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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGÃO
FESTA DO VÃO MOLEQUE: RELIGIOSIDADE E IDENTIDADE
ÉTNICO CULTURAL
GOIÂNIA
2007
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGÃO
FESTA DO VÃO MOLEQUE: RELIGIOSIDADE E IDENTIDADE
ÉTNICO CULTURAL
MARIA VILMA MENDES NEVES
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião, da Universidade Católica de Goiás.
Orientadora: Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira
GOIÂNIA
2007
2
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4
Dedico este trabalho à minha mãe Maria Antônia (in
memória), ao meu pai Manoel Rodrigues (in
memória), à minha avó Honorata Mendes (in
memória) A minha filha Sofia Neves.
5
Agradeço a todas as divindades que inspiraram-me a
realizar mais esta etapa na minha vida.
Ao Programa de demanda social da CAPES pela bolsa de estudos que
possibilitou realizar esta pesquisa.
Sou imensamente grata a minhas irmãs (o) pelo incentivo e por
acreditarem na minha capacidade.
A professora Irene Dias de Oliveira pela orientação, estímulo intelectual
e pelo processo de ensino-aprendizagem.
Em especial agradeço a professora e amiga Carolina Teles Lemos pelo
estímulo em concluir este curso de mestrado.
Aos meus amigos e amigas: Jussara, Egon Cristiano, Noeci , Riva,
Diane Valdez, Leandro, Maria Aparecida Martins, Anízio, Iraídes,
Rosenilda, Ulisses Júnior, Diana Resende, Eldejames e Veronese.
A comunidade Kalunga do Moleque, pelo acolhimento em suas casas,
especialmente a senhora Deuselina Francisco Maia, que possibilitou o
meu acesso ao território dos Kalunga e ao senhor Sirilo Rosa (do
Engenho) pelas conversas sábias sobre a comunidade Kalunga.
6
RESUMO
MENDES, MARIA VILMA NEVES. A Festa do Moleque: Religiosidade e Identidade
Étnico-Cultural da Comunidade Kalunga do Vão Moleque (Dissertação de Mestrado
em Ciências da Religião) – Universidade Católica de Goiás.
Esta pesquisa teve como objetivo analisar a festa religiosa do Moleque que acontece
na área rural do Vão do Moleque no mês de setembro. Esta área é parte de um dos
agrupamentos do Sitio Histórico Kalunga, que fica localizado na região nordeste do
estado de Goiás, próximo dos municípios de Cavalcante e Terezina de Goiás. A
comunidade tem a tradição de realizar festas religiosas em toda a região as quais
são seguidas de um calendário na qual homenageia vários santos. No estudo
levantamos a hipótese de que a tradição da festa do Moleque se constitui num
espaço significativo de criação e manutenção da identidade dos kalunga do
Moleque. O grupo, historicamente, vem lutando pela garantia de seus direitos, como
por exemplo, a posse de terra e a educação. Além de tentarem manter através da
festa, seus costumes, suas tradições culturais e religiosas. Assim, pode-se
considerar que a festividade contribui para a organização coletiva e manutenção da
identidade étnica da população local.
Palavras - Chave: identidade, religiosidade popular, cultura, comunidade, terra.
7
ABSTRACT
MENDES, MARIA VILMA NEVES. Moleque’s Fest: Religiosity and Ethnical Cultural
Identity of Kalunga Community in Vão Moleque(Master’s Dissertation on Religion
Science) Universidade Católica de Goiás.
This research has had as its aim to analyze the religious Moleque’s Fest which takes
place in the rural area of Vão do Moleque in September. This area is part of a
community living in Kalunga Historical Site, which is located in the Northern region of
Goiás State, near the municipalities of Cavalcante and Terezina de Goiás. This
community has traditionally celebrated religious festivities all over the region, these
are followed by a calendar in which many saints are honored. In this study we have
come up with the hypothesis that the tradition of Moleque’s Fest is constituted in a
meaningful space of creation and preservation of the identity of Kalunga living in
Moleque. This group, historically, has been struggling to guarantee their rights, for
instance, land tenure and education. In addition, through the fest, they try to preserve
their cultural and religious traditions and customs. Thus, we can consider that the
festivity contributes to collective organization and ethnical identity preservation of the
local population.
Key words: identity, popular religiosity, culture, community, land.
8
SUMÁRIO
RESUMO 06
ABSTRACT 07
INTRODUÇÃO 10
1 CAPÍTULO I: COMUNIDADE NEGRA KALUNGA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICA 13
1.1 OS QUILOMBOS COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA 15
1.2 AS COMUNIDADES NEGRAS EM GOIÁS 18
1.3 COMUNIDADE NEGRA KALUNGA 23
1.4 AGRUPAMENTO VÃO DO MOLEQUE 27
1.5 ORGANIZAÇÃO SÓCIO-CULTURAL DA COMUNIDADE DO VÃO DO
MOLEQUE 28
1.5.1 A FAMÍLIA 29
1.5.2 TRABALHO 31
1.5.3 RITUAIS FÚNEBRES 35
1.5.4 OS COSTUMES ALIMENTARES 35
1.5.5 A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 38
1.5.6 EDUCAÇÃO 40
1.5.7 A TERRA E OS PROBLEMAS FUNDIÁRIOS 43
1.5.8 RELIGIOSIDADE E CULTURA DOS KALUNGA DO VÃO DO
MOLEQUE 51
2 CAPÍTULO II: FESTA RELIGIOSA DO VÃO DO
MOLEQUE 58
2.1 FESTA DO VÃO MOLEQUE 60
2.2 ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA FESTA 64
9
2.3 OS PARTICIPANTES DA FESTA 67
2.3.1 AS CRIANÇAS 67
2.3.2 OS REZADORES 70
2.3.3 O PADRE 72
2.3.4 AS MULHERES 75
2.3.5 OS MAIS VELHOS 78
2.3.6 OS VISITANTES 81
2.3.7 AS CERIMÔNIAS RELIGIOSAS 84
2.3.8 OS SANTOS 86
2.3.9 A FOLIA, O LEVANTAMENTO DOS MASTROS E O IMPÉRIO 90
2.4 RELIGIOSIDADE POPULAR 104
3 CAPÍTULO III: IDENTIDADE ÉTNICA E CULTURAL DA
POPULAÇÃO DO VÃO DO MOLEQUE 110
3.1 IDENTIDADE E CULTURA 111
3.2 IDENTIDADE ÉTNICA 114
3.3 IDENTIFICAÇÃO TERRITORIAL 118
3.4 IDENTIDADE RELIGIOSA E POLÍTICA 120
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 129
5 REFERÊNCIAS 131
6 ANEXOS 140
10
INTRODUÇÃO
As festas religiosas são históricas e conhecidas, pois acontecem em todos
os lugares do país, desde as grandes cidades às menores, se estendendo à área
rural. Todos os anos são realizadas festividades de cunho religioso. Cada município
ou região tem um calendário de festa, que geralmente está relacionada a um ou
mais santo. È festa em homenagem a São Benedito, São Gonçalo, Nossa Senhora
do Rosário, São Sebastião, São João, São Pedro entre outras. ainda as folias e
as romarias que se inserem no contexto festivo religioso. Nestes termos, é valido
nos remetermos às reflexões de Ferretti, ao mencionar que “as festas constituem
assuntos fundamentais na vida de muitas pessoas. A rotina diária é interrompida
muitas vezes ao longo do ano, pela organização ou participação em diversas festas”
(FERRETTI, 1995, p. 12).
Os grupos negros rurais têm a pratica de realizar festas. Desde o período
colonial se organizavam e realizavam as festividades, para homenagear alguns
santos, ou mesmo para aliviar os momentos de tensão, de dores e de exploração
que vivia dentro e fora das senzalas. Refletindo sobre o contexto histórico destes
grupos é que suscitou o desejo em realizar este estudo. O primeiro motivo de
realizar esta pesquisa, por considerar relevante, porque trata de um estudo voltado
para uma importante parcela da sociedade que é a população negra do Vão do
Moleque, pelas observações e analises acerca das tradições, da cultura e da
identidade étnica deste povo que ao longo dos anos preserva a prática religiosa por
meio das rezas, das danças, das brincadeiras e da culinária.
O outro motivo está relacionado à minha história pessoal, pois sendo
negra, natural do estado do Maranhão, um estado marcado pelas diferenças sociais,
11
e também pelas festas, não poderia deixar de analisar uma festividade religiosa de
um grupo que apresenta características semelhantes as do povoado onde vivi a
infância, isto é, ouvindo o som dos tambores, das caixas, e das matracas e
assistindo cerimônias de rezas e cultos e, vivenciando também momentos de lutas
e de muitas dificuldades para sobrevivência. Estes aspectos relacionados à
memória, as tradições e a cultura é que de certa forma me estimulou a realizar este
trabalho.
Por último consideremos a pesquisa relevante por contribuir com o meio
acadêmico, compreendendo que será mais uma produção cientifica que irá colocar
em evidencia novos fatores culturais e religiosos, com abordagem no campo social e
religioso da comunidade negra local.
Em relação ao trabalho de campo, ressaltamos que utilizamos o método
de observação participante, no qual tivemos a oportunidade de estar diretamente
com a população local. Realizamos entrevistas seguindo o instrumental de pesquisa
com gravações. Optamos por entrevistar os moradores do Moleque, os jovens, os
mais velhos, as mulheres, os foliões e outros participantes de destaque no interior
da festa. Além das entrevistas, utilizamos o relatório de campo, no qual pudemos
registrar o movimento e a dinâmica da festa, além de observar o espaço da
festividade. A partir das informações e observações no campo, das transcrições das
entrevistas gravadas organizamos os elementos teóricos da pesquisa que ficou
distribuído em três capítulos e as considerações finais.
No primeiro capitulo apresentaremos os aspectos históricos e culturais da
população negra do Vão Moleque, fazendo um recorte histórico sobre a comunidade
kalunga e outras comunidades negras rurais existentes nos pais. Apresentaremos a
organização sócio-cultural da população local, pontuando o modo de vida, os
12
costumes, as tradições e a religiosidade do grupo. Apontaremos ainda a questão do
trabalho e os problemas ambientais e de posse de terras que enfrentam
cotidianamente com grileiros e fazendeiros.
No segundo trataremos da festividade religiosa do Moleque.
Desenvolveremos sobre a origem e a organização da festa, os rituais as tradições, e
os aspectos culturais. Destacaremos os diversos conceitos de festas, a importância
destes eventos para as comunidades negras rurais. Ressaltaremos também a
importância da festividade para a população kalunga do Moleque, como esta
interfere no cotidiano da comunidade, como os moradores se organizam para
realizarem a festa que acontece anualmente.
No terceiro e último capítulo abordaremos a questão da identidade étnica,
apresentaremos alguns conceitos de identidade e cultura tentando compreender
como estas duas categorias estão interligadas com a formação étnica do povo do
Vão do Moleque. Discorremos também sobre o processo de formação e
manutenção de identidade dos kalunga da área rural do Moleque. Tais conceitos
serão apresentados numa perspectiva antropológica e sociológica no qual seja
possível perceber que contribuição a festa religiosa do Moleque tráz para a
manutenção e formação identidade dos moradores do Vão do Moleque, ou se esta
cerimônia é somente mais um elemento que venha ou não fortalecer o processo
de identificação da população local, considerando que a identidade se constitui de
maneira dinâmica e continua.
Nas observações finais, afirmamos que a festa religiosa do Moleque se
constitui como espaço de manutenção da identidade do grupo kalunga do Vão do
Moleque, porque por meio delas, o grupo se organiza coletivamente, expressa suas
tradições culturais e manifesta sua religiosidade.
13
CAPÍTULO I
COMUNIDADE NEGRA KALUNGA: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA
Os kalunga
1
assim como outras populações negras existentes nos estados
do Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, têm a sua historia marcada pelo
processo de escravidão e exploração, sobretudo no período colonial. Ressalta-se
que estes homens e mulheres travaram numerosas lutas nos diversos ciclos da
história. Tais lutas ainda persistem, na perspectiva de garantir sua cidadania,
expressar a identidade e manter as tradições culturais e religiosas.
Cada comunidade
2
negra ou grupos rurais apresentam suas
especificidades em termos de organização social, política, religiosa, cultural e
econômica, porém o que todos os grupos têm em comum é o histórico do trabalho
escravo e a situação de violência contra homens, mulheres e crianças que perdurou
por quase quatro séculos. Este processo de escravidão serviu apenas para
fortalecer os grandes proprietários de terra, e colocar o homem e a mulher negra na
condição de mercadoria para enriquecer a classe dominante. Essa exploração do
homem branco para com os negros nos tempos coloniais reflete até os dias atuais
1
A expressão aparece escrita com k e com C. Autores como Baiocchi e Silva utilizam em seus
escritos com C em alguns textos e em outros com K, porém grande parte da literatura que trata da
comunidade a grafia aparece com k. Neste trabalho utilizaremos o termo com k.
2
O termo comunidade é empregado aqui no sentido de identificar grupos sociais organizados que
primam por valores culturais, religiosos e políticos em único espaço.
14
na vida de diversos grupos, sobretudo os que vivem em territórios rurais, pois muitos
se encontram em situação de esquecimento social
3
, isto é não tem acesso à
educação, saúde, e o direito a terra.
Os grupos negros rurais sempre tiveram como atividade econômica o
trabalho nas lavouras, na cana de açúcar, e na pecuária. No regime colonial, a
maioria dos negros escravos estiveram submetidos ao trabalho na produção do
açúcar, além de exercerem outras atividades na pecuária, nas lavouras de milho e
mandioca. Toda essa mão de obra tinha como objetivo atender as demandas do
mercado colonial. Eles também trabalhavam para manter seu próprio sustento,
alguns escravos conseguiam arrecadar recursos para compra de sua liberdade
outros lutavam para manter sua própria lavoura (Santos, 2004, p.77)
Segundo Schwartz (2001) com o fim do período colonial houve um
aumento da população negra. Os motivos e o índice desse crescimento variavam
de uma capitania para outra. Os negros livres e os descendentes de negros livres
eram o segmento da população que mais rapidamente crescia entre 1680 e 1750. A
população brasileira de fins do período colonial era de maioria negra e mestiça.
Este aumento do número de negros implicou num desenvolvimento de uma
população rural colonial.
É nesse contexto que as comunidades negras rurais se organizaram e se
estabeleceram em diversos estados do país. Com a organização coletiva no meio
rural, esses grupos buscam formas alternativas de sobrevivência, desenvolvendo
atividades nas lavouras, no roçado, no artesanato, na pesca e na produção de
farinha.
1.1 - Os Quilombos Como Espaços de Resistência
3
A expressão é no sentido de explicitar as condições sociais que o grupo se encontra.
15
Falar sobre quilombos é reportar à escravidão dos negros no período
colonial e também as numerosas lutas pela liberdade. Neste aspecto, os escravos
negros buscam alternativas de vida e passam a se organizar para saírem do
trabalho escravo e conquistarem a sua liberdade. A luta pela construção de outros
espaços
4
, nos quais os homens negros pudessem se estabelecer e se organizar
coletivamente resultará numa guerra, pois os senhores brancos reagiam com tropas
armadas ás fugas e as áreas povoadas por eles. Foi com esse processo de
resistência, fugas e opressão que se originaram os territórios de quilombos.
A questão dos quilombos é bastante discutida por vários autores, alguns
fazem definições básicas do termo, outros trazem reflexões mais aprofundadas
sobre a importância destes territórios para as comunidades negras rurais.
No dicionário Aurélio o termo quilombo significa “esconderijo no mato de
negros fugidos” (1999, p.426). Os homens negros resistiram sempre às precárias
condições de vida que tinham. Assim, tentavam com as fugas, garantir um mundo
diferente do regime escravocrata. Essas fugas significavam não um caráter de
organização coletiva, mas também social libertário e político à medida que os negros
almejavam romper com o sistema escravista e construir uma sociedade pautada em
princípios de liberdade, igualdade e dignidade. Dessa maneira, o quilombo
representou para as comunidades negras não apenas uma espécie de esconderijo,
mas, sobretudo um espaço alternativo, autônomo e democrático, no qual diversos
grupos puderam se libertar da condição de escravo.
Silva (2003, p. 382), em estudo sobre quilombos, faz referencia à obra de
Munanga, que define o quilombo na cultura africana banto como “lugar cercado e
fortificado que em língua quimbundo, quer dizer arraial ou acampamento”.
4
O termo espaço está relacionado a lugar, moradia, assentamento etc.
16
Para o autor, isto implica em dizer que a palavra quilombo, no Brasil, surgiu pela
influência da língua africana com raízes na cultura banto.
Para Santos Neto (2004, p. 86) os quilombos foram verdadeiros clarões no
meio da floresta escura, os quais deixarão na história a lição de que a opressão
sempre gera “inimigos naturais” dos opressores. Menciona ainda que a palavra
“quilombo” na língua angolana dos imbangala, significa campo de guerra, um ritual
de iniciação numa sociedade guerreira.
O quilombo foi chamado também de mocambo, lugar onde os escravos
negros se agrupavam e que na definição do dicionário banto do Brasil (LOPES, s/d,
p.61) significa: “o que é pífio, sem valor, necessitado e carente.” O quilombo ou
mocambo, mesmo conceituado como espaço de “negros fugidos” ou lugar sem valor
dentre outras derivações, deve ser compreendido aqui como movimento social
organizado de homens e mulheres negras que se rebelaram e resistiram à
exploração do trabalho escravo.
Assim, a formação dos quilombos pode ser considerada como uma luta
de classes em que de um lado, estavam colocados os interesses da classe
dominante, isto é, os dos senhores de engenho que almejavam a manutenção do
sistema escravista e, de outro, os homens negros que desejavam romper com o
regime de escravidão.
A organização dos quilombos constitui-se com estratégias de ordens
políticas, econômicas e sociais no sentido de garantir a sobrevivência dos grupos. O
quilombo como mencionado não foi somente um acúmulo de negros, índios e
outros fugitivos do regime de escravidão, mas, espaço coletivo e liberto do
escravismo. Sobre a constituição política e econômica dos quilombos, Moura (1981,
p. 32) assinala que:
17
Os quilombos tinham varias formas de organização. Muitos eram pequenos
outros maiores, porém todos com mesmo objetivo: fugir do trabalho
escravista, reproduzir economia interna com a agricultura, estabelecer uma
estrutura de poder interno que dirigisse o quilombo não só para determinar a
harmonia da comunidade, mas também se preparar para se defender das
investidas inimigas.
Desse modo, tudo indica que nos quilombos, assim como em outros
territórios organizados, as relações sociais se estabeleciam de forma hierárquica,
na qual a presença de líderes era fundamental para comandar e fortalecer o grupo
no momento de resistência contra o inimigo. No contexto histórico da guerra dos
escravos existiram várias lideranças, entre elas, Ganga Zumba, porém a liderança
que se destacou foi Zumbi do quilombo dos Palmares, maior movimento de
quilombo do Brasil (CAMPOS, 2005, p. 126).
Zumbi, com seu dinamismo e determinação, tinha uma enorme
capacidade de chefiar o grupo, era respeitado e visto como uma espécie de “rei”
pelos palmarinos. Em tempo hábil subordinou a vida de Palmares, deslocou
povoações inteiras para lugares mais remotos, incorporou as milícias e submeteu
adestramento intensivo todos os homens validos. Multiplicou os postos de
vigilância e observação na orla das matas (FREITAS, 1978, p.124).
Assim, o movimento palmarino foi o de maior organização política e
social, não somente por ter tido á frente o grande líder Zumbi, mas também por ter
se tornado um movimento de massas, em que um grande contingente de homens
e mulheres lutou para se livrar do regime escravista imposto pelo sistema colonial.
Palmares exprime a consciência negra da nação brasileira, por que o
povo continua lutando por sua afirmação existencial própria, que envolve sua
visão de mundo constituinte de sua identidade, e se caracteriza pelos princípios da
aceitação da pluralidade e seu reconhecimento de complementação, nos planos
da vida individual, social e natural (LUZ, 2002, p. 26).
18
Nesse aspecto os quilombos projetaram e formaram as chamadas
comunidades negras rurais ou quilombolas. Essas comunidades lutam
continuamente pela preservação de suas tradições religiosas e culturais e
reivindicam a efetivação de políticas públicas no sentido de assegurarem seus
direitos econômicos, sociais e políticos.
1.2 - As Comunidades Negras em Goiás
O Estado de Goiás, assim como outros mencionados, teve uma
população numerosa de negros escravizados, trabalhando em minerações, nas
lavouras e também nos serviços domésticos. Essa mão de obra contribuiu
significativamente para o desenvolvimento social e econômico do Estado. Por outro
lado, implicou em um processo de exploração e violência, pois os escravos além de
exercerem diversas atividades, ainda eram submetidos a castigos, quando se
organizavam para fugirem. Com essas fugas foram constituindo-se agrupamentos
de homens e mulheres e formando os quilombos.
De acordo com Karasch (1996) os quilombolas contribuíram para a
descoberta e exploração da riqueza mineral da Capitania de Goiás. Viviam da caça,
pesca e cultivo de roças. A autora Afirma que, embora muitos se envolvessem com
assaltos, enquanto outros cuidavam de gado e produziam carne seca, outros
negociavam com vizinho, guerreavam com índios, frequentemente para capturar
suas mulheres e estabeleciam vários tipos de relações com a população livre de cor
da fronteira. Dessa maneira, eles vieram a desempenhar um importante papel na
formação de comunidades camponesas nos atuais estados de Goiás e Tocantins
(KARASCH, 1996, p.241).
19
Desse modo, formaram-se várias comunidades negras no estado
ocupando novos territórios, após serem explorados no trabalho escravo durante o
período colonial e imperial a mão de obra foi expressiva. Homens e mulheres
trabalhando nas minerações e em outras atividades. Assim, a economia do estado
se desenvolveu e gerou enorme acúmulo de riquezas para a classe dominante.
Segundo Silva (1974, p. 61) os negros vinham de São Paulo, Minas
Gerais, Bahia e Mato Grosso para trabalhar nas minas de ouro em Goiás. Nessa
atividade usavam pequenas vasilhas, ou pratos de estanho, as bateias
5
; desviavam
e escoavam as águas dos rios; construíam canais e faziam enormes escavações
nas margens dos rios e nas encostas dos morros; pescavam o ouro com sacos de
couro cru através de pontas de varas; ou faziam por meio de mergulho, processo
fatigante e penoso, em longas horas de sol a sol, suportando a frieza das águas. De
resto acrescenta o autor, era um período impiedoso da vergasta e do chicote no
pelourinho, erigido em Vila Boa no governo de Dom Luiz de Mascarenhas por volta
de 1739.
Com o fim do trabalho nas minerações o negro passou a exercer outras
atividades como a de lavradores, pedreiros, alfaiates, fiandeiros, tecelões e ferreiros.
Essa situação de trabalho implicou num processo de banalização, isto é não havia
um interesse político, em relação à sua libertação, vez que os negros continuavam
na condição de escravos, não eram livres e viviam, desenvolviam todo tipo de
atividade nas fazendas. Porém, os donos de fazendas e de plantações
compreendiam que não haveria necessidade de libertá-los conforme os aspectos
formais e legais da abolição, à medida que entendiam que eles “já eram de casa”.
Ainda assim, no estado de Goiás foi efetuada a libertação dos negros escravos
5
Gamela de madeira em que se lavam areias auríferas ou cascalho diamantifiero.
20
mesmo que num processo diferente de outros estados como o Maranhão, Rio de
Janeiro e Minas Gerais (PALACIN, 1981, p. 123).
No estado do Maranhão a libertação dos escravos foi marcada por
severas lutas entre as classes dominantes e os grupos negros que formavam os
quilombos, muitos desses quilombos eram destruídos, o que gerava situações de
violência para um grande contingente de homens, mulheres e crianças feridas
quando não mortas. Os ataques aos quilombos terminaram com a imposição do
movimento abolicionista e com a própria resistência dos quilombolas (2004, p. 115).
Santos Neto (2004, p. 117) assevera ainda que a luta dos negros contra a
tirania do cativeiro, e a campanha abolicionista impulsionaram o fim do sistema
escravista no estado do Maranhão. Esse processo de libertação não aconteceu de
maneira pacifica vez que ocorreram inúmeros confrontos com o forte movimento de
resistência ao fim da escravidão, o que resultou em diversas batalhas, lideradas por
figuras como José do Patrocínio. Neste contexto, os negros maranhenses são
libertos do regime escravocrata e passam a conquistar novos territórios e se
estabelecem em áreas rurais que continuam sendo chamadas de quilombos e de
comunidades quilombolas.
No estado do Rio de Janeiro, a libertação dos negros escravos foi
marcada também por um processo de luta do movimento abolicionista e
principalmente dos quilombolas, que resistiram a ataques violentos e repressores
dos senhores branco. Tais conflitos culminaram numa crise na produção do açúcar
em que as classes dominantes foram perdendo o controle sobre os negros, que se
espalharam em áreas rurais e urbanas do estado. Isto implicou numa organização
dos grupos negros que continuaram a formar os quilombos, porém de maneira
21
autônoma vez que o sistema escravista estava legalmente extinto (CAMPOS,
2005, p. 68 -69).
A libertação dos negros escravos na Bahia resultou numa série de
rebeliões e revoltas. Os negros escravos estavam organizados e travaram uma forte
batalha numa guerra longa contra a escravidão. Essa guerra foi chamada também
de “guerra de pretos” (SCHWARTZ, 2001, p.371).
Uma particularidade nas rebeliões no estado da Bahia é que, mesmo com
a libertação de um número expressivo de escravos as revoltas prosseguiam à
medida que iam surgindo novos conflitos, tanto de caráter religioso quanto político e
étnico. Outro aspecto peculiar do é estado é o fato de que a maior parte dos negros
que estavam no estado era de origem africana. Segundo registro histórico eles
representavam 60% da população escrava, o que provocava mais problemas, pois
o movimento de resistência à escravidão se intensificava cada vez mais.
