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CONTROLE JUDICIAL E FEDERALISMO NO BRASIL: SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL VS. LEGISLATIVOS ESTADUAIS
Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientador: Charles Pessanha
Rio de Janeiro
Setembro de 2007
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ii
CONTROLE JUDICIAL E FEDERALISMO NO BRASIL: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
VS. LEGISLATIVOS ESTADUAIS
Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa
Orientador: Charles Pessanha
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Prof. Charles Pessanha
___________________________________
Prof. Antonio Celso Alves Pereira
___________________________________
Profª. Gisele Guimarães Cittadino
Rio de Janeiro
Setembro de 2007
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iii
Condeixa, Fábio de Macedo Soares Pires.
Controle Judicial e Federalismo no Brasil: Supremo
Tribunal Federal vs. Legislativos Estaduais/ Fábio de Macedo
Soares Pires Condeixa - Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2007.
x, 162 fls.: 31 cm.
Orientador: Charles Pessanha
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, 2007.
Referências Bibliográficas: f. 161-162
1. Federalismo. 2. Princípio da Simetria. 3. Autonomia Estadual. 4.
Controle Judicial. 5. Hermenêutica Constitucional. I. Pessanha,
Charles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em Ciência
Política. III. Controle Judicial e Federalismo no Brasil: Supremo
Tribunal Federal vs. Legislativos Estaduais.
iv
RESUMO
CONTROLE JUDICIAL E FEDERALISMO NO BRASIL: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
VS. LEGISLATIVOS ESTADUAIS
Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa
Orientador: Charles Pessanha
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
O trabalho desenvolve teoricamente o tema do federalismo enquanto
sistema político-organizacional para adentrar no estudo do federalismo brasileiro e
mais especificamente de um processo de mutação que ele vem sofrendo. Expõe-se
a tendência centralizadora e uniformizante do arranjo institucional brasileiro
oriundo da hermenêutica constitucional do Supremo Tribunal Federal, baseada no
chamado princípio da simetria, que consiste na obrigação de os estados guardarem
semelhança com o modelo de organização da União. A aplicação desse princípio
restringe a autonomia organizacional dos estados federados. Esta dissertação
pretende demonstrar que esse princípio é uma construção jurisprudencial sem
fundamento no texto constitucional e que ele advém de uma petitio principii que
este trabalho procura elidir através da elaboração de um instrumental teórico
adequado.
Palavras-chave: federalismo, princípio da simetria, autonomia estadual, controle
judicial, hermenêutica constitucional.
Rio de Janeiro
Setembro de 2007
v
ABSTRACT
Judicial Review and Federalism in Brazil: Federal Supreme Court vs. State
Legislatives
Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa
Orientador: Charles Pessanha
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
This work develops theorically the theme of federalism as a political and
organizational system in order penetrate into the study of the Brazilian federalism
and more specifically into the mutation process that it has been endured. It’s
presented the centralizer and standardizer trend of the Brazilian institutional
arrangement, which stems from Brazil’s Supreme Court constitutional
hermeneutics, based in a so-called symmetry principle, which enforces states to
adopt the federal model of organization. The application of this principle restraints
the organizational autonomy of the states. The present dissertation intends to set
forth that such principle is a jurisprudential construction with no seat in the
constitutional text, stemming from a petitio principii that this work tries to wipe out
by developing an appropriate theorical appliance.
Key words: federalism, principle of symmetry, state autonomy, judicial review,
constitutional hermeneutics.
Rio de Janeiro
Setembro de 2007
vi
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar gostaria de agradecer à minha família, mais
especificamente ao meu pai e à minha tia Zezé, que me deram suporte e amor, ao
meu orientador, pela incansável paciência, dedicação e generosidade, ao professor
Cristiano Franco, pela preciosa ajuda na revisão do projeto, e ao colega de
profissão e amigo Phillip Shimazaki Melbourne, que me ajudou na obtenção de
bibliografia, tendo todos contribuído para a realização desta dissertação.
vii
À minha família,
por apostar em mim.
viii
LISTA DE SIGLAS
ADI ou ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade
AGERGS – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS
AI – Ato Institucional
ALERJ – Assembléia Estadual do Rio de Janeiro
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
EC – Emenda Constitucional
EUA – Estados Unidos da América
MC – Medida Cautelar
MP – Medida Provisória
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PSL – Partido Social Liberal
RI – Representação de Inconstitucionalidade
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TCU – Tribunal de Contas da União
ix
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Teoria, histórico e conceituação do federalismo
7
Capítulo 2. O Federalismo Brasileiro 34
Brasil-colônia
Brasil Imperial
Primeira República
Era Vargas
Redemocratização com o Regime de 1946
Regime Militar
Regime Constitucional de 1988
Princípio da Simetria: esclarecimentos
Considerações gerais
Capítulo 3. STF x autonomia estadual 98
Caso I. Ausência de prazo para autorização da assembléia para o
governador ausentar-se do estado
Caso II. Observância obrigatória do modelo federal de processo
legislativo quanto à reserva de iniciativa de lei
Caso III. Possibilidade de medidas provisórias estaduais
Caso IV. Aplicação da simetria em procedimentos interna corporis das
assembléias legislativas
Caso V. Composição dos tribunais de contas estaduais
Caso VI. Controle de constitucionalidade estadual de normas de repetição
obrigatória
x
Caso VII. Inconstitucionalidade de interferência da assembléia legislativa
na nomeação de ocupantes de cargos executivos estaduais
Caso VIII. Impossibilidade de imposição de sabatina da Assembléia
Legislativa para a nomeação do chefe do Ministério Público
Caso IX. Imposição de simetria dos regimes públicos especiais de
previdência dos estados e municípios com o da União
Caso X. Impossibilidade de criação de órgão de controle inter-poderes
Caso. XI. Restrições à previsão de foro por prerrogativa de função na
Constituição estadual
Considerações Gerais
Conclusão 146
Referências bibliográficas 150
Introdução
A organização político-administrativa do Brasil é dotada de uma complexidade
tamanha que praticamente impede que os cidadãos que vivem sob sua autoridade
possam compreendê-la, ainda que de maneira superficial. A tarefa de entender os
meandros do arranjo institucional brasileiro é árdua também para os especialistas –
os politólogos e juristas–, que, por muitas vezes, também têm uma visão inexata
dele.
A República brasileira adotou, desde a Constituição de 1891, a forma
federativa de Estado, que pressupõe a existência de mais de um nível de governo
o governo central e suas unidades constituintes, os estados. Esse modelo federativo
torna muito mais complexos o arranjo institucional e sua operabilidade. Mesmo
especialistas se confundem na hora de examinar manifestações desses poderes,
que, muitas vezes, geram conflitos federativos a serem resolvidos por outras
manifestações de poderes. Talvez o exemplo mais notório disso passe pelas
assembléias legislativas estaduais e o papel que desempenham na formação e
operação do Estado brasileiro. As assembléias legislativas –que representam o
poder legislativo no nível estadual de governo– freqüentemente têm seus atos
revogados pelo Poder Judiciário. E isso não porque haja prevalência de um poder
sobre o outro ou de um nível de governo sobre o outro. Trata-se de um complexo
arranjo institucional envolvendo mecanismos de separação de funções do poder
político e de freios e contrapesos.
Quando da análise do federalismo, no Capítulo 1, estudar-se-ão os
elementos desse sistema político. Pode-se adiantar que, além da multiplicidade de
governos acima mencionada, o federalismo pressupõe um texto legal –uma
Constituição –que defina o que compete a cada nível de governo e a existência de
uma corte para dirimir os conflitos sobre tal divisão e para interpretar de forma
peremptória e não comprometida aquele texto legal. No Brasil, a corte que cumpre
esse papel é o Supremo Tribunal Federal. Essa corte define o que cada ente
2
federativo pode ou não fazer, segundo aquilo que ela entende estar disposto na
Constituição. O Supremo Tribunal Federal não é órgão do governo federal; é o
órgão mais elevado do Poder Judiciário nacional. Todas as demais cortes do país se
lhe estão submetidas, sejam as estaduais, sejam as federais, assim como todos os
órgãos de todos os outros poderes –Executivo e Legislativo–, de todos os níveis de
governo –federal, estadual, municipal e distrital.
Esse sistema de controle judicial do pacto federativo é comum a todas as
federações. Ocorre que no caso brasileiro uma boa parcela dos atos normativos
estaduais, inclusive dispositivos de constituições estaduais, é julgada
inconstitucional face à Constituição Federal, tendo, dessa forma, sua vigência
cassada pela Justiça. Outra boa parcela dos atos normativos estaduais trata de
temas de pouca ou nenhuma relevância social, de modo que o papel político efetivo
das assembléias fica muito reduzido em relação àquilo que elas deveriam
desempenhar num modelo concretamente federativo.
Há duas razões para que o âmbito de atuação das assembléias estaduais
seja tão reduzido. A primeira, de fácil constatação, consiste na própria repartição
de competências prevista no texto constitucional. A Constituição brasileira de 1988
deixou muito pouco para a esfera de decisão dos estados, embora lhes tenha
previsto órgãos próprios dos três poderes e constituições próprias. Além disso, a
Constituição define a composição dos poderes estaduais, retirando-lhes, dessa
forma, uma das principais características do poder, que é a autonomia para a auto-
organização.
O outro fator de restrição dos poderes legislativos estaduais é menos óbvio e
mais complexo, razão pela qual é freqüentemente esquecido ou desconsiderado. E
é justamente sobre esse fator que repousa o foco deste trabalho. Trata-se da
hermenêutica constitucional levada a cabo pelos magistrados da mais alta corte do
país. Muitas das decisões da Suprema Corte que tolhem a autonomia das
assembléias têm lastro direto no texto constitucional. Outras, contudo, partem de
ilações extraídas da sistemática constitucional, o que já consiste num exercício
3
propriamente interpretativo que, como tal, dá margem a dissensões e a conclusões
diversas. As decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, fruto de suas
conclusões interpretativas, tendem para a uniformização dos arranjos institucionais.
Essa uniformização não pode ser confundida com centralização, pois não
parte de uma imposição do poder central ao seu correspondente periférico. Trata-se
de uma interpretação jurídica que impõe modelos adotados por uma esfera de
governo a outras. A rigor, o governo central não ganha com isso. O Supremo
Tribunal tenta apenas evitar um “caos” jurídico, só que o que a ele parece caos,
pode ser encarado como pura manifestação da autonomia estadual. Veja-se o caso
da interferência legislativa no processo de escolha de cargos executivos na
administração pública estadual.
1
O Supremo Tribunal vedou aos estados que estes
estipulassem, ainda que constitucionalmente, que a nomeação de ocupantes de
certos cargos executivos pelo governador ficasse submetida a aprovação da
respectiva assembléia legislativa, pela única razão de que os equivalentes federais
desses cargos não estavam submetidos a essa mesma exigência no plano federal,
conforme o disposto na Constituição da República, ainda que esta trouxesse a
possibilidade de estipulação de tal exigência em lei infra-constitucional. Não há, a
princípio, nenhuma desvantagem para o Congresso Nacional que as assembléias
tenham mais influência no processo de nomeação de cargos estaduais do que ele,
na esfera federal.
Esse é apenas um exemplo dentre outros que explicita o processo de
mutação institucional que vem sofrendo a federação brasileira. Trata-se de um
fenômeno eminentemente jurídico, de repercussões políticas. Vemos em outros
momentos da história do federalismo brasileiro a aplicação de medidas
centralizadoras e uniformizadoras, só que essas medidas partiam diretamente do
poder central –Executivo e Legislativo–, com o fim de exercer alguma ingerência
nos poderes estaduais. É o que vemos na Reforma Constitucional de 1926; na
Revolução de 1930 e posterior Carta de 1934; no Estado Novo e sua Constituição
1
Caso VII, analisado no Capítulo 3.
4
de 1937; na Constituição municipalista e uniformizadora de 1946; na Constituição
de 1967/1969, sob o regime de exceção dos militares; e até mesmo Constituição
Cidadã de 1988. Tais diplomas legais são fruto de decisões políticas. O fenômeno
analisado por este trabalho, a seu turno, não parte de uma decisão política
previamente tomada e refletida. É tão-somente fruto de uma interpretação jurídica
–errônea, como pretendo demonstrar. E esse fenômeno só pode acontecer num
contexto de judicialização da política por que o Brasil vem passando, desde a
restauração democrática e a Carta de 1988.
O trabalho está divido em três capítulos. No primeiro capítulo, como o
próprio título indica, contemplam-se a teoria, o histórico e o conceito de
federalismo. Faz-se um apanhado geral, sem pretensão de exaustividade, do que já
se escreveu sobre federalismo e se busca estabelecer uma conceituação científica e
objetiva própria do que ele venha a ser, com base, evidentemente, no que se
conseguiu coletar. Delimitado o conceito de federalismo, investiga-se se o Estado
brasileiro enquadra-se nele. Há questionamentos sobre se o Brasil é de fato uma
Federação. A análise dos elementos do federalismo e da organização político-
institucional do Brasil tem a pretensão de contribuir para essa reflexão. Todavia,
não se pretende com este trabalho dar uma resposta peremptória a este
questionamento.
O Capítulo 2 dedica-se ao estudo do federalismo brasileiro, mas, neste afã,
retroage-se à formação político-institucional brasileira desde os tempos de colônia,
analisando o processo de desconcentração do Império, até se chegar à República,
fase a partir da qual o federalismo propriamente se instalou. Em seguida, faz-se
uma breve análise do federalismo em cada regime constitucional republicano, da
Constituição de 1891 até a de 1988. Nesse mesmo Capítulo, procura-se entender o
processo de mutação da composição institucional acima referida. E, com o objetivo
de melhor entender esse processo, elaboro uma tipologia sobre a simetria, pedra
de torque da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal nas questões
sobre federalismo.
5
A Suprema Corte brasileira baseia-se no propalado princípio da simetria para
resolver questões federativas que chegam a ela. Segundo esse princípio, a
organização dos estados e municípios deveria guardar simetria com a organização
que a Constituição da República estabelece para a esfera federal. Pretendo
demonstrar que essa interpretação incorre num equívoco lógico.
No Capítulo 3 se elabora um estudo de caso em que se analisam decisões do
Supremo Tribunal Federal em matéria federativa, mais especificamente sobre
autonomia legislativa das assembléias estaduais. Procede-se a uma análise crítica
dos fundamentos das decisões, que se dão, em sua maioria, em sede de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade. O estudo compreende 11 casos, assim dispostos:
Caso I – Ausência de prazo para autorização da assembléia para o
governador ausentar-se do estado;
Caso II – Observância obrigatória do modelo federal de processo
legislativo quanto à reserva de iniciativa de lei;
Caso III – Possibilidade de medidas provisórias estaduais;
Caso IV – Aplicação da simetria em procedimentos interna corporis das
assembléias legislativas;
Caso V – Composição dos tribunais de contas estaduais;
Caso VI – Controle de constitucionalidade estadual de normas de
repetição obrigatória;
Caso VII – Inconstitucionalidade de interferência da assembléia
legislativa na nomeação de ocupantes de cargos executivos estaduais;
Caso VIII – Impossibilidade de imposição de sabatina da Assembléia
Legislativa para a nomeação do chefe do Ministério Público;
Caso IX – Imposição de simetria dos regimes públicos especiais de
previdência dos estados e municípios com o da União;
Caso X – Impossibilidade de criação de órgão de controle inter-poderes;
Caso XI – Restrições à previsão de foro por prerrogativa de função na
Constituição estadual
6
Procura-se, sempre que possível, aplicar as categorias da tipologia
idealizada no Capítulo 2 ao estudo de cada caso, de forma a operacionalizá-las e
instrumentalizá-las.
Feito o estudo de caso, faz-se um breve balanço final e após se elabora a
conclusão. Em resumo, este trabalho tem dois objetivos principais: chamar a
atenção para um processo de mutação específico que a federação brasileira vem
sofrendo, enfatizando as peculiaridades desse processo; e propor uma tipologia de
categorias teóricas que auxiliem na compreensão daquele fenômeno peculiar de
mutação constitucional.
Capítulo 1
Teoria, histórico e conceituação do federalismo
Embora o tema do federalismo não seja um tema novo, e embora haja uma vasta
bibliografia sobre o assunto, não se pode dizer que haja um consenso sobre o que
vem a ser propriamente o federalismo. Pelo contrário, há várias acepções
substancialmente diferentes. São certeiras as observações de Maria Hermínia
Tavares de Almeida sobre a dificuldade de se tratar do tema:
Essa discussão implica reconhecer que as tipologias em uso
na ciência política em escala internacional –assim como no
Brasil– são ainda toscas, excessivamente referidas ao caso
nacional ao qual se aplicam e sem relação clara com alguma
teoria minimamente construída.
1
Quero dizer que não se está suficientemente perto de uma unanimidade
sobre o conceito e natureza do federalismo a ponto de que se possa olvidar esta
etapa da investigação para a elaboração de algum estudo de caso, como o
presente. Num estudo de caso, quando há certo consenso sobre a conceituação do
objeto, apenas se faz uma breve menção à bibliografia existente, a fim de que se
possa adentrar diretamente no tema objeto do estudo, sem se ter que percorrer
todo o iter já percorrido pelos estudos teóricos. Todavia, não creio que seja
conveniente proceder desta forma no presente estudo, que, em última análise, é
um estudo de caso. Preferi tentar percorrer o caminho já trilhado pelos trabalhos
teóricos elaborados sobre federalismo, com o fito de dar continuidade a esse
percurso, buscando, de alguma forma, trazer alguma contribuição também no que
tange o plano teórico.
Dito isto, convém, primeiramente, trazer à baila um breve levantamento
daquilo que já se produziu no campo teórico sobre federalismo, mais
especificamente no que toca a sua caracterização. Em seguida, procurarei, partindo
do que já foi dito, traçar um conceito próprio de federalismo que tenha algum valor
1
ALMEIDA, M. Federalismo, democracia e governo no Brasil: idéias, hipóteses e evidências,
2001: 28.
8
teórico, para daí poder entrar no tema com a tranqüilidade de, no mínimo, permitir
ao leitor saber em que termos se estará tratando quando da análise do caso da
federação brasileira em particular.
O federalismo, tal como o entendemos hoje, advém do processo histórico de
formação dos Estados Unidos da América. Após a independência deste país,
passou-se a discutir como ele iria se organizar. Havia duas correntes principais.
Uma, dos confederalistas, pregava que os EUA se organizassem na forma de
confederação, de forma a manter a soberania de cada estado, que outrora eram
colônias. Seus representantes mais célebres eram Richard Henry Lee, Patrick Henry
e Mercy Warren. A outra corrente, vitoriosa, era a dos federalistas, que propunham
a fusão de todas as ex-colônias em um único país, mantendo-se, contudo, o
autogoverno e a autonomia em várias matérias em cada uma delas, num arranjo
institucional jamais visto até então. Nunca é demais mencionar a obra O
Federalista, que é composta de 85 artigos escritos pelos maiores expoentes da
corrente vitoriosa, James Madison, Alexander Hamilton e Jay John.
2
A obra tem
tanto valor histórico –pois seus artigos foram cruciais para conduzir a opinião
pública no sentido do federalismo– quanto teórico, pois nela estão delimitados os
princípios e fundamentos da forma de organização. A este arranjo novo deu-se o
nome de federalismo (federalism, em inglês). O termo vem do vocábulo latino
fœdus, que significa pacto.
Não obstante, alguns autores buscam origens históricas mais remotas para o
federalismo. Daniel Elazar admite que o modelo das federações modernas tem seu
nascimento nos Estados Unidos, mas afirma que o federalismo possui uma origem
muito mais antiga, remontando às antigas tribos de Israel, passando pela Grécia
antiga, pela Confederação Helvética instituída em fins do século XIII e pelas
Províncias Unidas da Holanda do século XVI.
3
O autor observa que o federalismo é
comumente conhecido como um sistema político descentralizado, em que o governo
2
ZIMMERMANN, A. Teoria geral do federalismo democrático, 2005.
3
ELAZAR, D. Federalismo, 1994: 13-14.
9
geral é constituído por mais de um governo. Só que, para ele, esta é a definição de
federação, e por isso adota uma visão mais ampla, pela qual o federalismo deve ser
considerado uma das formas originárias da democracia, similar, em suas fontes,
sustentação e efeitos, à democracia parlamentar e à democracia direta.
4
Elazar
afirma ainda que o federalismo é o gênero no qual se inclui a federação, que,
juntamente com outras formas de organização, como as confederações, constituiria
a espécie. Daniel Elazar enumera o que ele considera princípios fundamentais do
federalismo. O primeiro deles é a não-centralização, que ele coloca em
contraposição aos modelos do tipo centro-periferia e piramidal. O modelo centro-
periferia seria marcado por uma formação orgânica, na qual o poder emana de
maneira centrífuga. No modelo piramidal, sobressai-se o fator hierárquico. A não-
centralização implica uma estrutura política onde não existe um único centro, mas
múltiplos centros conectados por uma lei fundamental compartilhada e uma rede de
comunicações.
5
O autor difere não-centralização de descentralização, expressão
muito freqüente no tema do federalismo. A descentralização seria, para ele, um
corolário da não-centralização. Outros princípios apontados são a democracia
federal, os pesos e contrapesos, a negociação aberta, as unidades
(geograficamente) delimitadas e o constitucionalismo. No tocante ao último em
particular, Elazar faz uma afirmação de grande importância, que refletirá na
definição dos pressupostos do federalismo que enunciarei adiante.
O federalismo parece exigir constituições escritas, ou seja,
documentos constitucionais que corporifiquem regras
fundamentais acordadas a priori com o objetivo de criar o
sistema federal e de fornecer, às partes constituintes, um
entendimento comum do sistema que erigiram ou a que se
uniram. Em ambos os casos, entretanto, com o passar do
tempo, essas constituições acabam por incluir documentos
escritos, bem como interpretações, freqüentemente providos
por uma Suprema Corte para todo o conjunto.
6
4
Idem: 7.
5
Idem: 9.
6
Idem: 12.
10
Outro autor que desenvolveu bem o tema foi o canadense Ronald L. Watts.
Para ele, devem-se distinguir os três termos: federalismo, sistemas políticos
federais e federações. Watts aduz que federalismo não é um termo descritivo, mas
sim normativo, que se refere à defesa de uma organização multi-alinhada,
combinando elementos de compartilhamento de poder e autogoverno regional. O
federalismo estaria baseado numa acomodação entre unidade e diversidade, de
forma que a essência do federalismo como um princípio normativo é a perpetuação
simultânea da união e da não-centralização.
7
sistemas políticos federais e
federações seriam termos descritivos aplicados a certas formas particulares de
organização política. As segundas seriam espécies dos primeiros. Sistemas políticos
federais seriam uma larga categoria de sistema político no qual há dois níveis de
governo, em contraponto à fonte singular de autoridade nos sistemas unitários.
Dentro do gênero sistema político federal estariam incluídas as federações, as
confederações, as ligas, as uniões descentralizadas e muitas outras formas de
organização política. As federações, consoante Watts, representam uma espécie
particular na qual não há subordinação entre o governo central e as unidades
constituintes.
8
O autor canadense aponta como características gerais comuns das
federações enquanto uma forma específica de sistema político federal as seguintes:
Duas ordens de governo, cada uma agindo diretamente sobre seus
administrados;
Uma distribuição formal constitucional de autoridade administrativa e
legislativa e alocação de fontes de receita entre as duas ordens de
governo, assegurando algumas áreas de genuína autonomia para cada
uma delas;
Previsão de representação regional distinta dentro das instâncias
decisórias federais, geralmente por meio de uma segunda casa
legislativa federal;
7
WATTS, R. Comparing federal system. 1999: 6.
8
Idem: 7.
11
Uma constituição escrita suprema não alterável unilateralmente,
requerendo o consentimento de uma significativa parcela das unidades
constituintes para a sua alteração;
Um árbitro (na forma de tribunais ou previsão de referendos) para
solucionar conflitos entre governos;
Processos e instituições para facilitar a colaboração intergovernamental
para aquelas áreas em que as atribuições governamentais são
compartilhadas ou inevitavelmente sobrepostas.
9
A distinção traçada por Watts em termos descritivos e normativos é de
grande valia. Diferentemente de Elazar, que coloca o federalismo como gênero da
federação, Watts separa-os em categorias ontologicamente diferentes.
10
De fato,
um termo descritivo –como a federação– não pode ser espécie de um termo
normativo –que é o federalismo. Sobre este assunto, vale lembrar as lições de Sto.
Tomás de Aquino, para quem o gênero significa indeterminadamente tudo aquilo
que se encontra na espécie.
11
Em outros termos, se aceitarmos as naturezas
distintas para federalismo e federação, sendo o primeiro de caráter normativo e o
segundo de índole descritiva, não há que estabelecer uma relação de gênero e
espécie entre eles, posto que não existe essa possibilidade de se encontrar um no
outro, com o signo da indeterminabilidade. Uma reserva minha à classificação de
Watts está em incluir várias formas de organização política na categoria de sistema
político federal, mesmo aquelas formas há muito existentes, desde antes da criação
da federação estadunidense.
12
É certo que expressões advindas do vocábulo latino
fœdus já eram utilizadas, mas com sentido completamente diferente, sem guardar
nenhuma relação com o que hoje entendemos por federalismo, sistemas
federativos e federações. Um exemplo está na obra Segundo Tratado Sobre
9
Idem. Ibidem.
10
Ressalte-se que Watts coloca como gênero da federação os sistemas políticos federativos,
e não o federalismo, não se confundindo, pois, com a classificação de Elazar.
11
AQUINO, T. O Ente e a essência. 2004: 32.
12
Esta reserva também se dirige, mutatis mutandis, a Daniel Elazar, como se verá à frente.
12
Governo Civil, de John Locke, em que ele concebe um modelo de separação de
poderes entre executivo, legislativo e federativo. O poder federativo seria o que
hoje entendemos como as funções de um chefe de Estado, ao representá-lo
externamente, isto é, apenas um aspecto do poder Executivo. O próprio Locke
reconhece a precariedade do termo escolhido, chegando a ponderar que, se a idéia
ficou clara, porém o nome é indiferente.
13
Isso sinaliza que, até o advento dos
artigos federalistas, não havia uma acepção definida do termo federalismo, e seus
derivados; e, quando eram utilizados, eram-no sem um caráter específico ou sem
qualquer conotação (pseudo-)técnica. Em outras palavras, ao que tudo indica, a
larga utilização convencionada das expressões federalismo e federal surgiu por
causa de uma federação, como derivação dela, e não o contrário; logo, não haveria
que se utilizarem as referidas expressões para designar fenômenos anteriores
àquele de que derivaram. Pode até ser, como afirma Elazar, que, anteriormente, a
definição mais corrente de federalismo –se é que de fato havia alguma definição
realmente corrente– se referisse às confederações. Mas com o advento das
federações modernas, o termo passou a ficar inelutavelmente atrelado a elas, de
maneira que o apego ao sentido anterior se mostraria um tanto anacrônico. Talvez
o termo federalismo não tenha sido mesmo cunhado após o surgimento da
federação estadunidense, mas a sua ampla difusão e o interesse acadêmico no
fenômeno decerto surgiram com ela. Só após a difusão do sistema federal de
organização mundo afora –e por causa dela– é que vemos aflorarem os estudos
sobre o federalismo de forma sistemática. Por outro lado, se aceitarmos a
expressão federalismo –ou sistema político federativo– para toda forma de
agregação política, estaremos esgarçando o significado, de modo a não guardar
mais nenhuma relação com a questão que suscitou sua utilização, perdendo-se,
pois, a sua finalidade. Afinal, se queremos nos referir a qualquer forma de
agregação política, melhor falarmos desta forma, do que pormos a perder um
13
LOCKE, J. Segundo tratado sobre governo civil, 2004: 107.
13
sentido específico de expressões carregadas de valor histórico, e sob o risco de
criar uma confusão semântica.
Merecedora de menção também é a distinção traçada por Cristiano Franco,
que parte de uma abordagem tridimensional gradativa. Veja-se o que ele diz a esse
respeito:
Uma federação é, antes de tudo, uma organização estatal
tridimensional. Numa dimensão mais abstrata, encontramos
o federalismo e seus valores; numa dimensão mais concreta
encontramos a forma de estado propriamente dita (a
federação); e, numa dimensão intermediária, encontramos
aquilo chamaremos de princípio federativo.
14
A visão tridimensional de Franco traz um escalonamento por graus de
concretização. No plano mais concreto, está a federação, na qual o federalismo se
concretiza pelo princípio federativo, que é um princípio jurídico de base política.
Assim, o princípio federativo serviria como forma de concretização, no mundo do
direito, de uma idéia política. E esse princípio, como todos os outros, traz uma
carga valorativa condicionante, e essa carga valorativa, conteúdo axiológico, seria o
federalismo. De maneira que o federalismo é apresentado como valor, que ganha
normatividade com o princípio federativo, e se concretiza numa federação.
Hartmut Klatt
15
enxerga o federalismo, por um lado, como um sistema
político caracterizado pela independência institucional e pelas faculdades
autônomas de subsistemas territoriais (estados-membros), garantidos
constitucionalmente. Em tal sistema, as atribuições de competências estatais são
distribuídas em mais de um nível institucional. Por outro lado, o federalismo pode
dizer respeito a uma união de estados soberanos por meio de um tratado
internacional, o que consiste numa confederação. Para Klatt, o federalismo guarda
estreita relação com o princípio da subsidiariedade, que provém da Doutrina Social
da Igreja Católica e parte de uma visão determinada do homem e de uma estrutura
orgânica da sociedade. Segundo esta visão do homem, o indivíduo, é o principal
14
FRANCO, C. Princípio Federativo e mudança constitucional. Limites e possibilidades na
Constituição Brasileira de 1988, 2003: 38.
15
KLATT, H. Bases conceptuales del federalismo y la descentralización, 1993.
14
responsável pelas circunstâncias em que vive e por isso deve tomar livremente
suas decisões. Somente quando não está em condições de fazê-lo por seus próprios
meios é que deve haver intervenção de um grupo superior. A competência para
regular os diferentes níveis da vida passa pela família, pela comuna, pela região, e
só depois pelo Estado nacional. Pela subsidiariedade, devem-se resolver as
questões pelo menor nível possível, recorrendo-se, quando não, ao nível
imediatamente superior, sucessivamente. A subsidiariedade rechaça qualquer tipo
de centralismo e afirma a multiplicidade, a diversidade e a liberdade. Hartmutt Klatt
afirma expressamente que o federalismo é um princípio de organização interna de
um Estado, mas admite que a comunidade de estados, como a União Européia,
também pode ser interpretada como uma forma de federalismo.
O autor aponta uma série de requisitos necessários para que se possa falar
em federalismo. O primeiro deles é a divisão territorial do Estado em várias
subunidades, divisão essa baseada em circunstâncias históricas, étnicas, religiosas,
geográficas, lingüísticas ou econômicas. Outro requisito é uma constituição como
marco jurídico da ordem federal que traça as competências próprias de cada nível
político e as suas margens de atuação, que serão legislativas, executivas e
judiciárias.
16
Para o cumprimento de suas atribuições, os entes devem gozar de
jurisdição fiscal própria para obter receitas. Um terceiro requisito essencial é a
participação dos subsistemas na política do Estado nacional por meio de um órgão
institucional de nível central, geralmente designado conselho federal ou senado.
17
Por último, como requisito fundamental, Klatt indica a existência de uma Corte
Suprema de Justiça independente, como garantidor da ordem federal. Essa justiça
independente dirime as divergências sobre competências e regula os conflitos entre
o Estado nacional e os outros entes federativos. Partindo do modelo alemão, o
16
Ver-se-á que isso não se aplica à federação brasileira, que consagra o município como
ente federativo, sem, contudo, conferir-lhe aparato judiciário próprio.
17
Esse requisito também não está presente no Paquistão nem na Venezuela, países soi-
disants federativos.
15
autor ainda enumera uma série de elementos que determinam o tipo de sistema
pluralista na condução política de um país:
Inamovibilidade da estrutura federal garantida pela Constituição;
Homogeneidade federal, segundo a qual os espaços constitucionais do
Estado nacional e dos estados-membros são independentes e onde há
um padrão médio constitucional para os estados-membros entre si e
entre o poder central;
Possibilidades de influência do poder central sobre os subsistemas, por
exemplo, na forma de fiscal jurídico ou técnico ou impondo medidas
coercitivas aos estados-membros, com a previsão de direitos em
contrapartida;
Proeminência do direito constitucional do Estado nacional sobre o dos
sistemas locais;
Limitação da soberania dos estados-membros;
Primazia do princípio federal sobre a forma de governo democrática.
Princípio de uma conduta federal, pela qual se dá uma cooperação entre
os entes.
18
Márcia Miranda Soares
19
define o sistema federal como
uma forma de organização do Estado nacional caracterizada
pela dupla autonomia territorial do poder político, ou seja,
na qual se distinguem duas esferas autônomas de poder:
uma central, que constitui o governo federal, e outra
descentralizada, que constitui os governos-membro, sendo
que ambas têm poderes únicos e concorrentes para
governar sobre o mesmo território e as mesmas pessoas.
20
A autora parte de uma análise focada sobre o prisma político-institucional e
aponta a Constituição dos EUA como a origem do federalismo. Márcia Miranda
indica seis principais características do sistema federativo:
Divisão territorial do Estado em várias subunidades;
18
Idem: 12.
19
Ela faz ressalvar, em nota de rodapé, que, numa federação, pode haver uma terceira
esfera territorial, como o município, pela Constituição brasileira de 1988.
20
SOARES, M. Federação, democracia e instituições políticas,1998: 38.
16
Sistema bicameral: representação das subunidades federadas junto ao
Governo Federal através de uma Segunda Câmara Legislativa (Senado);
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário presentes nos dois níveis
federais;
Existência de uma Corte Suprema de Justiça responsável pela regulação
de conflitos federativos: tem como função primordial garantir a ordem
federal;
Definição das competências (administrativas e fiscais) e jurisdições das
esferas federativas, com cada nível de governo apresentando ao menos
uma área de ação em que é autônomo;
Autonomia de cada ente federativo para constituir seus governos.
Márcia Miranda afirma que 16 países no mundo são classificados como
federações,
21
mas que apenas seis são consensualmente admitidos como tal.
22
Segundo ela, a ampla maioria é organizada sob a forma unitária.
23
A questão de se
descobrir o que de fato é ou não uma federação é um tema crucial para este
trabalho, pois a federação brasileira é vista por muitos como sendo meramente
nominal, devido à alta concentração de poderes pelo poder central. Mais adiante se
tratará mais detidamente deste ponto.
Quanto ao federalismo, acredito que se pode afirmar o mesmo que Eric
Voegelin dizia quando indagado sobre uma definição de socialismo, fascismo e,
como nas suas próprias palavras, qualquer outro ismo do gênero.
24
Segundo ele,
21
EUA, Canadá, Austrália, Áustria, Suíça, Alemanha, Argentina, Brasil, México, Venezuela,
Iugoslávia, União Soviética, Índia, Nigéria, Paquistão e Malásia. Nota-se que a lista não está
atualizada, pois inclui as extintas Iugoslávia e União Soviética.
22
São eles: EUA, Canadá, Austrália, Áustria, Suíça, Alemanha.
23
Contudo, deve-se ter cautela com esse dado. Stepan chama a atenção para o fato de que
alguns dos maiores países do mundo, que abrigam boa parte da população do planeta,
adotam o regime federativo, que é mais demandado para largas áreas territoriais. Assim, se
se for analisar a parcela da população mundial sob regime federativo, constatar-se-á uma
proporção muito mais significativa do que se se atentar somente para o percentual de países
que são federações. Em outras palavras, talvez mais importante que a quantidade de países
que adotam o federalismo seja a parcela da população mundial sob tal regime. Ver STEPAN,
A. Para Uma Análise Comparativa do Federalismo e da Democracia: Federações que
Restringem ou Ampliam o Poder do Demos, 1999: 207
24
VOEGELIN, E. A nova ciência da política. 1982: 35.
17
tais “ismos” –nos quais incluo o federalismo–, bem como seus simbolismos, são
apenas parte da realidade, não passíveis de definição. Somente seriam passíveis de
definição os conceitos. E para haver um conceito, é necessário um alto nível de
esclarecimento crítico dos símbolos que se pretende abordar. De forma que,
quando questionado, o autor austro-americano afirmava que não se sentia obrigado
a responder, rechaçando a idéia de que a ciência fosse um depósito de definições
de dicionário. Voegelin ensina que quando o teórico aborda a realidade social
encontra um campo já ocupado pelo que ele chama de auto-interpretação da
sociedade. A realidade social é um cosmion cujo significado provém de seu próprio
interior, através de simbolismos que tornem transparentes ao mistério da
existência humana a estrutura interna desse pequeno mundo, as relações entre
seus membros e grupos de membros, assim como sua existência como um todo.
25
Esse simbolismo começa pelo rito, passando pelo mito, até chegar à teoria, num
processo que o autor denomina de esclarecimento crítico. Assim, um teórico que se
debruce sobre qualquer questão teórica, defrontar-se-á com dois conjuntos de
símbolos: os símbolos da linguagem fruto do processo de auto-interpretação –ou
auto-iluminação, como Voegelin também se refere– da sociedade e os símbolos da
linguagem da ciência política, propriamente. No transcurso desse processo de
esclarecimento crítico, alguns símbolos serão abandonados por não se prestarem à
utilização científica, enquanto novos símbolos se desenvolverão dentro da própria
teoria para a descrição crítica adequada dos símbolos que fazem parte da
realidade.
