Download PDF
ads:
0
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
E QUANDO VIER O FILHO DO HOMEM... (O JUÍZO FINAL EM
MATEUS)
FRANCISCO ALBERTIN FERREIRA
GOIÂNIA
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
E QUANDO VIER O FILHO DO HOMEM... (O JUÍZO FINAL EM
MATEUS)
FRANCISCO ALBERTIN FERREIRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Católica de Goiás para obtenção do
grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Joel Antônio Ferreira
GOIÂNIA
2006
ads:
2
F383e Ferreira, Francisco Albertin.
E quando vier o Filho do Homem... (O juízo final em
Mateus) / Francisco Albertin Ferreira. – 2006.
179 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Goiás,
Departamento de Filosofia e Teologia, 2006.
“Orientador: Prof. Dr. Joel Antonio Ferreira”.
1. Jesus Cristo. 2. Cristianismo. 3. Obras de misericórdia.
4. Céu. 5. Inferno. 6. Julgamento – aspecto religioso. 7.
Juízo final – religião.
CDU: 236.93
3
DEDICATÓRIA
A todos aqueles que fazem da
Palavra de Deus a sua razão de
ser e cuidam dos mais
pequeninos.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo dom da vida.
Aos meus familiares e amigos.
Aos professores e doutores: Carolina Teles Lemos, José Carlos Avelino da
Silva, Haroldo Reimer, Alberto da Silva Moreira, Valmor da Silva, Zilda Fernandes
Ribeiro, Ivoni R. Reimer.
Aos mestrandos 2005/2006, amigos e companheiros de caminhada.
E tamm a Geyza Pereira, Pe. Graziano, Prof. Aparecido Ramos, Dr.
Armando Fernandes Filho e todo povo de Cássia.
Ao Centro Bíblico Verbo Divino: Shige, Maria Antônia, Cecília e demais
assessores, e a Pórticus e Nilva Faria, pela ajuda financeira.
A Maristela e ao Pedrinho, companheiros de estudo e de vida.
À minha amiga Daniela Freitas, pela dedicação e auxílio na elaboração deste
trabalho.
Finalmente, ao incansável e amigo Prof. Dr. Joel Antônio Ferreira, pela
orientação precisa, pelo seu carinho e dedicação.
5
RESUMO
FERREIRA, Francisco Albertin. E quando vier o Filho do Homem... O Juízo Final em
Mateus 25,31-46. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2006.
A presente dissertação discorre sobre o Juízo Final que é um tema atual e
questionador. Isto se deve ao fato das três grandes religiões monoteístas o
abordarem em sua essência religiosa. No judaísmo, está relacionado às obras de
piedade presentes no Antigo Testamento; no cristianismo, às obras de misericórdia
que envolvem compromisso de amor a Deus e ao próximo e são fundamentais para
se obter a salvação; e, no islamismo, o bem ou mal que se pratica com os irmãos
são obras importantes para possuir o paraíso ou acabar no inferno. Na primeira
parte, é abordada a questão do texto em seu contexto: a realidade social do Império
Romano, da comunidade judaico-cristã, na Antioquia, e a necessidade da
solidariedade que este texto expressa. Na segunda parte, há uma exegese completa
em todos os seus passos sobre o Juízo Final (Mateus 25,31-46), dentre estes, a
delimitação, a estrutura, a configuração lingüística, a redação, as características de
Deus existentes no texto e muitas outras informações exegéticas. Na terceira parte,
é apresentada a atualização da mensagem do Juízo Final que tem, por base, três
dimensões: pessoal, eclesial e social, onde, de acordo com os ensinamentos de
Jesus, as obras de misericórdia, praticadas em relação aos mais pequeninos, aqui e
agora, serão decisivas no dia do Juízo Final, quando o Filho do Homem julgacada
um de acordo com suas obras.
Palavras-chave: último julgamento, obras de misericórdia, solidariedade,
pequeninos.
6
ABSTRACT
FERREIRA, Francisco Albertin. And when the Son of Man will come… The Last
Judgment in Matthew 25,31-46. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2006.
The present dissertation discusses the Last Judgment that is a current theme of
investigation. This is due to the fact that the three major monotheistic religions
approach it in their religious essence. In judaism, it is related to the acts of piety
present in the Old Testament; in christianity, to acts of mercy which involve a
compromise of love to God and neighbor and are fundamental for obtaining
salvation; and, in Islam, the good or evil that one practices with his brothers are
important acts for either gaining paradise or ending in hell. In the first part, the
question of text in its context is approached: the social reality of the Roman Empire,
of the judeo-christian community, in Antiocus, and the necessity of solidarity that this
text expresses. In the second part, there is a complete exegesis in all its steps to the
Last Judgment (Matthew 25,31-46), within these, there is the delineation, the
structure, the linguistic configuration, the wording, the characteristics of God present
in the text and much other exegetical informations. In the third part, the updating of
the message of the Last Judgment is presented which has, as its base, three
dimensions: the personal, ecclesiastical and social, where, according to Jesus’
teachings, the acts of mercy, practiced in relation to the least of God’s creature, here
and now, will be decisive at the Last Judgment, when the Son of Man will judge each
according to his acts.
Key words: last judgment, acts of mercy, solidarity, least.
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C. : antes de Cristo
Ap : Apocalipse
apud : citado por
At : Atos dos Apóstolos
A.T. : Antigo Testamento
1 Cor : 1 Coríntios
Cf: : Confer, Confira
CNBB : Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
d.C. : depois de Cristo
Dn : Daniel
Dt : Deuteronômio
Eclo : Eclesiástico
ed. : edição
et al : et alii, e outros
Ex : Êxodo
Ez : Ezequiel
FAO : Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FGV : Fundação Getúlio Vargas
Fl : Filipenses
Gl : Gálatas
Gn : Gênesis
G8 : Grupo dos 7 países mais ricos e industrializados mais a Rússia
Hb : Hebreus
HH : Hijo del Hombre espanhol – (Filho do Homem)
IBGE : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA : Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Is : Isaías
Jo : João
1 Jo : 1 João
Jr : Jeremias
Js : Josué
Lc : Lucas
Lv : Levítico
Mc : Marcos
1 Mc : 1 Macabeus
2 Mc : 2 Macabeus
ms, mss : manuscrito, manuscritos
Mt : Mateus
Nm : Números
N.T. : Novo Testamento
ONU : Organização das Nações Unidas
1 Pd : 1 Pedro
2 Pd : 2 Pedro
Rm : Romanos
1 Rs : 1 Reis
8
2 Rs : 2 Reis
Sl : Salmo
2 Sm : 2 Samuel
ss : seguintes
Tb : Tobias
Tg : Tiago
2 Tm : 2 Timóteo
1 Ts : 1 Tessalonicenses
v., vv. : versículo, versículos
Zc : Zacarias
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
CAPÍTULO I - O TEXTO EM SEU CONTEXTO.................................................... 18
1.1 O Império Romano..................................................................................... 18
1.2 O Contexto Social de Antioquia, na Síria................................................... 20
1.3 A Comunidade Judaico-Cristã em Mateus................................................. 22
1.4 A Questão da Pobreza............................................................................... 25
1.5 Apelo à Solidariedade: Mt 25,31-46........................................................... 29
1.5.1 A questão da apocalíptica.................................................................. 30
1.5.2 A questão da partilha......................................................................... 34
CAPÍTULO II - ANÁLISE EXEGÉTICA DE MATEUS 25,31-46............................. 38
1 Texto em Grego ................................................................................................. 38
2 Crítica Textual.................................................................................................... 40
3 Tradução Literal ................................................................................................. 41
3.1 Tradução Final de Mateus 25,31-46 .......................................................... 45
4 Análise Literária.................................................................................................. 47
4.1 Delimitação do Texto ................................................................................. 48
4.2 Análise de Coesão..................................................................................... 52
4.2.1 Análise de coesão dos blocos ........................................................... 52
4.2.2 Coesão entre as subdivisões ou "amarras" do texto ......................... 56
4.3 Estrutura do Texto...................................................................................... 59
10
4.4 Fontes Bíblicas ou Extrabíblicas................................................................ 62
5 Análise das Formas............................................................................................ 63
6 Análise da Redação........................................................................................... 71
7 Análise do Conteúdo.......................................................................................... 78
7.1 Análise Semântica .....................................................................................78
7.1.1 Filho do Homem ................................................................................ 79
7.1.2 Glória................................................................................................. 87
7.1.3 Trono da glória................................................................................... 90
7.1.4 Nações, gentios ou povos?................................................................ 91
7.1.5 Ovelhas e bodes ou cabritos ou cabras?........................................... 94
7.1.6 Fome ................................................................................................. 97
7.1.7 Estrangeiro ........................................................................................ 99
7.1.8 Pequeninos...................................................................................... 101
7.1.9 Benditos e malditos ......................................................................... 103
7.1.10 Castigo eterno ............................................................................... 106
7.1.11 Vida eterna .................................................................................... 111
7.2 Elementos Sociais de Mateus 25,31-46................................................... 116
7.2.1 Político-social................................................................................... 117
7.2.2 Econômico....................................................................................... 118
7.2.3 Religioso.......................................................................................... 120
7.2.4 Ideológico ........................................................................................ 122
7.3 O que implica este Texto? ....................................................................... 123
8 Análise Teológica............................................................................................. 130
8.1 O Juízo Final e Textos Paralelos ............................................................. 131
8.2 A Fé e as Imagens de Deus..................................................................... 134
11
8.3 Dimensões de Amor e Compromissos Pessoais, Eclesiais ou Sociais.... 137
8.4 Dimensões de Esperança e Escatologia.................................................. 138
CAPÍTULO III - ATUALIZAÇÃO DA MENSAGEM DO JUÍZO FINAL.................. 140
1 Dimensão Pessoal............................................................................................ 141
2 Dimensão Eclesial............................................................................................ 143
2.1 Cristãos Católicos e Evangélicos no Brasil.............................................. 143
2.2 Os mais Pequeninos hoje ........................................................................ 145
2.3 A Igreja e o seu Tríplice Dever................................................................. 148
3 Dimensão Social .............................................................................................. 152
3.1 A Sociedade Brasileira............................................................................. 155
CONCLUSÃO...................................................................................................... 160
REFERÊNCIAS................................................................................................... 168
12
INTRODUÇÃO
Num certo dia, fazendo os atendimentos normais, como pároco, da
comunidade, um casal muito pobre me disse que tinha acabado de se mudar para
nossa Paróquia, juntamente com seus filhos, e ambos estavam desempregados,
fazendo dois dias que todos estavam sem comer e que não havia nada em casa. Os
Vicentinos sempre ajudam nesses casos. O fato é que, pelas suas regras, primeiro
precisam fazer a sindicância, depois levam o caso para o conselho da conferência -
o que demora por volta de uma semana -, e eles não podiam esperar, porque
estavam com fome... Pensei em ir ao Supermercado e comprar alguns alimentos,
mas, por incrível que pareça, não foi preciso, isto porque, assim que entrei na
secretaria paroquial, a secretária me informou que uma pessoa, de uma cidade
vizinha, tinha acabado de deixar uma cesta básica para distribuir a alguma família.
Ora, a conversa com o casal não demorou mais do que sete minutos. Vi, neste gesto
inesperado, a providência de Deus. Coloquei a cesta no carro, a qual estava muito
pesada, e juntamente com o casal me dirigi até a pequenina casa por eles alugada.
Assim que colocamos a cesta no chão, a filha, de nome Renata, que contava com
mais ou menos dois anos de idade, disse: “olha, papai, tem arroz e nós vamos ter
hoje o que comer”. Naquele instante, veio, à minha mente, a “Parábola do Juízo
Final”, principalmente a passagem que diz: tive fome e me destes de comer” (Mt
25,35). Eu estava com muitos compromissos naquele dia, mas, no momento, pensei:
13
pra que ficar com tantas preocupações se, muitas vezes, esquecemos o essencial?
E o que é mais importante é exatamente isso: dar comida, bebida, acolher os
peregrinos, vestir os nus, visitar os doentes e presos, além de ajudar os pobres e
necessitados naquilo que eles precisam. Naquele dia, decidi, se Deus me desse a
graça, que escreveria, um dia, sobre o que é o essencial na cristã, pois muitos,
como eu, às vezes se preocupam com muitos afazeres e se esquecem daquilo que
Jesus nos deixou como sendo o mais importante: são as obras de misericórdia aos
mais pequeninos, em outros termos, para utilizar a expressão de Mateus, se
estamos praticando a justiça. Assim sendo, decidi escrever sobre: “E quando vier o
Filho do Homem...”, tema muito atual num mundo moderno, globalizado e
secularizado.
A modernidade traz, em si, várias conquistas nos mais diversos campos, onde
se pode destacar a questão industrial, suas tecnologias e sua capacidade de
produção. A medicina evoluiu enormemente no último século e no início do século
XXI, de modo que o nível de vida aumentou em quantidade e qualidade. Somam-se
a isto muitos outros êxitos nos mais diversos ramos sociais. Todavia, a modernidade
gerou um abismo entre os países ricos e os países pobres. Segundo Santos (1999,
p. 293), calcula-se que 1 bilião de pessoas [...] viva em pobreza absoluta, ou seja,
dispondo de um rendimento inferior a cerca de 365 lares por ano. Do outro lado
do abismo, 15% da população mundial produziu e consumiu 70% do rendimento
mundial”.
A modernidade gerou tamm a globalização da economia que é a razão de
ser da sociedade atual. Michael Ramminger (2004, p. 221) diz que o neoliberalismo
é o
“teto ideológico do que tem sido chamado alguns anos de
globalização. Esta globalização é definida pelos políticos e
14
pelas instituições internacionais como um processo, como uma
transformação da economia mundial, que é marcada por
crescente interdependência”.
A economia globalizada move o mundo. Se 15% da população produzem e
consomem 70% do rendimento mundial, isto equivale dizer que 85% desta ficam
com apenas 30%. Resultado: poucos ricos e uma maioria esmagadora pobre. Numa
população estimada em mais de seis bilhões, calcula-se que um bilhão viva em
pobreza absoluta ou na miséria com menos de U$1,00 (um dólar) por dia.
Vivemos também numa sociedade secularizada e dentro das várias definições
sobre este termo, segundo Peter L. Berger (1985, p. 119): “Por secularização
entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos
à dominação das instituições e símbolos religiosos”.
Por outro lado, diante dos nossos olhos, não podemos deixar de enxergar a
força e a importância da religião e de seus símbolos no mundo de hoje, pois se
somarmos os adeptos das dez maiores religiões do mundo, vamos chegar à incrível
marca de 74,79% da população mundial
1
, isto sem computar os dados das religiões
restantes.
Assim sendo, escrever sobre um tema religioso, especificamente sobre o
Juízo Final - Mateus 25,31-46 - tendo, por base, os ensinamentos de Jesus Cristo,
questiona a todos aqueles que se dizem “cristãos”, ou seja, de acordo com o site
http://pt.wikipedia.org, acessado em 13 de junho de 2006, considerando uma
estimativa publicada pelo IBGE, em maio de 2006, a população mundial era de
6.800.000.000. Destes, 2.106.962.000 eram adeptos do cristianismo, o que
correspondem a 30,98%; questiona ao judaísmo, com seus 14.990.000, pois o Juízo
1
1. Cristianismo – 2.106.962.000; 2. Islamismo – 1.283.424.000; 3. Hinduísmo – 851.291.000; 4.
Religiões Chinesas – 402.065.000; 5. Budismo – 375.440.000; 6. Sikhismo – 24.989.000; 7. Judaísmo
– 14.990.000; 8. Espiritismo – 12.882.000; 9. Fé Bahá’í – 7.496.000; 10. Confucionismo – 6.447.000.
15
Final de Jesus se refere às obras de piedade dos judeus, e correspondem a 0,22%;
questiona tamm, de uma certa maneira, àqueles que se dizem muçulmanos, num
total de 1.283.424.000 de adeptos, isto equivale a 18,87%. O próprio Mohammad,
fundador do islamismo, tem uma doutrina semelhante à de Jesus, quando se refere
ao Juízo Final. No seu histórico sermão, disse aos seus seguidores no vale de
Uranah, no centro de Arafat: “Lembrai-vos: um dia comparecereis perante Deus e
respondereis pelas vossas ações” (MOHAMMAD, 1989, p. 402).
O Alcorão Sagrado (4:157-159) diz: E por dizerem: Matamos o Messias,
Jesus, filho de Maria, o mensageiro de Allah, [...] Mas Allah fê-lo ascender até Ele,
porque é Poderoso, Prudentíssimo. Nenhum dos adeptos do Livro deixará de
acreditar nele (Jesus), antes da sua morte [...]”.
O “Juízo Final”, descrito em Mateus 25,31-46, é muito semelhante ao que o
Alcorão Sagrado (9:7,8) diz: “Aquele que fizer um bem, que seja do peso de um
átomo, vê-lo-á; e aquele que fizer um mal, que seja do peso de um átomo, vê-lo-á”.
Ambos se referem à salvação dos fiéis, e os que praticarem o bem irão para o
paraíso (céu) ou os que praticarem o mal irão para o inferno. Tudo é uma questão de
conduta do crente durante a sua vida terrena até o dia do Juízo Final.
Também para o islamismo, entre o paraíso e o inferno, o que está em questão
é o livre arbítrio humano de seguir as orientações do Criador e de seus enviados,
dentre eles Jesus Cristo. Assim sendo, o pprio indivíduo é o único responsável por
seu destino na outra vida, ou seja, se praticar o bem, ipara o paraíso, se praticar o
mal, irá para o inferno. Tudo depende de suas próprias ações.
Se tomarmos, especificamente, o Juízo Final tanto no cristianismo como no
islamismo, tudo será uma questão de praticar o bem ou o mal para com os irmãos.
Disso depende a vida eterna (paraíso) ou o inferno. Com isso, pode-se dizer que,
16
praticamente, metade da população mundial, somando-se cristãos e muçulmanos,
chega a 3.390.386.000, correspondente a 49,85%, tem a crença de uma vida após a
morte, onde se terá a vida eterna ou o paraíso para quem praticar o bem e o inferno
para quem praticar o mal, e isto vai ocorrer no Juízo Final. Somando-se o judaísmo
que tem as obras de piedade, este mero chega a 3.405.376.00, ou seja, 50,07%,
ou seja, mais da metade da população mundial.
Todavia, este trabalho não vai descrever o islamismo ou o modo de viver dos
muçulmanos ou comentar qualquer outro dado. O que foi escrito acima tem como
única pretensão ilustrar a importância do tema abordado, o qual está dividido em três
capítulos e segue a seguinte estrutura:
1. O texto em seu contexto - descreve a questão do Império Romano, a
realidade social da Síria, a comunidade judaico-cristã em Mateus, bem
como sua pobreza, o apelo à solidariedade presente no Juízo Final, a
questão da apocalíptica e a importância da partilha para a construção do
Reino sonhado por Jesus;
2. Análise exegética de Mateus 25,31-46 iniciada pelo texto em grego,
passa por uma crítica textual e pela tradução do texto denominado “Juízo
Final”. Logo após, são feitas a análise literária, a análise das formas, a
análise da redação, a análise do conteúdo e, finalmente, a análise
teológica;
3. Atualização da mensagem do Juízo Final tem, por base, as três
dimensões de vida: a pessoal, a eclesial e a social.
Neste último item da dissertação, é comentado que o Juízo Final não vai
acontecer no futuro, pois as obras de misericórdia aos mais “pequeninos”, aqui e
17
agora, são os critérios decisivos para que o “Filho do Homem realize o julgamento
final.
18
CAPÍTULO I – O TEXTO EM SEU CONTEXTO
Para compreender um texto, é fundamental conhecer o seu contexto, em
nosso caso, o contexto histórico e social do primeiro século de nossa era,
principalmente da Palestina e de uma província romana chamada Antioquia, na
Síria.
Mas não é possível conhecer tal realidade social se antes não se tiver, em
mente, o que foi o Império Romano e o modo pelo qual interferiu diretamente na
política, economia e cultura dos povos dominados. É evidente que o Império
Romano, enquanto tal, não é o objeto de estudo deste trabalho. Apenas serão
situadas algumas passagens importantes que podem ajudar a compreendê-lo. Com
isso, ficará mais fácil entender a realidade social da cidade de Antioquia, bem como
o contexto que está por detrás do Evangelho de Mateus.
1.1 O Império Romano
O Império Romano, sob o governo de Pompeu, no ano 63 a.C., dominou a
Palestina. Um ano antes, em 64 a.C., ocorreu tamm o domínio romano sobre a
Síria.
19
O verbo dominar é muito forte, ainda mais quando se trata de uma conquista
militar, consolidada de lutas armadas e de muito sangue.
“Na sua conquista inicial, e particularmente nas reconquistas
subseqüentes, os romanos trataram os habitantes brutalmente
a fim de induzir o povo à submissão. Repetidamente, os
exércitos romanos incendiaram e destruíram completamente
cidades e massacraram, crucificaram ou escravizaram as suas
populações” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 44).
Por tudo isto, dá pra sentir a realidade da Palestina na época.
O governo de Otávio (Augusto)
2
teve a duração de quarenta e quatro anos
(31 a.C. a 14 d.C.). Jesus nasceu neste período, muito embora tenha sido morto
durante o reinado de Tibério (14-37).
Antes de se chegar aos escritos de Mateus, por volta do ano 85, houve outros
imperadores: Calígula (37-41); Cláudio (41-54); Nero (54-68); Galba, Otão, Vitélio
(68-69); Vespasiano (69-79); Tito (79-81) e, finalmente, Domiciano (81-96).
Otávio, ou César Augusto, como ficou conhecido, ou simplesmente Augusto,
lançou as bases e alicerçou o que se pode chamar de Império Romano e de todo o
seu domínio ao longo de sua duração - calcula-se que o Império Romano possuía
por volta de 80 milhões de habitantes. Foi um grande estadista e fez uma grande
reforma política, obtendo um novo modo de taxação, sistema centralizado de
tribunais, fiscalização direta, certa autonomia administrativa às cidades e províncias,
serviço postal eficiente. Buscou pessoas sábias e experientes para ocuparem cargos
importantes e promulgou leis para impedir os males sociais e morais.
2
Algumas reflexões sobre o Império Romano e o governo de Otávio Augusto neste trabalho também
estão contidas em um livro de minha autoria: “O reino da justiça e do amor”, publicado pela Ed.
Santuário.
20
Otávio Augusto instalou as bases que ficaram conhecidas depois como Pax
Romana - se é que pode ser chamada de “paz” o que alguns historiadores, dentre
eles Tácito, chamaram de uma paz toda manchada de sangue”, ou seja, garantida
pela força militar, pela imposição e pela guerra.
Com o Imrio Romano, começou também a se espalhar o modo de viver dos
romanos, tais como: ginásios, fontes, pórticos, templos, oficinas, escolas. Além, é
claro, da ideologia do dominador, uma vez que, para não ter questionamentos e
aceitar as suas imposições, era colocado o famoso “Pão e Circo” - o alimento e a
diversão para seus dominados não “incomodarem” o poder central de Roma.
Outra coisa que fica evidente nos romanos é que eles, “Desde os primórdios,
tiveram mais interesse pela autoridade e pela estabilidade política do que pela
liberdade e pela democracia” (BURNS, 1986, p. 213).
Tudo isso mostra que é impossível entender as atitudes de Jesus e os
escritos de Mateus se não for levada em conta a realidade social em que viveram
sob o domínio romano. Assim sendo, o objetivo agora é descrever o contexto social
de Antioquia, na Síria, onde, ao que tudo indica, foi escrito o Evangelho de Mateus.
1.2 O Contexto Social de Antioquia, na Síria
Antioquia era, na época de Jesus e, conseqüentemente, na dos escritos de
“Mateus”, a terceira maior cidade do Império Romano, ficando atrás de Roma e
Alexandria.
Antioquia da Síria foi fundada por Seleuco I Nicanor, por volta do ano 300
a.C., fica a aproximadamente quatrocentos quilômetros ao norte de Jerusalém.
Antíoco I (280-261 a.C.) fez desta cidade a capital do reino selêucida. Conforme dito
21
acima, ela foi dominada por Pompeu, no ano 64 a.C., ou seja, um ano antes de
Jerusalém e a Palestina estarem sob o domínio romano e, no ano 27, foi a capital da
província imperial da Síria e tamm sede da administração política e militar,
residência do legado imperial, além de ser uma cidade geograficamente privilegiada,
localizada perto do Rio Orontes e aproximadamente a vinte quilômetros do Mar
Mediterrâneo. Daí porque fica cil entender que tinha uma importância capital, tanto
no campo econômico, quanto no cultural. Era um ponto de convergência para várias
rotas comerciais, tanto no sentido norte-sul, como leste-oeste, além de ser um ponto
de encontro entre a cultura grega e semita. Era uma cidade onde havia várias
culturas e etnias. No que se refere à sua população, no fim do século I, calcula-se
que possuía mais de quinhentos mil habitantes (RICHARD, 1998, p. 213). Segundo
dados da época,
“cerca de 40 por cento da área da cidade era ocupada com
edifícios públicos, tais como uma ágora/fórum, edifícios
comerciais, ruas, basílica, ginásios, banhos, templos e
monumentos, a densidade de espaço vital crescia a 205 por
acre (compare 183 em Bombaim e 122 em Calcutá). Com tal
densidade de população, a privacidade era mínima, a
exposição intensa e o conflito iminente.” (CARTER, 2002, p.
37).
Esta cidade tamm hospedava três ou quatro legiões, entre quinze a vinte
mil soldados encarregados de garantir a pax romana mesmo com uso de força e
derramamento de sangue. Religiosamente falando, era uma cidade “sincretista”, com
várias seitas, cultos, deuses e templos. Dentro desse contexto, surge a comunidade
judaico-cristã de Mateus.
22
1.3 A Comunidade Judaico-Cristã em Mateus
Antes de entrar em detalhes sobre essa comunidade e os conflitos existentes,
bem como as suas conquistas, derrotas e projetos, faz-se necessária uma pequena
introdução para compreensão melhor do modo pelo qual ela se iniciou.
Entre os anos 38-48, Paulo e Barnabé fizeram missão na Síria e na Cilícia.
“Barnabé, entretanto, partiu para Tarso, à procura de Saulo.
Tendo-o encontrado, levou-o a Antioquia. Passaram um ano
inteiro trabalhando juntos naquela Igreja, e instruíram uma
numerosa multidão. Em Antioquia, os discípulos foram, pela
primeira vez, chamados com o nome de ‘cristãos’” (At 11,25-
26).
Em seguida, realizou-se a assembléia (concílio?) em Jerusalém, por volta do
ano 48. Paulo e Barnabé, “com o apoio e solidariedade da igreja de Antioquia” (Cf.
At 15,3), foram para tal assembléia que tratou especificamente da “Boa Notícia
anunciada aos pagãos” e, por fim, houve a famosa carta conciliar (At 15,22-29), cuja
essência fica nesta decisão: Pois decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor
nenhum fardo” (At 15,28) e “Quanto a Paulo e Barnabé, permaneceram em
Antioquia. E junto com muitos outros ensinavam e anunciavam a Boa Nova da
Palavra do Senhor” (At 15,35).
Paulo morreu, provavelmente, por volta do ano 67, embora haja controvérsias
entre os escritores: uns colocam um pouco antes e outros um pouco depois.
No ano 70, com a destruição do Templo e de Jerusalém pelos romanos,
Antioquia atraiu milhares de judeus e muitos cristãos, por ser próxima de Jerusalém
e por ser um importante centro cultural e comercial. Há quem diga que “[...] a colônia
judia podia ter um pouco mais de 50 mil pessoas” (RICHARD, 1998, p. 33), muito
23
embora não se possa entusiasmar com tal quantidade, visto que os seguidores de
Jesus eram bem menores. Na verdade, não se sabe, ao certo, quantos cristãos
havia em Antioquia por volta do ano 85, quando foi escrito o Evangelho de Mateus.
Segundo Warren Carter (2002, p. 54.76), “talvez 19, 150 ou ainda 1.000”. Pelo que
consta, era “[...] uma comunidade inclusiva, adotando, [...] uma práxis de
misericórdia indiscriminada, [...] sem preocupar-se com os limites étnicos, sociais ou
de gênero”.
Depois dessa pequena visão histórica, faz-se necessário descrever a
comunidade judaico-cristã nos escritos de Mateus. De modo geral, pode-se afirmar
que:
“Os cristãos tinham inevitavelmente de relacionar-se com o
Judaísmo, pois liam a Bíblia (o Antigo Testamento deles),
praticavam muitas tradições judaicas modificadas e
acalentavam os feitos e ensinamentos de Jesus, que viveu
como judeu em Israel. Faziam isso com vários graus de
simpatia, posição defensiva e hostilidade” (SALDARINI, 2000,
p. 316).
Cristãos e judeus conviviam em Jerusalém, na Palestina, na Síria e em muitos
outros lugares, mesmo depois da ressurreição de Jesus. Os cristãos freqüentavam
as sinagogas dos judeus e tinham suas diferenças, mas, dentro do possível, tinham
uma certa união devido a alguns pontos em comum, dentre eles: a to(lei), as
profecias e os demais escritos contidos no Antigo Testamento. O fato dos cristãos
afirmarem que Jesus era o Filho de Deus e o Messias esperado pelo povo judeu
gerou uma série de conflitos e dificuldades nesse relacionamento. Isto fica evidente,
pois:
“O evangelho de Mateus é um todo integral e coerente que
reflete um grupo judaico-cristão que observa toda a Lei,
interpretada pela tradição de Jesus. O autor considera-se um
24
judeu que tem a verdadeira interpretação da Torá e é fiel à
vontade de Deus revelada por Jesus, que ele declara ser o
Messias e Filho de Deus” (SALDARINI, 2000, p. 16).
No ano 85, os fariseus e escribas, sob a liderança do Rabi Iohanan bem-
Zakai, foram para mnia (a noroeste de Jerusalém) e deram início ao judaísmo
formativo, precursor do judaísmo rabínico normativo. Fundaram uma academia em
substituição ao Sinédrio, onde o chefe foi chamado de Patriarca e reconhecido
oficialmente pelo Império Romano como legítimo representante do povo judeu. Com
isso, ocorreu o famoso evento de expulsão dos cristãos das sinagogas. Ora,
“Mateus escreve antes de que a ruptura entre Judaísmo e
Cristianismo tenha alcançado sua comunidade. Pode ser um
fato em outros lugares. E Mateus mostra que, na comunidade
de onde escreve, a ruptura está próxima, as relações são
tensas, e vivas as polêmicas entre uns e outros rabinos. No
entanto, Mateus ainda não se por vencido em sua tentativa
de mostrar o Cristianismo como a culminação do Judaísmo e
não como sua negação” (SEGUNDO, 1997, p. 72).
Não obstante isso, pode-se dizer que esse Evangelho é uma tentativa de
comprovar que Jesus veio cumprir as profecias, o que fica claro ao longo de todos
os seus escritos que estão sempre correlacionados com estas e outras diversas
passagens do Antigo Testamento. Saldarini (2000, p. 329) afirma que Mateus é “o
mais judaico dos evangelhos em suas tradições e interpretações e o mais crítico dos
evangelhos em seus ataques a certas formas de judaísmo”. De um modo especial,
no capítulo 23, vêm descritas bem estas críticas e ataques.
Para a comunidade judaico-cristã de Mateus ficar ainda mais evidente, pode-
se afirmar que ele apresenta:
“Jesus como um judeu informado e observante, que protesta
contra certas práticas e interpretações, e propõe algumas
mudanças de atitude e prática a fim de promover maior
25
fidelidade a Deus e ao ensinamento de Deus na Bíblia”
(SALDARINI, 2000, p. 208).
Jesus não é contra a lei e, sim, contra certas práticas e interpretações. Na
verdade, ele veio para dar plenitude à lei (torá).
Jesus é O Messias, o Filho de Deus. “Mateus procurou estender uma ponte e
evitar a ruptura definitiva, a história nos diz que fracassou nessa tentativa. Deu-se a
ruptura, apesar de tudo” (SEGUNDO, 1997, p. 279). Ruptura esta que se refere ao
judaísmo e cristianismo. Saldarini (2000, p. 23) diz que a partir do século II, o
evangelho de Mateus passou a ser lido como obra cristã, não judaica, e valorizado
porque se acreditava que ele explicava a relação do Cristianismo com as origens
judaicas”.
Feita a relão entre a comunidade judaico-cristã de Mateus, interessa entrar
dentro dela e em seu ambiente original para que se possa conhecê-la melhor. O que
está em discussão é o contexto social doculo I e não as discussões posteriores e
muito menos a ruptura do judaísmo com o cristianismo. O objetivo é entender como
judeo-cristãos, cristãos, gentios e demais convertidos ao cristianismo vivenciaram a
mensagem de Jesus escrita no Evangelho de Mateus. Para isso, não se será servido
de todos os seus escritos, e sim de um texto específico denominado de Juízo Final
(Mt 25,31-46). Antes, porém, faz-se necessário explicar a questão da pobreza e o
modo pelo qual interferiu na construção da comunidade cristã, nos escritos de
Mateus e, de um modo todo especial, no grande apelo à solidariedade, conforme
narra o Juízo Final, no sermão escatológico.
1.4 A Questão da Pobreza
26
É bom que se conheça onde e em que condições viviam estas pessoas que
se diziam “cristãs”, independentemente de serem judeus, gentios, pagãos, helênicos
e outros. Tudo indica que “Mateus, segundo os exegetas de maior valor no meu
critério, deve ter escrito seu evangelho em algum lugar da Síria, depois da
destruição de Jerusalém (SEGUNDO, 1997, p. 72). De fato, um versículo deixa
transparecer isto: E a fama de Jesus espalhou-se por toda a Síria” (Mt 4,24). Muito
embora haja tamm opiniões de que tenha sido escrito em algum lugar da
Palestina ou, até mesmo, na Galiléia.
Com a guerra judaica (66-73), porém, de um modo especial, no ano 70,
aconteceu o que era esperado, ou seja, [...] o Templo foi destruído. Tal
acontecimento constituiu-se num verdadeiro desastre para o judaísmo. Além de um
golpe político, isso significava a destruição do centro cultural e religioso dos judeus”
(CNBB, 1998, p. 21). Talvez, poderia até ser dito que esse acontecimento resultou
na perda da própria identidade, enquanto povo organizado politicamente falando, já
que o Templo era o centro de toda a vida judaica. o tinham mais como oferecer os
sacrifícios, as liturgias, a parte social, que ele era também um órgão social. O
sistema financeiro tamm foi destruído, que funcionava tamm como banco.
Devido à destruição do Templo, em Jerusalém, muitos judeus saíram de Israel e
foram para a Síria e outras regiões. Aprofundando a comunidade de Mateus, a partir
de agora, será denominada de “comunidade cristã ou cristãos”, independentemente
de serem judeus, helenistas, pagãos e outros.
Tratando especificamente do Evangelho de Mateus, as multidões que seguem
Jesus
“São sociologicamente típicas das classes inferiores da
antigüidade. Cerca de 90% da população eram camponeses e
artesões. Eram na maior parte analfabetas, viviam em nível de
27
subsistência, o tinham mobilidade social, nem acesso direto
ao poder” (SALDARINI, 2000, p. 70).
Stegemann (2004, p. 59) afirma que, em Israel, mais de 90% da população
viviam no campo e estavam ligadas à agricultura. Conclui-se que a elite girava em
torno de 5% a 10%.
“A elite em Antioquia compreendia rios grupos que refletiam
os papéis políticos, militares, administrativos e comerciais da
cidade. Notáveis eram os grandes latifundiários, cuja riqueza
provinha de seu controle sobre a terra e matérias-primas.”
(CARTER, 2002, p. 39).
Fica evidente que a pobreza atingia uma enorme porcentagem da população.
Interessante é o modo pelo qual Stark (apud CARTER, 2002, p. 47) descreve
a realidade social da época. Diz ele:
“Antioquia era uma cidade onde a família comum vivia uma
vida pobre e rdida em quartos apertados e sujos, onde pelo
menos a metade das crianças morria no nascimento ou durante
a infância, e onde a maioria das crianças que sobreviveram
perderam ao menos um dos genitores antes de alcançar a
maturidade. A cidade estava cheia de ódio e medo surgidos
nos intensos antagonismos étnicos e exacerbados por um
constante fluxo de estrangeiros.
Por tudo isso, ficam evidentes as condições de vida, pobreza e miséria em
que vivia boa parte da comunidade cristã que tinha inúmeras dificuldades e desafios,
além de muitos serem estrangeiros, pois, com a destruição do Templo e de
Jerusalém, por volta do ano 70, muitos judeus e judeo-cristãos foram morar em
Antioquia.