De acordo com Schwartz (2001) na Bahia houve várias revoltas, no
entanto a de maior destaque foi a de 1814 que explodiu ao norte dos limites de
Salvador. Segundo o autor um grupo de 250 escravos reunidos em um quilombo
próximo atacou as armações e sublevou os escravos ali empregados. Aos gritos de
“liberdade” e de morte aos brancos e mulatos” Os rebeldes incendiaram armações,
mataram muitos brancos e mulatos, atacaram Itapoá queimaram mais de cem casas
e tentaram mais recrutar mais escravos (SCHWARTZ, 2001, p. 380). Assim, os
homens negros escravos da Bahia reivindicam sua liberdade e buscam novas
alternativas de vida, livres da escravidão.
O movimento de libertação dos negros escravos no estado de Goiás,
apresenta particularidades distintas destes estados. Não registro histórico que
aponta grandes conflitos entre os grupos negros e os senhores brancos, os
22
quilombos organizados não tinham lideranças, nem a intervenção de movimentos
sociais, como por exemplo, o movimento abolicionista. Os negros que tentavam
fugir para formar quilombos, eram penalizados e castigados não somente por
brancos, mas também pelos índios que os viam como inimigos. Neste aspecto,
Karasch afirma que “a formação de quilombos em Goiás acabava sempre em
tragédias, os derrotados eram mortos ou devolvidos à escravidão. No entanto, uma
minoria conseguiu evitar a repressão e a recaptura, formando pequenas
comunidades rurais que perduram até o presente” (KARASCH,1996, p.257-258).
Silva (2003, p.393) assinala que se constituíram no estado de Goiás vários
territórios quilombolas, citando como os principais: Quilombo do Ambrosio, no sertão
da Farinha Podre, Arraial de Três Barras em Vila Boa; Morro de São Gonçalo
próximo Vila Boa; Bom Sucesso, em Água Fria; Arraia da Tesoura, ao norte da
Comarca do Sul; Vale do Paraná, nordeste e norte goiano, Arraial de Jaraguá;
Remanescente de Quilombo Cedro no sudoeste goiano e Remanescente de
Quilombo kalunga no Vale do Paranã, em Cavalcante, Terezina e Monte Alegre de
Goiás. Comunidade Negra de Água Limpa situada em uma região montanhosa e de
difícil acesso, em Faina a 45 km da cidade de Goiás. Dos territórios quilombolas
mencionados, optamos por investigar a comunidade negra kalunga do Vão do
Moleque um dos agrupamentos da comunidade.
23
1.3 Comunidade Negra Kalunga
O estado de Goiás concentrou um grande número de homens negros que
durante dois séculos e meio foram explorados no trabalho escravo. De acordo com
registros históricos, a maioria desses homens vinha de outros estados para
trabalharem nas minerações e nas lavouras no estado. Os kalunga participaram
desse processo, fugiram das atividades nas minerações e passaram a viver na
região nordeste do Estado, principalmente nas proximidades do rio Paraná. Mais
tarde se espalharam próximo ao longo rio Paraná e pelas regiões de Cavalcante,
Terezina de Goiás e Monte Alegre.
Existem reduzidos registros sobre a origem histórica do grupo Kalunga,
isto é quando chegaram a Goiás, de onde vieram e por quanto tempo viveram na
condição de escravos
6
.
Baiocchi (1999, p.19) menciona que com a divisão do Estado de Goiás e
a criação do Estado do Tocantins em 1988, altera-se o espaço geopolítico e a
localização dos municípios denominados kalunga passam a situar-se na
microrregião da Chapada dos Veadeiros ao nordeste do Estado de Goiás, limitando-
se com os municípios de Arraias (TO), Monte Alegre de Goiás, Terezina de Goiás e
Cavalcante.
Silva (2003) assinala que as povoações da região nordeste de Goiás são
naturalmente, “os calungas que por tradição da região eram chamados de
calungueiros, por habitarem a região Kalunga na qual todos os mais antigos os
6
Para nos informamos sobre a comunidade teremos como referência as considerações dos autores
que trazem em sua pesquisas alguns elementos essenciais sobre o histórico do povo kalunga . Alem
de artigos, acadêmicos e principalmente relatos orais moradores mais velhos dos agrupamentos do
Vão de Alma e Vão do Moleque.
24
conhecem, por terem sido, especialmente os mais velhos, vaqueiros e agregados,
trabalhadores nas pequenas lavouras de subsistência” (SILVA, 2003, p. 78).
Carvalho (1999), em artigo sobre a comunidade, faz referência á obra de
Martiniano José da Silva, que afirma que os kalunga eram velhos conhecidos do
nordeste goiano e lembra ainda que muitas cidades da região são povoadas “quase
exclusivamente por pretos”. De acordo com Martiniano, para o
dr. Juracy Cordeiro, inteligente promotor de justiça, conhecedor
daquela área, por os chamados calungas, que já formaram a
região do próprio nome, dizendo-se mesmo que se comunicam
através de um dialeto ininteligível, especialmente quando
encontrados num perímetro urbano, o que seria por certo ainda um
remanescente da língua africana. (...) Pois bem, informa em seguida
o dr. Juracy que os pretos calungas vivem seminus até os 13 anos;
que andam em fila indiana, podendo-se dizer que são os mesmos
que vivem enfurnados e anônimos no chamado “Vão das Almas”, em
Calvacante” (SILVA, 1974, p. 80).
Não muito distante da região da mina da Boa Vista, existiam grupos de
negros em Monte Alegre, Cavalcante, Tocantins e Paracatu que representavam
perigo para o governo, justificando, assim a ordem de destruição dessas
comunidades práticas comum no governo de João Manoel de Melo (1760 1770).
Segundo o autor não adiantava nada, pois um pouquinho longe dali, eles se
reorganizavam e construíam novas casas. Viveram por muito tempo longe das
cidades e até pouco tempo atrás não conheciam as coisas do mundo moderno.
(SILVA, 2003, p. 375).
Martiniano José da Silva assinala ainda que o quilombo dos kalunga
existe mais de 240 anos no Vão da Serra Geral, localizada no nordeste do
estado de Goiás a 600 km do município de Goiânia. Segundo ele, o kalunga de que
falamos, é um conceito ligado a uma serra e um córrego com esse nome, conhecido,
sobretudo no nordeste goiano, surgindo assim o Vão de Kalunga, no Vale do Paranã
25
e seus afluentes, nas bordas da Chapada dos Veadeiros. Os kalunga formaram o
quilombo com escravos foragidos do nordeste, especialmente da Bahia de onde
eram trazidos em grande comboio desde o século XVII e mesmo no século XVIII
(SILVA, 2003, p.376).
Como tais afirmações indicam, os kalunga vieram de outros estados para
desenvolverem atividades nas minerações e na agricultura, com o fim do trabalho na
minas, eles foram se dispersando pelas várias regiões do estado de Goiás. Alguns
moradores, perguntados sobre sua origem, assim se manifestam:
Desde que me entendo por gente que vejo falar que nós somos
kalunga, que viemos para e ficamos aqui trabalhando de roça.
Meu avô dizia que os kalunga vieram da Bahia para ficar nessas
serras sofrendo atrás de ouro pro outros. Eu e meus pais não
alcançamos esse serviço, aqui sempre trabalhamos foi de roça, todo
mundo que mora aqui mexe com roça, antigamente a gente ainda
fazia farinha, tinha o alambique agora é roça mesmo e temos a
cesta básica (B. F. 79 Vão do Moleque).
Este relato demonstra que os moradores da comunidade não têm
informações precisas sobre a sua origem histórica. Eles afirmam que sempre
trabalharam de roça e que não conheceram as atividades de minerações. Por outro
lado, quando se reportam ao passado, reproduzem a história oral de seus avós e
bisavós, mencionam sobre o trabalho nas minerações nos quais viviam somente
para servir os outros, sobre as difíceis subidas nas serras e a vinda deles de outros
estados.
Desse modo a memória social de alguns kalunga registra que de fato eles
foram escravizados nas minerações durante muitos anos e que tiveram uma vida
difícil. Esta situação se reflete até hoje na comunidade, pois ao discorrer sobre o
passado, eles falam também de um presente marcado por dificuldades ao afirmarem
26
que atualmente vivem apenas do trabalho de roça e dependem ainda do período das
chuvas para desenvolverem as atividades.
No processo de entrevistas optamos por entrevistar moradores dos
diferentes agrupamentos, do Engenho, Vão de Alma, do Ribeirão dos Bois e
Riachão, com objetivo de compararmos os registros orais e percebermos como cada
morador visualiza e relata a origem histórica da comunidade. Neste depoimento um
morador do Vão de Alma diz o seguinte ao perguntarmos sobre a chegada dos
kalunga em Goiás:
Não sei lhe dizer, vivo aqui desde que nasci e escutamos o povo
falar que o kalunga veio da Bahia, para trabalhar com as minas.
Nós mesmos nunca trabalhamos com garimpo, sempre foi com a
enxada. Meus troncos
7
tudo fazia roça, meus avós, meus pais, eu, e
agora meus filhos. Os mais velhos nós conta que muitos kalunga que
viveram aqui em Vão de Alma, no Mimoso, no Moleque e Riachão
sofria muito na mão dos donos das terras dizem mesmo que nossos
tronco foi escravo. É isso que vejo falar dos kalunga aqui na
região. (F. S. 76, Vão de Alma).
Neste depoimento observa-se que tanto os moradores do Vão do Moleque
como os do Vão de Alma falam de suas origens com linguagem única, não aparece
muitas contradições nos relatos. Eles se identificam como um povo que hoje
trabalha de roça, mas que o pior foi na mineração em que a comunidade vivenciou
o trabalho escravo. Com uma linguagem peculiar, eles denunciam o sistema
escravista que a população viveu no passado e também a situação difícil que vivem
no presente.
1.4 - Agrupamento Vão do Moleque
O Vão do Moleque está localizado no Sitio Histórico Kalunga a 15 km do
município de Cavalcante. Da entrada do Sitio até o agrupamento são mais 140 km.
A estrada é de chão, com curvas fechadas e cercadas por serras. O território faz
7
Segundo o entrevistado são seus descendentes parentes de sangue e os próximos.
27
parte do Cerrado, área do Planalto Central, espaço onde se localiza a Chapada dos
Veadeiros e onde se encontra a maior biodiversidade dos cerrados (BRAGA, 1998,
p. 191).
O agrupamento Vão do Moleque se divide em cinco micro regiões: Salina,
Corriola, Paranã, Corrente e Prata. E mais as áreas da Fazenda Maiadinha e a
Fazenda da Capela do Moleque, local onde acontece a festa religiosa. No
agrupamento ainda não existe infra-estrutura de energia elétrica, de água tratada, de
rede de esgoto e nem serviços de saúde.
A área é rica em belezas naturais, pois além das serras que cercam o
no território um enorme fluxo de água provocado por rios e cachoeiras. Os rios que
banham o agrupamento são: rio Corrente, Corriola e o Prata. A comunidade local
utiliza destes recursos, porém segundo informações orais, eles estão enfrentando
dificuldades em relação à água, pois afirmam que fluxo vem diminuindo
significativamente. Os moradores atribuem estes problemas ao turismo
desordenado, as queimadas, a festa religiosa do Moleque e a escassez de chuvas.
Em depoimento uma moradora da Maiadinha diz o seguinte:
Aqui tinha muita água a gente bebia, lavava roupa, as crianças,
cozinhava sem se preocupar com nada. Agora nós vimos no rio é
aquele rio murchinho pouquinha água mal para gente usar. Na
época da festa aqui que é muito bom pra nós, mais o rio fica ruim
mesmo, porque o povo todo banha nesse rio e deixa sujo.
Quando acaba a festa a gente fica usando a água cheia de sujeira,
demora para ficar limpa de novo. Também é muita gente é mais de
mil pessoas banhando, lavando louça cozinhando como é que faz né.
(M. P. F., 57 Fazenda Maiadinha).
No depoimento a moradora aponta a preocupação com a questão
ambiental e com os recursos naturais que lhe são oferecidos. Mesmo o Cerrado
tendo uma enorme disponibilidade de recursos hídricos, os moradores alertam sobre
os futuros problemas que se refere à conservação destes recursos. Outro aspecto
28
relevante no depoimento da entrevistada é a relação que ela faz da festa religiosa do
Moleque com a preservação ambiental, pois ao mesmo tempo em que considera a
festividade como essencial para comunidade, tem a preocupação com os impactos
ambientais, isto é o receio de que daqui alguns anos, estes rios não tenham mais
condições de atender a comunidade.
A questão da degradação do meio ambiente, sobretudo na região do
cerrado está relacionada a fatores sociais, políticos e econômicos. De acordo com
Pires (1998, p.123), os problemas ambientais da atualidade são decorrentes do
crescimento econômico, respaldado em uma ciência e uma técnica que privilegiavam
o lucro em detrimento da preservação, o capital vis-à-vis o trabalho, o econômico em
relação ao social, o poder frente á ética.
Assim, o que a população do Vão do Moleque revela sobre os impactos
ambientais negativos é mais um sentimento de perda no qual teme ficar sem os
recursos naturais necessários para sua sobrevivência, vez que a comunidade
enfrenta ao longo do tempo outros tipos de ameaças que envolvem fazendeiros,
grileiros e empresas que buscam explorar o turismo na região.
1.5 - Organização Sócio - Cultural da Comunidade do Vão do Moleque.
O núcleo rural do Vão do Moleque tem uma população de
aproximadamente 1100 pessoas, são em torno de 450 famílias no agrupamento. As
casas são simples, distantes umas das outras, construídas de adobe e cobertas de
palha. Muitas casas ficam espalhadas e escondidas entre as serras. No percurso
para a região, observamos que os moradores não têm vizinhos de porta, a distância
de uma casa para outra é de quase mil e seiscentos metros. No entanto, as famílias
29
são organizadas coletivamente no espaço, e se deslocam para outros lugares para
visitar parentes e amigos da região.
1.5.1 - A Família
A organização familiar da comunidade é extensa. Cada uma tem em torno
de dez a onze membros, incluindo netos e bisnetos. A relação social das mesmas é
harmônica e os mais velhos têm papel fundamental na orientação e organização
familiar. Geralmente os filhos ao se casarem ficam morando juntamente com os
pais ou pelo menos próximos deles, mesmo com o processo de migração que vem
acontecendo na comunidade, pois muitos jovens migram para as áreas urbanas em
busca de trabalho. As crianças ficam de certa forma, sob a proteção dos avós,
sobretudo quando os pais migram para a cidade em busca de sobrevivência.
Observamos que a família kalunga do Moleque é unida, estabelece diálogo e
cumpre uma hierarquia em relação aos membros mais velhos. É também patriarcal
e demonstra preocupações com questões referentes a educação, saúde e
alimentação e com os filhos, principalmente os que vivem fora.
As crianças têm o costume de tomar benção aos mais velhos, seja
parentes, vizinhos ou mesmo as visitas. Percebemos que cada vez que as pessoas
iam chegando à festa as crianças corriam para cumprimentá-las estendendo a mão
direita para ser abençoado.
A relação de harmonia, de proteção, de obediência e socialização da
família do Moleque é uma característica das comunidades negras rurais. No geral
as famílias quilombolas preservaram sentimentos de respeito e de união pela
família. Desse modo, podemos considerar que esses valores decorrem da influência
30
das tradições culturais africanas nas quais os povos de origem banto mantêm essas
relações institucionais e hierárquicas no sistema familiar.
Oliveira ao estudar o povo africano tsonga diz que: “a família para eles é
um meio de controle e equilíbrio social e constitui a base da sociedade, além de ser
um núcleo de produção onde se produz e consome. É Através da família que a
propriedade e a segurança da família é assegurada e regulamentada. Os velhos e
as crianças ocupam lugar de extrema importância” (2002, p.27),
Diante de tais considerações observamos que os valores culturais
presentes no grupo africano mencionado se assemelham aos do povo kalunga do
Moleque, visto que ambos primam pela família e as vêem como uma instituição
harmoniosa e equilibrada prevalecendo o respeito às crianças e aos idosos que é
têm como princípios essenciais para garantir a mesma. Embora cada grupo negro
possua suas características próprias, observamos que o povo negro kalunga do
Moleque sofre forte influência da cultura africana banto, pela religiosidade, a
organização coletiva e familiar, os hábitos alimentares e a valorização cultural por
meio das festas e brincadeiras.
Para Silva (2003) os kalunga apresentam algumas características que se
identificam com a Mãe África como, por exemplo, de dialeto de provável origem
africana, possível idiomas da senzala como parte da cultura de resistência e a vida
humilde e simples, tomada de profundo respeito pelo ecossistema do cerrado.
Segundo o autor, até a região lembra características da paisagem das savanas
africanas, começando por trilhas onde trafegam a ou em lombo de burro. O autor
pontua ainda que haja outros elementos similares, como a preservação dos cultos
afro-brasileiros que sempre uniram os povos de origem africana, conservando o
espaço sagrado para velhos rituais de cultos e romaria aos santos e também as
31
casas que são feitas com mistura de barro com capim ou casca de arroz e as
paredes caídas de branco sendo quase todas iguais como nas aldeias africanas
(SILVA, 2003, p.388).
Dessa maneira, não são somente os aspectos familiares dos kalunga do
Moleque que se revelam traços da cultura africana. Compreendemos que possam
existir outros que vão da questão religiosa à organização coletiva, os costumes, as
danças, a música, as brincadeiras e a relação com a terra. Todos esses elementos
pontuaremos no desenvolvimento deste estudo.
1.5.2 - Trabalho
A maioria das famílias kalunga do Moleque trabalha de roça, plantando
feijão, arroz, abóbora, laranja e algumas produzindo a farinha. Eles se alimentam de
arroz, toucinho, carne de caça, pesca e carne seca.
A situação econômica dos moradores do Moleque é bastante difícil, pois
constatamos que muitos estão vivendo em condições precárias. Um número
expressivo de moradores não são alfabetizados, desenvolvem atividades de roça e
dependem de programas sociais do governo para complementação de sua
sobrevivência, como por exemplo, a cesta básica que as famílias recebem
mensalmente. Todo final de mês, um caminhão da prefeitura de Cavalcante busca
as cestas no município e entrega às famílias da área Moleque.
De acordo com Silva (2003), em Goiás as comunidades negras rurais
vivem praticamente da mesma maneira de em que viveram nos antepassados, ou
seja, dedicadas à produção agrícola na roça de subsistência ou de alimentos,
32
sempre estiveram homens, mulheres e crianças, na plantação e cultivo de
mandioca, cana de açúcar, milho e feijão.
Os kalunga do Moleque têm pouco retorno econômico das atividades de
agricultura, pois não comercializam muito seus produtos e quando conseguem
vender, recebem pelo produto um valor irrisório o que não garante o sustento da
família. Muitos ficam ainda a mercê de fazendeiros e grileiros, exercendo diversos
tipos de atividades como capinar quintal, ajudar em construção civil, fazer roçado
nas fazendas dentre outras. Esse tipo de trabalho é uma espécie de trabalho
alternativo, ou seja, não tem salário fixo e nem uma remuneração adequada para se
manterem.
Ressalte-se que a crise econômica que a comunidade do Moleque vem
enfrentando esta relacionada a diversos fatores como a concentração fundiária e de
renda, o crescimento da população e a não efetivação de políticas públicas para
esta população. Estes problemas estão implicados com o fenômeno da globalização.
Este sistema que tem o poder de dominação, que funciona numa lógica excludente e
que legitima a crise não somente no meio rural, mas também em outros espaços.
Segundo Duarte (1998) a globalização da economia tem provocado a
crescente exclusão social e a precariedade a maioria da população, bem como a
constante destruição do meio ambiente, o que levou a um processo de
questionamento sobre os resultados do desenvolvimento econômico no presente
século. Desse modo, os problemas que as populações negras rurais vivenciaram
no passado foram conseqüências do regime escravista colonial. Atualmente as
novas gerações destas comunidades vivem submetidas ao sistema capitalista
global, que com outras estratégias, têm colocado diversos grupos sociais em
posição desfavorável. É nesse contexto que os kalunga estão vivendo, ou seja,
33
excluídos à medida que não estão produzindo e não estão tendo como garantir as
condições materiais necessários para viverem. Em depoimento, um morador do Vão
de Alma diz o seguinte:
Nós vivemos aqui trabalhando de roça mesmo, às vezes
passamos dificuldades principalmente quando as chuvas vem
devagar. Eu, e meu povo tem o roçado né, mas muita gente aqui não
tem nadinha, fica esperando a cesta no final do mês. Conheço
gente aqui que passa semanas comendo só arroz com abóbora o
dinheiro nunca tem pra comprar o toucinho ou uma carne. Mas
nossa vida sempre foi desse jeito assim, com muita dificuldade, hoje
tá melhor, tem os caminhões pra agente ir à cidade antes era a pé ou
em lombo de burro( M. P., 77 Prata).
Esta situação indica um quadro de empobrecimento da população do Vão
do Moleque e dos kalunga em geral. Neste sentido, percebe-se que as políticas
públicas voltadas para a promoção e desenvolvimento das populações negras rurais
que possa melhorar suas condições de vida, têm deixado a desejar, vez que uma
parcela significativa da comunidade do Moleque está na condição de excluído, isto é
vivendo somente de cestas básicas e de roçado que muitas vezes depende do
período chuvoso para garantir o mínimo.
Em relação aos programas paliativos e assistencialistas promovidos pelo
Estado mencionados anteriormente, consideramos que eles servem para amenizar
uma situação emergencial do individuo, porém não cria possibilidade de autonomia
no que se refere a produtividade e consequentemente possa gerar recursos para
atender as necessidades de consumo do individuo.
Segundo Reijntjes (1999) o sistema de produção está relacionado com a
identidade do trabalhador rural, pois é com a produtividade que o grupo se
harmoniza com a cultura local, isto é, a cultura de produzir seus próprios alimentos,
de fazerem promessas para que as chuvas venham e ajudem no roçado, bem como
34
poder realizar as festas religiosas que são essenciais para suas vidas. É assim que
o grupo se fortalece e afirma sua identidade. Eles têm a necessidade de mostrar
que são capazes de produzirem os recursos materiais para o outro, como por
exemplo a realização das festas e estabelecer as normas sociais (definição de
papeis masculino e feminino).
Esta é uma realidade presente na população do Moleque vez que a
comunidade tem necessidade de se identificar com sua cultura, seu modo de vida e
seus costumes. Tentam mostrar que embora ganhem pouco com o que produzem
no trabalho, não sendo suficiente para atender suas necessidades, são capazes de
sustentar-se de maneira digna, trabalhando nas atividades de roça ou em outras que
lhes assegurem o sustento, de tomar decisões junto ao coletivo e de contribuir com
as atividades cotidianas da comunidade, inclusive com as festas. Estas relações
sociais provocam na população local sentimentos de respeito, mas é também uma
forma do grupo se identificar perante o outro. Assim, o trabalho e a produtividade
são essenciais para todas as pessoas da comunidade porque através deles poderão
estabelecer relações de igualdade e preservar o sentimento de identidade
8
.
1.5.3 - Rituais Fúnebres
Quando morre um kalunga, ente querido, ele é enterrado no cemitério da
região do Moleque, geralmente numa rede ou em caixão feito de ripa pelos próprios
moradores. Os vizinhos da região são comunicados e participam das cerimônias.
Eles chegam a pé, a cavalo e às vezes em camionetes. A cerimônia é realizada
com rezas e cantos que se assemelham aos rituais fúnebres católicos, com a reza
de sete e de quinze dias. Durante o velório é servido café, bolos e em alguns
8
Sobre a categoria identidade discorremos em outra parte do texto.
35
momentos a bebida alcoólica. Quando um membro da família vai a óbito, todos os
parentes têm obrigação de estarem presentes, mesmo aqueles que migraram
para outros lugares. Neste sentido, observa-se que os kalunga expressam
sentimentos de solidariedade uns com os outros não só nos momentos festivos e de
lazer, mas também naqueles de tristeza.
1.5.4 - Os Costumes Alimentares
A população do Moleque tem o costume de ingerir bebida alcoólica, tanto
os homens como as mulheres. Geralmente eles bebem a cachaça que é feita em
alambiques próximos da região. Nos dias de festa observamos que a muitos dos
moradores do Moleque estavam sob efeito da bebida assim como os do Vão de
Alma e de outras regiões vizinhas. Essa relação com a bebida é comum na
comunidade kalunga, tanto na festa como fora dela.
Ressalte-se que a bebida alcoólica é um elemento que faz parte dos
costumes de vários grupos negros rurais, sobretudo no contexto festivo religioso,
nos momentos das brincadeiras, nas danças e até mesmo nos rituais fúnebres como
mencionado. Nos cultos afro-brasileiros de candomblé e de umbanda aparece a
bebida alcoólica, principalmente nos rituais de despachos e de oferendas. Esses
rituais são semelhantes aos que acontecem nos cultos africanos ou cultos aos
antepassados. Os vivos obtêm força e socorro de seus ancestrais enquanto os
mortos dependem das oferendas de seus descendentes. Assim, a bebida é servida
são os chamados sacrifícios que adquirem força e potência (RIBEIRO, 1969, p.97).
Em outras festividades religiosas, tais como as congadas, a folia de reis e
as romarias, os festeiros também bebem. Na festa do Divino, no Tambor de Mina
36
que é realizada no Estado do Maranhão, a bebida faz parte da festa. Segundo
Ferretti (1995), durante a festa os homens bebem, conversam, dizem brincadeiras,
soltam fogos, levantam mastros e tocam instrumentos. Na cerimônia do tambor de
choro, um ritual fúnebre que acontece no mesmo estado, na casa de Nagô, a bebida
tem sua importância. Neste ritual são usados vários objetos, cesto de palha, cofo,
bacia com água, de chinelo e, por último, uma garrafa de aguardente e outra de
vinho (FERRETTI, 1995, p.210).
Dessa maneira, a bebida alcoólica faz parte das festas religiosas negras,
ou festa de preto como alguns autores
9
usam. Neste contexto, ela não é vista de
forma maléfica, nem como valor amoral para a comunidade, é somente mais um
elemento que complementa o cenário sagrado / profano dentro da festa. Alem de
ser um costume que faz parte do cotidiano de alguns grupos negros rurais, como é
caso da comunidade kalunga do Moleque.