26
Ocorre que nesse processo também pode acontecer de os conjuntos
simbólicos se aproximarem e criarem alguma identidade, posto que os símbolos da
realidade são eles próprios fruto de algum esclarecimento crítico. Essa situação –
aponta Voegelin– é fonte de inesgotáveis confusões e ilusões. Ele oferece como
exemplo a chamada teoria contratual, que, a seu ver, encerra escasso conteúdo
teórico, fazendo lembrar que Platão já havia analisado o símbolo contratual,
25
Idem: 33.
26
Idem: 34.
18
estabelecendo seu caráter não-teórico e explorando o tipo de experiência do qual
se origina. Platão teria cunhado para essa classe de símbolos não-teóricos o termo
técnico doxa a fim de distingui-los dos símbolos efetivamente teóricos, termo este
sem equivalente moderno e cujo significado se teria perdido.
27
E mesmo após todas
essas considerações de Voegelin, continua-se a atribuir indistintamente valor
teórico à simbologia contratual sem nenhum tipo de reserva ou parcimônia.
Embora eu acolha essas considerações levantadas pelo autor austro-
americano e reconheça a dificuldade de uma abordagem crítica e verdadeiramente
teórica do federalismo, creio ser possível, com base no que já se produziu sobre o
tema, buscar conhecer a natureza do fenômeno de forma criteriosa, de maneira a
alcançar algum esclarecimento crítico para a questão. Visto isto, parto duma
afirmação basilar de Voegelin, segundo a qual a existência do homem na sociedade
política é a existência histórica; e a teoria política, desde que penetre no terreno
dos princípios, deve ser, ao mesmo tempo, uma teoria da história.
28
Em outras
palavras, devem-se descartar teorias políticas deslocadas de seu contexto histórico,
atemporais. A teoria política deve guardar estreita relação com a historicidade das
relações sociais. Aplicando isso ao tema que ora nos interessa, poderíamos dizer
que uma teoria sobre federalismo –que é uma teoria política– deveria estar
intimamente ligada aos fatores históricos que deflagraram o fenômeno sobre o qual
se pretende teorizar. Por tal razão, insisto em lançar os olhares à federação
estadunidense, na qual enxergo a gênese do que hoje entendemos por federalismo.
É partindo daquela federação que vamos começar a esboçar contornos para o que
venha –e o que não venha– a ser federalismo e federação em si.
29
Mas é claro que
27
Voegelin chega a mencionar que alguns utilizariam o termo ideologia para fazer a
diferenciação, mas, segundo ele, essa utilização seria fonte de novas confusões, dado o
esgarçamento do termo, naquilo que Mannheim teria chamado allegemeine
Ideologieverdacht, a suspeita geral da ideologia, chegando a abranger, inclusive, até mesmo
o próprio episteme platônico-aristotélico.
28
Idem: 17.
29
Fica evidente, pois, que rechaço a posição de Daniel Elazar de remontar as origens do
federalismo às antigas tribos de Israel e assim por diante. Optei por seguir a orientação de
Márcia Miranda Soares, que vê nos EUA a origem do federalismo. Parece que Riker caminha
no mesmo sentido que Elazar, ao proclamar que a Convenção da Filadélfia inaugurou o
19
não pretendo enxergar o fenômeno de forma restritiva, de modo a vislumbrá-lo
apenas na espécie que lhe deu origem, o que seria confundir a federação
estadunidense com o próprio conceito de federação.
A federação estadunidense surgiu num momento em que o país, após haver-
se libertado do jugo inglês, discutia que forma de organização se adotaria. As
colônias haviam-se unificado com o fim de combater o Império Britânico, visando à
independência. Terminada a guerra, e dela saindo vitoriosos, os estadunidenses
discutiam se deviam seguir unificados, como num único país, ou se deviam voltar à
autonomia regional anterior de cada uma das ex-colônias, que a partir de então
passaram a se constituir como Estados. Prevaleceu, como se disse acima, a tese
dos federalistas, que queriam unificar as antigas colônias em um único país, sem,
contudo, que se perdesse a autonomia e o autogoverno delas. Merece menção o
fato de que o termo federalismo não foi utilizado em nenhum dos artigos
federalistas de Jay, Hamilton e Madison.
30
Concebeu-se, então, um sistema
múltiplo de governo, em dois níveis –estadual e federal. Não haveria propriamente
preponderância de um sobre outro. Um trataria de determinados assuntos, e outro,
de outros, sem interferência mútua. Trata-se de um arranjo que passou a ser
chamado de divisão vertical de poderes, paralelamente à divisão horizontal,
também adotada por eles e concebida por Montesquieu.
31
A divisão horizontal
fazia-se necessária para a viabilização da divisão vertical, e para que houvesse a
primeira, era imprescindível a existência de um Poder Judiciário independente, com
características próprias.
32
federalismo descentralizado em contraposição ao federalismo centralizado, sendo este último
característico das confederações e alianças. Stepan dirige-lhe críticas semelhantes às que
dirigi a Elazar. Ver STEPAN, A. Para uma nova análise comparativa do federalismo e da
democracia: federações que restringem ou ampliam o poder do demos, 1999: 210-1.
30
Quando procurada a expressão federalism, não se encontra nenhuma ocorrência,
diferentemente de federalist –que está no título da obra– e federal, referindo-se a governo,
constituição, autoridade, entre outros.
31
É contudo notório que o embrião desse modelo já pode ser encontrado na antigüidade, nos
escritos de Aristóteles, mais precisamente em sua obra Política.
32
Isso fica muito evidente no 51º Artigo Federalista, de Madison, em que ele enfatiza a
necessidade de independência entre os poderes. Ver MADISON, HAMILTON & JAY. Os artigos
federalistas, 1787-8.
20
Essa divisão era estabelecida previamente e por escrito num texto legal que
instituía a República como um todo, no que passou a se chamar de constituição. Tal
decisão, inclusive, deu origem ao chamado constitucionalismo moderno, que
prevalece entre nós hodiernamente.
33
Esse texto legal trazia disposições sobre
repartições de competências, onde se delimitavam as matérias correspondentes a
cada um dos níveis de governo. Outrossim, previa-se como atribuições do
Congresso dos EUA (de nível federal) o seguinte:
Lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e
prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos,
devendo todos estes direitos ser uniformes para todos os Estados da
Federação;
Levantar empréstimo sobre crédito dos Estados Unidos;
Regular o comércio exterior, interestadual e com as tribos indígenas;
Estabelecer uma legislação uniforme sobre naturalização e falência;
Cunhar e controlar a moeda, bem como controlar as taxas cambiais, e
fixar um padrão de pesos e medidas;
Punir os falsificadores de títulos públicos e de moeda corrente;
Criar agências de correios e estradas para serviço postal;
Promover o progresso científico e as artes úteis;
Instituir tribunais inferiores à Corte Suprema;
Tipificar e punir crimes de pirataria cometidos em alto mar e contra o
Direito Internacional;
Declarar guerra, expedir cartas de corso e estabelecer regras para
apresamentos em terra e mar;
33
A Constituição dos EUA deu origem ao constitucionalismo no plano nacional, sobretudo no
que toca o federalismo. Todavia, não é a primeira constituição como a entendemos
modernamente. Os estados norte-americanos já contavam com constituições antes da
elaboração da Constituição Federal. Veja-se o caso da Constituição de Massachusetts, de
1780, a última do primeiro grupo de constituições estaduais e ainda em vigor. Existem
constituições ainda mais antigas, como a da colônia britânica de Carolina, redigida por John
Locke e aprovada em 1669. Muitos autores apontam a Bill of Rights do Rei João Sem-Terra,
que data de 1215, como a primeira constituição escrita do mundo.
21
Organizar e manter exércitos;
Organizar e manter uma marinha de guerra;
Regular a administração e disciplina das forças de terra e mar;
Regular a mobilização da milícia para garantir o cumprimento das leis da
União, suprimir insurreições e repelir invasões;
Organizar, armar e treinar a milícia, e administrar a parte dessa guarda
que for empregada no serviço dos Estados Unidos, reservando aos
Estados a nomeação dos oficiais e a obrigação de instruir a milícia de
acordo com disciplina prevista pelo Congresso;
Legislar privativamente sobre o Distrito Federal (Distrito de Colúmbia) e
sobre as propriedades da União nos Estados, com seu consentimento,
para a construção de fortes, paióis, e outras repartições necessárias;
Elaborar leis necessárias para execução das atribuições conferidas à
União e das funções dos seus departamentos e repartições.
34
A Constituição dos EUA também estabelece cláusulas sobre as competências
denegadas ao Congresso, quais sejam:
Desrespeitar os writs de habeas corpus;
Regular leis ex post facto (resguardo ao direito adquirido, ao ato jurídico
perfeito e à coisa julgada);
Taxar produtos de exportação;
Dar vantagens especiais aos portos marítimos de determinados Estados-
membros;
Taxar produtos transportados por via marítima ou fluvial de um Estado-
membro para outro;
Faltar com a prestação de contas e não tornar público todos os recursos
financeiros recebidos e despendidos;
Criar ou garantir títulos de nobreza.
35
34
Artigo 1°, Seção 8.
35
Artigo 1°, Seção 9.
22
Os Estados-membros, por sua vez, têm as chamadas atribuições residuais,
sendo-lhes facultado legislar sobre tudo aquilo que não está reservado à União pela
Constituição e desde que não infrinja as garantias nela trazidas. Há ainda algumas
restrições quanto a lançamento de tributos e discriminação de cidadãos, dispostas
no art. 4°. Desta forma, cabe aos Estados-membros elaborar leis sobre direito civil,
direito penal, direito processual, etc., assim como dispor autonomamente sobre a
constituição e organização de seus poderes. Interessante notar que este arranjo
institucional trazido pela Carta de 1787 pouco se alterou desde sua instituição.
Todavia, há que se ressaltar que o governo federal enfrentou sérias resistências por
parte dos Estados do sul, que viam nele a usurpação de sua autonomia. Foi após a
Guerra de Secessão que o governo federal estabeleceu-se de forma definitiva e
sem embaraços. Alexis de Tocqueville, em sua célebre obra Democracia na
América, sintetiza a adoção desse arranjo político-institucional da seguinte forma:
Os deveres e os direitos do governo federal eram simples e
bastante fáceis de definir, porque a União fora formada com
a finalidade de satisfazer a algumas grandes necessidades
gerais. Os deveres e os direitos do governo dos Estados
eram, ao contrário, múltiplos e complicados, porque esse
governo penetrava em todos os detalhes da vida social.
Portanto, definiram-se com cuidado as atribuições do
governo federal e declarou-se que tudo o que não estava
compreendido na definição fazia parte das atribuições do
governo dos Estados. Assim o governo dos Estados ficou
sendo o direito comum; o governo federal foi a exceção.
36
Dado o considerado êxito do arranjo federativo acima exposto, muitos países
passaram a instituir formas de organização semelhantes, com o objetivo de sanar
ou amenizar as clivagens políticas. É o que nos ensina Daniel Elazar, ao afirmar
que, em fins do século XIX e início do XX, a federação parecia ser o único meio de
conciliar a emergência do Estado-nação com as demandas democráticas pela
dispersão de poderes políticos e autoridade.
37
Só que, a partir daí, passou-se a
utilizar a forma federativa de organização para objetos que não eram exatamente
os mesmos buscados pelos EUA, quando da sua instituição. Viu-se nesse tipo de
36
TOCQUEVILLE, A. Democracia na América. 2001: 130.
37
Idem: 7.
23
arranjo uma forma de, atendendo aos clamores democráticos, descentralizar o
poder em Estados já constituídos pela forma unitária, como a Índia, a Bélgica, a
Espanha e o Brasil. Os EUA, quando instituíram a sua federação, buscavam
agregar-se. Os estados, ex-colônias, queriam fundir-se, formando um único e novo
país. A situação é inversa. Tendo observado isto que William Riker, uma das
maiores referências no tema do federalismo, classificou as federações como do tipo
come together e hold together.
38
As primeiras visam a se unir, formando um novo
Estado, e as segundas, a descentralizar política e administrativamente um Estado já
existente. Com o surgimento de outras federações, podem-se discernir outras
diferenças que deram azo a diversas classificações. Augusto Zimmermann utiliza,
para essa classificação, as expressões federalismo por agregação e por
desagregação, correspondendo a cada uma das anteriores, respectivamente.
Há, ainda, outras classificações, com enfoques diferentes. Uma delas é a
distinção entre federalismo dual e cooperativo. No federalismo dual as
competências são bem divididas, evitando-se a interferência da União nas questões
reservadas às unidades constituintes. Já o federalismo cooperativo seria marcado
pela ausência de definição de competências, o que abre grande margem para
interferência do poder central –que forçosamente será maior que qualquer poder
regional considerado isoladamente. Esse tipo de federalismo poderia ser ainda do
tipo autoritário ou democrático. Um exemplo do primeiro seria a federação
brasileira pós-revolução de 1930; e um exemplo do segundo seriam os Estados
Unidos no período do New Deal, quando houve forte intervenção da União nos
assuntos econômicos. No federalismo cooperativo, dá-se espaço para uma maior
atuação do poder central com o fito de ajudar e socorrer as unidades constituintes,
incapazes de solucionar seus problemas com seus próprios meios. Ocasionalmente,
pode acontecer que o federalismo cooperativo sirva de pretexto para diminuir a
autonomia das unidades constituintes. Por isso, talvez o caráter federativo do
38
Apud STEPAN, A. Para uma nova análise comparativa do federalismo e da democracia:
federações que restringem ou ampliam o poder do demos, 1999: 198-199.
24
federalismo cooperativo deva ser visto com alguma ressalva, ainda que a
cooperação seja benéfica ou necessária.
Importante fazer menção à distinção entre federalismo simétrico e
assimétrico, até porque ela pode ser objeto de confusão. Na verdade, há dois
sentidos para essa classificação. Uma, mais ao agrado dos juristas, diz respeito à
reprodução da organização da poder central no nível das unidades constituintes –no
caso brasileiro, os estados-membros. Se há a necessidade de os estados
guardarem semelhança sobre procedimentos e organização com a União, diz-se que
a federação é do tipo simétrico. Caso contrário, ela será do tipo assimétrico. Veja-
se o caso da federação estadunidense. Lá os estados-membros podem dispor como
bem entenderem sobre sua organização, criando, por exemplo, legislativos
unicamerais ou bicamerais, a seu talante. Não precisam adotar uma estrutura
prevista na constituição federal nem copiar a estrutura da União. Essa questão é
crucial no tema do processo legislativo e é o ponto central desta dissertação. O
outro sentido que se dá a essa distinção é quanto à composição das casas
legislativas que representam as unidades constituintes –no Brasil e nos EUA, o
Senado. Por este sentido, diz-se simétrica a federação em que cada unidade
federativa goza do mesmo número de representantes nas referidas casas
legislativas.
39
Países como a Alemanha, a seu turno, possuem números diferentes
de representantes nesse tipo de casa legislativa, geralmente proporcionais à
população. Há, pois, que se ter cautela com essa classificação. É no primeiro
sentido que utilizarei as expressões simétrico e assimétrico ao analisar o
federalismo brasileiro mais adiante.
Como se pôde constatar, a idéia de federalismo foi se descolando da sua
matriz histórica para abranger sistemas com características diferentes. Partindo-se
do método aristotélico de gênero próximo e diferença específica,
40
pode-se dizer
que federalismo é um sistema, entendendo-se sistema como um conjunto de
39
No Brasil, são três senadores por unidade federativa; nos EUA, dois.
40
Metafísica, 1058a.
25
elementos inter-relacionados que interagem no desempenho de uma função.
Federação, por sua vez, é um Estado que adota o sistema federal, concebendo-se
Estado como organização político-administrativa.
Mas afirmar que o federalismo é um sistema não é dizer o que ele é, mas
sim dizer a que classe ou categoria pertence. Dito isso, surge automaticamente a
pergunta: mas que tipo de sistema o federalismo é? Eu diria que o federalismo tem
dois aspectos fundamentais: um político e outro administrativo. Assim, posso
afirmar com certa segurança que o federalismo é um sistema político-
administrativo que visa à não-centralização
41
do processo decisório. Esse sistema é
composto por elementos próprios que, arranjados de uma determinada forma,
servem à consecução de um determinado fim,
42
que é a não-centralização do
processo decisório. Entre os elementos necessários para se constituir um sistema
federal podemos enumerar os seguintes: uma constituição escrita delimitando
previamente a repartição das competências (poder) de cada um dos níveis de
governo, de modo a se criar um Estado com diversos governos, sobretudo com
formas de alocação próprias de receita; uma corte independente dos governos para
compor os dissídios entre os poderes; e autonomia para a escolha dos governantes
em cada nível. Esses são elementos constitutivos ou essenciais para que haja uma
federação.
Sem um texto legal que estabeleça previamente a divisão de competências,
a definição da divisão dos poderes entre os governos dependeria de decisões
casuísticas de algum deles, situação em que ele haveria de prevalecer
inapelavelmente. Caso prevalecesse o poder local, haveria dissolução da federação,
que passaria a ser, no máximo, uma confederação; caso predominasse o poder
central, estaríamos diante de um Estado unitário, mesmo que disfarçado. As formas
próprias de receita são necessárias para que um ente –geralmente o central– não
41
Seguindo as lições de Elazar, prefiro falar em não-centralização a falar em
descentralização.
42
Causa final, para falar em termos aristotélicos.
26
subjugue os outros pela não concessão de recursos. A necessidade de um órgão
independente para julgar os dissídios entre governos existe pelo simples fato de
que palavras escritas não falam por si sós. Um texto legal precisa ser interpretado.
E, em caso de dúvida, é preciso que alguém dê a palavra final. E, se essa palavra
final coubesse a um dos litigantes, o que teríamos não seria uma composição de
conflitos, mas sim um mero jogo de cartas marcadas, onde haveria um juiz
julgando em causa própria. O elemento de autonomia das unidades constituintes
para a escolha de seus governantes nos diferentes níveis de governo
43
é apodíctico.
Ora, se as unidades federativas tivessem seus líderes nomeados pelo poder central,
não haveria divisão vertical de poderes nem multiplicidade de governos. Os
governantes locais
44
agiriam como delegatários do governo central. A recíproca não
é verdadeira. Não me parece que a escolha dos dignatários do poder central pelos
governos locais contrariaria o espírito do federalismo. Vemos isso em diversos
graus em algumas federações, como a escolha do presidente da república nos EUA
e dos membros do Conselho Federal (Bundesrat) da República Federativa da
Alemanha. No primeiro caso, o presidente é eleito por colégios eleitorais estaduais,
com critérios próprios de distribuição de votos. No segundo, os membros da casa
representante das unidades constituintes no plano federal da federação alemã (o
Bundesrat, equivalente ao Senado) são meros delegatários dos poderes locais,
nomeados pelos primeiros-ministros dos Länder, atuando, segundo as palavras de
Zimmermann, como autênticos embaixadores estaduais.
45
Mesmo nos Estados
Unidos, até a Emenda Constitucional nº. 17, de 1913, os senadores –que
43
Evito falar, como fazem os autores que tratam do tema, em dois níveis de governo, pois
há o caso brasileiro –único do mundo, até onde tenho notícia–, no qual os municípios
também constituem unidades federativas, formando um federalismo tripartite, se assim o
poderíamos chamar.
44
Mais uma vez se deve ter cautela quanto ao caso brasileiro, pois, por ter, entre nós, três
níveis de poder, atribui-se ao nível municipal a designação de poder local. O poder regional é
o estadual. Uso aqui a expressão poder local em contraposição ao poder central.
45
ZIMMERMANN, A. Teoria geral do federalismo democrático, 2005: 125.
27
representam os estados no governo federal– eram eleitos pelas assembléias
estaduais, isto é, pelos membros dos governos locais.
46
Afora esses elementos constitutivos, é preciso, para que uma federação se
caracterize como tal, que haja um contexto de representação democrática. Seria
impensável uma federação na qual em cada nível de governo houvesse monarcas
absolutos –até porque numa federação faz-se necessária, como se disse, uma
divisão prévia de competências que geralmente é estabelecida no texto de uma
constituição. Contudo, se se tratar de uma monarquia constitucional parlamentar,
não há óbice, a princípio, para que se instale um regime federativo. Há quem diga
que a Alemanha, antes da Constituição de Weimar, fosse uma monarquia
federativa, na qual algumas das unidades constituintes adotavam o sistema
republicano de governo. Mas mesmo numa federação que adote o sistema
monárquico a representação democrática estará sempre presente, de maneira que
o aspecto democrático é essencial à idéia que temos, no nosso campo simbólico
ainda insuficientemente esclarecido, de federalismo, e acima de tudo, de federação.
Federalismo e democracia são símbolos ligados pela experiência histórica.
O mesmo acontece com a divisão horizontal de poderes. Embora seja
necessária a existência de um órgão mediador dos conflitos entre poderes, não há
uma exigência lógico-ontológica para que, dentro cada nível de governo, haja uma
divisão entre os três poderes –Executivo, Legislativo e Judiciário.
47
Contudo, ao
menos no nível central, é preciso que haja essa separação, para que o árbitro dos
conflitos federativos não seja juiz em causa própria. Como bem ressalta Charles
Pessanha, a doutrina da separação dos poderes exerce a manifestação mais
importante da preocupação com a pluralidade e diversificação da autoridade.
48
É
certo que essa preocupação prescinde do federalismo, mas o federalismo não
46 Hoje em dia, mesmo com a Emenda XVII, o senador ainda é indicado pelo Legislativo
estadual, em caso de vacância e enquanto não se realizam novas eleições para o
preenchimento da vaga.
47
Lembre-se que o nível municipal de governo no Brasil não conta com Poder Judiciário.
48
PESSANHA, C. O Poder Executivo e o processo legislativo nas Constituições brasileiras.
Teoria e prática, 2002: 141-194.
28
prescinde dela. A diversificação da autoridade será requisito essencial para a
existência de governos múltiplos sobrepondo-se e dividindo poder e atribuições.
Constata-se ainda nas federações, conforme salienta Lijphart, um quase
total isomorfismo tanto entre as formas de governo centrais e de unidades
componentes quanto entre as das unidades componentes em cada país.
49
Esse
isomorfismo tem relação direta com a questão da simetria, a ser abordada mais
adiante.
Desta forma, somando-se o que chamei de elementos constitutivos e de
pressupostos contextuais, podemos dizer que federação é, necessariamente,
um Estado constituído e organizado de uma forma tal que,
com vistas à não-centralização, é composto de múltiplos
governos, em dois ou três níveis,
50
em que a divisão de
competências entre esses níveis está previamente disposta
num texto legal, sendo as divergências sobre essa divisão
arbitradas por um órgão independente de todos os governos,
num contexto de separação de poderes, de representação
democrática e de Estado de Direito.
Um conceito analítico como o elaborado acima é necessário, mas não é
bastante. É preciso, mais uma vez, voltar os olhos para o aspecto histórico, na
esteira das recomendações de Voegelin. Digo isso para tratar da não-centralização.
A não-centralização pode dar-se de diversas formas, porquanto vise a diversos fins.
Celina Souza mostra que cada federação tem seu federalismo conduzido por um
leitmotiv diferente, de acordo com as necessidades de cada país. Explica a autora
que o federalismo norte-americano advém da busca dos freios e contrapesos
(checks and balances); os federalismos do Canadá, Paquistão, Índia, Malásia,
Nigéria, África Central e Suíça visam à preservação das minorias lingüísticas, raciais
ou religiosas; o federalismo alemão tem como meta evitar a ascensão de
movimentos extremistas, como o nazismo; o federalismo australiano destinar-se-ia
a trazer vantagens comerciais e a freiar estados centralizadores; na Argentina, o
objetivo seria neutralizar as lutas das províncias contra o poder de Buenos Aires;
49
LIJPHART, A. Modelos de democracia. 2003: 224.
50
Ou até quatro, se se considerar, no caso brasileiro, o Distrito Federal como um nível
autônomo.
29
no Brasil, o leitmotiv adviria da necessidade de acomodar as demandas de elites
conflitantes e de lidar com grandes desigualdades regionais.
51
O estudo do federalismo se torna ainda mais idiossincrático pelo fato de
haver, segundo muitos autores, estados cujo federalismo é meramente nominal.
Convém relembrar a afirmação de Márcia Miranda de que, dos 16 países que se
dizem federações, apenas seis são consensualmente aceitos como tais. É muito
freqüente que Estados se designem como repúblicas federativas, mas mantendo
uma forte estrutura centralizadora de tomada de decisões. Sobre isso, pertinentes
são os comentários de Augusto Zimmermann:
Encontramos, de tal maneira, algumas Constituições que
obrigam os Estados-membros a se espelharem na vontade
exclusiva da União, até naqueles detalhes de ordem mais
nitidamente secundária. As leis estaduais acabam então sem
relevância alguma, subordinadas que estão ao princípio
sufocante da hierarquização das normas jurídicas. Assim,
transforma-se a autonomia estadual nesta espécie de
princípio desmoralizado, assistindo-se, ademais, à marcha
centralizadora que põe termos finais às vantagens
democráticas da descentralização política.
52
Muito se discute se o Brasil é de fato uma federação. O problema começa
quando se quer aferir até quando um sistema é federal ou deixa de sê-lo. Um país
pode ser extremamente descentralizador em matéria de legislação tributária ou
administrativa, e totalmente centralizador no que tange a legislação civil e penal.
Isso faz com que ele deixe de ser uma federação ou não? Arbitrário seria dizer: se
a competência para legislar sobre direito penal, civil e trabalhista é do poder
central, não estamos mais diante de uma federação, por mais que ela se proclame
como tal. Ora, até onde e sobre o que o poder central pode concentrar o poder
decisório para que não passe de federação para Estado unitário camuflado? É
impossível medir o valor das matérias. Direito civil vale mais que direito
trabalhista? Políticas de crédito são “mais poder” do que políticas de sistema de
poupança? Qualquer discussão nessa base seria inviável. Por esta razão é que
51
SOUZA, C. Constitutional engineering in Brazil. The politics of federalism and
decentralization, 1997: 20.
52
ZIMMERMANN, A. Teoria geral do federalismo democrático, 2005: 65.
30
devem ser observados os elementos e os requisitos de uma federação traçados
acima.
Alguns sistemas podem ser descartados ab initio por escaparem de longe à
definição por mim apresentada aqui. Neste capítulo, concluí que federação é:
um Estado constituído e organizado de uma forma tal que,
com vistas à não-centralização, é composto de múltiplos
governos, em dois ou três níveis, em que a divisão de
competências entre esses níveis está previamente disposta
num texto legal, sendo as divergências sobre essa divisão
arbitradas por um órgão independente de todos os governos,
num contexto de separação de poderes, de representação
democrática e de Estado de Direito.
Formalmente, todos esses requisitos são preenchidos pela federação brasileira, pelo
menos sob o regime de 1988.
No próximo capítulo se exporá uma breve estória do federalismo brasileiro.
Mas podemos adiantar a discussão indagando se de fato havia múltiplos governos
durante o Estado Novo e o regime de 1964. A verdade é que o governo central só
não interferia nos governos regionais enquanto estes não contrariassem aquele.
Ora, um governo que está à mercê de outro não é um governo, e sim um
governado, um delegatário. Sob a Constituição de 1967 o problema se acentua
mais com a possibilidade de desmembramento e fusão de estados. Um dos
principais elementos do Estado moderno é justamente o território. Se não há
soberania ao menos quanto à integridade territorial, não há qualquer possibilidade
de governo autônomo.
Situação mais patente de federalismo puramente nominal é o caso da ex-
União Soviética, onde o poder central legislava com preponderância em relação aos
outros, a despeito da repartição de competências prevista na sua constituição.
53
54
53
Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de 7 de outubro de 1977. Art.
74. As leis da URSS terão a mesma força em todas as Repúblicas da União. No caso de
discrepância entre uma lei duma República da União e uma lei da União, a lei da URSS
prevalecerá. (T. A. do inglês)
54
Situação aparentemente semelhante aconteceria na República Federativa da Alemanha,
onde vige o princípio do Bundesrecht bricht Landesrecht, que significa que o direito federal
afasta o direito estadual (art. 31, da Constituição alemã de Bonn). Há, contudo, matérias
afetas exclusivamente aos estados (Länder), e a autonomia administrativo-orçamentária é
respeitada, num contexto de separação de poderes e de representação democrática de facto.
31
Não há multiplicidade de governos se um deles tem o poder de dar a palavra final
sobre todas as matérias. Ademais, não se observa o que chamei de pressupostos
contextuais, que são a separação de poderes, o regime democrático e o Estado de
Direito. Não havia separação de poderes lá, cabendo todas as decisões, em única
ou última instância ao Soviete Supremo, que era composto de duas câmaras: uma
representando a união e outra, as diversas nacionalidades integrantes da URSS.
55
O regime democrático era mera fachada, pois todos os candidatos designados eram
eleitos de qualquer maneira.
56
É impossível haver também Estado de Direito num
regime em que decisões executivas não sofram nenhum controle legal nem
jurisdicional.
Na atual federação brasileira, o caso não é tão simples. Há no Brasil divisão
de poderes, uma suprema corte para dirimir os conflitos federativos, uma divisão
de poderes dos diferentes níveis de governo previamente estabelecida no texto
constitucional, representação democrática, integridade territorial das unidades
constituintes, etc. O questionamento reside quanto ao requisito multiplicidade de
governos. Não há dúvida de que ela exista de iure, ou seja, a multiplicidade de
governos é juridicamente reconhecida. Decerto que estão presentes todos os meios
formais de se atingir a multiplicidade de governos, mas será que ela existe de
facto? Creio que a questão paire aí.
Fique claro que não se está cogitando aqui daquilo em que a realidade
destoe do legalmente estabelecido, ou, em outros termos, do descumprimento ou
inaplicação da lei. Refiro-me ao caso em que a Constituição imponha regras que
contrariem seus próprios princípios, de forma a fazer da exceção regra. Explico. A
Constituição Federal estabelece que os estados regem-se e se organizam conforme
disposto em suas leis e constituições, mas ela mesma impõe inúmeros limites à
auto-organização que poderiam acabar por anular o princípio nela trazido. Daí cabe
Não se deve, pois, igualar as duas federações, a despeito da semelhança dos dispositivos
constitucionais mencionados.
55
Artigos 108 e 109, 1.
56
SHEVCHENKO, A. Rompendo com Moscou. 1985: 75.
32
a indagação: do que restou para a autonomia dos estados pode-se extrair uma real
autonomia? A autonomia deve ser apreciada não somente sob a ótica da auto-
organização, mas também da capacidade de governar, isto é, sobre o que pode
decidir. Se os estados não têm sobre o que decidir, cabendo as opções todas ao
legislador federal, então também não haverá autonomia; haverá tão-somente um
único governo. Resumindo, devem-se medir a capacidade de auto-organização, as
atribuições executivas e a competência legislativa.
Convém, antes de se proceder a essa análise, da forma como foi colocada,
que se mencionem os critérios definidos por Stepan, que, em alguns pontos,
divergem dos critérios adotados por este trabalho. O autor enxerga o federalismo
como um continuum demos constraining, que vai da alta restrição à ampliação do
poder do demos. O demos seria o poder representado na esfera central. Stepan
enumera quatro variáveis relativas ao poder de restrição do demos, cuja
observação se faz necessária a fim de perscrutar qualquer sistema federativo. São
elas:
O grau de super-representação da câmara territorial
57
–quanto maior é a
super-representação dos estados, maior o potencial restritivo daquele
órgão legislativo;
A abrangência das políticas formuladas pela câmara territorial –quanto
maior essa abrangência, maior o potencial de limitar a competência da
câmara populacional;
58
O grau em que a Constituição confere poder de elaborar políticas às
unidades da federação –quanto maior a competência dos estados, mais
restringido o demos; e
O grau de nacionalização do sistema partidário em suas orientações e
sistemas de incentivos –quanto maior esse grau de nacionalização,
menor será a restrição do demos.
59
57
No Brasil, o Senado Federal.
58
Refiro-me à Câmara dos Deputados, no caso brasileiro.
33
Numa análise de casos, Stepan conclui que o Brasil apresenta, nas três
primeiras variáveis, características que restringem bastante o demos, ficando essa
restrição muito abrandada apenas quando se trata do grau de nacionalização dos
partidos. A julgar pelas categorias e critérios de Stepan, concluiríamos ser o Brasil
um dos países mais federais do mundo. Essa conclusão segue no caminho oposto
ao que o presente trabalho pretende expor, embora a mensuração do grau de
federalismo do Brasil não seja de maneira alguma o seu objeto. Há uma diferença
crucial do enquadramento analítico das unidades de análise adotado no trabalho de
Stepan e o adotado nesta dissertação: naquele, a câmara territorial seria uma
expressão do poder regional, e nesta, do poder central. A rigor, o Senado é mesmo
uma casa de representação dos estados federados, mas não deixa de ser um órgão
federal e nacional, tanto quanto a Câmara dos Deputados, com a diferença de
contar com uma representação eleitoral desproporcional quanto à relação
estados/eleitorado.
60
No enquadramento analítico deste trabalho, enfocam-se os
níveis de poder –federal e estadual– sob o prisma institucional. Assim, o fator de
federalização repousaria sobre a maior ou menor abrangência da competência das
instâncias estaduais das instituições políticas. Por conta dessa diferença de enfoque
é que os trabalhos podem chegar a conclusões opostas, a despeito de estarem
diante dos mesmos dados.
Feitas essas considerações sobre o enquadramento analítico a ser adotado
nesta dissertação, passa-se à análise do federalismo brasileiro.
59
STEPAN, A. Para uma nova análise comparativa do federalismo e da democracia:
federações que restringem ou ampliam o poder do demos, 1999: 236-7.
60
Ressalte-se que essa desproporção ocorre até na Câmara dos Deputados, por conta dos
limites mínimos e máximos de cadeiras que cada estado deve ter.
Capítulo 2
O Federalismo Brasileiro
Brasil-colônia
A primeira organização político-administrativa do território brasileiro consistiu na
instituição das Capitanias hereditárias, sem ligações entre si e subordinadas à
Coroa, em Lisboa, e sem constituírem uma unidade político-administrativa.
1
As
capitanias eram doadas pela Coroa a fidalgos, navegadores e súditos destacados, a
título perpétuo e gravadas de inalienabilidade, devendo os donatários arcar com os
custos de ocupação e colonização. Pode-se dizer que a Coroa “privatizou” a
colonização. Sabe-se que esse sistema não obteve muito êxito, exceto nas
Capitanias de Pernambuco e de São Vicente. Ainda no século XVI foram criadas
mais quatro Capitanias, e no seguinte, mais 11, cinco no Estado do Brasil e seis no
do Maranhão. No século XVIII instituíram-se as últimas sete. Já em princípios do
século XIX, as 36 Capitanias foram reduzidas a apenas 17,
2
tendo sido essa a
quantidade de Capitanias quando o Brasil foi elevado à categoria de Reino, com a
vinda da família real.
3
As colônias portuguesas da América do Sul passaram for fases intermitentes
de unificação e divisão. Em 1548 criou-se o Governo Geral da Bahia, que
representa uma grande tendência à unificação, tendência essa logo mitigada pela
criação de dois governos gerais, no ano de 1572. Restabeleceu-se a unificação em
1
Após o descobrimento, em 1500, a Coroa portuguesa enviou expedições de reconhecimento
e ensaiou a fundação de feitorias, como o objetivo de assegurar seu domínio além-mar. Em
1532, através da histórica carta a Martin Afonso de Souza, o Rei de Portugal manifestou seu
interesse de dividir o território dos domínios em Capitanias. A divisão consistia em demarcar
15 lotes de 50 léguas de costa, separados por linhas imaginárias latitudinais que terminavam
no meridiano traçado pelo Tratado de Tordesilhas, que dividia as Américas entre as coroas
portuguesa e espanhola. A cada lote correspondia uma Capitania, à exceção da Capitania de
São Vicente, que abrangia dois lotes.
2
Eram elas: do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba do Norte,
Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento (ou Cisplantina).
3
TRIGUEIRO, O. Direito Constitucional Estadual. 1980.
35
1577, e se a abandonou novamente em 1608. No século seguinte, no ano 1613,
voltou-se à unificação de forma breve com o Governo Geral da Bahia, até a criação
do Estado do Maranhão, em 1621. Pode-se dizer que a unificação só ganhou corpo
e caráter definitivo em 1773, quando das reformas pombalinas, com a instituição
do Vice-Reinado, no Rio de Janeiro, que tinha jurisdição sobre todo o domínio
português da América do Sul.
