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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
ANEL DE TUCUM:
A MISSÃO EVANGELIZADORA DE PEDRO
CASALDÁLIGA, BISPO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
Agnaldo Divino Gonzaga
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Ciências da Religião da
Universidade Católica de Goiás (UCG) para
obtenção do grau de mestre.
Orientador: Dr. Haroldo Reimer
GOIÂNIA
2005
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DEDICATÓRIA
Este trabalho é, postumamente, dedicado a todos os mártires anônimos da
luta pela terra, na região em que se constituiu a Prelazia de São Félix do Araguaia.
A todos os indígenas, os posseiros e os peões assassinados, na luta contra
latifúndios, polícias, políticos e grileiros, que deram asas à utopia e buscaram uma
terra sem males, ou seja, um paraíso na terra. Aos que fizeram de seus sonhos,
por dias melhores, a única arma e entregaram seus corpos à cruz sem nome ou a
urubus famintos. São todos que, velados e sepultados nos caminhos perdidos das
matas ou nos cemitérios dos vilarejos abandonados, nunca tiveram seus nomes
citados em celebrações, romarias, passeatas, protestos, preces. Apenas vagam,
chorosamente, nas mentes próximas de desconsolados parentes e amigos. Ou
vão sendo consumidos pelo tempo, nas abandonadas fotos de parede, em meio à
poeira, às teias de aranha e à solidão. Mas, pelo sofrimento e coragem de luta,
pela compreensão libertadora da – mesmo que ignorantes às doutrinas e
alheios aos ritos religiosos –, podem ser comparados a quaisquer santos
canonizados e venerados mundo afora.
Nas pessoas desses mártires, sem nome e sem história, esteja esse
trabalho dedicado, também, a todos os mártires anônimos do Brasil e da América
Latina, por igual utopia, por sacrificante busca, por exemplar testemunho.
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AGRADECIMENTO
Um primeiro agradecimento é direcionado aos pobres, da Prelazia de São
Félix do Araguaia, de todos os tempos: indígenas, posseiros, peões, lavradores,
escravos do trabalho, diaristas, bóias-frias, assalariados, domésticas, prostitutas,
indigentes. São eles as fontes da indignação, que geram reflexão, compaixão,
sonho de um mundo sem males e energia para lutar por dias melhores.
Agradeço também, fraternalmente, a outros da Prelazia, nas pessoas de
seu primeiro bispo, agentes de pastoral, enfrentantes, animadores, leigos e
demais cristãos, latifundiários, pistoleiros, grileiros e lideranças populares dos
seus quinze municípios pelas entrevistas, opiniões sinceras e orientações.
Com igual apreço e consideração, seja esse também um agradecimento ao
arcebispo emérito da arquidiocese de Goiânia, Dom Antônio Ribeiro de Oliveira, e
ao atual Dom Washington Cruz. Ao digníssimo reitor da Universidade Católica de
Goiás, Wolmir Amado, ao Pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa, José Nicolau
Heck, e ao Coordenador do Mestrado em Ciências da Religião, Valmor da Silva.
Aos meus professores do mestrado: Valmor da Silva, Sérgio de Araújo,
Haroldo Reimer, Carolina Teles Lemos, Irene Dias de Oliveira, Luidi Schiavo e
Joel Antônio Ferreira. Aos inesquecíveis colegas de aula, de cujas partilhas,
seminários e confrontos tive verdadeiras aulas também acadêmicas, com a
espontaneidade e simpatia que lhes são próprias. São eles: Keila Carvalho de
Matos, Karine Monteiro da Silva, Ivone Aparecida Pereira, Flávia C. Valéria Braga.
4
Também um agradecimento à Geyza Pereira, secretária do mestrado, a
Esmeralda e a Solange, respectivamente, recepcionista e bibliotecária do Instituto
de Filosofia e Teologia de Goiás.
Aos meus pais, Oliveira Gonzaga e Dorvalina Soares Gonzaga, meus
primeiros e mais importantes, mais significativos professores, doutores da arte de
amar, cativar, gerar esperanças, criar e recriar utopias. Ao Daniel José Gonzaga,
sobrinho, afilhado, amigo, companheiro.
Por fim, um agradecimento a mais, a toda fonte de amor, toda fonte de
utopia, toda fonte de esperança. Amor que gera indignação diante das injustiças;
utopia que cria razões para lutar por terra, água e humanidade sem males;
esperança que nos faz olhar para trás, recuperar os perdidos e começar de novo.
Um agradecimento a toda essa fonte: a Deus.
5
“Se tudo foi Deus quem fez,
se Ele é o Senhor da criação,
devia cada freguês
ter um pedaço de chão.
Muita gente não combina
Essa verdade divina
Mas um julgamento eu faço
E vejo que julgo bem
Se sou da terra também,
Onde é que está meu pedaço?”
(Patativa do Assaré).
“A missão da Igreja é a evangelização,
sendo esta a ação que produz a Boa Nova.
A Boa Nova acontece quando a mensagem cristã
e a realidade se encontram, produzindo Evangelho”
(Leonardo Boff)
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SIGLAS
AHITAR: Administração da Hidrovia Araguaia-Tocantins
ALCA: Aliança de Livre Comércio das Américas
ANSA: Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da
Assunção. Criada em agosto de 1974, em São Félix do Araguaia
ASFAX: Associação dos Fazendeiros do Vale do Araguaia e Xingu
CAMIAR: Cooperativa Mista Agrícola do Araguaia
CEBs: Comunidades Eclesiais de Base
CELAM: Conferência Episcopal Latino-americana
CENFI: Centro de Formação Intercultural
CERIS: Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais
CIMI: Conselho Indigenista Missionário
CIVA: Companhia Imobiliária do vale do Araguaia
CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CODEARA: Companhia de Desenvolvimento do Araguaia
CPT: Comissão Pastoral da Terra
FAB: Força Aérea Brasileira
FUNAI: Fundação Nacional do Índio
GAC: Grupo de Ação e Cidadania
IBRA: Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
ISER: Instituto de Estudo da Religião
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MCS: Meios de Comunicação Social
MDB: Movimento Democrático Brasileiro
MOPS: Movimento Popular de Saúde
MOTRABA: Movimento dos Trabalhadores Rurais do Baixo Araguaia
MRC: Movimento Reage Confresa
NT: Novo Testamento
ODC: Ofício Divino das Comunidades
PA: Projeto de Assentamento
PJ: Pastoral da Juventude
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PPA: Plano Plurianual da Presidência da República
PT: Partido dos Trabalhadores
RCC: Renovação Carismática Católica
SEJUSP: Secretaria de Justiça e Segurança Pública (MT)
SPI: Serviço de Proteção ao Índio
STR: Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUDECO: Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste
TCE: Tribunal de Contas do Estado
TDL: Teologia da Libertação
UDR: União Democrática Ruralista
UFMT: Universidade Federal de Mato Grosso
8
FIGURAS
Figura 1: Mapa político do Brasil 17
Figura 2: Mapa geográfico do Estado de Mato Grosso 17
Figura 3: Mapa das dioceses e prelazias do Estado de Mato Grosso 18
Figura 4: Mapa político da Prelazia 18
Figura 5: Primeira rota fluvial do nordeste do Estado de Mato Grosso 40
Figura 6: Expulsão de posseiros 51
Figura 7: Morte de peão de fazenda 52
Figura 8: Escola construída em mutirão 55
Figura 9: Celebração de 25 anos 60
Figura 10: Delegacia e cruz do Pe. João Bosco 63
Figura 11: Capela da cruz do Pe. João Bosco 64
Figura 12: Santuário dos Mártires da Caminhada Latino-americana 65
Figura 13: Mártires da caminhada 65
Figura 14: Mural do Santuário 66
Figura 15: Educação e saúde na Prelazia 94
Figura 16: Mapa do CIMI no Brasil 96
Figura 17: Dom Pedro Casaldáliga e Dom Leonardo Ulrich 116
Figura 18: A Pátria Grande, América Latina 198
Figura 19: Brasão episcopal de Casaldáliga 212
Figura 20: Convivência pluricultural 212
9
Figura 21: Cartilha sobre política 213
Figura 22: Casa episcopal de Casaldáliga 223
Figura 23: Interior da casa episcopal 224
Figura 24: Capela de agentes da pastoral indígena 225
Figura 25: Capela da equipe pastoral de Porto Alegre do Norte 226
Figura 26: Celebração do sacramento da crisma 262
Figura 27: Cartilha sobre batismo 267
Figura 28: Roteiro de missão jubilar 267
Figura 29: Tríduo para romaria dos mártires da caminhada 267
Figura 30: Títulos e homenagens 279
10
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA.........................................................................................................2
AGRADECIMENTO..................................................................................................3
EPÍGRAFE................................................................................................................5
RESUMO..................................................................................................................6
ABSTRACT..............................................................................................................7
SIGLAS.....................................................................................................................8
FIGURAS................................................................................................................10
INTRODUÇÃO........................................................................................................16
CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA.......28
1.1 Pré-história da Prelazia.....................................................................30
1.1.1 Povos indígenas e tentativas de “pacificação”..................................30
11
1.1.2 Ocupação e conflitos.........................................................................35
1.1.3 Atuação do governo e da Igreja.........................................................40
1. 2 Primeiro período: assombração e resistência (1968-1974)...............44
1.3 Segundo período: organização do povo (1974-1980).......................48
1.4 Terceiro período: participação na administração política (1980-
1990).................................................................................................70
1.5 Quarto período: prática de suplência (1990-2001)............................84
1.6 Quinto período: transição episcopal (2001-2005)............................106
1.7 Síntese e perspectiva......................................................................117
CAPÍTULO 2 – A EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO..........121
2.1 Evangelii Nuntiandi: caminho aberto para uma igreja libertadora...123
2.1.1 Antecedentes referenciais...............................................................124
2.1.2 O conteúdo da Evangelii Nuntiandi (resumo)..................................134
2.1.2.1 Introdução........................................................................................134
2.1.2.2 De Cristo evangelizador a uma igreja evangelizadora....................136
2.1.2.3 O que é evangelizar?.......................................................................141
2.1.2.4 O conteúdo da evangelização.........................................................146
2.1.2.5 As vias de evangelização................................................................152
2.1.2.6 Os destinatários da evangelização..................................................157
2.1.2.7 Os agentes da evangelização.........................................................162
2.1.2.8 O espírito da evangelização............................................................168
2.1.3 Evangelii Nuntiandi: comentários....................................................176
2.2 Síntese e perspectiva......................................................................184
12
CAPÍTULO 3 A MISSÃO EVANGELIZADORA DE PEDRO CASALDÁLIGA,
BISPO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA.....................................190
3.1 Pedro Maria Casaldáliga Plá: vocação, missão e espiritualidade...191
3.1.1 Filho de sangue mártir.....................................................................191
3.1.2 Missionário além-fronteira...............................................................193
3.1.3 Mato Grosso do Brasil, terra de ninguém........................................194
3.1.4 América-Latina, povo a caminho de libertação................................196
3.1.5 Casaldáliga, missionário além-fronteira, sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi.........................................................................................200
3.1.6 Espiritualidade (da evangelização) de Casaldáliga.........................202
3.1.6.1 Jesus Cristo, o enviado do Pai para anunciar o Reino, libertando os
pobres..............................................................................................202
3.1.6.2 Casaldáliga, anunciador do reino a partir dos pobres, sob a ótica da
Evangelii Nuntiandi..........................................................................209
3.1.6.3 (Conceito e conteúdo da) idéia de evangelização de Casaldáliga..211
3.1.6.4 Casaldáliga, evangelizador latino-americano, sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi..........................................................................................218
3.1.6.5 Espiritualidade do povo de Deus (da Prelazia)................................222
3.1.6.6 Casaldáliga, o pastor, e a Prelazia sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi.........................................................................................235
3.2 A constituição eclesial Prelazia de São Félix do Araguaia..............239
3.2.1 O bispo Pedro Casaldáliga..............................................................240
3.2.2 Comunidades e conselhos..............................................................246
3.2.3 Equipes pastorais e seus agentes...................................................249
3.2.4 Leigos enfrentantes, animadores e dirigentes.................................252
13
3.2.5 A estrutura da Prelazia de Casaldáliga sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi..........................................................................................255
3.3 As vias e os destinatários da evangelização de Casaldáliga..........259
3.3.1 Pastorais, grupos, equipes..............................................................260
3.3.2 Pastoral sócio-política......................................................................269
3.3.3 Os destinatários...............................................................................276
3.3.4 Casaldáliga, bispo e profeta, e a Prelazia sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi..........................................................................................279
3.4 Síntese.............................................................................................284
CONCLUSÃO.......................................................................................................290
REFERÊNCIAS....................................................................................................300
APÊNDICE I ........................................................................................................313
APÊNDICE II........................................................................................................317
ANEXOS...............................................................................................................345
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RESUMO
GONZAGA, Agnaldo Divino. Anel de Tucum: a missão evangelizadora de Pedro
Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia. Dissertação (Mestrado
em Ciências da Religião) – Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2005.
Nesta pesquisa, propõe-se a uma análise da missão evangelizadora de Pedro
Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, a partir da exortação
apostólica do papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi. Este documento é uma proposta
de evangelização no mundo contemporâneo, de caráter teológico, objeto, aqui, de
uma reflexão no campo das Ciências da Religião. A intenção é analisar atitudes e
posturas de Casaldáliga, na Prelazia e na América Latina, mostrando porque são
consideradas evangelização, à luz do documento papal. Dividida em três
capítulos, a dissertação traz, no primeiro, a pré-história e a história da Prelazia,
estando esta dividida em cinco períodos. No segundo, apresenta-se um resumo
da exortação de Paulo VI, antecedida e acrescida de comentários. Referência
teórica desta dissertação, a Evangelii Nuntiandi, no terceiro capítulo, será base
para a análise de Casaldáliga, na Prelazia e na América Latina. um diálogo,
detalhando o que justifica ou não a missão evangelizadora de Casaldáliga. Na
conclusão, discute-se sobre a clareza da histórica utopia libertadora, sustentada
pelo profeta, pastor e santo Casaldáliga, ante à realidade de uma igreja que
mudou, substancialmente, estando mais complexa sua evangelização.
Palavras-chave: Casaldáliga, Prelazia, América Latina, missão, evangelização,
Evangelii Nuntiandi, libertação, pobres, reino.
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ABSTRACT
GONZAGA, Agnaldo Divino. Anel de Tucum: the evangelizing mission of Pedro
Casaldáliga, Bishop of the Prelacy of São Félix do Araguaia. Thesis (Mastering in
the Science of Religion) – Catholic University of Goiás, Goiânia, 2005.
In this research, I pretend to analyze the evangelizing mission of Pedro
Casaldáliga, Bishop of the Prelacy of São Félix do Araguaia, based on the
apostolic exhortation of Pope Paul VI, Evangelii Nuntiandi. This document is a
theological proposal for evangelization in the contemporary world. The intention is
to analyze attitudes and positions of Casaldáliga in the Prelacy and in Latin
America, highlighting their evangelization character in light of the papal document.
Divided in three chapters, in the first chapter brings out the pre-historic and the
history of the Prelacy, divided into five periods. In the second, a summary of Paul
VI’ exhortation is presentation with additional commentaries. The theoretic
reference of this thesis, Evangelii Nuntiandi, in third chapter, will be the basis for
the analysis of Casaldáliga in the Prelacy and in Latin America. Thus there is
dialectic, detailing what justifies or not the evangelizing mission of Casaldáliga. In
the conclusion is discussed, based on history, the liberating utopia of the prophet,
pastor and saint, Casaldáliga, within the reality of a church that has changed
substantially making evangelization more complex.
Key Words: Casaldáliga, Prelacy, Latin American, mission, evangelization,
Evangelii Nuntiandi, liberation, poor, reign of the kingdom.
16
INTRODUÇÃO
A missão evangelizadora de Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São
Félix do Araguaia, seu principal espaço de missão evangelizadora, deu-se dentro
de contextos importantes, que devem ser descritos e comentados. Num primeiro
momento, para melhor compreensão de sua postura e atitudes, em sua primeira
equipe de trabalho, será mostrada, em linhas gerais, a história de toda região,
antes de sua chegada. Depois, também, a sua presença na América Latina. Num
segundo momento, virá a idéia de evangelização, a partir da qual Casaldáliga e a
Prelazia serão analisados em suas atitudes, posturas e estrutura. Isso, no último
capítulo.
Antes da presença dos aventureiros e desbravadores, na região que,
futuramente, constituir-se-ia a Prelazia de São Félix do Araguaia, somente tribos
indígenas desfrutavam de seus recursos naturais. Tribos como Karajá, Caiapó,
Tapirapé e Xavante não tinham, em detalhes, a definitiva divisão daquelas terras
17
e, por isso, até desentendiam-se ente si. Mas, indiscutivelmente, foram eles os
primeiros moradores de uma vasta região que atingia parte dos atuais estados de
Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Pará.
O povoamento de tal região deu-se sob motivação comum a muitos estados
brasileiros: a busca pelo ouro, inicialmente; depois, por vastas terras para criação
de gado e plantio de lavoura. Com o Estado de Mato Grosso não foi diferente.
Parte da região Centro-Oeste do Brasil, com seus 906.806.90 Km2, é ainda uma
região rica de recursos naturais. Abrangia, originalmente, também os Estados de
Rondônia e Mato Grosso do Sul. Abrigando a mais rica biodiversidade do planeta,
está, atualmente, dividida em quatro regiões distintas: pantanal, Amazônia,
cerrado e vale do Araguaia. Ao sul do estado está a região do pantanal, que faz
divisa com Mato Grosso do Sul. Depois, vem a região do cerrado, seguida pela
Amazônia, que cobre a maior parte do estado é também chamada de Amazônia
legal, por ser parte de projeto do governo federal de exploração e povoamento da
Amazônia, a começar pelo Estado de Mato Grosso. Seguindo toda margem do rio,
está o vale do Araguaia, dividido em três sub-regiões: Alto Araguaia, que vai da
nascente até Barra do Garças; Médio Araguaia, de Barra do Garças até São Félix
do Araguaia; e Baixo Araguaia, de São Félix até o Rio Tocantins.
Figuras 1 e 2: Mapas do Brasil e do Estado de Mato
Grosso, respectivamente
Fonte: Mapa político e geográfico do Brasil.
18
Nota: um dos maiores estados do Brasil, Mato Grosso se destaca pela sua grande extensão, sua
fauna e flora que abrigam parte da maior biodiversidade do planeta.
Figura 3: Mapa das dioceses e prelazias do Estado
de Mato Grosso
Fonte: Alvorada (2005, p. 3).
Nota: em destaque, a Prelazia de São Félix do
Araguaia, que atualmente está politicamente
dividida em 15 municípios, que correspondem a
150.000 Km2, incluindo a Ilha do Bananal, que faz
parte do Estado do Tocantins e é a maior ilha
fluvial do mundo.
Figura 4: Mapa político da Prelazia
Fonte: Mapa político e geográfico do Brasil.
Nota: dividida atualmente em 15 municípios, a
Prelazia corresponde a 150. 000 Km2,
incluindo a Ilha do Bananal, que faz parte do
Estado do Tocantins e é a maior Ilha Fluvial
do mundo.
A Prelazia foi criada em 13 de
março de 1970, pelo papa Paulo VI, com o
decreto Quo commodius, estando totalmente incluída na Amazônia Legal. A partir
de então, passa a ter como limites geográficos: ao norte, a Prelazia de Conceição
do Araguaia, com sede no Estado do Pará; ao sul, a de Guiratinga e a oeste a de
Diamantino, ambas no Estado de Mato Grosso; a leste, a de Cristalândia, com
sede no atual Estado do Tocantins. Seus limites naturais são o Rio Araguaia,
incluindo a Ilha do Bananal e, no outro extremo, o rio Xingu; ao norte, o Estado do
Pará, e ao sul os municípios de Ribeirão Cascalheira e Querência. Assim abrange
um território de 150.000 Km
2
, cerca de 1/6 de todo Estado do Mato Grosso.
19
Ao tratar da história da Prelazia, no primeiro capítulo, considera-se ponto
primordial de partida a compreensão dessa vasta região em seus aspectos social,
econômico, político e eclesial. Os primeiros povos presentes, os indígenas,
confirmam a idéia de que foram eles os seus moradores originários, portanto, os
seus donos. É certo que havia uma informal delimitação de território que, por
vezes, levaram tribos a conflitos de morte. É certo também o tratamento nada
respeitoso por parte de aventureiros, desbravadores, governo e religiosos
católicos, nas buscas de riquezas e nas tentativas de pacificação, povoamento e
cristianização dos mesmos.
A chegada de Casaldáliga à região foi para ele motivo de indignação, tão
grande fora o contraste entre o mundo que vivia e buscava e o abandono geral
dos indígenas, dos posseiros e dos peões. Esses, vítimas da exploração das
grandes fazendas e companhias latifundiárias, viviam a ausência do poder público
e não tinham a seu favor a rara presença da polícia que, quando agia, fazia-o a
favor dos latifundiários. O governo federal, a partir do final da década de 1960,
garantia a legalidade da exploração da Amazônia, incentivando grandes empresas
a explorarem vastas regiões, desconsiderando absolutamente a histórica presença
de indígenas e posseiros. A Igreja fazia-se presente em períodos de estiagem,
com uma pastoral que se reduzia à sacramentalização, por meio das desobrigas.
Diante de tudo isso, limitados pelas distâncias geográficas e de recursos
diversos, Casaldáliga e sua primeira equipe puseram-se a trabalhar, construindo
uma pastoral de acordo com a realidade local. Motivados pela abertura e
empolgação trazidas pelo Concílio Vaticano II e seguidas inicialmente pela
conferência episcopal latino-americana de Medelín (1968) posteriormente, pelas
de Puebla (1979) e de Santo Domingo (1992) –, foram dinamizando uma pastoral
20
evangelizadora diferenciada do que se fazia até então. O objetivo dessa
evangelização passa a ser a libertação dos pobres, todos os pobres, e libertação
de todas as injustiças. E os pobres dali são indígenas, posseiros e peões. Tem-se
com isso em vista todo ser humano e as estruturas que o envolvem. E como a
opção é pelos pobres, os ricos são tidos como oposição, exploradores,
causadores das injustiças. E os ricos dali são os latifundiários, o governo e a
polícia quando em função desses primeiros.
Motivados por essas idéias e em sintonia com uma boa parte da Igreja
latino-americana que caminhava na mesma direção, Casaldáliga e seus primeiros
agentes de pastoral foram organizando o povo. Criaram as campanhas
missionárias, ficando, temporariamente, em determinada região. Ali foram
formados grupos que trabalhavam a saúde, a educação, e que se articulavam
para celebrar a vida que levavam e iam construindo. A partir de então
acontecimentos significativos eram registrados e guardados no arquivo da
Prelazia, bem como escritos de Casaldáliga. Muitos desses escritos foram causa
de contendas entre ele e seus agentes de um lado, e o governo e latifundiários, de
outro. Casaldáliga foi sagrado bispo, o que acabou dando-lhe mais importância,
para legitimidade do trabalho na Prelazia e diante das autoridades militares que de
1964 a 1984 governaram o país. Tentando, por vezes, expulsá-lo. Pelos
indígenas, Casaldáliga deu a sua contribuição para a criação do Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e que foi se estruturando em todo território nacional. A favor dos
posseiros, ajudou igualmente a criar a Comissão Pastoral da Terra (CPT), também
órgão da CNBB. CIMI e CPT são tratados com mais detalhes porque condensam
dois campos da opção de Casaldáliga, acolhidos e estimulados pela Prelazia,
21
desde suas origens. Também porque se tornaram as principais instâncias da
Igreja no Brasil, na luta a favor dos indígenas e posseiros ou povos da terra.
O trabalho a favor dos peões, maltratados por seus patrões, dos indígenas,
das vítimas de violências e explorações nas cidades, formalizou-se em grupos de
Direitos Humanos, que de forma ecumênica atendem a casos de todas as regiões
da Prelazia.
O ecumenismo é outra forte característica da missão evangelizadora de
Casaldáliga, que com testemunho pessoal vivenciou momentos desse caráter, na
Prelazia, mas também fora dela. Ademais, escreveu, anunciou, defendeu, por
vários meios, que haverá paz no mundo, se as religiões contribuírem para isso.
E a prática do ecumenismo é o seu melhor caminho.
A publicação da exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, pelo papa Paulo
VI em 1974, causou em Casaldáliga e sua igreja um impacto positivo.
Impulsionou-os a continuarem naquele mesmo ritmo de atividades pastorais,
justificando a maioria de suas ações.
com uma boa equipe de lideranças de vasta experiência de trabalho
comunitário, diante de tantas injustiças e irresponsabilidades na administração
pública, agentes da Prelazia foram liberados a candidatarem-se a candidatos a
cargos executivos de prefeituras. Participaram, mesmo contra a vontade ou
incompreensão de muitos que diziam não ser essa uma missão da Igreja. A
Prelazia, contudo, não deixou para segundo plano as atividades pastorais
ordinárias. Depois dessa experiência de participação direta na administração
pública, bispo e agentes, já na década de 1990, investiram na formação de leigos
para atuarem em sindicatos, conselhos, associações, clubes, movimentos...
22
O crescimento das cidades e vilarejos, a instalação de sistemas de
comunicação, a presença de colonos do sul do país, o surgimento do agro-
negócio, o aumento do comércio e a presença de outras igrejas foram mudando o
cenário da Prelazia. Consciente da necessidade de mudar seus métodos de
evangelização, nem por isso ela deixou de manter seus objetivos. Se antes a
Prelazia era a única instituição presente e a favor dos pobres, agora é mais uma
ao lado de outras. Se antes os defendidos eram indígenas, posseiros e peões,
agora existem outros. Se antes os inimigos eram os latifundiários, a polícia e o
poder público, agora existem outros não facilmente detectáveis. A mudança da
realidade foi formando mais complexa a sociedade e, por conseguinte, a Igreja.
E a Prelazia buscou acompanhar essas mudanças, insistindo no ideal
libertador, fazendo-se uma igreja dos pobres e pelos pobres, profética, seguindo,
basicamente, os passos de seu bispo. As palavras e atitudes de Casaldáliga, por
sua vez, enquadram-se no conceito de profeta, buscado e estimulado pela igreja
latino-americana da libertação, pela teologia da libertação. A Prelazia foi criada
sobre a ordem estrutural de sua igreja e mantiveram-se uma estrutura e uma
hierarquia mínimas. Montaram os conselhos comunitários locais, os regionais e o
geral. Neles a colegialidade, subsidiariedade e a comunitariedade são critérios
funcionais norteadores de toda a vida da comunidade. Assim, a comunidade
organiza celebrações, reuniões, assembléias, encontros de formação, romarias,
caminhadas comemorativas e jubilares. E define estratégias de participação na
vida social e política da comunidade.
Completando 75 anos de idade, Casaldáliga, imediatamente, pediu
afastamento das atividades de bispo titular da Prelazia. Mas foi preparando-se
para isso. Envolveu todas as lideranças para, juntos, montarem um manual
23
contendo objetivo, normas e atitudes um mínimo que eclesialmente assegurasse
o mínimo de estrutura que foi sendo construída no decorrer da história da Prelazia.
E a transição do novo bispo, que se apresentou, inicialmente, mais como um
possível golpe vingativo por parte da cúria romana, aconteceu de forma pacífica,
dando ares de continuidade da linha pastoral implantada e sustentada até então.
No final deste primeiro capítulo, bem como nos dois seguintes, foi redigida
uma “síntese e perspectiva”, necessárias para compreensão rápida de todo esse
capítulo e adentrar no seguinte. São o elo de ligação que assegurará a unidade
desta dissertação.
O segundo capítulo traz a referência teórica, por meio da qual Casaldáliga
será analisado e contrastado. Traz comentários prévios sobre condições que
levaram o papa Paulo VI a redigir a Evangelii Nuntiandi, uma exortação apostólica
que apresenta uma proposta de evangelização no mundo contemporâneo. Trata
de temas como Cristo e Igreja evangelizadores, o conteúdo da evangelização, os
meios específicos para atingir seus destinatários próprios, os agentes e o espírito
da evangelização. São temas importantes que mostram a necessidade de se
tomar postura e de detalhar a ação evangelizadora no mundo. não se
evangeliza a todos e de qualquer jeito. A Evangelii Nuntiandi reforça a
necessidade de a Igreja planejar, de definir objetivos e metas, de delimitar o perfil
dos evangelizadores, de saber, com o mínimo de clareza, com que instrumentos
se evangeliza, a quem, como e por que se anuncia o Evangelho. Evangelização
não é simplesmente anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo, mas testemunhá-la e
se dar a práticas transformadoras que de fato transformem as realidades injustas
em justas, desumanas em humanas. Os evangelizadores são motivados pela
esperança do Reino de Deus, anunciado por Jesus.
24
Embora Paulo VI tenha tratado de eclesiologia com particular aceno às
CEBs –, missiologia, cristologia e TdL, por exemplo, seu intento não é o de
aprofundar cada um, e, sim, tratá-los o suficiente para abordar o tema da
evangelização. Tratada em resumo, a Evangelii Nuntiandi traz uma proposta
consistente de evangelização. É integralmente resumida, antecedida e seguida de
comentários sobre o que ela representou para a Igreja da América Latina. Assim,
tem-se as motivações que levaram à sua redação, ao seu conteúdo, propriamente,
e um pouco do seu impacto e importância.
O terceiro e último capítulo trata da missão evangelizadora de Casaldáliga,
o bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, que teve grande influência na Igreja
libertadora do Brasil e da América Latina. A sua atuação pastoral, notadamente
marcada por conflitos com latifundiários e com as próprias instâncias políticas
sobretudo no tempo da ditadura militar, mas também, depois foi por muitos
questionada. Para alguns, o bispo foi mais político do que religioso, porque
comprou brigas explícitas com os ricos em defesa dos pobres. Preparando o povo,
no combate às injustiças, ajudou a fundar sindicatos, partidos políticos, permitiu
que seus agentes candidatassem a cargos públicos e, em toda sua história, teve
consciente opção partidária. Organizou manifestações, apontou diretamente
nomes de pessoas causadoras de injustiças na sua igreja particular, a Prelazia, e
na América Latina. Com veemência criticou os poderes políticos por suas idéias
de civilização, de progresso, de crescimento econômico que favorecem alguns,
em detrimento dos, historicamente, injustiçados em toda América Latina. Por isso,
surgiu uma pergunta fundamental, que esse trabalho busca responder: a missão
de Casaldáliga, com sua atuação na Prelazia e na América Latina, constitui-se de
fato evangelização? Ou constitui-se até que ponto?
25
Sob a ótica do conceito de evangelização de Paulo VI, tratado em sua
exortação, a vida de Casaldáliga, seus discursos, seu testemunho e sua luta, para
a transformação da sociedade em um mundo mais justo e fraterno, serão
analisados. Num primeiro momento, é feito um apanhado geral da vida de
Casaldáliga, antes de vir para o Brasil. A terra onde nasceu, a influência familiar, a
experiência de situações difíceis, inclusive de fome, o desejo de se fazer
missionário além-fronteiras. No Brasil, o espanto ao se deparar com a realidade de
injustiças no Estado do Mato Grosso. Na América Latina, a certeza de que a luta
por libertação era histórica e necessária, e que não teria outra opção a não ser
entregar-se incondicionalmente à libertação dos pobres, a exemplo de muitos
cristãos ou não. Num segundo momento, é tratada a espiritualidade de
Casaldáliga, a mesma que se fundamenta na teologia, na eclesiologia e na
pastoral da libertação. A mesma que sustenta sua ação evangelizadora.
Fundamentalmente cristológica, a espiritualidade de Casaldáliga tem por base
Jesus Cristo, o enviado do Pai que anunciou o projeto Reino: a libertação dos
pobres. No terceiro momento, vem o conceito e o conteúdo do que Casaldáliga
entende por evangelização. Evangelizar não se reduz a anunciar o projeto de
Jesus para todos, mas viver, conforme a crença que se professa e dar a vida, se
preciso, para mudar as estruturas política, econômica, religiosa, quando injustas.
Estruturas que estão na Prelazia, no Brasil, na América Latina e na própria Igreja.
No quarto momento, vem a espiritualidade do povo de Deus, da Prelazia, da igreja
que traz consigo características marcantes de seu bispo, em suas mais variadas
manifestações. O jeito de entender e viver a fé, de celebrar ordinariamente sua
vida, sua luta e sua utopia nos encontros e assembléia, as devoções celebradas
em romarias e cerimônias jubilares. Todas essas vivências são expressões da
26
espiritualidade dessa igreja, que por sua vez é como que uma extensão da
espiritualidade de seu pastor. Tocando o aspecto estrutural da Prelazia, no quinto
momento, são detalhados suas divisões e subdivisões, o papel do bispo como
pastor, profeta, santo, sustentáculo, a estrutura das comunidades, dos conselhos
regionais e do conselho geral, a função dos agentes e da equipe pastoral, bem
como dos leigos. No sexto e último momento, comenta-se sobre as vias e os
destinatários da evangelização de Casaldáliga. São as pastorais, os grupos e as
equipes que abrangem toda atividade pastoral da Prelazia de ordem mais interna,
tais como catequese, pastoral da criança, grupo de oração, equipe de liturgia.
Também a pastoral sócio-política, ponto marcante da histórica ação
evangelizadora da Prelazia no mundo. Busca transformá-lo, com participação de
agentes e leigos em órgãos constituídos, em um mundo conforme o projeto de
Jesus Cristo. E, por fim, os destinatários de ontem e de hoje. Os indígenas,
posseiros e peões que se apresentavam claramente como vítimas das injustiças,
e, além desses, os últimos destinatários: os explorados por estruturas sutis de
sistemas mais complexos, gerados pela nova ordem das cidades crescentes.
Gerados também pela nova ordem econômica, pela relação trabalhista, pelo uso
malicioso e parcial do poder público.
No final de cada um desses momentos, é feita uma comparação crítica dos
mesmos, com temas pertinentes à Evangelii Nuntiandi, evidenciando o que
constitui e não constitui evangelização. Além de farta documentação escrita e
entrevistas, far-se-á uso de resultado da pesquisa de campo aplicada a pessoas
de todos os regionais da Prelazia. Esse terceiro capítulo, assim trabalhado, é o
que caracterizará o ponto central desta dissertação. Casaldáliga, em sua missão
evangelizadora, será analisado sob a ótica da exortação do papa, buscando
27
responder àquela pergunta central citada anteriormente. E por questão de ordem
prática, todas às vezes que for usada a palavra Igreja”, estará ela referindo-se à
Igreja Católica Apostólica Romana. Qualquer outra terá seu nome citado por
completo.
Por fim, esta dissertação está formada de modo a oferecer páginas da
história da Prelazia de sua pré-história, inclusive –, a partir da qual se poderá
compreender as posturas e as atitudes evangelizadoras de Casaldáliga, um bispo
espanhol que se fez missionário em terras do Brasil e da América Latina. E, de
forma objetiva e fundamentada, analisar essas posturas e atitudes à luz de um
documento papal, uma proposta de evangelização no mundo contemporâneo.
28
CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA
A história da Prelazia, em sua origem, dá-se dentro de uma realidade comum à
região circunvizinha e à história do passado brasileiro. Com o passar dos séculos,
desde a chegada dos portugueses às terras do Brasil, as regiões não povoadas
foram sendo gradativamente ocupadas por exploradores de seus recursos ou por
outros que buscavam terra para plantar e viver. Com isso, os povos indígenas, os
primeiros moradores, foram adentrando-se ao interior do Brasil, em busca de
sobrevivência. Mesmo sendo, na maioria das vezes, hostis às invasões, por vezes
muitos foram usados, enganados; outros, por fim, chacinados por seus invasores
– por tribos vizinhas e, principalmente, pelo homem branco civilizador.
Assim, os povos indígenas foram evangelizados, desde o início, sob a ótica do
conquistador, para tornarem-se obedientes a Deus e ao rei de Portugal, depois
aos governos próprios do Brasil. Os missionários “estavam convencidos de que a
29
ação missionária devia-se inserir no projeto conquistador” (Hoonaert, 1982, p.
127). Fugindo dessa aproximação, cada vez mais, povos indígenas infiltraram-se
Brasil adentro, sendo acompanhados, em seguida, pela crescente presença de
sertanejos que tiveram que deixar suas moradas em busca de um lugar condigno
para viver.
Os primeiros missionários que chegaram em São Félix do Araguaia, em um
pedaço do Estado de Mato Grosso, espantaram-se com tantas injustiças e
distâncias territoriais, que refletem não a realidade nacional, mas latino-
americana e comum a países subdesenvolvidos. Depois de sentirem bem a
situação, organizaram o povo em defesa de seus direitos básicos: direito à
permanência e usufruto da terra, direito à saúde, à educação, ao sistema judiciário
e à assistência por parte do poder público constituído. A Prelazia chegou a ponto
de participar diretamente da administração pública, após liberar seus agentes de
pastoral para candidatarem-se a cargos executivos de municípios. Depois dessa
experiência, avaliando sua ação pastoral, colocou-se na condição de estimuladora
do povo para que reivindicasse seus direitos junto aos órgãos públicos. Por fim, a
Prelazia organizou-se para o processo de transição episcopal, assegurando sua
estrutura, a de uma Igreja de claro compromisso social, político, econômico,
cultural, além do religioso. Igreja que foi construindo-se numa realidade concreta,
em sintonia teológico-eclesial latino-americana, fazendo-se distinta de muitas
igrejas à sua volta, pela sua convicção e postura pastoral sócio-transformadora,
junto aos mais pobres e por eles.
30
1.1 Pré-história da Prelazia
Partir da pré-história da Prelazia é importante para se ter uma visão geral da
realidade da região, antes da presença dos primeiros missionários que fixaram
moradia definitivamente. Os temas abordados serão sobre os povos indígenas, os
primeiros habitantes, e as tentativas de aproximação do homem branco
desbravador, os povoamentos e os conflitos entre os que chegavam e os nativos;
por fim, a atuação do Estado e da Igreja na tentativa de civilizar e catequizar os
povos indígenas. Todos esses pontos são tratados adiante, para melhor
compreensão histórica das impressões, reflexões e atividades pastorais da
Prelazia.
1.1.1 Povos indígenas e tentativas de pacificação
Durante todo o período colonial e parte do imperial, a terra no Brasil valia
pela sua capacidade de produção. Uma pequena porção de terra que tinha infra-
estrutura montada valia mais do que uma imensidão de terras distantes e sem
recursos. Com o passar dos séculos, leis foram criadas, territórios foram povoados
e o latifúndio foi passando de mão em mão, persistindo até os dias atuais. No
Estado de Mato Grosso, esse cenário torna-se evidente e com agravantes
particulares.
O rei de Portugal foi quem primeiro encaminhou a distribuição das terras do
Brasil, que se deu com “a carta patente, dada a Martim Afonso de Souza, na vila
do Crato, a 20 de novembro de 1530” (Lima, 1954, p. 32). Com a Carta de
Sesmarias, Martim Afonso passou a ter autoridade para apossar-se das terras que
encontrasse, distribuindo-as a quem quisesse, desde que as explorassem e as
fizessem produzir (Silva, 2004a, p. 26-7). Dois anos depois de conceder a carta
31
patente a Martim Afonso, o Rei encarrega-o de dividir o litoral do Brasil em 12
partes, chamando-as de Capitanias Hereditárias. Cada uma delas tinha cinqüenta
léguas de costa e todas seriam doadas aos capitães desbravadores, que eram
altos funcionários da corte, homens de ‘posses’ que tinham influência política e
recursos básicos para encarar uma aventura de tamanho porte (Silva, 2004a, p.
27).
O que se viu, posteriormente, foram homens livres, pobres e escravos que
não tinham condições de encaminhar grande produção; dependentes, muitos
faziam contratos com os fazendeiros, morando e trabalhando em suas terras.
Outros distanciavam-se cada vez mais dos grandes centros, à procura de terras
para viver. Assim, novas regiões foram sendo povoadas informal e gradativamente
pelo branco do litoral, encontrando-se e dando-se a conflitos diretos com povos
indígenas (Siqueira, 1997, p. 140).
O povoamento de todo território da Prelazia, antes da instalação da mesma,
deu-se pela presença de povos indígenas, seguidos do avanço de sertanistas,
desbravadores e sertanejos. Os intentos foram os mais diversificados: pacificação,
pesquisas, exploração dos recursos naturais da região, moradia. Vindos,
principalmente das regiões centro-oeste, norte e nordeste do Brasil, com o passar
dos anos, muitos construíram vilarejos e cidades, enfrentando as mais adversas
situações.
O povo Karajá é o mais antigo da região. Profundamente ligado ao Rio
Araguaia, construiu à margem desse caudaloso rio a sua vida, a sua cultura.
“O Araguaia é o lugar de moradia histórica do povo Karajá. Os primeiros
documentos que registram a presença do povo Karajá nesta região datam
32
de 4 séculos atrás e não se conhece outro lugar onde eles tenham vivido. A
ligação dos Karajá com o Araguaia é tão profunda, que, segundo contam
os mitos desse povo, eles surgiram das águas desse rio, chamado por eles
de Beroky” (Prelazia..., 1998, p. 03).
Nos séculos XVIII, XIX e XX, deram-se as ocupações dos territórios não ainda
avassalados do Brasil Central. As ocupações pouco diferenciaram-se das
acontecidas noutras regiões, nos séculos passados. Além de bandeirantes, havia
com mais freqüência, chacinadores de índios que se valiam das mais diversas
técnicas para escravizá-los ou, simplesmente, expulsá-los de suas terras. Esses
últimos, motivados por interesses próprios, em busca da castanha, do látex ou de
minérios preciosos, não se intimidavam em envenenar os rios com estricnina, em
presenteá-los com roupas contaminadas com varíola ou botando fogo em suas
aldeias, aprisionando mulheres e crianças para atrair os homens ou ofertando-lhes
bugigangas e cachaças (Ribeiro, 1983, p. 71).
Já os impulsionados pela ideologia da civilização, do progresso, da urbandade,
buscaram, nas mais variadas formas, pacificar os povos indígenas. Tidos por
muitos como fera indomável, constituíam-se um problema para o mundo civilizado,
sobretudo por terem domínio sobre grandes porções de terras. Em Goiás, em
1785, o então governador articulou a Aldeia Carretão junto a um estabelecimento
militar, mantendo ali cerca de cinco mil índios Akwên. Anos depois, a aldeia estava
vazia, os índios tinham voltado para seu lugar de origem (Ribeiro, 1983, p. 73).
Diante de tantas questões, envolvendo povos indígenas e desbravadores,
nas quais a terra era a causa primaz de contendas e chacinas, foi criada a lei n.
601 de 18 de dezembro de 1850, que visava regulamentar a posse da terra. A
partir de então as terras indígenas foram incluídas na categoria de terras
33
particulares, sujeitas à legalização em cartório. Isso significava que todas as terras
indígenas pertenciam ao Estado. E, embora em tese, o governo doasse essas
terras para usufruto indígena, o que se via era a alienação indiscriminada dessas
terras a particulares (Ribeiro, 1983, 72).
Em 1904, comenta ainda Ribeiro (1983, p. 72), o tenente-coronel Cândido
Mariano da Silva Rondon monta a Comissão Rondon. Formada por militares,
antropólogos, geólogos e outros, tinha como objetivo pacificar os indígenas para
fins científicos e humanísticos. Tinha como lema: “Morrer se preciso for, matar
jamais”. E essa passou a ser também a máxima do SPI, fundado por Rondon em
1910. A comissão teve contato com cerca de vinte mil índios, dentre eles os Paresi
e os Nambikwara.
Depois de Rondon, a maioria dos grupos que viviam no território do Guaporé
(atual Rondônia) aproximou-se dos seringueiros. Como esses não tinham os
mesmo objetivos que Rondon, o resultado foi outro.
“A conseqüência foi desaparecerem, ou minguarem até quase a extinção,
cerca de 18 tribos nas duas primeiras décadas do século. Os Tupari, por
exemplo, declinaram de 2 mil, prévio ao contato, para 180 em 1948 e para
15 em 1957. A docilidade, como no caso dos Paresi, foi-lhe fatal” (Ribeiro,
1983, p. 73).
Outras tribos habitavam o Brasil Central. Os Akwen, atingidos pelos
bandeirantes, pelos criadores de gado e pelos seringueiros, habitaram a bacia do
Tocantins, desde o sul de Goiás até o Maranhão e do Rio São Francisco até o Rio
Araguaia. Dos Akwen surgiram dois grupos: os Xavante, que emigraram para a
margem esquerda do Tocantins em 1824; depois para o Araguaia, em 1859; por
34
fim, para o Rio das Mortes (Ribeiro, 1986, p. 65). Defenderam bravamente seu
território até, em 1946, serem pacificados por Francisco Meireles, do SPI. Os
Xerente, outro grupo, instalou-se à direita do Tocantins. Hostis ao branco, em
1870 foram catequizados pelo capuchinho Frei Antônio de Ganges. O resultado foi
que tiveram suas terras invadidas e sua população diminuída, gradativamente.
Mas nem por isso deixaram de resistir e lutar pela posse da terra, usando, para
isso, vários meios (Silva, 2004a, p. 118). Em ataques a fazendas, não deixaram de
expressar sua revolta, em ações trágicas.
“Carolina tem sofrido do Cherente, que assaltando a Fazenda do Caracol,
pertencente ao cidadão Manoel Moreira Farinha mataram o vaqueiro, hum
moço, duas mulheres, e hum escravo, e conduziram duas meninas de 10 e
12 anos: em seguida atacaram a Fazenda de Manoel José de Souza, que
com força armada conseguiram libertar uma filha, tendo a outra sido
morta pelos selvagens; logo depois foi assaltada a Fazenda das
Cabeceiras de José da Silva, onde depois de matarem dous homens, todos
os bizerros, e gado manço, conduziram duas mulheres, quatro meninos,
machos, e duas fêmeas, e hum Indio Christão (MEMÓRIAS GOIANAS,
1986, p. 113).
Os Kayapó setentrionais eram um conjunto de tribos guerreiras que
habitavam entre os rios Araguaia e Tapajós. Atacavam tribos com até 1000 Km de
distância, dentre eles os Karajá e os Tapirapé. Em meados do século passado,
esta última tribo quase chegou à extinção, vítima indefensa de seus ataques.
Estes índios (Tapirapé), atacados por uma tribo guerreira (Kayapó),
haviam abandonado sua aldeia principal, situada rio acima. Ameaçados de
extinção, eram apenas 25; completamente desmoralizados, foram
35
instalados junto ao posto do Serviço de Proteção ao índio” (Dutertre,
Casaldáliga e Balduíno, 2004, p. 15).
Em 1867, Frei Gil tentou também catequisar um grupo Kayapó. Criou um
Arraial de moradores e índios, com objetivo de “desindianizá-los”, convertendo-os
ao Catolicismo. Isso se daria depois de três gerações, dizia. Depois desse tempo,
a aldeia desapareceu; ali foi criada a cidade de Conceição do Araguaia e não
restou nenhum dos 1 500 índios outrora aldedos. Entre 1950 e 1960, foram
pacificados pelo SPI os grupos que sobreviveram: Gorotire, Xikrim, Kuben-
Krankegn, dentre outros (Ribeiro, 1983, p. 74).
1.1.2 Ocupação e conflitos
Os primeiros sertanejos que chegaram à região do Baixo Araguaia para
ficar, fizeram-no à margem do Rio Araguaia, formando os três principais vilarejos
dos tempos preliminares da Prelazia: Santa Terezinha, Luciara e São Félix do
Araguaia.
O povoado de “Furo de Pedra”, primeiro nome de Santa Terezinha, teve
seu início no começo do século XX. Seus moradores, retirantes na sua maioria,
vieram principalmente do Nordeste. Expulsos pela seca, desmatavam e faziam
roças, plantavam e caçavam naquelas terras tidas como devolutas, portanto sem
dono. Mas de fato chegaram e ocuparam terras não cultivadas, mas habitadas por
índios caçadores que, de pouco em pouco, foram rechaçados.
“Além dos índios, os primeiros habitantes da região, os sertanejos,
chegaram por volta de 1920. Pacíficos e perdidos no meio dos gentios e da
36
natureza hostil, adotaram o modo de vida dos nativos, criando seus filhos
como eles.
A terra foi progressivamente desmatada e as roças, pouco a pouco,
avançaram pela floresta. Assim, desenvolveu-se uma agricultura de
subsistência, à base de milho, mandioca, arroz e feijão. A pesca nas águas
piscosas do Araguaia tornou-se importante complemento da alimentação,
juntamente com os produtos da caça. Cada camponês possuía uma
espingarda para caçar.” (Dutertre, Casaldáliga e Balduíno, 2004, p. 13).
Dutertre, Casaldáliga e Balduíno (2004, p. 12) dizem que Santa Terezinha
pertenceu a um município distante (Barra do Garças), a 900 quilômetros de
distância. Como a maioria dos rios da bacia amazônica, o Araguaia é um rio sem
leito fixo. Na região só existiam duas estações no ano: de abril a setembro, a seca;
de outubro a março, a cheia. Essas condições naturais tornaram difíceis as
comunicações em toda a região. Quanto à presença de religiosos em Furo de
Pedra, os dominicanos, vindos de Conceição do Araguaia, pregavam desobrigas
e, para acudir as necessidades de saúde, instalaram um posto de atendimento à
beira do Araguaia.
Natural de Barreira de Santana, sul do Pará, Lúcio Pereira da Luz é tido
como o fundador da Fazenda Mato Verde, futura Luciara. Na sua região, havia
muitos nordestinos que buscavam os Estados do Pará e do Mato Grosso em
busca das “bandeiras verdes”, profetizadas pelo Pe. Cícero Romão Batista. Da
Fazenda Barreirinha, sul do Pará, Lúcio e várias famílias rumaram para a margem
do Araguaia próximo ao desaguadouro dos Rios Tapirapé e Xavantinho. Levaram
também gado e estavam sempre bem armados, condição necessária para garantir
a sobrevivência.
37
“Cada vaqueiro tinha a sua Winchester de papo amarelo calibre 44
atravessada na lua da sela. Além dela, mesmo a complascência [sic] de
Deus podia evitar as inúmeras tragédias reservadas aos aventureiros,
confiantes nas bênçãos do Padre Cícero Romão do Juazeiro, segundo as
crenças dos nossos antepassados; seguindo suas profecias muitos
nordestinos vinham em busca das bandeiras verde (sic) do Pará e Mato
Grosso” (Batista, 2002, p. 19).
Em 1934, tão logo Lúcio e os demais instalaram-se, chegaram os
salesianos que construíram uma igrejinha e duas casas missionárias, nas
proximidades, no Morro da Areia, onde hoje é a reserva São Domingo, dos Karajá.
Estabelecidos, os missionários subiram o Rio das Mortes, com o intento de
pacificar os índios Xavante. O resultado foi trágico: depois de aproximarem-se
destes, à margem do rio, ofereceram-lhes presentes. Acabados os presentes,
enquanto os acompanhantes foram buscar mais, dois missionários tentaram
aproximação. Quando os acompanhantes chegaram, encontraram-nos mortos a
bordunadas, com os corpos despidos (Batista, 2002, p. 55).
Com o passar dos anos, muitos foram os conflitos indígenas com os tribos
vizinhas e com os que se aproximavam e ocupavam suas terras. Os Caiapó
(Cralarrô), além de matar, carregavam mulheres e crianças. os Xavante
(Curuçás), depois daqueles, tornaram-se o medo maior dos Karajá, sertanejos e
funcionários do SPI. Os Xavante eram o assombro dos Inãs (Carajás) desta parte
leste do Mato Grosso. Capitão Aratuma foi também vítima dos Xavante. Estava
tirando mel ali, na Barreira de Pedra, xavante chegou, fez ele descer da árvore e
com o machado cortou a sua garganta.” (Batista, 2002, p. 58).
Mesmo assim, o povoamento da região foi fazendo-se com a penetração
seqüenciada dos sertanejos mata adentro. As tribos indígenas foram fixando-se,
38
mas a maioria dessa população sertaneja fazia-se flutuante, mudando de um lugar
para outro. Batista (2002, p. 71) diz que o próprio Lúcio encaminhou 300 cabeças
de gado para pastagens indígenas de Santa Isabel do Morro, na Ilha do Bananal,
na Fazenda Santo Antônio e São Pedro (Batista, 2002, p. 99). Com as dificuldades
em se ter novos pastos, devido às águas abundantes e mata densa, essa foi uma
opção alternativa, mas que não deixou de gerar conflitos e desconfiança, inclusive
do SPI sobre o fazendeiro.
Severiano de Souza Neves, co-fundador de Luciara e cunhado de Lúcio
da Luz, em maio de 1941 fundou a cidade de São Félix do Araguaia, cujo nome foi
em homenagem a São Félix de Valoir, defensor dos brancos contra ataques
indígenas
1
. Segundo Batista (2002, p. 161), o crescimento de São Félix deu-se
graças a instalação da Fundação Brasil Central, ponto referencial para a expansão
da Marcha para o Oeste, de Getúlio Vargas.
Também em São Félix, inicialmente, deram-se conflitos com indígenas. O
mais sentido, nos seus primeiros anos, foi o da morte de João Irineu e seu filho
Augusto, na Fazenda Caracol, nas proximidades da vila de São Félix.
“No dia 30 de outubro de 51, Rita estava muito preocupada, estava
anoitecendo e ninguém chegava da roça. Chamou o vaqueiro e disse:
na roça ver o que João e os meninos estão fazendo, está escuro e eles
não chegam. Daí a pouco o vaqueiro apavorado, falando para ela: Dona
Rita, os índios mataram seu João e os meninos (um sobreviveu). Deixaram
as bordunas em cima dos cadáveres” (Milhomem, 1985, p. 83)
2
.
1
Casaldáliga (apud Vannuchi, 2002, p. 10) lembra que “na verdade, São Félix de Valoir foi um
missionário francês libertador de cativos na época em que os mouros prendiam cristãos na África.
Nunca foi contra os índios.”
2
Os Xavante deixam as bordunas sobre as pessoas que matam porque, segundo sua cultura, as
responsáveis pela morte são suas armas, não eles.
39
Mesmo assim, São Félix foi formando-se com pessoas vindas de várias
regiões do Brasil, muitas das quais atraídas por fictícios garimpos. Ante as
dificuldades de subsistência, recorriam a Mato Verde para suprirem suas
necessidades básicas (Milhomem, 1985, p. 85).
Foram vários, portanto, os povoamentos que se formaram neste mesmo
século, na região que compunha parte do município de Barra do Garças, e que,
posteriormente, faria parte da extensa região da Prelazia de São Félix do
Araguaia.
“Logo Grande (1922), Crisóstomo (1932) e Cadete, bem próximos e
referidos a Santa Terezinha; Mato Verde, mais tarde Luciara, sede do
Município (1934) e Porto Alegre (1949); todos no Município de Luciara. No
Município limítrofe de Barra do Garças, surgiram: São Félix (1934) (sic),
Santo Antônio do Rio das Mortes (1950), Vila de São Sebastião ou
Chapadinha (1956), Canabrava (1957), Pontinópolis (1960), além de Serra
Nova, Azulona, Ribeirão Bonito e Cascalheira (nos anos seguintes)”
(Esterci, 1987, p. 13).
Em todos esses vilarejos, as dificuldades eram extremas. O impaludismo e
a lepra, a mortalidade infantil e das gestantes caracterizavam os principais
problemas de saúde da região. Comerciantes, via embarcações fluviais,
percorriam de Belém do Pará até Baliza, no sul de Goiás, trocando sal, tecidos,
óleo... por peles de animais. “Como as autoridades civis e judiciárias ficavam
muito distantes, imperava a lei do mais forte e a justiça pelas próprias mãos”
(Dutertre, Casaldáliga e Balduíno, 2004, p. 14).
40
Figura 5: Mapa da primeira rota fluvial do nordeste do
Mato Grosso
Fonte: Batista (2002, p. 180).
Nota: mapa da rota fluvial que ia de Belém do Pará a
Baliza-GO, e foi, durante a primeira metade do século
XX, o principal meio de transporte de comerciantes,
aventureiros, desbravadores, sertanejos e missionários.
1.1.3 Atuação do governo e da Igreja
O povoamento crescente e desordenado da
região foi caracterizado pela violência e outras
injustiças, conseqüência do abandono da
população sertaneja e indígena por parte do
governo, que não lhes oferecia o mínimo de
assistência básica. “As agências estatais mais
próximas eram os precários postos de Serviço de Proteção aos Índios, atendendo
às aldeias Karajá existentes ao longo do Araguaia e à única aldeia Tapirapé, na
Barra do Rio Tapirapé, distante 30 km de Santa Teresinha” (Esterci, 1987, p. 12).
A partir do início da década de 1950, a Igreja foi a única instituição definitivamente
presente, mesmo com atuação esporádica por meio das desobrigas.
“Até o início da década de 50, o governo esteve praticamente ausente da
região. Devido à carência de estradas e canais de comunicação regulares,
os habitantes da atual Prelazia de São lix permaneciam praticamente
isolados do restante do território nacional. A Igreja Católica era quase a
única instituição de caráter nacional atuante na área, com seu trabalho de
evangelização das aldeias e atendimento pastoral aos povoados e vilas.
Ela se fazia presente através dos missionários que, locomovendo-se pelo
Rio Araguaia e seus afluentes, tinham na desobriga a principal forma de
41
atendimento religioso a uma população constituída de índios e posseiros.
em 1952 a região passou a ter no distrito de Sta. Terezinha –, seus
primeiros agentes de pastoral fixos: as irmãzinhas de Jesus e, em 1954, o
Padre Francisco Jentel” (Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997, p. 17).
O governo do Estado de Mato Grosso, a partir de 1952, deu início a um
processo de alienação de terras públicas, acarretando sérios problemas para as
populações indígenas e sertanejas. E, logo no início, essa ação do governo foi
denunciada de estar favorecendo a pessoas que se apossariam de uma quantia
maior de terras.
“Em 1955, o governo estadual firmou contratos com cerca de vinte
empresas, caracterizadas como de colonização. Tais contratos tornavam-
nas concessionárias de 4. 000.000 de ha na área. Os contratos de
concessão assim como as transações de compra e venda que se seguiram
foram denunciados pela oposição ao governo estadual como ‘fraude à
Constituição’ , porque atingiam terras da União e porque as vendas a
particulares, feitas conforme o módulo estabelecido por lei, eram apenas
um artifício através do qual superfícies muito maiores, que ultrapassavam o
módulo previsto, passavam na verdade ao domínio de pessoas físicas
através de transferências feitas pelos originalmente beneficiados todos
parentes e prepostos dos verdadeiros interessados” (Esterci, 1987, p.
14).
A partir de 1960, a região do vale do Araguaia, abrangendo toda região da
atual Prelazia, foi recebendo a presença constante de empresas nacionais e
estrangeiras. Nessa ocasião, a CIVA, pertencente a indústrias de São Paulo,
recebe do então Governador Ponce, em seus últimos dias de governo, títulos de
propriedade de 1.300.000 mil hectares da região pelo preço de 15 cruzeiros
42
antigos por hectare. E Ponce era acionário da CIVA (Dutertre, Casaldáliga e
Balduíno, 2004, p. 16).
Em se tratando de política nacional, comenta Paes (1995, p. 12), setores
burgueses aliados ao capital internacional, tendo apoio dos Estados Unidos,
posicionaram-se, contrariamente, à política de João Goulart. Seu governo
propunha principalmente três reformas: educacional, eleitoral e agrária, mas
pretendia também controlar o capital estrangeiro e ampliar os direitos de cidadania
para as classes trabalhadoras. Vítima do Golpe Militar de 1964, João Goulart é
deposto, dando início a uma seqüência de governos ditadores que estimularam os
capitais estadual, nacional e estrangeiro, visando o desenvolvimento econômico
do país.
Dentro dessa lógica, está a criação da SUDAM, que deveria proporcionar o
alavancamento do desenvolvimento na região. O que se viu de fato foi a inserção
do grande capital que formou grandes latifúndios e a concentração de muitos
privilégios para alguns.
“Para incrementar as atividades econômicas na região norte do País,
dentro de uma perspectiva desenvolvimentista, é criada em 1966 a SUDAM
(Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), órgão
governamental cujo projeto para a área previa incentivos à criação de
latifúndios voltados para a pecuária. Tal projeto favoreceu o afluxo do
grande capital para a região, o só para implantação de fazendas, mas
também para a especulação imobiliária. Este processo resultou na
passagem de enormes parcelas do território nacional para as mãos de
particulares, isto é, foi, na verdade, um processo de concentração de
terras, de renda e de oportunidade de trabalho e de vida” (Oliveira,
Rodrigues e Menezes, 1997, p. 18).
43
Assim, toda região ocupada por índios e sertanejos passou, oficialmente, a
pertencer a grandes empresas. O governo desconsiderou absolutamente a
presença dos moradores que, embora sem título de propriedade, há décadas
viviam naquela região.
“Por incrível que pareça, o governo do estado vendeu tudo: terras
ocupadas por particulares, terras ocupadas pela Igreja mais de 30 anos,
incluindo igreja, escola etc. e terras sob a jurisdição do governo federal.
Tudo foi vendido a companhias particulares de São Paulo. Dentro de algum
tempo, essa situação poderá tornar-se explosiva” (Dutertre, Casaldáliga e
Balduíno, 2004, p. 18).
Pe. Francisco Jentel, que desde os inícios da década de 1950 trabalhou
com os Tapirapé ao lado das Irmãzinhas de Jesus e, por fim, como vigário de
Santa Terezinha, sentiu concretamente as imposições dessas companhias.
Depois de presenciar o fracasso da CIVA, depara-se de frente com a CODEARA.
Em 1965, fundou com camponeses de Santa Terezinha, a CAMIAR, fortalecendo
os trabalhadores para enfrentarem a CODEARA e reivindicar seus títulos de
propriedades junto ao IBRA. Defendendo os trabalhadores, com a CODEARA
Jentel travaria uma luta que resultaria na sua expulsão do país (Dutertre,
Casaldáliga e Balduíno, 2004, p. 18).
A história da região da Prelazia, antes de sua criação, como se vê, tem
como ponto marcante a presença centenária de tribos indígenas. Depois vêm
sertanejos e outros com os mais diversos objetivos que vão desde a busca de
sobrevivência até a especulação imobiliária. Assim, foram sendo povoadas todas
as regiões, inicialmente à margem do rio Araguaia, depois adentrando estado
44
adentro. A violência, a distância, a ausência do Estado e de um sistema judiciário
para atendimento à população de posseiros
3
, peões
4
e indígenas tornaram-se
características primazes de todo o vale do Araguaia.
A história, a seguir, está dividida em períodos, segundo proposta do próprio
Casaldáliga. Compreende desde sua chegada à região, organização do povo,
participação da Prelazia na administração pública, prática de suplência e, por fim,
transição episcopal. Trata-se da história da Prelazia, no tempo e no espaço,
destacando a importância que teve o seu bispo no cenário eclesial e político local,
brasileiro e latino-americano.
1.2 Primeiro período: assombração e resistência (1968-1974)
A chegada dos primeiros missionários vindos para morar na futura sede da
Prelazia deu-se no ano de 1968. A primeira sensação que Pe. Pedro Casaldáliga
e o Irmão Manuel Luzón tiveram ao chegar naquela cidadezinha de pouco mais de
quinhentos habitantes foi a de assombração e resistência. As distâncias para
muitos que ali viviam dezenas de anos eram consideradas normais. Mas
para aqueles dois europeus que tiveram uma formação consistente e do Brasil
tinham ouvido falar, aquela realidade era profundamente espantosa e de extrema
indignidade. Foi preciso resistir muito para suportar os desafios e continuar
avante.
3
Segundo Oliveira, Rodrigues e Menezes (1997, p. 19), “posseiro é aquele que ocupa a terra, mas
não possui o título de propriedade”, embora seja o seu ocupante de fato. “Posseiro” se refere,
portanto, a todos aqueles que até o momento foram chamados sertanejos.
4
Como exemplifica Casaldáliga (1972, p. 26), peões são trabalhadores contratados de fora das
grandes fazendas para nelas trabalharem. Ao contrário da proposta feita preliminarmente, as
45
Um ano antes da vinda de Pedro e Manuel àquela região, a Congregação
Claretiana tinha celebrado o seu capítulo geral, em Roma. Foi apresentada aos
capitulares a urgência de um trabalho missionário na região de Mato Grosso, no
Brasil. A Província de Aragão dispôs-se a realizar essa tarefa, empolgada que
estava com os novos caminhos apontados pelo Concílio Vaticano II. Em 26 de
janeiro de 1968, os dois partiram de Barajas (Catalunha, Espanha). No Brasil,
tiveram quatro meses de curso proporcionado pelo CENFI, em Petrópolis (RJ),
preparando-se para a missão de maior desafio de suas vidas. Partindo para São
Félix, em Barra do Garças, os padres Faliero Bonci e Pedro que visitavam
comunidades às margens do Araguaia uma vez por ano –, seu barqueiro e quatro
índios Xavante somaram-se ao grupo (Luzón, 1983, p13-15).
A viagem não foi nada fácil: de “pau de arara” adentraram-se na mata
virgem, percorrendo centenas de quilômetros, atravessando rios sobre troncos
perigosos, dormindo em rancho abandonado e infestado de pulgas.
“Chegar a São Félix não foi fácil. Foram sete dias de viagem num
caminhão, a maior parte deles no meio da mata. Sete dias e sete
noites, de Rio Claro, passando por Goiânia e Barra do Garças, até
chegar a São Félix do Araguaia. Os últimos quilômetros foram os mais
duros, porque a estrada, que ainda estava sendo aberta, era
praticamente inexistente em muitos trechos” (Escribano, 2000, p. 14).
O contraste era espantoso, acrescenta Escribano (2000, p. 15). Se de um
lado notava-se uma natureza bela e em seu estado mais natural, com matas
intocadas e o gigante majestoso Araguaia, de outro pairava a sensação de
condições de trabalho tornam-se desumanas, vivenciando os trabalhadores situações de
46
abandono total. Não existiam ali correio, telefone, energia elétrica, médico, escola
e a prefeitura estava a mais de 700 km, em Barra do Garças. O próprio
Casaldáliga confessa:
“Quando cheguei aqui, a primeira coisa que vi foram os corpos de quatro
crianças mortas, que deixaram na porta de minha casa. (...) Quatro
meninos mortos, colocados em caixas de sapatos, essas foram as boas-
vindas que recebi. (...) Às vezes, se não fosse pela esperança cristã...”
(Casaldáliga apud Escribano, 2000, p. 11).
Os primeiros meses da chegada de Casaldáliga e Zulón serviram para
conhecer a realidade e as pessoas do povo. Não havia a presença de quaisquer
instituições e a sensação de estar distante de quase tudo era constante. “Este
‘Brasil’ não era o que havíamos conhecido no Rio e em São Paulo. Nada
sabíamos das grandes fazendas, dos peões que nelas trabalham, das malárias,
das mortes ‘matadas’, dos índios, da falta de infra-estrutura de todo tipo” (Luzón,
1983, p. 16).
A presença da Igreja dava-se de tempo em tempo, sob a forma de
desobriga. Pelo Rio Araguaia ou a cavalo, os dois missionários chegavam aos
povoados, sendo recepcionados por numerosas pessoas que intentavam receber
os sacramentos. Sobre sua moralidade, cultura religiosa e isolamento, Casaldáliga
escreveu:
“Esta terra de missão tem os extremos mais pitorescos, desde o paganismo
dos índios, passando pela amoralidade, a indiferença, a ignorância supina
e a superstição, até a e a vida cristã mais sólidas, dentro de uma pureza
verdadeira escravidão.
47
elementar, destas famílias que ficam quatro, cinco ou sete anos sem ver
um padre” (Casaldáliga apud Escribano, 2000, p. 19).
Em Santa Teresinha, Casaldáliga acompanhava de perto todos os passos
do conflito da CODEARA com os posseiros locais. Mais, proximamente, estava o
Pe. Francisco Jentel, vigário daquela cidade para a qual havia levado muitos
benefícios e se tornado a principal liderança dos posseiros. Em seu relatório de
1972, enumera inúmeras agressões cometidas pela grande empresa que buscava
veementemente apossar-se das terras que dizia suas. Seus donos ignoravam o
fato de moradores estarem vivendo ali, dezenas de anos. Dentre as várias
agressões cometidas pela CODEARA, segue a de março de 1969:
“A companhia, com a ajuda de policiais e com a cumplicidade do prefeito
José Barros (de Luciara), ao qual a Codeara havia prometido dez lotes da
localidade de Santa Terezinha, faz violenta pressão sobre os moradores
para obrigá-los a assinar um documento no qual se reconheciam como
‘invasores’ de boa fé, aceitariam a Codeara como proprietária de toda a
área e se comprometiam a deixar suas terras em troca de um lote de
15x33m, doado pela generosa companhia!’” (Jentel apud Dutertre,
Casaldáliga e Balduíno, 2004, p. 21).
Conhecer e sentir a realidade foi fundamental para os três primeiros anos
de trabalho. As viagens longas e sacrificantes, a situação do povo marcada pela
violência e total abandono por parte do governo, a presença de grandes fazendas
como a Suiá-Missu, conhecida pelos seus 695. 843 hectares. Durante a seca, a
poeira tomava conta das estradas; durante as águas, o lamaçal provocava
atoleiros.
48
“Depois (desses primeiros anos), a partir desta vontade de conhecimento
da realidade, também por vontade de encarnação, fomos definindo nosso
trabalho em quatro níveis que poderíamos traduzir assim: pastoral direta,
primeiro. Segundo, atenção em matéria de educação, nos vários níveis e
aspectos, formal, não-formal, adultos, não-adultos, crianças, jovens,
diferentes clubes, reuniões, encontros que significam educação. Terceiro,
saúde. Atenção sanitária e prevenção. Também nos vários aspectos,
dando primazia à saúde preventiva e à consciência da saúde. E, quarto
nível, problemática da terra. Descobrir, ensinar, ilustrar direitos. Fortalecer a
luta de um povo por seus direitos; um povo sertanejo e de índios em que a
terra é problema básico vital” (Casaldáliga, 1988a, p. 164).
Com esse tempo inicial de conhecimento da realidade, os missionários
puderam ir tirando suas conclusões e traçando um plano de ação pastoral para
toda a região atendida. Esta, até então, abrangia parte das dioceses de Conceição
do Araguaia, com sede no Pará, e de Guiratinga, Estado de Mato Grosso.
1.3 Segundo período: organização do povo (1974-1980)
Com uma equipe maior para a realização dos trabalhos e com um bom
diagnóstico social, político, econômico e pastoral da região, a ação
evangelizadora, na região, vai tomando corpo próprio. E na busca de organização
dos núcleos pastorais, formados basicamente a partir dos povoados e das tribos
indígenas, Casaldáliga e seus agentes bateram de frente com o período mais duro
da ditadura militar implantada no país desde 1964. Contudo, tão ou mais clara do
que as imposições do governo, tão presentes nas ações dos fazendeiros, dos
políticos e da polícia da região, foi a convicção do bispo e de seus agentes de irem
até o fim, defendendo seus ideais de evangelização.
49
A Prelazia estava inserida em um contexto latino-americano nada favorável.
Passadas a guerra fria
5
e a revolução cubana (1959), os militares conservadores,
o apoio norte-americano e as classes dominantes formaram uma força capaz de
criar e manter ditaduras na América Latina.
“Sob o calor da guerra fria especialmente visível após a vitória da
Revolução Cubana –, as tendências conservadoras e direitistas presentes
nas Forças Armadas desses países; o incentivo material e ideológico
proveniente dos Estados Unidos; e o golpismo de nossas classes
dominantes, juntaram-se para gerar a longa e sombria era das ditaduras”
(Buonicore, 2004, p. 53).
Na Prelazia, a ação da ditadura militar foi também rigorosa, contra
indígenas e sertanejos e a favor dos que insistiam em dominar a região, os
latifundiários. A Prelazia toda penou com as durezas advindas do regime ditatorial,
uma vez que se declarou explicitamente a favor desses pobres. Casaldáliga teve
inclusive espião averiguando sobre suas ações e suspeitas idéias de esquerda.
“Um ano antes do atentado sofrido, descobriu um agente secreto militar
trabalhando em sua pequena paróquia. ‘Era um rapaz astuto, de pela [sic]
clara e bem europeu’, conta. O suposto militar se apresentou como Adilson.
Havia trabalhado por meses em uma congregação de Curitiba e chegava a
São Félix bem recomendado. Aos poucos, o espião se entregou. A oração
5
Segundo Cotrim (2002, p. 502), no final da Segunda Guerra Mundial (1942-1945), os governos
dos países europeus perderam sua liderança no cenário internacional. Tomaram frente os Estados
Unidos, liderando o bloco capitalista, e a União Soviética, à frente do bloco socialista. O
enfrentamento político-ideológico dessas duas nações, que tinham como alvo os países dos então
chamados países do Terceiro Mundo, é que se chamou guerra fria.
50
era desordenada e as perguntas sobre a esquerda insistentes demais”
(Correio Brasiliense, 2003, p. 03).
Mesmo sob esse clima de tensão e incertezas, foi-se ampliando a equipe
pastoral na Prelazia. Inicialmente composta por sete padres (dois franceses,
Casaldáliga, mais quatro espanhóis claretianos) e três Irmãzinhas de Jesus que,
desde 1952, viviam na aldeia dos Tapirapé. Em 1970, um grupo de agentes leigos
passou a fazer parte do grupo. Um ano mais tarde, chegaram seis religiosas de
São José (Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997, p. 22). Esse grupo, unido pelo
mesmo ideal de uma evangelização a partir dos pobres, cuja linha havia sido
traçada pelos bispos latino-americanos em Medellín, enfrentou os mais diversos
desafios, na defesa dos posseiros, indígenas e peões.
Depois de dois anos e um mês na região, como administrador apostólico
da recém-criada Prelazia de São Félix do Araguaia, Casaldáliga escreve uma
carta-denúncia intitulada “Escravidão e feudalismo no norte do Mato Grosso”.
bem conhecidas por Casaldáliga, as grandes companhias e fazendas que
exploravam a região eram fontes de maus tratos aos posseiros, peões e
indígenas, contando para isso com o apoio do governo e do precário aparato
policial existente. Nessa carta, Casaldáliga reflete sobre essa situação e registra
inúmeros depoimentos de vítimas das injustiças cometidas pelos fazendeiros.
“Há posseiros que moram numa terra e a trabalham dentro de suas
possibilidades mínimas faz 20 e mais anos. As Companhias ou Fazendas
chegaram faz 2, 3, 10 anos. E ocupam a terra pela força do dinheiro ou por
conchavos políticos. Sem indenizar. Os posseiros dificilmente têm a
51
possibilidade de comprar essa terra que êles [sic] desbravaram a custo de
vidas da família, de doenças crônicas e de perigos infinitos” (Casaldáliga,
1970, p. 01).
Para Casaldáliga, estava claro que se tratava de uma situação de injustiça,
porque, de toda aquela região, somente os “tubarões” (grandes fazendeiros),
geralmente paulistas ou sulistas possuíam títulos de propriedade. Mas, “nas beiras
e sertões deste Araguaia, do Rio das Mortes, do Tapirapé e da Serra do Roncador
e pode-se dizer o mesmo da parte de Goiás, do Pará e do Amazonas –,quase
nenhum lavrador possui título de propriedade de chão em que vive e trabalha”
(Casaldáliga, 1970, p. 02).
Figura 6: Expulsão de posseiros
Fonte: Roque João Biegger.
Nota: retrato de uma situação
corriqueira na Prelazia, no início de
sua história: agente de pastoral
acompanha posseiros expulsos de sua
casa. Ao fundo, o rancho derrubado
por fazendeiro que se dizia dono do
local.
A carta também denuncia a
falta de atendimento médico em toda essa região e as condições de
miserabilidade em que vivem posseiros, peões e indígenas. Menciona os já velhos
conflitos da CODEARA, em Santa Terezinha, à margem do Araguaia, e os novos,
da também Companhia Latifundiária Frenova, à margem do Tapirapé, em Porto
Alegre do Norte. E assinala algumas características da escravidão dos peões,
empreitadas nessas companhias ou fazendas latifundiárias.
52
“São geralmente os peões gente nova. Porém com freqüência, pais de
família com vários filhos. E até menores de idade: mais de 50 garotos (13,
14, 15 anos...) encontravam-se nas derrubadas da ‘Codeara’ segundo o
testemunho de vários peões por ocasião da recente intervenção da
Polícia Federal.
Iludidos quase sempre a respeito do pagamento, do lugar, das
condições de trabalho, do atendimento médico. Tendo que pagar até
a viagem – contra todo o estipulado – num a posteriori decepcionante
e forçado” (Casaldáliga, 1970, p. 02).
Nas fazendas, os peões eram controlados por pistoleiros e “gatos”, continua
Casaldáliga (1970, p. 02). Ou ficavam ali, trabalhando como escravos, ou se
embrenhavam no meio do “inferno verde”, como diziam muitos que tentavam fugir
mata adentro. Os que eram recuperados voltavam ao trabalho, às vezes sob
pressão policial e até tortura; os demais ou morriam ou eram atacados por
malária, desnutrição ou outras infelicidades. “O peão (por exemplo) é
marginalizado no campo; milhares morreram a tiros, a facadas, de malária. (...)
Aqui vale muito mais a vida de uma vaca que a vida de um peão” (Casaldáliga,
1988, p. 63).
Figura 7: Morte de peão de fazenda
Fonte: Roque João Biegger.
Nota: mais uma vítima do confronto com fazendeiro,
o peão, assassinado, está sendo preparado por
enfermeiros de São José do Xingu, para ser
sepultado em sua terra de origem. Está tendo um
tratamento especial, porque muitos são enterrados
no meio das matas, como indigentes.
Praticamente, todas as grandes companhias ou
fazendas, segue Casaldáliga (1970, p. 05),
praticavam esses abusos, tais como a
53
CODEARA, a Frenova, a Tapiraguaia, a São Francisco e a Santa Rosa, do Grupo
Reunidas, a Urupiranga, a Tamacavi, a Condespar, dentre outras. Os
depoimentos que comprovam essas atrocidades são registrados e arquivados pela
prelazia, muitos dos quais o próprio Casaldáliga menciona em sua carta. Mas,
desta segue o depoimento de um universitário que passou pela região.
“Talvez a escravização do negro africano ou do camponês nordestino nos
feudos dos grandes coronéis fosse menos cruel que a escravização de
peões nas derrubadas. Pelo menos, o senhor do engenho estava entre os
seus escravos e os servos entre o seu coronel, vivendo no meio deles.
Agora, a escravidão está mais sofisticada. O peão não sabe quem são os
donos das Companhias, os primeiros responsáveis por tamanhas
barbaridades. Tornou-se mais cruel. Os donos o chamados ‘sociedades
anônimas’” (Casaldáliga, 1970, p. 05-6).
Em meio a essa situação conflitante e desafiadora, em 23 de outubro de
1971, Pedro Casaldáliga foi ordenado bispo, idéia inicialmente rejeitada por ele.
Sua sagração episcopal foi uma expressão viva de um novo tipo de igreja que ia
instalando-se. Os agentes eram comprometidos com as causas sociais do povo,
enfrentando diretamente os opressores da região. Pelo conteúdo do rito da
sagração episcopal, pode-se notar a opção dessa igreja e a inserção de seus
membros à cultura do povo. Veja a letra da ladainha dos santos, modificada de
acordo com a realidade local.
“Para que vos digneis conceder aos posseiros e a todos os sertanejos
desta região uma terra garantida e uma vida de família verdadeiramente
humana, ouvi-nos, Senhor.
54
Para que vos digneis conceder aos peões das fazendas e
companhias o reconhecimento de sua dignidade humana e o
cumprimento da justiça trabalhista, ouvi-nos, Senhor.
Para que nossos índios sejam respeitados na totalidade de seus direitos e
aspirações, como pessoas e como filhos vossos, ouvi-nos, Senhor” (Rito de
sagração, 1971, p. 04).
Mais adiante, sob o ritmo de Morte e Vida Severina, do poeta nordestino
João Cabral de Melo Neto, o coro canta:
“Um chapéu de palha,
o luar e o sol.
O olhar dos homens pobres,
E o olhar do teu Senhor!
E uma outra voz recita as palavras do convite\lembrança:
“Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo;
o sol e o luar; a chuva e o sereno;
o olhar dos pobres com quem caminhas,
e o olhar glorioso de Cristo, o Senhor.
Teu báculo será a Verdade do Evangelho e a confiança do teu povo em ti.
O teu anel será a fidelidade à Nova Aliança do Deus Libertador
e a fidelidade ao povo desta terra.
Não terás outro escudo que a força da Esperança
e a liberdade dos filhos de Deus,
nem usarás outras luvas que o serviço do Amor” (Rito de Sagração,
1971, p. 06).
Com uma prática pastoral sensível e totalmente dedicada aos pobres da
região, a missão da Prelazia vai caracterizando-se, concretamente, como de
55
fronteira, por constituir-se de agentes estrangeiros e por ser uma das raras
instituições locais capazes de relacionar-se com o resto do mundo, diz Oliveira,
Rodrigues e Menezes (1997, p. 22-3). Composta de uma população basicamente
sertaneja, diretamente dependente da terra, não havia ali outras frentes de
trabalho. a partir do final da década de 1970, a chegada dos gaúchos iria
diversificar aquela realidade cultural.
Pastoralmente, a Prelazia inaugurou uma forma diferente de fazer pastoral,
superando a tradicional desobriga, que se contentava em sacramentalizar os
católicos. Com as Campanhas missionárias, a pastoral se tornou mais abrangente,
atendendo também às necessidades básicas de toda população pobre. Durante
três meses, os agentes de pastoral instalavam-se em um determinado lugar para
trabalhar com a população local. A atividade era variada, incluindo desde a
pastoral sacramental e catequética até as questões de higiene, alfabetização,
educação e saúde” (Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997, p. 23).
Figura 8: Escola construída em mutirão
Fonte: Roque João Biegger.
Nota: agente pastoral da Prelazia e
comunidade constroem a primeira escola
de São José do Xingu.
Depois da carta-denúncia,
Casaldáliga lança, em 1972, o livro
“Uma igreja da Amazônia em conflito
com o latifúndio e a marginalização social”. Farto de documentos, em anexo, que
comprovam suas afirmações, o livro traz um esboço geral da situação geográfica e
sócio-pastoral da Prelazia. Comenta a situação dos posseiros, peões e indígenas,
vítimas das companhias e fazendas, que exploravam e escravizavam os pobres
56
da região: em Santa Terezinha, a CODEARA; em Porto Alegre do Norte, a
Frenova; em Serra Nova, a Bordon; em Pontinópolis, a Suiá-Missu, que era
também um problema para os Xavante; para os Tapirapé, a Tapiraguaia; para os
indígenas do Parque Nacional do Xingu
6
, o problema foi a construção da BR-80.
Empreendimento da extinta SUDECO, “a estrada veio cortar bem ao centro do
Parque Nacional, apesar da oposição feita pelos irmãos Villas-Boas, responsáveis
pelo Parque, e por certas áreas bem esclarecidas do cenário nacional. A estrada
veio beneficiar diretamente só ao latifúndio” (Casaldáliga, 1972, p. 23).
Esse livro de Casaldáliga teve uma repercussão nacional e internacional
significativa. Tornou pública, e de modo oficial, a situação injusta provocada pela
presença do latifúndio. A real condição dos posseiros e peões é exposta em
detalhe, a agressividade das companhias e fazendas, igualmente; ademais,
Casaldáliga (1972, p. 24-5) faz questão de firmar a idéia de que essas injustiças
são o resultado da ação do governo federal, na busca insistente de alavancar o
desenvolvimento nacional a qualquer custo. Para o governo ninguém nem
mesmo os índios – iria impedir esse desenvolvimento.
Com uma equipe pastoral formada e inserida no meio do povo e com um
ritmo de trabalho já articulado, em dezembro de 1972, a Equipe Pastoral reuniu-se
para refletir e programar suas atividades. É quando traça seu “objetivo e linhas
básicas da pastoral da Prelazia”. Inicialmente é afirmado que aquela igreja
6
Este parque está situado em oito municípios: São José do Xingu, São Félix do Araguaia,
Querência, Marcelândia, Gaúcha do Norte, Félix Natal e Paranatinga. “A terra é demarcada e
homologada e tem uma extensão de 2.642.003 hectares. O Parque Indígena do Xingu abriga uma
diversidade de povos indígenas, diferenciados dos pontos de vista étnico, lingüístico e sócio-
cultural. São 15 povos, distribuídos em 32 aldeias” (Cimi, [2000], p. 18). Embora metade desse
57
particular age em comunhão com a Igreja do Terceiro Mundo e, “por causa do
Evangelho e interpelada pela realidade local, opta pelos oprimidos e, em
conseqüência, define sua pastoral como evangelização libertadora” (Equipe
Pastoral, 1972, p. 03). A sua opção inspira-se nos trechos bíblicos de Is 61, 1-2 e
Lc 4, 18-19. É destacada a situação de opressão do povo, notadamente marcado
pela “superstição, fatalismo e passividade; analfabetismo e semi-analfabetismo;
marginalização social; latifúndio capitalista responsável pela permanência desta
situação de opressão” (Equipe Pastoral, 1972 p. 03). O seu objetivo assim foi
definido: “A Prelazia tem como objetivo desencadear e acelerar, no povo da
região, o processo de libertação total com que Cristo nos libertou (cf. Gl 5)”
(Equipe Pastoral, 1972 p. 03).
Estava claro para os agentes da Prelazia que a terra, a saúde e a educação
constituíam a trilogia de todas as suas atividades pastorais. É nesse tempo que
também a Prelazia a sua contribuição fundamental para a criação do CIMI, em
1972, e em seguida da CPT, em 1975.
O CIMI não surgiu por acaso e sem suporte algum. Teve seus antecedentes
eclesiais, fruto do Concílio Vaticano II, como os encontros de missionários latino-
americanos e antropólogos que refletiram em vários momentos sobre o trabalho
pastoral com os indígenas, como lembra Suess (1989, p. 12-3). O documento final
do encontro de Assunção, capital do Paraguai, mostra que a pastoral com os
indígenas deve libertá-los, integralmente. Esse deve ser o objetivo do trabalho
missionário, apesar dos históricos pecados das Igrejas.
parque faça parte territorialmente da Prelazia, não foi desenvolvido nenhum trabalho por parte
58
“O documento final do Encontro Ecumênico de Assunção reconhece que
‘nossas Igrejas, mais de uma vez têm sido coniventes ou
instrumentalizadas por ideologias e práticas opressoras do homem’. Mas
erros históricos não anulam a razão de ser da igreja, que tem a missão de
‘descobrir a presença de Deus salvador em todo povo e cultura’. Por fim, os
missionários reunidos em Assunção se comprometem a abrir espaço para
o diálogo e a participação dos próprios índios na pastoral missionária que
deverá visar uma ‘libertação integralmente humana e profundamente
cristã’” (Suess, 1989, 13-4).
Para Martins (1997, p. 70), também a CPT nasceu dentro de um contexto
maior do que o seu de origem e fazia parte de uma realidade maior e mais
complexa.
“A CPT nasce num momento extremamente difícil da história social e
política brasileira. Não é um acontecimento localizado por suas
implicações. Embora tenha várias origens localizadas, claramente
conhecidas, ela se liga a um conjunto de circunstâncias e processos, de
valores, que fazem de sua origem um ponto de inflexão na história do
País”.
Esses dois órgãos deram caráter nacional às lutas para fazer valer os
direitos os povos indígenas e dos que lutavam por terra no Brasil, passando a ser
uma referência. Com o CIMI a questão indígena passa a ter coordenação própria,
enfrentando diretamente os problemas basicamente relacionados à demarcação
de terras, conflitos com fazendeiros e posseiros, educação e saúde. Por meio de
reuniões e assembléias o CIMI passa a ter o papel também de denúncia. É o que
faz Zé Karajá, em assembléia de povos indígenas.
da Igreja Católica junto aos indígenas, por impedimento da própria Funai.
59
“Situação da Terra: não existe uma reserva determinada. O Parque
Indígena do Araguaia, que ocupa 70% da Ilha do Bananal, é arrendado
pela FUNAI a fazendeiros e posseiros; o restante da Ilha faz parte do
Parque do I.B.D.F. que proíbe a agricultura e a pesca. Os do lado do Mato
Grosso estão reivindicando pequenas reservas suficientes para a
agricultura” (Assembléia do CIMI, 1981, p. 03).
As ações da FUNAI que veio substituir o ineficiente e antigo SPI são
firmemente criticadas pelo CIMI, formado basicamente por membros da Prelazia.
E esta foi duramente tratada pela fundação. Em assembléia, o CIMI reclama de
suas barreiras impostas: “existem dificuldades para presença de missionários na
área, devido a pressão da FUNAI, inclusive com ordem de prisão a membros da
Prelazia que forem a aldeias” (Assembléia do CIMI, 1981, p. 03).
Foi também nessa época, início de 1970, que a situação da CODEARA,
com os posseiros em Santa Terezinha, resultou em confronto armado de policiais
e funcionários da empresa com posseiros. O ponto culminante que desencadeou
esse atrito foi que a companhia havia mandado destruir um ambulatório construído
por posseiros, sob coordenação do então vigário de Santa Terezinha, desde 1964,
Pe. Francisco Jentel. Alegava-se que a construção não estava de acordo com o
plano de urbanização da futura cidade.
Na ocasião, o oficial de polícia levava consigo uma ordem de prisão contra
membros da Missão religiosa católica de Santa Terezinha e se dirigia ao
local da obra a pretexto de averiguar um suposto depósito de armas,
arsenal do movimento subversivo que, segundo denúncias do pessoal da
empresa, o vigário comandava” (Esterci, 1987, p. 09).
60
O resultado do confronto foi que sete dos que defendiam a CODEARA
ficaram feridos, o exército ocupou a área e os posseiros ficaram mais de cem dias
refugiados nas matas da região. Depois desse confronto, o governo federal
interveio, a área dos posseiros foi demarcada nos termos definidos pelo Estatuto
da Terra, a cidade ficou com uma pequena faixa de terra para sua expansão e a
imensa maioria das terras ficou para a CODEARA. Processos criminais foram
instaurados contra o Pe. Francisco Jentel, que resultaram na sua condenação a
dez anos de prisão (Esterci, 1987, p. 10). Depois de quase um ano de cadeia,
Jentel foi absolvido. Foi para a França e voltou para o Brasil, de onde foi
definitivamente expulso. Em primeiro de janeiro de 1979, morreu em seu país
(Dutertre, Casaldáliga e Balduíno, 2004, p. 46).
Figura 9: Celebração de 25 anos
do martírio do Pe. Francisco Jentel
Nota: em celebração presidida por
Casaldáliga, é suspenso, ao
centro, o quadro do Pe. Francisco
Jentel, personagem memorial da
história de Santa Terezinha.
A expulsão de Jentel não
desanimou os agentes da Prelazia e seu bispo, que enfrentavam problemas
semelhantes em toda região com as grandes fazendas e companhias. Como se
não bastasse, o governo tenta por vezes expulsar Casaldáliga do país.
Consideravelmente, pesou a seu favor o fato de ser bispo da Igreja, diz a Equipe
Pastoral, reunida em setembro de 1975: “o Governo está encaminhando este
processo como se Dom Pedro fosse apenas um cidadão estrangeiro, não levando
em conta seu caráter de bispo da Igreja. (...) A verdade é que esse estrangeiro é
61
bispo” (Equipe Pastoral, 1975, p. 01). Essa perseguição a Casaldáliga e a outros
agentes da Prelazia vem de tempos idos, lembra a mesma equipe:
“as calúnias, as ciladas, os riscos de morte; as invasões da casa e arquivo
do bispo, e de tantas outras casas de toda a região; as prisões, maus
tratos e torturas sofridos por tantas pessoas do povo, por padres e outros
colaboradores de Dom Pedro; a prisão domiciliar do bispo e o inquérito a
que ele foi submetido pela Polícia Federal, com 16 horas de interrogatório;
as dificuldades e pressões de todo tipo a que certas autoridades do
Exército, da Segurança, do Ensino e da Saúde vêm colocando no trabalho
da Prelazia, fechando ambulatórios, impedindo lecionar, proibindo o
atendimento aos índios, e até ameaçando de prisão a quem participasse
de reuniões, encontros e celebrações organizados pela Prelazia” (Equipe
Pastoral, 1975, p. 01).
Além desses informes, a equipe reforça também a comunhão oficial da
igreja do Brasil com o trabalho realizado pela Prelazia. Lembra da grande
celebração concelebrada por bispos de várias dioceses à margem do Araguaia em
agosto de 1973, em solidariedade àquela Igreja e pela permanência de seu bispo.
E destaca a presença de Dom Aloísio Lorscheider, então presidente da CNBB,
dias depois, na celebração de sagração da catedral da Prelazia, em São Félix,
(Equipe Pastoral, 1975, p. 01). Assim, “o governo tinha tentado expulsá-lo
(Casaldáliga) do país em diversas ocasiões: concretamente, abriram cinco
processos de expulsão contra ele, mas a intervenção direta do papa Paulo VI
impediu que eles se consumassem” (Escribano, 2000, p. 101).
Essa solidariedade interna e externa da Igreja, sentida pela Prelazia e seu
bispo, reforçava mais ainda a convicção de sua pastoral e de seu jeito eclesial de
ser, declaradamente embasados na teologia latino-americana da libertação. E,
62
para maior afinco dos que acreditaram nos ideais da Prelazia, o papa Paulo VI
lança a exortação apostólica Evangelii Nuntiandi. Ela trouxe, segundo Casaldáliga,
uma sensação de maior segurança teológica e pastoral e co-responsabilidade
latino-americana.
“Em síntese, a sensação foi uma espécie de aprovação oficial de uma linha
de teologia e de uma linha de pastoral. Então a Teologia da Libertação, a
pastoral da libertação, a igreja da libertação eram reconhecidas, eram
credenciadas até por parte do papa. Essa foi a primeira sensação. Uma
segunda sensação é que o que nós poderíamos considerar mais ou menos
original da América Latina esse pensamento era mais do que nosso, era
de outros. O que nós, os outros, poderíamos considerar como algo
bastante original da América Latina, era de fato o de mais tradicional no
melhor sentido da palavra tradicional. Nós temos colocado várias vezes
que as próprias comunidades eclesiais de base não são uma novidade tão
novidade. São muito tradicionais. O sonho delas é voltar às primeiras
comunidades. Então tivemos essa sensação de “oficialidade” e de
tradicionalidade de uma teologia e de uma pastoral” (Casaldáliga, 2004a).
Outro acontecimento que marcou com pesar a história da Prelazia foi a
morte do Pe. João Bosco Penido Burnier, jesuíta que missionava na vizinha
diocese de Diamantino. Depois de participar do encontro anual de pessoas que
trabalhavam com os índios da Prelazia, e com os de igrejas vizinhas, Casaldáliga
convida João Bosco para fazerem uma costumeira visita pastoral que era feita
todos os anos. Vão a Ribeirão Bonito, a 300 Km de São Félix. Era outubro de
1976, e o povoado preparava-se para a festa da padroeira, Nossa Senhora
Aparecida. Mas o povo estava também sob tensão. Com o assassinato recente do
soldado Félix, conhecido por suas brutalidades, a Polícia Militar interrogava
alguma pessoas a fim de descobrir o autor do crime. Na tarde da chegada dos
63
missionários, os mesmos foram notificados da tortura de Margarida e Santana,
respectivamente irmã e nora do suposto criminoso. Há um dia sem comer e beber,
foram encontradas por Casaldáliga e João Bosco, na porta da cadeia, de joelhos,
com os braços em cruz, com sinal de socos no rosto e com agulhas fincadas sob
suas unhas. Chegando o chefe da polícia de Ribeirão e outros, logo foram
questionados pelos religiosos. Mais velho e melhor vestido, o jesuíta disse que iria
denunciá-los aos seus superiores, em Cuiabá. Rapidamente, deu-se a resposta de
um dos soldados.
“Então o soldado Ezy Ramalho deu um pulo, plantou-se diante dele e deu-
lhe uma bofetada fortíssima. Casaldáliga segurou pelo braço seu
companheiro, para tentar sair daquele lugar, mas não teve tempo. Logo em
seguida, Ezy Ramalho, com os olhos acessos por uma raiva incontrolável,
pegou a pistola e golpeou João Bosco com a culatra. Enquanto este
cambaleava e antes que caísse ao chão, apontou o revólver, a um metro
de distância de sua cabeça, e lhe desfechou um tiro. ‘Sem um ai’, escreve
Casadáliga em seu diário, ‘o mártir, sim, o mártir, caiu por terra...’”
(Escribano, 2000, p. 105).
João Bosco foi encaminhado para o ambulatório local, depois para Goiânia,
aonde veio a falecer. Sete dias depois, o povo quis celebrar uma missa. Depois da
celebração, partiram em procissão rumo à casa onde funcionava a delegacia da
tortura. Derrubaram-na e à sua frente
fincaram uma cruz, que por fim ficou
exposta em uma capelinha própria, entre
os dois povoados que formam o município
de Ribeirão Cascalheira.
64
Figura 10: Delegacia e cruz do Pe. João Bosco
Fonte: Correio Brasiliense (1 de dez. 2003).
Nota: delegacia onde as mulheres foram torturadas e Pe. João Bosco foi assassinado.
Sete dias depois, após uma missa celebrada por Casaldáliga, os moradores caminharam
em procissão e fincaram uma cruz à sua frente.
Figura 11: Capela da cruz do Pe. João
Bosco
Nota: entre os dois povoados que formam
o município de Ribeirão Cascalheira, foi
construída uma capela que guarda
definitivamente a “cruz do Pe. João
Bosco”.
Apesar de o presidente da
república da época ter ficado
enfurecido e mandado dizer à CNBB
que se de fato Casaldáliga tivesse participado dos fatos, ninguém impediria sua
expulsão; apesar de Ezy Ramalho ter ficado preso apenas alguns dias em Barra
do Garças, Pe. João Bosco tornou-se a grande referência martirial do Santuário
dos Mártires da Caminhada Latino-americana, criado após sua morte. Ao seu
lado, pousam fotos de tantas outras vítimas da tortura (Escribano, 2000, p. 107).
O povo de Ribeirão Bonito, Cascalheira e das comunidades do sertão, em
meados de 1977, discutiram a construção de uma igreja, que até o momento
tinham uma igrejinha de palha. Com a morte de João Bosco, desejaram construí-la
no local do assassinato do padre, mas o comandante geral da polícia do Mato
Grosso não permitiu (Borges, 2003, p. 107). Mas, em mutirão, envolvendo também
pessoas de toda prelazia (Prelazia..., 1977), construíram o santuário às margens
da BR 158, em Ribeirão Bonito, para que pudesse ser visto por todos e jamais
esquecido (Prelazia..., [1985], p. 35).
65
Figura 12: Santuário dos Mártires da
Caminhada Latino-americana
Nota: localizado no povoado de
Ribeirão, às margens da BR 158, este
é o único santuário do mundo dedicado
totalmente aos mártires da caminhada,
a todos que morreram lutando pela
justiça e pela paz na América Latina.
Figura 13: Mártires da caminhada
Nota: Pe. Ezequiel, Margarida, Tão da Paz, Marçal Tupã-Y e Vilmar de Castro são alguns
dos mártires da caminhada, cujas fotos estão expostas em galeria, dentro do santuário.
Palco de periódicas romarias dos mártires da caminhada latino-americana,
o santuário de Ribeirão Cascalheira é o único no mundo totalmente dedicado aos
mártires do Reino, sendo muitos, alguns evangélicos, ou sem nenhuma
denominação religiosa. Mas todos deram a vida defendendo a justiça, sonhando
um mundo de fraternidade e de paz para todos. Sua liturgia é da libertação e
expressa, grosso modo, o jeito de rezar de toda Prelazia: longe de ser “uma
celebração marcada pelo vago e abstrato das palavras, pelo automatismo da
assembléia ou pelo dirigismo dos ministros, celebração insossa que mais parece
vaivém de sonâmbulos, diante de uma platéia adormecida” (Vannucchi, 1975, p.
585), reflete a participação ativa de todos os seus membros. E, embora seja
66
dedicado aos mártires, homens e mulheres vítimas de mortes, geralmente
violenta, o santuário é um espaço de beleza e alegria.
“O santuário dos mártires é muito simples, acolhedor, despojado, orante e
belo. Lugar do mistério, da ternura, da memória, da alegria e do
compromisso. O santuário é pequeno (12m x 8m), estilo retangular
propiciando a participação ativa da assembléia, entre si e com a
presidência, e o caminho para se ficar ao redor da mesa da palavra e do
altar. Os elementos fundamentais: o altar, a estante da palavra, o lugar da
assembléia e da presidência, o lugar da pia batismal e do círio estão bem
organizados e valorizados no espaço. uma harmonia muito grande na
textura dos materiais: madeira, barro, ferro, nos detalhes do tijolinho à vista,
na cerâmica rústica do piso; nas cores; na disposição dos objetos e na
iluminação..., tudo expressa mistério. Na parede do fundo encontra-se um
grande mural pintado pelo padre Cerezo Barreto artista da caminhada da
libertação” (Borges, 2003, p. 112-3).
Figura 14: Mural do Santuário dos Mártires da Caminhada
Nota: Mural de Cerezo Barredo, pintado no fundo do altar do Santuário. As grandes mãos
são do Pai, ao centro e de branco está Jesus Cristo, e ao fundo uma pomba, símbolo do
Espírito Santo. Pe. Jentel, Dom Romero, Tião da Paz, Margarida, Pe. Josimo e outros,
todos mártires, fazem a caminhada da libertação.
67
As vidas doadas dos padres Francisco Jentel e João Bosco serviram de
inspiração para todo agir pastoral da Prelazia, seguidamente. Os anos trouxeram
outros que serviram de inspiração também. Em conflito direto com o grande
capital, concretamente representado pelas companhias e grandes fazendas
agropecuárias, a Prelazia vai construindo sua identidade. Não é uma igreja que
não só faz opção pelos pobres, mas vive como pobres, em moradas e vestimentas
simples. Seus animadores de comunidades passam a ser chamados enfrentantes,
porque enfrentam as injustiças do cotidiano. Os agentes de pastoral participam
das lutas populares, denunciam as injustiças. Defender os pobres passa a ser
critério de pertença à comunidade, à Igreja. E o povo é impulsionado como
protagonista, devendo cada vez mais ser quem decide os destinos daquela igreja
particular.
“Até agora, era mais a Equipe Pastoral que fazia o Planejamento, mesmo
quando os representantes do povo faziam todo o ano a Assembléia Geral.
Cada vez mais deve ser o POVO que decide tudo. Bispo padre, irmã, leigo
da Equipe Pastoral estão a serviço do Povo de Deus” (Alvorada, 1980, p.
02).
Assim, na Prelazia, articula-se uma nova realidade. O povo é impulsionando
a participar dos planejamentos pastorais junto à equipe pastoral local. A formação
sempre com renomados assessores para os enfrentantes, torna-se prioridade
e a chegada do “progresso” é caracterizada pela chegada de pessoas do sul do
país. Ademais, agora, antes da terra, saúde e educação trilogia que
representava a bandeira de luta a formação vem antes. Formar os enfrentantes
para trabalharem nos movimentos sociais, nos sindicatos, nas várias lutas pela
68
terra e pelos direitos civis, tornou-se o principal desafio para a evangelização na
Prelazia (Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997, p. 32-3).
Para Nelson Ceron, enfrentante de Santa Cruz de Xingu e morador da
região desde 1981, “o Trabalho da Prelazia é excelente, o problema é que a
região é muito grande e não é fácil chegar a todos os lugares, por isso deve-se
investir cada vez mais na formação de novas lideranças” (Alvorada, 2004a, p. 9).
A formação periódica dos agentes de pastoral torna-se necessária, e as
CEBs tornam-se como que unidades básicas de participação eclesial, embora daí
resulta um não-desejado “monolitismo pastoral”. Monolitismo compreensivo ante à
resistência dos grandes latifúndios e ao desafio da sociedade que crescia,
trazendo uma nova realidade que precisava também ser atingida pela pastoral da
Prelazia (Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997, p. 36).
Casaldáliga, como bispo dessa igreja nascente, não se curvou ante à força
dos latifúndios e o crescimento populacional das cidades da Prelazia, que traziam
dificuldades específicas. Continuou a apoiar, decididamente, as buscas dos
posseiros, dos indígenas e dos peões locais. E, junto às causas indígenas,
assumiu a causa dos negros, estendendo para toda América Latina suas buscas
pela libertação desses povos. Resultado dessa atuação, a “Missa da Terra sem
Males” (anexo 1), que compôs em 1979, expressa, celebrativamente, o
compromisso com o que chama de “causa-raiz da América” (Casaldáliga, 2002a),
a luta pelos direitos dos povos indígenas, a luta pela terra.
Nas décadas de setenta e oitenta, a população negra no Brasil atingia
cerca de 80%, que vivia em condições desumanas (Marzec, 2005, p. 106). Em
meio a lutas em prol desse povo, Casaldáliga e Pedro Tierra escreveram “Missa
69
dos Quilombos” (anexo 2), em 1981, musicada pelo cantor e compositor Milton
Nascimento (Casaldáliga, 1988a, p. 98). Foi uma forma de celebrar o martírio do
povo negro, feito escravo no Brasil, sua lutas, suas vitórias.
A espiritualidade que desde o início Casaldáliga e sua equipe de agentes
de pastoral irão vivenciar e estimular e que será a espiritualidade da Prelazia –,
é a da libertação. Fundamentalmente uma espiritualidade da terra, de povo a
caminho da terra, a exemplo do povo bíblico. Como se trata de uma igreja que
nasceu e tem atuado sob o sínodo da libertação,
“é evidente que os textos preferidos, pensados constantemente, tem sido
certos textos libertadores. Em primeiro lugar, o Êxodo: ‘Eu ouvi o clamor do
meu povo e vim para libertá-la.’ Em segundo lugar o texto de Isaías e de
Lucas 4: ‘O Espírito do Senhor desceu sobre mim, e ele me ungiu para
anunciar a boa notícia aos pobres e libertar os cativos.’ Também o livro do
Apocalipse, quando refere-se a ‘um novo céu e uma nova terra’, ‘a besta
fera’, ‘o cordeiro vencedor da morte’” (Casaldáliga, 2003e).
Em uma região de uma explícita divisão social e econômica, depois de
conhecer e se espantar com a realidade, a Prelazia trabalha para o povo pobre,
tornando-o protagonista da evangelização, sujeito das atividades eclesiais. As
Campanhas missionárias, a presença junto aos povos indígenas e povo negro, a
luta pelos direitos dos sertanejos do campo e, por fim, das cidades, levaram a
Prelazia a ir criando uma estrutura nima. Essa estrutura foi indispensável para
atender as novas exigências da evangelização que ali praticava.
70
1.4 Terceiro período: participação na administração política (1980-1990)
O trabalho pastoral da Prelazia, fortemente marcado pela presença de seus
agentes em atividades diversas, acabou por formar pessoas com considerável
prática, na área de administração de trabalhos comunitários. Presentes inclusive
nas lutas pela emancipação de vários municípios, os agentes da Prelazia eram
militantes de frente na política, no sentido amplo do termo. Ante uma história
marcada pela violência latifundiária, policial e corrupção política história que
antecedeu a presença definitiva da Igreja no local, inclusive –, tornaram-se esses
agentes os representantes mais autênticos do que poderia ser uma administração
mais justa, transparente e participativa. Incentivados pela própria Prelazia e por
boa parte do povo ligado a ela, quatro deles participaram da corrente popular e se
elegeram prefeitos. Como titulares de uma estrutura administrativa mais ampla,
diversificada e complexa do que a da Prelazia, depararam-se com os limites
encontrados por qualquer administrador comum. Tiveram à frente o desejo de
concretizar o sonho de uma sociedade justa, igualitária e fraterna, que se
contrastou com a necessidade de ter que governar para todos.
As circunstâncias foram proporcionando um ambiente propício à
candidatura de pessoas ligadas à Prelazia, seus agentes. A experiência em
administrar trabalhos comunitários, o processo de democratização do país, os
políticos populistas e aproveitadores da região, uma certa indignidade e
insatisfação por parte da grande parte do povo, tudo isso de se levar em conta
para entender esse fato inédito da Igreja no Brasil.
71
“A idéia de sermos candidatos a prefeito, na verdade isso surgiu dentro da
Prelazia. Embora a todo momento o povo também preiteava isso, o negócio
foi despontando na medida em que era necessário mudar a política da
região, que era a política ainda na perspectiva de coronelismo. Então a
gente percebeu que o único caminho para mudar um pouco a situação em
nível local e regional, era mudar o sistema da política vigente, colocando
pessoas ou grupo de pessoas que estivessem nesse compromisso com o
povo, contra todo o sistema de exploração que havia aqui do latifúndio, dos
políticos viciados da região, sobretudo os de Barra do Garças” (Pontin,
2004).
Antônio Tadeu, ex-seminarista claretiano, foi para a Prelazia em 1972,
juntamente com outros que se simpatizaram com aquele jeito de igreja. Diz que
”para cumprir a missão da Igreja, você tinha que fazer um trabalho de suplência
em várias frentes. Aqui não existia nada em termos de saúde. A escola foi iniciada
pela própria Igreja em toda região” (Tadeu , 2004). Inserir-se no mundo da política
partidária e concorrer a cargos públicos foi se tornando algo natural ”nesse
processo de abrir uma perspectiva de ter uma representação mais autêntica e que
correspondesse aos anseios populares. Daí é que abriu esse caminho para as
prefeituras populares” (Tadeu, 2004).
Destaca-se o processo pelo qual a Prelazia lançou seus candidatos. Os
agentes de pastoral, em reunião do “Bolão” de 1982, discutiram sobre essa
possibilidade. E ali ficaram claras as diversidades de posições
7
, porque,
basicamente, estava discutindo-se “se seria viável e interessante ou não a
Prelazia partir para esse lado. Porque sem dúvida, sendo um agente de pastoral,
7
“Enquanto 7 pessoas foram a favor e 12 contra, 20 deram seu voto de forma condicional,
aceitando candidaturas de agentes em certos municípios e não em outros” (Oliveira, Rodrigues e
Menezes, 1997, p. 39).
72
seria em última análise a Prelazia que estaria assumindo essa bandeira. E sendo
eleito, a Prelazia sem dúvida é que seria o suporte” (Pontin, 2004).
Assim, pela primeira vez na história do Brasil, uma igreja particular (prelazia
ou diocese) lança oficialmente seus agentes candidatos ao cargo de prefeito em
quatro cidades. Em 1982 foram eleitos: em São Félix do Araguaia, José Pontin;
em Santa Terezinha, Antônio Tadeu; em Canarana
8
, o Francisco de Assis (“Diá”)
9
.
Porto Alegre do Norte elegeu seu primeiro prefeito, Rodolfo Alexandre, o Cascão,
dois anos depois.
Para Casaldáliga, a questão era pertinente, porque política é um tema
tratado pela teologia moral, e como tal deve ser de responsabilidade de um bispo.
Mais importante porque mais abrangente na vida humana do que a moral
sexual ou profissional é a moral política, dizia. “E um bispo tem o dever de tratá-la
concretamente” (Casaldáliga, 1981, p. 3). A despeito dos partidos,
declaradamente, contra um projeto comunitário, diz: “desaconselho, por convicção
evangélica e política, os partidos que estão a serviço de um sistema que eu
considero simplesmente anti-humano” (Casaldáliga, 1981, p. 2).
Mas Casaldáliga também tem consciência de que a inserção da Prelazia no
campo da política tem os seus limites: “mesmo defendendo uma posição de claro
compromisso em política, somos contrários a fazer, das comunidade de Base,
bases partidárias” (Casaldáliga, 1981, p. 3). Claras essas limitações,
8
Segundo Casaldáliga (2004b), inicialmente faziam parte da Prelazia boa parte dos futuros
municípios de Canarana e Água Boa. Por motivos pastorais “até porque latifúndio tínhamos
demais” não foram inclusos no território da Prelazia. Mas fazem parte da Prelazia os atuais
municípios de Querência e Ribeirão Cascalheira, que também compunham a região de Canarana.
9
Embora “Diá” não pertencesse diretamente à equipe pastoral, como lembra Tadeu (2004), tinha
com ela uma ligação e, o que é mais importante, tinha o mesmo espírito e ideal de trabalho.
73
transitoriedades e parcialidades da política, a partidária concretamente, para
Casaldáliga é preciso considerar o seu terreno onde se articula. Ademais,
importante que o exercício da política dê-se nos partidos e à base de parcerias.
“Sei muito bem, e tenho dito repetidamente, que a política não é toda a vida
humana e que todo partido político é um instrumento parcial e transitório na
transformação que eu, como muitos irmãos, esperamos e faremos, Deus
ajudando. Tenho destacado muitas vezes as limitações desses nossos
partidos ‘populares’, por causa da própria conjuntura em que nasceram.
Mas faço questão de repetir que a política na fase atual da sociedade
se exerce normalmente por meio das agremiações e atuações partidárias”
(Casaldáliga, 1981, p. 3).
Com um ambiente favorável e apoio do próprio bispo, os agentes da
Prelazia, definitivamente, aderiram a corrente popular
10
, liderada pelo MDB, o
movimento político que àquela época aglutinava as forças populares e de
esquerda em busca da democratização do país. Desencadeado o processo
eleitoral, veio a vitória. E a Prelazia sentiu imediatamente o impacto.
“Conseqüência dessa vitória eleitoral, foi a transferência para a área
administrativa ou educacional das ‘Prefeituras Populares’ de 10 agentes de
pastoral da Prelazia. Isso significava aproximadamente um terço do seu
total de agentes, pessoas que adquiriram qualificação e experiência de
10
“A corrente popular é um grupo político organizado por pessoas da classe trabalhadora ou que
têm compromisso com esta classe e que têm como objetivo a transformação de nosso país em um
país democrático e socialista” (Gabriel, 1990, p. 2). Os compromissos de quem participa da
corrente popular são de adesão e co-responsabilidade para com o próprio grupo e a transformação
da sociedade, com clara oposição a quem se colocar contrário aos seus ideais. “A corrente popular
tem uma proposta comum de trabalho que se baseia na mais ampla participação de seus membros
nas discussões e decisões, na luta contra a injustiça e a exploração, e em relação de igualdade e
de sinceridade entre os companheiros” (Gabriel, 1990, p. 2).
74
educação popular no trabalho pastoral, e que de um momento para outro
desfalcaram o quadro de pessoal da Prelazia” (Oliveira, Rodrigues e
Menezes, 1997, p. 39).
Mas, essa deficiência foi sendo aos poucos suprida com a vinda de novos
agentes. Mas tão logo começaram a administrar, sentiram também presentes
oposições e críticas ao seu governo. Para Milhomem, a vice de Pontin em São
Félix do Araguaia, sua administração não foi tão democrática como anunciada em
tempo de propaganda eleitoral.
“Logo que (Pontin) começou, iniciou também a briga com a Câmara
Municipal e parte da prefeitura. Ele achou que era autônomo, que
poderia fazer tudo só. Ele não se importou com as reuniões que se fazia no
tempo dos comícios, das preparações para tomar conta do poder. Eu
estava junto e havia prometido fazer coisas para o povo e como iríamos
fazer. Mas depois da vitória, o prefeito não ligou mais para as reuniões...”
(Milhomem, 2004).
Chocaram-se aqui interesses diversos, comuns a um governo eleito
por forças que se unem para conseguir o poder, mas que têm dificuldades em
efetivar compromissos outrora pré-estabelecidos. Para Pontin (2004), sua
administração teve saldo positivo porque “o povo começou a tomar consciência de
uma nova forma de fazer política. Não era mais a forma de subserviência, de
aceitar tudo. Era o povo participando mesmo. Tanto é que hoje existe um certo
saudosismo por parte de pessoas...”. Mas isso não é o que pensa sua vice, para
quem faltou àquela administração governar para todos. “Eles acharam que
sozinhos seriam capazes de administrar, e administrariam melhor do que se
75
tivessem juntos com o povo, igual prometeram nas campanhas” (Milhomem,
2004).
Outra crítica que fizeram à sua administração e às demais é
referente ao desenvolvimento. Historicamente, a Prelazia é chamada por seus
opositores de igreja que retarda o desenvolvimento na região. E como teve
influência direta nas prefeituras populares, estas receberam críticas quanto a isso.
É o que pensa Assad (2004), vereador no tempo da administração de Pontin:
“uma das grandes falhas de sua administração considerando que todo político
tem erros e acertos –, é que São Félix poderia ter se tornado em um pólo de
desenvolvimento da região se o Pontin tivesse buscado isso junto aos órgãos
públicos”.
Característica marcante dessas prefeituras populares foi a parceria
que tiveram, no decorrer de sua gestão. Sintonizavam-se bem, comunicando-se
constantemente e insistindo em um jeito comum de governar. E logo foram se
destacando junto a políticos do Estado, principalmente os de esquerda, pela forma
com que conduziam seus trabalhos.
“...essa ligação aqui deu uma conotação diferente para a região. E que foi
até muito respeitada pelos políticos no Estado. Até para solução e
encaminhamento de situações mais amplas. Por exemplo, quando o Dante
de Oliveira se tornou ministro da reforma agrária, ele aceitou esse cargo
por incrível que pareça! quando teve o parecer das quatro prefeituras
daqui da região. Então essa unidade entre as prefeituras teve uma
conotação muito grande: a seriedade, o trabalho de educação que se fazia
na região era pioneiro e bastante avançado a nível de Estado .Eu me
lembro também que foi até lançado um livro no Congresso Nacional, de
João Neto, que pegou dez prefeituras no Brasil com experiências
76
inovadoras. São Félix do Araguaia foi uma delas, junto com as prefeitura de
Itu, Jales e outras” (Pontin, 2004).
Mesmo tendo quatro importantes municípios governados por agentes de
pastoral seus, a Prelazia seguiu com ritmo próprio o seu trabalho de atenção aos
sacramentos, celebrações e de conscientização política da população. Em
preparação para as eleições de 1986, a Equipe Pastoral da Prelazia lançou o
folheto de conscientização política com posição clara, na defesa dos pobres e
contra qualquer candidato corrupto, rico ou apoiado por ricos. E deixava claro que
sua posição era a posição do evangelho que anunciava.
“Se você é homem ou mulher consciente, se você ama o Brasil e quer
justiça e liberdade para todos, se você vive sinceramente sua cristã,
você não pode votar em certos candidatos, que se apresentam, com muita
cara de pau, para estas eleições de 15 de novembro! (...) Você não pode
votar em candidato rico (latifundiário de muita terra, dono de grande
empresa, banqueiro...) ou apoiado pelos ricos e pelos grandes. (...) Você
não pode votar em candidato que não acredita no povo, que não tem
prática de trabalho popular, que não defende a Saúde, a Educação, a
Natureza, os Direitos dos fracos. (...) Se você votar ‘neles’, você está
vendendo sua consciência, está traindo o Povo e está negando o
Evangelho” (Equipe Pastoral, 1986).
Dos quatro prefeitos da Prelazia, o que foi mais perseguido pelos opositores
da região, certamente, foi o Cascão. Após ter elegido seu sucessor, Pedro
Azevedo Guimarães, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto
Alegre do Norte, Cascão, sua esposa Fernanda e o próprio Pedro Azevedo foram
vítimas de uma emboscada. Em nota divulgada em toda região, as prefeituras
77
populares, sindicatos de Porto Alegre do Norte, Ribeirão Cascalheira, Vila Rica e
São Félix do Araguaia, a Prelazia, o CIMI e a CPT deixaram claro os autores
dessa emboscada, que assim procederam por discordarem do resultado das
eleições.
“Os autores dessa emboscada homicida, em plena rua e nas proximidades
da delegacia de polícia, às 18 horas, foram cinco, quatro deles bem
conhecidos: Eduardo de Sousa (“Mato Grosso”), Carlos Alves Rodrigues
(“Carlinhos”), Mariano Ferreira Matos (“Ferreirinha”), e Vicente “Ceguinho”,
a mando do fazendeiro Luiz Carlos Machado, vulgo “Luiz Bang”, antigo
“gato” da fazenda Frenova, do grupo dos Cartórios Medeiros e dos Tapetes
Ita de São Paulo” (Equipe pastoral, 1988).
Com o passar dos anos, mudando a conjuntura, o envolvimento da Prelazia
junto às prefeituras populares foi revisto. A decisão da assembléia de 1989 mostra
que houve um recuo da Prelazia, no que tange à sua atuação no campo político-
partidário. Reduz seu espaço de militância político-partidária e amplia o da
atuação, na sociedade em geral, preocupando-se mais com a formação política do
povo do que com a co-responsabilidade administrativa ou partidária.
“1
o
)Tudo que é claramente da Prelazia locais, máquinas, o Alvorada
não pode ser usado para campanhas eleitorais, nem para reuniões
partidárias. 2
o
) quanto aos locais que não são claramente da Prelazia, ex.:
servem também ao sindicato, escola etc., haverá a necessidade de uma
definição por parte do Conselho Pastoral. 3
o
) elaborar uma cartilha política
sobre partidos e candidatos à eleição presidencial. 4
o
) Oferecer cursos de
conscientização política. 5
o
) Membros da Equipe Pastoral podem assumir
pessoalmente a campanha, mas não como equipe. 6
o
) Não apoiar nenhum
candidato da UDR ou entidades afins, que são contra a causa do povo. 7
o
)
Eleição presidencial: considerando os grupos e alianças de cada
78
candidatura, apoiar o candidato ou os candidatos que têm compromisso
com a classe trabalhadora e defendem as causas do povo” (Alvorada apud
Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997, p. 42-3).
As barreiras que separam os objetivos da Prelazia das responsabilidades
das prefeituras populares foram se tornando evidentes não para os ligados à
igreja, mas também para os próprios prefeitos. Tadeu (2004), por duas vezes
prefeito de Santa Terezinha, destaca isso:
“Tivemos muita ousadia porque transformamos em alguns momentos a
administração pública em instrumentos até que meio revolucionários, no
sentido de romper com algumas coisas que estavam aí, de apoiar
decididamente a classe dos trabalhadores. que uma administração
pública não pode ser classista como está na constituição. E isso aos
poucos foi nos apertando, nos segurando, nos amarrando”.
Com uma administração mais voltada para os pobres, e quase nada
serviçal aos grandes fazendeiros da região
11
, a Prelazia acabou por aumentar a
rivalidade dos poderosos, contrários à sua atuação. Oliveira, Rodrigues e
Menezes (1997, p. 40) lembra que houve uma campanha em todo território de
candidatos apoiados pelos latifundiários e organizações locais como a ASFAX,
Maçonaria e UDR. Associava-se a Prelazia às prefeituras populares. Dizia-se que,
no pretenso intento de defender os índios e posseiros, eram responsáveis pelo
atraso em que viviam.
11
Venturoli (2004), então fazendeiro da Porta da Amazônia, município de Santa Terezinha, lembra
que certa vez encontrou o prefeito Tadeu em uma estrada. Pediu que lhe mandassem máquinas
para fazer um serviço em suas terras. Foi-lhe negado o serviço, porque as máquinas deveriam
estar somente a serviços dos trabalhadores pobres do município, não dos latifundiários.
79
Juntou-se a isso o fato de que as prefeituras populares não divulgaram
devidamente suas obras, passando as mesmas a ter importância para a
administração, mas não de igual forma para a população em geral. Nas
prefeituras, passou a existir uma clara divisão partidária e, por conseguinte,
dificuldades em manter a corrente popular coesa. O PMDB foi dividindo espaço
com o PT e a Prelazia acabou por buscar a sucessão sozinha.
“Todos nós fomos eleitos numa frente. E havia várias tendências dentro do
PMDB: tinha a chamada Prelazia e outras. E daí, na hora de partirmos para
a sucessão, não conseguimos reeditar de uma forma possível, compatível,
essa frente, essa coligação. Então houve, por uma certa falta de análise,
uma tendência nossa de querer eleger o grupo chamado Prelazia meio
sozinhos, sem fazer uma aliança com outros setores. E isso dificultou. Foi
isso que impossibilitou a sucessão” (Tadeu, 2004).
Nessa disputa pela sucessão, somente Cascão, de Porto Alegre do Norte,
conseguiu eleger o candidato da corrente popular. Para Casaldáliga esse foi um
processo comum ao que se passava ao derredor de sua igreja.
“É um processo compreensível. De fato nenhum deles tenteou eleger mais
um. Quem tentou, se elegeu. Eu acho que não se pode deixar a Prelazia
isolada. Na Prelazia vinha acontecendo o que vinha acontecendo em todo
o Brasil, que é parte do que vinha acontecendo na América Latina e no
mundo” (Casaldáliga, 2003a).
As circunstâncias que haviam levado a Prelazia a tomar posição partidária e
liberar seus agentes a serem candidatos não eram as mesmas. Embora fez-se
nítido o recuo da Prelazia, no que tange ao envolvimento partidário, isso não
significou que tenha diminuído a sua influência direta em administrações
80
públicas
12
. Mas também é certo que depois dessa experiência, acrescida de
reflexões partilhadas e leituras da conjuntura sócio-política e eclesial de então, a
Prelazia foi traçando para si novas linhas de ação pastoral. Para o seu bispo, tudo
parecia pressuposto e parte de um todo que compõe o agir evangelizador de uma
igreja concreta. “A Evangelização, para mim, também abrange o compromisso
político da vida dos cristãos. Com mais ou menos acerto, e sabendo sobejamente
que não serei assim interpretado, nem talvez por colegas muito caros, pretendo
apenas, nisso também evangelizar” (Casaldáliga, 1981, p. 3).
Um fato importante que aconteceu nesse período, na década de 1980, foi a
tentativa de estruturar em um centro os trabalhos de defesa dos direitos humanos.
Embora essa luta continuasse independentemente desse centro, buscou o mesmo
formar núcleos e se estender em outros regionais da Prelazia.
“Foi fundado pelo Pe. Jesus de Pina, no final da década de 1980, em Porto
Alegre do Norte, o Grupo de Direitos Humanos Sofia Araújo. Objetivava
atender casos concretos de violação dos direitos humanos, sobretudo de
posseiros e peões do município de sua sede e de Canabrava do Norte. Aos
poucos foi formando núcleos nos regionais de Confresa, Vila Rica e Santa
Terezinha” (Apêndice 11).
Outro tema que marcou a década de 1980 foi o gesto de solidariedade de
Casaldáliga aos países centro-americanos. Vítimas da agressão político-militar
12
Tereza (2004), perguntada sobre a atual influência da Prelazia junto a prefeituras, foi categórica:
“...em São Félix, por exemplo, o PMDB foi sempre o partido da Prelazia. A Igreja Católica ajudou a
formar o Usley, que pelo segundo mandato é eleito o prefeito de lá. Quando o PMDB ganha ali é a
Prelazia que ganha, e só ganha por causa dela. Por isso muitos acham que a Prelazia é um partido
político, porque age como partido. Em Santa Terezinha, se não fosse a Prelazia ajudar o Reginaldo
81
que se estendeu por toda América Latina, países como Nicarágua, El Salvador,
Guatemala, Panamá e Honduras viviam sob governos ditatoriais. A Igreja local,
oficialmente, apresentava-se sem muita expressão na defesa dos vitimados
desses países.
O governo desses países buscava implantar um modelo político-econômico
mais voltado para a grande produção e exportação, com incentivo a grandes
empresas e sob a regência da lógica do mercado estadunidense. Era um caminho
complexo que não tiraria a América Latina de sua histórica condição de
subserviência.
“(A América Latina) especializou-se em perder desde os remotos tempos
em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram
os dentes em sua garganta. (...) continua existindo a serviço de
necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e
carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países
ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina
ganha produzindo-os” (Galeano, 1980, p. 13).
Ante essa realidade, Casaldáliga põe-se a caminho desses países, mesmo
sob fortes críticas de bispos do Brasil e dos países visitados. Com convicção diz
que suas viagens são a realização de um compromisso de solidariedade que
assumiu, “em nome próprio e em nome de muitos companheiros, a partir da
‘insurreição evangélica da Nicarágua’, em 1985” (Casaldáliga, 1992, p. 91).
Nicarágua passa a ser uma referência para suas visitas. Com a articulação da
insurreição evangélica, que tinha como liderados também sacerdotes, religiosos e
nas eleições de 2001, ele nunca teria ganhado. A Prelazia é tão forte que o Reginaldo começou a
roubar e ela ajudou a tirá-lo da prefeitura. E ele teve que sair”
82
leigos locais, Casaldáliga fez-se presente no jejum pela paz, fazendo o que
deveriam fazer os bispos locais.
“Em 26 de julho chegou a Manágua Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São
Félix, do Brasil, para incorporar-se ao jejum pela paz. Sua presença foi
muito valiosa e reconfortante. Com suas visitas periódicas a Nicarágua tem
realizado um papel de suplência e co-responsabilidade na pastoral,
preenchendo o vazio que tem deixado os bispos de Nicarágua no povo
revolucionário e crente” (Aragón y Löschcke, 1991, p. 69).
A presença de Casaldáliga, na Nicarágua, foi a mais impactante, porque
tratava-se de um bispo que, como tal, representava a mesma Igreja que
oficialmente não apoiava toda mobilização de resistência encabeçada inclusive
por parte do clero. “Sua presença na Nicarágua significou a catolicidade real da
missão apostólica da qual cada bispo é investido. O bispo primeiramente está
inserido na Igreja universal que é a portadora da causa de Jesus” (Boff apud
Casaldáliga, 1986, p. 194). Como bispo, a sua presença representava a presença
da Igreja, do pastor que anuncia o evangelho. “Na Nicarágua Dom Pedro não fez
política. Evangelizou” (Boff apud Casaldáliga, 1986, p. 194).
Resultado de seu exercício ministerial, exercido por dois meses em visita
solidária, “Nicarágua: combate e profecia” é um relatório de viagem. Foi um
trabalho significativo por relatar e divulgar as lutas encabeçadas pelo povo
nicaragüense, em busca de dias melhores. Casaldáliga, no Brasil, buscou fazer da
sua bandeira uma bandeira da Igreja do Brasil, mesmo tendo a grande imprensa
como oposição.
83
“O povo, aqui (no Brasil), tem acompanhado com muito carinho. Em São
Félix há vigília pela Nicarágua, todas as sextas-feiras. E eu comprometi aos
23 bispos que se solidarizaram com minha viagem para que peçam a suas
respectivas igrejas um dia de vigília por mês, também. À força de oração
e de unida teimosia venceremos. É impressionante ver como se tenta
tergiversar tudo, por parte das grades agências de notícias...” (Casaldáliga,
1986, p. 153).
A atitude de solidariedade de Casaldáliga à Centro-América foi o ponto
nevrálgico que levou bispos centro-americanos a posicionarem-se contrários à sua
presença naqueles países. Outros motivos ajuntaram-se a esse para que, em 23
de agosto de 1988, ele fosse notificado pela nunciatura apostólica de um monitum
(intimação) que estava à sua espera. Tratava-se de um documento vindo da Cúria
Romana, contendo considerações teológico-canônicas, constatações sobre atos
seus e uma intimação, caso confirmasse o que ali estava dito. Concretamente o
documento comentava sobre:
“...quatro aspectos referentes à Teologia da Libertação, críticas minhas a
medidas tomadas pela Cúria Romana, opúsculos catequéticos da nossa
Prelazia que já está na 13
o
edição e tem sido publicados em vários
países –, celebrações e romarias dos mártires, visitas a Centro-América e
particularmente a Nicarágua” (Casaldáliga, 1988b, p. 02-3).
O envolvimento direto da Prelazia e de seu bispo, no campo da política
partidária local e da solidariedade latino-americana, denota atitudes de uma
mesma postura de evangelização anos traçada. Sustentando suas ações com
fundamentos teológicos próprios, bispo e agentes de pastoral, influenciados pelas
84
circunstâncias sócio-históricas, exerceram sua militância com intento de fazer
acontecer, de fato, a utopia da evangelização que defendiam.
1.5 Quarto período: prática de suplência (1990-2001)
A década de 1990 foi presenciando um novo quadro de relações na
Prelazia que a levou a repensar sua organização interna e as vias intermediárias
de sua ação pastoral. Recuando da participação político-partidária, a igreja de
Casaldáliga deu-se à prática de suplência, sem querer deixar de lado sua
persistente defesa dos pobres e excluídos, sempre numa perspectiva latino-
americana.
Até o momento não é nada animadora, para Casaldáliga, a situação da
realidade na qual sua igreja está inserida: “Toda América Latina continua em frágil
paz ‘romana’ e na mais grave crise econômica. E os desaparecidos de todo o
continente se levantam, cobrando justiça...” (Casaldáliga, 1991, p. 12). Sobre o
Brasil, diz:
“Brasil está mal financeiramente e de comida. E é profunda a decepção
popular. A atual política nacional ‘neoliberal de forte competição, favorável
aos oligopólios internacionais’, está produzindo água (...) e são muitas ‘os
ratos profissionais que saltam do navio’ e se juntam ao grito geral dos
‘industriais, banqueiros, fazendeiros e exportadores, frente à recessão e ao
desemprego’ que seguem ameaçadores sobre o horizonte próximo”
(Casaldáliga, 1991, p. 12-13).
85
No mesmo texto, Casaldáliga (1991, p. 13-14) segue fazendo um apanhado
das violências contra trabalhadores rurais de sua igreja e de impunidades que
fizeram vítimas Pe. Josimo, Chico Mendes, Cascão, sem justa punição aos
culpados.
Assim, de cima para baixo, do norte para o sul do hemisfério, o grande
capital vai entrando na região, incentivando a agroindústria, a monocultura, a
grande produção voltada para o mercado internacional; os conflitos diminuíram
com a implantação de projetos de colonização; cidades foram emancipadas e
cresceram, alargando o que poderia ser o público-alvo dos agentes de pastoral e
do bispo; mais sindicatos e outras organizações foram criados. Até então, além de
índios, posseiros e peões, passaram a existir “chegantes”, e os demais
marginalizados advindos dessa nova relação. Com esse novo cenário, a Prelazia
viu-se diante da necessidade de mudar de meta, no mesmo cumprimento de sua
vocação missionária (Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997).
Importante para a Prelazia fazer juízo de suas práticas foi a constante auto-
avaliação que, desde o início, buscou fazer de si mesma. Um trabalho significativo
que teve foi a avaliação pastoral feita pelo ISER em 1989 e 1990, coordenado pelo
sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira. Depois, sobre esse trabalho, foi realizado em
São Félix um estudo da equipe pastoral com o teólogo Leonardo Boff e o
coordenador da avaliação. Boff diz que, dentro de sua opção, a Prelazia agiu
como devia, mas que diante da nova conjuntura é necessário que seja mais
flexível aos novos desafios que a realidade gerou.
86
“Não interrogações sobre as opções passadas desta Igreja. Os pobres
são a base da prelazia, não dúvida. Foi necessário a equipe atuar de
forma monolítica, diante da conjuntura. Hoje, esta posição o corresponde
mais a esta realidade. Temos que ter mais flexibilidade e nos re-estruturar.
Tem que haver abertura aos marginalizados (lavadeiras, peões, etc.) e aos
extratos médios, chamando estes à solidariedade aos marginalizados” (Boff
apud Relatório de Estudo, 1990, p. 9).
Na Assembléia do povo de Deus de 1993, os presentes reafirmaram sua
opção, aumentando o número de pessoas e grupos que buscariam atingir. A
Prelazia continua a ser uma igreja pobre e dos pobres, em busca de libertação e
justiça para os mais necessitados: “E assim reafirmamos nossa opção
fundamental de ser uma igreja pobre e dos pobres no serviço da justiça e da
libertação, assumindo as causas de nossos irmãos mais sofridos: os índios, os
negros, as mulheres, os trabalhadores” (Assembléia do Povo de Deus, 1993, p. 3).
Clara estava a opção fundamental, mas nem tanto as concretas vias de
efetivação dessa opção. Oliveira questiona sobre qual o caminho pastoralmente
mais viável para a Prelazia, diante dessa nova conjuntura, que tem como
características o crescimento da população e a difusão da cultura modernizante.
“Aqui situa-se um doloroso desafio pastoral: para aproximar-se desses
setores modernizados, hoje numericamente predominantes, deveria a
Prelazia voltar atrás em seu esforço de inculturação sertaneja e falar a
língua da modernidade urbana? Ficariam então os sertanejos deslocados
na nova forma pastoral? Ou deve-se manter a fidelidade principalmente aos
sertanejos e sua cultura, ainda que isso distancie a Prelazia da maioria da
população?” (Oliveira, Rodrigues e Menezes, 1997, p. 47).
De fato, tornou-se evidente essa diferenciação de zonas: a rural, mais
homogênea; a urbana, mais plural. Se em tempos de ditadura a injustiça tinha
87
trâmite legal, no latifúndio, que por sua vez tinha o suporte determinante no poder
judiciário e na instituição política, agora o cenário mudou. Toda região vai
crescendo em população, sobretudo de pessoas vindas do sul do país, trazendo
seus costumes e suas práticas eclesiais diferenciadas. Os grandes latifúndios
continuam, mas médios e pequenos proprietários são presenças importantes.
Além das organizações patronais, surgem sindicatos, movimentos e grupos
diversos que lutam pela causa dos trabalhadores rurais e outros marginalizados. A
Prelazia já não é mais a única instituição na região que luta pela causa dos
trabalhadores. Sua pastoral torna-se mais complexa, porque seu povo e as
circunstâncias também o são.
A realidade pluricultural da Prelazia foi lhe adicionando outras
características. Os enfrentantes, em alguns lugares, foram sendo substituído pelos
animadores, expressão trazida pelo “pessoal gaúcho” (Oliveira, Rodrigues e
Menezes, 1997, p. 88). Além dos trabalhadores rurais peões e indígenas, foram
surgindo outras categorias tais como os funcionários públicos e particulares, as
empregadas domésticas, os negros, a mulher.
Além desse novo cenário de relações na Prelazia, a instabilidade do povo
foi constante. Com indecisão ou demora, na determinação dos títulos de
propriedade, foi tornando-se comum venda ou troca de terrenos entre posseiros,
grileiros e outros aproveitadores. Esse vaivém é claro para a Prelazia: “Nestes 25
anos, muita coisa aconteceu. Muitas alegrias, mas também perseguição e morte.
Muita gente nova chegou. Outros daqui se foram” (Prelazia..., 1995, p. 3).
Diante dessa nova realidade, a Prelazia viu-se na necessidade de
reestruturar-se. Até meados de 1989 tinha 103 comunidades, com as
88
características comuns de comunidades eclesiais de base. Sem uma estrutura
comum às paróquias, essas comunidades eram autônomas, na condução de seus
trabalhos, na lida do poder, em sintonia com toda a Prelazia no que tange à sua
opção fundamental. Existia, como desde o início de sua história, uma equipe geral
que articulava a vida pastoral da Prelazia, formada pelo bispo e agentes de
pastoral. Com as comunidades autônomas, a idéia era evitar a hierarquização
centralizadora, que tiraria dos enfrentantes o seu poder de decisão e articulação.
Mas, a avaliação pastoral do ISER de 1990 mostrou a necessidade de instâncias
intermediárias. Então foram criados conselhos regionais e conselho geral. Em
alguns dos regionais, criaram-se também os setores como subdivisão regional. As
funções de cada um foram discutidas, a partir do objetivo do que deve ser um
conselho pastoral: O conselho pastoral “tem como objetivo coordenar, animar,
articular, planejar e avaliar a vida e os trabalhos da comunidade, do setor, do
regional e de toda Prelazia. Deve preocupar com a formação das lideranças, com
toda pastoral e também com a parte econômica” (Relatório..., 1990, p. 2). Assim a
organização interna da Prelazia constitui-se uma ”estrutura de uma Igreja onde
cada área pastoral (regional), equivalente ao território de uma grande paróquia, é
atendida por uma equipe formada por leigos, leigas, religiosas e, às vezes, um
único sacerdote” (Oliveira, 1997, p. 162).
As equipes pastorais, historicamente formadas por pessoas vindas de
outras regiões do Brasil e do exterior, são na sua maioria flutuantes como a
população. Embora passem a dividir decisões e responsabilidades com os
membros dos conselhos regionais, as principais decisões e encaminhamentos são
efetivados sob sua orientação. E superar o centralismo da decisão do bispo com
89
essas equipes foi uma busca que teve seus resultados. “Houve avanço em termos
de organização: a centralização do poder da Equipe Pastoral com o bispo foi
superada. A equipe é mais heterogênea que antes, assim como a população”
(Oliveira apud Relatório de Estudo, 1996, p. 1)
Com sua opção fundamental consistente como desde o início, a Prelazia,
reestruturada internamente, revê suas prioridades e abre espaço para novas
atividades. Tornam-se desafios pastorais: grupos de rua, incentivo a ministérios
leigos (Relatório..., 1993, p. 3), formação de lideranças e de novas pastorais como
grupo de Direitos Humanos, oração, mulheres, negro, dízimo, vizinhos, família,
MOPS; reforço à catequese e aos jovens, à pastoral da educação (Relatório...,
1990, p. 2).
Atenção especial tiveram as chamadas pastorais específicas: juventude,
catequese e CPT. Reafirmada como prioridade (Relatório..., 1993, p. 3), a
juventude foi se organizando em toda prelazia, para além de sua organização
específica:
“A força da juventude nas comunidades não se manifesta através de
grupos de jovens, mas em todas as outras atividades. (...) Os membros da
PJ participaram também de muitas atividades fora da Prelazia no regional
Araguaia/Tocantins e no Centro-Oeste e apresentaram um planejamento
para 1995” (Relatório..., 1995, p. 4).
A assembléia do povo de Deus, de julho de 1998, define suas prioridades,
destacando a formação, a atuação na política, a autonomia pessoal e financeira.
90
“1. Reforçar ou criar equipes de formação em todos os regionais com
atenção especial às comunidades do interior. 2. Valorizar a conscientização
e participação política (nas várias instâncias da sociedade). 3. Autonomia
em pessoal (assumir a pastoral vocacional para os vários ministérios,
sobretudo entre a juventude), e financeira (pastoral do dízimo, criando
equipes específicas, divulgando e prestando contas)” (Relatório..., 1998, p.
1).
A formação tornar-se-á um tema presente em, praticamente, todas as
assembléias locais e regionais. Tratava-se de formação para animadores de
comunidade sobre dízimo, Bíblia, catequese, liturgia. A formação sobre o dízimo,
por exemplo, buscava atingir os jovens e visava a autonomia financeira das
comunidades.
“Nos dias 19 e 20 de outubro foi realizada a Assembléia das Comunidades,
com estudo sobre o Dízimo e avaliação. A prioridade definida: Investir em
formação bíblica, catequética e litúrgica. Os jovens sentem a necessidade
de uma assessoria. No Alto Boa Vista, foi realizada Assembléia Regional
com a participação de 30 jovens, com estudo sobre Dízimo, nos dias 2-3 de
novembro. Vila Santo Antônio es reformando a igreja com recursos
próprios. Em Luciara está tendo curso bíblico” (Relatório..., 1996, p. 3).
No que tange às vocações sacerdotal e religiosa, inicialmente a Prelazia
não teve essa preocupação. Sendo uma igreja que desde suas origens não
dependeu do sacerdote ou da irmã religiosa porque valorizava a pessoa do leigo,
do enfrentante que conduzia a comunidade local, tem agora a preocupação com
as vocações específicas. Em seu Plano de formação para vocações específicas,
apresenta como um dos objetivos: “despertar pessoas para vocação específica de
ministro ou ministra na comunidade, agente de pastoral leigo, irmão ou padre na
91
vida consagrada e ministro ordenado da Prelazia de São Félix” (Prelazia..., 1996a,
p. 1).
A atuação política da Prelazia, agora mais na defesa de princípios do que
de partidos ou de projetos administrativos, deu-se no trabalho de crítica à
realidade, conscientização da população e estímulo à candidatura de pessoas do
povo a cargos políticos. A conseqüência dessa postura, em alguns regionais, foi
direta.
“Houve muita corrupção e mentiras nas (últimas) eleições. Vários
enfrentantes saíram candidatos em vários partidos, o que não levou a criar
conflito. Dificuldades: a política enfraqueceu a vida das comunidades em
alguns regionais. Faltou consciência crítica em alguns enfrentantes”
(Relatório..., 1993, p. 3).
A conscientização política da população foi um trabalho realizado pela
Prelazia, desde suas origens. Inicialmente direcionada aos sertanejos, depois teve
um público maior com as populações que chegaram e foram formando povoados e
depois municípios novos como Vila Rica, Querência, Confresa, e Santa Cruz do
Xingu. Atraídos pela terra barata ou por propostas atrativas de posses ou projetos
de assentamentos, cidades, sobretudo à margem da BR 158, cresceram em ritmo
acelerado, gerando um fluxo migratório que dificultou o trabalho de
conscientização.
“O problema que a gente sente aqui, como é uma cidade nova, é que todo
mundo é chegante. Cada um tem o seu jeito de igreja de fora, seus
compromissos, suas experiências... e chegando aqui é tudo diferente. Aí,
92
para entrar no ritmo, demora. Até os próprios agentes, quando chegam,
estranham a caminhada do povo, porque não é um lugar de tradição, é um
lugar de migração... (Silva, 2004b).
Diante disso, pode-se dizer, contudo, que, para a Prelazia, fazer política
não é uma questão de opção, de circunstância ou de apresso pessoal. É uma
questão de fé. Ela é necessária, indispensável para que o país seja mais justo e
fraterno. “O Brasil tem jeito se nós damos um jeito na política” (Prelazia..., 1994, p.
2). E para fazer política melhor, para uma vida melhor no Brasil e na América
Latina, propõe que todos procurem saber o que venha ser política, que participem
da política votando e participando diariamente das várias instâncias políticas
próprias da região.
“Primeiro, nos conscientizando bem do que é Política. Segundo, sabendo
distinguir entre a Política verdadeira e a falsa Política. Terceiro, votando
em quem merece. Quarto, fazendo Política não somente em tempo de
eleições, mas o ano todo e todos os anos. Quinto, cobrando dos políticos
uma vez eleitos. Sexto e é o mais importante sendo cada um de s
políticos: participando, reivindicando, apoiando. No Sindicato, no Partido,
nas Organizações de Saúde, de Educação, no Movimento das Mulheres ou
da Juventude, nas lutas pela Terra, pela Moradia, pela Cidadania de todos.
Defendendo a Causa Indígena e a verdadeira liberdade do nosso Brasil e a
verdadeira integração de nossa América.” (Prelazia..., 1994, p. 2).
Para Casaldáliga, a indicação de partidos políticos para seus fiéis em tempo
de eleição é algo que continuaria fazendo com naturalidade. Indicaria os que mais
se mostrassem justos e ligados aos anseios populares: “Eu indicaria partidos
93
políticos para os fiéis. Diria que se deve votar naqueles que apoiaram lutas
populares concretas e não se mostram corruptos. Qualquer pessoa que tenha um
mínimo de leitura política poderá entender” (Casaldáliga apud Bittencourt, 1993, p.
4b).
A conscientização foi um trabalho implementado juntamente com o do
combate à corrupção, nas várias instâncias dos vários organismos públicos da
região. Por vezes e em toda história da Prelazia os indícios de desvio de verbas,
enriquecimento ilícito de prefeitos, vereadores e funcionários públicos foram
costumeiramente notificados e fortemente combatidos pelo bispo, agentes de
pastoral, enfrentantes e animadores de comunidades. “Foi constatada em vários
municípios como também se trabalhou contra a corrupção. Este trabalho tem que
ser constante, é uma questão de ética, mas também de postura diante da vida”
(Relatório..., 2000, p. 1).
Para a Prelazia “é importante também (...) acompanhar a vida política,
animar os candidatos eleitos, procurar participar dos conselhos municipais...”
(Relatório..., 2000, p. 1). Por isso tem sido significativa a sua postura de ser
presença estimuladora junto a políticos e participando ativamente de sindicatos de
trabalhadores rurais, conselhos, movimentos, grupos novos de defesa dos direitos
do cidadão: direitos à saúde, à educação, à terra, à moradia, direitos humanos,
dos povos indígenas, da criança e do adolescente, direito da mulher, do negro,
dos encarcerados. Os dois primeiros sempre tiveram atenção especial: “A saúde e
a educação devem ser sempre prioridades administrativas em qualquer governo
sério”, diz o jornal Alvorada (2004, p. 10), prefaciando a pesquisa abaixo que
mostra a situação da saúde e da educação nos 15 municípios da Prelazia.
94
Figura 15: Educação e saúde na Prelazia
Fonte: Alvorada (2004, p. 10).
Nota: A educação e a saúde foram e ainda são duas bandeiras de lutas da evangelização
de Casaldáliga e da Prelazia. Apesar das conquistas, como se acima, com o
crescimento da população continuam muitos desafios.
As circunstâncias têm levado à criação desses organismos de força política,
cujos resultados têm sido expressivos. Em setembro de 1994, foi criado o GAC,
em Ribeirão Cascalheira, para ajudar famílias que estavam enfrentando
problemas (Relatório..., 1995, p. 2). Em Confresa, em junho de 2003, “o MRC
surgiu da indignação que causam os desmandos da administração municipal, com
a complacência da Câmara Municipal” (Alvorada, 2003a, p. 7). Para o presidente
do movimento, a atuação da Prelazia foi determinante em seu surgimento e
manutenção.
95
“Para a criação do Movimento Reage Confresa, a participação do
missionário redentorista Pe. Geraldo Magela foi fundamental. Ele foi o
interlocutor desse projeto. A princípio começou meio quebrado, meio fraco,
mas depois, com o tempo, o povo foi reagindo e a gente conseguiu formar
um grupo forte e bem estruturado. E teve também a participação do bispo
Pedro, que nos orientou muito em nossas visitas a Brasília, para a gente
reivindicar lá, junto a ministérios, na defesa de nossa cidade” (Dias, 2004).
A insistência do MRC resultou no pedido de afastamento do prefeito Irom
Marques Parreira, depois de um feito inédito no Estado do Mato Grosso: “o
Tribunal de Contas do Estado decidiu pelo Pedido de intervenção no município de
Confresa. É a primeira vez, em 50 anos de existência, que o TCE pede uma
intervenção num município”
13
(Alvorada, 2003b, p. 6).
O CIMI tornou-se uma organização expressiva dentro e fora do Brasil, com
influência do jeito da Prelazia de trabalhar com seus indígenas e com a presença
de Casaldáliga. A Prelazia passou a ter agentes deliberados para atuarem
diretamente com os Tapirapé e os Karajá. À serviço dos povos indígenas, está
organizado em todo o Brasil.
“Para articular, assessorar e orientar a ação missionária, o Cimi está
organizado em 11 regionais no País e um Secretariado Nacional, localizado
em Brasília-DF. O Cimi é constituído por 408 missionários(as).
Articulado(as) em 112 equipes. São leigos(as), padres e religiosos(as) que
buscam, com a presença solidária, o compromisso e o testemunho,
colocar-se a serviço da vida dos povos indígenas” (Cimi, [2002],
p. 13).
13
Com o afastamento do prefeito, assumiu o vice, que se lançou candidato a prefeito nas eleições
de 2004. Mas para esse cargo foi eleito o vereador, principal opositor de Irom e membro do MRC,
Mauro Sérgio, do PT.
96
Figura 16: Mapa do
CIMI no Brasil
Fonte: CIMI ([2002], p.
9).
Nota: Casaldáliga e a
experiência com os
indígenas na Prelazia
foram importantes
para a criação do
CIMI, que hoje, como
se nota, atua em todo
território nacional.
Na Prelazia, o
caso de maior
destaque, ultima-
mente, é o da
reintegração de
posse exigida pelos Xavante. Considerar sua história e influências a que se
submeteram é indispensável para se entender os conflitos de então.
“Até o início da década de sessenta, habitavam tradicionalmente a região,
ora conflagrada, os índios Xavante. Nessa mesma época, a política de
incentivos fiscais do governo federal estimulou o capital industrial e
financeiro, nacional e internacional, a se instalar aqui, o que resultou na
abertura de grandes fazendas e também na deflagração de conflitos com
os índios e com posseiros. Foi assim que aqui se instalou a ‘Agropecuária
Suiá-missu’. O preço de sua instalação foi a retirada forçada dos índios que
ali habitavam na, então denominada, Aldeia São Félix“ (Moraes, Maria
José de Souza, 2004, p. 5).
A Suiá-missu foi criada na década de 1960, para ser a maior fazenda de
criação de gado do mundo, com quase 700.000 hectares. Comprada pela
97
Lukfarma, foi ocupada por posseiros, a ponto de formar o pequeno povoado de
Estrela do Araguaia (Posto da Mata). Em 1968, o Exército e o SPI retiraram os
índios daquela região e os levaram para o cerrado da Bacia do Rio das Mortes.
“Na Eco-92 do Rio de Janeiro, pressionada por ONGs, a Eni-Agip (responsável
pela exploração da área) prometeu verbalmente devolver a terra (168 mil
hectares) aos índios Xavante(Alvorada, 2004, p. 12). Foi quando fazendeiros e
políticos da região e do Estado incentivaram a presença de posseiros naquela
área.
Depois de muitas especulações e indecisão por parte da justiça, no final de
outubro de 2003, os Xavante reocuparam sua antiga terra, a Marãiwatsede (ou
Suiá-missu). O tema mais uma vez veio a público. Os índios bloquearam estradas,
destruíram pontes e estavam dispostos a realizar o desejo de seus anciãos:
“morrer nas terras de seus ancestrais”. “Cerca de 300 xavantes de aldeias nos
municípios de Canarana e Campinápolis deslocaram-se para a BR-158,
ameaçaram entrar nas terras homologada em nome da União em 1998 e
dizem que não saem do lugar até a decisão judicial” (Oliveira, 2003, p. 3b).
Posterior à mobilização dos Xavante, veio a dos posseiros no município de
Alto Boa Vista. Contrariando promessa feita à SEJUSP, “pequenos agricultores
(posseiros) da fazenda Suyá Missú [sic] estão mantendo a BR-158, na altura da
cidade de Alto Boa Vista, bloqueada...” (Neves, 2003, p. 3b).
Os que discordam da histórica postura da Prelazia de defesa dos Xavante,
vêem contraditória sua posição no caso específico da Suiá-missu, contrariando a
presença de posseiros que se encontram e foram, desde o início, defendidos
por ela.
98
“A Igreja na nossa região não teve um papel de pacificador entre índios e
posseiros. Não foi esse o papel que a Igreja teve aqui. O que ela fez foi
incentivar as invasões e apoiar os invasores. Eu não posso concordar que
ela apoiava os índios porque, temos um exemplo agora, de índios e
posseiros (da Suiá-missu). Ela ficou do outro lado (dos índios).”
(Limoeiro, 2004).
Para Casaldáliga, a posição da Prelazia é clara e nela tem insistido:
“Primeiro, o direito dos povos indígenas, porque é um direito primogênito, primeiro,
anterior. Em segundo lugar, evidentemente, o direito à terra. Agora, não em cima
da terra indígena” (Casaldáliga, 2004b).
A postura de Casaldáliga e de sua igreja trouxe-se mais uma ameaça de
morte: “devido ao conflito entre posseiros e índios Xavante, iniciado dia 11 (de
dezembro de 2003) em Alto da Boa Vista [sic], o bispo dom Pedro Casaldáliga
vem sofrendo ameaças de morte. Inclusive o preço pela morte do líder religioso
teria sido estabelecido: R$ 60 mil” (Moreira, 2003, p. 7). Em retaliação à atitude da
Prelazia, em paredes da igreja de Alto Boa Vista houve pichação de expressões
condenatórias a Casaldáliga, do tipo: “padre espião traidor”, “queremos padre
verdadeiro”, “A Prelazia é a favor da fome do povo”, “contra o povo e o Brasil”
(Alvorada, 2004, p. 12).
Para a Igreja de São Félix a sua posição é clara: além de reconhecer os
direitos desses povos, os Xavante, ela tem que “condenar as manobras desses
incentivadores e reivindicar terra, fora da área indígena, logicamente, para os
verdadeiros lavradores sem terra que se encontram na área” (Alvorada, 2003a, p.
7).
99
A CPT, no que se refere à organização, articulação e expansão, seguiu
linha parecida com a do CIMI. “A CPT (assim como o próprio CIMI), teve a
sensatez de nascer a serviço de. Fez (e faz) questão sempre de dizer que não
queria (e não quer) substituir as organizações naturais dos lavradores”
(Casaldáliga, 2003a). Tem abraçado também, além da terra, a água como sua
bandeira de luta. Nas romarias promovidas pela CPT, Brasil afora, “a Romaria da
Terra tornou-se também Romaria das Águas. Água que sacia a sede do ser
humano e da terra” (CPT, 2002, p. 10)
Com mais atividades na Prelazia, devido à realidade de constantes conflitos
agrários, em todos os regionais, a CPT tem se deparado com problemas que vão
desde o simples apoio ao trabalhador, na conquista e manutenção da terra, até
denúncias de trabalho escravo. O trabalho conjunto tem reforçado mais ainda sua
ação no meio dos trabalhadores posseiros, assentados e indígenas. “A equipe da
CPT contou as atividades desenvolvidas com os sindicatos, o trabalho iniciado
com mulheres, o apoio a associações preocupadas em melhorar a produção e a
comercialização e a resolver os conflitos pela posse da terra” (Relatório..., 1995, p.
4).
O trabalho escravo, que não se reduz à questões agrárias
matogrossenses
14
e que tem crescido, segundo pesquisa da própria CPT (Canuto
e Silva, 2002, p. 6), tem sido um de seus temas importantes. Além de documentar
14
Cockburn (2003, p. 58-81) fez uma importante reportagem sobre a escravidão no mundo,
especificando as suas mais diferentes formas. Longe de ser um tema de outrora, essa reportagem
mostra que, lamentavelmente, a escravidão é uma realidade internacional gritante, pública e
injusta, e atualíssima principalmente nos países mais pobres do mundo. “(A reportagem) trata de
27 milhões de pessoas que são compradas e vendidas, mantidas em cativeiro, agredidas e
exploradas” (Cockburn, 2003, p. 58).
100
os conflitos ocorridos nos campos brasileiros, a CPT mostra que as causas desses
conflitos continuam as mesmas: “terra, renda e poder” (Moreira e Rezende, 2004,
p. 34). Sua atuação teve, não em relação ao trabalho escravo, mas em relação
a outras realidades gritantes dos trabalhadores do campo, reconhecimento e
resultado internacionais.
“...as denúncias de trabalho escravo, das condições de trabalho a que são
submetidas as crianças no campo, de assassinato de lideranças e de
grilagem de terras, ganharam, a partir da atuação da CPT, visibilidade e
dimensão internacionais. O resultado dessas denúncias, difundidas em
várias partes do globo, foi fundamental para conter algumas injustiças
extremas” (Souza, 1997, 12).
Mas os fazendeiros da região da Prelazia, especificamente, não concordam
que a CPT tenha contribuído para que ali houvesse o que entende ser
desenvolvimento. Para o presidente da ASFAX, a CPT subverte a ordem, planta
discórdia e comete injustiças. Perguntado sobre a relação da CPT com a
associação que preside, foi direto:
“(A CPT e a ASFAX) não têm trabalho conjunto, não combinam e também
não ficam cada uma na sua. Nós encaramos a CPT como inimigo nosso.
Reconheço que o trabalho que a CPT faz é um trabalho de subversão da
ordem, porque ela está plantando a discórdia, está radicalizando demais.
Ela está se valendo da teoria de que os fins justificam os meios. Ela comete
injustiças. Ao incentivar movimentos injustos, ela está cometendo crimes,
ou seja, está corroborando para que o crime seja cometido. Quando você
faz uma invasão, você comete um crime...” (Neto, 2004).
101
Depois de começar do simples apoio a posseiros, a CPT buscou defender o
assentado, num trabalho organizado e de parceria, articulando meios para a
implantação e manutenção da agricultura familiar e de vários outros projetos. O
intento era a valorização da família na terra, produzindo sem destruir a
biodiversidade. Procurando atualizada-se sempre, quanto aos novos horizontes a
atingir, a CPT depara-se, ultimamente, com um grande adversário: o agro-
negócio.
Dos saldos positivos na balança comercial brasileira, o carro-chefe foi o
agro-negócio e deste, destaca-se a soja. Para se ter uma idéia, “do que Mato
Grosso exporta, 88% está ligado à soja. Dos 28 milhões de hectares desmatados
em Mato Grosso, 5 milhões são usados na agricultura; e, desses, 4 milhões na
soja” (Sant´anna, 2003, p. b6). Conseqüentemente, nos últimos anos tem crescido
demasiadamente o desmatamento em toda região da Prelazia, particularmente em
Querência. Nessa cidade instalaram-se o Grupo Maggi comandado pelo então
governador de Mato Grosso Blairo Maggi e Wander de Souza, reis da soja e do
algodão, respectivamente. Ambos devastaram milhares e milhares de hectares de
matas virgens, impulsionados pelo plantio de soja e de algodão, fazendo de
Querência a líder no ranking de queimadas, no Estado, contribuindo para que
Mato Grosso seja o campeão nacional em queimadas, tendo mais que o dobro de
seu segundo colocado, o Pará (Sant’anna, 2003, p. 7). Essa situação preocupa a
CPT local e, a própria Prelazia como um todo, porque é o latifúndio que vem
fortemente, impondo-se, e agora com suporte do governo do Estado e o estímulo
do comércio internacional.
102
Sobre o histórico processo de queimadas e destruição das matas da
Amazônia legal e a ineficiência e incompetência dos órgãos responsáveis pela
fiscalização das fazendas que nunca seguiram as exigências legais, Casaldáliga
afirma:
“Eu tenho uma convicção, a tenho repetido várias vezes e até hoje ninguém
me desmentiu: desde que cheguei aqui, nestes 35 anos, de Barra do
Garças até a divisa com o Pará, onde termina a Prelazia, foi desmatado e
queimado 80% do território. Houve uma época em que desafiamos
algumas autoridades federais a apontar uma fazenda em toda a
Amazônia Legal que tivesse cumprido com aqueles requisitos que
teoricamente se exigem, como respeitar a área de mata, favorecer o
emprego de mão de obra e produzir o que se dizia. Esta fazenda nunca nos
foi mostrada. São só léguas e léguas de queimadas e destruição. A
fiscalização tem sido ou nula, ou corrupta, ou sem estrutura. Às vezes,
funcionários destas autarquias oficiais não têm carro ou lhes falta
combustível para atender uma área infinita. Tanto o Incra, quanto o Ibama
e a Funai, com muitíssima freqüência, estão desaparelhados” (Casaldáliga
apud Vargas, 2005).
Para a CPT e para Casaldáliga, o agro-negócio gera violência e é
devastador, embora a mídia diga o contrário. Se de um lado ele tem aumentado a
riqueza do Brasil de alguns brasileiros na verdade –, dados da CPT indicam que
a monocultura no Brasil tem gerado, necessariamente, violência.
“O agro-negócio, cantado insistentemente pela mídia como o que mais
certo hoje no país, é violento. Nossa publicação ‘Conflitos no campo-Brasil
2003’ mostra que onde cresce o agro-negócio crescem, na mesma
proporção, o conflito e a violência. Mais de um milhão de pessoas foram
103
vítimas de algum tipo de violência, sobretudo nos Estados onde está se
expandindo a monocultura da soja, do eucalipto, do pinus, do bambu, da
cana, do algodão, da laranja, do fumo e criação de gado” (Alvorada, 2004,
p. 5).
Quanto aos assentados, propriamente, para Casaldáliga é indispensável
que se faça a reforma agrícola e se proporcione a eles boas condições de
manuseio da terra e de lazer. Sem isso, continuar-se-á cometendo os mesmos
erros.
“Fundamentalmente o grande desafio na região é a reforma agrícola. Nós
temos assentamentos e muitos deles são assentados pacíficos,
enquanto ao estar na terra. Mas falta uma reforma agrícola: o
acompanhamento técnico, vendo previamente a distribuição das
oportunidades de cada região, o risco, a ameaça constante da
monocultura. Sem essa reforma feita com seriedade, o campo, diríamos,
não se torna atrativo. É bom lembrar que a vocação agrícola é também,
poderíamos dizer, uma vocação ao lazer, ao bem estar. Essas condições
devem ser proporcionadas. Caso contrário, continua aquela velha história:
a família deixa a casa de campo e vai para a cidade, geralmente em
condições precárias. Então é necessário lazer... sobretudo para a
juventude, e também para o resto da família, com digna assistência à
saúde, à educação, à comunicação...” (Casaldáliga, 2003b).
A prática do ecumenismo na Prelazia deu-se, continuamente. Sem apologia
ou discriminação, procurou aproximar-se das igrejas presentes para os diversos
trabalhos de cunho social, assistencial e reivindicatório. Mas também teve
momentos fortes de ecumenismo em eventos celebrativos e até de parcerias mais
expressivas.
104
A romaria dos mártires da caminhada é um espaço significativo dessa
prática. “Da Romaria participaram também o Pastor Rony, da Igreja Luterana e o
Bispo Almir da Igreja Anglicana” (Alvorada, 2001, p. 12). Neste mesmo ano, em
Vila Rica, o padre, o pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil e
os fiéis de ambas as igrejas inauguraram uma mesma igreja para, semanalmente,
terem celebrações, ora presididas por um luterano, ora um católico. A mesma
comunidade tem um mesmo conselho pastoral, formado por pessoas das duas
igrejas (Gonzaga, 2001, p. 32). Luteranos, geralmente vindos do sul do país,
sempre tiveram uma relação cordial com a Prelazia, participando inclusive de
assembléias (Relatório..., 1993, p. 1).
Um dos últimos temas polêmicos que teve a radical oposição da Prelazia foi
a implantação da Hidrovia Araguaia-Tocantins, que tornaria esses rios aptos para
o transporte fluvial, segundo intenções do governo federal. Mas, se de um lado os
que defendiam o progresso como uma fonte de desenvolvimento para todas as
cidades e regiões que se encontram à margem desses rios a hidrovia era bem-
vinda, a Prelazia, populações indígenas locais e outros, baseados também em
parecer técnico, fizeram oposição ferrenha a essa implantação.
A implantação da Hidrovia Araguaia-Tocantins tomou pulso no ano de 2000.
Existente desde 1995, quando foi entregue a Administração da Hidrovia Tocantins-
Araguaia (AHITAR), o seu projeto teve fortes rejeições, com questões não
jurídicas, mas, sobretudo, ambientais, étnicas e econômicas. Fazer do Araguaia
um canal fluvial alternativo para escoamento da produção, fazia parte do PPA
2000-2003, batizado de “Avança Brasil”. Para a Prelazia, a Hidrovia Araguaia-
Tocantins é tecnicamente inviável e mais um projeto do governo, cujo benefício
contempla os latifundiários da região, em detrimento dos povos indígenas e da
105
biodiversidade sobretudo. (Prelazia..., 1988, p. 5). Para discutir se a hidrovia seria
viável ou não, a Prelazia foi a primeira instituição a promover uma audiência
popular sobre o tema, em abril do ano 2000. Dessa audiência, participaram, além
de técnicos, ambientalistas, políticos, pequenos produtores e ribeirinhos, tribos de
várias etnias: Apinajé, Javaé, Xavange, Xerente, Tapirapé, Krikati, Krahô e Karajá.
Para esses povos indígenas uma coisa estava claro, como expressaram na
“Declaração dos filhos dos rios”:
“A construção da hidrovia trará grandes prejuízos, como: poluição dos rios,
destruição do habitat natural de peixes e de tartarugas, prostituição de
nossa mulheres, secar rios (Javaé, Tapirapé) e lagos, e ocorrerão invasão
das nossas reservas. Por isso invocamos o artigo 231, parágrafo terceiro
da Constituição Brasileira” (Avlorada, 1999, p. 6).
Para a Prelazia e para os povos indígenas, a construção da hidrovia não
era simplesmente uma questão de querer ou não o progresso para a região. A
questão é mais complexa: todos querem o progresso, mas um progresso para
todos e que tenha a participação de todos em sua construção.
“Nós queremos que o progresso que tanto se fala seja realmente para
todos, mas para isso é necessário que o pequeno produtor, os povos
indígenas, os ribeirinhos e todo o povo da região participem dele. Por isso
lutaremos para que os projetos propostos para a região tragam o progresso
que queremos para todos” (Alvorada, 1999, p. 6).
Por fim, nesse período de suplência – em que a Prelazia não teve a
participação direta nos partidos políticos e nas administrações públicas, como
vinha acontecendo –, a Igreja de São Félix do Araguaia foi mudando suas vias de
106
ação. Diante de um público mais diversificado e populoso e, por isso, mais
exigente, sem as injustiças advindas da ditadura militar e com a crescente
investida do grande capital, pôs-se a formar lideranças e a incentivá-las a
participarem, como forças políticas organizadas e exigentes, do processo histórico
da região. Não abandonou, contudo, mesmo diante de uma oposição também
mais organizada e crescente, de sua radical opção pelos pobres, expressando
isso nas atitudes de seu bispo, nos testemunhos de seus agentes de pastoral, nas
celebrações cotidianas, nas manifestações das quais participa, na espiritualidade
historicamente exercitada, na pastoral articulada, na estrutura de igreja que ali foi
consolidando-se.
1.6 Quinto período: transição episcopal (2001-2005)
Depois de completar 75 anos de idade, um bispo deve afastar-se do
comando de sua diocese ou Prelazia. Foi o que fez Casaldáliga. E na perspectiva
de sua saída, conduziu sua Igreja a produzir um manual que assegurasse a sua
estrutura construída, no decorrer de sua história. E, em meio a especulações
dentro e fora da Igreja, esse processo de transição foi sendo conduzido.
Anos antes da transição ser efetivada, a Prelazia discutia e se preparava
para esse processo, atenta a meios para assegurar sua peculiaridade estrutural.
As Linhas básicas da vida da Prelazia, destacadas para a assembléia pastoral de
2001, trouxeram temas de ordem interna, tendo em vista o processo de transição
episcopal. As linhas da espiritualidade, da pastoral e da estrutura foram
consideradas fundamentais para garantir a continuidade de seu jeito de ser
(Relatório..., 2000, p. 3).
107
A Prelazia, que em toda sua história fez questão de não criar regras rígidas
e impô-las a qualquer custo sobre seu povo, quis, a essa altura, fazer uma
coletânea das práticas vividas ao longo de sua existência. Produziu, antes do
pedido de afastamento de Casaldáliga, um manual contendo as linhas
fundamentais de sua pastoral
15
. Em sua Carta Circular de 2002, o bispo diz sobre
sua importância:
“Depois de vários anos de experimentação, acabamos de aprovar o
‘Manual da Prelazia de o Félix do Araguaia: objetivo, atitudes, normas’.
Uma espécie de diretório espiritual e pastoral, breve porém denso, que
recolhe o objetivo da nossa Igreja, as atitudes maiores que devemos
cultivar e uma série de normas que configuram a estrutura e a ação desta
Igreja Particular de São Félix do Araguaia” (Casaldáliga, 2002, p. 3).
O manual, basicamente, traz o objetivo e as normas principais estas
vivenciadas e aprovadas ao longo da existência da Prelazia –, que norteiam hoje a
vida e a pastoral da nossa Igreja” (Prelazia..., 2002, p. 5). Em seguida, localiza-se
dentro das normas oficiais da Igreja, da CNBB e das conferências episcopais
latino-americanas. A Prelazia busca responder às exigências de três princípios
que tem buscado potenciar: A vivência comunitária, a co-responsabilidade de
todos e a subsidiariedade” (Prelazia..., 2002, p. 5).
No objetivo geral, fica claro que toda ação da Prelazia, no seguimento de
Jesus e em comunhão com a Igreja, é uma busca de “viver e anunciar a Boa Nova
do Evangelho com alegria, jeito humilde e paixão, para acolher o Reino de Deus e
15
Mas a Prelazia tinha formulou o seu primeiro objetivo pastoral, aprovado em 1972
(Casaldáliga, 2002, p. 2). Com o manual, o objetivo foi mudado em alguns pontos, mas mantendo
o essencial de sua opção fundamental outrora traçada.
108
contribuir em sua construção aqui na Terra, na esperança do Reino Definitivo”
(Prelazia..., 2002, p. 7). Concretamente, isso se dá:
“a) Sendo presença evangélica e testemunho profético na Igreja e na
Sociedade, sempre a partir dos pobres e excluídos; b) Lutando pela justiça,
pelos direitos humanos, na política, no sindicato, no movimento popular, na
militância ecológica, em busca de uma Sociedade igualitária e solidária e
de uma Terra-Mãe preservada; c) Acolhendo e valorizando, com espírito
crítico, as diferentes culturas e vivências religiosas; d) Formando
comunidades participativas, organizadas e com espiritualidade pascal; e)
Promovendo a vida de todas as pessoas e da natureza” (Prelazia..., 2002,
p. 7).
As prioridades assumidas por toda a Prelazia são: formação para os
agentes de pastoral, animadores e animadoras das comunidades; autonomia em
pessoal e economia, promovendo a co-responsabilidade na promoção da pastoral
vocacional e participação na manutenção da Prelazia, através do dízimo,
principalmente; e pastoral sócio-política, sendo, como Igreja, presença evangélica,
ecumênico e dando testemunho profético na região, no Brasil e na América Latina,
em busca de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna (Prelazia..., 2002, p.
8).
“Estruturas” é o terceiro ponto do manual. O primeiro sub-ponto tratado é o
“pessoal”. Trata-se dos agentes de pastoral e dos animadores e animadoras de
comunidade. Os primeiros são formados por ministros ordenados, religiosos,
religiosas, leigos e leigas; os últimos são as lideranças que sustentam a pastoral,
diariamente. O segundo sub-ponto é comunidades, regionais e conselhos. Diz que
a Prelazia é uma rede de comunidade eclesiais, seu espírito é o das CEBs, está
109
estruturada nos conselhos regionais e suas comunidades são coordenadas pelos
conselhos locais, regionais e geral, segundo as atribuições de cada um. Particular
aceno tem o conselho geral: além do bispo e do vigário geral, de representantes
leigos de cada regional, de um representante das equipes pastorais e um
representante da equipe administrativa, tem um representante do CIMI, da CPT e
da PJ. Sobre “pastorais”, todas devem ser assumidas pelos agentes e animadores
das comunidades, mesmo as que têm acompanhamento específico como o CIMI,
a CPT e a PJ. “Assembléias e encontros” é o quarto sub-ponto. A assembléia
pastoral acontece, anualmente, com membros dos conselhos regionais, do
conselho geral e pela equipe pastoral. É soberana para deliberar sobre quaisquer
assuntos referentes à Prelazia. Em cada regional, acontece a assembléia das
comunidades e, de três em três anos, realiza-se a grande assembléia do povo,
mais celebrativa e com mais participação das comunidades. De tempo em tempo,
celebra-se a romaria dos mártires da caminhada, em Ribeirão Cascalheira. Por
fim, a “economia”: como gesto de solidariedade com o povo, por meio de espírito
de pobreza evangélica. Buscando a autonomia econômica, a administração da
Prelazia deve ser expressão da sobriedade, da partilha e da comunitariedade.
Concretamente, isso se efetiva cuidando-se dos bens materiais da Prelazia, tais
como igrejas, terrenos, casas, arquivos e documentos, com crescente atenção e
dedicação à autonomia econômica, visando a manutenção dos agentes de
pastoral e dos bens materiais móveis e imóveis de cada regional. Todas as
administrações, a local, a regional e a central, devem ser feitas comunitariamente
e com prestação de contas pública e regularmente (Prelazia..., 2002).
“Sacramentos” é o quinto e último sub-ponto. Traz normas básicas sobre a
prática dos sacramentos, na Prelazia, a partir das prescrições oficiais da Igreja.
110
Faz referência ao tempo de preparação, idade para se fazer a primeira eucaristia,
a crisma e o matrimônio, localidade, registro. Recomenda que, nas comunidades,
haja confissões comunitárias pelo menos três vezes por ano e que os padres
facilitem a confissão individual, quando solicitados. E ainda deve-se insistir na
participação dos pais e padrinhos na vida da comunidade. Quando estes forem
reconhecidamente “opressores do povo”, sem atitudes de conversão, não deverão
ser aceitos tanto para serem padrinhos de batismo como para testemunhas do
matrimônio. Em se tratando dos que moram distantes, que se tenha, em relação a
eles, maior compreensão quanto à participação na comunidade e à preparação
para os sacramentos. (Prelazia..., 2002).
Após, concluído, aprovado e divulgado o manual, a particular expectativa da
Prelazia tem sido, particularmente, a transição de seu bispo. com mais de trinta
anos de Prelazia e tendo atingido o limite da idade canônica, para continuar
suas atividades pastorais, Casaldáliga tomou as providências devidas: “completou
75 anos em 16 de fevereiro (de 2003) e no dia seguinte enviava a carta de
renúncia ao então papa João Paulo II, conforme prevê o Direito Canônico” (Costa,
2003, p. 41). E embora demonstrasse o desejo de continuar morando na Prelazia,
estava pronto para se retirar: “Se o novo bispo for de outra linha, me retiro para
não criar tensões” (Casaldáliga apud Costa, 2003, p. 42).
Em meio às especulações e indecisões sobre o sucessor de Casaldáliga,
era evidente, dentro da Prelazia, o desejo de pessoas diretamente ligadas a
atividades pastorais de que o novo bispo fosse mais voltado às práticas eclesiais,
sacramentais, propriamente. Perguntada sobre o que esperava do novo bispo, em
março de 2004, Cleuzeri foi categórica: “Tem um ano que estamos esperando.
Espero que ele esteja mais voltado para a Igreja, para a religião. Que mais
111
importância aos casamentos, aos batizados. Que ele faça as mudanças
necessárias” (Xavier, 2004). Mas, para os que tradicionalmente defendem o
trabalho de Casaldáliga, o desejo é de que o novo bispo siga sua mesma linha.
Externamente, que abrace as causas e lutas do povo; internamente, que
possibilite ao povo da Prelazia a participação nas decisões, como sempre fez
Casaldáliga.
“Que o novo bispo continuidade ao trabalho do Pedro, que também faça
parte da nossa história, da história das nossas cidades. Que abrace nossas
causas, que são outras. Antes nós lutávamos por terra, mas hoje a luta é
também contra prefeitos corruptos, contra as desigualdades sociais etc.
Essas causas devem ser abraçadas. E que a luta continua. Que o novo
bispo não decida nada sozinho, porque as comunidades participam das
decisões; as pessoas falam, dão idéia e decidem” (Vasconcelos, 2004).
Depois de mais de dois anos de espera, antes ainda de divulgar o nome do
novo bispo, o núncio apostólico chegou a cogitar a saída de Casaldáliga da região,
visando facilitar o processo de transição. Essa atitude causou grande impacto,
considerando o trabalho e o desejo de Casaldáliga de ficar morando na região,
depois de seu afastamento (Diniz, 2005, p. 12) e “ser sepultado no Araguaia”. A
reação foi imediata, dentro e fora da Prelazia.
Reunidos em assembléia pastoral, cento e dezoito representantes de todos
os trabalhos da Prelazia manifestaram-se por escrito, inicialmente, sobre o
processo de escolha de bispos na Igreja e, em seguida, sobre o pedido de
afastamento feito a Casaldáliga. Dizem:
112
“...com milhões de irmãos e irmãs de nossa Igreja Católica, nos sentimos
na obrigação de consciência de contestar o procedimento atual na
nomeação de bispos. O Evangelho pede outro modo de proceder. A Igreja
deve dar ao mundo testemunho de respeito aos direitos humanos e de co-
responsabilidade fraterna. O autoritarismo e a falta de transparência são
um escândalo, mais ainda hoje, quando se busca construir uma civilização
nova de diálogo e participação” (Prelazia..., 2005).
Depois de denunciar que o processo de escolha do novo bispo para a
Prelazia vinha sendo feito sob segredo e sob o prisma do poder e da
desconfiança, os membros da assembléia questionam se, mais uma vez,
autoridades conservadoras da Igreja pretendiam destruir uma caminhada sofrida e
pautada pela esperança.
“Admiramos a atitude do bispo Pedro, disposto a se afastar da cidade de
São Félix do Araguaia e ada região da Prelazia, se isto facilitar a ação
pastoral do novo Prelado; mas nós não podemos aceitar que se exija este
afastamento como condição para a vinda do novo bispo, sobretudo
considerando a idade e a saúde do bispo Pedro e os seus 36 anos de
convivência conosco e de entrega às causas do nosso povo. Somos a sua
família e a Prelazia é o seu lar” (Alvorada, 2005, p. 12).
Inúmeras foram as manifestações de solidariedade a favor de Casaldáliga e
da Prelazia, de sua caminhada e de seu jeito de ser, demonstradas por pessoas e
entidades, dentro e fora da Prelazia, dentro e fora da Igreja e do Brasil. Motivado
ou não por essas manifestações, o processo deu-se, por fim, de forma pacífica e –
pelo menos é o que parece – a favor de Casaldáliga e de sua Igreja.
113
“Acabou a polêmica que vinha entristecendo a região de São Félix do
Araguaia e ganhando as manchetes do Brasil e do mundo. Depois de muito
mistério, D. Pedro ficou conhecendo o nome de seu substituto. Trata-se do
padre Leonardo Ulrich Steiner, de Santa Catarina” (Freitas, 2005).
Depois das boas informações sobre o seu substituto, Casaldáliga
manifestou-se esperançoso. Além de estar presente em todo processo de
transição, continuará morando na mesma casa do novo bispo. Poderá, assim,
cumprir seu desejo de ser sepultado no cemitério dos pobres, à margem do Rio
Araguaia, em São Félix.
“Dom Pedro está contente, pois trata-se (o que será o novo bispo) do
primo-irmão do antigo arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns,
grande defensor dos direitos humanos. E, pelo que conversou na manhã
dessa sexta-feira com seu substituto e com a Rádio Nederland, não haverá
nenhum inconveniente para que continue morando nesta prelazia,
cumprindo seu sonho de passar ali o resto de sua vida e ir para sua última
morada, no cemitério da cidade, ao lado de posseiros e gente simples,
como o bispo conhecido por andar sempre de sandálias havaianas, como
os fiéis da região pobre” (Freitas, 2005).
Perguntado sobre o que o novo bispo iria encontrar na região da Prelazia,
diz Casaldáliga (2004b), sob risos: “Vai encontrar o Rio Araguaia. Vai encontrar
muita gente boa. Muita gente que sofreu, que lutou, que apanhou. Vai encontrar
114
agentes de pastoral muito generosos... E vai encontrar por aqui também o Espírito
Santo” E sobre o que espera de seu substituto, pronunciou com firmeza:
“Espero que seja um bom seguidor de Jesus. Espero que se faça bastante
povo. Espero que conserve a memória dos mártires. Espero que estimule a
esperança. Esta é uma primeira palavra. Uma segunda palavra e uma
última palavra: nós somos um povo da esperança, nós somos páscoa!”
(Casaldáliga, 2004b).
Entrevistado pelo Alvorada (2005a, p. 10) antes de sua posse, o novo bispo
da Prelazia respondeu a umas questões pertinentes. Sobre suas primeiras
impressões da região, diz, praticamente, o mesmo que sentiu Casaldáliga mais
de 35 anos atrás: “as (dificuldades) que senti até agora são as distâncias. Não
apenas a distância geográfica, mas, principalmente, a distância de quem está
chegando”. E reconhece que a Igreja, a Prelazia, tem lutado a favor dos povos da
região e da preservação da natureza, e que esse trabalho continuará.
“A história dos conflitos de terra da região, onde se encontra a Prelazia, é
conhecida mundialmente. Esta Igreja se fez presente, denunciando e
buscando soluções. Não porque lhe interessasse a posse da terra, mas lhe
interessava o povo que habitava a terra. E vamos continuar a nos
interessar pelo povo desta terra” (Alvorada, 2005a, p. 10).
Ulrich reconhece que o trabalho da Prelazia, na região, é trabalho da Igreja.
Que ela, na região, sempre esteve ao lado dos indígenas, não por serem frágeis,
mas por serem irmãos e irmãs e por morarem nessas terras primeiro e dela
115
saberem cuidar. E acrescenta: “como ajudá-los se às vezes se encontram quase
desenraizados e ainda por cima sem a terra?” (Alvorada, 2005a, p. 10). Por fim,
reconhece que somente o tempo e o trabalho eclesial ensinarão a trabalhar esses
conflitos, ainda presentes na Prelazia.
A transição, propriamente, deu-se, na celebração eucarística do dia 01 de
maio de 2005, no Centro Comunitário de São Félix do Araguaia. Onze bispos e um
pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil estiveram presentes,
bem como representantes do CIMI, da CPT, das pastorais sociais da Arquidiocese
de São Paulo, agentes de pastoral, amigos de Goiânia, animadores de
comunidades e admiradores de Casaldáliga. Prevista para ter início, às margens
do Rio Araguaia, onde Casaldáliga foi sagrado bispo em 1971, a celebração
começou à noite, no centro comunitário. O bispo de Cuiabá, Dom Milton Antônio
dos Santos leu a bula de nomeação (Alvorada, 2005b, p. 10). Outro momento
expressivo foi a entrega do anel de Tucum ao bispo substituto, feita por
Casaldáliga.
“Pedro, ao entregar a Leonardo o anel de tucum, relembrou que as causas
que defendemos definem quem somos e que as causas desta Igreja são
de todos conhecidas: opção pelos pobres, defesa dos povos indígenas,
compromisso com os lavradores e sem-terra, formação de comunidades
inculturadas e participativas, vivência eficaz da solidariedade” (Alvorada,
2005b, p. 10).
Após receber as chaves da catedral, do escritório de administração e do
arquivo, o novo bispo disse que, no que depender dele, a caminhada da Prelazia
seguirá o mesmo ritmo: “Vamos continuar lutando pelos povos indígenas e pela
116
reforma agrária” (Alvorada, 2005b, p. 10). Ao final da celebração, Ulrich externou
palavras de agradecimentos e gratidão a todos. Para Casaldáliga, disse:
“Pedro! Para alguns, pedreira, pedra de tropeço, pedra no meio do
caminho.
Pedro! Para tantos outros Pedro-pedra, pedra-Pedro, porto seguro, chão,
alicerce, rumo, direção.
Pedro pastor: seguidor-perscrutador de Jesus.
Pedro poeta,
Pedro profeta,
Alma poeta
Coração profeta.
Serás sempre nossa pedra, o primeiro, que remete a Jesus.
Continuarás para todos sendo o que sempre foste: pai” (Alvorada, 2005b,
p. 10).
Figura 17: Dom Pedro Casaldáliga e Dom
Leonardo Ulrich
Fonte: Alvorada (2005, p. 10).
Nota: ao final da celebração de posse do
novo bispo, Leonardo Ulrich, Casaldáliga
coloca um anel de tucum em seu dedo.
Natural de planta nativa da região, o anel é
o símbolo da evangelização libertadora a
favor dos pobres latino-americanos.
Esse período de transição episcopal da Prelazia de o Félix do Araguaia
foi dando-se, em suma, de forma diplomática, apesar da tentativa do núncio
apostólico de afastar Casaldáliga da região, para facilitar a chegada do novo
bispo. Mas, para se chegar a esse momento, durante os últimos anos, o bispo, os
agentes de pastoral e os animadores das comunidades compendiaram, em
manual, objetivos, atitudes e normas da Prelazia. Com isso, pretende-se
assegurar, oficialmente, toda estrutura e organização dessa igreja particular,
117
conhecida, mundialmente, pela sua opção e testemunho eclesial alimentados pela
Teologia latino-americana da Libertação. Mesmo com as manifestações de
repúdio, à tentativa do núncio, os últimos acontecimentos indicaram que a
transição seria fraternal, e a Prelazia não teria um novo bispo que representaria
mudança drástica de sua linha pastoral ou uma volta à grande disciplina. A
transição aconteceu e os indicativos apontam para uma continuidade das opções
fundamentais e dos trabalhos de evangelização realizados por Casaldáliga e sua
igreja até o momento.
1.7 Síntese e perspectiva
A região onde foi formada a Prelazia de São Félix do Araguaia era povoada,
exclusivamente, por povos indígenas. A presença do homem branco, ora motivado
por aventuras, ora para se estabelecer, definitivamente, em busca da
sobrevivência, foi dando-se, gradativamente. Em nenhum momento de forma
pacífica.
A aproximação dos povos indígenas foi efetivando-se pelos próprios
sertanejos que, em busca de melhores e maiores terras para o plantio e pasto,
deixaram seus estados e formaram vilas, povoados e municípios, sempre à
margem dos rios, no início, o único meio de transporte. Houve vários embates
diretos com tribos indígenas da região. Dificuldades também tiveram as
expedições que se aventuraram em pacificar os nativos.
Constituída a Amazônia legal pelo governo federal, o mesmo titulou
grandes empresas agropecuárias, dando a elas o direito sobre aquelas terras.
Desconsiderou a presença dos posseiros e dos indígenas que estavam. Isso
118
desencadeou uma seqüência de conflitos basicamente entre latifundiários,
posseiros, peões e indígenas.
A presença de Casaldáliga e de sua equipe pastoral deu outro rumo à
história da região. Impulsionados pelas novas perspectivas proporcionadas pelo
Concílio Vaticano II, pelas conferências episcopais latino-americanas e, nutrindo-
se delas, pela Teologia da Libertação, fizeram opção clara pelos injustiçados.
Utilizaram outros métodos e criaram outros caminhos para evangelização. Com
isso criaram inimigos claramente declarados. Conscientizaram e organizaram o
povo pobre, sob a ótica da inculturação, incentivando os leigos a serem
protagonistas e atuantes, na igreja e no enfrentamento das injustiças cotidianas,
mesmo com as perseguições do governo ditatorial de então.
O bispo, seus agentes e enfrentantes, ao conhecerem a realidade e
organizarem o povo, foram destacando-se na militância e na liderança, até por
serem parte da única instituição que estava fixa na região e a favor dos menos
favorecidos. Com experiência político-administrativa, com apoio direto da Prelazia
e com o fim da ditadura militar, alguns agentes candidataram-se ao cargo de
prefeito e ganharam as eleições. Assim, a Prelazia ganhou em sua ação no
mundo. Mas teve as suas limitações, no que tange ao seu cuidado pastoral e à
unidade interna. Afastando-se da atuação partidário-administrativa, buscou
estruturar-se, internamente, criando instâncias de articulação e decisão de seus
trabalhos pastorais. Buscou estimular suas lideranças a participarem dos vários
organismos de forças político-comunitárias, de forma integrada, ecumênica e
sempre em defesa dos injustiçados.
Com a chegada de pessoas, a maioria vinda principalmente do sul, com a
ascendência do grande capital e a entrada do agro-negócio aumentando o ritmo
119
do desmatamento, das queimadas e da monocultura –, com o surgimento de
sindicatos, conselhos e movimentos populares, os desafios pastorais tornaram-se
mais complexos. Novas pastorais, movimentos e equipes foram criados, de acordo
com a necessidade e circunstâncias, expressando também a diversidade de
vivências religiosas diferenciadas das pessoas. Assim, além dos enfrentantes,
passaram a existir os animadores de comunidade e os que fazem parte,
cotidianamente, da Igreja, mas contestam e são contra muitas decisões da própria
Prelazia.
Com a mesma convicção de sempre, Casaldáliga com muita
clarividência as injustiças em sua Prelazia e, com igual lisura, as suas causas.
Mas, por não se tratar de algo isolado, a sua luta fez-se também contra as
injustiças que maltratam indígenas e camponeses do Brasil e da América Latina.
em sua Prelazia, tornou-se uma referência de lutas e buscas por dias melhores
para os pobres, o que lhe valeu advertências de colegas do episcopado e do
próprio Vaticano. Na Prelazia mesmo não tendo aqui a importância que teve e
tem para fora de sua igreja foi ameaçado várias vezes, mas nunca deixou de
defender seus ideais, de dar testemunho concreto de pobreza e de ser um
ardoroso defensor do ecumenismo, do macro-ecumenismo, da solidariedade entre
os povos e da esperança pascal.
Mais do que qualquer outra igreja, a história da Prelazia de São Félix do
Araguaia distingue-se pela sua explícita e concreta opção preferencial pelos
pobres. Mas, o que falar dos que pertencentes à mesma Igreja ou não dizem,
insistentemente, que a Prelazia foi mais política do que religiosa? Que envolveu-
se com questões que não lhe competem, defendeu idéias de ideologias políticas e
não do Evangelho e deu um contra testemunho, agindo, contrariamente, o que diz
120
e deve ser a Igreja em seu anúncio e em sua vivência? Fundamentalmente, o que
a Prelazia fez, em toda sua história, foi um trabalho de evangelização?
O capítulo seguinte apresenta uma proposta de evangelização para o
mundo contemporâneo, do papa Paulo VI da Igreja oficialmente, portanto –,
intitulada Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. Compreendê-lo, faz-se
necessário, porque será a base teórica do terceiro e último capítulo, cujas
afirmações sobre a missão de Casaldáliga, na Prelazia e fora dela, serão
confrontadas com apontamentos teológicos e considerações dessa exortação
apostólica.
121
CAPÍTULO 2 – A EVANGELIZAÇÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
O tema da evangelização tem sido, nos últimos decênios, um dos mais
discutidos. As sociedades sobretudo as ocidentais– passaram por mudanças
substanciais: as ciências favoreceram às tecnologias, as políticas foram
estruturando-se na democracia, o ser humano foi cada vez mais adquirindo
direitos de expressar-se, se manifestar pessoal ou socialmente de forma
organizada... O mundo mudou. E foi preciso que os métodos ou formas de
evangelização da Igreja também mudassem. Caso contrário, a mesma tornar-se-ia
irrelevante para o mundo.
E o marco fundamental que deu conteúdo e impulso para a ação
evangelizadora da Igreja, no mundo contemporâneo, foi o Concílio Ecumênico
Vaticano II. O Vaticano II estrutura a consciência cristã em torno de referências e
122
de pressupostos novos, isto em conexão com novas práticas. O concílio
representa uma ‘virada’, a nível das concepções sobre as relações Igreja-mundo”
(Agostini, 1990, p. 68). A partir deste concílio, a Igreja obrigou-se a repensar seu
método para evangelizar. É nessa perspectiva que se deve ver e refletir sobre a II
Conferência Episcopal Latino-americana, realizada em Medellín, na Colômbia, em
1968: uma Igreja que busca, sob a ótica do Concílio Vaticano II, evangelizar
pessoas deste continente que passa por um momento decisivo de seu processo
histórico.
Depois da exortação apostólica de Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, de 1974,
e, naturalmente, baseando-se nela, a igreja latino-americano realiza a conferência
de Puebla (1979), cujo tema é Evangelização no presente e no futuro da América
Latina. Na conferência de Santo Domingo (1992), um dos temas é a Nova
evangelização. Com esses momentos, a Igreja da América Latina fez da (nova)
evangelização um tema sempre presente em toda sua história recente. Nessa
linha muito se tem produzido, com os devidos acenos aos novos temas que vão
surgindo. Temas como ecologia, ecumenismo e macro-ecumenismo, a relação de
gênero e outros são considerados, porque passaram a fazer parte do dia a dia do
povo, com implicações diretas nas ações eclesiais.
Assim, falar de evangelização, no mundo contemporâneo, é tocar em um tema
essencial, base para qualquer ação eclesial. Porque qualquer prática pastoral
supõe, necessariamente, um conceito, uma idéia de evangelização. E aqui se
pretende tratar da proposta que o Papa Paulo VI apresenta para evangelização no
mundo contemporâneo, presente na Evangelii Nuntiandi, com alusão a elementos
anteriores e posteriores a esta. Esses elementos são importantes, porque o
123
documento surgiu dentro de um contexto de realidades que influenciaram a sua
escrita e foram influenciadas por ela.
2.1 Evangelii Nuntiandi: caminho aberto para uma igreja libertadora
O documento de Paulo VI foi significativo para a Igreja. Trouxe a
confirmação de práticas eclesiais alavancadas pelo concílio. A Igreja estava
vivendo um momento importante de sua história de renovação. “Quando da
publicação da Evangelii Nuntiandi, a Igreja pós-conciliar atingiu seu cume de
renovação” (Godoy, 2004, p. 16). A Igreja latino-americana tinha intitulada-se
Igreja da libertação, a partir do final da década dos anos 60, tendo como marco
teórico o livro de Gustavo Gutiérrez, Teologia da Libertação, que bem acolheu
essa exortação papal. Ela significou aceitação e estímulo de um jeito de
evangelizar que já vinha acontecendo.
O conteúdo da Evangelii Nuntiandi, recebido na América Latina com
entusiasmo, está basicamente dentro do que se vinha pensando e fazendo,
pastoralmente. Fala de Cristo que é evangelizador, por isso sua igreja evangeliza;
do conteúdo da evangelização e de como se o seu exercício; das mediações
dessa evangelização, tendo em vista os seus destinatários; enfim, diz quem são
os evangelizadores e quem anima a evangelização. Esses temas serviram de
estímulo para ações pastorais comprometidas com uma radical transformação do
continente latino-americano, marcado por uma profunda e histórica injustiça social,
conseqüência do sistema capitalista que ia instalando-se progressivamente.
Novos temas foram tornando-se presentes no cenário das discussões
teológicas latino-americanas e, com a mesma importância de ontem a Evangelii
Nuntiandi, continua referência indispensável para reflexões e práticas da Igreja em
124
sua ação evangelizadora. Sob o estímulo dessa exortação, a Igreja continental
viu-se num caminho que oficialmente abriu-se para que ela se fortalecesse como
Igreja da Libertação.
Mas, para melhor entender a importância da Evangelii Nuntiandi, como
proposta de evangelização, no mundo contemporâneo, particularmente no
contexto latino-americano, é fundamental ter em conta alguns antecedentes
referenciais. Depois, segue o próprio conteúdo da exortação de Paulo VI, seguido
de comentários
2.1.1 Antecedentes referenciais
Para mais claramente se entender-se o conteúdo da Evangelii Nuntiandi,
faz-se necessário considerar algumas situações que constituíram o cenário
eclesial propício à redação desse documento. O que levou a Igreja a convocar os
conciliares para a realização do Concílio Vaticano II? Qual foi a contribuição do
mesmo para a eclesiologia latino-americana? Qual foi o seu impacto e o que seu
conteúdo levou para a igreja, particularmente a brasileira? São esses pontos que
serão tratados a seguir.
Num primeiro momento, pode-se dizer que pairava, na Igreja em todo
o mundo, o reconhecimento de que ela de fato precisava mudar de postura
ante ao mundo contemporâneo. Não dava mais para dar respostas antigas,
a problemas novos, ficando alheia aos acontecimentos importantes do
mundo. Como estava, corria o risco de ir reduzindo-se e de se tornar
irrelevante como anunciadora do Evangelho.
125
“Era urgente que a condução da Igreja acertasse o passo com o tempo
histórico contemporâneo e impedisse a Igreja de se tornar o reduto dos
reacionários de todos os matizes e o resquício de um mundo
definitivamente passado, prejudicando a credibilidade do Evangelho” (Boff,
1986, p. 14).
Mas cabe lembrar-se que a Igreja havia posicionado-se sobre uma
realidade social de importante interesse na Europa: a questão operária, no final do
século XIX. Foi uma posição que não deixou de ser um certo questionamento ao
capitalismo que se expandia no mundo. E as situações de injustiças sociais
provocadas por esse sistema, nas suas mais diversas formas, foram se alastrando
por todo o planeta, moldando-se conforme a história, a economia, a cultura... de
cada país ou continente. Todos, porém, traziam explicitamente a marca da
exploração, da acumulação, da produção direcionada ao mercado mundial, cada
vez mais consumista. Assim, aproximar-se do mundo para um diálogo foi
tornando-se cada vez mais necessário à Igreja.
“Esse prelúdio (diálogo Igreja-mundo) teve sua origem num contexto de
transformações sociais que aconteceram na Europa ocidental, frutos do
capitalismo que, no final do culo XIX, se instalava também nos Estados
Unidos, no Japão e na Rússia. A doutrina social da Igreja estreou neste
campo com a encíclica Rerum Novarum (1891) de Leão XIII, centrada na
‘questão operária’. Evidentemente, não era esta a questão social no Brasil,
nem nas outras nações da periferia desse capitalismo nascente. No Brasil,
como na América Latina em geral, o nervo da questão social era outro. O
capitalismo se havia instalado no campo, apropriando-se das terras e
subordinava a produção agrícola aos interesses do mercado internacional”
(Agostini, 1990, p. 66).
126
Foi diante de um mundo contemporâneo que se valia cada vez mais da
técnica como ferramenta indispensável ao o crescimento da sociedade em todas
as suas dimensões; foi diante, também, de um mundo cada vez mais aberto ao
humano: à liberdade de expressão fora e dentro da Igreja, à valorização das
culturas autóctones, à expressiva organização popular nas mais variadas
instâncias... foi diante disso tudo que a Igreja convocou seus membros respectivos
para a realização do Compêndio do Vaticano II. destaca-se o papel de João
XXIII, aquele que convocou os membros da Igreja para o concílio, com intento de
ler os sinais dos tempos e mudar a sua ação evangelizadora.
“João XXIII imprimiu um impulso decisivo ao Vaticano II através de duas
palavras: aggiornamento’ e ‘pastoral’. Por aggiornamento’, ele entendia
apelar à vitalidade da Igreja, à sua capacidade sempre atenta de ler os
sinais dos tempos e à aptidão juvenil de tudo examinar retendo o que é
bom. A ‘pastoral’ significa que o problema não consistia numa melhor
definição da doutrina, mas na sua recepção e adaptação às condições do
mundo contemporâneo. A esses dois termos acrescentam-se outros, como
diálogo, história, mundo, homem, povo de Deus, colegialidade, serviço e
liberdade...” (Agostini, 1990, p. 66).
A Igreja, no concílio, reforça a idéia de que ela tem o compromisso de
ajudar a humanidade a humanizar-se. Diferentemente de outrora, agora ela conta
com seus membros para a execução dessa tarefa (Compêndio do Vaticano II,
1991, p. 184). E deixa claro qual é sua missão no mundo. Fundamentalmente
religiosa, sua ação evangelizadora pode também, de acordo com as
circunstâncias e exigências de cada localidade, ser a de promover e estimular a
justa organização social, visando ao bem e à humanização de todos os irmãos.
127
“A missão própria que Cristo confiou à sua Igreja por certo não é de ordem
política, econômica ou social. Pois a finalidade que Cristo lhe prefixou é de
ordem religiosa. Mas na verdade, desta mesma missão religiosa decorrem
benefícios, luzes e forças que podem auxiliar a organização e o
fortalecimento da comunidade humana segundo a Lei de Deus. Do mesmo
modo, onde for necessário, de acordo com as circunstâncias de tempo e
lugar, a Igreja pode e deve promover atividades destinadas ao serviço de
todos, sobretudo dos indigentes...” (Compêndio do Vaticano II, 1991, p.
187).
E nada se poderá desprezar do passado; aliás, este deve ser considerado
porque nele está contida a base da formação humana do presente. As
experiências sócio-históricas diversas, as conquistas científicas, as riquezas das
culturas, que o tempo vai construindo, tudo isso são caminhos que abrem-se e
neles pode-se encontrar também a verdade do Evangelho. Abrindo-se para o
mundo, a Igreja respeita-o e procura, dentro dele e com ele, agir em diálogo
sincero, valorizando suas riquezas.
“A experiência dos séculos passados, o progresso das ciências, os
tesouros escondidos nas várias formas da cultura humana, pelos quais a
natureza do próprio homem se manifesta mais plenamente e se abrem
novos caminhos para a verdade, são úteis também à Igreja” (Compêndio
do Vaticano II, 1991, p. 192).
É nesse sentido que o mundo contribui com a Igreja, fornecendo a ela
elementos para que, a partir deles, formule sua ação evangelizadora nesse
mundo. Com isso a Igreja muda sua forma de ver e julgar o mundo. Agora, ela
acolhe o que antes questionava, como, por exemplo, “a liberdade de consciência e
128
pensamento, de religião; a autonomia das realidades terrestres (secularização), o
espírito democrático”... (Boff, 1986, 141).
Com o concílio, a Igreja mudou de foco. Deixa a posição em que estava
mais voltada para si e distante do mundo, e passa a se ver no mundo, necessária
ao mundo, mas também necessitada dele, por ser espaço fértil e único para sua
ação evangelizadora. E, em vista do homem e da sociedade no mundo, de sua
promoção, tudo deve estar direcionado. Por isso, a vida deve ser valorizada como
um todo, em todas as suas dimensões. “Também na vida econômico-social a
dignidade da pessoa humana, com sua vocação integral, bem de toda a
sociedade, deve ser honrada e promovida. O homem, com efeito, é o autor, centro
e fim de toda a vida econômico-social” (Compêndio do Vaticano II, 1991, p. 217).
O concílio representa um marco importante, na história da Igreja, porque é
fruto de todo um processo histórico de proximidade com a cultura moderna.
Portanto, o concílio “pode ser visto como ponto de chegada de um processo longo
e oneroso de ajornamento da Igreja à cultura moderna que surgiu com a revolução
burguesa, em sua expressão econômica, científica, técnica e política” (Boff, 1986,
p. 13). Mas, ele não traz minuciosamente respostas prontas e acabadas para
todas as questões cruciais vividas nas mais diferentes realidades eclesiais. E
usando a própria palavra do Papa Paulo VI, em sua carta endereçada ao
congresso de teologia pós-conciliar, de 21 de setembro de 1966, “a tarefa do
Concílio Ecumênico não está completamente terminada com a promulgação de
seus documentos. Esses, como o ensina a história dos Concílios, representam
antes um ponto de partida que um alvo atingido” (Paulo VI aud Boff, 1986, p. 16).
129
Nessa perspectiva é que se deve entender as novas teologias surgidas
depois do concílio. Igrejas locais (dioceses e prelazias), a partir de suas realidades
espacial e temporal, deram vitalidade a teologias que correspondiam, pelo menos
circunstancialmente, às suas expectativas sócio-históricas e religiosas. A “teologia
da secularização” surge como expressão da modernidade que exige autonomia da
racionalidade política, científica, econômica, antropológica; a “teologia do político”
busca libertar a comunidade cristã da versão intimista e privatizante que se
conferiu à mensagem cristã; a teologia da esperança” traduz a esperança
escatológica em princípio de transformação sócio-histórica, concretizando, em
projetos e revoluções, o que é prometido para a culminância do tempo; a teologia
da revolução” busca concentrar a ação dos cristãos, em um mundo violento, em
uma antiviolência visando à transformação da estrutura social (Boff, 1986).
Propiciada pela realidade latino-americana, historicamente marcada por
lutas e buscas populares, a Teologia da Libertação (TdL) surgiu fortalecida pela
base eclesial popular que lhe foi dando sustentação no decorrer dos anos. Com
dimensão e ações definidas, busca corresponder às expectativas dos pobres
latino-americanos que padeciam as conseqüências do capitalismo que neste
continente ia progressivamente se implantando.
“...a Teologia da Libertação nasceu, divulgou-se e se consolidou numa
fase histórica caracterizada pela vitalidade dos movimentos populares e
eclesiais, no período das décadas de 60 e 70, comprometidos com a
libertação das populações empobrecidas. Por isso, essa teologia se
interessou mais pelas dimensões socioeconômicas e políticas, visando a
libertação das mesmas populações” (Regidor, 1997, p. 118).
130
Ademais, o surgimento da TdL dá-se dentro de um contexto muito
conflituoso, caracterizado por ditaduras militares que foram impondo-se em
praticamente todo o continente latino-americano, gerando uma massa de pessoas
economicamente pobres e, por isso, postas à margem da sociedade, dos
privilégios a que tinham direito. Nessa teologia, esses pobres é que vão se
destacando na opção dessa igreja. São pobres que, embora não foram oficial e
claramente priorizados, no Concílio Vaticano II, foram por muitos dos conciliares
defendidos na ação evangelizadora da Igreja em todo o mundo.
Bispos latino-americanos que participaram do concílio, segundo Codina
(1993, p. 9). insistiram numa Igreja dos pobres. Além desses bispos, o próprio
papa João XXIII insistia nessa idéia, bem como o cardeal Lercaro e Dom Himmer,
bispo de Tournai. Este dizia que se deve reservar aos pobres o primeiro lugar na
Igreja. Mas algumas referências do concílio, mesmo que de forma genérica, dão
suplementos importantes para que, na própria Igreja, condensasse-se com clareza
uma opção pastoral de preferência aos pobres.
“O Concílio não tratou do tema, entretanto, conseqüentemente, embora
enumerasse alguns princípios cristológicos que para ele apontam:
seguimento de Cristo pobre e aniquilado ele próprio, e enviado a
evangelizar os pobres e reconhecível nos pobres e nos que sofrem; e
aludisse, embora genericamente em excesso, ao destino desta Igreja: ‘Vai
peregrinando entre as perseguições do mundo e as consolações de deus’
(cf. LG 8)” (Codina, 1993, p. 210).
Eclesiologicamente, a Igreja mudou seu olhar sobre si mesma. A
consciência que a comunidade cristã tinha de si mesma se aprofunda;
131
passou a considerar outros aspectos até então ignorados dessa consciência
eclesial; deixou de ser o único meio de salvação, axioma defendido pela
Igreja tradicional, para ser sacramento universal de salvação, sacramento
de união do ser humano com Deus e das pessoas com elas mesmas
(Agostini, 1990, p. 71).
O reflexo dessa nova concepção de igreja no Brasil foi imediato. Levou o
episcopado brasileiro a propor um trabalho e evangelização que se pautasse pela
organização e colegialidade, adaptando-se aos novos caminhos abertos pelo
Concílio Vaticano II.
“A atividade pastoral pós-conciliar da Igreja do Brasil sofreu o impacto do
Vaticano II por meio do ‘Plano de Pastoral de Conjunto’ que os bispos
brasileiros aprovaram no dia 15 de novembro de 1965, por ocasião de uma
assembléia geral realizada em Roma. (...) Reformulado em 1971, procurou
criar os meios e encontrar as condições de a Igreja católica do Brasil tomar
ainda mais consciência da situação na qual vive e de seu papel numa
pastoral de conjunto, renovando-se segundo as perspectivas abertas pelo
Vaticano II” (Agostini, 1990, p. 75).
Esse mesmo caminho eclesial, acenado pelo Concílio Vaticano II, toma
pulso com a Conferência Episcopal Latino-americana, realizada em Medellín, na
Colômbia, em 1968. Em um primeiro momento é importante destacar o que foi
base para toda a reflexão da conferência, a lamentável injustiça geral que atingia
todo continente: “Em todos eles (estudos sobre a situação do homem latino-
americano) se descreve a miséria que marginaliza grandes grupos humanos em
nossos povos. Essa miséria, como fato coletivo, se qualifica de injustiça que clama
132
os céus” (Conclusões de Medellín, 1984, p. 9). E as vítimas dessa injustiça são as
famílias, a juventude, a mulher, os camponeses, os produtores, a classe média.
Algumas situações dessa realidade, vistas pelos conferencistas, devem ser
destacadas. Sobre a autoridade política, os bispos explicitam com clareza a
situação por que passa o continente: o uso do poder político tem se dado para
privilegiar alguns, em detrimento da maioria da população, longe de seu objetivo
que é favorecer ao bem comum (Conclusões de Medellín, 1984, p. 17). Sobre a
violência, diz que ela “constitui um dos problemas mais graves da América Latina.
Não se pode abandonar aos impulsos da emoção e da paixão uma decisão da
qual depende todo o futuro dos países do continente” (Conclusões de Medellín,
1984, p. 30).
Mas, apesar dos milhões de pessoas que se encontram à margem da
sociedade, impedidos de viver dignamente, ou devido a estruturas injustas ou ao
egoísmo e a instabilidade das classes dirigentes, dizem os conferencistas que
“nossos povos estão tomando consciência da necessidade de desencadear um
processo de integração em todos os níveis: desde a integração dos
marginalizados nos benefícios da vida social, até a integração econômica e
cultural de nossos países” (Medellín, 1984, p. 151). E ante a tudo isso, a Igreja
deve tomar posição: “A Igreja deve, pois, fazer face à esta situação com estruturas
pastorais aptas, marcadas pelo sinal da organicidade e da unidade” (Conclusões
de Medellín, 1984, p. 151).
A conferência de Medellín deu suporte para que a Igreja latino-americana
fosse instalando-se com mais rapidez, convicção e firmeza, configurando-se igreja
da libertação, com explícita opção preferencial pelos pobres. É Igreja povo de
133
Deus que dialoga com o mundo, buscando de um jeito próprio a concretização, na
América Latina de empobrecidos, de alegrias abundantes do céu.
“Seu centro (da Igreja libertadora) é a solidariedade com os pobres.
Retoma os grandes temas da eclesiologia do Vaticano II, mas lhes uma
peculiar influência: a Igreja é povo de Deus, mas povo nascido no êxodo e
que caminha em direção à sua libertação; a Igreja é sacramento de
salvação, mas tem na Igreja dos pobres sua forma histórica, visível e
concreta; Igreja que dialoga com o mundo, mas sobretudo com o mundo
dos pobres e caminha para a escatologia, mas desejando antecipar já
sinais de vida na história” (Codina, 1993, p. 215/6).
A orientação pastoral de Medellín foi de que se renovassem as estruturas
pastorais da Igreja na América Latina. E se esta foi moldando seu jeito modo ou
modelo –, possibilitado pelo Concílio Vaticano II e depois incentivado pela
conferência de Medellín, concretamente ele se evidenciou nas “comunidades
cristãs de base”, nas CEBs. É nelas que o cristão poderá vivenciar a comunhão a
que foi chamado, proporcionando vida fraterna entre os seus membros. Essas
comunidades devem ir se transformando em “família de Deus”, constituindo-se
uma comunidade de fé, esperança e caridade (Compêndio do Vaticano II, 1991, p.
46). Seus líderes ou dirigentes podem ser sacerdotes, diáconos, religiosos,
religiosas ou leigos, contanto que exerçam as funções que Deus lhes confiou:
sacerdotal, profética e real (Conclusões de Medellín, 1984).
É assim, supondo esses acontecimentos importantes para a Igreja universal
e continental, que se deve ler e refletir a exortação apostólica de Paulo VI,
Evangelii Nuntiandi, que teve as suas motivações, suas implicações e suas
necessidades.
134
2.1.2 O conteúdo da Evangelii Nuntiandi (resumo)
2.1.2.1 Introdução
Em sua exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, sobre a evangelização no
mundo contemporâneo, o Papa Paulo VI reflete sobre alguns temas que julga
fundamentais para a ação evangelizadora da Igreja. Trata dos seguintes temas:
“De Cristo evangelizador a uma Igreja evangelizadora”, “O que é evangelizar?”, “O
conteúdo da evangelização”, ”As vias de evangelização”, “Os destinatários da
evangelização”, “Os agentes da evangelização” e “O espírito da evangelização”.
Na introdução de seu documento, o sumo pontífice afirma que o anúncio do
Evangelho aos esperançados e ao mesmo tempo torturados pelo medo e pela
angústia, é um serviço aos cristãos e à humanidade. É uma tarefa que se faz
“nobre e necessária, quando se trata de reconfortar os nossos irmãos na missão
de evangelizadores, a fim de que, nestes tempos de incerteza e de desorientação,
eles a desempenhem cada vez com mais amor, zelo e alegria.” (Paulo VI, 2001, p.
05).
de se evocar três acontecimentos, escreve o papa: a Igreja procura
anunciar o Evangelho a todas as gentes, baseando-se em dois lemas
fundamentais: “revesti-vos do homem novo” e “reconciliai-vos com Deus”.
Este ano é o décimo do encerramento do Concílio Vaticano II, acrescenta o
papa, cujos objetivos resumem-se neste intento: “Tornar a Igreja do século XX
mais apta ainda para anunciar o Evangelho à humanidade do mesmo século XX.”
(Paulo VI, 2001, p. 6). Ademais, esse é o ano seguinte ao da III Assembléia Geral
do Sínodo dos Bispos, dedicada à evangelização. Esta exortação atende à
solicitação dos padres sinodais, que esperavam do papa um impulso novo, capaz
de suscitar na Igreja tempos novos de evangelização.
135
Paulo VI lembra que o tema da evangelização foi realçado em momentos
antes, ainda no decorrer de seu pontificado, como no Sacro Colégio dos Cardeais,
em 1973. Àquela época foi dito que “as condições da sociedade (...) obrigam-nos
a todos a rever os métodos, a procurar, por todos os meios ao alcance, e a
estudar o modo de fazer chegar ao homem moderno a mensagem cristã” (Paulo
VI, 2001, p. 7). E considerando as exigências do Concílio Vaticano II, deve-se
considerar o patrimônio de da Igreja e apresentá-lo à sociedade de maneira
compreensiva e persuasiva..
Suas reflexões estão na linha do Sínodo de 1974, diz Paulo VI (2001, p.
08), para quem a fidelidade a uma mensagem que deve ser levada às pessoas, e
constitui o eixo central da evangelização. Segundo os sinodais, três problemas
devem ser considerados, quando se trata da evangelização: a) em nossos dias,
onde se esconde a energia da Boa Nova que impressiona? b) até em que ponto e
como esta força evangélica pode transformar pessoas? c) quais os métodos de
proclamação do Evangelho tornam eficaz sua potência? Essas perguntas
exprimem o problema fundamental que a Igreja coloca diante de si: com e após o
concílio, hora de Deus na Igreja, esta estará mais apta para anunciar o Evangelho
às pessoas, com convicção, liberdade de espírito e eficácia? (Paulo VI, 2001, p.
8).
Seguidamente, o papa faz um convite à reflexão, afirmando ser urgente
responder com lealdade, humildade e coragem a essas perguntas, e agir,
conseqüentemente. Com cuidado buscará responder a essas interpelações. Que
essa reflexão chegue à toda Igreja, dando-lhe impulso novo, particularmente aos
que pregam e ensinam. E que cada um seja um operário que distribui retamente a
Palavra de verdade, desempenhando o seu próprio ministério. É importante esta
136
exortação porque, por mandado do Senhor, é um dever da Igreja apresentar o
Evangelho para que as pessoas acreditem e sejam salvas. Ela, a Palavra, é
necessária, única e insubstituível. Não admite nem indiferença, nem sincretismo,
nem acomodação. “É a salvação dos homens que está em causa; é a beleza da
Revelação que ela representa; depois, ela comporta uma sabedoria que não é
deste mundo. Ela é capaz, por si mesma, de suscitar a fé, uma que se apóia na
potência de Deus (1Cor 2, 5)” (Paulo VI, 2001, p. 10). A Palavra é a verdade. Por
isso o apóstolo lhe consagra todo seu tempo, suas energias e até a sua vida
(Paulo VI, 2001, p. 9).
2.1.2.2 De Cristo evangelizador a uma igreja evangelizadora
Neste primeiro capítulo, o papa disserta, inicialmente, sobre o testemunho e
a missão de Jesus: Jesus disse: “Eu devo anunciar também a outras cidades a
Boa Nova do Reino de Deus, pois é para isso que eu fui enviado” (Lc 4, 43). Esse
testemunho é importante. Anunciar o Reino foi a missão de Jesus, que diz isso
valendo-se de Is 61,1. Sendo enviado pelo Pai, a missão de Jesus é proclamar,
sobretudo, aos mais pobres e aos mais dispostos para o acolher, o anúncio da
realização das promessas e da aliança feita por Deus.
“E todos os aspectos do seu ministério a começar da própria encarnação,
passando pelos milagres, pela doutrina, pela convocação dos discípulos e
pela escolha e envio dos doze, pela cruz, até a ressurreição e à
permanência da sua presença no meio dos seus fazem parte da sua
atividade evangelizadora” (Paulo VI, 2001, p. 12).
137
no sínodo dos bispos, esses diziam ser Jesus o primeiro e o maior dos
evangelizadores, e o foi até a morte, enfatiza o papa. Mas, que significado teve o
imperativo evangelizar para Cristo? Em síntese, Paulo VI (2001, p. 12) faz seguir
alguns de seus aspectos essenciais:
A) Anúncio do reino de Deus: como evangelizador Cristo anuncia o reino de
Deus. Tudo o mais é resto, é dado por acréscimo. o reino é absoluto e tudo
que não se identifica como ele é relativo.
“O senhor comprazer-se-ia em descrever, sob muitíssimas formas diversas:
a felicidade de fazer parte deste reino, felicidade paradoxal, feita de coisas
que o mundo aborrece (Mt 5, 3-12); as exigências do reino e a sua carta
mana (Mt 5-7); os arautos do reino; (Mt 10); os seus mistérios (Mt 13); os
seus filhos (Mt 18); a vigilância e a fidelidade que se exigem daqueles que
esperam o seu advento definitivo (Mt 24-25)” (Paulo VI, 2001, p. 13).
B) O anúncio da salvação libertadora: como núcleo e centro de sua Boa Nova,
Jesus anuncia a salvação, dom de Deus, que é a libertação de tudo que
oprime o ser humano, e que é libertação do pecado e do maligno, na alegria de
conhecer Deus e de ser por ele conhecido, de vê-lo e entregar-se a ele. Isso
começa durante a vida de Cristo e é alcançado pela sua morte e ressurreição;
mas deve ser desenvolvido na história, para ser plenamente realizado no dia
da última vinda de Cristo, que só o Pai sabe quando.
C) À custa de um esforço de conversão: reino e salvação, palavras-chaves da
evangelização de Jesus, estão para todas as pessoas como graça e
misericórdia; mas cada um deve conquistá-los pela força, pelo trabalho e pelo
sofrimento, por uma vida conforme o Evangelho, pela renúncia e pela cruz e
138
pelo espírito das bem-aventuranças. Antes de mais nada, as pessoas os
conquistarão com transformação interior, conversão radical como designa o
Evangelho, uma modificação profunda da maneira de ver e do coração (Paulo
VI, 2001, p. 13-4).
D) Pregação infatigável: Cristo proclama o reino de Deus, por meio da
pregação infatigável de uma palavra sem igual:
“’Eis uma doutrina nova ensinada com autoridade!’ (Mc 1, 27) ‘Todos o
elogiavam e admiravam-se das palavras cheias de graça que saiam da sua
boca’ (Lc 4, 22); Jamais alguém falou como este homem’ (Jo 7, 46). As
suas palavras desvendavam o segredo de Deus, o seu desígnio e a sua
promessa, e modificavam por isso mesmo o coração dos homens e o seu
destino” (Paulo VI, 2001, p. 15)
E) Também com sinais: Jesus realiza esta proclamação com sinais
inumeráveis que levam multidões à estupefação e as arrasta para junto dele:
“enfermos curados, água transformada em vinho, pão multiplicado e mortos
que tornam à vida” (Paulo VI, 2001, p. 15). Dentre todos os sinais, um que
ele conhece ser de grande importância: os pobres são evangelizados e
tornam-se seus discípulos, reúnem-se em seu nome na grande comunidade
dos que acreditam nele. Então, aquele Jesus que veio para anunciar o reino é
o mesmo que, segundo Jo 11, 52, veio “para reunir os filhos de Deus que
andavam dispersos”. Assim, aperfeiçoou a sua revelação, completando-a e
confirmando-a com a “manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, com
sinais e milagres, e, sobretudo, com a sua morte e com a sua ressurreição e
com o envio do Espírito de verdade” (Paulo VI, 2001, p. 16).
139
F) Para uma comunidade evangelizada e evangelizadora: os que acolhem
com sinceridade a Boa Nova, reúnem-se em nome de Jesus, para buscar o
reino, para o edificar e para o viver. Constituem, assim, uma comunidade
evangelizadora. De maneira diferente, a ordem dada aos doze - “Ide, pregai a
Boa Nova” –, continua válida para todos os cristãos. São Pedro chama a estes
“povo trazido à salvação para tornar conhecidas as maravilhas (de Deus)” (1
Pd 2, 9). A Boa Nova que vem e que começou é para todas as pessoas, de
todos os tempos. Os que a receberam e a congregaram na comunidade da
salvação, podem e devem comunicá-la e difundi-la ulteriormente (Paulo VI,
2001, p. 16-7).
G) Evangelização, vocação própria da Igreja: ela sabe que as palavras de
Jesus (“Eu devo anunciar...”) se lhe aplicam com toda a verdade. Assim, diz
com São Paulo: “Não tenho, de fato, de que gloriar-me se eu anuncio o
Evangelho; é um dever este que me incumbe, e ai de mim, se eu não
pregasse” (1Cor 9, 16). Foi com alegria que se ouviu dos padres sinodais, no
final da III Assembléia: “Nós queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a
tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja”
(Paulo VI, 2001, p. 17); tarefa e missão que as amplas e profundas mudanças
da sociedade tornam mais urgentes.
“Evangelizar constitui a graça e a vocação da Igreja e a sua identidade
mais profunda. Ela existe para evangelizar: pregar e ensinar, ser o sinal do
dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e, na santa missa,
perpetuar o sacrifício de Cristo, memorial de sua morte e ressurreição”
(Paulo VI, 2001, p. 18).
140
H) Laços recíprocos entre a Igreja e a evangelização: quer ler o NT, as origens
da Igreja, acompanhá-la em sua história? Examine sua vida e missão e verá
que ela está intimamente vinculada à evangelização. Por isso, pode-se dizer
que:
a. A Igreja nasceu da ação evangelizadora de Jesus e dos doze apóstolos.
Ela é o fruto dessa evangelização: “Ide, pois, ensinai a todas as gentes” (Mt 28,
19). “Ora, ‘aqueles que acolheram a Palavra foram batizados, e naquele dia
agregaram-se a eles umas três mil pessoas... E o Senhor ia aumentando todos
os dias os que eram salvos” (At 2, 41-47).
b. Nascida da missão, a Igreja é enviada por Jesus. Ela fica no mundo
enquanto ele volta para o Pai. Fica como sinal de uma nova presença de
Jesus, sacramento da sua partida e da sua permanência. A sua missão é
continuar a presença de Jesus no mundo. A comunidade dos cristãos nunca é
algo fechado. Nela, sua vida íntima não resume todo seu sentido, que se
também quando se torna testemunha a provocar conversão e se desenvolve
na pregação e no anúncio da Boa Nova. Assim, evangelizar é missão de toda
Igreja, e a atividade de cada um é importante para o todo (Paulo VI, 2001, p.
18-9).
c. Como evangelizadora, a Igreja começa evangelizando a si mesma. Como
comunidade de crentes, tem necessidade de ouvir o que deve acreditar. Como
povo de Deus no mundo, precisa ouvir, proclamar as grandes obras de Deus,
que a converteram para o Senhor; precisa ser convocada e por ele reunida.
Isso é o mesmo que dizer que ela necessita de ser evangelizada, para
conservar seu vigor, seu alento e sua força para anunciar o Evangelho (Paulo
VI, 2001, p. 19).
141
d. A Igreja é depositária da Boa Nova que há de ser anunciada ao mundo. “As
promessas da nova aliança em Jesus Cristo, os ensinamentos do Senhor e
dos apóstolos, a Palavra da vida, as fontes da graça e da benignidade de
Deus, o caminho da salvação, tudo isso lhe foi confiando” (Paulo VI, 2001, p.
20). É o conteúdo do Evangelho que ela guarda como depósito precioso para
comunicar.
e. Enviada a evangelizar, a Igreja envia evangelizadores. É ela que coloca em
seus lábios a Palavra que salva, que lhes confere o mandato que recebeu e
que os envia a pregar, não a si próprios com suas idéias, mas o Evangelho do
qual ninguém é proprietário absoluto, para dele dispor a seu bel-prazer, mas de
que são ministros para o transmitir com fidelidade (Paulo VI, 2001, p. 20).
I) A Igreja inseparável de Cristo: Cristo, Igreja e evangelização estão
profundamente ligados. A Igreja “tem a tarefa de evangelizar. Essa tarefa não é
feita sem ela e, ainda menos, contra ela” (Paulo VI, 2001, p. 21). Convém
recordar que, às vezes, se ouve de pessoas que pretendem amar a Cristo
mas sem a Igreja, ouvir a Cristo mas não a Igreja, ser de Cristo mas fora da
Igreja. O absurdo de uma semelhante dicotomia aparece com nitidez nesta
palavra do Evangelho: ‘Quem vos rejeita é a mim que rejeita’ (Lc 10, 16)”
(Paulo VI, 2001, p. 21). Como se ama Cristo, sem amar a Igreja, considerando
que Paulo deu este testemunho: “Ele amou a Igreja e entregou-se a si mesmo
por ela” (Ef 5, 25).
2.1.2.3 O que é evangelizar?
O que é evangelizar é o segundo tema tratado por Paulo VI. Começa
dizendo da complexidade da ação evangelizadora. Nessa ação deve-se lembrar
142
de certos elementos e aspectos. Em termos de anúncio, àqueles que o
desconhecem, pode-se definir a evangelização de pregação, de catequese, de
batismo e de outros sacramentos que hão de ser conferidos. Mas nenhuma
definição parcial e fragmentária dará a razão da realidade rica, complexa e
dinâmica que é a evangelização. É impossível captá-la se não se procurar
abranger todos os seus elementos essenciais.
Paulo VI lembra que tais elementos foram acentuados, no decorrer do
sínodo. Agora são aprofundados. Todos devem alegrar-se porque eles se situam
na linha daqueles que o Concílio Vaticano II proporcionou, sobretudo nas
constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes e no Decreto Ad Gentes.
A evangelização deve ter em vista a renovação da humanidade. Por isso
“Evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa Nova a todas as parcelas da
humanidade, em qualquer meio e latitude, e pelo seu influxo transformá-las a partir
de dentro e tornar nova a própria humanidade: ‘Eis que faço novas todas as
coisas’ (Ap 21, 5)” (Paulo VI, 2001, p. 24). Mas não haverá humanidade nova se
não houver pessoas novas. A finalidade da evangelização é a mudança interior. A
Igreja evangeliza quando procura converter a consciência pessoal e coletiva das
pessoas, a atividade em que se aplicam, e a vida e o meio que lhes são próprios.
Estratos da humanidade, para a Igreja, não significam nem tanto pregar o
Evangelho para grupos cada vez mais numerosos geograficamente, e sim chegar
a atingir e
“modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que
contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes
inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em
143
contraste com a palavra de Deus e com os desígnios da salvação” (Paulo
VI, 2001, p. 25).
Sobre o tema evangelização das culturas, Paulo VI (2001, p. 25-6) diz que
importa evangelizar não superficial, mas profundamente – a cultura e as culturas
humanas, no sentido do tratado pela Gaudium et Spes, a partir da pessoa e
apelando para as relações das pessoas entre si e com Deus. O Evangelho, a
evangelização, não se identificam com a cultura e independem das culturas. Mas
o reino que o Evangelho anuncia é vivido por pessoas ligadas a uma cultura, e a
edificação do reino não pode deixar de servir-se de elementos da cultura e das
culturas. O Evangelho e a evangelização são independentes, mas não
incompatíveis com a cultura. São capazes de as impregnar sem se escravizar a
nenhuma delas.
A ruptura entre o Evangelho e a cultura é o drama da nossa época, como
em épocas anteriores. É importante, frente a isso, reunir esforços para uma
generosa evangelização das culturas. Estas devem se regenerar com o impacto
da Boa Nova. Mas esse encontro dar-se-á se a Boa Nova for proclamada (Paulo
VI, 2001, p. 26).
O testemunho de vida tem importância primordial. A Boa Nova de ser
proclamada, antes de mais nada, pelo testemunho. Suponhamos um cristão ou
um grupo de cristãos que compreendem e acolhem, que vivem a comunhão de
vida e de destino com os demais e, a prática da solidariedade, em busca do que é
bom e nobre. Assim, simples e espontaneamente, irradiam a em valores que
estão além dos valores correntes e esperança em algo que não se e não se
possa imaginar. Por meio desse testemunho sem palavras, os cristãos fazem
144
suscitar no coração dos que o vêem perguntas como estas: “Por que é que eles
são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é ou quem é
que os inspira? Por que é que eles estão conosco?” (Paulo VI, 2001, p. 27).
Um testemunho é uma proclamação silenciosa, valiosa e eficaz da Boa
Nova, enfoca Paulo VI (2001, p. 27). Nisso um gesto inicial de
evangelização. Por isso questionam-se os não cristãos, os que não conhecem a
Cristo, os não praticantes, os que vivem em cristandades, segundo princípios que
não são cristãos. Eles são pessoas que procuram alguma coisa ou alguém, sem
conseguir dar-lhe o verdadeiro nome. Outras perguntas surgirão, provocadas pelo
testemunho aludido que comporta presença, participação e solidariedade. Este é
também um elemento essencial, geralmente o primeiro de todos na
evangelização. Todos os cristãos são chamados a dar esse testemunho e, com
isso, evangelizar. “E aqui pensamos de modo especial na responsabilidade que se
origina para os migrantes nos países que os recebem” (Paulo VI, 2001, p. 28).
Para Paulo VI (2001, p. 28), uma necessidade de um anúncio explícito.
Mas isso será insuficiente, pois o mais belo testemunho virá a demonstrar-se
impotente, se ele não for esclarecido, justificado, explicitado por um anúncio claro
e inelutável do Senhor Jesus. Conseqüentemente, a Boa Nova proclamada pelo
testemunho deve ser proclamada pela palavra da vida. “Não haverá nunca
evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino, o
mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem anunciados” (Paulo VI,
2001, p. 28).
A história da Igreja identifica-se e se confunde com a pregação de Pedro na
manhã de Pentecostes, continua Paulo VI (2001, p. 28). Em cada nova fase da
história humana, a Igreja preocupa-se em evangelizar, e se pergunta: Quem vai
145
anunciar o mistério de Jesus? Com que linguagem anunciar tal mistério? Como
fazer para que ele ressoe e chegue às pessoas? Embora seja um aspecto da
evangelização, “este anúncio kerigma, pregação ou catequese ocupa um tal
lugar na evangelização que, com freqüência, tornou-se sinônimo dela” (Paulo VI,
2001, p. 29).
O anúncio adquire toda sua dimensão quando for ouvido, acolhido,
assimilado e quando tiver feito brotar, nas pessoas, adesão do coração, adesão às
verdades do Senhor, ao seu programa de vida, ao reino, adesão ao “mundo novo”
que o Evangelho inaugura, afirma Paulo VI (2001, p. 29). Essa adesão não pode
ser abstrata, desencarnada, mas manifestada, por meio de uma adesão vital, na
comunidade eclesial. E os que, transformados, inserem-se numa comunidade,
passam a ser, nela, comunidade transformadora: Igreja, sacramento de salvação.
É comum que os que aceitam o Evangelho como Palavra insiram-se na
comunidade, em atitudes sacramentais: adesão à Igreja, aceitação dos
sacramentos. E, finalmente, o que foi evangelizado, evangeliza. está a pedra-
de-toque da evangelização: não se pode conceber que uma pessoa, tendo
acolhido a palavra, não a anuncie (Paulo VI, 2001, p. 30).
Uma última observação: esta é, como se viu, uma diligência complexa que
compõe vários elementos: “renovação da humanidade, testemunho, anúncio
explícito, adesão do coração, entrada na comunidade, aceitação dos sinais e
iniciativas de apostolado” (Paulo VI, 2001, p. 31) Esses elementos são
complementares e enriquecidos uns com os outros. O Sínodo advertiu para que se
unificassem esses elementos, não fazendo com que se oponham, para melhor
compreender-se a atividade evangelizadora da Igreja.
146
A intenção do papa é apresentar essa visão global, “examinando o
conteúdo da evangelização, os meios para evangelizar e precisando a quem se
destina o anúncio evangélico e a quem é que incumbe hoje esta tarefa de
evangelizar” (Paulo VI, 2001, p. 31).
2.1.2.4 O conteúdo da evangelização
Sobre o conteúdo da evangelização, Paulo VI (2001, p. 33) diz que o
conteúdo essencial e elementos secundários na mensagem da Igreja. Sua
apresentação depende das circunstâncias mutáveis. Eles também mudam. Mas o
essencial permanece, pois é substância viva, cujo silêncio desvirtuaria a própria
evangelização.
É bom lembrar que evangelizar é dar testemunho de maneira simples e
direta de Deus revelado por Jesus, no Espírito Santo. Dar testemunho de que no
seu Filho ele amou o mundo, deu o ser às cosias e chamou as pessoas para a
vida eterna. Atestar isso pode proporcionar aos que adoram um Deus
desconhecido, dar-lhe nome. Atestar isso é evangelizar, é manifestar que Deus,
criador e Pai, tem todos como filhos e filhas; e por isso, todos são irmãos uns dos
outros, nele (Paulo VI, 2001, p. 33).
A evangelização de conter uma proclamação clara de que, em Jesus
Cristo, morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos, como dom da graça e
da misericórdia de Deus. No centro da mensagem, está a salvação em Jesus
Cristo. Não uma salvação que se limita às necessidades materiais ou espirituais
das pessoas, efêmeras, mas uma salvação que ultrapassa esses limites, que se
realiza plenamente na comunhão com o único absoluto, Deus: salvação
147
transcendente e escatológica, que começa nesta vida, mas que se realizará
completamente na eternidade (Paulo VI, 2001, p. 34).
Para Paulo VI (2001, p. 35), a evangelização deve comportar o anúncio
profético do além, vocação profunda do ser humano, em continuidade e
descontinuidade com sua situação presente: para além do tempo e da história,
que passam, cuja aparência temporal revelará algo escondido, na vida futura. A
evangelização contém também
“a pregação da esperança nas promessas feitas por Deus na Nova Aliança
em Jesus Cristo: a pregação do amor de Deus para conosco e do nosso
amor a Deus, a pregação do amor fraterno para com todos os homens
capacidade de doação e de perdão, de renúncia e de ajuda aos irmãos
que promana do amor de Deus e que é o núcleo do Evangelho” (Paulo VI,
2001, p. 35-6);
Ademais, a pregação do mistério do mal e da busca do bem; pregação da
busca de Deus através da oração, primeiramente de adoração e de ação de
graças, assim como da comunhão eclesial, nos sacramentos. A totalidade da
evangelização, para além da pregação, consiste em implantar a Igreja, cuja ação
dá-se na vida sacramental, culminando na Eucaristia (Paulo VI, 2001, p. 36).
A evangelização não seria completa, se ela não considerasse a
interpelação que o Evangelho e a vida concreta pessoal e essencial fazem, lembra
Paulo VI, (2001, p. 37). Por isso, sua mensagem adapta-se às diversas situações
e está continuamente atualizada: sobre os direitos e deveres das pessoas e da
vida familiar, fundamental para o desdobramento pessoal, e “sobre a vida em
comum na sociedade; sobre a vida internacional, a paz, a justiça e o
148
desenvolvimento; uma mensagem sobremaneira vigorosa nos nossos dias, ainda,
sobre a libertação” (Paulo VI, 2001, p. 37).
Sobre o tema da libertação, comentaram os bispos do Sínodo, sobretudo os
do “Terceiro Mundo”, a respeito de milhões de filhos da Igreja que sofrem. São
povos comprometidos com a luta para superar tudo que os condena a ficarem à
margem da vida:
“carestias, doenças crônicas e endêmicas, analfabetismo, pauperismo,
injustiças nas relações internacionais e especialmente nos intercâmbios
comerciais, situações de neo-colonialismo econômico e cultural, por vezes
tão cruel como o velho colonialismo político” (Paulo VI, 2001, p. 38).
A Igreja tem o dever de anunciar a libertação de milhões de seres humanos,
sendo muitos seus filhos espirituais; a Igreja deve ajudá-los a libertarem-se, nos
seus começos, dando testemunho a seu favor e se esforçando para isso (Paulo
VI, 2001, p. 38).
Paulo VI (2001, p. 38) diz que “entre evangelização e promoção humana
desenvolvimento, libertação existem de fato laços profundos: laços de ordem
antropológica”, porque a pessoa a ser evangelizada não é abstrata, mas
condicionada pelos problemas sócio-econômicos. São problemas de ordem
teológica, porque não se dissocia o plano da criação do plano da redenção, da
injustiça que deve ser combatida e da justiça que deve ser restaurada; laços de
ordem eminentemente evangélica, como é a ordem da caridade. Ora, o
mandamento novo é proclamado, o progresso humano é verdadeiro, se não se
promovem a justiça e a paz? Na abertura do sínodo, isso foi salientado ao
recordar que é impossível aceitar que a obra da evangelização negligencie os
149
problemas extremamente graves, que hoje buscam a justiça, a libertação, o
desenvolvimento e a paz no mundo. Não buscar a promoção humana é negar o
Evangelho sobre o amor para com o próximo que sofre. Os bispos do Sínodo
forneceram os princípios iluminadores para se captar o alcance e o sentido dessa
libertação, conforme foi anunciada e realizada por Jesus de Nazaré e conforme a
Igreja a apregoa (Paulo VI, 2001, p. 39).
Não se deve esconder que muitos cristãos, sensíveis aos problemas
humanos, ao incluírem a Igreja no esforço de libertação, têm a tentação de reduzir
a sua missão às dimensões de um projeto temporal; os seus objetivos a uma visão
antropocêntrica; a salvação a um bem material; “a sua atividade esquecendo
todas as preocupações espirituais e religiosas a iniciativas de ordem política ou
social” (Paulo VI, 2001, p. 40). Se assim fosse, a Igreja perderia seu significado
próprio, sua libertação não seria original e ficaria à mercê de monopólios
ideológicos e de partidos políticos. Não teria autoridade de anunciar a libertação
da parte de Deus. Por isso, Paulo VI disse na abertura da III Assembléia sobre
“a necessidade de ser reafirmada claramente a finalidade especificamente
religiosa da evangelização. Esta última perderia a sua razão de ser se se
apartasse do eixo religioso que a rege: o reino de Deus, antes de toda e
qualquer outra coisa, no seu sentido plenamente teológico” (Paulo VI, 2001,
p, 40).
Acerca da libertação que a evangelização anuncia é necessário dizer: a) ela
não pode ser limitada à restrita dimensão econômica, política, social e cultural,
mas ter em vista a pessoa toda, incluindo a sua abertura para o absoluto, para
Deus; b) a sua concepção de ser humano, ligada a uma visão antropológica que
150
“jamais pode significar às exigências de uma estratégia qualquer, ou de uma
práxis ou, ainda, de uma eficácia a curto prazo” (Paulo VI, 2001, p. 41).
Ao pregar a libertação, a Igreja não circunscreve a sua missão apenas ao
campo religioso, como se não lhe interessassem os problemas humanos. Mas
reafirmando “o primado de sua vocação espiritual, ela recusa-se a substituir o
anúncio do reino pela proclamação das libertações puramente humanas e afirma
mesmo que a sua contribuição para a libertação ficaria incompleta, se ela
negligenciasse anunciar a salvação em Jesus Cristo.” (Paulo VI, 2001, p. 41).
A Igreja relaciona, mas não identifica a libertação humana com a salvação
em Jesus Cristo, porque ela sabe por revelação e experiência que nem todas as
noções de libertação são compatíveis com uma visão evangélica do ser humano,
das coisas e dos acontecimentos; “e sabe que não basta instaurar a libertação,
criar o bem-estar e impulsionar o desenvolvimento, para se poder dizer que o
reino de Deus chegou.” (Paulo VI, 2001, p. 42). Mais: a Igreja está convicta de que
toda libertação temporal, libertação política – mesmo que busque justificativas
bíblicas, ideológicas para conclusões teológicas e que buscasse ser a teologia de
hoje –
“encerra em si mesma o rmen da sua própria negação e desvia-se do
ideal que se propõe, por isso mesmo que as suas motivações profundas
não são as da justiça na caridade, e porque o impulso que a arrasta não
tem dimensão verdadeiramente espiritual e a sua última finalidade não é a
salvação e a beatitude em Deus” (Paulo VI, 2001, p. 42).
Para a Igreja, é importante que se construa estruturas mais humanas e
justas. Mas ela está consciente de que as melhores estruturas podem tornar-se
151
desumanas, se não houver conversão de coração dos que as comandam (Paulo
VI, 2001, p. 43).
A libertação exclui a violência. “A Igreja não pode aceitar a violência,
sobretudo a força das armas de que se perde o domínio, uma vez
desencadeada e a morte de pessoas sem discriminação, como caminho para a
libertação” (Paulo VI, 2001, p. 43). Ela sabe que a violência gera violência e novas
formas de opressão, não raro mais pesadas do que as que pretendia eliminar. Na
Colômbia, em 23 de agosto de 1968, com o discurso “Dia do desenvolvimento”, o
papa disse para que o povo não colocasse sua confiança nem na violência, nem
na revolução, porque esta atitude é contrária ao espírito cristão e pode retardar a
elevação social. Ainda mais: “Nós devemos reafirmar que a violência não é nem
cristã nem evangélica e que as mudanças bruscas ou violentas das estruturas
seriam falazes e ineficazes em si mesmas e, por certo, não conformes à dignidade
dos povos ” (Paulo VI, 2001, p. 44).
É necessário que a Igreja tome cada vez mais consciência do modo próprio
que ela tem para colaborar na libertação do ser humano, recorda Paulo VI (2001,
p. 44) o que emergiu dos debates do sínodo, para o qual discursou. A Igreja deve
fazer suscitar a generosidade nos cristãos para que se dediquem à libertação das
pessoas. Ela aos cristãos libertadores” inspiração de fé, motivação de amor
fraterno e uma doutrina social à qual o verdadeiro cristão deve estar atento; a
Igreja deve “tomar como base da própria prudência, a fim de a traduzir
concretamente em categorias de ação, de participação e de compromisso” (Paulo
VI, 2001, p. 44). Tudo isso sem se confundir com um sistema político, mas que
seja expressão da coragem do cristão comprometido. “A Igreja esforça-se por
inserir sempre a luta cristã em favor da libertação do desígnio global da salvação,
152
que ela própria anuncia” (Paulo VI, 2001, p. 45). Essas considerações são para
contribuir para que se evite as ambigüidades de que se reveste a palavra
libertação, nas ideologias, nos sistemas ou nos grupos políticos. “A libertação que
a evangelização proclama e prepara é aquela mesma que o próprio Jesus Cristo
anunciou e proporcionou aos homens pelo seu sacrifício” (Paulo VI, 2001, p. 45).
Da libertação religiosa, ligada à evangelização que visa o estabelecimento
de estruturas que salvaguardem as liberdades humanas, não se pode separar a
garantia de todos os seus direitos fundamentais, dentre os quais o da liberdade
religiosa, que é de primeira importância. É bom lembrar que há cristãos que
sofrem opressão por serem cristãos. O drama da fidelidade a Cristo e da liberdade
de religião ainda continua.
2.1.2.5 As vias de evangelização
Paulo VI (2001, p. 47) diz sobre esse capítulo que o conteúdo da
evangelização deve considerar a importância das suas vias e dos seus meios. O
problema do como evangelizar é sempre atual, porque as maneiras de evangelizar
variam de acordo com as circunstâncias de tempo, de lugar e de cultura e, por
isso mesmo, é desafio à nossa capacidade de descobrir e de adaptar.
Aos pastores da Igreja cabe o cuidado de remodelar com ousadia e
prudência os processos, tornando-os mais eficazes para o anúncio do Evangelho
às pessoas do tempo atual. Aqui seguem algumas vias fundamentais (Paulo VI,
2001, p. 47).
a) O testemunho da vida”. Para a Igreja, o testemunho de uma vida cristã,
em comunhão com Deus e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o
153
primeiro meio de evangelização. O ser humano contemporâneo mais
credibilidade às testemunhas do que aos mestres. E se ouvidos aos mestres, é
porque são testemunhas. São Pedro adverte que, se alguns não forem
conquistados pela Palavra, sejam-no pelo procedimento (testemunho) (1Pd 3,1).
Será pela vida, pelo comportamento que a Igreja, antes de mais nada, de
evangelizar o mundo; “ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao
Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos
poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade” (Paulo VI, 2001,
p. 48).
b) “Uma pregação viva”. A pregação tem alcance e é necessária. “Como
hão de crer naquele de quem não ouviram falar? E como de ouvir falar dele, se
não houver quem pregue?... A fé, portanto, vem da pregação, e a pregação é feita
por mandato de Cristo” (Paulo VI, 2001, p. 49). Então, a pregação é indispensável.
O homem moderno, cansado de discursos, mostra-se às vezes cansado de ouvir e
até imunizado contra a Palavra. psicólogos e sociólogos que afirmam ter o
homem moderno ultrapassado a civilização da Palavra, e que está vivendo a
civilização da imagem. Já fizemos, mas devemos desenvolver ainda mais os
meios modernos criados para a transmissão da mensagem evangélica. Mas nada
diminui a validade da Palavra, nem a leva a perder sua confiança. Permanece
atual, bem como o axioma de São Paulo: “A vem da pregação” (Rm 10,17)
(Paulo VI, 2001, p. 49).
c) “Liturgia da Palavra”. A liturgia da palavra é para Paulo VI (2001, p. 50)
também uma via. As situações da vida proporcionam a ocasião para um anúncio
154
do que o Senhor tem a dizer. Tendo sensibilidade espiritual lê-se nos
acontecimentos a mensagem de Deus. O próprio concílio atribuiu grande valor à
liturgia da Palavra. Então é preciso tirar vantagem das possibilidades da homilia,
dedicando-se a ela com amor. Esta pregação, singularmente inserida na
celebração eucarística, é importante para a evangelização porque exprime a
profunda no místico sagrado. Os fiéis esperam muito da pregação e dela poderão
tirar fruto, se ela for simples, clara, direta, adaptada, de fato evangélica, fiel ao
magistério da Igreja, cheia de esperança, alimento para a geradora de paz e de
unidade. Com essas qualidades, a homilia vida e consolida muitas
comunidades. Não na celebração eucarística, a homilia tem valor, mas em
todos os sacramentos, nas paraliturgias e nas assembléias dos fiéis. Ela é
momento oportuno para comunicar a Palavra de Deus.
d) A “catequese”. O ensino catequético é um aspecto que não deve ser
descuidado. A inteligência, das crianças e dos adolescentes, particularmente, tem
necessidade de aprender, mediante ensino motivador, “os dados fundamentais, o
conteúdo vivo da verdade que Deus nos quis transmitir, e que a Igreja procurou
exprimir de maneira cada vez mais rica, no decurso da sua história” (Paulo VI,
2001, p. 52). O ensino deve educar hábitos de vida religiosa; para isso se deve
valer de textos apropriados e atualizados com prudência e competência, sob
autoridade dos bispos.
“Os métodos, obviamente, hão de ser adaptados à idade, à cultura e à
capacidade das pessoas, procurando sempre fazer com que elas retenham
na memória, na inteligência e no coração, aquelas verdades essenciais que
deverão depois impregnar toda a sua vida” (Paulo VI, 2001, p. 52).
155
É importante preparar os catequistas e que eles se aperfeiçoem nessa arte
do ensino religioso. As condições do mundo atual tornam urgente o ensino
catequético, sob forma de catecumenato, para jovens e adultos que querem se
entregar a Cristo, finaliza Paulo VI (2001, p. 52).
e) “Utilização dos ‘mass media’. Os MCS são outra via de evangelização.
O primeiro anúncio, a catequese, não pode deixar de valer dos MCS, que marcam
nosso século. Postos a serviço do Evangelho, eles ampliam o campo, levando-o a
milhões de pessoas. É servindo-se desses meios que a Igreja “apregoa sobre os
telhados” (Mt 10, 27), conseguindo falar às multidões, penetrando em sua
consciência como se cada um fosse único, conseguindo dos mesmos adesão e
compromisso pessoal (Paulo VI, 2001, p. 53).
f) “Indispensável contato pessoal”. Cristo pôs esta forma em prática várias
vezes: com Nicodemos, Zaqueu, Samaritana, Simão, o fariseu, e com os
apóstolos. Haveria outra forma melhor para transmitir a mais do que a
transmissão da sua própria experiência? Os sacerdotes fazem um bem, quando
atendem os fiéis em sacramento da penitência ou em diálogo pastoral, assistindo-
lhes com discernimento e disponibilidade (Paulo VI, 2001, p. 54).
g) “O papel dos sacramentos”. A evangelização não se encerra com a
pregação ou com o ensino de uma doutrina. Deve atingir a vida: a natural,
conferindo-lhe um novo sentido; a sobrenatural, com a purificação e elevação da
natural. “Esta vida sobrenatural encontra a expressão de graça e de santidade de
156
que eles são fontes” (Paulo VI, 2001, p. 55). A evangelização exprime assim toda
sua riqueza, quando realiza uma ligação e uma intercomunicação que nunca se
interrompe, entre a Palavra e os sacramentos. Há equívocos em contrapor a
evangelização à sacramentalização. Administrar os sacramentos sem apoio na
sua catequese e na catequese global, em grande parte, seria torná-los ineficazes.
O papel da evangelização é o de educar para a fé, e que esta leve os cristãos a
viverem os sacramentos como eles são, verdadeiros sacramentos da (Paulo VI,
2001, p. 55).
h) “Religiosidade popular”. Para Paulo VI (2001, p. 56), não se pode ser
indiferente a esta que chamam “religiosidade popular”. Ela está presente tanto nas
regiões de presença histórica da Igreja, quando onde ela está sendo implantada.
Encarada por muito tempo como menos pura, ela constitui objeto de uma
redescoberta, tanto é que os bispos aprofundaram seu resultado no recente
sínodo. É claro que ela tem suas limitações. Abre-se, às vezes, às deformações
da religião, tais como as superstições. Depois permanece ao nível apenas de
manifestações culturais, sem adesão à fé. Com isso, pode levar à formação de
seitas e pôr em perigo a verdadeira comunidade eclesial. Mas se bem orientada, a
religiosidade popular é algo rico de valores. Assim, ela traduz em si certa sede de
Deus que somente os pobres e os simples podem experimentar. Ela torna as
pessoas mais generosas e predispõe-nas ao sacrifício, até ao heroísmo, quando
se trata de manifestar a fé. Ela comporta o sentido profundo de Deus: a
paternidade, a providência, a presença amorosa e constante etc. Ela suscita,
depois, atitudes interiores que, raramente, observa-se em outros casos, no mesmo
grau: paciência, sentido da cruz no dia-a-dia, desapego, aceitação dos outros,
157
dedicação, devoção. Por isso a chamamos piedade popular”, não religiosidade.
Por fim, a caridade pastoral deve levar a ter-se sensibilidade com a religiosidade
popular, reconhecendo seus valores, ajudando-a a superar seus limites. “Bem
orientada, esta religiosidade popular, pode vir a ser cada vez mais, para as nossas
massas populares, um verdadeiro encontro com Deus em Jesus Cristo.” (Paulo VI,
2001, p. 58).
2.1.2.6 Os destinatários da evangelização
Paulo VI (2001, p. 59) lembra que a evangelização tem uma destinação
universal, como bem enfatizou Jesus: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho
a toda criatura” (Mc 16 15). E os primeiros cristãos compreenderam este pedido, a
ponto de serem perseguidos por isso. Essa perseguição veio, inclusive, colaborar
com a difusão do Evangelho. Paulo é um exemplo de alguém que, convertido,
universalizou o Evangelho, anunciando-o aos não judeus.
No decorrer de toda história da Igreja, os obstáculos são evidentes. Os
internos limitaram a expansão da ação evangelizadora da Igreja; os externos,
impostos pelos poderes públicos, são caracterizados pela resistência dos que
recebem a Boa Nova. “Sucede, ainda nos nossos dias, que os anunciadores da
Palavra de Deus são privados dos seus direitos, perseguidos, ameaçados e
eliminados mesmo, pelo fato de pregarem Jesus Cristo e o seu Evangelho”
(Paulo VI, 2001, p. 60).
Mas, nutrida da força que vem do Senhor, para Paulo VI (2001, p. 60) nada
impedirá a Igreja de universalizar o Evangelho, de levá-lo a toda criatura. A própria
realização do sínodo dos bispos demonstra isso, uma vez que representa um
158
apelo, para que e Evangelho não seja delimitado a uma classe, a um tipo de
homens ou a uma cultura. Veja-se alguns exemplos.
O Novo Testamento particularmente o livro dos Atos dos Apóstolos
testemunho do esforço missionário dos primeiros cristãos em divulgar Jesus Cristo
e o seu Evangelho àqueles que não o conheciam. Com essa pré-evangelização
que já é evangelização –, a Igreja busca realizar o programa fundamental que
recebeu de seu fundador, que é anunciar aos que estão longe. E para alcançar tal
objetivo, valeu-se da pregação, da arte, das análises científicas e das pesquisas
filosóficas... (Paulo VI, 2001, p. 61).
Além de ser anunciado aos que estão longe, o Evangelho deve igualmente
ser levado ao mundo descristianizado: às multidões de batizados, pessoas
simples, intelectuais e outros que não vivem a fé cristã, não conhecem seus
fundamentos ou desejam conhecer mais sobre ele (Paulo VI, 2001, p. 62).
A evangelização deve ser destinada também às religiões não cristãs, que a
Igreja respeita e estima. “Elas comportam em si mesmas o eco de milênios de
procura de Deus, procura incompleta, mas muitas vezes realizada com
sinceridade e retidão de coração” (Paulo VI, 2001, p. 62). Trazem consigo
“sementes da Palavra” que se constituem uma “preparação evangélica”. Assim,
acrescenta, mesmo considerando esse respeito e estima e certa complexidade
dos problemas que essas religiões trazem para a Igreja, à luz de sua tradição e de
seu magistério, ela não deixa de anunciar Jesus cristos aos não-cristãos. Até
porque saber de Jesus é um direito destes, porque nele a humanidade pode
encontrar “tudo aquilo que procura às apalpadelas a respeito de Deus, do homem,
do seu destino, da vida, da morte e da verdade” (Paulo VI, 2001, p. 63). A religião
de Jesus, acredita a Igreja, coloca o homem em relação com o plano de Deus,
159
levando-o ao mistério da paternidade divina. Em outras palavras, a nossa religião
instaura efetivamente uma relação autêntica e vida com Deus, que as outras
religiões não conseguem estabelecer” (Paulo VI, 2001, p. 64).
A Igreja vê-se sustentáculo da dos fiéis, procurando “aprofundar,
consolidar, alimentar e tornar cada dia mais amadurecida a daqueles que se
dizem já fiéis ou crentes, a fim de que o sejam cada vez mais” (Paulo VI, 2001, p.
64-5). Além de afirmar isso, Paulo VI (2001, p. 65) também diz que a Igreja busca
manter solicitude em relação aos cristãos que não estão em plena comunhão com
ela, e se sente na obrigação de dar testemunho, junto a eles, da plenitude da
revelação da qual ela é depósito.
Em relação aos não-crentes, Paulo VI (2001, p. 65-6) lembra-se de que é
uma preocupação e diz respeito a duas esferas. A primeira são a incredulidade e o
secularismo. Aquela cresce no mundo moderno e se vale de correntes de
pensamentos, de valores e contravalores, germes de destruição... quanto à
espiritualidade, o mundo moderno continua a debater-se com “o drama do
humanismo ateu”. Nesse mesmo mundo contemporâneo, nota-se o secularismo,
para o qual o mundo explica-se por si mesmo, sem se valer de Deus para isso.
“Um secularismo deste gênero, para reconhecer o poder do homem, acaba por
privar-se de Deus e mesmo por negá-lo” (Paulo VI, 2001, p. 67). Ademais, daí
surgem novas formas de ateísmo, como o antropocêntrico que é pragmático,
programático e militante. Desse ateísmo é-nos proposto “uma civilização de
consumo, o hedonismo erigido em valor supremo, uma ambição de poder e de
predomínio, discriminações de todo gênero”. (Paulo VI, 2001, p. 67). Esse mundo,
assim, constitui-se em um apelo para ser evangelizado.
160
A segunda esfera refere-se aos não-praticantes. Trata-se dos batizados que
não negam o batismo, mas não o praticam. Ligado à fraqueza natural humana, é
algo antigo no cristianismo. Hoje, tem características próprias: nasce do fato de os
cristãos viverem lado a lado com os não-crentes, com a incredulidade; buscam
explicar e se justificar, na defesa de uma religião interior, da autonomia ou da
autenticidade pessoal (Paulo VI, 2001, p. 68).
Os ateus e incrédulos e os não-praticantes formam uma resistência à
evangelização, atingem todos os setores da sociedade e, justamente por isso, não
podem ser desprezados. Diante dessa realidade, a ação evangelizadora não pode
nem ignorar, nem ficar parada: deve, com meios e linguagem adequados, propor a
revelação de Deus e a fé em Jesus Cristo (Paulo VI, 2001, p. 68).
Uma vez que Deus “quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento
da verdade” (1Tm 2, 4), a Igreja vê-se na obrigação de anunciar o Evangelho às
massas. E acolhe para si a angústia de Cristo diante das multidões errantes que
se portavam como ovelhas sem pastor, sem se esquecer também que a eficácia
da pregação efetiva-se quando dirigida às comunidades de fiéis, cuja ação
estende-se a outros (Paulo VI, 2001, p. 69).
Para Paulo VI (2001, p. 70), o sínodo dos bispos ocupou-se largamente
com as comunidades de base, tão comentadas, destinatárias especiais da
evangelização e, ao mesmo tempo, evangelizadoras. Essas comunidades,
florescentes, em quase toda parte da Igreja, diferenciam-se entre si, de acordo
com cada região e mesmo dentro de dada localidade. Em algumas regiões, elas
nascem e se desenvolvem no interior da Igreja, alimentam-se de sua doutrina e
buscam viver uma dimensão mais humana da fé, na pequena comunidade
eclesial, meditando a Palavra, recebendo os sacramentos, lutando pela justiça
161
social, sobretudo, – em defesa dos irmãos mais pobres. Noutras regiões, há
comunidades de base que se dizem inspiradas somente pelo Evangelho. Estas
opõem-se facilmente à Igreja que chamam “institucional”, dizendo ser
comunidades carismáticas, libertas de estruturas. Assim,
“a sua inspiração principal bem depressa se torna ideológica e é raro que
elas não sejam muito em breve a presa de uma opção política, de uma
corrente e, depois, de um sistema, ou talvez de um partido, com todos os
riscos que isso acarreta de se tornarem instrumentos dos mesmos” (Paulo
VI, 2001, p. 71).
As comunidades que contestam a Igreja e dela se separam têm caráter
puramente sociológico e de fato não podem ser consideradas comunidades
eclesiais, diz Paulo VI (2001, p. 72). Essas, propriamente, são “àquelas que se
reúnem em Igreja, para se unir à Igreja e para fazer aumentar a Igreja” (Paulo VI,
2001, p. 72). Serão um lugar de evangelização, para o benefício das comunidades
mais amplas e uma esperança da Igreja toda, à medida em que elas procurem
alimentar-se da Palavra de Deus, sem se deixar levar por polarização política ou
por modismo ideológico; não deixem o espírito crítico sobrepor-se ao da
colaboração; evitem o isolamento e estejam ligados à Igreja local e à Igreja
universal; mantenham comunhão sincera com os pastores e com o magistério da
Igreja; não se considerem nem o único destinatário, nem o único agente da
evangelização, porque a Igreja é mais ampla e se encarna de outras maneiras;
cresçam na consciência do dever missionário e no zelo; demonstrem-se
universalistas, não sectários (Paulo VI, 2001, p. 73).
162
Por esse caminho, as comunidades eclesiais de base corresponderão à sua
vocação mais importante: de ouvintes do evangelho e de destinatários da
evangelização, tornar-se-ão anunciadoras do Evangelho (Paulo VI, 2001, p. 73).
2.1.2.7 Os agentes da evangelização
Os que proclamam o Evangelho são enviados para isso, afirma Paulo VI
(2001, p. 75), citando Rm 10, 15. E continua: sendo a Igreja toda missionária, ela
tem, por mandato divino, o dever de pregar o Evangelho a toda criatura. “Quando
a Igreja anuncia o reino de Deus e o edifica, insere-se a si própria no âmago do
mundo, como sinal e instrumento desse reino que é e que vem” (Paulo VI,
2001, p. 76).
Ao receber o mandado para evangelizar o mundo, a Igreja deve ter
consciência de que se trata de um ato eclesial, não individual. Assim, quando
alguém prega o Evangelho em um lugar distante, ele o faz como Igreja e unido a
toda Igreja. E não nela nenhum evangelizador que seja o senhor absoluto de
sua ação, que aja só, mas tudo que faz o faz em comunhão com a Igreja e com os
seus pastores (Paulo VI, 2001, p. 76).
Pode-se notar, diz Paulo VI (2001, p. 78), pela dos primeiros cristãos,
que os mesmos exprimiam um desejo de universalidade da Igreja, conscientes de
ser esse o desejo de Deus: de uma Igreja universal, feito uma grande árvore cujos
galhos servem de abrigo para as aves do céu, ou feito uma rede que recolhe toda
espécie de peixes.
Mas a Igreja universal faz-se, concretamente, nas igrejas particulares que
são constituídas por pessoas humanas de uma cultura, de uma história
específicas. A Igreja Universal é o somatório dessas igrejas particulares, ricas por
163
seus aspectos e expressões exteriores diversos. Por isso, a Igreja particular que
se separa da Igreja Universal perde sua referência ao desígnio de Deus e torna-se
pobre, eclesialmente. Por outro lado, uma Igreja toto urbe diffusa” (espalhada por
todo o mundo) se tornaria uma abstração se não se fizesse corpo através das
Igrejas particulares. A atenção a esses dois pólos é fundamental para perceber-se
a riqueza da Igreja (Paulo VI, 2001, p. 79).
Paulo VI (2001, p. 80) refere-se à adaptação e à fidelidade da linguagem
que as Igrejas particulares devem buscar. Devem assimilar o essencial da
mensagem evangélica, transpô-la, sem trair sua verdade essencial, para uma
linguagem mais compreensiva e anunciar nessa mesma linguagem. Essa
transposição deve ser feita com discernimento, seriedade, respeito e competência,
no campo da liturgia, da catequese, da formulação teológica, das estruturas
eclesiais secundárias e dos ministérios. Deve considerar o povo concreto, a sua
linguagem, seus sinais e símbolos, respondendo aos seus problemas. Mas, nessa
tradução, o conteúdo da evangelização não pode ser deturpado (Paulo VI, 2001,
p. 80-1).
Essa atenção para com as igrejas particulares, indispensável e urgente, é,
por fim, motivo de grande riqueza para a Igreja, afirma Paulo VI (2001, p. 81). Mas
a essas mesmas igrejas particulares, cabe manter uma abertura profunda para a
Igreja universal. Os cristãos mais simples, fiéis que são, demonstram essa
abertura ao Evangelho e à Igreja universal. Eles sofrem quando se vêm numa
Igreja desprovida dessa universalidade, regionalista e sem horizontes. E a história
mostra que, quando a Igreja particular se desliga nutrida de argumentos
teológicos, sociológicos, políticos ou pastorais –, na grande maioria das vezes, ela
cai no isolacionismo estiolante e, em seguida, na desagregação, perdendo a
164
liberdade e ficando sozinha, à mercê das mais variadas forças de escravidão e de
exploração. Quanto mais estiver ligada à Igreja universal – por meio da caridade e
da lealdade, da abertura para o magistério de Pedro, da unidade da lex orandi’
(norma da oração) e da lex credendi’ (norma de crer), “quanto mais essa Igreja
(particular) estará em condições de traduzir o tesouro da na legítima variedade
das expressões da profissão de fé, da oração e do culto, da vida e do
comportamento cristão e o influxo irradiante do povo em que a mesma se acha
inserida” (Paulo VI, 2001, p. 83). Assim, mais ela será evangelizadora, mais
beberá do patrimônio universal, para mais dar de beber ao seu povo da mesma
fonte.
Sobre o inalterável conteúdo da fé, Paulo VI (2001, p. 83) insiste “sobre a
função do sucessor de São Pedro como princípio visível, vivo e dinâmico da
unidade entre as Igrejas e, por conseguinte, da universalidade da única Igreja”.
Salvaguardar essa inalterância do conteúdo da é uma missão não da papa,
mas também dos bispos. Esse conteúdo não pode ser mutilado; pode, sim, ser
revestido com as riquezas culturais e sociais de cada povo. Seu conteúdo deve
permanecer o mesmo que o magistério eclesial recebeu e transmite.
Toda Igreja é chamada a evangelizar, e o faz no exercício das diferentes
tarefas evangelizadoras, que caracterizam, ao mesmo tempo, a riqueza e a beleza
da evangelização. Essa o Senhor confiou aos apóstolos que, por sua vez,
enviaram seus sucessores que seguiram a linha apostólica. o sucessor de
Pedro é, “pela vontade de Cristo, encarregado do ministério preeminente de
ensinar a verdade revelada” (Paulo VI, 2001, p. 85). No Novo Testamento, Pedro
falava, cheio do Espírito Santo, em nome de todos os apóstolos. Leão Magno dizia
ter merecido ter o primado do apostolado. O Concílio Vaticano II reafirma isso,
165
declarando que a pregação do Evangelho é uma competência primeiramente dos
bispos (Decreto Ad Gentes). O pleno poder que Cristo confia ao papa acha-se
especialmente na sua pregação e no envio de pregadores da Boa Nova da
salvação (Paulo VI, 2001, p. 86).
Unidos ao sucessor de Pedro, os bispos recebem a autoridade de ensinar,
na Igreja, a verdade revelada, afirma Paulo VI (2001, p. 86). Por fora da
ordenação sacerdotal, agem em nome de Cristo, dado que são pregadores e
ministros dos sacramentos, com o dever específico do qual devem tomar
consciência de anunciar o Evangelho de Deus em todo seu agir (1Ts 2,9).
Bispos e sacerdotes foram escolhidos pelo supremo pastor, para proclamar com
autoridade a Palavra de Deus, para reunir o povo disperso, alimentando-o com os
sinais da ação de Cristo, os sacramentos. Foram escolhidos também para
encaminhar o povo para a vida da salvação, para manter a unidade de que todos
são, em planos diferentes, instrumentos vivos e ativos para animar a comunidade
em torno de Cristo. A obra da evangelização consiste nisso e é compromisso do
papa, dos bispos, dos sacerdotes e dos diáconos (Paulo VI, 2001, p. 88).
Os religiosos têm, na sua vida consagrada, um meio privilegiado de
evangelização, segue Paulo VI (2001, p. 88). É da santidade da Igreja, para a qual
ela é chamada, que os religiosos dão testemunho. São o sinal da total
disponibilidade para Deus, para a Igreja e para os irmãos. O seu testemunho
silencioso de despojamento e de obediência torna-se uma pregação eloqüente
que toca, inclusive, os corações dos não-cristãos. Evangelizam pela oração, pelo
silêncio, pela penitência e pelo sacrifício. Mas sua ação missionária depende da
hierarquia, de sua pastoral que busca pôr em prática. Os religiosos são livres para
anunciar o Evangelho a toda a terra.
166
“Eles o empreendedores, e o seu apostolado é muitas vezes marcado
por uma originalidade e por uma feição própria, que lhes granjeiam
forçosamente admiração. Depois, eles são generosos: encontram-se com
freqüência nos postos de vanguarda da missão e a arrostar com os
maiores perigos para a sua saúde e para a sua própria vida” (Paulo VI,
2001, p. 89).
Os leigos têm por vocação estar inseridos nas variadas tarefas na ordem
temporal. Sua primeira tarefa não é instituir ou desenvolver a comunidade eclesial
papel específico dos pastores –, e sim, praticar todas as possibilidades cristãs
nas cosias do mundo, no mundo da política, da realidade social, da economia, da
cultura, das ciências, das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação
e outras como o amor, a família, a educação infanto-juvenil, o trabalho profissional
e o sofrimento. Quanto mais leigos estiverem inseridos nessas realidades, tanto
mais estas serão edificadas e a caminho da salvação em Jesus Cristo (Paulo VI,
2001, p. 90).
A ação evangelizadora da família insere-se no conjunto do apostolado dos
leigos. A família é chamada pelo Concílio Vaticano II de “Igreja doméstica”,
enfatiza Paulo VI (2001, p. 91). Em cada família. dever-se-ia encontrar aspectos
da Igreja inteira, porque ela é espaço onde o Evangelho é transmitido e donde o
Evangelho irradia-se. É preciso que ela tenha consciência de que todos da família
evangelizam. Os pais não anunciam o Evangelho aos filhos, mas o tem
anunciado pelos mesmos. Assim, uma família evangeliza outra, na busca de se
tornarem artífices da unidade.
167
O momento convida a dar uma atenção muito especial aos jovens. O
aumento numérico dos mesmos, a presença deles na sociedade e os problemas
que os assediam devem despertar em todos um cuidado de evangelizar-se com
zelo e inteligência. Bem formados na e na oração, devem tornar-se apóstolos
da juventude. A Igreja está esperançosa de sua contribuição nesse sentido (Paulo
VI, 2001, p. 92).
Como foi dito, a presença dos leigos nas realidades temporais é
fundamental. Mas, não se deve descuidar de outra dimensão, a de que podem “vir
a ser chamados para colaborar com os próprios pastores, no serviço da
comunidade eclesial, para o crescimento e a vida da mesma, pelo exercício dos
ministérios muito diversificados, segundo a graça e os carismas que o Senhor
houver por bem depositar neles” (Paulo VI, 2001, p. 92).
É evidente, segue Paulo VI (2001, p. 93), uma paixão que existe entre
pastores, religiosos e leigos, em sua missão de evangelizar. E, na busca de tornar
essa missão mais eficaz, é que a Igreja tem encorajado a abertura que, inclusive,
ela tem alcançado. Abertura para refletir, inicialmente; depois, abertura para os
ministérios eclesiais para rejuvenescer e reforçar seu dinamismo evangelizador.
Esses ministérios não-ordenados têm o seu lugar, na Igreja, e a ela pode prestar
um especial serviço.
A experiência dos ministérios, nas origens da Igreja, possibilitou que ela se
consolidasse, crescesse e expandisse. Beber nessas fontes, adaptar seu
conteúdo às exigências e às necessidades atuais é o caminho para os ministérios
de que a Igreja precisa e que muitos devem assumir, para maior vitalidade da
comunidade eclesial. Aproveitando-se das orientações dos pastores, os
168
ministérios devem respeitar e se tornarem responsáveis pela unidade da Igreja
(Paulo VI, 2001 p. 93).
Esses ministérios, aparentemente novos, estão ligados às experiências
vividas pela Igreja, ao longo de sua história, tais como: aos que lidavam com a
catequese, com a animação da oração e do canto, com serviço da Palavra de
Deus, ou com o cuidado aos necessitados, com os que lideravam pequenas
comunidades, com os responsáveis por movimentos e com outros (Paulo VI, 2001,
p. 94). Os ministérios são importantes para irradiação do Evangelho, dentro e fora
da Igreja, que deve, por sua vez, muito aos leigos que dedicam parte de sua vida
ou ela toda a serviço das missões. Os mesmos devem ter uma preparação séria e,
de modo particular, os ministros da palavra, estando atentos à adaptação da
linguagem, para bem exerceram a arte da fala. E todos os bispos devem, em suas
igrejas particulares, proporcionar a formação adequada de todos os ministros da
Palavra, para hoje, anunciarem Jesus Cristo, com mais segurança e entusiasmo
(Paulo VI, 2001, p. 95).
2.1.2.8 O espírito da evangelização
Nesse último capítulo, Paulo VI (2001, p. 97) diz que não poderia concluir
sua exortação sem fazer um veemente apelo a todos os agentes da
evangelização, quanto às disposições interiores que hão de animá-los. Em nome
de Cristo e dos apóstolos exorta a todos “a demonstrarem-se dignos da própria
vocação, a exercitarem-na sem reticências nascidas de dúvidas ou do medo e a
não descurarem as condições que hão de tornar essa evangelização, não apenas
possível, mas também ativa e frutuosa” (Paulo VI, 2001, p. 97). E essas
condições, dentre outras, o papa aponta no texto que se segue.
169
Qualquer ação evangelizadora supõe a inspiração do Espírito Santo, afirma
Paulo VI (2001, p. 98). Na eleição e missão de Jesus assim se fez. O Espírito
desceu sobre ele, no momento de seu batismo, e depois ouve a voz do Pai (Mt 3,
17). No deserto, foi conduzido pelo Espírito (Mt 4, 1). Voltou para a Galiléia com a
potência do Espírito (Lc 4, 14). Sente o Espírito sobre si, quando inaugura sua
pregação (Lc 4, 18). Sopra sobre seus discípulos que estava preste a enviar o
Espírito Santo (Jo 20, 22). E foi depois do dia de Pentecostes que os apóstolos
saíram para evangelizar. Para Pedro, essa foi uma realização da profecia de Joel,
que diz Eu efundirei o meu Espírito” (At 2, 17). O Espírito desce sobre Pedro,
sobre Paulo, sobre Estevão e sobre os apóstolos. Sobre estes, inspira as palavras
e desce também sobre todos os que ouviam suas palavras (At 9, 31).
Sob o conforto do Espírito Santo é que a Igreja foi crescendo, sendo seus
evangelizadores guiados por ele. Esse mesmo Espírito põe palavras na boca dos
que anunciam a Boa Nova e predispõe a alma dos que ouvem, tornando-a
acolhedora. Nada substitui, na evangelização, a sua ação: nem as técnicas, nem
a preparação do evangelizador, nem a dialética, nem esquemas de cunho
sociológico ou psicológico (Paulo VI, 2001, p. 99-100).
Nos últimos tempos, vê-se na Igreja um momento privilegiado do Espírito,
afirma Paulo VI (2001, p. 101). Por meio da experiência pessoal, de assembléias,
ele tem sido buscado. Ele tem um lugar eminente em toda vida da Igreja, e é nela,
em sua missão evangelizadora, que ele mais age. Ele é o agente principal da
evangelização, impelindo para anunciar o Evangelho. Ademais, ele é o termo da
evangelização, porque ele suscita a nova criação, a humanidade nova que a
evangelização busca, com unidade, na variedade que a ação evangelizadora
busca promover, na comunidade cristã. “Através dele, do Espírito Santo, o
170
Evangelho penetra no coração do mundo, porque é ele que faz discernir os sinais
dos tempos – sinais de Deus – que a evangelização descobre e valoriza no interior
da história” (Paulo VI, 2001, p. 101).
O sínodo dos bispos de 1974, lembra Paulo VI (2001, p. 101), insistiu que
pastores, teólogos e fiéis batizados estudassem melhor sobre a natureza e os
modos da ação do Espírito Santo, na evangelização, nos dias atuais. E que todos
os evangelizadores peçam ao Espírito Santo fé e fervor, deixando-se guiar por ele,
inspirador decisivo da ação evangelizadora.
Ao comentar sobre testemunhas autênticas, Paulo VI (2001, p. 101)
comenta sobre a própria pessoa dos evangelizadores. E começa afirmando que o
século XX tem sede de autenticidade, que os jovens procuram a verdade e a
transparência. Tacitamente e com vigor, eles perguntam se os que evangelizam
acreditam naquilo que anunciam, se vivem aquilo em que acreditam e se pregam
aquilo que vivem. Porque o testemunho da vida é condição essencial para a
eficácia da pregação. Sob este ângulo, os que anunciam o Evangelho são
responsáveis por ele.
Mas, nesses dez anos de concílio, pergunta Paulo VI (2001, p. 102), ela se
radicou no mundo, tornou-se testemunha da solidariedade e do próprio Deus? Sua
contemplação e adoração tem mais ardor, sua ação missionária tem sido mais
zelosa, caritativa e libertadora? Soma esforços em vista da recomposição da
unidade plena entre os cristãos, tornando mais eficaz o testemunho comum, a fim
de que o mundo creia? Todos os evangelizadores são responsáveis pelas
respostas destas perguntas.
Paulo VI (2001, p. 102-3), no parágrafo seguinte, exorta essas
testemunhas. Primeiro os bispos, governantes da Igreja; depois os sacerdotes e
171
diáconos, colaboradores dos bispos e animadores das comunidades locais; os
religiosos, testemunhas de uma Igreja chamada a santidade e convidados a
testemunhar as bem-aventuranças; os leigos, e com estes as famílias, os jovens,
conscientes de seu papel evangelizador a serviço da Igreja, na sociedade e no
mundo. “É preciso que o nosso zelo evangelizador brote de uma verdadeira
santidade de vida, alimentada pela oração e, sobretudo, pelo amor à eucaristia, e
que, conforme o Concílio nos sugere, a pregação, por sua vez, leve o pregador a
crescer em santidade” (Paulo VI, 2001, p. 103).
O mundo procura Deus, apesar de sinais de sua rejeição, motivados pela
necessidade. Mas buscam um Deus que lhe seja próximo, familiar, visível. Ele
espera dos evangelizadores
“simplicidade de vida, espírito de oração, caridade para com todos,
especialmente para com os pequenos e pobres, obediência e humildade,
desapego de nós mesmos e renúncia. Sem esta marca de santidade,
dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir o coração do
homem dos nossos tempos” (Paulo VI, 2001, p. 103-4).
Sobre os artífices da unidade, se os que anunciam o Evangelho estiverem
divididos, diminuirá a força da evangelização. Se esse Evangelho estiver
vulnerado por detalhes doutrinais, polarizações ideológicas, ou condenações
recíprocas entre cristãos, ao capricho das suas maneiras de ver diferentes acerca
de Cristo e acerca da Igreja e mesmo por causa das suas concepções diversas da
sociedade e das instituições humanas... (Paulo VI, 2001, p. 104) será
compreensível que os que ouvem seus pregadores perturbem-se, desorientem-se
e se escandalizem. Mas a unidade entre os fiéis é a prova de que os mesmos são
172
de Cristo e de que o mesmo foi enviado pelo Pai. E, como evangelizadores,
devem apresentar aos fiéis de Cristo a imagem de pessoas amadurecidas na fé,
capazes de superar tensões, graças à procura sincera e desinteressada da
verdade. A sorte da evangelização está ligada ao testemunho de unidade dado
pela Igreja (Paulo VI, 2001, p. 105).
A unidade entre os cristãos é um instrumento de evangelização. A divisão
dos cristãos entre si é um fato grave que, como diz o Compêndio do Vaticano II
(apud Paulo VI, 2001, p. 105) “prejudica a santíssima causa de pregar o
Evangelho a toda criatura e fecha a muitos o acesso à fé”. Por isso, ao proclamar
o Ano Santo, diz Paulo VI, citando uma de suas bulas, recorda a todos os fiéis de
que
“a reconciliação de todos os homens, com Deus, nosso Pai, pressupõe o
estabelecimento da comunhão plena entre aqueles que reconheceram e
acolheram, pela fé, Jesus como o senhor da misericórdia, que liberta todos
os homens e os une pelo Espírito de amor e de verdade” (Bula
Apostolorum Limina, apud Paulo VI, 2001, p. 105).
Percebe-se grande esforço na busca dessa unidade, atualmente, lembra
Paulo VI (2001, p. 106), insistindo na importância de intensificar a oração nesse
sentido. Assim como os padres da terceira Assembléia Geral do Sínodo dos
Bispos, o papa diz que deve haver colaboração e maior empenho com os irmãos
cristãos, com os quais, baseando-se sobre o fundamento do batismo e, sobre o
patrimônio de fé, não existe união de comunhão perfeita, importante para um
amplo testemunho de Cristo diante do mundo.
173
O Evangelho é palavra da verdade. Verdade que dá a liberdade e a paz aos
corações que procuram os evangelizadores, quando estes lhes anunciam a Boa
Nova (Paulo VI, 2005, p. 106). É verdade sobre Deus, sobre o homem e o mundo;
verdade da Palavra de Deus da qual os evangelizadores não são árbitros, nem os
proprietários, mas os depositários, os arautos e os servidores. Que todo
evangelizador tenha o culto da verdade, que é a verdade revelada, parcela da
verdade primária que é o próprio Deus. O pregador do Evangelho, mesmo à custa
de renúncias e sofrimentos, deve procurar sempre a verdade que de transmitir
aos outros. Não deve evitá-la nem por preguiça, por comodidade ou por medo.
Não deve negligenciar seu estudo, mas servi-la com generosidade, sem a
escravizar (Paulo VI, 2001, p. 107).
O serviço pastoral obriga os pastores a preservar, defender e comunicar a
verdade, sacrificando-se inclusive para isso. Pastores deixaram esse exemplo, e é
isso que o Deus da verdade espera dos evangelizadores (Paulo VI, 2001, p. 107).
A obra da evangelização depende também dos doutores, dos teólogos, dos
exegetas ou dos historiadores. De suas pesquisas e trabalhos que transmitem a
verdade, embora seja esta sempre maior do que o coração do homem, porque é a
verdade de Deus. E no que tange aos pais e mestres, a sua tarefa é a de ajudar
seus filhos e discípulos na descoberta da verdade, a verdade religiosa e espiritual,
inclusive (Paulo VI, 2001, p. 108).
Os evangelizadores devem ser animados pelo amor, adverte Paulo VI
(2001, p. 108). Na obra da evangelização, devem ser portadores do amor fraterno
ante aos que são evangelizados. O apóstolo Paulo, um modelo a ser seguido,
dizia aos tessalonicenses o que serve como programa para os evangelizadores:
“Pela viva afeição que sentimos por vós, desejávamos comunicar-vos não a
174
Boa Nova de Deus, mas também a nossa própria vida, tão caros vos tínheis
tornado para nós” (1Ts 2, 8). Maior do que a afeição de um pedagogo, trata-se da
afeição de um pai, mais ainda, de uma mãe (1Ts 2, 7. 11; 1Cor 4,15; Gl 4,19). É
essa a afeição que o senhor espera de seus seguidores.
Sinais desse amor são a preocupação em comunicar a verdade, em buscar
a unidade e devotar-se ao anúncio de Jesus Cristo (Paulo VI, 2001, p. 109).
Também é sinal deste amor o respeito pela situação específica das pessoas
evangelizadas: respeitar o seu ritmo, não o forçando, sua consciência e suas
convicções; respeitar os que são frágeis na sua fé (1Cor 8, 9-13; Rm 14,15). Outro
sinal desse amor é o esforço para transmitir aos cristãos certezas sólidas,
ancoradas na Palavra de Deus, não dúvidas ou incertezas. Os fiéis não
precisam como têm direito a essas certezas para a sua vida cristã.
Outro apelo de Paulo VI (2001, p. 110) inspira-se no fervor de grandes
pregadores e evangelizadores que se consagraram ao apostolado, superando
obstáculos que se opunham à evangelização. Dentre esses obstáculos, destaca-
se a falta de fervor que é grave, porque vem de dentro, “manifesta-se no cansaço
e na desilusão, na acomodação e no desinteresse e, sobretudo, na falta de alegria
e de esperança em numerosos evangelizadores” (Paulo VI, 2001, p. 110). Todos
os que têm a tarefa de evangelizar devem alimentar sempre o fervor espiritual (Rm
12, 11). Mas esse fervor exige que se bane os álibis que se opõem à
evangelização. Os que buscam encontrar apoio nos ensinamentos do concílio são
os mais insidiosos, como os que buscam afirmar que impor uma verdade do
Evangelho ou um caminho da salvação é uma violência à liberdade religiosa. Ou:
“para que anunciar o Evangelho, uma vez que todas as pessoas são salvas pela
retidão do coração?” (Paulo VI, 2001, p. 111). Ademais, se o mundo e a história
175
estão cheios de sementes da Palavra que o próprio Senhor lançou, para que levar
o Evangelho aonde ele já se encontra?
Os documentos conciliares, mediante leitura aprofundada, apontam para
uma visão totalmente diversa dessa acima. É claro que impor qualquer coisa à
consciência humana é um erro. Mas, propor a verdade evangélica e a salvação
em Jesus Cristo, “longe de ser um atentado à liberdade religiosa, é uma
homenagem a essa liberdade, à qual é proporcionado escolher um caminho que
mesmo os não-crentes reputam nobre e exaltante” (Paulo VI, 2001, p. 111). Será
um crime proclamar uma Boa Nova que se recebeu primeiro pela misericórdia do
Senhor? Mas, por que a mentira e o erro, a degradação e a pornografia teriam o
direito de serem propostos pela propaganda destrutiva dos meios de
comunicação? Mais que um direito, é um dever do evangelizador propor Cristo e o
seu reino, respeitosamente, às pessoas. Receber o anúncio da Boa Nova da
salvação é um direito seu. Essa salvação Deus pode realizá-la como quiser e com
quem quiser. Mas seu Filho veio a este mundo para revelar a todos, por sua
palavra e por sua vida, os caminhos ordinários da salvação. Com sua autoridade,
ordenou seus seguidores que transmitissem aos outros essa revelação (Paulo VI,
2001, p. 112).
Seria útil que cada cristão aprofundasse na oração esse pensamento: as
pessoas poderão ser salvas por outros meios, graças à misericórdia de Deus, se o
Evangelho não lhes for anunciado; mas, os evangelizadores, por motivações
diversas, poderão salvar-se não o anunciarem? Isso seria trair o apelo de Deus
que quer que a semente venha a germinar. E dependerá dos evangelizadores que
ela se torne árvore e produza fruto (Paulo VI, 2001, p. 112-3).
