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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A PASTORAL CARCERÁRIA DE PIRES DO RIO
E SEUS DESDOBRAMENTOS
MANOEL DO BOMFIM RODRIGUES DE SOUZA
GOIÂNIA
2007
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1
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A PASTORAL CARCERÁRIA DE PIRES DO RIO
E SEUS DESDOBRAMENTOS
MANOEL DO BOMFIM R. DE SOUZA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação stricto sensu em
Ciências da Religião da Universidade
Católica de Goiás (UCG) para obtenção
de grau de Mestre.
Orientador: Dr.Joel Antonio Ferreira
GOIÂNIA
2007
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2
3
Dedicatória:
O presente trabalho é dedicado a todos os brasileiros
que, de uma forma ou de outra, sofrem com o
processo de exclusão social, principalmente àqueles
que são duplamente excluídos, os presos. Inicialmente
pobres, negros, analfabetos, expulsos da cidade para
os morros, sem qualquer acesso aos bens produzidos,
aos serviços, à escola e à saúde, lhes são roubados
até o direito de sonhar ou de imaginar outra vida,
senão a do crime. Já num segundo momento, presos,
vagam por corredores sujos, se instalam em cubículos
inóspitos, vivem num submundo da dignidade e são
rotulados socialmente.
A esses sobreviventes de uma guerra camuflada,
dedico meu trabalho na esperança de que algum dia
suas vozes sejam ouvidas e que possam sentir-se
parte integrante da sociedade, com direitos e deveres
a eles também inerentes, como cidadãos que são. E
na expectativa de que a delinqüência não só não seja
a única alternativa possível na vida de muitos, mas que
jamais seja opção na vida do ser humano.
4
AGRADECIMENTO
Inicialmente agradeço àqueles que pela sua vida de
sofrimento e, mesmo assim, de força e esperança, me
inspiraram o tema dessa dissertação, os encarcerados
de Pires do Rio.
Aos integrantes da Pastoral Carcerária de Pires do
Rio, intransigentes defensores e promotores de justiça
social, aos parceiros desta pastoral e a todos os
munícipes de Pires do Rio.
Aos meus pais, Antonio Paulino Rodrigues e Zélia
Gonçalves Rodrigues (In memorian), que me deram à
vida, e com incansável luta diária realizaram o meu
sustento e de meus irmãos, ensinando-nos os valores
indissociáveis de nossas vidas.
Em nome da Irmã Rita Cecília, agradeço a todos os
confrades, aos amigos e amigas que na caminhada
terrena têm sido luzes na minha vida.
De forma especial à Arquidiocese de Goiânia, em
nome de Dom Washington da Cruz, à Paróquia Santa
Maria do João Brás, comunidade Nª Sª do Rosário do
bairro Goiá, chão do meu múnus pastoral durante
estes seis últimos anos.
Agradeço à Profª. Ms. Maria Salete Silva Pontieri
Nascimento, em nome de quem, confesso grato a
todos os professores do mestrado e aos colaboradores
da Universidade Católica de Goiás.
Um especial agradecimento ao Dr. Joel Antonio
Ferreira que, de forma abnegada e incansável,
acompanhou a minha marcha pelo mestrado tendo
sido meu orientador nessa dissertação: ”Não poderia
Teseu demonstrar sua virtú se não tivesse encontrado
os atenienses dispersos” (MAQUIAVEL, 2004, p.24).
Igualmente, não teria eu concluído a presente tese se
não tivesse me deparado com a perseverança e a
motivação desse extraordinário mestre.
5
EPÍGRAFE
Crer no Espírito Santo é crer nessa força e na
capacidade de lutar por um mundo diferente. Crer no
Espírito é crer em si, por causa da força do Advogado
que nos defende. Quando todos ficam calados, os
discípulos levantam a voz até vencer o mundo –
porque crêem ter a força necessária para isso. Não
precisamos nos preocupar na hora do debate, pois o
Espírito estará presente. A presença do Espírito dá um
sentimento de força que nada pode abalar. É esse o
testemunho que nos dão os mártires dos primeiros
tempos e, recentemente, os mártires da América
Latina.
(Comblin, 2004, p. 122)
6
RESUMO
SOUZA, Manoel do Bomfim Rodrigues de. A Pastoral Carcerária de Pires do Rio,
e seus Desdobramentos. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) –
Universidade Católica de Goiás, 2007.
Esta dissertação visa levantar os dados e as atividades da Pastoral Carcerária de
Pires do Rio, desde sua fundação em 27 de fevereiro de 1997, ressaltando os
desdobramentos das reflexões e ações desta pastoral. Esta análise demonstra
que a violência está inserida em todas as comunidades e sociedades, muitas
vezes, legitimada e arraigada no próprio fenômeno religioso. Na atualidade, as
causas determinantes da criminalidade estão inseridas nas questões estruturais e
sociais, mas permanece um subterfúgio ideológico, isentando o Estado, o sistema
e a própria sociedade. Percebe-se, a partir dos resultados das ditas “anomias”
que pesam sobre cada um dos presos e egressos, a gênese desta problemática
é, predominantemente, social. O fenômeno religioso dentro deste contexto de
presídio se torna um elemento de resgate e transformação do próprio preso ou de
um mero assistencialismo para corroborar com a ordem social e estrutura vigente.
A atuação da Pastoral Carcerária em Pires do Rio se tornou um elemento
questionador deste paradigma dominante provocando uma nova postura da
sociedade em relação aos presos e aos egressos. Em sua atuação, a Pastoral
Carcerária questiona o próprio sistema carcerário, que se encontra falido,
apontando soluções e aglutinando ações transformadoras. Neste prisma, os
presos respaldados pela Pastoral sentem-se, eles próprios, agentes de
transformação desta realidade, resgatando sua auto-estima, o seu ser cidadão;
sendo não mais os segregados, os “sobrantes” da sociedade. O que lhes permite
interagir socialmente, tornando-os protagonistas de sua história.
Palavras-chaves: Pastoral Carcerária, Fenômeno Religioso, cárcere ou prisão,
detento ou preso, justiça social, igualdade, cultura.
7
ABSTRACT
SOUZA, Manoel do Bomfim Rodrigues de. The Prison Pastoral at Pires do Rio,
and its outcomes. M.A. Dissertation in Religious Studies - Universidade Católica
de Goiás, 2007.
This dissertation analyses the activities carried out by the “Pastoral Carcerária”
(Prison Pastoral) at Pires do Rio since its foundation in 27
th
February 1997, giving
particular emphasis to the outcomes of the reflections and actions undertaken by
the Pastoral. This analysis demonstrates that violence is placed in all communities
and societies and that, often, it is even legitimated by and deep-rooted in the
religious phenomenon. Currently, the determinant causes of criminality are inbuilt
in structural and social problems, but despite that there remain ideological
subterfuges exempting the State, the system and the society itself. Looking at the
results or the mentioned “anomies” that burden the convicts and the ex-convicts, it
is possible to perceive that the genesis of this problematic is predominantly social.
Inside this context, the religious phenomenon can become either an element of
rescue and transformation of the convict him/herself, or a mere aid work aiming at
corroborating the social order and current structures. The performance of Pires do
Rio’s Prison Pastoral became an inquiring element in this dominant paradigm
encouraging a new attitude of society towards convicts and evicts.Through its
work, the Prison Pastoral questions the prison system which is bankrupted; points
out to solutions and agglutinate transforming actions. In this perspective, the
prisoners supported by the Pastoral feel themselves agents of transformation of
this reality retrieving their self-esteem, their citizenship, being and feeling no
longer the segregated, the leftover of society. And that allows them to socially
interact, turning them into protagonists of their own history.
Key words: Prison Pastoral, Religious Phenomenon, prison or jail, prisoner or
inmate, social justice, equality, culture.
8
SIGLAS
AA: Alcoólicos Anônimos
APAC: Associação de Proteção e Assistência ao Condenado
APAI: Associação de Proteção à Adolescência e Infância
ASCJ: Associação Sagrado Coração de Jesus
BR: Brasil
CEBs: Comunidades Eclesiais de Base
CEPROH: Centro de Promoção Humana
CF: Campanha da Fraternidade
CID: Código Internacional de Doenças
CNBB: Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
Cr: Coríntios
CRISA: Consórcio Rodoviário Intermunicipal S.A.
ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNAP: Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso
GAAMG: Grupo de Apoio Mahatama Gandhi
GO: Goiás
9
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
DEIH: Departamento de Investigação de Homicídios
HIV: Vírus da Imunodeficiência
IPEA: Índice de Pesquisa Econômica Aplicada
LOAS: Lei Orgânica da Assistência Social
Lc: Evangelho de Lucas
o.f.m.: ordem dos frades menores
ONGs: Organizações não Governamentais
PC: Pastoral Carcerária
PETI: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
SEPLAN: Secretaria de Planejamento do Estado de Goiás
Ts: Tessalonicense
10
FIGURAS
FIGURA 1: Mapa das microrregiões do Estado de Goiás;
FIGURA 2: Mapa da microrregião de Pires do Rio;
FIGURA 3: Estação ferroviária de Pires do Rio;
FIGURA 4: Obelisco da fundação de Pires do Rio;
FIGURA 5: O presídio Carandiru após a rebelião de 1997
FIGURA 6: Símbolo da pastoral carcerária
FIGURA 7: Símbolo da pastoral carcerária
FIGURA 8: Batizado na Igreja Católica
FIGURA 9: Iniciação no candomblé
FIGURA 10: Corteja funerário
FIGURA 11: Folia de Reis
FIGURA 12: Igreja Sagrado Coração de Jesus
FIGURA 13: Visão panorâmica do Colégio Sagrado Coração de Jesus
FIGURA 14: Foto da pastoral carcerária de Pires do Rio em frente à Delegacia de
Polícia onde também funcionava o presídio local
FIGURA 15: Pastoral carcerária e os presos em dia de confraternização.
FIGURA 16: Missa em comemoração ao dia dos pais, ano de 1997.
FIGURA17: Celebração da comemoração da reforma do pátio da cadeia local
com a participação dos encarcerados
11
FIGURA 18: Pastoral carcerária em missa celebrada no 11º Batalhão de Polícia
Militar
FIGURA 19: Lançamento da pedra fundamental do Centro de Promoção Humana
– CEPROH - com a participação de Dom Geraldo Espírito Santo
FIGURA 20: Lançamento da pedra fundamental com a participação da Fundação
Banco do Brasil, comunidade piresina e representantes de entidades religiosas
FIGURA 21: Início da construção do prédio do CEPROH
FIGURA 22: Início da construção do prédio do CEPROH
FIGURA 23: Comandante do 11º Batalhão de Polícia Militar, Juiz de Direito da
Comarca de Pires do Rio, Presidente da ASCJ e o Vice- provincial da Vice-
província Santíssimo Nome de Jesus do Brasil
FIGURA 24: Baile da Fraternidade
FIGURA 25: Leilão de gado, no parque agropecuário
FIGURA 26: Vista lateral do prédio do CEPROH
FIGURA 27: Vista frontal do prédio do CEPROH com os alunos atendidos
FIGURA 28: Vista do complexo do CEPROH
FIGURA 29: Cozinha do CEPROH
FIGURA 30:
Refeitório do CEPROH
FIGURA 31: Oficina de computação do CEPROH
FIGURA 32: Oficina de trabalhos manuais
FIGURA 33: Oficina de trabalhos em gesso
FIGURA 34:
Comemoração da Festa de São João no CEPROH
FIGURA 35: Participação no desfile de aniversário da cidade de Pires do Rio, ano
2003.
FIGURA 36: Crianças assistidas e entidades que apóiam o projeto
FIGURA 37: Visita da Comissão da ASCJ ao bispo de Ipameri.
12
GRÁFICOS
GRÁFICO 1: Pesquisa do Ministério da Justiça sobre crimes cometidos por
adolescentes;
GRÁFICO 2: Comparação de policiamento de Goiás com outros Estados;
GRÁFICO 3: Causas de mortalidade proporcional a idade – ano 2003
GRÁFICO 4: Conservação dos estabelecimentos prisionais do Estado de
Goiás/2003;
GRÁFICO 5: Religiosidade dos presos em Anápolis, Rio Verde e Luziânia, ano
2003.
GRAFICO 6: Religiosidade dos presos da Penitenciária Cel. Odenir Guimarães
em Aparecida de Goiânia, ano 2003.
13
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA 2
AGRADECIMENTO 3
EPÍGRAFE 4
RESUMO 5
ABSTRACT 6
SIGLAS 7
FIGURAS 9
GRÁFICOS 13
INTRODUÇÃO 16
CAPÍTULO 1 – VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE:
UMA BREVE ABORDAGEM 22
1.1 Da pena 24
1.2 Da caracterização dos crimes no Brasil 29
1.2.1 Sentido etimológico do crime 30
1.2.2 Tipos de crime 31
1.3 Diversas óticas sobre o crime 33
1.3.1 Escola clássica 34
1.3.2 Escola positiva 35
1.3.3 Sociologia criminal 37
14
1.3.4 Teorias atuais 38
1.3.4.1 Teoria da rotulação 38
1.3.4.2 Teoria etnometodologia 40
1.3.4.3 Teoria radical ou marxista 41
1.4 Crime e violência no Brasil 43
1.4.1 A mídia e o crime 44
1.4.2 A questão social e o crime no Brasil 48
1.4.2.1 Crime e violência em Goiás 55
1.4.2.1.2 Criminalidade na cidade de Pires do Rio – Goiás 59
1.5 Sistema penitenciário brasileiro 62
CAPÍTULO 2 – A PASTORAL CARCERÁRIA NA
ÓTICA DO FENÔMENO RELIGIOSO 68
2.1 Função social da religião 74
2.2 Elementos do fenômeno religioso 81
2.2.1 O sagrado 81
2.2.1.1 O espaço sagrado 83
2.2.1.2 O tempo sagrado 85
2.2.1.3 Natureza sagrada 86
2.2.2 Símbolos 86
2.2.2.1 Símbolos no cárcere 90
2.2.3 Mitos 95
2.2.3.1 Funções do mito 96
2.2.3.2 Tipos de mitos 96
2.2.4 Ritos 100
2.2.5 Dogmas 103
15
2.3 A Influência do Fenômeno Religioso nos Munícipes
de Pires do Rio 104
CAPÍTULO 3 – A PASTORAL CARCERARIA E
SUA ATUAÇÃO EM PIRES DO RIO 108
3.1 Experiências que Antecederam a Campanha
da Fraternidade de 1997 111
3.2 Campanha da Fraternidade de 1997 114
3.2.1 Objetivos 115
3.2.2 Contribuições 117
3.3 Pastoral Carcerária de Pires do Rio 118
3.3.1 Metodologia 124
3.3.1.1 Ver 124
3.3.1.2 Julgar 128
3.3.1.3 Agir 129
3.3.1.3.1 Assistência social 130
3.3.1.3.2 Assistência aos egressos 135
3.3.1.3.3 Assistência religiosa 137
3.3.1.3.4 Assistência judiciária e conquistas 139
3.3.1.4 Fatores limitadores das ações da Pastoral Carcerária 145
3.3.1.5 Associação Sagrado Coração de Jesus (ASCJ) 147
3.3.1.5.1 Proposta de atuação do Centro de
Promoção Humana (CEPROH) 152
3.3.1.5.2 Dificuldades na execução do trabalho da ASCJ 158
CONCLUSÃO 163
REFERÊNCIAS 171
ANEXOS 177
16
INTRODUÇÃO
Pires do Rio é uma cidade do sudoeste goiano, na região Estrada de Ferro.
Conta com 28.631 habitantes (IBGE), concentrados, em sua maioria, na zona
urbana. Com localização privilegiada, próxima dos grandes centros, a 142 km de
Goiânia e 168 km de Brasília e também próxima ao triângulo mineiro.
Desde a sua fundação a cidade de Pires do Rio teve sempre fortes
influências religiosas, como será constatado no item 2.3. Por isto, uma
Figura 1: Mapa das microrregiões do Estado
de Goiás, segundo IBGE,
de acordo com a resolução - PR nº 11 de
05/06/90
Figura 2: Destaque para a microrregião de
Pires do Rio segundo IBGE, de acordo com a
resolução - PR nº 11 de 05/06/90
17
característica predominante é o comportamento tradicional, tanto nos ritos e
símbolos religiosos, como nas ações sociais e políticas. Suas tradições justificam
o comportamento do cidadão piresino como receptivo, amoroso, condescendente,
mas também, conservador em suas convicções.
A Pastoral Carcerária de Pires do Rio, objeto da análise dessa dissertação,
foi instituída com o advento da Campanha da Fraternidade de 1997, cujo tema: “A
Fraternidade e os Encarcerados” e o lema: “Cristo liberta de todas as prisões”.
Mais precisamente no dia 27 de fevereiro de 1997, os grupos de leigos,
denominados como “evangelizadores de rua”, reuniram-se no Salão do Colégio
Sagrado Coração de Jesus para discutirem o tema e o lema supracitados. Dessa
reflexão pautada em algumas experiências dos integrantes desses grupos, surgiu
a conjectura da criação de uma pastoral que viesse ao encontro da campanha da
fraternidade e que permitisse, ao mesmo tempo, práticas transformadoras, dentro
da perspectiva da metodologia do Ver, Julgar e Agir. Em conseqüência, foi criada
a Pastoral Carcerária de Pires do Rio.
Essa análise está sustentada nos anos de 1997 a 2003, data em que a
Pastoral Carcerária de Pires do Rio teve a sua maior abrangência de atuação e
influência, gerando relatórios periódicos, que possibilitaram a reflexão. Após esse
período, por razões diversas, como será abordada no desenvolver da dissertação,
não se ateve a relatos ou atas, ficando prejudicado o trabalho de análise que
passou, então, a contar com apenas alguns depoimentos.
A abordagem desse tema, objeto de reflexão tem o intuito de demonstrar a
análise do fenômeno religioso presente nos encarcerados, no cárcere e na
atuação da Pastoral Carcerária.
18
O cárcere que é um local rotulado como “impuro, mundano”, amaldiçoado
pela sociedade e, em sentido micro, pela comunidade piresina, sobretudo antes
da atuação da pastoral carcerária, se contrapõe a todas as afirmativas do que é
tido como “sagrado”. Contudo, o misticismo que envolve o cárcere é próprio da
visão religiosa, como local profano, o caos (ELIADE, 1992, p.42). Para a Pastoral
Carcerária, desencadear uma ação dentro de um espaço físico e cultural
conflituoso ou, mesmo, frente às concepções de seus membros é, no mínimo, um
desafio instigante e merecedor de avaliações.
Esta dissertação pretende ainda levar um olhar de dentro para fora dos
presídios, auxiliando na desmistificação das concepções hegemônicas do crime e
do criminoso, através da análise teórica do tema, bem como, da análise da
atuação da Pastoral Carcerária, de suas visitas, celebrações e dos resultados
obtidos, conduzindo o leitor desta, a uma reflexão mais aprofundada e crítica
desta realidade.
Através desta dissertação, é plausível demonstrar que os direitos dos
presos previstos pelas legislações que regem o sistema penal brasileiro ficam
apenas em nível de direitos teoricamente instituídos visto que, na prática, isso não
acontece. Esses direitos no cárcere são abruptamente transgredidos, tornando-se
não um local de recuperação, mas escolas de crimes e segregação de “abjetos”.
Esta almeja, ainda, levantar os fatores de entraves e os elementos
facilitadores numa atuação da Pastoral Carcerária (cuja coordenação e cuja maior
participação de membros surgiu dentro da Igreja Católica, sendo, entretanto, sua
proposta e atuação ecumênicas), dentro de uma ação social prática e conflituosa.
Contudo, não tem esta dissertação a pretensão de esgotar o tema, mas sim, içar
19
os erros e os acertos e de apontar caminhos possíveis diante da realidade
observada.
Com o fito de efetivar esse contexto de pretensões, a dissertação
desenvolver-se-á em três capítulos. O primeiro capítulo intitulado Violência e
Criminalidade: Uma Breve Abordagem fará uma apreciação das diversas óticas
sobre a criminalidade e sua origem, sobre a violência no Brasil e sua origem e,
ainda, uma análise do sistema penitenciário. Essa visão geral possibilita a
avaliação das correntes teóricas sobre violência e crime que mais se destacam e
influenciam na concepção que a sociedade tem do tema abordado.
A visão de que o problema da criminalidade não está somente voltado para
a questão econômica é fator condicionante, mas não se esgota em si. Outros
fatores como a cultura, o processo educacional de má qualidade, a organização
familiar fragilizada e questões psicológicas e morais também influenciam.
Portanto, o problema está inserido na injustiça e na exclusão social (CNBB, 1997,
p.7). Por isso, possibilita um amplo campo de atuação da Pastoral Carcerária.
Neste capítulo ainda se pretende a desmistificar a imagem do crime e da
criminalidade, o que conduz a uma nova compreensão do encarcerado,
percebendo-o como uma vítima duplamente excluída, necessitando, não de
compaixão, mas de justiça social, de garantia de seus direitos.
O segundo capítulo intitulado A Pastoral Carcerária na Ótica do
Fenômeno Religioso aborda, inicialmente, a questão do fenômeno religioso em
si, dos elementos que o compõe e da influência deste fenômeno na cultura do
povo brasileiro e em especial da cidade de Pires do Rio. Sendo a pastoral
carcerária uma ação da Igreja Católica de Pires do Rio, estes elementos do
20
fenômeno religioso vão estar presentes na ação da mesma e, ao mesmo tempo,
na cultura dos encarcerados e da sociedade em si, influenciando-os em seus
comportamentos e ações.
O terceiro e último capítulo aborda A Pastoral Carcerária de Pires do Rio,
sua história, os entraves e os fatores facilitadores para uma ação mais crítica e
consciente, suas conquistas, retrocessos e perspectivas, as parcerias realizadas
e seus desdobramentos.
Serão apresentadas, neste capítulo, as atuações da Pastoral Carcerária de
Pires do Rio que, apesar das limitações temporais e circunstanciais, obteve êxito.
São elas: a recuperação de detentos condenados por tráfico; a redução de
índices de reincidências, através do acompanhamento de egressos e apoio às
famílias; aulas de ensino regular e de catequese; batizados, crismas e primeira
eucaristia; garantia dos direitos que anteriormente eram lesados, como o banho
de sol diário; assistência à saúde; alimentação digna; acompanhamento dos
processos judiciais, com impetração de recursos, solicitação de direitos como
liberdade provisória; o incentivo e acompanhamento das penas alternativas.
Ainda neste capítulo também será abordada a criação da Associação
Sagrado Coração de Jesus, que foi um desdobramento das reflexões realizadas
pela referida pastoral culminando em ações concretas na prevenção contra as
drogas, violência e criminalidade e, ao mesmo tempo, um trabalho de inclusão
social, através da construção de um Centro de Promoção Humana (CEPROH),
com o término da construção em 2002 e o início das atividades em março de
2003.
21
Este local de convivência (CEPROH) tem como objetivo, atender crianças e
adolescentes em risco social e pessoal, em suas necessidades físicas, psíquica e
social, com a autopromoção e a elevação da auto-estima, oferecendo oficinas de
trabalho, aulas voltadas para a cultura e expressão corporal, complementação do
ensino regular e laboratórios de computação.
Finalmente, na Conclusão e de posse dos resultados e das entrevistas
com os membros da Pastoral Carcerária, da comunidade e dos egressos da
prisão, comprovar-se-á que, apesar dos entraves, os resultados obtidos, os
direitos efetivamente conquistados foram preponderantes para a redução dos
índices de reincidências e recuperação dos presos, bem como, garantidos alguns
direitos sociais que não eram respeitados.
Em se tratando de um tema pertinente na sociedade atual, a Pastoral
Carcerária pode contribuir para uma mudança na visão da sociedade sobre o
encarcerado e sugerir alternativas eficazes na pugna à criminalidade e à
violência, nos seus diversos aspectos.
22
CAPÍTULO 1 – VIOLENCIA E CRIMINALIDADE: UMA BREVE
ABORDAGEM
Desde as comunidades mais primitivas o ser humano estabelece normas a
serem seguidas de acordo com cada comunidade, influenciando a própria
existência do homem. Este, porém, constrói um mundo para si, ou seja, uma
normatização ou o nomos socialmente estabelecido:
Essa ordem pressupõe, no entanto, o empreendimento social de ordenar
a construção do mundo. Ser segregado da sociedade expõe o indivíduo
a uma porção de perigos que ele é incapaz de enfrentar sozinho; num
caso extremo ao perigo de extinção iminente. Ser separado da
sociedade inflige também ao indivíduo intoleráveis tensões psicológicas,
tensões que se fundam no fato radicalmente antropológico da
socialidade. [...] a anomia é intolerável até o ponto em que o indivíduo
pode lhe preferir a morte. (BERGER, 2004, p. 35).
Tais regras são legitimadas de acordo com a cultura e a organização de
cada época, sendo que, historicamente, o fenômeno religioso foi o principal
instrumento de legitimação (BERGER, 2004. p. 45), regulador da vida social.
Os comportamentos individuais tidos como divergentes do estabelecido
socialmente são ameaças à estabilidade social. Essa visão de nomia e anomia
fundamentou, por muito tempo, as teorias sobre a criminologia. Atualmente,
entretanto, diversas outras correntes são basilares para outras posturas a serem
analisadas no item Criminologia.
Conforme Nils Christie afirma, os atos tidos como criminosos variam de
cultura para cultura, pois os mesmos não existem em si; são criados: “Primeiro,
23
existem os atos. Segue-se depois um longo processo de atribuir significado a
esses atos sobre os quais a diferença cultural tem uma importância particular”
(1998, p.13).
Cabe ressaltar que, mesmo com o intercâmbio e a globalização, o conceito
de comportamento normal e delituoso tem variado segundo a cultura de cada
país. Um exemplo claro é a bigamia que no mundo ocidental é tido como ato
criminoso, enquanto no mundo mulçumano é plenamente comum, tendo como
anormal a monogamia: “o que é transgressão para certos grupos sociais pode ser
regra para outros” (CARRARA apud G. VELHO, 1991, p. 82). Outro exemplo se
refere às penas de morte que são proibidas em muitos países por serem
consideradas crime, mas aceitas em outros países na presença de delitos graves.
Na Bíblia, o primeiro relato da violência é o ato de Caim assassinar o seu
próprio irmão Abel (Gênesis 4, 8), pois Deus agradou-se mais das oferendas do
último. Essa passagem demonstra as mazelas do interior do ser humano como o
ciúme, a ira, a inveja e o fato da não compreensão de como superar esses
sentimentos danosos à própria relação dos seres humanos. Demonstra ainda, a
dicotomia entre o bem e o mal, o certo e o errado, o aceitável e o abominável, ou
seja, o ético e o não ético. A importância, isto é, a presença ou a ausência do
Sagrado e a sua influência nas ações dos indivíduos.
A violência está presente em todas as culturas, de alguma forma,
encontrando-se, por vezes, legitimada e inserida no próprio fenômeno religioso: “a
violência do sagrado (Girard, 1972), sua origem, dionisíaca ou purificada
(Maffesoli, 1990), ou a ‘transparência do mal’ (Baudrillard, 1990)” (PEDRAZZINI,
2006, p.77). Mas este não é o caso da violência na cultura ocidental atual, salvo
24
raras exceções realizadas fortuitamente de forma ilegal, pois nesta, a violência é
tida como ilegal Contraditoriamente, são construídas situações de exclusão e
miséria, não menos legitimadas e ignoradas socialmente.
Diante da violência não desejada e explícita, o homem criou a prisão, com
o objetivo de afastar o “perigo” da sociedade. Ele instituiu a pena para que esta
fosse um instrumento normativo da prisão. Esse tipo de segregação é destinado
às classes ameaçadoras e visam manter “um mundo perfeito e sem surpresas,
onde expiamos ou reprimimos nossos pecados, onde cada um conhece e aceita o
seu papel” (PEDRAZZINI, 2006, p.107)
1.1 Da pena
Pena é a condição imposta aos casos convencionados como “crimes”, com
vista a coibir estes atos. Sobre sua origem existem diversos estudos etnológicos
e históricos. Sobre sua etnologia Neto sustenta:
Para alguns estudiosos, viria do latim poena significando castigo,
expiação, suplicio, ou ainda do latim punere [por] e pondus [peso], no
sentido de contrabalancear, pesar, em face do equilíbrio dos pratos que
deve ter a balança da Justiça. Para outros, teria origem nas palavras
gregas ponos,poiné, de penomai, significando trabalho, fadiga,
sofrimento e eus,de expiar, fazer o bem, corrigir, ou no sânscrito (antiga
língua clássica da Índia) pynia, com a idéia de pureza, virtude. Existem
alguns doutrinadores que dizem que a pena deriva da palavra ultio
empregada na Lei das XII Tábuas para representar o castigo como
retribuição pelo mal praticado a quem desrespeitasr o mando da
norma.(NETO, 2000, p.18).
A pena encontra também subsídios no mundo religioso, logo no início
Bíblia, em seus primeiros capítulos Gênesis 3, quando a mulher e o homem
transgridem a ordem querida por Deus, sofrem as conseqüências de seus atos e
expulsos do paraíso. Somente em Paulo (Rm 5) é que houve um paralelo em
Cristo Salvador e Adão, o pecador. A violência aparece também em Gênesis 4,
25
11-14, quando Deus expulsa Caim do solo fértil por haver ceifado a vida de seu
irmão Abel.
Estas passagens estabelecem uma correlação entre as normas pré-
estabelecidas e as conseqüências de suas transgressões no mundo religioso, que
se pode nomear de pena e, por muitos anos, foi interpretada como uma forma de
castigo.
Já com relação às investigações dos processos históricos no âmbito
factual, têm-se os relatos das primeiras penas impostas e que dizem respeito à
vingança privada, ou seja, ao revide à agressão sofrida, ficando a extensão e a
forma de execução da pena a cargo da pessoa ofendida, permitindo que a pena
pode ultrapassasse a pessoa do agressor concentrando-se na família e até
mesmo na tribo. (NETO, 2000, p.23).
Com a evolução natural cuidou-se de amenizar a pena através da lei de
Talião, adotada pelo Código de Hamurabi, 2083 a.C. que previa a vingança em
consonância com a ofensa recebida, “dente por dente, olho por olho”. Porém,
aconteciam, ainda, atos atrozes, pois segundo este código:
se alguém tirar um olho de outro, perderá o seu igualmente; se alguém
quebrar um osso de outro, partir-se-lhe-à um também; se o mestre de
obras não construir solidamente a casa e esta, caindo, mata o
proprietário, o construtor será morto e, se for morto o filho do
proprietário, será morto o filho do construtor. (NETO apud LYRA, 2000,
p. 23).
O Código de Hamurabi também previa a compra de sua liberdade, sendo
uma das formas de discriminação da época, pois somente beneficiava a nobreza
detentora de recursos pecuniários que permitiam adquirir sua liberdade.
Atualmente, a Lei 9.099/95, alterada pela Lei 11.313/2006, que trata do Juizado
Especial Civil e Criminal (pequenas causas), trouxe essa novidade também para o
26
sistema penal brasileiro, com a possibilidade de que: ”o crime praticado pelo
infrator, após transacionado com membro do Ministério Público, seja reparado
com pena pecuniária” (NETO, 2000, p. 24).
A lei de Talião tem um papel limitado no Antigo Testamento, pois aplica ao
dano involuntário causado a mulher grávida (Ex 21, 23-25), aos ferimentos com
seqüelas (Lv, 24, 20), ao falso testemunho (Dt 19, 21), sendo este último somente
quando houver dolo (LACOSTE, 2004, p. 1380).
Após a evolução da civilização e de uma maior organização em sociedade,
a pena passou a ser aplicada pelos sacerdotes, que em nome dos deuses
praticavam iniqüidades e monstruosidades e, posteriormente, pelos reis e
representantes do Estado. (SANTOS, 2003, www.cirino.com.br/artigos-
politicacriminal.html).
Segundo Löwy(1991, p.12), Marx compreendia que a religião era o ópio do
povo, mas de forma dialética e contraditória, por vezes, legitimando a sociedade
existente e, por vezes, contrapondo-se a ela. Tal posicionamento deve ser
compreendido, com vistas na época em que histórica e geográfica em que Marx
viveu.: a religião e o Estado se fundiam, sendo que a primeira era utilizada em
função da legitimação e dominação do segundo, ou seja, utilizada para a
dominação.
Ao escrever a Ideologia Alemã, em 1846, Marx caracteriza a religião como:
“uma das numerosas formas de ideologia, de produção espiritual de um povo, da
sua produção de idéias, de representações de uma consciência” (LÖWY, 1991, p
12). A crença de que o poder divino era dado aos sacerdotes e posteriormente,
que os reis eram os escolhidos por Deus e em Seu nome, legitimou e empoderou
27
diversos líderes, para que por muitos anos ditassem as normas políticas, sociais e
econômicas.
Weber (1991, p.141) também demonstra que a religião pode ser utilizada
como forma de dominação, quando declina três tipos puros de dominação, sendo
que, um destes, baseia-se na crença cotidiana na santidade das tradições
vigentes e na tradição daqueles que em virtude dessas tradições representem
autoridades. Dessa forma, e com a crença de que o poder divino era dado aos
sacerdotes e, posteriormente, que os reis eram os escolhidos de Deus, muitos
poderes foram legitimados, possibilitando que muitos se mantivessem no poder e
ditassem normas sociais, estabelecendo penas aos infratores destas.
Mas nem sempre o fenômeno religioso foi utilizado para manter uma
relação de dominação. De forma oposta, os denominados profetas sociais foram
denunciadores das iniqüidades, das transgressões, do poder despótico e da
manipulação da religião no Antigo Israel em nome desse poder, tido como “doado
por Deus”. Os “profetas maiores” como Isaías, Jeremias e Ezequiel, tanto quanto
os “menores” como Amós, Miquéias, Habacuc e Sofonias e os denominados
“profetas anteriores” dedicaram suas profecias voltadas para a justiça, paz e vida
digna para todos e contra a opressão, a dominação e a exploração dos reis e
sacerdotes:
Os profetas do Antigo Testamento (Isaías, Amós, Oséias) assumiram
muitas vezes um papel ‘revolucionário’; da mesma forma Jesus, o último
dos profetas; os ‘profetas’ do Novo Testamento – os Padres da Igreja; e
tantos outros “reformadores”, em todas as religiões (LAGENEST, 1976,
p.40).
No mundo ocidental, a justiça pública foi estruturada sob a influência de
Cesare Beccaria em sua obra Dei delitti e delle pene (Dos delitos e das penas,
1764), na qual o autor fez uma crítica ao julgamento desigual da época, propondo
28
que o indivíduo fosse julgado por uma justiça pública, com provas claras e
racionais, de forma uniforme, igualitária, independente da classe social a que
pertencesse, tendo em vista apenas o ato cometido. (NETO, 2000, p. 35- 37).
Esta foi a grande conquista na área do Direito.
A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse
implicar de espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as
funções da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser
compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao
crime mantinha com ele afinidades espúrias; igualando-o, ou mesmo
ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma
ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a
freqüência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os
juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo
do supliciado um objeto de piedade e de admiração. (FOUCAULT, 2000,
p.12-13).