4
Paralelamente às Capitanias hereditárias, instituíam-
se as Capitanias reais, submetidas aos governos gerais e pertencentes à Coroa, que
as administrava diretamente por meio de seus próprios funcionários. A primeira
Capitania a passar ao domínio real foi a da Bahia, encapada quando da instalação
do Governo Geral. Além da criação de Capitanias reais, os donatários das
Capitanias hereditárias foram, com o passar do tempo, abandonando-as, de modo
que em meados do século XVIII estas últimas já haviam desaparecido por
completo. O regime legal das Capitanias objeto de doação estava nas cartas de
doação e nos forais mais ou menos uniformes para cada uma delas, explicitando os
direitos e deveres dos donatários. Oswaldo Trigueiro enumera os principais direitos
dos donatários-capitães:
Entre outros privilégios, o Capitão tinha direito a todas as
marinhas de sal e moendas d’água; à vintena líquida do pau-
brasil; à meia dízima do pescado; à redízima das rendas e
direitos que o Rei recebesse. Entre as atribuições que lhe
eram conferidas, destacavam-se a de criar vilas, com seu
termo, jurisdição, liberdade e insígnia, segundo os costumes
do Reino; a de criar e prover ofícios de justiça; a de
exercitar, em sua plenitude, a jurisdição civil e criminal. No
crime, conjuntamente com o ouvidor, o Capitão tinha
jurisdição com alçada até pena de morte, em todo e qualquer
caso, assim para absolver como para condenar, sem
apelação nem agravo. Quanto às suas imunidades, eram as
mais amplas: ainda que cometesse o crime de traição à
Coroa –único punível com a perda da Capitania– passaria
esta a seu sucessor, como por transmissão ordinária. Em
nenhum outro caso poderia ser ele suspenso do seu governo
e jurisdição. Nas terras de sua Capitania não podia entrar,
em tempo algum, corregedor, alçada ou outra autoridade,
para exercitar jurisdição em nome de El-Rei. Dessa forma, as
Capitanias hereditárias estavam submetidas a um senhorio
perpétuo e os seus donatários, investidos de atributos da
4
Idem: 4.
36
soberania territorial, só não lhes sendo permitido cunhar
moedas.
5
Oliveira Viana explica que a formação do organismo político-administrativo
da Colônia era marcada por uma tensão entre a força unificadora que partia da
metrópole e outra dissipadora, imposta pela dispersão demográfica e pela
dificuldade de locomoção e comunicação. O autor fluminense afirma que o
pensamento dominante dos estadistas coloniais é o da unidade; a duplicidade do
governo é sempre uma solução provisória, uma situação excepcional, de que eles
procuram sair o mais rapidamente possível.
6
Contudo, em razão das imposições
demográficas e populacionais e do sistema de capitanias, a unidade política na
colônia acaba sendo uma ficção vistosa.
7
Na verdade, quem legislava, governava e
julgava eram –aduz Viana– os capitães-mores das aldeias e os caudilhos locais.
Mesmo com tais revezes, os estadistas portugueses, segundo o autor,
implementaram um sistema eficaz, que atendia aos objetivos meramente
fiscalizatórios da metrópole.
José Murilo de Carvalho, analisando a organização político-administrativa da
colônia, conclui que havia uma fraca presença do poder metropolitano e [...] uma
frouxa ligação entre as várias regiões que a compunham.
8
Para ele, o sistema
colonial se aproximava de uma federação, se vista sob o aspecto da autonomia
política das unidades componentes do todo.
9
Inobstante, Carvalho não se olvida
dos momentos de forte centralização na organização da colônia, chamando a
atenção para criação do governo geral da Bahia e as reformas pombalinas.
Carvalho ressalta um aspecto interessante da organização colonial –ou da
falta dela. Havia muitos conflitos de jurisdição, hierarquias confusas e autoridades
5
Idem: 9-10.
6
VIANA, O. Evolução do povo brasileiro. 1956: 200.
7
Idem: 216.
8
CARVALHO, J. Federalismo e centralização no Império Brasileiro: história e argumento. s/d:
1.
9
Como já coloquei no capítulo anterior, sou refratário à tendência de associar qualquer
forma de autonomia política à expressão federação e seus derivados, pelas razões já
expostas. De qualquer forma, vale o registro de uma opinião tão abalizada como a do
professor José Murilo.
37
sem poder. Por exemplo, segundo o autor, o vice-rei, que era a autoridade mais
alta depois do rei, só tinha autoridade no Rio de Janeiro e em algumas capitanias
subalternas, como o Rio Grande e Santa Catarina; as outras se comunicavam
diretamente com a coroa. Esse caos administrativo seria proposital, na visão de
José Murilo, e tinha como objetivo enfraquecer o poder colonial, de modo a não
oferecer ameaça ao poder da metrópole.
Brasil Imperial
Quando o Brasil passou a ter o mesmo status de Portugal, durante o período do
Reino Unido (1815-1822), elevou-se o número de Capitanias a 19, desmembrando-
se a de Pernambuco, dando origem à de Alagoas; e se restaurando a de Sergipe.
Nesse período, os diplomas legais (cartas, decretos, alvarás etc.) passaram a
empregar indistintamente os termos Capitanias e Províncias. A designação de
Capitanias começa a desaparecer dos atos legislativos a partir de 1821, não tendo
sido empregado num decreto firmado por D. João VI que dispunha provisoriamente
sobre a forma de administração das Províncias. O decreto foi revogado por outro do
ano seguinte, pelo qual o Príncipe Regente instituiu o Conselho de Procuradores das
Províncias do Brasil, decreto esse também revogado, desta vez por lei votada na
Assembléia Constituinte em 1823. Em todos esses atos normativos se utilizou
apenas a designação de Províncias, no que foram seguidos pela Constituição de
1824. Assim, o Brasil, ao se tornar independente, em 1822, era dividido em 19
Províncias, divisão essa mantida, com pequenas alterações, pelo Império. Registre-
se que no período imperial os presidentes de província escolhidos pelo poder
central eram geralmente personalidades desvinculadas das províncias, pessoas
oriundas de outras localidades, de maneira a evitar que se criassem lealdades que
pudessem pôr em risco a lealdade ao imperador.
10
10
Essa fórmula tem origem na França de Filipe Augusto (1180-1223). Segundo Joseph
Strayer, o monarca permitiu a cada província conservar os seus costumes e instituições, mas
mandou de Paris homens para preencherem todos os cargos provinciais importantes (...)
38
O sistema federal só foi mesmo adotado pelo Brasil com a primeira
constituição republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Até a
proclamação da República, o Brasil constituía-se num império unitário. Contudo, já
no período imperial, o ideário federalista se fazia presente, como informa Oswaldo
Ferreira de Mello.
11
A vastidão territorial e a dispersão demográfica do Império
demandavam uma descentralização político-administrativa, que se materializou na
organização provincial. Zimmermann
12
explica que, com a proclamação da
independência, fez-se necessária a estruturação de um poder centralizador para
manter a unidade nacional. Todavia, à medida que as necessidades de
descentralização surgiam, criava-se um embate de idéias. Personalidades que
outrora se haviam unido em prol da soberania e da unidade nacionais, passaram a
divergir sobre o sistema de governo a ser adotado. De um lado, os conservadores,
capitaneados por José Bonifácio, propugnavam pela centralização; do outro, havia o
grupo de Gonçalves Ledo, mais liberal, que defendia a descentralização, através de
uma monarquia representativa. Vitorioso foi o grupo de Bonifácio, que, como
represália, mandou fechar a maçonaria e prender maçons, forçando, dessa forma,
seu principal adversário, que era maçom, a se exilar na Argentina.
Na Assembléia Constituinte de 1823, que posteriormente foi dissolvida por
D. Pedro I, discutiu-se bastante a proposta federativa, especialmente por causa da
integração da Província Cisplatina no território brasileiro, tendo-se destacado o
deputado Ferreira França por sua aguerrida defesa ao federalismo imperial. Essa
tendência federalista tinha suas raízes nos ideais da Revolta de Beckman –ou
Bequimão, na grafia aportuguesada– de 1685 no Maranhão, da Inconfidência
Mineira de 1789, que desembocaram na Confederação do Equador, de 1824 e na
Revolução Farroupilha (1835-1845), principalmente. Vê-se, pois, que a idéia de
federalismo estava atrelada a ideais revolucionários, muito diferente do federalismo
[a]placando assim o orgulho das várias províncias. STRAYER, J. As origens medievais do
Estado Moderno, 1993: 55.
11
Apud ZIMMERMANN, A. Teoria geral do Federalismo democrático, 2005.
12
Idem. Ibidem.
39
estadunidense, que era um misto do conservadorismo da autonomia das antigas
colônias com o ideal de unidade e fortalecimento dos pais fundadores (founding
fathers).
13
Com a dissolução da Constituinte de 1823, o Imperador outorgou a Carta de
1824, a primeira constituição do Brasil. Pautada na Constituição francesa de 1814,
a Carta de 1824 consagrou o unitarismo, mas fracionou o território brasileiro em 20
províncias subordinadas ao poder central e dirigidas por presidentes escolhidos e
nomeados pelo Imperador, demissíveis ad nutum, com atribuições policiais e
judiciais, até 1870. Contudo, a Constituição de 1824 instituiu os Conselhos Gerais
de Província, que são o embrião das atuais assembléias legislativas. Seu artigo 71
dispunha que a Constituição reconhece, e garante o direito de intervir todo o
Cidadão nos negócios da sua Província, e que são imediatamente relativos a seus
interesses peculiares. Aí já se pode notar um começo de autonomia regional. Os
conselhos gerais tinham atribuições legislativas e regulamentares. O artigo 81 da
Carta rezava que os conselhos tinham por principal objeto propor, discutir, e
deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas Províncias; formando
projetos peculiares, e acomodados às suas localidades, e urgências.
Nas províncias mais populosas,
14
os Conselhos Gerais compunham-se de 21
membros e, nas demais, de 13 membros.
15
A sua eleição era feita na mesma
ocasião e forma e pelo mesmo período da dos deputados.
16
Os Conselhos
funcionavam em sessões de dois meses ao ano, podendo-se prorrogar por mais
13
Há quem enxergue no movimento federalista dos EUA um verdadeiro golpe das elites, que
tinham interesse em conter o demos, a que Stepan faz menção. Como nos informa Isaac
Kramnick, dos 42 delegatários da Convenção da Filadélfia, três posicionaram-se contra o
documento que culminou na Constituição. Além destes, dos 13 delegatários ausentes, quatro
eram resolutamente contrários ao documento. Ver KRAMNICK, I., na apresentação de edição
d’Os Artigos Federalistas, 1987.
14
Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul.
O Rio de Janeiro era administrado diretamente pelo Poder Central, posto que era onde se
achava a Capital do Império.
15
Art. 73 da Carta Imperial.
16
Art. 74.
40
um,
17
e suas resoluções era remetidos ao Poder Executivo pelos presidentes de
província,
18
ocasião em que, caso se encontrasse reunida a Assembléia Geral –
composta pela Câmara e pelo Senado–, ser-lhe-iam enviadas para serem votadas
como projetos de lei.
19
Caso não estivesse reunida a Assembléia, o Imperador
poderia mandar executar as resoluções, se julgasse que ela fosse dignas de pronta
providência, pela utilidade, que de sua observância resultasse o bem geral da
Província.
20
E, por fim, dispunha o artigo 89 que o método de prosseguirem os
Conselhos Gerais de Província em seus trabalhos, e sua policia interna, e externa,
tudo (seria regulado) por um Regimento, que lhes (seria) dado pela Assembléia
Geral.
Interessante notar que, no que tange a repartição de competências, a
técnica legislativa utilizada na Carta Imperial se assemelhava muito à fórmula
adotada pelas constituições federalistas de competência enumerada e não-
enumerada. Veja-se o artigo 83:
Art. 83. Não se podem propor, nem deliberar nestes
Conselhos Projetos.
I. Sobre interesses gerais da Nação.
II. Sobre quaisquer ajustes de umas com outras Províncias.
III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competência
particular da Câmara dos Deputados. Art. 36.
21
(...)
Toda organização e estruturação dos Conselhos Gerais de Províncias estava
disposta no Título 4º, Capítulo V, da Constituição Imperial, isto é, os conselhos não
se organizavam autonomamente, e por isso eram conselhos, e não assembléias. Os
Conselhos Gerais apenas podiam interferir no processo legislativo do poder central;
não tinham poder legiferante próprio, isto é, não produziam leis.
Com a abdicação de D. Pedro I, instaurou-se a Regência em 1831. Neste
período foi apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados um projeto para
17
Art. 77.
18
Art. 84.
19
Art. 85.
20
Art. 86.
21
Art. 36. É privativa da Câmara dos Deputados a Iniciativa: I. Sobre Impostos; II. Sobre
Recrutamentos; III. Sobre a escolha da nova Dinastia, no caso da extinção da Imperante.
41
instituir a Federação Monárquica, mas o projeto foi derrubado no Senado. Mesmo
com esse revés, a Câmara conseguiu aprovar uma reforma descentralizadora,
criando assembléias provinciais, executivos municipais, estabelecendo uma divisão
de rendas entre o poder central e as províncias e extinguindo o Poder Moderador, o
Conselho de Estado e a vitaliciedade no Senado. Posteriormente se aprovou mais
uma lei no sentido da descentralização, o Ato Adicional de 1834, Lei nº. 16, de
12/08/1834, que, dentre outras medidas, substituiu os conselhos provinciais por
assembléias legislativas provinciais, aumentando o número de membros.
22
A forma
de eleição continuou a mesma, mas os mandatos dos deputados provinciais eram
de dois anos, permitida a reeleição. Além das atribuições dos antigos conselhos
gerais das províncias, às assembléias legislativas provinciais competia legislar
sobre:
Vários itens, que, em caráter geral e inter alia, compreendiam a divisão
civil, judiciária e eclesiástica.
A instrução pública, a desapropriação por utilidade provincial e
municipal; a polícia e economia dos municípios.
A fixação de despesas provinciais e municipais e a decretação de
impostos necessários; a fiscalização do emprego das receitas públicas.
A criação e supressão de empregos provinciais e municipais, bem como a
fixação de seus ordenados.
As obras públicas, estradas e navegação interior; a construção de
penitenciárias e seu regime administrativo.
Os socorros públicos.
Os casos e formas de nomeação e demissão dos empregados provinciais.
Além dessas competências legislativas, as assembléias provinciais tinham as
seguintes atribuições:
Elaborar seus regimentos internos.
22
Trinta e seis deputados para as províncias de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e São
Paulo; 28 para as do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul; e 20
para as restantes.
42
Fixar a força policial.
Autorizar empréstimos.
Regular a administração dos bens provinciais.
Promover a organização das estatísticas, a catequese dos indígenas e o
estabelecimento de colônias.
Decidir sobre a suspensão do Presidente da Província, em caso de
processo.
Suspender e demitir magistrados acusados por crime de
responsabilidade.
O ato adicional trouxe também nova sistemática legislativa. As assembléias
elaboravam projetos de lei efetivamente, projetos que eram remetidos ao
Presidente de Província para sanção ou veto, podendo o último ser derrubado por
maioria de 2/3 dos membros. Contudo, se o veto decorresse de eventual atentado
contra direito de outra província, tratado ou se o projeto dispusesse sobre obras
públicas, estradas ou navegação, a rejeição do veto era remetida ao Governo e à
Assembléia Geral, que decidiria sobre a sanção em caráter definitivo. Além disso,
todas as leis provinciais sancionadas eram remetidas pelo Presidente de Província
ao Governo e à Assembléia Geral para exame de eventual ofensa à Constituição, ao
sistema tributário, aos tratados ou a direitos de outras províncias, hipóteses em
que podiam ser revogadas. Delineava-se, com isso, um sistema de controle de
constitucionalidade de repartição de competências. Pela primeira vez na história
brasileira constituíam-se órgãos legislativos regionais com autonomia para deliberar
com autoridade final sobre determinados assuntos. Mas, como adverte Oswaldo
Trigueiro:
[A] autonomia das Províncias era muito mais teórica do que
efetiva. Os Presidentes, sucessores dos poderes
secularmente exercidos pelos Governadores das Capitanias,
eram delegados do governo central e agentes do partido do
poder. As Assembléias eram eletivas, mas o sistema
eleitoral, baseado em eleições rigorosamente controladas
43
pelo Governo, tornava irrealizável a hipótese da assembléia
de oposição.
23
Essa lei teve curto período de efetiva vigência, tendo sido esvaziada pela Lei
nº. 105, de 12 de maio de 1840, conhecida por Lei de Interpretação, pela qual o
Poder Central passou a nomear até os vice-presidentes provinciais.
Complementando o processo de re-centralização, criou-se a polícia centralizadora
em 1841. Nessa guinada de volta à centralização, o poder concentrou-se de tal
forma, como conta José Murilo de Carvalho,
24
que o Poder Moderador passou a
nomear e demitir livremente ministros, senadores, presidentes de província, e seu
Ministro da Justiça tinha o poder de nomear e demitir ad nutum desde magistrado
do Supremo Tribunal de Justiça
25
até guarda de prisão, passando por membros da
Guarda Nacional, bispos, párocos e delegados de polícia. Todavia, permaneceram
as disposições sobre organização das assembléias legislativas provinciais, exceto no
tocante à criação de cargos no serviço público e à suspensão e demissão dos
magistrados, matérias em que houve restrição à autonomia provincial. Para se ter
uma noção, em 1877 os funcionários públicos das diferentes instâncias do Império
estavam divididos na seguinte ordem:
26
Provincial
25%
Municipal
6%
Central
69%
Primeira República
23
TRIGUEIRO, O. Direito Constitucional Estadual. 1980: 22.
24
Apud ZIMMERMANN, A. Teoria geral do Federalismo democrático, 2005
25
Instância máxima do Poder Judiciário imperial.
26
Idem: 20.
44
Essa volta radical à centralização provocou reações, das quais as mais famosas são
a publicação da obra A Província pelo então jovem deputado alagoano Tavares
Bastos, aguerrido defensor do federalismo, em 1861, e o Manifesto de Itu, de 3 de
dezembro de 1870. Bastos representava a corrente antagônica à de Visconde de
Uruguai. Em fins do Império, Joaquim Nabuco apresentou um projeto federativo,
não obtendo êxito. Após a abolição da escravatura, Nabuco apresentou novo
projeto federativo compatível com a monarquia, com o fim de preservar esta, que
já agonizava indelével e inexoravelmente. Em 15 de novembro de 1889 o Marechal
Deodoro da Fonseca proclamou a república, dispondo no Decreto nº. 1, de mesma
data, o seguinte:
Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como
a forma de governo da Nação brasileira - a República
Federativa.
Art. 2º - As Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da
Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil.
Art. 3º - Cada um desses Estados, no exercício de sua
legítima soberania, decretará oportunamente a sua
constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes
e os seus Governos locais.
Neste momento as províncias passaram a ter o status de estados,
prevendo-se a instituição de constituições estaduais para cada unidade federativa e
autonomia política para a eleição de seus membros. O Decreto nº. 1 é ousado,
chegando a declarar a soberania dos estados federados, algo que nem mesmo hoje
em dia é reconhecido, sendo-lhes atribuída mera autonomia político-administrativa.
Porém, essa ousadia federalista só esteve presente na terminologia. Seis dias após
a proclamação da República, o Governo Provisório emitia o Decreto nº. 7,
dissolvendo as Assembléias Provinciais –cujos membros eram eleitos pela
população– e determinando que os recém-criados estados fossem administrados
por governadores nomeados por ele próprio. Pelo Decreto nº. 802, de 4/10/1890, o
Governo Provisório determinou que fossem criadas assembléias estaduais dentro de
seis meses para que essas recebessem poderes do eleitorado para aprovar as
futuras constituições estaduais. Os governadores outorgariam constituições que
teriam sua vigência condicionada à ulterior aprovação da respectiva assembléia,
45
exceto naquilo que dispusesse sobre a composição desta, bem como o exercício de
suas atividades constituintes.
27
Assim, os poderes constituintes estaduais estariam
submetidos a normas impostas por governadores nomeados por um governo
revolucionário e provisório. Do ponto de vista do ideal federalista e da técnica
legislativa tais providências são criticáveis. Primeiro porque seria questionável a
competência e legitimidade do Governo Provisório para delegar a governadores um
poder constituinte que caberia a uma assembléia constituinte nacional já eleita.
Segundo porque as constituições estaduais viriam a ter que se adaptar à
Constituição da República, a ser promulgada pouco tempo depois, criando-se assim
trâmites legislativos desnecessários. Talvez se dando conta de tal despropósito,
nenhuma assembléia estadual aprovou sua constituição antes da promulgação da
Constituição da República.
A Constituição que se seguiu à proclamação da República, de 1891,
consagrou o modelo federalista. Muito se criticou a opção do constituinte, sob o
argumento de que se teria simplesmente transplantado o modelo legal
estadunidense, sem atentar para a realidade sócio-política brasileira. Essa é uma
crítica muito recorrente até os dias atuais, e foi levantada por grandes políticos e
cientistas sociais, como o gaúcho Júlio de Castilhos, no primeiro caso, e Oliveira
Viana, no segundo. Dizia este último que a ideologia que norteou a Constituinte de
1891 era uma mistura um tanto internacional e, por isso mesmo, heterogênea do
democracismo francês, do liberalismo inglês e do federalismo (norte-)americano.
28
A visão de que o modelo federalista brasileiro foi “importado” dos EUA é
equivocada. Num primeiro momento, pode mesmo parecer que houve mera
27
Art. 1º Os Governadores dos Estados convocarão as respectivas assembléias legislativas
até abril de 1891, fixando-lhes data para a eleição e para a abertura, de modo que entre a
primeira e a segunda medeiem, pelo menos, 30 dias; Art. 2º Essas assembléias receberão
dos eleitores poderes especiais para aprovar as constituições dos Estados, assim como para
eleger os Governadores e Vice-Governadores, que houverem de servir no primeiro período
administrativo; Art. 3º Os Governadores atuais promulgarão, em cada Estado, a sua
constituição, dependente da aprovação ulterior da respectiva assembléia legislativa, mas
posta em vigor desde logo quanto à composição dessa assembléia e suas funções
constituintes.
28
VIANA, O. O idealismo da Constituição, 1924: 141.
46
transposição, ao se observar os princípios federativos consagrados pela primeira
Carta republicana. Detendo-se mais acuradamente sobre a repartição de
competências dos níveis federal e estadual, vê-se que se adotou um modelo
essencialmente diferente do modelo da Constituição da Filadélfia. E não se trata de
filigranas jurídicas. A divisão de competências é justamente o que caracteriza o
grau de (des)centralização de uma federação. Um autor brasileiro que percebeu
isso à época foi Alberto Torres. Afirma ele o seguinte:
Adotando a idéia de democracia do governo da lei, além de
sobrepor-se a todas as outras leis da União e dos Estados,
recusa a estes, na realidade, o próprio poder legislativo,
quando exclui da competência deles a regulação do direito
substantivo e de outros objetos, quando garante, por
autoridade própria, as liberdades individuais, e quando
assegura recursos dos atos dos poderes estaduais para os da
União, nos casos de violação à liberdade, e nos de infração
de seus preceitos.
29
A Constituição de 1891 conferiu ao Congresso Nacional, isto é, o Poder
Legislativo federal, a competência privativa para:
Orçar a receita, fixar a despesa federal anualmente e tomar as contas da
receita e despesa de cada exercício financeiro.
Autorizar o Poder Executivo a contrair empréstimos a fazer operações de
crédito; legislar sobre a dívida pública e estabelecer os meios para o seu
pagamento.
Regular a arrecadação e a distribuição das rendas federais.
Regular o comércio internacional, bem como o dos Estados entre si e
com o Distrito Federal, alfandegar portos, criar ou suprimir entrepostos.
Legislar sobre a navegação dos rios que banhem mais de um Estado, ou
se estendam a territórios estrangeiros.
Determinar o peso, o valor, a inscrição, o tipo e a denominação das
moedas.
Criar bancos de emissão, legislar sobre ela e tributá-la.
Fixar o padrão dos pesos e medidas.
29
TORRES, A. A organizaçãonaciona,. 1938: 74.
47
Resolver definitivamente sobre os limites dos Estados entre si, os do
Distrito Federal e os do território nacional com as nações limítrofes.
Autorizar o governo a declarar guerra, se não tiver lugar ou malograr-se
o recurso do arbitramento, e a fazer a paz.
Resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações
estrangeiras.
Mudar a capital da União.
Conceder subsídios aos Estados em caso de calamidade pública.
Legislar sobre o serviço dos correios e telégrafos federais.
Adotar o regime conveniente à segurança das fronteiras.
Fixar anualmente as forças de terra e mar.
Legislar sobre a organização do Exército e da Armada.
Conceder ou negar passagens a forças estrangeiras pelo território do
País, para operações militares.
Mobilizar e utilizar a guarda nacional ou milícia cívica.
Declarar em estado detio um ou mais pontos do território nacional, na
emergência de agressão por forças estrangeiras ou de comoção interna,
e aprovar ou suspender o sítio que houver sido declarado pelo Poder
Executivo, ou seus agentes responsáveis, na ausência do Congresso.
Regular as condições e o processo da eleição para os cargos federais, em
todo o País.
Legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o
processual da Justiça Federal.
Estabelecer leis uniformes sobre a naturalização.
Criar e suprimir empregos públicos federais, fixar-lhes as atribuições,
estipular-lhes os vencimentos.
Organizar a Justiça Federal.
Conceder anistia.
48
Comutar e perdoar as penas impostas, por crimes de responsabilidade,
aos funcionários federais.
Legislar sobre terras e minas de propriedade da União.
Legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como
sobre a Polícia, o ensino superior e os demais serviços que na Capital
fossem reservados para o Governo da União.
Submeter à legislação especial os pontos do território da República
necessários para a fundação de arsenais ou outros estabelecimentos e
instituições de conveniência federal.
Regular os casos de extradição entre os Estados.
Decretar as leis e resoluções necessárias ao exercício dos poderes que
pertencem à União.
Decretar as leis orgânicas para a execução completa da Constituição.
Prorrogar e adiar suas sessões.
Vê-se, pois, que é bem extenso o rol de atribuições do Congresso na Carta
de 1891, abrangendo matérias que na Constituição dos EUA são afetas, de modo
geral, ao nível estadual, como direito penal, direito civil, direito comercial etc. Ora,
visto isso, ainda é possível admitir que a Constituição de 1891 seja mera
transplantação da Constituição estadunidense? Nessa esteira, lamentava Levi
Carneiro, não por termos copiado a Constituição dos EUA, mas por a termos
copiado mal.
30
Para ele, não há que recear copiar uma legislação pela simples
preocupação de originalidade, sendo comum haver no direito público um padrão
dominante em cada fase histórica.
Ao tratar da repartição de competências na primeira Carta republicana,
Torres aduz que o Legislativo Estadual é mera assembléia administrativa, com
algumas atribuições econômicas e sociais; e o judiciário estadual, simples executor
30
In Federalismo e judiciarismo, apud ZIMMERMANN, A. Teoria geral do Federalismo
democrático, 2005: 369.
49
de leis federais.
31
Outro resultado não poderia ter a separação de legislação sobre
direito substantivo, da legislação sobre o direito processual, conferida a primeira à
União e a segunda aos Estados,
32
separação essa que, para Torres, é das mais
repugnantes.
33
O curioso é que o próprio Alberto Torres incorre no mesmo erro
para cuja correção fornece os subsídios, afirmando que houve importação literal
das fórmulas e das normas (norte-) americanas.
34
O certo é que a primeira Carta Republicana resguardou satisfatoriamente a
integridade territorial dos estados-membros, isto é, sua subdivisão, incorporação ou
desmembramento não podiam partir exclusivamente do poder central. Esse é um
fator decisivo da determinação da autonomia regional. No regime imperial, como
era de se esperar num sistema unitário, as províncias não tinham garantias de sua
integridade territorial. A divisão territorial dava-se conforme o alvedrio do poder
central, segundo a competência geral do Poder Legislativo, pois não havia cláusula
especial sobre a questão. E assim foi com a criação da Província do Amazonas em
1850 e do Paraná em 1853. Com o advento do federalismo, as alterações na
demarcação territorial dependiam das instâncias de poder regionais. O artigo 4º da
Carta de 1891 dispunha que os estados podiam incorporar-se entre si, subdividir-se
ou desmembrar-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados, mediante
aquiescência das respectivas Assembléias Legislativas, em duas sessões anuais
sucessivas, e aprovação do Congresso Nacional.
Outro fator importante na aferição de autonomia federal é a participação no
processo de reforma constitucional. No caso da Constituição de 1891, a participação
das instâncias estaduais de poder era meramente propositiva, ou seja, podia propor
emendas constitucionais, mas não participava do processo de aprovação delas.
35
36
31
Idem. Ibidem. Essa assertiva é perfeitamente cabível para o Brasil dos dias atuais, como
ficará demonstrado adiante.
32
Idem: 90.
33
Idem. Ibidem.
34
Idem: 76.
35
Art. 90 - A Constituição poderá ser reformada, por iniciativa do Congresso Nacional ou das
Assembléias dos Estados. (...) § 2º - Essa proposta dar-se-á por aprovada, se no ano
50
Mas, por outro lado, o processo legislativo no plano estadual ficou a cargo dos
próprios estados federados. No tocante ao processo de reforma das constitucionais,
especificamente, o artigo 2° das disposições transitórias trouxe uma peculiaridade.
Impôs que o estado que não elaborasse sua constituição até o fim de 1892 ficaria
submetido à constituição de outro estado, por escolha do Congresso, sendo sua
reforma regida pelas normas constantes no texto constitucional “importado”.
Submeter-se ao processo legislativo de reforma alheio foi a “sanção” que o
constituinte da República cominou para os constituintes estaduais retardatários. Na
maioria dos estados adotou-se o modelo federal, de iniciativa do legislativo
ordinário e maioria qualificada, mas havia exceções curiosas. No Rio Grande do
Norte e no Piauí a iniciativa de reforma era privativa das municipalidades, através
da maioria das câmaras. No primeiro a proposta era aprovada somente em nova
assembléia constituinte. Na Bahia, além da iniciativa do legislativo estadual
ordinário, havia a possibilidade de iniciativa popular, através de petição assinada
por 15 mil eleitores.
Mesmo com a mudança do processo de reforma na Constituição de 1934 –
prevendo a emenda aditiva e a revisão–, muitos estados mantiveram o sistema da
Constituição de 1891, pelo qual só cabia reforma por modificação do texto, isto é, a
revisão. Já pela Carta de 1946, só cabia no plano federal a emenda aditiva, no que
foi seguida pela maioria das constituições estaduais subseqüentes. Bahia, Goiás,
Mato Grosso, São Paulo e Pernambuco mantiveram-se fiéis ao modelo de 1891, das
emendas meramente aditivas. Ceará, Piauí e Maranhão adotaram a fórmula do
modelo anterior de 1934, com duplo sistema de revisão.
Há ainda outro fator que deve ser levado em conta, que é a possibilidade de
intervenção federal nos estados. O artigo 6º previa quatro hipóteses autorizativas
seguinte o for, mediante três discussões, por maioria de dois terços dos votos nas duas
Câmaras do Congresso.
36
Essa participação meramente propositiva das assembléias no processo de reforma da
Constituição Federal é uma constante em todo o federalismo brasileiro, tendo perpassado
todos os regimes constitucionais até o presente. Nos EUA, para haver emendas à
Constituição, é necessária a ratificação por três quartos das legislaturas estaduais ou por
uma convenção acionada por essas mesmas legislaturas, pelo mesmo quorum.
51
de intervenção federal, que tinham como objetivo repelir invasão estrangeira, ou de
um Estado em outro; manter a forma republicana federativa; restabelecer a ordem
e a tranqüilidade nos Estados, à requisição dos respectivos Governos; e assegurar a
execução das leis e sentenças federais. A reforma constitucional de 1926 limitou
um pouco a autonomia dos estados conferida pela Carta de 1891. Essa reforma
ampliou as possibilidades de intervenção federal nos estados, impondo um rigoroso
controle político e administrativo sobre eles. Mas mesmo antes da referida
ampliação das hipóteses de intervenção, essa já era usada em larga escala e de
forma abusiva por presidentes da Primeira República, principalmente pelo marechal
Hermes da Fonseca.
Os estados-membros tinham muita autonomia organizativa sob a égide da
primeira Carta republicana, como jamais tiveram nos regimes constitucionais
subseqüentes. O legislativo estadual, à semelhança do ocorria nos EUA, tinha a
faculdade de constituir-se tanto da forma unicameral como bicameral, com a
diferença de que no Estado norte-americano era quase total a adoção do sistema
dual. Ainda no Império abriu-se a possibilidade dos legislativos provinciais
organizarem-se sob a forma bicameral. Contudo, a composição dual das
assembléias provinciais deveria ser aprovada pela Assembléia Geral (equivalente ao
Congresso Nacional). Essa possibilidade veio com o supracitado Ato Adicional, a Lei
n°. 16 de 12 de agosto de 1834, que reformou a Constituição imperial. Seu artigo
3° rezava que a Assembléia Geral podia decretar a organização de uma segunda
Câmara legislativa para qualquer Província, a pedido de sua Assembléia, podendo
esta segunda Câmara ter maior duração do que a primeira. Não houve, todavia, a
ocorrência de legislativos duais nas províncias e, ao que informa Castro Nunes, os
únicos pedidos no sentido de criar senados provinciais de São Paulo e Pernambuco
foram desatendidos pela Assembléia Geral.
37
Essa possibilidade foi mantida pela
Carta Republicana, exceto que não era necessária nenhuma aprovação por parte do
37
Apud TRIGUEIRO, O. Direito Constitucional Estadual. 1980: 131.
52
poder central. Os estados escolhiam livremente a forma de composição de seu
legislativo na elaboração de suas respectivas constituições.
Diferentemente dos estados norte-americanos, que optaram em quase sua
totalidade pelo sistema bicameral,
38
no Brasil, devido à tradição imperial, a maioria
dos estados optaram pelo sistema unicameral. Adotaram, com diversos nomes, o
sistema singular os estados do Piauí (Câmara dos Deputados), Maranhão, Rio
Grande do Norte, Espírito Santo e Paraná (Congresso Legislativo), Rio Grande do
Sul (Assembléia dos Representantes), Santa Catarina (Congresso Representativo),
Amazonas, Ceará, Paraíba, Sergipe, Rio de Janeiro e Mato Grosso (Assembléia
Legislativa). Instituíram o modelo bicameral, com sua diversa nomenclatura, os
estados do Pará (Congresso, dividido em Câmara e Senado); Pernambuco
(Congresso Legislativo, dividido em Câmara e Senado); Alagoas (Congresso,
dividido em Câmara e Senado); Bahia (Assembléia Geral, dividida em Câmara e
Senado); São Paulo, Minas Gerais e Goiás (Congresso, dividido em Câmara dos
Deputados e Senado). Em todos os casos o senado era menor que a câmara,
mantendo-se a tradição imperial segundo a qual a representação no Senado era a
metade da representação na Câmara dos Deputados. Os mandatos dos senadores
eram mais longos: nove anos nas Alagoas, no Pará e em São Paulo; oito em Minas
Gerais e Goiás; e seis em Pernambuco e na Bahia. A possibilidade de legislativos
bicamerais acabou-se com a Constituição de 1934 e nunca mais tornou a ocorrer.
No regime constitucional de 1891 os estados tinham também competência
legislativa sobre direito eleitoral. Assim, variavam os mandatos dos representantes
eletivos na chamada República Velha. Para os governadores ou presidentes
estaduais, seguia-se a regra constitucional do mandato quadrienal do presidente da
República, à exceção do Rio Grande do Sul, que, até 1928, manteve o mandato
qüinqüenal para os seus presidentes. Já quanto à substituição e sucessão do chefe
38
A princípio os estados de Pensilvânia, Geórgia e Vermont adotaram sistemas unicamerais,
tendo sido nisso modificado logo em seguida nos dois primeiros e em 1836 no último (V.
Trigueiro, p. 133). Atualmente, apenas o estado de Nebraska adota o sistema unicameral. V.
http://www.unicam.state.ne.us/learning/history.htm, acesso em 02/12/2006.
53
do Executivo estadual as regras variavam muito de estado para estado. Os estados
do Amazonas, do Pará, de Pernambuco, de Sergipe e da Bahia não criaram cargos
de vice. Caso ficasse vago o cargo, este era exercido pelo Presidente da câmara ou
do senado. Nos demais estados, via-se a figura do vice-governador ou vice-
presidente, conforme o caso. O Ceará teve três vice-presidentes até 1920. A
Paraíba teve igualmente teve três vice-presidentes num curto período, passando a
ter dois de 1892 a 1930. A regra de eleição dos vices também variava, sendo na
maioria dos casos eleitos juntamente com os governadores ou presidentes
estaduais. Até a Reforma de 1924, o vice-presidente do Rio Grande do Sul era
nomeado pelo Presidente, com a aprovação da maioria dos conselhos municipais.
Não se pode olvidar que, ao mesmo tempo em que o regime de 1891
representou uma grande distensão do poder central, que foi transferido aos
estados, houve, por outro lado, grande concentração de poderes nas mãos dos
estados que antes, no regime imperial, cabiam às instâncias locais de poder, isto é,
os municípios. Segundo Trigueiro, durante os quarenta anos da Primeira República,
o Município foi problema exclusivamente estadual.
39
Essa situação reverteu-se com
a uniformização da Carta de 1934, momento a partir do qual a perda de autonomia
dos municípios deixou de ser para os estados e passou para o poder central.
