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segurança aos esposos e aos pais pra permitir que suas esposas e filhas viajassem. Mas tinha
problemas, e muito. Eu não gostaria de falar dos problemas das outras mulheres, porque acho que, de
certa forma, é um até um desrespeito. Elas não estão pra se defenderam ou se colocarem. Então, eu
gostaria de haver a minha pessoa. Enquanto problema. Que falar do que é bom é muito fácil. Todo
mundo gosta. Agora, uma das coisas, que no decorrer de todo esse processo, ficou sendo a marca
principal da caminhada, era o amor. O amor pelo outro. O amor pelo pobre. O amor pelo oprimido. Tudo
que a gente fizesse, era por amor. E como eu tinha entrado nessa caminhada ainda menina,
praticamente, eu era uma adolescente, eu não tinha uma visão de mundo lá fora. Então, esse amor era o
mais puro possível. Ele não estava contaminado. Na medida em que o mundo foi se abrindo diante de
mim, eu fui percebendo que nem todo mundo que falava e pregava tão ricamente o amor vivia, esse
amor. Então, foram inúmeras as decepções. O respeito que a gente aprendeu de pai e mãe e também no
nosso núcleo, na cidade, começa-se se desmoronar, quando você começa a perceber, por exemplo, o
assédio sexual de padres, dos irmãos mais... seminaristas, que tavam quase padres. Que você percebe
assim... É uma tão sutil que, quando você vê, você ta quase praticamente dentro do sistema. Então, isso
pra mim, teve um momento que eu assustei com o que estava se passando. Por isso é que te falo, é
muito doloroso colocara determinadas coisas. Mas é real. É o real. Eu pessoalmente não cheguei a me
envolver com nenhum seminarista, no sentido de ter uma vida sexual ativa. Não cheguei a me envolver
com nenhum padre. Mas eu via acontecer. Eu via acontecer. Isso foi me dando nós na minha
consciência. Cheguei ao ponto de não saber quem eu era. Se eu era uma lavradora. Se eu era uma
jovem normal, como todas as outras. Eu não tinha... Chegou ao ponto que eu não tinha uma vida minha.
Eu era aquilo que a Igreja quisesse que eu fosse. Culpa minha com certeza. Mas não só. Não assumo
plenamente essa responsabilidade, porque eu era plenamente uma jovem que viveu ali dentro. E quem
estava comigo, mais maduro, mais capacitado pra perceber, se percebeu fez de conta que não viu.
Marilene me ajudou muito nesse processo. É uma pessoa que eu admiro profundamente. Mas, ela
própria, tive notícias a um tempo a trás, também não suportou e saiu da Igreja. Não é mais freira. Ta no
Maranhão. Quer dizer, é mais uma que saiu. Irene também. Abandonou, não é mais freira. Ta aqui em
Jussara, é professora. Até onde eu sei ela não é mais uma pessoa ativa dentro da Igreja. E, várias
outras. Eu acredito que, o que se passou comigo, deve ter acontecido com muitas outras. Que se
perderam no meio do caminho. Bom, por volta de 82, vamos falar de coisas boas também, se não o clima
pesa. Por volta de 80, 82, já foi instalado o PT. Eu fui membro fundadora. E eu achava que sabia. Você
estava presente na primeira reunião? Na primeira reunião. Na primeira eleição eu fui candidata a
vereadora. Tive nove votos (risos). Quer dizer, não sei de onde saíram tantos votos, porque nem minha
família votou em mim (risos). Você foi a única mulher a se candidatar? Não. Na época fui eu, Maria
Helena e Dona Luzia. Três mulheres candidatas a vereadoras. Então, foi um trabalho intenso. A gente
nem sabia direito o que era política. Eu por exemplo não sabia o que era. Foi o meu primeiro voto. De
fato eu não sabia o que se passava ainda. Eu lia muita coisa. Mas muita coisa eu lia mas não entendia.
Mas eu sabia que aquilo ali ia ajudar o povo. E se ia ajudar o povo eu ia entrar. Eu lia por aí. Então, esse
foi um processo, talvez o mais doloroso. Porque no momento em que você entra em um partido político,
em que você começa a viajar, a participar de reuniões nacionais, você começa a perceber que as coisas
não são como são pregadas. Você começa a perceber, por exemplo, que os líderes do movimento, do
partido, eles tem sua ideologia política bem definida. Mas apesar disso – isso na época eu não conseguia
trabalhar bem isso dentro de mim – aqueles rachas dentro do partido que eu não conseguia entender.
Por que isso, por que aquilo? Por que fulando defende essa ideologia, por que defende aquela, se todos
são trabalhadores. Se todos tem um mesmo ponto de vista que deveria chegar a um senso comum. Eu
não alcançava isso aí. A dimensão de isso aí. Então, era muito difícil pra mim conseguir analisar todos os
fatos. Mas eu tava ali. Se eu tinha dentro de mim aquela certeza que o Partido dos Trabalhadores, ele
era essencial para uma vitória dos trabalhadores. Para uma vida melhor para os trabalhadores, né? Eu
participava de vários movimentos. Por exemplo, meu pai era pequeno proprietário. Então, foi organizado
na região o movimento do trator. Esse movimento do trator, ele consistia na reunião de vários pequenos
proprietários rurais dos dois municípios de Fazenda Nova e Novo Brasil. E cada um tinha o seu tempo
certo de ser feito o preparo da roça pra plantar. Então, o meu pai foi um dos líderes desse movimento. Eu
ajudava secretariando. Então, em tudo que tinha na região eu tava enfiada. E talvez isso tenha
contribuído para que depois pro que se passou, né? Mas, eu considero assim, que naquele momento, eu
tive uma participação intensa. Fui reconhecida como tal. Não se fazia nenhuma reunião sem me chamar.
Até a própria fundação do sindicato dos trabalhadores rurais eu estava ajudando. Eu ajudei a secretariar
muitas vezes. E convidar, ir a traz.... a gente fazia o máximo possível. Dava mesmo tudo. A quantidade