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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A ROMARIA DO DIVINO PAI ETERNO EM TRINDADE DE GOIÁS:
PERMANÊNCIAS DA TRADIÇÃO NA MODERNIDADE
(1970 – 2000)
MÁRCIA ALVES FALEIRO DE CARVAHO
GOIÂNIA
2007
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A ROMARIA DO DIVINO PAI ETERNO EM TRINDADE DE GOIÁS:
PERMANÊNCIAS DA TRADIÇÃO NA MODERNIDADE
(1970 – 2000)
MÁRCIA ALVES FALEIRO DE CARVAHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Católica de Goiás como
requisito final para a obtenção do grau de
mestre.
Orientadora: Isabel Missagia de Mattos
GOIÂNIA
2007
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A ROMARIA DO DIVINO PAI ETERNO EM TRINDADE DE GOIÁS:
PERMANÊNCIAS DA TRADIÇÃO NA MODERNIDADE
(1970 – 2000)
MÁRCIA ALVES FALEIRO DE CARVAHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Católica de Goiás como
requisito final para a obtenção do grau de
mestre.
Aprovada em ___ de _____________ de 2007. Nota: _______.
__________________________________
Profa. Dra. Isabel Missagia de Mattos
Universidade Católica de Goiás
__________________________________
Profa. Dra. Telma Ferreira do Nascimento.
Universidade Católica de Goiás
__________________________________
Prof. Dr. Sérgio Ricardo da Mata
Universidade Federal de Ouro Preto
3
Dedico esta dissertação de mestrado
aos meus pais, Francisco e Maria,
ao meu esposo Willian, o meu amor
que sempre me compreendeu,
e à minha filha, razão do meu viver,
Ana Lara.
4
Primeiramente a Deus,
que iluminou o meu caminho
durante essa árdua jornada.
À professora Isabel Missagia de Mattos,
por sua orientação segura e pela extrema dedicação.
À professora Carolina Telles Lemos,
pelas inúmeras conversas e indicações
bibliográficas sobre o campo da sociologia;
Aos demais professores do mestrado,
por embasarem os meus conhecimentos
para a presente pesquisa.
5
RESUMO
CARVALHO FALEIRO, Márcia Alves. A Romaria do Divino Pai Eterno em Trindade
de Goiás: permanências de tradição na modernidade. 1970-2000. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Católica de Goiás, Goiânia,
2007.
Esta dissertação enfoca as transformações ocorridas na Romaria do
Divino Pai Eterno, bem como a permanência da sua tradição, no decorrer do
processo. Para isso, foi, inicialmente, feito um histórico da devoção ao Divino Pai
Eterno, o qual se discute a origem do medalhão, relacionando-o com a formação de
Trindade e a chegada dos redentoristas a esta cidade. Houve uma preocupação em
evidenciar as estratégias de preservação da tradição da Romaria, relacionadas,
sobretudo, aos mecanismos utilizados pela Igreja Católica para sua continuidade.
Procurou-se demonstrar especialmente as transformações sofridas pela Romaria
nas décadas de 1970 e 1980, quando entrou em evidência a crise provocada
exatamente por essas transformações modernizadoras, revelando, ao mesmo
tempo, a permanência das tradições populares. Também foi contextualizado, para a
compreensão da crise, o avanço do pentecostalismo no Brasil. Finalmente,
enfatizou-se acada de 1990 como um período de apogeu da Romaria e procurou-
se abordar esse fenômeno religioso na discussão sobre a globalização. As
pesquisas bibliográfica e documental foram realizadas nos arquivos da Igreja
Católica e da imprensa local. Também foi utilizada a observação participante, que
permitiu o acompanhamento de acontecimentos e eventos que se revelaram
surpreendentes para a análise.
Palavras-chave: tradição, modernidade, Romaria, globalização.
6
ABSTRACT
CARVALHO FALEIRO, Márcia Alves. The Divine Eternal Father Pilgrimage in
Trindade City of Goiás: permanencies of the tradition on the modernity. 1970-2000.
Essay (Master in Religious Science) Universidade Católica de Goiás, Goiânia,
2007.
This essay focus on the transformations happened at the Divine Eternal
Father Pilgrimage, as well as the permanence of its tradition, during the process. For
that, initially, it was done a description of the Divine Eternal Father devotion, which
discus the origin of the medallion, relating it with Trindade’s City formation and the
arrival of the believers (missionaries) to this city. There was a concerning to
demonstrate the strategies of Pilgrimage’s tradition preservation, above all related
with the mechanism utilized by the Catholic Church to its continuity. It was specially
tried to demonstrate the transformations suffered by Pilgrimage in the 1970’s and
1980’s decades, when it got in evidence the crises provoked exactly through these
modernized transformations, revealing at the same time, the permanence of the
popular ’s traditions. For the comprehension of the crises, the Pentecostalism in
Brazil was contextualized, too. Finally, the decade of the 90’s was emphasized as a
period of Pilgrimage’s apogee and it was tempted to approach this religious
phenomenon at the discussion about the globalization. The bibliographical and
documentary researches were done at the Catholic Church archives and at the local
press. It was used an observation participant, too, which permitted the follow up of
happenings and events that self revealed surprising to this analyses.
Key words: tradition, modernidad, Pilgrimage’s, globalization.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 9
2 A ORIGEM DA DEVOÇÃO AO DIVINO PAI ETERNO
E A FORMAÇÃO DE TRINDADE 16
2.1 UMA DISCUSSÃO SOBRE A DESCOBERTA DO DIVINO PAI ETERNO 17
2.2 A CHEGADA DOS REDENTORISTAS E A ROMANIZAÇÃO DA ROMARIA 23
2.3 A SALA DOS MILAGRES 27
3 PRESERVAÇÃO DA TRADIÇÃO DA ROMARIA
DE TRINDADE DE GOIÁS (1940 a 1970) 29
3.1 MANUAL DO DEVOTO: SUGESTÃO OU IMPOSIÇÃO DE UM MODELO
CATÓLICO? 32
3.2 PROCESSO DE ESTABELECIMENTO DA PARÓQUIA DE TRINDADE 41
3.3 AÇÃO PASTORALDOS PADRES REDENTORISTAS JUNTO AOS
ROMEIROS 45
3.3.1 Relatórios numéricos da romaria 51
3.4 TRINDADE COMO FONTE DE RENDA 56
4. TRADIÇÃO E MODERNIDADE: DÉCADAS DE 1970 a 1980 60
4.1 AFLUXO DE ROMEIROS 64
4.2 CRISE DA ROMARIA 73
8
4.3 O AVANÇO DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL E A CRISE DA ROMARIA
DO DIVINO PAI ETERNO EM TRINDADE 78
4.3.1 História do Pentecostalismo no Brasil e a Reação da Igreja Católica Ante a
esse Fenômeno 79
4.3.2 Ethos – a Estética de um Povo, o Repto Pentecostal à Cultura Católica-
brasileira
80
4.4 ASCENÇÃO E APOGEU DA ROMARIA 87
4.5 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA ROMARIA: JUNÇÃO DE VALORES
COMUNITÁRIOS DO MEIO RURAL E INDIVIDUAIS DO MEIO URBANO 91
5 CONCLUSÃO 96
REFERÊNCIAS 100
9
1 INTRODUÇÃO
Os estudos realizados por esta dissertação são concernentes à área de
concentraçãoreligião e cultura’ do Programa de Pós-graduação em Ciências da
Religo da Universidade Católica de Goiás (UCG) e têm como objeto o
tradicionalismo religioso popular e rural em contraposão à modernidade urbana e
globalizada, observando-se as transformações ocorridas no período histórico. Apesar
de o estudo remontar às origens da tradão, privilegia os anos de 1970 a 2000, e
conceitos utilizados na análise foram sagrado, religiosidade popular, espaço sagrado,
romanização, Romaria, fé, tradição, festa, profano, modernidade, entre outros.
O espaço trabalhado foi a cidade de Trindade de Goiás, onde, atualmente
encontra-se a Basílica do Divino Pai Eterno, um dos maiores e mais visitados
santuários do Brasil.
Este estudo teve como objetivo a compreensão da permanência da tradição
rural e das transformações observadas na interpretação histórica da Romaria do
Divino Pai Eterno. Tais transformações culminaram na década de 1970, em função
da modernização da sociedade brasileira e regional, de um modo especial.
Especificamente, foram examinados os costumes, como a peregrinação dos
romeiros e os atos de devoção existentes na Romaria, e identificados os motivos
que levavam esses romeiros a permanecerem menos tempo na Romaria do Divino
Pai Eterno, sobretudo a partir dos anos 1970. Foram também observadas as
transformações da prática religiosa destes a partir do avanço da modernização
capitalista na região.
10
A problemática que suscitou este estudo foi a análise sobre as
transformações ocorridas na Romaria de Trindade, mediante estes
questionamentos: quais teriam sido os elementos que permaneceram de acordo com
a tradição histórica da Romaria do Divino Pai Eterno? O que a presença dos mais
jovens na Romaria do Divino Pai Eterno acarretou de mudanças no sentido de
laicizaçao desta? Quais foram os elementos que modificaram o sentido religioso da
Romaria do Divino Pai Eterno a partir dos anos 1970? E, especialmente, quais foram
os fatores provocadores da crise vivenciada pela Romaria nos anos 1970 e 1980 e
de sua ascensão nos anos 2000?
Várias abordagens foram utilizadas neste estudo. Hobsbawm (1997), em A
invenção das tradições, afirma que uma diferença clara entre costume e tradição
e que são as transformações dos costumes que modificam as tradições. Estas são
inventadas de maneira formal, conservando-se os velhos costumes em condições
novas, para alcançarem novos objetivos. Segundo o autor, a Igreja Católica inventou
tradições em razão do surgimento de novos desafios políticos e ideológicos.
Assim, foi possível relacionar a obra supracitada com o estudo da tradição
no contexto ‘modernizado’ da Romaria estudada, uma vez que também tem esta um
caráter de antigüidade, que se inova em seu próprio processo de transformação.
Existem algumas obras de referência sobre Trindade, que, em sua maioria,
desenvolvem análises específicas. Entre essas, pode-se destacar a dissertação de
mestrado Trindade de Goiás uma cidade Santuário: conjunturas de um fenômeno
religioso no Centro-Oeste do professor Miguel Archângelo Nogueira dos Santos
(1996), historiador que, como ex-redentorista, escolheu tratar de temas ligados à
Igreja, utilizando-se de fontes exclusivamente tomadas dos arquivos e testemunhos
da instituição. Os conceitos foram colhidos de estudiosos da própria instituição
11
eclesiástica. Os problemas formulados, no entanto, exaltaram a Igreja e deixaram
obscuras questões importantes.
Dessa maneira, observa-se que certos aspectos não foram suficientemente
pesquisados e abordados por esse autor, razão pela qual se buscou contribuir com
perspectivas diferenciadas sobre o assunto, preenchendo algumas das lacunas do
estudo por ele realizado.
Outras duas dissertações de mestrado em Ciências da Religião da
Universidade Católica de Goiás versam sobre a temática. A primeira é A Festa do
Divino Pai Eterno em Trindade (RABELO, 2001), na qual a autora desenvolve uma
análise sociológica relacionada ao catolicismo popular. A segunda é Os Peregrinos
do Divino Pai Eterno (MARTINS. 2001) que, por sua vez, tem como objeto de estudo
os carreiros e a reprodução da tradição. Entretanto, foi possível perceber nesses
trabalhos que não houve uma preocupação em mencionar detalhadamente como é
que a tradição existente na Romaria tem permanecido, de forma contraditória, ante a
tendência secularizante implícita na modernidade.
ainda uma dissertação etnográfica de Duarte (2004) sobre os romeiros
de Mossamêdes, na qual a autora interpretou aspectos rituais da Romaria.
Quanto às abordagens historiográficas, o historiador francês Louis Chatellier
(1995), em seus estudos sobre o movimento missionário na Europa, desde o
começo da Idade Média até o século XX, deu ênfase, em A religiosidade dos pobres:
as fontes do cristianismo moderno, ao período que vai dos séculos XVI ao XIX,
fornecendo importantes elementos para entender o cristianismo moderno. Este autor
descreve o surgimento das ordens religiosas, a importância das missões em toda
Europa e as mudanças ocorridas na Igreja a partir do Concílio de Trento (1545). A
necessidade de reformas internas, uma vez que o protestantismo se expandia e a
12
Igreja Católica precisava se manter e obter mais adeptos justifica o uso de imagens,
cruzes e símbolos que passam a auxiliar na conversão das pessoas ao catolicismo.
O uso de tais imagens e símbolos, como o medalhão, cuja descoberta, no início do
século XIX (1840), deu origem à Romaria do Divino Pai Eterno, encontra-se no cerne
do fenômeno religioso estudado.
Assim, a obra de Chatellier (1995) lança luzes sobre as missões, sobre a
sua importância para a Igreja Católica e sobre as transformações ocorridas nessa
instituição a partir do Concílio de Trento. Como o tema aqui abordado está
relacionado à religiosidade popular, fundante da Romaria, essa obra possibilitou o
entendimento da doutrina da Igreja Católica atual, em suas bases trentinas.
Crístian Parker (1992), na obra Religião popular e modernização capitalista,
esclarece que a formação de Trindade e a sua urbanização avançaram com base na
religiosidade popular, modificada pelos interesses da instituição Igreja Católica.
Segundo o autor, “[...] religião popular como manifestação da mentalidade coletiva
está sujeita às influências de um processo de modernização capitalista e de suas
manifestações na urbanização [...]” (PARKER, 1992, p.42).
O historiador Sérgio da Mata (2002) revela a relação existente entre a
origem das cidades em Minas Gerais, denominadas arraiais, e a religiosidade local,
identificando a tendência do surgimento de casas em volta de capelas. Os
moradores dessas casas propiciavam festas e Romarias, o que atraía e unia
solidariamente as pessoas e grupos, que, por meio de laços simbólicos e sociais,
religiosamente eram constituídos. “Das primeiras rústicas capelas, feitas para durar
tão pouco quanto às choças dos bandeirantes, passou-se, num segundo momento a
erigir construções estáveis” (MATA, 2002, p.204).
13
O fenômeno analisado por Mata (2002) também é percepvel na formação da
cidade de Trindade, uma vez que, na região do Barro Preto onde foi descoberto o
medalo que deu origem ao culto ao Divino Pai Eterno –, foi constrda uma
pequena capela, sucedida posteriormente por outras. Com o passar dos anos, foram
constrdas casas que deram origem ao arraial, transformando-se, em seguida, em
cidade. D a relação da religiosidade local com o surgimento da cidade de Trindade.
Um sociólogo que lança olhares no estudo dos fenômenos religiosos é
Émile Durkheim (1989). Este discorre sobre a efervescência coletiva presente nas
festas religiosas. Segundo ele, a efervescência é capaz de gerar a coesão
necessária à existência de um grupo social. Esse fenômeno ocorre na Romaria, pois
esta é também uma festa onde sagrado e profano se misturam.
o fenomenólogo da religião Mircea Eliade (1999) concebe o sagrado
como um sinal portador de significação religiosa que, com base em sua
manifestação, passa a traçar uma nova conduta. Nesse contexto, é possível inserir o
medalhão que deu origem à Romaria do Divino Pai Eterno em Trindade de Goiás. A
sua descoberta teve uma enorme significação religiosa, uma vez que houve uma
modificação na conduta dos habitantes locais, e estes passaram a freqüentar a
‘capelinha’ e a rezar o terço constantemente.
Segundo Rudolf Otto (1985), as religiões cristãs podem ser consideradas
permeadas de elementos não-racionais. Um desses elementos é o numinoso, que é
capaz de levar os fiéis ao êxtase. Em Trindade, desde o descobrimento do medalhão
até os dias atuais, pode-se observar a expressão de êxtase dos fiéis quando
cultuam o que confirma a observação do participante.
O antropólogo Clifford Geertz (1989) por sua vez, considera a religião um
sistema cultural. Apesar de os mbolos culturais possuírem significados
14
diversificados, eles podem, segundo esta perspectiva, modelar o mundo. Assim, a
religião desenvolve, em seus integrantes, disposições, habilidades, capacidades,
compromissos e até mesmo hábitos. Diante disso, passou-se a interpretar o
documento histórico, O manual do devoto (1949), e a simbologia nele veiculada, e
pôde-se perceber como os fiéis modelavam disposições a fim de adequá-las aos
hábitos da Igreja Apostólica Romana. Para isso, foram realizadas pesquisas em
bibliografias e documentos da época, como por exemplo, no O Manual do Devoto
citado, bem como nos arquivos da Igreja Católica, mais especificamente nos Livros
de Tombo.
Foi feita também uma pesquisa na imprensa escrita, que era representada,
à época, por um jornal que não mais existe, a Folha de Goiáz, o atual Diário da
Manhã e O Popular.
Além de o estudo ter sido baseado na pesquisa documental, por meio de
sua seqüência, também foi utilizada a observação participante que constitui um
método que permite ao observador a investigação científica numa situação social,
tornando possível a emergência dos denominados “imponderáveis da vida real”
(MALINOWSKI, 1998).
Todas as pesquisas foram realizadas com o objetivo de recortar, tanto de
forma histórica, como interpretativa, a origem e o desenvolvimento da Romaria do
Divino Pai Eterno em Trindade de Goiás.
No primeiro capítulo, foi feito um levantamento histórico da devoção ao
Divino Pai Eterno, que engloba desde uma discussão sobre a origem do medalhão,
relacionando-a com a formação de Trindade e a chegada dos redentoristas, até o
desenvolvimento recente da Romaria.
15
No segundo capítulo, a preocupação foi em demonstrar estratégias de
permanência da tradição da Romaria, relacionada aos mecanismos utilizados pela
Igreja Católica para que ela continuasse existindo.
No terceiro capítulo, procurou-se demonstrar as transformações vivenciadas
pela Romaria nas décadas de 1970 e 1980, quando entrou em evidência a crise
provocada exatamente por essas transformações, revelando, ao mesmo tempo,
processos da permanência das tradições populares na modernidade.
Ainda nesta parte do estudo, foi identificado, entre os fatores determinantes
da crise, o avanço do pentecostalismo no Brasil, a partir da década de 1970.
Segundo Sanchis (1994), o pentecostalismo foi se adequando ao ethos do povo
brasileiro.
Na década de 1990 aos anos 2000, houve a ascensão e o apogeu da
Romaria, período em que o avanço da globalização serviu como justificativa para
tamanho fenômeno religioso.
16
2 A ORIGEM DA DEVOÇÃO AO DIVINO PAI ETERNO E A FORMAÇÃO
DE TRINDADE
A devoção ao Divino Pai Eterno originou-se da religiosidade popular, que,
com o decorrer do processo histórico, passou a ser institucionalizada pela Igreja
Católica, de acordo com seus interesses. Diretamente relacionadas com essa
devoção, estão a formação e a urbanização da cidade de Trindade, que hoje é
considerada a capital da fé.
Com a institucionalização da religiosidade popular pela Igreja Católica, esta
veio sendo modificada, o que confirma a tese de Parker (1996, p.42), segundo a
qual a “[...] religião popular como manifestação da mentalidade coletiva [está] sujeita
às influências de um processo de modernização capitalista e de suas manifestações
na urbanização [...]”.
A Romaria do Divino Pai Eterno teve início numa pequenina capela
organizada por leigos, passando por um processo de modernização no século XX,
com a chegada dos padres redentoristas, que objetivavam romanizá-la.
Segundo Nogueira dos Santos (1976), historiador e ex-redentorista, o
patrimônio da capela da Santíssima Trindade foi doado por Constantino Xavier,
Valentim Romão e Luís Sousa; e em 1850, a esposa de Constantino Xavier assinaria
o documento de doação das terras do patrimônio.