Desta forma, a própria condenação passa ser a marca que caracteriza a
delinqüência, passa a ser o sinal negativo e unívoco e, cada vez mais, a
execução da pena torna-se distante do suplício e da expiação por si própria.
(FOCAULT, 2000, p.13)
Apesar das normas penais e processuais penais preverem a igualdade
entre as pessoas, independente de classes sociais, de crenças ou raças, ainda
hoje, no Brasil, é possível observar grandes injustiças. Crimes como nos casos
dos denominados colarinho branco, ‘white collar crimes
1
causadores de fome e
miséria, que matam crianças e idosos, permanecem impunes, enquanto que,
autores de pequenos furtos para a própria subsistência, vão para o cárcere.
1
São os crimes contra a ordem econômica, inicialmente tinha como alvo os diretores e
administradores das instituições financeiras (Lei 7.492/86), porém com o advento da Constituição
Federal de 1988, expandiu e consolidou a proteção ao consumidor, no inciso XXXII, do art.5º e
dispõe sobre a ordem econômica e financeira nos arts. 170, 173. No rol desses atos, incluem-se a
concorrência desleal, o cartel, o trust, o monopólio, o dumping e várias outras figuras
29
Quando alguém comete um assalto a mão armada e, em conseqüência,
a vítima perde a vida, o impacto causado na sociedade é muito grande.
Quando, por outro lado, são cometidos, todos os dias, graves crimes
contra a ordem econômica, apesar da extensão do mal – na maioria das
vezes, causando a morte lenta de centenas de pessoas – o impacto não
corresponde à dimensão do dano. São exemplos, nesse aspecto, a
poluição ambiental e o dinheiro que é desviado da assistência médico-
hospitalar, do saneamento básico, ou mesmo das escolas. São inúmeras
crianças que morrem de desnutrição pela falta de emprego para os seus
pais; são milhões que permanecem analfabetos. Enquanto isso o
PROER doa bilhões aos bancos com problema de liquidez para que eles
se soergam e continuem a sangrar os cofres públicos. A esse custo
social adicione-se, como enfatiza, Nola Anyar de Castro (2), “um custo
moral que é muito importante, porque os grandes empresários, que são
os que cometem estes delitos, são geralmente líderes da comunidade,
espelho e exemplo do povo, grandes defensores de um bom
equipamento social para a prevenção da delinqüência juvenil e geral, ou
exercem outras atividades similares.” (LEAO, 1998,
http://jus
2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1043).
A violência se diferencia do crime, pois a primeira é toda ação que
vilipendia, agride, causa ruptura ao ser humano na sua integridade física, mental
e espiritual. Diversas violências são aglutinadas ao cotidiano da sociedade, como
a fome, a miséria, a falta de oportunidade ou exploração no trabalho e a exclusão
social, porém institucionalizados. Portanto, é imprescindível visualizar a violência
de forma ampliada, pois o reducionismo (compreender a violência apenas como o
crime violento) faz com que a violência institucionalizada continue existindo bem
como, “é um artifício ideológico encontrado pelo Poder para combater o crime
violento sem combater outras formas de violência e justificar a existência do seu
custoso aparelho repressivo” (BARROS, 1980, p.18).
1.2 Caracterização dos crimes no Brasil
Nas sociedades mais arcaicas, o grupo possui maior
homogeneidade nas questões morais e culturais, existindo uma uniformidade de
comportamentos. Como a religião é eminentemente social, as manifestações
coletivas exprimem realidades coletivas; os ritos advêm da reunião dos grupos e
30
que se destinam a suscitar, a manter, ou refazer certos estados mentais desses
grupos, portanto ricas em elementos sociais. (DURKHEIM, 1996, p.38).
Todo ser humano inserido numa sociedade, sente-se, por isso mesmo,
dividido: de um lado, há a exigência de respeitar certas obrigações
sociais (é pela submissão a essas obrigações que a sociedade permite
que o indivíduo nela permaneça: em troca de proteção, impõe-lhe regras
e leis); de outro lado, há a exigência de que ele se mantenha fiel a si
mesmo, a seu “eu” mais profundo, plenamente consciente de ser único
em seu destino (LAGENEST, 1976, p.50).
Nas sociedades modernas, apesar do peso instituído pelas religiões no
âmbito moral e social, o alcance destas concepções morais não é suficiente para
normatizar o comportamento grupal, sendo necessário a instituição de normas
legais com poder de polícia para regimentar o comportamento social:
Fazendo uma analogia sobre a pena em âmbito social e o religioso, a
primeira consiste em punir o crime fazendo o criminoso sofrer, enquanto que na
religião é o sofrimento vivido como castigo pelo pecado (LACOSTE, 2004,
p.1378).
No Brasil, o instrumento norteador da política criminal é o Código Penal
que prevê: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal” (art 1º,CP). Deste enunciado é possível extrair dois importantes
princípios da legislação penal brasileira: o princípio da legalidade no qual não há
crime sem que haja uma lei que defina o ato como criminoso; e o princípio da
anterioridade, em que, a lei que prevê o fato como criminoso deverá anteceder o
próprio ato, não existindo possibilidade de retroação da lei penal para constituir
um ato como criminoso.
1.2.1 Sentido etimológico de crime
Para melhor compreensão veremos alguns conceitos sobre crime:
31
Para a ciência do direito, o crime é um fato antijurídico, tipificado como
tal na lei, que prescreve uma pena para quem violar o preceito da lei.
Sob o ângulo ontológico, é a ação ou omissão imputável a uma pessoa,
lesiva e perigosa a interesse penalmente protegido por lei
(ENCICLOPÉDIA, 1999).
Já o autor jurídico, De Plácido e Silva(1990, p. 587), torna esse conceito
mais amplo, relatando que deriva de um termo latim, significando toda a ação ou
omissão cometida com dolo, cujo fato esteja previsto em lei e que beneficie a
comunidade e a segurança social do estado: esse bem juridicamente protegido.
Em uma ótica social das normas jurídicas e leis, estas podem ser
consideradas como normatização da ordem, que por analogia, tem função
semelhante aos tabus, nas sociedades menos desenvolvidas, onde visam manter
a ordem sobrevivência social e, se baseia em exigências interiores tem
característica da religião das elites:
No plano do comportamento moral, as massas religiosas são submetidas
a uma nova moral “legalista”, “jurídica”, freqüentemente mais próximas
do tabu, que se deve respeitar, já que é imposto pela autoridade, do que
do cuidado profundo em agir “bem”. A aparição de uma moral baseada
em exigências interiores será uma característica da religião das elites
(LAGENEST, 1976, p. 48).
1.2.2 Tipos de crime
No Brasil, o Código Penal divide os crimes em: Dos crimes contra a
Pessoa; Dos Crimes contra o Patrimônio; Dos Crimes Contra a Propriedade
Imaterial; Dos Crimes contra a Organização do Trabalho; Contra o Sentimento
Religioso e Contra o Respeito aos Mortos; Contra os Costumes; Contra a Família;
Contra a Incolumidade Pública; Dos Crimes Contra a Paz Pública; Contra a Fé
Publica e Contra a Administração Pública.
Na parte geral o Código Penal atentou para as questões gerais divisões
mais usuais e, possibilita a compreensão do ato criminoso. Necessário também
para quantificar a severidade das penas, ou seja, uma ligação entre o ato
32
cometido e a pena imposta. Na visão religiosa o fato aparece, como no caso de Dt
25, 3: “para evitar que teu irmão se torne desprezível a teus olhos”.
a) Quanto à determinação do crime: pode ser divido em crime doloso,
culposo e preterdoloso:
O primeiro se dá quando o agente quis ou assumiu o risco de produzir o
resultado. Exemplo: um carro trafega em alta velocidade em frente a uma escola
no horário escolar e atropela uma criança. Apesar de não ter como intuito matar
aquela criança, tinha consciência e assumiu o risco em produzir tal resultado.
O segundo, o culposo, se dá quando o agente não pretendia o resultado,
mas poderia prevê-lo, decorrente de negligencia, imprudência ou imperícia. Um
exemplo de negligencia é a falta de manutenção no carro ou no freio de um carro
e por causa do fato provoca um acidente. De imprudência é o caso de não se
tomar um cuidado especial na ultrapassagem, provocando um acidente. Já na
imperícia o autor do ato não é especializado para realizar tal ato e o faz, ou seja,
uma pessoa comum solta rojão de fogos no final do ano, não sendo técnico ou
não conhecendo da técnica, provoca um acidente na multidão.
O terceiro é o crime preterdoloso. Neste, o resultado torna-se diverso do
pretendido pelo agente, ele ocorre quando alguém de posse de uma faca
pretende apenas afastar ou ameaçar outrem, mas acaba por lesionar
ocasionando a morte deste.
b) Quanto ao resultado
Quanto ao resultado o crime pode ser tentado ou consumado. Diz se
consumado quando o crime está completo com todos os elementos contidos na
sua definição e, tentado, quando o crime não se consuma por circunstâncias
33
alheias à vontade do agente. Existe, ainda, o arrependimento eficaz, quando o
agente impede que se concretizem os resultados anteriormente pretendidos,
respondendo o mesmo apenas pelos atos já praticados.
1.3 Diversas óticas sobre o crime
Desde os primeiros estudos sobre a sociedade, o ser humano e o seu
comportamento social, os filósofos e sociólogos dedicaram parte de seus estudos
à compreensão do comportamento da pessoa que comete o crime e às causas
que conduziram a esta atitude diferenciada. Porém essas compreensões e esses
estudos são conflitantes, gerando diversas correntes de pensamento.
A Criminologia é a ciência responsável pelo estudo dos crimes, criminosos
e da criminalidade. Alguns autores a dividem em criminologia geral e clínica:
[...] a Criminologia consistiria no ensino e pesquisa de certas disciplinas
fundamentais. Duas novas direcções se lhe entreabriram: a da
criminologia geral e a da criminologia clínica. A criminologia geral ou
criminologia sintética (por oposição às ciências criminológicas ou
criminologia analítica) compara, coordena e classifica os resultados
obtidos no quadro de cada uma das ciências criminológicas. Constitui um
útil trabalho de síntese. A criminologia clínica vai mais longe. Consiste na
aplicação de métodos e princípios das ciências criminológicas
fundamentais à observação e tratamento do delinqüente, isto é, ao
exame médico-psicológico e social, diagnóstico criminológico,
prognóstico social, tratamento e reinserção social. (ALBERGARIA, 1988,
p.17).
Baseado na criminologia clínica, as prisões tornavam-se grandes
laboratórios para os criminologistas, convertendo-se em observatórios para o
estudo da personalidade criminosa, da produção dos crimes, da antropometria e
de estudos psiquiátricos (CANCELLI, 2005, p. 15). Dentro desta visão, o problema
está focado no criminoso e não na criminalidade. Esta é justamente a visão que
deu origem ao sistema carcerário brasileiro, que norteou a concepção do
Complexo Carandiru. Neste, a limpeza e a higiene acabaram por fazer com que o
presídio se transformasse em fábrica de trabalho, tornando-se, posteriormente,
34
um tipo de escola especializada na criminalidade por não atender às suas
propostas:
As penas, além do preço e do julgamento negativo que a sociedade
dava ao ato criminoso, existiam no interior da prisão pela exclusão do
indivíduo do mundo e passavam, sob os auspícios da Escola Positiva, a
construir uma moralidade e um sistema de identificação criminal que
tornariam a prisão uma espécie de hospital-laboratorio.
(CANCELLI,
2005, p. 14).
No intuito de compreender melhor as causas dos crimes, da violência e da
criminalidade, e não focalizar no criminoso, a análise realizada será da
criminologia geral, visando, num segundo momento, abordar a atuação da
Pastoral Carcerária. Para que ocorra a recuperação do preso, bem como sua
reinserção social, faz-se necessário compreender as causas que deram origem
ao comportamento tido como anti-social.
Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade (1997) agrupam a
Criminologia em escola tradicional e nova ou critica. Dentro da primeira, está
inserida a teoria da Escola Clássica, Escola Positiva e Sociológica Criminal,
sendo que a segunda, é composta pela Teoria da Rotulação, Etnometodologia e
Criminologia Radical.
1.3.1 Escola clássica
A escola clássica, defendida por Carrara, Pessina, Cahauveu, Hauss, séc.
XVIII/XIX, entendia que o ato criminoso era resultado do livre arbítrio e, portanto,
uma escolha racional, uma opção do criminoso que avalia os riscos e benefícios
da empreitada criminosa,
não levando em consideração as condições individuais,
sociais e psicológicas do autor. Portanto, nesta ótica a pena tem como único
objetivo punir o criminoso e reprimir a criminalidade, visando a manutenção do
35
pacto social, definida apenas pelo princípio da retribuição. (LACOSTE, 2004, p.
1378).
Frente ao fracasso da escola clássica, onde as penas por si só não
conseguiram reprimir a criminalidade, outras teorias surgem, baseadas agora na
Escola Positiva.
Surgem então as primeiras teorias em 1875, da Antropologia Criminal,
através de Lombroso que explica que certas pessoas nascem com predisposição
ao delito e que esta é manifestada através de características da figura física do
indivíduo. Esse seria o criminoso nato. Tal teoria seria explicada pelo Atavismo,
ou seja, com características comportamentais relativas aos seus antepassados:
“um salto aos seus ancestrais remotos. O atavismo é, pois, a herança mediata,
um salto para trás que se opera no processo hereditário do indivíduo”(OLIVEIRA,
1989, p. 77).
1.3.2 Escola positiva
Esta escola entende o crime como uma entidade de fato, sujeita às leis
naturais, sejam elas, biológicas, psicológicas ou sociais.
Da escola positiva surge a teoria de August Comte. Essa escola baseia-se
principalmente, na visão de que o comportamento criminoso é uma “anomia”
(BERGER, 2005, p.35). Ele é, portanto, diferenciado, seja por influências
biológicas, psicológicas ou sociais, e deve ser considerado como tal.
Desta forma, se dá o início da publicação das estatísticas criminais na
França. Esta escola passa a entender que a pena por si só não tem efeito, já que
36
o indivíduo é um doente, necessitando de tratamento. Ela dá, portanto, mais
ênfase ao homem do que ao crime propriamente dito:
O princípio para essa diversidade era o de que a pena deveria adaptar-
se ao conceito de individualidade, ou seja, o objeto da pena não era a lei,
o crime, mas, mais uma vez, o criminoso e sua possibilidade de
recuperação individual, adaptando-se à índole do criminoso sua ação
criminosa.(CANCELLI, 2005, p. 23).
As prisões foram convertidas em grandes laboratórios para os
criminologistas, visando o estudo da produção dos crimes, da antropometria e dos
estudos psíquicos (CANCELLI, 2005, p. 15). Eram, portanto, lugares de
residência, de trabalho e reflexão com o fim de recuperar e regenerar o indivíduo,
moldando-o novamente ao convívio social, como estampados nos portões da
entrada do Complexo do Carandiru: “Instituto de regeneração – aqui a bondade, a
disciplina e o trabalho resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à
comunhão social” (CANCELLI apud CARANDIRU, 2005, p. 27).
Essa visão ainda existe na atualidade, principalmente para ocultar as
questões sociais de miséria, exclusão social dos bens e dos direitos dos presos.
Apesar da nova criminologia crítica, algumas teorias se baseiam ainda na escola
clássica como um trabalho desenvolvido pelo National Institute of Mental Health
(NIMH, 1970) sugerindo que os indivíduos portadores de genes mutantes,
cromossomos XYY, ou seja, um cromossomo a mais no seu cariótipo
(supermachos), são tipos propensos a crimes violentos, como o assassino do rio
Genesse, Arthur Schawcross e Bobby Joe Long, que tinham o cariótipo terminado
em XXY. Esta teoria recorda a teoria do atavismo defendida por Lombroso, porém
é contestada por vários autores:
37
Com base nos trabalhos até agora apresentados, não é possível uma
explicação de criminalidade em termos da presença de um cromossomo
Y extra. Várias críticas podem ser feitas às teorias de base puramente
biológicas: a mais importante é que elas não podem explicar a
freqüência alta, pelo menos em algumas culturas, de recuperação da
delinqüência. MATZA (1964) menciona, por exemplo, que nos Estados
Unidos o índice de recuperação de delinqüentes juvenis é
aproximadamente 60%(LIPP, SERRAT, [ca.1997], p.18).
1.3.3 Sociologia criminal
Jason Albergaria (1988, p.18), ao abordar a escola sociológica, refere-se à
escola de Durkheim e à escola de Tarde como escolas sociológicas propriamente
ditas. Na ótica de Durkheim, o crime é um fenômeno normal porque existe em
todas as sociedades. Tarde, ao contrário, vê a ação criminosa como uma
profissão tendo como base uma infância irregular, em escolas especiais ou
associações profissionais.
Já na visão de Ferri, o criminoso necessita de alguns aspectos físicos
ambientais para desenvolver o seu potencial criminoso, elaborando assim, a Lei
de Saturação Criminal:
Da mesma forma que num determinado líquido, a uma determinada
temperatura, ocorrerá a diluição de certa quantidade de substância, sem
uma molécula a mais ou a menos, assim também em determinadas
condições sociais, serão produzidos determinados delitos, nem um a
mais nem um a menos (OLIVEIRA, 1989, p.77).
Até então, o foco das escolas supracitadas estava voltado para o indivíduo:
“tem servido à ordem social estabelecida, buscando explicação causal para o
delito e suposta recuperação social para o delinqüente, que representa um
desajustamento ao sistema da lei e ordem prevalecente sem, contudo, questionar
o próprio sistema” (ALBERGARIA apud FRAGOSO, 1988, p. 152).
38
Surge então a criminologia crítica que muda o foco das observações, não
tendo somente o indivíduo como objeto de estudo, mas as causas sociais, as
conseqüências, numa ótica abrangente.
1.3.4 Teorias atuais
A criminologia crítica pretende estudar não somente o comportamento da
sociedade criminógena, mas verificar as reais causas dos crimes, suas
conseqüências; questionar as instituições democráticas que desempenham o
papel de inibidores do crime (leis, Ministério Publico, Poder Judiciário, presídios) e
os conceitos pré-estabelecidos sobre justiça e crime.
1.3.4.1 – Teoria da rotulação
Essa teoria surgida em 1960 percebe a criminalidade como reação social,
visto que, o crime não existe, é uma criação do ser humano para a manutenção
da ordem social. Destarte, o criminoso difere do homem normal apenas pela
rotulação de “criminoso” que lhe é imputado pelas instâncias formais de controle,
por isso a sociedade tem o criminoso que lhe convém.
Um estudo realizado sobre o tema “Delinqüência: Etiologia” traz uma
grande contribuição desta teoria ao estigma existente com relação ao criminoso,
contribuindo para outras exclusões sociais e, portanto, para novo desvio de
comportamento.
39
Lemert (1951, 1972) introduziu um novo conceito, o de desviação
secundária. Sua explicação é a seguinte: o desvio primário, tal como o
crime, o alcoolismo, o vício de drogas, que se originam numa variedade
de fatores sociais, psicológicos, culturais e fisiológicos, tem como
conseqüência para os indivíduos com esse desvio sua deparação, com
problemas morais, que giram em torno da estigmação, punição e
segregação. A resposta do desviante a esses problemas que se tornam
cruciais em sua existência pode alterar sua estrutura e, então, ele se
concebe como um desviante, o que consiste na desviação secundária.
Assim, a rejeição pela comunidade da normalidade do desviante mantém
sua desviância. (PASQUALLI, 1987, p. 155).
Essa abordagem é importante para a compreensão das dificuldades
encontradas pelos egressos do presídio em conseguir trabalho, em interagir com
a sociedade, em retomar sua vida social e pessoal, o que acaba por gerar
reincidências: “quando um homem é preso, jogado num camburão e levado à
carceragem, seja culpado ou não, a família dele – esposa, companheira, e filhos –
fica marginalizada, malvista.”(PASTORE, 1991, p.35).
A Pastoral Carcerária presencia diariamente este estigma imbuído no
sentimento comunitário em relação aos egressos, tornando-os rejeitados pela
sociedade civil, pelas empresas e muitas vezes, por sua própria família: “O maior
drama de um egresso é estar marcado”. Por estar marcado, ele não encontra
emprego, os vizinhos marginalizam sua família e ele se vê tendo que enfrentar
uma cidade estranha. (PASTORE, 1991, p.36).
Um caso inusitado e que comprova as afirmações anteriores é trazido pelo
Jornal O Popular do dia 17 de janeiro de 2007. Na história, um ex-detento solicita
o retorno à Casa do Albergado, tendo como argumento não conseguir propiciar as
condições impostas para a concessão de regime aberto domiciliar com prestação
de serviços. Tal pedido levou o promotor a concluir que
só a falta de política de
assistência social e, conseqüentemente, a falta de condições que o egresso
encontra de prover seu sustento justifica uma pessoa optar pela prisão:
40
O promotor salienta que, sem família, casa ou emprego, o requerente
não possui qualquer perspectiva de recuperação, caso permaneça no
regime aberto domiciliar. Diante da situação e considerada a
impossibilidade confessada pelo sentenciado em cumprir as condições
impostas para o regime domiciliar, o promotor opinou pelo deferimento
do pedido. (LADISLAU,
http://opopular.globo.com/anteriores/17janeiro2007/colunas/direito.htm
,
2007, ).
A Pastoral Carcerária percebendo este drama desenvolveu os objetivos
específicos na Normatização da Pastoral Carcerária, incisos VIII, IX, XI, XII, XVII e
XX, conforme, anexo II, visando trabalhar o conceito e desmistificar o estigma da
comunidade em relação à questão do preso e de sua família, dando a estes
novas oportunidades e minimizando os entraves encontrados na interação social
e ainda através do envolvimento com o fenômeno religioso.
Buscando a interação com e o estabelecimento de uma nova visão mais
humanizada sobre o cárcere e o encarcerado, a estratégia constituída pela
pastoral para tal transformação foi articular com a sociedade organizada, clubes
de serviços, maçonarias e igrejas, visitas aos presos, bem como, discussões
sobre a problemática da criminalidade e da violência no Brasil, numa perspectiva
de análise social.
1.3.4.2 – Teoria etnometodologia
Essa teoria surgiu nos anos 60 e tem como base a fenomenologia que
estuda a relação social do ser humano, prega a precisão do exame da inter-
subjetividade do cotidiano para penetrar nas regras, atitudes, linguagem,
significados e expectativas assumidos pelo homem no universo social. A
etnometodologia da delinqüência confere, então, enorme relevo ao conhecimento
sociológico do comportamento desviante, considerando, portanto, o crime como
uma construção social na vivência do agente criminoso a ser interpretado pelas
41
instituições tidas como de controle (Legislador, Polícia, Ministério Público, Juízes
e Órgãos de Execução Penal) para satisfazer as exigências suscitadas pela
comunhão social.
A repercussão da delinqüência juvenil é o exemplo típico de
preocupação dessa tendência criminológica. H. GARFINKEL, Professor
da Universidade da Califórnia, nos Estudos Unidos, é o pai do
pensamento Etnometodológico. Situam-se também, na mesma linha dos
postulados metodológicos da Etnometodologia Criminal, os seus
seguidores N. DENZIN, J. DOUGLAS e A.
CICOUREL.(OLIVEIRA,http://www.ufpa.br/posdireito/caderno3/texto2_c3
.html).
1.3.4.3 – Teoria radical ou marxista
Esta teoria diverge das duas anteriores, considerando-as tradicional, pois
para a mesma, o problema do crime se fundamenta na estruturação e na cultura
da sociedade capitalista, que é alicerçada no acúmulo do lucro, produzindo uma
sociedade de classes injusta e desigual, gerando pobreza, fome, doenças,
exclusão e morte (LÖWY, 1991, p. 102).
Essa preocupação com a exclusão, com a opressão, que gera a violência
do ser humano em relação a si próprio e nas estruturas sociais, já vem como um
apelo e uma intervenção divina, isto é, do Sagrado agindo na realidade humana:
Iahaweh disse: ‘Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito.
Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas
angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para
fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra que emana
leite e mel[...] Vai, pois, e eu te enviarei a Faraó, para fazer sair do Egito
o meu povo, os israelitas’.(Ex 3, 7-10).
Nesta mesma dinâmica, outras passagens do Antigo Testamento,
evidenciam o conceito ético e os valores fundamentais que foram resgatados
pelos profetas (Is 10, 1; 3, 14-15; 1, 23), (Am 4, 1; 10-12; 3, 10). Desta feita,
constata que os profetas de Israel trabalham num conceito ético elevado, como
fica claro: “Detesto as festas de vocês, longe de mim o ruído de seus cânticos,
42
nem quero escutar a música de suas liras. Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito
como água e correr a justiça como riacho que não seca"(AM 5, 21-24).
No projeto político-religioso de Jesus, a questão social é sobremaneira
enfatizada na sua estratégia como ponto de referência e práxis:
O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela
unção para evangelizar aos pobres, enviou-me para proclamar a
libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a
liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor
(Lc 4, 18-19).
Especificamente quanto ao encarcerado::”Estive nu e me vestistes, doente
e me visitastes, preso e vieste ver-me” (Mt 25, 36).Estas como muitas outras
passagens bíblicas traz no seu bojo o anseio de uma sociedade em constante
transformação e renovação na busca dos direitos iguais e oportunidades para
todos e nos é manifesto como foi relatado. Podemos então destacar como
verdadeiras fontes motivadoras para a chamada teologia da libertação, social,
política dos dias atuais e embasar a práxis social da Igreja.
Nesta ótica, o sistema capitalista é o fator preponderante e estrutural para
a geração da violência e da criminalidade. Sendo assim, esta teoria propõe para
resolução da problemática, a transformação social.
A violência, neste enfoque, pode ser comparada a uma bipolaridade
negativo/positivo, ou seja, de alguns (ativos) contrapostos a outros
(passivos), sendo o Estado o instrumento de violência sob o comando da
classe dominante. No “Manifesto do Partido Comunista”, Marx e Engels
falam sobre a “guerra civil”, existente na sociedade, “até a hora em que
essa guerra explode numa revolução aberta e derrubada violenta da
burguesia estabelece a dominação do proletariado” (DIÓGENES apud
MARX, ENGELS, 1998, p.78).
Mesmo considerando a individualidade de cada ser humano, sua genética,
fatores comportamentais, psíquicos e sentimentais, a associação da delinqüência,
vivenciada na atualidade somente pode ser explicada como fator social, de sua
organização, dos acessos aos bens, serviços e poder.
43
O tema da criminalidade e da violência é complexo, envolvendo diversas
variáveis, havendo necessidade da interação das diferentes teorias, com base
principalmente na questão social:
A violência, de fato, aumenta e em ritmo razoável. As taxas de homicídio
no Brasil, dobram a cada 10 anos. Em meados dos anos 60, tínhamos
na cidade de São Paulo, cerca de seis homicídios por mil habitantes [...]
as vítimas mais freqüentes são jovens do sexo masculino, negros e
pobres. O homicídio não atinge, toda população indiscriminadamente. O
estudo do porquê desse aumento não é simples, pois há muitas variáveis
a analisar: renda, infra-estrutura, moradia, crescimento populacional,
evasão, repetência escolar, entre outras. Temos trabalhado dados
agregados e procurado corrigir distorções. Até agora, foi possível
relacionar os homicídios entre jovens ao intenso congestionamento
domiciliar (CARDIA, 2001, p.10).
1.4 Crime e violência no Brasil
No Brasil existe uma tendência em se relacionar o aumento da violência e
do crime com o retorno à democracia. Essa posição induz à concepção de que
em tempos ditatoriais haveria maior resolutividade das instituições repressivas e
do próprio regime autoritário. Porém, no mundo todo houve uma tendência de
aumento da criminalidade após os anos 60, especialmente do crime violento. O
agravante no caso brasileiro são as taxas da criminalidade extremamente
elevadas e ao mesmo tempo, uma generalizada impunidade, inaceitável no
regime democrático (LIPP, SERRAT, p.11).
O Brasil não é um caso isolado no mundo, se consideramos a violência e
o medo da criminalidade. Depois dos anos 60, as estatísticas de crimes
compiladas em todo mundo apontam para um padrão de crescimento da
criminalidade, especialmente do crime violento. Esta tendência foi
detectada tanto na Europa como nos Estados Unidos. A situação no
Brasil é agravada pelas taxas extremamente elevadas de homicídios,
combinadas com uma generalizada impunidade, inaceitável sob um
governo democrático (PINHEIRO, 2000, p.20).
Dessa forma, a impunidade real ou pressentida coloca em validade a
norma ou a lei, ou seja, “A impunidade, ou desistência sistemática de punições,
liga o crime e o exercício da ordem”.(RIFIOTIS apud Dahrendore, 2001, p. 169)
44
A violência no Brasil é um fato inquestionável, aumenta seu ritmo com
taxas de homicídios por 100 mil habitantes que dobram a cada dez anos, por isto
“a preocupação da população com a violência não é uma paranóia” (CARDIA,
2001, p.9).
Julita Lemgruber( 1997, p.9-11), em entrevista a revista Veja, afirma que, o
recrudescimento das instituições não conduz a uma diminuição da criminalidade,
pois os Estados Unidos com pena de morte e tudo, possui ainda um dos mais
altos índices de criminalidade. Porém, em Nova York, onde houve uma limpeza
na polícia e a valorização profissional, incluindo aumento salarial para estes,
houve uma drástica queda na criminalidade.
Porém o modo com que a mídia sensacionalista aborda a questão da
violência de forma alarmante e superficial, como se esta fosse algo externo e não
intrínseco à sociedade, acaba por reforçar a manutenção social e o
endurecimento das instituições repressoras, como veremos a seguir.
1.4.1 A mídia e o crime
No imaginário da sociedade, principalmente da classe dominante, a
violência é algo externo, não ligada às questões sociais, mas é um
comportamento desviante da ordem estabelecida, que necessita de instrumentos
punitivos e repressivos para que seja homogeneizado o comportamento e
novamente restabelecida a ordem social: “O comportamento violento é quase
sempre pensado dentro de referenciais negativos, como expressão daquilo que
deveria ser, que falta, que se projeta da ordem do ‘outro’” (DIÓGENES, 1998, p.
87).
45
Fica explicita a ótica da mídia que vê a violência como algo externo à
sociedade quando a Revista Veja (2007, nº1, pgs. 46 a 88) traz um especial sobre
o Crime, ás páginas 76- 47 sobre impunidade; expõem sobre a indústria do tráfico
de drogas as páginas 50 a 63; corrupção e demais crimes correlacionados com e
atribuídos a policiais são vistos nas páginas 68 e 69. Nas páginas 70 a 75,
retoma-se as questões relacionadas ao tráfico de drogas e uma pequena matéria
discute, superficialmente, a questão da delinqüência juvenil. Por último trazem as
páginas 80 e 81 uma matéria que, de modo enfático, finaliza a questão, relatando
sobre psicopatas e destacando-se a teoria do Atavismo de Lombroso, já citado
nesta dissertação, quando da abordagem da antropologia criminal, item 1.3.1.
Ao interpretar a reportagem supracitada fica claro para o leitor que o
problema está na falta de estrutura repressiva, imperativo que endureça a
legislação, manter preso o infrator ou o criminoso, para enfim manter a ordem
estabelecida, porque o erro está no desvio de comportamento ou na genética do
criminoso. É essa visão que a mídia em si, no Brasil, passa para a sociedade, de
desvio de comportamento, de necessidade de intervenção imediata, sem
questionar a questão socioeconômica do país, como se o problema estivesse fora
da sociedade, esquecendo também da violência das grandes corrupções, do
descaso com crianças e idosos.
Outro aspecto da influência da mídia no imaginário da sociedade reside no
fato de que existe uma cultura de massa, que implica em consumo para que se
adquira a cidadania. Posteriormente, contudo, esse consumo é negado de
diversas formas::
46
O padrão veiculado pela mídia não impõe só um modelo estético e
sinalizador de um “status” social almejado, mas também um modelo de
cidadania – quem não o ostenta é imediatamente jogado para o campo
dos desqualificados do convívio social, sob a suspeita de marginalidade
ou de delinqüência, ou simplesmente pela demonstração da
incapacidade de consumo. (ABRAMO, 1994, p. 73).
No século XXI, a mídia além das abordagens supérfluas, sem
aprofundamento quanto às reais causas da violência, apresentam os fatos de
forma sensacionalista. Este tipo de abordagem gera, em primeiro lugar, um
pânico generalizado e, em conseqüência, acontecem alguns fatores que vão
agravar ainda mais a situação de exclusão e violência:
a) Aparecem os grupos de extermínio ou de vingança privada,
retrocedendo aos séculos anteriores com a vingança privada e o Código de
Talião. Estes grupos armados, sem preparo psicológico para a compreensão do
problema, somente acirram e promovem mais violência: ”o mais grave é que
desses grupos organizados, fazem parte conhecidos assassinos que agem, às
vezes, ao lado de policiais” (WILSON, 1984, p.81)
b) Condomínios fechados são construídos diariamente como forma da
garantia do sentimento de “proteção”, excluindo os pós-muros. Estes condomínios
recordam a época medieval onde os castelos, rodeados de muros gigantescos
com exércitos (guardas) e canhões, procuravam não ver a miséria e a pobreza
em que vivia a plebe. Toda a exploração da nobreza gerava riscos para esta
mesma nobreza que buscava defender-se.
Enfim, todos os conglomerados urbanos são agora construídos como
espaços perigosos e que exigem barreiras de proteção do viver urbano
como isolamento em universos à parte, segundo o modelo xenofóbico
dos condomínios fechados que a nossa classe média branca herdou da
classe média branca norte-americana. (CARVALHO, 2001, p.105)
c) O medo e a incerteza geram a indiferença pelo outro e a recusa de
movimentos em prol dos direitos humanos:
47
Vale a pena lembrar, ainda, que os meios de comunicação de massa
tiveram um papel importante na articulação da campanha contra os
direitos humanos [...] Para as camadas populares, o principal veículo,
foram programas de rádio que recontam crimes, sobretudo o de Afanásio
Jazdji. Embora o tom varie substancialmente, e se abuse da linguagem
jurídica, de um lado, e de referencias a corpos mutilados, de outro, em
todos os contextos exagera-se a sensação de insegurança e de ameaça,
explora-se a inumanidade dos criminosos, e ataca-se a competência dos
defensores dos direitos humanos, que são ainda, responsabilizados pelo
aumento da criminalidade (BICUDO, 1984, p. 87).
Barros (1980, p.104) critica a informação do juiz corregedor de presídios
quando este revela a existência da organização criminosa denominada Serpente
Negra. O autor afirma que o juiz, para tal, contou com o apoio do jornal O Estado
de São Paulo e da máfia carcerária com os objetivos de: manipular a opinião
pública contra os direitos humanos e contra a humanização dos presídios -
preconizados pelo então Secretário de Justiça e pelo Arcebispo de São Paulo - e
ainda de acusar advogados independentes dos esquemas estabelecidos;
responsabilizar a esquerda pelas conseqüências políticas do fato; restaurar
privilégios de carcereiros envolvidos no esquema e, por fim, impossibilitar a
organização dos presos que contestavam esse esquema de violência-corrupção-
submissão no interior dos presídios.
Barros, faz uma analogia entre as denúncias realizadas pelo Sindicato da
Magistratura Francesa no 8º Congresso, realizado em 1975, e a atual utilização
político-ideológica da delinqüência no Brasil:
[...] O primeiro objetivo da campanha sobre a insegurança e a
delinqüência[...]de estabelecer uma cortina de fumaça que desvie a
atenção dos problemas objetivos que o governo não quer ou não pode
resolver.[...]O segundo objetivo é de designar responsáveis aqueles que
estão o mais afastados possível do governo e da classe social que ele
representa[...]O terceiro é mais sutil. Focalizando a opinião pública sobre
certas categorias de delinqüência, desvia-se sua atenção das outras
formas de delinqüência.[...]A delinqüência do colarinho branco, por
exemplo, ou os acidentes de trabalho.O último objetivo, o mais
importante, é o de estimular o clima de medo e, portanto de tensão e de
violência que justifique o crescente controle do Estado sobre os cidadãos
e a existência ou o reforçamento do aparelho repressivo.(BARROS,
1980, p. 105).
48
O que é possível concluir destas análises quanto à violência é que a
mesma é cultuada pela mídia, de forma a repassar uma ideologia que somente
interessa ao poder dominante. Desta forma, exploram a violência da classe
excluída e subterfugia a violência dos políticos e da classe dominante, gerando
ainda mais relações conflitantes e que segregam:
[...]a expansão metonímica da segurança provoca a expansão dos
mecanismos de segregação social, que convidam a um acirramento
sistemático das relações violentas entre os contingentes separados
pelas grades, concretas e virtuais( CARVALHO, 2001, P.106).
Portanto, outras reflexões são necessárias para a compreensão da
dissertação, a seguir.
1.4.2 A questão social e o crime no Brasil
Para uma melhor compreensão da questão social no Brasil e de sua
correlação com a criminalidade, é importante que seja retomada a questão
histórica brasileira desde sua colonização desordenada às relações de produção
e de trabalho, passando, ainda, pela exploração das riquezas brasileiras por
Portugal. Esta organização do Brasil colônia sempre conduziu a uma exploração
tanto externa quanto internamente, bem como à preferência do privado em
relação ao público.
Desta forma a autora do livro Violência e o Paradoxo da Democracia,
Angelina Peralva (2000, p.125) faz uma correlação entre estes fatores que teriam
produzido marcas na precedência do espírito de aventura e de conquista sobre o
trabalho (fundamento da solidariedade) e dificultado o ordenamento da vida social
pelo Estado, ocasionando um individualismo abstrato na cultura brasileira e uma
preferência nas relações privadas e familiares sobre a vida pública.
49
Já abolido a escravidão no Brasil, os negros, os migrantes europeus e os
índios, construíram uma multicultura como expressa Mario Andrade no livro
Macunaíma. Homens e mulheres, destituídos de sua cultura, dos meios e do
capital para a produção deram origem a uma massa de trabalhadores urbanos e
rurais, excluídos das relações de produção, reflexos de uma discriminação racial
e de profunda desigualdade social, meio a um regime autoritário, no qual o Estado
tornou-se representante das elites.
O processo histórico brasileiro é repleto de exclusões, de falta de acesso
aos bens de produção e de serviços
2
Como aponta a Fundação Getúlio Vargas, o
Brasil possui 49,6 milhões de pessoas vivendo na miséria, com renda inferior a
R$ 79,00, ou seja, 29,3% da população brasileira. E, segundo o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 10% da população mais rica do Brasil
embolsam 28 vezes a renda obtida pelos 40% mais pobres (GIUSTINA apud
ESTADO DE SÃO PAULO, 2001, p. 37). Desta forma, o Brasil demonstra uma
péssima distribuição de renda, ficando inclusive atrás da Zâmbia, Peru e do
Quênia, cuja proporção é de 17, 24 e 21 vezes respectivamente. ”Ser indiferente
ao próximo miserável é uma violência simbólica praticada por milhões de seres
humanos” (PEDRAZZINI, 2006, p.74).
2
“As relações centrais que definem nossa sociedade não são mais apenas a dominação e a
exploração, como no modo de produção capitalista, pois são bem menos agora os que podem ser
dominados ou explorados. As pessoas são simplesmente excluídas do trabalho, excluídas da
produção. Evidentemente, não estamos dizendo que o trabalho acabou. O que acabou, ou
diminuiu substancialmente, é o tipo de trabalho e de emprego, que era central até agora. Isso
exatamente porque nesse novo mundo que está surgindo, grande parte das pessoas não chegam
‘mais ao mercado de trabalho’. A sociedade, em geral, e o mundo do trabalho, em particular, estão
se estruturando a partir de mecanismos que impossibilitam, por princípio, o acesso de grande
parte das pessoas ao mundo do trabalho. É essa a novidade hoje. A isso se chama de exclusão, e
é dentro desse contexto histórico fundamental que ela deve ser entendida” (GUARESCHI, 2001,
p. 144).
50
Além da péssima distribuição de renda, da exclusão de todas as formas,
dissemina uma cultura imediatista e consumista, com soluções pautadas apenas
no aspecto repressivo, sem uma análise profunda, propiciando ainda mais a
disseminação da violência:
A sociedade, em geral imediatista e consumista, propõe soluções
extremas e enganosas como a pena de morte, a prisão perpétua, o
rebaixamento da responsabilidade penal. Poucos percebem que o
estado de coisas a que chegamos tais como medo, reações emocionais,
soluções equivocadas e descontrole social com altos índices de
criminalidade, é o resultado de anos de um processo histórico, que agora
dá frutos (LANCELLOTTI, 2000, p.41).
Esta posição também é defendida por José Manoel de Aguiar Barros ao
demonstrar que o processo histórico de acumulação de capital e a forma em que
ele se dá atualmente, induzem a uma exclusão social, causa direta da
criminalidade e da violência:
A partir de uma ordem econômica sedimentada no arrocho salarial, na
concentração de renda, no vilipêndio dos recursos naturais e da força de
trabalho, que mantém um contingente significativo da população em
condições de miséria absoluta, outro resultado não se poderia esperar
que não fosse o do aumento da criminalidade e da violência[...] Assim,
sendo, o ‘discurso’ sobre a violência é unilateral, confuso e, na medida
em que confunde, dissimula as verdadeiras causas geradoras da
violência e os seus responsáveis. Violência,portanto, aparece como
sendo os crimes praticados pelos trombadinhas e não aqueles
praticados pelos capitalistas selvagens.[...] Os agentes dessa violência
são os delinqüentes, os chamados anti-sociais, cujo esteriótipo é o do
homem humilde, do mulato, do embriagado, do operário espoliado,
enfim, da quase totalidade da população brasileira (BARROS, 1980, p.
9).
Lemgruber(1997, p.26), lembra que a Rand Corporation, entidade dos
Estados Unidos, afamada por sua excelência e conservadorismo conclui que: “1
milhão de dólares gasto com presos e prisões impede sessenta crimes por ano –
isso na melhor das hipóteses. A mesma quantia aplicada no ensino do 2º grau,
por exemplo, evita 258 crimes por ano”.Dessa forma, a autora concorda com a
ligação entre exclusão e a criminalidade.
51
Para provar quantitativamente a correlação entre qualidade de vida e
violência, Pinheiro (2000, p.22-23) cita as cidades de São Paulo, Salvador e
Curitiba, onde as zonas com os mais baixos índices socioeconômicos, atingindo,
inclusive, níveis epidêmicos, possuem altos índices de violência. Enquanto que, a
zona sul (rica) do Rio de Janeiro possui baixa taxa de violência, a zona norte
(pobre) possui a mais alta taxa de assassinatos. Conclui-se, portanto, citando
Amarthya, Sen”[...] a violência é um elemento de exclusão social”.
Essa correlação entre violência e expropriação dos bens e serviços e dos
meios de produção não equivale a dizer que a pobreza seja causa da violência.
Se assim o fosse, não haveria trabalhadores e pessoas honestas nas favelas, nos
morros e periferias. Porém, o que se conclui é que a exclusão dos bens, tais
como: acesso ao trabalho digno, infra-estrutura, educação, lazer e falta da
presença de policiamento honesto, conduzem ao desemprego, à miséria, à fome
e à falta de opção, ao caminho do tráfico, das drogas, da formação de quadrilha.
As atividades das gangues são pouco respeitosas das leis, exceto
daquelas exaltadas pelo capitalismo selvagem de consumo (Pedrazzini,
1994; Pedrazzini & Sanchez, 1998 e 2000). A pesquisa revela que a
violência urbana não é fruto exclusivo desses jovens pobres, vítimas de
um destino miserável e violento, mas uma resposta à pobreza imposta
como sentença de sua condição urbana. As respostas oportunas à
violência – da urbanização, da globalização, dos seus representantes
locais: políticos, industriais, jornalistas, policiais e ladrões – são aquelas
que dificilmente chegam a nós, são as vozes alternativas do gueto, do
barrio, da favela, da town-ship, da periferia. ( PEDRAZZINI, 2006, p.132).
Mesmo porque, os indivíduos estigmatizados, para superarem as
limitações e as dificuldades estabelecidas pelo estigma, procuram unir-se em
grupos de semelhantes para sua auto-afirmação, aceitação social e
sobrevivência. Dessa forma sentem-se coesos, fortes, estabelecem suas próprias
leis já que não são integrantes da regra geral da sociedade, reduzem as
desigualdades, sentem-se parte de um grupo. “Mas o sucesso da gangue não é
52
fruto do acaso, a violência do pobre nasce da miséria refutada e combatida
coletivamente. Mesmo nos meios dominados pelo egoísmo pela luta pela
sobrevivência, os vínculos sociais são mantidos” (PEDRAZZINI, 2006, p.27):
A luta pelo reconhecimento na esfera pública do grupo estigmatizado,
assim como o motivo da sua própria existência vai ocorrer por uma
pulsão de defesa – o temor da fragmentação, do atomismo,
especialmente do segmento jovem, diante da invisibilidade dos “mundos
subalternos”, espaços marginais nas sociedades complexas. Desse
modo, as alternativas constroem-se na renúncia à autonomia do
indivíduo, derivada dada ausência de referentes de sua individualidade,
de suas marcas, de suas diferenças. A renúncia à autonomia do
indivíduo projeta-se na constituição de uma identidade fixa, modelada
pelo grupo em que “você não é o que quer mas o que a turma quer que
você seja”. (DIÓGENES, 1998, p. 175).
O tráfico de drogas, a formação de quadrilhas, a luta pelo poder entre os
donos de “bocas de fumo”
3
e um policiamento ineficaz, com presença de
corrupção e arbítrio, criam uma cultura diferenciada dentro de um espaço limitado
(morro, favela), com leis próprias, como: a lei do silêncio, do poder do mais forte e
com maior arsenal de armamentos, ditando normas e valores divergentes.
Um exemplo atual são os incidentes ocorridos em São Paulo e no Rio de
Janeiro onde, frequentemente, os traficantes determinam feriado. Nessas
ocasiões ocorrem mortes e os comerciantes locais fecham as portas de seus
estabelecimentos temendo represálias. Elementos do crime organizado enfrentam
a polícia, ateando fogo em ônibus e recorrendo a outras formas de desforra. As
conseqüências desta violência são claramente sentidas pela sociedade civil.
Outros fatores que corroboram para o aumento da criminalidade e da
violência no Brasil são: um sistema herdado de um regime autoritário falido, com
instrumentos de repressão ineficientes, ineficazes, eivados de vícios de repressão
(extorsão, corrupção, opressão); uma justiça lenta, morosa e com tradição de
3
Vulgarmente chamado por “boca de fumo”, o ponto onde são repassadas drogas, onde realiza o
comércio ilegal de drogas.
53
proteção de elites em detrimento dos menos afortunados; recursos humanos
desmotivados e com formação voltada para apenas para a repressão pela
repressão.
A incapacidade do governo democrático de criar e reformar instituições e
construir um Estado Capaz de proteger os direitos dos cidadãos causou
certamente, impacto sobre a violência e a criminalidade descritas acima
e precisa ser levada em conta, para se compreender o Brasil
contemporâneo. (PINHEIRO, 2000, p. 23).
Estes fatores são propulsores de mais violência, de um maior armamento
da população, de retorno à vingança privada e da adoção de medidas de
segurança privada com verdadeiras organizações de milícias e construção de
condomínios fechados (gated communities):
Para uma população que não deve passar de 1% do total do município.
Alphaville conta com um segurança para cada grupo de 24 pessoas,
enquanto na cidade de 200 mil habitantes há um guarda municipal
responsável pela segurança de cada grupo de 421 pessoas. E como não
poderia deixar de ser, o condomínio conta com um circuito fechado de
TV destinado a monitorar os passos dos condôminos e dos visitantes 24
horas por dia. Essa desigualdade de acesso à “segurança” corre paralela
ao terrível perfil de distribuição de renda entre a população que vive
dentro e fora dos muros de Alphaville: milionários brancos de um lado,
analfabetos e desempregados pretos e pardos, do outro.(CARVALHO,
2001, p. 115).
Essa cultura do medo propicia novamente uma segregação social, uma luta
pelo espaço urbano onde o espaço público, como as praças, já não é mais
freqüentado por todos, surgindo, assim, os locais “semipúblicos”, protegidos
como: os shoppings, as academias. Todos amplamente “protegidos” por
seguranças, onde não é permitida a presença da classe “indesejada”.
Como conseqüência dessa divisão de espaços, as classes não se
encontram, deixando de existir a solidariedade, a interação entre as mesmas e,
dessa forma, cada vez mais, acirrando a violência entre ambas: uma por tornar-se
indiferente ao problema vivenciado pela outra e, esta última, acaba por ter a
violência como a única forma de expressão com a qual pode se fazer ouvir.
54
O espaço público é real e simbolicamente proibido a certos grupos
sociais que fazem dele um local de marginalização. O objetivo de tais
restrições é a desintegração da solidariedade que poderia existir entre as
classes sociais na cidade moderna. [...] O mundo se divide em dois
grupos: aqueles com acesso garantido aos espaços “públicos”, cujo
caráter seletivo é definido por eles mesmos, e aqueles que vagam em
torno das novas muralhas de Jericó, esperando encontrar um meio para
protege-las. (PEDRAZZINI, 2006, p. 121).
Com esta cultura do medo ganham os grandes empresários que exploram
estes espaços para: vendas de produtos agregados; para a exploração imobiliária
e para a exploração de material de segurança. Perde a própria sociedade, pois
constrói novas desigualdades sociais e internacionais.
Discute-se no país a redução da idade penal de 18 para 16 anos para que
os maiores de 16 anos sejam imputados penalmente, porém o resultado da
pesquisa do Ministério da Justiça atestou que os adolescentes são responsáveis
por pouco menos de 10% dos crimes cometidos no país, sendo 78% destes
contra o patrimônio, 50% sendo furtos e, 8,46% dos crimes contra a vida.
Fonte: GIUSTINA, 2001, os. 34-35
Ainda, segundo o autor supracitado (2001, p.35), no texto que foi
subsídio à IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o
último censo apontava a existência de 20 milhões de adolescentes, dentre os
quais, 0,1% estavam envolvidos em atos infracionais, ou seja: 20mil
adolescentes, sendo que, cerca de 6 mil estavam com a medida sócio-educativa
Pesquisa do Ministério da
Justiça afirma que os
adolescentes são
responsáveis por pouco
menos de 10% dos crimes
cometidos no Brasil
90%
10%
1
2
Gráfico 1
55
da internação decretada e 14 mil não eram considerados de alta periculosidade.
Esses índices não justificam a redução da menoridade penal, são tão somente
resultados de um discurso de subterfúgio das verdadeiras causas da violência no
Brasil.
1.4.2.1 Crime e violência em Goiás
Em Goiás, assim como no restante do Brasil, os índices são altos e as suas
causas e as ingerências que condicionam este alarmante aumento da
criminalidade também são as mesmas. O Superintendente de Segurança Pública
e Justiça, Edmundo Dias de Oliveira Filho, entende que esse aumento nos índices
é resultante da “falência das políticas de segurança pública, associada à
desigualdade social e econômica, à perda de valores éticos, à corrupção, à
violação dos direitos humanos e desconfiança da população nas instituições
criadas para protegê-las” (SILVA (a), 2003, p.17).
Segundo o jornal local, O Popular (SILVA (a), 2003, Cidade, p.3) os crimes
impunes cresceram em mais de 260% em três anos, subindo de 8% em 2000
para 29% no ano de 2002:
No dia 7 de fevereiro, foi divulgado o dossiê “Grupos de Extermínio no
Brasil”, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, com base em dados levantados pelo Movimento Nacional de
Direitos Humanos e pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública.
Conforme o documento, nos últimos três anos pelo menos 2.500
pessoas foram assassinadas por grupos de extermínio em 12 estados do
país. Os estados com maiores índices de execuções são: São Paulo,
com 681 casos; Rio de Janeiro, com 580; Bahia, com 478; Acre, com
200; e Goiás, com 101. As vítimas eram, em sua maioria, do sexo
masculino (90%), negros, pobres e jovens (20 anos em média).
(CARVALHO, http://www
.social.org.or/relatorio2000/relatorio012.htm)
O Secretário de Segurança Pública, José Paulo Loureiro, apresentou em
coletiva, resultados de queda nos índices de homicídios de março/06 a junho/06
56
de 18,3%, de roubos de 11,53%, de furto de 25,84% e furto de veículo 20,59%. O
único índice, segundo o secretário, que aumentou foi o roubo de veículo (assalto
portando armas brancas ou de fogo) em 4,37%. (RODRIGUES, 2006). Em
contrapartida, o Correio Brasiliense divulga estudo da Secretaria Nacional de
Segurança Pública:
No estudo — que trata da violência em todo o país, com base em dados
fornecidos em 2005 pelas polícias civis e secretarias estaduais de
Segurança Pública —, os municípios do Entorno merecem destaque.
Luziânia, Águas Lindas e Valparaíso, todos em Goiás, estão entre as
cidades brasileiras com maior número de assassinatos, tentativas de
homicídios e estupros. Com a média anual de 66 homicídios dolosos por
100 mil habitantes, Luziânia aparece em 10º lugar no ranking da
criminalidade. Está à frente de Duque de Caxias (12ª posição, com 64
casos por 100 mil habitantes), Belfort Roxa (23º lugar, com 53 casos por
100 mil) e Nova Iguaçu (35º lugar, com taxa de 46,1 homicídios por 100
mil).(MONTENEGRO, ALVES, 2007).
O gráfico abaixo demonstra que o policiamento do Estado de Goiás se
encontra inferior a vários outros Estados do país: enquanto o Distrito Federal tem
um policial para cada 77 habitantes, o Rio de Janeiro um para cada 205
habitantes e Goiás contam com apenas um para cada 282 habitantes.
Comparativo entre o número de habitantes por efetivo policial e ocorrências
relativas a homicídio dolosos segundo taxas por 100 mil habitantes em alguns Estados
Fonte: Secretaria de Segurança Pública – ano 2003
Porém, o problema não está somente na escassez de policiamento, mas
também, na formação dos mesmos, na fiscalização da atuação destes, na
impunidade de alguns atos cometidos pelos policiais.
Gráfico2
57
Cita-se, como exemplo, a ação que a Polícia Federal deflagrou no dia 12
de novembro de 2002 em Goiás e em outros estados da Federação. Esta
operação, denominada “Carga Pesada”, desbaratou uma quadrilha, prendendo 35
suspeitos acusados de participarem de roubo de carros e desmanches. Dos 27
suspeitos presos em Goiás, 8 eram policiais lotados na Delegacia Estadual de
Furtos e Roubos de Veículos Automotores, acusados de repassar informações da
atuação da polícia para as quadrilhas. Porém, após 150 dias, sem a conclusão do
processo, justificado pela quantidade de réus e a quantidade de recursos
impetrados (recursos processuais), a Justiça libertou 16 dos 19 acusados que
estavam presos, já que havia expirado o prazo processual (TRANCHES, 2003,
p.3).
Como em todo Brasil, existe uma mudança no padrão dos crimes,
crescendo os de latrocínio e o tráfico de drogas, típico do crime organizado,
envolvendo políticos, policiais e judiciários é o que constata o estudo da
professora e coordenadora do mestrado em Sociologia da Universidade Federal
de Goiás, Dalva Borges de Souza (SILVA (a), 2003, p.13).
Na verdade, a passagem de uma criminalidade de sangue para uma
criminalidade de fraude faz de todo um mecanismo complexo, onde
figuram o desenvolvimento da produção, o aumento das riquezas, uma
valorização jurídica e moral maior das relações de propriedade, métodos
de vigilância mais rigorosos, um policiamento mais estreito da
população, técnicas mais bem ajustadas de descoberta, de captura, de
informação: o deslocamento das práticas ilegais é correlato de uma
extensão e de um afinamento das práticas punitivas (FOUCAULT, 2000,
p. 66).
Uma reportagem de 6 de abril de 2003 aponta Goiás como rota importante
para o tráfego terrestre de drogas, citando uma apreensão de 185 kg de cocaína
(SOUZA apud O Popular, 2003, p.35).
58
Os dados de mortalidade em Goiás, tendo em vista o Código de Doenças
(CID 10) e os óbitos por agressão, têm crescido vertiginosamente, passando de
850 em 1999 à 1.232 em 2.002. A faixa de maior risco de morte é a idade de 15 a
24 anos com 425 óbitos, seguido da faixa de 25 a 34 anos, com 367 mortes em
2002.
Conforme o gráfico abaixo, os índices de mortalidade por causas externas
atingiram em 2004 o terceiro lugar em mortalidade em Goiás, só perdendo para
as doenças do aparelho circulatório e para algumas doenças infecciosas e
parasitárias. Desta forma a violência e o risco de morte por meios externos
passam a ser considerado um caso de saúde pública:
Gráfico de Mortalidade pelas principais causas de morte, em todas as idades, no ano 2004:
Mortalidade Proporcional (todas as idades)
5,8%
13,8%
31,5%
11,2%
3,3%
16,9%
17,5%
I. Algumas doenças infecciosas e parasitárias
II. Neoplasias (tumores)
IX. Doenças do aparelho circulatório
X. Doeas do aparelho respiratório
XV I. A lgumas afec originadas no período perinatal
XX. Causas externas de morbidade e mortalidade
Demais causas definidas
Fonte:Datasus: http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/cadernos/GO/GO_Goias_GeralUF.xls.
Uma reportagem do Diário da Manhã, dia 23 de janeiro de 2007 (JAYME,
LUIZA), com o nome de “Violência Máxima”, traz como recorde de homicídios em
um final de semana em Goiânia. A informação é da Delegacia Estadual de
Investigações de Homicídios (DEIH), que constatou 12 mortes violentas na
Capital desde a madrugada de sábado, 20, até a noite de 22 de janeiro, tendo
como principais responsáveis, drogas e alcoolismo.
Gráfico 3
59
1.4.2.2 Criminalidade na cidade de Pires do Rio – Goiás
Pires do Rio é uma cidade do sudoeste Goiano, com área de
1.073,369km²,(SEPLAN,http://www.seplan.go.gov.br/sepin/perfilweb/mostraNew.a
sp). Fundada em 09 de novembro de 1922, com a inauguração da Estação
Ferroviária, recém construída, visando o transporte de mercadorias vindas da
capital de São Paulo e de outras capitais para o abastecimento da região
sul/sudeste do Estado de Goiás. Por isso, a cidade foi considerada por muito
tempo a capital da região, principalmente, entre os rios Corumbá e Meia Ponte
(SOARES, 1967, p.7).
Consta da história, uma grande influência na cultura da população piresina
das religiosas Franciscanas de Allegany e frades franciscanos (ofm) oriundos da
América do Norte. Esses influenciaram as atividades educacionais do município,
construindo o Colégio Sagrado Coração de Jesus (primário a normal- ensino
Figura 3: Estação Ferroviária de Pires
do Rio
Figura 4: Obelisco da Fundação de Pires
do Rio
60
médio na época), participando efetivamente na formação religiosa, doutrinal e
educacional da comunidade (WYZE, 1989, p.192).
Atualmente, com uma população estimada pelo IBGE, em 01 de julho de
2005, de 28.796 habitantes, com área territorial de 1.073 Km
2,
localizado na
região sudeste do Estado. A economia do município é voltada para a
agropecuária, destacando-se o plantio de soja e de algodão, tendo influência de
imigrantes do sudeste e sul do país, bem como, das atividades originárias da
região que é a criação do gado de corte e leiteiro com predominância da bacia
leiteira. Pesa positivamente na atualidade da economia piresina a avicultura,
tendo em vista o estabelecimento de um frigorífico de aves na região, Nutriza
Agroindustrial de Alimentos S.A. (SEPLAN,
http://www.seplan.go.gov.br/sepin/perfilweb/mostraNew.asp). Esta atividade
propiciou também a instalação de diversas granjas, bem como de infra-estrutura
de montagem e manutenção destas.
Pires do Rio faz divisa com os municípios de: Urutaí, Caldas Novas,
Orizona, Santa Cruz de Goiás, Palmelo, Cristianópolis e Vianópolis (lei 8.111 de
14/05/76). Encontra-se entre o Triangulo Mineiro e Goiânia, da qual se distancia
142 Km, tendo como via de acesso a GO-020. Dista, ainda, 168 km de Brasília,
com acesso pelas BR040, GO -010 e GO 330, ambas pavimentadas, e 70 Kms de
Caldas Novas. Esta posição geográfica privilegiada, acrescida de diversas
estradas vicinais e parcos policiamentos potencializam as condições para que o
município seja um dos possíveis canais das rotas terrestres de tráfico de drogas,
o que justifica o alto índice de tráfico e uso de drogas no município. Em
61
levantamento in locuo no cartório do crime de Pires do Rio extraiu-se os seguintes
dados mais significativos, sobre a criminalidade na cidade de Pires do Rio:
ANO CRIMES
Furto Tráfico Homicídios Lesão
Corporal
Estelionato receptação
1999 10 03 05 04 03 01
2000 16 11 08 06 02 01
2001 04 10 07 04 03 00
2002 13 02 07 07 10 09
2003 19 07 09 04 03 08
2004 13 02 09 16 03 09
2005 17 08 03 09 08 04
2006 20 04 03 05 08 05
Fonte: Pesquisa realizada no Cartório do Crime de Pires do Rio
Os dados por si só não são tão significativos, pois são caracterizados em
números absolutos, sendo que, algumas questões são muitas vezes incidentes
como é o caso da alta ligação da criminalidade em Pires do Rio com as drogas,
sejam elas, lícitas ou ilícitas. Pode-se exemplificar isto com o furto para aquisição
de drogas; a lesão corporal em função do uso de drogas ou de brigas entre
grupos de usuários, e assim por diante.
Mas através de seu trabalho, a Pastoral Carcerária de Pires do Rio pode
fazer o diagnóstico da criminalidade e percebeu que quase 90% dos casos estão
ligados direta ou indiretamente com as drogas; que 99% das reincidências estão
direta ou indiretamente ligadas às drogas, sendo que, os outros 1% se referem ao
não cumprimento de progressão de regime ou liberdade provisória.
Outro dado que se observa na tabela anterior é que crescem os crimes
contra os bens materiais como furto, receptação e estelionato. Este aumento
também pode ser constatado nos dados do Estado de Goiás.
Para resolver a questão da criminalidade foi criado o sistema penitenciário,
porém o que se percebe é que as penas não têm cumprido sua função, por uma
62
série de fatores tais como, a falta de adequação física dos presídios, falta de
preparo dos recursos humanos, inexistência de propostas claras e eficazes dos
presídios, como será analisada a seguir.
1.5 Sistema penitenciário brasileiro
Há uma preocupação constante na história do povo de Israel e,
posteriormente, na práxis de Jesus com a questão social e com a situação da
violência, principalmente, quando cerceia, a liberdade em todas as suas formas,
impedindo o ser humano de alcançar seus objetivos, conduzindo a situações de
opressão.
O fenômeno religioso em situações de grandes conflitos ou de extremas
aflições combina sempre com a evocação do Sagrado, do Religioso. E isso será
analisado a seguir com a realidade dos cárceres no Brasil, o que justifica um
número grande de grupos religiosos nos cárceres e uma aceitação dos presos a
estes ensinamentos, principalmente àqueles que conduzem a esperança de vida
nova.
O Sistema Penitenciário, a princípio, deveria ter a função primordial de
prevenir novos crimes: “os reformadores pensam dar ao poder de punir um
instrumento econômico, eficaz, generalizável por todo o corpo social, que possa
codificar todos os comportamentos e consequentemente reduzir todo o domínio
difuso das ilegalidades” (FOUCAULT, 2000, p. 79).
Também o cárcere deveria propiciar ao encarcerado um momento de
repensar, de elevar a auto-estima e propiciar ao encarcerado condições
fundamentais para o enfrentamento dos conflitos sociais, do encontro consigo
63
mesmo, pois: “o crime ou a culpa não extinguem a marca imortal no condenado,
que o Criador lhe imprimiu no fundo do ser” (ALBERGARIA, 1988, p. 20).
Porém, o que ocorre nas penitenciárias brasileiras é uma superlotação,
como no caso do presídio Carandiru: “A detenção tem mais gente do que muita
cidade. São mais de 7 mil homens, o dobro ou o triplo do número previsto nos
anos 50, quando foram construídos os primeiros pavilhões. Nas piores fases, o
presídio chegou a conter 9 mil pessoas” (VARELLA, 2005, p.11).
A prisão, como espaço e empresa, é “um laboratório da sociedade
‘globalizada’ [...] onde testamos e exploramos os limites das técnicas de
confinamento espacial dos dejetos da globalização” (Bauman, 1999,
p.177). O encarceramento é finalmente a cadeia de desmontagem dos
indivíduos, local onde o massacre é terminado e os restos espalhados.
(PEDRAZZI, 2006, p. 109).
Como resultado da superlotação, bem como do descaso dos dirigentes e
dos líderes políticos para com estas instituições, as condições de sobrevivência
tornam-se péssimas, degradantes e, desumanas, culminando em rebeliões como
a de Carandiru, na qual, em 02 de outubro de 1997, foram massacrados 111
presos.
Figura 5: Carandiru logo após a
rebelião do dia 02 de outubro de 1997.
No seu livro Estação Carandiru (páginas 128-135) Drauzio Varella
apresenta diversos relatos das circunstâncias carcerárias que discorrem sobre a
criação de uma cultura interna nos presídios com leis e regras próprias, tendo um
comando geral, porém de forma conflituosa, com diversas tensões internas entre
64
os detentos e entre estes e os funcionários das instituições. Também as mesmas
constatações foram realizadas por Henri Charrière, em Papillon, quando
descreveu os presídios da Guiana, nas Ilhas de São Lorenço e da Salvação:
Nesse pequeno universo de iras e rancores ninguém deve subestimar-
se; nem superestimar-se tampouco. Sob o signo do medo, disfarçam-se
antipatias, escondem-se desafeições. Formam-se bandos de “amigos”
que se protegem e se vigiam com fiel desconfiança, sem desfalecimento.
À vista indiferente dos guardas e da administração estabelecem códigos
e normas. Criam-se regimes, elegem-se líderes, instituem-se mandatos.
Quadro alucinante dos desvios humanos, das paixões incontroladas (e
descontroladas), cinicamente confessadas, amostragem perturbadora
das suscetibilidades neuróticas, do desregramento dos sentidos e das
perversões sexuais, o livro de Henri Charrière nos conduz aos
subterrâneos onde a Justiça, a grande Justiça de olhos vendados,
esconde a incompetência. No olvido das próprias iniqüidades, o Estado
exila, após julgamento, desníveis imperdoáveis. E exata, publicamente, a
desigualdade social. Obedeça a Lei! Dane-se o Direito.(QUEIRÓZ, 1981,
p.229)
Este tipo de prisão que acontece no Brasil contemporâneo realiza somente
a função punitiva do crime cometido, não exercendo a função de ressocialização
e prevenção de novos crimes. Desta forma, reflete a afirmação e manutenção da
ordem estabelecida, afastando temporariamente “o criminoso da sociedade”. A
classe dirigente não tem preocupações com esse sistema de segregação, pois no
Brasil “somente é condenado ao iníquo sistema carcerário o pobre, o jovem
pobre, e o preto, na sua maioria analfabetos” (PASTORE, 1991, p.81).
O Manual da Campanha da Fraternidade de 1997 (p. 66) traz alguns dados
fornecidos pelo Departamento de Saúde, em 15 de dezembro de 1995: dos
45.771 presos, 80% do sexo masculino e 90% do sexo feminino apresentavam o
bacilo de Koch( da tuberculose); havia disponível apenas 320 leitos, quando
seriam necessários 1.120, ou seja, um déficit de 800 leitos.
Conforme o manual da Campanha da Fraternidade de 1997 (p.67), as
projeções quanto aos portadores de HIV obtidas em São Paulo a partir de
1993/1994 relatam: o número de casos de HIV soropositivos na população do
65
país é de cerca de 1 para cada 364 habitantes, enquanto na população carcerária
é de 1 para cada 6 pessoas; e o número de aidéticos na população do país é de 1
para cada 5.344 habitantes, enquanto na população carcerária é de 1 para 52
presos.
Esse é o retrato do sistema prisional brasileiro, um amontoado de pessoas,
segregadas da sociedade, despidas dos seus direitos enquanto cidadãos, de sua
integridade física e moral, sem perspectiva de vida, deixando contaminar-se moral
e fisicamente pelos males entremeados nos cárceres:
No curso do processo, sem embargos de sua humanização, é afetada a
dignidade pessoal do imputado, que se sente diferente dos outros, e seu
estado de frustração poderá leva-lo à reincidência. A subcultura científica
demonstra que a prisão é criminógena(CLEMMER e KINBERG). Na
saída da prisão, o preconceito, a rejeição social, o abandono da família e
a perda da colocação conduzem à reincidência. O estudo sociológico da
subcultura da penitenciária averigou o empobrecimento da personalidade
do recluso, ou a elaboração de uma personalidade artificial capaz de
suportar o universo hermético da prisão (GOFFMAN e PODGORECKI).
Essa perda do horizonte temporal do egresso determina a sua
desinserção da comunidade normal, destinando-o à subcultura da
marginalidade social e delinqüência.(ALBERGARIA, 1988, p.113).
Em Goiás foi realizado um levantamento em todos os presídios do Estado,
com vistas a uma radiografia do sistema carcerário, visando mapear tal sistema,
pois informalmente já havia sido constatado: superlotação e a precariedade deste
sistema. E este estudo, que foi enviado ao Secretário de Segurança Pública e
Justiça do Estado de Goiás e que subsidiou projeto para construção de novas
penitenciárias e reformas de outras tantas, teve como resultado final os seguintes
dados: o sistema prisional de Goiás conta com 125 cadeias públicas, 3
penitenciárias, 8 casas de albergados, 2 casas de medidas de segurança e ainda
4 estabelecimentos cuja finalidade não foi informada. Destes somente 3% foram
considerados ótimos, 31% bons, em contrapartida, 22% apresentavam o estado
ruim e, 34% precário.(BORGES, 2003, p. 3)
66
Conservação dos
Estabelecimentos Prisionais do
E s ta d o d e G o s
34%
22%
31%
3%
10%
não inform ados
ótim os
bons
ruim
precários
Fonte: BORGES, 2003, p.3
Desta pesquisa pode-se concluir que mais de 50% dos presídios avaliados
no Estado de Goiás, na época, não se encontravam adequados à recuperação do
preso, sendo ainda que 10% dos presídios não foram avaliados, O que poderia
representar alteração expressiva nos dados. Desta forma, percebe-se que o
problema da inadequação do cárcere também se refere ao Estado de Goiás como
um todo.
A prisão é um instrumento demasiadamente caro e ineficaz para ser usado
no controle social, quando, na verdade, existem outros meios mais eficazes e
menos onerosos para a correção dos crimes cometidos sem violência. As penas
alternativas, se aplicadas em substituição às restritivas de liberdade, colocariam
de imediato 45.000 presos na rua, já que “trancafiados com presos violentos, os
autores de crimes menores saem da cadeia piores e sem nenhuma chance de
serem reintegrados à sociedade” (LEMGRUBER, 1997, p. 9).
As penas alternativas têm sido aplicadas com mais freqüência pelos juízes,
e os índices de reincidências nestas tem se mostrado bem menor do que as
restritivas de liberdade, segundo a Folha de São Paulo (CNBB, 1997, p.133).
Portanto, a proposta para que as penas alternativas sejam aplicadas aos crimes
que não são realizados com violência, contribuirá com a redução da criminalidade
Gráfico 4
67
e das reincidências, pois apenas leva o infrator a pensar no ato cometido sem
segregá-lo, sem gerar restrições e preconceitos. A cadeia, as amarras falam bem
menos ao ser humano do que a carga e o poder ideológico, como bem explicita:
Quando tiverdes conseguido formar assim a cadeia de idéias na cabeça
de vossos cidadãos, podereis então vos gabar de conduzi-los e de ser
seus senhores. Um déspota imbecil pode coagir escravos com correntes
de ferro; mas um verdadeiro político os amarra bem mais fortemente
com a corrente de suas próprias idéias; é no plano fixo da razão que ele
ata a primeira ponta; laço tanto mais forte quanto ignoramos sua
tessitura e pensamos que é obra nossa; o desprezo e o tempo roem os
laços de ferro e de aço, mas são impotentes contra a união habitual das
idéias, apenas conseguem estreita-las ainda mais; e sobre as fibras
moles do cérebro funda-se a base inabalável dos mais sólidos impérios(
FOUCAULT apud SERVAN, 2000, p 86).
Imbuídos pelo espírito de ética social intrínseco no Antigo Testamento e
pelo princípio cristão a favor da clemência e misericórdia, pois a relação de Deus
com os homens é definida pelo perdão e salvação, os membros da Pastoral
Carcerária de Pires do Rio iniciaram um trabalho de humanização, luta pelos
direitos dos presos, da dignidade e em busca do resgate da cidadania dos presos,
que será objeto do relato a seguir.
68
CAPÍTULO 2 – A PASTORAL CARCERÁRIA NA ÓTICA DO
FENÔMENO RELIGIOSO
O Fenômeno Religioso sempre esteve no escopo dos filósofos e dos
sociólogos que tendo em vista a análise da influência daquele nas manifestações
sociais “estavam à procura das causas sociais da grande mudança social que
assistiam e dos possíveis remédios para as patologias sociais e para os efeitos
destrutores do tecido social” (MARTELLI, 1995, p.31).
A religião está inserida nas mais diversas formas de comunidade, desde as
mais primitivas até as mais complexas. Dados paleantopológicos demonstram
que o Homo erectus produzia objetos de caráter simbólico que indicam ser de
cunho cultural e mágico-religioso. Já, quanto ao Homo sapiens têm-se
conhecimentos explícitos sobre o simbolismo religioso através das práticas
funerárias; cultos aos ossos; animais; ritos de passagens e propiciatórios;
indicadores de esperança e crença no sobrenatural (MARTELLI, 1995, p. 137).
todas as sociedades têm necessidade da Religião, porque três limites
inerentes à existência humana são universais: a contingência, isto é, a
incerteza das condições de vida; a impotência, isto é, os limites próprios
para controlar e modificar o ambiente; a penúria, isto é, a privação
relativa devia ao caráter finito dos recursos, cuja distribuição requer uma
coordenação feita por uma autoridade superior e, portanto, relações de
subordinação entre os homens (MARTELLI apud O’DEA, 1995, p.101).
Portanto, o fenômeno religioso se dá em todas as épocas, em todas as
sociedades, visando normalizar e estabilizar a sociedade, seja nas suas relações
interpessoais, para subsidiar as relações de distribuição dos recursos e as de
69
subordinação. Também afirma Wilges; “O fenômeno religioso é universal. Em
todos os tempos, lugares e povos, tal fenômeno pode ser observado. Esta
afirmação é atestada pela etnologia e pela história das religiões” (1995, p.09).
O ser humano, pelo seu caráter contingente finito, é por natureza um ser
religioso, que acredita em um Deus. Mesmo quando este se declara ateu,
descrente em uma divindade, a sua realidade mais íntima reclama persistente por
um bem similar em lugar de Deus, elegendo para si ídolos como o Estado, a arte,
uma mulher, o dinheiro, a ciência, a tecnologia, etc. (WILGES apud SCHELER,
1995, p.9).
A dependência do ser humano em relação a potências invisíveis
consideradas sobrenaturais, que podem ser benéficas ou prejudiciais, e cujo
sentido profundo o transcende, constituindo o chamado fenômeno religioso pode
ser verificada de alguma forma. Esta verificação é o próprio objeto de estudo da
sociologia. Embora nem sempre este estudo possa revelar a compreensão total
do objeto, mas apenas um de seus vários aspectos. Sendo este aspecto real e
objetivo (LAGENEST, 1976, p.16).
Estudos nas penitenciárias de Goiás demonstram que o fenômeno religioso
tem grande influência sobre os encarcerados, pois a grande maioria destes afirma
pertencer a uma das três denominações consideradas na pesquisa,
nomeadamente: igreja católica, igrejas evangélicas e espíritas. O índice daqueles
que se dizem ateus, ou pertencentes a outras religiões, é muito pequeno e não
ultrapassa 13% dos detentos. Ressalta-se, contudo, que, muito possivelmente,
este índice de 13% cairia ainda mais se outras denominações religiosas para
além da católica, evangélica e espírita fossem levadas em consideração.
70
Fonte:www.agenciaprisional.go.gov.br, 12/07/2003.
Não foi feita pesquisa na cidade de Pires do Rio para esta dissertação,
tendo em vista a influência da Pastoral Carcerária, o que poderia causar alguma
tendência. Contudo, o que se quer com isso é provar que a presença do sagrado,
dos mitos, dos ritos, dos símbolos e de todos os elementos do fenômeno
religiosos permeia até mesmo os locais ditos mais “profanos”, mais imbuídos de
“erros”.
O fenômeno religioso é mais do que uma simples aparência, mostra algo
que o transcende, muitas vezes disfarçado, revelando-se gradativamente até
Gráfico 5
Gráfico 6
71
adquirir um valor de significado. É aí que se manifesta a realidade de um aspecto
do fenômeno. (LAGENEST, 1976, p.16).
Weber ressalta que este fenômeno era dirigido principalmente para aqueles
que necessitavam de salvação. A evolução da ética religiosa teve suas raízes
mais positivas e primárias nas condições íntimas das camadas sociais menos
valorizadas socialmente, pois se encontrava em condição de miséria, pobreza,
exploração e sentiam necessidade peculiar de se apegarem à idéia de salvação.
Em contrapartida, as camadas mais elevadas tinham poucos desejos de serem
salvas ou de se apegarem a outra idéia que não fosse à sua própria condição de
vida. Portanto, os menos privilegiados “transferem, então, esse valor para algo
que está para além deles, para uma tarefa que lhes foi atribuída por Deus”
(WEBER, 1993, p.320).
Neste contexto, dois protagonistas: mágicos e sacerdotes passaram a ter
atribuições de cura da alma, de confissão dos pecados e de aconselhamentos
para acabar com o sofrimento: “Assim o mágico transformou-se no mistagogo,
com isto, surgiram dinastias hereditárias de mistagogos, ou organização pessoal
treinada por um chefe de acordo com as regras” (WEBER, 1993, p.315).
Os sacerdotes, ao contrário dos magos que atuam individualmente, fazem
parte de uma organização empresarial permanente, regular e organizada com
vistas à influência dos deuses. Outro fator que diferencia os sacerdotes dos
magos é que apesar da função dos primeiros em utilizar a mágica por meio de
sua veneração, estes influenciam os deuses, enquanto que os magos “forçam os
‘demônios’ por meios mágicos”. (WEBER, 1991, p.294).
72
O sacerdote é o responsável pelo culto, cabendo a ele o cumprimento do
rito. Qualquer pessoa pode desempenhar o papel de sacerdote por meio das
seguintes vias de acesso: por eleição, coação, resposta a um apelo pessoal.
(LAGENEST, 1976, p.62). Por exemplo, um pai no culto familiar repete o papel,
os gestos, as palavras, os rituais, imitando e se igualando ao desempenho da
paternidade exercida por seu progenitor: “tudo, pois, conspira para fazer do
sacerdote um personagem estruturalmente conservador, preso ao respeito à
tradição que impregna o grupo que o elegeu e ao qual se deve seu sacerdócio”
(LAGENEST, 1976, p.62).
Um terceiro personagem que aparece no fenômeno religioso é o profeta.
Normalmente, este centraliza a ética sobre os aspectos de salvação religiosa.
Portador de um carisma individual, ele anuncia o reino e denuncia as iniqüidades
em nome de um mandado divino. Desta forma, assim como o mago, o profeta
age desvinculado de uma organização empresarial, mas em virtude de seu dom
pessoal, uma vez que, ligado, direta ou imediata, à divindade, recebe um
mandato:
Transmitir aos homens, em seu nome, aquilo que ela lhe segreda –
como pensar e proceder para assegurar o seu “reino”. Daí o quadro
apocalíptico, as afirmações milenares, as visões fantasmagóricas que
servem de cenário para toda pregação profética e formam uma previsão
imagética do futuro (LAGENEST, 1976, p. 63).
O profeta distingue-se do mago porque anuncia revelações substanciais e
sua missão não consiste em magia, mas em doutrina ou mandamento. O
sacerdote também pode ter um dom de carisma pessoal, e atuar em função
desta, porém “como membro de um empreendimento de salvação com caráter de
relação associativa, permanece legitimado por seu cargo” (WEBER, 1991, P.
303).
73
Uma pessoa pode exercer a função de sacerdote e de profeta
concomitantemente, porém esse exercício seria conflitante, pois o primeiro tem a
função conservadora, enquanto o segundo é eminentemente não-conformista,
revolucionário:
Uma pessoa que fosse chamada a exercer, simultaneamente, as duas
funções não poderia deixar de se sentir dividida entre dois mundos
conflitantes e seria levada a dar a vitória ora ao sacerdote, ora ao profeta
que coexistem dentro de si. Jesus de Nazaré, grande e único sacerdote
da Nova Aliança, morreu porque era um profeta – o último da Antiga
Aliança. (LAGENEST, 1976, p.64).
Quanto à ação pastoral, esta, em sua prática cotidiana, revela traços
prioritários de função sacerdotal ligada e legitimada pela organização Igreja.
Porém, essa atuação não é puramente sacerdotal, ela é também profética quando
denuncia os maus tratos, quando exige das entidades responsáveis um
posicionamento quanto aos direitos dos presos, quando vislumbra outras
condições mais dignas de vida. Já quanto aos aspectos mágicos: a pastoral utiliza
a magia do sagrado quando busca a cura da alma, as orações para a cura dos
doentes e para qualquer tipo de proteção:
Um mesmo grupo religioso pode atravessar fases sucessivas de
sacerdotismo e de profetismo, de conservadorismo e de renovação, de
ritualismo e de misticismo. Isso constitui a própria trama de sua história
temporal, de suas aventuras e vicissitudes – e a isso nenhum grupo
religioso escapa (LAGENEST, 1976, p. 65).
Diversos sociólogos dedicaram-se à análise da função social da religião
como: ordenadora ou rompedora de idéias e concepções; como legitimadora ou
destituidora de poder; como mantenedora ou rompedora do status quo. Eles
dedicaram-se, portanto, ao estudo da função do fenômeno religioso no
ordenamento social desde as comunidades primitivas até o presente momento,
pois como observa Weber (1991, p. 386): ”a ética religiosa interfere na esfera da
ordem social em profundidade muito diversa”. Tal apreciação será imprescindível
74
no exame da função social da Pastoral na Igreja Católica, em específico, a
Pastoral Carcerária e as possíveis conseqüências sociais de sua atuação.
2.1 Função social da religião
Durkheim (1996, p. 28) considera a religião como eminentemente social e
as suas representações como reproduções coletivas que visam suscitar, manter
ou refazer os estados mentais do próprio grupo em função das necessidades
deste grupo.
Porém, Marx e Engels fazem uma análise diferenciada, não se dedicando
ao estudo da religião em si, mas voltando-se para a função desta, para sua
inserção nas questões das relações de produção: “capital X trabalho”. Como
resultante da observação na primeira fase de seu trabalho, Marx considera a
religião como uma alienação do homem para suportar as divisões sociais e a
miséria. A religião para Marx tanto é expressão ou fuga do mundo real, como
protesto contra este mundo, contudo, este aspecto da obra de Marx – religião
como protesto - tem sido menosprezado. Já na segunda fase, a religião é vista
como ideologia e é explicada como normas morais e religiosas com fito na
maneira pela qual os homens produzem os bens materiais (LESBAUPIN, 2003, p.
14 – 16).
Outros autores Marxistas, como Rosa Luxemburgo e Gramsci, fazem uma
análise menos geral e mais específica da religião. Luxemburgo afirma que a
social-democracia não tira ninguém de sua fé. Ao contrário de Marx, Luxemburgo
não luta contra a religião, a menos que esta seja utilizada como estratégia contra
a luta da classe operária. Desta forma, faz um histórico do cristianismo primitivo
75
até os tempos contemporâneos e “chama a atenção para a contradição entre a
doutrina cristã, a prática dos cristãos primitivos e a prática da maioria dos padres
de seu tempo que pregavam contra os militantes operários” (LESBAUPIN, 2003,
p.20-21).
Para se compreender a função social da religião abordo alguns exemplos
da religião católica. Gramsci preocupado com as condições de transformação
social da Itália percebe que a Igreja Católica pode ser instrumento facilitador ou
impeditivo desta transformação. O autor percebe que a Igreja Católica não é um
bloco monolítico e que, neste universo, coexistem várias contradições, reflexo das
contradições sociais, da relação de forças com as outras ideologias e aparelhos
ideológicos em cada Estado e dos conflitos nacionais e internacionais da Igreja
(LESBAUPIN, 2003, p.21-23). Esta passagem será importante, pois serão
abordadas divergências de posturas entre os líderes religiosos e os leigos da
própria comunidade piresina.
Também Otto Maduro (1980, p.174) demonstra este rompimento ou esta
divisão no seio da Igreja Católica quando, num primeiro momento, relata que as
funções conservadoras na América Latina são desempenhadas, especificamente,
pela Igreja Católica. Mas, já num segundo momento, aponta para o fato de que
em “certas condições, também uma religião pode funcionar como canal de
mobilização das classes subalternas e contra a dominação” (MADURO, 1980, p.
179). Ou seja, toda igreja “abriga em seu seio conflitos tais que seu
desenvolvimento pode, sob certas circunstâncias, favorecer processos religiosos
com funções sociais não conservadoras e até revolucionária” (MADURO, 1980, p.
188).
76
Logo a seguir, e reafirmando o conflito existente dentro da própria Igreja
Católica da América Latina, Otto Maduro descreve que os sacerdotes na América
Latina foram legitimados espontaneamente por setores subalternos para “receber,
sistematizar, exprimir e dar respostas às aspirações e necessidades das mesmas
classes subalternas. Por isso, o sacerdote pode representar um papel-chave nas
lutas e alianças desses setores subalternos.” (1980, p. 184).
Resumindo o capítulo sobre a função social das religiões, Otto Maduro
relata casos de sacerdotes católicos, desde Camilo Torres, que tiveram posturas
revolucionárias e infere claramente sobre a função social e os conflitos existentes
na Igreja Católica, em particular, e nas religiões em geral: “Essa função é, antes,
um conjunto heterogêneo e variável, de funções múltiplas e conflitantes e cujo
desenvolvimento futuro é dificilmente previsível” (1980, p. 185).
Retomando Gramsci, o autor ainda faz uma importante distinção da Igreja-
organização eclesiástica e da Igreja-comunidade dos fiéis, sendo que, esta última
desenvolve princípios políticos morais determinados em oposição à Igreja
eclesial, pois a primeira só se ocupa de interesses corporativos:
é preciso compreender que ela está disposta a lutar somente para
defender suas liberdades corporativas particulares (a Igreja enquanto
Igreja, organização eclesiástica), isto é, os privilégios que ela proclama
estar ligados à sua própria essência divina[..] Por ‘despotismo’ a Igreja
entende a intervenção da autoridade do Estado leigo para limitar ou
suprimir seus privilégios, nada mais: ela reconhece qualquer autoridade
de fato e, na media em que não toca em seus privilégios, a legitima; se
em seguida, a autoridade aumenta seus privilégios, a Igreja a exalta e a
proclama providencial. (LESBAUPIN apud Gramsci, 2003, p. 23).
Max Weber (1993, p. 309) ao expressar-se sobre a ética econômica:
“refere-se aos impulsos práticos de ação que se encontram nos contextos
psicológicos e pragmáticos das religiões”. A determinação religiosa da conduta se
refere apenas a uma ética econômica cuja influência é preponderante. Desta
77
forma, a religião não é o fator determinante para o capitalismo, porém é um
elemento que contribui sobremaneira para a consolidação e aceitação dos ideais
do capitalismo.
Trabalhar, disciplinar-se para conseguir os objetivos almejados, teria criado
um estilo de vida, tendo por motivação a produção de riquezas, com excedentes
para reservas. A fortuna dependeria, portanto, de uma postura ascética,
individual, mas dentro do próprio mundo hodierno, ao contrário dos católicos que
se retiravam do mundo, constituindo uma vida monástica. (MARIZ, 2003, p. 75-
76).
Essa concepção é determinada por fatores econômicos e políticos de
determinados espaços geográficos quando ajustadas às revelações inicialmente
por influências religiosas, visa adequar às necessidades religiosas, como
secundárias.
Dessa forma, o supracitado autor vê como uma das funções sociais a
legitimação de poder. Para ele, cria-se através da religião uma teodicéia que
legitima os interesses externos e internos da classe dominante dos proprietários.
Deste modo, cria-se, por exemplo, a teodicéia da boa fortuna, aos afortunados
(WEBER, 1993, 314-315).
Outra forma legitimadora do poder é a teodicéia do sofrimento que conduz
a salvação e que tem sido base para as atitudes de punição e auto-flagelação,
culminando na compreensão de que os sofrimentos terrenos (doença, pobreza,
discriminação, opressão) conduzem à salvação. (WEBER, 1993, p. 314-315).
Weber (1993, 314-315) cita ainda, como fator que contribui para a
teodicéia, a concepção da idéia de um salvador (caráter individual e universal), de
78
um redentor frente às dificuldades de uma comunidade, de um povo. Essa
teodicéia é chamada de “messianismo” no caso do profeta ou redentor. Num
momento posterior, quando o profeta ou o redentor já não conseguem mais
atender às exigências da sociedade, passa-se à teodicéia racional. Neste
momento, dá-se valor positivo ao sofrimento, gerando, com isto, diversos tipos de
flagelação, abstenções. Tal concepção é encontrada nas formas mais puras, em
diversas seitas, principalmente, as de origem orientais. Desta forma, a religião
legitimou e legitima diversos tipos de poder de acordo com os tempos históricos,
culturas e momentos sociais.
Para justificar as discrepâncias na acumulação das riquezas, o sofrimento
individual imerecido e a vitória quase que sempre da classe dominante e não dos
dominados, surge então três teorias: da “migração das almas”, “transmigração
das almas” e esperança para seus sucessores. A primeira embasa o sofrimento
imerecido, justificando-o no pecado que recai sobre a terceira ou quarta geração.
Também aliada a esta teoria surge a “transmigração das almas”, que dá
esperança de uma vida melhor num outro reino. Já a última se espelha na
esperança para as próximas gerações de uma vida melhor no futuro. (WEBER,
1993, p.318).
Atualmente estas teorias não se encontram em estado puro, e sim,
esparsas em diversas religiões, segmentos e ritos. Respondem satisfatoriamente
às indagações sobre o destino e o mérito, como é o caso da doutrina indiana do
carma; do dualismo zoroastriano (duplicidade do bem e do mal) e do decreto da
predestinação dos “deuses absconditus”. A teoria do sofrimento e da morte
influenciou diversos traços de religiões como o hinduismo, o zoroastrismo, o
79
judaísmo e até certo ponto o cristianismo Paulino e posterior (WEBER, 1993,
P.318).
Weber (1993, p.328) demonstra que os diversos estágios da evolução
religiosa, desde a magia, sofrem a influência dos intelectuais, possibilitando a
construção da racionalização na concepção de mundo, da vida teórica e prática e
dotando o cosmos de um sentido. O racionalismo da hierocracia nasceu da
preocupação com o culto e o mito, tendo em vista monopolizar e administrar os
valores religiosos, discriminando qualquer tentativa de busca individual de
salvação, de orgias e de ascetismo. Desta forma, a religião tornou-se função das
burocracias políticas, assumindo um caráter ritualista, permitindo o aparecimento
de uma regulamentação ética e racional da vida em todos os aspectos.
Em linha mais direcionada com Durkheim que define a religião como um
conjunto de práticas e representações revestidas do caráter sagrado, Pierre
Bourdieu a define como um sistema simbólico de comunicação e de pensamento
(OLIVEIRA, 2003, p. 178). Bourdieu percebe que a função social da religião está
ligada à função simbólica de conferir à ordem social um caráter transcendente e
inquestionável, chamando-a de alquimia ideológica (OLIVEIRA, 2003, p.100).
Não obstante a importância deste estudo, o autor dedica-se à
compreensão do trabalho religioso: “Há trabalho religioso quando seres humanos
produzem e objetivam práticas ou discursos revestidos do sagrado, e assim
atendem a uma necessidade de expressão de um grupo ou classe social”
(OLIVEIRA, 2003, p.102).
O citado autor coloca em dois pólos diferenciados produtores e
consumidores do trabalho na lógica capitalista, sendo que, esses pólos somente
80
se aproximam, ou seja, os produtores somente são consumidores do próprio
trabalho nas sociedades simples ou nas “religiões populares”. Nas demais
sociedades, estes pólos se diferenciam. Nestas sociedades bipolares, somente
os agentes socialmente mandados e habilitados podem realizar o serviço religioso
e, quanto maior essa distância entre os pólos, maior a autonomia do campo
religioso.
Na perspectiva da função social da ação da Pastoral Carcerária percebe-se
que esta pastoral oscila de uma função conservadora e mística a função profética
e denunciadora. A primeira postura ocorre tanto quando esta favorece o poder
institucional e hierárquico das igrejas, legitimando este poder, como demonstra
Weber, quanto quando ideologicamente repassa a idéia da moral e da ordem pré-
estabelecida e minimiza os conflitos materiais nos meios assistenciais, sem que
haja reflexões com exigências de mudanças.
Concomitantemente, a Pastoral Carcerária também desempenha o papel
profético e denunciador quando: denuncia os maus tratos, divulga uma concepção
diferenciada da visão hegemônica de criminalidade, exige novas tomadas de
posturas das autoridades responsáveis, auxilia na tomada de consciência dos
presos e de seus familiares no que tange sua condição social. O maior e grande
risco é que esta última postura não venha a ocorrer, ficando apenas na função
social legitimadora tanto do status quo pré-estabelecido quanto do sistema
capitalista atual.
Berger confirma a possibilidade de funções conflituosas e opostas num
estudo sobre as funções exercidas pela religião na sociedade. Assim, de um lado
ele identifica a função da religião como legitimadora da ordem estabelecida e da
81
integração das experiências marginais limites, ou seja, da teodicéia religiosa. E de
outro lado ele consegue visualizar a função de desalienação. A coexistência
dessas funções conflitantes foi identificada no parágrafo anterior, no caso da
atuação da Pastoral Carcerária: “Embora muitas vezes a religião exerça uma
influência de justificação da ordem humana, concedendo-lhe uma solidez fundada
em razões meta-históricas, ela pode igualmente, e em nome da mesma
transcendência, exercer papel diverso” (TEIXEIRA apud BERGER 2003, p.232).
A ação da Pastoral Carcerária é um trabalho religioso que faz parte do
Fenômeno Religioso e que, como tal, é constituída pelos mesmos elementos
componentes deste fenômeno.
2.2 Elementos do fenômeno religioso
2.2.1 O sagrado
Os fenomenologistas utilizam o termo sagrado para explicar o
transcendente, o inacessível, que Rudolf Otto(1985, p. 14), chama de “numinoso”,
rejeitando a idéia de sentimento religioso como simplesmente denomina
Schleiermarcher, pois vai além desse sentimento, ou seja: existem sentimentos
que envolvem a relação entre o homem e o Numinoso. Um desses sentimentos
exprime o mysterium tremendum, o temor de forma primária, o medo oculto ao
mesmo tempo fascinante e atraente, emoção forte, mítica, manifestações do
divino no mundo profano: “o sentimento que ele provoca pode se espalhar na
alma como um calafrio” (OTTO, 1985, p.18).
Já o sentimento do numinoso em graus superiores se diferencia do simples
terror, pois fica mais ameno, menos forte, porém conserva traços de sua origem e
82
afinidade, ou seja, gera um mistério fascinante: “Mesmo nos graus mais elevados,
naqueles da pura fé em Deus, esse elemento não desaparece e não pode
desaparecer, mas é atenuado e se enfraquece” (OTTO, 1985, p. 21), fazendo a
alma vibrar e gerar emoções interiores, como quando o cristão recita “Santo,
Santo, Santo!”, que leva ao êxtase ou a efervescência coletiva.
O fascínio provocado pelo numinoso manifestado nas solenidades, também
desenvolve conceitos racionais, sob os aspectos do amor, da misericórdia, da
piedade, do conforto e da alteridade (MARTELLI, 1995, p.141). A Pastoral
Carcerária desenvolve principalmente esse aspecto: de levar o numinoso ao
preso, às suas famílias, às famílias das vítimas, à comunidade local e aos
trabalhadores dos presídios, visando despertar o perdão na família das vítimas, a
unidade entre os presos e a comunidade, a aceitação do egresso da prisão pela
comunidade, e a solidariedade para com os encarcerados, no sentido de garantir,
ao menos, o mínimo necessário para remissão do erro e a busca de uma vida
nova, bem como, a defesa dos direitos humanos nas prisões.
Em contraposição ao posicionamento de Otto, Eliade (1996, p. 23) faz-lhe
uma crítica, ressaltando que o mesmo somente aborda as questões irracionais,
negligenciando o lado racional do fenômeno religioso e abordando apenas
aspectos do mysterium tremendum.
Para este autor, em oposição ao sagrado, está o profano que é tudo que
não seja sacro, tudo o que é normal que é permitido. Dessa forma, algo profano
pode tornar-se sagrado, ou seja, uma construção, uma pedra, uma árvore pode
tornar-se sagrada se ela estiver investida do mistério do sagrado. Quando o
sagrado toca em algo profano tem o poder de tornar esse último como sagrado.
83
Isto é o que Eliade (1992 p.25,) denomina de “hierofania”, manifestação do
sagrado. Exemplificando: num batizado, a água que simboliza o Espírito Santo é
sacra e, ao tocar no ser humano que até então era considerado impuro, torna-o
imediatamente puro, destituído de qualquer episódio negativo.
O fenômeno religioso é complexo, caracterizando-se por ser, “ao mesmo
tempo, individual e social, pessoal e comunitário; nele há continuidade e interação
do indivíduo com a sociedade e da sociedade com o indivíduo, da pessoa para a
comunidade e da comunidade para com a pessoa” (LAGENEST, 1976, p.36).
2.2.1.1 O espaço sagrado
Na ótica do homem religioso o espaço não é homogêneo; existe, portanto,
uma ruptura entre o espaço sagrado e o profano, sendo que: o primeiro tem um
valor existencial e conduz o homem ao centro do mundo, do cosmos. Eliade
(1992, p. 41), explicita que esse rompimento da homogeneidade espacial se dá
através da hierofania nos lugares considerados sacros, como os templos, igrejas,
montanhas sagradas, sendo estes, uma comunicação entre o Céu e a Terra e que
o homem religioso tende a viver ou a se manter num espaço sagrado, mais
próximo do cosmos:
O sagrado é o real por excelência, ao mesmo tempo poder, eficiência,
fonte de vida e de fecundidade. O desejo do homem religiosos de viver
no sagrado equivale, de facto, ao seu desejo de se situar na realidade
objectiva, de não se deixar paralisar pela relatividade sem fim das
experiências puramente subjectivas, de viver num mundo real e eficiente
– e não numa ilusão. Este comportamento verifica-se em todos os planos
da sua existência, mas é sobretudo evidente no desejo do homem
religioso de se mover unicamente num mundo santificado, quer dizer
num espaço sagrado.(ELIADE, 1992, p. 42).
Todos os lugares não sagrados são considerados como profanos, sendo
que nas sociedades tradicionais, considera-se como “cosmos” todo lugar habitado
84
e conhecido, pois é um lugar consagrado previamente, obra dos deuses.
Enquanto que, o desconhecido, o desabitado é considerado como “caos”, a
desordem.
A transformação de caos em cosmos se dá pela ação divina. (ELIADE,
1992, p.43). Por isso, o homem religioso tem a necessidade de estar no centro do
mundo, no cosmos, num espaço sagrado, pois recorda toda a sua existência.
Wilges (1995, p. 13) cita as aldeias indígenas que deixam um espaço vazio no
centro e, as cidades do interior, que centralizam suas igrejas. Desta forma, o autor
considera o fenômeno religioso como “uma forma de lidar com o desconhecido,
enfrentando o medo, organizando um mundo mais seguro” (1995, p.13).
Uma observação imprescindível para a análise dessa dissertação é que o
homem profano recusa a sacralidade do mundo, na busca da existência profana.
Porém Eliade ressalta (1992, p. 37-38) que não importa o estágio de
dessacralização do mundo, a vida profana não consegue abolir totalmente o
comportamento religioso. Ou seja, mesmo para o homem não religioso existem
valores interiores que lembram a não-homogeneidade específica da vivencia
religiosa de espaço, como os locais de experiências únicas que, para esse
homem guardam as características de local sagrado dentro de seu universo,
diferente da experiência cotidiana: “a paisagem natal ou sítios dos primeiros
amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude”
(ELIADE, 1992, p.38).
Inserindo a atuação da Pastoral Carcerária neste contexto, tido como
“profano” todo o cárcere e os encarcerados, por toda sociedade, tendo em vista o
grau de preconceito imbuído no imaginário social.
85
A atuação da pastoral vem reconhecer neste local a uma especial
hierofania, isto é, a manifestação do sagrado. A celebração dominical, com seus
ritos, cânticos, leituras da Bíblia se torna o momento privilegiado da manifestação
do Numinoso, do transcendente, junto aquela situação de sofrimento, degradação
e de exclusão, onde o emocional se aflora com maior intensidade no contato mais
concreto com o Tremendum.
Outras ações da pastoral onde a hierofania se faz mais concreta são nos
rituais dos sacramentos: batizados, crismas, casamentos religiosos, celebrações
da palavra, cantos sacros, comemorações das datas de festas religiosas, no
próprio cárcere, afinal o mundo não é integralmente profano ou sagrado, mas:
A experiência religiosa se localiza no interior e nos limites de dois
mundos: o mundo profano e o mundo sagrado, vivenciados não como
fechados um para o outro, mas em contínua interação – o mundo
sagrado impregna o profano na medida em que ele se utiliza para se
revelar (LAGENEST, 1976, p.17).
2.2.1.2 O tempo sagrado
Para o homem religioso o tempo também não é homogêneo, existindo um
tempo sagrado, que proporcionam a este homem um retorno ao mítico original e
instaurador do mundo, desta forma, apaga as agruras e renova as esperanças
para o enfrentamento da vida diária (WILGES, 1994, p.13). As festas é o recurso
que o homem religioso dispõe para passar de um tempo profano ao sagrado,
sendo, portanto, um período de reinado do sagrado, em que as atividades
habituais são suspensas e se experimenta um paroxismo de vida, oposto ao
cotidiano. Em muitas comunidades, são permitidas ou tornam-se obrigatórias as
orgias e anarquias como forma de ignorar os tabus e proibições habituais, criando
uma renovação. (LAGENEST, 1976, p. 20).
86
O tempo profano é um tempo preparatório e necessário para o tempo
sagrado e este último, é preparatório para o primeiro, portanto, ambos são
importantes e necessários para o homem religioso.
Lagenest (1976, p. 20) faz uma analogia entre o tempo sagrado e as
guerras e revoluções, sendo estas, necessárias para o rejuvenescimento ou o
nascimento de uma nova sociedade, desta forma, o autor considera as crises
sociais como também um tempo sagrado.
Constata-se que, para a manifestação do sagrado faz-se necessária uma
série de elementos como os símbolos, mitos, linguagem falada, gestos, ritos.
Dessa forma serão analisados esses elementos dentro do contexto pastoral a
seguir.
2.2.1.3 Natureza sagrada
Embora a natureza seja a mesma, ela torna-se sagrada pelo seu contexto,
pelo mistério que a envolve, pois esta é reveladora do inexprimível. Os mitos
cosmogônicos têm origem na natureza. “É pela imitação simbólica dos deuses
que o homem, ao mesmo tempo em que re-sacraliza toda a natureza, torna-se, a
si mesmo, plenamente homem” (LAGENEST, 1976, p. 20).
2.2.2 Os símbolos
O ser humano é um ente eminentemente simbólico, o que o diferencia das
outras espécies de animais, possibilitando-o desenvolver-se infinitamente mais.
Como resultado não só de uma evolução biológica, mas também, social,
87
favorecendo a organização social mais complexa e dinâmica (ROCHER, 1971, p.
159).
Neste aspecto, Eliade (2002, p. 34 – 57) realiza uma análise da influencia
dos símbolos no comportamento humano, individual e social, tendo como
parâmetro as culturas arcaicas e tradicionais. Os inimigos para o mundo arcaico
eram as forças hostis e destruidoras, dessa forma, “os fossos, labirintos,
muralhas, etc, - eram dispostos para impedir muito mais a invasão dos maus
espíritos do que o ataque dos humanos” (ELIADE, 2002, p.35). Elliade justifica
que, ainda na Idade Média, os muros das cidades eram consagrados através de
ritos, simbolizando a defesa contra o Demônio, a doença e a morte.
O mesmo símbolo pode ter várias significações, divergindo de coletividade
para coletividade. O mesmo símbolo, para as pessoas que tem vivencia religiosa
tem um significado e, para outra pessoa não religiosa, tem significado
diferenciado. Outro fator observado é o mesmo símbolo para uma mesma
comunidade, mas com formato ou tamanho diferenciado, tem significados
divergentes. Na foto 6, do anexo I, o símbolo de Nossa Senhora conforme o local
em que é tatuado e o tamanho, espessura, tem significados totalmente oposto,
sendo um sagrado e o outro profano.
A transmissão de mensagens tem como função a comunicação entre dois
ou mais sujeitos, bem como, estabelece relações de sensibilidade favorecendo o
reconhecimento de pertencer a determinado grupo ou coletividade e, ao mesmo
tempo, acirrando as ligações entre os membros pertencentes a este grupo ou
coletividade, distinguindo e distanciando dos demais. Também tem como função
manter vivo o passado de uma coletividade. (ROCHER, 1971, p. 160).
88
O mundo religioso é bastante rico em símbolos, desde as religiões
primitivas como demonstra Durkheim, ao tratar das religiões primitivas das
sociedades australianas, demonstrando claramente a existência dos totens nas
comunidades, simbolizados por animais ou plantas, considerados sagrados:
Já que a força religiosa não é outra coisa senão a força coletiva e
anônima do clã, e já que esta só é representável aos espíritos sob a
forma do totem, o emblema totêmico é como que o corpo visível de deus.
È dele, portanto, que parecem emanar as ações, benéficas ou temidas,
que o culto tem por objeto provocar ou prevenir; em conseqüência, é
especialmente a ele que se dirigem os ritos. Assim se explica que, na
série das coisas sagradas, ele ocupe o primeiro lugar. (1996, p. 229).
Nas religiões atuais os símbolos são utilizados com muita freqüência, como
a cruz que, recorda a paixão de Cristo, utilizada em diversas culturas cristãs; a
água é utilizada em diversas culturas para indicar a paz, a purificação. Esses
símbolos podem ser em forma de um animal, vegetal, seres inanimados,
desenhos, gestos, palavras.
Os símbolos representam à idéia, a cultura, o universo de valores
expressos objetivamente, a ação proposta. Os símbolos religiosos visão manter o
homem em contato com o universo religioso, liga o homem a uma ordem
sobrenatural, porém a função deste não se limita à esfera subjetiva. Alguns
símbolos religiosos também exprimem as realidades sociais, inclusive
reafirmando estruturas e construindo hierarquias: “Assim serve para distinguir os
fiéis dos não-fieis, o clero dos fiéis, os lugares santos ou sagrados dos lugares
profanos, os objetos puros dos impuros, etc” (ROCHER, 1971, p. 178).
Geertz (1989, ps.143 a 159) coloca na discussão antropológica atual os
aspectos morais e valorativos de uma cultura, resumindo-os sob o termo “ethos” e
os cognitivos em “visão de mundo”, sendo que na religião ambos se confortam e
confirmam, complementando-se mutuamente, otimizando para tal, a utilização dos
89
símbolos. Os fins podem assemelhar-se, mas os meios podem diferir. O autor cita
o caso da paz e da tranqüilidade preconizadas na Índia e na comunidade
javanesa. Enquanto última busca a tranqüilidade interior inserida no contexto
social, ou seja, uma paz dentro do mundo; a primeira tem o objetivo de obter uma
paz interior, retirando-se das coisas mundanas como, por exemplo, na ioga, no
retiro espiritual, na abnegação dos bens materiais. Portanto, o objetivo é o
mesmo, mas os meios para obtê-los são divergentes e acenados com símbolos
dessemelhantes.
O ser humano sente imperativo se encontrar no espaço sagrado, em
contato com o “Centro do Mundo”, como forma de voltar à origem de tudo, de
forma real; lembrando a salvação do homem e a regeneração do cosmos.. Este
encontro se dá através dos símbolos e dos ritos.
Esses símbolos podem não mais corresponder às necessidades da
comunidade, tornando-se ineficazes, o que impulsiona a criação de novas
representações geomânticas, arquiteturais ou iconográficas que, podem substituir
com a mesma eficácia os antigos símbolos. Como por exemplo, a substituição
dos rituais no templo indiano pela construção e a função de mandala
4
, já que os
rituais de construção de um altar do fogo ou a ascensão dos terraços de um
templo, já não mais correspondiam às necessidades de experiências religiosas e,
portanto, já não conduziam ao “centro” cosmogônico. (ELIADE, 2002, p. 48).
4
“Na realidade, uma mandala representa toda uma série de círculos, concêntricos ou não,
inscritos em um quadrado; nesse diagrama, desenhado sobre a terra com fios coloridos ou pó de
arroz colorido, posicionam-se as diferentes divindades do panteão tântrico. A mandala representa
dessa forma, uma imago mundi e, ao mesmo tempo, panteão simbólico” (ELIADE, 2002, p.49).
90
2.2.2.1. Símbolos no cárcere
A pastoral carcerária também é símbolo de uma religião dentro do cárcere,
de humanização do tratamento do preso, das relações sociais mais humanizadas
no cárcere, luta por maior justiça no cárcere, solidariedade. Os símbolos utilizados
para sua ação pastoral são os mesmos utilizados pela denominação religiosa que
esta pastoral representa.
Os símbolos acima são da Pastoral Carcerária, que significa a
solidariedade, a ajuda mútua, Cristo no Cárcere. Eles demonstram o papel da
Pastoral Carcerária nos cárceres.
Já, os símbolos utilizados no cárcere entre os detentos, normalmente são
construídos no sistema de conhecimento de vida dos encarcerados, ligados ao
mundo do crime, de suas esperanças, crenças e desilusões, mas também, e em
menor escala, a fé, a esperança. Um dos símbolos freqüentemente utilizados nos
cárceres são as tatuagens. As tatuagens representam uma linguagem do corpo
quase que no mesmo sentido do dialeto, evidenciando o caráter da coletividade
em que o tatuado está inserido, reunindo em um só tempo o arcaico e o moderno,
num processo de sincretismo cultural ( DIÓGENES, 1998, p.196).
Os primeiros cristãos imprimiam na pele o nome de Cristo ou o sinal da
cruz, assim também, os peregrinos que iam à Palestina faziam-se tatuar com o
sinal da cruz ou o monograma nos braços e punhos. Lombroso, autor da teoria
que explica o crime por algumas características físicas ou seja, o Atavismo,
Figuras 6 e 7: símbolos
da Pastoral Carcerária.
91
supracitado, faz o relato de um colégio italiano, no momento de se separarem,
fizeram-se gravar tatuagens que, sob formas diversas, lembravam os anos que
acabavam de passar juntos (DURKHEIM, 1996, p.242). Desta forma, percebe
que ainda que a tatuagem seja uma técnica rudimentar é um meio de comungar
as mesmas idéias, consciências, de lembrar que, algumas pessoas comungam
dos mesmos ideais e princípios, o que conduz ao mesmo significado do totem nas
comunidades primitivas.
A tatuagem criminal se caracteriza pela rigidez com que se constitui
como linguagem. Assim como a marcação de cunho etnográfico, este
estilo de tatuagem tem como função primordial incluir ou excluir um
determinado indivíduo de um grupo, por meio da marca que este traz
tatuada no corpo. Longe da democracia da tatuagem artística, a
representação de símbolos criminais segue uma ordem rígida modificada
de acordo com convenções internas ao grupo que a utiliza, prevê
atribuição hierárquica e revela um forte código guiado não pela lei
escrita, mas pela honra, tal qual o dos canibais brasileiros. As marcações
referentes ao mundo criminal têm semelhança com os processos de
iniciação encontrados nas tribos primitivas brasileiras ou em povos
“bárbaros” da Antiguidade. Paralela à ordenação da Lei, a tatuagem,
enquanto linguagem constituída e articulada, rege o código de conduta
próprio ao universo carcerário – o código moral e ao mesmo tempo
paralelo as ordenações previstas pela Lei do Estado. (OLIVEIRA,
http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/ES1R.%20T.%20OLIVEIRA.pdf
)
O que se percebe é que estes símbolos têm uma conotação com o mundo
profano, mas ao mesmo tempo, observa-se em várias tatuagens a ligação com o
sobrenatural, com o sagrado, com a fé. Por vezes, o mesmo símbolo, como o de
Nª Sª Aparecida, foto 6
5
pode ter duas conotações, uma ligada à fé, a esperança
e a outra, ligada ao profano, ao crime cometido e à pena dentro da prisão, que é o
atentado violento ao pudor ao apenado por
estupro.
(OLIVEIRA,http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/ES1R.%20T.%20OLIVEIR
A.pdf).
5
Conferir as figuras de tatuagens no anexo I.
92
Outro símbolo diferenciado no cárcere é a linguagem própria derivada do
próprio português, porém com significâncias diferentes, dificultando, desta
maneira, o entendimento de pessoas alheias àquela comunidade. Essa
linguagem é bastante flexível e seu vocabulário é renovado sempre que os presos
se sentem ameaçados com a decodificação de alguns de seus vocábulos pelos
carcereiros, pelos policiais, vigias ou delegados. Isto se dá por que: “todo falante
tem dentro de si a capacidade de inovar, criar novos códigos comunicativos. Diz
que os presos, pelo perfil que apresentam, são livres na capacidade de inovar
porque não fizeram a experiência da escola formal” (COSTA apud CARDOSO,
2002, p.10).
O quadro que se segue, demonstra claramente as diferenças nos
significados das atribuições das palavras, assim como o seu significado dentro
das penitenciárias.Segundo a especialista, as casas penais constituem uma
comunidade lingüística que normatizou um falar para poder se comunicar,
atribuindo sentidos às palavras e expressões que só eles (os presos) conhecem”.
(COSTA, 2002, p.10)
GÍRIAS E EXPRESSÕES USADAS PELOS DETENTOS E QUE CONSTAM DA CARTILHA
DO AGENTE PRISIONAL
A boa: Maconha de boa qualidade. A mentirosa: Zero hora.
Abraçar a bronca: Assumir a culpa de outros. Abrir: Fugir, fazer o sujeito falar sob tortura.
Achanã: Cigarro, careta. Adeva: Advogado.
Agendar: Transar (sexo). Ageum: Conversa.
Alibã: Polícia. Aliviar: Sair fora.
Âncora: Gancho de ferro. Andróide: Pessoa guiada, robô.
Anojar: Incomodar, elemento pegajoso. Antena: O preso está espreitando.
Anzol: Seringa hipodérmica. Apertar: Atirar com arma contra alguém.
Arpão: Seringa hipodérmica Arrepiar: Impor, medo, terror, surrar.
Arrego: Favorecimento mediante propina,
ceder a um cardo.
Artigo 121 ou 123: Não apresentar as
características malandras do prazo.
Assou: Foi identificado, flagrado. Atracar: Abordar, invadir.
Atraque: Abordagem policial. Azuelar: Azular, roubar o companheiro.
Bagulheiro: Prezo que arrecada mercadorias
no presídio para enviar aos familiares.
Bagulho: Mercadorias, objetos, pertences.
Baía: Casa. Bailou: Entrou preso.
Baixar: Matar ou mandar matar outro preso. Baixar o preso: Matar o preso.
93
Banho: Comprar e não pagar, roubar, etc. Barão: Mil reais.
Baseado: Cigarro de maconha. Batalhar: Prostituir, trabalhar duro.
Baxarel: Furtar ou roubar. Bicuda: Faca.
Birosca: Pequena casa comercial. Biru: Cigarro, achanã, careta.
Bita: Comida. Bixo D’Água: Serra.
Bisouro: Fusca, automóvel. Bobo: Relógio.
Boca: Ponto de venda, local de armazenagem
de drogas.
Boca Larga: Revólver, pistola, arma de fogo.
Boca limpeza: Local seguro para acampar. Boca sujeira: Local muito arriscado, com
freqüente presença policial.
Bodiando: Dormindo. Bola cheia: Pessoa maioral, que está com
tudo, é o cara.
Bolo: Confusão, encrenca, problema. Bolou: Elaborar um plano.
Brilho: Cocaína. Bronca: Crime cometido, problema de ordem
legal ou disciplinar.
Bruxa: Paranga de maconha. Bruxo: É o bruxo que serve de modelo de
comportamento.
Bunda mole: Frouxo, trouxa, moleirão. Cabeça de lata: É o robô, cabeça guiada.
Cachorreando: Atitude de impacto, visando
intimidar o outro pela alta voz.
Cagüetar: Denunciar.
Caí: Ordem de morte, limpeza, faxina. Caído: Estar por baixo, má fase.
Campana: Estar vigiando, filmar, estar no bico. Cana: Detenção.
Cana dura: Pena a ser cumprida na
penitenciária.
Cano: Arma de fogo, revólver, pistola.
Cara limpa: Não estar drogado. Carango: Automóvel, carreta, carro.
Careta: Cigarro, achanã. Carreirinha: Filete de cocaína para cheirar.
Catatau: Carta, mensagem, fazer uma petição. Chamar para a pedra: Colocar no castigo.
Chapado: Sob efeito de droga. Charutinho: Quantidade significativa de
dinheiro.
Chinelão: Marginal de baixo conceito. Chupar bala: Estar distraído.
Cinco estrela: Refeitório dos funcionários. Coelho: R$10
Colt: Arma estrangeira. Concha: Tapa na orelha.
Coroa: Pessoa mais velha Corujando: Observando.
Crivo: Cigarro. Cuiudo: designativo de preso.
Caruru: Pessoa pobre e burra. Dá roupa: Estar acobertando um malandro.
Dançou: Entrou preso, bailou. Dar: Indicar o paradeiro, caguetar.
Dar uma guela: Conselho, disciplina. Delegacia: Conselho disciplinar.
Desbaratinar: Passar batido, se fazendo. Draga: Arma de fogo, pistola, revólver.
Duque: R$200 É um sono: Pessoa que cria dificuldades,
atrapalha os demais.
Emburacar: Recolher os presos para o
alojamento.
Empilhado: Vários crimes, muita bronca.
Enrolada: Fumo, palheiro. Entortar: Fumar, drogar.
Entrar: Ser preso, ir em cana. Está em surto: Preso que apresenta
distúrbios mentais.
Fazer uma caminhada:Ir em busca de uma
solução para o problema.
Fazer uma limpeza ou faxina: Ordem de
morte ou transferência de preso.
Ficar no bico: Ficar observando, filmar: vigiar,
estar no bico.
OUTRAS EXPRESSÕES USADAS NA PRISÃO:
Avião: Aquele que transporta os objetos,
drogas e produtos de roubo.
Apadrinhar: Proteger, amparar, dar regalias.
Alterar a boca: Criar confusão, distúrbios,
desordem.
Barca: Carro de Polícia.
94
Beata: Pequena quantidade de maconha. Bruxa: Faca ou estoque usados nos
homicídios.
Catatumba: Cama de cimento onde o preso
dorme.
Correr: Acontecer.
Castelo: Alimentos ou objetos trazidos pelos
visitantes dos internos.
De rocha: Tudo certo.
Encastelar: Esconder, guardar ou amalocar. Fichinha: Atentado violento ao pudor, manter
relações sexuais.
Jibóia: Órgão sexual masculino. Laranja: Aquele que se envolve ou é
envolvido gratuitamente em um problema.
Muafa: Redes, roupas e lençóis dos presos. Mina: Garota, mulher, companheira.
Mutuca: Estoque pequeno, arma branca. Mamãezada: Tratar ou agir com delicadeza,
fineza.
Pinote: Fugir, ir embora. Passe as tuas:o quer saber do problema,
não quer tomar conhecimento.
Presunto: Defunto, corpo sem vida, morto. Pagando-de-olho: Fixando o olhar, mirando,
olhando seriamente.
Robô: Aquele que assume um crime dentro da
prisão sem ter cometido.
Radar: Aquele que fica escutando conversa
dos outros.
Ratiagem: Roubar os pertences de outros
internos.
Teleguiado: Aquele que vai nas conversas
dos outros, guia-se pelos outros.
Tranca: Recolhimento, castigo, punição. Tereza: Lençóis e redes amarrados em forma
de corda usados para fuga nas prisões.
Satélite: Ou responder a satélite, arcar com
responsabilidade, ser chamado a.
Sujou: Foi descoberto, foi revelado.
Se deu bem: Resultado positivo, deu tudo
certo, foi bem sucedido.
Sarro: Comida, alimento.
Vila: Ala onde os presos estão alojados. Fazer a cabeça: Fumar maconha, consumir
tóxico.
Fazer a feira: Arrecadar dinheiro ou pertences. Chico: Pancada, surra.
Pescar: Furtar os pertences usando uma vara
com gancho.
Desdobro: Levar na conversa.
Ganhar: Observar, observar usando espelho. Potoca: Conversa mentirosa.
Aplicar: Enganar. Amalocado: Escondido, guardado, entocado.
Boca mole: Falador, aquele que fala demais,
aquele que fala desnecessariamente.
Dar uma força: Dar apoio, apoiar na
realização de determinada atividade.
Tchaw & law: Acabou, terminou, fim,
encerrou.
De cima: Estar armado, estar com estoque
Dar o guelo: Imobilizar. Charlando: Desfilando com jóia ou roupa
nova.
Pila: Autoridade ímproba, pilantra. Botar em mim: Preparar cilada ou flagrante.
Botar no seguro: Separar outro preso que
está marcado para morrer.
Está de loja: Aguardando algum benefício
para sair (falta de agilidade do advogado).
Pegar o sapo: Ameaça de fazer alguma coisa. De racha: Tudo confirmado.
Pedir seguro: Solicitar garantia de vida.
COSTA, Josué. Linguagem própria dos presos é objeto de estudo. O Liberal, Belém, Caderno Atualidades, Polícia, 13 jan
2002, p. 10.
Como foi evidenciado, os símbolos de uma determinada comunidade
também revelam os seus mitos, pois é pelos símbolos que se revelam os ideais,
os sonhos, as aspirações, os medos e as tensões existentes, bem como, unem a
coletividade.
95
2.2.3 Mitos
Os mitos são, muitas vezes, confundidos com as fábulas ou com histórias
falsas. Porém estas últimas são fantasiosas e profanas, não tendo vinculo com o
sobrenatural.
A narração do mito se refere aos fatos anteriores ao surgimento do homem
que e visa dar sentido ao mundo: “O mito aparece e funciona como mediação
simbólica entre o sagrado e o profano, condição necessária à ordem do mundo e
a relação dos seres” (ENCICLOPÉDIA,1999, vol 10, p.86).
Wilges(1995, p.14) refere-se ao mito como a forma do homem transmitir a
experiência do sagrado: “não usa a linguagem da filosofia, da ciência, mas o mito.
Essa é uma das mais belas formas de linguagem humana tentadas pelo homem
para dar significado aos problemas da condição humana e orientar o homem na
caminhada da vida”.
Os mitos são duradouros, mas não perenes e dependem de rituais
periódicos para serem reiterados e reatualizados no universo do grupo, para uma
completa aceitação e coesão do mesmo.
Para sua sobrevivência, os mitos dependem da crença e da aceitação do
grupo, acolhê-lo faria perder sua força (LAGENEST, 1976, p.24). Quando são
questionados ou rejeitados, se convertem em fábula ou ficção.
Dessa forma, os mitos sobrevivem das reiteradas práticas de ritos, fazendo
com que estes se tornem inexaurível nas lembranças da comunidade,
desenvolvendo uma importante função no meio, como será analisado a seguir.
96
2.2.3.1 Funções do mito
O mito está intrinsecamente ligado à vida e a realidade do homem, e como
tal está relacionado com a linguagem e com a vida social e individual, assim como
com a tradição de uma comunidade. Suas manifestações se dão, portanto na
dança, na arte, na música e em todas as manifestações sociais ou individuais.
O mito relata as gestas dos Entes Sobrenaturais e falam do poder sagrado.
Neste sentido, torna modelo exemplar das atividades humanas significativas
(ELIADE, 1972, p.12). Porém, não dá uma garantia de bondade ou moral, pois
tem o papel de revelar os modelos e fornecer um sentido ao mundo e à existência
humana, o que propicia um sistema de valores, de prioridades, e organiza a
conduta humana (ELIADE, 1972, p.128), mas em si, não garante o
comportamento moral ou ético.
O mito tem ainda a função de manter a coesão do grupo religioso, pois sua
recusa provoca a ruptura do grupo. Desta forma, o mito “representa uma reação
contra a força desagregante do raciocínio crítico” (LAGENEST, 1976, p.25).
2.2.3.2 Tipos de mitos
Sob a sua forma principal, o mito é cosmogônico ou escatológico. “O mito
cosmogônico é ‘verdadeiro’ porque a existência do Mundo está aí para acolhê-lo;
o mito da origem da morte é igualmente ‘verdadeiro’ porque é provado pela
mortalidade do homem” (ELIADE, 1972, p.12).
Mitos cosmogônicos
: são mitos ligados a criação do mundo, normalmente
mencionam o oceano, o caos ou a terra. Um exemplo deste mito é o livro do
Gênesis. Neste a criação vem apenas da palavra de Deus. Um outro exemplo,
97
dentre os muitos existentes, é o mito do ovo primordial, difundido no Pacífico, na
Europa e no sul da Ásia, dentre tantos outros mitos cosmogônicos.
Mitos sobre o tempo e a eternidade: o movimento dos astros, sua
regularidade e precisão, sempre atraíram a curiosidade dos povos. As culturas
hinduísta e budista elaboraram um complexo sistema de mundo que aparecem e
desaparecem ciclicamente, explicando a formação e absorção periódica do
universo como fases de atividade e repouso de energia. Em oposição, as religiões
históricas: judaísmo, cristianismo, islamismo, afirmam a intervenção de Deus na
história, num acontecimento único e inédito.
Mitos de transformação e transição: muitos mitos narram mudanças
cósmicas que possibilitaram a vida humana na terra. As transformações sejam da
vida individual ou social são objetos de interesse mitológico, como o nascimento,
a puberdade, a vida adulta, casamento e morte, interpretados como atualizações
de processos cósmicos ou de realidades míticas.
Deuses e heróis: a mitologia diverge em relação aos deuses podendo
haver um único Deus ou diversos deuses, hierarquicamente organizados. Estas
variações se dão em relação ao tempo, circunstâncias históricas, como o domínio
de um povo sobre o outro ou com relação a uma atividade econômica (agrícola)
ou de guerras. É comum o relato de deuses supremos, significando a perfeição,
supremacia, onipotência. Deuses que criam o mundo e que, posteriormente,
deixam o governo a cargo de outros deuses. Na mitologia grega, por exemplo,
Zeus é o pai dos homens e dos deuses, representando a figura do patriarca
familiar.
98
Mitos Modernos: o mito sofre influencias históricas e culturais e, ao mesmo
tempo, influencia a cultura e a história da comunidade. Ele pode adaptar-se às
novas condições sociais e às novas culturas, mas não pode ser extirpado da
comunidade.(ELIADE, 1972, p.152). Portanto, o homem moderno, apesar de ter
decifrado os mitos das comunidades arcaicas, criou novos mitos, mas estes
guardam os aspectos míticos ligados aos mitos arcaicos.
Eliade( 1972, p. 157-158) demonstra que a mitologia moderna busca,
assim como o faz a mitologia das comunidades arcaicas, o retorno às origens
representadas: 1) pela Reforma que retorna à Bíblia e que procura viver a
experiência primitiva; 2) pela Revolução Francesa que tomou como paradigma os
romanos e os espartanos, sendo que seus líderes consideravam-se restauradores
das antigas virtudes exaltadas por Tito Lívio e Plutarco; 3) pelo mito racista do
“ariano”. Principalmente a Alemanha traduz-se no mito “ariano” como um modelo
exemplar de recuperação da pureza das raças, da força física, da nobreza, da
moral heróica, da perfeição como raça.
Também Marx através da figura do proletariado, reacendeu o papel
redentor do Justo, um dos grandes mitos escatológicos do mundo asiático-
mediterrâneo, visando modificar o status ontológico do mundo.
Marx enriqueceu esse mito venerável de toda uma ideologia messiânica
judaico-cristã: de um lado, o papel profético e a função soteriológica que
atribui ao proletariado; de outro a luta pelo Bem e o Mal, que pode ser
facilmente comparada ao conflito apocalíptico entre Cristo e o Anticristo,
seguido da vitória definitiva do primeiro (ELIADE apud MYTES, 1972,
p.158).
A mídia, o grande veículo de comunicação atual, tem produzido também
seus mitos, que no caso de qualquer transformação no comportamento ou a sua
morte, conduzem a verdadeiras crises entre os leitores. Um caso típico é o
99
Superman, com sua dupla personalidade: a de um jornalista apagado e modesto
e a de um ser humano dotado de poderes prodigiosos. “O mito Superman
satisfaz às nostalgias secretas do homem moderno que, sabendo-se decaído e
limitado, sonha revelar-se um dia um ‘personagem excepcional’,um ‘herói’”
(ELIADE, 1972, p. 159).
O romance policial também demonstra a luta do mito entre o bem e o mal,
o culto ao automóvel, como um objeto sagrado, adorado por seus adeptos,
incluindo ritos que lembram os ritos religiosos, com locais que lembram os locais
sagrados de culto: “o culto do carro sagrado tem os seus adeptos e iniciados.
Nenhum gnóstico aguardava com maior ansiedade a revelação de um oráculo, do
que um adorador do automóvel aguarda os primeiros rumores sobre os novos
modelos” (ELIADE apud GREELEY, 1972, p. 160).
Esses mitos criados através das personalidades vivenciadas pelos atores,
conduzem a um comportamento moral e ético, impondo também certos padrões
de vida práticos espelhados no mito, como o estilo no vestuário, o padrão de
beleza, o culto ao corpo, o consumismo, dentre outras condutas, que podem
conduzir a uma frustração ou a sensação do fracasso e da impotência, caso o ser
humano não consiga atingir o estabelecido socialmente pela mass media.
O mito e o rito que, o institui e que o promove, estão intimamente ligados:
“é impossível compreender um rito separado do mito que exprime, a seu modo;
assim como é impossível apreender o sentido profundo de um mito sem conhecer
o rito que o exprime” (LAGENEST, 1976, p.24).
100
2.2.4 Ritos
Os mitos e dogmas não podem criar vida por si só, nem mesmo manter-se
vivo sem que haja um culto para acolhê-los, coletivos e vivos, na memória da
comunidade, através de determinados ritos. São nos ritos que os homens
religiosos se “expressam e concretizam as duas atitudes fundamentais do crente
diante do sagrado; deixar-se arrastar para além do seu mundo habitual (atitude
mística), ou pôr esse ‘além’ a serviço desse mundo (atitude utilitária).”
(LAGENEST, 1976, p.28).
Os ritos são compostos por palavras, gestos e, as vezes, por música.
Estes elementos são, no entanto, independentes uns dos outros, sendo que os
gestos se sobressaem por terem expressão própria, já que são carregados de
símbolos. Estes devem ser compreendidos e interpretados dentro do contexto
sócio-cultural e histórico, pois só assim serão verdadeiramente interpretados.
(LAGENEST, 1976, p.33). Esses ritos desempenham uma importante função
social, mesmo que este não seja o objetivo explicito do rito, estabelecendo uma
união com os objetos sagrados, reforçando a solidariedade e fortalecendo seus
valores, assim como, torna real aquilo que é representado:
Pela expressão ritual comum de suas atitudes, os homens não apenas
as manifestam, mas também reforçam as atitudes. O ritual conduz as
atitudes a um estado elevado de auto consciência que as fortalece e, por
sua vez, através delas, fortalece a comunidade moral (O’DEA apud
Parsons, 1969, p. 61).
Os ritos religiosos podem ser divididos para fins de melhor compreensão,
em: ritos preliminares ou de iniciação, ritos de passagem, de união e os ritos
representativos e comemorativos.
Os ritos preliminares ou de iniciação são aqueles que antecedem
aproximação do sagrado purificando através do fogo, água ou sangue, a pessoa
101
ou o objeto de toda mácula existente. São, portanto, preparatórios para outros
ritos. Também este rito pode dar-se pela transferência da falta de um objeto
inanimado, animal ou outra pessoa, que serão quebrados, expulsos ou mortos,
para que todo mal que exista neles sejam destruídos, ou pela palavra que passa a
ser “vomitada”, dita, expulsa. Dessa forma, elimina-se todo mal que possa existir.
(LAGENEST, 1976, p.30).
Cita-se como exemplo o batizado, a crisma, a iniciação no candomblé,
dentre outros. Esses ritos são realizados com freqüência no cárcere porque a
maioria dos detentos não teve acesso a essas celebrações anteriormente.
Os ritos de passagem são ritos que, ligados ao crescimento, casamento e
morte (sendo que este é a última das passagens), visam promover o ingresso do
indivíduo em outro tipo de vida. No Brasil é celebrado um dia especial para os
mortos, que é dia de Finados. Em algumas comunidades são muito freqüentes os
ritos relacionados à puberdade.
Figura 8:
Batizado na
Igreja
Católica, um
dos ritos de
iniciação.
Figura 9:
Iniciação no
Candomblé,
um dos ritos
considerados
de iniciação.
Figura 10: Debret, prancha 30 — superior Divers
convois funèbres. O artista francês reúne os vários
tipos de cortejo funerário que presenciou na cidade,
desde o mais simples, onde dois negros transportam
o cadáver em uma rede, até os mais aparatosos,
com grande concorrência de assistentes.
(RODRIGUES, 1999, p. 53).
102
Os ritos de união são aqueles que visam o fortalecimento da união da
comunidade, permitindo que o fiel incorpore os poderes ou a santidade daquele
que recebe de modo ao mesmo tempo realista e simbólico. Eles são compostos
por dois elementos: “um sacrifício seguido de uma comunhão (manducação da
pessoa, animal ou elementos oferecidos e assim, destruídos)” (LAGENEST, 1976,
p.32).
Já os ritos representativos têm como função reviver, revitalizar e regenerar
o cosmos e são celebrados em coletividade. Dessa forma, esses ritos são
realizados nas festividades religiosas onde a comunidade volta a reviver a origem
do mito inserido no contexto cultural, mantendo-o vivo na comunidade: “a volta
coletiva à origem tem o poder de renovar e regenerar todo o cosmos”
(LAGENEST, 1976, p.32).
Figura 11: Folia de Reis: “Esta festa comemora o nascimento de Cristo. Seu
enredo lembra a viagem que os três reis magos – Baltazar, Belchior e
Gaspar – fizeram a Belém para encontrar o Menino Jesus. Os palhaços,
vestidos a caráter e cobertos por máscaras, representam os soldados do rei
Herodes, em Jerusalém. Os foliões abrem alas com uma bandeira, que –
dizem!- é abençoada e protege das más influências.“
(www.terrabrasileira
.net/folclore/colhe/nordeste/ritosnod.html – 5k)
Torna-se imprescindível a compreensão destes elementos do fenômeno
religioso para a atuação da pastoral carcerária, visto que, o povo latino americano
é eminentemente religioso, e sua cultura se manifesta nas práticas religiosas. A
aceitação e os frutos do trabalho desenvolvido no cárcere dependerão do
conhecimento prévio da cultura em que estes estão inseridos e, do respeito e
valorização de todo contexto cultural e religioso.
103
Também estes ritos são utilizados pela Pastoral Carcerária quando realiza
missas, celebrações da Palavra, casamentos, batizados, crismas, cultos
ecumênicos, ou até mesmo, quando comemora festividades religiosas da
comunidade, como o Natal, Pentecostes e Páscoa.
2.2.5 Dogmas
Um dos elementos do fenômeno religioso coletivo se constitui no dogma
que pertence ao mundo dos conceitos, ao contrário do mito que, pertence ao das
figuras. Através da evolução intelectual coletiva, o dogma tende a substituir o
mito, sendo, então, a etapa final deste fenômeno (LAGENEST, 1976, p.25). Por
isto, não raras as vezes, o dogma é confundido com o mito que o originou.
Nesse sentido Weber explica que existe transformação do saber sagrado
em dogmas:
Quando os magos corporativamente organizados se tornam pouco a
pouco sacerdotes, essa função importante da educação de leigos não
cessa de existir e, por toda parte, a pretensão do sacerdócio é mantê-la
firme em suas mãos. Ao mesmo tempo, o saber sagrado, como tal, vai
desaparecendo, e o ensinamento sacerdotal transforma-se numa
tradição fixada literalmente, interpretada pelos sacerdotes mediante
dogmas. (WEBER, 1991, p. 315).
O pensamento ocidental da atualidade sofreu influência do pensamento
grego clássico, no qual a palavra dogma significava um conjunto de decisões
tomadas por autoridades legitimadas, bem como, podia designar a síntese de
uma doutrina ou de um filósofo.
Atualmente, dogma se tornou toda afirmação doutrinal ligada a
determinadas verdades e que impõe uma conduta prática, sem que possa admitir
questionamentos, é uma verdade absoluta. Porém a formulação do dogma não
ocorre de forma alheatória, descontextualizada, mas “conserva a marca da cultura
e das preocupações momentâneas e dominantes da coletividade à qual é
104
imposta, na qualidade de resposta a determinada necessidade do conhecimento
religioso” (LAGENEST, 1976, p. 26).
Esses elementos integrantes do fenômeno religioso são imprescindíveis na
compreensão da ação da Pastoral Carcerária de Pires do Rio, como será exposto
no capítulo a seguir.
2.3 A Influência do fenômeno religioso nos munícipes de Pires do Rio
Como em todo Brasil, o fenômeno religioso em Pires do Rio coincide com a
própria história da cidade e por ele é influenciado em todas as ações, o que
justifica a atual religiosidade do povo piresino.
Logo após o início da construção das primeiras casas, um grupo de
homens da comunidade iniciou a construção de uma capela onde pudessem
reunir os habitantes da cidade e os fazendeiros circunvizinhos. E assim,
levantaram as paredes sem que estas estivessem respaldadas, o que à mercê
das abundantes chuvas da época, produziu rachaduras e ruínas, sendo demolida
pelo Dr. Benedito Amorim, e o material remanescente foi destinado à construção
do cemitério local. (SOARES, 1967, p. 25).
Novamente a população se organizou na construção de outra capela, à
oportunidade foram realizadas grandes festas religiosas,com barraquinhas a porta
da capela com leilões, verba arrecadada no comércio local e nos eventos, tendo a
participação da população da localidade e de toda vizinhança. Essa articulação
possibilitou a compra dos sinos (Gabriel e Rafael)
6
, vindos da cidade de
Hamburgo, na Alemanha e, ainda hoje, parte da igreja. Também foi possível a
6
Nome dado aos sinos pelo padre Henrique Iziquierdo.
105
aquisição de uma imagem de Santa Terezinha do Menino Jesus e do Sagrado
Coração de Jesus, o que, obviamente influenciou, posteriormente, na escolha do
nome da Matriz que acabou por levar o nome de Sagrado Coração de Jesus.
Em 1932, foi designado o primeiro sacerdote para dirigir a Paróquia
Sagrado Coração de Jesus, desta forma, esta data marcou a ereção da Paróquia
de Pires do Rio.
O Arcebispo preocupado com a instalação do Instituto Granbery, sob a
orientação e direção dos metodistas confiou a Paróquia de Pires do Rio em 1946
aos frades franciscanos vindos dos Estados Unidos da América, construindo a
atual matriz Sagrado Coração de Jesus.
Vislumbrando fundar escolas que assemelhassem às de sua terra natal, os
frades escreveram para a superiora das Irmãs Franciscanas de Allegany, que
também em 1946, vieram residir em Pires do Rio. Assim em 1949, foi criada a
escola paroquial Sagrado Coração de Jesus (ginásio) a cargo dos padres e,
posteriormente, em 1950, o colégio Sagrado Coração de Jesus (primário e
normal), a cargo das irmãs franciscanas de Allegany. Com a formação das
normalistas, diversas solicitações foram realizadas para o ingresso à ordem das
Irmãs (WYSE, 1989, p.192). Tal fato pode ser compreendido para a verificação
Figura 12: Igreja Sagrado Coração de
Jesus
106
qualitativa da influencia do referido colégio na formação religiosa, cultural e ética
dos piresinos.
Com a chegada da Irmã Modesta, as ações também se estenderam à
saúde, pois a mesma sendo enfermeira com experiência em hospitais nos
Estados Unidos, atuou inclusive como parteira, tendo em vista a escassez de
profissionais na área.
Alguns anos após vieram as Irmãs de São Francisco dos Pobres
assumindo a direção da Maternidade Carmela Dutra, abrigo, por vários anos, de
mulheres pobres vinda de diversas regiões para dar à luz, contando com o apoio
desde o enxoval até o parto e, muitas destas, sem condições econômicas ou
psicológicas de criar seu filho, acabavam por deixá-los no local para serem
adotados pelas famílias piresinas.
Posteriormente, criou-se no local também a Creche Nossa senhora dos
Anjos, já que as mães de Pires do Rio, com menor poder aquisitivo, necessitavam
de um local para deixar seus filhos já que, por razões econômicas, eram
obrigadas a deixar o lar para auxiliar na manutenção da casa. Mais tarde criou-se
também a Associação de Proteção à Infância que, englobava diversos projetos
com crianças e adolescente já não participantes da fase maternal, visando
complementar as ações da Creche. Essas duas últimas estão atuantes até janeiro
Figura 13: Visão panorâmica do
Colégio Sagrado Coração de
Jesus
107
de 2007 , somente deixando de ter sua finalidade e, portanto extinta, a
Maternidade com a construção de um Hospital Municipal.
A influência religiosa católica norte-americana das ordens e congregações
religiosas, sem dúvida alguma, contribuiu para a construção da cidade, bem como
com a religião, educação, saúde, ética, construindo um povo generoso e solícito,
porém dentro de uma ótica tradicional, conservadora e rígida.:
Por uma espécie de necessidade interior, todo grupo religioso, tende
espontaneamente, a conservar o equilíbrio necessário à sua
sobrevivência; assim, ele se opõe, inevitavelmente, às forças externas e
aos dinamismos internos que ameaçam modificar tanto suas formas
habituais de piedade como as concepções morais que determinam seu
comportamento. Para desencadear essa reação de defesa, basta que
seja ameaçada a estabilidade de sua organização – que é tanto mais
frágil quanto mais rígida for (LAGENEST, 1976, p. 48).
A participação do leigo e os ministérios praticamente não existiam. O
sacerdote era ainda o centro de todas as ações, atuações e óticas voltadas
preponderantemente para a sacramentalização e espiritualização sem uma
abordagem enfática da realidade.
O catolicismo foi por muito tempo o credo predominante da comunidade
piresina. Porém, como aconteceu em todo Brasil, houve uma equiparação, isto é,
um avanço e o aumento de Igrejas evangélicas e de seus seguidores.
Na perspectiva de buscar resgatar o fenômeno religioso dentro do cárcere,
tendo como prisma, compreender o encarcerado como o povo de Deus que
vivencia uma situação de exploração e opressão, a Pastoral Carcerária de Pires
do Rio, inicia suas atividades, como será abordado no capítulo seguinte, porém
enfrenta estas concepções rígidas e tradicionais advindas da cultura religiosa
sobre a qual a cidade sofreu a influência.
108
CAPÍTULO 3 – A PASTORAL CARCERARIA E SUA ATUAÇÃO EM
PIRES DO RIO
Não é recente buscar novos rumos para a ação da Igreja em consonância
com o período histórico, tendo em vista realmente consolidar a evangelização.
Jesus Cristo extrapolando os preceitos estabelecidos e, com o escopo de
abranger os mais excluídos, percorria as cidades, pregava nas casas (Lc 4, 38;
5,29; 7 36) e estas lhe serviam de apoio ao seu trabalho (Lc 10, 38-4). Não se
ateve apenas à pregação nas sinagogas; os contextos de suas admoestações
eram diferenciados, aproximando mais da vida do cotidiano do povo, através das
parábolas (GUTIÉRREZ, 2003, p.30/31).
Paulo de Tarso se reporta às pequenas comunidades, principalmente ao
seio familiar para estabelecer uma Igreja diferenciada, que mais tarde os teólogos
denominaram de “igrejas domésticas”
7
, na qual encontrava apoio e
sustentabilidade para ser o enviado (1 Cor 1, 17) a pregar o Evangelho, isto é, o
Cristo ( 1 Ts 3, 2; 1 Cor 9, 12): “Paulo fez da pequena igreja doméstica um
instrumento básico para manter viva a Palavra de Deus e para acolhê-la mundo
7
“Para se ajudar nas horas difíceis, os missionários reuniam-se nas casas (4, 23-31). Partilhavam
a vida, trocavam notícias, escutavam a Palavra do Senhor, oravam, celebravam a Eucaristia,
recebiam a força do Divino Espírito Santo, criavam mais coragem para enfrentar as perseguições.
Não paravam de anunciar a cada dia, nas casas, a Boa Notícia de Jesus ( 5, 42)”. (MOSCONI,
2001, p.114).
109
afora. Por onde andava, fundava pequenas comunidades”. (MOSCONI, 2001,
p.115).
Os discípulos de Paulo, Timóteo e Tito, recebem a denominação de
pastores “por causa do objeto principal dos conselhos ministrados aos
destinatários, que visam o comportamento da comunidade” (MONLOUBOU, 1996,
p. 8).
Dessa forma pode-se concluir que a Pastoral significa servir, de forma a
cuidar da comunidade, com zelo e autoridade Divina, através da qual, a Igreja
possibilita, de forma organizada, tornar possível sua missão, como a Igreja
reconhece oficialmente:
Portanto, sob a luz de Cristo, Imagem de Deus invisível e Primogênito de
todas as criaturas, o Concílio pretende falar a todos, para esclarecer o
mistério do homem e cooperar na descoberta da solução dos principais
problemas do nosso tempo (KLOPPENBURG, 1991, p.8).
Gutierréz (2003, p. 55), afirma que “a opção pelos pobres e excluídos é
hoje um elemento medular da identidade cristã e eclesial” desta forma, exige da
Igreja e do cristão compromisso com o excluído, com o pobre ou o destituído de
acesso a qualquer bem seja material ou intelectual.
Para uma compreensão integral do tema, interessante se faz lançar mão
da observação de Gustavo Gutiérrez (2003, p. 30-31) quanto ao conceito atual
dos diversos tipos de exclusão da atualidade: “A noção de exclusão social
apresenta várias dimensões. No nível econômico, os novos modos de produção,
decorrentes em larga medida da revolução do conhecimento, fazem que as
matérias-primas se desvalorizem, com os conseqüentes resultados nos países
pobres, e que o acesso ao mercado de trabalho dependa da qualificação técnica
do trabalhador, excluindo assim, de fato, a grande maioria dos pobres de hoje. A
110
exclusão no plano político (não-participação nas decisões que se tomam nesse
âmbito) e no cultural (discriminação por razões raciais de gênero) reforça a
exclusão econômica e nela se apóia”.
No Brasil, na década de 1970 surgiram diversas pastorais específicas
dentre elas o Conselho Indígena Missionário, a Comissão Pastoral da Terra e o
crescimento das CEBs
8
. Uma nova perspectiva se abriu para a atuação do leigo e
o incentivo das pastorais com a realização da Conferência Latino-americano de
Puebla.
Na linha de atuação social da Igreja Católica algumas pastorais destacam
com propostas transformadoras, imbuídas dos ideais libertadores, com bases no
próprio marxismo.
Os movimentos católicos leigos, como a Juventude Universitária Católica
(JUC), a Juventude Operária Católica, a Ação Católica, os movimentos
de educação de base (Brasil), ou de promoção agrária (Nicarágua), as
Federações dos Camponeses Cristãos (El Salvador) e, sobretudo, as
comunidades de base, foram, a partir do início dos anos 60, o lugar
social de um engajamento ativo de cristãos nas lutas populares, de uma
reinterpretação do Evangelho à luz dessa prática e, em certos casos, de
uma atração irresistível (o termo empregado por muitos observadores é
‘fascinação’) pelo marxismo. (LÖWY, 1991, p.35).
Dentre estas, se encontram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) a
Pastoral Operária, Pastoral da Terra, Pastoral Carcerária e demais movimentos
sociais, que tem o mesmo objetivo de promoção do homem e da justiça, a
pastoral popular e outras.
8
As Comunidades Eclesiais de Base surgiram geralmente com a ajuda do clero e das freiras
progressistas. O Brasil foi sem dúvida, o país que constituiu mais comunidades de base, chegando
a ter no final dos anos 1970 cerca de 100 mil comunidades cristãs de base, com a participação de
dois ou três milhões de pessoas.. A participação da Igreja foi preponderante nas lutas
revolucionárias na América Latina.: no Brasil, a formação do Partido dos Trabalhadores, na
Nicarágua, a vitória do sandinismo e, a consolidação da FMLN em El Salvador(LÖWY 1991, ps.47
-56).
111
A Pastoral Popular prestou importantíssimo papel na época do fechamento
político, pois foi instrumento de articulação e luta das forças populares, sendo que
a Igreja constituiu um espaço de discussão, prática democrática e até abrigo de
diversas lutas. “Pode se dizer duplo movimento: do povo em direção a Igreja e de
setores da Igreja em direção ao povo(GALLETA, apud LESBAUPIN, 1986, p.8).
Porém cabe destacar que, a maioria das pastorais ainda está aquém de
uma visão e ação transformadoras. Em sua maioria, visam apenas minimizar o
sofrimento do ser humano e dos conflitos, e desta forma, ingenuamente, terminam
por reforçar o sistema dominante e as idéias hegemônicas predominantes na
nossa sociedade.
Desde 1997, com a Campanha da Fraternidade apoiada na Carta
Apostólica Tertio Milennio Adveniet, de João Paulo II, na qual aborda “Jesus
Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre”, aborda o tema
“Fraternidade e os Encarcerados e o lema: “Cristo liberta de todas as prisões”.
Esta articulação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil consolida o Manual
da Campanha da Fraternidade que traz uma abordagem crítica sobre os crimes e
a violência no Brasil, numa ótica libertadora, que enfoca também a situação atual
dos cárceres no Brasil.
3.1 Experiências que antecederam a Campanha da Fraternidade de 1997:
1) O primeiro relato de atuação como agente da Pastoral Carcerária no
Brasil remonta ao ano de 1956, através da atuação da Ir. Isabel (PASTORAL
CARCERÁRIA, www.pastoralcarceraria.org.br
). Em Florianópolis o Pe. Ney relata
112
que desde 1974 já desenvolvia atividades nas instituições penais daquele
município (PEREIRA, www.pastoralcarceraria.org.br).
2) A Pastoral Carcerária do Distrito Federal já atuava anteriormente, mas
só em 1996 foi efetivada, ou seja, formalmente criada. Também no ano de 1997,
foi criada a pastoral carcerária de Belo Horizonte. A Arquidiocese de Mariana
apresenta um trabalho em sua jurisdição com 700 presos.
3) A Fundação Patronato Lima Drummond, localizada em Porto Alegre e
fundada em 1947 por presos e assistentes sociais, tinha, até 1988, acompanhado
8025 presos/egressos, dos quais, apenas 06 voltaram a reincidir. Atualmente
encontra-se sob a administração e coordenação do Estado do Rio Grande do Sul
(CNBB, 1997, p.140).
4) Fundação de Recuperação universal Comunidade terapêutica Oásis”,
também sediada em Porto Alegre, tem como objetivo a recuperação de
dependentes químicos. Ela fez convênio com a Pastoral Carcerária para receber
egressos ou presos em regime semi-aberto (CNBB, 1997, p.140).
5) Casa do Albergado Pe. Pio Buck, destina-se a receber presos com
poucos meses restantes da pena e, para condenados à restrição de liberdade nos
fins de semana, visando orientação e acompanhamento dos egressos do cárcere
(CNBB, 1997, p.140).
6) Programa Pró-Egresso, projeto ligado a Universidade de Londrina, com
o nome Themis, inciado em 1976 e que apresenta um percentual de apenas 2%
de reincidências, durante os últimos 10 anos (CNBB, 1997, p.140).
7) Experiência de Vila Velha, o juiz João Baptista Herkehoff utilizava penas
alternativas, encaminhando para prisão somente os que apresentavam perigo. O
113
cumprimento das penas e o apenado era acompanhado pelo próprio juiz, e
apresentou um resultado positivo, com apenas 6,1% de reincidências ao longo de
10 anos (CNBB, 1997, p.140).
8) Ministério Pastoral da Igreja Metodista realizou um trabalho ecumênico
pioneiro, com reincidências de apenas 5%.(CNBB, 1997, p.140).
9) Pastoral Carcerária de São Paulo e Sociedade de Apoio e
Acompanhamento, uma experiência da Arquidiocese de São Paulo. As atividades
são voltadas para a defesa da integridade física dos presos, denúncia de maus
tratos, corrupção e elaboração de sugestões e alternativas para uma política
criminal (CNBB, 1997, p.140).
10) Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), fundada
em 1972, em São José dos Campos, considerada como órgão auxiliar da Justiça.
Realiza o acompanhamento dos presos em regime fechado, semi-aberto e aberto,
bem como, do egresso, utilizando uma metodologia de valorização humana,
propicia baixos índices de reincidência. Como desdobramentos, foram
implantados núcleos em mais de 100 comarcas no Brasil e em outros países
como no Equador, Argentina, Escócia, Coréia do Sul e Rússia (CNBB, 1997,
p.140).
11) Pastoral Penal do Rio de Janeiro, com atividades voltadas para
evangelização de presos, egressos e familiares, e assessoria jurídica e projetos
de assistência social aos mesmos. Desenvolve ainda, apoio aos adolescentes
infratores através do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Criança e do
Adolescente João XXIII (CNBB, 1997, p.140).
114
12) Grupo de Apoio Mahatama Gandhi (GAAMG), sediado em Fortaleza,
ligado ao Instituto de Apoio ao Apenado Dom Aloísio Lorscheider, teve o início
das atividades de apoio ao encarcerado no ano de 1993. (CNBB, 1997, p.140).
13) Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP), criado desde
1987 tem como objetivo a reinserção social do egresso da prisão. Criado em
Brasília a FUNAP emprega 96 presos em 18 órgãos conveniados (públicos e
particulares). Os presos realizam uma jornada de 40horas semanais, recebendo
um salário mínimo por mês. Além disto, a cada dia trabalhado , eles têm um dia
de suas penas abatido. Eles se beneficiam ainda das atividades de assistência
social realizadas com suas famílias. (FUJIWARA, ALESSIO, FARAH
(orgs.),http://inovando.fgvso.br/conteúdo/documentos/20experiencias1998/7%20_
%20funap.polf., 1999).
3.2 Campanha da Fraternidade de 1997
Idealizada em 1961, por três padres responsáveis pela Cáritas do Brasil
9
,
com o objetivo de arrecadar fundos para atividades assistenciais e promocionais,
tornou-se autônoma, concretizando-se na quaresma de 1962, em Natal (RN).
Devido ao seu desempenho, no ano subseqüente, houve adesão de mais de 16
Dioceses, sendo lançada em nível nacional, no dia 26 de dezembro de 1963, à luz
do Vaticano II.
A divulgação de um tema em nível nacional por um determinado grupo de
bispos promoveu a convergência das atenções sobre o referido tema,
9
Entidade filantrópica, que tem o objetivo de auxiliar financeiramente as paróquias nas atividades
sociais, no Brasil, fundada em 1957.
115
possibilitando o debate sobre suas causas, conseqüências e alternativas
possíveis. Isto acabou por transformar a Campanha da Fraternidade em:
[...] atividade ampla de evangelização desenvolvida num tempo
(quaresma), para ajudar os cristãos e as pessoas de boa vontade a
viverem a fraternidade em compromissos concretos, no processo de
transformação da sociedade, a partir de um problema específico que
exige a participação de todos na busca de alternativas de solução
(CNBB, 1997, p. 17).
Os temas da Campanha da Fraternidade se dividiram em 3 fases:
1ª Fase: Busca da Renovação da Igreja (tempo em que os temas voltaram-
se para questões internas da Igreja): Renovação da Igreja (1964-1965) e
Renovação do Cristão (1966- 1972);
2ª Fase: A Igreja voltada para a questão social do povo, denunciando o
pecado (violência, opressão) e promovendo a justiça social (1973-1984);
3ª Fase: A Igreja volta-se para questões existenciais e sociais do povo
brasileiro em específico, dentro desta fase em 1997, a Campanha da Fraternidade
aborda a questão do cárcere e do encarcerado, dando origem à discussão e ao
debate em todo Brasil, numa preparação para a comemoração do Jubileu do ano
2000:
Embora, às vezes, a condição carcerária corra o risco de
despersonalizar o indivíduo, privando-o de muitas possibilidades de se
exprimir publicamente, o recluso deve lembrar-se de que, diante de
Deus, não é assim: o Jubileu é o tempo da pessoa, em que cada um é
ele mesmo diante de deus, à imagem e à semelhança dele(PAULO II,
1997, p.8).
3.2.1 Objetivos
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tendo como referência as
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora elaborou o Manual da Campanha da
116
Fraternidade de 1997, denominado Cristo Liberta de Todas as Prisões, contendo
os objetivos que se seguem:
Despertar a sensibilidade e a solidariedade dos cristãos e de todos os
homens e mulheres de boa vontade para as vítimas e para com os
encarcerado, ajudando-os a perceberem a realidade carcerária do Brasil
e a se comprometerem na realização das mudanças necessárias;
Acompanhar as vítimas e ajudá-las a enfrentar os seus problemas e a
perdoar;
Ajudar os presos e as presas a se tornarem sujeitos ativos no seu
processo de conversão e de reinserção na sociedade;
Colaborar com as autoridades legislativas, judiciárias, policiais,
penitenciárias na sua tarefa de fazer as reformas e as leis necessárias;
Participar ativamente no processo de mudança da sociedade toda para
superar os preconceitos, aprimorar a educação, e fiscalizar a aplicação
das leis;
Colocar os MCS e os formadores de opinião no desempenho de suas
tarefas;
Criar estruturas de atendimento e ajuda aos presos e aos seus
familiares;
Incentivar a busca de formas alternativas à pena de prisão e de
implementar a sua realização;
Ajudar os educadores e educadoras a realizar a educação para a
fraternidade, a reconciliação e a responsabilidade pelo bem de todos;
Estabelecer parcerias com as Igrejas e organizações na sociedade civil
que trabalham nestes campos (1997, p.22-23).
Já nos objetivos, percebe-se que a posição da CNBB não é apenas de
minimizadora dos conflitos existentes visando propiciar a manutenção do status
quo, pois logo no primeiro objetivo, levanta-se a possibilidade de mobilização
social e transformações necessárias. Também no capítulo Ver, do Manual da CF
97(pgs. 56-97), apresenta várias denúncias sobre: a exclusão social que conduz à
criminalidade; as condições de sobrevivência dos presos nos cárceres, assim
duplamente excluídos; os erros e falhas do judiciário; os excessos cometidos por
policiais.
De certa forma, a ação para melhorar as condições de vida do preso e de
suas famílias, diminui os conflitos gerados entre as classes sociais. Porém, esta
ação pode não ser meramente assistencial, pois quando promove a denúncia dos
117
erros cometidos; quando reflete com a comunidade sobre as verdadeiras causas
da violência, da mudança de comportamento nos crimes (crimes contra a vida
para crimes contra o patrimônio), sobre a quem interessa a manutenção da
violência e, principalmente, sobre o compromisso do leigo cristão em relação à
realidade vivenciada, estabelece um nível de consciência maior entre os membros
da sociedade. No mínimo, a denúncia desmistifica a visão até então encasulada
na ideologia hegemônica e, desperta para novos horizontes libertadores da
alienação.
Construir uma sociedade justa passa hoje em dia, necessariamente, pela
participação consciente e ativa na luta de classes que se realiza diante
dos nossos olhos. Como conciliar isso com a exigência cristã de amor
universal? A resposta de Gutiérrez é de um alto rigor político e
generosidade moral: não odiamos os opressores, desejamos liberta-los
também, libertando-os da sua própria alienação, da sua ambição, do seu
egoísmo, em uma palavra, da sua condição desumana. Mas para isso, é
preciso optar resolutamente pelos oprimidos e combater real e
eficazmente a classe dos opressores (LÖWY apud GUTIÉRREZ, 1991,
p. 98).
3.2.2 Contribuições
Pautados nas reflexões anteriores, diversas pastorais carcerárias foram
consolidadas e outras constituídas a partir da Campanha da Fraternidade, já que
o tema foi objeto de debate e discussão em todo território nacional, dentro da
sociedade e da Igreja Católica. Inclui como resultante desta Campanha, a criação
do Serviço de Pastoral Carcerária (SEPAC), constituído no ano de 1996, mas já
influenciado pela Campanha da Fraternidade, com o objetivo de apoiar as
entidades que prestam assistência aos presos, seus familiares e egressos.
Como é possível observar, o trabalho da Pastoral Carcerária não fica
adstrito à assistência ao encarcerado, aos seus direitos e deveres, mas também
alcança suas famílias, as vítimas e a sociedade civil como um todo, visando criar
118
nova ótica sobre o crime, a criminalidade e preparando o egresso do cárcere para
sua re-inserção na sociedade, pois a segregação estabelecida rompeu com
diversos direitos e, até mesmo, com a cidadania do preso.
Em Goiás o tema foi amplamente discutido, levando à organização de
diversas pastorais carcerárias. As atividades da Pastoral Carcerária em Goiás
aconteceram de forma empírica, sem que houvesse registros e normas traçadas.
Essa falta de registro dificultou a obtenção de dados já elaborados, tornando
imperativo um levantamento in loco. A única pastoral carcerária de Goiás onde foi
possível detectar dados já processados é a Pastoral Carcerária de Pires do Rio.
3.3 Pastoral Carcerária de Pires do Rio
Motivados pela Campanha da Fraternidade de 1997, os grupos de
Evangelização de Rua de Pires do Rio
10
e, diante da análise com a situação de
exclusão vivenciada pelos presos e seus familiares, dentro e fora do presídio
local, decidiram organizar e constituir a Pastoral Carcerária de Pires do Rio, dia
23 de fevereiro.
10
Sua atuação é similar àquela das Comunidades Eclesiais de Base e, como em Paulo, às Igrejas
Domésticas: “ Para se ajudar nas horas difíceis, os missionários, reuniam-se nas casas (4, 23-31).
Partilhavam a vida, trocavam notícias, escutavam a Palavra do Senhor, celebravam a Eucaristia,
recebiam a força do Divino Espírito Santo, criavam mais coragem para enfrentar as perseguições.
Não paravam de anunciar a cada dia nas casas, a Boa Notícia de Jesus (5, 42)” (MOSCONI,
2001, p.114).
Figura 14: Foto da Pastoral
Carcerária em frente a
Delegacia de Polícia de Pires
do Rio, onde funciona também
o presídio local.
119
Embasados na metodologia de ver, julgar e agir, proposta pela Campanha
da Fraternidade, a pastoral carcerária iniciou seu trabalho no dia 07 de março de
1997, com visitas in loco. Já desde o início, procurou verificar as condições de
vida dos presos e se serviu do aniversário de um deles, visando uma
aproximação com os encarcerados.
Não tendo como meta a transformação imediata, mas com o fito de
minimizar a situação desumana de sobrevivência dos presos, iniciaram as
atividades com visitas semanais, onde havia a leitura bíblica, discussão com os
presos para que estes colocassem suas necessidades, suas angústias, as quais
seriam discutidas pela Pastoral Carcerária e, por fim, propostas de atuação em
cima da situação apresentada. Os trabalhos incluíam ainda: missas mensais,
levando a Palavra e a esperança de dias melhores e livres; divisão de equipes
que providenciariam condições materiais, voltadas para a educação formal, de
acompanhamento médico-odontológico e assessoria jurídica.
As Pastorais da Igreja, em sua maioria, se inserem como ação da Igreja de
forma mágica e sacerdotal ou de forma profética. De acordo com o conceito de
Weber (MARTELLI, 1995, p. 164), a inserção de forma mágica visa a cura da
alma e a minimização dos sofrimentos humanos enquanto que, a inserção de
forma profética denúncia das mazelas da sociedade atual, apontando novas
esperanças como no caso da pastoral carcerária que: denuncia as péssimas
condições de vida dos encarcerados; exige que as situações de espancamento
sejam averiguadas; faz com que se cumpram os direitos dos presos e de suas
famílias.
120
A Pastoral Carcerária tornou-se como um manto sagrado, como um escudo
de proteção, mesmo que já tivessem trazido de suas vivência e histórias
pregressas o imaginário do Sagrado, por influência de seus familiares ou
episódios da formação na infância. Porém, a presença da pastoral como algo
concreto, oferece mais segurança, mais proximidade com o Sagrado. Estas
constatações estavam presentes nas emoções transparecidas quando a Pastoral
falava do Sagrado, do Amor de Deus e, quando dos abusos, das agressões, os
presos buscavam a Pastoral como suporte, apoio e voz para realizar as
denúncias.
No momento de denúncia e crítica, a Igreja atua também como subversão
aos ordenamentos sociais existentes. Desta forma, Weber percebe a Religião
com dois efeitos opostos, um como reforço e justificação dos ordenamentos
sociais existentes, e outro em oposição, como crítica e subversão dos primeiros
(MARTELLI, 1995, p.164).
A ação da Pastoral Carcerária pelos determinantes sócio-religiosos, político
e cultural pode não ser entendida como uma pastoral que consiga a libertação ou
a transformação social, mas busca mudanças dentro de seus limites operacionais,
tais como: garantida dos direitos de banho de sol, assistência jurídica, assistência
médico-odontológica, visitas íntimas, garantia de melhores condições dentro do
cárcere, preservação moral e física do preso, garantia de instalação de inquérito
em casos de violação dos direitos ou abuso de autoridade, dentre outros (anexo
VIII - 8).
121
Spotasi (2004) ao se referir aos serviços públicos de qualidade (assistência
social), mesmo numa economia capitalista, não os compreende como forma de
amainar conflitos, mas como lutas pelos direitos e por conquistas importantes:
Para alguns mais ortodoxos tudo o que for proposto tenderá a fantasias
e resultado zero, enquanto a economia não for socialista. Para outros, as
mudanças na sociedade são relações de conflito e esses conflitos
mudam posições de forças sociais e permitem mudar situações e
protagonismos. Assim sem abandonar a direção socialista, e sem falsos
objetivos, entendem que é preciso buscar mudar já. (SPOTASI, 2004,
p.9)
A Pastoral Carcerária de Pires do Rio tem sido um elemento que, embora
não contribua decisivamente para uma plena transformação do caos social e não
consiga responder aos problemas por que passam os presos em todo território
brasileiro, busca ser um componente minimizador do sofrimento do preso e de
sua família.
Também procura atuar nos seus limites operacionais (na comunidade de
Pires do Rio, fazendo estender para as regiões circunvizinhas) como elemento
interrogador: seja no que diz respeito às medidas de segurança em questão; à
ineficiência dos serviços prestados; ou à falta de humanização no tratamento com
o preso.
Principalmente nos primeiro anos de sua atuação, teve como proposta:
influenciar na transformação da visão hegemônica que vê a “criminalidade” e o
“criminoso” como fatores de “anomia” (BERGER, 2004, p.35), propondo,
conseqüentemente uma visão mais crítica da sociedade capitalista que percebe a
“criminalidade” e o “criminoso” como sendo resultados da forma de organização
social. Essa proposta de transformação fica implícita na Introdução da
“Normatização da Pastoral Carcerária de Pires do Rio” e nos objetivos específicos
desta (anexo II).
122
Para Gramsci a questão da hegemonia está ligada à política do consenso,
ou seja, a submissão de idéias, através de uma rede articulada de instituições
culturais, aparelhos privados de hegemonia, nos quais inclui a Escola, a Igreja e
os meios de comunicação de modo geral. Esses aparatos têm por finalidade
inculcar na classe subordinada a exploração passiva, “por meio de um complexo
de ideologias formadas historicamente. Quando isto ocorre, a subalternidade
social também significa subalternidade política e cultural”. (SIMIONATO apud
GRAMSCI, 1993, p.115-116).
Portanto, atuar no campo das concepções pré-estabelecidas, questionando
as “verdades” culturalmente estabelecidas ao longo dos anos é no mínimo
conflituoso. Tanto a nível micro (dentro da pastoral), como a nível macro (social),
tal atuação gera divergências, principalmente quando esse questionamento parte
de uma das instituições componentes dos “aparelhos privados de hegemonia”,
neste caso, a Igreja que muitas vezes foi influenciada pelo pensamento
positivista.
Essa proposta de mudança de ótica sobre a criminalidade, foi um dos nós
críticos da Pastoral Carcerária de Pires do Rio, pois promovia a divisão entre o
próprio grupo, visto que, algumas concepções estavam tão arraigadas em alguns
membros que não conseguiam vislumbrar além do mero assistencialismo, ou
“bondade” cristã, influenciados pela ótica dos religiosos que viveram e edificaram
a história de Pires do Rio.
123
[...] não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar,
ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova
ordem, porque quem o é tem por inimigos todos aqueles que se
beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos
aqueles a quem as novas instituições beneficiariam. Essa timidez nasce
em parte do medo aos adversários, que tem a lei a seu lado, e em parte
da incredulidade dos homens, que só crêem na verdade das coisas
novas depois de comprovadas por uma firme experiência.(MAQUIAVEL,
2004, p.25)
Em contrapartida outros membros da Pastoral Carcerária de Pires do Rio já
tinham conhecimento mais crítico da realidade, da conjuntura social capitalista.
Essa apreciação muitas vezes entrou em confronto com a visão hegemônica e
ingênua também predominante no grupo, e muitos se afastaram por ainda não
conseguirem conviver com a divergência. Porém para os que permaneceram
apesar da diversidade, foi possível um crescimento do grupo como um todo, num
diálogo dialético de construção mútua.
Outra conclusão possível é que: para mudar essa concepção, seria
imprescindível a mobilização social através do envolvimento de grupos
constituídos, de articulações e do envolvimento dos meios de comunicação.
Ações efetivamente promovidas pela pastoral que, todavia estava consciente de
que os resultados em longo prazo.
Alguns fatores foram facilitadores para o desenvolver da Pastoral no
período de 1997 a 2002, como a existência de três padres para desenvolver as
atividades paroquiais, o que propiciava uma maior disponibilidade de um destes
para o acompanhamento das atividades pastorais. Outro facilitador inserido na
Igreja foi a disponibilidade dos meios de comunicação à serviço desta, como os
avisos das paróquias, jornais, programas de rádios, que foram amplamente
usados na sensibilização da comunidade, bem como na sua articulação.
124
Outro fator positivo foi a presença de um juiz de Direito na Comarca de
Pires do Rio que compreendia a magistratura não somente como despachos ou
sentenças processuais, mas se dispunha a realizar atividades extra gabinete,
participando ativamente das discussões com a comunidade. O mesmo ausentou-
se diversas vezes para apoiar atividades da Pastoral, em busca de soluções e até
de recursos econômicos para viabilizar os projetos, o que proporcionava nas
instituições uma maior confiabilidade e segurança, vide figura 23.
Outro parceiro no trabalho foi o comandante do 11º Batalhão de Polícia
Militar, que estava sempre presente nas discussões, mesmo quando havia
denúncias de violência contra os presos, este jamais se furtou a ouvir a
comunidade, as famílias dos presos e, de tomar as decisões cabíveis, vide figura
23.
3.3.1 Metodologia
3.3.1.1Ver
A construção do conhecimento das condições do preso em Pires do Rio,
não aconteceu imediatamente, foram necessários momentos de observação da
realidade e, discussões semanais em grupo, no qual se estabelecia
semanalmente, um “link” entre a realidade observada e diversas leituras e
debates.
Os livros que subsidiaram as discussões foram o Manual da Campanha da
Fraternidade de 1997, diversos artigos sobre o crime, aprofundamento da Lei de
Execução Penal e, ainda, aulas teóricas com advogada e com a assistente social
125
sobre a questão prisional no Brasil. Esses elementos juntos propiciaram o
crescimento do grupo de leigos que compunham a Pastoral Carcerária de Pires
do Rio.
Concomitantemente às reflexões e a partir destas, foram elaboradas
propostas de ação no presídio local, tudo isto, a partir da realidade observada
durante as visitas locais, um exemplo com as programações para o ano de 1998
pode ser conferido no anexo III.
Como em todo Brasil (CNBB, 1997, p.60; NETO, 2000, p.43), foram
constatadas no cárcere de Pires do Rio, condições inadequadas de sobrevivência
e excesso de população carcerária em relação à capacidade do presídio.
Estrutura física precária, com mofos, propiciando os agravos relacionados às vias
respiratórias; nenhuma assistência religiosa; falta de condições materiais e
psicológicas para reabilitação dos presos; falta de colchões e presos dormindo no
chão; ociosidade e falta de trabalho; falta de banho de sol; falta de água potável
para o consumo humano; nenhum contato social, sem direito à visitas familiares
ou íntimas; inexistência de assistência médico-odontológica.
Desta forma, o cárcere no Brasil é utilizado como um meio meramente
repressivo, não sendo respeitados os direitos instituídos pela Lei de Execução
Penal (LEP), pelas regras mínimas de tratamento dos presos ou qualquer
legislação específica como Regimentos Internos e outros:
Sobre o preso pesam a mentalidade e o método escravagista. O preso
tem direitos no papel, não de fato. Em número considerável, são detidos
e jogados em celas superlotadas, infectas e imundas, sem luz e
pouquíssima água, dos distritos policiais, cadeias e detenções ou
depósitos de presos. E lá, ficam esquecidos ou abandonados, meses,
dezenas de meses ou anos até. (PASTORE, 1991, p.81)
126
Até mesmo a Agência Prisional de Goiás, após duas reformas, considera a
estrutura do prédio: “péssima, necessita revisão/restauração das instalações
elétricas e hidro sanitárias, substituir vitraux do corredor por grades, pintar,
infiltração em paredes e com relação aos móveis ruins, mesas, cadeiras e
armários” (http://aganp/cadeiaspublicas.com.br//, junho de 2003). Tendo em vista
a realidade observada sobre as condições de precariedade do cárcere em Pires
do Rio torna-se necessário um trabalho para que dignifique as condições de vida
dos presos.
Outra grave questão observada foi à coexistência de adolescentes na
mesma cela com criminosos adultos condenados por homicídios e estupro, o que
não é permitido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê que em
caso de internação, art. 123: “A internação deverá ser cumprida em entidade
exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo,
obedecida rigorosa separação por critérios de idade, complexidade física e
gravidade da infração”.
