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Ana de Gusmão Mannarino
Amilcar de Castro e a página neoconcreta
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em História Social da Cultura, do Departa-
mento de História da PUC-Rio.
Orientadora: Profª. Cecília Martins de Mello
Rio de Janeiro
Setembro de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
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Ana de Gusmão Mannarino
Amilcar de Castro e a página neoconcreta
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em História Social da Cultura do Departamento
de História do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profª Cecília Martins de Mello
Orientadora
Departamento de História
PUC-Rio
Profº. João Masao Kamita
Departamento de História
PUC-Rio
Profª Sarah Leonora Geiger
Departamento de Comunicação
UERJ
Profº João Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2006.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem a autorização da universidade,
do autor e do orientador.
Ana de Gusmão Mannarino
Graduou-se em Desenho Industrial na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (ESDI-UERJ) em 1997. É
especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil
pela PUC-Rio (2003). Cursou mestrado na PUC-Rio, onde
defendeu esta dissertação.
Ficha Catalográfica
CDD: 900
Mannarino, Ana de Gusmão
Amilcar de Castro e a página neoconcreta / Ana
de Gusmão Mannarino ; orientadora: Cecília Martins
de Mello. – 2006.
147 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em História)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
Inclui bibliografia
1. História – Teses. 2. História social da cultura.
3. Castro, Amilcar de. 4. Jornal do Brasil. 5.
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. 6. Arte
moderna. 7. Design gráfico. 8. Escultura. I. Mello,
Cecília Martins de. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de História.
III. Título.
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Para meus pais e minha avó Alzira.
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Agradecimentos
A minha orientadora, professora Cecília Martins de Mello, pela condução deste
trabalho de modo tão perspicaz e cuidadoso, sempre atenciosa e dedicada.
Aos Professores João Masao Kamita e Noni Geiger, pela gentileza e
disponibilidade de participar da comissão examinadora.
Aos professores do mestrado em História Social da Cultura da PUC-Rio,
especialmente ao professor Ronaldo Brito, pelas sugestões e comentários feitos na
banca de qualificação deste projeto.
Aos professores da especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil da
PUC-Rio, em especial à professora Ana Luiza Nobre, pela orientação da
monografia de fim de curso, estudo que deu origem a este trabalho.
A Javier e a meu pai, Remo, pelo incentivo e carinho constantes.
A meu irmão, Remo, pela revisão deste texto, feita com tanto esmero e interesse, e
a Steve Berg, pela versão do resumo.
Aos amigos Antonio Sena, Camila Maroja e Fabíola Zonno, pela companhia e
apoio nesses anos de estudo.
A Edna Lima Timbó, secretária do departamento de História da PUC-Rio, e aos
funcionários da secretaria Anair, Cláudio e Cleuza, por toda a ajuda prestada e
pela boa vontade com que sempre me atenderam.
Ao CNPq e à PUC-Rio, pela bolsa de estudos concedida.
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Resumo
Mannarino, Ana de Gusmão; Mello, Cecília Martins de. Amilcar de Castro
e a página neoconcreta. Rio de Janeiro, 2006. 147 p. Dissertação de
Mestrado – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.
Amilcar de Castro e a página neoconcreta” trata do projeto gráfico
realizado pelo escultor para o Jornal do Brasil, em especial para o Suplemento
Dominical do Jornal do Brasil, nos últimos anos da década de 1950. A
diagramação do suplemento é voltada, sobretudo, para experimentação plástica,
acima de aspectos funcionais ou do ideal de transformação do cotidiano pela arte.
Aproxima-se do pensamento neoconcreto e da fenomenologia de Merleau-Ponty,
no que diz respeito à indissociação entre inteligível e sensível. O projeto gráfico
para o suplemento esteve sempre em transformação, unindo concepção e
realização no processo contínuo do fazer. Em suas páginas, a visualidade do signo
gráfico foi intensamente explorada, estreitando a relação entre o jornal e as
poesias concreta e neoconcreta, freqüentemente publicadas no suplemento. Muitas
das questões trabalhadas por Amilcar de Castro em suas esculturas e desenhos
são, de modo semelhante, exploradas pelo artista na diagramação do jornal, um
dos meios no qual exercitou a sua poética. Nesse sentido, destacam-se a
conjugação entre pensamento e fazer na sensibilidade do olhar; a utilização
sempre do mínimo de elementos, priorizando as relações entre eles; a
experimentação do espaço e do tempo como dimensões indissociáveis,
vivenciadas a partir da motricidade e da operacionalidade.
Palavras-chave
Amilcar de Castro, Jornal do Brasil, Suplemento Dominical do Jornal do
Brasil, arte moderna e contemporânea, design gráfico, escultura.