Sobre os hábitos alimentares o grupo tem o costume de preparar o arroz
somente com água cozinham também arroz com abóbora. Em registros orais,
afirmam que comendo o arroz feito somente com água ficam mais sadios e podem
comer a vontade. Em relação à alimentação, observamos que o grupo têm a cultura
da fartura, ou seja, seus membros gostam de comer bastante, inclusive, nos rituais
sagrados da festa, a comida é valorizada com banquetes, principalmente no
império
10
. A maioria dos moradores do Moleque ainda mantém a tradição de
cozinhar no fogão à lenha, assim como lavar roupas, louças e banhar as crianças
nos rios. A própria condição em que vivem permite que preservem tais costumes,
pois não região como foi mencionado anteriormente não serviços de rede de
9
Ver Carlos Rodrigues Brandão, Alfredo Wagner e José Tinhorão.
10
Questão que trataremos no segundo capítulo.
37
água e esgoto nem elétrico. A distância dificulta o acesso ao consumo do gás e
outros produtos de consumo no qual demonstram ter a necessidade de usufruir.
Outro costume da população local é o uso de ervas para práticas de cura.
A comunidade tem uma forte ligação com a natureza, principalmente as mulheres,
que sabem lidar de maneira sábia com as ervas. Elas utilizam as ervas para fazer
chás, pomadas, antiflamatórios na assistência à gravidez e nos partos. Ressalta-se
que nesta área as parteiras tradicionais se fazem presentes. O trabalho dessas
mulheres é bastante significativo para a população local é uma tradição na
comunidade não só a do Moleque, mas em todos os agrupamentos do Sitio Histórico
Kalunga.
Desse modo, os moradores da área rural do Moleque buscam manter
seus costumes e as suas tradições com objetivo de passar dos mais velhos para os
mais novos seus conhecimentos, os valores e fortalecer o grupo. Nestes termos é o
que Hobsbawm (1997, p.09) chama de invenção das tradições ao afirmar que
A tradição inventada é um conjunto de práticas normalmente reguladas por
regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou
simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através
da repetição, o que implica automaticamente uma continuidade em relação
ao passado. Aliás, sempre que é possível, tenta-se estabelecer continuidade
com um passado histórico apropriado.
1.5.5 - A representação política
Os moradores do Vão do Moleque não têm uma representação política
local, na área não uma entidade que os represente. Quem os representa é a
Associação Casa Kalunga, localizada no município de Cavalcante. A entidade
assume o papel de discutir junto aos moradores do Engenho, Vão de Alma e Vão do
38
Moleque questões referentes a programas de governo, posse de terra, educação e
saúde.
Quanto à relação entre a entidade e os moradores da área observamos
que eles dão pouca importância para a Associação, alguns não compreendem muito
bem sua utilidade, outros se posicionam de maneira indiferente à questão e um
número reduzido consegue estabelecer diálogo com a entidade. A maioria dos
membros da instituição reside no município de Cavalcante, são articulados
politicamente e participam com freqüência de eventos culturais, políticos e outros
voltados para o povo kalunga.
No período festivo os membros da associação mantêm contato direto com
várias instituições como organizações governamentais e não governamentais,
políticos de diferentes partidos e com prefeitos dos municípios vizinhos. No entanto,
com os moradores da região principalmente a do Moleque observa-se que certa
distância, ou seja, não entrosamento entre estes e a entidade. Alguns membros
da entidade tornam-se figuras políticas, concorrem em eleições para vereadores e
deputados estaduais. Dessa maneira, o espaço da associação acaba servindo
também em determinadas situações de cenário político.
Os comerciantes têm um compromisso com a associação, pagam uma
taxa no valor de R$35,00 (trinta e cinco) reais, esta taxa funciona como uma espécie
de inscrição. Caso não paguem não tem como construir seus ranchos comerciais e
não poderão trabalhar durante a festa. Os representantes da entidade argumentam
que é necessário o pagamento, pois é uma forma de arrecadar dinheiro para
contribuir com a Associação. Mencionam também que cobram porque a maioria dos
comerciantes não é kalunga e tem uma vida econômica melhor que os moradores
do Moleque. Segundo registros orais, os comerciantes são exigentes, querem
39
levantar seus pontos nas melhores localizações, alguns têm resistência em pagar a
inscrição para associação e se portam como se fossem os “donos da festa”. Outra
maneira de a entidade arrecadar recursos é venda de camisetas e bonés, que
custam em torno de dez a quinze reais. Neste aspecto, observa-se que a
associação é articulada, atuante, consegue se movimentar no interior da festa, no
entanto com relação outras questões, como a demarcação do território, o
atendimento à saúde para os moradores e educação, a atuação ainda ocorre de
maneira tímida e sem muitos impactos. Em depoimento o atual presidente da
Associação diz que
Nossa luta aqui é grande a gente se vira de tudo enquanto é lado
para ajudar a comunidade. São muitos problemas, principalmente
com a saúde. Muitos moradores adoecem e não tem nenhum
médico, posto de saúde, não tem nada a não ser essas agentes de
saúde que visitam a comunidade de vez em quando. Os moradores
do Vão de Alma são que mais sofrem com a falta de atendimento,
pois a área é muito longe, ainda não tem estrada a chegada é
muito difícil. Mesmo assim, a gente faz o que pode pedi socorro para
um e para outro, tenta não deixar a comunidade no abandono (F. A
60 Vão do Moleque).
Os relatos indicam uma preocupação da entidade com os moradores
da região, porém o que fica evidenciado é que as reivindicações da população não
vêm sendo contempladas. Tudo perpassa por questões burocráticas e, sobretudo,
políticas. A associação demonstra que não está fortalecida para atender as
demandas dos moradores, apesar de vir buscando apoio junto a organizações
governamentais, secretarias de governo e prefeituras. Essa fragilidade da entidade
resulta num descrédito dos moradores em relação às propostas e ações da
instituição, visto que, quando eles reivindicam, por exemplo, a demarcação do
território ou atendimento à saúde não têm entendimento político de que a resolução
de tais problemas não depende somente da associação, mas também de outras
instâncias.
40
1.5.6 - Educação
Sobre a educação do grupo kalunga do Moleque não temos a intenção de
fazer uma ampla discussão acerca da temática, porém apontar algumas
considerações sobre a educação rural, ou do campo como prefere alguns autores
11
tomando como referência a experiência vivida pelos moradores da área.
A educação enquanto instrumento de ascensão social permite ao sujeito o
reconhecimento de sua identidade e cidadania, considerando a mesma como
paradoxal, na medida em que a sua práxis evidencia a exclusão de indivíduos que
não têm acesso ao ensino formal e uma educação de qualidade.
Sobre a educação do campo e para comunidades negras, os desafios são
ainda maiores, vez que a trajetória educacional dos grupos negros é marcada pela
desigualdade no acesso e na permanência. Mesmo a educação sendo um direito
social e fundamental de todos, tanto para os negros como para brancos, índios,
trabalhadores do campo e da cidade, observa-se que as políticas educacionais não
têm sido eficazes no sentido de assegurar uma educação adequada para todos,
sobretudo a educação voltada para as populações negras que vivem no meio rural.
Para Arroyo (2005) a educação básica do campo tem de incorporar uma
visão rica de conhecimento e da cultura, uma visão mais digna do campo, o que
será possível se situamos a educação, o conhecimento, a ciência, a tecnologia, a
cultura como direitos e as crianças e jovens, os homens e mulheres do campo como
sujeitos desses direitos.
Nestes termos, a educação do campo implica num processo de
construção em que as características particulares de cada comunidade devem ser
11
Ver Miguel Arroyo ( 2005) e Caldart (2005).
41
respeitadas, assim como seus valores, suas crenças, rituais e a sua cultura. Cada
grupo rural tem a sua peculiaridade e enfrenta problemas de diferentes níveis. Estes
grupos necessitam de uma educação liberta, construída coletivamente e com
propostas adequadas à realidade do campo, ou seja, sem conotações que possam
suscitar rótulos e estigmas nos grupos.
Segundo Caldart (2005) a escola do campo não é um tipo diferente de
escola, mas é a escola que ajuda e fortalece os povos do campo como sujeitos
sociais, que também podem contribuir no processo de humanização do conjunto da
sociedade, com lutas, história, seus saberes e sua cultura. Também pelos desafios
de sua relação com o conjunto da sociedade.
Em relação à educação dos moradores da área rural do Moleque,
constatamos que a maioria dos adultos não são alfabetizados, e um número
reduzido de pessoas consegue assinar o nome. Não existem programas específicos
de alfabetização para jovens e adultos na região. Por outro lado, observamos que
houve alguns avanços no processo educacional da comunidade, vez existe uma
escola municipal na região para atender as crianças de 06 a 13 anos. As famílias
são envolvidas com as atividades da escola, andam alguns quilômetros para deixar
os filhos na escola e participam de reuniões.
Segundo informações orais esta escola foi criada recentemente, e conta
com 15 crianças matriculadas. Um aspecto bem peculiar do processo educacional
kalunga do Moleque é que na escola não diferença entre a alfabetização e o
ensino fundamental, as crianças de seis anos estudam na mesma sala das de dez a
treze anos. Esta realidade é característica de processo educacional que está em
desenvolvimento e que requer uma atenção por parte das políticas educacionais
42
voltadas para o campo, no sentido de assegurar uma educação de qualidade para a
comunidade local de acordo com sua realidade.
Quanto aos educadores, é outro desafio que faz parte da luta pela
educação na área rural do Moleque e no campo em geral, pois nem sempre o (a)
educador possuem os instrumentos necessários para dar conta do processo de
ensino /aprendizagem. Segundo informações orais da própria professora da região,
ela mesma vem tentando concluir o ensino médio, mas ainda não conseguiu, porque
mora muito longe do município de Cavalcante e não tem recursos para pagar seu
deslocamento até a cidade alem de não de não ser possível ir e voltar todos os dias.
Relatos como esses demonstram os inúmeros desafios da educação do
campo e apontam também alguns mecanismos pelos quais é possível garantir de
maneira alternativa, liberta e diferenciada uma educação voltada para o campo.
Segundo Brandão (1998) a educação pode existir livre e entre todos, pode
ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como
idéia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como
vida.
Ressalte-se que a educação é essencial para a comunidade kalunga do
Moleque e que ela acontece de acordo com suas particularidades sem estar
direcionada aos modelos padrões de educação. Assim, é possível pensar uma
educação do campo de forma alternativa, onde todos possam participar de maneira
livre, com o respeito às crenças, os saberes e aos valores culturais da comunidade
local.
Por fim, a educação do campo, assim como a do meio urbano, deve ser
uma educação inclusiva, de qualidade e que seja capaz de provocar mudanças no
sentido assegurar os direitos fundamentais dos diversos grupos sociais e permitir o
43
exercício da cidadania. É nessa perspectiva que a comunidade negra do Vão do
Moleque reivindica a inclusão no processo educacional na sua região, respeitando
suas particularidades, suas crenças, seus rituais, sua linguagem e, sobretudo, o
histórico social e cultural.
1.5.7 - A Terra e os Problemas Fundiários
A terra é um elemento essencial e sagrado para a comunidade kalunga e
está relacionada à garantia da vida e à manutenção das tradições religiosas e
culturais. A terra não representa o ter no aspecto do pertencimento, mas também
o ser, o individuo, o outro, o que se manifesta. È assim que a população do Moleque
se relaciona com a terra, de maneira harmoniosa e mística, é onde vivem,
constituem famílias, realizam cerimônias religiosas, mantêm os costumes e as
tradições, enterram seus entes queridos e expressam a sua identidade.
Esses sentimentos que os moradores demonstram ter pela terra é
bastante significativo para a comunidade, no entanto no cotidiano eles enfrentam
sérios problemas com questões referentes à sua posse. Ao longo do tempo, não
somente os kalunga do Moleque, mas toda a comunidade vem resistindo aos
conflitos com grileiros e fazendeiros e também reivindicando a regularização das
terras.
O processo de legitimação e demarcação das terras kalunga é histórico,
desde o final da década de setenta que tem se colocado em pauta a demarcação
destas terras, mas até o presente ainda não perspectiva de quando ocorrerá de
fato.
44
No dia vinte sete de novembro de 2006, foi realizada uma audiência
pública na Assembléia Legislativa de Goiás, conduzida pelo então deputado
estadual Mauro Rubem com objetivo de discutir a questão das terras dos kalunga.
Estiveram presentes: representantes do Incra, da Agência Rural, as Lideranças
Comunitárias dos municípios de Cavalcante e Monte Alegre e um vereador da
cidade de Terezina de Goiás entre outras autoridades. A pauta era a mesma que
vem sendo discutida vinte ou trinta anos: a demarcação do território kalunga.
Nas discussões observamos que a questão implica num processo burocrático, na
falta de vontade política e num jogo de acusações por parte das instituições que são
responsáveis pelo trabalho de campo Incra do Distrito Federal e Agência Rural do
estado de Goiás.
Do outro lado, estavam as lideranças, demonstrando desânimo com a
discussão. Durante a audiência essa lideranças, que cansados de esperar essa
demarcação que para elas, parece que ninguém tem interesse em contribuir com a
comunidade. Uma das lideranças destacou que tem a impressão de que a terra
kalunga é uma “mina de ouro” de tão difícil de ser regularizada.
Por fim, foram feitos alguns encaminhamentos básicos no sentido de que
sejam realizadas ações concretas em relação à demarcação, envolvendo os
governos estadual e federal e demais instituições responsáveis pelo trabalho.
Diante do exposto observamos que o poder público durante esses anos
tem se pronunciado de maneira tímida em relação aos conflitos entre os kalunga,
grileiros e fazendeiros visto que os problemas que a comunidade vem enfrentando
são vários: a grilagem, a venda e barganha de terras e questões referentes ao meio
ambiente. E, não são simples de serem solucionados. Segundo Siqueira (2006) a
grilagem trouxe graves problemas para comunidade kalunga afirma que: “a forma de
45
plantio é sazonal, ou seja, são escolhidas faixas de terras em que se plantam
durante um período e, quando essas faixas se esgotam muda-se o plantio para
outras faixas de terra plenas em nutrientes, e assim sucessivamente. Esse modo de
produção artesanal demanda uma grande quantidade de terras disponíveis. Com a
chegada dos posseiros os kalunga ficaram espremidos, o que fez com que
diminuíssem a produção” (SIQUEIRA, 2006, p.32).
Nesses impasses sobre a demarcação da terra, percebe-se que os
próprios moradores da área não têm informações sobre tal processo, apesar de
estarem vivendo nela. Eles relatam que essa terra é a vida deles, que não têm outro
lugar para morarem, que ali fazem suas festas, trabalham e criam os filhos, portanto,
não tem certeza se de fato essa terra lhes pertence. Um morador da área do
Moleque relata:
Desde que nos entendemos por gente que vivemos aqui e se
falava nessa história se estas terras são nossas ou não. A verdade é
que precisamos da terra, para poder sobreviver, ela é nossa vida, se
não tiver a terra não sobrevivemos, por isso estamos lutando para ter
a legalização dela para todos os kalunga ter direito, ser voluntário
como era antes nossos ancestrais tinha todo apoio, toda
tranqüilidade, hoje nós não temos porque perdemos esse apoio de
nossos ancestrais, apoio sobre o direito da terra, nós somos donos e
parece que não somos donos, os outros é que se apossou das
maiores áreas e das as melhores. As terras produtivas estão nas
mãos de pessoas particulares que às vezes nem compraram, ou
talvez nem comprou de quem era dono e estão apossados delas e
nós estamos como se não fosse donos, sofrendo (I. F, 53 anos
Vão do Moleque).
Estes registros denotam uma situação de tensão, de insegurança e,
sobretudo de fragilidade econômica e social que a população negra rural do
Moleque vive. Ela não tem garantido os recursos materiais necessários para
desenvolver o trabalho na agricultura, cotidianamente está em situação de conflitos
com fazendeiros e grileiros em função da posse de terra como foi mencionado e
46
ainda enfrentam problemas de escassez dos recursos naturais provocados por um
processo de deterioração do meio ambiente.
Os kalunga vivem em agrupamentos rurais e nos municípios vizinhos de
Terezina de Goiás, Monte alegre e Cavalcante. Estes agrupamentos foram
transformados em categoria de Sitio Histórico Kalunga a partir da Lei Estadual de nº.
11409 de 21 de janeiro de 1991(BAIOCCHI, 1999, p. 20).
De acordo com dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), vivem atualmente no Sitio Histórico Kalunga 3900 pessoas. O
Sitio é composto por cinco núcleos rurais: Vão do Moleque, Vão de Alma, Ribeirão
dos Bois, Contenda e Kalunga.
Outro ponto relacionado à terra é a questão da localização geográfica do
grupo, sobretudo os que vivem nas áreas rurais do Engenho, Vão de Alma de Vão
do Moleque. toda uma discussão em torno de um possível isolamento da
comunidade, isto é, que vivem isolados geograficamente e não se deslocam de seus
lugares de origem. Embora alguns autores
12
afirmem que os kalunga vivam de
maneira isolada, pudemos constatar que a comunidade não está na condição de
isolada geograficamente, mesmo aqueles que moram em regiões rurais mais
distantes e de difícil acesso, pois a população se desloca para outros lugares,
inclusive para os municípios de Cavalcante, Terezina de Goiás e Monte Alegre. Os
moradores do Engenho, do Vão de Alma e do Vão do Moleque buscam recursos
nesses municípios, atendimento médico e compra de produtos alimentícios. A
maioria da população local está inserida em programas sociais, tendo assim que se
deslocar mensalmente para receber o benefício. Mobilizam-se ainda para resolver
assuntos de ordem pessoal.
12
Ver Mary Baiocchi e Mary Karasc
47
Os núcleos do Vão de Alma e do Vão do Moleque são os mais distantes e
de mais difícil acesso, no entanto os moradores têm a rotina de se mobilizar. Eles
participam das festas religiosas, de encontros e eventos culturais, fazem compras,
vão receber benefícios dos programas sociais e visitam parentes que moram nos
municípios vizinhos. Ás vezes acontece de migrarem definitivamente para outros
lugares, principalmente os mais jovens que com a falta de perspectiva no que se
refere à educação e trabalho buscam em cidades como Brasília, Goiânia e
municípios mais próximos, novas alternativas de vida.
Assim, os kalunga, que vivem em áreas rurais não estão no isolamento
como se não tivessem meios de se deslocarem para outros lugares. Existem as
dificuldades, sobretudo em relação a distancia, as estradas e o acesso, porém isso
não interfere de forma decisiva na mobilidade dos moradores. Ao questionarmos
sobre o do isolamento um morador do Vão de Moleque diz:
Eu vivo aqui desde que me entendo por gente. uns anos atrás
era bem difícil a gente fazer alguma coisa na cidade, mesmo assim
nós íamos a pé, de cavalo porque não tinha estrada nenhuma. Nós
sempre precisamos ir à cidade para comprar alguma coisa, receber
a cesta básica, levar um filho ou parente no posto de saúde. Hoje
nós vamos de caminhão, camionete porque agora tem estrada, mas
antes a gente andava demais para chegar à cidade era tudo fechado
de mato e terra. Agora nós vamos até nas festas de Cavalcante,
Engenho e Vão de alma. Nós vivemos aqui, mas quando precisa a
gente sai para resolver as coisas. ( M. F. 69 anos).
Os depoimentos desmistificam a idéia de que a comunidade vive no
isolamento, ao apontar que mesmo quando não existiam estradas, eles se
deslocavam para outros lugares, sobretudo pela necessidade de atenderem suas
demandas pessoais, seja no campo da saúde, do comércio, da educação e também
do lazer.
48
Segundo Paula construiu-se um mito em torno da localização espacial do
grupo kalunga no sentido destes viverem no isolamento. Pontua que em sua
pesquisa foi possível comprovar a existência de mobilidade espacial da população,
no entanto, o estereotipo de povo isolado ainda perdura, sendo utilizado agora como
atração turística (PAULA, 2003, p. 55).
Diante de tais considerações ressalta-se que existe sim o isolamento,
mas um isolamento que denominaremos aqui de isolamento social, sem nenhuma
intenção de naturalizar o grupo como esquecido ou algo semelhante, mas no sentido
de observar que a maioria dos moradores do Moleque e dos outros agrupamentos
está em situação de excluídos, não tendo seus direitos de cidadãos assegurados.
Como bem chama atenção o depoimento de um morador do Vão de Alma:
Nasci aqui e não tenho visto mudanças, porque tanto os moradores
do Vão de Alma e do Vão do Moleque, vêm passando muitas
necessidades, problemas de saúde, alimentação, escola para
crianças tudo. O que tem aparecido aqui é muito projeto, esses
estudos e um monte de gente andando na região, principalmente na
Alma e no Moleque. Ninguém resolve nada, estou cansado de
carregar os irmãos nas costas quando adoecem. Aqui não tem posto
de saúde perto para atender nós, é Deus para ajudar. Ainda a
capela de Vão de Alma esta quase caindo ninguém toma
providencia, mas nós continuamos lutando pelos nossos filhos. (F. P.
66 Vão de Alma).
O relato mostra que as populações estão no esquecimento social, em que
o acesso aos recursos materiais está distante de sua realidade. Assim, os kalunga
não vivem num isolamento geográfico e espacial como tem sido reproduzido pela
mídia e por alguns autores. Esse discurso do isolamento não procede, visto que de
acordo com informações orais, a região diariamente recebe visitas de turistas,
pesquisadores e organizações não governamentais e, sobretudo por que os
moradores têm necessidade de se deslocarem da área como já mencionado.
49
Em geral as comunidades negras rurais vivem em lugares de difícil
acesso, porém não estão completamente isoladas dos centros urbanos. Essa
estratégia foi pensada ainda no regime escravista, no qual os grupos negros se
estabeleciam em espaços fechados e distantes para se protegerem de ataques dos
brancos, índios, capitães - do mato e de feitores.
No Brasil e em outras partes da América, como Jamaica e Suriname, a
localização geográfica foi um importante fator de sobrevivência e autonomia das
comunidades de escravos fugidos. Mesmo com o difícil acesso, a maioria delas,
sempre que possível, se estabeleceu em regiões não totalmente isoladas das áreas
de cultivo, fossem elas exportadoras ou não, e dos pequenos centros de comércio e
entrepostos mercantis (GOMES, 1996, p. 276).
Por fim, observa-se que a relação que a comunidade do Moleque tem
com a terra não está interligada somente à questão de regularização, pois quando o
grupo aponta que a terra é a vida deles, que é dela que sobrevivem, é o lugar
sagrado nos quais manifestam seus valores religiosos e culturais, eles estão
afirmando que sem esse território ficam sem referência individual e coletiva, isto é
sem identidade.
Assim, a terra é, para os moradores do Moleque, uma forma de
socialização e identificação social, onde cada morador interage no seu espaço. É
ainda uma maneira de buscar sua auto-afirmação, preservando a sua historia e a
memória, expressando seus costumes, os valores culturais e as tradições,
reivindicando melhores condições de vida, a garantia da terra e rompendo
preconceitos e estigmas do tipo “gente isolada” e “povo que mal sabe falar”. Neste
sentido, a terra serve de mecanismo para que a comunidade do Moleque se
50
reconheça enquanto grupo étnico e numa perspectiva social e política, lute pela
legitimação de seus direitos de cidadãos.
A questão da luta pela terra do povo kalunga do Moleque está também
interligada com os aspectos místicos e religiosos dos moradores, pois a festa
religiosa que acontece mais de um século
13
na região é mais uma forma de eles
apresentarem seu território, seu espaço para os outros e também de se identificarem
enquanto grupo religioso católico, que reza, faz novenas e celebra os santos, brinca
e se diverte dentro da festa.
Segundo Silvério (2002) a identidade étnica de remanescentes de
quilombos emerge em um contexto de luta em que resistem às medidas
administrativas e ações econômicas através de uma mobilização política pelo
reconhecimento do direito as suas terras. Nestes termos o processo de luta dos
kalunga do Moleque pela regularização das terras implica em questões econômicas,
políticas, religiosas e culturais e são esses os elementos que caracterizam a
identidade de um grupo, ou de uma comunidade seja, de origem rural ou urbana.
Ressalte-se ainda que os valores que a comunidade demonstra ter pela
terra são semelhantes aos dos povos africanos. Alguns grupos africanos como, por
exemplo, os ashanti vêem a terra como um poder místico e sagrado, capaz de evitar
o derramamento de sangue e estabelecer relações de solidariedade entre os
membros da comunidade. Este grupo crê que a terra é uma dádiva divina por isso
tem uma enorme importância na vida da aldeia, permite o trabalho no campo,
realização de cerimônias religiosas, ofertas de oferendas e significativa também
porque recebe os mortos, é onde o som dos tambores invoca a terra durante as
cerimônias ancestrais que se celebram a cada três semanas (PARRINDER, 1980, p.
63).
13
Segundo (B. F 79 Vão do Moleque) a festa religiosa do Moleque acontece há mais de cem anos.
51
Essa relação que os povos africanos têm com a terra aparece no grupo
rural negro do Moleque. Eles a veneram, a consideram como um território sagrado,
comunitário, um bem comum a todos e, sobretudo, um espaço onde se cria e se
recria a vida. São esses valores e sentimentos que impulsionam a comunidade a
continuar lutando pela regularização e garantia da posse da terra, na perspectiva de
viverem harmoniosamente, reafirmando sua identidade e primando por seus valores
religiosos e culturais.
1.5.8 - Religiosidade e Cultura dos kalunga do Vão do Moleque
Os moradores da área rural do Moleque são religiosos, porque praticam a
religiosidade com a realização das festas, de rezas e novenas, das brincadeiras, da
celebração aos santos, dos pagamentos de promessas e também pela reivindicação
do direito a terra. Eles consideram a terra como um elemento sagrado à medida que
a luta pela sobrevivência, pela vida material e espiritual está relacionada com a
questão da posse de terra. outros aspectos que os identificam como religiosos;
ser um grupo afro descendente de origem banto segundo alguns autores
14
, que
busca manter suas tradições e culturas; viverem em território rural denominado de
quilombo e também por terem sido influenciados ao longo do tempo pelo
catolicismo.
A maioria dos kalunga do Moleque se declaram católicos, no entanto esse
catolicismo que assumem está relacionado mais com as figuras dos santos que a de
um Deus único. Os santos, de certa forma, representam o Deus, são os santos que
são adorados. Assim, podemos dizer que a comunidade está inserida no
14
Ver Mary Baiocchi e Martiniano José da Silva
52
catolicismo popular, no qual o que prevalece são as imagens, os símbolos, as festas
comunitárias, as folias e as expressões culturais.