Todas as capelas foram construídas no mesmo local. Em 1911, os
redentoristas construíram o Santuário Velho e, em 1943, foi lançada a pedra
17
fundamental para a construção do Santuário Novo, no morro da Cruz das Almas,
atualmente concluído e elevado à categoria de Basílica, em junho de 2006.
Percebe-se, no decorrer de todos esses anos, uma forte influência da
devoção popular na construção das capelas que antecederam os Santuários e
também na formação de Trindade de Goiás, mas é possível perceber também a
influência da Igreja Católica, que, com a chegada dos redentoristas, passa a
romanizar a fé e a devoção popular.
2.1 UMA DISCUSSÃO SOBRE A DESCOBERTA DO MEDALHÃO DO DIVINO PAI
ETERNO
Existem algumas versões sobre a descoberta do medalhão do Divino Pai
Eterno, o que caracteriza o evento como mito de origem da Romaria. A primeira
versão é a mais conhecida, citada em quase todas as histórias de Trindade, até
mesmo na Enciclopédia dos Municípios Goianos (IBGE, 1970, p.107). Tem como
fundamento um relato de Manuel Pio, antigo sacristão da capela, transcrito na
Revista da Arquidiocese, nos seguintes termos:
Está decorrendo quarenta e dois anos que Constantino Xavier, casado com
Ana Rosa, deu início à Romaria do Pai Eterno do Barro Preto de Goiás [...].
A imagem com que eles principiaram a rezar um terço em honra ao Divino
Pai Eterno foi feita de barro, em forma de uma medalha, que tinha meio
palmo de circunferência. Nessa medalha estava gravada a imagem da
Santíssima Trindade, coroando a Virgem Maria (SOUZA, [s/d], p.1-2).
Manuel Pio nada diz sobre a origem da medalha, mas os moradores mais
antigos de Trindade afirmam que esta foi encontrada no local do Santuário Velho, no
momento em que estava sendo roçado por Constantino Xavier. Ainda segundo
Manuel Pio, Constantino construiu a primeira capela – uma casinha coberta de buriti –
18
e mais tarde, a segunda capela. Ao redor desta teria iniciado o arraial do Barro
Preto, atual Trindade de Goiás.
O estudo do historiador Sérgio da Mata (2002) revela a existência de uma
relação entre a origem das cidades em Minas Gerais, inicialmente denominadas
arraiais, e a religiosidade local nos séculos XVIII e XIX. Sua análise baseia-se na
pesquisa de amplo material documentado, que demonstra que as casas dos arraiais
surgiram em volta da capela. Até mesmo os arraiais fora de áreas mineradoras
surgiram em torno de uma capela.
O primeiro tipo teve normalmente por origem um ou mais acampamentos de
mineradores e era marcado por um aumento do efetivo populacional.
Procedia-se então a construção de uma tosca capela. Ela podia conferir
alguma estabilidade ao assentamento, mas a sorte do arraial minerador era
obviamente determinada pelas perspectivas da mineração. O segundo tipo
de arraial não tinha por centelha um local onde se explorava o ouro, mas
pura e simplesmente a capela (MATA, 2002, p.196).
Sanchis, Candido e Queiroz (apud MATA, 2002) concordam que, nos locais
sagrados onde se situavam as capelas, foram propiciadas festas e Romarias que
atraíram as pessoas para as mais diversas regiões. Com o crescimento dos arraiais,
essas capelas seriam elevadas à categoria de paróquias.
As pessoas que construíam casas nesses arraiais pagavam impostos para
as capelas. Dessa maneira, as casas edificadas em volta destas tornar-se-iam
patrimônios dos santos locais.
Em todos esses arraiais surgiam praças, e as capelas passariam por um
processo de reforma. “Das primeiras sticas capelas, feitas para durar tão pouco
quanto às choças dos bandeirantes, passou-se, num segundo momento, a erigir
construções mais estáveis” (MATA, 2002, p.204).
19
Mata (2002) então conclui que a socialização e a produção do espaço
possuem função religiosa e que há uma relação direta entre as casas construídas no
arraial, a capela e o patrimônio.
Esse fenômeno descrito por Mata (2002) sobre a relação entre a origem das
cidades em Minas e a religiosidade também é observável no surgimento de
Trindade, pois, após a construção da primeira e segunda capelas, nasceria o arraial
do Barro Preto, que, mais tarde, daria origem à cidade de Trindade de Goiás.
Com o passar dos anos, terras foram doadas ao patrimônio do santo, o
Divino Pai Eterno, e foi construída a atual matriz observando-se os critérios
estabelecidos e citados por Mata (2002).
Porém, e na maioria dos casos, prevaleceu uma outra modalidade: a
doação de uma porção de terra (igualmente chamada patrimônio) ao santo.
Via de regra, a capela era ali erigida. Quem pretendesse construir uma casa
no referido patrimônio estaria obrigado a pagar uma taxa anual a um
administrador. Em tese esse sistema garantia a consecução dos mesmos
objetivos que os da doação em dinheiro. O predomínio dos patrimônios em
terra demonstra que os doadores estavam certos de que em torno da
capela surgiriam casas. Do contrário, é difícil imaginar que a autoridade
eclesiástica aceitasse tal prática (MATA, 2002, p.200).
Retornando à descoberta do medalhão, que deu origem à Romaria do
Divino Pai Eterno, em Trindade de Goiás, é importante observar a existência de uma
outra versão. Esta diz que o casal Constantino e Ana Rosa, que era religioso, trouxe
o medalhão de Minas Gerais e, então, reunia a família e os vizinhos para rezarem o
terço como devoção. Com o tempo, a quantidade de pessoas aumentou, originando
a Romaria de Trindade.
20
O Santuário de Trindade consagra, no entanto, a primeira versão: “Trindade,
antigamente, se chamava Barro Preto, era um arraial humilde, um pedaço de Goiás
totalmente desconhecido” (REDENTORISTAS, 1974, p.9).
Percebe-se, com base na primeira versão, que a Romaria nasceu pequena
e que, com o passar do tempo, mais pessoas foram se aglutinando a ela, surgindo a
necessidade de um local maior, para que as pessoas pudessem freqüentar e nutrir a
sua fé.
No início, essa Romaria era caracterizada como religiosidade popular, mas,
com o tempo, a Igreja Católica foi incumbida de institucionalizar e cristianizar essa
fé, mediante o processo de romanização.
Padre Vicente André Oliveira (1999), em sua obra, Conhecendo o Santuário
do Divino Pai Eterno, também confirma a primeira versão:
Quem entra pela porta principal, necessariamente, passa sobre o maior de
todos os vitrais. Nele vemos a representação do encontro ou do achado do
medalhão, pelo casal Constantino Xavier e Ana Rosa. Isto deu-se por volta
de 1840. Este vitral é interessantíssimo, pois, conforme a visão da Igreja,
mostra como Deus se serve de pequenos sinais para fazer grandes
prodígios. Vemos ali uma pequena choupana, habitação simples, de gente
pobre e uma pequena lavoura sendo cuidada por Constantino e Ana Rosa.
Em dado momento Constantino bate a enxada em uma pedra ou coisa
parecida, abaixa-se para remover o obstáculo e se embaraça: não é uma
simples pedra, é uma medalha de barro. Ana vem apressada para ver do
que se trata. Limpa a medalha em suas vestes a medalha suja de terra, e
observa bem e quanto mais observa como a vida fica: é uma representação
divina, explica ela ao marido. É o pai do céu no seu trono de Glória, com
Jesus e o Divino Espírito Santo coroando Nossa Senhora. Que achado
fantástico! (OLIVEIRA, 1999, p.25).
Esta diz que a medalha, ainda suja de terra, foi respeitosamente beijada
pelo casal, que, apressado, a coloca junto com os outros objetos de sua devoção
21
depositados em sua casa. Relata ainda que à tardinha, com os vizinhos presentes
e rezando o terço de Maria, a mãe de Jesus, começava a reunir o povo, como
determina a tradição. Daí iniciar-se-ia entre a gente humilde e pobre do sertão de
Goiás a maior Romaria de fé do Brasil Central.
Com o passar dos anos e a evolução da Romaria em Trindade de Goiás, o
medalhão, que era o símbolo do Divino Pai Eterno, tornou-se sagrado, não pelo fato
de ter sido encontrado no Barro Preto, atual Trindade de Goiás, ou trazido de Minas
Gerais, ou por ser de barro, ou por ter sido esculpido em madeira por Veiga Vale,
mas por ser ele a manifestação desse sagrado.
José Joaquim da Veiga Vale Natural de Meia Ponte (Pirenópolis), Goiás,
nascido em 9 de setembro de 1806, veio para a cidade de Goiás em 1841
onde se casou. desenvolveu muito o trabalho de escultura, tornando-se
um grande santeiro. Deixou incalculável número de obras por Goiás e por
outros estados do Brasil. Faleceu na velha capital, em 29 de janeiro de
1874 (MUSEU DA BOA MORTE, 1987, p.61-2).
O termo sagrado vai muito mais além. Segundo Eliade (1999, p.30-1), ele
pode ser assim concebido:
O sinal portador de significação religiosa introduz um elemento absoluto e
põe fim à relatividade e à confusão. Qualquer coisa que não pertence a este
mundo manifestou-se de uma maneira apodítica, traçando desse modo uma
orientação ou decidindo uma conduta. Quando não se manifesta sinal
algum nas imediações, o homem provoca-o, pratica, por exemplo, uma
espécie de evocatio com a ajuda de animais: são eles é que mostram que
lugar é susceptível de acolher o santuário ou a aldeia.
O local também se tornou sagrado. Segundo Eliade (1999), o espaço
sagrado é bastante homogêneo e, por isso, pode passar por roturas. Daí a
necessidade de hierofanias, pois estas representarão, para o homem religioso, o
22
ponto fixo. No caso da Romaria de Trindade de Goiás, o medalhão seria a
hierofania.
Na obra O Sagrado, Otto (1985) afirma que as religiões cristãs estão
permeadas de elementos não-racionais, e um desses elementos é o numinoso, o
qual leva o homem religioso a entrar em êxtase: ele olha para o objeto e fica
extasiado, o que o faz acreditar e até tremer de emoção. “Falo de uma categoria
especial de interpretação e de avaliação, um estado de alma que se manifesta
quando essa categoria é aplicada, isto é, cada vez que um objeto é concebido como
numinoso” (OTTO, 1985, p.12).
Nesse contexto é possível inserir o medalhão encontrado por Constantino
Xavier e Ana Rosa em Trindade de Goiás, pois as pessoas que o cultuavam ficavam
tão extasiadas que todos os dias voltavam ao local e ainda levavam mais pessoas
para cultuá-lo.
A importância desse medalhão se tornou tão grande que a Igreja Católica
enviou em 1864, os padres redentoristas para cristianizarem a Romaria por meio do
processo de romanização.
Com base nesses relatos, é mesmo possível perceber que a Romaria de
Trindade de Goiás nasceu pequena e totalmente desvinculada dos bens materiais,
originando-se, assim, da união de pessoas simples que se reuniam para a recitação
do terço. Porém, com o tempo, as pessoas devotas foram aumentando, logo a
necessidade de um local maior também aumentou. As pessoas, em função da fé,
foram fazendo doações, até que a pequena capelinha se tornou um grande
patrimônio da Igreja Católica.
23
Com o passar dos anos, em razão de o simbolismo do medalhão ser tão
presente, sacralizou-se o local, originando o Santuário Velho e, posteriormente, o
atual, que é visitado, anualmente, por milhares de fiéis.
2.2 A CHEGADA DOS PADRES REDENTORISTAS E A ROMANIZAÇÃO DA
ROMARIA
Segundo Camurça (2004, p.218),
o projeto de romanização visava à substituição do modelo de cristandade
colonial, assentado num perfil medieval, mundano e social, pelo modelo de
Igreja como sociedade perfeita e hierarquizada, de caráter universal, sob
orientação exclusiva da Santa Sé, de acordo com as determinações do
Concílio de Trento.
O Concílio de Trento, ocorrido na Europa em 1545, tinha como finalidade
responder aos avanços do Protestantismo e as medidas tomadas nesse Concílio
visavam unificar a ação e a doutrina católica e também reafirmar o poder do Papa.
No Brasil, esse projeto de evangelização seria conduzido a partir do século
XIX pela Cúria Romana, para que fossem suprimidos da religiosidade local
superstições e fanatismos. Esse processo se daria sob a direção de bispos formados
em Roma, em ordens e congregações européias. Em Trindade de Goiás, essa
atribuição foi dada aos padres redentoristas alemães.
A romanização encontrou no Brasil um catolicismo de cunho leigo e social,
expresso pela devoção ao santo protetor, por intermédio de procissões e Romarias e
da organização de irmandades leigas. O objetivo da romanização no Brasil seria
uma instrução catequética em relação à religiosidade católica preexistente, que
eliminasse o caráter profano e social do culto religioso.
24
Substituição de crenças e práticas de uma religiosidade tradicional popular
de beatos, rezadores, benzedeiras por outra perspectiva religiosa
marcadamente doutrinal e sacramental, sob o estrito controle do clero
romanizado e de ordens religiosas estrangeiras, diretamente subordinadas
à Cúria Romana (CAMURÇA, 2004, p.218).
Seria a concentração de um centralismo religioso nas igrejas, contra o
acontecimento de festas religiosas em praças e locais públicos. O clero seria o
legítimo condutor do sagrado e teria o monopólio sobre as missas, comunhões,
confissões e catequese.
Os padres responsáveis por essa missão seriam os redentoristas, que
chegaram ao Brasil em 1894 e além de se instalar em Campinas de Goiás, também
se instalaram em Aparecida do Norte, São Paulo. Os redentoristas vieram com a
missão de moralizar as práticas religiosas da festa, que do ponto de vista
eclesiástico estava envolta pelo profano.
Esse processo de romanização da Romaria foi lento e conturbado, uma vez
que os fiéis do Barro Preto não aceitavam as mudanças. Por isso, os redentoristas
chegaram ao ponto de transferir o Santuário e a festa do Divino Pai Eterno do Barro
Preto (atual Trindade de Goiás) para Campinas de Goiás. Porém, em 1900, foi
constatada a frustração com essa transferência, pois os romeiros continuaram
freqüentando o Barro Preto, o que levaria à reapropriação do Santuário.
A devoção do Divino Pai Eterno tem mais de 160 anos de presença no meio
do povo, estendendo-se aos mais longínquos pontos do país. Em 1912, foi
inaugurado o Santuário Velho, hoje matriz de Trindade. Quem o construiu foi o padre
Antão Jorge, missionário redentorista, que era vigário naquela época. No entanto,
esse Santuário logo se tornou pequeno para o grande número de romeiros.
25
Em 1943, o arcebispo de Goiás, D. Emanuel Gomes de Oliveira, juntamente
com os redentoristas iniciaram a construção do Santuário Novo, que, atualmente,
está concluído, porém pequeno diante da quantidade de devotos.
Camurça (2004) discorre sobre o embate das santas missões redentoristas
com o catolicismo tradicional mineiro em contexto de romanização no final do
culo XIX.
Tomando-se por base o artigo de Camurça (2004), foi possível estabelecer
uma comparação dos redentoristas em Minas Gerais com os redentoristas em
Trindade de Goiás. Apesar de os de Minas serem holandeses e os de Trindade
alemães, ambos buscaram inserir no catolicismo tradicional o modelo tridentino e
ultramontano da Igreja Católica dos séculos XVI ao XIX.
O objetivo desses padres foi o de implantar um modelo de Igreja que
estivesse sob a orientação exclusiva da Santa Sé, que o modelo aqui existente
tinha cunho leigo e social, manifesto por festas, procissões e Romarias, e essa
romanização buscava inserir nas comunidades uma perspectiva religiosa baseada
na doutrina sacramental. Isso seria feito por intermédio de uma catequese que
eliminasse de vez o culto social e profano.
Camurça cita Oliveira (1988, p.119), que diz: “o catolicismo popular
tradicional hoje quase não existe mais, tão grande foi o combate a que foi
submetido”. Porém, não foi suficientemente forte para implantar o modelo romano
entre os católicos brasileiros. Estes são denominados “não-praticantes” e o
devotos ao santo de forma privada, sem manter uma relação direta com a autoridade
eclesiástica.
Os redentoristas que vieram para o Brasil no século XIX objetivavam atingir
o catolicismo luso-brasileiro, que, desde a colonização, estava impregnado de
26
valores profanos. Se a imposição desses missionários tivesse sido da forma com
que a romanização exigia, eles não teriam conseguido se comunicar com os
romeiros. “A Igreja Católica preferiu ser a imensa arca de Noé, conduzindo dentro de
si o imaginário variado de uma viagem para a terra prometida” (KARNAL apud
CAMURÇA, 2004, p.232).
As santas mises redentoristas foram ‘pontas-de-laa’ da romanização,
mas, na inclusividade católica, o papel dos seus rituais e o sacramento
funcionaram como significantes assimilados, porém reinterpretados com outros
significados pelas populações devotas da religiosidades tradicional. Assimila-se,
pom resimboliza-se.
Em muitas localidades, e mesmo em amplas regiões do país, as novas
formas religiosas propugnadas pelos bispos e enfatizadas pelos diversos
institutos religiosos passaram paulatinamente a ser incorporadas no
patrimônio cultural do povo. Em alguns lugares, o povo assimilou de tal
forma alguns elementos do catolicismo romano e os integrou ao catolicismo
tradicional que passaram a constituir uma nova estrutura unitária de
tradicional religiosa popular (AZZI apud CAMURÇA: 2004, p.235).
Percebe-se mediante análise de Camurça (2004) que diversos autores
como Massimi, Mahfoud e Sanchis, concordam com ele quanto à mistura de valores
culturais entre o missionário e o missionado, como se houvesse uma série de
“contaminações mútuas” (SANCHIS, 1997, p.105).
Com base no estudo de Camurça, no que se refere à tradição da Romaria
de Trindade, fica clara a sua permanência na modernidade, pois, por mais que a
Igreja Católica tenha buscado fazer a romanização, aspectos do catolicismo popular
permaneceram ao longo de todo o processo de consolidação dessa Romaria e ainda
permanecem no período moderno.
27
2.3 A SALA DE MILAGRES
A sala de milagres é um espaço pertencente ao Santuário do Divino Pai
Eterno em que exposição de diversos objetos que se relacionam com milagres.
As pessoas que vão ao Santuário gostam de visitar essa sala. É um lugar
impressionante pelo seu conteúdo: além das fotos que demonstram os milagres,
muletas, aparelhos ortopédicos, cadeiras de rodas etc. Esses objetos demonstram
que os milagres realmente ocorreram mediante o chamado ao Divino Pai Eterno.
Os membros da igreja o comentam sobre os milagres, pois segundo eles,
estes não são a base da Igreja Católica. “A Igreja aceita o milagre como uma
manifestação da misericórdia de Deus, mas não baseia sua doutrina na proclamação
de milagres” (OLIVEIRA, 1999, p.187).
A Igreja Católica não considera a sala de milagres um centro de
evangelização, mas os milagres ocorrem e a Igreja não deve negá-los, afirmam os
clérigos. Porém, a sala de milagres existe e é organizada e mantida pela Igreja
Católica.
Segundo a Igreja Católica, o milagre é o fruto da fé, e a é realidade
abstrata, ou seja, não se pode tocar, não tem corpo nem volume. A pode ser
sentida por quem a tem, mas não pode ser vista. muitos anos, os romeiros
começaram a trazer objetos que simbolizam a gratidão ao Divino Pai Eterno por
causa das graças alcançadas, acontecimentos que na mente de cada um são
compreendidos como verdadeiros milagres.
