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REDE GLOBO E POLÍTICA. O COMENTARISMO POLÍTICO DO JORNAL NACIONAL NO
ESCÂNDALO DO MENSALÃO
Celso Braga Junior
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientadora: Ingrid Sarti
Rio de Janeiro
Julho de 2007
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ii
REDE GLOBO E POLÍTICA. O COMENTARISMO POLÍTICO DO JORNAL NACIONAL NO
ESCÂNDALO DO MENSALÃO
Celso Braga Junior
Orientadora: Ingrid Sarti
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Profª. Ingrid Sarti
___________________________________
Profª. Alessandra Aldé
___________________________________
Prof. Nelson Rojas de Carvalho
Rio de Janeiro
Julho de 2007
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iii
Braga Jr., Celso
Rede Globo e Política. O comentarismo político do Jornal
Nacional no escândalo do mensalão. Rio de Janeiro: UFRJ/
IFCS, 2007.
viii, 125f.: 31 cm.
Orientadora: Ingrid Sarti
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, 2007.
Referências Bibliográficas: f. 109-114.
1. Comunicação e política. 2. Rede Globo. 3. jornalismo
midiático. 4. escândalo político-midiático. 5. comentaristas
políticos. I. Sarti, Ingrid. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de
Pós-graduação em Ciência Política. III. Rede Globo e Política.
O comentarismo político do Jornal Nacional no escândalo do
mensalão.
iv
RESUMO
REDE GLOBO E POLÍTICA. O COMENTARISMO POLÍTICO DO JORNAL NACIONAL NO
ESCÂNDALO DO MENSALÃO
Celso Braga Junior
Orientadora: Ingrid Sarti
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
O objetivo deste trabalho é analisar o comentarismo político do Jornal
Nacional da Rede Globo de Televisão enquanto espaço narrativo sobre os conflitos
políticos na conjuntura específica do chamado escândalo do mensalão. Abordou-se
a inserção da Rede Globo como ator político relevante no processo político brasileiro
desde sua implementação nos anos 1960. A seguir, discutiu-se o papel dos
comentaristas como formadores de opinião e sua relevância nas disputas políticas
que se apresentam nos espaços da mídia. Discutiu-se ainda o papel dos
condicionantes midiáticos na conformação da opinião destes profissionais.
Descreveu-se o comentarismo político do Jornal Nacional no momento de
deflagração e posterior desenvolvimento do escândalo do mensalão. Por fim,
discutiu-se a função política e ideológica desempenhada por parte do comentarismo
político do JN nessa conjuntura específica.
Palavras-chave: comunicação e política, Rede Globo, jornalismo midiático,
escândalo político-midiático, comentaristas políticos
Rio de Janeiro
Julho de 2007
v
ABSTRACT
Rede Globo and Politics. Jornal Nacional’s political commentaries on the mensalão
political scandal
Celso Braga Junior
Orientadora: Ingrid Sarti
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
The purpose of this work is to analyze the Rede Globo Jornal Nacional’s
political commentaries as a narrative space on the political conflicts in the specific
conjuncture of the mensalão political scandal. The insertion of Rede Globo as a
relevant political actor in the Brazilian political process is approached since its
implementation in the 1960s. The commentator’s role as opinion-makers and its
importance in the political disputes which take place in the media is discussed. The
role of the media filters in the shaping of these professionals’ opinions is also
discussed. The Jornal Nacional’s political commentaries on the outbreak of the
mensalão political scandal is described. Finally, the political and ideological role
played by part of the JN’s political commentaries on this particular conjuncture is
discussed.
Key words: media and politics, Rede Globo, mass media journalism, political
scandal
Rio de Janeiro
Julho de 2007
vi
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar gostaria de agradecer à professora Ingrid Piera Andersen
Sarti, cuja orientação dedicada e paciente tornou possível a realização deste
trabalho.
Gostaria também de agradecer aos professores Nelson Rojas de Carvalho e
Alessandra Aldé, que compuseram a Banca Examinadora.
À Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro-Faperj agradeço pelo apoio financeiro para a realização da pesquisa em
suas diferentes fases.
Agradeço ainda aos amigos Emmanoel de Oliveira Boff e Anna Carolina
Matta Machado, que muito me auxiliaram como interlocutores nas fases iniciais do
trabalho, assim como pela hospitalidade com que me receberam em seus lares
sempre que precisei, inclusive em meus anos de graduação. Sem a amizade de
ambos, o caminho até aqui trilhado teria sido bem mais longo e árduo.
Do mesmo modo, aos amigos José Cândido de Oliveira Boff e Gaëlle Rony
agradeço pela hospitalidade e pela interlocução.
Por último e mais importante, agradeço à minha amada companheira Aline
Klem Simões Correa, por tudo e mais um pouco ao longo desses quase seis anos de
convivência, e pela paciência e dedicação com que me ouviu e auxiliou ao longo da
realização deste trabalho.
vii
À Dulce Borges dos Santos
viii
SUMÁRIO
Apresentação 1
Capítulo 1. Estudos sobre mídia e política no Brasil 8
A Rede Globo: do nascimento à transição democrática
A Rede Globo na transição
A eleição presidencial de 1989 e o fenômeno Collor de Melo
O impeachment de Collor de Melo
1994: a Globo na eleição do Real
Governismo histórico e silenciamento da política em 1998
Imparcialidade e hipervisibilidade da política em 2002
Considerações finais
Capítulo 2. Meios de comunicação e disputa política 33
O jornalismo midiático e seus condicionantes
O comentário político e os comentaristas, formadores de opinião
Mídia, filtros e comentaristas
Comentaristas políticos do Jornal Nacional
Arnaldo Jabor e o jornalismo-cinematográfico
Franklin Martins, da clandestinidade à mídia
Dois perfis, dois destinos diferentes
Capítulo 3. O jornalismo opinativo do Jornal Nacional 52
Análise descritiva dos comentários
Comentários de Franklin Martins
Comentários de Arnaldo Jabor
ix
Capítulo 4. Análise comparativa 91
A função ideológica do comentarismo de Arnaldo Jabor
A figura do bufão-convertido na mídia brasileira
Diferentes comentários, diferentes destinos
Considerações finais
Referências bibliográficas 109
Anexos 115
Apresentação
A Rede Globo de Televisão constitui em nosso país uma força política, cultural e
ideológica em permanente influência junto à população. Considerando sua
hegemonia na mídia brasileira, este estudo analisa o jornalismo opinativo do Jornal
Nacional, o mais importante e assistido noticiário da televisão brasileira, fonte
principal de informação para grande parte da população.
1
Nosso objeto, porém,
restringe-se ao espaço do telenoticiário reservado ao jornalismo político de opinião,
ou seja, ao comentário político.
2
O foco da análise, portanto, está no jornalismo opinativo do Jornal Nacional.
Analisamos um fato político específico, aquele identificado como o escândalo do
mensalão — uma sucessão de escândalos políticos que passaram a ocupar
rotineiramente os espaços da mídia nacional ao longo de praticamente todo o
segundo semestre de 2005, no terceiro ano do primeiro mandato do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores.
Os escândalos ficaram assim conhecidos por terem sido deflagrados pelas
denúncias sobre compra de votos no Congresso feitas pelo então deputado federal
Roberto Jefferson do PTB-RJ, envolvendo membros do governo, do Partido dos
Trabalhadores e parlamentares de diversos partidos.
3
Comissões Parlamentares de
1
Assistido diariamente por dezenas de milhões de pessoas nas noites de segunda a sábado,
o telejornal da Rede Globo pode ser considerado representativo da centralidade que a grande
mídia assume nas sociedades contemporâneas e de sua configuração no que alguns autores
identificaram como indústria cultural, o quarto poder ou um novo Príncipe, agora eletrônico,
como atesta a literatura especializada. Sobre a importância do Jornal Nacional na política
brasileira, ver por exemplo ALBUQUERQUE, Afonso de. A campanha presidencial no Jornal
Nacional: observações preliminares, 1994; PORTO, Mauro. Novas estratégias políticas na
Globo? O ‘Jornal Nacional’ antes e depois da saída de Cid Moreira, 1999; MIGUEL, Luis
Felipe. A eleição visível: a Rede Globo descobre a política em 2002, 2003. Ver ainda, o
estudo de caso sobre o Jornal Nacional e a violência que constituiu dissertação de mestrado
no PPGCP: GOUVÊA, V. O infame Estado paralelo. Violência e política no Jornal Nacional,
2005.
2
Os espaços reservados ao jornalismo político informativo, esmagadoramente
predominantes no telejornal quando comparados ao jornalismo político de opinião, não são
levados em conta em nossa análise. Nossa opção pela análise do jornalismo de opinião será
fundamentada no segundo capítulo deste trabalho.
3
Os 19 deputados formalmente acusados no Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista
de Inquérito (CPMI) dos Correios por envolvimento no mensalão pertenciam ao seguintes
partidos: PL (4 deputados), PTB (2), PFL (1), PT (7), PP (4), PMDB (1). Já entre as 40
pessoas denunciadas ao Supremo Tribunal Federal pelo Ministério Público Federal por
2
Inquérito foram instauradas e televisionadas em tempo real, ministros de Estado e
funcionários do PT se afastaram ou foram afastados, e parlamentares foram
cassados em decorrência da crise. Chegou-se a discutir, na mídia e na oposição, a
possibilidade de impedimento do presidente da República, caso ficasse comprovado
seu envolvimento nos esquemas de corrupção denunciados. Os congressistas
envolvidos no escândalo ficaram popularmente conhecidos através da mídia como
mensaleiros. Os efeitos desses escândalos, no entanto, não corresponderam às
dimensões apocalípticas anunciadas pela mídia: o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva reelegeu-se no ano seguinte (outubro de 2006) e entre os 12 (doze)
deputados mensaleiros que voltaram a se candidatar, 7 (sete) se reelegeram.
4
Registre-se, porém, que o tema da corrupção na política veio à tona com a ênfase
na necessidade de uma profunda reforma política que incluía inclusive a
organização e o funcionamento do Congresso brasileiro.
Contudo, para o escopo desta dissertação, a análise de conjuntura tem como
objetivo apontar a maneira pela qual, através do jornalismo político de opinião de
seu Jornal Nacional, a Rede Globo constituiu um espaço onde os conflitos do campo
político foram apresentados à população no momento do escândalo em questão. O
que nos interessa é saber como esses conflitos foram narrados e que tipo de
narrativas foram adotadas.
envolvimento no mensalão em 11 de abril de 2006, encontravam-se integrantes do PT, PP,
PL, PTB e PMDB. Registre-se que além da presença de um deputado da oposição, Roberto
Brant do PFL-MG, na lista dos envolvidos com o mensalão, o escândalo levantou suspeitas
também sobre o PSDB quanto à utilização de caixa dois e de recursos do esquema do
publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza no financiamento da campanha eleitoral de
Eduardo Azeredo em 1998, então governador de Minas Gerais e candidato à reeleição. No
momento do escândalo do mensalão, Azeredo era senador por Minas Gerais e presidente do
PSDB, que juntamente com o PFL compunham a principal frente de oposição ao governo
Lula-PT.
4
Os sete deputados formalmente acusados pelas CPMIs dos Correios e da Compra de Votos
(esta última alcunhada pela mídia de “CPI do Mensalão”) que se reelegeram foram: Sandro
Mabel (PL-GO), Pedro Henry (PP-MT), João Paulo Cunha (PT-SP), José Mentor (PT-SP),
Vadão Gomes (PP-SP), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Paulo Rocha (PT-PA). Os outros cinco
deputados formalmente acusados que se candidataram, mas não se reelegeram foram:
Romeu Queiroz (PTB-MG), Professor Luizinho (PT-SP), João Magno (PT-MG), Josias Gomes
(PT-BA), José Borba (PMDB-PR).
3
O contexto teórico
A ascensão das democracias liberais no ocidente é acompanhada pela
difusão dos chamados escândalos midiáticos — a expressão é de Thompson.
5
Fazendo uso das categorias de Pierre Bourdieu, o autor argumenta que os
escândalos políticos se tornam comumente lutas por poder simbólico ... na arena
midiática da política moderna, em que o que se encontra em jogo é o capital
simbólico (reputação e confiança) das forças políticas em disputa pela conquista da
opinião pública. Segundo o autor, um escândalo político caracteriza-se como
midiático quando, publicado pelos meios de comunicação, deixa de se restringir ao
nível local de um campo político para ganhar o âmbito onde o campo e o subcampo
políticos se sobrepõem com a mídia.
6
Assim, o escândalo político-midiático não é
simplesmente um acontecimento político vindo a público pela mídia: é também, de
certo modo, um acontecimento produzido pela mídia.
7
Em suma, os escândalos se
constituem como tal à medida que são divulgados pela mídia.
A comoção e a superexposição do campo político na mídia provocadas por
estes fenômenos os tornam momentos privilegiados para o estudo das relações de
poder que atravessam as esferas da mídia, da política e a atuação de seus
respectivos atores sociais. Em um escândalo político-midiático, do mesmo modo
que no momento eleitoral, os acontecimentos da política saem de sua rotina
habitual, ganham velocidade e maior exposição nos meios de comunicação,
passando a tomar parte da vida cotidiana do cidadão comum. Saindo dos
bastidores, a política entra então no palco principal sob os holofotes midiáticos. A
5
THOMPSON, J. B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia, 2002.
6
Idem: 137-139. Para uma definição do conceito de campo, ver BOURDIEU, P. Algumas
propriedades dos campos; e A gênese dos conceitos de habitus e campo. Para uma
apresentação sobre as propriedades específicas do campo político, ver do mesmo autor, A
representação política: elementos para uma teoria do campo político.
7
Thompson elenca quatro aspectos gerais das organizações de mídia que influenciariam na
orientação de seu pessoal para a criação de escândalos: a) objetivos de lucro financeiro; 2)
objetivos políticos; 3) autoconcepções profissionais; e 4) rivalidades competitivas.
THOMPSON, J. B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia, 2002.
4
maior possibilidade de mudanças nas relações de força engendrada por estes
momentos excepcionais exacerba os conflitos próprios à política, podendo trazer à
tona suas relações e contradições. O escândalo midiático e o momento eleitoral
constituem ocasiões em que a grande mídia, que em tempos de normalidade
procura impostar uma certa imparcialidade devido à sua orientação mercadológica
própria a seu caráter de indústria de cultura e de informação, se vê muitas vezes
forçada a partidarizar-se momentaneamente, assumindo uma posição político-
ideológica mais clara em função das expectativas de seu público consumidor.
8
Este trabalho insere-se na linha dos estudos interdisciplinares que se
ocupam das relações entre mídia e política no Brasil contemporâneo. Neles, desde a
democratização dos oitenta, predominam as análises sobre os momentos eleitorais.
Já os fenômenos de escândalos político-midiáticos não provocam a mesma atenção.
No entanto, o chamado escândalo do mensalão constitui um momento
privilegiado para analisar a forma como a Rede Globo atua no cenário político e o
modo pelo qual os profissionais da mídia desempenham o papel de analistas de
notícias.
Em nosso trabalho, abordaremos o chamado escândalo do mensalão como
representação político-midiática, i.é., uma construção discursiva simultaneamente
proveniente do campo da política e da mídia. A ênfase na análise recai, portanto,
nas narrativas, nas representações da política e de seus atores que são adotadas e
mesmo moldadas pelo jornalismo político de opinião do Jornal Nacional nessa
conjuntura específica. Significa dizer que os aspectos institucionais ou a dimensão
real dos eventos na vida política são apenas um pano-de-fundo para nossa análise.
8
MELO, J. M. de. A opinião no jornalismo brasileiro, 1992. De acordo com o autor,
momentos de comoção político-social provocam a polarização da opinião pública, o que
pressionaria os meios de comunicação a tomarem uma posição política mais definida para
não desapontarem as expectativas de seu público consumidor. Thompson também
argumenta que a produção de escândalos midiáticos é também modelada, em alguns casos,
por indivíduos que empregam formas midiáticas de comunicação para conseguir objetivos
políticos. (...) embora muitos jornais de circulação de massa vejam o mercado como sua
fonte de renda e proclamem formalmente sua neutralidade política, eles, normalmente, se
posicionam dentro de uma faixa relativamente ampla do espectro político e estão dispostos a
apoiar temporariamente, ou de maneira condicional, a seus partidos ou líderes específicos.
THOMPSON, J. B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia, 2002: 110-111.
5
O escândalo em questão nos serve como recorte temporal para analisarmos o
comentarismo político do Jornal Nacional em termos de espaço de veiculação e
construção de representações sobre a política nacional numa conjuntura de
exacerbação dos conflitos no campo político.
Por ser esse um momento especial de exacerbação e alta visibilidade dos
conflitos políticos na mídia, cabe aqui perguntar se esta foi efetivamente uma
conjuntura propícia à partidarização da grande mídia, no caso, a Rede Globo. Ou o
que nela predominou foi a adaptação inequívoca à sua condição de indústria
cultural mercadologicamente orientada. A análise propicia ainda uma indagação
sobre a ambigüidade da Rede Globo em relação ao viés que teria predominado no
comentarismo político veiculado pelo telenoticiário: o tradicional governismo da
emissora ou sua histórica oposição às esquerdas?
9
Outro aspecto que merece destaque na literatura de mídia e política no
Brasil é que os estudos tendem a negligenciar a atuação dos profissionais da mídia
– incluindo-se aí os comentaristas e outros jornalistas. Tende-se a atribuir à
orientação empresarial toda a responsabilidade dos conteúdos divulgados. Assim, o
foco é predominantemente dirigido para as estruturas narrativas, os temas
agendados e os conteúdos veiculados pelos meios, mas pouco tem sido falado
sobre aqueles que atuam na produção de tais estruturas e na veiculação destes
conteúdos. No entanto, os comentaristas políticos fazem parte do grupo
politicamente relevante de formadores de opinião da sociedade contemporânea.
Suas opiniões de experts — ou peritos — são freqüentemente buscadas pelo
cidadão comum para formar suas opiniões ou orientar suas ações em relação a
assuntos dos quais se distanciam comumente.
10
No estudo que ora apresentamos, são justamente os comentaristas nosso
objeto. A pretensão aqui é de contribuir para o entendimento do papel que os
profissionais dos meios de comunicação desempenham no jogo de forças que se
9
Esses traços serão motivo de análise do primeiro capítulo.
10
GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade, 1991.
6
estabelece na zona de interseção em que a esfera da mídia se encontra com a da
política.
Desenvolvimento do Trabalho
No primeiro capítulo, apresentamos uma revisão da literatura sobre mídia e
política voltada para a análise da presença histórica da Rede Globo no campo
político brasileiro desde sua implementação nos anos 1960. Importantes momentos
de nossa história democrática em que essa presença se fez sentir de modo notável,
como a campanha das Diretas-já e a ascensão de Collor de Melo em 1989, até a
cobertura de momentos eleitorais recentes, são levados em conta. Esses trabalhos
demonstram que a relação da Rede Globo com a política ao longo dessas quatro
décadas tem sido caracterizada por posições predominantemente governistas e
oficialistas, e pelo apoio a políticas, projetos e candidatos favoráveis aos interesses
patronais, financeiros e especulativos do grande capital multinacional e nacional-
associado — que a partir do final dos oitenta se apresentam sob o crivo do
neoliberalismo — e sua oposição a candidaturas e projetos à esquerda do espectro
político.
No segundo capítulo, discutimos o papel dos comentaristas políticos como
peritos e formadores de opinião nas sociedades contemporâneas, assim como sua
relevância nas disputas políticas que se apresentam nos espaços da mídia.
Abordamos ainda o papel dos condicionantes midiáticos na conformação da opinião
desses profissionais. Baseando-nos em autores como Bourdieu, Chomsky e Melo,
argumentamos que o comentarismo político na grande mídia tende a se apresentar
como uma atividade normatizada, em que a opinião do profissional pouco se afasta
da linha editorial adotada pela empresa para a qual trabalha. O final do capítulo
contém um levantamento dos perfis biográfico-profissionais dos jornalistas cujos
comentários nos ocupamos em analisar na seção seguinte.
O terceiro capítulo descreve o jornalismo político de opinião do Jornal
Nacional, ou seja, seu comentarismo político entre os meses de maio e outubro de
7
2005. Adotamos como unidades de análise as participações dos jornalistas Arnaldo
Jabor e Franklin Martins, os dois comentaristas fixos do JN naquele período. Em
suma, nosso recorte tem como pano de fundo o chamado escândalo do mensalão, e
nossa proposta é verificar como o Jornal Nacional da Rede Globo, através de seu
jornalismo opinativo, se constituiu em espaço narrativo sobre os acontecimentos e
atores políticos naquela conjuntura de comoção do campo político nacional.
No capítulo quarto, buscamos analisar o papel desempenhado por parte do
jornalismo político de opinião da emissora na conjuntura específica do escândalo do
mensalão em suas implicações políticas e ideológicas.
Capítulo 1
Estudos sobre mídia e política no Brasil
A transição democrática dos oitenta permitiu a emergência das relações entre mídia
e política em toda sua complexidade. Primeiro, ao desimpedir, com o fim da
censura oficial do Estado, a livre realização da política nos espaços dos meios de
comunicação. Segundo, ao trazer o elemento de incerteza proporcionado pela
disputa democrática para o cenário político até então sob o controle do bloco
tecnoburocrático-militar do regime autoritário inaugurado em 1964. Nesse novo
cenário de incerteza democrática, a mídia constituiu ator importante, capaz de
influenciar os rumos dos acontecimentos políticos e disputar com a sociedade o
poder de decisão sobre medidas de interesse público.
Essa etapa é marcada por uma certa complexificação teórico-metodológica
nos estudos sobre mídia e política no Brasil, exigida para a compreensão das novas
formas de interação entre mídia e política que se configuram a partir dos anos
1980. É um período divisor de águas nos estudos sobre a relação dos meios de
comunicação e a política no Brasil, que podem ser divididos em duas etapas.
1
Na
primeira fase, entre os anos setenta e oitenta do século passado, os estudos
centravam-se na categoria ideologia e em outras advindas da teoria crítica, dos
trabalhos de Gramsci e do marxismo.
2
Na segunda, que se segue com a transição
democrática e se estende até os dias atuais, a videopolítica
no Brasil emerge em
todo seu vigor e engendra estudos que terão nas eleições de 1989 um
acontecimento catalisador.
1
Para maiores detalhes sobre esses dois momentos, ver RUBIM & AZEVEDO. Mídia e política
no Brasil: estudos e perspectivas, 1998.
2
Outras categorias centrais encontradas nos trabalhos produzidos nesse momento pioneiro
foram as de indústria cultural de Adorno e Horkheimer, hegemonia de Antonio Gramsci e
aparelhos ideológicos de Estado (AIE) de Louis Althusser. Exemplo dos trabalhos produzidos
nesse período é o livro de COHN, G. Sociologia da comunicação. Teoria e ideologia, 1973.
Ver: ADORNO & HORKHEIMER. A dialética do esclarecimento, 1991; GRAMSCI, A. Maquiavel,
a política e o Estado moderno, 1968; ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: notas
sobre os aparelhos ideológicos de Estado, 1985.
9
Até então, a censura e a coerção podiam ser usadas como fatores
explicativos para a sintonia existente entre a realidade representada nos grandes
meios de comunicação e os interesses do bloco de poder no Estado. Com o fim
gradual do instituto da censura oficial, a partir da abertura política que tem início
em meados dos anos 1970, a atuação política da mídia, particularmente da Rede
Globo, e suas relações com o poder explicitam-se: já não era mais possível
justificar suas posições editoriais favoráveis ao governo pela coerção estatal ou por
receio dela.
Assim, a partir da década de 1980, uma literatura significativa volta-se para
a análise da relação entre os meios de comunicação, em particular os veículos da
Rede Globo, e o campo político no Brasil, agora em reconfiguração em plena
abertura democrática.
Sem a pretensão de uma abordagem exaustiva, revisitaremos alguns desses
estudos cujo esforço de análise centrou-se na inserção da Rede Globo de Televisão
como importante ator no processo político brasileiro.
A Rede Globo: do nascimento à transição democrática
É fácil perceber a simbiose da Rede Globo com o poder desde o início do processo
de sua implementação nos anos sessenta. Sobre esse momento inaugural entre os
anos de 1961 e 1968, Herz descreveu as ilegalidades na implantação da emissora e
destacou os pesados investimentos econômicos e de pessoal do grupo norte-
americano Time-Life — em flagrante desrespeito à Constituição, que vedava a
intervenção de capital estrangeiro em empresas de comunicação brasileiras.
3
O
3
Art.160 da Constituição então vigente, no qual se lia: É vedada a propriedade de empresas
jornalísticas, sejam políticas ou simplesmente noticiosas, assim como de radiodifusão, a
sociedades anônimas por ações ao portador e aos estrangeiros. Nem esses, nem pessoas
jurídicas, excetuados os partidos políticos nacionais, poderão ser acionistas de sociedades
anônimas proprietárias dessas empresas. A brasileiros (art.129, n
os
. I e II) caberá,
exclusivamente, a responsabilidade principal delas e a sua orientação intelectual e
administrativa. Citado em HERZ, D. A história secreta da Rede Globo: 229. De acordo com
Herz, a TV Globo havia recebido pouco mais de 6 milhões de dólares americanos do grupo
Time-Life entre julho de 1962 e maio de 1966 (mais precisamente, US$ 6.090.730,53), além
de ter contado com a assistência técnica de funcionários do grupo norte-americano, como,
por exemplo, o notório Joe Wallach, que trabalhou junto à TV Globo de 1965 a 1980, apesar
de suas funções na empresa terem extrapolado às de uma simples assessoria técnica. Ver
HERZ, D. A história secreta da Rede Globo, 1987.
10
episódio contou com a complacência de autoridades políticas, militares,
tecnoburocratas e líderes empresariais brasileiros que haviam colaborado na
realização do golpe militar de 1964.
4
Contudo, apesar de se tornar alvo de investigação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados para averiguar a legalidade de
sua relação com a Time-Life, a TV Globo – Canal 4 do Rio de Janeiro — é
inaugurada em abril de 1965.
5
Nascida integrada ao bloco histórico que havia
tomado o poder em 64, a emissora serve política e economicamente aos interesses
desse mesmo bloco. Politicamente, não apenas como elemento de máxima
importância de uma estratégia de integração nacional adotada pelo Estado
autoritário, mas também como instrumento de legitimação do regime, transmitindo
o clima de euforia propiciado pelo crescimento econômico dos anos 1970 mediante
a exploração patriótica das vitórias da seleção brasileira de futebol e a divulgação
de campanhas como a que tinha por slogan Brasil, ame-o ou deixe-o.
6
Economicamente, sua colaboração é explícita, ao ser ela mesma um instrumento na
criação e desenvolvimento de um mercado unificado para produtos eletrônicos
produzidos por empresas em sua maioria multinacionais, que atuou como
catalisador e modelo para o capitalismo monopolista associado que aqui se
implantava.
7
O próprio presidente-general Garrastazu Médici enfatiza o papel de agente
legitimador do regime autoritário desempenhado pela Globo, ao declarar, em 1973:
4
Entre estes estavam o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, Roberto de Oliveira
Campos, Octávio Gouvêa de Bulhões, Dênio Nogueira, Harold Cecil Polland, Luiz Gonzaga do
Nascimento e Silva, Coronel João Batista Figueiredo, General Ernesto Geisel, General Golbery
do Couto e Silva, Luiz Viana Filho, Almirante José Cláudio Frederico Beltrão, Comandante
Euclides Quandt de Oliveira e Haroldo Corrêa de Matos. Ver HERZ, D. A história secreta da
Rede Globo, 1987: 203-205.
5
A despeito do resultado da CPI instaurada em 1965 ter comprovado a ilegalidade de sua
relação com a Time-Life e do parecer contrário do Conselho Nacional de Telecomunicações, a
Rede Globo obteve o encerramento do caso a seu favor pelo então presidente da República,
o general Arthur da Costa e Silva, em setembro de 1968.
6
SARTI, I. Nuevas tecnologias en la era de la television, 1989.
7
HERZ, D. A história secreta da Rede Globo, 1987.
11
Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para
assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves,
agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo,
o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como
se eu tomasse um tranqüilizante após um dia de trabalho.
8
No mesmo tom, anos mais tarde, um alto funcionário da Globo diria:
Deu-se um belo casamento da Globo com a imagem de Brasil
Grande. A Globo passou a ser representante dos ideais e
sonhos do milagre, do ufanismo desenvolvimentista, do
glamour, acima inclusive das próprias crises e dos próprios
altos e baixos do sistema nesses 15 anos. A Globo virou o
baluarte da classe média, pairando acima da realidade e
vendendo ao espectador um Brasil bonito, bem-sucedido, um
Brasil de milagre. Foi afinidade, não foi um plano
maquiavélico de ninguém. A Globo é, sem dúvida alguma, o
produto mais bem acabado e mais bem-sucedido da
ditadura. A Globo concretizou uma abstração: Ordem e
Progresso.
9
Em suma, com suas inovações tecnológicas e seu padrão global de
qualidade, nacionalmente produzidos ou importados, a emissora impôs-se como
padrão de um modelo de desenvolvimento modernizante-conservador e autoritário
na economia de comunicação de massa brasileira. O fim do regime autoritário não
teria trazido, contudo, o fim desse modelo de desenvolvimento, mas sua
manutenção sob a égide da Nova República e da institucionalidade democrática.
10
A Rede Globo na transição
A presença da Rede Globo em importantes acontecimentos que ocorreram no
período da transição democrática foi objeto de análises da incipiente literatura em
mídia e política no Brasil de meados dos anos 1980. Conforme já observamos, o fim
da censura oficial em 1980 acabou por tornar mais evidente a ligação da Rede
Globo com o regime autoritário, uma vez que o caráter governista e parcial da
cobertura noticiosa praticada pela emissora já não se explicava como conseqüência
da coerção do Estado. O rompimento dessa ligação só viria com o fim do próprio
8
Apud LIMA. V. A. de. A Rede Globo e a transição para a democracia, 2004: 159.
9
Idem: 163.
10
Ver HERZ, D. A história secreta da Rede Globo, 1987. Ver também GUIMARÃES &
AMARAL. A televisão brasileira na transição (um caso de conversão rápida à nova ordem),
1986.
12
regime autoritário, o que ocorreria, contudo, sem que a Rede Globo se afastasse do
núcleo do poder em sua nova configuração sob a institucionalidade democrática.
Em um trabalho cujas origens remontam a um estudo publicado pela
primeira vez em 1984, Lima argumentou que a Rede Globo fez uso deliberado da
distorção, omissão e promoção de informações com objetivos claramente políticos
na cobertura de três acontecimentos ocorridos durante o período da transição
democrática, a saber, as eleições para o governo do estado do Rio de Janeiro em
1982, as greves de Paulínia e do ABC em 1983, e a campanha pelas eleições
diretas entre 1984 e 1985.
11
Nas eleições de 1982, as primeiras diretas para governador do estado com
as quais a emissora se deparou em sua história, a Rede Globo envolveu-se no Rio
de Janeiro em um esquema frustrado de fraude eleitoral que visava impedir a
vitória do candidato oposicionista Leonel Brizola, do PDT.
12
Através da divulgação
de uma contagem de votos previamente distorcida pela empresa responsável pela
apuração— a Proconsult —, o papel da Rede Globo seria o de conferir legitimidade
ao resultado fraudado do pleito em benefício do candidato situacionista Moreira
Franco, do PDS. Descoberta a tentativa de fraude pela apuração paralela realizada
pelo Jornal do Brasil e pelo próprio PDT, Leonel Brizola tornou-se governador e o
escândalo da apuração distorcida entraria para a história com o nome de
Proconsult.
13
11
LIMA. V. A. de. A Rede Globo e a transição para a democracia, 2004. Conforme o autor,
esse trabalho dá prosseguimento ao realizado em parceria com Murilo César Ramos e
publicado em 1984: LIMA & RAMOS: A televisão no Brasil: desinformação e democracia,
1984.
12
LIMA. V. A. de. A Rede Globo e a transição para a democracia, 2004.
13
Para uma defesa da própria Globo em relação a seu alegado envolvimento na tentativa de
fraude do Proconsult, ver o livro MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história.
Nesta publicação a emissora apresenta suas justificativas e defesas para diversas outras
situações em que se encontrou envolvida em polêmicas. É digno de nota que na seção dos
depoimentos não se encontra o de Luis Carlos Cabral, responsável na época por todo o
jornalismo da TV Globo no Rio. Depoimento, aliás, parcialmente reproduzido por Herz, no
qual se explicita que o papel da Globo no esquema seria o de preparar a opinião pública para
receber o resultado fraudado da apuração que estava sendo realizada pela Proconsult. HERZ,
D. A história secreta da Rede Globo, 1987: 13-16.
13
No caso das greves de Paulínia e do ABC, os próprios jornalistas da TV
Globo, por meio de uma censura auto-imposta, cobriram os eventos de acordo com
o que entendiam ser a expectativa de Roberto Marinho, enfatizando as críticas
oficiais e patronais às ações dos grevistas.
14
Já nas campanhas pelas eleições diretas em 1984-1985, a Globo, num caso
de omissão deliberada, praticamente recusou-se a cobrir nacionalmente os eventos
durante seus primeiros 90 dias, em virtude da ameaça que estes representavam a
setores do regime autoritário interessados em sua manutenção no poder, que
poderia ser viabilizada numa transição controlada.
15
Quando a cobertura
telejornalística foi finalmente realizada em caráter nacional, por ocasião da
campanha pelas diretas ocorrida a 25 de janeiro de 1984 na praça da Sé em São
Paulo, minimizou-se o caráter político da manifestação, veiculada pelo Jornal
Nacional com ênfase nos aspectos festivos e comemorativos do aniversário da
cidade.
16
Foi somente duas semanas antes da votação pelo Congresso da emenda
Dante de Oliveira, quando um comício de imensas proporções reuniu as oposições
ao regime autoritário no Rio de Janeiro, em 10 de abril de 1984, que a Rede Globo
mudou sua atitude de silêncio e distorção para dar uma cobertura mais completa e
menos parcial à mobilização popular.
17
14
RAMOS, M. C. O trabalhador na TV – Bandidos e mocinhos, 1983.
15
Foi o próprio Roberto Marinho que, em matéria publicada na Veja de 05/09/84, deu a
seguinte explicação: Achamos que os comícios pró-diretas poderiam representar um fator de
inquietação nacional e, por isso, realizamos num primeiro momento apenas reportagens
regionais. Mas a paixão popular foi tamanha que resolvemos tratar o assunto em rede
nacional. Citado em MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história, 2004: 156.
16
A chamada da matéria lida pelo locutor referiu-se ao evento apenas como uma das muitas
comemorações pelo aniversário da capital paulista. A matéria, contudo, mencionava em
algumas passagens o caráter político deste.
17
Segundo Lima, quatro fatores teriam contribuído para que a Rede Globo distorcesse,
omitisse ou promovesse informação ao cobrir esses três acontecimentos. Primeiro, seu
enlaçamento com o regime autoritário e sua constituição, desde meados dos anos setenta,
em um virtual monopólio na televisão brasileira. Segundo, condições favoráveis para esse
tipo de atuação da Rede Globo propiciadas pela fragilidade histórica de algumas das
instituições políticas de nossa sociedade civil e pela crise dos partidos. Terceiro, uma
peculiaridade do dono das Organizações Globo, o empresário Roberto Marinho, que
acreditava administrar suas empresas com um senso de estar servindo ao seu país, o que
tornaria a Rede Globo um aparelho privado de hegemonia diferenciado dos demais. E, por
último, a constituição da Rede Globo em agente legitimador do bloco histórico que se
formava para assumir o poder a partir de 1984-1985 no apagar das luzes do regime
autoritário, desempenhando o mesmo papel que lhe coube nos anos 1970, quando fornecia a
14
Ciente de sua força consolidada, a Rede Globo já dispunha naquele
momento de uma certa autonomia frente aos poderes constituídos, podendo
mesmo ir de encontro a frações do bloco autoritário no poder na defesa de seus
próprios interesses empresariais, juntando-se à oposição no momento em que se
tornava patente a insustentabilidade do regime.
18
Na análise do fenômeno da súbita conversão da Rede Globo à ordem
democrática emergente, Guimarães e Amaral concluem que, ao encarnar
inesperadamente o protagonismo das oposições ao regime autoritário, a emissora
legitimava-se perante as demandas democráticas da população.
19
Simultaneamente, legitimava o novo regime e seus atores emergentes, que se
articulavam em torno da candidatura de Tancredo Neves para uma transição de
conciliação via Colégio Eleitoral, entre eles o próprio Roberto Marinho.
20
Desse
modo, a Rede Globo dava continuidade à sua histórica identificação com o poder,
que naquele momento passava por um processo de reconfiguração, como Sarti
afirma:
O oportunismo, ou, caso se prefira, o tino político da direção
da emissora revelou – já em 1984 – uma sensibilidade às
novas demandas da transição democrática, demostrando que
necessária sustentação ideológica a este mesmo regime. Ver LIMA. V. A. de. A Rede Globo e
a transição para a democracia, 2004. Sobre a Rede Globo nas Diretas, ver também
GUIMARÃES & AMARAL. A televisão brasileira na transição (um caso de conversão rápida à
nova ordem), 1986; e TOSI, A. A massa na praça: mobilização e conflito na campanha das
diretas já, 1995.