A falta de apoio ao egresso também foi constatada, ficando o mesmo a
deriva quando sai da prisão e provocando, conseqüentemente, reincidências de
quase 90% dos presos sendo que, destes, 99% estão, de alguma forma,
envolvidos com o uso ou com o tráfico de drogas.
Também foi constatado que 90% dos detentos tem uma formação que
oscila entre o analfabetismo e o 1º grau incompleto, o que demonstra uma
exclusão quase que total do saber teórico e do acesso ao conhecimento formal.
Esse fato dificulta ainda mais o retorno para vida social, pois sem conhecimentos
técnicos, enfrentam o preconceito de serem egressos da prisão, sendo então
127
duplamente excluídos, conforme a Teoria da Rotulação, abordada anteriormente
no item 1.3.4.1..
A apropriação do conhecimento e do saber pelas classes dirigentes não é
desprovida de propósito, mas é um fator de dominação e exploração, conduzindo
a aceitação das regras culturais e econômicas estabelecidas. Gramsci percebe
que o conflito social não fica apenas na questão da apropriação privada dos
meios de produção, mas se estende também para a apropriação elitista do saber.
Portanto, sua extinção é imprescindível a uma completa libertação: “A elevação
cultural das massas assume importância decisiva nesse processo, para que estas
possam libertar-se da pressão ideológica das velhas classes dirigentes e elevar-
se a condição destas últimas”. (SIMIONATO apud GRAMSCI, 1993, p. 123).
Outro ponto observado é que: praticamente 100% dos presos pertenciam à
classe extremamente pobre, destituídos de qualquer acesso aos serviços e, que,
em nenhum dos casos assistidos, tinha uma profissão fixa ou alguma formação
profissional. Houve um caso ou outro, em que brevemente passou pelo presídio,
que na época era uma delegacia de polícia, algum preso de situação econômica
mais favorável. Mas, os detentos que realmente cumpriam pena no local eram de
extrema pobreza, o que conduziu a atuações assistenciais de caráter
emergencial.
Desta forma, para embasar as ações já em mente, surgiu a necessidade de
analisar e fornecer subsídios para os argumentos e aprofundar a realidade crítica.
128
3.3.1.2 Julgar
Semanalmente a Pastoral Carcerária reunia-se visando analisar as
observações realizadas nas visitas, planejar as atuações a serem
desencadeadas.
A Bíblia Sagrada, o Manual da Campanha da Fraternidade, a Lei de
Execução Penal e as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso, o Código
Penal e Processo Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e leis esparsas,
foram subsídios para análise da realidade, das ações propostas e empreendidas.
Tais temas foram orientados por advogadas, assistentes sociais e demais
membros da Pastoral Carcerária.
Segundo Pastore, o preso é duplamente excluído. Ele é excluído uma
primeira vez quando, antes de cometer o crime, lhe é negado a cidadania e a
dignidade de ser cidadão, por não lhe ser oferecido alimentação, salário digno,
estudo, saúde, transporte e família, numa sociedade classista e racista. Esse
mesmo preso é excluída uma segunda vez quando, posteriormente ao crime, lhe
é negada qualquer condição para re-socialização e reeducação (PASTORE,
1991, p.81). Embasados no ideal de inserção, de mais justiça e dignidade no
cárcere de Pires do Rio, elaborou-se a Normatização da Pastoral Carcerária,
anexo II, visando oferecer um norte às atividades cujo objetivo geral:
Despertar na comunidade, o interesse de sentir-se co-responsável pela
assistência psico-social, religiosa ao preso, às suas famílias, às vítimas,
e junto àqueles que trabalham nas prisões, objetivando, de modo
especial, resgatar o direito de cidadania do encarcerado,
proporcionando-lhes condições a sua plena integração na
sociedade(PASTORAL CARCERÁRIA, 1997, p.1)
Como forma de acoplar aos objetivos, as normatizações das ações, através
da proposta “Dinâmica para uma Boa Atuação do Agente Pastoral”, ressaltamos
algumas diretrizes como: não discriminação, tratamento igualitário, restauração do
129
Conselho Municipal da Comunidade, previsto na LEP; parcerias com instituições
governamentais ou não; compreensão do preso à luz Divina.
Desta forma, a Pastoral Carcerária de Pires do Rio, na sua compreensão,
não atua distante da sociedade, mas faz parceria com instituições públicas e
particulares, organismos sociais e com toda sociedade, organizada ou não.
Através da mobilização, oferece aos presos, vítimas e famílias: recursos matérias;
educacionais; psico-sociais; médico-odontológicos; meios de superação das
condições de exclusão em que se encontram no momento e preparação para o
egresso da prisão. Porém, as normas, a questão ética e os ideais da Pastoral
Carcerária de Pires do Rio são os estabelecidos na Normatização da Pastoral
Carcerária, não permitindo que a parceria seja um trampolim das empresas,
sejam elas, públicas ou privadas:
Para evitar que parcerias possam ser prejudiciais é necessário conhecer
em profundidade os interesses do parceiro e levar em consideração as
questões éticas na definição dos compromissos e responsabilidades das
partes envolvidas. A empresa deve envolver-se com as causas sociais
com intuito transformador e empenhada com ações de melhoria para a
comunidade em que estiver inserida (BAMBERG apud NOLETO,
http://www.rits.org.br/gestao_teste/ge_testes/ge_tmes_janeiro2007.cfm#
,
2007).
3.3.1.3 Agir
Frente às mais diversas necessidades constatadas, foi necessário priorizar
as ações, visto que inexiste o potencial da Pastoral Carcerária de Pires do Rio em
atuar em tantas deficiências. Semanalmente, nas reuniões destinadas à reflexão,
os membros da Pastoral Carcerária também estabeleciam as ações a serem
cumpridas no decorrer da semana, dividindo atribuições, e ao mesmo tempo,
realizando uma avaliação das atividades desencadeadas na semana antecessora.
130
A atuação da pastoral visa ser a voz do preso, pois o mesmo está em
situação de exclusão total de suas possibilidades de denunciar, de reinvindicar,
de se organizar, sendo que de todos os excluídos o preso é o que se encontra em
pior situação. Pois:
A mulher marginalizada pode ao menos xingar; o preso não pode. O
menor de rua pode ao menos fugir; o preso não. O índio pode ao menos
protestar; o preso não pode. O negro pode reunir-se e tentar sua
promoção; os presos que o fizeram foram destruídos pelos presídios do
Estado. O deficiente tem liberdade de ir e vir, votar e ser votado; o preso
não pode. Todos esses, que formam as minorias, têm identidade e
documentos; o preso não possui nada. É um número, e às vezes nem
isto. E quando sair do presídio, não terá nenhum documento (PASTORE,
1991, p. 83).
Os dados quantificados apresentados a seguir referem-se somente ao
período de 1997 a 2003. A partir desta data, os dados deixaram de ser
computados em razão de conflitos de postura dentro própria igreja e de uma
reestruturação de membros e de coordenadores da Pastoral Carcerária.
3.3.1.3.1 Assistência social (assistência à saúde, formação educacional,
doação de recursos materiais)
Como já citado durante as visitas, detectou-se a necessidade de suprir as
omissões dos órgãos estatais em caráter emergencial e, ao mesmo tempo, cobrar
Figura 15: A pastoral carcerária e os
presos em dia de confraternização.
Figura 16: Missa em comemoração ao
dia dos pais, no presídio, ano 1997.
131
ações dos mesmos. Dessa forma a Pastoral Carcerária arrecadou recursos
materiais e sensibilizou a comunidade para os problemas vivenciados.
Como fruto dessas ações, realizadas pela pastoral, foi possível arrecadar:
remédios, filtros, marmitas, cobertores, roupas, sapatos, travesseiros, colchões,
colchas e lençóis, materiais de limpeza pessoal e óculos, sensibilizando, inclusive,
os proprietários de panificadoras a oferecerem aos detentos lanche diário,
brindando-os com doces e salgados nas datas festivas (aniversariantes do mês,
Páscoa, Natal e outras datas). Esta ação se deu de forma emergencial, visando
suprir emergencialmente uma situação crítica como forma de criar “condições
para liberdade. Como força de potencializar a liberdade do outro e não acolhê-la
ou de acolhê-la ao mais forte”.(BOFF, 2000, p.107).
Promoveram-se também diversas articulações com os órgãos
competentes, juiz de direito, delegado, promotor, comandante da polícia militar,
prefeitos e vereadores, através de visitas pessoais da Pastoral Carcerária,
visando resgatar os direitos dos presos e motivando ações em conjunto, em
busca de soluções.
A articulação com os clubes de serviços e maçonarias possibilitou a
ampliação para além das margens das ações assistenciais, promovendo também
maior reflexão sobre a situação do cárcere e do trabalho proposto.
Como foi constatado, havia uma demanda muito grande de assistência
médico-odontológica na prisão, onde os encarcerados não tinham qualquer
acesso a este tipo de assistência, a não ser em casos de emergência, quando os
mesmos eram deslocados para o hospital municipal. Tal constatação
desencadeou um trabalho que garantiu, neste período, atendimento médico em
132
100% dos casos em que os presos precisaram de tratamento. Também os
exames clínicos e patológicos cobriram 100% da demanda.
Nos anos de 1997 a 2001 foram encaminhados 10 pacientes para
tratamento especializado, fora da Comarca de Pires do Rio, sem nenhum ônus,
numa ação conjunta da Pastoral Carcerária, da Secretaria Municipal de Saúde, de
viatura e policiais da Delegacia de Polícia e da Polícia Militar do Estado de Goiás.
Esses encaminhamentos se referem aos atendimentos de especialidades como
neurologia, dermatologia, oftalmologia, cirurgias e exames de alta complexidade
que não tinham resolutividade na cidade de Pires do Rio.
Cabe frisar que esses procedimentos de deslocamento do preso para
atendimento fora do presídio são de uma complexidade relativamente grande,
pois depende de autorização judicial, do delegado, de meios de locomoção e de
policiais disponíveis para acompanhar o preso. Ressalta-se que durante esses
atendimentos fora do cárcere não houve relato de qualquer incidente envolvendo
os presos e os policiais.
Outra conquista foi a garantia de usufruir o direito ao banho de sol diário,
pois os mesmos permaneciam todo o cumprimento da pena sem sair da própria
cela, que é um pequeno cubículo, favorecendo o aparecimento de diversas
doenças dermatológicas, de alergias respiratórias, doenças relacionadas ao
pâncreas, dentre outras.
Porém para que fosse possível essa ação se fez necessário diversas
visitas à Prefeitura Municipal solicitando reformas nas instalações do presídio,
visando adaptar o pátio para que não houvesse facilitação ou riscos de fugas.
Foram necessárias também visitas ao 11º Batalhão de Polícia Militar visando
133
sensibilizar o comandante para liberação dos policiais militares no
acompanhamento dos presos nos horários do banho de sol, das missas,
celebrações e confraternizações, pois eram praticamente inexistentes os recursos
humanos disponíveis no presídio para realizar esses procedimentos.
Após a reforma do pátio, as condições físicas foram apropriadas para alçar
vôos maiores, que também dependiam de um local apropriado para serem
realizados. Assim, foi novamente colocado em pauta a discussão sobre oferta de
formação no ensino regular para os presos. Com vistas a oferecer melhores
condições da reintegração dos presos e facilitar ao egresso, condições para
ingressar no mercado de trabalho, a Pastoral Carcerária conseguiu junto à
Secretaria de Educação do Estado, através da Delegacia de Educação 15
carteiras novas e posteriormente mais cinco, num total de 20 carteiras, cadernos,
canetas, lápis, borracha e quadro negro, o que possibilitou que fossem oferecidas
aulas do Ensino Fundamental e Médio dentro do próprio presídio, conforme os
anexos IV e V.
Para tal, eram ministradas quatro horas de aulas, conforme cronogramas
de aulas pré-estabelecidos. A Pastoral contou com a contribuição de diversas
professoras que ministravam aulas em colégios da rede regular de ensino,
ministrando as mesmas aulas em presídios voluntariamente. Desta forma,
garantiu-se o que está estabelecido na lei 7.210 de 11 de julho de 1984, no art.
18: ”O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da
Unidade Federativa”, ampliando ainda mais ao ensino nível médio.
Diversos detentos tiveram acesso às aulas, porém alguns não conseguiram
concluir o ensino fundamental, outros, em função da exigüidade do tempo de
134
detenção, não concluíram o curso, não tendo sido, no entanto, precisar se houve
ou não a conclusão deste, a posteriori. O anexo VIII, entrevista 2: “consegui
dentro do presídio concluir o primeiro grau e eliminar matérias do segundo grau.”
Destaca-se que atualmente, esse ex-detento é funcionário de uma faculdade
particular do município de Pires do Rio.
As dificuldades eram diversas, principalmente, com relação às articulações
necessárias, junto ao judiciário e ao 11º Batalhão de Polícia Militar, mas o fato é
que o trabalho surtiu frutos importantes. Desse grupo, foram aprovados 03
detentos no Ensino Fundamental e 01 no Ensino Médio, através de provas do
Supletivo, aplicada no próprio cárcere.
A preocupação da pastoral carcerária se estendia aos familiares que
também se encontravam, em sua maioria, em condições subumanas. É que,
como aos presos, segregados da sociedade, não era permitido trabalhar dentro
do cárcere; os familiares acabavam tendo que sobreviver do pouco que
produziam e, da misericórdia e solidariedade de vizinhos. Essas reflexões
conduziram a um trabalho assistencial junto à família dos presos, conforme fica
claro no plano de metas para o ano de 1988, anexo III.
Com o fito de minimizar as discriminações com relação ao preso e ao
egresso e o impacto desta situação em suas famílias, eram realizadas visitas
semanais às famílias, por duas ou três equipes, buscando viabilizar que todas as
famílias fossem visitadas ao menos uma vez mensalmente. Foi propiciado
atendimento médico-odontológico e psicológico, encaminhamento para os
programas sociais de alimentação, doação de cestas, colocação de membros da
135
família no mercado formal de trabalho e retorno à escola formal, já que é grande a
evasão escolar nestas famílias.
Nas ações pastorais, foi detectado que os encarcerados se mantinham-se
ociosos não tendo como manter à suas expensas, nem colaborar positivamente
no orçamento familiar. Desta forma, a Pastoral procurou, mesmo que fosse uma
alternativa imediata e sem futuro propulsor, disseminar os trabalhos manuais
onde era cedida toda matéria-prima, orientações técnicas na confecção das
manufaturas e escoamento da produção, com o retorno econômico integral para o
preso.
No ano de 2002, através de projeto da Pastoral Carcerária de Pires do Rio
foi doada pela Vice-província do Santíssimo Nome de Jesus do Brasil, uma verba
que permitiu uma nova reforma na área aberta do presídio, visando facilitar mais
ainda o banho de sol, o trabalho manual com os presos e momentos de lazer.
3.3.1.3.2 Assistência aos egressos
A preocupação com os egressos iniciava dentro do cárcere com a
integração social, com as celebrações onde toda família participava, com a
preocupação com seus estudos, com a inserção no mercado de trabalho formal
Figura 17: Celebração de
comemoração da reforma do pátio
local, com participação das famílias
dos encarcerados.
136
ou não, com a elevação da auto-estima, ou seja, com a preparação para que este,
após a fase de segregação enfrente com firmeza os novos desafios.
Ao constatar que uma das famílias residia em baixo de uma lona, no bairro
Stª Cecília, onde lá permanecia a esposa, o egresso e três filhos menores de 05
anos, a Pastoral Carcerária articulou diversos órgãos. O Consórcio Rodoviário
Intermunicipal S.A. (CRISA) colaborou na mão-de-obra, a Prefeitura Municipal
com cimentos, doação de particulares de tijolos, telhas, madeiras, vaso sanitário e
diversos dias de mutirões, possibilitando a construção de uma residência com 04
cômodos.
Consciente de que a assistência pura e simplesmente não resolveria o
problema, foi conseguido ao egresso supracitado um trabalho, o qual foi
contratado como mecânico junto ao CRISA, propiciando ao mesmo e à sua
família uma melhora na autoestima. Por diversos meses foi acompanhado sem
que houvesse reincidência do mesmo.
Em contraposição, também a um outro egresso acompanhado pela
Pastoral, foi oferecido inserção no mercado de trabalho através de contratação
para prestação de serviços na Prefeitura Municipal de Pires do Rio. Mas neste
caso, o trabalho foi recusado pelo mesmo.
Essa recusa foi objeto de reflexão na Pastoral Carcerária por algum tempo,
acrescida a outras meditações futuras originaram a proposta da construção de um
local de assistência à criança e ao adolescente, procurando oferecer condições
mais dignas de vida e enfrentamento do futuro. Esse jovem que recusou o
emprego era um usuário de drogas pesadas e recusava-se a se afastar das
mesmas. Diversas vezes esteve em reuniões da Pastoral Carcerária, até mesmo
137
nas reuniões reflexivas, fora do cárcere, mas encontrava dificuldades de inserção
social.
Foram feitos diversos encaminhamentos de egressos para as clínicas
especializadas em dependência, tendo em vista que, muitos destes solicitavam
ajuda, pois na rua enfrentariam novamente o problema novamente do contato
com as drogas de forma mais fácil.
3.3.1.3.3 Assistência religiosa
Semanalmente ocorriam – atualmente ocorrem também - visitas aos
presos, com o objetivo de levar-lhes a Palavra, a leitura e a reflexão. Contudo,
essas visitas não ficam somente ligadas à questão religiosa, mas se estendem as
avaliações dos presos sobre sua situação de preso, suas necessidades materiais,
sociais e psicológicas e, ainda, à observação das condições de saúde no sentido
de prevenção, cura e levantamento das prioridades. Nestes momentos, são
oferecidos também lanches aos mesmos, visando diversificar a alimentação do
preso com apoio e doação de supermercados e panificadoras, que foram
sensibilizados pela Pastoral Carcerária.
Aos policiais militares também era oferecida uma assistência religiosa,
visando humanizar as relações no interior dos presídios, bem como, no trato com
a população civil, visto que, existiam vários relatos de maus tratos aos presos,
abuso de autoridade. A própria Pastoral acompanhou um momento de rebelião
dos presos no dia 27 julho de 1997, relatado no item anterior. Cita-se, como
exemplo de assistência aos policiais, a missa realizada no 11º Batalhão de Polícia
Militar para a comemoração do dia do soldado.
138
Aulas de catequese eram oferecidas duas vezes por semana aos presos
que demonstravam interesse. Esse trabalho culminou em batizados e crismas e
ainda permitiu mensurar a interação entre os detentos e membros da Pastoral
Carcerária já que, os próprios leigos da pastoral foram convidados para padrinhos
e madrinhas. Missas e Celebrações da Palavra eram alternadas quinzenalmente
no presídio com a participação dos familiares, juiz de direito, delegado, assistente
social, advogados, membros do AA (alcoólicos anônimos), ministros da eucaristia,
da palavra e da leitura. Como exemplo, a missa de confraternização do ano de
1998.
A assistência religiosa tanto nos presídios como no 11º Batalhão de Polícia
Militar conseguia tornar as relações mais humanas, entre estes, mesmo porque
seja preso, ou seja, o cuidador do preso, todos estão vivenciando a mesma
realidade brasileira, porém com uma ótica um pouco divergente. Em todos estes
casos, a prática das missas e dos cultos, permite que sejam tomados de emoção,
de desejo de maior participação, atuantes nas leituras sagradas, no ofertório e na
organização das celebrações.
Também estas atividades religiosas permitiram uma integração maior entre
a sociedade e a comunidade prisional, desmistificando o estigma sobre o cárcere
Figura 18: Pastoral Carcerária
em missa celebrada no 11º
Batalhão de Polícia Militar
139
e o encarcerado, e criando maiores opções de trabalho e reinserção do egresso
da prisão no cotidiano da vida diária, com maior oportunidade de trabalho para
estes e os familiares.
3.3.1.3.4 Assistência judiciária e conquistas
Ainda durante este período a pastoral carcerária através da assessoria
jurídica acompanhou 100% dos processos judiciais. Para os presos que não
detinham recursos econômicos foi providenciado acompanhamento do processo
até a última instância, bem como assistência judiciária, solicitação de progressão
de regimes, benefícios como “indulto de Natal”, de “habbeas corpus”, bem como a
própria defesa do réu preso, do réu em regime liberdade assistida ou condicional
e, ainda, nos casos de penas alternativas, como fica claro no anexo VIII,
entrevista 1.
O desempenho de um trabalho intensivo junto aos encarcerados e suas
famílias, sensibilizou as autoridades para a viabilização das penas alternativas, de
restrição de direitos e prestação de serviços à comunidade. Como resultante
desta articulação, aumentou-se o número de casos de penas de prestação de
serviços à comunidade em detrimento das penas restritivas de liberdade.
Em 27 de julho de 1997, a então promotora de justiça, Dra. Miriam Belle,
autorizou uma revista nas celas. Em função da revista e do fato de esta ter sido
acrescida de maus tratos e abuso de autoridade praticada pelos policiais militares
designados para tal, desencadeou-se uma rebelião, com queima de colchões e
quebra-quebra, com vários presos machucados. Havia um clima ostensivo entre
policiais e presos.
140
Neste momento, a Pastoral exigiu ao 11º Batalhão de Polícia Militar e
acompanhou a instauração de inquérito policial, garantido os depoimentos dos
detentos e sua fiel tomada a termo, visando o levantamento dos culpados que
resultou em punição destes e não houve relatos posteriores de excessos no
tratamento com o apenado. A Pastoral Carcerária neste conflito interveio,
auxiliando no restabelecimento da ordem local e assegurando que os direitos dos
presos fossem resguardados e garantir integridade física e psicológica dos
mesmos, para tal, realizava visita em horários diversos, principalmente, no
período noturno.
Após um trabalho de sensibilização do Executivo e do Legislativo
Municipal, foi garantida a aprovação da Lei Municipal n. 2.528, 20 de março de
1998 que autorizou a contratação de pessoal sob custódia penal para prestar
serviços em obras públicas municipais, tendo como pré-requisitos a participação
em celebrações de cunho religioso, independente de qualquer denominação
religiosa.
Nesta ótica de que a prisão segrega e dificulta a reabilitação do infrator, a
Pastoral Carcerária conseguiu que fosse implantado um trabalho de Penas
Alternativas, desenvolvido pela Agência Prisional de Goiás nos anos de 2000 a
2003, com os seguintes técnicos: 01 advogado, 01 assistente social e 01
psicólogo que acompanham o apenado desde o seu encaminhamento até o
cumprimento total da pena, com relatórios mensais ao juiz de direito da comarca.
O projeto em Pires do Rio teve interrupção porque a Agência Prisional priorizou
as cidades de maior porte, visto que, a incidência de crimes acontece em maior
número.
141
Desta parceria com o Judiciário, um dos apenados com penas alternativas
e alcoólatra, tornou-se, juntamente com sua esposa, Encontrista. Eles
efetivamente dedicavam às atividades da Pastoral Carcerária, o que foi
determinante tanto para a recuperação da alta auto-estima deste apenado, como
para a reconciliação do casal.
Ao detectar que havia crianças e adolescentes dentro do presídio, sem
instalações adequadas para acolhê-los, sem qualquer acompanhamento técnico,
seja de um assistente social ou de um psicólogo, e, ainda, convivendo na mesma
cela com outros criminosos, desencadeou-se uma série de reflexões.
A primeira constatação foi a de que o Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente não tinha suporte para desempenhar suas ações, visto
que estas dependem também de apoio do Executivo que, por sua vez não tinha -
como ainda não tem - autonomia financeira.
Inexistia o Conselho Tutelar, previsto na Lei 8.069, título V, arts.131 a 140,
desde julho de 1990. Na verdade, havia voluntários, só que estes não atendiam
efetivamente às necessidades vivenciadas. Com a pretensão de resolver a
questão e fazer valer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei
supracitada, no art. 132 e 134, no qual os membros são no mínimo em número de
05, escolhidos pela comunidade local e com remuneração pelas atividades
desenvolvidas, podendo ser reconduzido por eleição novamente por mais um
mandato, a Pastoral Carcerária desencadeou um movimento na comunidade,
iniciando-o por uma reunião no dia 25 de março de 1997.
Foram convidados e participaram da reunião o Chefe do Poder Executivo,
o Comandante do 11º Batalhão de Polícia Militar, representantes do Legislativo, o
142
Juiz da Comarca, o Delegado de Polícia, o Presidente do Conselho Municipal da
Criança e do Adolescente, os membros voluntários integrantes do que
denominava “Conselho Tutelar” e a sociedade civil. A pauta da reunião que
discutiu a criança e o adolescente infrator, as péssimas condições de
aplicabilidade das medidas sócio-educativas e acompanhamento do Conselho
Tutelar desencadeou em novas reuniões como as dos dias 07 e 21 de maio de
1997.
O primeiro resultado foi a publicação de um novo edital para as eleições de
Conselheiros Tutelares, com membros remunerados, com ampla divulgação em
todos os meios de comunicação local. A Pastoral Carcerária e as diversas Igrejas
evangélicas se mobilizaram na divulgação desta eleição, na organização do
evento, levando, posteriormente, às urnas quase 4.000 eleitores (ressalta-se que
essa votação não é obrigatória). Dos 05 eleitos conselheiros, 03 são membros
atuantes da Pastoral Carcerária, e assumiram o caso no dia 06 de julho de 1997.
Esse foi o primeiro passo para o funcionamento do Conselho Tutelar que,
atualmente, conta com local de funcionamento, com carro próprio, combustível,
manutenção de veículo, computador, sendo as eleições para a composição deste,
realizadas periodicamente, seguindo o preconizado no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Os conselheiros são, agora, capacitados com orientação do
Ministério Público, num processo de espaço de trabalho mais dinâmico e
ampliado, no qual houve melhoras para toda a comunidade piresina. Atualmente,
toda criança e adolescente que, por ventura, cometa algum delito é acompanhado
pelo Conselho Tutelar, com orientações às famílias, inclusive com plantões 24
horas (constatado em visita ao Conselho Tutelar).
143
Foi proposta também a reformulação do Conselho Municipal da Criança e
do Adolescente. Após eleições, assumiu um novo membro participante da
Pastoral Carcerária que estabeleceu o novo Plano Municipal da Criança e do
Adolescente e a criação do Fundo Municipal de Saúde que, atualmente, está
atrelado a Secretaria de Ação Social do Município.
Desta reunião surgiram algumas resoluções imediatas tomadas através de
propostas práticas como, por exemplo, um local no mesmo presídio para que os
adolescentes pudessem cumprir a medida sócio-educativa. E, como projeto a um
decurso de tempo médio, foi proposta a criação de uma Casa da Criança e do
Adolescente. Tendo este tido o apoio de todos os presentes na reunião.
Visando concretizar a proposta supracitada, foram realizadas diversas
reuniões, incluindo um encontro com o então Presidente do Conselho Estadual da
Criança e do Adolescente, Dr. Joel Santana, que esclareceu que as medidas
sócio-educativas, restritas de liberdade, eram de responsabilidade do Estado e
deveriam ser cumpridas sob sua custódia, conforme previsto no Estatuto da
Criança e do Adolescente. Dessa forma, inviabilizou-se a proposta inicial. Mas
foi, ao menos, uma denúncia dos acontecimentos e de todas as limitações que se
encontravam na cidade de Pires do Rio para a efetivação das políticas públicas
com relação à criança e ao adolescente.
Essas discussões com a comunidade foram frutíferas, pois conduziram a
uma nova reflexão mais profunda sobre o cárcere e a necessidade de uma ação
extensiva, voltada também para a prevenção de todas as formas de violência,
bem como, para a promoção da criança e do adolescente de Pires do Rio.
144
Por vezes, os dados observados exclusivamente por estatísticas não
elucidam as exatas causas do problema. Um réu, por exemplo, é acusado de
crime de lesão corporal, mas quando é averiguado mais profundamente, percebe-
se que esse ato foi cometido por rixas por espaço no tráfico ou por estar o
acusado fazendo uso de algum tipo de droga. Por isto, foi imprescindível uma
pesquisa informal com os presos, na qual se evidenciou que 99% de reincidências
estavam voltadas para o tráfico ou consumo de drogas, mesmo que de forma
indireta. Um dado obtido é que dos detentos de 1997 a 2003, somente 01 está
atualmente preso, por homicídio. Desta forma, o que se percebe é que o nível de
reincidências foi minimizado significativamente e que estas reincidências que
ocorriam com uma freqüência de quase 90% caíram drasticamente, com a ação
da Pastoral.
Outro aspecto observado é que os detentos em sua maioria, provinham de
lares desestruturados, sem referências familiares profundas, com experiências
desagradáveis na infância, e destituído de acesso à escola e qualificação
profissional. Após essas reflexões e, frustrada a proposta inicial da Casa da
Criança e do Adolescente, foi proposta a criação de uma Organização Não
Governamental que pudesse atuar junto a crianças e adolescente levando-lhes
condições mais dignas de vida e crescimento, nos diversos aspectos: biológico,
psicológico, educacional, social. Que pudesse, enfim, oferecer-lhes condições de
vida mais saudáveis do que aquelas que tinham até então. Assim, surgiu a
Associação Sagrado Coração de Jesus que será abordada no item 3.3.1.5, como
um desdobramento das ações da Pastoral Carcerária.
145
3.3.1.4 Fatores limitadores das ações da Pastoral Carcerária
Os obstáculos não são fatores que impedem a ação, mas são limitadores,
dificultando a obtenção do resultado pretendido em sua íntegra. Contudo, esses
mesmos obstáculos são, por vezes, molas propulsoras, exigindo esforços
individuais e coletivos para sua superação. Diversas vezes foi possível a
superação de tais obstáculos, já, outras vezes eles efetivamente limitaram e
reduziram o trabalho.
Um dos fatores mais difíceis de superação é a ótica hegemônica do preso
e do cárcere na cultura brasileira que discrimina o preso, sua família e até os
membros da pastoral carcerária que se sentiam discriminados com relação às
demais pastorais, portanto, existe um verdadeiro tabu com relação ao crime, ao
preso, ao cárcere e aos membros da pastoral carcerária:
Um tabu só pode existir no seio de uma sociedade cujos membros ainda
não têm consciência de sua individualidade. Vivem submetidos à lei do
grupo por sua premente necessidade de solidariedade, que se exprime
por meio da obediência a leis talvez arbitrárias, mas que asseguram ao
grupo a indispensável coesão (LAGENEST, 1976, p. 51).
Desta forma, a ação do agente pastoral carcerário exige uma postura mais
crítica frente aos problemas socioeconômicos, desmistificando a visão repassada
pela mídia. As ações de debates produzidas pela Pastoral Carcerária no meio
social, nas instituições parceiras, buscavam uma formação de consciência crítica
sobre o tema da criminalidade, sobre o papel das Igrejas nos cárceres e
embasamento teórico na área de penal e processual:o indivíduo que contesta um
tabu se apresenta como alguém que, realmente, questiona a ordem estabelecida
e é, assim, um autêntico revolucionário”(LAGENEST, 1976, p.52).
Conflitos pessoais, principalmente no que concerne a compreensão do
mero assistencialismo e de ações que podem transformar o meio foram causas
146
de afastamento. Visando chegar a um consenso entre o grupo, diversas reuniões,
debates, leituras e orientações pessoais foram realizadas.
Outro fator limitante neste processo diz respeito à recuperação do preso
uma vez que esta está ligada à sua própria situação de exclusão pessoal e de
seus familiares. Concorrem para esta situação: as limitações quanto ao acesso
na escola; a dificuldade de inserção num mercado de trabalho seletivo,
concorrente e excludente; as péssimas estruturas físicas; a falta de recursos
humanos e técnicos capacitados para compreender a problemática e a
valorização da segregação do apenado, visando a manutenção da ordem
estabelecida, sem questionamentos. Essas premissas não permitem que o
trabalho pastoral fique adstrito ao encarcerado, mas que se projete em diversas
ações fora do cárcere com os órgãos competentes e envolvidos e com a
sociedade civil, de modo a evitar que essas ações tornem-se meramente
assistencialistas e não resolutivas.
Conflitos de postura dentro do próprio clero da Igreja, culminando na
transferência do assistente para outra ordem, em dezembro de 2000 causaram,
igualmente, uma desaceleração nos trabalhos, pois este exige um líder com ideal,
com afinidade, desprendimento e sensibilidade à problemática dos presidiários.
O fator limitante das pastorais é que elas estão de alguma forma, ligadas à
Igreja. Portanto, o grupo está unido não em torno de um objetivo específico (no
caso, do preso), mas em torno de um objetivo religioso que conduziu a uma outra
ação específica (Deus quer que seja bondoso com o preso). Dependendo da
visão e da opção do líder religioso ele vai priorizar, ou não, aquela pastoral que,
147
conseqüentemente, terá, ou não, êxito. Foi o que ocorreu com a Pastoral
Carcerária de Pires do Rio.
Desde 2003, a Pastoral Carcerária de Pires do Rio, conta apenas com 10
membros, com visitas semanais, leituras do Evangelho e, Celebrações da Palavra
ou Missas, já que não tem apoio efetivo do clero que atua na Paróquia Sagrado
Coração de Jesus. Alguns processos ainda são acompanhados, mas sem
assistência jurídica gratuita, providenciada pela própria pastoral. Ainda assim,
permanece acesa a chama que fumega, não com o vigor e força anterior, mas
pronta para que seja acesa, desde que haja determinação dos líderes.
O grande desdobramento da Pastoral Carcerária foi a criação da
Associação Sagrado Coração de Jesus que nasceu tendo em vista o alto índice
de criminalidade vinculada ao uso e tráfico de drogas e à proposta de trabalhar
também na prevenção da criminalidade.
3.3.1.5 Associação Sagrado Coração de Jesus
Findando o ano de 1997, após diversos encaminhamentos de dependentes
químicos às clínicas e fazendas de recuperação, envolvidos com delitos e crimes
e o acompanhamento das reincidências, foi percebida a necessidade de uma
instituição que buscasse realizar a prevenção:
Se consideramos o aumento assustador do número de usuários de
drogas; a diminuição crescente do limite de idade com que as pessoas
se iniciam em seu uso; o número de mortes, acidentes e crimes em
geral, causados direta ou indiretamente pelo consumo de drogas; a
soma de sofrimentos que o drogado inflige a si mesmo e a todos que lhe
são próximos; as dificuldades encontradas na recuperação dos
farmacodependentes podemos avaliar facilmente a importância da ação
preventiva.(SERRAT, 1996, p.169).
148
Naquele ano, na cidade de Pires do Rio, existia somente uma instituição
que visava trabalhar com a criança e o adolescente. Denominada “APAI”
(Associação de Proteção a Adolescência e a Infância), ela atendia somente
crianças do sexo feminino. As crianças do sexo masculino de menor poder
aquisitivo, ficavam a mercê da exploração do trabalho pelos pais ou vagando
pelas ruas. Na época ainda não existia o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI), implantado posteriormente.
Dessa forma, percebeu-se a possibilidade de criar uma instituição, com
autonomia, participação de toda comunidade, de cunho ecumênico, porém com o
direcionamento de ações voltadas para a ética e a espiritualidade, com atividades
preventivas. O publico a ser atendido era composto de crianças e adolescentes
com maior exposição, visto a falta de oportunidades, de ocupação, de lazer, de
formação profissional, espiritual e psicológica. Dessa forma, foi proposta a criação
de uma associação, a qual foi denominada de Associação Sagrado Coração de
Jesus (estatuto, anexo VI).