Com o passar dos anos, a Romaria continuou existindo e apesar da
modernidade, que trouxe inúmeras transformações, ainda perdura a tradição
popular. Segundo Sanchis (1993), a promessa que está diretamente relacionada
com a sala de milagres é parte da religião popular. “O fenômeno da promessa
28
constitui assim o motor permanente de criação, perpetuação, vitalidade das
Romarias e ele próprio alimentado no constante desafio da natureza” (SANCHIS,
1983, p.85).
Nesse sentido, as promessas dão vida à Romaria e tanto podem ser
individuais, por intermédio dos festeiros que organizam a festa, como coletivas, por
meio de romeiros que vem em grupos, às vezes a pé, em jejum ou em silêncio,
demonstrando pela dor a sua crença.
O mais comum nas promessas é a oferta de objetos, dinheiro ou produtos
alimentares. Em Trindade essa prática é comum até os dias atuais, são doações
feitas ao santo, que são entregues aos organizadores da Romaria. Esse processo
ocorreu em toda a história da devoção ao Divino Pai Eterno, mesmo antes da
romanização feita pelos redentoristas.
O número de promessas é tão grande que os organizadores dos santuários
sugerem que, em vez de levar um objeto para a sala dos milagres, este seja
substituído por uma oferta pecuniária. Em geral os dons pecuniários destinam-se ao
santo, quer dizer, são postos à disposição do grupo organizador pároco,
confrades, comissão, articulados de maneiras diversas para realizarem a festa e
manterem o culto (SANCHIS, 1983, p.89).
29
3 PRESERVAÇÃO DA TRADIÇÃO DA ROMARIA DE TRINDADE
DE GOIÁS (1940 a 1970)
De 1940 a 1970, foi possível perceber na Romaria de Trindade de Goiás
uma tentativa de se manter a antiga tradição. Os velhos costumes, como as
promessas e as diversas caravanas que se organizavam em carros de bois para ir
em a Trindade, permaneceram, porém misturaram-se aos novos, como compras e
diversões variadas. O objetivo de preservar viva a tradição da Romaria era em
função de atrair antigos e novos romeiros.
uma conexão entre o espaço rural que mantém as tradições e a
comunidade romeira que vai à Trindade e é demonstrada pelas caravanas de carros
de bois e o urbano, que, apesar do individualismo das pessoas que nele vivem,
também encontra seu lugar na Romaria, através do comércio e das diversões. E
mesmo que alguns novos romeiros sejam mais individualistas, sentem-se atraídos
pela vida comunitária.
O mundo comunitário está completo porque todo o resto é irrelevante, mais
exatamente, hostil, um ermo repleto de emboscadas e conspirações e
fervilhante de inimigos que brandem o caos como sua arma principal. A
harmonia interior do mundo comunitário brilha e cintila contra a escura e
impenetrável selva que começa do outro lado da estrada. E lá, para esse
ermo, que as pessoas que se juntam no calor da identidade partilhada
jogam os medos que as levaram a procurar o abrigo comunitário (BALMAN,
2001, p.197).
30
Em relação ao elemento comunidade, a permanência da tradição da
Romaria de Trindade é visível, e as caravanas o exemplos claros disso. Segundo
a descrição de Duarte (2004), em O carreiro, a estrada e o santo, a Romaria que
parte de Mossâmedes para Trindade é revestida dessa tradição.
Os carreiros de Mossâmedes são denominados ‘tradicionais’, e a maioria
deles trabalham no campo, apesar de ter negócios na cidade. O grande
acontecimento que a todos reúne é a Romaria do Divino Pai Eterno, em Trindade,
para qual se faz um planejamento.
Uma das concepções de tempo, para os romeiros, reparte o ano em dois
períodos, o do trabalho e do descanso, que se concretiza pelas celebrações
das festas. O calendário carreiro define o tempo de trabalho como o tempo
de espera, o romeiro se ocupa de ganhar o sustento familiar e produzir um
excedente para as festas, principalmente o fundo cerimonial para a Romaria
(Duarte, 2004, p.104).
Homens e mulheres se organizam para participarem da Romaria e, para
isso, divisão de tarefas por sexo: os afazeres com o carro de boi são masculinos,
ao passo que os afazeres domésticos são femininos.
As motivações para a jornada são as promessas e os votos. Durante o
percurso desses carreiros, percebe-se uma perfeita organização do posicionamento
dos carros de bois, local onde ficam as mulheres e crianças, lugar de pouso etc.
Essa caravana de Mossâmedes, então, deixa clara a permanência da
tradição da Romaria, sempre pautada pela perpetuação da comunidade local.
Em 1941, foi criado o Manual do Devoto à Santíssima Trindade. A partir daí,
surgiu também uma série de associações religiosas, entre as quais destacam-se a
Ação Católica (1954); o Movimento Familiar Cristão (1961) e as Damas de
Caridades e Luisas (1961). Essas associações católicas influenciaram a
31
intensificação da religiosidade da festa, isto é, a cristianização e manutenção da
tradição desta.
Além do Manual do Devoto e das associações, outros recursos também
foram utilizados, como a celebração eucarística, a liturgia ordinária da palavra, o
atendimento aos enfermos, as páscoas coletivas, as desobrigas na zona rural, as
obras sociais, a imprensa falada e escrita, os filmes educativos, entre outras
iniciativas.
No ano de 1957, teve início a construção do Santuário Novo, no Morro da
Cruz das Almas, e o objetivo principal da construção era claro: a manutenção da
Romaria e acentuação de seu caráter religioso. Em 1961, esse Santuário passou a
ser utilizado, mesmo com a obra em andamento, que foi concluída recentemente.
O Santuário Novo tem capacidade para receber mais de 10.000 pessoas e
conta com secretaria, confessionários, equipes de animação, sala de som, Capela
do Santíssimo, sala de ministros, sala de estar, copa e sala de milagres. Enfim,
possui toda uma estrutura capaz de fazer com que os romeiros participem e ajudem
na manutenção da Romaria. A localização num terreno de aclive e a forma de cruz
reforçam a magnificência do Santuário.
Padre Vicente André Oliveira (1999, p.192) chegou até a publicar uma
espécie de guia sobre o Santuário e suas etapas, bem como sobre suas finalidades,
informa:
O que estamos fazendo neste Santuário é também uma expressão de
nosso amor ao Divino Pai Eterno. E para que essa obra seja levada até o
fim, nós contamos com três coisa fundamentais: A benção do Pai Eterno
que nunca tem faltado, a disposição para enfrentar as dificuldades,
mantendo viva a esperança e a presença e ajuda dos devotos, pois sem
isso nada seria realizado.
32
A história da devoção ao Divino Pai Eterno em Trindade de Goiás iniciou-se
numa época de extrema precariedade, numa região isolada e estagnada
economicamente, em meados do século XIX.
Assim, foi possível perceber que o povo da região, vivendo em extrema
miséria e totalmente carente, apegou-se facilmente ao Divino Pai Eterno, em
devoção.
3.1 MANUAL DO DEVOTO: SUGESTÃO OU IMPOSIÇÃO DE MODELO
CATÓLICO?
O antropólogo Cliford Geertz (1989, p.67) define religião como um sistema
de símbolos que atua para estabelecer poderosas,
penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da
formulação de conceitos de uma ordem e existência geral e vestindo sua
concepção com tal aura de fatalidade que as disposições e motivações
parecem singularmente realistas.
Valendo-se dessa definição, é possível perceber que, em toda a história de
devoção ao Divino Pai Eterno, sempre houve uma motivação para os devotos, pois
estes permaneceram fiéis a essa devoção por mais de dois séculos.
O texto de apresentação demonstra a necessidade da sua utilização, uma
vez que um manual idêntico a este era utilizado pelos romeiros do Santuário de
Nossa Senhora Aparecida e, por isso, o autor deixou claro que todos os superiores
da Igreja o aprovaram.
Inicialmente, pôde-se perceber o interesse da Igreja Católica em demonstrar
ao romeiro no primeiro capítulo do manual a história oficial da origem da devoção ao
Divino Pai Eterno.
33
Este Santuário, chamado do Divino Padre Eterno, tem, como as obras de
Deus, uma origem muito humilde e modesta. O Sr. Constantino Xavier e sua
mulher, D. Ana Rosa, moradores do Barro Preto, possuíam uma pequena
imagem em forma de medalha, feita em barro, representando a Santíssima
Trindade em ato de coroar a santíssima Virgem Maria; a imagem em alto
relevo media apenas 10 centímetros. De altura e 8 de largura. Diante desta
imagem costumava rezar o terço de Nossa Senhora (MANUAL DO
DEVOTO..., 1949, p.8).
No segundo capítulo, demonstra-se o progresso da Romaria. Segundo o
manual, dois fatores são determinantes desse progresso: primeiro, o
estabelecimento do primeiro domingo de julho de cada ano para a celebração da
Festa do Divino Pai Eterno e, segundo, o início da construção da nova igreja no
Barro Preto, atual Trindade, hoje a Matriz do Divino Pai Eterno. Essa construção foi
encampada pelos missionários redentoristas, vindos da Alemanha em 1894. Em
1928, Trindade foi elevada à paróquia, com os limites vigentes para o município. A
partir de então, em todos os anos, revive-se o ritual positivo, que é a festa.
Todos os anos repete-se aquela numerosíssima afluência de fiéis, de
romeiros vindos de toda parte do Estado e mesmo de Minas Gerais. A
cidade toma os ares de um acampamento, visto que os romeiros, por falta
de casas, se acomodam em centenas de barracas, ou então em seus carros
e caminhões, ao redor da cidade (MANUAL DO DEVOTO..., 1949, p.12).
No terceiro capítulo, o autor descreve as funções religiosas do Santuário,
que são a festa no primeiro domingo de julho, por sua vez precedida de uma
novena, na qual são praticados atos religiosos, como confissões, comunhões e até
casamentos.
34
No dia da festa, ocorre a missa solene, cantada por três padres, com
sermão do Evangelho. Após a missa, sai a procissão com a santa imagem e uma
banda desica tocando. Na volta desta, ocorre outra vez o sermão, com a benção
do santíssimo sacramento.
Em um sábado antes da festa, é feita a solenidade para cultuar Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, em que se realiza uma grande comunhão geral. Na
segunda-feira após a festa, celebra-se uma missa ao Divino Pai Eterno, pedindo-o
para que os romeiros tenham uma boa viagem de volta aos seus lares. Além
dessas celebrações feitas no Santuário por ocasião da festa, outras o feitas no
correr do ano.
Ao final do terceiro capítulo do manual, a exortação aos fiéis de que, se
participarem com rigor de todas essas cerimônias, serão indulgenciados.
Os devotos ao Divino Pai Eterno seguem o manual desde a década de 1940
e todos os preceitos de rituais representam para esses devotos o significado do
sagrado, que se estende até os dias atuais, modelando os seus comportamentos.
O quarto capítulo do manual apresenta as graças concedidas mediante
invocação do Divino Pai Eterno. Em cada graça o descritos os nomes das
pessoas envolvidas e a data dos acontecimentos. São elas: livramento de morte
iminente, perigo de parto, de desfalecimento, de cascavel, de perda de vista, de um
pai de família nas últimas, de vários incômodos, em luta com uma onça; salvamento
das garras de uma onça, das portas da morte, de uma explosão, de uma derrubada
e de moléstia.
Um exemplo:
Perigo de parto: Maria Caetana da Silva estava em perigo de parto, sem
poder dar à luz e sem esperança de vida. Nesta triste situação, sem
35
esperança humana, fez voto ao Divino Padre Eterno; e logo ficou livre do
perigo por mercê do Pai no céu, ao qual sejam dadas infinitas graças.
Amém (MANUAL DO DEVOTO..., 1949, p.19).
Atualmente, todos esses milagres estão representados nos vitrais do
Santuário Novo, na praça Cruz das Almas. As descrições têm como objetivo
demonstrar aos romeiros que as graças alcançadas dependem da fé de cada um.
A segunda parte do manual é composta de orações, denominadas
ordinárias do cristão, oração da manhã, do toque das Ave-Marias, durante o dia e a
noite. Todas as orações são citadas e seguidas de instruções sobre a forma com
que cada cristão deverá fazê-las. Explica-se também como se faz a meditação:
primeiro, vem a preparação, em que se fazem os atos de fé, humildade e contrição.
São atos breves, porém que exigem concentração. Na consideração, faz-se a leitura
de um texto bíblico e então declara o seu amor a Deus para então fazer-se súplicas,
pedindo ajuda, piedade e misericórdia. Em terceiro lugar, antes de terminar a
oração, o fiel deverá firmar o propósito de ter paciência, fugir do mal etc. Por último,
na conclusão Deus é agradecido pelas graças concedidas, confirmam-se os
propósitos feitos e pede-se a Ele por amor a Jesus e Maria o auxílio para cumpri-los.
Mais uma vez, ao final dessa parte, o manual alerta sobre as indulgências
oferecidas ao fiel que fizer essa meditação todos os dias, durante o mês inteiro, ou
seja, as recompensas virão para aqueles que cumprirem com as determinações da
Igreja Católica.
Ainda na segunda parte do manual, explica-se o método para assistir à
missa, e o autor deixa claro que o fiel deverá honrar a Deus, dar-lhe graças,
satisfazer-lhe por seus pecados e impetrar novas graças. Esses são os objetivos do
fiel, que deverá fazer o oferecimento de Jesus para cumprir-los esses objetivos. O
manual traz, inclusive, a oração de oferecimento:
36
Eterno Pai, nesta missa eu vos ofereço o vosso divino. Filho Jesus Cristo,
com todos os merecimentos de sua paixão, 1º para honrar e adorar vossa
infinita Majestade; para agradecerdes a todos os benefícios que me
tendes feito e ainda me fareis no futuro; para satisfazer-vos por minhas
culpas e pelas de todos os vivos e defuntos; para alcançar a eterna
salvação e todas as graças necessárias para salvar-me (MANUAL DO
DEVOTO..., 1949, p. 34).
O autor explica, então, como deve ser o comportamento do fiel, desde o
princípio da missa, passando pelo evangelho, pela elevação, até a comunhão, isto é,
deverá ele passar toda a missa pedindo graças com confiança e unindo as suas
súplicas às de Jesus e Maria.
O manual reúne também outras orações usadas para a celebração da
missa, que são em número de quarenta, a saber, ao ler o Evangelho, ao oferecer o
cálice etc.
Um outro ponto destacado pelo autor no manual é a confissão, considerada
um sacramento instituído por Jesus Cristo, pelo qual Deus perdoa a todos aqueles
que confessam seus pecados de forma contrita e humilde ao sacerdote, ministro de
Deus. De acordo com a instituição, o fiel deve fazer uma oração para exame de
consciência, seguida por oito mandamentos, para, então, proceder confissão.
A comunhão também exige preparo, e o feitas três petições à Santíssima
Virgem Maria, seguidas por diversos atos como, fé, adoração, humildade,
esperança, amor, contrição e desejo. Invocam-se os santos anjos; fazem-se a ação
de graças e as orações a Jesus, que, após a comunhão, estará mais disposto a
conceder graças.
A importância e o modo de fazer a comunhão espiritual, mesmo de forma
abreviada, também são mencionados. “Creio o meu Jesus, que estais presente no
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santíssimo Sacramento, amo-vos e desejo-vos. Vinde a meu coração. Uno-me a
vós. Vinde a meu coração. Uno-me a vós, Senhor, não vos afastes mais de mim”
(MANUAL DO DEVOTO..., 1949, p. 85).
Prescreve-se também a realização de visitas ao Santíssimo Sacramento e à
Santíssima Virgem. Em relação ao Santíssimo Sacramento, a devoção a Jesus é a
mais importante, e o fiel deverá fazê-la pelo menos em um quarto de hora, todos os
dias, em qualquer igreja. Existe até mesmo uma oração específica, a ser feita no
princípio de cada visita. O mesmo procedimento deve ocorrer em relação à Virgem
Maria. Todos os fiéis que rezarem diante da imagem de Nossa Senhora receberão
indulgências por três anos. Se rezarem durante todos os dias, durante um mês,
obterão indulgências para toda a vida.
Outro ato importante para os fiéis é fazer o exercício da Via Sacra de Jesus.
São 14 estações seguidas de orações específicas. Vários modelos de indulgências
são concedidos. Também os doentes recebem indulgências, mesmo que não
possam realizar o exercício na íntegra, em função de suas enfermidades.
O Rosário de Nossa Senhora deverá ser rezado em três terços, todos
compostos de cinco mistérios, explicados e seguidos por diversas ave-marias. Para
o Rosário, também são oferecidas diversas indulgências: aos fiéis que rezarem o
terço com fé, cinco anos de indulgências; aos fiéis que rezarem em público a terça
parte do Rosário, dez anos de indulgências; aos fiéis que rezarem o Rosário
completo, haverá indulgência plena.
São mencionadas também orações em louvor à Santíssima Trindade e a
instrução para o procedimento com essas, que a devoção de todos os cristãos
deve ser à Santíssima Trindade. Esta deveria ser honrada por meio de obséquios
dos cristãos, como participar da festa com espírito de devoção e comunhão, assistir
38
à louvando à Santíssima Trindade, renovar as promessas do batismo ou rezar as
orações da Coroa da Santíssima Trindade.
São ensinadas diversas orações, entre elas à oração a Santíssima Virgem,
oração ao Divino Pai Eterno, oração para alcançar os sete dons e os doze frutos do
Espírito Santo. Em relação à devoção ao Nosso Senhor Jesus Cristo são prescritas
as orações ao Menino Jesus, a oração ao Jesus Crucificado, a oração a Cristo Rei
Universal e a ladainha do Santíssimo Coração de Jesus.
As orações a Nossa Senhora também são várias: Saudações de boas-
vindas, Consagração da família, Na hora da despedida, Oração para obter cura de
um enfermo e Consagração de uma pessoa em particular. Enfim, o manual traz
diversas orações, para diversas necessidades. Todas essas orações são
mencionadas e seguidas por explicações sobre o comportamento que fieis devem
assumir.
Segundo Mauss (1974), a prece é o fenômeno religioso que mais
impressão de vida, de riqueza e de complexidade. É o ápice da vida religiosa e, ao
longo da sua história, assumiu forma de dominadora, adorativa, ameaçadora etc.
Assumiu também diversos papéis, como um ato de fé, uma confissão e uma plica. É
um dos fenômenos centrais da vida religiosa. “A prece é um rito, pois ela é uma
atitude tomada, um ato realizado diante das coisas sagradas” (MAUSS, 1979: p.117).
A prece é um rito, pois é realizada diante das coisas sagradas e se dirige à
divindade com esperança de resultados. Mediante a prece, o crente age e pensa, é
como se a prece fosse uma palavra, um instrumento de ação, que exprime idéias e
sentimentos traduzidos para o exterior.
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A prece não é elaborada pela consciência individual. Geralmente é criada
por autoridades eclesiásticas, com o objetivo de tornar cômodo o papel do fiel.
Mesmo quando a prece é mental, o espírito que domina o fiel é o da Igreja.
Essa intervenção eclesiástica fica clara no Manual do Devoto, pois todas as
preces estão elaboradas. É como se a prece fosse um discurso ritual adotado por
uma sociedade religiosa. O indivíduo atribui sentimentos pessoais a uma linguagem
que não criou.
A segunda parte do manual é, então, finalizada em um resumo do catecismo.
