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PATRÍCIA CEOLIN NASCIMENTO
A INFORMAÇÃO COMO NARRATIVA:
MÍDIA E TROCA SIMBÓLICA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação, Área de Concentração Estudo
dos Meios e Produção Mediática, Linha de Pesquisa
Comunicação Impressa e Audiovisual, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de doutor
em Ciências da Comunicação, sob orientação da Profa.
Dra. Jeanne Marie Machado de Freitas
SÃO PAULO
2006
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PATRÍCIA CEOLIN NASCIMENTO
A INFORMAÇÃO COMO NARRATIVA:
MÍDIA E TROCA SIMBÓLICA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação, Área de Concentração Estudo
dos Meios e Produção Mediática, Linha de Pesquisa
Comunicação Impressa e Audiovisual, da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de doutor
em Ciências da Comunicação, sob orientação da Profa.
Dra. Jeanne Marie Machado de Freitas
SÃO PAULO
2006
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COMISSÃO JULGADORA:
1.________________________________________
2.________________________________________
3.________________________________________
4.________________________________________
5.________________________________________
Para Pedro e Anna,
existências definitivas,
traçadas para o sempre
em meu corpo e em minha voz
AGRADECIMENTOS
À Jeanne Marie Machado de Freitas, pelo apoio, pela paciência, pelo impulso,
pelas palavras compartilhadas, pelas palavras sugeridas, pelas palavras criativas,
pelo olhar atento, pelas escutas generosas, pela compreensão...em meio a
gestações, partos, amamentações, transformações.
Às professoras Mayra Rodrigues Gomes e Maria Lúcia Montes pelas
orientações, pelos caminhos possíveis e pelo interesse, durante o exame de
qualificação
Ao Paulo César Bontempi pela ajuda, pela boa vontade, pelas informações
certeiras, pelos "encaminhamentos"
Aos amigos de disciplinas, de orientações, de congresso, de núcleo de
pesquisa...
Resumo
As informações que circulam nas mídias produzem significação ao se materializarem
como narrativas, constituindo a rede midiática que se perfaz como troca simbólica, ou seja,
em um mecanismo de oferta/demanda que se de forma indireta. A base da reflexão é o
conceito de troca simbólica formulado por Lévi-Strauss, para quem os seres humanos
instituem-se como seres culturais pois estabelecem relações mútuas ao comunicarem-se entre
si por trocas que podem ser apreendidas em um processo metafórico/simbólico, e o por
relações diretas, de coisas em si mesmas.
Trata-se aqui de repensar a questão da informação inserida no panorama midiático
atual. Considera-se para isso tanto sua inerente configuração narrativa, quanto sua ordenação
significante, tendo como referências teóricas as discussões advindas da área das ciências da
linguagem, em especial as contribuições de Jacques Lacan, em psicanálise, e de Claude Lévi-
Strauss, em antropologia, além da referência a Ferdinand de Saussure, considerado fundador
da lingüística moderna.
Palavras-chave
Informação; sentido; troca; discurso; narrativa
Abstract
The information that goes around in the media produces meaning as it comes together
into narratives, composing a media net that constitutes itself as symbolic exchange, an
offer/demand mechanism that happens in an indirect way. This reflection is based on the
concept of symbolic exchange coined by Lévi-Strauss, according to whom human beings
become cultural beings because they establish mutual relations by communicating with one
another through exchanges that can only be conceived in a metaphorical/symbolical process,
and not through direct relations.
The point here is thinking over the matter of information inserted in the current media
field, considering both its inherent narrative configuration and its significant ordination. This
paper has as theoretical references the contributions from the area of language science, mainly
the works of Jacques Lacan, in psychoanalysis, and Claude Lévi-Strauss, in anthropology,
besides the reference to Ferdinand de Saussure, considered the creator of modern linguistics.
Key-words
Information, meaning, exchange, discourse, narrative
Sumário
primeira pessoa 1
1. Introdução 4
2. As ciências da linguagem: pressupostos 6
2.1. As bases da lingüística saussureana 8
2.2. Real, simbólico e imaginário em Lacan: tecendo o discurso 11
3. Informação midiática 18
3.1. A in-formação 23
3.2. Informação e narrativa 26
3.2.1. Um breve olhar sobre as “análises das narrativas” 29
3.3. Informação e troca simbólica 37
3.3.1. Troca 37
A troca no modelo antropológico 39
3.3.2. O “fazer-ser” brasileiro: valores de troca na sociedade brasileira 45
4. A troca midiática: por uma análise da informação como narrativa 56
4.1. Sete micronarrativas midiáticas 57
4.2. Relato midiático como troca: contar e recortar o mundo (leituras) 58
5. Considerações finais 84
6. Referências 88
ANEXOS – Cópias das matérias 93
1
primeira pessoa
Pessoa
Margem do ser
Palavra que escapa
Patrícia
O verbo em primeira pessoa, que evoca, ainda que pelas trilhas do imaginário, o
trajeto do “eu”, sugere antes a apresentação do percurso que realizou esta pesquisa do que
propriamente a apresentação disso que está “por vir” nas próximas páginas. Eis, então, uma
breve narrativa que, apesar de circunscrita a esta busca/pesquisa, traz pontuais referências
àquilo que a excede e que neste momento se firma de maneira mais pessoal.
Quatro anos e três meses. Posso dizer que esse percurso se inaugura na inscrição de
uma palavra da qual, desconfio, brotam todas as outras que aqui estão, perfiladas,
significando... Trata-se da palavra “troca”, que foi ganhando existência no decorrer desse
período, muito mais por sua insistência que por minha conceituação.
A partir daí, somaram-se outros dois conceitos que se fizeram centrais: o de
informação e o de narrativa. Tal é, em meu olhar, a tríade que move esta pesquisa: troca
informação narrativa. O interesse específico: refletir acerca do conceito “informação
midiática” – o que é informar? Como as mídias informam? O que informam?
A busca, que desde o início situou-se no campo das ciências da linguagem, foi se
definindo à medida que as disciplinas eram cursadas: “ciências da linguagem: mídia e
mitologia do escandaloso”, “ciências da linguagem: ética e produção midiática”, ambas
oferecidas pela Escola de Comunicações e Artes e “teorias antropológicas modernas”,
oferecida pelo programa de pós-graduação em antropologia, da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas.
A disciplina “Ciências da Linguagem: Mídia e Mitologia do Escandaloso”, cursada no
segundo semestre de 2002 e ministrada pela professora Jeanne Marie Machado de Freitas,
propiciou discussões importantes e fecundas para o estabelecimento de conceitos norteadores
da tese, a partir da revisão de diferentes contribuições ao campo da linguagem (especialmente
as obras de Saussure, Lévi-Strauss, Freud e Lacan) e suas implicações relativas ao universo
2
midiático.
A partir da apresentação dos pressupostos do campo das ciências da linguagem, essa
disciplina propôs o estudo de programas televisivos nacionais, de alto índice de audiência,
comumente definidos sob a terminologia de “populares” (exemplos: Programa do Ratinho,
Programa Legal, Hora da Verdade, Eu Vi na TV, etc.). A hipótese trabalhada foi a de que
nesses programas o que “opera” atração é justamente o escandaloso, o inominável, tendo
como ponto de partida as reflexões formuladas por Damisch, em Le Jugement de Pâris, para
quem a nova mitologia afirma-se como uma ciência do escandaloso, “num duplo movimento
pelo qual o causador da sua repulsa é também o que a atrai, como o pretendia a ‘máquina’
oculta do grego skandalon: o laço da armadilha na qual se coloca a isca”. Assim, nos
programas analisados, inverter-se-ia a ótica do sublime, voltada para a manifestação da
beleza; em seu lugar, exibiriam-se os significantes da não-beleza, do imoral e do vulgar como
elementos de atração visualizados na tela da televisão. A bibliografia contou com textos de
autores como Freud, Lacan, Barthes, Derrida, Freitas, entre outros.
a disciplina “Ciências da Linguagem: Ética e Produção Midiática”, cursada no
primeiro semestre de 2003 e que teve como docente responsável a professora Mayra
Rodrigues Gomes, apresentou aos alunos uma introdução às questões centrais da ética, a partir
de um percurso por autores clássicos que refletiram sobre tais questões (Aristóteles, Espinoza,
Kant, Nietzsche, Spencer e Foucault, entre outros), associando-as às práticas e às produções
midiáticas.
Salientando a constituição discursiva do corpo social, a disciplina marcou a
importância da determinação da linguagem no estabelecimento de normas e condutas, uma
vez que estas se organizam em códigos, em narrativas, em enunciados. Entre as questões
expostas, figuraram os três aspectos preponderantes para a ética: a relatividade discursiva, a
base social da ética e a exterioridade/interioridade da moral. A bibliografia do curso foi
composta por textos de Abramo, Aristóteles, Chauí, Elias e Scotson, Espinosa, Foucault,
Gomes, Kant, Nietzche, Lyotard e Weber, entre outros. Uma das questões relevantes à
pesquisa foi a discussão sobre o pretenso valor de verdade atribuído às informações que
circulam nas mídias, a partir das contribuições teóricas fornecidas pelo curso referentes à
vinculação ética e produções/práticas midiáticas.
A última disciplina cursada, no segundo semestre de 2003, Teorias Antropológicas
Modernas”, ministrada pelo professor Kabengele Munanga, teve por objetivo central
apresentar e discutir os paradigmas fundamentais do que se estabeleceu como modernidade
em antropologia, assim como as propostas teóricas resultantes de suas críticas que hoje se
3
projetam como caminhos do que se configura como a antropologia contemporânea. O
programa dividiu-se em três partes: a) estruturalismo, que abordou questões como: conceitos
de estrutura e estruturalismo, contribuição do estruturalismo na construção da antropologia
como ciência e críticas ao estruturalismo; b) hermenêutica, que discutiu os conceitos de
descrição e interpretação em ciências sociais, a hermenêutica e o projeto de uma antropologia
científica, o pensamento de Geertz e o encontro/desencontro entre estruturalismo e
hermenêutica; e a última parte, c) crise e crítica da antropologia moderna, que abordou
questões como: pós-modernismo em antropologia e rumos da antropologia contemporânea.
Os textos estudados durante o curso também acompanharam a divisão programática
exposta acima; sendo assim, o primeiro módulo foi composto principalmente por textos de
Lévi-Strauss, além de Bastide e Leach; o segundo módulo, por textos de Ricoeur, Geertz e
Azzan Júnior; e o terceiro módulo, composto por textos de Clifford, Sahlins e Bourdieu, entre
outros.
Assim, a disciplina foi importante para refletir a respeito do conceito de troca
simbólica em Lévi-Strauss, conceito central em relação à hipótese formulada para a pesquisa.
Além disso, o curso forneceu as bases e a contextualização antropológica necessárias ao
entrecruzamento da antropologia com o campo da linguagem e da comunicação.
Durante essa fase, as leituras foram se entrecruzando na organização de um possível
quadro teórico de referências. Com a qualificação, em 2005, recebi importantes indicações
para o andamento do trabalho, que caminhou, até este presente ponto, em meio a
questionamentos, vontades, tempos apressados, desencontrados, angústias, descobertas...
Enfim, não posso negar o quanto são bem-vindas, para mim, estas palavras, que
carregam um pouco, talvez pura ilusão, da minha fala, do meu olhar, traçados entre tantos
outros, e de um percurso que se quer partilhar.
4
1. Introdução
Palavra,
possibilidade de ser.
A boca que fala
talha sentidos, provisórios – infinitude a se propagar.
Patrícia
O que é informar? Por que se busca informação nos meios de comunicação? Qual o
caráter diferencial de tal informação caracterizada nesse âmbito midiático, que se pauta pela
missão de “informar” a sociedade? Por que se fala em “direito à informação”? O que existe
nesse objeto de necessário à trama social, a ponto de adquirir status de “direito”, ao lado de
valores institucionais como educação, saúde, justiça?
Esta pesquisa objetiva trilhar uma reflexão sobre esses questionamentos, a partir da
hipótese de que as informações veiculadas nas mídias constituem-se como narrativas em um
processo de troca; não uma troca imediata que se daria no campo do visível pelas operações
de dar e receber, mas uma troca simbólica, noção esta formulada por Lévi-Strauss ao
estabelecer o postulado de que os seres humanos instituem-se como seres culturais pois
constroem relações mútuas ao comunicarem-se entre si por trocas que podem ser
apreendidas em um processo metafórico/simbólico, e não por relações diretas, de coisas em si
mesmas.
Nesse processo, que se considerar que, para Lévi-Strauss é a linguagem que faz a
ponte natureza-cultura; em outras palavras, é o pensamento simbólico, a faculdade de
interpretação simbólica, que se traduz como principal indicador humano, na medida em que é
na capacidade de simbolização da natureza que o animal humano se perfaz em ser social,
perante um outro ser social que lhe sinaliza não sua alteridade constituinte, mas também o
movimento significante daí decorrente. O indivíduo, assim, só é (existe) no outro, assim como
a palavra que profere só significa em outra palavra proferida e imediatamente pedida. Ou seja,
nessa perspectiva, a própria sociedade se funda em um processo de circulação/comunicação
(de bens, de valores, de signos) que se configura como troca: a cadeia de significantes volta-se
sobre si mesma (fazendo laços sociais), ao mesmo tempo que é impulsionada para alhures,
como uma espiral contínua, sem fim, desprovida das instâncias um e outro, apenas encontros
momentâneos que pontuam significações sociais.
5
Assim, não se trata aqui da noção de troca no sentido econômico, como o fenômeno
que nomeia a permuta de mercadorias marcadas pelo valor de equivalência entre as partes
(especialmente no que diz respeito à moeda como instauradora de um “equivalente
universal”). A noção aqui assinalada é aquela que define a troca como mediação constitutiva
do “ser em comum do homem” e não apenas como fenômeno econômico e mercantil. Dessa
forma, há troca na transferência de bens ou serviços, mas também (e antes) troca no que se
diz, nas condutas sociais, nas informações, nas representações sociais em geral, mesmo que
não haja de forma explícita um acordo prévio entre duas “partes” claramente delineadas,
que a troca não se em instâncias particularizadas, segmentadas, mas sim, no entre que
constitui até mesmo sua ilusão de inteireza.
Nessa perspectiva, a dia, ainda que se apresente com freqüência como instância
doadora, especialmente se considerada sua função de “prestadora de serviço”, instaura-se em
um campo de mediação em que circulam significantes que não emanam de si, mas que são
reordenados o todo instante por recortes (visibilidade x não-visibilidade) propiciados pela
leitura desse discurso midiático frente a um mundo que se oferece a ver.
Ocorre que o mundo, face a esse discurso, organiza-se impreterivelmente como relato,
como narrativa, ainda que seja uma narrativa marcada pela busca da verdade (como veremos
adiante). Desse modo, refletir sobre a informação configurada nesse ambiente midiático é
também refletir sobre a caracterização narrativa dessa informação, ou seja, as informações
não podem ser tomadas como dados isolados, passíveis de medições ou atribuições de valores
quantitativos, mas, antes, devem ser pensadas como micronarrativas que ao se concatenarem
na cena midiática estabelecem determinadas significações, representativas de demandas
latentes nesse ambiente discursivo.
Assim, partindo dessa conceituação, nossa intenção é recontextualizar a informação
caracterizada em um universo midiático, tendo como referências teóricas as discussões
advindas da área das ciências da linguagem.
6
2. As ciências da linguagem: pressupostos
Língua, dente,
mundo ausente,
palavra presente.
Patrícia
O campo teórico no qual se desenvolve esta reflexão é o das ciências da linguagem,
campo constituído pelas teorias que se dedicaram a pensar a questão da língua e de suas
produções, incluindo as teorias calcadas na postulação do inconsciente em relação aos estudos
dessas produções.
É, assim, na diversidade que se estabelece um questionamento a respeito da
linguagem, uma vez que convergem para esse campo referências teóricas de origens díspares,
mas marcadas pelo pensamento relacional, sobretudo a lingüística, a antropologia, a
psicanálise e a lógica.
Nesse campo abrangente, a ordenação que aqui se presentifica faz-se, principalmente,
pelo cruzamento de conceitos advindos da teoria lingüística, a partir dos estudos de Ferdinand
de Saussure, e da psicanálise, em especial a noção de primazia do significante elaborada por
Jacques Lacan e as releituras que este faz de Freud, juntamente com as referências da
antropologia, consideradas principalmente as contribuições de Claude Lévi-Strauss quanto à
função simbólica.
que se assinalar, a título de introdução, que o pressuposto central das ciências da
linguagem configura-se no valor fundante da linguagem, fato que afasta qualquer tentativa de
considerá-la à mercê de controles e utilizações. Por princípio, ninguém usa a linguagem. A
linguagem nos constitui humanos. Entre uso e constituição vão distâncias instransponíveis,
definitivas. Pensar a linguagem que nos faz humanos é adentrar em um universo de possíveis,
de relações tênues, de nós que se desatam a cada olhar.
É considerar, também, que aquele que observa faz já parte de sua observação,
justamente por impor-se, nesse ponto de vista, a relação sujeito-objeto, pois entre ambos se
coloca um terceiro termo: o inconsciente. Questiona-se, dessa maneira, aquilo que de certo
7
permanecia nas Meditações cartesianas, o sujeito pensante: “verifico aqui que o pensamento é
um atributo que me pertence; ele não pode ser separado de mim. Eu sou, eu existo: isto é
certo (...) nada sou, pois, falando precisamente, senão uma coisa que pensa”
(Descartes, 1973:
101-2)
. Ao colocar em cena o inconsciente, Freud opera um deslocamento objetal (isso fala,
em substituição ao eu penso cartesiano
1
), do qual Lacan se apropria na formulação do termo
sujeito do inconsciente, que não nega a vida, mas a direciona para outro lugar, que não o
cogito: “ao convocar Descartes junto com Freud, ou seja, um sujeito fundado pela ciência,
Lacan reintroduzia o sujeito da dúvida no inconsciente: um sujeito dividido, um ‘eu não sei
quem sou’”
(Roudinesco, 1994: 278)
. Nessa perspectiva, o sujeito é um efeito de linguagem,
causado pelo significante, em uma cadeia na qual é representado também como um
significante; como um objeto diante de outro objeto.
Aquilo que se vislumbra não são termos estanques, mas relações, percepção
presente nos escritos de Saussure: “a língua é um sistema do qual
(sic)
todas as partes podem e
devem ser consideradas em sua solidariedade sincrônica”
(Saussure, 1999: 102)
, ainda que em
um primeiro momento, tenhamos a ilusão de singularidade. É o que Saussure demonstra ao
comparar a língua com o jogo de xadrez:
Com efeito:
a) Cada lance do jogo de xadrez movimenta apenas uma peça; do mesmo modo, na língua, as
mudanças não se aplicam senão a elementos isolados.
b) Apesar disso, o lance repercute sobre todo o sistema; é impossível ao jogador prever com
exatidão os limites desse efeito. As mudanças de valores que disso resultem serão,
conforme a ocorrência, ou nulas ou muito graves ou de importância média. Tal lance pode
transtornar a partida em seu conjunto e ter conseqüências mesmo para as peças fora de
cogitação no momento. Acabamos de ver que ocorre o mesmo com a língua
c) O deslocamento de uma peça é um fato absolutamente distinto do equilíbrio precedente e
do equilíbrio subseqüente. A troca realizada não pertence a nenhum dos dois estados: ora,
os estados são a única coisa importante. (idem, ibidem: 104)
1
Roudinesco, 1994: 278
8
2.1. As bases da lingüística saussureana
A previsão de descontinuidade daí apreendida torna-se, no seio das teorias que
pensavam “o humano”, um divisor de águas não por estabelecer a dualidade do contínuo
sígnico em significante – imagem acústica – e significado – conceito, mas, antes, por estipular
a própria significação em um terreno escorregadio, de “feixes” que se desamarram a cada
palavra, não por qualquer incidente de comunicação, mas porque existem em
descontinuidade. Em outras palavras, pode-se dizer que Saussure previu não só o recorte do
signo, mas também sinalizou para a “mutabilidade” das relações aí em jogo ao salientar que
se “alteram”, que se deslocam:
Em primeiro lugar, não nos equivoquemos sobre o sentido dado aqui ao termo alteração.
Poder-se-ia fazer acreditar que se tratasse especialmente de transformações fonéticas sofridas
pelo significante ou então transformações do sentido que afetam o conceito significado.
Semelhante perspectiva seria insuficiente. Sejam quais forem os fatores de alteração, que
funcionem isoladamente ou combinados, levam sempre a um deslocamento da relação entre o
significado e o significante. (Saussure, 1999: 89)
que se destacar, ainda, que, ao introduzir o pensamento da descontinuidade na
ciência lingüística, até então marcada pelo método histórico-comparativo, Saussure abre
caminho para as importantes reflexões que vieram depois dele e que fizeram a lingüística ser
considerada a ciência-piloto do século 20:
Não se pode negar que Saussure é um dos introdutores do pensamento da descontinuidade na
história da ciência moderna e que esse pensamento está estreitamente associado com o
problema da desumanização das ciências humanas. Na comunicação Les Fins de l’homme que
apresentou a um congresso de Nova York em 1968, Derrida afirmou a “destituição do
humanismo” (apud Alves Filho, 1988, p. 10); muito antes dele, Freud havia posto no lugar
do homem o desejo; e Lacan, aprofundando-o, colocou a falta, a carência, reduzindo o ser do
homem à fala do outro, que é o inconsciente (l’être, l’autre, la lettre); não de outro modo
Foucault termina Les Mots et les choses (1966), afirmando a morte do homem não do ser
humano, mas de uma concepção humanista, histórica, que criou uma dada concepção do
homem moderno sob o diktat do liberalismo burguês, reacionário e proprietário, e a impôs,
essa imagem, a todos nós, como nossa identidade social, aquela que temos de vestir como uma
9
pele sob as vestes aparenciais distintas de nossa identidade particular, para que nos
identifiquemos como entes “humanos”, iguais e desiguais. (Lopes, 1997: 15)
A reflexão saussuriana, em sua formulação, traz à tona importantes dicotomias que
passam a fornecer os pilares da ciência que se funda: língua e fala, significante e significado,
sincronia e diacronia, sintagma e associação (paradigma).
Ao estabelecer a distinção entre língua e fala, Saussure realiza um recorte
metodológico, uma vez que elege a língua como “território” primordial do estudo lingüístico:
“com o separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo: 1
o
, o que é social do que é
individual; 2
o
, o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental”
(Saussure, 1999:
22)
.
Outrossim, ao separar significante de significado, o lingüista inaugura, pode-se dizer,
uma série de questionamentos que não se ativeram a sua definição inicial
2
: propomo-nos a
conservar o termo signo para designar o total, e a substituir conceito e imagem acústica
respectivamente por significado e significante; estes dois termos têm a vantagem de assinalar
a oposição que os separa, quer entre si, quer do total de que fazem parte”
(idem, ibidem: 81)
Por diacronia e sincronia, na perspectiva saussureana, entende-se duas formas
diferentes de estudar a lingüística, cujos objetos configuram-se também de maneira distinta.
O objeto da Lingüística sincrônica geral é estabelecer os princípios fundamentais de todo
sistema idiossincrônico, os fatores constitutivos de todo estado de língua. (idem, ibidem: 117)
A Lingüística diacrônica estuda, não mais as relações entre os termos coexistentes de um
estado da língua, mas entre termos sucessivos que se substituem uns aos outros no tempo.
(idem, ibidem: 163)
Sincronia e diacronia (relações associativas, em Saussure), por seu lado, representam
duas formas dos termos se relacionarem na língua:
De um lado, no discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadeamento,
relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois
elementos ao mesmo tempo. Estes se alinham um após outro na cadeia da fala. Tais
combinações, que se apóiam na extensão, podem ser chamadas de sintagmas (...). Por outro
lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e
2
cf. 2.2.
10
assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diversas. (...) -se que
essas coordenações são de uma espécie bem diferente das primeiras. Elas não têm por base a
extensão; sua sede está no cérebro; elas fazem parte desse tesouro interior que constitui a
língua de cada indivíduo. Chamá-las-emos relações associativas. (idem, ibidem: 142-143)
Tais dicotomias, entretanto, não retratam, nessa perspectiva, conceitos excludentes;
antes, representam o duplo caráter opositivo e relacional da linguagem. Destarte, para
Saussure, essas dualidades podem ser “olhadas”, sob outro ponto de vista, de modo a
formarem sínteses pontuais, o que resultaria em conceitos como discurso, signo e sistema,
que, longe de constituírem simples somatórias, prevêem a diferença como única
possibilidade de linguagem (em vez de uma relação a + b = c, por exemplo, teríamos a b
c).
Em outros termos, a linguagem se faz relacional por ser distintiva, por movimentar-se
entre traços diferenciais irredutíveis que geram, por isso mesmo, elos possíveis, espaços
articulados ou, por fim, que provocam a própria noção de sistema semiológico, prevista pelo
lingüista genebrino:
Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social; ela
constituiria uma parte da Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia geral; chamá-la-
emos de Semiologia (do grego semeîon, “signo”). Ela nos ensinará em que consistem os
signos, que leis os regem. Como tal ciência não existe ainda, não se pode dizer o que será; ela
tem direito, porém, à existência; seu lugar está determinado de antemão. (idem,ibidem: 24)
É, também, sob os auspícios dessa nascente semiologia (ou semiolingüística geral,
fundada por Saussure), que o estruturalismo se configura a partir da base relacional apontada
acima, de acordo com os princípios da relatividade, da funcionalidade, da unidade, da
totalidade, da transformabilidade e da auto-regulatividade.
O problema do sentido, assim, nesse contexto (de dependências internas a estrutura
estruturada que também é estruturante) adquire pluralidade: efeitos de sentido, pontuais, que
presentificam, a cada leitura, uma nova estrutura, ou talvez uma nova ordenação, latente. Isso
porque, em uma perspectiva lacaniana, as significações se estabelecem em cadeia (cadeia
significante), e não como um sentido primário (original) a ser desvelado.
11
2.2. Real, simbólico e imaginário em Lacan: tecendo o discurso
Lacan, ao retomar a formulação sígnica saussureana, institui o valor próprio da barra
significante/significado que representa, para o autor, o recalcamento do elemento que fica na
posição inferior, estabelecendo-se, a partir daí, a primazia do significante em relação ao
significado, pois é o significante que carrega o “efeito de significado”:
O significante tal como o promovem os ritos de uma tradição lingüística que não é
especificamente saussureana, mas remonta até os estóicos de onde ela se reflete em Santo
Agostinho deve ser estruturado em termos topológicos. Com efeito, o significante é primeiro
aquilo que tem efeito de significado, e importa não elidir que, entre os dois, há algo de barrado
a atravessar. (Lacan, 1985: 29)
Desloca-se, dessa forma, a possibilidade de significação para a “cadeia de
significantes”, uma vez que é o deslizamento dessa cadeia que gera os “efeitos de sentido” em
um discurso. Essa pode ser considerada uma das principais contribuições de Lacan para o
estudo da linguagem, contribuições advindas de sua releitura da psicanálise freudiana, bem
como de seus diálogos com a lingüística e com a antropologia e de sua permanente discussão
com a filosofia.
No centro das reflexões lacanianas, surgem os questionamentos acerca do objeto que,
na obra desse autor (retomando Freud), aparecem como teoria da falta do objeto, uma vez que
este se configura sempre como um objeto perdido, a ser reencontrado:
Freud insiste no seguinte: que toda maneira, para o homem, de encontrar o objeto é, e não
passa disso, a continuação de uma tendência onde [sic] se trata de um objeto perdido, de um
objeto a se reencontrar (...). Uma nostalgia liga o sujeito ao objeto perdido, através do qual se
exerce todo o esforço da busca. Ela marca a redescoberta do signo de uma repetição
impossível, que, precisamente, este não é o mesmo objeto, não poderia sê-lo. A primazia
dessa dialética coloca, no centro da relação sujeito-objeto uma tensão fundamental, que faz
com que o que é procurado não seja procurado da mesma forma que o que será encontrado
(idem, 1995: 13)
Essa busca incessante pelo objeto perdido que inaugura e realimenta a cadeia
significante estabelece, ainda, a reciprocidade como vetor constituinte nas relações entre
12
sujeitos, aqui tomados como objetos frente a outros objetos, mutuamente reconhecíveis por
sua falta e por sua procura:
Fala-se implicitamente do objeto, a cada vez que entra em jogo a noção de realidade. Fala-se
dele, ainda, de uma terceira forma a cada vez que é implicada a ambivalência de certas
relações fundamentais, isto é, o fato de que o sujeito se faz de objeto para o outro, que um
certo tipo de relações em que a reciprocidade, pelo viés de um objeto é patente, e mesmo
constituinte. (idem,ibidem: 12-13)
Nessa perspectiva, o sujeito, de acordo com Lacan, organiza-se como uma topologia,
como um topos discursivo que se faz na confluência de três instâncias: do real, do simbólico e
do imaginário, consideradas categorias indissociáveis na constituição do humano.
Ao imaginário corresponderiam os fenômenos ligados à construção do “eu”, a partir
da “imagem” primeira de uma completude desejada, que um dia teria existido: o corpo uno
com a mãe (na simbologia lacaniana, A”). Tal imagem vai envolver a vida do humano em
sua busca incessante por significantes (os objetos “a”), como apontado acima, em um
mecanismo repetitivo de falta e procura, que se estabelece justamente na reiteração do pacto,
da Lei (o simbólico), por parte do sujeito. À função simbólica corresponde a própria
linguagem como lugar da falta constituinte do sujeito (A/ barrado/). O real, por fim, pode-se
identificá-lo como o vazio, o resto, o não-simbolizável, em cujas margens movimenta-se (e
configura-se) aquilo que se nomeia como o mundo vivido do humano, um mundo falado, de
linguagem:
Pois o real não espera e não espera nomeadamente o sujeito que nada espera da fala. Mas
está ali, idêntico à sua existência, ruído onde tudo se pode ouvir, e prestes a submergir com
seus estrondos o que o ‘princípio de realidade’ constrói nele sob o nome de mundo externo.
(idem, 1998: 390)
O imaginário, para Lacan, deve ser concebido, ainda, como “uma série de operações
fundadas na identificação com imagos” (
Roudinesco, 1994: 131
), conceito ligado diretamente à
identificação do objeto, que se desloca na cadeia discursiva como significante:
13
Quer seja parcial como o seio, os excrementos ou o nis, quer seja total quando se confunde
com uma pessoa, o objeto é sempre uma imago, isto é, a imagem de um objeto real que o
sujeito integrou a seu eu, segundo um mecanismo de introjeção, para fazê-lo chegar ao estatuto
de fantasia”. (Roudinesco,1994: 123)
Nessa movimentação significante, também o discurso se organiza como uma
topologia, como um arranjo de lugares: do agente, da verdade, do outro e da produção, nos
quais transitam os termos da cadeia, as quatro categorias significantes: S1, S2, $, a. A saber:
S1: o significante mestre ou “o agente do discurso do poder, aquele que, falando, espera que
se cumpram os efeitos de laço, isto é, que o significante comande, que o pacto se efetue. É o
responsável pela voz imperativa do Poder.”
(Freitas, 1992: 116)
S2: “É o saber sobre alguma coisa, saber próprio do Senhor, marcando assim o laço entre a
Lei do Senhor e o exercício da dominação (S1 S2). Desta forma, uma das armas do Poder é
o saber pelo qual se produz, quando o poder se dirige a outro, à dominação.”
(idem, ibidem: 116-
117)
$: o sujeito dividido e barrado, “o sujeito do inconsciente, definido pela falta (falta no lugar
do centro) e cujo fundamento se encontra na entrada no jogo do objeto a.”
(idem, ibidem: 117)
a: o que a psicanálise define como o “mais-gozar”, “o resto que se desprende como objeto do
desejo e, que por isso mesmo, é a falta permanente (...). É o próprio do sujeito, aquilo que
determina seu ato e seu lugar.”
(idem, ibidem: 117)
Quanto aos lugares “assinalados” acima, é preciso considerar que, sendo o discurso
um ato social, prescritos os espaços dessa encenação que, independentes de quaisquer
configurações, implicariam, de forma estruturante: o agente do discurso, a relação ao outro, a
relação ao mundo e a relação à verdade (respectivamente, agente, outro, produção e verdade):
Há, primeiramente o “outro”, sem o qual o discurso não se produziria. O outro não é
simplesmente aquele a quem o discurso se dirige, mas aquele que questiona: o discurso advém
como resposta significante a esse “outro”, lugar da questão. Para esse outro, aquele que
sustenta o discurso é, enquanto tal, significante. Lacan o determina como o “agente”. É por seu
“ato” de discurso que o efeito se produz (...). E o discurso não poderia ter consistência se a
“verdade” que ele enuncia não fosse também a verdade do agente. O último elemento da
14
estrutura do discurso é o efeito produzido no outro e sobre o outro, o que Lacan chama de
“produção”. O discurso inteiro é significante por causa desse efeito. (Juranville, 1987: 296-
297)
Assim:
agente outro
verdade produção
resultando quatro diferentes combinações discursivas, dependendo de qual termo ocupa
determinado lugar:
Discurso do mestre (ou do poder) Discurso universitário (ou do saber)
S
1
S
2
S
2
a
$ a S
1
$
Discurso histérico (ou da ciência) Discurso psicanalítico
$ S
1
a $
a S
2
S
2
S
1
Independentemente das interpretações psicanalíticas que possam ser direcionadas a
essas formulações (às quais não se direcionam diretamente nosso escopo de reflexão), tem-se,
com tal exercício gráfico-matemático, um olhar discursivo que não se rende a especulações
qualitativas ou de conteúdo. Questionar-se, por exemplo, sobre o que “age” em um
determinado arranjo discursivo pressupõe assinalar também qual sua “verdade” proferida,
quem é esse “outro” ao qual se dirige e o que “produz” como efeito de sentido.
O que essas “combinações” discursivas demarcam é o vínculo que se estabelece entre
as categorias significantes a partir de uma determinada ordenação lógico-simbólica. Ou seja,
em um discurso dado, a posição dos termos significantes não acontece de forma aleatória ou
ainda desvinculada aos outros termos da cadeia. Isso significa que um significante, quando
evocado para um determinado lugar discursivo, “puxa” um outro e o “chama” a se alocar em
15
um outro lugar previsto no discurso. A organização do discurso do senhor ou do mestre (o
primeiro na representação acima), por exemplo, já pode ser derivada no momento em que o
significante do poder, o S1, se perfaz como agente. A partir daí, o significante do saber, S2, se
estabelece como alteridade, como outro, o objeto “a” como produção e o $, sujeito do
inconsciente, como verdade.
O exercício discursivo proposto é o vislumbrar relações sociais como práticas de
significação, o que se traduz como um “riscado” talvez bem mais profícuo que aquele da
representação (de teorias que postularam o “representamen” sígnico como alvo de
abordagem), uma vez que relega à inexistência aquilo que deixa de fora.
É a partir de dois pilares que o movimento discursivo se ordena e traça seus efeitos de
sentido. São eles os eixos metafórico e metonímico da linguagem. Foi a partir dos estudos de
Jakobson em relação às noções de similaridade e de contigüidade que Lacan, ao retomar a
análise freudiana sobre os sonhos, assinalou as duas formas de incidência do significante
sobre o significado: a condensação, atrelada ao processo metafórico, e o deslocamento,
atrelado ao processo metonímico; no primeiro caso, haveria uma superposição de
significantes, e no segundo, um determinado “desvio” de significação. Tais processos
designados por Freud representariam o próprio “jogo” do inconsciente:
Todas as formações do inconsciente manifestam na análise uma mesma estrutura formal. A
palavra verdadeira irrompe no discurso do sujeito e seu esforço para burlar a censura acarreta
uma ruptura entre o significante e o significado: o inconsciente. Através dos jogos da
condensação e do deslocamento, a palavra recalcada se transpõe (este é o primeiro sentido
dado por Freud à transferência: a Enstellung ou transposição) e emerge no inconsciente sob
uma máscara. Eis por que as formações do inconsciente significam sempre outra coisa que
aquilo que efetivamente dizem. Os dois mecanismos principais, destacados por Freud como
operadores desta transposição, são o deslocamento e a condensação. (Lemaire, 1989: 243)
Assim, essas duas operações estão sempre presentes na linguagem, uma vez que
carregam seus dois movimentos primordiais: um de seleção (processo sincrônico,
caracterizado pelo eixo metafórico) e outro de combinação (processo diacrônico,
caracterizado pelo eixo metonímico), operações essas determinadas por leis constituídas a
partir do momento da inscrição do discurso em cadeia significante.
16
Vistos sob ponto de vista diverso, metáfora e metonímia (ou, ainda, seleção e
combinação) marcam, no discurso, sua existência como descontinuidade, uma vez que
transportam o sentido para outros lugares, para outras possibilidades, que não aquelas
passíveis de linearidade. Em outras palavras, a cada incidência, a cada corte que atravessa a
cadeia significante (e que atravessa o sujeito que se perfaz, em uma referência à prática
psicanalítica), emergem significações latentes e determinantes:
Esse corte da cadeia significante é único para verificar a estrutura do sujeito como
descontinuidade no real. Se a lingüística nos promove o significante, ao ver nele o
determinante do significado, a análise revela a verdade dessa relação, ao fazer dos furos do
sentido os determinantes do seu discurso. (Lacan, 1998: 815)
É nessa descontinuidade, nessas quebras de um projeto linear (apreensível no jogo
metafórico-metonímico), que se estabelece o “desejo”, de acordo com a reflexão psicanalítica.
Desse modo, a cada série rompida, outra se inaugura, projetando “roupagens novas” para as
mesmas fendas da rie anterior, em um processo contínuo de busca, de ação “desejante”.
Lacan denomina tal mecanismo de “fantasma”, e o representa da seguinte forma: $ <> a. Tal
configuração representa o sujeito ($) na busca incessante pelo objeto perdido (a), que lhe
devolveria sua significação, mas que, por outro lado, é impossível de ser alcançado, uma vez
que a alteridade do sujeito é intransponível (está sempre no lugar do Outro). O termo central,
o losango, deve ser lido como “desejo de” e representa o “enquadramento do fantasma, a tela
sobre a qual se projetam os objetos de desejo, fonte e origem do imaginário.”
(Freitas, 1992: 64)
.
Para os objetos “a” dirige-se o desejo do sujeito que, entretanto, não encontra em nenhum
deles aquilo que procura:
O desejo é aquilo que se manifesta no intervalo cavado pela demanda aquém dela mesma, na
medida em que o sujeito, articulando a cadeia significante, traz à luz a falta-a-ser com o apelo
de receber seu complemento do Outro, se o Outro, lugar da fala, é também o lugar dessa falta.
O que é assim dado ao Outro preencher (...) é propriamente o que ele não tem, pois também
nele o ser falta... (Lacan, 1998: 633)
É no discurso, assim, que se renovam e se constroem relações sociais, não pelas
significações que pontua, mas, sobretudo, pelo espaço de busca que configura. Diferentes
arranjos implicam cenários sociais distintos, no entanto, igualmente marcados pela
17
impossibilidade e pela impotência, no que tange a unidade, por um lado, e a verdade, por
outro.
Reitera-se, desse modo, a constituição discursiva do tecido social. Uma vez que “não
realidade pré-discursiva”, o “mundo” torna-se uma possibilidade de linguagem, recoberto
pelas incidências do imaginário, ou, ainda, pelas nuvens da significação, sempre na iminência
de evaporar: “que a significação seja da natureza do imaginário não é duvidoso. Ela é, como o
imaginário, no fim das contas sempre evanescente.”
(Lacan, 1988: 66)
. Destarte, pelas
“impregnações” do imaginário, a ordenação simbólica exerce sua apreensão, mas aquelas
“não figuram senão como suas sombras”, uma vez que só adquirem consistência se atreladas à
cadeia simbólica, ao percurso do significante que delimita a configuração da teia discursiva:
É, como sabemos, na experiência inaugurada pela psicanálise que se pode apreender por quais
vieses do imaginário vem a se exercer, até no mais íntimo do organismo humano, essa
apreensão do simbólico. (...) essas incidências imaginárias, longe de representarem o essencial
de nossa experiência, nada fornecem que não seja inconsistente, a menos que sejam
relacionadas à cadeia simbólica que as liga e as orienta. (Lacan, 1998: 13)
18
3. Informação midiática
Gotejar,
metáforas de existir,
janela que enquadra a vida
Patrícia
A função primeira do discurso midiático estabelece-se, comumente, no ato de
informar, constituindo-se previamente como um informar voltado aos acontecimentos atuais
do mundo que tenham um certo caráter de universalidade, suposta como um interesse não
restrito ("interesse público"). De acordo com Quéré, apresenta-se como um relato da
atualidade, um relato duplamente marcado: pela ficção (inerente à sua forma narrativa) e pelo
valor científico, que procura se outorgar na busca da verdade:
L´information est une science-fiction. Non pas au sens habituel de cette expression, qui
désigne des oeuvres d’imagination scientifique décrivant un état futur du monde. Mais en ceci
que lui est sous-jacente une structure mixte, combinant ces deux composants fondamentales:
science et fiction, constat et simulation, relevé de faits et récit. (Quéré, 1982: 157-158).
Ungida por esse estatuto de universalidade, a verdade insere-se no campo midiático
como uma busca determinante e norteadora, ao mesmo tempo que é colocada sempre para
além dos escritos jornalísticos que nos chegam todos os dias, considerada a própria
impossibilidade de se atingir a universalidade desse valor, dado o pressuposto da relatividade
inerente à questão ética aí presente (a eleição da verdade como valor superior).
Para a prática midiática, guiada por um código de ética que privilegia essa busca pela
verdade dos fatos relatados, tal relatividade apresenta-se não nas angulações diversas que
permeiam o termo “verdade” face a um discurso que atesta a todo instante a re-apresentação
de um mundo que se organiza como narrativa, mas também pelas escolhas e recortes que as
mídias estabelecem na cena social. Dessa forma, essas escolhas em relação àquilo que é
encenado implicam dar visibilidade a certos valores e encobrir outros no momento em que se
retratam certas informações em detrimento de outras.
Esse discurso, “acreditado” por si mesmo ocupa, assim, um lugar legitimado de saber,
19
mas não qualquer saber, um saber digno de fé, de crédito. Considerando que, ao retomar
Foucault, o saber está sempre atrelado a uma forma de poder, a dupla saber e poder torna-se,
pois, indissociável. Desse modo, a prática midiática, ao mesmo tempo que se reveste de saber,
ocupa também um lugar de poder, reforçando e instituindo valores sociais que caracterizam
determinada sociedade.
Esses valores não são, entretanto, marcados de forma aleatória:
Suponho que em toda sociedade, a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua
pesada e temível materialidade. (Foucault, 1996: 8-9)
Para Foucault, três grandes sistemas de exclusão cunhando os discursos: a
proibição (palavra proibida), a divisão/rejeição (divisão da loucura) e a vontade de verdade.
Desses, o mais evidente, segundo o autor, é a proibição, que se por três estratégias: o tabu
de objeto, o ritual de circunstância e o direito de fala, ou seja, o se pode falar de tudo em
qualquer circunstância e nem todos podem falar a respeito de um assunto específico.
No campo midiático, essas estratégias refletem determinados recortes no campo
social:
Ao tabu de objeto responde-se que hoje falamos sobre tudo vivendo como estamos, no
Ocidente, em tempos de abertura política e liberdade sexual. Há, entretanto, dois modos
principais pelos quais as mídias em geral deixam de falar sobre um assunto. O primeiro
vincula-se ao falar sob a preponderância de um ângulo de abordagem. (...) Há, ainda, o caso do
objeto, ou assunto, sobre o qual paira efetivamente um impedimento de fala. (...) Acreditamos
que, em se tratando de jornalismo, o efeito de interdição pelos rituais de circunstâncias é vasto.
Basta tomarmos o caso dos políticos que, quando empossados em cargo prestigioso,
submetem-se a questionamentos extremamente gentis. (...) Quanto ao direito de fala todos os
dias experts são convocados pelas mídias a opinar sobre uma ou outra matéria. (...) Há,
portanto, muitas falas, talvez até mais apropriadas, que no entanto são excluídas, ao menos
momentaneamente, do circuito midiático. (Gomes, 2002: 40-42)
Dessa forma, as escolhas em relação àquilo que se coloca em cena pelo viés
comunicacional implicam dar visibilidade a certos valores e encobrir outros; portanto, são
20
escolhas que respondem a estruturas de poder previamente delineadas na cena social. Assim,
cabe perguntar-se quais são os valores de referência que as dias fazem circular e como se
dá tal circulação em uma sociedade que privilegia a democracia e a liberdade de expressão.
Antes de mais nada, é preciso salientar que essa circulação de valores que, no universo
midiático, vêm embutidos naquilo que se convencionou apresentar como informação, é
possível em referência a um sistema de convenções; em outras palavras, em um processo que
é instituído e não natural; dessa maneira, sujeito a relações de poder que o fundamentam e que
se exercem simbolicamente:
O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeito ou mesmo que o exercem.
(Bourdieu, 2000: 7-8). (...) não basta notar que as relações de comunicação são de modo
inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder
material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas
relações e que, como o dom, ou o potlatch, podem permitir acumular poder simbólico. É
enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os
‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de
legitimação da dominação. (idem, ibidem: 11)
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que os processos de controle exercidos sobre os
discursos têm nas mídias uma vitrine e um difusor das relações de poder na sociedade,
materializadas nos valores propagados em cada recorte, em cada seleção das informações
circuladas. No discurso veiculado pelas mídias, é a verdade o vetor central para essa
circulação. Para Foucault, a vontade de verdade, como foi afirmado anteriormente, também é
pensada como um sistema de exclusão.
Essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apóia-se sobre um suporte
institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de
práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, como
as sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje. Mas ela é também reconduzida, mais
profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é
valorizado, distribuído, repartido, e, de certo modo atribuído. (Foucault, 1996: 17)
Ao pensar essa vontade de verdade como sistema de exclusão, percebe-se que,
conferindo para si um lugar de verdade, as mídias colocam-se automaticamente numa posição
21
de proferidoras de saber e, por conseguinte, atuam no exercício do poder, atribuindo e dando
visibilidade a valores norteadores na sociedade.
A ação das mídias pode ser pensada, ainda, nessa visibilidade constantemente
oferecida como “o mundo real”, “o mundo como ele é”, como se a verdade buscada e
prometida pudesse ser vislumbrada pelo olho grande da televisão, dos jornais, do rádio, da
internet.
É pelo olhar dos comunicadores que se “descobrem” fatos, falcatruas, histórias
reveladoras. É pela ação das mídias, também, que se recorta e organiza o espaço social, suas
relações de força e de saber. Assim, tal poder é exercido não por funções de comando externo,
mas a partir do próprio corpo social, nesse jogo de luzes (o que se oferece a ver) e sombras (o
que se esconde), um poder, dessa forma, não centralizado em uma única instância.
De acordo com Foucault, é o panoptismo
3
o conceito que traduz uma difusão
generalizada de poder na sociedade: “o esquema panóptico, sem se desfazer nem perder
nenhuma de suas propriedades, é destinado a se difundir no corpo social, tem por vocação
tornar-se aí uma função generalizada” (
Foucault, 1987:171
).
O panoptismo inauguraria, assim, um novo tipo de sociedade, marcada pela vigilância
constante, garantida por um dispositivo disciplinar que separa o ver do ser visto: “o Panóptico
é uma máquina de dissociar o par ver-ser visto” (
idem, ibidem: 167
).
Nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância; sob a superfície das imagens,
investem-se os corpos em profundidade; atrás da grande abstração da troca, processa-se o
treinamento minucioso e concreto das forças úteis; os circuitos da comunicação são os suportes
de uma acumulação e centralização do saber; o jogo dos sinais define os pontos de apoio do
poder, a totalidade do indivíduo não é amputada, reprimida, alterada por nossa ordem social,
mas o indivíduo é cuidadosamente fabricado, segundo uma tática das forças e dos corpos. (...)
Não estamos nem nas arquibancadas nem no palco, mas na máquina panóptica, investidos por
seus efeitos de poder que nós mesmos renovamos, pois somos suas engrenagens. (idem,
ibidem: 179)
Na sociedade assim pensada, visibilidade é sinônimo de vigilância. Pode-se inferir,
dessa forma, que as mídias, ao dar visibilidade a determinados fatos e assuntos, exercem
também essa função de vigilância e poder, hierarquizando e organizando o espaço social.
3
Foucault apropria-se do Panóptico de Jeremy Bentham para pensar, a partir dessa figura arquitetural, um
esquema de difusão de poder baseado na vigilância constante e anônima.
22
Nessa perspectiva, as mídias apresentam-se inevitavelmente como fontes de poder, de onde
emanam informações revestidas não de conhecimento, mas de valores, normatizações,
estigmatizações, relações de força.
Desse modo, pode-se dizer que o discurso midiático, ao colocar em cena determinadas
escolhas ou, em outras palavras, determinados enunciados, atua não como mediador, mas
como agente em um processo de demarcação de poderes, fazendo com que valores sejam
reforçados ou rejeitados de acordo com um determinado “olhar”, que não vem de cima para
baixo, como um olhar onipotente, mas que passa a ser internalizado como legitimador daquilo
que “naturalmente” se converte em um caminho positivo, aceito socialmente, já que revestido
pelo estatuto da verdade (a informação verdadeira).
Tal informação, no entanto, não pode ser tomada como um produto final, cujo efeito
pode ser medido e avaliado por métodos determinados. Ela é, antes, a denominação de um
processo, constante e imprevisível, a cada nova ocorrência (o que lhe a aparência de
novidade), mas que responde, sempre, a um mesmo mecanismo de funcionamento: a busca
repetitiva por um saber que não se completa, que não se sacia.
A hipótese que se apresenta neste estudo é a de que esta dupla caracterização do
processo informativo - novidade e repetição - pode ser percebida em meios diferentes de
circulação: jornais, revistas, televisão, internet, o que implica dizer que as mídias inserem-se
em uma rede simbólica que se re(faz) a cada discurso a partir de uma mesma demanda
estrutural: a busca por novas informações. O termo informação, entretanto, adquire contornos
diversos se pensado em diferentes campos de atuação.
23
3.1. A In-formação
Notabilizada pela teoria matemática e pela cibernética, que recobre o “estudo da
comunicação e controle na máquina ou no animal”, segundo Norbert Wiener (1970), a
informação pode ser considerada como a ocorrência de um fato, em um conjunto de
probabilidades determinadas. Wiener exemplifica o acontecimento informativo da seguinte
forma:
O que é esta informação, e como é medida? Uma das formas mais simples e mais unitárias de
informação é o registro de uma escolha entre duas simples alternativas igualmente prováveis,
das quais uma ou a outra é certo que ocorra - uma escolha, por exemplo, entre cara e coroa no
lance de uma moeda. (Wiener, 1970: 91)
que se citar ainda, nessa perspectiva, os trabalhos de Shannon, aluno de Wiener e
que propôs um esquema do "sistema geral de comunicação". Nesse esquema, pensado de
forma linear, a informação é um dado a ser medido na transmissão de um pólo emissor a um
pólo receptor.
Dessa forma, a teoria da informação daí advinda caracteriza-se, principalmente, por
lidar com um conjunto de possibilidades, no qual as escolhas empreendidas são passíveis de
registro e de controle. Assim, a questão do registro, conservação, transmissão e uso da
informação pode ser considerada como o ponto central da cibernética. Nas últimas décadas, a
preocupação com o tratamento da informação encontrou guarida, especialmente, na
informática, que, resultando da associação da ciência e da tecnologia, tem sua designação
justamente na informação.
Esta necessidade de registro de dados tornou-se, para as teorias da comunicação, o
elemento caracterizador da informação, mesmo após os estudos que se seguiram à teoria
matemática da informação, notadamente o "esquema circular de comunicação" proposto por
pesquisadores da Escola de Palo Alto, nos Estados Unidos, na década de 40, e a "teoria
crítica" desenvolvida pela Escola de Frankfurt, na Alemanha. O primeiro salientando os
aspectos relacionais e interacionais do processo de comunicação na tentativa de estabelecer
um modelo calcado nas ciências humanas, abandonando a teoria matemática, e o segundo,
24
estabelecendo uma crítica aos meios de comunicação de massa num viés marxista, ao
salientar o papel dominador desses meios na sociedade.
Tanto uma escola quanto outra, entretanto, pressupunham o enfoque da comunicação
em elementos externos à informação propriamente dita, concentrando-se ora em aspectos
contextuais (Escola de Palo Alto), ora na figura do emissor como fonte de poder e dominação
(Escola de Frankfurt).
Dessa forma, em relação ao tratamento dado à informação, pode-se dizer que ainda
hoje o discurso midiático se pauta por uma visão matemática da informação, pensada em
termos de quantidade, de mensuração, como previa a teoria da informação: “a noção de
‘informação’ adquire seu estatuto de símbolo calculável” (
Mattelart, 1999: 57)
ou: “É a
quantidade de informações que estabelece a natureza do processo. Tanto mais fácil a escolha
quanto mais ampla a informação. E quanto mais ampla, maiores as probabilidades alternativas
que oferece e as potencialidades seletivas que sugere.”
(Bahia, 1971: 20)
A capacidade de fornecer o maior número de informações em menos tempo possível é
considerada freqüentemente não como sinal de qualidade de determinado meio de
comunicação, mas também como exigência primeira a ser cumprida em um mundo que
acredita carecer de agilidade e de necessidade de informação.
De fato, as mídias são reconhecidas por atuarem na coleta e transmissão de
informações, trazendo-as a seus leitores, ouvintes ou telespectadores. No entanto, que se
lembrar, a esse respeito, que as próprias técnicas de transmissão e difusão são também
retratadas pelo conceito informação:
Os diversos empregos do termo não deixam de suscitar alguma confusão, bem como certo
esquecimento de seu sentido original. Esse exprime essencialmente a idéia de em-formação
(enformação). Daí derivou o sentido atual de informação sendo a enformação feita em vista
de uma informação. Esse sentido original e seu derivado explicam e justificam o uso do termo
informação para designar as grandes técnicas de difusão, e a liberdade ou as atividades sociais
fundamentais de que essas técnicas são ou podem ser os instrumentos principais.” (Terrou,
1964: 7)
É também a esse aspecto formal do conceito informação que se refere Cornu:
“Informar é dar forma a uma informação destinada a outra ou a várias pessoas. A informação
é pois uma noção que abrange simultaneamente um conteúdo e a sua forma, bem como o acto
de o transmitir.”
(Cornu, 1994: 13)
25
Além disso, essa transmissão não é efetivada de forma neutra; a valoração e a edição
da informação fazem parte do processo comunicativo estabelecido pelas mídias.
Assim, a informação no âmbito midiático deve ser considerada como um processo
discursivo, que a estrutura e a configura enquanto tal. Em outras palavras, no discurso
midiático, a informação é constituída em um processo particular de comunicação, regido pela
busca de conhecimento dos fatos e assuntos da atualidade ou, ainda, pela busca do saber, que
se institui em um universo de trocas simbólicas. Como elementos que são trocados, as
informações revestem-se de positividade (como aquilo que carrega a significação; e nesse
sentido, a novidade) mas respondem sempre a uma negatividade previamente marcada (a
demanda que se repete continuamente).
Podemos dizer que essa particularidade, que se estabelece na dupla caracterização
positividade/negatividade ou, ainda, novidade/repetição, determina as significações
apreendidas nesse processo, assim como os possíveis efeitos de sentido que uma informação
possa estabelecer quando inscrita em um discurso midiático.
A este respeito, J. Lacan faz uma breve indicação sobre a relação entre informação e
repetição quando observa a ocorrência de “redundância” na informação:
... observa-se que, quanto mais o ofício da linguagem se neutraliza, aproximando-se da
informação, mais lhe são imputadas ‘redundâncias’ (...) pois o que é redundância para a
informação é precisamente aquilo que, na fala, faz as vezes de ressonância (Lacan, 1998: 300).
26
3.2. Informação e narrativa
Para se pensar a informação que circula nas mídias como objeto de troca simbólica, é
preciso, assim, assinalar que essa informação caracteriza-se nesse universo midiático como
narrativa, ou seja, não se constitui como um dado isolado, mas sim como um conjunto de
relações significativas, como uma trama, em torno do (acon)tecido social.
A esse respeito, Quéré aponta o vínculo entre o poder midiático e sua produção
narrativa:
Le pouvoir des media n´est pas um pouvoir parmi d’autres, positionné dans un univers
d’intérêts et de rapports de forces. Il réside dans leur rôle de fondation. Il est corrélatif de leur
fonctionnement comme supports pratiques d’un mode historique d’objectivation de la
médiation symbolique constitutif d’un système socio-culturel. Il est lié à la production
narrative qu’ils organisent. (Quéré, 1982: 154)
Nesse sentido, essas narrativas encenam determinados valores da sociedade, uma vez
que têm como atribuição retratar, relatar fatos que se destacam no dia-a-dia não por seu
valor factual propriamente dito, mas principalmente, por representarem uma demanda
inconsciente por determinadas “histórias”.
Sobretudo, as informações interessam justamente por constituírem-se em um modelo
narrativo, confundindo-se, por vezes, com “arranjos” que beiram o entretenimento. O
articulista Mário Sérgio Conti assim se refere aos escândalos políticos em destaque na
imprensa brasileira, em menção que, de certa forma, repercute a hipótese acima:
Os escândalos, pois, devem ser apreciados pela sua lógica, pela sua forma. Criticá-los é
comentário estético. É avaliar desempenhos, consistência interna, seus tênues laços com a vida
social. Os escândalos atraem atenção não porque se refiram à política. Sua dimensão
verdadeira é a da estética. Eles têm narrativa. Eles m dramas, mistérios, suspense,
personagens em conflito, golpes de cena. Parece que se vai descobrir algo importantíssimo. No
fim, não dá em nada. Vida que segue. Mas, enquanto durou, foi divertido. (Conti, 2006: 1)
E. Said
(1995)
, que pensou a relação sociedade-narrativa pelo viés político-cultural,
aponta a ação da narrativa como decisiva na prática imperialista (questão central em seus
27
estudos
4
). Para o autor, para quem “as próprias nações são narrativas”
5
(Said, 1995: 13),
o
imperialismo realizou-se não pela disputa de terras, mas também por meio de uma intensa
expressão cultural responsável por sua justificativa simbólica: “como as narrativas
desempenham um papel notável na atividade imperial, não surpreende que a França e
(sobretudo) a Inglaterra tenham uma tradição ininterrupta de romances, sem paralelo no
mundo”
(idem, ibidem: 24).
Said salienta, ainda, que o romance como forma narrativa fornece um “sistema inteiro
de referência social”, a partir do qual é possível vislumbrar o próximo e o distante, o “nós” e o
“eles”, que em uma referência imperialista, contribuiu para uma “concepção cultural
departamental do mundo”: “o romance de um modo geral e a narrativa em particular possuem
uma espécie de presença social reguladora nas sociedades euro-ocidentais”
(idem, ibidem: p.
113).
Pode-se dizer, também, que são as narrativas que garantem o vínculo social em uma
determinada sociedade, ao transmitirem, conforme aponta Lyotard
(1989)
, o conjunto das
regras pragmáticas que realizam os laços sociais. O autor, ao discutir questões como o
estatuto do saber científico e do saber narrativo na suposta pós-modernidade, salienta o fato
de que a narrativa cria laços sociais não pelo o que diz, mas pelo próprio ato de narrar,
cumprindo, assim, uma função de atualização e legitimação entre o passado e o presente de
uma sociedade:
A título de imaginação simplificada, pode-se supor que uma coletividade que faz da narrativa a
forma-chave da competência não tem, contrariamente a toda a expectativa, necessidade de
poder recordar-se do seu passado. Ela encontra a matéria do seu vínculo social, não apenas na
significação das narrativas que conta, mas no ato de sua narração. A referência das narrativas
pode parecer pertencer ao tempo passado, mas, na realidade, é sempre contemporânea desse
ato. (Lyotard, 1989: 53)
Apesar de Lyotard apresentar tal panorama em relação às chamadas “sociedades
tradicionais”, opondo-as, em um primeiro momento, às sociedades ditas “científicas” (e, nessa
perspectiva, não-narrativas), pode-se sugerir, seguindo seu pensamento, que também as
4
No livro em questão, Cultura e imperialismo, Said aborda as relações cultura e império a partir do estudo de
narrativas tidas como clássicas na cultura ocidental, como O coração das trevas, de Conrad e Aida, de Verdi.
5
Referência ao crítico indiano Homi K. Bhabha, que no livro Nation and narration (ed. Homi K. Bhabha,
Londres: Routledge, 1990), sustenta que o sentido de nação é discursivamente construído, é narrativizado.
28
sociedades da informação guiam-se por projetos narrativos. A imprensa, que costuma ser
proclamada como a “contadora de histórias” por excelência na atualidade, nada mais faz
senão encenar diariamente narrativas imemoriais revestidas em roupagens efêmeras,
passageiras e, por isso mesmo, com a aparência de ineditismo que a caracterizam.
Assim, quando se dispensa o jornal de “ontem’, dispensa-se, no fundo, apenas um
suporte; as narrativas que ali figuraram continuam a fazer sentidos, sob diferentes arranjos, no
jornal de “hoje” (inédito), mesmo que tenham sido “apagadas” para dar lugar a outros relatos.
É justamente desse contínuo apagamento que se nutrem nossas histórias, segundo o autor.
Contamos não para lembrar, mas para esquecer: “nesse caso, seria preciso reconhecer uma
irredutível necessidade de história, sendo esta compreendida, tal como nós o esboçamos, não
como uma necessidade de recordar e de projetar, mas, pelo contrário, como uma necessidade
de esquecimento”
(idem, ibidem: 63).
Poderíamos inferir que a função desse esquecimento é a
mesma daquela apontada quanto à ação do imaginário, ou seja, esquecer é cobrir a fenda, é
costurar aquilo que está cindido a própria ação do imaginário, em uma perspectiva
lacaniana.
De acordo com Lyotard, o saber científico, que sempre procurou se colocar no lugar
da negação da narrativa, está inevitavelmente vinculado ao saber narrativo na sociedade
contemporânea, já que extrairia daí sua legitimidade, sua necessária validação do saber:
O saber científico não pode saber e fazer saber que ele é o verdadeiro saber sem recorrer a
outro saber, a narrativa, que é para ele o não saber, em cuja ausência ele é obrigado a
pressupor-se a si mesmo, caindo assim no que condena, a petição de princípio, o preconceito.
(idem, ibidem: 64)
Ainda segundo o autor, esse modo de legitimação, que coloca a narrativa como
validade do saber, pode tomar dois rumos, não o da verdade, mas também o da justiça,
“conforme represente o sujeito da narrativa como cognitivo ou como prático: como um herói
do conhecimento ou como um herói da liberdade”
(idem, ibidem: 67).
Dessa maneira, a ciência,
que excluiu as grandes narrativas de seu projeto de ordenação do mundo, convive hoje com as
pequenas narrativas, “evanescentes”, que a cada dia pontuam significações escorregadias e
imprevistas até mesmo a uma possível pretensão científica de organização.
O mundo que se apresenta hoje seria, assim, guiado também por necessidades
passageiras, voláteis, à medida que se pauta pelo excesso, pela fartura, pela permissividade. É
29
a isso que Baudrillard chama “Império do Bem”
(2005)
, ou seja, segundo ele, não sofremos
mais pela privação da posse, pela alienação, mas pela abundância de objetos, de signos, de
informação e, poderíamos dizer, de narrativas.
3.2.1. Um breve olhar sobre as “análises da narrativa”
Cumpre aqui traçar um breve quadro de referência sobre a natureza da narrativa
enquanto acontecimento discursivo a partir de um percurso por autores que, de uma forma ou
de outra, trazem contribuições ao que se convencionou denominar “análise da narrativa”.
O livro Morfologia do Conto Maravilhoso
(1984)
, de Propp, sem dúvida, representa o
momento inicial desse percurso, uma vez que se constitui como marco para a narratologia: “o
primeiro a dar uma demonstração convincente de que era não só desejável mas possível
elaborar-se um modelo teórico compreensivo, de base científica, para o estudo da ficção
(Lopes, 1997: 243)
.
Na citada obra, Propp apresenta um estudo sobre os contos populares russos tendo
como norteadora a investigação sobre a estruturação desses relatos. É o que se assinala na
palavra “morfologia” presente no título: “obteremos como resultado uma morfologia, isto é,
uma descrição do conto maravilhoso segundo as partes que o constituem, e as relações destas
partes entre si e com o conjunto”
(Propp, 1984: 25)
. Assim, a ênfase do autor recai sobre os
elementos invariáveis, constantes, da narrativa, a que ele denominou “funções”, e cujo
conjunto constituiria a “fábula”. Essas invariantes, segundo Propp, localizam-se no nível das
ações dos personagens. Por outro lado, ao conjunto de elementos variáveis corresponderia o
“enredo” (ou trama):
Nos casos citados encontramos grandezas constantes e grandezas variáveis. O que muda são os
nomes (e, com eles, os atributos) dos personagens; o que não muda são suas ações, ou funções.
Daí a conclusão de que o conto maravilhoso atribui freqüentemente ações iguais a personagens
diferentes. Isto nos permite estudar os contos a partir das funções dos personagens. (idem,
ibidem: 25)
30
A partir daí, o autor assinala 31 funções seqüenciais que, por sua vez, agrupariam-se
de forma lógica em sete esferas de ação. São elas: do antagonista (ou vilão, malfeitor), do
doador (ou provedor), do auxiliar, da princesa (e seu pai), do mandante, do herói e do falso
herói (ou impostor), consideradas como classes de personagens no conto de magia popular
russo (
idem, ibidem: 73-74
)
.
Desse modo, Propp concebeu dois modelos relacionados de análise da narrativa: um
pelo viés das funções invariantes presentes nos relatos; e outro pelo viés das esferas de ação,
que caracterizariam sete classes de atores, ou actantes, de acordo com a nomenclatura
proposta por Greimas.
Outra referência importante é a de Barthes
(1973)
, que propõe o estudo da narrativa
integrado em três níveis: das funções, das ações e da narração, apontando que a significação
não está em apenas um deles, mas os atravessa.
Quanto às funções, o autor as identifica como certos segmentos investidos de caráter
funcional, “que faz destes unidades” e que operam tanto no mesmo nível (distribucionais),
quanto de um nível a outro (integrativas), correspondendo, respectivamente, às funções
propriamente ditas
(cf. Propp, 1984)
e aos índices. No primeiro caso, teríamos narrativas com
predomínio de relações metonímicas (funcionais) e, no segundo, narrativas com predomínio
de relações metafóricas (indiciais). Assim, um pequeno agrupamento de funções formaria
uma seqüência significativa, por exemplo: traição, vingança, contrato, etc.
Quanto ao nível das ações, Barthes localiza a questão das personagens, não
definidos como essências psicológicas, mas sobretudo como agentes/atuantes narrativos, em
referência direta ao modelo greimasiano (cf. abaixo). Dessa maneira, a proposta é a de
descrevê-los não pelo o que são (ou quem são), mas pelo o que fazem.
o nível da narração, segundo o autor, representa a narrativa como comunicação, ou
seja, como enunciação e não como enunciado, consideradas, assim, todas as
cirscunstâncias discursivas para o seu acontecimento: “o nível narracional é pois ocupado
pelos signos da narratividade, o conjunto dos operadores que reintegram funções e ações na
comunicação narrativa, articulada sobre seu doador e seu destinatário”
(Barthes, 1973: 51).
Uma outra leitura do processo narrativo pode ser extraída de Bremond
(1973)
, cuja
31
ênfase recai sobre o acontecimento narrativo disposto em seqüências elementares ou tipos
narrativos elementares, que corresponderiam, de acordo com esse autor, a formas narrativas
primordiais e, de certa forma, universais:
Este engendramento dos tipos narrativos elementares é ao mesmo tempo uma estruturação das
condutas humanas agentes e pacientes. Elas fornecem ao narrador o modelo e a matéria de um
devir organizado que lhe é indispensável e que seria incapaz de encontrar em outro lugar.
Desejada ou temida, seu fim comanda um encadeamento de ações que se sucedem, se
hierarquizam, se dicotomizam segundo uma ordem intangível. Quando o homem, na
experiência real, combina um plano, explora na imaginação os desenvolvimentos possíveis de
uma situação, reflete sobre a marcha da ação empreendida, rememora as fases do
acontecimento passado, ele narra para si mesmo as primeiras narrativas que poderíamos
conceber. (...) Aos tipos narrativos elementares correspondem assim as formas mais gerais do
comportamento humano. A tarefa, o contrato, o erro, a cilada, etc., são categorias universais. A
rede de suas relações mútuas define a priori o campo da experiência possível. (Bremond,
1973: 134)
Ainda segundo Bremond, o circuito da narrativa completa-se em três movimentos
básicos: melhoramento (demeritório malfeito), degradação (em duas direções: merecida e
meritória, castigo e benefício) e reparação (recompensa). Desse modo, as narrativas
oscilariam no entremeio de dois princípios que se repetem: queda e penitência, desmérito e
mérito, sendo esse encadeamento ao mesmo tempo livre (a escolha da continuação da
narrativa pelo narrador) e controlado (o narrador pode escolher entre dois termos de uma
alternativa).
A esse respeito, Bremond questiona a linearidade do modelo funcional proppiano e
apresenta no lugar uma proposta multilinear, uma vez que considera a probabilidade do
acontecimento em algumas zonas desse percurso narrativo (a escolha entre ato e não-ato).
Assim, as seqüências elementares apresentam-se como encadeamento e como cruzamento das
funções que continuam aqui a se configurarem como o nível mínimo da narrativa, ao mesmo
tempo que engendram o que Bremond denomina “seqüência complexa
(idem, ibidem: 35)
,
assumindo, dessa forma, uma posição mediana.
Greimas
(1973: 230)
, ao refletir sobre os modelos actanciais, afirma, retomando Propp
32
(1984)
, que as personagens se definem por certas esferas de ão que se repetem, não apenas
no gênero conto popular (objeto de estudo de Propp), mas também no âmbito mais geral da
narrativa.
Para Greimas, tal “inventário” proposto por Propp em relação ao conto popular russo
confirma sua interpretação em relação às narrativas: “um número restrito de termos actanciais
basta para dar conta de um micro-universo semântico” (
Greimas, 1973: 230
). No entanto, o autor
atenta para o fato de que as esferas assinaladas por Propp, que recobririam “numerosas
funções”, servem muitas vezes apenas para resumir, o que implica generalização de sua
significação, e não para retratar, de fato, ações diferenciadas. (
Greimas, 1979: 9
)
Greimas propõe, assim, seu modelo actancial, com quatro actantes: sujeito, objeto,
destinador e destinatário e duas categorias actanciais: do adjuvante e do oponente, tendo como
base a relação de “desejo” (manifesto sob a forma da procura) entre sujeito e objeto e
considerando que a categoria do adjuvante age no sentido do desejo, trazendo auxílio,
enquanto a categoria do oponente age contra a realização do desejo, criando obstáculos (no
universo mítico, essas categorias são representadas, segundo o autor, pela dualidade forças
benfazejas e forças malfazejas).
que se considerar, ainda, que na narrativa, dois domínios diferentes se cruzam: o
domínio social, da ordem e da organização contratual da sociedade e o domínio individual, da
existência, da procura e dos valores individuais:
A apreensão paradigmática da narrativa estabelece, conseqüentemente, a existência da
correlação entre os dois domínios, entre o destino do indivíduo e o da sociedade. Vemos que,
assim compreendida, a narrativa apenas manifesta as relações que existem no vel da
axiologia coletiva, da qual ela não é senão uma forma de manifestação entre outras formas
possíveis. O conto popular é, nesse sentido, simplesmente uma encarnação particular de certas
estruturas de significação que podem ser anteriores a ele, e que muito provavelmente são
redundantes no discurso social. (Greimas, 1973: 270)
A respeito dessa anterioridade de “certas estruturas de significação” que persistem no
tecido social por meio das narrativas, Saussure já havia apresentado a hipótese segundo a qual
narrativas ocorrenciais variadas seriam oriundas de determinadas “narrativas-tipo” mais
antigas, matriciais:
33
Sua hipótese mais interessante antecipava algo da Morfologia do Conto Maravilhoso de Propp,
algo das Formas Simples, de Jolles, e, por mais estranho que pareça, algo que a semiótica da
narrativa greimasiana começou a trabalhar nos anos 60 sobre a figuratividade: tratava-se da
idéia, que o domina, segundo a qual um discurso narrativo qualquer, Dx, poderia ser concebido
como uma espécie de reescrita em expansão, de um outro discurso narrativo mais antigo, que
teria sobrevivido na forma de um fragmento matricial ou de uma programação narrativa
condensada – um discurso-tipo. (Lopes, 1997: 71)
Edward Lopes expõe tal hipótese saussureana para uma teoria da narrativa a partir de
uma breve citação reproduzida por Tullio de Mauro, em sua edição crítica ao Curso de
Lingüística Geral:
La thèse de Saussure est que ‘un livre contenant les aventures de Thésée, et seulement les
aventures de Thésée, a été la base d’une des grandes branches de la légende héroïque
germaine’, ce qui fut probablement ‘à une circulation dês mythologies classiques vers le
nord par l’intermédiaire des marines... et à propôs des constellations’. (Mauro, 1972: 347)
Tullio de Mauro contextualiza a tese de Saussure acima citada como resultado do
interesse do autor genebrino em estudar o poema Nibelungenlied, poema épico escrito por
volta de 1200 que tem como referência a mitologia nórdica-germânica, objeto ao qual
Saussure teria dedicado cerca de 150 páginas.
Outra importante percepção de Saussure, que, de certa forma, também adiantava os
estudos actanciais posteriores, diz respeito ao caráter componencial das personagens
assinalado por ele ao propor que a identidade do ator definir-se-ia não em termos
psicologizantes pré-configurados, mas em uma determinada combinação de traços
diferenciais, assim como o fonema (considerado “feixe de traços distintivos”).
Ce lien entre recherches externes, philologiques, et interest théoriques, fait qu’il n’est pas
surprenant de trouver dans des notes consacrées à des questions philologiques de précieuses
considérations théoriques. Nous le verrons également bientôt à propôs dês recherches sur les
anagrammes. Mais on le voit aussi dans les cahiers sur les Nibelungen. Dans l’um d’entre eux
(conserve à la Bibliothèque publique et universitaire de Genève, Ms. fr. 3958 4) on lit par
34
exemple ces observations importantes sur le caractere miologique du symbole: (...) ‘C’est
dans cet esprit général que nous abordons une question de légende quelconque, parce que
chacun dês personages est um symbole dont on peut voir varier exactement comme pour la
rune a)le nom, b)la position vis-à-vis des autres, c)le caractère, d)la fonction, les actes; si un
nom est transposé, il peut s’ensuivre qu’une partie des actes sont transposés, et
réciproquement, ou que le drame tout entier change par un accident de ce genre’. (idem,
ibidem: 348)
Destarte, o personagem não pode ser pensado como unidade, mas como resultado
combinatório, que pode desfazer-se a cada novo arranjo:
...tratado como um problema narrativo, o personagem é visto aqui, por Saussure, como um
lexema-ator, produto de uma denominação antropomorfizante um nome próprio (...) que lhe
fornece o suporte (a informação velha) (...), mais n definições ocorrenciais, n predicações, que
lhe fornecem o aporte (a informação nova) e que o tornam, a cada instante, diferente do que
antes fora. (Lopes, 1997: 75)
É justamente nesses cruzamentos (social e individual, matriz – anterior e ocorrências –
atualizações) que, acreditamos, a análise da narrativa oferece um caminho possível para
refletir a respeito da informação midiática, que se configura como relato, e sua conseqüente
implicação em um universo de troca, ao fazer circular valores sociais (ao mesmo tempo que
lhes visibilidade), manifestando, como citado acima, “relações que existem no nível da
axiologia coletiva”. A hipótese que se apresenta é que as informações oferecidas no palco
midiático são “lidas” como micronarrativas que revelam os valores enaltecidos por uma
sociedade, assim como seus valores de referência. Isso porque a troca
(como apresentamos a
seguir)
salienta o ato instituinte das sociedades ao estabelecer comensurabilidade das coisas
trocadas, atribuição que é inteligível em um determinado sistema de convenções e de
ordenação simbólica.
Assinala-se, assim, que as micronarrativas encenadas pelas mídias trazem também
determinadas organizações actanciais recorrentes (uma vez que matriciais) e que recortam
certas significações e excluem outras, traçando, dessa forma, valores sociais que circulam
nesse universo de trocas simbólicas.
que se considerar, ainda, a importante contribuição de Lévi-Strauss a uma análise
35
da narrativa que se dá pelo viés mítico, ao atribuir aos mitos um lugar privilegiado de
observação das sociedades por meio daquilo que carregam como narrativas próprias, mas que
ao mesmo tempo sugerem traços universais:
Tudo pode acontecer num mito; parece que a sucessão dos acontecimentos não está aí sujeita a
nenhuma regra de lógica ou de continuidade. Qualquer sujeito pode ter um predicado qualquer;
toda relação concebível é possível. Contudo, esses mitos, aparentemente arbitrários, se
reproduzem com os mesmos caracteres e segundo os mesmos detalhes, nas diversas regiões do
mundo. Donde o problema: se o conteúdo do mito é inteiramente contingente, como
compreender que, de um canto a outro da terra, os mitos se pareçam tanto? É somente com a
condição de tomar consciência desta antinomia fundamental, que provém da natureza do mito,
que se pode esperar resolvê-la. (Lévi-Strauss, 1973: 239)
Para analisar o mito, cuja substância, para Lévi-Strauss, encontra-se na história
relatada, o antropólogo parte da hipótese de que “como todo ser lingüístico, o mito é formado
de unidades constitutivas”
(idem, ibidem: 242)
. No entanto, no caso do mito, tais unidades
apresentam-se como mais complexas que os fonemas, os morfemas e os semantemas; são
grandes unidades constitutivas, ou mitemas, que devem ser procurados no nível da oração.
Assim, ao decompor cada mito analisado por meio de frases curtas, o autor percebe que cada
mitema tem a configuração de uma relação, mas não apreensível somente de forma linear;
antes, deve ser tomado como um feixe de relações:
Supomos, com efeito, que as verdadeiras unidades constitutivas do mito não são as relações
isoladas, mas feixes de relações, e que é somente sob a forma de combinações de tais feixes
que as unidades constitutivas adquirem uma função significante. (...) Realmente, este sistema é
de duas dimensões: ao mesmo tempo diacrônico e sincrônico. (idem, ibidem: 244)
É o que Lévi-Strauss ilustra a partir da análise do mito de Édipo, propondo dispô-lo
em quatro colunas verticais, “cada qual agrupando inúmeras relações pertencentes ao mesmo
‘feixe’”
(idem, ibidem: 247)
, evidenciado como um traço comum. Dessa maneira, a primeira
coluna “Cadmo procura sua irmã Europa, raptada por Zeus”; “Édipo esposa Jocasta, sua
36
mãe” e “Antígona enterra Polinice, seu irmão, violando a interdição” representaria como
traço comum as relações de parentesco superestimadas. a segunda coluna “os Spartoi
[espartanos] se exterminam mutuamente”; “Édipo mata seu pai Laio” e “Etéocles mata seu
irmão Polinice” expressaria as relações de parentesco subestimadas ou depreciadas. A
terceira coluna – “Cadmo mata o dragão” e “Édipo imola a Esfinge” – diz respeito, segundo o
autor, a “monstros e sua destruição”, tendo como traço comum a negação da autoctonia do
homem, uma vez que tanto ao dragão quanto à Esfinge é atribuído um caráter ctônico e ambos
são vencidos por homens. Por fim, a quarta coluna retrata os nomes próprios da linhagem
paterna de Édipo, que “evocam uma dificuldade em andar corretamente” bdaco (pai de
Laio) = ‘coxo’”; “Laio (pai de Édipo) = ‘torto’” e “Édipo = ‘pé-inchado’” – e teria como traço
comum a persistência da autoctonia humana. O mito de Édipo significaria, então, de acordo
com Lévi-Strauss,
a impossibilidade em que se encontra uma sociedade que professa a crença na autoctonia do
homem (assim, Pausânias, VIII, XXIX, 4: o vegetal é o modelo do homem) de passar, desta
teoria, ao reconhecimento do fato de que cada um de nós nasceu realmente da união de um
homem e de uma mulher. A dificuldade é insuperável. Mas o mito de Édipo oferece uma
espécie de instrumento lógico que permite lançar uma ponte entre o problema inicial –
nascemos de um único ou de dois? e o problema derivado, que se pode formular,
aproximadamente: o mesmo nasce do mesmo ou do outro? (idem, ibidem: 250)
Tal método de análise dos mitos foi também utilizado por Lacan ao refletir sobre o
caso do pequeno Hans, a partir da análise realizada por Freud
6
. A respeito do método
apresentado por Lévi-Strauss, Lacan enfatiza o fato da leitura efetivar-se duplamente, de
forma vertical e horizontal:
Praticando-o, podemos chegar a ordenar todos os elementos de um mito. Estes são alinhados
de tal modo que, lidos num certo sentido, sejam a seqüência do mito. Mas o retorno dos
mesmos elementos, retorno que não é simples, mas ordenado, obriga a ordená-los, não
simplesmente numa linha, mas numa superposição de linhas que se dispõem como numa
partitura, e vocês podem ver, então, estabelecer-se uma série de sucessões legíveis tanto
horizontal quanto verticalmente. (Lacan, 1995: 283)
6
Freud publicou o caso em 1909: Análise de uma fobia em um menino de 5 anos.
37
Para Lévi-Strauss, tanto o mito quanto o conto resultam da união de linguagem e
metalinguagem, afirmação que, de um certo modo, Lacan repercute ao dizer que é inútil
iludir-se com a metalinguagem. Assim, a versão “autêntica ou primitiva” de um mito, por
exemplo, não teria mais importância do que qualquer outra. Ao contrário, é o conjunto de
todas as suas versões que definem um determinado mito: “o mito permanece mito enquanto é
percebido como tal”
(Lévi-Strauss, 1973: 250)
. Nesse sentido, poder-se-ia inferir: a informação
midiática é também resultado de diferentes versões sobre um mesmo “fato”, de tal forma que
a nenhuma delas pertença o estatuto de mais verdadeira ou da mais próxima do acontecido;
como relatos que são, constroem o factual no mesmo momento em que se materializam. Não
aqui distância alguma separando o acontecimento e sua versão relatada, posto que é a
própria narrativa que materializa o fato “jornalístico” enquanto tal, apreendido em um espaço
simbólico de demandas contínuas, de trocas propostas.
3.3. Informação e troca simbólica
3.3.1. Troca
Quando se pensa em troca, sem dúvida a primeira referência que nos vem à mente é a
de reciprocidade, algo que se dá, mas também, algo que se recebe. De acordo com Fontaine,
em L’echange, a palavra troca designa a transferência de bens ou serviços entre duas partes
segundo os termos de um acordo prévio: o termo fundamental desse acordo é constituído pelo
princípio da equivalência dos bens trocados
(Fontaine, 2002: 5)
.
Ainda segundo o autor, a troca se impõe como mediação constitutiva do “ser em
comum” do homem. Assim, extrapola o âmbito econômico e mercantil, para estabelecer-se
como um “fato primeiro”, ao manifestar seu poder de instituição da própria humanidade do
humano, uma vez que o ser do humano é indissociável desta dimensão do ser-para-outrem,
dimensão pela qual todas as coisas tomam sentido
(idem, ibidem: 137)
e que se traduz no
processo da troca, da circulação, da reciprocidade.
38
Pode-se dizer que é justamente nessa mediação que se apreende a troca, ou seja, ela
não está em nenhuma das duas partes que selam esse acordo, nem tampouco nas coisas que
circulam, mas na própria circulação, no próprio ato de comunicação entre os homens.
que se considerar, ainda, que essa comunicação é regida pelo princípio da
equivalência, como foi assinalado acima, o que implica atribuição de valores aos bens
trocados. Dessa forma, trocam-se apenas valores e é a sociedade através de seus sistemas
simbólicos (economia, religião, ideologia, política, filosofia, arte, etc.) que confere esses
valores às coisas
(idem, ibidem: 6)
. Para que haja essa atribuição, essa comensurabilidade das
coisas, é necessária a pressuposição de um valor primeiro, um axioma de referência, para a
fixação de todos os outros valores. Tal axioma remeteria diretamente a uma determinada
ordem simbólica, que toda sociedade constitui sua ordem simbólica, ou seja, um conjunto
de significações imaginárias sociais.
Cada sociedade define e elabora uma imagem do mundo natural, do universo onde vive,
tentando cada vez fazer um conjunto significante, no qual certamente devem encontrar lugar os
objetos e seres culturais que importam para a vida da coletividade, mas também esta própria
coletividade, e finalmente, uma certa “ordem do mundo”. (Castoriadis, 1982: 179)
Se é preciso que haja esse “ordenamento” simbólico para estabelecer-se um sistema de
equivalência, cabe aqui perguntarmos a respeito dessa instituição. O que é a ordem simbólica?
Como se apresenta esse valor de referência, a partir do qual todas as atividades sociais se
organizam e ganham significação?
Segundo Fontaine, esse proto-valor (referindo-se a Aristóteles) pode ser apreendido na
percepção dos valores fundamentais que norteiam uma sociedade. Nesse sentido, explorar
esses valores na sociedade brasileira é uma das próximas etapas dessa pesquisa
(3.3.2.)
, uma
vez que a troca só pode ser entendida à luz desses valores fundadores, de acordo com o autor.
A seguir, traçaremos um breve comentário sobre a troca no modelo econômico, apenas
como referência de apoio, uma vez que tal angulação não manifesta a opção de abordagem
desta pesquisa. Na seqüência, trataremos da troca no modelo antropológico, este sim
delineador das reflexões levantadas neste trabalho.
A troca econômica, que também tem como condição primeira a instauração de um
sistema de equivalência, como foi dito acima, encontra no uso da moeda a garantia de um
padrão único de circulação de bens e, além disso, a representação de um valor "inegável", o
39
valor por si só, servindo, então, não apenas para efetuar transações, mas para o próprio
enriquecimento.
Marx, que nomeia a moeda como "equivalente universal", realiza um estudo prático da
troca (e não teórico) percebida como um problema centrado na definição de dois termos: valor
de uso e valor de troca. Para Marx, o valor de uso refere-se às qualidades naturais das
mercadorias do ponto de vista de sua utilidade na vida cotidiana e é com o valor de troca, que
atesta a necessidade de troca entre os homens, que se a passagem do simples valor de uso
(universo heterogêneo dos bens) para o valor de troca (que estabelece equivalência entre os
bens, por meio de uma regra quantitativa).
É justamente a partir dessa quantificação abstrata que, segundo Marx, o valor material
das coisas vai se perdendo em favor de seu preço sobre o mercado. Desde então, os produtos
da troca, que em tal sistema não é mais regida pela necessidade, apresentam-se ao trabalhador
como um mundo exterior, no qual ele não reconhece o produto de seu próprio trabalho.
Assim, de acordo com Marx, a alienação do trabalho ocorre pela característica enigmática e
fetichista da mercadoria: as coisas são por elas mesmas exteriores ao homem e, por
conseqüência, alienáveis.
A troca no modelo antropológico
A troca aqui é vista além de seu viés econômico, como um "fenômeno social total",
uma vez que os diferentes sistemas simbólicos que constituem a cultura são todos fenômenos
de troca. O primeiro a estudar a troca de maneira sistemática nessa área foi o antropólogo
Marcel Mauss.
No texto "Introdução à obra de Marcel Mauss", Lévi-Strauss
(1974)
atenta para a
modernidade e a importância do pensamento de Mauss especialmente em relação à sua
contribuição a uma "arqueologia dos hábitos corporais" e à pertinência em perceber a
aproximação existente entre etnologia e psicanálise, à luz da lingüística estrutural.
Nesse sentido, Mauss teria assinalado de maneira apropriada, no início do século
XX, as relações existentes entre corpo e sociedade, indivíduo e grupo. A esse respeito, Lévi-
Strauss aponta que essas relações não são de subordinação, ou de causa e efeito, mas, antes,
de complementaridade. É o que acontece no caso do xamanismo, considerado como exemplo
de conduta especial ("anormal") em relação às condutas ditas normais em uma dada
40
sociedade: "Pode-se, pois, dizer que, para cada sociedade, a relação entre as condutas normais
e as condutas especiais é complementar"
(Lévi-Strauss, 1974: 11)
.
Tal complementaridade entre psiquismo individual e estrutura social confirma-se na
própria origem simbólica da sociedade, que a cultura "pode ser considerada como um
conjunto de sistemas simbólicos em cuja linha de frente colocam-se a linguagem, as regras
matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião."
(idem, ibidem: 9)
. Para Lévi-
Strauss, no entanto, Mauss formula imprudentemente a noção de simbolismo ao acreditar ser
possível elaborar uma teoria sociológica do simbolismo, em vez de procurar a própria origem
simbólica da sociedade.
A noção de fato social total corrobora a importância de pensar-se o social integrado
em sistema: "depois de, um tanto forçadamente, haver dividido e abstraído, é preciso que os
sociólogos se empenhem em recompor o todo"
(Mauss apud Lévi-Strauss, 1974: 14)
. Nesse todo,
incluem-se as figuras de observado e observador que, na prática etnológica, devem ser
percebidas num único e mesmo movimento.
Que o fato social é total não significa apenas que tudo o que é observado faz parte da
observação, mas também, e principalmente, que em uma ciência em que o observador é da
mesma natureza que o seu objeto, o observador é, ele mesmo, parte de sua observação (Lévi-
Strauss, 1974: 16).
Essa consideração remete-nos diretamente à questão eu/outro, subjetivo/objetivo que,
para Lévi-Strauss se resolve no terreno do inconsciente, necessidade percebida por
Mauss. É o inconsciente que fornece, ao mesmo tempo, o caráter comum e específico dos
fatos sociais. O problema que se coloca à etnologia, assim, é o de uma comunicação
"procurada" entre um eu e um outro.
Esse caráter comunicacional da observação etnológica pode ser apreendido de forma
mais direta na troca, considerada "denominador comum de um grande mero de atividades
sociais aparentemente heterogêneas entre si"
(idem, ibidem: 24)
, sem, no entanto, ser percebida
nos fatos, uma vez que é preciso construí-la, pois exige a existência de uma estrutura
(portanto, inconsciente), "cuja experiência apenas fornece os fragmentos, os membros
esparsos, ou antes, os elementos".
Percebe-se aí, nessa releitura de uma das obras mais influentes de Mauss, o Ensaio
sobre a dádiva, uma das matrizes recorrentes no pensamento de Lévi-Strauss:
41
O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica,
mas aos modelos construídos em conformidade com esta. Assim aparece a diferença entre duas
noções, tão vizinhas que foram confundidas muitas vezes: a de estrutura social e a de relações
sociais. As relações sociais são a matéria-prima empregada para a construção de modelos que
tornam manifesta a própria estrutura social. Em nenhum caso esta poderia, pois, ser reduzida
ao conjunto das relações sociais, observáveis numa sociedade dada. (1973: 316-317)
Assim, para que a troca se estabeleça, três obrigações são observadas, segundo Mauss:
dar, receber e retribuir, estas sim verificadas na vida social. É nesta última obrigação, a da
retribuição (ou, ainda, prestação) que Mauss se detém ao considerar o caráter voluntário e, ao
mesmo tempo, imposto dessa transação:
...queremos considerar aqui um único traço, profundo, mas isolado: o caráter voluntário, por
assim dizer, aparentemente livre e gratuito e, no entanto, imposto e interessado dessas
prestações (...) Qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo atrasado ou
arcaico [sic], faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído? Que força há
na coisa dada que faz com que o donatário a retribua? (Mauss, 1974: 42)
Para Lévi-Strauss, refletir sobre essa força que faz as dádivas circularem pode ser a
chave para transcender o pensamento de Mauss naquilo que este teria deixado apenas como
possibilidade. A fonte de energia aplicada aos corpos isolados na troca operaria, dessa forma,
a síntese necessária à unidade do todo representada por esse fenômeno, que "a unidade do
todo é ainda mais real do que cada uma das partes", preceito formulado por Mauss no seu
Esboço de uma teoria geral da magia, mas considerado diferentemente no posterior Ensaio
sobre a dádiva:
Ao contrário, no Ensaio sobre a dádiva, Mauss obstina-se em reconstruir um todo com as
partes e, como é manifestamente impossível, é preciso juntar à mistura uma quantidade
suplementar que dá a ilusão de completá-lo. Esta quantidade é o hau. (Lévi-Strauss, 1974: 25)
O problema apontado por Lévi-Strauss no pensamento de Mauss seria, então, o de ter
se deixado mistificar por uma teoria indígena, uma vez que o hau nada mais seria do que um
42
produto da reflexão indígena, que efetua a ilusão (necessária) de completude buscada na troca,
mas não sua razão última.
Essa força depositada nos objetos e que os força a serem retribuídos, transferidos, é,
assim, de uma outra ordem, que pode ser identificada com a noção de mana, estudada por
Mauss no Esboço de uma teoria geral da magia.
Lévi-Strauss imprime ao termo polinésio uma visão estruturalista ao identificar aí uma
forma de pensamento universal percebida em termos correlatos utilizados em outras
localidades: manitu, wakan, orenda, que representariam explicações do mesmo tipo: um
"fluido" que se deposita nos objetos e que é transferível, ou, ainda, uma força secreta,
misteriosa da qual investem-se determinados objetos e que os reveste de "valor de troca", que
lhes dá uma certa atmosfera sagrada.
Em uma perspectiva lingüística, mana representa um valor indeterminado de
significação,
e portanto suscetível de receber qualquer sentido, cuja única função é suprir um desvio entre o
significante e o significado, ou, mais exatamente, de assinalar o fato de que em tal
circunstância, tal ocasião, ou tal manifestação, uma relação de inadequação se estabelece entre
significante e significado com prejuízo da relação complementar anterior. (Lévi-Strauss, 1974:
30)
Em outras palavras, o mana seria aquela palavra que surge justamente quando "as
palavras faltam"; no fenômeno inconsciente da troca representaria, assim, não o valor
atribuído a cada objeto em particular mas antes, aquilo que garante a relação entre eles e, num
plano imaginário, sua ntese, a ilusão necessária para que se estabeleça o movimento de
circulação e, portanto, comunicação social.
Essa necessidade de síntese, segundo o autor, não é percebida de forma direta pela
sociedade; o mana seria, dessa forma, apenas "a reflexão subjetiva da exigência de uma
totalidade não percebida". Nesse sentido, a troca constitui-se como uma abstração
momentânea dessa unidade do todo:
A troca não é um edifício complexo, construído a partir das obrigações de dar, de receber e de
retribuir, com o auxílio de um cimento afetivo e místico. É uma síntese imediatamente dada ao
e pelo pensamento simbólico, que, na troca como em toda outra forma de comunicação, supera
43
a contradição que lhe é inerente de perceber as coisas como os elementos do diálogo,
simultaneamente sob a relação de si e de outro destinadas por natureza a passar de um para o
outro. Contudo, não se o mesmo com a magia? (...) Todas as operações mágicas repousam
na restauração de uma unidade, não perdida (pois nada nunca se perde), mas inconsciente, ou
não completamente consciente como essas próprias operações. A noção de mana não é da
ordem do real, e sim da ordem do pensamento que, mesmo quando pensa sobre ele mesmo,
pensa sempre num objeto."(idem, ibidem: 32)
Percebe-se aqui a ênfase de Lévi-Strauss no pensamento simbólico e no seu exercício
que pode se dar via caráter relacional. Daí a oposição assinalada pelo autor entre
simbolismo e conhecimento, este último marcado pela continuidade, enquanto o primeiro
marca-se pela descontinuidade. Esse é também o ponto de aproximação entre estrutura e
sincronia, conceitos concernentes à própria constituição da linguagem como sistema
simbólico.
Dessa forma, a significação encontrada (o sentido, o encontro momentâneo entre
significante e significado) estaria para a troca assim como significantes e significados em
descompasso, inadequação (dada a superabundância de significantes em relação aos
significados) estariam para os termos isolados envolvidos no processo de troca. As noções do
tipo mana representariam, pois, esse significante flutuante que é a "garantia" de "todo
pensamento acabado" e que, nessa migração de significação (o próprio processo da troca)
resolve a contradição inerente do exercício simbólico ao imprimir para si um valor simbólico
zero.
Para Lévi-Strauss, portanto, a obra de Mauss reveste-se de importância na medida em
que antecipa os caminhos de uma lógica simbólica para o campo da sociologia, assimilada das
leis de funcionamento da linguagem.
Nessa perspectiva, Lévi-Strauss, ao buscar uma analogia entre vida em sociedade e
linguagem, entende os tipos de troca observáveis quanto às regras de casamento, por exemplo,
como constituintes de uma forma geral de reciprocidade que permanece obscura, porque
inconsciente. De acordo com o autor, não se deve, assim, classificar o conjunto das regras de
casamento observáveis nas sociedades humanas em categorias heterogêneas e diversamente
intituladas: proibição do incesto, tipos de casamentos preferenciais etc.
(1973: 76)
Na apreensão dessa estrutura, deve-se, por outro lado, considerar as regras do
casamento e os sistemas de parentesco como uma "espécie de linguagem", ou seja, como
operações que assegurem entre indivíduos e grupos um certo tipo de comunicação.
44
Que a troca é da mesma ordem que a comunicação parece ser uma questão já
previamente concordada, uma vez que o próprio termo troca sugere os elementos de uma
comunicação possível: reciprocidade, circulação, transferência. No entanto, a simples
constatação de que os humanos constituem-se em relações e não nos termos isolados da vida
social redunda em desafio para os estudos sociais, dada a freqüente dificuldade em abstrair
sentidos a partir de uma lógica do significante, como postulam as ciências da linguagem.
Nesse sentido, pode-se considerar a troca como alicerce não das atividades sociais
nas sociedades ditas "arcaicas" mas também nas sociedades "modernas", uma vez que, num
âmbito lingüístico, caracteriza a busca nunca realizada por uma significação que supra a fenda
instituinte entre significantes e significados, que seja capaz de efetuar uma totalidade (mesmo
que imaginária) nas relações humanas.
Vem dessa incapacidade de "junção perfeita" a obrigação de restituir, de retribuir o
valor trocado, percebida na tríade dar - receber - retribuir apontada por Mauss e retomada por
Lévi-Strauss e que, sob o prisma da comunicação, é o que permite a circulação de signos na
cena cultural, que aquilo que se procura não é de fato nunca encontrado, instituindo-se daí
uma nova busca por significações, por "bens" revestidos de uma promessa de totalidade não
percebida.
Tal "aura" de unidade, no entanto, como foi explorado, o se encontra no
objeto/signo, mas na relação entre eles, assim, não no "em si", mas no "entre" (mediação
estabelecida nessa procura). O mana como esse significante flutuante que garante a ilusão de
unidade buscada na troca ao mesmo tempo reinstaura uma nova falta, ao não ser preenchido
por nenhum significado, já que representa um valor simbólico zero.
A troca, dessa forma, pode ser considerada como o próprio exercício do pensamento
simbólico porque os "bens" trocados comunicam antes de mais nada informações, não por
serem coisas em si mesmas, mas por constituírem-se como signos.
Talvez seja essa uma das grandes contribuições de Lévi-Strauss ao estabelecimento de
um campo de estudo interdisciplinar de origem, o domínio das chamadas ciências da
linguagem, que convoca para si o entrelaçamento de disciplinas outrora consideradas
independentemente como a lingüística, a psicanálise e a antropologia, diálogo pensado por
esse autor especialmente no que diz respeito ao cruzamento de matrizes de seu campo de
atuação com as contribuições dos estudos em fonologia e nos estudos sobre o inconsciente,
noção até então considerada por muitos como incompatível à prática científica.
Tal contribuição pode ser pensada, ainda, na pontuação de uma questão que é também
essencial aos estudos em comunicação: a separação eu-outro, sujeito-objeto, indivíduo-
45
sociedade. Diante de uma abordagem estrutural, essas distinções diluem-se, pois as figuras de
eu-outro ou, ainda, emissor-receptor só podem ser apreendidas em um mesmo movimento, em
relações determinadas.
No plano da comunicação, são as informações que estabelecem uma mediação
possível, mas essas informações, ao contrário do que postulavam as teorias clássicas na área,
não são "enviadas" de um pólo a outro; antes, constituem o próprio sistema ao reinaugurarem
a série a cada significação pedida e imaginariamente encontrada, travando-se a analogia
desse processo com o da troca.
Lévi-Strauss, ao retomar Mauss, como foi mostrado anteriormente, recoloca a questão
da ilusão de completude de um todo, que se faz necessária ao sistema social, por meio da
troca, mas cuja razão não está naquilo que parece completar/cimentar a mistura (o hau), antes
"é uma necessidade inconsciente cuja razão está alhures", aponta o antropólogo.
Pode-se inferir, assim, que esse "outro lugar" inscreve-se justamente na ordem
simbólica que constitui as sociedades, que as faz relacionais e, portanto, faz com que haja
comunicação, com que os falantes troquem mais do que coisas, mas, antes, valores,
significações.
3.3.2. O “fazer-ser” brasileiro: valores de troca na sociedade brasileira
De acordo com Castoriadis, a troca pode ser considerada possibilidade de acesso à
ordem simbólica de uma determinada sociedade, o que equivale a dizer que se configura
como uma forma de ler” as significações que a produzem: “compreender, e mesmo
simplesmente captar o simbolismo de uma sociedade, é captar as significações que carrega.
Essas significações aparecem veiculadas por estruturas significantes”
(1982: 166)
. E salienta
a mediatização constituinte do ser social:
A sociedade não é uma coisa, nem um sujeito, nem idéia e tampouco coleção ou sistema de
46
sujeitos, de coisas e idéias (...). A unidade de uma sociedade, como sua ecceidade o fato de
ser esta sociedade e não outra qualquer podem ser analisadas em relações entre sujeitos
mediatizados por coisas, já que toda relação entre sujeitos é relação social entre sujeitos
sociais. (idem, ibidem: 213)
É, assim, a partir da troca que se pode vislumbrar os valores fundantes da sociedade,
ou sua ordem simbólica, uma vez que se trocam não coisas, mas valores atribuídos às coisas
(conforme discutimos anteriormente).
Outra forma de se pensar a respeito da ordem simbólica ou do ser social são as
representações sociais, conceito aqui tomado de Serge Moscovici
(2003)
, para quem uma
determinada realidade social é constituída por re-apresentações convencionalizadas de
objetos, pessoas e acontecimentos, dando-lhes uma forma ancorada em um sistema particular
de categorias e objetivada em uma qualidade icônica, “corpórea”. De acordo com o autor, o
caráter social de tais representações deve-se não a uma suposta origem coletiva, mas sim a um
eficiente processo de esquecimento, apagamento desse “corpo” compartilhado em uma
determinada coletividade, o que lhes garante um valor permanente:
Longe de refletir, seja o comportamento ou a estrutura social, uma representação muitas vezes
condiciona ou até mesmo responde a eles. Isso é assim, não porque ela possui uma origem
coletiva, ou porque ela se refere a um objeto coletivo, mas porque, como tal, sendo
compartilhada por todos e reforçada pela tradição, ela constitui uma realidade social sui
generis. Quanto mais sua origem é esquecida e sua natureza convencional é ignorada, mais
fossilizada ela se torna. O que é ideal, gradualmente torna-se materializado. Cessa de ser
efêmero, mutável e mortal e torna-se, em vez disso, duradouro, permanente, quase imortal.
(Moscovici, 2003: 41)
Pode-se inferir, a partir do referencial narrativo apontado antes, que as representações
sociais não se inserem na vida cotidiana de forma direta, mas por meio de encenações que
promovam a ordenação desse espaço social, pelas quais torna-se possível, e mesmo
reconfortante, vislumbrar “cada coisa em seu lugar”, por um implícito contrato discursivo que
tem nas falas, nas “conversações” a efetivação do sentido de pertencimento, a que se refere
Moscovici a respeito do caráter consensual das representações:
Em longo prazo, a conversação (os discursos) cria nós de estabilidade e recorrência, uma base
47
comum de significância entre seus praticantes. As regras dessa arte mantêm todo um complexo
de ambigüidades e convenções, sem o qual a vida social não poderia existir. Elas capacitam as
pessoas a compartilharem um estoque implícito de imagens e de idéias que são consideradas
certas e mutuamente aceitas. O pensar é feito em voz alta. Ele se torna uma atividade ruidosa,
pública, que satisfaz a necessidade de comunicação e com isso mantém e consolida o grupo,
enquanto comunica a característica que cada membro exige dele. (idem, ibidem: 51)
Sugere-se, aqui, pode-se dizer, uma recorrência à ação do discurso midiático como
aquele que efetivamente amplia esse “ruído” e faz com que nos reconheçamos uns aos outros
nas “falas” proferidas, como parte de um social comum, que pode ser comungado a cada dia,
a cada atualidade.
Para Moscovici, esse ser social, captado pelas representações, traz, ainda, outra
questão à tona. Por transformar o não-familiar em familiar, as representações sociais
dependem da memória e inserem-se, por isso mesmo, em um processo histórico, sujeito às
mudanças de percepção que o indivíduo guarda nessa sua trajetória de aprendizado ou
reconhecimento de suas matrizes sociais. Ou seja, de acordo com o autor, ainda que as
representações sociais se realizem em uma perspectiva de permanência, não escapam a um
contínuo processo de apreensão de imagens e conceitos vindos por meio das instituições que
atuam nesse corpo social: família, escola, meios de comunicação.
Especificamente sobre a sociedade brasileira, relevantes estudos foram empreendidos
à procura de nossos valores, de nossas representações sociais, do “ser nacional”; estudos de
tal forma variados e plurais que seria impossível, nestas páginas, dar conta de tamanha
diversidade. O que se buscam aqui são apenas algumas referências a esse pensar que, neste
ponto de vista, dialogam com as expectativas desconfiadas de que o discurso midiático que
recorta a cena brasileira recorta também (e expõe) os valores que emanam dessa mesma
sociedade.
A primeira dessas referências é Raízes do Brasil, em que Sérgio Buarque de Holanda
aborda temáticas delineadoras daqueles que seriam traços marcantes do ser brasileiro, a partir
de uma perspectiva histórica: o personalismo e sua conseqüente falta de espírito de
organização e coesão social, a obediência como disciplina, o viés aventureiro e provisório, em
detrimento ao trabalho “consolidado”, a carência de orgulho racial, o privilégio da rotina
sobre a razão, o cordialismo e o patrimonialismo.
No livro, as “raízes” brasileiras são apresentadas de forma binária e opositiva, o que
Antonio Candido, no prefácio, identifica como “admirável metodologia dos contrários”:
48
Trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma
impessoal e impulso afetivo são pares que o autor destaca no modo-de-ser ou na estrutura
social e política, para analisar e compreender o Brasil e os brasileiros. (Candido, 1999: 13)
No capítulo “O homem cordial”, Holanda aponta a forte influência da família
patriarcal vigente desde tempos remotos no Brasil como um elemento decisivo da confusão
entre os domínios público e privado, uma vez que a sociedade, a partir desse modelo, tende a
ser vista como extensão do núcleo familiar, o que, segundo o autor, por vezes, fez com que
detentores de posições públicas de responsabilidade tratassem a gestão política do país como
assunto de interesse particular. E é a partir dessa ênfase dada ao domínio do familiar, da
proximidade de relações, que se pode atribuir a cordialidade ao homem brasileiro, menos por
sua característica virtuosa do que por sua exacerbação emotiva. Distinção que o autor ressalta
em nota ao final do livro, informando que a expressão “homem cordial” é do escritor Ribeiro
Couto e salientando que a palavra cordial deve ser tomada em seu sentido estritamente
etimológico (do latim medieval cordiãlis, de cor cordis, relativo ao coração), o que na
acepção delineada por Sérgio Buarque de Holanda retrata a esfera do íntimo, do familiar, do
privado.
O “homem cordial”, assim, não é o homem “bondoso” por natureza, mas antes, aquele
que atua socialmente pela explosão de sentimentos, que age “pelo coração”, o que está longe
de se caracterizar como algo positivo. O autor deixa claro que o “homem cordial” não é uma
constatação feliz, muito pelo contrário, sugere que é algo que deve ser alterado, ultrapassado,
pois configura-se como um dado negativo, que retrata o homem que permanece atrelado
aos grupos primários e tem dificuldades de se inserir “normalmente” a outros grupos. Tal
duplicidade de sentidos (quanto à palavra cordialidade), no entanto, promoveria equívocos
interpretativos em relação à expressão tida como central na obra de Holanda. Para ele:
A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que
nos visitam, representam, com efeito, um traço definitivo do caráter brasileiro, na medida, ao
menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio
humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano que essas virtudes possam
significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo
emotivo extremamente rico e transbordante. (Holanda, 1995: 146-147)
De acordo com o autor, prevaleceria na vida brasileira uma “ética de fundo emotivo”,
revestida do desejo de intimidade, que poderia ser percebida em mais de um exemplo: a
49
predileção pelo nome individual (o prenome) e não pelo nome da família, o pendor acentuado
pelo emprego de diminutivos, a proximidade com os santos na prática religiosa, alguns até
sendo tratados por meio de possessivos: “meu santo...”. Essa exacerbação de afetividade
contribuiria, também, em igual parte, à formação e ao reforço de laços comunitários,
familiares e à sua ruptura violenta, que predominam os comportamentos pautados pela
emotividade e não pela razão.
que se considerar, ainda, que esse tipo de ingerência do particular no trato da coisa
pública definiria o funcionalismo “patrimonial”, que se ordena pela pessoalidade na vida do
Estado, regida por relações de confiança e de laços “de sangue e de coração”, relações essas
que persistiriam, contraditoriamente, mesmo na constituição de nossas instituições
democráticas, que se ordenariam, em tese, por normas antiparticularistas.
É a essa configuração de Estado patrimonial no Brasil que se refere Raymundo Faoro,
em Os donos do poder. De acordo com o autor, o país se constrói, na esteira de Portugal,
também como um Estado patrimonial, e não feudal, como sugerem autores que vêem na
composição senhor-escravo das grandes propriedades açucareiras brasileiras ponto de
comparação com a composição senhor-servo dos feudos europeus. Faoro repele essa tese ao
salientar que a empresa de plantação no Brasil sempre apresentou “nítido cunho capitalista”,
ao se ordenar sob os olhos da coroa, que buscava administrar seu patrimônio: “O sistema
patrimonial, ao contrário dos direitos, privilégios e obrigações fixamente determinados do
feudalismo, prende os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representam a extensão da
casa do soberano.”
(Faoro, 2000: 25)
Como uma das conseqüências de tal sistema, segundo o autor, tem-se o
desenvolvimento de uma sociedade submissa, tutelada, que vê no Estado uma “potência
inabordável, longínqua e rígida”:
À tutela colonial sucede-se a tutela imperial, sob a luz de um mito, o venerando imperador,
fonte de bondade e respeito ao cidadão, mas, na verdade, desvirilizado pelos intermediários e
idealizado pela distância. À anarquia sucede a ordem, ao tumulto do país real a paz fictícia do
país oficial, depois, uma transação tão governamental como a outra. Sempre, mortos os fumos
da Independência, o governo paira sobre as águas, comandando os elementos. (idem, ibidem:
436)
Nessa perspectiva, a sociedade assim ordenada não se parte do Estado, nem
tampouco se sabe ativa e capaz de reger seu próprio destino. Na relação família patriarcal e
Estado patrimonial repousa a figura do “pai” onipotente, que tudo sabe e tudo controla, o pai
50
ora opressor, ora benevolente, mas, antes, aquele que administra um negócio. O país surge,
aqui, como empresa a ser gerida em favor de interesses personalistas, privados, alheios a
qualquer anseio de nação-povo e que buscam restringir qualquer aspiração de “vida em si”,
fato observado na própria acepção de “homem cordial”, apontada antes: o brasileiro que se
forma nos quadros familiares, nucleares, e não como parte atuante de uma sociedade:
no (sic) “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do
pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as
circunstâncias de existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o indivíduo,
cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro como bom americano tende a
ser a que mais importa. Ela é antes um viver nos outros. (Holanda, 1995: 147)
Darcy Ribeiro, em O povo brasileiro, salienta, em uma perspectiva antropológica, a
idéia de que o “povo” que nesse território se circunscreve é um povo em gestação, em ser,
mas “impedido de sê-lo”, que, segundo ele, nunca houve um projeto nacional e, mais que
isso, nunca houve a idéia de “povo em si”. A construção da identidade deu-se aqui pela
negação da identidade, alheia a um projeto próprio, voltada sempre a um “outro”:
O ruim aqui é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da
população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. Não há,
nunca houve aqui um povo livre, regendo seu destino na busca de sua própria posteridade.
(Ribeiro, 1995: 452)
Não obstante, há, nos diversos modos de ser do brasileiro, uma unidade, uma certa
idéia de nação. Assim, apesar das diferentes matrizes formadoras, os indivíduos dessa terra,
segundo o autor, “se sabem e se sentem e se comportam como uma gente”, formada por
contradições latentes, advindas de um determinado processo colonizador, que vitimou
milhões de índios e negros, seja pelas epidemias trazidas pelos brancos de além-mar (no caso
dos primeiros), seja pelo transporte desumano (no caso dos segundos), ou ainda pelo desgaste
extremo na trabalho escravo (nos dois casos). Tal processo de vitimização, de acordo com
Darcy Ribeiro, teria marcado “indelevelmente” nossa gestação como povo, não pelo viés
da vítima, mas igualmente pelo viés do algoz. Somos a um tempo, segundo ele, escravos e
senhores:
Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós
51
brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a
crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos
e a gente insensível e brutal que também somos. (idem, ibidem: 120)
No livro, o autor apresenta o resultado de uma longa tarefa (declara ter levado 30 anos
para escrevê-lo) que propõe o entendimento de como o Brasil se gerou, e se gera, como povo,
por meio de três caminhos que fundamentam essa empreitada:
análise do processo de gestação étnica. A partir das matrizes indígena, lusitana e
africana (o autor aponta como protocélulas étnicas formadoras as luso-tupis) e a partir
dos núcleos originais daí advindos: núcleos mestiços e posterior influência da
imigração;
estudo das diversificações que formaram nossos modos regionais de ser: caboclos,
sertanejos, crioulos, caipiras e gaúchos as variantes principais da cultura brasileira,
segundo o autor;
e crítica ao sistema institucional brasileiro, principalmente à propriedade fundiária e
ao regime de trabalho.
Nesse percurso, Darcy Ribeiro exprime algumas interessantes contribuições ao
questionamento brasileiro, como a passagem em que explora a figura do mameluco (filho de
índio com branco europeu) como sendo o primeiro brasileiro consciente de si, que “viu-se
condenado à pretensão de ser o que não era nem existia”, ou seja, viu-se forçado a gerar sua
própria identificação, uma vez que não podia mais manter identidade com os modelos
matriciais, que o apresentavam como exclusão: era não-índio e não-europeu. O mesmo
aconteceu, segundo o autor, com os crioulos (filhos de escravos africanos nascidos aqui).
Ambos, “protobrasileiros por carência”.
Ainda seguindo um viés antropológico, o livro Carnavais, malandros e heróis, de
Roberto Da Matta, fornece uma leitura reveladora da sociedade brasileira, não pelo o que traz
de características identificatórias, mas por suas formas de “dramatização”, enfatizando os
rituais e seus personagens como “entradas” para se conhecer uma determinada sociedade,
como uma maneira de acessar seu plano social. No “caso brasileiro”, elege como ritual central
o carnaval e malandros e heróis como nossos personagens principais.
De acordo com Da Matta, os rituais seriam modos de condensar aspectos sociais do
mundo cotidiano e se configuram, por essa mesma razão, como frestas por onde é possível
vislumbrar a imagem que essa mesma sociedade tem de si e, ainda, as distorções que fazem
essa sociedade ser o que é:
52
Menos que um problema de substância, o rito nos coloca um problema de contrastes; daí a
necessidade absoluta de estudar o mundo social tomando como ponto de partida as relações
entre seus momentos mais importantes: o mundo quotidiano e as festas; a rotina e o ritual; a
vida e o sonho; a personagem real e a paradigmática (Da Matta, 1990: 31)
É no ritual, pois, sobretudo no ritual coletivo, que a sociedade pode ter (e efetivamente tem)
uma visão alternativa de si mesma. (idem, ibidem: 33)
Da Matta aponta como triângulo ritual brasileiro” (os rituais nacionais): a Semana da
Pátria, o Carnaval e a Semana Santa; o primeiro representando a festa institucionalizada do
Estado Nacional; o segundo representando a sociedade civil enquanto povo ou massa
(sociedade civil desorganizada); e o terceiro representando a Igreja, a festa religiosa.
Esses ritos seriam, assim, modos de dizer algo de um certo ponto de vista (...). Em outras
palavras, o Dia da Pátria, o Carnaval e as festas religiosas o discursos diversos a respeito de
uma mesma realidade, cada qual salientando certos aspectos críticos, essenciais dessa realidade
– de acordo com uma perspectiva de dentro dessa realidade. (idem, ibidem: 35)
Quanto à relação desses ritos com o “mundo diário”, o autor define três modos básicos
de salientar o cotidiano: reforço (Semana da Pátria), inversão (Carnaval) e neutralização
(Semana Santa). Elegendo o Carnaval como campo de interesse ritualístico, o questionamento
de Da Matta volta-se justamente às especificações do carnaval brasileiro, procurando “revelar
como o momento carnavalesco redefine o mundo social brasileiro”, como o inverte. Para isso,
toma como oposição categórica a casa e a rua, instâncias representativas do social, antes
separadas e que, durante o Carnaval, misturam-se para criar um novo espaço, de encontro e de
transgressões. “Pois se a festa tem aspectos blicos (como os desfiles e os grupos), ela
permite um conjunto de gestos (e ações sociais) que, em geral, só se realizam em casa”
7
(idem,
ibidem: 112)
.
Além disso, no carnaval brasileiro, a rua apresenta-se como espaço de “igualdade” e
de brincadeira, um mundo harmônico e não conflitivo (mesmo considerando-se a “legítima”
competição entre escolas e grupos carnavalescos), efetivamente a “visão alternativa” que a
sociedade tem de si mesma, retratada acima. Na outra ponta dessa dramatização, o autor
sugere, em uma relação simétrica e inversa, o rito exemplificado pelo questionamento
autoritário do tipo “você sabe com quem está falando”, comum nos relacionamentos
7
Casa como espaço de intimidade e exibição, na sua vertente oposta a recato e ocultamento, representando
aquilo que não se vê, cotidianamente, na rua.
53
interpessoais brasileiros e que marcaria uma vertente indesejável da nossa cultura pois
indicaria uma situação conflitiva e marcadamente hierárquica, o que esse mesmo povo
desejaria negar.
Além disso, tal questionamento retrata o peso da “pessoa” na sociedade brasileira (o
autor distingue pessoalização e individualismo, este último representando anonimato): “é
também aqui, na esfera das pessoas, que aparece, como em todo o sistema hierarquizado, a
ideologia da bondade e da caridade, que constitui um dos pontos altos de nossas definições
enquanto povo”
(idem, ibidem: 192)
.
Estaria aí, de acordo com Da Matta, o dilema brasileiro, situado entre aspectos
autoritários e violentos e aspectos igualitários e pacíficos, retratados no Carnaval.
Não seria diferente com os nossos personagens mais básicos, de acordo com o
antropólogo: os malandros e heróis (renunciadores), que também se marcariam nesse limiar
entre violência e harmonia, conflito e igualdade. Representando o plano da conduta pessoal
relacionado a valores sociais, Da Matta ilustra essas duas categorias (malandros e
renunciadores), respectivamente, por Pedro Malasartes e Augusto Matraga, tomados como
personagens clássicos na cultura brasileira.
Como as histórias de Pedro Malasartes são também difundidas em outros países (no
Brasil, são conhecidas em todo o país, segundo o autor), como a narrativa do homem pobre
que, com astúcia, consegue obter vantagens financeiras de homens ricos e influentes, Da
Matta indica como narrativa de referência a variante publicada por Câmara Cascudo em
Contos Tradicionais do Brasil (Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1967), da qual extrai aquele
que se considera “o momento inicial” da trajetória do personagem:
Pedro Malasartes era membro de uma família pobre;
João, seu irmão mais velho, emprega-se numa fazenda cujo proprietário era um
homem rico, explorador e cruel fazia contratos impossíveis de serem cumpridos por
seus trabalhadores e estabelecia como punição pelo descumprimento a retirada de uma
tira de “couro” do pescoço até as costas;
é o que acontece com seu irmão, João, que volta para casa sem dinheiro e sem o
“couro” das costas;
Pedro, considerado astucioso e vadio, parte para vingar o irmão;
emprega-se na mesma fazenda e por meio de uma seqüência de atos permeados de
“esperteza e astúcia”, consegue fazer com que o fazendeiro perca quase tudo e volta
rico para casa dos pais;
54
a partir daí, Malasartes segue seu destino errante e solitário, inaugurando uma série de
histórias marcadas pela personalidade ambígua entre ordem e desordem, que
caracterizaria o malandro como tipo social.
Augusto Matraga é o personagem central do conto “A hora e a vez de Augusto
Matraga”, de João Guimarães Rosa. Na história, Augusto Esteves, um homem poderoso, dono
de terras e de jagunços, perde tudo, inclusive sua esposa e filha, e quase morre depois de
surrado e “marcado” a ferro pelo seu inimigo major Consilva. A partir daí, o personagem
percorre sua trajetória de transformação, com base na renúncia à vingança, em direção ao
Matraga, que passa a ser (segundo o narrador, “Matraga não é nada”). Para Da Matta, o
personagem representa o herói renunciador, já que rejeita a ordem social, e liberta-se de seu
passado.
Tanto no conto de João Guimarães Rosa quanto na narrativa popular de Malasartes,
observa-se a vingança como elemento central da dramatização: no primeiro caso, o
personagem renuncia à vingança e no segundo caso, o personagem central vai em busca da
vingança, que se realiza por meio de “espertezas” no trato com o sistema social no qual se
insere.
Dessa forma, nesse estudo, Da Matta busca visualizar aspectos da vida social brasileira
através de suas “dramatizações” regulares (ritos), em especial, o carnaval, e de seus
personagens centrais, o malandro e o herói renunciador. Pode-se dizer que a síntese a que
chega esse autor é também a do paradoxo, dos contrários que convivem, assim como em
Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro, guardadas as devidas diferenças de abordagem e
especificações. Para Da Matta, são esses contrastes que retratam o dilema brasileiro, de se
situar no limiar entre ordem e desordem, igualdade e hierarquia, democracia e autoritarismo,
renúncia e vingança, harmonia e violência.
Percorridas essas breves leituras, podem-se apontar, ainda que de maneira apenas
referencial, alguns dos traços que construiriam essa configuração nacional, algumas dessas
significações pontuadas como recorrentes (mesmo que não concordantes) no pensar dos
autores aqui expostos e que ordenariam uma reflexão a respeito de nossa especificidade
simbólica, em uma perspectiva histórico-antropológica. Darcy Ribeiro diz ser “duvidosos”
demais os defeitos e as qualidades do brasileiro, de acordo com alguns intérpretes, citando
Sérgio Buarque de Holanda: soberba, desleixo, espírito aventureiro, preguiça, etc. Neste
trabalho, no entanto, os dois autores são citados por representarem referências aos valores
aqui buscados e em nosso ponto de vista não apresentam reflexões contraditórias.
Persistiriam, portanto, nesse fazer-ser brasileiro, traços determinantes, talvez por
55
condensarem percepções reiteradas em mais de uma interpretação exposta, ou simplesmente,
por apresentarem “desconfianças” cuidadosas por parte dos autores considerados, como a
falta de limites entre o público e o privado, o patriarcalismo, a ação tutelada do Estado, o
personalismo, a proximidade, a intimidade e a onipotência/distância, o sacrifício e a
vitimização, a duplicidade entre violência e amabilidade, docilidade e a falta de idéia de
nação, entre outros.
que se acrescentar, ainda, que o quer que seja o Brasil e o brasileiro, não se
apresentam em traços uníssonos, uniformes, mas sim, em condensações pontuais e
multifacetadas, em vetores que apontam para um determinado recorte que não é (e não pode
ser) fixo, permanente. Porquanto, nossa suspeita recai exatamente sobre respostas provisórias,
ou seja, não se busca aqui comprovar adjetivos do que seria esse ser brasileiro nas narrativas
midiáticas (como se fosse possível enxergar na tela, no papel e na voz dos meios de
comunicação a imagem fiel e verdadeira de nossa essência brasileira), mas atentar para os
cruzamentos recorrentes que estão presentes, cruzamentos imprevistos desses vetores que
vez ou outra nos atravessam como sociedade, e que nos diferenciam sim, não por serem
sempre determinantes, já sabidos; antes, por iluminarem-se, talvez reacenderem-se, com
freqüência. E, sem dúvida, o discurso midiático, como dissemos, atua fortemente nesse
processo de exposição e atualização.
56
4. A troca midiática: por uma análise da informação como narrativa
Fala
Falo
Falta
(l’être, l’autre, la lettre)
Patrícia
Na perspectiva adotada, são as narrativas que tramam a rede que se apresenta como
troca midiática, uma vez que se oferecem como permutas nesse espaço de mediação possível.
A possibilidade de informar, destarte, se pela configuração narrativa da informação,
visto que é esta que provoca a troca, como lugar de fios, de relações, de laços sociais.
É pela narrativa, pois, que se renovam e se recalcam as relações sociais em jogo no
discurso midiático, aqui compreendido como lugar de troca não por “dar” ou “vender”
informações, mas, sobretudo, porque é submetido a demandas das quais, de certo, nada sabe,
mas que o impulsionam a se revestir como uma grande vitrine multifacetada, em que tudo se
oferece e tudo se encontra (se sabe), mesmo que nada faça a não ser encobrir a fenda da falta,
aqui não encoberta pelo engodo do amor ou da completude, numa referência à psicanálise,
mas pelo engodo do conhecimento, da consciência, da informação sobre o que acontece no
país e no mundo.
Em um mundo que se “dá a ver”, que constrói seus matizes sob telas midiáticas, pode-
se assinalar que a ninguém pertence a informação, uma vez que as mídias, nesse ponto de
vista, não são detentoras daquilo que proclamam ter: as narrativas midiáticas são narrativas
em trânsito, em contínuo perfazer-se. No entanto, ao expor esse ou aquele fato da cena
cotidiana, o discurso jornalístico captura para si um certo olhar ordenador, menos pelas
escolhas que realiza do que pela forma com que as reproduz.
Perceber a cena midiática como espaço de troca simbólica significa pontuar, em um
primeiro momento, que “valores” circulam nesse espaço mediatizado. Pode-se dizer que fatos
configurados em narrativas revestem-se de “valor de troca”, e ganham o interesse
necessário à sua circulação.
Os relatos midiáticos, apesar de não se apresentarem como grandes narrações,
repetem, de forma sintética e restrita (restrição relativa não ao tempo/espaço de exposição,
57
como também à pluralidade de fatos que concorrem ao mesmo painel de “visualização”), o
mesmo funcionamento narrativo. Tratam-se de “pequenas” narrativas condensadas e breves
ou, ainda, micronarrativas, uma vez que, além de carregarem a mesma volatilidade do meio
em que se inserem, repetidamente buscam apagar seu fazer ficcional (pois narrativo, como
vimos em Quéré), apoiando-se em marcas de afastamento do sujeito-narrador. Assim, o
radical “micro”, longe de assinalar falta de importância ou mera pequenez, procura aqui
sugerir que o caráter narrativo da informação reiteradas vezes apresenta-se de forma quase
imperceptível, que é um relato marcado pela busca do verossímil, calcado na suposta
“realidade” que retrata.
Sete dessas micronarrativas serão analisadas a seguir, conforme justificamos abaixo.
4.1. Sete micronarrativas midiáticas
A partir da análise de sete micronarrativas (informações) que obtiveram visibilidade
na mídia brasileira com uma certa recorrência, ou seja, foram expostas por mais de um dia em
mais de um veículo de comunicação, buscaremos demonstrar a configuração narrativa dessas
informações em um ambiente de trocas simbólicas. Seis delas ocuparam o “noticiário” no
período de setembro de 2003 a outubro de 2004 e a última diz respeito ao segundo turno das
eleições para presidente, logo, ocupou o espaço midiático durante o mês de outubro de 2006.
O critério utilizado, assim, não é o do destaque (manchete) dado a essas notícias, mas a
insistência com que circularam na cena midiática; em outras palavras, iluminaram-se por mais
de uma vez na tela das mídias, considerada sua repercussão em jornais, revistas, rádio,
televisão, internet, extrapolando, desse modo, o caráter factual inicial atribuído a essas
notícias.
As sete micronarrativas selecionadas como amostragem da pesquisa estão abaixo
discriminadas
8
:
1. a exibição da entrevista com dois supostos membros do PCC (Primeiro Comando da
Capital) no Programa Legal (SBT), apresentado por Gugu Liberato, no dia 7 de setembro de
8
Cópias das matérias referentes a esses fatos, divulgadas em jornais, revistas e internet, estão anexadas para
possíveis consultas.
58
2003;
2. a separação dos jogadores Ronaldinho e Milene Rodrigues. A imprensa divulgou a
“separação oficial” do casal em setembro de 2003, mas o assunto foi recorrente nos meses
subseqüentes;
3. o estado de saúde do então papa João Paulo II. O assunto ganhou visibilidade a partir de
declarações de cardeais próximos ao Vaticano de que o estado de saúde do papa teria piorado,
em outubro de 2003;
4. o assassinato do casal de adolescentes paulistanos Felipe Silva Caffé e Liana Friedenbach,
durante um acampamento em um tio na região de Embu-Guaçu, cidade próxima à capital,
em outubro de 2003;
5. a denúncia de corrupção envolvendo o subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência
da República, Waldomiro Diniz. A denúncia foi publicada pela revista Época em 20 de
fevereiro de 2004, com a divulgação de uma fita de 2002 em que Diniz aparece negociando
propina com o empresário do ramo de jogos Carlos Augusto Ramos (conhecido como
Carlinhos Cachoeira);
6. a morte em campo do jogador Serginho, do clube São Caetano, em jogo contra o São
Paulo, no estádio do Morumbi, em São Paulo, no dia 27 de outubro de 2004;
7. o segundo turno das eleições presidenciais no país, retratado na disputa entre o presidente
Luís Inácio Lula da Silva e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, durante o mês
de outubro de 2006.
4.2. Relato midiático como troca: contar e recortar o mundo (leituras)
Para “ler” as micronarrativas aqui expostas, consideraremos os dois eixos da
linguagem, sintagmático e paradigmático, como caminhos de visualização dos sentidos
expostos, uma vez que em toda construção discursiva, entrelaçam-se relações lineares
(horizontais) e cortes perpendiculares (verticais). Assim, a narrativa propriamente dita,
proposta em uma seqüência linear: fatos, agentes, tempo, espaço, e os significantes que a
ordenam a cada ocorrência, em um cruzamento não-linear. É nesta última lente que
buscaremos os valores-guia que cada micronarrativa atualizaria, segundo apontamos
anteriormente e de acordo, também, com a sugestão oferecida pela leitura de C. Lévi-Strauss
59
(1973)
sobre os mitos: a de que as grandes unidades constitutivas, no caso desses relatos, não
são relações isoladas, mas sim, feixes de relações
(cf. p. 35 desta tese)
.
Quanto às micronarrativas midiáticas, poderíamos supor que seu sentido, de forma
equivalente, pode ser apreendido a partir da identificação de nós, entrelaçamentos, entre a
leitura da “história” contada efetivamente e a “escuta” dos significantes que cruzam as
histórias consideradas, na expectativa de que tais ordenações significantes são recorrentes, ou
seja, aparecem em mais de um relato, em mais de uma “notícia”, oferecendo um caminho para
refletir a respeito não só das mídias, como também da sociedade brasileira.
que se considerar, ainda, que se a narrativa se move pelo desejo (
Greimas, 1973
), é
sempre impulsionada pela procura, pela reposição de algo que se perdeu, ou seja, sempre
um dano presente, o que justificaria não a transformação que caracteriza o factual, mas
também a identificação imediata entre sujeitos e objetos configurados nesse discurso. O dano,
nesse caso, representaria, então, aquilo que se “quebra”, provocando a narrativa. Em outras
palavras, a narrativa constrói-se em torno de um dano, à sua margem.
Na busca por uma possível estrutura do discurso midiático e dos efeitos de sentido por
ele evocados, seguiremos o seguinte percurso de leitura:
a. apresentação de síntese factual de cada micronarrativa selecionada;
b. identificação actancial dos “personagens que circulam em cada uma dessas
micronarrativas e das esferas de ação ao qual pertencem;
b. identificação da seqüência central de ações, por meio do reconhecimento dos lides ou dos
enunciados narrativos mais representativos (que sintetizam a história) em diferentes veículos;
c. identificação dos traços comuns presentes nos enunciados e, a partir daí, reconhecimento
dos “vetores” que sinalizam o sentido em cada micronarrativa, assim como os “danos”
apreendidos em cada uma;
A expectativa que guia nossa leitura é a de que a partir de alguns enunciados extraídos
dos textos selecionados, podem-se vislumbrar os vetores que ordenam o sentido em cada
micronarrativa. Ainda que a análise não se atenha apenas aos lides, julgamos que a sua
visualização prévia fornece importantes pistas sobre o que está em jogo nos relatos
considerados. A escolha por destacar os lides se dá por serem estes espaços privilegiados pelo
discurso jornalístico no trato da informação, uma vez que representam os traços considerados
fundamentais na apresentação do fato. O lide (ou lead, em inglês), corresponde à abertura da
matéria:
60
Lide ou lead, em inglês, corresponde à abertura da matéria. “Nos textos noticiosos, deve
incluir, em duas ou três frases, as informações essenciais que transmitam ao leitor um resumo
completo do fato. Precisa sempre responder às questões fundamentais do jornalismo: o que,
quem, quando, onde, como e por quê.” (Manual de redação e estilo, O Estado de S. Paulo)
1. PCC no Programa Legal/SBT:
Síntese factual: apresentador Gugu Liberato é acusado de farsa no caso de exibição da
entrevista com membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC)
Personagens envolvidos:
Gugu Libertato (SBT)
Primeiro Comando da Capital (PCC)
Justiça Federal
Padre Marcelo Rossi
Hélio Bicudo
Datena (Bandeirantes)
Marcelo Rezende (RedeTV)
Oscar Godoy (Record)
Trechos iniciais de matérias relacionadas ao fato:
“Cerca de duas semanas atrás, o apresentador Gugu Liberato havia dado um passo
razoável no sentido de elevar o nível de seu programa dominical o rompimento com
seu diretor de produção, Roberto Manzoni, que tinha o hábito de colocar baixarias no
ar. Mas tudo veio por água abaixo no último fim de semana. Gugu está agora
envolvido nem autêntico caso de polícia. Na edição do dia 7 do seu Domingo Legal, a
produção do programa realizou uma entrevista com dois sujeitos encapuzados, que se
apresentaram como membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital
(PCC) e fizeram ameaças de morte a personalidades como o padre Marcelo Rossi e o
vice-prefeito Hélio Bicudo, e aos apresentadores de programas policiais José Luiz
Datena (Bandeirantes), Marcelo Rezende (RedeTV) e Oscar Roberto de Godoy
(Record). A repercussão foi péssima. Não a decisão de abrir espaço no ar para
criminosos seria, por definição, irresponsável, como chovem denúncias de que a
entrevista foi forjada.” (Domingo Ilegal, Veja, 17 de set. 2003)
61
“O apresentador Gugu Liberato partiu para o contra-ataque. O seu advogado, Adriano
Salles Vanni, contratou um escritório especializado em ações cíveis, que examinará as
dezenas de horas gastas por outros programas de televisão e verificará eventuais
excessos cometidos contra a sua imagem e processar os responsáveis. Estão na mira os
programas dos apresentadores Marcelo Rezende, da RedeTV, e José Luís Datena, da
Bandeirantes” (Gugu agora estuda processar concorrência, Jornal da Tarde, 26 de set.
2003)
“Foi um dia de festa. Houve pegadinha, autógrafo e uma multidão na porta do lugar do
evento, o Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic). Um grupo
de policiais, com coletes à prova de balas, barrava a entrada de curiosos. Todos
queriam ver o apresentador Augusto Liberato, o Gugu, que foi depor.” (Apresentador
despista jornalistas e fãs com dublê, Jornal da Tarde, 26 de set. 2003)
“O padre Marcelo Rossi ainda não esqueceu a entrevista com falsos integrantes do
PCC no programa do Gugu, logo após o JT anunciar que ele estava sendo ameaçado
de morte. Mas disse que perdoou o apresentador” (“Já perdoei”, diz padre Marcelo
Rossi, Jornal da Tarde, 26 de set. 2003)
“Os apresentadores Jo Luiz Datena, da Bandeirantes, e Marcelo Rezende, da
RedeTV foram ameaçados de morte ontem por dois supostos integrantes do Primeiro
Comando da Capital (PCC) durante o programa Domingo Legal, do SBT.” (Na tevê,
novas ameaças do PCC a famosos, Jornal da Tarde, 8 de set. 2003)
“O programa Domingo Legal, do apresentador Gugu Liberato, está proibido pela
Justiça Federal de ser exibido pelo SBT amanhã.” (Justiça determina: Gugu não vai
ao ar amanhã, O Estado de S. Paulo, 20 de set. 2003)
“A audiência do Domingo Legal, do SBT, despencou em sua segunda edição, ontem,
após a exibição da falsa entrevista com ‘membros’ do PCC, no último dia 7. O
faturamento do SBT com o programa caiu 15%. O apresentador Gugu Liberato nada
disse sobre o ‘caso PCC’, mas agradeceu os apoios recebidos. (Gugu agradece apoios,
audiência cai e SBT perde 15%, Folha de S. Paulo, 29 de set. 2003)
Em um primeiro momento, reconhece-se, a partir do inventário proposto por Propp,
determinadas esferas de ação em torno das quais se ordenam os personagens envolvidos nessa
micronarrativa. Pode-se apontar que o relato da exibição da entrevista com supostos membros
do PCC no “Programa Legal”, televisionado pela rede SBT, constitui-se com base nas esferas
62
do antagonista (a morte anunciada ameaças de morte feitas pelo PCC), do falso herói (o
apresentador Gugu Liberato, no papel de quem fez algo errado “Gugu em maus lençóis”,
“limpar o nome”) e a esfera da princesa e seu pai que compreende, entre outras ações, o
desmascaramento e/ou o castigo do falso herói (a Justiça “Justiça proíbe Gugu de entrar no
ar neste domingo”, “Domingo ilegal”).
No entanto, essa mesma configuração permite vislumbrar um outra, anterior, que
representa o falso herói como herói (o apresentador Augusto Liberato) e que, curiosamente,
continua a tecer sentidos. Tem-se, dessa forma, o impostor (que se sabe herói) que age sem
responsabilidade, sem ética, em nome da audiência e é desmascarado, mas que logo é reposto
no seu lugar de herói, lugar reforçado (legitimado) semanalmente por sua exposição
midiática, uma vez que persiste aqui a relação de “confiança” entre público e apresentador.
Destarte, pode-se dizer que é em torno de dois “feixes” que a história se desenrola: a
morte e a farsa, conforme discriminado abaixo:
a morte anunciada/prevista:
“Os apresentadores José Luiz Datena, da Bandeirantes, e Marcelo Rezende, da RedeTV foram
ameaçados de morte ontem por dois supostos integrantes do Primeiro Comando da Capital
(PCC) durante o programa Domingo Legal, do SBT.” (Jornal da Tarde, 8 de set. 2003)
“Os apresentadores estavam na lista dos homens marcados para morrer.” (Jornal da Tarde, 8
de set. 2003)
“...dois sujeitos encapuzados, que se apresentaram como membros da facção criminosa
Primeiro Comando da Capital (PCC) e fizeram ameaças de morte a personalidades como o
padre Marcelo Rossi e o vice-prefeito Hélio Bicudo, e aos apresentadores de programas
policiais José Luiz Datena (Bandeirantes), Marcelo Rezende (RedeTV) e Oscar Roberto de
Godoy (Record)”. (Veja, 17 de set. 2003)
a farsa “desmascarada”
“Chovem denúncias de que a entrevista foi forjada.” (Veja, 17 de set. 2003)
“O Ministério Público Federal e o do Estado iniciaram investigação para apurar autenticidade
da entrevista.” (Veja, 17 de set. 2003)
“Gugu não foi enganado e sabia de toda a farsa.” (Jornal da Tarde, 20 de set. 2003)
“A procuradora argumentou que a emissora feriu diversos princípios legais que deveriam ser
seguidos pela empresa.” (O Estado de S. Paulo, 20 de set. 2003)
“Os atores Antonio Rodrigues da Silva Filho, o Beta, e Wagner Faustino da Silva, o Alfa,
63
revelaram terem sido contratados para uma encenação.” (Jornal da Tarde, 26 de set. 2003)
Tais cruzamentos, a morte, em um primeiro momento narrativo, e a farsa, que garantiu
a manutenção da narrativa pelos dias subseqüentes, circunscrevem valores de identificação à
troca midiática, a saber:
- a vitimização latente vítimas do medo, vítimas da violência, vítimas do engano, também
em relação àqueles que acreditavam que o próprio apresentador havia sido enganado e se
“solidarizaram” com ele, conforme pode ser lido no trecho: “Houve pegadinha, autógrafo e
uma multidão na porta do lugar do evento (...) Todos queriam ver o apresentador Augusto
Liberato, o Gugu, que foi depor. A cabeleireira Lucimara Aparecida da Silva, de 34 anos,
pediu dinheiro emprestado a uma vizinha para pagar dois ônibus e uma passagem de metrô e
ir ver o Gugu (...). No bolso, carregava uma carta que pretendia entregar a Gugu. ‘Ele tem de
continuar com o programa para ajudar a gente que é pobre.’ (Jornal da Tarde, 26 de set.
2003)
- o questionamento ético mais do que um caso de Justiça, a história estampada nas ginas
de jornais e revistas e nas telas de televisão ganha ares de “partidarismo”, resumido, muitas
vezes, ao fato de ser contrário ou favorável ao apresentador Gugu Liberato, demonstrando, em
alguns momentos, até mesmo uma certa “complacência” com a falta de ética de um suposto
“vale-tudo pelo Ibope”, lido como profissionalismo por alguns. É o que pode ser presumido
no trecho seguinte, em que Silvio Santos declara sua confiança profissional no apresentador
de sua emissora: “Antes de saber da decisão judicial, Silvio Santos disse: ‘Faça um belo
programa no domingo e bola pra frente. Do outro lado, eu vou estar assistindo.’ O empresário
contou a Gugu que enfrentou momentos difíceis em sua carreira (...) Silvio afirmou ainda,
segundo informações da assessoria, que confia nele como profissional e apresentador.” (O
Estado de S. Paulo, 20 de set. 2003)
Assim, apesar da dupla configuração da cena narrativa: do apresentador herói e do
apresentador farsante, pode-se inferir que o que impulsionou a continuidade desse relato no
espaço midiático foi a quebra da “confiança” depositada na figura de Gugu Liberato, ainda
que provisória, como vimos, que logo se restabeleceu em seu lugar de “homem público”.
Ou seja, o dano situar-se-ia justamente na “ética” faltante que as mídias, como personagem da
ação central, dão a ver em sua função de desmascarar a farsa, a falsa entrevista, que o
programa exibiu.
Nessa perspectiva, em jogo estaria, ainda, a nossa forma dual de dramatizar,
percebida, segundo observou Da Matta
(ver p. 53-54)
nas figuras do malandro e do herói.
64
Ocorre que, no caso brasileiro, o malandro torna-se também um tipo de herói popular. Dessa
forma, a suposta farsa cometida pelo apresentador Augusto Liberato passa a ser vista muito
mais como um ato de “malandragem” do que de “ilegalidade” pelo grande público que assiste
ao programa “Domingo Legal”. À imprensa, que também se quer “heroína”, resta denunciar o
erro do “falso herói”.
Dessa forma, pode-se apontar que, nessa "história", a cadeia significante ordena-se em
torno de dois "traços" marcantes: a morte e a farsa, ambos operantes na construção da
narrativa que os re-vela.
2. Separação do jogador Ronaldinho:
Síntese factual: o jogador de futebol Ronaldinho anuncia sua separação da também jogadora
Milene Rodrigues.
Personagens envolvidos:
Ronaldo
Milene
mídia
Trechos iniciais de matérias relacionadas ao fato:
“A mulher de Ronaldo diz que ‘existe vida fora do casamento’ e que não quer ficar
com o dinheiro dele. alguns dias, o artilheiro Ronaldo posou para uma sessão de
fotos ao lado da modelo e apresentadora Fernanda Lima. Como não é a primeira vez
que os dois se encontram, algumas línguas maldosas trataram de espalhar boatos a
respeito dessa amizade. Desde que se casou com o jogador, quatro anos atrás, a
paulistana Milene Domingues, 24 anos, ouviu várias histórias sobre o envolvimento
de seu marido com modelos, dançarinas... No princípio do casamento, tais
comentários a incomodavam muito. Agora, não mais” (Cada um na sua, na seção
Entrevista, Veja, 24 de set. 2003)
“Se a vida de Ronaldo fosse um filme, seria um épico. Tudo nela é extraordinário,
65
como nas mais clássicas histórias do herói que desce aos infernos antes da guinada que
o levará ao Olimpo e, no meio disso tudo, perde uma Copa do Mundo e ganha,
magnificamente, outra. (...) A eterna rainha das embaixadinhas, de quem Ronaldo está
oficial mas não legalmente separado, continua morando com ele e conserva o hábito
de chamá-lo de ‘gatão’” (A intimidade de um fenômeno, Veja, 10 de dez. 2003)
“O jogador espanhol David Aganzo não quer ser o pivô da separação de Ronaldinho e
Milene Rodrigues. O atacante que atua no time Levante, da segunda divisão
espanhola, ficou assustadíssimo com a repercussão das fotos na saída do jantar dos
dois em Madri, no domingo.” (Aganzo: “Eu e Milene somos bons amigos, Jornal da
Tarde, 12 de nov. 2003)
“Pronto. Bastou uma única aparição na imprensa de Milene Domingues ao lado de
outro homem para Ronaldo partir para o ataque. E a foto nem foi tão comprometedora
assim: ela e o jogador David Aganzo, das divisões inferiores do Real Madrid, apenas
saíam de um restaurante na capital espanhola. Nada de mãos dadas, abraços, ninguém
de sunga nem de biquíni cenas bem comuns no álbum de Ronaldo e suas amigas
mundo afora. Resultado: o craque disse que jogará no time dos solteiros até o fim do
ano.” (Bolada dividida, Época, 17 de nov. 2003)
“O fim do casamento com Milene Domingues não abalou Ronaldo. Risonho na
entrevista coletiva, disse que está feliz e confiante em boa atuação contra o Peru, pelas
Eliminatórias. Chegou, até, a prometer gol na partida de domingo. ‘Tive um
probleminha leve, mas foi superado. passei por coisa muito mais difícil na vida.”
(“Vou me divertir domingo”, diz Ronaldo, O Estado de S. Paulo, 13 de nov. 2003)
“A separação do fenômeno Ronaldo Nazário de Lima, 27 anos, e da rainha da
embaixadinha Milene Domingues, de 24, anunciada oficialmente na quarta-feira 12,
havia sido acertada entre o casal um mês atrás. Os dois aguardavam apenas uma
decisão de Milene: a compra de uma casa em Madri.” (Jogada ensaiada, IstoÉ Gente
Online, 24 nov. 2003)
“Os sinais de desgaste eram antigos, mas o craqueadmitiu que o casamento acabou
na semana passada. E garante que não foi a foto da mulher ao lado de outro jogador o
motivo de sua separação.” (Ronaldo e Milene: fim de jogo, Quem Online, 21 de nov.
2003)
“Ronaldo e Milene vivem, de fato, vidas paralelas. O casal se separou e cada um segue
seu caminho. O astro do Real Madrid, por exemplo, participou ontem de encontro
66
oficial com José Maria Aznar, primeiro-ministro da Espanha. sua ex-mulher foi
protagonista de uma manhã de autógrafos, compromisso que assumiu ao virar garota-
propaganda de uma rede de supermercados em São Paulo.” (Vidas paralelas, O Estado
de S. Paulo, 20 de dez. 2003)
Quanto às esferas actanciais, teríamos, em uma primeira leitura, Ronaldinho como
herói, a separação como antagonista e a esfera da princesa (e seu pai), que representa, além do
desmascaramento do falso herói, também a imposição de um estigma (segundo Propp),
preenchida por uma Milene estigmatizada: a mulher não realizada e infeliz, traída, marcada,
sob a “sombra” do marido, que quer ser agente de sua própria vida.
Pode-se dizer que as mídias, ao colocarem essa separação na cena pública, fazem
vislumbrar muito mais do que o factual “separação de uma personalidade”, mas sim a
encenação cotidiana de casamentos desfeitos, mulheres submissas, casais infelizes, tudo isso
sob a égide do “mito” que representa justamente o avesso do cotidiano, o longínquo, aquele
que está em outro lugar, não acessível à maior parte das pessoas. Nesse momento, do
reconhecimento da trama narrativa, o distante fica próximo, o fato fisga o público, que agora
se mistura nele (opina, sensibiliza-se) – o factual torna-se IN-formação.
Nesse caso, tem-se como eixos propulsores da demanda narrativa a quebra da união, o
“contrato” desfeito e a proposta de mudança, com dupla identificação: por parte de Ronaldo, o
homem “fenômeno” que “precisa” de liberdade para exercer sua “onipresença”; por parte de
Milene, a mulher que vivia um casamento “em crise”, à sombra do marido e busca
independência: “Desde que se casou com o jogador, quatro anos atrás, a paulistana Milene
Domingues, 24 anos, ouviu várias histórias sobre o envolvimento de seu marido com
modelos, dançarinas... No princípio do casamento, tais comentários a incomodavam muito.
Agora, não mais. (...) 'Antes, minha vida girava em torno dele, em função da agenda e das
necessidades do Ronaldo. Ele era o centro das minhas atenções, a razão da minha felicidade.
Agora, ele faz parte da minha felicidade’”.
Ainda em relação à “quebra da união”, aos espaços distintos que passam a ocupar nas
mídias (“Cada um na sua”, “Vidas paralelas”, “Bolada dividida”), Ronaldo é retratado como
“homem feliz”, enquanto Milene é vista como “mulher triste”: O fim do casamento com
Milene Domingues não abalou Ronaldo. Risonho na entrevista coletiva, disse que está feliz e
confiante em boa atuação contra o Peru”, “Milene Rodrigues não perdeu o sorriso enorme,
mas deixa transparecer tristeza com o fim do casamento”.
Além disso, podemos atrelar a essa micronarrativa a própria manutenção do “mito”
67
Ronaldo no cenário midiático. Jornais, revistas, programas de televisão não cessavam de
salientar a inesperada recuperação do atleta desde 2002, quando havia novamente vencido a
Copa do Mundo, após ter ficado afastado do futebol por dois anos em virtude do longo
tratamento após ter fraturado o joelho em 2000. De certa forma, tal trajetória de perdas e
ganhos reafirmaria seu perfil “heróico”: “Se a vida de Ronaldo fosse um filme, seria um
épico. Tudo nela é extraordinário, como nas mais clássicas histórias do herói que desce aos
infernos antes da guinada que o levará ao Olimpo – e, no meio disso tudo, perde uma Copa do
Mundo e ganha, magnificamente, outra. A história: menino pobre supera as barreiras da
miséria, explode nos gramados e é convocado para a seleção brasileira aos 17 anos. Constrói
trajetória fulgurante, fica milionário e se transforma em ídolo mundial.” (Veja, 10 de dez.
2003).
Por outro lado, Milene, ao se casar, deixa de ser “a rainha das embaixadinhas” para ser
a “mulher do Ronaldo”, que vive sob o peso das supostas traições e das cobranças constantes:
“’É duro ler que seu marido está saindo com outra. Também fiz coisas que não faria mais. Eu
cobrei muito o Ronaldo, e ele não suporta cobrança (...) Hoje, entendo que o Ronaldo é mais
que um jogador de futebol, é uma personalidade e tem compromissos.’” (Veja, 10 de dez.
2003).
Ao lado de “ingredientes” como traição e separação, pode-se dizer que determinados
vetores ordenam essa cena e a fazem espaço de troca simbólica: o desmascaramento da
felicidade e a aproximação público e privado, a partir da identificação “mítica” que se no
desejo de “intimidade”, que pode ser vislumbrada. É o que sugere a revista Veja, com o tulo
“A intimidade de um fenômeno”.
aqui, ainda, como apontado no caso "Gugu", a dupla configuração herói-malandro,
uma vez que o jogador, com freqüência, havia sido retratado no cenário midiático como
“mulherengo”, em exposições ao lado de mulheres outras que não Milene: “Pronto. Bastou
uma única aparição na imprensa de Milene Domingues ao lado de outro homem para Ronaldo
partir para o ataque. E a foto nem foi tão comprometedora assim: ela e o jogador David
Aganzo, das divisões inferiores do Real Madrid, apenas saíam de um restaurante na capital
espanhola. Nada de mãos dadas, abraços, ninguém de sunga nem de biquíni cenas bem
comuns no álbum de Ronaldo e suas amigas mundo afora.” (Época, 17 de nov. 2003)
É de se salientar, também, o fato da fala da jogadora Milene Domingues ter ganhado
as páginas amarelas da seção “Entrevista”, da revista Veja, espaço comumente dedicado a
entrevistas com “especialistas” de áreas diversas. Em declarações como: “’Matrimônio não
pode ser prisão. Existe vida fora do casamento. A mulher casada precisa ter o direito de sair
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com os amigos, de viajar e, no meu caso, treinar. No começo do nosso relacionamento, eu
queria fazer tudo com ele, era carente e dependente (...). Comecei a me sentir inútil.’” (Veja,
24 de set. 2006), transparece a matriz identificatória dessa micronarrativa, como relato de um
cotidiano feminino opressor e de nulidade confessa, presente, pode-se dizer, em parte
considerável dos lares brasileiros.
Desse modo, a implicação discursiva dá-se na inscrição de significantes que margeiam
a polarização mítico-cotidiano, incluindo o percurso transformador pressuposto: "antes" e
"depois" da separação – a "intimidade" do "mito" revelada e o abandono do terreno mítico por
parte de Milene, que passa a ser vista como uma "mulher normal", sujeita às agruras do
cotidiano.
3. Saúde do papa João Paulo II
Síntese factual: Cardeais do Vaticano declaram que o estado de saúde do papa João Paulo II
piorou.
Personagens envolvidos:
o papa
os cardeais
os fiéis
Trechos de matérias relacionadas ao fato:
“Dias depois de alguns cardeais darem informações sombrias sobre seu estado de
saúde, o papa João Paulo II conduziu, ontem, uma demorada e vibrante cerimônia, na
qual foram canonizados os missionários Daniele Comboni, da Itália; Arnold Jansen,
da Alemanha; e Josef Freinademetz, da Áustria. João Paulo II encerrou a solenidade
dando uma volta na Praça de São Pedro, no papamóvel, para saudar dezenas de
milhares de fiéis, que o aclamaram com entusiasmo.” (Três novos santos, O Estado de
S. Paulo, 6 de out. 2003)
“Um dia depois da publicação de uma entrevista do cardeal Joseph Ratzinger, prefeito
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da Congregação para a Doutrina da Fé, na qual afirmou que o papa estava mal e pediu
que se rezasse por ele, João Paulo II reapareceu ontem na Praça de São Pedro para a
audiência geral das quartas-feiras. (...) Debilitado pelo mal de Parkinson pela artrite,
doenças que limitam seus movimentos, João Paulo II, de 83 anos, interrompeu a
leitura de uma mensagem em italiano, de 43 linhas, mas depois se dirigiu em dez
línguas aos fiéis que assistiam à audiência. A multidão, de cerca de 12 mil pessoas,
aplaudiu o papa para incentivá-lo a retomar a leitura.” (João Paulo II reaparece e
confirma viagem, O Estado de S. Paulo, 2 de out. 2003)
“Desde julho de 1992, quando o papa João Paulo II se submeteu a uma cirurgia para a
retirada de um tumor benigno do intestino, sua saúde vem sendo tão fortemente
abalada que as especulações sobre a sucessão no trono de São Pedro se tornaram o
exercício predileto da futurologia midiática. Tanto que os ‘vaticanólogos’ são hoje
especialistas tão prestigiados quanto foram os ‘kremlinólogos’ nos tempos da guerra
fria. Mas, apesar da onipresença da imagem de um ancião caquético, arcado e
padecendo do mal de Parkinson, a resistência do pontífice polonês tem derrubado as
mais agourentas previsões sobre sua morte iminente.” (Habemus Papam?, IstoÉ, 8 de
out. 2003)
Em relação às declarações sobre a saúde do papa, podemos dizer que três esferas
destacam-se: do herói (o papa), do mandante (Deus) e do antagonista (a doença). Nesse caso,
o relato contado é o de um herói, divinizado, em plena luta, contra um terrível inimigo
invisível a doença, em um primeiro plano, e a morte prevista, em um segundo olhar. Há,
ainda, em cena, os cardeais, que verbalizam o que se sabe, e os fiéis, que mantêm o herói
em seu lugar, apesar do sabido, menos por sua “devoção” que por sua performance narrativa
já previamente delineada, a configuração da personagem coletiva “fiéis” que atribui sua
existência imaginária a um modelo devocional, profundamente emotivo.
Desse modo, dois traços estão presentes na ordenação dessa micronarrativa: a certeza
da morte e, ao mesmo tempo, a negação dessa certeza: “Dias depois de alguns cardeais darem
informações sombrias sobre seu estado de saúde, o papa João Paulo II conduziu ontem uma
longa e vibrante cerimônia” (O Estado de S.Paulo, 6 de out.2003), “Um dia depois da
publicação de uma entrevista do cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para
Doutrina da Fá, na qual afirmou que o papa estava mal e pediu que se rezasse por ele, João
Paulo II reapareceu ontem na Praça de São Pedro para a audiência geral das quartas-feiras” (O
70
Estado de S. Paulo, 2 de out. 2003), ou “Mas, apesar da onipresença da imagem de um ancião
caquético, arcado e padecendo do mal de Parkinson, a resistência do pontífice polonês tem
derrubado as mais agourentas previsões sobre sua morte iminente” (IstoÉ, 8 de out. 2003).
que se considerar, também, que as declarações do então cardeal alemão Ratzinger,
que viria a se tornar papa em abril de 2005, após a morte de João Paulo II, “atraem”
justamente por “dizer” o não-dito, ao menos na perspectiva católica. De certa forma, as
palavras do cardeal ganham materialidade, liga, por terem sido evocadas já em um cenário de
morte prevista, mas minuciosamente calada. O dano aqui se coloca na quebra de um velado
contrato de silêncio, que apenas serve para dar voz ao adormecido: nesse caso, não a morte
latente, mas o jogo sucessório em torno do poder máximo da Igreja Católica.
Dessa forma, teríamos como vetores, por um lado, o sacrifício e a luta (louváveis), e,
por outro, o medo da premente morte do dirigente maior do catolicismo, por parte dos fiéis,
uma vez que a tutela pela religião se faz presente, e a dúvida sobre quem ocupará o “trono de
São Pedro”, por parte dos cardeais cotados para sucedê-lo: “... as atenções já se concentram na
composição do peculiar colégio eleitoral que escolherá o próximo papa, chamado conclave
(do latim, cum clave, com chave). Trata-se de uma reunião em que cardeais se trancam na
belíssima Capela Sistina, no Vaticano, de onde saem depois de terem ungido, entre seus
pares, o novo Vigário de Cristo” (IstoÉ, 8 de out. 2003).
A cadeia significante assim instituída colocaria em cena os feixes morte, disputa/poder
e tutela ameaçada que, concatenados, garantiriam a partilha simbólica dessa micronarrativa.
4. Assassinato do casal de adolescentes
Síntese factual: Os estudantes paulistanos Liana Friedenbach e Felipe Silva Caffé são
assassinados em um sítio abandonado em Embu-Guaçu (SP).
Personagens envolvidos:
Felipe Silva Caffé
Liana Friedenbach
Os assassinos (“Champinha”, Aguinaldo Pires e “Pernambuco”)
Os pais
71
A justiça
Trechos de matérias relacionadas aos fatos:
“É impossível definir exatamente com quantos anos uma criança se torna adolescente
e com qual idade o adolescente passa a ser adulto. Muito mais do que uma etapa
cronológica, a adolescência se caracteriza como o período em que o jovem busca sua
auto-afirmação, procura romper limites, questiona regras e se sente imune a qualquer
coisa. Segundo especialistas, trata-se de uma saudável fase de mudanças de
comportamento. Na última semana, porém, o bárbaro assassinato dos estudantes
Felipe Silva Caffé, 19, e Liana Friedenbach, 26, revelou, em cores cruéis que, numa
sociedade marcada por desigualdades profundas, na qual a vida se tornou banal, a
adolescência está sendo roubada.” (Juventude trucidada, IstoÉ, 19 de nov. 2003)
“A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmou, na madrugada de hoje,
que os corpos encontrados na região de Embu-Guaçu são de Felipe Silva Caffé, 19
anos, e de Liana Friedenbach, 16. Os estudantes tinham saído para acampar
escondidos dos pais em 31 de outubro.” (Casal desaparecido em SP é encontrado
morto, http://noticias.terra.com.br, 11 de nov. 2003)
“A polícia suspendeu ontem as buscas de Liana Friedenbach, de 16 anos, e seu
namorado, Felipe Silva Caffé, de 19, na mata de Juquitiba, na Grande São Paulo. Os
dois estão desaparecidos desde o fim de semana, quando foram acampar na cidade.”
(Polícia suspende buscas de casal desaparecido, O Estado de S. Paulo, 8 de nov.
2003)
“O adolescente R.A.A.C., de 16 anos, contou à polícia que o estudante Felipe Silva
Caffé, de 19, foi assassinado com um tiro na cabeça, disparado por um comparsa dele,
um homem conhecido como Pernambuco.” (Polícia acha corpos de jovens em
Juquitiba, O Estado de S. Paulo, 11 de nov. 2003)
“’Encontraram o corpo da sua filha’. A frase, pronunciada numa delegacia de polícia,
às 21 horas de segunda-feira passada, selou a tragédia do empresário Ari Friedenbach
e roubou o sono dos pais de adolescentes em todo o Brasil. A jovem Liana, de 16
anos, havia desaparecido oito dias antes. Era para ser mais uma típica aventura
adolescente, como tantas que marcaram a lista de boas lembranças da juventude de
todos.” (Filme de terror na vida real, Época, 17 de nov. 2003)
72
Nesse relato, em que o bem e o mal se delineiam claramente, são marcantes as
composições do malfeitor (antagonista) o menor Champinha e seus comparsas e das
vítimas Liana e Felipe. Quanto à história propriamente dita, que se projeta sobre o eixo
sintagmático, tem-se as seguintes pontuações seqüenciais: desaparecimento do casal de
adolescentes – a localização de seus corpos – a prisão e a confissão do crime pelos assassinos,
assim como a “descrição”/detalhamento de suas ações criminosas e as repercussões do caso
nas mídias (incluindo pronunciamento do pai de Liana, que abre discussão sobre a maioridade
penal no país, e demonstração da comoção popular gerada pelo conhecimento do fato).
sobre o eixo paradigmático projetam-se a violência e a morte, propulsores desse desejo
de “querer saber sobre” que impulsionou a micronarrativa para além de seu momento factual,
alargando seu espaço de significação. Assim, ao dano inicial, ainda representado no domínio
“individual” a morte/a perda dos adolescentes Liana e Felipe vêm sobrepor-se outros, no
domínio “social” (cf. aqui mesmo, p. 32, Greimas, para quem a narrativa manifesta relações
presentes na axiologia coletiva) a perda da adolescência, do direito à juventude e o medo
que é “descoberto” diante de relatos como esse:
“’Encontraram o corpo da sua filha’. A frase, pronunciada numa delegacia de polícia, às 21
horas de segunda-feira passada, selou a tragédia do empresário Ari Friedenbach e roubou o
sono dos pais de adolescentes em todo o Brasil.’” (Época, 17 de nov. 2003)
“Na última semana, porém, o bárbaro assassinato dos estudantes Felipe Silva Caffé, 19, e
Liana Friedenbach, 26, revelou, em cores cruéis que, numa sociedade marcada por
desigualdades profundas, na qual a vida se tornou banal, a adolescência está sendo roubada.”
(IstoÉ, 19 de nov. 2003)
Dessa forma, a “fala”, o ruído ecoado pelas mídias (repercussão do caso) adquire,
aqui, um certo valor ex-orcizante, na tentativa de colocar para fora o terror que não “cabe”,
que precisa ser expulso, ao mesmo tempo que atrai, em especial no detalhamento da violência,
na busca em querer saber mais, de remontar a cena “completa” que ninguém viu,
principalmente quanto ao sofrimento da adolescente Liana, corporificado em detalhes
perversos os seguidos estupros, a orgia (no convite de Champinha a garotos da região), o
esfaqueamento e o abandono do corpo à beira de um riacho. A perversão, que na perspectiva
psicanalítica é uma das três grandes estruturas clínicas (ao lado da neurose e da psicose),
refere-se ao modo do sujeito lidar com a falta pelo mecanismo da denegação. O olhar
perverso é aquele que atua na Outra cena, irrepresentável, uma vez que real.
Há, também nesse caso, o desmascaramento como agente narrativo; conta-se para
73
revelar como foi o acontecimento, para “tirar o véu” que encobre o fato. Mas conta-se, ainda,
para reordenar a cena e deslocar o dano para outro lugar e continuar, assim, produzindo
sentidos: o relacionamento pais e filhos, o comportamento dos adolescentes, a discussão sobre
a maioridade penal no Brasil, a ineficácia da polícia e da Justiça no país. Vale lembrar que a
história foi novamente resgatada em 2006, quando Champinha, à época do crime menor de
idade, seria solto por ter cumprido os três anos previstos de reclusão. Após muitos debates
sobre o tema em jornais, rádios, televisão e internet, a Justiça decidiu, em outubro deste ano,
mantê-lo preso em hospital psiquiátrico.
Assim, pode-se dizer que, insistindo nessa narrativa tem-se não a morte e a
crueldade, em sua associação "desumanidade", como os seus anteparos significantes: a Justiça
e a demonstração de solidariedade e de comoção do povo brasileiro que, de uma certa forma,
conformam e confortam o cenário "deformado" a que todos foram expostos na reverberação
do fato.
5. Caso Waldomiro Diniz
Síntese factual: O ex-assessor do então ministro da Casa Civil José Dirceu, Waldomiro Diniz,
é acusado de negociar propina, em troca de favorecimento em concorrência, com o
empresário do ramo de jogos, Carlos Augusto Ramos.
Personagens envolvidos:
Waldomiro Diniz
José Dirceu
Empresário Carlos Augusto Ramos (Carlinhos Cachoeira)
Governo Federal
Mídia
Justiça
Trechos de matérias relacionadas ao fato:
“Surpreendido pela primeira grande denúncia de corrupção sobre integrantes de seu
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governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ao ministro da
Coordenação Política, Aldo Rebelo, ainda na quinta-feira, que demitisse o subchefe de
Assuntos Parlamentares, Waldomiro Diniz.” (Denúncia de propina derruba assessor
do Planalto, O Estado de S. Paulo, 14 de fev. 2004)
“O caso Waldomiro Diniz recebeu novas denúncias hoje, o que abalou ainda mais o
alto escalão do governo Lula. Conforme a revista Época, Diniz, ex-assessor do Palácio
do Planalto, indicado pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, de quem é amigo
pessoal, reconheceu ter mantido encontros com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o
Carlinhos Cachoeira, em 2003” (Revistas trazem novas denúncias sobre caso Diniz,
http://noticias.terra.com.br, 20 de fev. 2004)
“A acusação de que um dos principais homens de confiança do ministro José Dirceu
(Casa Civil) negociava com bicheiros o favorecimento em concorrências, em troca de
propinas e contribuições para campanhas eleitorais, gerou a maior crise até agora no
governo de Luiz Inácio Lula da Silva.” (Entenda o caso Waldomiro Diniz, Folha
Online, 31 de mar. de 2004)
“Na altura, largura e profundidade em que andam os acontecimentos, tanto faz o meio
CPI, inquérito policial, investigação do Ministério Público ou apuração jornalística.
O importante é chegar ao fim: saber se, e até que ponto, houve contágio da estrutura
central de poder pelos métodos de atuação de Waldomiro Diniz durante o pouco mais
de um ano que privou de sala, trânsito e confiança no Palácio do Planalto.” (Sombra
sobre o Planalto, Dora Kramer, O Estado de S. Paulo, 17 de fev. 2004)
“O governo se esforçou o quanto pôde na semana passada para tentar isolar dois
Waldomiros. Segundo tentou fazer entender o governo petista, haveria o extorsionário
Waldomiro Diniz, que apareceu numa fita de vídeo pedindo dinheiro a um bicheiro, na
campanha de 2002. E haveria outro Waldomiro, também de sobrenome Diniz, que era
subchefe da Casa Civil, o poderoso assessor do ministro José Dirceu. Como as duas
personas eram uma só, a manobra não deu o resultado esperado pelo Palácio do
Planalto. A verdade é que Waldomiro Diniz manteve encontros impróprios também
quando já era do governo.” (A operação abafa do PT, Veja, 25 de fev. 2004)
“Em julho do ano passado, quando IstoÉ revelou pela primeira vez as relações
comprometedoras de Waldomiro Diniz com expoentes do jogo legal e ilegal, o
ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, perdeu a fleuma. Em pleno domingo,
entrou em contato com o amigo e assessor e cobrou explicações. Waldomiro, que já
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conhecia o conteúdo da reportagem, negou que tivesse relações com bicheiros e
contraventores eletrônicos e disse que na manhã seguinte iria desmentir a reportagem.
O ministro achou que o desmentido seria uma reação tímida demais para o tamanho da
denúncia e exigiu que o assessor tomasse medidas mais consistentes. Na sexta-feira 4
de julho, Waldomiro disparou ofícios ao procurador-geral da República, Cláudio
Fontelles, ao corregedor da União, Waldir Pires, e ao ministro da Justiça, rcio
Thomaz Bastos, pedindo de próprio punho para que fossem investigadas as denúncias
feitas por IstoÉ. (...) Foi tudo jogo de cena. Na verdade, desde a terça-feira 1º de julho
do ano passado, três dias antes de encaminhar os ofícios se colocando na posição de
vítima, Waldomiro tinha pleno conhecimento de que suas tramóias estavam
registradas em fita de vídeo. Sabia também que o autor da gravação fora o bicheiro
Carlinhos Cachoeira.” (Vidraça exposta, IstoÉ, 25 de fev. 2004)
O caso Waldomiro Diniz, como ficou conhecido, teve como expoente central da narrativa
o ex-assessor do Ministro de Casa Civil época José Dirceu), no lugar do malfeitor: o
corrupto. A micronarrativa tem início a partir da ação da mídia que, nesse caso, assume a
postura não de “revelar”, dar a ver, o esquema de corrupção, como também a de heroína,
benfeitora, uma vez que parte, corajosamente, à procura do “objeto gico”, travestido de
“verdade” no discurso jornalístico. É ela, portanto, que realiza a função heróica da busca.
Além disso, há a Justiça como adjuvante – age ao lado das forças do bem, e o governo, em
especial na figura do ex-ministro José Dirceu, então chefe da Casa Civil, ora como oponente –
aparece ao lado das forças do mal, pois sugere-se a proximidade com a corrupção, ora como
vítima – que não sabia das ações “criminosas” do ex-funcionário e foi traído:
“A inexperiência em ser governo fez com que a sangria não fosse estancada imediatamente,
tomando proporções gigantescas, inflando a oposição e transformando a gestão do PT numa
grande vidraça. A traição de Waldomiro por pouco não ceifou a esperança. Desolado, o
ministro pediu desculpas aos companheiros da base do governo, durante jantar na casa do
presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP)” (IstoÉ, 25 de fev. 2004);
“Segundo tentou fazer entender o governo petista, haveria o extorsionário Waldomiro Diniz,
que apareceu numa fita de vídeo pedindo dinheiro a um bicheiro, na campanha de 2002. E
haveria outro Waldomiro, também de sobrenome Diniz, que era subchefe da Casa Civil, o
poderoso assessor do ministro José Dirceu. Como as duas personas eram uma só, a manobra
não deu o resultado esperado pelo Palácio do Planalto. A verdade é que Waldomiro Diniz
manteve encontros impróprios também quando já era do governo. Ele confidenciou a um
76
amigo que se reuniu, na condição de subchefe da Casa Civil, com representantes de uma
multinacional que opera os jogos de loteria da Caixa Econômica Federal” (Veja, 25 de fev.
2004).
Em cena, além do agente da corrupção, existem como vetores a legitimidade do poder
instituído, atrelado ao Partido dos Trabalhadores, e a discussão ética como pano de fundo. O
dano estabelecido que configura a narrativa é a “quebra de confiança”, não do ministro
Dirceu em relação ao seu “homem de confiança”, como também o panorama de desconfiança
em relação à postura ética do governo petista que se inaugura a partir desse episódio
(“Surpreendido pela primeira grande denúncia de corrupção sobre integrantes de seu governo,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ao ministro da Coordenação Política, Aldo
Rebelo, ainda na quinta-feira, que demitisse o subchefe de Assuntos Parlamentares,
Waldomiro Diniz”).
Ressalta-se, entretanto, que como agentes da narrativa, as mídias atuam não na
“investigação” sobre o caso, mas, antes, na definição de qual história será contada, uma vez
que é a partir da declaração da reportagem de uma revista semanal que o relato se estabelece,
e não a partir da fala de algum personagem “de fora”. Ou seja, as esferas actanciais de
determinado relato são visualizadas a partir dos traços que combinam, e de qual “vozos
ordena (transforma em história) e não a partir de representações unitárias, fixas; logo, podem
transitar por esferas diferentes – como vimos acima, o governo como vítima ou “comparsa do
mal”, da falta de ética, dependendo do “olhar”.
Dessa forma, tal micronarrativa encenaria, para além da história, ou das histórias a
serem contadas, valores que perpassam a relação da sociedade brasileira com a coisa blica,
relação esta por vezes marcada por uma atuação política personalista, que tem no indivíduo o
alvo de suas indignações ou consentimentos. Como aponta Faoro
(cf. p. 49)
, uma das
conseqüências do sistema patrimonial que, segundo ele, configurou o Estado brasileiro, é o
desenvolvimento de uma sociedade tutelada, que no Estado uma “potência longínqua”,
distante de suas existências. A corrupção, nesse ponto de vista, é tratada, então, como essa
massa disforme de onde saltam infelicidades e erros pessoais, que expõe com muito mais
força a fragilidade de um (o suborno, o desejo de poder) do que a fragilidade e as incorreções
da máquina política, corrompida desde nossa formação nacional, e da qual a sociedade
também faz parte.
Pode-se dizer que o relato sobre o caso “Waldomiro Dinizigualmente privilegiou os
“nomes próprios” e as relações pessoais envolvidas: “Diniz, ex-assessor da Casa Civil, José
Dirceu, de quem é amigo pessoal”, “foi uma semana de constrangimentos para o ministro José
77
Dirceu, atormentado pela sombra do ex-assessor”, “Dirceu se disse traído pelo ex-assessor”,
“Lula estava calado”, “Dirceu estava irritado”, “desolado, o ministro pediu desculpas”,
“descartado do grupo, o bicheiro ficou fulo”. Criou-se, por outro lado, uma ampla rede de
vigilância por parte das mídias que, investidas de seu poder revelador, passam a acompanhar
diariamente o “caso”: “Notícias diárias sobre o caso Waldomiro em www.veja.com.br”.
Tal poder pôde ser percebido, ainda, nas repetidas referências à atuação da imprensa
na “descoberta” do ato ilícito, como aquela que tem legitimidade, inclusive, para descobrir se
houve “contágio da estrutura central de poder” pela atuação do ex-assessor: “Em julho do ano
passado, quando IstoÉ revelou pela primeira vez as relações comprometedoras de Waldomiro
Diniz com expoentes do jogo legal e ilegal, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu,
perdeu a fleuma”; “Conforme a revista Época...”; “Waldomiro Diniz foi exonerado na sexta-
feira 13 do cargo de subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República após
divulgação pela revista Época de fita de 2002...”, “Na altura, largura e profundidade em que
andam os acontecimentos, tanto faz o meio CPI, inquérito policial, investigação do
Ministério Público ou apuração jornalística. O importante é chegar ao fim: saber se, e até que
ponto, houve contágio da estrutura central de poder pelos métodos de atuação de Waldomiro
Diniz”.
Assim, a ordenação significante se estabelece na dualidade sugerida entre corrupção e
"verdade", governo e mídias, ou, ainda, por associação: o encoberto e o revelado. Vale
pontuar que "entre" uma e outra dessas instâncias, alojam-se os significantes do poder, que
exercem, aqui, a manutenção contínua do trânsito simbólico.
6. Morte do jogador Serginho
Síntese factual: O jogador Paulo Sérgio Oliveira da Silva, Serginho, do clube São Caetano,
sofre uma parada cardiorrespiratória durante uma partida de futebol no estádio do Morumbi,
em São Paulo, e morre.
Personagens envolvidos:
Serginho
Clube São Caetano
Torcedores
78
Trechos de matérias relacionadas ao fato:
“O futebol brasileiro está em estado de choque. Ontem à noite, aos 14 minutos do
segundo tempo do duelo com o São Paulo (0 a 0), o zagueiro Serginho, do São
Caetano, teve parada cardiorrespiratória e praticamente morreu em campo.” (Morte do
zagueiro Serginho no campo choca o Brasil, O Estado de S. Paulo, 28 de out. 2004)
“A morte do jogador Paulo Sérgio Oliveira da Silva, o Serginho, do São Caetano, que
teve parada cardiorrespiratória em campo na noite de quarta-feira, chocou o país e
deixou seqüelas.” (Os limites do coração, Época, 1 de nov. 2004)
“O esporte está de luto pela morte do jogador Serginho, do São Caetano. O zagueiro
de 30 anos desmaiou em campo, aos 14 minutos do tempo, no jogo contra o São
Paulo. Ao perceber que ele tombou sozinho, atletas dos dois times acenaram
desesperadamente para médicos dos clubes. O dr. José Sanchez, do Tricolor, ainda no
gramado, explicava o que poderia ter ocorrido com o atleta. (...) Serginho foi
removido para o Hospital São Luiz e, minutos depois, o jogo foi suspenso. Pouco
antes das 23h, o repórter Daniel Lian deu a fatídica notícia que causou comoção
geral.” (Futebol brasileiro amanhece de luto, Jovem Pan Online, 28 de out. 2004)
“Quando chegou ao Hospital São Luiz, às 22h05 de quarta-feira, Serginho estava
morto. Na verdade, ao ser colocado na ambulância, ainda no estádio do Morumbi,
não respondia a estímulos para recuperar-se da parada cardiorrespiratória que havia
sofrido pouco antes.” (Zagueiro morreu no campo, O Estado de S. Paulo, 29 de out.
2004)
Quanto ao penúltimo caso apontado, a morte do jogador Serginho, as esferas do herói
e do antagonista aparecem claramente delineadas: o herói – o jogador: “a morte do guerreiro”,
“em plena batalha” e o antagonista a morte, a parada cardíaca, de forma mais explícita:
“morte em campo”, a doença que o fulminou” mas, também, o responsável pelo dano ao
herói, busca que se iniciou nos dias subseqüentes à morte do jogador: a responsabilidade por
parte do clube, dos médicos que o socorreram, do plantonista da ambulância que o levou ao
hospital.
Nesse caso, o enunciado “Zagueiro morreu no campo”, apesar de carregar controvérsia
79
sobre o fato do jogador ter ou não morrido no próprio estádio, uma vez que alguns veículos
anunciaram que a morte aconteceu no hospital para onde foi levado, traz associações que
sinalizam o traço heróico do atleta; morrer em campo remete a morrer em batalha (“... aos 14
minutos do segundo tempo do duelo com o São Paulo”), e mais que isso: o jogador sofreu
uma parada cardiorrespiratória durante o jogo entre São Caetano e São Paulo, pelo
Campeonato Brasileiro, no estádio do Morumbi, diante de milhares de telespectadores que
praticamente assistiram à sua morte ao vivo pela televisão, uma vez que as emissoras
continuaram transmitindo informações sobre o jogador até o momento da confirmação da
morte que aconteceu logo depois no hospital São Luiz.
Pode-se dizer, assim, que o fato, destaque nos meios de comunicação de todo o país e
também na imprensa mundial, trouxe “comoção” principalmente pela proximidade em relação
à cena: as pessoas acompanharam pela televisão, pelo dio e pela internet toda a seqüência
narrativa: a queda do atleta, o desespero dos outros jogadores, a tentativa de socorro ainda em
campo, a remoção para o hospital (localizado próximo ao estádio) e a reação dos jogadores,
técnicos, treinadores e torcedores quando souberam da confirmação da morte. Algumas
emissoras de rádio e de televisão alteraram suas programações e estenderam a cobertura sobre
o caso até a madrugada.
O dano, desse modo, não se localiza apenas na morte, mas sim na fatalidade, no
imprevisto diante da morte de um atleta em ação, aqui retratado como “guerreiro”:
“A morte do jogador Paulo Sérgio Oliveira da Silva, o Serginho, do São Caetano, que teve
parada cardiorrespiratória em campo na noite de quarta-feira, chocou o país e deixou seqüelas.
(...) Drama público. O Brasil inteiro viu a queda súbita de Serginho e o desespero dos
jogadores” (Época, 1 de nov. 2004)
“O esporte está de luto pela morte do jogador Serginho, do São Caetano. (...) Pouco antes das
23, o repórter Daniel Lian deu a fatídica notícia que causou comoção geral (...) Ouça detalhes
da tragédia.” (Jovem Pan Online, 28 de out. 2004)
A narrativa se manteve nos dias seguintes, no cenário midiático, principalmente pela
busca em apontar os possíveis responsáveis pela morte; no centro das atenções, figurou o
clube São Caetano, que era acusado de negligência, de saber dos problemas cardíacos do
jogador e, mesmo assim, não afastá-lo.
Quanto aos valores encenados por essa micronarrativa, tem-se, de certa forma, o
“desvelamento” da morte (a morte “vista”, próxima) como eixo de troca simbólica e a
vitimização e o sacrifício como significantes ordenadores, uma vez que presentificam, nesse
caso, o valor passional que essa prática esportiva representa para grande parcela da população
80
do país.
7. Segundo turno das eleições presidenciais:
Síntese factual: O presidente Luís Inácio Lula da Silva e o ex-governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin disputam o segundo turno das eleições para presidente.
Personagens envolvidos:
Luís Inácio Lula da Silva
Geraldo Alckmin
Políticos do PT
Políticos do PSDB
Mídia
Trechos das matérias relacionadas aos fatos:
“Ao acordar no domingo da votação de primeiro turno, o candidato tucano à
Presidência da República, Geraldo Alckmin, tinha diante de si uma desvantagem nas
pesquisas de 12 pontos em relação ao seu adversário, imensa probabilidade de sofrer
uma derrota acachapante e – em caso de confirmação dessa hipótese – a ameaça de ter
um futuro político reduzido a pouco mais do que dentro do seu partido, o PSDB.
Ao deitar-se naquela noite, porém, o tucano viu no espelho uma imagem que era bem
diferente. Alckmin terminou o dia refestelado sobre uma montanha de 40 milhões de
votos, com vaga garantida no segundo turno e status de fenômeno eleitoral: passou a
ocupar o segundo lugar no ranking dos candidatos mais bem votados, em números
absolutos, no primeiro turno de uma eleição presidencial. O tucano não superou em
20 milhões o número de votos obtidos em 2002 por seu colega de partido José Serra,
como derrotou Lula em nada menos do que dez estados brasileiros, além do Distrito
Federal.” (O fenômeno Alckmin, Veja, 11 de out. 2006)
“O candidato tucano ao Planalto, Geraldo Alckmin, acusou ontem o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva de comandar uma ‘campanha do medo’ e usar programas sociais
como moeda para conquistar votos. ‘Como não tem muito o que mostrar, Lula fica
81
nesta campanha de criar medo. É uma campanha de boatos, fofocas, mentiras, tudo
para enganar o eleitor’, disse o candidato do PSDB, durante caminhada pelo centro da
capital da Paraíba.” (Alckmin ‘jogo sujo e campanha do medo’ no PT, O Estado de
S. Paulo, 14 de out. 2006)
“O resultado das urnas no 1º turno é um retrato do governo assistencialista e pró-pobre
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quanto maior a concentração de programas sociais
e assistenciais nos Estados, maior foi a votação do presidente.” (Urna premia ação
assistencialista de Lula, Folha de S.Paulo, 15 de out. 2006)
“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu o confronto contra o tucano Geraldo
Alckmin na disputa pelo voto nos grotões do Brasil. Levantamento feito pelo Estado
mostra que no primeiro turno Lula derrotou o candidato do PSDB na maioria das
cidades com menos de 20 mil eleitores, o que demonstra a maior capilaridade da
candidatura petista.” (No mapa do voto, Lula é mais forte nos grotões, O Estado de S.
Paulo, 15 de out. 2006)
Pode-se dizer que a última micronarrativa analisada, relativa ao segundo turno das
eleições de 2006 para Presidência da República, constitui-se de forma marcadamente dual,
colocando em cena dois perfis de candidatos que se querem excludentes, não só em virtude da
competição pelo cargo, mas também pelas significações distintas que buscam evocar na
população.
Nesse caso, diferente dos outros relatos lidos, o elemento factual central (as eleições)
situa-se para alhures, para o que ainda não foi. O que há, presentificando a narrativa, é a
existência da disputa. Assim, a história é realimentada diariamente em torno de factóides que
se produzem a partir das falas dos candidatos e das pesquisas, que fornecem dados para que se
cumpra um certo princípio de verossimilhança:
“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu o confronto contra o tucano Geraldo Alckmin
na disputa pelo voto nos grotões do Brasil. Levantamento feito pelo Estado mostra que no
primeiro turno Lula derrotou o candidato do PSDB na maioria das cidades com menos de 20
mil eleitores” (O Estado de S. Paulo, 15 de out. 2006);
“O candidato tucano ao Planalto, Geraldo Alckmin, acusou ontem o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva de comandar uma ‘campanha do medo’ e usar programas sociais como moeda
para conquistar votos” (O Estado de S. Paulo, 14 de out. 2006);
“O resultado das urnas no turno é um retrato do governo assistencialista e pró-pobre de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quanto maior a concentração de programas sociais e
82
assistenciais nos Estados, maior foi a votação do presidente” (Folha de S.Paulo, 15 de out.
2006).
Há, aqui, como na repercussão do caso Waldomiro Diniz, a marca da “pessoalidade”
na vida do Estado; mostram-se, antes de projetos políticos distintos, perfis e histórias pessoais
diversos e, por vezes, opostos, na construção das “imagens” dos candidatos-personagens,
imagens estas condizentes com as “escolhas” de cada veículo. Nos trechos abaixo, por
exemplo, reproduzidos de reportagem publicada pela revista Veja, clara configuração de
apoio ao candidato Alckmin, retratado aqui como o “grande vencedor”:
“Alckmin terminou o dia refestelado sobre uma montanha de 40 milhões de votos, com vaga
garantida no segundo turno e status de fenômeno eleitoral.”
“Uma confluência de fatores explica o vôo alto do tucano. Sua candidatura vinha
experimentando um crescimento lento, mas robusto, havia alguns meses, graças a uma
campanha que, se não primou pela empatia, enfatizou a necessidade de uma agenda positiva
para o Brasil.”
“Os 12 milhões de votos que o tucano obteve agora no estado mostram uma bela aprovação.”
“O ótimo desempenho de Alckmin no primeiro turno mudou o ânimo de seus pares do
PSDB.”
“No domingo, quando o TSE anunciou sua entrada no segundo turno, a família Alckmin
comemorou com alegria, mas sem brinde. Nos copos dos presentes, só havia água. Ele é
mesmo bem diferente de Lula”
Em oposição, na mesma edição, a revista publica matéria sobre o “outro” candidato,
Lula, com visível intenção depreciativa:
“A festa estava pronta. (...) e não esqueceram de encomendar cinco caixas de champanhe. (...)
Na noite de domingo, quando ficou claro que haveria mesmo uma segunda votação, o
presidente recebeu o telefonema de um interlocutor e manifestou sua perplexidade. (...) o
presidente Lula, que quase ignorou sua agenda presidencial, fora engolido pelo candidato
Lula e o governo, com dezessete ministros arregaçando as mangas, fora engolido pela
campanha.”
“Preocupado com uma derrota, Lula retoma o figurino ‘Lulinha paz e amor’ que deu certo em
2002”
(Veja, 11 de out. 2006)
Desse modo, a narrativa desenrola-se em torno de identificações que o muito além
da cena política. Em pauta, questões como ética, corrupção, pobreza e privatizações ganham
destaque no espaço midiático permeadas de um certo “jeito de ser” de cada candidato. O
83
governador de São Paulo, Cláudio Lembo, chegou a declarar em entrevista à rádio CBN, após
a confirmação de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, que Alckmin teria perdido votos por ter
abandonado seu jeito comedido de ser, por ter deixado de ser “o genro que toda sogra gostaria
de ter”, referindo-se à postura mais “agressiva” que o candidato de PSDB teria adotado no
segundo turno.
O dano, nesse caso, situa-se na indefinição do cargo, que deverá ser preenchido,
ocupado, por aquele que vencer a “batalha” das eleições. Logo, pode-se apontar que o cenário
narrativo é o da guerra, da circunscrição bem e mal, apreendido nas estratégias utilizadas, no
estabelecimento do campo inimigo, nas ações e nas falas do suposto “herói” e do suposto
“antagonista”, assim como na identificação de adjuvantes e oponentes (em especial na
polarização PSDB e PT).
A dualidade marca também a ordenação da cadeia significante, que se inscreve no
entremeio representado pelo "eleito", de um lado, e pelo "não-eleito", por outro, considerada a
expectativa do ato eleitoral que ainda estava por vir. Pode-se inferir que o que nomeia esse
entremeio é justamente a esfera do poder, evocada pelas significações consagratórias da
disputa legítima, democrática.
84
5. Considerações finais
Pés pisam o chão
um de cada vez -
a vida caminha: lenta, voadeira, voraz.
Patrícia
Diante dos relatos selecionados, pode-se afirmar que a função narrativa primordial da
imprensa parece ser a de “desmascarar” um determinado “dano”; no entanto, é o próprio
discurso midiático que coloca o dano em seu lugar. Há aqui um deslocamento que se opera
em nome de uma suposta “verdade encoberta” que precisa vir à tona. É o que se pode apontar
como traço comum e determinante a partir das micronarrativas “lidas” anteriormente:
1. “Não a decisão de abrir espaço no ar para criminosos seria, por definição, irresponsável,
como chovem denúncias de que a entrevista foi forjada.” (Veja, 17 de set. 2003)
2. “Os sinais de desgaste eram antigos, mas o craque admitiu que o casamento acabou na
semana passada.” (Quem Online, 21 de nov. 2003)
3. “Desde julho de 1992, quando o papa João Paulo II se submeteu a uma cirurgia para a
retirada de um tumor benigno do intestino, sua saúde vem sendo tão fortemente abalada que
as especulações sobre a sucessão no trono de São Pedro se tornaram o exercício predileto da
futurologia midiática” (IstoÉ, 8 de out. 2003)
4. “’Encontraram o corpo da sua filha’. A frase, pronunciada numa delegacia de polícia, às 21
horas de segunda-feira passada, selou a tragédia do empresário Ari Friedenbach e roubou o
sono dos pais de adolescentes em todo o Brasil. A jovem Liana, de 16 anos, havia
desaparecido oito dias antes.” (Época, 17 de nov. 2003)
5. “Em julho do ano passado, quando IstoÉ revelou pela primeira vez as relações
comprometedoras de Waldomiro Diniz com expoentes do jogo legal e ilegal, o ministro-chefe
da Casa Civil, José Dirceu, perdeu a fleuma. Em pleno domingo, entrou em contato com o
amigo e assessor e cobrou explicações.” (IstoÉ, 25 de fev. 2004)
6. “A morte do jogador Paulo Sérgio Oliveira da Silva, o Serginho, do São Caetano, que teve
parada cardiorrespiratória em campo na noite de quarta-feira, chocou o país e deixou
seqüelas.” (Época, 1 de nov. 2004)
7. “O resultado das urnas no turno é um retrato do governo assistencialista e pró-pobre de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quanto maior a concentração de programas sociais e
85
assistenciais nos Estados, maior foi a votação do presidente.” (Folha de S.Paulo, 15 de out.
2006)
Ocorre que esse movimento, de desvelar a “verdade”, transparece pela força da
narrativa, pela montagem do imaginário, que age por seus princípios peculiares e de acordo
com suas próprias leis.
Desse modo, a pressuposição da máscara torna-se o próprio alimento da maquinaria
informativa. Na suposta função de “desmascarar” situar-se-ia a prática midiática sem,
entretanto, aperceber-se de sua impossibilidade operacional, visto também configurar-se como
anteparo, diante daquilo que não pode ver e nem sequer prever:
O ser se decompõe de maneira sensacional, entre seu ser e seu semblante, entre si mesmo e
esse tigre de papel que ele a ver (...) o ser de si mesmo, ou recebe do outro, algo que é
máscara, duplo invólucro, pele separada, separada para cobrir a armação de um escudo.
que o sujeito sujeito humano, o sujeito do desejo que é a essência do Homem, não é de
modo algum, ao contrário do animal, inteiramente preso por essa captura imaginária. Ele se
demarca nela. Como? Na medida em que ele isola a função do anteparo, e joga com ela. O
homem, com efeito, sabe jogar com a máscara como sendo esse mais além do que o olhar.
O anteparo é aqui o lugar da mediação (Lacan, 1990: 104-105)
As mídias, nesse ponto de vista, em vez de descobrirem o dano, deslocam-no sempre
para outro lugar, por meio de suturas imaginárias que carregariam o pretendido espectro da
informação, capaz de “formalizar” o mundo. A informação, assim, materializa-se nesse
universo simbólico como “objeto” que é, revestido de uma feição própria: a da narrativa que
nega a todo momento seu valor imaginário e que, no entanto, alimenta-se dele. Tal seria sua
engrenagem discursiva: suportar aquilo que efetivamente não se tem, dar/oferecer o que é
faltante, que está além dele:
O que é amado no objeto é aquilo que falta a ele – só se dá o que não se tem.
Esse esquema fundamental (...) implica, em toda troca simbólica, qualquer que seja o sentido
de seu funcionamento, a permanência do caráter constituinte de um mais-além do objeto.
(Lacan, 1995: 153)
Há, ainda, outros traços que são reiterados pelas micronarrativas observadas:
a falta de demarcação entre os domínios público e privado, que se estende também
para a marca de “pessoalidade”, personalismo nos assuntos relativos ao Estado –
86
presente nos relatos sobre o PCC no “Programa Legal”, sobre a separação entre os
jogadores Ronaldo e Milene, sobre o caso Waldomiro Diniz e sobre o segundo turno
das eleições;
o duplo perfil heróico do brasileiro (herói e malandro) – presente em especial na figura
do apresentador Augusto Liberato no caso relativo à entrevista com membros do PCC
em seu programa e na figura, também dupla, do jogador Ronaldo, como “fenômeno”
do futebol e como “mulherengo”, traidor, nas repercussões sobre sua separação;
e a vitimização como base identificatória percebida em todas as narrativas
consideradas, não em seu viés “sacrificial”/divinizante, em que o “mandante” é a
“vontade de Deus” – casos do papa e do jogador Serginho, como em seu viés
“mundano”, em que o responsável pela morte é um malfeitor, o algoz caso do
assassinato do casal de adolescentes; ou, ainda, em seu viés “prejudicial”, em que não
morte, mas desejo de “salvação”/mudança no caso Gugu/PCC, em que
emergem as timas da farsa e as vítimas da violência, no caso Ronaldo/Milene, em
que emerge a mulher vítima da traição suposta e da opressão da nulidade pessoal, no
caso Waldomiro Diniz, em que emergem as vítimas da corrupção, e na disputa ao
segundo turno das eleições, em que são colocadas em cena as vítimas a partir de
projetos políticos opostos: as vítimas da pobreza, as vítimas do desemprego, as vítimas
da exclusão, à espera de um “salvador” que as redima.
Permeando as micronarrativas, pode-se dizer que três significantes reincidentes: a
morte, o mito e o poder que, sob diferentes arranjos, insistem no percurso de significação,
captando olhares e escutas. A morte se faz presente nos casos “PCC no Programa Legal”,
“doença do papa”, “assassinato do casal de adolescentes” e “morte do jogador Serginho”. Já o
mito é evocado no caso da “separação Ronaldo e Milene”, além de repetir-se nos relatos sobre
a “doença do papa” e sobre a “morte do jogador Serginho”. Quanto ao poder, compõe
sentidos não no “caso Waldomiro Diniz” e nas notícias sobre o segundo turno das eleições
à presidência, como nas repercussões acerca da doença do papa.
Dessa forma, pode-se dizer que o discurso midiático, que se apresenta em
micronarrativas do cotidiano, encena, através de relatos que se querem atuais, valores
encrustados no tecido social e que remetem a configurações significantes anteriores, mas que
continuam a produzir efeitos de sentido, justamente por evocarem cenas que não podem ser
representadas, mas que permanecem latentes, pulsando a cada brecha do imaginário que,
afinal, nunca atuará a imagem do desejo.
87
Contando histórias, as mídias operam na ampliação de determinada “ordem simbólica”
por meio de encenações próprias, que lhes garantem a manutenção da demanda necessária
para que novamente se inicie a busca por esse “querer saber sobre” que move o discurso
midiático, realimentando, assim, a rede que é troca simbólica. E, por fim, por se efetivam
os laços sociais e as incidências do imaginário que constroem a idéia de Nação.
Em curso: palavras, imagens, narrativas, sujeitos – constructos evanescentes e ao
mesmo tempo incisivos, em discursos que enlaçam uns e outros, que os oferece em
existências impossíveis, “buscadoras” de um (re)encontro “total”, sem restos, sem voz.
Assim, pontua-se aqui este que pretendeu ser um trabalho de busca, de ruídos, de ecos,
de alinhavos, que por não se concluir, finaliza-se no ponto que estanca o verbo.
88
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