Oliveira Viana enxerga uma grande autonomia para os estados no regime de
1891. Assim resume o quadro:
Cada Estado elege, assim, as suas autoridades executivas e
as suas assembléias legislativas, organiza, ao seu jeito, a sua
administração, forma a sua burocracia, institui a sua
magistratura, perfaz o serviço policial com autoridades suas,
tem as suas brigadas policiais, os seus xadrezes, as suas
escolas e o seu magistério, os seus prefeitos ou intendentes
municipais, o seu código administrativo, a sua legislação
processual: em suma, uma Constituição sua, um Poder
Executivo seu, um Poder Legislativo seu, um Poder Judiciário
seu, uma estrutura administrativa inteiramente sua. Só não
tem um Código Civil e um Código Penal seus.
O poder central somente intervém na vida dos Estados
apenas para assegurar a execução de leis e sentenças
federais, para repelir invasão estrangeira ou de um Estado
39
Idem: 251.
54
em outro, ou então para manter a forma republicana
federativa.
40
Pelo exposto acima, pode-se concluir que Viana não se filia à tese de que a
União tenha lançado mão abusivamente do instituto da intervenção para se imiscuir
nos negócios dos estados. Ao contrário, afirma que o presidente da República e o
Congresso Nacional eram reféns da política dos governadores, chegando a
sustentar que só o Poder Judiciário Federal escapa[va], de certo modo, a este
incontestável predomínio das influências locais.
41
Viana entendia que a diferença da organização política entre os estados não
estava nas suas constituições, que, à exceção da do Rio Grande do Sul, seriam
todas muito semelhantes; mas sim que se fazia presente no modo de se mover no
campo político. Afora isso, Viana aponta duas tendências gerais dos estados na
Primeira República: absorção crescente do poder municipal pelo poder estadual; e
hegemonia crescente do poder executivo estadual sobre os dois outros poderes.
Era Vargas
Em 1930 o Brasil passou por outro processo revolucionário, que deu origem mais
uma vez a um Governo Provisório. O movimento revolucionário, capitaneado por
Getúlio Vargas, depôs o então presidente, Washington Luís, e impediu a posse de
seu sucessor, Júlio Prestes. O Governo Provisório, que se concentrava na pessoa de
Vargas, passou a responder pelas funções de Executivo e do Legislativo. As
assembléias estaduais foram dissolvidas e os governos estaduais passaram a ser
ocupados por interventores nomeados pelo Governo Provisório, isto é, Vargas. Em
29 de agosto de 1931 o Governo Provisório baixou o Decreto 20.348 editando
normas disciplinadoras da administração dos estados e municípios. O decreto fez
instituir conselhos consultivos, que deviam colaborar com os interventores em sua
gestão, restringindo-lhes o discricionarismo, mas sem devolver autonomia aos
40
Idem: 280-1.
41
Idem: 294.
55
estados. Esse sistema vigorou até 1935, quando foram eleitos os governadores,
agora sob a égide da Constituição de 1934.
A Constituição de 16 de julho de 1934 restaurou o governo democrático
representativo, bem como o sistema federativo, brevemente abandonado durante o
período revolucionário. Desta vez, restringiu-se muito a esfera de atuação dos
estados, embora a Constituição tenha criado novos mecanismos mais eficazes de
garantia da autonomia reservada a eles. Muitas matérias foram deslocadas da
competência legislativa dos estados para a da União, dentre as quais se destacam o
direito processual, o direito eleitoral, matéria de registros públicos e de juntas
comerciais. A capacidade de auto-organização foi muito atingida pela Carta de
1934, nunca mais tendo sido recuperada. A organização estadual foi uniformizada
pela Constituição da República. Mais uma vez socorro-me das palavras de Oswaldo
Trigueiro, que assim sintetizou a questão:
A partir da Constituição de 1934 (...) o direito federal vem
impondo aos Estados um tipo de governo cada vez mais
padronizado, de tal sorte que o poder de auto-organização,
essencial à existência do regime federal, está reduzido a uma
ficção, que não disfarça, convincentemente, o unitarismo que
está asfixiando os Estados.
42
A Carta de 1934 afetou a autonomia estadual até em minúcias, como a
nomenclatura a ser adotada para as autoridades estaduais. No inciso I de seu
artigo 19 vedou expressamente aos estados adotarem denominações diferentes das
estabelecidas na Constituição para o nível federal para funções públicas idênticas.
Essa vedação estendeu-se até o nível municipal. Para as instituições e funções
típicas do governo estadual a Constituição de 1934 uniformizou a nomenclatura,
impondo o vocábulo governador para os chefes do Executivo estadual; assembléia
legislativa para os poderes legislativos estaduais, que passaram doravante a ser
obrigatoriamente unicamerais; corte de apelação para os tribunais.
No artigo 3° de seu Ato das Disposições Transitórias, a Constituição de 1934
determinou que, 90 dias após sua promulgação, os estados realizassem eleições
42
Idem: 135-6.
56
para as assembléias constituintes estaduais para elaborarem suas novas
constituições num prazo de quatro meses. A determinação foi cumprida
pontualmente por todos os estados. Não se oportunizou às assembléias manterem
suas constituições, apenas as reformando para adaptá-las ao novo regramento
constitucional, como era de se esperar num regime de verdadeira autonomia
estadual. A determinação de elaboração das constituições ficou prejudicada pela
posterior decretação do estado de guerra em 1935 e, sobretudo, pela Constituição
de 1937, que revogou todas as constituições recém-promulgadas.
No tocante à distribuição de competências, a Carta de 1934 seguiu o mesmo
esquema de competência residual dos estados previsto na Constituição anterior,
acrescentando –e inaugurando no direito constitucional brasileiro– uma nova
competência estadual, qual seja, a de legislar supletiva ou complementarmente em
matérias de competência privativa da União.
43
Eram, assim, atribuições privativas
da União o seguinte:
Manter relações com os Estados estrangeiros, nomear os membros do
corpo diplomático e consular, e celebrar tratados e convenções
internacionais;
Conceder ou negar passagem a forças estrangeiras pelo território
nacional;
Declarar a guerra e fazer a paz;
Resolver definitivamente sobre os limites do território nacional;
Organizar a defesa externa, a polícia e segurança das fronteiras e as
forças armadas;
Autorizar a produção e fiscalizar o comércio de material de guerra de
qualquer natureza;
Manter o serviço de correios;
Explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos,
radiocomunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso,
43
Art. 5°, §3° e art. 7°, III.
57
bem como as vias-férreas que liguem diretamente portos marítimos a
fronteiras nacionais, ou transponham os limites de um Estado;
Estabelecer o plano nacional de viação férrea e o de estradas de
rodagem, e regulamentar o tráfego rodoviário interestadual;
Criar e manter alfândegas e entrepostos;
Prover aos serviços da polícia marítima e portuária, sem prejuízo dos
serviços policiais dos Estados;
Fixar o sistema monetário, cunhar e emitir moeda, instituir banco de
emissão;
Fiscalizar as operações de bancos, seguros e caixas econômicas
particulares;
Traçar as diretrizes da educação nacional;
Organizar defesa permanente contra os efeitos da seca nos Estados do
Norte;
Organizar a administração dos Territórios e do Distrito Federal, e os
serviços neles reservados à União;
Fazer o recenseamento geral da população;
Conceder anistia.
44
A competência legislativa da União consistia em legislar sobre:
Direito penal, comercial, civil, aéreo e processual, registros públicos e
juntas comerciais;
Divisão judiciária da União, do Distrito Federal e dos Territórios e
organização dos Juízos e Tribunais respectivos;
Normas fundamentais do direito rural, do regime penitenciário, da
arbitragem comercial, da assistência social, da assistência judiciária e
das estatísticas de interesse coletivo;
Desapropriações, requisições civis e militares em tempo de guerra;
44
Artigo 5°.
58
Regime de portos e navegação de cabotagem, assegurada a
exclusividade desta, quanto a mercadorias, aos navios nacionais;
Matéria eleitoral da União, dos Estados e dos Municípios, inclusive
alistamento, processo das eleições, apuração, recursos, proclamação dos
eleitos e expedição de diplomas;
Naturalização, entrada e expulsão de estrangeiros, extradição;
emigração e imigração, que deverá ser regulada e orientada, podendo
ser proibida totalmente, ou em razão da procedência;
Sistema de medidas;
Comércio exterior e interestadual, instituições de crédito; câmbio e
transferência de valores para fora do País; normas gerais sobre o
trabalho, a produção e o consumo, podendo estabelecer limitações
exigidas pelo bem público;
Bens do domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia,
águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração;
Condições de capacidade para o exercício de profissões liberais e técnico-
científicas assim como do jornalismo;
Organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos
Estados e condições gerais da sua utilização em caso de mobilização ou
de guerra;
Incorporação dos silvícolas à comunhão nacional.
45
Estabeleceu a Carta de 1934, em seu artigo 10, como competência
concorrente dos estados e da União, as seguintes atribuições:
Velar na guarda da Constituição e das leis.
Cuidar da saúde e assistência públicas.
Proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou
artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte.
Promover a colonização.
45
Idem.
59
Fiscalizar a aplicação das leis sociais.
Difundir a instrução pública em todos os seus graus.
Criar outros impostos, além dos que lhes são atribuídos privativamente.
A carta de 1934 feriu ainda mais a autonomia estadual ao restringir a sua
representação no nível federal de governo, reduzindo o número de três para dois
senadores por estado e retirando o Senado do Poder Legislativo, que passou a ser
mero órgão de coordenação de poderes.
O regime de 1934 teve vida curta, na prática. Em 1935 o levante comunista
deu azo à decretação do estado de guerra, ficando suspensas as previsões
constitucionais. Os estados sofreram intervenção e ficaram na condição de meros
departamentos territoriais, sob a administração do governo central. Em seguida,
com a instituição do Estado Novo, a situação não ficou muito diferente. Outorgou-
se a Constituição de 1937, que vigorou de forma irregular, pois não foi submetida a
plebiscito, conforme exigia o seu artigo 187. Esse diploma não fazia grandes
alterações no que toca a competência da União. As cláusulas de repartição de
competências foram praticamente repetidas da Constituição anterior, à exceção da
cláusula que atribuiu à União a competência de fixar os limites dos estados entre si,
o que atinge de forma fatal qualquer possível autonomia regional remanescente.
Outras alterações consistiram em conferir ao poder central a competência para
legislar sobre regras de produção bélica e de meios de propaganda estatal –pela
intervenção na produção teatral e cinematográfica– de modo a concentrar para si
tais poderes.
46
Tanto a Carta de 1934 quanto a de 1937 traziam disposições
determinando que os estados procedessem à elaboração de suas constituições. Em
8 de abril de 1939 a Presidência da República baixou o Decreto-lei n°. 1.202, pelo
qual regulou a administração dos estados e dos municípios. Com isto, suprimiu-se
toda autonomia estadual de fato. O aludido Decreto-lei dispunha sobre a
competência dos governadores –também denominados interventores–, matéria que
deveria ser afeta à Constituição. Os interventores exerciam função legislativa e
46
Artigos 15 e 16.
60
eram nomeados pelo presidente da República.
47
As assembléias deram lugar a
departamentos administrativos, que eram compostos, cada um, por quatro a 10
membros, todos igualmente nomeados pelo Presidente da República.
48
Para
Trigueiro, a Constituição de 1937 –aliada ao Dec.-lei 1.202– tornou os Estados
menos autônomos do que as Capitanias reais, ao tempo da Colônia.
49
Um fato curioso da Carta de 1937 foi que ela aboliu a Justiça Federal,
instituída pela Constituição de 1891. Em lugar de federalizar a justiça estadual, o
Estado Novo preferiu a centralização pela via inversa, passando toda a jurisdição
para juízes estaduais, mantidos com os recursos dos estados-membros. Criou-se
um sistema canhestro, em que os juízes estaduais julgavam causas tanto comuns
quanto federais, sendo que, no primeiro caso, cabia recurso para os tribunais dos
estados; ao passo que as causas federais eram julgadas em primeira instância por
juízes estaduais nas comarcas das capitais, cabendo recurso, de caráter ordinário,
diretamente ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo da sua tradicional
competência extraordinária para causas relativas a matéria constitucional.
Inexplicavelmente, esse sistema foi praticamente mantido pela Constituição
seguinte, de 1946, criando, entretanto, o Tribunal Federal de Recursos, para
apreciar os recursos de caráter ordinário de matéria federal, com o intuito de aliviar
a carga de trabalho do STF. Esse tribunal teve existência de 41 anos, tendo dado
lugar, com a Constituição de 1988, ao Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais
Regionais Federais.
50
Redemocratização com o regime de 1946
47
Artigo 3° do Decreto-lei 1.202.
48
Artigo 13.
49
TRIGUEIRO, O. Direito Constitucional Estadual. 1980: 39.
50
A Justiça Federal é dividida em cinco regiões, correspondendo a cada uma um respectivo
Tribunal Regional Federal. A 1ª Região abrange o Distrito Federal e os estados de Goiás,
Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia, Tocantins, Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima,
Amapá, Maranhão e Piauí; a 2ª Região, Rio de Janeiro e Espírito Santo; a 3ª, São Paulo e
Mato Grosso do Sul; a 4ª, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e a 5ª, Sergipe,
Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba.
61
A Constituição de 1946 marca a redemocratização do Estado Brasileiro. Em termos
de repartição de competência, não houve grande mudança em relação à
Constituição anterior, sendo o rol muito semelhante ao previsto na Carta de 1934,
inclusive com a possibilidade de legislação estadual suplementar ou
complementar.
51
As hipóteses de intervenção eram bem abrangentes e consistiam
praticamente nas mesmas previstas pela Reforma de 1926, com a diferença de que
eram cercadas de cautelas que lhe impediam o uso arbitrário, devendo passar pelo
crivo do Supremo Tribunal Federal.
52
Mudanças foram trazidas quanto à delimitação
das fronteiras dos estados. O artigo 2° estatuía que a iniciativa de incorporação,
subdivisão e desmembramento dos estados partia deles, aprovados mediante
votação nas assembléias, plebiscito das populações diretamente interessadas e
aprovação do Congresso Nacional. De 1946 a 1964, data da instauração do regime
militar, nenhuma assembléia foi dissolvida e nenhum estado sofreu intervenção
federal. O regime de 1946 é, pois, marcado por grande instabilidade e pela
preservação da autonomia regional.
Entretanto, manteve-se a idéia de que o poder constituinte estadual deriva
da constituição federal, o que estava estampado no artigo 11 do Ato das
Disposições Transitórias da Carta de 1946, que determinava a elaboração de
constituições estaduais no prazo de quatro meses após a instalação das
assembléias constituintes estaduais. O constituinte nacional foi além,
determinando, no parágrafo 9° do mesmo artigo, que o estado que não houvesse
promulgado a sua constituição no prazo fixado ficaria submetido, por deliberação
do Congresso, a constituição de outro estado, conforme parecesse mais
conveniente, exatamente como se fez nas disposições transitórias da Constituição
de 1891. Nesse particular, vê-se um forte caráter centralizador e uniformizante que
não condiz com o espírito democrático da constituinte de 1946. E, pela terceira vez,
51
Artigos 5° e 6° da Constituição de 1946.
52
Artigo 7°.
62
os estados cumpriam obedientemente o ritual de elaboração de suas efêmeras
constituições.
No tocante ao processo legislativo de emenda à Constituição, a Carta de
1946 retomou a possibilidade prevista na Carta de 1934 de os estados participarem
da reforma constitucional, através do envio de propostas de emendas
constitucionais aprovado por mais da metade das assembléias legislativas
estaduais.
Em matéria tributária, associou-se o princípio da discriminação de
competências pela União, Estados e Municípios, ao da competência concorrente
para quaisquer novos tributos não incluídos na discriminação. Mas ressalvou a
prevalência do direito federal sobre o estadual (art. 21).
53
Quanto à autonomia
local, referente aos municípios, pode-se dizer que houve considerável
descentralização. Para Celso Bastos, foi sem dúvida a Constituição mais
municipalista que tivemos.
54
Regime militar
No dia 1° de abril de 1964, o Alto Comando Revolucionário, constituído por
militares, depôs o presidente João Goulart e instaurou um regime de exceção, que
durou até 1985. Ao assumir o poder, os militares baixaram o Ato Institucional n°.
1, que foi o primeiro de uma série. Pelo AI-1, os militares suspenderam as
garantias constitucionais, esvaziando dessa forma a Carta de 1946, que logo seria
revogada pela de 1967.
O novo ordenamento constitucional o revogou as cartas estaduais nem
determinou que fossem elaboradas outras novas, como se fez anteriormente.
Determinou-se apenas que os constituintes estaduais reformassem, num prazo de
60 dias, as suas constituições, de modo a adaptá-las ao novo regramento
53
TRIGUEIRO, O. Direito Constitucional Estadual. 1980: 79-80.
54
Apud ZIMMERMANN, A. Teoria geral do Federalismo democrático, 2005: 321.
63
constitucional da República.
55
As constituições foram elaboradas conforme
preceituado na Constituição Federal, mas pouco tempo depois, com a edição do Ato
Institucional n°. 5, de 13 de dezembro de 1968, restabeleceu-se o regime
discricionário, o que esvaziou as constituições estaduais recém-promulgadas. Os
estados perderam qualquer resquício de autonomia, uma vez que o presidente da
República podia neles intervir sem as limitações previstas na Constituição, podendo
ainda decretar recesso das assembléias legislativas e cassar mandatos de
governadores.
56
O artigo 200 da Emenda 1/69 impôs que as disposições trazidas
por ela ficariam incorporadas, no que coubesse, ao direito constitucional legislado
dos estados. Sobre a nova disposição do artigo 200, diz Trigueiro que:
Para atender a esse propósito, os Estados, sem demora,
refundiram as suas Constituições, fazendo-o sob a forma de
emendas, com o que se generalizou a anomalia do direito
federal que, em evidente erronia técnica, classifica como
emenda uma nova Constituição, substitutiva da anterior.
Sendo a emenda, conceitualmente, uma modificação adotada
através de normas aditadas ao texto vigente, não há como
admitir-se a sobrevivência de emenda a um diploma legal
que deixou de existir. Mas os Estados, em sua totalidade,
seguiram o método federal, passando todos a reger-se por
Emendas que reproduzem, impropriamente, os textos
revistos das Constituições anteriores.
57
A Constituição de 1967, inovando em relação às anteriores, trouxe uma
seção unicamente dedicada ao tema processo legislativo. Em seu artigo 49,
58
o
diploma traz todos os tipos de espécies normativas possíveis, quais sejam, as
emendas constitucionais, as leis complementares à Constituição, as leis ordinárias,
as leis delegadas, os decretos-leis, os decretos legislativos e as resoluções.
As emendas constitucionais têm como finalidade alterar, acrescentar ou
suprimir trechos da Constituição. Pelo texto original da Carta de 1967, as emendas
55
Artigo 188.
56
Artigos 2°, 3° e 4° do AI-5. O parágrafo 1º do art. 2º dispunha que decretado o recesso
parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as
matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos
Municípios. Assim, ficava facultado aos estados e municípios a edição de decretos-leis, assim
como acontecia na esfera federal.
57
TRIGUEIRO, O. Direito Constitucional Estadual, 1980: 62.
58
Artigo 46, com a Emenda Constitucional nº. 1 de 1969.
64
podiam ser propostas por um quarto dos membros da Câmara Federal ou do
Senado, pelo presidente da República e pela maioria das assembléias legislativas.
As propostas eram votadas em reunião conjunta das casas, devendo ter a maioria
absoluta em cada uma delas para a aprovação. A Emenda Constitucional nº. 1, de
17 de outubro de 1969, –que é considerada por muitos uma nova constituição–
retirou a possibilidade de proposição das assembléias e aumentou para dois terços
o quorum de aprovação.
As leis complementares, inovação da Constituição de 1967, são leis
elaboradas por determinação constitucional que têm quorum de aprovação maior,
de maioria absoluta, diferindo das leis ordinárias, que exigem maioria simples. As
leis delegadas são expedidas pelo Presidente ou por comissão da Câmara ou do
Senado por delegação do Congresso sobre uma matéria determinada ou com um
objetivo específico, sendo vedada a delegação sobre determinadas questões.
Os decretos-leis são atos do chefe do Poder Executivo com força de lei,
proferidos em caso de relevância e urgência. Na Constituição de 1967, os decretos-
leis só podiam versar sobre segurança nacional e finanças públicas. A Emenda 1/69
incluiu expressamente em finanças públicas a competência legislativa para normas
tributárias e acrescentou a hipótese de criação de cargos públicos e fixação de
vencimentos.
59
Os decretos-leis foram sucedidos pela medida provisória na
Constituição de 1988.
Os decretos legislativos consistem na espécie normativa destinada a veicular
matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, previstas no artigo 44
da Constituição de 67/69. Entre elas estão a competência para aprovar tratados
internacionais, autorizar o chefe do Executivo a viajar para o estrangeiro, aprovar
ou suspender estado de sítio ou intervenção federal, etc. As resoluções, por fim,
destinam-se às matérias interna corporis das casas, como a organização de
serviços administrativos.
59
Artigo 55 da Constituição de 1967, com a redação da Emenda 1/69.
65
A Constituição de 1967 dispôs expressamente em seu artigo 13, III, que os
estados e municípios deviam respeitar o processo legislativo nela previsto. Aí está
uma regra –e não princípio– de simetria. Os estados, ao estabelecerem suas regras
de processo legislativo, estavam obrigados a observar as regras da Constituição
Federal, adaptando-as à sua realidade unicameral, evidentemente. É importante
ressaltar que do dispositivo não se extrai nenhum princípio, mas sim uma regra,
objetiva e específica. Com base nessa norma, o Supremo Tribunal Federal formou
sua jurisprudência acerca do processo legislativo dos estados. Essa norma, todavia,
não foi repetida pela Constituição posterior, de 1988, mas a jurisprudência, sim.
Atualmente, trata-se de uma construção jurisprudencial sem o fundamento legal
que antes lhe servia de sustentáculo. Esse assunto será tratado de maneira mais
detida adiante e constitui uma das questões centrais do argumento deste trabalho.
Especificamente quanto ao processo de reforma da Constituição Federal, a
Carta de 1967 previu apenas a emenda aditiva, repudiando a dualidade de
processos. Todavia, a chamada Emenda n°. 1, de 17 de outubro de 1969, procedeu
a uma revisão geral no texto constitucional, revogando-se artigos e se os
substituindo por outros. Em considerações preambulares, a Emenda n°. 1
discrimina exaustivamente cada dispositivo da Carta de 1967 que não foi revogado,
num longo rol. E todos os dispositivos que não se encontram nesse rol podiam ser
considerados suprimidos do ordenamento jurídico. Essa impropriedade técnico-
legislativa foi compulsoriamente estendida às constituições estaduais.
A integridade territorial dos estados federados nunca ficou tanto à mercê do
poder central na República do Brasil quanto no regime constitucional de 1967/1969.
O artigo 3º da Constituição Federal de 1967 estabelecia que a criação de novos
estados dependia de lei complementar (federal). Indo além, a Emenda 1/69
suprimiu a necessidade de consentimento dos poderes estaduais. Desta forma, o
poder central podia modificar as fronteiras dos estados à revelia do governo
regional, diretamente interessado. Isso é um golpe fatal na autonomia das
unidades constituintes da federação. A Lei Complementar Federal nº. 20, de 1º de
66
julho de 1974, regulamentou a matéria, prevendo a criação de novos estados por
desmembramento, por fusão ou por elevação de um território à categoria de
estado. Na própria Lei Complementar 20 já se dispôs sobre a fusão entre o Estado
da Guanabara e o do Rio de Janeiro. O Estado do Mato Grosso do Sul foi criado por
desmembramento do Estado do Mato Grosso, através da Lei Complementar nº. 31.
O rol de atribuições e competências legislativas foi ampliado ainda mais na
Constituição de 1967, com ênfase no combate à subversão. Assim, era tarefa da
União:
Manter relações com os Estados estrangeiros, nomear os membros do
corpo diplomático e consular, e celebrar tratados e convenções
internacionais.
Declarar guerra e fazer a paz.
Decretar o estado de sitio.
Organizar as forças armadas; planejar e garantir a segurança nacional.
Permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças
estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam,
temporariamente.
Autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico.
Organizar e manter a policia federal com a finalidade de prover: os
serviços de política marítima, aérea e de fronteiras; a repressão ao
tráfico de entorpecentes; a apuração de infrações penais contra a
segurança nacional, a ordem política e social, ou em detrimento de bens,
serviços e interesses da União, assim como de outras infrações cuja
prática tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei; a censura de diversões públicas.
Emitir moedas.
Fiscalizar as operações de crédito, capitalização e de seguros.
Estabelecer o plano nacional de viação.
Manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional.
67
Organizar a defesa permanente contra as calamidades públicas,
especialmente a seca e as inundações.
Estabelecer e executar planos regionais de desenvolvimento.
Estabelecer planos nacionais de educação e de saúde.
Explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: os
serviços de telecomunicações; os serviços e instalações de energia
elétrica de qualquer origem ou natureza; a navegação aérea; as vias de
transporte entre portos marítimos e fronteiras nacionais ou que
transponham os limites de um Estado, ou Território.
Conceder anistia.
Competia ao Congresso Nacional legislar sobre:
A execução da Constituição e dos serviços federais.
Direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, aéreo,
marítimo e do trabalho.
Normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de
defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário.
Produção e consumo.
Registros públicos e juntas comerciais.
Desapropriação.
Requisições civis e militares em tempo de guerra.
Jazidas, minas e outros recursos minerais.
Metalurgia.
Florestas, caça e pesca.
Águas, energia elétrica e telecomunicações.
Sistema monetário e de medidas; título e garantia dos metais.
Política de crédito, câmbio, comércio exterior e interestadual;
transferência de valores para fora do País.
Regime dos portos e da navegação de cabotagem, fluvial e lacustre.
Tráfego e trânsito nas vias terrestres.
68
Nacionalidade, cidadania e naturalização; incorporação dos silvícolas à
comunhão nacional.
Emigração e imigração; entrada, extradição e expulsão de estrangeiros.
Diretrizes e bases da educação nacional; normas gerais sobre desportos.
Condições de capacidade para o exercício das profissões liberais e
técnico-científicas.
Uso dos símbolos nacionais.
Organização administrativa e judiciária do Distrito Federal e dos
Territórios.
Sistemas estatístico e cartográfico nacionais.
Organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das policias militares
e condições gerais de sua convocação, inclusive mobilização.
60
Nesse particular não houve mudança substantiva com a Emenda 1/69.
Manteve-se também a competência supletiva dos estados para legislar sobre direito
financeiro e previdenciário, sobre defesa e proteção da saúde, regime penitenciário,
produção, consumo, registros públicos, juntas comerciais, tráfego, educação,
desportos e sobre organização das policias militares.
61
Ao longo de toda a nossa história federativa, vemos que, mesmo após a
Constituição de 1988, há uma tendência dos constituintes –sejam aqueles dos
regimes mais autocráticos e autoritários, seja dos mais democráticos–, e da maioria
dos publicistas em geral, de conduzir o país a uma centralização política sempre
maior, utilizando o federalismo apenas como uma ferramenta de desconcentração
administrativa, o que, de certa forma, vai ao encontro do que Oliveira Viana
apregoava:
Das soluções possíveis para o nosso problema da
administração local, a única solução, que pode conciliar o
princípio da unidade e da autoridade política nacional com o
imperativo da descentralização administrativa, imposta pela
nossa desmedida extensão territorial, é –não a
60
Artigo 8º.
61
Artigo 9º, §2º, da Constituição de 1967 (parágrafo único com a EC 1/69).
69
descentralização política (municipalismo, Federação ou
Confederação); mas, pura e simplesmente aquilo que os
tratadistas chamam “desconcentração”– solução intermédia,
em que a unidade política do Poder Central –condição
essencial da unidade nacional– se mantém inatingida em
face da descentralização administrativa.
62
Todavia, a desconcentração não foi feita nos moldes do que foi sugerido pelo
autor fluminense. Viana criticava as técnicas administrativas liberais, como a
federação, a descentralização municipalista, que tratam as unidades de maneira
uniforme, e sugeria a técnica adotada pelos administradores coloniais, segundo a
qual se levava em conta a diversidade. Vejamos, pois:
Os velhos administradores do período colonial, sempre tão
realistas e objetivos, já haviam sentido esta diversidade: - e
as haviam atendido com soluções adequadas. Quem quer
que estude a história da nossa administração local na
Colônia, verá, com efeito, que –nos Regimentos outorgados
pela Metrópole– as atribuições conferidas aos governadores
de capitanias não guardavam uniformidade; ao contrário,
eram, ora ampliadas, ora restringidas, conforme a situação
econômica, social ou política de cada capitania ou mesmo o
grau de confiança ou capacidade do delegado.
63
Para o autor, o mal do federalismo não está na sua descentralização; está
antes na sua uniformidade.
64
De fato, o tratamento dispensado pela Constituição da
República ao município de São Paulo é muitíssimo semelhante –se não o mesmo–
ao tratamento dado ao município de Macuco, no interior fluminense. A questão não
repousaria tanto sobre os limites da autonomia em si, mas a quem se daria mais ou
menos autonomia. Essas colocações continuam pertinentes, de maneira que seria
muito proveitoso que elas viessem à tona nas discussões atuais sobre o federalismo
brasileiro.
Regime Constitucional de 1988
O movimento de redemocratização do país culminou com a promulgação da Carta
de 5 de outubro de 1988. Um dos pontos prementes na agenda constituinte era a
62
VIANA, O. Instituições políticas brasileiras, 1999: 477.
63
Idem: 478.
64
Idem. Ibidem.
70
descentralização do poder, que já estava de alguma forma sendo implementada
desde o começo da década de 80.
65
Um exemplo disso é a criação do Sistema
Único de Saúde.
66
A inclinação à descentralização estava intimamente relacionada
aos pleitos por democratização e à insatisfação com o regime militar, que era
fortemente concentrador. Mas, como observa Maria Hermínia Tavares de Almeida,
embora houvesse uma inclinação generalizada pela
descentralização, não existiu uma verdadeira política de
descentralização que orientasse a reforma das diferentes
políticas sociais. Ao contrário, lógicas particulares presidiram
a redistribuição de competências e atribuições -ou a ausência
dela e a manutenção do status quo- nas diferentes áreas.
67
A autora, na obra citada, mostra como foi esse processo de
descentralização. Em grande parte conduzida pelo governo central, a
descentralização era baseada num arranjo casuístico, num contexto de
competências e atribuições concorrentes em que as atividades administrativas
ficavam incumbidas a mais de um ente ao mesmo tempo. Essa situação gerava
muita indefinição e acabava por prejudicar o princípio federativo.
No prisma institucional, a Constituição de 1988, seguindo a tradição das
constituições anteriores, adotou, de um modo geral, o modelo clássico
estadunidense de repartição de competências, trazendo em seu texto aquilo que é
de competência da União e conferindo aos estados-membros a competência para
tudo o que não lhe for vedado, o que alguns autores chamam de competência
residual. Exceção se dá em matéria tributária, onde se adotou o sistema indiano,
em que há previsão de competências de todas as esferas federais –inclusive
municipal–, destinando-se a competência residual nesta matéria ao poder central.
Já quanto aos municípios –alçados de forma inédita à condição de ente federativo
pela Carta de 1988–, a eles cabe o que alguns autores chamam de poderes
enumerados. Esses poderes consistem em:
65
ARRETCHE, M. Políticas sociais no Brasil: descentralização e um Estado federativo, 1999.
66
ALMEIDA, M. Federalismo e políticas sociais. s/d.
67
Idem. Ibidem.
71
Legislar sobre assuntos de interesse local;
68
Suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar
suas rendas;
Criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;
Organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local;
Manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;
Prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
serviços de atendimento à saúde da população;
Promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
Promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Embora o art. 25, §1º da Constituição da República confira aos estados-
membros tudo o que não lhe seja vedado em termos de atribuições político-
administrativas e de competências legislativas, pouco lhes sobra de margem de
atuação, dada a exaustividade do rol de atribuições e competências que o texto
constitucional destina à União. São, pois, atribuições do Governo Federal o
seguinte:
Manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais;
Declarar a guerra e celebrar a paz;
Assegurar a defesa nacional;
68
Esta é a competência exclusiva do município trazida na Constituição. Como se pode ver,
ela dá margem a grande subjetivismo, pois não define o que venha a ser “interesse local”.
72
Permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças
estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente;
Decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;
Autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
Emitir moeda;
Administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de
natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização,
bem como as de seguros e de previdência privada;
Elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social;
Manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
Explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão,
os serviços de telecomunicações;
Explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão: os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; os
serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético
dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os
potenciais hidroenergéticos; a navegação aérea, aeroespacial e a infra-
estrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e
aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que
transponham os limites de Estado ou Território; os serviços de
transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; os
portos marítimos, fluviais e lacustres;
Organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria
Pública do Distrito Federal e dos Territórios;
Organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de
bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência
73
financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por
meio de fundo próprio;
Organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia
e cartografia de âmbito nacional;
Exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de
programas de rádio e televisão;
Conceder anistia;
Planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades
públicas, especialmente as secas e as inundações;
Instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir
critérios de outorga de direitos de seu uso;
Instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos;
Estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;
Executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
Explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e
exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares
e seus derivados;
Organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
Estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de
garimpagem, em forma associativa.
69
Além dessas atribuições, a Constituição conferiu à União competência
privativa para legislar sobre:
Direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho;
Desapropriação;
69
Artigo 21 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com as alterações
que lhe foram promovidas pelas emendas constitucionais nºs. 8/1995, 19/1998 e 49/2006.
74
Requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de
guerra;
Águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
Serviço postal;
Sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
Política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;
Comércio exterior e interestadual;
Diretrizes da política nacional de transportes;
Regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e
aeroespacial;
Trânsito e transporte;
Jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
Nacionalidade, cidadania e naturalização;
Populações indígenas;
Emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;
Organização do sistema nacional de emprego e condições para o
exercício de profissões;
Organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do
Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa
destes;
Sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;
Sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;
Sistemas de consórcios e sorteios;
Normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros
militares;
Competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária
federais;
Seguridade social;
75
Diretrizes e bases da educação nacional;
Registros públicos;
Atividades nucleares de qualquer natureza;
Normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para
as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista;
Defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e
mobilização nacional;
Propaganda comercial.
70
Todavia, em algumas matérias, a divisão de competências não é tão
definida. Temos a competência concorrente, pela qual a União estabelece as
normas gerais, cabendo aos estados e ao Distrito Federal
71
a elaboração de normas
suplementares. Excepcionalmente, estes legislam de forma plena, quando não há
regulamentação federal. Dentre as matérias de competência concorrente,
encontramos:
Direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
Orçamento;
Juntas comerciais;
Custas dos serviços forenses;
Produção e consumo;
Florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e
dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição;
70
Artigo 22 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com as alterações
que lhe foram promovidas pela Emenda Constitucional n° 19/1998. O parágrafo único do
artigo 22 faculta à União delegar aos estados-membros competência legislativa de questões
específicas sobre essas matérias. Além das matérias acima, a Carta de 1988 prevê ainda, de
forma esparsa, outras atribuições à União nos artigos 48, 149, 163, 178 e 182.
71
Cabe ao Distrito Federal o que a constituição prevê aos estados e municípios (art. 32,
§1º), exceto, como se viu, a organização e manutenção de seu Poder Judiciário, seu
Ministério Público, sua Defensoria Pública, suas polícias Civil e Militar e seu Corpo de
Bombeiros.
76
Proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico;
Responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
Educação, cultura, ensino e desporto;
Criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
Procedimentos em matéria processual;
Previdência social, proteção e defesa da saúde;
Assistência jurídica e Defensoria pública;
Proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
Proteção à infância e à juventude;
Organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
Uma crítica que se pode fazer ao sistema de competência concorrente é a
imprecisão dos limites da competência de cada ente decorrente da dificuldade de se
distinguir as normas gerais das específicas. Entende-se norma geral aquilo que foi
disposto em lei federal. Assim, o ente a quem compete a elaboração de normas de
caráter geral –a União– acaba por definir sua competência legislando pura e
simplesmente. A cada ato legislativo o legislador amplia a sua competência.
Outrossim, entendo a competência supletiva como a verdadeira negação da
autonomia, pois se deixa aos estados a função meramente regulamentar, como,
mutatis mutandis, o legislador faz com o Poder Executivo, conferindo-lhe o poder
regulamentar sobre aquilo que ele se absteve voluntariamente de regular.
De maneira que temos, consoante a classificação de Alexandre de Morais,
72
o seguinte quadro geral de repartição de competência legislativa:
a) Competência privativa da União (art. 22), que pode ser delegada aos
estados e ao Distrito Federal (parágrafo único);
73
72
MORAIS, A. Direito Constitucional. 2001: 281.
73
A possibilidade de delegação é uma inovação da Constituição de 1988, trazida por
influência do artigo 71 da Constituição alemã, que dispõe que no domínio da legislação
77
b) Competência concorrente entre União e estados/Distrito Federal (art.
24);
c) Competência remanescente ou reservada ou residual dos
estados/Distrito Federal (art. 25, §1º);
74
d) Competência exclusiva do município (art. 30, I);
e) Competência suplementar do município (art. 30, II).