Segundo Stegemann (2004, p. 144), a questão dos tributos mostra que “as
estimativas oscilam entre 12% e 50% do produto social em receitas de impostos”.
Tudo tinha imposto e, nesse sentido, a dominação romana era implacável. “Qualquer
28
falta de pagamento era considerada equivalente a uma rebelião, a que Roma
habitualmente reagia com força punitiva” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 64). O
povo não agüentava mais tantos impostos e explorações econômicas. Uma
revolta era evidente, gerando movimentos contrários a Roma.
“O banditismo pode aumentar em épocas de crise econômica,
incitado pela fome ou elevada tributação, bem como em
períodos de desintegração social, talvez resultante da
imposição de um novo sistema político ou econômico-social”
(HORSLEY; HANSON, 1995, p. 57).
O povo não conseguia pagar os altos impostos. E se houvesse guerra, tinha
que fornecer alimentos ao exército romano.
O problema maior atinge praticamente 90% da população que estavam
ligadas ao sustento tirado do campo. Stegemann (2004, p. 121) afirma que a
atividade agrícola era “a espinha dorsal da economia da Antigüidade”. Isso vale
tanto para Israel, como para todos os povos que faziam parte do Império Romano.
Ocorre que os impostos eram altíssimos e os romanos não levavam em conta a
questão da seca ou qualquer outra calamidade que pudesse surgir eventualmente.
Com isso, os camponeses eram obrigados a entregar os impostos de qualquer jeito,
o que os levava ao desespero, pois:
“Se uma família camponesa, após entregar 40 por cento ou
mais de sua colheita, não tivesse o suficiente para sobreviver
até a próxima colheita, teria de tomar emprestado cereais para
alimentar-se ou para semear na próxima semeadura”
(HORSLEY; HANSON, 1995, p. 65).
Começavam assim as dívidas e, não tendo como pagá-las, boa parte desses
camponeses tinha que vender suas terras ou amesmo se tornar escravos de tais
dívidas de empréstimos, e a terra ia cada vez mais se concentrando nas mãos de
poucos que se tornavam latifundiários. Os pobres cada vez mais pobres e, ainda,
29
sem terra, tinham que trabalhar como diaristas, e Mateus (20,1-16) relata muito bem
isto: um patrão sai em diversos horários para contratar trabalhadores que estão na
praça e tem vários deles “Porque ninguém os contratou” (Mt 20,7). Ocorre que, às
vezes, também vários desses trabalhadores se tornavam arrendatários (meeiros) da
sua própria terra ou de qualquer outra. Pior era quando os camponeses se
tornavam escravos por dívida. Além de entregarem suas terras, eles, juntamente
com toda a sua família, tinham que trabalhar em condições de escravos, e
literalmente muitos deles passavam fome. Mas se engana, quando se pensa que
somente os que se tornaram escravos por dívidas passavam fome. Stegemann
(2004, p. 69) afirma que “a maioria da população rural da Antigüidade vivia na corda
bamba da subsistência e da fome”.
Por tudo isso, ficam evidentes as condições miseráveis em que a maioria dos
camponeses vivia, tanto na época de Jesus Cristo, como no período em que foi
escrito o Evangelho de Mateus. Dentre os diversos textos em que o autor transmite
essa realidade desesperadora, o Juízo Final (Mt 25,31-46) é um retrato fiel de como
devem ser as relações solidárias de partilha dos bens para que os mais pobres
possam ter o mínimo necessário para sobreviverem.
1.5 Apelo à Solidariedade: Mt 25,31-46
Diante da situação de pobreza e, muitas vezes, de miséria em que vivia a
maioria dos camponeses - o que consistia em 90% da população do Império
Romano -, o autor do Evangelho de Mateus faz um apelo dramático à solidariedade.
Na verdade, a partilha dos poucos bens destes mais pobres significava, para muitos,
uma questão de sobrevivência, de vida ou morte.
30
O que chama a atenção nesse texto é a questão do Juízo Final estar ligado
diretamente ao presente e às boas obras em relação aos mais pobres, muito embora
ele tenha uma pequena introdução e o seu último versículo conclusivo em sentido
apocalíptico e alguns outros versículos.
Por que Mateus escreveu esse texto importantíssimo utilizando, como pano
de fundo, a questão apocalíptica? Por que, ao se referir sobre o Juízo Final que
supõe o futuro, colocou seus critérios básicos no presente? São perguntas que
devem ser esclarecidas para um entendimento melhor de tal texto. Para que fique
ainda mais claro, faz-se necessário obter uma pequena visão do que vem a ser a
apocalíptica e qual a sua importância na época de Jesus e Mateus para depois
esclarecer o objetivo desse Evangelho em colocar os critérios do Juízo Final no
presente e não no futuro.
1.5.1 A questão da apocalíptica
Antes de entrar na questão da literatura apocalíptica, é preciso entender as
circunstâncias e o momento histórico que gerou esse movimento de resistência.
Embora existam alguns escritos que foram denominados apocalípticos, tanto em
Isaías, como em Zacarias, o fato é que um certo consenso de que “o escrito
apocalíptico mais antigo foi transmitido sob o nome de Daniel” (LOHSE, 2000, p. 60).
Com a reforma helenizante de Antíoco IV Epífanes a partir do ano 170 a.C.,
os judeus vivenciaram uma intensa crise enquanto povo e identidade. Detalhes
dessa reforma se encontram no 1 Macabeus. De modo geral, encontra-se descrito:
“O rei prescreveu, em seguida, a todo o seu reino, que todos
formassem um povo, renunciando cada qual a seus
costumes particulares. E todos os pagãos conformaram-se ao
31
decreto do rei. Tamm muitos de Israel comprazeram-se no
culto dele, sacrificando aos ídolos e profanando o sábado. [...]
e impedissem os holocaustos, o sacrifício e as libações no
Santuário, profanassem sábados e festas, [...] construíssem
altares, recintos e oratórios para os ídolos e imolassem porcos
e animais impuros. Que deixassem, também, incircuncisos
seus filhos [...] de tal modo que olvidassem a Lei e
subvertessem todas as observâncias. Quanto a quem não
agisse conforme a ordem do rei, esse incorreria em pena de
morte” (1 Mc 1, 41-43.45.47-50).
Diante de tal reforma absurda, a situação dos judeus era a pior possível e
desesperadora. Os representantes do rei Antíoco IV Epífanes invadiam as casas,
rasgavam e queimavam os livros da Lei e mandavam matar quem procurava praticar
a Lei, pois isto era contrário à reforma e ao decreto real.
“A reforma helenizante ordenada por Antíoco Epífanes causou
uma intensa crise de para os judeus. Aceitar a reforma
significaria abandonar a sua em Deus e sua obediência à
Torá. Mas a resistência à reforma significaria enfrentar a morte
do martírio. Qualquer das duas alternativas parecia levar ao fim
inevitável da judaica. [...] Desesperados para entender sua
situação aparentemente impossível, alguns judeus fiéis
buscaram uma revelação divina (grego: apokalypsis, donde o
nosso termo “apocalíptico”) para explicar por que as
circunstâncias de sua vida se tinham tornado o insuportáveis
e que plano Deus tinha para libertá-los” (HORSLEY; HANSON,
1995, p. 33).
Esse tipo de literatura se espalhou rapidamente, pois era um modo de ter uma
certa convicção de que Deus estava atento a tudo e que bons e maus teriam
recompensas diferentes no Seu julgamento. A história não é só aqui e termina com a
morte. Há a ressurreição dos justos e um outro mundo criado por Deus.
32
“O conjunto de motivos apocalípticos é pluriforme. Fazem parte
dele concepções sobre a presença do tempo final e o aumento
do mal ou de tempos de tribulação e catástrofes smicas, a
expectativa da ressurreição, de um juízo final sobre todas as
pessoas e de um novo éon; desenvolvem-se também
concepções mitológicas de uma figura de juiz celestial como a
do “Filho do Homem e, mais tarde, tamm de figuras
messiânicas de um Salvador” (STEGEMANN, 2004, p. 171-2).
Esse tipo de concepção apocalíptica, sem dúvida, levou muitos judeus a
resistirem às mais diversas perseguições, buscando refúgio em uma libertação
próxima na história ou tendo em mente a recompensa dos justos na vida eterna. De
modo geral e abrangente, pode-se dizer que:
“Apocalipse é um gênero da literatura de revelação, com
quadro narrativo em que uma revelação é transmitida por um
ser celeste a um ser humano, revelando uma realidade
transcendente, tanto temporal, na medida que visa à salvação
escatológica, como espacial, porquanto inclui outro mundo,
sobrenatural” (COLLINS apud BERGER, 1998, p. 268).
Depois do que foi dito sobre a apocalíptica e de sua importância, cabe agora
analisar o objetivo de Mateus ter utilizado, em alguns versículos do texto do Juízo
Final, este estilo de linguagem. Mas, antes de passar para o texto propriamente dito,
é importante dizer que ele está incluso no bloco denominado “escatológico” (Mt 24—
25). Sobre isto, D. Sim (apud CARTER, 2002, p. 581-2) argumenta que:
“O material apocalíptico de Mateus, conteúdo que desvela o
estabelecimento final do império de Deus, tem cinco funções.
(1) Os capítulos 24—25 continuam a compreensão dualística
do mundo. Eles identificam, novamente, a comunidade de
Mateus como a comunidade justa, e todos aqueles que se
opuseram a ela e a Jesus como injustos. [...] (2) Os capítulos
explicam as difíceis circunstâncias atuais de sofrimento que a
comunidade de discípulos enfrenta em relação a outras
33
comunidades judaicas e ao império romano. [...] (3) Os
capítulos oferecem, assim, esperança e encorajamento. O
presente não é permanente. Requer fidelidade e vigilância no
conhecimento de que o futuro glorioso de Deus é garantido. (4)
Eles também posicionam consolação. Em vista deste futuro,
vale suportar a angústia presente, custe o que custar. [...] (5)
Os capítulos fomentam a solidariedade de grupo controlando
comportamento apropriado, exigindo fidelidade e oferecendo
recompensas ou castigos escatológicos”.
Com relação ao texto do Juízo Final (Mt 25,31-46), muitos elementos
apocalípticos e escatológicos, principalmente nestes versículos:
31-32a. E quando vier o Filho do homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
então se assentará sobre o trono da sua glória. E reunir-se-ão diante dele todas as
nações;
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o reino
preparado para vós desde a criação do mundo;
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o fogo
eterno, preparado para o diabo e aos seus anjos”;
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
A questão é saber por que Mateus quis utilizar, nesse texto, que tem vários
gêneros literários, tamm o gênero apocalíptico. Possivelmente para chamar a
atenção para a urgência da situação precária que vivia sua comunidade. Também o
estilo apocalíptico despertava curiosidade e um certo temor, além de ser um alerta
para resistir às tribulações e buscar a solidariedade. De acordo com o Texto, o Filho
do Homem é o encarregado do julgamento, aquele que então dará o Reino de Deus
aos que forem justos e praticarem as obras de justiça e misericórdia, e tamm irão
para o “fogo eterno” os que praticarem o mal e não praticarem as obras de justiça e
misericórdia aos “pequeninos”.
34
Porém, esse julgamento final tem um caráter tipicamente cristão. Isto se deve
ao fato de que:
“Na apocalíptica judaica, a passagem do antigo para o novo
mundo pode ser pensada sem a colaboração de uma figura
messiânica. A esperança final dos cristãos, porém, define-se
por sua no Messias crucificado e ressuscitado, que o
esperam como aquele que está por vir. Por isso, as idéias
apocalípticas assumidas pelas comunidades cristãs receberam
um conteúdo novo a partir da cristologia, servindo assim ao
desenvolvimento do anúncio cristão” (LOHSE, 2000, p. 58).
Jesus Cristo se identifica como sendo o “Filho do Homem”, atribuindo a si
mesmo tal título que aparece trinta vezes no Evangelho de Mateus. Ocorre que, no
texto do Juízo Final, este Filho do Homem é identificado ainda mais como sendo o
próprio Jesus Cristo, ao dizer: “34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde,
benditos do meu Pai, herdai o reino preparado para vós desde a criação do mundo”.
A expressão “benditos do meu Paitransparece claramente Jesus como o Filho de
Deus.
Mesmo o Juízo Final tendo um caráter futuro por se referir ao final dos
tempos, o que fica em destaque são os critérios para tal julgamento que tem, por
base, as obras de misericórdia praticadas em relação aos mais necessitados no
presente.
1.5.2 A questão da partilha
A mensagem principal, o apelo essencial desse texto do Juízo Final, está na
questão da partilha dos bens, ou seja, praticar as obras de justiça e misericórdia e
ser solidário para com os mais pobres. O estilo apocalíptico foi um recurso utilizado
35
por Mateus para chamar a atenção de sua comunidade sobre a urgência dessa
partilha. No entanto, deve ficar claro que o importante não é o Juízo Final em um
futuro, mas num momento presente, e as obras de misericórdia e justiça são a razão
principal de tal julgamento. De acordo com Carter (2002, p. 28):
“esta cosmovisão apocalíptica os provê de uma perspectiva
cósmica nas suas experiências do presente e oferece ânimo e
esperança no futuro de Deus. Então os justos terão a sua
recompensa, e os malvados serão punidos. A ênfase constante
sobre a responsabilidade futura visa a fortalecer a
solidariedade do grupo e controlar suas práticas e condutas”.
O texto quer dar uma resposta para as dificuldades e perseguições do
presente e dar uma esperança que, no futuro, os que permanecerem justos terão a
recompensa e tomarão posse do Reino de Deus e serão chamados de “benditos”,
enquanto os malvados e perseguidores, os que dominam, exploram e matam, irão
para o “Fogo Eterno” preparado pelo diabo e serão chamados de “malditos”.
A realidade presente é que muitas pessoas estão passando por necessidades
que as podem levar à morte. Nesse caso, “elas m fome e sede, vestem apenas
farrapos, encontram-se desprovidas de moradia e esperança. Dependem da ajuda
de outros para o indispensável à vida” (STEGEMANN, 2004, p. 114).
As obras de justiça e misericórdia se referem ao cotidiano das pessoas e de
suas necessidades biológicas básicas, quando o Juiz vai interrogar a todos e
perguntar sobre a solidariedade para com os mais “pequeninos”. Tudo gira em torno
destas obras: "Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de
beber, era estrangeiro e me recebestes. Nu e me vestistes, estive doente e me
visitastes, preso e viestes ver-me" (Mt 25,35-36).
O apelo dramático aos cristãos e a todos é para a prática dessas obras.
Analisando o contexto social da época, pode-se dizer que:
36
“as obras referem-se a situações extremamente concretas
como a fome a saciar, a sede a desalterar, o estrangeiro a
acolher, a nudez a vestir, o doente e o prisioneiro a visitar.
Essas obras correspondem, para todos os efeitos, às obras de
piedade proclamadas pelo Judaísmo e pelo Novo Testamento”
(GENDRON, 1999, p. 77).
O inesperado e o surpreendente nesse texto é que o próprio Jesus Cristo
(que aparece como Filho do Homem, pastor e rei) vai dizer aos justos: “Em verdade
vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim
o fizestes” (Mt 25,40). E também aos injustos (malditos): “Em verdade vos digo: cada
vez que não fizestes a um destes pequeninos, a mim não o fizestes” (Mt 25,45).
Com isso, ficam evidentes a identificação e a presença de Jesus em todos os pobres
e necessitados que são designados como pequeninos”. Fazer ou deixar de fazer
estas obras para com os mais pequeninos é fazer ou deixar de fazer ao próprio
Jesus. Na verdade, é de se perceber que “os evangelhos revelam um povo
sobrecarregado de dívidas e fome, atormentado pela paralisia física e social e em
geral desesperado com as circunstâncias vividas” (HORSLEY, 2004, p. 112), mas
nenhum texto revela isso tão claramente como este do Juízo Final, onde as obras de
misericórdia e justiça o fundamentais para a manutenção de uma vida digna ou,
pelo menos, com o mínimo necessário. Saldarini (2000, p. 269) afirma que “a fiel
adesão a uma interpretação de todos os mandamentos de Deus, que enfatiza a
justiça e a misericórdia é o centro da mensagem de Jesus e do modo de vida
mateano”.
Esse texto é preciso e é um apelo à conversão. Amor "refere-se não a um
sentimento ou a uma atitude, mas a práticas econômicas concretas na comunidade
camponesa, como perdão de dívidas e partilha mútua e generosa de recursos”
(HORSLEY, 2004, p. 132). Mateus deixa bem claro que a Palavra de Deus não é
37
teórica ou bonita, mas para ser vivida na prática do dia-a-dia, pois é cumprindo as
obras de misericórdia e justiça que se pode construir o Reino de Deus.
Tratando-se da comunidade de Mateus, para terminar essa questão do texto
em seu contexto, um outro fato muito importante ocorreu por volta do ano 85,
quando os cristãos sofreram intensamente ao serem expulsos das sinagogas, pois
perderam os privilégios religiosos da liberdade de culto que os romanos
proporcionavam aos judeus e, o pior, tinham que prestar culto ao imperador. Como
isto era uma idolatria, eles se recusavam a oferecer sacrifícios e incenso diante da
imagem do imperador, bem como negar ou amaldiçoar Jesus. Em conseqüência,
eram acusados de serem desleais, cometendo um delito político, o que ocasionava a
morte. Outro fator agravante era que não mais se beneficiavam das sinagogas no
que se refere à parte social como: ajuda aos pobres, viúvas, assistência médica e
sepultamento, entre outros. Tudo isso exigia uma inabalável nos ensinamentos de
Jesus.
38
CAPÍTULO II – ANÁLISE EXEGÉTICA DE MATEUS 25,31-46
Este capítulo é essencial nesta dissertação. Por isso, muitos autores que
escreveram sobre o juízo final serão utilizados. Em relação à metodologia, será
tomada por base a obra elaborada por Uwe Wegner: “Exegese do Novo
Testamento”. No que se refere ao conteúdo, seguirá a seguinte estrutura:
1. Texto em grego;
2. Crítica textual;
3. Tradução;
4. Análise literária;
5. Análise das formas;
6. Análise da redação;
7. Análise do conteúdo;
8. Análise teológica.
O texto em grego a seguir foi tirado do Novum testamentum graece, de
Nestle-Aland, em sua XXVII edição.
1 Texto em Grego
39
31. {Otan de. e;lqh| o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou evn th/| do,xh| auvtou/ kai. pa,ntej oi` a;ggeloi metV
auvtou/( to,te kaqi,sei evpi. qro,nou do,xhj auvtou/\
32. kai. sunacqh,sontai e;mprosqen auvtou/ pa,nta ta. e;qnh( kai. avfori,sei auvtou.j avpV avllh,lwn(
w[sper o` poimh.n avfori,zei ta. pro,bata avpo. tw/n evri,fwn(
33. kai. sth,sei ta. me.n pro,bata evk dexiw/n auvtou/( ta. de. evri,fia evx euvwnu,mwnÅ
34. to,te evrei/ o` basileu.j toi/j evk dexiw/n auvtou/\ deu/te oi` euvloghme,noi tou/ patro,j mou(
klhronomh,sate th.n h`toimasme,nhn u`mi/n basilei,an avpo. katabolh/j ko,smouÅ
35. evpei,nasa ga.r kai. evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. evpoti,sate, me( xe,noj h;mhn kai.
sunhga,gete, me(
36. gumno.j kai. perieba,lete, me( hvsqe,nhsa kai. evpeske,yasqe, me( evn fulakh/| h;mhn kai. h;lqate
pro,j meÅ
37. to,te avpokriqh,sontai auvtw/| oi` di,kaioi le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta kai.
evqre,yamen( h' diyw/nta kai. evpoti,samenÈ
38. po,te de, se ei;domen xe,non kai. sunhga,gomen( h' gumno.n kai. perieba,lomenÈ
39. po,te de, se ei;domen avsqenou/nta h' evn fulakh/| kai. h;lqomen pro,j seÈ
40. kai. avpokriqei.j o` basileu.j evrei/ auvtoi/j\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son evpoih,sate e`ni. tou,twn
tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn( evmoi. evpoih,sateÅ
41. to,te evrei/ kai. toi/j evx euvwnu,mwn\ poreu,esqe avpV evmou/ Îoi`Ð kathrame,noi eivj to. pu/r to.
aivw,nion to. h`toimasme,non tw/| diabo,lw| kai. toi/j avgge,loij auvtou/Å
42. evpei,nasa ga.r kai. ouvk evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. ouvk evpoti,sate, me(
43. xe,noj h;mhn kai. ouv sunhga,gete, me( gumno.j kai. ouv perieba,lete, me( avsqenh.j kai. evn fulakh/|
kai. ouvk evpeske,yasqe, meÅ
44. to,te avpokriqh,sontai kai. auvtoi. le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta h' diyw/nta h'
xe,non h' gumno.n h' avsqenh/ h' evn fulakh/| kai. ouv dihkonh,same,n soiÈ
45. to,te avpokriqh,setai auvtoi/j le,gwn\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son ouvk evpoih,sate e`ni. tou,twn
tw/n evlaci,stwn( ouvde. evmoi. evpoih,sateÅ
40
46. kai. avpeleu,sontai ou-toi eivj ko,lasin aivw,nion( oi` de. di,kaioi eivj zwh.n aivw,nionÅ
2 Crítica Textual
A crítica textual é importante no sentido de que se aproxime do texto mais
original possível, pois,
“o Novo Testamento foi escrito em grego e em manuscritos
cujos originais desapareceram. Esses manuscritos foram
sucessivamente copiados no decorrer dos culos, de modo
que conhecemos milhares dessas cópias na atualidade”
(WEGNER, 2001, p. 39).
O texto: Novum testamentum graece”, de Nestle-Aland, em sua XXVII
Edição, traz, em seu rodapé, as diferenças textuais em relação a outros manuscritos.
Na verdade, quem faz exegese tem que decidir entre esta ou aquela palavra ou
variante de acordo com suas convicções e argumentos.
Ao iniciar a crítica textual de Mt 25,31-46, o autor cita pequenas variações
existentes em alguns versículos. Nesta exegese, as que se destacam são as
seguintes:
No v. 39, uma substituição simples de avsqenou/nta para avsqenh nos mss
maiúsculos: a A L W e 067; pelos mss minúsculos da família 1, 13 e 33 e texto
majoritário. E o texto tal qual foi proposto é testemunhado pelos mss maiúsculos B D
Q e 0281 e por poucos mss como Clemente de Alexandria. O primeiro é traduzido
pelo Léxico, como “fisicamente estar doente” e o segundo, como “fisicamente
doente” (Léxico, p. 36). Neste caso, será utilizado o texto majoritário.
41
No v. 40, uma omissão de tw/n avdelfw/n mou (meus irmãos), e, na
seqüência, “mais pequeninos”. Assim, no v. 40: tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn e
no v. 45: tw/n evlaci,stwn (”mais pequeninos” somente). Aland nos diz que a omissão
de tw/n avdelfw/n mou, principalmente no ms maiúsculo (45), os parênteses sinalizam
que sua leitura apresenta pequenas divergências ou alterações em relação à
variante ou texto em apreço. Depois, os mss maiúsculos B* e 0128* que
aparecem com o *, o que indica o texto original dos mss, diferenciando-o de
correções existentes. Esta omissão aparece também no ms minúsculo 1424, nos
códices latinos ff1 e ff2; partes em Clemente de Alexandria, Eusébio de Cesaréia e
Gregório de Nissa. Conforme visto, a omissão acima aparece em poucos mss e,
neste caso, será mantido “meus irmãos”.
tamm, neste v. 41, uma substituição maior: to. h`toimasme,non (o
preparado), presente no ms minúsculo F e poucos manuscritos. Enquanto htoimasen
o pathr mou (o acréscimo meu Pai”) está presente no ms maiúsculo D e ms
minúsculo da família 1 e na maioria dos mss latinos antigos, na versão copta do
médio Egito e testemunhas textuais como Irineu, tradução latina e Cipriano. O texto
proposto por Aland é testemunhado pelo ms do papiro 45 e mss maiúsculos a A B L
W Q 067. 0128, pelos mss minúsculos da família 13 e 33, pelo texto majoritário dos
mss latinos e a vulgata (lat), todos os mss da versão Siríaca e versão copta Boáirica
e testemunhas textuais como: Eusébio de Cesaréia e Dídimo de Alexandria. Por ter
base no texto majoritário e outros argumentos, será seguido o texto proposto.
3 Tradução Literal
42
A tradução será feita em dois momentos, ou seja, uma literal e outra final. A
literal procura seguir o texto em grego, o que fica, gramaticalmente, um pouco
“estranho” em português, e a final procura traduzir o texto em grego o mais fiel
possível, levando-se em conta a crítica textual e sua compreensão para a nossa
realidade brasileira.
31. {Otan de. e;lqh| o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou evn th/| do,xh| auvtou/ kai. pa,ntej oi` a;ggeloi metV
auvtou/( to,te kaqi,sei evpi. qro,nou do,xhj auvtou/\
E quando vier o Filho do Homem na glória dele e todos os anjos com ele, então
sentará sobre o trono da glória dele.
32. kai. sunacqh,sontai e;mprosqen auvtou/ pa,nta ta. e;qnh( kai. avfori,sei auvtou.j avpV avllh,lwn(
w[sper o` poimh.n avfori,zei ta. pro,bata avpo. tw/n evri,fwn(
E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e separará eles uns dos outros, assim
como o pastor separa as ovelhas dos bodes.
33. kai. sth,sei ta. me.n pro,bata evk dexiw/n auvtou/( ta. de. evri,fia evx euvwnu,mwnÅ
E colocará as ovelhas do lado direito dele, e os bodes do lado esquerdo.
34. to,te evrei/ o` basileu.j toi/j evk dexiw/n auvtou/\ deu/te oi` euvloghme,noi tou/ patro,j mou(
klhronomh,sate th.n h`toimasme,nhn u`mi/n basilei,an avpo. katabolh/j ko,smouÅ
Então dirá o rei aos da direita dele: para os benditos do meu pai, herdai o reino
preparado para vós desde a criação do mundo.
43
35. evpei,nasa ga.r kai. evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. evpoti,sate, me( xe,noj h;mhn kai.
sunhga,gete, me(
Porque tive fome e destes para mim comer, tive sede e me destes de beber,
estrangeiro era e me recebestes.
36. gumno.j kai. perieba,lete, me( hvsqe,nhsa kai. evpeske,yasqe, me( evn fulakh/| h;mhn kai. h;lqate
pro,j meÅ
Nu e me vestistes, estive doente e me visitastes, dentro da prisão estava e viestes
para mim.
37. to,te avpokriqh,sontai auvtw/| oi` di,kaioi le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta kai.
evqre,yamen( h' diyw/nta kai. evpoti,samenÈ
Então responderão a ele os justos dizendo, Senhor, quando te vimos faminto e
alimentamos, ou sedento e damos de beber?
38. po,te de, se ei;domen xe,non kai. sunhga,gomen( h' gumno.n kai. perieba,lomenÈ
Quando então te vimos estrangeiro e recebemos, ou nu e vestimos?
39. po,te de, se ei;domen avsqenou/nta h' evn fulakh/| kai. h;lqomen pro,j seÈ
Quando te vimos doente ou na prisão e fomos para ti?
40. kai. avpokriqei.j o` basileu.j evrei/ auvtoi/j\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son evpoih,sate e`ni. tou,twn
tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn( evmoi. evpoih,sateÅ
E respondendo o rei dirá a eles: verdadeiramente digo a s, sobre tanto quanto
fizestes a um destes irmãos mais pequenos de mim, a mim fizestes.
44
41. to,te evrei/ kai. toi/j evx euvwnu,mwn\ poreu,esqe avpV evmou/ Îoi`Ð kathrame,noi eivj to. pu/r to.
aivw,nion to. h`toimasme,non tw/| diabo,lw| kai. toi/j avgge,loij auvtou/Å
E então dirá aos da esquerda: “ide de mim malditos para o fogo eterno o preparado
para o diabo e aos anjos dele”.
42. evpei,nasa ga.r kai. ouvk evdw,kate, moi fagei/n( evdi,yhsa kai. ouvk evpoti,sate, me(
Tive fome e não destes a mim comer, tive sede e não me destes de beber.
43. xe,non h;mhn kai. ouv sunhga,gete, me( gumno.j kai. ouv perieba,lete, me( avsqenh.j kai. evn
fulakh/| kai. ouvk evpeske,yasqe, meÅ
Estrangeiro era e não me recebestes a mim, nu e não me vestistes, doente e dentro
da prisão e não me visitastes.
44. to,te avpokriqh,sontai kai. auvtoi. le,gontej\ ku,rie( po,te se ei;domen peinw/nta h' diyw/nta h'
xe,non h' gumno.n h' avsqenh/ h' evn fulakh/| kai. ouv dihkonh,same,n soiÈ
Então responderão eles dizendo: Senhor, quando te vimos faminto ou sedento ou
estrangeiro ou nu ou doente ou dentro da prisão e não servimos a ti?
45. to,te avpokriqh,setai auvtoi/j le,gwn\ avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son ouvk evpoih,sate e`ni. tou,twn
tw/n evlaci,stwn( ouvde. evmoi. evpoih,sateÅ
Então responderá a eles dizendo, verdadeiramente digo a vós, sobre tanto quanto
não fizestes a um destes pequenos, não a mim fizestes.
46. kai. avpeleu,sontai ou-toi eivj ko,lasin aivw,nion( oi` de. di,kaioi eivj zwh.n aivw,nionÅ
45
E afastar-se-ão estes para a punição eterna, mas os justos para a vida eterna.
3.1 Tradução Final de Mateus 25,31-46
Para que se tenha uma boa tradução, é fundamental manter-se o mais fiel
possível ao texto em grego. Mas não basta isso, pois é necessário também fazer
com que este texto seja compreensível em português e que ele mantenha sua
mensagem original. Depois da crítica textual e várias reflexões, a tradução final fica
assim:
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele, então
se assentará sobre o trono da sua glória.
32. E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e ele separará uns dos outros, assim
como o pastor separa as ovelhas das cabras.
33. E colocará as ovelhas à sua direita e as cabras à sua esquerda.
34. Então dirá o rei aos da sua direita: “vinde, benditos do meu Pai, herdai o reino
preparado para vós desde a criação do mundo.
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era
estrangeiro e me recebestes.
36. Nu e me vestistes, estive doente e me visitastes, preso e viestes ver-me.”
37. Então lhe responderão os justos dizendo: “Senhor, quando te vimos faminto e te
alimentamos, ou sedento e te demos de beber?
38. Quando te vimos estrangeiro e te recebemos, ou nu e te vestimos?
39. Quando te vimos doente ou preso e fomos te ver?”
40. E respondendo o rei lhes dirá: “em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a
um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”
46
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o fogo
eterno, preparado para o diabo e aos seus anjos.
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de
beber.
43. Era estrangeiro e não me recebestes, nu e não me vestistes, doente e preso e
não me visitastes.”
44. Então responderão eles dizendo: “Senhor, quando te vimos faminto ou sedento
ou estrangeiro ou nu ou doente ou preso e não te servimos?”
45. Então responderá a eles dizendo: em verdade vos digo: cada vez que não
fizestes a um destes pequeninos, a mimo o fizestes.”
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Num primeiro momento, foram feitas uma tradução literal dos versículos em
grego e a interpretação logo abaixo, depois, a oficial e compreensível em português,
procurando ser o mais fiel possível. Ao comparar esta tradução com um exegeta, em
espanhol, Xabier Pikaza e a Bíblia de Jerusalém, as diferenças foram mínimas e,
praticamente, insignificantes. São elas:
- vv. 32 e 33: evri,fwn - a Bíblia de Jerusalém e o Léxico do N.T. de Gingrich e Danker
(1993, p. 85) traduzem por “bode”. J. Jeremias (1976, P. 205) diz “que o pastor
palestino não separa ovelhas e cabritos, mas ovelhas e cabras”, as ovelhas gostam
de ar fresco, enquanto as cabras preferem ambiente mais quente. O mesmo
argumento utiliza Gorgulho e Anderson (1990a, p. 55), levando-se em conta que a
parábola reflete um ambiente pastoril palestino e não grego, cabra reflete melhor a
realidade diária da vida dos rebanhos. Também Xabier Pikaza, Warren Carter (2002,
p. 611) e a Bíblia do Peregrino traduzem tal termo por “cabras”.
47
- vv. 37 e 44: peinw/nta, diyw/nta estes dois verbos estão no particípio presente,
ativo, masculino, acusativo, 2. p. sing., o que traduzindo seria: “faminto” e “sedento”.
nos vv. 35 e 42, há: evpei,nasa evdi,yhsa. Estes dois verbos estão no indicativo
aoristo, ativo, 1 p. sing., o que seriam traduzidos por “fome” e sede”. Na tradução
final, como a de Xabier Pikaza, tais termos foram traduzidos de acordo com o tempo
verbal, ou seja, nos vv. 37 e 44: “faminto e sedento” e, nos vv. 35 e 42: “fome e
sede”, enquanto que, mesmo sendo em tempos verbais diferentes, a Bíblia de
Jerusalém traduziu os quatro versículos de uma mesma maneira: “fome e sede”.
- v. 45 a última parte deste versículo é traduzida, pela Bíblia de Jerusalém, como:
“foi a mim que o deixastes de fazer”; por Xabier Pikaza como: “tampoco a mi me lo
hicisteis”; e na tradução final: “a mim o o fizestes”. Pouca diferença, mas com o
mesmo sentido.
- v. 46 a última parte deste versículo é traduzida, pela Bíblia de Jerusalém, como:
“enquanto os justos io para a vida eterna”; por Xabier Pikaza como: “los justos, en
cambio, a la vida eterna”; e na tradução final: “mas os justos para a vida eterna”.
Praticamente idêntica e com o mesmo sentido.
4 Análise Literária
Depois da crítica textual e da tradução, um outro passo exegético
importantíssimo é a análise literária. Uwe Wegner (2001, p. 325) diz que seu objetivo
é delimitar e estruturar o texto; verificar o texto quanto à sua coesão interna e
quanto ao seu uso de fontes bíblicas ou extrabíblicas.
48
Esta análise será desenvolvida em quatro momentos:
a. delimitação do texto;
b. análise de coesão;
c. estrutura do texto;
d. fontes bíblicas ou extrabíblicas.
4.1 Delimitação do Texto
O texto desta análise exegética é de Mateus 25,31-46, o qual tamm pode
simplesmente estar descrito como “Juízo Final”. Ele tem uma unidade literária
autônoma e, ao mesmo tempo, está contido dentro de um conjunto literário maior,
denominado: o Evangelho de Mateus.
De modo geral, Mateus escreve o seu Evangelho, tendo em vista a questão
da lei (torá): que Jesus é o Messias esperado. E ele utiliza também a maneira de
pensar e escrever dos judeus. Assim sendo, entendo que ele escreve todo o seu
Evangelho utilizando um quiasmo concêntrico. Este esquema se faz presente em
meu livro: “O Reino da Justiça e do Amor” (ALBERTIN, 2005, p. 30-2), e tem, por fio
condutor, o Reino da justiça e do amor em oposição ao Reino do poder e da
injustiça.
a) Os capítulos 1 e 2 estão diretamente relacionados com o 28. Num
primeiro momento, mostra o nascimento de Jesus e, ao mesmo tempo,
Herodes (Reino do poder) que gera a morte de crianças inocentes (2,16).
Jesus consegue viver e sua vida consistirá em anunciar o Reino de Deus
e denunciar o Reino do poder. Este mata Jesus. Todavia, Deus o
ressuscita (28) e novamente a vida vence a morte;
49
b) os capítulos 3 e 4 iniciam a pregação sobre o Reino da justiça e do amor
e, em conseqüência desta opção de vida, Jesus será condenado pelo
Reino do poder que o leva à morte (26—27), terminando, assim, seu
anúncio sobre tal Reino;
c) os capítulos 5—7, sobre o sermão da montanha, estão ligados
diretamente com os capítulos 24—25, que é o sermão escatológico. No
primeiro, as bases e o alicerce do Reino da justiça e do amor, que são
totalmente contrários ao Reino do poder e da injustiça, enquanto que, no
último, o acabamento do julgamento que leva em conta as exigências
do famoso sermão da montanha;
d) nos capítulos 8—9, Jesus anuncia coisas novas sobre o Reino e,
conseqüentemente, surgem os capítulos 19—23, onde fica evidente que
este Reino está aberto para todos, mesmo aos que pertencem ao Reino
do poder, mostrando que a conversão é fundamental para que se
construa uma humanidade nova;
e) o capítulo 10 nos fala da missão dos discípulos para a construção do
Reino da justiça e do amor, enquanto que o capítulo 18 nos mostra a
missão da comunidade (que são os novos discípulos de Jesus) para
construir tamm tal Reino. Muito embora tenha que renunciar ao Reino
do poder existente;
f) nos capítulos 11—12, Jesus mostra os sinais visíveis do Reino da justiça
e do amor, e nos capítulos 13,53—17, Jesus denuncia o Reino do poder e
continua mostrando outros sinais de vida, o que leva a concluir que
uma ligação muito forte entre estes blocos;
50
g) finalmente, no capítulo 13,1-52, Jesus conta várias parábolas sobre o que
é o Reino de Deus. Aqui se tem a mensagem central do Evangelho de
Mateus.