Os aspectos religiosos e culturais da comunidade se assemelham aos das
religiões tradicionais africanas. Segundo Genovese (1988, p. 315), a vida africana é
profundamente impregnada de religião. Para os africanos ocidentais a religião era
um aspecto da sociedade, e não simplesmente um dos seus traços; era a maneira
vital da humanidade expressar, de modo coletivo, sua essência.
No campo religioso a cultura está interligada, pois o grupo manifesta a
cultura através da prática religiosa, com as cerimônias e devoções aos santos, sem
atribuir valores às questões profanas e sagradas. Na experiência do grupo, nada é
profano, tudo é permitido, tudo acontece em função de uma dinâmica religiosa.
Essa é uma das características das religiões afro - descendentes, elas não
têm a preocupação em distinguir o profano do sagrado, tudo se mistura o que
interessa é a relação com os santos, com os deuses e com os fiéis nos quais
possam ser contemplada as suas diversas reivindicações religiosas. Nesse
aspecto, Prandi (1990, p.70) afirma que: “uma religião precisa de devotos; sem eles
os deuses não existiriam. O fiel deve sentir que precisa ir mais fundo no sentido
religioso, para poder dar sentido à vida”.
É nessa perspectiva que os kalunga do Moleque vivenciam a religião.
Eles buscam nas práticas religiosas cotidianas se fortalecerem, manterem suas
crenças e tradições, amenizarem seus problemas e, sobretudo, se afirmarem
enquanto grupo étnico, preservando sua cultura e seus costumes.
Sobre a categoria cultura é necessário apontarmos alguns conceitos para
compreendermos a festa religiosa como uma manifestação cultural que está
53
presente em vários grupos afro descendentes, inclusive na comunidade negra rural
do Moleque.
De acordo com Vannuchi:
“Cultura como tudo aquilo que não é natureza. Por sua vez, toda ação
humana na natureza e com a natureza é cultura. O autor pontua ainda que, a
terra, por exemplo, é natureza, mas o plantio é cultura, as árvores são da
natureza, mas o papel que delas provem é cultura”.
Dessa maneira, pode-se conceber que tudo que o homem produz é
cultura, porém a cultura é dinâmica e aparece conceituada no campo antropológico,
etnológico, filosófico e religioso.
Segundo Santos (2003, p. 48), a cultura diz respeito a tudo aquilo que
caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou grupos no interior de uma
sociedade. Assim, as festividades religiosas têm sua importância cultural para as
comunidades negras rurais, porque reproduzem de modo simbólico e oferecem
mensagens de uma pedagogia social necessária e oportuna para a coletividade.
Desse modo, pode-se considerar a festividade como uma atividade
cultural culminante na vida de grupos e comunidades, pois uma ruptura na rotina
das pessoas, elas fazem qualquer sacrifício para organizarem e manterem o
calendário da cerimônia. também, o processo ritualístico que deve ser mantido
no sentido de reafirmar e transmitir os valores que implicam em estabelecer relações
de autoridade no interior do grupo. Estes valores demonstram não os traços
culturais, bem como preservam as tradições da comunidade. Deve-se ter, porém o
cuidado ao tratar do universo cultural das comunidades negras, pois não para
conceber esta cultura como ou inferior, mas conhecer a importância das fontes orais
da história e o significado da cultura popular.
54
Desta perspectiva, torna-se possível falar da festa religiosa como práticas
culturais que remetem ás tradições de um povo. Porém ressalta-se que estas
tradições sofrem alterações, são adaptadas e recriadas. Assim, o aspecto cultural
das celebrações festivas é dinâmico, livre e criativo. Neste sentido, podemos
compreender o significado dessa construção social e cultural da festa religiosa, se
pontuarmos o conceito de cultura dado por Geetz:
“Cultura é um padrão de significados transmitidos historicamente,
incorporado em símbolos por meio dos quais os homens comunicam,
perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em
relação á vida”. (GEERTZ, 1989, p.103).
Neste sentido, pode-se dizer que as comunidades negras se constituem
como uma cultura baseada nas experiências dos antepassados, porém com
modificações substanciais, em função das exigências do tempo e do espaço. É
nesse contexto que a comunidade kalunga se identifica como religiosa, porque ela
tem a pratica de organizar numerosas festas, com ritos de origem africana, com as
danças e brincadeiras alem das cerimônias religiosas populares.
A prática coletiva religiosa e as expressões culturais do povo kalunga
caracterizam-se por numerosas festas. As comemorações, as louvações aos santos
são realizadas anualmente, seguidas de uma imensa programação. Segundo
Baiocchi (1999) são realizadas cinco festas e nove folias, sendo as maiores para os
espaços fixos e as menores para os espaços móveis
15
. São celebradas as seguintes
cerimônias: a do Moleque, de Santo Antonio, Nossa Senhora D’ Abadia, São João e
Boca da Noite.
Dentre as cerimônias religiosas que a comunidade kalunga realiza,
optamos por investigar a festa religiosa do Moleque. Essa festividade se constitui
15
De acordo com Baiooch são festas que se deslocam de um lugar para outro.
55
como elemento religioso, étnico e cultural. É também concebida como atividade
popular, porque envolve a população local, os vizinhos, o padre, as autoridades
políticas entre outros visitantes. Sobre a dinâmica religiosa da festa, o que esta
representa para comunidade, os aspectos simbólicos, ritualístico e míticos
apontaremos no próximo capítulo.
56
CATULO II
FESTA RELIGIOSA DA COMUNIDADE KALUNGA DO VÃO DO MOLEQUE
As festas são elementos essenciais na vida de um grupo ou de uma
comunidade e também históricas, algumas são realizadas de acordo com
calendários, outras acontecem espontaneamente ou provisoriamente. As
festividades provocam momentos culturais, religiosos e de lazer, e representam
ainda a experiência do presente com o passado, as tradições e a memória coletiva.
As festas são também uma forma de aprendizado, pela qual os participantes
interagem, dialogam, brincam, trocam experiências a partir de seus conhecimentos e
estabelecem novas relações de amizade.
Para Itani (2003) a festa é um fato social, histórico e político e “constitui o
momento e o espaço da celebração, da brincadeira, dos jogos, da música e da
dança. Celebra a vida e a criação do mundo. Constitui espaço de produção dos
discursos e dos significados, e por isso, também dessa criação na quais as
comunidades partilham experiências coletivas” (ITANI, 2003, p.07).
Desse modo, a festa tem um significado importante para os grupos
sociais, porque é criada e recriada no tempo e no espaço continuamente, permitindo
que cada grupo apresente suas características simbólicas, ritualísticas e míticas.
57
Em relação a dinâmica da festa, o que ela representa para os diversos
grupos sociais, sobre as razões para a realização e participação em festividades,
Pessoa (2005) menciona que:
A festa visa marcar em cada grupo social os seus valores, as suas normas,
suas tradições; ao mesmo tempo em que se transforma sempre num grande
balcão, numa grande demonstração das inovações, das mudanças, das
novas descobertas, das concepções e, por que não dizer, da fecundidade e
das transgressões. Festejar ou festar é, antes de tudo, aprender o quanto
se tem de riqueza e de sabedoria a preservar e, ao mesmo tempo, o quanto
temos a aprender com as tranformações da história, com a lenta mudança
das mentalidades (PESSOA, 2005, p. 08).
Assim, as festas são práticas coletivas construídas por diversos grupos
sociais, nas quais cada um apresenta suas particularidades, expressa seus
costumes, seus valores religiosos e as tradições de acordo com a sua realidade.
Segundo Konings (2002) as festas religiosas, no sentido bíblico, são as
reuniões do povo, caracterizadas ora como encontro, ora como peregrinação aos
santuários. As festas profanas não recebem atenção na bíblia. Originalmente todas
as festas da comunidade tinham o sentido religioso e também um extenso
calendário: festas de Páscoa, do Pentecoste, dia do Grande Perdão, Dedicação do
Templo, dia do Mardoqueu (KONINGS, 2002, p. 114). Cada uma dessas festas tem
sua representação histórica, seus ritos e símbolos.
Neste aspecto, observa-se que as festividades religiosas estão presentes
em todos os espaços, por isso são importantes para os diferentes grupos sociais,
porque funciona como instrumento de socialização, de aprendizagem e de
afirmação, vez que, por meio delas, determinados grupos buscam manter a cultura
religiosa e expressar a identidade. A prática festiva suscita ainda momentos de
valorização do tempo passado.
58
Para Weber (2002) a festa é, em todas as culturas, a manifestação de
uma vida diferente, presenteada, que o ser humano não pode dar a si mesmo. Essa
vida, no entanto, é presenteada a cada indivíduo, no interior de uma determinada
identidade. Um povo, um grupo étnico ou religioso que não soubesse mais realizar
festas levaria a si mesmo à morte, desaparecia rapidamente da história da
humanidade.
As festividades religiosas é que fortalecem e dão vida às comunidades
negras rurais, pois estes grupos têm a tradição de realizar festas, seguidas
geralmente de um calendário anual, no qual se situam no tempo e no espaço,
observando o período de colheita, de chuva ou de seca. É também no contexto
festivo que esses grupos se identificam como religiosos, rezam, celebram os santos
e praticam todos os rituais religiosos.
Nesses termos Itani lembra que
A festa em si é uma ação de simbolização, na qual é representado um
evento ou uma figura revestida de importância para coletividade festeira.
Nela se incluem os ritos, as celebrações sagradas, as comemorações
políticas e eventos como a dança, a música, brincadeira e os jogos (ITANI,
2003, p. 21).
Segundo Botas (1996) as festas religiosas são eficazes porque, por meio
delas, o grupo age sobre si mesmo em função dos Santos, do Divino ou do seu
santo padroeiro e não em seu próprio nome. Para o autor as representações
religiosas funcionam como motores indispensáveis a um grupo humano que não
domina suas condições materiais e sociais de existência.
Dessa maneira, as festividades negras religiosas são significativas, não
por provocar a organização coletiva, mas também pelos momentos ritualísticos no
qual o homem faz um retorno no tempo e volta às origens. Os negros escravos
59
sempre estiveram envolvidos com festas. Os momentos festivos eram uma das
maneiras de denunciarem as práticas de violência que sofriam no cotidiano, como os
castigos e o excesso de trabalho. Por outro lado, essas atividades festivas
suscitavam momentos lúdicos e de socialização, porque eles se divertiam,
brincavam, cozinhavam, rezavam. Enfim, a festa era a oportunidade de expressar a
cultura e a religiosidade.
De acordo com Tinhorão (2000), no ciclo das festas medievais, os negros
participavam ativamente das cerimônias religiosas desde as procissões até as
festividades mais requintadas da corte. Segundo o autor, durante o reinado de
Afonso VI, de 1662 a 1668, os africanos construíram em Pernambuco sua primeira
igreja de Nossa Senhora do Rosário, tomando como modelo a confraria congênere
de Lisboa, inclusive para realizar as festas de coroação de Rei Congo.
Assim, os negros tornam-se devotos da santa, configurando-a como
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Eles passam também a realizar diversas
festividades religiosas e muitas dessas festas ainda continuam sendo realizadas: as
Congadas, as Folias de Reis, do Divino, festa de São Benedito, Nossa Senhora do
Rosário, São Gonçalo, São Sebastião, além das festas de Candomblé e de
Umbanda, que assumem a responsabilidade de homenagear vários santos que são
sincretizados no interior dos terreiros.
Para Berkenbrock (2002) as festas nas comunidades afro-brasileiras têm
um ritmo próprio, são organizadas de acordo com o tempo, com o calendário e
formam um ciclo que envolve o coletivo. O autor afirma que a festa não é um
acontecimento simples, mas um conjunto de atividades que podem durar diversas
semanas, dependendo de cada ciclo festivo.
60
É nesse contexto que a festa religiosa do Moleque está caracterizada,
com todo um processo de organização e um calendário a ser seguido. São doze
dias de festividade, em que os moradores da região local e os vizinhos são
envolvidos, constituindo-se um clima festivo no espaço, no qual os fiéis expressam
sentimentos religiosos seja nos cultos, nas missas, nos cantos ou novenas. Assim, a
festa pode se apresentar como prática de religiosidade popular, não somente pela
organização coletiva, mas também pelos valores culturais, religiosos e tradicionais
que são preservados.
2.1. – Festa do Vão do Moleque
Esta cerimônia é uma das atividades religiosas e culturais que a
comunidade kalunga realiza anualmente. A festa acontece na área rural do Vão do
Moleque no período de 09 a 18 de setembro. São dois períodos: o preparatório, que
se inicia no dia primeiro de setembro e vai até o dia nove, que os moradores da área
começam a organizar o espaço e deixar a capela pronta para receber os fiéis; num
segundo momento acontece de fato a festa. O espaço é reservado para a
realização da festividade. Não moram pessoas no local, apenas circulam
cotidianamente algumas crianças e os rezadores. As crianças devido à escola, que
foi construída no mesmo espaço; os rezadores porque têm a responsabilidade de
deixar a capela organizada.
Ressalte-se ainda que Após a festividade os participantes que estiveram
com barracas, ranchos e comércios no local, passam mais uma semana para fazer o
deslocamento de seus objetos.
61
A festa é tradicional e popular e acontece todos os anos no mesmo lugar.
De acordo com informações orais, a festa existe na região quase duzentos anos.
Todos os anos um grande contingente de pessoas participa da festividade e chegam
à Capela do Moleque de caminhão, carros de frete e de animais.
Estes caminhões são cedidos pela prefeitura do município de Cavalcante.
Muitos começam a chegar no dia de setembro, para organizarem o espaço de
acolhimento, isto é, demarcarem o local para construir os ranchos, ligar os
geradores, organizar a casa do Imperador, entre outras atividades necessárias para
realização da festa.
Os festeiros que chegam primeiro são os moradores da região. Em
seguida, outros participantes de lugares como Riachão, Mimosos, Vão de Alma,
Paranã, Arraias, Cavalcante, Terezina de Goiás, Ribeirão dos Bois, Diadema, Monte
Alegre, São João do Aliança vão chegando e se acomodando no espaço da festa.
Ressalte-se que essa festa é uma das mais expressivas da comunidade,
conseguindo envolver até mil e quinhentas pessoas. São pessoas de toda a região,
além dos que se deslocam de outros estados, como Tocantins, Bahia e Distrito
Federal.
A dinâmica da festa apresenta características de romaria, em que os
festeiros, ao se organizarem para estar na festa, se agrupam coletivamente, buscam
recursos para se sustentarem na festividade, e ainda enfrentam outras dificuldades,
como o acesso ao local, que é distante das cidades de Cavalcante, Arraias, Monte
Alegre e Terezina de Goiás, feito através de estrada de chão, sofrendo ainda com a
poeira, a chuva e a falta de energia elétrica e água encanada. Nesse sentido Steil
assevera que
A festa se coloca como um elemento englobante dos sentidos contraditórios
que estão no culto da romaria. A romaria se constitui pela oposição entre a
62
penitência e a alegria, dispostos por dois núcleos de práticas e sentidos
complementares. No primeiro está a ordem ritual, onde se busca
estabelecer a repartição de papéis, a codificação dos símbolos, a ação
cerimonial. No segundo está o espaço da espontaneidade, da
indiferenciação, da inarticulação da emoção coletiva e informal (STEIL,
1996, p. 136).
Desse modo, a participação na festa não é um processo simples, implica
numa série de elementos que fazem com que o momento festivo aconteça e que vão
da questão religiosa à lúdica e a econômica. Cada pessoa tem seus interesses
individuais e coletivos em participar, pois de algum modo, todos demonstram
expectativas de serem beneficiados na festa, seja com o pagamento de votos, com o
divertimento, com articulações políticas ou mesmo com o lucro que possam
arrecadar no comércio.
Esta situação é visível na festa do Moleque. As pessoas vão chegando
dos municípios vizinhos continuamente e, de imediato, assumindo diversos tipos de
tarefas. A atividade primeira de cada um é a de construir ou reformar seu rancho
para acolher a família e depois iniciar as atividades de rezas e novenas na capela.
Aos poucos o espaço da festa se transforma numa espécie de colônia que agrupa
em torno de 400 famílias nos ranchos. Os que chegam mais tarde ou que não
têm o espaço marcado armam barracas, redes e às vezes, passam a festa
acomodados num colchão estendido no chão.
Os símbolos sagrados ficam posicionados à esquerda, de maneira
centralizada: a Capela, o Sino, a Cruz e os Mastros de São Gonçalo e de Nossa
Senhora do Livramento. Do lado direito estão localizados os bares, barracas e
restaurantes, a casa do Imperador e os ranchos que são construídos do lado
esquerdo e direito formando um semicírculo.
Em termos de espaço não existe uma divisão entre o sagrado e o profano,
as atividades da festa acontecem paralelamente no mesmo local, porém em
63
posições diferentes. No decorrer da festa observa-se que, ao mesmo tempo em que
um grupo realiza a novena na capela, outros estão na área de lazer, ou seja, nos
bares e restaurantes, consumindo bebidas alcoólicas, conversando, dançando,
ouvindo música, entre outras atividades.
A festa se constitui com a mistura de grupos religiosos e não religiosos e
manifestações sagradas e profanas. aqueles que buscam na festa apenas o
lazer, a diversão e a brincadeira, enquanto outros permanecem fiéis e disciplinados
com relação às suas obrigações religiosas.
Neste sentido Durkheim (1996) pontua que há uma relação estreita entre
religião e festa. Nos dias de festa a vida religiosa atinge seu grau excepcional de
intensidade. Para o autor as festas teriam surgido da necessidade de separar o
tempo em dias sagrados e profanos referindo-se ao descanso religioso. Acrescenta
“que uma característica importante de toda religião é exatamente o elemento
recreativo e estético” (p.122). Em suas observações o autor pontua que
Toda festa, mesmo quando puramente laica em suas origens tem certas
características de cerimônia religiosa, pois em todos os casos ela tem por
efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento às massas e suscitar
assim um estado de efervescência e delírio (DURKHEIM,1996, p.126).
Assim, Durkheim estabelece relações íntimas entre religião e festas, entre
recreação e estética, mostrando o parentesco ou a proximidade entre o estado
religioso e a efervescência, os excessos ou os exageros das festas. No momento da
festa é temporariamente suspensa a dualidade profano/sagrado, claramente
presente na vida cotidiana, para dar lugar apenas á exaltação da vida comum, a
comunidade, o que confere a todas as atividades que então se desenvolvem o
caráter de sacralidade, que é criado por essa exaltação.
64
2.2. - Organização Social da Festa
A organização da festa inicia-se com a construção e reparo dos ranchos
como mencionado. São construídos em torno de 400 ranchos para acolhimento
das famílias. Cada um é responsável pelo seu rancho, que são feitos de madeira e
coberto de palha de coqueiro. A parte interna tem três divisórias um tipo de
recepção, o quarto e uma pequena área externa que serve de cozinha. As famílias
deslocam-se para o local da festa à medida que em caminhões e animais levam os
objetos necessários para se acomodarem.
As famílias que fazem uma espécie de “mudança” para a festividade são
as do Vão do Moleque, no Vão de Alma, no Engenho II, Diadema e Ribeirão dos
Bois. Ressalte-se que a maioria dos ranchos é das famílias da área do Moleque,
Fazenda Maiadinha, Corriola, Nascente e da Fazenda do Moleque. O espaço é
amplo, cercado de serras, comporta toda a estrutura de construção de ranchos e de
estabelecimentos comerciais. Os ranchos são construídos do lado direito e
esquerdo, deixando a capela, o sino, a cruz e os mastros numa posição
centralizada.
A chegada dos participantes ao local da festa é contínua, a cada meia
hora chegam caminhões com as famílias e suas respectivas mudanças
16
, com
colchões, panelas, cadeiras, geladeiras, berço de crianças e até cães domésticos.
Esse modo de organização é histórico na festa, porque anualmente esse ritual da
mudança se repete.
Esse momento é significativo na dinâmica da festa, em que os moradores
do Moleque e das áreas vizinhas expressam seus costumes de estarem juntos nas
16
Mudança porque as famílias levam para os seus ranchos quase todos os seus objetos de uso
doméstico.
65
cerimônias religiosas, de se deslocarem de suas casas em cima de animais e
camionetes para participarem de atividades culturais e de fazerem sacrifícios em
nome da religiosidade.
O deslocamento é de certa forma um ato religioso uma vez que eles
rompem com suas atividades de rotina e se envolvem misticamente com o processo
de organização no tempo e no espaço.
Nesse aspecto, Eliade afirma que
Uma festa desenrola-se sempre no tempo original. É justamente a
reintegração desse tempo original e sagrado que diferencia o
comportamento humano durante a festa daquele de ante e de depois. Em
muitos casos, realizam durante a festa os mesmos atos dos intervalos não
festivos, mas o homem religioso crê que vive num outro tempo, que
conseguiu reencontrar o illud tempus mítico (ELIADE, 1992, p. 27).
Destaca-se ainda a questão comercial presente na festa, no qual os
vendedores ambulantes de frutas, chegam em camionetes com melancia, água de
coco, laranja e abóbora para serem comercializadas. Essa relação comercial dentro
da festa é comum, em quase todas as festividades religiosas há um espaço marcado
para o comércio. O consumo é um dos elementos que impulsiona a festa, pois os
participantes têm a oportunidade de experimentar várias coisas ao mesmo tempo
isto é, dançam o forró, rezam, pagam promessas e ainda fazem compras quando
podem. Além dos carros de frutas, existem as barraquinhas que comercializam
peças íntimas, bonés, roupas para crianças e adultos, redes e objetos eletrônicos
importados.
O comércio dentro da festa não se limita apenas às barracas e camionetes
de frutas. também a figura do comerciante mais estruturado, como os donos de
restaurantes, açougues e bares, que constroem seus pontos comerciais junto aos
66
ranchos e ocupam boa parte do espaço. Para se estabelecerem nos lugares pagam
para a associação uma taxa de inscrição no valor de R$ 35,00 (trinta e cinco reais).
Segundo Bandeira (1988, p. 233), a comercialização nas festividades de
santos sempre se fez presente e a exploração do comércio está relacionada com o
processo organizativo e ritualístico da festa. A comercialização aparece como uma
complementação à festa, e os fiéis fazem questão de comprar objetos que
consideram sagrados como, por exemplo, fitas coloridas com imagens de santos,
bonés e camisetas, entre outros objetos de consumo para satisfazerem suas
necessidades materiais, agradarem parentes e amigos e, sobretudo evidenciarem a
importância da festividade.
A questão do comércio no contexto festivo perpassa também pelas
modificações comportamentais dos indivíduos, como nas mudanças de valores nas
chamadas sociedades modernas, que estão interligados a um cenário capitalista, no
qual o que prevalece é a cultura do consumo. Assim, os fiéis priorizam as rezas, as
devoções, as promessas, mas primam também pelos bens materiais tanto na festa
como fora dela. Ressalte-se que o desejo pelo consumo está presente em todas as
classes sociais, tanto em espaços urbanos como rurais.
No ambiente da festividade religiosa do Moleque observa-se esta relação
da religiosidade com o comércio e, embora os moradores da região demonstrem não
ter condições econômicas para consumir muitos dos produtos expostos, era nítida a
sua empolgação em poder adquirir alguns deles.
2.3 - Os Participantes da Festa
A festa religiosa do Moleque envolve um número expressivo de
moradores da região alem dos visitantes e os fieis que moram na área vizinha o que
67
reúne um grande contingente de pessoas no período festivo. Os que vivem na área do
Moleque têm participação significativa na festividade, pois são os primeiros a
chegarem no local, mobilizarem as atividades festivas, são os rezadores, os mais
velhos, as mulheres, as crianças e os jovens.
2.3.1 - As Crianças
A participação de crianças é expressiva na festa. As famílias levam os
filhos, que são em torno de cento e cinqüenta na faixa etária de 0 a 12 anos. Eles se
envolvem em todas as atividades, sendo que três crianças fazem parte do ritual do
império, representando os anjos, e acompanham também os pais nas rezas e
novenas. Durante a noite ficam no salão de festa junto com os adultos no momento
do lazer, até quando o forró se inicia, logo após as cerimônias religiosas.
Muitas crianças entre zero e oito anos vão à festa para serem batizados.
Elas ficam aguardando a chegada do padre para a cerimônia, o que ocorre apenas
nos dois últimos dias. É também uma tradição na festa o padre realizar casamentos.
Os pais vestem as crianças de maneira bem tradicional, com vestimentas brancas e
enfeites de flores no cabelo, no caso das meninas. Os garotos vestem um terno
branco.
Ressalte-se que a figura da criança está presente em quase todas as
festas religiosas, e aparecem como protagonistas nas Congadas que acontecem na
cidade de Catalão, na do Divino em Pirenópolis, na festividade de Nossa Senhora do
Abadia em Vão de Alma, na Folia de Reis em Santo Antônio de Goiás, na festa de
São Lázaro e do Divino no estado do Maranhão, entre outras.
Geralmente o envolvimento de crianças nas festas se por vários
motivos: porque elas estão acompanhadas de seus pais para serem batizadas;
68
pagarem algum tipo de promessa ou por estarem representando algum personagem
no ritual festivo, como anjo, imperador e rainhas.
Ferretti (1995), em estudo sobre a festa do Divino do Espírito Santo que
acontece na cidade de Alcântara MA, pontua que as crianças têm participação
especial. Segundo o autor, em Alcântara e em alguns terreiros da cidade, as
crianças e os jovens são os protagonistas da cerimônia, os adultos não são vistos
no império do Divino no Maranhão, o que é uma particularidade desta festividade
(FERRETTI, 1995, p. 171).
No regime colonial e no período medieval as crianças também
participavam diretamente das cerimônias religiosas. Na colônia, com seus pais, no
momento em que buscavam nas brincadeiras, no batuque, nos cantos e rezas
alternativas para escaparem dos maus-tratos, da tortura e exploração. Na idade
média a criança era protagonizada como “anjinho sem pecados”, “inocente”.
Ressalte-se que nesse tempo a criança era completamente banalizada, e vivia
misturada no meio dos adultos, a infância não era valorizada, não tinha significado
nenhum para o mundo dos adultos (ÁRIÉS, 1981, p. 125).