Este traz inicialmente os pontos que todos cristãos devem conhecer: há um Deus;
três pessoas divinas: Pai, Filho e Esrito Santo; o filho de Deus se fez homem por nós
e morreu na cruz para remir-nos; Deus remunera o bem no céu e castiga o mal no
inferno. Explica o Sinal da Cruz, o Pai Nosso, o Credo, a Salve Rainha, os
Mandamentos da Lei de Deus e os mandamentos da Santa Madre Igreja. Os sete
Sacramentos que o o batismo, a confirmação, o sanssimo sacramento do altar, a
penitencia, a extrema unção, a ordem e o matrimônio, são explicados detalhadamente.
Explica-se até o que é o casamento civil. Esclarece também o que se deve fazer em
perigo de morte e o que devem fazer os que cuidam de um agonizante. Sobre o jejum e
a abstinência, o citadas algumas advertências, como a obrigação da abstincia, que
começa aos sete anos completos. A obrigão do jejum vai dos 21 anos completos até
os 60 começados. Nos dias do jejum sem abstinência os que jejuam podem usar carne
em uma refeição. o é proibido nos dias de jejum misturar carne com peixe nem
preparar as comidas com gorduras de animais.
A terceira parte do manual é composta de cânticos espirituais. Entre eles: A
Santíssima Trindade, Minha alma agradece, A pátria da alma, o Divino Espírito
Santo etc.
40
Dessa forma, é possível observar que todas as preces são verdadeiros
fenômenos sociais, pois todas as frases e determinações do manual são
consagradas pela Igreja. As preces são atribuídas a sentimentos pessoais, que não
foram criados por ele. Isso não significa que as preces não possam ser individuais,
mas estas, quando ocorrem coletivamente, servem de modelos para as primeiras.
“Mesmo quando a prece é individual e livre, mesmo quando o fiel escolhe a seu
gosto os termos e o momento, não nada que diz além de frases consagradas, ou
seja, sociais” (MAUSS, 1979, p.117).
Toda prece é um ato, um movimento e uma atitude da alma, e os fiéis
acreditam na sua eficácia. Esta incitará Deus a agir nessa ou naquela direção. No
Manual do Devoto, a maioria dos ritos religiosos é oral e apresenta-se por intermédio
de palavras e pensamentos. E os devotos do Divino Pai Eterno também acreditam
na eficácia das preces. “A prece é um rito religioso, oral, diretamente relacionada
com as coisas sagradas” (MAUSS, 1979, p.246).
No caso estudado, percebe-se claramente a religo como sistema cultural,
que, segundo Geertz (1989), apesar de os símbolos terem inúmeros significados,
expressa o clima do mundo e o modela. Esse sistema cultural desenvolve naqueles
que acreditam, certas disposões como habilidades, capacidades, compromissos
e hábitos.
As atividades religiosas induzem a disposições diferentes, que são o ânimo
e a motivação para o cumprimento de tarefas, que por mais difíceis que pareçam a
outros olhos, se tornam fáceis aos crentes.
As disposições estão presentes no Manual do Devoto e são a reverência, a
devoção, os atos solenes etc. As motivações são significativas, pois são os objetivos
41
para os quais são concebidos e conduzidos os crentes. Os homens religiosos vêem
e adoram os símbolos como verdades transcendentais.
Os seres humanos estão fadados ao sofrimento, e a religião, por meio de
símbolos, levará o homem religioso a superar os sofrimentos. Isso impulsiona os
seres humanos a acreditarem em deuses ou até em demônios. Surge uma
perspectiva religiosa que move o crente a aceitar a realidade, pela fé, e a seguir
modelos impostos pela Igreja Apostólica Romana.
3.2 PROCESSO DE ESTABELECIMENTO DA PARÓQUIA DE TIRINDADE
Segundo Arquivo, da Paróquia de Trindade (LIVRO DE TOMBO, n.1, fl.1 apud
SANTOS, 1976), observa-se que, de 1940 a 1969, houve um acréscimo significativo
de batizados, casamentos e comunhões. Com base nesses dados, é possível dizer
que os habitantes de Trindade, bem como aqueles que optaram por receber os
sacramentos ali, intensificaram esse procedimento em razão da atuação mais direta
da Igreja naquele período. Por influência da Igreja, esses mostram-se conscientes
da obrigação de batizarem os seus filhos, casarem-se na Igreja etc. Percebe-se a
ação romanizadora do Manual do Devoto.
Mais expressivos o os dados a partir de 1920, em que se conhece a
população de Trindade, graças ao recenseamento geral de 01 de setembro daquele
ano. A população do distrito de Trindade era, então, de 6.110 habitantes, e a
população do arraial era estimada em cerca de 1.000 habitantes. Os relatórios
referentes ao movimento religioso começam a aparecer somente a partir de 1928,
quando Trindade foi elevada à Paróquia. O Livro de Tombo n.1 da Paróquia
apresenta dados referentes a batizados, casamentos e comunhões. Inicialmente,
são registrados também as matrículas de crianças no Catecismo e, em alguns anos,
42
o número de encomendações de católicos falecidos. Eis o cômputo geral até o ano
de 1950, em que surge nova estatística sobre a população de Trindade (tabela 1).
Tabela 1: Registro de Batizados, Casamentos, Comunhões, Catecismo e
Encomendações em Trindade, de 1928 a 1949.
Ano Batizados Casamentos Comunhões
Catecismo
Encomendações
1928 421 73 5.075 220 -
1929 720 151 5.740 235 -
1930 695 101 5.959 205 -
1931 651 130 5.965 297 -
1932 800 105 10.602 295 -
1933 701 103 15.042 - -
1934 1.036 ? 15.500 - -
1935 972 ? 16.000 - -
1936 1.109 159 14.680 - -
1937 824 182 13.045 - -
1938 ? ? 13.886 ? ?
1939 ? ? 15.311 - -
1940 ? ? 15.311 - -
1941 495 107 14.068 - 102
1942 705 107 14.068 - 44
1943 790 178 20.330 - 35
1944 767 142 16.429 - 59
1945 829 244 17.683 - 78
1946 830 302 17.700 - 59
1947 830 302 17.700 - 49
1948 951 403 19.531 - 35
1949 1.323 568 22.208 - 38
Fonte: Santos (1976).
Para efeitos de pesquisa e interesses imediatos, observa-se que oferece
maior destaque o número de comunhões anuais, em que apresenta um aumento
quase que constante, com exceção do período de 1936 a 1941, na qual se nota um
declínio mais acentuado destas. Quais teriam sido as causas? Apenas hipóteses
podem ser levantadas.
Entre as possibilidades, há que se enfatizar que, nessa época, tem início a
construção de Goiânia, e, dada a anexação de Trindade à nova Capital, no período
43
de 1935 a 1943, é sabido que elementos da população local para esta cidade se
transferiram. Por outro lado, em 1932, iniciara-se a celebração das quarenta horas
de adoração em Trindade (LIVRO DE TOMBO n.1, fl.7 apud SANTOS, 1976) para
combater o Carnaval, e, ao que parece, tal ato provocou certo descontentamento à
população católica, o que determinou a supressão, em 1938, dessa celebração, fato
registrado com amargura no Livro do Tombo Paroquial: "certa família que possui um
zelador e três zeladoras votou ódio de morte a Pia União das Filhas de Maria”
(LIVRO DE TOMBO, n.1, fl. 23-4 apud SANTOS, 1976). É possível que tal situação
tenha concorrido para uma cisão na Paróquia e para o afastamento de muitos da
prática da religião.
O número de comunhões de uma paróquia, porém, oferece mais margem
para uma interpretação qualitativa do que para a quantitativa, dado o seu aspecto
reiterativo: uma pessoa que comunga diariamente poderá figurar o número de
365 comunhões no ano. No entanto, os dados conservam assim mesmo seu valor,
em função do aumento contínuo de comunhões, o que vem demonstrar uma
participação cada vez maior. O mesmo pode-se aplicar ao recebimento dos
sacramentos do batismo e matrimônio, visto que o aumento constante de números
absolutos evidencia uma conscientização cada vez maior das pessoas, quer de
batizar os filhos, quer de santificação do matrimônio.
O Recenseamento de 1950 atribuía a Trindade uma população de 17.342
habitantes, e o movimento religioso paroquial oferecia, na década, os números
apresentados na tabela 2.
44
Tabela 2: Registro de Batizados, Casamentos, Comunhões, Catecismos e
Encomendações em Trindade, de 1951 a 1961.
Ano Batizados Casamentos Confissões Comunhões Crisma
1951 3.698 809 12.809 41.144 3.561
1952 4.848 615 35.130 40.160 3.570
1953 ? 717 35.230 42.500 3.670
1954 ? ? 39.552 42.552 1.413
1955 1.349 114 40.200 47.255 3.118
1956 - - - - -
1957 2.020 - 15.000? 45.130 -
1958 - - - - -
1959 - - - - -
1960 - - - - -
1961 - - - - -
Fonte: Santos (1976).
Na prática, os dados apresentados permitem uma análise consistente
apenas até 1955, visto que carecem quase que completamente dos dados nos anos
seguintes e, mesmo aqueles que são apresentados, por exemplo, em 1957,
parecem não ser seguros, pelo menos naquilo que se refere ao número de
confissões, pois foram arredondados e estão fora de contexto. Constata-se, porém,
dos anos que se podem analisar, que o movimento religioso conheceu sempre uma
contínua ascensão, fruto, sem dúvida, dos meios pastorais postos em prática pelos
padres redentoristas.
O recenseamento geral de 1960, surpreendentemente, acusou um
decréscimo na população de Trindade 17.135 habitantes, em relação ao ano de
1950, que fora de 17.342, explicado pela afirmação da nova capital do Estado, que
serviu de chamariz para populações de outras áreas, sobretudo das mais próximas,
como é o caso de Trindade. Somente a partir de 1962 é que existem dados
referentes ao movimento religioso, mas pode-se constatar que, a despeito da
45
diminuição ou paralisação demográfica, a participação continua em ascensão nos
vários atos de religião, como se deduz dos dados numéricos na tabela 3:
Tabela 3: Registro de Batizados, Casamentos, Comunhões, Catecismo e
Encomendações em Trindade, de 1962 a 1969.
Ano Batizados Casamentos Confissões Comunhões Crisma
1962 3.977 219 30.000 68.357 1.606
1965 3.915 154 70.880 203.773 1.236
1966 4.531 162 56.880 204.210 1.551
1967 5.284 138 - - -
1969 3.374 185 - - -
Fonte: Santos (1976).
Em 1970, cessam completamente os dados sobre o movimento religioso e
daí a impossibilidade de um estudo comparativo anterior.
3.3 AÇÃO PASTORAL DOS PADRES REDENTORISTAS JUNTO AOS ROMEIROS
Em 1948, a Paróquia de Trindade ganhou autonomia e a ela foram
anexadas as paróquias de Anicuns, Nazário, Firminópolis, Guapó e Santa Bárbara.
No ano seguinte, foram acrescentadas a ela mais duas: a de Capelinha e a de
Poções e, em 1950, incluíram-se-lhe ainda as Igrejas de Campestre, Rosalândia,
São Luiz de Montes Belos, Santa Maria e Aurilândia.
Em 1957, a Paróquia de Trindade abrangia cerca de 200km², com duas
paróquias anexas (Anicuns e Aurilândia) e trinta capelas em oito municípios
diferentes, situação que perdurou até 1959, quando os padres passionistas
holandeses assumiram as paróquias anexas, conservando-se aos redentoristas
apenas as capelas no município de Trindade: Cedro, Santa Maria, Santa Bárbara,
Campestre e Bugre (LIVRO DE TOMBO, n.1 apud SANTOS, 1976), pois, nessa
46
época, aumentava cada vez mais o movimento de romeiros aos domingos, exigindo
uma concentração de atividades em Trindade e, mais especificamente, no Santuário.
Em 1965, havia cinco capelas rurais (Santa Bárbara, Cedro, Campestre,
Santa Maria e Bugre), que eram atendidas, mensalmente, às terças-feiras pela
impossibilidade de serem assistidas aos domingos, dado o pequeno número de
abrigos, além das Igrejas e Capelas que necessitavam do auxílio a cada s em
que eram feitas as desobrigas nas fazendas.
Todas essas atividades exigiam a presença física do sacerdote junto ao
povo católico, potencialmente romeiro do Divino Pai Eterno. Além dessa atuação,
houve outro tipo de preparação remota, a princípio, por intermédio da imprensa
representada, sobretudo, pelo semanário Santuário de Trindade e, posteriormente,
por meio da Rádio Difusão, especialmente da Difusora de Goiânia, emissora católica
pertencente aos redentoristas e fundada em 1963. Pela imprensa, os padres
puderam editar material de propaganda e até devocionários, como Devoto da Ss.
Trindade, manual de preces, instruções, entre outros que tiveram ótima aceitação.
Atuação maior, porém, limitada pela larga percentagem de analfabetismo,
teve o jornal Santuário de Trindade. Graças a ele, podiam os padres transmitir
avisos, reforçar normas práticas sobre a religião, combater abusos e superstições,
advertir contra perigos espirituais, contra pecados, sobre males sociais etc., além da
publicação de graças, excelente meio de ampliar a devoção ao Divino Pai Eterno.
A Rádio Difusora firmou-se a partir de 1963, quando foi criada a Difusora de
Campinas, que, embora não diretamente ligada a Trindade, por meio dos
redentoristas, seus proprietários, preparava e divulgava a Festa do Divino Pai
Eterno. Houve até mesmo a propaganda de Romarias, nos primeiros domingos de
cada mês, com bons resultados e, também, de uma novena, pela Rádio, visando a
47
preparação da Festa (CRÔNICA REDENTORISTA DE TRINDADE apud SANTOS,
1976). Todos esses meios postos em ação convergiam, direta ou indiretamente,
para a cristianização da Festa de Trindade e a elevação do nível religioso, moral e
cultural da população do centro-oeste brasileiro, na busca de superar o lado profano
da festa, que tendia a se ampliar.
A Crônica Redentorista de Trindade (apud SANTOS, 1976) registrou um
programa completo em 1954:
a) Todos os dias da novena: terço, ladainha cantada, pregação e benção
solene à noite.
b) Comunhões gerais: crianças (dia 26.06), moças (dia 27.06), senhoras
(dia 28.06), homens (dia 29.06) e pobres (dia 30.06).
c) Tríduo (dias 1, 2 e 3 de julho) com os seguintes destaques:
– missas: a partir das 4 horas e 30 minutos;
– confissões: dia e noite
– crismas: na Escola Santo Afonso
encerramento: dia 4 de julho, com procissão até o novo Santuário (Morro
da Cruz das Almas);
– missa da despedida - dia 05 de julho.
Em 1965, foi introduzido um elemento de grande importância, a Conferência
de Estados, para moças, senhoras e homens, em separado, sendo reservados três
dias para a população de Trindade e outros três para os romeiros. Os temas dessas
conferências eram mais especializados, dependendo das condições dos
participantes. Assim, eram também mais objetivos que as pregações gerais da
manhã e da noite. Aliás, nesse mesmo ano tiveram início as Procissões da
48
Penitência ou Procissão da Aurora, às 5 horas, as quais iniciavam os atos do dia
com recitação do terço, nticos, meditação da manhã, missa, comunhão e
procissão (LIVRO DE TOMBO, n.1. fl.193 apud SANTOS, 1976).
O Programa para 1973, em linhas gerais, é o que ainda permanece em
voga na Festa, com os seguintes elementos:
a) Todos os dias
– 5 horas - Alvorada musical pelo serviço de alto-falantes do Santuário;
– 5 horas e 30 minutos - Procissão da penitência;
6 horas - Missa com pregação, havendo ainda missas às 7:30, 8:30, 10,
16 e 18 horas;
15 horas - Visita ao Ss. Sacramento e bênçãos de enfermos, de crianças,
objetos religiosos, água etc.;
– 20 horas - Novena Solene com Pregação.
b) Durante o tríduo final, além do horário comum;
– 14 horas - Catequese para as crianças;
– 18:30 minutos - Conferência para casais;
– 20 horas - Conferência para moças e moços (juntos);
21:30 minutos (após a Novena) - Exibição gratuita de filmes religiosos e
educativos na Praça do Santuário.
c) Dia da Festa
– 04 horas e 30 minutos - Alvorada (Banda Musical, foguetes, etc.);
– 05 horas - Procissão da Penitência;
– 05 horas e 30 minutos - Missa e Pregação;
49
08 horas - Missa Solene da Festa (celebrada pelo Arcebispo) e outras
missas às 9:30, 10:30, 13:30, 15 e 16 horas;
– 17 horas – Procissão de Encerramento do Santuário Antigo (na Praça) até
o Novo (Morro da Cruz das almas), com Missa, Renovação das Promessas de
Batismo, Bênção Papal e Despedidas dos Missionários.
d) Dia depois da Festa
– 04 horas e 30 minutos - Toque de despertar;
– 05 horas - Procissão da Penitência;
05 horas e 30 minutos - Missa pelos falecidos devotos do Divino Pai Eterno;
– 8, 9 e 10 horas - Outras Missas.
e) Avisos
– Confissões: Durante toda a Novena, o dia todo;
– Comunhões: Nas Missas, no Santuário Novo;
Outros Sacramentos: Batismo, Crisma e Matrimônio, na Paróquia de
origem; em Trindade apenas em casos especiais: para quem estiver preparado;
com a devida autorização do vigário da Paróquia de origem;
– Donativos: apenas nos cofres do Santuário;
– Não dar esmolas na rua, mas na Vila São Cotolengo;
– Não acender velas na Igreja;
– Não soltar fogos, mas reservá-los para o encerramento.
f) Mensagem da Festa
– Oração, penitência e conversão;
50
– Volta ao Pai - volta aos Irmãos;
– Vida de caridade sobretudo dentro da Família.
Ao mesmo tempo em que, por intermédio de uma programação cada vez
mais aprimorada, procuravam os padres atingir os objetivos próprios da Romaria não
se descuidavam da atuação junto aos poderes competentes, para obterem as
condições materiais e morais de que necessitavam como comprova um Ofício de
1964, dirigido pelo vigário de Trindade ao Prefeito Municipal. A cooperação das
autoridades civis e militares tem sido completa algumas décadas e houve, até
mesmo, a instituição de uma extração extraordinária da Loteria do Estado, em
benefício de entidades assistenciais da Paróquia de Trindade e de outras localidades.
O desejo de aprimorar cada vez mais o espírito cristão da festa levava os
sacerdotes participantes a se reunirem, após a celebração, com o objetivo de refletir
sobre o andamento da mesma e de fazer uma autocrítica e revisão dos serviços
religiosos prestados.
De acordo com as pesquisas realizadas, podem-se destacar duas fases
bem distintas na história do Santuário de Trindade: antes dos redentoristas (até
1895) e após os redentoristas (até hoje). Na primeira fase, sob a égide do regime do
padroado, o Santuário achava-se sob a administração leiga e a festa se revestia de
um caráter mais profano que religioso e este mais popular que eclesiástico, a
despeito da presença de sacerdotes, com a mera função de administração de
sacramentos. Entre 1878 e 1890, não vestígios de sacerdotes, e a nomeação de
Mons. Ignácio Francisco de Souza para a função de diretor da Romaria, em 1891,
quase redundou em tragédia.
51
Após um começo difícil, em 1895, os redentoristas começaram a
experimentar as mesmas dificuldades sentidas pelo responsável antecessor a eles,
até que os ânimos serenaram, após três anos de interdito da cidade-santuário. Pode-
se dizer que, de 1891 a 1903, houve um peodo de crise, que, por pouco, o faz
soçobrar a Romaria. A partir de então, sob a orientação dos bispos de Goiás e sob a
égide dos redentoristas, a Romaria não deixou de crescer, nos rios níveis, como se
pode constatar de dados numéricos e de relarios de algumas décadas para cá.