Para ficar mais clara essa divisão, pode utilizar-se o seguinte esquema
resumido:
A 1—2 - Nascimento de Jesus: a vida vence a morte;
B 3—4 - Início do anúncio do Reino da justiça e do amor;
C 5—7- Sermão da Montanha: alicerce do Reino da justiça e do amor;
D 8—9 - Jesus anuncia coisas novas sobre o Reino da justiça e do amor;
E 10 - Missão dos discípulos na construção do Reino da justiça e do amor;
F 11—12 - Jesus mostra os sinais visíveis do Reino da justiça e do amor;
G 13,1-52 - A essência do Reino de Deus: as parábolas;
F’13,53-17 - Jesus denuncia o Reino do poder e mostra sinais da vida;
E’18 - Missão da comunidade na construção do Reino da justiça e do amor;
D’19—23 - O Reino aberto para todos: conversão para uma humanidade nova;
C’24—25 - Sermão escatológico: acabamento do Reino da justiça e do amor;
B’26—27 - Fim do anúncio do Reino da justiça e do amor;
A’28 - Ressurreição: a vida vence a morte.
A delimitação do Juízo Final dentro de um contexto literário maior, que é o
Evangelho de Mateus, está contida no bloco denominado discurso ou sermão
escatológico (24—25). A partir de agora, o objetivo é delimitar ainda mais este texto
dentro desse discurso escatológico. Todavia,
“em vez de constituir uma parte separada o relato do último
julgamento, em Mt 25,31-46, aparece assim no final de uma
longa evocação, primeiramente em termos diretos (24,26-44),
depois em forma de símbolo ou de parábola (24,45—25,30),
51
com uma mesma realidade fundamental, a saber, a
manifestação final do Filho do homem (GOURGUES, 2004, p.
189).
Para ficar ainda mais clara a delimitação deste texto, segue um esquema
proposto por Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson (1990a, p. 53-4), no que se
refere ao Discurso Escatológico:
Introdução: Mt 24,1-3
-- Mt 24,1-2: Jesus profetiza a destruição do Templo;
-- Mt 24,3: os discípulos fazem três perguntas:
-- sobre a destruição do Templo;
-- sobre o sinal da Vinda do Filho do Homem;
-- sobre o fim do mundo.
O discurso apocalíptico: Mt 24,4-31
-- Mt 24,4-14: Jesus responde à pergunta sobre o fim do mundo;
-- Mt 24,15-22: Jesus responde à pergunta sobre a destruição do Templo;
-- Mt 24,23-31: Jesus responde à pergunta sobre o sinal da Vinda do Filho do
Homem.
Conclusão: Mt 24,32—25,46
A. A Figueira: a Parábola da Vinda do Filho do Homem – Mt 24,32-36.
B. O Filho do Homem vem como nos dias de Noé (= a prática) Mt 24,
37-39.
C. O Filho do Homem vem como um ladrão (= de repente) Mt 24,43-
44.
D. O FILHO DO HOMEM É RECEBIDO POR SEUS SERVOS FIÉIS E
VIGILANTES – Mt 24,45-51.
52
C. O Filho do Homem vem como um esposo (= de repente) Mt 25,1-
13.
B. O Filho do Homem vem como quem julga os talentos (= a prática)
Mt 25,14-30.
A. O Rebanho: julgado pelo Filho do Homem, pastor – Mt 25,31-46.
Feita a delimitação do texto do Juízo Final, é importante também que seja
feita a análise de coesão para se obter a sua estrutura.
4.2 Análise de Coesão
Para que se tenha um conhecimento melhor do texto, faz-se necessário um
trabalho árduo e comparativo, onde se busca através do “exame de coesão de
textos parte de observações sobre estilo, forma, conteúdo e pensamento teológico
característico” (WEGNER, 2001, p. 99). Assim sendo, será feita a análise de coesão
dos blocos entre si ou subdivisões e, como conseqüência, sepossível chegar às
palavras ou aos termos que determinam as “amarras” do texto.
4.2.1 Análise de coesão dos blocos
A) Primeiro bloco: vv. 31—33
Neste primeiro bloco, algumas palavras e expressões exercem grande
importância ao longo de todo o texto. Talvez a mais enigmática e aquela que se
repete ao longo do texto com significados diferentes seja:
uio.j tou/ avnqrw,pou Filho do Homem (31): Ele é o responsável para exercer o
julgamento e será comparado ao pastor (32), rei (34.40) e será chamado de senhor
53
(37.44), neste caso, referindo-se a Jesus Cristo, pois, no v. 34, ele diz: Vinde
benditos de meu Pai”.
Outra expressão importante é:
qro,nou do,xhj trono de glória (31): quando o Filho do Homem vier para julgar
se assentará em seu trono de glória. Trono lembra rei e este era o responsável para
exercer o julgamento de qualquer causa no direito e na justiça. Aqui não é um
julgamento comum, mas o último julgamento e o responsável pela sentença final de
castigo eterno ou vida eterna. O Filho do Homem assume o significado de rei que vai
julgar de acordo com as obras de misericórdia e justiça.
pa,nta ta. e;qnh todas as nações (32): significa que todos os povos, inclusive
os judeus, devem se reunir na presença do Filho do Homem que, no julgamento, vai
separar os justos dos ímpios.
pro,bata ovelhas e evri,fwn bodes, cabritos ou cabras: estas expressões
se repetem nos vv. 32 e 33. Estão no sentido figurado de separar os homens uns
dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos ou cabras à noite.
poimh.n pastor (32): é o responsável para separar as ovelhas dos cabritos ou
cabras e aquele que decide quais irão para o lado direito e quais irão para o lado
esquerdo.
dexiw/n direita (33.34) – e euvwnu,mwn esquerda (33.41): direita, no sentido de
benditos e os justos, esquerda, no sentido de malditos e os ímpios.
Quatro verbos estão no indicativo do futuro: kaqi,sei
senta (31),
sunacqh,sontai – reunirá (32), avfori,sei
– separará (32) e sth,sei
– colocará (33).
B) Segundo bloco: vv. 34—45
Neste bloco, o que está em evidência o as obras de misericórdia e justiça.
Alías, tudo gira em torno delas, pois constituem a razão de ser do julgamento. O
54
critério para estar à direita e ser “benditos” se refere aos que praticaram tais obras, e
os que estão à esquerda são os “malditos” e que não praticaram tais obras.
Surpreendentes são os 32 verbos, num total de 58, que estão no indicativo
aoristo e todos se referem ou estão relacionados às obras de misericórdia e justiça,
praticadas ou não aos mais “pequeninos”. São eles:
evpei,nasa - tive fome (35.42);
evdw,kate, - destes (35.42);
fagei/n comer (35.42);
evdi,yhsa – tive sede (35.42);
evpoti,sate, - destes de beber (35.42);
sunhga,gete, - recebestes (35.43);
perieba,lete, - vestistes (36.43);
hvsqe,nhsa – estive doente (36);
evpeske,yasqe, - visitastes (36.43);
h;lqate – viestes (36);
ei;domen – vimos (37.38.39.44);
evqre,yamen – alimentamos (37);
evpoti,samen – demos de beber (37);
sunhga,gomen – recebemos (38);
perieba,lomen - vestimos (38);
h;lqomen – fomos (39);
evpoih,sate – fizestes (40.40.45.45);
dihkonh,same,n – servimos (44).
Também cinco adjetivos se destacam:
55
xe,noj, xe,non estrangeiro: sendo que o primeiro está no nominativo e aparece
nos vv. 35, 43 e 44, enquanto que o segundo está no acusativo e aparece no
v. 38;
gumno.j, gumno.n nu: sendo que o primeiro está no nominativo e aparece nos
vv. 36 e 43, enquanto o segundo está no acusativo e aparece nos vv. 38 e 44;
evlaci,stwn – pequeninos: aparece nos vv. 40 e 45;
dexiw/n direita (34): são chamados de euvloghme,noi benditos por estarem
praticando as obras de misericórdia e justiça em relação aos mais
“pequeninos”;
euvwnu,mwn esquerda (41): são chamados de – kathrame,noi malditos por não
estarem praticando as obras de misericórdia e justiça em relação aos mais
“pequeninos”.
Dois substantivos merecem destaque:
fulakh/| - prisão ou preso: (36.39.43.44);
ku,rie – Senhor: (37.44).
Também aparecem alguns advérbios neste bloco, os quais são importantes
no sentido de destacar mudanças, são eles:
to,te – então (34.37.41.44.45): advérbio de tempo;
to,te – quando? (37.38.39.44): advérbio de tempo interrogativo;
ouv ouvk – não (42.42.43.43.43.44.45): advérbio de negação;
avmh.n em verdade / verdadeiramente (40.45): advérbio de afirmação. Está no
sentido conclusivo, onde o Filho do Homem vai se identificar com os mais
“pequeninos” e esclarecer que, cada vez que fazemos ou deixamos de fazer
estas obras de misericórdia em relação a estes, é a ele (Jesus) que fazemos
ou deixamos de fazer.
56
C) Terceiro bloco: v. 46
No último bloco deste texto, apenas 1 versículo: v. 46. O que se destaca
nele é a sentença final e conclusiva do Filho do Homem àqueles que estão à sua
esquerda por não praticarem as obras de misericórdia e justiça em relação aos
pequeninos. E estes, no entanto, irão para o ko,lasin aivw,nion (castigo eterno),
enquanto os justos que praticaram tais obras irão para a zwh.n aivw,nion (vida eterna).
4.2.2 Coesão entre as subdivisões ou "amarras" do texto
Para fazer a coesão entre as subdivisões ou para a constatação das
'amarras' no texto é, pois, indispensável que se procure verificar se palavras ou
expressões que se repetem e se esta repetividade pode ser constatada ao longo de
todo o trecho” (WEGNER, 2001, p. 93). Na verdade, há apenas 3 blocos, e o
primeiro bloco do texto tem 3 versículos (31-33), o segundo é o maior (34-45) e o
último, apenas 1 versículo (46). Além do mais, o primeiro está introduzindo a
questão do julgamento e, no último, é dada a sentença. No segundo bloco, estão
contidos os critérios de tal julgamento, com 12 versículos, e este constitui o maior
bloco desta perícope. As expressões que mais se repetem e constituem o eixo
central deste texto de Mateus giram em torno das obras de misericórdia e justiça em
relação aos evlaci,stwn (pequeninos). Como se, o primeiro bloco (vv. 31-33) é uma
preparação para tal jugamento, o segundo bloco (vv. 34-45) o os critérios de tal
julgamento, ou seja, as obras de misericórdia e justiça, e o terceiro bloco (v. 46) é a
sentença, onde os “malditos”, que estão à esquerda, irão para o castigo eterno e os
“benditos”, que estão à direita, irão para a vida eterna. Dentro do segundo bloco (vv.
34-45), há o advérbio de tempo que faz a ligação e amarra o texto - po,te (então) e no
57
sentido interrogativo (quando?) - (34.37.37.38.39.41.44.44.45). A dinâmica se
processa em um “diálogo de revelação”, onde, num primeiro momento, uma
revelação enigmática seguida de uma pergunta e depois uma revelação
esclarecedora. Assim, pode-se dizer que estas palavras, mesmo que seja mudado o
tempo verbal, como fome para faminto, sede para sedento, ou até mesmo de comer
para te alimentamos, e considerando que, no v. 44, os que estão à esquerda o
responder, de modo geral, dizendo a primeira necessidade e subentendendo (será
colocado o versículo entre parênteses) a segunda, quando dizem “e não te
servimos?”, levando-se em conta que, nos vv. 35-39, está a sentença no sentido
positivo e, nos vv. 42-44, a sentença esno sentido negativo, estas constituem o
alicerce e a razão de ser de todo o texto do Juízo Final:
fome / comer: evpei,nasa/fagei/n (35.37.42.44(44);
sede / beber: evdi,yhsa/evpoti,sate – (35.37.42.44(44);
estrangeiro / receber: xe,noj/sunhga,gete, - (35.38.43.44(44);
nu / vestistes: gumno.j/perieba,lete – (36.38.43.44(44);
doente / visitastes: hvsqe,nhsa/evpeske,yasqe – (36.39(39).43(43).44(44);
preso / ver-me. fulakh/|./h;lqate pro,j meã – (36.39.43.44(44).
Nos vv. 40 e 45, quando Jesus diz: Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes (ou não
fizestes), não se pode deixar de ressaltar estas mesmas obras:
Dois adjetivos interligam os 3 blocos, são eles: dexiw/n e euvwnu,mwn (direita e
esquerda). Estes 2 adjetivos servem para separar os justos e os injustos e aparecem
juntos no v. 33, no primeiro bloco, e depois o adjetivo direita aparece no v. 34 e
esquerda no v. 41, ambos no segundo bloco, e aparecem subentendidos no v. 46,
no terceiro bloco, quando os que estão à esquerda irão para o castigo eterno e os
58
que estão à direita, que são os justos, irão para a vida eterna. Mas não é isto, a
questão de estar à direita ou à esquerda constitui a razão de ser deste texto no que
se refere ao julgamento. Isso se deve ao fato de que os que estão à direita são os
“benditos”, em oposição aos que estão à esquerda, que o os "malditos”. Os que
estão à direita são aqueles que praticam as obras de justiça e misericórdia aos mais
pequeninos ou ao próprio Jesus.
No primeiro bloco, o que predomina são os 4 verbos no indicativo futuro:
kaqi,sei (v. 31), sunacqh,sontai avfori,sei (v. 32) e sth,sei (v. 33), enquanto que, no
segundo bloco, há 6 verbos também no indicativo futuro, sendo: evrei/ (verbo dizer -
dirá) que aparece em 34.40.41; avpokriqh,sontai (verbo responder - responderão) que
aparece em 37.44 e avpokriqh,setai (verbo responder - responderá) que aparece no v.
45. No terceiro bloco, só há 1 verbo: avpeleu,sontai (afastar - afastar-se-ão) que
aparece no v. 46, tamm no indicativo futuro.
A preposição aditiva kai. (e) liga tamm todo o texto, aparecendo 4 vezes no
primeiro bloco (vv. 31—33), ou seja, (31.32.32.33); 22 vezes no segundo bloco,
sendo: (35.35.35.36.36.36.37.37.38.38.39.40.41.41.42.42.43.43.43.43.44.44) e 1 vez
no terceiro bloco (v. 46). Num total de 27 vezes.
Em relação à sentença final, esta será dada pelo Filho do Homem - o` ui`o.j tou/
avnqrw,pou (31) que, ao longo do texto, assume a função de pastor - poimh.n (32)
que separa as ovelhas para a direita e os bodes para a esquerda e, na hora do
julgamento, assume o papel de rei - basileu.j - para julgar (34.40), muito embora
tanto os que estão à direita (37), como os que estão à esquerda (44), chamá-lo-ão
de ku,rie (Senhor). No último bloco (46), aquele, que julga, dará a sentença, tanto
para os justos que estão à direita e que irão para a vida eterna, como para os
injustos que estão à esquerda e irão para o castigo eterno.
59
4.3 Estrutura do Texto
A estrutura de um texto é fundamental para o entendimento de suas
subdivisões, bem como do gênero literário a que pertence. Assim sendo, após vários
estudos referentes a Mateus 25,31-46, será apresentada esta estrutura - que é um
pouco diferente da apresentada por Gourgues
3
e parecida com a de Xabier Pikaza
(1984, p. 14)
4
:
A) Preparação para o julgamento
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
então se assentará sobre o trono da sua glória.
32. E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e ele separará uns dos outros,
assim como o pastor separa as ovelhas das cabras.
33. E colocará as ovelhas à sua direita e as cabras à sua esquerda.
B) A razão de ser do julgamento
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o
reino preparado para vós desde a criação do mundo.
3
GOURGUES, no livro: As parábolas de Jesus em Marcos e Mateus, em sua página 191, apresenta
esta estrutura:
I. Preparativos do julgamento (v. 31-33);
II. Julgamento
A. Sentença positiva (v. 34-36) A’. Setença negativa (v. 41-43)
B. Explicação (v. 37-40) B’. Explicação (v. 44-45)
III. Execução do julgamento (v. 46).
4
Em sua página 14, apresenta esta estrutura:
1) 25,31ab: venida del HH, como introducción apocalíptica que enmarca el conjunto temporal de la
escena.
2) 25,31c-33: juicio como gesto del HH [...],
3) 25,34-45: juicio como palabra del HH que explicita la razón de su gesto a través de dos
conversaciones paralelas, también en ritmo de três tiempos: a) sentencia (25,34-35.41-43); b)
pregunta (25,37-39.44); c) fundamentación de la sentencia (25,40.45).
4) 25,46: conclusión que expone el cumprimiento de la sentencia.
60
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber,
era estrangeiro e me recebestes.
36. Nu e me vestistes, estive doente e me visitastes, preso e viestes ver-me.
C) Perguntas dos que estão à direita
37. Então lhe responderão os justos dizendo: Senhor, quando te vimos
faminto e te alimentamos, ou sedento e te demos de beber?
38. Quando te vimos estrangeiro e te recebemos, ou nu e te vestimos?
39. Quando te vimos doente ou preso e fomos te ver?
D) Resposta de Jesus
40. E respondendo o rei lhes dirá: Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.
B’) A razão de ser do julgamento
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o
fogo eterno, preparado para o diabo e aos seus anjos”.
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes
de beber.
43. Era estrangeiro e o me recebestes, nu e não me vestistes, doente e
preso e não me visitastes.
C’) Pergunta dos que estão à esquerda
44. Então responderão eles dizendo: “Senhor, quando te vimos faminto ou
sedento ou estrangeiro ou nu ou doente ou preso e não te servimos?
D’) Resposta de Jesus
45. Então responderá a eles dizendo: Em verdade vos digo: cada vez que não
fizestes a um destes pequeninos, a mimo o fizestes.
A’) Conclusão do julgamento
61
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Em relação a A - Preparação para o julgamento (vv. 31-33) - e A’ - Conclusão
do julgamento (v. 46) -, tais divisões ficam claras pelo modo que Mateus utilizou para
falar sobre o Juízo Final.
Em relação a B e B’ - A razão de ser do julgamento (vv. 34-36; 41-43) -, fica
claro o motivo pelo qual se tem o julgamento. Começa com o v. 34 (to,te evrei/) e o v.
41 (to,te evrei/), onde há: “então dirá(advérbio de tempo e verbo indicativo, futuro e
ativo). É o rei ou o Filho do Homem ou, em outros termos, o próprio Jesus que dirá
tanto aos que estiverem à direita (vv. 34-36), como aos que estiverem à esquerda
(vv. 41-43), as obras de justiça e misericórdia são a razão de ser de tal julgamento,
lembrando que os que estão à direita praticam estas obras e os que estão à
esquerda não praticam tais obras.
Em relação ao C - Perguntas dos que estão à direita (vv. 37-39) e C’ -
Pergunta dos que estão à esquerda (v. 44) -, há: no v. 37 (to,te avpokriqh,sontai) e, no
v. 44, (to,te avpokriqh,sontai), ou seja, “então responderão” (advérbio de tempo e verbo
indicativo, futuro, passivo). O curioso é que esta resposta se através de
perguntas nos vv. 37-39 e de uma pergunta no v. 44. Todas referentes às obras de
justiça e misericórdia, com relação a Jesus presente nos necessitados.
E quem pergunta espera por uma resposta. Assim, em D, a resposta de
Jesus aos que estão à direita (v. 40): avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son evpoih,sate e`ni. tou,twn
tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn( evmoi. evpoih,sateÅ (Em verdade vos digo: cada vez que
o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes). Em D’, há a
resposta de Jesus aos que estão à esquerda (v. 45): avmh.n le,gw u`mi/n( evfV o[son ouvk
evpoih,sate e`ni. tou,twn tw/n evlaci,stwn( ouvde. evmoi. evpoih,sateÅ (Em verdade vos digo: cada
vez que não fizestes a um destes pequeninos, a mim não o fizestes).
62
4.4 Fontes Bíblicas ou Extrabíblicas
Em relação ao uso das fontes utilizadas por Mateus, no que se refere ao
Juízo Final, é um pouco complicado de se chegar a uma idéia clara delas. Primeiro
porque não é uma “parábola”, pois, conforme se observa, este texto é composto de
vários gêneros literários e não de apenas um.
Ainda sobre as fontes bíblicas utilizadas pelos evangelhos sinóticos, a teoria
mais aceita hoje na pesquisa é a “teoria das duas fontes”, onde
“segundo ela, Marcos, o primeiro evangelho a ser escrito,
serviu de fonte literária para Mateus e Lucas. Além de Marcos,
Mateus e Lucas teriam usado ainda uma segunda fonte comum
na elaboração dos seus evangelhos, denominada ‘fonte Q’, ou
‘fonte dos ditos’’’ (WEGNER, 2001, p. 108).
Em outros termos, quando se tem um texto escrito por Mateus ou Lucas, onde
utilizaram, como fonte, o evangelho de Marcos ou a fonte Q”, fica fácil deduzir a
fonte utilizada com uma certa segurança. Agora, quando se tem um texto escrito
exclusivamente por Mateus ou Lucas, há de se admitir que “o maior problema
relacionado com a matéria exclusiva de Mt e Lc é que a pesquisa ainda o logrou
chegar a um consenso sobre sua origem, se de tradição oral ou de tradição escrita
(WEGNER, 2001, p. 115).
O que se pode dizer sobre o texto do Juízo Final, mesmo sendo exclusivo de
Mateus, é que estudos e pesquisas que apontam para uma parábola na
transmissão oral e na vida das comunidades primitivas, além, é óbvio, que teve o
acréscimo teológico e a realidade da própria comunidade deste evangelista. Assim
63
sendo, Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson (1990a, p. 51-60) apresentam a
parábola em sua forma mais simples e mais original
5
, como sendo:
Naquele tempo, o Pastor ajuntará e separará as ovelhas dos
carneiros (cabritos). Colocará as ovelhas à direita e os
carneiros à esquerda.
-- Ele dirá àqueles que estão à direita: Tive fome, sede, fui
estrangeiro, estive nu, doente e prisioneiro.
v. 37 – Eles perguntarão: Quando?... (v. 38-39).
v. 40 – Ele dirá: Quem o fez para os mais pobres, foi a mim que
o fez!
v. 41 – Ele dirá àqueles que estão à esquerda: Tive fome...
v. 44 – Eles perguntarão: Quando?
v. 45 Ele responderá: Quando recusaram ajudar a um destes
pobres, foi a Mim que recusaram ajudar.”
Essa parábola teria sido a fonte utilizada por Mateus no texto sobre o Juízo
Final. Além, é claro, de ter ele utilizado fontes do A.T. ao acrescentar o v. 31 que,
como se sabe, tem a ver com a citação de Zc 14,5, e o v. 46 que tem por base Dn
12,2. Pode-se dizer que, além disso, há a questão deJavé os reunirá, e os
separará. Essa terminologia muito cedo tornou-se um sinal dos tempos da salvação
(Cf. Is 56,8; Zc 10,8; Mq 4,6; Jr 50,19)" (GORGULHO; ANDERSON, 1990a, p. 55).
Estas seriam algumas fontes utilizadas por Mateus ao redigir o texto do Juízo
Final.
5 Análise das Formas
5
A parábola mais original está na p. 56.
64
A análise das formas é importante em um trabalho de exegese. “A forma de
um texto é a soma de suas características de estilo, sintaxe e estrutura; isto é, sua
configuração lingüística” (BERGER, 1998, p. 13). Daí porque é tão importante saber
o processo pelo qual o texto foi elaborado e qual é a sua forma final. Até agora, foi
percorrido um caminho metodológico para que se pudesse “determinar as formas que
comem este texto, não isto, como também se faz necessário enquadrar estas
em um determinado gênero literário, além de associar este ao seu “lugar vivencial” e
conteúdo com a sua intenção”
6
. O texto do Juízo Final tem formas específicas, onde
há vários gêneros literários e foi escrito tendo, por base, um “lugar vivencial”, onde se
tem um conteúdo com uma determinada intenção por detrás. Da mesma forma,
pode-se dizer que “o gênero é constituído pela relação existente entre conteúdo,
forma e conseqüência de um texto(BERGER, 1998, p. 20). o esquema que foi
utilizado na estrutura não é suficiente para determinar, com detalhes, os gêneros
literários. Isto se deve ao fato de que, na estrutura, foi adotado o texto como um
julgamento, ou seja: A) Preparação para o julgamento (vv. 31-33); B) A razão de ser
do julgamento (vv. 34-36); C) Perguntas dos que estão à direita (vv.37-39); D)
Resposta de Jesus (vv. 40); B’) A razão de ser do julgamento (vv. 41-43); C’)
Pergunta dos que estão à esquerda (v. 44); D’ Resposta de Jesus (v. 45); A’)
Conclusão do julgamento (v. 46).
A abordagem das diversas formas que compõem este texto e os seus gêneros
literários será apresentada em detalhes. Num primeiro momento, a pretensão é expor
as formas e os gêneros literários do texto em si, sem nenhuma explicação. Logo
após, o objetivo é explicar o “lugar vivencial”, seu conteúdo e intenção.
6
Confere com os métodos empregados descritos por Uwe Wegner em seu livro: Exegese do Novo
Testamento, p. 328. Klaus Berger, em seu livro: As formas literárias do Novo Testamento, p. 14, vai
falar que o estudo das formas literárias de um texto ajuda a conhecer sua relação com a ação e com
a realidade; e como este aponta para o interesse especial de seus destinatários.
65
Fazendo uma “radiografia” de Mateus 25,31-46, onde se percebem as formas
e os gêneros literários, há:
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
então se assentará sobre o trono da sua glória.
32a. E reunir-se-ão diante dele todas as nações,
Aqui (vv. 31-32a), Mateus utiliza a linguagem apocalíptica para introduzir o
modo pelo qual se dará o julgamento.
32b. e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas
das cabras.
33. E colocará as ovelhas à sua direita e as cabras à sua esquerda.
Nestes versículos (32b-33), percebe-se claramente o uso de uma “parábola”.
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o
reino preparado para vós desde a criação do mundo.
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber,
era estrangeiro e me recebestes.
36. Nu e me vestistes, estive doente e me visitastes, preso e viestes ver-me.
37. Então lhe responderão os justos dizendo: Senhor, quando te vimos
faminto e te alimentamos, ou sedento e te demos de beber?
38. Quando te vimos estrangeiro e te recebemos, ou nu e te vestimos?
39. Quando te vimos doente ou preso e fomos te ver?
40. E respondendo o rei lhes dirá: Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.
41. E então diaos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o
fogo eterno, preparado para o diabo e aos seus anjos”.
66
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes
de beber.
43. Era estrangeiro e não me recebestes, nu e não me vestistes, doente e
preso e não me visitastes.
44. Então responderão eles dizendo: Senhor, quando te vimos faminto ou
sedento ou estrangeiro ou nu ou doente ou preso e não te servimos?
45. Então responderá a eles dizendo: Em verdade vos digo: cada vez que não
fizestes a um destes pequeninos, a mimo o fizestes.
Do versículo 34 ao 45, o que K. Berger (1998, p. 230) chama de
“epidícticos”, onde ele denomina de “diálogo de revelação”. Assim, tem-se: “A: a
‘primeira’ revelação, enigmática, precisa de esclarecimento (34-36.41-43). B: a não-
compreensão humana se manifesta - pergunta, censura, pedido (37-39.44). C:
segue-se então a ‘segundarevelação, esclarecedora” (40.45). Lembrando que, no
v. 34, uma alegoria, onde o pastor, do v. 32, passa a ser agora rei”, o mesmo
acontece nos vv. 40 e 45. Os versículos 34 e 41 possuem também o gênero
apocalíptico.
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Neste v. 46, novamente a linguagem apocalíptica para concluir o Juízo
Final, assim como foi o mesmo para dar início à sua descrição. Mateus começa e
termina utilizando o estilo apocalíptico. de se ter em mente que este texto se
encontra dentro do bloco do “sermão escatológico”.
Mateus, com este texto, pode ter aproveitado para chamar a atenção da
comunidade pela realidade de pobreza existente. Com isto, utilizou uma linguagem
apocalíptica para mostrar a sua urgência, além de utilizar a forma de julgamento do
Filho do Homem para contrapor ao imperador e mostrar que o “julgamento final”
67
compete a Deus e não aos homens, além de mostrar que o critério de tal julgamento
são as obras de caridade, tão presentes e consideradas fundamentais para todo
judeu.
Alguns biblistas dizem que este texto não pode ser classificado neste gênero
ou em qualquer outro gênero de modo exclusivo, muito embora Gilberto Gorgulho e
Ana Flora Anderson (1990a, p. 51-60) se refiram a este texto, usando-o como sendo
uma “parábola”, deixando claro que ele sofreu influência do gênero de alegoria,
tonalidade apocalíptica e teologia redacional. Pode-se dizer que:
“Mt 25,31-46 testemunha, do ponto de vista do gênero literário,
uma espécie de ‘inconstância’. Espécie de gênero híbrido
possuindo alguma coisa da parábola, do relato exemplar e da
alegoria e possuindo por acréscimo elementos de tipo
apocalíptico, - não se deixa classificar em nenhuma dessas três
categorias” (GOURGUES, 2004, p. 193).
Se se analisar bem este texto, um “constante vaivém do fictício ao real”
(GOURGUES, 2004, p. 192).
Nesta mesma linha, segundo Xabier Pikaza (1984, p. 19), Mt 25,31-46
constitui, dentro do N.T., um caso a parte e que não tem um gênero preciso, pois,
“parábola del pastor, alegoría escatológica del rey, norma judicial, imagen
apocalíptica”.
Klaus Berger (1998, p. 275) classifica este texto dentro do que ele chama de
“gêneros epidícticos”, onde se utiliza também uma linguagem apocalíptica e, de um
modo particular, diz: “Surpreendentemente, mas com influência histórica tanto maior,
os únicos cenários de julgamento no NT são Mt 25,31-46 (um gurpo à direita, outro à
esquerda) e Ap 21,11-15”. E também “diálogo de revelação”, conforme visto logo
acima.
68
Klaus Berger (1998, p. 41-2), ao se referir sobre as parábolas, cita J. Jeremias,
onde este afirma que: “Cada parábola foi pronunciada numa situação concreta da
vida de Jesus, sendo isso o que constitui seu sentido original. De acordo com
determinadas leis da reformulação, a parábola foi depois adaptada à situação da
comunidade”. Berger vai amplia ainda mais esta visão e diz que: “O entrelaçamento
de imagem e realidade que envolve o leitor é uma característica peculiar de todos os
gêneros do NT, e não apenas das parábolas”. O fato é que muitos autores, dentre
eles tamm Berger, admitem que as parábolas retratam uma realidade existente.
Nada melhor que dizer que “as parábolas são comparações feitas a partir da vida
concreta. Jesus fala a partir da realidade da vida dos camponeses da Galiléia. As
imagens usadas refletem o processo de trabalho agrícola e pastoril” (GORGULHO;
ANDERSON, 1990b, p. 43). Não só isto, ao percorrer as parábolas de Jesus,
observa-se que ele fala de imagens concretas da vida do povo na pesca, que era
uma fonte de renda para muitos pobres na Palestina. Gorgulho e Anderson (1990b,
p. 44) mostram que há várias parábolas sobre a circulação da mercadoria e sobre a
dívida, dentre elas, podem ser citadas: administrador infiel, talentos, rico e pobre e
outras. Na questão da vida social, há referências ao trabalho escravo, assalariado,
endividados, há o administrador do trabalho, servos fiel e infiel, a questão do pastor e
do mercenário. Na questão da vida política, também abordada, os vinhateiros
maus, joio no trigo, rico avarento, fariseu e publicano, o bom samaritano e outros. O
que tudo isto tem a dizer? Muita coisa, tanto para refletir sobre a questão do Reino de
Deus, como para entender a realidade social presente na Palestina, na Antioquia,
Ásia Menor e regiões próximas, de modo particular, os que sofriam o peso da
opressão exercido pelo Império Romano. No início deste trabalho, no primeiro
capítulo, foi abordada a questão do texto em seu contexto, onde ficaram bem claras a
69
realidade difícil e a opressão vivida pelos primeiros cristãos e seguidores de Jesus,
além de todos os outros pobres.
A história diz como era a vida social na Galiléia e Antioquia e de toda aquela
região. Possivelmente, o Evangelho de Mateus tenha sido escrito na Antioquia, por
volta do ano 85 d.C. De modo geral, o povo vivia sob o jugo e opressão do Império
Romano. Um povo massacrado culturalmente e restrito em sua liberdade de ser e
agir. A sobrevivência era a luta diária. Com a guerra judaica, que iniciou no ano 66, e
com a destruição do Templo, por volta do ano 70, muitos judeus e muitos cristãos
tiveram que sair da Palestina e viver em outras regiões próximas, mas, de modo
geral, a maioria foi tentar viver na Antioquia, que era a capital da província romana da
Síria, uma cidade que era o ponto de convergência para várias rotas comerciais, pois
ficava por volta de 20 km do Mar Mediterrâneo e possuía um porto que era
responsável por grandes transações comerciais e econômicas e que necessitava de
mão-de-obra barata. Tinha uma densidade populacional intensa. “Com tal densidade
de população, a privacidade era mínima, a exposição intensa e o conflito iminente”
(CARTER, 2002, p. 37). Não bastasse isso, o Imrio Romano cobrava de suas
províncias e
“cidades como Antioquia taxas, pedágios e impostos sobre bens
e atividades. Taxas eram calculadas sobre a base de um censo
e eram coletadas sobre o valor da terra, sobre o intercâmbio e
circulação de bens, por cabeça, e sobre o uso de instalações
públicas” (CARTER, 2002, p. 67).
Pagava-se imposto para tudo e o povo não agüentava tal tributo, o que
enriquecia a elite dominante e empobrecia multidões.
Não bastasse tudo isso, devido à expulsão dos cristãos das sinagogas, por
parte dos judeus, em torno do ano 85, os cristãos não mais se beneficiavam da
liberdade de culto que o Império Romano proporcionava aos judeus. Com isto,
70
tinham que prestar culto ao imperador e amaldiçoar Jesus. Isto ocasionou uma
grande perseguição aos cristãos que se negavam adorar o imperador e a negar
Jesus, muitos foram mortos. Mas, como se ainda não fosse suficiente tudo isso, os
cristãos também o mais se beneficiavam dos benefícios sociais das sinagogas, ou
seja, ajuda financeira e alimentícia aos pobres, viúvas e órfãos; não tinham mais a
assistência médica tão necessária à vida e nem mesmo podiam, no momento da
morte, ter uma sepultura digna que as sinagogas ofereciam aos mais pobres.
Vivendo neste “marde dificuldades, pelo que tudo indica, levando muitos (não
todos) cristãos a construírem “uma comunidade inclusiva, adotando, no caos urbano
fragmentado de Antioquia, uma práxis de misericórdia indiscriminada, respondendo
ativamente às necessidades sem preocupar-se com limites étnicos, sociais ou de
gênero” (CARTER, 2002, p. 76). Devido a essa “realidade vivencial” e tendo, por
base, os ensinamentos de Jesus, Mateus escreveu o seu Evangelho e, de um modo
particular, o Juízo Final, pois o seu interesse ou objetivo era exatamente a
“sobrevivência” de sua comunidade. Era o “pão de cada dia”, a comida, a bebida, o
acolhimento dos estrangeiros, vestir os nus, cuidar dos doentes e presos. Tudo isso
era mais que urgente. Daí porque este texto começa e termina de maneira
apocalíptica (vv. 31 e 46), mostrando a necessidade de urgência da situação real
desta comunidade. Mateus, possivelmente, reformulou e adaptou a “parábola das
ovelhas e cabritos” e, de acordo com sua comunidade e as suas necessidades,
introduziu os critérios do julgamento como obras de misericórdia e justiça, que, tanto
os judeus como os cristãos, julgavam de suma importância, ou seja:
"Porque tive fome e me destes de comer;
tive sede e me destes de beber;
era estrangeiro e me recebestes;
Nu e me vestistes;
71
estive doente e me visitastes;
preso e viestes ver-me" (Mt 25,35-36).
