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MARIO CHECCHETTO NETO
JAZZ: Suporte e Improviso
A reinvenção da tradição oral na música ocidental
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Artes Visuais da Faculdade
Santa Marcelina, como requisito parcial
para a obtenção do Grau de Mestre em
Artes Visuais.
ORIENTADORA: Profª. Drª. MARIA APARECIDA BENTO
SÃO PAULO
2007
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2
FICHA CATALOGRÁFICA
Checchetto Neto, Mario
Jazz: Suporte e Improviso. A reinvenção da tradição oral na música ocidental.
São Paulo, 2007
94 p
Mestrado – Faculdade Santa Marcelina.
Jazz: Support and Improvisation. The reinvention of the oral tradition
in the occidental music.
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3
Agradecimentos
À Profª. Drª. MARIA APARECIDA
BENTO, por ter aceitado este trabalho e por toda a
orientação.
À FACULDADE SANTA MARCELINA
(FASM), pela viabilização deste mestrado através
de bolsa e por ceder o estúdio para a gravação das
peças, especialmente à diretora irmã ÂNGELA
RIVERO e à pró diretora acadêmica VERA LIGIA
GILBERT.
À Profª. Drª. MIRTES MARINS,
coordenadora do programa de mestrado da FASM e
aos demais professores com os quais tive aulas
nestes dois anos: Prof. Dr. RICARDO HAGE,
Profª. Drª. SHIRLEY PAES LEME e Prof. Dr.
ERMELINDO NARDIN, por me acolherem e
estenderem as discussões em classe para o território
da música.
A ALEXANDRE ZAMITH, pela ajuda com
a edição das partituras, pelas sugestões sobre o
conteúdo do trabalho e por ter gravado todas as
partes de piano.
À MARLENE APARECIDA DESIDÉRIO
CHECCHETTO, pelo trabalho de revisão do texto e
todo o apoio durante estes dois anos.
À LUCIANA SAYURI, por se dispor a ler o
trabalho e pelas sugestões dadas.
A PEDRO DESIDÉRIO CHECCHETTO,
pela ajuda com as traduções.
A RENATO SANTORO, pela ajuda com a
edição das partituras.
4
RESUMO
O trabalho aqui apresentado compreende três partes. Na primeira ele se ocupa da
observação do fenômeno jazzístico, olhando-o como um conceito mais do que como um
idioma, e colocando-o ao lado de outras linguagens artísticas como a pintura e o cinema.
Como fundamentação são abordadas as questões levantadas por Walter Benjamin e
Theodor Adorno em seus respectivos trabalhos: A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica e O fetichismo na música e a regressão da audição. Estas
obras, escritas durante a década de trinta, tratam da inserção das citadas artes em um
momento de grandes transformações, ocorridas principalmente na vida urbana, em
função do avanço tecnológico e do surgimento da indústria cultural. Tais questões
levantadas pelos dois autores se mostram atuais e a justificativa de serem utilizadas para
abordar o fenômeno jazzístico como ele se nos apresenta hoje, está no fato de vivermos
o paroxismo do momento de sua criação.
A segunda parte deste trabalho, apoiada em gravações representativas do repertório
jazzístico, traz descrições de formas e harmonias utilizadas pelo jazz, que são tratadas
aqui como suportes para o desenvolvimento não somente dos improvisos, mas de todo o
discurso sonoro contido em uma performance de jazz. São observadas as formas padrão
como o blues, a canção e o rhythm changes, e também as situações que fogem à
padronização, como o free e as que são denominadas aqui como formas autorais.
Para a terceira parte foi produzida uma série de composições denominada Círculos,
cujas peças são pensadas como suportes para improvisação. Estas peças refletem a busca
por alternativas ao habitual encadeamento harmônico que via de regra é o principal
elemento organizador do discurso musical em um tipo de música como o jazz, que
basicamente se utiliza do principio da variação. O presente trabalho traz além das
análises, a gravação destas peças, realizadas em duo de saxofone e piano, pelo autor e
pelo pianista Alexandre Zamith.
ABSTRACT
The work presented here understands three parts. In first it occupies of the comment of
the jazzistic phenomenon, looking at it as a concept more than what as a language, and
placing it the side of other artistic languages as the painting and the cinema. As recital
5
the questions raised for Walter Benjamin and Theodor Adorno in its respective works: A
obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica e O fetichismo na música e a
regressão da audição. These workmanships, written during the decade of thirty, mainly
deal with the insertion of the cited arts at a moment of great transformations, occured in
the urban life, function of the technological advance and the sprouting of the cultural
industry. Such questions raised for the two authors if show current and the justification
to be used to approach the phenomenon jazzístico as it if in it presents them today, is in
the fact to live the paroxysm of the moment of its creation.
The second part of this work, supported in representative writings of the jazzistic
repertoire, brings descriptions of forms and harmonias used for jazz, that they are dealt
with here as supports for the development not only to the improvisation, but all the
contained sonorous speech in a performance of jazz. The forms are observed standard as
blues, the song and rhythm changes, e also the situations that run away to the
standardization, as free e the ones that are called here as authorial forms.
For the third part a series of called compositions was produced Circles, that they are
thought as supports for improvisation. These parts reflect the search for alternatives to
the habitual harmonic chaining that usually is the main organizador element of the
musical speech in a type of music as jazz, that basically it is used of the beginning of the
variation. The present work brings beyond the analyses, the writing of these parts,
carried through in duo of saxofone and piano, for the author and the pianista Alexander
Zamith.
6
Sumário
Apresentação...........................................................................................8
Capítulo 1 O jazz sob uma perspectiva benjaminiana
..................................10
1.1 Considerações iniciais sobre o jazz.......................................................................11
1.2 O aqui e agora da obra de arte...............................................................................13
1.3 Destruição da aura.................................................................................................15
1.4 Valor de culto e valor de exposição.......................................................................18
1.5 Teatro, cinema, concerto e gravação......................................................................20
Capítulo 2 Os suportes para improviso no jazz.......................................23
2.1 O blues...................................................................................................................26
2.1.1 O blues maior de 12 compassos..........................................................................26
2.1.2 O Blues menor de 12 compassos.........................................................................28
2.1.3 O Blues de 16 compassos....................................................................................30
2.2 A forma canção......................................................................................................32
2.3 O rhythm changes..................................................................................................38
2.4 O free jazz..............................................................................................................41
2.5 As formas autorais.................................................................................................44
Capítulo 3 Círculos..................................................................................49
3.1 Círculos 1..............................................................................................................51
3.2 Círculos 2..............................................................................................................53
3.3 Círculos 3..............................................................................................................56
3.4 Círculos 4..............................................................................................................58
3.5 Círculos 5..............................................................................................................60
3.6 Círculos 6..............................................................................................................61
7
3.7 Círculos 7..............................................................................................................63
3.8 Círculos 8..............................................................................................................64
Círculos Partituras...................................................................................67
Considerações finais................................................................................87
Referências Bibliográficas.......................................................................89
8
Apresentação
A grande mudança do centro de produção e consumo de arte que se deu na
primeira metade do século XX da Europa para os EUA, também reverberou na música,
pois na América começava a brotar um tipo de música radicalmente diferente da
realizada na Europa. Tratava-se de uma música popular, praticada por grupos que não
tinham acesso a uma arte mais elaborada, e invariavelmente estava ligada a questões
sociais, como cultos religiosos, funerais, festividades, cantos de trabalho e
entretenimento. Estas manifestações musicais estavam profundamente arraigadas na
cultura afro-americana. Na sua busca de identidade, a música dos negros se deparou com
uma sociedade ávida por novidades, mas que visava o consumo desenfreado e
direcionado a um grande público. Com algumas décadas de existência esta música
cresceu, absorveu elementos de diversas culturas e hoje se mostra como um legítimo
modo de se produzir arte.
O trabalho aqui apresentado compreende três capítulos: 1- O jazz sob uma
perspectiva benjaminiana. 2- Os suportes para improviso no jazz. 3- Círculos.
Iniciando com um paralelo entre o jazz e outras linguagens artísticas, serão
observados aspectos peculiares do jazz, focados no modo de se fazer música por ele
desenvolvido: o produzir música instantaneamente, o “tocar de ouvido”. Tais elementos
trouxeram novamente para o ocidente a questão da oralidade na música. Para tal
realização serão usados como suporte textos de dois pensadores do século XX, Walter
Benjamin (1892-1940), em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, de
1936 e Theodor W. Adorno (1903-1969), em O fetichismo na música e a regressão da
audição (1938). Em seu texto, Benjamin levanta diversas questões a respeito da
reprodução da obra de arte, seja na fotografia, no cinema (aceitando-os já como arte), na
pintura ou na música. Estas questões referem-se às transformações (incluindo perdas e
ganhos), das citadas linguagens artísticas dentro de uma nova sociedade, com novos
recursos tecnológicos e dentro de uma nova indústria, a indústria cultural, e enfim dentro
da modernidade, onde a produção se destina ao consumo em massa. Adorno tratou de
questões afins com as observadas por Benjamin, porém com olhar direcionado
9
especificamente para a música. Ambos discutiram a inserção das artes no contexto da
modernidade, com todas as ambigüidades que disto provém, inserções estas que
certamente mudaram as percepções do que significa produzir e consumir arte.
Em um segundo momento serão apresentadas as formas jazzísticas que
funcionam como suporte para o desenvolvimento de improvisos, que por sua vez
constituem o cerne deste modo de pensar a música. Ao longo de um século de história, o
jazz cristalizou formas padrão, que passaram a ser de uso cotidiano tanto para
composição em jazz como para improviso. Ou seja, tais formas padrão tornaram-se a
base do seu repertório. Por possuírem uma certa maleabilidade, estas formas atualizam-
se sempre e moldam-se às propostas composicionais mais pessoais. Esta etapa será
demonstrada por meio de uma observação descritiva de composições e/ou gravações
representativas.
Como terceira etapa deste trabalho, será feita uma exposição analítica de uma
série de peças musicais, de produção própria, que longe de querer apontar caminhos ou
negar a tradição, mostram-se como uma síntese pessoal do que foi absorvido da cultura
jazzística, e da cultura européia e sua tradição da música escrita, que nós brasileiros
temos como herança mais marcante. Estas idéias começaram a surgir durante a
especialização feita nos anos de 1998/9 e vem sendo trabalhadas desde então. Estas
peças tem sido pensadas como suportes para improvisação. O objetivo deste ciclo de
peças denominado Círculos é o de pensar estruturas que possam ter outros elementos
organizadores, além do habitual encadeamento harmônico.
10
Capítulo 1
O jazz sob uma perspectiva benjaminiana
Durante a década de trinta, quando foram escritos os textos de Benjamin e
Adorno, o berço da indústria cultural, os EUA, passavam por grandes transformações.
Com a grande depressão deflagrada em 1929, a indústria do disco, que durante a década
de vinte vendia mais de cem milhões de discos por ano, passou a vender no início da
década de trinta apenas cerca de seis milhões. Com isso grandes empresas como a Victor
Company passaram a investir no rádio, tanto na fabricação de aparelhos como na
produção de programas. No mesmo período nascia o swing nos salões de baile do
Harlem “ e o jazz que sempre prosperara na adversidade, e que viria a simbolizar a
liberdade tipicamente americana seria conclamado a alegrar o ânimo e levantar o
moral de um país assustado.”
1
Benny Goodman (1909-1986), apresentava um programa
de rádio aos sábados à noite com três horas de duração e comprava de arranjadores de
swing do Harlem os arranjos que ele apresentava com sua orquestra, divulgando assim
em todo o país a nova música americana. Com o fim da lei seca e os bares e as casas de
espetáculo reabrindo, o novo ritmo (swing) com forte apoio da indústria, estabeleceu-se,
e no final da década de trinta a venda de discos ultrapassaria novamente a casa dos cem
milhões ao ano. Hollywood e Broadway adotaram o swing e a indústria de
entretenimento experimentou um sucesso impensado.
Essa nova maneira urbana de diversão e entretenimento atrelada às novas
conquistas tecnológicas como rádio, disco, televisão e cinema, foi levada ao mundo todo
e é neste contexto de padronização de comportamento, que vende a falsa idéia de
igualdade entre os homens, onde se pode ter, através da reprodução, o objeto de arte ao
alcance das mãos, que Walter Benjamin discorreu sobre a destruição da aura na obra de
arte, e Theodor Adorno sobre a regressão da audição. “Para quem a música de
entretenimento serve ainda como entretenimento? Ao invés de entreter, parece que tal
1
Cf. Ken BURNS, jazz, DVD, 2002.
11
música contribui ainda mais para o emudecimento dos homens, para a morte da
linguagem como expressão, para a incapacidade de comunicação.”
2
Guardando a distância temporal que nos separa do momento da criação desses
dois textos, eles serão usados como suporte para a construção deste capítulo, que terá
olhar direcionado para a linguagem musical, e mais especificamente para o fenômeno
jazzístico, como ele se nos apresenta hoje, neste início de séc. XXI. O uso destes textos
se justifica porque as questões neles observadas dizem respeito diretamente ao tipo de
manifestação artística que se completa no ato da fruição, onde o “aqui e agora” é de vital
importância para a sua sobrevivência enquanto pensamento criativo. Outra justificativa é
que a indústria cultural com todas as suas ambigüidades nos dá hoje a oportunidade de
acessar trabalhos que ficariam restritos a seu lugar e seu tempo, não houvesse um
mínimo de divulgação. Sem a indústria uma artista como Bessie Smith poderia ser
apenas uma lembrança para um grupo de pessoas de uma certa idade, que a tivessem
visto se apresentar, em um show no extremo sul dos Estados Unidos.
3
1.1 Considerações iniciais sobre o jazz
O jazz nasceu efetivamente na passagem para o século XX e se desenvolveu na
velocidade dele. As transformações pelas quais essa música passou tornaram-na um
objeto multifacetado pelo fato de que diversas tendências que se poderia colocar
cronologicamente como sendo sucessivas, dentre as quais o swing, o bebop, ou o cool,
por exemplo, acabaram por conviver simultaneamente. No início dos anos cinqüenta,
enquanto Charlie Parker (1920-1955), fazia bebop, Miles Davis (1926-1991), que havia
acabado de sair do grupo dele, começou a fazer o que se chamou de cool jazz. Em 1959
Davis lançou o disco seminal Kind of Blue. Este trabalho marca a incursão do jazz no
modalismo
4
, e conta com a participação de John Coltrane (1926-1967), que por sua vez
lançou no mesmo ano o disco pós bop, Giant Steps, que abriu ao jazz as portas da
2
Theodor ADORNO. O fetichismo na música e a regressão da audição, p. 166.
3
Cf. Eric HOBSBAWN. História social do jazz, p. 180.
4
Cf. Kind of Blue. Ashley KAHN. Kind of Blue, p. 100.
12
atonalidade e do que viria pela frente, a saber, o free jazz
5
. A partir de então (mas não
definitivamente), o jazz abandonou seus elementos idiomáticos mais identificáveis como
o swing e as melodias de assimilação mais rápida, perdendo suas conexões com o que se
define como música popular, embora a sua filiação a este fazer música de ouvido, à
tradição oral, jamais tenha sido negada.
O jazz figura hoje como uma expressão artística bastante complexa devido à
convivência de todas as suas referências históricas e étnicas. Praticá-la, ou mesmo ouvi-
la, tornou-se uma tarefa para iniciados. Esta pesquisa se ocupará do que é considerado a
base do seu conceito do ponto de vista musical, ou seja, o improviso, e os suportes
6
sobre as quais ele acontece.
Inicialmente será feita uma observação no que diz respeito à idéia que surge com
a palavra jazz. Geralmente ela nos remete a um fenômeno musical de caráter rítmico ou
idiomático dentro da cultura musical norte americana do século XX. De fato, ele assim
se mostrou de início
7
, porém a conotação a ser imprimida neste trabalho é a de um
conceito, uma maneira de se fazer música identificada com a tradição oral
8
, e portanto
jazz será neste contexto sinônimo de improviso, da obra musical que é criada no ato de
sua fruição, independentemente do idioma utilizado.
Pode-se fazer jazz usando elementos idiomáticos
9
da música brasileira como do
choro ou do samba, ou fazer uso de qualquer outra inflexão rítmica regional, ao menos
dentro do contexto ocidental, uma vez que a tradição oral na música está presente em
todas as culturas não ocidentais, como a árabe ou hindu, por exemplo, o que não quer
dizer que a música tradicional da Índia seja jazz. Na verdade, sem nenhum juízo de
valores, a música escrita é a grande exceção no modo de se produzir música no mundo.
É fato que a tradição escrita propiciou a abertura de um novo horizonte no campo da
harmonia, da forma, da orquestração, da luteria do próprio discurso musical, e também
5
“O estádio (sic) evolutivo atingido pelo jazz no final dos anos 50 fez com que aparecesse como evidente
aos músicos que o suporte harmônico não poderia se adensar mais do que em Giant Steps...” Christian
BELLEST e Lucien MALSON, no capítulo free in Jazz, 1989.
6
A palavra suporte quando se referir ao jazz será usada como algo que acomode as idéias musicais. Em
um improviso, por exemplo, a forma e a harmonia podem ser consideradas suportes temporais, porque
sobre elas será desenvolvido um discurso musical.
7
Para conhecer melhor a esse respeito consultar o capítulo Como reconhecer o jazz, de Eric J. Hobsbaw,
in História Social do Jazz.
8
Ver o capítulo Pré História, de Eric Hobsbawm, in História Social do Jazz.
9
Acentuações rítmicas, “sotaques” e regionalismos.
13
da nossa percepção de música e de arte de uma maneira geral. Porém o que o senso
comum chama de música universal, a música erudita, também pode ser localizada por
coordenadas de tempo e espaço
10
, assim como o próprio jazz. Tais comentários tornam-
se importantes para que se demarque o campo de trabalho a ser abordado aqui.
1.2 O aqui e agora da obra de arte
As análises de Benjamin de formas literárias declinantes, do fim da obra de arte
aurática, do desaparecimento da experiência, não são nostálgicos exercícios de
erudição. O que está em jogo é a elaboração de uma arqueologia da modernidade, a
exigência de formulação de conceitos radicalmente originais do tempo, da história e
da historiografia que possibilitem a problematização de sua contemporaneidade.
11
Walter Benjamin inicialmente levanta a questão da autenticidade da obra de arte,
que se perde na sua reprodução. Ele comenta que “mesmo na reprodução mais perfeita,
um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte.”
12
É fato que a reprodução nos oferece a possibilidade de “possuir” a obra, de olhá-la a
qualquer momento fora do que seria o seu habitat natural. O exemplo citado por
Benjamin de uma paisagem que aparece em um filme explicita esta questão do aqui e
agora. Poder olhar a paisagem confortavelmente em casa sem sentir o calor ou o frio do
momento em que foi filmada, ou fotografada, sem ter estado no lugar referido, é sem
dúvida perder uma parte vital do objeto, é perder o testemunho, a vivência e reter apenas
a imagem.
Esta questão tem diversas reverberações no caso específico do jazz,A sua arte
não é reproduzida, mas criada, e existe apenas no momento da criação.”
13
Assistir a um concerto de jazz é uma experiência única, pois a cada
performance
14
a abordagem das músicas se modifica substancialmente, um mesmo tema
10
A música centro européia dos séculos XVII ao XIX.
11
Kátia MURICY. Alegorias da dialética, p. 16.
12
Walter BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 167.
13
Eric HOBSBAWN. História social do jazz, p. 149.
14
A palavra performance será usada como sinônimo de apresentação musical. Segundo Renato Cohen, “A
performance é antes de tudo uma expressão cênica: um quadro sendo exibido para uma platéia não
caracteriza uma performance; alguém pintando este quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la”.
Transpondo esta idéia para o contexto musical, ela se justifica pelo fato da música ser construída no ato da
14
nunca é repetido, ele é a cada vez recriado e isto faz parte da própria idéia de jazz. A
interação com o público e as condições acústicas do lugar de realização de um concerto
também são fatores que certamente terão forte influência no resultado final, uma vez que
o conteúdo de um concerto jazzístico não está nos temas e sim na abordagem deles.
15
Ainda, a substituição de um único integrante em um grupo trará uma nova vivência, uma
nova face, uma vez que no jazz os músicos não tocam partes pré-determinadas e a
contribuição individual é de vital importância para a realização musical. No entanto, a
gravação de um concerto (a reprodução), também terá seus aspectos positivos. Poder
ouvir hoje, por exemplo, um trabalho feito por Miles Davis em 1964 em Tóquio
16
, em
um dos momentos de transição de suas estéticas e com a participação de um músico que
nunca havia tocado com ele (Sam Rivers -1923- no sax tenor) e que jamais tocaria
novamente, por certo não é uma experiência comum, e somente a reprodução pode nos
trazer de volta, ainda que parcialmente, aquele momento. Há que se destacar ainda como
positivos os aspectos didáticos, uma vez que através da reprodução pode-se estudar e
passar adiante as idéias contidas em uma abordagem musical, como a citada acima. Mas
não há como ignorar também o fator comercial do lançamento deste ou de qualquer
outro trabalho, todas as questões mercadológicas, que incluem campanhas de marketing
e o relançamento de antigos produtos com novos suportes tecnológicos, como temos
visto muito no setor áudio-visual; parecem ser a exacerbação da premissa capitalista na
qual tudo é mercadoria e tudo pode ser vendido ou comprado. Adorno antevê esta
questão de maneira pontual. “... Ante o poderio da mercadoria anunciada, já não resta
à consciência do comprador e do ouvinte outra alternativa senão capitular e comprar
sua paz de espírito, fazendo que a mercadoria oferecida se torne literalmente sua
propriedade.”
17
fruição no caso do jazz, e ao contrário, a música erudita é interpretada no ato do concerto. Quando houver
outra conotação será indicado. Renato COHEN. Performance como linguagem, p. 28.
15
Em entrevista ao caderno Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 27/09/2006, o contrabaixista Dave
Holland (1946), ao ser questionado sobra as mudanças do repertório a cada apresentação, respondeu: “Isso
depende do clima, do ambiente. Até a acústica da sala pode influenciar. Tento escolher as melhores peças,
tanto para a platéia como para os músicos. Nossa música é construída de maneira que nos permite tocar
com flexibilidade.”
16
Este concerto somente foi lançado comercialmente fora do Japão em 2005 no formato CD.
17
Theodor ADORNO. O fetichismo na música e a regressão da audição, p. 181.
15
1.3 Destruição da aura
O que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua
aura.”
18
Com esta afirmação Walter Benjamin introduz o conceito de aura.
19
Ele afirma
que a técnica de reprodução destaca o objeto reproduzido do domínio da tradição e isto
vai muito além da esfera da arte, e que a existência serial permite que o objeto venha ao
encontro do espectador em todas as situações. Ele cita o cinema como o agente mais
poderoso desta situação, dizendo que este propicia a liquidação dos valores tradicionais
do patrimônio da cultura, não sendo concebível sequer sua função social.
20
Em nosso momento atual, o cinema como veículo de informação ou como
linguagem artística está estabelecido, e o questionamento de valores a seu respeito
parece ter se esvaziado. Pode-se dizer que os valores devem ser atribuídos ao uso que se
faz dele. Em tempos de mega produções hollywoodianas, ele tem assumido um papel
que antes cabia à literatura. No entanto, não há como negar o status de arte que o cinema
conquistou, e mesmo cineastas ligados à grande indústria podem utilizá-lo como uma
linguagem artística legítima. Apenas para exemplificar, tomemos Stanley Kubrick
(1928-1999), que particularmente se serviu do que de mais “novo” havia em sua época
(1969), em termos tecnológicos, para criar uma obra cinematográfica, que ironicamente
narra uma estória sobre a dominação do ser humano pela máquina. Trata-se de 2001
Uma Odisséia no Espaço.
É importante dizer que a mudança do suporte físico, ou da mídia, tem sido há
muito objeto de amplas discussões. No final da década de setenta surgiram as primeiras
reportagens dizendo que o disco de vinil iria acabar. Esta notícia foi motivo de grande
preocupação, pelo medo do novo, porque “aquelas capas maravilhosas” não existiriam
mais, enfim, porque aquele suporte físico deixaria de existir. O fato é que muitas vezes
nos apegamos ao suporte e o confundimos com o conteúdo propriamente da obra.
18
Walter BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 168.
19
Incomodado com o excesso de objetividade na sociedade em que vivia, Benjamin pensava que esta
maquiava uma falsa subjetividade e que era preciso que as expressões da subjetividade se explicitassem.
Ele acreditava que as condições que seus contemporâneos estavam vivendo eram carentes de valores
comunitários e afastadas das forças do cosmo, e que a relação com o cosmo se realizava na embriaguez.
Ele se interessou pela embriaguez e ficou atraído também pelo haxixe. Entrando em contato com médicos
e sob a orientação deles, participou de experiências a partir de 1928, e nos relatórios que fazia então,
surgiu pela primeira vez a palavra aura. A partir de 1930 a idéia de aura passou a se tornar um conceito.
Leandro KONDER, Walter Benjamin: O Marxismo da Melancolia, p. 51/3.
20
Esta questão será aprofundada no tópico Teatro, cinema, concerto e gravação, p. 11.
16
Adorno denomina o apego a aspectos materiais da obra de arte de fetiche, que seria o
desvio da atenção para algo que não é a essência da obra e sim exterior a ela, como no
exemplo dos cantores
21
, que são famosos por terem boa voz e não por dominarem a
técnica do canto; ele também cita como exemplo o som dos violinos:
Todo este processo culmina abertamente no absurdo culto que se presta aos grandes
mestres do violino. Cai-se prontamente em estado de êxtase diante do belíssimo som
convenientemente anunciado pela propaganda de um Stradivarius ou de um Amati;
no entanto, só podem ser distinguidos de um violino moderno razoavelmente bom
por um ouvido especializado, esquecendo-se de prestar atenção à composição ou à
execução, da qual sempre se poderia tirar algo de valor.
22
Os suportes continuarão mudando, seja por questões de desenvolvimento
tecnológico ou por interesses financeiros. Mas voltando à questão dos discos de vinil,
vale a pena destacar um fato curioso: muita gente se apegava ao chiado da agulha
passando pelos sulcos do disco. Este chiado é uma marca do tempo, do desgaste do
disco, portanto pode ser lido como uma questão “aurática”. Por outro lado, o apego que
às vezes temos a aspectos exteriores dos objetos, e o chiado pode ser um deles, também
pode ser lido como um fator fetichista. Neste ponto o foco da atenção do observador será
o fiel da balança.
A questão da aura também reverbera no jazz, no invólucro que se cria em torno
do artista e em torno do repertório. No filme Vanilla Sky, dirigido por Cameron Crowe
(1957), em 2001, surge no meio de uma festa um holograma em tamanho real de John
Coltrane, tocando My Favorites Things, numa versão ao vivo gravada no início dos anos
sessenta. O filme se passa supostamente no futuro, e um personagem atônito com o que
vê vai até a imagem e tenta tocá-la. Tem-se aí tanto a questão do novo suporte para
reproduzir algo que era originalmente de um outro momento histórico, como também, se
assim se pode dizer, a aura do próprio Coltrane, enquanto exposição de uma imagem
icônica. Será que ela se mantém no holograma? Temos ainda a aura da canção que não
tem uma existência única, e que tem a reprodução como pré-requisito para sua
realização.
21
Cf. Theodor ADORNO. O fetichismo na música e a regressão da audição, p. 171.
22
Ibid., p. 172.
17
A referida canção My Favorites Things ficou mundialmente conhecida no filme
A Noviça Rebelde
23
, e Adorno conheceu este tipo de canção exatamente neste contexto,
das trilhas dos filmes comerciais de Hollywood e pela difusão destas canções no rádio.
Ele afirma que essa música somente se presta a uma audição desconcentrada.
O costumeiro jazz comercial só pode exercer a sua função quando é ouvido sem grande
atenção durante um bate-papo e, sobretudo como acompanhamento de baile.”
24
O fato é que o jazz pós bop (a partir da década de cinqüenta), apropriou-se das
canções comerciais das primeiras décadas do século XX e fez um novo uso delas,
transformando-as em standards
25
no sentido de suportes para improvisação
26
. Muitas
vezes os temas
27
se tornam irreconhecíveis, porque o compromisso com a métrica da
linha melódica da canção deixa de existir numa versão instrumental e o músico passa a
ter uma grande liberdade na abordagem das melodias. Porém a harmonia (embora possa
sofrer alterações), e principalmente a forma, se mantém; desta maneira a versão criada
em uma performance dialoga com a versão que o ouvinte tem como referência. Isto tem
se mostrado algo bastante positivo, e funciona como um suporte (ou seja, o solo que
Keith Jarret fez, ou que Pat Metheny fez, ou que Dave Liebman fez, sobre a forma
métrico-harmonica de All the things you are), se for considerado o fator de abstração
inerente à música. A complexidade no desenvolvimento dos solos nas versões citadas é
muito grande; sentir o tempo sem se perder também requer treinamento e sensibilidade e
acompanhar estes solos cantando o tema mentalmente é uma tarefa difícil mesmo para
um músico treinado.
Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos
espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela
esteja.
28
23
Título origial The Sound of Music.
24
Theodor ADORNO. O fetichismo na música e a regressão da audição, p. 182.
25
A questão da standardização será discutida no segundo capítulo.
26
Um exemplo é a canção All The Things You Are, de Jerome Kern e Oscar Hammerstein. Vale a pena
comparar as versões de Keith Jarret (1945), Standards, Vol.I, 1983, de John Scofield (1951), Flat Out,
1989, de Pat Metheny (1954), Question and Answer, 1989 e também a paráfrase (que se constitui de um
novo tema sobre uma forma e uma harmonia já conhecidas), de David Liebman (1946), trio+one, 1988.
27
Os temas, no caso, são as melodias das canções, inseridas nas formas metro-harmônicas. A distinção
tema melodia será abordada no segundo capítulo.
28
Walter BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 170.
18
Uma última questão a ser aqui observada a respeito da aura pode ser abordada a
partir do exemplo da estátua de Vênus
29
, a qual dentro da tradição dos gregos era um
objeto de culto e depois, na Idade Média, foi vista pelos doutores da Igreja como um
ídolo malfazejo. Walter Benjamin relaciona isto a aspectos rituais e políticos pelo fato de
as duas tradições se remeterem de maneira oposta ao mesmo objeto. Isto nos revela um
traço que pode ser lido como de valor localizado da aura em termos de tempo e espaço,
mais uma vez, o valor que lhe é atribuído a partir da experiência pessoal do observador.
As marcas do tempo podem dizer coisas diversas a culturas diversas. Alguém
incondicionalmente antiamericano pode odiar o jazz somente pelo berço de nascimento
deste
1.4 Valor de culto e valor de exposição
Walter Benjamin faz observações a respeito da concepção de arte desvinculada
de uma tradição, de um culto, e aponta a fotografia como o elemento que conduziu a arte
a pressentir a proximidade de uma crise
30
e por fim assumir uma postura de negação em
relação a qualquer função social que ela viesse a ter. Ele afirma que com a fotografia, a
pintura e a gravura aos poucos foram se libertando de suas funções sociais de registro da
realidade, chegando assim ao que denomina “arte pura”, uma arte para ser contemplada.
Segundo o autor, esta concepção do culto ao belo, da arte pela arte, já era latente desde a
Renascença e tornou-se, no fundo, uma teologia da arte.
Benjamin coloca o valor de culto e o valor de exposição como dois pólos em
oposição dentro da história da arte, e afirma que a produção artística começa com
imagens a serviço da magia, onde o que importa é a existência da obra e não a sua
exposição, citando como exemplo um alce copiado pelo homem paleolítico nas paredes
de uma caverna. O valor de culto fica patente em exemplos como o de estátuas divinas
que somente são acessíveis ao sumo sacerdote, ou madonas que ficam cobertas quase o
ano inteiro, e ainda esculturas em catedrais, que para o observador não são visíveis a
partir do solo.
29
Walter BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 171.
30
Ibid.,p. 171.
19
O autor afirma que à medida que as obras de arte são apreciadas fora do seu uso
ritual, aumentam as ocasiões para que elas sejam expostas. Desta maneira, o valor de
culto e o valor de exposição seriam inversamente proporcionais E ainda a função
artística da obra de arte, que é a única que conhecemos, talvez se revele mais tarde como
secundária.
31
O jazz teve durante muito tempo uma função de entretenimento e de dança, mas
também uma função ritual, com os cantos religiosos (gospel) e os cantos de trabalho
(worksong). Porém, o chamado free jazz, surgido nos anos sessenta, rompeu todas as
conexões com as estéticas jazzísticas anteriores.
32
Berendt lista alguns elementos que
são novidades trazidas pelos músicos que praticaram o free. São eles: entrada no campo
livre da atonalidade, dissolução da simetria rítmica do metro e do beat, incorporação de
elementos musicais de diversas culturas, maior intensidade na execução instrumental,
chegando quase ao êxtase e ao “culto da intensidade”, e o ruído passando a fazer parte
do som musical. Estes elementos, mas acima de tudo o uso que se fez deles, esvaziaram
o jazz de suas funções sociais e lhe concederam também o status de arte dentro da
perspectiva ocidental do século XX. “Vamos tentar fazer música e não um fundo
musical”. Esta frase foi dita por Ornete Coleman (1930), nos comentários de capa do
disco Free jazz, que é tido como o marco zero dessa experiência musical.
Ainda a respeito desta gravação
33
Coleman diz:
O objetivo era fazer os instrumentos falarem como talvez tenham falado nossos
ancestrais longínquos, antes da invenção da linguagem. Para isso, utilizei um
quarteto duplo: dois sax (sic!), dois trompetes, dois contrabaixos e duas baterias que
dialogavam. No disco, ouve-se um quarteto em um canal e o segundo quarteto no
outro. Em free Jazz”, faixa de 37 minutos e três segundos, a noção de virtuosidade
desapareceu, em prol da mensagem: aquilo que era acidente se convertia em nova
possibilidade sonora. Ruídos, efeitos do sopro, assobios da palheta, tudo era
explorado e trabalhado. Cada instrumento se tornava um prolongamento da vida e
do corpo. Todas as nuanças emocionais da voz –gritos, gemidos- se exprimiam
livremente. Os instrumentos rítmicos podiam revelar suas qualidades melódicas: os
bateristas exploravam todos os timbres, usando-os como notas para formar um
discurso. Os contrabaixos desfraldavam sua riqueza lírica sem ser relegados ao papel
de acompanhamento. Enquanto isso, os trompetes e o sax (sic!), exploravam os
ritmos. Ao tocar aquela música, éramos levados a um equivalente musical das
31
Cf. Walter BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 173.
32
Cf. Joachim BERENDT. O jazz do rag ao rock, p. 36.
33
Publicada originalmente no L’ Express. Traduzida para o português por Clara Allain e publicada no
MAIS, por Paola Genone 17/09/2006.
20
“action paintings” de Jackson Pollock. Por sinal, a capa do disco trazia uma
reprodução de uma tela de Pollock.
1.5 Teatro, cinema, concerto e gravação
Walter Benjamin faz uma distinção entre dois modos de reprodução: fotografar
um quadro seria um e fotografar um acontecimento fictício em um estúdio seria outro.
34
Com estas colocações, o autor levanta uma nova questão a respeito da reprodução. Ele
afirma que no primeiro caso o objeto reproduzido é uma obra de arte, mas a reprodução
não. No segundo caso nem o objeto nem a reprodução o são, e que na melhor das
hipóteses, a obra de arte passa a surgir através da montagem, na qual cada fragmento é a
reprodução de um acontecimento que isoladamente não constitui uma obra de arte.
Benjamin justifica tais afirmações na forma com que o ator de cinema representa
o seu papel, que difere totalmente da maneira como um ator de teatro o faz. O ator de
cinema representa para máquinas e para uma equipe técnica e não para um público,
como é o caso do ator de teatro. Além disto, diversas tomadas de uma mesma cena
podem ser mixadas, e o que vai surgir na edição final é muito mais o trabalho do editor
do que propriamente o do ator, e que “os maiores efeitos são alcançados quando os
atores representam o menos possível (...) O estágio final será atingido quando o
intérprete for tratado como um acessório cênico, escolhido por suas características (...)
e colocado no lugar certo”.
35
Estas questões reverberam intensamente na música de uma maneira geral, e não
somente no caso específico do jazz, pois a reprodução técnica na música se dá através da
gravação. Este foi um fator que influenciou inclusive a própria criação artística, pois
antes da invenção do disco de vinil as peças musicais tinham que se acomodar no tempo
máximo de três minutos, porque até o final da década de quarenta os discos de 78
rotações eram praticamente o único meio acessível para gravações no caso específico do
jazz. Hobsbawm,
36
afirma que os discos de 12 polegadas que poderiam conter até cinco
minutos de música talvez fossem caros demais para o jazz.
34
Cf. Walter BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 177.
35
Fonte primária: Rudolf Arnheim. Films als Kunst, Berlim, 1932, p. 176-7. Fonte utilizada: Walter
BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p.181.
36
Eric HOBSBAWN. História social do jazz, p. 205.
21
Em tempos de tecnologia digital os problemas são outros. Na música comercial
uma infinidade de recursos faz com que todo o processo de produção de um CD ou de
um DVD se torne muito semelhante ao da edição de um filme. Pequenas frases musicais
são gravadas sem qualquer seqüência que faça sentido ao “intérprete”, posteriormente
elas serão montadas pelo produtor. Um percussionista grava um compasso que é posto
em looping
37
durante toda uma seção ou até durante uma música inteira, isso quando não
se usa um sampler
38
. A afinação também não é mais um problema devido a um
dispositivo dos programas de gravação chamado autotune, que corrige pequenos deslizes
de cantores ou instrumentistas que toquem instrumentos sem afinação fixa. Todos estes
recursos possibilitam que se consiga aquela definição perfeita em uma gravação digital,
tão perfeita que chega facilmente a ser irreal, não somente do ponto de vista da
realização acústica, mas também do ponto de vista do arranjo e da instrumentação.
Muitos arranjos modernos são impossíveis de se executar ao vivo, simplesmente porque
não são pensados para isto; ouvir um violão de nylon soar à frente de uma bateria pop é
absolutamente irreal, então quando estão “ao vivo”, muitos músicos pop dublam seus
próprios CDs. A gravação de música pop chegou a um estágio onde não pode mais ser
considerada reprodução, ela passou a ser o objeto em si, e em alguns casos a
apresentação dos artistas é que é a reprodução da gravação.
Na música erudita, os novos processos de gravação (por sessões ou com o uso de
overdub
39
) são utilizados com a justificativa legítima de que o concerto e a gravação são
coisas totalmente distintas. A gravação tem que ser perfeita do ponto de vista técnico,
uma vez que a obra já está totalmente pré-concebida, e cabe assim ao intérprete realizar
a idéia do compositor da melhor maneira possível, mesmo porque haverá diversas
gravações da mesma obra, que serão uma referência da mesma, e serão ouvidas em
ambientes diversos, longe do calor (aqui agora) de um concerto.
Os músicos de jazz, do jazz no sentido stricto, que não faz fusão com o pop,
perceberam cedo que a perfeição buscada pelas gravações digitais estava ameaçando o
37
Reprodução automatizada de um ritmo ou frase musical, feita pelo seqüenciamento de uma amostragem.
38
Reprodução digital, pré-gravada, de timbres de intrumentos acústicos ou de ritmos. Pode-se comprar
CDs ou usar alguns teclados que já trazem de fábrica um banco de timbres e de “levadas” para serem
inseridos em arranjos.
39
Gravação feita por camadas que são adicionadas umas sobre as outras e sincronizadas, ao invés de
serem gravadas simultaneamente.
22
que o jazz tem de mais caro: a espontaneidade, a conversa dos músicos que constrói a
obra musical, e o ouvir o outro para poder interagir. Assim, a despeito das novas
tecnologias, continuaram encarando a gravação como o registro de uma performance, o
chamado “ao vivo no estúdio”. Do ponto de vista comercial, este procedimento é ruim,
pois não propicia a mesma qualidade de reprodução que uma gravação pop feita em
camadas, o que seduz o ouvinte pela tal “perfeição”. Porém do ponto de vista da criação
musical, tal procedimento simplesmente garante a sobrevivência criativa do jazz.
Pequenas imperfeições de afinação ou “guinchos” de clarinetes ou saxofones, até mesmo
uma leve aceleração no andamento da música, são aceitos se o take for considerado
musicalmente bom.
No encarte de um CD do saxofonista Branford Marsalis (1960), chamado The
Beautyful Ones Are Not Yet Born, lançado em 1991, portanto no início da era digital, há
a seguinte inscrição: “Para o purista, este disco foi gravado com dois microfones direto
para dois canais análogo, sem mixagem, edição ou overdubbing. Para o audiófilo, este
disco foi gravado em tape digital multicanal, editado e mixado várias vezes. Para o
amante da música isto realmente não importa!”
40
Ouvindo-se este trabalho fica claro que
se trata da gravação de uma performance feita no estúdio. Com uma formação de trio
(saxofone, baixo e bateria), os músicos tocam buscando um desenvolvimento contínuo,
mal dá para se perceber as mudanças de chorus. Se alguém resolvesse colocar um solo
posteriormente no lugar do solo original, a música ficaria sem sentido, pois ela é toda
construída a partir da “conversa” entre os três músicos, e do desenvolvimento das idéias,
que são colocadas em forma de motivos rítmicos, melódicos ou texturas por qualquer um
dos integrantes.
40
For the purist, this disk was recorded with two microphones direct to 2-track analog, with no mixing,
editing or overdubbing. For the audiophile, this disk was recorded to digital multitrack tape, edited and
mixed several times. For the listener and music lover, it really doesn’t matter! Tradução de Marlene
Desidério.
23
Capítulo 2
Os suportes para improviso no jazz
É comum em uma jam session
41
alguém dizer: vamos tocar um blues em si
bemol, por exemplo, e todo mundo já sabe qual será a forma e qual será a harmonia
padrão que se utiliza em um blues em si bemol, mesmo se não for apresentado nenhum
tema.
Há que se considerar neste ponto, a questão da standardização. Ela foi abordada
por Adorno no texto Sobre música popular (1989).
42
Ele observa aspectos, que sob o
ponto de vista em que ele se coloca, que é o de um músico erudito, se mostram como
negativos. Destacam-se aqui dois pontos por ele observados que possuem uma
contrapartida no uso específico do jazz. São eles: a insistência dos compositores
populares da época em um padrão de 32 compassos, para a composição de canções, e a
marcha harmônica, que por mais sofisticada que pareça,
43
termina por enfatizar os mais
primitivos fatos harmônicos.
44
O bebop foi o primeiro estilo jazzístico a propor um caminho em direção ao que
o jazz é hoje, partindo de um material melódico, harmônico e formal bastante simples,
que são aquelas canções populares da Broadway, da década de trinta. “Os músicos do
novo estilo rejeitarão toda a discutível banalidade das songs e dos sucessos do dia para
produzir uma música pura, mais firme e mais viril. Criarão um novo repertório
parafraseando temas conhecidos, construindo sobre as harmonias do blues e das songs
melodias inéditas”.
45
41
Jam session se caracteriza por uma reunião de músicos para improvisar livremente; pode acontecer em
local privado, como um estúdio, ou mesmo em uma casa noturna.
42
Este texto foi editado originalmente na Studies in Philosophy and Social Science New York, 1941.
43
Arnold Schoenberg em Fundamentos da composição musical, afirma que o rápido desenvolvimento da
harmonia tem sido um obstáculo para a aceitação de novos compositores desde Schubert , e que como
contra partida, a simplificação de outro plano, a construção motívica e rítmica, compensaria a
complexidade harmônica em nome da inteligibilidade do todo. “Para os contemporâneos Gustav Mahler,
Max Reger, Richard Strauss, Maurice Ravel etc., a harmonia complexa não colocava em risco a
compreensibilidade, e, atualmente os compositores de música popular atuam na mesma direção!” (1996,
p. 58. Rodapé n.8)
44
Theodor ADORNO. Sobre música popular, p. 116.
45
André FRANCIS. Jazz, p. 110.
24
A terminologia usada pelos músicos americanos também não foge à
standardização, termos como break, blue chords, dirty notes são tratados por Adorno
como efeitos individuais que seriam prescritos como um segredo de especialista, mas
que na verdade escondem um cenário rudimentar, onde a atenção do ouvinte fica
direcionada para o detalhe (efeito) e não para o todo.
Todas essas observações realmente descrevem o objeto, pois se tratam mesmo de
composições populares feitas com um propósito comercial dentro da indústria cultural
americana do início do século XX.
O que parece inoportuno é comparar o “jazz” comercial da década de trinta, já
inserido na vida cultural americana com todo o peso social que ele trazia na difusão de
um ideal de vida glamurizado, cosmopolita e certamente direcionado ao grande público,
com o detalhamento de obras eruditas de Ludwig van Beethoven (1770-1827), como a
introdução do primeiro movimento da Sétima sinfonia ou o primeiro movimento da
Apassionata.
46
(Adorno, 1989, p.117)
Uma outra questão abordada por Adorno no contexto da música popular é a
relação música-letra. O exemplo citado da canção Deep purple, mostra-se esclarecedor,
por se tratar de uma peça de piano pouco conhecida e que teve grande sucesso após a
adição de uma letra.
Na música popular a correlação de letra e música é similar à correlação entre
imagem e palavra na propaganda. A imagem prôve o estímulo sensorial, a letra
acrescenta slogans ou piadas que tendem a fixar a mercadoria na mente do público e
a classificá-la em categorias definitivas. A substituição do ragtime puramente
instrumental pelo jazz, que, desde o começo, tinha fortes tendências vocais e o
declínio generalizado dos hits puramente instrumentais estão intimamente
relacionados com a crescente importância da publicidade da música popular.