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Abstract
Mannarino, Ana de Gusmão; Mello, Cecília Martins de (advisor). Amilcar
de Castro and the neoconcrete page. Rio de Janeiro, 2006. 147 p. MSc
Dissertation – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
Amilcar de Castro and the Neoconcrete Page deals with the sculptor's
graphic design project for the news daily Jornal do Brasil, and especially for the
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (the paper's Sunday supplement)
during the late 1950s. Above all else, the supplement's layout reflected visual
experimentation beyond any mere concern with functionality or the idealized
tranformtion of everyday life by art. Insofar as it touches upon the indissociation
between intelligibility and sensibility, it contains a number of commonalities with
neoconcretist thought and the phenomenology of Merleau-Ponty. During the
period in question, the supplement's graphic design project changed continuously,
blending concepts and execution within its ongoing creative process. The visuality
of the graphic sign was intensely explored in its pages, strengthening the
newsaper's relationship with the concretist and neconcretist poetry published by
the supplement. Similarly, many of the problems explored by Amilcar de Castro
in his sculptures and drawings were also dealt with by the artist in the newspaper's
layout as one of the mediums according to which he forged his poetics. To this
end, we shall highlight associations between thought and production as results of
the sensitivity of the gaze; the artist's minimalist use of elements that focus on
inter-relationship; and the experimental use of space and time as indissociable
dimensions experienced and based on motion and operationality.
Keywords
Amilcar de Castro, Jornal do Brasil, Suplemento Dominical do Jornal do Brasil,
modern and contemporary art, graphic design, sculpture.
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Sumário
1. Introdução 11
2. O trabalho gráfico de Amilcar de Castro para o Jornal do Brasil
e as poéticas construtivas
2.1. Um caso particular de atuação de artistas junto à indústria 17
2.2. Concretismo, neoconcretismo e fenomenologia 20
2.3. Amilcar de Castro, o Jornal do Brasil e o SDJB 35
2.4. A relação com a Bauhaus e a ênfase no fazer 39
3. A reforma do Jornal do Brasil 46
4. O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil
4.1. Paralelos com as publicações das vanguardas artísticas 59
4.2. As páginas do SDJB e a obra de Amilcar de Castro 80
5. Considerações finais 103
6. Referências bibliográficas 107
5. Anexo – figuras 117
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Lista de figuras
Figura 01 – Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1956, página 1 118
Figura 02 – Página Feminina, 15 de abril de 1956, página 1 118
Figura 03 – Jornal do Brasil, 11 de março de 1957, página 1 119
Figura 04 – Jornal do Brasil, 18 de abril de 1959, página 1 119
Figura 05 – Jornal do Brasil, 02 de junho de 1959, página 1 120
Figura 06 – Jornal do Brasil, 09 de outubro de 1959, página 03 120
Figura 07 – SDJB, 29 de julho de 1956, página 1 121
Figura 08 – SDJB, 09 de junho de 1957, página 11 121
Figura 09 – Cartaz da peça Soireé du Cœr à Barbe, 122
Ilya Zdanevitch, 1923
Figura 10 – Cartaz para Kleine Dada Soireé, 122
Kurt Schwitters e Theo van Doesburg, 1923
Figura 11 – Revista G, 1923 123
Figura 12 – Revista Mécano, 1922 123
Figura 13 – Revista Merz no 11, 1924 124
Figura 14 – Grün, Raul Hausmann, 1918 124
Figura 15 – Un coup de dés, Stéphane Mallarmé, 1897. 125
Figura 16 – Assemblea politica tumultuosa, 125
Filippo Marinetti, 1919
Figura 17 – Sintesi di città, Lucio Venna, 1917 126
Figura 18 – Violino, Pablo Picasso, 1912 126
Figura 19 – Jornal de Resenhas, 08 de abril de 2000, 127
página 1
Figura 20 – Jornal de Resenhas, 14 de julho de 2001, 127
página 1
Figura 21 – SDJB, 09 de junho de 1957, página 11 128
Figura 22 – SDJB, 23 de junho de 1957, página 05 128
Figura 23 – SDJB, 07 de julho de 1957, página 1 129
Figura 24 – SDJB, 07 de julho de 1957, página 07 129
Figura 25 – SDJB, 07 de julho de 1957, página 11 130
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Figura 26 – SDJB, 18 de agosto de 1957, página 4 130
Figura 27 – SDJB,1 de setembro de 1957 página 9 131
Figura 28 – SDJB, 8 de setembro de 1957 página 3 131
Figura 29 – SDJB, 8 de setembro de 1957 página 4 132
Figura 30 – SDJB, 22 de setembro de 1957, página 7 132
Figura 31 – SDJB, 22 de dezembro de 1957, página 5 133
Figura 32 – SDJB, 29 de junho de 1958, página 1 133
Figura 33 – SDJB, 6 de julho de 1958, página 1 134
Figura 34 – SDJB, 15 de março de 1959, página s 4 e 5 135