À classificação de Morais seria necessário acrescentar a competência
exclusiva delimitada do estado, prevista nos §§ 2º e 3º do artigo 25, que dizem
respeito à exploração de serviços locais de gás canalizado e à instituição de regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.
75
Isso para não falar nas
competências tributárias –tanto de instituição quanto de arrecadação e fiscalização
de tributos–, que são um caso à parte.
Além de dispor sobre a repartição de competências –tanto legislativas
quanto administrativas–, a Constituição brasileira, diferentemente da Constituição
estadunidense, trata da organização política dos estados-membros e dos
municípios.
76
A Carta de 1988 prevê, no seu artigo 25, que os estados organizam-
se e se regem pela constituições e leis que adotarem, desde que observados os
princípios insculpidos nela. A autonomia organizacional dos estados também é
prevista no artigo 18
77
e 125,
78
especificamente, neste último, quanto ao Poder
Judiciário estadual. Mas a Constituição não se limita a estabelecer a observância
dos seus princípios na atuação e organização dos outros entes federativos. O
exclusiva da federação, cabe aos Estados a faculdade de legislar unicamente no caso e na
medida em que forem para isso expressamente autorizados por uma lei federal.
74
Note-se que essa competência, embora residual –e por isso mesmo–, é exclusiva do
estado-membro, impassível de delegação, sub-rogação ou usurpação.
75
José Afonso da Silva oferece uma classificação mais completa, mas cuja exposição seria
inapropriada para os fins deste trabalho por ser demasiada complexa. Ver SILVA, José
Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2000: 481-484.
76
Insere-se aí também o Distrito Federal.
77
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos
termos desta Constituição.
78
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios desta Constituição.
78
legislador constituinte originário optou por incluir no texto constitucional normas
não apenas sobre a organização do poder na esfera federal como também das
outras esferas da federação –distrital, estadual e municipal.
A própria Constituição dispõe, implicitamente, sobre a composição dos
poderes nos estados-membros. Quanto ao poder legislativo, fica implícito que ele
será composto de uma assembléia legislativa estadual, ao se estabelecer o número
de deputados estaduais que a integrará.
79
80
O mesmo pode-se dizer sobre o poder
executivo, pois, ao definir no artigo 28 as regras eleitorais aplicáveis ao governador
e vice-governador de estado, a Constituição está dispondo sobre quem chefiará
este poder no âmbito estadual. Essas disposições afastam prima facie a
possibilidade de um governo estadual bicameral ou parlamentarista. Percebe-se,
pois, que o horizonte de liberdade dos estados federados para a sua auto-
organização está ab initio limitado. Mas a limitação constitucional textual não
termina por aí. A Constituição, em seu artigo 75, manda aplicar aos tribunais de
contas dos estados e do Distrito Federal,
81
no que couber, a disciplina
constitucional do Tribunal de Contas da União. O parágrafo único deste artigo
determina ainda que os tribunais de contas estaduais sejam compostos por sete
integrantes, aos quais dá o nome de conselheiros.
Em síntese, as previsões sobre a composição dos poderes estaduais estão
presentes no Título III, que versa sobre a organização do Estado [brasileiro] –
divisão vertical de poder–, especificamente no Capítulo III, referente aos estados
federados. Mais adiante, no Título IV, a Constituição trata da organização dos
poderes –divisão horizontal. Lá, ao dispor sobre os poderes Legislativo (Capítulo I)
e Executivo (Capítulo II), a Constituição trata especificamente do nível federal, isto
79
Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da
representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis,
será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.
80
Como se disse anteriormente, já houve na história do federalismo brasileiro a possibilidade
de instituição de um legislativo estadual bicameral, sob o regime da Constituição de 1891, o
que, de fato ocorreu em São Paulo e Goiás.
81
Bem como aos tribunais e conselhos de contas dos municípios.
79
é, Congresso,
82
Tribunal de Contas da União,
83
Presidência da República,
ministérios, Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional, dispondo,
excepcional e indiretamente, sobre os tribunais de contas estaduais, ao versar
sobre a corte de contas federal.
Interessante que, ao tratar do Poder Judiciário, no Título IV, a Constituição
contempla o judiciário federal
84
e o estadual, tratando direta e expressamente
deste último, diferentemente do que faz com os poderes executivo e legislativo
estaduais.
85
A Constituição da República institui os tribunais de justiça e juízes de
direito estaduais. O mesmo se dá com o Ministério Público, com a Advocacia Pública
e com a Defensoria Pública, que entram no Capítulo IV, das funções essenciais à
justiça, isto é, órgãos que não compõem propriamente o Judiciário, mas que lhe
estão intimamente vinculados. Do que foi dito, extrai-se, pois, que nos capítulos I e
II do Título IV a Constituição traça normas de caráter eminentemente federal,
86
dispondo sobre a organização dos poderes Executivo e Legislativo da União; ao
passo que nos capítulos III e IV do mesmo título suas regras são de caráter
nacional, já que tratam do Poder Judiciário e dos órgãos que exercem função
essencial à justiça não apenas no âmbito da União. Nunca é demais lembrar, não
há judiciário municipal. E, estando os órgãos do Ministério Público e da Defensoria
Pública intimamente vinculados ao órgão judiciário perante o qual oficiam,
fatalmente não existirão também esses órgãos no âmbito municipal. Já não se pode
dizer o mesmo da advocacia pública. Os municípios, enquanto entes dotados de
personalidade jurídica, necessitam de procuradores que postulem em juízo por eles.
82
Tratando, na Seção VIII do Capítulo I, de processo legislativo.
83
Convém ressaltar que os tribunais de contas compõem o Poder Legislativo, na qualidade
de órgãos auxiliares que exercem controle externo de índole contábil-financeira sobre o
Poder Executivo.
84
Incluo aí os órgãos judiciários mantidos pela União, quais sejam, a Justiça Comum
Federal, a Justiça Militar, a Justiça Trabalhista, a Justiça Eleitoral e a Justiça
Distrital/Territorial.
85
Embora o citado artigo 125 garanta aos estados-membros autonomia para organizarem
sua Justiça, em seus parágrafos há diretrizes –cogentes e não-cogentes– e regras de
competência de observância obrigatória destinadas aos poderes judiciários estaduais.
86
Voltadas diretamente à esfera federal de governo.
80
Contudo, a Constituição silencia sobre a advocacia pública municipal, e, sobre o
âmbito estadual/distrital, ela faz menção apenas ao regime dos procuradores.
87
A distribuição de competências judiciais entre a Justiça Estadual e a Justiça
Federal no Brasil difere muito do modelo estadunidense. Alberto Torres, em obra já
citada, fala dessa distinção referindo-se ao regime de 1891, mas as observações
são perfeitamente aplicáveis atualmente, senão vejamos:
(...) não se encontra lá [nos EUA] a anomalia de ser um
certo ramo da legislação federal confiado aos tribunais locais,
como, entre nós, ficou a lei federal de direito comum, que os
juízes locais executam (...). Assim, nos Estados Unidos, os
tribunais locais julgam sempre questões regidas por leis
estaduais; e os casos que dão lugar a recurso para o
Supremo Tribunal são aqueles em que as decisões desses
tribunais são presumidas em oposição à validade ou à
aplicação de tratados ou leis federais, ou violadoras da
Constituição ou de leis federais.
88
Tanto no regime de 1891 quanto no atual, as principais leis que regulam as
vidas das pessoas são provenientes do poder central. O Código Civil, o Código
Penal, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Tributário, o Código de
Trânsito Brasileiro, a Lei de Diretrizes da Educação, enfim, todos esses diplomas
legais são leis federais. No Brasil uma causa não é de competência da Justiça
Federal pelo único motivo de envolver lei federal; fosse assim, os juízes e tribunais
estaduais ficaria sem ter o que julgar. Os critérios de fixação da competência são
outros. Em linhas gerais, é de competência da Justiça Federal toda a matéria que
envolva algum interesse da União. Todas as hipóteses estão previstas no artigo
109. São elas:
As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
As causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e
Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
87
Art. 132.
88
TORRES, A. A organização nacional, 1938: 84.
81
As causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional;
As causas relativas a direitos humanos, quando deferida pelo Superior
Tribunal de Justiça a solicitação de avocação pelo Procurador-Geral da
República;
Os "habeas-corpus", em matéria criminal de sua competência ou quando
o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam
diretamente sujeitos a outra jurisdição;
Os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade
federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
A execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença
estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade,
inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
A disputa sobre direitos indígenas.
Compete à Justiça Federal Comum o julgamento dos seguintes crimes:
Os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a
competência da Justiça Militar;
Os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro;
Os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da Uno ou de suas entidades autárquicas
ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a
competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
Os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente;
Os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados
por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.
82
Afora essas hipóteses, e as de competência das justiças especializadas,
89
os
litígios são julgados na Justiça Estadual, razão pela qual se diz que sua competência
é residual.
Pelo que foi exposto, pode-se aduzir que a Constituição de 1988 limita
bastante o horizonte de atuação dos estados federados e de sua auto-organização,
se comparada com o paradigma de federalismo que temos, que é a Constituição
dos EUA. O federalismo brasileiro era bem menos concentrado no regime de 1891,
como se pôde constatar no capítulo anterior. A partir da Constituição de 1934,
houve uma grande tendência à centralização e à uniformização. Mesmo com a
distensão da Constituição de 1946, a pressão uniformizante permaneceu. A
Constituição de 1967/1969 foi a mais centralizadora de todas, pode-se dizer. Com a
Carta de 1988, voltou-se à descentralização, que, como pretendo demonstrar, é
mais nominal do que real. Saliente-se que nem toda a descentralização representa
mais autonomia dos estados federados. A atual Constituição, ao içar os municípios
à condição de ente federativo, garantiu-lhes a autonomia inerente a essa condição.
Assim, muito do que antes cabia aos estados-membros sobre organização
municipal foi transferido aos próprios municípios.
90
Assim, os estados federados,
que já haviam perdido muito de sua competência para a União –da qual pouco
recuperaram com a Carta de 1988–, deixaram também de ter atribuições atinentes
aos municípios.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, sintetizou bem
a situação dos estados federados no regime constitucional de 1988 em voto
proferido na reclamação nº. 370. Vejamos, pois:
Essa tendência progressiva de centralização se revela em
duas dimensões básicas, paralelas, mas de sentido
coincidente: não apenas na multiplicação dos temas
reservados à legislação federal, mas também na crescente
substituição da imposição, ao respeito dos ordenamentos
89
Militar, Eleitoral e Trabalhista.
90
Mesmo assim, de forma paradoxal, a Constituição manda que as leis orgânicas dos
municípios observem os princípios previstos nas constituições dos estados em que se
encontrem (art. 29, caput).
83
locais de princípios gerais de conteúdo elástico, pela
antecipação, no próprio texto da Constituição Federal, do
trato normativo, denso e minudente, de matérias antes
deixadas, em linha de princípio, à organização autônoma do
Estado-membro.
Nessa linha constante de substituição do mecanismo clássico
–que restringia os preceitos substanciais da “constituição
total” ao enunciado de princípios gerais limitativos da
autonomia estadual–, pela técnica contemporânea –que,
antecipadamente, subtrai, da esfera de auto-organização
estadual, setores cada vez mais amplos de temas
substancialmente locais, que o contribuinte direta e
densamente regula– é que se situa a fonte de
multiplicação,nos documentos constitucionais do Estado-
membro, de preceitos de simples reprodução de normas
federais de recepção compulsória pelas unidades federadas.
De tal modo se expande esse campo de pré-ordenação, na
Constituição Federal, da organização local dos Estados, que
não é fácil identificar uma área significativa desta, na qual
não apenas os princípios gerais reitores, mas as próprias
normas básicas de disciplina não tenham sido
antecipadamente ditadas pela Constituição Federal, de modo
a retrair o exercício da autonomia constituinte estadual à
busca de resíduos a preencher mediante regras de feitio
complementar.
(...)
Se a virtual eliminação da participação do Estado-membro do
trato constitucional da organização e da atividade dos
Municípios se pode explicar sistematicamente a partir da
progressiva e original outorga a esses, tornada expressa no
texto de 88, do status de entidade política autônoma na
estrutura federativa, menos ortodoxa, mas igualmente
inequívoca, é a invasão pelo constituinte federal, não apenas
da esfera da organização básica dos poderes estaduais, como
também da sua atividade administrativa e financeira e até da
gestão dos seus serviços públicos.
Princípio da simetria: esclarecimentos
Mas a questão não se esgota aí. No que concerne à organização política dos
estados-membros, há ainda um fator de restrição muito expressivo que não está no
texto constitucional. Esse fator diz respeito a decisões judiciais em sede de controle
de constitucionalidade, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, que interferem
diretamente na capacidade de os estados federados se organizarem conforme sua
própria vontade. Vimos que os estados devem ter legislativos unicamerais e devem
adotar o modelo presidencialista, pelo que se extrai da dicção de alguns
dispositivos constitucionais. Vimos também que os estados devem instituir tribunais
de contas à imagem e semelhança do Tribunal de Contas da União, integrados por
84
sete conselheiros. Observamos ainda que o Poder Judiciário é tratado de forma
geral pela Constituição da República, em suas instâncias federal e estadual, não
podendo os estados-membros inovarem no que diz respeito à instituição e
organização de seus aparatos judiciários.
91
Só que, por conta da exegese
constitucional que os tribunais vêm fazendo, os estados vêm sofrendo outras
limitações referentes à sua capacidade de organização. A princípio, nada há na
Constituição que nos leve a tais restrições. Elas surgem de um processo de
hermenêutica constitucional, com base questões jurídicas e doutrinárias. Desse
processo exegético surge um dos principais vetores de limitação à autonomia
organizacional dos estados federados, que é a aplicação do chamado princípio da
simetria. É importante ressaltar que a interferência da hermenêutica constitucional
no arranjo institucional só é possível no atual contexto de forte judicialização da
política, processo que vem exaustivamente estudado e apontado por autores como
Gisele Cittadino, Manuel Palácios Cunha Melo, Marcelo Burgos e Luiz Werneck
Vianna.
92
O princípio da simetria consiste, como nos dizeres de Cristiano Franco, na
obrigatoriedade de as unidades parciais do Estado federal observarem um
determinado modelo, um determinado padrão na sua organização e no exercício de
seu poder local.
93
Em toda federação, as unidades constituintes devem guardar
alguma similitude com o poder central, do contrário, estaria ela fadada à
desagregação ou à inoperância.
Antes de se adentrar propriamente na questão do princípio da simetria, é
imperioso tecer algumas considerações sobre princípios jurídicos e o que
91
Outro fato que aponta para o caráter nacional do Poder Judiciário é a criação do Conselho
Nacional de Justiça –CNJ. O Conselho tem jurisdição sobre todos os órgãos judiciários do
país, mais ou menos como uma super-corregedoria. Saliente-se que não se trata de controle
externo, pois, como disposto na própria Constituição, o CNJ é órgão do Poder Judiciário (art.
92, I-A, pela Emenda nº. 45/2004).
92
CITTADINO, G. Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de
Poderes, 2002 e VIANNA, MELO & BURGOS. Judicialização da política e das relações sociais
no Brasil, 1999.
93
FRANCO, C. Princípio Federativo e mudança Constitucional. Limites e possibilidades na
Constituição Brasileira de 1988, 2003: 120.
85
modernamente se diz a esse respeito. Humberto Ávila define normas como sentidos
construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos.
94
Princípios
e regras seriam espécies de normas. A doutrina moderna, lastreada nas lições de
Ronald Dowrkin e Robert Alexy, costuma distingui-los da seguinte forma: as regras
têm caráter hipotético-condicional, indicando o se e o então, ou seja, a hipótese de
incidência e a conseqüência jurídica. Os princípios apenas indicam o fundamento
para que se encontre a regra aplicável. Outra característica das regras é a sua
aplicação pelo modo tudo ou nada. Afere-se a norma aplicável pela adequação do
caso concreto à hipótese correspondente, afastando-se assim as demais regras que
contêm hipóteses diferentes. Já os princípios são aplicados simultaneamente, pela
ponderação. Por exemplo, quando se admitem notícias sobre a vida íntima de
autoridades, está-se privilegiando a aplicação do princípio do direito de informação,
mas nem por isso se está a afastar o princípio da privacidade, que, em outras
circunstâncias, pode preponderar em relação àquele, no caso de a informação não
guardar nenhuma relação com o munus público da atividade exercida pela
autoridade.
95
Tendo em mente a distinção entre princípios e regras, é preciso ter cautela
com a utilização do termo simetria, mas antes de abordar essa distinção, é preciso
definir em que plano se fala da simetria; se no plano normativo ou descritivo. A
mera observação de uma federação em que a organização das unidades
constituintes se assemelha muito à do poder central pode levar-nos a incluí-la na
categoria de federação simétrica, como se viu no Capítulo 1, ao tratar das
classificações de federação. Neste caso, a utilização da expressão simetria será
reflexo de mera adjetivação descritiva. Não importará, pois, o que deu causa
94
ÁVILA, H. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2004: 22.
95
Refiro-me ao exemplo costumeiramente fornecido pelo prof. Luís Roberto Barroso em
palestras. Ele fala do direito a informação no caso de um senador flagrado saindo do motel
com uma amante. Nesse caso, seu direito a privacidade deveria prevalecer; mas, se o
mesmo senador saísse do motel com uma amante aliciada para obter informações
confidenciais ou com o propósito de influenciar a autoridade a tomar tal ou qual decisão,
então seria o caso de o direito a informação preponderar.
86
àquela conformação: se por imposição da constituição federal, do poder central ou
da livre escolha das unidades constituintes.
De outra feita, quando se fala em princípio da simetria, está-se falando de
uma norma jurídica, uma imposição, algo que deva ser observado e que orientará
julgamentos que versem sobre o assunto, ou, em síntese, fala-se no plano
normativo. A Constituição da República determina que os tribunais dos estados
tenham conformação semelhante à do Tribunal de Contas da União. Ou ainda, veda
a Constituição que os estados, ao se auto-organizarem, violem os princípios nela
insculpidos –sejam eles quais forem. No primeiro caso, há uma norma que retira a
autonomia dos estados ao decidir peremptoriamente a questão; no segundo, há
outra limitando essa autonomia de forma principiológica, dando maior margem de
interpretação ao aplicador da lei.
A distinção entre os planos descritivo e normativo é fundamental para o
deslinde e o esclarecimento não apenas dessa questão como de toda a questão que
envolva o direito. Miguel Reale advertia contumazmente os leitores em suas obras
sobre a distinção, que, por não ser levada em conta, dá margem a infindáveis
equívocos. Veja-se o que ele diz em sua obra Filosofia do Direito:
Esta questão tem sido repisada por nós, mas por motivos
fundamentais. É que sem a distinção entre ser e dever ser
não se compreendem de maneira clara a razão da
obrigatoriedade do Direito e a própria natureza da vida
jurídica. Ninguém é obrigado a fazer alguma coisa, somente
porque alguma coisa é feita ou porque possa vir a ser feita.
O fato, por si só, não obriga. A solidariedade é um fato, e,
como fato, não envolve direções de comportamento.
96
No trecho acima apontado, Reale criticava o sociologismo jurídico de Duguit,
mas a crítica é perfeitamente cabível à maneira como o STF vem aplicando o
princípio da simetria e a muitas outras questões que são objeto de controvérsia, e
que não o seriam se fossem recordadas as lições do saudoso mestre. O Supremo
Tribunal Federal costuma aplicar o princípio da simetria para determinar que a
organização dos estados guarde similitude com a da União. Mas com qual
96
REALE, M. Filosofia do Direito. 2002: 453.
87
fundamento? Como pretendo demonstrar no próximo Capítulo, os julgados
costumam ser lacônicos nesse particular, limitando-se a dizer que é porque o
federalismo brasileiro é do tipo simétrico. Isso não seria contrariar a assertiva de
supra-transcrita de Miguel Reale de que ninguém é obrigado a fazer alguma coisa,
somente porque alguma coisa é feita? É certo que a Constituição da República por
si só já impõe um modelo bem simétrico aos estados, mas para o que ela não traz
disposições, vale o princípio da autonomia estampado nos artigos 18 e 25, que
chamo de cláusula de autonomia organizacional.
Todo federalismo é marcado pela simetria, diferindo apenas em grau e
intensidade. Nos EUA a simetria se limita à separação de poderes, ao regime
democrático e a outros princípios importantes daquela República; aqui, a simetria
desce até a forma de escolha dos membros dos tribunais de contas, por exemplo.
Ocorre que, se o grau de simetria for muito elevado –se tomadas as unidades
constituintes como um todo–, certamente seremos levados a crer que não houve
autonomia dos entes para se organizar, o que automaticamente redundaria na não-
eficácia do princípio federativo em si. A simetria, por si só, não compromete o
princípio federativo. Todavia, quando a simetria é excessivamente imposta às
unidades constituintes –como acontece no federalismo brasileiro–, compromete-se
a sua autonomia organizacional, que é a pedra de torque do federalismo, mesmo
que essa imposição advenha do afã de impedir a desagregação ou a inoperância
por incompatibilidade. Portanto, ao se aplicar o princípio da simetria para impor que
um ente parcial se organize ou se abstenha de se organizar de tal ou qual forma,
deve-se ter cautela, sob pena de jogar o bebê fora junto com a água do banho.
O princípio da simetria tem caráter nitidamente excepcional. É o remédio a
ser ministrado quando autonomia dos entes federados torna-se de tal forma
desenfreada que possa prejudicar a unidade da federação, que, em última
instância, é quem garante essa mesma autonomia. Detectada a exceção, não se
pode descuidar da regra. A regra é a autonomia dos entes. A simetria é o limite.
Vejamos, pois, o que diz a Carta de 1988, em seu artigo 25, caput: Os Estados
88
organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição. A primeira parte traz o que denominei cláusula de
autonomia; a segunda, os limites para esta. Isto é, os estados federados estão
presos aos princípios da Constituição da República ao se organizarem e se regerem.
E quais são esses princípios? Certamente a constituinte quis se reportar ao que a
doutrina chama de princípios sensíveis. Princípios sensíveis são aqueles princípios
da Constituição cuja violação pode dar azo a intervenção federal. Dispostos no
artigo 34, VII, são eles: forma republicana, sistema representativo e regime
democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de
contas da administração pública; e aplicação do mínimo exigido da receita
resultante de impostos estaduais na manutenção e desenvolvimento do ensino e
nas ações e serviços públicos de saúde. Assim, a autonomia organizacional dos
estados estaria limitada à observância desses princípios. À aplicação do princípio da
simetria lastreada nesse dispositivo darei o nome precário de simetria-limite, para
distinguir de outra aplicação da simetria com bases diferentes, que nem a doutrina
constitucionalista nem a jurisprudência distinguem. Contudo, o STF interpreta a
expressão observados os princípios desta Constituição do artigo 25 de forma mais
abrangente, incluindo entre esses princípios regras de processo legislativo e de
separação de poderes previstas para o nível federal de governo, resultando no que
explico mais a seguir como simetria-decisão.
97
Um exemplo diferente de aplicação da simetria é o caso do artigo 75 da
Constituição, já citado aqui, sobre os tribunais de contas dos estados e municípios.
O dispositivo determina expressamente que as normas constitucionais atinentes ao
Tribunal de Contas da União apliquem-se a essas outras cortes de contas. Neste
caso, a Constituição determina que haja uma simetria entre a corte de contas da
União e as dos estados, a serem instituídas e organizadas por suas respectivas
constituições estaduais, razão pela qual chamarei essa simetria de simetria-
97
Com essa interpretação o STF parece ter desconsiderado a distinção entre princípios e
regras.
89
determinação. Mas nem tudo que a Constituição prevê para a organização dos
estados guarda simetria com a esfera federal de governo. Um exemplo é o
legislativo estadual, que é, como seu viu, por determinação implícita da
Constituição, unicameral, enquanto o legislativo federal é bicameral, configurando-
se, na esteira na nomenclatura aqui adotada, uma assimetria-determinação. Logo,
o fato de a Constituição dispor sobre a organização dos poderes estaduais não
significa necessariamente que esteja lançando mão da simetria. O que chamei de
simetria-determinação é a mera aplicação das normas da Constituição da República
que tocam a organização dos estados (e municípios) e tem natureza de regra, e
não de princípio. O fato de a previsão ser simétrica é uma mera casualidade
oriunda duma opção legislativa.
A simetria-determinação pode dar-se por duas maneiras: por expressa
disposição ou por remissão. No art. 27, §1º, da Constituição, que será analisado
mais à frente, temos os dois tipos de simetria-determinação. Estabelece o
dispositivo que é de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-
se-lhes as regras [da] Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade,
imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas. Na primeira parte, o dispositivo estabelece
expressamente o período de quatro anos para o mandato dos deputados estaduais,
tal qual o faz para os deputados federais no parágrafo único do artigo 44. Já na
segunda parte, quanto ao sistema eleitoral, à inviolabilidade, às imunidades, à
remuneração, perda de mandato, licença, aos impedimentos e à incorporação às
Forças Armadas dos deputados estaduais, a Constituição manda que se apliquem as
regras previstas para os deputados federais, remetendo aqueles às regras destes,
motivo por que chamei a regra de simetria-determinação por remissão. O mesmo
acontece no exemplo dado acima acerca dos tribunais de contas estaduais e do
artigo 75 da Constituição. Nesses casos, a regra de simetria funciona como uma
regra de conexão,
90
É na simetria-limite que pairam os maiores problemas, pois é a partir dela
que os tribunais interferem na composição dos poderes estaduais e municipais,
num processo conhecido por mutação constitucional, que é uma das formas de
mudança constitucional.
Por outro lado, podemos notar, no plano descritivo, que o estado, ao se
auto-organizar, optou por um modelo simétrico ao modelo federal, sem que
houvesse nenhuma imposição nesse sentido, nem legal, nem judicial. Trata-se de
mera opção legislativa. É o caso de Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São
Paulo, que têm a Justiça Militar com estrutura própria,
98
vinculada não ao Tribunal
de Justiça, mas a um Tribunal de Justiça Militar, da mesma forma como a Justiça
Militar da União é separada da Justiça Federal Comum.
99
A Constituição Federal
faculta expressamente aos estados incluir na estrutura do Tribunal de Justiça a sua
Justiça Militar ou criar uma estrutura paralela, como é feito no âmbito federal.
Contudo, para que o estado possa criar a sua Justiça Militar, a Carta da República
exige que o ente conte com um efetivo de mais de 20 mil integrantes.
100
Mas, uma
vez atingido o requisito exigido pela Constituição Federal, é livre a adoção ou não
pelo estado de um modelo de justiça militar simétrico ao federal. Nesse caso, dá-se
o que chamo de simetria-adoção; o ente regional ou local adota um modelo
simétrico ao central não por imposição –judicial ou legal–, mas por simples ato de
liberalidade.
Como ensina Cristiano Franco, mudança constitucional é toda e qualquer
modificação da Constituição de um Estado, seja esta mudança formal ou informal
e adiante completa– a mudança formal de uma constituição recebe o nome de
reforma, ao passo que a mudança informal é comumente conhecida como mutação
98
Vide os artigos 41, III; 96, III; 91, II; e 54, II; das respectivas constituições estaduais.
99
Na Justiça Militar Federal, funcionam na primeira instância para o julgamento de delitos
militares os conselhos de justiça e, em grau recursal ordinário, o Superior Tribunal Militar
(art. 122 da CRFB/88 e Lei Federal nº. 8.457/92).
100
Artigo 125, § 3º, da Constituição da República.
91
constitucional.
101
A reforma constitucional dá-se, consoante a doutrina brasileira,
por emenda ou revisão, não havendo uma distinção precisa entre elas.
102
De
qualquer modo, a reforma é feita pelo Legislativo. A mutação constitucional pode se
dar de várias formas: pela jurisprudência, pelo costume, pelas práticas
administrativas etc. Neste trabalho, voltarei a atenção à mutação constitucional
provocada pela jurisprudência, isto é, da construção jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal, em sede de judicial review principalmente das constituições
estaduais. E é justamente por esse processo de mutação constitucional que surge o
que denomino simetria-decisão. O STF, em sede de controle de constitucionalidade,
decide aplicar aos estados um modelo simétrico que guarde relação com o modelo
federal, com base em sua exegese constitucional –cujas fragilidades procurarei
expor. O Capítulo seguinte trará basicamente exemplos de simetria-decisão, que
envolvem processo legislativo, medidas provisórias, composição de tribunais de
contas, entre outros.
A criação desses termos –simetria-determinação, simetria-limite, simetria-
decisão e simetria-adoção– não é fruto de mero capricho catalogador; funda-se na
necessidade de discernir fenômenos distintos que são tratados indiscriminadamente
pela utilização de um único e mesmo termo. Resumindo, a simetria-determinação é
uma regra que impõe similitude do modelo estadual ou municipal ao modelo
federal, seja por expressa disposição como por remissão a outras regras da própria
Constituição sobre o modelo a ser copiado. Simetria-limite é o princípio previsto na
segunda parte do caput do artigo 25 da Constituição Federal que visa a conter os
excessos da cláusula de autonomia, de maneira a não ser descaracterizar a
federação, funcionando como uma válvula de escape para os exageros
federativos.
103
Simetria-decisão é a similitude com o modelo federal imposta por
101
FRANCO, C. Princípio Federativo e Mudança Constitucional. Limites e Possibilidades na
Constituição Brasileira de 1988. 2003: 48.
102
Como se viu no Capítulo anterior, nem sempre foi assim no Brasil. A Constituição de 1934
trazia no artigo 178 expressamente o sistema dual de reforma constitucional.
103
O art. 125, §1º, da Constituição também traz um princípio de simetria-limite, ao tratar da
competência dos estados federados para legislar sobre a competência judicial dos tribunais
92
decisão judicial que, por meio da exegese constitucional, extrai da sistemática da
Constituição determinadas regras casuísticas tácitas de similitude com o modelo
federal. E, por fim, temos a simetria-adoção, que é similitude com o modelo federal
fruto de mera liberalidade, sem que tenha havido imposição de qualquer ordem.
A simetria-decisão gera uma simetrização do federalismo brasileiro. O que
pretendo demonstrar é que essa simetria-decisão é resultado de uma petitio
principii
104
em que incorre a Suprema Corte. A Corte decide causas sobre a
organização dos estados federados impondo a simetria sob o argumento de que a
federação brasileira é do tipo simétrico,
105
ao mesmo tempo em que muito do
caráter simétrico desta se deve às decisões do STF em favor da simetria. Cria-se,
pois, o seguinte círculo vicioso: quanto mais o Supremo Tribunal trata de conflitos
federativos, mais impõe a simetria; e quanto mais impõe a simetria –tornando mais
simétrica a federação–, mais motivos tem para crer que o federalismo brasileiro é
do tipo simétrico e que deve aplicar a simetria nas demandas federativas
subseqüentes. Como dito na introdução, o centralismo do STF é um monstro que
cresce alimentando-se de si mesmo.
Vê-se, pois, que a própria conformação institucional trazida pela Carta de
1988 por si só já faz com que o caráter federal de facto do Estado brasileiro seja
altamente questionável. Mas, como se verá adiante, a posição do Supremo Tribunal
Federal nos conflitos federativos, salvo em raras exceções e votos isolados,
espanca qualquer dúvida que ainda possa restar: não há federalismo de fato no
Brasil.
Contudo, muitos autores sustentam que o regime da Constituição de 1988
aumentou consideravelmente a autonomia dos estados, fortalecendo, assim, o
de justiça estaduais. Digamos que a norma do art. 125, §1º seja uma especialização da do
art. 25.
104
Petição de princípio = falácia argumentativa ou paralogismo pelo qual a premissa é
conseqüência da conclusão.
105
Refiro-me à classificação relativa à similitude organizacional, e não a referente à
proporcionalidade da representação das unidades federativas no governo central, no caso
brasileiro, o Senado.
93
princípio federativo. Essa visão vai de encontro ao que se pretende expor neste
trabalho, mas não porque haja propriamente uma discordância, mas apenas por se
tratar de visões sob diferentes enfoques. Fernando Abrucio, por exemplo, afirma
que a redemocratização conduziu a República a um federalismo estadualista
ultrapresidencialista.
106
Ele enfatiza o importante papel do governador na condução
da política regional e local e na composição das forças oligárquicas. Abrucio
sustenta que não houve republicanização do sistema político estadual, no que
concordo inteiramente. Talvez uma causa dessa falta de republicanização tenha
sido justamente o fato de se destinarem aos estados amplas competências
administrativas ao mesmo tempo em que se lhes destinam escassas competências
legislativas. Essa hipótese encontra guarida nos ensinamentos de Max Weber, para
quem é decisivo para o alto ou baixo nível de um parlamento [...] se, em suas
instâncias, os problemas são meramente debatidos ou se elas têm poder de
decisão.
107
Num breve olhar sobre a atividade legislativa das assembléias estaduais
pode-se ver que o impacto social delas é muito pequeno perto da relevância que se
pretende lhes atribuir e do status que se lhes confere. Apenas a título ilustrativo,
analisemos a atividade legislativa da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro no
ano de 2006. Das 279 leis aprovadas nesse ano, 38 partiram da iniciativa do Poder
Executivo e 6 de outros órgãos, como Tribunal de Contas, Judiciário e Ministério
Público.
108
106
ABRUCIO, F. Os Barões da Federação. Os Governadores e a Redemocratização Brasileira.
1998. Esse fenômeno foi impulsionado em parte pelo aumento da fatia dos estados na
repartição do bolo tributário, com a liberdade de estes fixarem as alíquotas do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços. Esse fenômeno, contudo, foi em certa medida refreado
pela Lei Kandir, que desonerou os exportados do ICMS e criou um sistema de compensação
insatisfatório para os estados.
107
WEBER, M. Parlamento e Governo na Alemanha Reordenada. 1993.
108
O quadro a seguir mostra as leis aprovadas pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro
no ano de 2006 divididas por assunto:
Temas diversos 137
Declarando entidades de utilidade pública 46
Eventos, calendário e datas comemorativas 36
Funcionalismo público, criação de cargos, etc. 27
94
Em temas diversos encontramos leis de toda sorte, dificilmente alocáveis em
categoria própria, razão pela qual preferi deixá-las em separado, em categoria
residual. Mas posso afirmar que também entre elas há leis de restrito alcance
social, como a Lei 4.743, que obriga que se instalem cadeiras ergonômicas em
elevadores com ascensoristas, ou como a Lei 4.734, que obriga as academias de
musculação a afixarem cartazes informativos sobre os malefícios do consumo de
anabolizantes. Tais leis se mostram sem efeito pela impossibilidade de se proceder
à fiscalização para a observação de seu fiel cumprimento. Há outras completamente
anódinas, que repetem determinação de lei federal competente, como a que
determina que as operadoras telefônicas discriminem nas contas as chamadas
efetuadas pelos usuários. Há ainda leis bizarras, de constitucionalidade duvidosa,
como a que regulamenta o atendimento religioso em plataformas off-shore,
impondo limites de permanência do sacerdote e exigência de qualificação para o
ministério.
Embora muito perfunctório, o quadro traçado nos permite ter uma noção de
como é a atividade legislativa de uma das principais assembléias do país.
O próprio desenho institucional traçado pela Constituição de 1988 para a
composição dos governos estaduais já induz ao ultrapresidencialismo estadual de
que fala Abrucio, mas algo que vem contribuindo ainda mais para o fortalecimento
dos executivos estaduais à custa do esvaziamento dos poderes legislativos
estaduais é a aplicação do princípio da simetria pelo STF. Fernando Abrucio chega a
dizer que, com relação ao orçamento, as Assembléias Legislativas tiveram papel
meramente homologatório
109
nos últimos anos. Os deputados estaduais ficam,
Matéria tributária 13
Dando nomes a estabelecimentos e outros bens públicos 9
Orçamento 5
Sobre organização judiciária ou policial 4
Tratando de tombamento 2
Total 279
109
ABRUCIO, F. Os barões da Federação. Os governadores e a redemocratização brasileira,
1998: 113.
95
segundo ele, à mercê do governador e dos recursos que conseguem obter deste
para satisfazer seu eleitorado, que acaba por ser muito regionalizado. Isso faz com
que os deputados tendam a ser governistas.
Não obstante, mesmo quando o poder legislativo esboça alguma reação
contra o ultrapresidencialismo, tentando aprimorar o sistema de freios e
contrapesos, tem sua iniciativa frustrada pela interpretação fortemente
uniformizadora que o Supremo Tribunal Federal vem dando a questões que
envolvam organização estadual. No próximo capítulo serão analisados casos em
que isso ocorreu.
Um caso relevantíssimo neste particular é a interpretação que impôs a
observância obrigatória do modelo federal de processo legislativo, no tocante à
reserva de iniciativa. A Constituição Federal destinou inúmeras matérias à iniciativa
de lei exclusiva do presidente da República. O que se fez foi estender essas regras
às leis estaduais. Outro caso que reflete bem essa frustração das assembléias em
tentar criar novos sistemas de checks and balances diz respeito à interferência do
legislativo na nomeação de cargos executivos importantes e da chefia do Ministério
Público. No segundo caso, pode-se dizer que a interpretação dada pelo STF foi mais
presa ao texto constitucional, mas no primeiro, percebe-se uma exegese
demasiadamente uniformizadora, como aliás, ocorre em vários outros casos a
serem analisados neste trabalho.
Considerações gerais
O federalismo no Brasil sempre esteve atrelado a causas que lhe eram extrínsecas,
como a republicanização e a democratização. Durante o Império, o federalismo
servia à causa republicana. Os defensores daquele estavam mais preocupados com
esta. Trazido o federalismo, num arranjo que não era propriamente a encarnação
de uma aspiração política nacional, foi ele aos poucos se deteriorando. As
intervenções na República Velha e a Reforma de 1926 eram a expressão da
inadequação do modelo federativo adotado.
96
Na Era Vargas, imperava uma preocupação com a afirmação nacional,
ficando o princípio federativo como que marginalizado. Expressão disso foi o célebre
episódio da queima das bandeiras estaduais na Cinelândia, no coração da Capital da
República. Os estados passaram a ser governados por interventores, as
assembléias estaduais foram reduzidas a meros conselhos administrativos, a
estrutura organizacional dos estados era ditada pela Constituição Federal –
chegando-se até a impor uma uniformização na nomenclatura dos cargos–, o
Senado foi rebaixado a mero órgão de coordenação política, ficando excluído do
poder legislativo, enfim, esvaziou-se a estrutura de poder das instâncias estaduais.
Uma prova disso foi a extinção da Justiça Federal, que deixou de se fazer
necessária, posto que a estrutura institucional estadual se punha toda a serviço das
decisões políticas do governo central.
Mesmo com a redemocratização do pós-guerra, a autonomia dos estados
não foi completamente restabelecida. A uniformização e centralização trazidas pela
Era Vargas deixou uma marca indelével, e não porque tenham algo especial, mas
apenas por darem cabo de uma ficção institucional que havia sido implementada. A
Constituição de 1946 contribuiu, sim, no sentido da descentralização, mas em favor
dos municípios. E grande parte dessa autonomia cedida aos municípios foi retirada
do poder estadual.
A situação excepcional do Regime de 1964 acabou de vez com qualquer
resquício de autonomia estadual. Retornou-se à era dos interventores. O poder
central, em nome da segurança nacional, passou a se imiscuir em tudo aquilo que
achasse devido.
Com o restabelecimento da normalidade democrática, o federalismo ganhou
novamente as mentes e corações, não como um fim em si mesmo, mas como um
mote da redemocratização, como forma de rechaçar a experiência política anterior.
É evidente, todavia, que essa não era a única motivação dos defensores do
princípio federativo na Constituinte de 1987. Tinha-se em vista também uma maior
eficiência administrativa, diante das dimensões do país, tanto no aspecto
97
demográfico quanto geográfico –aliás, esse sempre foi o amparo do federalismo no
Brasil. Procurou-se aumentar as receitas dos estados e se lhes conferiram
muitíssimas atribuições administrativas. Contudo, a questão da auto-organização
ficou mais no discurso. A tendência uniformizadora estava tão entranhada na
mentalidade dos estadistas que sequer se cogitava outra opção. Até onde tenho
notícia, não entrou na agenda da Constituinte a possibilidade de os estados terem
legislação civil, penal e processual próprias, nem a possibilidade de instituírem
legislativos bicamerais ou sistemas parlamentaristas de governo; regras eleitorais
estaduais também não passaram na mente de nossos publicistas.
E quando se estabelece no âmbito estadual algo diferente da estrutura
federal, num dos poucos casos de lacuna da Constituição Federal, o Supremo
Tribunal impõe a uniformização por meio de uma hermenêutica constitucional que
ultrapassa sobremaneira o que uma leitura literal do texto constitucional nos
permitira concluir. E essa última afirmação é que pretendo provar no Capítulo
seguinte, em que serão analisados diversos julgados da Suprema Corte sobre o
assunto.
Dito isso, passemos à análise dos casos de conflitos federativos perante o
Supremo Tribunal Federal que fui capaz de encontrar.
Capítulo 3
STF x autonomia estadual
São inúmeras as situações em que o Supremo Tribunal Federal, em nome do
princípio da simetria, determina alterações na organização dos estados. À Suprema
Corte cabe a guarda da Constituição, mesmo que em detrimento das constituições
estaduais. Se estas afrontarem a Constituição da República, que é a lei suprema,
devem ser declaradas inconstitucionais e ter sua vigência cassada, evidentemente
apenas naquilo que esteja em desacordo com a lei maior. Qualquer interessado que
seja legitimado pela Constituição pode ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI ou ADIn) contra ato normativo federal ou estadual, incluindo dispositivo de
constituição estadual. O rol de legitimados para propor ADI está presente no artigo
103 da Carta Magna. São eles:
a) o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal;
b) a Mesa da Câmara dos Deputados;
c) a Mesa das Assembléias Legislativas e da Câmara Legislativa do Distrito
Federal;
d) o Governador de estado ou do Distrito Federal;
e) o Procurador-Geral da República;
f) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
g) partido político com representação no Congresso Nacional;
h) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade é, via de regra, o instrumento
utilizado para provocar o Poder Judiciário –in casu, o Supremo Tribunal– a interferir
na organização dos estados federados, atacando atos normativos em tese.
A seguir buscarei analisar o comportamento da Suprema Corte brasileira nos
julgados de ações que atacam normas de organização dos estados-membros, com
base no princípio da simetria. A maior parte dos julgados trata de processo
99
legislativo, ou seja, as regras de elaboração de leis e outros tipos de ato normativo.
A Constituição da República trata de processo legislativo no Título IV (organização
dos poderes), Capítulo I (Legislativo), Seção VIII e, como dito anteriormente, o
referido capítulo diz respeito ao legislativo federal. Alguns julgados versam sobre
leis estaduais, cujos processos de elaboração encontram-se escorados nas
respectivas com constituições estaduais. Mas o que se questiona muitas das vezes
é a própria norma da constituição estadual que lastreou a elaboração de
determinada lei estadual, por estar em desacordo com a sua equivalente no plano
federal. A seguir, analisarei julgados em blocos divididos por assunto. Há muitas
ADIs sobre o mesmo assunto, razão pela qual é desnecessário –e seria impossível–
contemplar cada uma delas. Enumerei os temas de maneira a abarcar todas a ADIs
que pude encontrar que versassem sobre o federalismo, excetuando matéria fiscal.
Fiz uma pesquisa de jurisprudência utilizando o termo simetria como
palavra-chave no aparato de busca. Vali-me também de termos correlatos. O
acervo de jurisprudência do STF fica disponível em seu sítio na Internet. Coletei
todos os julgados que encontrei com esse termo e que diziam respeito ao que é
estudado neste trabalho. Embora eu tenha encontrado dezenas de julgados, os
assuntos abordados por eles não são tão numerosos, tendo sido possível que eu
abordasse cada um deles, dizendo, caso a caso, quais os julgados encontrados
pertinentes a eles. É muito comum que haja dezenas de ações idênticas tramitando
na Justiça. Os próprios magistrados valem-se dos fundamentos de uma ação para
aplicá-los extensivamente a vários outros, de maneira que o estudo por assunto
não fica em nada prejudicado se comparado com um eventual –e impraticável–
estudo de cada decisão da corte. É possível, contudo, que alguns casos me tenham
escapado, seja por falha no sistema de arquivamento digital do STF, seja por haver
julgados que, embora versem sobre o assunto, não contêm as palavras-chave que
inseri no aparato de busca.
Tendo o material em mãos, não foi difícil agrupá-los em categorias que no
trabalho são os casos. Por mais que os casos sejam diferentes, a fundamentação no
100
princípio da simetria é a mesma. Quando a simetria se coloca num outro prisma,
então crio novo grupo, que são os casos. E isso porque não interessa analisar aqui
a conseqüência imediata e prática de cada julgado, mas sim o iter que conduz cada
um e a alteração geral que o conjunto deles produz na morfologia do arranjo
institucional do federalismo pátrio.
Excluí da apreciação as causas sobre direito tributário por algumas razões
elementares. Uma, porque o critério de repartição de competências tributárias
entre os entes é diferente do das outras competências, como se comentou alhures.
A competência tributária residual é da União, diferentemente do que ocorre com as
outras competências. Outra, porque a questão tributária já vem fartamente
disciplinada na Constituição da República, e complementada pelo Código Tributário
Nacional, lei de caráter nacional, complementar do texto constitucional. Portanto,
não há muita margem para a criatividade do legislador. Mais uma razão para este
trabalho desconsiderar as causas de cunho tributário se deve ao fato que a matéria
diz respeito à administração tributária, que é, em última instância, administração.
O que interessa nesta dissertação é muito mais o aspecto político do que
administrativo.
Ao todo, pude agrupar os julgados encontrados em 11 categorias diferentes,
que constituem os casos estudados neste Capítulo. São eles:
Caso I – Ausência de prazo para autorização da assembléia para o
governador ausentar-se do estado;
Caso II – Observância obrigatória do modelo federal de processo
legislativo quanto à reserva de iniciativa de lei;
Caso III – Possibilidade de medidas provisórias estaduais;
Caso IV – Aplicação da simetria em procedimentos interna corporis das
assembléias legislativas;
Caso V – Composição dos tribunais de contas estaduais;
Caso VI – Controle de constitucionalidade estadual de normas de
repetição obrigatória;
101
Caso VII – Inconstitucionalidade de interferência da assembléia
legislativa na nomeação de ocupantes de cargos executivos estaduais;
Caso VIII – Impossibilidade de imposição de sabatina da Assembléia
Legislativa para a nomeação do chefe do Ministério Público;
Caso IX – Imposição de simetria dos regimes públicos especiais de
previdência dos estados e municípios com o da União;
Caso X – Impossibilidade de criação de órgão de controle inter-poderes;
Caso XI – Restrições à previsão de foro por prerrogativa de função na
Constituição estadual
Antes de analisar os casos de conflitos federativos, é preciso tecer algumas
considerações sobre as ações diretas de inconstitucionalidade. O parágrafo 3º do
artigo 103 da Constituição da República determina que o advogado-geral da União
faça a defesa do ato ou texto impugnado, atribuindo-lhe a função que a doutrina e
a jurisprudência costumam denominar de curador da lei.
1
O advogado-geral da
União é obrigado a sustentar a constitucionalidade das normas atacadas, mesmo
que sua convicção íntima se incline em sentido contrio –diferentemente do que
acontece com o procurador-geral da República, que emite mero parecer, na
condição de fiscal da lei (custus legis).
As ações de inconstitucionalidade não são ações no sentido clássico, com
sujeitos, partes interessadas. Elas se dão por processo objetivo, em que requerente
e requerido estão presentes apenas para estabelecer a dialeticidade jurídico-
processual. Por essa razão que o advogado-geral da União fica adstrito à defesa da
constitucionalidade das normas impugnadas. Faz sentido que assim o seja. O que
talvez não seja apropriado é que o advogado-geral da União faça o papel de
curador da lei em todas as hipóteses, inclusive nos casos de impugnação de atos
normativos estaduais. Qual a relação institucional daquela autoridade com os
órgãos de que emanam as leis estaduais? Não ficaria comprometida a tarefa de
curador da lei em casos de conflito federativo contra a União, vez que a referida
1
Ver Questão de Ordem na ADI 97/RO.
102
autoridade está vinculada a esta? A meu ver, seria muito mais razoável que o
advogado-geral da União só atuasse em defesa de atos normativos federais,
cabendo a defesa das normas estaduais aos procuradores-gerais dos estados ou
procuradores das assembléias legislativas. Certamente que sairia muito mais
fortalecida a dialeticidade jurídico-processual. Feitas essas colocações, passemos as
análises dos casos de conflitos federativos.
Caso I – Ausência de prazo para autorização da assembléia para o
governador ausentar-se do estado
Uma questão que suscitou algumas ações de inconstitucionalidade
2
diz respeito à
exigência de autorização da assembléia legislativa para o governador e vice-
governador do estado ausentarem-se do país por prazo indeterminado. A
Constituição Federal, em seu artigo 83, dispõe que o presidente e o vice-presidente
da República não poderão, sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do País
por prazo período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo. Diante dessa
norma, as constituições estaduais de forma análoga impuseram restrições à saída
do governador e vice-governador, submetendo-a a prévia autorização da respectiva
assembléia legislativa.
Conforme descreve o ministro Marco Aurélio de Mello na medida cautelar na
ADI 678/RJ, as constituições estaduais, ao disciplinarem a matéria, optaram entre
duas diferentes possibilidades: uma, guardando exata simetria com a norma
federal, segundo a qual o governador e vice-governador precisam de autorização
da assembléia legislativa para se ausentarem do seu estado por mais de quinze
dias;
3
outra, menos favorável ao chefe do Poder Executivo estadual, é a que, além
2
ADIs 678/RJ, 703/AC, 738/GO, 743/RO, 775-MC/RS, 1.172/DF e 2.453-MC/PR
3
Opção adotada pelas constituições de São Paulo (artigo 20, inciso IV), Pernambuco (artigo
14, inciso XIV), Maranhão (artigo 31, inciso VII), Espírito Santo (artigo 56, inciso VII),
Alagoas (artigo 79,VI), Rio Grande do Norte (artigo 35, inciso III), Paraíba (artigo 547, inciso
II), Tocantins (artigo 19, inciso X, após a Emenda Constitucional 07 de 15/12/1997) e Pará
(artigo 132, após a Emenda Constitucional nº 15, de 03/08/1999). Neste último, a limitação
regional não coincide com o território do estado, mas com a região metropolitana da capital.
103
da exigência prevista na situação anterior, impõe a autorização para a ausência do
território nacional por qualquer período.
4
Convém mencionar o caso de Roraima, especificamente. A Constituição
roraimense adotava esta última opção, menos favorável aos chefes do Executivo,
nos artigos 33, XVI, e 59. Acontece que a Emenda Constitucional nº. 6, de
08/06/1999, alterou o inciso XIV do artigo 33, para se amoldar ao primeiro modelo,
chancelado pelo STF, sem, contudo, alterar o artigo 59, que continuou a exigir
autorização legislativa para a ausência do país do governador e vice-governador
por qualquer prazo. Como se pode ver, trata-se de mero erro material do
legislador, ficando bem nítida a opção legislativa pelo primeiro modelo. Pode-se ver
também que a Assembléia Legislativa de Roraima, como outras em situações
distintas, lançou mão de seu poder constituinte derivado decorrente unicamente
para se amoldar ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, não havendo nem
sombra de autodeterminação federativa na medida.
O que as ações impugnavam dos dispositivos das constituições estaduais
eram as expressões que indicavam que qualquer ausência do governador –e vice-
governador, em alguns casos–, fosse pelo prazo que fosse, estaria sujeita a prévia
autorização da respectiva assembléia. Assim, ao julgar procedentes as demandas, o
STF julgava inconstitucionais expressões como a qualquer tempo, por qualquer
prazo e etc., conforme o caso, suprimindo, dessa forma, a sua validade. A Suprema
Corte considerou inconstitucional a exigência de autorização sem a previsão de um
prazo mínimo para a ausência porque assim o fez a Constituição Federal. E mais
uma vez a fundamentação foi o princípio da simetria. Saliente-se que nesse caso só
se poderia invocar o que chamei de simetria-limite, visto que não há disposição
4
Opção adotada pelas constituições de Minas Gerais (artigo 62, inciso XII), Acre (artigo 74),
Amapá (artigo 95, inciso IV), Amazonas (artigo 28, inciso III), Bahia (artigo 71, inciso V),
Goiás (artigo 11, inciso II), Mato Grosso (artigo 64, § 1º), Mato Grosso do Sul (artigo 63,
inciso XIII), Paraná (artigo 54, X), Pará (art. 132, antes da EC 15/99), Rio de Janeiro (artigo
99, inciso III e artigo 143, § 1º), Rondônia (artigo 29, inciso XIV e artigo 61, §1º), Santa
Catarina (artigo 40, inciso IV, aliena ‘c’), Rio Grande do Sul (artigo 53, inciso IV e artigo 81),
Sergipe (artigo 47, inciso VII), Tocantins (artigo 19, X, antes da EC 7/97) e Ceará (artigo 86,
§1º).
104
expressa mandando os estados federados adotarem o modelo federal para a
questão. Lembrando que a simetria-limite tem seu fundamento no artigo 25 da
Constituição e visa a resguardar os princípios da mesma, é de se perguntar se a
matéria em debate está realmente afeta aos princípios da Carta Magna. Será que a
regra de um prazo mínimo da ausência do chefe do Executivo para a necessidade
de exigência de autorização da respectiva casa legislativa toca os princípios da
Constituição? Essa regra constitui seus elementos basilares, sem a qual não se
sustentaria absolutamente? Sendo as respostas evidentemente negativas, só me
ocorre uma explicação para esse posicionamento do Supremo: a de que se
confunde a expressão princípios desta Constituição, do artigo 25, com princípio da
simetria.
Tendo considerada superada a questão do federalismo –com a aplicação do
malfadado princípio da simetria–, julgaram os magistrados pautados por outras
fundamentações, como o direito de ir e vir e a separação de poderes. Não me cabe
entrar em considerações sobre essas matérias, razão pela qual me abstenho de
comentar as decisões a partir do momento que superam a questão do federalismo
com a aplicação da simetria. É importante apenas registrar que em todos os votos
se discutiu muito mais uma possível violação da separação de poderes do que a
possibilidade de as constituições estaduais preverem normas dessa natureza.
Caso II – Observância obrigatória do modelo federal de processo
legislativo quanto à reserva de iniciativa de lei
Questão crucial à autonomia dos estados é a sua capacidade de decidir como
elaborar suas leis, isto é, como exercer seu poder. Como dito alhures, a Seção VIII,
Capítulo I, da Constituição da República trata do processo legislativo no âmbito
federal e silencia sobre o processo legislativo estadual, não prevendo, como na
constituição anterior, uma regra expressa de simetria (simetria-determinação).
5
A
5
Artigo 13, III, da Constituição de 1967.
105
Constituição de 1988, ao tratar do processo legislativo federal, traz as regras de
iniciativa de leis, dizendo a quem ela cabe conforme a matéria a ser discutida. Por
exemplo, cabe privativamente ao presidente da República a apresentação de
projetos de lei ao Congresso Nacional que versem sobre: fixação ou modificação
dos efetivos das Forças Armadas; criação de cargos ou aumento de sua
remuneração; servidores públicos da União e territórios; criação e extinção de
ministérios e órgãos da Administração Pública; entre outros.
6
As constituições
estaduais costumam reproduzir no plano estadual o processo legislativo
estabelecido pela Constituição da República para o âmbito federal, mas por vezes
silenciam sobre a iniciativa de lei ou adotam um modelo diferente do modelo
federal previsto na Carta da República. Nesses casos, o Supremo Federal tem sido
irredutível, impondo a aplicação da simetria às constituições estaduais e ao
legislador infraconstitucional estadual, a despeito de a Constituição de 1988 não
trazer mais a regra de simetria do art. 13, III, da Carta de 1967 (simetria-
determinação por remissão, segundo a minha classificação).
Na ADI 120/AM, impugnou-se, entre outras coisas, a seguinte expressão da
Constituição do Estado do Amazonas: a remuneração dos servidores públicos
militares será fixada pela Assembléia Legislativa. O autor da ação direta, o
governador do Estado do Amazonas, alegou ter havido usurpação do Poder
Executivo, ao ter a Constituição daquele estado deixado a fixação da matéria a
cargo unicamente do Poder Legislativo estadual, suprimindo assim a iniciativa do
chefe do Executivo estadual. O postulante fundamentou sua pretensão no fato de a
Constituição Federal estabelecer a iniciativa exclusiva de leis sobre remuneração de
servidores ao presidente da República.
7
O relator da referida ADI, ministro Moreira
Alves, acolheu o pedido –no que foi seguido por todo o corpo julgador–, aplicando
ao dispositivo a técnica de julgamento constitucional denominada interpretação
conforme à Constituição para que se entendesse que a fixação da remuneração dos
6
Artigo 61.
7
Art. 61, §1º, II, a.
106
servidores militares do estado cabia à Assembléia Legislativa, ao votar projeto de
lei de iniciativa do governador de estado. Nas palavras do próprio ministro,
é de se notar que a fixação da remuneração de servidor
público, inclusive militar –como é o caso–, se faz, em face do
processo legislativo disciplinado pela Constituição Federal e
de observância necessária pelos Estados-membros, por lei
cujo projeto é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder
Executivo. Assim sendo, as expressões impugnadas só serão
constitucionais se entendidas como se referindo elas à lei
cujo projeto é da iniciativa exclusiva do governador, e não
como fixação que se faça por atuação exclusiva da
Assembléia Legislativa. Por isso, dou a essas expressões
interpretação conforme à Constituição (o que implica
dizer que acolho, em parte, a argüição de
inconstitucionalidade delas) por considerar que seu único
sentido constitucional é o de que se trata de fixação por lei
de iniciativa exclusiva do Governador de Estado (grifei em
negrito).
O ministro relator limita-se a dizer que o processo legislativo
disciplinado na Constituição Federal é de observância obrigatória, sem dignar-se a
dar qualquer respaldo para a afirmação. De onde viria a imperiosidade da
observância do modelo federal? É possível que tenha havido um automatismo do
eminente ministro, por conta da regra de simetria da Constituição anterior.
A mesma questão foi tratada na ADI 227/RJ, embora não fosse
propriamente o seu objeto. O ministro Maurício Corrêa assim resumiu a posição da
Corte:
A Carta Federal, ao conferir aos Estados a capacidade de
auto-organização e de autogoverno, impõe a obrigatória
observância de vários princípios, entre os quais o pertinente
ao processo legislativo, de modo que o legislador constituinte
estadual não pode validamente dispor sobre as matérias
reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Esse
princípio da iniciativa reservada implica limitação ao
poder do Estado-membro de criar como ao de revisar
sua Constituição, como tem decidido o Supremo
Tribunal Federal (RTJ 69/638, 57/384, 88/13, 92/1000) e,
quando no trato da reformulação constitucional local, o
legislador não pode se investir da competência para matéria
que a Constituição da República tenha reservado à exclusiva
iniciativa do Chefe do Executivo. (negrito no original)
O ministro Néri da Silveira, no mesmo julgado, contestou tal
posicionamento, reconhecendo a postura centralista do STF, mas o fez de forma
muito tímida e sem abrir divergência, asseverando que, nessa linha de
107
jurisprudência, [o STF está] cada vez limitando mais a autonomia, essa visão de
autonomia dos Estados-membros, porque não se lhes deixa faixa alguma de
autonomia para dispor.
In casu, nem se tratava propriamente de processo legislativo. Cuidava-se de
uma cláusula da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que facultava aos
servidores estaduais converter licença especial e férias em pecúnia indenizatória.
Entendeu o STF que a possibilidade configurava aumento de despesa, o que só
poderia ser feito por ato normativo de iniciativa do Chefe do Executivo. Já não se
trata mais de simetria, e sim de absoluta ingerência nos negócios dos estados.
Caso semelhante deu-se com a ADI 582/SP, que questionou o parágrafo 8º
do artigo 126 da Constituição de São Paulo, inserido pela Emenda Constitucional
estadual nº. 1 de 20/12/1990. O novo dispositivo assegurou aos ocupantes de
cargos em comissão do governo estadual o direito a aposentadoria em igualdade de
condições com os demais servidores. O Supremo Tribunal Federal acolheu o pedido,
julgando a norma inconstitucional. Entendeu-se que tratar de matéria de
aposentadoria de servidores em emenda constitucional originada na própria
Assembléia Legislativa era uma forma de burlar a exclusividade de iniciativa do
chefe do Executivo prevista, para o presidente da República, no artigo 61, §1º, II,
c, da Constituição Federal,
8
e aplicada analogicamente aos governadores de estado.
Seria mais um caso de simetria-decisão. Mas não é só. O julgamento da ADI 582
nos permite compreender como o STF enxerga as constituições estaduais. E isso
porque essa ação tem a peculiaridade de tratar de um dispositivo que não consta
da Carta Federal, diferentemente das outras situações, em que situação homóloga
tinha regulação prevista na Constituição da República. As ADIs 122 e 152, pelas
mesmas razões, invalidaram normas das constituições de Santa Catarina e Minas
Gerais, respectivamente, que estendiam o regime especial do magistério, previsto
na Constituição Federal, para outros servidores da área de ensino. Assim, vê-se
8
Art. 61. (...). § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II -
disponham sobre: c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria. (com redação dada pela EC nº. 18/98).
108
que o STF trata as constituições estaduais como meras leis, pois impõe o processo
legislativo das leis ordinárias a dispositivos das próprias constituições estaduais que
regulam situações de direito material, e não de processo legislativo, somente.
Outra ação de inconstitucionalidade que merece destaque, e segue na
mesma linha, é a de nº. 102, que espancou, entre outras coisas, o artigo 263 da
Constituição de Rondônia, que impunha o limite à criação de secretarias, não
permitindo que fossem superiores a dez. Aplicou-se mais uma vez a simetria com
os dispositivos constitucionais referentes às atribuições do presidente e sua reserva
de iniciativa de lei.
Há inúmeros casos semelhantes, em que dispositivos de constituições
estaduais sobre funcionalismo foram invalidados pelo mesmo fundamento de
usurpação da iniciativa do poder Executivo.
9
Suponhamos que dispositivo semelhante ao art. 126, §8º, da Carta paulista
fosse inserido na Constituição Federal por emenda constitucional do Congresso
Nacional. Teria ele o mesmo óbice encontrado para o seu homólogo estadual?
Certamente que não, pois as regras de iniciativa do processo legislativo das leis não
se aplicam às emendas constitucionais. Se o constituinte derivado federal não
esbarraria em impeditivo da Carta Federal, por que o constituinte estadual haveria
de estar impedido pelo mesmo dispositivo federal, isto é, de um texto
constitucional que não é o seu, propriamente? Quero dizer que, se as regras de
exclusividade de iniciativa do artigo 61 da Constituição Federal não seriam
suficientes para impedir a entrada nela de um dispositivo homólogo ao do artigo
126, §8º, da Constituição paulista, então este mesmo artigo 61 da CF não poderia
ser óbice para que aquele dispositivo constasse da Constituição de São Paulo, que,
no final das contas, é outro ordenamento.
Na mesma esteira dos julgados anteriores estão as ADIs 546, 766, 774,
805, 822, 864, 872, 873, 1.060 e 2.295-MC, oriundas do Rio Grande do Sul; 56, da
9
Vejam-se as ADIs 216-MC/PB, 248/RJ, 276/AL, 1.353/RN, 89/MG, 249/RJ e 568-MC/AM e
97, 2.050 e 2.966, de Rondônia.
109
Paraíba; 919-MC, do Paraná; 2.434-MC, do Amapá; 1.196, de Rondônia; 2.711 e
2.742, do Espírito Santo; 2.417 e 2.646, de São Paulo; 352-MC, 1.304 e 2.079, de
Santa Catarina, e as de números 645, 665 e 1.475, do Distrito Federal, com a
diferença que elas atacam dispositivos de leis estaduais e distritais, e não de
constituição estadual. Os dispositivos impugnados versam sobre funcionalismo.
Umas ações tratam de projetos de lei que tiveram sua iniciativa diretamente do
Poder Legislativo e outras de projetos que, embora tenham partido do Poder
Executivo, sofreram emendas parlamentares, o que macularia a iniciativa.
Fica claro que o STF entende as constituições estaduais como meros atos do
Poder Legislativo estadual, com mesma hierarquia de leis, e não como ato de um
poder constituinte de fato. Atacam-se as constituições estaduais como atos
exclusivamente das assembléias legislativas. Isso fica corroborado na declaração
oral do ministro Nelson Jobim, quando do julgamento da supracitada ADI 227, ao
afirmar que não estava negando autonomia ao Estado, mas à Assembléia
Legislativa. Ora, é o poder constituinte que faz as repartições de poderes. Se a
constituição estadual não pode diferir minimamente da Constituição Federal nessa
repartição, então ela não organiza nada, não constitui nada, logo, não é
constituição. No caso da Constituição Federal, entende-se que a iniciativa de leis do
executivo, embora não seja cláusula pétrea prevista no artigo 60, não pode ser
alterada por emenda constitucional, pois do contrário se daria margem ao
Congresso burlar a divisão de poderes prevista nela. Contudo, pode ser introduzida
diretamente no texto da Constituição, por emenda, a matéria que por lei estaria
adstrita à iniciativa do presidente.
10
Ademais, trata-se de um arranjo de
distribuição de atribuições para o nível federal de poder. Ora, se se entender que
este arranjo deve ser seguido, mutatis mutandis, sem que haja previsão expressa
da Constituição da República, é negar vigência à cláusula de autonomia dos seus
artigos 18 e 25. Parece haver uma certa nostalgia dos magistrados do Supremo
10
Como, aliás, é feito freqüentemente. Um exemplo seria a reforma administrativa feita pela
Emenda Constitucional nº. 19/98. A EC 19/98 tratou do funcionalismo e não partiu de
iniciativa (proposta) do presidente da República, mas sim do legislativo.
110
pelo centralismo autoritário da Carta de 1967, que trazia simetria-determinação
para o processo legislativo estadual.
Caso III – Possibilidade de medidas provisórias estaduais
Ainda no tema do processo legislativo, há uma questão que merece tratamento à
parte e que suscitou divergências dentro do próprio Supremo Tribunal Federal: a
possibilidade de os governadores dos estados e os prefeitos municipais editarem
medidas provisórias. As medidas provisórias são instrumentos que permitem ao
presidente da República, em caso de relevância e urgência, editar atos com força
de lei ad referendum do Congresso. A sua previsão e o seu regramento estão no
artigo 62 da Constituição da República, alterado pela Emenda Constitucional n°. 32,
de 11 de setembro de 2001.
De um modo geral, as constituições estaduais não prevêem a possibilidade
de edição de medidas provisórias por parte dos governadores. Há, contudo, quatro
constituições que as prevêem expressamente: as do Acre, de Tocantins, de Piauí e
de Santa Catarina.
11
Com isso, instaurou-se uma controvérsia doutrinária que foi
levada aos STF e que foi assim resumido pelo ministro Marco Aurélio de Mello na
ADI 425/TO:
Doutrinariamente, embora alguns defendam a
inconstitucionalidade da utilização desse instrumento pelos
Estados-membros, dado ser exceção do princípio da divisão
dos Poderes, só valendo nos limites estritamente previstos
na Carta da República, como ensinam JOSÉ NILO DE CASTRO
e HELY LOPES MEIRELES, essa não é a corrente dominante
na doutrina nacional, que adota o entendimento preconizado,
dentre outros, por ALEXANDRE DE MORAIS, verbis:
“Conforme estudado em tópico anterior, o Supremo Tribunal
Federal considera as regras básicas de processo legislativo
previstas na Constituição Federal como modelos obrigatórios
às Constituições Estaduais. Tal entendimento, que
igualmente se aplica às Leis Orgânicas dos Municípios, acaba
por permitir que no âmbito estadual e municipal haja
previsão de medidas provisórias a serem editadas,
respectivamente, pelo Governador do Estado ou Prefeito
Municipal e analisadas pelo Poder Legislativo local, desde
que, no primeiro caso, exista previsão expressa na
11
Artigos 79; 27, §3°; 75, §3°; e 51, respectivamente.
111
Constituição Estadual e no segundo, previsão nessa e na
respectiva Lei Orgânica do Município. Além disso, será
obrigatória a observância do modelo básico da Constituição
Federal” (“Direito Constitucional”, 10ª edição, Ed. Atlas, São
Paulo, 2001, pp. 550/551).
No mesmo sentido, ressalta CARRAZZA:
“Nada impede, porém, que exercitando seus poderes
constituintes decorrentes, os Estados, Municípios e o Distrito
Federal prevejam a edição de medidas provisórias,
respectivamente, estaduais, municipais e distritais. A elas,
‘mutatis mutandis’, devem ser aplicados os princípios e
limitações que cercam as medidas provisórias federais”.
(“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 2ª edição, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1981, p. 157).
Da mesma forma pensa BRASILIANO DOS SANTOS:
“A partir da noção de federalismo, chega-se à conclusão de
que seja admissível a edição de medidas provisórias,
obedecidos os pressupostos constitucionais, por Estados,
pelo Distrito Federal e por Municípios.
(...)
O desaparecimento da vedação constitucional aos Estados de
editarem decretos-leis, constante na Constituição anterior, é
outro argumento ponderável...” (“Medidas Provisórias, p.
841).
Anoto que a Constituição de 1967 (EC 1/69), em suas
disposições gerais e transitórias, dispunha no parágrafo único
do artigo 200 que “as Constituições dos Estados não poderão
adotar o regime de leis delegadas, proibidos os decretos-
leis”. Por seu turno, a Carta de 1988 não impôs restrição aos
Estados-membros quanto ao uso de medidas provisórias.
(...)
Sem consistência, portanto, a tese que nega aos Estados a
faculdade de editar medida provisória por ser obrigatória a
interpretação restritiva do modelo federal, e por constituir
exceção ao princípio da tripartição dos Poderes. É que § 1°
do artigo 25 da Carta Federal reservou aos Estados “as
competências que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição”. Quis o constituinte que as unidades federadas
pudessem adotar o modelo do processo legislativo admitido
para a União, uma vez que nada está disposto, no ponto, que
lhes seja vedado.
12
O ministro Marco Aurélio, ao sustentar a constitucionalidade da adoção das
MP’s estaduais, ataca outros argumentos contrários, como a desnecessidade dessa
via legislativa no âmbito dos estados pela menor morosidade do processo de
elaboração de leis nos sistemas unicamerais.
Abrindo divergência, o ministro Carlos Velloso posicionou-se contrariamente
à adoção de medidas provisórias pelos estados federados. Assim postulou o
ministro, em seu voto vencido, na mesma ação:
12
Voto do ministro Marco Aurélio de Mello na ADI 425/TO, julgadamento em 04/09/2002.
112
[A] delegação legislativa [ao Executivo] somente é legítima
se expressamente autorizada pela Constituição. Esta, no que
toca o Executivo Federal, autoriza a edição de medidas
provisórias, observadas as condições, os limites e os
requisitos inscritos no art. 62. Haveria autorização para o
Executivo Estadual editar medidas provisórias? Não há na
Constituição Federal.
Dir-se-á: poderia a Constituição Estadual adotar a medida
provisória, seguindo o modelo federal, tendo em vista o
princípio da simetria? Penso que não, porque um outro
princípio maior estaria a reger a questão: aquele segundo o
qual a função legislativa é exercida pelo Poder Legislativo e
só mediante autorização expressa é que pode ser exercida
pelo Poder Executivo.
13
Ao suscitar a ausência de previsão constitucional das MP’s estaduais, o
ministro Carlos Velloso deixa claro que não reconhece força constitucional ao texto
de constituição estadual. O ministro afirma que a delegação legislativa só é legítima
se houver autorização expressa da Constituição. Ora, previsão constitucional há; o
que não há é previsão na Constituição Federal.
Outro argumento levantado contra a possibilidade de os governadores
editarem medidas provisórias é o uso abusivo que delas vêm fazendo os últimos
presidentes da República. Esse argumento depõe contra o próprio Supremo, que
tem sido leniente no controle de constitucionalidade das MP’s presidenciais ao
interpretar de maneira flexibilíssima os requisitos de relevância e urgência.
O ministro Celso Antônio Bandeira de Mello acompanhou o ministro Marco
Aurélio sustentando a constitucionalidade das MP’s estaduais. Para isso, o ministro
Celso Mello levantou outro argumento, muito sólido por sinal. Ele diz respeito à
nova redação do parágrafo 2° do artigo 25 da Constituição da República dada pela
Emenda Constitucional n°. 5/1995. O dispositivo reza que cabe aos Estados
explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado,
na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.
Vedando a edição de medida provisória para regulamentar um tema específico
afeto aos estados, admite a Constituição, implicitamente, a possibilidade de edição
de MP’s estaduais para todos as outras matérias de competência estadual.
13
Idem.Ibidem.
113
A matéria ficou pacificada no Supremo Tribunal Federal pela
constitucionalidade da previsão de medidas provisórias estaduais nas constituições
estaduais, com o julgamento da ADI 2.391/SC.
14
Contudo, não se pode dizer que
tenha prevalecido a autonomia estadual com essa decisão. Isso porque as
constituições estaduais, caso optem por prever edição de medidas provisórias,
devem sujeitá-las integralmente ao regime jurídico imposto pela Constituição da
República para as MP’s federais. A questão ganha relevância com o advento
posterior da Emenda Constitucional n°. 32/2001, que regulamentou as MP’s na
Constituição Federal. E no caso de já haver previsão anterior nas constituições
estaduais, como fica? Devem elas sujeitar-se à nova sistemática? Como impor ao
constituinte estadual a elaboração de reformas? Esse é um problema que o
constitucionalismo brasileiro terá que enfrentar cedo ou tarde. O que ora cabe
destacar é que aceitar a possibilidade de as constituições estaduais preverem
medidas provisórias não é necessariamente reconhecer sua autonomia.
Caso IV – Aplicação da simetria em procedimentos interna corporis
das assembléias legislativas
Há uma certa obscuridade na posição do Supremo Tribunal Federal quanto à
aplicação da simetria-decisão nos procedimentos interna corporis das assembléias
estaduais. Analisei dois casos que originaram duas ações diretas de
inconstitucionalidade cada um. No primeiro, discutia-se se constituição estadual
pode prever processo de cassação de deputados estaduais por votação aberta,
contrariamente ao que a Constituição Federal prevê para os deputados federais e
senadores. No segundo, debateu-se a possibilidade de previsão na carta estadual
de reeleição da mesa diretora da respectiva assembléia, tendo em vista que a
mesma é vedada pela Carta Federal à Câmara e ao Senado. Não é preciso dizer que
a matéria é a que talvez mais diretamente toca a autonomia organizacional.
14
Vide Informativo n°. 436 do Supremo Tribunal Federal.
114
O primeiro caso, tratado nas ADIs 2.461 e 3.208, de mesmíssimo objeto, diz
respeito ao processo de cassação de deputados estaduais. O artigo 104 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro passou a ter a seguinte redação, com a
Emenda Constitucional estadual nº. 17, de 17/05/2001:
Art. 104 - Perderá o mandato o Deputado:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no
artigo anterior;
15
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o
decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à
terça parte das sessões ordinárias, salvo licença ou missão
autorizada pela Assembléia Legislativa;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos
na Constituição da República;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada
em julgado.
§ 1º (...)
§ 2º - Nos casos do incisos I, II e VI, a perda do
mandato será decidida pela Assembléia Legislativa,
por voto aberto e maioria absoluta, mediante
provocação da Mesa Diretora ou de partido político
com representação na Casa, assegurada a ampla
defesa. (nova redação dada pela Emenda Constitucional
17/2001) (grifei)
§ 3º (...)
Em síntese, a Emenda Constitucional estadual nº. 17/2001 impôs o
escrutínio aberto à votação de cassação, em certas hipóteses, de deputados
estaduais na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. No nível federal, a
Constituição da República determina, tanto para o Senado quanto para a Câmara, a
votação secreta e por maioria absoluta para a cassação, em certos casos, do
parlamentar na sua respectiva casa. Os artigos da Constituição Federal que tratam
do tema são praticamente reproduzidos pela Carta fluminense, senão vejamos:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
15
Art. 103. Os Deputados não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) firmar ou
manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública,
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o
contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego
remunerado, inclusive os de confiança, nas entidades constantes da alínea anterior; II -
desde a posse: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de
favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função
remunerada; b) ocupar cargo ou função de confiança nas entidades referidas no inciso I, a;
c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso
I, a; d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.
115
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no
artigo anterior;
16
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o
decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à
terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer,
salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos
nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada
em julgado.
§ 1º (...)
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do
mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou
pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria
absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou
de partido político representado no Congresso
Nacional, assegurada ampla defesa. (grifei)
§ 3º (...)
§ 4º (...)
Tendo em vista o modelo federal, o Partido Social Liberal (PSL) e o Partido
Democrático Trabalhista (PDT) ingressaram com ações de diretas de
inconstitucionalidade junto à Suprema Corte, objetivando que aquele modelo fosse
aplicado à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), invalidando-se, assim,
a nova redação do parágrafo 2º do artigo 104 da Constituição fluminense, de forma
a impor a votação fechada nos processos de cassação dos deputados da Casa. O
Supremo Tribunal Federal julgou procedente os pedidos, declarando a
inconstitucionalidade do artigo 104, §2º, da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro. Mas, na hipótese, não houve mais um caso de simetria-decisão, como nas
outras situações aqui analisadas. O julgamento baseou-se em outra regra de
simetria, um caso daquilo que chamei de simetria-determinação por remissão da
16
Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão: I - desde a expedição do diploma: a)
firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa
pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo
quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou
emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades
constantes da alínea anterior; II - desde a posse: a) ser proprietários, controladores ou
diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de
direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam
demissíveis "ad nutum", nas entidades referidas no inciso I, "a"; c) patrocinar causa em que
seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, "a"; d) ser titulares de
mais de um cargo ou mandato público eletivo.
116
Constituição República. O parágrafo 1º do artigo 27 da CRFB/88, já citado aqui,
dispõe o seguinte:
Art. 27. (...)
§ 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados
Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição
sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,
remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas.
Há, portanto, mandamento constitucional expresso para que se apliquem
aos deputados estaduais as regras de perda de mandato previstas na Constituição
da República para os deputados federais, de maneira que o STF, no caso, deteve-se
exclusivamente na dicção do texto constitucional. O julgamento deu-se por maioria,
tendo julgado procedente a ação os ministros Gilmar Ferreira Mendes (relator),
Ellen Gracie, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Carlos Velloso, Joaquim
Barbosa e Sepúlveda Pertence, vencidos os votos dos ministros Marco Aurélio de
Mello e Celso Antônio Bandeira de Mello. Os ministros Carlos Ayres Britto e Carlos
Velloso, embora tenham manifestado seu repúdio à regra da votação fechada,
entenderam que ela deveria ser observada pela ALERJ, numa notável demonstração
de isenção e estrita observância dos preceitos constitucionais. O primeiro foi
enfático, tendo declarado o seguinte:
Digo que, de fato, a opção política feita pelo Constituinte de
88 quanto ao voto secreto em caso de processo de perda de
mandato de parlamentares não foi a melhor opção. Não
homenageia o princípio da publicidade, não homenageia o
princípio da transparência, esquece que o parlamentar não
vota simplesmente por si, ele tem uma satisfação a dar aos
eleitores ou a seus representados, diferentemente do eleitor
individual, do cidadão, que só dá satisfação a si mesmo. Mas
foi a opção política expressamente grafada, consignada na
Constituição de 88, com uma particularidade: ela consta da
redação originária do Texto Magno.
17
O ministro Carlos Velloso, de forma mais comedida, asseverou que o voto
em aberto, por parte do eleito, constitui um dever, a despeito de ter votado pela
inconstitucionalidade desse tipo de escrutínio para a cassação de deputados
estaduais. Já os ministros vencidos sustentaram a constitucionalidade do §2º do
art. 104 da Carta fluminense, rechaçando veementemente o escrutínio secreto.
17
Voto do ministro Carlos Ayres Britto na ADI 3.208/RJ, julgamento em 12/05/2005.
117
Para o ministro Marco Aurélio, a sessão dita secreta (...) fica bem em relação a
certas sociedades, como, talvez, para exemplificar, na da Maçonaria, Rosa Cruz,
etc., mas (...) não guarda consonância com o jogo da Administração Pública,
quando em jogo algo que deve ser, acima de tudo, transparente, perceptível, aos
olhos da sociedade. O ministro Celso de Mello entende a regra do sigilo como
resquício indesejável dos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no
Brasil em 1964, entendendo que a votação aberta é em tudo compatível com a
exigência democrática do regime de poder visível, impondo-se como um dos meios
necessários de controle, pela opinião pública, das deliberações dos representantes
do povo. Por mais elevadas que sejam as intenções dos ministros vencidos, e por
mais que as motivações morais que fundamentaram suas decisões pareçam
corretas, o fato é que o texto constitucional é claro, de modo que qualquer outra
decisão que não seja pela inconstitucionalidade do art. 104, §2º, da Constituição
fluminense estará flagrantemente a afrontar a Constituição da República.
18
O outro caso refere-se à possibilidade de reeleição da mesa diretora da
assembléia legislativa. As constituições fluminense e rondoniense previam, em seus
artigos 99, II, e 29, I, b, respectivamente, essa possibilidade. No caso do Estado de
Rondônia, a previsão foi trazida pela Emenda Constitucional Estadual nº. 3, de
23/09/1992. A Constituição da República, a seu turno, veda a recondução dos
membros das mesas da Câmara e do Senado.
19
Contudo, de forma curiosíssima, o
Supremo Tribunal decidiu em favor da autonomia das assembléias para disporem
conforme seu alvedrio, sem atá-las às previsões constitucionais referentes ao nível
18
A menos que se aceite a teoria das normas constitucionais inconstitucionais, professada
por Otto Bachof. O autor germânico levanta a tese da possibilidade de se encontrarem
normas constitucionais, dentro do Texto originário da Constituição, que seriam
inconstitucionais em face ao Direito Supralegal, permitindo, portanto, a declaração de
inconstitucionalidade pelos Tribunais Constitucionais. Essa teoria encontra poucos adeptos,
tanto no Brasil quanto na Alemanha, e há uma boa razão para isso. Ela ofende o primeiro
postulado lógico enumerado por Aristóteles, que consiste no princípio da identidade: tudo o
que é é. Bachof tenta sustentar a possibilidade de algo que é e não é, ao mesmo tempo.
Vide BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais?. Trad. José Manuel Cardoso
da Costa. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.
19
Art. 57, §4º.
118
federal, de forma contrária à tradição consolidada pela Corte.
20
Em outras palavras,
nesse caso, o STF não aplicou a simetria. O que causa espécie é a fundamentação,
que segue na linha da argumentação central desta dissertação ao analisar
criticamente a posição do mesmo Supremo Tribunal. No julgamento da ADI
793/RO, o ministro relator Carlos Velloso entendeu que a vedação constitucional à
reeleição das mesas das casas do Congresso não constitui princípio constitucional,
não sendo, pois, norma de reprodução obrigatória nas constituições estaduais.
De fato, a cláusula de autonomia dos estados insculpida no artigo 25 da
Constituição é limitada pela observância dos princípios inscritos nela, naquilo que
chamei de simetria-limite. Assim, uma norma de um estado federado sobre sua
organização só será inconstitucional se ferir algum princípio da Carta Magna. E, não
sendo a irreelegibilidade de mesa diretora de casa legislativa um princípio
constitucional, não estaria eivada de inconstitucionalidade norma estadual em
sentido contrário, ficando a mesma salvaguardada pela cláusula de autonomia.
Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal. E me parece ser o mais coerente.
Mas, como se pôde notar, não é a orientação geral da Corte. É inegável que regra
de vedação de reeleição de mesa diretora não constitui princípio constitucional. Mas
constitui princípio constitucional a regra impõe autorização da casa legislativa para
ausência do chefe do Executivo por prazo superior a 15 dias? E as complexas e
minuciosas regras de repartição de iniciativa legislativa? E a enumeração dos casos
em que o legislativo interfere na nomeação de cargos executivos?
21
Vê-se, pois, que a Suprema Corte brasileira decide de forma casuística e
incoerente, o que depõe contra a isenção e a parcimônia do Tribunal. Todavia,
essas decisões destoantes não obliteram a tendência geral da Corte no sentido de
uniformizar a federação brasileira.
Caso V – Composição dos tribunais de contas estaduais
20
Vide ADIs 792/RJ e 793/RO. Há também precedente da Representação de
Inconstitucionalidade nº. 1.245, sob o regime constitucional anterior.
21
Exemplo a ser analisado em tópico adiante.
119
Os tribunais de contas dos estados merecem ter um tratamento à parte. A
Constituição da República, no artigo 75, impôs-lhes de forma explícita a
observância das regras nela inseridas atinentes ao Tribunal de Contas da União. Em
outras palavras, o legislador constituinte originário deliberada e inequivocamente
restringiu a autonomia dos estados federados para disporem sobre suas cortes de
contas, chegando a dispor em seu parágrafo único que cada uma delas seria
composta de sete conselheiros.
22
Uma questão crucial e fartamente tratada pelo
Supremo Tribunal Federal –chegando a culminar com a edição de um verbete
sumular– diz respeito à composição dos tribunais de contas estaduais, mas
especificamente quanto à forma de escolha de seus integrantes.
A Constituição prevê para o Tribunal de Contas da União a seguinte
composição: nove ministros, dos quais um terço (três ministros) são escolhidos
pelo Presidente da Republica, com a aprovação do Senado da República, sendo um
de livre escolha do Presidente, e os outros dois, alternativamente, dentre auditores
e membros do Ministério Público Especial junto à referida corte, escolhidos em lista
tríplice indicada pelo Tribunal, segundo critérios de antigüidade e merecimento. Os
outros dois terços (seis ministros) são escolhidos livremente pelo Congresso
Nacional.
Já para os tribunais de contas estaduais, a Constituição da República prevê
apenas que estes sejam compostos por sete conselheiros, fazendo a ressalva geral
de que se lhes aplica, naquilo que couber, as mesmas regras de organização,
composição e fiscalização previstas para o Tribunal de Contas da União. Não há na
Lei Maior menção expressa a critérios de escolha dos conselheiros dos tribunais de
contas estaduais. Cada constituição estadual fixou seu critério, e o que se
constatou foram três formas básicas, a saber: dois indicados pelo governador de
estado e cinco pela assembléia legislativa; três indicados pelo governador, e quatro
pela assembléia; e, reproduzindo o critério da Constituição da República para o
22
Frise-se que até a nomenclatura dos integrantes dos tribunais de contas estaduais foi
estabelecida.
120
TCU, 1/3 pelo governador e 2/3 pela assembléia. Este último critério parece mais
se adequar ao mandamento do art. 75 da Constituição da República, segundo o
qual se aplicam aos tribunais de contas estaduais, no que couber, as normas
constitucionais referentes ao TCU.
Acontece que o número de integrantes das cortes de contas estaduais foi
fixado pela mesma Constituição no número de sete, impossibilitando uma divisão
exata por três. Por essa razão, a maioria das constituições estaduais optou por
adotar números inteiros, no lugar de frações. E, como a divisão de sete por 1/3 e
por 2/3 fica entre 2 e 3, e 4 e 5, respectivamente, alguns estados optaram por
adotar a divisão 2-5 e outros 3-4, exceto aqueles que elegeram a forma de fração.
Em outras palavras, estados como o Acre e o Rio Grande do Sul optaram por
destinar a indicação de duas vagas ao governador e a das cinco vagas restantes às
suas respectivas assembléias legislativas. Outros, como o Pará e o Rio Grande do
Norte, elegeram a fórmula de três conselheiros indicados pelo governador e quatro
pela assembléia.
De uma forma ou de outra, aproximando-se a divisão para um lado ou para
outro, estar-se-á a favorecer um dos poderes: o legislativo ou o executivo. Se se
optar pela divisão 2-executivo/5-legislativo, está-se sendo mais favorável ao
legislativo do que a Constituição foi com o legislativo federal, para o qual destinou
2/3 das indicações (pois 2/3 < 5/7). O equivalente contrário acontece se se adotar
a divisão 3-executivo/4-legislativo (1/3 < 3/7). Nesse caso, matematicamente, o
que mais se aproxima do modelo federal é o sistema de frações, como o que foi
adotado originalmente pela Constituição do Mato Grosso, antes da alteração que
sofreu por conta da Emenda Constitucional n° 6/93. Embora no número 7 seja
primo, o critério de frações é possível de ser aplicado, pois o preenchimento das
vagas não se dá de forma total e simultânea. É perfeitamente possível aplicar essa
divisão fracionária conforme forem vagando as cadeiras de conselheiros,
alternando-se a indicação, mais ou menos como o que é feito com as cadeiras para
o Senado da República e para as vagas do quinto constitucional para o magistrados
121
de tribunais que não tenham sido juízes de carreira. É evidente que, do ponto de
vista estático, a composição nunca corresponderia perfeitamente à divisão
fracionária, mas, do ponto de vista dinâmico, não haveria favorecimento a nenhum
poder, se comparado com a divisão traçada na órbita federal.
Contudo, não foi esse o critério seguido pela Suprema Corte. O STF recebeu
diversas ADIs questionando os critérios adotados pelos estados-membros, e o
critério sacramentado pela Corte é aquele que destina três nomeações para o chefe
do Executivo estadual e quatro para a assembléia legislativa. Esse critério, como
visto acima, favorece o Poder Executivo e não é o que mais se aproxima da
proporção da divisão de indicações estabelecida pela Carta Magna no âmbito
federal. Foram tantos os casos e tão reiteradas as decisões que o STF chegou editar
o Enunciado n° 653 da Súmula da Corte, com o seguinte teor:
No Tribunal de Contas estadual, composto por sete
conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembléia
Legislativa e três pelo Chefe do Poder Executivo estadual,
cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre
membros do Ministério Público, e um terceiro à sua livre
escolha.
Com isso, pôs-se uma pá de cal no assunto. Os precedentes podem ser
vistos nas ADIs 219/PB, 397/SP, 419/ES, 585/AM, 892-MC/RS, 1.043-MC/MS,
1.054-MC/GO, 1.389-MC/AP, 1.566/SC, 2.013-MC/PI, 2.167-MC/RR, 2.483-MC/PR,
2.502-MC/DF, 2.828-MC/RO, entre outras. Muitas das ADIs propostas tinham
exatamente o mesmo objeto, isto é, atacam o mesmo dispositivo do mesmo texto
legal, motivo pelo qual é dispensável todas elas.
Argumentou-se que o Poder Executivo estadual deveria ter no mínimo três
indicações, para que ao menos um delas fosse de livre escolha, já que as outras
forçosamente deveriam destinar-se a membros do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas e a auditores de carreira. E isso para que fosse observada a
simetria com regra federal, que prevê uma indicação de livre escolha do Presidente
da República. Veja-se o argumento nas próprias palavras do ministro Marco Aurélio,
em seu voto vencedor na ADI 219/PB:
122
Surge a questão relativa aos dois princípios que entendo
insculpidos na Lei Básica Federal: o primeiro, atinente à
escolha livre de candidato para preenchimento de uma das
vagas pelo Chefe do Poder Executivo; e o segundo, alusivo
aos percentuais, à divisão de vagas.
Creio que esse confronto, sopesando-se, até mesmo, a
importância desses princípios, cabe conclusão a respeito da
inviabilidade de expungirmos a livre escolha pelo Chefe do
Poder Executivo que, quanto às outras vagas, está preso a
uma determinada clientela, considerados dois critérios –de
merecimento e o de antigüidade– enquanto a Assembléia em
si, o Legislativo, nomeia sem qualquer vinculação.
Ora, se assento, de início, que há na Constituição Federal
esse dois princípios a serem observados e se constato que
diante do número de cargos –sete cargos– não podemos
implementar ambos, devo adotar a solução que me parece
menos danosa, tendo em vista esses mesmos princípios.(...)
Logo, caminho no sentido de homenagear até mesmo o
equilíbrio entre os Poderes, homenagear a possibilidade de o
Chefe do Poder Executivo preencher uma das vagas
mediante a livre escolha. Entre a diminuição das vagas
reservadas ao Legislativo e fulminar esse princípio, para mim
básico, da livre escolha pelo Chefe do Poder Executivo,
caminho no sentido da diminuição.
23
Ocorre que permitir que a constituição estadual estabeleça o critério 2-
executivo/5-legislativo não é privilegiar o Legislativo em detrimento do Executivo –
poderá até sê-lo, por via reflexa–, mas sim prestigiar o princípio federativo de
autonomia dos estados federados. Não julgar inconstitucional essa causa é não
decidir o mérito da questão e reconhecer que ele cabe à esfera de decisão do
constituinte estadual. Nesse aspecto, vale trazer as considerações do voto do
ministro Sepúlveda Pertence na mesma ação, perdedor no que toca precisamente a
questão ora ventilada. Então vejamos:
A Constituição de 1988, paradoxalmente, ao mesmo tempo
em que, em termos gerais, dilatou as margens de contenção
da autonomia constitucional dos Estados-membros, no que
toca especificamente aos Tribunais de Contas estaduais,
primou, em relação aos textos constitucionais anteriores, em
coarctar rigidamente a liberdade de conformação da
instituição pelas unidades federativas locais.
Aí, não se contentou de impor-lhes a observância dos
princípios informadores do modelo federal, mas os
constrangeu a observação das próprias normas nele
estabelecidas (...).
Mais delicado é o problema do número de Conselheiros nele
atribuído, respectivamente, à escolha da Assembléia
Legislativa –cinco– e à do Governador do Estado –dois– estes
23
Voto do ministro Marco Aurélio de Mello na ADI 219/PB, julgamento em 24/06/1993.
123
últimos, ademais, necessariamente, dentre auditores e
membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas,
indicados pela Corte, em listas tríplices.
Não há dúvida de que, desse modo, se estabeleceu, entre o
modelo federal do TCU e o instituído pelo constituinte
paraibano, duas diferenças sensíveis: a participação da
Assembléia Legislativa na escolha dos Conselheiros, em
relação à do Congresso Nacional na dos Ministros do TCU,
cresce de dois terços para cinco sétimos e, ao Governador,
não se reservou uma escolha livre, como se assegurou, na
União, ao Presidente da República.
Mas, no ponto, alguma diferença seria fatal: a Constituição,
em parágrafo do próprio art. 75, que determina a
observância do molde do TCU pelos Estados, impôs que, ao
invés de nove, fossem sete os Conselheiros dos Tribunais de
Contas Estaduais. Número menor que o de Ministros do
Tribunal de Contas da União e, de sobra, número primo,
indivisível por três. Põe-se, desse modo, o intérprete, como
observou o parecer do Ministério Público da União, “diante de
um problema aritmético com repercussões jurídicas”.
Ora, de sete Conselheiros, não era possível reservar dois
terços à Assembléia e um terço ao Governador: optou aí a
Constituição da Paraíba por “arredondar para cima” a cota do
Legislativo.
Com isso, sobraram apenas duas vagas para o Governador
do Estado, impossibilitando reproduzir a divisão tripartite, a
que proceder a Constituição Federal, das três vagas do TCU
cujo provimento se confiou ao Presidente da República.
E assim se chegou à eliminação, na Constituição da Paraíba,
da única vaga que o parâmetro federal deixara à livre
escolha do Executivo.
A indagação da constitucionalidade da fórmula da Paraíba há
de pairar, desse modo, no plano dos princípios
constitucionais que, segundo a regra geral, (CF, art. 25),
limitam a autonomia constitucional dos Estados-membros.
(...)
A tônica do modelo federal é verdadeiramente a prevalência
do Legislativo na composição do Tribunal de Contas,
traduzida, no esquema do TCU, pela escolha, não apenas da
maioria absoluta, mas de dois terços dos seus membros.
Nenhum princípio, a meu ver, tem força para determinar, e
não apenas admitir, que essa maioria de dois terços se
reduzisse, no Estado, à metade mais um.
A subtração, em relação ao Presidente da República, da livre
escolha de um único Conselheiro do Tribunal de Contas não
tem dimensão para alçar-se à violação do princípio da
independência e harmonia dos Poderes. (...)
24
A questão é: podem-se sopesar vários princípios, a prevalência do
Legislativo, a livre escolha do Executivo, a simetria. Mas a partir do momento em
que o Supremo Tribunal Federal elege um ou outro modelo para aplicar, o está
fazendo em detrimento do princípio federativo. Esta é uma situação em que a
24
Voto do ministro Sepúlveda Pertence na ADI 219/PB, julgamento em 24/06/1993.
124
separação vertical de poderes cruza com a horizontal. Trata-se da velha discussão
de intromissão do Poder Judiciário nos outros poderes ao exercer o judicial review.
O curioso é que quase sempre que o Judiciário toma uma postura pró-ativa no
exercício de seu poder de revisão judicial das leis é no sentido da concentração do
poder na esfera central ou do cerceamento da autonomia dos entes federativos
menores, por assim dizer. Seguindo em seu voto acima descrito, afirma o ministro
Sepúlveda Pertence:
(...) a impossibilidade aritmética da divisão criou um
problema tal que não há como extrair um princípio
constitucional. Como é óbvio que alguém tem que sair
perdendo, por que não deixar esta alternativa para o
princípio básico do regime federalista, que é a autonomia do
Estado?
25
Saliente-se que o voto acima transcrito foi, nestes particulares, vencido, não
revelando, pois, o posicionamento firmado pela Corte. O questionamento levantado
pelo ministro Pertence demonstra que o STF pretere o princípio federalista em
detrimento de muitos outros, que, pela dicção pura e simples do texto
constitucional, não se lhe sobreporiam nas hipóteses aventadas.
Esses exemplos são capazes de demonstrar a profunda desconfiança com
que o julgador brasileiro trata o legislador estadual, ainda que constituinte. Na
verdade, o tratamento dispensado ao legislador constituinte estadual é
praticamente o mesmo que se dispensa ao legislador estadual ordinário. Fica difícil
detectar alguma supremacia das constituições estaduais.
Caso VI – Controle de constitucionalidade estadual de normas de
repetição obrigatória
Um assunto que poderia ocupar toda uma pesquisa é o controle de
constitucionalidade que o Supremo Tribunal Federal faz sobre o controle de
constitucionalidade estadual exercido pelos tribunais de justiça dos estados dos
atos normativos estaduais e municipais em face das constituições estaduais. Trata-
25
Voto do ministro Sepúlveda Pertence na ADI 219/PB, julgamento em 24/06/1993.
125
se de questão de alta complexidade que envolve diversos temas de direito
constitucional e processual que não são de interesse deste trabalho, razão pela qual
a matéria será aqui analisada em caráter perfunctório apenas.
É muito comum que as constituições estaduais reproduzam dispositivos da
Constituição Federal. Em caso de haver uma lei municipal ou estadual que violasse
tais dispositivos, poderia o controle ser feito tanto em face de uma constituição
quanto de outra? Trata-se de uma questão controversa. O ministro Sepúlveda
Pertence, na reclamação nº. 370, distinguiu as normas constitucionais estaduais
reproduzidas entre as normas de imitação e normas de absorção compulsória.
Assim discorre sobre as primeiras:
Essas normas de imitação –na consagrada terminologia de
Raul Machado Horta (A Autonomia do Estado-membro,
1964, p. 193)–, que, no dizer do notável escritor, apenas
exprimem a cópia de técnicas ou de institutos, por
influência ou sugestão exercida pelo modelo superior”–
, são frutos da autonomia do Estado-membro, da qual deriva
a sua validade e, por isso, para todos os efeitos, são normas
constitucionais estaduais. (negritos no original)
Já quanto às normas que ele denomina de absorção compulsória
conhecidas como normas de reprodução obrigatória–, aduz o seguinte:
Essas normas de reprodução (...) –e que talvez fosse melhor
chamar de normas federais de absorção compulsória–, não
são, sob o prisma jurídico, preceitos estaduais: e,
conseqüentemente, a violação delas, não apenas pelo
constituinte local, mas também por todas as instâncias locais
de criação ou execução normativas, traduz ofensa à
Constituição Federal –da qual, e unicamente da qual, deriva
a vinculação direta e imediata ao seu conteúdo de todos os
órgãos do ordenamento estadual.
As normas de repetição obrigatória teriam caráter nacional, e não
meramente federal. Constituiriam o que Kelsen denominava de constituição total do
Estado federal, e que Horta chamava de normas centrais. Pertence oferece como
exemplo de norma de imitação a regra inserta no art. 32, II, da Constituição do
Mato Grosso. O dispositivo reproduz o art. 56, II, da Constituição Federal. Ambos
estatuem que os deputados licenciados só dão lugar aos seus suplentes se o
afastamento exceder o prazo de 120 dias. A Carta mato-grossense não precisava
prever o mesmo prazo, mas assim o fez por simples ato de liberalidade. Caso de
126
norma de repetição obrigatória –ou absorção federal compulsória, como prefere o
ministro–, seria o do artigo 129, da referida constituição estadual, que prevê os
princípios da legalidade e da moralidade para a Administração Pública estadual. Mas
tais princípios já vinculam a Administração mato-grossense ex vi do art. 37 da
Carta Magna. Assim, inócua seria a sua previsão na carta estadual.
Prossegue o ministro em suas explicações:
A violação da norma estadual de imitação, por isso mesmo,
não implica ofensa à norma federal imitada, pois que essa
não incide, não pretende aplicar-se por força própria, ao
âmbito normativo de livre ordenação pelos órgãos da
autonomia local: prova-o a circunstância de que, nessa
hipótese, a alteração da norma federal não teria efeito
derrogatório da correspondente norma local de imitação, que
seguiria válida, não obstante a diversidade de conteúdo.
Radicalmente diversa, logo se percebe, é a relação entre a
chamada norma estadual de reprodução e a norma federal
reproduzida pela Constituição do Estado.
Aí, ao contrário do que se passe na hipótese da imitação, a
reprodução não traduz um ato de livre criação da norma local
–exercício da autonomia estadual– mas, pelo contrário,
apenas retrata ou explicita a recepção ou absorção
compulsória pela ordem estadual de um preceito heterônimo,
o qual –porque tem a eficácia própria das normas da
“constituição total” do Estado Federal–, se imporia ao
ordenamento da unidade federada, independentemente da
sua reprodução, literal ou substancial, no texto constitucional
desta.
Assim como o silêncio da constituição estadual, a respeito da
matéria pré-ordenada na “constituição total”, nada lhes
subtrairia, a reprodução, na lei fundamental da ordem local,
do preceito federal de absorção compulsória nada acrescenta
à validade e à eficácia desse último.
Comprova a diferença assinalada que, no caso dessas
normas de reprodução compulsória, a revogação ou
modificação, pelo constituinte central, do dispositivo federal
reproduzido, afeta por si só, imediatamente, a validade e a
vigência do preceito local de reprodução, o que demonstra
que este não poderia ter conteúdo diverso da regra central
imperativa.
A reprodução, assim, em termos estritamente jurídicos, é
ociosa, explicando-se a sua prática habitual por outras
razões, entre as quais avulta a de documentar, em texto
único, o conjunto de normas fundamentais a que ficam
sujeitos os poderes constituídos estaduais, o que, entretanto,
não desnatura a heterogeneidade das fontes de criação
normativa desse ordenamento constitucional do Estado-
membro.
(...)
Por isso (...), a aparente violação direta de um preceito
estadual de reprodução de norma federal de absorção
compulsória cifra-se, na realidade das coisas, numa afronta
127
direta ao dispositivo da “constituição total” do Estado
Federal, objeto de reprodução: e a guarda integral da
Constituição Federal está confiada privativamente à Suprema
Corte.
E por entender que as normas de reprodução obrigatória reproduzidas nas
constituições estaduais não têm nenhum valor jurídico, o ministro Sepúlveda
Pertence –no que foi seguido por outros, como Celso de Mello, Carlos Velloso e
Francisco Rezek– considera que o parâmetro constitucional utilizado para o controle
é na verdade da própria Constituição Federal. Em sendo o controle abstrato feito a
partir de norma da Constituição Federal, estar-se-ia invadindo esfera de
competência exclusiva do Supremo Tribunal. Por essa razão, julgaram-se
procedentes reclamações contra a apreciação de representações de
inconstitucionalidade
26
nos tribunais de justiça sobre normas de repetição
obrigatória. A reclamação é cabível para a preservação da competência do tribunal
ou para garantia da autoridade das suas decisões.
27
Os defensores da utilização da
reclamação sustentam que há nesse caso usurpação da competência do STF, uma
vez que a Constituição da República confere a essa Corte a exclusividade no
controle abstrato de suas normas.
Ocorre que nos casos de reprodução da norma constitucional federal pela
constituição do estado abre-se a possibilidade de se impugnar atos normativos que
não poderiam ser objeto de ADI perante o Supremo, seja pela sua natureza, seja
por ilegitimidade daqueles que deduzem a pretensão em juízo.
Explica-se: leis municipais não podem ser objeto de ações diretas de
inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
28
Em questões
envolvendo normas emanadas dos municípios, o STF só pode se manifestar em
recurso extraordinário, em sede de processo subjetivo, inter partes. Mas, com a
reprodução obrigatória pela constituição estadual, estar-se-ia revestindo de
“estadualidade” a norma da Constituição Federal, o que permitiria um processo
26
As representações de inconstitucionalidade são as ADIs estaduais.
27
Artigo 102, I, l, da CRB/88.
28
Artigo 102, I, a, da CRFB/88, a contrariu sensu.
128
similar ao da ADI sobre ato normativo municipal, só que realizado pelo tribunal de
justiça do estado e por meio da representação de inconstitucionalidade. Até aí, tudo
bem, pois a hipótese é prevista na Constituição da República. O problema é que o
julgamento do tribunal de justiça deveria então ficar sujeito a recurso ao STF, uma
vez que há matéria da Constituição Federal envolvida. Interposto o recurso, seria
como se estivesse sendo julgada uma ADI no STF, já que a ação que deu origem ao
recurso ao STF, a representação de inconstitucionalidade, tem a mesma natureza
da ação direta de inconstitucionalidade. Assim, há quem entenda a hipótese de o
STF julgar um recurso extraordinário em representação de inconstitucionalidade
como uma burla à vedação constitucional de ADI sobre ato normativo municipal.
Pode acontecer também que o ente que propôs a representação de
inconstitucionalidade não seja legitimado para propor ADI no STF. Como se expôs,
o art. 103 da Constituição traz um rol exaustivo numerus clausus de agentes
legitimados para a propositura de ações dessa natureza junto ao Supremo. As
representações de inconstitucionalidade têm, a seu turno, o rol de legitimados
livremente dispostos nas constituições estaduais.
29
De maneira que, para os que
entendem que o recurso extraordinário em representação de inconstitucionalidade é
uma ADI disfarçada, então haveria burla à restrição dos legitimados para a
propositura de ADI sempre que o recurso e a RI fossem movidos por um legitimado
da constituição estadual não constante no rol fechado da Carta Federal.
O ministro Moreira Alves, ao contrário, enxerga juridicidade das normas de
repetição obrigatória. Alves considera que a constituição estadual pode agasalhar
normas da Constituição Federal, de maneira a introduzi-las no ordenamento
estadual, passando-se a provê-las de todos os meios processuais de tutela desse
âmbito. O ministro manifestou-se na reclamação nº. 383, que tratava de uma
representação de inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo
contra uma lei municipal. A lei versava sobre progressividade de imposto predial,
29
Artigo 125, §2º, da CRFB/88. A Constituição apenas veda que se restrinja a legitimação a
um único órgão.
129
de maneira a contrariar norma da Constituição paulista que reproduzia dispositivo
da Carta Federal. O julgado, extensíssimo, é referência para aqueles que
pretendem melhor conhecer o assunto. Moreira Alves, vencedor, assim comentou a
posição do colega Pertence na outra reclamação, de nº. 370:
É petição de princípio dizer-se que as normas das
Constituições estaduais que reproduzem, formal ou
materialmente, princípios constitucionais federais
obrigatórios para todos os níveis de governo da federação
são inócuas, e, por isso mesmo, não são normas jurídicas
estaduais, até por não serem jurídicas, já que jurídicas, e por
isso eficazes, são as normas da Constituição Federal
reproduzidas, razão por que não se pode julgar, com base
nelas, no âmbito estadual, ação direta de
inconstitucionalidade, inclusive, por identidade de razão, que
tenha finalidade interventiva.
Se verdadeira a tese de que as normas de reprodução não
têm eficácia como tais, mas têm, verdadeiramente, a
natureza de normas, de hierarquia superior, reproduzidas,
ter-se-á de concluir que a norma federal ordinária, que
reproduza preceito da Constituição Federal, não tem eficácia
jurídica, não dando margem, portanto, à interposição de
recurso especial,
30
pois ela dissimula uma norma jurídica que
é juridicamente eficaz, que também não dá azo à
interposição de recurso extraordinário, porque a questão
constitucional não foi prequestionada.
(...) [As normas de reprodução obrigatória] não são normas
secundárias que correm necessariamente a sorte das normas
primárias, como sucede com o regulamento, que caduca
quando a lei regulamentada é revogada. Em se tratando de
norma ordinária de reprodução ou de norma constitucional
estadual da mesma natureza, por terem eficácia no seu
âmbito de atuação, persistem como normas jurídicas que
nunca deixaram de ser. Os princípios reproduzidos que,
enquanto vigentes, se impunham obrigatoriamente apenas
por força da Constituição Federal, quando revogados,
permanecem, no âmbito de aplicação das leis ordinárias
federais ou constitucionais estaduais, graças à eficácia
jurídica delas resultante.
A tese de que as normas de reprodução (os alemães as
denominam de normas de igual conteúdo) não têm
eficácia poderia ser sustentada se, em nosso sistema
constitucional, vigorasse o princípio genérico de que “o
direito federal tem prioridade sobre o direito estadual” (...)
31
30
Recurso especial é, grosso modo, o recurso cabível ao Superior Tribunal de Justiça às
decisões proferidas em única ou última instância que contrariem lei federal. Geralmente é
interposto contra as decisões proferidas em apelações nos tribunais de justiça e nos tribunais
regionais federais. O recurso especial só permite julgamento de matéria de direito, ficando
vedada a apreciação de matéria de fato.
31
Voto do ministro Moreira Alves na Reclamação 370/MT, julgamento em 09/04/2002.
130
O ministro Moreira Alves cita ainda precedente da República Federativa da
Alemanha, em que se deu caso muito semelhante –e pela similitude entre o
sistema alemão de controle de constitucionalidade com o brasileiro. Mais adiante,
continua:
No Brasil –onde a Constituição federal declara solenemente
que “os estados organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição” (art. 25, caput), que subordina a lei
orgânica dos municípios também aos princípios contidos na
Constituição do Estado em cujo território se localizam (art.
29,
caput); que permite a intervenção nos municípios pelos
Estados quando o Tribunal de Justiça der provimento a
representação de inconstitucionalidade em face de princípios
indicados na Constituição estadual (inciso IV do artigo 35); e
que dá aos Estados competência para a instituição de
representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição
estadual–, é inadmissível, com a devida vênia, pretender-se
que tudo isso se declara para praticamente nada, que a tanto
leva a afirmação de que as normas de reprodução dos
preceitos que a Constituição federal impõe aos estados, e
que vão dos direitos e princípios fundamentais até
minudências de direito administrativo, não são normas
jurídicas, e, portanto, não integram a Constituição estadual,
que é inclusive o parâmetro, sem restrições, da jurisdição
constitucional estadual de ações diretas de
inconstitucionalidade, inclusive interventivas.
32
Como se pôde notar, a questão é controversa e o Supremo Tribunal Federal
ainda está dividido. A tendência, contudo, parece ser no sentido de não se aceitar a
reclamação nos casos de representação de inconstitucionalidade no tribunal de
justiça sobre norma de reprodução obrigatória –embora haja precedente em
sentido contrário, como a reclamação nº. 370–, considerando-se que, nessas
hipóteses, os tribunais estaduais têm competência para julgar essas ações, estando
suas decisões nessa seara, contudo, sujeitas a recurso extraordinário para o
Supremo Tribunal Federal. Tanto de uma forma como de outra, haverá interferência
do STF no controle de constitucionalidade estadual.
O fato é que, dada a prolixidade da Carta Federal, quase toda questão
contida nas constituições estaduais ou estará a contrariar aquela ou a repeti-la,
razão pela qual o controle de constitucionalidade estadual será sempre algo
32
Idem.Ibidem.
131
capenga, seja por poder ser invalidado, no primeiro caso, ou por poder ser
neutralizado pelo controle de constitucionalidade federal, no segundo. Essa situação
serve para mostrar a debilidade das cartas estaduais e do seu status constitucional.
Caso VII – Inconstitucionalidade de interferência da assembléia
legislativa na nomeação de ocupantes de cargos executivos
estaduais
Questão que foi objeto de várias demandas junto ao Supremo Tribunal Federal foi a
possibilidade de previsão, em constituição ou lei estaduais, de interferência do
Poder Legislativo estadual na nomeação de ocupantes de cargos executivos, no
âmbito da administração estadual.
A Constituição do Estado do Pará impunha, originalmente, a exigência de
aprovação prévia da Assembléia Legislativa do estado para a nomeação de
dirigentes de fundações públicas, autarquias, empresas públicas e sociedades de
economia mista estaduais. De forma análoga, a Constituição do Estado do Amapá
previa essa aprovação prévia para o dirigente do respectivo banco estadual, que
tem natureza de sociedade de economia mista.
Não custa lembrar que autarquias, fundações públicas, sociedades de
economia mista e empresas públicas são entidades da Administração Pública
indireta estatal, dotadas de personalidade jurídica própria –não são meros órgãos
da Administração direta, que são a União, os estados, os municípios e o Distrito
Federal. As duas primeiras são regidas pelo direito público, ao passo que as outras
duas são de direito privado, mas submetidas a certos cânones publicistas, como a
sindicabilidade, a obrigatoriedade licitatória, a observância dos princípios da
moralidade, impessoalidade, publicidade, legalidade e eficiência. No nível federal,
os dirigentes desses quatro tipos de entidades são livremente escolhidos pelo
presidente da República, como expressão da autonomia administrativa peculiar à
chefia de qualquer poder executivo. É ato de governo do mandante.
132
Todavia, nos casos em tela, vemos interferência do Poder Legislativo em tais
atos de governo. Essa opção dos constituintes paraense e amapaense ensejou as
ADIs 1.281 e 862, promovidas pelos seus respectivos governadores de estado. No
caso da ADI 1281/PA, a ação ficou parcialmente prejudicada no que toca a matéria
em apreço porque lhe sobreveio a Emenda Constitucional Estadual nº. 15, de
03/08/1999, que retirou a exigência da aprovação parlamentar da nomeação dos
chefes das empresas públicas e sociedades de economia mista paraenses,
permanecendo tal exigência quanto aos dirigentes de autarquias e empresas
públicas. Contudo, em medida cautelar da referida ação o STF manifestou-se pela
inconstitucionalidade da prévia aprovação parlamentar quanto aos dirigentes de
empresas públicas e sociedades de economia mista, deferindo o pedido de liminar
quanto a estes. Deu-se que a Assembléia Legislativa, ao perceber que o dispositivo,
no que toca os chefes das entidades públicas de direito privado, seria invalidado
pelo Supremo Tribunal, adiantou-se para adequar a sua Constituição ao
entendimento da Corte. O STF fundamentou sua decisão argumentando que a
Constituição da República não impõe, no nível federal, exigência semelhante, como
se vê pela dicção de seu artigo 52, transcrito abaixo:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
(...)
III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição
pública, a escolha de:
a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;
b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo
Presidente da República;
c) Governador de Território;
d) Presidente e diretores do banco central;
e) Procurador-Geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
(...)
Não consta no rol do inciso III, do art. 52, como se pôde notar, os dirigentes
das entidades da Administração indireta, seja as de direito público, seja as de
direito privado. Lastreado em julgamentos em sede de representação de
inconstitucionalidade – que eram as ações de inconstitucionalidade antes da Carta
de 1988 –, a decisão na ADI 1.281 entendeu constitucional a aprovação prévia pela
Assembléia Legislativa da nomeação de presidentes e diretores das autarquias e
133
fundações públicas estaduais, mantendo assim antiga orientação do Supremo.
Utilizou-se como fundamento legal a supra-transcrita alínea f do inciso III do art.
52 da Carta Magna. A Corte considerou que o mesmo não se aplica às entidades de
direito privado. O ministro Maurício Corrêa, relator, justificou sua decisão da
seguinte forma, já na medida cautelar:
No caso de empresa pública, sociedade de economia mista e
outras entidades que explorem atividade econômica, não
vejo como possa impor-se ao Governador do Estado, a
obrigatoriedade de submeter os nomes escolhidos ao crivo da
respectiva Assembléia Legislativa. É que a própria natureza
jurídica dessas empresas –que guardam na forma do artigo
173, §1º, da Constituição Federal, verdadeira estrutura de
empresa privada– não estaria a autorizar a manifestação
prévia do Poder Legislativo Estadual, sob pena de
descaracterizar a essência do conceito de verdadeiras
empresas privadas de que se revestem.
33
No julgamento definitivo, o ministro Marco Aurélio de Mello levantou
questionamento sobre a matéria, mas esta já se encontrava prejudicada pelo
advento da Emenda Constitucional estadual nº. 15/99. De qualquer forma, vale a
pena transcrever sua colocação, até porque é o questionamento que eu procuro
levantar na presente análise, senão vejamos:
(...) eu poderia ter dúvidas se o preceito do inciso III do
artigo 52 fosse exaustivo quanto aos cargos que geram a
submissão. Mas há uma cláusula que remete à lei ordinária a
previsão de outros cargos que devam ser ocupados após o
crivo, a triagem ou aprovação pela Casa Legislativa. Se até
mesmo uma lei de natureza ordinária pode dispor a respeito,
o que se dirá no tocante à Constituição do Estado?
34
Suponhamos que uma lei ordinária federal venha a estabelecer que a
escolha do presidente da Petrobrás –sociedade de economia mista– esteja
submetida à prévia aprovação do Senado. Essa possibilidade me parece
perfeitamente compatível com a Constituição, a julgar pelo seu art. 52, III, f. Não
se poderia falar em vilipêndio à separação dos poderes –pelo menos no plano do
controle de constitucionalidade. Como ficaria então a situação das constituições
estaduais que fizessem o mesmo? Passariam elas a poder impor essa exigência?
33
Voto do ministro Maurício Corrêa em medida cautelar na ADI 1.281/PA, julgamento em
25/05/1995.
34
Voto do ministro Marco Aurélio de Mello na ADI 1.281/PA, julgamento em 11/03/2004.
134
Nesse caso, estaria o seu horizonte de auto-organização limitado a regras de leis
ordinárias da organização federal? E se, caso contrário, não se admitir a posterior
imposição da exigência pelos estados? Não estaria quebrada a simetria, da qual os
ministros da Suprema Corte têm se mostrados ardorosos guardiões?
Hipótese semelhante à da ADI 1.281 é a do inciso XXIII do artigo 62 da
Constituição do Estado de Minas Gerais, que, com a Emenda Constitucional nº. 26,
de 09/07/1997, passou a exigir aprovação prévia da Assembléia Legislativa para a
escolha dos presidentes das entidades da Administração Pública indireta, dos
presidentes e dos diretores do sistema financeiro estadual. O dispositivo ensejou a
ADI 1.642, na qual, ainda sem julgamento de mérito, se obteve provimento liminar
para dar interpretação conforme à Constituição, de forma a restringir os cargos aos
dos dirigentes de autarquias e fundações públicas. Em mesmo sentido,
encontramos a ADI 2.167-MC/RR, já citada aqui quando da análise da composição
dos tribunais de contas estaduais. A ADI 2.167 tem a peculiaridade de abordar,
além da questão dos dirigentes da Administração indireta, a sujeição da nomeação
dos interventores estaduais nos municípios à aprovação da assembléia. O ministro
relator, Marco Aurélio de Mello, sustentou que, no caso dos interventores, a escolha
fica a cargo do Chefe do Executivo, pois, afirma o magistrado, não se há de
confundir a submissão do decreto de intervenção (...) com a aprovação prevista na
norma atacada.
35
O caso da ADI 862/AP segue na mesma esteira, embora ainda não se tenha
proferido julgamento de mérito. Deferiu-se liminar, por unanimidade, para
suspender a eficácia do inciso XXI do artigo 95 da Constituição amapaense. Como
se aduziu acima, a referida constituição submetia a nomeação do presidente do
Banco do Estado do Amapá –sociedade de economia mista– à prévia aprovação da
Assembléia Legislativa do estado. No mesmo sentido, a ADI 2.225-MC, de Santa
35
Voto do ministro Marco Aurélio de Mello em medida cautelar na ADI 2.167/RR, julgamento
em 01/06/2000.
135
Catarina, com a diferença de que a previsão da sujeição a prévia aprovação é feita
em lei, e não no texto constitucional.
A Constituição do Estado do Ceará ia além. Não exigia prévia aprovação da
Assembléia na nomeação pelo governador, mas determinava que a própria
Assembléia nomeasse diretamente parcela dos ocupantes de certos cargos
executivos. Trata-se mais precisamente do artigo 230, §1º, da Constituição
cearense, que reservava a nomeação de 2/3 dos integrantes do Conselho Estadual
de Educação à Assembléia Legislativa, deixando o 1/3 restante para a nomeação do
Secretário Estadual de Educação. O dispositivo foi impugnado pela ADI 143/CE. Não
houve ainda julgamento de mérito, mas já foi proferida decisão em sede cautelar
para suspender a eficácia do dispositivo, tendo a Corte se posicionado pela
inconstitucionalidade do aludido preceito. A matéria já fora objeto de reiteradas
representações de inconstitucionalidade, sob o regime constitucional anterior.
Entende-se que o provimento de cargos executivos cabe ao chefe do Poder
Executivo, em analogia ao que a Constituição Federal prevê para o presidente da
República e os cargos federais. Mais uma vez estamos diante de um caso de
simetria-decisão.
Na hipótese da decisão liminar na ADI 143/CE houve dissensão por parte do
ministro Sepúlveda Pertence, que considerou que os precedentes sobre o caso, que
se deram sob o auspício da Constituição de 1967/1969, não eram mais aplicáveis,
uma vez que a nova Constituição trazia a possibilidade de previsão de outras
hipóteses de nomeação sujeita a prévia aprovação do Legislativo.
36
Mesmo
considerando constitucional o dispositivo da referida Constituição estadual, o
ministro não levou em conta a autonomia organizacional dos estados, mas sim a
previsão da possibilidade na Constituição Federal, bem como a previsão do princípio
da gestão democrática, estampado no inciso VI, artigo 206, da mesma.
Ainda quanto ao mesmo tema, temos o julgado extensíssimo da medida
cautelar em ADI nº. 1.949, do Rio Grande do Sul, o qual me abstenho de analisar
36
No citado art. 52, III, f.
136
detidamente por questões de ordem prática. A referida ação direta ataca
dispositivos de leis concernentes à Agência Estadual de Regulação dos Serviços
Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS) que impõem a sujeição da
escolha de seus integrantes ao escrutínio da Assembléia legislativa local.
Diferentemente dos outros casos estudados, decidiu-se, liminarmente, pela
constitucionalidade, por conta da natureza autárquica das agências reguladoras.
Situação inversa é a da ADI 452/MT, que atacou dispositivo da Constituição
mato-grossense que estabelecia a aprovação prévia da Assembléia para a
nomeação do procurador-geral de justiça, isto é, o chefe do Ministério Público
estadual. No caso, argüiu-se a simetria para manter a constitucionalidade da
norma, vez que a escolha do procurador-geral da República está sujeita à
aprovação do Senado. Contudo, a norma do §3º do artigo 128 da Constituição
Federal é clara ao estatuir o modus eligendo dos procuradores-gerais de justiça, no
que não faz menção a nenhum tipo de aprovação legislativa. É um caso do que
chamo assimetria-determinação. A questão foi objeto também da ADI 1.506 e das
ADIs-MC 202 e 1.228, e ainda de representações de inconstitucionalidade, sob o
regime constitucional anterior.
Caso VIII – Impossibilidade de imposição de sabatina da
Assembléia Legislativa para a nomeação do chefe do Ministério
Público
Algumas constituições estaduais previram a sabatina da assembléia legislativa para
a nomeação do procurador-geral de justiça, que é o chefe do Ministério Público
estadual. No caso, tentou-se copiar o que é feito no âmbito federal.
A Constituição Federal dispõe que o procurador-geral da República, chefe do
Ministério Público da União,
37
é livremente escolhido pelo presidente da República
dentre os integrantes da carreira, ficando a nomeação condicionada à aprovação da
37
O Ministério Público da União é composto do Ministério Público Federal, Ministério Público
do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
137
maioria absoluta do Senado Federal.
38
Já para a escolha dos procuradores-gerais
dos ministérios públicos estaduais, a Carta Magna prevê que sejam eles escolhidos
pelo governador de estado, dentre integrantes da carreira em lista tríplice
elaborada pelo próprio Ministério Público.
39
Não obstante a Constituição Federal tenha estabelecido as regras
constitucionais para a escolha dos procuradores-gerais de justiça dos ministérios
públicos estaduais, alguns estados, em suas constituições, à semelhança do que é
feito no âmbito federal, incluíram o requisito da aprovação da nomeação pela
assembléia legislativa.
A questão foi objeto das ADIs 1.962/RO, 1.506/SE, 452/MT, 1.228/AP e
2.319/PR, sendo que nas duas últimas ainda não foi proferido julgamento de
mérito, embora já tenha sido concedido provimento liminar.
Neste caso, o Supremo Tribunal Federal ateve-se ao texto constitucional,
entendendo que ele já continha todas as regras exigíveis para a nomeação dos
chefes dos ministérios públicos estaduais. Estaríamos, portanto, diante de mais um
exemplo de assimetria-determinação, em que a Constituição impõe que o processo
de escolha dos chefes dos ministérios públicos dos estados seja diferente do
processo de escolha do chefe do Ministério Público da União. Mesmo assim, vale
ressaltar que o STF só faz leitura fria da lei ou da Constituição quando o texto legal
aponta para a uniformização. Quando a leitura fria da lei nos permite concluir pela
ausência de imposição de uniformização é que o STF lança mão de recursos
hermenêuticos para extrair conclusões no sentido da centralização, como o
princípio da simetria.
Caso IX – Imposição de simetria dos regimes públicos especiais de
previdência dos estados e municípios com o da União
38
Art. 128, §1º.
39
§3º.
138
Trata-se de um caso já analisado profunda e lucidamente por Cristiano Franco,
40
razão pela qual se faz desnecessário que eu o aprecie mais detidamente, bastando
remeter-me às suas considerações. O Supremo Tribunal Federal aplicou mais uma
vez a simetria-decisão para que os regimes públicos especiais de previdência social
dos estados e municípios sigam o modelo federal.
O regime de previdência pública pode ser especial ou geral. O regime geral
de previdência social é, grosso modo, aquele destinado aos trabalhadores da
iniciativa privada ou que sejam regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT), ainda que contratados pelo Poder Público. Já o regime especial de
previdência é voltado aos funcionários públicos da Administração, os chamados
“estatutários”. Há tantos regimes especiais quantos entes da Administração direta,
ou seja, existe um regime próprio de previdência para ente da federação –União,
estados, Distrito Federal e municípios.
A Constituição de 1988 insere o tema da previdência social no elenco de
matérias de competência concorrente da União e estados, cabendo àquela a edição
de normas gerais e a estes, a competência de normas especiais ou plena, na
ausência das normas gerais federais.
41
Mas paradoxalmente, no rol de matérias de
competência privativa da União consta seguridade social, que, segundo o artigo 194
da própria Constituição, compreende a previdência social (art. 22, XXIII).
42
O STF soluciona esse conflito aparente de normas lançando mão do princípio
da especialidade, isto é, a norma específica prevalece sobre a norma geral, de
forma que, quanto à previdência social, prevalece o art. 24, XII, de competência
concorrente, que trata especificamente da previdência social. Embora neste
particular o Supremo Tribunal tenha decidido mais favoravelmente aos estados –
pois lhes reconheceu a competência concorrente para a matéria–, prejudicou a
40
Ibid, pp. 145-150.
41
Art. 24, XII.
42
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social.
139
autonomia estadual (e municipal) estendendo esse entendimento para os regimes
próprios. Assim, o STF entendeu que a União também tinha competência para a
edição de normas gerais sobre o regime de previdência dos servidores estaduais e
municipais.
43
Entretanto, como salienta Franco,
44
o parágrafo 12 do art. 40, com a
redação dada pela Emenda Constitucional 20/98, deixa transparecer que os
servidores de cada unidade federativa terão seu regime previdenciário próprio. O
dispositivo estatui que o regime de previdência dos servidores públicos titulares de
cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o
regime geral de previdência social. A fórmula no que couber explicitaria a
excepcionalidade com que as normas do regime geral devem ser aplicadas aos
regimes próprios. Logo, ao desconsiderar a fórmula no que couber, o STF mais uma
vez limitou a autonomia estadual (e municipal), impondo a simetria a partir de uma
construção judicial, gerando aquilo que chamei de simetria-decisão.
Caso X – Impossibilidade de criação de órgão de controle inter-
poderes
Esse item é crucial, pois toca a autonomia do estado federado para estabelecer
sistema próprio de freios e contrapesos (checks and balances). As constituições dos
estados do Sergipe, da Paraíba e do Mato Grosso previam a instituição de conselhos
estaduais de justiça. Esses conselhos tinham como objetivo fiscalizar o desempenho
dos deveres funcionais e a atividade administrativa do Poder Judiciário e do
Ministério Público, sendo que nos últimos também estavam submetidos a
fiscalização a Defensoria Pública e a Procuradoria-Geral do Estado.
Os conselhos estaduais de justiça são muito parecidos com o que se criou
posteriormente, com a reforma do Judiciário levada a cabo pela Emenda
43
ADI 2.024/DF.
44
Ibid.
140
Constitucional nº 45/2004. Naquela ocasião, instituiu-se o Conselho Nacional de
Justiça, que funciona como uma corregedoria, mas de abrangência nacional e fora
da estrutura dos órgãos fiscalizados. Parece, então, que os constituintes estaduais
da Paraíba, do Mato Grosso e do Sergipe saíram na frente do governo central,
incluindo originalmente em suas constituições algo que o nível federal só foi
implementar recentemente, muito após a promulgação tanto da Constituição
Federal quanto das referidas constituições estaduais, todas de 1989.
Os conselhos apresentavam as seguintes características, em cada caso:
141
C
C
o
o
m
m
p
p
o
o
s
s
i
i
ç
ç
ã
ã
o
o
P
P
r
r
e
e
v
v
i
i
s
s
ã
ã
o
o
M
M
T
T
Presidente do Tribunal de Justiça; Corregedor-Geral de
Justiça; Representante da Assembléia Legislativa;
Presidente da Seccional da OAB; Procurador-Geral de
Justiça; Procurador-Geral do Estado; Procurador-Geral da
Defensoria Pública e Secretário de Justiça.
Art. 121
P
P
A
A
Dois desembargadores; um representante da Assembléia
Legislativa; Procurador-Geral de Justiça; Procurador-Geral
do Estado e Presidente da seccional da OAB.
Art. 147
S
S
E
E
Membros indicados pela Assembléia Legislativa; pelo
Poder Judiciário; pelo Ministério Público e pelo Conselho
Seccional da OAB, na forma de lei complementar.
Art. 115
Não obstante, muito antes da criação do Conselho Nacional de Justiça, o
Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da instituição dos
conselhos estaduais de justiça. No caso no Mato Grosso e da Paraíba, a questão já
foi decidida definitivamente nas ADIs 98 e 135, respectivamente, declarando
inconstitucional a criação dos referidos conselhos; no caso de Sergipe, a ADI 197
ainda aguarda julgamento, mas já foi concedida decisão no mesmo sentido, em
sede liminar.
De um modo geral, a Suprema Corte fundamentou suas decisões no
princípio da separação de poderes. O curioso é que questão parecida foi decidida de
forma oposta, quando do julgamento da ADI 3.367/DF. Essa ADI argüiu a
inconstitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça com base nos mesmos
argumentos utilizados pelo STF para declarar a inconstitucionalidade dos conselhos
estaduais de justiça.
Fica evidente, portanto, uma contradição na postura do Pretório Excelso. Se
se entendia que um conselho de justiça no âmbito do estado violaria a separação
142
de poderes, por que então um equivalente nacional não estaria eivado de mesmo
vício? Nem se poderia argumentar em defesa do STF que o CNJ gozaria de posição
privilegiada por ter sido instituído por emenda à Constituição Federal, uma vez que
a alegação dada por aquela Corte para invalidar os conselhos estaduais baseou-se
em cláusula pétrea – no caso, a separação de poderes –, inalterável, ainda que por
emenda constitucional.
Outrossim, pode-se perceber como a interpretação dos limites
constitucionais dada pelo STF é muito mais rígida quando envolve o legislador
estadual do quando envolve o federal. É um caso flagrante de double standard.
Caso XI – Restrições à previsão de foro por prerrogativa de função
na Constituição estadual
Algumas constituições estaduais, à semelhança do que é feito na Constituição
Federal, trazem dispositivos prevendo foro por prerrogativa de função a certas
autoridades estaduais. É o caso da Constituição de Goiás, que estabelece que os
delegados de polícia, os procuradores do estado e da assembléia e os defensores
públicos são julgados por crimes comuns originariamente no tribunal, isto é, sem se
submeterem ao julgamento de um juiz de primeira instância.
45
O mesmo foi feito
em outras constituições, como a do Rio de Janeiro e a do Maranhão.
46
Vemos ainda
pequenas variações, com a do Pará, que prevê o foro privilegiado apenas para o
procurador do estado e para o defensor.
As constituições brasileiras sempre trouxeram, tradicionalmente, regras de
foro privilegiado para os ocupantes de certos cargos. A atual Constituição Federal
não é exceção; ela prevê, por exemplo, que o presidente da República, seus
ministros, o procurador-geral da República e os comandantes das três Forças sejam
originariamente julgados junto ao STF por crimes comuns. A Carta Maior traz várias
45
Art. 46, VIII, e, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 29, de 31/10/2001.
46
Art. 161, IV, d, 2 e art. 81, IV, respectivamente.
143
regras desse tipo, ora prevendo foro privilegiado no STF, ora no STJ, ora nos
tribunais de justiça estaduais, conforme o cargo.
A grande questão enfrentada pelo Supremo Tribunal é se as constituições
estaduais poderiam inovar trazendo novas regras de foro privilegiado dentro da
estrutura do judiciário estadual. Na verdade, o que acontece nessas situações é que
as constituições estaduais estendem o foro privilegiado no tribunal de justiça que a
Carta Federal prevê para juízes, promotores, deputados estaduais e prefeitos a
outros cargos, geralmente procuradores do estado, defensores e delegados de
polícia. Ocorre que a própria Constituição da República estatui, no seu artigo 125,
§1º, que:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os
princípios estabelecidos nesta Constituição.
§1º - A competência dos tribunais será definida na
Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária
de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Portanto, o que vemos é uma especialização da cláusula de autonomia do
artigo 25 voltada para a organização judiciária e regras jurisdicionais. Afinal de
contas, a previsão de novos casos de foro por prerrogativa de função estaria dentro
dessa competência prevista no parágrafo 1º do art. 125, ou estaria a exorbitá-la,
inobservando os princípios da Constituição?
É nessa pergunta que o Supremo Tribunal Federal deveria escorar o
julgamento da querela. Entretanto, vê-se que os julgadores entram no mérito
legislativo, apreciando a conveniência das normas de foro atacadas por ações
diretas de inconstitucionalidade. O ministro Carlos Velloso chega a dizer, na ADI
2.587/GO, que a prerrogativa de função é puro privilégio, incabível na República.
Nessa ADI o tema foi amplamente debatido e houve julgamento de mérito, com a
remissão aos precedentes da corte em julgamentos incidentais e cautelares.
47
O
Tribunal, por maioria, entendeu cabível a previsão de foro por prerrogativa de
função apenas para os defensores públicos e procuradores do estado e das
assembléias, rechaçando, dessa forma, a regra para os delegados de polícia. Os
47
ADIs 541-MC/DF, 2.553-MC/MA e Habeas Corpus 57.173 e 58.410.
144
ministros Maurício Corrêa, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Carlos Velloso julgaram
pela improcedência total do pedido, isto é, a constituição estadual não poderia
trazer nenhuma regra de foro privilegiado, sob o argumento de que haveria
violação da isonomia e do juiz natural. Os ministros Marco Aurélio de Mello e Celso
Antônio Bandeira de Mello entenderam que se tratava de matéria afeta ao talante
do legislador constituinte estadual, no exercício de sua autonomia prevista no
parágrafo 1º do art. 125 da Constituição Federal.
O interessante é que o resultado desse julgado se enquadra, dentro da
tipologia elaborada neste trabalho, na categoria de assimetria-decisão, e isso com
base no princípio da simetria. Assimetria porque os cargos federais homólogos
àqueles aos quais se deferiu a possibilidade de foro privilegiado previsto em
constituição estadual não possuem foro privilegiado, quais sejam, os cargos de
defensor público da União e procurador federal, da Fazenda ou advogado da
União.
48
Considerações gerais
Pode-se alegar que na maioria dos casos a separação de poderes está envolvida, e
que ela em si constitui um princípio constitucional. Isso é verdade, mas toda
organização é fruto de um arranjo institucional em que se dispõe sobre a
distribuição dos poderes e suas interferências mútuas. Respeitar o princípio da
separação de poderes previsto na Constituição não é o mesmo que observar cada
regra nela constante que tangencie o assunto. Se uma constituição estadual, ao
dispor sobre a organização do estado, não pode diferir em nada da Constituição
Federal quanto ao arranjo institucional dos poderes, então onde ficará a autonomia,
uma vez que essa matéria é o eixo central do constitucionalismo moderno? Se a
48
A advocacia pública, que nos estados é exercida apenas pelos procuradores do estado, é
exercida no âmbito da União por membros de três carreiras diferentes: a de procurador
federal, para a defesa das autarquias e fundações federais; a de advogado da União, para a
assessoria jurídica e defesa judicial da União; e a de procurador da Fazenda, para questões
fiscais.
145
fórmula federal de checks and balances deve ser reproduzida ipsis litteris nas
constituições estaduais, então se estará limitando a autonomia ao ponto de se a
estrangular por completo. O mesmo se dá no tocante ao princípio da isonomia,
invocado no último caso analisado. Ora, se a constituição estadual só pode repetir
as diferenças traçadas pela Constituição Federal e, no resto, não fazer nenhuma
distinção, qual será a margem sua para inovação no ordenamento? Sempre que
uma constituição estadual dispuser sobre qualquer questão que seja, de maneira a
inovar no ordenamento jurídico, algum princípio constitucional poderá ser invocado,
como a separação de poderes ou a isonomia. A violação de tais princípios só
deveria ser analisada por via reflexa, pois, nas questões que envolvem a
competência legislativa dos estados, o primeiro princípio constitucional com o qual
o julgador se depara é o da autonomia dos estados federados. Só através de uma
conexão intermediada pela simetria-limite,
49
é que se poderia chegar a outros
princípios constitucionais.
50
Esses foram os casos que pude encontrar que tocavam a questão do
federalismo e a autonomia regional. Vê-se, portanto, que o Supremo Tribunal
Federal, quase sempre que se depara com uma questão federativa, toma uma
postura centralista e uniformizadora. Através da chamada mutação constitucional,
essa postura vem tornar ainda mais simétrica a federação brasileira. Viu-se que a
simetria está sempre presente nas federações, variando apenas em grau. O que o
STF faz é basear-se no alto grau de simetria de nosso federalismo para aumentá-lo
ainda mais, incorrendo dessa maneira numa petição de princípio, com imensa
repercussão sobre o arranjo institucional brasileiro.
Constata-se também que o princípio da simetria é usado de forma
descriteriosa pela Suprema Corte, ora para impor a semelhança com a estrutura
federal, ora para admitira a ausência dela, como no Caso XI. Por essa razão é que
49
Consubstanciado, como se disse alhures, na expressão observados os princípios desta
Constituição, tanto do art. 25, caput, quanto do §1º do art. 125 e do art. 11, do ADCT.
50
A meu ver, apenas aqueles que integrem os princípios constitucionais sensíveis.
146
entendo ser premente a elaboração de uma tipologia que traga, como nas palavras
de Voegelin, esclarecimento crítico sobre o fenômeno, para, assim, possibilitar o
seu manuseio de forma criteriosa e definida. A elaboração, feita no Capítulo
anterior, seguiu-se à sua utilização, neste Capítulo, com o objetivo de auxiliar na
interpretação dos julgados da Suprema Corte e de testar a instrumentabilidade
dessas categorias.
Conclusão
Desde a implantação do federalismo no Brasil temos visto uma gradual
uniformização e padronização dos arranjos institucionais estaduais, mesmo nos
momentos em que se pretendeu descentralizar o poder, passando-se parte dele às
esferas subnacionais.
A Constituição de 1988, por si só, já é altamente uniformizadora, prevendo
muitas questões referentes à organização dos estados federados. Mas mesmo com
a ingerência da Constituição Federal sobre a organização de poderes nos estados,
há determinação expressa daquela para que seja respeitada a autonomia
organizacional destes. Essa determinação, que denominei de cláusula de
autonomia, tem sido preterida em relação a outros princípios reputados mais
importantes pelo Supremo Tribunal Federal.
O principal leitmotiv da aplicação de fórmulas padronizadas de arranjo
institucional é o princípio da simetria. O princípio da simetria é extraído exatamente
de um dispositivo que impõe como regra a autonomia organizacional, impondo em
caráter excepcional a observância do modelo federal. A Suprema Corte, neste
particular, parece ter tomado a regra pela exceção, a essência pelo detalhe.
A postura do STF, corroborada pelos constitucionalistas, demonstra uma
nítida confusão entre termos descritivos e normativos, confusão essa que ocasiona
uma grave petição de princípio que uniformiza a organização estadual quanto mais
constata a uniformização feita anteriormente. Diz-se que a federação brasileira é
simétrica e por isso deve ser mais simétrica.
Nesse caso, a autonomia dos estados fica limitada a homologar a decisão do
Supremo Tribunal que concluiu pelo arranjo adequado a ser adotado. Não é preciso
dizer que essa tarefa é a própria negação da autonomia.
O curioso nesta situação é que temos uma limitação dos poderes estaduais
que não parte do arbítrio de um governo central ambicioso e centralizador. Essa
uniformização, que a princípio sequer beneficia o governo federal, apenas tolhe o
147
poder das instâncias estaduais. Mas em troca de quê? Quem sai ganhando? A
princípio, ninguém –em muitas das vezes, pela via oblíqua, ganha o Poder
Executivo estadual, que, contudo, não interfere em nada nesse processo
uniformizador. As decisões que impõem a uniformização partem do Poder Judiciário
e se fundam em interpretações jurídicas de textos legais. Não se pode dizer que
haja uma conspiração do STF para enfraquecer os estados-membros, nem que os
beneficiários desse enfraquecimento influenciem a decisão da Corte. Trata-se
apenas de hermenêutica constitucional, de uma interpretação dada a certos
princípios e regras constitucionais, ou, com a devida licença poética, de um cacoete
doutrinário no direito constitucional brasileiro.
É claro que o Poder Judiciário não é o único responsável pelo esvaziamento
dos poderes estaduais. É certo que a Constituição, ao mesmo tempo em que
proclama a autonomia dos estados, tolhe-a sobremaneira. Essa falta de ter sobre o
que decidir dos poderes estaduais faz com que eles se tornem meros executores de
políticas decididas no nível federal. Assim, tudo o que se decide no âmbito da
organização estadual ou é inconstitucional ou é mera repetição de determinação da
Constituição Federal.
Ocorre que, naquelas hipóteses em que os estados pareciam não estar nem
violando a Constituição Federal nem a repetindo, agindo, portanto, dentro da sua
esfera de autonomia, veio o Supremo Tribunal Federal entender que houve
violação, porquanto não houve repetição. Desta forma, esgota-se qualquer
possibilidade de autonomia organizacional.
O resultado disso são os atuais arranjos institucionais dos estados, que não
diferem em praticamente nada entre si. Seja no Maranhão, no Amazonas, no
Paraná, no Mato Grosso, ou em qualquer estado, o número e a forma de escolha
dos conselheiros dos tribunais de contas estaduais são os mesmos; o processo
legislativo, o mesmo; os procedimentos interna corporis, os mesmos; o sistema de
checks and balances, o mesmo; o controle de constitucionalidade estadual de
148
normas estaduais e municipais, o mesmo; a organização do poder legislativo, a
mesma; o aparato judiciário, o mesmo.
É intrigante notar como certas características inerentes aos sistemas
federais não são sequer cogitadas pelos nossos publicistas, como regras estaduais
próprias em matéria penal, civil, processual, eleitoral, trabalhista. Não se pleiteia,
nem na esfera dos estados, autonomia para a instituição de arranjos e sistemas de
governo diferentes, buscando o modelo bicameral –como já ocorreu no passado–
ou sistemas parlamentaristas. É evidente que tais características não poderiam ser
aplicadas ao Brasil, pois a Constituição não o permitiria. Contudo, quando da
elaboração da Constituição decerto que esses temas sequer foram postos na arena
política, como se fossem logicamente impossíveis –e não meramente indesejáveis.
Conforme nos ensina Abrucio, a autonomia dos estados limita-se à gestão
administrativa, que é muito mais uma autonomia do Poder Executivo estadual do
que do nível estadual de poder propriamente. Percebe-se, pois, que o aspecto
horizontal sobressai-se em relação ao vertical. Nesse sentido, Abrucio tem toda
razão ao afirmar que o espírito republicano não chegou aos estados federados.
Mas mesmo com toda restrição da nossa atual ordem constitucional, surgem
ainda áreas que estariam abertas ao alvedrio e à criatividade do legislador
estadual, rapidamente tolhido, todavia, pela hermenêutica constitucional do
Supremo Tribunal Federal. Escorado no princípio da simetria, que por si só já é uma
criação da corte, o STF resolve as situações mais diversas, ora tratando-o como um
fato, ora como uma norma, incorrendo no erro essencial apontado por Miguel
Reale, entre o ser e o dever ser.
Buscando propiciar um esclarecimento crítico à situação, elaborei uma
tipologia envolvendo todas as possíveis facetas que se possa atribuir ao malfadado
princípio. Nessa tipologia residem quatro categorias. São elas: simetria-
determinação, simetria-limite, simetria-decisão e simetria-adoção. As duas
primeiras se revestem de caráter normativo.
149
A simetria-determinação consiste numa regra expressa que impõe,
diretamente ou por via reflexa, ao estado membro modelo semelhante ao adotado
para a esfera federal, como acontece com os tribunais de contas. Contudo, pode
haver o inverso, a assimetria-determinação, que seria a imposição de modelo
diverso, como acontece com os legislativos estadual e federal, sendo o primeiro
unicameral e o segundo bicameral.
A simetria-limite seria o freio da autonomia, para que esta não desfigure o
caráter da federação, tendência completamente ausente no Brasil atual. Essa
categoria é extraída de expressões como respeitados os princípios desta
Constituição ou nos termos desta Constituição, logo após a garantia da autonomia
político-organizacional.
1
As outras duas são de cunho descritivo. A simetria-decisão é aquela
semelhança entre modelos de diferentes instâncias determinado por decisão da
Suprema Corte, extraídas de ilações e fruto de construções doutrinário-
jurisprudenciais como o próprio princípio da simetria. É o que acontece hoje com o
processo legislativo estadual, para o qual não há previsão da Constituição Federal,
mas cujo regramento deve seguir mutatis mutandis o regramento do processo
legislativo federal, por entendimento jurisprudencial do STF. A simetria-adoção é a
semelhança entre modelos de instâncias diferentes, semelhança essa livremente
adotada, como ato de liberalidade de quem copiou o modelo da outra instância,
sem nenhuma interferência legal, política ou judicial.
Como o leitor pôde perceber, esta dissertação enfocou a simetria-decisão
como agente catalisador do processo de mutação constitucional que a federação
brasileira vem sofrendo. Trata-se de um fenômeno judicial de graves repercussões
na esfera política. Espero poder ter contribuído na compreensão de um fenômeno
tão complexo e significativo para a ordem político-institucional pátria.
1
Arts. 18, 25 e 125, §1º, da Constituição da República e art. 11 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
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