3.3.1 Relatórios Numéricos da Romaria
Os dados oferecem enormes lacunas, quer pelas carências quer por seu
caráter vago e genérico, porém, não deixam de ter sua validade, sobretudo com
relação ao número de comunhões, que é o dado mais constante. Convém lembrar,
como mencionado, que o elemento "comunhão" é um dado muito vago, em razão do
caráter reiterável deste sacramento. A tabela 4 tem por finalidade demonstrar essa
evolução:
Tabela 4: Registros de Número de Romeiros, Confissões Comunhões, Batizados,
Crismas e Matrimônios em Trindade, de 1890 a 1970.
Ano Romeiros Conf. Com. Batismo Crismas Matrim
1890 15.000
-
-
-
-
-
1895 -
-
600
80
-
30
1911
12 a
15.000
650
-
-
609
-
1913 -
-
1.100
-
-
-
1915 -
-
1.200
-
800
-
1916 -
-
1.050
-
-
-
1917 -
-
-
-
1.100
-
1918 -
-
610
-
-
-
1919 -
-
1.000
-
-
-
1920 -
-
800
-
-
1.921
1921 -
+1.000
-
-
-
-
1922 +20.000
-
-
-
-
-
1923 -
-
-
-
-
-
1924 -
-
800
-
-
-
Continua...
52
1927 -
-
1.000
-
-
-
1928 -
-
1.200
-
1.000
-
1930 -
-
-
-
800
-
1931 -
-
1.000
-
-
-
1935 -
-
-
-
1.200
-
1937 -
-
1.800
-
-
-
1938 -
-
1.500
-
-
-
1939 -
-
1.600
-
-
-
1940 -
-
1.500
-
-
-
1945 -
-
3.000
-
-
-
1949 -
-
2.500
-
-
-
1954 -
3.635
7.906
541
1.413
16
1955 -
4.560
6.000
411
919
46
1956 -
-
10.000
-
-
-
1958 -
5.000
15.000
600
1.600
68
1959 50.000
-
13.000
784
1.200
85
1960 100.000
-
-
-
-
-
1962 40.000
-
20.000
1.500
-
-
1963 -
-
+20.000
1.200
-
-
1964
30 a
40.000
11.600
29.000
600
1.600
-
1965 -
13.227
39.500
498
1.236
15
1966 -
13.860
35.500
550
1.551
24
1967 -
14.461
38.500
500
196
38
1968 -
15.217
42.000
536
189
35
1969 100.000
13.053
34.000
420
168
16
1970 -
14.052
37.000
409
105
12
Fonte: Santos (1976).
Numa análise ligeira sobre esses dados, podemos destacar o seguinte:
O número de romeiros presentes à festa é baseado sempre em cálculos
superficiais. Por exemplo, em 1960 calculavam-se 100.000 romeiros, mas o
missionário cronista opinava que o número destes não passava de 60 a
80.000. A partir de 1970, não faltam opiniões de que o número era de
200.000 romeiros na Festa de Trindade, opiniões, aliás, que oferecem
dificuldades de teste.
As confissões constituíam um elemento muito válido para avaliar a
participação efetiva de romeiros na festa religiosa, até 1973, quando se
iniciaram as confissões coletivas, figurando, dessa data em diante apenas
as confissões individuais. Somente a partir de 1958 aparecem dados
Continuação.
53
constantes sobre essa forma de participação coletiva. Geralmente eram
computadas as pessoas que se confessavam e não as vezes que se
confessassem. Assim, por exemplo, em 1964, o número de romeiros foi
calculado entre 30 e 40.000, e o número de confissões era de 11.600, o que
significa dizer que, de um total de cerca de 40.000 romeiros, quase 12.000
receberam os sacramentos, ou seja, 30% do total.
As comunhões oferecem uma base de análise bastante relativa por seu
caráter reiterável. Seria necessário saber quantas vezes cada pessoa
recebeu este sacramento para que a percentagem de participação fosse
certificada. Os números são válidos, no entanto, em termos absolutos,
percebe-se que, especialmente depois de 1956, houve um aumento
substancial. Talvez tenham concorrido para isso fatores, como a reforma do
Santuário (1959), o asfaltamento da estrada Goiânia - Trindade e a ligação
de Trindade ao complexo hidrelétrico de Cachoeira Dourada (1950), que
deram outro aspecto à cidade. O asfaltamento e a melhoria de estradas
fizeram com que, gradativamente, o cavalo e o carro de boi fossem sendo
substituídos por caminhão, ônibus e carro, aumentando também,
substancialmente, o número de romeiros.
Os batizados tiveram um declínio abrupto, sobretudo a partir de 1970,
verificando-se o mesmo com a Crisma e, também, de certa forma, com os
casamentos. Isso se deve à mentalidade conciliar de que o fiel tem de
inserir na sua comunidade e nela receber os sacramentos fundamentais.
Atualmente, apenas mediante autorização especial do pároco próprio e por
meio da preparação na paróquia de origem poderá alguém rerceber esses
sacramentos fora de seu centro religioso.
54
Os Livros Paroquiais de Trindade (apud SANTOS, 1976) registram também
outro elemento, referente apenas à última cada, que merece consideração especial,
pelo seu alto significado no conjunto da cristianizão da Festa: as primeiras comunes
de adultos, ou seja, de maiores que não participavam da vida paroquial em seu lugar de
origem e que iniciaram o bito na Festa de Trindade, representando, anualmente, um
número até certo ponto apreciável, como se pode constatar na tabela 5:
Tabela 5: Registros de Números de Primeiras Comunhões de Adultos, de 1954 a
1971.
Ano Comunhões de Adultos
1954 567
1965 1.051
1966 422
1967 538
1968 530
1969 400
1970 467
1971 427
Fonte: Santos (1976).
A pregação de missões populares e de festas locais, bem como a
implantação de associações religiosas, explicam apenas parcialmente a elevação do
nível religioso na cidade-santuário. Vários outros recursos foram sendo lançados
com os mesmos objetivos, destacando-se, entre eles, a celebração eucarística; a
liturgia ordinária da palavra; o atendimento a enfermos; a importância da primazia
eucarística, das páscoas coletivas e das desobrigas na zona rural, das obras sociais,
da educação escolar, da imprensa falada e escrita, dos filmes educativos etc. Para
não fugir da finalidade específica do trabalho, esses temas também serão a seguir
abordados com rapidez, pois contribuíram a seu modo para a transformação da
fisionomia espiritual de Trindade.
55
No que se refere à celebração eucarística, sabe-se que, inicialmente, os
redentoristas davam assistência religiosa a Trindade apenas uma vez por s, aos
primeiros domingos. Em 1911, encontra-se referência de assistência deles de duas
em duas semanas, sendo ainda celebradas as festas de São Sebastião, Nossa
Senhora da Conceição e Natal (LIVRO DO TOMBO, n.1 apud SANTOS 1976). A
partir de 1924, normaliza-se a situação, mediante a presença permanente de um
redentorista em Trindade. Valendo-se da análise dos Livros de Batizados e
Casamentos, foi possível perceber que, mesmo antes de 1924, em outras
oportunidades, havia sacerdotes celebrando, batizando e abençoando casamentos
em Trindade. O mais interessante é que, mesmo nos anos de interdição (1901-1903)
em que deveria cessar toda a assistência religiosa, Trindade não ficou
completamente abandonada: há registro de batizados em Barro Preto, nos meses de
janeiro, fevereiro e em maio de 1901 e maio, novembro e dezembro de 1903.
Apenas no ano de 1902 é que Trindade ficou completamente sem assistência
(LIVRO DO TOMBO, n.1 apud SANTOS 1976). Com a criação da Paróquia em 1928
e, sobretudo, com a fundação do Convento Redentorista em 1948, a assistência
religiosa pôde projetar-se e ampliar-se cada vez mais.
Em se tratando da liturgia da palavra, a divulgação da mensagem
evangélica esteve sempre vinculada à palavra, e a principal finalidade da fundação
da Congregação dos Redentoristas foi a pregação da palavra. Não é de se estranhar
que, embora ainda não dominando completamente a língua, os padres alemães
se utilizassem deste meio, às vezes valendo-se de modelos comuns (LIVRO DO
TOMBO, n.2 apud SANTOS 1976).
Sobre o atendimento a enfermos, essa atividade era uma das mais difíceis,
dados a ruralização da população, as distâncias e os meios de locomoção,
56
ordinariamente o cavalo. Era, no entanto, um dos recursos mais eficientes de
conquista espiritual.
Com base nesses dados, é possível concluir que, de 1940 a 1970, houve,
especialmente por parte dos padres redentoristas, uma constante preocupação em
manter a tradição, mas uma tradição cristianizada.
3.4 TRINDADE COMO FONTE DE RENDA
Segundo Bourdieu (1998), o surgimento das grandes religiões universais
está associado ao nascimento e desenvolvimento das cidades. As atividades rurais
dificultam as trocas econômicas e simbólicas e, conseqüentemente, impede a
tomada de consciência dos grupos locais, ao passo que o desenvolvimento de
atividades racionais, como comércio e artesanato, favorece a moralização das
atividades religiosas.
Esse fenômeno se processou em Trindade de Goiás, uma vez que a
institucionalização da Igreja Católica, por intermédio dos redentoristas, trouxe tanto o
desenvolvimento urbano quanto o comercial, o que propiciou a aceitação de uma
religião ética, por parte da coletividade. “O corpo de sacerdotes tem a ver
diretamente com a racionalização da religião e deriva do princípio de sua
legitimidade e teologia erigida em dogma cuja validade e perpetuação ele garante”
(BOURDIEU, 1998, p.38).
Assim, preparava-se a transformação da analogia sincrética, relacionada à
magia e ao mito, em analogia racional, e os responsáveis por esse processo eram
os sacerdotes, no caso de Trindade de Goiás, os redentoristas.
57
O resultado da monopolização da gestão dos bens de salvação por um
corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como os
detentores exclusivos da competência específica necessária à produção ou
à reprodução de um corpus deliberadamente organizado de conhecimentos
secretos, a constituição de um campo religioso acompanha a
desapropriação objetiva daquele que dele são excluídos e que se
transformam por esta razão em leigos destituídos do capital religioso e
reconhecendo a legitimidade desta desapropriação pelo simples fato de que
a desconhecem enquanto tal (BOURDIEU, 1998, p.39).
Dessa maneira, formou-se em Trindade de Goiás um verdadeiro campo
religioso, que aos poucos se tornaria um complexo de poderes. Esse campo
religioso sistematizou e organizou as práticas e representações religiosas. O mito,
história que deu origem ao culto ao Divino Pai Eterno, tornou-se a ideologia, e todos
os tabus e as magias se tornaram pecados.
A Igreja ia aos poucos lançando mão do capital religioso, na concorrência
pelo domínio da administração dos bens de salvação e do exercício legítimo do
poder de inculcar nos leigos um habitus religioso, que é
princípio gerador de todos os pensamentos, percepções e ações, segundo
as normas de uma representação religiosa do mundo natural e sobrenatural,
ou seja, objetivamente ajustados aos princípios de uma visão política do
mundo social (BOURDIEU, 1998, p.57).
no século XX, mais precisamente em 1923, o presidente do estado de
Goiás, Miguel Rocha Lima, aguardava a visita do novo bispo, D. Emanuel, mas, ao
invés de o Estado contribuir com a Igreja Católica, este é que esperava da Igreja a
sua contribuição.
58
Segundo Ronaldo Ferreira Vaz (1997) D. Prudêncio, o bispo anterior a D.
Manuel, não se preocupou com a regulamentação das fontes de renda e deixou
dívidas para a diocese.
Até 1920, a contribuição dos padres redentoristas para a diocese de Goiás
era irrisória, uma vez que estes, por causa das às festas religiosas, possuíam
condições favoráveis e até invejáveis em relações aos padres seculares.
Os padres redentoristas, por serem estrangeiros e ultramontanos, ou seja,
vinculados à Igreja Católica Apostólica Romana, discriminavam os vigários locais,
julgando-os inferiores. Por essas e outras razões os redentoristas passaram a ser
visados e voltou-se D. Emanuel para o Santuário de Trindade, com o firme objetivo
de renovar o contrato estabelecido entre a Diocese e os redentoristas.
Vários conflitos ocorreram entre D. Emanuel e os redentoristas, chegando
ao ponto de o bispo informar em carta que, havia nomeado em documento uma
comissão para fiscalizar o movimento religioso e financeiro do Santuário de Trindade
e também fazer a tomada de conta dos anos anteriores.
Em 1922, foram os cofres do Santuário abertos e as denúncias de D.
Emanuel confirmadas. Encontraram-se valores vultosos, ao passo que a Diocese
definhava-se financeiramente.
Com isso, D. Emanuel chegou a enviar carta ao Papa Pio XI, solicitando que
os rendimentos da Romaria do Barro Preto fossem utilizados exclusivamente na
manutenção do seminário e das igrejas, e na formação do patrimônio. As pressões
foram tantas que, em 1924, os redentoristas foram obrigados a discutir um novo
contrato e esse novo contrato gerou uma série de polêmicas, com relação à sua
duração, à remuneração deles etc.
59
Esse conflito se mostrou tão aguçado que os redentoristas colocaram o
Santuário à disposição. Em dezembro de 1924, com a interferência do arcebispo do
Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, os padres redentoristas foram convencidos a
assinar o contrato com a diocese por dez anos.
Os pontos principais do contrato eram a concessão da Paróquia de
Campinas e da direção do Santuário de Trindade aos redentoristas e a fiscalização
da renda pela diocese. Somente em maio de 1925 os padres Thiago Klinger, José
Frabcusci Wand e João Batista aceitaram validar o documento. Assim, D. Emanuel
saiu vitorioso, e a diocese de Goiás contava, a partir daí, com uma fonte permanente
e estável de renda.
Em 1939, o contrato foi renovado entre a diocese e os redentoristas. Neste
novo contrato D. Emanuel completou o controle sobre o Santuário, mediante a
redução da porcentagem destinada aos redentoristas para um único índice e
controle sobre as contas.
Bourdieu (1998, p.59) sintetiza esse processo:
A gestão do depósito de capital religioso, produto do trabalho religioso
acumulado, e o trabalho religioso necessário para garantir a perpetuação
deste capital garantindo a conservação ou a restauração do mercado
simbólico em que o primeiro se desenvolve somente podem ser
assegurados por meio de um aparelho de tipo burocrático que seja capaz,
como por exemplo, a igreja, de exercer de modo duradouro a ação contínua
necessária para assegurar a sua própria reprodução ao reproduzir os
produtores de bens de salvação e serviços religiosos, a saber, o corpo de
sacerdotes, e o mercado oferecido a estes bens, a saber, os leigos como
consumidores dotados de um mínimo de competência religiosa (habitus
religioso) necessária para sentir a necessidade específica de seus produtos.
60
4 TRADIÇÃO E MODERNIDADE: DÉCADAS DE 1970 a 1980
A partir da década de 1970, percebe-se claramente o avanço da
modernização capitalista no Brasil e, de modo especial, no Centro-Oeste, onde se
encontram Goiás e Trindade, a cidade-santuário. É possível observar no período
citado, o avanço de uma frente pioneira, que aos poucos vai impactando as
tradições populares.
A frente pioneira representa a incorporação de novas regiões à economia
de mercado; ela se apresenta, assim, como fronteira econômica, isto é,
como limite de avanço da dominação capitalista e a sua instauração de
empreendimentos econômicos, como empresas imobiliárias, ferroviária,
comerciais, bancárias etc.; loteiam terras, transportam mercadorias
compram e vendem, financiam a produção e o comércio (MARTINS, 1975,
p.45).
O avanço do capitalismo trouxe uma série de inovações e problemas, entre
os quais o aumento da criminalidade, sobretudo quando a região analisada cresceu
em função da chamada Marcha para o Oeste, programa de incentivo para ocupação
da região Centro-Oeste, o qual causou um intenso processo de migração da
população rural para a cidade (FONSECA, 1999). Um outro aspecto a ser abordado
é a construção de Brasília, na década e 1960, e da própria Goiânia, planejada e
construída às pressas nessa mesma década. Trindade, a cidade-santuário, não ficou
imune a esse processo.
Em O Desencanto do Oeste (2001), o antropólogo Lima Filho contextualizou
a Marcha para o Oeste como um empreendimento de Getúlio Vargas, na tentativa de
61
associar o seu governo a um sentimento de brasilidade. Para este autor, a Marcha
para o Oeste era apenas mais uma característica nacionalista do governo de Getúlio
Vargas, que tinha o objetivo de agradar o povo brasileiro, o qual deixou na esteira,
mediante uma crise ocorrida na região Centro-Oeste.
Finalmente, avançar para o sertão, meta básica da Marcha para o Oeste, do
Estado Novo, significa realimentar, com tons nacionais, a idéia lusitana de
sertão como lugar para civilizar e acelerar a frente econômica, coincidindo
fronteira e sertão (LIMA FILHO, 2001, p.66).
Segundo José de Sousa Martins (1975, p.48), alguns movimentos de origem
messiânica, como o Contestado no Paraná, Santa Catarina, “constituíram os efeitos
destrutivos do choque de duas ordens econômico-sociais diversamente
estruturadas”.
Nesse contexto, é possível perceber que a Romaria do Divino Pai Eterno
também sofreu impactos e que sua tradição, aos poucos, cederia lugar às
características da modernidade, com práticas devocionais incorporadas a atividades
que passariam a atrair devotos para o consumo de bens e serviços comercializados
durante o seu acontecimento.
Apesar de a década de 1970, em Goiás, ter sido palco de transformações,
práticas rituais e simbólicas advindas da tradição da Romaria continuaram a ser
desempenhadas, revestidas de novos significados e valores.
Os romeiros de Trindade passaram a adquirir novas necessidades, em
razão dos empregos fixos e horários a ser cumpridos, que os impediam de
despender o tempo tradicional na Romaria
1
. Os filhos mais jovens desses romeiros,
1
Esse assunto já foi contemplado no Capítulo 2.
62
além de participarem da Romaria e da devoção ao Divino Pai Eterno, passaram
também a buscar a diversão na festividade.
Diante disso, pode-se ressaltar o conceito de religião, consagrado em
análises durkheimianas, ou seja, o de ‘efervescência coletiva’:
É por isso que a própria idéia de cerimônia religiosa de alguma importância
desperta naturalmente a idéia de festa. Inversamente, toda festa, quando,
por suas origens, é puramente leiga, apresenta determinadas
características de cerimônia religiosa, pois, em todos os casos, tem como
efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as massas e suscitar
assim estado de efervescência, às vezes até de delírio que não deixa de ter
parentesco com o estado religioso (DURKHEIM, 1989, p.456).
Nota-se então que a Romaria passou por uma adequação para se manter
como forma popular de religiosidade.
A pesquisa realizada no jornal Folha de Goiáz sobre a década de 1970
apresenta dados sobre uma crise da Romaria de Trindade, em razão especialmente
desse processo de adequação, provocado pelo avanço da modernização capitalista.
É como se a tradição precisasse ser reinventada, como proposto por Hobsbawm
(1997). Segundo ele, as tradições “inventadas” estabelecem com o passado uma
continuidade artificial, são reações a situações novas, que servem como referência a
situações anteriores, ou estabelecem o passado mediante a repetição.
Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente
reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas de
natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma
continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se
estabelecer continuidade com o passado histórico apropriado
(HOBSBAWM, 1997, p.9).
63
O objetivo dessas tradições inventadas não é variável: o passado virá à tona
com as repetições de rituais formais, porém com novos acessórios. Essa
característica as diferencia dos ‘costumes’, pois estes podem ser totalmente tolhidos,
uma vez que seriam idênticos aos do passado precedente.
