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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Campus de Presidente Prudente
EXPANSÃO DO CAPITAL, TERRITORIALIDADE DO
TRABALHO E AS RESPOSTAS DO SENAI EM
CATALÃO (GO) NO SÉCULO XXI:
uma contribuição à Geografia do Trabalho.
Leonardo de Oliveira Mendes
PRESIDENTE PRUDENTE (SP)
2007
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LEONARDO DE OLIVEIRA MENDES
EXPANSÃO DO CAPITAL, TERRITORIALIDADE DO
TRABALHO E AS RESPOSTAS DO SENAI EM CATALÃO
(GO) NO SÉCULO XXI:
uma contribuição à Geografia do Trabalho.
Dissertação de mestrado defendida no curso de
Pós-Graduação em Geografia, da Faculdade de
Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual
Paulista, Campus de Presidente Prudente.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Thomaz Júnior.
PRESIDENTE PRUDENTE (SP)
2007
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Mendes, Leonardo de Oliveira
M491e Expansão do capital, territorialidade do trabalho e as respostas
do SENAI em Catalão-GO, no século XXI : uma contribuição à
geografia do trabalho. / Leonardo de Oliveira Mendes. - Presidente
Prudente: [s.n], 2007
x, 123 f. : il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Orientador: Antonio Thomaz Júnior
Banca: Marcelo Rodrigues Mendonça, Divino José da Silva
Inclui bibliografia
1. Geografia. 2. Trabalho. 3. Qualificação. I. Autor. II. Título. III
Presidente Prudente - Faculdade de Ciências e Tecnologia.
CDD910
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho ao meu amado filho, João
Gabriel
, que, com sua presença alegre e curiosa,
irradia simplicidade, ternura e amor sincero,
transformando nossas vidas a cada dia. À
minha
esposa e companheira, Viviane
, mulher corajosa,
menina meiga, amante amiga. “De tudo ao meu
amor serei atento...”
Ao papai e à mamãe, que
com muita dificuldade, na
peleja do cotidiano, me
proporcionaram uma vida feliz. Com carinho,
educação, amor e disciplina, me ensinaram os
valores de uma vida cristã, ou seja, a importância
de Deus na minha vida. Aos
meus queridos
irmãos,
pela lealdade e por nunca deixarem de me
estender mãos amigas. Ao
grande amigo Marcelo
Mendonça
pelo estímulo de nunca perder a
coragem de viver; homem de origem
cerradeira,
que luta incansavelmente pela emancipação social
do trabalho.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é resultado de um esforço coletivo, pois foram muitas pessoas
que me ajudaram diretamente e indiretamente para a viabilização desta pesquisa.
Agradeço ao amigo Thomaz que aceitou meu pedido de orientação e
compreendeu minha situação nos momentos mais difíceis.
A todos os integrantes do CeGET e do CeMOSI, pelo aprendizado
científico, pela convivência e amizade.
Ao Adriano, à Adriana e ao Aldecir, que me acolheram na chegada em
Prudente e com quem permaneci por seis meses. Ajudaram-me demais e muitos foram os
momentos de alegria. Nunca mais esquecerei desta primeira experiência de morar em uma
república, longe dos meus pais e irmãos e da minha namorada, hoje, esposa.
Agradeço ainda aos vizinhos de apartamento: Flávia, Maria, Lima e Dênis,
pela amizade e companheirismo. Aos casais amigos Sônia e Divino “Filósofo”, Marcelo
Carvalhal e Terezinha, Jorge e Fernanda. Agradeço ainda à Renata, ao Ivanildo e ao
Marcelino.
Ao Alexandre, Gleison, Rafael, João, Ivens e “Pós-Moderno”,
companheiros da segunda república, em que residi durante quase seis meses. As discussões
eram calorosas, principalmente nos momentos de festa.
À minha mãe, Elza, e ao meu pai, Joaquim, responsáveis pela minha
existência, por sempre terem acreditado na minha capacidade de superar os obstáculos da vida
e por me ensinarem, desde criança, a importância dos “estudos”. Mamãe, que colocou a mão
na massa, ajudando na transcrição de algumas entrevistas, e papai, que mesmo em momentos
de dificuldade me sustentou financeiramente, por longas datas.
Aos meus irmãos, Ricardo e Eduardo, que, apesar da distância, nunca me
desampararam; são quatro ombros-amigos com os quais sempre pude contar.
Ao meu sogro, José, “Véio Sussumo” que me estimulou à “viagem
interior”, principalmente em conversas às margens do Rio Veríssimo. Mostrou a importância
de mergulhar constante e profundamente dentro de mim, para encontrar os “nós” que freiam
minha evolução espiritual. À minha sogra, Maria, que me mostrou o sentido do trabalho e da
disciplina e, principalmente, como é importante (re)começar e seguir em frente.
À minha comadre e cunhada, Michele, pela sensibilidade e pela coragem
para enfrentar os dilemas da vida. Apoiou-me em momentos de baixo-astral. Ao compadre e
amigo, Júnior, pelo apoio na parte de computação, pela amizade, humildade e paciência.
Aos velhos amigos Celina, e o Amadeo, que me cederam o computador por
diversos momentos. Nas pausas para o café, tive o privilégio de compartilhar papos
agradáveis.
Ao Marcelo Venâncio, grande camarada, conhecedor exemplar das normas
técnicas da ABNT. Contribuiu sobremaneira nesse aspecto técnico da pesquisa.
Ao Ronaldo, querido amigo, que me acolheu e ajudou em momentos
nefastos da minha vida. Como professor, foi um dos principais estimuladores de grande parte
da minha formação acadêmica. “O cara desencaminha, mas não deixa camaradas na chapada”.
Ao amigo Marcelo Mendonça, que foi, desde a construção do projeto desta
pesquisa, um grande incentivador e colaborador deste trabalho e como professor contribuiu
decisivamente para minha formação acadêmica.
Ao amigo Gilmar pelas reflexões e dicas fundamentais, também desde a
fase inicial deste trabalho. Na sala de aula, como professor, participou de maneira crucial do
meu aprendizado acadêmico.
Ao professor Valdivino, foi dele a sugestão de pesquisar geograficamente o
SENAI.
Ao Alex, que me auxiliou na aplicação de questionários com os alunos do
SENAI.
A todos os professores do Departamento de Geografia da Universidade
Federal de Goiás, Campus Catalão e aos orientandos do Prfº. Dr. Marcelo Rodrigues
Mendonça.
Aos professores, alunos e funcionários da Escola Estadual Dom Romeo
Alberti. Em especial agradeço às professoras de língua Inglesa Fabiana e Silvia pela
disponibilização de material e pela tradução do resumo. Ao Seu Valter (vice-diretor) e à dona
Roseli (diretora) pela compreensão e amizade nos momentos mais difíceis.
A Andréa e ao Marco pela paciência, pela força na parte técnica do trabalho
e pelos momentos de papos agradáveis.
Agradeço à minha princesinha, Viviane, e ao anjinho Gabriel por sempre
estarem ao meu lado, mesmo nos momentos mais difíceis, (re)construindo o amor,
engrandecendo nosso companheirismo e amizade.
Ao programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Ciência e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente, pela
oportunidade de desenvolver essa pesquisa.
Ao diretor do SENAI em Catalão e demais funcionários pelo livre acesso e
pela disponibilização de dados.
Ao RAREV, que me deu a oportunidade de recuperar minha vida, ou seja,
parar, refletir, distinguir, escolher... Aos coordenadores Luís, Venilton e Ivaldo, pelo
aprendizado constante. Ao Gilberto (seu Gil), Fabiano (padrinho), Espedito e Juarez (terra
seca). Agradeço ainda de modo muito especial, a todos os meus irmãos de caminhada, juntos,
no relacionamento diário, buscamos nossa recuperação. Levo cravado no meu coração todos
os momentos vividos naquele lugar iluminado...
RESUMO
Procuramos, neste estudo, compreender o processo de (re)qualificação do
trabalhador, através do SENAI em Catalão no Sudeste Goiano. Esta entidade desempenha, a
serviço do capital, a função de educação para o trabalho, assistência técnica e tecnológica para
a indústria. Incomodados com a idéia simplista de que a qualificação profissional detém a
função de combater o desemprego, prestando um serviço ao trabalhador e incorporando assim
uma espécie de passaporte para a empregabilidade. Verificamos que o discurso da
qualificação profissional está revestido de um caráter cidadão, porém essencialmente
ideológico no sentido marxiano do termo, ou seja, de falseamento da realidade. Isso pôde ser
compreendido através da análise de entrevistas com a direção, a coordenação,
professores/instrutores, e também por meio de questionários aplicados aos alunos da
instituição. Do ponto de vista da práxis social, nos deparamos com um ambiente
pedagogicamente estruturado para o adestramento e o treinamento da mão-de-obra para
indústria. Percebemos assim, que a qualificação profissional se eleva enquanto poderoso
mecanismo de controle social do capital sobre o trabalho. Sua finalidade é disciplinarizar o
trabalho e os trabalhadores, ou seja, capacitá-los técnica e ideologicamente para o mercado.
Não é difícil compreender o sentido dessa qualificação, basta analisar que, do ponto de vista
do conhecimento técnico, o aumento da produtividade do trabalho nas indústrias e do
ponto de vista ideológico, a difusão constante da cultura empresarial, o que possibilita a
(re)produção dos valores de vida capitalistas entre os trabalhadores. Monta-se então uma
estrutura educacional, uma pedagogia da fábrica, na qual o SENAI está inserido. É por meio
dessa dimensão intelectual e alienada do trabalho, que o capital moderno se apropria da
inteligência do trabalhador, criando um caminho original de racionalização do trabalho
contemporâneo, ou seja, a captura de sua subjetividade. Procuramos compreender a
Geograficidade do fenômeno da qualificação profissional, ou seja, o que está expresso
enquanto forma e como isso se estrutura engendrando um (re)ordenamento no processo de
apropriação do espaço, portanto, na produção dos territórios. Essa (des)ordem espacial está
obedecendo ao sentido da localização determinada pela lógica territorial do capital. Tanto que
o SENAI se modifica em função do movimento de reestruturação produtiva do capital,
adequando-se as novas exigências do mercado por novas qualificações do trabalho.
Palavras-chave: Geografia. Qualificação profissional. Trabalho. Território. Reestruturação
Produtiva do capital.
ABSTRACT
We searched in this study aimed at getting to know the process of the (new) qualification
through the SENAI in Catalão southeastern of Goiás. This entity acts with the function of
education to work, technical assistance and technology for the industry, under the Capitalism
System. Annoyed with the simplistic idea that professional qualification holds the
unemployment fighting function, to render services to the worker and incorporating it as type
of passport to the employability. We corroborated that the professional qualification discourse
is endowed of a citizen nature, however
essentially ideological in the sense of Marxism term,
in other words, the misrepresentation of the reality. This was understood by researches of the
interviews the social actors (director, coordinators and teachers) and questionnaires that were
applied to students. Viewpoint from social praxes, we come across to a pedagogical
environment structured at training and drilling hand labor to the industry. Therefore, we
perceived that the professional qualification rises as a powerful mechanism of capitalism
social control over work. Its aim is to control work and workers, in other words, to ability
them technically and ideologically to the job market. It is not difficult to understand the sense
of this qualification, it is enough to analyze that, from technical knowledge point of view ,
there is an increase of work productivity in the industries and from ideological point of view
there is the constant diffusion of contractor culture that possibility the capitalist life value
reproduction among workers. So then we set up an educational structure, pedagogy of
industry where SENAI is inserting in. It is by this intellectual and alienated dimension of
work that modern capital appropriates the workers intelligence creating an original way to
the rationalization of present-day work that is to capture its subjectivity. It was observed the
phenomenon of professional qualification and how the aspect political and socioeconomic
pressures the creation of a new geographical order. The results indicate that: the SENAI has
modified by the economic question and your policies are depending on the Capitalism
System.
Key words: Geography; Professional Qualification; Work; Territory; Capitalism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------- 10
01- A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL E AS MUTAÇÕES
NO TRABALHO--------------------------------------------------------------------- 18
1.1 A reestruturação produtiva do capital---------------------------------------------------21
1.2 Trabalho abstrato e suas concretudes ---------------------------------------------------30
1.3 A busca de uma leitura geográfica do espaço a partir do trabalho------------------35
02- A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: NOVAS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO DO
CAPITAL----------------------------------------------------------------------------------------42
2.1 Os sentidos da qualificação profissional na sociedade capitalista ------------------43
2.2 A criação do SENAI no Brasil-----------------------------------------------------------49
2.3 A reestruturação espacial do SENAI----------------------------------------------------53
03- AS RESPOSTAS TERRITORIAIS DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO
SUDESTE GOIANO A PARTIR DO SENAI EM CATALÃO----------------------63
3.1 Uma breve consideração sobre a origem e o ordenamento da região do Sudeste
Goiano: Catalão como um pólo regional---------------------------------------------63
3.2 O SENAI em Catalão----------------------------------------------------------------------77
3.3 Trabalho e Cidadania----------------------------------------------------------------------86
3.4 O perfil dos alunos do SENAI -----------------------------------------------------------89
3.5 Análises do discurso do SENAI --------------------------------------------------------103
CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------- 125
REFERÊNCIAS ----------------------------------------------------------------------------------130
10
INTRODUÇÃO
Uma nova época exige uma reflexão capaz de
apreender sua novidade e suas tendências
fundamentais. Criar este pensamento é decisivo
para a esquerda: entender as mudanças profundas
por que passa hoje o mundo é uma condição para
transformá-lo. (LEITE, 2000).
Compreender a relação capital x trabalho no capitalismo contemporâneo não
é tarefa simples. Decidimos analisar as determinações contraditórias dessa relação partindo do
movimento de reestruturação produtiva do capital, que provocou profundas modificações nas
relações sociais de trabalho na sociedade capitalista após a década de (19)70.
Nossas atenções estão direcionadas para o fenômeno da qualificação
profissional, utilizando-a como uma mediação, um instrumento, que possibilitou, ainda que
minimamente, o entendimento das tramas sociais que emanam da relação capital x trabalho,
envolvidos neste fenômeno.
O que me mobilizou, enquanto pesquisador, foi a possibilidade de captar a
geograficidade do fenômeno da qualificação profissional, ou seja, o que está expresso
enquanto forma e como isso se estrutura engendrando um (re)ordenamento no processo de
apropriação do espaço, portanto, na produção dos territórios. Essa (des)
ordem está
obedecendo ao sentido da localização espacial determinada pela lógica territorial do capital.
Fizemos um recorte no tempo e no espaço para compreender a
processualidade expressa no relacionamento dialético entre a empiria e a teoria, viabilizando a
práxis da pesquisa. O fenômeno em estudo é a qualificação profissional no SENAI
1
, no
Sudeste Goiano, na cidade de Catalão – GO. (ver figura 01)
1
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. De acordo com o presidente em Catalão, Antônio Ilídio
Reginaldo da Silva, o SENAI é um órgão criado por Lei Federal e é mantido pela classe empresarial que, por
meio de uma contribuição fiscal, recolhe 1% referente à folha de pagamento do trabalhador para sua
manutenção. Também é mantido através de cobranças de taxas de mensalidade dos cursos ministrados.
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Cartografia digital:
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FONTE:
Departamento de Estradas e Rodagem-
DER-GO. Mapa Rodoviário Estadual,
Escala 1:1.000.000, 199(base cartográfica),
apud, Mendonça(2004).
ORGANIZAÇÃO:
Leonardo de Oliveira Mendes
Cartografia digital:
Loçandra Borges de Moraes
Figura 1: Sudeste Goiano – Estado de Goiás
12
O objetivo é compreender quais as contradições contidas nas tramas
sociais responsáveis pelo (re)ordenamento territorial do fenômeno da qualificação
profissional, por meio de um instrumento de controle do capital, o SENAI. A pesquisa propõe
investigar o significado do (re)ordenamento territorial, ou, da trama complexa de relações, o
que está por trás das formas que compõem o fenômeno da qualificação profissional do
trabalhador, especialmente, qual o impacto para o trabalho frente às alterações e às
implicações produzidas na dinâmica territorial do SENAI, decorrentes do processo de
reestruturação produtiva do capital, especificamente a partir das políticas de qualificação
profissional implementadas no Sudeste Goiano.
Este estudo foi dividido em três capítulos, que se complementam, ou seja, não
são partes separadas de um todo, mas, partes dialeticamente constituídas que formam o todo.
Dessa forma, no Capítulo 01 “A reestruturação produtiva do capital e as mutações do
trabalho”, tratamos da busca do referencial teórico, sobre o qual alicerçamos e trilhamos os
outros dois capítulos, dialogando com diversos autores, dentre eles: Moreira (1987, 2002),
Thomaz Júnior (2000, 2002), Antunes (1995, 1999), Carvalhal (2000), Alves (1999). O
processo de reestruturação produtiva do capital, instaurado pelo capitalismo a partir de 1970,
(re)ordena o território da produção de mercadorias, visto que se constitui na criação de um
conjunto de medidas e estratégias estruturais do capital para modernizar o processo produtivo,
tanto na fábrica quanto em outros setores da produção, e aprimorar as técnicas de gestão e
organização em busca de um maior consentimento e comprometimento dos trabalhadores
junto ao capital. Isto significa diminuir custos e aumentar a produtividade a partir da
intensificação da exploração do trabalhador, com novas tecnologias e novas formas de gestão
e produção (captura da subjetividade do trabalhador), evidenciando novas formas de controle
sobre o trabalho.
No Capítulo 2, A qualificação profissional: novas estratégias de ação do
capital,discutimos a educação para o trabalho, compreendida enquanto processo de
qualificação e (re)qualificação profissional no capitalismo, e, como gestor/produtor deste
fenômeno, o SENAI, frente ao conjunto de transformações na lógica de funcionamento do
capital contemporâneo, ocasionando um profundo impacto na materialidade e na
subjetividade da classe trabalhadora.
13
No Capítulo 03, As respostas territoriais da qualificação profissional
no Sudeste Goiano a partir do SENAI em Catalão,” analisamos o desenho espacial do
Sudeste Goiano no decorrer de sua história, ou seja a origem e o ordenamento territorial, e
destacamos a importância econômica de Catalão como um pólo regional. Descrevemos e
analisamos as ações do SENAI, seu funcionamento interno e suas relações com o meio
industrial, para compreendermos como esta instituição se insere na região e de que forma suas
ações provocaram transformações, tanto para o trabalho quanto para o capital. Procuramos
ainda, compreender o sentido do discurso “da cidadania” proferido pelo SENAI.
Aplicamos um questionário a 110 alunos do SENAI, unidade de Catalão,
com a finalidade de detectar o perfil dos trabalhadores que são atingidos pelo discurso da
qualificação profissional. Esses questionários abrangeram alunos de todas as modalidades e
cursos oferecidos pelo SENAI em Catalão. Fizemos entrevistas com dirigentes e
instrutores/professores, com a finalidade de captar as “artimanhas” e os mecanismos
utilizados pela instituição, para a sustentação da ideologia da qualificação profissional. Além
disso, coletamos e analisamos dados disponibilizados pelo próprio SENAI de Catalão.
Entendemos o método como um caminho para a análise da realidade. Em
concordância com Moreira (1987), partimos de uma análise geográfica, portanto, de uma
representação, visão de mundo ou concepção do fenômeno a ser estudado. Doravante
cometeríamos um equívoco teórico se confundíssemos o entendimento que temos do
fenômeno com o próprio fenômeno. Se agíssemos assim, correríamos o risco de considerar
nossa representação uma verdade absoluta.
Percebemos que, enquanto pesquisadores, não analisamos e nem explicamos
as “coisas reais”, mas, sim, a representação que temos das coisas reais, a partir de um
conjunto amplo de idéias já produzidas e fundamentadas na materialidade das relações sociais
e acumuladas no decorrer da história. A construção das idéias que surgem das coisas reais se
no relacionamento entre a realidade sensível (o real) e o nosso intelecto. O real é então
produzido como construção do intelecto a partir da percepção sensível. A idéia em estado
mais organizado e ordenado se torna uma representação. (MOREIRA, 1987).
Nesse sentido, o que faz com que uma pesquisa seja geográfica? O que
diferencia o olhar do geógrafo de tantos campos do saber científico acerca das complexidades
da realidade? À guisa de resposta destacamos uma idéia fundamental, a de que “a pesquisa em
14
geografia é um processo em que múltiplos sujeitos se encontram e interagem numa forma
particular de leitura do mundo que os divide”. (MOREIRA, 1987, p.194). Para Milton Santos
(1994) o que diferencia o olhar do geógrafo de outros cientistas é a leitura do território. Nas
palavras de Mendonça,
(...), a categoria fundante para a reflexão é o território, enquanto
potenciador dos recursos naturais/sociais necessários a
sobrevivência. Essas características não se fazem determinantes
em todas as sociedades, pois há que se considerar os diferentes
aportes técnicos e tecnológicos construídos e disponibilizados ao
longo da história. Qualquer análise espacial parte da idéia central, a
relação entre sociedade e natureza, inclusive quando se propõe a
discutir a categoria espaço e a categoria território. O espaço antecede
o território, pois é no processo de sua apropriação que ocorre a
territorialização no espaço, portanto, a produção dos territórios no
espaço. Essas observações se baseiam em Raffestin (1993), quando
diz que o território é uma produção a partir do espaço. Isso implica
em pensar, conforme Haesbaert (2002), que todos os territórios são
definidos por relações sociais, portanto, constituintes e
constituidores das diversas mediações sociais que se solidificam,
possibilitando e criando o
sentido de pertencimento. (MENDONÇA,
2004, p.21).
Nesta pesquisa essa leitura é feita objetivando “o desvendamento do
ordenamento territorial resultante da processualidade social, o que permitirá, então, entender o
significado dos fenômenos nos lugares” (THOMAZ JUNIOR, 2002, p. 27).
É importante ponderar que, ao contrário das posturas acadêmicas vinculadas
à geografia tradicional, que consistiam na pura e simples descrição dos fenômenos no
território, procuramos captar o significado dessa ordenação, ou seja, o conjunto de
determinações e contradições responsáveis pelo desenho territorial do fenômeno. Nessa linha
de raciocínio, o espaço se apresenta não como um depositário, substrato ou receptáculo dos
fenômenos isolados, mas, sim, como uma face da existência dos fenômenos, ou seja, sua
espacialidade.
Isso porque,
[...] há uma lógica espacial dos objetos, sendo o espaço uma prática
dos homens
. Daí a relevância da ciência geográfica, não enquanto a
ciência, mas enquanto disciplina essencial para a compreensão das
15
matrizes espaciais fundantes para a interpretação das realidades
geográficas. A Geografia está na essência da sociedade. A Geografia
está na condição da existência de todas as coisas, assim, se constrói
geograficidades, enquanto a compreensão do espaço como a forma
da existência do homem, ou seja, a forma da existência da sociedade,
na medida em que há uma condição espacial para todas as relações
sociais na superfície terrestre. A questão primordial na investigação
geográfica é perceber a forma de ser espacial do fenômeno estudado.
Os fenômenos não são reflexos e/ou conseqüências espaciais, como
parcela das pesquisas tem enunciado. Há uma dimensão espacial do
fenômeno e abordagens fenomênicas da processualidade social. O
espaço, compõe o fenômeno, é parte dele e não é apenas um reflexo
ou uma materialização espacial. (PEREIRA, 2001, p. 04, apud
MENDONÇA, 2004, p.20).
Assim, buscamos ainda dialogar com outros campos da ciência e com
diversas outras formas de pensar, outros discursos, posicionamentos políticos e concepções
relacionando-os e construindo um arcabouço teórico-prático de representações originais
acerca da realidade.
Esta pesquisa geográfica tem como ponto central, essencial, a procura da
explicação das formas que o trabalho assume diante das profundas modificações que atingem
os trabalhadores na sociedade capitalista contemporânea, resultado de um processo
intensificado a partir da década de (19)70, quando o capital se (re)ordena espacialmente
devido à crise estrutural que afetou sobremaneira o cerne do processo produtivo com
desdobramentos espaciais em todo o planeta. O capital implementa, a partir desse período, um
amplo movimento de reestruturação espacial, redefinindo suas formas de funcionamento na
sociedade, com a finalidade de recuperar seu ciclo reprodutivo.
Quando as atenções se voltam para a ação do sujeito da pesquisa em
geografia, é o momento de identificar suas dúvidas, explicitar suas inquietações. O que
queremos com nossas pesquisas frente ao fenômeno a ser estudado? Desvendá-lo, iniciando
pelas perguntas do sujeito sobre o fenômeno. Esse exercício permite um ordenamento do
pensamento do sujeito em relação ao fenômeno, em busca da constituição da pesquisa.
Vislumbramos encontrar a essência do fenômeno entendendo as formas do
trabalho materializadas no espaço geográfico, que apontam um caminho para que possamos
compreender o fenômeno territorial a partir do lugar. que se considerar então o discurso
16
geográfico (o pesquisador em sua pesquisa buscando a construção de um discurso
interagindo com múltiplos sujeitos) como leitura singular de um lugar; através de um aspecto
especifico, particular, que se relaciona com o universal, com a totalidade do processo de
produção do espaço.
O especifico, nesse caso o fenômeno da qualificação profissional dos
trabalhadores implementado pelo SENAI em Catalão, é por onde o sujeito da pesquisa
enxerga o caminho para a construção e/ou utilização de um método de análise a partir de suas
dúvidas. O que nos permite, enquanto pesquisadores, entendê-lo e utilizá-lo (o particular, o
especifico) como uma mediação. Dessa forma, a partir deste jogo escalar (singularidade,
particularidade e universalidade) se torna possível aprofundar e compreender as contradições
existentes no (re)ordenamento territorial do fenômeno em análise.
Neste estudo, identificar e localizar o SENAI representa encontrar os
mecanismos de sua configuração territorial, ou seja, passar para o nível da compreensão da
ordem territorial e do significado da qualificação profissional executada pelo SENAI. Esta
entidade se torna um instrumento do capital para a realização de relações de poder e domínio
por ser a materialização de um mecanismo eficaz de controle social do capital sobre o
trabalho e determina o caminho territorial dos trabalhadores, ao direcioná-los às demandas
requeridas pelo mercado de trabalho capitalista, absorvendo, pois, as ações do capital
regional, principalmente das transnacionais constituidoras dos pólos minero-químico e metal-
mecânico. Como evidência dessa relação, verificamos as constantes parcerias realizadas com
as empresas transnacionais
2
territorializadas em Catalão e região, para assegurar qualificação
e (re)qualificação de trabalhadores. Em muitos casos esses cursos são específicos e se
adequam às necessidades e demandas de cada empresa, até mesmo com a realização de cursos
sob encomenda para seleção de novos trabalhadores.
Compreende-se que os fenômenos se fundam na materialidade das relações
humanas e o trabalho é a base ontológica do homem. Entendemos que o espírito humano, a
consciência humana, surge a partir da materialidade humana e se desenvolve historicamente e
coletivamente com o desenvolvimento da sociedade.
2
Essas grandes empresas transnacionais serão apresentadas neste trabalho mais adiante.
17
Nesse sentido, apesar de estarmos nos iniciando no universo da pesquisa,
podemos dizer que nossa concepção da realidade nos identifica com a materialidade enquanto
fator primordial em nossas análises. Este método nos proporciona a possibilidade da
explicação, da intervenção e da transformação social, ou seja, temos a possibilidade de
contribuir para a construção de uma sociedade emancipada e livre para todos.
Por fim, buscamos investigar o que está por trás das formas que compõem o
fenômeno da qualificação profissional, especialmente, qual o impacto, as alterações e as
implicações produzidas pela dinâmica territorial do SENAI decorrentes do processo de
reestruturação produtiva do capital, e, por conseqüência como isso afetou os trabalhadores,
estudantes dos cursos, especificamente a partir das políticas de qualificação e (re)qualificação
profissional implementadas pelo SENAI no Sudeste Goiano.
18
CAPÍTULO 1
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL E AS MUTAÇÕES DO
TRABALHO
O sistema de metabolismo social do capital nasceu
como resultado da divisão social que operou a
subordinação estrutural do trabalho ao capital.
Não sendo conseqüência de nenhuma
determinação ontológica inalterável, esse sistema
de metabolismo social é, segundo Mészáros, o
resultado de um processo historicamente
constituído, onde prevalece a divisão social
hierárquica que subsume o trabalho ao capital.
(ANTUNES, 1999, p. 19).
Neste capítulo faremos algumas considerações acerca das transformações
espaciais ocorridas no modo de produção capitalista após (19)70 e o que essas mudanças
provocaram no mundo do trabalho.
Ao trabalhador cabe a tarefa de se desdobrar desempenhando várias funções
no interior de uma fábrica, exercendo uma ou muitas profissões quase sempre em situações
precárias.
Entretanto, que se considerar que milhares de trabalhadores estão na
informalidade, quando não, desempregados, subordinando-se às condições perversas impostas
pelo capitalismo na contemporaneidade, pois o incremento das novas técnicas e tecnologias
não têm significado melhoria das condições de trabalho e de vida para os trabalhadores. Ao
contrário, a crise do padrão de regulação do modelo taylorista/fordista e o aparecimento das
formas flexíveis no processo produtivo desencadearam demissões em massa e diminuição
crescente da absorção dos trabalhadores na produção fabril, inclusive, escudadas no discurso
da pouca ou nenhuma qualificação da maioria desses trabalhadores.
Por outro lado, o crescimento do setor de prestação de serviços e outros não
asseguraram trabalho para todos. Persiste o desemprego crescente e sem alternativa que não
19
seja a luta para que o processo de exclusão imposto pelo capital sofra abalos. Isso, claro, só
é possível a partir da mobilização e da organização dos trabalhadores, porém, vive-se
momentos difíceis para os trabalhadores, diante da crise sindical, partidária e de
representação.
Assim, torna-se urgente trabalhar no que aparecer, vender a força de
trabalho para sobreviver, estar sujeito ao mando de seu patrão, pronto para servi-lo, para “o
que der e vier”. Ainda, temos que considerar o processo de ideologização que coloca a
condição de trabalhador como algo imutável, natural e sadio, como na frase popular,
"trabalhar enobrece, enaltece e dignifica o homem". Paradoxalmente, aqueles que não
possuem trabalho, exatamente por conta das contradições do processo produtivo no modo de
produção capitalista, são tidos como parias, os indesejáveis e crescem e assustam as elites,
que adotam posturas cada vez mais beligerantes sob o discurso de que necessitam se proteger.