18
Esse ponto é destacado em GUIMARÃES & AMARAL. A televisão brasileira na transição (um
caso de conversão rápida à nova ordem), 1986. Outros foram considerados influentes na
gradual ruptura de Roberto Marinho com o grupo no poder do governo Figueiredo: primeiro,
a abertura em 1980 de licitações públicas para concessões de novos canais de televisão, o
que possibilitou a criação de novas redes pelo Grupo Sílvio Santos (SBT) e grupo Bloch (Rede
Manchete) a partir da divisão do espólio da Rede Tupi, com conseqüências para a quebra da
situação de pré-monopólio desfrutada pela Rede Globo até aquele momento; segundo, a
decisão por parte de Roberto Marinho em não apoiar o candidato oficial Paulo Maluf nas
eleições indiretas a serem realizadas em 1985, apoiando em contrapartida o vice-presidente
Aureliano Chaves; terceiro, a mobilização provocada pelas Diretas Já, que teria levado o
grupo dissidente de Aureliano Chaves e Roberto Marinho a se articular com a oposição
política em torno da candidatura de Tancredo Neves e de uma transição negociada via
Colégio Eleitoral. LIMA. V. A. de. A Rede Globo e a transição para a democracia, 2004.
19
GUIMARÃES & AMARAL. A televisão brasileira na transição (um caso de conversão rápida à
nova ordem), 1986.
20
Politicamente, esse bloco de poder emergente expressou-se após a derrota da emenda
Dante de Oliveira na formação da Aliança Democrática, em que líderes peemedebistas se
articularam com parcelas dissidentes do PDS para disputar com Tancredo Neves a
presidência da República em 15 de janeiro de 1985 no Colégio Eleitoral.
15
a Rede Globo nasceu e cresceu com a ditadura, mas não caiu
com ela. Como foi dito, se em algum lugar cabe a noção
althusseriana de aparelho ideológico de Estado, esse lugar é
o Brasil e esse aparelho é a Rede Globo.
21
Afinal, na fase da doença de Tancredo Neves, a Rede Globo logrou
consolidar seu papel de legitimador e vigilante da recém-nascida institucionalidade
democrática, ao cobrir de perto, dia após dia, hora após hora, os momentos de
apreensão em torno da agonia do presidente. Com sua morte, a emissora viria a se
tornar, como não poderia deixar de ser, uma espécie de porta-voz oficial da Nova
República de José Sarney, ao ter seu poderio não apenas mantido, mas mesmo
fortalecido com o advento do novo regime. Não é portanto de surpreender a
subsequente troca de favores da emissora com o poder central, em que surge como
importante aliado da Globo a pessoa do então Ministro das Comunicações Antônio
Carlos Magalhães, aliás, político oriundo do governo militar.
22
A eleição presidencial de 1989 e o fenômeno Collor de Melo
Após um período de 29 anos sem eleições diretas para a presidência, a eleição de
1989 foi, conforme já observado, ao mesmo tempo um marco e um acontecimento
catalisador dos estudos em mídia e política no Brasil. Toda a complexidade e
potencialidade contidas nas possíveis interações entre os meios de comunicação e a
21
SARTI, I. Nuevas tecnologias en la era de la television, 1989: ¿? (tradução minha.
Original: El oportunismo o, si se quiere, el tino político de la dirección de la emisora reveló –
ya en 1984 – una sensibilidad a las nuevas demandas de la transición democrática,
demostrando que la Red Globo nació y creció con la dictadura, pero no cayó con ella. Como
ya se dijo, si en algún lugar cabe la noción althusseriana de aparato ideológico de Estado,
ese lugar es el Brasil y ese aparato es la Red Globo). A autora descreve ainda o esforço
realizado pelo par Estado-Rede Globo na persecução do avanço nas área das novas
tecnologias de comunicação, enfatizando o protagonismo da Vênus Platinada no processo do
desenvolvimento autoritário, ao mesmo tempo modernizante e conservador, das
comunicações no caso brasileiro.
22
Foi durante a Nova República que a influência de Roberto Marinho junto ao poder central
mais se fez sentir, exemplificada em episódios como a escolha de Antônio Carlos Magalhães
para o ministério das Comunicações de Tancredo Neves, e o caso relatado por Maílson da
Nóbrega que, candidato de Sarney ao cargo de Ministro da Fazenda deixado por Bresser
Pereira, afirmou ter sido sabatinado por Roberto Marinho antes de assumir sua função. Para
um relato de como se deu a viabilização de Antônio Carlos Magalhães para o Ministério das
Comunicações de Tancredo Neves e da influência de Roberto Marinho para manutenção de
Rômulo Villar Furtado na Secretaria Geral desse mesmo ministério pela terceira gestão
consecutiva, ver o mencionado trabalho de Herz. O autor relata vários episódios em que se
explicitaram a relação de troca de favores e a aliança de interesses entre ACM e Roberto
Marinho nos primeiros momentos da Nova República. HERZ, D. A história secreta da Rede
Globo, 1987.
16
política brasileira, agora livres dos entraves anteriormente impostos pelo regime
autoritário, vieram à tona.
O papel da televisão — em especial da Rede Globo — foi extensamente
destacado pela literatura, tanto em sua configuração como espaço em que
ocorreram as disputas políticas, como em sua inserção ativa no processo político
como ator relevante na veiculação e condução dos acontecimentos.
23
Lima sugeriu a hipótese da vitória antecipada de Collor em 1989, lançando
mão do conceito de cenário de representação da política - CRP, uma
operacionalização da categoria hegemonia de Antonio Gramsci.
24
Para o autor, o
CRP collorido estava sendo construído na TV e pela TV antes mesmo de ter sido
iniciada a disputa eleitoral oficial, por meio de uma cobertura telejornalística
favorável ao candidato, da manipulação na divulgação dos resultados de pesquisas
eleitorais, de um agendamento de temas produzido pelo conteúdo das telenovelas
da Globo e das diversas aparições de Collor tanto em telejornais quanto nos
programas partidários do PRN, PTR e PSC.
25
Quando a disputa se iniciou
oficialmente, coube a Collor simplesmente administrar a vantagem conseguida por
sua estratégia de marketing e sua perspicácia em adaptar sua imagem pública às
temáticas e posições políticas apresentadas no e pelo CRP eletrônico. Collor logrou
impor-se, assim, como o único candidato viável para o establishment econômico,
apresentando-se como porta-voz de seus interesses e conquistando seu apoio, e
como o preferido da grande maioria não ideológica do eleitorado.
26
23
Estudos sobre o Horário Eleitoral Gratuito se inserem nessa perspectiva. Ver, por exemplo,
o interessante trabalho de GUIMARÃES, I. C. E. Cultura política e imaginário, 1995.
24
LIMA, V. A. de. Televisão e política: hipótese sobre o 1º turno da eleição presidencial de
1989, 2004.
25
As telenovelas em questão são Vale Tudo (16/5/1988 a 7/1/1989), O Salvador da Pátria
(9/1 a 12/8/1989) e Que Rei Sou Eu? (13/22 a 16/9/1989 e depois reprisada a partir de
23/10/1989), todas da Rede Globo. Sobre a análise das telenovelas globais e sua relação
com as eleições de 1989, ver também WEBER, M. H. Pedagogias de despolitização e
desqualificação da política brasileira, as telenovelas da Globo nas eleições presidenciais de
1989, 1990. Ver ainda RUBIM, A. A. C. Comunicação, espaço público e eleições presidenciais,
1989.
26
Do establishment fariam parte, além da própria Globo, o grupo Abril, a Federação das
Indústrias de São Paulo-Fiesp, representantes de empreiteiras, da indústria petroquímica e
17
Apoiados em distintas perspectivas teóricas, Sodré e Bandeira da Silveira
também reconhecem em Collor a capacidade de incorporar a mensagem, a
atmosfera geral construída no espírito das massas pela mídia brasileira, em especial
a Rede Globo de Televisão, e de se apresentar como uma candidatura ideal, tanto
para a maioria da população quanto para boa parte das elites contra as esquerdas
de Lula e Brizola.
27
Assim, o caçador de marajás, principal personagem de Collor no cenário
eleitoral de 89, teria representado a construção de uma falsa solução para um falso
problema criado pela mídia, que seria o do pagamento do funcionalismo público
enquanto responsável pelo déficit público, pela inflação e pela miséria do país. A
estratégia de Collor teria sido a de se constituir em um medium vazio,
despolitizado, a deixar-se preencher pelas expectativas do mercado e das elites
expressas pela televisão brasileira.
28
Em uma linha mais próxima ao pós-modernismo teórico, Bandeira da
Silveira explicitou a relação da vacuidade política de Collor com o clima geral
construído no imaginário popular pela empresa de Roberto Marinho, ao afirmar, a
respeito da conjuntura eleitoral de 1989:
A fração cultural burguesa, que controla o sistema de
comunicação tecnovirtual, construiu virtualmente no espírito
das massas a imagem da candidatura ideal: homem branco;
desportista; jovem guerreiro da classe superior em luta
contra os poderosos. Tratava-se de jogar as massas
eleitorais numa racialização virtual do fenômeno político.
Esta tática tinha como alvo a candidatura de Lula. No período
eleitoral, o discurso publicitário collorido explorou com
da construção naval. Ver LIMA, V. A. de. Televisão e política: hipótese sobre o 1º turno da
eleição presidencial de 1989, 2004.
27
SODRÉ, M. O Brasil simulado e o real, 1991. BANDEIRA DA SILVEIRA, J. P.
Republicanismo cum globalismo: formas da contemporaneidade, 1998.
28
SODRÉ, M. O Brasil simulado e o real, 1991. Muitas são as análises e interpretações sobre
a construção da imagem de Collor como fenômeno estético-mítico-político. Não serão
abordadas, contudo, nesse trabalho por fugirem ao escopo do mesmo, centrado
especificamente na relação da Rede Globo com o processo político brasileiro. Ver, por
exemplo, Francisco de Oliveira que, ressaltando a estetização do fenômeno Collor, referiu-se
ao já então presidente como o marajá superkitsch. O messianismo de Collor de Melo também
constituiu objeto das análises do autor. Ver OLIVEIRA, F. Collor: a falsificação da ira, 1992.
Para a construção da imagem de Collor no Horário Eleitoral como um pastiche do qual
fizeram parte arquétipos míticos e personagens de gêneros cinematográficos e televisivos,
ver GUIMARÃES, I. C. E. Cultura política e imaginário, 1995.
18
eficácia a videopolítica de Roberto Marinho. No ano de 88, ela
ofereceu ao telespectador a possibilidade dele consumir,
escolher na eleição de 1989 um herói virtual. Collor acabou
por encarnar, com preciosismo, a mensagem da Rede Globo
de Televisão. Ele era o herói da massa virtual e o campeão
da burguesia contra a esquerda liderada por Lula.
29
A literatura, contudo, apresentou indicações de que o apoio das empresas de
Roberto Marinho à candidatura de Collor não se deu de modo tão explícito no início.
O caçador de marajás havia sido apenas uma das candidaturas cogitadas, e não
sem suspeição, pelo proprietário da Rede Globo de Televisão.
30
A Rede Globo teria
apoiado Collor e suas boas idéias privatistas
31
mais explicitamente somente depois
de sua candidatura ter sido viabilizada pelo próprio marketing collorido, que logrou
estabelecer uma identificação entre o que o candidato representava e os interesses
político-econômicos sustentados pela emissora.
32
E isso também em função de não
terem sido viabilizadas outras candidaturas consideradas mais confiáveis e
preferíveis pelo establishment, como as de Jânio Quadros, Mário Covas, Afif
Domingos, Orestes Quércia e Sílvio Santos.
33
Já Melo criticou as chamadas teses sobre a vitória antecipada, das quais
Lima foi o maior expoente, e questionou a influência dos meios de comunicação,
29
BANDEIRA DA SILVEIRA, J. P. Republicanismo cum globalismo: formas da
contemporaneidade, 1998: 21.
30
Uma outra teria sido a de Mário Covas. Em seu artigo, Lima, baseando-se em fontes
secundárias (Isto é/Senhor, Correio Braziliense, Veja, Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo) relata detalhadamente como o apoio das Organizações Globo a Collor foi sendo
construído de forma gradual pelo menos desde agosto de 1988. Ver LIMA, V. A. de.
Televisão e política: hipótese sobre o 1º turno da eleição presidencial de 1989, 2004.
31
Expressão usada por Roberto Marinho quando se referia a Collor numa entrevista a Neri
Vitor Eich, da Folha de S. Paulo, na qual o dono da Globo expressou claramente a sua
preferência pelo candidato. Apud LIMA, V. A. de. Televisão e política: hipótese sobre o 1º
turno da eleição presidencial de 1989, 2004: 226. Ver também o jornalístico CONTI, M. S.
Notícias do planalto, 1999.
32
SODRÉ, M. O Brasil simulado e o real, 1991.
33
O então prefeito paulistano Jânio Quadros, considerado por Roberto Marinho um candidato
apto a enfrentar Leonel Brizola nas urnas, retirou-se do jogo sucessório ainda em maio de
1989 por motivos de saúde. Orestes Quércia, a seu turno, saiu derrotado por Ulisses
Guimarães na convenção do PMDB, cuja candidatura não decolou. Já a candidatura de Mário
Covas, do PSDB, a princípio vista com suspeição por Roberto Marinho, chegou a receber
tratamento privilegiado nos veículos e programas das Organizações Globo por ocasião de um
discurso em que o candidato advogara a necessidade de um choque de capitalismo para o
Brasil. Sua candidatura, porém, passado um mês após o discurso e a reverberação deste na
mídia, continuou a não decolar, enquanto a de Collor já ultrapassava 40% das intenções de
voto. Para um relato jornalístico mais detalhado, ver CONTI, M. S. Notícias do planalto,
1999. Ver também SILVA, G. C. da. Espaço público e videopolítica no Brasil de 1983 a 1989,
2003.
19
em especial da Rede Globo de Televisão, como decisiva no resultado do processo
eleitoral de 1989. Tanto Melo quanto Lins da Silva enfatizaram a sensibilidade
política de Collor em captar os anseios da maioria da população como determinante
para sua vitória, anseios esses que não deixavam de estar expressos nas próprias
telenovelas globais.
34
Apesar de aparentemente divergirem quanto aos fatores que teriam sido
decisivos na ascensão e vitória de Collor em 1989, em particular quanto ao papel e
à força atribuídos aos meios de comunicação em sua inserção naquele momento
político, as duas perspectivas encontradas na literatura,
35
a da vitória antecipada e
a da vitória conquistada, convergem ao reconhecerem a inegável sustentação
conferida por Roberto Marinho e sua Rede Globo de Televisão à candidatura do
caçador de marajás.
36
Sustentação esta não apenas declarada, mas também posta
em prática, como no episódio da edição feita pelo Jornal Nacional do último debate
entre Collor e Lula no segundo turno, em que houve um claro favorecimento do
desempenho de Collor, em detrimento da atuação do candidato petista.
37
Mesmo desacreditando do poder de influência dos veículos de comunicação
das Organizações Globo como fator decisivo no resultado do pleito de 1989, Lins da
Silva não deixou de observar que as empresas de Roberto Marinho se posicionaram
favoravelmente a Collor naquela eleição:
Não há dúvida de que o noticiário da Rede Globo e do jornal
O Globo tendeu a ser favorável a Collor, candidato que o
34
MELO, J. M. de. Eleições e meios de comunicação no Brasil. Análise do fenômeno Collor de
Melo. Ver também SILVA, C. E. L. da. Industria de la comunicación: personaje principal de
las elecciones presidenciales brasileñas de 1989, 1990.
35
Essas duas perspectivas são expostas por MELO, J. M. de. Eleições e meios de
comunicação no Brasil. Análise do fenômeno Collor de Melo, 1992.
36
Digo aparentemente porque ambas as perspectivas discutidas no texto de Melo, a da
vitória antecipada e a da vitória conquistada, conferiam um peso decisivo ao marketing e à
capacidade de Collor em captar os anseios mais simples da maioria da população na sua
ascensão e vitória, o que pareceu escapar à observação do autor. A divergência sobre esse
ponto específico, a nosso ver, residiria mais na questão sobre qual a natureza desses anseios
naquele momento: seriam esses os anseios ou seriam o reflexo da versão difundida
amplamente na população pela mídia através do CRP eletrônico?
37
Favorecimento inclusive em termos quantitativos: Collor obteve 1 min e 13 segundos a
mais que o candidato do PT na edição do debate do JN, o que em tempo televisivo não deixa
de ser significativo. Para a transcrição do debate, inclusive do tempo conferido à fala de cada
candidato, ver MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história, 2004: 222-224.
20
proprietário das Organizações Globo, Roberto Marinho,
declarou ser seu preferido. Mas é pouco provável que esse
noticiário possa haver tido uma influência decisiva no
resultado final da eleição. Primeiro, porque com raras
exceções essa tendenciosidade foi sutil. As biografias dos
dois finalistas no programa Fantástico de 20 de novembro foi
um exemplo de parcialidade abusiva e explícita. A edição do
segundo debate pelo Jornal Nacional de 16 de dezembro
também. Muitas manchetes no jornal O Globo no decorrer da
campanha, idem. Mas esses fragmentos de cobertura têm
vida curta na memória da audiência. Não constituem em seu
conjunto um corpo coerente, uma campanha decidida para
auxiliar um candidato e prejudicar outros.
38
Portanto, se por um lado houve divergências na literatura acadêmica quanto
ao poder de influência dos meios de comunicação no resultado da disputa
presidencial de 1989, por outro lado a parcialidade e a tendenciosidade das
Organizações Globo em favor de Collor promoveram o consenso.
39
38
SILVA, C. E. L. da. Industria de la comunicación: personaje principal de las elecciones
presidenciales brasileñas de 1989, 1990: 4-5. (tradução minha. Original: No hay duda de
que el noticiero de la Red Globo y del periódico O Globo tendió a ser favorable a Collor,
candidato que el propietario de las organizaciones Globo, Roberto Marinho, declaró ser su
preferido. Pero es poco probable que ese noticiero pueda haber tenido una influencia decisiva
en el resultado final de la elección. Primero, porque con raras excepciones esa
tendenciosidad fue sutil. Las biografías de los dos finalistas en el programa Fantástico del 20
de noviembre fue un ejemplo de parcialidad abusiva y explícita. La edición del segundo
debate por el Jornal Nacional del 16 de diciembre también. Muchos titulares en el periódico O
Globo en el transcurso de la campaña idem. Pero esos fragmentos de cobertura tienen vida
corta en la memoria de la audiencia. No constituyen en su conjunto un cuerpo coherente,
una campaña decidida para auxiliar a un candidato y perjudicar a otros
).
39
Na época, um alto funcionário da Rede Globo, José Bonifácio de Lima Sobrinho, o Boni,
então vice-presidente de Operações, admitiu em matéria publicada pela Folha de S. Paulo ter
ocorrido um erro de avaliação na edição do debate Collor x Lula realizada pelo JN, o que
acabou favorecendo Collor. O funcionário que desde o princípio assumiu inteira
responsabilidade pela edição, o então editor de política Ronald de Carvalho, foi acusado de
haver favorecido Collor deliberadamente pelo editor Otávio Tostes, que afirmou tê-lo
auxiliado na edição. Negando-se o uso de má-fé, a tendenciosidade na edição acabou por ser
creditada ao fato de o debate ter sido editado conforme o que realmente aconteceu e como
se fosse uma partida de futebol, ao deixar claro quem teria se saído melhor (neste caso,
Collor, o que foi na época admitido mesmo por dirigentes do PT). Apesar da admissão por
parte de um de seus altos funcionários da incorreção na edição, Roberto Marinho declarou,
também em entrevista para a Folha, ter considerado a edição correta, pois esta teria
correspondido ao que realmente acontecera, já que Collor havia tido uma melhor
performance do que Lula: Boni é o melhor diretor de televisão do Brasil, mas nunca o tive
como especialista em questões eleitorais. (...) O debate foi de maior felicidade para Collor e
de infelicidade para Lula, foi a afirmação feita por Roberto Marinho. Hoje, a decisão da Globo
é a de não editar mais debates, apresentando-os na íntegra. Ver MEMÓRIA GLOBO. Jornal
Nacional: a notícia faz história. Para um relato jornalístico em que Roberto Marinho pede a
reedição do debate, primeiramente editado para o Jornal Hoje, mas que a seu ver foi feito de
modo incorreto por favorecer Lula enquanto Collor havia se saído melhor, ver CONTI, M. S.
Notícias do planalto, 1999.
21
O impeachment de Collor de Melo
O episódio do impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Melo em 1992
também inspirou um grande número de análises por parte da literatura em mídia e
política. Mais uma vez, a questão acerca do poder de influência dos meios de
comunicação na condução dos acontecimentos que levaram ao impedimento do
presidente provocou controvérsias.
Como no caso das eleições de 1989, houve quem atribuísse aos meios de
comunicação um papel ativo e intencional na construção dos eventos que
desembocariam no impeachment.
40
Houve também aqueles que ressaltaram a
mobilização popular (os jovens caras-pintadas) e as particularidades e dinâmica
próprias ao escândalo como fatores decisivos na determinação dos rumos tomados
pela cobertura midiática.
41
A postura das empresas de Roberto Marinho na conjuntura política do
impeachment foi ressaltada por autores que percebem a adesão da Rede Globo à
campanha pela saída de Collor como resultado dos conflitos do jogo de interesses
entre as elites e não como um novo caso de conversão súbita da emissora às
expectativas de sua audiência.
42
Bandeira da Silveira descreve a conjuntura do
impedimento:
Dois semanários da burguesia paulista, Veja e Isto É,
realizaram um trabalho de investigação política que acabou
por seduzir os grandes jornais do país e a indústria cultural
virtual. Esta acabou usando o regime de imagens para dar
consistência virtual à verdade impressa. O momento político
foi administrado com mestria pela elite brasileira. Ela então
voltou ao proscênio, encurralando o governo com a CPI do
PC. A burguesia paulista não precisou fazer um grande
esforço para envolver a fração do capital do sistema de
40
Ver por exemplo FAUSTO NETO, A. A sentença dos media: o discurso antecipatório do
impeachment de Collor, 1993 e do mesmo autor Vozes do impeachment, 1994 e O
Impeachment da Televisão, 1995.
41
De acordo com essa vertente, as empresas de comunicação teriam entrado de cabeça na
cobertura dos eventos devido aos critérios de noticiabilidade proporcionados pela crise
(como, por exemplo, o forte apelo melodramático fruto do envolvimento de membros da
família do presidente nas denúncias) e à pressão popular expressa principalmente no
movimento dos jovens caras pintadas.
42
BANDEIRA DA SILVEIRA, J. P. Republicanismo cum globalismo: formas da
contemporaneidade, 1998; VASCONCELLOS, G. F. O príncipe da moeda, 1997.
22
comunicação na campanha do impeachment de Collor. Este
já havia rompido com Roberto Marinho, proprietário da Rede
Globo de Televisão e intelectual hegemônico desta fração
burguesa. O impeachment foi uma ação conjunta: a) da
máquina política brasileira no Congresso; b) das massas de
classe média (os jovens), por um lado, sensibilizadas com o
discurso político cínico das velhas raposas humilhadas e
desprezadas por Collor e, por outro lado, lideradas pelo PT e
a esquerda clássica; c) do aparelho legislativo com o
aparelho judiciário.
43
A presença da Globo no episódio do impedimento de Collor de Melo
certamente configurou um outro caso de conversão súbita da emissora num
momento de crise de hegemonia no campo político. De modo semelhante ao caso
das Diretas Já, a emissora só passou a cobrir mais completa e imparcialmente os
acontecimentos que levariam à queda de Collor, sem o favorecimento de fontes e
versões do governo que evitavam relacionar o presidente ao esquema PC Farias,
após a divulgação em outubro de 1992 do relatório da CPI que considerou o
presidente culpado, dando início ao processo de seu impedimento. Somente a partir
de então a Rede Globo passaria a apoiar o movimento pela saída do presidente.
1994: a Globo na eleição do Real
Quando nos anos noventa os estudos em mídia e política no Brasil passam a ter as
conjunturas eleitorais como foco, mais uma vez o papel desempenhado pela Rede
Globo de Televisão em sua inserção na política brasileira foi amplamente destacado
pela literatura.
Na trilha dos estudos sobre os cenários de representação da política
inaugurados por Lima, Porto analisou a relação entre três telenovelas da Rede
Globo e o processo eleitoral de 1994, enfatizando o papel destas na construção do
CRP que teria por objetivo influenciar a decisão do eleitorado na votação para a
43
BANDEIRA DA SILVEIRA, J. P. Republicanismo cum globalismo: formas da
contemporaneidade, 1998: 22-23. Para Vasconcellos, o rompimento de Roberto Marinho com
Collor se deveu à aproximação do então presidente com Leonel Brizola, desafeto histórico do
proprietário da Globo. Conti relata essa aproximação entre Collor e Brizola em torno de um
projeto para a construção dos Centros Integrados de Assistência à Criança-Ciacs, que causou
o desapontamento de Roberto Marinho com o então presidente e o Ministro da Saúde Alceni
Guerra. Ver: VASCONCELLOS, G. F. O príncipe da moeda, 1997; e CONTI, M. S. Notícias do
planalto, 1999.
23
presidência da República. Assim, a desqualificação da política e dos políticos em
geral, a valorização de um candidato preparado e com estudo, a ênfase no quadro
de crise social e a transmissão de um clima de otimismo e confiança a partir da
implantação da nova moeda, o Real, constituíram alguns dos elementos do CRP das
eleições presidenciais de 1994, construído nas e pelas telenovelas globais Renascer,
Fera Ferida e Pátria Minha. De acordo com o argumento do autor, o candidato
melhor ajustado ao CRP eletrônico, o situacionista Fernando Henrique Cardoso, da
coligação PSDB-PFL, teria sido seu maior beneficiário tanto em sua ascensão como
no momento da decisão do pleito.
44
De uma outra perspectiva teórica, Albuquerque, apoiado na hipótese da
agenda setting
45
e nos resultados de uma análise da cobertura do Jornal Nacional
na primeira fase da campanha presidencial de março a maio de 1994, constatou um
tratamento diferenciado entre as candidaturas de FHC e Lula no noticiário do
telejornal. Apesar de ambas terem recebido uma visibilidade homogênea em
termos quantitativos, a análise qualitativa revelou que, enquanto a candidatura de
FHC era associada positivamente às idéias de união nacional e consenso, a de Lula
era associada ao dissenso (grevismo, conflitos). Observou ainda um silêncio quase
total em relação à candidatura de Leonel Brizola, desafeto histórico de Roberto
Marinho.
46
Nada, contudo, foi mais revelador sobre o apoio dado pela Rede Globo ao
candidato do Real em 1994 do que o escândalo propiciado pelas declarações do
então Ministro da Fazenda Rubens Ricúpero, que na época da campanha eleitoral
substituía o Fernando Henrique candidato em seu ex-cargo no governo Itamar
Franco. Sem saber que o conteúdo de sua conversa estava sendo captado por
44
PORTO, M. Telenovelas e política: o CR-P da eleição presidencial de 1994.
45
A hipótese da agenda setting refere-se à questão de quem determina a agenda pública e
de quais temas nela prevalecem. A questão da definição da agenda enquanto instrumento de
poder foi teorizada por SCHATTSCHNEIDER, E. E. The semisovereign people, 1975. A
configuração da mídia como instrumento de definição da agenda pública foi pioneiramente
ressaltada por McCOMBS & SHAW. The agenda-setting function of mass media, 1972.
46
ALBUQUERQUE, A. de. A campanha presidencial no Jornal Nacional: observações
preliminares, 1994.
24
parabólicas de todo o país, Ricúpero declarou considerar um achado para a Rede
Globo que, em vez do apoio ostensivo a FHC, como havia sido feito em 1989 com
Collor de Melo, a promoção do Real permitia fazer campanha indireta para o
candidato levando-o ao ar permanentemente em seus telejornais. O Ministro
admitira ainda não ter escrúpulos em manipular dados sobre a inflação, ao encobrir
a divulgação de um índice de preços que estava em desacordo com as expectativas
governistas.
47
De imediato, a Globo divulgou nota negando apoio a qualquer
candidato e afirmando sua suposta isenção na cobertura da campanha eleitoral:
A Rede Globo esclarece que o noticiário que transmite sobre
o plano econômico tem o objetivo único de informar
corretamente os telespectadores. E afirma que sempre
apoiará qualquer medida que vise a acabar com a inflação,
que é o mais cruel de todos os impostos, porque só aflige os
mais pobres.
48
O episódio não afetou a candidatura de FHC e os resultados mostraram que
o Ministro Ricúpero tinha razão quanto aos efeitos positivos da campanha Real-FHC.
Com 54,3% dos votos válidos, o candidato da coligação PSDB-PFL saiu vitorioso
ainda no primeiro turno, seguido pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva (27,1%) que,
antes do lançamento do Real, até maio de 1994, havia liderado as pesquisas com
mais de 40% das preferências do eleitorado.
O apoio conferido pela Rede Globo à candidatura de FHC e ao plano Real é
objeto de crítica de Vasconcellos. Para o autor, a política brasileira desde a
redemocratização vem sendo regida sob o signo de um capitalismo videofinanceiro,
no qual a Rede Globo e suas telenovelas desempenham um papel fundamental na
sustentação de planos econômicos com fins eleitoreiros. O Real, plano e moeda
responsáveis pela eleição do príncipe dos sociólogos Fernando Henrique Cardoso,
teria repetido a experiência do Plano Cruzado de 1986, quando o PMDB, partido do
47
DIMENSTEIN & SOUZA. A história real, 1994; e SARTI, I. Deus escreve certo... por linhas
parabólicas, 1994.
48
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história, 2004: 280.
25
então presidente José Sarney, saíra o grande vitorioso nas eleições daquele ano
após o lançamento daquele plano.
49
Governismo histórico e silenciamento da política em 1998
A tradição predominantemente governista do principal produto noticioso da Rede
Globo de Televisão, seu Jornal Nacional, foi enfatizada por um estudo que analisou
a cobertura do telejornal durante o período em torno da saída de seu apresentador,
Cid Moreira, em abril de 1996. A substituição de seu primeiro apresentador após
estar 27 anos à frente do telejornal teria sido parte de uma estratégia da Rede
Globo na superação de uma crise de legitimidade fruto de possíveis contradições
entre sua imagem de rede de televisão governista e as expectativas por maior
imparcialidade de sua audiência.
50
A tendência observada com a mudança teria sido
de afastamento em relação a questões e assuntos políticos. Não obstante, o autor
do estudo concluiu:
A Rede Globo pode ter retornado à sua cobertura mais
parcial e passiva quando a conjuntura política do momento
indicou a necessidade de intervenção política. De acordo com
um crítico de televisão, as mudanças no Jornal Nacional
foram positivas, mas a emissora logo retornou ao velho
padrão de favorecimento do governo federal, como
demonstrado por sua cobertura de um novo escândalo em
1997 envolvendo o presidente Fernando Henrique.
51
49
VASCONCELLOS, G. F. O príncipe da moeda, 1997. O caráter eleitoreiro do plano Real
também foi apontado por autores como Amaral e Bandeira. Este último aponta a inflação
como modo de legitimação do exercício governamental e meio de acesso ao poder político
das classes dirigentes no atual sistema político brasileiro. BANDEIRA DA SILVEIRA, J. P.
Republicanismo cum globalismo: formas da contemporaneidade, 1998: 21. AMARAL, R. Em
busca do significado das eleições de 1994, 1995. Para os bastidores do momento eleitoral de
1994, em que o Real é criado como um mito para fazer frente ao mito Lula, ver o trabalho
jornalístico DIMENSTEIN & SOUZA. A história real, 1994.
50
De acordo com Mauro Porto, autor do estudo, o índice de audiência do JN estava em
queda, perdendo pontos para programas do Sistema Brasileiro de Televisão-SBT, o maior
concorrente da Rede Globo de Televisão àquela época. Assim haveria evidências de que a
imagem de emissora ‘governista’ foi uma das causas principais do declínio nos índices de
audiência da Globo em geral e do Jornal Nacional em particular (...) a substituição de Cid
Moreira seria parte de uma nova estratégia política da Globo que teria como objetivo o
desenvolvimento de um jornalismo mais ativo e ‘independente’, buscando assim construir
uma nova imagem para a emissora. Desta forma, a Rede Globo poderia evitar um conflito
ainda maior com sua audiência e o perigo de perdê-la para os seus principais competidores.
PORTO, M. Novas estratégias políticas na Globo? O ‘Jornal Nacional’ antes e depois da saída
de Cid Moreira, 1999: 10.
51
Idem: 20.
26
O oficialismo do telejornal global também foi ressaltado na comparação
entre as coberturas do Jornal Nacional e do TJ Brasil do SBT sobre as ações do
Movimento dos Trabalhadores sem Terra - MST entre julho e agosto do ano de
1997. O tom predominantemente moralista utilizado pelo JN na cobertura dos
eventos foi destacado.
52
Já na cobertura do Jornal Nacional durante a campanha eleitoral de 1998
observou-se um favorecimento mais sutil da candidatura de Fernando Henrique
Cardoso, então presidente e candidato à reeleição.
53
A campanha eleitoral foi pouco
veiculada no noticiário do telejornal e o candidato evitou discutir as temáticas
apresentadas pelos oposicionistas no Horário Eleitoral. A diminuição do tempo do
telejornal dedicado às eleições teve como contrapartida a prevalência de um
noticiário leve e dos chamados fait-divers. A crise por que passava a economia
brasileira naquele momento foi apresentada pelo telejornal como conseqüência de
turbulências do mercado mundial, evitando-se discutir sua relação com a política
econômica do governo, de modo a não prejudicar o candidato da situação.
Questões potencialmente problemáticas para o candidato oficial, como o aumento
do desemprego e a seca que assolava a região Nordeste, foram excluídas da
agenda do telenoticiário.
54
A postura de quase silêncio da Rede Globo diante do momento eleitoral de
1998 teria, desse modo, ido ao encontro da estratégia situacionista. Com o intuito
de apresentar a reeleição de FHC como um fato consumado, essa estratégia
consistia em promover o esvaziamento do debate público através de uma legislação
eleitoral que diminuía o tempo da propaganda gratuita no rádio e na televisão.
55
Reduziam-se, assim, as possibilidades de construção de alternativas. Mais uma vez,
52
ALDÉ & LATTMAN-WELTMAN. O MST na TV: sublimação do político, moralismo e crônica
cotidiana do nosso ‘estado de natureza’, 2000. Sobre o discurso do JN sobre a violência no
período, ver a dissertação de mestrado de GOUVÊA, V. O infame Estado paralelo. Violência e
política no Jornal Nacional, 2005.
53
MIGUEL, L. F. Mídia e eleições: a campanha de 1998 na Rede Globo, 1999.
54
Idem.
55
Em 1998, a campanha presidencial no rádio e na televisão foi reduzida de quatro vezes
por semana para três, e de 60 para 45 dias.
27
mas de forma cada vez mais sutil, o par Rede Globo-Estado parecia atuar em
sintonia para defender os interesses privados.
Imparcialidade e hipervisibilidade da política em 2002
Após ter percebido no principal representante do telejornalismo global uma
tendência de afastamento em relação a assuntos políticos e um quase
silenciamento na cobertura das eleições de 1998, a literatura de mídia e política
constatou um retorno da política (reprimida?) à Rede Globo em 2002.
56
À quase
invisibilidade das eleições de 1998 teria sucedido uma extrema visibilidade do
momento político em 2002. A cobertura das eleições de 2002 foi noticiada pela
própria Rede Globo, e a seu reboque pela mídia em geral, como a maior e mais
completa cobertura eleitoral da história brasileira. E também, de acordo com os
esforços assumidos pela emissora, a que contou com maior grau de imparcialidade.
Ao contrário do que ocorreu nas eleições de 98, a Rede Globo entrevistou os
principais candidatos em seus telenoticiários, televisionou os debates e promoveu
uma ampla cobertura das campanhas eleitorais em seu Jornal Nacional, tanto no
primeiro como no segundo turno. A busca de imparcialidade por parte da emissora
em relação aos quatro principais candidatos à presidência foi constatada na análise
quantitativa do tempo e do número de aparições destinados a cada um deles, assim
como no tratamento qualitativo a eles dispensado.
57
Contudo, em meio à imparcialidade e ao tratamento equânime em relação
aos principais candidatos, observou-se que a Rede Globo também promoveu um
fechamento do campo discursivo
58
da política — uma limitação do politicamente
dizível — em prol do status quo econômico:
56
MIGUEL, L. F. A eleição visível: A Rede Globo descobre a política em 2002, 2003.
57
Idem. Já os motivos que levaram a essa busca de imparcialidade foram apenas
especulados pelo autor: necessidade das Organizações Globo de se legitimarem frente a
qualquer governo, seja ele qual for, devido a uma crise financeira por que suas empresas
passavam e sua dependência de possíveis auxílios governamentais; ou ainda a necessidade
de conquistar maior credibilidade num mercado que naquele momento se abria a
competidores estrangeiros.
58
A expressão é de Luis Felipe Miguel. Ver MIGUEL, L. F. A eleição visível: A Rede Globo
descobre a política em 2002, 2003.
28
Nesse cenário, passou a ser destacada a necessidade de
gerar ‘confiança’ nos operadores do mercado financeiro. A
oscilação do câmbio dominou o noticiário desde o final da
Copa do Mundo até a eleição; a expressão ‘risco-país’,
medida da confiabilidade diante dos credores externos,
tornou-se corrente na mídia de massa. Em especial, os
principais candidatos à Presidência foram levados a
manifestar seu compromisso com a continuidade de alguns
dos pilares do modelo econômico vigente – e mesmo a
apoiar, em uníssono, o novo acordo com o FMI, fechado no
início de agosto. Tratava-se de minorar a ‘incerteza’ que as
eleições provocavam no funcionamento da economia; ou,
dito de outra forma, de procurar restringir brutalmente a
margem de manobra do novo governo em relação à política
econômica.
59
Duas foram as estratégias de fechamento do campo discursivo utilizadas
pela Rede Globo. A primeira consistia na obtenção, durante os debates e
entrevistas, de um compromisso por parte dos candidatos em relação a questões
potencialmente polêmicas como o ajuste fiscal, as dívidas externa e interna e a
manutenção dos contratos já estabelecidos. Já a segunda estratégia realizava-se
por meio do enquadramento e seleção das temáticas consideradas importantes,
60
que silenciavam algumas questões problemáticas (as relacionadas à Alca, por
exemplo) enquanto outras eram tornadas extremamente visíveis (as flutuações dos
mercados financeiros, o desenvolvimento do risco-país e a economia).
61
Miguel destacou o avanço representado pela nova postura global no que
concerne à imparcialidade dispensada aos principais candidatos, mas concluiu que a
opção por um candidato é apenas a forma mais grosseira que os meios de
comunicação possuem para influenciar o processo eleitoral.
62
Assim, esse
59
Idem: 303.
60
Derivado da sociologia de Erving Goffman, o conceito de enquadramento tem sido utilizado
como um importante instrumento analítico nas pesquisas sobre o papel político da mídia.
Segundo Todd Gitlin, enquadramentos de mídia são padrões persistentes de cognição,
interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os
manipuladores de símbolos organizam rotineiramente o discurso, seja verbal ou visual.
GITLIN, T. The Whole World is Watching: mass media and the making and unmaking of the
new left, 1980. Na análise das relações entre mídia e poder político, Mauro Porto define
enquadramentos mais simplesmente como recursos heurísticos que estimulam um padrão
específico de interpretação da política. PORTO, M. Interpretando o mundo da política:
perspectivas teóricas no estudo da relação entre psicologia, poder e televisão, 1999: 16-17.
61
Para maiores detalhes, ver MIGUEL, L. F. A eleição visível: A Rede Globo descobre a
política em 2002, 2003.
62
Idem: 306.
29
tratamento imparcial e neutro dispensado aos principais candidatos não se repetiu
em relação aos temas caros ao status quo, com os quais todos os candidatos
deveriam demonstrar-se comprometidos.
Outro estudo que abordou o momento eleitoral de 2002 especulou sobre a
busca de imparcialidade da emissora naquela conjuntura, atribuindo-a, em parte, a
uma cisão no bloco político dominante, fruto de divergências sobre a candidatura
oficial,
63
bem como a uma crise financeira das Organizações Globo.
64
Em estudo recente sobre a cobertura do Jornal Nacional de temas
relacionados ao governo Lula, constatou-se mais uma vez o posicionamento pouco
crítico do telejornal frente às posições adotadas pelo governo federal.
65
O estudo
reforça, desse modo, os achados dos trabalhos que identificaram uma tradição
predominantemente governista e oficialista no telejornalismo global.
Considerações finais
A revisão da literatura de mídia e política que acabamos de empreender
aponta que a Rede Globo insere-se no processo político nacional como ator político
relevante, influenciando ou ao menos tentando influenciar na orientação deste.
Em sua presença histórica na política nacional, a Rede Globo fez uso desde a
propaganda explícita e ostensiva, da qual o maior exemplo é o período Médici
(1969-1974), até formas bastante sutis de intervenção a partir da
63
O estudo de Rubim e Colling refere-se ao fato de que a candidatura de José Serra à
Presidência da República pelo PSDB provocou uma cisão no bloco que sustentava o então
governo de FHC. De acordo com os autores, ao contrário de 1994 e 1998, o bloco de centro-
direita estava visivelmente desunido em 2002. (...) O PFL e dois importantes aliados, José
Sarney (PMDB) e Antonio Carlos Magalhães (PFL), por exemplo, não fizeram campanha para
Serra e, no segundo turno, declararam seus votos em Lula. Segundo Miguel, o próprio PSDB
ficou cindido, uma vez que o postulante preterido (o governador do Ceará, Tasso Jereissati)
negou apoio ao escolhido, o ministro José Serra. RUBIM & COLLING. Mídia e eleições
presidenciais no Brasil pós-ditadura, 2004: 28; e MIGUEL, L. F. A eleição visível: a Rede
Globo descobre a política em 2002, 2003: 292.
64
Para salvar sua deficitária, a Globocabo, empresa de tevê por assinatura da família
Marinho, as Organizações Globo recorreram em 2002 a um empréstimo de 300 milhões de
reais junto ao BNDES. Ver RUBIM & COLLING. Mídia e eleições presidenciais no Brasil pós-
ditadura, 2004. MIGUEL, L. F. A eleição visível: A Rede Globo descobre a política em 2002,
2003: 301-302.
65
CUNHA, K. M. R. Agora é Lula: enquadramentos do governo do PT pelo Jornal Nacional,
2005. Os temas veiculados pelo JN e enfocados pelo estudo foram as reformas previdenciária
e tributária, as discussões sobre a definição da taxa de juros e o caso Waldomiro Diniz.
30
redemocratização. Na literatura, destacam-se os dois expedientes básicos de
limitação e conformação das alternativas políticas que se apresentam no espaço
público dos meios de comunicação: a seleção de temas e alternativas e o
enquadramento destes, o que vem sendo feito tanto nos programas telenoticiosos
quanto nos de entretenimento da emissora.
66
Durante o período autoritário, enfatizou-se a simbiose da emissora com o
Estado, sendo a Rede Globo muitas vezes descrita como um aparelho ideológico ou
agente legitimador do regime. Já sob a institucionalidade democrática, a
videopolítica global acabou por demandar da análise em mídia e política maiores
sofisticação, refinamento e complexificação de seu instrumental teórico-analítico-
metodológico para a apreensão de seus modos midiáticos de intervir na política. É
nesse contexto que assistimos à formulação de conceitos como o de cenários de
representação da política de Venício A. de Lima, ou ainda à utilização de
metodologias interdisciplinares como a análise de quadros e de hipóteses como a
da agenda setting.
Em relação ao sentido em que ocorreu a ingerência da Rede Globo na
política brasileira, duas características da empresa da família Marinho chamam a
atenção ao revisitarmos a produção acadêmica sobre o assunto. Primeiro, sua
capacidade de adaptação aos discursos hegemônicos, passando de uma posição à
outra completamente oposta quando a manutenção de sua proximidade com o
poder central e de sua legitimidade frente à população se fizeram necessárias. É
assim que a Rede Globo pode, num determinado momento, defender uma certa
posição para, logo em seguida, fazer oposição a esta mesma posição. Nestes
momentos de adaptação, a emissora se ajustava, por um lado, às expectativas da
grande maioria de sua audiência e, por outro lado, aos discursos de um grupo
político emergente ou em reconfiguração, mesmo quando isso significava entrar em
66
Conforme já mencionado, o agendamento (agenda setting) refere-se à seleção pela mídia
dos temas e questões que, ao serem incorporados na agenda midiática, influenciam na
definição da agenda pública, ou seja, àquilo que é ou não selecionado para publicização. Já o
enquadramento refere-se à maneira como os temas, questões, representações e atores
sociais que entraram na agenda midiática são apresentados pelos meios de comunicação.
31
choque com os interesses de frações do bloco político governante. O caso das
Diretas Já durante o processo de instauração da Nova República e os episódios da
ascensão e queda de Collor de Melo são paradigmáticos.
O segundo aspecto que se destaca em nossa revisão é a tradição oficialista e
governista de seu noticiário político, cujo principal representante é o Jornal
Nacional, tradição esta posta de lado apenas em momentos em que a legitimidade
do governo central encontrava-se extremamente questionada.
Porta-voz oficial do regime autoritário e, depois, também da Nova República
de José Sarney, passando pelo interlúdio Collor de Melo contra as esquerdas de
Lula e Brizola, a Rede Globo nos anos 1990 deu continuidade à sua histórica
identificação com o poder ao conferir apoio, sempre de modo cada vez mais sutil,
ao candidato situacionista Fernando Henrique Cardoso, tanto em 1994 como em
1998, assim como ao longo de seus dois mandatos.
Em 2002, contudo, em meio a uma cisão no bloco político dominante, fruto
de divergências sobre a candidatura oficial,
67
e a uma crise financeira das
Organizações Globo,
68
a Rede Globo buscou inéditas imparcialidade e neutralidade
em relação aos principais candidatos à presidência da República na cobertura da
campanha eleitoral. Ao mesmo tempo em que tratou com imparcialidade os quatro
principais candidatos, a empresa, contudo, procurou agendar temas caros ao status
quo através da cobertura de seus telenoticiários, entrevistas e debates.
O tradicional governismo da Rede Globo de Televisão reflete, por um lado,
sua dependência do governo central, tanto financeira
69
quanto decorrente do fato
de se tratar de uma concessionária de serviço público cujo concessor é o próprio
poder central. E, por outro, expressa tanto seu apoio a políticas, projetos e
candidatos favoráveis aos interesses patronais, financeiros e especulativos do
67
Ver RUBIM & COLLING. Mídia e eleições presidenciais no Brasil pós-ditadura, 2004.
MIGUEL, L. F. A eleição visível: a Rede Globo descobre a política em 2002, 2003.
68
Idem: 301-302.
69
Um episódio da história recente paradigmático dessa dependência foi a supracitada
aprovação pelo BNDES em 2002 de um empréstimo de cerca de 300 milhões de reais à
Globocabo, deficitária empresa de tevê por assinatura da família Marinho.
32
grande capital multinacional e nacional-associado, que a partir do final dos oitenta
se apresentam sob a bandeira do neoliberalismo, como sua oposição a candidaturas
e projetos à esquerda do espectro político.
70
O que observamos até 2002 é uma convergência entre os interesses
empresariais-privatistas e o ideário político-ideológico sustentados pelas empresas
da família Marinho e aqueles que os governantes acabaram por representar. Daí os
tradicionais governismo e oficialismo da emissora. A situação do governo Lula é
inédita pelo fato de parte da esquerda, adversária histórica das posições político-
ideológicas sustentadas pela Rede Globo, estar no poder tendo à frente o Partido
dos Trabalhadores.
O último estudo contemplado em nossa revisão aponta para a manutenção
do tradicional governismo da emissora, mesmo em relação a um governo de
esquerda. O estudo, porém, é realizado nos primeiros anos da gestão Lula-PT e tem
por foco uma conjuntura de relativa estabilidade no campo político.
A questão que então se postula em nosso trabalho é como a Rede Globo se
configurou em espaço de disputa e de representação da política num momento de
comoção do campo político, propício à exposição das preferências ideológicas
também dos meios de comunicação. Momento este em que as esquerdas – com as
quais a emissora estabeleceu uma relação de oposição – estão no poder.
70
O posicionamento (neo)liberal, patronal e conservador dos veículos da grande imprensa
brasileira foi ressaltado por diversos autores em diferentes momentos de nossa história
política. Para o posicionamento liberal-patronal-conservador da grande imprensa brasileira
em torno da Consolidação das Leis do Trabalho no momento da Constituinte de 1987/1988,
ver FONSECA, F. O conservadorismo patronal da grande imprensa brasileira, 2003. Para seu
agendamento liberal-conservador nos momentos da ascensão e queda de Fernando Collor de
Melo, ver LATTMAN-WELTMAN, F. A imprensa faz e desfaz um presidente, 1994. O discurso
único da grande mídia em geral em sua sustentação ao ideário neoliberal durante o primeiro
mandato de Fernando Henrique Cardoso foi ressaltado por KUCINSKI, B. A mídia de FHC e o
fim da razão, 1999.
Capítulo 2
Meios de comunicação e disputa política
Nas democracias de massa contemporâneas, os eventos e disputas da política têm
como arena privilegiada para sua publicização o espaço público formado pelos
meios de comunicação da grande mídia impressa e audiovisual. É através dos
jornais e revistas de grande circulação, dos telenoticiários e programas de rádio
que são apresentados à população grande parte dos acontecimentos e conflitos da
política. Além de constituírem importantes loci de apresentação e publicização da
política, os meios de comunicação se inserem também no campo político como
atores ativos dos conflitos políticos. Nesse caso, configuram-se como instrumentos
de poder nas mãos de seus profissionais e proprietários.
Para entendermos a configuração dos meios como instrumentos de poder,
recorremos à concepção da política conforme elaborada pelo cientista político norte-
americano E. E. Schattschneider. Segundo o autor, a política lida com a
organização dos conflitos existentes em uma sociedade. A função de toda
organização política é a de permitir que alguns conflitos encontrem meios de se
expressar, enquanto outros são suprimidos:
Todas as formas de organização política possuem um viés a
favor da exploração de algum tipo de conflito e da supressão
de outros uma vez que organização é a mobilização do viés.
Alguns temas são organizados em política enquanto outros
são organizados para ficarem fora da política.
1
No regime democrático, esses conflitos são organizado pela política
partidária em termos de temas e alternativas que são apresentados à população e
disputam sua preferência. Assim, a definição das alternativas constitui, na visão do
autor, um expediente básico de poder para a conquista da preferência do público:
(...) a definição das alternativas é o instrumento supremo de
poder; os antagonistas raramente conseguem concordar
sobre quais são os temas uma vez que a definição destes
1
SCHATTSCHNEIDER, E. E. The semisovereign people, 1975: 69 (tradução minha, grifos do
autor. Original: All forms of political organization have a bias in favor of the exploitation of
some kinds of conflict and the suppression of others because organization is the mobilization
of bias. Some issues are organized into politics while others are organized out).
34
envolve poder. Aquele que determina sobre o que a política
deve se ocupar controla o país, porque a definição das
alternativas é a escolha dos conflitos, e a escolha dos
conflitos aloca poder.
2
É importante notarmos, porém, que a definição das alternativas políticas nas
democracias de massa contemporâneas não constitui uma atribuição exclusiva dos
partidos políticos. A definição de uma agenda pública de temas e alternativas passa
pelo crivo dos meios de comunicação de massa, e é em grande parte moldada por
estes.
Um outro autor cuja concepção da política nos ajuda a compreender os
meios enquanto instrumentos de poder é o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Para
ele, os conflitos políticos podem ser abordados em termos de uma luta simbólica
sobre a visão do mundo social e seus princípios de divisão e classificação:
A luta que opõe os profissionais [da política] é, sem
dúvida, a forma por excelência da luta simbólica pela
conservação ou pela transformação do mundo social por
meio da conservação ou da transformação da visão do
mundo social e dos princípios de di-visão deste mundo: ou,
mais precisamente, pela conservação ou pela transformação
das divisões estabelecidas entre as classes por meio da
transformação ou da conservação dos sistemas de
classificação que são a sua forma incorporada e das
instituições que contribuem para perpetuar a classificação em
vigor, legitimando-a. (...) Ela assume pois a forma de uma
luta pelo poder propriamente simbólico de fazer ver e fazer
crer, de predizer e de prescrever, de dar a conhecer e de
fazer reconhecer, que é ao mesmo tempo uma luta pelo
poder sobre os ‘poderes públicos’ (as administrações do
Estado).
3
Dentro dessas duas perspectivas em que a política pode ser entendida tanto
como uma disputa pela definição das alternativas quanto uma luta simbólica sobre
a visão do mundo social, os meios de comunicação constituem verdadeiros
instrumentos de poder simbólico nas mãos de seus profissionais e proprietários.
Estes podem tanto definir a agenda pública através da seleção dos temas e
2
Idem: 66 (tradução minha, grifos do autor. Original: the definition of the alternatives is the
supreme instrument of power; the antagonists can rarely agree on what the issues are
because power is involved in the definition. He who determines what politics is about runs
the country, because the definition of the alternatives is the choice of conflicts, and the
choice of conflicts allocates power).
3
BOURDIEU. P. O poder simbólico, 1989: 174.
35
alternativas que irão constituir a agenda midiática e que serão apresentados à
população, como interferir no modo como esta mesma agenda será apresentada.
Em relação às forças políticas em disputa, os meios podem legitimar as
posições de um grupo ao incorporar na agenda midiática os temas por ele
privilegiados, em detrimento dos que foram adotados alternativamente como
prioritários pelos demais grupos. Podem, ainda, legitimar ou deslegitimar uma
determinada visão de mundo, através do modo como esta é valorativamente
apresentada em sua agenda.
Desse modo, aqueles que nos meios de comunicação se ocupam dos
processos de seleção e veiculação das representações sobre a vida social se
encontram numa posição estratégica da luta política. É nesse contexto de disputa
política, em que a definição das alternativas e a maneira como estas são
apresentadas ao público constituem verdadeiros expedientes de poder daqueles
que controlam e têm acesso à divulgação em grande escala da mídia, que o papel
de formadores de opinião dos comentaristas políticos se apresenta como de grande
relevância. Antes de nos estendermos sobre este que é o foco de nosso trabalho,
vale considerar previamente alguns aspectos que definem o jornalismo midiático.
O jornalismo midiático e seus condicionantes
Em suas reflexões sobre o campo jornalístico, Pierre Bourdieu caracteriza o
jornalismo na grande mídia como uma profissão não isenta de viés, bem como um
expediente de poder nem sempre exercido de modo consciente ou intencional:
Os jornalistas (...) detêm um monopólio real sobre os
instrumentos de produção e de difusão em grande escala da
informação e, através desses instrumentos, sobre o acesso
dos simples cidadãos, mas também dos outro produtores
culturais, cientistas, artistas, escritores, ao que se chama por
vezes de ‘espaço público’, isto é, à grande difusão. (...)
Embora ocupem uma posição inferior, dominada, nos campos
de produção cultural, eles exercem uma forma raríssima de
dominação: têm o poder sobre os meios de se exprimir
publicamente, de existir publicamente, de ser conhecido, de
ter acesso à notoriedade pública. (...) eles podem impor ao
conjunto da sociedade seus princípios de visão do mundo,
sua problemática, seu ponto de vista. (...) Esses
pressupostos (...) estão no princípio da seleção que os
36
jornalistas operam na realidade social, e também no
conjunto das produções simbólicas. Não há discurso (...) nem
ação (...) que, para ter acesso ao debate público, não deva
submeter-se a essa prova da seleção jornalística, isto é, a
essa formidável censura que os jornalistas exercem, sem
sequer saber disso, ao reter apenas o que é capaz de lhes
interessar, de ‘prender sua atenção’, isto é, de entrar em
suas categorias, em sua grade, e ao relegar à insignificância
ou à indiferença expressões simbólicas que mereceriam
atingir o conjunto dos cidadãos.
4
Em Sobre a Televisão, o autor discute os mecanismos daquilo que chama de
censura estrutural invisível do campo jornalístico, e enfatiza o papel desempenhado
pelas pressões de um outro campo, o econômico, no processo de seleção e
enviesamento dos produtos midiáticos realizado pelos profissionais da grande
imprensa.
5
Assim como Bourdieu chama a atenção para a influência das visões de
mundo, das problemáticas e dos pontos de vista dos jornalistas na seleção que
operam sobre a realidade social no exercício de suas profissões, outros analistas
ressaltam o papel de diversos fatores como responsáveis, em maior ou menor grau,
pelos vieses e modelagens que os profissionais da mídia, ainda que
involuntariamente e acreditando estar fazendo um trabalho isento, objetivo e
imparcial, impingem à definição da agenda midiática e ao modo como esta é
transmitida ao público pelos meios de massa. Estes fatores, também conhecidos
como condicionantes ou filtros, podem ser tanto externos e tão gerais como o
contexto sociocultural e a estrutura da economia política em que se inserem as
organizações de mídia, quanto internos e mais específicos à atividade e ao
empreendimento jornalísticos, como a rotina, a dinâmica e a estrutura
organizacional de produção das notícias.
6
4
BOURDIEU, P. Sobre a televisão, 1997: 65-67.
5
Idem.
6
Para uma revisão de algumas das diferentes abordagens teóricas que discutem os
condicionantes externos e internos do jornalismo, ver SERRA, S. Relendo o gatekeeper:
notas sobre condicionantes do jornalismo, 2004. Algumas dessas abordagens são
classificadas e agrupadas segundo a ênfase dada aos tipos de condicionantes, sendo as mais
comuns: a perspectiva da economia política, da qual o modelo propaganda de Chomsky e
Herman é o mais conhecido; a abordagem da organização social da redação; e as
abordagens culturológicas.
37
De uma perspectiva da economia política, Noam Chomsky sugeriu a
existência de cinco filtros principais como responsáveis pelo viés oficialista e pró-
corporativo das notícias em suas análises sobre a mídia de massa americana. Estes
seriam: a) questões referentes ao tamanho, grau de concentração de propriedade,
riqueza dos proprietários e orientação para o lucro das empresas de mídia
dominantes; b) a pressão normalizadora dos anunciantes que, como fonte primária
da renda da mídia, tendem a patrocinar apenas programas que se afinam às suas
demandas e interesses; c) a dependência da mídia de suas fontes de informação
(governo, grandes empresas e especialistas ligados às fontes primárias e aos
agentes do poder); d) a oposição disciplinadora de indivíduos ou grupos
organizados, em sua maioria detentores de recursos de poder, que exercem
pressão sobre os meios ao responder negativamente a seus programas ou
declarações; e) o anti-comunismo como mecanismo de controle disseminado na
sociedade americana.
7
Na literatura brasileira, Melo, por sua vez, sugere alguns filtros internos à
atividade e à organização jornalística que atuam na seleção da informação a ser
divulgada, entre os quais se incluem a estrutura verticalizada/hierarquizada da
redação – segundo o autor, o principal instrumento de que dispõem os proprietários
para controlar a seleção da informação –, o processo de produção da pauta, a
cobertura, as fontes e o copidesque.
8
Para o autor, é através da seleção da
informação que a linha editorial da empresa é aplicada na prática, significando a
ótica através da qual a empresa jornalística vê o mundo.
9
Assim, a principal função
desses filtros é a de garantir, através da seleção da informação a ser divulgada,
que a linha editorial da empresa seja aplicada em seus produtos finais, o que nem
7
CHOMSKY & HERMAN. A propaganda model, 1988. Como o texto de Chomsky e Herman
data de 1988, o anti-comunismo como mecanismo de controle das opiniões dissidentes
parece ter sido substituído nos EUA de hoje pela guerra ao terrorismo.
8
MELO, J. M. de. A opinião no jornalismo brasileiro, 1985. Ora, a vigilância hierárquica é um
dos componentes do poder disciplinar conforme analisado por Michel Foucault. Os outros
instrumentos desse poder cuja função maior é a de adestrar os comportamentos são a
sanção normalizadora e o exame. Ver FOUCAULT, M. Vigiar e Punir, 2004, principalmente o
segundo capítulo da terceira parte, intitulado Os recursos para o bom adestramento.
9
MELO, J. M. de. A opinião no jornalismo brasileiro, 1985: 70.
38
sempre ocorre sem que haja conflitos entre os jornalistas assalariados, seus
empregadores e respectivos mediadores (editores e gerentes).
O comentário político e os comentaristas, formadores de opinião
O comentário como gênero jornalístico opinativo ou de leitura/análise do real, e não
meramente informativo ou de reprodução/descrição do real,
10
tem surgido para
atender a uma exigência da mutação jornalística que se processou através da
rapidez na divulgação das notícias (rádio e televisão). Informado rapidamente e
resumidamente dos fatos que estão acontecendo, o cidadão sente-se desejoso de
saber um pouco mais e quer orientar-se sobre o desenrolar das ocorrências.
11
Como uma espécie de complemento às notícias, o comentário surgiu ainda
como uma forma de se quebrar o monopólio opinativo do editorial, cuja
manutenção tornara-se incômoda para as instituições jornalísticas de orientação
mercadológica: ao ser o único a expressar o ponto de vista da empresa jornalística
e de seus responsáveis imediatos, o editorial os comprometia diretamente, podendo
criar constrangimentos junto ao Estado ou outras empresas e grupos econômicos
dos quais dependiam direta ou indiretamente. Com o comentário, a ótica expressa
não é necessariamente a da empresa: o comentarista pode emitir suas próprias
opiniões, responsabilizando-se pessoalmente por elas. Assim, o comentário pôde
constituir-se como uma espécie de editorial assinado.
12
Nos estudos sobre a atuação dos apresentadores, jornalistas, comentaristas
e outros especialistas na seleção e modelagem das informações que chegam ao
público através dos meios de comunicação de massa, esses profissionais da
comunicação tendem a ser retratados como agentes nem sempre conscientes e
10
Ao agrupar os gêneros jornalísticos em categorias segundo a intencionalidade
determinante dos relatos, Melo identifica duas vertentes: a de reprodução do real (gêneros
informativos) e a de leitura do real (gêneros opinativos). Na primeira, temos a observação e
a descrição da realidade. Já a segunda se ocupa de analisar e avaliar essa mesma realidade.
Tanto o comentário quanto a coluna e a crônica são gêneros opinativos que explicitam juízos
de valor e buscam influenciar aqueles aos quais são dirigidos. Ver MELO, J. M. de. A opinião
no jornalismo brasileiro, 1985.
11
Idem: 105.
12
Idem.
39
voluntários do sistema de filtros da economia política da mídia ou da censura
estrutural invisível do campo jornalístico. No caso específico dos comentaristas,
estudos conduzidos por Guareschi os conceituam como verdadeiros processadores
da informação, em suas funções de decodificadores e intérpretes das notícias e
influenciadores das opiniões do público.
13
A título de esclarecimento, vale aqui observar a diferença de funções entre
os comentaristas e repórteres, apresentadores e outros profissionais da
comunicação: estes devem transmitir a notícia ao público com o máximo de
imparcialidade, objetividade e isenção, sem que sejam feitas análises,
interpretações ou emissão de opiniões sobre os fatos noticiados. Já ao comentarista
e a outros experts ou especialistas são atribuídas as funções de analisar e explicar
os fatos, transmitindo as notícias ao público não mais como gênero meramente
informativo, mas também opinativo, numa espécie de síntese analítico-
interpretativa da qual podem tomar parte várias notícias sobre um mesmo assunto,
agora resumidas, avaliadas e qualificadas, que é o comentário. O comentarista
pode, inclusive, emitir uma opinião, um julgamento de valor ou ainda uma sugestão
com vistas a influenciar aqueles aos quais se dirige sem que isso entre em
contradição com suas atribuições profissionais.
Desse modo, enquanto o apresentador e o repórter apenas apresentariam os
fatos deixando ao público o encargo de analisá-los e interpretá-los por si mesmo, o
comentarista transmite as notícias a esse mesmo público já por ele interpretadas e
avaliadas, conferindo-lhes um caráter explicativo, opinativo e valorativo. Podem,
assim, legitimar ou deslegitimar as ações dos atores sociais e as representações da
realidade social que são objetos de suas apreciações mais explicitamente, fazendo
uso de seu status privilegiado de expert ou especialista no exercício de seu saber-
poder em assuntos dos quais o cidadão comum se distancia e não domina em seu
cotidiano. Assim, as apreciações dos comentaristas e outros especialistas
formadores de opinião ganham relevância ao servirem de atalho informacional para
13
GUARESCHI, P. A. Os construtores da informação, 2000.
40
o cidadão comum, que nelas encontra a informação já analisada, interpretada e
avaliada para se orientar em diferentes esferas da realidade.
14
Portanto, na qualidade de especialista em assuntos políticos, o comentarista
político apresenta-se como um verdadeiro líder de opinião perante o público,
ocupando lugar de destaque no politicamente relevante grupo dos formadores de
opinião da sociedade.
Mídia, filtros e comentaristas
Em seu papel de analista e interprete das notícias que chegam às empresas
jornalísticas para serem transmitidas ao público, o comentarista político não apenas
atua como filtro, selecionando e interpretando os eventos da política segundo seus
valores e visões de mundo. Além de ser ele mesmo um filtro no processo de
seleção e modelagem das notícias, este profissional também passa por um processo
de triagem para estar ali onde se encontra. Afinal, ele próprio é selecionado
(filtrado) pela empresa que o contrata ou convida continuamente para expor suas
opiniões e interpretações sobre a realidade social em um programa televisivo ou
em uma coluna de jornal impresso.
E não é por acaso que o comentarista político de um noticiário televisivo
está ali onde ele se encontra, nem suas aptidões e competências profissionais são
as únicas coisas determinantes de sua escolha para opinar livre e continuamente
sobre os acontecimentos e fatos da política perante grande parte da nação em
momentos importantes de seu processo político. É preciso ter se tornado uma
pessoa de confiança, ou seja, um profissional de confiança para os interesses da
empresa jornalística, e para isso ter demonstrado algum grau de afinidade de
opinião com as posições editoriais da empresa e com as visões de mundo de seus
proprietários, ou ao menos um certo comprometimento em respeitar os limites
implicitamente impostos por esses posicionamentos e princípios.
14
DOWNS, A. An Economic Theory of Democracy, 1957.
41
(...) as pessoas que ascendem aos postos chaves nas
empresas jornalísticas passam também por um processo de
seleção, tornando-se pessoas de confiança. São geralmente
profissionais que se afinam com a opinião da empresa. Ou
então, divergindo dessa opinião, comprometem-se a seguir a
orientação vigente. Os proprietários naturalmente exercem
vigilância sobre o andamento das atividades jornalísticas
controlando diariamente o produto final. Quem milita nos
meios jornalísticos sabe que de períodos em períodos as
empresas efetuam reformulações nos seus quadros
redacionais, e ‘expurgam’ aqueles que insistem em desafiar a
orientação oficial.
15
A defesa dos interesses de classe e a representação dos interesses das
grandes corporações e do mercado são destacados pela literatura como fatores de
seleção dos comentaristas pela mídia. Para Chomsky, por exemplo, muitos são os
especialistas contratados por sua identificação com os interesses econômicos
empresariais. Ao conferir a esses defensores do establishment uma superexposição
nos meios, a mídia os transforma em personalidades públicas e candidatos
privilegiados a analistas e formadores de opinião. Interessantemente o autor nota
que muitas dessas personalidades midiáticas que hoje falam a favor dos pontos de
vista corporativos e oficiais foram outrora fervorosos oposicionistas do sistema.
Cooptados pelo establishment, desempenham agora um papel estratégico similar
ao do convertido religioso que, após ter encontrado a verdade em sua crença atual,
testemunha contra suas visões de mundo e deuses anteriores.
16
Contudo, a censura explícita pode ser considerada apenas a forma mais
grosseira e talvez hoje menos comum dos constrangimentos que a atividade
jornalística pode sofrer antes que seus produtos cheguem ao público. Conforme já
observamos, uma miríade de condicionantes externos e internos ao campo
15
MELO, J. M. de. A opinião no jornalismo brasileiro, 1985: 72. Como exemplo da
perspectiva ora apresentada, ver no apêndice deste trabalho o editorial lido no Jornal
Nacional de 07/08/2003 por ocasião da morte de Roberto Marinho, em que foi reafirmado o
compromisso dos profissionais das Organizações Globo com os princípios estabelecidos por
seu proprietário. Outros exemplos de como os profissionais do alto escalão da Globo
trabalhavam em sintonia com as expectativas e desejos de Roberto Marinho podem ser
encontrados ao longo do trabalho de CONTI, M. S. Notícias do planalto, 1999.
16
CHOMSKY & HERMAN. A propaganda model, 1988.
42
jornalístico tomam parte no jogo de pressões e contrapressões que influenciam a
prática e os produtos dos profissionais da comunicação.
17
No entanto, é preciso também registrar a existência de vozes dissidentes
entre esses profissionais da grande mídia, que se empenham em se fazer ouvir
mesmo quando suas análises e interpretações entram em choque com os interesses
da ordem estabelecida. Esses profissionais exercem, por assim dizer, uma
contrapressão, de baixo para cima, às pressões exercidas de cima para baixo pelos
proprietários da empresa e seus posicionamentos editoriais, e pautam sua prática
profissional por parâmetros que podem até mesmo entrar em conflito com os
interesses patronais e mercadológicos da grande empresa jornalística.
18
É assim
que contradições e representações contra-hegemônicas da vida social emergem de
tempos em tempos nos discursos veiculados pela grande mídia, indo de encontro
ao seu caráter predominantemente elitista e reprodutor dos pontos de vista dos
grupos dominantes. Estes profissionais, contudo, tendem a ser disciplinados e
normalizados pelos mais diversos condicionantes, alguns dos quais acima
mencionados, quando não marginalizados em sua visibilidade midiática ou mesmo
expurgados, conforme a expressão de José Marques de Melo, quase sempre
deixando a grande mídia para trabalhar em empreendimentos jornalísticos mais
modestos.
17
(...) a censura é mais eficaz quando não tem necessidade de se manifestar, quando os
interesses do patrão, miraculosamente, coincidem com os da ‘informação’. Nesse caso, o
jornalista fica prodigiosamente livre. E sente-se feliz. Como bonificação, concedem-lhe o
direito de acreditar que é poderoso. A declaração é de Serge Halimi, para quem o jornalismo
conforme hoje praticado na grande imprensa é uma profissão normatizada, cujas vedetes
cultivam a ilusão de fazerem parte de um contrapoder independente e autônomo. HALIMI, S.
Os novos cães de guarda, 1998: 17. Sobre as declarações de Franklin Martins e Arnaldo
Jabor acerca da censura na Globo, ver os trechos de entrevistas desses dois profissionais
selecionados para o apêndice deste trabalho.
18
Entre os condicionantes do jornalismo que exercem uma pressão de baixo para cima, ou
seja, uma contrapressão àquelas exercidas de cima para baixo pelos proprietários da
empresa, por sua orientação mercadológica e pelo controle do Estado, estão a ação coletiva
de grupos subordinados, as demandas da audiência consumidora de informação e a ação de
profissionais da mídia comprometidos com uma concepção de interesse público ou com as
reivindicações de grupos subordinados. Para uma discussão mais aprofundada acerca dos
modelos teóricos que discutem estes e outros condicionantes do jornalismo, ver SERRA, S.
Relendo o gatekeeper: notas sobre condicionantes do jornalismo, 2004.
43
Assim, é possível concluir que se não há afinidades entre as opiniões do
comentarista e a posição editorial da empresa, há no mínimo cautela por parte
deste profissional em relação à orientação político-ideológica da organização,
expressa em sua linha editorial. Do contrário, é improvável que o profissional possa
manter sua posição na empresa sem maiores problemas.
Em suma, os comentaristas políticos ocupam uma posição privilegiada nas
disputas simbólicas sobre as alternativas e sobre a visão do mundo social. Eles têm
a possibilidade de legitimar ou deslegitimar essas representações em suas
apreciações sobre a realidade política perante a imensa audiência que procura suas
opiniões de especialistas nos meios de comunicação de massa para formar uma
opinião ou orientar suas ações em assuntos dos quais, como cidadão comum, se
distancia ou não domina em seu cotidiano.
Comentaristas políticos do Jornal Nacional
No Brasil, o comentário aparece na década de 1950 a partir da expansão da
televisão, atingindo um período de profusão na primeira metade dos anos sessenta
para então declinar após o golpe de 1964. Reaparece com a abertura política,
sendo desenvolvido principalmente nos espaços do jornal Folha de São Paulo, onde
atuaram vários comentaristas. Na televisão brasileira, onde a publicação de
editoriais ocorre episodicamente, em momentos de crise ou comoção social, o
comentário foi exercido inicialmente por Newton Carlos e atingiu seu pleno
desenvolvimento com Joelmir Beting, cujas análises sobre a realidade econômica e
político-social do país acabaram por consagrar esse gênero jornalístico no meio
televisivo.
19
Entre aqueles que exerceram ou ainda exercem a profissão de
comentarista na televisão brasileira estariam ainda nomes como os de Paulo Francis
e, mais recentemente, Franklin Martins e o cineasta Arnaldo Jabor, de cujos
comentários nos ocuparemos neste trabalho.
19
É no rádio, porém, que o comentário é exercido mais amplamente e em sua forma mais
completa. Ver MELO, J. M. de. A opinião no jornalismo brasileiro, 1985.
44
A participação regular de comentaristas especializados no Jornal Nacional da
Rede Globo de Televisão remonta ao início do ano 1989, e estende-se até o início
de 2006, quando o espaço reservado às análises desses profissionais é cortado do
principal telenoticiário da televisão brasileira.
Ao longo desses dezessete anos, o comentarismo no JN foi exercido
regularmente por jornalistas que logo se tornaram populares, como Paulo Francis,
Joelmir Beting, Lillian Witte Fibe, Alexandre Garcia, Arnaldo Jabor e Franklin
Martins. Antes disso, ocorreram participações eventuais, como as de Paulo Francis,
que desde 1981 opinava de Nova Iorque sobre assuntos variados, e as de Joelmir
Beting (desde 1985). Na equipe de 2004, estão listados como comentaristas fixos
do telejornal Arnaldo Jabor, Franklin Martins e Miriam Leitão.
20
Como neste trabalho o objeto de análise é o desempenho dos dois
comentaristas que acompanharam a crise política do mensalão na condição de
comentaristas fixos do Jornal Nacional, Arnaldo Jabor e Franklin Martins,
consideramos relevante abordar brevemente a biografia de cada um para, a seguir,
analisar suas apreciações sobre a política nacional no capítulo terceiro.
Arnaldo Jabor e o jornalismo-cinematográfico
21
A biografia profissional de Arnaldo Jabor tem início em 1962, no jornal O
Metropolitano (ou O Movimento), ligado ao movimento estudantil. No ano seguinte,
começa a trabalhar na área cinematográfica como técnico de som. A partir de
meados dos anos 1960, dá início à sua produção cinematográfica, atuando como
cineasta e autor de filmes consagrados da cinematografia brasileira.
22
20
Ver MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história, 2004.
21
As informações sobre o jornalista contidas nesta seção foram retiradas de fontes diversas.
Entre elas, o blog oficial de Arnaldo Jabor na Internet, disponível em:
http://www.geocities.com/cronistaarnaldo/ e o artigo de TEIXEIRA, C. C. O Preço da Honra,
1999 e entrevistas do jornalista à imprensa.
