja. Eles foram indagados sobre
o exercício de tal prática religiosa.
Na primeira questão: O que é orar (prece) para você? Obteve-se as seguintes
respostas:
Orar para mim é conversar com Deus, não quando estamos precisando
dele, mas todos os dias;
143
É falar com Deus;
Orar para mim é o momento que estou falando com Deus;
É falar com Deus e ter intimidade com Ele;
Quando eu oro é gratificante, é muito bom falar com Deus;
Orar para mim é meditar;
É clamar a Deus e pedir perdão a Deus;
É pedir perdão a Deus de todos os pecados e pedir a salvação a Deus;
É estar mais próxima de Deus e ter fé.
Neste bloco de respostas dos alunos, vê-se que na prece o crente age e
pensa, que a prece é uma palavra substanciada na fé no transcendente como afirma
Mauss (1997). Fica visível que a fala, na prece, é um fator preponderante. A questão
da intimidade, da meditação com a divindade também aparecem, como outro
elemento que o autor citado analisa. É o entrar em contato; para os alunos
entrevistados esta questão é colocada dentro da primeira resposta. Outro aspecto
da prece é informado nos seguintes termos:
É muito bom pedir as bênçãos de Deus;
É o momento que desligo de tudo e de todos e vivo para Jesus; Eu me
sinto muito bem, lembro-me de muitas coisas e peço a Deus para me
ajudar;
É entrar em contato com Deus e fazer pedidos;
Orar é entrar em espírito com o Senhor Jesus Cristo;
Rezar para mim é muito bom para me ajudar;
Orar para mim é entrar em espírito com o Senhor, pois preciso do Senhor;
É rezar para Deus me livrar e defender de toda tentação;
É para mim ser feliz e arrumar um bom emprego e nunca faltar nada;
É pedir perdão a Deus de todos os pecados e pedir a salvação a Deus.
Este segundo bloco dirige-se mais aos pedidos, às súplicas, que é outra
função da prece. A súplica motiva as pessoas que acreditam, a buscar e viver o
futuro presente. Além de manter a esperança de que os pedidos se realizem em
144
outro tempo, possibilita viver a vida em sociedade. Observa-se que boa parte das
súplicas dirigem-se às divindades pedindo saúde, emprego, bem estar para a
família, garantia de paz, proteção contra as tentações. Em tudo isso é necessária a
presença de Deus para atender às necessidades da vida. Essas respostas mostram
elementos da coesão social que é a base do sobreviver.
À Segunda questão: Qual é o significado da oração (da prece) para você? os
entrevistados responderam com a simplicidade do cotidiano.
Orar para mim significa um preceito de Jesus;
A oração para mim significa várias coisas, dentre elas a vida que Deus fez
para mim;
O significado da oração é ter um momento de paz no coração;
É tudo que eu pedir com na oração, Deus com certeza responderá com
alegria;
Eu me sinto aliviada de todos os meus pecados, sinto que tenho paz na
minha vida;
O significado da oração para mim é um tempo que devemos tirar todos os
dias para conversar e agradecer ao Senhor Jesus;
Significa para mim que a gente possa orar para nossa família e que Ele
proteja todos nós;
O significado da oração é fazer pedidos de proteção para a família e fazer
agradecimentos a Deus;
É agradecer por tudo e pedir, principalmente, o perdão pelas nossas falhas;
A oração para mim significa muito, ela é muito importante;
Sabemos que sem Deus o somos nada, mas com Ele na nossa vida tudo
vai bem e tamm agradecer tudo que Ele nos dá;
É estar mais próxima de Deus e ter fé.
A prece aumenta ainda mais a capacidade humana de elevar-se, de ir além
de sua realidade através da reflexão do pensamento, dos sonhos, da imaginação. É
o que transparece nestas falas: agradecimento, fé, alegria, paz, proteção, plenitude.
145
A prece deve ser compreendida na perspectiva de busca de sentido às respostas
mais profundas da vida, como já foi dito anteriormente.