Trabalhar para ser alguém na vida é o que nossos pais nos apregoam; ser
digno de respeito; não ser vagabundo, ter um emprego, uma profissão, ou várias profissões,
quanto mais trabalhar, mais responsável será no decorrer da vida. É fácil nos depararmos com
os dizeres populares "fulano é muito trabalhador, peleja firme desde cedo; ciclano é
vagabundo, não gosta de trabalhar". Percebemos que as pessoas quase não têm nome, mas,
sim, uma profissão: secretária, pedreiro, médico, gari, professor etc. No limite, parece que a
vida se resume em trabalhar, trabalhar e trabalhar... Basta se encontrar uma pessoa que
muito não se para escutar: "como vão as coisas, o que está fazendo na vida, trabalhando
muito?”
Começamos destacando essas questões para dizer que a idéia de trabalho no
imaginário social, na significação das pessoas, se resume à dimensão abstrata do trabalho ou
assalariamento, a trabalhar em troca de dinheiro, ter um patrão. “Uma estranha loucura”, mas
de estranho a louco preferimos situar essa questão no âmbito das relações sociais criadas por
um determinado modo de produção (o capitalista), composto por diversas tramas, facetas e
mecanismos, para sua própria reprodução, orquestradas para que o trabalho, sua contradição
histórica, se torne cada dia mais explorado.
A lógica da sociedade capitalista, sob a égide do capital, é (re)produzir sua
existência é ter sempre mais valor acumulado, baseada na exploração do trabalho, o que no
20
estágio atual de desenvolvimento do sistema produtor de mercadorias está recheado de
novos, variados e poderosos mecanismos de controle social
3
, promovendo uma enorme
capacidade de captura da subjetividade do trabalhador, na tentativa de ocultar os conflitos
intrínsecos à luta entre capital – trabalho.
Antunes destaca que,
Trata-se, entretanto, da construção de uma subjetividade inautêntica, na
precisa conceituação de Tertulian (1993, p.442), pois a dimensão da
subjetividade presente nesse processo de trabalho está tolhida e voltada para
a valorização e auto-reprodução do capital, para a “qualidade”, para o
“atendimento ao consumidor”, entre tantas formas de representação
ideológica, valorativa e simbólica que o capital introduz no interior do
processo produtivo. A subjetividade operária deve transcender a esfera da
execução, para, além de produzir, pensar também diuturnamente naquilo que
é melhor para empresa e seu projeto. Mesmo no trabalho dotado de maior
significado intelectual, imaterial, o exercício da atividade subjetiva está
constrangido em última instância pela lógica da forma/ mercadoria e sua
realização. (ANTUNES, 1999, p. 128)
Entretanto essa operação de captura da subjetividade do trabalhador,
exercida pelo capital, não se de forma completa, precisamente devido aos defeitos
estruturais do sistema de metabolismo social do capital, dos quais destacamos:
A produção e seu controle estão radicalmente separados e se encontram
diametralmente opostos um ao outro. No mesmo espírito em decorrência das
mesmas determinações, a produção e o consumo adquirem uma
independência extremamente problemática e uma existência separada, de tal
modo que o mais absurdo e manipulado “consumismo”, em algumas partes
do mundo, pode encontrar seu horrível colário na mais desumana negação da
satisfação das necessidades elementares para incontáveis milhões de seres.
(MÉSZAROS, 1995,
apud ANTUNES, 1999, p.24).
3
Esses mecanismos atuam na busca constante do consentimento dos trabalhadores, capturando sua inteligência,
sua subjetividade, operando a submissão do trabalho imaterial ao poder do capital. Isso é viabilizado através da
criação de atividades estratégicas no interior do processo produtivo, que tem o objetivo de mascarar a
exploração do trabalhador. Este passa a ser denominado de “colaborador” da empresa em que está empregado.
Esses mecanismos são discutidos no texto mais especificamente quando trato do conceito de Toyotismo.
Antunes (1999).
21
Esses defeitos são estruturais, por isso, intrinsecamente ligados ao núcleo
essencial de reprodução do capital. Isso porque a existência do capital depende, entre outras
coisas, da (re)construção do processo de alienação, e esta não se de forma positiva e
simples, mas, sim, enquanto resultado dos confrontos históricos e sociais travados no bojo da
relação contraditória de imposição do capital e, paralelamente, de resistência do trabalho. A
alienação é uma atividade sempre em disputa.
Isso implica que o próprio capital produza constantemente modificações em
sua forma de reprodução social, o que dificulta ainda mais a percepção e a ação por parte dos
trabalhadores do aumento da exploração da classe trabalhadora e mais ainda: emperra sua
capacidade de ação diante do movimento destrutivo do capital. (MÉSZAROS, 2002).
É assim que, a qualificação profissional, e no interior desse fenômeno se
encontra o SENAI, se torna um dos mecanismos de alienação do trabalho, assumindo a
função de amortecer as contradições dos conflitos entre capital e trabalho, levando ao
enfraquecimento político os próprios trabalhadores, desde o “chão de fábrica” até suas
entidades representativas (movimentos sindicais, sindicatos, cooperativas, agremiações,
associações etc), que atuam dentro dos limites impostos pelo capital.
Nessa perspectiva a qualificação profissional entendida como importante
mecanismo de controle social (re)criado pelo capital desde (19)70, surge sob nova roupagem,
em meio a uma enorme diversidade de modificações e inovações em todas as dimensões da
realidade, que veremos adiante.
1.1 - A Reestruturação produtiva do capital.
Existem muitas formas de entendimento do complexo de inovações sociais,
políticas, tecnológicas e culturais que surgiram no sistema capitalista a partir da década de
(19)70. Subjacentes ao complexo de reestruturação produtiva do capital, mudanças são
impressas nos processos de trabalho, hábitos de consumo, configurações geográficas, poderes
e práticas do Estado. Esse período histórico é denominado por Harvey (1992) de "acumulação
flexível", por Chesnais (1996) de "mundialização do capital”, para Mészáros de "produção
22
destrutiva", para os pensadores da escola da regulação “pós-fordismo ou neofordismo” e
para Piore e Sobel, “especialização flexível”. (ALVES, 1999).
O que caracteriza este novo período? E o que o faz ser diferente do antigo
regime fordista de acumulação? O que tem de novo no processo de reprodução do capital nos
últimos anos? E ainda por que o processo de qualificação do trabalhador assume um caráter
essencial, enquanto importante mecanismo de controle social, para a reprodução do capital,
criando uma verdadeira pedagogia da fábrica? À procura de respostas para estas questões
tentamos investigar as raízes históricas e sociais da reestruturação produtiva do capital e seus
desdobramentos espaciais a partir da crescente exigência da qualificação dos trabalhadores.
Iniciaremos esse assunto com a seguinte pergunta: qual o sentido da
modernidade? A modernidade surge com o advento da sociedade burguesa, que
experimentava seus primeiros sussurros com o comércio marítimo num período de
acumulação primitiva do capital. Marx em ''O capital'' aponta a constituição plena do sujeito
capital, "um ente de novo tipo que surge, ainda em germe, com o comércio mundial e
mercado mundial (a partir do século XVI)". (ALVES, 1999, p. 27). E com maior visibilidade
a partir dos séculos XVIII e XIX na Europa, depois na América e hoje na Ásia, marcada pelo
fluido, incerto, ímpeto destrutivo do sistema produtor de mercadorias.
Assim, a modernidade capitalista enquanto uma criação do “sujeito capital”,
se desenvolve inicialmente a partir de dois pressupostos. Um agente social a burguesia, e
um cenário sócio-histórico a produção capitalista e o mercado mundial. (BERMAN, 1987
apud Alves, 1999, p.28).
De acordo com Alves, o capital é o sujeito da modernidade. O autor destaca
que “o capital, na perspectiva dialética, é, antes de tudo, uma relação social voltada para a
valorização do valor. É, portanto, antes de mais nada, uma forma sócio-histórica". (ALVES,
1999, p. 26).
Nas últimas décadas, a mundialização do capital, enquanto período marcado
por uma forma sócio-histórica nova que se instaura no capitalismo a partir de (19)70, se
assenta no referencial flexível de produção e invade todos os quadrantes do planeta que
interessam ao capital, principalmente através do frenético movimento do capital financeiro em
23
busca de incessante valorização do valor abstrato. Para Berman (1987), a modernidade
trata-se,
[...] de uma unidade paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos arroja
num redemoinho de perpétua desintegração e renovação, de luta e
contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é ser parte de um
universo em que, como disse Marx, "tudo o que é sólido desmancha no ar."
(BERMAN, 1987
apud ALVES 1999, p.110).
Segundo Alves (1999) não como apontar definitivamente se essas
modificações ou inovações no sistema do capital moderno são transitórias ou permanentes,
mas destaca que no interior do capitalismo, para alguns autores, houve um sentido de ruptura
política. Ressalta que a descontinuidade relativa no processo de desenvolvimento do capital
apenas repõe, num patamar mais elevado, o processo de modernização capitalista, nesse
sentido, existiria então uma descontinuidade posta no interior de uma continuidade plena.
Foi o que aconteceu, no contexto de década de (19)70, quando o capital
financeiro assumiu posição de destaque como alternativa de acumulação (descontinuidade)
frente à crise vivenciada pelo capitalismo mundial, uma vez que o modelo de acumulação
taylorista/fordista se mostrou insuficiente e enfraquecido.
Podemos dizer que o movimento do capital cria novos dilemas e desafios
para os trabalhadores, pela sua capacidade de revolucionar constantemente as formas de
controle do processo produtivo, que vai além do trabalho, atingindo e invadindo a vida das
pessoas em todas as dimensões. Esse movimento deve ser apreendido em suas dimensões
essenciais, ou seja, o seu desenvolvimento se dá tanto na dimensão estrutural quanto na
dimensão superestrutural.
A primeira diz respeito à ofensiva do capital na produção, ou seja,
modificações na materialidade das relações sociais de trabalho engendradas pelo complexo de
reestruturação produtiva, caracterizadas pelo regime de acumulação flexível cujo momento
predominante é o toyotismo. Estas modificações visam à captura da subjetividade do
trabalhador tanto que:
24
(...) o controle do elemento subjetivo no processo de produção capitalista,
é com a “manipulação” do consentimento do trabalho através de um
conjunto amplo de inovações organizacionais, institucionais e relacionais no
complexo de produção de mercadorias, caracterizadas pelos princípios de
“automação” e de “auto-ativação”, ou ainda, pelo just-in-time/Kan-ban, a
polivalência do trabalhador, o trabalho em equipe, produção enxuta, os
CCQ’s, programas de Qualidade Total, iniciativas de envolvimento do
trabalhador, a inserção engajada dos trabalhadores no processo produtivo
(...) (ALVES, 1999, p. 2-3).
A segunda (dimensão superestrutural) diz respeito à expressão política da
ofensiva neoliberal, um conjunto de medidas políticas adotadas no âmbito do Estado com a
finalidade de melhor servir e dar maior liberdade ao capital. De maneira geral podemos
destacar que essa investida do capital busca o maior apoio possível dos Estados-Nações
capitalistas, por meio de políticas que os estimulam à liberalização, à desregulamentação e à
privatização.
O período que surge a partir da década de 1980, de desenvolvimento do
capitalismo mundial, se caracteriza, segundo Alves (1999), como sendo a globalização
entendida como o fenômeno da mundialização do capital
4
. Para Chesnais, (1996) estamos
diante de um novo regime de acumulação capitalista a nível mundial, predominantemente
financeiro, principalmente a partir da década de (19) 90, marcada por uma longa depressão,
que se caracteriza por momentos de desaceleração, recessão e crescimento não sustentado das
economias capitalistas.
Alves sintetiza essas situações:
É na virada da década de 70 para 80, no bojo da ofensiva do capital na
produção (complexo de reestruturação produtiva) e da ofensiva do capital na
política (a política e a ideologia neoliberal) que se o ponto de partida para
a mundialização do capital (ALVES, 1999, p. 59).
4
Estamos utilizando o termo “mundialização do capital” na tentativa de dar um tratamento mais rigoroso ao
termo inglês “globalização”, “(...) está se designando bem mais do que apenas outra etapa no processo
produtivo de internacionalização, tal como a conhecemos a partir de 1950. Fala-se, na verdade, numa nova
configuração do capitalismo mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e sua regulação”
(CHESNAIS, 1996, p.13).
25
Segundo Chesnais (1996), as baixas de crescimento no PIB (Produto
Interno Bruto), as elevadas taxas de inflação, a instabilidade monetária e financeira a nível
mundial, o desemprego estrutural em larga escala, o sistema de trocas desiguais que gera
marginalização em diversas regiões e os conflitos comerciais provocadas pela Estados
Unidos, pela Europa Ocidental e pelo Japão (a tríade de potências capitalistas) devido à
concorrência internacional são características da macroeconomia capitalista mundial na
década de (19)90 que credenciam o novo regime de acumulação, predominantemente
financeiro, a ser denominado de mundialização do capital. (CHESNAIS, 1997,
apud, ALVES,
1999, p. 54-55).
Podemos notar também a supremacia que o capital financeiro assumiu ao
analisarmos as reflexões de Alves (1999) sobre a mundialização do capital:
Ao dizermos mundialização do capital dizemos um processo de
desenvolvimento do capitalismo mundial sob a direção hegemônica do
capital financeiro e que se consolidou nos últimos vinte anos. (...) É no bojo
da globalização como mundialização do capital que se desenvolve um novo
regime de acumulação flexível e com ele um complexo de reestruturação
produtiva, cujo “momento predominante” de caráter organizacional é
caracterizado por um “novo modelo produtivo” o
toyotismo. (ALVES, 1996,
p.1)
Temos então, como ponto de partida histórico e espacial o fim da década de
(19)70, que nos vai proporcionar a sustentação necessária para a explicação do conjunto de
mudanças que vem à tona no capitalismo mundial devido à instauração de uma crise estrutural
de funcionamento do capital. Traremos para o diálogo autores como Chesnais (1996), Harvey
(1992), Antunes (1995 e 1999), Thomaz Júnior (2002) e Mészáros (2002).
A partir desse período diversas transformações no modo de acumulação se
iniciam nas empresas transnacionais sediadas nos países desenvolvidos, inicialmente a partir
da experiência do toyotismo no Japão, depois na Europa, nos Estados Unidos da América e
hoje em processo de implantação em diversas partes do mundo, buscando novos rumos e
direcionamentos frente à crise do regime taylorista/fordista de produção.
Para o melhor desempenho do capital e para a busca de novas alternativas
de acumulação, eram necessárias as implementações de mudanças drásticas nos mecanismos
26
de produção e estratégias de controle e gestão do trabalho. Assim, o taylorismo/fordismo
assentado no trabalho parcelado e rotineiro, nas grandes fábricas verticalizadas, na produção
padronizada em massa, na separação rígida entre elaboração e execução do trabalho – começa
a ser questionado, diante da evidente queda nos níveis de acumulação do capital.
O capital necessitava de um modelo de acumulação e controle social que
retomasse e, até mesmo, impulsionasse a acumulação. Assim a rigidez fordista gradualmente
cede lugar e/ou produz formas (produtivas, organizacionais e de gestão) consorciadas à
moderna acumulação flexível. O novo padrão de acumulação entra em cena em meados da
década de (19)70, como principal mecanismo, do processo de reestruturação produtiva do
capital. Este processo se constitui na criação de um conjunto de medidas e estratégias
estruturais do capital para modernizar o processo produtivo, tanto na fábrica quanto em outros
setores da produção, e aprimorar as técnicas de gestão e organização em busca de um maior
consentimento e comprometimento dos trabalhadores junto ao capital. Isto significa diminuir
custos e aumentar a produtividade através da intensificação da exploração do trabalhador, a
partir novas tecnologias e novas formas de gestão e produção (captura da subjetividade do
trabalhador), evidenciando novas formas de controle sobre o trabalho. Harvey (1992), ao
tratar dessa questão, nos diz que
A acumulação flexível é marcada por um confronto direto com a rigidez do
fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se
pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos: novas maneiras
de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial tecnológico e organizacional.
(HARVEY 1992, p.140).
A existência de um regime de acumulação do capital é condição necessária
para sua própria reprodução. Harvey ainda destaca que a coesão entre as diferentes dimensões
das relações humanas na sociedade possibilita
(...) uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de
normas, hábitos, leis, redes de regulamentação, etc., que garantam a unidade
de processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos
individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos
27
sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação”.
(LIPIETZ, 1986,
apud HARVEY, 1992, p.117).
A emergência do padrão flexível de acumulação do capital foi a alternativa
encontrada pelo capital, como condição necessária, diante de sua crise de rentabilidade e de
valorização, para sua própria reprodução. Para nós, a expressão fenomênica que mais
representa o movimento de reestruturação produtiva do capital são as novas formas de gestão
e de controle social denominados de flexibilização da produção.
No toyotismo a produção nas indústrias de ponta passou por uma ampla
modernização para adequarem às novas determinações do mercado de trabalho capitalista. A
produção, nessas empresas, passa a ser variada e diversificada, pronta para suprir a demanda.
A quantidade de estoque é enxugada ao mínimo e diminuírem a porosidade do trabalho com
eficiência, eficácia e aproveitamento do tempo de produção. Carvalhal faz algumas
considerações acerca das características do modelo toyotista destacando que:
As mudanças experimentadas pelo toyotismo caracterizam-se pela
flexibilidade na produção, pois, neste caso, a produção é controlada pela
demanda, o que requer, para seu funcionamento, a polivalência do
trabalhador e a flexibilização dos direitos trabalhistas. Tais aspectos
consubstanciam-se em novas formas de gestão da mão-de-obra que requerem
a participação e o envolvimento dos trabalhadores de forma consensual,
diminuindo dessa forma as tensões classistas no processo produtivo.
(CARVALHAL, 2000, p.43)
Essas características apontadas fazem parte dos (re)ordenamentos espaciais
estratégicos do capital, diante de sua crise estrutural causada pela queda tendencial nas taxas
de lucro (tese formulada por Marx) o que permite destacar como outras duas dimensões
dessa crise do capital a tendência de depreciação do valor de uso das mercadorias e a
incontrolabilidade do sistema de metabolismo social do capital, (MÉSZÁROS, 2002),
evidenciando, assim, a histórica submissão e a constante exploração do trabalho pelo capital.
O modelo toyotista de produção apresenta um conjunto de ações no âmbito
produtivo diferenciadas das estratégias fordistas de produção. Isso faz com que haja um
relativo rompimento, porém de ordem essencial, com o modelo taylorista/fordista de
28
produção. Este modelo se apresenta no espaço fabril moderno das empresas de tecnologia
avançada da seguinte forma,
o toyotismo (ou ohnismo, de Ohno, engenheiro que o criou na fábrica
Toyota), como via japonesa de expansão e consolidação do capitalismo
monopolista industrial, é uma forma de organização do trabalho que nasce
na Toyota, no Japão pós- 45, e que, muito rapidamente se propaga para as
grandes companhias daquele país. Ele se diferencia do fordismo basicamente
nos seguintes traços:
1) é uma produção muito vinculada à demanda, visando atender às
exigências mais individualizadas do mercado consumidor, diferenciando – se
da produção em série e de massa do taylorismo/ fordismo. Por isso sua
produção é variada e bastante heterogênea, ao contrário da homogeneidade
fordista;
2) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de
funções, rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo;
3) a produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita
ao operário operar simultaneamente várias máquinas (na Toyota, em média
até 5 máquinas), alterando-se a relação homem/ máquina na qual se baseava
o taylorismo/fordismo;
4) tem como princípio o
just in time, o melhor aproveitamento possível do
tempo de produção;
5) funciona segundo o sistema de
kanban, placas ou senhas de comando para
reposição de peças e estoques. No toyotismo, os estoques são mínimos
quando comparados ao fordismo;
6) as empresas do complexo produtivo toyotista, inclusive as terceirizadas,
têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista.
Enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era
realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25%
da produção, tendência que vem se intensificando ainda mais. Essa última
prioriza o que é central em sua especialidade no processo produtivo (a
chamada “teoria do foco”) e transfere a “terceiros” grande parte do que antes
era produzido dentro de seu espaço produtivo. Essa horizontalização
estende-se às subcontratadas, às firmas terceirizadas, acarretando a expansão
dos métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores. Desse modo,
flexibilização, terceirização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade
total,
kanban, just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício,
“gerência participativa” e sindicalismo de empresa, entre tantos outros
pontos, são levados para um espaço ampliado do processo produtivo;
7) organiza os círculos de controle de qualidade (CCQ’s), constituindo
grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu
trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade das empresas,
convertendo-se num importante instrumento para o capital apropiar-se do
savoir faire intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava;
8) o toyotismo implantou o “emprego vitalício” para uma parcela dos
trabalhadores das grandes empresas (cerca de 25 a 30% da população
trabalhadora, onde se presenciava a exclusão das mulheres), além de ganhos
salariais intimamente vinculados ao aumento da produtividade. O “emprego
29
vitalício” garante ao trabalhador japonês, que trabalha nas fábricas
inseridas nesse modelo, a estabilidade do emprego, sendo que aos 55 anos o
trabalhador é deslocado para outro trabalho menos relevante, no complexo
de atividades existentes na mesma empresa”. (ANTUNES, 1999, p.54-55)
Destacamos as características do toyotismo por ser ele o fenômeno que
detém o veio de racionalização original de organização da produção no meio industrial
contemporâneo.
O toyotismo forma o alicerce da organização, do arranjo material do capital
territorializado no espaço produtivo das empresas capitalistas. Porém é preciso frisar que a
(re)arrumação do processo produtivo flexível moderno carrega resquícios oriundos do
fordismo/taylorismo, possibilitando uma enormidade de novos mecanismos (já destacados) de
organização do trabalho.
O velho se relaciona com o novo e emergem formas consorciadas de
organização produtiva em que elementos do antigo padrão de acumulação interagem
dialeticamente com o novo, engendrando uma nova base técnica e organizacional, que vai ao
encontro dos anseios e conveniências do capital contemporâneo. Mesmo assim não
dúvidas que o padrão flexível de acumulação rompe de forma essencial com o anterior,
construindo sua originalidade, seu novo método de exploração do trabalho, a partir do reforço
da captura da subjetividade do trabalho, da manipulação e da expropriação da inteligência do
trabalhador, fazendo com que sua criatividade seja voltada para a criação de valor abstrato e
esteja conectada com os objetivos empresariais, portanto, do próprio capital. Eis o veio
original da nova racionalidade do capital na produção.
No toyotismo o desperdício de matéria ou de mercado é quase nulo, pois à
produção se vinculam os minuciosos estudos de mercados e prospecção da demanda. A
introdução de equipes de trabalho, em que um trabalhador exerce várias funções, possui
diversas habilidades e opera várias máquinas, agiliza o processo e reduz os custos através da
racionalização do tempo de trabalho.
Os círculos de controle de qualidade (CCQs) estimulam os trabalhadores a
buscarem qualificação profissional (utilizando para esse fim seu próprio salário) e a
(re)pensarem constantemente seu desempenho nas atividades realizadas, sempre com foco no
aumento da produtividade da empresa. Afinal de contas o salário do trabalhador, neste
30
momento da acumulação de capital, se vincula cada vez mais aos “resultados” obtidos pela
empresa.
Essas características do toyotismo nos credenciam a destacar que a essência,
o caminho próprio, o veio de racionalização original de organização da produção no meio
industrial contemporâneo é a constante atividade do capital no sentido de capturar a dimensão
subjetiva do trabalho, quando então se tornam visíveis os problemas para o trabalho.
Nos itens seguintes destacamos como entendemos o trabalho, suas
dimensões e de que maneira situamos essa categoria no âmbito da análise geográfica,
considerando a realidade pesquisada, entendendo que a reestruturação produtiva do capital,
sob o olhar da Geografia, só tem sentido se considerar-se a reestruturação espacial nos
territórios e nos lugares, portanto, a dimensão espacial do fenômeno da qualificação
profissional no SENAI em Catalão-GO. Logo, abordaremos alguns aspectos pedagógicos
dessa nova conformação do trabalho na sociedade capitalista, em seguida discutiremos como
a classe trabalhadora está cada dia mais explorada, conseqüência do processo de
reestruturação produtiva do capital.
1.2 - Trabalho abstrato e suas concretudes.
O trabalho é uma virtude humana; a partir dele o homem pôde evoluir na
relação com a natureza, criando novos métodos e técnicas de sobrevivência, alimentação,
artesanato e, principalmente, de relação com os outros homens, possibilitando a consolidação
de uma estrutura cultural e histórica no seio da sociedade.
O homem se faz homem através do ato de trabalho, sua relação com o meio
se deu através de um intercâmbio de realizações para suprir suas necessidades de
sobrevivência. A causalidade inerente à produção da natureza ganha novos contornos ao se
relacionar dialeticamente com a causalidade posta pelo trabalho humano. O homem se
31
constitui da natureza e se funda no trabalho. Com a presença humana no planeta, o ritmo e
o movimento da natureza se transformam.
Assim, “a história da realização do ser social objetiva-se através da
produção e reprodução da sua existência, ato social que se efetiva pelo trabalho
.
(ANTUNES, 1995, p.121). O homem, através do trabalho social, se diferencia dos outros
animais, devido ao seu caráter teleológico (a idéia pré-existe em sua mente, anteriormente a
realização do fato), ou seja, a capacidade do homem de visualizar um objeto mentalmente,
antes mesmo de efetivá-lo na forma material. Em outras palavras, o ser humano tem ideado,
em sua consciência, a configuração que quer imprimir ao objeto do trabalho, antes de sua
realização
”. (ANTUNES, 1995, p.122.).
Tendo como fundamento o pensamento de Marx, (1844) apud Bensaïd, (2000),
pode se dizer que o trabalho concreto humano é aquela atividade onde o homem, com amor,
alegria e liberdade, produz algo com que ele se identifica, algo que seja sua marca individual
e que pode ser universalizado, ou seja, socializado com outras pessoas.
No Dicionário de Filosofia
5
,
O trabalho no sentido pleno do vocábulo, é privilégio do homem e constitui
sua nobreza – o trabalho supõe tendência a um fim e esforço. Com o
primeiro, a razão dirige o trabalho, que assim adquire responsabilidades
moral e mérito; a segunda aumenta-lhe o valor moral, enquanto exige do
homem um emprego real de suas energia.
No Dicionário do Marxismo,
6
O trabalho, diz-nos Marx, é um ‘acto entre o homem e a natureza’. Pelo
trabalho o homem pode modificar a natureza. Mas o homem fez ele mesmo,
parte da natureza, transformando-a pelo trabalho, o homem transforma-se a
si dialeticamente, numa certa medida. Como escreveu Engels: ‘a condição
fundamental, primeira de toda a existência humana é o trabalho e a tal ponto
5
apud JÚNIOR, F. C. S. O trabalho no sentido filosófico, p.12, 1996.
6
idem
32
que, numa certa medida, faz-nos afirmar: o trabalho criou o homem’.
(Dialética da natureza).
A partir dessa conceituação se torna possível perceber o trabalho em sua
dimensão concreta, no seu sentido essencial, razão da própria existência humana. Todavia, o
trabalho concreto sendo uma condição da existência humana, portanto, sua essência, é
mascarado e subestimado frente à intensificação do trabalho abstrato (assalariado) na
sociedade capitalista.
Isso se dá porque a dimensão concreta do trabalho é subjugada à sua
dimensão abstrata (exploradora e degradante). Assim, o capital, através da reprodução da
relação de separação entre o trabalhador e os resultados do trabalho, ou seja, a apropriação
privada das mercadorias produzidas pelos trabalhadores, estrutura e ordena a realidade
espacial do trabalho, ancorada no caráter alienado, fetichizado e estranhado das relações
sociais de produção, às quais os trabalhadores estão sujeitos em sua forma histórica
contemporânea na sociedade capitalista.
O trabalho assalariado é fundamentado na abstração, pois o tempo do
relógio é a sua medida. Assim, torna-se possível separar a quantidade de tempo necessária de
trabalho, para a produção de mercadorias, da quantidade excedente do uso da força do
trabalho, efetivando desse modo a mais valia ou a apropriação do tempo não pago do
trabalho.
Nessa forma de trabalho o capital cria a alienação do trabalhador, ou seja, o
estranhamento do trabalho, no qual o produtor não se identifica com o que ele mesmo produz.
“Tudo aparece como capacidade produtiva de capital e não como capacidade de trabalho,
como se as máquinas, o capital ou o dinheiro se reproduzissem automaticamente” (DIAS,
1995, p.6).
A relação entre capital e trabalho é própria do capitalismo e efetiva-se na
sujeição do trabalho à esfera do capital. A exploração e dominação da classe trabalhadora pela
burguesia, legitimada pelo contrato assalariado de trabalho, deve ser destacada como a
principal medida do capital, para que a ordem social estabelecida não entre em caos e possa se
reproduzir como sistema hegemônico.
33
Sendo assim, o trabalho abstrato (assalariado) não só legitima como
também recria a exploração da classe trabalhadora a partir do contrato assalariado colocando
tanto o empregado como o empregador, ironicamente, como iguais, em um contrato
igualitário.
“O que diferencia o Trabalho Filosófico (concreto) do Trabalho Econômico
é o resultado do processo de realização do próprio trabalho” (FRANCISCO JÚNIOR e
MACHADO, 1996, p.17).
Nesse sentido, o trabalho, na sociedade capitalista, tem um caráter
unilateral, de criação de mais valor acumulado e reprodução do capital. Esta forma sócio-
histórica abstrata que assume o trabalho no espaço do capitalismo está intimamente
relacionada às determinações do capital contemporâneo, que, nesse estágio de
desenvolvimento, tende a subjugar grande parte das dimensões da vida ao sistema do
metabolismo espacial da realidade do capital. E, assim, reproduz-se a exploração do trabalho
assalariado e mantêm-se os meios de produção em poder da classe burguesa, tornado-se
possível a existência e reprodução do capital, que oculta a essência humana e contribui para
mascarar a exploração capitalista.
A criação da riqueza abstrata assume, com a implantação das modernas
técnicas e tecnologias no processo produtivo e sua gradativa evolução econômica, novos
parâmetros. O valor se distancia gradativamente do tempo imediato de trabalho como sua
medida. Assim a medição da riqueza por meio do tempo de trabalho torna-se uma base
miserável, a partir do momento em que as forças mediatas do trabalho (a parte do trabalho e
do saber acumuladas no curso de gerações) prevalecem sobre as formas imediatas e a criação
de riquezas se torna relativamente independente do tempo diretamente utilizado na sua
produção (BENSAID, 2000, p.88).