De acordo com Del Priore (DEL PRIORE, 2000, p. 74), no Brasil colônia a
criança tinha seu lugar reservado nas festas. Nas procissões jesuíticas em Portugal
ela alegrava o povo. Uma dança de mínimos inocentes em teatro sobre uma
carroça, com carapuças cobertas de pedrarias e lírios na mão apresentavam-se em
carros alegóricos representando as caravelas. As crianças maiores apareciam nas
procissões como estudantes, fazendo vistosa folia, dançando com muita graça e
cantando em louvores aos santos.
Nos cultos de origem africana a figura da criança também aparece. Nos
terreiros de umbanda e candomblé, a presença delas nos rituais acontece de
69
maneira diferenciada daquela das festividades religiosas tradicionais, pois não são
protagonistas das cerimônias, mas estão presente num momento especifico, ou
seja, nos rituais de incorporação, nos quais alguns pais de santos incorporam o
espírito infantil. A relação religiosa de crianças dentro dos terreiros não perpassa
somente a questão espiritual (incorporação). O povo de candomblé tem a
preocupação com a educação das mesmas. Sobre esta questão, Oliveira menciona
que:
O candomblé trata diretamente da educação das crianças, zela por educar
o lado espiritual, ensinar o cuidado com o corpo e com o espírito, ensinar o
respeito aos mais velhos. O trabalho feito dentro dos terreiros não é
reconhecido pela sociedade, mesmo assim os terreiros têm que investir
muito na educação, não com o intuito de prepará-las para religião, mas
também para convivência social (OLIVEIRA, 2003, p. 49-50).
Outro aspecto em relação ao envolvimento da criança no interior das
festividades religiosas diz respeito aos nomes de santos que os pais colocam nos
filhos, sobretudo quando nascem próximo, ou no período festivo. Na área rural é
comum as crianças serem registradas com nomes de santos. Geralmente os pais
escolhem o nome do santo de que são devotos, ou pelos quais pagaram algum
tipo de promessa. Na festividade do Moleque podem ser encontradas crianças com
os nomes de Benedito, Gonçalo, Rosário, Sebastião, Divino, Expedito e Jorge.
Sobre essa prática, Valdez observa que:
Escolher nome de santo para o filho é um costume católico de vários
lugares e que ainda se mantém em vários lugares. Considerado como força
mágica, a fórmula religiosa faria com que a criança estivesse melhor
protegida, que as invocações seriam mais facilmente atendidas do que
se tivesse outros nomes (VALDEZ, 2002, p. 27).
2.3.2 - Os Rezadores
Os rezadores moram na área do Vão Moleque. São os mais velhos,
chegam primeiro ao local da festa e ficam responsáveis por abrir a capela e realizar
70
a novena. Eles iniciam as rezas no dia de setembro e cada um fica responsável
por conduzir a cerimônia. Um dos rezadores chama os fiéis para a reza com o toque
do sino que está localizado quase em frente à capela.
O rezador o sinal batendo o sino por três vezes para chamar os fiéis.
Cabe enfatizar que essa prática faz parte também do ritual do catolicismo oficial,
pelas quais algumas igrejas ainda chamam os fiéis pelo toque do sino. Os rezadores
são pessoas simples, carismáticas, que moram próximo à área da festa e participam
do início ao encerramento. Observa-se que alguns deles realizam as atividades em
estado de alcoolismo, porém essa situação não os impede de conduzir a cerimônia.
Às dezoito horas são iniciadas as rezas, com um público de quinze pessoas adultas.
Cada dia um rezador fica responsável pelas novenas. Eles ajoelham-se na parte
central da capela, em frente ao altar e cantam, rezam e fazem ladainha em latim.
A presença do rezador é significativa no universo religioso da festividade
porque ele estabelece uma relação de confiança e de respeito para com os fiéis,
com quem busca informações sobre a festa. Os rezadores são carismáticos, rezam,
dialogam e discutem sobre a organização da cerimônia. É visível também a relação
de poder que eles manifestam enquanto rezadores, pois assumem o papel de
orientador da comunidade. A divisão de papéis no interior das cerimônias da festa é
parte da experiência religiosa vivenciada pela comunidade, legitimando um universo
simbólico e religioso.
O papel do rezador na cerimônia do Moleque é de líder carismático,
porque tem o poder de envolver os devotos nas atividades religiosas, impulsiona o
grupo nos momentos de efervescência religiosa, suscita vida ao coletivo, não de
maneira institucional e autoritária, mas com sua experiência religiosa e com a
relação social que estabelece com os fiéis.
71
Assim, o universo simbólico liga todos os devotos na festividade religiosa
do Moleque, remetendo-os ao passado, com as práticas de rezas, cantos e
ladainhas que a população local realiza quase cento e cinqüenta anos no interior
da capela, independente dos momentos festivos e da interferência de autoridades da
Igreja Católica; e ao futuro, na perspectiva de manter vivos os costumes e as
tradições religiosas, dando sentido existencial e espiritual à comunidade.
Nesse sentido, Berger e Luckmann, destacam que.
O universo simbólico ordena a história, localiza todos os acontecimentos
coletivos numa unidade coerente, que inclui o passado, o presente e o
futuro. Sobre o passado estabelece uma “memória”
17
, que é compartilhada
por todos os indivíduos socializados na coletividade (BERGER, e
LUCKMANN, 1985, p. 140).
Para Joaquim (2001, p. 39), as origens do universo simbólico estão
inseridas na constituição do homem. Se o homem em sociedade é um construtor do
mundo, isso implica que ele está aberto para o mundo, o que acarreta um conflito
entre ordem e caos. A experiência humana, desde o início, é uma exteriorização
continua. Neste sentido, o homem constrói sua realidade de forma dinâmica, de
acordo com suas representações sociais, culturais e religiosas, criando e recriando
sua experiência de vida numa perspectiva individual e coletiva.
Assim, o espaço festivo do Vão do Moleque constitui-se como um universo
simbólico, no qual os festeiros se organizam coletivamente num mundo em que
buscam dar sentido às suas vidas por meio da religiosidade e viverem de acordo
com sua realidade. Nesta perspectiva vivenciam e expressam as suas experiências
religiosas manifestando sentimentos de e de crenças num universo que
construíram e que consideram sagrado.
17
Os autores esclarecem que estão se referindo à obra de Maurice Halbwachs, Memória coletiva.
72
2.3.3 - O Padre
A presença do padre na festa se de maneira distante isto é, não
uma responsabilidade institucional para com a festividade, nem é estabelecido
compromisso da igreja com os devotos e organizadores da cerimônia. Mesmo
assim, ele se faz presente, se desloca do município de Cavalcante para celebrar as
atividades na capela somente nos dias 16 e 17 de setembro, pois nos outros dias
quem conduz as atividades são os rezadores. Ao chegar ao local da festa, o padre
não fica junto com a comunidade, hospeda-se na casa de conhecidos que moram
próximo à região e que não são kalunga. As cerimônias de batizados começam no
dia 16 e encerram-se no dia 17 no período matutino. Nos dois últimos dias da festa
a missa é conduzida por ele, que acompanha o ritual do levantamento do mastro e
do império.
Observa-se que o padre mantém uma relação indiferente com a
comunidade local. Não demonstra ter vínculo com os rezadores e com os mais
velhos posicionando-se de maneira formal e sem muito diálogo com os festeiros.
Ao falar sobre a festa revela que:
Todo ano tem essa festa, cada ano aparece mais gente, vêm pessoas que
não têm nada a ver com isso aqui, é político, é dono de bar, é tudo.
Participo por causa das famílias aqui da área que trazem seus filhos para
batizarem, eles fazem muito esforço para chegar até aqui. Acho que essa
festa tinha que mudar um pouco, está ficando tumultuada demais, nós mal
conseguimos realizar as cerimônias, porque é muito barulho, bebedeira,
essa festança durante à noite, que vira uma confusão. Ainda venho porque
tenho compromisso com algumas famílias e com os rezadores (A. F.,
51anos, Cavalcante).
O depoimento demonstra uma preocupação de cunho moral do padre com
relação à festa. O relato aponta a insatisfação em relação à dinâmica da festividade
na qual os aspectos profanos, em determinadas situações, superam o lado sagrado
73
da cerimônia. Quando afirma que a festa precisa ser modificada, pelo fato de estar
muito tumultuada, com muito barulho e bebedeira, refere-se a valores religiosos que
estão presentes no catolicismo oficial e que não fazem parte da realidade do
catolicismo popular. Desde o período da implantação do catolicismo no Brasil,
ficaram evidenciadas diferentes concepções do catolicismo popular e do catolicismo
oficial.
No catolicismo oficial, o que prevalece são as normas institucionais, a
ordem hierárquica, o discurso erudito e, sobretudo, a separação entre o sagrado e o
profano. O catolicismo popular, apesar de sofrer forte influência do oficial, se
distingue por não se inquietar com a relação sagrado/profano, a celebração é
exclusivamente para os santos, o fiéis que inserem neste contexto geralmente são
pessoas de classe popular, isto é, trabalhadores rurais, grupos negros, entre outros.
Dessa maneira, essa reação do padre em relação à cerimônia é
compreensível, porque ele está colocado no cenário do catolicismo oficial e
conseqüentemente irá se apresentar na festa como autoridade política e religiosa.
Portanto, está ali para assumir responsabilidades formais e hierárquicas impostas
pela igreja católica.
Sobre a relação do catolicismo oficial com o tradicional popular, Paleari
(1993) faz uma comparação entre os dois ao afirmar que o tradicional busca
reproduzir na terra a ordem celeste. Como nos céus, os santos são os protetores
celestes na terra. Os grandes protegem os pequenos e estes prometem submissão
e obediência. Enquanto o romanizado/oficial apóia o status quo e reforça o
capitalismo agrário emergente e o padre é associado ao poder político na repressão
dos movimentos populares (canudos, contestado e juazeiro).
74
Entre as várias reflexões a respeito do catolicismo popular Chauí (2001)
aponta que
O catolicismo popular foi uma expressão da vida rural comunitária,
esquecendo-se talvez de que essas comunidades são perpassadas por
duas formas de violência institucionalizada: a primeira opera entre os
homens pobres, despojados e solitários, para os quais a capacidade de
preservar sua própria pessoa contra qualquer violação aparece como única
maneira de ser, de sorte que entre esses iguais, prevalece uma relação
marcada pelo desafio recíproco e pela prova de valentia; a segunda,
existente entre os homens pobres e os dominantes, exprime-se através de
inúmeras instituições cuja síntese e sentido é a relação de favor, a violência
manifestando-se na ocultação da desigualdade pelos laços de dependência
pessoal (CHAUÌ, 2001, p. 74).
Assim, é possível perceber que a festividade do Moleque está
caracterizada como uma manifestação religiosa popular, não somente pelo
posicionamento do padre, que faz questão de se apresentar como autoridade
institucional religiosa num espaço em que não tem domínio, que não se relaciona
cotidianamente com a população local, mas também porque o que prevalece na
festa é a organização comunitária, a coletividade e a religiosidade de um povo que
busca nas crenças e nas festas solucionar os problemas de todas as ordens
existentes na comunidade e, sobretudo, viverem em harmonia
18
.
2.3.4 - As mulheres
As mulheres desempenham um papel importante na festividade. São elas
que organizam e enfeitam a igreja com papéis coloridos, cobrem as varas em papel
colorido para o ritual do império, cozinham no barracão para o imperador, ficam nos
estabelecimentos de comércios, cuidam dos filhos, cozinham, lavam roupas para
seus familiares nos seus respectivos ranchos e ajudam na condução das novenas
com os rezadores e também nas construções dos ranchos.
18
O termo é muito utilizado pelos moradores nos diálogos falavam da importância da harmonia na
comunidade.
75
De acordo com Oliveira (2003) as mulheres sempre desempenharam
tarefas nas festividades negras religiosas. No candomblé, por exemplo, a mulher
participa mais de atividades que os homens. Isso porque a quantidade de mulheres
é superior à dos homens. Assim, a maioria das tarefas acaba ficando sob a
responsabilidade da mulher.
Joaquim (2001) menciona que a mulher desempenha importante papel no
candomblé. São elas que lideram as atividades. A mãe de santo tem autoridade
absoluta no interior dos terreiros, tem capacidade para exercer qualquer função:
substituir o sacrificador, colher as plantas sagradas e consultar o oráculo. Seu papel
é conduzir a comunidade, assegurar a realização do culto, garantir a correção dos
ritos e transmitir o conhecimento aos auxiliares.
Neste contexto cabe ressaltar que a mulher negra sempre desempenhou
diversas funções, não em festividades religiosas, mas também em situações de
exploração. No regime colonial escravista, por exemplo, elas assumiam
responsabilidades no espaço da senzala, cuidando dos filhos, cozinhando e
organizando atividades lúdicas e religiosas com os cantos, as danças e as rezas.
Nas chamadas casas grandes exerciam todo o trabalho doméstico, além de servir
de mãe de leite para as crianças brancas.
Segundo Santos Neto (2004) a vida das mulheres negras escravas era
uma tortura, pois, além de todas as atividades que desenvolviam dentro e fora da
senzala, eram violentadas sexualmente pelos senhores de engenho, capitães - do -
mato e feitores. Eram ainda submetidas a castigos quando tentavam se rebelar.
Assim, essa relação de submissão que a mulher negra vive em determinados
espaços é resquício de um histórico marcado pela opressão e violência existente no
período escravista colonial.
76
Sobre a condição da mulher kalunga do Vão do Moleque no contexto
festivo percebemos que ela não tem consciência que vive uma situação de
subordinação nem de repressão, pois compreendem que as atividades que exerce
na festividade, são realizadas de maneira espontânea, alegre e, sobretudo com
compromisso religioso para que a festa aconteça da melhor forma possível.
Um aspecto que chamou a atenção sobre a questão de gênero é que
existe uma cultura na comunidade local em que quando o homem e a mulher saem
de casa juntos no mesmo animal (cavalo/burro), o homem vai acomodado em cima
do animal e a mulher sai na frente, puxando. A mulher considera esta atitude como
sendo normal, ela não se sente diminuída frente ao companheiro nesta situação,
não concebe como uma atitude violenta.
De acordo com informações orais, o homem kalunga do Vão do Moleque
não tem a prática de violentar suas companheiras nem os filhos. No entanto, na área
do Vão de Alma é comum conflitos entre homens e mulheres, inclusive registro
de homicídios na comunidade. Eles têm conflitos entre membros da própria família,
tios, tias, primos, mulheres e filhos. Essa situação de violência pode estar
relacionada ao consumo da bebida alcoólica, pois como mencionamos
anteriormente homens e mulheres kalunga tem o costume do uso da bebida
alcoólica tanto na festividade como fora dela.
Embora o povo kalunga do Moleque, prime por preservar valores, como
por exemplo, a família unida, o respeito aos mais velhos, o zelo pelas crianças e
jovens como apontamos no primeiro capítulo, observamos que no contexto festivo,
aparece uma inversão de valores, sobretudo no que se refere às mulheres, pois
percebemos muitas jovens na faixa etária de 15 a 20 anos serem assediadas pelos
77
turistas, principalmente homens com idade entre de 30 a 45 anos, morador da
cidade de Brasília, “ficando” com os mesmo no período da festa.
Segundo informações orais, adolescentes e jovens migram da área rural
do Moleque, do Vão de Alma e do Engenho para o Distrito Federal e outros lugares
em busca de trabalho e educação e, não alcançando seus objetivos, acabam se
envolvendo com a rede de prostituição ou, quando não, exercendo função de
empregadas domésticas. As mulheres kalunga em geral são comunicativas e
apresentam uma beleza bem particular, o que chama a atenção dos visitantes.
Ressalte-se que não são apenas esses elementos que contribuem para
que estas jovens sejam tratadas como objetos sexuais pelos turistas. Historicamente
a mulher negra foi e continua sendo vista de maneira banalizada pela classe
dominante. A cultura vil do sexismo e do racismo ainda persiste e muitas mulheres
permanecem nesta condição, sobretudo aquelas que não têm acesso à educação,
às atividades de lazer e a inserção no trabalho.
Essa situação não é somente da região do Moleque, onde acontece uma
romaria que tem um público de mil e duzentas pessoas, mas é parte do cotidiano de
um grande contigente de mulheres, tanto as que vivem nas grandes cidades como
as da área rural que, ao buscarem meios de sobrevivência em outros lugares, se
deparam com essa realidade.
2.3.5 - Os Mais Velhos
É significativo o número de pessoas com mais 65 anos na festa e que são
assíduos participantes de todos os anos, sem deixar de acompanhar nenhuma
cerimônia religiosa. Alguns vão com o compromisso de pagar promessas, outros
são devotos de São Gonçalo, Nossa Senhora do Livramento e São Sebastião.
78
A participação dos mais velhos tanto de homens como de mulheres é o
que impulsiona as cerimônias da festividade, não somente por se dedicarem às
rezas, novenas e adorarem as imagens dos santos dentro da capela, mas também
por serem eles que coordenam as atividades e buscam preservar as tradições da
festividade, além de assumirem o papel do rezador, do imperador e dos foliões. São
ainda responsáveis pelo ritual do levantamento dos mastros.
A relação que os mais velhos têm com a festa religiosa do Moleque é
significativa para a população local, pois as novas gerações aprendem com eles e
acabam assumindo a responsabilidade que garante a continuidade da festa e,
assim, os costumes e as tradições religiosas e culturais da comunidade são
mantidos vez que tais valores vão sendo repassados de pais para filhos. Sobre essa
relação do conhecimento dos mais velhos em tempo passado e presente, Para Bosi
(BOSI, 1994, p. 18) “os velhos são fontes de onde jorra a essência da cultura, ponto
onde o passado se conserva e o presente se prepara”
Na religião africana os mais velhos são bastante valorizados, têm o
respeito dos mais novos, buscam manter as tradições religiosas e culturais das
comunidades, e geralmente são os que assumem o papel de líder em diversas
atividades. Sobre essa valorização dos velhos no universo africano, Oliveira pontua
que:
“Os velhos nas sociedades africanas têm força de poder e decisão na
comunidade e sobre os mais jovens. Toda a cultura é centrada nos mais
velhos e antepassados, que são o eixo central da organização do grupo”
(OLIVEIRA, 2002, p. 50).
Nos cultos afro-brasileiros como o candomblé e a umbanda os mais
velhos mantém uma relação de respeito e de hierarquia. Nos dois terreiros, os pais
e mães de santo são quase sempre os mais velhos, que são considerados como
79
autoridades espirituais que impõem as ordens para os filhos de santo, são
homenageados de acordo com seu orixá, transmitem suas experiências e se
remetem aos antepassados através do conhecimento e das tradições religiosas.
Sendo as religiões de candomblé e umbanda de origem africana, estão interligadas
com os valores religiosos africanos, em que a relação com os antepassados é
essencial para as crenças, os ritos, os mitos e os símbolos.
Desse modo, o valor religioso e cultural do universo africano se assemelha
ao das religiões afro-brasileiras, porque ambas se constituem religiosamente a partir
da experiência dos antepassados e são os elementos da ancestralidade que dão
vida à religião. Nesse sentido, é válido retomar as reflexões de Oliveira:
As religiões tradicionais africanas, ao contrário da religião cristã, estão
centradas no passado, nos mais velhos e nas suas experiências. Enquanto
a religião cristã impele os cristãos para o futuro, ao encontro da ressurreição
de cristo, que ilumina o presente e ao mesmo tempo projeta para a
esperança de um mundo melhor, exigindo uma participação constante na
transformação da própria pessoa e da sociedade, a religião tradicional
africana projeta os seus crentes para o passado. Tudo está centrado
naquilo que fizeram e disseram os antepassados (OLIVEIRA, 2002, p. 53).
Seguindo esta mesma linha de pensamento Parrinder (1980,p.36)
assevera que o culto aos antepassados é a sustentação das religiões africanas. Os
africanos não concebem a religiosidade sem a ligação ao passado, os espíritos dos
antepassados são os deuses e fazem parte da família e das tribos. Segundo o
autor, todas as coisas no universo africano são atribuídas aos antepassados, da
colheita aos terremotos, da organização social à harmonia familiar, e tais
conhecimentos são repassados dos mais velhos para os mais novos.
Assim, a mística religiosa africana se consolida com a ancestralidade, com
os cultos aos antepassados, e estes valores estão presentes também nas religiões
80
afro-brasileiras por terem influência da cultura africana. Ressalte-se que nas
comunidades do candomblé e da umbanda a experiência, os costumes e as
tradições dos velhos são fundamentais nas cerimônias, o mesmo acontecendo
nas festividades religiosas negras como a do Moleque, de Nossa Senhora de Abadia
em Vão de alma, entre outras.
As festas religiosas são eventos que atraem um número expressivo de
pessoas. Além dos devotos, participam aquelas que são de outros segmentos
sociais. São os visitantes que atraídos pelas diversas atividades culturais e
religiosas que a cerimônia proporciona e os que se fazem presentes por outros
interesses, como questões políticas e sociais.
A festa do Moleque tem essa característica de atrair um grande público
talvez por ser uma festividade organizada pelos negros kalunga, que de certa forma
é um grupo que ainda provoca curiosidade em algumas pessoas que não conhecem
sua história ou, ao contrário por chamar atenção por serem bastante conhecidos,
estarem na mídia, nos livros, nas pesquisas e também nos espaços políticos ou
simplesmente por se tratar de uma festa tradicional popular.
2.3.6 - Os Visitantes
Sobre a chegada dos visitantes na festividade, os turistas são os primeiros
a chegarem. São estudantes, trabalhadores e alguns pagadores de promessas que
moram nas cidades de Brasília, Monte alegre, Arraias, Cavalcante, Terezina de
Goiás, Goiânia Campos Belos, São João do Aliança e da cidade de Barreira no do
estado da Bahia. Os visitantes chegam de carro próprio, ou de ônibus até o
município de Cavalcante e em seguida solicitam carona em caminhões, carros
pequenos e camionetes.
81
Ao chegarem ao local da festa armam as suas barracas nas proximidades
dos rios Corriola e Corrente. Os rios localizam-se a uns cinco quilômetros do espaço
da festa e durante a noite, buscam as atividades de lazer. Um número reduzido
assiste às cerimônias religiosas.
Os jovens turistas, durante o dia, circulam com carros com som ligado em
volume muito alto, o que chega a incomodar os organizadores das atividades
religiosas. Os visitantes não se misturam com os kalunga, ficam em lugares
distantes da Capela do Moleque, e aproveitam os recursos naturais que o local
oferece para se divertirem. Eles mantêm toda uma estrutura nos acampamentos,
com churrasqueiras, colchões e aparelhos de som.
No decorrer da festa, vão chegando mais pessoas: pesquisadores,
profissionais de jornalismo e de fotografia, empresários e membros de Organizações
governamentais e não-governamentais. Esses participantes também não ficam junto
com a comunidade, muitos aproveitam o espaço da Escola Municipal para se alojar,
outros ficam na beira dos rios. Aos poucos se aproximam dos principais
protagonistas da festa, o imperador, os rezadores, os foliões, as crianças que
representam os anjos e as mulheres que estão à frente das atividades, com quem
conversam, fazem entrevistas, além de fotografar grupo, do espaço físico, dos
símbolos e principalmente dos rituais do levantamento dos mastros do império e da
folia.
Os políticos se fazem presentes na festividade e aproveitam o
aglomerado de pessoas para fazerem campanha eleitoral, adentram o espaço com
carro de som, algumas barracas são ilustradas com banners, cabos eleitorais visitam
os ranchos, entregam panfletos, distribuem preservativos para os adultos, roupas e
82
brinquedos para as crianças, além de apresentarem propostas de candidatos.
Alguns chegam a interromper a rotina da festa para fazer discurso político.
Observa-se um grande espetáculo na festividade religiosa do Moleque, no
qual se misturam questões religiosas, políticas, comerciais e de lazer, como
demonstra Debord: “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas relações
sociais entre pessoas mediadas por imagens, por movimentos e espaços
(DEBORD, 1997, p.14).
Neste sentido, a festa do Moleque caracteriza-se como evento social e
político, em que cada um tem seus interesses em participar. A festividade se repete
quase cento e cinqüenta, porém ao longo desse período vem passando por
grandes modificações, sobretudo em função do tempo e do espaço.
Itani (2003) assevera que o festejar é prática coletiva de resistência, como
parte da história e da memória de certos povos e de vários grupos sociais. As festas
não podem ser compreendidas apenas como repetição, no sentido de reprodução de
atos das sociedades e gerações anteriores, e cada sociedade desenvolve suas
festas como um ato que emerge de suas necessidades e que se realiza a cada
momento, com funções específicas e, por isso, estão sempre em transformação.
Desse modo, as festividades são dinâmicas, ou seja, estão em constante
modificação. Essas mudanças estão relacionadas também aos novos valores
culturais, sociais e religiosos impostos pelas chamadas sociedades modernas
globalizadas.
Em relação às mudanças que a festa vem passando, observa-se que os
moradores e os festeiros da comunidade local se posicionam de maneira indiferente,
isto é não se inquietam com os novos instrumentos que vem aparecendo na festa.
O que eles demonstram é saudade de algumas tradições festivas que havia
83
antigamente como, por exemplo, a dança sussa que, segundo informações orais era
a maior animação da festa, e a roda de São Gonçalo.
De acordo com esses relatos o que mais tem modificado é o aumento de
participantes de fora e os ritmos musicais, que vem sendo substituídos a cada ano.
vinte ou trinta anos a festividade era completamente diferente, afirma um
morador do Vão do Moleque:
Quando nasci a festa já existia, meus pais também participavam.
Antigamente a gente vinha de animal ou a não tinha estrada era tudo
diferente. A comida era farta, o povo matava os bichos para todo mundo
comer, tinha a roda de São Gonçalo, a gente dançava a noite toda com os
sanfoneiros, Nós limpávamos aqui tudo de foice. Agora o trem
diferenciado, tem as máquinas da prefeitura que limpam a área aqui, não
tinha essa barulheira com carros de som, eraa sanfona mesmo e tinha a
sussa, que muitas mulheres que dançavam, agora é esse pouquinho ai
que a senhora viu as outras estão dançando essas danças novas ( E. F.,
66 anos, Vão do Moleque).
Os relatos apontam certo saudosismo em relação ao que a festa
representava no passado para a comunidade e como ela se apresenta atualmente.