Hobsbawm considera que a invenção de tradições é essencialmente um
processo de ritualização que, refere-se ao passado através de repetição. O autor
supõe que esse processo de invenções de tradições se manifestaria com mais
freqüência
Quando uma transformação rápida da sociedade debilita ou destrói os
padrões sociais para os quais as velhas tradições foram feitas, produzindo
novos padrões com os quais essas tradições são incompatíveis; quando as
velhas tradições, juntamente com seus promotores e divulgadores
institucionais, dão mostras de ver perdido grande parte da capacidade de
adaptação e da flexibilidade; ou quando são eliminadas de outra forma
(HOBSBAWM, 1997, p.12).
Em resumo, as tradições são inventadas quando ocorrem grandes e rápidas
transformações, como as sucedidas na Romaria do Divino Pai Eterno, em evidência
neste estudo. As transformações históricas foram muitas e rápidas. A Marcha para o
Oeste alavancou o capitalismo em Goiás, despertando novas necessidades entre os
romeiros.
Houve adaptação quando foi necessário conservar velhos costumes em
condições novas ou usar velhos modelos para novos fins. Instituições
antigas, com funções estabelecidas, referências ao passado e linguagens e
práticas rituais, podem sentir necessidades de fazer tal adaptação
(HOBSBAWM, 1997, p.13).
64
Em seu estudo sobre a Romaria do Bom Jesus da Lapa, o antropólogo
STEIL (1996) concluiu que as Romarias são portadoras de uma tradição
continuamente reinventada pelos participantes, objetivando a legitimação de valores.
Quando evocam a tradição, esses diversos atores pretendem, na verdade,
acionar um estoque de referências religiosas e práticas rituais que foram
sendo acumulada em torno do Santuário, com ou sem o selo da ortodoxia,
mas que hoje são usadas para socializar seus sistemas de idéias e padrões
de comportamento (STEIL, 1996, p.59).
Nesse sentido, as Romarias colocam em relação diferentes comunidades de
interpretação, que atualizam o sentido de suas práticas, por intermédio da interface
de outros discursos com o Santuário. As Romarias oferecem um amplo repertório de
símbolos e ritos que os romeiros manipulam para lidar com as transformações
geradas pela modernização capitalista.
Na Romaria de Trindade, ocorreram inovações que foram ao encontro do
avanço capitalista, porém revestidas de antiguidade. Com isso, seriam utilizados
elementos antigos na elaboração de novas tradições ‘inventadas’, com objetivos
originais.
4.1 AFLUXO DE ROMEIROS
No início da década de 1970, o Brasil vivia o período mais violento da
ditadura militar. Censura, assassinatos e torturas tornaram-se comuns dentro dos
presídios.
As notícias sobre a ditadura eram veiculadas pela imprensa clandestina.
Muitos documentos sobre as práticas de torturas e outros horrores só existiam
65
graças à ação da Igreja Católica, que participou de movimentos de oposição à
ditadura nas décadas de 1970 e 1980.
O governo Médici (1969-1974) destacou-se por ter sido o mais repressivo.
Eram feitas propagandas para o engrandecimento do Brasil, com apresentação de
slogans ufanistas do tipo “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Em 1970, o Brasil ganhou a
Copa do Mundo no México, e a música “Pra frente Brasil” tornou-se uma espécie de
hino.
O presidente Médici tornou-se popular, uma vez que poucas pessoas
tinham acesso ao que acontecia nos ‘porões’ da ditadura. Foi nesse contexto que
teve início o ‘milagre econômico’. Segundo Mota (2002) este modelo econômico foi
preconizado pelo então ministro Delfim Neto, que afirmava que, para haver a
distribuição das riquezas entre todas as camadas da população, antes era
necessário que a economia crescesse. Essa política levou à brutal concentração da
renda, cujo anverso foi o processo de exclusão da maioria da população do
mercado.
Boris Fausto (1995) caracterizou esse período como “capitalismo
selvagem”. Imensos projetos, como o projeto da rodovia Transamazônica, que seria
construída para assegurar o controle brasileiro da região, não foram nada mais do
que fracassos.
Esta pesquisa, em relação ao afluxo de romeiros em Trindade de Goiás,
coincide com esse período da história do Brasil, que culmina com a crise da
Romaria, que será debelada no final dos anos 1980. Enfoca, especificamente, os
acontecimentos a partir de 1988, com a construção da Rodovia dos Romeiros, que
condiz com o período da redemocratização do Brasil.
66
De 1970 a 1977, percebe-se em Trindade um aumento do número de
romeiros. Estes chegavam de diversas partes do Estado e lotavam cada vez mais o
Santuário, que, muitas vezes, pareceria pequeno em função do grande número de
pessoas.
Na década de 1970, segundo o jornal Folha de Goiáz, aumentaram os
acidentes como colisões e atropelamentos, até mesmo com vítimas fatais. Foi
constatado que alguns dos condutores dos veículos dirigiam alcoolizados. Segundo
um dos relatos:
Eram três horas da madrugada de sábado para domingo. À altura do
quilômetro 4, o jovem Jaime Gomes de Oliveira se dirigia para Trindade
pagando uma antiga promessa. Todavia o destino havia lhe reservado a
morte, justamente naquela hora, pois José Batista de Mendonça o colheu de
modo brutal, matando-o instantaneamente (FOLHA DE GOIÁZ, 1970, p.6).
A rodovia GO-03 era bastante estreita e, apesar do intenso policiamento,
não era possível evitar acidentes.
Em 1970, a prefeitura esperava a visita de 200 mil romeiros a Trindade, mas
apenas cerca de 100 mil compareceram. Falava-se em crise financeira, mas os
pagadores de promessas não faltaram, diminuindo apenas a quantidade de festeiros
na parte social, por causa da proibição de ‘ranchões’ decretada, naquele período,
pelas autoridades locais.
Mesmo com a participação reduzida, as acomodações ficaram lotadas,
fazendo com que os romeiros acomodassem em barracas ou em casas de parentes,
enfim, o que importava era a alegria da festa. “São romeiros de todas as classes
sociais, que vêm de distantes rincões. Numa cruciante via-sacra percorrida a pé ou
em incômodas conduções” (FOLHA DE GOIÁZ, 1970, p.5).
67
Ainda em 1970, é possível constatar também que os primeiros a chegar a
Trindade foram os exploradores comercias, que não ficaram muitos satisfeitos com a
proibição dos ranchões e jogos de azar, os quais, segundo o delegado Joaquim
Costa Pinto, geravam prostituição de menores.
Percebe-se que, apesar das modificações, no ano de 1970, a festa
continuava a mesma e, até com as inovações, como a proibição de ranchões e
barraquinhas de jogos, a tradição ainda permanecia.
Em 1971, a Polícia Rodoviária Estadual tomou uma série de providências
para evitar acidentes na GO-03, que liga Goiânia a Trindade.
De acordo com nota expedida pela Polícia Rodoviária Estadual, será dada
assistência aos motoristas cujos veículos não ofereçam condições de
tráfego, de adquirirem peças que faltarem nos carros, caminhões ou ônibus.
(FOLHA DE GOIÁZ, 1971, p.6)
Na perspectiva do sociólogo Pessoa (2005), qualquer um que andar pelas
ruas de uma cidade em festa poderá ver além do que é institucional, ou seja, verá
formas rituais próprias e também lazer e diversão. “É antiga e clássica na festa do
Divino Pai Eterno em Trindade a máxima primeiro a devoção, depois a diversão
que pautou a conduta de milhares de romeiros naquele centro religioso”
(PESSOA, 2005, p.35).
Para os romeiros de Trindade, isso significa que os dois momentos fazem
parte da festa. Mesmo com a instituição católica doutrinando-os, estes também
fazem sua própria festa.
A fé popular instiga certa indisciplina religiosa, atraindo a ritualidade para o
centro da rua. Esse fenômeno é visível, como se observa a seguir.
68
Em Trindade, para animar os romeiros durante a festa foi então instalado
um parque de diversões, o qual, no entanto, passou a atrair pessoas que abusavam
da boa fé dos romeiros oriundos da zona rural. Isso fez com que a Polícia Rodoviária
se instalasse nos arredores do parque.
As esmolas foram proibidas nas calçadas da cidade. Os padres passaram a
destinar uma área próxima à Vila São Cotolengo para que os pobres pedissem
esmolas. Essa tradição ainda permanece, apesar de ainda existirem pedintes
próximos aos santuários.
O comércio intensificou-se e até os banhos começaram a ser cobrados.
Com isso, a cidade parecia um ‘formigueiro’. No entanto, observou-se a tendência a
diminuir o afluxo de participantes. Segundo a interpretação dos padres, isso não se
daria por falta de fé, mas em função das exigências da polícia.
No ano de 1971, também houve a atuação intensa da Osego (Organização
de Saúde do Estado de Goiás). Estabeleceu-se atendimento médico em Trindade e
ao longo da rodovia. Todas essas preocupações com o policiamento e com a saúde
pública eram em função de manter a Romaria, não permitindo que a tradição se
esvaísse. “No próximo ano, outra vez Trindade voltará a ser, nesta época o centro da
atenção religiosa do Estado”, enfatizava a imprensa (FOLHA DE GOIÁZ, 1971, p.1).
Na visão dos padres, aos romeiros jamais faltaria à fé. A diminuição do
número de participantes ocorreria por causa das dificuldades impostas pela polícia,
como dito, e pela crise econômica, também mencionada nos jornais da época.
Nesse contexto, torna-se clara a tentativa de os padres de justificarem a diminuição
do número de fiéis.
69
No ano de 1972, comemoraram-se 30 anos do início da construção do
Santuário Novo e, segundo algumas estimativas, para tal, tinham sido gastos 500
milhões de cruzeiros, não sendo prevista a conclusão da obra.
Segundo Oliveira (1999), “o Santuário é lugar especial, privilegiado, onde
Deus manifesta de modo muito sensível a sua misericórdia”.
As palavras de Oliveira (1999) enfatizavam o Santuário como local sagrado,
que, e somente com a ajuda e a misericórdia do povo poderia ser concluído. Nesse
ponto, pode-se observar o discurso da tradição, persuadindo o romeiro a não
abandonar Trindade, continuando, assim, a contribuir com as obras da Igreja.
Em 26 de junho de 1972, é possível constatar em arquivo do jornal Folha de
Goiáz que, antes do início da festa, uma série de furtos foi registrada em Trindade e
também muitos pedidos de alvarás de licenças para abertura de barracas foram
feitos.
É possível notar também que, além de todos os hotéis e as pensões
estarem lotados, as pessoas alugavam suas próprias casas e seus quintais. Assim,
conclui-se que a festa deixou de ter um sentido unicamente religioso, passando a ter
um sentido também econômico. A Romaria tornara-se um meio de vida.
Diante disso, nota-se o quanto a Romaria cresceu economicamente, tanto
para os habitantes de Trindade como para aqueles que moram em cidades vizinhas.
Essa tendência pode ser compreendida em um contexto de desemprego e
desqualificação profissional, enfim, em uma série de problemas gerados pelo avanço
desordenado da modernização capitalista da região.
No ano de 1974, observa-se a preocupação do governo estadual com o
policiamento e a saúde pública durante a festa.
70
Desde a última sexta-feira a GO-O60, trecho entre Goiânia e Trindade, está
sendo ostensivamente patrulhado pelo Batalhão de Polícia Militar Polícia
Rodoviária Estadual, visando dar a máxima proteção a todos que seguem
para a capital Católica do Estado (FOLHA DE GOIÁZ, 1974, p.3).
“A polícia garante proteção aos romeiros” (FOLHA DE GOIÁZ, 1974, p.3).
Valendo-se dessas pequenas notas de jornal, percebe-se uma preocupação do
governo estadual com a preservação da Romaria. São diversos interesses em jogo.
Por sua vez, a Osego acionou seus dispositivos visando a garantir a higiene
necessária ao ambiente da cidade. O cuidado com a higiene visava a evitar
epidemias, que poderiam ser provenientes da grande aglomeração e do lixo
acumulado nas ruas e lotes onde se instalavam os ‘roceiros’.
No encerramento da festa do ano de 1974, a celebração da missa foi feita
por D. Fernando Gomes, arcebispo de Goiânia, e contou com a presença do, então,
governador do Estado e de outras autoridades civis e militares, tradição que passou
a ser preservada ao longo das décadas seguintes, até os nossos dias.
um aspecto interessante a se ressaltar, também ocorrido no ano de
1974: a definição de que todos os donativos de romeiros deveriam ser colocados
diretamente nos cofres da Igreja, jamais devendo ser entregues a pessoas e em
altares, mediante alegação de que pessoas inescrupulosas ainda que se
dissessem representantes da Igreja Católica pudessem pessoalmente se
apropriar.
Nesse mesmo ano, a Igreja ressaltou também os cuidados que deveriam
ser tomados com as promessas, as quais obedeceriam aos critérios desta. Percebe-
se, nessa medida, a intenção de evitar exageros nos sacrifícios que levavam até ao
sofrimento físico. No entanto, o sucesso da orientação da Igreja nesse âmbito não foi
completo.
71
Ainda no ano de 1974, parece claro que tanto a Igreja quanto o governo do
estado se preocupavam com a preservão da Romaria do Divino Pai Eterno. Torna-se
evidente que a economia local e do entorno de Trindade adquiriram um aspecto
bastante ativo durante a Romaria, o que em outras épocas, seria totalmente atípico. Daí
a preocupação do governo com a saúde blica e com o policiamento que foi
mencionada. A Igreja Católica coordenou esse processo conforme suas próprias
necessidades.
No ano de 1975, a Romaria do Divino Pai Eterno em Trindade se propagou
pelo Brasil inteiro, e as pessoas buscavam o ‘milagre do Divino, mas, segundo
boletins de polícia, junto com os romeiros vinham também criminosos e ladrões, o
que aumentou a necessidade de policiamento constante. As incidências delituosas
passaram a ser freqüentes nas regiões dos circos, dos parques e das barracas de
danças.
Para Pessoa (2005), mesmo diante dos problemas relacionados, não é
possível conceber uma festa popular em Goiás sem barraquinhas coloridas, onde
são comercializadas diversas mercadorias, como roupas, brinquedos, comidas,
bebidas etc. São comuns também os jogos de azar.
Os fiéis percorrem as barraquinhas com a mesma fidelidade em que
cumprem a obrigação religiosa. Há também a presença de ‘artistas’ anônimos,
prostitutas e pedintes.
Velhos carreiros até contam que era comum nas vilas [...], o frete em carros de
bois em casas de prostituição, [...]. É que nos dias da festa são dias em que os
homens se predispõe mais à diversão e gastança. (PESSOA, 2005, p.38).
72
Apesar da religiosidade da Romaria, pessoas a freentam para mendigar,
praticar o comércio e até mesmo se divertir. Por isso, surge uma rie de problemas,
como o banditismo e a prostituição. Perde-se o sentido religioso, que se torna mundano.
Segundo o fenomenólogo Eliade (1999, p.101), em O sagrado e o profano;
O homem religioso sente a necessidade de mergulhar periodicamente neste
tempo. Tempo sagrado e indestrutível. Para ele, é o tempo sagrado que
torna possível o outro tempo, ordinário, a duração profana em que se
desenrola toda a humana existência.
No mesmo ano de 1975, foi feito um estudo no sentido de acabar com os
problemas sociais, que se agravaram, mas poucas pessoas convocadas a se
envolverem nele, compareceram. Na organização desse estudo, coordenado pela
então secretária de serviços sociais do governo estadual participaram o arcebispo de
Goiânia, D. Fernando Gomes, a Prefeitura Municipal e alguns dirigentes de
entidades de assistência social de Trindade.
Não houve uma solução definitiva, mas, pelo menos, foi feita uma triagem
dos mendigos.
Segundo a Secretaria, o objetivo era o permitir que a festa se e
desvirtuasse. Salientando que o estudo feito naquele ano seria aproveitado
para os próximos quando se pretendia pôr em execução um plano definitivo
de amparo assistencial ao romeiro de modo geral, livrando a cidade de
espetáculos alheios à finalidade da festa que seriam evitados através de um
planejamento de profundidade (FOLHA DE GOIÁZ, 1975, p.3).
Apesar de os problemas terem se agravado nas décadas posteriores a
1970, essas iniciativas não arrefeceram. Segundo o Padre Viana, o número de
romeiros diminuiu, mas, em compensação, a cidade ficou mais bem organizada, com
73
melhores condições de saneamento básico, mais segurança e com participação
sempre intensa nos atos litúrgicos (FOLHA DE GOIÁZ, 1975).
No ano de 1976, a cidade de Trindade passou a viver em função da
Romaria, e a cada ano os moradores aguardavam ansiosamente o seu início, que,
com certeza, lhes renderia alguns trocados.
4.2 CRISE DA ROMARIA
No ano de 1977, percebe-se que tanto a Prefeitura de Trindade quanto o
governo estadual continuavam preocupados com a preservação da Romaria. Com
isso, as obras de asfaltamento que dão acesso às ruas do centro da cidade foram
concluídas e até as vias secundárias receberam irrigação para evitar a poeira. A
Osego também cumpriu o seu programa de segurança, e até vacinas contra
doenças infecto-contagiosas foram aplicadas na população.
Todas essas preocupações se deram em função de preservar o sentido
tradicional da festa, que, apesar de baseado no conhecimento da mítica popular, se
encontrava imerso em um acelerado processo de desenvolvimento econômico,
amplamente atrelado à modernização capitalista da região.
No fim da festa do ano de 1977, o número de romeiros estava cada vez
menor. Os comerciantes reclamavam do fraco movimento, e a Osego e o
policiamento atendeu a poucos casos. "Eu sempre venho a Trindade cinco dias
antes e nunca vi novenas tão fracas como agora”, disse Maria Angélica de Almeida,
participante da Romaria havia mais de 10 anos (FOLHA DE GOIÁZ, 1977, p.2).
Com a modernização da região, as tradições, de fato, modificaram-se como
se pôde observar na Romaria de Trindade.
74
Segundo Giddens (1991), os modos de vida produzidos pela modernidade
nos separam dos tipos tradicionais de ordem social. As transformações na
modernidade são mais profundas, e o mundo atual é perigoso, o que nos força a
provar que, com a modernidade, não vivemos mais felizes e seguros.
O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e
de sua recombinação de formas que permitem o zoneamento tempo-
espacial preciso da vida social; do desencaixe dos sistemas sociais (um
fenômeno intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação
tempo-espaço); e da ordenação e reordenação reflexiva das reações sociais
à luz das contínuas entradas de conhecimento, afetando as ações dos
indivíduos e grupos (GIDDENS, 1991, p.25).
Os riscos e os perigos continuam existindo, porém secularizados, pois são
criados pelo próprio homem e, então, pouco sobra para a influência divina. E, com o
advento do capitalismo, ele enfrenta novos riscos por si próprios criados. As
tecnologias dão mais segurança aos homens, mas são reelaboradas novas
concepções de segurança, riscos e perigo. “Se por um lado, os mecanismos de
desencaixe proporcionaram grandes áreas de segurança no mundo de hoje, o novo
elenco de riscos que por ali foram trazidos à vida é realmente formidável”
(GIDDENS, 1991, p.127).
Muitos daqueles romeiros que se deslocavam viajando dias e dias em seus
carros de bois, em função de necessidades, saíram do campo e migraram para as
cidades. Os seus filhos estudaram e adquiriram novas profissões. Alguns ainda iam
à festa do Divino Pai Eterno, porém de automóvel, voltando no mesmo dia. Alguns
assalariados precisavam cumprir horários. Outros, movidos pelo êxodo rural, devido
ao fracasso econômico no meio urbano, deixaram de participar. Enfim, inúmeras as
razões relacionadas ao processo de modernização modificariam radicalmente a
75
estrutura inicial da Romaria, apesar dos estímulos de preservação contidos no
discurso eclesial.
Em 1978, no entanto, o número de romeiros em relação ao ano anterior
aumentou sensivelmente. "Não te falei que este ano o número de romeiros seria
maior do que o ano passado?" Assim exclamou, então, o padre João Pedron
(FOLHA DE GOIÁZ, 1977, p.2).
Conjunturas locais e a mesmo nacionais interferiram no afluxo de
romeiros. A dos fiéis não permitiu o arrefecimento daqueles que passavam a vida
a se preparar para o grande acontecimento, aguardado a cada ano, que era sua
presença na Festa do Divino Pai Eterno em Trindade.
De acordo com as palavras do padre João Pedron, poderia se perceber a
necessidade de a Igreja justificar a diminuição do número de romeiros, pois havia
sempre a expectativa de um ritmo ascendente a cada ano.
No ano de 1979, a cidade ficou lotada apenas no último dia da festa, mesmo
assim a solenidade de encerramento contava com a presença do governador do Estado
e de diversas autoridades. Percebe-se, então, que todas as mudanças ocorridas na
cada de 1970, e analisadas nas ginas anteriores, evidenciam que a tradição, ao
confrontar-se com a modernidade, modifica-se, adequando-se à nova conjuntura.
A década de 1980 assinala o ápice do conflito entre tradição e modernidade,
uma vez que, em todos os anos, o ponto alto da Romaria se restringia aos
domingos. Extinguia-se definitivamente, assim, o período em que os fiéis podiam
deixar seus afazeres por mais de uma semana para se dedicarem à devoção. Com a
intensa modernização em Goiás, esse período prolongado de afastamento do
trabalho tornou-se impossível.
76
Na obra O mal estar da pós-modernidade, o sociólogo Bauman (1998)
discute a racionalização da religião, uma vez que, na sua visão, a religião se
torna plausível na pós-modernidade se atingir o cotidiano das pessoas.
A idéia da auto-suficiência humana minou o domínio da religião
institucionalizada não prometendo um caminho alternativo para a vida eterna,
mas chamando a atenção humana para longe desse ponto; concentrando-se,
em vez disso, em tarefas que os seres humanos podem executar e cujas
conseqüências ele podem experimentar (BAUMAN, 1998, p.213).
Segundo essa perspectiva sociológica, os cuidados com os interesses
individuais na modernidade ameaçaram de desaparecimento a escatologia. A vida
terrena tornou-se mais importante e somente religiões fundamentalistas tornar-se-
iam plausíveis.
O fundamentalismo promete desenvolver todos os infinitos poderes do
grupo que quando plenamente disposto compensaria a incurável
insuficiência de seus membros individuais, e justificaria, dessa maneira, a
indiscutível subordinação das escolhas individuais a normas proclamadas
em nome do grupo (BAUMAN, 1998, p.228).
Em Trindade, a maior parte da programação religiosa ocorre no Santuário
Novo, mas a grande massa do povo se encontra em volta da velha matriz, onde o
comércio e a feira são atividades constantes. Nessa área, a mendicância também é
intensa. São muitas também as bancas de jogos e outras atividades.
A boemia também se faz presente, e, à noite, os ranchões voltaram a ser as
maiores atrações. Os bares são bastante freqüentados, constituindo-se em
77
permanentes e temporários. Existe também a zona de baixo meretrício, em um morro
afastado da cidade, tal como se observa em diversos contextos festivos em Goiás.
Nossas raízes sertanejas são marcantes nas rezas de São João, nas
novenas e, de maneira exuberante, na festa do Divino Pai Eterno em
Trindade. [...], a presença do negro também se faz sentir nas festas de Nossa
Senhora do Rosário e nas Congadas, cujo acontecimento maior é a festa
anual na cidade de Catalão. [...] Os imigrantes europeus trouxeram traços
festivos dos tempos medievais, dos quais temos em nosso estado uma parte
significativa nas folias de Reis do Divino, nas Cavalhadas, na procissão do
Fogaréu, nas novenas e devoções de santos (PESSOA, 2005, p.33).
As pessoas seguem pelas rodovias que dão acesso a Trindade
alegremente, alguns cumprindo promessa, outros por tradição e mesmo como forma
de desafio.
A Rodovia dos Romeiros foi concluída em 1987, numa extensão de cerca de
20Km, com duas pistas de rolamento de 7 metros e dois canteiros, uma central de 6
metros de largura e uma lateral, entre a passarela dos romeiros e a pista do lado
esquerdo, com 3 metros. A passarela dos romeiros tem 2,80 metros de largura e
ficou na parte esquerda da pista, no sentido Goiânia-Trindade. Essa rodovia foi um
dos mecanismos encontrados pelo governo de Goiás para preservar a Romaria, não
permitindo que os romeiros em função da dificuldade, desistissem de ir à Trindade, a
cidade santuário.
78
4.3 O AVANÇO DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL E A CRISE DA ROMARIA
DO DIVINO PAI ETERNO EM TRINDADE
Assim como pôde ser visto no item anterior, a Romaria em Trindade de
Goiás foi marcada por uma enorme crise, do final dos anos 1970 até o fim dos anos
1980. Um forte indicador para esse processo foi o avanço do pentecostalismo no
Brasil, sobretudo com base na trajetória da Teologia da Prosperidade.
Segundo Mariano (2005), a Teologia da Prosperidade iniciou sua trajetória
no Brasil nos anos 1970 e penetrou em diversas igrejas, porém com mais ênfase na
Igreja Universal do Reino de Deus e na Internacional da Graça de Deus.
[...] a Teologia da Prosperidade valoriza a em Deus como Meio de obter
saúde, riqueza, felicidade, sucesso e poder terrenos. Em vez de glorificar o
sofrimento, tema tradicional do Cristianismo enaltece o bem-estar do Cristão
neste mundo. Embora defendam que o verdadeiro cristão está predestinado
a uma vida próspera, feliz e vitoriosa (MARIANO, 2005, p.158).
Esses valores propostos pela Teologia da Prosperidade vão ao encontro do
ethos do povo brasileiro, que, como foi visto nos anos 1970, vivenciou a ditadura
militar, envolta pelo milagre brasileiro.
A seguir demonstra-se essa trajetória, com base na hipótese levantada por
Pierre Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994) em relação a esse assunto. Em Nem
anjos, nem demônios, Antoniazzi (1994) levanta e discute essa hipótese com
propriedade.
79
4.3.1 História do Pentecostalismo no Brasil e a Reação da Igreja Católica ante a
esse Fenômeno
O neopentecostalismo pode ser considerado um fenômeno mundial. É como
se fosse um processo de globalização de um ramo do cristianismo, com
características populares. Todos os continentes estão vivenciando esse crescimento.
Destaca-se a América Latina, com ênfase no Brasil.
Goiânia, atualmente, é considerada a capital do Brasil com mais
evangélicos.
A capital brasileira proporcionalmente com mais evangélicos pentecostais é
Goiânia. As denominações desse ramo religioso concentram-se 20,41% da
população. O total de protestantes chega a mais de 25%, enquanto os
católicos somam 62,2% (O POPULAR, 2007, p.5-7).
Na América Latina, o termo protestante é utilizado para designar tanto as
igrejas protestantes históricas quanto as pentecostais, porém existem diferenças. O
pentecostalismo nascido nos EUA acredita que Deus, por intermédio do Espírito
Santo e em nome de Cristo, continua a agir da mesma forma que no cristianismo
primitivo.
Os mesmos fatores que favoreceram o crescimento do pentecostalismo
incrementaram também a Renovação Carismática, originária do pentecostalismo
protestante. Porém, o episcopado se divide: uns apóiam, a maioria apóia com
restrição e outros proíbem.
Segundo Antoniazzi (1994), as pessoas que deixam o catolicismo são
aquelas que estavam fora da Instituição e as ligadas ao catolicismo tradicional.
80
Um outro aspecto levantado por esse autor é que a capacidade missionária da Igreja
Católica está limitada.
Os católicos estão deixando a religião por causa da sua ‘secularização’, eles
tem abandonado as práticas populares, e também em razão da burocratização do
Clero e das dificuldades deste em estabelecer relações com as comunidades.
É possível perceber uma mudança na postura da Igreja Católica nas últimas
décadas em função desse problema citado. O catolicismo tem buscado mais
secularização, e isso ocorre mediante a utilização da imprensa (Rede Vida), a
revalorização de tradições populares (Romarias), os sacerdotes mais disponíveis às
necessidades do povo etc.
Enfim, ainda são necessários muitos estudos para entender o avanço
progressivo de uma minoria religiosa num país denominado “maior país católico do
mundo” (MARIANO, 1999, p.15). Os pentecostalistas conseguiram se embrenhar por
todos os cantos do Brasil, e o que fica claro é que só não os quem não quer. São
inúmeros templos, programas de televisão das mais diversas espécies, que vão de
cultos de libertação, Clip Gospel até sites na internet.
Segundo Antoniazzi (1994), a Igreja Católica tem que acordar para novos
desafios e entender as necessidades básicas dos seres humanos. A Igreja Católica,
assim como os pentecostalistas, terão de ir ao encontro do ethos cultural do povo.
4.3.2 Ethos – A Estética de um Povo, o Repto Pentecostal à Cultura Católica-
brasileira
Segundo o antropólogo Geertz (1989), as formas, os veículos e os objetos
de cultos, em todas as religiões de todos os povos, estão pautados pela moral. O
sagrado exige a devoção e reforça o compromisso emocional. Assim, a religião
81
fundamenta as exigências mais específicas da ação humana nos contextos mais
gerais da existência humana.
Os aspectos valorativos e morais de uma determinada cultura o
resumidos como ethos, o tom, o caráter, a qualidade de vida, o estilo moral e
estético. Essa determinada cultura ou esse povo terá uma visão de mundo
elaborada, com base em simples realidade, em conceito de si mesmo e da
sociedade. O ethos representa um tipo de vida implícito que a visão de mundo
descreve.
Para Geertz (1989), essa relação significativa entre valores que o povo
conserva e a ordem geral da existência na qual ele se encontra é um elemento
essencial em todas as religiões. Por isso, a religião tenta fornecer significados gerais
em termos que cada indivíduo interpreta sua experiência e interpreta sua conduta.
Esses significados são armazenados por intermédio de símbolos, que o
dramatizados em rituais, relatados em mitos, e resumidos para os que acreditam em
ethos. “A tendência a sintetizar a visão de mundo e o ethos em algum nível, embora
não necessária logicamente, é pelo menos empiricamente coercitiva” (GEERTZ,
1989, p.94).
Assim, um conjunto de símbolos sagrados e ordenados forma um sistema
religioso, e, para os que acreditam nesse sistema, a vida se mediada por ele.
Aqueles que porventura ignorarem as normas moral-estética que os símbolos
formulam são considerados estúpidos e até loucos.
Segundo Geertz (1989), os símbolos sagrados apontam a existência do
bem e do mal. Tudo que um povo teme e não gosta é retratado em sua visão de
mundo, que é expressa pelo ethos.
82
Dessa forma, a força de uma religião representa o poder da imaginação
humana de construir uma imagem da realidade em que as coisas não acontecem
por acaso, ou seja, todas as coisas têm um significado. Por isso, a religião mistura o
ethos e a visão de mundo e ao conjunto de valores sociais uma aparência de
objetividade, em que as condições de vida são impostas.
Baseando nas interpretações de Geertz (1989), foi possível compreender a
importância dos símbolos para as religiões, pois por meio deles os fiéis adotam um
ethos, que, mesmo estando implícito, é descrito pela visão de mundo e dessa forma
inculca no homem religioso o que o bem e o que o mal.
Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994) levanta a hipótese de que o crescimento
pentecostal pode ter uma relação com a mudança do ethos-religioso da população.
Este mesmo autor diz que os pentecostais desafiaram a cultura ‘católico-brasileira’
em busca de seu espaço. O autor faz algumas reflexões sobre o pentecostalismo e a
Igreja Católica, baseando-se em dados do Censo Evangélico, advertindo, no
entanto, que seu trabalho constitui apenas o começo de uma pesquisa.
De acordo com Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994) a expressão ‘cultura
católico-brasileira’ pode significar duas coisas. A primeira significação é de que, no
final do culo XIX e início do século XX, por causa da separação da Igreja do
Estado, se percebe pelas obras literárias que a Igreja Católica se sentia
marginalizada e buscava seu espaço. As Conferências Anchietanas representam
esse processo e surgiram no momento em que o Estado buscava uma sustentação
(SANCHIS apud ANTONIAZZI, 1994).
Valendo-se dessas obras e de discursos de padres, nasce uma consciência
de que nação, pátria e povo brasileiro tiveram sua origem pautada no Catolicismo.
83
Essa consciência despertada pela Igreja Católica terá como alvo o Brasil popular, e
a elite não aceitarão esse emblema.
Após a Revolução de 1930, ocorre a inauguração do Cristo Redentor e da
Semana de Nossa Senhora da Aparecida, manifestações que atingiram o povo, e
que segundo Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994): “ou o Estado reconhece o Deus do
povo, ou o povo não reconhece o Estado”.
Atualmente, de acordo com o Censo Evangélico, é possível perceber que a
Igreja Católica vem perdendo sua hegemonia e que, no Brasil, ainda não tomou
consciência do tamanho do desafio que está por enfrentar.
Para Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994), existem duas reações que a
Instituição Igreja Católica deve ter: a primeira é a de manter uma boa relação com as
outras igrejas, um ecumenismo e a outra é deixar as coisas fluírem, ou seja, alguns
vão para outras igrejas, mas depois voltam para o catolicismo. Essas reações
demonstram pouca preocupação com a realidade da Igreja Católica, apesar de os
censos demonstrarem um encaminhamento para uma prática católica minoritária.
Ainda segundo Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994), entre os especialistas
existem três reações a esse processo: o primeiro grupo acredita que a Igreja tem
que mudar a sua relação concreta com o povo, e isso seria uma volta para a
“religião”. O segundo grupo acha que o problema está na estrutura organizacional da
Igreja, que admite celebrações com padres ordenados, e o processo de
ordenação, além de complexo, é demorado. O terceiro grupo, o da minoria, diz que a
Igreja o tem vocação para atender a uma grande massa, portanto o crescimento
do pentescostalismo não é um problema.
A segunda significação de cultura católico-brasileira é a de que, desde a
origem do catolicismo, ele se constitui como religião universal, baseado em agentes
84
sagrados, como objetos, tradições e até santos. Os evangélicos denominam isso
“idolatria” e trazem em nível de religião algo novo, basta que o indivíduo tenha fé.
A Igreja, no correr da história, conseguiu se impor como mediadora entre
homens e Deus, daí seus templos, altares, sacerdotes, sacrifícios etc. Essa
característica conferiu-lhe uma propensão para algum tipo de sincretismo.
Segundo Sanchis (1995), qualquer religião, ao se implantar, adquire alguma
propriedade sincrética. A propensão do catolicismo ao sincretismo é definida pela
síntese programática deste, que torna o catolicismo o vetor religioso cristão.
O Catolicismo também é sincrético, uma vez que é uno e múltiplo ao mesmo
tempo. Segundo Gramsci, são várias religiões numa só.
Não se trata mais, pois, pelo menos diretamente, de identificar o sincretismo
como uma forma de confusão ou mistura de naturezas substantivas, que
a polivalência dessas transformações e misturas concretas parece
desencorajar até hoje um sistema de categorias logicamente coerentes e
totalmente abrangentes (SANCHIS: 1995, p.125).
Segundo Sanchis (1995), no Brasil, o catolicismo é desenraizado, pois os
portugueses, quando aqui chegaram, ao encontrarem os indígenas, fizeram os
aldeamentos e ensinaram um catolicismo pré-moldado, comandado pela Igreja e o
Estado, um sincretismo que “que ad-vem”. A partir daí, passou a imperar, no campo
religioso brasileiro, uma estrutura psicossocial que foi permeada por um jogo
complexo de identidades religiosas.
É nesse contexto que o pentecostalismo assedia e quer transformar a
cultura católico-brasileira. Na própria Igreja Católica, houve tentativas institucionais,
85
como a romanização, mas hoje a ofensiva que ela enfrenta é direta e atinge todas as
camadas sociais.
Para Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994), a batalha do pentecostalismo
contra a cultura católico-brasileira é pautada por três aspectos principais. O primeiro
é a identidade, adesão exclusiva e única, o “Batismo no Espírito Santo”. Todos
participam igualmente, de forma autônoma, e socializam as experiências pessoais,
que convergem para Cristo. É uma congregação. Atualmente, as religiões brasileiras
têm buscado a aplicação do princípio da identidade, ao passo que o catolicismo tem
feito uma tentativa de sincretismo com as religiões afro-brasileiras e também com as
tradições populares. O pentecostalismo reencontra as linhas de força do campo
religioso tradicional, na possessão e no transe, porém o outro para o pentecostal é
um, o mesmo para todos, é o Espírito Santo. Entretanto, surgem distinções no
universo pentecostal. Para os tradicionais, o mediador é o Cristo; os dons, as curas
e os milagres são conseqüências. para os neopentecostais, os gestos, os
objetos, o copo de água, o contato físico e o dinheiro são os mediadores.
O segundo aspecto é a ética. O catolicismo e as religiões afro-brasileiras
não contêm um código de ética que regule a vida de seus fiéis. As igrejas
pentecostais, sobretudo as da segunda geração, utilizam uma nova categoria para o
‘crente’, ‘o gosto por viver’.
O terceiro aspecto é a emoção. Os cultos pentecostais são pautados por
emoção e profunda alegria e para percebermos os pentecostais ante a cultura
católico-brasileira, basta que comparemos essa emoção dos pentecostais com o
universo emocional do candomblé, da Umbanda, das festas populares de santos, do
carnaval e até do futebol.
86
Sanchis (apud ANTONIAZZI, 1994) afirma que igrejas pentecostais, como a
Igreja Universal do Reino de Deus, que adota a prosperidade e o sucesso como
lema, têm ido ao encontro do ethos do povo brasileiro.
De acordo com a tradição, o pentecostalismo esteve associado à pobreza.
O seu objetivo era a aceitação, com paciência, da condição econômica. De acordo
com estudos mais recentes, tem sido possível observar mudanças ocorridas nele.
Surgiram nos EUA crenças de que o fiel deve buscar resultados, como
adquirir fortuna, enfim, enriquecer. Denominou-se esse fenômeno Teologia da
Prosperidade, representada no Brasil pela Igreja Universal, Igreja Internacional da
Graça de Deus, Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra e outras. Essa teologia
prega a ascensão social, especialmente às classes A e B, e os que compõem essas
classes esperam um milagre acerca disso.
Na Igreja Universal, a prosperidade é tema de reuniões e tem dia marcado,
todas as segundas-feiras, com o nome de Corrente da Prosperidade. Nas grandes
cidades, é a Corrente dos Empresários.
A prosperidade é um direito de todo cristão fiel. “Ser cristão é ser filho de
Deus e co-herdeiro de Jesus; dono por herança de todas as coisas que existem na
Terra; proprietário de todo Universo” (MACEDO, 1993, p.17/25).
A base de todas as pregações feitas nas reuniões é o texto bíblico, porém
fora de seus contextos literários e interpretados segundo o Velho Testamento. A
do fiel deverá ser colocada em ação, é como se este se tornasse um sócio de Deus,
desde que o fiel se comprometa a devolver o que é de Deus, o dízimo.
A utilização do dinheiro na religião é comum na religiosidade popular
brasileira e a utilização das moedas, nas religiões afro-brasileiras. “A realização
desses compromissos dependem de dinheiro tanto para a compra de oferendas
87
como, às vezes, para entrega de moedas aos santos e papel-moeda para o Exu”
(CAMPOS, 1999, p.369).