22
A produção cinematográfica de Arnaldo Jabor tem início com o curta-metragem O circo,
realizado em 1965. A este se seguem o documentário Opinião pública (1967), Pindorama
(seu primeiro filme de ficção, de 1970), Toda nudez será castigada e O casamento (ambos
baseados em obras de Nelson Rodrigues, de 1973 e 1975, respectivamente), Tudo bem
(1978), Eu te amo (1980), Eu sei que vou te amar (1984) e Love at first sight (Amor à
primeira vista, produção da Rette Italia e Telecip em parceria com a Skyligth-Brasil, de
1990).
45
Na década de 1990, por força do sucateamento da produção cinematográfica
nacional realizado pelo governo de Fernando Collor de Melo, que pôs fim à
Embrafilme, Arnaldo Jabor abandona o cinema e encontra no jornalismo seu meio
de expressão. Em 1991 passa a escrever uma coluna semanal na Ilustrada, da
Folha de São Paulo. No final de 1995, estréia como colunista do jornal O Globo e
inicia seu trabalho de comentarista em telejornais da Rede Globo de Televisão,
como o Bom Dia Brasil, o Jornal da Globo e o Jornal Nacional. Em 2001 estréia uma
coluna semanal no Caderno 2 de O Estado de São Paulo.
Formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Jabor inclui entre suas afinidades e influências intelectuais declaradas o dramaturgo
Nelson Rodrigues, de quem diz ter herdado o gosto pela hipérbole e pelo adjetivo, o
cineasta Glauber Rocha e o também comentarista global Paulo Francis. Na área
jornalística, o jornalista-cineasta declara-se identificado com o new journalism
americano de Norman Mailler, Gore Vidal e Tom Wolfe.
23
Sobre sua atividade como jornalista e comentarista de televisão, Arnaldo
Jabor já a considerou como uma possibilidade de influir na realidade política do país
e de assim participar efetivamente desta.
24
Seu jornalismo, porém, não é exercido
segundo os parâmetros do jornalismo informativo tradicional: defende um
jornalismo-ficção e militante, a favor do povo, a favor das mudanças, em que
transparecem suas declaradas influências do new journalism americano. Para Jabor,
fantasia e ficção são recursos necessários para que a realidade nacional possa ser
explicada, uma vez que a objetividade não é capaz de dar conta dessa realidade.
25
23
O novo jornalismo americano é um jornalismo de ruptura com as práticas do jornalismo
tradicional, reintroduzindo a subjetividade do narrador e formas literárias de expressão que
se aproximam do conto, da novela e de outros gêneros literários. Assim, utiliza-se dos
recursos do relato ficcional para o registro do real, mas atendo-se à veracidade dos fatos.
Conforme veremos, a influência desse new journalism, que teve como figuras
representativas Tom Wolfe e Truman Capote, é bastante notável no comentarismo praticado
por Arnaldo Jabor. Como cronista, lançou seis coletâneas: Os canibais estão na sala de jantar
(1993), Brasil na cabeça (1995), Sanduíches de realidade(1997), A invasão das salsichas
gigantes e Amor é prosa, sexo é poesia (2004), e Pornopolítica (2006).
24
Ver TEIXEIRA, C. C. O Preço da Honra, 1999.
25
Idem.
46
Assim, é abundante em seus textos e comentários televisivos o uso de
recursos lingüísticos literários (metáforas, hipérboles, ironias e adjetivações) e de
narrativas e gestos dramatizados. Para este jornalista-cineasta que considera a sua
atividade a de um crítico cultural, o que ele faz na televisão é também uma forma
de fazer cinema.
26
Considerado hoje um influente formador de opinião do país, com espaços
garantidos em alguns dos mais importantes veículos de comunicação da grande
mídia impressa e eletrônica,
27
Arnaldo Jabor, com seu jornalismo-cinema de estilo
irônico, dramatizado e sarcástico, envolveu-se em algumas situações polêmicas
com o poder político, como quando no ano de 1996 comentou no Jornal Nacional a
mudança de votos no Congresso Nacional entre os dois turnos da votação da
Reforma da Previdência, comparando a instituição a um mercado.
28
Entre os
processos dos quais foi alvo, estão dois do ex-governador do Rio de Janeiro (1999-
2002) e ex-candidato à Presidência da República pelo PSB Anthony Garotinho
(2002).
Nos espaços reservados às análises e comentários do Jornal Nacional da
Rede Globo de Televisão, Jabor teve sua presença garantida esporadicamente até o
final de 2005, quando sua participação como comentarista fixo, assim como as de
Franklin Martins e do chargista Chico Caruso, foram cortadas do telenoticiário, sob
26
MENDES, M. Opinião e Poder. Entrevista de Arnaldo Jabor à revista Época, em que o
jornalista declara não ser poderoso como muitos pensam porque, apesar de poder falar o
que quiser perante uma audiência de 50 milhões de pessoas por semana e por isso ter um
certo poder cultural, não possuía poder de execução, de mexer na realidade. Ver apêndice
deste trabalho para trechos da entrevista.
27
De acordo com entrevista publicada na revista Veja de 06/09/2006, além dos comentários
de Jabor na TV serem vistos por quase 50 milhões de pessoas, seus artigos vinham sendo
publicados em 18 jornais naquela época.
28
Como conseqüência das declarações do jornalista-cineasta, a Câmara reagiu com a
assinatura por mais da metade de seus deputados de um requerimento de urgência para o
projeto da lei da imprensa, que visaria punir os excessos e irresponsabilidades dos meios de
comunicação. Após o inicial clima de comoção e indignação provocado pelo comentário, em
que deputados das mais variadas orientações ideológicas se manifestaram criticando o
comentarista, muitos congressistas voltaram atrás e retiraram suas assinaturas do
requerimento de urgência, o que acabou por fazer com que a lei de imprensa fosse deixada
de lado aguardando votação. Para maiores detalhes, ver TEIXEIRA, C. C. O Preço da Honra,
1999.
47
a alegação de que a emissora tinha por objetivo tornar o JN mais informativo e
menos opinativo.
29
Continuou, porém, exercendo seu ofício de comentarista de
telenoticiários da Globo no Jornal da Globo.
Admirador de Fernando Henrique Cardoso, com quem já disse partilhar uma
amizade de longa data, o ex-comunista Arnaldo Jabor diz hoje fazer parte de uma
certa nova esquerda, lógica, técnica, realista e culta, da qual também fariam parte
o próprio ex-presidente e o também tucano José Serra.
30
Em setembro de 2006,
afirmou ainda em entrevista à revista Trip ser eleitor de Geraldo Alckmin,
presidenciável da coligação PSDB-PFL para as eleições daquele mesmo ano.
Franklin Martins, da clandestinidade à mídia
31
O jornalista e comentarista político Franklin Martins teve como pai o também
jornalista e político Mário Martins, um dos fundadores da União Democrática
Nacional-UDN, preso diversas vezes por oposição à ditadura Vargas. Mário, além de
vereador, foi deputado federal, cargo que renunciou por motivo de divergências
com o partido. Ocupou ainda uma vaga no Senado, mas acabou cassado pelo AI-5.
Franklin Martins, por sua vez, inicia a vida profissional aos 15 anos de idade
como estagiário no jornal Última Hora. Em 1963, passa a cobrir o movimento
sindical como repórter iniciante da agência de notícias Interpress, atividade que
exerce durante quase um ano.
Alguns meses após o golpe de 1964, a Interpress fecha e Franklin Martins
passa a fazer alguns trabalhos esporádicos para as revistas Chuvisco e Manchete.
Participa então no Colégio Aplicação da UFRJ da reorganização do movimento
29
De acordo com a Globo, o formato do JN tornava difícil para o telespectador perceber que
a opinião dos comentaristas era deles, e não da Globo. Daí a decisão da emissora por cortar
os comentaristas do JN que atuavam em caráter fixo, com vistas a manter o telejornal
eminentemente informativo. Na época, a emissora ainda declarou que o JN raramente
publica editoriais, exceto quando a Globo é objeto de críticas relevantes ou quando as
liberdades constitucionais estão em risco, e que Jabor, Martins e Caruso poderiam voltar ao
JN em momentos especiais. Ver no apêndice deste trabalho artigo da Folha de S. Paulo on
line sobre o ocorrido.
30
Entrevista de Arnaldo Jabor para O Estado de S. Paulo, Caderno Alias, em 24/09/2006.
31
As informações sobre Franklin Martins contidas nesta seção foram retiradas do blog do
jornalista na Internet, disponível em:
www.franklinmartins.com.br/, e de entrevistas suas à
imprensa.
48
estudantil. Entre as atividades que neste período realizava com os outros
estudantes, Franklin Martins destaca os estudos de marxismo e sobre a realidade
brasileira.
Em 1967 entra para a Faculdade de Ciências Econômicas da UFRJ. Ali, liga-
se à Dissidência, organização política das bases universitárias que haviam rompido
com o Partido Comunista. Foi eleito secretário-geral do Diretório Acadêmico e vice-
presidente da União Metropolitana dos Estudantes.
Em 1968 toma parte nas agitações dos estudantes contra a ditadura, e
passa a ser procurado pela polícia. Acaba sendo preso durante o Congresso da
União Nacional do Estudante, em Ibiúna, São Paulo, em outubro daquele ano, logo
após ter sido eleito presidente do Diretório Central dos Estudantes da UFRJ. Entre
seus companheiros de cela estavam Luiz Travassos, presidente da UNE, Vladimir
Palmeira, presidente da UME, José Dirceu, presidente da UEE de São Paulo, e
Antônio Ribas, líder secundarista em São Paulo, que viria a ser morto na guerrilha
do Araguaia.
Libertado dois meses depois por um habeas corpus concedido pelo Supremo
Tribunal Federal dois dias antes da promulgação do AI-5, entra para a
clandestinidade e passa a integrar a luta armada. Em setembro de 1969 participa
do grupo formado por militantes da Ação Libertadora Nacional e do Movimento
Revolucionário 8 de Outubro – MR-8 no seqüestro do embaixador americano
Charles B. Elbrick.
Após o fim do seqüestro, em que a liberdade do embaixador foi negociada
pela soltura de 15 presos políticos, e procurado pela polícia, Franklin Martins
refugia-se em Cuba, onde toma parte em treinamentos de guerrilha rural. De Cuba,
viaja para o Chile de Salvador Allende. Volta para o Brasil em 1973, onde vive
clandestinamente até meados de 1974, quando se vê mais uma vez obrigado a
deixar o país, agora para a França. Quase três anos depois retorna ao Brasil
diplomado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, da Universidade de
49
Paris. Em São Paulo, vive mais uma vez na clandestinidade até 1979, quando foi
declarada a anistia.
Passa a trabalhar, agora já anistiado, no jornal Hora do Povo, do qual se
desliga em 1982, ano em que também deixa o MR-8. Neste período, candidata-se a
deputado, mas sem obter sucesso. Torna-se então repórter do Indicador Rural, o
que lhe permitiu viajar e conhecer melhor o interior do país. Em 1985 é contratado
como redator do jornal O Globo e depois do Jornal do Brasil. Em 1987 muda-se
para Brasília e cobre a Constituinte, primeiro como repórter, e depois como
coordenador político da sucursal do JB. Após trabalhar para o SBT e para O Estado
de São Paulo, vai para Londres como correspondente do JB, atividade que exerce
em 1991 e 1992. Ao voltar ao Brasil, permanece no JB até 1994, quando retorna
para O Globo para trabalhar como repórter especial, colunista político, editor de
política e diretor da sucursal de Brasília.
No final de 1997, desliga-se de O Globo, e passa a escrever colunas para o
Jornal de Brasília e para as revistas República e Época. Durante oito anos e meio
colabora como comentarista político da TV Globo, da Globonews e da rádio CBN.
Como comentarista, participa do quadro fixo do Jornal Nacional de 2003 ao
final de 2005, quando a Globo elimina a participação formal dos comentaristas no
telenoticiário.
Em entrevista recente para a imprensa, Franklin Martins descreveu sua
atividade como jornalista nos seguintes termos:
(...) a minha função como jornalista não é fazer a cabeça de
ninguém. É informar. Acho que um cara que é comentarista
mescla três ingredientes: informação, interpretação de
notícia e opinião. Acho que colunista deve dar pouca opinião.
Eu acho que nós devemos dar mais informação da notícia e
interpretação. Na televisão mais ainda.
32
Até março de 2007, foi comentarista da TV e da Rádio Bandeirantes, além
de assinar uma coluna diária no portal iG, quando se afasta das atividades
32
Entrevista à Caros Amigos n° 114, setembro de 2006: 40.
50
jornalísticas para assumir o Ministério da Comunicação Social do segundo mandato
do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Dois perfis, dois destinos diferentes
Findo o ano em que estoura o escândalo político do mensalão, a Rede Globo
reservou para os dois comentaristas um destino que, se guardou semelhanças num
primeiro momento de cortes e transferências, provou ser bastante diferente com o
desenrolar dos acontecimentos. Ambos tiveram suas participações fixas eliminadas
do Jornal Nacional, mas enquanto Jabor é mantido como comentarista da emissora
em seu Jornal da Globo, Franklin Martins não tem seu contrato renovado logo no
início de 2006.
O motivo que a Globo deu para os cortes das participações fixas de Jabor,
Caruso e Martins do JN foi o de que o formato do telejornal impedia o telespectador
de perceber de maneira exata que as opiniões expressas pelos comentaristas eram
deles próprios e não da emissora. Acrescentou ainda que os três poderiam voltar ao
telejornal em situações especiais e que a decisão de cortar suas participações em
caráter fixo não tinha relação com o fato de haver eleições naquele ano.
33
Sobre a não renovação de seu contrato, foi o próprio Franklin Martins quem
forneceu publicamente um relato das justificativas dadas pela emissora. Em
entrevistas à imprensa, o jornalista afirmou que sua relação com a Globo havia
começado a ficar desgastante com a crise política de 2005, uma vez que seus
comentários passaram, a partir de um certo momento, a não corresponder à
cobertura dada à crise pela emissora. Ainda de acordo com o jornalista, na difícil
cobertura da crise havia predominado um clima de esfola-e-mata, e quem não
havia assim atuado acabou por fazer um contraponto:
34
Nesse momento em que eu falo da crise, a partir de
setembro, outubro, comecei a sentir que estava ficando uma
33
O fato foi noticiado pela imprensa. Ver artigo da Folha de S. Paulo on line em fevereiro de
2006 no apêndice.
34
Para o relato de Franklin Martins sobre sua saída da Globo, ver a transcrição de parte da
sessão de perguntas e respostas realizada após palestra de encerramento do 32º Congresso
Estadual dos Jornalistas do Rio Grande do Sul no apêndice deste trabalho.
51
situação espinhosa. O meu comentário não expressava
exatamente o rumo da cobertura, aparecia uma matéria
dizendo: ‘Está tudo provado da corrupção’. E eu dizendo:
‘Tem que provar de onde veio o dinheiro do valerioduto’.
Havia uma dupla mensagem, digamos assim, e isso devia
causar algum tipo de incômodo. As negociações dos meus
comentários no Jornal Nacional se tornaram mais difíceis,
mais tensas, mas não chegou a haver nenhum problema...
35
A diferença de tratamento conferida pela Globo aos destinos dos
comentários de Jabor e Martins na emissora teria alguma relação com as diferentes
formas pelas quais esses dois profissionais exerceram suas funções de
comentaristas durante o escândalo político de 2005? Diferentes comentários,
diferentes destinos dentro da empresa? Estaríamos, no caso da não renovação do
contrato de Franklin Martins, diante de um episódio comum de expurgo – para usar
a expressão de José Marques de Melo – em que o que estaria em jogo é um conflito
entre as posições editoriais da empresa e as opiniões do profissional? As
declarações de Franklin Martins à imprensa sobre sua saída da Globo parecem
apontar nesta direção.
As opiniões expressas pelos comentaristas, por mais que sejam deles
próprios e não necessariamente a da empresa, são, em grande medida, orientadas
pelas posições editoriais da organização, seja por uma afinidade voluntária em que
são selecionados para os postos chaves aqueles cujas visões de mundo mais se
afinam com as dos proprietários da empresa, seja por um comprometimento
condicionado e negociado, não sem conflitos, em que o profissional ajusta-se aos
limites implicitamente impostos pela linha editorial da empresa para não correr o
risco de perder sua posição na organização. O que é tanto mais verdadeiro quando
estamos lidando com uma empresa de caráter familiar como as Organizações
Globo, cujos produtos jornalísticos mais importantes foram durante anos
supervisionados de perto por seu proprietário Roberto Marinho e seus homens de
confiança, e cujos altos funcionários declaram orgulhosamente haver incorporado e
continuar a agir de acordo com os princípios estabelecidos por seu patrão.
35
Entrevista à Caros Amigos n° 114, setembro de 2006: 39.
Capítulo 3
O jornalismo opinativo do Jornal Nacional
Neste capítulo descrevemos os comentários de Franklin Martins e Arnaldo Jabor
veiculados pelo Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão no momento da
deflagração e posterior desenvolvimento do chamado escândalo do mensalão, que
assume ares de crise generalizada da política nacional em sua configuração político-
midiática ao longo do segundo semestre de 2005.
Foram escolhidos como unidades de análise os comentários veiculados nas
edições do Jornal Nacional de 19 de maio a 13 de outubro de 2005, período em que
o acontecimento político em questão mais ganhou espaço e destaque nos meios de
comunicação de massa em todo o país.
1
A pesquisa foi realizada no site oficial do
Jornal Nacional na Internet, onde estão transcritas em formato eletrônico as
edições completas do telejornal dos últimos seis anos.
2
Identificadas as edições em
que foram veiculados os comentários de Jabor e Martins, as transcrições destes
foram gravadas em meio eletrônico. No total, foram encontrados neste período 41
comentários, sendo 23 de Franklin Martins e 18 de Arnaldo Jabor, distribuídos
segundo o quadro abaixo:
Quadro 1
Registro quantitativo das transcrições de comentários dos jornalistas
(19/5 a 13/10 de 2005)
maio* junho julho
agosto
setembro
Outubro
#
Total
Franklin
Martins
2 7 3 4 5 2 23
Arnaldo
Jabor
2 4 4 3 4 1 18
total 4 11 7 7 9 3 41
Fonte: Jornal Nacional. Rede Globo (
http://jornalnacional.globo.com/).
* a partir do dia 19
#
até o dia 13
1
Foram exibidas 127 edições do JN entre 19/05 e 13/10 de 2005.
2
http://jornalnacional.globo.com/.No momento em que concluímos este trabalho, estavam
disponíveis no site do JN as edições do telejornal a partir de agosto de 2001.
53
Dos comentários de Arnaldo Jabor, dois não se referem à conjuntura política
nacional, um deles se ocupando do aniversário de 60 anos do lançamento pelos
EUA de bombas atômicas sobre o Japão, e o outro de uma crise nos EUA,
deflagrada por ocasião da passagem de um furacão em estados daquele país. Um
terceiro comentário ainda sobre a conjuntura de crise nos EUA faz referências
indiretas ao momento político nacional. Desses três comentários, não levaremos em
conta os dois primeiros. Assim, temos em conta de nossa análise 16 comentários
de Arnaldo Jabor sobre a crise, ao passo que os de Franklin Martins continuam
somando 23.
Apresentamos a transcrição dos comentários integralmente. Como estamos
lidando com as interpretações de dois profissionais distintos, que adotam
perspectivas diversas acerca do trabalho que realizam, e para facilitar a
identificação, apresentamos os comentários por comentarista e em ordem
cronológica. Após cada comentário, tecemos nossas considerações sobre aspectos
relevantes para os objetivos de nosso trabalho. Inicialmente, nos detemos na
análise descritiva dos comentários. Uma interpretação sobre o sentido político e
ideológico do seu conteúdo será empreendida somente no capítulo quarto, à guisa
de conclusão.
Análise descritiva dos comentários
Comentários de Franklin Martins
comentário de 19/05/2005
O governo passou as últimas horas tentando convencer
parlamentares que assinaram o requerimento da CPI dos
Correios a voltar atrás. Pode até ser bem sucedido no varejo,
dobrando um ou outro deputado ou senador, mas
dificilmente terá sucesso no atacado.
Sobram assinaturas no documento e o número pode até
aumentar nos próximos dias. No Congresso, o clima é de
jogo jogado. Ou seja, vamos ter CPI em parte porque a
oposição está decidida a aproveitar a oportunidade para
desgastar o governo, em parte porque o escândalo envolve
parlamentares e partidos políticos. E pegaria muito mal para
o Congresso fechar os olhos para denúncias, que, se
comprovadas, vão obrigá-lo a cortar na própria carne.
54
Agora é aquela velha história: CPI a gente sabe como
começa, não sabe como termina. Às vezes, não dá em nada.
Às vezes, vai muito mais longe do que se imagina.
Vem aí um período de muita tensão e turbulência em
Brasília. A eletricidade no ar nesta semana foi só um
aperitivo.
Este foi o primeiro comentário relacionado à crise política, veiculado pelo JN
por ocasião do requerimento de abertura da chamada CPI dos Correios, que
investigaria as denúncias feitas por dois empresários sobre um esquema de
corrupção naquela estatal envolvendo membros do governo e da base aliada no
Congresso.
3
A partir do relato da tentativa do governo de evitar a instauração da CPI, o
comentarista prognostica o provável insucesso deste, e isso devido a duas razões:
o fato de a CPI se constituir numa oportunidade para a oposição desgastar o
governo como parte do jogo político, e o de haver parlamentares e partidos
envolvidos no escândalo, o que, se comprovado, obrigaria o Congresso a não se
omitir (fechar os olhos) e a agir, punindo seus próprios membros (cortar na própria
carne) em prol de sua reputação (pegaria muito mal, no caso de omissão).
4
Por fim, Franklin Martins faz uma advertência sobre os prováveis
desenvolvimentos de uma CPI, que a seu ver pode tanto não ter nenhuma
conseqüência muito séria (não dar em nada) como ter conseqüências além das
esperadas. E fecha seu comentário prevendo um período de tensão e turbulência
para o processo político que se desenha nacionalmente.
É importante observarmos que tanto governo quanto oposição – as
categorias utilizadas pelo comentarista para se referir aos agrupamentos das forças
3
Em 14/05/2005 o JN veicula a reportagem sobre a gravação da conversa entre dois
empresários e o chefe do departamento de contratação e administração de material dos
Correios, Maurício Marinho, em que este é flagrado recebendo propina de 3 mil reais. Além
de detalhar o esquema de corrupção, Marinho revela aos empresários que recebe ordens do
presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson. As imagens foram cedidas ao JN pela
revista Veja, que havia publicado a reportagem-denúncia deflagradora do escândalo do
mensalão em sua edição daquela semana.
4
É digno de nota que a expressão cortar na própria carne (significando punir seus próprios
integrantes), usada no prognóstico do comentarista para referir-se à ação futura do
Congresso no caso de as denúncias serem comprovadas, foi posteriormente adotada pelo
próprio presidente Lula em seus discursos sobre a conjuntura política nacional naquele
momento.
55
políticas nacionais em disputa – são ambos retratados como sujeitos ativos,
atuantes do processo político: o governo age ao tentar impedir a instauração da
CPI, assim como a oposição age ao decidir-se a aproveitar a conjuntura para
desgastar o governo como parte do jogo.
comentário de 26/05/2005
O governo passou a semana tentando evitar a CPI, mas não
conseguiu. E não conseguiu principalmente porque a opinião
pública se convenceu de que há algo de podre nos Correios e
quer ver tudo em pratos limpos.
A Polícia Federal e o Ministério Público já estão na parada.
Mas CPI tem uma vantagem. A oposição também participa
das investigações e, além disso, os trabalhos são
acompanhados de perto pela imprensa e pela sociedade.
O governo diz que a oposição quer fazer da CPI um
palanque. Este risco existe. Mas o país já está bem grandinho
e vai saber separar o joio do trigo e denúncia grave de
pirotecnia eleitoral.
Se a oposição não agir com responsabilidade pode se dar
mal. Quanto ao governo, se continuar jogando na retranca
até pode ganhar um tempinho, mas só vai aumentar o seu
desgaste e pior, carimbar a idéia de que teme uma
investigação independente. Vale a pena? Talvez seja melhor
entrar de corpo e alma na CPI.
Mergulhar na correnteza e de um jeito ou de outro sair mais
leve do outro lado do rio.
Aqui Franklin Martins traz para a cena política um outro ator que se fará
presente, assim como governo e oposição, em outros comentários seus: a chamada
opinião pública. O convencimento e a demanda desta por explicações, segundo o
comentarista, teriam sido os principais responsáveis pelo fracasso do governo em
evitar a CPI. A participação da oposição e o envolvimento da imprensa e da
sociedade no acompanhamento das investigações são mencionados ainda como as
vantagens de uma CPI sobre as investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo
Ministério Público. O comentarista parece, com essa declaração, colocar-se a favor
da instauração da Comissão.
Franklin Martins comenta ainda o receio do governo, a seu ver
fundamentado, de que a CPI seja utilizada pela oposição para fins eleitorais
(palanque), mas ressalva que o país já está maduro o suficiente para distinguir as
denúncias graves da espetacularização (pirotecnia) eleitoreira da crise. Tendo ainda
como interlocutores indiretos o governo e a oposição, o comentarista faz
56
prognósticos negativos que visam aconselhar a ambos, sugerindo cursos de ação:
agir com responsabilidade, no caso da oposição, e não tentar evitar a CPI, no caso
do governo.
comentário de 02/06/2005
Por incrível que pareça, já faz mais de uma semana que o
governo não bate cabeça no Congresso. Os líderes dos
partidos aliados estão todos atirando para o mesmo lado, as
brigas e picuinhas foram suspensas e o Palácio do Planalto
passou a acompanhar de perto a situação.
Dois exemplos de como o clima mudou: o presidente da
Câmara, Severino Cavalcanti, que antes falava todos os dias,
sobre todos os assuntos, agora anda calado. E os ministros
Aldo Rebelo e José Dirceu, que até há poucos dias brigavam
feito gato e rato nos bastidores, afinaram a viola e estão
tocando juntos. Vamos ver se dura.
Resultado: o governo conseguiu se reagrupar no Congresso.
Parece que já tem os votos necessários na Comissão de
Constituição e Justiça para declarar inconstitucional o pedido
de criação da CPI dos Correios. Tudo indica que essa decisão
será confirmada pelo plenário da Câmara e, com isso, a CPI
será arquivada de vez.
Resta saber como vai reagir a opinião pública porque ela
continua querendo saber o que, de fato, aconteceu nos
Correios.
Ao comentar a rearticulação e recuperação das forças governistas em torno
da tentativa de arquivamento da CPI, antes envolvidas em disputas pequenas
(picuinhas) e brigas de bastidores umas contra as outras, Franklin Martins fecha
seu relato com mais uma referência à opinião pública. Ao fazê-la, o comentarista
parece colocar a reação dessa opinião que continua demandando pelo
conhecimento da verdade (querendo saber o que de fato aconteceu) como um
elemento relevante na determinação do desenrolar da conjuntura política, com
conseqüências para o arquivamento ou a instauração da CPI. Assim, apesar das
recentes manobras das forças governistas no Congresso, restaria saber como vai
reagir a opinião pública. Com esta referência, Franklin Martins parece estar
fazendo um apelo indireto a essa opinião, ou seja, à sociedade: ao lembrá-la do
papel de sua demanda por explicações na possível determinação dos rumos do
processo político nacional, o comentarista estaria com isso incitando-a à ação, ou
seja, a reagir, a pressionar a classe política pelo conhecimento dos fatos.
comentário de 07/06/2005
57
O clima em Brasília é de estupefação. Acuado pelas
denúncias, o deputado Roberto Jefferson acusou uma boa
parte da Câmara de receber uma mesada para apoiar o
governo. Pode ser verdade, mas também pode ser uma
manobra desesperada. Só há uma maneira de tirar está
história a limpo: uma investigação séria e independente no
Congresso, com a imprensa marcando em cima e a
sociedade acompanhando tudo de perto. Ou seja, uma CPI.
Nas atuais circunstâncias a CPI deixou de ser uma
possibilidade. Passou a ser uma necessidade.
A situação é grave e exige responsabilidade do governo e da
oposição. Não é possível fechar os olhos diante da gravidade
das denúncias, mas não faz sentido partir para a pirotecnia e
apostar no “quanto pior, melhor”.
O governo tem de se abrir para investigação e se for o caso
cortar na própria carne. Quem estiver envolvido com
corrupção, rua e processo. Já a oposição tem de abandonar
de vez qualquer tentativa de usar investigações para botar o
Palácio do Planalto de joelhos. O país é maior do que essas
políticas.
Felizmente, dos dois lados, há pessoas importantes pensando
assim e começando a falar. Espera-se que elas sentem para
conversar.
Sobre as acusações feitas pelo deputado Roberto Jefferson do PTB-RJ,
Franklin Martins levanta uma certa suspeição, ou seja, a possibilidade de
inveracidade, visto estas poderem se tratar de uma manobra desesperada do
congressista, que se encontrava pressionado, acuado pelas denúncias que sobre ele
recaíam. Franklin aponta a instauração da CPI como uma necessidade, a única
forma de se averiguar a veracidade das acusações, chamando mais uma vez a
atenção para os papéis da imprensa (marcar em cima, i.é, pressionar e
supervisionar) e da sociedade (acompanhar de perto) nas investigações.
Mais uma vez o comentarista sugere cursos de ação para o governo (se abrir
para a investigação, cortar na própria carne) e para a oposição (evitar a
espetacularização da crise, a pirotecnia, o clima de quanto pior melhor apenas para
botar o Palácio do Planalto de joelhos, ou seja, o uso das investigações
principalmente para enfraquecer o governo). Apela então ao país como entidade
que deveria ser considerada tanto por governo quanto oposição como estando
acima dessas políticas. Ou seja, os interesses do país deveriam sobrepor-se aos
conflitos e interesses político-partidários exacerbados pela crise. Franklin Martins
parece colocar-se favoravelmente (o comentarista diz felizmente) a uma solução de
58
entendimento (sentar para conversar) entre governo e oposição, em que os
interesses do país sejam levados em conta por integrantes de ambos os lados,
mesmo com a instauração da CPI.
comentário de 09/06/2005
Governo e oposição travaram hoje uma tremenda batalha
para escolher o presidente e o relator da CPI dos Correios. É
compreensível que os dois lados disputem a ferro e fogo uma
boa posição no grid de largada, mas essas preliminares têm
um peso muito menor do que se imagina.
Basta lembrar a CPI do Collor. Aliás, ela se chamava CPI do
PC Farias - o governo, na época, fez questão de limitar as
investigações. Mais: botou na presidência da comissão o
deputado Benito Gama, do grupo de Antônio Carlos
Magalhães, considerado absolutamente fiel a Collor.
Nada disso adiantou. À medida que os fatos vieram à tona,
os trabalhos da comissão ganharam dinâmica própria e Collor
entrou na roda. O curioso é que o presidente da CPI foi
decisivo para o sucesso das investigações. E deu no que deu.
Ou seja, numa CPI o importante não é a largada. É a corrida.
Com a imprensa marcando em cima e a sociedade
acompanhando tudo, o que pesa mesmo são os fatos, as
revelações, as provas. Portanto, vamos às investigações. E o
que tiver de ser, será.
Aqui Franklin Martins comenta as disputas acirradas (a ferro e fogo) entre
governo e oposição para a definição dos ocupantes de funções importantes na CPI,
chamando a atenção para o fato de que, a seu ver, o que é decisivo em uma CPI
não é o seu momento inicial (a largada), mas seu desenvolvimento (a corrida), em
que pesam os fatos, as revelações, as provas. Para ilustrar seu argumento, utiliza
como exemplo o caso da CPI do PC, que levou Collor ao impedimento. Mais uma
vez, são enfatizados os papéis da imprensa e da sociedade nas investigações, uma
marcando em cima e a outra acompanhando tudo, respectivamente.
comentário de 16/06/2005
A saída de José Dirceu muda o governo. Segundo o próprio
presidente, ele era o capitão do time. Não dá pra dizer que
Dirceu foi demitido, mas também não dá pra dizer que ele
pediu para sair. Foi uma solução construída em conjunto, por
Lula e por Dirceu. Depois das acusações feitas por Roberto
Jefferson, eles chegaram à conclusão de que era hora de dar
uma virada no governo e também de partir para a contra-
ofensiva no Congresso.
Como no Palácio Dirceu não tinha liberdade para se defender
dos ataques, acabava enfraquecendo o governo. Sobrava
para Lula. Voltando ao Congresso, estará com as mãos livres
para responder às denúncias e, de quebra, mobilizar o PT e a
base governista.
59
O presidente já avisou aos ministros que vai fazer uma
reforma nos próximos dias. Com a saída de Dirceu, foi dada
a largada, mas ninguém sabe exatamente quem vai ficar,
quem vai sair, quem vai entrar. Lula vai ampliar o espaço de
outros partidos, principalmente do PMDB, que vai ter um
peso maior no governo, mas não quer fazer apenas uma
recauchutagem política do governo.
Pode convocar personalidades sem partido, de competência
reconhecida, para o ministério. E está estudando a
diminuição do número de ministérios e de cargos de
confiança. Se encontrar também uma maneira de acabar
com o loteamento de cargos com recursos no segundo
escalão, como a diretoria da Petrobras que fura poço ou a
dos Correios que compra computadores, seria uma mudança
e tanto.
A primeira parte do comentário se ocupa da saída do então ministro da Casa
Civil José Dirceu e de sua volta ao Congresso, com explicações sobre as estratégias
de defesa do governo e de mobilização de seu partido e da base aliada subjacentes
a esse ato. A segunda parte gira em torno da reforma ministerial anunciada pelo
presidente. Além de fazer prognósticos sobre as decisões a serem tomadas pelo
presidente Lula em relação a seu futuro ministério, Franklin Martins sugere ainda
como uma importante mudança a ser realizada o fim do loteamento de cargos de
estatais que movimentam recursos importantes no segundo escalão do governo. A
sugestão faz alusão a uma declaração do então presidente da Câmara dos
Deputados Severino Cavalcanti e ao escândalo nos Correios, detonador da crise
política.
No comentário seguinte, Franklin Martins continua a se ocupar das
mudanças ministeriais do governo, mais especificamente da escolha de Dilma
Roussef para a Casa Civil, que entrara no lugar de José Dirceu. O comentarista
parece aprovar a escolha de um perfil técnico para o ministério ao relatar como
exemplo o sucesso de uma decisão similar tomada no governo anterior. Mas coloca
a ressalva de que a Coordenação Política ficaria a cargo do presidente da República,
o que poderia trazer mais problemas para o governo (a situação política desandar
ainda mais), visto Lula parecer não se enquadrar no perfil de articulador. A solução
para Franklin é a de que Lula mude sua postura (seus hábitos e preferências) para
assumir o papel de coordenador político de seu governo.
60
comentário de 20/06/2005
A escolha de Dilma Roussef para a Casa Civil é um sinal de
que o Palácio do Planalto vai mudar. Dilma não é uma
articuladora política, como José Dirceu. Tem um perfil
técnico. Sua missão vai ser fazer funcionar a máquina
administrativa.
Esse modelo já foi testado antes, e deu certo. No governo
Fernando Henrique, por exemplo, o chefe da Casa Civil, na
prática, era um super-gerente. Coordenava o trabalho dos
outros ministros, cobrava providências, marcava prazos, e
assim por diante. Mas podia se concentrar na administração
porque o próprio presidente assumia diretamente a
Coordenação Política.
E aí entra a dúvida: será que Lula vai fazer isso? Pelo menos
até agora, em dois anos e meio de mandato, sempre que
pôde, ele deu sinais de que não tem muita paciência para
tocar as negociações com os partidos e gosto para ficar de
conversa com deputados e senadores.
Pelo visto, a partir de agora, vai ter de mudar seus hábitos e
preferências. Caso contrário, em vez de a situação política se
arrumar, ela pode desandar ainda mais. Se é que isso é
possível.
comentário de 23/06/2005
É muito bom que, no meio desse mar de denúncias, o
Congresso esteja encontrando tempo e energia para
desengavetar a reforma política e eleitoral. Ela é essencial
para acabar com o parlamentar que se considera dono do
mandato, fortalecer os partidos e valorizar o voto do eleitor.
O problema é que a urgência na aprovação da reforma pode
levar ao surgimento de contrapontos. É o caso da regra de
transição prevista para a organização das listas partidárias
em 2006. Os atuais deputados teriam a garantia de ocupar
nas listas pelo menos o mesmo lugar que tiveram nas urnas
em 2002. Desse jeito, na prática, boa parte da Câmara
estaria com a reeleição praticamente assegurada.
Os defensores da reforma admitem que a fórmula não é boa,
mas argumentam que é o preço a pagar para as mudanças
passarem no Congresso. Mas quem disse que a sociedade
está disposta a pagar esse preço e a engolir por mais quatro
anos uma Câmara muito parecida com a atual?
Esta é a única vez em que a questão da reforma política e eleitoral figura
como tema principal da apreciação dos comentaristas do JN no período analisado.
Franklin Martins inicia seu comentário demonstrando aprovação em relação ao
desengavetamento da discussão sobre a reforma no Congresso. Elenca alguns de
seus objetivos mais importantes, mas sem deixar de ressalvar os problemas a
serem ocasionados por uma possível aprovação em caráter de urgência. Destes, o
comentarista ressalta o fato de que a Câmara seria pouco renovada pela próxima
eleição em virtude das regras de transição, que são apresentadas pelos defensores
61
da reforma como um mal necessário, um preço a pagar, uma condição imposta
pelos parlamentares para que as mudanças sejam aprovadas no Congresso.
Através de uma pergunta em que o comentarista parece momentaneamente
tomar para si o papel de porta-voz da sociedade, Franklin Martins insinua a
possibilidade desta não estar disposta a aceitar a pouca renovação da Câmara
como condição para a aprovação das mudanças no Congresso. Insinua-se também,
com esta pergunta, a insatisfação da sociedade com a atual composição da
instituição.
comentário de 30/06/2005
CPI dos Correios, CPI do mensalão, CPI da compra de votos,
CPI dos bingos, CPI do cartão do SUS, Conselho de Ética,
Comissão de Sindicância. A cada dia que passa surge uma
CPI nova.
Evidentemente, é um excesso. Tem muita gente disputando
a luz dos holofotes e fazendo força para aparecer. O pior é
que isso não ajuda nas investigações. Ao contrário,
atrapalha. Primeiro, porque não há senadores e deputados
com experiência em investigação em número suficiente para
tocar tantas frentes ao mesmo tempo.
Segundo, porque desvia a atenção do que é importante e
abre espaço para os vivaldinos lançarem cortinas de fumaça
para encobrir as malandragens.
Numa investigação, é fundamental não perder o foco, tomar
depoimentos, detectar contradições, estudar documentos,
reunir provas, ir fechar o cerco em cima dos culpados, e não
atirar para tudo que é lado para ver se, por sorte, acerta-se
em alguma coisa. Todas essas denúncias poderiam ser
investigadas por uma só CPI, vá lá por duas, mas cinco ou
seis, é demais. É um convite à pirotecnia.
Aqui, o comentarista assume um tom fortemente crítico ao que ele considera
um exagerado número de CPIs para a investigação de denúncias que, a seu ver,
poderiam ser averiguadas por apenas uma ou duas comissões. Além da contra-
produtividade de tantas comissões (não ajuda, atrapalha, desvia a atenção), há o
caráter de espetacularização da crise (tem muita gente disputando a luz dos
holofotes e fazendo força para aparecer, um convite à pirotecnia) que o
comentarista critica. Tendo os parlamentares como interlocutores indiretos,
Franklin Martins aponta ainda quais são as ações que considera apropriadas (não
perder o foco, tomar depoimentos, detectar contradições, estudar documentos,
62
reunir provas) e criticáveis (atirar para tudo que é lado) na condução das
investigações.
comentário de 07/07/2005
Segundo o porta-voz da presidência, Lula anuncia amanhã o
novo Ministério. Se isso se confirmar - sempre pode haver
um adiamento de última hora -, quase nove meses terão se
passado desde que o presidente começou a tratar do
assunto. Poucas vezes se viu tanta demora.
O presidente vai aumentar a presença no governo de outros
partidos, como o PMDB e o PP. Com isso, pretende
reorganizar sua base parlamentar, atualmente em
frangalhos. Faz todo o sentido.
Mas seria ótimo se o presidente aproveitasse também a
reforma para acertar o passo com a sociedade. Nos últimos
meses, em meio a tropeços, crises e escândalos, o governo
envelheceu rapidamente. E a melhor forma de ele ganhar
nova energia é montando uma equipe capaz de conversar
com os diferentes setores da sociedade. Gente que olhe para
fora do palácio, para as ruas, para as empresas, para as
escolas, para o país, e não para o próprio umbigo, para o seu
partido ou mesmo para a sua ala no partido.
É hora de abrir as janelas. O governo está precisando de ar
fresco e luz.
Neste comentário, além de relatar as decisões do presidente acerca da
reforma ministerial e criticar a demora que esta levou para ser finalmente
efetivada, Franklin Martins aconselha Lula de modo explícito, enfatizando a
necessidade imposta pela conjuntura de crise de que o novo ministério seja
formado não apenas de modo a contemplar os interesses pragmáticos do governo
(reorganizar a base parlamentar), mas também que seja menos partidariamente
orientado e mais articulado e aberto ao diálogo com setores importantes da
sociedade. E isso como meio de se recuperar a força do governo que, em sua
interpretação, encontra-se desgastado, rapidamente envelhecido em razão dos
últimos acontecimentos envolvendo a classe política.
comentário de 21/07/2005
Foram 14 horas de falação e nenhuma revelação. O
depoimento de Delúbio Soares deixou claro que a CPI tem
que mudar a forma de trabalhar.
O essencial agora é investigar as caixas e mais caixas de
documentos com a movimentação bancária das empresas de
Marcos Valério. O foco deve estar na entrada e na saída de
recursos do chamado “Valerioduto”.
De onde veio a dinheirama ainda sem explicação? De
contratos com o governo ou de contribuições por fora de
empresas privadas? Para onde foi a grana? Que tipo de
63
despesas ela pagou? Que partidos ou políticos se
beneficiaram dela? Por último, desde quando esse mega
esquema de lavagem de dinheiro está em operação?
As perguntas são essas. E as respostas estão na papelada
em poder da CPI. Os primeiros nomes já começaram a
aparecer e haverá muitas novidades nos próximos dias. Se o
trabalho for bem feito, em duas ou três semanas o país
poderá ter um raio-x razoavelmente completo dessa história
toda. É só puxar o fio da meada. E seguir o dinheiro. Pra
frente e pra trás.
Aqui, Franklin Martins reitera suas críticas à maneira como a CPI vinha
trabalhando e mais uma vez tece apontamentos sobre medidas que considera
adequadas, agora sob a forma de perguntas. Uma destas, acerca da origem do
dinheiro que alimentava o esquema de corrupção operado pelas empresas de
Marcos Valério, o chamado Valerioduto, será continuamente retomada pelo
comentarista em suas análises posteriores. É digno de nota que as perguntas
sugeridas por Franklin para orientar os rumos da investigação envolvem não
apenas a classe política e o governo Lula, como também empresas privadas que
poderiam ter contribuído para o esquema de corrupção. Na última pergunta, que
questiona desde quando o esquema de lavagem de dinheiro se encontra em
atividade, insinua-se a possibilidade deste ter sido montado em gestões anteriores
à do governo Lula-PT.
comentário de 28/07/2005
A temperatura política, que andou elevadíssima na semana
passada, cedeu um pouco nos últimos dias. Governo e
oposição perceberam que a guerra de discursos estava
envenenando o ambiente de uma forma irreparável e deram
sinais de que estão dispostos a conversar. A oposição disse
que aceita negociar com o governo uma agenda mínima para
o segundo semestre. O ministro da articulação política,
Jaques Wagner, anunciou publicamente que o Palácio do
Planalto topa conversar. Trata-se de um progresso e tanto
dos dois lados.
Mas entendimento não é sinônimo de pizza. As investigações
em curso na CPI têm que continuar. Quem tiver culpa no
cartório, seja soldado raso ou general, ligado ao governo ou
à oposição, tem de ser punido. Nessa área, não há acordão
possível. O que deve se discutir não é se faz apuração ou
não. É o que se faz, o que se vota, o que se debate no
Congresso enquanto a apuração é feita. E, como os principais
partidos, que representam de fato setores da opinião pública,
podem atuar em conjunto para dar rumo a um Congresso,
que hoje, está inteiramente à deriva.
64
A disposição para o diálogo entre governo e oposição após um período
conturbado de guerra de discursos é aprovada pelo comentarista, que a descreve
como um progresso e tanto. Faz, contudo, questão de diferenciar esse tipo de
entendimento da chamada pizza ou acordão, em que não haveria mais apuração e
punição dos culpados. Franklin Martins sugere então e mais uma vez cursos de
ação para as investigações (continuar e punir que tiver culpa no cartório) e para o
que deve ser discutido no entendimento entre governo e oposição em torno da
chamada agenda mínima para o segundo semestre de 2005 (o que se faz, o que se
vota, o que se debate no Congresso enquanto a apuração é feita). Ressalta ainda a
importância da atuação conjunta dos principais partidos, a seu ver representantes
de fato de setores da opinião pública, para a orientação do Congresso, que se
encontra sem rumo, inteiramente à deriva.
comentário de 04/08/2005
Em discurso inflamado esta semana, Lula disse que ainda
não decidiu se vai se candidatar à reeleição no ano que vem.
Mas avisou que, se for candidato, vai ganhar. E completou:
“eles vão ter de me engolir”.
O tom de desafio passou a idéia de que Lula quer antecipar a
campanha eleitoral. Se for verdade, é uma péssima notícia,
desastre. Com três CPIs funcionando, denúncias pipocando
todo dia, o Congresso parado e o Palácio do Planalto
atordoado, a pior coisa que poderia acontecer ao país agora
seria a antecipação da campanha eleitoral.
Jogar a eleição em cima da investigação é o mesmo que
querer apagar incêndio com gasolina. O sinistro pode se
alastrar.
Só há um caminho para a normalidade: deixar a fogueira
arder até o final. E aí separar o que é lenha do que é fogo de
palha, denúncia verdadeira de acusação falsa. Investigar até
o fim e, depois, punir quem tem culpa no cartório é a única
saída. A temperatura já está altíssima. É melhor manter a
cabeça fria.
Neste comentário Franklin Martins critica um discurso do presidente que, a
seu ver, assumiu ares de desafio, insinuando uma antecipação da campanha
eleitoral a ser realizada no próximo ano. O comentarista adverte então sobre o
perigo que poderia representar a sobreposição de uma disputa eleitoral antecipada
às investigações das três CPIs em andamento, cuja conseqüência seria o
acirramento dos conflitos entre oposição e governo (é querer apagar incêndio com
65
gasolina, o sinistro pode se alastrar). Ao final, aponta mais uma vez o que
considera ser o único caminho apropriado: investigar até o fim e punir os culpados.
Ainda lançando mão de uma metáfora, menciona que se deve separar as denúncias
verdadeiras (lenha) das acusações falsas (fogo de palha). E dirige um conselho,
provavelmente ao presidente, para evitar exaltações e manter a calma (a cabeça
fria).
comentário de 11/08/2005
O depoimento de Duda Mendonça, deixando no ar a idéia de
que seu trabalho na campanha de Lula pode ter sido pago
com caixa 2, caiu como uma bomba no Congresso. Excitados
com a notícia, setores da oposição voltaram a mirar
diretamente no presidente. Abatidos com o depoimento, 20
deputados e quatro senadores decidiram se desligar da
bancada do PT. A temperatura política voltou a subir e
fortemente.
Está na hora do presidente falar à nação. Não em palanque,
em comício, de improviso, porque o momento é grave e
exige serenidade. Não radicalização. É preciso que Lula diga
claramente ao país o que aconteceu no governo e no PT. Se
se sente traído, que diga por quem e com todas as letras. Se
errou na escolha de colaboradores, que peça desculpas. Que
fale, olho no olho de cada brasileiro e não de olho nas urnas
de 2006. Quanto à oposição, é bom botar os pés no chão e a
cabeça na geladeira. Tudo bem que queira desgastar o
governo, é do jogo. Mas apostar no ‘quanto pior, melhor’ ou
fazer demagogia às custas da economia, como na votação do
salário mínimo, é brincar com o fogo.
Por ocasião do depoimento do especialista em marketing político e
publicitário Duda Mendonça na CPI, que teve como conseqüências o acirramento
dos ataques da oposição ao presidente e o desligamento de parlamentares da
bancada do PT, Franklin Martins lança mão de seu comentário para incitar Lula a
pronunciar-se à nação para explicar os recentes acontecimentos envolvendo seu
governo e o PT, sugerindo inclusive do que seria adequado seu discurso se ocupar
(o que aconteceu, se se sente traído e quem o traiu, se errou e pedir desculpas) e
como discursar (dizer claramente, sem radicalização, sem fins eleitoreiros como
num palanque, de improviso).
5
Adverte e critica ainda a oposição por se exaltar na
disputa política (jogo), ao querer desgastar o governo a qualquer custo (apostar no
5
O presidente Lula se pronuncia à nação em 12/08/2005, dia seguinte a esse comentário.
66
quanto pior melhor) e a fazer uso político de questões que interferem na economia
do país, como no caso da votação do salário mínimo.
comentário de 18/08/2005
Fora a confissão de Duda Mendonça, de que recebeu dinheiro
numa conta no exterior, faz um bom tempo que não há
novidades na CPI. Depoimentos são tomados todos os dias,
mas e daí? É tudo conversa fiada. A falta de foco é gritante,
tão gritante que a CPI chegou ao cúmulo de armar o palco
para um preso comum, que está fazendo tudo para sair de
trás das grades, se apresentar ao país como preso político e
acusar um monte de gente sem prova alguma.
De onde veio o dinheiro que alimentou o Valerioduto? Essa é
a questão chave a ser respondida agora. E a resposta está na
documentação em poder da CPI, mas, entra semana e sai
semana, e os parlamentares, preocupados em aparecer, não
encontram tempo para fazer o dever de casa e analisar a
papelada.
Ou a CPI muda a forma de trabalhar, ou corre o risco de não
conseguir desmontar a tese de que o dinheiro veio de
empréstimos legais. Já imaginaram se isso acontecesse?
Seria a glória para Marcos Valério e Delúbio Soares e a
desmoralização da CPI.
Aqui, o comentarista critica mais uma vez e contundentemente o modo
como a CPI vinha sendo conduzida (depoimentos tomados todos os dias, tudo
conversa fiada, falta de foco gritante), denunciando ainda o caráter espúrio da
espetacularização proporcionada pelo episódio em que o doleiro Antônio de Oliveira
Claramunt, o Toninho da Barcelona, um preso comum, é levado para depor na CPI
por motivações da luta política (armaram o palco para um preso comum acusar um
monte de gente sem prova alguma, os parlamentares estão preocupados em
aparecer). Reitera ainda seu questionamento sobre aquilo que considera essencial
para o progresso das investigações: saber de onde veio o dinheiro do chamado
Valerioduto. Incita por fim os membros da CPI a mudarem a forma que vinham
trabalhando até então, sob o risco de não conseguirem provar que o esquema do
chamado Valerioduto era alimentado por empréstimos ilegais.
comentário de 25/08/2005
Ontem os chefes dos três poderes assinaram um comunicado
afirmando que as instituições estão em pleno funcionamento.
O objetivo de Lula foi passar uma mensagem de
tranqüilidade. Hoje, porém, o presidente surpreendeu. Disse
que não vai fazer como Getúlio, Jânio ou Jango. Ou seja, não
vai se matar, renunciar ou ser deposto. Deu a entender que
67
a situação é gravíssima e tudo pode acontecer. Vá lá se
entender o que quer o presidente.
Vá lá se entender também o que quer a oposição. Numa hora
fala em impeachment do presidente. Noutra, que vai sangrar
Lula até o fim. Já as CPIs, continuam patinando, sem explicar
o mais importante: de onde veio o dinheiro para o
Valerioduto.
Parece que estamos todos hipnotizados pela crise. Desse
jeito, ela pode acabar nos engolindo. O país no momento
precisa de duas coisas: serenidade e apego aos fatos. Apego
aos fatos para investigar até o fim o que aconteceu, com
provas e sem pirotecnias. Serenidade para não inflar
artificialmente a crise. Sozinha, do tamanho que tem, ela já é
gravíssima. Não precisa de anabolizantes.
Franklin Martins dá início a este seu comentário com uma crítica à
contradição gerada pelas mensagens opostas insinuadas em duas ações recentes
do presidente Lula. Enquanto uma dessas ações – a assinatura pelos chefes dos
três poderes de um comunicado que afirmava o pleno funcionamento das
instituições – procurava transmitir uma mensagem de tranqüilidade à nação, uma
outra – um discurso de Lula – insinuava a gravidade da conjuntura política ao fazer
alusão ao suicídio, à renúncia e à deposição de chefes de Estado anteriores.
Franklin critica ainda a atuação da oposição, cujos discursos vão do cortejo ao
impedimento do presidente ao seu desgaste político por um prazo mais longo
(sangrá-lo até o fim), enquanto as CPIs continuam a não explicar o que o
comentarista considera o mais importante: a origem do dinheiro do chamado
Valerioduto.
Na interpretação do comentarista, há a possibilidade de que as ações do
presidente e da oposição estejam sendo pautadas pela dinâmica da crise política
(parece que estamos todos hipnotizados), que exacerba os conflitos. Há também o
risco desta situação se agravar (ela pode acabar nos engolindo). Por fim, o
comentarista faz um diagnóstico do que o país necessitaria no momento:
serenidade para não inflar a crise artificialmente e apego aos fatos para investigar
até o fim, com provas e sem pirotecnias. O que não deixa de ser um
aconselhamento a seus interlocutores indiretos neste comentário, o presidente e a
oposição, que estariam promovendo a exacerbação da crise em seus discursos e
ações.
68
Assim, faltaria serenidade ao presidente quando este menciona a renúncia, a
deposição e o suicídio de chefes de Estado anteriores em seus discursos, e à
oposição quando esta fala em impeachment e em sangrar o presidente até o fim, o
que inflaria a crise. Do mesmo modo, faltaria apego aos fatos nas CPIs quando
nestas prevalece a espetacularização da crise (a pirotecnia), cujos fins político-
eleitorais seriam estranhos às investigações.
comentário de 01/09/2005
Nem pizza, nem acordão, punição. Ficou claro hoje que o
Congresso vai cortar cabeças. Por unanimidade, o Conselho
de Ética recomendou a cassação do mandato de Roberto
Jefferson. Tudo indica que ele vai rodar. Vai cantar óperas
em outra freguesia. O Congresso não sentirá sua falta. Já as
CPIs dos Correios e do mensalão pediram a abertura de
processo contra 18 deputados. Pode ser que um ou outro
consiga provar que é inocente, mas a tendência da câmara é
pela punição.
Agora, está faltando um bocado de gente nessa lista. Onde
estão os deputados do PTB, do PL e do PP que recebiam a
grana de Valdemar da Costa Neto, de Roberto Jefferson e de
José Janene? Até agora eles estão blindados pelo silêncio dos
três. Valdemar renunciou para não abrir o bico, Jefferson já
avisou que não entrega ninguém, Janene está travadão.
Essa parte da história ainda não veio a público e precisa vir.
Como precisa vir a público também uma resposta confiável
para a pergunta: de onde veio o dinheiro do valerioduto?
Tem de punir, mas sem parar de investigar.
Aqui, Franklin comenta as últimas ações do Conselho de Ética e das CPIs no
Congresso, que revelam uma tendência geral à punição dos culpados, e não a
acordos que evitam maiores conseqüências (as chamadas pizzas e acordões, em
linguagem popular). Ressalta, porém, que faltavam nomes de parlamentares
envolvidos nos escândalos na lista dos que viriam a ser punidos. Por fim, Franklin
Martins reitera como uma das preocupações centrais de seus comentários o seu
questionamento por uma explicação confiável para a origem do dinheiro que
alimentava o esquema do valerioduto, ao mesmo tempo em que reafirma a
necessidade de se dar continuidade às investigações, mesmo com as punições em
andamento.
comentário de 08/09/2005
Depois da entrevista do dono do restaurante hoje, Severino
Cavalcanti não tem mais condições de presidir a Câmara dos
Deputados. Tudo bem, o empresário não apresentou provas
69
documentais do pagamento de propina, mas o depoimento
foi extremamente convincente. Tem cheiro de verdade. E
ninguém tem dúvida de que nos próximos dias as provas -
cheque e extratos bancários - estarão à disposição de todos.
Severino acabou. Terá de deixar a presidência da Câmara e,
se não renunciar ao mandato, vai ser cassado.
Trata-se de um momento dramático. Nunca a Câmara viveu
uma situação tão crítica. Espera-se que todos os partidos -
pelo menos os sérios - compreendam a gravidade do
momento. Nada de politiquice, nada de surfar na crise, nada
de tentar puxar a brasa pra sua sardinha. A imagem da
Câmara já esta lá em baixo e não pode descer nem um
milímetro mais.
Que se encontre rapidamente um nome acima de qualquer
suspeita, aceito por todos, pelo governo e pela oposição,
para presidir a casa e liderar sua recuperação moral e
política. Outra lambança, como a da eleição de Severino, não
dá.
Neste e nos próximos três comentários Franklin Martins irá se ocupar do
episódio em que o então deputado pelo PP e presidente da Câmara Severino
Cavalcanti torna-se pivô de um escândalo de pagamento de propina à sua pessoa
pelo proprietário do restaurante situado no Congresso Nacional. O foco dos
comentários de Franklin Martins sobre o momento político nacional é, portanto,
desviado das disputas envolvendo governo e oposição em torno das investigações
em curso no Congresso para recair sobre a Câmara e a possível renúncia de seu
presidente. Esta é vista pelo comentarista como uma oportunidade para a Câmara
desfazer o erro (a lambança, o desastre) em ter permitido a eleição de Severino
Cavalcanti para sua presidência.
O comentarista aconselha uma solução de entendimento, de compromisso
entre os partidos, governo e oposição, para a escolha do novo presidente da casa.
A decisão deve atender à necessidade de se recuperar a imagem pública da
Câmara, tanto moral quanto política, não se deixando orientar por disputas políticas
pequenas (politiquice), sob o risco da imagem da instituição ficar ainda mais
desgastada perante a população.
comentário de 15/09/2005
Severino Cavalcanti está dizendo que precisa de uns dias
para resolver o que vai fazer. Espera-se que, ouvindo a
família e os amigos, tome a única decisão sensata que lhe
resta: a renúncia ao mandato de deputado e, por tabela, à
presidência da Câmara. Seria o melhor para ele, iria para
70
casa mais cedo, é verdade, mas não ficaria sangrando em
praça pública. E seria o melhor também para a Câmara, que
sem maiores delongas, poderia eleger rapidamente um novo
presidente, alguém com biografia acima de qualquer
suspeita, disposição para o diálogo e percepção da gravidade
do momento. Há deputados com essas qualidades, tanto do
governo como da oposição. Que os partidos se ponham de
acordo e escolham um deles.
Dentro das circunstâncias, até que a Câmara está com sorte.
Menos de oito meses depois da eleição de Severino, ela pode
ter a chance de consertar a lambança monumental que fez.
Raramente a vida dá às pessoas uma segunda oportunidade
tão cedo, quando elas cometem um erro tão grave. Que os
partidos não se deixem cegar pela mesquinhez política e não
joguem pela janela essa nova chance.
Ainda se ocupando do desenrolar do episódio envolvendo o então deputado
e presidente da Câmara Severino Cavalcanti, Franklin Martins retoma aqui as
apreciações, julgamentos e sugestões proferidas em seu comentário anterior. Sua
preocupação central ainda é a de que os partidos, governo e oposição, entrem em
entendimento sobre a escolha do futuro presidente da Câmara levando em conta os
interesses gerais da casa e não suas diferenças partidárias. O comentarista traça
ainda um rápido perfil ideal daquele que deveria ocupar o cargo, o que serviria para
orientar a escolha dos parlamentares.
Já no comentário seguinte, de 22/09/2005, será feita uma crítica ao clima
de guerra e de disputa eleitoral que acabou por prevalecer entre governo e
oposição na escolha do substituto de Severino, em prejuízo do que seria, segundo
Franklin, o melhor para a Câmara: a união desta em torno de alguém capaz de
melhorar a imagem política e moral da casa. O comentarista critica ainda a lógica
fisiológica de alguns parlamentares (a turma que só pensa em levar vantagem em
tudo) que, como conseqüência do prevalecimento do clima de disputa entre os
partidos sérios, poderia tornar-se decisiva na eleição do novo presidente da
Câmara.
comentário de 22/09/2005
Parece que a Câmara não aprendeu com o desastre da
eleição de Severino. O clima de guerra entre governo e
oposição, que lá atrás, em fevereiro, permitiu aquela
maluquice, está de volta. E já contaminou de vez a escolha
do novo presidente da casa. Ninguém está preocupado em
fazer o que é melhor para a Câmara. Está todo mundo de
71
olho nas eleições presidenciais do ano que vem. Em vez da
lógica da instituição, o que está valendo é a lógica da
sucessão. A oposição quer ferrar o governo. O governo quer
dar o troco na oposição.
A Câmara precisava se unir em torno de alguém com
biografia, aceito por todos, capaz de levantar política e
moralmente a casa. Mas, por mesquinhez política, está claro
que os partidos sérios vão se dividir. Na caça ao voto, terão
de cortejar a turma que só pensa em levar vantagem em
tudo. Ou alguém acha que esse pessoal sumiu do mapa com
a renúncia de Severino? Sumiu nada, continua lá. E, desse
jeito, pode acabar sendo de novo o fiel da balança da eleição
do presidente da Câmara.
comentário de 29/09/2005
Foi uma vitória suada, sofrida, dramática, mas o governo
tem o que comemorar. Afinal, há muito tempo ele não
ganhava uma batalha decisiva como a de ontem. Se o novo
presidente da Câmara fosse da oposição, no mínimo,
manteria o Palácio do Planalto na rédea curta. E poderia ser
uma tremenda dor de cabeça para Lula, numa crise como a
que estamos vivendo.
Ou seja, o governo escapou de boa. E a oposição, que já se
sentia com a mão na taça, na hora H, descobriu que não
estava com essa bola toda. Apostou no tudo ou nada, e deu
nada. Pior: o governo, que parecia morto e enterrado,
ressuscitou com o tratamento de choque. O defunto voltou
para o jogo.
Mas é bom o governo não se entusiasmar muito. O placar da
vitória de Aldo Rebelo deixou claro que a Câmara está
dividida. Não pode ser tocada na base do rolo compressor.
Os dois lados têm de sentar e negociar. Porque ninguém tem
força pra esmagar ninguém. Foi isso que o confronto dos
últimos dias mostrou. Quem não aprender a lição, pode se
dar mal.
Aqui Franklin Martins comenta a vitória das forças governistas na eleição do
novo presidente da Câmara, Aldo Rebelo do PC do B. Na interpretação do
comentarista, essa vitória significou uma retomada de forças por parte do governo,
que ressuscitou com o tratamento de choque, voltando ao jogo político após ter
parecido morto e enterrado. Sobre a oposição, comenta que sua disposição em não
negociar, em apostar no tudo ou nada, acabou por lhe valer a derrota. Ao final,
Franklin ressalta a importância da negociação, que deverá prevalecer na relação
entre governo e oposição a partir de então. E isso uma vez que, estando dividida a
Câmara, nem um nem outro lado tem forças para esmagar ninguém. É esta, a seu
ver, a lição a ser tirada do episódio da eleição de Aldo Rebelo para a presidência da
Câmara.
72
comentário de 06/10/2005
A decisão da Corregedoria da Câmara recomendando a
abertura em bloco de processo contra 13 deputados
acusados de receberem dinheiro do Valerioduto pode ser
questionada tecnicamente. Afinal, a tradição é de que as
acusações e punições sejam individualizadas.
Mas politicamente a decisão é um sinal claro de que a
Câmara continua muito sensível à pressão da opinião pública.
E por isso mesmo tende a cortar a cabeça dos culpados. É
possível que um ou outro acusado consiga escapar, mas o
sentimento predominante na casa é de que a degola terá de
ser ampla, ou não se dará satisfação ao clamor da sociedade.
Pode haver pizza? Poder sempre pode, mas é pouco
provável. Hoje só quem defende os acusados são os próprios
acusados. E pelo menos até agora não apareceu ninguém de
peso no Congresso disposto a peitar a opinião pública e a
defender um acordão.
Tudo somado, o cheiro no ar está mais para sangue do que
para mussarela e orégano. E como os acusados sabem disso,
podemos ter mais renúncias na semana que vem.
Neste comentário Franklin Martins, partindo do relato sobre uma decisão da
Corregedoria da Câmara em relação à abertura em bloco dos processos contra 13
deputados acusados, chama a atenção para a tendência geral da casa em punir os
culpados, enfatizando o papel da pressão da sociedade (a opinião pública) na
configuração desta mesma tendência. Na interpretação do comentarista, os
chamados acordões e pizzas, em que não haveria maiores conseqüências para os
envolvidos nos escândalos, apesar de possíveis são pouco prováveis, visto o clima
(cheiro) predominante ser de punição (sangue) e não de absolvição dos culpados
(mussarela e orégano). Franklin ainda arrisca uma previsão sobre as possíveis
renúncias de parlamentares a ocorrerem na semana seguinte, cujo intuito é o de
evitar a perda de seus direitos políticos para poderem disputar novamente seus
cargos em 2006.
comentário de 13/10/2005
Na próxima segunda-feira, o Conselho de Ética da Câmara
abre formalmente os processos contra mais 13 deputados
acusados de receber dinheiro do Valerioduto.
Nos corredores do Congresso, a aposta é de que antes disso
vários acusados vão renunciar, para evitar a perda dos
direitos políticos por oito anos. Dessa forma, iriam para casa
mais cedo, é verdade, mas, em compensação, poderiam
disputar as eleições do ano que vem e, quem sabe, retornar
à Câmara em 2007.
A justificativa é de que não há clima para um julgamento
justo e todos já estariam condenados de antemão.
73
Pode ser. Mas para quem se julga inocente e quer provar sua
inocência a melhor alternativa não é sair, de fininho, pela
porta dos fundos da Câmara. Porque, nesse caso, a imagem
que vai ficar é a de alguém que deu mais importância à
carreira política do que à defesa do próprio nome.
Isso pode ser o bastante para quem só tem interesses e
conveniências a preservar. Mas para quem tem biografia, e
quer continuar tendo, é um tremendo tiro no pé. E um tiro
para sempre.
Aqui, Franklin retoma o relato da abertura de processos contra deputados
envolvidos nos escândalos, cuja análise foi iniciada em seu comentário anterior,
acrescentando apenas algumas apreciações sobre as prováveis condutas a serem
tomadas pelos parlamentares que aguardam julgamento e as possíveis
conseqüências destas para suas biografias e carreiras políticas. Sua análise neste
comentário parece tanto aconselhar os parlamentares envolvidos, especialmente
aqueles que se presumem inocentes, como alertar a opinião pública para o sentido
por detrás das ações dos acusados, que poderiam com a renúncia estar apenas
tendo em vista a manutenção de seus direitos políticos para disputarem novamente
as eleições do ano seguinte.
Comentários de Arnaldo Jabor
comentário de 20/05/2005
Um dos ladrões em Rondônia dizia: “não podemos mudar o
mundo. Logo me dá um dinheiro aí!". O Maurício dos Correios
se gabava, com orgulho embolsando os R$ 3 mil. "Eu sou o
homem chave!".
Há um orgulho no rombo do dinheiro público, como se ele
não fosse de ninguém. Depois da tomada do poder por
Severino, os malandros estão fazendo barata voa com o Lula,
que é refém: do PMDB, do PTB, topando tudo pela reeleição.
E não adianta CPI, nada. Ela vai paralisar o país, para
descobrirmos o óbvio: que haverá corrupção enquanto
houver 16 mil cargos de confiança, cumbucas de ouro
disputados a tapas pelos partidos como nos Correios.
Em outros países há 2, 3 mil cargos no máximo. Agora
começou a temporada das negações. Minha honra é ilibada,
são intrigas de meus inimigos. Negam tudo. Como aquele
sujeito que a mulher pegou na cama com outra. E ele deu a
desculpa suprema. “Eu não sou eu”! E saiu correndo. E a
mulher acreditou e esqueceu. Como nós.
Neste comentário, Jabor faz uma crítica de nossa cultura e institucionalidade
políticas a partir de dois casos de corrupção envolvendo entidades públicas. Há,
segundo o comentarista, um orgulho na apropriação do dinheiro público por
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particulares, como se ele não fosse de ninguém. O objeto desta crítica é, sem
dúvida, o patrimonialismo privatista que faz parte de nossa cultura política, em que
a esfera pública e seus recursos são apropriados e utilizados indevidamente para
fins privados.
Mais diretamente, Jabor responsabiliza a existência de um grande número
de cargos de confiança em nosso país (segundo o comentarista, 16 mil contra 2 ou
3 mil em outros países) pela corrupção no setor público. Critica ainda a disputa
economicamente interessada dos partidos por esses cargos de confiança (cumbucas
de ouro), a ineficácia de uma CPI para resolver o problema da corrupção (não
adianta nada, vai paralisar o país para descobrirmos o óbvio), e o fato de o
presidente Lula encontrar-se à mercê (refém) de sua base aliada para garantir sua
reeleição. Os parlamentares que fazem com o presidente o que lhes convêm
(barata voa com o Lula) são ainda referidos por Jabor como malandros. Fazendo
uso de uma metáfora, tece ao fim uma crítica àqueles que negam as acusações
mesmo quando pegos em flagrante delito, e às supostas credulidade e falta de
memória política do brasileiro (nós), comparando-nos a uma mulher que, após
presenciar a traição do marido, acredita em suas desculpas absurdas e esquece o
acontecido.
comentário de 27/05/2005
Existem dois PTs, dentro do PT. O PT é um bicho de duas
cabeças. Uma rosnando para outra. Temos que usar a
democracia burguesa para chegar ao socialismo. Não, temos
que manter a nossa pureza revolucionária. Sim companheiro,
mas para isso temos que nos aliar com o PMDB, o PTB, o PP,
para vencer. Não companheiro, não. Sim companheiro, a
revolução exige estômago, sem coalizão não conseguimos
governar nem reeleger o Lula.
Mas se a gente se aliar com a direita, para se reeleger, a
gente fica igual a eles, deixa de ser PT. E se perdermos a
reeleição, também deixamos de ser PT. Qual a solução?
Companheiro, temos que atacar a nós mesmos. E é por isso
que não consegue administrar, perde a confiança dos aliados
e ficam suspeitos diante da opinião pública. As duas cabeças
têm algo em comum. Não entendem que a democracia não é
um meio, é um fim em si mesma.
Neste comentário Jabor critica explicitamente o partido do governo, que é
retratado como um partido cindido, dividido em dois (dois PTs, duas cabeças), e
75
comparado metaforicamente a um animal agressivo (bicho, cabeças rosnando uma
para a outra). De um lado, haveria um PT que faz uso instrumental da democracia
como meio para se chegar a um fim, a revolução e o socialismo. Este é o PT que faz
alianças também instrumentalmente com o fim de reeleger Lula. Ser PT, neste
sentido, é sobretudo garantir a reeleição. O outro PT primaria pela pureza
revolucionária, ou seja, um ideal que não justificaria alguns meios (se aliar com a
direita, para se reeleger). Ser PT, aqui, significaria manter-se puro e fiel a seus
ideais. O conflito daí resultante seria, segundo Jabor, responsável pelas disputas
intrapartidárias do PT (atacar a nós mesmos), pelo insucesso na administração (não
consegue administrar), pela falta de confiança dos aliados e pela suspeição perante
a opinião pública. Ao fim, Jabor conclui que as duas tendências dentro do PT têm
em comum o fato de considerarem o regime democrático um meio, um instrumento
para um outro objetivo, e não um fim em si mesmo. O comentarista parece assim
insinuar o uso puramente instrumental da democracia pelo PT, e o desapreço do
partido pelo regime.
Chama a atenção neste comentário o uso de categorias tradicionais da
esquerda como democracia burguesa, revolução e socialismo na caracterização da
problemática petista e da crítica que o comentarista faz ao Partido dos
Trabalhadores, o que será reiterado por diversas vezes em suas análise posteriores,
conforme veremos.
comentário de 03/06/2005
Qual é a floresta onde esses criminosos trabalham? É junto
com as sucuris, as onças pintadas e os macacos-prego? Não.
Essas cobras criadas trabalham na floresta do labirinto
público, onde vivem burocratas, fazendeiros e políticos.
Muitas vezes três em um.
A desculpa é sempre o tal do desenvolvimento sustentado,
disfarce da predação. Eles não têm medo nem de jacaré,
nem de onça e sabem que a PF prende e a lei solta.
Agora vai começar, como nos Correios, a temporada dos
desmentidos, dos recursos e depois a memória se apaga, se
acendem os fogos das queimadas e o ruído das motoserras
nos fará surdos para o bem do país.
Mas sem dúvida, parabéns Marina Silva. Precisávamos de um
gesto corajoso, mesmo que seja uma resposta ao escândalo
internacional e um tapa-boca à recente chuva de ladrões no
país.
76
Mas valeu. Tomara que não seja um surto passageiro e que o
curupira, o boitatá e a mãe d’água protejam a Amazônia
contra as piranhas do poder público.
Proferido por ocasião de um escândalo de corrupção envolvendo um
funcionário do Ibama ligado ao PT do Mato Grosso,
6
este comentário traz críticas
diversas: ao setor público, que é referido como uma floresta e um labirinto, um
lugar confuso e de difícil movimentação em que as pessoas e as coisas se
perderiam, onde atuariam criminosos espertos (cobras criadas), entre os quais
estariam burocratas, políticos e fazendeiros; à legislação, que facilitaria a libertação
dos criminosos presos pela Polícia Federal; ao desenvolvimento sustentado, que
serviria de camuflagem à depredação do meio ambiente; a nós brasileiros, que
esqueceríamos os crimes cometidos com o desenrolar dos acontecimentos (a
memória que se apaga após os desmentidos e os recursos).
Apesar de parabenizar a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva e de
qualificar sua atuação como corajosa, o comentarista faz uma ressalva: embora
válido, o ato da ministra foi realizado, a seu ver, em resposta ao escândalo
internacional e aos recentes escândalos que vinham assolando o país. Por fim,
Jabor expressa sua expectativa de que a atuação da ministra não tenha um caráter
momentâneo (de que seja um surto passageiro) e faz um apelo a figuras
imaginárias do folclore nacional para que estas protejam a Amazônia contra aqueles
que atuam delituosamente (as piranhas) no setor público. Há, aqui, a insinuação de
que não existiriam mecanismos reais de defesa e proteção da Amazônia contra
aqueles que atuam criminosamente no poder público, e que por isso seria
necessário apelar para o mitológico e o sobrenatural.
comentário de 10/06/2005
Em toda crise o PT e outros acusam o Palocci e sua equipe de
serem a herança maldita de FHC, como se fossem culpados
6
O esquema de corrupção em questão foi objeto de investigação da chamada Operação
Curupira, realizada pela Polícia Federal. Apontado na época como um dos chefes da quadrilha
que devastava florestas ilegalmente no Mato Grosso, o então gerente executivo do Ibama
naquele estado e ex-conselheiro fiscal do PT Hugo Werle foi afastado pela direção estadual
do partido em 06/06/2005. De acordo com a Polícia Federal, conforme noticiado pelo JN na
época, havia indícios de que o esquema de corrupção beneficiava não apenas Werle, mas
que também era usado para arrecadar fundos para campanhas políticas.
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pelos juros altos da economia. Os juros estão altos porque a
"parte maldita" do governo, os bolchevistas trapalhões, não
conseguem conter gastos públicos, nem fazer reformas, nem
furar a burocracia, nem tomar medidas urgentes e, como
vemos, nem negociar limpamente com o Congresso.
Hoje temos essa crise espantosa detonada pela herança
maldita de Collor, o incrível Roberto Jefferson que canta (la
la la), enquanto isso os políticos correm como perus
bêbados, com medo do que Jefferson ainda "vai cantar".
Quem reclama de juros altos devia chiar com os trapalhões e
suas más companhias.
Palocci é uma ilha de bom senso no governo, que segura a
barra sozinho. Se não fosse ele, estaríamos batendo panela.
Ele é competente e calmo. Parece um Lexotan. Tomem
Palocci, três vezes por dia. Lula sabe disso. Ainda bem.
Aqui, Jabor retoma suas críticas ao partido do governo: o PT e outros
(provavelmente outras entidades e indivíduos críticos à política econômica praticada
pelo governo) estariam responsabilizando injustamente o então Ministro da
Fazenda Antonio Palocci e sua equipe pelo continuísmo em política macroeconômica
com o governo anterior (a chamada herança maldita). Para Jabor, que inverte as
acusações daqueles que são alvo de suas críticas, a responsabilidade pelos juros
altos em macroeconomia é da parte maldita do governo, a que ele chama os
bolchevistas trapalhões, em mais uma alusão a personagens e categorias históricas
da esquerda revolucionária. E isso porque, de acordo com o comentarista, este
grupo de suposta inclinação revolucionária é ineficiente em tomar medidas que
poderiam levar a uma queda na taxa de juros, entre as quais estariam a contenção
dos gastos públicos e a realização de reformas, além de ser incapaz de reduzir a
burocracia, tomar medidas urgentes e negociar com o Congresso sem lançar mão
de expedientes ilegais. Assim, o comentarista associa uma parte do governo à
esquerda histórica e revolucionária (bolchevistas), por um lado, e à incapacidade e
à ineficiência política e administrativa, de outro.
Ao final, Jabor tece elogios ao então Ministro da Fazenda, único responsável
(segura a barra sozinho), a seu ver, por não estarmos batendo panela – alusão à
situação de crise econômica e social por que passou a Argentina em anos recentes.
O ministro Palocci – que personifica sua política econômica – é comparado a um
medicamento que deve ser adotado por todos (tomem três vezes ao dia), além de
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reconhecido pelo presidente Lula, o que é positivo (ainda bem) na opinião do
comentarista.
comentário de 17/06/2005
Na década de 80, quando Lula foi preso perguntaram a ele: o
senhor é comunista? Não senhor. Sou torneiro mecânico.
Lula não gostava de teorias. Sempre trabalhou com a vida
real, com a prática. Quem passou fome, respeita a realidade.
Ele é um homem do povo; não um enrolador. Daí seu
carisma. No entanto, Dirceu e petistas menores tomaram o
governo e criaram um Lula de marketing como se o Lula real,
sincero, não bastasse; basta. Tanto que os dois gols recentes
de Lula foram quando ele enfrentou o Severino e quando
disse: 'abaixo a corrupção, vou cortar na própria carne!!'
Agora o Lula pode se libertar da canga ideológica do PT. Se
ele se subestimar, os políticos o engolem. Mas políticos
temem quem o povo respeita. Agora Lula tem de agir na sua
verdade sincera. É o seu forte. Devia tomar medidas
urgentes que independam do Congresso. Já. Lula não precisa
de babá. Nem do babá radical nem do babá Dirceu.
Jabor inicia seu comentário relatando um episódio ocorrido na década de
1980 quando Lula, ao ser preso, foi perguntado se era comunista. Com isso, o
comentarista realiza uma dicotomia entre a vida real, a prática, a realidade, de um
lado; e a teoria, a ideologia, o comunismo, do outro. Comunismo, teoria e ideologia
seriam, assim, o oposto do respeito à realidade.
No parágrafo seguinte, Jabor dá continuidade à sua dicotomização referindo-
se ao presidente: haveria um Lula real, sincero, homem do povo que não enrola, e
um Lula de marketing criado por José Dirceu e petistas menores, que estariam à
frente do governo. Faz uma consideração positiva sobre a atuação recente de Lula
em dois pequenos episódios e incita o presidente a se libertar do jugo, da opressão
(canga) que representaria a ideologia ou a parte ideológica do PT. Assim, Lula
estaria sendo verdadeiro e sincero. O comentarista ainda incita o presidente a agir
à revelia do Congresso, tomando medidas urgentes sem o auxílio de conselheiros
(babás), entre os quais estariam os radicais do PT (o babá radical, em referência ao
deputado e ex-petista João Batista Babá) e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu,
que havia deixado o governo no dia anterior, 16/06/2005.
Costurando o comentário, observa-se por parte de seu autor uma crítica às
ideologias e teorizações de esquerda (o comunismo, a canga ideológica do PT),
79
vistas como negativas, atributos de radicais, enroladores, pessoas que não
respeitariam a realidade, que, colocados todos por Jabor em oposição ao que
representaria o presidente Lula, teria como provável intuito separá-lo ainda mais
destes.
comentário de 24/06/2005
Como estamos aprendendo sobre o Brasil com esta crise!
Que maravilhosos fatos, gestos, caras, diante de nossos
olhos. É uma novela: heróis, vilões, e a mão de Mauricio dos
Correios embolsando os três contos? E os shows de teatro de
Jefferson? E as caras trêmulas dos acusados sob seu dedo
em riste e seu olho duro? É a verdade enroscada na mentira,
é uma viagem pelos intestinos da Pátria, como isso é bom!
O PT caindo na real, o Lula livre das babás leninistas. E a
revoada dos anjos? Os anjos do mensalão, negando tudo? Oh
Deus como temos aprendido. E os aumentos de patrimônio,
os carrões, os iates, as piscinas, as malas pretas, que aulas
de Brasil!
As estatais arrombadas, as calúnias, injúrias e difamações,
os xingamentos solenes: "vossa excelência é um canalha!".
E motoristas com sacos de grana, e laranjas, enrolations. E o
melhor: a certeza da urgência da reforma do Judiciário. Essa
crise é o verdadeiro espetáculo do nosso crescimento
político.
Aqui, a crise é retratada como um momento de aprendizado para o país
(como estamos aprendendo, uma viagem pelos intestinos da Pátria, aulas de
Brasil), um momento em que o país é obrigado a olhar e aprender sobre si mesmo.
Também é retratada como um espetáculo dramático (uma novela com seus heróis
e vilões, os shows de teatro) em que verdade e mentira se misturam. E o que seria
o país revelado pela crise segundo Jabor? Este, seria o país do enriquecimento
ilícito (os aumentos de patrimônios), da corrupção do setor público (as estatais
arrombadas) e do inchamento da esfera política.
Há no comentário mais uma alusão ao Partido dos Trabalhadores, que
estaria caindo na real, ou seja, tomando consciência da realidade, o que seria
expresso pelo fato de o presidente ter se livrado de seus tutores e conselheiros
(babás), pertencentes a uma esquerda radical, autoritária e ideológica (leninistas).
Ao fim, Jabor chama a atenção para a necessidade de uma reforma no poder
Judiciário como forma de conter os excessos da política (o crescimento político a
que o comentarista se refere).
80
comentário de 01/07/2005
Ontem, na CPI dos Correios houve um momento
inesquecível. O deputado e grande ator Roberto Jefferson
olhou a platéia e declarou:
“Ninguém aqui é melhor do que eu. Vamos ver se as práticas
daqueles que querem levantar a voz contra mim são
diferentes. Eu não sou melhor do que ninguém. Nem pior. Eu
sou igual”.
Dava para ouvir o silêncio. Dava para ouvir moscas, grilos,
sapos e outros bichos. E, ao longe, a voz do povo, querendo
ouvir a verdade.
Só quem não ouve é o governo que só fez errar sozinho e
que agora chora e diz que a culpa é da oposição. Ou que é
um golpe de direita. Além de surdos, talvez sejam cegos.
Este comentário inicia com o relato de um trecho do depoimento do então
deputado Roberto Jefferson do PTB na chamada CPI dos Correios, ocorrido no dia
anterior. O comentarista alude ao caráter espetacularizado da atuação do deputado
que, como grande ator, olha sua platéia para fazer uma declaração. O efeito desta,
em que o deputado iguala a prática política de seus acusadores e demais
parlamentares às suas próprias, é descrito pelo comentarista como um momento de
estupefação e silêncio por parte de todos os presentes na CPI. A imagem de silêncio
utilizada por Jabor parece insinuar, assim, o choque que a verdade contida nas
declarações do deputado provocou nos presentes, que só puderam se calar diante
da inversão das acusações. Além dos sons da natureza, só podia ser percebida a
voz, a presença do povo que deseja ouvir a verdade das declarações.
Na interpretação de Jabor o governo, por sua vez, não ouve ou prefere não
ouvir essa verdade. O governo cometeu erros e parece não estar disposto a admitir
isso (não ouve, talvez sejam cegos, ou seja, parece não estar disposto nem a ouvir
nem a ver os fatos, conseqüências de seus erros). O comentarista critica ainda o
fato de o governo se lamentar pelos acontecimentos (chora) e responsabilizar a
oposição e a direita pelos mesmos, convertendo-se de acusado a acusador, seus
erros sendo apresentados como um golpe de seus adversários. É a primeira
menção à oposição no comentarismo de Jabor no período analisado, que não é
retratada como sujeito atuante no processo político, mas apenas como objeto de
uma interpretação equivocada do governo sobre a crise.
81
comentário de 15/07/2005
Maletas, cuecas, carecas, surgem de todo lado. E o povo
pergunta se vai acabar em pizza. Depende, há muitos tipos
de pizza. Os crimes somados podem gerar uma nova pizza
de confusões que transforme as verdades descobertas num
imenso rocambole de mentiras.
O PT teceu um sistema corrupto em nome de um socialismo
imaginário. O mais grave é a falta de solução para isto, pois
só temos remédios do século 19 para crimes do século 21. O
Judiciário de muitas instâncias pode não punir ninguém. Sem
pressão do Executivo, o Congresso não fará uma reforma
política profunda.
A CPI é um rio sem foz. Enquanto isso, o Lula na França diz:
o Brasil não merece isso. Em vez de ficar deprimido, Lula
devia parar de dizer que vai punir doa a quem doer e
investigar mesmo. Não é o Lula que periga. É um país. O que
o Brasil não merece é que o governo continue a bloquear a
faxina urgente do sistema político. Se não vai doer no Lula.
Aqui, Jabor explicita pela primeira vez aquilo que nesta e em suas
posteriores interpretações passa a figurar como a verdade sobre a conjuntura da
crise política nacional de 2005: a crise e seus desenvolvimentos seriam frutos de
um esquema de corrupção frustrado montado pelo Partido dos Trabalhadores para
financiar seu objetivo último, a saber, a manutenção do partido no poder para a
viabilização de uma revolução socialista no país. Mais uma vez, uma categoria da
esquerda é qualificada por Jabor como algo fora da realidade, imaginário. É digno
de nota que o comentarista, nesta sua análise e nas que se seguirão, passa a falar
do PT como um todo, sem fazer distinções, e não mais de um grupo específico
dentro do partido, como responsável pelos crimes de corrupção que assolavam o
país naquele momento.
Jabor adverte ainda para o risco dessa verdade mais geral ser obscurecida
pela confusão gerada por todas as denúncias e crimes que vinham sendo
descobertos com o desenrolar da crise. Lamenta ainda o anacronismo de nossas
instituições com uma crítica à estrutura do Judiciário, cujo número excessivo de
instâncias dificultaria a punição dos culpados, e à falta de perspectivas acerca da
realização de uma reforma política profunda, visto isso depender da pressão do
Executivo sobre o Congresso.
82
Critica ainda a CPI, que como um rio sem foz não terá por fim as soluções
ou conseqüências esperadas. Critica ainda o presidente, incitando-o a discursar
menos e a agir mais, promovendo as investigações necessárias. Insinua
catastroficamente que a crise coloca em perigo o país como um todo, e não apenas
o presidente. Fecha seu comentário com uma acusação ao governo, que estaria
agindo contra a reforma do sistema político, o que traria conseqüências negativas
para o próprio presidente (vai doer no Lula).
comentário de 22/07/2005
Dizer que a GDK, empresa que trabalha para a Petrobras, lhe
deu um Land Rover por pura amizade, amor, carinho, não
me impressiona. Não me impressionam as mentiras de
Delúbio, nem o homem da cueca de ouro. O que me assusta
são as verdades.
No meio de sua carta Silvio Pereira diz: "dediquei 25 anos de
minha vida ao projeto histórico do PT. Acima de minha vida
pessoal sempre esteve a luta do povo brasileiro por sua
emancipação. Contra as forças conservadoras que querem
debilitar o PT”.
Os petistas sempre se sentiram "acima" de todos nós. Todas
as roubalheiras e gatunagens, todas as patranhas seriam
explicadas por "boas intenções políticas". É, eles dizem que
pensam "no futuro de vocês", Oh, o povo brasileiro.
Conheço ladrões mais sinceros. Metem a mão na cumbuca
atrás do tutu, da grana, sem papo furado, fingindo-se de
"revolucionários".
Como dizia Nelson Rodrigues: "só os canalhas têm uma
ideologia que os absolva e justifique”.
Neste comentário, Jabor parte do relato das justificativas dadas pelo ex-
secretário geral do PT Silvio Pereira ao se encontrar envolvido num episódio de
corrupção com uma empresa terceirizada da Petrobras para, em seguida,
desqualificar o Partido dos Trabalhadores e seus membros, mais uma vez
indiscriminadamente. São os petistas que, segundo o comentarista que agora não
faz mais distinções, sempre se sentiram superiores, acima de todos nós, os demais
brasileiros, e que desse modo justificariam suas práticas ilícitas e mentiras
(roubalheiras, gatunagens e patranhas) por boas intenções políticas. O todos nós
utilizado pelo comentarista tem por efeito tentar trazer o telespectador para o seu
lado, colocando jornalista e audiência numa mesma posição, ao mesmo tempo em
83
que é estabelecida uma contraposição entre esse nós de um lado, e os petistas em
geral, do outro.
São também os petistas que, a seu ver, fingem-se de revolucionários e que,
por isso, são ladrões menos sinceros que os outros, que não tentam justificar seus
crimes com ideologias. À guisa de conclusão, o comentarista faz uma citação de
Nelson Rodrigues, para quem as ideologias estariam a serviço dos canalhas para a
justificação e absolvição de seus atos.
Com este comentário, Jabor parece procurar estabelecer uma clara
associação entre o Partido dos Trabalhadores, os petistas e categorias da esquerda
como revolucionários e ideologia, de um lado, com palavras relacionadas a práticas
ilegais, ilícitas e criminosas, como gatunagem, roubalheira, ladrões e canalhas, do
outro. A leitura de um trecho da carta de Sílvio Pereira no meio do comentário
parece ser utilizada de modo a fundamentar a associação que se segue entre o PT,
o fato de se ter um projeto ou uma ideologia de esquerda (revolucionária, que se
diz a favor do povo) e práticas criminosas.
comentário de 29/07/2005
Nessa crise, falamos de ética mas esquecemos de uma coisa
importante: a burrice. Dirigentes do PSTU, PC do B, pastoral
operária, do próprio PT e intelectuais conhecidos se reuniram
e concluíram que a solução é mudar a política econômica do
governo. É espantoso.
Ninguém fez crítica nem autocrítica sobre essa "revolução
leninista-corrupta" para criar um caixa 2 imenso, eternizar o
PT no poder e eleger depois Dirceu em 2010. Acham que o
inimigo é o Palocci, a única área inteligente nesse governo,
que mantém a inflação sob controle.
É política econômica recessiva? Sim. Mas é a única possível
num governo que não passou uma só medida que permitisse
baixar juros, tais como cortar gastos públicos, reformar
tributos e criar condições de crescimento.
Passaram dois anos armando esse golpe bolchevista ridículo
que agora explodiu. O perigo está no horizonte: Lula
cortejando o populismo, radicais subindo no PT e ataque ao
Palocci. Já imaginaram esses trapalhões na economia? Só
não ia faltar comida para eles, que comem capim.
Neste comentário, Jabor sai em defesa da política econômica do ministro da
Fazenda Antonio Palocci ao mesmo tempo em que desqualifica o governo e a
84
sugestão feita por diversos setores da esquerda nacional de que aquela política
fosse alterada.
Assim, ao descrever a política econômica de Palocci como única área
inteligente do governo Lula, o comentarista desqualifica por exclusão e de forma
implícita o restante do governo como não inteligente. Na desqualificação da
proposta feita por setores da esquerda nacional críticos à política econômica de
Palocci, Jabor recorre ao insulto simples e direto, ao argumento do único possível e
ao risco inflacionário. Desse modo, promove uma dicotomização em que de um lado
estariam a inteligência, o senso de possibilidade, o controle da inflação e a política
econômica de Palocci e, do outro, a falta de inteligência (burrice) dos críticos desta
política e do restante do governo.
Na defesa de Palocci, Jabor responsabiliza a incapacidade do governo em
cortar gastos, reformar tributos e criar condições de crescimento pelos altos juros
da economia, que a seu ver poderiam ser reduzidos caso estas medidas tivessem
sido tomadas.
Mais uma vez, há em seu comentário a associação de categorias da
esquerda ao ilegalismo (revolução e leninismo com corrupção, golpe bolchevista)
para caracterizar o projeto petista, que seria o de se eternizar no poder por meio
de um caixa dois alimentado por esquemas de corrupção para as campanhas de
Lula em 2006 e de Dirceu em 2010.
Adverte, por fim, para um perigo eminente, representado pela aproximação
de Lula com o populismo, pela radicalização do PT e pelas críticas à política
econômica de Palocci.
comentário de 19/08/2005
O crime que investigamos no Brasil de hoje é a tentativa do
PT de tomar o estado e ficar no poder muitos anos. Para isso
montaram uma rede de corrupção política inédita na vida do
Brasil.
Com essa denúncia do Palocci, sinto no ar o desejo de se
encobrir o crime grave de hoje, sistêmico, geral, por um
possível pecado regional de cinco anos atrás, denunciado por
um assessor corrupto, aliás, exonerado.
Salta à vista a rapidez da acusação contra Palocci comparada
à cortina de defesa da turma do Dirceu, os Delúbios, os
85
Teflons onde nada gruda. Zé Dirceu e sua cúpula sempre
quiseram destruir o Palocci. Única ilha de bom senso do
governo Lula. Tudo bem, investigue-se, mas não se confunda
nem a opinião pública e nem a oposição.
O país tem de defender a sua economia, que a gestão Palocci
tem conseguido. Não é possível que o PT de Dirceu continue
a comandar o espetáculo desse circo na base do “todo
mundo é igual” e do “quanto pior, melhor”.
Aqui, o comentarista retoma sua defesa da gestão Palocci em
macroeconomia, minimizando as denúncias que recaíam sobre o ministro naquele
momento e desqualificando o denunciador (um assessor corrupto, exonerado).
Jabor chega a insinuar que estas denúncias sobre um possível pecado regional
poderiam servir para encobrir o crime grave, sistêmico e geral praticado pelo PT,
qual seja, o de ter montado uma rede de corrupção para se perpetuar no poder,
rede esta que, na interpretação do comentarista, seria inédita na história do país.
Jabor lança mão da expressão tomar o estado para referir-se aos objetivos do PT, o
que enfatizaria o caráter espúrio e não democrático dos meios utilizados pelo
partido para alcançar seus fins (tomar o estado implica o uso de força, meio
ilegítimo na democracia. No caso do PT, a tomada do estado seria realizada,
também ilegitimamente, através de uma rede de corrupção política).
Jabor recorre novamente à dicotomização: de um lado, Palocci, única ilha de
bom senso, um possível pecado regional e longínquo (de cinco anos atrás) e a
economia; do outro lado o PT, José Dirceu e sua cúpula, o crime de hoje, grave,
sistêmico e geral, uma rede de corrupção inédita na vida do Brasil. Nesta
dicotomia, Jabor faz uso de sua narrativa para sair em defesa de um lado enquanto
critica o outro, retratando-os maniqueistamente. Conclama o país a defender um
dos lados, a economia. Insinua ainda que o lado personificado por José Dirceu
pretende destruir o outro, de Palocci, através da manipulação espetacularizadora da
crise, em que todos acabariam por ser tidos como iguais.
7
7
Este comentário rendeu a Arnaldo Jabor seu envolvimento em uma polêmica com o então
deputado petista e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que respondeu às insinuações do
jornalista enviando um e-mail ao Jornal Nacional. O telejornal, por sua vez, publicou um
editorial, que reproduzimos no anexo deste trabalho, lido na edição de 22/08/2005 pela
apresentadora Fátima Bernardes em defesa de Jabor e de seu jornalismo.
86
comentário de 26/08/2005
Ontem em seu discurso Lula repetiu que "a verdade
prevalecerá". O problema, presidente, é que a verdade já
apareceu, e querem impedir que ela prevaleça. O seu
governo, o PT, os arreglos no Congresso querem matar a
verdade a pontapés feito uma ratazana. E a verdade está
clara: o PT no poder armou um esquema de corrupção em
estatais, com empresários, em agências de publicidade e
arrecadou muitos milhões usados para comprar congressistas
e para um grande caixa 2 geral, para reeleger Lula e Dirceu
em 2010.
Essa é a verdade. Querem nos servir a pizza de que tudo foi
apenas uma trapalhada de Delúbios e Valérios, para pagar
dívidas de campanha, crimezinho que não encana ninguém.
E Lula cozinha esta pizza também.
Ontem ele falou no Getúlio que se matou, no Jânio que
renunciou de porre e cuidadosamente, pulou o Collor que foi
impichado. Falou que queria ser o JK, pela paciência. Só que
paciência não é embromação, nem empurrar a verdade com
a barriga. JK fez 50 anos em 5. Quanto tempo regredimos
nesses dois anos e meio?
Novamente, Jabor faz uso de seu comentário para reafirmar, agora de modo
explícito, aquilo que considera ser a verdade sobre a crise. Adverte que há uma
tentativa de se encobrir essa verdade, e que o presidente e o governo estariam
nela envolvidos (Lula cozinha esta pizza também). Essa tentativa de encobrimento
consistiria em apresentar o esquema de corrupção montado pelo PT como um crime
menor em que o que estaria em jogo seria o pagamento de dívidas de campanha.
Ao comentar um discurso proferido pelo presidente no dia anterior, em que
este havia feito referências a alguns de seus antecessores, Jabor chama a atenção
para o fato de que Lula teve o cuidado de não mencionar Collor, insinuando assim
que o presidente saberia da possibilidade de sofrer um impedimento e que por isso
evitara falar sobre o assunto. O comentarista fecha então sua análise com uma
É digno de nota que no último parágrafo do editorial o Jornal Nacional defende
explicitamente o jornalismo praticado por Jabor das acusações de José Dirceu, chegando
mesmo a identificar os parâmetros éticos utilizados pelo comentarista com os seus próprios.
Conforme já observamos num momento anterior deste trabalho, este episódio pode ser
usado como exemplo para o nosso argumento de que o comentarista que ocupa uma posição
de destaque num programa de forte audiência da grande mídia ali se encontra também por
suas opiniões apresentarem afinidades com a linha editorial da empresa. Assim, o argumento
de que a opinião do comentarista é apenas dele e não da empresa é, a nosso ver, falsa: o
comentarista está ali e ali continuará estando porque sua opinião é também, ao menos em
seus aspectos mais fundamentais, a da empresa que o contrata, ou ainda porque sua opinião
coloca-se dentro dos limites do politicamente dizível implicitamente impostos pela linha
editorial da organização.
87
pergunta na qual insinua-se a afirmação de que o governo Lula provocou um
retrocesso no país (quanto tempo regredimos?).
comentário de 02/09/2005
O presidente da República está com a popularidade em
queda, mas tenta ignorar a grande crise no país. O
presidente só se preocupa com a imagem do seu governo,
diante dos serviços públicos lentos e da explosão da
violência.
Calma, gente. Não estou falando do Lula, falo do Bush, que
demorou a sair das férias para agir. Esse desastre terrível na
capital do jazz mostra que o sonho da competência
americana está se desfazendo.
Misturado com o terror do Iraque vem o terror deste
tsunami, provando que os Estados Unidos não estão
preparados para situações de emergência, seja na guerra ou
na paz.
E a pobreza oculta da América aparece como um grande
Haiti. A miséria racial dos negros também, já que os brancos
com dinheiro e carros, puderam fugir. Negro ficou na lama. É
incrível como a incompetência de um homem só coloca o país
no caos e destrói o próprio governo.
E não estou falando do Lula não. É do Bush, o verdadeiro
desastre da América.
Apesar de não se ocupar da crise política nacional, mas mais diretamente da
conjuntura norte-americana, há nesse comentário uma associação indireta entre o
que Jabor fala sobre o presidente americano e a situação dos EUA e o governo Lula.
Isso se dá quando Jabor, ao tecer uma crítica ao presidente e ao governo mas sem
a princípio mencionar a que presidente e a que governo está se referindo, dá a
entender que está falando de Lula, mas só para negar em seguida, quando
menciona Lula de fato, e apenas então iniciar sua análise sobre os EUA de Bush.
Nesse mecanismo, a associação é feita no momento da negação, quando o
presidente Lula é de fato mencionado e o comentarista age como se estivesse
desfazendo um mal-entendido.
Isso é feito tanto no início quanto no final do comentário. Através desse
mecanismo, caos, crise, incompetência, popularidade em queda, serviços públicos
lentos e explosão da violência, usados no retrato que Jabor traça dos EUA de Bush,
acabam por fazer parte de uma referência implícita e indireta ao governo Lula,
claramente intencionada pelo comentarista.
comentário de 16/09/2005
88
Há qualquer coisa de pizza no reino das CPIs. Muito tênue,
quase nada, no entanto, há pequenos sintomas, como a
liminar do Supremo Tribunal cortando a onda das
investigações, o sorriso de alívio do Dirceu, a cassação do
Jefferson, que pode virar um bode expiatório de todos
aqueles que ele denunciou sem provas, como o relator Jairo
Carneiro, mas que provas? Fotos dos caras pegando
mensalão? E as dezenas de cheques, extratos, cuecas?
Cheiro de mussarela.
Será que na calada do voto secreto os Severinos do baixo
clero não vão se salvar? hein? Aliás, a punição na Câmara
pode servir para camuflar o mais importante: a grana toda
que o PT no poder movimentou através da lavanderia
Valério, Bilhões conseguidos pelo executivo nos Correios, no
Instituto de Resseguros, na Eletronorte, Furnas, bancos
oficiais, fundos de pensão. Tudo pelo lema de Dirceu: R$ 1
bilhão para a revolução.
Temos que investigar o executivo. Não adianta punir os
ladrões de galinha e os donos do galinheiro ficarem
intocados. Gente, o buraco é mais em cima.
Aqui, o comentarista adverte sobre a possibilidade de as CPIs em
andamento não lograrem êxito na investigação e descoberta dos fatos e na punição
dos culpados, e isso devido a acordos políticos estabelecidos sub-repticiamente (a
chamada pizza). Adverte ainda sobre a possibilidade de as punições na Câmara
serem usadas para encobrir aquilo que o comentarista considera o mais
importante: o esquema de corrupção em empresas públicas movimentado pelo
Partido dos Trabalhadores para financiar uma revolução, sob o comando de José
Dirceu. Por fim, faz um incitamento para que se investigue o executivo, onde
estariam, a seu ver, os mandantes do esquema criminoso (os donos do galinheiro)
em que somente os pequenos criminosos subordinados (ladrões de galinha)
estariam sendo punidos.
comentário de 30/09/2005
Senhores, a pizza está quase pronta. Cassaram o Jefferson, o
‘Ali Baba’ que denunciou os 40 ladrões. Aí o Severino saiu,
mas deixou seu espírito na Câmara e ajudou a eleger o Aldo,
testemunha de defesa de Dirceu. Lula, não sabe de nada,
coitado....Mas o governo destinou R$ 1 bilhão do orçamento
para comprar votos do baixo clero, aqueles que se vendem
no tabuleiro, feito cocada e mariola.
E vão convencendo o povo que tudo não passou de dinheiro
de caixa 2, empréstimos do Valério. O tempo passa o tempo
voa e a pizza cozinha numa boa. E aí todos nós reclamamos:
pizza, pizza. Mas esta pizza é brotinho, gente, e esconde a
outra pizza maior, a pizza dos R$ 3 bilhões desviados das
estatais, fundos de pensão, bancos oficiais sob o comando do
89
projeto PT de ficar 20 anos no poder. Nesta pizza venenosa,
ninguém toca. E o cozinheiro é o Lula que, coitado, não sabe
de nada.
Aqui, Jabor reafirma as impressões de seu comentário anterior, mas agora
num tom de maior certeza, de que a crise política não traria maiores conseqüências
para os envolvidos nos escândalos de corrupção. Retrata os últimos acontecimentos
do campo político nacional – a cassação de Roberto Jefferson, a eleição de Aldo
Rebelo para a presidência da Câmara e a destinação de 1 bilhão de reais do
orçamento para emendas parlamentares – como se fossem todos parte de uma
estratégia política para o acobertamento dos fatos.
Assim, na interpretação de Jabor, o que é de maior gravidade na crise –o
desvio de dinheiro público como parte do projeto do PT de ficar 20 anos no poder (a
pizza maior, venenosa, que ninguém toca)– seria passado à população como algo
menor, um esquema de caixa dois. O presidente Lula é retratado como aquele que
estaria no comando dessa estratégia de convencimento do público em que um
crime de caixa dois acobertaria o projeto de poder do PT e seu esquema de
corrupção: ele é o cozinheiro da pizza.
Jabor fecha sua análise ironizando as declarações de Lula, em que o
presidente afirmara diversas vezes não saber dos casos de corrupção antes destes
serem revelados ao longo dos desdobramentos da crise.
comentário de 07/10/2005
O problema dessa crise toda é que ela não tem onde
desaguar. Os aparelhos de reconstrução nacional não
funcionam. E a tendência é um alagamento geral sem
solução, pior que uma pizza, é uma encrenca sem fim.
Infelizmente moral não se conserta com bons exemplos. O
problema é a estrutura política que favorece os crimes. Mas
quem vai mudar a estrutura?
Como chamar bandidos para modernizar a cadeia? E o pior:
quando um governo popular fracassa, o povo pode desejar
um governo populista, um governo que finge que o ama. O
perigo é que o enjôo e a vergonha acabem desmoralizando a
própria democracia e pode surgir um regime demagógico,
mentiroso, tipo Chávez, na Venezuela.
Se bem que o Lula já declarou que lá tem democracia até
demais. E o problema da mentira é que cada vez há que
mentir mais para se esconder a mentira inicial, como aliás
disse também o Lula.
90
Neste comentário Jabor retrata a crise imprimindo-lhe ares de um certo
catastrofismo (os aparelhos de reconstrução não funcionam, tendência a um
alagamento geral, sem solução, uma encrenca sem fim). Critica a estrutura política
e estabelece um paralelo entre esta e a classe política, de um lado, e bandidos e
cadeia, do outro. Assim, a estrutura política que favorece crimes não será
modernizada porque isso não interessa àqueles responsáveis pela sua reforma, os
políticos-bandidos.
Ainda em tom catastrófico, Jabor insinua o fracasso do governo popular de
Lula, e faz previsões sobre as possíveis conseqüências disto: o desejo do povo por
um governo populista, a desmoralização da democracia e o surgimento de um
regime demagógico e mentiroso, de que o comentarista dá como exemplo o
governo venezuelano de Hugo Chávez.
Por fim, insinua com uma ironia que é mentira a declaração de Lula de que a
Venezuela seria uma país bastante democrático, e que isso levaria o presidente a
mentir ainda mais.
Assim, a mentira, a demagogia, o populismo e a desmoralização da
democracia insinuam-se neste comentário como as iminentes conseqüências do
fracasso do governo popular de Lula, conforme atestaria a crise política, para a qual
não haveria solução. Mentira, demagogia e populismo que são associados, no final
do comentário, ao governo venezuelano de Hugo Chávez.
Com este comentário de Arnaldo Jabor, terminamos a descrição do
comentarismo político do Jornal Nacional no momento da deflagração e posterior
desenvolvimento do chamado escândalo do mensalão. Passemos agora ao capítulo
quarto, no qual realizamos uma interpretação sobre o sentido político e ideológico
do conteúdo dos comentários.
Capítulo 4
Análise comparativa
O Jornal Nacional não se apresentou como um espaço em que tenha sido veiculado
um discurso único, homogêneo e isento de contradições sobre a conjuntura política
do escândalo do mensalão. Parafraseando um de seus comentaristas, durante a
crise político-midiática de 2005 o jornalismo opinativo do Jornal Nacional parece ter
tido duas cabeças, uma vez que os relatos, as interpretações, as análises e
representações da conjuntura política realizadas por seus comentaristas divergem
tanto na forma como no conteúdo.
O jornalista Franklin Martins, com seu tom sóbrio e discreto, pareceu
desempenhar a função de comentarista procurando se ater a um jornalismo político
em que o relato objetivo e a análise interpretativa se conjugaram com o
aconselhamento, o prognóstico e a crítica de modo bastante imparcial do ponto de
vista das forças políticas que constituíram os objetos de suas apreciações. Em seus
comentários observamos, além da preocupação em relatar os acontecimentos da
vida política, complementando, interpretando ou realizando prognósticos a partir da
informação transmitida ao público pelo telenoticiário diário, uma constante
tentativa de aconselhamento da classe política, tanto do governo como da
oposição, realizada por meio de críticas e sugestões.
1
É digno de nota que as
categorias utilizadas privilegiadamente pelo jornalista são exatamente estas:
governo e oposição — o que demonstra um certo cuidado em não partidarizar suas
apreciações ao fazer alusões diretas a partidos específicos. Desse modo, a menção
explícita a partidos políticos específicos foi exceção em seus comentários.
2
Em um primeiro momento, os comentários de Franklin Martins ocupam-se
centralmente do processo de abertura da CPI no Congresso e das disputas
1
A tentativa de influenciar a classe política através do aconselhamento e da crítica é
representativa do lugar de poder ocupado pelo comentarista, como também o são os
momentos em que Franklin Martins assume o papel de porta-voz da opinião pública.
2
No período analisado, encontramos 3 menções ao PT, 2 ao PMDB, 2 ao PP, 1 ao PTB e ao
PL, distribuídas em 4 comentários.
92
envolvendo governo e oposição em torno do mesmo. Colocando-se nitidamente a
favor da CPI, o comentarista apela continuamente à opinião pública, além de fazer
recomendações à classe política. Às forças do governo, aconselha-as a não tentar
evitar a CPI, a entrar de corpo e alma nesta. À oposição, sugere agir com
responsabilidade e evitar a espetacularização da crise para fins eleitoreiros, a que o
jornalista chama pirotecnia. Essa preocupação de Franklin Martins com os efeitos de
espetacularização do escândalo nas atuações do governo e principalmente das
oposições será por vezes reiterada em seus comentários posteriores.
Após esse momento inicial, seus comentários passam a analisar fatos
políticos diversos relacionados aos desdobramentos do escândalo (a saída de José
Dirceu do governo, a reforma ministerial, as discussões sobre a reforma política)
para, mais adiante, ocuparem-se do andamento das CPIs no Congresso. Assim,
Franklin Martins incita governo e oposição a um entendimento mínimo, critica
reiteradamente a espetacularização eleitoreira da crise política por ambos, bem
como o modo como as investigações vinham sendo conduzidas pelos
parlamentares, e sugere cursos de ação. Sua preocupação principal passa a ser a
de que seja dada pelas investigações uma explicação confiável sobre a origem do
dinheiro que alimentava o chamado valerioduto. Daí a pergunta que seria repetida
em diversos comentários seus: de onde veio o dinheiro?
Ao final do período analisado, os comentários de Franklin Martins se voltam
para o episódio Severino, mais uma vez tendo como foco as disputas entre governo
e oposição, agora sobre a sucessão da presidência da Câmara dos Deputados.
Sobre a crise política e as conseqüências das investigações, o comentarista parece
acreditar na punição dos comprovadamente envolvidos (a chamada pizza é, a seu
ver, improvável), ao mesmo tempo em que continua a afirmar a importância de se
dar prosseguimento às investigações para que seja respondida a pergunta, a seu
ver crucial, sobre a origem do dinheiro.
De um modo geral, os comentários de Franklin Martins no período analisado
se ocupam daquilo que Gramsci chamou de pequena política, ou seja, a política do
93
dia-a-dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas,
3
procurando ater-se a uma
certa imparcialidade no que diz respeito às frações da classe política que são
objetos de suas apreciações. Assim, críticas, sugestões e conselhos à classe política
são, quando presentes em seus comentários, dirigidos tanto ao governo e ao
presidente Lula quanto à oposição e aos parlamentares envolvidos nas CPIs,
diversas vezes simultaneamente, num mesmo comentário, sem que haja o
favorecimento ou a desqualificação de uma posição política específica.
É importante notarmos ainda que oposição e governo são ambos retratados
pelo comentarista como sujeitos do processo político, agindo muitas vezes em prol
de seus interesses político-partidários, como parte da batalha ou do jogo político.
Assim é que o governo tenta evitar a CPI, enquanto a oposição quer aproveitar a
oportunidade para desgastar o governo, o que a seu ver faz parte do jogo. Lula
discursa em tom de desafio, parecendo querer antecipar a campanha eleitoral. Já a
oposição, aposta no quanto pior melhor para desgastar o governo e faz demagogia
às custas da economia. Ambos são criticados, aconselhados e retratados como
atores ativos da conjuntura política em questão.
Já Arnaldo Jabor, por sua vez, abusa de suas declaradas influências literárias
e cinematográficas: abundam as hipérboles, as frases de efeito, as metáforas, as
adjetivações, a dramatização da narrativa, a ironia. Em meio aos relatos, o tom
predominante é de denúncia, apelo, crítica e indignação.
Do ponto de vista político, logo a partir de seu segundo comentário, Jabor
exibe suas preferências partidárias, e o Partido dos Trabalhadores surge como um
dos personagens principais das tramas narrativas presentes em suas análises.
4
Este é realmente personificado, no sentido de que aparece de fato como uma
personagem dramática da narrativa jornalístico-cinematográfica de Jabor.
3
A pequena política como definida por Gramsci é também aquela que compreende as
questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já
estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma
mesma classe política. GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, 2000: 21.
4
O PT é explicitamente mencionado em 11 dos 16 comentários de Arnaldo Jabor analisados
neste trabalho, contra apenas 2 em 23 de Franklin Martins.
94
Na caracterização dessa personagem, categorias históricas da esquerda são
recorrentemente desqualificadas e ridicularizadas quando não associadas a práticas
ilícitas ou criminosas. Jabor com freqüência adota expressões e associações de
palavras tais como tomar o poder, bolchevistas trapalhões, babás leninistas,
revolução leninista corrupta, canga ideológica, socialismo imaginário, golpe
bolchevista ridículo, para se referir ao Partido dos Trabalhadores, seu projeto ou
seus membros. Os petistas, sem que sejam feitas distinções entre aqueles
envolvidos nos escândalos de corrupção e os demais membros e militantes do
partido, chegam a ser referidos indiretamente como canalhas, e mais diretamente
como ladrões responsáveis por roubalheiras, patranhas e gatunagens, que fingem-
se de revolucionários para justificarem seus atos com uma ideologia. Associa-se,
por um lado, o PT e o petismo ao radicalismo de uma esquerda histórica,
revolucionária, e, por outro, ao ilícito e ao ridículo.
O comentarista dedica-se a criar um estereótipo – o PT como entidade de
esquerda radical, fundamentalmente revolucionária, cujos objetivos irrealistas são
perseguidos por meio de expedientes ilícitos e criminosos, o que por fim descamba
para o mambembe e para o ridículo. A democracia para o PT seria burguesa, um
mero instrumento, um meio corruptível para seus objetivos revolucionários e, por
que não, arcaicos. O recurso à estereotipagem e à generalização parece revelar o
intuito do comentarista em desqualificar uma organização partidária específica
como um todo, seus membros indistintamente e sua filiação ideológica como
essencialmente antidemocráticos, criminosos, risíveis e ultrapassados.
Quanto à oposição, a seu turno, esta é muito pouco mencionada no
comentarismo de Jabor, como se praticamente não tomasse parte nos
acontecimentos em quase nenhum momento do processo político em questão, ou
como se fosse neutra, desinteressada e somente atuasse politicamente nas
interpretações equivocadas do governo. A oposição não é retratada como sujeito
político ativo e interessado, mas apenas como objeto passivo das investidas de
95
seus adversários.
5
O comentarista preserva a oposição, poupa-a de qualquer
responsabilidade no desenrolar dos acontecimentos.
O recurso à desqualificação não é, contudo, utilizado pelo comentarista
tendo por objeto apenas o governo, o PT e o petismo. Outros setores da esquerda,
como o PSTU, o PC do B, a pastoral operária e intelectuais críticos à política
macroeconômica de Palocci também foram alvos da crítica desqualificadora de
Jabor. As sugestões destas entidades e indivíduos quanto às questões da taxa de
juros e da política econômica do governo são desqualificadas de maneira insultuosa
pelo comentarista: resultam da burrice daqueles que as propõem, que comem
capim. Da mesma forma, o governo venezuelano de Hugo Chávez, que também se
declara de esquerda, é referido pelo comentarista como demagógico e mentiroso.
Num primeiro momento ao longo do período analisado, podemos observar
que Jabor procura desassociar o presidente Lula e o então ministro da Fazenda
Antonio Palocci, de um lado, daquilo que o comentarista chamou a parte maldita do
governo, formada a seu ver pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e outros
petistas menores, do outro. Assim, Lula respeitaria a realidade em sua verdade
sincera ao reconhecer a importância da política econômica de Palocci e ao afastar-
se das teorias, dos radicais e da canga ideológica do PT. Palocci e sua gestão
econômica são reiteradamente elogiados e defendidos pelo comentarista como a
única possível, única área inteligente, uma ilha de bom senso no governo do PT.
Este último, por exclusão, erraria em tudo o mais: não consegue administrar, nem
conter gastos, nem fazer reformas, nem negociar limpamente com o Congresso,
nem criar condições de crescimento para o país. Além do mais, erra sozinho, é
surdo, cego e responsável pelo retrocesso do país (quanto tempo regredimos
nesses dois anos e meio?). Em suas críticas, insinuam-se também suas
5
As únicas menções à oposição que encontramos no comentarismo de Jabor ao longo do
período analisado foram feitas em 01/07/2005 e em 19/08/2005. No primeiro desses
comentários, Jabor afirma que o governo errou sozinho e que este culpa indevidamente a
oposição e um suposto golpe da direita pela crise política. Já no segundo, o comentarista
demonstra sua preocupação de que as denúncias sobre Palocci venham a confundir a opinião
pública e a oposição.
96
expectativas do que seria apropriado ao governo realizar: cortar gastos públicos,
manter a política econômica e implementar as reformas (política, tributária, do
Judiciário).
Ao final do mês de agosto, o presidente Lula deixa de ser poupado pelo
comentarista, que passa a caracterizá-lo como envolvido no acobertamento daquilo
que Jabor chamou uma rede de corrupção política inédita na vida do Brasil. Lula
passa a ser ironizado (coitado, não sabe de nada) e acusado pelo comentarista de
ser o cozinheiro da pizza, ou seja, o responsável principal pela tentativa de
encobrimento da verdade pelo governo e pelo PT. E essa verdade, Jabor a
apresenta recorrentemente e de modo definitivo em seus últimos comentários: o PT
montou um esquema corrupto de arrecadação de dinheiro inédito em estatais para
se eternizar no poder e financiar uma revolução, a seu ver leninista, corrupta e em
prol de um socialismo imaginário. A crise política e seus desdobramentos seriam,
desse modo, conseqüências da descoberta e frustração dos expedientes ilícitos e
criminosos utilizados pelo Partido dos Trabalhadores em nome de um projeto de
poder de esquerda. É essa a representação da crise que o comentarismo de Jabor
irá continuamente apresentar e reafirmar ao final do período analisado, juntamente
com a idéia de que haverá uma pizza, uma negociata ao fim das investigações, em
que serão poupados os verdadeiros responsáveis a partir da punição de alguns
bodes expiatórios, criminosos menores envolvidos em esquemas de caixa dois.
De um modo geral, o comentarismo de Jabor durante o período analisado foi
fundamentalmente partidarizado, assumindo uma posição crítica, de ataque e
desqualificação do governo Lula, do partido do governo e de setores e categorias da
esquerda em geral, e de defesa da política econômica deste mesmo governo, bem
como de medidas como o corte de gastos públicos e a implementação de reformas.
Se num momento inicial Jabor distingue uma parte maldita no governo,
responsável pelos esquemas de corrupção que levaram à crise política, sua crítica
desqualificadora passa depois a incidir sobre o governo Lula e o PT de forma
generalizante e sem que sejam feitas as devidas distinções. Não mais uma parte do
97
governo e de seu partido, mas o governo Lula e o PT, de um modo indistinto, geral
e como um todo, passam a ser criticados e responsabilizados pelo comentarista por
tudo que de negativo se passava no país naquele momento, a única exceção sendo
feita para a gestão macroeconômica do então ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Por fim, cabe-nos ressaltar que esse comentarismo partidarizado e
ideologizado praticado por Arnaldo Jabor no momento do escândalo do mensalão foi
defendido em um edital do JN em que o telejornal, respondendo a acusações do
então deputado José Dirceu a seu comentarista, disse ter a convicção de que
Arnaldo Jabor age sempre de acordo com os pilares da ética jornalística. E concluiu
sua defesa afirmando que esses pilares eram os mesmos que levaram o telejornal a
divulgar o e-mail acusatório do então deputado, mesmo discordando dele.
A função ideológica do comentarismo de Arnaldo Jabor
Personalidades diferentes com visões profissionais também diferentes, Franklin
Martins e Arnaldo Jabor apenas nominalmente desempenharam a mesma função de
comentaristas fixos do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão no momento do
chamado escândalo do mensalão. Para além de suas funções profissionalmente
estabelecidas e reconhecidas de comentaristas, podemos observar que um deles
desempenhou explicitamente um outro papel, a nosso ver menos jornalístico do
que ideológico.
Se os comentários de Franklin Martins pareceram complementar, analisar e
interpretar as notícias sobre a política nacional atendo-se a uma certa
imparcialidade do ponto de vista político, mesmo quando assumiam uma postura
eminentemente crítica, quando governo e oposição foram simultânea e
indistintamente aconselhados, avaliados ou censurados, as apreciações de Arnaldo
Jabor, por outro lado, pareceram ir em um sentido diverso. Ou seja, pareceram
partidarizar, tomar uma posição de modo explícito, colocando-se numa postura
fundamentalmente crítica, de desqualificação e de oposição ao governo, ao partido
98
do governo, aos membros do partido do governo, ao presidente e às esquerdas em
geral, e de omissão e silêncio em relação à atuação das oposições.
Assim, o que logramos observar no comentarismo de Arnaldo Jabor foi o
recurso a uma narrativa fortemente dramatizada, espetacularizada, impregnada de
hipérboles, adjetivações, associações, generalizações e metáforas, em que foram
apresentados ao público um lado bom e um lado mau, bem conforme à linguagem
espetacularizada e maniqueísta das mídias de massa.
Desse modo, o lado positivamente valorado foi personificado pelo então
ministro da Fazenda Antonio Palocci e sua política macroeconômica, enquanto o
papel do lado negativo, mais presente e explicitado na narrativa jaboriana, foi
representado a princípio pelo então ministro da Casa Civil José Dirceu e seus
petistas menores, para depois ser generalizado para englobar o Partido dos
Trabalhadores como um todo, os petistas, o governo, o próprio presidente Lula e
até mesmo outras entidades da esquerda nacional e internacional.
Assim, a associação de categorias históricas da esquerda (revolução,
leninismo, socialismo) a palavras relacionadas a práticas ilícitas e criminosas
(golpe, corrupção, roubalheira, gatunagem) não se limitou, no comentarismo de
Jabor, a promover uma denúncia crítica dos comprovadamente envolvidos nos
escândalos de corrupção. Parece ter havido, isto sim, um intuito mais geral em
desqualificar o governo Lula, o PT e o petismo como um todo e as alternativas
políticas das esquerdas em geral.
O que pode ser observado nos comentários de Jabor é, de um ponto de vista
mais abrangente, a reativação de um certo macarthismo à brasileira, um anti-
esquerdismo de presença não incomum nas representações da política que são
veiculadas pela grande mídia impressa e audiovisual, e que de tempos em tempos
ressurge para instilar um certo medo-pânico na população acerca de um perigo
99
vermelho que se assoma no horizonte.
6
É também o mito político da conspiração
(vermelha e revolucionária) que vislumbramos ser constantemente evocado nos
comentários do jornalista-cineasta Arnaldo Jabor para servir a esse
neomacarthismo midiático pós-queda do muro de Berlim, cujo intuito é o de
estabelecer limites para o politicamente aceitável, reduzindo as alternativas da
política ao pensamento único neoliberal através da desqualificação das opções
minimamente divergentes à ordem advogada pelo capital.
7
O que para nós se configura como ideológico no jornalismo de Arnaldo Jabor
é que seu comentarismo, apesar de claramente partidarizado e de lançar mão de
associações e generalizações com forte viés de oposição às esquerdas, apresenta-
se e é defendido sob o argumento de agir sempre de acordo com os pilares de uma
ética jornalística abstrata, que por definição primaria pela objetividade, pela
imparcialidade, pela isenção, pela neutralidade e pelo compromisso com a verdade,
quando nem sempre é isto o que realmente acontece. O que há de ideológico na
mídia impressa e audiovisual e no trabalho de alguns de seus profissionais e
agentes não é a crítica, a ridicularização e a desqualificação de posições políticas
consideradas em si mesmas. Mas antes quando a crítica, a ridicularização e a
desqualificação são feitas sob o argumento e a capa protetora de se estar
realizando um trabalho isento, imparcial, cujo único compromisso é com a
informação, com a verdade e com o interesse público, quando na realidade existem
outros compromissos e interesses por detrás do modo como esse tipo de jornalismo
6
Não gratuitamente, Jabor utiliza palavras e expressões como tomar o poder, golpe, o
perigo está no horizonte, o perigo é que..., o que me assusta..., em sua caracterização da
conjuntura política em questão.
7
Apesar de ter assumido compromissos com o programa neoliberal, principalmente em
matérias como a Reforma da Previdência e a política macroeconômica, o primeiro mandato
do governo Lula-PT (2003-2006) apresentou, a nosso ver, pontos importantes de divergência
com o que é proposto por esse ideário. Veja-se por exemplo a questão das políticas sociais
como o Bolsa Família, que entram em choque com o corte de gastos públicos advogado pelo
receituário neoliberal. A questão sobre o papel do Estado também é digna de nota: enquanto
o PT atribui um papel maior ao Estado e suas empresas na questão do desenvolvimento
econômico, a oposição PSDB-PFL possui um viés mais privatista, e por isso mais afinado com
o que é advogado pelo patronato empresarial e pelo grande capital. Por último, mas não
menos importante, há a questão simbólica do que representa o PT no poder: para o
establishment patrimonialista-capitalista brasileiro, o PT significa e representa uma oposição
histórica de esquerda que chegou ao poder.
100
é realizado. Compromissos e interesses políticos, econômicos, de grupos
específicos, de classe. Estes, por sua vez, são muitas vezes apresentados
(mascarados) como se fossem públicos, sob argumentos fundamentados na lógica,
no racional, no possível, no real, na verdade, na técnica, no que é universal,
consensual e indiscutivelmente o melhor para todos, e não como o que realmente
são: argumentos que fundamentam os interesses dos grupos específicos a que
visam beneficiar e dos quais estão a serviço.
É digno de nota que essa função ideológica desempenhada pelo jornalismo
de Arnaldo Jabor —em que sob o manto da neutralidade e da imparcialidade
jornalísticas são realizados, por um lado, a desqualificação generalizada das
alternativas políticas de esquerda, retratadas muitas vezes como arcaísmos ou
ameaças totalitárias, e, por outro, o reforço de idéias e práticas valorizadas pelo
status quo neoliberal (como a questão da política macroeconômica, das reformas e
do corte nos gasto públicos, que são defendidas sob o argumento da única
alternativa possível)— não é conseqüência das particularidades e idiossincrasias de
um profissional comprometido com os interesses patronais e corporativos da
grande empresa jornalística.
Há, isto sim, uma função ideológica mais constante e duradoura que na
mídia de massa é desempenhada por profissionais comprometidos com os
interesses e os pontos de vista da classe patronal e do grande capital,
representados nos anos noventa pelo receituário do pensamento único neoliberal
que se torna hegemônico. Esta função ideológica foi descrita por Serge Halimi como
sendo a de guardiães da ordem, a de novos cães de guarda do sistema capitalista.
8
Entre aqueles que desempenham essa função, há um tipo de jornalista que
funde a figura do bufão – tipo-ideal relacionado ao espetáculo do poder, que
ridiculariza esse mesmo poder – com a do convertido ideológico – aquele que hoje
8
HALIMI, S. Os novos cães de guarda, 1998. Neste ensaio sobre o jornalismo na França em
tempos recentes, o autor discute como a mídia de massa neste país está caracterizada por
um jornalismo dominado por redes de conivência, de reverência ao poder político e
comprometido com os interesses do mercado, dos grupos financeiros e do patronato
empresarial.
101
fala a favor do pensamento hegemônico e dos interesses do establishment
capitalista ao mesmo tempo em que desqualifica seus detratores e críticos, sob o
argumento de autoridade de um dia ter estado ao lado destes últimos, ou seja, de
ter sido um desses críticos ferrenhos e radicais contrários ao sistema. É o eu sei o
que digo porque já fui assim, ou o eu conheço a verdade e o que é melhor, porque
já estive dos dois lados que encontramos nos discursos dos convertidos religiosos
ou ideológicos que, adeptos de uma nova crença, testemunham agora contra seus
deuses e dogmas anteriores fundamentando-se numa experiência de vida real, o
que tem o efeito de conferir maiores autoridade e veracidade a seus testemunhos.
9
Por via desse duplo mecanismo em que se associam a bufonaria e a
ridicularização, por um lado, e o argumento de autoridade do convertido, de outro,
promove-se a desqualificação das opções e alternativas políticas minimamente
críticas ou desviantes ao sistema, que são retratadas como arcaísmos, velharias,
populismos, demagogias, vulgaridades, utopias, irrealismos, corporativismos,
ameaças totalitárias, ignorância, em oposição à modernidade, à lógica do possível,
à racionalidade, à eficiência técnica, ao bom senso, à inteligência, ao consensual do
que é melhor para todos da modernização neoliberal, constantemente defendida e
afirmada.
9
(...) velhos comunas têm o tumor inoperável na cabeça! Eu os conheço, já fui um deles.
Sob o argumento da autoridade do convertido, Jabor testemunha: Esse tumor é a certeza de
superioridade sobre o resto da humanidade. Eles são narcisistas, paranóicos, incultos, acham
que precisam arruinar por dentro essa coisa chata chamada democracia. Isso entranha na
alma, não se consegue mudar. Declaração feita por Arnaldo Jabor em entrevista para O
Estado de S. Paulo, Caderno Alias, em 24/09/2006, referindo-se a membros do PT. É digno
de nota que esta entrevista, que reproduzimos na íntegra no apêndice deste trabalho, foi
publicada alguns dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais de 2006, em que o
governo Lula-PT concorreu à reeleição.
102
A figura do bufão-convertido
10
na mídia brasileira
Na imprensa brasileira, há alguns exemplos de profissionais que assumiram ou
ainda assumem esse papel ideológico do bufão convertido. Assim é que na própria
Rede Globo verificamos que essa função, hoje desempenhada pelo ex-comunista
Arnaldo Jabor, mas não incorporada pelo ex-guerrilheiro de esquerda radical
Franklin Martins, já foi atributo de um ex-trotskista não militante também alçado à
personalidade midiática após converter-se ao neoliberalismo: o crítico de teatro,
escritor, jornalista e também comentarista do Jornal Nacional Paulo Francis.
11
Assim como Arnaldo Jabor, Paulo Francis, uma das influências declaradas do
cineasta carioca, foi ligado a áreas artísticas antes de se tornar comentarista global.
Tentou ao longo da vida ser escritor, ator e diretor de teatro, sem conseguir firmar-
se em nenhuma dessas atividades. Produziu uma extensa obra de crítica teatral em
artigos escritos para o Diário Carioca entre 1957 e 1962, além de ter colaborado
para O Pasquim e para a Tribuna da Imprensa até aproximadamente 1973. Foi
colunista da Folha de S. Paulo (1976-1990), do Estado de S. Paulo (1990-1997) e
comentarista de assuntos diversos do Jornal Nacional de 1981 até sua morte em
1997. Declarou-se trotskista e elogiava Marx em seus escritos antes de ter
garantido um lugar privilegiado na grande imprensa, conseqüência dos insultos que
passou a dirigir às lideranças da esquerda nacional.
10
O bufão é uma das figuras do espetáculo do poder, segundo a antropologia política de
Georges Balandier. Entre suas atribuições estão as de ridicularizar, ironizar e parodiar o
poder. O bufão promove a inversão de situações, lança mão de excessos, dramatiza,
exagera, faz pilhérias e tem a liberdade da palavra (a língua afiada) para revelar verdades
ocultas. Tem ainda uma função catártica: é um liberador de tensões, ele trabalha para a
regularização das relações sociais. Embaralhador de cartas, ele é também fator de ordem.
Ver BALANDIER, G. O poder em cena, 1982: 30-31. Ora, o fenômeno que aqui discutimos é
a cooptação do bufão a serviço do grande capital para a ridicularização de seus críticos ou
dos que se desviam minimamente de seu ideário. Não à toa, a ridicularização é descrita por
Balandier como um dos meios dos poderosos conseguirem a conformidade. Idem: 24. Já o
fenômeno bastante comum da conversão ideológica de ex-radicais de esquerda que hoje
atuam na mídia em prol dos interesses daqueles que antes criticavam é referido de
passagem por autores como Chomsky e Herman nos EUA e Serge Halimi na França. Ver
CHOMSKY & HERMAN. A propaganda model, 1988 e HALIMI, S. Os novos cães de guarda,
1998.
11
KUCINSKI, B. Paulo Francis: uma tragédia brasileira, 1998.
103
Sobre os paralelos entre Arnaldo Jabor e Paulo Francis, o jornalista Bernardo
Kucinski escreveu que ambos dialogavam com os textos e idéias de Marx em seus
artigos para demonstrar que tinham autoridade para desqualificar as esquerdas.
12
Para Kucinski, foi através da agressão a suas crenças do passado, da difamação do
PT e das esquerdas em geral que Jabor passou a ganhar espaço na mídia brasileira.
Assim, já na década de 1990 Jabor assumia seu papel de um dos herdeiros do que
Kucinski chamou de método Paulo Francis de jornalismo, que tornara-se comum na
imprensa brasileira dos anos 1980 e 1990: um jornalismo marcado pela galhofa,
pelo recurso à infâmia e ao insulto, por um estilo histriônico, carregado de
adjetivações e interjeições, em que muito importa polemizar e chocar. Entre outras
características desse jornalismo ressaltadas por Kucinski estão ainda as invectivas
contra a esquerda, o desprezo pela academia e a emissão de frases de efeito
definitivas, em que a dúvida é abortada de antemão. Sobre as razões do sucesso
desse tipo de jornalismo, o autor afirmaria que
Para cada tempo há um método preferencial de jornalismo,
favorecido pelos proprietários dos meios de comunicação e
seus quadros dirigentes. O jornalismo ideologizado,
adjetivador, que dispensa a reportagem e dela até foge, é
bom para os períodos de crise política aguda, quando é
preciso desqualificar as oposições, fazer guerra ideológica e,
ao mesmo tempo, escamotear os fatos da crise.
13
Desqualificar as oposições quando as esquerdas estavam todas na oposição.
Quando uma parte das esquerdas está no poder, na chamada situação, o recurso à
desqualificação utilizado por esse tipo de jornalismo parece apenas mudar de
posição, ao fazer coro com a oposição tendo por alvo a situação. Mas não muda de
objeto quando o que estamos levando em conta é a posição no espectro político: o
alvo continua sendo as esquerdas. A comoção social provocada pelo escândalo
político-midiático é o momento em que esse jornalismo, acostumado à sua vocação
situacionista e crítica às oposições de esquerda, vê-se forçado a partidarizar e a
retomar suas tradicionais invectivas contra as esquerdas, mesmo quando parte
12
Idem: 88.
13
Idem: 86.
104
destas está, como no momento da crise que serve de pano de fundo para nossa
análise, na situação.
Diferentes comentários, diferentes destinos
Apesar dos comentários de Franklin Martins serem mais numerosos e freqüentes
que os de Arnaldo Jabor durante o período analisado, relembramos que, segundo o
próprio Franklin, seu comentário a partir de um certo momento não expressava
exatamente o rumo da cobertura do Jornal Nacional sobre a crise política.
14
O que
produziu, segundo o comentarista, o aparecimento de uma dupla mensagem nas
narrativas do JN sobre a crise, levando a que as negociações de seus comentários
no telejornal se tornassem mais difíceis e tensas.
15
A presença desta dupla mensagem, que de acordo com Franklin Martins
formara-se devido à não correspondência de seus comentários com a cobertura do
telejornal sobre o escândalo do mensalão, torna-se evidente quando comparamos
seus comentários com os de Arnaldo Jabor ao longo do período em que
empreendemos nossa análise. Enquanto Jabor afirmava que a verdade sobre a crise
estava clara,
16
que o PT e o executivo montaram um esquema inédito de corrupção
política no país, em que houve o desvio de bilhões de estatais, fundos de pensão e
bancos oficiais,
17
Franklin Martins, por sua vez, insistia na questão de que era
preciso continuar com as investigações para se chegar a uma explicação confiável
para a origem do dinheiro que alimentava o chamado valerioduto. Se por um lado
Jabor afirmava que a pizza estava quase pronta,
18
que os maiores responsáveis
14
Sobre a cobertura do JN e de outros veículos de comunicação em alguns importantes
episódios do escândalo do mensalão, ver LIMA, V. A. de. ‘Presunção de culpa’: a cobertura
da crise política de 2005-2006. De acordo com o autor, a cobertura da crise por alguns dos
principais veículos da mídia brasileira foi dominada por uma narrativa que expressava a
presunção de culpa do governo Lula e do Partido dos Trabalhadores. Além do JN, foram
analisados o telejornal Bom Dia Brasil, o jornal O Globo e a revista Época (todos do grupo
Globo); as revistas Veja e Exame, do grupo Abril; a revista Carta Capital e os jornais Folha
de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Estado de Minas e
Zero Hora.
15
Entrevista à Carta Capital número 114, setembro de 2006.
16
Comentário de 26/08/2005.
17
Comentários de 26/08, 16/09 e 30/09/2005.
18
Comentário de 30/09/2005
105
pelos crimes que deram origem à crise política continuariam impunes,
19
Franklin
Martins afirmava justamente o contrário, ou seja, que a tendência no Congresso
era de punição para os comprovadamente envolvidos.
20
Observamos uma
contradição até mesmo entre a recorrente preocupação de Franklin Martins com a
espetacularização da crise, que ele chama pirotecnia, e a narrativa dramatizada e
espetacularizada utilizada por Arnaldo Jabor em seus comentários ao longo do
período analisado, que não deixou de constituir um elemento a mais na
exacerbação pirotécnica da crise criticada pelo próprio Martins.
Enquanto os comentários de Franklin Martins produziam uma dupla
mensagem ao não expressarem exatamente a cobertura do telenoticiário do JN, os
de Arnaldo Jabor estavam claramente afinados do ponto de vista ideológico com o
histórico de posicionamentos político-ideológicos de oposição às esquerdas da Rede
Globo. Daí a nossa interpretação de que a não renovação do contrato de Franklin
Martins pela Rede Globo em 2006 foi devida, em boa parte, à existência dessa
contradição, em que seus comentários não corroboraram as representações da
crise política do mensalão que a cobertura da Globo vinha apresentando, acabando
por fazerem um contraponto a essa cobertura e aos comentários de Arnaldo
Jabor.
21
Apesar de menos freqüentes, os comentários de Jabor afinavam-se
ideologicamente ao histórico de posicionamentos político-ideológicos da Globo, de
viés anti-esquerdista e pró-políticas neoliberais, conforme discutido no capítulo
primeiro deste trabalho.
Assim é que, a nosso ver, embora Jabor e Martins tenham tido ambos seus
comentários cortados do JN no início de 2006 – afinal de contas, tratava-se de ano
eleitoral, e a Globo não poderia arriscar-se a adotar discursos que exibissem
19
Comentário de 16/09/2005.
20
Comentário de 06/10/2005.
21
Segundo o próprio Franklin Martins, o motivo dado pela Central Globo de Jornalismo para
a não renovação de seu contrato foi o resultado de uma pesquisa qualitativa feita pela
emissora em que constatou-se que a imagem do comentarista era fraca diante do
telespectador. O episódio se deu logo após o comentarista voltar de férias, tiradas em março
de 2006, e enquanto encontrava-se envolvido em uma polêmica com o colunista da revista
Veja, Diogo Mainardi, que o acusou publicamente de favorecer familiares junto ao governo.
106
posicionamentos políticos muito explícitos em seu telenoticiário mais assistido sob o
risco de entrar em choque com sua audiência ou de ser mais uma vez acusada de
parcialidade –, apenas um deles permaneceria nos quadros da empresa. É
exatamente Arnaldo Jabor – o comentarista que de acordo com nossa interpretação
foi o mais parcial, crítico às esquerdas e repetidor das idéias caras ao status quo
neoliberal – que é mantido nos quadros da Globo como comentarista em um outro
telenoticiário noturno da emissora, o Jornal da Globo, de audiência mais seleta e
elitizada por se tratar de um programa exibido ao final da noite. Franklin Martins, o
comentarista que mais procurou se ater à imparcialidade e à isenção em suas
apreciações sobre a conjuntura política em questão, a seu turno, não teve seu
contrato renovado pela emissora, o que se deu no primeiro semestre de 2006,
quando seus comentários já vinham se tornando mais difíceis de serem negociados
para serem exibidos nos programas da empresa.
22
Mesmo que afastado em ano eleitoral do produto jornalístico mais
importante da emissora, o seu Jornal Nacional, o jornalismo opinativo na Globo
continuou a ser exercido em outros programas da empresa. O que os diferentes
destinos conferidos a Arnaldo Jabor e Franklin Martins pela emissora parecem
sugerir é que, para integrar fixamente seus quadros, a Rede Globo preferiu optar
pela manutenção de um comentarismo mais espetacularizado, ideologizado,
partidarizado e, o que é mais importante, sintonizado com sua linha editorial e seu
histórico de posicionamentos político-ideológicos. Foi também a opção pela
manutenção daquele que não vem se negando a desempenhar, ou melhor, que com
desenvoltura vem desempenhando há anos a função ideológica de guardião do
sistema na figura do bufão convertido nos veículos da grande mídia brasileira,
23
22
Foi o próprio Franklin Martins quem afirmou que a partir de janeiro e fevereiro de 2006,
pouco antes de deixar de fazer parte dos quadros da Globo, seus comentários passaram a
entrar menos no ar.
23
Conforme já observamos num momento anterior deste trabalho, nas semanas que
antecederam as eleições presidenciais de 2006 as análises e apreciações de Arnaldo Jabor
estavam sendo publicadas em 18 jornais em todo país, além de serem ouvidas por cerca de
30 milhões de pessoas em suas aparições semanais no Jornal da Globo. Estas informações
foram publicadas na introdução de uma entrevista do jornalista à revista Veja de
06/09/2006.
107
contra as alternativas políticas de esquerda minimamente divergentes da ordem
estabelecida, e em prol das alternativas e representações que se colocam a favor
do mercado, das finanças globalizadas, do patronato empresarial, em suma, dos
interesses do grande capital.
24
Considerações finais
Da análise que empreendemos em nosso trabalho, conclui-se que o comentarismo
político do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão no momento da deflagração
e posterior desenvolvimento do chamado escândalo do mensalão não constituiu um
espaço em que foi veiculado um discurso homogêneo e unívoco, isento de
ambigüidades e contradições, sobre a crise. Houve, isto sim, a veiculação de
narrativas bastante diversas, até mesmo contraditórias, tanto na forma quanto no
conteúdo, produzindo uma dupla mensagem no jornalismo opinativo do telejornal.
Parte do jornalismo político de opinião do JN, porém, realizou-se claramente
no sentido de produzir uma narrativa de oposição ao governo Lula, ao Partido dos
Trabalhadores e às esquerdas em geral ao longo do período analisado. Enquanto
momento privilegiado de exacerbação dos conflitos do campo político e de maior
visibilidade destes na mídia, o escândalo do mensalão foi um evento político-
midiático que propiciou a partidarização da Rede Globo de Televisão. Esta
partidarização manifestou-se mais explicitamente através das narrativas do
comentarista Arnaldo Jabor, cujo conteúdo fortemente esquerdofóbico afinava-se,
por um lado, à cobertura do telejornal sobre a crise, e por outro, ao histórico de
posicionamentos político-ideológicos da emissora.
A capacidade que a mídia tem de imprimir um viés à opinião pública, na
tentativa de mobilizar e orientar esta, é um instrumento de poder nas mãos dos
24
Ver no apêndice entrevista de Arnaldo Jabor para O Estado de S. Paulo em 24/09/2006,
pouco antes das eleições presidenciais daquele ano, em que o jornalista-cineasta retoma
suas investidas contra o que ele chama de velhas esquerdas, e continua a advogar reformas
e o enxugamento de um Estado falido e deficitário. Nesta entrevista – cujos conteúdo,
extensão e momento político em que é publicada a tornam bastante exemplificativa da
função ideológica do tipo de jornalismo praticado por Jabor – o comentarista cita Marx,
afirma mais uma vez já ter sido comunista e recorre às usuais associações de categorias da
esquerda a palavras desqualificadoras para criticar o PT e sua ideologia, os programas
sociais do governo Lula, os intelectuais brasileiros e a academia, os presidentes Hugo Chavéz
e Evo Morales e a população brasileira, entre outros.
108
interesses patronais, empresariais e corporativos. No caso da crise do mensalão,
houve a tentativa da Rede Globo, por meio de seu Jornal Nacional, de mobilizar
essa opinião, imprimindo-lhe um viés de oposição ao governo, ao partido do
governo e às esquerdas. Se esta tentativa surtiu algum efeito, este pareceu não
perdurar até as eleições de 2006, cujos resultados provaram politicamente
ineficazes o enviesamento das narrativas sobre o escândalo e a dimensão
catastrófica dada a este pela Globo e pela mídia brasileira de um modo geral.
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06 set 2006: 11-15. por OYAMA, Thaís.
Anexos
Este apêndice se constitui de trechos de entrevistas, editoriais e reportagens que
selecionamos com o intuito de ilustrar as perspectivas e argumentos adotados ao
longo deste trabalho, assim como os pontos de vista dos profissionais e da empresa
de comunicação que são objetos de nossa análise.
* * *
Editorial lido no Jornal Nacional de 07/08/2003 por ocasião da morte de Roberto
Marinho:
Para todos nós que temos a honra de trabalhar em empresas das Organizações
Globo, as últimas 24 horas foram imensamente dolorosas. Mas esta mesma honra
de trabalhar aqui nos fortalece também. Porque os princípios que o Dr. Roberto
sempre defendeu já fazem parte do caráter pessoal e profissional de cada
funcionário daqui da TV, do sistema de Rádio, do Globo, do Extra, do Diário de São
Paulo, da Editora, da Globo.com, da Globosat, da Som Livre, da Fundação Roberto
Marinho. Nós estamos tristes. Mas convictos de que nossos princípios, os princípios
do Dr. Roberto, permanecem intocados.
1
* * *
Trecho da sessão de perguntas e respostas realizada após palestra de
encerramento do 32º Congresso Estadual dos Jornalistas do Rio Grande do Sul
em
06/06/2006,
2
em que Franklin Martins comenta sua saída da Globo e o fato de
nunca ter sido censurado na emissora:
[Pergunta] Por que você saiu da Globo?
[Franklin Martins] Gostaria de saber... Trabalhei 8 anos e meio na Globo. Tive
grandes desafios profissionais lá: fui o primeiro comentarista político do Jornal
Nacional, talvez o último, tive liberdade, fiz um programa no GloboNews que se
tornou o de maior audiência fora os telejornais, dirigi o jornalismo da Globo em
Brasília, e participei da equipe que comandou a cobertura das eleições de 2002.
Mas a relação começou a ficar desgastante com a crise política. No final de 2005,
houve a decisão de cortar do Jornal Nacional o meu comentário, o do Jabor e o
Chico Caruso. Depois, ocorreram pequenos episódios que nem vale a pena
mencionar.
Meu contrato vencia em maio de 2006. Em março eu ainda não havia sido
procurado. Falei com a direção, disse que não sabia se valia renovar o contrato, já
que a relação não era a mesma. E eles, “não, que é isso, Franklin, está tudo ótimo,
vamos continuar”. E sugeriram que eu tirasse férias e na volta discutiríamos
valores. Bom, no retorno me ligaram. “Franklin, dá um pulinho aqui no Rio”.
Cheguei lá, me falaram de uma pesquisa qualitativa com o nome de todos
apresentadores e comentaristas e disseram: “Olha, você não tem uma imagem
muito forte com o público, por isso decidimos não renovar o seu contrato”. E eu,
“ah, conta outra”. Primeiro eu saí do Jornal Nacional porque minha imagem era
muito forte, temiam que a minha opinião fosse confundida com a da Rede Globo.
Antes das férias diziam que minha posição era consolidada. O que mudou? O único
fato novo foi meu quebra-pau com o Diogo Mainardi. E eles: “Pode ficar tranqüilo
que nós não vamos divulgar essa pesquisa para o público, nós não vamos falar
nada”. E eu: “Não, digam, pelo amor de Deus”... Mas eu não quero dar pau na
1
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história: 388-389.
2
MARTINS, F. Bate-papo no sindicato dos jornalistas de Rio Grande do Sul.
116
Rede Globo, prefiro ficar com as coisas boas, que foram 98% das que aconteceram
quando eu estive lá. Agora é olhar para frente e fazer meu trabalho na Band. Acho
que lá posso fazer um bom trabalho, é uma emissora com tradição em jornalismo.
Assim como a Rede Globo.
[Pergunta] O jornalista não deveria ter o direito de se despedir dos leitores
na sua última coluna?
[Franklin Martins] Acho que sim, tem que dizer, senão, depois, o ouvinte fica
perguntando o que ouve com esse cara?, ele morreu? No meu último comentário
para a rádio CBN, eu falei normalmente, como se nada tivesse acontecido, mas
louco de vontade de dizer que estava me despedindo, saindo para um novo desafio
profissional. Mas a cultura não é essa, a prática é de não comunicar a saída.
[Pergunta] Quantas vezes você foi censurado na Rede Globo?
[Franklin Martins] Podem não acreditar, mas eu nunca fui censurado na Globo.
Claro, eu sei onde piso. Pelo menos, achava que sabia... É diferente falar no Jornal
Nacional, no Jornal da Globo e no GloboNews. Eu quero falar para todo mundo,
quero que o telespectador me escute. Não posso desrespeitá-lo, deixar que ele se
sinta agredido. Tenho que ter uma interlocução. Na TV, o ideal é pouca opinião e
muita informação, análise. Pode ter uma opinião para dar um toque. Mas opinião o
tempo todo é um porre.
[Pergunta] E a sua briga com o Diogo Mainardi?
[Franklin Martins] É desagradável ter que responder a calúnia [de que o irmão de
Franklin Martins teria sido beneficiado por ele, ao ser indicado para um cargo
público]. O Diogo Mainardi é um desclassificado... [palmas do público que assistia à
palestra]. Agora, o problema não é o Mainardi, é a Veja. Por que a Veja está
fazendo isso com a Veja? Eu não entendo. Nunca fiz tráfico de influência. Arranja
um senador que diga que eu pedi para contratar meu irmão. Ele tem a vida
profissional dele, é um técnico com experiência... Agora, por que o Diogo fala essas
coisas? Ele difamou uns 20 ou 30 jornalistas. É vontade de aparecer. “Apareço
dando pau nos outros”. Quem não entrou no “esfola-e-mata” nessa cobertura
política ficou no contraponto. Não tenho o menor interesse em polemizar com o
Diogo Mainardi, tenho mais o que fazer. Estou processando ele. Pedi direito de
resposta, já que a Veja não publicou minha carta. Tem ainda uma queixa-crime por
calúnia, infâmia e difamação, e uma ação por danos morais.
[Pergunta] Você diz que a imprensa está a favor de Alckmin, mas a Rede
Globo tem uma cobertura favorável ao Lula?
[Franklin Martins] Não vejo a Globo apoiando o Lula. O que se faz é a cobertura do
presidente da República, que tem que cobrir. É desigual em relação aos outros
candidatos, claro. Mas não vejo a Globo apoiando o Lula. A Globo deu tudo o que se
falou contra o Lula. Não tenho a menor dúvida de que os acionistas das empresas
de mídia preferem o Alckmin.
(...)
[Pergunta] O que achou da cobertura da crise política no governo Lula e
das CPIs?
[Franklin Martins] Foi uma cobertura difícil, complexa, não foi fácil. Primeiro houve
uma desilusão com o PT. Segundo, um grau de desmoralização do PT e do governo
que eu nunca vi nesses 20 anos de Congresso. Os deputados do PT ficaram cinco
meses sem responder às acusações. Por exemplo, o Toninho da Barcelona disse
isso. Aí, os deputados, senadores da oposição deram pau. E os deputados do PT só
diziam: “Tem que investigar”. Ficaram cinco meses nas cordas. Terceiro, foi uma
CPI muito difícil de transmitir, foi a primeira em tempo real. Tudo se produzia sem
a intervenção dos jornalistas. A secretária do Marcos Valério, a Karina, deu o
depoimento dela ao vivo. A Renilda, mulher do Marcos Valério também. O Duda
Mendonça se apresenta espontaneamente e diz que recebeu dinheiro do exterior
porque o PT obrigou. Aí vem cinco deputados do PT chorando um no ombro do
outro. O Duda é um marqueteiro, essa é a profissão dele, o que ele sabe é vender o
peixe da melhor maneira. E ele trabalhou 15 anos com o Maluf, imagina que nesse
tempo todo ele nunca ganhou no exterior. Recebeu sempre, como depois ficou
117
provado. A conclusão é que se fez um espetáculo para o espectador. Jornalista ia
atrás do que já tinha sido publicado. É difícil cobrir em tempo real. Cobrir com
inteligência, numa situação dessas, não é fácil. Cria-se o clima de linchamento. A
pressão enorme, daqui a pouco o editor cobrando, “pô, levou furo”. E os padrões
vão cedendo. Começa a publicar qualquer coisa. Até setembro, a imprensa fez um
bom papel, revelando o Marcos Valério, a compra de fidelidade partidária. Mas a
partir de setembro-outubro, virou, noticiava qualquer coisa. Toninho da Barcelona
saiu da prisão falando um monte de coisa. Nada foi provado, mas foi noticiado.
Faltou inteligência na cobertura. O clima de “esfola-e-mata”, de linchamento
dominou.
* * *
Trecho de entrevista de Arnaldo Jabor à edição especial da revista Época-Epuc em
25/08/2003, em que o jornalista comenta a relação de seu ofício na televisão com
o poder:
[Época] Uma vez, o jornalista Evandro Carlos de Andrade (ex-diretor de
jornalismo da Rede Globo, falecido em 2001) disse: "o homem mais
poderoso do Brasil é o Arnaldo Jabor, porque ele pode falar o que quiser
durante o Jornal Nacional". O que você acha disso?
[Arnaldo Jabor] Eu não sou poderoso não. O poder exige possibilidade de execução.
Eu acho coisas mas não tenho esse poder. Eu tenho, digamos assim, um poder
cultural. Na televisão às vezes falo para 50 milhões de pessoas por semana, e isso
me dá um acesso – que eu agradeço a Deus e ao Evandro – para me meter na vida
política do país e dar opiniões. Mas não que eu tenha poder. Isso acho exagero.
[Época] Por ter essa visão mais profunda e analítica da sociedade, você se
sente desiludido?
[Arnaldo Jabor] Às vezes sim. É muito desolador fazer análise política e não
conseguir mexer na realidade. Eu fico me sentindo inútil, ridículo. Porque a vida de
um país tem uma dinâmica própria que é muito difícil de mexer. Ela só muda
quando muda a realidade.
* * *
Trecho da entrevista de Arnaldo Jabor à revista Trip número 147 de agosto de
2006, em que o jornalista declara ser eleitor de Geraldo Alckmin, candidato à
Presidência da República pela coligação PSDB-PFL em 2006, e comenta o fato de
nunca ter sido censurado na Globo:
[Pergunta] Comenta-se que na próxima eleição vai haver uma avalanche
dos votos nulos, principalmente entre jovens...
[Arnaldo Jabor] Eu vou votar no Alckmin. Apesar de achar que o Alckmin não tem
carisma nenhum ele é um governador competente, fez coisas direitas, é um ser de
bem. Mas realmente parece um picolé de chuchu, como diz o [José] Simão. Diante
do Lula ele não é nada. O Lula é 20 mil a zero em qualquer populista. O Lula é um
craque do marketing, ele conseguiu apropriar tudo o que há no Brasil pra ele, só
não conseguiu apropriar o Ronaldo. Porque o Ronaldo devolveu muito bem dizendo
que “talvez ele bebesse tanto quanto ele é gordo”.
(...)
[Pergunta] Você alguma vez foi censurado, ou em colunas ou em
televisão?
[Arnaldo Jabor] Não, nunca. É óbvio que não sou maluco. Em certos temas, certas
situações muitos delicadas, eu mostro pro editor por uma questão de bom senso.
Até agora eu tive só duas ou três vezes algumas aporrinhações, alguns processos,
incluindo vários processos contra mim. Só do Garotinho tem dois processos. Eu
tenho orgulho de ser processado por esses populistas de vigésima. Não, a única vez
118
que tive problema foi quando esculhambei um bispo reacionário que excomungou
um juiz que tinha dado autorização pra uma mulher fazer um aborto porque estava
com um filho descerebrado no ventre. O Sarney reclamou algumas vezes também
porque ele era repetidor da Globo e o esculhambava. Mas a Globo me dá plena
liberdade.
* * *
Editorial veiculado na edição de 22/08/2005 do Jornal Nacional, lido pela
apresentadora Fátima Bernardes, em defesa do jornalismo praticado por Arnaldo
Jabor quando de uma polêmica que este se envolveu com o ex-ministro da Casa
Civil do governo Lula, José Dirceu. O editorial foi publicado em resposta a um e-
mail enviado por José Dirceu ao Jornal Nacional em 22/08/2005, em que o ex-
ministro acusava Jabor de caluniá-lo fantasiosa e irresponsavelmente em prol de
interesses obscuros. O JN se pronunciou em defesa de Jabor, identificando os
parâmetros éticos do jornalismo praticado pelo comentarista com os do próprio JN:
José Dirceu envia e-mail protestando comentários de Arnaldo Jabor sobre ele.
O deputado José Dirceu enviou um e-mail ao Jornal Nacional com protestos contra
comentários de Arnaldo Jabor em que o deputado foi citado.
José Dirceu acusa Arnaldo Jabor de transformar fantasias cinematográficas em
comentários para jornais e emissoras de rádio e televisão e de apresentar o
deputado como o personagem malvado do folhetim, responsável por tudo de ruim
que acontece no país.
O deputado Dirceu se queixa especialmente do comentário no Jornal Nacional da
última sexta-feira. Ele diz que Jabor o acusa de querer destruir Palocci.
O deputado afirma que são calúnias irresponsáveis transmitidas com o objetivo de
desmoralizá-lo em favor de interesses obscuros. O deputado José Dirceu classifica
as palavras de Jabor de leviandades sem fundamento na realidade, tipificadas como
crime no código civil.
Dirceu diz que elas extrapolam os limites da liberdade de expressão. E se declara
admirado por terem sido acolhidas por uma empresa de comunicação respeitável
como as Organizações Globo.
O Jornal Nacional tem a convicção de que Arnaldo Jabor age sempre de acordo com
os pilares da ética jornalística. Os mesmos que nos levam aqui a divulgar o e-mail
do deputado José Dirceu, mesmo discordando dele.
* * *
Artigo da Folha de S. Paulo on line em fevereiro de 2006 sobre o corte dos
comentarista do Jornal Nacional:
Globo corta os três comentaristas do ‘JN’
Acabou a opinião no ‘Jornal Nacional’. A Globo decidiu que Franklin Martins, Arnaldo
Jabor e o cartunista Chico Caruso não são mais comentaristas fixos do ‘JN’. Martins,
que opinava sobre política todas as quintas, não aparece no ‘JN’ desde a primeira
quinzena de janeiro. Jabor (toda sexta) também já encerrou sua participação. E
Caruso, que diariamente desenhava uma charge, deixou o ‘JN’ no final de
dezembro. Franklin Martins continua no ‘Jornal Hoje’ e, assim com Jabor, no ‘Jornal
da Globo’. Caruso terá um quadro no ‘Fantástico’. A Globo diz que os três poderão
voltar ao ‘JN’ em ‘momentos especiais’. Assim o telejornal mantém-se
‘eminentemente informativo’, afirma. O ‘JN’ raramente publica editoriais, exceto
quando a Globo é ‘objeto de críticas relevantes’ ou quando as ‘liberdades
constitucionais estão em risco’. A Globo afirma que a medida não tem a ver com o
crescimento da Record (o que obrigou o ‘JN’ a investir mais em noticiário popular)
nem com o fato de 2006 ser ano de eleições presidenciais. Para a Globo, o formato
do ‘JN’ impedia que o público ‘tivesse a exata noção de que a opinião expressa’ por
119
Martins, Jabor e Caruso ‘era deles, e não da Globo’. Isso não ocorre nos outros
jornais, diz a rede, porque neles o comentarista tem um tempo maior e conversa
com os âncoras. Fazer isso no ‘JN’ ‘descaracterizaria’ o principal telejornal do país.
* * *
Entrevista de Arnaldo Jabor ao Estado de S. Paulo, Caderno Alias, em 24/09/2006,
por Andréa Barros e Laura Greenhalgh.
Compulsão, narcisismo, atos falhos...
São muitos os elementos freudianos da atual crise política, avalia Jabor. E eles
recheiam o sarapatel ideológico do PT que é capaz de tudo para se manter no
poder.
Freud, Gedimar, Valdebran, Lorenzetti. Nos últimos dias, a opinião pública foi
apresentada a uma galeria de petistas de nomes exóticos. “É elenco de apoio”,
cutuca o mais estridente comentarista político do País. “Foi-se o elenco principal,
agora os figurantes querem aparecer na Globo”. Com estocadas desse tipo, o
carioca Arnaldo Jabor, 65 anos, jornalista, escritor e cineasta, desbasta nesta
entrevista ao Aliás o mais recente imbróglio do PT rumo a um possível segundo
mandato de Lula. Analisa as presepadas da compra de um dossiê contra os tucanos
com a verve característica de seus comentários na televisão e no rádio. A fala é
inflamada, a adjetivação, abundante, e a preocupação com a clareza, uma
encucação. “Texto escrito não tem som, ainda bem. Os leitores não precisam me
escutar”, brinca Jabor, também lido às terças-feiras em O Estado.
Está tomado pela situação política brasileira, ainda que tenha tirado férias dos
comentários - “tirei mesmo, as novas regras da Justiça eleitoral me impedem de
falar o que quero”. Ao mesmo tempo, vive uma situação particularmente prazerosa.
Há três semanas, seu livro Pornopolítica (Editora Objetiva), coletânea de crônicas
publicadas na imprensa, encabeça a lista dos best-sellers de não-ficção. A julgar
pela confusão dos últimos dias, trata-se do livro que veio a calhar. Para Jabor,
contudo, ficção mesmo é o Brasil, um país onde esquerda e direita desfilam nos
palanques de braços dados e onde a corrupção não só tem justificativa ideológica,
mas absolvição a priori, dentro do aparelho de Estado.É surreal, ironiza, entre
um rompante e outro de indignação.
[Pergunta] O que é pornopolítica?
[Arnaldo Jabor] Para definir é preciso fazer a mesma distinção entre erotismo e
pornografia. No erotismo, você leva em consideração o desejo, o afeto, o belo.
Você busca o prazer de forma saudável. Na pornografia, o outro é mero objeto. É
algo a ser usado e descartado. Então, pornopolítica é aquela que não vislumbra o
interesse público, o bem comum. É feita exclusivamente para o bem de quem a
pratica. O que estamos vendo hoje? O sujeito entra na política ou para fugir da
polícia, ou para ganhar imunidade ou para descolar uma grana roubando o Estado.
E isso é intencional, não é causal.
De onde vêm os pornopolíticos?
Não vêm só da direita tradicional, mas da velha esquerda. O atraso não deseja a
mudança, quer que tudo fique como está. Por outro lado, estamos vendo esse
“progressismo” incompetente, voluntarista, arcaico, retoricamente superado. Só no
Brasil ainda se insiste num socialismo imaginário que, pela sua própria
impossibilidade, vai se degradando num vago populismo, numa mediocrização dos
ideais. Sim, porque Marx foi um gênio. O socialismo foi uma importante elaboração
teórica, mas vem sendo mediocrizado por esses bispos da Pastoral da Terra. O
próprio (João Pedro) Stédile falou: “Tenham filhos que vocês vão conhecer o
socialismo”. Ora, isso é um papo soviético de 1924, um delírio! Então o socialismo
passa a ser invocado como justificativa para a roubalheira, para predar o Estado. É
o socialismo transformado em oportunismo para a sórdida prática da corrupção.
Como os escândalos da semana mexeram com você?
120
Inacreditável... Este Freud, o Godoy, apareceu num bom momento, porque só
Freud, o Sigmund, pode explicar o que está acontecendo. Há uma compulsão à
repetição do erro. E pior: a esquerda brasileira sempre repete o mesmo erro! Se
olharmos para 1935, 1964, 1968, o erro básico é o voluntarismo de achar que a
sociedade está submetida a um só desejo, de achar que a solução do Brasil passa
pela luta de classes e pela destruição do que existe, destruição de “tudo isso que
está aí”, como eles falam. Não percebem que o processo brasileiro se aperfeiçoaria
se houvesse mudanças na burocracia, nas instituições, no Código Penal, no
Judiciário... Se houvesse a reforma previdenciária, tributária, o enxugamento de
um Estado deficitário que gasta mais do que pode e só tem 2% do orçamento anual
para investir. Esse Estado falido é tratado como se fosse o salvador de tudo, como
se nele houvesse uma espécie de metáfora do que seria o socialismo e a
centralização do poder.
Por que os erros se repetem?
Porque a velha esquerda nutre uma descrença profunda na democracia. Faz o
mesmo jogo da direita reacionária, a direita do atraso profundo. Quando você vê o
Lula abraçado ao Newton Cardoso, beijando a mão do Jader Barbalho,
aproximando-se de Quércia, Crivella e do que há de pior no País, conclui que existe
um ideal unindo a velha esquerda e a velha direita. Essa gente acha que a
democracia é uma coisa burguesa e, o que é pior, isso está entranhado na cabeça
da intelectualidade brasileira como um tumor inoperável. Como disse Sérgio
Buarque de Hollanda, a democracia no Brasil sempre foi um malentendido. Mas não
quer dizer que deva ser jogada fora. Qual é a ideologia do PT que está no governo?
É um ensopadinho. Um sarapatel de vago leninismo, misturado com um getulismo
tardio, um cheiro de desenvolvimentismo, um pouco de stalinismo, um estatismo
paranóico. Recusam aceitar a evidência, dolorosa ou não, de que o capitalismo está
aí, de que não há outro sistema funcionando. A incapacidade de aceitar o mundo
real é terrível.
Você pensava assim quando Lula chegou à Presidência?
Não votei no Lula, mas ainda acreditava no mito da esquerda quando ele ganhou.
Acreditava que os petistas tinham um ideal ético. E acreditava que haveria um
certo pudor em relação aos vícios tradicionais da velha direita. Tanto que defendi o
Lula durante um ano. Defendi até o Zé Dirceu dizendo que talvez ele soubesse que
aquele Waldomiro era malandro, mas certamente pensara que o sujeito seria útil.
Enfim, imaginei que fosse algo episódico. Só que era uma estratégia montada há
25 anos! Quando surgiu o “grande herói” Roberto Jefferson, autor da maior
descoberta da ciência política neste país, então vi que não era um episódio, mas
uma estratégia. Desde a fundação do PT os leninistas se aproximaram do Lula, o Zé
Dirceu, o Genoíno, o Gushiken, o Marco Aurélio, o Greenhalgh, o Suplicy... Lula
virou o núcleo de um projeto político. E a novidade era justamente o pragmatismo,
uma política sindical de resultados. Era o novo. Ganhou o atraso.
Na sua opinião, o PT mudou?
O PT é diferente do que a gente pensava, é diferente inclusive do que ele dizia que
era. Houve uma racionalização ideológica: “Temos que agir como a direita age.
Temos que utilizar os métodos da democracia burguesa para introduzir o socialismo
no país”. Tudo assim, entre aspas, porque é o que eles acham. A crença de que os
fins justificam os meios mostrou-se muito mais profunda do que imaginei. Funciona
assim: os fins justificam qualquer crime, portanto, você está absolvido a priori pela
ideologia. Não dá! Quando o Freud, o Valdebran e o Gedimar fazem o que fizeram,
estão trabalhando por uma causa! Aliás, fico impressionado com os nomes, as
caras, as pessoas não se barbeiam, não se arrumam... Há uma moda proposital,
como se fosse um mal-ajambramento proletário, porque um dia todos se vestirão
melhor.
A emergência de um novo escândalo muda o rumo político do País?
Já mudou. É difícil saber o que o Lula sabia e o que não sabia porque existe uma
simbiose entre ele e o partido. Mas, insisto: há um esquema de corrupção
ideológica, justificada e absolvida, em todo o aparelho do Estado. Só que agora o
121
Lula está mais sozinho e vai ser difícil governar com essa desconfiança geral que se
instalou. Até duas semanas atrás, o presidente tinha conseguido se esquivar dos
escândalos. Apesar de toda a evidência de erros, a vitória vinha. E continuará
vindo, só que a aceitação do sentimento de impunidade generalizada diminuiu.
Chegamos a um ponto difícil encobrir. Quando o Berzoini cai, pálido, como vimos
nas fotos, e comparamos essa imagem com aquele semblante gargalhante que
exibia uma semana atrás, ou quando comparamos a truculência com que ele agia
com a evidência de que estava por trás de tudo, então nos damos conta de que
muita coisa mudou. O governo está tecnicamente desmoralizado. Lula vai ser eleito
pela falta de entendimento da população e pela teimosia dogmática dos
intelectuais, que não conseguem abrir mão de velhas categorias de análise, nem
das velhas utopias. Será eleito pela ignorância e pela intelligentsia, o que é
espantoso.
Como você explica o apoio de intelectuais de peso, como a filósofa
Marilena Chauí e o escritor Antonio Candido?
Vou dizer uma coisa: Marilena é a pessoa mais culta do Brasil. Mas, se o Espinosa,
que ela tanto estudou e sabe como ninguém, a ouvisse falar hoje, certamente iria
se matar lá no céu...O que ela faz quando pensa na Ética, obra clássica do
Espinosa? E o Antonio Candido? É o nosso maior pensador vivo. Eu amo o Antonio
Candido! Então, só mesmo Freud. Sigmund explica tudo isso em termos teóricos e
o Godoy, na prática. Freud Godoy é o exemplo concreto de um gramscianismo
vulgar que existe na cabeça de muitos intelectuais brasileiros: “Tem que penetrar
no poder para apodrecê-lo por dentro”. Eles não conseguem viver sem essa fé.
Mesmo quando atacam o governo pela esquerda, fazem isso com velhos
argumentos. Reclamam da economia quando ela foi a única base concreta que
impediu que o Brasil fosse para o brejo. E o País não vai para a frente por quê?
Porque não fizeram as reformas que complementariam o Plano Real. Essas pessoas
não acreditam em democracia, acham que é uma conversa medíocre para enganar
otários, como disse Francisco de Oliveira.
Em que contexto ele disse isso?
Falou a propósito do Serra, na campanha anterior. Disse mais ou menos o
seguinte: “O Serra é agente das companhias multinacionais de remédios. E esse
papo de democracia é lero-lero para enganar massas”. Eu fiquei
impressionadíssimo. Tudo bem, Chico é um homem de bem, mas anda
desalentado. Acha que a política não existe mais, que apenas sobrou a economia.
Diz isso criticamente. E por quê? Porque só pensa em termos revolucionários.
Agora é que a política vai começar. Manter a economia estabilizada, ter
responsabilidade fiscal, fazer as reformas desburocratizantes, investir em
crescimento, agora é a vez! Mas a velha direita não quer isso porque é
patrimonialista, oligárquica, arcaica, excludente, prefere que o Brasil continue
paralisado. A democracia atrapalha essa direita personalista, de origem ibérica. E
também a esquerda antiga, de feitio soviético. Ambas se encontram no Planalto.
Existe uma nova esquerda?
Sim. É representada por pessoas como Fernando Henrique, José Serra, eu mesmo.
Ou personalidades como (Franco) Montoro. Olha, Marx dizia o seguinte: “Eu não
sou marxista”. O verdadeiro homem de esquerda está sempre se adaptando às
mudanças históricas em busca do bem da sociedade, da qualidade de vida das
pessoas, da Justiça. A esquerda moderna não é feita de fé, é feita de lógica.
Mas seria feita apenas de tucanos?
Não. Eu não me considero tucano, nunca fui do PSDB. Sou a favor da lógica.
O que você acha dos tucanos?
Estão perdidos, sem plataforma. O que o PSDB tem a dizer? Há bons nomes no
partido, mas estão soltos. O problema é que a plataforma de uma nova esquerda,
da qual faço parte, tem poucos slogans. É fácil dizer: “Abaixo a fome do povo, fome
zero, dinheirinho para todos, reforma agrária urgente”. Já a esquerda moderna tem
dificuldade de se expressar porque não é populista. É técnica, realista, culta. Não
estou falando de Terceira Via, essa coisa inglesa meio (Anthony) Giddens. Falo de
122
pragmatizar ideologismos, de organizar um projeto de país e buscar justiça numa
sociedade objetiva. Não dá para fingir que não existe capitalismo, não dá para ficar
denegrindo o agronegócio...
Onde é que você encaixa Geraldo Alckmin?
Ele foi um governador competente, fez uma série de coisas saneadoras, na trilha do
Mário Covas. Mas é um político sem plataforma. E seu carisma não chega aos pés
do carisma do Lula. Considero que não só o Lula é mais carismático, como é
portador de uma ideologia mais fácil de divulgar do que a complexa confusão
tucana de coisas cambiantes e ambivalentes. Quando falo da nova esquerda não
me refiro apenas ao administrativismo tucano leve. Pode ser alguma coisa mais
revolucionária, incisiva. Sabe o que faltou ao governo Fernando Henrique? Mais
calor e uma plataforma mais nítida.
Pesquisas revelam que muita gente hoje vota no Lula porque come arroz
melhor e compra cimento mais barato. Fora o atendimento do Bolsa
Família. São políticas válidas?
Sim, embora conjunturais e passageiras. Óbvio que não sou contra. Não sou
maluco, nem mau. Agora, como isso foi feito?
Aumentando em mais de 9% os gastos públicos. O que há é a utilização de dinheiro
público para botar panos quentes num problema grave. Redistribuição de renda e
combate à miséria só se fazem com crescimento econômico. Mas não vou condenar
o pobre diabo que mora numa palafita e recebe 100 pratas por mês.
Você acha mesmo que o presidente está sozinho?
Lula não está só, está mal-acompanhado. Esteve nas mãos do chamado
dirceusismo-genoínico-gushiquênico, uma ideologia nova que surgiu por aí... Talvez
não tivesse noção do perigo. O fato é que acabou se livrando dos “companheiros”
graças ao que aconteceu a partir das denúncias do Jefferson. Em compensação,
agora está nas mãos do Barbalho, do Newtão, do Sarney, do Calheiros, dessa
turma do PMDB. Estarão com ele num próximo governo. Então haverá espasmos de
voluntarismo e populismo de um lado, e cooptação peemedebista do outro. Será
um governo de radicalidades atávicas e novos fisiologismos. Só que o presidente
acha que pode abraçar essa gente e tudo bem. É como se tivesse um direito à
pureza maior que o nosso.
Lula teria tentado se desvincular do PT na campanha...
E até conseguiu! O problema é que o PT o aprisionou de novo. Tenho quase certeza
de que o Lula não sabia dos detalhes sobre esse tal dossiê. Ele não é louco. Pode
ganhar no primeiro turno e vai se meter numa besteira? Mas a chanchada trágica é
essa: o PT se sentiu marginalizado e então resolveu agir para ajudar a reeleição. Na
calada da noite, dirigentes retomaram as rédeas do processo. De um jeito burro,
trapalhão, lá foram eles: “Ah, é? Vamos mostrar que a gente tem valor. Somos
importantes, somos o velho PT”. E fizeram esse golpinho, essa coisa vagabundinha
de querer comprar informações ridículas. O PT pôs o Lula de novo numa armadilha.
Por quê?
Porque velhos comunas têm o tumor inoperável na cabeça! Eu os conheço, já fui
um deles. Esse tumor é a certeza de superioridade sobre o resto da humanidade.
Eles são narcisistas, paranóicos, incultos, acham que precisam arruinar por dentro
essa coisa chata chamada democracia. Isso entranha na alma, não se consegue
mudar. Eles foram lá, recuperaram o Lula e o jogaram na lama outra vez. Lula
estava bem, foi para Nova York, falaria na ONU... Aí os malucos o agarraram de
novo.
Na volta, Lula disse algo como 'dá nisso mexer com bandido'...
Mas ele estava dizendo que bandidos são os Vedoin. Não apenas! Bandidos são
essas figuras que surgem das sombras, dos porões do Planalto, do movimento
sindical, dos delírios utópicos da academia.
O presidente é refém?
Não, é cúmplice. É cúmplice tentando tirar o dele da reta. Só que o sócio-cúmplice
faz essa burrice e o emporcalha de novo. Lula tem um problemão pela frente, não
pelas eleições, mas para governar. Isso tudo vai recrudescer depois da vitória. Vai
123
haver pedido de impeachment, uma oposição radical, vai despertar a ira da velha
direita.
Um Watergate?
Tecnicamente já houve vários Watergates no Brasil. Mas aqui não cola porque a lei
não é cumprida, nem respeitada. O que nos salva é a democracia, porque a
imprensa está em cima, as instituições funcionam, a Polícia Federal, mesmo
dividida, trabalha firme, o Ministério Público também. Mas este é o quinto ou sexto
Watergate. O caso das cartilhas é gravíssimo: pegar R$ 12 milhões, ou seja, US$ 5
milhões, para o PT distribuir? Isso dá prisão em qualquer lugar do mundo!
A partir das denúncias de mensalão e com os desdobramentos políticos
disso, petistas de alta cotação caíram fora do governo ou foram
escanteados: Dirceu, Delúbio, Silvio Pereira, Gushiken, depois Palocci...
Agora denúncias alcançam outros personagens: Gedimar, Valdebran,
Freud, Lorenzetti...
Pode ser o elenco de apoio, afinal, os figurantes querem aparecer na Globo. Vamos
pensar: qual é o PT que vai ao segundo mandato? Até agora era liderado pelo
Berzoini, mas ele se sujou. Tarso Genro não sabe mais o que fazer para justificar o
partido à luz do Gramsci que um dia leu. Os radicais foram para o PSOL. Os
intelectuais, no fundo, não querem aporrinhação, porque encarnam o que (o
filósofo José Arthur) Giannotti chama brilhantemente de “militante imaginário” - o
cara fica em casa de pijama achando que faz a revolução. O PT tradicional sumiu, o
PT intermediário está sumindo, o PT radical saiu antes, resta o quê? Os figurantes.
É possível que, numa situação dessas, o MST tente virar o “Cipião do Lula”. É tudo
o que o Stédile quer.
Num segundo mandato, Lula se aproximaria ou se afastaria do PT?
Isso é um cabo-de-guerra. Se ele for esperto como parece, vai se livrar de muitos
petistas. Por outro lado, precisa deles. Olha, o Lula deve estar angustiadíssimo.
Estava numa situação confortável, eleito no primeiro turno, o partido bem ou mal
tinha se ajeitado, o Zé Dirceu apareceu tomando vinho e dizendo que irá voltar, o
Gushiken numa certa boa. Aí vem alguém e diz: vamos azucrinar o Serra. E o Lula
dançou.
O Serra poderia ser um elo entre PT e PSDB?
Claro. Uma das tragédias deste país é que a social-democracia que o Lula trouxe
quando surgiu - espontânea, pragmática, sindical - e a social-democracia tucana
que veio depois - mais culta, universitária e chique - nunca tenham se unido. A
origem dessa tragédia é conhecida. É o insuperável embate entre a esquerda crítica
e a esquerda dogmática. O ódio dos petistas contra os tucanos vem desde o início,
estimulado por um senhor chamado José Dirceu, para quem o inimigo principal não
é o imperialismo, não é o capitalismo, é o tucano! Ele instrumentalizou essa
oposição ferrenha, inclusive contra coisas úteis para o país, como por exemplo, o
Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental). O PT
fez alianças até com ruralistas, com Maluf, jamais com tucanos. É o que Freud
chama de “narcisismo das pequenas diferenças”, em que o sujeito não abre mão do
detalhe.
E os documentos supostamente contra Serra?
Não os conheço. Falam de uma fotografia e de um vídeo no qual ele inaugura uma
obra, coisa que ministro tem que fazer. Se o Serra tiver alguma culpa, não virá daí.
Ele é esperto e inteligente para não cair por corrupção vagabunda.
O que você achou da carta do Fernando Henrique com críticas ao tucanato?
Inoportuna, mas não incorreta. Fernando Henrique cometeu erros como presidente,
mas tem sido injustiçado. Seus feitos não foram viadutos nem pontes, mas a
criação de uma consciência institucional e republicana. Ele soube contrapor a idéia
do possível à da utopia. A de administração pública à da política abstrata. Valorizou
a opinião pública, a noção de que o Executivo não pode tudo, de que os três
poderes têm que interagir. Fernando Henrique já cumpriu seu papel. O que fez
ninguém tira dele.
124
O ex-ministro José Dirceu tem falado em seu blog que há uma tentativa de
golpe da direita. O presidente repetiu a mesma tese.
Olha aí a velhice do pensamento. O que é a direita? É Newton Cardoso e Jader
Barbalho, que estão abraçados com Lula. Digamos que a direita quisesse destruí-lo.
Então, ela não precisou fazer nada. Se existe uma direita golpista, não teve
trabalho nesses últimos anos. Porque todos os erros foram cometidos pelos
próprios donos do poder. Ora, no começo, todo mundo apoiou esse governo, era o
PSDB botando panos quentes, falando em oposição construtiva e, de repente,
começam a aparecer coisas. Esses petistas se suicidam como fazem os psicopatas.
Zé Dirceu foi o cara mais poderoso do país, mas jogou o poder no lixo. Parece
Collor. Aliás, Zé Dirceu e Collor têm uma psique semelhante: erram de propósito
para se auto-destruir. Zé Dirceu já tinha feito isso lá trás. Em Ibiúna, naquele
célebre Congresso da UNE. Eu era da UNE, mas não fui a Ibiúba. Porque ele armou
um esquema de tal forma que a polícia sabia do congresso dos estudantes e cercou
tudo. Essa gente deseja o erro! A elite não precisa fazer nada porque eles erram
sozinhos. É feito Bush e Osama bin Laden.
Por favor, escale um time de bons políticos brasileiros.
Ah, existem muitos. É que a gente está tão imerso na sujeira que não vê. Inclusive
essa é uma das estratégias do governo, dizer que todo mundo sempre fez o
mesmo.Você já comprou alguém? Eu não. Há bons políticos... Fernando Henrique é
um. E tem o José Serra, o Aécio Neves, o Roberto Freire, o Jefferson Perez, o Omar
Serraglio, o Raul Jungmann, o Antonio Biacaia, a Luiza Erundina, o Germano
Rigotto, o Eduardo Paes... O Fernando Gabeira é um grande político e um grande
homem de esquerda. Sei exatamente o que aconteceu com o Gabeira e ele, o que
aconteceu comigo. Fizemos o movimento crítico. Hoje as famílias desencorajam os
jovens a irem para a política. Acabou aquele país dos bacharéis, dos filhos da elite.
Agora os pais dizem: “Não vá se meter com drogas. Nem com política”. O grande
orador sumiu. O paladino também. Sobrou o político de mercado, paroquial,
mentiroso, que só pensa no dinheiro dele.
Qual é a sua opinião sobre o PSOL?
Uma loucura, uma histeria como qualquer outra, a utopia da utopia. Acham que
podem fazer uma revolução socialista nos moldes tradicionais. Esta senhora,
Heloísa Helena, disse outro dia: “Não é verdade que a Previdência tenha déficit, ela
está com superávit!”. Diante disso, o que você fala? Nada. Contra a insânia, não há
argumento. O que presenciamos no País é uma insânia. O retorno do reprimido
brasileiro aconteceu, já que estamos no terreno do Freud. É feito panela de pressão
quando explode a tampa. A loucura brasileira explodiu, o sonho populista está
explodindo, a fragilidade das instituições está aparecendo. É um processo doloroso,
mas pode ser bom. Isso, se a economia, que é a única coisa que está segurando o
país, não for destruída. Nós só podemos discutir isso agora porque a inflação não
está em 80% ao mês. Do contrário, aquele barulho do remarcador de preços no
supermercado não nos deixaria conversar. Portanto, esse é um momento luxuoso.
Um momento em que as doenças brasileiras estão vindo à tona, para o bem e para
o mal.
O Brasil pode aderir à tendência populista que atravessa a América Latina?
Você viu o Chávez na ONU fazendo piada? Fez da ONU um palanque de esquina!
Acho bom que Hugo Chávez e Evo Morales nos provoquem ao máximo. Aliás, eu
sabia que o Morales iria atacar o Brasil, porque somos o imperialismo deles. Mas,
quanto mais nos atacarem, mais o Brasil será obrigado a mostrar suas diferenças.
O Brasil não é o Lula, nem o PT. O Brasil é a sua estrutura econômica, a sua
indústria, o seu empresariado. Somos um país muito mais complexo, com uma
população muito grande e uma riqueza muito maior, que não cabem no discurso
desses macacos hispânicos. Muito menos deste moleque venezuelano que fica
sentado em cima do petróleo. É a complexidade brasileira que nos salva.
Você está deprimido?
Já fiquei tantas vezes. Fiquei deprimido quando vi que o PT não tinha nem aquela
dose mínima de idealismo. Quando descobri que era aquilo que o Severo Gomes
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chamou certa vez de “porcada magra” que invade o batatal e come tudo. Há 40 mil
seres ocupando a máquina estatal, com uma estrutura tributária de 38%. O déficit
na Previdência é de R$ 50 bilhões. E vivemos entre as medidas eleitoreiras e os
vexames. É surrealismo. Não estamos diante de Marx, mas diante de Freud, sim.
Diante da maior e mais brutal sucessão de atos falhos que já vi.
Agora seria a pornopolítica. Depois, o que vem?
Seguindo a pornografia, o desejo passa pela perversão e resta o fim de tudo. Isso
também está em Freud: o desejo do vazio, a pulsão da morte, está numa obra
chamada Além do Princípio do Prazer.
O que está morrendo?
Muita coisa. Espero que não seja a democracia, que não seja a desconstrução do
Estado brasileiro, que não seja voltar à inflação de 80% ao mês, que não seja a
urgência das reformas. Espero que morra a irresponsabilidade, o sectarismo, o
voluntarismo político, o populismo oportunista. Que morra a idéia de uma revolução
sagrada, que já não é factível no mundo. E que morra essa fé doentia de tantos
intelectuais brasileiros.
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