47
Esta questão permeia toda a música popular, seja ela secular ou religiosa, devido
ao incontestável poder da palavra, seja ela escrita ou falada. O fato é que a palavra
funciona como um código acessível a todos, uma linguagem, assim como o são todas as
artes. Este aspecto não será aprofundado aqui, por possuir desdobramentos que
46
Theodor ADORNO. Sobre música popular, p. 117.
47
Ibid., p. 133.
25
certamente desviariam o foco deste trabalho, mas é importante a menção da questão da
palavra pela estreita relação que ela possui com a música, principalmente a popular.
A questão música-texto no jazz foi se resolvendo naturalmente, até pela natureza
mais “polifônica”
48
do que de melodia acompanhada deste. Na verdade o mais
importante nesta música sempre foi o “como” e não o “o quê”. A importância de uma
Billie Holiday
49
(1915-1959), por exemplo, não está no que ela canta, e sim em como ela
canta, como ela divide ritmicamente a linha melódica, como ela improvisa com sílabas
sem significado semântico, como a sua voz se comporta como um instrumento dentro da
banda, e como muitas vezes os músicos querem que seus instrumentos soem como a sua
voz.
Como já foi mencionado no capítulo anterior, o jazz se apropriou das canções
standard, tratando-as como suportes para se improvisar.
O estudo destas formas muitas vezes se torna árido pela rigidez das mesmas do
ponto de vista metro-harmônico, que acaba funcionando como fator limitante para o
desenvolvimento de idéias durante um solo; por outro lado se mostra também como um
grande exercício de criatividade, pois realizar um improviso consistente musicalmente e
ao mesmo tempo pessoal, em uma estrutura que padronizada (impessoal) é um grande
desafio, que se torna ainda maior se forem consideradas as referências que se tem dos
grandes improvisadores. Os solos de John Coltrane, de Wes Montgomery (1925-1968)
ou de Chet Baker (1929-1988) para Body and Soul, por exemplo, são referências que se
tornam presentes em qualquer performance desta canção, ainda que na memória do
músico ou do ouvinte.
Como parte integrante deste capítulo, será feita a seguir uma descrição de
exemplos musicais das principais formas standard, que são objeto de estudo de jazzistas,
quer sejam estudantes ou profissionais, e que ainda hoje fazem parte do repertório não
de apresentação em casas noturnas, mas também de concertos de jazz.
48
Este termo está sendo usado não no seu sentido literal, mas sim para dar a idéia de que no jazz a relação
figura e fundo, mais própria da canção, não é tão imperativa.
49
Ela é a própria incorporação de uma importante realidade jazzística, sobre a qual Fats Waller foi o
primeiro a chamar a atenção, que se resume no seguinte: em jazz, o essencial é “como” e não “o quê” se
faz”. Joachim BERENDT. O jazz do rag ao rock, p. 282.
26
2.1 Blues
O que nos diz respeito neste ponto sobre o blues
50
é o fato de que em algum
momento ele passou a ser reconhecido como a forma blues, e assim passou a ter
harmonia e forma padronizadas no contexto do jazz. Os padrões são: blues em
tonalidade maior de 12 compassos, blues em tonalidade menor de 12 compassos e o
menos utilizado blues em tonalidade menor de 16 compassos.
2.1.1 Blues maior 12 compassos
Normalmente em compasso quaternário, mas que em andamentos muito lentos
soa como se estivesse em compasso composto doze por oito. O padrão mostrado
abaixo
51
é o que se cristalizou principalmente para improvisação, pois para composição
pode-se variar a harmonia, embora os pilares harmônicos que são os acordes (I
7, IV7 e
V
7) que caracterizam o blues sempre estejam presentes.
52
Ex CD faixa 9.
ll: I7 l IV7 l I7 I I7 l
l IV7 l IV7 I I7 l VI7 l
l IIm7 l V7 l I7 VI7 l II7 V7 :ll
Exemplo: Pussy Cat Dues: Esta composição de Charles Mingus (1922-1979),
gravada originalmente em 1959 por ele e seu grupo no disco Mingus Ah Um, é um
exemplo bem radical, pois ele manteve a forma de 12 compassos do blues, mas escreveu
um tema com uma harmonia bastante variada sobre o padrão e, além da variação, os
50
Não serão abordados os aspectos históricos, étnicos ou idiomáticos do blues. Para se aprofundar no
assunto pode-se conferir em: André FRANCIS, Pré-história do jazz. in, Jazz. Eric HOBSBAWN, História.
in, História social do jazz.
51
Gravação dos exemplos demonstrados em anexo (CD).
52
Para os exemplos de harmonia padrão serão usados os graus da tonalidade de referência, pois estas
formas podem ser realizadas em diversas tonalidades.
27
nove compassos iniciais do tema estão em ré, meio tom abaixo dos três compassos finais
do chorus, portanto mi bemol, que é o tom sobre o qual os músicos improvisam na
forma blues neste tema.
53
Ex CD faixa 10. Fonte: Real Book Fifth Edition.
53
Nos exemplos do repertório será usada cifra para grafar a harmonia.
28
Outros exemplos de blues maior com pequenas variações no padrão harmônico
do tema, mas que seguem a forma metro-harmônica nos improvisos.
Slam, de Jim Hall (1930). Este tema possui 36 compassos, que são a junção de três
chorus de blues.
Turnaround, de Ornette Coleman;
Up ‘Gainst the Wall, de John Coltrane;
Tenor Madness, de Sonny Rollins;
Blue Seven,de Sonny Rollins;
Solid, de Sonny Rollins;
Blues for Pat, de Charlie Haden;
2.1.2 Blues menor 12 compassos
Padrão harmônico:
Ex CD faixa 11.
ll: Im7 l Im7 l Im7 l (I7) l
l IVm7 l IVm7 I Im7 l Im7 l
l VIb7 l V7 l I7 l (V7) :ll
Pode-se verificar o uso deste padrão em temas como:
Equinox e Mr PC, de John Coltrane;
Interplay, de Bill Evans (1929-1980): este tema possui uma linha de baixo que se
assemelha a uma passacaglia e também uma linha melódica convencional, eles são
apresentados separadamente e depois sobrepostos;
Footprints, de Wayne Shorter (1933), o próximo exemplo, é escrito em 6/4 e apresenta
uma substituição harmônica no nono e décimo compassos, onde os acordes do padrão
são substituídos pelos seus respectivos trítonos. A música está em dó menor e assim,
29
onde haveria um Ab
7
54
aparece um D7 e onde haveria um G7, aparece um Db7. Em
algumas versões aparece uma outra harmonia nos compasso nove e dez: F#mb5 e B7#9,
no compasso nove e E7#9 e Eb7#11, no compasso dez.
Ex CD faixa 12. Fonte: New Real Book vol, 1.
54
Para efeito de padronização, os acordes serão cifrados com maiúsculas e em negrito. Ex: Dó com
sétima maior será representado por C7M.
30
2.1.3 Blues menor 16 compassos
Não tão presente no repertório como os demais, mas também constituindo uma
forma padrão. O exemplo de referência é o do tema Summertime, de George
Gershwin(1898-1937).
Ex CD faixa 13.
ll: Im7 l Im7 I Im7 l (I7 ) l
l IV7 l IV7 l VIb7 l V7 l
l
Im7 l Im7 I Im7 l Im7 l
l VIb7 l V7 l Im7 l (V7) :ll
Question and Answer, de Pat Metheny é um exemplo de blues de 16 compassos que
incorpora uma bridge
55
de 8 compassos compondo uma forma [AABA], em que os [As],
são o blues.
55
Bridge, literalmente ponte, é uma seção contrastante em um standard. Em uma forma [AABA] ela é o
[B]. A referida bridge é construída sobre um padrão harmônico denominado Coltrane change. Este
procedimento será abordado no capítulo: 3 (3.3)
31
Ex CD faixa 14. Fonte: Question and Answer, Recorded Versions Guitar.
32
2.2 A forma canção
Eric Hobsbauwm
56
faz uma divisão do jazz em termos de expansão, ou seja, de
penetração em diferentes camadas sociais, em três fases. A primeira vai de cerca de 1900
a 1917, quando o jazz se tornou uma linguagem musical própria da comunidade negra
dos EUA. A segunda, de 1917 a 1929, quando não houve uma grande expansão, mas
houve uma rápida evolução em termos musicais e em termos idiomáticos o jazz se
tornou neste momento a linguagem dominante na música de dança e nas canções
populares. A terceira fase vai de 1929 a 1941, quando o jazz começou sua expansão para
públicos mais amplos, incluindo europeus, artistas de outras linguagens e também
músicos de vanguarda.
A partir da década de quarenta, o jazz de New Orleans, o jazz moderno, o blues,
o country e o gospel já integravam a receita jazzística; neste momento já estavam
lançadas também as bases rítmicas, melódicas, harmônicas e formais do jazz e a forma
canção é uma delas.
A forma canção, também conhecida como song ou balada, é considerada ao lado
do blues como um dos principais formantes do jazz, tanto em termos de fornecer o
material melódico e harmônico, como o formal. “As duas formas principais usadas pelo
jazz são o blues e a balada... A balada pop varia, mas geralmente segue o padrão de
trinta e dois compassos.”
57
O uso das formas musicais mais próprias da tradição européia deve-se
inicialmente a uma busca de ampliação de público, porque as canções folclóricas
trazidas por imigrantes tinham uma grande penetração em diversos segmentos da
sociedade através dos espetáculos de dança, teatro, musicais e da nova mídia, o cinema.
É importante ressaltar neste ponto que a forma mais comum da canção popular
americana da primeira metade do século XX, [AABA], ou seja, uma seção de oito
compassos [A], uma reexposição do segundo [A], uma seção contrastante também de
oito compassos [B] e uma outra reexposição de [A], totalizando trinta e dois compassos,
já fazia parte de um repertório de canções populares européias, e havia sido usada nesta
56
Verificar o capítulo Expansão, in Eric HOBSBAWN. História social do jazz.
57
Eric HOBSBAWN. História social do jazz, p. 44/5.
33
configuração também na música erudita. Joaquín Zamacois
58
analisa alguns exemplos,
entre eles um do álbum para a juventude de Robert Schumann (1810-1856). A canção
número 9, que apresenta três seções de oito compassos.
Compositores como Jerome Kern (1885-1945), Cole Porter (1891-1964), Richard
Rogers (1902-1979) e Victor Young (1899-1956), geralmente imigrantes europeus ou
filhos destes, trabalharam com trilhas sonoras tanto para a Broadway como para
Hollywood e criaram inúmeras canções que posteriormente se tornaram standards no
contexto do jazz, e que são até hoje gravadas e tocadas em concertos, como por exemplo,
Stella By Starlight e Beautiful Love de Victor Young, All Of You e I Love You de Cole
Porter, entre muitas outras.
Duque Ellington (1889-1974), é um dos primeiros exemplos de um músico do jazz, que
fez uso da forma canção. Temas como: Satin Doll, Cottontail, Don’t Get Around Much
Any More, I Got It Bad, I Let A Song, In A Sentimental Mood, It Don’t Mean A Thing,
Prelude To A Kiss, Solitude e Sophisticated Lady são todas na forma [AABA] de trinta e
dois compassos.
A utilização das citadas canções, como já foi dito, teve inicialmente um caráter
comercial, ou seja, a busca pela expansão de público e conseqüentemente pelo
reconhecimento e a legitimação que isto traria. Nos anos trinta, com o swing
59
, o sucesso
chegou. A fórmula canções famosas com swing deu extremamente certo do ponto de
vista comercial. Todas as músicas podiam ser jazzificadas e elas ajudaram a vender de
sabonetes a automóveis, utilizando uma imagem de sucesso tão valorizada pelos
americanos. Hobsbawm aborda a questão da produção de música em série.
A produção em linha de montagem na música, uma das poucas realizações
realmente originais e terríveis do nosso século nas artes, tem seu melhor exemplo na
música pop padrão. A variedade de música não processada é reduzida
uniformemente a uns poucos modelos de produção principais, ou até, na maioria dos
58
Joaquín ZAMACOIS. Curso de formas musicales, p. 51.
59
Estilo de jazz que definiu a acentuação rítmica no segundo e quarto tempos, no caso de um compasso
quatro por quatro, ao contrario da música tradicional, na qual se acentua o primeiro e o terceiro tempos.
Também se usa o termo mainstream para designar o jazz feito nesta época. Swing também se tornou
sinônimo de idioma jazzístico, ou seja, o elemento rítmico que inicialmente identifica um gênero musical.
O swing foi o elemento jazzístico que foi assimilado pela música pop. Cf. Eric HOBSBAWN. História
social do jazz, p. 63.
34
casos, a um só, que é o de 32 compassos com coro em três partes, consistindo em
uma melodia de oito compassos (o carro chefe), repetido, o release, a ponte, o canal
ou apenas a parte intermediária, e a repetição do início. Isso reduz o elemento
humano de invenção a dezesseis compassos, (...) O resto é mecânico. O inventor da
canção que só precisa ser capaz de assobiá-la, a entrega ao harmonizador, e este, por
sua vez, àquela pessoa cada vez mais importante em todo esse processo, o
orquestrador, que faz o “arranjo”, ou seja, realmente decide como a música ira
soar.
60
Os músicos de jazz dos anos trinta fizeram um largo uso das canções da
Broadway e de Hollywood.
61
As versões instrumentais traziam uma liberdade na
interpretação das melodias
62
e não tardou para que se começasse a criar novas melodias
sobre a forma e a harmonia das originais. Este procedimento, denominado anatole por
Bellest, também é conhecido como paráfrase e foi largamente utilizado pelos músicos do
bebop, já entrando na década de quarenta. Alguns standards foram objeto de uma
verdadeira recriação, e sobre as suas formas e harmonias foram construídos novos temas.
É o caso, entre outros, de Hot House (What is this thing called love), Salt peanuts (I got
a rhythm), Groovin’ high (Whispering), Ko-Ko ou Warming up a riff (Cherokee),
Ornitology (How high the moon), Donna Lee (Indiana), Scrapple from the apple
(Honeysuckle Rose), Little Willie leaps ou Suburban eyes (All God’s chillum got
rhythm). Ainda hoje esse procedimento é utilizado como em All the Things That...
composição de David Liebman
63
, que é uma paráfrase de All The Things You Are ou Re-
Re de Bob Mintzer (1953)
64
(Indiana).
Um exemplo de canção que migrou dos musicais para o repertório jazzístico é
Body and Soul, com música de Johnny Green (1908-1989), esta balada foi composta
dentro de um padrão que ilustra com clareza a forma canção no jazz.
60
Eric HOBSBAWN. História social do jazz, p. 180/1.
61
A preferência do mainstream recaiu sobre os standards canções extraídas de filmes, de comédias
musicais, da“massa” música popular. A solidez da construção harmônica de certos standards dava aos
músicos a oportunidade de recriá-los em linguagens múltiplas e sem paralelo”. Christian BELLEST. Jazz,
p.75.
62
Cabe uma distinção neste ponto entre melodia e tema, feita por Arnold Schoenberg. O autor coloca que
A melodia tende a estabelecer o equilíbrio pelo caminho mais direto. Ela evita a intensificação do
conflito (...) Ela se amplia, antes pela continuação do que pela elaboração ou pelo desenvolvimento (...)
Um tema assemelha-se, mais propriamente, a uma hipótese cientifica que não convence, sem que haja um
número de testes, sem que haja a apresentação de uma prova.” (1996, p.130) Apenas comparando com a
distinção feita por Schoenberg no contexto da música erudita, os músicos do bebop, transformaram as
canções populares em temas para improvisar.
63
Gravada no álbum trio+one. 1988.
64
Gravada no álbum Hymn. 1990.
35
Dentre as inúmeras gravações de Body and Soul, citamos: a de John Coltrane, em
Coltrane Sound, a de Chet Baker em Sings Again, e a de Billie Holiday em Body and
Soul. Gravadas em décadas diferentes respectivamente 1960, 1989 e 1957, elas
demonstram a maleabilidade do objeto em questão, quando submetido a estéticas
pessoais e temporais tão distintas.
Ex CD faixa 15. Fonte: New Real Book vol, 1.
36
A já citada All the things you are é um exemplo de canção mais elaborada, pois
apresenta um primeiro [A] de oito compassos, um segundo [A] que não é uma repetição
literal do primeiro, pois está transposto uma quarta abaixo; o [B] apresenta oito
compassos e o [A] final retorna ao tom original, mas com um prolongamento totalizando
doze compassos, que inclusive são incorporados ao chorus nos improvisos.
Ex CD faixa 16. Fonte: Real Book Fifth Edition.
37
Uma outra possibilidade formal da canção apresenta a seguinte configuração: [A]
oito compassos, [B] (casa 1) oito compassos, [A] oito compassos e [B] ou às vezes [C]
(casa 2) oito compassos. A (casa 2) normalmente tem o mesmo perfil melódico da (casa
1), apenas com alguma mudança em função da harmonia que na (casa 1) geralmente
conclui na dominante para fazer a repetição e na (casa 2) conclui na tônica para finalizar.
Beautiful Love de Victor Young, My Romance de Richard Rogers (1902-1979) e Lorenz
Hart (1902-1943), Like Someone in love de Jimmy Van Heusen (1913-1990) e Johnny
Burke (1908-1964), Ornithology de Charlie Parker, Out of Nowhere de Johnny Green
Someday My Prince Will Come de Frank Churchil (1901-1942), são exemplos de
canções feitas neste segundo modelo formal.
Ex CD faixa 17. Fonte: New Real Book vol, 1.
38
2.3 O rhythm changes
O rhythm changes, pelo ponto de vista da forma, é uma canção [AABA] de 32
compassos, pois tem origem na composição de George e Ira Gershwin, I Got Rhythm,
composta em 1930. A exemplo do blues, ele tem forma e harmonia preestabelecidas. Na
verdade os rhythm changes são novos temas escritos na estrutura metro-harmônica desta
canção. Na versão original o último [A] possui 10 compassos em função de uma
repetição da letra que funciona como uma pequena coda nos compassos 33 e 34, porém
nas paráfrases estes dois últimos compassos não aparecem.
Segundo Bellest era freqüente em jam sessions os músicos improvisarem sobre a
harmonia de I Got Rhythm e não tardou para que começassem a escrever novos temas
sobre ela.
65
Temas como Anthropology, Moose The Mooche e Celerity, todos de Charlie Parker,
Crazeology de Bud Powell (1924-1966), Oleo de Sonny Rollins (1930), são todos
rhythm changes. Autores atuais como Bob Mintzer e John Scofield, também
compuseram temas nesta forma metro-harmônica, são eles respectivamente:
Runferyerlife e What They Did.
Uma característica comum em todas as versões de rhythm changes ouvidas para
esta pesquisa é o andamento, sempre rápido, de maneira que apenas o contrabaixo faz
uma linha em walking bass
66
que passa pelas fundamentais de todos os acordes, porém
nas versões que existem instrumentos harmônicos tocando junto com algum
improvisador eles normalmente trabalham ritmicamente e não tocam todos os acordes.
67
É comum nos temas escritos sobre esta estrutura o uso de re-harmonização, mas nos
solos os improvisadores pensam no arquétipo da harmonia.
Segue a partitura de I Got Rhythm e a paráfrase Oleo, de Sonny Rollins.
65
Christian BELLEST. Jazz, p.75/6.
66
Walking bass é um tipo de condução métrico harmônica realizada pelo contrabaixo, que se caracteriza
por tocar quatro semínimas em um compasso de quatro por quatro, sendo que a segunda e a quarta são
acentuadas. Isto delimita um território idiomático que acaba por definir jazz do ponto de vista rítmico.
Pelo lado harmônico, o walking toca notas que explicitam os changes.
67
Pode se verificar nas versões citadas.
39
Ex CD faixa18. Fonte: Real Book Singers.
40
Ex CD faixa19. Fonte: The New Real Book I.
41
2.4 O free jazz
O free jazz, se apresenta como a antítese de tudo que temos descrito até aqui
neste capítulo (formas, harmonias e temas). Ele aparece como um divisor de águas
dentro do jazz. Mesmo que como um movimento sua duração possa ser datada e
localizada
68
, sua influência pode ser notada em tudo o que veio depois, porque
elementos conquistados com o free foram incorporados em outras estéticas.
Alinhado com expressões artísticas (como o happening, a performance, o rock e
inclusive a música erudita
69
), identificadas com os anos sessenta em todo o seu
comprometimento com questões que fugiam à esfera artística e entravam no campo da
organização social no ocidente, há que se mencionar aqui um outro aspecto da realização
musical que emergiu no jazz com o free, que é a questão da performance abordada agora
em seu caráter interdisciplinar.
70
Uma primeira observação diz respeito à relação músico-instrumento. Carlos
Calado em O Jazz como espetáculo (1990) traça um paralelo entre esta relação e a do
ator e da máscara:
Uma relação semelhante a essa - ator e máscara - pode ser percebida no espetáculo
jazzístico. O instrumento desempenha uma função semelhante à da máscara: é
através dele que o músico participa do jogo musical, interpretando um tema escrito
anteriormente por outro compositor ou por ele mesmo; ou ainda, improvisando e
compondo no momento da execução. Dentro de um “enredo” geral, isto é, do
discurso musical, cada músico tem um “papel” a representar, que varia de acordo
68
Para demonstrar que o movimento free não era uma unanimidade e que diversas tendências conviviam
no momento de sua eclosão, são citados aqui alguns álbuns lançados no mesmo ano (1960), do já
mencionado trabalho de Ornette Coleman, Art Blakey (1919-1990) and the Jazz Messengers, A Night in
Tunisia, contendo hard bop. Hank Mobley (1930-1986). Soul Station, contendo swing. John Coltrane &
Don Cherry (1936-1995), The Avant-gard, contendo modal jazz, hard bop e imprivisações com liberdade
cromática. Wynton Kelly (1931-1971). Kelly Great, contendo swing e blues. Wes Montgomery, Incredible
Jazz Guitar, contendo bebop, swing e blues.
69
Exemplo: a Sinfonia de Luciano Bério (1925-2003), composta entre 1968 e 69, que faz referências a
obras de vários compositores através de colagens, referencias a obras literárias e ao líder assassinado dos
direitos civis Martin Luther King. Ou a obra Laborintus 2, 1963/5 inteiramente baseada em uma obra
literária Laborintus do poeta Edoardo Sanguineti, que lê a obra durante a performance de Laborintus 2,
que conta também com uma seção rítmica jazzística.
70
“... A característica de arte de fronteira da performance, que rompe convenções, formas e estéticas, num
movimento que é ao mesmo tempo de quebra e de aglutinação, permite analisar, sob outro enfoque, numa
confrontação com o teatro, questões complexas como a da representação, do uso da convenção, do
processo de criação etc., questões que são extensíveis à arte em geral.” Renato COHEN. Performance
como linguagem, p. 27.
42
com as concepções do compositor, ou a forma que baseia uma improvisação, seja
individual ou coletiva, tenha ela sido predeterminada ou totalmente livre.
71
Deve-se considerar que a relação músico-instrumento pode ser vista como um
elemento cênico. Neste aspecto o free jazz se permite uma leitura extra musical em
função da relação estabelecida entre o músico e o instrumento, que neste contexto
usualmente é explorado de maneira não ortodoxa, tanto pela gama de sons que fogem
aos padrões estabelecidos de emissão (timbre, afinação e dinâmica), como pelo gestual
de muitos músicos que difere da atitude cool
72
que muito foi cultuada pelos jazzistas da
década anterior.
Um outro fator da performance que veio com o free concerne à indumentária e a
aspectos quase que teatrais em apresentações de grupos como o Art ensemble of
Chicago e da Arkestra de Sun Ra (1914-1993). A resenha reproduzida abaixo mostra o
aspecto performático da apresentação de um grupo em 1976.
O festival do ano passado, em Willisau, Suíça, foi aberto com a celebração do Art
Ensemble of Chicago, um dos mais prolíficos grupos de free jazz. Seus cinco
membros entraram na sala tocando como xamãs, tanto dos bastidores como da
platéia. Era como se a música estivesse lá muito antes de se tornar perceptível. Eles
usavam roupas africanas, tinham as faces pintadas e soavam gongos, sininhos,
chifres de animais e assobios. No palco havia uma grande coleção de instrumentos
africanos e ocidentais que eles usavam alternadamente e com inteira imaginação
através do concerto. A música movia-se através de vários estágios tocando em
fontes africanas, americanas, européias e asiáticas. Comunicação e expressão
altamente dramáticas pareciam guiar cada ação e elementos não-instrumentais como
gestos de mímica, dança e palavras foram integrados.
73
Salientamos que estas experiências historicamente estão longe de ser uma
novidade. Se olharmos para a história da performance desde Ubu Rei, representada em
1896, sempre se recorre a expressões alternativas “como um meio de demolir categorias
e apontar para novas direções.”
74
Voltando para questões mais diretamente ligadas à sonoridade, a já mencionada
experiência de Ornette Coleman em 1960, consistiu em colocar em um estúdio dois
71
Carlos CALADO. O jazz como espetáculo, p. 37/8.
72
Ibid., p. 154.
73
Fonte primária: Jurg Solothurnmann, “Insights and Views of Art Ensemble of Chicago”, Jazz Forum, n.
49, 1977, p. 28. Fonte utilizada: Carlos CALADO. O jazz como espetáculo, p. 184.
74
RoseLee GOLDBERG. A arte da performance, p. 7.
43
quartetos
75
, e com exceção de alguns detalhes, como ordem de improvisadores, e alguma
idéia temática entre um solo e outro nada mais fora combinado.
76
Tal experiência i
demonstrar sua importância não só pelo fato em si, mas principalmente pelo que ela
desencadeou.
Pode-se observar nesta performance que alguns elementos poderiam ter
funcionado como suporte, por exemplo, o contrabaixo de Charlie Haden tocando em
walking todo o tempo (exceto nos solos de contrabaixo e bateria que acontecem a partir
dos 5:50 min da segunda parte
77
), juntamente com apoios da bateria que certamente
estabelecem parâmetros métricos e idiomáticos e que os solistas poderiam considerar ou
não. No solo de Ornette Coleman (que acontece a partir dos 10min da primeira parte),
entretanto, certamente a condução estabelecida por baixo e bateria teve alguma
influência, pois é um solo caracterizado idiomaticamente pelo uso de jazz feel
78
.
O que esta experiência explicita é que a harmonia não precisa necessariamente
ser o único elemento organizador em uma peça musical, mesmo dentro do jazz, onde o
princípio de variação sobre uma situação harmônica é dominante. Qualquer elemento
pode se eleito para organizar um discurso musical. Esta abertura a outras concepções
tanto em improviso como em composição jazzística talvez seja o maior legado do free
jazz sob o ponto de vista musical.
Miles Davis nunca aderiu ao free, mesmo produzindo uma música que soa muito
próxima a ele, como a sua performance de 38 min em um festival de rock na ilha de
Wight em 1970 ele já havia dito: “Existe um tipo de forma. Você precisa começar de
algum lugar... você tem limites e tal, mas ainda entra num espaço e age livremente. Há
uma moldura, mas é apenas... nós não queremos exagerar, sabe. É difícil atingir um
equilíbrio”.
79
75
O do próprio Coleman (sax alto) com Don Cherry (trompete), Charlie Haden (contrabaixo), Ed
Blackwell (bateria) e o quarteto de Eric Dolphy (clarone), Freddie Hubard (trompete), Scott La Faro
(contrabaixo) e Billy Higgins (bateria).
76
“Nós exprimimos o que sentíamos, e tentamos ser mais livres, sem sermos incomodados por uma trama
harmônica preconcebida. A música deve ser um meio direto e imediato para exprimir nossos sentimentos
e nossas emoções, mais do que lhes servir de fundo.” Comentário de Ornette Coleman, no encarte do cd,
Free Jazz, 1998.
77
Este trabalho foi dividido em 2 partes em função de sua acomodação em discos long-play, que não
comportavam mais de 20min em cada face sem que houvesse perda de qualidade na reprodução, porém
não houve interrupção na performance. A parte 1dura 19:34min e a parte 2 dura 17:30min.
78
Tocar com jazz feel significa fazer uso de elementos típicos do swing.
79
Ashley KAHN. Kind of blue, p. 194.
44
2.5 As formas autorais
Os traços pessoais sempre foram respeitados e valorizados no jazz (a sonoridade
de um músico, o fraseado de outro, o time de um terceiro e assim por diante), mas o
individual precisa ceder espaço ao coletivo para que a música se realize. O fazer jazz
sempre buscou se equilibrar entre estes dois pólos.
Após o bebop, nota-se uma busca por uma expressão mais pessoal também na
composição, as formas autorais foram muito lentamente ganhando espaço no jazz, a
presença do blues e das canções, que nas décadas de trinta a cinqüenta foi dominante,
cedeu aos poucos lugar à investigações mais pessoais.
Miles Davis pode ser associado a esta busca, até porque a pessoalidade é uma
marca em tudo que se refere a ele, o som que ele tira do seu instrumento, o fraseado que
ele constrói e até aspectos extra musicais, como o modo de se apresentar em público e de
se vestir, porém ele sempre se associou a compositores importantes no jazz, primeiro
Dizzy e Parker, depois Evans e Coltrane e nos anos sessenta Wayne Shorter.
Composições originais sempre existiram, por exemplo, East St. Louis Toodle-o
de Duke Ellington foi gravada por ele e sua orquestra em 1927, mas o que se nota é que
o modelo vocal do blues e da canção ainda se impõe, e uma identidade instrumental
somente viria com as paráfrases do bebop na década de quarenta.
Blue in Green, cuja autoria é atribuída ora a Miles Davis, ora a Bill Evans
80
e foi
composta durante o período que os dois trabalharam juntos e gravada no disco Kind of
Blue, é um exemplo desta nova procura no campo da composição em jazz. Em 1958,
enquanto Miles reunia o grupo que gravaria este trabalho, ele declarou: “queria que a
música que este novo grupo vai tocar seja (sic!) mais livre, mais modal, mais africana
ou oriental e menos ocidental”.
81
Trata-se de um tema de dez compassos com uma
harmonia que não é cadencial, e embora se utilize do eixo de quartas, o que fica é a
sensação de continuidade na repetição do chorus, muito também pela sua forma que não
é dividida em seções. Uma particularidade dos solos feitos em Blue in green, por Davis e
Coltrane, é que eles não improvisam sobre os changes e sim sobre a escala de ré menor,
80
Ashley KAHN. Kind of blue, p. 100.
81
Ibid., p. 101.
45
explorando as possibilidades cromáticas que surgem da alteração do sexto e sétimo
graus.
82
Ex CD faixa 20. Fonte: Real Book Fifth Edition.
82
Cf. Miles DAVIS, Kind of Blue, Transcribed scores.
46
As buscas pessoais perecem ter sido valorizadas a partir dos anos sessenta, e para
falar em formas agora, é preciso falar em indivíduos.
John Coltrane trabalhou com formas livres. Em A love supreme (1964), obra em
quatro movimentos, o primeiro deles, Acknowledgement, é organizado por um motivo
musical de quatro notas que o contrabaixo repete inúmeras vezes e o solista improvisa
sem se preocupar com forma. Existe apenas uma sugestão de usar o modo dórico de fá,
mas o próprio Coltrane acaba por burlá-la, para explorar possibilidades cromáticas.
Em Interstellar Space (1967), que consta de quatro peças com nomes de
planetas: Mars, Venus, Jupiter e Saturn, Coltrane conta apenas com um baterista,
Rashied Ali (1935), em um trabalho que não é possível detectar forma, harmonia ou
temas.
Wayne Shorter nunca abandonou a harmonia, mas fez dela um uso muito
particular, na utilização da marcha harmônica própria do tonalismo, em um contexto
“modal” (por falta de um termo que defina melhor seus procedimentos), conseguindo
assim um efeito cromático já nas suas composições dos anos sessenta, que não tinha
precedentes no jazz. Um exemplo das idéias de Shorter pode ser visto em Nefertiti,
gravada em 1967, quando ele participava do quinteto de Miles Davis. Uma
particularidade desta gravação é que os sopros não improvisam, eles tocam o tema todo
o tempo enquanto bateria, piano e baixo fazem intervenções. No total são treze chorus,
sendo que apenas no décimo segundo os sopros não tocam.
47
Ex CD faixa 21. Fonte: New Real Book, vol 1.
Outros músicos que são referência no jazz tanto, em improviso como em
composição, como Herbie Hancock (1940), Chick Corea (1941) e Keith Jarrett, também
tocaram com Miles Davis e tiveram grande contribuição no campo da composição em
jazz.
48
Jarrett, nos últimos anos, tem revisitado os standards e produzido álbuns
83
que
revelam que as velhas canções ainda não estão esgotadas em um procedimento musical
que privilegia o “como” em detrimento do “o quê”.
Dentro do contexto das formas autorais é necessário ainda abordar o “estilo”
ECM. Em 1969 o contrabaixista de orquestra sinfônica alemão Manfred Eicher (1943),
fundou o selo ECM Records, adotando o seguinte slogan: A ECM deve produzir o mais
belo som depois do silêncio.
O primeiro trabalho produzido por Eicher para o catálogo que conta atualmente
com quase 1000 títulos
84
, já se mostra comprometido com a liberdade de criação que iria
pautar toda a produção ECM, trata-se de Free At Last, de Mal Waldron (1926 2002).
Este trabalho, gravado com a formação de trio (piano, contrabaixo e bateria) em 1969,
articula-se sobre a influência do free e do jazz modal, mas já aponta para uma linha
estética que seria depois identificada como o estilo ECM, como uma liberdade
idiomática em contrapartida ao uso sistemático do jazz feel e a repetição insistente de
motivos rítmico-melódicos que somente encontra paralelo no minimalismo.
Uma característica que também identifica trabalhos realizados pelo selo ECM são
as formações instrumentais diferenciadas, com solos, duos e trios com as mais diversas
combinações de instrumentos. Alguns exemplos são: Dança dos escravos (1988):
Egberto Gismonti (1947) – violões; Dis (1977): trabalho em duo de saxofone e violão
com Jan Garbarek (1947) e Raph Towner (1940); Matchbook (1974), com Ralph
Towner e Gary Burton (1943): violão e vibraphone; Time Will Tell (1994) e Sankt
Gerold Variations (2000), com Paul Bley (1932), Evan Parker (1944) e Barre Phillips
(1934), respectivamente, piano, saxofones e contrabaixo; Circa (1997), com Michael
Cain (1966), Ralph Alessi (1963) e Peter Epsttein (1964): piano, trompete e saxofone.
Todos estes trabalhos apresentam uma outra característica do estilo ECM, que
pode ser relacionada a um princípio do free jazz, à abertura a culturas internacionais.
Eicher levou esta idéia a um extremo, colocando lado a lado em estúdio, músicos de
diversas partes do mundo, que muitas vezes tinham apenas como única característica em
comum o fato de trabalharem com a tradição oral na música.
83
Ex: Standards, vol.1 CD, e Standards, II DVD.
84
Dados do site oficial do selo: www.ecmrecords.com
49
Capítulo três
Círculos
Sem acaso, não há existência. O acaso é liberdade em relação às leis da lógica,
porém é também a condição de necessidade devido à qual se enfrentam a cada
momento, na vida, situações imprevistas. A salvação não reside na razão que faz
projetos, mas na capacidade de viver com lucidez a casualidade dos acontecimentos.
Tudo se resume a encontrar o ritmo próprio e não perdê-lo, aconteça o que
acontecer.
85
Para a composição deste ciclo de peças,
86
partiu-se algumas vezes de formas
standards, que como foi observado por Adorno
87
e já explorado no capítulo anterior,
nem sempre se prestam a uma produção mais pessoal ou mais ambiciosa do ponto de
vista artístico, mas a utilização destas formas, em função da maleabilidade que elas
apresentam, muitas vezes se mostra eficaz, por estabelecerem um ponto de contato com
algo que já faz parte de uma tradição, e pelo desafio de criar algo pessoal com
pressupostos que fazem parte de um corpo de conhecimento estabelecido.
A primeira pergunta colocada ao compor é: sobre que suporte se improvisará? E
um desdobramento dela é que elementos podem organizar esta música? A partir destas
questões busca-se desenvolver uma idéia musical que seja submetida a um suporte
métrico, harmônico ou melódico. Estes três parâmetros são os que foram eleitos para
organizar esta série, sem que haja a necessidade de que os três estejam presentes de
maneira imperativa numa mesma peça.
O diálogo entre a tradição jazzística, da música oral, e erudita, da música escrita,
tem sido de vital importância para esta produção (Círculos), por presenciarmos um
momento onde a negação do passado não encontra mais justificativa, pelo contrário,
devemos nos servir do grande manancial da produção histórica para articularmos o
conhecimento que foi desenvolvido pelos nossos antecessores, mesmo porque o risco
85
Giulio Carlo ARGAN. Arte moderna, p. 532.
86
Estas peças foram gravadas por mim e pelo pianista Alexandre Zamith, em maio de 2007, no estúdio da
FASM, tendo como técnico Eduardo Avellar. O cd contendo as gravações acompanha este trabalho.
87
Theodor ADORNO. Sobre música popular, in Sociologia.
50
que a nossa cultura corre de ser sucateada em nome de um novo, que muitas vezes o é
apenas na aparência e padece pela falta de conteúdo, é muito grande.
Ao olhar para esta produção em um contexto específico, que é o da realização
jazzística, uma questão, que na verdade possui diversos desdobramentos, vem à tona: o
que está preestabelecido e o que está aberto? Partindo do pressuposto que para haver jazz
é preciso haver diálogo entre os participantes, o que existe de composição deve no
mínimo ser um objeto maleável a ponto de se permitir moldar nesta “conversa”.
Algumas peças desta produção, como as de número 6 e 8, são na verdade um tema no
sentido de serem um assunto a ser discutido no momento da realização. São as que mais
se distanciam de uma idéia tradicional de composição, por possuírem um mínimo de
parâmetros preestabelecidos.
Um outro ponto que emerge da questão levantada acima é a dificuldade de distinguir a
composição da interpretação. O que se verifica é que a composição se completa na
performance. Enquanto no papel ela é algumas vezes uma sugestão outras um mapa, a
sua realização efetiva se dá verdadeiramente na fruição. Assim ela está sujeita a uma
gama enorme de variáveis no tempo de sua existência, tempo este em que o acaso tem
aberta uma porta para intervir e a sua intervenção é inerente a este tipo de realização
artística. Também aqui volta uma das questões levantadas por Walter Benjamin e já
discutida no primeiro capítulo: o aqui e agora da obra de arte, retoma-se a lembrança
porque o que temos para “olhar” agora é uma gravação. Muito embora tenha havido o
cuidado de registrar o seu momento sem inserir intervenções posteriores quaisquer, o
que temos agora é tudo o que o microfone ouviu
88
.
88
No encarte do disco Free Jazz, de Ornete Coleman, o autor diz: “Nós estávamos expressando nossos
pensamentos e nossas emoções tanto quanto pode ser captado por meios eletrônicos.”
51
3.1 Círculos 1
Esta peça é a única de todo o ciclo que não é inédita.
89
Ela foi incluída porque
com ela se originaram as questões que foram colocadas acima, sendo assim o ponto
inicial do que viria a se tornar este ciclo.
Na versão do CD mencionado, ela aparece com o nome de Tristano. É uma
menção explícita ao pianista Lennie Tristano (1919-1978), pois na época da composição
desta peça houve o contato pela primeira vez com a obra deste músico. Tristano gravou
um disco com seu quinteto em 1949, dentro de uma linha estética do Cool Jazz, porém
acrescentou duas peças ao final da gravação que eram absolutamente fora do padrão de
qualquer trabalho que houvesse sido feito até então dentro do jazz (elas não traziam as
referências que definiam o que era então considerado jazz, como idioma, tema, harmonia
e chorus). Elas sequer foram lançadas na época e a gravadora inclusive se recusou a
pagar pelas peças. Esta história é contada pelo próprio Tristano na contracapa do disco
Crosscurrents.
90
A sonoridade conseguida por Tristano e seu grupo, sem tonalidade, sem
submissão a uma fórmula de compassos e sem uma forma pré-estabelecida mostrou-se
muito sedutora, pois os elementos que organizam aquelas peças não ficam explícitos, e o
que soa é um grande desenvolvimento de idéias, sem seções demarcadas.
O que se buscou realizar para esta peça foi: obter o mínimo de composição pré-
concebida e o máximo de criação espontânea. Um elemento estrutural, por mínimo que
89
Esta peça foi gravada no CD Encontro das Águas, 2002.
90
“Durante nossa sessão de gravação para a Capitol, em maio de 1949, aconteceram algumas coisas
significativas. Depois de termos cumprido a parte convencional da sessão, gravamos duas faixas,
“Intuition” e “Digression”. Logo que começamos a tocar, o engenheiro de som levantou as mãos e
abandonou sua máquina. O produtor e a gerência acharam que eu era tão idiota que se recusaram a pagar
pelas faixas e a editá-las. Forma livre significa tocar sem uma progressão de acordes fixa; sem um
compasso definido; sem um tempo específico. Eu vinha trabalhando com meu pessoal, nesse contexto, há
tantos anos que a música que fizemos não era, absolutamente, obra do acaso. Vários meses depois dessa
sessão , Symphony Sid, que era um proeminente disc jockey naquela época, conseguiu duas cópias
daquelas faixas free. Ele as apresentou, durante anos, três ou quatro vezes por semana, no seu programa
noturno. Foi assim que a Capitol acabou por receber muitos pedidos para editá-las. Tendo em vista o fato
de que, 15 anos depois, um segmento ponderável à cena jazzística se voltou para a forma livre, acho que
esse incidente é muito significativo. Essas duas faixas eram completamente improvisadas, de modo
espontâneo. Um bocado de gente que as ouviu, naquela época, pensava que eram composições. Pelo que
sei, Miles Davis foi o único músico importante que reconheceu, na hora, a natureza daquela música.” Luiz
Orlando CARNEIRO. Obras primas do jazz, p. 128.
52
fosse, garantiria a unidade da composição, a comunicação entre os músicos participantes
da performance e a possibilidade de recriar a música em situações diferentes.
Material melódico e harmônico
91
O ponto de partida foi a utilização de duas escalas simétricas. Usou-se a velha
polaridade dominante-tônica com a escala de tons inteiros (hexafônica) para os acordes
de sétima menor e uma escala húngara
92
para os acordes de sétima maior. A escala de
tons inteiros foi utilizada nos acordes A7, C#7, e F7
93
. A mesma escala de tons inteiros
cabe nos três acordes. A escala para os acordes de sétima maior tem a seguinte
configuração: fundamental, 3ª menor, 3ª maior, 5ª justa, 5ª aumentada, e 7ª maior. Com
esta relação intervalar ela se torna, a exemplo da escala de tons inteiros, uma escala de
transposição limitada, sendo possível construir apenas quatro escalas com esta relação de
intervalos. Uma quinta escala já seria um modo da primeira e assim sucessivamente.
Para cada uma destas escalas é possível montar três acordes com 7M. Foram utilizadas
então as três tônicas possíveis para uma mesma escala: Bb, D e F#. Desta maneira usa-
se sempre a mesma escala de tons inteiros e a mesma escala húngara. Na soma das notas
destas duas escalas não se chega ao total cromático, três notas ficam ausentes, são elas:
do, mi e sol sustenido. Elas compõem um acorde aumentado, e as escalas usadas na
composição, tanto as de dominantes como as de tônicas, também possuem acordes
aumentados.
Forma
94
A forma do Círculos 1 é um ternário [ABA’]. Para efeito de escrita foi utilizada a
fórmula de compasso dois por quatro, porém excetuando o [B]; as outras partes são
tocadas Ad libitum, mesmo na sessão de improviso. Desta maneira o [A] inicial tem oito
compassos, o [B] tem quatro compassos e o [A’] tem oito compassos.
91
Gravação em anexo ( CD ).
92
Esta escala foi usada na música erudita por Franz Liszt entre outros compositores e é conhecida no meio
jazzístico pelo nome de scale for all occasions.
93
As cifras que representam os acordes serão grafadas em negrito.
94
Nas partituras de Círculos que estão no final deste capítulo, existem marcações com letras maiúsculas,
que correspondem a eventos que ocorrem nas peças e servem para orientar a montagem das mesmas. Estas
marcações não correspondem às das análises, que são utilizadas para descrever a forma.
53
Improviso
O improviso é feito na forma integral da peça. É preciso ficar atento às mudanças
harmônicas nos [As], pois não existe aí uma relação regular de tempo. É necessário
então decidir entre os participantes quem tomará a frente e quem seguirá as mudanças
harmônicas.
Comentários gerais
A progressão harmônica na sessão [A] é de um acorde por compasso, e é a
seguinte: Bb7M, A7, D7M, C#7, F#7M e F7. Temos então até aí seis compassos; nos
dois compassos que faltam para terminar a sessão [A] se repete a harmonia inicial:
Bb7M, A7. O ciclo harmônico exposto inicialmente com seis acordes vai se repetindo
durante toda a forma da música e não coincide com a métrica das seções internas da
peça, compondo assim um ciclo dentro de outro ciclo, que gira em uma velocidade
diferente. Se considerarmos que as harmonias estão submetidas a duas escalas, apenas
vemos então um outro ciclo, o das duas escalas girando mais rápido do que os outros.
Para o trabalho aqui apresentado foi feita uma outra gravação desta peça juntamente com
as demais do ciclo, nela o piano expõe o tema e o saxofone entra apenas no segundo
chorus já na seção de improviso. O improviso é coletivo, feito pelos dois instrumentos
simultaneamente e tem a duração de dois chorus, e então, no quarto chorus, o saxofone
reexpõe o tema.
3.2 Círculos 2
Esta peça remete a Wayne Shorter, pois aparecem nela vários elementos que são
familiares ao universo deste músico. O primeiro deles é a seqüência de notas repetidas
que abre a peça, que é algo bastante explorado por Shorter em seus solos. A utilização
do saxofone para demarcar com notas longas períodos de um tema como acontece em
Yes and No ou em Speak No Evil, ampliando as possibilidades do instrumento, que de
uma maneira geral fica restrito a função melódica, também é um elemento por ele
utilizado. Por fim, o uso da harmonia sem função tonal ou sem que ela seja o principal
54
elemento organizador do discurso, mas que aparece como um recurso tridimensional,
95
se assim se pode dizer, que da profundidade à peça, o que pode ser observado em
diversas obras do autor, como: E.S.P, Infant Eyes, Fee-Fi-Fo-Fum e Juju, entre outras.
Ao menos é esta a leitura realizada e assim foi pensada a harmonia desta peça.
Material melódico e harmônico
Círculos 2 não tem propriamente uma linha melódica, a peça apresenta dois
elementos que estarão presentes todo o tempo. Após a exposição do primeiro elemento,
que são as notas repetidas e podem ser pensadas também como uma introdução, começa
a surgir uma espécie de riff, que será montado aos poucos e somente aparecerá completo
no compasso cinqüenta e oito. Este segundo elemento é construído sobre a escala
octatônica, também conhecida como domdim,
96
montada sobre o acorde de F7. Esta
seção está em compasso três por quatro e possui trinta e dois compassos. A harmonia
muda a cada quatro compassos, e os acordes são extraídos de centros tonais maiores
97
que seriam resoluções da escala domdim, que está sempre presente no elemento
melódico que vai sendo montando pelo saxofone. A progressão harmônica é a seguinte:
F#7M, Bb7M, Db7M, B7, D7, Eb7M, G7M e B7.
O primeiro acorde F#7M é pensado como quarto grau da tonalidade de C#, que é
uma das resoluções possíveis da domdim que está sendo utilizada, e para efeito de
improviso será usado neste acorde o modo lídio. O segundo acorde Bb7M é a própria
resolução de F7, e para improvisar sobre ele é usado o modo jônio. O terceiro acorde é
Db7M resolução de Ab, que é uma transposição da domdim de F que esta sendo usada e
nele será usado o modo jônio. O quarto e o quinto acordes são B7 e D7, portanto utiliza-
95
A harmonia é uma conquista da música ocidental e foi usada a partir do período barroco (com o
estabelecimento do modelo triádico), como o principal elemento organizador do discurso musical. A
ampliação das formas musicais nos séculos XVIII e XIX se deve muito ao desenvolvimento do
pensamento harmônico (sistema tonal). Mesmo não trabalhando com o sistema tonal, compositores a partir
do impressionismo fazem uso da harmonia como um elemento que confere uma outra dimensão ao
discurso musical, algo comparável ao ponto de fuga na pintura.
96
Domdim é a denominação usada na música popular para a escala octatónica que figura como o segundo
modo de trasposição limitada organizado por Olivier Messiaen. C.f Reverdy, Michele. L` Oeuvre pour
piano d´ Olivier Messiaen. Paris: Alphonse Leduc, 1976. Ela possui a seguinte configuração: fundamental,
2ªmenor, 2ªaumentada, 3ªmaior, 4ªaumentada, 5ªjusta, 6ªmaior e 7ªmenor. Trata-se de uma escala de oito
sons que possui quatro trítonos e portanto oito possibilidades de resolução para tonalidades maiores e mais
oito para tonalidades menores.
97
Optou-se por chamar de centros tonais ou centros tonais maiores, quando da utilização do modo maior
diatônico e seus respectivos modos.
55
se a própria domdim. O sexto acorde Eb7M é o quarto grau de Bb, também se usará o
modo lídio. O sétimo acorde G7M é resolução de D e se improvisara nele com o modo
jônio. O oitavo acorde é B7, que já apareceu como quarto também.
Esta progressão definirá o chorus harmônico, mas não o métrico desta peça, pois
a primeira vez que ela aparece, como já foi dito, tem a duração de trinta e dois
compassos, sendo quatro para cada acorde. Após esta primeira exposição, retorna o
primeiro elemento, que são as notas repetidas com duração de quatro compassos, e ainda
como exposição acontece uma inversão de funções, o piano fará o riff que o saxofone
fez inicialmente, além da harmonia, e o saxofone fará frases escritas sobre a domdim de
F. Esta seção tem a duração de dezessete compassos em três por quatro, sendo dois para
cada acorde e três para o último.
A próxima seção definirá a métrica que será usada até o final da peça. O riff
inicial se transformará em um ostinato em onze por oito, e será sobreposto às notas
repetidas usadas inicialmente, que já traziam implícita esta nova métrica agora assumida.
Improviso
Entra-se agora na seção de improviso, primeiro temos um solo de piano
construído sobre a domdim de F, no compasso onze por oito, e depois um improviso de
saxofone dentro do chorus harmônico já descrito e também no compasso onze por oito; a
duração deste solo na versão aqui analisada é de três chorus, após o qual voltará a seção
de notas repetidas sobrepostas ao ostinato, assim finalizando.
Comentários gerais
Esta peça talvez possa causar um estranhamento dentro do ciclo por possuir uma
característica idiomática mais próxima do universo pop, que é o estabelecimento de um
ritmo regular. Isso acontece na primeira parte da exposição, quando se está no compasso
de três por quatro, e é uma sensação causada pela divisão rítmica feita pelo saxofone que
soa como um riff. Porém, como equilíbrio geral, ela é importante por apresentar uma
fluidez rítmica que contrasta com outras peças do ciclo que possuem um caráter mais
introspectivo.
56
Os improvisadores têm a opção de mesclar com a harmonia do momento a escala
domdim, ou até mesmo usar somente uma ou outra.
3.3 Círculos 3
O ponto central desta peça é a progressão harmônica e esta é inspirada em John
Coltrane. Ele aplicou no jazz um princípio inicialmente de reharmonização, mas que
acabou se tornando autônomo e passou a ser usado livremente tanto para composição
como para improviso. Este princípio ficou conhecido como Coltrane change, e sua
aplicação inicial era a de substituir uma cadência IIm V7 I7M, como no exemplo
abaixo:
98
I Dm7 I G7 I C I C I Standard
IDm Eb7 IAb B7 IE G7 I C I Coltrane
A linha superior do exemplo mostrado corresponde aos primeiros quatro
compassos de Tune`Up de Miles Davis e a linha inferior é a reharmonização que
Coltrane fez com um novo tema chamado Countdown. Ele utiliza este princípio na peça
toda. Esta música (Countdown), foi gravada por Coltrane no disco Giant Steps em 1959,
e a faixa título deu origem a estes procedimentos.
David Densey
99
transcreveu todos os solos que Coltrane fez em Giant Steps
100
e
que foram registrados fonograficamente. Ele comenta que Jonh Coltrane deve ter tido
contato com o standard Have You Met Miss Jones?, de R.Rogers e L. Hart, pois esta
canção utiliza na seção [B] um ciclo completo de terças maiores, tal qual aparece em
Giant Steps, embora Coltrane nunca tenha gravado este tema. Ele aponta uma outra
possibilidade para o surgimento deste ciclo harmônico que vem do livro Thesaurus of
98
Exemplo extraído de Jamey Aebersold, volume 27.
99
Saxofonista, professor e coordenador de estudos de jazz da William Paterson College de New Jersey,
Mestre em música pela Juilliard School e Doutor em performance pela Eastman School of Music.
100
Editados no livro John Coltrane Plays Giant Steps, 1996.
57
Scale and Melodic Patterns de Nicolas Slonismsky, publicado em 1947, livro que foi
presenteado a Coltrane, que o estudou profundamente e no qual, um exemplo de
harmonização de uma melodia, Slonimsky usa um padrão harmônico que corresponde
aos oito compassos finais de Giant Steps. Densey comenta também que Coltrane havia
dedicado bastante tempo de estudo a técnicas de composição do final do século XIX e
início do século XX da música européia.
Material melódico e harmônico
Em Círculos 3 foi feita uma mistura de um Coltrane Change , que divide uma
oitava em três partes iguais, com uma progressão de trítono, que divide a oitava ao
meio. Os dois procedimentos separados resultam em progressões simétricas, porém da
maneira que foram realizados aqui, misturados, resultaram em uma progressão
assimétrica, que aparece na parte central da peça da seguinte maneira:
ll: Eb I A I G I Eb I
I A I G I Eb I A I
I G I Eb I A I G I
I Eb I A I G I G :ll
Esta cifragem não corresponde propriamente a acordes, mas a centros tonais que
serão explorados no improviso. Embora os tons se repitam de três em três, a quadratura
respeita uma medida de quatro em quatro compassos, o que acaba gerando um ciclo
dentro de outro, a exemplo do Círculos 1, e define um chorus de dezesseis compassos.
Forma e improviso
Círculos 3 é dividida em duas seções. A primeira inicia com um improviso de
piano sobre uma linha melódica que é escrita sobre os três centros tonais da peça. Na
58
realidade trata-se de um grupo de cinco notas que vai se adaptando aos três centros, de
maneira a manter o maior número possível de notas em comum. Em Eb, que é o
primeiro centro tonal, a linha melódica é: ré, si bemol, fá, lá bemol e sol. Em A, o
segundo centro, a linha melódica é: ré, si, fá sustenido, lá e sol sustenido. Em G, o
terceiro centro, a linha melódica é: ré, si, fá sustenido, lá e sol.
Em um segundo momento, ainda na primeira seção, o saxofone também começa
a improvisar sobre os três centros tonais, porém sem a necessidade de os dois
instrumentos estarem ao mesmo tempo nos mesmos centros tonais, e assim, embora cada
um esteja improvisando diatonicamente, o efeito da somatória dos dois solos é
cromático, em função da sobreposição de centros tonais distintos e também da rapidez
com que cada improvisador muda de um centro tonal para outro.
A segunda seção começa com o saxofone fazendo a linha melódica que o piano
fez anteriormente, mas desta vez com uma definição métrica no compasso de cinco por
oito. Com sucessivas repetições, define-se o chorus de dezesseis compassos
exemplificado acima e o saxofone improvisa sobre ele. No ponto culminante do solo há
uma mudança de quadratura que passa a ser de três compassos, repetindo sempre os três
“acordes” iniciais do ciclo. Já com um caráter de coda, o piano toca as frases inicias por
três vezes, enquanto o saxofone ainda improvisa e assim termina esta peça.
3.4 Círculos 4
Material melódico e harmônico
O ponto de partida para a construção desta peça foi a composição da melodia,
que foi feita a partir da sobreposição da escala domdim, pensando-a como dominante, e
quatro de suas resoluções em centros tonais maiores. Os centros tonais escolhidos são:
dó, fá sustenido, lá e mi bemol, e a escala domdim pode ser pensada a partir da nota sol.
Não foi pensada uma fórmula de compasso, porém cada seção da música está inserida
em um grupo de dezenove tempos, e a exposição do tema usa dezenove tempos para dó,
dezenove tempos para fá sustenido, dezenove para lá e dezenove para mi bemol, todos
sendo cromatizados livremente com a escala domdim. Nesta mistura não se chega ao
total cromático, em cada seção ficam faltando duas notas, que são mi bemol e fá
59
sustenido na primeira, lá e dó na segunda, dó e mi bemol na terceira e fá sustenido e lá
na quarta seção.
101
Um outro elemento composicional da peça é um ostinato construído sobre a
escala domdim, que somente aparecerá a partir da seção de improviso.
Forma
Foi pensada para esta peça uma forma tradicional de canção [A A B A], embora
auditivamente não fique explícito, pois a idéia era a de conseguir uma sonoridade
contínua, sem seções demarcadas. Cada grupo de dezenove tempos corresponde
respectivamente a uma seção, embora os [As] sejam bastante variados um em relação
aos outros. Sendo assim, a forma na exposição fica sendo [A A’ B A’’], que é a forma
que define o chorus.
Na exposição do tema, o tempo é livre. A seguir entra um ostinato com um pulso
definido em torno de 80 a semínima, e já se está na seção de improviso. A forma geral
da música é: tema, improvisos e reexposição. Como acontece normalmente em
baladas
102
, na reexposição dá-se uma quebra na forma, pula-se os [As] iniciais e o último
a improvisar prepara a entrada do [B] para fazer [B A’’] e ir para o final.
Improviso
O improviso acontece sobre o chorus. O ostinato estará presente em toda a seção
de improviso e também na reexposição. O material melódico e harmônico do improviso
é o mesmo que o da exposição do tema.
Comentários gerais
A dificuldade que se apresenta nesta peça é o fato de ela não possuir cadências e
para o improvisador torna-se difícil desenvolver idéias sem um centro tonal definido,
pois a sobreposição dos materiais já citados define um plano melódico cromático; então
101
As notas que faltam para o total cromático em cada seção são as fundamentais dos quatro centros tonais
utilizados, portanto na soma das quatro seções tem-se o total das doze notas.
102
É comum em baladas não reapresentar as seções [AA] em função do andamento lento, o que acaba
deixando a música muito extensa. Quando se usa este procedimento se vai do último chorus de improviso
para o [BA] final. Ex: Monk’s Mood, na gravação de Thelonious Monk e John Coltrane em 1957.
60
a relação com o tempo, que é definido pelo ostinado e que dá forma à música, torna-se
decisiva para a inteligibilidade das idéias desenvolvidas.
3.5 Círculos 5
Dois parâmetros são os formantes desta peça, o primeiro deles é rítmico, pois ela
é toda pensada em dois ciclos de sete tempos subdivididos em 4,3 e 3,4. O saxofone abre
a peça com uma nota, mi bemol, repetidamente inserida nesta métrica. O segundo
parâmetro diz respeito às alturas. No que seria a exposição temática da peça, o piano
toca notas que polarizam o mi bemol. Estas notas
103
são: ré, mi, lá bemol e si bemol.
Este princípio, que na origem é pensado como ferramenta de análise, aqui é utilizado
para gerar o material melódico e harmônico da peça. As quatro notas que polarizam, no
caso, o mi bemol, são as mesmas que polarizam o seu trítono, a nota lá.Temos aí um
total de seis notas, e as seis notas que faltam para completar o total cromático polarizam
fá sustenido e dó. Apenas como complementação da informação, as quatro notas
polarizadas formam um acorde diminuto, Eb, A, F# e C.
Deste material ainda são extraídas duas harmonias. A primeira: E7(#11),
Bb7(#11), D7(#11) e Ab7(#11), é construída a partir das quatro notas polarizantes e é
utilizada no solo de saxofone. A segunda: Eb7M, A7M, F#7M, C7M e C7(b9) e
construída a partir das notas polarizadas e é utilizada no solo de piano. A partir do total
cromático é construída uma série dodecafônica.
Forma e improviso
Esta peça talvez seja a mais subdividida em seções de todo o ciclo. A abertura do
saxofone com as notas repetidas funciona como uma introdução. A seguir o piano toca
as notas que a polarizam, porém de maneira livre, tanto em termos de tempo como de
textura. Este momento é a exposição. Depois entra-se em uma pequena seção de
improviso em que o piano faz a harmonia: E7(#11), Bb7(#11), D7(#11) e Ab7(#11), e o
saxofone improvisa. Este solo é pensado não sobre a harmonia, mas sobre uma série
gerada pelas fundamentais dos acordes e pela figuração rítmica gerada pelos acentos do
103
Segundo a teoria de Costère, uma nota pode ser polarizada pela sua sensível inferior, pela superior e
pela quarta e quinta justas. Mariza RAMIRES. Relações Cardinais, in A Teoria de Costère.
61
grupo de notas repetidas no início da peça, que é uma semínima, duas colcheias
pontuadas e outra semínima, sendo que a unidade de tempo aí é a semicolcheia.
Após a exposição vem uma seção que chamaremos de transição, porque do ponto
de vista formal ela divide a peça em duas partes, sendo a primeira (exposição e solo) e a
segunda (solo e reexposição). A transição é construída sobre a série dodecafônica
mencionada anteriormente, mas que somente aparece completa no final da seção. Para
compor esta seção, a série foi escrita seis vezes em semicolcheias, e depois foi-se
transformando algumas notas em pausas, porém mantendo-as ritmicamente no lugar
onde estariam as notas originais. Ficam faltando duas notas para completar a sexta
repetição de série, e este ajuste se dá em função da rítmica para não haver quebra de
compasso.
104
No final, a série aparecerá completa no que seria a sétima repetição. A
próxima seção é a de improviso propriamente. Na versão aqui apresentada há um solo de
piano realizado sobre a segunda harmonia construída sobre os centros tonais das notas
polarizadas, com um compasso para Eb7M e A7M, um compasso para F#7M e C7M e
um compasso para D7(b9) formando assim um chorus de três compassos. Após o solo, o
piano vai para a nota repetida, a exemplo do que faz o saxofone no início, mas agora a
nota polarizada é o lá trítono do mi bemol inicial. Nesta seção, que é pensada como uma
rexposição, o saxofone apresenta as notas que polarizam o lá, função feita pelo piano
inicialmente. A seguir volta a seção de transição, mas com caráter de coda. O saxofone
agora também participa desta seção tocando as notas: mi, si bemol, ré e lá bemol, que
são as notas que polarizam o mi bemol, que é apresentado inicialmente.
3.6 Círculos 6
Nas peças anteriores de 1 a 5, é obedecida uma ordem cronológica para sua
numeração, porém as duas últimas (o plano inicial era de 7 peças), foram esboçadas
quase que simultaneamente e era difícil decidir qual seria a penúltima e qual seria a
última. Observando todo o ciclo, havia uma possibilidade de improvisação que gostaria
de explorar e ela não constava em nenhuma das peças feitas até então, portanto foi
acrescentada mais uma peça, que foi numerada Círculos 6. O fato de ela ser colocada
104
Este é um momento de optar entre o pensamento estrutural e a fruição. Neste caso optou-se pela
fruição, até porque a série não havia aparecido completa até então.
62
neste lugar dentro do ciclo se deve em parte ao fato de que ela já existia em outra forma
antes da composição das duas últimas peças, e também, em parte, em função de uma
organização interna do ciclo pensado-o como uma espécie de suíte. Este movimento na
realidade já existia e com uma função: ele faz parte de uma série de solfejos escritos
sobre exercícios rítmicos preexistentes,
105
para trabalhar em aula. Para transformá-lo em
uma peça deste ciclo, foi abstraída a parte rítmica, pois a parte melódica continha o
material que se desejava explorar.
Material melódico, harmônico, forma e improviso
Trata-se de uma linha melódica escrita sobre o acorde de Bb7M (fundamental,
terça maior, quinta justa e sétima maior). Todas as notas que não fazem parte do acorde
são aproximações cromáticas de uma nota do acorde, ou seja, são tensões que tem um
caminho natural, a resolução em uma nota do acorde. Este procedimento de utilizar
aproximações cromáticas é típico do bebop, pode-se observar tanto em temas, como nos
improvisos
106
bop, mas acabou sendo incorporado ao repertório e é hoje quase que um
gesto jazzístico. A aproximação cromática geralmente tem uma figuração rítmica de
curta duração, ao menos na origem, pois é uma tensão que vai enfatizar a nota de
resolução, mas é tratada como nota real e não como ornamento. O uso que aqui foi feito
é ritmicamente livre, não sendo importante resolver a aproximação, mas explorá-la de
maneira a obter o total cromático. O princípio de aproximação cromática aqui é apenas
uma justificativa do uso livre das doze notas.
A idéia é que este tema funcione como um reservatório de materiais a serem
explorados nos improvisos. Ele é tocado livremente do ponto de vista rítmico e após a
primeira exposição pode ser fragmentado e usado como o próprio princípio de
aproximação cromática, para desencadear frases musicais. De todas as peças do ciclo,
esta é a mais livre do ponto de vista formal e até mesmo idiomático, apesar do material
melódico sugerir um idioma jazzístico, é a que mais se aproxima de um free, ela nos
remete a trabalhos realizados por Ornete Coleman, como os já mencionados Free Jazz e
This is our music, porém na versão aqui apresentada buscou-se a fixação à exploração do
105
Da série: 9 Divertimentos em dois por quatro in Rítmica, de José Eduardo Gramani
106
Como exemplo de um largo uso de aproximações cromáticas citamos Charlie Parker pode-se observar
estas ocorrências em temas e solos transcritos em: Charlie Parker Omnibook.
63
material preconcebido, de maneira que tema, harmonia, improviso e forma soassem
quase que indissociáveis.
3.7 Círculos 7
Esta peça parte de uma idéia musical bastante simples, que é uma frase melódica
que se repete doze vezes para delimitar um chorus. Não existe nelas progressões
harmônicas predeterminadas, o que não quer dizer que elas não possam ocorrer
espontaneamente. Existe apenas uma sugestão de um centro tonal que é Sol menor,
sobre o qual se pode improvisar livremente. A aparente contradição em se delimitar um
centro tonal e afirmar em seguida que se pode improvisar livremente nele está justificada
na própria história do jazz s free. Pode-se verificar que dos anos sessenta em diante a
forma passou a ter mais peso do que os changes harmônicos.
107
Um exemplo é
Impressions de John Coltrane, gravada em 1961, no então long play de mesmo nome.
Trata-se de uma forma de trinta e dois compassos subdividida como uma canção em
[AABA], sendo oito compassos para cada seção, mas ao invés de cadências harmônicas
delimitarem as seções internas do chorus, o que existe na partitura é um acorde de Dm,
para os dois primeiros [As], um acorde de Ebm, para o [B], e novamente um acorde de
Dm, para o [A] final. O tema é todo construído sobre o modo dórico para os dois
“acordes” da música e a sugestão é que se improvise com este material melódico.
108
O
que se observa no solo de Coltrane de quase 15 min em Impressions é que estes modos
são uma referência. Ele expande o pensamento desenvolvido em So What para situações
cromáticas aparentemente bem mais livres, com agrupamentos de notas sugerindo mais
uma idéia de texturas do que de frases, e é com esta liberdade herdada que discursamos
sobre aquele sol menor.
107
Pode-se atribuir o aumento da importância dos elementos rítmicos no jazz à influência de culturas
orientais e principalmente à cultura hindu, com as talas, que são ciclos rítmicos que variam de 3 a 108
batidas. Joachim BERENDT. O jazz do rag ao rock, p. 39.
108
O chorus de Impressions é o mesmo de So What, que foi gravada pelo quinteto de Miles Davis em 1959
no disco Kind of Blue. Este trabalho contava com a participação entre outros de John Coltrane. O que se
pode observar nos solos de So What, é que os músicos procuraram se ater o máximo possível ao modo
dórico, com alguns cromatismos como blue notes e um uso mais amplo da escala menor com as
possibilidades dos modos: eólio, dórico, escala menor melódica e harmônica. Particularmente John
Coltrane explorou mais este materiais do que os outros solistas. Isto pode ser verificado nas transcrições
do álbum Miles Davis, Kind of Blue.
64
Material melódico e harmônico
A frase que abre esta peça possui 4 compassos, sendo 3 em três por quatro e 1 em
dois por quatro. Isto define o primeiro [A]. No segundo [A], a melodia se repete
literalmente, porém há a entrada do piano que toca todo o tempo em três por quatro. A
partir daí existe uma sobreposição métrica. A cada três repetições da melodia completa-
se uma seção, que pela divisão rítmica do piano tem 11 compassos e pela divisão rítmica
do saxofone tem 12 compassos.
Forma e improviso
Na realidade a forma [AABA] nesta seção de improviso não tem nenhuma
justificativa harmônica por não haver cadências e sequer algum tipo de contraste no [B].
O compasso três por quatro é assumido em toda a seção de improviso. Adotar esta forma
tornou-se aqui uma opção estética, e também existe o desafio de tocar os 44 compassos
sem nenhuma mudança harmônica ou qualquer elemento que oriente formalmente o
improvisador.
A distribuição dos solos nesta versão ficou seccionada e dividida com um chorus
para o piano, um chorus para o saxofone, novamente um chorus para o piano e um
chorus para o saxofone, e ainda um quinto chorus em que é feito um trade de onze
compassos para cada um, retornando ao tema a seguir.
3.8 Círculos 8
Algumas referências se fazem presentes em círculos 8. Uma delas é Antony
Braxton (1945), em trabalhos como Duets Hamburg 1991, ou Two Lines. Ambos são
duos e o que soa muitas vezes é um instrumento tocando algo que sirva de suporte para
que o outro improvise livremente. Este suporte escapa às funções tradicionais de dar
referências métricas ou harmônicas, de fornecer materiais para formatar o discurso do
outro, ele está ali como uma entidade autônoma e os outros acontecimentos dialogam
com ele em um plano que não se ancora em pressupostos racionais, como progressões
harmônicas e formas preestabelecidas.
65
Uma outra referência é Jackson Pollock (1912-1956), e sua técnica de dripping
109
No caso de Pollock, em sua action painting, a tela é um suporte espacial para comportar
a informação que será nela depositada. Em círculos 8 a progressão harmônica é um
suporte temporal onde o solo irá se desenvolver.
Círculos 8 é uma reelaboração do material harmônico de círculos 1. É uma
progressão harmônica que se desenvolve como um coral, em 10 compassos, que vão se
repetindo enquanto o saxofone improvisa sem levar em consideração as questões de
tensão harmônica, idioma e desenvolvimento de frases. Particularmente o dripping de
Pollock é uma referência muito presente na construção deste solo.
Material harmônico, forma e improviso
A idéia explorada em círculos 1,
de usar acordes derivados de duas escalas
simétricas, a húngara para acordes com sétima maior e a de tons inteiros para os acordes
de sétimas menor, também é utilizada aqui, porém de maneira um pouco abstrata do
ponto de vista da relação harmônica dominante-tônica, pois aqui a resolução harmônica
é pensada não de acorde para acorde, mas de escala para escala, por exemplo: o primeiro
acorde é F7, derivado da escala de tons inteiros e sua resolução natural seria Bb7M ou,
como uma dominante substituta, ele poderia ir para E7M. Aqui ele vai para C7M e isto
se justifica pelo fato de que a mesma escala de tons inteiros que é usada para construir o
acorde de F7, é também utilizada para construir G7, que é a dominante de C7M. Ésta
relação é explorada em todo o encadeamento.
Outra particularidade desta peça em relação ao Círculos 1, é que nela aparecem
duas escalas húngaras. Uma, onde serão construídos os acordes C7M, E7M e Ab7M e
outra, onde serão construídos os acordes Bb7M e D7M. A progressão completa se da
assim:
ll: F7 I C7M I C#7 I Bb7M I Eb7 I
I D7M I A7 I E7M I Ab7M I Ab7M :ll
109
“Gotejamento e borrifos de tinta sobre a tela estendida no chão...” Giulio Carlo ARGAN. Arte
Moderna, p. 532.
66
A experiência de se improvisar em um contexto métrico e harmônico, como a
forma coral desta peça, sem levá-la em consideração, faz com que se assuma riscos
como o de fazer um solo sem coerência, ou o de não haver diálogo entre a parte
preestabelecida e a parte improvisada. Porém a performance aqui realizada nos aponta
uma possibilidade de diálogo que vai surgindo à medida que a ambiência produzida pela
parte do piano vai sugerindo texturas para o saxofone, e se deixa influenciar por elas,
alterando assim as intenções da sua parte. Estas, ao serem alteradas, acabam por interagir
com o instrumento que está improvisando “livremente” e assim se estabelece o diálogo.
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Considerações finais
Após todas as discussões aqui levantadas, duas questões se impõem: a primeira
de caráter mais geral é a importância do “aqui agora”, em uma expressão artística como
o jazz, que se realiza no momento da fruição. Neste ponto todas as observações de
Walter Benjamin aqui mencionadas encontram lugar para reverberar. Assistir a um
concerto de jazz ao vivo, é na verdade participar dele, pois a presença e o envolvimento
do público em um concerto influenciará certamente a performance dos músicos, e os
eventos musicais “ainda por acontecer” serão vivenciados pelos artistas e pelo público
no mesmo momento. Portanto, público e artista pactuarão desta maneira um momento
único. Viver o momento de um concerto é uma experiência bastante diversa da audição
de um cd. Nele, por mais que se opte pelo registro fiel de uma performance, os eventos
já terão ocorrido.
Não se pode querer produzir arte e conhecimento de uma maneira geral, vivendo
nas grandes cidades à margem das evoluções tecnológicas e do próprio capitalismo.
Aceitando o fato de que os avanços tecnológicos trazem ganhos, mas também perdas, o
que o jazz tem buscado ao longo de sua história é fazer uso do que a tecnologia traz de
benefícios, porém sem fazer negociações que em prol de conveniências que
comprometam sua integridade como pensamento criativo. A própria maneira de se
registrar fonograficamente o jazz pode ser considerada precária diante das possibilidades
tecnológicas de captação e reprodução que existem hoje, porém ao abrir mão dos
benefícios do overdub ou do autotune, as gravações de jazz procuram ater-se ao registro
sonoro do evento, de maneira tão fiel quanto o possível. A reprodução ocupa o lugar do
“aqui agora” e possibilita o contato com obras e eventos que não se acessaria de outra
forma, por questões diversas, como distância ou tempo, mas não substitui aquela
experiência denominada por Walter Benjamin como de “testemunho”. O autor afirma
que mesmo mantendo intacto o conteúdo da obra de arte, a reprodução a faz perder a
autenticidade ao retirá-la dos domínios da tradição e com isso perde-se também o
testemunho.
110
110
Walter BENJAMIN. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 168.
88
A segunda questão que é ressaltada neste trabalho, esta de caráter mais pessoal, é
o lugar onde este “aqui agora” acontece, não o lugar físico, mas o virtual, o suporte
temporal, a forma e a harmonia, que contém o discurso musical no contexto aqui
discutido. A conclusão a que se chega é a de que o suporte em si é destituído de valores
positivos ou negativos, as idéias nele contidas é que têm valores. Os suportes standards,
como a canção observada por Theodor Adorno, a princípio não se prestariam a
conteúdos mais originais ou pessoais, porém o criar em uma forma e uma harmonia
padrão, como no caso das canções e do blues, e o se “exercitar” nelas (pensando agora
especificamente em improviso), podem trazer resultados surpreendentes e o que era
comum tem a possibilidade de passar a ser pessoal, e até mesmo único.
Olhando sob outra ótica, a busca por diferentes elementos para organizar o
discurso musical, os suportes não padronizados, como a proposta composicional dos
Círculos, não são garantias de que o discurso neles inserido tenha algum valor, ou que
saia do lugar comum. O fato é que novos suportes abrem possibilidades para que se
desenvolva idéias que talvez não se acomodassem em um suporte tradicional. Desta
maneira pode-se ampliar fronteiras e contribuir para o desenvolvimento perceptivo, tanto
para o artista como para o público.
89
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