Assim, é possível constatar que esse modelo de teologia atende
perfeitamente ao ethos da população brasileira, uma vez que vivencia um novo
estágio econômico do mundo, em que o capitalismo desenvolveu uma sociedade
onde uns têm acesso às transformações e outros são excluídos delas. Resta, então,
a esses excluídos a espera de um milagre.
4.4 ASCENSÃO E APOGEU DA ROMARIA
Após a inauguração da Rodovia dos Romeiros em 1988, ocorreu um
vertiginoso crescimento da Romaria do Divino Pai Eterno em Trindade de Goiás.
Vários fatores podem ser elencados para a justificativa desse fenômeno religioso,
entre eles destacam-se a modernização da Romaria, haja vista que, nessa década,
a globalização se tornou evidente.
Em Religião e globalização, Pace (1979) diz que não é possível conceituar,
de forma unívoca, o termo globalização e buscar um conceito específico dela é
arriscado, uma vez que ele pode se tornar uma das redes de significados nela
contidos.
A primeira dificuldade para a conceituação de globalização é que esta pode
levar à perda de identidade ou à tendência ao desenraizamento planetário. As
pessoas deixam de ser elas mesmas para se tornar o outro. A produção de
mercadorias e a especulação financeira rompem os limites de fronteira, e os Estados
nacionais não mais controlam o seu próprio território.
88
Um outro problema é constituído pela tendência à crença no relativo. As
culturas de cada povo são influenciadas e modificadas, e isso, segundo Geertz
(1989), é bastante danoso. As influências ocorrem primeiro no campo social e
político, depois no campo religioso.
Pace (1997, p.32) conclui que é possível interpretar o conceito da
globalização da seguinte forma: “globalização é um processo de decomposição e
recomposição de identidade individual e coletiva que fragiliza os limites simbólicos
dos sistemas de crença e pertencimento”.
Se a globalização exerce influência no campo social, político e econômico
depreende-se para que as mudanças também aconteçam no campo religioso. São
três as razões que podem levar o estudioso da religião a observar essas mudanças:
o sincretismo e os intervalos entre as grandes religiões históricas; a consideração à
perspectiva da comparação; e a necessidade de analisar as religiões e o modo como
elas constituem um sistema de comunicação.
Nesse sentido, a globalização pode levar a religião à crise. É o que ocorreu
em Trindade nas décadas de 1970 e 1980. Segundo Pace (1997), há uma tendência
à libertação religiosa. As pessoas se afastam das religiões institucionais. E, para a
Igreja Católica, este passa a ser um problema, pois o indivíduo busca novas
emoções. O indivíduo continua sendo católico, porém freqüenta a igreja pentecostal,
vai à ioga etc. É o fenômeno New age. Uma World-religion em que os indivíduos não
prestam conta a nenhuma instituição.
Valendo-se do artigo veiculado no jornal O Popular (2000, p.36), foi possível
constatar esse fenômeno em Trindade:
89
Já a estudante Luzmara Ozório Figueiredo, 21 anos, preferiu caminhar
sozinha para refletir e pensar na vida. Mesmo não se considerando uma
católica praticante, a três anos a estudante faz o percurso entre a capital,
Goiânia e Trindade. É o momento de refletir sobre tudo em minha vida’,
contou.
Nesse contexto, a Igreja Católica, mesmo aparentemente rígida e radical,
sabe que a crença no relativismo é a contribuição mais madura da globalização.
“Com ela, portanto, a Igreja Católica tem que se ajustar, aceitando em parte a lógica
social que tende em sua direção” (PACE, 1997, p.36).
Pace (1997) cita um recente artigo publicado pelo Cardeal Aloísio
Lorscheider, que justifica a aceitação de teologias locais e regionais, desde que a
primazia na comunhão com Roma seja mantida. Daí a conclusão de que, no campo
religioso, a globalização produziu efeitos inesperados.
A maioria tem escolhido uma via soft de diálogo, pois assim entra melhor
em circulação, por causa de o público estar buscando efeitos especiais e rápidos. Os
discursos das igrejas passam a ser o da defesa dos direitos humanos, da paz, da
ecologia etc. O espírito capitalista tornou-se mundial e este obriga as grandes
religiões a se pactuarem com o mundo. Dessa forma, a globalização favorece a
secularização.
Em Trindade de Goiás, durante a Romaria do Divino Pai Eterno, são
comuns as caminhadas de Goiânia a Trindade, e o processo de secularização é
evidente, pois enquanto os romeiros se agarram à fé para completarem o percurso,
barraqueiros instalados às margens da rodovia faturam com o cansaço deles.
Cleosmar Ferreira Teixeira deixou as feiras livres de Goiânia de lado por
esses dias para trabalhar na barraca instalada por ele, junto com a família,
90
em uma das estações da Via Sacra. Frutos, água e espetinhos de carne
estão entre os produtos mais comercializados. ‘Alguns aproveitam a parada
para comer alguma coisa e descansar, enquanto outros só compram água e
continuam(O Popular, 2000, p.3b).
Dos anos 1990 aos anos 2000, torna-se evidente o crescimento da Romaria
em Trindade de Goiás. Passam por Trindade, nos dias da Romaria do Divino Pai
Eterno, cerca de um milhão e meio de romeiros. A tradição permanece na Romaria,
que continua apresentando elementos históricos, como as caminhadas, porém
entremeados de modernidade.
O antropólogo Featherstone (1990) demonstra que a globalização cultural
envolve ao mesmo tempo a integração e a diversificação e é um processo social,
político, econômico e cultural, tornando-se necessário que as instituições se
adequem e estejam abertas às mudanças de padrões e valores.
Segundo Beyer (1990), a religião no mundo moderno assume um aspecto
público ou privado. A religião privatizada abre mais possibilidades religiosas. Para os
líderes religiosos, a direção da religião para a área blica possibilita o ecumenismo
ou a reapropriação das categorias antagônicas religiosas tradicionais. “Ambas
apresentam possibilidades para a religião publicamente influente, que são
conseqüências diretas da globalização de uma sociedade que estimula a
privatização cada vez mais crescente” (BEYER, 1990, p.416).
Todos esses aspectos são observados na Romaria do Divino Pai Eterno,
pois o seu crescimento deixa claro que as adequações nela feitas pela Igreja
Católica se deram no sentido de se adaptá-la à modernidade, atrelado à
globalização. Por mais que permaneçam aspectos de religiosidade popular na
Romaria, a privatização por parte da Instituição é evidente.
91
Segundo Parker (1996), o que caracteriza a religiosidade popular é a
preocupação com questões cotidianas da comunidade, impondo uma relação
dialética com as religiões oficiais. É como se a comunidade recriasse a religiosidade
popular, sem se opor à Instituição Católica.
4.5 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA ROMARIA: JUNÇÃO DE VALORES
COMUNITÁRIOS DO MEIO RURAL E INDIVIDUAIS DO MEIO URBANO
Para Geertz (1995), a modernidade é uma categoria que passou a nortear o
mundo nas últimas décadas, tornando-se um adjetivo universal.
Moderno é o que alguns de nós pensamos ser, o que outros,
desesperadamente desejam ser e que outros, por serem que por pesar,
por medo, ou por oposição, ou por qualquer outro motivo , desejam
transcender (GEERTZ, 1995, p.136).
Segundo a antropóloga Mattos (2001), tudo hoje pode ser considerado
moderno: arte, sexo, cultura, história, política. A idéia de modernidade, com isso,
tornou-se comum, perdendo o poder explicativo, mas uma coisa que ela pode, e
como tal o é, é ser denominada modernização, um processo que transforma um
modo de vida tradicional em um modo de vida cheio de mudanças.
A modernização regional incidiu sobre Trindade e, na sua singularidade,
envolveu a cidade-santuário, fazendo com que a instituição católica buscasse se
adequar, para que a Romaria fosse preservada até a atualidade.
Todos os anos, milhares de romeiros se reúnem em Trindade, na região
92
metropolitana de Goiânia, para prestar homenagens ao Divino Pai Eterno.
Eles viajam centenas de quilômetros até chegar à cidade religiosa. O ponto
alto da festa é o desfile das comitivas de carros de bois (O POPULAR,
2006
2
).
O ano em destaque é 2006, período em que, a despeito do vigor, a
modernização capitalista em Goiás é evidente, a tradição permanece na Romaria de
Trindade, quando mais de 250 grupos, de várias cidades do interior de Goiás
participam do desfile de carros de bois.
Na cidade, os carreiros se juntam a pagadores de promessas. Todos os
anos, 1 milhão e 500 mil fiéis participam da maior festa do mundo em
homenagem ao Divino Pai Eterno, que, na tradição católica, representa o
Pai, o Filho e o Espírito Santo (O Popular, 2006
3
).
Situando-se nesse contexto histórico, percebe-se que os valores tradicionais
da Romaria prevalecem para atender, sobretudo, às comunidades rurais que têm a
necessidade de estarem unidas.
[...] o estar junto, viver em família, estar sempre com alguém é a situação
culturalmente de ser e estar [...]. O solitário é definido como um triste, um
infeliz, um coitado [...]. Pessoas são parentes, são amigos, o vizinhos,
são compadres; são eixos de feixes de relações e não existem para estar
sós (BRANDÃO, 1992, p.103).
Na perspectiva de Lopes Junior (1983), uma grande possibilidade de as
festas terem surgido de rituais religiosos. Daí a importância da religião como
2
Não consta o número da página desta citação em razão de a pesquisa ter sido feita na inernet.
3
Conferir nota 2.
93
empreendimento que sentido ao mundo. Assim, religião e ritual se tornam
ideologia.
A Romaria do Divino Pai Eterno se encaixa perfeitamente nesse modelo.
Durante os dias de Romaria, é uma verdadeira festa, pautada por calorosas relações
comunitárias.
Segundo a socióloga Lemos (2003), a cidade de Goiânia, por causa de seu
desenvolvimento urbano acelerado, ainda apresentam, em sua cultura, as marcas
das tradições religiosas. As festas são expressões dessas marcas. “Os jogos e as
principais formas de arte parecem ter nascido da religião e que durante muito tempo
tenham conservado caráter religioso” (DURKHEIM, 1989, p.454).
Lemos (2003) confirma que, atualmente, a cultura goiana ainda é marcada
pelas festas e Romarias. Cita como exemplo, a Romaria do Divino Pai Eterno, em
Trindade de Goiás, onde o principal ritual desta é o desfile dos carreiros, que
manifesta o caráter rural e comunitário.
Outro aspecto levantado pela autora e, que também demonstra o caráter
comunitário é a ida de todos os romeiros à Vila de São Cotolengo, instituição
filantrópica, com trabalho voltado para pessoas com deficiência mental. Além de os
romeiros fazerem doações materiais, dedicam atenção aos internos. É como se
fosse um ritual comunitário. Os romeiros vindos dos interiores organizam a viagem
juntos, chegam e desfilam juntos, antes de se acomodarem, vão aos pés do Divino
Pai Eterno juntos e também à Vila São Cotolengo. É como se esses indivíduos
buscassem proteção na comunidade. “O ‘nós’, é hoje um ato de auto-proteção. O
desejo de comunidade é defensivo. Certamente é quase uma lei universal que o
‘nós’ pode ser usado como defesa contra a confusão e o deslocamento” (BAUMAN,
2001, p.205).
94
O antropólogo Steil (1996) confirma as observações anteriores. Os romeiros
da Lapa viajam em grupos, de forma que as relações comunitárias prevaleçam e se
fortaleçam no espaço sagrado. Outro elemento também observado pelo autor é a
igualdade. As fronteiras de classe, idade e sexo são inexistentes durante a Romaria.
O mesmo não se processa com os romeiros urbanos, especialmente com
aqueles da capital. Estes são desprendidos e individualistas.
Um dos principais impactos da modernidade sobre as tradições religiosas foi
o surgimento do individualismo na sociedade moderna. O contexto histórico no qual
se insere o individualismo é o século XVIII, época do Iluminismo, um movimento de
crítica típico desse século.
O pressuposto básico desse movimento foi a utilização da razão, que
possibilitaria a elaboração de idéias que explicariam e impulsionariam ações
humanas. O racionalismo iluminista centrava essas ações nos indivíduos,
consagrando, assim, a desigualdade entre os homens.
Nascido atrelado à modernização, o individualismo se impõe como ideologia
dominante, porém, segundo Duarte (2004) religião e família ainda têm primazia
sobre o individualismo. Isso demonstra que todo sujeito social que se relaciona com
uma família nova ou de origem também lida, de alguma forma, com a religiosidade,
institucionalizada ou não. Esse sujeito, nem sempre lançará mão da racionalidade.
Segundo esse mesmo autor, vida em comunidade e socialização são
necessárias, mesmo sendo o individualismo preeminente na modernidade.
De acordo com Lemos (2003), a individualidade é um traço característico da
cultura urbana moderna. A organização da vida cotidiana se modifica por causa da
necessidade de cumprimento de horários, e isso faz com que as pessoas não sejam
freqüentes em seus cultos.
95
Esse fenômeno é muito comum em Goiânia, e pessoas perdem referência
em relação ao tempo social e espacial. Os referenciais coletivos empobrecem, e não
enraizamento. Nesse contexto, é possível inserir o fenômeno da bricolagem. “[...]
qualquer um pode mudar de uma religião para outra sem que o mundo caia [...] cada
um pode estruturar seu universo simbólico sem que isso provoque dramas de
consciência ou problemas de ordem ética” (ORO, 1996, p.63).
A bricolagem é uma expressão que indica a individualidade no meio urbano.
As pessoas não se sentem obrigadas a nada, há uma liberdade de escolha.
No caso da Romaria do Divino Pai Eterno, apesar de ser organizada por
uma instituição católica, não há obrigações nem cobranças, e os fiéis de Goiânia vão
quando podem. Muitos vão sem compromisso, vão pela festa, pela diversão.
A Romaria é uma forte tradição religiosa rural, que objetiva o fortalecimento
dos laços comunitários, mas convive em harmonia com valores culturais urbanos e
individualistas, que objetivam realizações pessoais. São valores aparentemente
antagônicos, mas que interagem.
Mesmo sendo a Romaria institucionalizada pela Igreja Católica, ela permite
que as pessoas sejam livres, e estas não se sentem constrangidas nem obrigadas a
nada. Mesmo aquelas pessoas que não freqüentam a Igreja no seu cotidiano,
podem comparecer e participar da Romaria.
A antropóloga Leila Amaral (2000) desenvolveu um estudo no qual buscou
compreender o problema da ‘errância’ religiosa na sociedade contemporânea, que,
segundo ela, tem um estilo Nova Era de lidar com o sagrado.
Para a autora, o fenômeno Nova Era é heterogêneo e considerado um
sincretismo em movimento, e o aspecto central desse estilo é a descanonização da
relação entre lugar e essência. “Neste caso, diria que, numa perspectiva Nova Era,
96
importam menos a religião ou a crença e mais o modo específico de relacionar
elementos e rituais” (AMARAL, 2000, p.17).
Nesse contexto, é possível inserir a Romaria de Trindade, no que tange aos
romeiros do meio urbano, pois estes, envoltos de individualismo, buscam na
Romaria um encontro com a espiritualidade, porém sem compromissos com a
Instituição Católica.
A Romaria é vista pelos romeiros urbanos como um meio de se reunir em
comunidade de forma efêmera e transitória. A participação do romeiro é voluntária e
não lhe é cobrado nenhum conhecimento doutrinário.
Esse voluntarismo, cada vez maior, entre os participantes de diferentes
tipos de vivência e encontros, os têm levado, sim, à liberação de laços e
lealdades compulsórias. Fora do seio das comunidades tradicionais, esses
buscadores de crescimento pessoal tendem a abraçar uma diversidade de
discursos, a abandonar um sistema unitário de significado e a combinar
símbolos de diferentes códigos e fontes culturais à custa de disjunções e
sincretismos (AMARAL, 2000, p.19).
Essa liberdade proporcionada pela Romaria, que permite até mesmo o
sincretismo, é o que lhe propiciou a ascensão e o auge a partir dos anos 2000. Uma
pessoa pode fazer parte de qualquer religião e também ir à Romaria em Trindade.
97
5
CONCLUSÃO
A história da devoção ao Divino Pai Eterno em Trindade de Goiás iniciou-se
em uma região isolada e estagnada economicamente, em meados do século XIX,
pelo fato de o povo que nela vivia, em extrema miséria e totalmente carente, ter se
apegado ao Divino Pai Eterno, a fim de ter suas necessidades supridas.
Inicialmente, tratava-se de uma devoção popular e rural, essencialmente
humanista, messiânica e providencialista, totalmente desvinculada do catolicismo
oficial e que não possuía condições para se impor formalmente.
Com a chegada dos redentoristas, no início do século XIX, a situação
começou a se modificar, uma vez que estes passaram a romanizar a Romaria do
Divino Pai Eterno.
De 1940 até 1970, percebe-se que houve uma manutenção da tradição da
Romaria. Essa manutenção se deu, sobretudo, graças ao trabalho missionário dos
padres redentoristas, que, movidos especialmente pelos interesses econômicos da
Igreja Católica, foram, aos poucos, transformando o caráter meramente popular
dessa devoção.
Dessa maneira, amesmo um Manual foi instituído pela Igreja Católica, a
fim de canalizar a fé dos cristãos seguidores da Romaria e de estabelecer regras
para a manifestação da devoção desses fiéis. Para isso, os padres redentoristas
agiram junto aos romeiros.
Nas décadas de 1970 e 1980, a Romaria sofreu inúmeras modificações, que
ocorreram, sobretudo, em função do avanço da modernização capitalista na região.
98
Foi um período de crise da Romaria, que coincidiu com a época do “milagre
brasileiro”.
Na cada de 1990 a 2000, em razão do avanço da modernização
capitalista e da globalização, a Romaria vivenciou uma ascensão e o seu auge.
Porém, apesar das modificações e do caráter profano adquirido pela Romaria de
Trindade, percebe-se a permanência da sua tradição na modernidade.
Observa-se, por conseguinte, que os romeiros do meio rural continuaram
bastante apegados às tradições, como as caminhadas nos carros de bois e as
promessas, e que os valores que mais importavam para eles eram aqueles que
davam sentido à vida em comunidade.
De outro lado, o que existe é uma espécie de explicação renovada para um
modo universalmente consagrado de ser católico, que consiste, como
vimos, em uma individualização da experiência e do retrato com que a
pessoa se vê, sendo e vivendo o seu catolicismo (BRANDÃO, 1992, p.61).
A Romaria de Trindade permite ao indivíduo viver o seu catolicismo à sua
maneira, sem, necessariamente, ter que seguir regras estabelecidas pela Igreja
Católica.
No que se refere aos romeiros do meio urbano, apesar do individualismo
trazido pela vida moderna, estes tendem a valorizar família e religião em detrimento
do racionalismo e, por isso, vão à Romaria, mesmo porque esta não lhes exige
nada. o romeiros livres, sem nenhum compromisso, e que buscam na Romaria o
fortalecimento da fé.
99
Segundo Sanchis (1999), o catolicismo brasileiro é sincrético e permite o
cruzamento de crenças e a porosidade dos fiéis, existindo nele o que o autor
denomina “contaminação mútua”.
Para esse autor, o homem religioso atual não se submete às definições que
as instituições lhe propõem, razão por que ele próprio quer ter o direito de compor
seu universo de significação. No entanto, na pós-modernidade religiosa, esse
homem necessita também de “momentos civilizacionais antigos”.
Esta é a xima da Romaria do Divino Pai Eterno em Trindade de Goiás:
ao mesmo tempo em que acompanhou a modernização capitalista, mantém as
tradições advindas da sua origem.
100
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