Isso não quer dizer que o tempo de trabalho deixe, definitivamente, de estar
presente na criação da riqueza abstrata ou ainda que o trabalho esteja fadado ao seu fim,
porém, este se torna cada vez mais difícil de ser medido.
O domínio das novas tecnologias, da comunicação e da informação, que
modernizam o processo produtivo, forja a idéia de que o trabalho está perdendo sua
34
centralidade na sociedade contemporânea. Antunes aponta alguns direcionamentos dessa
expectativa:
As tendências em curso, quer em direção a uma maior intelectualização do
trabalho fabril ou ao incremento do trabalho qualificado, quer em direção à
desqualificação ou à sua sub-proletarização, não permitem concluir pela
perda desta centralidade no universo de uma sociedade produtora de
mercadorias. (ANTUNES, 1999, p.75).
Nesta perspectiva de análise, o trabalho abstrato, apesar de degradante e
explorador, como sendo criado na sociedade capitalista enquadrado em sua lógica social,
assume o posto centralizador e fundamental na reprodução desse sistema produtor de
mercadorias.
Então, não se pode perder de vista o reconhecimento do papel central do
trabalho assalariado, da classe-que-vive-do-trabalho
7
, como sujeito potencialmente capaz,
objetiva e subjetivamente, de caminhar para além do capital(ANTUNES, 1999, p.76).
Antunes destaca que a superação do trabalho abstrato e a conseqüente
passagem para uma sociedade emancipada, fundamentada no trabalho concreto, prevê uma
redução drástica da jornada de trabalho, aumentando o tempo livre, baseada numa profunda
7
Em concordância com Thomaz Júnior (2002 e 2003a), adicionando alguns elementos a esse conceito de
Antunes, (1999), destacamos a definição de classe-que-vive-da-venda-da-força-de-trabalho, hoje, diante dos
desdobramentos do complexo de reestruturação produtiva. Considera-se como seus setores integrantes: a) o
conjunto de trabalhadores que vivem da venda de sua força de trabalho; b) aqueles que se garantem com
relativa
autonomia em relação à inserção no circuito mercantil, como os camelôs; c) os trabalhadores não
proprietários dos meios de produção e inclusos na informalidade, como as diferentes modalidades do trabalho
domiciliar urbano e do trabalho familiar na agricultura e que são inteiramente subordinadas ao mando do
capital; d) da mesma forma, os camponeses com pouca terra e que se organizam em bases familiares; e) o
conjunto dos trabalhadores que lutam pela terra, inclusive os camponeses desterreados e f) todos os demais
trabalhadores que vivem precariamente junto às suas famílias, sob diferentes modalidades de subproletarização
(temporário,
part time etc.), da produção e venda de artesanatos, pescadores etc. Para o autor, (Antunes) há,
pois, um significado político e histórico nessa avaliação que em nada atropela teoricamente a formulação
marxiana, clássica, ao contrário, complementa e adiciona alguns elementos que esperamos ser agregadores de
novos sentidos com vistas a recolocar em debate a identidade de classe, extrapolando os limites da classe que-
vive-da-venda-da-força-de-trabalho e chegando a unificação orgânica do trabalho, para além da fragmentação
cidade-campo, e, portanto, sugere a imprescindibilidade do debate de um tema tão distante dos eventos na área
das ciências humanas e sociais, particularmente da Geografia. (THOMAZ JÚNIOR, 2003, p.3).
35
alteração nas bases sociais existentes, colocando em primeiro plano um trabalho social em
bases criativas, libertadoras, atendendo às necessidades da sociedade como um todo.
Pensa-se que o trabalho será socializado para todos os homens, e que a
liberdade do trabalho permitirá que os homens se realizem em suas individualidades enquanto
seres sociais humanos emancipados para si e diante das outras pessoas. Permitirá ainda que a
relação do homem com a natureza ocorra de uma forma holística, diferentemente da que
predomina no modo de produção capitalista.
Discutiu-se até aqui o trabalho e suas mutações ante à reestruturação
produtiva do capital. Feito isto, resta ainda destacar a relação da categoria trabalho com o
discurso geográfico, tarefa a ser discutida no item seguinte.
1.3 - A busca de uma leitura geográfica do espaço a partir do trabalho
A Geografia do Trabalho
8
tem como fenômeno central de análise a categoria
trabalho, que entende tanto a relação homem-meio como a relação sociedade-espaço, partes
indissociáveis de um mesmo processo. Conforme destaca Thomaz Júnior
[...] com
as atenções voltadas então para a dialética do processo
social, o trabalho, sob o enfoque geográfico, é compreendido por nós, pois,
como expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a natureza,
nesse seu ir sendo ou seu vir a ser está inscrita a intenção ontologicamente
ligada ao processo de humanização do homem. A dupla linha de ação entre a
ideação, a previsibilidade (a finalidade), enfim a teleologia (inexistente na
natureza), e a materialidade fundante (causalidade) forma uma conexão
interativa que solda a práxis ontológica do trabalho diante do agir societal
[...] (THOMAZ JÚNIOR, 2000, p.8.).
8
Ver MENDONÇA, M. R. Urdidura espacial do capital e do trabalho no Cerrado do Sudeste Goiano,
2004.
36
Ação e consciência permeiam a existência humana, estar na condição
existencial significa essencialmente estar sendo; ser modificável é modificar. É dizer que a
realidade é, diante de nossos olhos, nossa ação e nossa consciência. Assim destacado, o
trabalho é um ato vital e inevitável do ser humano; o homem dialeticamente (re)produz–se
existencialmente ao (re)produzir o seu espaço material e imaterial de relações essenciais com
as outras pessoas e com a natureza, humanizando-a e hominizando-se, a cada momento mais
nessa relação.
A partir dessas considerações, entendemos que a categoria trabalho
necessita ser incorporada à discussão geográfica, utilizando as ferramentas teóricas, os
métodos, as práticas e outras categorias, como espaço, território, região e lugar, para se
desvendar a trama de relações sociais contraditórias imersas no tecido social do espaço
geográfico.
Faz-se necessário discutir o trabalho como um fenômeno que vai além da
análise da produção no âmbito da reestruturação produtiva do capital e da flexibilidade do
trabalho e da produção. O trabalho precisa ser entendido como um fator fundante do ser
social, que dialeticamente contém em si a contradição, expressa na luta de classes. Nesse
sentido, estão contidos no trabalho o aprisionamento do ser social e sua possibilidade de
emancipação, permeado por uma complexa trama de relações criadas no capitalismo, a partir
da relação capital-trabalho. A Geografia do Trabalho, sem apontar um conceito preciso, é em
debate, uma análise do trabalho a partir das visões, teorias, métodos, práticas e categorias da
Geografia. Despidos da intenção de, mais uma vez, sectarizar a Geografia, mas, pelo
contrário, com a intenção de fortalecer a interdisciplinariedade na construção do
conhecimento, os pesquisadores, preocupados com o desvendamento do tema trabalho na
ciência geográfica, a partir da terminologia Geografia do Trabalho, interessam-se por discutir
o modo como esse tema pode ser investigado a partir desta ciência, utilizando categorias
como, território e espaço, entre outras.
Moreira (2002) faz as seguintes considerações sobre a categoria trabalho na
Geografia, a relação homem-meio e a relação sociedade-espaço, formas respectivamente, do
metabolismo natural e metabolismo espacial:
37
[...] O metabolismo ambiental sendo lugar primeiro do trabalho e o
metabolismo espacial o lugar secundário e de regulação formal do primeiro
[...], o espaço é o plano mais amplo da estrutura invisível da sociedade.
(MOREIRA, 2002, p. 21.)
Nessa perspectiva, tanto a nível metabólico da relação sociedade–espaço, ou
seja, na dimensão das relações abstratas do trabalho (trabalho assalariado), quanto a nível
metabólico da relação homem–meio, ou seja, na dimensão concreta e primária do trabalho,
(condição existencial do ser humano), o trabalho é por nós destacado e analisado como tema
central em qualquer uma de suas dimensões e/ou com suas dimensões imbricadas
indissociavelmente na relação capital x trabalho, processo fundante na construção do espaço
geográfico.
A classe trabalhadora, no capitalismo contemporâneo, enfrenta diversos
problemas, desde sua legitimada exploração através do contrato de trabalho, até as diversas
conseqüências do incremento progressivo da tecnologia nas modernas indústrias da
atualidade. Deve-se levar em consideração as conseqüências desse processo de modernização
da produção no mundo do trabalho. De acordo com Antunes, (1999) muitas são as
transformações para o trabalho, e
[...] o mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem
precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo
de forma global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que uma
processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial
e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o
assalariamento no setor de serviços. (ANTUNES, 1999, p.41-42).
Observa-se também uma diminuição do uso direto da força no trabalho,
devido ao caráter superior do investimento em capital constante em detrimento do capital
variável. Modernos aparatos tecnológicos são implantados em massa nas indústrias, onde os
trabalhadores se tornam apenas “apêndices supervisores das máquinas”.
Essa situação, como destacamos, cria uma tendência ambígua. Por um
lado reduz o número de mão-de-obra nas indústrias e, por outro, conseqüentemente, aumenta
as exigências por trabalhadores multifuncionais, superqualificados, forjando uma crescente e
38
progressiva intelectualização do trabalho social […] peso crescente da dimensão mais
qualificada do trabalho” (ANTUNES, 1999, p.42).
Isso leva à formação de um grupo reduzido de trabalhadores nos postos de
trabalho formais, os empregados estáveis e permanentes, com uma razoável condição salarial.
Mas também cria uma imensa massa de trabalhadores desempregados, o chamado
desemprego estrutural ou desemprego tecnológico. O causador desse desemprego é, pois, o
desenvolvimento das tecnologias, que forçam o enxugamento do uso da força física no
trabalho, liberando mão-de-obra, possibilitando um crescimento do assalariamento no setor
terciário (serviços), conjugadamente a existência de progressivas formas precárias
(subcontratadas, terceirizadas) de postos de trabalho.
Ainda a existência do trabalho temporário, parcial, provoca a intensificação
de uma desqualificação, no sentido de deterioração do trabalho, mostrando a grande
quantidade de trabalhadores em condições degradantes e precárias, principalmente no setor de
serviços.
Nesse contexto, a reestruturação produtiva do capital deve ser encarada e
entendida como um poderoso fenômeno que se expressa na produção através de novas
medidas do capital frente à crise no padrão de acumulação e regulamentação, tendo por base
tecnologias modernas e buscando a elevação da produtividade e do lucro. Para tanto,
intensifica-se o controle social do trabalho em escala global.
O envolvimento do trabalhador porém de forma manipulada no
processo de produção mais flexível, desenvolvendo seus conhecimentos intelectuais na
empresa, impõe uma obrigação inevitável: a de ser e estar sempre qualificado para
acompanhar o ritmo desenfreado do desenvolvimento tecnológico. É feita nas empresas a
chamada ideologização do trabalho que afeta diretamente a subjetividade do trabalhador,
promovendo a total adequação, submissão e sujeição do trabalho à esfera do capital. Essa
ideologização pode ser identificada nas novas formas de gestão da mão-de-obra, pelas quais o
trabalhador “se deixa levar” pelos discursos de produtividade, qualidade total (CCQ), gestão
participativa, participação nos lucros, colaboração, disciplina etc.
39
Acerca deste assunto é importante destacar a opinião do diretor-
presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Mineradoras em Catalão/GO
9,
Nos últimos 20 anos, ferramentas como qualidade total, 5S, segurança
total
10
, ISO 9000, todos esses processos, funcionam como uma ‘lavagem
cerebral’, onde o patrão vem com uma ideologia, uma filosofia de que o que
vale é você, o trabalhador.
Na expressão popular “vestir a camisa da empresa” é perceptível esse
envolvimento ideológico e manipulatório difundido nas modernas empresas. Assim a
exploração do trabalho fica mascarada diante das novas estratégias de controle do capital, o
que traz profundas conseqüências para o mundo do trabalho. Essa situação vai afetar
diretamente, por exemplo, os órgãos de representação dos trabalhadores, como partidos
políticos e sindicatos.
Os sindicatos enfrentam uma crise de identidade de grandes proporções. No
interior dos movimentos sindicais, cresce as forças de direita, que os levam ao imediatismo, à
contingência, a operar sobre o prisma constitucional e burocrático, atado ao ideário capitalista,
criando um sindicalismo de participação, contrário de um sindicalismo de classe. O mesmo
dirigente sindical, fala a respeito da relação do sindicato com os empresários:
Nós fazemos os contatos com os empresários e existe uma relação de
respeito mútuo, num clima de profissionalismo […], essa relação se efetiva
geralmente através de reuniões e através de ofícios de reivindicações
buscando uma harmonia entre a classe trabalhadora e empresarial
11
,.
Pode-se perceber um sindicalismo em crise buscando adaptar-se ao sistema
imposto pelas empresas capitalistas. A situação dos órgãos de representação da classe
9
METABASE Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e Extração do Ferro e Metais Básicos e de Minerais
não Metálicos de Catalão - Ouvidor. O presidente diretor da entidade, nos concedeu a entrevista em (2001) .
Entrevista realizada por ocasião de nossa monografia de conclusão de curso.
10
Grifo nosso
11
Idem.
40
trabalhadora está mais complexa. Os trabalhadores sofrem o processo de heterogeneização,
fragmentação e complexificação do trabalho (ANTUNES, 1995).
Nesse sentido, estão sem organização, dispersos, divididos em grupos.
Como foi mencionado anteriormente, verifica-se um pequeno número de trabalhadores nos
postos estáveis e formais de trabalho e uma grande parte de trabalhadores subempregados
(temporários e informais) e desempregados. Carvalhal discute com propriedade a estrutura
sindical no Brasil e destaca seus pontos frágeis:
A estrutura sindical brasileira, de ampla aceitação pelos sindicalistas, prevê
apenas a representação dos trabalhadores que estão inseridos no mercado
formal. Além do que, a fragmentação categorial e territorial dos
trabalhadores faz com que muitos trabalhadores, deslocados de seus postos
de trabalho originais, tenham como representação sindicatos menores e
desmobilizados. (CARVALHAL, 2000, p.41).
Essas observações permitem dizer que os sindicatos ficam imobilizados
diante do destruidor ataque ao mundo do trabalho, o que dificulta a elaboração de um projeto
alternativo que possibilite ações mais objetivas, concretas e anticapitalistas, ou seja,
possibilidades de superação do capital.
O movimento sindical precisa caminhar com passos mais firmes, buscando
um projeto para os trabalhadores como um todo, ultrapassando o âmbito da produção,
aliando-se territorialmente, unindo esforços, aos diversos movimentos sociais e de classe, com
a finalidade de superar a submissão e a exploração do trabalho, ou seja, visualizar uma
alternativa para além do trabalho assalariado. Assim, o sindicalismo não deve se apoiar
apenas na perspectiva
[...] de ver atendidos suas demandas em termos de salários, emprego e
condições de trabalho, como na própria redefinição de objetivos e
perspectivas políticas que avancem para além do trabalho, constituindo-se o
movimento sindical enquanto sujeito coletivo, que influencia não somente o
espaço restrito das relações de produção, mas também que atue na
reconfiguração do território de forma mais ampla, como por exemplo, nos
movimentos de moradia urbana e de reforma agrária. (CARVALHAL, 2000
p.42).
41
No que tange à qualificação profissional é necessário destacar que
grandes partes dos sindicatos acreditam na necessidade de qualificar os trabalhadores para
combater o desemprego. Inclusive vários deles assumem essa responsabilidade para si. Isso se
também, disseminando discursos e estímulos, para que o trabalhador busque sua
qualificação em escolas profissionalizantes, por exemplo, na Rede S, destacando-se o SENAI.
Acreditamos que esse tipo de ação sindical desvirtua o sentido real da
função social dos sindicatos e demonstra uma “vaga” compreensão do real sentido da
qualificação profissional capitalista moderna.
Portanto, ao se destacar alguns aspectos das mudanças ocorridas na
sociedade capitalista nos últimos anos e discutir um pouco as conseqüências para o trabalho,
pode-se perceber a complexidade e a magnitude presentes nas novas feições territoriais
existentes na sociedade capitalista.
É preciso, em meio a tantas mudanças, apontar os aspectos mais importantes
desse momento de acumulação flexível, para que se possam pontuar questões que tenham
contido em si potenciais reais de explicação da realidade contemporânea. No capítulo seguinte
vamos discutir a qualificação profissional no capitalismo atual.
42
CAPÍTULO 2
A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: novas estratégias de ação do capital.
A inteligência humana, materializada em
máquinas também inteligentes, vai dispensando,
progressivamente, a capacidade de raciocínio
crítico e de julgamento dos trabalhadores. Estes
vão se tornando cada vez mais dependentes, dóceis
e secretamente cínicos. A vida social perde o seu
sentido e orientação. (...) A experiência escolar se
torna cada vez mais mecânica e perfuntória, cada
vez mais orientada por regras formais e pela
transmissão de saberes destituídos de significados.
(REZENDE PINTO , 1994, p.43).
Discutiremos neste capítulo a educação para o trabalho, compreendida
enquanto o processo de qualificação e (re)qualificação profissional (e como gestor/produtor
desse fenômeno o SENAI), no conjunto de transformações da lógica de funcionamento do
capital contemporâneo, que ocasiona um profundo impacto na materialidade e na
subjetividade da classe trabalhadora.
Dessa forma serão abordados os sentidos que a qualificação do trabalho
assumiu para o capital a partir de década de (19)70 e de que forma esse fenômeno aparece a
partir das ações do SENAI materializadas no território do Sudeste Goiano (figura 01).
Tratamos a qualificação do trabalho como instrumento do capital, que visa formar o
trabalhador para uma profissão. Nesse sentido a qualificação à qual nos referimos e vamos
discutir é a qualificação profissional que destina o trabalhador para o mercado de trabalho.
Dessa forma, almejamos um entendimento liberto de pré-conceitos
alienantes e ideológicos, para tanto se fez necessário contextualizar o lugar com sua totalidade
e não como um fato isolado no mundo, refletindo sobre as transformações de ordem
econômica, política e social que ocorreram no sistema capitalista e incidiram diretamente no
trabalho, transformando profundamente tanto os mecanismos de controle social deste quanto
as ações políticas construídas pelos trabalhadores.
43
O SENAI, enquanto locus de formação profissional, visa atender o
sistema produtivo, ou seja, as necessidades tecnológicas do mercado, que materializam
profundamente o ideário burguês de sociedade.
Pretende-se averiguar ainda quais foram os reflexos que ocorreram na
Unidade Operacional Fixa de Catalão/GO, bem como as conseqüências para os trabalhadores.
Iniciaremos pela discussão do sentido da qualificação profissional na sociedade capitalista.
2.1 - Os sentidos da qualificação profissional na sociedade capitalista.
Visando buscar um conceito de qualificação, destacamos inicialmente
alguns elementos importantes.
Em Marx, o conceito de qualificação é tomado enquanto um conjunto de
condições físicas e mentais que compõe a capacidade de trabalho ou de força de trabalho
despendida em atividades voltadas para a produção de valores de uso em geral. Assim, a
capacidade de trabalho é condição fundamental da produção, portanto, tem seu valor de uso.
Com o capitalismo, ela passa a ter um valor de uso crucial, pois representa a possibilidade de
criação de um valor adicional ao seu próprio valor, a mais valia. (MACHADO, 1994, p.9)
É necessário destacar que as condições físicas e mentais inerentes à força de
trabalho de uma determinada sociedade se diferenciam no tempo e no espaço, ou seja, variam
historicamente em relação a alguns elementos. Quais sejam:
O grau médio de destreza dos indivíduos, a disponibilidade de recursos
naturais, a forma como é organizada socialmente a produção, a quantidade e
a qualidade dos meios utilizados para produzir, incluindo-se evidentemente o
desenvolvimento de aplicação dos seus resultados. (idem).
Qualificação é, então, a capacidade física e mental do homem de realizar
atividades diversas na busca de satisfazer suas intenções e necessidades do uso em geral, logo,
qualificar é dotar homem dessa capacidade. E os elementos constituintes da qualificação,
44
acima mencionados, acompanham necessariamente o modo de produção social a que se
vincula historicamente.
Assim, no capitalismo, como as relações econômicas estão em primeiro
plano, a qualificação do homem se envereda pelo espaço de produção de mercadoria. Na
dimensão produtiva, o lugar por excelência de exploração do trabalho pelo capital, as
capacidades físicas e mentais dos trabalhadores, portanto, suas qualificações, são
potencializadas para um único movimento: a produção de valores de troca.
Com o desenvolvimento do capitalismo, devido à criação no processo
produtivo das grandes empresas de novas tecnologias (microeletrônica, biotecnologia,
química fina etc.) e dos mecanismos técnicos que tem como principais características o
aumento da produtividade e, certamente, do lucro, temos como conseqüência mais imediata
um número profundamente reduzido de trabalhadores, porque uma demanda menor de
mão-de-obra direta no processo produtivo.
Exemplificando: uma indústria em que o trabalho era desempenhado por
dezenas e até centenas de trabalhadores, com a inserção de modernas máquinas de comando
numérico computadorizado, promove a demissão da maioria, pois o trabalho pode ser
realizado por poucos trabalhadores. Podemos afirmar que partes do trabalho que antes era
realizado por pessoas são transferidas para as máquinas. Com isso muitas profissões são
extintas, outras são inventadas, muitos trabalhadores são despejados, expulsos de seus ofícios
e substituídos por operadores de máquinas.
Do ponto de vista da qualificação do trabalho passa a existir na sociedade
uma dupla face articulada de ações, ou seja, imersa no processo destrutivo de reestruturação
produtiva do capital, observam-se uma nova dinâmica territorial no fenômeno da qualificação
profissional. Isto ocorre através do movimento de superqualificação e também de
desqualificação do trabalho simultaneamente.
Alguns grupos reduzidos de trabalhadores formais se empregam nos postos
de trabalho em empresas que requerem mão-de-obra superqualificada, multifuncional,
polivalente; o trabalhador, via de regra, possui as qualificações necessárias para exercer várias
funções na produção, incluindo a resolução de problemas imediatos no processo produtivo.
Porém observa-se, fruto da lógica desse mesmo processo, a deterioração
intensa da classe trabalhadora. Uma das formas desta deterioração é a mobilidade de parcelas
45
dos trabalhadores do setor formal para outros setores. No setor de serviços ocorre uma
maior brutalização e exploração dos trabalhadores, onde se constata o aumento da
precarização, da subcontratação, da desmobilização, da informalidade, do desemprego
estrutural, da terceirização e dos postos de trabalho temporários.
Neste momento, é importante destacar que compreendemos a importância
da categoria trabalho como componente estrutural do discurso geográfico contrapondo-se à
idéia do fim do trabalho. O trabalho não perdeu sua centralidade ontológica na sociedade
contemporânea. Quando se fala em crise do trabalho é fundamental distinguir a qual dimensão
do trabalho se está referindo, assim, essa crise atinge o trabalho em sua dimensão abstrata e
não abstrata “[...] se trata da crise do trabalho também em sua dimensão concreta, enquanto
elemento estruturante do intercâmbio social entre os homens e a natureza”. (ANTUNES,
1995, p.76).
Assim, enquanto a sociedade continuar sendo regida pelo metabolismo
societário do capital, a idéia de eliminação da classe trabalhadora, como defendem alguns
autores, continuará sendo uma utopia impossível.
Acompanhando as transformações no espaço de produção nas modernas
indústrias, que exigem perfis novos do trabalho, o SENAI
12
, enquanto instituição a serviço do
capital amparado pelo Estado, na sua função de (re) qualificar mão-de-obra para o mercado,
experimentou diversas mudanças.
Além do treinamento técnico no processo produtivo, o SENAI dispõe de
novos mecanismos de qualificação profissional, visando uma educação capitalista, para o
trabalho. Denominamos essa educação de uma pedagogia para a fábrica (KUENZER, 1985),
pois os alunos da instituição convivem com a disciplina e recebem instruções de como se
relacionar no ambiente de trabalho, enfim, são enquadrados às novas relações de trabalho
onde o máximo envolvimento do trabalhador permite uma exploração de forma mascarada e
contínua.
O paradigma de acumulação flexível modifica a forma de treinamento da
mão-de-obra. No período de auge do taylorismo/fordismo, até meados da década de (19)70, a
12
O SENAI é integrante do que ficou conhecido como sistema S (SENAI, SENAR, SESC, SESI, SENAC).
Este sistema tem o objetivo de preparar, (re) qualificar, trabalhadores para o mercado de trabalho capitalista.
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
46
qualificação profissional visava apenas à instrução técnica, rígida, repetitiva e monótona
nas linhas de produção. O diretor da unidade do SENAI em Catalão/GO discute como era a
instituição nesse período. O SENAI [...] era tido como uma escola de regime paralelo ao
militar, próximo do que a vida militar pedia até na formação profissional
13
.
Ainda utilizando as palavras do entrevistado acerca da transformação no
capitalismo, ou seja, na era da flexibilidade do mercado, destacamos as características
agregadas ao SENAI atualmente na educação para o trabalho:
Hoje a gente tem como premissa que o profissional tem que ser aquela
pessoa que se envolva enquanto emoção, enquanto sentimento, enquanto
trabalho, então ele tem que fazer o que gosta, ele tem que se relacionar bem
com o trabalho e isso está implícito também nos novos conceitos de
educação
14
.
O SENAI difunde uma idéia de educação capitalista, aliada às classes
dominantes e seus projetos, direcionada ao mercado de trabalho, buscando um maior
envolvimento do trabalhador na tentativa de amortecer e ocultar as tensões existentes na
relação capital x trabalho, possibilitando um maior controle do trabalho.
O capitalismo se transforma, evidenciando redimensionamentos
econômicos, redefinições das políticas de classe, tendo por base uma arrasadora
reestruturação produtiva, com o objetivo de administrar a tendência global de queda na taxa
de lucro. Essa reestruturação é expressa em medidas estratégicas do capital em busca do
aumento da produtividade e do lucro, acentuando a exploração do trabalho através da
exigência de maior produtividade do trabalho.
Assim o mundo do trabalho é modificado tendo como determinação espacial
a produção de mercadorias, a partir da materialização do fenômeno da acumulação flexível,
que pode ser observada nas considerações de Harvey (1992): A acumulação flexível parece
implicar níveis relativamente altos de desemprego estrutural, rápida destruição e reconstrução
da habilidade, ganhos modestos de salários reais e o retrocesso do poder sindical” (HARVEY,
1992, p. 135).
13
O diretor da unidade do SENAI em Catalão, nos concedeu entrevista em 2001, por ocasião do trabalho de
monografia de conclusão do curso de graduação em Geografia..
14
idem
47
O fenômeno da qualificação profissional impregnou-se no ideário
societal, difundido no interior do meio empresarial, levando a classe trabalhadora a aceitar
esta idéia como condição para ter acesso ao trabalho. Thomaz Júnior (2000) ressalta que ao se
esperar que a (re)qualificação do trabalho, por si só, seja o selo de garantia para a
revalorização da competência e da habilidade, acabou-se por convertê-la no passaporte para a
empregabilidade.
Assim, a qualificação profissional faz parte de uma dinâmica que envolve
vários aspectos da sociedade, mister se faz entendê-la como um processo em curso inerente à
reprodução do capital, acompanhada de outros processos como mercado de trabalho,
educação, emprego, indústrias.
que se perceber o sentido mercadológico da qualificação profissional na
sociedade capitalista e o que está por trás de todo esse processo. Assim:
[...] na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educação dos
diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los
técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a
função social da educação de forma controlada para responder às demandas
do capital”.( FRIGOTTO, 1995,
apud, THOMAZ JÚNIOR, 2000 p.09).
O que se percebe são estratégias do capital com a finalidade de melhor
treinar a mão-de-obra, elevando a produtividade do trabalho e criando um número elevado de
trabalhadores qualificados desempregados, formando um exército industrial de reserva
qualificado, facilitando mais ainda para o empresariado a negociação de baixos salários.
O objetivo do capital, além do lucro, é sua própria reprodução, e a
qualificação profissional funciona como uma ferramenta básica para a obtenção maximizada
de lucro e, principalmente, detém a função, dentre outros mecanismos políticos e ideológicos,
de capturar a subjetividade do trabalho, ou seja, fazer com que a inteligência criativa dos
trabalhadores se torne aliada às determinações e exigências do capital.
Por assim dizer, é de suma importância destacar o caráter meramente
economicista disseminado nos discursos da classe detentora dos meios de produção, acerca do
conceito moderno de educação, conforme nos alerta Carvalho:
48
Destaca-se o caráter permanente atribuído ao processo educacional, à
necessidade de novas qualificações e a educação dos trabalhadores para o
atual estágio tecnológico das empresas […] É uma educação voltada para a
vida produtiva e, portanto, para o mercado [...]
. (CARVALHO, 1999, p.61).
Assim, entendemos a qualificação profissional do SENAI, como mecanismo
de controle da burguesia empresarial, amparado pelo Estado, baseado em um conceito
ideológico de educação e cidadania que busca o adestramento da força de trabalho,
contribuindo para a passividade e o consentimento do trabalhador na empresa, com o intuito
de servir aos auspícios do capital.
Devido a esse fato, anteriormente levantamos questões sobre as
transformações que ocorreram no sistema capitalista de ordem organizacional e política, que
incidiram diretamente no trabalho, transformando os mecanismos de controle social do
trabalho. Um deles é a qualificação profissional embebida de novas formas de se treinar a
mão-de-obra.
Sendo assim, o objetivo do SENAI, além de capacitar o trabalhador através
da qualificação oferecida, realiza-se com o desenvolvimento de ações voltadas para a
educação capitalista do trabalho, tanto que na sua própria
missão podemos perceber suas
determinações mercadológicas, como demonstrado por Silva:
Contribuir para o fortalecimento da indústria e o desenvolvimento pleno e
sustentável do país, promovendo a educação para o trabalho e a cidadania, a
assistência técnica e tecnológica, a produção e disseminação de informação e
a adequação, geração e difusão de tecnologia. (SILVA, 1999, p.81).
Pode-se então perceber a finalidade do SENAI e tamanha a carga ideológica
que se explicita, tanto a nível nacional como a nível regional. Discutimos no item seguinte
essas questões com mais profundidade.
49
2.2- A criação do SENAI no Brasil.
A criação do SENAI está intimamente relacionada com o processo de
industrialização do Brasil, tendo em vista que sua criação ocorreu com a finalidade de atender
às demandas por trabalhadores qualificados de que as indústrias, na década de (19)40,
necessitavam.
O SENAI foi criado em 1942, quando se vivenciava a Segunda Guerra
Mundial, período em que houve grande crescimento econômico nos países avançados em
função dos avanços tecnológicos alcançados, momento oportuno para o Brasil voltar-se para o
mercado interno, propiciando o crescimento econômico industrial. Já que as negociações
internacionais não eram facilitadas, ocorria o processo de aceleração da indústria nacional.
Sabemos que a fase de industrialização brasileira se intensifica na década de
(19)30 com o fim do último ciclo econômico rural (o ciclo do café), no entanto, não existia
uma elite industrial, uma classe burguesa constituída que pudesse dar direcionamento ao
processo de industrialização nacional. Isso ocorreu somente quando o Brasil se viu obrigado a
desenvolver o mercado interno, adotando um modelo político econômico de substituição das
importações que se estende até 1990. Prado Júnior (1985) discorre sobre a situação econômica
do Brasil, mais especificamente da derrocada das exportações de café. Ainda que o algodão, o
açúcar, o cacau e outras alternativas na agricultura fossem implementadas nenhuma conseguiu
alcançar um ritmo que sustentasse as trocas comerciais do Brasil com o exterior. Para o autor,
As perspectivas do nosso intercâmbio externo, nas bases tradicionais em que
se achava colocado, não se mostravam nada favoráveis. E com isto é todo
um velho sistema econômico que entra em decomposição. Tal processo de
decomposição vem de longa data. Observando nossa evolução desde os
princípios do século atual (1930), verifica-se que é então que se situa a
última culminância daquele sistema. Saía-se de uma fase de expansão
ininterrupta e o futuro ainda parecia brilhante. Entretanto verificou-se um
estabelecimento e logo em seguida o declínio que depois de 1930 se torna
precipitado. Isso evidencia que a base oferecida pelo nosso antigo sistema,
voltado precipuamente para o exterior, se torna progressivamente mais
50
estreita e incapaz por isto de sustentar a vida do país. (PRADO JÚNIOR,
1985, p. 296)
A economia brasileira começa a seguir um caminho novo, dando um passo
rumo ao desenvolvimento industrial e dando maior importância ao mercado interno. A
decadência do ciclo do café, reflexo principalmente da dificuldade de exportação do produto
causado pela quebra da bolsa de valores de Nova York, fez com que o Brasil transferisse seu
olhar econômico para o mercado interno, o que foi um estímulo para a ampliação de suas
intenções no setor industrial. A renda dos grandes cafeicultores paulistas, do Rio de Janeiro e
Minas Gerais, experimentou enorme queda diante da
grande depressão. Esse foi um dos
principais fatores de aplicação de recursos nas indústrias. De acordo com Furtado (1987),
Nos anos da depressão, ao mesmo tempo que se contraíam as rendas
monetárias e real, subiam os preços relativos das mercadorias importadas,
conjugando-se os dois fatores para reduzir a procura das importações.
observamos que de 1929 ao ponto mais baixo da depressão a renda
monetária do Brasil se reduziu entre 25 e 30 por cento. Nesse mesmo
período o índice de preços dos produtos importados subiu em 33 por cento
[...] (FURTADO, 1987, p.198).
O momento histórico era favorável para a indústria, o poder tradicional da
elite cafeeira do Brasil começa a perder espaço para uma nascente, porém ainda não
constituída, burguesia industrial, o que aliado ao colapso das relações econômicas com outros
países, dinamizou a estrutura econômica interna, conforme continua nos esclarecendo
Furtado:
Compreende-se facilmente a importância crescente que, como elemento
dinâmico, irá logrando a procura interna nessa etapa de depressão. Ao
manter-se a procura interna com maior firmeza que a externa, o setor que
produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores oportunidades de
inversão que o setor exportador. Cria-se, em conseqüência, uma situação
praticamente nova na economia brasileira, que era a preponderância do setor
ligado ao mercado interno no processo de formação de capital. A precária
situação da economia cafeeira, que vivia em regime de destruição de um
terço do que produzia com um baixo nível de rentabilidade, afugentava desse
setor os capitais que nele ainda se formavam. E não apenas os lucros, pois os
51
gastos de manutenção e reposição foram praticamente suprimidos.
(FURTADO , 1987, p.198)
Contudo, com o desenvolvimento industrial do país, surge a necessidade de
trabalhadores qualificados para atender às indústrias, principalmente as indústrias de base.
Verificamos que a formação do espaço interno das indústrias brasileiras foi estruturado
utilizando maquinário importado de segunda mão e mão-de-obra qualificada de muitos
trabalhadores estrangeiros, devido à sua escassez no Brasil. A presença de operários
estrangeiros bem treinados nos equipamentos importados de seus países no Brasil foi uma
constante. Pela falta de trabalhadores especializados nos centros industriais, esses operários
estrangeiros brevemente se tornavam mestres e passavam a comandar as oficinas de produção
(LOPES, 1992).
Com a finalidade de recrutar e treinar trabalhadores para a indústria no
Brasil, o Estado brasileiro, em sincronia com a burguesia empresarial, edita o Decreto-Lei
n.º4.048, de 22 de janeiro de 1942, encaminhado pelo Ministro da Educação e Saúde, Gustavo
Capanema, ao Presidente da República, Getúlio Vargas, decretando a criação do então Serviço
Nacional de Aprendizagem dos Industriários. Vejamos:
Art. 1.º - Fica criado o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários.
Art. 2.º - Compete ao Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários
organizar e administrar, em todo o país, escolas de aprendizagem para
industriários.
Parágrafo único. Deverão as escolas de aprendizagem, que se organizarem,
ministrar ensino de continuação e de aperfeiçoamento e especialização, para
trabalhadores industriários não sujeitos à aprendizagem.
Art. 3.º – O Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários será
organizado e dirigido pela Confederação Nacional da Indústria.
Art. 4.º Serão os estabelecimentos industriais das modalidades de
indústrias enquadradas na Confederação Nacional da Indústria obrigados ao
pagamento de uma contribuição mensal para montagem e custeio das escolas
de aprendizagem.
Art. 5.º - Estarão isentos da contribuição referida no artigo anterior os
estabelecimentos que, por sua própria conta, mantiverem aprendizagem,
considerada, pelo Serviço Nacional de Aprendizagem dos industriários, sob
o ponto de vista da montagem, da constituição do corpo docente e do regime
escolar, adequado aos seus fins.
Art. 6.º A contribuição dos estabelecimentos que tiverem mais de
quinhentos empregados será acrescida de vinte por cento.
52
Art. 7.º– Os serviços de caráter educativo, organizados e dirigidos pelo
Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários, serão isentos de
impostos federais.
Art. 8.º– A organização do Serviço Nacional de Aprendizagem dos
Industriários constará de seu regimento, que será, mediante projeto
apresentado ao Ministro da Educação pela Confederação Nacional da
Indústria, aprovado por decreto do Presidente da República.
Art. 9 º- A contribuição, de que trata o artigo quarto deste Decreto-Lei
começará a ser cobrada, no corrente ano, a partir de primeiro de abril.
Art. 10.º– Este Decreto-Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 11.º– ficam revogadas as disposições anteriores, relativas à matéria do
presente Decreto-Lei.
Rio de Janeiro, 22 de Janeiro de 1942, 121º da Independência e 54º da
República . (as.) Getúlio Vargas, Gustavo Capanema. (LOPES, 1992, p. 69 –
72)
Cria-se, então, o SENAI, a partir dessa lei vinculada ao Ministério da
Educação, para qualificar mão-de-obra para a indústria, explicitando-se claramente o apoio do
Estado para criar condições para a materialização do capital industrial no espaço brasileiro.
Mesmo que no decreto de criação do SENAI apareça o termo aprendiz, seu conceito só veio a
ser esclarecido a partir de embates entre o meio industrial, o governo e o SENAI, ficando
estabelecido que o aprendiz é o jovem de 14 a 18 anos que faz um curso de aprendizagem no
SENAI e trabalha em uma indústria quatro horas por dia. Para isso, o aprendiz recebe de meio
a um salário mínimo. Os estabelecimentos industriais têm a obrigação de empregar no
mínimo 5% de trabalhadores aprendizes.
O artigo deixa claro que o SENAI é uma entidade organizada e presidida
pela Confederação Nacional da Indústria, ou seja, desde sua criação, a classe empresarial está
na linha de frente se relacionando e contando com o apoio governamental que sustentação
à estrutura do SENAI.
No artigo 4º, observamos a fonte principal de receita do SENAI. O
parágrafo 1 destaca que a contribuição seria de dois mil réis mensais por empregado. Dois
anos depois o artigo do Decreto Lei 6.246, de 5 de fevereiro de 1944, modificou a lei
anterior e estabeleceu que esta contribuição passasse a correspondera 1% sobre o montante
da remuneração paga a todos os trabalhadores das indústrias contribuintes. Esta verba sustenta
as ações de aprendizagem da instituição.
53
No governo de Juscelino Kubitchek, por meio do Plano de Metas e de um
modelo expansionista da economia, os quais favoreciam as áreas de energia, transporte,
indústrias de base, construção civil e educação, foram materializadas no espaço brasileiro as
condições de base e de infra-estrutura, capazes de favorecer uma relativa industrialização, que
a interiorizasse pelo Brasil. Nesse período, o SENAI consolidava-se, deixava de ser
centralizado nas capitais se interiorizando, concomitantemente, ao processo de
industrialização.
A partir desse momento final da década de (19)50, inicia-se a implantação
de várias escolas do SENAI pelo interior do país, inclusive no estado de Goiás, tendo-se
instalado sua primeira unidade na cidade de Anápolis, próximo à capital, Goiânia, no início de
1950. Nessa década, algumas cidades de Goiás, como Anápolis e Goiânia, já ofereciam
condições de infra-estrutura básicas tais como, energia, transporte, construção civil e
universidades, que propiciaram a instalação de indústrias e do próprio SENAI.
2.3- A reestruturação espacial do SENAI.
Para se entender os mecanismos de qualificação profissional da Escola SENAI em
Catalão é preciso abordar os reflexos das transformações que ocorreram no mundo do
trabalho, fruto do movimento de reestruturação produtiva do capital, que repercutiram
profundamente nas diretrizes e ações do SENAI em âmbito nacional.
As transformações no mundo do trabalho, tratadas no capítulo anterior, são
metamorfoses em função de uma nova necessidade de (re)produção do sistema capitalista, que
de acordo com Harvey (1992), expressam uma transição no regime de acumulação e no modo
de regulamentação social e política para um regime mais flexível, na produção e em outras
esferas, o que o autor denomina de regime de acumulação flexível.
A existência e a reprodução do capital se tornam possíveis através de:
54
Uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas,
hábitos, leis, redes de regulamentação etc., que garantam a unidade de
processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais
e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais
interiorizados tem o nome de modo de regulamentação”. (LIPIETZ, 1986,
apud HARVEY, 1992, p.117).
As características principais do regime de acumulação fordista são a
produção e o consumo em massa, a fragmentação do processo de trabalho composto com
rigorosos padrões de tempo e estudo de movimento, hierarquização rígida do trabalho,
produção em linha de montagem e rigidez na contratação do trabalhador e na produção, que
determinam, enfim, uma sociedade racionalizada por um modelo sistemático de produção.
Até o final da década de (19)70, o SENAI preparava alunos exclusivamente
para o sistema taylorista/fordista de produção. Isso quer dizer que esse padrão de regulação
predominava nas relações sociais de produção no Brasil, e, conseqüentemente na qualificação
do trabalhador realizada pelo SENAI.
Nesse contexto, os serviços do SENAI eram muito rígidos, mecânicos,
técnicos, inflexíveis, predominando séries metódicas mecanicistas, tayloristas e repetitivas.
O modelo pedagógico adotado pelo SENAI era originário do IDORT –
Instituto de Organização Racional do Trabalho cuja doutrina era a racionalização, exigindo
um trabalhador capacitado e adequado a essas características, ao qual caberia realizar apenas
uma determinada tarefa mecânica, repetitiva, com métodos indicados pela razão e pela
técnica. Um dos fundadores do IDORT, Aldo Mário de Azevedo, expressa que,
Racionalizar não é transcendência, nem mistério, nem obra sobrenatural. Ao
contrário, está ao alcance de todas as inteligências que queiram acertar pela
primeira vez. Ela pode ser aplicada a todos os processos e atos da vida
porque a racionalização não é mais que usar a inteligência (…) em tudo na
nossa vida de todos os dias lugar bem extenso e profundo para a
racionalização (…) em todas essas operações, a razão assume o comando,
mas é a ciência, o saber acumulado que indica os rumos a tomar e fornece os
instrumentos hábeis para tal. (AMARAL, 1961, apud SILVA, 1999, p.23).
55
A doutrina da racionalização, como pode ser observado na citação acima,
se apóia na ciência e na razão técnica e justifica uma postura de trabalhador operacional,
rígido e racional, nas suas ações no trabalho e na vida como um todo. Essa doutrina
ultrapassava o limite do espaço fabril, assegurando que o trabalhador soubesse racionalmente
gastar o seu salário, afinal, produção em massa teria que ter um consumo também em massa.
O homem, nessa perspectiva, é um ser pensante cujas emoções e
sentimentos estão subjugados à razão prática. Tornou-se escravo do seu trabalho, como
afirmou a OIT (Organização Internacional do Trabalho) a respeito do conceito de formação
profissional adequação do homem ao posto de trabalho pelo trabalho
15
. Foi esse o modelo
de formação profissional adotado pelo SENAI, atendendo ao perfil de trabalhador requerido
pelas indústrias brasileiras, mas que sofreu alterações mais intensas nos anos de 1990.
Considerando a mudança no padrão de acumulação e regulação, o SENAI
passou por mudanças estruturais em função das exigências por novas qualificações no
mercado de trabalho capitalista, o que conseqüentemente, fez o universo do trabalho se
modificar. Essas reformulações se deram a partir da década de (19)80, acelerando-se na
década de (19)90, e o SENAI teve de gestar uma nova forma de organização que modificou
substancialmente o perfil do trabalhador e a sua própria estrutura organizacional.
Em relação às mudanças nas atividades do SENAI, vale destacar:
O SENAI não perdeu em qualidade e sim, está sempre buscando inovar, não
deixando ultrapassar e nem ficar atrás das evoluções, tanto no mercado de
trabalho como em evoluções tecnológicas, equipamentos, então nós sempre
estamos andando lado a lado com esse tipo de situação.(...) Por causa da
expansão do setor industrial, hoje nós temos - na década de 1990 tínhamos
“x” e hoje nós temos o dobro de empresas, e outros profissionais vieram de
vários outros setores para nossa cidade, e todo aquele que está ingressando
ou quer ingressar na empresa procura o SENAI, porque o SENAI é assim:
aquilo que é necessário ao trabalhador, o SENAI não visa fins lucrativos,
mas, sim, a formação profissional com qualidade, e a formação profissional
envolve todo aquele contexto que nós já falamos, não só de saber fazer, mas,
sim, como fazer, como proceder dentro da empresa, com segurança, com
15
Retirado da obra de Uaci Edvaldo Matias da Silva, O SENAI, 1999. p. 23
56
higiene; então, o SENAI tem essa preocupação contínua de passar isso
para o profissional.
16
Em meio a esse cenário de mudança no padrão de acumulação e
regulamentação, o Brasil estava passando por sérias crises. No período de (19)81 a (19)83 a
produção industrial decresce, havendo um desequilíbrio na balança comercial, levando o
Brasil a um maior endividamento e dependência do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em (19)88, tem-se uma nova constituição, a sociedade brasileira é
repensada, abordando várias temáticas como o direito humano, a educação e a formação
profissional, dentre outras, o que vem a influenciar os sistemas da rede “S” (SESC, SENAC,
SESI, SENAR, SENAI).
A partir dessas novas preocupações, o SENAI passa a ser questionado. Com
o emprego industrial diminuindo o papel econômico do SENAI era válido? Diante disso, o
SENAI passou por reformulações estruturais para atender e se adequar à nova ordem de
acumulação flexível que se instalava no mundo do trabalho e na sociedade. Cabe aqui
relembrar alguns aspectos importantes dessa nova ordem, que alterou sua dinâmica espacial,
para que se possa entender o que se passava no Brasil e no SENAI.
O fordismo dava sinais de esgotamento, enquanto regime de acumulação em
vigência e perdia o controle da crise capitalista em função de sua rigidez. Dessa forma:
Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga
escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam
muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em
mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos
mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no
chamado setor ‘monopolista’). (HARVEY, 1992, p.135).
Por mais que os empresários inseridos no padrão fordista de acumulação
tentassem controlar os trabalhadores eles não poderiam determinar o quanto a sociedade
deveria consumir e muito menos fazer com que o sistema capitalista adotasse uma postura
16
Entrevista realizada em julho de 2006 com um Instrutor/Professor do SENAI.
57
linear calcada no fordismo. Surge, então, a acumulação flexível que possibilitava uma
maior liberdade do capital e, conseqüentemente, exigia uma nova postura do trabalhador,
mais flexível.
Essa nova tendência causou impactos técnicos e econômicos no espaço,
incluindo o território da qualificação profissional do SENAI. O modelo fordista de
acumulação foi sendo minado, pois ocorreu uma redução dos níveis de emprego formal,
aumentando os empregos informais e o setor de serviços; em função de inovações
tecnológicas um surgimento muito rápido de novos produtos relacionados à
microeletrônica, que se consolidou com base técnica, refletindo no crescimento de sistemas de
informação empresarial.
Estas mudanças determinaram um direcionamento de novo tipo nas políticas
de qualificação do SENAI, com o intuito de formar novos perfis profissionais, atendendo não
só as indústrias (que passaram por um movimento de modernização, organização e gestão dos
processos de produção), mas também outros setores da economia capitalista.
As mudanças no SENAI são relativas a novos direcionamentos dos negócios
e modelos de gestão, reorganização do trabalho, introdução de novas tecnologias, sistemas de
informação, reestruturação do modelo de formação profissional. Para isso, são criados os
Centros Nacionais de Tecnologia e o Centro Internacional de Educação, Trabalho e
Transferência de Tecnologia (SENAI/CIET)
17
.
Em relação aos novos sistemas de formação e à importância para o melhor
“desempenho” do trabalhador, destacamos a opinião de um Instrutor/Professor entrevistado:
A cidade mais próxima que oferece cursos técnicos está a 100 km, então
isso desgasta bruscamente o aluno, então com a implantação do curso
técnico em Catalão já foi um grande avanço na área de formação profissional
e o SENAI tem procurado estar sempre evoluindo, inclusive já está em pauta
- não sei se foi questionado com o nosso diretor - a implantação de curso
superior aqui no SENAI; não é isso? O SENAI trabalha de acordo com a
necessidade local, a gente fala local, mas abrange todo o Sudeste Goiano,
toda a região, não é Catalão. Então hoje nós temos o curso de química,
operador minero-químico, técnico em minero-químico, então isso para
17
Todas essas informações foram retiradas de Silva (1999), p.72 - 74.
58
Catalão, para os trabalhadores de Catalão, vamos dizer assim, é um
avanço muito grande, sem dúvida veio facilitar a vida daquele que está
buscando qualificação, aprendizagem; sem dúvida nenhuma foi muito bom
para comunidade local em geral
18
.
Para tanto, até chegar ao desenvolvimento desses cursos e à implantação dos
cursos técnicos, o SENAI desenvolveu ações em três áreas, que foram desencadeadas
simultaneamente:
Expandir e aprofundar a prospecção do mercado para localizar as novas
demandas da indústria nacional; capacitar fortemente os profissionais da
instituição, desenvolvendo competência para ‘pensar’, planejar, promover e
gerir mudanças; e expandir a ‘Área de Assistência às Empresas. (SILVA,
1999, p.58).
Isso significa que o SENAI, a partir de então, busca saber quais são as
tendências do mercado, não das indústrias, para gerir e formular o perfil do trabalhador a
qualificar. Criam-se então programas internos de capacitação de seus profissionais, para que
sejam competentes e capacitados a desenvolver atividades inesperadas no trabalho, que sejam
autônomos dentro dos padrões requisitados e que tenham condições não só para realizar
determinado trabalho, mas para modificá-lo, melhorá-lo, quando necessário.
Em relação à capacitação dos próprios profissionais do SENAI, destacamos
o depoimento de um Instrutor/Professor entrevistado;
A qualificação do próprio trabalhador do SENAI, em qualquer curso, as
modificações que teve são os recursos didáticos que hoje você disponibiliza;
o SENAI tem uma preocupação muito grande, o instrutor, como eu disse,
ele é qualificado pra sempre, nós temos todo tipo de recursos, pra estar
ministrando todo tipo de aula, de todas as maneiras, vamos dizer assim, quer
dizer auditório,
data show, o que for necessário o instrutor tem acesso. E não
dependendo de estar pedindo, é um acesso livre pra qualquer instrutor, basta
ele planejar, fazer seu plano de aula ali, estar diversificando pra não tornar a
aula muito monótona, uma coisa assim, procurando sempre criar melhorias,
pra criar um ambiente assim meio atrativo, chamar a atenção dos alunos; o
SENAI então tem essa vantagem.(...) O mais importante do SENAI é isso,
ele a oportunidade para todos, você pode iniciar aqui como secretário,
instrutor, você tem possibilidade e mexe bastante nos colaboradores - o que
18
Entrevista com um Professor/Instrutor do SENAI, em julho de 2006.
59
você falou, tem programas de bolsas para os colaboradores; basta a
pessoa querer buscar isso; o SENAI a oportunidade. É; tem
as seleções
internas, se a pessoa tiver preparada, e tiver disponibilidade participa
sem problema nenhum
19
.
Para o mercado educacional, criam-se novos cursos não na área técnica
como também supervisão, gerenciamento, programadores, direção, técnicos em recursos
humanos, segurança do trabalho e outros. Neste momento, o SENAI também oficializa mais
uma linha de atendimento ao mercado, a ATT Assistência Técnico-Tecnológica,
acompanhando seus avanços tecnológicos e suas novas demandas.
Através de Princípios da Qualidade Total, como a ISO 9000, o SENAI
buscou a melhoria da qualidade de seus serviços, criou um Planejamento Estratégico para se
adequar às mudanças sociais, econômicas e políticas e implantou um sistema de
administração interno para estar capacitado para enfrentar os novos desafios institucionais
impostos pela nova base técnica do capitalismo. Tanto que:
Todo o trabalho no SENAI é registrado, até porque nós temos um sistema de
qualidade, e esse sistema de qualidade - antes de termos esse sistema de
qualidade, nós trabalhávamos assim; tudo é registrado, tudo é arquivado,
se tem alguma observação a ser feita no dia, nós citamos ela no controle de
freqüência, então tudo é registrado, tudo é documentado.
20
Foi preciso também que se adotasse uma nova postura de qualificação
profissional, que passa a ser denominada educação profissional, de forma que a educação para
o trabalho seria o vetor de negócios da instituição. Foi inserida e propagandeada de uma
forma ideológica a educação para o trabalho como única forma do trabalhador chegar à
cidadania, ou seja, para ser cidadão é preciso ser profissionalizado. É o que podemos observar
neste depoimento, quando conversávamos sobre cidadania.
19
Entrevista com um Professor/Instrutor do SENAI, em julho de 2006.
20
Idem.
60
Nos moldes até mesmo moral, entendeu, valor de cidadania, a pessoa se
valoriza como cidadão, porque o cidadão hoje, está desacreditado,
principalmente no que diz respeito com a política, então isso que nós
temos que resgatar e ver que o país é um país muito rico, precisa, não eu
vejo, todo mundo vê isso aí, é um pais muito rico, então as coisas só
acontecem através do trabalho, o progresso só aconteceu através do trabalho,
então o bom trabalho tem que ter uma qualificação, uma boa aprendizagem.
Então o SENAI é importantíssimo
21
.
Para o SENAI, o trabalhador precisa então de uma educação básica
universal, seguida de uma educação profissional polivalente, pois é essencial para a
competitividade do mercado trabalhadores cada vez mais escolarizados e qualificados que
aumentem a produtividade das empresas. Em relação ao perfil de educação do SENAI, um
dos Instrutores/Professores faz o seguinte comentário:
O SENAI tem contribuído a mais de meio século com o progresso em todo o
Brasil e com a comunidade local, a gente sempre tem observado o seguinte:
o SENAI é formador de condutas, o profissional, primeiro que passa pelo
SENAI, ele tem uma formação para toda sua vida, mesmo que ele não venha
exercer aquilo que ele aprendeu na escola, mas ele já tem uma conduta
profissional que vai acompanhar ele durante toda sua vida. (idem).
Nesse sentido qual seria então o perfil do trabalhador qualificado pelo
SENAI, após essa nova tendência de acumulação flexível do capital? Certamente o
trabalhador abandonaria aquela postura rígida, repetitiva e mecânica do fordismo.
Segundo Silva (1999) houve o,
[...] surgimento de novos perfis, extinção de ocupações, enriquecimentos de
ocupações existentes, composição de cargos com forte base de tecnologia,
reconversão profissional permanente, surgimento de postos flexíveis de
trabalho, aparecimento de ‘postos virtuais’ de trabalho, enfoque na
polivalência profissional”. (SILVA, 1999, p.73).
Estes são os novos perfis de trabalhadores profissionalizados pelo SENAI;
trabalhadores cada vez mais qualificados, multifuncionais, polivalentes, flexíveis e
21
Entrevista com um Professor/instrutor do SENAI, em julho de 2006.
61
competentes, exercendo atividades que exijem não força física, mas também uma força
intelectual. Em relação ao novo perfil do trabalhador, um dos Instrutores/Professores faz o
seguinte comentário: “O profissional, ele não tem que ficar fazendo uma coisa o dia inteiro,
mas ele tem que entender, que operar, e tem que entender do processo, por que ele está ali; se
errar o que vai acontecer; entendeu!?”
Uma parte do trabalho formal passa a ser então um trabalho cada vez mais
intelectualizado e tecnologicamente moderno. Porém, como discutimos anteriormente, a
maioria dos trabalhadores está inserido no pólo contrário da extensão qualificada da força de
trabalho. Antunes(1995) destaca essa antítese como a
desqualificação do trabalho, ou seja,
trabalhadores que vivem na informalidade, ocupando postos de trabalho temporários,
terceirizados, compondo o fenômeno da precarização da classe trabalhadora. Essa
desqualificação, aliada ao crescente número de trabalhadores desempregados, dentre outros,
são elementos fundamentais utilizados pelo capital para a negociação de salários em níveis
mínimos.
Torna-se mais fácil, agora, entender as reformulações espaciais a partir da
lógica contruída pelo SENAI, que investe na educação para o trabalho associado à tecnologia,
a ponto de fazer com que se busque inovar, flexibilizar e sintonizar a educação profissional
com ambientes de trabalho cada vez mais permeados pela tecnologia e pela informação. O
objetivo é formar um trabalhador “ideal”, que atenda às inovações requeridas pelo regime de
acumulação flexível do capital.
Isso significa que um trabalhador, tendo conhecimento escolar básico,
técnico e de gestão, planejando, implementando e avaliando suas atividades, será competente
para realizar mais que uma simples operação técnica. O trabalhador tem que ser polivalente e
multifuncional, e, disciplinado, para chegar no horário e saber controlar o seu tempo, não em
benefício próprio, mas em função da empresa. Essa ideologia de organização e
disciplinarização também faz parte da educação do SENAI, tanto que perguntamos a um
Instrutor/Professor se a organização e os horários passam despercebidos, se não fazem parte
da formação do estudante da instituição, e obtivemos o seguinte depoimento:
62
Não, isso não passa despercebido, entendeu?! Isso é trabalhado
diariamente, até mesmo pra criar um hábito no trabalhador, porque, como eu
disse anteriormente, tudo que você tem que fazer é planejado, então você
tem que ter o horário pra chegar, o horário pra sair. Você tem que ter o
horário para o intervalo, você vai criando aquele hábito, aquela conduta até
mesmo de vestiário, esse tipo de coisa, entendeu?! Então o SENAI tem
trabalhado isso.
Este depoimento demonstra claramente que alguns intelectuais fizeram
análises equivocadas, ao destacarem que ultrapassamos o “[…] trabalho repetitivo, ultra-
simples, desmotivante e embrutecedor. Finalmente, estamos na fase do enriquecimento das
tarefas, da satisfação do consumidor de controle de qualidade”. (GOUNET, 1991, apud
ANTUNES, 1999, p.29). Esqueceram-se estes intelectuais da desqualificação do trabalho, em
seu valor intrínseco, portanto, não consideraram o processo social como um todo.
Assim, o SENAI se apresenta buscando se adequar às novas tendências do
mercado. As transformações desta instituição basicamente se expressam em sua dinâmica
organizacional, na nova gestão estratégica de observação do mercado, numa busca por um
maior relacionamento com as empresas ao oferecer-lhes serviços modernos de informação
tecnológica e para uma maior flexibilidade do trabalho, como possibilidade de qualificação
constante dos seus trabalhadores e também com cursos sob encomenda e para selecionar
trabalhadores para empresas específicas.
Este é o cenário da qualificação profissional, enquanto estratégia de ação do
capital, que utiliza o SENAI como gestor/produtor, cujos rebatimentos no Sudeste Goiano
serão analisados no capítulo seguinte.
63
CAPITULO 3
OS REBATIMENTOS TERRITORIAIS DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO
SUDESTE GOIANO A PARTIR DO SENAI EM CATALÃO.
Eu acho que uma das características que mais marcam
o SENAI é o poder de flexibilidade, de dar respostas
rápidas a uma situação produtiva atual
22
.
Ele é assim bem flexível(...)a metodologia de ensino,
não é o SENAI que fez, nós podemos dizer o seguinte: o
SENAI, ele não tem uma metodologia de ensino
montada, o que faz a metodologia de ensino são as
necessidades das empresas
23
.
3.1 - Uma breve consideração sobre a origem e o ordenamento do Sudeste Goiano:
Catalão como um pólo regional.
Não como desvincular o processo de construção do território de Catalão,
do Sudeste Goiano
24
. Para Sussumo (2005), existiram momentos que foram cruciais para a
modificação do espaço regional. Num primeiro momento, destaca-se a chegada dos
bandeirantes, oriundos de São Paulo, originando o princípio do povoamento local no século
XIX. Na primeira metade do século XX, a construção da Estrada-de-ferro Mogiana
possibilitou a conexão do município com a Região Sudeste do Brasil, ocasionando um
crescimento da cidade e de sua importância no estado de Goiás.
22
Trecho retirado de uma entrevista feita com o diretor do SENAI de Catalão em julho de 2006.