É certo que, em termos de representação religiosa, não se pode considerar que
venham acontecendo mudanças substanciais, pois a população local, principalmente
os mais velhos tentam mostrar que as cerimônias religiosas permanecem
efervescentes como as de trinta anos atrás, mesmo com as interferências de
poluição sonora e do grande fluxo de pessoas circulando no espaço.
O que vem modificando a dinâmica da festa conforme o tempo são os
novos instrumentos que a comunidade conta atualmente: o som mecânico para
animação do forró durante a noite, a expansão do comércio no interior da festa,
entre outros produtos industrializados. Dessa maneira, os elementos tradicionais da
festividade vão sendo substituídos por outros e, conseqüentemente, provocando um
novo cenário festivo e completamente diferente dos tempos passados.
84
2.3.7 - As Cerimônias Religiosas
A festividade religiosa do Moleque é marcada por algumas cerimônias,
porém a que chama mais a atenção dos fiéis, principalmente os que moram na
região, é a cerimônia do batismo. Observa-se uma imensa satisfação das famílias, é
o momento de grande manifestação religiosa, pois no espaço da capela não cabe
muita gente e muitos ficam do lado de fora, alguns membros da família das crianças
se emocionam e fazem agradecimento aos santos. Ao assistir à cerimônia percebe-
se que as famílias se sentem realizadas na festa, primeiro por ser o batizado uma
tradição na comunidade e, depois, porque a cerimônia provoca intensos sentimentos
de religiosidade.
De acordo com Parker (1996), torna-se impensável para a mentalidade
popular deixar o bebê sem ser batizado, pois o batismo é ritual forte na vida do
indivíduo, alem de constitui um evento imprescindível para a vida social. Segundo o
autor, o batismo tem um sentido original de proteção simbólica, não se pode deixar
um bebê pagão ou desprotegido frente ás adversidades dos males (PARKER 1995,
p.147),
Assim o momento do batismo é bastante significativo para os fiéis, não
somente por compreenderem que estão cumprindo o papel religioso para com os
filhos, mas também porque é o momento em que pode-se afirmar que homens,
mulheres e crianças vivem a experiência religiosa na festa em espaço sagrado.
Na cerimônia do batismo observa-se ainda que os fiéis se envolvem
espiritualmente e emocionalmente na cerimônia, desligando-se dos demais aspectos
da festividade, quando ficam centrados por algum tempo nas atividades. Esse é um
dos poucos momentos especificamente sagrados da festa, em que as danças e o
85
uso da bebida alcoólica não aparecem, e os fiéis ficam exclusivamente por conta de
cantos e rezas.
Nesta perspectiva Eliade menciona que
O espaço sagrado é especial, dotado de um significado particular como o do
“centro do mundo”, como lugar hierofânico, ou seja, da manifestação e do
encontro com o sagrado. O homem toma conhecimento com o sagrado
porque este se manifesta, se mostra como qualquer coisa de absolutamente
diferente do profano (ELIADE, 1992, p. 27).
Nesses termos, a cerimônia do batizado aparece como sagrada, isto é,
desvinculada da questão profana. Apesar de a festividade apresentar
características de atividades nas quais o profano e o sagrado se misturam o tempo
todo, há esse momento específico, que Eliade (1992) chama de especial.
Para Otto (1985) “o sagrado é antes de tudo, interpretação e avaliação do
que existe no domínio exclusivamente religioso, é também o elemento vivo de todas
as religiões”. Assim, a festa do Moleque está impregnada de elementos sagrados e
profanos que se manifestam às vezes no mesmo espaço ou em espaço
diferenciado, o que é comum nas experiências religiosas vivenciadas por diversos
grupos sociais.
2.3.8 - Os Santos
As imagens de santos são essenciais em festividades religiosas
populares. Os fiéis mantém uma forte relação com os santos, que funcionam como
uma espécie de “tábua de salvação”. Sem a figura dos santos, talvez nem
acontecessem as cerimônias, porque são eles que atraem os devotos, enfeitam o
86
altar na capela, os fiéis pagam suas promessas a eles e até registram os filhos com
os seus nomes, além de solicitarem cotidianamente proteção e bênçãos.
Enfim, os santos são os legítimos protagonistas das festividades
religiosas. Na do Moleque são celebrados três santos: São Gonçalo do Amarante,
São Sebastião e Nossa Senhora do Livramento. As imagens consideradas originais
não permanecem no altar, são guardadas pelos rezadores e trazidas somente no
terceiro dia da festa. Quando a capela é completamente decorada pelas mulheres
com fitas coloridas e papel crepom é que os rezadores levam as imagens para
capela. Diariamente, permanecem no altar da capela as imagens velhas e
desgastadas dos três santos celebrados e mais a de Santo Antônio. Os rezadores
argumentam que não deixam as imagens novas porque estas foram roubadas e
estando com eles ficam protegidas.
Sobre a relação de poder que os santos têm no interior da festa, Paleari
(1993, p.68) menciona que no catolicismo tradicional popular o santo é fundamental,
tudo parece girar em torno dele. É objeto de devoção pessoal do pequeno núcleo
familiar (oratório), dos pequenos povoados (capela) ou das grandes massas
(santuário). Segundo o autor, o fiel se relaciona a vida toda com o santo, dialoga
com ele, pede proteção, agradece pelo bem recebido e pode até, se zangado, virar a
imagem de costas quando não for atendido.
Nas festividades negras os santos expressam também poder desde as
primeiras realizadas, ainda no regime colonial. Em geral as cerimônias negras são
para homenagear São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, santos estes
considerados de pretos.
Bandeira (1988), em seu estudo sobre festa, menciona que São Benedito
é o santo da etnia, é o santo preto dos pretos. É o santo maior entre os santos do
87
céu e os santos deixados na terra. É, ainda na esfera do sagrado, o padrão
fundamental da etnia negra, fiador do etnocentrismo da comunidade. São Benedito é
um santo comunitário por excelência, portanto sua festa é feita pelo povo e para o
povo e ele não pede esmola, cabe àqueles que têm mais oferecer a festa
(BANDEIRA, 1988, p. 228-229).
Neste aspecto é válido destacar que existem outras divindades
consideradas santos de preto. Nossa Senhora do Rosário, a mais conhecida das
irmandades negras, a homenagem é realizada todos os anos várias festividades,
além de existirem algumas igrejas que levam seu nome. Na cidade de Catalão
GO acontece anualmente uma festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário, dentro
da qual se inserem as congadas.
Brandão (1985, p. 9 -10) chama esta cerimônia de festa do santo de preto
porque, além da louvação a Nossa Senhora do Rosário, estão no contexto festivo do
evento a Congada, o Reinado e a Irmandade. Segundo o autor, a dinâmica da
festividade inicia-se no domingo de Nossa Senhora do Rosário e, nos próximos dias,
desenvolve-se para os desfiles, passos de danças e “cantorias” de cada “terno de
congo”, moçambique, “catupe” ou vilão, passando para a Congada, e da Congada
para o Reinado, do Reinado para a Festa de Nossa Senhora do Rosário e,
finalmente, da própria festa para a sociedade de Catalão.
As congadas são festas históricas, realizadas por comunidades negras e
têm como devoção Nossa Senhora do Rosário. Souza (2006 p.161), ao analisar a
Coroação de Rei Congo, cita as considerações de Tinhorão, ao apontar que o
catolicismo foi sempre empregado por meio da exterioridade do culto e não pela
assimilação dos conceitos teóricos da fé, e conclui que os negros elegeram Nossa
Senhora do Rosário para objeto de seus cultos..
88
Embora a festividade religiosa do Moleque seja realizada por um grupo
negro rural e de origem africana, os santos celebrados na festa não são
considerados santos de preto, mas sim são populares. São Sebastião é de origem
italiana, converteu muita gente ao cristianismo. Era oficial da guarda do Imperador
Diocleciano. Assim que foram descobertas suas relações com os cristãos foi
condenado à morte por flechadas. Na Bahia, o santo é bastante celebrado, existe
um mosteiro dedicado a ele na cidade de Salvador. No candomblé é sincretizado
com Oxóssi, o deus da caça, que tem como domínio as matas e a agricultura.
Nossa Senhora do Livramento é também louvada no estado da Bahia, são
várias festividades em homenagem à santa, que é de origem portuguesa. De acordo
com as crenças populares, chegou ao município de São José dos Cocais, no estado
Mato Grosso, em cima do lombo de um burro. Quando parou na referida cidade com
a imagem em cima, o animal empacou e não saiu mais do lugar e, então, a
população resolveu construir um rancho em sua homenagem (SOUZA JÚNIOR,
2003, p. 133).
São Gonçalo é o santo celebrado na festa do Moleque. É de origem
portuguesa e considerada festeiro. Violeiro costuma cobrar o pagamento de
promessas dos fiéis com dança, cantoria e bebida. É o santo casamenteiro que
protege os violeiros e se preocupa com as questões de prostituição. Segundo as
crenças populares o santo fazia as prostitutas dançarem a noite toda do sábado e,
no domingo, dominadas pelo cansaço, não pecavam (SCOPEL, 2006, p. 144).
Brandão (1987), em estudo sobre festim dos bruxos, faz referência à
dança de São Gonçalo que acontece no estado de São Paulo. Ressalta que no
interior do estado, regiões em que a dança do santo é uma tradição, é um ritual
do campesinato, trazido por caipiras migrantes que insistem em reproduzir a dança.
89
O autor aponta ainda que os folgazões, dançadores de São Gonçalo,
costumam dizer que o próprio santo desceu a terra e criou a dança antes de retornar
para o céu. Para outros, São Gonçalo deixou a dança criada antes de subir para o
céu. Entre os camponeses católicos de São Paulo, a dança de São Gonçalo é
acreditada como um ritual de devoção religiosa indiscutivelmente santificado
(BRANDÃO, 1987, p. 164).
Desse modo, o santo é celebrado em diversas festividades religiosas
rurais. Na do Moleque a imagem dele aparece na bandeira dos foliões, no altar no
interior da capela, na bandeira para levantamento do mastro e no ritual do império.
Antigamente havia ainda a roda de São Gonçalo, que acontecia próximo à capela.
Destaque-se também que a maioria dos fiéis vai à cerimônia para pagar promessa
ao santo.
Esta relação de São Gonçalo com as brincadeiras, a bebida, a música, a
dança a noite inteira, está interligada com a dinâmica festiva do Moleque, vez que o
ritmo da festa é de muita dança, brincadeiras e o uso de bebida alcoólica. Outro
aspecto é que o grupo que realiza a festa vive na área rural, formado por homens do
campo que, num processo de organização coletiva expressam suas tradições
culturais através da festa.
2.3.9 - A Folia, o Levantamento dos Mastros e o Império.
A folia que acontece na festividade do Moleque tem características
diferenciadas em relação a outras tradicionais, que são realizadas em várias cidades
do estado e que duram até oito dias ou mais, com um número expressivo de
participantes, com palhaços, crianças, a visita às casas e o banquete. A folia do
90
Moleque é uma cerimônia pequena, que existe como parte das atividades festivas e
não envolve muitos foliões. Acontece num único dia, no horário das nove até as
dezoito horas. Não é servida comida, não aparece a figura dos palhaços e nem
outros personagens que estão presentes nas folias tradicionais.
Os festeiros são em média oito pessoas, somente homens, que se reúnem
no barracão do imperador, organizam os instrumentos e em seguida fazem uma
oração. O traje é uma calça de brim preta, camisa de xadrez com lenço vermelho,
um chapéu e a botina. O símbolo religioso que usam é a bandeira de São Gonçalo.
Quanto aos instrumentos, utilizam o pandeiro, a sanfona, a viola e o zabumba. Para
arrecadar as ofertas contam com uma caixa de papelão coberta com papel colorido,
e as ofertas são recolhidas por um adolescente.
O ritual se assemelha ao das folias tradicionais: os festeiros passam em
todos os ranchos, cantando e rezando, os adultos e as crianças louvam com beijos a
imagem posta na bandeira. O dono do rancho convida os foliões para entrarem e
serve algum tipo de bebida, geralmente uma cachaça produzida na região,
refrigerante ou sucos.
Na festividade do Moleque aparecem diversos tipos de ritos: o festivo, o da
queimação de fogos, o levantamento dos mastros, o preparo da comida no barracão
do imperador entre outros. O ritual da folia, embora não seja um dos maiores dentro
da festa, tem um enorme significado para os fiéis, pois eles ficam aguardando com
expectativa a chegada dos festeiros em seus ranchos. No momento da reza, choram,
fazem pedidos a São Gonçalo e suplicam por bênçãos aos familiares, entre outros
pedidos.
Os rituais são elementos essenciais nas festividades negras, porque
valorizam as tradições da comunidade, evocam sentimentos de religiosidade, impõem
91
relações de normas, de organização coletiva e de afirmação da identidade do grupo.
Ressalta-se ainda que os rituais impulsionam as festas religiosas, os movimentos
festivos se repetem fazendo com que as mesmas sejam criadas e recriadas no
tempo e no espaço.
Nestes termos, Cazeneuve assevera que
O rito é um ato que pode ser individual ou coletivo, mas que sempre,
mesmo quando bastante flexível para comportar uma margem de
improvisação, permanece fiel a certas regras que constituem precisamente
o que nele de ritual. O rito se distingue dos outros costumes pelo seu
caráter particular e da sua pretendida eficácia, mas também pelo papel mais
importante que a repetição nele representa (CAZENEUVE, S/D, p.10).
Para Steil, (1996) os rituais são importantes porque as pessoas sabem que
podem agir sobre o mundo, criando e alterando os rituais, enquanto instrumento de
sua ação. Isto não significa negar que os rituais também possuem continuidade
dentro de um período de tempo de longa duração.
Assim, verifica-se que os ritos presentes na folia se repetem e se
manifestam de maneira religiosa são um momento de emoção no qual os fiéis
buscam aproximação com as divindades, agradecem pelas bênçãos recebidas e
tentam ainda solucionar seus problemas sociais. Nesse sentido, a folia se constitui
como um ritual sagrado dentro da festa, em que a comunidade local vivencia
simbolicamente suas experiências religiosas.
Nesta perspectiva Durkheim (1996) diz que o rito serve para manter a
vitalidade das crenças, para impedir que elas se apaguem das memórias, isto é,
para revivificar os elementos mais essenciais da consciência coletiva. Através dele,
o grupo reanima periodicamente o sentimento que tem de si mesmo e de sua
unidade.
92
O’dea (1969) assinala que o rito tem grande significado funcional para o
grupo, embora essa não seja a intenção de seus participantes. O ato do culto, em
sua reiteração de sentimentos e em sua repetição de atitudes corretas exprime e
reforça a solidariedade do grupo. Segundo o autor, o ato do culto é um ato social
ou de reunião, em que o grupo restabelece sua relação com os objetos sagrados,
reforça sua solidariedade e reafirma seus valores (O’DEA, 1969, p. 61).
Desse modo, os rituais são expressões que dão sentido às festividades
negras religiosas. Nos cultos afro-brasileiros os ritos são marcantes, destacando-se
os de passagem, os sacrificiais e os de participação. Nas irmandades de candomblé
e da umbanda as sessões ritualísticas são diversificadas. Na umbanda aparece o
ritual dos passes e consultas, do jogo de búzios, da incorporação e da defumação
no terreiro. No candomblé existem vários rituais, que são momentos de contato com
os orixás. Os rituais desta comunidade são constituídos por elementos do
catolicismo popular, com forte experiência africana. Nestes ritos, identificam-se o
sacrifício de animais, a realização das oferendas, as danças, a comida, a bebida, os
banhos e os despachos (SOUZA JÚNIOR, 2003, p. 142).
Nas religiões africanas os rituais estão relacionados com os cultos aos
antepassados, que são entendidos como uma expressão e interação entre vivos e
mortos. Os vivos obtêm força e socorro de seus ancestrais enquanto os mortos
dependem das oferendas de seus descendentes. Por meio de sacrifícios que
adquirem sua força e potência, estes sacrifícios, que variam de acordo com cada
tribo.
Oliveira (2002), em estudo sobre o povo africano tsonga, aponta que o
culto aos antepassados constitui uma das tônicas mais importantes desta sociedade.
No culto se celebram os acontecimentos significativos da vida: a alegria e a tristeza
93
ou outras calamidades naturais, além de nascimentos e casamentos. É a vida como
um todo que é celebrada. Estas celebrações estão interligadas aos ritos. Segundo a
autora, todo o sistema de valores, atitudes e comportamentos é transmitido de
geração em geração através da família, da linhagem ou do clã. Isto se por meio
dos rituais de passagem e iniciação. Esses rituais estão relacionados aos cultos dos
antepassados em que são valorizados os aspectos de educação moral e sexual
preparando os indivíduos para vida adulta (OLIVEIRA, 2002, p. 29).
Diante de tais considerações, podemos observar que os rituais presentes
na festividade do Moleque, em particular os da folia têm enorme influência da cultura
africana, vez que as atitudes rituais do grupo estão relacionadas à vida, isto é, à
saúde, à harmonia, aos conflitos, à valorização da terra e, sobretudo, à preservação
de costumes culturais e religiosos.
O levantamento dos mastros é um ritual que se repete todos os anos na
festividade, em dois dias de cerimônia. No primeiro dia o levantamento é
homenagem a São Gonçalo, em que a bandeira com a imagem do santo é erguida.
No segundo dia é a vez de Nossa Senhora do Livramento. Antes do processo de
derrubada e levantamento do mastro é realizada uma missa em homenagem aos
santos, em que a capela fica completamente rodeada de velas acesas e lotada
pelos fiéis. Do lado de fora, um grupo de pessoas, entre elas os mordomos ficam
responsáveis por derrubar e organizar o mastro, deixando-o pronto para o
levantamento que acontece logo depois da missa.
Quando a missa é encerrada, os fiéis saem todos do espaço da capela e
ficam em volta do lugar onde vai ser fincado o mastro. Em seguida cada um recebe
uma vela acesa de cera de abelha acesa. Eles ficam com as velas em mãos até
que o mastro seja levantado, constituindo uma espécie de proteção no festejo de
94
São Gonçalo. O ritual é acompanhado de forró original com um sanfoneiro, um
tocador de caixa, uma viola e um triângulo. Depois os fiéis dão três voltas em torno
da capela com as velas acesas nas mãos, momento de emoção em que os
participantes ficam centrados na cerimônia, fazendo suas preces. Este ritual chama
-se oração de oito horas, que é a oração especial em louvação aos santos.
O espaço fica completamente iluminado pelas chamas das velas e de
uma imensa fogueira, além da queima de fogos. Por último, um grupo pequeno de
mulheres, em média de seis, a maioria com mais de cinqüenta anos, se aproxima
do mastro e dança a sussa, ao som do sanfoneiro, acompanhado com garrafas de
cachaça. Algumas mulheres mostravam que conseguiam dançar com a garrafa na
cabeça. Esse é o momento da brincadeira, da dança, da música e da
descontração. Observa-se que quase todos os fiéis que estiveram na capela
assistindo à missa se envolvem com a dança e bebem, pois as garrafas ficavam
circulando no meio do grupo.
No dia seguinte o ritual se repete com a bandeira de Nossa Senhora do
Livramento. Ressalte-se que os mastros não são pintados nem decorados,
somente encerados com cera de abelhas, o que facilita o levantamento. No
segundo dia do ritual o número de pessoas é menor, a capela não fica tão cheia.
Percebe-se que muitos devotos não apresentavam mais a mesma empolgação
do primeiro dia, talvez pela repetição da cerimônia ou pelo que a santa representa
para cada um. Destaque-se que São Gonçalo é de fato o santo preferido dos fiéis,
que demonstraram essa relação em todo período festivo, inclusive no levantamento
dos mastros, em que se observa a veneração dos fiéis para com o santo.
O mastro, o sino, a cruz e as bandeiras são os símbolos sagrados da
festa. Os símbolos servem para ligar atores sociais entre si por intermédio dos
95
diversos meios de comunicação, além de recriarem incessantemente a participação
e identificação dos grupos às coletividades (GEERTZ, 1989, p. 101). A cruz é o
símbolo que menos chama atenção dos fiéis, vez que um número bem reduzido
procura o espaço para fazer orações e acender velas, exceto os mais velhos que
sempre encontrávamos um ou outro no local. Sobre a relação dos fiéis com o
espaço onde fica a cruz, um morador da região de Boi Mimoso e que participa da
festa há mais trinta relata:
Antigamente a gente ficava muitas horas rezando e cantando ao redor da
cruz e dos mastros quando eram levantados. Logo cedo muitas pessoas
saiam de seus ranchos e vinham para capela fazer sua oração e seus
pedidos depois acendia suas velas perto da cruz. Parece que as pessoas
tinham mais paciência para rezar e adorar nossos santos. Hoje tão sempre
com pressa e ainda tem mais esse barulho que a senhora ta vendo que
atrapalha um pouco a gente rezar (P. A, 76, Boi Mimoso).
O depoimento aponta que os fiéis vêm mudando de atitude religiosa na
festividade. todo um momento de efervescência religiosa dentro da festa, no
entanto de maneira pontual, ou seja, na hora do batismo, da folia, do levantamento
dos mastros, das novenas e do império. Passados esses momentos os fiéis não
ficam presos aos símbolos e aos espaços considerados sagrados. Dispersam-se e
buscam outras atividades dentro da festa, tais como a conversa com os amigos e
parentes que não vêem muito tempo, o banho nos rios, o descanso na rede, o
forró, o cuidado com as crianças e com os ranchos.
Embora a vida dos kalunga, em especial da área do Vão do Moleque, ser
marcada pela religiosidade, percebe-se que não existe fanatismo religioso deles na
festa, participam de forma tranqüila, e muitos não conseguem separar o aspecto
sagrado do profano. Para eles, as atividades de beber, banhar no rio, rezar,
construir rancho, acender velas próximo à cruz e pagar promessa tem um único
significado, o religioso.
96
Nesse sentido, Eliade assinala que existem duas modalidades de ser no
mundo, o sagrado e o profano, duas situações existenciais assumidas pelo homem
ao longo de sua história. Os modos de ser sagrado e profano dependem das
diferentes posições que o homem conquistou no cosmo (ELIADE, 1992, p.27).
Assim, considera-se que a cosmovisão religiosa dos fiéis na festividade do
Moleque é especificamente sagrada. Tudo para eles se constitui no âmbito sagrado.
Na festa é criado um tempo sagrado, é a religiosidade que interessa, mesmo com os
aspectos profanos, que em determinadas situações dominam a cerimônia.
Nos cultos de origem africana essa concepção religiosa é presente, pois a
questão do sagrado é essencial, é a que prevalece. Nos terreiros de candomblé, por
exemplo, não existe preocupação com o profano, tudo gira em função das
divindades, os problemas cotidianos são solucionados através da religião. Nestes
termos Herskovits assinala que
Os cultos de candomblé dão sentido à vida e a garantia contra os
sofrimentos de um mundo incerto. A organização do universo, como é
concebida pelos crentes, e os processos que induzem os poderes com as
rédeas do destino a revelar segredos, e, isto feito, a certeza de que suas
prescrições, uma vez atendidas, resolverão problemas urgentes, tudo isso
proporciona ao adorador dos santos a segurança de que precisa na sua
vida diária (HERSKOVITS,1988, p. 274).
Esta cosmovisão religiosa do povo de candomblé e da comunidade negra
rural do Vão do Moleque, dentre outras, se assemelha aos dos povos africanos, ou
seja, eles têm também a vida marcada pela religiosidade ou, repetindo as palavras
de Genovese (1988), “a vida africana é profundamente impregnada de religião”.
Oliveira (2002), ao se referir à religião do povo africano tsonga, menciona
que uma das características desta religião é que ela penetra em todos os aspectos da
vida, por isso não se faz uma distinção formal entre o que se considera sagrado e
97
secular. Onde se encontra o indivíduo encontra-se também a religião no seu aspecto
global.
Nesta pespectiva, é que a dinâmica festiva religiosa do Moleque se
constitui, são os símbolos sagrados, os rituais, as crenças e os momentos lúdicos.
Todos esses elementos fazem parte do cenário religioso da comunidade o que faz
com os moradores da região se identifiquem como religiosos e, como grupo étnico no
qual através da festividade buscam preservar suas tradições culturais e religiosas.
O império de São Gonçalo é a cerimônia que provoca maior expectativa
nos fiéis. Acontece no último dia da festa a partir das dezesseis horas. O barracão
do imperador é construído juntamente com os ranchos. Algumas pessoas ficam
responsáveis em deixar o espaço organizado e também receber as doações. A
casa é dividida em três partes: sala, o salão de festa onde acontece o forró durante
a noite, a cozinha e um quarto. A família do imperador fica hospedada junto com ele
no barracão. A esposa, as filhas e outras mulheres se encarregam de preparar a
comida.
Este espaço vai se tornando o palco da festa, por onde circula muita
gente. Umas vão para tomar a cachaça que o imperador oferece ao público,
deixando-a exposta no balcão; outras para conversarem com ele, para tirarem fotos,
saber sobre os gastos da festa, o que ele comprou e o que vai oferecer no ato.
Enfim, o barracão vira uma espécie de ponto de encontro dos fiéis.
Quando o Imperador chega à festa é recebido com a queimação de fogos.
As pessoas ficam eufóricas para recepcioná-lo. Em seguida ele sai visitando os
ranchos e cumprimentando alguns conhecidos, principalmente os mais velhos.
Ressalte-se que o papel que o imperador exerce na festividade é de grande
98
responsabilidade, sobretudo no que diz respeito à questão econômica, pois no
momento em que é sorteado, assume imediatamente todas as despesas da festa.
A cerimônia é realizada às 16 horas, quando os mordomos da bandeira
começam a organizar os instrumentos para a atividade. São quatro varas cobertas
em papel crepom, a bandeira de São Gonçalo, os fogos e a roupa do imperador e
das crianças. O imperador se traja com terno azul e branco e um lenço branco na
cabeça preso a uma coroa prateada. A coroa é feita de papelão e coberta de papel
laminado.
As crianças, indistintamente meninas ou meninos, vestem roupa branca,
tipo vestimenta de anjo, com lenço branco preso na cabeça e um arranjo colorido.
Não a figura da rainha e, quando os três estão prontos, ficam num espaço
demarcado pelas quatro varas coloridas que formam um quadrado. O imperador e
as crianças fazem um cortejo do barracão até a capela dentro do quadrado, quando
um dos mordomos vai acenando a bandeira de São Gonçalo, enquanto outro fica
responsável pela queimação dos fogos.