A terceira questão procura observar o tempo e o espaço da prece: Quando
você reza ou ora?
Quando vou dormir, quando acordo, na igreja ou nos grupos de oração, nos
finais de semana;
Eu oro a noite;
Quando eu oro é gratificante, é muito bom falar com Deus;
Na hora de dormir, quando me levanto cedo para trabalhar;
Eu rezo todos os dias e peço a Deus que proteja eu, as minhas filhas e meu
marido, que Deus dê muita saúde para nós;
Antes de dormir, de manhã e ao meio dia;
Oro às noites, todos os dias, ao Pai nosso que está no céu e a Santa Maria
mãe de Deus;
Quando minha família está doente; quando a gente está devendo eu
também rezo para que aquele pedido seja pago;
A palavra de Deus diz: vigiai e orai sem cessar, por isso devemos orar todos
os momentos;
Geralmente quando vou deitar e quando estou aflita;
Nos finais de semana;
Todos os dias às 3:30 da tarde, peço a benção para mim e minha família.
Aqui é importante analisar a relação da prece com o tempo e o espaço onde
acontece a experiência religiosa da prece. A partir das respostas aparecem os
elementos íntimos, individuais, diários como na hora de dormir, de aflição, de dívida,
de saúde. E nos momentos em que se refere ao coletivo: em grupos, finais de
semana, trabalho, a sentimentos comuns. Quanto ao espaço a prece acontece na
casa, na igreja.
146
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar o presente trabalho: A Influência da Religião na Construção de
Vínculos Sociais de Adolescentes, Jovens e Adultos da Escola Noturna, é
importante destacar algumas idéias e desafios que surgiram durante a análise da
pesquisa. A compreensão desses desafios, podem contribuir com novas
construções de vínculos sociais entre os alunos do ensino noturno e de outros
grupos com influências religiosas semelhantes.
A primeira idéia identificada foi que, para este grupo de alunos, a religião é
um elemento forte no que diz respeito aos vínculos sociais que os alunos ainda
mantêm, diante de tantas exclusões e dezenraizamentos pelos quais passaram.
Nessa trajetória de vida, a religião torna-se uma grande mediadora, ela propicia aos
fiéis a participação e o reconhecimento dos valores do ser humano. A pesquisa
deixou claro que sobrou para os marginalizados uma crença em um Deus que está
na memória e no caminho para onde vão, transformado em razão do viver no
cotidiano da cidade, o novo território desses sujeitos. Como disse uma entrevistada:
“sem Deus não somos nada”.
147
Foi a partir dessa perspectiva que se analisou a história de formação dos
bairros, das invasões nas cidades como Goiânia, e de modo especial a história do
Jardim Guanabara. Foram estudados os vários fatores que interferem nesse
processo de migração e de moradia onde os sujeitos da pesquisa passaram a
residir.
A trajetória de vida dos alunos mostra que eles não migraram do campo
para a cidade, mas também de cidades do interior para a capital, e ainda de outros
estados e de regiões mais pobres do país. Nesse processo acontecem rupturas e
deslocamentos no espaço e, conseqüentemente, surge uma descontinuidade, um
desenraizamento, relativamente aos seus territórios de origem. Isto atinge o modo
de vida desses indivíduos no campo social, econômico, político e religioso. Os
efeitos desses deslocamentos causam separações e distâncias dos seus hábitos
culturais. As condições em que se deu esse processo estão relacionadas ao
conjunto das transformações tecnológicas, econômicas e sociais, ao nascimento e
desenvolvimento das cidades e ao processo da divisão do trabalho em manual e
intelectual.
Esse processo de desenvolvimento das cidades em oposição ao campo marca
uma nova fase de estruturação da religião, pois uma separação entre o mundo do
mito: de uma religião ligada à natureza, da organização do mundo urbano.
Conseqüentemente, nascem as dicotomias entre religião e magia, sagrado e profano.
Por outro lado, o aluno viajante é nutrido de contrastes e experiências e se
coloca diante de diversos saberes no contato com a nova realidade da cidade. Esse
terreno mesmo separado por várias fronteiras é rico em cultura religiosa originada no
catolicismo rural e popular que não morre. A cultura religiosa é transportada para onde
os sujeitos delas vão. Talvez aqui os educadores, agentes religiosos e culturais
148
tenham uma chave para acessar a memória dessa população e mobilizar sua
participação que está adormecida, conforme alertou Gohn (2003).
Esse estudo provocou também um olhar sobre os efeitos da globalização, os
quais obrigam a pessoa a repensar sua relação com o outro. Esse momento de
radicalização e desenraizamento das coisas e do ser humano é sinal de uma
civilização que se desterritorializou. A ação para existir nessa sociedade mundializada
deve reterritorializar-se, pois uma cultura tem sentido quando enraizada em seus
próprios hábitos. Do contrário ela não é. Por isso, a cultura necessita localizar-se neste
ou naquele lugar, realizar-se desta ou daquela forma.
Quanto ao espaço, deve-se levar em conta que este é um conjunto de planos
atravessados por processos sociais diferenciados. A nossa civilização caracteriza-se
como sendo simultaneamente uma tendência de conjunção e disjunção de espaços,
ou seja, uma direção voltada para o singular e outra para a diversidade. Dessa forma,
não oposição entre cultura local, regional, nacional, pois estas existem quando
resultam em vivências. Essa visão possibilita uma análise mais aberta da cultura de
grupos migrantes, como a dos alunos do ensino noturno. Qualquer agrupamento
humano para existir, deve se enraizar em um determinado território.
Um outro aspecto que se pode detectar nesta pesquisa refere-se ao do estudo
dos fenômenos educacionais. Foi possível perceber a melhoria inegável da educação
de adolescentes, jovens e adultos no Brasil e no município de Goiânia. Ações estão
sendo desenvolvidas para buscar a superação da longa história de exclusão, de
fracasso, de preconceitos sociais com relação a esse setor da educação.
Nessa tentativa de superação, foi importante visualizar que o movimento em
prol da educação permanente, em especial para esta população, entrou para a agenda
mundial, através das conferências internacionais e na defesa dos princípios básicos
149
dos direitos humanos: “o da educação como direito de todos e do direito à educação
ao longo da vida toda” (PAIVA; MACHADO, 2004, p. 11). Dentre os princípios e
compromissos orientadores da nova proposta de educação nacional, registrada na
Coleção memória contemporânea de educação de Jovens e adultos, está a
consciência de que a EJA é um instrumento que a sociedade tem para atender as
necessidades educacionais, equalizando as oportunidades. Até então, esta era uma
dívida social para com aqueles que foram excluídos ou não tiveram acesso ao sistema
escolar.
Outros princípios orientadores registrados na coleção acima citada são os
valores da democracia, da participação, da justiça e da solidariedade. Estes valores
possibilitam aos educandos mudar sua postura de intervenção na realidade. A
coletânea, ressalta ainda, que a construção de novas formas de participação cidadã
constitui seu objetivo principal. Estes valores defendidos como princípios da educação
de jovens e adultos são de ordem universal. Por isso, são defendidos também pelas
igrejas em seus trabalhos missionários. Isso influencia a prática religiosa entre os
estudantes.
Outro ponto importante foi a intensa retomada da ligação da organização da
educação de jovens e adultos com os movimentos sociais: as parcerias com
organismos da sociedade civil e religiosas. Neste sentido, essa parceria é também um
resgate histórico da participação das igrejas no processo de alfabetização. O MEB dos
anos 60 funcionava muitas vezes em salões paroquiais. Esse ambiente também não
deixa de exercer influências.
Da mesma forma é importante a relação da EJA com a educação popular. As
orientações da EJA defendem o princípio de troca de saberes como parte inerente do
currículo. Na educação popular estão nossas raízes e sonhos da construção de uma
150
nação com um futuro diferente da pobreza, do subdesenvolvimento, do atraso. A
educação popular engendra em suas expressões elementos dessa busca almejada,
elementos de religiosidade. A cultura popular age então como substância simbólica
que articula um outro “mundo possível”. Ela encerra, no imaginário dos indivíduos, as
potencialidades de um mundo diferente.
Durante a análise dessa pesquisa foi constatado também que a educação de
jovens e adultos e sua proposta de socialização tem muito em comum com as
vivências religiosas dos sujeitos. Ambas oferecem espaços de aprendizagens, de
trocas de experiências, de conhecimentos e de cultura na medida em que provoca o
relacionamento com outras pessoas. O ser humano é na sociabilidade. É através
das relações em sociedade que ele se constrói social e individualmente.
Analogamente na igreja como na escola, a dimensão do individual se une a do
coletivo. O estar em grupo faz sentido. É diferente do estar sozinho na vida diante da
insegurança da cidade.
As duas instituições são espaços referenciais de socialização, de diálogo, de
amizade que os alunos têm para sentirem-se juntos. Embora isso se reflita dentro da
escola, no comportamento entre colegas e professores, na aprendizagem, eles
sabem fazer a diferença entre os territórios como disseram nas entrevistas: “a escola
ensina coisa diferente”. Na distinção do espaço entra a questão do sagrado, da
espiritualidade. Na igreja, ao contrário da escola, ocorre uma relação sem
obrigações expressas, não aparecem os preconceitos e os fracassos. Na escola
o problema da descontinuidade. A igreja está presente em todo lugar, no rural e no
urbano. Nesse aspecto, a igreja exerce uma influência maior sobre esses sujeitos.
Diante da influência da religião que foi observada nesse grupo de alunos
deve-se perguntar: Como a matriz religiosa brasileira expressa o referido valor (a
151
presença da religião na vivência dos alunos migrantes)? Como ela aparece na
memória e nas experiências religiosas dos praticantes? A influência da religião se
expressa como um valor absoluto, na fé em um Ser sem o Qual é impossível viver. É
um Deus que marca e acompanha a pessoa em todos os aspecto da vida. O Único
com quem podem contar. É uma força, um conteúdo no qual as pessoas acreditam
e cujo sentido é o próprio conteúdo da vida, porque Ele atende às necessidades
humanas. Por isso mesmo, a religião se torna identidade cultural, memórias,
tradições e representações coletivas que se multiplicam através da comunicação,
entre os grupos sociais em sociedade. Essa religião trazida por eles é uma religião
fruto de uma resistência cultural dos ameríndios, dos negros e, hoje, dos migrantes e
de seus descendentes, como define muito bem Bittencourt Filho (2003, p.63):
esta religião originada no Brasil é uma manifestação da cultura espiritual, e
por isto mesmo persistente e capaz de resistir, mais do que outra
manifestação, à dissolução por vezes imposta pelos conflitos de culturas,
como foi o caso da colonização.
Essa matriz expressa o processo do sincretismo religioso brasileiro,
constituindo-se em diversas religiosidades. Compreende-se a religiosidade como
formas concretas, espontâneas e variadas por meio das quais a religião é vivenciada
pelas pessoas e pelos grupos.
Frente a tantas expressões religiosas, pode-se perguntar também o que
alimenta esses valores matriciais no grupo de alunos do ensino noturno. A resposta
foi encontrada nas representações das preces dos alunos. Os elementos mostrados
nas respostas dos estudantes que rezam, nos remetem a valores sociais
expressivos para eles que crêem. O que esta de acordo com Mauss (1979): a prece
é um fenômeno social. Ela se origina do mito, perpassa pelos ritos e é fruto do
152
trabalho, do tempo, do esforço acumulado de muitas gerações de pessoas. Pode-se
dizer que a prece vem da tradição. Isso não significa que ela seja individual; ela
tem uma existência social, exterior ao indivíduo, tanto nos ritos como na convenção
religiosa. Portanto, a prece confirma, através das expressões do povo e de suas
devoções, a sua eficácia como instrumento de coesão social, porque nela se
encontra o conteúdo religioso oferecido pelas diversas religiões. As diversas
religiões atendem à necessidade humana e ao equilíbrio harmonioso buscados
pelos fiéis.
O mito, o rito e os símbolos são de máxima importância para a compreensão
dos valores humanos, porque são eles os pilares da origem religiosa. O mito é a
base da explicação do porque do rito. O rito traduz e faz a memória do mito através
dos símbolos. É o que acontece nas celebrações, nos cultos das igrejas. Recorda-se
aqui Bosi (1999), ela tem razão ao dizer que as “liturgias enraízam”, porque qualquer
igreja exerce o rito de memória ao mito original e assim constrói tradição ela também
faz a prece. Dessa forma a religiosidade alimenta as vivências humanas no seu
cotidiano; produz sentido para o seu passado e seu presente e projeta o futuro. Por
isso, os mitos, os ritos e os símbolos têm um papel fundamental e necessário na
produção coletiva de sentidos, de ações e relações sociais entre os indivíduos.
Tendo em vista a construção coletiva de socialização que a vivência religiosa
traz, o que a educação pode aprender com a religião? Acredita-se que os homens
são “seres aprendentes” sempre e que a educação poderia trabalhar mais com o
mito e com os símbolos, no contexto cultural dos alunos, fazendo memória a partir
da literatura e das imagens. Acredita-se que a educação poderia compreender
melhor os símbolos que representam os homens e os enraízam na construção
153
participativa de novas relações na sociedade contemporânea que é caracterizada
por símbolos.
A partir das matrizes religiosas que se formaram no Brasil e na América
Latina o povo vive atualmente um pluralismo “de expressões religiosas” (PARKER, !
996, p. 208). Isto acontece, devido às conseqüências dos processos da atual
modernização e da urbanização do sistema capitalista, que ontem era chamado de
sistema colonial. Tais processos conduziram a uma forma particular de
secularização que não modificou a religiosidade do povo, mas a transformou em
diversas direções.
Neste sentido, a pesquisa com os alunos do ensino noturno certificou que a
religião continua presente e ativa na sociedade, porque ela atende às necessidades
do cotidiano das pessoas e dá significado as suas vidas.
154
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160
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS SOBRE A PRECE E MEMÓRIA
1 QUESTIONÁRIO SOBRE A PRECE
1 O que é a prece (oração) para você?
2 Qual o significado da prece (oração) para você?
3 Quando você reza ou ora?
2 QUESTIONÁRIO SOBRE MEMÓRIA
1 Aonde você morava antes de mudar para Goiânia?
2 Lá você participava de qual religião?
3 De quais as festas você mais lembra?
4 De quais as imagens você mais recorda?
161
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS ALUNOS
1 Dados Gerais: Questionário nº: ___________
Data de Nascimento:__________________ Série: ________________
Naturalidade : _______________________ Idade: _______________
Gênero: ( ) masculino ( ) feminino
Mora com os pais: ( ) sim ( ) não
Grau de instruções dos pais: ____________________________________________
Profissão dos pais: ____________________________________________________
Bairro onde reside: ____________________________________________________
Residência própria: própria ( ) alugada ( ) cedida ( )
Atividade profissional: __________________________________________________
Horas de trabalho por dia:_______________________________________________
Salário pessoal: ____________________Salário familiar: _____________________
Movimentos sociais: sindicato ( ) associações ( ) __________________________
2 Dados sobre migração:
Origem: rural ( ) Urbana ( )
Você nasceu em: ____________________________________________________
Veio para Goiânia quando: _____________________________________________
3 Dados religiosos:
Religião de origem:
____________________________________________________
Religião atual: _______________________________________________________
4 Dados escolares:
Idade em que começou a estudar:______________________________________
Desde quando estuda à noite:_________________________________________
Em quantas escolas já estudou:________________________________________
162
APÊNDICE C – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS DOS ALUNOS
Alunos da 1ª à 4ª Série – 2005
Bloco 1
*Perguntas destinadas a conhecer as histórias de vida dos alunos.
1 Qual é a sua cidade natal?
2 Até quando morou lá?
3 Qual motivo você veio para Goiânia?
4 De onde você gosta mais, de lá ou daqui?
5 Mudou de bairro para outro? Por que?
Bloco 2
*Perguntas que objetivam a perceber o significado da religião e a colher elementos
que dizem a respeito à influência religiosa dos alunos da Eaja, no sentido de formar
vínculo social.
1 A sua religião é?
2 Qual é sua igreja?
3 Ela fica no setor Jardim Guanabara? Sim ( ) Não ( ). Ou em outro setor,
qual?
4 Já mudou de religião alguma vez? Por que?
5 A religião para você é?
6 Qual é a importância dela em sua vida?
7 O que você vê e mais gosta dentro dela?
8 O que esses objetos representam para você?
9 O que motiva você a participar da igreja?
A família ( ) O econômico ( ) A espiritualidade ( )
A fé ( ) A alegria ( ) O trabalho ( )
10 Há outros motivos? ________________________________________________
11 Qual mensagem você busca ao participar na igreja?
12 Você freqüenta a igreja toda semana? Sim ( ) Não ( ) Quantas vezes?
______
163
13 Como é sua participação dentro da igreja, como membro ou exerce algum
cargo?
Bloco 3
Questões que buscam observar a participação do aluno do ensino noturno nos
movimentos sociais.
1 Você participa dos movimentos sociais? Sim ( ) Não ( ) Por quê?
Falta de tempo ( ) Não acredita ( ) Não tem alegria ( )
Já foi convidado ( ) É desligado ( ) Não conhece ( )
2 Há outros motivos quais? _____________________________________________
Bloco 4:
*Perguntas que visam descobrir a relação dos alunos do Eaja com a escola e o
processo de ensino aprendizagem.
1 O que você acha da escola?
2 O que ela te oferece?
3 O que espera alcançar com os estudos?
4 Por que freqüenta a escola?
5 Qual motivo você falta ou abandona á escola?
6 Sua religião ajuda você a compreender as explicações dos professores?
164
APÊNDICE D – QUESTIONÁRIO AGENTES RELIGIOSOS
CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES RELIGIOSOS
1 Dados Gerais: Entrevista nº: ________
Data de Nascimento:__________________
Naturalidade : _______________________
Gênero: ( ) masculino ( ) feminino
Mora com os pais: ( ) sim ( ) não
Grau de instruções dos pais: __________________________________________
Profissão dos pais: __________________________________________________
Bairro onde reside: ___________________________________________________
Residência própria: própria ( ) alugada ( ) cedida ( )
Atividade profissional: ________________________________________________
Horas de trabalho por dia: ____________________________________________
Salário pessoal: ____________________ Salário familiar: ____________________
Movimentos sociais: ( ) sindicato ( ) associações _________________________
2 Dados sobre migração:
Origem: rural ( ) Urbana ( )
Você nasceu em: ____________________________________________________
Veio para Goiânia quando: ______________________________________________
3 Dados religiosos:
Religião de origem:
____________________________________________________
Religião atual: ________________________________________________________
4 Dados sobre o nível de formação:
1º Grau Completo ______________________
2º Grau Completo ______________________ Qual? ________________________
3º Grau Completo ______________________ Qual? ________________________
Pós-Graduação _______________________ Qual? ________________________
165
166
APÊNDICE E – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM OS AGENTES RELIGIOSOS
DIRIGENTES RELIGIOSOS DAS IGREJAS - 2005
*Perguntas dirigidas aos representantes/administradores das igrejas freqüentadas
pelos estudantes, para se obter dados sobre as doutrinas, crenças transmitidas aos
fiéis.
1 Qual é a igreja que você conduz?
2 Qual é a sua função dentro da Igreja? Pastor ( ), Padre ( ), outras ________
3 Quais os valores que os fiéis têm buscado no dia-a-dia?
4 Você sente-se preparado para trabalhar com seus fiéis? Quais os maiores
problemas que tem enfrentado com seus fiéis?
5 Qual a mensagem fundamental você tenta trabalhar com seus fiéis em sua igreja?
6 Você motiva/incentiva seus fiéis a participarem dos movimentos sociais?
Sim ( ) Por que ___________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Não ( ) Por que _________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
8- Outras informações que você julgar importantes.
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
167
APÊNDICE F - DADOS DAS ENTREVISTAS DOS ALUNOS
TOTAL DE ENTREVISTADOS: 20
IDADE ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS PAIS
15 a 20 02 lavadeira 01
20 a 30 07 lavradores 09
30 a 40 04 do lar 06
40 a 50 04 aposentados 02
50 a 60 02 pedreiros 02
60 a 70 01 servente 01
ferroviário 01
costureira 02
vigia 01
conferente/estoque 01
Não informaram 03
GÊNERO ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS ALUNOS
mulheres 12 doméstica 05
homens 08 do lar 04
manicure 01
MORAM COM OS PAIS babá 01
sim 05 serv/gerais 01
não 15 rev/de avon 01
servente 01
GRAU DE INSTRUÇÃO DOS PAIS mecânico 01
não alfabetizados 17 chapa 01
1ª a 2ª série 02 pedreiro 01
3ª a 4ª série 04 conf/Ceasa 01
5ª a 6ª série 02 aposentada 01
7ª a 8 série 02 desempregada 01
não informaram 02
168
BAIRRO ONDE RESIDE PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTOS SOCIAIS
Guanabara I 05 movimento de moradia 01
Guanabara II 06 associação do bairro 01
Guanabara III 05 sindicato 01
Residencial Felicidade 01 não participa em nada 17
Residencial Guanabara 02
Asa Branca 01
MORADIA ORIGEM MIGRATÓRIA
aluguel 05 rural 13
própria 14 urbana 07
Cedida 01
PROCEDÊNCIA DOS ALUNOS TEMPO DE MIGRAÇÃO
Interior de Goiás 07 01 a 05 anos 02
Goiânia 02 05 a 10 anos 02
Estado da Bahia 06 10 a 15 anos 04
Piauí 02 15 a 20 anos 05
Ceará 01 20 a 30 anos 05
Maranhão 01 30 a 40 anos 02
Minas Gerais 01
RELIGIÃO DE ORIGEM RELIGIÃO ATUAL
Católica 16 Católica 09
Nenhuma 01 Assembléia de Deus 05
Assembléia de Deus 02 Católica/Universal 02
Cruzada Cristã 01 Igreja da Graça de Deus 01
Congregação cristã no Brasil 01
169
INÍCIO DOS ESTUDOS TEMPO DE ESTUDO À NOITE
06 e 10 anos 10 2000 a 2003 03
10 e 15 anos 03 2003 a 2004 05
15 e 20 anos 04 2004 a 2005 11
20 e 40 anos 0 Não informou 01
40 e 55 anos 02
QUANTAS ESCOLAS JÁ ESTUDARAM SÉRIE NA QUAL ESTUDAM
01 e 02 escolas 09 1ª série 05
03 e 04 escolas 08 2ª série 05
05 e 06 escolas 03 3ª série 06
4ª série 04
170
APÊNDICE G – FOTOS DOS ALUNOS
Exposição pedagógica, ao fundo artezanato e Estatuto do Idoso.
O grupo de alunos e professores.
171
Passeio no Bosque dos Buritis.
Jantar de confraternização entre os alunos.
172
ANEXO 1 – MAPA DO JARDIM GUANABARA
173
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo