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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
PROGRAMA: CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: INTERFACES SOCIAIS DA COMUNICAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCOMUNICAÇÃO
A RECEPÇÃO DAS MENSAGENS TELEVISIVAS E A CONSTRUÇÃO DO
SENTIDO: UMA EXPERIÊNCIA
Dissertação de Mestrado
apresentada à Área de
Comunicação da Escola de
Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, como
requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Ciências da
Comunicação
Orientador: Prof. Dr. Adilson Odair Citelli
Margaret Presser
São Paulo
2007
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2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
PROGRAMA: CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: INTERFACES SOCIAIS DA COMUNICAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCOMUNICAÇÃO
A RECEPÇÃO DAS MENSAGENS TELEVISIVAS E A CONSTRUÇÃO DO
SENTIDO: UMA EXPERIÊNCIA
Dissertação de Mestrado
apresentada à Área de
Comunicação da Escola de
Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, como
requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Ciências da
Comunicação
Orientador: Prof. Dr. Adilson Odair Citelli
Margaret Presser
São Paulo
2007
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3
COMISSÃO JULGADORA:
____________________________
____________________________
____________________________
4
Agradecimentos
Ao orientador Prof. Dr. Adilson Odair Citelli.
À amiga Marina Escobar de Kinjô, que acompanhou este trabalho desde o início,
pelo apoio e incentivo constantes.
A Leonardo Lui Cavalcanti, pelas boas sugestões nas entrevistas.
A Anita, pelo estímulo vital que é ter um filho.
A Cláudio Cavalcanti, pelo amor e companheirismo em todos os momentos.
5
Resumo
Esta dissertação relata e analisa uma experiência de mídia-educação realizada
em uma escola particular da cidade de São Paulo, com um grupo de 22 alunos de
13 a 15 anos de idade no mês de junho de 2006.
A proposta foi investigar as estratégias de produção de sentido adotadas pelo
grupo de alunos, bem como as possibilidades de introdução de projetos de mídia-
educação nas escolas. Para isso, o trabalho se baseou na teoria das mediões,
desenvolvida por Guillermo Orozco Gómez e Jesús Martín-Barbero.
A pesquisa permitiu refletir sobre os diversos elementos que interferem na
produção de sentido e verificar algumas condições necessárias para que um
trabalho de mídia-educação possa ser realizado no ambiente escolar.
Palavras-chave
mídia-educação, televisão, recepção, mediações, sentido
6
Abstract
This dissertation describes and analyses an experience of media-education that
took place in a private school in São Paulo, with a 22 students group of 13 to 15
years old in june 2006.
The purpose was to investigate the meaning-making strategies adopted by the
students group, as well as the possibilities of introduction of media-education
projects in school. To achieve that, the work was based on the mediations theory,
developed by Guillermo Orozco Gómes and Jesús Martín-Barbero.
The research lend to reflections about the various elements that interfere in the
meaning-making and to verify some necessary conditions to a media-education
work in a educational environment.
Key-words
media-education, television, recepcion, mediations, meaning
7
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................. 9
Capítulo 1: Pensando sobre a recepção
1.1. Por que estudar a mídia ............................................................................... 12
1.2. Da satanização da mídia ao receptor ativo .................................................. 15
1.3. Por que a mídia-educação ............................................................................ 20
1.3.1. As várias concepções de mídia-educação ........................................... 25
1.3.2. A busca de caminhos para a prática da mídia-educação ..................... 27
1.4. A metodologia desta pesquisa ....................................................................... 35
1.4.1. Instrumentos de pesquisa ..................................................................... 36
Capítulo 2: Televisão: a construção de sentido na emissão e na recepção
2.1. Imagem e imaginário ..................................................................................... 41
2.2. Análise da construção de sentido .................................................................. 47
2.2.1. A linguagem dialógica da tevê ............................................................... 49
Capítulo 3: Descrição e interpretação da pesquisa empírica
3.1. O local da pesquisa e os participantes .......................................................... 53
3.1.1. A professora-mediadora ........................................................................ 54
3.1.2. A seleção do grupo de jovens ............................................................... 56
3.2. Planejamento ................................................................................................. 57
3.3. O grupo de alunos ......................................................................................... 58
3.3.1. Os jovens e a tevê: preferências e opiniões .......................................... 60
3.3.2. Leitura, cinema, teatro ........................................................................... 73
3.4. A escolha dos programas para análise .......................................................... 74
3.5. Descrição dos episódios selecionados e recepção
3.5.1. Os Simpsons ......................................................................................... 77
3.5.2. Gordo Freak Show .............................................................................. 100
3.6. Um olhar sobre os produtos analisados ...................................................... 115
3.6.1. Projeção e identificação ...................................................................... 117
8
Capítulo 4: Investigações complementares
4.1. Estudo de uma chamada do SBT ........................................................... 120
4.2. Estudo de comerciais de televisão ......................................................... 122
4.3. Um projeto para produção televisiva ...................................................... 127
Conclusão .......................................................................................................... 132
Bibliografia consultada ....................................................................................... 137
Anexos ................................................................................................................ 142
9
INTRODUÇÃO
No ato da leitura, um texto pode assumir sentidos não previstos por seu
criador.
Essa foi a idéia principal que norteou a elaboração desta pesquisa, ao decidir
investigar mais de perto o que acontece no ato da recepção de mensagens
transmitidas pela televisão.
Como os receptores entendem aquilo que vêem na tevê? Será que todos
percebem a mesma coisa? Aque ponto o receptor é “influenciável”? Por que,
afinal, a televisão conseguiu expandir tanto sua presença nas sociedades atuais?
O que as pessoas buscam na tevê?
Essas perguntas iniciais conduziram a outra: Como a escola poderia
introduzir em seu planejamento um trabalho voltado para a reflexão sobre os
meios de comunicação?
Mais do que respostas, o que esta pesquisa procurou fazer foi utilizar as
perguntas como roteiro de investigação, para uma aproximação qualitativa em
relação ao receptor e ao ambiente escolar. Para isso, selecionou-se um grupo de
22 estudantes de 13 a 15 anos de uma escola particular de São Paulo e se
procedeu a um trabalho empírico, paralelamente a uma pesquisa teórica. Sob a
orientação da pesquisadora e da professora de ngua Portuguesa, os alunos
assistiram a alguns vídeos na escola, comentaram, debateram, preencheram
questionários e planejaram a produção de programas televisivos.
Este relatório final de pesquisa expõe os caminhos percorridos nessa
aproximação.
O primeiro capítulo, “Pensando sobre a recepção”, justifica a escolha do tema
de pesquisa, discorrendo sobre a importância de refletir a respeito da presea da
mídia nas sociedades contemporâneas. Detém-se também nas diversas
tendências de análise que têm orientado esse tipo de pesquisa, procurando
estabelecer um viés que, sem eximir os meios de comunicação de massa da
responsabilidade sobre a formação de determinados valores na audiência, leve
10
em consideração o papel ativo do receptor. Referências essenciais nessa reflexão
foram Guillermo Orozco Gómez e Jesús Martín Barbero.
Também nesse capítulo se discute a necessidade de sistematizar o estudo
da mídia nas escolas, com exemplos sobre o que tem sido feito no Brasil e em
outros países.
Expostas as motivações da pesquisa, descreve-se a metodologia adotada
para desenvolvê-la.
O segundo capítulo, Televisão: a construção de sentido na emissão e na
recepção”, faz um entrelaçamento entre a pesquisa bibliográfica e a investigação
empírica, refletindo sobre as estratégias de construção de sentido ativadas pelos
receptores e sobre a percepção dos elementos da linguagem visual, verbal e
sonora. Edgar Morin e Mikhail Bakhtin foram dois teóricos fundamentais nessa
reflexão.
No terceiro capítulo, “Descrição e interpretação da pesquisa empírica”, está o
corpo do presente trabalho. Como enfoque principal da investigação, a recepção é
descrita e analisada qualitativamente.
Todo o processo de planejamento e elaboração da experiência de recepção
é descrito, incluindo-se as dificuldades encontradas, os imprevistos, as dúvidas
que surgiram no desenrolar do trabalho e os parâmetros que nortearam as
decisões tomadas. Em se tratando de uma pesquisa que procura investigar, entre
outros fatores, os caminhos da mídia-educação na escola, não seria coerente
mascarar o processo de realizão, simulando uma situação escolar ideal para a
implantação de um projeto dessa natureza.
A experiência realizou-se em torno de dois programas escolhidos pelos
próprios alunos participantes da pesquisa: o seriado Os Simpsons (animação) e o
programa de auditório Gordo Freak Show.
A pesquisa foi ampliada com outras vivências práticas de recepção, descritas
no quarto capítulo, “Investigações complementares. Nessa segunda etapa da
pesquisa empírica, a própria pesquisadora selecionou e propôs aos alunos alguns
11
programas televisivos para análise, com a finalidade de reunir novos indicadores
sobre o processo de recepção, agora utilizando programas curtos planejados
explicitamente com o objetivo de persuadir o telespectador a consumir produtos e
bens culturais: dois comerciais e uma chamada propaganda dos programas da
emissora.
Ainda outra amplião nessa tentativa de compreender melhor a recepção e
a produção de sentido consistiu na proposta de uma intervenção produtiva. Os
alunos elaboraram um projeto preliminar de programa televisivo e então foi
possível refletir sobre o quanto uma leitura consciente das mensagens midiáticas
pode permitir uma produção diferenciada.
Por fim, na conclusão deste trabalho, assim como em todo o seu
desenvolvimento, procurou-se evitar a busca de verdades, generalizações,
descobertas e definições, ou o estabelecimento de “fórmulasque pudessem ser
adotadas em experiências similares de dia-educação. O que se objetivou foi
expor algumas reflexões suscitadas pela pesquisa empírica e deixar à mostra
certas limitões da estrutura escolar que precisam ser superadas, uma vez que
se pretenda implantar na escola um projeto desse tipo.
Acima de tudo, desejou-se mostrar o quanto a introdução, na escola, de
estudos sobre os meios de comunicação pode ser estimulante, envolvente e
enriquecedora para a formação dos jovens e para a renovação da educação no
país.
12
CAPÍTULO 1. PENSANDO SOBRE A RECEPÇÃO
1.1. Por que estudar a mídia
Os telespectadores brasileiros estão entre os maiores consumidores de tevê
do mundo: em 2004, o brasileiro despendeu entre 4 e 5 horas diárias vendo
televisão.
1
As crianças, especificamente, passam em média 3h30min por dia diante da
televisão, segundo uma pesquisa coordenada pela organização não-
governamental francesa Eurodata TV Worldwide, divulgada em 2005. Dos nove
países pesquisados (Brasil, Estados Unidos, Indonésia, Itália, África do Sul,
Espanha, Reino Unido, França e Alemanha), o Brasil está em primeiro lugar, no
tempo dedicado à tevê pelas crianças. Em segundo lugar vêm as crianças norte-
americanas (3h16min), as indonésias (3h15min) e as italianas (2h43min).
Segundo outra pesquisa do instituto Eurodata TV Worldwide, realizada em
2004 em 72 países, o tempo médio gasto na frente da tevê tem aumentado em
todos os continentes.
2
Em primeiro lugar estão os japoneses (cerca de 5 horas
diárias). Os chineses e os suecos são os que ficam menos tempo diante da tevê:
2h30min, em 2004.
Para a população de analfabetos ou de analfabetos funcionais, a televisão e
o rádio são os únicos meios de massa utilizados para obter informações. Em
2005, o Brasil tinha 30% de analfabetos funcionais e 10,6% de analfabetos.
Acrescente-se a isso outro dado: 37% conseguem apenas ler textos curtos, o que
exclui a leitura de suas fontes de lazer e informação.
3
1
Folha de S. Paulo, 11 jan. 2005, p. E6.
2
Resultados apresentados durante a MipTV-The World's Leading Audiovisual and Interactive
Content Market, considerado o maior encontro mundial de profissionais de televisão, realizado em
Cannes, na França, em abril de 2005. Site <www.folha.com.br>. Acesso em: 3 jan. 2007.
3
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004; e Indicador Nacional de
Analfabetismo Funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro. A conclusão é evidente:
apenas 22% dos brasileiros acima dos 15 anos têm o domínio pleno das habilidades de leitura e de
escrita.
13
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004-2005, do IBGE,
divulgada em 2006, revela que 90,3% dos domicílios brasileiros têm pelo menos 1
televisor (enquanto 87,4% são equipados com geladeira).
Esse percentual é um dado apenas quantitativo, que o nos permite
compreender a presença cotidiana da televisão na vida dos brasileiros a que
assistem, a que horas e com quem; como a programação da tevê interfere em seu
modo de pensar; como interpretam as mensagens televisivas, etc. No entanto, a
dimensão desse percentual é um indicativo de uma larga presença, e por si
constitui um elemento a ser levado em conta.
Inúmeras pesquisas têm mostrado que a televisão influi nos comportamentos,
lança moda, enuncia verdades políticas e econômicas, cria necessidades e vende
os produtos a elas relacionados; e tudo isso em tempo integral, de modo intensivo
e sob a hegemonia de poderosos grupos de comunicação:
[...] nossa mídia é onipresente, diária, uma dimensão essencial de nossa
experiência contemporânea. É impossível escapar à presença, à representação da
dia. Passamos a depender da mídia, tanto impressa como eletrônica, para fins
de entretenimento e informação, de conforto e segurança, para ver algum sentido
nas continuidades da experiência e também, de quando em quando, para as
intensidades da experiência.
4
A influência da mídia de massa não se restringe ao consumo de produtos. É
da mídia que provêm as idéias, os pensamentos, as palavras com as quais nos
expressamos, os assuntos que privilegiamos em nossas conversas. Segundo
Adilson Citelli:
[...] com o acelerado crescimento dos media, a imagem alcançou patamar de
narratividade cultural ampliada, ajudando a organizar as pprias formas de
pensamento [...]. Trata-se de entender que os signos imaticos não apenas
ganharam força e amplitude, mas também intensificaram a sua capacidade de
transitar valores, conceitos, informações e conhecimentos, tendo reflexos sobre
diversas instâncias sociais, particularmente a escola.
5
4
Roger S
ILVERSTONE
. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002. p. 12.
5
Adilson C
ITELLI
. Palavras, meios de comunicação e educação. São Paulo: Cortez, 2006. p. 19.
14
Ela filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas representações
singulares e múltiplas, fornecendo critérios, referências para a condução da vida
diária, para a produção e a manuteão do senso comum. [...] A mídia nos deu
palavras para dizer, as idéias para exprimir, não como uma força desencarnada
operando contra nós enquanto nos ocupamos com nossos afazeres diários, mas
como parte de uma realidade de que participamos, que dividimos e que
sustentamos diariamente por meio de nossa fala diária, de nossas interações
diárias.
6
Tais dimensões da mídia quer as relacionadas a estilo de vida e moda,
quer as relativas à visão de mundo caracterizam o principal eixo da questão
cultural da atualidade: o consumo cultural como uma das faces da sociedade de
consumo.
Trata-se, acima de tudo, de um consumo orientado por interesses comerciais.
É o anunciante que “paga” a programão. Um número maior de telespectadores
em determinado horário significa um preço maior dos anúncios veiculados naquele
momento; o merchandising inserido em uma cena de novela garante um
rendimento maior ao ator/garoto-propaganda e à emissora. Com a formação de
conglomerados multimídia, tem havido um fortalecimento cada vez maior das
grandes redes que são ao mesmo tempo proprietárias de emissoras de tevê,
rádios, jornais, provedores de internet, editoras de livros, etc. e, em muitos casos,
com participação de capital estrangeiro. Um exemplo é o grupo Folha de S. Paulo,
que adquiriu o Universo On-Line (UOL), rede de acesso à internet, sendo parte
das ações pertencente à Portugal Telecom, empresa de telefonia.
Todas essas dimensões da televisão estão subjacentes a uma reflexão sobre
o processo de recepção, e não se quer negar o grande poder de persuasão desse
veículo. No entanto, procurou-se evitar uma visão do tipo determinista, que não
deixa opção ao receptor senão a submissão passiva à “teledominação”.
1.2. Da satanização da dia ao receptor ativo
6
Roger S
ILVERSTONE
.
Op. cit. p. 21.
15
Os temas mais freqüentes, quando se fala sobre a influência que a mídia
exerce no receptor, especialmente no caso da televisão, são a banalização da
violência, a sexualização precoce das crianças e o estímulo ao consumismo. No
entanto, a idéia de que as pessoas estão inteiramente sujeitas à manipulação dos
meios de comunicação de massa não tem encontrado respaldo em pesquisas
contemporâneas.
Essa concepção determinista sobre o poder da mídia norteou os estudos
que, no período entreguerras, procuravam investigar o quanto a propaganda é
capaz de controlar as mentes. O uso da propaganda política para angariar apoio
ao totalitarismo alertou os pesquisadores quanto à necessidade de conhecer
melhor o alcance desse poderoso instrumento de dominação chamado mídia. Os
meios de comunicação eram considerados exatamente isso: instrumentos,
ferramentas ideológicas.
Falava-se então em público, ou sociedade de massa, como um bloco
indistinto, homogêneo e suscetível à manipulação dos meios de comunicação. O
processo de recepção era considerado sob a perspectiva do behaviorismo:
submetido a determinado estímulo advindo da mídia, o indivíduo teria certo
comportamento. Falava-se, de fato, em indivíduo, um ser indiscriminado,
independente, que não tinha vínculos de classe, ra, etc.
Nesse modelo, para compreender um processo de comunicação bastaria
desvendar as intenções do produtor e os elementos que compõem a mensagem.
A partir de meados da década de 1970, tem início uma etapa cientificista
baseada no modelo informacional. Ancorado na teoria da informação tomada de
empréstimo da engenharia das telecomunicações (elaborada para aumentar a
velocidade na transmissão de informações e reduzir suas distorções), esse
modelo resume-se ao clássico esquema em que uma seta indica a transmissão de
uma mensagem pelo emissor, utilizando um sinal, e a chegada desse sinal ao
receptor, que o decodifica e recupera a mensagem inicial, podendo haver no
percurso a interferência de fontes de ruído. Trata-se de um modelo aplicável tanto
a uma situação de comunicação entre dois seres humanos quanto entre o ser
16
humano e uma máquina, como o conhecido exemplo do tanque de gasolina de um
automóvel – no qual a bóia leva ao painel do veículo a informão sobre a
quantidade de combustível existente no tanque.
Esse modelo mostrou-se limitado, especialmente porque não levava em
consideração as condições sociais de produção do sentido. Segundo a teoria da
informação, uma vez que o receptor dominasse o código para decifrar os sinais,
seria capaz de recuperar fielmente a mensagem transmitida pelo emissor.
Tratava-se de uma transferência de informações, e o modelo comunicativo
buscava antes de mais nada a rapidez e a eficiência na transmissão. Aplicado aos
meios de comunicação de massa, o modelo interessava-se em analisar como se
dava a transferência de um mesmo conteúdo a um grande número de receptores.
A decodificação das mensagens como recriação, como ressignificação dos
conteúdos, surgiu à margem dessa tradição dos estudos sobre comunicação de
massa. Difundiu-se a partir da década de 1980, quando pesquisadores como
Néstor Garcia Canclíni, Jesús Martín-Barbero e Guillermo Orozco Gómez
deslocaram as questões relativas à comunicação para o campo dos processos
socioculturais. O código deixa de ser considerado um sistema fixo e consolidado,
para se tornar uma rede complexa na qual influem elementos simbólicos, sociais,
econômicos, familiares, culturais, etc. O enfoque é transferido dos meios para as
mediações: a recepção não é mais analisada como uma relação direta entre a
audiência e o meio, e sim uma relação mediada, como define Barbero em sua
obra Dos meios às mediações.
7
Isso envolve uma nova concepção de leitura aqui considerada não
necessariamente como leitura de um texto escrito, mas sim no sentido amplo que
Barbero lhe : “atividade por meio da qual os significados são organizados num
sentido” --, um ato que o implica simples reprodução, “mas também produção,
7
Jesús M
ARTIN
-B
ARBERO
. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2. ed. Rio
de Janeiro: UFRJ, 2001.
17
uma produção que questiona a centralidade atribuída ao texto-rei e à mensagem
entendida como lugar da verdade que circularia na comunicação”.
8
A partir da noção de mediação formulada por Martín-Barbero, Orozco
constrói o modelo das múltiplas mediações, segundo o qual os receptores dos
processos comunicacionais estão sujeitos a várias influências que atuam
simultaneamente, interferem umas nas outras e estão relacionadas a diversas
esferas de sua existência: mediações individuais ou cognoscitivas, institucionais,
mediáticas (videoteconológicas, no caso da tevê), situacionais e de referência.
9
A individualidade dos sujeitos influi no modo como cada um recebe as
mensagens, mesmo numa situação de aparente passividade, uma vez que
enquanto se assiste te, por exemplo, a mente está em operação, fazendo
relações, assimilando, processando, avaliando, memorizando, selecionando. É a
mediação individual, composta de esquemas mentais formados pelo indivíduo em
suas relações sociais ao longo da vida. Orozco relativiza o termo indivíduo,
ressaltando que não se trata de fato de indivíduos, mas de homens e mulheres
que participam de diversas instituições sociais ao mesmo tempo.
A família, a escola, o trabalho, a igreja e o clube fazem parte da categoria
mediações institucionais. Dependendo do momento de vida, uma ou outra
instituição pode atuar com mais intensidade na mediação dos processos
comunicacionais. Para as criaas pequenas, por exemplo, os amigos, a escola e
a família m grande importância na produção de significados das mensagens
televisivas. Na adolescência, a medião dos amigos e da escola tende a ser
maior que a da família.
As mediações mediáticas são aquelas relacionadas às características dos
próprios meios de comunicação, com sua especificidade de recursos e linguagens.
No caso da televisão, fala-se em mediação videotecnológica. Como afirma
Orozco, é bem diferente receber uma mensagem pela televisão, pelo rádio, pelo
8
Ibidem, p. 303.
9
A exposição a seguir baseia-se em Guillermo O
ROZCO
G
ÓMEZ
. La investigación en comunicación
desde la perspectiva cualitativa. La Plata: Universidad Nacional de La Plata, 1997. p. 116-118.
18
jornal ou pelo cinema. De algum modo, a teconologia, a linguagem e as
estratégias de comunicação influem no processo de recepção.
Ir ao cinema sozinho não é o mesmo que ir acompanhado; assistir ao mesmo
filme na tevê é bem diferente de vê-lo na tela grande e na sala escura do cinema;
algo muda quando se um programa de televisão com a família ou sozinho, no
quarto. Da mesma forma, o estado de ânimo cansaço, tristeza, empolgação,
curiosidade -- influi na recepção. Também entra em jogo o interesse que se tem
ao ligar o aparelho: Buscar informação? Distrair-se? Relaxar? Aprofundar-se em
um assunto? Todos esses elementos – o ambiente, o estado de ânimo e a
expectativa constituem as mediações situacionais que atuam nos processos
comunicacionais.
As mediações de referência, por fim, o aquelas características que situam
o receptor em um contexto ou ambiente: idade, sexo, etnia, raça, classe social,
etc.
Adotar o modelo das múltiplas mediações implica considerar que o fenômeno
comunicacional o é estático; está sempre “em processo”, situado social, política
e culturalmente, na medida em que os sujeitos crescem, participam de novas
relações e vivenciam sempre experiências diferentes. Esse fenônemo constrói-se
pelo uso. Portanto, não é coerente supor que os receptores formem um bloco
homogêneo que está exposto igualmente à mídia e seja por ela manipulado
passivamente, todos do mesmo modo e na mesma intensidade.
Isso não significa, porém, como se afirmou aqui, negar radicalmente a
influência da mídia sobre o receptor, o poder ideológico dos meios de
comunicação e sua capacidade de massificar comportamentos e mentes,
transmitindo modelos a uma ampla audiência. A mídia exerce grande influência
sobre as pessoas e não apenas no desejo de consumo que caracteriza boa
parte da sociedade ocidental contemporânea, mas na própria constituição das
subjetividades humanas: os valores, inquietações, medos, sonhos, ambições, etc.
A exposição cotidiana a modelos de sucesso e de poder criados pela
propaganda ou pelas telenovelas pode gerar frustrações, insatisfações. A idéia de
19
que a felicidade depende de um certo padrão de consumo pode produzir ambições
desmedidas, descontentamento afetivo, baixa auto-estima.
No entanto, essa influência não é homogênea e indistinta. A audiência é
composta de pessoas que têm uma história, pertencem a uma classe social, vivem
numa família, estudam ou trabalham em determinado lugar, convivendo com
certas pessoas, etc. Essas mediões distinguem os receptores e qualificam sua
relação com as mensagens que recebem dos meios de comunicação de massa.
Algumas perguntas suscitadas por esse modelo são: O que o receptor de
televisão compreende do que vê e ouve? Que intertextualidades ele estabelece?
Até que ponto a televisão interfere em suas opiniões e em sua visão de mundo? O
quanto sua história de vida, as relações sociais e a situação econômica interferem
na interpretação das mensagens? Para isso, tornava-se necessário saber mais
sobre o receptor, numa aproximação qualitativa.
Procurou-se conhecer os alunos, saber sobre sua vida familiar, o modo como
assistem tevê em casa, o tempo que dedicam a essa atividade, por que assistem
tevê, quais são suas outras atividades culturais e de lazer, para onde costumam
viajar, quem são e o que fazem seus pais, etc. Isso foi feito por meio de conversas
e questionários, bem como pela observação da relão entre os alunos e entre
eles e a instituição escolar. Todas essas mediações, como explica Orozco,
10
são
cenários do processo de comunicação, que não acontece apenas no momento de
recepção; passa pela família, pelo tio da escola, pelo clube, etc. Em cada um
desses cenários, os sentidos vão sendo negociados e se vão produzindo novos
significados ou confirmando os anteriores.
Com essas informações, foi possível refletir sobre as estratégias de recepção
adotadas pelo grupo de alunos que participaram da pesquisa. Conforme Orozco,
essas estratégias correspondem ao modo como a audiência se relaciona com o
meio e com a mensagem (o que compreende do que recebe, como interpreta, de
que sentidos se apropria, quais sentidos rejeita), ao modo de assistir tevê
10
Ibidem, p. 118.
20
(sozinho, acompanhado por familiares ou amigos; em casa ou na casa de amigos;
na sala ou no quarto) e à presença do meio audiovisual no tempo livre.
11
1.3. Por que a mídia-educação
Os principais documentos oficiais que norteiam a educação no Brasil Lei de
Diretrizes e Bases e Parâmetros Curriculares Nacionais chamam a atenção para
a necessidade de a escola utilizar linguagens múltiplas. Com isso se pretende que
os alunos tenham acesso aos diversos recursos que a humanidade utiliza para
comunicar uma idéia ou sentimento: a pintura, com suas cores, traços e sombras;
a escultura, com as diversas formas e texturas; a música e suas rias
sonoridades, melodias e ritmos; a palavra falada e escrita sob as mais diversas
formas, como canções, poemas, quadrinhas, trava-línguas, cartazes, romances,
ditados populares e nocias; a mica, a dança, o teatro, as histórias em
quadrinhos e tantas outras linguagens.
Essa recomendação, na prática de sala de aula, muitas vezes é interpretada
de modo equivocado. Nas aulas de Língua Portuguesa, por exemplo, não é raro
que o professor pense estar trabalhando com linguagens múltiplas pelo simples
fato de utilizar em sala de aula textos variados: textos literários, texto dos
outdoors, anúncios de revista, notícias de jornal, cartazes, embalagens, receitas
culinárias, documentos e letras de música. Por trás dessa aparente diversidade,
contudo, há a exploração múltipla de uma única linguagem: a verbal.
Diversificar as linguagens seria, por exemplo, analisar o efeito persuasivo de
uma fotografia ampliada em um outdoor (linguagem visual); ou compreender a
importância da trilha sonora na criação do clima em uma cena de telenovela
(linguagem sonora).
Quanto à televisão, quando incorporada ao ensino muitas vezes é utilizada
como um recurso didático para transmissão de conteúdos: um documentário sobre
um tema de ciências ou um filme que tenha determinada ambientação hisrica
11
Essas diretrizes são expostas principalmente em Guilherme O
ROZCO
G
ÓMEZ
. Op. cit.
21
relacionada ao currículo escolar. Explora-se nos programas de tevê (ou nas fitas
de vídeo) tudo o que eles têm de documental, informativo, como uma enciclopédia
animada. É a própria voz do professor transposta para um monitor. O mesmo se
aplica à internet, que acaba sendo utilizada apenas como fonte de informação.
A linguagem televisiva deveria ser objeto de análise, comparação, reflexão e
crítica. A internet poderia ser analisada em termos de sua interatividade, do seu
potencial de divulgação, da especificidade de sua linguagem, etc.
Mesmo que em algum momento o trabalho com linguagens múltiplas se
concentre na análise da linguagem verbal, é possível planejar uma abordagem
que leve em conta o fato de que, segundo Adilson Citelli:
a linguagem verbal é prática social, mediação, sistema simbólico, possibilidade de
ão, ancorada em procedimentos interlocutivos, interativos e dialógicos que
facultam a construção dos sentidos e seus efeitos, respeitados os diferentes
níveis, planos e trânsitos contextuais, cuja realização ocorre segundo fluxos
comunicativos presentes na geração/produção, circulação e recepção de
mensagens.
12
A palavra se realiza na prática social da comunicação. Assim, uma vez posto
em circulação nos meios de comunicação o código verbal ganha vida, pois os
meios se apropriam da língua, fazendo adaptações, promovendo deslocamentos
de sentido, imprimindo sua marca persuasiva, criando novos termos, adotando
convenções e obedecendo aos limites operacionais de cada meio. Um exemplo
desses limites operacionais, como explica Adilson Citelli na obra citada acima, é o
fato de que, nos telejornais, os apresentadores passam por uma certa
padronização”, para suavizar os elementos de diversidade regional brasileira nos
usos da língua.
A compreensão da dinâmica da linguagem verbal nos meios de comunicação
implica um novo patamar de trabalho em sala de aula:
O desafio proposto à educação formal para o trabalho envolvendo o fluxo das
palavras pelos veículos de comunicação requisita mais do que a nomeação de
fenômenos gramaticais ensejados nos discursos, visto solicitar, tamm, o
desenvolvimento de estratégias compreensivas e de apreensão dos matizes,
12
Adilson C
ITELLI
.
Op. cit. p. 32.
22
variáveis, instâncias de uso e, sobretudo, dos valores que construirão os campos
de sentidos dos signos verbais em circulação pelos media.
13
Não se pode esquecer, porém, que “televisão, publicidade, jornal, revista,
conquanto municiados ou ancorados pelas palavras, produzem os sentidos nos
cruzamentos com as imagens, o gestual, a sonoplastia, o cromatismo etc.”.
14
Essa
é a razão pela qual uma análise do digo verbal da televisão precisa levar em
consideração os elementos da rede de linguagens de que faz parte o signo verbal
uma vez incorporado pela tevê.
À parte a questão da linguagem dos meios de comunicação, ainda certos
entraves que a mídia-educação precisa enfrentar. Se uma escola se propõe a
analisar o conteúdo e a influência da dia, por exemplo, verificando aspectos
positivos e negativos, ainda educadores que atribuem à televisão a
responsabilidade por uma série de males dos “tempos modernos”, desde os males
físicos (sedentarismo e obesidade infantis, problemas oculares, etc.) até os
psicológicos, de personalidade e de conduta (passividade, consumismo,
violência...). Essa visão corresponde, segundo o pesquisador Ismar de Oliveira
Soares, da ECA-USP, a uma tendência moralista de análise.
Em seu artigo Metodologias da educação para comunicação e gestão
comunicativa no Brasil e na América Latina”, Ismar Soares explica que os
programas de formação de receptores autônomos têm-se desenvolvido
basicamente em três vertentes:
a vertente moralista de análise (a defesa contra o impacto negativo dos meios), a
vertente culturalista (a garantia aos educandos de conhecimentos para que os
mesmos adquiram o hábito de dessemantizar de forma adequada as mensagens
dos meios) e a vertente dialética (o estudo das relações entre os receptores e os
meios de comunicação, com base em uma reflexão que leva o lugar sociopolítico-
cultural em que se encontram receptores e produtores.
15
13
Ibidem, p. 166.
14
Ibidem, p. 136.
15
In: Maria Aparecida B
ACCEGA
(org.). Gestão de processos comunicacionais. São Paulo: Atlas,
2001. p. 117.
23
A vertente moralista, segundo Ismar Soares, é a mais difundida. No entanto,
foi a vertente culturalista que embasou a introdução do tema da educação para os
meios na legislação nacional relativa à educão, em especial os Parâmetros
Curriculares Nacionais.
ainda, segundo a pesquisadora Marília Franco, dificuldades dos
professores que são genuínas e historicamente construídas e que geram
afirmações como a de que “professor que passa filminho gosta de matar aula”; ou
filminho deixa os alunos muito indisciplinados!.
16
Enquanto a escola procura um modo de abordar os meios de comunicação,
eles se expandem cada vez mais, a ponto de constituir o que tem sido
denominado “currículo paralelo”: na tevê e na internet se exercitam capacidades
diferentes das que são exploradas na escola; outras habilidades são requeridas;
estão disponíveis muito mais informações do que aquelas que constam do livro
escolar e do que aquelas que os alunos buscam nos sites para cumprir as tarefas
escolares. Essa tem sido a preocupação mais aguda de pesquisadores como o
educador espanhol Joan Ferrés, para quem “é surpreendente que a instituição
escolar não tenha somente deixado que essa hegemonia [da televisão] na
educação lhe fosse usurpada, mas que ainda assista, impassível, ao processo de
penetração da cultura audiovisual, sem oferecer sequer modelos de interpretação
e de análise crítica para as novas gerações”.
17
Não é possível, de qualquer modo, afastar a televisão da escola. Mesmo que o
aparelho só seja utilizado pelos professores para a transmissão de vídeos, a
televisão como meio de comunicação de massa estará ali, na vivência que alunos
e professores têm como telespectadores, em maior grau, como adesão ou como
repulsa, nos valores e visão de mundo da comunidade escolar, conforme ressalta
a pesquisadora Maria Aparecida Baccega:
Ainda que as escolas continuem a considerar educação apenas aquilo que resulta
de um processo ensino-aprendizagem baseado na lógica da escritura, em que os
16
Marília F
RANCO
.
Linguagens audiovisuais e cidadania. Revista Comunicação & Educação, n. 9,
maio-ago. 1997, São Paulo, ECA-USP / Moderna, p. 32.
17
Joan F
ERRÉS
.
Op. cit.
p. 10.
24
alunos devem apreender aquilo que lhes é ditado pelos conteúdos programáticos,
no mais das vezes ultrapassados, e devolver em provas ou outras atividades
equivalentes, a cultura está impregnada desse novo jeito de pensar, de construir o
imaginário.
18
Jesús Martín Barbero, ao proclamar a necessidade de incluir recursos
audiovisuais na comunicação escolar, chama a atenção para o fato de que a
educação baseada em textos escritos ignora a existência, na sociedade, de meios
de comunicação muito mais dinâmicos:
en quanto transmisora de conocimientos la sociedad cuenta hoy con dispositivos
de almacenamiento, clasificación, difusión y circulación mucho más versátiles,
disponibles e individualizados que la escuela.
19
A cada dia, afirma Barbero, se aprofunda o fosso entre a cultura dos jovens e
aquela que encontram na escola, e é preciso que a escola atue para que os
jovens possam apropriar-se das novas tecnologias de maneira crítica e criativa.
Falando especificamente da televisão, Barbero chama a atenção para a
desordem cultural” produzida por esse meio, ao ampliar os conteúdos das
informações postas em circulação e cita, por exemplo, o acesso de criaas a
informações sobre guerras, criminalidade e sexualidade.
Apesar da resistência de alguns setores da educação em adotar projetos de
educação para as mídias e dos equívocos cometidos em parte desses projetos, é
crescente a inquietação de pesquisadores e de certa parcela dos educadores em
relação à necessidade de “ensinar a ler” a mídia:
[...] se uma escola não ensina a assistir à televisão, para que mundo está
educando? A escola tem a obrigação de ajudar as novas gerações de alunos a
interpretar os símbolos da sua cultura. Quais os símbolos que a escola ajuda a
interpretar hoje? Os mbolos de que cultura? Se educar exige a preparação dos
cidaos para uma integração reflexiva e crítica na sociedade, como serão
18
Maria Aparecida B
ACCEGA
. Televisão e educação: a escola e o livro. Revista Comunicação &
Educação, n. 24, maio-ago. 2002, São Paulo, ECA-USP / Salesianas, p. 9.
19
Jesús M
ARTIN
-B
ARBERO
.
Heredando el futuro: pensar la educacion desde la comunicacion.
Nómadas, n. 5, set. 1996, Santafé de Bogotá, Fundación Universidad Central.
25
integrados cidadãos que não estiverem preparados para realizar de forma crítica
aquela atividade à qual dedicam a maioria do seu tempo?
20
Muitos educadores, como ressalta Marília Franco,
21
perceberam que o
produto audiovisual pode representar um importante aliado da educação. Não se
pode esquecer, afirma a pesquisadora, que a motivação afetiva é essencial para o
aprendizado, segundo Jean Piaget. E que outra relação estabelecemos com um
filme de ficção, quer no cinema, quer na tevê, senão a de emoção, envolvimento
afetivo, prazer? Ainda conforme Piaget, o conhecimento também implica
desequilíbrio tensões afetivas, emocionais, que geram uma busca por equilíbrio
por meio de novas relações com o real. Também isso ocorre com os produtos
audiovisuais, quando vivenciamos o prazer de enfrentar obsculos (desequilíbrio)
e depois reencontramos o equilíbrio no happy-end.
O prazer proporcionado pelos produtos audiovisuais, segundo Marília
Franco, é a perspectiva mais estimulante para um projeto de mídia-educação,
levando os professores a
trazerem para a sala de aula, para os conteúdos de suas disciplinas, esse clima de
viagem de aventuras entre os estados sensíveis estimulados pela linguagem
audiovisual e o caminho da compreensão racional dos conteúdos comunicados
esteticamente pelos artistas da mídia.
22
1.3.1. As várias concepções de mídia-educação
Os pesquisadores que se dedicam ao tema do estudo de mídia na escola
utilizam diversos termos e expressões para se referir a essa atividade, como
mídia-educação, “alfabetização midiática”, “alfabetização para a mídia”,
educação para os meios” e “educomunicação”, entre muitos outros. Nesta
pesquisa, em geral se adota o termo mídia-educação, mas apenas por uma
questão de padronização do texto, uma vez que uma equivalência entre as
várias expressões. Todas refletem o objetivo de formar pessoas que consigam
analisar criticamente os meios de comunicação de massa.
20
Joan F
ÉRRES
. Op. cit. p. 9.
21
Marília F
RANCO
. Prazer audiovisual. Revista Comunicação & Educação, n. 2, jan.-abr. 1995, São
Paulo, ECA-USP / Moderna.
22
Ibidem, p. 52.
26
O pesquisador Joshua Meyrowitz,
23
que representou uma das referências
deste trabalho, faz uma tipificação dos estudos midiáticos. Para ele, podemos
considerar a existência de pelo menos três tipos de alfabetização midiática,
conforme o sentido que damos ao termo mídia:
alfabetização no conteúdo da mídia, se considerarmos que os meios de
comunicação de massa são condutores que transmitem mensagens;
alfabetização na gramática da mídia, se o enfoque estiver na linguagem
específica de cada meio;
• alfabetização midiática, se adotarmos a concepção de mídia como ambiente.
O primeiro tipo de alfabetização tem por objetivo capacitar as pessoas a
acessar, decodificar e analisar mensagens nos vários meios de comunicação de
massa, bem como compreender as forças econômicas, culturais e institucionais
que estão relacionadas a esta ou aquela mensagem. O segundo tipo esvoltado
para os vários recursos de produção de que cada veículo dispõe. No caso da
televisão, por exemplo, isso significa compreender que os cortes, os zooms e os
efeitos sonoros são realizados com o objetivo de produzir certas sensações e
impressões nos receptores. O terceiro tipo de alfabetização enfoca relações entre
os diversos meios de comunicação e implica fazer reflexões sobre o impacto de
um ou outro meio de comunicação nas relações sociais.
Ao lado de alfabetização, tem sido também bastante difundido na área
educacional o termo educomunicação, assim definido por Ismar Soares:
o conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de
processos, programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas
comunicativos em espaços educativos presenciais ou virtuais, tais como escolas,
centros culturais, emissoras de TV e rádio educativos, centros produtores de
materiais educativos analógicos e digitais, centros coordenadores de educação a
distância ou e-learning” e outros [...].
24
23
Joshua M
EYROWITZ
. As múltiplas alfabetizações midiáticas. Revista Famecos, n. 15, ago. 2001,
Porto Alegre.
24
Ismar de Oliveira S
OARES
. Educomunicação: um campo de mediações. Revista Comunicação &
Educação, ano 7, set.-dez 2000, São Paulo, ECA-USP / Segmento, p. 12.
27
O conceito de ecossistema comunicativo de que fala Ismar Soares remete
ao ecossistema biológico, no qual, assim como na comunicação, acontecem
relações de troca e interdependência entre os seres participantes.
A educomunicação, portanto, implica uma mudança no modo de planejar a
educação: troca, em vez de transmissão de conhecimentos.
Trata-se de uma pedagogia que, com base nas idéias de Paulo Freire,
considera o processo educacional uma oportunidade de recrião, e não mera
reprodução, fugindo ao que ele denomina “concepção bancária da educação,
segundo a qual o professor “deposita” conhecimentos na mente do aluno.
1.3.2. A busca de caminhos para a prática da mídia-educação
A formação de receptores mais críticos não é uma preocupação recente na
educação brasileira. na década de 1970, quando a televisão no Brasil tinha
apenas vinte anos e o governo militar começava a esboçar o projeto de integração
nacional das redes de tevê, Francisco Gutierrez propunha a linguagem total como
pedagogia voltada para oferecer aos estudantes meios de expressão não apenas
verbais, mas também sonoros e visuais, para que deixassem de ser consumidores
passivos.
25
Outros pesquisadores têm-se dedicado mais especificamente à
formão de professores, como Rosa Maria Bueno Fischer, com seu roteiro para
análise de produtos televisivos sintetizada em seis perguntas;
26
e Joan Ferrés, que
elaborou uma proposta metodológica detalhada para análise de programas.
27
Diversas iniciativas práticas de mídia-educação m sido realizadas no Brasil
e em vários outros países. Os relatos dessas experiências geralmente mostram
25
A proposta de G
UTIERREZ
é exposta na obra Linguagem total: uma pedagogia dos meios de
comunicação. São Paulo: Summus, 1978.
26
1. Que tipo de programa é esse? 2. Quais os objetivos desse artefato? Quais suas estratégias
de veiculação? A quemse endereça”? 3. Qual a estrutura básica do programa? 4. Afinal, de que
trata esse programa? Quem fala e de que lugar? 5. Com que linguagens se faz este produto? 6.
Que relações fazer entre esse artefato da mídia e outros problemas, teorias ou temáticas de
interesse para a educação? Em Rosa Maria Bueno F
ISCHER
Televisão & educação: fruir e pensar a
tevê. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
27
Joan F
ERRÉS
. Op. cit.
28
que uma das preocupações fundamentais é a necessidade de formação dos
professores para a exploração das linguagens múltiplas.
No Canadá, por exemplo, todas as províncias têm no currículo escolar a
disciplina obrigatória Educação para a Mídia, incluída na matéria Artes e Língua
Inglesa, assim como em aproximadamente uma dúzia de estados nos Estados
Unidos. no Canadá entidades voltadas para essa questão, como a Canadian
Association for Screen Education (Associação Canadense para a Educação para a
Tela) e a Association for Media Literacy (Associação para a Compreensão da
Mídia), que produz textos sobre mídia para uso escolar. Mesmo assim, esbarra-se
na falta de formação específica dos professores:
Somos pragmatistas entusiásticos, que selecionam teorias educacionais, culturais
e críticas a partir de um rico cardápio, filtrando-as para uso em sala de aula. Por
causa do pequeno número de professores treinados -- aqueles com sólido
treinamento contínuo ou que fizeram cursos universitários de cinema e/ou estudos
culturais e de mídia -- a maioria utiliza apenas fragmentos de uma variedade de
fontes: algumas citações de McLuhan, estudos ingleses, uma diatribe de Neil
Postman, um pouco de Noam Chomsky tirado de Manufacturing Consent e o resto
selecionado de guias de recursos, livros-textos de meios de comunicação de
massa, artigos de jornais e revistas, documentários da TV e noticiários.
28
A falta de treinamento gera equívocos na forma de tratar o assunto. Uma
pesquisa de Robert Morgan, do Instituto de Ontário para o Estudo da Educação,
encontrou diversas falhas na prática em sala de aula, moldada segundo
expectativas elitistas e tradicionais e que tende a tratar o espectador como a
tima ingênua da sedução midiática ou, então, a estabelecer julgamentos
qualitativos, atendo-se a classificar os melhores e os piores. Na Itália foi criada a
Associazione Italiana per L’Educazione al Media e alla Comunicazione (MED),
com o objetivo de estimular a troca de experiências entre os professores que
trabalham com mídia-educação.
28
Neil A
NDERSEN
; Barry D
UNCAN
; John J. P
UNGENTE
. Educação para a mídia no Canadá. In: Ulla
C
ARLSSON
& Cecilia von
F
EILITZEN
(org.). A criança e a mídia: imagem, educação, participação. São
Paulo / Brasília: Cortez / Unesco, 2002. p. 160-161.
29
A formação dos professores também é um desafio para o Brasil, segundo o
pesquisador Adilson Citelli:
o se está, evidentemente, imaginando, nos quadros da escola brasileira que
temos, a existência de um professor capaz de dominar e operar todas aquelas
linguagens. Seria um contra-senso. É preciso considerar, porém, que a presença
das novas tecnologias no cotidiano dos alunos obriga – e obrigará cada vez mais –
a se repensar as próprias estratégias de formação dos profissionais em educação.
E, no que diz respeito aos educadores em exercício, serão necessários programas
de formação continuada em serviço com vistas a responder às demandas
colocadas por aquelas linguagens.
29
O Brasil tem promovido diversas experiências em mídia-educação: projeto
LCC-Leitura Crítica da Comunicação, desenvolvido pela UCBC-União Cris
Brasileira de Comunicação Social (formação de educadores, líderes de
movimentos populares e agentes de Pastoral em análise crítica da mídia); Projeto
Vídeo-Escola, realizado pela ONG Gens Serviços Educacionais em parceria com
a prefeitura de Sorocaba, em São Paulo (produção de documentários, animações,
fiões e vídeos experimentais); Maleta Midiativa Prix Jeunesse, projeto
promovido pela ONG Midiativa, com apoio da Unicef, que leva a cidades
brasileiras uma maleta com produções infanto-juvenis premiadas no Festival Prix
Jeunesse, da Alemanha, para serem analisadas por professores e alunos; Cartilha
do Jovem Telespectador, elaborada pela educadora Célia Marques e utilizada pela
ONG TVer com alunos e professores de escolas blicas de São Paulo para
orientar a reflexão sobre programas televisivos de vários tipos; Oficinas de Mídia,
da TVE Brasil (tevê educativa), do Rio de Janeiro (produção de vídeos por
crianças e jovens). Especial atenção merecem os projetos Educom.rádio e
Educom.TV, desenvolvidos pelo Núcleo de Comunicão e Educação (NCE), da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob a
coordenação de Ismar de Oliveira Soares, que serão descritos e comentados no
item a seguir.
29
Adilson C
ITELLI
. Escola e meios de massa. In: Aprender e ensinar com textos não escolares. 4.
ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 23.
30
Uma pesquisa do NCE com um grupo de 172 especialistas de 12 países da
América Latina entre 1997 e 1999 (pesquisa confirmada por outra posterior, de
2000) indica a existência de pelo menos quatro gerações de educomunicadores
na América Latina, conforme dados do coordenador do cleo, Ismar de Oliveira
Soares:
uma primeira, formada pelos fundadores do campo, com nomes como Paulo Freire
(Brasil), Mário Kaplún (Uruguai), Jes Martín-Barbero (Combia), Daniel Prietto
(Argentina), Francisco Gutrrez (Costa Rica), entre outros; uma segunda,
composta de especialistas entre seus 35 e 55 anos, que hoje coordenam projetos
de pesquisa e de intervenção em todos os países, destacando-se pela
sistematizaçao que vêm oferecendo ao campo, com nomes como Maria Teresa
Quiróz (Peru), Washington Uranga, Jorge Huergo e Marita Mata (Argentina), Pablo
Ramos (Cuba), Guilhermo Orozco (México), José Luiz Olivari (Chile), Cristina
Balestra (Uruguai), Ronald Greve (Bolívia), Rolando Calle (Equador), José
Martínez de Toda (Venezuela), Sérgio Gomes, Bete Carmona, Fernando Rossetti
e Marlene Blois, entre tantos outros, no Brasil; uma terceira geração, constituída
por jovens profissionais, entre 25 e 35 anos, que hoje encontram-se à frente de
projetos de Educomunicação nas mais diversas áreas, especialmente em
empresas como TVs educativas, emissoras radiofônicas, escolas, empresas
voltadas para a produção multimidiática, centros culturais, secretarias de cultura e
outros departamentos governamentais [...] A quarta geração vem sendo
constituída por jovens vocacionados para o novo campo e que atuam em
projetos colaborativos, especialmente mediante o uso da informática e da internet.
Essa quarta geração está ainda despontando: são os jovens que freqüentam
cursos universitários em nível de graduação, ou são recém-egressados de
Faculdades de Educação ou de Comunicação, ou mesmo de outros cursos da
área das ciências sociais e que já atuam no campo.
30
Outras tantas iniciativas bem-sucedidas foram registradas no país, como a
Agência Uga-Uga de Comunicação (Manaus-AM), a Cidade Escola Aprendiz (São
Paulo-SP), Cipó-Comunicação Interativa (Salvador-BA), Comunicação e Cultura
(Fortaleza-CE), Fundação Casa Grande (Nova Olinda-CE), MOC-Movimento de
Organização Comunitária (Feira de Santana-BA) e Oficina de Imagens (Belo
Horizonte). Em todas elas, setores da sociedade civil estudaram os meios de
30
Metodologias da educação para comunicação e gestão comunicativa no Brasil e na Arica
Latina. In: Maria Aparecida B
ACCEGA
(org.), Gestão dos processos comunicacionais. Op. cit. p. 116.
31
comunicação de massa e se apropriaram deles como instrumentos de promoção
de cidadania.
A preocupação com a incorporação de novas linguagens ao ensino, além
disso, tem suscitado uma série de iniciativas em escolas de diversas cidades
brasileiras. também um grande número de sites dedicados ao assunto, que
não caberia citar aqui, e uma série de publicações, entre livros e revistas voltadas
para a educação, além de artigos em jornais diários e revistas semanais ou
revistas segmentadas dirigidas a educadores
31
e a pesquisadores da área,
32
bem
como dissertações, teses, seminários e congressos, como a Cúpula Mundial de
Mídia para Crianças e Adolescentes, que se realiza a cada ano em um país,
reunindo especialistas renomados para discutir os rumos da mídia no mundo. O
quarto encontro, ocorrido em 2004, foi sediado no Rio de Janeiro.
Acreditamos que iniciativas como as citadas nos parágrafos anteriores
possam representar uma importante renovação do ensino, embora esse seja um
processo lento, que certamente demandará uma formação mais sistemática dos
professores. As recentes reformas do ensino brasileiro, com a oferta de cursos de
formão, exigência de nível superior para professores de pré-escola e elaboração
de Parâmetros Curriculares, denotam uma crescente preocupação do país com a
melhora do ensino. A mídia-educação é uma das vertentes que poderão ser mais
valorizadas.
1.3.2.1. Educom.rádio e Educom.TV
Desenvolvido pelo Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) da Escola de
Comunicões e Artes da Universidade de São Paulo, o projeto Educomunicação
31
A revista Educação e Linguagem, por exemplo, publicada pela Faculdade de Educação e Letras
da Universidade Metodista de São Paulo, dá grande destaque ao trabalho com linguagens
múltiplas em sala de aula. Em seu artigo História em quadrinhos”, publicado nessa revista (n. 5,
jan.-dez. 2002), a pesquisadora Rita M. T. Russo reúne informações que criam amplas
possibilidades de explorar a linguagem visual dos quadrinhos nas aulas de Língua Portuguesa.
32
Por exemplo, revista Nova Escola (diversos números, como o de abril de 2003, com a matéria de
capa “Cultura visual: ensine o aluno a ler as imagens do cotidiano”); revista Comunicação &
Educação, do curso Gestão de Processos Comunicacionais, da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo.
32
pelas Ondas do Rádio prepara alunos do ensino fundamental para produzir
programas de rádio nas escolas. Teve início em 2001, com financiamento da
Prefeitura de São Paulo. Para realizar o projeto, foram formados até 2004 mais de
mil especialistas, que atuam como formadores de radialistas e que trabalharam
com 12 mil professores, alunos e membros de comunicades educativas nas 455
escolas municipais de ensino fundamental de São Paulo. O projeto também se
estendeu a outros três estados da federação – Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul --, num total de 17 mil pessoas formadas.
Os pprios professores e alunos da rede de ensino produzem os programas
de rádio, que estão integrados às propostas curriculares da escola. O trabalho
conjunto de professores, alunos, pais e agentes escolares em uma mesma equipe
constituiu um grande diferencial do projeto, instaurando um novo modelo de
comunicação escolar, em que professor e aluno atuam em cooperação e a
participação da comunidade escolar no ensino é valorizada. Acima de tudo, o
projeto democratiza as relações de comunicação no ambiente educativo e abre
um espaço para a produção cultural na escola.
Nas escolas participantes do Educom.rádio, os professores, alunos e
representantes da comunidade fazem um curso semestral em que aprendem
técnicas de operação de som, locução, pauta de programação, técnicas de
entrevista e interpretação. Ao final, é instalado um laboratório de rádio na escola.
O objetivo do projeto foi, ao ampliar a capacidade de expressão dos
membros da comunidade escolar, contribuir para a redução da violência nas
escolas. De fato, os índices de violência se reduziram em 50%, segundo dados da
Secretaria de Educação do Município.
O coordenador do projeto, Ismar de Oliveria Soares, explica como o projeto
funcionou na prática:
O rádio foi escolhido justamente porque permite que o professor e o aluno tenham
algo em comum sobre o que falar e a partir do que construir refencias num
diálogo sobre a vida da escola ou sobre a relação da comunidade escolar com os
temas transversais ou, mesmo, com o mundo. No caso, o curso terminava
justamente trabalhando o conceito de “planejamento”, dando condições para a
33
comunidade decidir qual o melhor caminho para implantar o projeto em cada
comunidade educativa. Muitas escolas optam por instalar o rádio para funcionar no
recreio. Outras usam o rádio nos fins de semana. Há escolas que usam o estúdio
de rádio para os alunos produzirem programas sobre a memória do bairro ou da
região ou para desenvolver temas próprios da rotina curricular. O importante, em
cada opção, é o processo, que deve ser sempre democrático e participativo.
33
O projeto desdobrou-se em outras experiências de rádio-escola para atender
às comunidades ao redor dos colégios. Em Mato Grosso, por exemplo, foi criada
uma rádio na reserva indígena de Amambaí, e a programação é transmitida na
língua materna do grupo, o guarani.
As rádio-escolas criadas pelo Educom.rádio podem ser convertidas em rádios
comunitárias e educativas, pois a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações)
estabeleceu em 2004 que o canal 198 (freqüência 87,5 a 87,7) deve ficar
disponível para rádios comunitárias.
O projeto pode ter continuidade, pois serviu de base para a crião de uma
lei municipal voltada para o tema. Trata-se da a lei 13.941, de 28 de dezembro de
2004, que institui o programa Educom.rádio, regulamentada pelo decreto 46.211,
aprovado em agosto de 2005, segundo o qual as secretarias municipais de
Educação, Cultura, Saúde, Esportes, Lazer e Recreação e do Verde e Meio
Ambiente, assim como outros órgãos municipais e subprefeituras, devem “incluir
as práticas educomunicativas em seus planejamentos anuais; designar
funcionários devidamente capacitados para implementá-las e coordená-las; e
destinar recursos financeiros para as despesas decorrentes”.
Outra ação do cleo de Comunicação e Educação (NCE) do Departamento
de Comunicação e Artes da ECA-USP foi o projeto Educom.TV, realizado em
2002. O propósito era capacitar mais de 2 mil professores da rede pública de
ensino do estado de São Paulo para o uso da linguagem audiovisual em sala de
aula, por meio de um curso de formação feito a distância, no ambiente virtual
http://www.educomtv.see.inf.br, com o acompanhamento constante de tutores
33
Ana Manuella S
OARES
. Rádio diminui violência nas escolas. Boletim NPC, Núcleo Piratininga de
Comunicação, fev. 2006.
34
(coordenadores que acompanhavam as atividades e interagiam com os
participantes on-line) e encontro presencial.
O projeto do NCE contou com a orientação da Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas (Cenp/SEE) da Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo e coordenação da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE),
por meio de sua Gerência de Informática Pedagógica.
Na organização do curso foram estabelecidos dez tópicos, de conteúdo
reflexivo:
• O campo da educomunicação e suas áreas de intervenção
• Cultura, consumo e mídia
• Comunicação, tecnologia da informação e educação
• Aprendendo com textos não-escolares
• Características da linguagem audiovisual
• Teorias e práticas da recepção/TV
• Planejando a relação com a TV aberta
• Planejando o uso do audiovisual na prática educativa
• Planejando a educomunicação no plano pedagógico
• Avaliando o processo de ensino-aprendizagem
Para discutir esses temas, havia exercícios dissertativos e ambientes de
discussão (fóruns). No encontro presencial, realizaram-se palestras e oficinas.
Concluído o projeto, em 2002, uma pesquisa entre os professores participantes
demonstrou que o Educom.TV contribuiu para a melhoria da qualidade do ensino
nas 1.024 escolas representadas.
1.4. A metodologia desta pesquisa
35
A presente dissertação adotou o modelo metodológico proposto por Maria
Immacolata Vassallo de Lopes,
34
baseado no cruzamento de instâncias
(epistemológica, teórica, metódica e técnica) e fases da pesquisa (definição do
objeto, observação, descrição e interpretação).
Uma revio bibliográfica inicial forneceu parâmetro sobre as idéias que têm-
se destacado nas investigações sobre a construção de sentido na recepção de
mensagens televisivas.
Ao mesmo tempo, uma pesquisa qualitativa, que alguns estudiosos
denominam etnográfica, ajudou a estabelecer uma relação entre o conhecimento
teórico e a prática cotidiana da recepção televisiva, numa vivência direta de
construção de sentido em um grupo selecionado de receptores, no ambiente
escolar.
Do balizamento entre as referências teóricas e a pesquisa qualitativa, foi-se
construindo o objeto de pesquisa, cuja problemática esrelacionada à recepção
televisiva de determinado grupo de jovens. Com a experiência realizada, foi
possível observar a ação dos mecanismos de produção de sentido e uma série de
circunstâncias que, em um projeto de mídia-educação, precisam ser levadas em
conta quando à atuação do professor, à estrutura da grade curricular, ao espaço
e equipamento necessários, etc.
O fato de a pesquisadora e a professora-mediadora envolvida no trabalho
professora de ngua Portuguesa do colégio em que a pesquisa se realizou, que
acompanhou toda a pesquisa empírica, participando da maioria dos encontros
com os alunos -- serem também telespectadores requereu um afastamento em
relação ao objeto de estudo, para que sua observação não estivesse
comprometida pela familiaridade decorrente da situação de receptor. Também foi
necessário tentar fugir ao que já se tornou crença arraigada quanto à recepção
televisiva, em especial o senso comum de que a televisão implica uma atitude
passiva do telespectador, quase hipnótica.
34
Maria Immacolata Vassallo de L
OPES
.
Pesquisa em comunicação. 7. ed. São Paulo: Loyola,
2003.
36
1.4.1. Instrumentos de pesquisa
A investigação utilizou como instrumento teórico uma pesquisa bibliográfica
orientada pelas referências compostas de livros, artigos em livros, jornais, revistas,
revistas eletrônicas e outros sites da internet, dissertações e teses; e, como
instrumentos empíricos, seses de vídeo com debates, entrevistas e
questionários com um grupo selecionado de 22 alunos de 13 a 15 anos de idade,
no Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida, no bairro paulistano de
Moema.
O trabalho empírico envolveu a participação da professora de Língua
Portuguesa e Literatura do colégio, cujo nome é omitido por questões éticas.
35
Em
razão da convivência prévia entre a professora e os alunos, eles se sentiram mais
à vontade para expressar suas opiniões. Além disso, a familiaridade e o interesse
da professora em relação a temas ligados à comunicação, como a leitura e
interpretação de textos, a ambiidade, mensagens subliminares, linguagem
persuasiva, comunicação visual e expressão oral, entre outros, foram fatores
importantes para seu envolvimento no trabalho.
Em encontros prévios com a professora-mediadora, a pesquisadora explicou
e discutiu os objetivos da pesquisa e a contribuição que esperava na medião.
Forneceu também uma cópia do relatório de qualificação e dois textos: “Narrativa
verbal e narrativa visual: possíveis aproximações”, de Tânia Pellegrini; e uma
proposta de trabalho pedagógico elaborada por Joan Ferrés para análise de
narrativas visuais. Foi explicado à professora que, com esses textos, a
pesquisadora pretendia colaborar para que se encontrassem possibilidades de
associar o trabalho empírico ao plano de curso de ngua Portuguesa. O tema da
disciplina para o trimestre em que a pesquisa se realizou eram as narrativas.
De acordo com a disponibilidade de tempo propiciada pelo cumprimento do
programa de Língua Portuguesa e Literatura, foram reservadas no s de junho
35
Pela mesma razão, o nome dos alunos que participaram da pesquisa foi alterado.
37
de 2006 oito aulas para o trabalho de pesquisa, incluindo encontros com a
professora e sessões de deo com debates, entrevistas e aplicação de
questionários.
A opção por uma pesquisa qualitativa guiou-se pelo desejo de conhecer os
receptores para observar mais de perto como constróem os sentidos das
mensagens que recebem pela televisão: o que compreendem, se gostam ou o,
como interpretam, como reagem, se acham certa cena engraçada, triste, violenta,
emocionante, etc.
Os estudos de recepção na área da comunicação podem ser definidos como o
estudo do outro, pessoal ou impessoal. A pesquisa qualitativa-etnográfica tem sido
caracterizada pelo diálogo estabelecido entre o pesquisador e o pesquisado, na
compreensão do receptor como sujeito do processo de recepção, e no
entendimento do meio social onde ele está inserido. Na investigação etnográfica, o
acontecimento e o comportamento do sujeito não têm valor por si mesmos, mas
sim quando estes eventos se tornam história e adquirem valor por serem
escolhidos e recontados pelo informante”, que forma ao real como realidade
narrada, como um ato de enunciação.
36
Não se pretendeu, com a pesquisa qualitativa, obter elementos para uma
generalizão da experiência realizada, e sim conhecer os sujeitos para
compreender o significado da leitura da mídia que esses indiduos em particular
realizam. Não se buscou o estabelecimento de uma verdade, mas o conhecimento
de uma interpretão possível, entre outras que também poderiam ser feitas. A
ênfase, neste caso, foi colocada no sujeito, para saber o que significam seu
discurso, suas escolhas, suas opiniões.
Para as seses de vídeo, foram selecionados programas escolhidos pelos
próprios alunos. Depois das sessões realizaram-se debates e o preenchimento de
questionários. Na análise dos questionários, a pesquisadora desprezou os erros
de ortografia, pontuação e acentuação, considerados dentro do padrão de
conhecimento do idioma para essa faixa etária.
36
Olga G
UEDES
. Os estudos de recepção, etnografia e globalização. In: Antônio Albino Canelas
R
UBIM
et al. (org.). Produção e recepção dos sentidos midiáticos. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 110.
38
A entrevista e a observação participante foram utilizadas como métodos
etnográficos de pesquisa. O objetivo foi aproximar-se do agente real em seu
ambiente natural (escola), no qual ocorrem os processos de comunicação escolar.
Somente assim seria possível investigar as reais condições da experiência de
mídia-educação, dentro de regras e condições concretas.
1.4.1.1. Escolha do ambiente escolar: objetivos e justificativas
O principal objetivo desta pesquisa é observar uma experiência de recepção
televisiva na escola, para compreender como se a produção de sentido em um
grupo selecionado de jovens nesse ambiente em particular e conhecer as
condições em que a mídia-educação pode ser introduzida na escola.
O ambiente, nesse caso, tem um papel fundamental, pois a escola é uma
das mediões de maior peso na vida dos adolescentes é onde passam grande
parte de seu tempo, fazem amizades, têm relações de afeto e conflitos.
Com base nesse trabalho empírico, pretende-se contribuir com os projetos
de implantação de estudos da mídia nas escolas (mídia-educação).
1.4.1.2. Sessões de vídeo e debates: objetivos e justificativas
A exibição de vídeos para análise na escola teve o objetivo de permitir a
observação de diversas situações: o processo de escolha entre os alunos; o
interesse e as reações no momento da exibição; a troca de idéias após a exibição;
a atuação da professora e a relação entre ela e os alunos; a disponibilidade de
recursos técnicos e humanos na escola para a realização de um trabalho de
mídia-educação.
Se tivéssemos optado por aplicar questionários, apenas, sem nenhuma
exibição de vídeo, ou se os alunos fossem orientados a assistir a determinado
programa em casa, para posterior debate na escola, todas aquelas possibilidades
de observação seriam prejudicadas.
39
1.4.1.3. Entrevistas e questionários: objetivos e justificativas
As a exibição de cada vídeo, foram realizadas entrevistas coletivas que
permitiram ao pesquisador observar a dinâmica da troca de idéias na classe, com
a predominância de um ou outro aluno; a necessidade da intervenção
disciplinadora da professora; a diferença no desempenho dos alunos em
entrevistas realizadas com grupos pequenos e com grupos grandes.
O roteiro das entrevistas foi previamente determinado, de acordo com o
deo exibido. Procurou-se investigar o conhecimento anterior dos alunos a
respeito do programa; a compreensão do conteúdo do episódio exibido; a opinião
e a impressão geral sobre o que o aluno havia acabado de assistir. No momento
das entrevistas, porém, o roteiro foi sofrendo modificações, conforme os aspectos
que se mostraram mais importantes para os alunos.
O questionário Quem são os participantes da pesquisa” procurou obter
informações sobre a situação familiar e econômica do aluno. No questionário
Voe sua vida cultural”, o aluno falou sobre suas atividades de esporte e lazer,
viagens, hábitos quanto a cinema, teatro e leitura, bem como sua opinião sobre a
televisão e seu modo de assistir tevê em casa (sozinho ou com a família, por
exemplo). As perguntas foram todas abertas, para permitir maior liberdade de
expressão nas respostas.
Em se tratando de uma pesquisa qualitativa, a tabulação geralmente foi feita
não para que se aferisse uma tendência geral do grupo em qualquer dos
aspectos, e sim para permitir um melhor conhecimento a respeito dos jovens que
participaram da pesquisa.
40
CAPÍTULO 2. TELEVISÃO: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NA EMISSÃO E NA
RECEPÇÃO
2.1. Imagem e imaginário
Por sua larga presença na sociedade contemporânea, a mídia tem um peso
significativo nas trocas simbólicas e na construção de sentidos.
A propaganda associa valores e crenças aos produtos que oferece ao
consumidor. Muitas vezes, compra-se determinado bem muito mais pelos valores
a ele associados (poder, status, juventude, irreverência, sensualidade, beleza) do
que por sua real utilidade. E isso não é feito apenas no caso de produtos
aparentemente sofisticados, como carros, bebidas, roupas ou perfumes, que
possam ensejar algum tipo de identificação com uma classe social que se
reivindica superior. Até mesmo produtos prosaicos passaram a simbolizar muito
mais do que seu valor de uso, como se em um famoso comercial de papel
higiênico que explora o desejo de status das pessoas, ao mostrar um mordomo
levando o produto ao patrão numa vistosa bandeja.
Entre todos os meios de comunicação, a televisão ocupa lugar privilegiado,
não apenas por sua presença massiva na sociedade, mas sobretudo pela
especificidade de sua linguagem.
A televisão conjuga as linguagens visual, sonora e verbal, reproduzindo,
criando e recriando a realidade sob os mais variados formatos, com objetivos
diversos (vender produtos, divertir, informar, formar opiniões, etc.). São
propagandas, seriados, animões, novelas, programas de auditório, telejornais,
talk-shows, videoclipes e muitos outros gêneros.
Os recursos de que esse veículo se utiliza para produzir suas mensagens
são cada vez mais sofisticados. Os equipamentos se aprimoram, e em breve já
estará amplamente disponível a tevê digital, que permite alta definição de imagem.
Recursos digitais ampliaram as possibilidades de criação de efeitos especiais
visuais e sonoros. O domínio da linguagem televisual entre os profissionais da
41
área indica para cada situação o melhor enfoque de câmera, para cada público a
trilha sonora mais adequada, para cada atmosfera a melhor luz.
Também os receptores se aprimoram na capacidade de decifrar as
mensagens televisuais. Afinal de contas, a leitura da mensagem televisiva
considerando-se aqui essa mensagem como um texto que o receptor decodifica
utilizando estratégias e decifrando códigos – requer o domínio da linguagem.
A compreensão da mensagem televisiva implica, em seu nível mais técnico, a
decifração de múltiplos códigos no caso da tevê, as tomadas, closes,
movimentos de mera, passagens e cortes, efeitos visuais, locução em off, trilha
sonora e efeitos sonoros, montagens digitalizadas e animações, por exemplo, que
são manipulados para produzir determinados sentidos. E, como em qualquer
atividade cognitiva, o domínio dessa linguagem aumenta com a experiência:
pessoas que vêem mais tevê tendem a sofisticar seus esquemas mentais
relacionados ao código televisivo.
Cabe ao leitor da mensagem televisiva, ainda, decifrar os novos significados
da linguagem verbal, que, ao ser veiculada na tevê, passa por ressignificações,
deslocamentos de sentido, unificações e recriões. Como lembra Adilson Citelli,
ao contrário do suposto, a imagem não promoveu a morte do verbum”.
37
Um telespectador mais assíduo compreende melhor os recursos da
linguagem televisiva do que um receptor eventual. E a variedade de experiências
é igualmente importante: a percepção de que na televisão estão presentes
diversas formas de linguagem é mais clara para aquele receptor que já teve
contato com videoclipes, filmes, concertos, balé, mímica, ópera e outros
espetáculos televisionados, reportagens, programas de auditório, eventos
esportivos (jogos de futebol, Olimpíadas, etc.) e animação, por exemplo. Mesmo
que seja intuitivamente, esse telespectador sabe que a grande variedade de
produtos televisionados envolve as linguagens verbal, icônica e sonora, em
relações de ênfase variáveis.
37
Adilson C
ITELLI
. Palavras, meios de comunicação e educação. Op. cit.
42
Embora não saiba nomear os tipos de corte ou passagem de cena, esse
receptor costuma acompanhar sem dificuldades as mudanças de ambiente e de
ponto de vista, como na câmera subjetiva, que assume o olhar de determinado
personagem, fazendo com que o telespectador se sinta ele próprio um observador
participante. Da mesma forma, códigos e “regras gramaticais” da linguagem
televisiva vão sendo absorvidos conforme aumenta o tempo de exposição do
receptor ao meio.
Em um filme ou novela, por exemplo, imagina-se que o telespectador
experiente tenha condições de acompanhar sem dificuldades uma narrativa o-
linear, compreender elipses e flashbacks, perceber o sentido de um close (usado
para valorizar uma reação emocional, ou chamar a atenção para um detalhe que
mais adiante será fundamental para a compreensão da história), prever as cenas
seguintes e até mesmo certas falas, no caso de esquemas mais convencionais.
Em tese, esse telespectador tenderia a dominar esquemas cada vez mais
complexos.
No entanto, podemos observar que produtos televisivos que utilizam uma
linguagem bastante elementar, mesmo considerando-se a elevada freqüência de
seu público. É o caso das telenovelas, produto com o qual o telespectador
aficionado tem contato diariamente, muitas vezes ao longo de vários anos.
Nesse gênero televisivo, a narrativa é linear, e o telespectador conta com
indicadores bem seguros nos quais se apoiar para compreender o desenrolar da
trama. Um exemplo bem claro são as elipses de tempo, que em geral são
explicitadas textualmente, no caso de avanço para o futuro (texto Duas semanas
depois... que aparece na tela), ou por meio de recursos de câmera bastante
óbvios, quando se trata de flashbacksgiro, imagem desfocada, etc.
Assim como a telenovela, produtos televisivos criados para atingir um público
bem amplo a exemplo do que ocorre com outros produtos culturais de massa
tendem a utilizar uma linguagem simplificada. Isso acontece porque, apesar de a
experiência do receptor com o meio ser importante para o desvendamento do
código e das convenções, a compreensão de um texto, verbal ou visual, implica
43
capacidades que não dependem apenas do tempo de exposição. Dependem
também de inferências, comparações e atenção, por exemplo. E, sobretudo,
dependem da intertextualidade a capacidade de relacionar o que está sendo
visto com outros tipos de texto já lidos, o que, obviamente, será tanto mais
produtivo quanto mais rica for a experiência cultural do telespectador.
Para que se compreenda aqui a força da linguagem audiovisual, porém, não
é necessário um conhecimento profundo sobre os recursos técnicos da televisão
nem sobre a capacidade técnica ou cognitiva de leitura desse código pelo
telespectador.
Reflita-se sobre o fascínio que exerce no público a simples imagem em
movimento.
No cinema ou na tevê, as imagens são carregadas de qualidades
expressivas. Rudolf Arnheim cita o exemplo da filmagem de uma planta trepadeira
crescendo no decorrer de vários dias. A transmissão desse movimento
condensado em poucos minutos é carregada de significados expressivos:
A atividade de uma planta trepadeira não aparece meramente como um
deslocamento no espaço. Vemos a videira buscar seus arredores, tatear, estirar-
se e finalmente apoderar-se de um apoio adequado exatamente com o tipo de
movimento que indica ansiedade, desejo e feliz realização.
38
Se essa pode ser a impressão gerada por uma imagem absolutamente
objetiva, com a câmera parada diante de uma trepadeira, imagine-se a força de
uma imagem produzida com a intenção de explorar subjetividades por exemplo,
a mesma cena da trepadeira crescendo, agora com determinada trilha sonora, ou
uma narração poética em off sobre a brevidade da existência humana.
Na televisão ou no cinema, há expressividade em cada imagem:
Os realizadores confiam às paisagens a tarefa de exprimirem os estados da alma:
a chuva representa a melancolia; a tempestade, o tormento de alma. O cinema
38
Rudolf A
RNHEIM
. Arte e percepção visual: uma psicologia da vio criadora. São Paulo: Pioneira,
2002. p. 377.
44
tem o seu calogo de paisagens, acessórios de alma, os seus “exteriores”
correspondentes a tantos outros registros interiores [...]
39
A música e os efeitos sonoros, por sua vez, atribuem significados à narração
visual, ao mesmo tempo ordenando-a e dando-lhe ritmo.
O espectador mergulha na atmosfera audiovisual, levado pelo olhar das
câmeras e embalado pelas sonoridades. Porém, não é conduzido nessa “viagem”
como um corpo inerte.
O receptor, pode-se dizer, não apenas recebe as mensagens; busca algo
nelas. A televisão, assim como o cinema, atende sobretudo a necessidades
afetivas do público, “as necessidades de todo o imaginário, de todo o devaneio, de
toda a magia, de toda a estética: aquelas que a vida prática não pode satisfazer...
-- sem o menor risco imediato, como no caso da emoção vivenciada pelo
espectador durante uma cena de violência em que o herói enfrenta perigosos
inimigos do bem. “Tudo se passa muito longe, fora do seu alcance. Mas, ao
mesmo tempo, e sem mais, tudo se passa dentro de si”.
40
Como ficou bem evidente na pesquisa empírica realizada,
41
os programas
televisivos exercem um intenso efeito catártico sobre o público. Jovens de classe
média aparentemente bem ajustados às normas sociais e estudantes de uma
escola particular confessional se divertem assistindo a um programa de televisão
em que o apresentador é um ex-viciado em drogas, fala muitos palavrões e simula
situações de tortura e humilhão com seus “convidados”.
Está em jogo, nas trocas simbólicas efetuadas em situações
comunicacionais, a necessidade de projão e identificação que move todos os
seres humanos em suas mais cotidianas ações.
Como explica o sociólogo e pensador francês Edgar Morin, o complexo
projeção-identificação-transferência comanda todos os fenômenos psicológicos
subjetivos. Quando uma pessoa narra um fato de modo diferente de outra, es
39
Edgar M
ORIN
. O cinema ou o homem imaginário. Lisboa: Relógio D’Água, 1997. p. 130.
40
Ibidem, pp. 134 e 119.
41
A pesquisa é descrita e analisada nos capítulos 3 e 4 desta dissertação.
45
revelando os acontecimentos que para ela o mais significativos. Quando julga
alguém atribuindo-lhe certa tendência, na verdade está expondo suas próprias
tendências (“tudo é puro para os puros e impuro para os impuros”, afirma Morin).
A projeção é um processo universal e multiforme. As nossas necessidades,
aspirações, desejos, obsessões, receios, projetam-se não só no vácuo em sonhos
e imaginação, mas também sobre todas as coisas e todos os seres. Os relatos
contraditórios de um mesmo acontecimento, seja uma catástrofe de Le Mans ou
um acidente de aviação, a batalha do Soma ou uma cena caseira, traem, muitas
vezes, deformões mais inconscientes que intencionais.
42
Na situação de recepção televisiva, objeto de reflexão desta pesquisa, a
imensa gama de recursos que potencializam as subjetividades da linguagem
audiovisual é campo mais que rtil para a exaltação do imagirio. Nas palavras
de Morin, referindo-se aos filmes de cinema, chega a ocorrer uma simbiose na
relação entre televisão e telespectador, como um sistema que tende a integrar o
fluxo do programa ao fluxo psíquico do espectador.
O sociólogo inglês Anthony Giddens criou o conceito de “recurso reflexivo”
para falar sobre o papel dos espetáculos na busca de autoconhecimento das
pessoas, na sociedade individualista dos dias atuais. A televisão seria, assim,
mais um recurso entre os tantos meios disponibilizados pela sociedade de
consumo para responder à angústia existencial do ser humano, como livros de
auto-ajuda, terapias alternativas, etc.
Nessa busca por respostas existenciais, satisfações afetivas, identificações e
projeções, o indivíduo atua como um ser social, inserido em determinada classe,
com uma história familiar, oportunidades culturais e outros pontos de contato com
a sociedade pontos que formam redes denominadas mediações pelos estudos
culturais.
Uma produção audiovisual o tem um sentido em si. É da interação com o
telespectador que ela vai ganhando significados. Por isso, para ter uma idéia de
como determinado programa é recebido por um telespectador o que entende do
que viu, que impressões teve, o que o tocou ou mais, se gostou ou não, etc. --, é
42
Edgar M
ORIN
.
Op. cit. p. 107.
46
necessário saber de que telespectador se está falando. Quem é essa pessoa?
Onde estuda, onde mora, com quem convive? Como são suas relações familiares
e amorosas? Qual seu grupo de amigos? Trabalha? Estuda durante o dia ou à
noite? Qual seu ambiente cultural, em termos de música, teatro, literatura? Qual é
sua história de vida, quais são seus conflitos pessoais, suas ambições? Qual o
papel da televisão em seu cotidiano? Costuma viajar? Para onde? As perguntas
poderiam continuar indefinidamente, abrangedo todos os aspectos da vida desse
indivíduo.
Por tudo isso, o grupo de receptores não é um grupo monolítico, e cada
indivíduo não é tampouco rotulável como afeito a este ou aquele tipo de programa,
tendendo a interpretar as mensagens desta ou daquela maneira. No universo das
subjetividades e do imaginário, as negociações de sentido são constantes. A
imagem que em determinada circunstância pode parecer chocante para uma
pessoa, em outra situação, sob outro estado de espírito ou na companhia de
grupos de receptores diferentes, adquire outro significado. Na pesquisa empírica,
pudemos verificar como as reações dos receptores o potencializadas
dependendo do tamanho do grupo presente à exibição daí uma das “magias do
cinema”, como relata Edgar Morin na obra aqui citada: mergulhado na escuridão
de uma sala de projeção em meio a muitas pessoas, o espectador tende a viver as
emoções com maior intensidade do que quando está em casa sozinho assistindo
ao mesmo filme.
2.2. Análise da construção de sentido
Um trabalho de análise dos processos de constrão de sentido que
acontece na recepção de mensagens televisivas implica, entre outros fatores, a
consciência de que cada cena de uma telenovela envolveu escolhas (da situação,
dos diálogos, dos atores, etc.) e que outras escolhas produziriam outros efeitos,
uma vez que a televisão transmite não a realidade, mas uma representação da
realidade; implica, também, observar as rias linguagens que contribuem para a
construção de sentido na cena: figurino, cenário, trilha sonora, efeitos sonoros,
47
cores, texto, expressão corporal, duração, cortes, ângulos, movimentos de
câmera, etc.
Quando se fala em produção de sentido, portanto, está-se falando em uma
leitura muito mais complexa do que a leitura narrativa:
A maior parte dos estudos dos meios de comunicação são conteudistas, isto é,
buscam nas mensagens apenas seus conteúdos verbais ou verbalizáveis. Esses
estudos se esquecem das peculiaridades e riquezas que as interações entre as
linguagens podem criar e dos efeitos diferenciados na percepção do receptor que
essas peculiaridades estão aptas a produzir. Em síntese: fica negligenciado o fato
de que o modo como essas mensagens se articulam é o importante para a
recepção quanto aquilo que elas dizem. Além disso, não é levada em conta a
riqueza de sentidos perceptivos que podem potencialmente interagir no ato de
recepção dessas mensagens, assim como a diversidade de efeitos psicofísicos e
cognitivos que elas podem produzir.
43
Em um trabalho de mídia-educação que se queira realizar na escola, a
análise dessesveis requer leituras em dimensões diversas, como descreve o
educador espanhol Joan Ferrés:
44
a análise formal (identificação e análise dos
recursos utilizados para construir a mensagem) e a leitura temática (as razões
e os interesses que estão por trás da mensagem e seus efeitos sobre o
telespectador). Para o pesquisador norte-americano Joshua Meyrowitz,
45
como
já se exs nesta dissertação, uma alfabetização midiática envolve a análise
do conteúdo, da gramática e do próprio meio como ambiente de produção.
David Bukingham,
46
pesquisador inglês, fala em leitura textual (observação
minuciosa, de modo a descrever, interpretar e julgar as mensagens) e leitura
contextual (reflexão sobre os contextos em que se a produção midiática), e
especifica os vários veis de análise:
-- sentidos (como a mídia usa diferentes formas de linguagem para
transmitir idéias e significados);
43
Lúcia S
ANTAELLA
. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996. p. 47.
44
Op. cit.
45
Joshua M
EYROWITZ
. Op. cit. p. 88-100.
46
David B
UCKINGHAM
. Media Education: Literacy, Learning and Contemporary Culture. Cambridge:
Polity Press/Blackwell, 2003. p. 56.
48
-- convenções (como esses usos da linguagem se tornam familiares e
universalmente aceitos);
-- códigos (como são estabelecidas asregras” gramaticais da mídia; o
que acontece quando elas são quebradas);
-- gêneros (como essas convenções e códigos operam em diferentes
tipos de textos midiáticoscomo noticiários e filmes de terror);
-- escolhas (que efeitos tem a escolha de certas formas de linguagem –
como um tipo particular de tomada);
-- combinações (como o sentido é transmitido pela combinação de
seqüências de imagens, sons ou palavras);
-- tecnologias (como as tecnologias afetam os sentidos que podem ser
criados).
Qualquer que seja a denominação que se aos vários níveis de leitura,
o que está em jogo na produção de sentido é um conjunto de mediações que
concorrem na constituição do sujeito em suas relações sociais, culturais e
econômicas.
2.2.1. A linguagem dialógica da tevê
As reflexões sobre a construção de sentido na recepção de mensagens
televisivas devem ser feitas considerando-se o caráter dialógico dessa linguagem.
Para Bakhtin, toda parte verbal de nosso comportamento (quer se trate de
linguagem exterior ou interior) não pode, jamais, ser atribuída a um único sujeito,
considerado individualmente, isoladamente. Quando falamos, não estamos agindo
sós. Todo locutor, para agir, se pauta na previsão possível de seu interlocutor e
constantemente adapta sua enunciação às reações percebidas no outro. Assim,
toda ação verbal assume a forma socialmente essencial de uma interação. É por
isso que não se pode atribuir um enunciado unicamente ao interlocutor: ele é
49
produto da interação dos interlocutores e, num sentido mais amplo, de toda a
situação social em que ele surgiu.
47
Mas nem sempre as diversas vozes do diálogo estão explícitas. textos
polifônicos (os diálogos mostram-se, deixam-se entrever) e monofônicos (os
diálogos se ocultam sob a aparência de uma única voz, de um discurso único). Em
ambos, porém, estão presentes as diversas vozes que compõem os textos ou
discursos – vozes (nem sempre harmoniosas) que se entrecruzam, se completam,
respondem umas às outras ou polemizam entre si no interior do texto. Essas
vozes são sempre vozes sociais.
Não é suficiente, contudo, refletir sobre o “conteúdo” desse texto. no
enunciado um contexto extraverbal: por exemplo, a entonação é uma forma de
avaliação na relação entre os interlocutores e uma forma de expressar esses
valores. A entonação é uma atitude do locutor para com a pessoa do interlocutor
(sua posição social, sua importância, etc.).
Isso foi verificado na experiência de recepção realizada nesta pesquisa, em
que o palavrão e o tom aparentemente agressivo do apresentador João Gordo no
programa de auditório Gordo Freak Show, bem como a própria situação de
tortura”, “humilhação” dos quadros do programa, adquirem um sentido
absolutamente específico para a audiência, que seria bem diferente para um
público que o fosse aquele. Tanto que, nos momentos em que o apresentador
João Gordo se dirige ao seu “não-público” (“senhores e senhoras”, “avó”, etc.), seu
tom é outro, a interação se modifica. E, de fato, o “não-público” interpreta de modo
totalmente diferente o discurso dirigido ao público: os pais consideram o
apresentador agressivo, como declararam alguns dos jovens que participaram da
pesquisa empírica. Os próprios jovens, porém, não se sentem agredidos:
identificam-se com a pretensa “autenticidade” do apresentador e a admiram.
Como afirma Beth Braith, “a linguagem funciona diferentemente para diferentes
47
Patrick D
AHLET
. Dialogização enunciativa e paisagens do sujeito. In: Beth B
RAIT
(org.). Bakhtin,
dialogismo e construção do sentido. Campinas: Unicamp. 1997.
50
grupos, na medida em que diferentes materiais ideológicos, configurados
discursivamente, participam do julgamento de uma situação”.
48
A pluralidade de vozes conflitantes está presente no discurso do
apresentador João Gordo e na própria forma de enunciação. O clima de
camaradagem do programa, a colaboração do humilhado” para fingir medo e
susto em uma atitude de cumplicidade e o ar divertido dos participantes
contradizem os termos que estão sendo enunciados (a linguagem), representando
uma situação de tortura e humilhação como brincadeira, como uma sátira ao
universo monofônico dos programas de auditório em que, de verdade, os
convidados são humilhados, constrangidos em sua miséria, expostos à forma mais
degradante de exploração de fraquezas, desgraças, espetacularização dos
dramas familiares. Não houvesse no programa utilizado na pesquisa tal
cumplicidade, com o ar divertido dos convidados em vez das lágrimas em close-up
dos programas-referência, a polifonia estaria mascarada, e se poderia crer em
algum tipo de real humilhação. Essa diferença é imediatamente captada na
interação entre os interlocutores (apresentador e audiência), advindo daí a
construção do significado satírico, mesmo que de forma não consciente, mesmo
que a audiência não seja capaz de classificar o programa como uma sátira.
O desvendamento desses pactos e a reflexão sobre essas negociações de
sentido são alguns dos principais objetivos de um trabalho de mídia-educação. E,
considerando-se que os indivíduos não criam sentidos isoladamente, um projeto
de educação como esse como, aliás, qualquer outro projeto educacional -- não
pode ser elaborado com base em roteiros didáticos preestabelecidos, professores
instrdos apenas tecnicamente e planos de curso rígidos.
Como afirma David Buckingham, a alfabetização midiática não pode ser
considerada separadamente das estruturas social e institucional. É uma teoria
social, que substitui uma noção de alfabetização singular por alfabetizações
48
Beth B
RAIT
. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In: Beth B
RAIT
(org.).
Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Unicamp, 1997. p. 99.
51
plurais, definidas pelos sentidos que elas produzem e pelos interesses sociais a
que atendem.
49
49
David B
UCKINGHAM
.
Op. cit. p. 38.
52
CAPÍTULO 3. DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA PESQUISA EMPÍRICA
3.1. O local da pesquisa e os participantes
Optamos por desenvolver a pesquisa em uma escola, com a finalidade de
observar todo o processo de realizão de uma experiência de mídia-educação no
ambiente que, acreditamos, constitui o espaço privilegiado para a educação
sistematizada, planejada e orientada por parâmetros preestabelecidos. Se
realizada em outro ambiente, por exemplo o doméstico, com a formação de um
grupo de espectadores mais ou menos homogêneo, a disponibilidade dos jovens
talvez fosse maior, em termos de quantidade e duração dos encontros,
flexibilidade de horário e até mesmo desinibição, concentração e empenho. No
entanto, tal pesquisa fugiria ao nosso objetivo.
A pesquisa foi realizada com alunos de 8
a
série do Colégio Franciscano
Nossa Senhora Aparecida, no bairro paulistano de Moema. Nele encontramos
todos os recursos necessários para a realização do trabalho: equipamentos de
boa qualidade (aparelhos de televisão, vídeo, DVD e filmadora), instalões
adequadas (sala de multimídia) e equipe técnica, além da imprescindível
receptividade dos educadores e dos alunos.
Nosso objetivo era investigar alguns mecanismos de construção de sentido
que são ativados na situação de recepção televisiva pelo grupo selecionado.
Neste capítulo, os encontros são descritos o pormenorizadamente quanto
possível, e esse relato é entremeado de reflexões, questionamentos e exposição
do próprio processo de tomada de decisões da pesquisadora, assim como dos
vários imprevistos (que implicaram mudanças de rumo e improvisões). Uma vez
que a proposta foi observar uma experiência de recepção, o poderíamos, neste
relatório, nos deter exclusivamente na exposição dos fatos relativos ao momento
da exibição dos programas e sua posterior discussão com os alunos.
A recepção não acontece apenas no momento em que se assiste a um
programa neste caso, um programa televisivo. o se trata, portanto, de
restringir a observação às reações do telespectador ou a seu modo de interpretar
53
as mensagens. É importante também conhecer a professora-mediadora e saber
quais são suas idéias sobre a tevê e sobre a mídia-educação; verificar as
condições do espaço e dos equipamentos disponíveis na escola selecionada;
conhecer as dificuldades para encaixar um trabalho transdisciplinar em meio à
rígida fragmentação da rotina escolar diária; lidar com a necessidade de um
planejamento flexível; observar o comportamento dos alunos em um trabalho que
não implica avaliação tradicional (“prova) -- entre tantos outros aspectos que uma
experiência desse tipo propicia.
Apenas com uma análise voltada para essa multiplicidade de aspectos se
poderia fornecer algum parâmetro ao educador que pretenda realizar um trabalho
de mídia-educação na escola. Conhecendo todo o processo desse trabalho, o
professor poderá avaliar os diversos níveis de intervenção que ocorrem quando se
introduz na escola uma nova linguagem: o espaço da aula se altera, quer se opte
por uma sala multimídia, quer se levem para a sala de aula os diversos aparelhos
necessários (tevê, vídeo, DVD, etc.); o professor deixa de ocupar o lugar central,
tornando-se por algum tempo não o transmissor de conhecimentos, e sim um
questionador e provocador; os alunos passam a participar mais ativamente da
aula; a relação da turma com os demais alunos e com os educadores da escola se
altera, pois o grupo esrealizando algo diferente do restante da escola, algo que
não tem que ver explicitamente com “aprender” alguma coisa, captar um
conteúdo.
3.1.1. A professora-mediadora
Para que as intervenções se realizassem em um ambiente no qual os alunos
estivessem mais à vontade para expressar suas opiniões, optou-se por convidar
um professor para atuar como mediador da pesquisa. Em encontros com a
orientadora pedagógica do colégio, o primeiro passo foi a definição do critério que
seria utilizado para a escolha desse professor mediador: o perfil multidisciplinar e
aberto à exploração de linguagens múltiplas. Entre os educadores que atendiam a
esse perfil, havia professores de Educação Física, Teatro, Língua Espanhola e
54
Língua Portuguesa e Literatura. Considerou-se em seguida a familiaridade e o
interesse do professor em relação a temas ligados à comunicação, como leitura e
interpretação de textos, ambigüidade, mensagens subliminares, linguagem
persuasiva, comunicação visual e expreso oral, entre outros, uma vez que
esses picos poderiam ser suscitados num trabalho relativo à narrativa televisiva.
Havia também a necessidade de que a pesquisa empírica fosse de algum modo
encaixada” no planejamento do professor, para que o houvesse uma
interrupção brusca do curso com a introdução de um trabalho estranho às
matérias que estavam sendo estudadas. Essas reflexões conduziram à escolha da
professora de Língua Portuguesa para mediar a pesquisa.
Foi com entusiasmo que a docente aceitou participar do trabalho, dedicando-
se com empenho no apoio ao planejamento da pesquisa e em sua realização na
sala de aula.
A professora tem licenciatura plena em Língua Portuguesa e ngua Inglesa,
tem 36 anos e se formou em 1993 por uma faculdade particular da cidade de São
Paulo. Fez dois cursos de extensão sobre Língüística Aplicada na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Leciona de manhã em um colégio do bairro
paulistano da Casa Verde e à tarde no Colégio Franciscano Nossa Senhora
Aparecida, em Moema colégios situados em bairros diametralmente opostos na
cidade de São Paulo.
No Colégio Nossa Senhora Aparecida, seu plano de curso da disciplina
Língua Portuguesa para o trimestre previa o trabalho com narrativas. Assim,
dedicimos incluir a análise de programas televisivos como mais uma forma de
narrativa a ser estudada embora não apenas quanto ao seu conteúdo verbal, e
sim no que diz respeito ao estudo amplo de linguagem, em sua diversidade de
códigos.
50
50
Ver obra citada de David B
UCKINGHAM
. No primeiro capítulo, Why Teach the Media, Buckingham
adverte que mídia-educação não é tecnologia educacional. Trata-se de aprender a desvendar as
características da linguagem, para que a recepção ganhe um caráter crítico e desse modo o
currículo escolar se torne de fato relevante.
55
3.1.2. A seleção do grupo de jovens
O grupo de jovens é formado por estudantes de 13 a 15 anos. Nessa faixa
etária, que marca o início da adolescência, os jovens começam a desenvolver
suas concepções sobre os fatos do mundo e a expressar opiniões próprias, em
oposição às dos pais e dos demais adultos com os quais se relacionam. Além
disso, estão cursando a etapa final do ensino fundamental (8
a
série), em que a
capacidade de expressão verbal e argumentação se consolidou, bem como
procedimentos envolvidos em um trabalho de análise qualitativa. A exposição aos
meios de comunicação de massa, nessa faixa etária, em geral é ampla e
diversificada, englobando televisão, rádio, internet, jornais e revistas.
A proposta inicial deste trabalho era formar um grupo de no máximo dez
alunos. Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, pensou-se que em um grupo
desse tamanho seria maior a interação da pesquisadora e da mediadora com os
sujeitos que se pretendia estudar. No entanto, as várias possibilidades de
formão desse grupo mostraram-se inviáveis. Pensou-se em expor o projeto de
pesquisa em algumas salas de aula e convidar os alunos a participar, formando o
grupo com alunos de turmas diferentes, conforme o interesse que
demonstrassem. A pesquisa teria então de ser realizada fora do horário de aulas,
para que eles não tivessem de se ausentar da classe nos encontros com a
pesquisadora o que seria um grande complicador, pois os alunos, em sua
maioria, fazem cursos livres no horário vago (música, inglês, etc.) e, além disso,
dependem dos pais para levá-los e buscá-los na escola.
Além disso, o só o critério quantitativo teve peso. Havia um mais
importante: o qualitativo. Era fundamental que o trabalho se realizasse com um
grupo coeso, que já tivesse certa convivência por algum tempo, para que a
interação entre os alunos e entre eles e a professora-mediadora fluísse de modo a
permitir a observação das influências mútuas que ocorrem num processo de
recepção televisiva.
Essas considerações levaram à escolha da menor turma possível na escola:
uma 8
a
série do período vespertino que tem 22 alunos, enquanto a maioria das
56
turmas de 6
a
, 7
a
e 8
a
séries tem no mínimo 30 alunos. Participaram dessa decisão
a coordenadora pedagógica, a professora de Língua Portuguesa e Literatura e a
pesquisadora. Feita uma sondagem inicial com os alunos, verificou-se o interesse
em participar da pesquisa.
3.2. Planejamento
A pesquisa empírica consistiu em oito encontros, sendo dois dedicados à
escolha das turmas e planejamento das atividades com a professora e a
coordenadora pedagógica e com os alunos da 8
a
série.
O roteiro dos encontros foi este:
1
o
/6 – Reunião da pesquisadora com a coordenadora pedagógica para definir
critérios na escolha do professor e na formação do grupo de alunos;
reunião com a professora convidada para atuar na pesquisa.
5/6 Observação de duas aulas de ngua Portuguesa e Literatura, em duas
turmas de 8
a
série, para conhecer o trabalho que estava sendo feito com
linguagens e para selecionar a turma que seria convidada a participar da
pesquisa.
7/6 Seleção dos programas a serem analisados, feita pelos alunos sob a
orientação da pesquisadora e da professora.
12/6 Conversa coletiva sobre televisão e demais meios de comunicação de
massa.
19/6, de manhã Exibição de um dos programas selecionados (episódio de Os
Simpsons), para um grupo de 6 alunos; discussão e preenchimento de
questionário sobre o programa.
19/6, à tarde – Exibição de um trecho do mesmo episódio de Os Simpsons, agora
para 22 alunos; discussão em grupo sobre a linguagem televisiva, com
sistematização de conhecimentos e análise de 2 comerciais; preenchimento
de questionário sobre linguagem televisiva.
57
26/6, de manhã Exibição de outro programa selecionado (Gordo Freak Show);
discussão e preenchimento de questionário sobre o programa.
26/6, à tarde – Atividade em grupo: prodão de um programa televisivo.
Além dos questionários relacionados especificamente aos programas
analisados e à linguagem televisiva, os alunos responderam a outros dois:
1. “Quem são os participantes da pesquisa”: informações pessoais, familiares
e econômicas.
2. “Você e sua vida cultural”: informações sobre hábitos e gostos culturais do
aluno.
51
3.3. O grupo de alunos
A turma de 8
a
série escolhida tem 22 alunos, sendo 10 meninas e 12
meninos. Desse total, 17 responderam ao questionário denominado “Quem são os
participantes da pesquisa”. Os demais não compareceram à escola no dia em que
o questionário foi aplicado.
O questionário foi planejado para permitir que se conhecesse um pouco o
contexto social e econômico em que o aluno vive: quantas pessoas moram na
casa, qual a escolaridade e a profissão dos pais, como é sua residência, que bens
a família possui, em que bairro mora, se tem empregados em casa, que viagens já
fez e o meio de transporte que utiliza no dia-a-dia enfim, as mediações de
referência de que fala Orozco e que expusemos no capítulo 1 desta dissertação.
Acreditamos que essas informações podem ser úteis para a compreensão da
influência que o ambiente familiar e o padrão de vida podem ter na visão de
mundo dos jovens que estão sendo pesquisados. o se trata, obviamente, de
uma influência determinista, uma vez que uma série de mediações atuam na
formão dessa visão de mundo e na construção dos sentidos. Trata-se, tão-
somente, de conhecer melhor algumas dessas tantas mediações.
51
Todos os modelos de questionário utilizados estão incluídos no final desta dissertação.
58
Pelo questionário, verificamos que a maioria dos alunos da turma faz outros
cursos, além do colégio. Do total, 16 freqüentam curso paralelo de inglês ou
matemática (método Kumô), ou música (violão e guitarra), ou pratica dança ou
esporte (dança, academia, futebol, basquete, natação). Muitos alunos (10)
praticam duas ou três dessas atividades.
Entre as profises exercidas pelos pais, foram mencionadas nos
questionários: banrio, exportador/importador, publicitário, administrador de
empresas, engenheiro, engenheiro civil, adaptador de recursos, empresário,
corretor de seguros, industrial, advogado, gerente de recursos humanos (2), dono
de livraria, arquiteto. E pelas mães: decoradora (2), exportadora/importadora,
publicitária, funcionária de confeão, pedagoga, advogada, contadora, personal
trainer, pintora, empresária, secretária, psiloga, gerente de banco, dona de
livraria, artista. Entre os alunos que responderam à pesquisa, apenas um declarou
que a mãe não trabalha fora de casa. Praticamente todos os pais e mães têm
curso superior, e alguns, mestrado ou pós-graduação.
Dos 17 que responderam ao questionário econômico, 16 moram em
apartamento ou casa de 3 a 5 dormitórios; 10 moram em casa ou apartamento
com 3 ou mais banheiros.
Os bairros de moradia são os considerados de classe média alta: 3 em
Campo Belo, 9 em Moema, outros no Itaim-Bibi, no Brooklin, Vila Olímpia e
Chácara Flora.
Dos 17 alunos, 15 moram em imóvel próprio e 2 em imóvel alugado.
A quantidade de televisores que há na casa dos alunos está sintetizada no
quadro a seguir:
Quantas tevês
na casa
Total
de
respostas
2 tevês 3
59
3 tevês 5
4 tevês 4
5 tevês 1
6 tevês 4
As casas em geral são bem aparelhadas: todos os alunos têm pelo menos 1
aparelho de DVD-player e 7 têm home-theater.
No grupo pesquisado, as famílias o pequenas: 6 alunos moram apenas
com os pais; 5 com os pais e 1 irmão; 1 com a mãe, a avó e 1 irmão; 2 apenas
com a mãe e 1 irmão; 1 apenas com a mãe; e apenas 2 moram com os pais e
mais de 1 irmão.
Dos 17 alunos, 7 já viajaram ao exterior (Estados Unidos, Cancún, Europa,
Argentina, Paraguai); 8 viajaram para outros estados do Brasil, especialmente o
Nordeste.
Quanto a empregados, 9 têm 2 empregados em casa, normalmente uma
empregada doméstica mais 1 faxineira, ou passadeira, ou cozinheira; 2 não têm
empregada; os demais têm 1 faxineira ou 1 empregada.
Todos utilizam carro particular como meio de transporte. Das 17 famílias, 9
têm 2 carros; 4 têm 1 carro; 2 têm 3 carros; e 2 têm 4 carros.
3.3.1. Os jovens e a tevê: preferências e opiniões
O questionário “Você e sua vida cultural” teve por objetivo verificar o
ambiente cultural em que os alunos vivem: seus bitos de lazer, os interesses
culturais, o acesso a atividades educativas e formativas que contribuam para
fornecer quadros variados de referência cultural. Dos 22 alunos da turma, 21
responderam à pesquisa. Entre eles, a televisão é um dos passatempos mais
presentes. O quadro a seguir sintetiza o total de número de horas que os alunos
dedicam a essa atividade:
60
QUANTAS HORAS POR DIA VOCÊ VÊ TEVÊ...
...durante a semana, de manhã?
52
0 30 min 1 hora 2 horas 3 horas
as 5 horas
Número de
alunos
2 2 7 3 2
3
1
...durante a semana, à noite?
53
54
0 30 min 1 hora 1h30min
2 horas 3 horas De 4 a
6 horas
Número de
alunos
1
1
1
1 5 3
6
...nos finais de semana, de manhã?
0 30 min 1 hora 2 horas
4 horas
Número de
alunos
5 3 5 5 2
...nos finais de semana, à tarde?
0 30 min 1 hora 2 horas 3 horas 4 horas 5 horas
Número de
alunos
7
1 2 4 4
1
1
...nos finais de semana, à noite?
0
De 1 a
1h30min
De 2 a 3
horas
4 horas 5 horas
6 horas
52
Uma aluna não entendeu a pergunta. À pergunta: “Quantas horas por dia você vê tevê – durante
a semana, de manhã?”, compreendeu que se queria o total de horas da semana inteira.
Respondeu “11”. A mesma aluna respondeu que durante a semana assiste televisão durante 8
horas à noite; e, nos finais de semana, 10 horas de manhã, 6 horas à tarde e 10 horas à noite.
Uma vez que a aluna não compreendeu a pergunta, o total de respostas válidas nos demais
campos da tabela passa a ser 20, e não 21.
53
À tarde, os alunos estão no colégio.
54
Além da aluna mencionada na nota 51, outros dois alunos parecem não ter entendido a
pergunta, tendo respondido que durante a semana, à noite, assistiam à tevê durante 7 e 11 horas,
respectivamente.
61
Número de
alunos
1 3 10 3 1 2
A tabela anterior mostra, portanto, que nos períodos em que não estão na
escola quase metade dos alunos entrevistados assiste tevê por um período de 1 a
2 horas; à noite, o período é maior: de 4 a 6 horas. Nas manhãs dos finais de
semana, a tevê ocupa de 1 a 2 horas para quase metade desse grupo; à tarde, um
grande mero (considerando-se o tamanho do grupo) não assiste tevê, mas mais
da metade dos entrevistados (11 alunos) dedica de 30 minutos até 3 horas à tevê.
Se considerarmos que, conforme destacado anteriormente, a maioria dos
alunos faz cursos paralelos à escola (esportes, idiomas, etc.), poderemos observar
que a televisão é a principal atividade que preenche as disponibilidades da agenda
semanal dos alunos. Essa é a importância de tais dados quantitativos para esta
pesquisa: em geral, quando não estão na escola ou fazendo um desses cursos
paralelos, os alunos eso assistindo à tevê. Nos finais de semana, a freqüência
maior é à noite, período em que normalmente estão em casa (16 dos 20 alunos
que responderam corretamente à questão assistem a mais de 2 horas de tevê nas
noites de final de semana).
No entanto, esses dados gerais escondem situações bem particulares, que
se tornaram mais claras na entrevista coletiva que a pesquisadora fez sobre o
assunto. Nessa oportunidade, Pedro disse que assiste tevê muito pouco, “a não
ser que eu esteja de castigo”. André é o oposto: “Eu acordo e ligo a televisão. Vou
ver o que está passando. Procuro esporte e coisa de comédia. Vou ver se
passando filme. Se o filme for legal, eu vejo”.
A resposta de Pedro suscita um parêntese para uma reflexão sobre sua
qualidade de receptor. Quando Pedro afirma que assiste tevê muito pouco, “a não
ser que eu esteja de castigo”, não está apenas informando sobre seus hábitos
como telespectador; está falando muito sobre sua vida familiar, essa mediação
que tem grande peso no início da adolescência. Pode-se supor que, nessa família,
ou pelo menos para o aluno, a televisão é considerada a última opção de lazer:
62
como Pedro esde castigo, não pode sair de casa nem ver os amigos; só lhe
resta então a televisão. Pelos questionários, ficamos sabendo que Pedro não tem
tevê no quarto. Assim, nesse caso o castigo ver tevê” não é sinônimo de
reclusão. Além disso, o relato pode indicar que a educação nessa família é
pautada por regras que, se descumpridas, podem resultar em um castigo.
Consultando novamente os questionários, ficamos sabendo um pouco mais sobre
a vida cotidiana de Pedro. Ele costuma ir ao cinema e dedica parte de seu tempo
livre ao computador: tem um site e faz animações em Flash.
Em suas respostas aos questionários, esse garoto de 14 anos mostrou-se
bastante crítico. Afirmou, por exemplo, que um ponto positivo da tevê é seu “efeito
calmante”: “Se você precisa dormir mas não tem sono, ver tevê. Quando se
pediu que citasse uma celebridade, mencionou Juliana Paes, mas ressaltou:
Somente pelo seu corpo. Não acho boa atriz”.
Com base em todas essas informações, podemos arriscar-nos a supor que
Pedro se qualifica como um receptor televisivo eventual por sua própria escolha (e
talvez também da família, pelo fato de o haver um aparelho de tevê em seu
quarto). A televisão o ocupa um papel central em seu dia-a-dia e é considerada
por ele de modo bastante crítico.
Fechado esse parêntese, voltemos aos dados coletados e percebemos que,
entre o grupo de alunos pesquisados, a presença dos amigos é intensa nos finais
de semana e nos feriados. As atividades em grupo aparecem em todas as
respostas à pergunta “Como você se diverte nos finais de semana e nos
feriados?”: 12 alunos citaram diretamente “saindo com meus amigos” e 5 citaram
atividades que normalmente os jovens dessa idade praticam com amigos, como ir
ao cinema ou ao shopping, tocar instrumento musical e praticar esportes. Além
dessas respostas, foram mencionadas as seguintes atividades: sair com a falia,
ficar no computador, assistir a deos, dormir, viajar, jogar video-game, andar de
bicicleta e ir a festas.
O papel do grupo, nessa faixa etária, começa a se ampliar. Para o jovem de
13 a 15 anos, é cada vez mais importante a opinião dos amigos, a aceitação do
63
grupo. A afirmação da personalidade e da sexualidade implica busca de
identificação com aquele que é considerado seu semelhante, em oposição aos
pais. Nesse momento, a família passa a ser o referencial de conflito, que o jovem
precisa questionar para se definir como ser independente.
Dos 21 alunos que responderam à pesquisa, 17 têm tevê no quarto. Apenas
1 não tem tevê a cabo em casa. O que assistem na tevê? As perguntas relativas
aos hábitos e preferências sobre televisão o reproduzidas a seguir, com uma
ntese das respostas:
C
ITE UM PROGRAMA DE TEVÊ DE QUE VOCÊ GOSTE MUITO
.
E
XPLIQUE POR QUE GOSTA
.
Gordo Freak Show
55
(Gosto de ver os outros rirem e alguns castigos.”)
Disk MTV (“Passa clipes e eu me informo sobre músicas.”)
Belíssima (“Acho divertido de ver”; “Adoro essa novela”.)
filmes [Não explicou por que gosta.]
seriados (“Parecem novela mas são mais reais.”)
Discovery (“Contém muito conteúdo.”)
Covernation (“Programa do MTV, em que mostra várias bandas covers.”)
Friends (“É divertido.”)
Top-Top (“Eles fazem listas de famosos e sempre acabo aprendendo sobre
música e artistas.”)
55
Breve descrição dos programas citados: Gordo Freak Show – programa de auditório comandado
pelo músico João Gordo (canal: MTV); Disk MTV – programa de clipes musicais da MTV; Bessima
– novela das 20 horas da rede Globo, transmitida até julho de 2006; Discovery – canal de
documentários da tevê a cabo; Covernation: programa de clipes musicais transmitido pela MTV;
Friends – seriado sobre as relações entre um grupo de seis amigos (adultos); Top-Top programa
da MTV que a cada episódio apresenta listas dos “mais-mais” (mais bonitos; mais ricos; mais
malvestidos; etc.); Os Simpsons – desenho animado sobre uma família politicamente incorreta;
Linha de Passe – mesa-redonda sobre esportes;Troca de esposas reality show em que duas
esposas trocam de família durante certo período; American Chopper reality show que tem como
tema a construção de motos; NBA Action – esportes; Chaves – seriado mexicano de humor
ingênuo; Overhaulin seriado transmitido pelo Discovery Chanel, em que a cada episódio uma
equipe de mecânicos transforma um carro velho em um automóvel especial; South Park – desenho
animado politicamente incorreto; The O. C. – seriado que tem como tema uma família com filhos
adolescentes.
64
Os Simpsons (“É engrado e além disso é muito crítico”; “Excêntrico, autêntico
e engraçado”.)
Linha de passe (“Fala sobre futebol europeu e nacional com bastante
informações.”)
Troca de esposas (“Você vê como as pessoas vivem, os problemas, etc.”)
Overhaulin” (“É de carros.”)
American Chopper (“É sobre pai e filho que têm uma oficina e constróem motos
personalizadas.”)
NBA Action (“É um programa onde só passa basquete e curiosidades.”)
Chaves (“É engraçado.”)
Futebol, American Chopper e Overhaulin (“São temas que me interessam,
carros, motos e esporte.”)
South Park (“É muito engraçado e mostra o mundo de crianças com as mentes
‘ferradas’.)
The O. C. (“Aborda coisas da adolescência.”)
Nessa lista de preferências, em que predominam os programas transmitidos
por tevê a cabo, pode-se notar que as escolhas são movidas pelos mais diversos
interesses, mas em praticamente todas as respostas a escolha é ativa e
consciente: o jovem liga a tevê com o objetivo de assistir a determinado programa.
Todos os jovens pesquisados têm seus programas de te preferidos, mesmo
aquele que declarou quase não assistir tevê (apenas nos finais de semana: 1 hora
à tarde e de 2 a 3 horas à noite).
Oralmente, perguntou-se sobre os programas que viam quando eram
crianças. Muitos se lembraram de Castelo Rá-Tim-Bum, Chaves e Chapolim, e
demonstraram uma relação emocional com esses programas tanto pelo tom de
voz quanto pela expressão facial.
Como os jovens pesquisados assistem tevê? Em conversa com a
pesquisadora, vários deles afirmaram que costumam fazer outras coisas enquanto
vêem teprincipalmente, ficam no computador. Um aluno afirmou que a tevê é
65
muito mais “parada” que o computador. Quando a tevê está muito “parada, esse
aluno aproveita para conversar em um chat, por exemplo.
Para compreender melhor a situação imediata de recepção, a pesquisadora
pediu que os alunos citassem programas que costumam ver com os pais ou outros
familiares e aqueles que costumam ver sozinhos. As respostas foram: com a
família, costumam assistir novela (citada 9 vezes), telejornal (3), jogo de futebol ou
outros esportes (2), filmes (7), Domingão do Faustão, seriado A grande família,
seriado American Chopper (2),
56
seriado American Idol. Sozinhos, os alunos
assistem a programas que consideram mais direcionados a sua faixa etária:
programação da MTV (3), Overhaulin (2), seriados e filmes, “filmes de tiro e terror”,
canal 57 da TV A, American Chopper (2), programas do canal People and Arts,
desenhos, documentários, programas esportivos, Os Simpsons, programas sobre
música, Hermes e Renato, Multishow, Discovery.
É importante também saber se os alunos conversam com os familiares sobre
o que assistem na tevê. Uma pergunta do questionário foi: Você costuma
conversar com sua família sobre o que assistiu na tevê?”. A pesquisadora pediu
aos alunos que dessem respostas que esclarecessem a freqüência, e não
simplesmente sim ou não. As respostas dos 21 alunos foram:
Não” – 6 alunos
Sim”– 5 alunos
Às vezes4 alunos
Raramente– 3 alunos
Não muito” – 1 aluno
Sim, muito”– 1 aluno
Quando eu não entendo” – 1 aluno
Embora a maioria dos alunos converse com os familiares sobre o que viu na
tevê, é dicil saber como essa conversa se desenrola: em forma de crítica,
56
O mesmo programa foi citado nos dois casos: 2 alunos assistem com os pais e 2, sozinhos.
66
comentário, etc. Porém, é importante que se perceba que o fato de a te
constituir tema de conversa implica a valorização desse meio de comunicação na
família e sua presença cotidiana.
C
ITE UM PROGRAMA DE TEVÊ DE QUE VOCÊ NÃO GOSTE
.
E
XPLIQUE POR QUE NÃO GOSTA
.
Raul Gil (“Odeio, abomino o jeito desse cara. Acho idiota e sem sentido.”)
Zorra total (“É um programa muito sujo, com sacanagem e sem graça”; “Não tem
gra nenhuma”.)
Faustão (“É ruim!”)
Religião (“É entediante.”)
Novelas sem ser da Rede Globo e rezas em canais. [Não explicou por que não
gosta.]
Cidade alerta (É muita violência.”)
Domingo legal (“Os temas abordados não me interessam.”)
Religião (“É entediante; “São muito monótonos e não têm nada que me
interesse.”)
Pânico na TV (“É inútil, não serve para nada!”)
Fala que eu te escuto (“Falam sobre coisas chatas para mim.”)
Rebeldes (“A novela é fútil, incentivam crianças a ser fúteis, brigar com os
pais e ser vagabundas.”)
Gordo Freak Show (“É muito violento e nojento.”)
Novela (“Cansativo e repetitivo.”)
Canais de propaganda [Não explicou por que não gosta.]
[Resposta ilegível.]
Programas religiosos [“Eles são monótonos e eu não gosto do assunto.]
67
Cidade alerta e programas do tipo (“É sensacionalismo.”)
Leilão (“Não vejo graça de ver, não me interessa.”)
Paranormalidade (Acho que é uma baboseira.”)
Nessa lista de programas dos quais os jovens não gostam nota-se a
presença repetida daqueles que têm caráter predominantemente publicirio e de
exploração comercial de sentimentos, religiosidade e conflitos familiares e
pessoais. Isso pode significar que o grupo es atento a questões como a
predominância de interesses comerciais na programação de tevê e a exposição,
na tela, de pessoas humildes, desprotegidas, que acabam tendo sua vida íntima
escancarada para atrair certo tipo de audiência. Mais importante que as respostas
em si é perceber que esse tipo de questionamento estimula os alunos a refletir
sobre suas escolhas. Trata-se, como vimos no capítulo 2, de uma intervenção
pautada pela leitura temática, segundo a classificação de Joan Ferrés,
57
uma das
importantes funções da mídia-educão.
O mesmo tipo de leitura foi feito quando se perguntou aos alunos sobre os
pontos positivos e os negativos da tevê.
A televisão, para os alunos pesquisados, tem como pontos positivos o fato de
informar (10 respostas), divertir (8), entreter (6) e educar (5), nessa ordem
embora muitos dos alunos, como se viu na queso relativa aos programas
preferidos, não utilizem a tevê como meio principal de informão no sentido de
notícia”, e sim informação sobre temas de seu interesse.
Como pontos negativos da televisão, 10 alunos mencionaram o fato de que
ela “vicia”; 4 citaram a influência e a manipulão; 3 falaram que futilidade e
baixarias” na tevê. As perguntas relativas aos pontos positivos e negativos da
tevê foram abertas, como se observa no questionário incluído nesta dissertação
como anexo 2.
57
Joan F
ERRÉS
.
Op. cit.
68
Podemos supor que o vícioesteja associado à passividade, à acomodação
do ato de ver tevê, que aparentemente não exige nenhum esforço do
telespectador. De fato, como adverte Joan Ferrés, há um risco do que ele
denomina teledependência:
A televio é um meio com efeitos criadores de adicção. Ela tende a viciar. Pode
ser enriquecedora se utilizada em doses adequadas, mas é perigosa quando
chega a provocar dependência. [...]
Psicólogos e pedagogos criaram um quadro clínico das conseqüências negativas
que afetam a criança viciada em televisão: dificuldade de concentração, tédio,
irritação freqüente, fadiga, tensão nervosa, comportamento agressivo, pesadelos,
obssessão consumista, impaciência, distúrbios de visão e do sono, hábitos de
consumo negativos... Como no caso da droga, uma dose excessiva provoca
estados semi-hipnóticos e gera passividade e dependência, além de debilitar a
força de vontade pessoal.
58
Embora as advertências acima possam ser consideradas um tanto alarmistas
e contrariem o enfoque principal desta pesquisa, segundo o qual o receptor não
está entregue passivamente à dominação exercida pela televisão, esse texto de
Joan Ferrés nos mostra que alguns alunos que participaram da pesquisa, embora
sem suporte teórico, sofrem inquietações semelhantes às de certa parcela dos
pesquisadores, no que concerne às relações que o receptor estabelece com a
televisão.
Caroline, uma das alunas, citou como ponto positivo que a tevê “nos faz
companhia”; e, como ponto negativo, “às vezes é tedioso, repetitivo”. O tédio
também foi citado por mais 2 alunos. Outra resposta interessante, relativa aos
pontos positivos da tevê: Efeito calmante: se voprecisa dormir mas não tem
sono, ver tevê”. Isso indica a existência de uma atitude de reflexão sobre o
papel da televisão em seu cotidiano.
A idéia de uma tevê que faz companhia” remete a uma suposta interação
que parece ocorrer no momento da recepção – ilusória, porque não há troca
efetiva de mensagens nesse momento: o receptor não interfere no que essendo
58
Ibidem, p. 85.
69
transmitido. Porém, como vimos no capítulo 2, a recepção de produtos
audiovisuais envolve processos extremamente subjetivos: as pessoas que
aparecem na tevê falam conosco, olham para nós, contam-nos sobre o mundo,
oferecem-nos coisas, levam-nos a passear por lugares bonitos e narram histórias
interessantes. Tudo isso passa a fazer parte da vida do telespectador, que agora
tem a ilusão de não se sentir só.
Caroline mora apenas com a mãe em um apartamento de três dormitórios e,
além da escola, faz três cursos extracurriculares: inglês, violão e natação. Não tem
empregada, apenas uma faxineira que trabalha uma vez por semana. Essas
informações talvez indiquem que a televisão em alguns momentos pode ajudá-la a
enfrentar a solidão.
A reflexão sobre a influência da tevê nesse grupo de jovens tocou também
em um tema de grande importância entre educadores: será que esses alunos que
se mostram receptores ativos, que acionam a tevê em busca de companhia,
informação e entretenimento, se deixam envolver na magia da televisão como
criadora de celebridades, como promotora de fama? Será que eles próprios não
estão seduzidos pelo desejo de ser “ricos e famosos? Essas dúvidas motivaram
uma das perguntas do questionário. Do grupo de 21 alunos, 13 responderam que
não gostariam de aparecer na tevê – ou não fazem questão disso; 7 alunos
responderam que gostariam; 1 [última resposta do quadro a seguir], “talvez”.
Dos que gostariam de aparecer na tevê, as respostas completas foram:
A
)
O
QUE VOCÊ ESTARIA FAZENDO NA TEVÊ
:
B
)
P
OR QUE VOCÊ GOSTARIA DE APARECER
NA TEVÊ
:
Comédia.” Para ficar famoso.”
Ter uma banda. Porque é legal ver muitas pessoas
apreciando minhas músicas.
Fazendo um desfile.” Porque eu acho divertido.”
Propaganda.” Porque eu acho bem interessante e
legal ser conhecido, famoso.”
70
Jogando futebol. Para eu tentar algum futuro de
jogador.”
Gostaria de aparecer com a minha
banda.”
Pois tem muita visibilidade.”
Trabalhando.” Para falar o que penso.”
Não sei.” Gostaria de ver como as pessoas iriam
me ver depois.”
Como se observa nas respostas, a tevê, para esses alunos, é valorizada
como um veículo que legitima o talento, abrindo caminhos profissionais, e que
voz às pessoas. Mas também facilita a conquista de privilégios para aqueles que
se tornam famosos sem nenhum merecimento, apenas por ter aparecido na
televisão.
O conceito de celebridade pode estar associado à simples divulgação da
imagem pela televisão, ou a um mérito profissional ou pessoal. Para verificar se os
alunos do grupo pesquisado eram capazes de distinguir entre as duas situações,
pediu-se que citassem duas pessoas famosas, explicando por que são famosas.
As respostas se concentraram em:
esportistas, como jogadores de futebol Pelé (7 citações), Ronaldinho
Gaúcho (3), Kaká e Maradona e de basquete (Shaquille O’Neal e Michael
Jordan), e piloto (Valentino Possi). A fama, nesses casos, é explicada pelo
trabalho (É o melhor jogador do mundo”; “É o melhor piloto de moto do mundo”,
Grande jogador de basquete”; “Bom jogador e viciado em drogas” [Maradona]);
atores de cinema e de tevê, como Fernanda Lima, João Gordo, Bruno
Gagliasso, Cláudia Raia, Brad Pitt, Carolina Dieckman, Dakota Fenning, Angelina
Jolie, Daniel Radclif, Robert Pattison,Glória Pires e Juliana Paes, além da
apresentadora de telejornal Fátima Bernardes. A justificativa da fama é variada: É
engraçado” (João Gordo); “É uma boa atriz (Cláudia Raia); É um bom ator e
bonito” (Brad Pitt); “É muito bonita e pelo seu corpo” (Juliana Paes); “Tem talento”
(Carolina Dieckman); “Faz filmes bons e trabalha bem” (Angelina Jolie); “Trabalha
71
bem e sempre emociona nos filmes que faz” (Dakota Fening). Alguns justificaram
a fama pela simples visibilidade: “Porque é atriz (várias citações), “Por causa da
tevê (Fátima Bernardes); “Porque faz novelas” (Glória Pires).
músicos, como Axl Rose, Hillary Duff, Mark Hoppus e Shagrath. Nesses
casos, a fama é explicada pela exposição ao público. Os sicos citados são
famosos, na opinião dos alunos, porque são muito conhecidos, uma tautologia que
não busca no talento e no trabalho a raiz da fama como reconhecimento. Axl
Rose, por exemplo, é famoso “porque ele é cantor de uma banda muito famosa”;
Mark Hoppus “porque ele tem uma banda famosa, o Blink-182”. Também foram
citados, sem explicação do motivo da fama, Beto Carrero (“porque seu cavalo é o
Faísca”) e Thilary Duff. Um dos alunos, apesar de a pergunta pedir, com clareza,
que se citassem duas pessoas famosas, mencionou Homer Simpson, personagem
do desenho animado Os Simpsons. Outro aluno citou a si próprio como famoso,
explicando que é famoso “porque ele é legal” – uma atitude voltada para chamar a
atenção sobre si próprio, que esse aluno repetiu em outras oportunidades no
decorrer da pesquisa.
modelo Gisele Bünchen, e nesse caso não é o trabalho dela que explica a
fama: para os alunos, a fama da modelo se explica “pela beleza e etc.; “Porque
ela tem carisma”.
A fama, para os alunos pesquisados, advém da exposição à mídia de massa,
especialmente a televisão. Além disso, as referências dos alunos ficaram restritas
ao tempo atual. Nenhum aluno lembrou-se de citar pessoas famosas do passado,
num tempo anterior aos meios de comunicação de massa, como Einstein ou Jesus
Cristo. Também não se afastaram do mundo do entretenimento, esquecendo-se,
por exemplo, de citar políticos, que contam com bastante publicidade – nem
mesmo o presidente da República ou figuras religiosas, como o papa. Esse fato
pode ser indicativo de que a tevê é a maior referência informativa para os alunos.
Houve, no entanto, afirmações mais críticas, como o citado caso do aluno
que mencionou Juliana Paes como pessoa famosa mas explicou que a fama se
deve à aparência, e não ao talento.
72
3.3.2. Leitura, cinema, teatro
Para conhecer melhor o conjunto das referências culturais dos alunos,
perguntou-se sobre suas atividades de leitura, cinema e teatro. Praticamente
todos os jovens pesquisados afirmam ter lido a obra solicitada no trimestre pela
professora de Língua Portuguesa e Literatura. Dos 21 alunos, 6 afirmam ter lido
também outras obras. Foram citados os livros: Harry Potter, de J. K. Rowling,
volume 4; Anjos e demônios, de Dan Brown; O código Da Vinci, de Dan Brown; O
Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien; As bruxas, de Roald Dahl; e Contágio
criminoso, de Patricia D. Cornwell.
O cinema é uma atividade bastante citada. Solicitou-se que, à pergunta “Vo
costuma ir ao cinema?”, os alunos dessem respostas que não se limitassem a sim
ou o, mas explicassem a freqüência. Dos 21 alunos, 16 afirmaram que
costumam ir ao cinema “freqüentemente”, “todo final de semana”, “muitas vezes”,
muito); 4 vão “às vezes”. Entre os filmes a que os alunos assistiram no cinema e
do qual gostaram, foram citados: A Era do Gelo, A Era do Gelo 2, Harry Potter,
Helloboy, Narnia, Pecado original, Código Da Vinci, Amigo oculto, Todo mundo em
pânico 4, Menina dos olhos, Rockstar, A profecia, O Todo-Poderoso, As loucas
aventuras de Dick Jane, Scary Movie 4, Efeito borboleta, Missão impossível 3.
Nessa listagem, predominam filmes de ação, mistério e suspense, assim
como na relação de livros que os alunos leram por escolha própria.
59
Esse é um
dado que pode nos ajudar a compreender as expectativas dos jovens pesquisados
quanto à televisão, quando afirmam que costumam usar o computador nos
momentos em que a programação de te está muito “parada”. Retome-se a
listagem dos programas indicados como preferidos e se verá que predominam
programas de ação, em que há riscos, disputas, desafios, conflitos.
O teatro é uma atividade menos freqüentada. À pergunta “Você costuma ir ao
teatro?”, as respostas foram: “não”, “raramente” (6 alunos), “às vezes” (6), nunca
59
Aliás, a maioria dos livros citados já foi utilizada como roteiro de cinema.
73
fui” (4), “uma vez por semana”, “não, porém gosto”, “só quando criança”, “fui
somente duas vezes”.
Pediu-se que os alunos citassem uma peça a que tenham assistido e de que
tenham gostado. Respostas: O fantasma da ópera (citada 6 vezes), A Bela e a
Fera (3), O Mágico de Oz (2), O Quebra-Nozes [na verdade, um balé, citado 2
vezes], Uma mulher para dois maridos, O gato Malhado e a andorinha Sinhá,
Tangos e tragédias, Os saltimbancos e Chicago.
Pelas respostas, pode-se observar que o teatro parece ser uma atividade
realizada em família. Os espetáculos citados atendem ao gosto familiar (grandes
produções musicais, como O fantasma da ópera, A Bela e a Fera, O Mágico de Oz
e Chicago) ou estritamente adulto -- Uma mulher para dois maridos, Tangos e
tragédias. Dois dos espetáculos citados são infantis (O gato Malhado e a
andorinha Sinhá e Os saltimbancos). Aspectos que podem contribuir para o fato
de o teatro não ser uma atividade realizada entre amigos na faixa etária dos
alunos pesquisados: horário dos espetáculos e acesso ao teatro (o transporte é
mais fácil no caso de atividades realizadas em shopping-centers, como os
cinemas).
3.4. A escolha dos programas para análise
A pesquisadora propôs aos alunos da 8
a
série que se escolhessem
programas para serem analisados. Inicialmente, não foi estabelecido nenhum
critério e nenhuma listagem foi apresentada, pois o objetivo era deixar os alunos
livres para expressar sua opinião. O tempo reservado a essa tarefa era pequeno
apenas os minutos finais da aula de Língua Portuguesa e Literatura.
O tempo escolar, como se ressaltou aqui, é fragmentado em diversas
disciplinas, que têm programas a cumprir. A introdução de um projeto de mídia-
educação na grade de horários iria requerer um remanejamento das aulas por
exemplo, com a redução do programa de alguma disciplina, ou substituição de
algumas aulas por mídia-educação, ou a exteno do período de aulas, entre
outras alternativas.
74
Mesmo com a limitação de tempo, foi possível observar que os alunos
interagiram bastante durante as escolhas, opinando e argumentando. Certamente
houve influências mútuas na seleção.
Os 21 alunos que participaram dessa fase da pesquisa sugeriram os
seguintes programas:
1. Gordo Freak Show [programa de auditório conduzido por João Gordo na
MTV]
2. The Osbourne [reality show norte-americano, transmitido pela MTV,
sobre a vida do roqueiro Ozzy]
3. nico na TV [programa humorístico da Rede TV!]
4. Alf, o ETeimoso [seriado norte-americano sobre um ser extraterrestre que
mora com uma família de terráqueos]
5. Os Simpsons [desenho animado norte-americano sobre a família
Simpson]
6. Chaves [seriado mexicano humorístico]
7. American Chopper [reality show norte-americano sobre um grupo de
pessoas que constróem motos especiais]
Algumas sugestões dos alunos foram descartadas, por motivos diversos: a
série Lost, por exemplo, narra uma história em episódios que já eso bem
avançados. Como nem todos os alunos acompanharam a série desde o início, a
compreensão da história ficaria prejudicada.
Vários dos sete programas sugeridos se enquadravam na mesma categoria.
Gordo Freak Show e Pânico na TV têm estilo humorístico, são conduzidos por
apresentadores e estão organizados em vários quadros; os demais programas
trabalham em torno de um tema principal, as relões familiares mesmo
American Chopper, que tem como enfoque principal a construção de uma moto,
gira em torno da convivência e das relações familiares. A pesquisadora propôs
realizar uma votação, em um novo encontro, para escolher dois entre aqueles sete
programas.
Eles foram agrupados em duas categorias:
75
Programas com apresentadores (Gordo Freak Show; Pânico na TV)
Seriados e reality shows (Alf, o ETeimoso; Os Simpsons; Chaves; The
Osbournes; American Chopper).
Na cédula de votação, pedia-se aos alunos que escolhessem um programa
de cada categoria e justificassem sua escolha.
Durante o preenchimento do formulário, novamente os alunos interagiram
bastante e tentavam convencer uns aos outros, argumentando. No caso de Alf, os
defensores diziam que “É muito fofo”. Os defensores de Chaves ressaltavam o
quanto é engrado, assim como os que desejavam analisar Os Simpsons.
Os programas vencedores foram Gordo Freak Show e Os Simpsons.
Os votos totais foram:
Programa Número de
votos
Gordo Freak Show 15
Pânico na TV 6
Alf, o ETeimoso 5
Os Simpsons 8
Chaves 1
Os Osbournes 2
American Chopper 5
As justificativas para a escolha se repetiram bastante. No caso da primeira
categoria (Gordo Freak Show e Pânico na TV), as preferências foram explicadas
quase sempre pelo fato de o programa ser divertido, engraçado, diferente. Em
conversa com a pesquisadora, Pedro afirmou, e vários alunos concordaram, que
gosta de Gordo Freak Show porque é um programa verdadeiro, “não tem
falsidade”, “O programa é uma merda e ele sabe, diz que é uma merda”. as
novelas o falsas”, opinou Pedro. Também houve escolhas por exclusão: alguns
76
não gostam de João Gordo, por isso optaram pelo nico na TV. Na segunda
categoria, pesaram na escolha não o humor, mas também a familiaridade com
o programa e o interesse pelo assunto (no caso de American Chopper, por
exemplo, cujo tema é a montagem de motos).
3.5. Descrição dos episódios selecionados e recepção
Uma das principais etapas da pesquisa com os alunos da 8
a
rie do colégio
Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida consistiu na exibição e análise de
um episódio da série Os Simpsons e de um programa Gordo Freak Show,
conduzido pelo músico João Gordo. A seguir, descrevem-se os programas e cada
episódio selecionado.
3.5.1. Os Simpsons
Inteligente!!” (Cláudio, 15 anos)
É engraçado e faz críticas a várias coisas.” (Marcelo, 14 anos)
“Eu acho mais interessante por causa dos pontos críticos.” (Thiago, 14
anos)
A série Os Simpsons, criada especialmente para tevê em 1985 pelo
cartunista norte-americano Matt Groening, estreou na rede de tevê Fox em 1989.
foram produzidos mais de 300 episódios e a série recebeu 18 prêmios Emmy, o
mais cobiçado da tevê norte-americana.
Em pesquisa realizada em 2004 pela Midiativa, a rie Os Simpsons foi eleita
um dos dez melhores programas de tevê, na opinião de jovens de 12 a 17 anos e
de seus pais. Isso porque atende aos 10 mandamentos da tevê de qualidade”,
definidos pelo mesmo público da pesquisa:
1. Ser atraente
Um programa que fale a linguagem dos jovens, que tenha música, ação,
competições, movimento e humor.
2. Gerar curiosidade
77
Mais do que transmitir informação, um programa de qualidade deve gerar
interesse por outras áreas como esporte, música, cultura... É importante que o
programa desperte a curiosidade e o gosto pelo saber.
3. Confirmar valores
Transmitir conceitos como: família, respeito ao próximo, solidariedade, princípios
éticos.
4. Ter fantasia
Estimular a brincadeira, a fantasia, fazer sonhar.
5. Não ser apelativo
o banalizar a sexualidade e não usar um vocabulário chulo. Mas é também
não explorar a desgraça alheia e o ridículo, o incentivar o consumismo, não
mostrar o consumo de drogas e o comportamento violento como uma coisa
normal.
6. Gerar identificação
Colocar personagens, temas e situações que tenham a ver com essa geração.
Para os pais é importante que seus filhos vejam suas dúvidas, seus confrontos e
anseios sendo discutidos nos programas de televisão, que se identifiquem com
as situações e extraiam daí algum ensinamento.
7. Mostrar a realidade
Para os pais, é importante que o programa não mostre um mundo que não
existe, que não iluda ou falseie a realidade.
8. Despertar o senso crítico
Para os pais o programa de qualidade é aquele que leva o jovem a refletir e
espaço para ele pensar e montar uma visão crítica.
9. Incentivar a auto-estima
Respeitar e valorizar as diferenças, não transmitir o preconceito e a
discriminação através de estereótipos.
10. Preparar para a vida
Abrir os horizontes, mostrar opções de vida que ajudem o jovem a escolher seu
direcionamento.
60
Esses mandamentos, em um trabalho de mídia-educação que venha a ser
implantado na escola, podem ser utilizados para dar início a uma discussão sobre
a qualidade da tevê entre membros da comunidade escolar (educadores, pais e
alunos), e por essa razão foram aqui incluídos.
60
Midiativa, 2004. Disponível em:<www.midiativa.org.br>. Acesso em: abr. 2005.
78
Em 1999, a revista norte-americana Time aclamou Os Simpsons como o
melhor programa de tevê do século XX.
61
A série relata o cotidiano de uma família de personagens amarelos,
moradores da cidade fictícia de Springfield, que vivem histórias engraçadas,
polêmicas, ousadas e, sobretudo, politicamente incorretas. É um programa
subversivo, na medida em que contesta a ideologia dominante e ridiculariza a
sociedade e a cultura ocidentais contemporâneas e a hipocrisia, utilizando para
isso o humor, além de recorrer a paródias, alusões e citações.
A rie é transmitida pela tevê aberta (antes SBT e, atualmente, Globo) e
pela tevê a cabo (Fox), em horários variados (manhã e noite). Tem a duração de
30 minutos.
3.5.1.1. Os personagens
A descrição a seguir fornece alguns parâmetros para a compreensão da
dinâmica da família Simpson, embora a personalidade e o caráter dos
personagens não sejam rígidos, havendo em vários episódios muitas situações
que revelam ambiidades e contradições.
62
61
Dados extraídos da revista Mundo Estranho: Mil e uma Curiosidades, n. 34, dez. 2004, São
Paulo, Abril, p. 30.
62
Informações extraídas de: William I
RWIN
et al. (org.), Os Simpsons e a filosofia. São Paulo:
Madras, 2004.
79
M
ARGE
, mãe de família de
34 anos. Mãe cuidadosa, esposa
dedicada mas não
necessariamente amorosa e
afetuosa, preocupada com o
bem-estar da família. Tem muitas
virtudes, como a coragem de
enfrentar situações difíceis, o
equilíbrio entre as emoções e a
razão, o senso de honestidade e
comedimento nos gastos
financeiros, sem sovinice, e a
generosidade, que se traduz em
serviços voluntários à
comunidade de Springfield.
80
H
OMER
, pai de família de 36 anos.
Trabalha como inspetor de segurança
em uma usina de energia nuclear.
Antiético, desonesto, preguiçoso,
injusto, pouco inteligente, descomedido
no consumo de álcool e de alimentos,
ganancioso, ignorante, irresponsável
no trabalho e no lar. Às vezes, porém,
tem atitudes que surpreendem, como
momentos de carinho com a mulher e
os filhos, eventuais atos de coragem e
franqueza quanto a seu modo de ser.
L
ISA
, filha, 8 anos. O pilar
moral da família. Talentosa, tem
uma inteligência superior à que
corresponderia a sua idade, é
estudiosa, esperta e
responsável. Tem sempre uma
visão honesta e racional das
situações. Mas sua sabedoria às
vezes é utilizada de modo
inconveniente, sendo motivo de
zombaria.
81
B
ART
, filho, 10 anos.
Rebelde, desafia a autoridade
em casa, na escola e na
comunidade em geral; mente,
engana, trapaceia, destrói bens
públicos, rejeita as leis da
convivência social.
M
AGGIE
, filha, 1 ano. Não
larga sua chupeta e não fala,
mas em alguns episódios tem
atitudes intrigantesem um
deles, por exemplo, atirou no sr.
Burns, fundador da usina nuclear
e o homem mais poderoso da
cidade.
No episódio selecionado, está presente também o sr. Burns, chefe de Homer
Simpson na usina de energia nuclear. Poderoso e rico, é o paradigma do
capitalista mau, cruel e ganancioso. Vive cercado de empregados e bajuladores,
mas é solitário.
3.5.1.2. O episódio analisado
O episódio proposto pela pesquisadora, “Problemas em casa”, é descrito
deste modo no folheto que acompanha o DVD:
82
Cercado por um verdadeiro inferno, Homer encara uma terrível verdade: os
Simpsons são a pior família da cidade!!! Uma visão chocante do estranho
universo da terapia familiar.
63
A escolha guiou-se principalmente pelo tema, a família, que propiciaria uma
discussão mais centrada no universo dos jovens. No entanto, a análise de
qualquer outro episódio teria sido igualmente proveitosa, uma vez que os
elementos essenciais da série, conforme descrito no item anterior, estão presentes
em todos os episódios.
Em “Problemas em casa”, Homer compara sua família com outras e percebe
que desarmonia e falta de amor. Decide, então buscar ajuda profissional e
procura um terapeuta familiar.
A primeira cena do episódio dá o tom: os irmãos Bart e Lisa estão brigando, e
Homer se aproxima para tentar apaziguar. Lisa então explica: “Estamos brigando
para ver quem ama mais você”. Homer fica satisfeito. A briga continua:
-- É você que ama mais!
-- Não, é você!
A família se dirige à mansão do sr. Burns, patrão de Homer na usina de
energia atômica, que fará seu piquenique anual para os funcionários. No caminho,
Homer as instruções, aos filhos que demonstrem amor e respeito, pois todos
pensam que eles são “uma família normal.
Diante do pedido de “amor e respeito”, os filhos reagem:
-- Escolha difícil – diz Lisa.
-- Eu fico com o respeito – afirma Bart.
As atitudes do sr. Burns demonstram sua total indiferença pelos convidados:
não conhece ninguém pelo nome (seu secretário, Smithers, tem fichas com nomes
e fotos, que o patrão consulta quando precisa se dirigir a alguém); em
63
Os Simpsons, 1
a
temporada, Twentieth Century Fox Film Corporation. Episódio levado ao ar em
28 de janeiro de 1990.
83
determinado momento, decreta o fim do piquenique, pedindo que todos se retirem
imediatamente, pois dentro de dez minutos soltará os cães.
Os convidados, por sua vez, bajulam o patrão: todos levam gelatinas, pois
alguém disse que eram sua sobremesa predileta; o patrão erra o nome de Bart, e
Homer não deixa que o filho corrija o patrão – ele próprio chama o filho pelo nome
errado, para que o sr. Burns não perceba seu erro; na corrida de sacos, todos
deixam que o patrão saia na frente, para que ganhe a prova.
A família Simpson, no entanto, não se comporta conforme o padrão: Marge
se embriaga e induz as outras mães a fazer o mesmo; Lisa e Bart correm pelos
jardins e se banham na fonte; Bart tenta ultrapassar o sr. Burns na corrida de
sacos.
Na saída, tentando causar boa impressão ao chefe, Homer pede um beijo a
Bart, que responde: “Mas eu sou seu filho!. Homer então lhe oferece dinheiro, e
só assim Bart o beija.
Homer acredita que tudo aquilo é uma farsa, que todas as famílias estão
apenas representando, fingindo ser normais” para bajular o patrão. No entanto,
percebe que uma das falias realmente lhe parece harmoniosa, feliz, perfeita
mesmo ao sair da mansão, quando já o precisaria fingir ao sr. Burns –, e isso
desencadeia uma crise.
Ao chegar em casa, vê os membros de sua família jantando no sofá e no
chão na sala pratos congelados --, enquanto assistem tevê. Decide tomar uma
atitude: Vamos comer na mesa da sala de jantar como uma família normal”. Faz
uma oração, perguntando a Deus por que lhe impingiu uma família como essa. A
família então discute o problema:
-- Às vezes eu acho que somos a pior família da cidade – diz Homer.
-- Vamos mudar para uma cidade maior, então – responde Marge.
Lisa intervém:
-- A triste verdade é que todas as famílias são como nós.
84
Homer então leva a família para espiar pela janela dos vizinhos e mostrar-lhe
o que são famílias normais. em pessoas jantando calmamente, e se
impressionam com a harmonia.
-- Vejam – diz Homer --, sem brigas, sem gritarias.
-- O pai está vestindo camisa! – exclama Lisa.
-- Olha! Guardanapos! – diz Marge.
-- Esse pessoal é evidentemente anormal – afirma Bart.
Homer fica deprimido e vai ao bar tomar cerveja. Um freguês fala mal de
seus filhos, dizendo que eles são a causa de seu desgosto, e Homer parte para
cima do freguês, defendendo a família. No bar, a tevê está transmitindo uma
partida de boxe, que é interrompida para o anúncio do patrocinador: Centro de
Terapia Familiar do Dr. Monroe.
A propaganda promete solucionar problemas familiares, e Homer se
entusiasma:
-- Quando vou aprender? A solução para os problemas da vida não esno
fundo de uma garrafa. Está na televisão!
Em casa, informa à família que todos irão ao terapeuta familiar. Lisa protesta:
Vovai nos mandar a um médico que anuncia durante um programa de luta
livre?”. Mas Homer está decidido: “Eu dediquei a esse assunto muito estudo, e de
todos os comerciais que eu assisti, esse foi o melhor”.
Para conseguir os US$ 250 necessários ao tratamento, resolve utilizar o
dinheiro que essendo economizado para os estudos universitários dos filhos:
Para que guardar o dinheiro, pensando na remota possibilidade de nossos filhos
serem alguém na vida?”.
O dinheiro, no entanto, é insuficiente, e Homer tem uma idéia: Para salvar
esta família, nós teremos que fazer o supremo sacricio” e penhora a tevê, sob
protestos de todos. (“Qualquer coisa menos isso”, diz Bart; “Querido, não
poderíamos penhorar o meu anel de noivado?”, sugere Marge.)
85
No consultório, o dr. Marvin Monroe pede a todos que desenhem seus
temores, ansiedades e as raízes de sua infelicidade”. Marge, Bart e Lisa
desenham Homer – que desenha um avião. O médico, então, afirma que Homer é
o problema da família, que o considera um “ogro”. Em seguida, distribui “porretes
da terapia da agressividade”, forrados com espuma de borracha, para que a
família descarregue as emoções, e todos começam a se agredir. Em seguida, diz
que precisará adotar métodos “um pouco menos ortodoxos” – ao que Homer
pergunta: “Orto o quê?”.
O tratamento consiste em cadeiras dotadas de botões que, ao ser acionados,
permitem que um membro da família aplique choques no outro. Essa é a “terapia
da aversão”, explica o médico, e com ela as pessoas aprenderão a o magoar
umas às outras. No entanto, o que acontece é que a família começa a brigar e a
aplicar choques uns nos outros sem parar, causando uma pane na rede elétrica do
prédio.
A secretária do médico avisa que todos os pacientes estão fugindo do prédio,
e o dr. Monroe resolve mandar os Simpsons embora e encerrar o tratamento. Mas
Homer adverte: “O comercial dizia ‘Harmonia familiar ou o dobro do seu dinheiro
de volta’”. O médico lhes US$ 500,00, e eles saem felizes. Os filhos
cumprimentam o pai: “Você conseguiu, pai”.
Em clima de final feliz, Homer anuncia que, com o dinheiro, vai comprar uma
tevê nova, de 21 polegadas, “e um carrinho para levá-la para a sala de jantar nos
dias de festa”. Marge beija o marido e declara: “Homer, nós te amamos”. E a
família caminha abraçada, feliz, harmoniosa.
3.5.1.3. A recepção de Os Simpsons
Essa primeira etapa da experiência de mídia-educação enfocou
especificamente a compreensão da narrativa ou, nos termos de Joshua
Meyrwitz, a alfabetização no conteúdo: capacidade de acessar, decodificar e
analisar a mensagem; ou ainda, como em Barbero, leitura, atividade por meio da
qual os significados são organizados num sentido”.
86
Nesse aspecto, pode-se afirmar que, em geral, os alunos compreenderam a
narrativa, o papel de cada personagem e a mensagem principal.
Em seu conjunto, as observações feitas permitiram-nos conhecer algumas
das mediações que atuam na recepção televisiva, além de saber um pouco mais
sobre as estratégias de recepção adotadas pelo grupo.
A exibição do episódio “Problemas em casa” foi programada para o dia 19 de
junho de 2006, às 10 horas da manhã. A coordenação do colégio deixou a sala de
multimídia à disposição para a pesquisa. A sala tem as dimensões de uma sala de
aula, com cortinas escuras, carteiras dispostas em círculo, telão e aparelhos de
videocassete e DVD. Um auxiliar técnico da escola, é responsável pela sala: fica
com as chaves e os controles remotos, orienta sobre o funcionamento dos
equipamentos e presta auxílio em caso de necessidade.
Acreditamos que essa estrutura tem grande importância para a realizão de
experiências de recepção de produtos audiovisuais. As cortinas escuras, o telão,
as carteiras e os aparelhos dispostos de forma adequada favorecem a
concentração dos alunos, eliminam a necessidade de remanejamento da sala de
aula e do deslocamento de aparelhos, o que causa dispersão e perda de tempo.
Apesar de 16 alunos terem afirmado previamente que poderiam estar no
colégio no dia e hora propostos para a atividade, apenas 6 alunos compareceram:
Luísa, Raquel, André, Lucas, Antônio e Allan.
O fato de o grupo ser pequeno, embora não programado, acabou se
mostrando proveitoso, pois permitiu maior interão entre os alunos e a
pesquisadora. Essa situação, fruto do imprevisto, suscitou a idéia de que, em
oficinas de mídia-educação, seria muito interessante alternar momentos de
trabalho com a turma inteira e momentos em que a classe é dividida em grupos.
Com se verá na análise a seguir, a dinâmica da recepção e dos debates é muito
diferente nos dois casos. Isso nos remete a uma das múltiplas mediões
propostas por Guillermo Orozco, a mediação institucional. A influência dos colegas
é bastante intensa, e a “contaminação” de idéias é mais dinâmica em grupos
grandes. No grupo menor, como ficará claro a seguir, as mediações individuais
87
estão mais presentes – os alunos se sentem mais à vontade para falar de sua vida
pessoal e de seu modo particular de ver a situação representada no programa,
bem como para comparar sua vida com aquilo que essendo mostrado no vídeo.
A professora de Língua Portuguesa e Literatura não participou dessa
exibição de vídeo. Sua atuação, porém, foi importante na organização de todos os
encontros. Nas sessões de vídeo, reservou a sala de multimídia (ou ajudou a
providenciar e manusear os equipamentos, quando as sessões foram feitas na
própria sala de aula); conversou com os alunos nos dias anteriores à exibição,
lembrando-lhes do compromisso; ajudou na aplicação dos questionários sobre a
vida familiar, econômica e cultural e nas entrevistas coletivas; ajudou a organizar o
tempo da pesquisa em função da duração da aula, destinando o tempo mais
adequado a cada tipo de atividade (atividades orais, por exemplo, foram
privilegiadas). Além disso, a professora ajudou a organizar a formação de grupos
para as atividades feitas coletivamente e incentivou os alunos a participar e opinar
tendo algumas vezes chamado a atenção de modo mais gido, em momentos
de agitação dos alunos.
Numa situação de mídia-educação como um projeto regular instituído na
escola, acreditamos que o papel que nesta pesquisa foi exercido pela
pesquisadora e o que foi realizado pela professora poderiam estar a cargo de uma
única pessoa, o educomunicador. Para isso, no entanto, seria necessário refletir
sobre a formação específica dos professores, como se discutiu no capítulo 1.
Durante a exibição do episódio de Os Simpsons, os alunos se mostraram
interessados, atentos, e se divertiram bastante. Já a abertura da série chamou a
atenção, com cenas que mostram cada membro da família encerrando uma
atividade e indo para casa, onde todos acabam por se encontrar no sofá, em
frente à tevê: Marge no supermercado com Maggie (onde parece ter perdido a
filha, que reaparece de dentro de um saco de supermercado, no meio das
compras de Marge); Homer saindo do trabalho (e levando uma peça radioativa da
usina, que ele acaba perdendo pelo caminho); Bart voltando da escola de skate e
derrubando um ponto de ônibus, razão pela qual o ônibus passa direto e deixa os
88
passageiros; Lisa na aula de música, onde toca saxofone com muito talento e
destoa do restante da turma, que toca de modo sofrível, e por isso é expulsa da
sala.
A situação em que o vídeo foi exibido – o grupo pequeno, o ambiente
diferente da sala de aula e a ausência da professora facilitou a interação entre
os alunos e entre eles e a pesquisadora. Em comparação com exibições de vídeo
posteriores, feitas em circunstâncias diferentes, pode-se concluir que houve mais
oportunidade de trocar idéias sobre o programa a que haviam acabado de assistir,
e os alunos se mostraram mais dispostos a falar de si mesmos. Compararam a
situação da família Simpsons com sua própria situação familiar. Luísa disse que
toda família real é como a dos Simpsons: todas têm brigas. Afirmou que sua
família é bem parecida, pois muitas brigas entre os irmãos. A mesma opinião
tem André, para quem não existem “famílias normais” como as que são mostradas
no episódio (aquela que Homer conhece na saída do piquenique e a que espiona
pela janela). Raquel contou que se muito bem com a irmã mais velha, que a
convida sempre para sair. Às vezes brigam, e uma das duas sai batendo a porta
com raiva; mas logo depois uma chama a outra para fazer as pazes.
Esses relatos foram particularizando um pouco o grupo de alunos, deixando
emergir as situações pessoais de cada receptor, que o distinguem do restante da
classe. Como já se afirmou no capítulo 1 desta dissertação, apesar de haver
certas características comuns entre determinado grupo de receptores, isso não os
torna um bloco monolítico, sobre o qual a mídia provocaria os mesmos efeitos. A
história de vida, neste caso, teve uma influência marcante na análise do programa:
o aluno que costuma brigar com os irmãos considera os Simpsons uma família
normal”.
Para criar oportunidades de trocar idéias e também para facilitar o
preenchimento do questionário relativo ao episódio, a pesquisadora dividiu a
exibição em duas partes. Primeiro foi exibida a parte do piquenique na casa do sr.
Burns. Seguiu-se uma conversa sobre esse trecho, para verificar as impressões
dos alunos e a compreensão da narrativa. Depois, os alunos responderam às
89
duas perguntas iniciais do questionário, que dizem respeito aos personagens e
suas características principais e à possível identificação dos alunos com algum
desses personagens. Pretendeu-se, com isso, analisar o nível de envolvimento
afetivo e emocional dos alunos com os personagens, percebendo de que modo os
vêem e se se projetam neles.
Em seguida, foi exibido o restante do episódio, desde o momento em que
Homer se conta de que sua família o é igual às outras. Novamente, seguiu-
se uma conversa sobre o epidio agora desde as cenas iniciais --, e os alunos
responderam às perguntas de 5 a 10, algumas das quais envolvem descrição e
outras, análise, síntese e comparação com a realidade.
Na conversa, os alunos demonstraram ter compreendido os fatos principais
da narrativa, embora tenham mostrado desconhecer alguns detalhes: por
exemplo, afirmaram que, para conseguir o dinheiro para a terapia familiar, Homer
vendeu a televisão, quando na verdade ele a penhorou o que fica bem claro
nos diálogos e na placa da casa de penhores. Quando questionados sobre isso
(“Ele de fato vendeu a tevê? E a placa da loja? O que dizia?”), os alunos
reconheceram não saber o que significa penhorar”. Assim, a estratégia adotada
por todo o grupo para construir o sentido foi substituir a penhora por uma venda. A
compreensão da narrativa, desse modo, não ficou nem um pouco prejudicada.
Essa é, aliás uma característica de Os Simpsons: públicos diferentes m
diferentes modos de compreender certos detalhes da narrativa. Há na série muitas
alusões e citações que só costumam ser compreendidas por parte de seu público
os mais velhos, ou mais bem-informados, ou mais engajados na política. No
entanto, essas referências são introduzidas de tal modo que aqueles que as
compreendem desfrutam de um prazer maior, mas os demais não se sentem
excluídos, porque o humor e a ironia com que essas cenas são produzidas bastam
para proporcionar diversão. No episódio “Problemas em casa”, por exemplo,
escapa aos alunos a ironia que há no fato de que o dr. Marvin Monroe anuncia nos
intervalos de uma luta de boxe um tratamento contra a violência e a desarmonia
familiar. Além disso, a crítica ao charlatanismo do dr. Marvin Monroe, com suas
90
terapias alternativas”, se torna mais saborosa para quem acompanha o
abundante surgimento, no mundo da o-ficção, de “fórmulas mágicaspara a
busca da felicidade.
Também a crítica à violência e às falsas aparências o foi percebida, no
caso de uma das famílias que os Simpsons espionam para verificar o modelo de
felicidade: pela janela, os Simpsons vêem que o avô conversa com o neto e
imaginam que pede a ele que buscar o cachimbo; na verdade, o a está
pedindo ao neto que vá pegar a arma, e então sai de casa e atira nos Simpsons.
Por fim, os jovens que participaram da pesquisa também não perceberam
toda a crítica à própria televisão em seus vários aspectos crítica feita em um
seriado produzido para a televisão! No episódio, a tevê ocupa um papel central:
a) Na casa do sr. Burns, quando Marge e as outras mães decidem tomar um
ponche, deixam as crianças em uma sala com brinquedos. Uma das mães
pergunta: “Será que eles vão ficar bem?”. Marge então liga a tevê, e todas
as crianças param de brincar e ficam imóveis, hipnotizadas pela tevê. As
mães respiram aliviadas e saem com ar tranqüilo. Essa cena pode ser
interpretada como uma crítica ao poder hipnótico e imobilizante da
televisão.
b) Homer chega em casa e vê a família jantando enquanto assiste tevê. É
nesse momento que se conta de que algo está errado em sua casa. A
televisão, nesse caso, é apresentada como o motivo da falta de diálogo e
de interão familiar.
c) Ao voltar do bar, Homer encontra a família se divertindo com um desenho
animado violento (“Comichão e Coçadinha”), o que sugere uma crítica à
banalização da violência causada pela superexposição desse tipo de
situação na tevê.
d) É pela televisão que Homer conhece o terapeuta familiar, dr. Marvin
Monroe, o que mostra o poder poder da tevê para transformar tudo em
produtos rentáveis, voltados para o lucro.
91
e) Homer decide penhorar a tevê o “supremo sacrifício”-- para pagar a
terapia familiar, e isso pode indicar a necessidade de se afastar um pouco
da influência massificadora da mídia para que o núcleo familiar encontre
seus próprios caminhos de diálogo.
f) No final da história, Homer age como um “bom pai” e, em sinal de harmonia
familiar, entendimento e benevolência, resolve comprar uma tevê nova,
maior e com carrinho para que possa ser levada à sala de jantar, o que
pode significar uma crítica ao conformismo e à passividade induzidas pela
televisão. Afinal de contas, tudo voltou a ser como era antes na família
Simpson.
Essas são dimensões que os alunos não chegaram a compreender, e nem
pareceram significativas para eles, quando a pesquisadora os provocou a pensar
a respeito delas. Para os jovens, o que pareceu mais interessante e envolvente foi
a cena de humor em si, independentemente de seu significado mais crítico ou
simbólico embora os próprios alunos tenham ressaltado como uma das
qualidades da série o fato de ser ctica.
Numa segunda sessão de vídeo, durante o horário da aula de Língua
Portuguesa e Literatura, à tarde, a experiência foi um pouco diferente. O mesmo
deo foi exibido novamente, agora para 21 alunos (os mesmos seis que haviam
assistido ao episódio no período da man, mais 15 outros alunos da turma). O
objetivo da pesquisadora era fazer uma comparação entre as duas situações de
recepção, ambas no ambiente escolar – uma fora do horário de aula, em um grupo
de poucos alunos, numa sala especialmente projetada para esse tipo de atividade
e sem a presença da professora; outra com a professora de Língua Portuguesa e
Literatura, no meio da grade regular de aula e com um grupo maior. Optou-se pela
exibição parcial do episódio (piquenique na mansão do sr. Burns), em
consideração aos alunos que haviam comparecido no período da man e
assistido ao mesmo episódio.
92
Depois de uma troca de idéias sobre o trecho, pediu-se aos alunos que
respondessem às mesmas duas perguntas iniciais a que o grupo da manhã havia
respondido.
As manifestações de riso dos alunos diante de cenas engraçadas do episódio
foram agora muito mais exacerbadas. Os mesmos alunos que no período da
manhã haviam tido reações um tanto moderadas, agora reagiam com muito mais
ênfase diante das mesmas cenas. A presença do grupo, obviamente, estimula
esse tipo de atitude exaltada.
O tamanho do grupo dificultou o debate sobre o trecho visto. o porque os
alunos estivessem fazendo algum tipo de atividade paralela, ou desatentos. Muito
pelo contrário: todos queriam falar ao mesmo tempo, e houve certa dificuldade em
encontrar um meio-termo entre a extrema disciplina e a total liberdade para
expressar-se.
No debate e no preenchimento dos questionários, os alunos, tanto no caso
da turma de 6 alunos quanto na de 21, demonstraram ter compreendido o papel
do sr. Burns (chefe) e dos convidados de seu piquenique (empregados puxa-
sacos). Demonstraram boa atenção e compreeno da narrativa --- portanto, no
nível da alfabetização de conteúdo, segundo a classificação de Meyrowitz.
A seguir, as respostas ao questionário são comentadas.
1.
D
ESCREVA OS PERSONAGENS DE
O
S
S
IMPSONS
:
Os alunos foram orientados a mencionar as características físicas e o modo
de ser de cada personagem.
A
)
H
OMER
Na descrição que fizeram os alunos demonstraram ter captado parte das
deficiências do personagem vagabundo”, “folgado”, odeia trabalhar”,
retardado”, “não tem modos”, “está de ressaca todo o tempo”, “es sempre
93
tomando cerveja”, “é muito atrapalhado”, “bobo, burro, folgado”, “lesado, burro,
bêbado”, cabeça-dura”. Quanto à aparência física, amarelo”, “gordo, feio”. Não
julgam suas ões do ponto de vista da moral, da ética ou da dignidade. No
episódio analisado, Homer age como um bajulador em relação ao sr. Burns; fica
contra o filho, quando o patrão erra seu nome e Bart faz menção de corrigir o
chefe; gasta com o terapeuta as economias que a família esreunindo para os
estudos dos filhos no futuro. Mas nada disso parece importar para os alunos do
grupo de pesquisa, que lhe atribuem em geral defeitos desculpáveis, até
aceitáveis. O que sobressai no comportamento de Homer, para os alunos que
participaram da pesquisa, é seu desejo de orientar a família para uma relação
harmônica.
Os jovens perceberam as ambigüidades e subjetividades do personagem,
algo que se apreende do conjunto de suas ões nos vários episódios da série,
e não apenas no que foi exibido pela pesquisadora -- e também daquilo que não
está explicitado. Nas conversas e nos questionários, falaram das intenções do
personagem, de sua frustração, de sua vontade de ser melhor. Aparece, nesse
caso, certa condescendência em relação a Homer.
Os alunos afirmaram, por exemplo, que ele é “divertido”, “tenta ser rígido,
mas sempre é um bobão”, “é um pai de família”, quer fazer uma boa impressão
ao seu chefe e aos seus filhos, mas não consegue, “é um homem trabalhador, um
pouco burro e um pai de família”, “quer ser educado mas não consegue”.
Três alunos afirmaram se identificar com Homer por motivos semelhantes:
porque sou folgado e atrapalhado”, porque o Homer é lesado e eu sou que nem
ele, burra e lesada! Hauhau”, “sou muito atrapalhado, assim como Homer”.
b) M
ARGE
A imagem positiva da esposa se confirma nas respostas dos alunos:
preocupada com a Maggie”, “está sempre sendo prestativa e ajudando seus
filhos”, “tenta consertar sua família”, faz o papel de mãe que cuida da casa”,
tenta corrigir os erros de Homer e seus filhos”, “tenta sempre satisfazer sua
94
família”, “gosta da família”, “a mais normal da família”, “quer o bem para a família”,
boa mãe; está sempre querendo resolver os problemas dos outros”, esperta”, é
uma mãe boa, atenciosa com os filhos”, “dedicada, carinhosa”, “é estranha com
seu cabelo, mas é muito legal com seus filhos”. Um dos alunos, no entanto, a acha
chata”. De sua aparência física, destacaram: “cabelo grande, magra”, “é estranha
com seu cabelo”.
Os alunos demonstram perceber o papel de Marge como contraponto aos
desvios de Homer, embora não expressem a idéia desse modo. Mas esse não
deixa de ser um papel secundário, no entender dos alunos, que atribuem a Homer,
e não a ela, a qualidade de engraçado. É da atuação de Homer que os jovens
deram risada; foi ele que despertou mais atenção e interesse durante a exibição
do episódio excluindo-se, obviamente, Bart, que, como se verá a seguir, é o
personagem que tem uma significão maior para os alunos.
Uma das alunas afirmou que se identifica com Marge, “porque sou
atenciosa”. No entanto, fez uma ressalva: “ao mesmo tempo sou lesada e o
gosto muito de estudar”.
c) B
ART
Dos 21 alunos que participaram dessa etapa da pesquisa, 7 declararam que
se identificam com Bart Simpson. Os motivos alegados são muito semelhantes:
ele adora fazer zoeira”, é “arteiro, “ele faz muitas brincadeiras e se mal no
final”, é um menino meio louco e não vai muito bem na escola”. Uma aluna disse
que se identifica com o garoto Bart: “pelo fato dele ser rebelde e ir mal na escola”.
Outros alunos o descrevem assim: é o mais sapeca da família e gosta de
aventuras, “demoníaco, odeia a irmã e adora brigar e fazer zoeira”, “um garoto
travesso; se envolve em todo tipo de encrenca”, “um menino do mal, enche todo
mundo e sua irmã, “anda de skate e é chato”, “es sempre em uma confusão”,
apronta”, “bagunceiro, esperto em relação aos pais”, “pentelho”, “folgado,
malandro”,é um menino que sempre faz as coisas sem pensar”, “brincalhão,
brinca com tudo e com todos”, “mal-educado e maluco”, “briga com sua irmã Lisa”.
95
É bem possível que mesmo os que declararam não se identificar com Bart se
projetem nele. Daí o grande envolvimento que têm com suas aventuras e “artes”.
Também nesse caso, não julgamento, como se esse comportamento
demoníaco” fosse o esperado para sua idade.
Não houve registro de suas características físicas nas respostas dos alunos,
nem das de Lisa, Maggie e do sr. Burns.
d) L
ISA
Duas alunas disseram que se identificam com Lisa. Uma delas não justificou
a escolha, e a outra explicou: “eu fico sempre brigando com meu irmão”.
Estranhamente, nenhuma das duas afirmou que se identifica com Lisa por suas
características principais: inteligência, ética e bom caráter. Seria por receio de se
distinguir do grupo escolar e ser estigmatizadas como estudiosas, “nerds”? Afinal,
na adolescência a aceitão do grupo implica identificação, e o “nerdem geral é
discriminado.
Não há discordância no grupo de alunos quanto a Lisa: “é uma menina
boazinha que quer tudo certinho, inteligente em relação à escola e educada”,
menina boa, estudiosa, toca instrumento, e ela é cabeça”, “boa menina e
intelectual”, “carinhosa e meiga, sempre tem que estar certa”, “é a mais educada”,
a inteligente e santa”, “é na verdade o oposto de Bart”, uma menina certinha”,
boazinha, estudiosa, toca instrumento”, “esperta”. Tão perfeita que nenhum dos
alunos afirma que gostaria de ser como ela. E o se esquecem de mencionar
seus defeitos: “briga com o irmão”, “briga por tudo”, “odeia o irmão”, “a mais
inteligente da família, mas um pouco bagunçada”.
e) M
AGGIE
Pouco que dizer de Maggie, que em geral aparece apenas chupando sua
chupeta com um ruído característico, junto da mãe. No episódio Problemas em
casa não é diferente. Por isso, os alunos do grupo limitam-se a identificar o papel
96
secundário de Maggie: “brincalhona”, “está sempre de chupeta e nunca faz nada”,
é um bebê, não aparece muito”, “fica chupando chupeta”, “não tem muita
participação, mas é uma bebê meiga”, gosta de dirigir” [na abertura da série,
aparece brincando de dirigir o carro da mãe], “bebê quieto”, “está sempre calada”.
Para alguns alunos, o silêncio e a falta aparente de ação não significam
indiferença: “só percebe as coisas em seu redor”, “fica observando as coisas que
acontecem”.
f) S
R
.
B
URNS
O grupo de alunos percebe com clareza no sr. Burns o estereótipo do patrão
capitalista ganancioso. A descrição que fazem dele é bem clara, e não deixa
dúvidas de que não condescendência em relação a seu comportamento
maléfico. Ele é julgado e condenado, diferentemente de Homer (distraído e
atrapalhado que no fundo tem bom coração) e Bart (arteiro como todo garoto de
sua idade): “mentiroso e vingativo”, “rico, mal-humorado e bravo”, “rigoroso e trata
mal seus empregados”, “frio, traiçoeiro, só pensa nele, rico, “seco, ele não mostra
carinho”, “traidor e faz planos loucos e rigorosos, “causa problemas”, “rico e
manda em todo mundo, principalmente os empregados da usina”, “falso”, “sujeito
desprezível, usa somente o humor negro”, odeia os outros”, “não tem amor por
nada”, “maligno”, “egocêntrico”, “grosso, menospreza os outros”, “antipático”,
gosta de mandar em seus funcionários”.
Em sua defesa, apenas isto: “grande empresário, milionário e solitário”,
estressado”.
2.
V
OCÊ SE IDENTIFICA COM ALGUM DESSES PERSONAGENS
?
E
XPLIQUE
.
Como já foi exposto anteriormente, 3 alunos afirmaram que se identificam
com Homer, 7 com Bart, 2 com Lisa e 1 com Marge. Os demais disseram que não
se identificam com nenhum deles.
97
3.
Q
UAL O PRINCIPAL ASSUNTO DO EPISÓDIO
?
As questões de 3 a 10, como se explicou anteriormente, foram trabalhadas
apenas com o grupo de 6 alunos que compareceram ao colégio no período da
manhã. As respostas demonstraram boa compreensão da narrativa: “O assunto é
‘sem tevê o há nada’”; “Melhorar a família, funcionar melhor com a família, se
tornar uma família melhor, mais educada, com modos, uma família normal”, “O
principal assunto é o problema familiar”, “Ele quer melhorar a sua família”; “A
família”, “Os problemas em casa”.
4.
E
XPLIQUE COMO É A RELAÇÃO ENTRE O SR
.
B
URNS E OS EMPREGADOS DA USINA
.
Nessa questão, os alunos puderam complementar as idéias expostas na
questão 1, em que fizeram uma descrição do personagem sr. Burns. As respostas
foram: “Ele ‘comanda’ todos eles, pois os funcionários m medo de serem
despedidos; “[relação] de ódio [ilegível] ele não gosta de ninguém [ilegível]; Ele
parece ser legal, mas xinga todos pelas costas, não admite que seus empregados
ganhem [na corrida de sacos]; “Ele comanda todos eles, porém não tem relão
com eles”, Ele praticamente os faz de escravos para os seus planos loucos e
malignos. Ele comandava e todos ‘puxavam seu saco’”; “[ilegível] eleo conhece
ninguém, só por fichas”.
5.
Q
UAL É O PAPEL DA TELEVISÃO NA HISTÓRIA NARRADA NESSE EPISÓDIO
?
Embora os alunos não tenham captado a crítica à tevê que parece estar
presente em todo o episódio, perceberam a importância desse meio de
comunicação na vida da família: “A tevê nesse episódio é essencial, pois eles não
vivem sem ela”; “A televisão ‘ajuda’ eles, e a tevê é muito importante para eles”;
O papel é distrair a família, quando não tiver nada a fazer”; “Vender”. Um dos
alunos parece ter compreendido uma das facetas da crítica à tevê no episódio: “A
tevê está fazendo com que a família não se comunique”.
98
6. C
OMO
H
OMER TENTA RESOLVER OS PROBLEMAS MENCIONADOS NO TÍTULO DO
EPISÓDIO
?
/
7. E
M CERTO MOMENTO
,
H
OMER COMPARA SUA FAMÍLIA COM OUTRAS
.
Q
UE
DIFERENÇAS ELE NOTA
?
O grupo de alunos que participou da pesquisa compreendeu a base do
roteiro: Homer nota que sua família é diferente e procura resolver isso recorrendo
a uma terapia familiar.
8. C
OMO O EPISÓDIO TERMINA
?
uma certa discordância entre os alunos sobre o que se entende por “final
do episódio”. Alguns se limitam a descrever a cena final; outros interpretam essa
cena final; outros ainda vão mais longe, e extraem uma mensagem geral do
episódio a partir da cena final: “Termina com eles indo comprar outra tevê”; Eles
saem curados e vão fazer compras. Uns amando os outros”; “Com a família
unida”; “Termina mostrando que a família consegue superar os problemas e ser
uma família decente”.
9. V
OCÊ ACHA QUE O EPISÓDIO TEM ALGUMA RELAÇÃO COM A VIDA REAL
?
E
XPLIQUE
.
Para os 6 alunos do grupo, o episódio de Os Simpsons trata de questões que
fazem parte da vida real: “Sim, pois há famílias que são assim e podem resolver
os problemas”; “Sim, pois tem muitas famílias que são desse jeito, e quando são
comparadas com outras tentam melhorar”; “Sim, porque algumas famílias são
bagunçadas”’; “Sim, pois tem muitas famílias parecidas”; Sim, pois tem várias
famílias iguais à dos Simpsons, problemáticas”; “Sim, pois muitas famílias vivem
brigando”.
Como se vê, nenhum deles deixa explícita uma identificação entre sua
própria família e a dos Simpsons. Falam de outras famílias, a dos outros, “famílias
que existem no mundo real”. Isso no preenchimento do questionário, porque na
troca de iias feita oralmente mais de um aluno sustentou que sua família é muito
parecida com a dos Simpsons, especialmente quanto a brigas entre os irmãos.
99
10. Q
UAL É A PRINCIPAL MENSAGEM DO EPIDIO
,
NA SUA OPINIÃO
?
A síntese que os jovens participantes da pesquisa fizeram do episódio revela
uma visão extremamente otimista do núcleo familiar. Para eles, a principal
mensagem é “Que a família tem que se amar”; “Qualquer família pode ser feliz
independente de como seja a família”; “Deixar as famílias mais unidas e mais em
bem comum”; “Cada família é como ela é, não remédio, nem cura; devem ser
como são”; A principal mensagem é: ser educado perante a família, gostar um do
outro, ter carinho pela família e ter uma relação saudável”; “Temos que gostar uns
dos outros, ter respeito, ser educado, amar, etc.”.
Os alunos interpretaram o episódio atribuindo-lhe uma mensagem que
contraria tudo o que tem predominado nessa irreverente série animada de tevê.
Para eles, prevaleceu uma “lição de moral”. O contra-exemplo funcionou como
contraste para que se extraísse de seu oposto a mensagem de amor e harmonia.
Isso leva a crer que Bart e Homer não são maus exemplos para esses jovens:
apesar de seus defeitos, lutam para preservar a família. Tudo o mais se tornou
secundário, e caiu no esquecimento a briga entre os irmãos no início do
episódio para ver “quem ama mais o papai”.
3.5.2. Gordo Freak Show
“O apresentador é bem esculachado, não liga para nada e nem para
ninguém.” (Cláudia, 14 anos)
“É nojento e engraçado. Os caras são masoquistas.” (Pedro, 14 anos)
Eu acho um programa bem diferente e animado.” (Gabriela, 14 anos)
100
João Gordo, apresentador de Gordo Freak Show.
Gordo Freak Show é um programa de auditório conduzido por João Gordo,
um ícone do movimento punk na década de 1970, vocalista da banda Ratos de
Porão, com 14 discos lançados. Até o ano 2000, consumia drogas pesadas e
bebia muito. Teve cinco dentes corroídos pela cocaína. Nesse ano, uma mistura
de heroína com cocaína o levou à UTI de um hospital, com um derrame pleural
(água nos pules), e o susto o fez tomar a decisão de parar com drogas e abuso
de bebidas. Nenhum desses fatos, porém – sua atuação na música ou seu
envolvimento com drogas --, é do conhecimento dos alunos que participaram
desta pesquisa. Para eles, João Gordo é simplesmente um apresentador punk,
cheio de piercings e tatuagens, engraçado, que fala muitos palavrões e diz o que
pensa.
O programa estreou em março de 2005 e é transmitido pela MTV Music
Television, um canal de televisão de origem norte-americana voltado para o
público jovem. Sua programação originalmente consistia apenas em videoclipes,
mas aos poucos foi se diversificando. No entanto, ainda hoje desempenha um
importante papel na divulgação de bandas de rock. Sua grade de programão
tem o perfil da irreverência e da inovação.
O site da MTV na internet descreve deste modo o programa escolhido para
análise no Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida:
João Gordo apresenta o programa mais demente e sem propósito da MTV:
Gordo Freak Show. Coisas nojentas, provas imbecis, reportagens bizarras,
lutas insanas, crueldade e muita zoeira para embrulhar seu esmago.
o gostou? Foda-se! Aqui é o Gordo Freak Show!
A apresentação do site é bem adequada ao estilo do programa. O
apresentador fala muitos palavrões e é sarcástico. O programa prima pela
bizarrice, com gincanas escatológicas como comer prego e vomitar pelo nariz,
grampear o próprio corpo e cena do episódio analisado nesta pesquisa -- deitar-
se numa cama inclinada em que uma bacia de catarro escorre por seu corpo e
rosto.
O programa tem dois quadros principais:
101
Eu Vou te Fuder: conjunto de provas entre dois concorrentes.
Calouro Freak: apresentação e julgamento de calouros que fazem “coisas
estranhas”.
O ganhador leva um troféu. O perdedor pode levar um cuecão”: sua cueca é
puxada e esticada para fora da roupa pela cintura, por trás, por baixo da calça, e
levada até a cabeça. Muitas vezes se rasga.
Nas provas e também nos castigos para os perdedores, são utilizados os
aparelhos de tortura”. No site do programa na internet, eles são assim descritos:
Tortura Medieval: A pessoa fica presa pelos braços e pela cabeça, no melhor
estilo pirata de torturar as vítimas.
Cadeira Elétrica: Alguém do público será descoberto pelo nosso “Localizador de
Folgado” e vai ficar nesta cadeira o programa inteiro tomando choques.
Cama Desgraçada: A vítima deita e entre suas pernas terá um pote que pode
estar cheio de meleca, animais asquerosos e outras bizarrices mais. Conforme o
João Gordo levanta a cama através de um controle remoto, as coisas do pote o
caindo na pessoa.
Há também outros recursos para as competições:
Ringue Nojento: Aqui o bicho pega! Tem a manha de encarar as batalhas mais
ridículas do mundo? Toda a semana o programa terá vários tipos de luta:
barrigada, toalha molhada, cuecão.
Telão Maldito: Você tem que ser ligeiro e ter uma visão aguçada, senão, era!
Toda a semana duas pessoas vão assistir no telão uma matéria. Elas terão que
descobrir algumas coisas que irão passar nessa tela, quem acertar se dá bem e
quem errar, leva uma tortada na cara.
O apresentador conta com dois auxiliares: Trovão e Caveira. Trovão é um
homem barbudo, de bigode e cabelo comprido, musculoso, usando um colete e
com ar ameaçador. Caveira é uma pessoa fantasiada com collant em que uma
caveira desenhada, no corpo e na máscara que cobre seu rosto.
102
A cada noite uma banda de heavy metal é convidada e toca uma sica no
encerramento de cada bloco do programa que antecede os intervalos comerciais.
O programa tem 1 hora de duração e é transmitido aos sábados, às
21h50min; domingos, às 23 horas; e segundas-feiras, à 0h30min. Pelos horários,
se poderia supor que haveria uma restrição da faixa etária do público, pois em
geral o Ministério da Justiça determina que programas não-recomendados a
crianças e adolescentes sejam transmitidos tarde da noite, quase sempre após as
22 horas. No entanto, na abertura de Gordo Freak Show a classificação indicativa
que consta é: “Aconselhável para maiores de 12”.
A classificação indicativa de diversões públicas (cinema, DVD, deos,
programas televisivos e jogos eletrônicos) é atribuição do Ministério da Justiça, por
meio de seu Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação. Um
grupo de analistas, entre os quais também se aceitam voluntários, assiste à obra e
opina sobre a classificação para faixas etárias de 12, 14, 16 e 18 anos e, no
caso de cinema, vídeo e DVD, também 10 anos --, bem como sobre o local e
horário de apresentação.
Desde 14 de julho de 2006, está em vigor a portaria n
o
1.100, estabelecendo
procedimentos novos para essa classificão. Agora, em se tratando de
espetáculos como peças de teatro e filmes de cinema não recomendados para
certa faixa etária, por conter cenas de violência e sexo, não se proíbe mais o
acesso de crianças e adolescentes. Apenas informa-se sobre a inadequação,
atribuindo aos pais a responsabilidade de autorizar ou o o acesso dos filhos
acompanhando-os ou fazendo uma autorização por escrito. Os filmes e vídeos
alugados em locadoras também devem conter a informação sobre adequação a
faixa etária e a justificativa (por exemplo: “Contém cenas de sexo e violência”).
Em geral, os pais dos alunos que participaram da pesquisa não gostam do
programa Gordo Freak Show e procuram restringir o acesso dos filhos. “Minha
mãe odeia; ela diz que é muita baixaria. Por isso, assisto no meu quarto. Se ela
me assistindo, manda mudar de canal”, conta Vinicius. Mas não
propriamente uma proibição.
103
O Manual da nova classificão indicativa, editado pelo Ministério da Justiça,
deixa clara a importância da escola nos debates em torno da adequação dos
programas e espetáculos segundo a faixa eria do público, no item “Parceria com
a Educação:
Políticas Públicas eficientes devem ser integradoras e otimizadoras de recursos
públicos.
Para isso, é fundamental que a discussão em torno da Classificação Indicativa
seja considerada em relação às teticas comunicacionais reguladas por outros
órgãos de Estado, além do Ministério da Justiça. Nesse sentido, as pastas das
Comunicações, da Cultura, da Educação e autarquias como a Anatel são
fundamentais para que haja efetivamente uma maior sinergia na elaboração e
execução das políticas. Em especial, é importante destacar a relação com as
políticas educacionais. Os educadores e, portanto, o sistema de regulação da
Educação, leia-se Ministério da Educação não podem ser deixados de lado
desse processo. Ao contrário, devem ser inseridos e preparados para discutir os
conteúdos audiovisuais nas salas de aula, com a intensa participação dos alunos e
alunas. A Classificação Indicativa, se inserida de forma eficiente nos espaços
educativos, pode contribuir para melhorar e intensificar uma aproximação mais
consistente e perene entre educadores e educandos com os temas da
comunicação. Portanto, em meio aos importantes debates acerca da chamada
“educação para mídia”, é recomendável a intersecção com a discussão traçada
pelo sistema de Classificação Indicativa.
64
3.5.2.1. O programa analisado
Nesta pesquisa, foi analisado o programa transmitido no dia 12 de junho de
2006, uma segunda-feira, à 0h30min. Logo na abertura do programa, uma voz em
off anuncia as atrações da noite (“Escomeçando o programa mais escrachado
da MTV) e a presença da banda O Inimigo. Encerra chamando o apresentador:
E, para apresentar esta merda, ele, João Gordo!”.
O apresentador entra usando óculos escuros e trajando jeans, camiseta e
uma camisa aberta por cima. Diz, mantendo o espírito da voz em off: “A baixaria
está no ar”. Em seguida, mostra os “aparelhos de tortura” e apresenta seus
64
Ministério da Justiça. Manual da nova classificação indicativa. p. 12. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/classificacao/publicacoes>. Acesso em: 12 set. 2006.
104
auxiliares Trovão e Caveira, explicando que se trata de uma palhaçada”,
humilhação pública”, “um programa ridículo.
Na abertura do programa, assim como em todo o seu decorrer, a edição
freqüentemente corta para a platéia, composta de jovens vestidos de preto e com
tatuagens e piercings, fazendo gestos irreverentes, gritando animadamente para
as câmeras.
João Gordo chama os participantes da gincana (que se inscrevem pela
internet): Que entre o primeiro retardado”. Ao ver o primeiro concorrente entrar
dando um salto, comenta: Olha que idiota, meu!”. Chama o próximo: “Que entre o
outro imbecil!”. No decorrer das provas, estimula-os a cumprir cada etapa com
dizeres como: “Vamos lá, seu bunda-mole”; “Frouxo!”.
Bloco 1: Competição de videogame (Prova do Videogame Punk Rock), em
que os participantes, diante de um computador, devem mover a figura de um punk
para que chute o guitarrista de uma banda para fora do palco. Cada concorrente
pode dar 5 chutes. Cada vez que o guitarrista é jogado para fora, o competidor
ganha pontos. No final da prova, a platéia pede o castigo para o perdedor, aos
gritos: “Cuecão, cuecão, cuecão”. É Trovão quem aplica o castigo, puxando a
cueca do rapaz para fora da calça. Depois, como segunda parte do castigo, o
perdedor é levado para a cadeira elétrica, onde fica preso pelos pulsos. A câmera
treme, os cortes de edição são rápidos e Trovão sacode a cabeça do rapaz. Não é
difícil perceber que se trata de uma farsa, pois é a câmera que balança, e não o
rapaz na cadeira elétrica -- que parece se divertir. O Trovão, no papel de
torturador, ri junto com o rapaz, trocando olhares de cumplicidade. A plaia
também delira: os jovens dão risadas e gritos, mostram o dedo dio para as
câmeras e fazem “cara de mau”.
A segunda prova é anunciada como o Tanque da Morte: outros dois
concorrentes entram em um tanque cheio de água até a altura da cintura, “água
fervendo”, segundo anuncia João Gordo, com caranguejos vivos e bolinhas de
gude jogadas no fundo. Aquele que conseguir pegar mais bolinhas de gude vence
a prova. Fica bem claro que a água não está de fato fervendo, porque os
105
concorrentes entram no tanque usando apenas bermuda e não parecem sentir
dor. O apresentador anima a prova: “Vai, caralho, vai, porra”.
Depois da prova, os concorrentes saem do tanque. As bolinhas de gude são
contadas. O perdedor, como castigo, é levado novamente ao tanque e Trovão
finge que vai empurrar sua cabeça para dentro da água, enquanto ambos riem
para as câmeras.
No encerramento do bloco, João Gordo se aproxima de uma câmera e fala
com o telespectador: “E o senhor em casa? Eu cansei de xingar o senhor,
cansei de xingar a senhora. Cansei. Sei lá o que vou xingar mais”.
O bloco termina este e os que se seguem -- com flashes dos concorrentes
sendo “torturados”, todos com ar de brincadeira e diversão, ao som de rock.
Bloco 2: Após 4 minutos de intervalo comercial, recomeça o programa e João
Gordo cumprimenta seus telespectadores: “Estamos de volta com esta merda. Vai
tomar no cu, vocês aí em casa, porra. Vai se foder, vocês aí”. Na prova que se
segue, os concorrentes m que lambuzar um ao outro de tinta, em um ringue
forrado com plástico. O apresentador chama os competidores: “Que entrem os
dois brochas”. Os dois chegam xingando a platéia, com ar de gozação: “Tudo
pau no cu, aí”. João Gordo aprova: “É isso aí, pau no cu! Palmas para eles”.
Segue-se então um diálogo repleto de duplo sentido, em torno da expressão “levar
pintada”: “Tá disposto a dar uma pintada na cara dele?”. E avisa: “Quem der mais
pintada ganha. Ganha o que, Lombardi? Ganha uma pintada no cu”.
Os competidores entram no ringue, animados por Jo Gordo: “Vai, lambuza
o filho da puta”. Eles usam bermudas e estão com óculos para proteger os olhos
da tinta. Nos momentos em que entra tinta no olho, o apresentador suspende a
prova e depois a retoma. A platéia pede “cuecão, e os competidores tentam puxar
a cueca um do outro enquanto se lambuzam de tinta. “Que baixaria, meu deus do
céu, que coisa nojenta”, exclama João Gordo, “Pega no pinto, pega no pinto”. Um
borrão aparece na tela, cobrindo a imagem do pênis de um dos rapazes, que fica
exposto quando um dos competidores tenta tirar a bermuda do outro. O perdedor
106
da prova leva de Trovão uma baciada de tinta na cabeça e vários socos (fingidos)
nas costas. Como nas provas anteriores, o perdedor se diverte, rindo para as
câmeras.
A prova seguinte é um teste de VT. Entram outros dois rapazes para
competir. No telão, é transmitida uma apresentação de street dance, interrompida
várias vezes para que João Gordo faça perguntas aos dois concorrentes:
Quantas voltas o mano deu?” (piruetas com a cabeça no chão); “Quantos metros
ele pulou?”. A cada resposta errada, o rapaz leva uma torta de creme na cara,
esfregada pelo Trovão. João Gordo exclama: “Que merda, meu, que bosta, cara”.
A uma etapa ganha, o apresentador pede à platéia: “Palmas para ele, que ele
merece” uma das falas que se tornaram históricas no Programa do Chacrinha,
apresentado na tevê por Abelardo Barbosa (Chacrinha) na década de 1960. O
perdedor da prova é levado para a canga (Tortura Medieval, descrita
anteriormente). Enquanto fica preso pelo pesco e pelos punhos, Trovão lhe
coloca um caranguejo no pescoço.
No final do bloco, novamente João Gordo se aproxima das câmeras e fala
com o telespectador: “Ô, tio, o senhor não tá gostando, tio? Eu quero que o senhor
se foda. Direitinho. Tá bom, tio? Nóis se diverte e o senhor se fode, tio!”. Sua
expressão é de brincadeira, gozação.
Em seguida, entrevista um rapaz da platéia:
JG: É verdade que a sua avó odeia o programa?
Rapaz: Ela não gosta do programa.
JG: Qual o nome da sua avó?
Rapaz: Dona Dirce.
JG (Aproximando-se bem das câmeras.): Dona Dirce, a senhora não gosta
do programa? (Virando-se para a platéia.) Palmas para a Dona Dirce, que ela
não gosta do programa.
107
Bloco 3: Logo na abertura, como em todos os blocos, João Gordo e a platéia
soltam gritos para as câmeras, com gestos de irreverência, braços abertos, dedo
médio erguido, ou dedos indicador e mínimo; língua de fora.
A primeira prova do bloco é feita com uma pessoa selecionada da platéia,
escolhida por ser considerada “um folgado”. No episódio analisado, foi escolhido
um rapaz que fez careta para a câmera (o mesmo que deu entrevista a João
Gordo no final do bloco anterior).
O apresentador passa uma bacia à platéia, para que cada um dê uma
cuspida, até encher a bacia de catarro. Então, o participante escolhido é levado
para a Cama Nojenta, e a bacia fica presa na cama, perto da ponta de seus pés.
João Gordo faz perguntas e a cada resposta errada cama vai sendo inclinada, de
modo que cada vez mais catarro escorre sobre ele, em direção à cabeça. O rapaz
errou todas as respostas, que são mostradas na tela do televisor:
1. Quais são os componentes da saliva? (99% de água e 1% de componentes
orgânicos e minerais.)
2. Para que serve a saliva? (Para proteção da cavidade bucal.)
3. Quantos litros de saliva produzimos por dia? (De 2 a 3 litros.)
4. Quantas bactérias podem ser transmitidas por um beijo? (250)
A segunda prova do bloco é denominada Boiada ou Matadouro. Há um
martelo, que os concorrentes devem bater em uma placa; conforme a força
aplicada, um placar marca o número de pontos. Para essa competição foram
escolhidos três garotos da platéia. Os três fizeram pontos considerados baixos,
portanto foram castigados: um deles teve que descascar cebolas e os outros dois
receberam cuecão”. Um dos garotos pareceu o gostar da brincadeira, e ficou
bastante sem graça. A platéia e Jo Gordo gritaram: “Chorão! Chorão! Chorão!”.
Mais uma vez, João Gordo se aproxima das câmeras: Por que o senhor e a
senhora estão indignados? Por quê? É legal! A gente se diverte. Foda-se, cara”.
108
Bloco 4: Na abertura, João Gordo anuncia que está de volta “o programa
mais sem-noção do mundo. É uma bosta, cara!”. E fala dos programas
concorrentes que estão no ar naquele mesmo horário: “O que tem nesta hora?
Tem Hebe, tem Fala que eu te escuto, tem Sessão descarrego, tem RR Soares,
tem Zorra total, A praça é nossa. O nosso é mais legal, fala a verdade”.
Na prova seguinte do quadro Eu Vou te Fuder, o concorrente entra
anunciando: “Meu nome é Cleyton, vim aqui para fuder meu adversário, aquele
pau-no-cu”. Entra o outro concorrente. O apresentador chama Biro-Biro, ex-
jogador do Corinthians, para fazer embaixadas com uma bolinha de gude. Os
concorrentes terão que dizer quantas embaixadinhas ele fará, e o vencedor será
aquele que tiver ficado mais próximo do resultado.
O perdedor leva um cuecão” e é transformado em emo (nome que vem de
emotional hardcore) estilo que alguns jovens adotam, caracterizado pela
valorização da sensibilidade, preferência por músicas de som pesado mas que
falam de conflitos familiares e amorosos. Para “transformá-lo, os auxiliares de
João Gordo lhe vestem uma camisa branca e gravata estreita, passam gel no
cabelo, lápis preto sob o olho e batom preto.
João Gordo faz um merchandising do anunciante do programa, a empresa de
telecomunicações OI, que na época estava oferecendo serviços relacionados a
informações telefônicas sobre a Copa do Mundo.
Encerrando o bloco, o apresentador convida os telespectadores a se
inscrever para participar do programa: “Meu irmão, você é fodido mesmo? Gosta
de aparecer? Quer catar mulher? Quer comer mulher? Vem aqui, velho, se
mostrar. Vem aqui dar a bunda, caralho, pra nós ver e dar risada. Se alista no site
da MTV”.
A última competição do programa é o show de calouros. Dois candidatos se
apresentam. Um deles é contorcionista, e dobra os dedos e os braços em
praticamente todas as direções. Impressionado, João Gordo pede: “Chupa o pau,
aí! Chupa o cu, então. Se você treinar, você consegue”.
109
O outro candidato faz uma “mágica” com uma moeda. Diz que vai jogar para
cima uma moeda de 10 centavos e não cairá mais. Quando a pega de volta, diz:
Viram? Caiu a mesma moeda. Não caiu nem mais nem menos que 10 centavos”.
Ele perde a competição e recebe um “cuecão”.
O apresentador encerra o programa: “Chegou mais um programa ao fim. Um
final apoteótico e ridículo desta merda do caralho. Vocês gostaram? Não? Então,
pau no cu de vocês”. A banda começa a tocar um rock pesado e a platéia invade o
palco, simulando uma confusão. A câmera corta para os concorrentes que estão
sendo “torturadosdesde o início do programa: um na cadeira elétrica, outro no
tanque de água, outro recebendo gel na cabeça.
3.5.2.2. A recepção de Gordo Freak Show
A exibição do programa Gordo Freak Show foi feita na sala de multimídia do
colégio, no dia 26 de junho de 2006, período da manhã. Seis alunos
compareceram, sendo um deles de outra turma foi convidado por um colega do
grupo: Luísa, Raquel, André, Lucas, Antônio e Alexandre (de outra turma).
Estiveram presentes praticamente os mesmos alunos que participaram da
exibição de Os Simpsons no período da manhã na segunda-feira anterior, 19 de
junho. Apenas um aluno (Allan) compareceu naquele encontro e faltou neste.
Os alunos pareceram se divertir bastante com o programa. Deram muita
risada no quadro Ringue Nojento (guerra de tinta) e quando João Gordo se
aproximava da mera para xingar os telespectadores. Foi possível notar certa
agitão dos jovens durante a exibição em muitos casos, se levantavam da
carteira, acompanhando a agitação do programa, e falavam mais alto que de
costume.
A situação de recepção – grupo pequeno, ausência da professora, sala-
ambiente escura e telão estimulou a reação dos alunos, que ficaram
contaminados” pelo clima do programa. Como explica Edgar Morin, nessas
110
situações ocorre uma simbiose, numa integração entre o fluxo do programa e o
fluxo psíquico do espectador.
65
Conversamos sobre o fato de estarmos assistindo a esse programa em um
colégio religioso, e os alunos deram risada ao se dar conta dessa situação. Um
deles disse, e os demais concordaram, que as irmãs “teriam um ataque do
coração” se vissem o programa por 5 minutos. Explicaram que no colégio não se
pode falar daquele modo, usando aqueles palavrões.
As respostas que deram ao questionário sobre Gordo Freak Show
66
confirmaram as impressões da pesquisadora: os alunos mergulharam na fantasia
do programa, como se realmente quisessem acreditar que tudo aquilo era real
como quando se entra em um túnel fantasma de um parque de diversões: sabe-se
que tudo é brincadeira, falso, manipulado, mas mesmo assim todos dão gritos de
medo e dizem que o túnel é “assustador”. Apesar dos vários indicadores de que as
torturas eram uma farsa (riso e ar de medo fingido dos “humilhados”), os alunos
preferiram privilegiar os indicadores de violência (roupa de caveira, tatuagem,
caretas de maldade). Nesse caso, houve aceitação integral da mensagem, um
pacto entre o emissor e o receptor.
No questionário, os alunos descrevem João Gordo como “louco, gordo,
rebelde”, “um gordo que xinga as pessoas, fala palavrão e é nojento”, “é bem
estúpido”, “grosso”, “feio, nojento, louco”, “medonho”. Tudo isso apesar de seu ar
divertido e do tom brincalhão e até respeitoso com que se dirige ao telespectador,
enquanto diz palavras que poderiam parecer grosseiras.
Sobre a platéia, os alunos afirmaram: rebeldes, loucos, nojentos, sem
educação, sem respeito”, “ficam mostrando o dedo médio para a tela e ficam se
achando”, “muitos jovens bem agitados”, “só fala palavrão, grita muito, mostra o
dedo do meio e agita o programa”, louca, descontrolada, doentia”, “estranha e
gritava muito”.
65
Edgar M
ORIN
.
Op. cit.
66
Ver anexo 4.
111
Pediu-se que os alunos descrevessem os dois auxiliares de João Gordo.
Caveira foi descrito como “figurante que atiça as pessoas”, “violento, agressivo”,
um pouco violento”, um ajudante mascarado”, “atiça as brincadeiras maldosas”.
Esse personagem teve um papel secundário, apenas auxiliando em algumas
cenas. É magro e não parece representar ameaça. Porém, sua fantasia e o
próprio nome remetem a filmes de terror e personagens de histórias em
quadrinhos, que construíram no imaginário dos jovens o papel de um ser
violento, embora em nenhum momento do programa ele tenha agido desse
modo.
Com Trovão ocorreu algo semelhante: ele foi descrito como “torturador”, um
cara que um cuecão”, “violento”, forte, agressivo”, apesar de que em todos os
momentos do programa ficou bem evidente que se tratava de uma violência
fingida, uma vez que Trovão e os próprios candidatos castigados davam risada e
se divertiam uma palhaçada”, como qualifica o próprio João Gordo na abertura
do programa. Prevaleceu na interpretação dos alunos a imagem de carrasco que
já estava elaborada em seu imaginário. A constrão do personagem, seu tipo
físico, a cara de mau que fazia para as câmeras, de modo bastante caricato, os
músculos, tatuagens e gestos ameaçadores ativaram memórias anteriores sobre o
estereótipo de figuras violentas, apesar da própria evidência das imagens.
À pergunta: “Você gostou do programa? Por quê?”, os alunos responderam:
“Não, pois achei extremamente idiota.”
“Sim, é engrado.”
“Mais ou menos, eu gosto porque é engraçado, porém tem pessoas que
sofrem.”
“Gostei, é bem divertido.”
“Gostei, porque é muito legal ver os outros sofrerem.”
“Mais ou menos, pois ele é louco.
Sobre os castigos aplicados aos concorrentes, os alunos consideraram a
Cama Nojenta “muito porca”, muito nojenta, vontade de vomitar”. Durante a
112
exibição do programa, esse foi o quadro que causou mais forte impressão. Muitos
exclamavam “Ai!, “Que nojo!”, faziam cara de ânsia de vômito, desviando o rosto
da tevê e tapando a boca com a mão.
Ao comentar a cadeira elétrica, os alunos a consideraram como se fosse real,
embora as imagens da tevê tivessem deixado muito claro que os concorrentes
castigados estavam sendo sacudidos pelo Trovão e que o tremor da cena
resultava do movimento da mera, e o de um choque real. Além disso, o
concorrente sempre estava dando muita risada enquanto era “torturado”. Mesmo
assim, os alunos responderam que essa “tortura” é “muito insana e cruel”,
doentia”, que o candidato estava sendo “eletrocutado”, “machuca a pessoa”.
O castigo de receber uma torta na cara, cena tradicional do circo e dos
programas de humor ingênuo em geral, despertou muitas risadas dos alunos no
momento da exibição do programa, e três alunos responderam que é uma
brincadeira divertida, engraçada, legal. Um dos jovens, porém, respondeu que
acha a brincadeiranojenta”.
Quanto ao castigo de ser transformado em emo, todos os alunos disseram
saber de que se trata “modinha” que consiste em cultivar um estilo depressivo,
com roupa preta e pulseiras de bolinhas prateadas e consumo de drogas. Esse foi
um dos castigos que mais risadas provocaram nos alunos.
A que público o programa se dirige? Os alunos afirmaram: “ao público
doente, rebelde e louco”; “aos jovens (adolescentes)”; “medonho, estranho, louco
e [ilegível]”; “adolescentes e adultos”. Os “doentes, rebeldes, loucos, medonhos e
estranhos” seriam, então, os próprios alunos? Com essas respostas, eles sem
dúvida explicitaram os processos de projeção e identificão de que fala Morin.
Pergunta: “A que público o programa não é adequado? Explique por quê”. As
respostas dos alunos: “a crianças, idosos e pessoas de classe alta”; “menores de
12 anos e crianças”; “crianças e velhos”; “crianças, adultos, idosos, porque fala
muito palavrão”; “crianças, pois eles podem tentar imitar”.
Será que os alunos que participaram da pesquisa gostariam de se inscrever
para competir no programa? Todos responderam que não: “NÃO, nunca, jamais,
113
pois é perda de tempo e não quero me machucar”; “Não, porque é violento
demais”; “Nem ferrado, porque não quero levar um cuecão; “Não, pois eu não sou
retardado de me machucar”; “Nem ferrado, porque eu não quero sofrer”.
Sobre o modo de falar do apresentador do programa e de seus convidados,
os alunos acham “muito mal-educado e sem respeito ao blico”, meio vulgar,
mas para o tipo de programa é próprio (tem bastante palavrão)”, “um pouco
estranho, mas engraçado, porque essa é a característica do programa”, “falam
com muita ‘cautela’”, “bom, pois eles se expressam muito bem”.
A banda que toca no programa (O Inimigo) é considerada adequada pelos
alunos: “louca”; “boa para zoar”; “tem um som animal igual ao programa”; “é
agitada e barulhenta”; “fala coisas que é próprio para o tipo de programa”; “sim
adequada], pois o programa é horrível e a banda também”.
Em ntese, os alunos demonstraram reconhecer a coerência entre os vários
elementos que constróem o sentido de rebeldia e contestação do programa Gordo
Freak Show: a forma interação do apresentador com os convidados, com a platéia
e com os telespectadores, o estilo da banda musical, os quadros do programa.
Assim como no caso de Os Simpsons, a recepção de Gordo Freak Show
denota o desejo de contestação e a irreverência dos alunos do grupo. O padrão de
linguagem (palavrões, simulação de violência, gritos), as imagens e o próprio
conteúdo do programa opõem-se à vivência cotidiana dos alunos em casa e no
colégio, que, como já se disse, tem forte cunho religioso. Isso nos remete a Edgar
Morin, em suas reflexões sobre a necessidade de projeção e identificação que
move todos os seres humanos em suas ações diárias.
67
Ao assistir ao programa
de João Gordo, os alunos têm oportunidade de vivenciar, por catarse e com
segurança, situações que estão reprimidas em sua vida.
O grupo, nesse caso, demonstrou conhecer as convenções da linguagem
televisiva, na acepção de David Buckingham, como se expôs no capítulo 2: os
usos da linguagem midiática que se tornam familiares e universalmente
67
Ver capítulo 2.
114
aceitos. Por exemplo: interpretaram os movimentos bruscos de câmera, os
closes rápidos e os cortes de cena como agitação, medo, violência.
Entre as estratégias de produção de sentido, é importante destacar o pacto
estabelecido entre o emissor e o receptor, com aceitão total da mensagem: o
que se quis mostrar como tortura foi aceito como tal pelo receptor.
3.6. Um olhar sobre os produtos analisados
Nosso objetivo nesta pesquisa não é fazer uma análise dos programas em si,
e sim de sua recepção. Essa opção se explica não apenas pelo enfoque do
trabalho, mas também pelo fato de que uma produção audiovisual, em si, não tem
um sentido determinado. Segundo Barbero, é na recepção que os sentidos vão
sendo construídos, na dinâmica das mediações que constituem os indivíduos. No
entanto, é importante que se faça uma breve reflexão sobre os programas
selecionados para a pesquisa, para que se possa ter uma vio integral do
processo de comunicação, complementando o que se observou nas experiências
de recepção com os alunos.
Nas conversas iniciais com a pesquisadora, alguns alunos disseram que o
gostam de novela porque são falsas. E a seleção dos programas feita pela turma
de 8
a
série pode indicar que o que a maioria dos alunos busca, nesse grupo de
pesquisa, é o desmascaramento das aparências. Os Simpsons, com toda a sua
irreverência, é um seriado que fala de família, de problemas diretamente
relacionados ao cotidiano dos alunos, como a relação familiar e as normas sociais.
Gordo Freak Show, embora à primeira vista a impressão de ser violento, e até
mesmo na interpretação dos alunos seja classificado desse modo, tem um ar de
pastelão”, satirizando a própria linguagem televisiva na construção de seus
estereótipos: o violento, o agressivo, o rebelde, o irreverente – no fundo, todos são
elaborações frágeis, sustentadas em índices externos (vestimentas, tatuagens,
gesticulações, etc.) e em um código verbal característico.
Gordo Freak Show não parece causar nenhum impacto negativo do tipo que
se costuma atribuir a um programa que mostre agressividade e violência.
115
Acreditamos que essa classificação feita pelos alunos não resistiria a uma análise
mais profunda dos elementos que estão sendo exibidos na tela. Os próprios
alunos admitiriam que o programa está mais próximo da teatralidade do que de
um reality- show. Poderiam continuar afirmando, por exemplo, que os candidatos
estão sofrendo, se congelássemos a cena no rosto divertido de um deles,
enquanto está na cadeira elétrica”? Será que algum candidato de fato se ofende,
quando João Gordo, em um tom de brincadeira, o chama de “bunda-mole”,
enquanto sorri para ele com afeto? Propositalmente, não fizemos essa
experiência. Interessava-nos não desconstruir o programa, mas verificar as
estratégias de recepção.
A violência, conforme o Manual do Ministério da Justiça sobre diversões
públicas, é assim definida:
Força desregulada capaz de atentar contra a integridade física e/ou psíquica,
causando danos com o objetivo de dominar ou de destruir o indivíduo, a
comunidade, a nação ou, a mesmo, a humanidade. A glamourização da
violência ocorre quando as cenas envolvendo esse tipo de comportamento são
colocadas de forma positiva, valorizando de alguma forma os perpetradores da
agressão. A gratuitade e/ou banalização da violência ocorre quando não
nenhuma explicação causal (justificativa) para o que está sendo perpetrado. Ou
seja, situações em que o ato violento não tem claramente uma motivação
específica
.
68
O mesmo manual refere-se à violência como recurso para provocar humor:
Igualmente reprovável é a identificação da violência como algo humorístico ou
divertido. Esse tipo de estratégia pode compelir as crianças a associarem o
comportamento violento a sentimentos positivos (como a alegria e a felicidade).
69
Mas o documento também faz uma ressalva que pode se aplicar ao caso de
Gordo Freak Show:
A clara identificação de que se trata de algo irreal ou fantasioso (como é o caso
dos desenhos animados) é um inegável atenuante para a exibição de conteúdos
68
Ministério da Justiça. Op. cit. p. 18.
69
Ibidem, p. 21.
116
violentos. Esse tipo de método potencializa a capacidade da criança em distinguir
entre ficção e realidade.
70
Pode-se especular, portanto, se o que se vê em Gordo Freak Showo é, na
verdade, um “circo televisivo”, em que todos os elementos estão presentes: o
show de exageros (Homem Elástico); a torta na cara; a platéia que é chamada a
participar do espetáculo; o palhaço no meio da arena, conduzindo as atrações. O
próprio nome do programa remete a essa idéia, já que freak, em inglês, designa o
fantástico, o monstruoso, o fantasioso.
De qualquer modo, o que interessa a esta pesquisa, como já se afirmou aqui,
não é analisar o produto em si e decidir se é violento ou não mesmo porque o
conceito de violência, para os alunos que participaram da pesquisa, o
corresponde necessariamente àquele utilizado pelos órgãos que classificam as
diversões públicas por faixa etária.
3.6.1. Projeção e identificação
Em “A alma do cinema”,
71
Edgar Morin faz um estudo sobre a relação afetiva
que se estabelece entre o público e a obra audiovisual, expondo os mecanismos
psicológicos de projeção e identificação que são ativados nessa relação. Nesta
pesquisa, esses mecanismos ficam bastante evidentes.
A escolha dos programas Os Simpsons e Gordo Freak Show para análise
revela o forte desejo de contestação dos alunos. Afinal, são programas que
contrariam toda a educação que os jovens recebem em casa e na escola e que se
traduz na orientação para que pratiquem boas ações, dirijam-se a outras pessoas
de modo respeitoso, tenham uma convivência harmoniosa com os colegas e
familiares, cultivem o amor, a ética, a disciplina, etc. O efeito catártico da televisão
está aqui muito bem representado: os jovens que participaram da pesquisa se
satisfazem ao ver Homer, Bart e João Gordo fazerem tudo aquilo que eles
70
Ibidem, p. 22.
71
Edgar M
ORIN
. A alma do cinema. In: O cinema ou o homem imaginário; ensaio de antropologia.
Op. cit.
117
próprios, na vida cotidiana, não podem fazer; projetam nesses personagens seu
lado rebelde e agressivo. É o que afirma Edgar Morin a respeito do cinema: “O
cinema, como o sonho, como o imaginário, acorda e revela vergonhosas e
secretas identificações”.
72
O ecletismo do gosto do blico, para o qual Morin chama a atenção, é um
reflexo do próprio jogo de contradições do ser humano. Nesta pesquisa, os alunos
também propuseram para análise programas de humor innuo e que falam de
relações familiares afetuosas como Alf, o ETeimoso e Chaves. E mesmo
aqueles que votaram nos programas vencedores (Os Simpsons e Gordo Freak
Show) reagiram de modo afetuoso quando aqueles programas foram
mencionados na sala de aula.
Como vimos, no caso de Gordo Freak Show os alunos mergulharam na
fantasia. Sua interpretação foi muito mais subjetiva do que apoiada em
indicadores concretos. No dizer de Edgar Morin, o espectador não viu o programa:
apenas o sentiu.
72
Ibidem, p. 127.
118
CAPÍTULO 4. INVESTIGAÇÕES COMPLEMENTARES
Com o objetivo de ampliar a reflexão sobre a recepção de programas
televisivos, a pesquisadora selecionou e propôs aos alunos a análise de dois tipos
de produtos curtos, que se apresentam quase como síntese dos slogans que
costumam ser repetidos à exaustão nos intervalos entre um e outro programa:
uma chamada sobre os programas de humor do SBT e dois comerciais voltados
para o público infantil.
Pretendeu-se, desse modo, investigar o impacto da linguagem persuasiva
sobre o grupo de receptores selecionado, levando-se em conta que é forte a
presença da persuasão em grande parte dos programas televisivos, como lembra
Adilson Citelli:
[...] seja formando, confirmando ou reformando comportamentos, atitudes,
preceitos, valores ou idéias, um dos propósitos pragmáticos das linguagens em
circulação nos veículos de comunicação é construir redes simbólicas ativadoras de
imaginários que resultem no aumento da produção de geladeiras, no
esvaziamento das gôndolas de supermercados, na eleição de um certo candidato,
na expansão do turismo, na demonstração de que fora dos princípios regentes do
pensamento único resta, apenas, a “vã filosofia”e o “canto do poeta”. [...]
73
As investigações acerca da recepção envolveram uma segunda amplião,
que implicou um questionamento sobre o cruzamento entre as instâncias
enunciador/destinatário: até que ponto uma leitura qualificada das mensagens
televisivas – com a consciência dos recursos persuasivos de que elas se utilizam,
por exemplo -- pode converter-se em uma produção que se caracteriza por um
patamar mais crítico? Essa pergunta levou a pesquisadora a retomar o
desenvolvimento da pesquisa, em que o receptor é situado não como um
receptáculo de mensagens, mas sim como um co-produtor, e colocar o grupo de
jovens em uma situação preliminar de produção.
Pretendemos observar como os jovens que participaram da pesquisa
reelaborariam as idéias que haviam expressado nas experiências de recepção,
73
Adilson C
ITELLI
. Palavras, meios de comunicação e educação. Op. cit. p. 119.
119
agora colocando-se como produtores e tendo a oportunidade, embora apenas em
uma experiência preliminar, de colocar em prática aquilo que havia sido
considerado inadequado nos programas analisados.
4.1. Estudo de uma chamada do SBT
Uma das atividades iniciais realizadas com os alunos da 8
a
série foi uma
verificação oral sobre seu nível de conhecimento a respeito dos recursos e
estratégias utilizados pela televisão. Com isso pretendia-se fazer uma
aproximação em termos de alfabetização na gramática da dia. Conforme as
referências de Joshua Meyrowitz, esse tipo de conhecimento envolve “a
compreensão e o reconhecimento do largo espectro de variáveis de produção
existentes em cada veículo. Assim como envolve o reconhecimento das maneiras
através das quais as variáveis são tipicamente utilizadas para tentar moldar a
percepção e a resposta às comunicações mediadas.
74
A atividade foi intercalada nos encontros feitos para análise dos programas
selecionados (Os Simpsons e Gordo Freak Show) e teve a duração de uma aula
(50 minutos). Como apoio, utilizou-se uma gravação feita em canal de tevê aberto:
uma chamada do SBT para seus seriados do sábado. A gravação foi feita no dia
10 de junho de 2006, e a chamada tem a duração de 30 segundos.
Na gravação, um locutor anuncia a Sessão Premiada do Sábado, falando
com entusiasmo:
É muito gozado. É muito divertido. É uma palhaçada. Sábado. risos no SBT.
Começa às três e termina às seis da tarde, com as seguintes atrações: Chaves;
Mais que uma família; Um maluco no pedaço; Tudo sobre os Andersons; Eu, a
patroa e as crianças.
Na primeira parte da chamada, enquanto o locutor es dizendo o texto
desde “É muito gozado” até “com as seguintes atrações”, são exibidos trechos dos
programas anunciados. A partir daí, o anúncio do locutor é acompanhado da
74
Joshua M
EYROWITZ
.
Op. cit. p. 91.
120
imagem congelada de uma cena de cada programa, com um texto escrito emq ue
aparecem o nome do programa e o horário de transmissão.
As a exibição do deo (três vezes), a pesquisadora fez perguntas
oralmente para os alunos. Algumas das perguntas foram planejadas para verificar
se os jovens haviam compreendido o conteúdo do vídeo; outras, se perceberam a
intenção e os recursos audiovisuais utilizados:
1. Qual é o objetivo desse vídeo?
2. Que programas estão sendo anunciados?
3. Que outras informões importantes na chamada?
4. Como a chamada tenta convencer os telespectadores a assistir a esses
programas?
5. O que o narrador diz?
6. Como diz isso?
7. Essa chamada tem duas partes.
a) Onde termina a primeira?
b) O que muda na imagem, quando começa a segunda parte?
c) Qual seria o objetivo dessa mudança?
8. Você ficou com vontade de assistir aos programas anunciados?
Os alunos demonstraram boa percepção sobre os recursos da linguagem
audiovisual: a presença de linguagem verbal sob várias formas (voz em off, texto
escrito, onomatopéias de histórias em quadrinhos aplicadas sobre o filme), a
linguagem sonora (músicas, recursos de sonoplastia), a linguagem visual (flashes
de cenas engradas, com mudança rápida de uma para outra). Apenas não
perceberam que as cenas de programas eram exibidas de duas formas diferentes
primeiro com movimento e depois congeladas –, embora tivessem notado que a
chamada era composta de duas partes bem distintas e soubessem onde se
iniciava a segunda parte.
121
Respondendo oralmente às perguntas da entrevistadora, mostraram ter
compreendido o conteúdo audiovisual da chamada, o objetivo da chamada e as
estratégias utilizadas para chamar a atenção e convencer o telespectador a
assistir aos programas.
Afirmaram que o objetivo da chamada é anunciar os programas do SBT e
atrair telespectadores; compreenderam todas as informações veiculadas (nome
dos programas e horários); perceberam os recursos utilizados para persuadir e
envolver o telespectador: o tom entusiasmado e o uso de adjetivos no texto do
locutor, a seleção de cenas engraçadas, a intenção de reforçar o caráter de humor
por meio de onomatopéias das histórias em quadrinhos.
Não perceberam que, na segunda parte da chamada, o congelamento da
imagem objetivou dar mais destaque ao nome do programa que estava sendo
exibido nesse momento. Também não notaram que para cada programa havia
uma assinatura diferente, com recursos variados de design gráfico logotipos,
que são utilizados para imprimir uma identidade ao programa e permitir sua rápida
identificação e facilitar a compreensão por parte de crianças e pessoas
analfabetas ou que tenham dificuldade de leitura.
Os alunos confirmaram que a chamada realmente provoca a vontade de
assistir aos programas. Porém, muitos expressaram-se criticamente a respeito das
chamadas, afirmando que nem todos os programas divulgados são tão
engraçados como o anúncio quer fazer crer.
Essa experiência com as chamadas forneceu indicadores de que os alunos
demonstram compreender que a televisão se vale de recursos próprios desse tipo
de linguagem, selecionados com o objetivo de alcançar determinado efeito no
telespectador. Reconheceram esse efeito, mas souberam posicionar-se sobre ele.
4.2. Estudo de comerciais de televisão
O que os alunos sabem sobre a linguagem televisiva nos comerciais, em seu
aspecto visual e sonoro? Qual a relação entre esses recursos e o público ao qual
122
se dirige o comercial? Com o objetivo de fazer essa investigação, ampliando um
pouco mais o trabalho relativo à gramática da mídia televisiva, a pesquisadora
propôs, em uma aula de 50 minutos, uma atividade que consistiu na exibição de
dois comerciais e na proposição de questões para discussão em grupo.
Foram exibidos (três vezes) dois comerciais voltados para o público infantil.
Pediu-se que os jovens respondessem às questões relativas ao vídeo em grupos
de três alunos, trocando idéias sobre as perguntas propostas. Diferentemente do
que a pesquisadora imaginava, o houve necessidade de muitas discussões ou
negociações nos grupos. Os alunos concluíram a atividade rapidamente.
Os comerciais analisados foram:
Comercial de tênis (15 segundos) skatênis Bibi, um tênis no qual se
encaixam rodinhas para que se transforme em skate. Uma voz em off (de rapaz)
anuncia o produto, enquanto um menino e uma menina brincam de skate em um
parque ou área de condomínio. muitos cortes de cena, muito movimento e
música agitada, apenas instrumental (guitarra).
Comercial de boneca (15 segundos) boneca Kelly, que vem com
apetrechos de médico. Uma voz em off (de adulto simulando voz infantil) anuncia
o produto, enquanto duas meninas brincam com a boneca, em atitude calma. A
imagem tem poucos cortes de cena. O texto narrado pelo locutor é
complementado por um texto cantado: “Visitar o médico é tão legal”.
As três perguntas feitas sobre os comerciais foram:
1.
A
QUE PÚBLICO SE DIRIGEM OS DOIS COMERCIAIS
?
As respostas foram bem precisas:
Se dirigem às crianças”.
Crianças”.
Crianças e adolescentes.
Ao público infantil”.
123
A crianças de 5 a 10 anos, mais ou menos”.
Aos jovens. Para que eles convençam seus pais a comprarem os produtos”.
Se dirigem ao público consumista infantil”.
Com essas respostas, os alunos demonstraram ter reconhecido o uso de
recursos da linguagem televisiva para constituir a interlocução com um público
específico. Os personagens, a linguagem visual e sonora e o conteúdo verbal
foram interpretados adequadamente como elementos construídos tendo em vista
determinado destinatário. Intuitivamente, os alunos reconhecem nas duas
propagandas representações da realidade.
Uma das resposta foi mais específica, definindo que o público é o infantil
consumista”, isto é, aquele que já está propenso a aceitar o convite ao consumo.
Outra resposta foi ainda além, ao explicar que o alvo é o jovem, mas apenas
como instrumento para se chegar ao verdadeiro cliente: os pais. A compreensão,
nesse caso, foi ainda mais crítica que as demais.
2.
C
OMPARE OS MOVIMENTOS DAS IMAGENS NOS DOIS COMERCIAIS
.
P
OR QUE VOACHA
QUE ELES O DIFERENTES
?
Respostas:
O primeiro é mais rápido por ser mais radical e o segundo mais devagar por
ser para as crianças menores e mais calmas”.
Porque os produtos são diferentes, e no primeiro é para meninas e meninos
e o segundo para meninas”.
No comercial da boneca mostra uma coisa mais delicada e o tênis é mais
radical”.
Pois um é com pessoas e objetos que pessoas usam e no segundo são para
meninas brincarem”.
Porque em um comercial o pessoas e no outro é uma boneca”.
124
Porque um é sobre Barbies que não se mexem sozinhas e outro é sobre
tênis com rodas”.
Porque os produtos apresentados são diferentes”.
Apurando ainda mais a questão anterior, aqui os alunos enfocaram um dos
principais elementos da linguagem televisiva: o movimento. A percepção da
intencionalidade nos movimentos de câmera demonstra conhecimento da
gramática televisiva.
Os alunos revelam perceber a coerência entre o uso de recursos técnicos e o
conteúdo da mensagem: no comercial que mostra crianças quietas, com uma
boneca que não se mexe, os movimentos de câmera são lentos; no comercial
sobre um produto que propicia deslocamento, a câmera também se move mais.
3. C
OMPARE A NARRAÇÃO
(
A VOZ E A FORMA DE NARRAR
)
NOS DOIS COMERCIAIS
.
P
OR
QUE SÃO DIFERENTES
?
“Porque o primeiro é mais rápido para dar o sentido de radical e o segundo, o
mais calmo, por ser uma brincadeira delicada, de menina”.
“Porque o público que eles querem atingir são diferentes”.
“A voz do comercial do tênis é de um homem e da boneca é voz de uma
mulher delicada”.
“Pois se trata para meninos e meninas e no segundo comercial só para
meninas.
“Porque o tênis é para pessoas mais velhas, então é narrado por um homem.
E o da boneca é para meninas, então é narrada por uma mulher, uma voz mais
fina”.
“Porque um é calmo e o outro é muito agitado, querem atingir pessoas
diferentes.
“Porque um é radical e unissex e a outra é mais delicada porque é de
mulher, aí na narrão é diferente da outra”.
125
A noção de alguns alunos a respeito da segmentação do blico de acordo
com o produto ficou mais evidente nessa análise. Agora, já são capazes de
perceber que os comerciais não se dirigem indistintamente a jovens e crianças,
como em suas respostas à primeira pergunta. Em sua reflexão, referem-se a
públicos como meninos e meninas de idades diferentes. Esse fato nos leva a
perceber como a maneira de conduzir as perguntas pode propiciar um
aprofundamento na análise dos produtos midiáticos.
Os alunos perceberam a intencionalidade na mensagem verbal, quanto à
escolha de um homem ou uma mulher como locutor e quanto ao modo de narrar.
A mensagem verbal, como se disse no capítulo 1, é composta não apenas do
conteúdo. um contexto extraverbal, como a entonação, que representa uma
atitude do locutor para com o interlocutor, e isso os alunos parecem ter percebido,
bem como as implicações, em termos de coerência, do fato de a voz ser
masculina ou feminina.
A discussão dos alunos sobre o uso estratégico dos recursos sonoros
conduziu ao tema telenovela. A pesquisadora perguntou aos alunos se sabiam
quais eram as funções da música nas telenovelas. As respostas também foram
bastante completas:
Para dar clima”.
Mostrar qual é o programa”.
A música vai de acordo com as expressões dos personagens”.
Ver se o momento é de tensão, amor, alegria, surpresa, etc.”
Identificar qual é o programa anunciado.
Separar blocos, dar mais graça às piadas”.
Assicas das telenovelas muitas vezes representam a história da novela”.
Estão presentes, nesse conjunto de respostas, as principais funções do uso
de músicas nas obras de ficção audiovisuais: a identidade, os cortes de blocos e o
reforço do conteúdo dramático.
126
4.3. Um projeto para produção televisiva
Propusemos aos alunos da 8
a
série que criassem um projeto para um
programa de tevê.
75
Reunidos em grupos de três ou quatro, trocaram iias e
chegaram a um projeto final, apresentando-o posteriormente aos demais colegas
da turma, que puderam fazer perguntas e pedir mais esclarecimentos sobre cada
projeto.
A elaboração dos projetos foi antecedida de uma aula coordenada pela
pesquisadora, em que foram discutidas as diferenças entre os dois gêneros de
narração que predominam na tevê: o ficcional e o o-ficcional. A aula foi
planejada de modo a estimular a participação dos alunos, para que não se
tornasse uma mera transmissão de conhecimentos da pesquisadora, nos moldes
de uma aula expositiva tradicional. Os alunos discutiram essas diferenças de
gênero, e em seguida, os formatos de programas televisivos de cada gênero
(telejornal, telenovela, videoclipe, talk-show, etc.). Foram capazes de distinguir os
gêneros e, em cada um, citar rios exemplos.
No dia da elaboração dos projetos, os grupos tiveram tempo suficiente para
debater, negociar e finalizar seus projetos. Em seguida, apresentaram suas idéias
aos colegas:
76
L
UÍSA
,
A
NDRÉ E
G
RAZIELA
Formato: animação
Síntese: comidas que cantam e dançam, mostrando em suas letras a importância
dos alimentos.
Objetivo: Mostrar alimentos saudáveis e não-saudáveis.
Público: crianças de 5 a 11 anos
Horário de exibição: 14h30
Durão: 1 hora
75
Ver anexo 5.
76
As respostas a seguir são uma síntese dos relatórios entregues pelos alunos.
127
Programa concorrente: Bob Esponja
Diferencial em relação ao concorrente: Será feito de alimentos e é educativo.
N
ATÁLIA
,
F
ÁBIO
,
D
IEGO E
F
ERNANDO
Formato: seriado
Síntese: O programa relatará a vida de uma família em todos os momentos. Uma
família diferente, louca, com hábitos diferentes.
Objetivo: Entreter as pessoas.
Público: Adolescentes e adultos, todas as classes sociais, região de São Paulo
(capital).
Horário de exibição: 20h
Durão: 30 minutos
Programa concorrente: Nenhum.
L
UCAS
,
R
AQUEL E
C
LÁUDIO
Formato: variedades
Síntese: O programa apresentará músicas, curiosidades sobre pessoas famosas,
clipes musicais, novidades.
Objetivo: Trazer novidades, curiosidades.
Público: Jovens de São Paulo.
Horário de exibição: 19h, às sextas-feiras,bados e domingos
Durão: 1 hora
Programa concorrente: MTVC (clipes musicais)
Diferencial em relação ao concorrente: O programa vai falar de tudo um pouco.
A
LLAN
,
M
ARCELO E
R
ODRIGO
Formato: esportes (futebol)
Síntese: O programa terá três apresentadores e diversos convidados (atletas,
árbitros, técnicos e personalidades) para debater os gols da rodada da Copa
do Mundo.
Objetivo: Informar e debater sobre futebol.
128
Público: Todas as idades e aos amantes e adoradores de futebol.
Horário de exibição: 21h
Durão: 1h30min
Programa concorrente: Terceiro tempo (Rede Record)
Diferencial em relação ao concorrente: Conterá mais atletas e mais pessoas
famosas.
C
AROLINE
,
G
IOVANA E
C
ARLA
Formato: seriado
Síntese: Um grupo de quatro amigos, numa faculdade, mostra como é o dia-a-dia
ali. O seriado mostrará as festas e os conflitos que ocorrem lá.
Objetivo: Mostrar como é a vida na faculdade.
Público: Adolescentes, classe média, sem religião espefica, região Sudeste.
Horário de exibição: 20h
Durão: 40 minutos
Programa concorrente: The O.C. e One Three Hill
Diferencial em relação ao concorrente: As coisas acontecem no campus de uma
faculdade.
L
EONARDO
,
P
ÂMELA E
P
EDRO
Formato: filmes caseiros independentes (trash)
Síntese: Filmes feitos com pouco, quase nenhum orçamento, com temas variados,
e alguns curta-metragens.
Objetivo: Entreter e fazer as pessoas pensarem sobre o cotidiano.
Público: crianças e adolescentes de classe média, com influências americanas, de
todo o Brasil.
Horário de exibição: 0h00
Durão: 45 minutos
Programa concorrente: filmes caseiros
Diferencial em relação ao concorrente: São vários filmes caseiros que não seguem
uma história linear.
129
A
NTÔNIO
,
G
ABRIELA E
A
LESSANDRA
Formato: telenovela
Síntese: Telenovela com jovens, com mocinhos e mocinhas do bem e do mal.
Objetivo: entreter
Público: adolescentes e adultos
Horário de exibição: 18 horas
Durão: 1 hora
Programa concorrente: novelas
Diferencial em relação ao concorrente: É parecida com Malhação, mas é diferente
das novelas a partir das 18 horas, pois se passa em uma escola.
Os projetos elaborados pelos alunos permitem fazer algumas reflexões
iniciais sobre suas idéias a respeito da programação de televisão. Trata-se, para
efeito desta pesquisa, de verificar especificamente a compreensão dos alunos
sobre as características principais que norteiam a criação de um programa
televisivo e observar sua capacidade de inovação, a partir dos modelos e formatos
de programas com os quais têm familiaridade. Assim, a discussão e a elaboração
do projeto m muito mais, aqui, a função de diagnóstico. Um curso de mídia-
educação planejado para execução no decorrer de todo um ano letivo certamente
desenvolveria os projetos no sentido de sua concretização na sala de aula,
chegando até a filmagem e exibição das produções dos alunos.
Nos projetos apresentados, esbem coerente a relação entre o formato e o
objetivo do programa. A ntese dos programas é clara e objetiva. A definição do
público, no entanto, não é justificável em todos os projetos. Por que, por exemplo,
o projeto de filmes trash (apresentado por Leonardo, Pâmela e Pedro) é voltado
para crianças e adolescentes com influências americanas”? E por que os projetos
de seriado (do grupo Caroline, Giovana e Carla
e do grupo Natália, bio, Diego e
Fernando) e o de variedades (Lucas, Raquel e Cláudio) se dirigem apenas ao
público da região Sudeste?
130
A escolha dos horários de exibição também parece indicar que os alunos
compreendem a relão entre o tipo de programa, o público e o horário de
exibição. A animação infantil foi programada para as 14h30; os seriados voltados
para adolescentes, ou adolescentes e adultos, seriam transmitidos às 20 horas; a
telenovela com tema de interesse dos adolescentes, às 18 horas; o programa de
variedades, de sexta a domingo, às 19 horas; o programa sobre esportes, às 21
horas; o projeto sobre filmes caseiros independentes, bem alternativo, ficou para a
meia-noite. Essa distribuição é perfeitamente compatível com os critérios adotados
atualmente pelas emissoras de televisão na organização de sua grade horária.
Quanto à criatividade, pode-se observar que a maioria dos projetos está
calcada em programas existentes, não representando praticamente nenhuma
inovação.
131
Conclusão
Nos capítulos anteriores, fomos entremeando a apresentação de dados e o
relato das experiências com reflexões acerca da recepção dos produtos televisivos
selecionados para análise, bem como sobre as condições em que a experiência
se realizou na escola. Dados quantitativos, questionários e debates suscitaram
pontos de conexão com a pesquisa teórica, que aqui serão reunidos brevemente,
para que, a partir deles, se possa costurar uma reflexão final sobre os aspectos
que motivaram a realizão do trabalho.
Retomemos a conceituação de Orozco, para quem as estratégias de
recepção correspondem ao modo como a audiência se relaciona com o meio e
com a mensagem (o que compreende do que recebe, como interpreta, de que
sentidos se apropria, quais sentidos rejeita), ao modo de assistir tevê (sozinho,
acompanhado por familiares ou amigos; em casa ou na casa de amigos; na sala
ou no quarto) e à presença do meio audiovisual no tempo livre.
Pudemos perceber que a televisão ocupa boa parte do tempo livre dos
alunos. No entanto, essa constatação não conduz necessariamente à conclusão
de que eles assumem uma atitude passiva diante da tevê e estão mais sujeitos às
suas influências. Na maioria dos casos, os alunos parecem fazer escolhas ativas e
conscientes: ligam a tevê com o objetivo de assistir a determinado programa, têm
seus programas preferidos e sabem explicar por que gostam de um e não de
outro. Relembremos que Pedro assiste tevê principalmente “quando está de
castigo”.
Além do mais, como explica Orozco,
77
embora o tempo de exposição seja um
dado a ser considerado na influência que a mídia exerce sobre os receptores,
uma série de outras questões a serem levadas em conta, como o fato de que uma
exposição rápida e única pode ter efeitos que perduram muito tempo; ou efeitos
intensos mas passageiros, como no caso da mudança de comportamento
produzida pela exposição ao programa de Jo Gordo, quando os alunos se
77
Guillermo O
ROZCO
G
ÓMEZ
. La investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa.
Op. cit. p. 53.
132
mostraram muito mais agitados; ou durante a exibição de Os Simpsons para um
grupo pequeno e para um grupo grande produzindo reações mais exacerbadas de
riso. A maneira de assistir à tevê tem mais importância que o tempo de exposição,
no caso de uma análise quantitativa, como lembra Orozco.
O termo maneira, nesse caso, envolve muito mais que saber se o aluno
assiste tevê na sala ou no quarto, com os pais ou sozinho. Também questões
emocionais fazem parte dessa reflexão. Quando justificam a escolha de seus
programas preferidos, os jovens m bons argumentos, como vimos. Nota-se que
predilão por programas dinâmicos, que abordem temas de interesse dos
alunos, mas também interesse por programas que discutem relões familiares
e conflitos da adolescência. A esse respeito, o modo afetuoso com que os alunos
se referiram aos programas a que costumavam assistir na infância é muito
significativo. A força da linguagem televisual, como vimos no capítulo 2, esem
sua relão com fenômenos psicológicos subjetivos. Da infância, etapa da vida em
que predominam as relões de afeto, os alunos guardam memórias que fazem
emergir aqueles mesmos sentimentos, impregnando de afeto os programas de
tevê.
Nos questionários e debates, ficou claro também que uma classificação
nítida entre os programas a que o jovem assiste sozinho e aqueles que vê em
família: no primeiro grupo estão aqueles que correspondem a seus interesses
específicos; no segundo, os que são do interesse de toda a família. Não se
observou, portanto, como denuncia certa parcela dos pesquisadores, que neste
grupo de alunos a televisão seja um elemento desagregador, que represente o
isolamento das pessoas em seus aposentos. Há momentos em que a tevê reúne a
família em torno de interesses comuns, e momentos em que os interesses
divergem. Além do mais, como adverte Beatriz Sarlo, a tevê não tem o poder de
fortalecer laços familiares:
inclusive quem pense que o ato de partilhar de um aparelho de televio,
instalado na sala ou na cozinha como um totem tecnológico, une com novos laços
aqueles que estão sentados diante do mesmo deo. Videofamílias, às quais o
enfraquecimento das relações de autoridade, paternidade e filiação tradicionais
133
teria lançado ao limite da dissolução, voltariam a unir-se no calor da luz cromática.
É difícil dizer se essa bela ficção neoantropogica tem mesmo alguma
veracidade, além das boas intenções.
78
Mais que um fator de agregação ou desagregação familiar, a existência de
televisores em vários aposentos da casa é um dos indicadores da condição de
vida dos alunos que compõe as mediações de referência, na classificão de
Orozco.
A pesquisa permitiu-nos saber que o grupo de alunos, tomado como um
conjunto, tem um padrão socioeconômico semelhante: moram em bairros de
classe média, viajam para o exterior e para várias regiões do Brasil, têm muitos
equipamentos em casa (vídeo, computador, DVD, etc.) e fazem diversos cursos
extracurriculares. Vão à escola de carro, levados pelos pais. Tudo isso certamente
tem grande peso em sua visão de mundo. Muito diferente seria se precisassem
trabalhar e ir de ônibus à escola, se não tivessem acesso a fontes variadas de
informação e formação cultural, se morassem em bairros que ficassem distantes
de shopping-centers e cinemas, etc.
Não se pode, contudo, estabelecer uma relação direta, à maneira positivista,
entre a constatação feita no parágrafo anterior e os efeitos da dia sobre os
alunos. Ambos são dados que nos permitem conhecer as mediações que estão
em jogo na produção de sentidos, e conclusões mais específicas fugiriam ao
modelo de pesquisa aqui adotado.
É possível, por exemplo, que as opções de lazer, que vão constituindo o
repertório cultural dos alunos e, na tipificação de Orozco, interferem bastante na
mediação individual, estejam muito menos ligadas a acesso financeiro do que a
questões de hábito familiar. Afinal de contas, pode-se imaginar, os alunos do
grupo pesquisado teriam plenas condições de usufruir de atividades culturais tidas
78
Beatriz S
ARLO
, Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. 3. ed.
Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. p. 79-80.
134
como de custo mais elevado, como o teatro e a leitura. No entanto, essas
atividades figuram com pouco destaque na pesquisa.
79
Como se de observar nas diversas reflexões que foram sendo
desenvolvidas ao longo da análise dos questionários, entrevistas e experiências
de recepção, o grupo, embora homogêneo em certos aspectos pertencem a
famílias pequenas, moram em bairros de classe média, estão na 8
a
série, estão na
mesma faixa etária, têm acesso a diversos bens culturais –, representa sujeitos
que se distinguem em certas particularidades do processo de recepção televisiva.
Por exemplo: o tempo dedicado à tevê, o papel da tevê em seu cotidiano, o
cenário da recepção, as preferências e o vel de criticidade em relão à
influência da tevê em sua vida, o conhecimento da linguagem televisiva. Situações
familiares bem específicas emergiram e nos ajudaram a elaborar algumas
reflexões sobre a presença da mídia televisiva na vida de um ou outro aluno.
Sobre as relações subjetivas entre os jovens pesquisados e a televisão,
observamos projeções e identificações na escolha dos programas para análise
Os Simpsons e Gordo Freak Show e na justificativa dessas escolhas
(“inteligente”, “faz críticas”, etc.), bem como na análise e reflexão realizadas em
torno da exibição dos episódios. Pudemos observar os pactos e negociações de
sentido na recepção do programa Gordo Freak Show, num processo catártico e
até mesmo simbiótico: durante a exibão, alguns alunos passaram a se comportar
como o apresentador.
Quando à escola escolhida para a pesquisa como espaço possível para a
mídia-educação, ela se mostrou plenamente adequada ao trabalho, não apenas
em termos de instalações e recursos, mas também quanto à receptividade dos
professores, técnicos e alunos, bem como ao próprio tamanho da turma (23
alunos). Uma vez que estavam disponíveis todos os materiais necessários na
escola, acreditamos que, com o treinamento específico do professor e um
79
O senso-comum de que o teatro e a leitura são atividades de custo mais elevado não
corresponde plenamente à realidade, pois há espetáculos gratuitos e preços populares; no caso da
leitura, bibliotecas públicas e escolares.
135
remanejamento da grade horária, seria perfeitamente realizável um projeto dessa
natureza, em caráter connuo ao longo do ano letivo.
Embora nosso enfoque aqui tenha sido a televisão, por necessidade de
limitação do objeto de estudo, a mídia-educação obviamente incluiria a análise de
outros meios de comunicação: jornais, rádio, internet, etc.
A intervenção produtiva, aqui apenas esboçada a título de diagnóstico,
poderia ser instituída, a exemplo do projeto Educom.rádio, citado no capítulo 1,
como valioso recurso para promover o conhecimento e a reflexão dos alunos
sobre os diversos meios de comunicação e sobre a necessidade de democratizar
o acesso a esses meios.
Quanto ao planejamento a ser estabelecido, caberá aos educadores, em
conjunto com os demais membros da comunidade escolar, definir os temas de
maior interesse, orientando-se pelo objetivo de explorar as várias alfabetizações
midiáticas de que fala Meyrowitz e que procuram promover um afastamento crítico
proposto por Joan Ferrés:
Educar para a reflexão crítica supõe ajudar a tomar distância no que se refere aos
próprios sentimentos, saber identificar os motivos da magia, compreender o
sentido explícito e implícito das informações e das histórias e, principalmente, ter
condições de estabelecer relações coerentes e críticas entre o que aparece na tela
e a realidade do mundo fora da mesma.
80
Ao levar para a escola um trabalho desse tipo, é possível que se produza no
aluno uma mudança importante em sua relação com a mídia. Não seria a função
da educação justamente preparar melhor o aluno para “ler o mundo”, conforme
advoga a pedagogia de Paulo Freire?
80
Joan F
ERRÉS
.
Op. cit. p. 80.
136
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Portal Brasil: <portalbrasil@portalbrasil.eti.br>. Acesso em: 3 jan. 2007.
141
ANEXOS
142
ANEXO 1
Q
UESTIONÁRIO
:
QUEM SÃO OS PARTICIPANTES DA PESQUISA
1. Informações pessoais
Nome: ...............................................................................................................
Idade: ......................
Série: ......................
Cursos complementares que faz no momento (música, idiomas, esportes, etc.):
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
Atividades profissionais:
........................................................................................................
2. Família
a. Com quem você mora?
.....................................................................................................
....................................................................................................................................
b. Qual o grau de instrução de seu pai? .............................................
c. E de sua mãe? ...............................................
d. Qual a profissão de seu pai? ..........................................................
e. E de sua mãe? .................................................................................
3. Contexto econômico
a. Descreva sua moradia: tamanho, número de quartos e de banheiros, outras
dependências:
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
b. Bens e eletrodomésticos:
143
-- Mora em imóvel alugado ou próprio? ...............................
-- Quantos televisores há em sua casa? .................................
-- Possui DVD? .....................................................................
-- Possui home-theater?..........................................................
-- Quantos carros há em casa? .................................................................
-- Quantos imóveis a família possui? ....................................
c. Em que bairro você mora? ......................................................................
d. A falia tem empregados? Quantos e em que funções?
....................................................................................................................................
e. Que meio de transporte você utiliza cotidianamente?
.........................................................
f. Onde você costuma passar as férias?
....................................................................................................................................
g. Cite algumas viagens que você já fez e as datas. Explique se viajou sozinho ou
acompanhado (nesse caso, com quem?)
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
144
ANEXO 2
V
OCÊ E SUA VIDA CULTURAL
Nome: ...............................................................................................................
1. Como você se diverte nos finais de semana e nos feriados?
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
2. Quantas horas por dia você vê tevê?
Durante a semana, de manhã: .......... horas
Durante a semana, à noite: ............... horas
Nos finais de semana:
-- de manhã: .................. horas
-- à tarde: ....................... horas
-- à noite: ........................ horas
3. Qual foi o último livro que você leu?
...............................................................................................................................
4. Você costuma ir ao teatro?
.........................................
5. Cite uma peça que você viu e gostou.
................................................................................................................................
6. Você costuma ir ao cinema?
...........................................
7. Cite um filme que você viu e gostou.
................................................................................................................................
8. Você tem tevê no seu quarto?
..............................................
9. Cite algum programa que você costume ver:
a) com seus pais ou outros familiares: ....................................................................
145
b) sozinho: ...............................................................................................................
10. Você costuma conversar com sua família sobre o que assistiu na tevê?
...........................................
11. Explique os principais aspectos da tevê:
a) pontos positivos: ...................................................................................
...................................................................................................................
b) pontos negativos: ...................................................................................
...................................................................................................................
12. Cite um programa de tevê de que você goste muito. Explique por que gosta.
...................................................................................................................
...................................................................................................................
...................................................................................................................
13. Cite um programa de tevê de que você o goste. Explique por que não gosta.
...................................................................................................................
...................................................................................................................
...................................................................................................................
14. Você gostaria de aparecer na tevê? .............
Se gostaria, explique:
a) O que você estaria fazendo na tevê: ....................................................................
b) Por que você gostaria de aparecer na tevê: ..........................................................
...................................................................................................................
15. Cite duas pessoas famosas e explique por que elas são famosas.
a) .............................................................................................................................
b) ...........................................................................................................................
146
ANEXO
3
REFLEXÕES SOBRE
PROBLEMAS EM CASA
”,
EPISÓDIO DE OS SIMPSONS
.
19/06/2006
Nome: ................................................................................
1. Descreva os personagens de Os Simpsons:
a) Homer: .....................................................................................................
......................................................................................................................
b) Marge: ......................................................................................................
......................................................................................................................
c) Bart: ...........................................................................................................
......................................................................................................................
d) Lisa: ..........................................................................................................
......................................................................................................................
e) Maggie: .....................................................................................................
......................................................................................................................
f) Sr. Burns: ...................................................................................................
......................................................................................................................
2. Você se identifica com algum desses personagens? Explique.
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
3. Qual o principal assunto do episódio?
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
4. Explique como é a relação entre o sr. Burns e os empregados da usina.
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
147
5. Qual é o papel da televisão na história narrada nesse episódio?
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
6. Como Homer tenta resolver os problemas mencionados no título do episódio?
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
7. Em certo momento, Homer compara sua família com outras. Que diferenças ele
nota?
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
8. Como o episódio termina?
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
9. Você acha que o episódio tem alguma relação com a vida real? Explique.
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
10. Qual é a principal mensagem do episódio na sua opinião?
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
148
ANEXO
4
REFLEXÕES SOBRE
G
ORDO
F
REAK
S
HOW
”,
PROGRAMA DE AUDITÓRIO
APRESENTADO POR
J
OÃO
G
ORDO
.
26/06/2006
Nome: ................................................................................
1. Descreva o apresentador do programa.
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
2. Descreva a platéia do programa.
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
3. Escreva um comentário sobre os personagens do programa Gordo Freak Show:
Caveira: ................................................................................................................
Trovão:...................................................................................................................
4. Quais as principais características do programa?
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
5. Você gostou do programa? Por quê?
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
6. Comente cada castigo” do programa:
149
a) Tortura Medieval: ......................................................................
b) Cadeira Elétrica: ........................................................................
c) Cama Nojenta: ....................................................................
d) Ringue: .........................................................................
e) Tanque de caranguejos: ............................................................................
f) Cuecão: .........................................................................
g) Torta na cara: ...............................................................................
h) Descascar cebolas: .......................................................................
7. Na sua opinião, a que público o programa se dirige?
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
8. A que público você acha que o programa não é adequado? Explique por quê.
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
9. Você gostaria de se inscrever para participar do programa? Por quê?
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
10. Qual a sua opinião sobre o modo de falar do apresentador e dos convidados
do programa?
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
11. Você acha que a banda convidada é adequada ao tipo de programa? Por quê?
..................................................................................................................................
..................................................................................................................................
150
ANEXO 5
Projeto para criação de um programa de tevê
Nome: ..........................................................................................................
Nome: ..........................................................................................................
Nome: ..........................................................................................................
1. Formato:
a) (...) telenovela
b) (...) minissérie
c) (...) seriado
d) (...) programa de auditório
e) (...) animação
f) (...) educativo
g) (...) telejornalismo
h) (...) variedades
i) (...) documentário
j) (...) esportes
l) (...) mesa-redonda
m) ( ) religioso
n) (...) talk-show
o) outro: .....................................................
....................................................................
2. Horário de exibição: ..........................................................................................
3. Duração: ............................................................................................................
4. Esse programa será parecido com algum programa existente? Qual?
................................................................................................................................
5. Em que o programa de vocês se diferencia? .......................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
6. Quais os objetivos do programa? ..........................................................................
....................................................................................................................................
151
7. A que público esse programa será dirigido? (especificar idade, classe social,
hábitos culturais, região do Brasil, etc.): ....................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
8. Faça uma síntese do projeto.
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
9. Qual será a função de cada membro do grupo na realização do programa?
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
....................................................................................................................................
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