Ao chegarem à capela, o imperador e as crianças ocupam os primeiros
assentos e aguardam o padre iniciar a missa. O padre faz um rápido sermão,
aponta questões relacionadas às imagens dos santos e encerra a cerimônia. Em
seguida um dos mordomos busca a caixa no rancho de um dos rezadores da região
para realizar o sorteio. O candidato a imperador não precisa ser necessariamente da
área do Moleque, pode ser de outras, desde que seja da região kalunga e cumpra
os compromissos da festa.
No sorteio alem do imperador, são escolhidas também mais doze
pessoas, que assumem o papel de mordomos, que auxiliam o imperador em todas
as atividades festivas durante o ano. Uma criança é chamada à frente e tira um
99
papel de dentro da caixa com o nome da pessoa que assumirá o cargo de novo
imperador. O mesmo procedimento se dá para a escolha dos mordomos.
O após o sorteio, o imperador que foi substituído retorna para o barracão
juntamente com as crianças fora do quadrado. Depois é realizada uma cerimônia
em que o antigo passa a coroa para o novo imperador. Esta cerimônia acontece de
maneira rápida, sem discursos e sem as rezas, somente com a queimação de fogos
para celebrar a atividade. Depois, o imperador escolhido e o que está deixando o
cargo, fazem pose para fotos, conversam, bebem e cumprimentam os presentes.
A comida é um elemento significativo no ritual do império, é preparada
pelas mulheres e servida aos convidados. É uma quantidade adequada para o
número de pessoas, ou seja, muita comida. O cardápio servido foi paçoca de carne
seca com molho de vinagrete e mandioca cozida. Ressalta-se que geralmente as
festas religiosas populares são marcadas por grandes banquetes. Os fieis se
realizam com a comida e muitos a consideram sagrada.
Pessoa (2005) lembra que nas festas populares a comida é partilhada
coletivamente, como é o caso das festas de reis, está incrustado nas pessoas um
sentimento de continuidade da festa. Segundo o autor, a comida não é uma
questão de necessidade material, mas de prolongamento simbólico da festa.
Para Lody (1998), um fator determinante para a união das ações dos
deuses é a alimentação sagrada. Os muitos pratos que constituem o cardápio votivo
possibilitam o reconhecimento, o conhecimento das peculiaridades das divindades,
sobre como agradá-las, mantendo, assim, a vida religiosa. Os pratos constituem
ainda o cardápio dos deuses que estão projetados para além dos santuários
barracões e comunidade os pratos estão nas festas, em que multidões se reúnem
para louvar e obsequiar seus santos de devoção (LODY, 1998, p. 30-32).
100
Ressalta-se que a parte de alimentação é também de responsabilidade
do imperador é ele que financia as despesas com a comida, a bebida, os fogos, os
doces e as bandas para tocar o forró. Sobre a organização da festa o imperador diz
que,
Quando o meu nome foi sorteado em 2005, fiquei bastante preocupado,
sobre como ia fazer para bancar essas despesas de comida, bebida e de
fogos. Daí, quando cheguei à minha região, procurei os vizinhos para me
ajudar arrecadar alimentos, principalmente arroz e farinha e o refrigerante,
porque a pinga a gente manda fazer aqui, né. A vaca ia ter mesmo que
fazer um esforço e comprar para matar. E fiz isso, juntei muita coisa e, com
a ajuda do povo e de parentes, comprei a vaca. Deu tudo certo graças a
Deus. E foi bom ser imperador porque a gente se sente importante e
continuidade a esta festa tão bonita, né (M. F, 55, Riachão).
O depoimento confirma alguns aspectos importantes. Primeiramente, o
senso de organização coletiva, pois quando o imperador busca a comunidade para
solicitar ajudar na arrecadação de mantimentos e outros recursos, ele mostra que na
sua região há uma interação no grupo e, que ele tem também certa relação de poder
diante dos moradores, que se mobilizam para participar da festividade de alguma
forma. Outro aspecto é a satisfação de estar participando da cerimônia numa
posição de poder, na qual exerce várias funções, inclusive a de estar colaborando
para que a festa tenha continuidade.
Dessa maneira, a cerimônia do império demonstra que a festividade do
Moleque caracteriza-se como uma atividade comunitária, de cunho religioso e
cultural e, sobretudo, que é marcada por representações simbólicas, tanto no que se
refere às trocas e à partilha quanto nas relações de poder que são estabelecidas
dentro da festa.
Neste sentido, Bourdieu assinala que
O funcionamento do campo religioso está relacionado à estrutura e à
distribuição do capital de autoridade propriamente religiosa, as diferentes
instâncias religiosas, indivíduos ou instituições, podem lançar mão do capital
101
religioso na concorrência pelo monopólio dos bens de salvação e do
exercício legitimo do poder religioso, enquanto poder de modificar em bases
duradouras as representações e as práticas dos leigos, inculcando um
habitus religioso( BOURDIEU, 2005, p. 46).
A festividade em geral apresenta alguns aspectos que são fundamentais
para se compreender a sua dinâmica religiosa. Uma questão relevante é a
seqüência dos rituais: primeiramente a folia, em seguida o levantamento dos
mastros e, por último, o império. O ritual do império, além de ser o último, é o mais
marcante, não pelo aspecto religioso, mas principalmente pela tradição de
escolha do novo imperador que acontece através do sorteio.
Esse elemento é essencial para que a festa se perpetue, porque cada vez
que um morador da região é sorteado, ele assume responsabilidades de ordem
moral e religiosa frente à comunidade, ou seja, ele não pode deixar de cumprir as
obrigações que a festa exige, pois afinal é toda a comunidade kalunga que aguarda
o ano inteiro esse acontecimento.
Esse ritual de escolha do imperador via sorteio é uma das maneiras de a
comunidade manter a tradição festiva, mas pode ser compreendida também como
uma estratégia de legitimar a festa enquanto instrumento religioso, isto é, a
festividade vai se tornando uma espécie de organização religiosa
19
não nesta lógica
oficial e padronizada presente na Igreja Católica, mas numa perspectiva comunitária,
em que o grupo possa se fortalecer a cada ano festivo e, assim, preservar sua
identidade.
O’dea (1969) chama a atenção para o aparecimento das organizações
religiosas sob vários aspectos, e menciona que as organizações religiosas
desenvolvem-se a partir de experiências religiosas específicas de determinados
19
A expressão não tem o sentido de formação de seitas, igreja ou algo semelhante, mas de
organização coletiva numa perspectiva religiosa.
102
fundadores e seus discípulos. Destas experiências surge uma forma de associação
religiosa institucionalizada e permanente. Segundo o autor, as organizações
religiosas são mais típicas de religiões fundadas que começam com uma figura
carismática e um círculo de discípulos. Com o desaparecimento ou a morte da figura
carismática, verifica-se uma crise de continuidade (O’DEA, 1969, p. 56).
A festividade do Moleque tem a dinâmica de continuidade e repetição, não
apenas por questões religiosas, mas também pelas próprias características do
grupo. Trata-se de uma comunidade negra que, em seus rituais festivos, apresenta
elementos da cultura africana, que valoriza suas tradições e que expressa suas
crenças por meio da festa.
O sistema de escolha de líderes, reis e imperadores em festividades
negras tem um caráter histórico. Nas festas que eram realizadas no período colonial
aconteciam essas escolhas e existiam as confrarias, sobretudo nas chamadas
festas de congo, denominadas de congadas, em que era feita a coroação dos reis.
De acordo com Souza (2006), as festas de reis por ocasião da celebração
de santos padroeiros contribuíram para consolidar a identidade de comunidades
negras, e foram criadas no contexto da escravidão, no interior das irmandades que,
além de responderem a uma série de necessidades dos grupos que as formavam,
também eram instrumento de controle da sociedade senhorial sobre os negros.
Desse modo, o ritual do império dentro da festa do Moleque está
relacionado aos valores das festividades negras de origem africana, a congada, o
candomblé, o tambor de mina, entre outras. São as tradições e a valorização da
ancestralidade que estão interligadas com a religião e a cultura. Essas festas
religiosas são de certa forma, mecanismo que as comunidades negras têm para
afirmarem a sua identidade.
103
2.4 - Religiosidade Popular
O povo kalunga do Moleque, sendo um grupo católico, negro e rural, tem o
costume de realizar cerimônias religiosas, entre as quais a festividade do Moleque é
uma das principais atividades. As homenagens são para São Gonçalo, no entanto,
Nossa Senhora do Livramento e São Sebastião são celebrados.
Mesmo os santos homenageados serem de origem católica, não
interferência da igreja, e a comunidade é independente para promover a festa:
organiza as novenas, as rezas e as cerimônias maiores, como o império e o
levantamento dos mastros. O grupo assume também outras atividades, tais como
deixar o espaço organizado, contribuir com as famílias na construção dos ranchos e
preparar a casa do imperador para receber os visitantes, inclusive o padre, que
participa nos últimos dias da festa.
Parker (1995), em estudo sobre religiosidade popular, diz que a festa
religiosa é a explosão de misticismo, de desprendimento, de sacrifício, de um
fantasiar com a “festa do céu”, na qual não ricos nem pobres, lágrimas nem
prantos. Assim, a festa popular religiosa é a contracultura da modernidade, espaço
de resistência à lógica racionalista e instrumental, âmbito simbólico profundamente
livre, regenerador e libertador. Segundo o autor, a celebração festiva é sempre uma
volta ao símbolo, à corporeidade expressiva, ao sentimento e à imaginação. Suas
regras são distintas; se introduz uma moral, uma sociabilidade, uma economia e
uma lógica que contradizem todos os dias. É um retorno que impugna a cultura, uma
imersão no informe, no mais vital e profundo, na vida pura. Através das festas, o
povo se liberta das normas e opressões que lhe são impostas.
Em geral as festas religiosas que acontecem na comunidade kalunga são
práticas de religiosidade popular. Primeiramente porque a maioria das festividades
104
acontece na área rural e também por serem vistas como festança
20
isto é, do povo,
principalmente o povo denominado de mais simples, o que vive no campo, que vai
pagar promessas, participar de novenas, batizar os filhos e se divertir, como é o
caso dos moradores do Moleque, do Vão de Alma, Riachão e Engenho.
Desse modo, os kalunga do Moleque manifestam sua religiosidade e
buscam, nas cerimônias sagradas, se identificarem como católicos. Quase todos se
declaram católicos, apesar da visível mistura entre as religiões afro-brasileiras e o
protestantismo. Observa-se que na comunidade uma divisão de grupos religiosos
em que, em número bem reduzido, aparecem os protestantes e um grupo maior faz
parte de todo o segmento religioso católico, ou seja, mesmo aqueles que não se
identificam como religiosos que freqüentam terreiros, ou que não participam de
cerimônias sagradas, se inserem no grupo dos católicos. Os moradores da região
que se consideram católicos é maioria. Percebe-se que eles fazem questão de se
identificarem como católicos, sobretudo no período festivo, porque têm necessidade
de interagir, dialogar e de se afirmar enquanto morador, kalunga, festeiro e religioso.
Nesta perspectiva a religiosidade da comunidade do Vão do Moleque é de
caráter popular: pela relação de devoção aos santos católicos (São Gonçalo, Nossa
Senhora do Livramento e São Sebastião), que são os homenageados na festividade
e celebrados cotidianamente na capela; pelas características do grupo, por ser um
grupo étnico e comunitário que realiza festa em homenagens a vários santos; pela
herança marcada pela escravidão; por viverem na área rural e porque, através da
prática religiosa, expressa sentimentos de fé, esperança, de identificação e até
mesmo de sobrevivência, considerando as condições sociais e econômicas em que
vivem.
20
O termo aqui utilizado significa festa com um número expressivo de pessoas.
105
Ressalte-se ainda que a religiosidade dos kalunga do Moleque é
expressiva, todo um ritual, com a figura do rezador e as novenas. Do lado de
fora da capela o sino com data de 1841, que é utilizado para chamar os fiéis, a
cruz de madeira com aspecto bem antigo e dois mastros com as bandeiras de São
Gonçalo e Nossa Senhora do Livramento. Na parte interna da capela aparece o
altar com as representações simbólicas como, por exemplo, as imagens dos santos,
as velas, os arranjos de flores e o rosário.
Neste sentido a festa do Moleque torna-se uma expressão do catolicismo
popular vez que ela não depende da igreja católica para ser realizada e acontece de
acordo com a vontade da comunidade. Nesses termos, Chauí (2001) assevera que
“a diferença entre a religião popular e a oficial manifesta-se como oposição entre
leigos e clero, e entre festividades e sacramentos, isto é, entre uma religiosidade
espontânea e uma religião vertical, imposta autoritariamente” (CHAUÌ, 2001, p. 73).
Segundo Paniago (1988) no campo do catolicismo oficial situa-se aquele
que sobressai em sua fé, possuindo o conhecimento mais aprofundado sobre a
doutrina e procurando seguir sempre os modelos morais que o conduzam à
salvação. É o chamado “católico praticante”, aquele que privilegia os sacramentos e
vê na figura do padre o único autorizado para falar de Deus (PANIAGO, 1988, p. 78)
Tais princípios se contrapõem ao catolicismo popular porque neste tipo de
catolicismo não um culto especial e único para Deus, os santos também têm
poder porque estão próximos de Deus. Somente os santos têm acesso a ele, e são
os aliados celestes do homem (JORGE, 1994, p. 66).
Para o mesmo autor, o catolicismo oficial, ligado aos grandes centros do
poder político e cultural, mantinha vigilante sua influência, enquanto o povo que
habitava nas cercanias das grandes cidades e que vivia trabalhando no campo ou
106
na mineração era relegado a si mesmo, sem maior presença do catolicismo oficial
através das autoridades.
Desse modo, observa-se que no catolicismo oficial sempre existiu a
relação de dominação e subserviência, em que prevalecem as ordens da igreja.
uma legitimação de poder no universo do catolicismo oficial, uma hierarquia em
nome da fé, onde existem os que mandam e os que obedecem. No catolicismo
popular são os santos que se fazem presentes, os devotos preocupam-se apenas
com as bênçãos e os milagres que vão receber. As imagens de santos, as
promessas e as novenas são essenciais para o catolicismo popular.
Paleari (1993), ao discutir sobre o catolicismo tradicional popular,
apresenta alguns elementos: o santo, o oratório familiar, oratório na rua, o oratório
ambulante e a Capela. A figura do santo, de acordo com ao autor, é fundamental
neste catolicismo.
O fiel relaciona-se o tempo todo e a vida toda com o santo. Chega até
conversar e pedir proteção,agradece pelo bem recebido e às vezes se
chateia quando não é atendido. Outro elemento significativo é a capela.
Num povoado maior a comunidade tem o espaço sagrado, construído quase
sempre em mutirão, e é propriedade e objeto de devoção comum. È nesse
espaço que o povo faz suas rezas, organiza novenas e decora orações e
espera o padre quando ele vem celebrar a missa e dar os sacramentos
(PALEARI,1993, p. 68-69).
Assim, pode-se compreender as diversas concepções de religiosidade
popular. Portanto, apontaremos a seguir alguns conceitos sobre o tema. A priori a
religiosidade popular se caracteriza como um conjunto de crenças, ritos e práticas
de fé realizada por diversos grupos sociais.
Para Jorge (1994) a religiosidade popular é um conjunto de práticas
religiosas produzidas pelos estratos sociais mais simples e subalternos da
sociedade, e usa como fonte inspiradora o catolicismo oficial.
107
De acordo com Passos (2002) a religiosidade popular não é um mero
acervo histórico-cultural, mas expressão de vida, reflexo da ação das pessoas, e
está circunscrita no cotidiano, na representação, nas permanências e
singularidades. Para esse autor, a religiosidade popular guarda um vivido em união,
partilhado com famílias, vizinhos e amigos. O povo convive com o outro suas
emoções, esperanças, dores e fé.
É nessa perspectiva que a festa do Moleque caracteriza-se como uma
prática de religiosidade popular, considerando que as pessoas se encontram, rezam,
pagam promessas, socializam suas angústias e se divertem. Em todas as
cerimônias religiosas da festa observa-se que uma parte dos fiéis estão envolvidos
com as imagens dos santos, com as novenas e os cantos. A relação deles com as
imagens e com as bandeiras de São Gonçalo e Nossa Senhora do Livramento é
intensa, e vêem nessas imagens poderes e acreditam que elas possam interferir
diretamente em suas vidas.
Assim, a festividade fortalece o grupo e procura superar os conflitos que
aparecem no cotidiano das pessoas, seja problema familiar, de ordem econômica ou
mesmo questões relacionadas à posse da terra. Parece que tudo se resolve na
festa, pois o que prevalece nesse momento é a santificação, a e o sagrado. A
festa está relacionada também à cultura da comunidade, visto que na manifestação
religiosa aparecem os valores culturais de um grupo.
É com essa dinâmica que as comunidades negras rurais realizam suas
festas, destacando aqui o grupo kalunga do Moleque. O acontecimento festivo
religioso é histórico na vida dos grupos negros rurais. Desde o regime colonial eles
manifestam a sua religiosidade através das festas, por meio das quais procuravam
dar sentido ao mundo e à existência, assegurar seu território e manter sua cultura
108
criando e recriando as festividades religiosas. É dessa maneira que a festa do
Moleque acontece, impregnada de representações simbólicas e rituais religiosos.
Nesta perspectiva, a cerimônia religiosa do Moleque se constitui como
uma festividade popular, de representação coletiva e com influência da cultura
africana. Desse modo, a festa tem um sentido étnico, porque a população local
interage, manifesta sentimentos de religiosidade e rompe com estigmas de que são
negros isolados, “descobertos” e descendentes de escravos. No entanto, a questão
que se coloca é se a festa assume o papel de redefinir a identidade do grupo, ou se
é apenas mais um elemento que contribui para o processo de identificação social
dos moradores da região.
109
CAPÍTULO III
IDENTIDADE ÉTNICA E CULTURAL DA POPULAÇÃO DO VÃO DO MOLEQUE
Durante o trabalho de campo, no qual tive a oportunidade de estar
próxima dos kalunga, em particular dos moradores da área rural do Vão do Moleque,
pude verificar o quanto é complexo apontar a identidade de um grupo. No decorrer
da pesquisa percebi que fazer leitura sobre determinada comunidade, sobretudo
numa perspectiva teórica e acadêmica não é uma tarefa simples, é no mínimo
ousada ou senão pretensiosa, principalmente quando se trata de um grupo como os
kalunga, que historicamente têm sido impregnado de estigmas gerais como: “povo
isolado”, “descobertos”, povo do Sitio histórico, descentes de escravos,
remanescentes de quilombos e camponeses.
São varias as denominações que este povo vem adquirindo por agentes
externos. Assim, ao tratar das diferentes construções identitárias da comunidade,
são necessárias algumas observações sobre os elementos culturais e sociais da
comunidade negra do Vão do Moleque para em seguida apontarmos algumas
reflexões sobre a noção de identidade étnica, no sentido de percebermos como os
moradores da área se reconhecem, é o kalunga, o camponês, o quilombola ou os
negros que saíram do trabalho escravo. Destacaremos ainda, quais os elementos
110
que fazem com que o grupo afirme sua identidade são as tradições, as festas, as
danças e brincadeiras ou a relação com a terra.
3.1 - Identidade e Cultura
Identidade e cultura são elementos que estão interligados, portanto fazem
parte do processo de formação da identidade étnica de diversos grupos negros.
Assim, ao observamos as festividades religiosas que o grupo kalunga do Moleque
realiza é necessário levar-se em consideração os aspectos culturais que compõem a
festa, vez que estas atividades são formas deles expressarem a identidade étnica.
Desse modo, para compreendermos a identidade da comunidade negra
do Vão do Moleque é significativo analisarmos a cultura local da comunidade em
dimensões globais e ainda observar a identificação do grupo a partir dos elementos
culturais. Portanto, para discorremos sobre a relação cultura e identidade étnica, é
importante que apresentemos alguns conceitos de cultura e depois algumas
observações sobre a dinâmica da festa religiosa do Moleque enquanto instrumento
cultural e como este constitui um espaço de manutenção de identidade do grupo.
A cultura é um elemento que faz parte da vida dos indivíduos, não é
possível conceber o homem sem a cultura. Ela é dinâmica, criada e recriada de
acordo com a realidade social de cada grupo. Todos os grupos apresentam seus
aspectos culturais. A formação de uma sociedade se com a cultura. Assim,
pode-se definir a cultura como modo de ser e um jeito comum de viver no mundo
nos quais os indivíduos interagem e agem dentro dos grupos.
Segundo Laraia (1992, p 07) os diferentes comportamentos sociais são
produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma
111
determinada cultura. Todos os homens são dotados do mesmo equipamento
anatômico, mas a utilização do mesmo, ao invés de ser determinista geneticamente,
depende de um aprendizado, e este consiste na copia de padrões que fazem parte
da herança cultural do grupo.
Nesta pespectiva, a cultura implica num processo de aprendizagem no
quais os indivíduos ao se organizarem manifestam-se culturalmente com suas
crenças e seus costumes. Assim a festividade religiosa do Moleque enquanto
expressão cultural resgata diversos valores postos na comunidade, como por
exemplo, a religiosidade, a luta pela posse de terra, a solidariedade entre outros
elementos que fortalece a comunidade. Por outro lado, estes mesmos aspectos
culturais podem provocar mudanças substanciais no interior da comunidade e até
mesmo redefinir a identidade do grupo, vez que a cultura é dinâmica e está
relacionada aos aspectos sociais, políticos e religiosos.
Nestes termos cabe nos remetermos às considerações de Geertz (1989,
p.99) ao definir a cultura como “padrão de significados transmitidos historicamente
por símbolos dos quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e suas atividades em relação à vida”.
Neste sentido, é valido enfatizar que os grupos negros rurais, em
particular, o do Moleque busca na religiosidade, com a realização da festa e as
expressões de e crenças a manutenção da identidade. O período festivo é
marcante para o grupo, pois vida, os moradores sentem-se protegidos, satisfeitos
no momento festivo. Estes elementos fazem parte da formação religiosa e cultural
do grupo. Assim, pode-se considerar que a cultura aponta elementos que mantém a
identidade do grupo.
112
Para Da Matta a cultura é uma maneira de viver total em um grupo,
sociedade, país ou pessoa é ainda um mapa, um receituário, um código através do
qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o
mundo a si mesmas. De acordo com o autor, a cultura é também um conjunto de
indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas
transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo - se parte da mesma
totalidade (MATTA, 1997, p. 55).
Munanga (2004) define a cultura como herança coletiva de uma
sociedade, o conjunto de objetos materiais que permitem ao grupo assegurar a sua
vida cotidiana, de instituições que coordenem as atividades dos membros do grupo,
de representações coletiva que constituem uma concepção de mundo, uma moral e
uma arte.
Dentro desta perspectiva, o grupo negro do Moleque manifesta sua
cultura, sobretudo na pratica festiva religiosa. A realização da festa é uma ação
cultural, é neste espaço que o grupo define suas expressões culturais, mostram seu
modo de vida, os costumes, as tradições como vêem o mundo enfim expressa seu
ethos. Neste sentido, retomemos as reflexões de Geertz:
Na crença e na prática religiosa, o ethos de um grupo torna-se
intelectualmente razoável porque demonstra representar um tipo de vida
idealmente adaptado ao estado de coisas atual que a visão de mundo
descreve, enquanto essa visão de mundo torna-se emocionalmente bem
arrumado para acomodar tal tipo de vida (GEERTZ, 1989, p. 67).
Assim, a festa da comunidade é uma manifestação cultural, popular que
está relacionada diretamente com as práticas religiosas. A religiosidade se constitui
em torno da organização coletiva no quais os moradores se relacionam no seu
113
espaço, vivem as suas experiências religiosas, preservam os valores da cultura
tradicional local do grupo e afirmam a identidade.
3.2 - Identidade Étnica
Ao discorremos sobre a identidade étnica é necessário levar-se em
consideração os diversos significados que o termo etnia apresenta. Alguns teóricos
utilizam o conceito de etnia como sendo o mesmo de raça, assim os dois termos em
situações específicas se confundem geralmente por estarem associados á cor da
pele, aos costumes comuns, a organização de grupos e à religião.
De acordo com Ferreira (2000), o termo raça é considerado como uma
categoria referenciada em conceitos biológicos, enquanto a etnia refere-se a uma
classificação de indivíduos em termos grupais, que compartilham uma única herança
social e cultural, são os costumes, a língua e a religião (FERREIRA, 2000, p. 50).
Para Loureiro (2004) a etnia é um classificador que opera no interior do
sistema interétnico e em nível ideológico, como produto de representações coletivas
polarizadas por grupos sociais em oposição latente ou manifesta. Neste sentido,
podemos conceber que as relações étnicas e raciais se constituem num sistema de
classe, nos quais os indivíduos que na condição de opressão e exclusão lutam pela
garantia de seus direitos e também pela afirmação de sua identidade, seja através
da religiosidade, da política ou da cultura.
Rex (1988) assinala que as relações étnicas e raciais dizem respeito à
interação dos quase-grupos raciais e étnicos que muitas vezes são impostas pela
ordem econômica, social e política. Assim, a questão étnica implica em organização
114
coletiva, onde o individuo constrói sua identidade através dos diversos grupos
sociais.
Ressalte-se que a identidade étnica pode ser compreendida também a
partir das diferenças, ou seja, como indivíduos de determinado grupo se
reconhecem perante o outro. A relação do eu com outro que permite um processo
de socialização e de identificação onde cada um ao interagir reflete-se no outro.
Para Bahbha (2003) a questão da identidade está relacionada com o eu e
o outro, dentro de uma tradição de representação que concebe a identidade como
satisfação de um objeto. Segundo o autor, a identidade não implica simplesmente na
imagem do individuo, mas o lugar discursivo e disciplinar nos quais as questões de
identidade são estratégias e institucionalmente colocadas (BAHBHA, 2003, p.80).
Bandeira (1988) pontua que a construção da identidade étnica é um
fenômeno político que utiliza as práticas culturais tradicionais como linguagem,
código de comunicação, como discurso de mobilização e de alinhamento à ação
política.