Figura 35 – SDJB, 22 de março de 1959, páginas 4 e 5: 136
Manifesto Neoconcreto
Figura 36 – SDJB, 25 de julho de 1959, página 4 137
Figura 37 – SDJB, 7 de novembro de 1959 página 1 137
Figura 38 – SDJB, 14 de novembro de 1959 página 1 138
Figura 39 – SDJB, 14 de novembro de 1959 página 5 138
Figura 40 – SDJB, 14 de novembro de 1959, página 7 139
Figura 41 – SDJB, 9 de janeiro de 1960, página 1 139
Figura 42 – SDJB, 9 de janeiro de 1960, página 5 140
Figura 43 – SDJB, 27 de fevereiro de 1960, página 1 140
Figura 44 – SDJB, 24 de abril de 1960, página 1 141
Figura 45 – SDJB, 12 de junho de 1960, página 1 141
Figura 46 – SDJB, 4 de março de 1961, página 1 142
Figura 47 – SDJB, Diagramas utilizados 143
Figura 48 – Escultura, Amilcar de Castro, 1999 144
Figura 49 – Desenho para elaboração de escultura, 144
Amilcar de Castro, 1999
Figura 50 – Maquete para escultura, Amilcar de Castro, 1984 145
Figura 51 – Escultura, Amilcar de Castro, 1983 145
Figura 52 – Desenho, Amilcar de Castro, 1999 146
Figura 53 – Escultura, Amilcar de Castro, 2001 146
Figura 54 – Composição em vermelho, amarelo e azul, 147
Piet Mondrian,1927
Figura 55 – Composição IA, Piet Mondrian, 1930 147
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1
Introdução
O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB) foi criado em 1956,
dando início à reforma gráfica e editorial por que passaria o Jornal do Brasil ao longo
dos cinco anos seguintes. Nesse processo, os aspectos gráficos foram determinantes,
tão importantes como os editoriais. O suplemento foi uma publicação que, desde o
seu início, dedicou atenção especial ao projeto gráfico, e cujo conteúdo esteve
intimamente relacionado à sua apresentação formal. Suas páginas, que inicialmente
tratavam de temas culturais mais gerais – abrangendo dança, teatro e cinema – aos
poucos restringiram-se, principalmente, à literatura, à poesia e às artes plásticas.
Estreitou-se, assim, o vínculo com o movimento Neoconcreto, do qual participavam
alguns dos integrantes do jornal semanal – Reynaldo Jardim, seu editor, Amilcar de
Castro, diagramador, e Ferreira Gullar, responsável pela sessão de artes plásticas. No
suplemento, foram publicados poemas concretos e neoconcretos, matérias sobre as
exposições e sobre o trabalho dos artistas do movimento, textos como o Manifesto
Neoconcreto (1959), Teoria do não-objeto (Ferreira Gullar, 1960), além de outros
textos críticos. As discussões acerca das artes plásticas permeavam o jornal. Foi nesse
ambiente que as novas diagramações do Jornal do Brasil e de seu suplemento,
principalmente, foram elaboradas.
A diagramação do Jornal do Brasil e, mais especificamente, a do SDJB seriam,
portanto, um caso de atuação de artistas na produção industrial. Interessa, neste
estudo, entender de que modo trabalho artístico e industrial se integraram na atividade
gráfica do jornal. Nesse sentido, faz-se importante, também, investigar em que
medida o trabalho em questão pode ou não se alinhar às tradições construtivas no que
diz respeito à inserção da arte na vida cotidiana. Outros periódicos e impressos
produzidos pelos movimentos artísticos modernos também foram estudados,
investigando-se, assim, a relação do trabalho no jornal com o modernismo e com a
produção na área gráfica realizada por outros artistas. Desse modo, finalmente, é
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12
possível uma aproximação maior do projeto do jornal, por meio da análise de suas
páginas, procurando entender sua poética e suas qualidades plásticas específicas.
O objetivo desta pesquisa é investigar o trabalho gráfico realizado por Amilcar
de Castro para o Jornal do Brasil, mais especificamente o projeto gráfico do
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, publicado no Rio de Janeiro entre 1956 e
1961. Este estudo teve início com a observação do conjunto de páginas do
suplemento e de páginas do Jornal do Brasil da época da reforma, dando-se atenção
especial ao período no qual Amilcar de Castro trabalhou no jornal – entre fevereiro de
1957 e março de 1961. Partiu-se de um exame das páginas, especialmente de suas
características formais e plásticas. A partir dessa análise, estabeleceram-se conexões,
por um lado, com o pensamento de artistas e movimentos que se ocuparam da
produção para a indústria, para, assim, construir uma leitura do objeto que desse
conta não só de suas características formais, mas também das motivações que
tornaram possível a sua realização. Por outro lado, buscaram-se compreender as
questões tratadas por Amilcar de Castro em suas esculturas e desenhos, e de que
modo tais questões estariam presentes também no projeto gráfico realizado para o
jornal.