176
Portanto, finaliza sua exortação Paulo VI (2001, p. 113), que se conserve o
fervor do espírito e a suave alegria de evangelizar, mesmo que entre lágrimas.
Que isso constitua-se para os evangelizadores os apóstolos e os da história da
Igreja um impulso evangelizador inextinguível. Que isso constitua-se a grande
alegria dos consagrados. E que os que procuram possam receber a Boa Nova dos
evangelizadores, ministros fervorosos do evangelho, que são aqueles que
receberam a alegria de Cristo e arriscam “a sua própria vida para que o Reino seja
anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo” (Paulo VI, 2001, p. 113).
2.1.3 Evangelii Nuntiandi: comentários
As referências feitas na América Latina a respeito da exortação do Papa
Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, são em geral positivas. Valendo-se de outros
importantes documentos, a Evangelii Nuntiandi estimulou as iniciativas pastorais
que se nutriam da reflexão teológica latino-americana, a TdL. Reforçou a idéia de
que a evangelização deve supor as diversas circunstâncias específicas e se valer
de diversos meios para transformar as realidades injustas em um mundo de fato
sinal do Reino definitivo.
No início deste capítulo foi explicitada a importância e a localização da
exortação de Paulo VI, no tocante aos documentos pontifícios em geral. “A
Evangelii Nuntiandi procura expor os aspectos essenciais da evangelização, em
continuidade ao Vaticano II” (Cnbb, 1999, p. 40). E, embora seja documento de
um papa, não se trata de um tratado teológico, e sim, de um estímulo para que os
bispos continuem com sua missão evangelizadora.
177
“Antigamente as declarações do papa provocaram comentários extasiados;
hoje cedem lugar a estudos mais críticos. A análise estrutural desseca as
encíclicas e expõem-se ao público as variações de posição do magistério.
O gênero exortatório da Evangelii Nuntiandi não permite um tratado tão
sofisticado. A intenção do Papa é ‘reconfortar’ e ‘confirmar’ os bispos em
sua tarefa missionária e partilhar com seus povos sua ‘reflexão sobre a
evangelização’” (Singleton e Maurier, 1978, p. 125).
Ademais, “Paulo VI não escreve como teólogo, mas como pastor supremo.
Não procura a precisão da terminologia, mas a reconciliação das teologias
opostas” (Snijders apud Singleton e Maurier, 1978, p. 127)
Com sua exortação, Paulo VI consagrou o tema da evangelização, na
comemoração do décimo aniversário de encerramento do Concílio Vaticano II,
“Entre os documentos pontifícios, normalmente de grande valor, este (Evangelii
Nuntiandi) é reconhecido de um valor fora de série: carta magna da
evangelização” (Pedro, 1993, p. 107). Após essa publicação, outras surgiram
refletindo também sobre a missão da Igreja. Reflexões que levaram à
compreensão de que evangelizar não é anunciar uma mensagem do passado,
mas reconhecer os “sinais dos tempos” e interpretá-los à luz do Evangelho (Cnbb,
1999, p. 41). Assim, a Evangelii Nuntiandi reflete sobre a complexidade do mundo
de então, visível na política, na economia, na cultura, nas comunicações sociais,
nas relações internacionais, e também no amor, na família, na educação, no
trabalho e no sofrimento (Cnbb, 1999, p. 8). Com a Evangelii Nuntiandi, Paulo VI
aprovou e encorajou o florescimento de novos ministérios leigos que, na América
Latina, já eram assumidos por muitos, após o Concílio Vaticano II (Cnbb, 1999, p.
113).
178
Assim, passando por Medellín, a Igreja destacou uma verdade primordial:
“que não se pode separar o que o Verbo Encarnado uniu: evangelização e
libertação, que ambos os termos se iluminam e se completam mutuamente dentro
da sua unidade” (Comblin, 1977, p. 571). Por isso cabe destacar, de princípio, este
elemento peculiar dessa exortação, bem como um significado característico de
sua ação evangelizadora no mundo contemporâneo.
“Por primeira vez na história da Igreja a evangelização aparece (na
proposta da Evangelii Nuntiandi) destacada como a missão própria da
Igreja. Assim aparece claramente a diferença entre a Igreja e as instituições
puramente humanas. Estas têm por finalidade a sua própria supervivência
e prosperidade. Pelo seu aspecto humano, pelas tendências espontâneas
que procedem das aspirações humanas das pessoas que a compõem, a
Igreja estará também preocupada pela supervivência, pelo seu
desenvolvimento institucional, pelo prestígio, pelo poder etc. Pela sua
vocação divina, porém, a Igreja tem outra missão: a evangelização do
mundo” (Comblin, 1977, p. 570).
Revisar em profundidade o conceito de evangelização, para Velasco, foi
tornando-se uma necessidade para a Igreja depois do concílio. E a Evangelii
Nuntiandi tem que ser levada a sério nesse sentido. Ela mudou o conceito de
evangelização.
“Esta encíclica significa, sem dúvida, um grande avanço na consciência
própria do que é evangelizar. De um conceito tradicional, em que se tem
privilegiado o momento do anúncio verbal do Evangelho, se passa a um
conceito mais amplo, mais completo e mais radical, que inclui pelo menos
estes três momentos: anúncio, testemunho e práxis” (Velasco, 1985, p. 70).
179
E assim, como o concílio, a Evangelii Nuntiandi não traz propostas prontas
e definidas sobre todas as questões pertinentes acerca da ação evangelizadora da
Igreja no mundo contemporâneo. Ela impulso para que a Igreja reflita e
pratique o que acredita e anuncia. A Evangelii Nuntiandi não pretende ser o ponto
final da reflexão da Igreja e sim o ponto de partida da reflexão teórica como da
vivência prática” (Comblin, 1977, p. 571).
A Evangelii Nuntiandi reforçou um conceito de evangelização que a Igreja
da Libertação vinha tecendo, com exceção de alguns pontos comentados no
capítulo seguinte. Primeiramente, a própria Igreja, em sua missão evangelizadora,
não deve ser compreendida como uma instituição que tem fim em si mesma. Boff
(1980, p. 36) diz sobre os “três eixos sobre os quais se constrói a correta
compreensão da Igreja: o Reino, o mundo e a Igreja” (Boff, 1980, p. 36). E o Reino
“é o horizonte que convoca a Igreja para uma permanente purificação e renovação
de si mesma” (Teixeira, 1988, p. 55). A Igreja, para evangelizar, deve ser
evangelizadora, abrir-se ao mundo, deixando-se evangelizar e habitar por ele.
Para isso, contar com a força do Espírito, seguir Jesus, atento ao Reino (Paulo VI
apud Teixeira,1988, p. 55).
Evangelizar é anunciar o Evangelho, o Reino de Jesus Cristo aos seres
humanos no mundo. Por isso evangelização proporciona encontro com Deus que
se dá, sobretudo, na proximidade do que mais sofre, por meios concretos, de
serviço, motivado pelo amor.
“De acordo com o evangelho, o encontro com Deus realiza-se no encontro
com o homem, de modo particular no encontro com o outro, com o pobre,
com o marginalizado, com o rejeitado. Se é verdade que o cristianismo,
180
como todas as religiões, inclui uma caminhada de reconhecimento de Deus
pela interioridade ou pela experiência da natureza, no entanto o que é mais
específico do evangelho é a experiência de Deus na aproximação com o
outro. O que Jesus ensina é o encontro com Deus não pela mente ou por
atitudes interiores e sim pelo agir concreto, pelo amor que é serviço”
(Comblin, 1996, p. 15).
A Evangelii Nuntiandi, segundo Mision Abierta (1985, p. 85), mostra que “a
Igreja considera certamente importante e muito urgente a edificação de estruturas
mais humanas, mais justas, mais respeitosas dos direitos da pessoa, menos
opressivas e menos avassaladoras”. Valendo-se da Evangelii Nuntiandi, Mision
Abierta (1985, p. 84) prossegue dizendo que a Igreja evangeliza quando trata de
converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva das pessoas, sua
atividade, sua vida e seu ambiente concretos. Ela evangeliza quando promove a
vida dos seres humanos. Para Lima (2000, p. 580), “sob o influxo de Evangelii
Nuntiandi, vem à tona a questão da cultura: essa deve ser também interlocutora
da evangelização. Sem justaposições, a evangelização é considerada em íntima
relação tanto com a promoção humana como com a cultura”.
A Evangelii Nuntiandi foi se tornando uma referência para os que,
posteriormente, trataram do tema da evangelização, porque deslancha sobre
questões complexas. Lima (2000), que partilha dessa mesma linha da exortação,
comenta sobre o impulso da convocação de João Paulo II (Haiti, em 1983), para
uma nova evangelização. Nessa, o que tange a fundamentos em relação à
evangelização que se fazia até então –, propriamente não nada de novo.
ênfase, contudo, à necessidade de se resgatar a vitalidade e a eficácia original, o
181
fascínio próprio do Evangelho. Pastoralmente, a nova evangelização busca dar
respostas novas e dinâmicas às situações que desafiam a Igreja, no continente:
“Por um lado, as situações trágicas de injustiça e sofrimento, de
desigualdade social, de pobreza, violência, marginalização e exclusão
social, e, por outro, a situação atual das culturas: um continente multiétnico
e pluricultural, com indígenas, afro-americanos, mestiços, cultura moderna,
urbana, pós-moderna, todas elas caracterizadas pela cultura da pobreza e
pela interação entre as mesmas. A este elemento cultural deve-se
acrescentar o pluralismo religioso, a presença de novos movimentos
religiosos, a secularização e o indiferentismo religioso” (Lima, 2000, p.
582).
A nova evangelização, portanto, distingue-se de evangelização. Sua tarefa
é mais ampla, mais complexa porque considera a pessoa toda, seu contexto e
suas circunstâncias.
“Se a evangelização é sempre a mesma, a nova evangelização leva em
consideração as circunstâncias sócio-históricas e culturais: sua tarefa será
promover a pessoa humana diante dos novos sinais dos tempos e mediar a
experiência cristã em cada um dos diversos contextos sócio-culturais de
nossos povos. Se a evangelização é o elemento englobante, por outro lado
estes dois elementos, promoção humana e inculturação, fazem parte
integrante dela, e não são simplesmente realidades que vão juntas com a
evangelização” (Lima, 2000, p. 581-2).
Ademais, o papa João Paulo II (apud Lima, 2000, p 582) enumera, para
melhor transmissão da fé às novas gerações, três níveis de exigências dessa nova
evangelização: ardor, desejo de santidade, contemplação e profetismo; métodos,
criatividade, protagonismo dos leigos, abandono de certo clericalismo, interesse
182
pelos problemas humanos, inserção no coração das culturas; expressões, nova
linguagem e símbolos para aproximar o Evangelho das culturas, revitalização do
testemunho, da catequese, dos ministérios, da liturgia, da oração, a fim de torná-
los críveis, autênticos e atuais.
Comblin (1999, p. 23) parte do conceito de evangelização da Evangelii
Nuntiandi, para tratar de temas pertinentes da pastoral urbana, como
“evangelização da vida social”. Para ele, os cristãos são chamados a evangelizar
pelo testemunho, pelo anúncio da palavra, proclamando a novidade do evangelho
em cada setor da cidade. A evangelização da cidade é algo comunitário, dinâmico,
de mutação constante, porque as cidades mudam constantemente.
“A evangelização da sociedade é tarefa de formiga: milhões de pessoas
trabalhando juntas, cada uma levando um grão de evangelho e, assim,
indefinidamente sem cessar, sem jamais ver o fim da tarefa. Pois a cidade
muda constantemente e a evangelização deve recomeçar sempre de novo
a partir de uma realidade nova” (Comblin, 1999, p. 28).
Na cidade, a ampliação dos grupos e associações para diversos fins tende
a crescer. Diante da ineficiência do Estado em cumprir com todos os seus
compromissos diante dos cidadãos, as associações desses cidadãos fazem-se
importantes. “Associações de cidadãos vão assumir cada vez mais as tarefas que
os Estados não podem mais realizar. (...) Estamos ainda no início de um
movimento destinado a crescer” (Comblin, 1999, p. 22). E é de acordo com essa
realidade de mudanças e novas alternativas que a cidade representa, que a
evangelização deve acontecer de forma dinâmica.
183
A idéia de evangelização que na Evangelii Nuntiandi foi trabalhada reforçou
a intenção de muitos da Igreja em radicalizar o que constitui um tema pertinente, a
solidariedade. Motivados pela exortação, muitos bispos e teólogos passaram a
defender a solidariedade radical com os oprimidos, como condição da
evangelização. E muitos defenderam que evangelizavam os cristãos que
assumissem decididamente as condições de vida do povo e que partilhassem sua
pobreza e seu sofrimento. Dentre eles, o Monsenhor Ariztía, para quem “a Igreja,
como Jesus no caminho de Emaús, só era conhecida no compartilhar fraterno. É a
condição de sua credibilidade. A evangelização toma neste momento um rosto
visível que se chama solidariedade” (Castillo, 1978, p. 98).
Em seu plano global, para 2003-2007, bispos do CELAM tiveram como
tema central “humanizar a globalização e globalizar a solidariedade”. Lembraram-
se de que, motivados pela fé,
“e, à luz da Evangelii Nuntiandi, se pergunta: qual é o desígnio de salvação
que Deus tem disposto para a América Latina? Qual é o caminho de
salvação que Deus nos prepara? A resposta que encontram e proclamam é
que Deus nos clama na América Latina a uma vida em Cristo Jesus”
(Celam, 2003, p. 20).
E que a evangelização proceda-se como Jesus a fez, proclamando a Boa
Nova aos pobres deste mundo, conforme afirma Sobrinho (1985, p. 43), citando a
exortação de Paulo VI.
A Evangelii Nuntiandi, mesmo não sendo uma excelência documental que
tivesse como preocupação tratar de questões doutrinais ou de temas pastorais
polêmicos, representou um efetivo apoio, particularmente, para Igreja da América
184
Latina. Impulsionou muito o trabalho que vinha sendo feito; incentivou muitos
bispos a irem moldando uma Igreja missionária e compromissada com a vida,
defensora dos pobres e marginalizados; motivou muitos teólogos a tratarem do
tema com mais liberdade e conteúdo. A Evangelii Nuntiandi deu à Igreja
elementos para que ela repensasse suas estruturas e reavaliasse sua missão de
anunciar a Boa Nova de Jesus. E, anunciando, que levasse em conta as
circunstâncias diversas e se incumbisse de, a partir dos pobres como o fez
Jesus – anunciar o Reino na luta por um mundo mais humano, justo e pacífico.
2.2 Síntese e perspectiva
A evangelização no mundo contemporâneo foi dando-se motivada por
várias circunstâncias. A realidade sócio-histórica, com a estabilidade do sistema
capitalista com as suas conseqüências foi impondo-se, sobretudo, no mundo
ocidental, exigindo da Igreja nova postura frente às realidades terrestres.
Diante dessa realidade complexa e exigente, a Igreja, na atitude ousada do
papa João XXIII, realiza o Concílio Vaticano II. Certo de que o religioso é o seu
campo específico, dispõe-se a humanizar o mundo e a ser humanizado por ele,
dialogando, respeitando as diferentes culturas humanas.
O concílio deve ser acolhido como coração dos anseios histórico-eclesiais e
acenos para novos caminhos. Com ele, a Igreja toma outro rumo: não é a dona da
verdade de Deus, e sim contempla verdades de Deus.
Frente a novas possibilidades de refletir e de viver a trazidas pelo
concílio, novas teologias foram sendo articuladas. A TdL, na América Latina, foi
185
moldando um novo rosto eclesial, com método próprio, tendo os pobres como
sujeitos preferenciais de sua ação evangelizadora.
Sacramento universal de salvação, povo de Deus, a Igreja na América
Latina aprofunda sua ação a partir de sua realidade marcada pela miséria, pelo
autoritarismo político, pela violência. Com a conferência episcopal de Medellín,
obriga-se a agir, organizando-se para defender os pobres, combatendo as
injustiças estruturais políticas, econômicas, sociais. Apresenta-se, assim, como
Igreja da libertação, tendo nas CEBs a expressão mais significativa de sua
manifestação. Assim, a Igreja quase toda ela e em muitos setores muda,
internamente, a relação de poder, sendo mais comunitária e participativa,
combatente das injustiças contra os pobres.
Com a Evangelii Nuntiandi, o conceito de Evangelização é aprofundado.
Evangelizar torna-se missão própria da Igreja, necessária inclusive. A começar
porque o próprio Cristo foi evangelizador à custa de muito esforço, a ponto de dar
a própria vida. Anunciou o Reino com pregação e sinais concretos de salvação.
Evangelizada, a comunidade deve evangelizar. Nascida da ação
evangelizadora e da missão, a Igreja deve começar a evangelizar a si mesma,
pois é depositária da Boa Nova. Também ela envia evangelizadores para
anunciarem, em nome de Cristo e unida a ele, o Reino.
Mas de priorizar-se o essencial da evangelização: Jesus Cristo, pelo
Espírito Santo, revela Deus e seu projeto, a salvação de todo ser humano.
Ademais, anunciar profeticamente a libertação dos que mais sofrem,
particularmente, dos milhões que padecem no Terceiro Mundo, anunciando a
esperança escatológica e garantindo a liberdade religiosa.
186
Para viver e transmitir o conteúdo da evangelização, são necessárias vias.
A Igreja deve ir adaptando essas vias, sem menosprezar a importância
fundamental do testemunho de vida, do contato pessoal e da pregação viva na
catequese, por exemplo, que deve estar atenta aos meios de comunicação social.
A evangelização deve atingir a vida natural e a sobrenatural. Esta, que é a
elevação daquela, encontra expressão viva nos sete sacramentos. a
religiosidade popular, sendo ajudada a superar seus limites, pode também ser um
lugar de encontro com Deus em Jesus Cristo.
O Evangelho, que deve ser levado a todos, primeiro deve ser anunciado
aos que não o conhecem; depois, aos descristianizados que afastaram-se da
vivência cristã; às religiões não-cristãs, com todo respeito às suas crenças; aos
não-crentes ou crentes não praticantes; ao coração das multidões.
Nascidas da Igreja e solidárias ela, as comunidades eclesiais de base
devem ser mais que uma unidade sociológica. Reduzindo-se a essa, pode levar-
se, por vezes, a demasiada contestação à estrutura da Igreja. Mas como extensão
da própria Igreja no mundo, essas comunidades, alimentando-se sempre da
Palavra de Deus e agindo com ações comunitárias, são sempre um espaço de
relações mais humanas, com compromisso concreto de transformação das
estruturas injustas, numa perspectiva de reino.
Quanto aos agentes da evangelização, a Igreja toda, por mandato divino,
tem a missão de pregar o Evangelho a toda criatura. Sua pregação deve ser
expressão de sua comunitariedade: um ato eclesial em profunda sintonia com a
Igreja universal, na pessoa do sucessor de Pedro e dos bispos, e encarnado numa
realidade eclesial particular, concretamente visível nas igrejas particulares. os
187
religiosos evangelizam com sua vida consagrada. Seu silêncio pode tornar-se uma
pregação capaz de tocar os corações, inclusive dos não cristãos. Os leigos têm
sua vocação específica de atuar, sobretudo, no mundo, nas realidades políticas,
sociais, econômicas, culturais, científicas. No conjunto do apostolado laical está a
família, Igreja doméstica, para quem o Evangelho é transmitido e de onde o
Evangelho irradia-se. Os jovens, esperança da Igreja, merecem uma atenção
especial. Por fim, os diversos ministérios: ao lado dos ministérios ordenados, a
Igreja reconhece os não-ordenados, aptos a assegurar um especial serviço à
Igreja.
Os evangelizadores não devem deixar-se levar pelo medo ou
desesperança. O Espírito Santo é o principal agente da evangelização. Foi ele que
desceu sobre Jesus em seu batismo e o acompanhou em toda sua vida. Foi ele
que confortou a Igreja em suas origens. E para que essa evangelização seja mais
autêntica, bispos, sacerdotes e diáconos, religiosos, leigos e os pobres busquem,
alimentados pela oração e pelo amor, a Eucaristia, uma santidade de vida,
anunciando o Evangelho, a exemplo de santos fervorosos. A alegria de anunciar o
Reino deve ser conservada, mesmo quando se semeia entre lágrimas.
Evangelizar e ser evangelizado, para a Igreja, é um pressuposto que abre
por si um caminho para diálogo, simplicidade, humildade, respeito mútuo.
Assim, a Igreja não deve se sentir a única e a mais responsável pelo mundo, pela
salvação de todos. Ela é mais uma com a responsabilidade de promover o ser
humano à humanidade desejada por Deus.
Concretamente, na América Latina, a Igreja, assegurada por esse
arcabouço eclesial propício que lhe facilitou continuar a reestruturação interna e
pastoral que vinha realizando, tendo como base a comunitariedade, teve uma
188
ação direta no mundo. O testemunho próprio foi notadamente efetivado e
recomendado. O combate às injustiças provocadas basicamente pelo latifúndio foi
quase que uma obsessão, custando a vida de muitos. A esperança escatológica,
de um reino que deve começar, neste mundo, a partir dos pobres, alimentar-se-
á da presença permanente da ação do Espírito Santo.
Foi dentro desse universo eclesial e pastoral que a Prelazia de São Félix do
Araguaia instalou-se e buscou viver até hoje. Todo o clima de mudança provocado
pelo Concílio Vaticano II, e depois o de estímulo proporcionado pela conferência
episcopal de Medellín, foram bem acolhidos pelos missionários salesianos que lá,
na Prelazia, estavam a partir de 1968. Dentre eles, estava o Pe. Pedro
Casaldáliga, que depois tornou-se bispo da Prelazia.
De início, as distâncias e a violência foram duas realidades que desafiavam
a ação evangelizadora daquela igreja em gestação. Em estreita sintonia com as
opções e ideais eclesiais latino-americanos, Casaldáliga conduziu seus agentes
de pastoral e seus trabalhos dentro da proposta de uma igreja da libertação: com
opção preferencial pelos pobres, defendeu os lavradores, os peões e os
indígenas; disposto a combater as injustiças, não poupou nem fala nem ações
concretas contra os latifúndios, magistrados, militares e políticos; instituiu uma
igreja com o mínimo de hierarquia e com o máximo de vivência comunitária, co-
responsabilidade e subsidiariedade; crente na esperança como virtude do Espírito
Santo e elemento essencial do reino, tem sido solidário com os agentes de
pastoral de sua igreja, com igrejas vizinhas e com países latino-americanos.
Por fim, exortação de Paulo VI, deu à Igreja a responsabilidade de
evangelizar o mundo contemporâneo, com claros objetivos de combater suas
injustiças, na perspectiva do reino anunciado por Jesus Cristo. Isso foi o que vinha
189
fazendo e continuou a fazer a Prelazia de São Félix do Araguaia com mínimas
ressalvas a respeito de alguns pontos da exortação sob o pastoreio de
Casaldáliga.
190
CAPÍTULO 3 – A MISSÃO EVANGELIZADORA DE PEDRO CASALDÁLIGA,
BISPO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA
A formação religiosa que Casaldáliga teve, em determinado momento
histórico, e seus anseios de um missionário cristão católico são um ponto de
partida indispensável para melhor compreender sua vocação, missão e
espiritualidade. Depois de escrever sobre sua infância, sua vida vocacional e sua
partida para o Brasil e América Latina, este capítulo traz elementos básicos de sua
espiritualidade. A partir da compreensão de Jesus Cristo histórico, Casaldáliga
defende uma idéia própria de evangelização, a mesma igualmente defendida
pelos adeptos da TdL na Brasil e na América Latina. Características da
espiritualidade do povo cristão católico da Prelazia são também apontadas como
expressão de uma vivência de que é fruto da missão evangelizadora de seu
191
bispo. Depois vêm elementos da Prelazia, enquanto constituição eclesial: o papel
do bispo, as comunidades e seus conselhos, as equipes e seus agentes pastorais,
os leigos. Por fim, os meios utilizados e os destinatários atingidos na
evangelização acontecida na Prelazia, sob a coordenação de seu bispo Pedro
Casaldáliga. Todos esses pontos são dialogados com conteúdos específicos da
Evangelii Nuntiandi, com suas convergências e divergências tratadas,
pormenorizadamente, tema após tema.
3.1 Pedro Maria Casaldáliga Plá: vocação, missão e espiritualidade
A vida de Casaldáliga, antes de enfrentar os desafios da questão da terra
no Brasil e na América Latina, não traz fatos extraordinários. Filho de lavradores,
teve infância modesta marcada pela religiosidade e conflitos nacionais de sua
época. Tornou-se missionário claretiano e foi ordenado na Espanha. Veio para o
Brasil, foi sagrado bispo e, por opção, nunca mais regressou ao seu país. É
conhecido por ter posturas subversivas, para dentro e para fora da Igreja, sempre
em defesa dos pobres e excluídos, particularmente, povos indígenas e sertanejos.
3.1.1 Filho de sangue mártir
Pedro Maria Casaldáliga Plá nasceu em 16 de fevereiro de 1928, às
margens do Rio Tecelão, em Balsareny, Catalunha, Espanha. Proveniente de
família simples, pois seu pai era vaqueiro. Homem sóbrio, silencioso, meditativo e
de considerável sensibilidade social, era o contrário de sua mãe, extrovertida,
faladeira e tensa. Teve três irmãos, José, Carmem e Maria. Católicos praticantes,
viviam sem problemas até que um triste fato abalou a vida de todos. Vítimas da
guerra espanhola, Pe. Lluís, tio de Casaldáliga e o vigário de Navàs, amigo da
192
família, foram brutalmente assassinados. três anos depois, no final da guerra,
sua família conseguiu seus restos mortais para que fossem sepultados em sua
terra.
“Foi uma cerimônia solene e emocionante. Antes de enterrá-lo, a mãe
segurou Pedro, que tinha pouco mais de 10 anos, e lhe pendurou ao
pescoço um saquinho verde com um dente do tio, como uma relíquia. Além
do que pesava o dente, a consciência infantil de Casaldáliga era golpeada
pela insistência de sua avó Francesca, que lhe pedia que se fizesse
sacerdote. (...) Diante de tanta insistência, com apenas 11 anos fez saber a
seus pais que queria ser padre” (Escribano, 2000, p. 54).
Foi para o seminário, em época de pós-guerra, o que lhe custou tempos de
fome, conforme carta que endereçou à sua família, pedindo que lhe enviasse pão
para matar a fome e roupas para cobrir-lhe do frio. E foi aí que descobriu a poesia.
Escreveu centenas de poemas e se orgulha disso, mesmo se desqualificando:
“Minha vocação natural é ser poeta. Eu digo que todos somos poetas, mas o
poeta tem a sorte de poder dizê-lo. O que todos sentimos, o poeta diz. É a minha
vocação. Eu não fui um bom poeta...” (Casaldáliga, apud Escribano, 2000, p. 56).
O certo é que começou a escrever “novinho ainda, no seminário, com 11, 13, 15.
A formação clássica nas línguas latina e grega e o acurado exercício do
castelhano ‘nacional’; nos estudos eclesiásticos, despertaram minha vocação
poética, literária” (Casaldáliga, 1989, p. 17).
Casaldáliga foi acostumando-se a viver vida de renúncia e a criar particular
apreço pela vida missionária e pelo martírio. Brincava com colegas, no seminário
de missões, e, quase sempre, fazia o papel de mártir. Depois de alguns anos, em
1941, foi ser claretiano, indo morar em Cervera. Concluiu seus estudos, aos quais
193
muito se dedicou, lendo inclusive pensadores como Martin Heidegger e Friedrich
Nietzche proibidos em muitos lugares. “Os anos de filosofia e teologia o levaram
a descobrir a Jesus Cristo, a Escatologia esperançada e a ver a realidade da
Igreja sob um olhar mais crítico. em seu coração, levava clara sua opção pelas
missões e até seu desejo pelo martírio” (Movilla et alii, 2003, p. 55). Casaldáliga foi
ordenado padre, aos 24 anos. Foi viver e trabalhar em Sabadell. Em seguida,
mudou-se de casa, podendo conviver com pobres e exercer seu ofício de escritor.
“Depois passou alguns anos em Barcelona e em Madri. Nessas três
cidades teve grande contato com as periferias e as migrações, a
oportunidade de sentir de perto a problemática social. Nessa época
também foi professor, escreveu poemas e um romance vocacional, uma
auto-biografia do seu tempo formação [sic]” (Vecchio, 2003, p. 57).
Casaldáliga dedicou-se desde cedo à escrita. Além de obras literárias,
dirigiu em Madri a revista Íris, e por ser empenhado nesse ofício foi apelidado de
“Pedro Palavra”. Essa experiência e gosto pelas letras, pela escrita, pela palavra e
pela documentação serão fundamentais para, na Prelazia, posteriormente, montar
todo acervo documental que lá existe, em uma região drasticamente marcada pelo
analfabetismo.
3.1.2 Missionário além-fronteira
Como missionário claretiano, Casaldáliga naturalmente estava disponível
para atender a quaisquer pedidos de seus superiores. Então foi designado para a
África, no início da década de sessenta. Foi para Guiné implantar o Cursilho de
Cristandade, movimento considerado fechado, mas que à época era expressão de
194
uma abertura, espaço, sobretudo, para as famílias viverem a com certo
dinamismo a mais. De lá, “trouxe à época, no coração, os pobres da Terra e a
Igreja dos pobres” (Casaldáliga apud Vecchio, 2003, p. 57). Casaldáliga nunca
descartaria a possibilidade de um dia retornar à África como missionário,
dedicando-se, inteiramente, aos pobres daquele imenso continente injustiçado.
“Sonho terminar minha caminhada na África. A congregação claretiana à qual
pertenço tem comunidades em Angola e Moçambique. Gostaria de dar um
pequeno testemunho de amor àquele continente tão marginalizado” (Casaldáliga
apud Vannuchi, 2002, p. 11).
3.1.3 Mato Grosso do Brasil, terra de ninguém...
Depois de missionar na África, para Casaldáliga veio a possibilidade de vir
para a América do Sul. Sua congregação precisava de voluntários para missões
no altiplano da Bolívia e às margens matogrossenses do Araguaia, no Brasil.
Como falava o catalão e o castelhano, viram nele boas vantagens para lidar com
as línguas desses países. A decisão de vir para o Brasil foi a possibilidade de
estar realizando um desejo antigo de ser missionário em terras distantes, onde
pudesse trabalhar em prol dos mais necessitados. Pertenço a uma congregação
religiosa e sempre fui apaixonado pelas missões. Eu tinha 40 anos e apareceu
esta oportunidade. Pensei que pudesse não haver outra. Cheguei ao Araguaia em
1968 e fui sagrado bispo três anos depois, em 1971” (Casaldáliga apud Vannuchi,
2002, p. 11).
No Brasil, foram grandes as expectativas, antes da chegada ao pequeno
povoado de São Félix do Araguaia, a recente sede da missão claretiana no
extremo nordeste do Mato Grosso. Aqui eram vislumbrantes as belezas naturais
195
de um lado; de outro, a miséria humana que se expunha, conseqüência das
distâncias, da literal ausência do poder público e da prevalência da lei do mais
forte, numa terra de ninguém. “O pessoal daqui não sabia nem para onde se
refugiar em busca de seus direitos, não tinha a quem recorrer” (Abreu apud
Vecchio, 2003, p. 54).
Casaldáliga dividia seu tempo entre a prática da oração, a longas e
sacrificantes visitas pastorais, a leitura de livros, a escrita de diários. Aos poucos,
foi articulando o que constituiria a linha pastoral da Prelazia, com radical opção
pelos indígenas, posseiros, peões e demais necessitados (Vecchio, 2003, p. 54).
Diante do convite para ser sagrado bispo da Prelazia de São Félix do
Araguaia, a recusa foi imediata. Mas, com a insistência de amigos, da equipe
pastoral e de Dom Tomás Balduíno, aceitou o desafio. E, na sua ordenação,
recebeu objetos-símbolos que caracterizariam sua atividade pastoral: remo,
borduna e um chapéu de palha.
“Marcos, o cacique Tapirapé entregou ao ordenado um báculo simbólico
remo e borduna feitos, de pau-brasil, pelo índio Cantídio. O sertanejo
Zeca líder dos posseiros de Pontinópolis lhe entregou um velho chapéu
de palha. E uma criancinha o anel, enviado pelos amigos de Espanha, e
que o ordenado devolveu, como presente para sua mãe...” (Rito de
Sagração, 1971, p. 06).
A disposição de Casaldáliga trouxe-o para uma região de fronteira do Brasil,
o Mato Grosso. Imediatamente a opção pelos povos indígenas, pelos posseiros e
pelos peões, na busca de superar a grande desigualdade social, tornou-se para
Casaldáliga uma obsessão, uma causa pela qual lutaria por toda sua vida.
196
3.1.4 América Latina, povo a caminho de libertação
Para Casaldáliga, se a situação por que passava o Mato Grosso era reflexo
da realidade brasileira, esta, por sua vez, estava inserida dento do contexto latino-
americano: centenas de anos de colonização, centenas de anos de escravidão,
submissão e sacrifício da grande maioria e privilégios proporcionados a poucos. A
história do Brasil e da América Latina é a história da cobiça, do mando de alguns
poucos que, para manterem-se no poder, fazem o sangue de seu povo jorrar
continente afora.
“A história vem de longe. Como vem de longe a cobiça pela terra neste
Brasil, em todo este continente latino-americano. Os sucessivos impérios e
as oligarquias de sempre fizeram, fazem da terra uma espécie de ‘capital
de reserva’ acumulado e literalmente um campo de batalha. A terra do
Brasil a terra latino-americana está empapada de sangue indígena, de
sangue camponês, de sangue ‘pastoral’” (Casaldáliga, 1988a, p. 63).
E ser cristão na América Latina, na ótica de Casaldáliga, é abraçar
decididamente a causa dos pobres e marginalizados de Jesus, esses
camponeses, indígenas, negros e todos os oprimidos, timas históricas da
exploração. Sustentada pelo Concílio Vaticano II, pelas conferências episcopais
locais e orientada pela TdL, a pastoral que sempre defendeu e ajudou a implantar
em toda América Latina foi a libertadora, da Igreja libertadora. Era uma pastoral
que visava levar o pobre a lutar por seus direitos, transformando sua realidade de
injustiça em condições mais humanas, no seguimento de Jesus. Importante
referência para articulação desse modelo de Igreja, mais testemunhal e de
participação crítica, no mundo da política, da economia, da cultura. Casaldáliga
197
viu, inicialmente, um grande desinteresse por parte das igrejas das Américas, de
língua espanhola e portuguesa, no que tange à solidariedade aos seus povos
entre si. E lamenta isso, porque para ele a desintegração entre os povos é um
indicativo da desintegração entre a própria Igreja, o que facilita a ação dos
opressores que se articulam, organizadamente, em toda América.
“Infelizmente, é preciso constatar, mais uma vez, que as duas Américas a
hispânica e a portuguesa, digamos, para nos entender se desconhecem
mutuamente. Como se desconhecem, de um modo alarmante, a América
do Sul e a América Central. Mais concretamente, os grandes países
sulistas nunca se sentiram integrados por esses pequenos polegares’ da
cintura da América. O que acontece com nossos povos acontece com
nossas Igrejas. O inimigo, que é um só, nos conhece melhor” (Casaldáliga,
1986, p. 32)
Casaldáliga entende que a América Latina é, historicamente, marcada pela
injustiça, e mesmo as democracias implantadas não têm concretamente sanado
essa ferida, prepotentemente, continuada pela elite que controla a riqueza latino-
americana. Sobre essas democracias, diz:
“Infelizmente foram ou democracias puramente formais ou democraduras
(democracia + ditadura), como se tem dito repetidamente no Brasil. Porque
são democracias do tipo mais político, e ainda, às vezes, pontualmente
para poder votar. Dado o voto, não tem mais nada a dar nem a receber.
Não são democracias econômicas: não possibilitam o acesso aos bens
fundamentais da maioria da população”. Casaldáliga (2003c)
Mas, a América Latina, continua Casaldáliga (2003d), foi, com o tempo,
tornando-se protagonista na luta social “que chegou aos extremos das guerrilhas,
198
na revolução social. E a América Latina também tornou-se protagonista na TdL, na
igreja da libertação, na comunitariedade das CEBs”. E foi fundamental até para
dar direção às atividades pastorais da própria Igreja: “Não tenho dúvida de que, a
partir, sobretudo, da Conferência de Medellín, a América Latina, ‘a pátria grande’,
passa a protagonizar em boa parte as lutas sociais e a mudança de Igreja. Isso
qualquer pessoa que abre os olhos enxerga” (Casaldáliga, 2003d).
Figura 18: A Pátria Grande, América
Latina
Fonte: Alvorada (mar./abr. 2005, 1).
Nota: este é um dos ícones utilizados
pela Prelazia que expressa a América
Latina, a Grande Pátria, de povos e
culturas oprimidas, de pobres que lutam
por libertação.
Sobre sua presença na
América Central, principalmente em
Nicarágua, fez questão de dizer que
esteve ali pela paz, pela não-
intervenção estadunidense e pela
autodeterminação daqueles países. E foi
“como latino-americano por doação e como cristão bispo, em nome da
Igreja de São lix do Araguaia-MT, e com a delegação dos irmãos bispos
e suas igrejas, dos irmãos evangélicos e dos organismos e personalidades
abaixo relacionados, (que) vou à Nicarágua para me unir à oração e ao
jejum do Padre Migual D´Escoto e à tensa vigília de seu Povo”
(Casaldáliga, 1986, p. 15).
199
Ademais, foi, até lá, pela sua co-responsabilidade à credibilidade da Igreja,
dando a sua contribuição ao processo de transformação social, de afirmação e de
autonomia dos países latino-americanos (Casaldáliga, 1986, p. 18-9).
O não pagamento das dívidas econômicas externas, o pagamento da
histórica dívida que os países ricos têm com os países pobres e que a elite e os
governos latino-americanos têm, sobretudo, com os povos indígenas – e o repúdio
à ALCA têm sido temas importantes, abraçados por Casaldáliga. A valorização de
organizações populares que lutam pela justa distribuição de renda e contra o
latifúndio e qualquer concentração de poder e riqueza, é-lhe um ritual cotidiano,
indispensável para esse povo a caminho de libertação, o latino-americano.
“Bendito seja todo aquele e aquela que luta contra o latifúndio, ALCA, egoísmo e
injustiça (...) Que o povo brasileiro seja povo reconhecido livre da fome, sem
violência, sem ALCA e sem latifúndio” (Casaldáliga apud Porantin, 2003). E como
proposta, tem defendido que a agricultura deve ser o caminho viável para a
América Latina. Mas antes, fruto da reforma agrária de fato.
“Antes de qualquer palavra, é bom recordar que a América Latina é o
continente mais agricultável do mundo. Sua tradição é da agricultura
mesmo. Inclusive, frente ao drama do inchaço das capitais de todo o
continente, é fundamental que se veja a não-reforma agrária, o êxodo rural”
(Casaldáliga, 2003a).
Uma política agrária de fato decidida a revolver o problema social da
América Latina não foi ainda efetivada, segue Casaldáliga. Por isso por não ter
condições humanas de permanecer na terra é que se deu o êxodo rural,
acarretando uma infinidades de problemas urbanos como desemprego, perda das
200
raízes culturais e até religiosas. “Não fazer reforma agrária no continente é privá-lo
de uma vocação que lhe é natural. E se deve também, como alguns têm
imaginado, cultivar, estimular a indústria para trabalhar a produção do campo”
(Casaldáliga, 2003a).
3.1.5 Casaldáliga, missionário além-fronteira sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi
Desde sua infância até sua maturidade, quando veio para o Brasil,
Casaldáliga pôs-se de olhar atento à realidade onde estava. O clima de guerra
que viveu em seu país, a experiência com os pobres de Madrid e da África, as
renúncias por que teve que passar, o desapego a que teve que submeter ao vir
para o Brasil, definitivamente, tudo isso e a realidade conflitante do Estado de
Mato Grosso foi levando-o, gradativamente, a uma opção radical (Movilla, 2003, p.
104), fazendo dele um homem desejoso de anunciar o Evangelho. E fazê-lo não
somente a sua volta, mas em toda América Latina. A partir de então, foi
permanente em Casaldáliga o desejo de transformar o continente latino-americano
em uma nova sociedade, conforme a proposta do Evangelho. Casaldáliga fez dos
indígenas, posseiros e peões, inicialmente, a causa de suas lutas, alimentadas
pelas pela oração e enfrentadas com trabalho cansativo, árduo, insistente.
Na introdução de sua exortação, Paulo VI cita os três problemas da
evangelização, apresentados pelos bispos da III Assembléia Geral do Sínodo dos
Bispos. O primeiro deles é: “o que é que é feito, em nossos dias, daquela energia
escondida da Boa Nova, suscetível de impressionar profundamente a consciência
dos homens?” (Paulo VI, 2001, p. 8). Também diz (2001, p. 97), quando fala sobre
“O espírito da Evangelização”, que a evangelização supõe a ação do Espírito
201
Santo, que o mundo procura, por necessidade, um Deus próximo, familiar, visível
(2001, p. 97). E espera dos evangelizadores simplicidade, espírito de oração,
caridade, especialmente para com os pobres, obediência, humildade, desapego e
renúncia (Paulo VI, 2001, p. 103-4). E que a verdade do Evangelho liberte e
pacifique os corações humanos (Paulo VI, 2001, p. 107), que os evangelizadores
não tenham medo de anunciar a salvação libertadora de Jesus, anunciando-a com
alegria, mesmo que no sofrimento, arriscando a própria vida pelo reino (Paulo VI,
2001, p.113).
Essa “energia escondida da Boa Nova” foi algo presente em Casaldáliga,
expresso em seu passado antes de vir para o Brasil, no seu desejo apaixonante
de missionar, de ir ao encontro dos mais pobres, para anunciar a Boa Nova de
Jesus. Logo cedo encontrou sentido nas experiências martiriológicas do tio e de
confrades de sua congregação. Fez-se missionário além-fronteira, em terras do
Brasil, onde a lei estava para a injustiça e a Igreja era a única instituição que
poderia estar a favor dos injustiçados. Fez-se porta-voz de milhões destes, na
América Latina, animado por força da utopia do Reino, no seguimento de Jesus
Cristo, em uma Igreja que se fez subversiva para seus inimigos e para parte da
própria Igreja. Casaldáliga, impulsionado pelo Evangelho, buscou transformar em
nova criação, nova humanidade, o injustiçado continente latino-americano, a
começar pela sua própria Igreja. Essa luta-evangelização teria o mesmo perfil em
toda sua vida como bispo da Prelazia, e foi sustentada por uma equipe de
colaboradores e leigos que foram alimentando-se da espiritualidade própria da
América Latina, a da libertação.
202
3.1.6 Espiritualidade (da Evangelização) de Casaldáliga
A missão evangelizadora de Pedro Casaldáliga tem como fundamento
primeiro e determinante sua espiritualidade. Todo seu agir é impulsionado pelo
seu credo, cujas linhas básicas vão ser aqui mencionadas, acrescidas de
testemunhos e realizações dentro e fora da prelazia.
3.1.6.1 Jesus Cristo, o enviado do Pai para anunciar o Reino, libertando os
pobres
Jesus Cristo histórico é o ponto de partida para toda reflexão teológica
latino-americana, a TdL. Considera-se, assim, que as atitudes de Jesus foram de
acordo com a realidade de seu tempo histórico: defendeu o projeto do Pai de vida
farta para todos, mas a partir dos pobres que viviam à margem da sociedade,
vítimas das injustiças estruturadas nos poderes de então. E tudo isso na
perspectiva do Reino. Igualmente, as ações dos que nele crêem devem ser na
superação das injustiças que impedem a implantação do Reino, que começa nesta
vida, neste mundo (Hilgert, 1987). Em poucas palavras Casaldáliga expressa sua
crença nesse Jesus Cristo histórico, que em meio a injustiças viveu e anunciou o
Reino, ressuscitou e está com o Pai. Seu Espírito, de Deus, anima a Igreja; Jesus
é o salvador, o Senhor.
“Creio que creio de verdade nele (Jesus Cristo). Creio nele e o adoro. Amo-
o. Vivo dele e por ele. Gostaria de dar a vida por ele. Espero, em todo caso,
morrer nele para viver com ele eternamente. Creio neste Amigo que meus
pais, a Igreja, me apresentaram; Deus feito homem, nascido em Belém, da
casta de Davi, decaída, filho verdadeiro de Maria, judeu e operário,
originário de um povo colonizado; homem que ama e sofre e morre,
perseguido e condenado pelo poder dos homens; ressuscitado pelo poder
203
de Deus, misteriosamente igual ao Pai, ‘em quem habita corporalmente a
plenitude da Divindade’, cujo Espírito anima a Igreja, caminho, verdade e
vida, Salvador dos Homens, o Senhor!” (Casaldáliga, 2004a).
Dessas idéias teológicas Casaldáliga, valeu-se, e daí cultivou uma forma de
viver e anunciar o Evangelho. Sua espiritualidade, assim, foi construída
historicamente, com seu particular jeito de testemunhar a fé.
O fundamento do jeito de ser e de viver de Casaldáliga é o que se
apresenta como fonte inspiradora de toda sua utopia e que expressa a vontade
daquele que está além das fraquezas humanas.
“Qual é, pois, a causa que fundamenta a razão de ser e o estilo de
vida de Pedro Casaldáliga? Uma só: o Evangelho de Jesus. Porque
nele encontra o máximo para a igualdade, a fraternidade, a libertação
e plenitude dos homens. Um Evangelho que vem de Deus, se tem
pautado historicamente em Jesus e nos remete constantemente à
sua origem. Por isso Casaldáliga não dá ouvidos a tanto afã de
dogmas, leis e regulamentos, sendo assim que Deus é Pai de todos
e sobrepõe a toda estreiteza e particularismo” (Casaldáliga, Sautié e
Forcano, 2000, p. 257).
Jesus e sua vida, sua busca que é a realização do desejo do Pai, no
Espírito, seu projeto concreto que se formaliza, sugestivamente, em propostas de
vivências justas e fraternas para toda sociedade, devem ser a fonte inspiradora de
todo agir da Prelazia enquanto comunidade cristã, testemunha da fé, no Filho de
Deus. Para Casaldáliga “Ele, Jesus, seu Espírito, sua vida, seu evangelho, sua
Causa, devem ser, então, a fonte de nossa espiritualidade, o clima de nossa
204
vivência (como família, como comunidade, como sociedade), a força e a luz de
nossa ação pastoral” (Casaldáliga, 2002a, p. 2).
Seguir Jesus, diz o bispo da Prelazia, é ser cristão, autenticamente, não
crendo em Jesus, mas abraçando sua causa, amando ao Pai e aos irmãos mais
sofridos, vivendo como ele viveu.
“Todos sabemos, ou deveríamos saber, que ‘o seguimento de Jesus’ o
seguimento mesmo, do Jesus verdadeiro é a autêntica vida cristã. Ser
cristão-cristã, ser Igreja, é seguir Jesus, assumir sua causa, que é o Reino
de Deus, cultivar seus sentimentos e atitudes, praticar o amor ao Pai e aos
irmãos-irmãs, sobretudo aos mais pobres e excluídos, como Ele o praticou.
‘Viver como Jesus viveu’, aprendem cantando as crianças, no catecismo”
(Casaldáliga, 2002a, p. 2).
Essa opção de vida remete o cristão a uma postura de vida diferenciada, a
uma nova santidade, que é ser cristão simplesmente: ser santo como Jesus o foi,
vivendo a sua em seu respectivo lugar e tempo, segundo o Espírito do próprio
Jesus (Casaldáliga, 1988a, p. 18).
Perguntado sobre como entender o histórico sofrimento do povo latino-
americano e do mundo em decorrência inclusive de outras causas além das de
ordem política e econômica a partir de um Deus libertador, justo, pacífico e que
quer vida em abundância para todos, Casaldáliga diz que a resposta de muitos
sofrimentos está no mistério de Deus, outros se dão devido ao fato de sermos
criaturas, outros devido a liberdades mal vividas. E Deus deve ser compreendido
como o é para muitos teólogos católicos e evangélicos, inclusive – como Deus que
compadece-se com o sofrimento do povo. “Alguns têm defendido que um Deus
205
que padece pode compadecer. É esse Deus próximo. a cristã nos uma
resposta: que nós acreditamos em um Deus que sofre, em Cristo. Mesmo não
sabendo explicar em que medida Cristo é Deus, Deus é Cristo” (Casaldáliga,
2004c).
E, para ser cristão em um tempo e lugar concretos é necessário que se faça
opção clara. Como a realidade de sua Igreja particular é marcada pelo extremo de
pessoas que concentram infinidades de terras e outras que têm o sonho de tê-
la, Casaldáliga não se inibe ao dizer como deve ser a postura de um
evangelizador em sua região, na prática de uma autêntica e verdadeira opção
pelos pobres.
“Nós temos dito muitas vezes que aqui (na Prelazia) ou se está de um lado
ou de outro. Eu digo sempre que o Evangelho é para os ricos e para os
pobres. É para todos, mas está a favor dos pobres e também está a favor
dos ricos, mas contra sua riqueza, contra seus privilégios, contra a
possibilidade que têm de explorar, dominar e excluir. Eu posso relacionar-
me com os ricos, sempre que lhes diga a verdade e não me deixe levar...
Não é que não poderia ir um dia almoçar à casa de um rico, mas se vou
cada semana e não passa nada, não digo nada, não sacudo aquela casa,
não sacudo aquela consciência, já me tenho vendido e tenho negado
minha opção pelos pobres” (Casaldáliga, Sautié e Forcano, 2000, p. 257).
Compreender e acreditar em Jesus, assim, como fonte e como aquele que
leva quem nele crê a ter uma postura objetiva, clara, radicalmente testemunhal e
de acordo com o tempo e as circunstâncias próprias, é preciso ter motivo forte
para isso. E o motivo maior, a utopia de Casaldáliga, é a mesma da Igreja latino-
americana da libertação: o Reino anunciado por Jesus Cristo como projeto de Pai,
para todos, a partir dos pobres.
206
O Reino é um tema-chave, central na espiritualidade de Casaldáliga. Nessa
ótica, Jesus é compreendido como aquele que não foi absoluto em si mesmo,
apresentando-se como caminho, como porta. “O absoluto, para Jesus, é o ‘Reino
de Deus’. Isto, evidente para a exegese, hoje, é algo pacificamente possuído na
teologia. Ele expressou isso, claramente, na petição central de sua oração: ‘Venha
o teu Reino’ (Mt 6, 10)” (Casaldáliga e Vigil, 1996, p. 110). Em “Nosso Catecismo”
(Equipe Pastoral, 1997, p. 23-4), no item sobre “cremos que a missão de Jesus é
o Reino de Deus”, é dito que “o Senhor escolheu Jesus para anunciar as Boas
notícias aos pobres”, “A missão de Jesus é o Reino de Deus”, “esta missão
causou muito sofrimento a Jesus”, “para realizar a missão Jesus escolheu seus
discípulos”, “o amor é o grande mandamento do Reino”. Ademais, o texto recorda
que o tema do Reino foi introduzido pela leitura de Isaías (como narra Lc 4, 16-
20), lida por Jesus na sinagoga de Jerusalém.
Jesus anunciou o Reino, não a si mesmo. Anunciou o projeto do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. Esse projeto é buscado e vivido por Casaldáliga.
“Recordamos o que é tradicional na exegese bíblica, pelo menos do último
século, que Cristo anunciou o Reino, não se anunciou a si mesmo, porque
anunciava a vontade do Pai. Inclusive Jon Sobrinho tem recordado
algumas vezes que sobre a expressão dos antigos padres de que Cristo é
o Rei e o Reino, deve se entender: Cristo é o Reino enquanto que é o
cumprimento pleno da vontade do Pai, que é o Reino. O Reino é um projeto
do Pai, um projeto da Trindade. Então o Reino tem sido a palavra falada,
desenhada nos quadros negros, escrita em textos. Ela está muito presente
nos meus poemas, nos meus escritos..., na minha vida” (Casaldáliga,
2004a).
207
O Reino de Deus é a espinha dorsal da espiritualidade de Casaldáliga,
porque o foi para a de Jesus. Foi e é sua busca obsessiva. E representa a
condensação, a plenificação das benéficas realizações humanas, também
necessariamente concretizadas no aqui e no agora da experiência humana.
Acreditar nisso é comprometer-se de tal modo a, se necessário, dar a própria vida
por essa causa-busca, como o fez Jesus e sob essa ótica é que deve ser
refletida a espiritualidade martirial. O Reino deve ser assim compreendido: é a
mudança total para melhor, em Deus.
“O Reino de Deus é uma verdadeira obsessão de Jesus, sua única causa,
porque é a causa onicompreensiva. O conceito ‘Reino de Deus’ aparece
122 vezes nos evangelhos, das quais 90 vezes na boca do próprio Jesus.
O Reino é o senhorio efetivo (reinado) do Pai sobre todos e sobre tudo.
Quando Deus reina, tudo se modifica. ‘Justiça, liberdade, fraternidade,
amor, misericórdia, reconciliação, paz, perdão, imediatez com Deus...
constituem a causa pela qual Jesus lutou, pela qual foi perseguido, preso,
torturado e condenado à morte’. E tudo isso é o Reino. O Reino de Deus é
a revolução e a transfiguração absoluta, global e estrutural desta realidade,
do homem e do cosmos, purificados de todos os males e cheios da
realidade de Deus” (Casaldáliga e Vigil, 1996, p. 111).
Cabe lembrar que a TdL, não raramente questionada e até subestimada
pela hierarquia da Igreja e por leigos de outras linhas pastorais
16
, é para
16
Aquino (2002), por exemplo, em TdL, reúne antigos textos do então cardeal Joseph Ratzinger,
da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, de Dom Estevão Bettencourt, do cardeal Agnelo
Rossi, um resumo de quatro artigos publicados pela revista italiana 30 Giorni e um documento
elaborado em um seminário de estudos sobre a TdL no mês de julho de 1984, em Los Andes
(Chile). O autor procura mostrar que a TdL é, a partir da hierarquia da Igreja, infundada e perigosa.
E adverte, em sua apresentação: Ainda que os artigos se refiram à TdL de caráter extremada e
208
Casaldáliga a teologia de uma espiritualidade simplesmente cristã, porque
estimula uma vivência segundo o Espírito de Jesus, em uma realidade concreta,
em uma Igreja concreta.
“A espiritualidade da libertação só pretende ser espiritualidade cristã e,
nesse sentido, a espiritualidade cristã de sempre. O ‘surgimento’ de Jesus,
viver segundo seu Espírito, praticar sua própria prática: ‘A prática de
Jesus’. Com os traços específicos do lugar e do tempo, cultura e história,
desafios e esperanças, que aqui vivemos como povo e como Igreja”
(Casaldáliga, 1988a, p. 219).
É “a espiritualidade do amor comprometido com os pobres da Terra. Um
amor político, com suas conseqüências diárias. A cruz do conflito, assumida
pascalmente. A solidariedade como expressão real desse amor, pobre com os
pobres. Fraterno na igualdade efetiva” (Casaldáliga, 1988a, p. 219).
Para os cristãos, portanto, fica o grande compromisso de serem seguidores
de Jesus Cristo, o enviado pelo Pai, para anunciar o projeto do Pai, o Reino. E se
se parte do Jesus humano, este torna-se fonte de uma proposta humanitária
possível e necessária porque, “como diziam Santa Teresa e São João da Cruz, a
Humanidade de Jesus é o grande sacramento divino que nós temos à disposição.
Ao partirmos do Jesus histórico, no seguimento de Jesus, não erramos: Ele é o
caminho, é a verdade, é a vida...” (Casaldáliga, 2004b).
marxista, de certa formação superada pela ação do Santo Padre, no entanto, algumas de suas
influências continuam na Igreja” (Aquino, 2002, p. 7).
209
3.1.6.2 Casaldáliga, anunciador do reino a partir dos pobres, sob a ótica da
Evangelii Nuntiandi
A teologia que alimenta a espiritualidade de Casaldáliga é a da libertação e
latino-americana. Sua cristologia – central como o é para toda teologia cristã
católica parte do Jesus histórico. Sua espiritualidade a da libertação é cristã,
do amor compassivo para com o sofrimento do oprimido, que tem como fonte a
humanidade de Jesus, sacramento da divindade de Deus. E ser cristão é
anunciar, testemunhar e buscar concretizar o projeto do Pai anunciado por Jesus,
projeto de mudar a sociedade a partir dos pobres, tendo a busca da justiça social
e da igualdade como expressão da nova santidade dos cristãos. Essa justiça
social é para uma realidade de injustiça, tornada assim pela liberdade mal usada
do ser humano. Mas Deus compadece-se com os que sofrem. E para anunciar
esse Deus é preciso ter opção clara: estar ao lado dos que mais sofrem, os pobres
e excluídos, assim feitos em momento e circunstâncias próprios. E a utopia maior
e motivadora de todo esse modo de ser e de viver é o Reino, o único absoluto;
Reino anunciado por Jesus, para o qual este se fez seu caminho. Reino que foi
tema central de sua pregação e tem centralidade, na vida e nas buscas de
Casaldáliga.
No primeiro capítulo de sua exortação, Paulo VI (2001, p. 11) baseia-se em
Isaías e diz que anunciar o Reino foi a missão de Jesus. O mesmo trecho bíblico é
uma das referências centrais para toda mediação bíblica utilizada por Casaldáliga
e um dos trechos que são fundamentais à TdL, na América Latina (Casaldáliga,
2003e).
Enviado pelo Pai, Jesus anunciou aos pobres a realização das promessas
de Deus (Paulo VI, 2001, p. 11-2). E como o enviado do Pai, como aquele que
210
apresentou ao mundo o projeto de “vida em abundância para todos” (Jo 10, 10) a
partir dos pobres, com os pobres e para os pobres, foi parte permanente do
discurso de Casaldáliga e dos que evangelizavam na Prelazia. Considerar a
humanidade do Jesus histórico, que, concretamente em um espaço e tempo
específicos –, enfrentou os desafios impostos pelas estruturas injustas, foi
indispensável para que Casaldáliga, numa realidade bem própria, optasse também
pelos pobres (indígenas, posseiros e peões, originalmente) e, a partir deles,
colocasse sua vida em risco, na busca de justiça para os pobres, de realização
das promessas de Deus.
Seguidamente, Paulo VI (2001) trata dos aspectos da evangelização de
Jesus, que são: o Reino como o único absoluto além desse, tudo pode ser
relativo –; o anúncio da salvação libertadora, salvação da situação que oprime,
conhecendo Deus que salva na história humana até a plenitude dos tempos; o
Reino e a salvação serão uma conquista de todos, mediante esforço próprio; o
Reino depende da pregação infatigável.
A compatibilidade – até com certa cumplicidade – das ações de Casaldáliga
e de sua Igreja com esse ponto da exortação de Paulo VI é clara e evidente. A
busca constante do Reino foi para Casaldáliga uma busca incessante. Pelo Reino
anunciou o Deus de Jesus, que se compadece com os pobres, pelos quais optou
radicalmente; pelo Reino trabalhou, conjuntamente, com outras religiões,
organizações e movimentos populares; pelo Reino foi solidário em idéias e
práticas com os pobres de seu derredor. E anunciou essa salvação libertadora, a
libertação dos pobres não da Prelazia, mas de toda a América Latina.
Organizou comissões como o CIMI e a CPT, estruturou a pastoral de sua Igreja,
para que reivindicasse os direitos dos pobres. E, estes foram incentivados a
211
fazerem de suas conquistas, fruto de seus esforços. E tudo foi conteúdo sempre
presente em suas pregações, discursos, palestras, conselhos. E todas essas
ações são evangelização, segundo o que foi visto do documento de Paulo VI, até
então.
3.1.6.3 (Conceito e conteúdo da) idéia de evangelização de Casaldáliga
Para Casaldáliga, evangelizar “é viver a anunciar a Boa Nova do Evangelho
com alegria, jeito humilde e Paixão, para acolher o Reino de Deus e contribuir em
sua construção aqui na Terra, na esperança do Reino definitivo”, conforme reza
o objetivo geral da Prelazia (2002, p. 07). E ,evangelizar, para Casaldáliga, foi
sempre, um ato eclesial, que sempre fez com a Igreja e como Igreja, na
perspectiva do Reino.
Desde o início da presença de Casaldáliga na Prelazia de São Félix do
Araguaia, o anúncio da Boa Nova do Evangelho deu-se nas celebrações
sacramentais, na catequese, nas manifestações e buscas de indígenas, de
posseiros e de peões. Mudar a realidade de injustiça social do Médio Araguaia,
provocada pelos latifundiários e pela omissão do governo e da Justiça foi uma
busca constante de Casaldáliga e de todas as suas equipes pastorais. Ademais, o
bispo não teve como preocupação a expansão geográfica, o crescimento
numérico de sua Igreja, mas a mudança de idéias, de conceitos de justiça, de
desenvolvimento, de progresso, de trabalho, de pátria, de solidariedade, de
humanidade, de Reino. Propôs mudança do conceito latino-americano de
evangelização. Esta, a seu ver, precisa ser descolonizada”. “O Evangelho veio à
América Latina envolvido, trazido, servido por uma cultura a serviço de um império
– o ibérico, no princípio. Mais que uma mensagem evangélica limpa, supracultural,
212
libertadora, veio uma mensagem de importação cultural...” (Casaldáliga, 1988a, p.
13). Dando primeiro o exemplo próprio de pobreza, de humildade, de presença,
evangelizou povos indígenas de culturas diferentes, respeitando seus rituais,
costumes e mitos. Lutou pelos direitos desses povos, preservando sua cultura,
sua religião. Não excluiu as diversas manifestações culturais trazidas pelos
sertanejos e camponeses que passaram a morar na Prelazia, vindos de várias
regiões do Brasil. Ao contrário, adotou a anel de tucum como símbolo da igreja
libertadora, do compromisso profético a favor dos pobres. Incorporou o remo, o
cocar, o chapéu de palha, a enxada e o chimarrão, ao universo simbólico, utilizado
pela Prelazia em seus encontros, rituais, painéis, informativos, cartilhas, panfletos.
Figura 19: Brasão episcopal de Casaldáliga
Fonte: São Félix do Araguaia (2002, p. 3).
Nota: montado a partir da realidade local, o
brasão episcopal de Casaldáliga traz dois
símbolos dos posseiros e indígenas, a enxada e
o remo, formando uma cruz.
Figura 20: Convivência pluricultural
Fonte: Alvorada ( 2002, p. 2).
Nota: negro, branco e índio ilustram
uma convivência pacífica entre
pessoas de costumes e hábitos
diferenciados.
213
Figura 21: Cartilha sobre política
Fonte: Prelazia de São Félix do Araguaia (1994).
Nota: Esta é uma das cartilhas produzidas e distribuídas
pela Prelazia para conscientização políticas de seus
fiéis, em tempos de eleição.
A evangelização praticada por Casaldáliga
supõe respeito pelo modo de ser e de viver das
pessoas ou povo, seu imaginário, seu simbolismo.
Anunciar o Evangelho pode significar, por exemplo,
lutar para que cada jeito continue e se reafirme
como tal, para que os diferentes continuem diferentes, mas que respeite os outros,
em uma vivência fraterna e harmoniosa, em uma nova humanidade de irmãos e
irmãs. E se deve considerar também o fato de que
“o Evangelho não é exclusividade de um povo, de uma cultura. Todos os
povos, todas as culturas, todas as pessoas, estão chamados à Boa Notícia
da Salvação, à festa do Amor de Deus libertando e salvando a
Humanidade. A pior ofensa que se pode fazer a Deus é recortar seu Amor,
fechar num povo ou numa cultura sua Mensagem de Salvação universal.
Ninguém pode se apoderar do evangelho!” (Casaldáliga, 2002b, p. 02).
Casaldáliga lembra-se da importância de valorizar as manifestações
diferenciadas de rezas, na Prelazia. Por exemplo: as rezas de terço dos idosos, o
jeito da juventude com mais movimento. Lembra-se de que Jesus aconselhava a
juntar “o velho e o novo”. O importante não é o jeito, mas a sincera. Deus
sempre é maior que nós e que os nossos cultos ou os nossos dogmas”
(Casaldáliga, 2002b, p. 02).
214
As diferenças culturais na Prelazia são uma riqueza para a Igreja, lembra o
bispo. O importante é que, no dia-a-dia da convivência, não se esqueça de algo
fundamental, de sua opção fundamental, o seguimento de Jesus.
“A Prelazia, no início, era de ‘índios e sertanejos e peões’. Depois foram
chegando ‘os colonos’ do sul e muitos mineiros e tudo quanto é gente deste
Brasil de tantas cores e culturas. Riqueza cultural, riqueza para nossa
Igreja.
O importante é não se desviar dos rumos do Evangelho: o seguimento de
Jesus; a libertação; a opção pelos Pobres; a acolhida, o diálogo, a
esperança pessoal” (Casaldáliga, 2002b, p. 02).
O conteúdo da evangelização de Casaldáliga tem como centro o
testemunho, o anúncio e a práxis do Evangelho de Jesus, na perspectiva do Reino
como dito anunciando, fundamentalmente, que “Deus é Pai, somos todos
irmãos”. “Cremos em Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo” (...) “Jesus nos
revelou que a vida de Deus é a Trindade, Deus é a Comunidade mais unidade,
devemos viver unidos como a Trindade” (Equipe Pastoral, 1997, p. 11-2).
O essencial desse conteúdo da evangelização para Casaldáliga é algo que
se pode discutir.
“O essencial da evangelização para mim é o amor universal de Deus; o
essencial da evangelização para o cristão é que esse amor universal de
Deus se tem expressado plenamente na palavra, na vida, na morte, na
ressurreição de Jesus. O anúncio do amor universal de Deus é o anúncio e
a prática do amor fraterno. Isso é que é essencial. O resto é muito relativo.
Inclusive muitos dos dogmas – que chamamos dogmas – são relativos. São
verdades, acontecidos, realidades da nossa fé que não atingem o essencial
do Evangelho. Os dogmas são explicitações da fé. E a explicitação é
215
cambiante, é relativa, frente à grande verdade central” (Casaldáliga,
2004c).
Sobre sua cumplicidade de em Jesus Cristo e identificação à sua
espiritualidade e causa, diz: “nossa espiritualidade pode ser ‘religiosa’ (como
voltada para o Deus vivo, revelado por Jesus) e ‘cristã’ mesmo (como seguimento
do próprio Jesus)”, (Casaldáliga, 1998, p. 10-1). E segue, acrescentando que “o
Deus de Jesus é o nosso Deus. Ele é a profundidade máxima de nossa vida. A
causa de Jesus é a nossa causa. Novo viver é o Cristo (Fl 1, 21). Ele é nossa
paixão e seu Espírito é nossa espiritualidade” (Casaldáliga, 1998, p. 11).
Impulsionado por essa espiritualidade da libertação e latino-americana,
Casaldáliga ampliou sua ação evangelizadora, sendo apoio, referência, modelo
para pobres indígenas, camponeses, operários latino-americanos. Fundado no
Evangelho, em documentos da Igreja latino-americana e eclesialmente, anunciou
sua libertação, lutando por direitos seus como cristão, na busca de superar as
injustiças, juntamente com eles. São injustiças provindas da distribuição das
riquezas, do egoísmo e da prepotência humanos, antes assegurados pelas
ditaduras, hoje, mantido e aprofundado pelo neo-liberalismo em via de
mundialização”, sem nenhuma perspectiva de melhorias para todos. Contrário à
mundialização” que está se impondo como neoliberal, idólatra, consumista e sem
chance de uma socialização alternativa possível, Casaldáliga acredita que uma
“outra mundialização” é possível. Essa, sim,
“é vontade de Deus Único, destino da família humana, que é uma só, numa
casa na terra e nos céus. A intercomunicação, a intersolidariedade, a
alteridade plural na unidade humana, o concerto universal de todos os
216
povos, respeitados igualmente, complementares entre si, todas as pessoas
‘iguais e diferentes’ ao mesmo tempo, na macro-harmonia criatural que
Deus sonhou” (Casaldáliga, 1998, p. 16).
Casaldáliga faz sempre questão de situar sua ação pastoral, dentro do
contexto da Prelazia. Considera as pessoas, dentro de sua realidade, porque essa
condiciona suas atitudes. Essas mesmas pessoas necessitam de ações caritativas
no sentido evangélico do termo. Sua vida precisa ser promovida, toda vida
precisa, a vida humana e toda vida do universo. Seguindo os passos de Jesus,
deve-se buscar viver, com dignidade, a vida humana como filhos, como cidadãos,
sem exclusões, pacificamente.
“Promovendo a vida sempre, toda vida, vegetal e animal, humana e divina.
Esse foi, e é o objetivo geral de Jesus de Nazaré, como ele próprio afirmou
categoricamente: ‘Eu vim para que todos tenham vida e a tenham
sobreabundante’ (Jo 10, 10). A vida da Humanidade e a vida que há no
Universo. A vida na Terra e a vida no Céu. Viver diariamente a própria vida,
crescer como gente e como filho\filha de Deus, se realizar como
cidadão\cidadã. Ganhar terra pacificamente, como pessoas e como povo.
Sem racismos nem exclusões, sem prepotências e sem humilhações
(Casaldáliga, 2002d, p. 02).
Mas Casaldáliga não está de acordo que o mistério de Cristo deva ser
anunciado explícita e, necessariamente, para que uma evangelização seja de fato
evangelização. Nem sentido, na evangelização, quando o seu anúncio for
ouvido e assimilado, com adesão explícita a Jesus e à comunidade eclesial.
que anunciar o Evangelho não é algo simples e que não se deve cair no pecado
do proselitismo, porque “hoje se reconhece cada vez mais que o método não é
esse, inclusive por causa do próprio ecumenismo e do diálogo inter-religioso que
217
queremos viver. E porque todos vamos chegando à convicção de que uma fé
imposta não é fé, é um verniz é uma contradição” (Casaldáliga, 2004c). E segue
fazendo uma referência à evangelização na América Latina, apontando caminhos
para a evangelização, hoje.
“A problemática que tem vivido a América Latina, ao longo dos seus
quinhentos anos, em grande parte tem sido um Evangelho imposto, uma
catequese compulsória. O testemunho, sobretudo, a palavra de Deus
anunciada com liberdade, com simplicidade, com respeito aos caminhos de
Deus... é por aí que devemos caminhar. Antes de tratar mais explicitamente
do diálogo inter-religioso, quando muito se chegava a tolerar as outras
religiões. Agora se reconhece que as outras religiões são também caminho
de salvação. E não é de fato, senão de direito, que devemos ter muitos
caminhos para chegar a ela. Nós temos o caminho Jesus. Acreditamos que
Jesus é o salvador universal e único? Sim, em certa medida, a seu modo
é mistério...” (Casaldáliga, 2004c).
A união para a busca da justiça e da paz é que deve ser preservada e
incentivada, valorizando as diferenças, promovendo vida digna e fraterna para
todos. O progresso verdadeiro que proporcione vida em abundância deve ser
buscado. Mas “nós defendemos o progresso para todos, não o progresso para
alguns, diz Casaldáliga. Se o progresso não pode ser partilhado pela imensa
maioria, não é progresso, é privilégio de uns e a exclusão de outros. Defendemos
um progresso sustentável que respeita a natureza...” (Casaldáliga, 2003a).
218
3.1.6.4 Casaldáliga, evangelizador latino-americano, sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi
Para Casaldáliga, evangelizar é viver e anunciar o Evangelho com jeito
humilde e paixão, buscando o Reino na terra, na esperança do definitivo. Isso se
nas práticas da catequese, dos sacramentos
17
, da pregação, do testemunho
pessoal e comunitário. E visa transformar a realidade injusta em um mundo novo,
onde todos terão vida em abundância.
Tornar mais humana, não a desumana realidade vivida pelos pobres de
sua Igreja, mas a dos pobres de toda América Latina que passam por situação
semelhante (Casaldáliga apud Prelazia..., 1992, p. 6), é a missão de Casaldáliga.
Diferentemente da evangelização do passado latino-americano, o que Casaldáliga
defende e pratica é o respeito pelas vivências culturais diversificadas que
representam riqueza para a Prelazia –, porque o Evangelho está para além das
culturas, embora valha-se delas. Por isso, pode-se afirmar que a proposta do
Evangelho serve para o mundo. Uma nova mundialização, em que as vidas
humanas e todo planeta sejam promovidos é totalmente possível. E por esses
caminhos é que esse novo mundo, essa nova humanidade devem ser buscados.
Mas o mistério de Jesus não precisa ser anunciado, necessariamente, pondera
17
Sobre sacramentos, a Prelazia publicou várias cartilhas populares sob orientação editorial de
Carlos Mesters, Frei Betto, Leonardo Boff e Clodovis Boff. Sobre elas diz o seu bispo (Casaldáliga
apud Prelazia..., 1992, p. 05): “Milhares de exemplares das mesmas, espalhadas e utilizadas por
esse Brasil, por essa América Latina afora, aprovadas explicitamente por vários bispos, dão do
bom serviço pastoral que estas cartilhas estão prestando em muitas comunidades irmãs...” Embora
tenha como experiência-fonte para sua elaboração a realidade das famílias da Prelazia, “Achamos
(...) que essa realidade da família no nordeste do Mato Grosso não é muito diferente da realidade
familiar de outras regiões do Brasil e do resto da América Latina” (Casaldáliga apud Prelazia...,
1992, p. 6).
219
Casaldáliga. Isso traria dificuldades para a prática ecumênica e macro-ecumênica.
Ademais, o mistério de Jesus é também mistério, e como tal cabe aos
evangelizadores que tenham cautela na evangelização, para que não cometam
erros outrora cometidos.
Paulo VI, sobre ”o que é evangelizar?”, diz ser a evangelização algo
complexo e que enquanto anúncio dá-se pela catequese e pelos sacramentos.
Tem como meta renovar a humanidade, levando a ela a Boa Nova, mudando as
pessoas por dentro, a sua consciência e, por conseguinte, o seu derredor. A
evangelização não deve ter pretensões quantitativas. Seu objetivo é mudar os
critérios de julgar, os valores, os centros de interesses, as linhas de pensamento,
as fontes e modelos de vida contrários ao plano de Deus (Paulo VI, 2001, p. 25).
A evangelização das culturas, reflete o pontífice, deve ser a partir das
pessoas e de suas relações com Deus. O Evangelho está além-cultura, mas é
anunciado a pessoas culturais. Ademais, em um tempo em que se separa o
Evangelho da cultura, todos os cristãos, a começar pelo testemunho, devem
evangelizar, anunciando o mistério de Cristo, possibilitando às pessoas que o
assimilem, que aderem-se a Cristo, ao seu programa e à comunidade eclesial
(Paulo VI, 2001, p. 28).
Ao tratar do capítulo terceiro, “o conteúdo da evangelização”, Paulo VI
(2001, p. 33) afirma que é importante preservar o essencial da evangelização e
dar testemunho do Deus revelado por Jesus, no Espírito Santo: Deus é Pai, todos
são irmãos. Também, anunciar a esperança escatológica de que Deus, pela sua
bondade, oferece a salvação anunciada por Jesus a todos. E do seu amor nasce o
amor dos homens pelos homens, na doação, no perdão, na renúncia, na ajuda,
pois são essas virtudes o núcleo da Boa Nova anunciada por Jesus. O Evangelho
220
continua o papa vai sempre interrogar a vida, atualizando os direitos e os
deveres das pessoas e da sociedade, da justiça localizada e da internacional.
Paulo VI (2001, p. 38) diz que os sinodais lembraram-se dos povos do
Terceiro Mundo, que estão empenhados em superar as injustiças e que a Igreja
tem o dever de ajudá-los a libertarem-se. Isso porque promover a vida é uma
dimensão da evangelização, considerando o fato das pessoas não serem
abstratas, mas de estarem condicionadas pelos problemas sócio-econômicos. E
combater uma situação injusta, anunciando a justiça faz parte do plano de Deus e
é exercício da caridade evangélica. Ademais, haverá justiça e paz, se o novo
mandamento for proclamado e se o progresso humano for verdadeiro (Paulo VI,
2001, p. 38-9).
Mas, libertação para a Igreja não se reduz à realização de um projeto
temporal; seus objetivos não são contemplados plenamente por uma visão
antropocêntrica, material, política ou social. Se assim fosse, sua fonte seria
ideológica e partidária, não Deus. Seu eixo é religioso o Reino –, de sentido
teológico. A libertação que a evangelização anuncia, inclui a pessoa toda, não
sua dimensão econômica, política, social e cultural. Inclui, inclusive, sua abertura
para o absoluto. Supõe uma concepção de ser humano que não se reduz a uma
estratégia qualquer, a uma práxis ou eficácia a curto prazo. Além do mais, as
libertações, puramente humanas, não substituem o anúncio do Reino, da salvação
em Jesus (Paulo VI, 2001, p. 41).
A Igreja deve relacionar, lembra Paulo VI (2001, p. 40), libertação com
salvação em Jesus Cristo. libertações e a instauração de uma, não significa
que o Reino chegou. Para a Igreja, toda libertação temporal, mesmo que bem
justificadas, traz consigo sua própria negação, não tem dimensão espiritual e sua
221
finalidade não é salvação em Deus. A Igreja está convicta de que se deve
construir estruturas mais humanas e mais justas, e que o ser humano converta
também o coração para encarar de outro modo as coisas que o cercam, como
essas estruturas (Paulo VI, 2001, p. 42).
de se considerar também que a Igreja não pode aceitar a violência,
sobretudo, à força das armas, e a morte de pessoas como caminho para a
libertação. A violência não é cristã. As mudanças estruturais bruscas também não
são. Mas a Igreja inspira os cristãos libertadores, inspirados na fé, com sua
doutrina social, a participarem com compromissos e prudência. Essa, sim, é a
libertação que Cristo propôs, que supõe a liberdade religiosa (Paulo VI, 2001, p.
45).
Idéias e ações de Casaldáliga e propostas de Paulo VI mais uma vez estão
em sintonia. Práticas do bispo e da Prelazia justificam-se com muitos dos pontos
apresentados pelo papa. Para ambos, evangelizar, enquanto anúncio, dá-se pelos
ensinamentos catequéticos e práticas sacramentais. E sem fazer do crescimento
numérico de seus fiéis uma obsessão, deve-se mudar as referências teóricas
padrão que norteiam práticas de estruturas injustas que geram, por sua vez,
realidades de sofrimentos, para uma infinidade de seres humanos, principalmente,
para os povos do então chamado Terceiro Mundo. Ambos vêem que o Evangelho
não deve estar preso, nem prender ou escravizar quaisquer culturas. Se Deus é
Pai e todos são irmãos, anunciar a Boa Nova de Jesus é buscar a justiça e a
fraternidade, a partir de todas as culturas, em busca de um mundo mais irmão,
conforme o plano de Deus. E lutar contra as injustiças da América Latina, como o
fez Casaldáliga, é libertar os povos do Terceiro Mundo, como prevê Paulo VI. Não
222
libertá-los das injustiças sócio-política-econômicas, mas totalmente. Achar que
a libertação das estruturas injustas vai libertar o ser humano injustiçado, não
basta; a libertação evangélica supõe mudar as pessoas por dentro, seu modo de
ver, pensar e transformar o mundo. Sob essa ótica, pode-se entender porque
Casaldáliga e a Prelazia sempre estiveram envolvidos na política ora mais, ora
menos –, não pela política, mas por ser ela, na região, instrumento central ou de
superação das injustiças ou de manutenção das mesmas.
também algumas discordâncias entre Casaldáliga e Paulo VI. Para o
papa, na evangelização, o mistério de Cristo deve ser anunciado. Aderindo-se ao
seu programa, quem o ouvir deve participar da comunidade eclesial. Para o bispo,
o caminho não precisa ser, necessariamente, esse. O importante é testemunhar o
amor universal de Deus, que é Pai, reconhecendo que todos são irmãos e que os
cristãos devem lutar para que a justiça, a fraternidade e a paz de fato aconteçam.
Se isso acontecer, o Reino já estará acontecendo, no caminho para o Reino
definitivo.
3.1.6.5 Espiritualidade do povo de Deus (da Prelazia)
A espiritualidade do bispo, dos agentes da Prelazia e da grande maioria de
seus leigos é a da libertação. Essa é a espiritualidade de suas origens e é a que
predomina como fonte inspiradora de todo trabalho missionário ali realizado. As
celebrações diárias dos agentes de pastoral, as dominicais nas comunidades, as
dos momentos específicos do ano litúrgico ou as temporais criadas pela própria
Prelazia em sua caminhada, todas refletem a espiritualidade acima comentada. É
a espiritualidade do povo que busca unir e vida e trazer para os momentos
litúrgicos os fatos e as aspirações do seu dia-a-dia. A vida litúrgica da Prelazia
223
acompanha e inclui a vida do povo pobre, em uma busca de inculturação. Articula-
se com ele e para ele, a seu favor, tornando-o anunciador dessa Boa Nova, do
Reino. Sua espiritualidade é ecumênica e memorial, martirial e pascal, localizada e
sintonizada à Pátria Grande, ao continente de igual sacrifício e utopia, à América
Latina.
A Prelazia é fruto da evangelização da própria Igreja, do trabalho
missionário de uma congregação religiosa que, buscando responder aos
chamados do Concílio Vaticano II, pela província de Aragon, teve a iniciativa de
enviar missionários para uma região do Mato Grosso (Luzón, 1983, p. 13).
Tocados pelas circunstâncias, os primeiros missionários foram ampliando seus
recursos, sobretudo os humanos, inaugurando, na região, com um método de
trabalho pastoral que correspondesse aos seus objetivos, de comunhão e
participação, a favor daqueles pelos quais fizeram, com a Igreja latino-americana
da libertação, a mesma opção. As orações diárias da equipe pastoral, o modo de
vestirem-se, de lidar com o povo e suas moradas, são expressões da proximidade
dos agentes com o modo e o jeito de ser dos pobres da região, a começar pelo
bispo.
Figura 22: Casa episcopal de
Casaldáliga
Nota: simples como as casas da
maioria da população pobre e
sempre de portas abertas, a
morada de Casaldáliga é um dos
exemplos de seu testemunho de
pobreza e simplicidade.
224
Figura 23: Interior da casa episcopal
Nota: As paredes estão enfeitadas de
lembranças latino-americanas
recebidas por Casaldáliga e, ao fundo,
sua cama, em um quarto sem porta.
Com o povo se reza, pelo
povo se reza, anunciando Jesus
encarnado, na vida do povo de
hoje. Como o Filho de Deus encarnou-se na vida do povo sofrido de seu tempo.
Por exemplo:
“As quinze estações são também passos da caminhada do povo; passos
de seu sofrimento, sua luta, sua vitória. Cada estação olha para a Bíblia e
olha para a vida. Assim acontece na vida. É assim que está escrito nos
Evangelhos. Olhar para o Evangelho, seria acreditar num Jesus que
passou. Olhar para a vida do povo, seria perder a luz e a força que o
Evangelho nos dá na caminhada” (Prelazia..., 1985b, p. 7).
Toda ação evangelizadora da Prelazia supõe essa idéia encarnatória,
necessariamente. É o agir eclesial, básica e fundamentalmente, cristológico. De
Cristo que sofre com o povo que sofre, que “tinha uma palavra certa para todas as
horas. (Era) Aquele que sabia dissolver qualquer angústia com sua sabedoria”
(Alvorada, 2003, p. 8). Por isso ele é a essência permanente da utopia da vitória,
da libertação, da ressurreição: “...a ressurreição de Jesus é a garantia de nossa
ressurreição e nos a certeza de que nós também sairemos vitoriosos,
vencedores, que o povo unido um dia vai ser livre” (Prelazia..., 1985, p. 56). O
sonho dessa libertação é busca constante, permanente de Casaldáliga e de todos
da Prelazia, unidos à toda Igreja. Esta mesma Igreja que, na América Latina, deve
225
evangelizar, transformando as realidades sócio-políticas. Caso contrário, sua
evangelização terá fracassado.
“A Igreja Católica mais e mais está convencida de que seu destino
evangélico está enarredavelmente associado ao destino social e político
das classes subalternas. Se estas não acenderem a um nível razoável de
participação e de comunhão social, a mesma Igreja entende que fracassou
em sua tarefa evangelizadora” (Boff, 1980, p. 23).
O sonho da libertação é o único sonho digno de ser sonhado, por isso deve
ser estimulado nas orações, já que é constantemente renovado pelo Espírito.
“...Não podemos perder de vista o sonho da libertação. É o único sonho que vale a
pena, que sacia de verdade. Cultivar esse sonho é um exercício de
espiritualidade. Renovar o sonho da libertação é trabalho do Espírito” (Lago, 2005,
p. 8).
No seu dia-a-dia, a Prelazia alimenta-se dessa espiritualidade, de forma
mais próxima do povo, com uso do Ofício Divino das Comunidades, da agenda
latino-americana mundial, do ofício dos mártires da caminhada latino-americana,
dos cantos populares, de textos e reflexões ecumênicas. Em suas capelas e
igrejas, cujas formas condizem com a simplicidade, o clima e a arquitetura da
região, as celebrações, buscam ser sempre participativas, valorizando a Palavra
de Deus e os fatos marcantes da vida do povo.
Figura 24: Capela de agentes da pastoral indígena
Nota: capela das Irmãzinhas de Jesus, que acompanham
índios Tapirapé, no município de Confresa. Ao centro,
uma cabaça amarrada com embira. Em seu interior, estão
hóstias consagradas utilizadas pelas irmãs em seus
momentos de oração.
226
Figura 25: Capela da equipe pastoral de
Porto Alegre do Norte
Nota: construída em lugar arejado, de fácil
acesso e visível, é espaço simples e
acolhedor que indica que os agentes da
Prelazia se nutrem da oração.
Além da pastoral e da estrutura,
a espiritualidade ou a vida celebrativa
da Prelazia é um dos aspectos que caracterizam sua diferença. É o que
enumeraram os participantes da assembléia pastoral do Regional Vila Rica,
afirmando ser essa espiritualidade visível, na opção que fez, pelos pobres,
concretamente expressa no acolhimento e na simplicidade (do traje, da moradia),
na luta e no comprometimento em defesa dos mais necessitados. Porque seus
agentes envolvem-se nas lutas em defesa dos mais fracos e excluídos (mulheres,
índios, negros, crianças, idosos, presos, posseiros), investindo na conquista da
terra para todos. Celebram, comunitariamente, a e a vida, dão testemunho de
coragem, fazem memórias aos seus mártires, lutam pela igualdade, na
solidariedade, construindo o reino de Deus (Relatório..., 2000, p. 3).
As duas missas produzidas por Casaldáliga e por Pedro Tierra, “Missa da
Terra sem males” e “Missa dos quilombos” foram duas importantes formas que a
Prelazia teve de expressar, para toda América Latina, seu jeito de celebrar,
mesmo sob duras advertências da Cúria Romana (Casaldáliga, 1988a, p. 99).
Assim, Casaldáliga reforçou sua luta pela causa do povo negro e dos povos
indígenas, dos pobres, opondo-se a todos que insistiam em dizer que no Brasil
não existia discriminação racial (Marzec, 2005, p. 106). Essas missas valorizam a
história, a memória, os mitos, o jeito de ser e de celebrar dos povos indígenas e
do povo negro. E é sendo fundamentalmente celebração memorial da morte e
227
ressurreição de Jesus Cristo momento de “reivindicação” da justiça, da
liberdade, do pão, da terra, da vida de qualquer grupo humano (Casaldáliga,
1988a, p. 100).
Nas santas missões que realizou ou nas “Assembléias do povo de Deus”,
que de tempo em tempo celebra, a Prelazia tem tido a preocupação de fazer
desses momentos, espaços importantes de auto-avaliação, de celebração e de
estímulo para a missão evangelizadora de todos os batizados. Porque “todos nós
somos chamados a seguir Jesus. E precisamos responder a este chamado”
(Prelazia..., 1993, p. 1).
Os momentos litúrgicos são espaços de celebração das datas significativas
e de denúncias. Uma das propostas para efetivar compromissos assumidos em
assembléia, por exemplo, foi a celebração das datas significativas: dia
internacional da mulher, dia do índio, dia do trabalhador rural, entre outras”
(Alvorada, 2003a, p. 5). A celebração, além de ser espaço de anúncio, é também
espaço de denúncia de injustiças acontecidas contra qualquer ser humano que
tenha sofrido violação de seus direitos. Por isso deve-se promover a “divulgação
de denúncias da violação de direitos humanos (no Alvorada e outros meios de
comunicação e nas celebrações)” (Alvorada, 2003a, p. 5).
No que tange à animação das celebrações, a Prelazia vale-se de cantos
próprios como os hinos de sua história, da caminhada dos mártires e de Ribeirão
Bonito e redondeza, escritos a partir de sua própria história. Outro recurso é a
modificação de palavras de cantos comuns da Igreja do Brasil, tornando-os mais
adequados à sua caminhada. Um exemplo é o canto “Glória, glória, aleluia”. Com
a modificação, destacam-se as palavras “libertou”, “ressuscitado”, “vitória”,
“escravidão”, “nova história”, “liberdade”, “nossa identidade”, “seu povo”,
228
“caminhamos”, “Deus nos acompanha”, “nossa força”, “nossa união”, “fome”,
“injustiça”, “opressão”, “coragem e firmeza”, “lutarmos sem temor”, palavras que
são fortes, no trabalho de evangelização da Prelazia.
“Glória” original
Glória, glória, aleluia! (3 vezes)
O Senhor ressuscitou!
Na beleza do que vemos, Deus nos fala ao coração.
Tudo canta: Deus é grande, Deus é bom e Deus é Pai!
É seu Filho, Jesus Cristo, quem nos une pelo amor.
Louvemos o Senhor!
Jesus Cristo é alegria, Jesus Cristo é o Senhor.
Da vitória sobre a morte deu a todos o penhor.
Venceremos as tristezas, venceremos o temor.
Louvemos o Senhor!
Deus nos fez comunidade pra vivermos como irmãos.
Braços dados, todos juntos, caminhemos sem parar.
Jesus Cristo vai conosco, Ele é grande como nós.
Louvemos o Senhor!
“Glória” mudado pela Prelazia
Glória, glória, aleluia! (3 vezes)
O Senhor nos “libertou!”
O Senhor “ressuscitado” é a certeza da “vitória”
sobre a morte e o pecado, sobre toda “escravidão”.
Para termos “nova história”, para esperarmos no
amanhã,
o Senhor nos libertou!
Todos nós fomos chamados pra completa “liberdade”,
e queremos preservar esta nossa “identidade”.
Para sermos o “seu Povo”, pra vivermos libertados,
o Senhor nos libertou!
Procurando a liberdade, “caminhamos” sem parar;
nosso “Deus nos acompanha”, seu amor é nossa paz.
Neste mundo dividido, “nossa força” é “nossa união”:
O Senhor nos libertou!
Contra “fome” e a “injustiça” e toda forma de “opressão”,
com “coragem e firmeza”, temos todos que lutar;
para termos sua força, pra “lutarmos sem temor”:
O Senhor nos libertou! (Igreja de São Félix, 1996).
Dentre as celebrações comunitárias de massa, da Prelazia, de maior
expressão além daquelas de mártires como Dom Romero
18
, Pe. Josimo, Chico
Mendes, Zumbi dos Palmares, Enrique Angelelli, Margarida, Dorcelina e Anastácia
18
Casaldáliga tem um apreço especial por Dom Oscar Arnulfo Romero, arcebispo de San
Salvador: “Romero é uma figura plena: arcebispo da Igreja e povo com o Povo, contemplativo e
militante, santo político, salvadorenho, latino-americano, mundial” (Casaldáliga, 2005, p. 02).
Questionado por cardeais da Cúria Romana sobre a facilidade com que na América Latina se
declaram mártires a certas pessoas, diz: “eu respondi, apaixonado: ‘Dom Romero é mártir, é santo
e é nosso’”(Casaldáliga, 2005, p. 02).
229
–, destacam-se as de memória-compromisso do Pe. Jentel e do Pe. João Bosco e,
principalmente, a grande romaria dos mártires da caminhada latino-americana.
Jentel foi testemunho vivo de compromisso profético, em favor dos povos
do Araguaia, pelo Evangelho.
“Para a nascente Prelazia de São Félix do Araguaia, Francisco Jentel foi
uma presença e um acicate. Deixou-nos uma herança de missão
comprometida. E continua agora sendo presença, gloriosa e continua a
nos comprometer na Causa Indígena, na Reforma Agrária, frente ao
latifúndio excluidor e à monocultura devastadora. Com os pobres e os
lutadores da terra, pelo Evangelho da Vida e da Libertação” (Alvorada,
2004, p. 7).
O Pe. João Bosco é o que se destaca na romaria dos mártires da
caminhada latino-americana, que por sua vez é a expressão maior da
espiritualidade do povo da Prelazia, litúrgica e libertadoramente celebrada. A
primeira romaria foi dedicada a ele, na comemoração do primeiro aniversário de
seu martírio e inauguração do santuário. A segunda romaria foi a primeira dos
mártires da caminhada latino-americana. Embora as romarias não tenham local e
data fixos, têm sido espaço privilegiado para fazer memória aos que deram a vida
pela justiça, pelo Reino e para (re)assumir as causas, na linguagem de
Casaldáliga (Alvorada, 2001, p. 3).
A espiritualidade martirial, historicamente, presenciada e vivida por
Casaldáliga, é entendida quando são consideradas as causas da morte, e o
porquê da morte violenta. Cultivar essa espiritualidade parece contraditório,
quando se busca vida farta para todos, quando se busca superar a pobreza, as
injustiças. Mas, a espiritualidade martirial respeita as vidas doadas por causa do
230
Evangelho, do Reino, fundamentalmente (Casaldáliga, 2001a), como o fez o
próprio Jesus. São “vidas dadas por todas essas Causas da Justiça, da
Libertação, da Fraternidade, da Vida, que convergem na Causa de Jesus de
Nazaré, a Causa de Deus, a serviço da grande Causa do Reino” (Prelazia...,
1996b, p. 1). “Vidas pela vida, vidas pelo Reino” resume o essencial da
espiritualidade martirial: lutar pela vida é lutar pelo Reino, o Reino se faz lutando
pela vida. E como “um povo ou uma Igreja que esquece seus mártires não pode
sobreviver”, diz Casaldáliga (apud Borges e Silva, 2004, p. 7), celebrar sangues
mártires, sem distinção, é celebrar quem deu testemunho de ecumenismo.
“Celebramos todos os sangues mártires, de todas as Igrejas, de todas as
Religiões, de todas as utopias. ‘O ecumenismo dos mártires é o mais
convincente’” (Casaldáliga apud Borges e Silva, 2004, p. 7).
Assim, os mártires são expressão máxima de doação, na ação
evangelizadora da Igreja, porque prova de amor maior é dar a vida a favor dos
irmãos. A morte do martírio é a superação do medo, do egoísmo de prender-se à
própria vida, é a vitória sobre a própria morte, porque o mártir não foge dela, mas
entrega-se a ela por um bem maior. São, portanto, testemunhas da vida suposta
no projeto do Pai anunciado por Jesus. No caso dos cristãos, dão testemunho
como Igreja e, assim, com a própria vida, evangelizam o mundo pela fidelidade a
Jesus à sua causa –, pela pobreza, pelo desapego. E isso foi algo que Jesus
anunciou e praticou, é algo evangélico. O martírio é, portanto,
“...a vitória sobre o medo. A nossa fé que vence o medo, como diz o próprio
Evangelho. Em segundo lugar, é a vitória sobre a mentira. A mentira do
poder, da prepotência, do egoísmo estruturado que poderá ser a mentira do
latifúndio, da segregação. É a vitória sobre o próprio egoísmo. É chegar
231
àquela conclusão, lógica também, de que o único modo de salvar a vida é
se desprender do egoísmo da vida, e dar a vida. É um outro tipo de
egoísmo bem evangélico: ‘Quem se reserva à vida, a perde; quem perde a
vida, a salva.’ Esta é a vitória que vence o mundo, e que vence a morte.
Nós temos insistido que é elementar que o martírio é a prova maior,
segundo a palavra de Jesus, no texto, inclusive de João: ‘Prova de amor
maior não que doar a vida pelo irmão’ (15, 13). Este é o texto base para
todas as celebrações martiriais da Prelazia. Inclusive é o que está escrito
no Santuário dos Mártires: ‘Prova de amor maior não há’” (Casaldáliga,
2003b).
A espiritualidade martirial, por fim, é cristológica:
“Jesus de Nazaré é para nós o Mártir Supremo, a Testemunha Fiel, como o
proclama o livro do Apocalipse. Ele assumiu as causas e os conflitos do
Reino até a morte de Cruz. E Ele, ressuscitando, confirmou definitivamente
a vitória das vidas dadas por Amor. mortes morridas, mortes
simplesmente matadas; as mortes dos mártires são mortes vividas
(Casaldáliga apud Borges e Silva, 2004, p. 7).
Casaldáliga compôs a “Oração da irmandade dos mártires da caminhada
latino-americana”, que sintetiza bem a espiritualidade do santuário de Ribeirão
Cascalheira. Tem a importância de ser uma oração que poderá ser feita por todos
que, mesmo à distância, partilham dessa espiritualidade, dessa romaria.
Dessa romaria participam pessoas de todas as regiões do Brasil e de vários
países, da América Latina, particularmente. É momento de manifestações
ecumênicas e de vivência fraternal do que Casaldáliga tem chamado de Pátria
Grande, à qual sempre buscou ser fiel (Casaldáliga, 1988b, p. 15), que
corresponde à América Latina de sofrimento e esperanças comuns. Mais ainda, é
momento de viver a cristã “abraçando (...) a fraterna humanidade inteira, na
232
procura de uma verdadeira mundialidade” (Casaldáliga, 2001b, p. 9), vivendo a
alegria martirial, cume e fonte da romaria.
E isso é expressado, fortemente, em dois momentos da romaria: na liturgia
e na pregação. Valendo-se de uma infinidade de símbolos, de elementos próprios
da religiosidade popular local e do Brasil, como procissão, fogueiras, cantorias
com ritmos e cantigas populares,
“a liturgia da romaria dos mártires da caminhada, festa da alegria, páscoa
de Jesus e páscoa dos mártires proclama e anuncia a vitória da vida, a
alegria da ressurreição. O mistério pascal, coração e fonte da alegria é
cantado e anunciado de maneira especial nos vários momentos
celebrativos da romaria” (Borges, 2003, p. 121).
A pregação tem caráter ecumênico e descentralizador. É comumente
partilhada por leigos, pastores, bispos e padres, como a comentada por Borges
(2003, p. 139), tocando nos temas básicos da libertação, da justiça, da paz, do
Reino.
Para Casaldáliga, só assim, “em cada recanto de casa e em qualquer
vereda do continente, saberemos ver e assumir o mundo como nossa Casa
Grande (sem senzalas!), como nosso caminho comum” (Casaldáliga, 2001b, p. 9).
Os frutos desse jeito de ser igreja, que a Prelazia, historicamente, foi
construindo, tiveram resultados: o que viveu, anunciou e buscou, foi por muitos
compreendido, assimilado e abraçado como causa comum. Muitos, sobretudo os
que migraram do sul do país, tiveram dificuldades em se adequar ao novo ritmo
eclesial local.
233
“Convidado para participar dos grupos de rua, (Sr. Hermínio, paranaense
que desde 1983 mora em Confresa) tinha muita dificuldade em
compreender a caminhada da Igreja aqui, como ele próprio diz: ‘atualizar
com os ensinamentos daqui’. Mas aos poucos ‘fui aprendendo e assumindo
a caminhada’. Atuando na equipe de batismo, liturgia, dirigente da
comunidade, nos Conselhos regional e geral. Atuou na fundação e
programação da Rádio Comunitária de Confresa...” (Alvorada, 1999, p. 9).
Natural do Rio Grande do Sul, Nelson Ceron, que mora em Santa Cruz do
Xingu, veio para a região em 1981. “Nelson diz que no começo sentiu dificuldades
para entender esta nova forma de ser Igreja. Participou pela primeira vez da
Assembléia Pastoral, em 1985, e a partir desse momen-to [sic] se engajou na
caminhada do povo” (Alvorada, 2004a, p. 9). Descendente da família Luz, o jovem
Luis Neto faz parte da comunidade São José, de São Félix do Araguaia.
Perguntado sobre o que mais admira na Igreja, respondeu: “Percebo que a Equipe
Pastoral é uma família, me sinto em casa e o bispo Pedro sempre me incentivou e
me deu muita força para continuar na caminhada” (Alvorada, 2003, p. 9). Os que
se engajaram no ritmo eclesial da Prelazia inseriram-se nos organismos populares
como associações, comissões, sindicatos, partidos políticos sempre de
esquerda. É o caso de Marcelino Gallo, gaúcho que mora em Vila Rica desde
1985.
“Nestes anos tem tido participação ativa na comunidade através da
Associação Nossa Senhora da Assunção, Associação do Assentamento
nas Posses Bom Jesus, Associação Eldorado (Rádio), Comissão de
Direitos Humanos, Conselho Regional, Comissão de Ética do Partido dos
Trabalhadores. Já foi também candidato a Prefeito pelo PT” (Alvorada,
2001, p. 9).
234
Assim, são inúmeros os testemunhos de gente que, quase sempre se
contrastando-se, a princípio, entraram no jeito de ser da Prelazia, como frutos
vocacionais de sua evangelização. E como os preferidos da Prelazia são os
pobres, esses parecem não encontrar dificuldades em viver e falar a linguagem da
igreja local, provavelmente, porque a Prelazia fala a sua linguagem e,
conscientemente, vive e está em sua função.
“O bispo Pedro e a Prelazia os agentes que passaram por aqui vivem e
falam de um jeito simples, que a gente entende. Nós somos fortes com
eles. Sem eles por aqui, acho que nem Porto Alegre do Norte não existiria,
porque os fazendeiros com seus pistoleiros queriam nos expulsar de todo
jeito. E o bispo com os padres vinham, rezavam missa e nos davam força.
a gente ficava animados, prontos para resistir e defender nosso
lugarzinho...” (Araújo, 2003).
É importante destacar a postura de cautela que a Prelazia adotou diante de
suas próprias convicções. Todos os cristãos católicos devem, como toda igreja
local buscar “converter-se com sinceridade e entusiasmo para o serviço do reino
de Deus” (Prelazia..., 1999, p. 4), voltando a dialogar, profundamente com Deus
vivo, consigo mesmo e com os irmãos, aceitando as Bem-aventuranças como
programa de vida, como ‘lei fundamental’ da Igreja” (Casaldáliga, 1985, p. 22).
Perguntado sobre quem evangeliza a Prelazia, Casaldáliga foi claro:
Os pobres, os mártires, certos fracassos, as celebrações, gestos de
solidariedade, muitas comunicações de amizades anônimas ou
desconhecidas, as inúmeras pessoas que têm nos enviado cartas pelo
correio eletrônico, com muita freqüência por parte da juventude e em última
instância e em primeira instância também! o Espírito de Deus que nos
235
acompanha. Assim somos evangelizados. Às vezes brinco um pouco como
com o cardeal Joseph Ratzinger, naquele julgamento de um júri menos
popular (risos) em que ele dizia, remedando minhas palavras, que se
tratava de revolucionar a Igreja, de revolucionar a sociedade e de se auto-
revolucionar. Mas nós temos tido a consciência da necessidade constante
de conversão. Outra coisa é em que medida de fato nos teremos
convertido. Aí não ponho a mão no fogo. E neste fim de picada que
estamos vivendo, muitas coisas não faria, faria de outro modo, corrigiria.
Mas felizmente a misericórdia de Deus é bastante maior” (Casaldáliga,
2004a).
A espiritualidade do povo de Deus, da Prelazia, é expressão explícita,
portanto, da espiritualidade de seu pastor primeiro. O que os seus agentes
celebram, o que o povo celebra, o que a Prelazia, comunitariamente, celebra em
suas capelas, nas casas das equipes, nas pequenas comunidades rurais, nas
comunidades urbanas e nos grandes momentos de memórias e romarias,
corresponde aos traços essenciais do credo de seu bispo e ao que reflete e busca
praticar a TdL, em muitas das igrejas da América Latina.
3.1.6.6 Casaldáliga, o pastor, e a Prelazia sob a ótica da Evangelii Nuntiandi
As ações evangelizadoras da Prelazia tiveram, fundamentalmente, um
mesmo perfil em toda sua história: alimentaram-se da espiritualidade de seu
pastor, que é a mesma espiritualidade da TdL, de caráter ecumênica e macro-
ecumênica, martirial, inculturada, pascal e sempre na perspectiva do Reino.
Mas a Prelazia não surgiu por motivação própria. Ela é fruto da
evangelização da própria Igreja e fez do Evangelho o motivo maior de sua
existência, e de seu anúncio o seu ofício natural, a partir da compreensão de uma
compreensão específica de Jesus, o Jesus histórico (Casaldáliga, 1998, p. 21). O
236
Reino é anunciado em meio a injustiças e incertezas como no tempo de Jesus. É
a libertação concretização primária do Reino para os pobres oprimidos é a
utopia que alimenta a vida espiritual do bispo, dos agentes de pastoral, dos leigos
que, ativamente, participam da vida da igreja local.
As celebrações em toda Prelazia exteriorizam as particularidades de sua
evangelização: o povo celebra sua fé, vivida, sofrida e vitoriosa, sacrificada e
esperançosa, construída em um tempo e espaço particulares; celebra seus
mártires locais e os da Pátria Grande, a América Latina, palco histórico de
injustiças.
E tudo isso tem como fundamento a em Jesus, a testemunha fiel, e por
isso a evangelização na Prelazia tem gerado seus frutos: pobres evangelizados
tornam-se evangelizadores; muitos dos que ouvem o anúncio da salvação
libertadora tornam-se também anunciadores dessa libertação, libertação integral.
Por isso animadores de comunidade não falam de Jesus, não rezam, mas
agem no mundo, participam dos organismos diversos que buscam o mesmo ideal
libertador e levam para as celebrações os fatos de sua vida.
Casaldáliga e a Prelazia evangelizam os pobres por convicta opção
evangélica. Com cautela vêem-se passíveis de erros e, com igual convicção,
sentem-se evangelizados pelos mesmos que evangelizam, pelos mártires, pela
sua própria história.
Paulo VI (2001, p. 15) lembra, em “De Cristo evangelizador a uma Igreja
evangelizadora”, que a pregação do Reino deve ser infatigável, pois assim o fez
Jesus. Além de anunciar, Jesus proclamou o Reino com sinais inumeráveis que
levavam a multidão à admiração. E um sinal de grande importância foi o de que
pobres evangelizados tornam-se evangelizadores.
237
Assim, uma comunidade, por cristãos evangelizada, torna-se
evangelizadora, anunciadora do mesmo Reino, proclamadora da mesma salvação
anunciada por Jesus. Reino esse que deve ser levado a todos, porque tê-lo é um
direito de todos (2001, p. 17).
A evangelização por parte da Igreja, portanto, é algo intrínseco, afirma
Paulo VI. Ela nasceu da evangelização e é enviada para evangelizar a si mesma e
ao mundo. É fruto da ação evangelizadora de Jesus e de seus discípulos, da
missão, por isso a Igreja é inseparável de Cristo, porque veio dele e “é ela que tem
a tarefa de evangelizar. E essa tarefa não se realiza sem ela e, menos ainda,
contra ela” (2001, p. 21). Depositária da Boa Nova que deve ser anunciada, é
também enviada para a missão de anunciar o projeto do Pai apresentado ao
mundo por Jesus (Paulo VI, 2001, p. 20).
Em “As vias de evangelização”, o papa dá importância ao testemunho como
vida do anúncio da Boa Nova. É o primeiro meio, diz. Pelo testemunho, a Igreja
primeiro evangeliza o mundo, com fidelidade a Jesus, exemplo de pobreza,
desapego, testemunho de santidade (Paulo VI, 2001, p. 48). Também comenta
sobre a importância da pregação viva, necessária, mesmo em tempos de
supervalorização da imagem (Paulo VI, 2001, p. 49). Que assim a liturgia procure
tirar proveito de ocasiões específicas, promovendo homilias que expressem o que
Deus tem a dizer, de forma simples, clara, adaptada, esperançosa, pacífica (Paulo
VI, 2001, p. 50).
A Prelazia é uma igreja com marcas bem próprias, mas, indiscutivelmente,
fruto da missão evangelizadora da própria Igreja, como bem se nota pela sua
história e como lembra Paulo VI em sua exortação. Desde a presença de
Casaldáliga na região, tudo foi feito como anúncio da Boa Nova de Jesus, de sua
238
salvação libertadora, claramente recomendada pelo papa, infatigavelmente
buscada pela Prelazia. A Prelazia, como recomenda o pontífice, fez-se
comunidade evangelizadora do mundo e de si mesma, mas também evangelizada.
E os seus pobres evangelizados tornaram-se evangelizadores, anunciadores da
Boa Nova de Jesus, como Igreja, concretamente, agindo no mundo para
transformar o que é injusto em justiça, e o que é opressão em salvação
libertadora. Ritualmente, isso tudo é vivido nas celebrações diversas da Prelazia,
retrato explícito da espiritualidade de seu pastor. Os testemunhos dos mártires são
destaques, nas homilias e símbolos, nas liturgias celebradas, valorizando a
história, a cultura, o diálogo ecumênico e macro-ecumênico, a vida do povo pobre.
A espiritualidade de Casaldáliga, construída em sua história marcada por
experiências do martírio e pela tradição religiosa européia, teve grande impacto
quando veio missionar em terras no Brasil, no Mato Grosso, em uma região
dominada pela injustiça e pela quase ausência da Igreja. Casaldáliga logo concluiu
que os conflitos locais eram uma pequena amostra de uma situação brasileira e
latino-americana. Por isso, sua luta não se reduziria à sua Igreja particular. Sob a
ótica da Evangelii Nuntiandi, até então Casaldáliga mostrou-se alguém com
vitalidade missionária, capaz de romper barreiras geográficas e culturais, para
anunciar o Evangelho de Jesus. Seu trabalho de evangelização na Prelazia e,
posteriormente, no Brasil e na América Latina foi expressão daquilo que acreditou
e acredita: que o Reino anunciado por Jesus Cristo deve ser anunciado com os
pobres, pelos pobres e a partir dos pobres, para todos, de acordo com o tempo e
circunstâncias vividos, ecumenicamente, celebrando a vida do povo com o povo,
dando testemunho pessoal, comunitário e eclesial daquilo que se anuncia. A sua
evangelização foi e é – embora hoje com menos intensidade – a evangelização de
239
sua Igreja efetivada pelos agentes de pastoral e leigos engajados –, com as
moldagens proporcionadas pelas mudanças diversas. Essa evangelização nutre-
se da espiritualidade da libertação, latino-americana, a mesma de Casaldáliga, a
mesma distintamente celebrada nas comunidades e nas grandes celebrações da
Prelazia, como a romaria dos mártires da caminhada latino-americana. Trata-se de
uma espiritualidade cristã, missionária, ecumênica, martirial, pascal, que é a base
substancial de toda estrutura eclesial da Prelazia, incentivada e assegurada por
seu bispo, nos seus vários e diferenciados períodos históricos. Com o objetivo
único de evangelizar, o bispo e a sua igreja, nutridos dessa espiritualidade,
valeram-se de vias, de meios ordinários e extraordinários para atingirem o objetivo
da evangelização, tendo claramente seus destinatários, os pobres do Evangelho,
os pobres latino-americanos, os pobres do Brasil, os pobres da Prelazia de
ontem e de hoje.
3.2 A constituição eclesial Prelazia de São Félix do Araguaia
A Igreja de São Félix do Araguaia foi formando-se com o decorrer de sua
história. Às vésperas da substituição de Casaldáliga, a Prelazia continua com
150.000 Km
2
, tem 15 municípios, divididos em 08 regionais, que totalizam um
número de 186 comunidades, sendo 154 rurais e 32 urbanas (apêndice 12). Em
seus começos, foram marcadas pelas inúmeras dificuldades das distâncias, das
injustiças contra indígenas e sertanejos, do número reduzido de pessoal, da falta
de infra-estrutura da Igreja e dos poderes constituídos. Seu bispo Casaldáliga foi,
aos poucos, como homem de oração, missionário, bispo, poeta, profeta e pastor,
formando o seu grupo de agentes, articulando uma nova lida no trabalho pastoral.
Foi montando uma estrutura mínima e buscando o máximo de participação
240
popular, criando um jeito peculiar de fazer pastoral na Prelazia, diferente do que
vinha acontecendo até então. Sempre em sintonia com a Igreja da libertação
latino-americana, sua opção, desde o início, foi a de radical opção pelos pobres.
Para esses destinatários, os meios foram surgindo dentro e fora da Prelazia e do
Brasil. E com as mudanças últimas, a opção continuou a mesma, mudando
algumas vias, ampliando o leque dos destinatários, e colocando a linha pastoral da
Prelazia em uma complexidade maior. Mesmo assim, seu pastor continua com
firmeza pastoral e idéias claras a respeito da evangelização no mundo de hoje, em
sintonia com a grande maioria dos temas da exortação apostólica de Paulo VI,
Evangelii Nuntiandi.
3.2.1 O bispo Pedro Casaldáliga
Com uma história de vida marcada por renúncias, o trabalho missionário,
para Casaldáliga, foi um desejo apaixonante desde sua infância. E como
missionário é que viveu para evangelizar, anunciando o Reino a todos, pela Igreja,
a partir dos pobres, em meio a sacrifícios e em busca de uma nova sociedade-
humanidade, tendo Jesus como fonte da verdade que liberta. Para isso fez-se
pastor e profeta, poeta e santo.
Conforme sentido evangélico, pastor é aquele que dá a vida a favor de suas
ovelhas (Jo 10, 11). Casaldáliga, desde o início, trocando a mitra e o báculo pelo
velho chapéu de palha sertanejo, remo e borduna indígenas recebidos em sua
sagração episcopal, fez-se de fato pastor de um povo necessitado, aderindo a
condições próprias de seu tempo e espaço. Implantou uma pastoral de
encarnação, em busca da libertação, porque Cristianismo não é primeiro uma
religião, mas um processo de encarnação na totalidade da realidade e tudo
241
interessa ao Reino de Deus (Boff apud Movilla, 2003, p. 48). “Dom Pedro
(Casaldáliga) tornou-se pastor dos negros e dos indígenas, introduzindo suas
riquezas culturais nas liturgias que celebra. Em sua prelazia habitam os índios
tapirapés, salvos da extinção graças aos cuidados tomados pelo bispo” (Betto,
2005).
Boff (apud Movilla, 2003, p. 48-9) diz que depois que Deus irrompeu a
nossa realidade, por Jesus Cristo, tudo a política, a luta pela terra, a saúde e a
defesa dos pisoteados deve ser resgatado e santificado. E Casaldáliga abraçou
essas realidades como causa, deu a vida por elas, particularmente em sua
Prelazia. Por isso é um bispo-pastor.
Casaldáliga é também um bispo-profeta. E um profeta não nasce profeta;
as circunstâncias fazem-no profeta. Assim aconteceu com os profetas antigos e
acontece com os de hoje. A profeta é fiel a Deus e ao povo. Fala daquele para
este. Denuncia as injustiças que vê, não se cala. Ouve o clamor do povo
injustiçado, compartilha sua dor, identifica-se com ele. Casaldáliga tem sabido
emprestar sua voz aos silenciados, aos expulsos de suas terras, aos índios
dizimados, aos peões caçados como fera nas matas. Os que se escandalizam
com a radicalidade de sua opção, deveriam escandalizar-se, antes, com a real
situação de opressão por que passa seu povo (Boff apud Movilla, 2003, p. 49-50).
E como profeta é também homem que olha para frente, para a esperança. Em
suas andanças pastorais pela sua Prelazia, como faz todo profeta, é sempre
“presença que anima, questiona e gera esperança” (Alvorada, 2000, p. 6). E não
teme a própria morte, na defesa dos mais necessitados, sejam eles católicos ou
não (Vecchio, 2003, p. 78).
242
Mas, como pensa a própria Igreja, para Casaldáliga ser profeta não é
atributo de alguns privilegiados. Todos são, pelo batismo, chamados a ser
profetas, porque nesse primeiro sacramento a pessoa participa da profecia de
Cristo (Casaldáliga, 2000, p. 2). Ademais, partindo dos profetas bíblicos
tradicionais e relembrando nomes que servem de inspiração para a vocação
profética da Igreja da libertação, Casaldáliga incentiva todos a exercitarem a
profecia cristã, praticando três virtudes que lhe são próprias.
“A raça santa dos profetas não terminou. Todos recordamos nomes muito
queridos como Luther King, Dom Romero, Dom Hélder Câmara, Margarida
Maria, Chicão Xukuru... Mas, além de recordar esses nomes, e celebrá-los,
todos deveríamos imitá-los, seguindo o testemunho maior do próprio Jesus,
o profeta definitivo do Reino! Todos, todas, devemos viver, hoje, no dia-a-
dia, a missão profética que o Batismo nos conferiu. Praticando aquelas três
atividades próprias da profecia cristã anunciando, denunciando,
confortando. Sendo eco da Palavra de Deus e do Grito dos excluídos;
confortando os irmãos ou irmãs desalentados no caminho diante de tanta
injustiça, impunidade e violência; anunciando o Amor que não falha e a
vitória segura do Reino” (Casaldáliga, 2000, p. 2).
As virtudes de escrever e de versejar tiveram sempre muita importância
para Casaldáliga. Certa vez disse ao seu amigo Teófilo Cabestrero:
“Penso, a vocês, se algo sou, sou isso: poeta. Também como religioso,
como sacerdote, e como bispo, ou poeta. Tem muitas coisas que intuo,
sinto, digo ou faço, porque sou poeta. Esta sensibilidade, esta intuição, esta
atitude de ternura ante à natureza, ante todas as coisas, ante os homens,
ante a dor, ante a debilidade e a sensatez, também em horas e
circunstâncias de exultação. Por ela pela poesia expresso minha e
também meu ministério” (Casaldáliga apud Movilla, 2003, p. 51).
243
De fato, os poemas de Casaldáliga falam de sua vida de seu olhar de
cristão sobre uma realidade de injustiças e esperanças –, de Deus na vida do
povo, dos oprimidos, particularmente. Seus temas estão relacionados às injustiças
vistas, presenciadas e combatidas por ele. Não tratou de temas à sua volta,
mas também usou uma linguagem simples, direta, como pode-se observar em
seus poemas de temas como: Canto de fronteira”, “Cantigas de no chão”,
“Mais que homenagens”, “Flauta crioula”, “Vocacional” e “Dois autos sacramentais
sertanejos” (Casaldáliga, 1982). Escritos em viagens afora, de ônibus, Cantigas
menores proibido em tempos de ditadura fala da vida do povo que defende.
Em poemas pequenos, poetiza sobre grandes idéias e ideais, como o A base:
“Passar do Jeca Tatu
ao Jeca Base
para ir acabando
com a Pirâmide!” (Casaldáliga, 2003f, p. 64).
Temas preferidos de seus versos são os referentes à terra. Casaldáliga
defende que a terra seja de todos, porque é criação de Deus, e em Deus todos
são irmãos e irmãs e tudo que criou fê-lo para todos. Em Terra nossa, liberdade
mostra isso:
“Esta é a Terra nossa:
a liberdade,
humanos!
Esta é a Terra nossa:
A de todos,
244
Irmãos!” (Casaldáliga apud Aguiar, 1999, p. 399).
Casaldáliga colocou seu dom poético a favor daqueles que sempre
defendeu, no Brasil e na América Latina: sertanejos, povos indígenas, negros,
marginalizados, pobres do Evangelho, vítimas das injustiças provindas do
egoísmo humano. São inúmeras as suas obras que abordam esses temas. São
poesias, poemas, autos, músicas etc. Muitas das quais traduzidas em outras
línguas. Embora fale de tantas desgraças humanas, é um poeta esperançoso.
“Dizem que a esperança é a última que morre. Para mim a esperança não
morre...” (Porantim, 2004, p. 4).
Casaldáliga é considerado também um bispo-santo”, latino-
americanamente, segundo Boff (apud Movilla, 2003, p. 51). É testemunho de um
novo tipo de santidade, medido por sua vida e por suas práticas. É “contemplativo
na oração do Cristianismo comprometido até a morte com a justiça, com a
dignidade dos pobres e com o processo de libertação dos oprimidos” (Boff apud
Movilla, 2003, p. 51). Casaldáliga é “santo por sua fidelidade radical (no sentido
etimológico de ir às raízes) ao Evangelho” (Betto, 2005). Trata-se de uma
santidade construída, no esforço de seguir a mensagem e as práticas do Jesus
histórico, que não morreu por acaso, mas em decorrência de seu compromisso
com a causa de Deus, identificada com a causa da justiça, da fraternidade e do
amor entre todos os seres humanos (Boff apud Movilla, 2003, p. 51). Casaldáliga
partiu para a luta política motivado por sua profunda experiência de Deus.
“Quem não conhece Casaldáliga pode imaginar que sua luta, sua causa,
seu compromisso, sua fala surjam de uma visão política, econômica... Não
é bem verdade. Como todos os verdadeiros profetas, Casaldáliga entrou
245
e entra nessas lutas da vida humana pessoais, sociais, políticas... por
uma profunda experiência de Deus. Ele é um homem religioso em sentido
profundo. Ele vive em Deus e de Deus. E tem feito a experiência do Jesus
histórico, encarnado em Jesus de Nazaré, do Deus vivo, do Deus dos
pobres. É um homem de fé.” (Gabriel, 2004).
Mas há quem adverte sobre a importância de Casaldáliga, só fora da
Prelazia. Por estar muito ligado a questões sociais, preocupa-se muito com o
político e deixa o religioso que seria de sua primeira competência para
segundo plano.
“Não sei se é porque ‘o profeta não faz milagre em sua casa’ ou por outro
motivo, mas vejo que o bispo Pedro é mais conhecido e tem mais
importância para o povo lá de fora do que daqui, na Prelazia. Muitos,
católicos inclusive, gostam dele, mas discordam de suas idéias. Acham que
ele é muito político, toca em questão que um padre ou um bispo não
deveria tocar. Fazendo isso, deixa de lado o trabalho de Igreja. Acho que o
povo na igreja quer é rezar. Já estamos cansados de falar em política, em
corrupção... e chegamos na Igreja para buscar paz, ouvimos o padre, a
irmã ou o bispo falar de política. Então não vejo que o bispo é isso tudo
que falam dele...” (Ferreira, 2004).
Embora tenha feito críticas contundentes sobres questões internas da
Igreja, desde os tempos da ditadura militar contra a qual a Igreja do Brasil
oficialmente não se rebelara e até os tempos atuais
19
, Casaldáliga destaca-se
19
Em Alvorada (2005, p. 3),o título diz: “João Paulo II tem sido o papa da comunicação, das
multidões, das grandes viagens. O papa da paz. O papa fiel à sua missão no meio de sofrimentos,
doenças, atentados. Grande devoto de Nossa Senhora. Amigo cordial do Brasil, que o aclamava
como ‘João de Deus’. Por contraste, critica-se de João Paulo II o autoritarismo centralizador, sua
atitude negativa para com a Teologia da Libertação e a nossa caminhada de Igreja Latino-
americana. Foi aberto para o social, conservador no eclesial”.
246
pela sua postura pastoral. Não tem preocupação obsessiva por temas como
ateísmo, secularismo e outros, como o foram para Paulo VI. Perguntado sobre
essa preocupação do pontífice, respondeu Casaldáliga: “é uma preocupação, mas
deve ser uma preocupação positiva. que (hoje) essa sede, essa
efervescência religiosa, entremos nela e anunciamos primeiro com o próprio
testemunho de vida; depois, com a palavra serena, sensata, ilustrada também”
(Casaldáliga, 2004d).
A defesa radical de Casaldáliga a favor dos sem voz e sem vez de sua
Igreja particular, sua busca na recuperação do continente, reconhecendo sua
‘identidade eclética’, como lembra Cabral (2003, p. 66), fez dele um bispo que
articulou uma igreja diferente, com características bem próprias (Oliveira apud
Boff, 1997, p. 163). É diferenciada das demais, sobretudo, no que tange à sua
estrutura: as comunidades e seus conselhos, as equipes pastorais e seus agentes
e os leigos.
3.2.2 Comunidades e conselhos
A Prelazia não é uma Igreja que tem CEBs, mas que buscou estruturar-se
toda sob a forma de CEBs. Para isso seu bispo, desde o início, não a organizou
conforme a estrutura de uma igreja que centraliza o poder de decisão na pessoa
do bispo, do padre ou das irmãs, como é comum em muitas dioceses católicas.
Casaldáliga incentivou a participação protagonista dos leigos. Situando-se,
historicamente, Casaldáliga e seus agentes foram construindo a Prelazia de forma
ex-cêntrica, não centrada nele mesmo, mas no Reino e nos pobres como sujeito
fundamental e lugar teológico prioritário (Codina, 1993, p. 196).
247
A linha pastoral das CEBs, característica determinante da Prelazia até os
dias atuais, foi refletida e confirmada no 1
o
Encontro das CEBs do Centro-Oeste,
acontecido em Rondonópolis, em outubro de 2004.
“Este encontro nos confirmou na caminhada, nos fez perceber que as Cebs
estão vivas, com um compromisso sério de serem fermento na massa. Por
isso, precisam beber sempre mais no poço da Palavra e partir para uma
formação aprofundada e uma organização consciente. Somos
responsáveis das sementes jogadas pelos mártires que nos precederam”
(Alvorada, 2004, p. 3).
Dado às próprias condições climáticas da época, que não possibilitavam a
ida dos agentes às comunidades devido ao número reduzido de padres,
insuficientes para abranger todo território da Prelazia e ainda pelas próprias
distâncias e meios de transporte –, deixar as antigas desobrigas e implantar as
campanhas missionárias foi uma opção alternativa e de acordo com os ideais
eclesiais propostos por Medellín. Os agentes ficavam em média três meses no
local e criavam os “Conselhos de Vizinhança” ou “Grupos de Lideranças” que
coordenavam os trabalhos comunitários (Casaldáliga, 1972, p. 39-40). Assim,
cada localidade foi tornando-se uma comunidade eclesial de base, ainda não
ecumênica (Casaldáliga, 1972, p. 11), mas encarnada: as lideranças
preocupavam-se com a saúde, educação, com a promoção humana de todos da
comunidade.
Depois, a partir de 1986 (apêndice 12), foram criados os regionais de
Confresa e Porto Alegre do Norte, em 1991; de Querência, em 2003; e de São
José do Xingu, em 2002, com seus respectivos conselhos, dos quais faziam parte
248
a equipe pastoral local e representantes das comunidades rurais e urbanas. E,
com membros dos conselhos regionais, formou-se o conselho geral que tem
outros participantes, conforme registra o Manual da Prelazia (Prelazia..., 2002, p.
11). Essa subdivisão significou reestruturação. Era um desafio para não criar
divisões que centralizassem poderes, uma vez que a Prelazia sempre teve a
preocupação de descentralizar ao máximo seus poderes, tendo o máximo de
participação do povo em suas decisões e encaminhamentos pastorais. E é
importante destacar que “essa forma colegiada e participativa de organização
eclesial adaptada à realidade de cada regional, causa forte impressão no
observador externo por sua coesão e dedicação missionária” (Oliveira, Rodrigues
e Menezes, 1997, p. 55).
O básico da macro-estrutura da Prelazia está formado nos moldes da
organização dos conselhos locais, célula-fundamento de toda sua vida pastoral,
eclesial. Esses conselhos, atentos à vida da Igreja e em sintonia com toda ela, são
motivados pela e estão a serviço do Reino, como Igreja democrática,
transformando para melhor a realidade onde vivem.
“1. É um Conselho de iguais não chefes, nem presidente. Há, sim, um
Coordenador que vai ajudar a animar os companheiros. Não vai resolver
nada sozinho, mas junto com os demais. 2. É um Conselho vivo de
pessoas ativas, conscientes, responsáveis que sabem que todos somos
Igreja, não só os padres, as irmãs. Por isso vai se preocupar com a
formação da comunidade cristã e com toda a vida da comunidade. 3. É um
Conselho Representativo das diversas atividades e funções que existem na
comunidade: Grupos de reflexão, grupos de jovens, cultos ou celebrações,
catequese, assistência aos doentes, defesa dos direitos humanos, etc. 4. É
um Conselho que vai promover com força a ligação da Comunidade com a
paróquia, a Prelazia ou Diocese, com a Igreja Universal para que a
249
comunidade não fique isolada. 5. É um Conselho que vai se preocupar com
todos os problemas do povo para que a comunidade seja mesmo luz,
fermento, sal. 6. É um Conselho que vai se preocupar com a manutenção
econômica da comunidade, com a participação de todos nesta
manutenção. 7. É um Conselho que aplica em cada comunidade as normas
da nossa Igreja, definidas particularmente na Assembléia do povo, na
Representativa, etc.” (Prelazia..., 1985c, p. 04).
Assim está organizada a Prelazia, cuja rede de comunidades, tecidas no
decorrer de sua história, nunca esteve sob estrutura paroquial. E dessa forma,
pretende prosseguir, porque “fortalecer e dinamizar os conselhos locais, regionais
e geral foi um dos compromissos da assembléia pastoral da Prelazia, realizada em
janeiro de 2003” (Alvorada, 2003, p. 03).
3.2.3 Equipes pastorais e seus agentes
As equipes pastorais são formadas por agentes que coordenam a pastoral
nos regionais ou sub-regionais
20
e participam também do conselho geral, estão no
CIMI, na CPT e nos grupos de Direitos Humanos. São formados pelo bispo,
sacerdotes, religiosas e leigos. Alguns destes últimos são voluntários, vindos de
outros países, às vezes. As equipes podem ser mistas, como a de São Félix do
Araguaia, ou de agentes que moram, separadamente. Atualmente, são 43 o
número de agentes que coordenam a pastoral, nos oito regionais da Prelazia
(apêndice 12), sendo 10 do CIMI (apêndice 9) e 05 da CPT (apêndice 10). As
religiosas superam em quantidade os sacerdotes e os leigos na Prelazia, somando
20
Sub-regionais são sub-divisões dos regionais que têm a presença de agentes de pastoral
morando, como no caso de Alto Boa Vista, que faz parte do Regional de São Félix e de
Canabrava, do Regional de Porto Alegre do Norte.
250
um número de 23 (apêndice 12). “Temos que tirar o chapéu pelo trabalho que as
irmãs fazem aqui. Rezam e sacrificam-se em nome da Igreja para melhorar a vida
do povo. E tem muita gente que fala mal delas ainda” (Silveira, 2004).
As casas das equipes pastorais são moradas dos agentes e são
comumente usadas por indígenas ou pessoas das comunidades rurais que vão à
cidade. Desde o início da história, da Prelazia essa prática foi comum em,
praticamente, todos os regionais: a casa da equipe pastoral fora identificada como
casa da Igreja, de todos os que dela precisassem. “A casa da equipe pastoral é a
casa dos pobres, a nossa casa. Sempre foi assim. Graças a Deus, porque muita
gente vem para a cidade e não tem onde ficar. Aí a casa da equipe é o único lugar
que nos acolhe” (Gomides, 2004).
Perguntado sobre a pregação dos agentes nas celebrações, Casaldáliga
disse em que elas tem consistido e das condições que têm exigido, dos agentes,
pregações mais dinâmicas, não só no momento da homilia.
“Em primeiro lugar é bom fazer constar que sempre pregamos nas
celebrações. Não se concebe uma celebração sem pregação aqui no meio
de nós. (...) Em segundo lugar, sempre temos insistido a partir de uma
visão da Teologia da Libertação, da pastoral popular, das comunidades
eclesiais de base e vincular a Palavra com a blia e a Palavra com a vida.
(...) Depois é bom lembrar que muitas celebração são celebrações da
palavra, porque temos pouquíssimos padres. Então é lógico que a palavra
é bastante protagonista. A Palavra da Bíblia e a palavra comentário.
Depois, os vários cursos que se tem feito com muita freqüência incide nisso
também. Tem tido também a vantagem de que, como muito povo não é
leitor, foi necessário falar. A própria necessidade do povo exigia. Você tinha
que comentar, tinha que se aproximar com a Palavra. Inclusive o apenas
no momento concreto da homilia, mas também na entrada, noutros
251
momentos. Por falta de palavras não temos perdidos. (...)” (Casaldáliga,
2004d).
Problemas e tensões foram também enfrentados pelas equipes pastorais.
E, na memória do povo, alguns deixaram saudades; outros, não.
“Não pense você que a Prelazia é o de bom que se ouve fora, não,
viu. Tivemos aqui em Vila Rica e noutros regionais agentes de pastoral que
deram sua vida, é verdade. Mas também gente que veio aqui só para
agitar, para fazer o que desse na teia e criar confusão com as lideranças
daqui, nos fazendo uma espécie de laboratório de suas idéias libertadoras
pessoais. Muitos e muitas usaram e abusaram da liberdade que o bispo
deu a eles. Alguns aqui na Prelazia se faziam de ‘profetas’, mas fora
eram exploradores como os nossos latifundiários. É o caso, por exemplo,
de religiosas que se diziam profetizas, e hoje educam filhos de ricos em
seus colégios pomposos, cobrando preço alto, bem alto. Se morassem
aqui, seria o mesmo que educar os filhos dos fazendeiros” (Costa, 2004).
Mas muitos foram também exemplos de simplicidade, de acolhimento, de
enfrentamento de situações de mortes. “Tivemos uma época em que os agentes
de pastoral iam conosco para as ocupações, correndo risco de vida. O Pe.
Saraiva, a Inês, a Irmã Mercedes, o Pe. Canuto estavam junto com a gente no
sindicato, na passeata, denunciando injustiças de fazendeiros e não tinham medo
não!” (Rodrigues, 2004). Mas lamenta, quando avalia a mesma equipe pastoral de
hoje: “Eu sinto saudades daqueles tempos, porque sinto que falta esse empenho
hoje em agentes da Prelazia. Muitos estão meio acomodados, em meio a
injustiças que também acontecem hoje” (Rodrigues, 2004). Pe. Canuto, em sua
bicicleta, andava dezenas de quilômetros pelos ermos do nordeste matogrossense
fazendo seu trabalho, denunciando as situações de injustiças (Moraes, 2004a, p.
252
05). “Coitados dos pobres de Canabrava se aqui não morassem os agentes Eliseo
e a Umbelina. Pessoas até de outras igrejas, que precisam de remédio, de
passagem de ônibus e outras coisas, procuram por eles, porque políticos por aqui,
só pensam em si mesmos.” (Santos, 2004).
As equipes pastorais, por seus agentes, coordenam as comunidades de
seus regionais ou sub-regionais e articulam todo trabalho pastoral da Prelazia.
São também importante referência para os pobres em suas necessidades,
reivindicações e lutas.
3.2.4 leigos enfrentantes, animadores e dirigentes
Os leigos da Prelazia sempre tiveram um tratamento diferente do que,
comumente, se na Igreja. Sua participação ativa desde o início da Prelazia foi
determinante. Foram importantes para sustentar as comunidades desde as
Campanhas missionárias, quando a presença dos agentes era intensa, mas
periódica e não permanente. Foram fundamentais para coordenar os inúmeros
trabalhos internos da comunidade e para agir contra as injustiças locais,
principalmente, contra posseiros, indígenas e peões. Para fazerem parte das
equipes pastorais, os leigos podem ser casados, inclusive. Quanto às
responsabilidades e poder de decisão, têm os mesmos dos padres, das irmãs e do
próprio bispo. Nas reuniões dos conselhos, nas assembléias etc. são tratados
igualmente. Assim, sustentam o sistema de rede de comunidades implantado,
sem dependência do padre (Oliveira apud Boff, 1997, p. 163). E, ultimamente,
vem-se estimulando sua participação nos vários órgãos da vida social. A
presença, de leigos católicos, tem sido muito significativa e fruto dessa relação
com a Prelazia.
253
“...nos primeiros anos o que se chamava Prelazia tinha possibilidade de
agir de um modo mais sistemático. Então esses leigos, sejam agentes de
pastoral, sejam pessoas do próprio povo, que iam engrossando a fileira
eram mais significativos. Hoje um pluralismo aqui de municípios, de
gente vinda de todas as partes, de religiões, de igrejas... Então
evidentemente a Prelazia, como instituição, é menos significativa. Agora,
como se vem estimulando a inserção na saúde, na educação, na política,
no sindicato, eu acho que uma presença bastante significativa de
católicos nessas instâncias todas da vida social. Por exemplo: quando se
concentra uma amostra de educação da região (como aconteceu
recentemente em São Félix), você acaba vendo que noventa por cento das
pessoas presentes são lideranças de nossas comunidades, professores e
professoras...” (Casaldáliga, 2004d).
O nome enfrentante refere-se aos leigos que enfrentam situações
conflitantes, colocando em risco a própria vida. São lideranças que articulam o
trabalho pastoral em sua comunidade e também, como cristãos e no exercício de
sua fé, denunciam situações desumanas e defendem os pobres, vítimas de
injustiças diversas. Com a vinda de famílias do sul do país, como lembra Oliveira,
Rodrigues e Menezes (1997, p. 88), foi se tornando mais usual a expressão
animador em vez de enfrentante. Em algumas regiões enfrentante é uma
referência às antigas lideranças que enfrentavam os desafios ou “trabalhos de
mais perigo como participar de sindicato rural de trabalhadores, de passeatas
contra violência policial, de reivindicação junto aos órgãos públicos etc.” (Mendes,
2004). Mas em outros regionais, em Santa Terezinha, por exemplo, os termos
enfrentante, animador ou dirigente referem-se à mesma pessoa que é liderança na
comunidade e está disposta a enfrentar as injustiças contra os pobres, como
lembra Leuter, agente pastoral de Santa Terezinha (apêndice 1).
254
Fundamentalmente, enfatiza Casaldáliga, os leigos na Prelazia exercem
ministérios, no sentido amplo do termo, na perspectiva do Reino, com ações para
dentro e para fora da Igreja, no mundo.
“...nós damos importância sobretudo ao grande ministério do Reino, à
diaconia do Reino. A partir daí a Igreja toda é ministerial. E nós temos feito
questão de incentivar o ministério dos leigos nestas várias áreas: da
catequese, entendida de um modo largo, das celebrações e do ministério
que nós poderíamos chamar da ação social, da caridade. Mais
concretamente nestas três faixas: na saúde, curativa e preventiva, a
educação formal e informal, e toda problemática da terra (com índios,
posseiros, peões). E evidentemente tem surgido outros ministérios no que
se refere à esperança, aos doentes, a comunicação, em seus vários
aspectos, que se tem trabalhado fundamentalmente pelos leigos”
(Casaldáliga, 2004b).
Reunidos em assembléia, agentes de pastoral e representantes dos
regionais, na busca de continuar participando ativamente da vida da Igreja e da
vida da sociedade, “assumiram suscitar e formar novas lideranças e novos
ministérios ou serviços” (Alvorada, 2003, p. 03).
Na Prelazia, os leigos são incentivados a serem protagonistas
comumente chamados de enfrentantes, animadores ou dirigentes dentro e fora
da Igreja, no mundo, buscando transformá-lo. E essa experiência de trabalho
comunitário tem ajudado esses leigos dentro e fora de suas respectivas
comunidades, em sua atuação, na transformação da sociedade em geral, no
combate às injustiças e no anúncio de um mundo conforme a proposta do
Evangelho, na perspectiva do Reino definitivo.
255
3.2.5 A estrutura da Prelazia de Casaldáliga sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi
A Igreja de São Félix do Araguaia foi formando-se conforme sua realidade.
Motivados por ideais comuns, os missionários presentes foram, aos poucos,
organizando as famílias das mais distantes regiões em conselhos comunitários. O
tempo foi passando e houve uma continuidade daquela mesma opção que,
atualmente reforçou-se.
O bispo Casaldáliga foi o grande incentivador e prático desse modelo de
Igreja. Deu testemunho pessoal de pastor dedicado que, desde cedo, renunciou a
privilégios, com profecia de anúncio, denúncia e conforto aos que mais sofrem.
Seu dote poético foi colocado a favor de uma causa maior e seu jeito novo de
santidade foi surgindo por conseguinte. Tudo isso foi fazendo de Casaldáliga um
bispo missionário que expandiu a Igreja e se tornou um fervoroso evangelizador
do Reino de Deus.
A Prelazia foi construindo-se sob a forma de rede de comunidades, de
CEBs, com conselhos locais e o conselho geral, simplesmente. Depois criaram os
conselhos regionais. Mas todos os conselhos estruturam-se democraticamente, e
existem para conduzir a comunidade local, os trabalhos dos regionais e os de toda
a Prelazia, em sintonia com toda Igreja, de olhos atentos às injustiças que
acontecem na comunidade, na sociedade. Todos os leigos batizados, são
convidados a transformar o mundo injusto, com testemunho próprio, em uma
comunidade de irmãos e irmãs.
Os agentes de pastoral, missionários que coordenam os trabalhos dos
regionais, nas equipes pastorais, são as principais lideranças que articulam toda a
256
pastoral da Prelazia. São sempre convidados a dar testemunho de anúncio da Boa
Nova de Jesus, como pede a Prelazia, em seu objetivo geral. E muitos dão esse
testemunho.
Os leigos enfrentantes, animadores e dirigentes, no exercício de seus
ministérios ou serviços, são os sustentáculos de toda estrutura eclesial da
Prelazia. Muitos dos mais próximos aos afazeres pastorais continuam enfrentando
trabalhos de risco, mas também outros que fruto de uma conscientização de
anos atrás participam de organismos que estão na sociedade e contribuem para
sua melhoria.
Sobre os temas tratados até esse ponto, Paulo VI (2001, p. 47) lembra-se
de que o conteúdo da evangelização deve supor vias específicas, meios que
dependem do espaço e da cultura locais. Feito isso, vem a importância primária e
indispensável para a eficácia da evangelização, o testemunho de vida. E as
primeiras testemunhas, lembra Paulo VI (2001, p. 103), são os bispos, os
sacerdotes, os diáconos, os religiosos, os leigos, as famílias e os jovens. Que em
suas ações o seu zelo evangelizador brote da santidade de vida, oração e amor à
eucaristia.
Assim, pelo testemunho, a Igreja, primeiramente, evangeliza o mundo, com
fidelidade a Jesus, pobreza, desapego, testemunho de santidade, enfatiza Paulo
VI (2001, p. 48). Os evangelizadores devem ser amáveis, fraternais, ter afeição de
mãe, mais que pai, ser pedagogo (2001, p. 108). Devem buscar autenticidade,
verdade e transparência (2001, p. 101), porque o mundo procura um Deus
próximo, familiar, visível (2001, p. 103). O mundo espera dos evangelizadores
simplicidade, espírito de oração, caridade, especialmente para com os pobres,
obediência, humildade, desapego e renúncia (2001, p. 104). Nesse espírito, os
257
pastores devem remodelar os processos de evangelização. É um desafio a
descobrir e a adaptar (2001, p. 47). Para isso, lembra Paulo VI, algumas vias são
fundamentais: a unidade dos evangelizadores (2001, p. 104), que devem estar
unidos à igreja local, aos bispos e ao sucessor de Pedro, o encarregado de
ensinar a verdade revelada (2001, p. 85). Unidos, enfim, a Cristo (2001, p. 86),
devem apresentar-se pessoas amadurecidas na fé, capazes de superar tensões
(2001, p. 105).
Com essa disposição, segue o papa, de acordo com a ocasião, que os
evangelizadores, na pregação, tirem vantagens das situações, sendo a mesma
simples, clara, adaptada, esperançosa, pacífica, pela unidade (Paulo VI, 2001, p.
50). E que os evangelizadores não se coloquem como juízes, nem donos da
verdade, porque do Evangelho (verdade sobre Deus, sobre o homem e sobre o
mundo), são depositários, servidores, não devendo escravizar o mesmo
Evangelho que anunciam (2001, p. 107). Devem propor, não impor a verdade
evangélica, Cristo e seu Reino (2001, p. 112), à consciência humana (2001, p.
111), conforme pedido do próprio Salvador (2001, p. 112). E quando lhes faltar o
fervor, a alegria e a esperança, que inspirem-se nos grandes evangelizadores
(2001, p. 110).
O pontífice preocupa-se também com os não-crentes, que dizem respeito a
duas esferas: incredulidade e secularismo (2001, p. 66), e os não-praticantes, que
não negam o batismo, mas não o praticam (2001, p. 67). Refere-se também aos
ateus, incrédulos e não-praticantes que resistem à evangelização (2001, p. 68).
O Espírito Santo tem sido buscado pela experiência pessoal, por
assembléias, continua Paulo VI. Agente principal da evangelização, ele suscita
258
a nova criação-humanidade que a evangelização busca (2001, p. 100). Mediação
da evangelização, a Igreja vê-se sustentáculo da fé dos fiéis, é solícita aos que
não estão em comunhão com ela e se obriga a dar testemunho com eles da
revelação da qual é depósito (2001, p. 65). Na Igreja e por meio dela, que os
evangelizadores conservem o fervor do espírito e a suave alegria de evangelizar,
mesmo que entre lágrimas. Aqueles que a procuram, possam receber a Boa Nova
dos ministros do Evangelho, que arriscam “a sua própria vida para que o Reino
seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo” (Paulo VI, 2001, p.
113).
O processo de evangelização, na Prelazia, foi dando-se a partir de uma
certa adaptação às circunstâncias locais, somadas à disposição testemunhal de
seus agentes de pastoral, motivada em fala e de fato por seu bispo. Para Paulo VI,
é necessário supor esses elementos, para garantir a eficácia da evangelização. A
colaboração dos leigos, nos vários ministérios com os pastores usando a
linguagem de Paulo VI –, na Prelazia, foi estimulada e até necessária para que
fosse construída aquela igreja com aquele rosto. Seus testemunhos do bispo e
dos agentes da Prelazia, e também de leigos engajados foram o desapego, o
cuidado para com os pobres, o espírito de oração, a proximidade. Assim, de forma
simples, clara e a partir dos pobres, os evangelizadores da Prelazia, conforme
necessário Paulo VI, remodelaram o jeito de anunciar a Boa Nova do Reino na
região.
Apesar de visíveis atritos com a cúria romana, a unidade eclesial fez-se
com a igreja universal, mesmo com contra-testemunhos de agentes que passaram
pela Prelazia. Contra-testemunhos que às vezes poderiam ter levado agentes a
259
terem impostos a verdade do Evangelho sobre pessoas, em situações específicas.
Mas o próprio fato de a Prelazia estar aberta a práticas ecumênicas e aberta ao
Reino, demonstra que não se coloca como dona da verdade, e sim como sua
portadora, conforme recomenda Paulo VI.
O fervor, a alegria e a esperança são qualidades presentes em Casaldáliga,
nos seus agentes e lideranças que buscam inspirações nos santos latino-
americanos, nos mártires da caminhada, sem negar os santos tradicionais, os
canonizados oficialmente pela Igreja e também cultuados pelo povo.
Com essa motivação, sem preocupação explícita com temas como ateísmo,
por exemplo citado por Paulo VI –, a Igreja de São Félix do Araguaia,
fundamentalmente espiritual, cristã, constitui-se Igreja missionária da libertação.
Animada pelo Espírito Santo, evangeliza e se na obrigação de fazê-lo – a si e
aos outros, com radical testemunho, na busca de uma nova sociedade, uma nova
criação-humanidade, conforme o projeto de Deus anunciado por Jesus, segundo a
exortação de Paulo VI.
3.3 As vias e os destinatários da evangelização de Casaldáliga
As transformações ocorridas nos últimos anos, na Prelazia, foram levando a
mudanças de certas atividades pastorais da mesma. Hoje, os meios pelos quais
Casaldáliga evangeliza são, de primeira mão, os próprios utilizados pela Igreja: a
pastoral ordinária, ainda com ênfase particular à pastoral sócio-política. Mas o
crescimento demográfico, o avanço da monocultura, as novas relações de
trabalho, o crescimento do agro-negócio, tudo isso levou a Prelazia a ir moldando
suas relações com a sociedade organizada, no mesmo intento de manter como
260
destinatários seus, os pobres que, no campo ou na cidade, continuam vítimas de
injustiças.
3.3.1 Pastorais, grupos, equipes
Manter-se na mesma linha pastoral, que vem tendo desde sua criação, foi
uma proposta renovada pela Prelazia na assembléia pastoral de 2003 (Alvorada,
2003, p. 03). Proposta essa reforçada, posteriormente, em encontro das CEBs, do
qual Casaldáliga e outros da Prelazia fizeram-se presentes, refletindo sobre o
tema Espiritualidade da libertação. Em “Carta dos participantes...”, desse encontro
acontecido em Rondonópolis, concluíram:
“Somos da caminhada daqueles que seguem Jesus, que é caminho para o
Pai, caminho este sempre mais largo do que os estreitos limites das
diversas denominações religiosas e dos nossos projetos. Optamos pelos
excluídos e excluídas, porque neles o rosto de Deus está sendo
desfigurado, pondo em jogo a imagem de Deus, que é Santo” (Alvorada,
2004a, p. 3).
Mas é evidente também que, embora oficialmente a Prelazia tem se
posicionado na mesma linha pastoral de sempre, muitos dos que chegam na
região discordam dessa opinião e têm insistido numa pastoral menos preocupada
com as prioridades pastorais locais. “Em Querência, cidade fundada por migrantes
gaúchos, muitos leigos na pastoral não têm preocupação com esse profetismo
próprio da linha da Prelazia. Existe um certo conservadorismo, apesar de ter
também muita gente engajada” (Felippe, entrevista de 01 de abril de 2004).
261
Ademais, certo dessa opção, Casaldáliga mostra que, em sua Igreja, os
sacramentos sempre estiveram presentes em suas atividades de evangelização.
Nas Campanhas missionárias, três vezes por semana celebrava-se a eucaristia,
“em termos bem acessíveis, e com uma temática apropriada na liturgia da palavra
e nas orações. Preparam-se os sacramentos do batismo, da penitência, da
eucaristia e do matrimônio, com especial dedicação” (Casaldáliga, 1972, p. 39).
Em todos os regionais, existem a pastoral do batismo, pastoral catequética e
equipes de liturgia, que preparam as celebrações eucarísticas - ou da palavra, na
ausência do sacerdote (apêndice 13). A catequese, lembra Casaldáliga, é uma
preocupação para a Prelazia. Por isso tem produzido muito material catequético,
supondo a idéia de uma catequese ampla, que se valha de princípios e faça da
evangelização toda da igreja uma ação catequética, para todos, sempre, sem
minimizar a catequese específica que prepara para os sacramentos.
“...temos produzido muito texto catequético sobre os sacramentos, ‘Missa,
o que é?’, Crisma, o que é?’, Igreja, o que é?’ No início, de um modo até
mais popular, com lenços pintados, sobre a Bíblia, sobre a vida de Jesus.
Tem-se insistido muito quando se uma palavra mais sintética sobre a
pastoral, na celebração e na catequese esses tem sido os três pontos.
Sempre cabia o perigo e cabe de pensar a catequese como catequese
infantil ou adolescente. Eu digo sempre que a catequese praticamente é
toda fala de uma pessoa consagrada nas celebrações. Porque não se pode
pensar a catequese como sendo apenas momentos estanques, à parte. A
Pastoral ou é muito catequética ou não é pastoral. Tem-se dado bastante
valor ao sacramento da Crisma. Precisamente por causa de uma
preparação até prolongada com os jovens não apenas adolescentes –,
porque consideramos que é um momento providencial essa preparação
para a Crisma. Muitos dessa juventude não têm uma formação religiosa em
casa, nem terão outras chances. Se se deu um ou dois anos de catequese,
262
isso fica. Mais tarde ou mais cedo, será uma base para uma vivência cristã”
(Casaldáliga, 2004d).
Figura 26: Celebração do sacramento da
crisma
Fonte: Sebastião Camargos.
Nota: Casaldáliga celebra na
comunidade de Vila Rica. A crisma é
celebrada solenemente, por ser, para
muitos jovens da região, o momento
mais intenso de formação religiosa.
Casaldáliga, porém, faz
algumas ressalvas sobre dois
sacramentos, o da penitência e o do matrimônio. Sobre o primeiro, diz:
“É curioso que temos escritos sobre todos os sacramentos esses folhetos
que se multiplicaram por milhares, inclusive com alguns traduzidos para
outras línguas. E não tivemos a coragem, não soubemos publicar um
folheto sobre a Penitência. Eu pessoalmente e os agentes de pastoral
achamos que deveria ser revisto o sacramento da Penitência. Eu acredito
honestamente diante de Deus que se deveria oficializar a dupla forma de
sacramento da Penitência: a confissão individual e a confissão comunitária.
Nós temos facilitado a confissão comunitária, mas nunca temos negado a
confissão individual, normalmente. Mas se para esses cento e cinqüenta e
quatro mil quilômetros quadrados temos tido sete, oito padres, não para
facilitar muito a confissão individual. O sacramento da confissão está aí,
pendente de uma reformulação evangélica e pastoral, não para a
Prelazia, como para a Igreja Universal” (Casaldáliga, 2004d).
Sobre o sacramento do matrimônio, continua: ”às vezes, a gente prefere
que certos casais continuem unidos e, amadurecendo, recebam o sacramento do
Matrimônio. (...) Depois também, aconselhamos o matrimônio civil. Aconselhamos,
estimulamos, mas não exigimos, necessariamente” (Casaldáliga, 2004d), devido
263
as dificuldades próprias do momento, tais como “ausência de juiz e fórum, custo
financeiro e distância. Com isso, preferimos dar tempo ao tempo” (Casaldáliga,
2004d).
Outro ponto a destacar, a respeito da lida da prelazia, quanto aos
sacramentos, são as exigências feitas.
“Temos tido exigências com respeito aos sacramentos. Exigências que
inclusive nos criaram problemas, do tipo quem pode ser padrinho, quem
não pode ser... (...) quem não é explorador e quem mais ou menos
participa da vida da comunidade, pode, assim, ser padrinhos. Porque
achamos que não tem sentido um explorador ou um perseguidor como
diz o povo, que os distingue bem: explorador são os grandes, perseguidor
são os pequenos traidores ser padrinho sem o mínimo de prática cristã.
Que pelo menos participe. Mas não temos sido fanáticos. Nunca fomos
exigentes a ponto de exigir que devam participar da missa toda, toda
semana, por exemplo. Até porque não temos missa em todos os domingos
nas comunidades da Prelazia” (Casaldáliga, 2004d).
Quanto à juventude da Prelazia, Casaldáliga lembra-se da preocupação
que tem tido com ela. Vítima da falta de perspectiva na região e, às vezes, das
drogas e da prostituição, tem-se dado à juventude atenção especial.
“(A juventude na Prelazia) tem um rosto próprio! E se algo que eu posso
dizer com toda boca cheia, é que nós temos nos preocupado muito com a
juventude. Temos estimulado, temos facilitado. Eu mesmo me dou
pessoalmente muito bem com eles: saúdam a mim com carinho, brincamos
e tal. Temos dado bastante valor à juventude na educação, nas
celebrações, nas mobilizações. Agora temos a experiência de que muitos
jovens entram e saem. Nem tanto da Igreja, como da região. Chega-se ao
um ponto que aqui não tem possibilidade de estudar ou possibilidade de
trabalhar. Vários jovens que se tem formado aqui partiram do nada.
264
Quando são lideranças, voam. É mais freqüente isso no interior. Não
chance. A juventude tem muito pouca perspectiva. E a própria vida do
campo é muito pouco atrativa, tanto para os estudos, para o lazer, quanto
para uma perspectiva de emprego para o futuro. Então bastante
mobilidade de juventude. Infelizmente tem também entrado a droga, a
prostituição. Não é um fenômeno exclusivo da região, mas tem entrado”
Casaldáliga (2004c).
De todos os regionais, o de Vila Rica não tem pastoral da juventude
organizada (apêndice, 13). Mas tem participado oportunamente dos momentos
últimos de encontros e decisões. Na Prelazia, a juventude tem preocupado-se com
sua formação bíblico-litúrgica e com temas culturais, políticos e sociais da região
(Alvorada, 2003, p. 11). Os jovens têm sido incentivados a produzirem arte, e têm
tido espaços para divulgação de seus trabalhos (Alvorada, 2003, p. 10). Sua
busca e dedicação é resultado do estímulo que muitos têm recebido e visto em
Casaldáliga e em outros na Prelazia. “Eu me considero um militante cristão,
atuante e consciente. E se sou assim, agradeço ao bispo Pedro e à Prelazia, que
nos acompanharam e deram exemplo de justiça, de honestidade e dedicação.
Eles são um espelho para nós jovens.” (Dantas, 2004).
A pastoral do Dízimo, é importante porque a manutenção econômica da
Prelazia é uma de suas prioridades. Está implantada em todos os regionais
(apêndice, 13). O dízimo recebido deve ser destinado à manutenção local de cada
comunidade, regional e à administração central
21
, superando a dependência
econômica que a Prelazia tem tido de fora. Por isso, o dízimo e as coletas
21
Como recorda a assembléia de 2004, cada comunidade deve contribuir com 30% de seus
ingressos para o seu regional, 10% para o caixa central, ficando 60% para a comunidade”
(Alvorada, 2004b, p. 03).
265
semanais devem ser cada vez mais as fontes da economia da Prelazia
(Prelazia..., 2002, p. 14).
Os grupos de oração, que existem em cinco dos oito regionais da
Prelazia (apêndice 13), têm surgido nos últimos tempos e têm sido motivo de
questionamento para muitos. Com características fortes da RCC – movimento
católico criticado por ter uma espiritualidade intimista, centralizadora e sem
compromisso com as transformações sociais esses grupos de oração não têm
sido bem vistos por alguns e causado divisão de idéias entre leigos e agentes de
pastoral. Felippe, que discorda da idéia de que os grupos de oração não
combinam com a linha da Prelazia, acompanha o grupo de Ribeirão Cascalheira.
Comenta:
“Eu sei que a Prelazia não quer grupo de oração por aqui. Quando eu vim
para me avisaram que não era para trazer grupo de oração para cá.
Mas eu penso assim: a primeira carta de São Paulo Aos Corintios, cap. 13,
tem uma resposta chave: “se eu falar a língua dos anjos e dos santos, e
não tiver caridade, eu não sou nada” isso é para a RCC. Depois, se eu
decidir distribuir meus bens aos pobres e dar meu corpo a ser queimado,
sem o amor, eu não sou nada isso é para as Cebs. Porque se as Cebs
ficam em ação, sem uma espiritualidade, sem uma mística... não vale.
Agora eu não vejo por que proibir um grupo de se reunir para rezar”
(Felippe, 2004).
Em Vila Rica, o grupo teve dificuldade em sua organização inicial. “No início
rezávamos nas casas, porque a equipe pastoral não nos deixava rezar dentro da
igreja. um dia o bispo veio aqui, nós nos reunimos com ele, ele nos passou
algumas recomendações, e hoje rezamos toda semana, na igreja” (Martins, 2004).
266
Perguntado se os grupos de oração podem diminuir a radicalidade da linha
pastoral da Prelazia, Casaldáliga responde.
“Tem lugares na Prelazia que seguem o ofício divino das comunidades.
Acho ótimo. Tem pessoas que aqui (na cidade de São Félix do Araguaia)
se reúnem, rezam e estão metidas na política, no clube de mães, no
sindicato. O importante é que não sejam fanáticos, que não se distanciem
da comunidade e que não achem que têm “A” verdade. E que em todo caso
sempre as normas centrais da Prelazia devem ter um valor de orientação e
de referência. Porque também se cada comunidade, se cada pessoa
inventa suas normas... e nós já não somos de muitas normas
acabaremos na bagunça pastoral. Dizia Dom José Maria Pires, o Dom
Zumbi, que a nossa Igreja (a Prelazia) é a Igreja menos estruturada no
mundo” (Casaldáliga, 2004c).
A comunicação, na Prelazia, foi tratada desde o início como meio
indispensável para a eficácia do trabalho de evangelização. Com um gosto já
cultivado pela escrita e documentação, Casaldáliga e sua primeira equipe foram
documentando e arquivando fatos importantes. Suas circulares, sempre de caráter
pastoral, mas fazendo referência aos mais variados assuntos, foram tornando-se
um estímulo e, anualmente, esperadas por toda Igreja da Libertação latino-
americana. “Temos espalhado circulares, para dentro e para fora da Prelazia.
Temos dado bastante valor às rádios, na medida do possível. Inclusive, temos
incentivado a criação de rádios comunitárias que têm sido perseguidas, fechadas,
abertas de novo.” (Casaldáliga, 2004c). Assim, livros, informativos, panfletos,
cartilhas, livretos litúrgicos são escritos, caricaturados e\ou desenhados de forma
popular, direta e com mensagem clara, sobre os mais variados temas que
compreendem a evangelização da Prelazia.
267
Figura 27: Cartilha sobre batismo
Fonte: Prelazia de São Félix do Araguaia (1987).
Nota: cartilha que faz parte da coleção “Da base para a base”
utilizada na Prelazia e em outras dioceses e prelazias.
Figura 28: Roteiro de missão jubilar
Fonte: Prelazia de São Félix do Araguaia (1999).
Nota: o título expressa a idéia que Casaldáliga tem de
evangelização. A ilustração traz as mãos do Pai, o Filho, Jesus
Cristo, que ajuda o povo a carregar a cruz, num determinado
momento histórico e o Espírito Santo acompanha, em forma
de pomba.
Figura 29: Tríduo para romaria dos mártires da caminhada
Fonte: Prelazia de São Félix do Araguaia (2001).
Nota: livrinho utilizado em preparação para a romaria. No detalhe
de capa, o mapa da América Latina, feito de sangue dos seus
mártires que lutaram e deram a vida por libertação. Seu
testemunho é um estímulo para que outros também lutem.
O Alvorada, criado em 1970 e com mais de 250
números publicados, está com uma publicação bimestral de
1500 exemplares. Segundo o próprio Casaldáliga, é a
publicação alternativa mais antiga do Brasil, conforme informação do CERIS. Traz
uma linguagem simples e se vale muito de fotos e ilustrações, principalmente do
268
pintor Cerezo Barredo
22
. Todas as atividades de evangelização da Prelazia têm,
no Alvorada, um espaço importante para informação, divulgação e formação
permanente, como a página de formação bíblica e saúde e educação, dois
históricos problemas sociais da região. Pela divisão de suas páginas, pode-se
notar a variedade dos temas tratados: recado de nosso bispo (p. 02), na vida da
Igreja (p. 03), pensando o Brasil (p. 04), cidadania (p. 05), canto do galo (p. 05 e
06), na Bíblia e na vida (p. 08), gente de casa e entre nós (p. 09), saúde e
educação (p. 10), este espaço é seu (p. 11) e retalhos da nossa história (p. 12)
(Alvorada, 1999). Em uma região, ainda marcada pelas carências sociais e pelas
distâncias que dificultam a comunicação, o Alvorada faz-se significativo. É também
distribuído em várias regiões do Brasil e em outros países.
Pode-se dizer, por fim, que as pastorais, os grupos e as equipes da Prelazia
foram sendo articulados para atuarem, na evangelização interna, concretamente
expressa nas celebrações comunitárias, nas práticas sacramentais, nas
formações, nos encontros e partilhas. Com igual impulso e fervor, toda estrutura
da Prelazia está também voltada para a evangelização do mundo à sua volta,
combatendo as injustiças, conscientizando as pessoas de que um mundo melhor é
possível.
22
O Pe. Cerezo Barredo é conhecido por ser o pintor da Prelazia. Pintou vários murais, como os
das igrejas de São Félix, Santa Terezinha (Igreja do Morro), Santuário dos Mártires, Vila Rica e
São José do Xingu. Prioriza em suas pinturas a figura do Deus libertador, que liberta os pobres
(sertanejos, indígenas, operários, negros, mulher...) da escravidão imposta pelo sistema capitalista
opressor. No Alvorada, quase sempre tem algum trabalho ilustrativo, de capa, geralmente
comentado por Casaldáliga.
269
3.3.2 Pastoral sócio-política
Pastoralmente, a Prelazia organiza-se para o enfrentamento das injustiças
humanas. Busca encarar os obstáculos e resistências, visando melhorar a vida
dos pobres sertanejos, indígenas, mulheres. Em sintonia com outras organizações
públicas, populares ou eclesiais, busca atingir os mesmos injustiçados, crianças,
jovens, idosos que moram no campo, na cidade.
Nos últimos anos muita cosa mudou. Hoje é diferente dos tempos em que a
Prelazia era a única instituição na região do Médio Araguaia a defender indígenas,
posseiros e peões, e o bispo Casaldáliga era o mais respeitado pelos latifundiários
e governos. Vários sindicatos, associações, conselhos e movimentos foram
criados (apêndice 13), muitos dos quais com finalidades semelhantes à da
Prelazia (Alvorada, 2002, p. 7). Muitas outras igrejas instalaram-se na região.
Muitas outras lideranças surgiram. O comércio, na cidade, intensificou-se. A
comunicação e o transporte melhoraram – apesar da ausência de asfalto em todas
as rodovias intermunicipais. Mas a Prelazia continua com trabalho intenso e
desafiador em várias áreas, como na da saúde e educação. Agora, com parcerias
com muitas dessas organizações públicas ou comunitárias. Em todos os regionais
há trabalho conjunto entre a equipe pastoral e os conselhos municipais de saúde e
educação, com exceção de Vila Rica, que atua no primeiro (apêndice 13). A
parceria estende-se aos demais conselhos de assistência social, do meio
ambiente, tutelar dos direitos da criança e do adolescente, da ação social, de
segurança, do bem-estar social, do turismo, do desenvolvimento agrário e da
cultura (apêndice 13). Quanto às associações, a própria Prelazia criou a ANSA,
em agosto de 1974, destinada a viabilizar projetos comunitários. Inicialmente
abraçou causas como a da saúde e da educação. Atualmente, é parceira de
270
projetos, na área de fruticultura, crédito popular, atenção às populações indígenas,
prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS e hanseníase
(Alvorada, 2002, p. 7). os sindicatos não foram destacados como uma das
organizações com as quais a equipe pastoral trabalha, considerando o “parceiro
estratégico” que era em anos anteriores, como enfatiza Pereira (apêndice 10), da
CPT. Dos oito regionais, dois, Vila Rica e Confresa, apontaram o sindicato como
parceiros no trabalho na cidade e no interior (apêndice 13).
A preocupação com a saúde e com a educação, na Prelazia, continua
insistentemente. A pastoral da criança, implantada em todos os regionais,
(apêndice 13), tem como objetivo garantir vida digna para crianças e gestantes.
Para isso capacita líderes comunitários para ações básicas de saúde, educação,
nutrição e cidadania” (Lopes, 2003, p. 10). Ela, a pastoral, tem se destacado pelos
seus resultados e pela articulação feita nos regionais. Lopes (2003, p. 10) lembra-
se de que “a Pastoral da Criança funciona, se as líderes comunitárias trabalharem
com espírito missionário, tendo convicção de que estão cumprindo a mesma
missão de Jesus Cristo: ‘Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em
abundância’ (Jo 10, 10)”.
A educação é trabalhada no sentido amplo, de educação para a vida, para
a cidadania. Nesse sentido, a educação da consciência crítica, política, continua
sendo uma bandeira forte da ação evangelizadora da Prelazia. Essa prática
abrange as pastorais em geral, como a pastoral da criança, a educação para
prevenir doenças ou adquirir a saúde, como a promovida pela ANSA, e a
educação da convivência cidadã, com respeito aos direitos da mulher. Nesse
particular, a Prelazia tem procurado respeitar os direitos da mulher e fazer de suas
comunidades um lugar onde a mulher exerça sua dignidade, na Igreja e na
271
sociedade. “Nasci em Santa Terezinha e lá descobri a importância de participar na
comunidade. Atualmente trabalho no CIMI com as questões relacionadas à luta
pela terra...” (Torres, 2004, p. 09). E as próprias comunidades têm tornado-se
uma boa referência: “Na comunidade não enfrento dificuldades, sou bem aceita e
o meu trabalho é valorizado” (Rocha, 2004, p. 09). Fora da Prelazia, agentes de
pastoral acompanham mulheres trabalhadoras rurais, como nos regionais de Vila
Rica, Querência e São José do Xingu (apêndice 13).
Mesmo sem a preocupação de, obrigatoriamente, ter uma atuação direta na
política
23
, e sim, indireta por meios dos conselhos de outros organismos, o
trabalho de conscientização política da Prelazia é contundente. Em véspera de
eleições, por exemplo, as reflexões vão desde explicações sobre “os poderes da
república” a até mensagens diretas sobre o tipo de políticas que não se devem
apoiar.
“Em nossa região, concretamente, estamos vivendo o desafio oficial da
implantação do programa agro-industrial, assumindo de modo muito
interessado pelo Governo do Estado. A monocultura, da soja, sobretudo e
também do algodão. Monocultura latifundiária, depredadora, contaminadora
do solo, das águas, das pessoas, os grupos econômicos que comandam
este agro-negócio controlam também ou pretendem controlar as políticas
municipais” (Alvorada, 2004, p. 2).
O CIMI, a CPT e os grupos de Direitos Humanos são três instâncias de
apoio aos indígenas, aos camponeses e às vítimas de violações dos direitos
23
Em toda Prelazia existe um agente de pastoral que exerce o mandato de vereador, o diácono
Eliseo, de Canabrava do Norte, eleito para 2005-2008. Eliseo é também educador na mesma
cidade.
272
básicos dos cidadãos, em toda Prelazia. O CIMI atende, atualmente, a oito
aldeias. Quatro são no município de Confresa e quatro no de Santa Terezinha,
das tribos Tapirapé e Karajá. Tem para esse trabalho quatro agentes religiosas e
seis leigos. Não tem trabalho ecumênico com nenhuma outra igreja. Sua atuação
junto às aldeias está no campo da educação, com atuação em sala de aula e
assessoria pedagógica, e dos direitos humanos e direito à terra, com denúncias e
orientações legais. Seus principais desafios são a infra-estrutura (transporte),
parcerias com outras organizações e a compreensão de pessoas próximas a
respeito da importância de seu trabalho (apêndice 9).
A CPT na Prelazia continua com seu compromisso de “apoiar e reforçar as
lutas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e suas organizações por todos os
seus direitos, e denunciar e contestar todos os que negam ou agridem esses
direitos” (Poletto e Canuto, 2002, p. 164). Uma religiosa e quatro leigos articulam o
trabalho que, segundo Pereira (apêndice 10), atualmente, conta com
“...um escritório central em Porto Alegre do Norte, onde trabalham os
agentes. Também contamos com o apoio das Irmãs Capuchinhas, em
Querência, que têm este trabalho como frente primordial de sua atuação. E
fazemos parte do Regional Araguaia-Tocantins” (apêndice 10)
Os organismos, com os quais a CPT tem trabalhado ultimamente, são:
“sindicatos de trabalhadores rurais, Grupo de Mulheres (em Canabrava do Norte e
em São Félix do Araguaia [Comunidade Dom Pedro]); Grupo de Famílias do
Casadão: em Canabrava do Norte, São Félix do Araguaia (Comunidade Dom
Pedro), Santo Antônio, São José do Xingu (Comunidade Fontoura), Querência
273
(Grupo de Água e Ecologia campo experimental); Turmas da Escola de
Formação Araguaia Xingu: em Querência, Canabrava do Norte e São Félix do
Araguaia (Comunidade Dom Pedro) e em Porto Alegre do Norte” (apêndice 10).
Sobre atividade de parceria com outras igrejas, atualmente a CPT não tem
nenhuma. Seus principais desafios são:
“Poucas pessoas para trabalhar em uma extensão tão grande, o rolo-
compressor do agro-negócio, a devastação ambiental, o trabalho escravo,
a falta de infra-estrutura nos projetos de assentamento, a falta de
perspectivas para a juventude rural e em geral para as famílias que vivem
no campo sem apoio governamental (assistência técnica apropriada,
créditos, infra-estrutura...)” (apêndice 10).
Para Casaldáliga, a evangelização supõe, necessariamente, a promoção
humana. Acreditar em Jesus Cristo como senhor ressuscitado é acreditar que o
mesmo liberta e salva o homem todo e o mundo igualmente (Casaldáliga, 1972,
40). Como acreditou nisso, buscou e incentivou esse ideal. Simultaneamente,
bispo e igreja local lutaram em defesa dos direitos humanos. Enfrentaram as
distâncias, a injustiça imposta pelo latifúndio e incentivada pela ditadura militar, e
denunciaram o que consideravam injusto e desumano (Casaldáliga, Sautié e
Forcano, 2000, p. 19). Passados os anos, “pode-se dizer, sim, que a história do
Pedro e a história da Prelazia são a história da luta pelos direitos humanos nessa
região”, diz Moraes (apêndice 11). Ou seja: “todo o trabalho pastoral da Prelazia,
assim como toda a sua equipe tinham e têm a marca da defesa à vida, à
alimentação, ao trabalho digno, à moradia, à terra, à justiça, enfim, à marca dos
Direitos Humanos. ‘O Direito mais Divino’” (Alvorada, 2001, p. 05).
274
Na Prelazia, atualmente, os trabalhos em defesa dos direitos humanos são
realizados pelo Centro de Direitos Humanos Sofia Araújo, com sede em Porto
Alegre do Norte. Atende casos de seu município, Confresa, de Vila Rica e Santa
Terezinha, onde estão formados núcleos de apoio (apêndice 11). Uma advogada,
que também assiste a casos desses regionais, atende os demais, a partir de fatos
concretos apresentados pelas equipes pastorais da Prelazia. Moraes, a advogada,
comenta sobre esse trabalho.
“Detectado o caso, formamos grupos com pessoas da comunidade local,
de outras igrejas, associações, sindicatos, pessoas do povo... e articulamos
trabalhos a favor das vítimas, como no caso de trabalho escravo, por
exemplo. Ultimamente temos trabalhado também no ‘Balcão de direitos’,
um dos projetos da ANSA. Assim trabalhamos no resgate da cidadania,
ajudando as pessoas carentes na aquisição de documentos básicos, na
formação jurídica dos conselheiros municipais (de saúde, de educação...) e
a preparar pessoas para acompanharem as vítimas de violações de
seus direitos” (apêndice 11).
Esse trabalho procura envolver a participação da comunidade, com
representantes de seus mais variados setores, de acordo com cada fato concreto
surgido. No que tange à prática ecumênica, são destacadas as participações das
Igrejas Evangélicas de Confissão Luterana no Brasil, sobretudo em Querência e
Vila Rica, e uma das Assembléias de Deus, em Ribeirão Cascalheira (apêndice
14). Sobre o desafio e as conquistas maiores desse trabalho, destaca Moraes:
“O desafio é criar uma rede de direitos humanos na Prelazia, por regionais.
De fato é um desafio, considerando a inconstância das pessoas, não
porque se locomovem de um lugar para outro, mas pela dificuldade de
275
continuação do trabalho. As conquistas maiores foram as defensorias
públicas que conseguimos, após muito trabalho. Das quatro que
reivindicamos, para São Félix do Araguaia, Canarana, Vila Rica e Santa
Terezinha, conseguimos para as três primeiras. Agora reivindicamos para
as três mais novas comarcas de Querência, Ribeirão Cascalheira e Porto
Alegre do Norte” (apêndice 11).
Perguntada sobre a importância de Casaldáliga, na luta pelos direitos
humanos, Moraes destaca seu valor histórico, não para a Prelazia, mas para a
nação. Por todos os seus feitos e incentivos, é um nome que não pode ser
esquecido, quando o assunto é luta pelo pelos direitos humanos.
“Pedro é a razão de ser dessa luta. Foi ele o primeiro e o incentivador de
todo esse trabalho. Isso até quem discorda da linha de trabalho pastoral da
Prelazia concorda que ele foi e é importante na região. Para ele direitos
humanos são os direitos mais divinos. Ele é um símbolo da luta pelos
direitos humanos não na Prelazia, mas no Brasil e fora daqui aliás, é
mais do que um símbolo, porque um símbolo é algo parado, e o Pedro
continua atuante nessa luta. Ao se falar em trabalho escravo no Brasil, por
exemplo, é preciso citar a Prelazia como a primeira instituição a denunciar
a existência de trabalho escravo no Estado do Mato Grosso.(...) Portanto, é
impossível falar de luta pelos direitos humanos no Brasil sem falar de Pedro
Casaldáliga” (apêndice 11).
O trabalho de evangelização de Casaldáliga e da Prelazia, com ação direta
no mundo, na transformação da sociedade e de acordo com o projeto de Jesus,
tem, como objetivo maior, a defesa da vida de todos, do ser humano e da
natureza. As resistência são enfrentadas com trabalho organizado e os resultados
vêm à tona, como resultado de trabalho conjunto, comunitário.
276
3.3.3 Os destinatários
Os tradicionais destinatários da evangelização de Casaldáliga, na Prelazia,
os indígenas, os posseiros e os peões, continuam sendo foco determinante de sua
pastoral. O CIMI, a CPT e o trabalho de direitos humanos atingem a todos,
diretamente. E como são órgãos ligados à CNBB, corporificam a presença oficial
da Igreja, junto ao processo conscientizador e libertador do povo (Boff, 1980, p.
23). Também é persistente a luta de Casaldáliga, na defesa dos direitos indígenas
dentro e fora de sua Igreja, como direitos humanos (Casaldáliga, 2004, p. 02). E
seu incondicional apoio às lutas dos movimentos populares que reivindicam
direitos básicos continua (Jornal..., 2005, p. 02).
É certo que a área da Prelazia está cada vez mais marcada pela
monocultura e pelo agro-negócio, sobretudo, do gado e da soja com todas as suas
conseqüências para o meio ambiente (apêndice 14). Mas é destacável a presença
dos lavradores presentes, nos 50 assentamentos, no território da Prelazia. Com
exceção dos regionais de Querência e de Ribeirão Cascalheira, os seis demais
têm a lavoura tradicional como uma das três principais bases de sua economia
(apêndice 14). Em todos os regionais, as distâncias são ainda um problema,
considerando que suas estradas não têm asfalto e muitas delas tornam-se
intransitáveis, em tempo chuvoso. Nesses regionais, estão espalhadas 154
comunidades rurais (apêndice 12), número significativo, considerando as
dificuldades de transporte e de comunicação em toda região.
Esse cenário mostra a importância e a necessidade do trabalho pastoral,
junto aos que estão na lida direta da terra, o que leva a concluir que os
destinatários de ontem, também são destinatários de hoje. quanto aos
destinatários da comunidade urbana, a Prelazia tem buscado atingi-los por meio
277
de suas pastorais, grupos e equipes, nas 32 comunidades existentes (apêndice
12). Somente os grupos de oração sugiram como necessidade ou desejo de
pessoas de comunidades urbanas e, mesmo sem o consentimento geral da
Prelazia, vão impondo-se nas cidades. Nessas, os pobres da opção de
Casaldáliga e de sua Igreja são atendidos por meios possíveis. Os mais atingidos
pelas injustiças enfrentam problemas, nas áreas da saúde, da educação, de
violações dos direitos da criança e do adolescente, na vida doméstica, no trabalho,
na prisão, do meio ambiente. A Igreja, ali, busca contemplá-los com a participação
dos agentes ou leigos das comunidades nos conselhos, nas associações, nos
sindicatos (apêndice 13). Quando à prática ecumênica, quantitativamente, não é
algo a destacar na Prelazia, considerando o questionário respondido por agentes.
Em dois dos regionais não foram mencionadas igrejas com as quais a equipe
pastoral local tenha algum trabalho conjunto; outros dois citaram a Igreja Batista, e
em três está a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Além dessas, a
Assembléia de Deus está presente em dois regionais (apêndice 14). Mas, para
Casaldáliga, o mais importante é acreditar em Deus e ter consciência da
necessidade dessa prática e buscá-la, fraternalmente, a partir da idéia de que
Deus tem muitos nomes e é universal, faz-se presente em muitos caminhos e que
a diversidade religiosa já faz parte da sociedade humana.
“Primeiramente e sobretudo é preciso acreditar que Deus, que um
Deus, ‘o Deus dos muitos nomes’, como a gente diz e que virou uma
expressão cunhada. O importante é acreditar que esse Deus o Deus de
todos os nomes é amor universal, tem um projeto salvífico universal. Em
segundo lugar: acreditar que Deus, esse Deus salvador, universal, se faz
presente por muitos caminhos, e que chegam antes do que nós, bem
antes. Em terceiro lugar, o fato de ser inclusive a região, e em boa parte o
278
Brasil, um cenário de mistura cultural e religiosa tem facilitado bastante o
respeito ecumênico e macro-ecumênico” (Casaldáliga, 2004d).
A consideração que Casaldáliga tem pelas religiões, em geral, é de
respeito, sem distinção. Convicto da crença, na sua igreja, que respeitar as
outras não é uma questão de consideração, mas de obrigação, que todas
podem, como a sua, ter um encontro autêntico com Deus.
“Se o concílio reconhece que em todas as religiões verdade, temos
que reconhecer que em todas as religiões pode se dar – e se o
encontro autêntico com Deus. Eu como cristão, pela minha formação, pela
minha própria história familiar, até pelos meus condicionamentos
geográficos, sou cristão, sou católico. E no momento não argumentos
para eu deixar a Igreja Católica e partir para outra religião. Mas, cada vez
mais, me sinto na obrigação de um respeito sagrado face às outras
religiões. E o reconhecimento, como dizem muitos teólogos, de que essas
outras religiões não existem de fato e devem ser toleradas, aceitas, mas
que existem de direito” (Casaldáliga, 2004d).
A missão evangelizadora de Casaldáliga, além-Prelazia, é característica
marcante de seu pastoreio. Desde a época em que fora considerado bispo
subversivo pelos seus escritos sobre as injustiças na Amazônia Legal, passando
pelo tempo em que fora chamado “pastor verdadeiro”, porque “solidário com os
que mais sofrem” em suas andanças pela centro-américa (Aragón y Löschcke,
1991, p. 69) até os dias atuais, Casaldáliga foi acumulando reconhecimento,
depois tulos e mais títulos. Um dos últimos que recebeu foi o de Doutor Honoris
Causa, conferido pela UFMT. “É o primeiro título de Doutor Honoris Causa que a
universidade confere em 33 anos de existência” (Speller apud Costa, 2003, p. 41).
279
São prefeituras, Estados, Organizações não Governamentais, universidades, uma
infinidade de entidades públicas, particulares, humanitárias, que o
homenagearam, pela sua luta em defesa da vida humana e da vida da terra.
Figura 30: Títulos e homenagens
Nota: Estes são alguns dos títulos e homenagens conferidos a Casaldáliga, por várias
organizações da Prelazia, do Brasil e do mundo.
3.3.4 Casaldáliga, bispo e profeta, e a Prelazia sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi
O trabalho de evangelização de Casaldáliga, na Prelazia, vale-se de certas
vias para atingir objetivos claros. Sua pastoral utiliza-se de meios ordinários, tais
como pastorais, grupos, equipes, meios comuns a qualquer prelazia ou diocese.
Com a pastoral sócio-política, age profeticamente na transformação do mundo, na
busca de torná-lo mais justo e mais fraterno. Foco de sua opção pessoal e
eclesial, os destinatários continuam sendo os mais pobres da Prelazia e do que
outros de fora dela.
280
Na Prelazia, os cristãos são catequizados e sacramentalizados. Ela inclui e
incentiva a juventude, na sua vida, valorizando seus feitos. Busca sua auto-
sustentação econômica e de agentes, incentivando leigos ao exercício dos
ministérios e serviços, na comunidade local. A comunicação e a documentação
foram tratadas desde seu início com muito zelo, por isso o arquivo da Prelazia é,
hoje, a maior referência documental eclesial, histórica, geográfica... do
nordeste do Mato Grosso.
Com a pastoral sócio-política, atua nos setores mais urgentes e
representativos da comunidade, tais como o da saúde, da educação e da
assistência judiciária, de forma organizada, juntamente com outras instituições
existentes, a favor das crianças e de suas mães, dos presos, das vítimas de
violências, dos desassistidos, judicialmente. Em tom profético, as injustiças são
denunciadas e o anúncio da esperança em dias melhores também se dá.
Quanto aos destinatários da evangelização de Casaldáliga, na Prelazia,
permanecem os mesmos de outrora, acrescidos pelos pobres urbanos, mais
conscientes, mais informados e que podem contar com outros meios para superar
suas dificuldades. Fora da Prelazia, Casaldáliga continua evangelizando,
valorizando com igual dignidade as religiões, consciente da necessidade do
diálogo religioso e inter-religioso, condição indispensável para a fraternidade
universal. Pelos seus feitos a favor da vida, tem recebido muitas premiações,
condecorações e títulos.
Em sua exortação sobre os sacramentos, o pontífice diz que a
evangelização deve atingir a vida natural, conduzindo-a para a vida sobrenatural
e, por conseguinte, para os sacramentos. Diz também que a evangelização não é
contra a sacramentalização, mas que aquela deve levar a esta. Ademais, a
281
evangelização deve realizar a ligação entre a Palavra e os sacramentos (Paulo VI,
2001, p. 55).
No tocante à juventude, Paulo VI (2001, p. 101) diz que os jovens merecem
uma atenção especial. Têm buscado autenticidade, verdade e transparência, não
o que é fictício ou falso. Valoriza o testemunho pessoal e a própria Igreja sabe que
esse mesmo testemunho é importante para a eficácia da pregação (Paulo VI,
2001, p. 102). Por isso a Igreja deve evangelizá-los com zelo e inteligência, para
que tornem-se apóstolos da própria juventude (Paulo VI, 2001, p. 92). E que, os
que anunciam, sejam responsáveis pelo que anunciam (Paulo VI, 2001, p. 102).
Todo trabalho de evangelização deve ser feito com zelo e doação. A
catequese, por exemplo, deve ser bem cuidada, para que leve os fiéis a hábitos
religiosos. Com dinamismo, deve valer-se de métodos diferenciados para
situações e pessoas diferentes. Os catequistas devem ter formação apropriada
(Paulo VI, 2001, p. 52) e valer-se dos mass media (MCS), para ampliar espaços e
criar laços de compromisso e fraternidade (Paulo VI, 2001, p. 53).
Mesmo que lhes seja próprio, agir no mundo, o pontífice adverte que os
leigos podem ser chamados a colaborarem com os pastores, na comunidade
eclesial, pelos ministérios diversos (Paulo VI, 2001, p. 92), tendo preparação
especial para isso (Paulo VI, 2001, p. 93). E a Igreja tem buscado abertura e lugar
para a prática dos ministérios, que a vitalizam, inclusive (Paulo VI, 2001, p. 93).
O uso dos mass media deve estar em função do Evangelho, atingindo as
multidões, levando-as à adesão, ao compromisso pessoal (Paulo VI, 2001, p. 53-
4). A salvação de todos é um desejo de Deus. Por isso, a evangelização tem uma
destinação universal, e a Igreja deve lançar-se às massas para esse feito (Paulo
282
VI, 2001, p. 69). Mas, para isso, os anunciadores do Evangelho devem superar
suas limitações, seus obstáculos: os internos, quanto à expansão da obra de
evangelização; já, os externos, referem-se à resistência dos poderes públicos
(Paulo VI, 2001, p. 60).
Paulo VI (2001, p. 61) destaca alguns dos destinatários da Evangelização:
os descristianizados, os simples, os intelectuais. O Evangelho deve ser levado
também às religiões não-cristãs (Paulo VI, 2001, p. 62), que a Igreja respeita e
estima. Estas têm uma incompleta, mas sincera procura de Deus. Saber de Jesus
é um direito deles, porque Jesus revela tudo de Deus. Embora essas religiões
voltem-se para Deus, é preciso considerar que a Igreja tem uma autenticidade, na
relação de vida com Deus, que as outras não conseguem ter (Paulo VI, 2001, p.
64).
As práticas evangelizadoras de Casaldáliga, na Prelazia e fora dela estão,
em quase tudo, de acordo com a exortação de Paulo VI, sobre as vias e os
destinatários da evangelização.
Para o pontífice, a evangelização deve conduzir os evangelizados às
práticas sacramentais e, por conseguinte, à vivência eclesial. Para isso, a
catequese deve ser bem formada, dinâmica, valendo-se dos MCS e, de fato
evangelizar. Na Prelazia, sempre houve prática sacramental. A catequese, no
sentido amplo e no particular, tem sido uma preocupação constante e os meios de
comunicação são usados por ela. E a própria história da Prelazia tem se mostrado
frutífera: jovens que foram evangelizados tornam-se evangelizadores, na Igreja e
no mundo, conforme recomenda Paulo VI.
283
Por Casaldáliga, particularmente, os MCS são constantemente usados.
Publica periodicamente cartas, artigos para jornais e informativos e dedica-se a
programas de rádios da Prelazia. Tem feito da comunicação um braço forte no
serviço da evangelização. Não tem, contudo, insistido no anúncio explícito de
Jesus como Salvador, como pensa Paulo VI. Para Casaldáliga, o mais importante
é anunciar a justiça do Reino, a fraternidade, o direito que todos têm à terra, à vida
digna: à saúde, à educação, à assistência judiciária e cidadã. Tudo isso, para
Casaldáliga, é anunciado e buscado a todos, mas, a partir dos pobres e com eles.
A juventude tem, na Prelazia, a atenção especial da qual fala Paulo VI.
Engajados, jovens vêem, no bispo e em agentes de pastoral, testemunho de
autenticidade. Os leigos não atuam no mundo, mas, sendo base de
sustentação de toda estrutura eclesial da Prelazia, por meio de ministérios e
serviços, encontram nela motivação especial para transformar a sociedade à luz
do Evangelho.
Quanto aos desafios que devem ser enfrentados, eles foram apresentados
pelo papa, na Prelazia. Sobre a expansão, é impressionante o número de
comunidades rurais e urbanas atual, considerando suas inúmeras dificuldades
humanas e estruturais. São 186 comunidades, atingindo 200Km, a mais distante.
Todas essas estruturadas em regionais, conduzidas por seus conselheiros.
Quando às barreiras impostas por poderes públicos, dificilmente uma Igreja
enfrenta com tanta determinação, organização e mobilidade as injustiças
implantadas ou impostas por esses poderes, nas suas várias esferas.
Por fim, no que tange aos destinatários, Casaldáliga não tem a
preocupação de Paulo VI, que é anunciar, explicitamente, Jesus como salvador
284
aos descristianizados, não crentes e outros. Sua preocupação maior é
evangelizar, anunciando os valores do Reino, em sua busca constante da
fraternidade universal: do ser humano consigo mesmo, com a natureza e, para os
que têm fé, fraternidade com Deus. Casaldáliga discorda da afirmação do papa de
que, mais do que as outras, a Igreja instaura uma relação com Deus mais
autêntica e mais viva. Para ele, valendo-se do Concílio Vaticano II, todas podem
ter essa autenticidade, esse encontro profundo com Deus.
Os meios de que a Prelazia vale-se para evangelizar são os ordinários da
Igreja, constituídos de pastorais e grupos que evangelizam pela catequese, pela
sacramentalização, nas celebrações diversas. Sua pastoral sócio-política, ainda
atuante, moldada pelas circunstâncias e defensora dos pobres, está em diversos
organismos da sociedade. A Prelazia está, portanto, em conformidade com a
exortação de Paulo VI. não estão totalmente de acordo Casaldáliga, Prelazia
e Paulo VI quanto ao anúncio explícito aos destinatários de que Jesus é o
Salvador de todos e quanto a ser a Igreja a única que tem uma relação mais
autêntica com Deus. Para Casaldáliga todas as igrejas podem ter essa relação, e
o mais importante é anunciar com vigor os valores fundamentais divinos do
Reino.
3.4 Síntese
A missão evangelizadora de Casaldáliga, sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi, concretiza-se no seu modo de crer, viver e articular o trabalho de
evangelização, em sua igreja, a Prelazia de São Félix do Araguaia. Mas também
estende-se sobre seu modo de agir no restante do Brasil e na América Latina.
285
A família e o ambiente que teve Casaldáliga em sua infância
proporcionaram-se uma formação católica consistente, aos moldes do catolicismo
de sua época. Cedo foi para o seminário, demonstrando desde então gosto pela
escrita. Depois de missionar na África, veio para o povoado de São Félix do
Araguaia. Enfrentou os desafios pastorais e sociais, tornou-se bispo.
Conhecendo a realidade, implantou novo jeito de fazer pastoral, sintonizou-
se com a Igreja latino-americana, mantendo as características que os
evangelizadores devem ter, segundo a exortação de Paulo VI (2001, p. 103-4):
simplicidade, espírito de oração, caridade, especialmente para com os pobres,
obediência, humildade, desapego e renúncia. Sua espiritualidade é cristológica e
latino-americana: considera Jesus Cristo histórico, teologicamente, refletido pela
TdL. Busca-se um mundo justo e fraterno, para todos, mas a partir dos pobres.
Paulo VI, em sua exortação, faz referência a um trecho básico para a
espiritualidade latino-americana. Diz que Jesus é o enviado do Pai e sua missão
foi anunciar o Reino, que se traduz por vida em abundância para todos. o
Reino anunciado por ele é absoluto e toda evangelização deve estar em função
dele. O trabalho de Casaldáliga procurou manter-se nessa perspectiva, com jeito
humilde e paixão, a favor dos pobres indígenas e sertanejos, Com respeito às
culturas, promoção das vidas humanas e de toda a terra, sem necessariamente ter
explicitado Jesus como salvador, testemunhou e anunciou o amor universal de
Deus.
A Evangelii Nuntiandi diz ser a evangelização algo complexo e que,
enquanto anúncio, dá-se pela catequese e pelos sacramentos. Seu objetivo é
renovar a humanidade, mudando as pessoas por dentro, respeitando as culturas,
286
valorizando o testemunho, buscando adesão de fiéis e anunciando que Deus é Pai
e todos são irmãos.
Paulo VI faz uma referência aos pobres do Terceiro Mundo. A Igreja deve
ajudá-los a buscar a justiça e a paz, que existirão quando o novo mandamento
for anunciado e o progresso for verdadeiro. Mas a libertação das estruturas
injustas não significa que o Reino chegou, adverte o pontífice. A libertação que
a Igreja deve buscar é a total e religiosa, o Reino; não a ideológica, partidária.
Diferente do que pensa Casaldáliga, para o papa, para que a evangelização
aconteça, é necessário que haja o anúncio explícito de Jesus Cristo e adesão dos
evangelizados à comunidade eclesial.
A espiritualidade do povo da Prelazia segue a mesma linha básica, desde
suas origens, e contempla a espiritualidade de seu pastor. Incentiva a participação
da comunidade, valorizando a memória e o testemunho dos mártires as práticas
ecumênicas. É uma espiritualidade pascal e sintonizada com a Pátria Grande.
Mas essa mesma Igreja de rosto peculiar, a Prelazia de São Félix, é
também fruto da evangelização da própria Igreja. E, como tal, cultiva o sonho da
libertação, celebra, comunitariamente, a fé, fazendo memória-compromisso aos
seus santos latino-americanos.
Paulo VI enfatiza a importância da pregação do Reino, a sua necessidade,
mesmo em um mundo marcado pela supervalorização da imagem. Como Jesus
pregou, é preciso pregar, e com sinais. E o maior deles é que os evangelizados
tornam-se evangelizadores. Foi pela pregação de Jesus e seus discípulos que a
Igreja onstituiu-se, por isso ela faz-se necessária.
287
Além da pregação, o testemunho é a vida do anúncio da Boa Nova de
Jesus, continua Paulo VI. E são, na Prelazia, destacáveis os testemunhos de
muitos que, praticantes de um outro modelo de igreja, chegando àquela região
abraçam o mesmo ideal evangelizador da Prelazia, de seu bispo. São pessoas
evangelizadas que se tornam evangelizadoras. Nas celebrações, valorizam os
símbolos, os testemunhos, o diálogo ecumênico, a vida sofrida do povo.
O bispo Pedro Casaldáliga fez-se missionário e pastor, arriscando a vida
para defender os pobres de sua igreja e da América Latina. É considerado um
profeta por denunciar as injustiças humanas e anunciar a Boa Nova do Reino.
Desde sua infância fez-se poeta e, desde então, colocou esse seu dom a serviço
de seu trabalho de evangelização. E de acordo com a compreensão latino-
americana de santidade, é considerado, por fim, um santo, por viver da oração,
acreditar de forma esperançosa no Reino e por praticar aquilo em que acredita.
Por seus feitos, tem recebido prêmios e condecorações nacionais e internacionais.
As comunidades da Prelazia nunca se organizaram sob a forma de
paróquias. Sustentadas pela forma das CEBs, estruturaram-se em conselhos
pastorais, que são formados por lideranças protagonistas que atuam nas
pastorais, nos grupos, nas equipes, no CIMI, na CPT e no grupo de Direitos
Humanos.
Paulo VI lembra que o conteúdo da evangelização deve supor vias,
valorizando as culturas locais. Bispos, sacerdotes, religiosos, leigos são
convidados a darem testemunho de vida, por amor, na de unidade, adaptando o
processo de evangelização local. Numa unidade eclesial possível, isso fez a
Prelazia. Sobre as vias e os destinatários da evangelização de Casaldáliga, é
288
preciso considerar que, nos últimos anos, houve mudanças importantes na região,
que levaram a Igreja de São Félix a ir adaptando-se. Via pastorais, grupos e
equipes, a Prelazia catequiza, celebra os sacramentos, mesmo com ressalvas
sobre o sacramento da reconciliação. Destacam-se as pastorais do batismo, a
catequese, o dízimo, a juventude e a comunicação e documentação. Os grupos de
oração, expressão de um desejo urbano, vão se impondo, criando oposições de
idéias entre os agentes. a pastoral sócio-política busca combater as injustiças,
sobretudo sociais que recaem sobre os pobres. Articulou, para isso, organizações
como a ANSA, o CIMI, a CPT e os grupos de Direitos Humanos.
É certo que o crescimento das cidades tornou a evangelização mais
complexa, dificultando a continuidade dos trabalhos pastorais, na mesma linha
defendida por Casaldáliga. Mas, levando em conta a realidade dos lavradores em
toda Prelazia, o número de assentamentos e a lavoura tradicional que ainda é
uma das três principais fontes de renda da maioria dos municípios, pode-se
afirmar que os camponeses devem continuar sendo prioridade na sua
evangelização. Ademais, a situação dos povos indígenas e a violação dos direitos
de cidadania indicam que os pobres de ontem continuam vítimas das injustiças de
hoje. Frente a isso, pastoralmente, a Prelazia foi adaptando-se às circunstâncias,
sem deixar sua opção, seu jeito de celebrar e conviver
Paulo VI, sobre as vias e os destinatários da evangelização, diz que
esta deve atingir a vida natural das pessoas, levando-as aos encontro com Deus.
Em seguida conduzi-las aos sacramentos e à prática eclesial. Dentre os atingidos,
os jovens devem ter atenção especial. Mas todos são dignos de atenção e do
anúncio da Boa Nova de Jesus. A catequese, valendo-se dos MCS, deve levar os
289
fiéis à prática de hábitos religiosos. Quanto aos leigos, embora sua ação primária
deve ser no mundo, podem contribuir, via ministérios, com a comunidade eclesial.
Os MCS devem estar a serviço do Evangelho. O respeito às religiões é
aconselhado, mas levando em conta que a Igreja tem uma profunda relação com
Deus que as outras religiões não têm, ressalta Paulo VI.
Na Prelazia, os leigos evangelizados recebem os sacramentos e têm
participação protagonista. A catequese é constante, os jovens têm atenção
carinhosa, tornando-se evangelizadores, crescendo o número dos que pertencem
à Igreja. A comunicação é uma força significativa para o anúncio dos valores
fundamentais do Reino não da Igreja, necessariamente e o anúncio explícito
de Jesus como Salvador é dispensável para Casaldáliga, ao contrário do que
pensa Paulo VI.
A missão evangelizadora de Casaldáliga ganha maior expressão na sua
vinda para o Estado do Mato Grosso, enfrentando ali desafios diversos. Sua
espiritualidade deu ritmo à sua ação evangelizadora que se estendeu ao seu povo.
Com o tempo foi tendo à sua volta uma igreja com rosto próprio: praticante das
pastorais ordinárias, radical no testemunho pessoal e eclesial e na defesa dos
direitos dos pobres. Evangelizando, assim, de comum acordo com a maioria dos
pontos tratados por Paulo VI, em sua exortação apostólica Evangelii Nuntiandi.
290
CONCLUSÃO
Casaldáliga fez-se missionário além-fronteira, morando em terras do Brasil,
no Estado de Mato Grosso. Até esse momento, a região tinha uma história de
lutas e buscas. A presença da Igreja, inicialmente, não significou muito para os
moradores da região. Com Casaldáliga e sua equipe, ela passou a ser
determinante para que os pobres conseguissem o mínimo de dignidade,
celebrando suas lutas, fazendo-se igreja diferente. O tempo passou, as
circunstâncias mudaram, mas a utopia continua, depois de perdas e ganhos, em
um mundo mais complexo.
Antes da presença de Casaldáliga, os povos indígenas já eram por dezenas
de anos vítimas da aproximação de aventureiros, desbravadores e sertanejos. Uns
buscavam riquezas, outros prestígios, outros sobrevivência. Apesar da boa
intenção de alguns poucos desbravadores e missionários, a vida de alguns nativos
não foi poupada. Com as grandes fazendas e companhias latifundiárias surgiram
291
outras vítimas, os posseiros e os peões. Os primeiros entraram logo em confronto
com os latifundiários que se diziam os legítimos donos das terras e construíam
suas próprias leis, para expulsar da região os sertanejos que ali estavam até
dezenas de anos. Os peões, uma espécie de funcionários dos latifundiários, eram
explorados por seus patrões, quando desobedientes, inúteis ou implicassem
gastos supostamente desnecessários. Não raras vezes foram tratados em regime
de escravidão ou soltos, à deriva, no meio das matas, por estarem doentes ou
capturados por tentarem fugir.
É importante perceber uma dificuldade real existente, a das distâncias,
imediatamente sentida por Casaldáliga assim que chegou. Os problemas
acarretados pelas distâncias eram comuns em todo território brasileiro em regiões
menos povoadas, como a de Mato Grosso. As posses de terras, disputas entre
lavradores e latifundiários, processo de grilagem, outros meios falsificação de
documentos agrários, a manutenção de peões em condições desumanas, o uso
destes ou da própria polícia como jagunços ou matadores de aluguel, tudo isso foi
tornando-se comum no Brasil. E trouxe mortes, principalmente, de indígenas,
posseiros, peões, sertanejos, operários. Mas ao mesmo tempo, houve muitas
manifestações organizadas de resistências na política, em igrejas, no movimento
estudantil, na classe operário, no meio agrário. Existiram, já antes da chegada de
Casaldáliga a São Félix do Araguaia, grupos articulados que se indignavam e
lutavam contra toda essa situação, embora localizados nos grandes centros
urbanos. À medida que se adentrava mais ao interior do Brasil, a autoridade, a lei,
a justiça, o poder de mando, de desmando e de morte passavam pelo latifúndio. A
terra era o objeto de lutas e disputas, conflitos e discórdias, porque significava ou
vida ou morte para os pobres e riqueza para o governo e latifundiários. Assim, a
292
partir do latifúndio é que os poderes público, judiciário e até religioso articulavam-
se: o fazendeiro era o deputado ou o prefeito, o juiz era comprado e os padres
celebravam desobrigas nas fazendas, deixando para os políticos as questões de
ordem política. Parecia predominar a idéia de que cada coisa tem o seu lugar e
cada instituição tem a sua responsabilidade própria. O bom andamento do todo
dependia do bom andamento de cada uma dessas instituições.
Diante desse contexto, o espanto e a indignação de Casaldáliga, assim que
chegou, são compreensíveis, se se considerar a grande disparidade entre o
mundo que vivia ou almejava pelos menos e a situação do povo. Obviamente
que Casaldáliga já havia passado por dificuldades na Espanha de fome inclusive
–, tinha sido missionário na África, mas nada que comparasse à situação que
encontrou na pequena cidade de São Félix, Santa Terezinha, Luciara, vilarejos,
posses e aldeias. E essa indignação, somada aos seus valores pessoais de poeta,
escritor e religioso carismático, fez de Casaldáliga uma referência na luta a favor
dos povos da terra. Foi influenciado e influenciou, consideravelmente, essa
mesma luta na América Latina, com sua presença na América Central, sobretudo,
com seus escritos e com seu jeito próprio de conduzir a Prelazia. Soma-se a isso
o grande significado que teve o Concílio Vaticano II para a Igreja mundial,
particularmente, para a da América Latina, que logo buscou aprofundá-lo em suas
conferências episcopais. Daí surge uma nova idéia de igreja, da missão do
batizado no mundo, de celebração, de ministérios, de evangelização. Evangelizar
é não anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo, mas viver conforme o que se crê e
transformar as estruturas injustas do mundo. O ser humano passa a ser
compreendido como um todo, devendo ser ele todo evangelizado. E as estruturas
podem e devem ser mudadas, quando injustas e opressoras.
293
Esses elementos são fundamentais, porque faziam parte do cenário eclesial
no qual inseriu-se Casaldáliga, um missionário sonhador e desejoso de trabalhar e
que encontrou pessoas com igual idealismo. Muitos de seus agentes passaram
por seminários ou casas religiosas, desentenderam-se com seus superiores ou
discordaram de sua linha de trabalho e encontraram, na Prelazia, espaço para
exercer seus ideais libertadores.
Assim, iniciaram-se as Campanhas missionárias: o trabalho pela saúde e
pela educação dos posseiros, dos peões e dos indígenas. Foram iniciativas
dinâmicas que buscaram saídas de forma organizada. O CIMI e a CPT, criados
em caráter nacional, estruturaram ainda mais o trabalho da Prelazia a favor dos
povos da terra, inicialmente, pela sua posse, depois pela posse e condições de
trabalho, no caso dos projetos de assentamentos. O que se chamou grupo de
Direitos Humanos, posteriormente, foi a estruturação de um dos trabalhos que
mais caracteriza a ação evangelizadora da Prelazia no mundo desde suas
origens. O apoio incondicional a timas das mais variadas violências, homens e
mulheres, desde os peões fugidos das grandes fazendas até cortadores de cana
da destilaria Gameleira, de Confresa, todos encontram apoio nos agentes da
Prelazia. Essas situações tornaram-se objeto de denúncias. E também de
celebração e de memória. A romaria dos mártires da caminhada é o grande
momento em que se celebrar a vida dos que deram a vida pela causa do reino.
Suas vidas são força, ânimo, “semente de libertação” para quem continua a
caminhar. E essa romaria é uma extensão da espiritualidade martirial cultiva por
Casaldáliga.
A articulação dos conselhos pastorais, a participação na criação de
conselhos comunitários, partidos políticos, sindicatos e clubes foram também
294
resultado dessa mesma dinâmica. A participação, na administração política,
representou o máximo de atuação em instâncias de poder e representatividade
fora da Prelazia. Foi também um dos pontos que mais causou divisões entre
leigos e fiéis, muitos dos quais até hoje, veementemente, contrários à atuação da
Igreja no campo da política, direta ou indiretamente. Mas, depois dessa atuação
direta na política partidário-administrativa, bispo e agentes preocuparam-se mais
com a estrutura da Prelazia. O crescimento populacional trouxe pessoas de outras
regiões com outras experiências religiosas. Com o passar dos anos, essa
população foi circunstancial e, gradativamente, impondo-se, trazendo para o bispo
e as equipes pastorais um novo desafio para a evangelização: evangelizar nas
cidades um povo mais pluricultural, com tradicionais convicções religiosas e pouco
dado a posturas radicais. Também tinha à sua frente outras opções mais cômodas
de militância.
O fato de Casaldáliga e seus agentes colocarem-se em prática de
suplência, dando apoio para que os leigos organizassem-se e agissem no mundo,
veio como uma posição necessária e estratégica. Necessária porque era
importante, à essa altura, voltar-se para dentro da Prelazia, articulando suas
pastorais, reestruturando-se pessoal e fisicamente; e estratégica porque garantia o
vigor de sua missão evangelizadora, voltada agora para os pobres do campo e
das cidades. Talvez pelo peso de sua história, tradicionalmente marcada por uma
pastoral sertaneja, demonstra ser dependente desses métodos tradicionais. A
resistência à formação de grupos de oração, a difícil proximidade com
comerciantes e pequenos fazendeiros e a difícil adaptação da pastoral aos ritmos
das cidades são bons exemplos. Em resumo, o desafio que se impõe a uma
possível mudança de método, está em como continuar com a mesma opção,
295
defendendo os pobres injustiçados, em uma Prelazia de pessoas e realidades
mais complexas, sem deixar o essencial de sua missão.
Mas conforme exorta a Evangelii Nuntiandi, Casaldáliga foi fazendo-se
missionário-pastor. Saiu de sua terra e nunca mais voltou. Dispôs-se a viver de
modo simples, conforme os mais pobres do lugar, preservando a simplicidade,
espírito de oração, humildade, desapego e renúncia. Para anunciar o Reino,
colocou a própria vida em risco. Para Casaldáliga “evangelizar é viver e anunciar o
Evangelho com jeito humilde e paixão, buscando o Reino na terra, na esperança
do definitivo”. Essa expressão é quase um lema freqüentemente ouvido em seus
discursos, em reuniões de agentes e leigos. Fundamentalmente, evangelizar é
dizer que Deus é Pai, todos são irmãos, e buscar isso de forma fraterna e
respeitosa, respeitando as diferenças. Em sua missão de pastor, ante aos não
cristãos, Casaldáliga testemunhou e anunciou essa proposta. Com essa idéia de
fundo, articulou, de acordo com a realidade local, uma igreja com traços próprios,
pautada na partilha do poder, direcionada para os pobres, como força organizada
contra todos os poderes constituídos ou não, que se apresentassem contrários
aos anseios dos pobres. Embora a pastoral sócio-política tenha destaque em toda
história da Prelazia, na mesma a catequese e os sacramentos não foram
desconsiderado por isso. E a formação dos cristãos católicos visava incluí-los nos
programas das comunidades eclesial e na transformação do mundo.
Casaldáliga não respeitou as culturas, mas contribuiu para que elas
buscassem a sua libertação, com seu próprio jeito de ser e de viver. A sua lida
com os indígenas da Prelazia e da América Latina, seus escritos, seus discursos e
sua insistência no ecumenismo e macro-ecumenismo exemplificam isso.
296
O pastor Casaldáliga vê-se como Igreja, não nega o primado de Pedro, não
nega sua hierarquia, não nega a hierarquia da Prelazia, nem sua condição de
bispo. Fez fortes críticas ao papa de sua época, à sua estrutura e pastoral,
sobretudo, no que tange ao poder e à ação da Igreja, na transformação do mundo.
Mas também não deixou de ser crítico à sua igreja local, no desejo de fazer com
que sua missão evangelizadora fosse cada vez mais expressão daquilo que ele e
a Igreja latino-americana da libertação criam. E faz questão de dizer que sua
espiritualidade é cristã, missionária, ecumênica, martirial, pautada na esperança
pascal, e que a estrutura da Prelazia sustenta-se nesses valores. Sua
organização, suas pastorais, grupos e equipes buscam respeitar princípios da
democracia, da comunitariedade, da subsidiariedade, a partir dos pobres, com os
pobres para todos, sempre numa perspectiva do Reino anunciado por Jesus
Cristo.
Foi como missionário-pastor e bispo de uma igreja de fronteira que
Casaldáliga fez-se também profeta. Contestou, testemunhou, anunciou. Quando
veio para o Brasil, as circunstâncias sociais, políticas, econômicas, históricas e
religiosas favoreciam o surgimento de profetas. Eram situações extremas e
urgentes propícias a posturas extremas. Ademais, se de um lado as ditaduras
fechavam a possibilidade do diálogo em toda América Latina, de outro, a Igreja
abria-se para a missão de seus pastores no mundo e, por conseguinte,
congregações religiosas, à luz também de uma releitura bíblica, buscavam
inserção no mundo injustiçado, a favor dos mais pobres. Com ardor missionário
desse porte e em países como os da América Latina, era impossível não fazer
uma pastoral sócio-política, e fazendo-a, era quase impossível não se dar a
atitudes proféticas. Essas atitudes têm respaldo na Evangelii Nuntiandi de Paulo
297
VI. Para o papa deve-se mudar as estruturas injustas, na busca de um progresso
para todos. Contudo, há uma diferença: enquanto que para Paulo VI deve-se
mudar idéias de valores das pessoas, e a partir daí as estruturas, Casaldáliga
buscou, além disso, mudar as estruturas, com a participação de seus agentes de
pastoral, na administração pública, por exemplo.
Os enfrentamentos de Casaldáliga com latifundiários, autoridades políticas
e militares foram proféticos porque denunciavam e contestavam uma realidade
injusta, propondo um novo projeto de vida para todos, o projeto de Jesus Cristo.
Contestou também a estrutura da própria Igreja, o que lhe custou algumas
advertências. E foi desobediente, no tocante à Evangelii Nuntiandi, em relação a
alguns pontos. Nem em toda missão evangelizadora anunciou explicitamente
Jesus Cristo como Salvador, e que todos devessem, necessariamente, aderir-se à
comunidade eclesial. Para Casaldáliga, aos não católicos, basta que se anuncie o
amor universal de Deus e que se busque justiça para todos. Também não teve
uma preocupação específica com os descristianizados, não crentes e ateus, muito
menos concorda com o papa que diz que, mais que as outras, a Igreja tem uma
relação mais autêntica e mais viva com Deus. Concordar com essas idéias seria
uma contradição para Casaldáliga, com seu anúncio profético, com seu
testemunho de vida.
A subversividade é uma forte característica do profetismo de Casaldáliga,
sobretudo, nos período da ditadura militar no Brasil. Em uma região violenta, tem
dito ser contra a violência, mas também não tem dito que as vítimas da violência
devam ficar quietas, em todas as circunstâncias. Sua opção no modo de vestir-se,
de morar, de celebrar, sua espiritualidade martirial, latino-americana, expressam
um jeito próprio de testemunho pessoal, porém inútil para muitos. O modelo de
298
igreja que construiu, a pastoral que articulou, os discursos que pronuncia e o
mundo que busca são questionados e ignorados por parte da hierarquia católica e
por muitos cristãos.
Mas, como os extremismos agrários da Prelazia diminuíram muitos dos
posseiros de ontem, hoje são médios fazendeiros –, a população cresceu,
aumentaram outras instâncias reivindicatórias e a TdL diminuiu o seu espaço, na
mídia e nas discussões teológicas. O profetismo de Casaldáliga também não tem
o mesmo vigor de outrora. Mas nem por isso diminuíram seus ideais libertadores,
suas convicções religiosas e políticas, sua esperança de Reino.
O poeta Casaldáliga é perene. Incessante é seu olhar sobre a realidade,
cuja interpretação tem como elementos norteadores o questionamento de
situações injustas ou indesejadas e a projeção de uma outra. Sua poesia está em
função de sua fé, de sua missão, do Evangelho que acredita e anuncia, da
teologia latino-americana da libertação. Por isso, às vezes, apresenta-se contrária
a preceitos da hierarquia da Igreja e à convicção de muitos.
Esse jeito de ser, de acreditar e de viver um missionário cristão que
abraçou uma missão de fronteira, em meio a conflitos, arriscando a própria vida,
que denunciou, anunciou e buscou viver a coerência de seu discurso –, pode ser
considerado santo. Não pela sua obediência à hierarquia romana, não pela sua
paciência e humildade diante dos seus opositores. Mas segundo o conceito de
santidade da Igreja latino-americana: por ser fiel ao Deus de Jesus Cristo
libertador, defendendo os pobres, dando testemunho de simplicidade, de pobreza
e compromisso pessoal e eclesial a favor dos injustiçados. Por ser homem de
oração, de espiritualidade motivada pela esperança do Reino.
299
O objetivo-sustentáculo de toda missão evangelizadora de Casaldáliga, na
Prelazia, no Brasil e na América Latina foi a utopia do Reino, o desejo de
colaborar na construção de um mundo mais humano e fraterno, um mundo de vida
em abundância para todos, a partir e com os pobres. Suas posturas e atitudes
foram por muitos questionadas, se de fato eram ou não evangelização. Era de se
questionar a real necessidade do enfrentamento direto e firme das injustiças na
Prelazia e na América Latina, sobretudo agrárias, mesmo com o suporte do
Concílio Vaticano II e das conferências episcopais latino-americanas. Seus ideais
moldaram a linha da evangelização da Prelazia, inicialmente mais conflitante e
divulgada. Ultimamente, com a complexidade das cidades que crescem e das
injustiças que se tornaram mais melindrosas, a evangelização da Igreja deve ser
mais cuidadosa em meio a tantas outras opções. Mas sob a ótica da Evangelii
Nuntiandi, que é uma proposta de evangelização para a própria Igreja, a missão
evangelizadora de Casaldáliga faz-se consistente, porque preserva os elementos
essenciais de sua proposta. Fez-se missionário. Cumpriu o seu papel de bispo.
Não se curvou às injustiças. Colocou valores pessoais em função do Reino e
permanece orante, contemplativo e pastor da Igreja.
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RELATÓRIO DO CONSELHO GERAL. São Félix do Araguaia: 1995, p. 4.
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313
APÊNDICE 1: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
1. Nome (do regional): Santa Terezinha
2. Ano de criação: existe desde a criação da prelazia.
3. Municípios que compõem: só o de Santa Terezinha
4. Número de comunidades rurais: 12 (doze)
a) a mais próxima da casa da equipe está a 30 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 100 quilômetros.
5. Número de comunidades na cidade: 1 (uma)
6. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( 1 ) padre\s ( ) religiosa\s ( 1 ) leigos\as
7. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese, 1
a
eucaristia
( x ) Dízimo ( x ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( ) Gr. de oração ( ) Gr. de oração
( x ) Jovens ( x ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( x ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia, pelos enfrentantes,
animadores, dirigentes
( ) Gr. de mulheres, Grupo de
Comadres
( x ) Gr. de mulheres: está começando o
Grupo de Comadres
( ) Gr. de vizinhos, Grupo de Rua ( ) Gr. de vizinhos
Outros: Equipe Indigenista e Grupo
de Direitos Humanos
Outros: Grupo de Direitos Humanos
e CPT
314
8. Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que há
atuação de agentes:
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( ) Sindicato ( ) Sindicato
( ) MOPS, informalmente ( ) MOPS, já teve
( x ) Conselhos (especificar: tutelar,
municipal, carcerário...?): presença nos
municipais da saúde e educação, por
meio de leigos, também no tutelar e no
da ação social
( x ) Conselhos (especificar: tutelar,
municipal, carcerário...?): os da cidade
abrangem também as comunidade rurais
( x ) Associação (especificar): Ansa,
Amava e Associação de Produtores
Rurais
( x ) Associação (especificar):
Associação de Produtores Rurais
( x ) Escolas (leciona...?), trabalho
conjunto
( ) Escolas (leciona...?)
( ) Prefeitura (que função exerce): ( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Outros: Projeto Fontilles (Hanseníase)
9. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( x ) Gado
( x ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( ) Soja, começando
( ) Cana
( ) Outros:
10. Assentamentos no regional (só quantidade): 02 (dois)
11. Posses no regional (só quantidade): dezenas
12. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Assembléia de Deus
315
( ) Ig. Presbiteriana
( x ) Ig. Batista
( ) Outras:
13. Nome de quem respondeu este questionário: Leuter Inez de Carvalho Tempo
no Regional: 18 anos fone: (xx66) 558 1125
Observações:
Leuter é agente pastoral do Regional Santa Terezinha. Fez os seguintes
comentários a respeito desse regional.
“Santa Terezinha é a casa-mãe da Prelazia, chamada pelo povo desde o início de
‘Casa da Missão’. Diziam também ‘o povo da missão’ quando se referiam aos
agentes. Foi onde morou o Pe. Francisco Jentel, Pontim, Tadeu, Canuto, Ir. Irena.
Esta, inicialmente, fez um trabalho intenso e frutífero na área da saúde. Muita
coisa hoje é seguida pelo Grupo de Comadre. O nosso Regional se difere um
pouco dos outros: é formado por moradores fixos, com anos e anos morando aqui.
Nossas comunidades são geralmente pequenas e formadas por lideranças
antigas. Sobre Pastoral do Batismo, batizamos quem tem participação na
comunidade. A Pastoral do Dízimo que temos não está estruturada como
comumente se vê, mas funciona com contribuição mensal, como em outros
lugares. Enfrentantes, dirigentes e animadores de comunidade para nós são a
mesma coisa: são lideranças das comunidades que articulam o trabalho pastoral e
estão na luta do dia a dia lutando pelo que a Prelazia sempre lutou: pelos Direitos
Humanos, pela justiça social etc. Em comunidades mais antigas, como a São
José, usa-se o termo enfrentante; na da Reunidas, mais nova, usa-se animador. O
Grupo de Comadre na comunidade rural está começando a se formar. A
Associação ‘Amava’ foi criada para conseguir sobretudo uma rádio comunitária
para o município. Com as escolas, hoje temos um trabalho conjunto em
comemorações importantes. Mas é de se ressaltar a histórica colaboração que a
Prelazia deu à educação em toda sua região e aqui. Quando delegada de
educação na região, eu mesma pude implantar o então segundo grau (hoje ensino
médio) aqui, em Santa Terezinha. Então existe uma história de colaboração e
trabalho conjunto entre a nossa Igreja e a educação no município. A Casa do
316
Morro, assim chamada, está à disposição da comunidade. Quando usada para
iniciativas populares, como encontros de professores articulados pelos próprios
professores locais, ou pelo CIMI local, por exemplo, não se cobra nada; quando
usados pelos mesmos, mas como parte de projetos maiores, sim, cobra-se
alguma coisa. O cultivo da soja na região está começando, e não teve ainda
aquele grande impacto econômico como tem em algumas regiões. Sobre Igrejas,
temos uma aproximação respeitosa com a Batista. E com a Católica somos em 13
igrejas. Sindicatos: com a criação das associações, estas abraçaram muito dos
tradicionais trabalhos dos sindicatos. Nosso endereço: Casa da Missão, caixa
postal 05, 78 650-000 Santa Terezinha-MT.
Santa Terezinha, 17 de maio de 2005
317
APÊNDICE 2: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
01. Nome (do regional): São José do Xingu
02. Ano de criação: 2002
03. Municípios que compõem: São José do Xingu e Santa Cruz do Xingu
04. Número de comunidades rurais: 04 (quatro)
a) a mais próxima da casa da equipe está a 70 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 148 quilômetros.
05. Número de comunidades na cidade: 1 (uma) em São José do Xingu e 1 (uma
em Santa Cruz do Xingu
06. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( ) padre\s ( 03 ) religiosa\s ( ) leigos\as
07. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( x ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese
( x ) Dízimo ( x ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( ) Gr. de oração ( ) Gr. de oração
( x ) Jovens ( ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia
( ) Gr. de mulheres ( ) Gr. de mulheres
( ) Gr. de vizinhos ( ) Gr. de vizinhos
Outros: Grupo de Direitos Humanos Outros: Grupo de Direitos Humanos
Outros: CPT Outros: CPT
08. Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que
atuação de agentes:
318
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( ) Sindicato ( ) Sindicato
( ) MOPS, informalmente ( ) MOPS
( x ) Conselhos (especificar:) municipal
de saúde – acompanha outros
( ) Conselhos (especificar: tutelar,
municipal, carcerário...?):
( x ) Associação (especificar):
Associação de Mulheres Produtoras
Rurais
( x ) Associação (especificar):
Associação de Mulheres Produtores
Rurais
( x ) Escolas (leciona...?), visitas
periódicas, com participação de escola
local em momentos especiais (corpus
Christis, por exemplo)
( ) Escolas (leciona...?)
( ) Prefeitura (que função exerce): ( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Grupo de Direitos Humanos
CPT
Outros: Grupo de Direitos Humanos e
CPT (contra trabalho escravo)
09. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( x ) Gado
( x ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( x ) Soja
( ) Cana
( ) Outros:
10. Assentamentos no regional (só quantidade): 02 (dois)
11. Posses no regional (só quantidade):
12. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( x ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( x ) Ig. Assembléia de Deus, madureira
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( ) Outras:
319
13. Nome de quem respondeu este questionário: Ir. Maria Creusa Bernardes
Tempo no Regional: 1 ano e 04 meses fone: (xx66) 568 1229. Informações:
Bernadete: 568 1287.
Observações:
Ir. Maria Creusa Bernardes, que está um ano e quatro meses em São José do
Xingu, informou o que se segue.
“Aqui não temos sacerdote residente. Quem nos atende são os padres do
Regional de Confresa. Batismo nas comunidades rurais: os encontros de
preparação e o batismo propriamente são ministrados pelos agentes uma vez ao
ano. Quanto à liturgia, também nas comunidades rurais, os agentes quando
vão, com os dirigentes locais preparam as celebrações. A Associação de Mulheres
Produtoras Rurais é formada por mulheres que moram na cidade onde articulam
a associação –, mas trabalham na roça. Os conselhos municipais atuam em todo
município, na cidade e nas comunidades rurais. A CPT tem enfrentado problemas
no regional de trabalho escravo, e trabalhado em favor dos trabalhadores. Os dois
assentamentos, Santa Clara e Brasil Paiva, têm 240 famílias”.
São José do Xingu, 17 de maio de 2005
320
APÊNDICE 3: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
01. Nome (do regional): Vila Rica
02. Ano de criação: 1986
03. Municípios que compõem: só o de Vila Rica
04. Número de comunidades rurais: 34
a) a mais próxima da casa da equipe está a 06 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 100 quilômetros.
05. Número de comunidades na cidade: 2 (duas)
06. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( 1 ) padre\s ( 03 ) religiosa\s ( 1 ) leigos\as (seminarista)
07. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese
( x ) Dízimo ( ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( x ) Gr. de oração ( ) Gr. de oração
( ) Jovens ( ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia
( x ) Gr. de mulheres ( ) Gr. de mulheres
( x ) Gr. de vizinhos ( x ) Gr. de vizinhos
08, Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que
atuação de agentes:
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Sindicato ( x ) Sindicato
( ) MOPS ( ) MOPS
321
( x ) Conselhos (especificar:) municipal
de saúde, da ação social, do
desenvolvimento rural sustentável, do
meio ambiente, carcerário e tutelar,
( ) Conselhos (especificar):
( x ) Associação (especificar):
Associação Alvorada
( x ) Associação (especificar):
Associação de Pequenos Produtores
Rurais e Associação de Mulheres
( ) Escolas (leciona...?) ( ) Escolas (leciona...?)
( ) Prefeitura (que função exerce): ( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Outros:
09. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( x ) Gado
( x ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( ) Soja
( ) Cana
( ) Outros:
10. Assentamentos no regional (só quantidade): 08 (oito)
11. Posses no regional (só quantidade):
12. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( x ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Assembléia de Deus
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( ) Outras:
13. Nome de quem respondeu este questionário: Maria Odete Braz fone: (xx66)
554 2285
Observações:
Ir. Maria Odete Braz fez algumas observações, as seguintes:
322
“Na cidade de Vila Rica temos 11 (onze) setores que compõem as duas
comunidades, São Pedro e Nossa Senhora Aparecida. O leigo mencionado é um
seminarista que faz parte da atual equipe pastoral”.
Vila Rica, 18 de maio de 2005
323
APÊNDICE 4: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
01. Nome (do regional): Confresa
02. Ano de criação: 20\12\1991
03. Municípios que compõem: Confresa
04. Número de comunidades rurais: 35
a) a mais próxima da casa da equipe está a 30 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 110 quilômetros.
05. Número de comunidades na cidade: 03
06. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( 02 ) padre\s ( 04 - sendo 01 religioso) religiosa\s ( )
leigos\as
07. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( x ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese
( x ) Dízimo ( x ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( x ) Gr. de oração ( x ) Gr. de oração
( x ) Jovens ( x ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( x ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia
( x ) Gr. de mulheres ( x ) Gr. de mulheres
( ) Gr. de vizinhos ( ) Gr. de vizinhos
Outros: Outros:
Outros: Outros:
Outros: Outros:
324
08. Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que
atuação de agentes:
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Sindicato ( x ) Sindicato
( x ) MOPS ( ) MOPS
( x ) Conselhos (especificar:) (x) Conselhos (especificar: tutelar):
( ) Associação (especificar): ( ) Associação (especificar):
( ) Escolas (leciona...?) ( ) Escolas (leciona...?)
( ) Prefeitura (que função exerce): ( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Outros:
09. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( x ) Gado
( x ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( x ) Soja
( x ) Cana
( ) Outros:
10. Assentamentos no regional (só quantidade): não respondido
11. Posses no regional (só quantidade): não respondido
12. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Assembléia de Deus
( ) Ig. Presbiteriana
( x ) Ig. Batista
( ) Outras:
13. Nome de quem respondeu este questionário: Ir. Maria Jesuíta fone: (xx66) 564
1679
Observações:
325
Jesuíta enviou-nos também um relatório do Regional, contido neste anexos, com
informações importantes para este trabalho.
326
APÊNDICE 5: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
01. Nome (do regional): Porto Alegre do Norte
02. Ano de criação: 1991
03. Municípios que compõem: Porto Alegre do Norte e Canabrava do Norte
04. Número de comunidades rurais: 25
a) a mais próxima da casa da equipe está a 30 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 80 quilômetros.
05. Número de comunidades na cidade: 06
06. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( 01 ) padre\s ( 01 ) Diácono ( 02 ) religiosa\s ( 03 )
leigos\as
07. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( x ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese
( x ) Dízimo ( x ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( x ) Gr. de oração ( x ) Gr. de oração
( x ) Jovens ( x ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia
( ) Gr. de mulheres ( ) Gr. de mulheres
( x ) Gr. de vizinhos ( x ) Gr. de vizinhos
Outros: Grupo de Idosos Outros:
08. Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que
atuação de agentes:
327
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( ) Sindicato ( ) Sindicato
( x ) MOPS ( x ) MOPS
( x) Conselhos (especificar:) Conselho
Municipal de Saúde, CMDHC (Direitos
Humanos) e Conselho Carcerário
( ) Conselhos (especificar):
( x) Associação (especificar): Núcleo de
Direitos Humanos e Balcão de Direitos
( ) Associação (especificar):
( x ) Escolas (leciona...?): Eliseo é
professor em Canabrava do Norte
( ) Escolas (leciona...?)
( x ) Prefeitura (que função exerce):
Eliseo, vereador, em Canabrava do
Norte
( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Outros:
07. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( x ) Gado
( x ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( x ) Soja
( ) Cana
( ) Outros:
08. Assentamentos no regional (só quantidade): 09
09. Posses no regional (só quantidade): (cf. observação abaixo)
10. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( x ) Ig. Assembléia de Deus
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( ) Outras:
13. Nome de quem respondeu este questionário: Angela fone: (xx66) 561 1104
328
Observações: sobre o ponto 09, Angela fez a seguinte observação.
“É difícil quantificar hoje as posses (ou PAs). O PA de Canabrava do Norte, por
exemplo, foi o segundo maior do Brasil, com 1.350 posses. E o menor tem 68
posses.
329
APÊNDICE 6: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
01. Nome (do regional): Querência
02. Ano de criação: 2003
03. Municípios que compõem: Querência
04. Número de comunidades rurais: 08
a) a mais próxima da casa da equipe está a 30 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 150 quilômetros.
05. Número de comunidades na cidade: 03
06. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( ) padre\s ( 03 ) religiosa\s ( ) leigos\as
07. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( x ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese
( x ) Dízimo ( x ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( x ) Gr. de oração ( ) Gr. de oração
( x ) Jovens ( ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( x ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia
( ) Gr. de mulheres ( x ) Gr. de mulheres
( ) Gr. de vizinhos ( ) Gr. de vizinhos
Outros: Grupo de Família, Equipe de
Ministros e Catequese de Adultos
Outros:
08. Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que
atuação de agentes:
330
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( ) Sindicato ( ) Sindicato
( ) MOPS ( ) MOPS
( x ) Conselhos (especificar:) não
respondido
( ) Conselhos (especificar):
( ) Associação (especificar): ( ) Associação (especificar):
( ) Escolas (leciona...?) ( x ) Escolas (leciona...?)
( ) Prefeitura (que função exerce): ( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Grupo de Mulheres no PA
União
Outros:
07. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( ) Gado
( ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( x ) Soja
( ) Cana
( ) Outros: comércio
08. Assentamentos no regional (só quantidade): 04
09. Posses no regional (só quantidade):
10. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( x ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Assembléia de Deus
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( x ) Outras:
13. Nome de quem respondeu este questionário: Maria José de Sousa Cruz e
Elismar Vieira de Sousa fone: (xx66) 529 2099
Observações: O sacerdote que assiste ao município de Querência é o mesmo
que mora e atende o de Ribeirão Cascalheira. 03 irmãs moram em um PA e na
casa da equipe.
331
APÊNDICE 7: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
01. Nome (do regional): Ribeirão Cascalheira
02. Ano de criação: não respondido
03. Municípios que compõem: Ribeirão Cascalheira, Bom Jesus do Araguaia e
Serra Nova Dourada
04. Número de comunidades rurais: 20
a) a mais próxima da casa da equipe está a 25 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 180 quilômetros.
05. Número de comunidades na cidade: 06
06. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( 01 ) padre\s ( 05 ) religiosa\s ( ) leigos\as
07. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( x ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese
( x ) Dízimo ( x ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( x ) Gr. de oração ( ) Gr. de oração
( x ) Jovens ( ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( x ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia
( ) Gr. de mulheres ( ) Gr. de mulheres
( ) Gr. de vizinhos ( ) Gr. de vizinhos
Outros: Grupo de Família e Catequese
de adultos
Outros: Grupo de Novenas
08. Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que
atuação de agentes:
332
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( ) Sindicato ( ) Sindicato
( ) MOPS ( ) MOPS
( x ) Conselhos (especificar): Conselho
Tutelar da Criança e do Adolescente,
de segurança, de educação, de saúde,
do bem estar social, do turismo, do
desenvolvimento agrário e da cultura
( ) Conselhos (especificar):
( ) Associação (especificar): ( ) Associação (especificar):
( ) Escolas (leciona...?) ( ) Escolas (leciona...?)
( ) Prefeitura (que função exerce): ( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Outros:
09. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( x ) Gado
( ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( ) Soja
( ) Cana
( x ) Outros: comércio
10. Assentamentos no regional (só quantidade): 09
11. Posses no regional (só quantidade): 02 PA
12. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Assembléia de Deus
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( ) Outras:
13. Nome de quem respondeu este questionário: Samuel de Souza fone: (xx66)
489 1279
Observações: Em Ribeirão Cascalheira moram 03 irmãs e 02 em Bom Jesus.
333
APÊNDICE 8: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
RERIONAIS, AGENTES E PASTORAIS:
01. Nome (do regional): São Félix do Araguaia
Ano de criação: 1991, mas desde a chegada de Casaldáliga e Zulón é a sede da
Prelazia
02. Municípios que compõem: São Félix do Araguaia, Alto Boa Vista, Luciara,
Novo Santo Antônio
03. Número de comunidades rurais: 16
a) a mais próxima da casa da equipe está a 30 quilômetros.
b) a mais distante da casa da equipe está a 200 quilômetros.
04. Número de comunidades na cidade: 09
05. Agentes que trabalham em todo regional (se há agentes morando noutra
comunidade do mesmo regional, favor citá-los também [a quantidade, entre os
parênteses]):
( 01 ) padre\s ( 03 ) religiosa\s ( 04 ) leigos\as ( 01 )
diácono
07. Pastorais, grupos, movimentos, equipes... que existem no regional (fazer um X
marcando os que existem atualmente:)
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( x ) Batismo ( ) Batismo
( x ) Catequese ( x ) Catequese
( x ) Dízimo ( ) Dízimo
( ) Vicentinos ( ) Vicentinos
( ) Gr. de oração ( ) Gr. de oração
( x ) Jovens ( x ) Jovens
( x ) Pastoral da Criança ( x ) Pastoral da Criança
( x ) Liturgia ( x ) Liturgia
( x ) Gr. de mulheres ( ) Gr. de mulheres
( ) Gr. de vizinhos ( ) Gr. de vizinhos
Outros: Pastoral da saúde, pastoral
carcerária e Grupo de estudo bíblico
Outros:
334
08. Organizações e instituição externas (conselhos, movimentos...) em que
atuação de agentes:
Na cidade: No interior (comunidade rural):
( ) Sindicato ( ) Sindicato
( ) MOPS ( ) MOPS
( x ) Conselhos (especificar): saúde,
assistência social e do meio ambiente
( ) Conselhos (especificar: tutelar,
municipal, carcerário...?):
( x ) Associação (especificar): Ansa
e educação e assistência social
( ) Associação (especificar):
( x ) Escolas (leciona...?) ( x ) Escolas (leciona...?)
( ) Prefeitura (que função exerce): ( ) Prefeitura (que função exerce):
Outros: Outros:
06. Base da economia (assinar a principal ou as principais):
( x ) Gado
( x ) Lavoura tradicional (cultivo de arroz, feijão, milho)
( ) Algodão
( ) Soja
( ) Cana
( ) Outros:
07. Assentamentos no regional (só quantidade): 04
08. Posses no regional (só quantidade): mais de 1000
09. Igrejas com as quais tem prática ecumênica:
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Assembléia de Deus
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( ) Outras:
13. Nome de quem respondeu este questionário: Paulo Rogério Lopes fone:
(xx66) 522 1112
Observações:
335
APÊNDICE 9: INFORMAÇÕES ATUAIS SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
CIMI:
1. Nome do entrevistado\a: Augusta Eulália Ferreira Fone: (66) 558 1206
2. Aldeias atendidas por agentes em toda Prelazia:
Nome: Japi’itâwa Município: Confresa Agentes (quantidade): 06
Nome: Xapi’ikeatãwa Município: “ Agentes (quantidade):
Nome: Wiriaotãwa Município: “ Agentes (quantidade): “
Nome: Akará’Ytãwa Município: “ Agentes (quantidade): “
Nome: Majtyritãwa Município: Santa Terezinha Agentes (quantidade): 04
Nome: Hawalorá Município: “ Agentes (quantidade): “
Nome: Itxalá Município: “ Agentes (quantidade): “
Nome: Macaúba Município: “ Agentes (quantidade): “02
3. Quantos agentes atuam na Prelazia (enumerar entre parênteses):
( ) padre\s ( 04 ) religiosa\s ( 06 ) leigos/as
4. Igrejas com as quais faz algum trabalho ecumênico nas aldeias:
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( ) Outras:
5. Campo de atuação junto às aldeias indígenas:
( x ) Educação (especificar): sala de aula e assessoria pedagógica
( ) Saúde (especificar):
( x ) Direitos Humanos (especificar): denúncias, orientações legais
( x ) Direito à terra (especificar):
( ) Outros:
6. Principais desafios pastorais:
a) Infra-estrutura (transporte para ir às aldeias);
b) parcerias;
c) compreensão de outras pessoas.
336
APÊNDICE 10: INFORMAÇÕES SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO
ARAGUAIA
CPT:
1. Nome do entrevistado\a: Abílio Vinícios Barbosa Pereira Fone: (66) 569 1148
2. Agentes liberados para a CPT:
( ) padre\s ( 01 ) religiosa\s ( 04 ) leigos\as
4. Como está estruturada da CPT na Prelazia:
Existe um escritório central em Porto Alegre do Norte, onde trabalham os agentes.
Também contamos com o apoio das Irmãs Capuchinhas em Querência, que tem
este trabalho como frente primordial de sua atuação. Fazemos parte do Regional
Araguaia-Tocantins.
5. Com quais organismos a CPT tem trabalhado na Prelazia:
( x ) Sindicato de Trabalhadores rurais
( ) Sindicato Rural
( ) Outros sindicatos (especificar):
( ) Motraba
( x ) Outros (especificar):
a) Grupo de Mulheres (em Canabrava do Norte e em São Félix do Araguaia
[Com. Dom Pedro]);
b) Grupo de Famílias do Casadão: em Canabrava do Norte, São Félix do
Araguaia (Com. Dom Pedro), Santo Antônio, São José do Xingu (Fontoura),
Querência (Grupo de Água e Ecologia – campo experimental);
c) Turmas da Escola de Formação Araguaia Xingu: em Querência, Canabrava do
Norte e São Félix do Araguaia (Com. Dom Pedro) e em Porto Alegre do Norte.
6. Igrejas com as quais a CPT tem feito algum trabalho conjuntamente:
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
( ) Outras:
7. Principais conquistas e desafios da CPT na Prelazia:
337
a) Poucas pessoas para trabalhar em uma extensão tão grande;
b) O rolo-compressor do agro-negócio, a devastação ambiental, o trabalho
escravo, a falta de infra-estrutura nos projetos de assentamento, a falta de
perspectivas para a juventude rural e em geral para as famílias que vivem
no campo sem apoio governamental (assistência técnica apropriada,
créditos, infra-estrutura etc....).
Observações:
“O Sindicato dos Trabalhadores Rurais era, antes, nosso parceira estratégico.
Hoje temos uma relação apenas pontual. O MOTRABA encerrou suas atividades”.
338
APÊNDICE 11: INFORMAÇÕES SOBRE A PRELAZIA DE SÃO FÉLIX DO
ARAGUAIA
DIREITOS HUMANOS
1. Nome da entrevistada: Maria José Souza Moraes Data: 30 de maio de 2005 ,
fone: (66) 522 1922
2. Função: advogada, acompanha casos concretos de violação dos direitos
humanos em toda Prelazia. Trabalho também com o Centro de Direitos Humanos
Sophia Araújo, mas não sou integrada a ele.
3. Em que consiste e como está se estruturando e o trabalho a favor dos direitos
humanos nos Regionais, na Prelazia? O nosso trabalho se a partir de fatos
concretos apresentados pela equipe pastoral local. Detectado o caso, formamos
grupos com pessoas da comunidade local, de outras igrejas, associações,
sindicatos, pessoas do povo... e articulamos trabalhos a favor das vítimas, como
no caso de trabalho escravo, por exemplo. Ultimamente temos trabalhado também
no “Balcão de direitos”, um dos projetos da ANSA. Em outro projeto de resgate da
cidadania atinge três áreas: ajuda a pessoas carente na aquisição de documentos
básicos, formação jurídica aos conselheiros municipais (saúde, educação...) e
preparar pessoas para acompanharem pessoas vítimas de violações de seus
direitos.
4. O que é o Centro de Direitos Humanos Sophia Araújo? Fundado pelo Pe.
Jesus de Pina, no final da década de oitenta, em Porto Alegre do Norte, para
atender para atender casos de violação dos direitos humanos. Inicialmente atendia
também casos de Canabrava do Norte. Hoje, além dessas cidades, está articulado
em núcleos nos regionais de Confresa, Vila Rica e Santa Terezinha.
5. Igrejas com as quais se faz algum trabalho ecumênico:
( x ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana no Brasil
( ) Eg. Evangélica de Tradição Luterana do Brasil
( ) Ig. Anglicana
( x ) Ig. Assembléia de Deus
( ) Ig. Presbiteriana
( ) Ig. Batista
339
*Observação: em Vila Rica, Querência e Ribeirão Cascalheira temos feito um bom
trabalho com a Igreja Evangélica de Tradição Luterana no Brasil e Assembléia de
Deus.
7. Outras organizações com as quais o GDH faz algum trabalho conjunto:
( x ) Sindicato de Trabalhadores rurais
( ) Sindicato Rural
( ) Outros sindicatos (especificar):
( x ) Comarcas
( ) Associações
* Observação: Tanto as igrejas quanto os grupos organizados podem participar de
grupos específicos de direitos humanos, de acordo com cada caso concreto
acompanhado.
6. Principais desafios e conquistas do GDH: o desafio maior é criar uma rede de
direitos humanos na Prelazia, por regionais. De fato é um desafio, considerando a
inconstância das pessoas, não porque se locomovem de um lugar para outro,
mas pela dificuldade de continuação do trabalho. As conquistas maiores foram as
defensorias públicas que conseguimos, após muito trabalho. Das quatro que
reivindicamos, para São Félix do Araguaia, Canarana, Vila Rica e Santa
Terezinha, conseguimos para as três primeiras. Agora reivindicamos para as três
mais novas comarcas de Querência, Ribeirão Cascalheira e Porto Alegre do
Norte.
7. O que representa Casaldáliga para a luta a favor dos DH na Prelazia? Fazendo
uma retrospectiva ou memória de toda luta em prol dos direitos humanos na
Prelazia, sem considerar a dimensão afetivo e consideração que pessoalmente
tenho pelo por essa igreja e por seu bispo, o Pedro é a razão de ser dessa luta.
Foi ele o primeiro e o incentivador de todo esse trabalho. Isso até quem discorda a
linha de trabalho pastoral da Prelazia concorda que ele foi e é importante na
região. Para ele direitos humanos são os direitos mais divinos. Ele é um mbolo
da luta pelos direitos humanos não na Prelazia, mas no Brasil e fora daqui
aliás, é mais do que um símbolo, porque um mbolo é algo parado, e o Pedro
continua atuante nessa luta. Ao se falar em trabalho escravo no Brasil, por
exemplo, é preciso citar a Prelazia como a primeira instituição a denunciar a
existência de trabalho escravo no Estado do Mato Grosso. E não trabalho
340
escravo, como bem sabe. Exemplificando, com a criação da ANSA, que está
completando trinta anos, a Prelazia, em seu início, trabalhou muito a questão da
saúde na região. Por isso até hoje, em Santa Terezinha, a ANSA é chamada de
Únicas, porque esse era o nome de um de seus projetos que foi implantado
para atender a comunidade. Portanto, é impossível falar de luta pelos direitos
humanos no Brasil sem falar de Pedro Casaldáliga.
341
APÊNDICE 12: RESULTADO DA PESQUISA
Regional*
Ano de
criação
Municípios
que o
compõem
Número
de com.
rurais
Com.
mais
próxima
e mais
distante
Número
de com.
urbanas
Agentes
do
regional
SFA
1986 SFA, ABV,
LUC,
N.S.A.
16 30Km
200Km
09
01-padre
02-diáconos
03-religiosas
04-leigos
STZ
1986 STZ 12 30Km
100Km
01
01-padre
01-leiga
RC
1986 RC, BJA,
SND
20 25Km
180Km
06
01-padre
05-religiosas
VR
1986 VR 34 06Km
100Km
02
01-padre
03-religiosas
01-
seminarista
CON
1991 CON 35 30Km
110Km
03
02-padres
04-religiosas
01-leigo-
consagrado
PAN
1991 PAN, CBN 25 30Km
80Km
06
01-padre
01-diácono
02-religiosas
03-leigos
QUE
2003 QUE 08 30Km
150Km
03
03-religiosas
SJX
2002 SJX, SCX 04 70Km
148Km
02
03-religiosas
TOTAL:
154 32
07-padres
03-diáconos
23-religiosas
01-leigo
consagrado
-leigos
08-leigos
01-
seminarista
43 agentes
*SIGLAS:
SFA: São Félix do Araguaia
STZ: Santa Terezinha
RC: Ribeirão Cascalheira
VR: Vila Rica
CON: Confresa
PAN: Porto Alegre do Norte
QUE: Querência
SJX: São José do Xingu
342
APÊNDICE 13: RESULTADO DA PESQUISA
Regional
Pastoral, movimento,
grupo, na cidade
Pastoral,
movimento,
grupo, no
interior
Organizações
com as quais a
equipe pastoral
trabalha, na
cidade
Organizações
com as quais a
equipe pastoral
trabalha, no
interior
SFA
Batismo, catequese,
dízimo, jovens, pastoral da
criança, liturgia, gr. de
mulheres, past. da saúde,
past. carcerária, gr. estudo
bíblico
Escola
Conselhos: mun.
de saúde,
assistência social,
meio ambiente.
Associação: Ansa,
educação,
assistência social.
Escola
Escola
STZ
Batismo, catequese,
dízimo, jovens, past. da
criança, liturgia, gr. de
comadre
Catequese,
dízimo, jovens,
past. da criança,
liturgia
Conselhos: mun.
de saúde,
educação, tutelar,
ação social.
Associação: Ansa,
Amava, de
produtores rurais.
Escola
Associação: de
produtores rurais,
projeto Fontilles
(hanseníase)
RC
Batismo, catequese,
dízimo, gr. de oração,
jovens, past. da criança,
liturgia, gr. de família
Batismo,
catequese, dízimo,
past. da criança,
liturgia, gr. de
novenas
Conselhos: tutelar,
de segurança, de
educação, de
saúde, do bem-
estar social,
turismo,
desenvolvimento
agrário, cultura
VR
Batismo, catequese,
dízimo, gr. de oração, past.
da criança, liturgia, gr. de
mulheres, gr. de vizinhos,
Catequese,
liturgia, gr. de
vizinhos
Sindicato.
Conselhos: mun.
de saúde,
carcerário, tutelar,
de ação social, de
desenvolvimento
rural sustentável,
do meio ambiente.
Associação:
Alvorada.
Sindicato.
Associação: de
pequenos
produtores rurais,
de mulheres
COM
Batismo, catequese,
dízimo, gr. de oração,
jovens, past. da criança,
liturgia, gr. de mulheres
Batismo,
catequese, dízimo,
gr. de oração,
jovens, past. da
criança, liturgia, gr.
de direitos
humanos, cpt
Sindicato.
Mops.
Conselhos: mun.
de saúde
Sindicato
PAN
Batismo, catequese,
dízimo, gr. de oração,
jovens, past. da criança,
liturgia, gr. de vizinhos,
Batismo,
catequese, dízimo,
gr. de oração,
jovens, liturgia, gr.
de vizinhos
Mops.
Conselhos: mun.
de saúde, direitos
humanos,
carcerário.
Associação:
núcleo de direitos
humanos e balcão
de direitos
Escola:
Prefeitura:
vereador
Mops
QUE
Batismo, catequese,
dízimo, gr. de oração,
jovens, past. da criança,
liturgia, gr. de família, eq.
de ministros
Batismo,
catequese, dízimo,
past. da criança,
liturgia, gr. de
mulheres
Conselhos:
Gr. de mulheres do
PA União
Escola
343
SJX
Batismo, catequese,
dízimo, jovens, past. da
criança, liturgia, gr. de
direitos humanos, cpt
Batismo,
catequese, dízimo,
liturgia, gr. de
direitos humanos,
cpt
Conselhos: mun.
de saúde.
Associação: da
mulheres
produtoras rurais.
Escolas:
Associação: das
mulheres
produtoras rurais
344
APÊNDICE 14: RESULTADO DA PESQUISA
Regional
Base da economia Assentamentos
Igrejas de prática
ecumênica
SFA
Gado, lavoura
tradicional
04
STZ
Gado, lavoura
tradicional
02 - Batista
RC
Gado 09
VR
Gado, lavoura
tradicional
08 - Evangélica de tradição
luterana no Brasil
COM
Gado, lavoura
tradicional, soja, cana
12 - Batista
PAN
gado, lavoura
tradicional, soja
09 - Assembléia de Deus
QUE
Soja 04 - Evangélica de tradição
luterana no Brasil
SJX
Gado, lavoura
tradicional, soja
02 - Evangélica de tradição
luterana no Brasil
- Assembléia de Deus
TOTAL
50
345
ANEXOS
ANEXO 1: MISSA DA TERRA SEM MALES
346
Texto: Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra
Música: Martín Coplas
Gravação em cassete: Edições Paulinas Discos, São Paulo 1980.
Fonte: http://servicioskoinonia.org/pedro/poesia/terra.htm
Texto da Missa da Terra sem Males
Abertura
Todos (Canto)
Em nome do Pai de todos os Povos,
Maíra de tudo,
excelso Tupã.
Em nome do Filho,
que a todos os homens nos faz ser
irmãos.
No sangue mesclado com todos os
sangues.
Em nome da Aliança da Libertação.
Em nome da Luz de toda Cultura.
Em nome do Amor que está em todo
amor.
Em nome da Terra-sem-males,
perdida no lucro,
ganhada na dor,
em nome da Morte vencida,
em nome da Vida,
cantamos, Senhor!
Memória Penitencial
Todos (Canto)
Herdeiros de um Império de extermínio,
filhos da secular dominação,
queremos reparar nosso pecado,
viemos celebrar a nova opção:
Ressurreição.
Na Ceia da Morte e da Vida,
a antiga memória perdida;
a morte dos Povos do passado
na Festa do Povo esperado:
Ressurreição;
a História da América inteira,
nesta Memória de Libertação;
na Páscoa do Ressuscitado,
a Páscoa Ameríndia
ainda sem ressurreição... ressurreição,
sem ressurreição...
Solo indígena, ou recitado (R) ou
cantado (C). Todos (Canto)
Eu sou América,
sou o Povo da Terra,
da Terra-sem-males,
o Povo dos Andes,
o Povo das Selvas,
o Povo dos Pampas,
o Povo do Mar...
(R)
Do Colorado,
de Tenochtitlan,
do Machu-Pichu,
da Patagônia,
do Amazonas,
dos Sete Povos do Rio Grande...
(Vozes individuais)
Eu sou Apache.
Eu sou Azteca.
Eu sou Aymara.
Eu sou Araucano.
Eu sou Maia.
Eu sou Inca.
Eu sou Tupi.
Eu sou Tucano.
Eu sou Yanomani.
Eu sou Aymore.
Eu sou Irantxe.
Eu sou Karaja.
Eu sou Terena.
Eu sou Xavante.
Eu sou Kaingang.
Solo (R)
Eu, Guarani.
E é com canto Guarani
que todo o resto do Continente,
todos os povos do meu Povo,
cantam agora seu lamento.
347
(C)
Irmãos, vindos de fora,
se quereis ser irmãos,
escutai o meu canto!
Todos
Queremos escutar,
de coração aberto,
com a mão do remorso
sobre a ara do peito.
Queremos reparar
a História desta Terra,
massacre secular.
Solo (R)
Eu tinha uma cultura de milênios,
antiga como o sol,
como os Montes e os Rios de gran de
Lacta-Mama.
Eu plantava os filhos e as palavras.
Eu plantava o milho e a mandioca.
Eu cantava com a língua das flautas.
Eu dançava, vestido de luar,
enfeitado de passaros e palmas.
Eu era a Cultura em harmonia com a
Mãe Natureza.
Todos
E nós a destruímos,
cheios de prepotência,
negando a identidade
dos Povos diferentes,
todos Família Humana.
Solo (R)
Eu era a Paz comigo e com a Terra...
Todos
E nós te violamos
ao fio das espadas,
no fogo do arcabuz
queimamos teu sossego.
Solo (R)
Eu conhecia o ouro, o diamante, a
prata,
a nobre madeira das matas,
mas eram para mim os enfeites
sagrados
do corpo da Terra Mãe.
Eu respeitava a Natureza
como se respeita a própria esposa.
Todos
Caravelas do Lucro,
viemos navegando,
para vender a Terra
para explorar lucrando.
Solo (R)
Eu vivia na pura nudez,
brincando, plantando, amando,
gerando, nascendo, crescendo,
na pura nudez da Vida.
Todos
E nós te revestimos
com roupas de malícia.
Violamos tuas filhas.
Te demos por Moral
a nossa Hipocrisia.
Solo (R)
Eu tinha meus pecados,
eu fiz as minhas guerras...
Mas eu não conhecia
a Lei feita Mentira,
o Lucro feito Deus.
Todos
E nos te revestimos
com roupas de malícia.
Solo (R)
Eu era a Liberdade
-não uma estatua apenas-,
Moara em came humana,
a Liberdade viva.
Eu era a Dignidade,
sem medo e sem orgulho,
a Dignidade Humana.
Todos
E nós te escravizamos.
E nós te sepultamos
na escurião das minas.
Dobramos o teu corpo
sob os canaviais.
E te jogamos contra
as árvores amadas,
348
para cortar madeira,
cortando o teu espírito,
o cerne do teu Povo.
Solo (R)
Meu tempo era o Dia e a Noite,
o Sol e a Lua,
as Chuvas e os Ventos gerais,
meu tempo era o Tempo, sem horas.
Todos
E nós te amarramos
ao tempo do relogio,
no nosso pouco tempo
de pressas e interesses,
ao tempo-concorrência.
Solo (C)
Eu adorava a Deus,
Maíra em toda coisa,
Tupã de todo gesto,
Razão de toda hora.
Eu conhecia a Ciência
do Bem e do Mal primeiros.
A Vida era meu culto,
a Dança era meu culto,
a Terra era meu culto,
a Morte era meu culto,
eu era um Culto vivo!
Todos
E nós te missionamos,
infiéis ao Evangelho,
cravando em tua vida
a espada de uma Cruz.
Sinos de Boa-nova,
num dobre de finados!
Infiéis ao Evangelho,
do Verbo Encarnado,
te demos por mensagem,
cultura forasteira.
Partimos em metades
a paz de tua vida,
adoradora sempre.
Solo (R)
O amor do Pai de todos
me batizou com água da Vida e da
Consciência
e semeou em mim a Graça do seu
Verbo,
Semente universal de Salvação.
Todos
Quando nós te ferramos
com um Batismo imposto,
marca de humano gado,
blasfêmia do Batismo,
violação da Graca
e negação do Cristo.
Solo (R )
Eu era um Povo de milhões de vivos,
de milhões e milhões de Gente
Humana,
milhões de imagens vivas do Deus
Vivo.
Todos
E nós te dizimamos,
portadores da Morte,
missionários do Nada.
Solo (R)
Eu vos dei a beleza do Mar e suas
praias,
eu vos dei minha Terra e seus
segredos,
os pássaros, os peixes, os animais
amigos,
servidores.
O milho da espiga apertada e repartida,
o bulbo generoso da mandioca
o pão de cada dia,
o guaraná cheiroso da floresta,
o caldo assossegante do chimarrão do
Sul.
O remédio da Terra enfermeira.
A canoa, voadora nas águas.
O Pau-brasil de fogo,
nome do coração do vosso País...
Todos
E nós te depredamos,
desnudando as florestas,
calcinando teus campos,
semeando veneno nos rios e no ar.
A Terra generosa
separando, por cercas,
os homens contra os homens:
para engordar o gado
349
da fome nacional
para plantar a soja
da exportacão escrava.
Solo (C)
Eu era a Terra livre,
eu era a Agua limpa,
eu era o Vento puro,
fecundos de abundância,
repletos de cantigas.
Todos
E nós te dividimos
em regras e em fronteiras.
A golpes de ganância
retalhamos a Terra.
Invadimos as roças,
invadimos as tabas,
invadimos o Homem.
Solo (R)
Eu fazia um caminho a cada vez que
passava.
Era a Terra o caminho.
O caminho era o Homem.
Todos
Nós abrimos estradas,
estradas de mentira,
estradas de miséria,
estradas sem saída.
E fizemos do Lucro
o caminho fechado
para o Povo da Terra.
Solo (R)
Eu era a Terra inteira,
eu era o Homem Livre.
Todos
E nós te reduzimos
em Vitrina e Reserva,
em Parque zoológico,
em Arquivo-poeira.
Solo (R)
Eu era a Saúde dos olhos,
penetrantes como flechas,
dos ouvidos atentos,
dos músculos harmónicos,
da alma em sossego.
Todos
E nós te mergulhamos
nos vírus, nos bacilos,
nas pestes importadas.
Teu Povo reduzimos
a um Povo de doentes,
a um Povo de defuntos.
Solo (R)
Eu vivia embriagado na Alegria.
A aldeia era uma roda de amizade.
Meus Chefes comandavam,
servidores do Povo,
com a sabedoria e o respeito
de quem se reconhece igual ao outro.
Todos
E nós te embriagamos
de cachaça e desprezo.
Fizemos-te objeto
do Turismo impudente.
Tornamos os teus Povos
uma placa de rua,
e o teu Saber antigo,
Tutela de menores.
Pusemos as algemas
dos nossos Estatutos
na tua Liberdade.
Jogamos tua Língua
nas covas do silêncio,
e os teus Sobreviventes
à beira das estradas,
à beira dos viventes
mão de obra barata
nas fazendas e minas,
nos bordéis e nas fábricas;
mendigos dos suburbios
das cidades sem alma;
restos do Continente
da grande Lacta-Mama
(A música se torna diferente
em tom de desafio e esperança) Solo
(C)
Eu era toda América,
eu sou ainda América,
eu sou a nova América!
Todos
350
E nós somos agora,
ainda e para sempre,
a herança do teu Sangue,
os filhos dos teus Mortos,
a aliança em tua Causa.
Memória rediviva,
na Aliança desta Páscoa.
Aleluia
Todos (C)
Aleluia! aleluia! aleluia!
Todos os Povos da Terra,
da Terra-sem-males,
louvem ao Pai!
O Evangelho é a Palavra
de todas as Culturas.
Palavra de Deus na Língua dos
Homens!
O Evangelho é a chegada
de todos os caminhos.
Presença de Deus na marcha dos
Homens!
O Evangelho é o destino
de toda a História.
História de Deus na História dos
Homens!
Aleluia... etc...
Ofertório
Todos (R)
Erguemos em nossas mãos
a memória dos séculos,
reunimos na carne do pão
a história do Tempo
de Libertação.
Aqui vos entregamos,
a vida banhada de chuva,
o milho plantado na terra,
o amor em pão repartido.
Aqui vos entregamos
a esperança da Terra-sem-males,
a caça-alimento na boca de todos,
0 culto da dança de todas as noites.
Aqui vos entregamos
a paz da abundância,
a liberdade dos Homens,
a vida de Homens iguais.
Todos
Na herança do milho,
na massa do pão,
a Páscoa do Cristo
e a nossa união.
Na sorte do vinho,
na luta e na morte,
a Páscoa do Cristo
e a Libertação.
Todos
Erguemos em nossas mãos
a memória dos séculos,
recolhemos no sangue do vinho
a história de um tempo de escravidão.
Em nossas mãos vos entregamos
a cinza das aldeias saqueadas,
o sangue das cidades destruídas,
a vencida legião dos oprimidos.
Em nossas mãos vos entregamos
os seios exaustos das minas,
a água profanada dos rigs,
as madeiras-em-cruz deste martírio.
Em nossas mãos vos entregamos
as veias abertas de América,
a pedra calada dos templos,
o pranto da memória índia.
Todos (C)
Na herança do milho... etc.
Rito da Paz
Todos (Canto)
Shalom,
Sauidi,
a Paz!
A Paz de Deus,
na paz dos Homens.
O amor do Pai
entre os irmaos.
Todos os Povos num só Povo.
Porque o Senhor é nossa Paz.
351
Shalom,
a paz antiga.
Sauidi,
a paz perdida.
Em Cristo, a nova Paz!
Shalom, Sauidi, a Paz!
Comunhão
Todos (C)
Celebrando a Páscoa do Senhor
cantamos a Vitória
de toda a Humanidade.
Tribos de toda a Terra,
Povos de toda idade.
Na carne do Senhor
revive toda carne.
Por isso comungamos toda luta.
Por isso comungamos todo sangue.
Por isso comungamos toda busca
de uma Terra-sem-males.
Libertos do primeiro Cativeiro,
cantamos a Passagem.
Cantando atravessamos
o novo Mar Vermelho do teu Sangue.
Cantando comungamos
o Pão da Liberdade.
Cantando caminhamos à procura
de uma Terra-sem-males.
Celebrando a Páscoa do Senhor... etc.
Compromisso Final
Voz masculina (Voz masculina e voz
feminina:
recitado. Todos cantado)
Alimentados da Páscoa do Senhor
e na Esperança da Terra Prometida,
rejeitamos todas as cadeias e,
com os pés descalços sobre esta Terra
nossa,
retomamos a marcha dos mortos
redivivos.
Voz feminina
Com as claras estrelas dos Povos
exterminados,
iluminamos a rota do ultimo Exodo,
buscando a Terra-sem-males.
Voz masculina
Como fogueiras ardendo no coração da
noite,
a memória dos Povos perdidos
conduz o passo dos seus filhos.
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz feminina
Pelos Templos sem defesa saqueados,
por todas as Cidades destruídas,
pelos 90 milhões de índios
massacrados.
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz masculina
Pelas ruínas do Império do Sol,
pelos Palacios Maias abolidos,
por todo o Povo Azteca escravizado,
pela desolação dos Sete Povos...
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz feminina
Pelo silêncio das flautas e tambores na
noite,
pela morte da alma destes Povos,
pela palavra "resignação" dita aos
escravos...
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz masculina
Pelo arcabuz dos bandeirantes e
bugreiros,
pelos meninos escravizados,
pelas meninas defloradas,
pelas caravanas de moribundos rumo a
São Paulo...
352
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz feminina
Pela peste que trouxemos no sangue
depurado,
pelas lanças quebradas na humilhacão,
pelas cabeças cortadas dos Aymoré...
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz masculina
Pelas cercas farpadas dos novos
bandeirantes,
pela cachaça integradora,
na boca dos guerreiros,
pelo açúcar servido com cianureto
no paralelo onze,
pela prepotência da Tutela e
o sarcasmo da Emancipação...
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz feminina
Pela cruz inscrita na espada dos
saqueadores,
pela devastadora Civilização
que se pretende cristã,
pelas catedrais assentadas no coração
dos templos índios
pelo Evangelho da Liberdade,
feito decreto de cativeiro.
Todos
Memória / Remorso / Compromisso!
Voz feminina (Música de suplica
confiada)
Todos (Cantado)
Morena de Guadalupe,
Maria do Tepeyac:
Congrega todos os índios
na estrela do teu olhar;
convoca os Povos da América
que querem ressuscitar.
Vozes individuais (recitado)
Montezuma!
Atau Walpa!
Tupac Amaru!
Sepé Tiaraju!
Toríbio de Mogrovejo!
Rosa de Lima!
Bartolomé de las Casas!
José de Anchieta!
Roque!
João!
Afonso!
Rodolfo!
Simão Bororo!
João Bosco!
Voz masculina
E todos os Patriarcas, Profetas e
Mártires
da Causa Indígena!
Todos (Recitado)
Prosseguiremos vossa caminhada!
Todos (Canto Final)
Unidos na Memória
da Páscoa do Senhor
voltamos para a História
com um dever major.
Unidos na memória
da Antiga Escravidão
juramos a Vitória
na nova servidão.
América Amerindia,
ainda na Paixão:
um dia tua Morte
terá Ressurreição!
A Páscoa que comemos
nos nutre de porvir.
Seremos nos teus Povos
o Povo que ha de vir.
Os Pobres desta Terra
queremos inventar
essa Terra-sem-males
que vem cada manhã.
Uirás sempre a procura
da Terra que vira...
Maíra, nas origens.
No fim, Marana-tha!
353
ANEXO 2: MISSA DOS QUILOMBOS
MISSA DOS QUILOMBOS
Texto: Pedro CASALDÁLIGA e Pedro TIERRA
Música: Milton NASCIMENTO
Fonte: http://servicioskoinonia.org/pedro/poesia/quilombos.htm
Disco longplay: Philips
Cassete: Ariola, São Paulo 1982.
Compact Disc Digital Audio: PolyGram do Brasil Ltda.
Texto da Missa dos Quilombos
I.- A DE Ó (ESTAMOS CHEGANDO).
ABERTURA
(Coro–Cantado)
Estamos chegando do fundo da terra,
estamos chegando do ventre da noite,
da carne do açoite nós somos,
viemos lembrar.
Estamos chegando da morte nos
mares,
estamos chegando dos turvos poroes,
herdeiros do banzo nós somos,
viemos chorar.
Estamos chegando dos pretos
rosários,
estamos chegando dos nossos
terreiros,
dos santos malditos nós somos,
viemos rezar.
Estamos chegando do chao da
oficina,
estamos chegando do som e das
formas,
da arte negada que somos
viemos criar.
Estamos chegando do fundo do
medo,
estamos chegando das surdas
correntes,
um longo lamento nós somos,
viemos louvar.
A de Ó (Recitado)
354
-Do Exílio da vida,
das Minas da Noite,
da carne vendida,
da Lei do açoite,
do Banzo dos mares...
aos novos Albores!
vamos a Palmares
todos os tambores!!!
Estamos chegando dos ricos fogões,
estamos chegando dos pobres
bordéis,
da carne vendida nós somos,
viemos amar.
Estamos chegando das velhas
senzalas,
estamos chegando das novas favelas,
das margens do mundo nós somos,
viemos dançar.
Estamos chegando dos trens dos
suburbios,
estamos chegando nos loucos
pingentes,
com a vida entre os dentes chegamos,
viemos cantar.
Estamos chegando dos grandes
estádios,
estamos chegando da escola de
samba,
sambando a revolta chegamos,
viemos gingar.
A de Ó (Recitado)
Estamos chegando do ventre das
Minas,
estamos chegando dos tristes
mocambos,
dos gritos calados nós somos,
viemos cobrar.
Estamos chegando da cruz dos
engenhos,
estamos sangrando a cruz do
Batismo,
marcados a ferro nós fomos,
viemos gritar.
Estamos chegando do alto dos
morros,
estamos chegando da lei da Baixada,
das covas sem nome chegamos
viemos clamar.
Estamos chegando do chao dos
Quilombos,
estamos chegando do som dos
tambores,
dos Novos Palmares só somos,
viemos lutar.
A de Ó (Recitado)
II.- EM NOME DO DEUS
(Solo–Cantado)
Em nome do Deus de todos os nomes
-Javé
Obatalá
Olorum
0ió.
Em nome do Deus, que a todos os
Homens
nos faz da ternura e do pó.
Em nome do Pai, que fez toda carne,
a preta e a branca,
vermelhas no sangue.
Em nome do Filho, Jesus nosso
irmão,
que nasceu moreno da raça de
Abraão.
Em nome do Espírito Santo,
bandeira do canto
do negro folião.
Em nome do Deus verdadeiro
que amou-nos primeiro
sem dividição.
Em nome dos Três
que sao um Deus só,
Aquele que era,
que é,
que será.
Em nome do Povo que espera,
na graça da Fé,
à voz do Xangô,
o Quilombo-Páscoa
que o libertará.
Em nome do Povo sempre deportado
pelas brancas velas no exílio dos
mares;
marginalizado
355
nos cais, nas favelas
e até nos altares.
Em nome do Povo que fez seu
Palmares,
que ainda fará Palmares de novo
-Palmares, Palmares, Palmares
do Povo!!!
III.- RITO PENITENCIAL
(Coro - Cantado)
Kyrie eleison, Christe eleison, Kyrie
eleison.
Alma não é branca,
luto não é negro,
negro não é folk.
Kyrie eleison.
- Senhor do Bonfim
do bom começar:
não seja a alegria
apenas de um dia;
não seja a folia
para desfilar
na avenida sua.
Que seja, por fim,
a tua Alforria
e nossa a rua,
Senhor do Bonfim!
Kyrie eleison, Christe eleison, Kyrie
eleison.
(Recitado)
Da raça maldita
gratuitamente,
a raça de Cam.
Secular estigma
da escrava Agar,
Mãe espoliada,
Ismael dos Povos,
denegrida Africa.
(Coro - Cantado)
Terras de Luanda,
Costa do Marfim,
Reino de Guiné,
Patria de Aruanda
Awa de! (Estamos aqui)
(Recitado)
Carne em toneladas,
fardos de porão.
Quota da Coroa
fichas de Batismo,
marcados a ferro
para a Salvação.
Entregues à Morte,
sendo Cristo a vida.
Humanos leilões,
pecas de cobiça,
300 milhões
de africanos mortos
na Segregação
Caça das Bandeiras,
do Esquadrão da Morte.
Exus do destino,
capitães-do-mato.
Quantos Jorge Velho
de todos os Lucros,
de todos os Tempos,
de todas as Guardas!
Quantas Aureas Leis
da Justiça Branca!
(Coro– Cantado)
Queimamos, de medo
-do medo da História-
os nossos arquivos.
Pusemos em branco
a nossa memória.
(Recitado)
Cultura à margem,
Culto condenado,
Fé de freguesia,
Giro tolerado,
Revolta ignorada,
História mentida.
Ressaca dos Portos.
Harlem dos Impérios,
Apartheid em casa,
favela do mundo.
Com "direito a enterro"
sem direito à vida.
Pelourinhos brancos,
flagelados pretos.
Negro sem emprego,
sem voz e sem vez.
Sem direito a ser,
a ser e a ser Negro.
356
Dobrados nos eitos,
os peitos quebrados,
os peitos sugados
por filhos alheios,
senhores ingratos.
Bebês imolados
pelas Anas Paes,
Testas humilhadas
nas águas dos cais,
Bronze incandescente
nas bocas dos fornos.
Peões de fazenda,
pé de bóia-fria,
artista varrido
no pó da oficina,
garçom de boteco,
sombra de cozinha,
mão de subemprego,
carne de bordel...
Pixotes nas ruas,
caçados nos morros,
mortos no xadrez!
Negro embranquecido
pra sobreviver.
(Branco enegrecido
para gozação).
Negro embranquecido,
morto mansamente
pela integração.
(Coro - Cantado)
Mulato iludido,
fica do teu lado,
do lado do Negro.
Não faças, Mulato,
a branca traição.
(Recitado)
Padres estudados,
Pastores ouvidos,
Freiras ajeitadas,
Doutores da sorte,
Cantores de turno,
Monarcas de estádio...
Não negueis o Sangue,
o grito dos Mortos,
o cheiro do Negro,
o aroma da Raça,
a força do Povo,
a voz de Aruanda,
a volta aos QUILOMBOS!
(Coro- Cantado)
- Bom Jesus de Pirapora,
na procura desta hora,
tem piedade de nós.
- Kyrie eleison!
(Solo - Cantado)
Senhor Morto,
Deus da Vida,
nesta luta proibida,
tem piedade de nós.
(Coro)
- Christe eleison!
(Solo - Cantado)
- Irmão Mor da Irmandade,
na Paixão da Liberdade,
tem piedade de nós.
(Coro)
Kyrie eleison!
IV.- ALELUIA
(Coro–Cantado)
Aleluiá, aleluiá, aleluiá!
Fala, Jesus, Palavra de Deus:
Tu tens a palavra!
Aleluiá...
Irmão que fala a Verdade aos Irmãos,
dá-nos tua nova Libertação.
Quilombolas livres do lucro e do
medo,
nós viveremos o teu Evangelho,
nós gritaremos o teu Evangelho!
Aleluiá...
Nenhum poder
nos calará.
Aleluiá, aleluiá, aleluiá!
Contra tantos mandatos do Odio,
Tu nos trazes a Lei do Amor.
Frente a tanta Mentira
Tu és a Verdade, Senhor.
Entre tanta notícia de Morte,
Tu tens a Palavra da Vida.
357
Sob tanta promessa fingida,
sobre tanta esperanca frustrada,
Tu tens, Senhor Jesus,
a última palavra.
E nós apostamos em Ti!!!
Aleluiá.
A Tua Verdade nos libertará.
Aleluiá...
V.- OFERTÓRIO
(Recitado)
Na cuia das mãos
trazemos o vinho e o pão,
a luta e a fé dos irmãos,
que o Corpo e o Sangue do Cristo
serão.
(Recitado)
O ouro do Milho
e não o dos Templos,
o sangue da Cana
e não dos Engenhos,
o pranto do Vinho
no sangue dos Negros,
o Pão da Partilha
dos Pobres Libertos.
(Recitado)
Trazemos no corpo
o mel do suor,
trazemos nos olhos
a dança da vida,
trazemos na luta,
a Morte vencida.
No peito marcado
trazemos o Amor.
Na Páscoa do Filho,
a Páscoa dos filhos
recebe, Senhor.
(Coro-Cantado)
Trazemos nos olhos,
as águas dos rios,
o brilho dos peixes,
a sombra da mata,
o orvalho da noite,
o espanto da caça,
a dança dos ventos,
a lua de prata,
trazemos nos olhos
o mundo, Senhor!
(Recitado)
–Na palma das mâos trazemos o
milho,
a cana cortada, o branco algodão,
o fumo-resgate, a pinga-refúgio,
da carne da terra moldamos os potes
que guardam a água, a flor de alecrim,
no cheiro de incenso, erguemos o
fruto
do nosso trabalho, Senhor! Olorum!
(Coro-Cantado)
O som do atabaque
marcando a cadência
dos negros batuques
nas noites imensas
da Africa negra,
da negra Bahia,
das Minas Gerais,
os surdos lamentos,
calados tormentos,
acolhe Olorum!
(Recitado)
-Com a força dos bracos lavramos a
terra
cortamos a cana, amarga doçura
na mesa dos brancos.
- Com a força dos braços cavamos a
terra,
colhemos o ouro que hoje recobre
a igreja dos brancos.
-Com a força dos braços plantamos
na terra,
o negro café, perene alimento
do lucro dos brancos.
-Com a força dos braços, o grito entre
os dentes,
a alma em pedaços, erguemos
impérios,
fizemos a América dos filhos dos
brancos!
(Coro–Cantado)
A brasa dos ferros lavrou-nos na pele,
lavrou-nos na alma, caminhos de cruz.
Recusa Olorum o grito, as correntes
358
e a voz do feitor, recebe o lamento,
acolhe a revolta dos negros, Senhor!
(Recitado)
-Trazemos no peito
os santos rosários,
rosários de penas,
rosários de fé
na vida liberta,
na paz dos quilombos
de negros e brancos
vermelhos no sangue.
A Nova Aruanda
dos filhos do Povo
acolhe, Olorum!
(Recitado)
Recebe, Senhor
a cabeça cortada
do Negro Zumbi,
guerreiro do Povo,
irmão dos rebeldes
nascidos aqui,
do fundo das veias,
do fundo da raça,
o pranto dos negros,
acolhe Senhor!
(Coro-Cantado)
Os pés tolerados na roda de samba,
o corpo domado nos ternos do congo,
inventam na sombra a nova cadência,
rompendo cadeias, forçando
caminhos,
ensaiam libertos a marcha do Povo,
a festa dos negros, acolhe Olorum!
VI.- O SENHOR É SANTO
(Coro-Cantado)
O Senhor é Santo, o Senhor é Santo,
o Senhor é Santo.
O Senhor é o só Senhor.
Todos nós somos iguais.
Oxalá o Reino do Pai
seja sempre o nosso Reino.
O Senhor é Santo...
O Reino nos vem
em Cristo Rei Salvador.
O Reino se fez
no Povo Libertador.
Hosana, Hosana, Hosana.
VII.- RITO DA PAZ
(Coro - Cantado)
Saravá, A-i-é, Abá.
A Paz d'Aquele, que é
nossa Paz!
A Paz, que o Povo fará!
Saravá, A-i-é, Aba!
A louca Esperança
de ver todo irmão
caindo na dança da vida,
cantando vencida
toda Escravidão!
Vai ser abolida
a paz da Abolição
que agora temos.
E contra a paz cedida,
a Paz conquistada teremos!!!
Saravá,
do novo Quilombo de amanhã.
A-i-é dessa "festa de todos", que virá!
(A maneira de um Pregão)
-Aos treze de maio de mil-oitocentos-
e-oitenta-e-oito,
nos deram apenas decreto em
palavras.
Mas a Liberdade vamos conquista-la!
(Coro-Cantado)
A-i-é,
a paz d'Aquele,
que é nossa Paz!
Abá,
a Paz que o Povo fará!
Palmares das lutas da Libertação.
Palmeiras da Páscoa da
Ressurreição.
Saravá, A-i-é, Abá!!!
VIII.- COMUNHÃO
359
(Recitado)
Bebendo a divina bebida
do teu Sangue Limpo, Senhor,
lavamos as marcas da vida,
libertos na Lei do Amor.
Comendo a carne vivente
do Teu Corpo morto na Cruz,
vencemos a Morte insolente
na vida mais forte, Jesus.
Nutrindo a luta na Aliança
e a Marcha em teu novo Maná,
queremos firmar a Esperança
da Aruanda que um dia virá.
Ara ware kosi mi fara.
Todos unidos
num mesmo Corpo,
nada no mundo
nos vencerá.
Todos unidos em Cristo Jesus.
Oxalá!
Ara ware kosi mi fara.
(Solo-M)
Partilha diária em mesa de irmãos.
Porque não é livre quem não tem seu
pão.
(Solo-F)
-Partilha constante, na festa e na dor.
Porque não é livre quem não sente
amor.
(Solo-M)
-Partilha fraterna de bantus iguais.
Porque não é livre quem junta de
mais.
(Solo-F)
-Partilha de muitos unidos na fé.
Porque não é livre quem não é o que
é.
(Solo-M)
-Partilha arriscada de vir a perder.
Porque não é livre quem teme morrer.
(Solo-F)
-Partilha segura da Libertação,
que o Cristo partilha a Ressurreição.
Ara ware kosi mi fara...
IX.- LADAINHA
(Leitor) -
Unidos à procura dos quilombos da
Libertação, celebramos a "memória
perigosa" da Páscoa de Jesús,
comungando a força do seu Corpo
Ressuscitado. Recolhemos na mesma
comunhão o trabalho, as lutas, o
martírio do Povo Negro de todos os
tempos e de todos os lugares. E
invocamos sobre a caminhada, a
presença amiga dos Santos, das
Testemunhas, dos militantes, dos
Artistas, e de todos os construtores
anônimos da Esperança Negra.
(Coro-Cantado)
Porque está na hora
pedimos o auxílio de todos os santos,
chamamos a força dos mortos na luta
porque está na hora,
o jeito dos mestres da reza e do
canto;
porque está na hora,
cantamos malembes pra Nossa
Senhora.
(Coro-Cantado)
Caô - Cabê em si - lobá
Todos os santos nos vão ajudar!
(Recitado)
(Voz-M) Zumbi dos Palmares,
Patriarca mártir de todos os
Quilombos de ontem, de hoje e de
amanhã.
(Voz - F) Dragão do Mar, Francisco
José do Nascimento, João Cândido
que a chibata não dobrou, Pedro Ivo
sombra dos Praieiros pernambucanos,
Angelim dos Cabanos, madeira da
Resistência, Isidoro Mártir e todos os
rebeldes do Povo, na Terra e no Mar.
(M) - José do Patrocínio e todos os
pregoeiros da Libertação.
(F) - Haussás, Nagas e Alfaiates da
Negra Bahia, e todos os Grupos e
360
movimentos Negros que reivindicam o
Futuro.
(M) - Arturo Alfonso Schomburg,
memória "do Povo sem História", voz
libertária do Caribe.
(F) - Lumumba, tambor-tempestade
da Africa levantada.
(M)- Chimpa-Vita, Beatriz do Congo,
bandeira em chamas das negras-
coragem, e todas as mães-pretas
arrancadas da pedra morta para as
lutas da vida! E todas as Marlys das
baixadas desmascarando o rosto dos
assassinos, e todas as anônimas
heróicas comadres negras, eixo
fecundo da Sobrevivência da Raça.
(F)- Negrinho do Pastoreio, anjo dos
vaqueiros das reses perdidas e todos
os guias negros das causas do Povo.
(M) - Crianças de Soweto e de
Atlanta, massacres da prepotência
racial, colheita prematura da
Juventude Negra.
(F) - Santeiro Aleijadinho, entalhador
dos Santos do Povo. Luís José da
Cunha, filho dos mocambos brasa
viva ardendo na carne dos
esquecidos.
(M)–Louis Armstrong e todos os
metais e todas as cordas e todos os
Negros Spirituals da América Negra.
(F)- Amílcar Cabral, pai educador da
Liberdade Africana.
(MJ - James Meredith, paixão matinal
e todos os estudantes dos campus e
das ruas que marchais abrindo
História.
(F) - Solano Trindade e todos os
poetas da madeira, da palavra e da
alma negra nunca embranquecida.
(M) - Santo Dias, Companheiro, suor e
sangue da Periferia, mártir na cruz
das Empresas, e todos os retirantes,
lavradores, bóias-frias e operários,
construtores do Sindicato livre e da
Comunidade Fraterna.
(Coro - Cantado) Caô...
(F) - Santos Reis dos presentes da
terra e do culto, peregrinos
incansáveis à luz da estrela, atrás do
Menino.
(M)- Sao Benedito, irmão acolhedor
dos pedidos dos Pobres.
(F)- Santo Agostinho, mente e
coração da Africa Mãe.
(M)- Sao Martinho de Lima, porteiro
solícito da América Negra.
(F)- Santa Efigênia, discípula do
Apóstolo e congregadora de virgens.
(M)- Sao Pedro Claver, escravo
fraterno dos escravos negros.
(F)- Sao Gonçalo de Amarante,
peregrino e evangelizador dos
Pobres.
(M)- Sao Cosme e Damião, curadores
do povo sofredor.
(F)- Valência Cano, mártir bom pastor
do Litoral Negro, Irmão Lourenço de
Nossa Senhora, garimpeiro do
Evangelho, ermitão da Comunidade,
Frei Gregório de José Maria,
deportado pare o Amazonas, Padre
Canabarro, vigário comprometido no
Sul e todos os pastores, romeiros,
missionários, ermitães e confrades
devotados ao pranto e à Esperança
do Povo Negro.
(M)- Santo Onofre, anacoreta da longa
solidão.
(F)- Carlos Lwanga e companheiros
mártires de Uganda.
(M)-Martim Luther King, pastor na vida
e na morte, voz permanente da
marcha da Libertação e todos os
mártires da Paz perseguida.
(Coro - Cantado) Caô..
X.- LOUVAÇÃO A MARIAMA
(Coro-Cantado)
- Mariama,
Iya, Iya, ô,
Mãe do Bom Senhor!
Maria Mulata,
Maria daquela
colônia favela,
que foi Nazaré.
Morena formosa,
Mater dolorosa,
Sinhá vitoriosa,
Rosário dos pretos mistérios da Fé.
361
Mãe do Santo, Santa,
Comadre de tantas,
liberta mulhé...
Pobre do Presépio, Forte do Calvário,
Saravá da Páscoa de Ressurreição,
Roseira e corrente do nosso Rosário,
Fiel Companheira da Libertação.
Por teu Ventre Livre, que é o
verdadeiro,
pois nos gera livres no Libertador,
acalanta o Povo que estã em
cativeiro,
Mucama Senhora e Mãe do Senhor.
Canta sobre o Morro tua Profecia,
que derruba os ricos e os grandes,
Maria.
Ergue os submetidos, marca os
renegados.
samba na alegria dos pés
congregados.
Encoraja os gritos, acende os olhares,
ajunta os escravos em novos
Palmares.
Desce novamente às redes da vida
do teu Povo Negro, Negra
Aparecida!!!
XI.- MARCHA FINAL (DE BANZO E
DE ESPERANÇA)
(Recitado)
-Banzo da Terra que será nossa,
banzo de todos na Liberdade,
banzo da vida que vai ser outra,
banzo do Reino, maior saudade,
saudade em luta do Amanhã,
vontade da Aruanda que um dia virá!
Saudade da Terra e dos Céus,
o banzo do Homem, saudade de
Deus.
(Recitado)
- Trancados na Noite, Milênios afora
forçamos agora, as portas do Dia.
Faremos um Povo de igual Rebeldia.
Faremos um Povo de bantus iguais.
Faremos de todos os lares
fraternas senzalas, sem mais.
Faremos a Negra Utopia
do novo PALMARES
na só Casa Grande dos filhos do Pai.
Os Negros da Africa,
os afros da América,
os Negros do Mundo,
na Aliança com todos os Pobres da
Terra.
Seremos o Povo dos Povos:
Povo resgatado,
Povo aquilombado,
livre de senhores,
de ninguém escravo,
senhores de nós,
irmãos de senhores,
filhos do Senhor!
(Recitado)
Sendo Negro o Negro,
sendo índio o índio,
sendo cada um
como nos tem feito
a mão de Olorum.
(Recitado)
Seremos Zumbis, construtores
dos novos QUILOMBOS queridos.
Nos muros remidos
da nossa Cidade,
nos Campos, por fim repartidos,
na Igreja do Rei,
de novo do Povo,
seremos a Lei
da nova Irmandade.
Iremos vestidos
das palmas da Vida.
Teremos a cor da Igualdade.
Seremos a exata medida
da humana feliz Dignidade.
Berimbaus da Páscoa marcarão o pé,
o pé quilombola do novo Toré.
Pela Terra inteira
juntos dançaremos
nossa Capoeira.
Seremos bandeira,
seremos foliões.
No Novo Israel plantaremos
as tendas dos filhos do Santo.
Os prantos, os gritos,
unidos num canto
362
de irmãos corações,
na luta e na festa do ano inteiro.
(Recitado)
- No rosto de todos os homens
sinceros,
a marca da tribo de Deus,
o Sangue sinal do Cordeiro.
(Recitado)
E à espera do nosso Quilombo total
-o alto Quilombo dos céus-,
os braços erguidos, os Povos unidos
serão a muralha ao Medo e ao Mal,
serão valhacouto da Aurora desperta
nos olhos do Povo,
da Terra liberta
no QUILOMBO NOVO!!!
363
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
ANEL DE TUCUM:
A MISSÃO EVANGELIZADORA DE PEDRO
CASALDÁLIGA, BISPO DA PRELAZIA DE SÃO FÉLIX
DO ARAGUAIA
GOIÂNIA
2005
364
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