Dentro desta perspectiva, os grupos negros rurais buscam manter a
identidade num processo conflituoso envolvendo as categorias de diferenciação e
inferiorização. É também nessa dinâmica que estes grupos, lutam para firmar sua
identidade, no sentido de dizer não à discriminação racial, de se organizarem
politicamente e se sentirem parte do grupo.
Segundo Pereira (2002), a identidade racial é uma construção histórica, e
não um dado da biologia, não é a cor nem os traços fenotípicos de um grupo que
reside a sua identidade, mas as interpretações social e cultural dada a essas
características biológicas que criam simbolicamente a identidade do grupo. Assim,
os diversos grupos étnicos constroem a identidade conforme sua dinâmica de vida,
115
as particularidades, os costumes e as tradições. Este processo de afirmação da
identidade é continuo está sempre em mudança. Neste sentido Cunha aponta que:
As identidades étnicas não são estáticas, elas se transformam e se
atualizam. Atualmente os mais diversos movimentos negros assumem o
caráter de grupo étnico cuja definição é externalizada pela etnicidade negra
(antes negativa e definida pela maioria branca), e os valores negros foram
assumidos como positivos (CUNHA, 1987, p. 13).
Com concepção semelhante Hall (2000) menciona que a identidade é uma
espécie de “celebração móvel” formada e transformada continuamente em relação
às formas pelos quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais.
Segundo o autor, a identidade muda de acordo com a forma, como o sujeito é
interpelado ou representado, a identificação não é automática, pode ser ganha ou
perdida (HALL, 2000, p. 56).
Estas considerações nos remetem as reflexões de Loureiro (2004), ao
destacar que a identidade nunca é estabelecida como uma realização, na forma de
uma armadura da personalidade ou de qualquer coisa estática e imutável, é um
processo em permanente construção.
É nesta perspectiva que os grupos negros buscam afirmar sua identidade,
isto é de maneira dinâmica e continua e, sobretudo preservando suas tradições
religiosas e culturais. Nesse sentido, pode-se parafrasear Silva, ao dizer que a
identidade étnica implica no cultivo das tradições culturais, a religião, os mitos, as
lendas e a ideologia são necessárias para o processo de identificação cultural
(SILVA, 1995, p. 37).
Desse modo, a construção da identidade étnica de comunidades negras
está interligada com os aspectos culturais, políticos e principalmente religiosos.
Esses elementos são essenciais para que os grupos expressem sua identidade, pois
116
são eles que constituem a criação e recriação de sistemas simbólicos, de novos
valores e de novas atitudes coletivas, vez que a identidade como mencionamos,
não é estática, está sempre em movimento permitindo que os indivíduos se
identifiquem no interior do grupo conforme sua realidade. Nestes termos, Berger e
Luckmann apontam que
A identidade é um fenômeno que deriva da dialética entre um individuo e a
sociedade. Os tipos de identidade, por outro lado, são produtos sociais tout
court, elementos relativamente estáveis da realidade social, objetiva (sendo
de estabilidade evidentemente determinado socialmente, por sua vez).
Assim sendo, são o tema de alguma forma de teorização em uma
sociedade, mesmo quando são estáveis e a formação das identidades
individuais é relativamente desprovida de problemas. As teorias sobre
identidade estão sempre encaixadas em uma interpretação mais geral da
realidade. São embutidas no universo simbólico e suas legitimações
teóricas, variando com o caráter destas ultimas. A identidade permanece
ininteligível a não ser quando é localizada em um mundo (BERGER e
LUCKMANN, 1985, p. 230)
Portanto, a identidade se constitui também como uma organização social,
onde o indivíduo se localiza e se reconhece em seu espaço, tomando consciência
do papel que deve assumir diante do outro. É o que D’Adesky (2001), chama de
identidade coletiva. Segundo o autor, uma passagem da identidade individual
para a coletiva, faz referência a Malek Chebel, que usa a noção de pertencimento
para a instalação da identidade coletiva, porém não concorda que esta a seja a
única forma de ocorrer esta passagem, sendo necessários outros elementos de
compreensão para mostrar a ligação entre as duas noções diz, ele:
A identidade coletiva ainda que sustente a identidade étnica, situa-se em um
nível inferior de intensidade, porque permanece insuficiente para abarcar os
diversos aspectos de uma realidade complexa que inclui a raça, a religião a
língua e a historia como elementos de coesão e de solidariedade do grupo.
Mesmo assim, ela estabelece um elo entre os fenômenos próprios à
identificação coletiva e aqueles que caracterizam a identificação étnica em
uma relação que coloca em jogo as percepções, o imaginário e os conceitos
de âmbito antropológico e cultural (D’ADESKY, 2001, p. 44).
117
Diante de tais considerações apontaremos algumas reflexões sobre a
identidade do grupo negro rural do Vão do Moleque, compreendendo que a sua
identidade perpassa por uma dinâmica de construção nos quais os moradores da
comunidade local são reconhecidos a partir de elementos como: o território, a
origem histórica, a religiosidade, os aspectos políticos e econômicos e as tradições
festivas e culturais.
3.3 - Identificação Territorial
A questão da territorialidade é um dos elementos que está relacionada
com a construção da identidade das comunidades negras rurais. O território
21
é o
espaço onde os grupos mantêm as referências individuais e coletivas, é onde ocorre
a integração dos indivíduos, a organização social e as manifestações religiosas e
culturais. Desse modo, a identidade desta comunidade perpassa pela posse de
terra, no qual a comunidade vem lutando ao longo dos anos para assegurar e
preservar o seu território.
Ressalte-se que nem sempre, este espaço está totalmente garantido, ou
seja, muitos grupos negros têm uma luta histórica pelo direito à posse da terra. E,
este processo de luta resulta numa identificação social dos grupos à medida que ao
se organizarem coletivamente, se posicionando como sujeitos que reivindicam seus
direitos políticos e sociais, eles impõem uma relação de pertencimento não somente
no sentido de ter a terra, mas também em ser reconhecido como individuo como
grupo pelos outros. Nestes termos D’Adesky diz que o
21
A expressão aqui utilizada está relacionada a terra, posse de terra.
118
Sentimento de pertencimento étnico, não procede necessariamente de uma
referencia territorial física, claramente definida e delimitada, supõe,
entretanto, que tal grupo pode definir-se por um elo material ou por
representações coletivas que tomam forma em um espaço que não é
somente físico, mas também um espaço onde estão em jogo interesses
econômicos ou, ainda, atividades sociais, culturais e políticas. (D’ADESKY,
2001, p. 54)
Desse modo, a comunidade do Moleque busca afirmar sua identidade, no
que se refere à questão territorial. Os moradores da área rural de toda a
comunidade kalunga vivem no Sitio Histórico Kalunga. Como foi mencionado
anteriormente, o Sitio é dividido em cinco agrupamentos, cada um com uma
denominação local, Vão do Moleque, Vão de Alma, Ribeirão dos Bois, Contenda e
Kalunga. Os cinco núcleos principais formam o território kalunga, subdividindo em
outras centenas de agrupamentos (BAIOCCHI, 1999, p. 16).
Essas configurações territoriais apontam uma identificação relacionada
com a questão da terra no qual o Sitio representa um espaço identitário em que o
grupo interage, luta pela sua sobrevivência, pelo direito à posse de terras e ainda
expressa seus valores religiosos. A titulação do Sitio como Patrimônio Histórico
Cultural, define o lugar e faz com que os moradores se reconheçam neste espaço e
num processo continuo construa sua identidade. Por outro lado, este tipo de
legitimação de território pode implicar em aspectos desfavoráveis para comunidade,
vez que o grupo tem seu espaço e se identifica nele, mas tende a ser visto de
maneira estigmatizada e também de se estabelecer socialmente numa posição
desigual. Estes elementos podem interferir na formação da identidade do grupo, ou
ao contrário, pode impulsionar a comunidade a romper com os estigmas e lutar
pelos seus direitos, esta pode ser mais uma forma do grupo afirmar sua identidade.
Bandeira (1988) destaca que a identidade étnica estimula a luta pela
diminuição das desigualdades raciais, pela defesa da simetria das posições nas
119
estruturas políticas locais, alicerçando a demanda por espaço de mobilidade social
grupal no processo de modernização econômica.
Assim, a questão identitária do grupo negro do Vão do Moleque implica
em aspectos relacionados à posse de terras. um processo de luta para
conservar e garantir o patrimônio, isto é o Sitio Histórico, que é definido
institucionalmente como território dos moradores kalunga, mas não é demarcado
como citado. Nos últimos vinte anos, os moradores vêm reivindicando a
regularização das terras e também denunciando os problemas que enfrentam com
grileiros e fazendeiros. As lideranças da região durante esse tempo, vêm se
articulando com o poder público, com políticos e organizações não governamentais
na tentativa de solucionar a questão.
O processo de luta pela garantia da terra é também uma forma que a
comunidade tem de afirmar sua identidade, é o cidadão que tem direitos a moradia,
a educação e a saúde, e para garantir todos estes recursos é necessário terem o
espaço assegurado. Neste ponto, retomemos as observações de Bandeira, ao dizer
que: “a gestão de um espaço pelo grupo contribui decisivamente para a constituição
da comunidade étnica, tornando-se elemento importante na definição da identidade
negra” (BANDEIRA, 1988, p. 302).
3.4 - Identidade Religiosa e Política
Outra maneira da comunidade do Moleque afirmar sua identidade é por
meio da religião. A religiosidade que garante a transmissão da tradição, que marca a
experiência de vida das pessoas, que de certa forma passa de avós para pais e
filhos, e provoca ainda a necessidade da comunidade participar de celebrações com
120
muita devoção dentro da festa que realizam. A religião é também um instrumento
que fortalece a comunidade, os moradores dão sentido à vida quando se voltam
para a questão religiosa. Neste aspecto Joaquim lembra que: “a religião faz parte do
cotidiano das pessoas, ou seja, estabelece o modo delas se relacionarem com os
deuses e prevê conseqüências dessas relações em suas vidas” (JOAQUIM, 2001,
p.98).
Neste aspecto a religiosidade torna-se um elemento gerenciador das
cerimônias festivas no sentido de viver, criar e reinventa as tradições da comunidade
e sua identidade. Nestes termos D’Adesky afirma que: “a religião é uma importante
referência de identidade, governa a vida espiritual dos indivíduos e mantém, na
ordem do particular, um conjunto de praticas e deveres” (D’ADESKY, 2001, p. 51).
Os moradores da área do Moleque são católicos, como citamos. Eles
se declaram católicos, são também religiosos porque tem a religião como elemento
essencial em suas vidas, não é somente as festividades que o caracterizam como
religiosos, as atividades cotidianas como a reza nas casa de vizinhos, a devoção
aos santos e o zelo pela capela. Todas estas atitudes os identificam como
religiosos.
No período festivo observamos que muitos moradores faziam questão de
se identificarem como religiosos, alguns afirmavam que ainda continuavam vivendo
na região porque têm a fé, e acreditam que são protegidos por Nossa Senhora do
Livramento e São Gonçalo. Ressalta-se que a religião do grupo é católica, popular e
com características sincréticas. A comunidade a religião como mecanismos de
sobrevivência, de superação de conflitos e problemas que se deparam
cotidianamente. Neste aspecto, é válido as observações de Parker:
121
A religião popular em suas diversas manifestações, contribui para a
reprodução da vida para proteger dos perigos que a atacam. Contribui
também para dotar a vida de um sentido extra, revalorizando-a. A religião
não é apenas um consolo, uma estratégia de sobrevivência é também fonte
vivificante na qual o pobre, o indigente recuperam sua dignidade, voltam a
identificar-se como homens filhos de “Deus” como “cristão”. Por meio das
crenças e dos rituais o homem se salva de estar “perdido” em meio à
miséria e aos vicio (PARKER, 1995, p. 286).
Neste sentido pode-se considerar que a religião tem o papel de legitimar a
identidade do grupo, no âmbito religioso eles buscam afirmar a identidade com a
religião. Quando o homem se declara religioso ele tem como objetivo mostrar para o
outro que faz parte de um grupo ou de uma comunidade religiosa, alem de se
identificar como cristão perante as divindades. Assim, ao se reconhecer como
religioso, ele espera do grupo as mesmas referências e os mesmos propósitos que
em geral são as crenças, a e as cerimônias religiosas. Neste sentido aponta
Durkheim:
As crenças propriamente religiosas são sempre comuns a uma coletividade
determinada, que declara aderir a elas e praticar os ritos que lhe são
solidários. Tais crenças não são apenas admitidas, a titulo individual, por
todos os membros dessa coletividade, mas são próprias do grupo e fazem
sua unidade. Os indivíduos que compõem essa coletividade sentem-se
ligados uns aos outros pelo simples fato de terem uma comum
(DURKHEIM, 1996, p. 28).
Assim, as práticas religiosas de uma comunidade contribuem para
organização social do grupo, para formação da identidade étnica no quais os
indivíduos interagem com o mesmo objetivo, ou seja, o de expressar sua
religiosidade. É nesta perspectiva que os moradores do Moleque expressam suas
crenças, sua religiosidade de forma individual e coletiva. Quando a comunidade se
mobiliza para realizar a festa religiosa, ela aponta diversos interesses, é o de ser
reconhecida e lembrada pelos de fora, de permitir a continuidade da festa, mas,
sobretudo de envolver os fieis em rituais sagrados, fazer com eles demonstrem sua
122
de maneira coletiva, com isto, o grupo busca manter sua identidade enquanto
religioso.
A comunidade kalunga em geral realiza varias festividades religiosas
durante o ano, como citamos no capitulo anterior. Estas festas têm um forte
significado para os kalunga, primeiramente por se tratar de uma cerimônia religiosa,
e depois porque consegue juntar um grande contingente de pessoas num mesmo
local para demonstração de sua fé.
A festa do Moleque tem características semelhantes as das outras que
acontecem na região, porém com a particularidade de reunir um número maior de
pessoas, e de ser mais extensa. Os moradores da área se envolvem de maneira
intensa com a festividade, permitindo que a o ritual festivo se prolongue iniciando no
dia primeiro de setembro de encerrando no dia dezoito. Neste sentido, a festividade
funciona como um processo de legitimação da identidade étnica do grupo, vez que
os moradores da região realizam e participam da festa por sua tradição, pelo caráter
religioso e também pelos elementos sociais, culturais e políticos que estão presentes
na festa.
No período festivo a população local tem a oportunidade de ser vista,
reconhecida pelos visitantes, de apresentar seus valores culturais e seus costumes.
certa empolgação por parte dos moradores, em participarem dos rituais,
principalmente aqueles que assumem papel de destaque na festa como o
imperador, os tocadores da folia, os rezadores e os mordomos. O ambiente
proporciona ainda momentos de lazer, de integração e de estreitamento familiar
dentre outras questões referentes a interesses pessoais de diversas ordens.
O elemento religioso é fundamental na festividade, no entanto percebe-se
que existem outros que são fundamentais, como a articulação política e social no
123
interior da festa. As pessoas dialogam, discutem sobre família, os problemas das
áreas vizinhas, da colheita, falam do passado e de questões atuais.
Observa-se que há uma sintonia entre os fieis, sobretudo entre os que são
da região. O rancho é um instrumento que estabelece esta relação comunitária, no
qual cada família tem o seu, em que uns visitam os outros, pede mantimentos
emprestado, alguns deixam as crianças sob a responsabilidade do vizinho enquanto
lavam louças e roupas nos rios. Desse modo, os kalunga apontam uma identidade
social, no qual a festa permite que se identifiquem como indivíduos solidários, unidos
e que têm senso de organização coletiva alem de terem em comum a religiosidade.
Neste sentido, cabe as reflexões de Silva (2002), que entende a
identificação social como processo de identificação do individuo com aqueles
considerados importantes em sua socialização. A identidade social se interrelaciona
com a identidade pessoal. Segundo a autora, o individuo constrói a sua identidade
através de vários grupos de que faz parte, como a família, os amigos, os vizinhos,
desempenhando papeis diversificados, onde no jogo de relações o individuo torna-
se consciente de sua singularidade (SILVA, 2002, p. 25).
Assim a festividade religiosa do Moleque é um acontecimento comunitário,
que surge na comunidade. No entanto, esta cerimônia deve ser compreendida
também como uma manifestação cultural onde se identifica uma interação entre a
influência africana, que se faz presente nos rituais religiosos, na divisão do trabalho,
no preparo de comidas e nas danças. A festa em questão se constitui em
componentes culturais, no qual a comunidade negra do Vão Moleque vive um
processo dinâmico de criação e recriação de sua identidade.
Deste modo, a festa revela a preservação da identidade porque a
comunidade local busca resgatar valores de origem africana, como a dança, a
124
brincadeira, os ritos, a organização comunitária e as representações simbólicas. Em
geral as festividades negras trazem elementos relacionados à cultura africana.
Assim, ao preservarem as suas tradições religiosas e culturais o grupo vive sua
identidade.
Dessa maneira o espaço festivo pode ser compreendido como um espaço
de manutenção da identidade étnica, no qual a comunidade tem a necessidade de
se afirmar junto à sociedade. È nesta perspectiva que os moradores do Moleque
mantêm sua identidade, isto é por meio das festas e de sua religiosidade. É neste
espaço que eles se reconhecem, são vistos, rezam, fazem as devoções aos santos,
dançam se comunicam e ainda reivindicam melhores condições de vida.
Ressalta-se que não é somente os aspectos religiosos e culturais que
estão relacionados com a identidade da comunidade negra local, são também as
questões políticas, ou seja, como o grupo está organizado politicamente, como é
identificado no contexto social e global, enquanto grupo negro que historicamente é
reconhecido como remanescente de quilombos. Sabe-se que o homem e a mulher
negra têm um processo continuo de luta, pela inserção social, isto é no mercado de
trabalho, na educação e no direito à saúde e a moradia.
O enfrentamento as diferenças sociais e raciais é o grande desafio para
esta e outras comunidades negras que vivem na área rural, pois muitas estão
esquecidas socialmente primeiramente por serem discriminados em função da cor
de sua pele e depois por não estarem inseridas na escola, por migrarem para as
grandes cidades e serem tratados com indiferença entre outros elementos que
fortalecem as desigualdades sociais. Os novos valores da sociedade capitalista e
globalizada, marcada pela relação de consumo e produção impõem esta condição
125
desigual entre homens e mulheres. Tal situação se acentua cada vez mais nas
chamadas sociedades modernas.
Assim para que esta comunidade e outras afirmem sua identidade é
necessário que saiam da condição de meros kalunga entre outras denominações.
Neste aspecto, é significativo ações num âmbito da sociedade civil, nas escolas e
universidades e em órgãos governamentais no sentido de coibir o preconceito racial
e provocar oportunidade para todos independente da cor da pele, da origem e da
historia.
Deste modo, é valido observamos outra questão, no que se refere à
identidade do grupo, de que forma este homem e esta mulher negra moradora do
Vão do Moleque, com denominação de kalunga se insere neste contexto. Que
mecanismos o grupo tem para afirmar sua identidade. É a festa religiosa que
realizam anualmente? A luta pela posse de terra? Ou a organização comunitária.
Todos estes elementos constituem a formação da identidade étnica do grupo, no
entanto devem estar articulados a questões políticas e sociais sem perde de vista
suas características.
De acordo com Joaquim (2001), saber-se negro é viver a experiência de
ter sua identidade negada, mas é também, e, sobretudo a experiência de
comprometer-se a resgatar sua historia e recriar-se em sua potencialidade. Essa
identidade daí emergente é necessária, por ser historicamente formada em uma
sociedade ambígua e multifacetada. Uma identidade ao mesmo tempo, étnica e
política, não somente individual, mas também coletiva (JOAQUIM, 2001, p. 56).
Assim, a construção da identidade étnica do grupo implica em questões
culturais e políticas com mencionamos. Os moradores da área rural do Vão do
Moleque são organizados coletivamente, e tem consciência de que em situações
126
diversas são identificados como diferentes, não só pela questão étnica, mas também
por viverem em uma região distante e de difícil acesso, e ainda porque
historicamente vêm sendo vistos de maneira estigmatizada, isto é, identificados
como “negros isolados”, “kalungueiros” “povo pinguço” entre outras denominações
de tom racista, excludente e discriminatória. Estes aspectos negativos também
interferem no campo identitário da comunidade, vez que as questões raciais e
sociais podem definir a identidade do grupo, no sentido de superação de
preconceitos étnicos e de classes.
Neste aspecto, é valido observamos as reflexões de Ianni (2004), ao
apontar que o preconceito racial é uma técnica de dominação, por meio da qual se
subordinam amplos setores da sociedade, enquanto homens mulheres, crianças
adultos e velhos, trabalhadores da cidade e do campo, na agricultura e na indústria.
Para o autor, o preconceito racial e o preconceito de classes mesclam-se em
intolerâncias de vários tipos, manifestam-se em varias linguagens (IANNI, 2004, p.
147).
Assim, as questões raciais e de classe estão relacionadas com a
formação da identidade étnica, pois com o processo de luta pelo fim das
desigualdades sociais e étnicas o grupo se fortalece e evidencia sua identidade,
sobretudo numa perspectiva social e política.
Neste ponto, Bandeira destaca que a identidade étnica estimula a luta pela
diminuição das desigualdades raciais, pela defesa da simetria das posições nas
estruturas políticas locais, alicerçando a demanda por espaço de mobilidade social
grupal no processo de modernização econômica (BANDEIRA, 1988, p. 55).
Este processo contínuo de luta pela afirmação da identidade está
relacionado também com as atividades religiosas e culturais que realizam. Assim
127
festividade do Moleque é um espaço religioso, construído pela comunidade, no qual
através das tradições, das representações simbólicas se constitui um sistema de
criação e manutenção da identidade étnica do grupo.
Por fim cabe ressaltarmos que os moradores do Moleque vivem a sua
identidade, por meio das festas, com as cerimônias religiosas cotidianas que
realizam na região, e pela organização coletiva. Assim, pode-se considerar que a
festa é um espaço de manutenção da identidade do grupo kalunga, é neste espaço
que a comunidade local mantém sua identificação cultural, política e principalmente
religiosa.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo foi analisar a festa religiosa do Moleque
observando os aspectos culturais religiosos e identitários da comunidade local.
Assim, procuramos analisar a formação da identidade étnica do grupo, no sentido de
perceber se o espaço da festa se constitui como espaço de manutenção da
identidade.
Observamos no decorrer da pesquisa que a construção da identidade da
comunidade kalunga do Moleque, perpassa por vários aspectos que estão
relacionados à questões históricas, políticas, religiosas e culturais. Se tratando dos
aspectos históricos, não podemos deixar de mencionar as condições de exploração
que homens, mulheres e crianças negras vivenciaram no regime colonial, um
sistema nocivo que os colocou em posição desigual em relação ao homem branco,
deixando-os carregados de estigmas, sendo assim discriminados devido à cor de
sua pele e a sua condição social.
Dessa maneira, a afirmação da identidade étnica deve ser compreendida
como um processo de transformações sociais, no qual todos os indivíduos possam
ser reconhecidos socialmente de forma igualitária independente da etnia e de classe
social.
No estudo procurei situar historicamente o grupo, fazendo uma análise
sobre as condições sociais que se encontra, destacando o modo de vida, os
costumes, o trabalho e a posse de terra, alem de apontar questões referentes as
relações raciais dentro e fora período festivo.
Durante a pesquisa pode-se observar que a comunidade local enfrenta
problemas cotidianos de diversas ordens, porém o que mais inquieta os moradores e
129
os deixa em estado de angústia é questão da regularização de suas terras, esta é
uma problemática visível no interior da comunidade entre outros como, por exemplo,
o atendimento à saúde e educação e o trabalho.
Em relação aos aspectos religiosos, constatamos no estudo que a
festividade religiosa é a maneira que a comunidade local tem de manter sua
identidade, o espaço festivo é um espaço de construção e manutenção da
identidade, sobretudo pela questão religiosa, no qual o grupo se identifica como
religioso, é a religião que suscita o senso de organização coletiva, o sentimento de
solidariedade, as crenças e a e o estímulo para o grupo lutar pela garantia de
seus direitos.
A festa é também um instrumento cultural da comunidade local, na
dinâmica festiva os moradores, com suas danças, brincadeiras e os costumes
legitimam a sua identidade. Assim, os elementos culturais contribuem para a
formação étnica do grupo. Neste sentido, cabe as reflexões de Bandeira ao
mencionar que: “a construção da identidade está relacionada a um processo de
construção e reprodução, é um resultado atualizado da interação dos membros do
grupo, através das práticas culturais“ (BANDEIRA, 1988, p. 321).
Assim, a festa religiosa do Moleque é um espaço de construção e
manutenção da identidade do grupo, porque por meio dela, os moradores dão
sentido às suas vidas e se reconhecem socialmente como homens e mulheres
religiosas, trabalhadoras que num processo contínuo de luta buscam preservar suas
culturas e suas tradições religiosas.
130
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139
ANEXOS
ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA AS ENTREVISTAS
Com os festeiros
Dados do entrevistado: Nome, idade sexo tempo que mora na
comunidade, o tempo que participa da festividade do Moleque.
1. quantos anos acontece a festa religiosa na comunidade kalunga
do Moleque?
2. Que mudanças você considera que vem acontecendo na festa nos
últimos anos?
3. Por que você acha que esta festa é importante para comunidade do
Vão Moleque?
5. Quais os motivos levam vocês a realizarem a festividade todos os
anos?
6. Qual é sua religião
7. Há quanto anos você participa da festa?
140
8.Você já fez alguma promessa para São Gonçalo?
9.Qual o significado da terra para você?
10. Você sabe como acontece o sorteio para escolha do imperador?
Com as crianças que acompanham a festa
141
1. Você sempre participa da festa com seus pais?
2. Você e seus pais rezam diariamente na capela?
3. Você já participou do ritual do império como anjo?
4. Você esta estudando? estuda aqui na região do Moleque?
5. Tem outras pessoas de sua família que participa da festa?
Com o Padre da cidade de Cavalcante
142
1. Há quanto tempo / anos mora no município de Cavalcante?
2. Como o senhor vê a festa do Moleque?
3. Você diria que os moradores do Moleque participam de atividades
religiosas que não a festa?
4. Há quantos anos você celebra as cerimônias da festa?
5. O senhor poderia me dizer por que a comunidade do Moleque
homenageia três santos na festividade?
143
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