Foi feita aqui a opção pelo estudo da diagramação do SDJB, muito embora ele
seja parte de um conjunto maior, aquele formado pelo Jornal do Brasil. Esse recorte
foi feito por ser o suplemento o espaço em que as possibilidades de experimentação
do ponto de vista gráfico foram maiores. E, também, porque muitas das mudanças
gráficas antes se apresentaram no suplemento, sendo posteriormente empregadas no
caderno principal do jornal
1
. Uma outra justificativa para essa escolha seria, ainda, o
contato mais estreito mantido no SDJB com o trabalho artístico de seus
colaboradores, uma vez que o tinha freqüentemente como tema. Contudo, referências
ao restante do Jornal do Brasil, principalmente ao conjunto de primeiras páginas,
foram feitas em diversos pontos desta dissertação, uma vez que o projeto dos dois
cadernos seguia uma mesma orientação gráfica e formal, apesar de se observarem
diferenças sob certos aspectos.
1
Washington Lessa, no artigo “Amilcar de Castro e a Reforma do Jornal do Brasil” (1995), refere-se
ao Suplemento Dominical do Jornal do Brasil como um “laboratório da reforma gráfica”.
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13
O suplemento pode ser relacionado à obra daqueles que colaboraram na sua
produção. Destacam-se os já citados poetas Reynaldo Jardim, Ferreira Gullar e o
escultor Amilcar de Castro, todos três ligados ao movimento Neoconcreto. A ênfase
nesta pesquisa foi dada ao trabalho de Amilcar de Castro, por ter sido ele o principal
responsável pelos aspectos gráficos da reforma do Jornal do Brasil. Entendemos o
escultor como a figura central na diagramação do jornal, não obstante o papel dos
editores do Jornal do Brasil e do SDJB na ocasião da reforma, respectivamente Jânio
de Freitas e Reynaldo Jardim, ter sido primordial também para a elaboração da parte
gráfica do jornal, indissociável de sua orientação editorial. Jânio de Freitas havia
trabalhado na Manchete
2
, revista que serviu de referência para a reforma gráfica do
Jornal do Brasil. Suas experimentações do ponto de vista gráfico na seção de
esportes do jornal foram um estímulo importante para a reforma gráfica que ocorreria
a seguir. Reynaldo Jardim, editor e criador do Suplemento Dominical do Jornal do
Brasil, tinha especial sensibilidade para as questões gráficas da página. Poeta
neoconcreto, foi o criador do livro-poema, e desempenhou função fundamental
também na diagramação do suplemento.
No primeiro capítulo, são estudados os movimentos construtivos brasileiros e
os diferentes modos como os artistas que os constituíam entendiam a aproximação
entre a arte e a elaboração de objetos cotidianos. A intenção é entender como o
trabalho de Amilcar de Castro para o Jornal do Brasil se situou frente às poéticas
construtivas, especialmente no que diz respeito à atuação na indústria. Esse estudo
desenvolveu uma comparação entre os motivos que levaram alguns artistas a
trabalhar junto à produção industrial no Brasil nos anos 1950, especialmente aqueles
artistas ligados aos movimentos Concreto e Neoconcreto. Para esse fim, foram
analisados manifestos, textos e declarações dos próprios artistas, como Waldemar
Cordeiro, Antonio Maluf, Alexandre Wollner, Ferreira Gullar, Lygia Clark, Amilcar
de Castro. O confronto entre o pensamento dos artistas levou a uma contraposição
entre a estética objetiva de Max Bense e de Ulm, ligada ao movimento concretista
brasileiro, e a abordagem estética neoconcreta, influenciada pelo pensamento de
2
Revista que passou também por uma reforma editorial e gráfica na primeira metade da década de
1950, em que trabalharam Amilcar de Castro (seu primeiro trabalho como diagramador), Ferreira
Gullar e Jânio de Freitas.
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14
Merleau-Ponty, que promove uma conjugação entre pensamento e experiência no
fazer. O estudo da fenomenologia de Merleau-Ponty foi, assim, um dos pontos
principais para a compreensão do trabalho de Amilcar de Castro no Jornal do Brasil.
Foi ainda nesse capítulo que se estabeleceram paralelos com o pensamento de Walter
Gropius e com a Bauhaus, embora tenham sido observadas muitas diferenças que os
distanciam do jornal brasileiro, principalmente no que diz respeito ao foco
pedagógico, proeminente na orientação projetual defendida pela escola alemã.
O segundo capítulo é dedicado à reforma do Jornal do Brasil, trazendo um
pouco da história do processo de transformação do jornal, que se confunde com a
história de seu suplemento. Interessa aí investigar o que se pretendia com o novo
projeto gráfico, parte do processo de reformulação do jornal. Foi feito um estudo das
principais características do novo projeto do Jornal do Brasil, estabelecendo-se em
que medida ele poderia ser relacionado ao design racionalista dos anos 1950, e quais
os fatores que, por outro lado, fazem com que dele se distancie – principalmente no
que diz respeito ao SDJB. É importante, aqui, investigar até que ponto este poderia
ser considerado um projeto que privilegia a função acima de outros aspectos como,
por exemplo, as características estéticas. Nesse capítulo foram também observadas as
particularidades do suplemento com relação ao restante do jornal – o nível mais
intenso de experimentação, a relação com o conteúdo de suas páginas. A diagramação
do suplemento fez de suas páginas um meio expressivo, a exemplo das publicações
das vanguardas artística modernas. O seu projeto foi um importante veículo de
divulgação de idéias dos movimentos artísticos e poéticos de que tratou, não só pelas
matérias publicadas, mas também pela união entre texto e forma plástica. Ao mesmo
tempo, o projeto foi um agente de transformação de um produto industrial – o jornal –
numa troca profícua entre arte e indústria.
O terceiro capítulo, que trata especificamente do Suplemento Dominical do
Jornal do Brasil, foi dividido em duas partes. Na primeira, foram estabelecidos
paralelos entre a publicação brasileira e aquelas realizadas pelos movimentos
artísticos europeus do início do século XX que também exploraram a página como
um espaço experimental e expressivo. Dedicou-se atenção especial a momentos em
que a arte e a página impressa se encontram, quando a palavra assume sua dimensão
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15
plástica, tanto no texto como na poesia impressos. Dentre os movimentos estudados,
destacou-se o movimento De Stijl que, por meio do trabalho de Mondrian, foi
referência para o projeto gráfico do Jornal do Brasil, segundo declarou Amilcar de
Castro. A proximidade é observável nas composições assimétricas de equilíbrio
dinâmico baseadas em elementos ortogonais, que vemos nas páginas do jornal. A
relação entre visualidade e palavra permitiu que se traçassem, ainda, paralelos com
outros movimentos artísticos das vanguardas modernas, principalmente nas
publicações futuristas, dadaístas e no programa Merz, de Schwitters. São publicações
que trataram a página tipográfica como o lugar em que palavra e visualidade se
encontram. A palavra, entendida como signo gráfico, sonoro e verbal, indicou
também a relação do projeto com a poesia concreta.
Nesse estudo da página como um plano que contém signos, mas que se
apresenta como um espaço não apenas para a leitura, mas também para o olhar, foi
fundamental a leitura de dois textos: Peinture et graphisme, de Walter Benjamin
(1917), e Isto não é um cachimbo, de Michel Foucault (1973). O pensamento desses
autores foi o caminho para entender o duplo caráter da página diagramada, do modo
como o foi no SDJB: a fusão entre corte horizontal e corte vertical na substância do
mundo, entre operar e contemplar, entre ler e ver. Os dois textos também foram
importantes para se estabelecer a ponte com outros trabalhos que misturam a
visualidade dos signos com a composição no espaço, cada um a seu modo: as
colagens cubistas, os caligramas e a poesia de Mallarmé.
Finalmente, na segunda parte do terceiro capítulo, foi feita uma observação
mais aproximada do projeto gráfico do SDJB, voltando-se para as análises das
páginas que originaram as reflexões expostas nas seções anteriores. É também nesse
momento em que são feitas comparações entre a diagramação do jornal e o trabalho
de Amilcar de Castro como escultor e desenhista. Para essa abordagem, tanto para o
jornal como para as esculturas e desenhos, partiu-se da leitura da Fenomenologia da
Percepção (1945), de Merleau-Ponty, e do entendimento do tempo e do espaço na
percepção proposto pelo filósofo: espaço cujo surgimento é contemporâneo ao
contato perceptivo entre homem e mundo, imbricado no tempo e dependente do
movimento e da ação; tempo entendido como uma onda temporal, que retém no
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momento presente o passado e antecipa o futuro, tempo espesso da duração. Essa
concepção do espaço conduziu a uma investigação da relação de Amilcar de Castro
com a geometria, entendida como um meio de aproximação entre homem e mundo.
Relação que observamos em suas esculturas e desenhos, presente também no projeto
do jornal. O entendimento do tempo como duração levou a uma investigação do
jornal como um objeto múltiplo – um conjunto de páginas – que, mais que uma
sucessão de momentos isolados, constitui um todo íntegro, um momento estendido
retido em nossa percepção. Relação que o aproxima da musicalidade e, mais uma vez,
da poesia, especialmente a concreta e a neoconcreta, tema recorrente em suas páginas.
A página foi tratada também como uma proposição plástica que ativava a
investigação das nossas relações entre tempo e espaço, aproximando-se da poética de
Amilcar de Castro como escultor e desenhista. Fazendo, operando, experimentando:
assim se deu a vivência de Amilcar de Castro também como diagramador do Jornal
do Brasil e de seu Suplemento Dominical. Mais do que estabelecer um projeto e
seguir suas diretrizes, a experimentação aparece aí como o caminho a ser seguido,
onde processo e projeto se conjugam no fazer.
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2
O trabalho gráfico de Amilcar de Castro para o Jornal do
Brasil e as poéticas construtivas
2.1
Um caso particular de atuação de artistas junto à indústria
Não há invenção, não há imaginação no Jornal do Brasil de hoje [1976]. Como fazer uma
parede, os tijolos já estão prontos. Naquele tempo não. O jornal mesmo não sabia bem para
onde ia. Era imaginar todo dia. Apesar de haver um ponto de referência anterior, que era o
desenho de antes
1
.