Com isto, é o próprio Jesus que diz: “Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (v. 40), ou "a
mim não o fizestes" (v. 45) para aqueles que não praticam estas obras. Pelo que tudo
indica, alguns cristãos e alguns judeus da comunidade de Mateus não estavam
partilhando os seus bens. Com efeito, em várias outras passagens de seu
Evangelho, encontra-se o apelo dramático de partilhar o “pão”. Dentre outras, podem
ser citadas: 14,13-21; 15,32-39; 16,8-10. Na multiplicação dos es, é Jesus quem
diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (14,16). Estava evidente que era a comunidade
que deveria partilhar os seus bens com os mais necessitados. Mateus também
complementa estes ensinamentos sobre a partilha dos bens e do pão ao dizer:
“Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6). Por tudo
isto, o texto do Juízo Final exerceu um papel importantíssimo na vida desta
comunidade.
Tendo em vista os vários gêneros literários presentes no Juízo Final e a
realidade social da comunidade de Mateus, faz-se necessário agora, após esta
análise da configuração lingüística, descrever o processo de redação utilizado por
Mateus, bem como seus interesses, estilo e teologia.
6 Análise da Redação
Para se fazer exegese correta de um texto dentro dos evangelhos, deve-se ter,
em mente, o texto escrito por este ou aquele evangelista. Ao que tudo indica, antes
72
da década de 40 (1940), havia apenas o estudo crítico-literário de perícopes isoladas,
conforme diz Uwe Wegner (2001, p. 122):
“Se antes os evangelistas eram entendidos mais como
transmissores neutros ou meros compiladores de tradições
sobre a vida e obra de Jesus de Nazaré [...] os evangelistas
eram tamm autores com características bem próprias. Como
tais, eles dispuseram e redigiram o seu material sobre Jesus
com interesses bem definidos e com vocabulário, estilo e
teologia peculiares”.
No início, havia o material que a própria comunidade transmitia, de modo
geral, pela via oral sobre os ensinamentos de Jesus, ou até mesmo em pequenos
escritos, o que Wegner chama de “pré-textos”.
Pode-se deduzir, com isso, que
“os textos neotestamentários percorreram um longo caminho
antes de chegarem à forma atual. Foram recolhidas e unificadas
diversas tradições heterogêneas. A versão final dos textos
remonta a uma reelaboração do texto atribuída à instância que
chamamos ‘o redator’” (EGGER, 1994, p. 179).
Após esta explicação inicial sobre a redação, se feita agora a análise
redacional do texto Mt 25,31-46, sobre o Juízo Final.
Em primeiro lugar, de se remeter ao estudo feito anteriormente sobre a
“delimitação do texto”, dentro da análise literária. Na verdade, foi uma escolha
pessoal, redacional ou até mesmo teológica para se colocar este texto onde está.
Conforme visto, ele se encontra no final do quinto discurso escatológico e
apocalíptico. Ao que tudo indica, foi colocado nesta seção para mostrar a urgência de
se cumprir tais obras e, ao mesmo tempo, para provocar admiração, espanto e
porque o curiosidade em saber o que vai acontecer após a morte, num outro
mundo.
73
Nos vv. 31 e 32a:
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
então se assentará sobre o trono da sua glória.
32a. E reunir-se-ão diante dele todas as nações,
O importante aqui é demonstrar as tradições que serviram de base para que
Mateus pudesse escrever essa introdução. Em relação à expressão “Filho do
Homem, o que mais chama a atenção é a sua fonte original, onde o profeta Daniel
diz:
“Eu continuava contemplando, nas minhas visões noturnas,
quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho de
Homem. Ele adiantou-se até ao Ancião e foi introduzido à sua
presença. A ele foi outorgado o império, a honra e o reino, e
todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é
império eterno que jamais passará, e seu reino jamais será
destruído” (Dn 7,13-14).
Isso leva a entender que Mateus utilizou a tradição profética de Daniel e,
principalmente, sua linguagem apocalíptica para iniciar o seu texto sobre o Juízo
Final, embora um outro profeta, que se refere ao combate escatológico, diga: “E
Iahweh, meu Deus, virá, todos os santos com ele” (Zc 14,5). Há tamm uma outra
passagem que diz: “todos os santos estão em tua mão. Eles se prostaram aos teus
pés e correram sob a tua direção” (Dt 33,3).
Em relação à expressão trono de glória”, vale dizer que é uma expressão
enquanto tal, rara no A.T., o mesmo não se pode dizer da expressão “trono”, que
aparece muitas vezes ao longo de todo o A.T. Trono de glória” aparece em
Jeremias 14,21: “Não nos desprezes por causa do teu Nome. Não desonres o trono
de tua glória. Lembra-te! Não rompas a tua aliança conosco”. Sentar-se no trono
designa tomar posse e ter poder. O rei senta-se no trono. Deus tem o seu trono de
74
glória e poder, a ele pertencem todas as nações. Num ambiente escatológico, quer
dizer que vai acontecer o julgamento, pois, “na Antiguidade, o exercício do
julgamento constituía uma parte importante da função real, assim como a
preocupação com os pobres e a proteção dos mais carentes” (GOURGUES, 2004, p.
195).
32b. e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas
das cabras.
33. E colocará as ovelhas à sua direita e as cabras à sua esquerda.
Aqui, entra a tradição do profeta Ezequiel sobre a questão do pastor e das
ovelhas. O “Filho do Homem” é comparado ao pastor que separa as ovelhas das
cabras.
“Com efeito, assim diz o Senhor Iahweh: Certamente eu
mesmo cuidarei do meu rebanho e dele me ocuparei. Como o
pastor cuida do seu rebanho, quando está no meio das suas
ovelhas dispersas, assim cuidarei das minhas ovelhas e as
recolherei de todos os lugares por onde se dispersaram em dia
de nuvem e de escuridão. Eis que julgarei entre ovelha e
ovelha, entre carneiros e bodes” (Ez 34,11-12.17).
Ocorre que o Filho do Homem vai colocar as ovelhas à direita e as cabras à
esquerda. Vai ter a separação. Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson (1990a, p.
55) mostram que a terminologia pastoril é empregada na forma passiva que mostra
que o sujeito da ação é Deus que reunirá e separará e que esta terminologia se
tornou um sinal dos tempos da salvação. Por outro lado, Warren Carter (2002, p.
612) diz que: o lado direito era um lugar de honra e bênção e o lado esquerdo podia
ser considerado como o lado negativo ou amaldiçoado. Lembrando que a palavra
“esquerdo”, em latim, é sinistro.
75
Os vv. 32b-33, possivelmente, foram tomados de uma parábola que teria sido
contada por Jesus sobre “as ovelhas e os cabritos, onde Mateus a teria
reformulado e a adaptado de acordo com a realidade de sua comunidade. Seja
como for, a tradição de Ezequiel 34 é inegável.
Nos vv. 34-39, há os critérios do julgamento para os que estão à direita, que
são as obras de misericórdia e justiça que estes fizeram e, no v. 40, a identificação
de Jesus com os mais pequeninos. Nos vv. 41-44, estes mesmos critérios para
os que estão à esquerda e que não fizeram as obras de misericórdia e justiça aos
mais pequeninos. No v. 45, a identificação de Jesus também com estes pequeninos.
As obras que fazem parte dos critérios de julgamento são:
"Porque tive fome e me destes de comer;
tive sede e me destes de beber;
era estrangeiro e me recebestes;
Nu e me vestistes;
estive doente e me visitastes;
preso e viestes ver-me" (Mt 25,35-36).
Os que estão à direita são chamados de benditos”, pois praticam tais obras
(vv. 34-39). No capítulo 38 de Deuteronômio, encontra-se uma relação de bênçãos e
também de maldições. Entre os malditos estão aqueles à esquerda que não
praticam as obras acima citadas (vv. 41-44). A questão de bênçãos e maldições era
comum nos tratados orientais e no código deuteronomista.
Ainda em relação a estas obras de caridade em favor dos mais pobres e
necessitados, não há nenhuma novidade dizer que elas estão presentes ao longo de
todo o A.T. Dentre algumas passagens, pode ser citado o profeta Isaías, quando se
refere ao verdadeiro jejum que agrada a Deus, o qual consiste em: repartir o teu
pão com o faminto, em recolheres em tua casa os pobres desabrigados, em vestires
76
aquele que vês nu” (Is 58,7); Ezequiel, ao se referir a quem é justo, diz que “[...] dá o
seu pão ao faminto e veste ao que está nu” (Ez 18,7);
“Estende tua mão ao pobre para que tua bênção seja perfeita.
Que tua generosidade atinja todos os viventes, mesmo aos
mortos não recuses a tua piedade. Não fujas dos que choram,
aproxima-te dos que estão aflitos, não temas visitar doentes,
porque serás amado por isso” (Eclo 7,32-35);
“Dá de teu pão aos que têm fome, e de tuas roupas aos que estão nus.
esmola de tudo o que tens em abundância” (Tb 4,16).
J. Jeremias (1976, p. 206) diz que tanto textos egípcios, como rabínicos e
muitos outros abordam estas obras de misericórdia”, ressalta, porém, que visitar os
presos não fazia parte das obras de misericórdia judaica e que, no livro dos mortos
(Egito), o falecido diz: “Eu agradei a Deus por aquilo que ele ama: dei pão aos
famintos, água aos sedentos, roupa aos nus...”
Aqui, Mateus utiliza a tradição israelita e das exigências do judaísmo para
demonstrar o papel fundamental que estas exercem na vida dos judeus e dos
cristãos. Estas “de un modo muy preciso evocan el mensaje de Israel las obras de
servicio, propias de la ética religiosa del judaísmo intertestamentario” (PIKAZA,
1984, p. 22).
Ainda sobre a questão de nção e maldição, praticar ou não estas obras de
caridade (misericórdia e justiça), a própria pessoa tem liberdade em escolher praticá-
las ou o. No capítulo 30 do livro de Deuteronômio, pode-se perceber tal opção, a
ponto de Iahweh dizer: “Hoje tomo o céu e a terra como testemunhas contra vós: eu
te propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição” (Dt 30,19).
os vv. 40 e 45, onde o rei (Filho do Homem, o Pastor, Jesus ou Senhor) se
identifica como sendo um “destes mais pequeninos” ou na própria afirmativa de
Jesus: Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos
77
mais pequeninos, a mim o fizestes” (v. 40) ou “a mim não o fizestes” (v. 45), isto é
tipicamente cristão, do próprio Jesus, pois
“El evangelio sabe que Jesús habla de un Dios que acoge a los
pequeños, busca a los perdidos, se complace en el perdón,
ofrece el reino y asume como suya la suerte de los pobres: con
ellos sufre, para ellos actúa, con ellos espera” (PIKAZA, 1984,
p. 23).
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
Aqui, Mateus utiliza esta passagem: “E muitos dos que dormem no solo
poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror
eterno” (Dn 12,2). Ele faz uso da tradição apocalíptica para concluir o Juízo Final,
assim como o fez para dar início à sua descrição.
É evidente que há, na redação final, os interesses “teológicos” e “vivenciais”
tanto de Mateus, como de sua comunidade. Sua teologia redacional tem um
esquema bem definido:
“* O Filho do Homem (v. 31): 24,27.30.37.39.44;
* todas as nações (v. 32): 24,9.14;
* Filho do Homem, Glória (v. 31): 24,30-31;
* herdar o Reino (v. 34): 25,21-23;
* o fogo eterno (v. 41): 24,51: 25,30;
* Mateus tem a formulação meu Pai(v. 34), meus irmãos’ (v.
40), ‘em verdade...’ (vv. 40.45), ‘os justos’ (vv. 37.46)"
(GORGULHO; ANDERSON, 1990a, p. 55-6).
No bloco do discurso escatológico de Mateus, a conclusão com o Juízo Final
revela entre outras coisas a necessidade da fé, de um amor comprometido e uma
esperança viva na Palavra de Deus. A vigilância é um tema presente neste bloco
que, de uma certa forma, aponta para a escatologia e o fim último do homem.
Sobretudo, é no ato de amor aos Pequeninos que encontramos a presença de
78
Jesus Cristo, o Emanuel. Deus é Rei, o Redentor dos pobres (cf. Pr 23,11;
19,25) que julga sem distinções” (GORGULHO; ANDERSON, 1990a, p. 56).
É na prática do amor ao próximo que se ama a Deus que está presente em
cada pessoa, de um modo especial, nos pequeninos.
7 Análise do Conteúdo
De acordo com Wegner (2001, p. 248),
“A análise de conteúdo é considerada, com razão, o ‘coração’
da exegese. Seu interesse precípuo reside na resposta a três
perguntas básicas:
O que está escrito?
Como entendê-lo?
O que implica?”
Em relação ao texto escrito, o que ele contém em forma de conteúdo, já está
sendo objeto de reflexão e estudo ao longo dessa exegese. Agora, o objetivo será
procurar entendê-lo, levando em conta os vocábulos, bem como os seus significados
na época de Jesus. Para isto, faz-se necessária a análise semântica destes termos
que aparecem no texto.
7.1 Análise Semântica
Em relação à exegese de um texto bíblico, é fundamental que se tenha uma
correta compreensão do significado de algumas palavras contidas nele. No que diz
79
respeito ao Juízo Final, algumas palavras merecem uma análise semântica, sem a
qual não se conseguirá entender o seu significado profundo. São elas:
7.1.1 Filho do Homem
A expressão “Filho do Homem aparece por volta de 120 vezes no Antigo
Testamento, sendo que 96 estão em Ezequiel (STURZ apud COENEN; BROWN,
2000, p. 2356). Porém, o sentido desta expressão designa homem ou indivíduo,
“embora pareça subentender a identificação de Ezequiel com a humanidade em
contraste com Deus” (STURZ apud COENEN; BROWN, 2000, p. 2357).
Todavia, a expressão que mais nos chama a atenção é a do profeta Daniel,
que diz:
“Eu continuava contemplando, nas minhas visões noturnas,
quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho de
Homem. Ele adiantou-se até ao Ancião e foi introduzido à sua
presença. A ele foi outorgado o império, a honra e o reino, e
todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é
império eterno que jamais passará, e seu reino jamais será
destruído” (Dn 7,13-14).
Fica bem claro que este ser é bem diferente dos outros citados em passagens
do A.T. Ele tem aspectos de um ser divino e transcendental e que tem um império
eterno.
“O Filho do Homem se identifica de algum modo com os santos
do Altíssimo; mas o sentido coletivo (igualmente messiânico)
prolonga o sentido pessoal, sendo o filho do Homem ao mesmo
tempo o chefe, o representante e o modelo do povo dos santos”
(BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002, p. 1568).
80
Por outro lado, percebe-se que a expressão “um como um Filho de um
Homem é mais complicada de se entender do que se imagina. O livro de Daniel foi
escrito em linguagem apocalíptica, portanto, de difícil definição por usar diversas
imagens e mbolos e dar margem para muitas interpretações. Segundo consta, “é
muito provável que a parte do livro escrita em aramaico (2—7) seja mais antiga, que
a parte escrita em hebraico (cap. 1 e 8—12)” (SOUSA, 1997, p. 72). Assim sendo,
“o DanA pretende mostrar aos leitores do movimento
apocalíptico que a esperança deve estar fundamentada em
Deus (2,20-23), que estabelecerá a justiça, levantando um entre
os homens, que regerá com justiça em favor dos mais sofridos”
(SOUSA, 1997, p. 77).
No Novo Testamento, Jesus utiliza esta expressão “Filho do Homem
referindo-se a si mesmo. Neste sentido, pode-se dizer que Jesus, no Evangelho de
Mateus, quando está sendo interrogado pelo Sinédrio se era o Messias, o Filho de
Deus, vai dizer claramente: “é como você acabou de dizer. Além disso, eu lhes digo:
de agora em diante, vocês verão o Filho do Homem sentado à direita do Todo
Poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26,64). Nessa passagem, fica
evidente que Jesus
“reconhece categoricamente que é o Messias, como aceitara
antes a confissão dos seus íntimos (Mt 16,16); mas revela-se
mais claramente, apresentando-se não como o Messias
humano tradicional, mas como o ‘Senhor [...]” (BÍBLIA DE
JERUSALÉM, 2002, p. 1753).
no Evangelho de Mateus, esta expressão aparece 30 vezes
7
; em Marcos,
14 vezes; Lucas, 25 vezes; e João, 13 vezes. Num total de 82 vezes. É complicado
definir o que Jesus queria dizer ao referir-se a si mesmo como Filho do Homem. Em
7
(8,20; 9,6; 10,23; 11,19; 12,8.32.40; 13,37.41; 16,13.27.28; 17,9.12.22; 19,28; 20,18.28;
24,27.30.30.37.39.44; 25,31; 26,2. 24.24.45; 26,64).
81
momento algum dos evangelhos, ele define ou explica este termo. Em Mateus 16,13-
23, quando Jesus chega à região de Cesaréia de Filipe e pergunta aos seus
discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?”. E depois pergunta
aos discípulos: “E vocês quem dizem que eu sou?”. Pedro responde: “Tu és o
Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Jesus elogia Pedro pela resposta dizendo
que ela não foi revelada por um ser humano, mas pelo próprio Pai que está no céu.
Com isto, podemos deduzir, de acordo com o Evangelho de Mateus, que Jesus
admite que é o Messias, que é o Filho de Deus.
Ainda em relação ao “Filho do Homem”, o Evangelho de Mateus apresenta
algumas características dessa expressão no que se refere à pessoa de Jesus. Neste
sentido, o Filho do Homem...
- tem poder na terra de perdoar os pecados (9,6);
- é senhor do sábado (12,8);
- semeia a boa semente (13,37);
- será entregue às mãos dos homens e eles o matarão, mas no terceiro dia
ressuscitará (17,22-23);
- não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate
(20,28);
- virá sobre as nuvens do céu como poder e grande glória (24,30);
- será entregue para ser crucificado (26,2).
A expressão Filho do Homem “acentua a identificação de Cristo com a
humanidade e combina características tanto de sofrimento como de glória
(MARTENS apud HARRIS et al, 1998, p. 191).
Além dessas passagens, uma outra é considerada essencial para que a
missão do Filho do Homem como o Messias, dentro da visão teológica de Mateus,
82
seja compreendida. Como dito anteriormente, Jesus se apresenta não como o
Messias humano tradicional, esperado pelos judeus, ou seja, aquele “rei”
descendente de Davi, que vai acabar com os inimigos de Israel e que terá um trono
real para sempre (2 Sm 7,13-16), mas como o rei do amor e do serviço, aquele que
quer construir o “reino de Deus e sua justiça” (Mt 6,33). Nesse caso, tem-se a
narrativa do Juízo Final ou último julgamento (Mt 25,31-46): Quando o Filho do
Homem vier em sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono de
sua glória. E serão reunidas em sua presença todas as nações” (Mt 25,31-32).
Num primeiro momento, o Filho do Homem se identifica ao pastor, figura o
presente na realidade israelita. Deus é o pastor, e o povo as suas ovelhas. Depois
passa a ser o rei que julga de modo justo. Os que praticam o bem ficarão à direita e
os que praticam o mal, à esquerda. O critério do julgamento é simples: dar de comer,
beber, acolher o peregrino, vestir o nu, visitar os doentes e cuidar dos presos (Cf. Mt
25,35-36). O rei deixará bem claro: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a
um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Da mesma
forma, se se deixa de praticar o bem aos mais pobres, estar-se-á deixando de
praticá-lo ao próprio Jesus (Mt 25,45).
O Filho do Homem aparece uma vez no Juízo Final (v. 31), porém com
várias características: Filho do Homem que vem em sua glória, com os anjos e
sentado no trono da glória (v. 31); Filho do Homem que separa os homens uns dos
outros, assim como o pastor que separa as ovelhas dos bodes; Filho do Homem que
assume a função de um rei e é chamado de Senhor (vv. 34, 37, 40, 44); Filho do
Homem que se identifica com os mais pequeninos (pobres) (vv. 40, 45).
Este texto, que se encontra exclusivamente em Mateus, possibilita interpretar
o Filho do Homem como Juiz. Ele exerce o julgamento e não Deus Pai. Ele é o rei do
83
amor e do serviço e não um rei político que domina e explora os mais necessitados.
O surpreendente é que ele se identifica com os mais pequeninos (pobres). Isto fica
evidente nos versículos 40 e 45. Ao ser interrogado pelos justos de quando eles lhe
deram de comer, quando ele estava com fome, de beber, quando ele estava com
sede, de recolher, quando ele era forasteiro, de vestir, quando ele estava nu, de -
lo, quando ele estava doente e preso, a resposta é também surpreendente: “Em
verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). O mesmo vai acontecer aos que estiverem
à esquerda e que não fizeram isto aos pequeninos, também eles vão perguntar ao
rei, quando não o fizeram. Ele dirá: “Em verdade vos digo: cada vez que não fizestes
a um destes pequeninos, a mim não o fizestes” (Mt 25,45).
Tudo isso leva a dizer que não se pode transformar este texto em simples
parábola; tamm não devemos tomá-lo como uma descrição ‘cinematográfica’ do
julgamento. O acento recai sobre o amor ao próximo, valor moral supremo” (BÍBLIA
DE JERUSALÉM, 2002, p. 1750). O amor aos mais pequeninos é o critério máximo
do julgamento.
Em relação ao Filho do Homem nos evangelhos sinóticos, seria bom dar uma
pequena visão desta expressão no que eles têm em comum. A Bíblia de Jerusalém
auxilia muito nesta questão, pois sempre coloca as passagens e suas referências nos
outros evangelistas. Assim:
- sobre a vinda gloriosa do Filho do Homem: “Então aparecerá no céu o sinal
do Filho do Homem e todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do
Homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e grande glória (Mt 24,30); E
verão o Filho do Homem vindo entre nuvens com grande poder e glória” (Mc 13,26);
84
“E, então verão o Filho do Homem vindo numa nuvem com poder e grande glória” (Lc
21,27);
- ao ser interrogado pelo Sumo Sacerdote se era o Cristo (Messias), Filho de
Deus, no Sinédrio: Jesus respondeu: ‘Tu o disseste. Aliás, eu vos digo que, de ora
em diante, vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poder e vindo sobre as
nuvens do céu’” (Mt 26,64); “Jesus respondeu: ‘Eu sou. E vereis o Filho do Homem
sentado à direita do Poderoso e vindo com as nuvens do céu (Mc 14, 62); “Mas,
doravante, o Filho do Homem estará sentado à direita do poder de Deus” (Lc 22,69).
Conforme se observa, a frase em itálico está em Daniel 7,13. No processo da
Paixão, Jesus retoma o profeta Daniel para referir-se a si mesmo, como o Filho do
Homem. Por falar em Paixão, os três evangelistas têm passagens em comum. Serão
citadas estas:
- anúncio da Paixão: “O Filho do Homem será entregue às mãos dos homens
e eles o matarão, mas no terceiro dia ressuscitará” (Mt 17,22-23); “O Filho do Homem
será entregue às mãos dos homens e eles o matarão e, morto, depois de três dias
ele ressuscitará” (Mc 9, 31); “O Filho do Homem será entregue às mãos dos homens”
(Lc 9,44);
- em relação ao perdão dos pecados: “Pois bem, para que saibais que o Filho
do Homem tem poder na terra de perdoar os pecados... disse então ao paralítico:
‘Levanta-te, toma tua cama e vai para casa’” (Mt 9,6); “Pois bem, para que saibais
que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecados na terra, eu te ordeno disse
ele ao paralítico – levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa” (Mc 2,10-11); “Pois
bem! Para que saibais que o Filho do Homem tem o poder de perdoar os pecados na
terra, eu te ordeno disse ao paralítico levanta-te, toma tua maca e vai para tua
casa” (Lc 5,24);
85
- veio para servir, não ser servido: “Desse modo, o Filho do Homem o veio
para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos” (Mt 20,28);
“Pois o Filho do Homem o veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida
em resgate por muitos” (Mc 10,45); Eu, porém, estou no meio de vós como aquele
que serve!” (Lc 22,27);
- como senhor do sábado: “Pois o Filho do Homem é Senhor do bado” (Mt
12,8); “de modo que o Filho do Homem é senhor até do sábado” (Mc 2,28); “O Filho
do Homem é senhor do sábado” (Lc 6,5).
É evidente que muitas outras passagens em comum nos sinóticos, como
outras passagens diferentes. Aqui, são citadas algumas para demonstrar
versículos idênticos nos sinóticos.
Em João, há treze passagens que se referem ao Filho do Homem, dentre as
quais são citadas aqui três: e lhe deu o poder de exercer o julgamento, porque é
Filho do Homem” (Jo 5,27); “Em verdade, em verdade, vos digo: Vereis o céu aberto
e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem (Jo 1,51); “Em
verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e o
beberdes seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6,53).
Em Atos dos Apóstolos, no que se refere ao apedrejamento de Estêvão,
esta passagem, onde o próprio Estêvão diz: “Eu vejo os céus abertos, e o Filho do
Homem, de pé, à direita de Deus” (At 7,56).
Em Hebreus, toma uma citação do Salmo 8,5: “Que é o homem, para que dele
te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites? (Hb 2,6).
No Apocalipse, duas passagens: “E, no meio dos candelabros, alguém
semelhante a um filho de Homem, vestido com uma túnica longa e cingido à altura do
peito com um cinto de ouro” (Ap 1,13); “Depois disso, olhei: havia uma nuvem
86
branca, e sobre a nuvem alguém sentado, semelhante a um Filho de Homem, com
uma coroa de ouro na cabeça e nas mãos uma foice afiada” (Ap 14,14).
Esta foi uma visão geral de algumas citações que aparecem com a expressão
“Filho do Homem” no Novo Testamento, o que permite entrar, um pouco mais a fundo
neste termo, e saber o quanto é complexo definir o significado desta expressão.
Paulo não utiliza a expressão Filho do Homem” em suas cartas e escritos.
Alguns motivos: os gregos eram considerados um povo muito religioso, com uma
diversidade de mitos sobre deuses e deusas. Os deuses gregos eram considerados
imortais e celestiais, mas não eram eternos. Isso porque existe diferença entre
imortalidade e eternidade, enquanto a primeira supõe um nascimento e não supõe a
morte, pois é imortal; a segunda supõe que algo, para ser eterno, não pode ter
começo, nem meio e nem fim e é a transcendência. Parmênides foi o primeiro a dizer
que: “Se nasce, morre”, e a morte começa com o nascimento. Se não morre é porque
não nasceu. Isto acaba com vários mitos sobre deuses e questiona a sua própria
imortalidade, uma vez que quem nasce, automaticamente, morre.
Na verdade, uma vez, Paulo vai utilizar uma expressão parecida com Filho
do Homem, em Corinto, quando diz: “Assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi
feito alma vivente; o último Adão tornou-se espírito que a vida. [...] O primeiro
homem tirado da terra, é terrestre. O segundo homem vem do céu” (1 Cor 15,45.47).
Paulo não utilizou a expressão “Filho do Homem porque esta seria
interpretada de maneira errônea pela cultura grega. Os gregos, pois, teriam
interpretado literalmente ‘Filho’ e ressaltado indevidamente Sua humanidade”
(STURZ apud COENEN; BROWN, 2000, p. 2359). A expressão “Filho do Homem
aparece no apócrifo de Enoque Etíope, em seus capítulos 31—71, que, segundo
geralmente se aceita, foram escritos entre 40 a.C. e 70 d.C.” (STURZ apud COENEN;
87
BROWN, 2000, p. 2357). Embora possa admitir que Mateus tenha utilizado imagens
apocalípticas de Enoque, não se pode admitir que ele tenha utilizado o termo “Filho
do Homem. Isto porque
“O Filho do Homem em Enoque está ligado com Deus: ‘Pois
negaram o Senhor dos Espíritos e Seu ungido’, 48:10. Mesmo
assim, nunca é confundido com Deus nem chamado de Deus.
Um elemento final que proíbe a crença na interpolação cristã é
que o próprio Enoque é transformado naquele Filho do Homem
(STURZ apud COENEN; BROWN, 2000, p. 2358).
Mas é, sobretudo, nas cenas de julgamento, que estão presentes no primeiro
livro de Enoque (37—71), que são encontrados muitos pontos em comum de Mateus
com Enoque.
“A partir da terceira Parábola (58—69), não é somente o Eleito
mas, explicitamente, como em Mt 25,31, o Filho do Homem que
ocupa o lugar para o julgamento em seu trono de glória: ‘A
metade entre eles olhará a outra metade e ficarão apavorados;
abaixarão o rosto e a dor os apanhará, quando eles virem este
Filho do Homem sentado no trono de sua glória’; ou ainda: ‘Ele
se sentou em seu trono de glória e a soma do julgamento foi
dada a este Filho do Homem. (...) A partir de então, não haverá
mais nada de corruptível, porque este Filho do Homem
aparecerá e se sentará em seu trono de glória’” (GOURGUES,
2004, p. 197-8).
Por tudo isto, fica claro que a figura do Filho do Homem, em si e de seu
significado em Enoque, não exerceu influência decisiva em Mateus. O mesmo não
se pode afirmar em relação às imagens apocalípticas e à questão do julgamento.
Estas parecem ter influenciado os escritos de Mateus conforme visto logo acima.
7.1.2 Glória
88
A palavra glória - do,xa - é muito importante no que se refere a Deus.
Nas tradições do Êxodo, a glória de Iahweh é descrita em termos que
sugerem a coluna de nuvem e a coluna de fogo” (MACKENZIE, 1984, p. 388). Isto
fica claro nesta passagem que se refere às tábuas da Aliança:
“A glória de Javé pousou sobre o monte Sinai e a nuvem o
cobriu durante seis dias. No sétimo dia, Javé chamou Moisés
do meio da nuvem. A glória de Javé aparecia aos olhos de
Israel como fogo consumidor no topo da montanha” (Ex 24,16-
17).
Pode-se dizer que, “acima de tudo, porém, doxa expressa a glória e poder de
Deus” (AALEN apud BROWN; COENEN, 2000, p. 899), o que se torna evidente em
diversas passagens do A.T., principalmente no Salmo 24,10, que diz: “Quem é esse
Rei da glória? É Javé dos Exércitos! Ele é o Rei da glória!e “Eu sou Javé: esse é
meu nome. Não vou dar para outro a minha glória, nem vou ceder minha honra para
os ídolos” (Is 42,8).
O termo glória “doxa se acha 165 vezes no NT (AALEN apud BROWN;
COENEN, 2000, p. 900).
“A glória, portanto, se manifesta no NT, assim como no AT, na operação do
poder e salvação divinos na ‘história da salvação’. Aparece, sobretudo, em Cristo e
na Sua obra de salvação” (AALEN apud BROWN; COENEN, 2000, p. 902). Isto fica
mais claro em Mt 17,2-5, no episódio da transfiguração.
“[...] Assim como a glória de Deus se refletia sobre o rosto de
Moisés após a teofania do Sinai (Ex 34,29.35), tamm o rosto
de Cristo resplandece por ocasião da transfiguração (análoga à
teofania do Sinai; cf. Mt 17,1+), e seus discípulos puderam
assim ver o reflexo de sua glória [...]” (BÍBLIA DE JERUSALÉM,
2002, p. 1843).
89
Diversas outras passagens do Evangelho de Mateus falam sobre a glória de
Jesus, dentre elas, são destacadas: “Porque o Filho do Homem vina glória do seu
Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a própria
conduta” (16,27); “[...] e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu com
poder e glória” (24,30); “Quando o Filho do Homem vier em sua glória,
acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono de glória
(25,31).
Esta última passagem pertence ao texto desta exegese. Observa-se que
aparece a palavra glória e trono de glória. Sobre esta, será feita tamm a análise
semântica logo a seguir.
Além de tudo, o que foi descrito acima, glória pode ser entendida no sentido
de ter dinheiro, poder e prestígio social ou fama. D porque foi mencionado o
significado de glória no que se refere a Deus, e agora seabordada, de modo
breve, no sentido mais humano. Isso fica claro, quando Jesus diz: “é que eles
preferiram a glória humana à glória que vem de Deus” (Jo 12,43). Sobre os lírios do
campo, vai dizer: “nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como
um deles” (Mt 6,29).
O conceito de glória, em Paulo, é complexo e, apenas pincelando, pode-se
dizer que,
“nos escritos de Paulo, o conceito de glória, quando referido
aos cristãos, recebe uma elaboração nova e original. Os
cristãos têm a esperança de compartilhar da glória de Deus
(Rm 5,2). Serão glorificados com Cristo pela participação em
sua paixão (Rm 8,17), e através desta participação em sua
paixão, a glória de Deus será revelada neles (Rm 8,18). Esta
glória confere perfeita liberdade aos cristãos (Rm 8,21); a
passagem do cristão à glória termina o processo de previsão,
90
predestinação e justificação (Rm 8,30). O cristão, como Cristo,
ressurgirá para a glória (1 Cor 15,40). Ele será semelhante ao
glorioso corpo de Jesus Cristo (Fl 3,21)” (MACKENZIE, 1984,
p. 389).
Conforme dito anteriormente, tamm em Paulo, pode ser falado de uma
glória humana, no sentido de ter poder, riqueza e fama, onde Paulo diz aos cristãos:
“quer vocês comam, ou bebam, ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a
glória de Deus (1 Cor 10,31). Paulo diz claramente que não procura os seus
interesses pessoais (Cf. 1 Cor 10,33) e nem faz as coisas para receber elogios dos
homens (1 Ts 2,6).
7.1.3 Trono da glória
A expressão trono da glória - qro,nou th/j do,xhj -, ou simplesmente trono, tem
suas raízes no trono real, no seu sentido mais restrito, deriva do oriente. Assentar-
se no trono denota a exaltação exclusiva do soberano absoluto, sua total
superioridade em comparação com aqueles que lhe são sujeitos” (BLENDINGER
apud BROWN; COENEN, 2000, p. 1702). É evidente que este modo de conceber
“trono” é diferente no que se refere a Deus. “Naturalmente, no AT, o trono representa
o poder e a justiça de Deus, que nunca se pode simplesmente identificar com o
poder do rei” (BLENDINGER apud BROWN; COENEN, 2000, p. 1702). Ter um trono
ou assentar-se nele era símbolo de ter e obter posse do poder. Javé é um rei
diferente, no sentido de ser um rei da justiça e do amor. Vê-se em Jeremias 14,21:
“Não nos desprezes por causa do teu Nome. Não desonres o trono de tua glória.
Lembra-te! Não rompas a tua aliança conosco” ou “Um trono de glória, sublime
desde a origem, é o lugar de nosso santuário” (Jr 17,12).
91
A palavra trono aparece 41 vezes no Apocalipse e 14 vezes no restante do
N.T. (BLENDINGER apud BROWN; COENEN, 2000, p. 1704). O “trono da glória que
pertence a Iahweh no AT é atribuído a Jesus nos sinóticos” (MACKENZIE, 1984, p.
389). Em relação ao desprendimento dos discípulos que estão seguindo Jesus, ele
promete: “Eu garanto a vocês: no mundo novo, quando o Filho do Homem se sentar
no trono de sua glória, vocês, que me seguiram, também se sentarão em doze
tronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mt 19,28). Mas, no que se refere ao
julgamento final ou último julgamento, a passagem mais clara sobre o modo pelo
qual o Filho do Homem (Jesus) ijulgar, bem como os seus critérios, é encontrada
unicamente no Evangelho de Mateus, capítulo 25 e nos versículos 31 ao 46. No
Juízo Final, há: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os anjos com
ele, então se assentará no trono da sua glória” (Mt 25,31). Sentar no trono da glória
é o início do julgamento, significa que Jesus tem o poder de julgar e é ele quem
vai julgar, não Deus Pai.
7.1.4 Nações, gentios ou povos?
A palavra - e;qnh - em grego e a maneira como foi utilizada no texto
margens a algumas interpretações. O próprio Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, p. 1733, a traduz por: “nação”, povo”, “bárbaro”, “pagãos” e
“gentios”. Ela é complexa e, de acordo com esta análise semântica, o ideal será
chegar a uma tradução fiel ao pensamento grego, escolhendo a melhor palavra, em
português, para traduzi-la.
Começando pelo A.T., pode-se dizer que a palavra ethnos se deriva de ethos,
no sentido de costume, hábito e maneira específica própria de um grupo ou de um
92
povo. Esta palavra aparece na LXX cerca de 1000 vezes e traduz o hebraico gôy ou
gôyim no sentido de gentios”, lembrando, pois, que a palavra gentio”, em
português, deriva do latim gens, “nação”. Apenas em 130 casos, é tradução de am
em hebraico ou laos em grego. Neste contexto, está ligada sua definição a qualquer
nação ou a todas elas, fora a nação judaica e em 130 vezes no sentido de “povo”.
8
O que leva a concluir que Israel é o povo da própria possessão de Deus (Êx
19,5-6), enquanto o restante da humanidade fora de Israel é chamado de ethne, as
‘nações’” (BIETENHARD apud BROWN; COENEN, 2000, p. 1734).
Ainda no que se refere ao A.T., pode-se dizer que, a partir de Esdras ou no
pós-exílio, Israel se autodenominava puro” e os gentios e outras nações, “impuros”.
Estes tamm eram vistos pelos judeus como imorais e ilatras. Embora em
algumas passagens bíblicas dos profetas “no tempo do fim, as nações virão ao
monte Sião e ali participarão da salvação” (BIETENHARD apud BROWN; COENEN,
2000, p. 1734). Isto fica claro nesta passagem:
“No final dos tempos, o monte do Templo de Javé estará
firmemente plantado no mais alto dos montes, e será mais alto
que as colinas. Para correrão todas as nações. Para lá irão
muitos povos, dizendo: ‘Venham! Vamos subir à montanha de
Javé, vamos ao Templo do Deus de Jacó, para que ele nos
mostre seus caminhos, e possamos caminhar em suas
veredas’. Pois de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a palavra de
Javé. Então ele julgará as nações e será o árbitro de povos
numerosos” (Is 2,2-4a).
No N.T., ethnos aparece por volta de 162 vezes. no Evangelho de Mateus,
esta palavra aparece 15 vezes. Assim: Galiléia das nações!” (4,15); “De fato, são os
gentios que estão à procura de tudo isso” (6,32); Não tomeis o caminho dos
8
Este parágrafo foi baseado nas informações do DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA DO
ANTIGO TESTAMENTO, p. 1734.
93
gentios” (10,5); Para dar testemunho perante eles e perante as nações” (10,18); “E
ele anunciará o Direito às nações (12,18); “E no seu nome as nações porão sua
esperança” (12,21); “E o entregarão aos gentios para ser escarnecido” (20,19);
“Sabeis que os governadores das nações as dominam(20,25); “O reino de Deus
vos será tirado e confiado a um povo” (21,43); “Pois se levantará nação contra
nação” (24,7); “E sereis odiados de todos os povos” (24,9); “Como testamento para
todas as nações” (24,14); “E serão reunidas em sua presença todas as nações”
(25,32); “Ide, portanto, e fazei que todas as nões se tornem discípulos” (28,19).
Das 15 vezes que aparece ethnos neste evangelho, 10 vezes o traduzidas
por nações, 3 vezes como gentios e 2 vezes como povo(s). Isto de acordo com a
tradução da Bíblia de Jerusalém.
Nos escritos paulinos, o que fica claro é que Paulo, o apóstolo dos gentios”,
mostra que estes são chamados a serem cristãos, independentemente da lei dos
judeus. Pois aquele que operava em Pedro para a missão dos circuncisos operou
também em mim em favor dos gentios” (Gl 2,8). Paulo deixa claro seu modo de
pensar ao dizer:
“Vós todos sois filhos de Deus pela em Cristo Jesus, pois
todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de
Cristo. Não judeu nem grego, nãoescravo nem livre, não
homem nem mulher; pois todos vós sois um em Cristo
Jesus” (Gl 3,26-28).
Por tudo isto, é evidente que
“não pode haver divisão alguma entre cristãos e gentios. As
igrejas paulinas consistem tanto daqueles que nasceram
judeus, quanto daqueles que nasceram gentios, e os dois
grupos pertencem ao povo de Deus mediante a em Jesus
Cristo” (BIETENHARD apud BROWN; COENEN, 2000, p.
1737).
94
De modo geral, pode-se dizer que a palavra ethnos, em sua maioria, é
traduzida por nações” e pode também significar que “os ethne são todos os povos,
conforme deixa claro o epíteto panta, ‘todos’” (BIETENHARD apud BROWN;
COENEN, 2000, p. 1736). Isto pode ser comprovado em diversas passagens da
Bíblia e, de um modo particular, em Mateus 24,9; 28,19.
Depois desta análise semântica, fica claro que todas as nações significam a
totalidade dos povos ou todos os povos.
7.1.5 Ovelhas e bodes ou cabritos ou cabras?
No texto da exegese, objeto deste estudo, uma outra expressão também é
complexa e de difícil tradução: ta. pro,bata avpo. tw/n evri,fwn( que aparece em Mt 25,32,
e ta. me.n pro,bata evk dexiw/n auvtou/( ta. de. evri,fia evx euvwnu,mwn, no versículo seguinte (Mt
25,33). A questão é definir o significado de evri,fwn, pois, no texto, fica claro que
pro,bata significa “ovelha”.
Mas é necessário tamm escrever sobre a importância e o significado de
ovelha. Este animal era típico e importantíssimo, como fonte de alimentação e na
economia do povo de Israel.
Jeremias diz: Ai dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu
rebanho oráculo de Iahweh! (Jr 23,1). Nessa passagem, as ovelhas são
identificadas como o “povo de Israel que tem, em Javé, o supremo pastor.
Importante tamm é todo o capítulo 34 de Ezequiel que aborda a questão do
rebanho de ovelhas e o pastor:
“Com efeito, assim diz o Senhor Iahweh: Certamente eu
mesmo cuidadei do meu rebanho e dele me ocuparei. Como o
pastor cuida do seu rebanho, quando está no meio das suas
95
ovelhas dispersas, assim cuidarei das minhas ovelhas e as
recolherei de todos os lugares por onde se dispersaram em dia
de nuvem e de escuridão” (Ez 34,11-12).
O Salmo 95,7, quando o povo vai se referir sobre Javé, diz: “Porque ele é o
nosso Deus, e nós somos o seu povo, o rebanho que ele conduz”. Assim,
“o povo de Israel, portanto, ao chamar-se a si mesmo de
‘ovelhas’ de Deus, estava reconhecendo, em primeiro lugar
que, deixado por si só, era indefeso, que estava confiando na
orientação do seu próprio bom Pastor, o próprio Javé”
(TUENTE apud BROWN; COENEN, 2000, p. 431).
No N.T., fica ainda mais clara a importância da ovelha nos ensinamentos de
Jesus, e ele mesmo se autodenomina: “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas
ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem, [...] Eu dou minha vida pelas minhas
ovelhas. [...] haverá um rebanho, um pastor” (Jo 10,14-16). Ovelha aparece 11
vezes no Evangelho de Mateus.
9
“Fica claro, pelo uso que Jesus faz das ovelhas nas Suas
parábolas e no Seu ensino, que Seus contemporâneos sabiam
muito bem quão completamente perdida a ovelha ficava, se
fosse deixada a si mesma, sem os cuidados de um pastor (Lc
15,4). Sabiam que a grande necessidade da ovelha era a
proteção amorosa e abnegada (Mt 12,11; Lc 15,4), e este fato
básico fica por detrás do uso que Jesus fez da metáfora. A
ovelha sem o pastor é ‘aflita e indefesa’ (Mt 9,36), ‘desgarra’ (1
Pd 2,25) e fica ‘perdida’ (Mt 10,6; 15,24). Jesus, ao seguir o
uso vetero-testamentário e comparar Seu povo com um
rebanho de ovelhas sem pastor (Mc 6,34; cf. Nm 27,17; 1 Rs
22,17), chama atenção ao fato de que estão no caminho da
destruição certa, a não ser que apareça um meio de salvação”
(TUENTE apud BROWN; COENEN, 2000, p. 431).
9
7,15; 9,36; 10,6.16; 12,11.12; 15,24; 18,12; 25,32.33; 26,31.
96
Todavia, Jesus é o bom pastor que vai proteger e salvar o seu povo e suas
“ovelhas”.
Em relação ao significado de evri,fwn, na primeira tradução, foi utilizado “bode”,
isto porque, conforme tradução do Léxico do N.T. Grego/Português, p. 85, a palavra
evri,fwn significa “bode” em Mt 25,32-33. Mas muitas controvérsias de tal
significado. Então, tomando algumas traduções das bíblias no que se refere a
Mateus 25,32, há: “Como o pastor separa as ovelhas dos bodes” (Bíblia de
Jerusalém); Como o pastor separa as ovelhas das cabras” (Bíblia do Peregrino);
“Como o pastor separa dos cabritos as ovelhas” (Bíblia Almeida revista e atualizada);
“Como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Bíblias: TEB, Pastoral e CNBB).
evri,fwn é traduzido, em diversas passagens, por cabritos. Se for tomada a
nota de rodapé da Bíblia TEB (1994, p. 1908), que a traduz por cabritos, “tal é o
sentido da palavra grega”. Ocorre que dois outros argumentos mais fortes no
sentido de traduzir tal palavra por cabra. Isto porque, quando se refere ao rebanho,
“a imagem supõe uma prática sírio-palestina (não greco-romana) de um
rebanho/manada misturado de ovelhas e cabras (no qual ambas o valiosas)
(CARTER, 2002, p. 611). Aqui fica claro que, se for tomada esta palavra no sentido
grego, a tradução correta é cabrito, conforme visto acima. Agora, se for tomada no
sentido sírio-palestinense, o sentido é cabra. Mas, para ficar ainda mais claro, será
utilizado um argumento de Joachim Jeremias (1976, p. 205) que diz:
“O pastor palestino não separa ovelhas e cabritos (isto é,
animais machos e fêmeas), mas ovelhas e cabras. Na
Palestina, o comum é o rebanho misturado; ovelhas e cabras
são apascentadas durante todo o dia juntas, e à tarde o pastor
separa as ovelhas das cabras. As cabras o levadas para
uma caverna, porque precisam à noite de ambiente quente. As
97
ovelhas, que gostam de ar fresco à noite, são deixadas no
curral ao ar livre.”
Por todos os argumentos acima, principalmente, o de Joachim Jeremias e o
de Gorgulho e Anderson (1990a, p. 55) e levando em conta que, mesmo estando
escrita em grego, a parábola revela o ambiente sírio-palestino, onde o costume local
dos pastores, na época de Jesus Cristo, quando se tinha um rebanho misturado, era
separar ovelhas e cabras, e não animais machos e fêmeas, como ovelhas e
cabritos, além do argumento de Warren Carter e da tradução da Bíblia do Peregrino,
a opção é utilizar-se, nos vv. 32 e 33, “ovelhas e cabras”, seguindo também a
mesma linha feminina, conforme disse Jeremias.
7.1.6 Fome
A palavra peinavw refere-se a ter fomee aparece por volta de 50 vezes no
A.T. e 25 vezes no N.T. Esta é a expressão correta, conforme o texto do Juízo Final.
Não se pode deixar de mencionar uma palavra semelhante: limo.j que significa
“fome” e aparece mais de 100 vezes no A.T. e 12 vezes no N.T.
Em relação à questão de ter fome, dispensa maiores comentários, visto fazer
parte da experiência humana. “O comer e o beber são atos básicos da vida
humana. No mundo do Oriente Antigo, que sofria grandemente de fomes e secas,
assumiam uma importância especial” (BAUDER apud BROWN; COENEN, 2000, p.
846). Isso porque a região da Palestina possui terras desérticas e terrenos não
apropriados à agricultura, da mesma forma que possui terras boas ao cultivo, como
na região da Galiléia. De modo geral, as terras cultiváveis e próprias para a
agricultura, na época de Jesus, não eram suficientes para manter, com dignidade, o
sustento de toda a população. Além do mais, a questão da seca ou falta de chuva,
98
ou até mesmo a questão de várias pragas ou ataques de gafanhotos tamm
comprometiam a colheita e, com a escassez de alimentos, conseqüentemente,
vinha a fome. Fome esta que Filo diz ser a “mais insuportável de todos os males”
(FILO apud BROWN; COENEN, 2000, p. 848).
que o comer e o beber fazem parte das necessidades sicas da vida
humana e que se constituem como um mal insuportável, pode-se dizer que “a fome
e a sede são ocasiões para o exercício do amor. Satisfazê-las para outras pessoas
se inclui entre as obras de misericórdia que ficam sendo um padrão na ocasião do
julgamento do mundo (Mt 25.35.37.42)” (BAUDER apud BROWN; COENEN, 2000,
p. 849). Daí porque Jesus vai dizer: “Tive fome e me destes de comer ou não me
destes de comer” (Cf. Mt 25,35.42), além de se identificar com os mais pequeninos,
onde tudo aquilo “que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim
o fizestes, ou a mim não o fizestes” (Cf. Mt 25,40.45).
Um outro texto que deixa clara essa exortação de Jesus em relação à
necessidade de dar pão a quem tem fome se refere às multidões no deserto, onde
os discípulos estão preocupados e lhe pedem para despedi-las. Jesus responde:
“Não é preciso que vão embora. Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Aqui
entra a partilha em oposição ao egoísmo que quer tudo para si. Onde há partilha,
todos comem e ficam saciados e ainda sobra muito.
Dar de comer a quem estava com fome era tão importante que ninguém podia
ser excluído nem mesmo o inimigo, o que leva Paulo a dizer: “mas, se o seu inimigo
tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber” (Rm 12,20).
Mas o significado de “ter fome” vai além do que vem a ser literalmente.
Mateus 5,6 tamm descreve a questão da fome e sede de justiça: “Bem-
aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Da mesma
99
forma que se tem fome e é necessário ter alimento, no sentido de satisfazer uma
necessidade humana básica, deve-se ter fome e sede de justiça para que se possa
construir um mundo novo com dignidade e paz. Por outro lado: “Não de pão vive
o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Por tudo isso, fica
evidente a presença do alimento material para saciar a fome dos que necessitam e
também uma outra necessidade importantíssima: ter fome e sede de “justiça”
para a construção de um mundo novo de acordo com a vontade de Deus. Tanto o
pão em abundância como a justiça são essenciais para que o Reino de Deus
aconteça.
7.1.7 Estrangeiro
A palavra xe,noj aparece 21 vezes no A.T. e 14 vezes no N.T., sendo que 4
estão no texto do Juízo Final e significa estrangeiro”, “estranho”. Sua raiz tem
vinculação com o latim hostis, no sentido de “inimigo”. “Na sociedade primitiva, o
estranho é basicamente um inimigo, por ser desconhecido [...] nunca tinha direitos”
(BIETENHARD apud BROWN; COENEN, 2000, p. 745).
Em Israel, a lei era muito clara em relação aos estrangeiros. Eles deveriam
ser tratados com dignidade e o podiam ser afligidos (Ex 22,20), desfrutavam do
descanso do sábado, como todo israelita (Ex 20,10), beneficiavam-se também da lei
da hospitalidade, além da concepção de que Javé “faz justiça ao órfão e à viúva, e
ama o estrangeiro, dando-lhe o e roupa. Portanto, amareis o estrangeiro, porque
fostes estrangeiros na terra do Egito” (Dt 10,18-19).
De estrangeiro no Egito para um “povo livre” em Canaã, assim foi Israel. Ele,
melhor do que ninguém, sentiu a luta pela sobreviência e maus tratos em um país
100
estranho, agora, como nação, deveria tratar bem seus estrangeiros. Mas com tantas
leis que proíbem a opressão em relação a estes, tudo indica "que o ger fosse
freqüentemente maltratado” (MACKENZIE, 1984, p. 311). Ger tem sentido de
hóspede temporário. Pois, sendo estranhos em si, eram suspeitos e
posteriormente, “no judaísmo, o termo estrangeiro se torna equivalente a pagão, um
adorador de deuses falsos (2Mc 10,2.5)” (MACKENZIE, 1984, p. 311). Assim sendo,
eram vistos como “idólatras” e altamente suspeitos de seduzirem pessoas aos seus
falsos deuses e profanarem o verdadeiro Deus de Israel. Tudo indica que tiveram
dificuldades para sobreviverem em Israel, que eram vistos como suspeitos e até
maltratados.
no Evangelho de Mateus, de um modo especial, no Juízo Final, é o próprio
Jesus quem vai se identificar com essa classe sofrida ao dizer: era estrangeiro e
me recebestes” (Mt 25,35). Nesse caso, “cuidar do xenos é cuidar do próprio Jesus
Cristo; a recusa da hospitalidade ao estrangeiro é excluir o próprio Jesus Cristo”
(BIETENHARD apud BROWN; COENEN, 2000, p. 747).
A comunidade de Mateus estava atenta a isto e aberta para receber qualquer
pessoa sem distinção. Essa “atitude da Igreja primitiva a respeito do estrangeiro foi
revolucionária, e o grande número de estrangeiros que aderiram à comunidade
superou depressa o mero dos membros judeus” (MACKENZIE, 1984, p. 312).
Todos eram ou deveriam ser amados como verdadeiros “irmãos” em Jesus. Pelo
que tudo indica, esta comunidade era inclusiva e adotou “uma práxis de misericórdia
indiscriminada [...] sem preocupar-se com limites éticos, sociais ou de gênero. [...]
por ter mulheres em papéis de liderança proeminentes, e em que escravos e livres,
pobres e ricos se misturavam eqüitativamente (CARTER, 2002, p. 76.79). Tudo
isso propiciou um ambiente favorável, onde os marginalizados, dentre eles os
101
estrangeiros, tinham vez e voz, procuravam construir uma comunidade solidária,
tendo, por base, o amor a Deus e ao próximo, contagiando muitas pessoas a
seguirem o cristianismo.
7.1.8 Pequeninos
A palavra evla,cistoj tem sentido de “pequenino”, “muito pequeno”, “o mínimo” e
a expressão tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn é traduzida, pela Bíblia de Jerusalém,
como “dos meus irmãos mais pequeninos”. Este termo aparece por volta de 14
vezes no N.T., sendo 5 vezes no Evangelho de Mateus: E tu, Belém, terra de Judá,
de modo algum és o menor entre os clãs de Judá” (Mt 2,6); Aquele, portanto, que
violar um só desses menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o
mesmo, será chamado o menor no Reino dos Céus” (Mt 5,19); ”Em verdade vos
digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o
fizestes” (Mt 25,40); Em verdade vos digo: cada vez que não fizestes a um destes
pequeninos, a mim não o fizestes” (Mt 25,45).
Termo semelhante a este é mikro,j, no sentido de “pequeno”, “pouco” e que, às
vezes, também é traduzido por pequeninos (Bíblia de Jerusalém e Pastoral), como é
o caso destas quatro passagens: E quem der, nem que seja um copo d’água fria a
um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo que não perderá
sua recompensa” (Mt 10,42). A Bíblia TEB traduz, nesta passagem e tamm em
18,4, a palavra mikrw/n por “pequeno”. No discurso comunitário de Mateus, há três
passagens que se utilizam de tal termo: “Caso alguém escandalize um destes
pequeninos que crêem em mim, [...]” (Mt 18,6); Não desprezeis nenhum desses
102
pequeninos, [...]” (Mt 18,10); Assim tamm, não é da vontade de vosso Pai, que
está nos céus, que um destes pequeninos se perca” (Mt 18,14).
Vale ressaltar que mesmo a Bíblia TEB, que segue uma tradução mais literal,
traduz mikrw/n por “pequeninos” em Mt 18,10.14.
Mesmo sendo termos semelhantes, no que se refere gramaticalmente em
grego, pode-se dizer que: evla,cistoj Îa±Ð( h( on, Sup. de evlacu,j, O próprio Léxico do
N.T. grego/português, p. 70, diz que este termo é usado como superlativo de mikro,j(
mikro,j( Adverbial usages, Adjetivo.
Ainda em relação à questão do significado de pequeno, deve-se ter, em
mente, que “a combinação de ‘pequeno, mas especial’ se fundamenta em uma
tradição da Bíblia hebraica que é interpretada para a comunidade mateana dos
discípulos de Jesus. As escrituras hebraicas atestam a tradição da eleição divina de
Israel precisamente porque era ‘o menor de todos os povos’” (CARTER, 2002, p.
51). Assim, no discurso de Moisés, há:
“Se Javé se afeiçoou a vocês e os escolheu, não é porque vocês são os mais
numerosos, entre todos os outros povos; pelo contrário, vocês são o menor de todos
os povos! Foi por amor a vocês e para manter a promessa que ele jurou aos
antepassados de vocês” (Dt 7,7-8a).
Outra dúvida que paira sobre estes pequeninos é se Jesus Cristo estava se
referindo aos discípulos e missionários ou a todos os pobres ou necessitados. Isto
porque, conforme foi escrito acima: "aquele que der um copo d’água a um destes
pequeninos, por ser meu discípulo” (Cf. Mt 10,42), fica evidente que são os
discípulos, uma vez que Jesus tinha ditoanteriormente: “Quem vos recebe, a mim
me recebe, e quem me recebe, recebe o que me enviou” (Mt 10,40). Todavia,
uma outra passagem que Jesus diz, onde tem o termo mikrw/n:
103
“E aquele que receber uma criança como esta por causa do
meu nome, recebe a mim. Caso alguém escandalize um destes
pequeninos que crêem em mim, melhor seria que lhe
pendurassem ao pescoço uma pesada e fosse precipitado
nas profundezas do mar” (Mt 18,5-6).
Assim, mesmo que seja uma das passagens que identificam o acolhimento
feito aos pequeninos com o acolhimento feito ao próprio Jesus, nada indica que as
crianças de que fala então Jesus sejam discípulos” (GOURGUES, 2004, p. 206). Ele
também descreve a questão da interpretação “restritiva” e interpretação
“universalista”. No que se refere ao julgamento, ele diz que tanto para ‘os
pequeninos’ como para ‘todas as nações’, a interpretação na linha universalista”
(GOURGUES, 2004, p. 206) é a mais correta. Diz tamm que “estritamente
falando, não é o termo ‘pequenos’ (mikroi) como tal que é utilizado em Mt 25,40 e
25,45, mas o superlativo ‘menores’ (elachistoi), que não se encontra alhures
aplicado a pessoas” (GOURGUES, 2004, p. 205). Não se pode pensar, de modo
restritivo, que os pequeninos se referem apenas aos discípulos ou missionários, mas
que estão na interpretação universalista, no sentido de serem todos os pobres e
necessitados. O mesmo afirma Joachim Jeremias (1976, p. 205) quando,
comentando Mt 25,40, diz: Por ‘irmãos’ não se entendem neste lugar os discípulos,
mas todo o oprimido e achado em necessidade”.
7.1.9 Benditos e malditos
A palavra euvloghme,noi (eulogew) está aqui colocada com o sentido de benditos,
abençoados, muito embora tenha significado de “falar bem de”, “louvar”. A
expressão eulogeo ocorre por volta de 450 vezes no A.T. e apenas 41 vezes no N.T.
104
a palavra kathrame,noi (kataraomai) está no sentido de amaldiçoar” e
“malditos”. Bênção e maldição estão, na maioria das vezes, interligadas. Isto fica
claro em diversas passagens do A.T., mas, em Deuteronômio, capítulo 28, fica ainda
mais evidente a questão da bêncão e maldição até mesmo como opção de vida:
“Portanto, se obedeceres de fato à voz de Iahweh teu Deus,
cuidando de pôr em prática todos os seus mandamentos que
eu hoje te ordeno, Iahweh teu Deus te fará superior a todas as
nações da terra. Estas são as bênçãos que virão sobre ti e te
atingirão, se obedeceres à voz de Iahweh teu Deus” (Dt 28,1-
2).
E depois seguem todas as bênçãos daqueles que obedecem aos
mandamentos e à voz de Javé. Por outro lado, este mesmo capítulo apresenta
também as maldições: “Todavia, se não obedeceres à voz de Iahweh teu Deus,
cuidando de pôr em prática todos os seus mandamentos e estatutos que hoje te
ordeno, todas estas maldições virão a ti e te atingirão” (Dt 28,15), seguindo tamm
uma relação imensa de maldições (Dt 28,16-46).
Pode-se dizer que “este capítulo é a seqüência de 26,16-19; 27,9-10, em que
o Código Deuteronômico fora apresentado como o documento do tratado entre
Iahweh e Israel. Este documento termina com bênçãos e maldições, como os
tratados orientais” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002, p. 291).
O que fica nítido, na questão de bênção e maldição, é que a própria pessoa
tem liberdade em escolher um ou outro caminho. No capítulo 30 do livro de
Deuteronômio, percebe-se tal opção a ponto de Iahweh dizer: Hoje tomo o céu e a
terra como testemunhas contra vós: eu te propus a vida ou a morte, a nção ou a
maldição” (Dt 30,19).
105
“O abençoar originalmente significava uma força benéfica que uma pessoa
podia transmitir a outra, e que ficava em contraste com o poder destrutivo do
amaldiçoar” (LINK apud BROWN; COENEN, 2000, p. 209).
No A.T., estas palavras são muito utilizadas. no N.T., nem tanto, 41 vezes
a palavra euvloghme,noi (eulogew) e apenas 5 vezes a palavra kathrame,noi (kataraomai).
Em Mateus, que é o objeto direto deste estudo, a palavra bênção aparece 5 vezes:
Na multiplicação dos pães, onde Jesus “tomou os cinco es e os dois peixes,
elevou os olhos ao céu e pronunciou a bênção” (14,19); Hosana ao Filho de Davi!
Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus! (21,9);
“Bendito aquele que vem em nome do Senhor!” (23,39); “Então dirá o rei aos que
estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino
preparado para vós desde a fundação do mundo(25,34); “Enquanto comiam, Jesus
tomou um pão e, tendo-o abençoado, partiu-o, distribuindo-o aos discípulos (26,26).
a palavra maldição aparece uma única vez no Evangelho de Mateus e
exatamente no Juízo Final: “Em seguida, dirá aos que estiverem à sua esquerda:
‘Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os
seus anjos [...]” (25,41).
Malditos aparece ainda em 4 outras passagens do N.T.: “Pedro se lembrou e
disse-lhe: ‘Rabi, olha a figueira que amaldiçoaste: secou’” (Mc 11,21); Bendizei os
que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam(Lc 6,28); “Abençoai os que
vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis” (Rm 12,14) e, falando sobre a questão
da língua, Tiago diz: “Com ela bendizemos ao Senhor, nosso Pai, e com ela
maldizemos os homens feitos à semelhança de Deus” (Tg 3,9).
Jesus é exigente ao pedir a seus discípulos e a todos os cristãos para
abençoar (bendizer) os que lhes amaldiçoam e rezar por aqueles que os difamam
106
(Cf. Lc 6,28). Agora, o que Mateus escreve neste sentido, usando outras palavras, é:
“Eu, porém vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem(Mt
5,44).
Ainda sobre a maldição, Jesus mostra que esta “torna evidente a finalidade do
julgamento divino. Os malditos, kateramenoi (Mt 25:41), são os pecadores que são
condenados no juízo final” (MUNDLE apud BROWN; COENEN, 2000, p. 105).
A título de conclusão entre bênção e maldição, pode-se dizer que: “aboliu-se
a oposição entre o abençoar e o amaldiçoar. Já que Cristo tomou sobre Si a
maldição (Gl 3,13) [...] os cristãos podem unicamente ser exortados a abençoar, sem
reservas (Rm 12,14)” (LINK apud BROWN; COENEN, 2000, p. 217). “A igreja de
Cristo e os cristãos individuais já não precisam de amaldiçoar pessoa alguma, pois a
obra de Cristo é eficaz tamm para Seus inimigos” (WESTERMANN apud BROWN;
COENEN, 2000, p. 217).
7.1.10 Castigo eterno
A expressão ko,lasin aivw,nion (castigo eterno ou punição eterna) é um pouco
complicada para definir, com precisão, seu significado. Em primeiro lugar, a palavra
castigo ocorre apenas 4 vezes no N.T., sendo 2 vezes como verbo: “Então,
insistindo em suas ameaças, deixaram Pedro e João em liberdade, já que não
tinham meio de castigá-los, por causa do povo” (At 4,21); Isso tudo mostra que o
Senhor sabe libertar da prova aqueles que o servem, e reserva os ímpios para o
castigo no dia do julgamento” (2 Pd 2,9).
Como substantivo, tamm duas passagens: “No amor não existe medo;
pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo” (1
107
Jo 4,18); “Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a
vida eterna” (Mt 25,46).
A expressão ko,lasin aivw,nion (castigo eterno) aparece uma vez e no texto
sobre o Juízo Final, muito embora se possa afirmar também que a palavra castigo,
em 2 Pd 2,9, “tem relevância teológica, pois refere-se ao castigo divino sobre os
injustos” (ZABATIERO apud BROWN; COENEN, 2000, p. 313). Fica difícil decidir
seu exato significado, uma vez que, no A.T., é utilizada poucas vezes e ocorre
principalmente nos livros não-canônicos e é utilizada “particularmente para a punição
dos ímpios, idólatras e, especialmente dos egípcios” (ZABATIERO apud BROWN;
COENEN, 2000, p. 313).
“O Senhor não age conosco como faz com os outros povos, esperando
pacientemente o tempo de castigá-los, até que os pecados deles cheguem ao
máximo” (2 Mc 6,14). Tamm essa passagem de Mateus sobre castigo eterno e
vida eterna está relacionada com uma passagem do A.T. do livro de Daniel. “Ela faz
parte de uma descrição (Dn 11,40—12,10) que se refere ao ‘tempo do fim(11,40).
Dn 12,2 fala em particular da retribuição final, colocando em contraste, como o faz
também Mt 25,46, o destino dos justos e dos pecadores” (GOURGUES, 2004, p.
206): E muitos dos que dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna
e outros para o opróbrio, para o horror eterno” (Dn 12,2).
Mateus também descreve o destino dos justos e dos injustos: “E irão estes
para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna” (Mt 25,46).
Mais duas passagens bíblicas comentam este tema: “É desejável passar para
a outra vida às mãos dos homens, tendo da parte de Deus as esperanças de ser um
dia ressuscitado por ele. Mas para ti, ao contrário, não haveressurreição para a
vida!” (2 Mc 7,14); “Não vos admireis com isto: vem a hora em que todos os que
108
repousam nos sepulcros ouvirão sua voz e sairão; os que tiverem feito o bem, para
uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de
julgamento” (Jo 5,28-29).
A Bíblia de Jerusalém (2002, p. 1736), ao comentar o significado de geena de
fogo, diz que é o “nome de um vale de Jerusalém, profanado outrora pelos
sacrifícios de crianças (Lv 18,21+), veio a designar mais tarde o lugar maldito
reservado para o castigo dos maus, o nosso ‘inferno’”.
relação entre castigo eterno e inferno? O que temos, de modo geral, na
Bíblia e o que atualmente diz a escatologia? Evidentemente que a discussão
teológica, quase interminável e sem uma definição consensual, o faz parte deste
trabalho, por não ser seu objetivo principal. Apenas situar que:
Scheol é o termo hebraico para caracterizar o “mundo dos
mortos”, que se encontra embaixo na terra e que abriga
indistintamente todas as pessoas mortas sejam boas ou más.
[...] Traduz-se scheol com a palavra grega hádes que no
português é traduzido por ‘inferno’ (Mt 11,23; 16,18). [...] o
hádes é, após a morte, o lugar do descanso e da paz
temporários para as pessoas que crêem em Deus; para os
ímpios, no entanto, até o juízo final, ele é o lugar do castigo
temporário; para outras correntes rabínicas, por causa de fé na
imortalidade da alma, o hádes passou a não significar mais
nada para as pessoas que crêem em Deus, visto que suas
almas passam logo após a morte para a felicidade e glória
celestiais” (R. REIMER, 2000, p. 63-4).
A terminologia hádes foi herdada do judaísmo. Também um outro conceito
ligado ao inferno é a palavra geena que começou a ser utilizada por volta do século
II a.C., dentro da literatura apocalíptica judaica (Mt 5,22.29.30; 10,28; 18,9;
23,15.33). Trata-se do Vale de Hinom (gehimom), ao sul de Jerusalém, por ser um
109
local, onde os reis Acaz e Manassés sacrificaram seus filhos ao deus Moloque (Js
15,8; 2 Rs 16,3; 21,6). Com isto, segundo R. Reimer (2000, p. 66).
“A ‘fornalha’ que está em Jerusalém refere-se a essa prática
do sacrifício, durante a qual se tocavam mbalos para abafar
os gritos das crianças sacrificadas, para que não fossem
ouvidos pelo povo. Fogo e barulho de címbalos evocam a
lembrança desse sacrifício, da matança de meninos e
meninas. Isto é o ‘inferno’”. Para esta autora o Vale do Hinom
tornou-se “símbolo para o inferno de fogo após o juízo final”.
Com o passar do tempo, essa concepção conhece evidentemente uma outra
compreensão, onde se começa a noção sobre a ressurreição. Isto fica muito claro
em 2 Mc, capítulo 7, que descreve o testemunho dos mártires, onde há esta
passagem: Você, bandido, nos tira desta vida presente, mas o rei do mundo nos
fará resuscitar para uma ressurreição eterna de vida, a s que morremos pelas leis
dele” (2 Mc 7,9). Também Daniel, em 12,2, diz sobre a ressurreição dos justos para
a vida eterna e os ímpios para um castigo eterno. O sheol aparece, então, aí, como
mansão infernal destinada aos ímpios para castigo eterno” (LIBÂNIO; BINGEMER,
1994, p. 254).
No N.T., Jesus tamm vai se referir sobre a questão da ressurreição, da vida
eterna e até mesmo sobre a possibilidade de um castigo eterno. Dentre estas
passagens, destacam-se: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem
matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena(Mt
10,28); “O Filho do Homem enviará seus anjos e eles apanharão do seu Reino todos
os escândalos e os que praticam a iniqüidade e os lançarão na fornalha ardente. Ali
haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13,41-42); “E irão estes para o castigo eterno,
enquanto os justos irão para a vida eterna” (Mt 25,46).
110
Mas o que vem a ser o inferno?
Lendo diversas definições e concepções, uma se destacou:
10
(INFERNO)
É o próprio homem quem condena a si mesmo!
Hoje, as declarações tradicionais são rejeitadas por muitos teólogos e muitos
fiéis.
a. Está claro que não se pode tratar de lugar ou de fogo;
b. Critica-se com todo direito que o conceito de inferno foi usado como meio
de ameaça, provocando medo em vez de amor;
c. Mostra-se a contradição entre a “condenação” eterna para a morte e o
Deus de vida que ama os homens;
d. Mostra-se que as declarações de Jesus sobre o inferno devem ser
compreendidas dentro do contexto apocalíptico (V. Walle).
(H. Vorgrimler)
10
Esta concepção do que vem a ser o inferno foi desenvolvida por Renold J. Blank em seu livro:
Escatologia da Pessoa, em sua página 261. Participei de um curso sobre escatologia com Blank e
devo dizer que foram surpreendentes suas concepções sobre a ressurreição, juízo final, purgatório,
céu e, principalmente, sobre o inferno.
“(Jesus) usava palavras
conhecidas como ‘inferno’,
‘perdição eterna’ não para
formular uma doutrina sobre esses
temas, mas sim para acentuar... o
caráter definitivo de seu
aparecimento... a última
oportunidade para nova opção de
vida”.
“Toda a Bíblia é escrita em
linguagem apelativa e executiva.
Isto significa uma linguagem que
recorre a nós, uma linguagem
que pretende mudar algo dentro
de s e que nos exorta à
conversão... Tamm em suas
palavras, Jesus não
informações sobre o inferno... diz
que existe a possibilidade de
falhar no próprio destino.”
111
7.1.11 Vida eterna
A expressão zwh.n aivw,nion (vida eterna) “corresponde ao significado básico de
aiõn, ‘duração da vida’, conforme é definido pelo A.T., deve ser entendida
primariamente como sendo a vida que pertence a Deus” (GUHRT apud BROWN;
COENEN, 2000, p. 2458).
A morte era concebida pelos israelitas do A.T. como um fim em si mesma. Em
outros termos, era inconcebível uma outra vida além da morte, ou, para ficar ainda
mais claro: a morte era o fim de tudo. Os mortos o reviverão, as sombras não
ressurgirão” (Is 26,14).
A concepção que tinham da vida é que esta era um sopro de Deus. “Em Gn
2,7 o homem torna-se um ser vivo quando Iahweh sopra em suas narinas. É uma
concepção generalizada no A.T. a de que a vida perdura enquanto o homem possui
o espírito, o sopro que lhe foi insuflado por Iahweh” (MACKENZIE, 1984, p. 961), ou
seja, a vida teria um certo tempo de duração, conforme o sopro e o espírito que
Iahweh, de acordo com sua vontade, tinha estabelecido, findo este, a vida terminava
para sempre, não haveria qualquer outra chance de vida, a morte era o fim da vida e
não haveria outra vida, am desta passageira.
Todavia, deve ficar claro que “O AT não conhece nenhuma vida depois da
morte até seus últimos livros; quando a idéia surgia, podia ser concebida como
uma restauração ou restabelecimento da vida que os hebreus conheciam como uma
ressurreição do corpo” (MACKENZIE, 1984, p. 960).
Conforme se sabe pela história, Alexandre conquista a Palestina e o povo de
Israel fica sob o domínio grego, por volta do ano 333 a.C. Começa, então, com o
112
passar do tempo, uma certa concepção da existência de uma outra vida após a
morte, de certa maneira influenciada pela cultura grega. Assim, livros, como o de
Daniel e 2 Macabeus, onde aparece claramente a noção de uma vida, além da
morte. “A partir do livro de Daniel, ‘vida eterna’ é uma expressão para as bênçãos
escatológicas da salvação, há muito desejadas, a vida na era do porvir” (GUHRT
apud BROWN; COENEN, 2000, p. 2458). Ele diz: “E muitos dos que dormem no solo
poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror
eterno” (Dn 12,2). Em 2 Macabeus, no episódio do testemunho dos mártires, há,
ainda, com mais precisão, a noção de uma outra vida além da morte: “Você,
bandido, nos tira desta vida presente, mas o rei do mundo nos fará ressuscitar para
uma ressurreição eterna de vida, a s que agora morremos pelas leis dele” (2 Mc
7,9) e “Vale a pena morrer pela mão dos homens, quando se espera que o próprio
Deus nos ressuscite. Para você, porém, o haverá ressurreição para a vida” (2 Mc
7,14).
no N.T., Jesus se refere à vida eterna com um significado um pouco
diferente, onde ele mesmo diz: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em
mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e acredita em mim, não
morrerá para sempre” (Jo 11,25-26). No episódio com os saduceus, Jesus deixa
claro que, “na ressurreição, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão
como os anjos do céu” (Mt 22,30). Com isto, pode se afirmar que “A vida assim
obtida é especificada como vida eterna no mundo que virá e, portanto, ultrapassa a
concepção do AT de vida como experiência de plenitude de vitalidade numa
existência moralmente íntegra” (MACKENZIE, 1984, p. 962). Também, no Evangelho
de Mateus, há o episódio do Jovem Rico, onde este pergunta a Jesus o que deve
fazer de bom para possuir a vida eterna. Jesus responde que ele deve cumprir os
113
mandamentos, e ele diz que os cumpre e pergunta o que ainda lhe falta. entra
a exigência de Jesus:
“Se queres ser perfeito. Ser perfeito é um sinônimo para ‘ter
vida eterna’ (19,16) e ‘entrar na vida’ (19,17). É imitar Deus em
um amor indiscriminado que beneficia o outro (5,43-48). Ele
deve fazer quatro coisas: 1. Vai [...], 2. Vende tuas posses
[...], 3. aos pobres[...], 4. Vem, segue-me [...]” (CARTER,
2002, p. 489-90).
Com isto, fica evidente que “ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou
odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não
podem servir a Deus e às riquezas” (Mt 6,24). Como pode alguém dizer que é cristão
se acumula bens materiais para si e o partilha nada com os que mais
necessitam? O Jovem Rico é chamado a escolher entre a riqueza, como o seu
senhor, ou a Deus, como o seu senhor. No caso, se vendesse seus bens,
distribuísse o dinheiro com os pobres e seguisse Jesus, isto seria uma prova de que
Deus ocupava o primeiro lugar em seu coração e não as riquezas. Se ele fez isto
posteriormente, não sabemos, o texto diz que, “quando ouviu isso, o jovem foi
embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mt 19,22).
Em João,
“a vida eterna se alcança pela em Jesus Cristo (Jo
3,15.36;20,31), e pela observância dos mandamentos de Deus
(Jo 12,50). A vida eterna é conservada pelo amor fraterno (1Jo
3,14s). [...] Jesus é a ressurreição e a vida, e aqueles que
crêem nele vivem para sempre, mesmo que morram
(MACKENZIE, 1984, p. 963).
Paulo também escreve sobre a vida eterna. Ele é muito preciso em seus
ensinamentos e diz:
“se os mortos não ressuscitam, Cristo também não ressuscitou.
E se Cristo não ressuscitou, a que vocês m é ilusória e
114
vocês ainda estão nos seus pecados. E desse modo, aqueles
que morreram em Cristo estão perdidos. Se a nossa esperança
em Cristo é somente para esta vida, nós somos os mais
infelizes de todos os homens” (1 Cor 15,16-19).
Ainda, na seqüência deste capítulo, Paulo vai explicar como é que os mortos
ressuscitam, utilizando o exemplo de uma planta (Cf. 1 Cor 15,35ss). Assim, pode-se
dizer que
“Deus a vida eterna aos que perseveram nas boas obras
(Rm 6,23); é fruto da santidade (Rm 6,22). [...] A vida eterna,
nos escritos paulinos, não é simplesmente a vida do mundo
que há de vir; ela se torna desde uma realidade presente,
que começa no batismo (Rm 6,4)” (MACKENZIE, 1984, p. 962).
Quanto ao castigo eterno, tem a ver com o que é chamado de “inferno” e,
agora, tamm pode ser dito que, quanto à vida eterna, vem, à mente, a questão do
“céu”. Evidentemente, uma discussão interminável do que vem a ser o céu”
nesta ou naquela concepção teológica, mas isto não é objeto deste estudo. De
acordo com o esquema de Blank (2000, p. 288):
“Céu = Vida
Céu = Plenitude da vida
Céu = Plenificação e intensificação máxima da vida da pessoa
Céu = Realização de todas as potencialidades da pessoa
Céu = Ser pessoa plena
Céu = Viver Pleno”
O que se pode dizer é que
“O céu da cristã não é, portanto, um ‘além extramundano ou
metafísico. Não é lugar ao qual se chega, do lado de lá da
história, mas processo histórico que, sendo graça absoluta
d’Aquele que é fonte de toda graça, é tamm gestado e tecido
na trama concreta das lutas, ‘angústias e esperanças’ daquele
115
que, em sua vida, luta e constrói o Reino de Deus” (LIBÂNIO;
BINGEMER, 1994, p. 278).
Para finalizar, pode definir-se que o céu reflete todas as situações onde
acontece a vontade de Deus, onde se manifesta a proximidade de Deus” (R.
REIMER, 2000, p. 70).
Feita a análise semântica das palavras-chave deste texto e seus significados,
pode-se dizer que o texto gira em torno deste eixo: os versículos que estão entre
parênteses ( ) se referem aos vocábulos que não estão escritos, mas subentendidos.
* fome/comer: evpei,nasa fagei/n vv. 35.37 42.44(44)
* sede/beber: evdi,yhsa evpoti,sate vv. 35.37 42.44(44)
* estrangeiro/receber: xe,noj sunhga,gete, vv. 35.38 43.44(44)
* nu/vestistes: gumno.j perieba,lete vv. 36.38 43.44(44)
* doente/visitastes: hvsqe,nhsa evpeske,yasqe vv. 36.39(39) 43(43).44(44)
* preso/ver-me. fulakh/|. h;lqate pro,j meã vv. 36.39 43.44(44)
Não se pode deixar de ressaltar que, nos vv. 40 e 45, Jesus deixa claro a
importância destas obras ao dizer: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a
um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (ou não fizestes - v. 45).
Muito embora o texto gire em torno desse eixo de oposições, classificado
como sentença positiva e sentença negativa, não se pode esconder que estas estão
em vista de um julgamento, onde se tem uma sentença final do Juiz. Neste caso, o
quadrilátero semiótico, colocado na estrutura deste trabalho, ajuda a visualizar
melhor esta questão.
Vocábulos
Sentença
Positiva
Sentença
Negativa
116
Observação: flechas verticais: indicam pressuposição dos elementos;
flechas entrecruzadas: indicam os elementos contraditórios.
Feita a análise semântica e o quadrilátero semiótico que, sem dúvida, são
fundamentais para uma correta compreensão do significado do Juízo Final, faz-se
necessário abordar a questão de alguns elementos sociais mais importantes que
aparecem neste texto.
7.2 Elementos Sociais de Mateus 25,31-46
Para estudar um texto e compreendê-lo, é necessário se estar atento ao seu
contexto econômico, político, social, cultural, religioso e ideológico. O texto do Juízo
Final traz, em si, algumas palavras importantes que permitem entender seu contexto
social.
Vida eterna Castigo eterno
Os que
praticaram as
obras de justiça
e misericórdia
para com os
pequeninos
Os que não
praticaram as
obras de justiça
e misericórdia
para com os
pequeninos
117
7.2.1 Político-social
A política e a sociedade, na época dos escritos de Mateus e até os dias de
hoje, estão intimamente ligadas. Uma decisão política interfere diretamente na
sociedade. Algumas palavras que transparecem neste texto de Mateus e neste
sentido:
Trono da sua glória/rei: trono lembra a questão da política da época, onde os
reis se sentavam para governarem e julgarem; glória lembra o poder e a majestade.
Ora, se um rei, supõe-se que este tenha sua equipe de governo que constituía a
elite da época, enquanto tamm os súditos, representando, de um modo geral,
todo o povo. Embora houvesse, nesta sociedade, homens livres e escravos, patrões
e empregados, comerciantes, latifundiários, artesãos, nobres, elite religiosa,
miseráveis e muitas outras categorias.
Pastor: uma profissão muito conhecida e comum na época de Jesus,
principalmente, na Palestina e no mundo grego, além de muitas outras regiões. Os
pastores representavam os pobres e, de uma certa forma, aqueles que eram
excluídos da sociedade.
Reino/mundo: lembra reinado no sentido político e presente em determinadas
sociedades. O reinado do mundo se preocupa com o poder, o domínio, comete
injustiça, cobra impostos e faz de seus governados súditos. O reino, no sentido do
texto, refere-se ao reinado de Deus, tanto aqui no mundo, como em relação
escatológica. Neste caso, o reinado é do amor, da justiça e da paz, onde todos o
filhos queridos e amados (não súditos).
118
Os que têm fome/Os que têm sede/Os que são estrangeiros/Os que estão
nus/Os que estão doentes/Os que estão presos: constituem categorias sociais e
vítimas de uma política excludente; uma maioria que não tinha nem vez e nem voz
na sociedade de sua época, como na sociedade de hoje também; eram lesados em
seus direitos, marginalizados e vistos como uma mão-de-obra barata”. Estes
pobres eram vistos como um peso para a sociedade. Os estrangeiros não tinham
cidadania, poderiam tornar-se escravos, não tinham qualquer direito social. Os
doentes eram considerados inúteis e inválidos, um problema para a sociedade. Os
presos lembram um sistema judiciário que privilegiava os ricos, um direito ineficiente,
vítimas de um sistema político.
Irmãos mais pequeninos: aqueles que mais necessitam de solidariedade.
Neles, está presente o próprio Jesus. Quem faz a eles as obras de caridade faz ao
próprio Jesus. As obras de justiça e misericórdia a eles são a razão de ser e o
critério fundamental de todo o julgamento.
Ímpios (os da esquerda): são os que não praticam as obras de solidariedade
para com os mais necessitados, são apegados aos seus bens e ligados ao esquema
de poder que domina e oprime.
Justos (os da direita): são os que praticam as obras de solidariedade para
com os mais necessitados, partilham os seus bens, vivem no amor e buscam a vida,
a liberdade e a dignidade de todos os homens, principalmente, dos mais pobres.
7.2.2 Econômico
119
Como sempre, o fator econômico é o eixo principal e o motor que move toda a
sociedade. Muitos termos escondem, dentro de si, uma conotação econômica. De
modo geral, neste texto de Mateus, há:
Trono da sua glória/rei: trono lembra reinado, poder, rei; glória está ligada ao
poder e majestade. Uma terminologia econômica: ricos x pobres. É evidente que,
numa sociedade, onde ricos, quase que, como conseqüência, haverá tamm
pobres. Poucos ricos e muitos pobres. Não era diferente no Império Romano e na
sociedade de hoje, onde uns esbanjam, outros ficam na miséria. É o contraste social
no que se refere ao fator econômico.
Pastor: por detrás de um pastor que cuida do rebanho, muitas vezes há um
latifundiário. o patrão e o empregado. Era uma das principais profissões da
época, principalmente na região da Palestina, devido à quantidade de rebanhos.
Ovelhas e Cabras: animais importantíssimos na economia da época, tanto
pelo leite, como pela carne, além da lã das ovelhas. O rebanho misto era muito
comum na Palestina e no mundo grego. O rebanho tamm era responsável para
que os pastores tivessem trabalho e meio de subsistência.
Fome/comer; sede/beber; estrangeiro/receber; nu/vestir; doente/visitar;
preso/ver: tudo isso expressa claramente uma realidade econômica e a confirmação
de uma sociedade dividida entre ricos e pobres; expressa a mais clara exploração e
opressão. Muitas doeas são frutos de uma falta de alimentação adequada ou falta
de recursos para obter um tratamento médico digno. Presos podem expressar os
pobres que não conseguem ter acesso ao direito e justiça dos tribunais. Sem contar
que ricos pagavam para não serem presos, como muitos fazem ainda hoje.
Estrangeiros, de um modo geral, eram pobres e viviam à margem da sociedade. Os
120
que tinham fome, sede e estavam nus expressavam a população pobre e sem os
recursos mínimos para que se tivessem uma vida digna.
7.2.3 Religioso
Neste texto, é possível perceber vários aspectos religiosos. Quem executa o
julgamento é o Filho do Homem/rei/pastor/senhor/Jesus. Todo julgamento supõe
uma dimensão escatológica, muito embora aconteçam, no mundo, as obras de
misericórdia aos mais pequeninos, onde o próprio Jesus está presente em cada um
deles.
Filho do Homem: um vocábulo de grande significação religiosa. neste
texto, ele aparece tendo, por base, um ser celestial (v. 31) presente no livro do
profeta Daniel (7,13-14). Depois, é comparado a um pastor (v. 32), onde Deus
mesmo é o pastor, e o povo o seu rebanho. Aqui, entra a tradição do profeta
Ezequiel (34) e do próprio Evangelho de São João (10), onde Jesus diz: Eu sou o
bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem”
(10,14). Depois, assume o papel de um rei (vv. 34, 40...) não político, mas do amor e
do serviço. É chamado de Senhor (vv. 37, 44) e vai dizer: Vinde benditos de meu
Pai” (v. 34), o que o revela como o próprio Jesus. Este Jesus se revela como
presente nos “mais pequeninos”. Ele é o Juiz que dá a sentença final (v. 46).
Trono de sua glória: trono de Deus. Deus é rei e reina no amor e na justiça. É
o único rei da terra, do céu e do mar. A glória deve ser dada só a Deus.
Anjos: mensageiros celestes. São eles que vão separar os maus dos justos,
na parábola do joio e do trigo (Mt 13,24-30.36-43) e na parábola da rede e dos
121
peixes (Mt 13,47-50). No texto desta exegese, é o próprio Jesus que separará os
homens uns dos outros, os da direita (justos) e os da esquerda (ímpios) (?).
Benditos de meu Pai: os que estão à direita e que praticam as obras de
misericórdia e justiça em relação aos mais pequeninos” são abençoados. A
expressão “de meu Pai revela que é Jesus que está sendo responsável pelo
julgamento.
Os meus irmãos mais pequeninos: são os que têm fome, m sede, são
estrangeiros, estão nus, doentes e presos. O rei/Jesus está presente em cada um
deles. Aqui está o grande segredo do texto, que surpreende a todos os envolvidos,
pois é o próprio Jesus que vai dizer: Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes
a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (v. 40) ou “a mim não
o fizestes” (v. 45). É Jesus que se identifica, está presente e se revela nos mais
pequeninos”, e isto é maravilhoso e divino.
Justos: o aqueles que vivem de acordo com a vontade de Deus. No texto,
são todos os que estão à direita e praticam as obras de justiça e misericórdia aos
mais pequeninos. Terão, por recompensa, a vida eterna.
Malditos: são os que estão à esquerda e que não praticam as obras de
misericórdia aos mais pequeninos. São amaldiçoados e irão para o castigo eterno.
Diabo e seus anjos: são todos aqueles que o “adversários” do plano de
Deus, que é vida, felicidade e paz para todos. São os que praticam o mal e o
contrários aos desígnios de Deus.
Castigo eterno: reservado para todos os que praticam o mal. Em Daniel 12,2,
fala sobre a ressurreição dos justos para a vida eterna e dos ímpios para um castigo
eterno. “O sheol aparece, então, aí, como mansão infernal destinada aos ímpios
para castigo eterno” (LIBÂNIO; BINGEMER, 1994, p. 254). No texto, Jesus diz que
122
são os “malditos” que estão à esquerda e que não praticam as obras de misericórdia
aos mais pequeninos.
Vida eterna: esta expressão “corresponde ao significado básico de aiõn,
‘duração da vida’, conforme é definido pelo AT, deve ser entendida primariamente
como sendo a vida que pertence a Deus” (GUHRT apud BROWN; COENEN, 2000,
p. 2458). Jesus refere-se, várias vezes, como sendo a ressurreição e a vida: “Eu sou
a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, mesmo que morra, viverá” (Jo
11,25), ou “todo homem que o Filho e nele acredita, tenha a vida eterna, e eu o
ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40). No texto, os justos que praticam as obras de
justiça para com os mais pequeninos irão para a vida eterna.
7.2.4 Ideológico
A ideologia reinante na época era que os ricos eram abençoados por Deus e
os pobres, amaldiçoados e pecadores, abandonados à sua própria sorte. era
“bendito” e feliz quem possuía dinheiro, que dominava e tinha poder. Os pobres,
neste sentido, erammalditos” e excluídos de uma vida digna na sociedade.
Incrivelmente, Jesus vai inverter essa ideologia. O giro vai ser de cento e
oitenta graus. Para ser ainda mais exato: os “benditos” são aqueles que ajudam os
pobres, e é nestes, nos pequeninos”, que o rei, isto mesmo, o rei se identifica e se
torna um deles. Inconcebível: um rei igual aos seus súditos pobres e miseráveis?
Por outro lado, os “malditos” são todos aqueles quem bens materiais e riquezas e
não partilham ou o fazem as obras de misericórdia aos mais “pequeninos”. Os
valores vigentes são completamente invertidos.
123
Por outro lado, no julgamento dos homens, no tribunal, os ricos tinham vez
e voz. O direito e a justiça estavam ao lado dos que detinham o poder e possuíam
riquezas. Agora, no julgamento divino, os pobres têm voz e vez, são queridos e
amados por Deus e o possuir a felicidade eterna ou a vida eterna, enquanto que
os que colocaram suas vidas no dinheiro, no poder, no egoísmo e na ganância vão
para o castigo eterno.
Quem esperava por um “Messias” ou um ungido (Cristo) em grego, triunfante,
com poder e majestade, vindo do céu em carruagem de ouro, surpreende-se
totalmente com um “Filho do Homem que é rei, mas um rei que está ao lado dos
pobres e abandonados, um Senhor que se faz pequeno e diz: “Em verdade vos digo:
cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o
fizestes” (40).
A ideologia da superioridade de Israel, como um povo escolhido por Deus e
de raça “pura” e que todos os outros povos eram considerados como “impuros” e
“pagãos”, tamm vai por terra. Na verdade, todas as nações” serão julgadas pela
prática ou não das obras de caridade e misericórdia aos mais “pequeninos”, inclusive
os judeus. Muito mais do que no templo, nos sumos sacerdotes e nas suas leis,
Deus se faz presente nos pobres e pequenos.
Até agora, foi feito, nesta análise de conteúdo, o que está escrito e como
entender o texto. O que implica este texto vai ser o objeto de estudo na análise do
conteúdo de cada bloco, dando ênfase a cada versículo e a sua interpretação e
implicação teológica.
7.3 O que implica este Texto?
124
A implicação deste texto seobjeto de estudo na análise do conteúdo de
cada bloco, dando ênfase a cada versículo e a sua interpretação e àquilo que ele
quer dizer.
31. E quando vier o Filho do Homem em sua glória, e todos os anjos com ele,
então se assentará sobre o trono da sua glória.
Este versículo utiliza uma linguagem apocalíptica, o que implica em dizer que
era urgente a questão abordada. Mateus vai utilizar a figura do “Filho do Homem de
Daniel 7,13. Era um tipo de linguagem que despertava admiração, espanto e uma
reflexão maior nos ouvintes por ter rios símbolos, figuras e falar sobre as coisas
futuras ou escatológicas.
O termo 'Filho do Homem' o é usado novamente na passagem, mas é
substituído por 'rei' (vv. 34,40), é possível que a figura do rei fosse original, e 'Filho
do Homem' uma adaptação Cristã” (BEARE, 1987, p. 493). Por outro lado, como
Jesus utilizou muito a expressão Filho do Homem”, só no Evangelho de Mateus por
volta de 31 vezes, atribuindo este título a si mesmo, fica evidente que ele é quem é o
Juiz no julgamento final. Vale dizer que, nas passagens que envolvem
escatologia (Mt 24—26), este termo aparece 12 vezes. Jesus é o Senhor e Juiz.
Assim Quando o Filho do Homem vier: Esta parusia cuja motivação é a de chamar
os justos ao prêmio ‘eterno’ e de consignar o castigo ‘eterno’ aos ímpios”
(LANCELLOTTI, 1981, p. 341).
32. E reunir-se-ão diante dele todas as nações, e ele separará uns dos outros,
assim como o pastor separa as ovelhas das cabras.
Neste versículo, duas realidades distintas: v. 32a se refere ainda à vinda
do “Filho do Homem no julgamento, onde todas as nações serão reunidas diante
dele, e a partir do v. 32b até o v. 33 se refere à “parábola das ovelhas e cabritos”.
125
A questão de todas as nações já foi discutida de modo específico na análise
semântica. Apenas situar que este versículo implica dizer que o julgamento é
universal. Vários autores confirmam isto, dentre eles: Pierre Bonnard (1976, p. 546)
que diz: “Sus funciones se ejercen sobre la humanidad entera (las naciones) y no
solo sobre el pueblo elegido”. David E. Garland (1993, p. 242-3):
“Em Mateus, 'todas as nações' (25:32) nunca é usado para se
referir aos membros da igreja mas às nações que os discípulos
Cristãos estão para evangelizar (24:9,14; 28:19). A parábola
assume que a ordem era proclamar o evangelho do reino ao
mundo inteiro (24:14; veja 26:12 (sic); 28:19)”
11
.
Já Daniel J. Harrington (1991, p. 356), diz: "A frase em Grego panta ta ethnë é
usualmente traduzida como 'todas as nações' (incluindo Israel)”. Outra implicação
deste versículo, em particular, é que “La reunión de todos los pueblos ante el tribunal
del Hijo del hombre presupone también la resurrección de los muertos” (SCHMID,
1973, p. 507). E que A expectativa de uma ressurreição de todos os homens por
julgamento é implícita” (M'NEILE, 1955, p. 368).
Em relação à figura do pastor, somente dizer que: “apenas o olhar do pastor
pode discernir verdadeiramente aquilo que cada um é, porque é sempre em relação
a si mesmo que se revela a realidade mais profunda do homem (RADERMAKERS,
1974, p. 313).
33. E colocará as ovelhas à sua direita e as cabras à sua esquerda.
Este versículo diz respeito ao julgamento e à separação das pessoas, uns do
lado direito, que era um lugar de honra e bênção, como já foi visto, e outros do lado
esquerdo, visto como negativo ou amaldiçoado. A bíblia vulgata o traduz como:
11
Foi colocado logo após o versículo 26:12 (sic) pois é assim que está no texto. Todavia, olhando
esta passagem em várias bíblias, ela se encontra no v. 26,13, inclusive na Bíblia em Grego de Nestle-
Aland.
126
“Colocará as ovelhas à sua direita, e os cabritos, porém, à esquerda” (BIBLIA
SACRA, 1953, p. 1301)
12
.
34. Então dirá o rei aos da sua direita: Vinde, benditos do meu Pai, herdai o
reino preparado para vós desde a criação do mundo.
Aqui, a figura de um rei (o Filho do Homem do v. 31). Rei é aquele que
julga com justiça, onde deve prevalecer a verdade, ou deveria ser, pelo menos, na
concepção dos orientais. Isto, como se sabe, ficava muito na teoria, mas, na prática,
a realidade era outra. Contudo, o julgamento que se faz é que o rei é justo, pois é o
próprio Jesus quem vai julgar. Ele começa dizendo que os que estão à direita são
“benditos” e vão herdar, tomar posse do reino preparado por Deus.
Como este texto se refere ao julgamento, haverá, a partir de agora, dois
blocos com o mesmo esquema: 34-40 e 41-45. O primeiro se refere à sentença
positiva e o segundo, à sentença negativa, no que diz respeito às obras de
misericórdia e justiça. K. Berger (1998, p. 230) vai chamar de “diálogo de revelação”,
ou seja: “A: a ‘primeira’ revelação, enigmática, precisa de esclarecimento. B: a não-
compreensão humana se manifesta (pergunta, censura, pedido). C: segue-se então
a ‘segunda’ revelação, esclarecedora.” Os que estão à direita são benditos” pelo
fato que:
35. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber,
era estrangeiro e me recebestes.
36. Nu e me vestistes, estive doente e me visitastes, preso e viestes ver-me.
Esta é a primeira revelação enigmática, onde se estabelecem os critérios do
julgamento. No v. 35: dar de comer aos que estão com fome; dar de beber aos que
estão com sede e receber os estrangeiros. No v. 36: continuam estas obras, onde os
12
Relembrando que a palavra “esquerdo, em latim, é sinistro.
127
que estão nus recebem roupa, os doentes e os presos são visitados. Ocorre que
esta última obra de misericórdia não fazia parte do costume judaico e de suas obras
de misericórdia, mas houve perseguição em relação aos cristãos e muitos deles
foram presos e abandonados. Com isso, precisavam da solidariedade cristã, pois “a
visita a pessoas encarceradas era não importante, mas vital, visto que elas não
recebiam alimentação na prisão” (R. REIMER, 2001, p. 293).
37. Então lhe responderão os justos dizendo: Senhor, quando te vimos faminto
e te alimentamos, ou sedento e te demos de beber?
38. Quando te vimos estrangeiro e te recebemos, ou nu e te vestimos?
39. Quando te vimos doente ou preso e fomos te ver?
Aqui, a segunda parte do diálogo de revelação, onde existe uma não-
compreensão por parte dos julgados, o que se manifesta em três perguntas, através
do advérbio “quando?”, nos vv. 37, 38 e 39. Na verdade, é uma repetição das obras
de misericórdia e justiça dos vv. 35 e 36. A implicação destes versículos é reforçar
tais obras.
Com isto, a segunda revelação esclarecedora e a resposta para tais
dúvidas:
40. E respondendo o rei lhes dirá: Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.
Este versículo é importantíssimo neste texto. Aqui uma resposta
reveladora, como é o caso deste versículo, que implica um comprometimento
verdadeiro em relação aos mais pequeninos: “los Hermanos más pequeños de
Jesús son, pues, los pobres en general” (SCHMID, 1973, p. 510). Por outro lado, o
que tem que ficar evidente é que “No son las intenciones ni los sentimientos, sino los
gestos de ayuda los que cuentan en el juicio final” (BONNARD, 1976, p. 547). Afinal
128
de contas, não basta ficar na boa vontade, é preciso ter uma ação concreta em
favor dos mais pequeninos. A resposta de Jesus é clara, onde ele diz que cada vez
que se faz alguma coisa em favor dos que necessitam, é a ele mesmo que está se
fazendo. Isto impressiona muito pois
“não basta então uma filantropia genérica, mas supõe uma
caridade verdadeiramente cristã, isto é, vivificada da fé em
Cristo, – a mim o fizeram: a identificação de Cristo com o
indigente é um dos elementos mais altos e tocantes da
mensagem evangélica” (LANCELLOTTI, 1981, p. 343-4).
Aqui, está o segredo de todo o julgamento: as obras de misericórdia e justiça
praticadas em relação aos mais pequeninos.
41. E então dirá aos da sua esquerda: “afastai-vos de mim, malditos, para o
fogo eterno, preparado para o diabo e aos seus anjos”.
Neste versículo, o que fica bem explícito é que Jesus pede aos que estão à
sua esquerda para se afastarem dele. São chamados de malditos”, pois não
praticaram as obras de misericórdia aos mais pequeninos. Fazendo um paralelo,
observa-se que, no v. 34, Jesus diz: vinde benditos de meu Pai” para os justos que
ainda vão receber por herança o reino preparado por Deus. Agora, estes “malditos”
vão “para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos”. O vocábulo
eterno (com referência ao castigo e vida) significa 'aquilo que é característica de
uma era por vir'; a ênfase na duração do tempo é secundária” (HILL, 1972, p. 331).
Em relação a esta punição, já foi comentada, em detalhes, na análise semântica de
“castigo eterno. Porém, El fuego del infierno estaba destinado en principio, no a los
hombres, sino sólo al diablo y sus ángeles” (SCHMID, 1973, p. 511-2).
42. Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de
beber.
129
43. Era estrangeiro e não me recebestes, nu e não me vestistes, doente e preso
e não me visitastes.
Aqui, há novamente as obras de misericórdia e de justiça, repetidas dos vv.
35 e 36. Só que estas agora não foram praticadas pelos que estão à esquerda. Com
isto, Mateus quer frisar a importância delas no dia do Juízo Final.
44. Então responderão eles dizendo: “Senhor, quando te vimos faminto ou
sedento ou estrangeiro ou nu ou doente ou preso e não te servimos?
Este versículo difere dos vv. 37, 38 e 39, onde os justos perguntam a Jesus
quando o ajudaram em suas necessidades, ou seja, quando te vimos com fome e te
alimentamos..., etc. Agora, os que estão à esquerda fazem uma pergunta de
maneira genérica, enfocando as necessidades, mas não o seu complemento ou
satisfação, onde, no final do versículo, isto é resumido nesta expressão: “e não te
servimos?”.
“Os malditos, agora condenados ao inferno, não são acusados
de crimes violentos, ou de ofensas em grande escala, do
mesmo modo que os benditos não foram glorificados por
virtudes heróicas. A culpa deles é que eles falharam em ajudar
aqueles que eles encontraram em necessidade” (BEARE,
1987, p. 495).
A resposta desta questão é dada no v. 45.
45. Então responde a eles dizendo: Em verdade vos digo: cada vez que não
fizestes a um destes pequeninos, a mim não o fizestes.
Neste versículo, a resposta reveladora de Jesus. o mais dúvida. O
fato é que, todas as vezes que estes não fizeram as obras de misericórdia aos mais
pequeninos, foi ao próprio rei (Jesus) que não as fizeram, e é nisto que consistem os
critérios do julgamento. Isto implica dizer que tais obras são essenciais e a sua
omissão pode levar ao castigo eterno.
130
46. E irão estes para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna.
É a conclusão de todo o julgamento, onde se tem a sentença final.
Novamente, Mateus vai utilizar uma linguagem apocalíptica que, como se sabe, foi
tirada quase que literalmente de Daniel 12,2, que diz: “E muitos dos que dormem no
solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o
horror eterno”. O que fica claro é que a sentença final depende de cada um: os que
praticarem as obras de misericórdia, que são os justos, irão para a vida eterna e os
que não praticarem, os “ímpios”, irão para o castigo eterno.
“La contraposición entre el castigo eterno, por un lado, y la vida
eterna, por otro, muestra, con plena claridad, que la
condenación de los impíos tiene que ser considerada como
desprovista de fin, con la misma certeza que la vida de los
justos en el reino de Dios” (SCHMID, 1973, p. 512).
O juiz é justo e a sua sentença final consiste na prática ou não das obras de
misericórdia aos mais pequeninos no mundo em que se vive. A surpresa é que este
rei está presente nos mais necessitados. Com isto, pode-se afirmar que a vida
eterna ou o castigo eterno começa aqui e agora.
8 Análise Teológica
Para fazer a teologia deste texto do Juízo Final, Wegner (2001, p. 332) diz
que é necessário que se faça “um levantamento dos paralelos bíblico-teológicos do
texto, atentando para a indicação de textos paralelos [...] procura-se avaliar que
características de Deus são ressaltadas por eles que podem iluminar a teologia do
texto em estudo”.
131
John Bright escreve que a exegese teológica se caracteriza por ser uma
exegese que não se contenta meramente em extrair o significado verbal preciso de
texto, mas que vai mais além para descobrir a teologia que informa o texto” (BRIGHT
apud WEGNER, 2001, p. 297).
8.1 O Juízo Final e Textos Paralelos
Mateus coloca o texto do Juízo Final no fim do bloco denominado
escatológico. Referindo-se às últimas coisas e realidades humanas ou
acontecimentos dos finais dos tempos, ele exorta a todos sobre a importância da
vigilância ativa. Isto fica evidente quando Jesus diz: Vigiai, portanto, porque não
sabeis em que dia vem vosso Senhor” (Mt 24,42) e na parábola das dez virgens,
onde é repetido em 25,13. Fala tamm sobre a responsabilidade de cada um
responder pelos seus próprios atos na espera do seu senhor, como na parábola do
servo fiel (Mt 24, 45-51) e na parábola dos talentos (Mt 25, 14-30), onde todos têm
que fazer os seus talentos darem frutos. Com isto, fica visível que Mateus quer
chamar a atenção para a vigilância que deve ser ativa.
Com o Juízo Final (Mt 25,31-46), acontecem a vinda do “Filho do Homem” e
as obras pelas quais seremos julgados. Aqui, fica clara a importância da vigília e das
obras praticadas em relação aos mais necessitados.
Em relação ao v. 31 e ao v. 46, percebe-se que eles foram escritos de acordo
com a tradição apocalíptica. Ambos foram tomados do livro de Daniel. Em relação ao
“misterioso Filho do Homem, encontrado em Daniel, quando diz: vindo sobre as
nuvens do céu, um como Filho de Homem (7,13); ele se torna ainda mais misterioso
no julgamento final. Isto porque ele vai se identificar e estar presente nos pobres e
132
abandonados, nos pequeninos e esquecidos, nos necessitados de fato. Lembra
também a questão do êxodo, onde a teofania acontece com trovões, relâmpagos e
uma espessa nuvem sobre a montanha” (Cf. Ex 19,16). Passa pela tradição
deuteronomista, quando esta afirma: “Nações, exultai com seu povo, e afirmem sua
força todos os anjos de Deus! (Dt 32,43). Ainda em Daniel, tem-se: “a ele foi
outorgado o império, a honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o
serviram. Seu império é império eterno” (Dn 7,14). E ainda a questão de Zacarias
14,5 que, no final deste versículo, diz: E Iahweh, meu Deus, virá, todos os santos
com ele”. Lembrando que este texto comenta o combate escatológico e até mesmo
terá a reunião de todas as nações contra Jerusalém (Cf. Zc 14,2). Quando diz sobre
a vinda do Filho do Homem em sua glória e os seus anjos com ele, ele vai assentar-
se em seu trono de glória. Este lembra a teologia davídica de que Iahweh diz:
“firmarei para sempre teu trono real sobre Israel, como prometi a Davi, teu pai,
dizendo: ‘Jamais te faltará um descendente sobre o trono de Israel” (1 Rs 9,5). Tudo
isto leva a uma teologia muito abrangente que demonstra o poder de Deus e
também a questão do julgamento. Daí, Mateus diz que, diante do Filho do Homem,
serão reunidas todas as nações e ele separará os homens uns dos outros (25,32).
Há, em Mateus, várias passagens que falam desta vinda escatológica (13,41; 19,28;
24,30.37.39.44) e paralelos com Lucas (17,22ss; 22,30).
Em relação aos critérios de julgamento:
“Pois tive fome e me destes de comer.
Tive sede e me destes de beber.
Era peregrino e me recebestes.
Estive nu e me vestistes,
Doente e me visitastes,
Preso e viestes ver-me” (Mt 25,35-36).
133
Estas são as obras de misericórdia e justiça que estavam profundamente
enraizadas na tradição dos judeus. De un modo muy preciso evocan el mensaje de
Israel las obras de servicio, propias de la ética religiosa del judaísmo
intertestamentario” (PIKAZA, 1984, p. 22). Além de citar que o verdadeiro jejum que
Deus quer consiste em: “repartir o pão com o faminto, em recolheres em tua casa os
pobres desabrigados, em vestires aquele que s nu” (Is 58,7); Em Tobias, capítulo
4, há vários conselhos:
“Pratica a justiça todos os dias da tua vida e o andes pelos
caminhos da injustiça. [...] Não faças a ninguém o que não
queres que te façam. [...] de teu pão aos que têm fome, e
tuas roupas aos que estão nus. esmola de tudo o que
tens em abundância; e ao dares esmola, não haja tristeza em
teus olhos” (Tb 4,5b.15a.16).
Também, no sermão da montanha, Jesus se refere à esmola, oração e jejum
(Mt 6,1-18). Porém, um alerta a todos: “Se a vossa justiça não ultrapassar a dos
escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Ainda neste
sermão, no que se refere às bem-aventuranças, Jesus diz: “Bem-aventurados os
que m fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,6-7). Nestas obras de
misericórdia, transparece um Deus que caminha e conhece os sofrimentos de seu
povo. Lembra a teologia do Êxodo: Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no
Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas
angústias” (Ex 3,7).
Por outro lado,
“pela lei da Mishnah, como pela lei bíblica, os gentios pobres
deviam compartilhar com os judeus pobres da respigadura da
colheita. Deviam receber alimento, abrigo e roupas, quando
necessitassem. Seus doentes deveriam ser visitados, ajudados
134
e confortados. E quando morressem, deveriam ser enterrados
decentemente...” (AUSUBEL, 1999, p. 71).
Ainda no que se refere ao judaísmo, pode ser citado um midrash próximo da
época de Mateus, porém um pouco posterior, que é o Midrash sur les Psaumes:
“No mundo futuro, será perguntado: ‘Que obra realizaste?’ Se
respondem: ‘Dei de comer ao faminto’, se ouvirá dizer: ‘Esta é
a porta de Yahweh (Sl 118,20): podes entrar, pois alimentaste
o faminto’. Se respondem: ‘Dei de beber ao sedento’, se ouvirá
dizer: ‘Esta é a porta de Yahweh: podes entrar, pois
dessedentaste o sedento’. Se respondem: Vesti o que estava
nu’, se ouvirá dizer: ‘Esta é a porta de Yahweh: podes entrar,
pois vestiste quem estava nu’. O mesmo acontecerá para quem
cuidar dos órfãos, der esmola e praticar as obras do amor”
(GOURGUES, 2004, p. 202).
A conclusão e a sentença final são: os que não praticarem as obras de
misericórdia e justiça, irão para o castigo eterno, enquanto os justos, que praticarem
tais obras aos pequeninos, irão para a vida eterna. Novamente, neste v. 46, a
interferência de Daniel 12,2, quase que literalmente. Os que praticarem as obras de
misericórdia, serão chamados, no Juízo Final, de “benditos” (v. 34) e irão para a vida
eterna; os que não as praticarem, serão chamados de “malditos” (v. 41) e io para o
castigo eterno. No fundo, a salvação final e a vida eterna dependem do que se faz
ou se deixa de fazer em relação aos mais “pequeninos”.
8.2 A Fé e as Imagens de Deus
O texto do Juízo Final, mais do que nunca, expressa uma em um Deus
real, vivo e presente no meio dos sofrimentos e angústias do seu povo. Mostra, por
outro lado, uma que tem, por essência, as boas obras, não uma teórica ou por
135
palavras. Basta ver o verbo utilizado por Mateus, que é o verbo “fazer”. Daí, Jesus
diz: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes(v. 40) e “Em verdade vos digo: cada vez que não
fizestes a um destes pequeninos, a mimo o fizestes” (v. 45).
Num primeiro momento, o texto parece ser muito cristológico. Parece até nem
incluir Deus-Pai, a não ser como mera referência, quando Jesus diz: Vinde,
benditos de meu Pai” (v. 34). Ocorre que, quando ele diz
“’serán reunidas todas las gentes’ (25,32); el reino está
‘preparado para vosotros’ (25,34), el fuego está ‘preparado
para el diablo y sus ángeles’ (25,41). En todos estos casos, el
sujeto agente a que se alude es Dios. Dios está al principio,
disponiendo el reino para los justos. Dios está en el centro de
la historia, situando a los hombres ante un reino cuya negativa
se traduce como fuego diabólico. Finalmente, Dios es meta
pues ofrece bendición y plenitud de reino (25,34). Pues bien,
superando este nivel de pasivos divinos, Mt 25,34 alude
directamente a Dios, presentándole como Padre del HH”
(PIKAZA, 1984, p. 423).
A idéia que Mateus quer ressaltar é que sua comunidade tem muitos
“pequeninos” e quem quer alcançar a vida eterna tem que ajudar os necessitados
existentes no meio deles. Além da pobreza da época, fruto das explorações
exercidas pelo Império Romano e o abuso dos impostos, a comunidade de Mateus
enfrentava um outro desafio: os cristãos tinham sido expulsos das sinagogas que, de
uma certa forma, davam assistência aos mais necessitados. E agora que estão a
merdas sinagogas e do Império Romano, contar com quem? A resposta é clara:
com a solidariedade dos próprios irmãos da comunidade. O julgamento de Deus
(Jesus) é a prova mais evidente de que o valor máximo está centrado em uma vida
136
digna que se constrói sob o alicerce da e do amor. Fazer aos irmãos é fazer ao
próprio Deus.
Para isto, o texto do Juízo Final utiliza muitas imagens para representar o
divino. São elas:
“Filho do Homem - onde o próprio Jesus se identifica com a humanidade. Ele
está cercado de anjos e vai sentar-se num trono de glória. Ele é o responsável pelo
julgamento e diante dele se reúnem todas as nações.
“Pastor” num mundo agrícola e pastoril, esta imagem fala muito alto. O
pastor é aquele que conduz as ovelhas e as protege dos perigos (lobos). O pastor
conhece suas ovelhas e elas escutam sua voz. Em Ezequiel, no capítulo 34, é o
próprio Deus que se queixa da conduta de alguns pastores e vai dizer que Ele
mesmo vai cuidar de cada uma de suas ovelhas e diz: Eu as apascentarei com
justiça” (Ez 34,16).
“Rei” – a imagem que se tinha no oriente era que a missão de um rei consistia
em governar o povo no direito e na justiça. Num primeiro momento, esta imagem de
rei utilizada poderia dar uma impressão negativa, ou seja, os reis exploravam o seu
povo, viviam no luxo às custas da fome e pobreza de muitos. Mas Deus quer mostrar
aquela imagem de um rei do amor e do serviço, um rei que se preocupa com seu
povo e reina na justiça e no amor.
“SenhorQuem é o senhor do mundo? Deus ou o Imperador? Afinal de
contas quem reina e a quem se deve servir? Mateus diz: “Ninguém pode servir a
dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amao outro, ou se apegará ao primeiro
e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (6,24). A pergunta
é clara: afinal quem é o Senhor da nossa vida? Servimos a Deus nos irmãos mais
necessitados ou ao dinheiro? Cabe a cada um escolher.
137
“Mais pequeninos” o segredo do texto esconde nesta imagem. Um rei, um
senhor e até mesmo o Filho do Homem, que se faz presente como sendo um deles.
Impensável, na época, um rei todo poderoso se fazer como um dos seus súditos
miseráveis. Nestes pequeninos, está Jesus que passa pelos mesmos sofrimentos e
angústias e que busca pela vida digna. Nos pobres e oprimidos, que eram
concebidos, pela cultura da época, como os castigados por Deus inexplicavelmente,
está o próprio Deus.
Sabemos, por un lado, que Dios es el poder. Así lo dice el
credo al presentarle como ‘todopoderoso’; [...] deja que los
hombres sean, sin manejarles con su terror y su grandeza;
quiere estar presente en medio de ellos, en su misma
pequeñez y desamparo; por eso está en los pobres, los
hambrientos, los enfermos y exiliados” (PIKAZA, 1984, p. 427).
“Trono de Gria” – trono lembra rei, tem a ver com reinado. O rei era tamm
o Juiz. Este não é um julgamento qualquer, mas a sua sentença decide toda uma
existência eterna. O Juízo consiste não em defender os ricos e dar a eles a causa,
mas em defender os mais necessitados. O Filho do Homem julgará com justiça.
“Direita e Esquerda” é o Filho do Homem que separa os homens uns dos
outros. São duas imagens utilizadas para demonstrar o lugar de bênção, que é à
direita, tanto é verdade que são chamados de benditos (v. 34) e vão receber, por
herança, o reino dos céus, isto porque praticaram as obras de misericórdia aos mais
pequeninos, o chamados de justos e vão ter a “vida eterna”. Os da esquerda são
os malditos” (v. 41), estes vão para o fogo eterno, pois não praticaram as obras de
misericórdia aos mais pequeninos. Sua sentença final é receber o “castigo eterno”.
8.3 Dimensões de Amor e Compromissos Pessoais, Eclesiais ou Sociais
138
A dimensão do amor perpassa todo o texto. Conforme dito anteriormente, é
um amor e uma que implicam uma prática. Não é uma mera lei, pois, conforme se
sabe, o mundo judeu girava em torno da lei (torá) e alguém dos fariseus pergunta a
Jesus qual é o maior mandamento da Lei. Ao que Jesus responde:
“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a
tua alma e de todo o teu espírito. Este é o maior e o primeiro
mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos
dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,37-40).
O maior mandamento se resume no amor a Deus e ao próximo. Este amor é
indissolúvel. “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é um
mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não
poderá amar” (1Jo 4,20).
É evidente que este texto alerta para um compromisso pessoal, eclesial e
social, como uma expressão de em Deus, mesmo porque, no texto, as obras de
amor praticadas em relação aos mais necessitados são, na verdade, praticadas em
relação ao próprio Deus.
8.4 Dimensões de Esperança e Escatologia
A esperança de uma nova terra leva a um novo céu. Na verdade, o Reino de
Deus é um só, e as obras, que se fazem aqui na terra em relação aos mais
pequeninos, serão fundamentais para o recebimento da “vida eterna”.
“Desde el fondo de Mt 25,31-46 sabemos que la historia es
teofánica según estos momentos. a) Don: ella es reflejo de la
vida de Dios que está presente en medio de los pobres. b)
Compromiso: ella realiza su sentido allí donde los hombres
asumen la exigencia de ayudarse mutuamente, en caridad que
139
significa servicio a los que están necesitados. c) Solamente de
esa forma puede abrirse un camino a la esperanza: Dios mismo
alienta, como gracia y compromiso, en el trasfondo de la
historia y le concede su cimiento de sentido y su futuro de
absoluta transparencia” (PIKAZA, 1984, p. 424).
Neste sentido, pode-se dizer que uma estreita relação entre a vida
presente com a vida no porvir. Deus está presente junto aos pobres e a
solidariedade em relação a eles é critério decisivo para que a vida continue no porvir,
utilizando-se a expressão de Wegner. Afinal, há a oportunidade de se expressar o
amor a Deus, via amor ao próximo.
140
CAPÍTULO III - ATUALIZAÇÃO DA MENSAGEM DO JUÍZO FINAL
Atualizar a Palavra de Deus é fundamental em um trabalho de exegese. Tão
essencial que Martínez (apud WEGNER, 2001, p. 311) diz que uma exegese que
não a coloca entre seus objetivos fundamentais se torna um “exercício acadêmico
estéril”. Na realidade brasileira e mundial, mais do que nunca, é preciso ter, em
mente, a belíssima mensagem do Juízo Final, pois: Toda escritura é inspirada por
Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra” (2 Tm 3,16-17).
Vivemos num mundo diferente do evangelista Mateus e numa outra realidade
cultural e histórica, mas, ainda hoje, irmãos pobres e necessitados, e Jesus
continua sofrendo neles e faz um apelo veemente: Em verdade vos digo: cada vez
que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt
25,40). Assim sendo, pode-se dizer que: “a tarefa da atualização é construir uma
ponte entre o significado do texto no passado e sua relevância para os dias atuais”
(WEGNER, 2001, p. 310). Referindo-se à metodologia proposta por este autor, para
se obter a atualização, seguem-se estas três dimensões de vida:
1. pessoal;
2. eclesial;
3. social.
141
Atualizar a mensagem do Juízo Final não é fácil, muitos autores escreveram
sobre tal tema. No entanto, tendo por base algumas reflexões, este importante
ensinamento de Jesus deve ser vida em nossa vida e nos levar à luta por um mundo
de mais amor, justiça, solidariedade e fraternidade.
Inicia-se, pois, essa reflexão que chamamos de dimensão pessoal.
1 Dimensão Pessoal
Toda e qualquer mudança, a luta por um mundo melhor, a busca da tão
sonhada justiça e solidariedade e, principalmente, uma vida mais digna para o ser
humano mais necessitado dependem da conversão do coração de cada um. Praticar
a misericórdia depende do coração, pois sua essência consiste em “dar o coração
ao mísero”, ou seja, àquele que necessita. Mas é necessário se estar atento(a), pois
“no son las intenciones ni los sentimientos, sino los gestos de ayuda los que cuentan
en el juicio final” (BONNARD, 1976, p. 547). Em outras palavras: o mundo de hoje já
está cheio de belos discursos e teorias, de meras palavras e escritos maravilhosos,
o que realmente conta, e é importante, são exatamente as obras de misericórdia e
justiça exercidas em relação a todos aqueles que delas necessitam. Tal atitude é
interior e brota do coração, dependendo de cada um de nós.
É evidente que a fome do mundo, hoje em dia, é imensa, que há bilhões de
necessitados em seus mais diversos níveis. Então, pergunta-se: diante de tamanha
realidade social, em que a conversão pessoal pode mudar? Em muito, e ela é
decisiva. A sociedade se faz pelas pessoas que a comem, é a soma de cada um
142
de seus membros. Para que o outro possa mudar, devemos mudar primeiro e dar o
exemplo. Não basta dizermos, é preciso fazermos. Nesse sentido, a dimensão
pessoal é muito importante, pois, sem ela, é impossível ter as dimensões eclesial e
social.
Entra aqui o que Jesus Cristo disse ser “Bem-aventurados os pobres em
espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3), o que equivale dizer que o
importante é ser “pobre no íntimo, de pobreza sincera e profunda, [...] não se trata do
aspecto externo, formal, mas do íntimo, no nível da consciência” (FABRIS, 1991, p.
20). É uma decisão do coração e a consciência de que, em cada irmão, está
presente o próprio Jesus. Além do mais, é dever do cristão praticar tais obras por
amor, por convicção, de coração e sem esperar qualquer recompensa, pois ser
cristão supõe viver no amor a Deus e ao próximo, como a lei máxima deixada por
Jesus. É esse amor que deve nos levar à luta por um mundo mais justo e humano,
onde a vida possa ter dignidade. Não bastam apenas as obras de caridade, deve
existir tamm a luta pela implantação do Reino de Deus e sua justiça.
A solução para o problema da fome hoje o se faz só com a boa vontade de
uns e o espírito de caridade de outros, mas com um trabalho estrutural que envolve
a busca da justiça, a distribuição justa de renda, a partilha e o amor, enfim, a
realização da tão sonhada fraternidade no mundo. E, mais uma vez se pergunta
sobre a importância da dimensão pessoal em tudo isso, que ela, num primeiro
momento, possa se apresentar como pequena e quase insignificante. Novamente
fica evidente que tudo começa exatamente pela conversão do coração de cada um.
Para que se tenha um todo, é necessário primeiro que se tenham as partes que o
comem. Nesse sentido, fica ainda mais compreensível que são “Bem-aventurados
os puros de coração” (Mt 5,8), porque estes conseguem ver Deus nos pobres, nos
143
necessitados e em todos os que sofrem. Assim, a construção de um mundo melhor
passa necessariamente pelo coração das pessoas. No fundo, tudo começa com a
dimensão pessoal, que é a base e o alicerce de toda e qualquer mudança, mas
ela não é suficiente para consolidar o Reino de amor e justiça desejado por Deus,
sendo a dimensão eclesial fundamental para que, de fato, este Reino aconteça e se
faça presente no meio de nós.
2 Dimensão Eclesial
A dimensão eclesial é importantíssima, pois envolve milhões e até bilhões de
fiéis como é o caso dos cristãos. No entanto, podemos dizer que a Igreja Cristã tem
uma missão essencial quanto às obras de justiça e solidariedade para com os mais
necessitados.
A palavra “Igreja” vem do grego evkklhsi,a (ekklesia), que significa “a
assembléia dos cidadãos de uma cidade com objetivos legislativos ou deliberativos”
(MACKENZIE, 1984, p. 432). Mas, no N.T., essa palavra designava, conforme o
Léxico grego (1991, p. 67), “a igreja ou congregação cristã: como uma reunião da
igreja [...] como a igreja universal, à qual todos os crentes pertencem”.
Neste sentido, começaremos a refletir sobre a Igreja Católica no Brasil e a
sua sublime missão de ser um instrumento na construção do Reino de Deus e sua
justiça.
2.1 Cristãos Católicos e Evangélicos no Brasil
144
De acordo com os dados do censo 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, disponíveis em http://www.edeus.org/ibge.htm, a Igreja Católica
Apostólica Romana contava com 124.976.912 fiéis, num total de 169.799.170
brasileiros, o que equivale dizer que 73,60% da população brasileira se diz católica,
muito embora saibamos que nem todos que se dizem católicos são praticantes de
fato. É, sem dúvida alguma, um número muito expressivo. Por outro lado, foi
contactado que 26.166.930 se declararam como cristãos evangélicos, ou seja,
15,41% da população brasileira. Somando-se os cristãos católicos e evangélicos,
chegamos a um total de 89,01% que se dizem cristãos e seguidores da doutrina de
Jesus Cristo.
Ocorre que o maior mandamento de Jesus se refere à questão do amor a
Deus e ao próximo (Cf. Mt 22,34-40) e, para que isto fique ainda mais evidente,
Jesus, no episódio do Juízo Final, vai dizer: “cada vez que o fizestes a um destes
meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40), referindo-se às obras
de justiça e misericórdia aos mais necessitados. Ora, se quase 90% dos brasileiros
se dizem cristãos, é de se esperar que, como seguidores de Jesus, demonstrem,
com suas obras, o que Ele mesmo disse, ou seja, além de ter pregado o amor a
Deus e ao próximo, mostrou que o mais importante é exatamente dar de comer a
quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher os pobres e peregrinos, dar
roupa aos que estão nus, visitar os doentes e presos e muitas outras obras de
caridade, as quais o mundo de hoje exige de nós.
Partindo da constatação de que a essência de todo cristão é a vivência da
prática do amor a Deus e ao próximo, seja na Igreja Católica, seja nas Igrejas
Evangélicas, onde os seus membros o chamados de “irmãos”, tanto uma, como a
145
outra podem ser denominadas de “família cristã”. A constatação difícil de explicar é
por que, no Brasil, há tantos indigentes e pobres. Isto constitui um sério
questionamento para aqueles que seguem os ensinamentos de Jesus e se dizem
cristãos.
2.2 Os mais Pequeninos hoje
Sempre houve, ao longo da história da Igreja, uma grande discussão
teológica em relação à definição dos mais “pequeninos”. Isto se deve à expressão
evlaci,stwn, no sentido de “pequeninos, muito pequeno”, “o mínimo”, a qual aparece
cinco vezes no Evangelho de Mateus. Em 2,6, refere-se a Belém como o menor
entre os clãs de Judá; em 5,19, aparece duas vezes, no sentido de menores
mandamentos e menor no Reino dos Céus e, finalmente, no texto do Juízo Final:
”Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40); “Em verdade vos digo: cada vez que não
fizestes a um destes pequeninos, a mim não o fizestes” (Mt 25,45).
Um outro termo semelhante a pequeninos é a expressão mikrw/n, no sentido
de pequeno”, “pouco”, que aparece nas seguintes passagens: E quem der, nem
que seja um copo d’água fria a um destes pequenos, por ser meu discípulo, em
verdade vos digo que não perderá sua recompensa” (Mt 10,42); “Caso alguém
escandalize um destes pequenos que crêem em mim, [...]” (Mt 18,6); “Não
desprezeis nenhum desses pequenos, [...]” (Mt 18,10); “Assim também, não é da
vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequenos se perca” (Mt
18,14).
146
Assim, o adjetivo mikrw/n pode ser “pequeno” ou pouco”, e o superlativo
evlaci,stwn, no sentido de “pequeninos”, “muito pequeno”, o mínimo”. É evidente que
tanto em grego, como em português, embora sejam termos semelhantes,
diferença. Se tomarmos várias versões blicas, veremos uma certa “confusão” ao
traduzir tais termos.
Mesmo no texto do Juízo Final, temos: tw/n avdelfw/n mou tw/n evlaci,stwn, ou
seja, a um destes meus irmãos mais pequeninos (v. 40), e tou,twn tw/n evlaci,stwn, isto
é, a um destes pequeninos (v. 45), omitindo "irmãos".
Overman (1999, p. 378) comenta que:
“a linguagem de mais pequeninos’ (elaxiston) lembra os
pequeninos, ou mikroi, do capítulo 18 (cf. 18,6.10). A palavra
‘irmão’ (adelphos), como vimos em inúmeras passagens,
também é característica da linguagem de Mateus para
descrever os companheiros da comunidade”.
Uma obra importante para o esclarecimento desta questão e do verdadeiro
significado de “pequeninos” ao longo da história da Igreja é a obra de Sherman W.
Gray: “The Least of My Brothers” (meus irmãos mais pequeninos).
Jerônimo (1989, p. 333) é o primeiro a dar uma indicação que meus irmãos
mais pequeninos’ apresentou um problema porque poderia ser interpretado universal
ou restritivamente”. Nesta mesma linha, destaca-se também João Crisóstomo que,
juntamente com Jerônimo, podem ser considerados como “universalistas”, “isto é,
em certo ponto em sua discussão do diálogo de identidade, eles especificamente se
referem aos não-cristãos como beneficiários viáveis da caridade dos fiéis” (GRAY,
1989, p. 333).
Nesse estudo minucioso em relação aos mais pequeninos, Gray (1989, p.
337) afirma que:
147
“Numa visão de conjunto dos seis séculos e meio que constitui
a era dos ‘Padres da Igreja’ mostra que, das 504 referências ao
diálogo de identidade que foram investigados, 312 (62%) são
usados de um modo totalmente neutro (isto é, eles não o
qualquer indicação sobre a identidade dos necessitados). 166
referências (33%) são usadas num sentido estrito ou restritivo
(isto é, eles se referem aos ‘mais pequeninos’ como
necessitados cristãos), e vinte e seis passagens (5%) são
usadas num sentido verdadeiramente universal (isto é, elas
explícita ou implicitamente incluem os não-cristãos como os
beneficiários da caridade dos cristãos)”.
Overman, comentando os resultados obtidos por Gray de que “pequeninos”
foi interpretado como cristãos ou membros da comunidade de Mateus ou no sentido
universal, vai afirmar que, no fim do século XIX e início do século XX, começaram a
surgir várias interpretações sobre o Juízo Final. Assim,
“afirma que Mateus quer dizer que Cristo chama seu povo para
servir ao mundo. Os necessitados da parábola não são outros
membros da Igreja, mas todos os necessitados do mundo. Foi
sobretudo neste século e no anterior que se cultivou a
chamada tendência universalizadora” (OVERMAN, 1999, p.
380).
Muito embora Overman descreva o Juízo Final como “parábola”, ao dizer que
os necessitados (pequeninos) não são outros membros da Igreja, mas todos os
necessitados do mundo, este texto não se deixa classificar em um único gênero
literário, mas em outros tamm. Segundo ele (1999, p. 378), esta parábola tornou-
se ummbolo para orientar a ética cristã e a responsabilidade social e eclesial”.
Mas, e hoje? Quem são os mais pequeninos”? Evidente que ainda são os
famintos, os sedentos, os andarilhos, os que estão nus, os doentes, os presos, e a
lista continua... São tamm os drogados, aqueles e aquelas que são
prostituídos(as), os meninos e meninas moradores de rua, os que vivem debaixo das
148
pontes e viadutos, os pobres desempregados, as vítimas de vioncia, em todos os
seus níveis, principalmente aqueles(as) que sofrem as conseqüências da guerra ou
de abusos sexuais, os asilados, os bóias-frias, os indigentes e todos aqueles que
são marginalizados e excluídos da sociedade e que não dispõem de meios
necessários para terem uma vida digna. Neles, hoje, está o próprio Jesus que nos
alerta mais uma vez: ”Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes
meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).
2.3 A Igreja e o seu Tríplice Dever
A Carta Encíclica Deus Caritas Est (Deus é amor) será base para o
desenvolvimento deste tema num primeiro momento. Nela, o Papa Bento XVI (2006,
p. 31) diz que:
“A natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever:
anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração
dos Sacramentos (leiturgia), serviço da caridade (diakonia).
São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um
ser separado dos outros”.
Em Jesus Cristo, ficou claro, para todos os seus seguidores que,
posteriormente, foram chamados de “cristãos” (At 11,26), o tríplice dever dito pelo
Papa Bento XVI. Foi o próprio Jesus Cristo quem enviou os discípulos em missão
para anunciarem a Palavra de Deus, curarem os doentes e serem mensageiros da
paz (Mt 10,5-15; Mc 6,7-13; Lc 10,1-11). Mesmo depois de ressuscitado, Jesus vai
dizer aos seus discípulos: “Vão e façam com que todos os povos se tornem meus
discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e
ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis que estarei com vocês
todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,19-20).
149
Quanto à prática do amor, Jesus a anunciou com a sua própria vida, com
seus gestos, atitudes e o seu modo de ser. Disse claramente que o amor a Deus e o
amor ao próximo como a si mesmo é a razão de ser de toda a lei e os profetas (Mt
22, 36-40) e ainda deixou claro: Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos
outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por
seus amigos. Vós sois meus amigos, se praticais o que vos mando” (Jo 15,12-14).
Por tudo isso, o Papa Bento XVI (2006, p. 29) diz que:
“praticar o amor para com as viúvas e os órfãos, os presos, os
doentes e necessitados de qualquer nero pertence tanto à
sua essência como o serviço dos Sacramentos e o anúncio do
Evangelho. A Igreja não pode descurar o serviço da caridade,
como tamm não pode negligenciar os Sacramentos e o
anúncio do Evangelho”.
Bento XVI (2006, p. 32) tamm se refere à Igreja como uma “família”, onde
nenhum membro deveria sofrer ou passar necessidade, pois “no seio da
comunidade dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam
negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna” (BENTO XVI,
2006, p. 28).
Xabier Pikaza (1984, p. 439) diz que a Igreja é o lugar da presença
sacramental de Cristo no meio dos homens. Isto se dá porque a Igreja:
“a) Es sacramento de Cristo, espacio que visibiliza su presencia
en los pequeños y destaca la exigência da ayudarles. [...] b) la
iglesia es sacramento de la humanidad: visibiliza el mistério de
Jesús en la medida en que hace visibles sobre el mundo los
rasgos del hombre nuevo, el valor de la pequenez, la exigencia
del servicio mutuo, la llamada de la fraternidad”.
Mas não é isto que estamos vendo no Brasil e no mundo. Hoje a pobreza e a
fome nos questionam. Como explicar que a Igreja é uma família, onde nenhum
150
membro “deveria” sofrer ou passar necessidade? A contradição entre os
ensinamentos de Jesus, a e a nossa realidade atual são gritantes. Por outro lado,
os documentos pontifícios quase sempre relatam o que seria o ideal e o que
contrasta com a verdadeira realidade.
Em sua obra A guerra dos deuses”, Michaelwy (2000, p. 60), ao comentar
sobre a teologia da libertação, diz que a Conferência dos Bispos Latino-Americanos
de Puebla, no ano de 1979, foi muito importante, especialmente quando a Igreja
resolveu fazer “a opção preferencial pelos pobres”, mas ressalta que: “esses pobres
são os agentes de sua própria libertação e o sujeito de sua própria história e não
simplesmente, como na doutrina tradicional da Igreja, objeto de atenção caridosa”.
Ultimamente se fala muito, na Igreja, da globalização da solidariedade”,
onde,
“Seguindo o exemplo de Cristo, Bom Samaritano, os cristãos e
as Igrejas também se fazem próximos e solidários dos mais
pobres, e lutam para lhes garantir e salvaguardar a sua
dignidade de filhos(as) de Deus. Apesar dos seus limites, as
Igrejas têm a missão de se empenharem com novo ardor em
favor da justiça social. Promovem iniciativas próprias e atuam
em colaboração com pessoas, organizações e instituições que
têm sede e fome de justiça” (CNBB/80, 2005, p. 86).
A Igreja está consciente de sua missão. Tanto é verdade que a CNBB (2002,
p. 14/5), através do documento n. 69, sobre as Exigências Evangélicas e Éticas de
Superação da Miséria e da Fome”, ou como ficou conhecido o “mutirão contra a
fome”, diz:
“O mais triste para a consciência cristã é o fato de que a
escandalosa desigualdade acontece, infelizmente, pela falta de
testemunho evangélico de vida, criando ofuscamento da
151
consciência, frieza e alienação diante do sofrimento humano e
descrédito para o anúncio da Boa Nova”.
Falta, muitas vezes, o testemunho da própria Igreja no que se refere a ser fiel
aos ensinamentos de Jesus Cristo. palavras não bastam, é necessário o
testemunho evangélico de vida.
Ainda em relação ao texto do Juízo Final, as obras exigidas não podem estar
somente no sentido assistencial. “Quando se atende somente às expectativas
imediatas dos pobres, corre-se o risco de perpetuar a desigualdade social. A
caridade evangélica é fundamento do agir cristão e requer a promoção humana e a
libertação integral” (CNBB/69, 2002, p. 19).
É nesse sentido que caminha a teologia da libertação, onde “os pobres já não
são basicamente objetos de caridade, e sim agentes de sua própria libertação. A
ajuda ou assistência paternalista é substituída pela solidariedade com a luta dos
pobres por auto-emancipação” (LÖWY, 2000, p. 123).
De um modo geral,
“Reconhecer nos rostos sofredores dos pobres o rosto do
Senhor é um convite permanente para todos os cristãos a uma
profunda conversão pessoal e eclesial (SD, n. 178). Jesus
Cristo, presente nos pobres, interpela a própria Igreja, cujos
recursos não são sempre bem distribuídos e cuja presença nas
periferias urbanas e em regiões remotas se revela
desproporcional e insuficiente” (CNBB/80, 2005, p. 76).
Ainda um longo caminho de conversão a ser percorrido, entre a teoria e a
prática, para que aconteça, de fato, uma Igreja como sacramento da humanidade e
a chamada “fraternidade”. Uma Igreja onde os pobres sejam agentes de sua própria
libertação e o sujeito que conduz a sua história. O verbo utilizado por Jesus, no
Juízo Final, é o "fazer". Por isso, ele diz: “Em verdade vos digo: cada vez que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).
152
3 Dimensão Social
O homem é um ser social, ou seja, vive em sociedade. Em todos os tempos e
lugares, a vida em sociedade sempre teve e tem os seus desafios, conflitos,
conquistas, derrotas e vitórias. Porém, é inegável que:
“Todo hombre al nacer se encuentra en um mundo ya
existente, independientemente de él. Este mundo se le
presenta ya ‘constituido’ y aqui él debe conservarse y dar
pruebla de capacidad vital. El particular nace en condiciones
sociales concretas, en sistemas concretos de expectativas,
dentro de instituiciones concretas. [...] debe ser capaz de luchar
durante toda la vida, dia tras dia, contra la dureza del mundo”
(HELLER, 1998, p. 21.23).
Ora, o ser humano nasce numa determinada realidade social, dentro de
sistemas políticos e econômicos e instituições concretas, e deve adaptar-se a elas
“contra a dureza do mundo”. Hoje, mais do que nunca, vivemos numa sociedade que
se diz “moderna, secularizada e globalizada”. É evidente que existem muitas
discussões e controvérsias em torno desses conceitos e que nem sempre
consenso entre os autores sobre esta ou aquela definição. De modo sucinto:
“’modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou
organização social que emergiram na Europa a partir do
século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos
mundiais em sua influência. [...] é um fenômeno de dois
gumes. O desenvolvimento das instituições sociais modernas
e sua difusão em escala mundial criaram oportunidades bem
maiores para os seres humanos gozarem de uma existência
153
segura e gratificante que qualquer tipo de sistema pré-
moderno. Mas a modernidade tem também um lado sombrio,
que se tornou muito aparente no século atual” (GIDDENS,
1991, p.11.16).
Com relação à secularização, é uma realidade visível aos nossos olhos, mas
é um termo tamm polêmico. Tanto que Peter L. Berger (1985, p. 118/9) diz que:
“O termo ‘secularização’, e mais ainda seu derivado
‘secularismo’, tem sido empregado como um conceito
ideológico altamente carregado de conotações valorativas,
algumas vezes positivas, outras negativas. Em círculos
anticlericais e ‘progressistas’, tem significado a libertação do
homem moderno da tutela da religião, ao passo que, em
círculos ligados às Igrejas tradicionais, tem sido combatido
como ‘descristianização’, ‘paganização’ e equivalentes”. [...] Por
secularização entendemos o processo pelo qual setores da
sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das
instituições e símbolos religiosos”.
O termo “globalização” é recente. Porém, conforme nos diz Santos (1999, p.
289), “mesmo admitindo que existe uma economia-mundo desde o século XVI, é
inegável que os processos de globalização se intensificaram enormemente nas
últimas décadas”.
Por outro lado, Michael Ramminger (2004, p. 221) comenta este conceito e
diz:
“O neoliberalismo é, como se sabe, o teto ideológico do que
tem sido chamado há alguns anos de globalização. Esta
globalização é definida pelos políticos e pelas instituições
internacionais como um processo, como uma transformação da
economia mundial, que é marcada por crescente
interdependência”.
154
A globalização deixa suas marcas. Cada vez mais, um pequeno grupo de
ricos que ficam cada vez mais ricos e uma maioria esmagadora de pobres que ficam
mais pobres. Assim,
“calcula-se que 1 bilião de pessoas [...] viva em pobreza
absoluta, ou seja, dispondo de um rendimento inferior a cerca
de 365 dólares por ano. Do outro lado do abismo, 15% da
população mundial produziu e consumiu 70% do rendimento
mundial” (SANTOS, 1999, p. 293).
É um absurdo e uma grande injustiça admitir que 15% da população mundial
detêm 70% do rendimento mundial. Isto quer dizer que 85% da mesma população
detêm apenas 30%. É um verdadeiro abismo que separa os ricos e os pobres. Outro
dado questionador é que 1 bilhão de pessoas, no mundo, vivem com menos 1 (um)
dólar por dia, o que pode ser denominado de indigente ou de miséria absoluta.
Muitos movimentos sociais questionam, em relação à globalização, às vezes,
não sobre esta em si, a qual, segundo Maria da Glória Gohn (2003, p. 35), faz parte
de um dado momento do processo histórico contemporâneo, mas a maioria desses
movimentos é:
“contra a parcela do status quo vigente que legitima uma ordem
socioeconômica e moral de injustiças, criando grandes
distâncias entre ricos e pobres, incluídos e excluídos. Recusa-
se às imposições de um mercado global, uno, voraz.
Contestam-se também os valores que impulsionam a
sociedade capitalista, alicerçados no lucro e no consumo de
mercadorias supérfluas.
O mundo “globalizado” de hoje é comandado pelo G-8 (os 7 países mais ricos
e industrializados mais a Rússia) que, na sua maioria, se dizem “cristãos”. Tanto
esses países, como nos demais, ainda hoje falta a partilha e, principalmente, cumprir
o mandado de Jesus: “Vocês é que têm de lhes dar de comer” (Mt 14,16).
155
Segundo reportagem Fome mata 1 criança a cada 5 segundos”, da Folha de
São Paulo, de 9 de dezembro de 2004, Caderno Mundo, p. A-16, de acordo com o
relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação), de 2000/2002, 852 milhões de pessoas famintas. A fome é a maior
vergonha existente no mundo e o maior contratestemunho dos cristãos, que é
partilhar e lutar pela vida digna de seus irmãos. Outra vergonha consiste na
distribuição de renda mundial:
“Os 5% mais ricos do mundo recebem uma renda 114 vezes
superior à dos 55% mais pobres. Do início da cada de 1960
até 2002, a renda per capita dos 51 países mais pobres
cresceu 26%, atingindo 267 dólares, enquanto a renda dos
países mais ricos cresceu 183%, alcançando 32.339 dólares”
(CNBB/80, 2005, p. 81).
Esses dados revelam o abismo que separa os países ricos e os países
pobres.
O apelo de Jesus, no Juízo Final, para a questão da partilha e da
solidariedade aos mais “pequeninos”, ainda está longe de ser realidade.
3.1 A Sociedade Brasileira
De acordo com o censo 2000 do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, o Brasil tem uma população de 169.799.170 (disponível em
http://www.ibge.gov.br/). Destes, 124.976.912, ou seja, 73,60% o cristãos
católicos, e 26.166.930, ou seja, 15,41% são cristãos evangélicos (disponível em
http://www.edeus.org/ibge.htm), totalizando 151.143.842 de nossa população, ou
seja, 89,01%, o que equivale dizer que quase 90% são cristãos. Diante desse
quadro, alguns fatores questionam o “Brasil-cristão”.
156
“O Brasil tem hoje 50 milhões de pessoas (29,3% da população) em situação
de indigência” (NERI, 2001, p. A-12). Segundo este economista da FGV - Fundação
Getúlio Vargas, esses indigentes são os que têm uma renda mensal inferior a R$
80,00 (oitenta reais).
“País já tem 1 milhão de sem-terra acampados” é o que diz a manchete do
Jornal “Folha de São Paulo”, de 29 de maio de 2006:
“A quantidade de sem-terra acampados explodiu neste ano
eleitoral. Levantamento recente feito pelo governo federal
revela que cerca de 1 milhão deles está espalhado pelo país
morando debaixo de barracos de lona à espera de um lote de
terra da reforma agrária” (SCOLESE, 2006, p. A6).
Os dados a seguir, extraídos do site http://www.ibge.gov.br/, correspondem ao
censo 2000, embora seus comentários estejam em
http://www.consciencia.net/educacao/hist/censo.html:
“No Brasil ainda vivem 17,6 milhões de pessoas com 10 anos
ou mais que o sabem ler nem escrever. Apesar do aumento
do mero de brasileiros alfabetizados, o censo 2000
comprovou que o país ainda tem uma das maiores taxas de
analfabetismo da América Latina. [...] No Nordeste, 24,6% da
população com 10 anos ou mais não sabem ler e escrever”.
“Nos domicílios rurais do Nordeste, o cenário é ainda mais
triste: 60,5% das unidades residenciais não m instalações
sanitárias”.
“Metade da população ocupada do país ganha até R$ 300,00
por mês”.
“Mais de 95 milhões de brasileiros moram em casas não
plenamente adequadas ou seja, não são totalmente
atendidas por sistema de abastecimentos de água, coleta de
esgoto e lixo ou abrigam mais de duas pessoas por dormitório”.
157
Toda essa realidade social, num país governado, em sua maioria, por
cristãos, o que se questiona é até que ponto os ensinamentos deixados por Jesus,
bem como seus princípios essenciais de amor, justiça, partilha e solidariedade, de
fato, fazem parte daqueles que governam o nosso país.
Em relação à economia, que é o motor que move o mundo e constitui a base
e o alicerce de toda e qualquer administração social, pode-se dizer que o Brasil é:
“a oitava maior economia do mundo, segundo os indicadores
econômicos, quando, na verdade, é a 5economia do mundo,
de acordo com indicadores sociais. [...] E quando, entre os
indicadores econômicos, ainda se uma preferência absoluta
aos que estão ligados ao incremento da exportação (para
poder pagar os juros da dívida externa), um modelo econômico
pode tornar-se cruelmente sacrifical. Pode, por exemplo, um
país orgulhar-se de ser o maior exportador de sucos cítricos, o
terceiro maior exportador de frangos, um dos maiores
exportadores de carne bovina, somando isso a uma série de
outros ‘êxitos’ na exportação de alimentos, enquanto,
internamente, mais da metade da população passa fome”
(ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 311).
São esses os contrastes sociais, onde se tem um país que, economicamente
falando, pode ser chamado de “rico”, enquanto a maioria de seu povo é “pobre”, com
50 milhões de indigentes. É um modelo econômico “cruelmente sacrifical”, onde o
que interessa são os indicadores econômicos para que o país tenha um prestígio
internacional, o se importando com os indigentes e deixando-os de lado, bem
como a população mais pobre, a qual clama por justiça e é considerada um peso
para o país.
“Pesquisa Radar Social’ do IPEA, publicada em maio de 2005,
constatou que 53,9 milhões de pessoas (31,7% da população
brasileira) vivem na pobreza, com renda mensal per capita de
158
até meio salário mínimo por mês; e que, entre esses, 21,9
milhões são muito pobres ou indigentes, com renda per capita
mensal igual ou inferior a 1/4 de salário mínimo” (CNBB/80,
2005, p. 74/5).
De acordo com os dados desse Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -
IPEA, a pobreza e a miséria no Brasil é uma realidade questionadora, pois O
contraste entre ricos e pobres é chocante, quer entre os países, quer dentro de cada
país. São situações insuportáveis de marginalização, exclusão e miséria” (CNBB/80,
2005, p. 74). Isto é um atentado contra a dignidade da pessoa humana e
inadmissível para quem se diz cristão, seja ele ligado ao governo ou não. Ninguém
deve viver na margem, na exclusão e muito menos na miséria.
Dado importante é o que a ONU - Organização das Nações Unidas - define
em relação aos que são considerados pobres ou miseráveis. São Pobres os que
vivem com renda diária de até dois dólares, e como miseráveis os que ganham a
um dólar, ou que não têm renda fixa” (CNBB/80, 2005, p. 77).
A questão da distribuição de renda no Brasil é gravíssima. “Em 2003, 1% dos
brasileiros mais ricos se apropriaram de 13% da renda total do país, enquanto os
50% mais pobres receberam apenas 13,3% desta” (CNBB/80, 2005, p. 82). Esta
renda é vergonhosa e injusta. O Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos
e “escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento suficiente para todos e que a
fome se deve à repartição dos bens e da renda” (CNBB/69, 2002, p. 9). Falta
vontade política do Estado que “tem responsabilidade própria e intransferível no
combate à exclusão, na promoção do bem comum e na defesa dos direitos de todos
os cidadãos” (CNBB/80, 2005, p. 88).
A questão da pobreza, a marginalização e a exclusão são seriíssimas em
nosso país. De modo geral,
159
“Vencer a exclusão não é apenas um desafio cnico; é um
imperativo ético, moral e espiritual. Não depende de
mudanças no comportamento individual, por importantes e
indispensáveis que sejam. São necessárias decisões e
políticas públicas em âmbito nacional e internacional”
(CNBB/80, 2005, p. 85).
Para isso, é necessário um trabalho firme do governo na área social, nos seus
mais diversos programas sociais, dentre eles: o “Bolsa-Família”, “Bolsa-Escola” e o
“Fome Zero”. Este último torna-se importantíssimo, mas não deve ter apenas o
sentido de “assistência social” ou de mera distribuição de alimentos, que é o primeiro
passo, todavia é necessário seguir o seu plano de metas e abrir caminhos para a
promoção social, criando novos empregos, fazendo uma justa reforma agrária,
investindo na educação e na saúde, combater a corrupção, melhorar a distribuição
de renda e fazer uma política de inclusão social.
160
CONCLUSÃO
Por trás do texto do Juízo Final (Mt 25,31-46), todo um contexto social.
Com a destruição do Templo, em Jerusalém, por volta do ano 70, pelos romanos,
muitos judeus e cristãos foram para a Antioquia por ser um centro cultural e
comercial muito importante e por estar a 400 Km de Jerusalém. Nesta cidade, ao
que tudo indica, ou em regiões próximas, foi escrito o Evangelho de Mateus.
Calcula-se que, das pessoas que viviam em Antioquia, “Cerca de 90% da população
eram camponeses e artesões. Eram na maior parte analfabetas, viviam em vel de
subsistência” (SALDARINI, 2000, p. 70). Para complicar ainda mais, estes judeus e
cristãos eram tamm estrangeiros. É nesse contexto social e tamm de
perseguição por parte do Império Romano, além da cobrança de impostos absurdos,
que tem origem a comunidade judaico-cristã de Mateus.
O autor desse Evangelho faz um apelo à solidariedade. Pelo que parece,
vários judeus e vários cristãos não estavam colocando, em prática, as obras de
piedade do judaísmo e dos ensinamentos de Jesus. Como era um tempo de
perseguição e resistência, Mateus escreve um texto utilizando vários gêneros
literários, chamando a atenção de sua comunidade para a prática das obras de
misericórdia; utiliza a linguagem apocalíptica pra chamar a atenção para a questão
urgente da solidariedade a fim de resistirem às tribulações e perseguições e tamm
para mostrar que a história não termina aqui, mas que um outro mundo, onde
161
Deus se está atento às obras que praticam os justos e os ímpios. Assim sendo,
haverá um Juízo Final, onde o “Filho do Homem” será o responsável pelo julgamento
e dará a vida eterna aos que praticarem as obras de misericórdia e o castigo eterno
aos que não as praticarem. Todavia, este Juízo Final tem, por critério, a partilha dos
bens e a solidariedade, aqui e agora, no presente da história. Tudo gira em torno de:
Porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era
estrangeiro e me recebestes. Nu e me vestistes, estive doente e me visitastes, preso
e viestes ver-me” (Mt 25,35-36).
A grande novidade consiste na própria revelação do Filho do Homem que
também é pastor e rei, e Jesus mesmo vai dizer: Em verdade vos digo: cada vez
que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” e “Em
verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes pequeninos, a mim o o
fizestes” (Mt 25,40.45).
No que se refere à análise exegética de Mateus 25,31-46, cujo texto poderá
também estar descrito simplesmente como “Juízo Final”, a mesma foi baseada no
texto em grego do Novum testamentum graece, de Nestle-Aland, em sua XXVII
edição, onde, depois da crítica textual e da tradução, o destaque fica por conta dos
32 verbos, num total de 58, que estão no indicativo aoristo e todos se referem ou
estão relacionados às obras de misericórdia praticadas ou não aos mais
“pequeninos”. São eles:
evpei,nasa – tive fome (35.42);
evdw,kate, - destes (35.42);
fagei/n comer (35.42);
evdi,yhsa – tive sede (35.42);
evpoti,sate, - destes de beber (35.42);
162
sunhga,gete, - recebestes (35.43);
perieba,lete, - vestistes (36.43);
hvsqe,nhsa – estive doente (36);
evpeske,yasqe, - visitastes (36.43);
h;lqate – viestes (36);
ei;domen – vimos (37.38.39.44);
evqre,yamen – alimentamos (37);
evpoti,samen – demos de beber (37);
sunhga,gomen – recebemos (38);
perieba,lomen - vestimos (38);
h;lqomen – fomos (39);
evpoih,sate – fizestes (40.40.45.45);
dihkonh,same,n – servimos (44).
Tamm três adjetivos se destacam:
xe,noj, xe,non – estrangeiro: vv. 35, 43 e 44;
gumno.j, gumno.n – nu: vv. 36. 38. 43. 44;
evlaci,stwn – pequeninos: vv. 40 e 45.
Dos dezesseis versículos (31-46) que comem o texto do Juízo Final, doze
(34-45) estão relacionados diretamente à questão das obras de misericórdia aos
mais “pequeninos”. Estes versículos fazem parte de um gênero literário que K.
Berger (1998, p. 230) chama de “epidícticos”, onde ele denomina de “diálogo de
revelação”. Assim, tem-se: A: a ‘primeira’ revelação, enigmática, precisa de
esclarecimento (34-36.41-43). B: a não-compreensão humana se manifesta -
pergunta, censura, pedido (37-39.44). C: segue-se então a ‘segunda’ revelação,
163
esclarecedora” (40.45), lembrando que, no v. 34, uma alegoria, onde o pastor, do
v. 32, passa a ser, agora, “rei”, e o mesmo acontece nos vv. 40 e 45.
Para complementar estes dados do texto, os vv. 32b-33 aparecem em forma
de parábola. Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson (1990a, p. 51-60) apresentam,
possivelmente, a sua forma mais simples e mais original
13
, como sendo:
Naquele tempo, o Pastor ajuntará e separará as ovelhas dos
carneiros (cabritos). Colocará as ovelhas à direita e os
carneiros à esquerda.
-- Ele dirá àqueles que estão à direita: Tive fome, sede, fui
estrangeiro, estive nu, doente e prisioneiro.
v. 37 – Eles perguntarão: Quando?... (v. 38-39).
v. 40 – Ele dirá: Quem o fez para os mais pobres, foi a mim que
o fez!
v. 41 – Ele dirá àqueles que estão à esquerda: Tive fome...
v. 44 – Eles perguntarão: Quando?
v. 45 Ele responderá: Quando recusaram ajudar a um destes
pobres, foi a Mim que recusaram ajudar.”
Para concluir as referências sobre os gêneros literários dos vv. 31-
32a.34.41.46, a questão do julgamento descrito em linguagem apocalíptica para
mostrar que Deus se estava atento a tudo e que, no julgamento final, os bons
(justos), que praticarem as obras de misericórdia aos mais “pequeninos”, irão
receber a recompensa e tomar posse do Reino preparado desde a criação do
mundo, e os maus (ímpios) irão para o castigo eterno. E o responsável pelo
julgamento é o Filho do Homem.
Resumidamente, o texto tem a seguinte estrutura:
A) Preparação para o julgamento (vv. 31-33);
B) A razão de ser do julgamento (vv. 34-36);
13
A parábola mais original está na p. 56.
164
C) Perguntas dos que estão à direita (vv.37-39);
D) Resposta de Jesus (rei) (v. 40);
B’) A razão de ser do julgamento (vv. 41-43);
C’) Pergunta dos que estão à esquerda (v. 44);
D’) Resposta de Jesus (rei) (v. 45);
A’) Conclusão do julgamento (v. 46).
A essência e a razão de ser do texto do Juízo Final estão em torno da obras
de misericórdia aos mais “pequeninos” (evlaci,stwn). E quem são estes? Em seu livro:
“The Least of My Brothers” (meus irmãos mais pequeninos), Sherman W. Gray
(1989, p. 337) diz que, das 504 referências, nos seis séculos e meio, na era dos
“Padres da Igreja”, 312 (62%) estão no sentido neutro, 166 (33%) estão em sentido
restritivo, como cristãos, e 26 (5%), no sentido universal, como todos os
necessitados.
Overman (1999, p. 380)
“afirma que Mateus quer dizer que Cristo chama seu povo para
servir ao mundo. Os necessitados da parábola não são outros
membros da Igreja, mas todos os necessitados do mundo. Foi
sobretudo neste século e no anterior que se cultivou a
chamada tendência universalizadora”.
Nessa mesma linha, há muitos outros hoje, dentre eles Gourgues (2004, p.
206), o qual afirma que tanto para “os mais pequeninos” como para “todas as
nações”, a interpretação deve ser na linha universalista. Joachim Jeremias (1976, p.
205), comentando Mt 25,40, diz que “’por irmãos’ não se entendem neste lugar os
discípulos, mas todo o oprimido e achado em necessidade”.
Fazendo uma atualização do Juízo Final, quem o os mais “pequeninos”?
Evidente que, ainda, são os famintos, os sedentos, os andarilhos, os que estão nus,
os doentes, os presos, e a lista continua... São tamm os drogados, aqueles e
165
aquelas que são prostituídos(as), os meninos e meninas moradores de rua, os que
vivem debaixo das pontes e viadutos, os pobres desempregados, as timas de
violência, em todos os seus níveis, os asilados, os bóias-frias e todos aqueles que
são marginalizados e excluídos da sociedade e que não dispõem de meios
necessários para terem uma vida digna. Neles, hoje, está o próprio Jesus que nos
alerta mais uma vez: ”Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes
meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).
Hoje se questiona à própria Igreja Católica e às Igrejas Cristãs e suas
atitudes. Especificamente, a Igreja Católica, enquanto instituição, de uma certa
maneira, porém deixando muito a desejar, tem desenvolvido um trabalho social que
visa à dignidade dos pobres e a sua libertação, bem como tamm um trabalho
caritativo em relação aos mais necessitados.
A própria CNBB, através do documento 69 (2002, p. 14/5), quando escreve
sobre as “Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome”,
reconhece que:
“O mais triste para a consciência cristã é o fato de que a
escandalosa desigualdade acontece, infelizmente, pela falta de
testemunho evangélico de vida, criando ofuscamento da
consciência, frieza e alienação diante do sofrimento humano e
descrédito para o anúncio da Boa Nova”.
Em relação à prática das obras de misericórdia aos mais pequeninos, mais do
que nunca, devemos saber que:
“Reconhecer nos rostos sofredores dos pobres o rosto do
Senhor é um convite permanente para todos os cristãos a uma
profunda conversão pessoal e eclesial (SD, n. 178). Jesus
Cristo, presente nos pobres, interpela a própria Igreja, cujos
recursos não são sempre bem distribuídos” (CNBB/80, 2005, p.
76).
166
Falta, conforme vem expresso neste documento, uma “profunda conversão
pessoal e eclesial” para reconhecer, de fato, o rosto de Jesus nos mais pobres. Falta
também, a uma parte da Igreja e dos cristãos, trocar de verbo, ao invés de ficar com
o verbo “falar”, passar a agir e ao verbo “fazer”, pois Jesus é claro ao dizer: Em
verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a mim o fizestes” e “Em verdade vos digo: cada vez que não fizestes a
um destes pequeninos, a mimo o fizestes” (Mt 25,40.45).
Quanto à dimensão social, é lamentável admitir que “53,9 milhões de pessoas
(31,7% da população brasileira) vivem na pobreza, com renda per capita de até meio
salário mínimo por mês” (CNBB/80, 2005, p. 74). E não pára por aí, pois o país tem
1 milhão de sem-terra acampados; 17,6 milhões de pessoas com 10 anos ou mais
que o sabem ler e escrever; 95 milhões de brasileiros que moram em casas não
plenamente adequadas e muitos outros problemas sociais. Diante desse contexto
social, o que se questiona é qual tem sido o papel dos brasileiros para mudar esta
realidade. Na verdade, são 89,01% de cristãos, quase 90% dos brasileiros. Uma
maioria plena dos que governam nosso país se dizem tamm cristãos. O que se
questiona é o por que de tanta miséria e injustiças. Ainda, estamos muito longe de
construir uma sociedade, verdadeiramente, cristã e que leva os ensinamentos de
Jesus a sério.
Especificamente, sobre as obras de misericórdia do Juízo Final, é inegável
que muitos cristãos, a Igreja Católica e o Governo Brasileiro têm feito alguma coisa
até certo ponto, mas, ainda, há muita coisa para se fazer. O “Bolsa-Escola”, o
“Bolsa-Família” e o Fome Zero” são programas sociais que devem ser ampliados e
não devem parar na “assistência social” meramente. São necessários: um trabalho
firme do governo e do povo brasileiro, da Igreja e de instituições nacionais e
167
internacionais para a criação de novos empregos, uma reforma agrária justa,
combate à corrupção, investimento maciço na educação, melhoria do sistema de
saúde, uma melhor partilha da distribuição de renda do nosso país, pois é
inconcebível que, de acordo com os dados de 2003, 1% dos brasileiros mais ricos
se apropriaram de 13% da renda total do país, enquanto os 50% mais pobres
receberam apenas 13,3% desta(CNBB/80, 2005, p. 82). Para que o texto do Juízo
Final aconteça e para que haja, de fato, uma inclusão social, ainda falta a
conversão, ou seja, a mudança de vida de muitos cristãos, de uma boa parte das
igrejas que seguem os ensinamentos de Jesus e de muitos poticos que se dizem
“cristãos”. As obras de misericórdia aos mais pequeninos” devem acontecer aqui e
agora e cada um deve fazer a sua parte.
168
REFERÊNCIAS
AALEN, S. Glória, Honra. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.). Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon Chown. 2.ed.
São Paulo: Edições Vida Nova, v. I, 2000.
ALBERTIN, Francisco. O reino da justiça e do amor comentário ao Evangelho de
Mateus. 2.ed. Aparecida: Editora Santuário, 2005.
______. As Bem-aventuranças de Jesus - no evangelho de Mateus. 3.ed. Aparecida:
Editora Santuário, 2002.
BAILÃO, Marcos Paulo. O nascimento do messianismo judaíta. Estudos Bíblicos,
Petrópolis/São Leopoldo, n. 52, p.11ss, 1997.
BARCLAY, William. The gospel of Matthew. Philadelphia: The Westminster Press, v.
2, 1975.
BAUDER, W. Fome, Sede... BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.). Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon Chown. 2.ed.
São Paulo: Edições Vida Nova, v. I, 2000.
BEARE, Francis Wright. The Gospel according to Matthew. Peadoby,
Massachusetts: Hendrickson Publisers, 1987.
169
BEDOYA, Luiz Eduardo Torres. O anúncio do rebento: uma saída para a crise
Messianismo em Zacarias 3,8-10. Estudos Bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, n. 52,
p. 43ss, 1997.
BENTO XVI. Deus é amor. Carta Encíclica do Santo Padre. São Paulo: Editora
Paulus e Loyola, 2006.
BERGER, Klaus. As formas literárias do Novo Testamento. Tradução de Fredericus
Antonius Stein. São Paulo: Editora Loyola, 1998.
BIBLIA DE JERUSALÉM: São Paulo: Editora Paulus, 2002.
BÍBLIA edição pastoral. 8.ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1993.
BIBLIA SACRA – VULGATAM CLEMENTINAM. Nova Editio. Matriti: MCMLIII.
BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
BIBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 9.ed. Brasília: Sociedade
Bíblica do Brasil, 1982.
BÍBLIA TRADUÇÃO ECUMÊNICA (TEB). São Paulo: Loyola, 1994.
BIETENHARD, H. Estrangeiro. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.). Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon Chown. 2.ed.
São Paulo: Edições Vida Nova, v. I, 2000.
______. Nação, Povo. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.). Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon Chown. 2.ed.
São Paulo: Edições Vida Nova, v. II, 2000.
BLANK, Renold J. Escatologia da pessoa. 2.ed. São Paulo: Editora Paulus, 2000.
BLENDINGER, C. Trono, Assento. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon
Chown. 2.ed. São Paulo: Edições Vida Nova, v. II, 2000.
170
BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. 3.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1982.
BONNARD, Pierre. Evangelio Segun San Mateo. Madrid: Ediciones Cristiandad,
1976.
BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.). Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. Tradução de Gordon Chown. 2.ed. São Paulo: Edições Vida
Nova, v. I e II, 2000.
BROWN, Raymond E. As Igrejas dos Apóstolos. Tradução de I. F. Leal Ferreira, São
Paulo: Edições Paulinas, 1986.
BURNS, Edward Mcnall. História da civilização ocidental. Tradução de Lourival G.
Machado, Lourdes S. Machado e Leonel Vallandro. 28.ed. Rio de Janeiro: Editora
Globo, v. I, 1986.
CARTER, Warren. O Evangelho de São Mateus: comentário sociopolítico e religioso
a partir das margens. Tradução de Walter Lisboa. São Paulo: Editora Paulus, 2002.
COLLINS, Adela Yarbro. Introduction Early Christian Apocalypticism. Semeia.
Decatur, n. 36, p.1-11, 1986.
COMBLIN, José. Justiça e lei no Evangelho segundo Mateus. Estudos bíblicos,
Petrópolis, n. 26, p. 19-27, 1990.
______. A fome na Bíblia. Estudos bíblicos, Petrópolis, n. 46, 1995.
CONFERÊNCIA nacional dos bispos do Brasil. Ele está no meio de nós!. São Paulo:
Edições Paulinas, 1998.
______. Evangelização e Missão Profética da Igreja (doc. 80). São Paulo: Edições
Paulinas, 2005.
______. Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome (doc.
69). São Paulo: Edições Paulinas, 2002.
171
______. Queremos ver Jesus Caminho, Verdade e Vida. Brasília: Scala Gráfica e
Editora, 2004.
EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. Tradução de Johan Konings e
Inês Borges. São Paulo: Editora Loyola, 1994.
EICHER, Peter. Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. Tradução de João
Rezende Costa e Georges Ignacio Maissiat. São Paulo: Editora Paulus, 1993.
FABRIS, Rinaldo. A Opção pelos pobres na Bíblia. Tradução de Benôni Lemos. São
Paulo: Edições Paulinas, 1991.
FOLHA DE SÃO PAULO, São Paulo, 09 de dezembro de 2004. p. A-16.
GARLAND, David E. Reading Matthew. A Literary and Theological Commentary on
the First Gospel. New York: Crossroad, 1993.
GENDRON, Philippe. Medo e no Evangelho de Mateus. São Paulo: Edições
Paulinas, 1999.
GIBSON, John Monro. The gospel of St. Matthew. New York: A. C. Armstrong and
Son. 1898 (sic).
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento Grego
português. Tradução de Julio P. T. Zabatiero. São Paulo: Edições Vida Nova, 1993.
GOHN, Maria da Glória (org.). Movimentos Sociais no Início do Século XXI.
Petrópolis: Editora Vozes, 2003.
GORGULHO, Gilberto; ANDERSON, Ana Flora. Ovelhas e cabritos: discernimento e
julgamento (Mt 25,31-46). Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 26, p. 51-60, 1990a.
______. As parábolas nasceram da terra e do trabalho da Galiléia. Estudos Bíblicos,
Petrópolis, n. 26, p. 43-50, 1990.
GOURGUES, Michel. As parábolas de Jesus em Marcos e Mateus. Tradução de
Odila Aparecida de Queiroz. São Paulo: Editora Loyola, 2004.
172
GRAY, Sherman W. The Least of My Brothers. Washington: The Society of Biblical
Literature, 1989.
GUHRT, J. Era, Duração da Vida, Eterno. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon
Chown. 2.ed. São Paulo: Edições Vida Nova, v. II, 2000.
HARRINGTON, Daniel J. The gospel of Matthew. Collegeville, Minnesota: A Michael
Glazier Book – The Liturgical Press, v. 1, 1991.
HARRIS, R. Laird; ARCHER, Gleason L. Júnior; WALTKE, Bruce K. Dicionário
Internacional de Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro
Redondo; Luiz A. T. Sayão; Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo: Edições Vida Nova,
1998.
HENRY, Matthew. Matthew Henry’s commentary on the whole bible. New Jersey:
Fleming H. Revell Company, v. 5, [19--].
HILL, David. The gospel of Matthew New century bible comentary. London:
Marschall, Morgan & Scott Publ. Ltd., 1972.
HOEFELMANN, Verner. A crítica de Jesus à lei como opção pelos marginalizados.
Estudos Bíblicos, Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo, n. 27, p. 54-63,
1990.
HORSLEY, Richard A. Jesus e o Império. São Paulo: Editora Paulus, 2004.
HORSLEY, Richard A.; HANSON, John S. Bandidos, Profetas e Messias
Movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Editora Paulus, 1995.
HOUTART, François. Sociologia da Religião. São Paulo: Editora Ática, 1994.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 13 de junho de 2006.
173
______. Disponível em: <http://www.consciencia.net/educacao/hist/censo.html>.
Acesso em: 28 de maio de 2006.
______. Disponível em: <http://www.edeus.org/ibge.htm>. Acesso em: 5 de outubro
de 2005.
______. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 28 de maio de 2006.
JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. Tradução de João Rezende Costa.
São Paulo: Edições Paulinas, 1976.
KIPPENBERG, Hans G. Religião e Formação de Classes na Antiga Judéia. São
Paulo: Edições Paulinas, 1988.
KONKORDANZ zun Novarum Testamentum Graece von Nestle-Aland, 26. Auflage,
und zum Greek New Testament, 3rd edition/ hrsg. Vom Inst. Fur Neutestamentl.
Textforschung u. vom Rechenzentrum d. Univ. Munster. Unter bes. Mitw. Von H.
Bachmann u. W. A. Slaby.- 3. Aufl. – Berlin; New York: de Gruyter, 1987.
KRAFT, Tomás. A igreja primitiva na África. Estudos bíblicos, Petrópolis/São
Leopoldo, n. 29, p. 157-185, 1998.
LA BIBLIA DI GERUSALEMME. 13.ed. Bologna: Edizioni Dehoniana, 1995.
LANCELLOTTI, Angelo. Comentário ao Evangelho de São Mateus. Tradução de
Antonio Angonese E. F. Alves. 2.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
______. Matteo. Roma: Edizioni Paoline, 1981.
LAPIDE, Pinchas. O sermão da montanha: Utopia ou Programa? Petrópolis: Editora
Vozes, 1986.
LEMOS, Carolina Teles. Religião, gênero e sexualidade. Goiânia: Editora da UCG,
2005.
LIBÂNIO, João B.; BINGEMER, Maria Clara. Escatologia Cristã. 2.ed. Petrópolis:
Editora Vozes, 1994.
174
LINK, H. G. Bênção, Bem-aventurado, Feliz. BROWN, Colin; COENEN, Lothar
(orgs.). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2.ed. São Paulo: Edições Vida Nova, v. I, 2000.
LOCKMANN, Paulo. Uma leitura do Sermão do Monte (Mateus 5—7). Estudos
bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, n. 27, p. 48-55, 1997.
LOHFINK, Gerhard. Como Jesus queria as comunidades? A dimensão social da
cristã. Tradução de Johann Piber. São Paulo: Edições Paulinas, 1997.
LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento. Tradução de Hans Jörg
Witter. São Paulo: Edições Paulinas, 2000.
MACK, Burton L. O Evangelho Perdido (o livro de Q e as origens cristãs). Tradução
de Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1994.
MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. Tradução de Álvaro Cunha et al.; 4.ed. São
Paulo: Editora Paulus, 1984.
MARTENS, Elmer A. Filho, Neto, Membro de um Grupo. HARRIS, R. Laird;
ARCHER, Gleason L. Júnior; WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro Redondo; Luiz A. T.
Sayão; Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo: Edições Vida Nova, 1998.
MATEOS, Juan. A Utopia de Jesus. Tradução de I. F. Leal Ferreira. São Paulo:
Editora Paulus, 1994.
MATEOS, Juan; Camacho, Fernando. O Evangelho de Mateus. Tradução de João
Resende Costa. São Paulo: Edições Paulinas, 1993.
______. Evangelho, Figuras e Símbolos. Tradução de I. F. L. Ferreira. São Paulo:
Edições Paulinas, 1991.
MATOS, H. C. J. Misericórdia como espiritualidade. Belo Horizonte: Editora “O
Lutador”, 1993.
175
MAY, Roy H. Os pobres da terra. São Paulo: Edições Paulinas, 1988.
MAYER, Judite Paulina. Perspectivas messiânicas nos primórdios do judaísmo.
Estudos Bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, n. 52, p. 20-26, 1997.
MÍGUEZ, Nestor O. Ricos e pobres: relações de clientela na carta de Tiago. Estudos
bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, n. 31, p. 84-96, 1998.
______. Cristianismos Originários: Galácia, Ponto e Bitínia. Estudos bíblicos,
Petrópolis/São Leopoldo, n. 29, p. 85-106, 1998.
M’NEILE, Alan Hugh. The gospel according to St. Matthew. London/New york:
Macmillian & Co Ltd/St Martin’s Press, 1955.
MOHAMMAD, Aminuddin. Mohammad, o Mensageiro de Deus. São Paulo: centro de
divulgação do Islam para a América Latina, Wamy, 1989.
MORIN, E. Jesus e as estruturas de seu tempo. Tradução de Pe. Vicente Rodrigues
de Souza. São Paulo: Edições Paulinas, 1981.
MUNDLE, W. Amaldiçoar, Maldição. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon
Chown. 2.ed. São Paulo: Edições Vida Nova, v. I, 2000.
NADOLNY, Paul Jonh. “‘Tive fome e me destes de comer...’ O cuidado com os
pobres a partir de Mateus 25, 31-46”. 143 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da
religião) - Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 1999.
NAKANOSE, Shigeyuki. Uma história para contar... a páscoa de Josias. Tradução de
Fátima R. D. Marques. São Paulo: Edições Paulinas, 2000.
NEUTZLING, Inácio. O reino de Deus e os pobres. São Paulo: Editora Loyola, 1986.
NOGUEIRA, Paulo. Cristianismos na Ásia Menor. Um estudo comparativo das
comunidades em Éfeso no final do primeiro século d.C. Estudos bíblicos,
Petrópolis/São Leopoldo, n. 29, p. 122-141, 1998.
176
OVERMAN, J. Andrew. Igreja e comunidade em crise: o Evangelho segundo Mateus.
Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Edições Paulinas, 1999.
PIKAZA, Xabier. Hermanos de Jesus y Servidores de los mas Pequeños” Juicio de
Dios y compromiso histórico en Mateo. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1984.
PIXLEY, Jorge. O fim do mundo Mateus 24—25. Estudos bíblicos, Petrópolis/São
Leopoldo, n. 27, p. 84-97, 1997.
______. Os primeiros seguidores de Jesus na Macedônia e Acaia. Estudos bíblicos,
Petrópolis/São Leopoldo, n. 29, p. 60-84, 1998.
PIXLEY, Jorge & BOFF, C. Opção pelos pobres. Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
RADERMAKERS, Jean. Lettura pastorale del vangelo di Matteo. Bologna: Edizioni
Dehoniane, 1974.
RAMMINGER, Michael. Mudança da Solidariedade, Crítica Radical e Globalização
Diferente. Caminhos, Goiânia, v. 2, n. 2, p. 221-231, jul./dez. 2004.
REIMER, Haroldo. Inclusão e resistência Anotações a partir do Deuteronômio.
Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 72, p. 11-20, 2002.
RICHTER REIMER, Ivoni. Parábolas no Novo Testamento: Reflexões sobre
metodologia e economia. Caminhos, Goiânia, v. 2, n. 2, p. 283-290, jul./dez. 2004.
______. “Não temais... Ide ver... e anunciai!” Mulheres no evangelho de Mateus.
Estudos bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, n. 27, p. 149-166, 1997.
______. O que é Céu? O que é Inferno?. 22 Perguntas & Repostas da , São
Leopoldo, p. 63-70, 2000.
______. Prédica: Mateus 25,31-46. Proclamar a Libertação, São Leopoldo, v. 27, p.
291-296, 2001.
177
______. Sexualidade em tempos escatológicos uma aproximação à problemática
de casamento e celibato nos dois primeiros culos cristãos. Estudos bíblicos,
Petrópolis/São Leopoldo, n. 29, p. 107-121, 1998.
RICHARD, Pablo. A origem do cristianismo em Antioquia. Ribla, Petrópolis/São
Leopoldo, n. 29, p. 32-44, 1998.
______. Evangelho de Mateus: uma visão global e libertadora. Ribla, Petrópolis/São
Leopoldo, n. 27, p. 7-28, 1997.
______. A origem do cristianismo em Roma. Estudos bíblicos, Petrópolis/São
Leopoldo, n. 29, p. 142-156, 1998.
RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento. Tradução de Irineu
Rabuske. São Paulo: Editora Paulus, 2003.
SALDARINI, Anthony J. A Comunidade Judaico-Cristã de Mateus. São Paulo:
Edições Paulinas, 2000.
SCARDELAI, Donizete. Movimentos Messiânicos do Tempo de Jesus. Jesus e
outros Messias. São Paulo: Editora Paulus, 1998.
SCHIAVO, Luís; SILVA, Valmor da. Jesus Milagreiro e Exorcista. São Paulo: Edições
Paulinas, 2000.
SCHLESINGER, Hugo. Os Evangelhos e os Judeus. São Paulo: Edições Paulinas,
1985.
SCHMID, Josef. El evangelio según San Mateo. Barcelona: Editorial Herder, 1973,
SCHÖKEL, Alonso; DIAS, J. L. Sicre. Profetas II. São Paulo: Edições Paulinas,
1991.
SEGUNDO, Juan Luis. O caso Mateus – Os Primórdios de uma Ética Judaico-Cristã.
São Paulo: Edições Paulinas, 1997.
178
SILVA, Valmor da. Deus ouve o clamor do povo. Teologia do Êxito. São Paulo:
Edições Paulinas, 2004.
SOUSA, Ágabo Borges de. A figura de “Um como um Filho de um Homem em
Daniel 7. Estudos bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, n. 52, p. 72-77, 1997.
STEGEMANN, Ekkehard W.; STEGEMANN, Wolfgang. História Social do
Protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Editora Paulus e Sinodal, 2004.
STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Mateus. 2.ed. São Paulo: Edições
Paulinas, 1990.
STURZ, Richard J. O Filho do Homem. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon
Chown. 2.ed. São Paulo: Edições Vida Nova, v. II, 2000.
SWETNAM, James. Gramática do Grego do Novo Testamento. Tradão de
Henrique Murachco, Juvino A. Maria Jr., Paulo Bazaglia. v. 1. Lições. Pt. 1.
Morfologia. v. 2. Chave, listas, paradigmas, indices. Pt. 1. Morfologia. São Paulo:
Editora Paulus, 2002.
THEISSEN, Gerd. The Gospels in Context; social and political history in the synoptic
tradition. Minneapolis: Fortress Press, 1991.
TUENTE, R. Ovelha. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (orgs.). Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon Chown. 2.ed.
São Paulo: Edições Vida Nova, v. II, 2000.
VAZ, Eurides Divino. Uma reflexão sobre u, inferno e purgatório. Petrópolis:
Editora Vozes, 2004.
VIGIL, José Maria (Org). Opção pelos pobres hoje. São Paulo: Edições Paulinas,
1992.
179
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento, Manual de Metodologia. 2.ed. São
Leopoldo: Sinodal. São Paulo: Editora Paulus, 1998.
WENGST, Klaus. Pax Romana: pretensão e realidade. Tradução de António M. da
Torre. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.
ZABATIERO, lio Paulo Tavares. Castigo. BROWN, Colin; COENEN, Lothar
(orgs.). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2.ed. São Paulo: Edições Vida Nova, v. I, 2000.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo