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crenças mágicas e superstições, que vão declinar com o crescimento do sentimento de
segurança.
É neste sentido que podemos compreender temas freqüentes no imaginário
camponês; no folclore, são usuais as referências à fome e à obsessão em morrer de fome, a
situações de abandono infantil, de ímpeto ao canibalismo. Os motivos usuais da grandiosa
utopia camponesa se fazem presentes em diferentes narrativas, como nos milagres dos santos
multiplicadores – de pães, de peixes, dentre outros -, e a Fábula do País da Cocanha. Esta
fábula narra a existência de um país distante, um “mundo novo” onde reina a abundância,
além da mais completa liberdade sexual (Ginzburg, 1989: 165):
À medida que os grandes senhores feudais, mais ricos e poderosos, ampliaram seu
poder social em relação aos mais fracos, maior a oportunidade e mais necessária se tornava a
expressão de seu poder pelo esplendor de suas cortes. Os grandes banquetes se apresentam,
neste contexto, momentos oportunos de expressão de uma vida cultural. A emergência dos
Minnesänger e trovadores, filhos de uma classe de nobres pobres e sem terra, que utilizavam
a música e a poesia para celebrar as conquistas de seu senhor é característica deste período.
Durante um bom tempo estas cortes foram mais ricas não só em comparação a outros feudos,
como também em relação às cidades. Estes grandes senhores envolvem-se progressivamente
Uma montanha de queijo ralado
se vê sozinha em meio da planura
e um caldeirão puseram-lhe no cimo...
Um rio de leite nasce de uma grota
e corre pelo meio do país,
seus taludes são feitos de ricota...
Ao rei do lugar chama Bungalosso;
Por ser o mais poltrão, foi feito rei;
qual um grande paiol, é grão e grosso
e do seu cu maná lhe vai manando
e quando cospe cospe marzipã;
tem peixes, não piolhos, na cabeça.
Não é preciso saia nem saiote
lá, nem calça ou camisa em tempo algum,
andam nus todos, homens e mulheres
Não faz frio nem calor, de dia ou noite,
vê-se cada um e toca-se à vontade:
oh que vida feliz, oh que bom tempo...
Lá não importa ter-se muitos filhos
a criar, como aqui entre nós;
pois quando chove, chovem raviólis.
Ninguém se preocupa em casar as filhas,
que são posse comum e cada qual
satisfaz os seus próprios apetites