A reforma gráfica e editorial do Jornal do Brasil, e a criação do Suplemento
Dominical do Jornal do Brasil (SDJB)
2
, se deram em meio ao intenso debate
travado no ambiente artístico brasileiro entre os artistas concretos, radicados
mormente em São Paulo, e o grupo que se formava no Rio de Janeiro, trazido a
público em 1959 com a I Exposição Neoconcreta. Aos artistas Neoconcretos, o
Concretismo paulista deixava transparecer um momento de crise, quando a noção
moderna de superação contínua na arte parecia conduzi-la a um impasse. O
movimento Neoconcreto surgiu como uma tomada de posição face a esse
impasse, e o Jornal do Brasil, especialmente o SDJB, apareceram como
elementos importantes nesse cenário, não apenas como difusores de idéias, mas
também pela modalidade de inserção da arte na vida cotidiana que acabariam por
apresentar.
O trabalho gráfico realizado por Amilcar de Castro para o Jornal do Brasil
aconteceu, portanto, em um ambiente em que se discutiam os rumos a serem
tomados pela arte contemporânea no Brasil. Uma arte que estava familiarizada
com a atuação junto à indústria, uma vez que, na tradição construtiva, a atividade
1
Depoimento de Amilcar de Castro prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em
1976 / 1977.
2
A primeira edição do SDJB foi em 1956, um ano antes de ter início a reforma gráfica e editorial
do Jornal do Brasil.
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de artistas em projetos relacionados à vida cotidiana não era uma prática
incomum. Cabe-nos investigar em que medida o trabalho de Amilcar de Castro no
Jornal do Brasil esteve alinhado com o proceder artístico manifestado pelo
neoconcretismo e com o seu trabalho como escultor e desenhista, distanciando-se
da prática junto à indústria, do modo como era defendida por muitos dos artistas
concretos.
Amilcar de Castro foi um dos artistas que aderiu ao movimento
Neoconcreto, assinando o manifesto redigido por Ferreira Gullar (1959). Essa
adesão revelou, mais do que mudanças formais significativas em seu trabalho
como escultor
3
, a coincidência de suas idéias com as do grupo, principalmente no
que diz respeito a uma abordagem da estética construtiva que promovesse um
novo modo de pensar, ver e sentir a obra de arte. Uma nova relação entre o fazer e
a teoria foi então proposta. Eram vistos como momentos contemporâneos da
atividade artística, que se completam e se constroem mutuamente, distanciando-se
da arte que teria nas obras uma materialização de um momento teórico a elas
anterior.
Uma abordagem fenomenológica da obra de arte, o entendimento do
trabalho artístico como uma atividade a ser guiada pelo olhar e pela sensibilidade
paralelos ao fazer da obra, são princípios que acompanhariam Amilcar de Castro
em toda a sua trajetória, e que nos ajudam a compreender não só seu trabalho
como escultor e desenhista, mas também o seu trabalho gráfico. Para Amilcar de
Castro, a teoria não precederia o ato artístico, nem seria priorizada com relação à
experiência. Nesse entendimento está a afinidade com o movimento Neoconcreto,
que se apoiou na fenomenologia de Merleau-Ponty e em sua aproximação da arte
como um meio privilegiado de acesso ao mundo, que independeria da filosofia
3
Amilcar de Castro já então havia iniciado sua pesquisa dentro da abstração geométrica, e nesse
caminho foi decisivo o contato, em 1951, com o trabalho do escultor suíço Max Bill, ex-professor
da Bauhaus e um dos fundadores da escola de Ulm. Cabe ressaltar, no entanto, que a sua
aproximação com Max Bill se deu pelo contato com sua obra e não pela coincidência com seu
trabalho teórico, embora Amilcar tenha assistido às conferências ministradas pelo escultor no
Brasil em 1953. Sobre Max Bill, Amilcar de Castro declarou em 2002: “Vi as conferências e a
exposição dele em 1950 [1953]. Discordei das posições artísticas que ele representava, as da
escola de Ulm. Vi depois uma escultura dele que me impressionou muito: uma esfera de latão com
o centro vazado. Fiz uma escultura em chapa de cobre meio baseada na de Max Bill: dividida em
três partes e dobrada pelas diagonais, fechada em triângulos. Ela foi selecionada para a Bienal de
São Paulo de 1953. Foi quando eu comecei a achar o meu caminho”. (Entrevista concedida por
Amilcar de Castro ao caderno Mais! da Folha de São Paulo, publicada na edição de 10/02/2002).
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19
para adquirir sentido próprio
4
. O esforço de superação da dualidade entre idéia e
aparência provocou a busca por uma nova sensibilidade, na qual espaço e tempo
não seriam tratados por representações ideais que reportam a uma experiência
alheia, anterior ao nosso contato com a obra. Este deixaria de ser um contato
contemplativo para exigir de nós mesmos a vivência do tempo e do espaço,
desencadeada pela obra de arte.
A maneira como o trabalho de Amilcar de Castro lida com a geometria, o
espaço e a terceira dimensão, revela a busca incessante em que se converteu sua
arte. A geometria aí não seria uma idéia sem corpo, mas só existiria sendo
matéria, dividindo o mesmo espaço conosco – nós que, a nosso turno, também
ocupamos um lugar e um ponto de vista que não é fixo, mas nos movemos
incorporando os momentos anteriores e projetando os futuros. Sua poética
contraria o estabelecimento de um programa pré-determinado. O espaço, aqui, não
seria um vazio preexistente a ser ocupado por formas, mas só adquire sentido na
realização da obra, pela vivência perceptiva, pelo contato com o olhar que habita
o mundo e nele opera, decide e constrói. Nas esculturas, nos desenhos, e também
nas páginas, vazio e forma constituem uma unidade na qual o primeiro não
precede o segundo, moldando-se, expandindo-se e distendendo-se mutuamente na
medida em que são submetidos à experiência.
Se seus desenhos nascem de uma ação, se suas esculturas coincidem com o
nascimento do espaço, negando a idéia de um espaço eterno e absoluto, também
as páginas por ele diagramadas são calcadas na geometria sensível, recriada no
momento, a cada vez. Assim como a sua arte não pode ser situada na tradição
construtiva sem ressalvas quanto às suas particularidades, seu trabalho gráfico
para o Jornal do Brasil requer um cuidado maior ao ser enquadrado na tradição
4
No Manifesto Neoconcreto (1959), Ferreira Gullar, em nome do grupo, escreveu: “Não
concebemos a obra de arte nem como ‘máquina’ nem como ‘objeto’, mas como um quasi-corpus,
isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que,
decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica.
Acreditamos que a obra de arte supera o mecanismo material sobre o qual repousa por transcender
essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e por criar para si uma significação tácita (M.
Ponty) que emerge nela pela primeira vez.” (AMARAL, 1977:82).
A familiaridade de Amilcar de Castro com o estudo da fenomenologia, no entanto, é anterior a seu
contato com os artistas que viriam a formar o grupo neoconcreto. Ainda em Belo Horizonte, havia
participado de um grupo de estudos em filosofia, nos anos em que estudava direito, na década de
1940, com o professor Wagner Reyna, que fora aluno de Heidegger por sete anos (Cf. SAMPAIO,
2001; PELLEGRINO, 1987).
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20
dos movimentos artísticos europeus que se voltaram para a produção de
impressos. Seu modo particular de entender a arte e a geometria também confere
qualidades específicas ao seu projeto para o jornal, e compreendê-las é parte dos
objetivos deste trabalho.
2.2.
Concretismo, Neoconcretismo e a fenomenologia
Achei o neoconcretismo um movimento muito importante, porque depois do Max Bill a
turma paulista aderiu imediatamente ao Concretismo: a impessoalidade, o rigor, o cálculo, a
obra separada do artista. No Rio de Janeiro houve um contramovimento que defendia que a
arte tinha que ser mais sensível. Aproximei-me desse grupo do Rio porque acho que a arte
tem que ter esse lado também
5
.
Alguns artistas ligados ao Concretismo brasileiro dos anos 1950, como
Waldemar Cordeiro, e, até certo ponto, Antonio Maluf
6
e alguns poetas, como
Décio Pignatari
7
, compreendiam a arte também como um laboratório, um
processo de pesquisa cujo resultado seria posteriormente aplicado em atividades
utilitárias relacionadas à indústria. Embora as várias vertentes artísticas paulistas
conhecidas como “arte concreta” não formassem um único corpo, com uma
mesma ideologia ou linha de trabalho, havia uma compreensão comum da
interferência da arte na vida cotidiana, sob um ponto de vista utilitarista. Essa
compreensão se deve, em grande parte, à influência que as idéias da Escola de
Ulm (Hochschule für Gestaltung-Ulm) e o construtivismo suíço exerceram,
naquela época, no ambiente artístico paulista.
5
“Amilcar de Castro: o experimentador do espaço” (entrevista a Viviane Matesco). In:
Bravo!Entrevista. São Paulo, Editora D’Ávila, 2002, p. 59-65.
6
Antonio Maluf fez questão de frisar que seu trabalho, embora dentro da tradição construtiva, se
deu de modo independente com relação ao grupo Ruptura (Cf. Conferência ministrada no Museu
Imperial de Petrópolis, 2005).
7
Ver seu artigo “Forma, função e projeto geral” (1957). In: AMARAL, 1977:76-77.