As lacunas deixadas pelo Estado em suas atribuições tem sido muitas
vezes sanadas pelas Organizações Não Governamentais (ONGs), em forma de
parceiras.
O objetivo desta associação é o de articular junto à sociedade piresina, aos
órgãos federais, estaduais e municipais, sociedades não governamentais e clubes
de serviços, meios de viabilizar um caminho possível, mais humano e mais digno
para as crianças e adolescentes de Pires do Rio, principalmente, àquelas
destituídas de qualquer acesso aos bens e serviços.
149
Visando concretizar o referido projeto, articularam-se diversas forças
organizadas da comunidade piresina, como os clubes de serviços, Igrejas
diversas, maçonarias e os três poderes, também o batalhão de polícia militar foi
possível aglutinar forças políticas e sociais visando à construção de um Centro de
Promoção Humana (CEPROH).
A lei de Organização de Assistência Social (LOAS) estabelece que, na
organização dos serviços assistenciais, deve ser priorizado a criança e o
adolescente em situação de risco pessoal e social, objetivando cumprir o disposto
no art. 227, da CF de 1988 e no ECA , lei nº. 8069, de 13 de julho de 1990.
Após a constituição legal da Associação e elaboração de seu Estatuto,
constituindo a primeira diretoria, o desafio foi conseguir um terreno para a
construção da sede da Associação e do CEPROH, onde as atividades de apoio à
criança e ao adolescente serão desenvolvidas.
Após reuniões com vereadores e prefeito, conseguiu-se um terreno para a
construção desta no Conjunto Habitacional Dr. Nadim Saud. A conquista do
terreno era de tal forma premente que a mobilização da comunidade propiciou,
em 24 horas, realização de sessão da câmara com doação de terreno para a
ASCJ.
Em seguida foi realizado o lançamento da pedra fundamental do prédio
onde iria funcionar o Centro de Promoção Humana, com a participação de toda
comunidade piresina, com apoio das entidades religiosas, dos clubes de serviços,
das maçonarias e já, com parceiros como a Fundação Banco do Brasil.
150
Figuras 19 e 20: Apresenta o lançamento da pedra fundamental, com a participação do então
Bispo de Ipameri, Dom Geraldo Espírito Santo e da Fundação Banco do Brasil e da comunidade
de Pires do Rio que contou, inclusive, com diversos representantes de entidades religiosas.
Visando conseguir verbas para a construção do prédio, foram realizadas
diversas reuniões e visitas em órgãos oficiais, em Brasília, Goiânia e nas cidades
vizinhas. Um convênio com a Fundação Banco do Brasil possibilitou o início da
construção de uma área de 771m
2
. Já o término da construção foi possível
graças a um convênio com a Secretaria de Planejamento do Estado de Goiás
(SEPLAN).
Fotos 21 e 22: Início da construção do prédio do CEPROH.
151
A comunidade piresina também ajudou a angariar recursos econômicos
através de: doações individuais; da promoção de vários eventos como bingos,
leilões de gado doado pelos fazendeiros da região e organização de todo evento;
pagamento de carnês e a realização de um baile denominado de “Baile da
Fraternidade”. As multas pecuniárias foram revestidas à Associação Sagrado
Coração de Jesus pelo Judiciário. Os clubes de serviços como o Lions Clube, o
Rotary Clube, as Maçonarias, e o Batalhão de Polícia Militar fizeram doações,
participando também do processo da construção do referido prédio.
No final do ano de 2002 foram concluídas as obras do prédio do CEPROH,
e adquiridos os móveis por meio de um convênio com a Fundação Internacional
de Lions. Já o início das atividades com as crianças e adolescentes se deu em
março de 2003, atendendo, então, 100 crianças e adolescentes.
Figura 23: Comandante do
11º Batalhão de Polícia
Militar, Juiz de Direito da
Comarca de Pires do Rio,
Presidente da ASCJ e o
Vice- provincial da Vice-
província Santíssimo Nome
de Jesus do Brasil
Figura 24: Baile da Fraternidade Figura 25: Leilão de gado, no parque
agropecuário
152
O momento da construção e de equipamento do Centro Comunitário de
Promoção Humana completou-se com um convênio com a Secretaria Estadual de
Saúde que possibilitou a compra de um gabinete odontológico para o atendimento
de crianças e adolescentes que freqüentam o referido programa, bem como de
moradores dos bairros vizinhos que são extremamente desassistidos.
3.3.1.5.1 Proposta de atuação do Centro de Promoção Humana (CEPROH)
A proposta de atuação do CEPROH está voltada para a conjugação de
esforços visando melhorar a situação de vida de crianças e adolescentes em
condições de risco pessoal e social. Neste sentido tanto as crianças e
adolescentes como os seus familiares devem ser acompanhadas e afastadas das
situações que as colocam neste patamar de risco.
Figura 26: Vista lateral do prédio do
CEPROH
Figura 27: vista frontal do prédio do
CEPROH com os alunos atendidos
Figura 28: vista do complexo do
prédio do CEPROH
153
O CEPROH se propõe a desenvolver programas-projetos de âmbito
comunitário, visando o fortalecimento do núcleo familiar e a intensificação
terapêutica e preventiva de todas as formas de violência, exclusão, de forma
ecumênica, com a participação de toda comunidade organizada, ou não.
Priorizar o ensino fundamental com incentivos à matrícula no ensino oficial
e com reforço escolar. Oferecer serviço especial de prevenção e atendimento
médico, odontológico e psíquico-social a todos os assistidos.
A metodologia utilizada para resgatar e promover a cidadania, a auto-
estima das crianças e adolescentes em situação de risco, bem como de toda sua
família, será o atendimento às necessidades físicas, psíquico-sociais.
Uma das primeiras preocupações deu-se com a alimentação destas
crianças e adolescentes, que muitas vezes nas suas residências, não dispõem
dessa para suprir as necessidades básicas da idade. Dessa forma, buscou-se
convênio com a Secretaria de Cidadania do Estado para conseguir o pão e o leite
diariamente, e ainda doações de empresas e doações de particulares visando
diversificar o cardápio oferecido duas vezes ao dia, por turno.
O cardápio a ser servido foi acompanhado por uma nutricionista, por dois
anos, ao realizar uma prestação de pena alternativa no CEPROH. Desta forma,
observou-se também o crescimento pessoal, o envolvimento e a solidariedade
dos próprios apenados, ou ex-presidiários para com seus colegas que ainda se
encontram encarcerados.
154
Figura 29: Cozinha do CEPROH Figura 30: Refeitório do CEPROH
Na perspectiva do sistema educacional brasileiro, exige-se a matrícula no
ensino regular oferecendo, em contrapartida, no mínimo, duas horas diárias
destinadas ao reforço escolar. Também ligada à formação foi oferecido aulas de
computação a todos os integrantes do projeto, de forma a ofertar condições de
aquisição de conhecimentos na área de informática, inclusive com acesso a
internet.
Os cronogramas de atividades priorizavam o reforço escolar, com até uma
pequena biblioteca e sala própria disponíveis, porém as atividades culturais
também foram valorizadas através de aulas de dança, taekwondo, futebol de
salão e comemorações culturais, como festas juninas, natal, dia dos pais e das
mães. E até, com atividades de integração, como a “noite do pijama”, onde todos
os assistidos, com permissão dos pais, passavam o dia em atividades de
Figura 31: oficina de
computação do
CEPROH
155
palestras, atividades lúdicas e a noite, dormiam todos no prédio do CEPROH. As
atividades também possibilitavam trabalhar a questão da expressão corporal,
apresentações de danças, teatros, que divertiam e contribuíam para o
crescimento do assistido.
Essas atividades proporcionam ao ser humano uma sensação de sentir-se
integrante e importante para um determinado grupo; de sentir aceito e inserido no
grupo, mesmo diante dos conflitos. Nestes momentos, percebia-se a interação
entre todos. O teatro por diversas vezes é incentivado, com apresentações em
outros locais, abordando assuntos pertinentes ao dia a dia destes.
Outras atividades ocupacionais foram desenvolvidas como o trabalho em
gesso, onde os jovens podiam expressar sua arte, bordados diversos, tapeçarias,
Figura 34:comemoração da Festa de
São João
Figura 35: participação no desfile de
aniversário da cidade de Pires do Rio, ano
2003.
Figura 32: oficina de trabalhos manuais Figura 33: oficina de trabalhos em
gêsso
156
trabalhos em jornais e revistas. Os referidos trabalhos eram expostos para a
comunidade e tornavam-se lembrancinhas para os pais nos dias festivos e para
os próprios assistidos.
Inseridos neste cronograma de atividades eram programadas discussões
com o tema: família e fraternidade, valores atuais, valores éticos, espiritualidade,
sexualidade e a questão das drogas.
O acompanhamento familiar aconteceu de forma esporádica em função da
dificuldade de recursos para o pagamento de técnicos especializados para a
abordagem e orientação familiar, porém foram realizadas algumas reuniões com a
participação destes, bem como, visitas domiciliares, conforme: relatório do ano de
2003; relatório das atividades de 2003 e propostas para o ano de 2004, que
também foram concretizadas.
Diversas experiências interessantes conduziram à reflexões dos
responsáveis e dos voluntários, mas uma, de forma especial levou-os a
questionar a linguagem utilizada pelos técnicos e absorção desta pelo assistido.
No ano de 2004, o coordenador da ASCJ ao realizar uma visita ao
CEPROH, lembrou os assistidos que aquele local era como sua casa, lá eles
eram os donos por isto tinham de cuidar bem do local. No outro dia, um dos
assistidos chegou para a aula chutando as carteiras e incomodando os colegas,
inclusive na hora do lanche. Inquirido individualmente por um dos técnicos, relatou
o seguinte: “essa não é a minha casa? Eu não sou o dono? Então, na minha casa
meu pai é o dono, chega bêbado, bate em mim, nos meus irmãos e na minha
mãe, quebra cadeiras, chuta tudo, mas é porque ele é quem manda”.
157
Essa pequena história, que na verdade é a história de vida de quase todos
os assistidos, levou-os a uma reflexão sobre a divergência dos conceitos.
Motivando-os a trabalhá-los a partir da realidade de cada assistido.
O projeto em questão, com a proposta de afastar crianças e adolescentes
dos riscos das ruas, da ociosidade, da falta de oportunidade, preparando-os para
enfrentar a realidade do amanha, com melhores condições físicas, psíquicas,
social e intelectual para que não tenham como opção o mundo do crime e do
vício, exige um alto investimento econômico.
Para que estas ações fossem possíveis, houve convenio de manutenção
com a Prefeitura Municipal que cedeu: 3 professoras, 1 pedagoga, 1 merendeira,
1 serviços gerais, com 30 horas por semana. Porém o número de profissionais
era insuficientes para a quantidade de trabalho a ser desenvolvido. O CEPROH
contava, ainda, com 1 agente administrativo custeado pela Associação Sagrado
Coração de Jesus e,,por seis meses, mais 1 assistente social e 1 agente
administrativo. Conforme demonstra a fotografia abaixo era grande a quantidade
de crianças assistidas e, mesmo com apoio dos parceiros, havia dificuldade em
concretizar o projeto pela alta demanda.
Figura 36: crianças assistidas no
CEPROH e entidades que
apoiavam o projeto
158
Outros convênios puderam ser realizados com a Cáritas Brasileira e um
convênio com a Ordem do Santíssimo Nome Jesus do Brasil, especialmente os
chamados Grupo dos Cem, que repassaram R$ 10.000,00 (dez mil reais) da
Campanha da Fraternidade e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) oriundos da própria
ordem, respectivamente. Por um pequeno tempo esses convênios possibilitaram
o custeio de material de consumo e de serviços de prestação de terceiros.
Observa-se que conforme relatório das atividades de 2003 da ASCJ,
houvera 183 inscrições, num total de 100 crianças e adolescentes atendidos e
nos anos subseqüentes também era esse número de inscritos, a demanda muito
maior do que a possibilidade da oferta. Dessa forma, o recurso oriundo dos
convênios, era insuficiente para a manutenção do projeto.
3.3.1.5.2 Dificuldades na execução do trabalho da ASCJ
Diversos fatores foram entraves para a ação da Associação Sagrado
Coração de Jesus, sendo que, um dos mais fortes foi a questão econômica.
Mesmo sendo uma ONG, a Associação Sagrado Coração de Jesus encontrou
muitas dificuldades no levantamento de fundos para sustentar e dinamizar o
projeto CEPROH em toda a sua plenitude. Contando sempre com apoio da
comunidade e com alguns projetos de pequena monta, o projeto foi concretizando
o ideal proposto pela Pastoral carcerária e pela Associação.
A participação efetiva e afetiva de funcionários da prefeitura nas atividades
do CEPROH e a colaboração de voluntários foram de grande importância na
condução e na manutenção do projeto, ficando a desejar uma melhor assistência
técnica, uma vez que os voluntários não dispunham de tempo e qualificação para
159
determinadas atividades, tornando-se dispendioso, sobremaneira, a contratação
de um quadro técnico para preencher todas as necessidades do projeto, tais
como: assistente social, psicólogo, contador, entre outros, com dedicação de
tempo integral.
Como o projeto era da iniciativa privada, os órgãos públicos não apoiaram
com todos os seus recursos. Contudo, apesar de o projeto ser de iniciativa
privada, ele não tinha fins lucrativos, o que gerava benefício à toda a comunidade.
Com a implantação, na cidade, do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI), que era subsidiado com verba federal, o interesse das autoridades pelo
CEPROH , pois o PETI acabou por se tornar mais atraente em função da verba
federal.
O engenheiro responsável pela construção do prédio do CEPROH, por
negligência ou por erro, permitiu que o telhado da referida construção cedesse,
causando um prejuízo de mais R$ 12.000,00 (doze mil reais). Existe um processo
judicial para que o mesmo reembolse a instituição.
Nestas ações concretas houve divergências dentro da própria Igreja que
conduziram à rupturas e no qual houve o afastamento do coordenador da Pastoral
Carcerária e da Associação Sagrado Coração de Jesus: “quando a religião
fechada e estática tem o apoio das forças político-econômicas, os profetas são
condenados à morte, os Padres da Igreja, exilados, e os reformadores atirados à
prisão”(LAGENEST, 1976, p. 40).
Afirmou-se que, o coordenador da pastoral carcerária e idealizador junto
com esta pastoral da Associação Sagrado Coração de Jesus não tiveram
autorização para concretizar tal trabalho, contraditoriamente, as fotos 19 (foto com
160
o Bispo Dom Geraldo Espírito Santo, administrador apostólico da diocese de
Ipameri, a qual a Paróquia pertence) e 23 (onde o vice-provincial da ordem
franciscana na época, aparece em visitas) comprovam que essa premissa, não
procede e que a crise, se trata, de conflitos de posição ideológica quanto as
ações sociais da Igreja.
[...] os grupos religiosos são fatalmente submetidos a tensões internas,
que se manifestam através de contestações individuais ou coletivas:
“puritanismos” e “ortodoxias” reagem contra o “progressismo” de todos
os matizes, tanto no plano doutrinal como no da expressão cultual ou da
estrutura social [...] Essas tensões internas se acentuam ainda mais
quando personalidades fortes, na ânsia de sua busca mística de união
com as potências invisíveis que reverenciam, e no afã de aplacar as
“iras” e despojar as “vontades” dessas potências, enfrentam, com
violência, as injustiças sociais de sua época(LAGENEST, 1976, p. 39-
40).
Dom Guilherme Antonio Werlang manifesta sua posição também na
proposta de convênio com a Cáritas do Brasil. Fica evidente um conflito por
questões pessoais, bem como, por fruto de ciúmes gerados dentro da própria
Igreja e por opções ideológicas. Também na foto que se segue, observa-se que o
atual bispo da diocese de Ipameri, apóia estas iniciativas, pois no momento desta
foto, manifestava seu inteiro apoio à iniciativa.
Contraditoriamente, em dezembro de 2006, quando a comunidade de Pires
do Rio não consegue manter o projeto do Centro de Promoção Humana, a antiga
Vice-província e a atual Província do Santíssimo Nome de Jesus do Brasil, que
Foto 37: Visita da Comissão da ASCJ
ao bispo de Ipameri.
Presidente da Associação Sagrado
Coração de Jesus (2000 a 2004), Dom
Guilherme Ávila, Bispo de Ipameri;
Ercy Rocha Saud, secretária da ASCJ
e o então Juiz da Comarca de Pires do
Rio, Dr. Antonio Fernandes.
161
tinham se manifestado contrárias ao trabalho, concordam em receber o prédio,
cede do CEPROH, com todas as instalações, para manter um novo projeto
denominado Projeto Vida que mantém as mesmas características daquele.
Essas cisões e brigas internas da Igreja Católica, assim como em todas as
igrejas, são próprias do ser humano, seja por suas vaidades pessoais e humanas
ou em função de uma visão reducionista de parte do clero. Quando as instituições
são independentes podem superar os limites territoriais, sociais, culturais,
religiosos e aglutinar as contribuições advindas da sociedade, de forma
includente. Essa é a forma mais contundente e eficaz de exceder os limites, pois
são representantes da comunidade em geral. Entretanto, essa consciência deve
ser aflorada para que este seja o alvo da luta.
É dentro desta ótica que foi constituída a Associação Sagrado Coração de
Jesus. Porém com o afastamento do coordenador, a paróquia se omitiu em dar
apoio ao projeto, pois o presidente que atuava já há quatro anos, não dispunha de
tempo para assumir os compromissos. Ainda assim as atividades continuaram
sendo desenvolvidas, porém com a dificuldade com convênios, ficaram escassos
os recursos econômicos visando a contratação de técnicos e efetivamente realizar
ações de mudanças.
A comunidade apesar de sensibilizada não conseguiu se organizar,
instrumentalizar. Dessa forma, para que o Centro de Promoção Humana não
perdesse o seu objetivo, antes que as atividades se resumissem em apenas
acolhimento de crianças e adolescentes, sem atividades que pudessem auxiliar
efetivamente no crescimento desses jovens, foi doado o prédio para implantação
do Projeto Vida, que é um projeto similar, que seria implantado em Pires do Rio,
162
pela supracitada ordem, e que detém recursos econômicos para concretizar o
trabalho de forma mais resolutiva.
Esta ação prova que a Pastoral Carcerária ao propor a criação de uma
instituição que pudesse dar apoio à criança e ao adolescente estava no caminho
correto, não importando a quem caberá o comando, mas sim, que sejam
atividades participativas, com apoio da comunidade e que consigam valorizar o
ser humano nos seus princípios e valores, de forma ecumênica e participativa.
163
CONCLUSÃO
Abordar o tema dos encarcerados e a atuação da Pastoral Carcerária é,
sem sombras de dúvidas, um desafio de alta complexidade, pois a questão
envolve diversas nuanças. Num primeiro momento, a concepção e a ótica da
sociedade sobre a prisão e o prisioneiro é discriminatória e imbuída de
preconceitos, rotulando-os negativamente e segregando-os.
Essa concepção hegemônica, predominante em nossa sociedade, não é
meramente ingênua ou inconseqüente, mas é fruto de uma ideologia que se
pretende mantenedora da ordem pré-estabelecida, sem repensar a estrutura
social. Desta forma, o autor de comportamentos, não condicionados ou tidos
como “anormais” pela sociedade, é considerado como uma “anomia”, como
indesejado, sendo necessária a segregação e a readaptação dos mesmos aos
padrões pré-estabelecidos. Este entendimento arraigado na cultura brasileira é
um dos grandes obstáculos para um avanço nas respostas às verdadeiras causas
desta situação analisada.
Partindo desta análise, o fenômeno religioso e a própria religião têm
contribuições importantes para a legitimação do sistema (BERGER, 2004, p.52)
ou para sua transformação (LEMOS, 2004, p.135-136), pois o mesmo está
presente em todas as civilizações, das mais primitivas às atuais:
164
Podereis encontrar uma cidade sem muralhas, sem edifícios, sem
ginásios, sem leis, sem uso de moedas como dinheiro, sem cultura das
letras. Mas um povo sem Deus, sem oração, sem juramentos, sem ritos
religiosos, sem sacrifícios tal nunca se viu (WILGES apud PLUTARCO,
1995, p.9)
Nas culturas modernas
11
e pós-modernas
12
, diversos autores sugeriram a
secularização da religião, ou seja, Deus seria substituído pela tecnologia e pela
ciência, no entanto, o que se percebe é o crescimento das religiões e do espírito
religioso entre todas as sociedades (WILGES, 1995, p.10)
Mesmo nos locais mais profanos, como o cárcere, o sentimento quanto ao
sagrado está presente. Isto foi observado nos rituais religiosos. Observava-se o
respeito dos presos nos e pelos momentos de celebração, quando estes tomavam
banho, se perfumavam, vestiam as melhores roupas para freqüentar o momento
do culto religioso.
No encontro com o sagrado, todos passam a ter o mesmo patamar. A não
ser o clero, os pastores e os dirigentes; os demais participantes do rito
encontram-se de forma igual. É um momento em que eles se sentem
participantes, inclusos na comunidade e até detentores dos mesmos direitos dos
bens espirituais.
Também fica visível esta religiosidade nas tatuagens. Estas são símbolos
como nos fenômenos religiosos, pois têm significados importantes no imaginário
dos presos, e são identificadas e interpretadas pela própria comunidade prisional,
muitas vezes como um código entre seus participantes. Destaca-se que, nestes
11
“um nome pra conotá-lo: Kant. É a representação ideal do indivíduo portador de uma razão
única, de uma decisão soberana, que se exerce nos quadros de uma lógica universal. A
consciência transcendental – no sentido precisamente ‘moderno”(SANCHIS, 1999, p.104).
12
uma construção eclética mais ainda do que um verdadeiro sincretismo, que recorta os universos
simbólicos – o do seu grupo e os alheios todos igualmente ‘virtuais’ – e multiplica as ‘cologens’, ao
sabor de uma criatividade idiossincrática (‘idiossincrética...), radicalmente individual, mesmo se
articula em tribos de livre escolha...” (SANCHIS, 1999, p.104-105).
165
tipos de símbolos, aparecem também as imagens consideradas sacras, como o
de N. S. da Aparecida. Tatuada nos presos, podem ter dois significados
diferentes e contraditórios, um sagrado e o outro profano:
no peito ou nas costas em tamanho pequeno, significa símbolo de
proteção e esperança dos presos. Tatuada em tamanho grande, acima
da metade e bem ao centro das costas identifica preso que foi violentado
durante o cárcere, e ao mesmo tempo marca um estuprador (OLIVEIRA
apud SILVA, 2001,
http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/ES1R.%20T.%20OLIVEIRA.pdf,)
A partir desta constatação, percebe-se que o fenômeno religioso tem
diversos crivos e interpretações em todas as situações vivenciadas pelo ser
humano, inclusive dentro do cárcere.
Como analisado anteriormente, no cárcere, os prisioneiros (pobres, negros,
analfabetos) são duplamente discriminados: inicialmente quando são destituídos
do acesso a qualquer bem relativo a serviços de saúde, educação e relativos à
cidadania. Posteriormente, quando presos, perdem toda a cidadania, o direito de
votar, a dignidade e a auto-estima, ficando sem qualquer direito de se
manifestarem.
Os presos sujeitos as péssimas condições das prisões, destituídos dos
seus direitos garantidos, amontoados em pequenas celas, somente são ouvidos
nos momentos de motins e rebelião, mas suas vozes soam como a de
“revoltados”, “desordeiros”, sendo reprimidos e castigados para que a “ordem”
seja restabelecida. Portanto, ser a voz destes, nos órgãos governamentais, nos
diversos poderes, em defesa dos mesmos é ter atitude profética, denunciando as
mazelas em defesa do oprimido-excluído.
Apesar dos entraves de recursos físicos, financeiros, políticos, ideológicos,
das limitações próprias do ser humano, inclusive limitações culturais, percebe-se
166
que a luta em prol de uma sociedade mais justa, mais digna, com menor exclusão
é um dever de cada um dos integrantes desta sociedade onde todos são
responsáveis, com ação ou omissão.
A graça e a salvação não caem como um raio do céu. Passam pelos
caminhos dos homens. Cada pessoa vive dentro de um meio vital,
cultural e histórico. Participa de um destino coletivo. Compartilha das
chances e das realizações próprias da comunidade na qual está inserido.
Seu caminho pessoal com toda arquetípica, psicológica, familiar,
educacional que o caracteriza, os companheiros de vida, de trabalho, de
profissão, etc. são todos veículos de sacramentos comunicadores da
graça ou da desgraça. A cultura que respira a tradição de valores de seu
povo, seus pensadores, os poetas, os humanitários, os religiosos, a
forma concreta de sua religião: tudo isso compõe a forma concreta pela
qual se historiza a graça divina, na qual o homem cresce, é levado a
responder, a se decidir, a se abrir ao mistério de si mesmo, dos outros e
de Deus (BOFF, 1997, p.146).
A importância da Pastoral Carcerária está relatada em diversos momentos.
Destaca-se, no entanto, as entrevistas de dois ex-detentos acompanhados pela
Pastoral Carcerária, ambos apenados por crimes considerados hediondos e que
demonstram (anexo VIII, entrevistas 2 e 6) o quanto conseguiram
compreenderem-se a si mesmos e superar as limitações pessoais e sociais,
sentindo-se, atualmente, participantes e integrantes da sociedade.
Também uma carta enviada à Pastoral Carcerária por uma então
encarcerada (autora da entrevista, n.6, anexo VIII), condenada por tráfico de
drogas, reconhece o valor da Pastoral. Esta atividade era o único meio de vida ou
o meio mais fácil que encontrava para manter-se e às suas filhas. Após o
cumprimento da pena, apoiada pela Pastoral teve oportunidade de acesso a
outras atividades que, passaram a lhe fornecer o seu sustento e o de sua família.
Destaca-se que, dos que assinaram a carta citada abaixo, somente 01 dos
assistidos, encontra-se atualmente preso, por reincidência. Quanto aos demais:
alguns tiveram breves passagens, outros não mais reincidiram.
167
Pires do Rio, 16 de abril de 1998.
Em nome de todos meus irmãos carcerários, venho agradecer através
desta,[...], as pastorais, ao coral e enfim, toda comunidade, a assistência
que nos têm dado. As visitas, as orações, a Santa Missa que nos renova
e dá forças para vencer nosso tempo aqui.
Nenhuma vida pode ser transformada se não tiver um encontro com
Cristo. E é através desse trabalho de voceis (sic) que já está havendo
essa transformação aqui.
Em agradecimento ao sacrifício de cada um, queremos lhes dar a
certeza que não será em vão. Iremos sair daqui, pessoas realmente
mudadas.
Em nome de todos, meu muito obrigada.
Lili e segue a assinatura de outros encarcerados. (VICE-PROVÍNCIA DO
SANTÍSSIMO NOME DO BRASIL, Informativo, ano XIX, nº 2, maio de
1998)
Foram constatados outros desdobramentos da Pastoral Carcerária como a
cobrança aos órgãos públicos no sentido de fazer valer os direitos dos presos, o
cumprimento da lei, a conquista de empregos, a garantia de que não sejam
torturados e, no caso de terem seus direitos lesados, a garantia de inquérito e
punição aos culpados. Também lutas conflituosas, mas que permitiram inserção
nas políticas da criança e do adolescente, nas políticas voltadas para o sistema
carcerário e de assistência social, possibilitando ganhos na transformação e
promoção da pessoa humana.
Alguns estudiosos poderiam entender essa ação como uma forma de ação
meramente assistencial, apaziguadora, que mascara a realidade de modo a torná-
la menos brutal, minimizando, assim, os conflitos de classes. De certo modo, isto
seria até bem entendido partindo de uma sociedade de perfil conservador como é
a sociedade aqui observada. Porém, os resultados obtidos dos estudos
levantados em pesquisas mostram que houve conquistas verdadeiramente
transformadoras que levaram presos e sociedade a uma nova postura: os presos
resgatam sua auto-estima e a percepção de que há alternativas em suas vidas,
inclusive a reconquista de sua cidadania; a sociedade se despe, senão
168
totalmente, mas em grande parte, de uma visão preconceituosa, discriminatória
em relação à pessoa do preso e dos egressos. O que possibilita uma nova
convivência de maior respeito e valorização da pessoa humana, o que sinaliza
conquistas transformadoras.
Portanto, a luta pela justiça, pelos direitos, articula as forças da sociedade,
discute sobre as causas, e propicia maior condição para que esses excluídos
tomem consciência sobre si e sobre a sua situação. Como conseqüência
possibilita o afloramento da consciência do cristão e até o engajamento destes na
luta política. No caso, podemos citar a participação dos membros da Pastoral
Carcerária nas eleições do Conselho Tutelar e, posteriormente, sua candidatura
nas eleições para a Câmara dos Vereadores de Pires do Rio, com o intuito de
legislar em prol das classes menos favorecidas, em suas lutas e reivindicações.
Os parceiros, como os clubes de serviços e as maçonarias, conhecem
somente a filantropia pura e simplesmente e a pretendem no sentido de manter a
situação existente, manter o “status quo”. Porém, mesmo diante deste objetivo
que não culmina com o objetivo proposto, é sempre possível lançar mão destes
recursos, voltando-os para uma ação libertadora. Essa ação conflituosa sempre
gera divergências, desentendimentos e mesmo perseguições, como a que sofreu
o coordenador da Pastoral Carcerária, mas em outras oportunidades também,
conduz a uma reflexão mais profunda de pessoas que aderem ao pensamento
crítico, mudando os paradigmas vigentes.
Uma atuação mais transformadora em uma cultura extremamente
arraigada e conservadora, como a piresina, sempre gera controvérsias,
169
principalmente quando existe o envolvimento de uma instituição conservadora
como alguns seguimentos da Igreja Católica.
Os desdobramentos da Pastoral Carcerária como: a existência eficaz do
Conselho Tutelar; a aprovação da lei 2.528 de 20 de março de 1998, que
possibilita ao apenado, com penas alternativas ou progressão de regime, cumprir
o referido trabalho na Prefeitura Municipal de Pires do Rio; as denúncias
realizadas; as reformas feitas no presídio, que possibilitou a confecção de
material artesanal visando a auto-sustentação do preso e de sua família; os
direitos que estavam somente em tese e que foram conquistados efetivamente; a
construção de um grande projeto destinado a trabalhar na proposta da prevenção,
que é a Associação Sagrado Coração de Jesus e o Centro de Promoção
Humana, justifica a hipótese levantada no projeto de dissertação.
Na hipótese, nós nos desafiamos a comprovar ou não se “A atuação da
Pastoral Carcerária possibilita uma nova visão do egresso (presidiário) e sua
ressocialização junto à família e à comunidade”. Segundo as análises realizadas
no decorrer desta dissertação podemos comprovar que a hipótese foi deveras
alcançada, numa perspectiva de mudanças gradativamente conquistadas.
A atuação da Pastoral Carcerária instigou uma mudança de paradigma da
sociedade em relação ao preso, possibilitando a uma nova visão e uma nova
relação entre a sociedade piresina, os encarcerados e os egressos.
Ressalta-se que: o primordial foi a transformação da concepção do
preso em relação a si mesmo, isto é, percebendo-se sujeito capaz de alçar novos
vôos e novas conquistas, desmistificando o preconceito e a discriminação
impregnada na visão hegemônica. Desta forma, retomando as possibilidades de
novas conquistas, da auto-estima, da cidadania e da própria capacidade de se
170
tornar um agente social, compreendendo-se como sujeito de mudança e
conquista de seu espaço na sociedade.
171
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n.3, out-dez/84.
WYSE, Alexandre. No Coração do Brasil: ensaio da história dos quarenta anos
(1943-1984) da custódia do Santíssimo Nome de Jesus em Goiás. Anápolis:
produção autônoma, 1989.
177
RELAÇÃO DE ANEXOS
ANEXO I Corpos Tatuados
ANEXO II Normatização da PC
ANEXO III Plano de Metas da PC, ano 1998
ANEXO IV Relatório das notas dos encarcerados em nov/98
ANEXO V Relatório das notas dos encarcerados em mai/99
ANEXO VI Estatuto da Associação Sagrado Coração de Jesus
ANEXO VII Projeto do CEPROH
ANEXO VIII Entrevistas:
1. Célia Maria de Oliveira Mendes, advogada, membro da PC
2. Júnio Luiz Passos Figueiredo, ex-detento
3. Maria Aparecida Dias de Oliveira, membro da PC
4. Roberval Alves Neves, membro da PC
5. Noribes Ribeiro Bastos, membro da PC
6. Maria Abadia Athaide, ex-detenta
7. Aparecida Rezende, membro da PC
8. Frei Luiz Alberto de Souza, o.f.m., pároco
178
ANEXO I
Alguns exemplos encontrados no artigo de Rodrigo Tofolli de Oliveira,
intitulado: Corpos Tatuados: preliminares a uma abordagem semiótica
(OLIVEIRA,http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/ES1R.%20T.%20OLIVEIRA.pdf)
Foto 1: O de tatuagem scratch, um coração estilizado cortado por uma seta. Desenho
comum na tatuagem criminal. Inicialmente, recordava amores, hoje em dia o significado dela, depende da orientação da
seta que atravessa o coração. Recolhido do acervo de Moraes Mello. A reprodução fotográfica é nossa.
Foto 2: Outra forma de demonstrar o amor era tatuando nomes ou letras. Nesta foto, o nome
AMÉRICA revela o nome da amada e sua orientação, nos mostra que, provavelmente, foi o próprio detendo quem se
tatuou – hábito comum também para a época. .Além disso, os pontos e o outro tracejado mostram desenhos não
acabados. Imagem recolhida do acervo de Moraes Mello. A reprodução fotográfica é nossa.
Fotos 3 e 4 Os pontos tatuados
indicam pertença do preso a um determinado grupo. Nesta foto, os 5 pontos da mão direita indicam roubo e os 4 da mão
esquerda furto. Imagem recolhida do acervo de Moraes Mello.
Foto 5 Uma pistola tatuada na perna, traduz o elemento praticante de assalto com morte.
179
ANEXO I
Foto 6“Imagem de N. S. da Aparecida, tatuada no peito ou nas costas em tamanho
pequeno, significa símbolo de proteção e esperança dos presos. Tatuada em tamanho grande, acima da metade e bem
ao centro das costas identifica preso que foi violentado durante o cárcere, e ao mesmo tempo marca um estuprador”
(Esmael Martins da Silva, 2001)
Foto 7: Diferente do scratch “clássico”, a tatuagem criminal de hoje em dia, busca misturar
elementos, cores e ideários. Na foto, um preso acusado de homicídio contra policiais, exibe o boneco Chuck
empunhando o punhal que atravessa um coração. O punhal atravessando um crânio humano ou coração é o
símbolo clássico do matador-de-polícia, como são conhecidos internamente esses homicidas.
Foto 8: A Cruz de Caravaggio e o crânio humano tatuados nas costas sincretizam devoção
do preso à sua fé – através de um pedido de proteção contra mau olhado, bem como apontam para a periculosidade dele.
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