23
Trecho retirado de uma entrevista feita com um Instrutor/Professor do SENAI de Catalão em julho de 2006.
24
Ver figura 01.
64
O terceiro período data dos anos (19)40, (19)50 e (19)60 com a
construção respectivamente de Goiânia e de Brasília, a reformulação de Anápolis e a
construção da BR-050, que alargou o contato, iniciado no período da estrada-de-ferro, do
município com o Sudeste do país. Posteriormente, a partir da década de (19)70, são
construídas três grandes mineradoras
25
. Introduz-se ainda a agricultura mecanizada, de soja no
Cerrado, isso na década de(19)80: Assim, a partir dessas duas décadas, foram profundas as
transformações no espaço regional e na dinâmica do trabalho. Mais recentemente, na década
de (19)90, territorializam-se em Catalão duas empresas montadoras,
26
que são também
responsáveis de forma direta pela atual configuração territorial do trabalho no município.
Em relação ao primeiro período, evidenciam-se transformações
significativas no espaço de Catalão e nas relações de trabalho, com a construção da ferrovia
que atravessa o município: Destacamos que,
a junção da malha rodoviária intermunicipal às estações ferroviárias se dava
na cidade de Goiandira, que era, na época, parte do território de Catalão
27
possibilitou o estabelecimento de várias agroindústrias tais como as
charqueadas, as indústrias do couro (curtume), beneficiamento de arroz,
fábrica de banha a partir da criação de suínos, várias casas de pensão para
atender as pessoas que chegavam pela ferrovia. No início, os trabalhadores
ferroviários eram diaristas e mensalistas, não tinham férias e nem direitos à
seguridade, sendo demitidos com facilidade em épocas de crise no setor.
(AVELAR, 2004, p. 05-06,
apud SUSSUMO, 2005, p.57).
Nesse período o espaço regional se estruturou em função da estrada-de-
ferro, ou seja, houve uma relativa dinamização da economia com a criação de agroindústrias
de alimentos e expansão do comércio. Nesse momento, a relação econômica entre as cidades
do Sudeste Goiano se expande e Catalão se eleva enquanto importante município do estado de
25
As três mineradoras são: Mineração Catalão (Anglo American) Copebrás e Ultrafértil.
26
Mitsubishi Motors e Cameco do Brasil
27
Todos os 11 municípios que formam a Região Sudeste faziam parte do município de Catalão, e a partir da
segunda metade do século XIX até o início da segunda metade o século XX ficaram independentes.
(AVELAR, 2004, p. 05, apud, SUSSUMO, 2005, p. 57).
65
Goiás. Mas o aspecto mais importante a se destacar é que a estrada-de-ferro fez a primeira
ligação dessa região com a Região Sudeste do Brasil, dando início ao relacionamento com os
centros econômicos mais importantes do país.
Junto à ferrovia o espaço se estruturava de maneira a existir moradias para
os trabalhadores e suas famílias e também dispor de uma cooperativa que vendia produtos
manufaturados para os trabalhadores e recebia no final do mês em troca da sua força de
trabalho. Com a introdução da máquina a diesel, instituição regional da civilização do
petróleo
, a profissão de cortador de lenha é extinta e os trabalhadores que eram agregados dos
fazendeiros e coronéis, passam a ser empregados vinculados à ferrovia. (AVELAR, 2004, p.
05-06,
apud SUSSUMO, 2005, p. 58)
Mesmo que a estrada-de-ferro tenha cumprido um papel de dinamizador da
economia local e regional, não se instituiu naquele momento um espaço ordenado pela
indústria, nesse sentido, houve uma continuidade de função diante da divisão regional do
trabalho. A região permaneceu como área de produção de alimentos e matéria-prima. Mesmo
assim,
Catalão tornou-se, em 1920, o município mais populoso do estado. Após os
anos trinta, a cidade continuou sendo um município essencialmente agrícola,
com um comércio local que atendia as demandas da redondeza e incipientes
indústrias de transformação dos produtos agrários como: açúcar, aguardente,
rapadura, milho, leite e carne. A agropecuária preservou os mesmos métodos
antigos que acarretaram uma produtividade limitada. Neste setor, também
predominava a unidade de trabalho agrícola familiar, na qual grande parte da
mão-de-obra provinha da família do proprietário. (NETO, 1998, p. 74,
apud
SUSSUMO, 2005, p. 59).
Depois de ter promovido um salto no desenvolvimento de Catalão e região,
ocorreu a decadência da estrada-de-ferro, marcando o fim de uma era de desenvolvimento
econômico no Sudeste Goiano. Os investimentos no setor ferroviário decresceram, tanto que,
fazendeiros e negociantes, interessados na melhoria das comunicações
regionais, lançaram-se na organização de companhias de autoviação e na
construção de estradas de rodagem, com incentivo e apoio financeiro do
66
erário público. Assim iniciava a era rodoviária em Goiás. (BORGES,
2000, p. 53,
apud DEUS, 2003, p. 65).
Essa crise do setor ferroviário foi um dos principais motivos da estagnação,
iniciada na década de(19)40 e que se estendeu até meados da década de (19)70, dos
municípios do Sudeste Goiano, até então consideradas cidades promissoras e populosas
(principalmente Catalão) no âmbito do estado de Goiás. Houve assim, a transição do setor
ferroviário para o setor rodoviário nos anos (19)50.
Na década de (19)40, a construção de Goiânia, e a construção de Brasília, na
década de (19)60, provocaram a expansão das rodovias federais em Goiás. A BR-050, que
teve o objetivo de encurtar a distância entre São Paulo e Brasília, cortou o Sudeste Goiano,
sendo que a região se localiza num ponto estratégico. Esses fatores juntos, possibilitaram uma
(re)articulação regional com os fluxos produtivos do Sudeste do Brasil.
Na década de (19)70, inicia-se um período de mudanças profundas no
Sudeste Goiano, especialmente em Catalão, devido à instalação das mineradoras. Conforme a
explicação de Barbosa,
O surgimento de uma nova indústria provoca o aumento da produção global,
pois à produção desta juntam-se empresas fornecedoras (também novas ou já
existentes). Essas indústrias influenciam outras através do relacionamento
comercial. Elas compram mercadorias e serviços de outras para viabilizar
sua produção. Assim, o crescimento da indústria principal fez crescer um
conjunto amplo de economia. (BARBOSA, 1997, p. 21).
O espaço se reestrutura e a vida das pessoas se reordena em função da
emergência dessas indústrias de grande porte, que determinam uma ordem territorial à altura
de suas demandas. Segundo (AVELAR, 2004, apud, SUSSUMO, 2005), a vinda das
mineradoras para Catalão, está relacionada com novas concepções de uso do território,
evidenciados em programas e planos de desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. Em
concordância com o autor,
67
Esse momento coincide com as reformas estruturais por que passa o
capitalismo em nível mundial, e que inserem fortemente Goiás na nova
divisão territorial do trabalho, fazendo do território goiano um dos maiores
produtores de soja, milho e carne para exportação. Esse conjunto de fatores
produz, na Região Sudeste de Goiás, uma nova matriz espacial com
profundas mudanças na dinâmica territorial do capital e do trabalho.
(AVELAR, 2004, p. 09, apud SUSSUMO, 2005, p. 62).
Nesse período, Catalão se beneficia de alguns programas de governo, dentre
eles destacamos o PROAGRO - Programa de Garantia da Atividade Agropecuária, criado em
1973 e subordinado ao Banco do Brasil, o programa GOIÁSRURAL
28
no início da década de
(19)70, que foi a
ante-sala da expansão da fronteira agrícola no estado ao incorporar a soja, o
milho e o algodão das áreas de Cerrado ao espaço agrícola nacional e o POLOCENTRO -
Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, criado pelo governo federal em 29/01/75, que
visava à instalação de obras de infra-estrutura, armazenagem e estradas, além de pesquisas
para o plantio em massa de soja nas áreas de Cerrado. (AVELAR, 2004, p. 18 apud
SUSSUMO, 2005, p. 62 - 63). No bojo desses programas, cria-se em Catalão um pólo
mínero-industrial na segunda metade da década de (19)70, especializado em fosfato e liga de
nióbio, dada a grande riqueza do subsolo da região, (Ver tabela 1).
28
Através do Goiásrural o governo importou 500 tratores (na época o governo tinha 120 tratores) que serviram
para fazer várias estradas vicinais, represas e desmatamento para quem quisesse investir em terras em Goiás
(AVELAR, 2004, p. 18, apud, SUSSUMO, 2005).
68
Tabela 1. Reservas
29
Minerais de Catalão e Ouvidor em toneladas. 1992.
CATALÃO Medida Indicada Inferida
Fosfato 37.246.200 194.789.020 104.186.508
Nióbio 919.050 246.056 266.000
Titânio 28.156.700 13.340.500 41.497.200
Vermiculita 2.890.750 6.900 1.280.124
OUVIDOR Medida Indicada Inferida
Fosfato 66.647.278 25.001.098 949.440
Nióbio 2.375.793 11.542.000 _
Titânio 14.55.041 12.987.872 2.193.749
Fonte: (AVELAR, 2004, apud , SUSSUMO, 2005, p. 68).
Com a criação do pólo mínero-industrial em Catalão, muitas pessoas das
cidades vizinhas são atraídas ao município para morar, trabalhar e estudar. (AVELAR, 2004,
apud, SUSSUMO, 2005) observou um processo denominado de vampirismo regional. Isso se
deu porque houve uma grande mobilidade populacional para o município, canalizando para
Catalão parte dos recursos regionais. Observando-se a tabela 2, percebe-se que o crescimento
de Catalão é muito superior, comparado ao dos outros municípios do Sudeste Goiano, que
apresentavam decréscimo ou crescimento insignificante, especialmente na década de (19)70,
reflexo da chegada das mineradoras no município.
Há que se destacar os índices decrescentes de crescimento em Anhanguera e
Três Ranchos, no período de (19)70/(19)80 por ocasião da construção de Usinas Hidrelétricas,
29
Reserva Medida é a quantidade de minério estudado em afloramento, trincheira, galeria, trabalho
subterrâneo e sondagem. As dimensões, a forma e o teor do corpo mineralizado devem estar conhecidas de
forma a não apresentar variação superior a 20% da quantidade verdadeira.
Reserva Indicada – é a tonelagem
e teor do minério computado a partir de amostras específicas da jazida, de dados da produção e, parcialmente,
por extrapolação, até distância razoável, com base em evidencias geológicas.
Reserva Inferida – é a
estimativa feita com base no conhecimento das características geológicas do depósito mineral, havendo
pouco ou nenhum trabalho de pesquisa.
69
o que provocou a expulsão de centenas de famílias desses municípios. Ainda em Três
Ranchos, observamos no período de (19)91/2000, o alto indice de crescimento, por conta da
territorialização de balneários turísticos nas margens do “lago azul”, resultado do
represamento do rio pela usina hidrelétrica. Consideramos também grande crescimento em
Corumbaíba no período de (19)91/2000. Isso se explica pela isenção fiscal dada pelo governo
de Estado de Goiás, atraindo muitas empresas no setor de transportes de Uberlândia-MG,
grande centro logístico do país, para este município Goiano.
Tabela 2 - População Residente e Taxa de Crescimento por Município da Região Sudeste Goiano.
População Residente
Taxa de Crescimento (%)***
Municípios
1970* 1980* 1991* 2000** 1970/
1980
1980/1991 1991/ 2000
Anhanguera 1.081 716 869 884 - 33, 77 21, 37 1, 73
Campo Alegre 4.457 4.380 4.534 4.525 - 1, 73 3, 52 - 0, 2
Catalão 27.338 39.168 54.486 64.281 43, 27 39, 11 17, 98
Corumbaíba 7.488 5.906 5.497 6.643 - 21, 13 - 6, 93 20, 84
Cumari 4.977 3.775 2.888 3.104 - 24, 16 - 23, 5 7, 48
Davinópolis 3.205 2.449 2.119 2.109 - 23, 59 - 13, 48 - 0, 47
Goiandira 6.033 5.718 5.374 4.970 - 5, 23 - 6, 02 - 7, 05
Ipameri 20.518 20.338 20.764 22.580 - 0, 88 2, 09 - 8, 75
Nova Aurora 2.166 1.927 1.842 1.924 - 11, 04 - 4, 41 4, 45
Ouvidor 3.928 3.441 3.702 4.258 - 12, 40 7, 59 15
Três Ranchos 3.248 2.259 2.262 2.825 - 30, 45 0, 13 24, 9
Sudeste
Goiano
84.439 90.127 104.337 118.103 6, 73 15, 76 13, 19
*Esses dados foram retirados de Avelar (2004).
** Esses dados foram retirados do IBGE (2005).
***Esses dados foram calculados por Sussumo (2005).
FONTE: (SUSSUMO, 2005).
70
Assim, as mineradoras alteram a dinâmica espacial de Catalão. Muitas
empreiteiras são contratadas para sua construção e trazem consigo centenas de operários e
técnicos, movimentando a economia local, sendo que o comércio se inova, se moderniza,
fruto da exigência de novos produtos e serviços. (DEUS, 2003, p. 69). E o autor ainda
acrescenta:
É nesse contexto que a cidade foi inserida, novamente, como fornecedora de
produtos primários em (19)70. Continuou sendo nas décadas subseqüentes,
mas com diferenças fundamentais: a produção foi efetuada num contexto em
que se consolidou um paradigma técnico-científico no espaço: a instalação
de mineradoras com modernos equipamentos; a transformação do Cerrado
em terras agricultáveis às custas das novas tecnologias utilizadas no campo;
a inserção na rota dos fluxos nacionais por meio da rodovia BR-050, que
fortaleceu o comércio e os serviços. Todos esses fatores proporcionaram a
modernização da região com anexação de tecnologia ao território, ocorrendo
em especial na cidade mais importante do Sudeste Goiano, Catalão, que
passou a ter um papel de polarizadora de modernidades, de capital, de
população etc. (DEUS, 2003, p. 69).
O espaço urbano se reestrutura em vários aspectos, dentre eles destacamos a
criação de novos bairros, a construção de apartamentos e casas modernas, a expansão do
comércio para atender às novas demandas das pessoas que vieram trabalhar nas mineradoras.
Em 1982 existiam 400 estabelecimentos, sem contabilizar as prestadoras de serviço, no
final da década de 1980, existiam 121 empresas industriais e 1453 comerciais.
30
, o aumento
no número de veículos nas ruas, a procura crescente em bancas de jornais por jornais, revistas
e livros, a construção e a reforma de bares, boates, cinemas. E também: a reforma dos três
hospitais existentes na cidade: Hospital Nasr Fayad, Hospital São Nicolau e Santa Casa de
Catalão e a construção do Materno Infantil, mais recentemente, além da instalação de
consultórios e laboratórios de análises clínicas, bem como de postos de saúde em diversos
bairros, a criação do SENAI em 1988 e do SENAC para qualificar e requalificar a mão-de-
obra para trabalhar nas mineradoras. (SUSSUMO, 2005).
Assim, Catalão se reafirma como um pólo regional, interligada aos grandes
centros industriais do Brasil. Esses fatores são reflexos do movimento de modernização
30
(NETO, 1998, 78-79, apud, SUSSUMO, 2005).
71
instaurado em Catalão, em resumo, destacamos alguns elementos essenciais para a
compreensão espacial desse crescimento econômico nos últimos trinta anos, de acordo com o
autor:
1) Catalão está fortemente integrado a uma área de intenso fluxo produtivo
31
;
2) situa-se em uma área de contato que recebeu tanto os efeitos do
Polocentro como da Geoeconômica de Brasília
32
; 3) a construção do DIMIC
(Distrito Mínero-Industrial de Catalão)
33
; 4) dinâmica econômica própria,
visto que agrega em seu território uma das maiores reservas de fosfato e
nióbio do país; 5) intensa anistia fiscal
34
e construção de infra-estrutura
logística por parte dos governos Estadual e Municipal; 6) força de trabalho
abundante, de baixo custo e sem experiência de organização
35
(AVELAR,
2004, p. 12,
apud, SUSSUMO, 2005, p. 66).
Consta-se assim que um dos principais fatos a provocar intensas
transformações na dinâmica espacial de Catalão e região foi a chegada das mineradoras. As
grandes empresas que se instalam na região de Catalão acompanham os reordenamentos
territoriais e do trabalho em dois níveis: nível nacional, quando então o Brasil muda a sua
relação no comércio exterior, deixando de ser apenas exportador de matéria-prima e passando
a exportar também produtos industrializados, têxteis e alimentícios; a nível regional, quando
temos a inserção da região no ciclo econômico do país, através do processo de
industrialização, pois o Brasil deixa de ter como modelo econômico a chamado arquipélago
(isso a partir dos anos de 1950) e promove o processo de descentralização industrial. No caso
31
“A experiência mostra aos empresários que investir fora dos pontos de crescimento é pouco ou nada rentável”
(AVELAR, 2004, apud, sussumo, 2005 12).
32
O Polocentro foi instituído em 1975 e visava a criação de instrumentos creditícios voltados à ampliação da
infra-estrutura regional objetivando a incorporação do Cerrado ao espaço agrícola nacional. A Geoeconômica
de Brasília, também instituído no mesmo ano, visava inibir o processo migratório de áreas adjacentes para a
capital, com política de desenvolvimento voltada para os pontos de origem dos fluxos migratórios.
33
O DIMIC foi criado pelo Governo de Goiás em 20 de Outubro de 1979. Com o distrito, as empresas ali
instaladas teriam isenção fiscal por um período de cinco anos. Embora a grande tarefa do distrito fosse
proporcionar um espaço para a
verticalização do fosfato no município, evitando que o passeio do produto in
natura
até Cubatão fizesse o estado perder divisas, isto não foi possível nessa época, passando o mesmo a
agregar diferentes modalidades de indústrias. A Lei 7.776, de 1973, que criou a Companhia de Distritos
Industriais de Goiás – GOIASINDUSTRIAL foi a âncora da industrialização em Goiás
.
34
Especialmente através do FOMENTAR, criado pelo Decreto-Lei 9/489, de 19/07/84, e que financia 70%
do ICMS pelo prazo de cinco a vinte e cinco anos. Hoje chama-se PRODUZIR.
35
Veja a diferença de média salarial das montadoras no Brasil: SP: R$ 2.758,90; RJ: R$ 1.675,20; PR: R$
1.648,40; RS: 1316,30; SC: R$ 999,40; MG: R$ 860,40; CATALÃO: R$ 440,00 (Boletim Informativo do
SIMECAT- Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de
Catalão.) (SANTANA, 2006)
72
de Catalão está industrialização num primeiro momento está ligada à extração de minérios
conformando um complexo mineroquímico.
Dentre as indústrias que se instalaram na região destacamos as seguintes:
Mineração Catalão de Goiás - Foi a primeira empresa a se instalar na
região e começou a operar em 1976. O mineral Nióbio (Nb), explorado pela empresa, é
extraído das minas I e II (Domo I- Ouvidor ) e da mina Boa Vista (Domo II- Catalão), sendo
beneficiado na unidade industrial, localizada na Fazenda Chapadão, no município de Ouvidor
a 24 Km de Catalão, e a 9 Km de Ouvidor.
A exploração mineral desta empresa, pertencente ao grupo Anglo American,
resume-se ao Nióbio, enquanto os outros minerais (titânio, vermiculita, terras raras) ficam
como reserva estratégica. O Nióbio é um elemento químico estratégico, pois sua produção é
destinada aos países que possuem tecnologia de ponta, como Estados Unidos, Japão e outros
da Europa. Isso proporciona, para a empresa, lucros, mas, também posição de destaque para a
região, uma vez que a exploração do minério em questão, ocorre somente em duas regiões
brasileiras, Catalão-GO e Araxá-MG e no Canadá, sendo o Brasil o principal produtor de
nióbio; entretanto, o uso e benefício desse minério em grande parte é destinado ao mercado
externo.
Tal fato proporciona à empresa grande destaque nos cenários nacional e
internacional, fazendo com que a mesma adote normas e padrões internacionais de tecnologia
e de qualidade para continuar sua concorrência no mercado externo, tanto que é a única
empresa na região a ter a certificação ISO 14000 de qualidade ambiental. Entretanto, sabe-se
que essas normas e certificações não são próprias da referida empresa, como ocorre com
outras empresas instaladas na região, são exigências mercadológicas, e objetivam o lucro,
uma vez que as condições ambientais dos trabalhadores, tais como níveis de poeira, barulho,
temperatura, umidade, segurança do trabalho e impactos no meio ambiente, e as formas como
essas certificações são feitas, não são claros e nem de livre acesso para a população e para a
pesquisa da comunidade acadêmica.
73
Copebrás S/A- Foi instalada em Catalão em 1977, com o objetivo de
explorar o fosfato. A empresa produz atualmente o superfosfato simples (SSP), o ácido
fosfórico, o tripolisfosfato de sódio (STPP) e o ácido sulfúrico.
Esta empresa, em 2001, deu início ao processo de verticalização, ou seja,
concentrou a produção e o processamento em uma unidade industrial. É o chamado Pólo
Químico que cria facilidades para a empresa e, por outro lado, gera preocupação para a
população local, pelo risco de acidentes no transporte e na manipulação de produtos altamente
tóxicos e também pelas conseqüências imprevisíveis para o meio ambiente.
O projeto de verticalização está em fase final, de acordo com a empresa.
Denominado “Projeto Goiás”, vai englobar as instalações das unidades de Ácidos Sulfúrico e
Fosfórico, Acidulação, Granulação e Fosfato Bicálcico e elevar a produção global da empresa,
que passa para 1,14 milhão de toneladas por ano de fertilizantes e fosfatos, sendo 660 mil
toneladas em Catalão. A produção de rocha fosfática atual atinge cerca de 1,2 mil
toneladas/ano.
A construção deste novo complexo industrial em Catalão contou com
investimentos de R$ 333 milhões (50% provenientes de recursos próprios e 50% de
financiamento do BNDES). A Copebrás passa a ocupar uma área de 900 mil m
2
, algo
equivalente a 4,5 Maracanãs, e ainda procura reduzir as importações nacionais de fertilizantes
em cerca de U$ 80 milhões
36
.
O novo complexo exigiu, ainda, um plano de recrutamento, seleção e
treinamento de profissionais para atuarem nas atividades de produção das novas fábricas.
Depois de 16 meses de trabalho, a Copebrás havia formado uma equipe bastante coesa e com
um bom nível de capacitação,
37
com o apoio do SENAI.
Esses são apenas alguns dados que nos foram disponibilizados, mas que nos
permitem compreender a dimensão do empreendimento realizado e a mobilidade e a
mobilização do trabalho decorrentes desses vultosos investimentos. Um dos aspectos que
mais nos chamaram atenção é a quantidade de capital investido pelo BNDES, uma vez que a
36
Esses dados foram retirados do saite: www.copebras.om.br/jornalespecialcatalão.Novembro de 2006.
37
Idem ibidem.
74
empresa é uma empresa de capital privado e estrangeiro e o retorno para a população, em
termos de benefícios, não equivale aos impactos causados no meio ambiente. Quando se fala
em realizações de obras, de grandes investimentos e lucros, o valor econômico é sobreposto
aos demais, fortalecido pela falsa ilusão das promessas de empregos diretos e indiretos.
Empregos esses que criam expectativas e esperanças nas pessoas que
sonham com melhores condições de vida. Empregos que nunca chegam e quando chegam os
trabalhadores embriagados pela gratidão, são submetidos a condições de trabalho que muitas
vezes não são dignas do próprio ser humano.
Afinal de contas, empregos não são para todos, apenas para aqueles cujas
possibilidades conseguem acompanhar o mercado de trabalho. É o que está no imaginário e
no dia-a-dia do trabalhador. entra a participação da educação para o trabalho efetuada pelo
SENAI que estimula e disciplinariza os trabalhadores para que tenham uma conduta
responsável, criativa e apta a resolver os problemas inerentes ao processo produtivo.
Assim, é preciso demonstrar a indignação, diante de tamanha desigualdade
social em relação aos investimentos e à forma como a sociedade é manipulada. O meio
ambiente é degradado em nome do progresso, que não alcança, sequer, os próprios
trabalhadores, que vivenciam, em sua maioria, condições degradantes de trabalho.
Quando se trata de ampliação dos lucros dos detentores dos meios de
produção, a construção, a mobilização do trabalho e aperfeiçoamento da mão-de-obra e os
recursos técnicos funcionam rápida e harmoniosamente. É o que podemos constatar quando
analisamos os “chamados números de crescimento”.
O Projeto Goiás começou em janeiro de 2001 e ficou pronto em novembro
de 2002. A construção empregou 20 mil m
3
de concreto, 10 mil toneladas de aço em
estruturas metálicas e 6 mil toneladas de aço em equipamentos. Ainda foram utilizados 200
km de cabos elétricos e 30 km de dutos e tubulações. O grupo de engenharia do Projeto
utilizou aproximadamente 140 profissionais, entre engenheiros e técnicos. Nas atividades de
campo, a média mensal de pessoas envolvidas na montagem foi de 1,3 mil, sendo realizados
investimentos de R$ 2,2 milhões em capacitação da mão-de-obra da região.
75
Fosfértil S/A- Essa empresa possui uma peculiaridade em relação às
outras em função do processo de privatização ao qual foi submetida, o que nos proporciona
um elemento a mais para entender e compreender a reestruturação produtiva do capital e os
desdobramentos para o mundo do trabalho.
38
Antes essa empresa se denominava Goiás
Fertilizantes S/A (GOIASFÉRTIL) e foi criada pelo Governo Estadual em 1967, com o
objetivo de pesquisar, explorar e comercializar a rocha fosfática da jazida do Complexo
Ultramáfico-Alcalino Catalão-Ouvidor.
Na década de (19)90, essa empresa foi privatizada, passando a denominar-se
ULTRAFÉRTIL e, recentemente, novamente mudou de nome, passando a denominar-se
FOSFÉRTIL. Para SUSSUMO (2005), esses fatos estão ligados ao processo de reestruturação
do capital, em pauta no universo do mundo do trabalho, tanto que no momento em que
ocorreu o processo de privatização da Goiasfértil, em outubro de 1992, a mesma passou seu
controle acionário para a Fosfértil, que é gerida pela Fertifós, composta por empresas de
fertilizantes. Em 2004, adotou-se um único nome para todas as unidades fabris.
39
A então empresa Goiasfértil, em abril de 1978, passou a ocupar papel de
destaque no Plano Nacional de Fertilizantes e Calcários Agrícola do governo federal, que
visava tornar o país auto-suficiente em fertilizantes, evitando importações e conseguindo
equilibrar a balança comercial. Alcançando assim parte das metas do modelo de substituição
das importações.
Mendonça (2004) destaca o processo de ocupação das áreas de Cerrado
como elemento determinante para a constituição do complexo mineroquímico de
Catalão/Ouvidor, pois o governo federal necessitava ampliar de forma crescente a produção
de fertilizantes para atender a demanda colocada pela modernização conservadora da
agricultura.
A moderna agricultura é a expressão mais visível da materialização do
capital através das grandes empresas de fertilizantes e insumos, das
38
Em relação à reestruturação produtiva da Fosfértil ver: SUSSUMO, Viviane Pimentel Moscardini. A
Reestruturação Produtiva do Capital e os Rearranjos do Trabalho no Território Fabril: Um estudo sobre os
Trabalhadores da Fosfertil em Catalão-GO. Dissertação de mestrado, Universidade federal Fluminense;
Niterói,2005.
39
Idem ibidem.
76
revendedoras de máquinas e implementos agrícolas e dos equipamentos
técnicos, territorializados nas áreas de Cerrado, precisamente nas chapadas –
empresas rurais onde a produção e a produtividade aparecem como
resultado do capital e quase nunca do trabalho. (2004, p. 17).
A prioridade na modernização da agricultura, tomada como parte do II PND
(1975-1979), atendia a produção de fertilizantes e agrotóxicos para o
crescimento dessas atividades industriais. Enquanto estratégia, na
agropecuária devia se utilizar, de forma intensiva, os instrumentos de
desenvolvimento científico e tecnológico, visando maior produção e
produtividade. O discurso da integração nacional e do aumento das
exportações através da incorporação de novos mercados para os produtos
manufaturados e principalmente produtos agrícolas não-tradicionais,
contagiava a todos. (MENDONÇA, 2004, p. 168).
A mesma empresa, que, na década de (19)70, contribuiu para que o governo
levasse à frente seu projeto de auto-suficiência reduzindo as importações brasileiras, na
década de (19)90, foi privatizada atendendo novamente o projeto do Estado, o modelo de
liberalização das importações, que com um sentido bem diferenciado, pois se antes tinha
sido um projeto de autonomia nacional, este último trata-se de uma redução do Estado, e pior,
ao capital externo, trazendo grandes impactos para os trabalhadores que saíram e para os que
continuaram na empresa.
40
Após a vinda dessas mineradoras, Catalão passou por várias mudanças na
infra-estrutra, servindo então de porta de entrada para outras empresas que vieram para a
região, como a John Deere S/A-CAMECO DO BRASIL - Montadora de colheitadeiras de
cana-de-açúcar e de algodão, uma das principais parceiras do SENAI em Catalão. E, em 1997,
a MMC - Automotores do Brasil S/A (Mitsubishi Motors Company), Montadora de
veículos Mitsubishi, com 2.300 trabalhadores, sendo que cerca de 1.300 são terceirizados.
Esses trabalhadores estão envolvidos na montagem de 100 veículos por dia,
do tipo picapes L-200, L-200 Sport, TR4 e Pagero Sport. Além desses modelos a empresa
monta também modelos importados, que são ali nacionalizados, e fabrica também modelos
sob encomenda para competição. Os preços desses veículos variam no mercado de R$
73.000,00 a R$ 199.990,00 (SANTANA, 2006). Na Mitsubishi, o processo produtivo é semi-
automatizado, requerendo então trabalhadores bastante qualificados. Entre os trabalhadores
40
Idem ibidem.
77
dessa empresa e de duas terceirizadas, que atuam no mesmo parque fabril, 66% possuem
curso profissionalizante. Observa-se ainda que esse processo semi-manual exige esforço
intenso e repetitivo, provocando nos trabalhadores o aparecimento de doenças como lesão por
esforço repetitivo (LER), tendinite, hérnia e outras. (Idem).
O SENAI se apresenta enquanto entidade de grande importância para essas
empresas e atua como um parceiro realizando ações de qualificação dos trabalhadores. No
item seguinte trazemos para discussão o SENAI em Catalão.
3.2- O SENAI em Catalão.
Em Catalão, a instalação da Escola SENAI se deu em 1988, pois nessa
época a região reunia as condições necessárias para sua instalação, tais como, extensa rede
rodoviária, ferroviária e de energia elétrica. Aliada a esses fatores, a sua localização, ao
sudeste do estado de Goiás, posição é estratégica na rota São Paulo–Brasília, integrando
Catalão aos centros dinâmicos do país através da BR-050, conforme a figura 02.
78
PR
RJ
MT
DF
MS
GO
MG
ES
TO
BA
PI
MA
Curitiba
São José
dos Pinhais
Campo Largo
SP
Catalão
São Paulo
Campinas
Santos
Gonia
Uberlândia
Uberaba
Palmas
Cuia
Cam po Grande
Vitória
Porto Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Porto de Vitória
Salvador
Porto de Santos
Belo Horizonte
LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CATALÃO - GOIÁS
FONTE:
Adaptado de Simielli, Maria E. Geoatlas
básico, 1999. p. 51.
ORGANIZAÇÃO:
Ronaldo da Silva
Cartografia digital:
Elias Ferreira de Barros
Loçandra Borges de Moraes
BrasíliaGoiâniaAnápolis
1.171 560738 110
Catalão: Distâncias dos principais centros consumidores (por rodovias)
Cidades
Distância
(km)
Rio de Janeiro
São Paulo
Belo Horizonte
Uberlândia
259 298287
Anápolis
Rezende
Porto Real
Juiz de Fora
do Campo
o Bernardo
Sumaré
Itu
Indaiatuba
Betim
Contagem
Sete Lagoas
153
020
163
116
376
116
101
101
101
040
40º O
20º S
20º S
10º S
10º S
50º O
50º O
030 050
060
364
050
030
050
LEGENDA
Rodovias federais
Rodovia estadual
Ferrovias
Portos
Capitais de estado
Cida des onde se loc aliz am
m onta dora s de a utomóve is
Outras cidades
Raio de 1.000 km a partir
da cidade de Catao-GO
Camaçari
Figura 3
FONTE:
Adaptado de Simielli, Maria E.
Geoatlas básico, 1999. 51,
apup, Silva(2002,p. 3)
ORGANIZAÇÃO:
Leonardo de Oliveira Mendes
Cartografia digital:
Elias Ferreira de Barros
Loçandra Borges de Moraes
Figura 2: Localização do Município de Catalão-GO
79
Quando a Escola SENAI veio para Catalão, foram realizadas algumas
parcerias entre SENAI Departamento Regional de Goiás, Prefeitura Municipal de Catalão,
Goiás Fertilizantes (atual Fósfértil), Copebrás e Mineração Catalão S/A, no quais cada um
teria responsabilidades a cumprir.
Coube então à Prefeitura de Catalão ceder ao SENAI-GO, definitivamente
ou em regime de comodato não inferior a 30 anos uma, área com 7.500 metros quadrados
aproximadamente, e galpões complementares e necessários ao funcionamento das oficinas da
Unidade de Formação Profissional – Escola SENAI.
Ficou sob responsabilidade das empresas a aquisição de equipamentos
necessários para as oficinas. O SENAI edificou um bloco para sediar a administração,
auditório com 130 lugares, cantina, área de lazer, salas de aula e passarelas de interligação,
fez as instalações elétricas das oficinas e adquiriu o mobiliário, além de assumir a
administração e manutenção do Centro de Formação Profissional.
Essa parceria representa o papel do Estado, dos órgãos de representação
pública, de proporcionar condições para a territorialização das relações capitalistas de
produção e ressalta que o SENAI é uma instituição que legitima e assegura o interesse dos
industriais, empresários, os donos dos meios de produção. Nesse sentido, o Estado, através do
fenômeno da qualificação profissional, atende aos interesses de determinadas classes
hegemônicas, tanto que
[…] O capital permanece na prerrogativa de ampliar o leque de profissionais
capacitados ao induzir o Estado e a sociedade a investirem nos programas de
qualificação e requalificação profissionais, ampliando em alguns setores o
exército industrial de reserva com qualificações para desempenhar as novas
funções exigidas pelo capital, o que melhora para o capitalismo, as
condições de negociação de força de trabalho (CARVALHAL, 2000, p. 63-
64).
Segundo uma revista da época em que o SENAI foi instalado em Catalão,
Goiás Industrial, o prefeito da cidade à mesma época, Haley Margon, proferiu um discurso
durante a solenidade de inauguração do Centro de Formação Profissional de Catalão no qual,
disse ele que:
80
Catalanos, para nós (...) são todas aquelas pessoas que aqui residem, que
aqui fincam suas raízes, fazendo esta cidade crescer, bem como aquelas que
residem em outras plagas e aqui promovem melhoramentos como este que o
SENAI traz hoje. O nome de Paulo Vargas
41
ficará indelevelmente marcado
para as gerações futuras de Catalão, porque sem o seu esforço, a sua
dedicação, hoje não estaríamos presenciando esta verdadeira maravilha que o
SENAI construiu aqui.
Essas palavras do prefeito reforçam mais ainda o compromisso dos
representantes públicos em atrelarem o Estado ao capital.
Como já foi mencionado, o sentido da Escola SENAI de Catalão vem
atender aos interesses do capital industrial da região. E nem sempre o salário das pessoas que
fizeram cursos no SENAI tiveram aumento, como pudemos constatar nesta pesquisa. No
entanto, não é toda população catalana que dispõe de recursos financeiros para fazer cursos no
SENAI ficando grande parte dos trabalhadores, no campo informal, precário e,
conseqüentemente, com salários menores.
Nesse sentido, os comentários sobre as empresas, feitos no item anterior,
são de suma importância, porque são elas, juntamente com as micro-empresas da região, que
vão traçar o perfil das ações desenvolvidas pelo SENAI de Catalão, uma vez que o próprio
SENAI é uma instituição flexível e objetiva atender a demanda das indústrias. É possível ter a
noção da lógica de que são
as próprias indústrias que são parceiras do SENAI, elas procuram o SENAI
com pedido de um curso; eles tem necessidade de um curso para sua
empresa, de uma qualificação, alguma deficiência, eles vão procurar o
SENAI e expor ali o que estão precisando naquele momento. O SENAI vai
manter o curso e montar aquele curso e passa para o coordenador da empresa
que fez o requerimento, que fez o pedido, ele vai estudar aquele curso
qualificando o trabalhador que está na empresa, então ele atende de todas
as formas. Ele é assim bem flexível [...]. É flexível, justamente; não fugindo
da diretriz, nós vamos em busca daquilo que é necessidade, o que é
deficiência nós vamos em busca, as empresas procuram o SENAI, para estar
melhorando cada vez mais
42
.
41
Paulo Vargas: diretor regional do SENAI de Goiás na referida época – 1988.
42
Entrevista com um dos instrutores do SENAI, em julho de 2006.
81
O SENAI em Catalão visa atender principalmente as solicitações de
qualificação das mineradoras e mais recentemente das montadoras que expandem sua
produção, concomitantemente às necessidades crescentes de mão-de-obra especializada e para
acompanhar a demanda do mercado mundial. Outro instrutor ressalta o papel de estimulador
do progresso, efetuado pelo SENAI, na região. “Pela qualidade, então o SENAI, acompanhou
o progresso local, certo! Não foi assim uma mudança, mas vem acompanhando lado a lado,
buscando desenvolver as demandas, suprir as deficiências”.
A relação do SENAI com as indústrias de Catalão é uma condição para a
existência do mesmo. Sobre essa relação é importante destacar a opinião de um Instrutor/
Professor do SENAI Catalão: “[...] nós temos o privilégio de sermos um suporte na formação
de mão-de-obra, sempre que alguma indústria precisa de formação, qualificação, ela tem onde
recorrer”. É fortalecido o discurso de que o SENAI é um dos indutores mais importantes do
“desenvolvimento” da região.
O SENAI é uma dessas entidades que qualifica mão-de-obra para as
indústrias nos moldes modernos da sociedade produtora de mercadorias, torna-se, por isso,
uma instituição representativa dos interesses das classes hegemônicas.
As novas características das ações do SENAI, salientadas no item 2.3, foram
inseridas gradativamente em todas as suas unidades. Podemos verificar isso, tanto no
funcionamento, como nas parcerias existentes na Unidade Fixa de Catalão/GO, que segue os
mesmos parâmetros do SENAI de São Paulo. Evidentemente, desenvolvendo ações adequadas
à realidade das plantas industriais de Catalão, onde suas principais parceiras são as grandes
indústrias transnacionais, já citadas.
A missão
43
da Escola SENAI de Catalão é basicamente a mesma da missão
do SENAI a nível nacional, apenas ocorre a regionalização do processo, que consiste em
cooperar para o trabalho e a cidadania, realizando assistência técnica e tecnológica,
difundindo a informação tecnológica, firmando-se como referencial de educação
profissional”
44
.
43
Este termo é utilizado pelo próprio SENAI inclusive nos informativos de divulgação de seus serviços. Missão
aqui é no sentido de objetivo.
44
Escola SENAI Catalão.
82
A missão da escola SENAI de Catalão retrata seu papel como
fortalecedora da indústria, através do cunho ideológico demonstrado ao se tratar da cidadania
e da educação como se somente os profissionais qualificados e empregados no mercado
formal de trabalho tivessem direito à cidadania e da sua adequação às necessidades do
mercado, através de uma educação do trabalho para o capital, dentro dos parâmetros
tecnológicos estabelecidos. Sua missão transmite, ainda, a idéia de que os trabalhadores ali
qualificados estão amparados com conhecimentos técnicos e tecnológicos, como um selo para
ingressar no mercado de trabalho.
A Escola SENAI Catalão-GO está localizada a nordeste da cidade de
Catalão, na Avenida Dr. Lamartine P. Avelar, 1400, Setor Universitário. Trata-se de uma
Unidade Operacional Fixa, isso porque o município de Catalão ofereceu toda a infra-estrutura
que necessitava para sua instalação. Mesmo assim, conta com o apoio de uma unidade móvel,
sempre que necessário.
Existe na Escola SENAI de Catalão quatro modalidades de treinamento,
além da prestação de serviços técnicos e tecnológicos às empresas, a exemplo do SENAI a
nível nacional.
A primeira dessas modalidades é a Qualificação Profissional de
Adolescentes – Aprendizagem Industrial. Trata-se de educação profissional metódica de
ofício destinada a alunos de 14 a 18 anos; visa a formação humana e técnica para determinada
área profissional, ou seja, não tem uma área definida no mercado de trabalho.
Os cursos oferecidos na Qualificação Profissional de Adolescentes são:
mecânico de manutenção básica industrial; eletricista de manutenção industrial; eletricista
predial e mecânico de máquina operatriz. De acordo com dados da Escola de 1988/89, ano de
sua instalação em Catalão, até 2005, 800 alunos
45
foram formados nessa modalidade. Essa
modalidade foi a primeira a ser criada pelo SENAI. Na medida em que as indústrias iam se
expandindo e se diversificando foram sendo criandos outras modalidades para atender à
necessidade também crescente de mão-de-obra qualificada.
45
Esses dados relativos ao número de formados pelo SENAI por modalidade foram coletados por PEREIRA,
A.A.V, 2006.
83
A segunda modalidade criada foi a de Qualificação Profissional de
Adultos, destinado aos trabalhadores maiores de 18 anos. Nessa modalidade o trabalhador
tem uma ocupação definida no mercado. Até o ano de 2005, foram formados 3.064 alunos,
uma quantidade maior de alunos em relação à primeira modalidade, o que se significa a
necessidade do trabalhador buscar uma qualificação. Alguns cursos oferecidos nessa
modalidade são: mecânico de manutenção básica industrial; soldador elétrico processo mig
mag; eletricidade. Para ingressar nesses cursos são exigidos ensino fundamental (1ª fase) e, se
for na área de informática, o aluno já tem que ter sétima série em andamento.
A terceira modalidade, a de Habilitação Profissional Técnico Industrial
visa à formação de técnico em determinada área profissional. Essa modalidade atende apenas
os alunos que tenham concluído ou estejam cursando o ensino médio. Os cursos oferecidos
são: técnico em eletromecânica; técnico em segurança do trabalho; e técnico em eletrônica.
Esses dados demonstram a necessidade de um nível de escolarização, que, apesar de
considerado ensino médio, é relativamente alto para a classe-que-vive-do-trabalho brasileiro
e, logo, a busca de um perfil cada vez mais capacitado e escolarizado de trabalhador.
Desse modo ficam evidentes os moldes do perfil de trabalhador requerido
pelas indústrias da região. É interessante observar que formaram-se até o ano de 2005
aproximadamente 300 alunos. Destaca-se ainda que essa modalidade foi implantada nesta
escola somente no ano de 2001.
A quarta e última modalidade é a de Aperfeiçoamento Profissional
Treinamento. Essa modalidade é destinada aos trabalhadores que atuam no mercado de
trabalho. Essa modalidade é uma forma de (re)qualificação do trabalhador que busca uma
maior atualização e ampliação de suas competências. É importante ressaltar que os conteúdos
e cargas horárias dos programas de aperfeiçoamento são flexíveis, de acordo com as
necessidades das empresas, o que possibilita uma (re)qualificação constante do trabalhador.
Até 2005, foram aperfeiçoados 10.980 trabalhadores em Catalão, o que
reafirma o perfil do trabalhador formado pela Escola do SENAI nessa região, atendendo à
lógica imposta pelo capital ao mundo do trabalho, que exige um trabalhador cada vez mais
qualificado, apto a competir, planejar, avaliar, implementar o seu trabalho.
84
Também dentre as modalidades é a que mais oferece cursos; desde cursos
na área de informática até aqueles na área de supervisão (1ª Fase: Ensino Correto de um
Trabalho; Fase: Relações Humanas no Trabalho; Fase: Melhoramento de Métodos de
Trabalho). Tais cursos demonstram a forma pela qual o trabalhador, por todos os lados, é
subjugado à esfera do capital e do trabalho abstrato.
Através dessas modalidades de treinamento, percebemos o processo de
qualificação e (re)qualificação, ao qual o trabalhador é submetido e que cria nele a esperança
de conseguir um emprego, acompanhando as tendências e exigências do sistema capitalista
(que visa cada vez mais obter lucros através da extração da mais-valia relativa) que requer um
trabalhador mais qualificado, polivalente e mais intelectualizado.
Essa é a tendência para o trabalhador determinada pelo modo de produção
capitalista, seja a nível nacional ou regional. Algumas regiões absorvem essa tendência mais
rapidamente.
Catalão se insere nessa nova tendência através do processo de
(re)qualificação do trabalhador e dos serviços oferecidos pela Escola SENAI: a ATT -
Assessoria Técnica e Tecnológicas às Empresas e a IT - Informação Tecnológica. Estas se
configuram como uma forma de contribuir ainda mais para o fortalecimento das indústrias e
das empresas, juntamente com as modalidades de treinamento, materializando em uma parte
da sociedade catalana um perfil de trabalhador cada vez mais qualificado, intelectualizado,
polivalente, que ocupa postos de trabalho cada vez mais flexíveis, não ligados ao setor
industrial, mas, também, ao setor de serviços.
ainda que se levar em consideração a questão da reserva técnica do
trabalho para o capital, ou seja, o SENAI forma uma grande quantidade de trabalhadores que
continuam desempregados, porém qualificados. Essa força de trabalho excedente passa a ser
utilizada de acordo com as demandas do ritmo da produção ou das necessidades do mercado.
Entendemos que a função principal dessa reserva técnica é manter os salários dos
trabalhadores nos níveis mínimos.
É importante ressaltar que o SENAI não é uma instituição pública e
gratuita. Pelo contrário, os trabalhadores que se dispõem a passar pelo processo de
85
qualificação e requalificação são submetidas a uma seleção e ao pagamento de taxa de
inscrição e mensalidades, que variam de um curso para o outro. Essa é uma fonte de recurso
financeiro, outra de acordo com o diretor da Escola SENAI de Catalão, Antônio Ilídio
Reginaldo da Silva, é a contribuição empresarial. Vejamos:
O SENAI, ele foi criado por uma Lei Federal que faz com que a empresa, o
empresário, ele recolha da folha de pagamento 1% referente ao que ele paga
ao trabalhador. Então, na realidade, não é o trabalhador, retirando do seu
salário 1% para o sustento do SENAI, é o empresário retirando do seu lucro
1%, daquilo que é a folha de pagamento de sua empresa.
Nesse sentido, o recurso financeiro principal do SENAI provém da
contribuição para fiscal de 1% referente à folha de pagamentos dos trabalhadores e destina-se
à capacitação da mão-de-obra requerida pelas empresas. Então, essa instituição é mantida e
administrada pela empresa, pela indústria. No entanto, não se pode esquecer que o Estado
atua fazendo parcerias com o SENAI de Catalão, exemplo disso são cursos de iniciação
profissional. Conforme demonstra Silva:
Essa modalidade de ensino também é oferecida pela escola, e geralmente
dentro do convênio com os governos federal e estadual, no programa de
qualificação profissional FAT – Fundo de Amparo ao trabalhador, sem custo
para o treinando e ainda o beneficia com o vale-transporte, lanche e todo o
material didático. A clientela visada à iniciação profissional nesta parceria é
pobre e desempregada. Ao citarmos o
termo sem custo, deixamos claro que
este recurso que vem do (FGTS) é uma contribuição que os trabalhadores
fazem ao longo da vida profissional, e através do projeto, do governo federal
e estadual, este fundo é revertido em qualificação e requalificação
profissional com cargas horárias inferiores a 100 horas, visando assim, a
recolocação num tempo curto no mercado de trabalho. Estas ações de
qualificação são realizadas por instituições de educação profissional, como
SENAC e SENAI e por ONGS, para as quais é destinado um investimento
programado de acordo com pré-projeto apresentado antecipadamente ao
governo estadual, que, no caso do SENAI, cobre despesas como: pagamento
de docência, material didático e de consumo, além dos materiais citados
acima, exclusivo para o treinando. Nesse tipo de parceria as inscrições são
realizadas juntamente com o SINE – Serviço Nacional do Emprego, visando
assim, informar e coletar o interesse da clientela que ora encontra-se com
necessidade de treinamento e conseqüentemente de um emprego”. (SILVA,
2003, p.28).
86
A partir desta citação, destacamos que o capital, com a tutela do Estado,
investe dinheiro recolhido do trabalho do povo brasileiro, com a finalidade de qualificar mão-
de-obra para o setor industrial e, conseqüentemente, promover um aumento na produtividade,
bem como na lucratividade das empresas. Além disso, ressaltamos as exigências
mercadológicas de qualificação e multifuncionalidade, a que o trabalhador é submetido
constantemente, para tentar permanecer no mercado de trabalho, ou conseguir um emprego.
Dessa forma percebe-se como o trabalhador é tratado: como um ser que
possui valor abstrato, enquanto força de trabalho a ser explorada. A concretude dos valores
humanos do trabalho é subjugada ao funcionamento do capital e a cidadania do trabalhador se
restringe ao plano do mercado. Assim a classe trabalhadora não ultrapassa a capacidade
básica de reproduzir sua própria existência cativa.
3.3- Trabalho e Cidadania.
O SENAI educa o trabalhador para a cidadania? Recordemos primeiro
alguns conhecimentos acerca de educação.
De acordo com Bottomore a educação deveria ser uma:
(...) educação pública gratuita, compulsória e uniforme para todas as
crianças, que assegure a abolição dos monopólios culturais ou do
conhecimento e das formas privilegiadas de instrução (…) assegurando a
todos uma compreensão integral do processo produtivo (…) A educação tem
de assegurar o desenvolvimento integral da personalidade, ativando o
indivíduo em todas as esferas da vida social, inclusive o consumo, o prazer, a
criação e o gozo da cultura, a participação na vida social, interação com os
outros seres humanos e a auto-realização (autocriação). A realização desse
objetivo exige, entre outras coisas, a transformação da divisão social do
trabalho (…) À comunidade é atribuído um novo e considerável papel no
processo educacional, que transforme as relações entre os grupos dentro da
escola, que evoluiam da competição para a cooperação e o apoio mútuo.”
(BOTTOMORE, 1983, p.122).
87
Educação essa que proporcionaria uma liberdade do indivíduo na
maneira de agir e pensar, distante de uma educação alienada e imposta pelas demandas do
mercado, semelhante à proporcionada pelo SENAI, que é uma educação voltada para o
trabalho abstrato.
A educação capitalista para o trabalho é uma educação voltada ao modo de
produção capitalista, pois prepara o trabalhador para o trabalho abstrato, que é uma criação
capitalista, de onde se extrai a mais-valia (o trabalho não pago), e, não, para a abolição dos
monopólios culturais, das formas privilegiadas de instrução, não para a cidadania. Se assim
fosse, a educação do SENAI não seria paga, não seria excludente e muito menos prepararia o
trabalhador para atender a interesses do mercado, dos donos dos meios de produção.
No entanto, a educação proposta pelo SENAI reveste-se de um caráter
humanista, universal e cidadão, fato que pode ser observado nas palavras do diretor da Escola
SENAI de Catalão: O SENAI procura apresentar profissionais mais conscientes de seu papel
enquanto cidadãos na sociedade e no seu ambiente de trabalho, envolvidos hoje com
discussões do meio ambiente, políticas sociais relacionadas com a própria cidade que os
alunos vivem”. Deveres - e onde fica o direito do cidadão à cidadania? De acordo com
Carvalho (2000),
A qualificação profissional no capitalismo se constitui em um dos elementos
necessários à extração da mais-valia. Assim, trabalhadores mais escolarizados e
qualificados podem propiciar uma maior produtividade e, no geral, aumento da
mais-valia relativa. (…). A educação é apontada não só como instrumento de
produção e reprodução ideológica do capital, mas também como espaço para a ação
do capital produtor de mercadorias. (CARVALHO; 2000, p.52-53).
Nesse sentido, a educação dos trabalhadores é controlada pela burguesia e
passa a ser um elemento constituidor, central para os capitalistas, uma vez que possibilita uma
maior qualificação profissional dos trabalhadores e assim mais produtividade e maiores lucros
para as empresas e, não, o passaporte para a empregabilidade, como acham os trabalhadores,
inclusive do próprio SENAI:
88
No momento em que o trabalhador vai requerer o seguro-desemprego, o
governo poderia direcionar para um curso de qualificação, isso aí funcionaria
como um segundo seguro-desemprego, porque normalmente os cursos de
qualificação têm um custo para o trabalhador, e o trabalhador num momento
desse, está passando por uma crise financeira. Então a preocupação dele é:
Se eu investir nesse curso será que vou conseguir um emprego rápido? A
intenção dele não é ficar desempregado recebendo um seguro desemprego,
então, ele perdeu, vamos dizer assim, aquela remuneração, aquela fonte de
renda, e a única fonte de renda que ele tem naquele momento é o seguro
desemprego, então, eu acho assim, que o governo deveria ter um plano nesse
sentido de qualificar aquele que está desempregado, na medida em que ele
vai dar entrada no seguro-desemprego ele é direcionado para um plano de
aperfeiçoamento
46
.
Mesmo este entrevistado tendo demonstrado preocupação e apontando
alternativa de solução para o problema do desemprego, a qualificação não seria o caminho
para o desemprego no Brasil, porque se sabe que a própria qualificação colabora para a
manutenção desse processo de desemprego, que com uma roupagem nova, que é a
capacitação técnica, a educação para o conhecimento técnico. O problema do desemprego é
um problema estrutural, inerente ao sistema capitalista, cujo fim é a concentração e a
reprodução do capital e serve à formação do exército de reserva, à deterioração dos salários e
à desmobilização da classe trabalhadora, entre outros.
Sendo o SENAI uma instituição centrada no mundo do capital, educa o
trabalhador para o trabalho de acordo com as necessidades capitalistas, transformando a
educação em mercadoria, pois, através dela, as empresas e o SENAI obtêm o lucro, e diz que
“forma uma cidadania”, mas a partir das relações capitalistas – como se isso fosse possível.
A cidadania que o SENAI profere trata-se de uma
cidadania capenga,
direcionada, ligada intimamente à profissionalização. Isso porque no capitalismo, a
regulamentação das profissões, a carteira profissional e o sindicato público definem os três principais
mecanismos no interior dos quais se define a cidadania. Os direitos dos cidadãos são decorrências dos
direitos das profissões e as profissões só existem via regulamentação estatal.
Cidadão para o SENAI
é aquele que está inserido no processo produtivo, que sabe do seu papel no processo de
trabalho, dos seus deveres e obrigações. No entanto, um cidadão que participe nas decisões da
empresa, do processo produtivo, que possa ter os seus direitos trabalhistas assegurados
46
Entrevista com um Professor/ Instrutor do SENAI.
89
(inclusive o de que todos tenham direito a um trabalho) que tenha direito a uma vida digna,
ao lazer, que conheça a sociedade na qual se insere, um cidadão emancipado passa muito
longe do perfil do cidadão e de trabalhador qualificado pelo SENAI.
Assim, concorda-se com Carvalho (2000), quando este afirma que a
cidadania proposta pelo SENAI é a vulgarização do próprio conceito, apontando para uma
situação de conivência e não de consciência social, o que produz uma maior alienação do
trabalhador, na medida em que esse não possui plena consciência do que é ser cidadão, dos
direitos e do papel da classe trabalhadora, acreditando mesmo que todos os seus direitos de
cidadão estão sendo respeitados, uma vez que tal conceito fica restrito ao pagamento em dia
do seu salário. Nesse sentido, a idéia de educação e cidadania difundida pela SENAI exerce
um papel ideológico e de controle social, relevante no processo de qualificação e
requalificação do trabalho passa para a sociedade a imagem de uma instituição prestadora de
serviços sociais, sendo que, na verdade, contribui para a exploração do trabalho e a difusão de
um modelo de educação unilateral, ou seja, útil apenas ao mercado de trabalho capitalista.
No item seguinte, detectamos qual o perfil de trabalhador está inserido no
modelo de educação proposto pelo SENAI em Catalão.
3.4- O perfil dos alunos do SENAI.
Observamos que 70,91% dos alunos no SENAI são do sexo masculino,
principalmente nos cursos que requerem atividades diretas na produção de mercadorias.
Grande parte dos 29,09% das mulheres que estão no SENAI faz cursos na área de química,
costura industrial e cursos na área administrativa. É explícita a preferência do sexo masculino
pelo meio industrial e, por conseqüência, o público alvo do SENAI constitui-se
majoritariamente de homens.
90
Gráfico 1 : Estudantes do SENAI/Catalão (GO) (sexo).
Quanto à idade comprovamos que 70% dos alunos tem 18 anos ou mais,
26,36% tem de 16 a 18 anos e 3,64% tem de 13 a 15 anos. Percebe-se que as ações do SENAI
estão organizadas para receber alunos de 13 anos acima e se; estendem para além dos de 18
anos. Apesar de ter faltado no questionário aplicado aos alunos um item que detalhasse
melhor a idade “acima de 18 anos”, percebemos, nas nossas visitas ao SENAI, uma grande
quantidade de jovens e adolescentes.
Isso nos permite avaliar que a vida produtiva e econômica se torna uma
realidade precoce para o ser social na sociedade capitalista. Analisando-se com mais rigor
esse envolvimento dos jovens da classe trabalhadora com o “meio produtivo”, constata-se que
ele existe, antes de mais nada, pela necessidade de se tornar um profissional o mais rápido
possível e conseguir um emprego.
Porém, ponderamos que ter um curso profissionalizante, não garante um
emprego, apenas posiciona o trabalhador no jogo competitivo e acirrado do mercado de
trabalho capitalista. Para se ter uma idéia dessa competitividade em Catalão, o SENAI formou
desde sua criação, aproximadamente 16 mil trabalhadores. Essas ações de qualificação
profissional, somadas às de outras entidades de formação profissional, às da Universidade
Federal de Goiás e da Universidade Estadual de Goiás, ambas com campus em Catalão e as
91
do CESUC, Centro de Ensino Superior de Catalão (uma faculdade privada), compreendem
uma elevada quantidade de trabalhadores qualificados para uma cidade de interior com
aproximadamente 65.000 habitantes.
Gráfico 2: Estudantes do SENAI-Catalão/GO (idade)
No que diz respeito à escolaridade, percebemos que 53,64% dos alunos tem
o ensino médio completo, 17,27% obtiveram, ou estão cursando, formação superior,
24,55% estão cursando o ensino médio e apenas 4,55% tem somente o ensino fundamental
completo.
Esses números nos levam a afirmar que os alunos do SENAI em Catalão
detêm um nível escolar relativamente alto, o que demonstra a exigência do meio industrial
local por trabalhadores com um índice de escolarização elevada. Dizemos isso porque se trata
de uma escola profissionalizante. Compreendemos, ainda, que os jovens da classe
trabalhadora, como dissemos anteriormente, ingressam com pouca idade no mundo produtivo.
Essa dinâmica se dá da seguinte maneira: 24,55% dos alunos estão cursando
o ensino médio (em sua grande maioria em escolas públicas, municipais ou estaduais) em um
período do dia, em outro período, vai para o SENAI fazer um curso profissionalizante
paralelo aos estudos escolares formais e ainda, no caso dos estagiários, cumprem horários
trabalhando em indústrias na cidade de Catalão.
92
Visualizamos nessa mobilidade territorial do trabalho, a exploração do
trabalho. Se o trabalhador está cursando o ensino formal da escola e ao mesmo tempo um
curso profissionalizante é porque sua família não têm condições financeiras de mantê-lo
somente na escola, o que o leva, por necessidade, a fazer um curso profissionalizante para
tentar conseguir um emprego.
Para estes trabalhadores, a possibilidade de uma formação acadêmica
superior fica distante. Primeiro, porque o tempo para se preparar para o vestibular é escasso,
segundo, porque um curso superior tem a duração mínima de 4 anos, na Universidade Federal
de Goiás, e um curso profissionalizante, ainda que seja de nível técnico, tem duração que não
ultrapassa os 2 anos.
Assim, o jovem opta pelo curso profissionalizante, por ser mais prático e
aparentemente um caminho mais rápido na conquista de um emprego, mesmo que este não
seja garantido. A ideologia da qualificação profissional se encarrega de individualizar um
problema que é social, o desemprego.
Gráfico 3: Estudantes do SENAI-Catalão/GO (Escolaridade)
Dos 53,64% dos alunos do SENAI que possuem o ensino médio completo,
parte está empregada e fazendo cursos pagos pelas empresas em que trabalham, outra parte
está desempregada e vêem na qualificação profissional uma boa alternativa de entrar no
93
mercado de trabalho. Destacamos ainda que 17,27% dos alunos têm formação superior.
Alguns ainda por concluíram o curso superior, porém a maioria deles já concluiu.
Estes alunos com ensino superior completo, muito provavelmente não
trilharam a vida acadêmica para prestar concursos públicos pela dificuldade e alta
competitividade destes e nem devido à falta de oportunidades de emprego no setor privado.
Isso porque grande parte dos cursos superiores existentes nas entidades de ensino superior em
Catalão são na área de licenciatura. Assim, mesmo com um diploma superior, uma parte
desses egressos de universidades migram para o SENAI em busca de um curso
profissionalizante que possa lhes auxiliar a encontrar um emprego.
Em relação à origem dos alunos do SENAI, 89,09% são da cidade de
Catalão, 4,55% são da cidade de Ouvidor GO, 0,9% são da cidade de Cumari GO, 1,8%
são da cidade de Nova Aurora GO, 1,8% são da cidade de Goiandira e 1,8% são da cidade
de Três Ranchos.
Gráfico 4: Estudantes do SENAI-Catalão/GO (Origem)
Verificamos que quase 90% dos alunos do SENAI reside na cidade de
Catalão e pouco mais de 10% está nas cidades circunvizinhas. Pelo questionário aplicado
esclarecemos que alguns alunos da instituição, são oriundos de 5 cidades do entorno de
Catalão, e a mais distante é Nova Aurora GO, estando a 35 Km de Catalão. Assim, apesar
94
de compreendermos que a cidade de Catalão se localiza no Sudeste Goiano, é importante
destacar que as ações do SENAI, objeto de nosso estudo, atinge apenas a microrregião da
cidade de Catalão. Observe a figura 03.
95
Arriscamos dizer que Catalão se tornou um berço de mão-de-obra
qualificada ou um pólo regional de qualificação profissional. Essa estrutura de qualificação
profissional foi sendo desenhada ao longo do tempo, com a finalidade de suprir as demandas
de qualificação, oriundas das empresas mineradoras, das montadoras e de outras indústrias de
menor porte, a partir de um esforço das elites locais, vinculadas ao meio industrial e ao
governo municipal, que, por sua vez estavam também ligados forças políticas em nível
estadual e federal. Afinal de contas. 89,09% dos alunos do SENAI em Catalão são desta
cidade.
Em relação aos alunos do SENAI que estão no mercado de trabalho,
pudemos constatar que 59,09% dos alunos está se “relacionando” com o mercado de trabalho,
mas não necessariamente está empregado. Desses 59,09%, 16,36% são estagiários, sendo
assim, fazem o curso em um período no SENAI (por exemplo, matutino) e no outro período
vão trabalhar em uma das indústrias de Catalão (por exemplo, vespertino).
Estes alunos fazem parte da modalidade de ensino no SENAI, “iniciação
profissional”. São alunos de 14 a 23 anos que fazem um curso de iniciação profissional
gratuito, sendo que este curso é custeado por uma verba recolhida das indústrias, ou seja, são
verbas repassadas diretamente ao SENAI, por meio do Estado. Parte desses alunos se tornam
estagiário no interior de indústrias trabalhando 4 horas por dia, recebendo de meio a um
salário mínimo por mês (outra parte, não faz estágio nas empresas, mas o curso também é
gratuito dentro do próprio SENAI).
96
Gráfico 5: Estudantes do SENAI-Catalão/GO (Trabalhadores Empregados)
Então retirando-se os estagiários, que na nossa pesquisa estão inclusos no
número de alunos que trabalham, restam 42,73% de alunos empregados. Desses 42,73%, 20%
são trabalhadores que estão empregados nas indústrias do município, principalmente na
Mitsubishi Motors e na Copebrás, e estão fazendo um curso de aperfeiçoamento profissional.
São parcerias firmadas entre a empresa e o próprio SENAI.
Os 22,73 % restantes dos alunos empregados estão trabalhando em
pequenas e microempresas na área de serviços, por exemplo, sorveteria, escritório imobiliário,
auto-peças, hospitais, laboratórios, vendedores autônomos, escolas etc.
Partindo desses dados, percebemos que o SENAI atua principalmente na
iniciação profissional, através do programa do “menor aprendiz”, e promovendo parcerias
com as grandes empresas industrias em Catalão.
Dos 40,91% de alunos do SENAI que não trabalham, 23,64% são “menores
aprendizes” que não fazem estágios nas empresas.
Diagnosticamos ainda a renda mensal dos alunos do SENAI.
97
Gráfico 6: Estudantes do SENAI-Catalão/GO (Renda Mensal).
No que tange ao valor dos cursos, destacamos os seguintes dados:
Gráfico 7: Estudantes do SENAI-Catalão/GO (Valor dos Cursos)
98
Esses valores são pagos normalmente pelos alunos, assim, 40% são os alunos
que pagam pelos cursos. Os outros 60% restantes são divididos em 40% de alunos que fazem
um curso gratuito como “menor aprendiz” e 20% que fazem um curso pago diretamente ao
SENAI, pela empresa em que trabalham.
Observemos e analisemos com mais rigor esses dados. uma parceria
importante a ser discutida, que é a relação entre o SENAI e as indústrias. Percebemos que
40% dos alunos são “menores aprendizes”, estes estão vinculados à entidade sendo custeados
pela contribuição de 1%, verba oriunda das empresas, que vai para o governo federal ou
estadual e posteriormente é repassado para o SENAI.
Não tivemos acesso a dados da tesouraria, ao valor arrecadado com
mensalidades nem a qual o montante em dinheiro que é arrecadado pelo SENAI em Catalão,
proveniente do recolhimento de 1% referente à folha de pagamento das empresas da região.
Enfim, a dados referentes à parte financeira do SENAI nós não tivemos acesso.
Em relação a esse recolhimento de 1% referente à folha de pagamento,
mecanismo amparado por Lei Federal, é preciso fazer uma ressalva. Tanto o SENAI quanto o
empresariado e o próprio trabalhador e o Estado enxergam essa iniciativa também como um
serviço prestado ao trabalhador, uma oportunidade de conseguir um bom emprego, uma
profissão.
que se levar em consideração o real, o verdadeiro sentido desse
mecanismo. Pensemos: muitos jovens a partir de 14 anos, ingressam nesses cursos de
iniciação profissional como “menores aprendizes”. Além de adquirirem o conhecimento
técnico do processo produtivo, eles convivem com o senso de organização, de disciplina,
como se portar diante dos níveis hierárquicos na empresa, têm noções de segurança, enfim,
estes alunos desde cedo convivem com a cultura empresarial.
Parte deles faz curso no SENAI em um período e em outro período vão
trabalhar como estagiários no interior das indústrias. Isso se torna um mecanismo de seleção,
pois o empresário pode escolher quais aprendizes são mais indicados para ocupar cargos na
empresa. Além disso, um trabalhador qualificado nesses moldes e observado na prática, no
99
desempenho no processo produtivo, só pode contribuir para a eficácia e a produtividade em
processo.
Portanto, o maior beneficiado nesse jogo, é o empresário. E ainda, essa
iniciativa não tem o significado de combater o desemprego, como está presente no discurso
burguês. Se supuséssemos que esse significado fosse a realidade presente, seria um tanto
quanto contraditório o movimento de enxugamento do processo produtivo, no que diz respeito
a redução do número de trabalhadores na produção de mercadorias das indústrias.
Quando perguntamos o motivo porque os trabalhadores fazem os cursos no
SENAI, ou seja, por que escolheram ingressar no SENAI, obtivemos as seguintes
porcentagens:
Gráfico 8- Estudantes do SENAI-Catalão/GO (Motivo da entrada no
Curso).
Dos 65,45% de alunos que ingressaram no SENAI por opção própria, a
maior parte são menores aprendizes.
Percebemos que fazer um curso no SENAI, para os que estejam
empregados, não representa necessariamente aumento salarial, pois apenas 8,18% dos
100
responderam que estavam nos cursos por melhoria salarial. E 24,55% foram fazer o curso
por determinação da empresa, ou seja, para manter seu emprego.
Em relação ao número de estagiários que mencionamos anteriormente os
dados são os seguintes:
Gráfico 9: Estudantes do SENAI-Catalão/GO (Fez Estágio no
Decorrer do Curso).
A média salarial do estagiário é de R$ 340,00 reais.
Perguntamos também se a Prefeitura deveria investir na qualificação
profissional dos trabalhadores e comprovamos que 98,2% concorda e 1,8% não concorda.
Eles acreditam que a Prefeitura Municipal deve investir na educação e dão grande importância
e crédito à educação profissional.
E quando perguntamos a importância do SENAI para os trabalhadores, as
respostas se deram no sentido de que a qualificação profissional é a única possibilidade para
conseguir um bom emprego, ou seja, o SENAI se tornou, na visão dos trabalhadores, uma
ferramenta essencial para se ingressar no mercado de trabalho em Catalão. Os elementos mais
importantes da qualificação profissional na visão dos alunos são:
101
Qualificar, atualizar e aperfeiçoar os conhecimentos profissionais de todos
para ingressar de forma competitiva no mercado de trabalho; melhoria
salarial; formar e tornar mais profissionais os trabalhadores da região;
qualificação de acesso a todos, eficaz e de qualidade; conquista de novos
empregos e ascensão de cargo na empresa; o nome do SENAI no currículo
facilita e credibilidade ao trabalhador para conseguir um emprego;
qualificação rápida e muito procurada pelas empresas, pois está sempre
sintonizada com as exigências industriais da região; transformar cidadãos
comuns em profissionais; o SENAI gera qualidade; obter uma profissão;
chance de uma vida melhor; obter uma instrução técnica das indústrias antes
de trabalhar nelas
47
.
Percebemos que os trabalhadores incorporaram a idéia de adequar-se às
exigências do mercado. Essa adequação aparece no imaginário do trabalhador como algo
natural e irreversível. A dinâmica do trabalho nas indústrias se direciona uma busca frenética
por qualificar, atualizar e aperfeiçoar seus conhecimentos profissionais, chegando ao limite de
se avaliar, na visão dos trabalhadores, que a qualificação profissional é o atributo essencial
que transforma o ser social em trabalhador. Por mais incerta que seja, o trabalhador se apóia
na qualificação profissional, na tentativa de conseguir em emprego.
Observamos ainda que dos alunos do SENAI que foram consultados, 96,4%
concordam com a qualificação oriunda do SENAI, porque acreditam, em sua maioria, que um
curso no SENAI abre as portas para o mercado de trabalho. Destacamos os outros motivos
dessa elevada aceitação, por parte dos alunos. Além dos motivos apontados na citação
anterior destacamos ainda que,
Todo conhecimento aplicado na sala de aula é executado na empresa; dá para
aproveitar o máximo; atua tanto na teoria quanto na prática deixando o
aprendiz pronto para o trabalho; a forma de ensinar é fácil de aprender; gera
desenvolvimento e qualidade de vida para a população; tem bons professores
e laboratórios bem equipados; ensina como o trabalhador deve se portar
47
Estes são depoimentos dos alunos do SENAI
102
dentro de uma empresa; além de qualificar os alunos, o SENAI também
humaniza-os
48
.
Para os alunos, o ambiente do SENAI se estrutura pedagogicamente numa
ação de qualificação que atua mesclando prática e teoria. O conhecimento é ministrado de
forma simples e eficaz, por professores de qualidade, que contam com laboratórios equipados
com equipamentos modernos. Além dos conhecimentos técnicos e tecnológicos, os
trabalhadores aprendem a maneira correta de se portar na indústria. Soma-se a isso, o aspecto
de
humanização e cidadania do trabalho vinculadas às ações do SENAI.
Por esse emaranhado de atributos presentes no imaginário (e na práxis
social) dos alunos do SENAI, compreendemos uma pedagogia da fábrica que tem o objetivo
de capturar a subjetividade do trabalho, por meio da propagação da cultura de mercado. Esse é
o sentido da
humanização e da cidadania oriundas do SENAI. Esses mecanismos
incorporados à instituição de qualificação em questão promovem a disciplinarização do
trabalho para as exigências do capital.
3.5- Análises do discurso do SENAI
Neste item vamos fazer análises de entrevistas com o diretor e o
coordenador técnico do SENAI, para compreendermos a disseminação da ideologia da
qualificação profissional e o que significa o SENAI no discurso das pessoas que o
representam. Primeiramente trazemos para a discussão uma entrevista concedida pelo diretor
da Unidade SENAI de Catalão – GO.
Quanto à origem do SENAI e sua importância na cidade de Catalão:
48
Idem
103
O SENAI tem uma natureza privada, é uma instituição criada no ano de
1942, tem uma estrutura organizacional presente em todos os estados, mas
com ações políticas regionais, caracterizadas pela parte da indústria, pelo
perfil do trabalhador, pelo perfil do próprio empresário de cada região. Então
o SENAI está em Goiás com 9 unidades escolares. A importância do SENAI
para a região já é inclusive uma contrapartida empresarial. Como ele é
mantido pela empresa (...), o empresário quando organizado numa
associação, numa federativa, ou até mesmo num congresso, ele aponta para o
departamento nacional as necessidades de instalações regionais e, aí,
atendendo um perfil daquele empresário é que o SENAI assume papéis de
qualificação profissional, de educação do trabalhador naquela região
49
.
Percebemos que o SENAI se territorializa acompanhando as necessidades
regionais do empresariado industrial. Existe a instância maior, o DN (Departamento
Nacional) que tem a função de direcionar e organizar as ações do SENAI nos departamentos
regionais presentes em todos os estados brasileiros. No estado de Goiás existem 9 unidades. A
importância dessa entidade é na qualificação profissional direcionada à realidade industrial. O
ponto de partida é a solicitação das indústrias, ou seja, as demandas do mercado determinam
os rumos das ações de qualificação a serem adotadas, num determinado momento, pela
instituição na região.
Do ponto de vista financeiro, o SENAI é mantido pelas indústrias que
contribuem com a instituição em Catalão.
Todas as indústrias que tem seu registro no CNAE, que é o Cadastro
Nacional de Empresas, a partir do momento que se classificam como
indústrias, é retido da folha de pagamento 1%. Essa verba vai para o INSS
que retorna o recurso para o departamento nacional ou para o departamento
regional do SENAI. Dessa forma que o SENAI mantém suas atividades de
aprendizagem, essas são gratuitas. as ações de qualificação profissional,
habilitação profissional, aperfeiçoamento, os cursos de graduação e pós-
49
O Diretor da Unidade do SENAI em Catalão, nos concedeu entrevista em Julho de 2006.
104
graduação (existentes em outras unidades do SENAI) são cursos pagos
por qualquer pessoa que queira fazer um curso no SENAI
50
.
Como não tivemos acesso a informações da tesouraria, responsável pelas
finanças do SENAI, não temos a compreensão exata desses recursos de 1% proveniente das
indústrias, muitos menos dos valores e da maneira como é gasta essa verba.
Independente do órgão arrecadador, como essa verba é destinada ao “auxílio
ao trabalhador”, nos discursos do SENAI e do Estado, no mínimo o trabalhador deveria
participar na construção de projetos, principalmente, pensar os sentidos e objetivos, que
convertessem a uma qualificação em uma formação cheia de significados para o trabalhador e
não para o capital. Porém essa hipótese se torna totalmente improvável levando-se em
consideração que a qualificação do trabalho nos moldes capitalistas assume a função de um
poderoso mecanismo de controle que tem a finalidade de obter constantemente o “saber
fazer”, a subjetividade do trabalho, em prol do aumento da produtividade industrial e seria,
portanto, inaceitável pelo capital.
Em relação aos programas de qualificação profissional do Governo, destaca-
se como o SENAI se relaciona com o PLANFOR e, mais recentemente, com o Plano
Nacional de Qualificação (PNQ):
O SENAI atuou como executor de programas de qualificação vinculados
ao PLANFOR e também dentro do novo programa do Governo Lula temos
atuado em algumas frentes de trabalho. Então o que a gente quer colocar, em
termos de PLANFOR, é que, enquanto o SENAI atuava em alguns
programas clássicos de qualificação, nós tínhamos um poder de
operacionalizar e qualificar de fato aquele candidato. dentro de uma nova
proposta, nós percebemos que o programa deixou de ser de qualificação para
ser um programa de iniciação profissional, ou seja, não garantia, dentro do
prazo, tempo e recursos disponibilizados, condições de fazer um bom
trabalho, então nesse momento o SENAI começou a repensar suas atuações
50
Idem.
105
dentro dos programas de iniciação profissional bancados pelo Governo
Lula
51
.
Compreendemos que o SENAI atuou em programas de qualificação
vinculados ao PLANFOR num período em que tinha autonomia de montar e operacionalizar
as ações de qualificação à sua maneira. Porém, com a insersão do PNQ (Plano Nacional de
Qualificação) a característica deixou de ser de qualificação para ser um programa de iniciação
profissional, mas não apenas isso: não qualifica de acordo com os interesses do capital.
Senão, vejamos:
Entendo que a estrutura desse novo programa não garantia uma boa
qualificação, em qualidade, e sim ele garantia uma iniciação profissional e
isso não habilita a pessoa a assumir um posto de trabalho, nós optamos por
não trabalhar com esses projetos
52
.
Assim, a relação do SENAI com o Estado se desenvolve preservando a autonomia
dos interesses industriais, mesmo assim, o SENAI se relaciona com o Estado em suas diversas
escalas de atuação (Municipal, Estadual e Federal).
A participação, o relacionamento do SENAI seja em nível municipal,
federal, estadual, ele tem que se dar na maior harmonia possível. Primeiro
porque o SENAI não tem bandeira partidária e não é órgão de Estado, não é
um órgão da União e nem um órgão do Município. Nós somos uma entidade
privada que podemos fazer convênios e parcerias e desenvolver projetos em
qualquer uma dessas instâncias. Desde que convidados, ou que o próprio
SENAI se apresente para uma ação, daí acontece que quando uma empresa
se organiza para se instalar em um estado ou em um município, o próprio
estado ou o próprio município busca no SENAI uma acessoria para
51
Idem.
52
Idem.
106
atendimento a esse empresário, então a relação é bem essa, é uma
relação de trabalho, certo!? Ações remuneradas, com o foco no
desenvolvimento industrial”
53
.
O SENAI e o Estado, em qualquer uma das esferas de atuação, se
relacionam como parceiros. uma fusão entre os interesses do capital e do estado,
conformando consensos sociais. No capitalismo, a implantação e o desenvolvimento de
parques industriais se dão, na maioria dos casos, com auxílio do poder político. As grandes
indústrias e agro-indústrias, mencionadas, que se territorializaram em Catalão, contaram
com o esforço e com os privilégios políticos da elite local. Assim, o SENAI foi apenas uma
conseqüência de todo um desenho territorial estruturado no espaço de Catalão, tanto é que
parte da infra-estrutura e das instalações físicas do SENAI, inclusive o terreno para sua
construção, foram viabilizadas pela Prefeitura Municipal de Catalão. E por outro lado, coube
às indústrias mineradoras adquirir o maquinário para o funcionamento dos cursos dentre
outras responsabilidades.
Sobre as mudanças do SENAI ao longo do tempo, com o objetivo de
detectar as mudanças implementadas que o entrevistado considera mais relevantes para a
consolidação do SENAI em Catalão:
Eu acho que uma das características que mais marcam o SENAI é o poder de
flexibilidade, de dar respostas rápidas a uma situação produtiva atual. Então
acontece que o próprio município de Catalão, assim como a região, se
transformou ao longo desses 10 anos, pedindo novas funções, apresentando
novas necessidades de trabalhador e suprimindo tarefas, suprimindo postos
de trabalhos, que não existem mais na nossa região. Então o SENAI teve que
ir a campo perguntar para o empresário o que ele precisa hoje e passar a
qualificar esse trabalhador para a necessidade de agora. Passamos a trabalhar
com um sistema que se chama “SENAI Prospecção”; é um programa a longo
prazo, onde a empresa fala que será daqui a dois anos, que será daqui a três
anos. O empresário aponta para nós isso, e nós nos organizamos para daqui a
três anos ser esse SENAI. É isso que nós estamos fazendo hoje aqui
54
.
53
O Diretor da Unidade do SENAI em Catalão, nos concedeu entrevista em Julho de 2006.
54
Idem.
107
O SENAI se modificou acompanhando a realidade de transformações do
mercado de trabalho. A flexibilidade introduzida no SENAI é resultado da exigência de
flexibilidade requerida pela indústria. O contato direto do SENAI com as empresas alinham
suas ações em um mesmo objetivo, essa é a prospecção de mercado destacada pelo
entrevistado. Para que o SENAI pudesse formar trabalhadores flexíveis, ele mesmo necessitou
se flexibilizar, se “modernizar”, para só depois irradiar esse movimento.
O SENAI também atua na preparação de mão-de-obra, ou seja, na
qualificação prévia de trabalhadores no caso da expansão de novos setores industriais ou
ainda com a instalação de uma nova indústria:
Ocorre, é comum, desde que a empresa faça o contato prévio com a
instituição, o SENAI, via governo, quando ele está negociando sua
instalação, via município, quando ela está se organizando para poder se
instalar no município novo. É comum que a indústria procure, aponte para o
SENAI suas necessidades, então fazemos um processo de seleção e
organização dos futuros trabalhadores para que possam ser qualificados,
assim quando a empresa inicia suas instalações e suas atividades, inicia
produzindo e com o profissional preparado para aquele posto de trabalho
55
.
O SENAI então atua aliado com as indústrias até mesmo no recrutamento de
trabalhadores para atender uma necessidade planejada para o futuro, realizando uma ação de
qualificação profissional específica. Esse movimento também ocorre quando a empresa a
necessidade de expansão de algum setor, a inserção de maquinário novo, mudanças na
organização do processo produtivo, reciclagem de trabalhadores etc. Exemplo disso são os
cursos na área de química industrial ministrados pelo SENAI em Catalão, que foram criados
para atender a implantação de um novo setor numa das mineradoras da cidade.
55
Idem.
108
Essas ações de qualificação se dão através de cursos feitos sob
encomenda, pacotes de cursos específicos:
É uma prestação de serviço em comum acordo, os pacotes são pagos
separadamente, quando o perfil do cliente não é o do menor aprendiz. O 1%
se destina aos alunos entre 14 e 23 anos, que é uma modalidade do SENAI,
se o empresário quer qualificar o trabalhador e se ele não se classifica nesse
perfil, ele tem que pagar
56
.
Além das ações para o “Menor Aprendiz” o SENAI atua em parcerias com
as indústrias na preparação de pacotes de cursos específicos pagos à parte pela empresa, ou
seja, desvinculadas do recolhimento da verba de 1% oriundas das indústrias.
O entrevistado destaca a capacidade de adaptação do SENAI às tendências
momentâneas do mercado
É interessante isso porque o município de Catalão viveu ondas de
desenvolvimento, então, nós tivemos a onda das mineradoras, que foi uma
primeira onda para nosso município, tivemos aí, num outro momento, as
empresas montadoras de veículo no caso a Mitsubishi e a John Deere, que
também é uma montadora de produtos agrícolas, que encaixa na parte
automobilística. E agora nós estamos com o programa de verticalização das
mineradoras, onde elas trazem pra o processo de fosfato e não a parte
da extração de minério (...). Então saiu das cabeças das mineradoras e foi
para as cabeças das montadoras, e agora, mais recentemente, esse poder de
geração de postos de trabalho retorna para a cabeça das grandes mineradoras
de Catalão em função da verticalização.”
57
.
O SENAI se instalou em Catalão com a finalidade inicial de qualificar trabalhadores para as
três mineradoras instaladas no município a partir da década de (19)70. A Mineração Catalão,
56
Idem.
57
O Diretor da unidade do SENAI em Catalão, nos concedeu entrevista em Julho de 2006.
109
a Goiásfértil ( que foi privatizada na década de (19)90 e hoje se denomina Fosfértil) e a
Copebrás
58
. Essa foi uma primeira onda de desenvolvimento industrial no município.
Depois da década de (19)90 vieram as duas empresas automobilísticas
citadas pelo entrevistado, então o foco de qualificação se voltou para o setor automobilístico
no município. Por fim, as mineradoras, no final da década de (19)90, início de 2000, iniciaram
um processo de verticalização, momento em que o movimento de qualificação profissional se
volta novamente para as mineradoras.
Hoje o SENAI trabalha principalmente em torno dessas cinco grandes
transnacionais e as empresas terceirizadas vinculadas à elas. Isso não quer dizer que as ações
do SENAI se restrinjam especificamente a essas empresas. Essa mudanças demonstram a
flexibilidade do próprio SENAI e a sua capacidade de adequar às demandas momentâneas das
realidades industriais da região.
Diante dessas transformações, o perfil dos trabalhadores que chega ao
SENAI pode ser observado no depoimento:
No primeiro momento, eu costumo dizer muito, quem procura o SENAI são
dois perfis. Aquele trabalhador que procura se adequar ao mercado tendo
uma nova qualificação, e o que vai se qualificar e se transformar num
“trabalhador”. O primeiro, que se vincula ao mercado de trabalho, ele é mais
crítico, ele é educado, ele tem curso superior. Catalão propicia isso, tem uma
faixa de trabalhadores com curso superior muito alta em relação a outros
municípios e a outros estados, então, é uma pessoa de nível crítico muito ou
bem alto. esse segundo perfil, que procura seu primeiro espaço de
trabalho, ele chega imaturo, com necessidade de trabalho, mas sem saber o
que fazer, ainda na expectativa de que o SENAI aponte para ele não a
qualificação, como também um espaço de trabalho e aí a gente tem um
trabalho muito grande, que é o de conscientizar que o programa, que o
processo de qualificação, de aquisição de uma profissão vai além de um
único curso. Um curso por si não vai qualificar uma pessoa, para ele
58
Acerca de informações dessas empresas, ver item 3.1
110
transformar-se num trabalhador politicamente composto é necessário
mais uma qualificação, é necessário mais uma vivência onde ele possa ser
exigente em relação às condições de trabalho, que é dado a ele, ser mais
crítico em relação ao que ele aprende, então é necessário que ele estude,
pratique, vivencie a relação de trabalho e que depois ele retorne para o
próprio SENAI para criticar a estrutura que o qualificou
59
”.
No questionário que aplicamos para os alunos, verificamos de fato um
elevado nível de escolaridade, 95,55% dos alunos (ver gráfico 3) tem escolaridade de ensino
médio acima. Estes se distribuem em 24,55% com o ensino médio incompleto, 53,64% com o
ensino médio completo e 17,27% com o ensino superior completo e alguns ainda cursando o
ensino superior.
Analisando as palavras do entrevistado, percebemos que o primeiro perfil de
trabalhador citado por ele é o referencial, ou o perfil de trabalhador correto na concepção do
SENAI, pois ele já está inserido no mercado de trabalho, portanto, detém uma profissão e uma
relativa qualificação, e busca o SENAI para adquirir uma nova qualificação e se adequar mais
ao mercado de trabalho. Suas competências foram citadas “[...] se vincula ao mercado de
trabalho, é mais ‘crítico’, é educado e tem curso superior [...]” (idem)
O segundo perfil na visão do entrevistado, não é um trabalhador, pois ainda
não tem profissão e precisa trilhar alguns caminhos para adquirir os atributos dos
trabalhadores do primeiro perfil citado. Percebe-se que ser um trabalhador é ter uma profissão
e ser qualificado. Assim, imaturo é o trabalhador que não é qualificado e não têm uma
profissão e tem a expectativa de que o SENAI proporcionar-lhe-á uma qualificação, bem
como um espaço no mercado de trabalho.
E então, segundo o entrevistado, o SENAI atua na “conscientização” de
que, para ser um profissional, não basta fazer um curso, mas, sim, tantos quantos forem
possíveis e tem que ter uma experiência no mercado, para que ele se transforme em um
trabalhador polivalente e multifuncional atendendo às novas exigências do mercado de
trabalho contemporâneo.
59
O Diretor da Unidade do SENAI em Catalão, nos concedeu entrevista em Julho de 2006.
111
Percebe-se o conteúdo ideológico do discurso da qualificação
profissional. O próprio entrevistado salientou que o nível de trabalhadores em Catalão com
escolaridade e qualificação profissional é elevado. E sabemos que ter uma profissão com
várias qualificações não garante um emprego, apenas recoloca o trabalhador para competir
num mercado extremamente agressivo.
A imaturidade destacada pelo entrevistado, referindo-se ao trabalhador em
busca do primeiro espaço no mercado, deve ser transferida para o próprio SENAI, só que não
em forma de imaturidade, mas, sim, em forma de um discurso ideológico que oculta a
realidade, ou o verdadeiro sentido da qualificação profissional capitalista. Isso é perceptível
no próprio SENAI, basta destacar que um dos seus objetivos é combater o desemprego
através da qualificação profissional. Aliás, não seria propriamente imaturidade por parte do
SENAI, mas “malandragem” mesmo, esperteza.
O que seria um perfil de profissional “politicamente composto”?
Primeiro o que é a consciência do trabalhador? A gente tem muito essa
questão do que é que o trabalhador está vendendo quando ele assina uma
carteira. Hoje a gente fala no mundo do conhecimento, então o que ele está
vendendo é um domínio que ele tem sobre algo, é uma competência; como é
que ele vai quantificar ou
customizar, ou qual o valor que ele vai dar a esse
conhecimento? Tem um valor de mercado a partir do momento que surge ao
público, agora a partir do momento que esse conhecimento é restrito a ele,
ele é esse trabalhador diferenciado, com valores diferenciados pelo mercado.
Então nesse sentido, que ele tem que ter essa consciência do quanto ele vale
e não o quanto que a folha de São Paulo coloque que é a remuneração de um
profissional com aquele conhecimento
60
.
Percebemos que ao trabalhador é dado um aspecto de mercadoria, de valor
abstrato, e lhe é exigido que se veja assim também. E esse valor aumenta na proporção em que o
trabalhador vai adquirindo cada vez mais competências profissionais. Assim, quanto mais ele possua
conhecimentos e comportamentos profissionais, ou seja, “[...] quanto mais esse conhecimento é
restrito a ele, ele é esse trabalhador diferenciado [...]” pois quanto mais individualista for, mais
60
Idem
112
competitivo será e cada vez mais fará do ambiente de trabalho um jogo interminável de ambições,
com o objetivo de subir de cargo. É esse espírito, competitivo, do trabalhador que interessa ao capital
moderno.
É nesse momento que se opera a captura da subjetividade do trabalhador, o
consentimento operário, no exato momento em que os objetivos e metas de produtividade e
lucratividade da empresa são interiorizados pelo trabalhador e convertidos em objetivos e metas
pessoais a serem alcançadas.
É preciso destacar que esse movimento faz parte do processo de alienação do
trabalhador. Este ocorre de forma engenhosa, passa desapercebido, pois são mecanismos ideológicos
sutis, porém constantes, no processo produtivo. Eles vêm mascarados nas novas formas
organizacionais da produção vinculadas ao Toyotismo. Como destacamos, esses mecanismos se
materializam na forma de círculos de controle de qualidade, equipes de trabalho, CIPA (Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes), PLR (participação nos lucros e resultados) e outros.
A relação do SENAI com a direção das empresas parceiras da instituição se da
seguinte forma:
Existe aquele empresário que tem a consciência de ser o nosso patrão, tem a
consciência de que ele contribui com 1% para qualificação do menor
aprendiz, ele é um cliente exigente conhecedor inclusive dos seus direitos e
deveres, então ele sabe que tem uma lei que obriga ele ter 5% de menores
trabalhadores registrados, trabalhando na sua empresa e que aquele 1%
retido na folha de pagamento garante essa preparação desses menores.
61
As indústrias parceiras do SENAI são exigentes, exigem um trabalho de
qualificação sintonizado com as suas aspirações e necessidades. As indústrias querem
trabalhadores “adestrados” com qualidade e eficiência para desempenharem suas funções nas
empresas com agilidade e eficácia.
61
Idem.
113
O SENAI se relaciona com o “trabalhador sindicalizado”. Para o
entrevistado,
[...] nós temos então, aquele empresário consciente, temos aquele
trabalhador sindicalizado consciente, que sabe que 1% da folha da empresa
vai para qualificação não dele, como também do seu filho, então o seu
filho tem direito de fazer um curso no SENAI gratuito
62
.
Consciência do trabalhador sindicalizado, na visão do SENAI, é ser
enquadrado no mercado de trabalho por meio da ferramenta da qualificação profissional,
inclusive estimulando seu filho nesse caminho. Sabemos que qualificação profissional não é
garantia de conseguir um emprego.
O filho do trabalhador faz cursos gratuitos no SENAI:
É interessante porque a situação é inversa, porque o que atrai o filho do
trabalhador aqui não é a consciência do pai, mas a necessidade de trabalho.
Agora, o que eu quero colocar é o seguinte, se o trabalhador consciente sabe
que existe uma unidade escolar que qualifica e prepara esse jovem para
entrar no mundo do trabalho, não vai entrar tão imaturo quanto ele entrou,
então ele deveria ter essa preocupação, preparar o filho para o mundo do
trabalho. Se ele quer que o filho inicia seu trabalho nas atividades na área de
comércio, encaminha para o SENAC, na área de indústria encaminha para o
SENAI, ele tem um
pequeno latifúndio, tem uma chácara, encaminha para o
SENAR. Essas entidades também são obrigadas a manter da mesma forma a
estrutura de qualificação. Então o SENAI ele não quer ir a campo qualificar
aquela pessoa que tem um perfil agrícola, ele não precisa ir retirar essa
pessoa do campo para vir para a indústria, existe o SENAR que pode
qualificá-lo para atuar na agricultura, na área rural. Da mesma forma, então a
gente tem que ter bastante essa consciência e divulgar isso também. Já
aquele trabalhador não sindicalizado, toma conhecimento das ações do
SENAI via panfleto, via jornais, via mídia falada e nos busca para esses
programas de qualificação
63
.
62
Idem.
63
Idem.
114
Para o entrevistado, é dever do trabalhador consciente assumir a
responsabilidade de preparar o filho para o mundo do trabalho e não deixar que ele busque um
curso no SENAI por necessidade imediata de trabalho. Acreditamos que vender a força de
trabalho é uma necessidade do trabalhador no capitalismo. Porém, a forma de ingressar no
mercado depende das oportunidades e das possibilidades materiais de cada trabalhador. Por
exemplo, se o filho de um trabalhador não necessitar de um emprego, ou seja, não precisar
vender sua força de trabalho na adolescência para auxiliar nas despesas familiares,
possivelmente a opção seria proporcionar ao filho uma educação escolar formal que o
possibilitasse a ingressar num curso superior. Contudo, comprovamos a existência de muitos
trabalhadores desempregados com curso superior, que migram para o SENAI. Então, a
questão continua sendo o monopólio dos meios de produção, o que culmina nas formas
privilegiadas de educação, ou seja, os monopólios culturais.
O entrevistado ainda destaca as ações junto ao sistema S, citando o SENAC,
o SENAR e o próprio SENAI como entidades que atuam na colocação do trabalhador no
mercado de trabalho, ou seja, no combate ao desemprego. Precisamos deixar bem claro a idéia
da dinâmica territorial da qualificação profissional.
A utilização de um trabalhador qualificado atuando no processo produtivo
que exige um nível elevado de destreza técnica, e esse é o caso das grandes indústrias de
Catalão, significa o desemprego de muitos trabalhadores, porque as máquinas modernas
realizam o trabalho de dezenas e até centenas de trabalhadores, a partir de apenas um
operador dessa máquina.
Esses trabalhadores, expulsos do mercado formal de trabalho nas indústrias,
migram, num movimento de mobilidade territorial do trabalho, para as formas mais
precarizadas de trabalho, de que são exemplos a informalidade, os postos trabalhos sazonais,
enfim em formas de trabalho mais brutalizadas e, no limite, o desemprego. Essa face
precarizada do trabalho é o que estamos denominando de desqualificação do trabalho.
Acerca da questão do desemprego, perguntamos se existe a preocupação,
por parte do SENAI, com o constante aumento do número de trabalhadores desempregados.
115
Sim, existe uma preocupação, até porque a origem do SENAI era aquela
onde existia um contingente de pessoas não qualificadas e uma empresa que
demandava pessoas qualificadas, hoje nós temos um contingente de pessoas
qualificadas, mas que não se encaixava no mundo do trabalho, ora por idade,
ora por conhecimento, então qual é a preocupação do SENAI? É olhar para
dentro da empresa agora e demonstrar para a empresa que existe um pessoal
com conhecimento à margem dessa empresa, existe um pessoal que a gente
costuma dizer exército de reserva, com conhecimento, que não está sendo
absorvido
64
.
Esta é uma dinâmica nova, um grande número de trabalhadores
desempregados que detém competências e qualificações profissionais. Esta lógica é realidade
na cidade de Catalão e isso aumenta ainda mais o peso do sentido do desemprego no
capitalismo: manter sempre o salário do trabalhador nos patamares mínimos. Essa dinâmica é
uma comprovação de que a qualificação profissional não é uma solução para o problema do
desemprego.
Ainda no mesmo assunto perguntamos quais são as ações implementadas
pelo SENAI para assegurar a inclusão dos trabalhadores que não podem pagar pelos cursos:
É via iniciação profissional, via programas de responsabilidade social, hoje o
SENAI tem buscado na empresa parcerias para proporcionar qualificação
profissional para quem não pode pagar. Então, nós temos imputado à
indústria o papel da responsabilidade social,ou seja, se você não qualifica
essas pessoas, serão elas amanhã que estarão reduzindo o seu poder de
venda, de consumo, então nós temos mostrado isso para a empresa, que é
interessante qualificar dentro da bandeira da responsabilidade social
61
.
nos posicionamos anteriormente que a qualificação profissional no modo
de produção capitalista não pode ser considerada um combate ao desemprego, pois o emprego
de um trabalhador qualificado, significa o desemprego de vários trabalhadores.
64
Idem.
116
Acreditamos também na incompatibilidade de uma qualificação
profissional com responsabilidade social no atual estágio de desenvolvimento do sistema
produtor de mercadorias. O fundamento é simples: quem mais obtém ganhos com um
trabalhador qualificado é o próprio empresário, a indústria. Percebe-se o caráter de interesse
econômico quando o entrevistado fala de responsabilidade social para os empresários: [...]
se você não qualifica essas pessoas, serão elas amanhã que estarão reduzindo o seu poder de
venda, de consumo [...]”.
Direcionamos a discussão rumo aos aspectos pedagógicos, perguntando
quais foram as mudanças curriculares e didático-pedagógicas que ocorreram nos últimos anos,
consideradas importantes. Quais foram as diretrizes dessas mudanças e a origem dessas
mudanças didático-pedagógicas?
Eu diria, até, o seguinte, que o mundo da educação respira mudanças,
convive com mudanças. O que acontece é que vários pensadores que tem
influenciado a educação, alguns deles acessam por vez a estrutura
ministerial, conseguem fazer modificações na forma de portaria, mesmo
que as políticas das instituições de educação não estejam alinhadas com
aquelas ondas de educação, por força de lei nós temos que mudar, então eu
me lembro muito da base do SENAI, a base de educação do SENAI é de
Piaget, ou seja, aprender a fazer fazendo. Agora, onde é possível, você
aplicar Piaget ao pé-da-letra, dentro dos programas de educação profissional,
são nos programas de aprendizagem, quando nós estamos trabalhando com
jovens de 14 a 18 anos, isso é possível, ou seja, nos programas de
qualificação com uma clientela que não tinha conhecimento nenhum.
Quando nós colocamos essa metodologia em cursos de habilitação, a
expectativa do aluno é de que ele venha e faça programas com uma
quantidade prática muito grande e não é o objetivo de um programa de
habilitação, fazer uma preparação de uma pessoa no perfil operacional, ele
tem que sair daqui com uma competência técnica. Então o perfil de educação
do SENAI muda aí, ele deixa de ter aquele perfil de Piaget, que é a base do
aprender fazendo,e passa a ter uma educação mais tecnicista, que não é de
vivência do posto de trabalho, mas, sim, do domínio técnico e tecnológico
65
.
65
Idem.
117
Entendemos que, no âmbito da aprendizagem industrial, o SENAI
procura atuar com uma carga horária considerável de prática, inclusive no interior das
empresas industriais. Isso acontece porque é na aprendizagem que acontece o primeiro
contato do aluno com um processo produtivo de uma indústria, então o contato deve ser maior
e mais constante.
No caso dos cursos de qualificação e habilitação profissional o contato
direto com a indústria é bem mais reduzido, pois o foco não é um contato com o posto de
trabalho, mas, sim, o manuseio dos aparatos técnicos e tecnológicos, no interior do próprio
SENAI. Portanto, não são propriamente questões de metodologias e, sim, de atendimento de
interesses.
Perguntamos como são elaborados e quais são os projetos pedagógicos
existentes no SENAI e quais são as disciplinas básicas das grades curriculares.
Hoje o SENAI tem atuado, tem desenvolvido seus planos de curso, dentro da
filosofia de desenvolvimento por competências. Nessa filosofia de
desenvolvimento de competência, nós deixamos de estabelecer grades
curriculares e começamos a trabalhar com planos de curso, começamos a
trabalhar com perfil de profissional desejado ao final de um programa e
quais os conhecimentos, quais as atitudes, quais habilidades que nós temos
que desenvolver nessa pessoa para que ela venha ser esse trabalhador foco da
nossa qualificação, não é simplesmente deixar de chamar de disciplina e
passar a chamar componente curricular, ela tem um universo maior de
conteúdo e competências a serem desenvolvidas. A disciplina ela era um
assunto específico, um tema específico, a gente tem trabalhado muito assim
hoje, os planos de curso
66
.
Percebemos que o SENAI se modifica e se torna mais flexível com a
inserção dos planos de cursos ou componentes curriculares. Esses planos são montados
depois de discutidos quais conhecimentos, atitudes e habilidades que se quer desenvolver
numa ação de qualificação. Segundo o entrevistado, o sistema de grades curriculares era mais
66
Idem.
118
rígido e abordava um tema específico. O componente curricular, parte da idéia do
desenvolvimento de um conjunto maior de competências técnicas e conteúdos, ampliando o
universo pedagógico das ações de qualificação. Essa mudança curricular ocorreu devido à
exigência das indústrias por trabalhadores multifuncionais, super-qualificados exercendo
várias funções no processo produtivo.
Além disso, a organização do currículo em componentes curriculares
permitiu ao SENAI adequar-se à rotatividade dos trabalhadores no mercado.
Isso é o que garante ao SENAI uma flexibilidade maior, é o que garante ao
candidato ou aluno nosso que ele possa parar no curso, ir para o mercado de
trabalho, adquirir experiência, voltar para o SENAI e dar continuidade a esse
mesmo curso que ele parou, é o que eles chamam de formação por
qualificação profissional
67
.
Perguntamos se o SENAI tem concorrência aqui em Catalão.
Tem, nós sempre tivemos concorrência, a concorrência pode ser a própria
indústria e a iniciativa privada, os escritórios de qualificação, as consultorias,
as
microlins, MBA, empresas que trabalham com qualificação à distância,
hoje as Universidades e Faculdades têm procurado muito os campos de
trabalho de qualificação profissional e têm procurado na indústria esse
mercado, têm procurado clientes dentro da indústria, isso tem sido a
realidade do próprio SENAI, concorrência existe
68
.
Apesar de ser a maior entidade de qualificação profissional existente em
Catalão, o SENAI convive com outras agências de qualificação menores. Mesmo assim, o
grande formador da mão-de-obra em Catalão e região é o SENAI.
67
Idem.
68
O Diretor da Unidade do SENAI em Catalão, nos concedeu entrevista em Julho de 2006.
119
O trabalhador nas indústrias modernas se caracteriza por ser
superqualificado, ou seja, altamente qualificado? No que diz respeito a operar uma colhedeira
de cana-de-açúcar, por exemplo?
Não, ele precisa aprender o básico. O SENAI consegue facilmente pegar
uma pessoa do meio rural e qualificá-lo como operador dessa máquina.
Conseguimos pegar esse mesmo cortador de cana e qualificá-lo como
mantenedor dessa máquina, para ser um mecânico dessa máquina. existe
isso, a gente chama de operador mantenedor, o trabalhador tem essa
competência. O que vou dar para essa pessoa é uma consciência de
trabalhador, perceber que ele não é mais cortador de cana e que ele é um
profissional qualificado, aí é que está o “x” da questão
69
.
A superqualificação, como característica do trabalhador da indústria
moderna, se no sentido da polivalência. Como ele tem a função de operar máquinas, nada
impede que ele possa operar mais do que uma máquina, ou como, no exemplo do
entrevistado, o operador opera a máquina e cuida de sua manutenção. A lógica se com
trabalhadores que possuam diversas habilidades e competências, ou seja, superqualificado,
exercendo várias funções na produção.
Vamos analisar uma entrevista com o coordenador técnico do SENAI de
Catalão
70
. Quando perguntamos a importância do SENAI, ele nos deu a seguinte resposta:
O SENAI é uma instituição conhecida não somente nacionalmente como
mundialmente pelo seu trabalho, atua em todos os estados do Brasil, com
unidades fixas e móveis, atende cidades do interior e empresas mais
distantes. O SENAI capacita e é responsável por quase 100% dos
profissionais no mercado de trabalho, ele é responsável pelo crescimento da
cidade de Catalão e por atrair empresas para essa cidade
71
.
69
Idem
70
O Coordenador Técnico do SENAI de Catalão/GO, nos concedeu entrevista em Julho de 2006.
71
Idem
120
O SENAI é o principal responsável pela qualificação dos trabalhadores
em Catalão. Grande parte dos profissionais ligados à indústria são oriundos do SENAI. Esses
trabalhadores, ocupam cargos ligados à produção e de auxílio à administração. Mesmo assim,
existem outras possibilidades e caminhos trilhados pelos trabalhadores, tais como,
universidades, faculdades, outras entidades de qualificação etc.
A Unidade do SENAI mais próxima de Catalão:
É a de Itumbiara e Goiânia, que é dividida regionalmente, embora a
administração do Senai em âmbito nacional seja a mesma, os SENAI são
divididos por regiões e as administrações são separadas, no caso de uma
região não haver SENAI, possibilidade de prestação de serviço de uma
região para a outra, basta fazer um acordo entre os departamentos regionais.
Nós mesmos já prestamos serviços para a região de Uberlândia-MG
72
.
As escolas do SENAI mais próximas de Catalão estão na cidade de
Itumbiara e na capital do estado, Goiânia, a mais ou menos 280 km de distância. No âmbito
organizacional, os departamentos regionais contam com administrações específicas,
separadas, porém todos eles vinculados às diretrizes do Departamento Nacional. Há um
relacionamento de apoio e cooperação entre os departamentos regionais.
Sobre as mudanças que ocorreram no SENAI, o entrevistado relata como
era a escola SENAI no começo de seu funcionamento: a estrutura física era reduzida e
abrigava apenas 2 ou 3 turmas de aprendizagem e qualificação básica. Com o crescimento da
cidade e das demandas industriais foram sendo criados cursos na modalidade de qualificação
profissional de adultos. Esse movimento culmina na criação de cursos técnicos,
principalmente a partir do ano 2.000. Para ele a criação dos cursos técnicos foi o principal
avanço do SENAI em Catalão.
72
Idem.
121
Essas mudanças acompanharam as transformações no mercado de
trabalho em Catalão No setor industrial, com a verticalização de algumas empresas e a
chegada de outras e também sobre o aumento da modernização, do ponto de vista não
técnico, mas organizacional do posto de trabalho, da equipe de trabalho, essas mudanças
provocaram alguma alteração na forma de treinar e formar mão-de-obra. O SENAI de Catalão
teve que se adeqüar ao parque fabril a partir desse processo de modernização presente depois
da década de (19)90.
O reflexo mais recente foi à necessidade de intensificar mais esses cursos
que a gente desenvolve voltado à parte comportamental, como qualidade ao
atendimento, trabalhar em equipe, postura profissional, organização do
espaço de trabalho a parte de logística, tanto é que nosso programa de cursos
técnicos tem sempre um compromisso curricular que aborda esses conteúdos
e isso fez uma sintonia entre o SENAI e as empresas. Sempre que uma
necessidade de uma verticalização do mercado, o SENAI se antecipa na
preparação para a capacitação de novos trabalhos em relação ao
comportamento ética, cidadania e respeito hierárquico dentro do trabalho
73
.
As alterações na forma de se formar a mão-de-obra no município se
desenvolveram voltados à parte:
[...] comportamental do trabalhador, ou seja, as características anexadas aos
cursos e transmitidas em forma de competências ao trabalhador se deram no
sentido de qualidade ao atendimento ao cliente, trabalhador em equipe,
postura profissional, organização do espaço de trabalho, ética, cidadania e
respeito hierárquico dentro do trabalho, segurança no trabalho, dentre outros.
Estas características fazem parte do conjunto de estratégias organizacionais
na produção, ou seja, do movimento de reestruturação produtiva do capital. Esses
mecanismos atuam diretamente na captura da subjetividade do trabalhador, por meio de
73
Idem.
122
medidas estratégicas que atraem os trabalhadores envolvendo-os com os objetivos e
metas da empresa. O componente “cidadão” é destacado pelo entrevistado. “Nós temos um
material preparado para esse conteúdo, abordando idéia de comunidade, de equipe em grupo”.
Do ponto de vista do perfil polivalente e superqualificado do trabalhador
hoje:
Os cursos de qualificação é fazer uma qualificação especifica, e é necessário
ao profissional ter uma qualificação. Porém, tem que ter aperfeiçoamento, ir
além daquela qualificação, pois no componente curricular traz a idéia de
polivalência, por exemplo, quando o indivíduo faz um curso de
eletromecânica ele aprende também a parte de gestão de solda, de legislação,
conteúdo de montagem, manutenção, usinagem. É o que a empresa espera de
um profissional que venha atuar na linha de sua produção
74
.
Segundo ele, nas exigências das indústrias, ou seja, do mercado de trabalho,
o trabalhador precisa ter um curso de qualificação específica para se tornar um profissional.
Mas essa qualificação não basta, é preciso buscar cursos constantes de aperfeiçoamento,
absorvendo novas habilidades e competências acompanhando as inovações do processo
produtivo.
Para ele a polivalência está inserido no próprio componente curricular de
um curso específico, mas que detém um leque de habilidades presentes vinculadas à sua
qualificação. Um operador de processos mineroquímicos será um operador, mas que terá
noções de todo o processo.
Essas características de polivalência se distanciam do tipo de trabalhador no
período fordista de produção, com a inserção das lógicas organizacionais toyotistas. Na
produção, o trabalhador adquire uma maior mobilidade dentro do processo, realizando mais
de uma etapa na produção e tendo noções mais amplas no conjunto das funções e tarefas do
processo. É importante ressaltar que essa “noção mais ampla do processo” se no nível da
74
Idem.
123
execução de tarefas, pois o controle do processo está em poder dos proprietários dos
meios de produção.
O processo de alienação do trabalhador, como dissemos, se imerso em
mecanismos extremamente sutis e revestidos de um caráter cooperativo entre os trabalhadores
e destes com as hierarquias mais elevadas, gerentes e direção das empresas. O “saber fazer”
do trabalho, sua criatividade, seu esforço de pensamento é canalizado e manipulado no
interior das empresas. Apesar de continuar atuando no nível da execução de tarefas, os novos
mecanismos de organização do trabalho no “chão-de-fábrica” fazem com que ele acredite
estar sendo responsável também pela elaboração dos projetos da empresa.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No caminho percorrido neste trabalho tivemos a finalidade de tentar
compreender a relação capital x trabalho no capitalismo contemporâneo. Focamos nossa
leitura geográfica, no fenômeno da qualificação profissional, seus novos mecanismos,
instaurados a partir do movimento de reestruturação produtiva do capital, e como isso afetou
os trabalhadores.
Percebemos que a qualificação profissional se eleva enquanto poderoso
mecanismo de controle social do capital sobre o trabalho. Sua finalidade é disciplinarizar o
trabalho e os trabalhadores, ou seja, capacitá-los técnica e ideologicamente para o mercado.
Não é difícil compreender o sentido dessa qualificação, basta analisar que, do ponto de vista
do conhecimento técnico, o aumento da produtividade do trabalho nas industrias, e do
ponto de vista ideológico, a difusão constante da cultura empresarial, o que possibilita a
(re)produção dos valores de vida capitalistas entre os trabalhadores. Monta-se então uma
estrutura educacional, uma pedagogia da fábrica, na qual o SENAI está inserido. É por meio
dessa dimensão intelectual e alienada do trabalho, que o capital moderno se apropria da
inteligência do trabalhador, criando um caminho original de racionalização do trabalho
contemporâneo, ou seja, a captura de sua subjetividade.
Primeiramente observamos que uma grande quantidade de trabalhadores
que são atraídos pelo discurso da qualificação profissional. Somente no último semestre de
2006 formaram no SENAI, em Catalão, aproximadamente 1.000 trabalhadores. A maioria
desses alunos são jovens e do sexo masculino. Pudemos constatar um nível relativamente alto
de escolaridade no SENAI, alguns até mesmo com formação superior. verificamos que o grau
de exigência do mercado de trabalho catalano no que diz respeito à escolaridade, está em
patamares elevados. Essa tendência nos remete ao movimento de intelectualização do trabalho
(ANTUNES, 1999), que instaura um período de constante (re)conversão de habilidades.
125
Em relação à origem dos trabalhadores, a maior parte dos alunos do
SENAI residem em Catalão e o restante é oriundo de cidades vizinhas. Sabemos ainda que
esta entidade qualificou nos últimos 15 anos aproximadamente 16 mil trabalhadores. Verifica-
se então que Catalão é um “berço de mão-de-obra qualificada”; e isso não se restringe
somente à mão-de-obra local.
O dado que mais nos chamou a atenção, em relação ao nível escolar dos
alunos, foi a porcentagem de quase 20% com nível superior. Isso demonstra a perversidade do
mercado de trabalho capitalista. Para obter um diploma superior uma pessoa precisa se
dedicar aos estudos por no mínimo, 15 anos de sua vida e, ao final, tendo concluído sua
graduação universitária não consegue emprego. Então migra para o SENAI para fazer um
curso técnico de, no mínimo dois anos, sem ainda ter a garantia de que vai conseguir um
emprego.
Verificamos que fazer um curso de qualificação não significa entrar no
mercado de trabalho, mas sim, apenas reduzir minimamente a incerteza inerente à classe
trabalhadora no capitalismo contemporâneo. Assim não podemos concordar com a idéia de
que a qualificação profissional tem a função de combater o desemprego. Pelo contrário,
constatamos que o emprego de um trabalhador qualificado nos moldes modernos do
capitalismo, representa o desemprego de muitos trabalhadores. Uma vez que o
trabalho morto
materializado nas máquinas absorvem e substituem o trabalho de vários trabalhadores. E
ainda, o trabalhador que permanece no processo assume um caráter polivalente e
multifuncional, exercendo várias funções na produção e em alguns casos operando mais de
uma máquina ao mesmo tempo. Constatamos ainda que os alunos empregados no mercado de
trabalho estão envolvidos nos cursos para a manutenção do emprego, o que não significa
melhoria salarial.
Outra informação importante, são os alunos do SENAI que fazem cursos
gratuitamente. Parte deles as empresas pagaram “pacotes de cursos” diretamente ao SENAI e
outra parte representa os “Menores Aprendizes”. No primeiro caso, são realizadas parcerias
entre o SENAI e as empresas com o intuito de aperfeiçoar a mão-de-obra. Esse é um poderoso
126
mecanismo empresarial que tem a finalidade de otimizar a eficácia e a disciplina,
aumentando, assim, a produtividade do trabalho.
No segundo caso, a aprendizagem industrial expressa no programa do
“menor aprendiz”, se coloca também como um importante mecanismo de qualificação e
seleção de mão de obra para a indústria. Relembremos rapidamente que os jovens envolvidos
neste programa ficam inseridos na cultura empresarial e desenvolvem competências, como
relações interpessoais e hierarquia no trabalho, senso de organização, segurança no trabalho,
além de adquirirem o conhecimento técnico do processo produtivo.
Parte deles vai fazer estágios na indústria, o que dá a oportunidade do patrão
de escolher os trabalhadores que lhe convier. Assim, destacamos que a verba empresarial
investida nesses programas nem se comparam com os ganhos empresariais de se ter
trabalhadores qualificados. Além disso, um trabalhador qualificado nesses moldes e
observado na prática, no desempenho no processo produtivo, pode contribuir para o
aumento da eficácia e da produtividade. Portanto, mais uma vez, o maior beneficiado nesse
jogo, é o empresário.
Assim, a partir da análise espacial feita no decorrer dessa pesquisa, tornou-
se possível compreender algumas transformações territoriais no mundo do trabalho,
decorrentes das mudanças no metabolismo do capital nas últimas décadas, o que influenciou
diretamente as formas de treinamento da mão-de-obra. O SENAI, por ser uma instituição que
profissionaliza o trabalho, se insere nesse processo, promovendo a educação capitalista do
trabalhador requerido pelas indústrias.
A partir das modernas técnicas de gestão do trabalho (gestão participativa)
decorrentes do processo de reestruturação produtiva do capital, que marcam o período da
acumulação flexível, é possível visualizar e avaliar uma sociedade do capital extremamente
excludente, pois cria-se um pequeno grupo de trabalhadores estáveis, superqualificados,
polivalentes e com salários “razoáveis”, ao mesmo tempo em que cresce o desemprego
estrutural e os postos de trabalho mergulhados na precarização do trabalho, ou seja, os
informais, instáveis e subcontratados.
127
Paradoxalmente, o desenvolvimento da ciência, bem como da
tecnologia, ao invés de melhorar as condições de vida dos trabalhadores contribui para sua
decadência, sua exploração. Isso não quer dizer que sejamos contrários à ciência e à
tecnologia, o problema está na sua apropriação privada e nos usos que são feitos delas. A
ciência e a tecnologia integram o rol dos paradigmas fundamentais de controle e reprodução
do capital, por isso é necessário entender sua sociabilidade.
O SENAI tem papel preponderante nesse processo de reprodução do capital
e na exploração do trabalho e contraditoriamente, reveste-se de um caráter humanista, se
colocando-se como instituição que presta serviços sociais para o trabalhador. O que
apreendemos no SENAI em Catalão foi uma trama de relações sociais arquitetadas pelo
capital, a partir da articulação entre o poder executivo municipal e estadual (possivelmente
com suas influências em nível federal), as empresas transnacionais mineradoras, uma
montadora de carros e uma montadora de colheitadeiras (citadas anteriormente) e o próprio
SENAI.
Assim, o SENAI surge não como um território isolado e desconexo no
espaço regional. Pelo contrário, pudemos constatar que a instalação do SENAI em Catalão fez
(e faz) parte de um desenho espacial amplo do capital, que teve a necessidade de
trabalhadores qualificados e de assistência técnica e tecnológica nas indústrias que se
territorializaram no município num período de desconcentração industrial no Brasil.
Procuramos, então, através do esforço analítico, compreender as transformações ocorridas no
trabalho, a partir das modificações implementadas pela instituição, em conseqüência do
movimento de reestruturação produtiva do capital e suas exigências por novas qualificações.
Observamos ainda, através desta pesquisa, que, em decorrência do
movimento de reestruturação produtiva do capital, houve uma mudança significativa na
qualificação profissional do SENAI. Sua atuação se tornou mais flexível, o que significa estar
pronto para adaptar-se às realidades momentâneas da indústria. Por exemplo, depois de
implantado o mecanismo de prospecção de mercado, o SENAI identifica quais ações devem
ser realizadas, o motivo, o objetivo e o público-alvo, o tipo de competências e habilidades a
serem desenvolvidas, o tempo necessário etc. Depois disso monta cursos sob medida,
128
atendendo a uma demanda produtiva momentânea. Verificamos também a questão da
polivalência do trabalho. Os cursos são estruturados de maneira que o trabalhador tenha
qualificação em uma área específica, porém com conhecimentos mais abrangentes, ou seja,
com noções básicas do processo produtivo como um todo. Percebemos também o função do
SENAI de estimular o trabalhador sempre a adquirir várias qualificações num movimento
constante de aperfeiçoamento profissional.
Mantido financeiramente pela contribuição compulsória dos empresários
por Lei Federal, além de fazer exame de seleção e cobrar taxas de parte dos alunos para que
estes tenham acesso aos cursos, detém o papel de adestrar (re)qualificar mão-de-obra para o
perverso mercado de trabalho capitalista. Em outras palavras, o SENAI é uma fábrica de
qualificação que viabiliza a exploração do trabalho, adequando o trabalhador ao mercado
moderno de trabalho, ou seja, contribuindo para a fragmentação e sujeição do trabalho à
esfera do capital.
Enfim, compreendemos com essa pesquisa que esta entidade influencia
diretamente a forma assumida pela classe trabalhadora catalana, moldando os trabalhadores e
enquadrando-os às necessidades do mercado industrial de trabalho catalano.
129
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