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21
Em Ulm, escola de design fundada na Alemanha em 1955, a princípio
idealizada como uma retomada do projeto da Bauhaus
8
, prevaleceram a ciência e a
tecnologia como principais referências na orientação projetual. A escola tinha em
vista, principalmente, a produção industrial e a função operacional
9
dos objetos,
desencorajando a expressão individual do projetista. Este deixaria de assumir a
posição de artista para tornar-se parte de um processo maior e mais complexo, a
produção industrial, que envolve decisões acerca de fatores que extrapolam a
relação entre o artista e o objeto criado. Alexandre Wollner, artista concreto
brasileiro que integrou a primeira turma de Ulm, no Departamento de
Comunicação Visual, sobre sua experiência na escola, declarou:
A escola não criou um estilo Ulm. O elemento estético isolado jamais foi o ponto
de partida para qualquer projeto, e sim um dado conceito que partisse da
necessidade e da relação entre significado, uso, produção e custo. A soma desse
conjunto resulta na forma que, pela harmonia dessa relação, adquire valor estético.
O que realmente aprendi foi reunir a experiência interior – intuição e percepção – e
o conhecimento externo – tecnologia e ciência
10
.
Predominou em Ulm o entendimento de que a Bauhaus dava ênfase à
expressão individual, e que o designer, se não quisesse sucumbir à indústria,
deveria a ela adaptar-se integrando o processo de produção mecânica. Criticavam
também o que consideravam como idealismo formal da Bauhaus, e contrapunham
a ele uma estética que se baseava em preceitos tecnológicos e científicos,
relacionados à semiótica e às teorias da Gestalt. No programa de Ulm, as
disciplinas artísticas do curso fundamental da Bauhaus
11
, de harmonia e
8
“A ligação com a Bauhaus de Dessau era parte do programa [de Ulm] e era constatável em cada
departamento teórico e prático. A presença de antigos professores da Bauhaus (…) influenciou de
modo decisivo o curso básico de 1953 a 1956.” (Ulm design. LINDINGER et alii. 1991:10).
9
A distinção entre “função” e “operação” é tratada em CARDOSO, 2004. Outras funções, além da
operacional seriam, por exemplo, as funções psicológicas, sociais e culturais.
10
WOLLNER, 2003:95.
11
A Bauhaus funcionou de 1919 a 1933, teve várias fases, vários professores influentes e três
diretores. Muitas vertentes diferentes atuaram na escola. É, portanto, difícil definir o que ela
representou sem cair em simplificações. Quando se fala em Bauhaus hoje em dia, pensa-se, na
maior parte das vezes, em Walter Gropius e no período em que ele dirigiu a escola em Dessau. Em
parte porque esse seria o período privilegiado pela historiografia em geral, principalmente pela
posterior atuação de Gropius nos Estados Unidos depois da segunda guerra. E também pela
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composição, foram substituídas por aulas de teoria da forma e teoria da
informação, de economia e de sociologia, em uma contraposição às idéias de
inspiração e criatividade, em cujo lugar foi feita a defesa de um conhecimento que
habilitaria a excelência técnica e a eficiência.
A estética adotada em Ulm foi a “estética da informação”
12
formulada por
Max Bense ao longo dos anos em que lecionou na escola
13
. Trata-se de uma
estética científica com ênfase utilitária, constatável pela pesquisa e pelo
experimento e, portanto, passível de revisão e de constante renovação,
incorporando a idéia de novidade e superação típicas da modernidade. Tomando
como modelo a teoria da ciência, supõe que a estética seria um campo aberto do
conhecimento, sujeito ao aperfeiçoamento promovido pela investigação. Pela
adoção do método científico, recorrendo ao processo de tentativa e erro e à
confrontação permanente entre hipótese e experimento, pretendia que a estética
produção da escola nessa época ter servido de modelo para o que veio a ser conhecido como o
Estilo Internacional dos anos 1950. No entanto, é possível identificarem-se pelo menos três
períodos de orientações distintas dentro da escola. No primeiro, em que Gropius a dirigiu em
Weimar (1919-1923), predominou um expressionismo tardio, sob influência predominante de
professores artistas, como Paul Klee, Wassiliy Kandinsky e, principalmente, Johannes Itten. Este
último, teórico da cor, foi professor importante no “ciclo básico”, e defendia a expressão
individual do artista acima de aspectos técnicos ou funcionais. Artistas como Klee e Kandinsky,
por sua vez, viam na Bauhaus uma oportunidade de levar a arte à vida cotidiana. O segundo
período é o mais conhecido, e corresponde à direção de Gropius em Dessau (1923-1927), no qual
predominou uma orientação estético-formalista. Foi um período sensível às vanguardas artísticas
do princípio do século XX, principalmente ao movimento De Stijl e ao construtivismo russo,
graças, sobretudo, à atuação dos professores Theo Van Doesburg e László Moholy-Nagy.
Procurou-se estabelecer uma linguagem universal, coletiva, que privilegiasse o ângulo reto, as
formas básicas e as três cores primárias. Acreditavam, assim, poder eliminar os estilos pessoais,
construindo protótipos mais adequados à indústria. Doesburg ficou por pouco tempo na escola,
mas a sua influência foi grande. O repertório limitado acabou por criar um “Estilo Bauhaus”,
quando o que se pretendia eram universalidade e neutralidade, uma suposta ausência de estilo,
sendo a principal razão de muitas críticas feitas à escola. Ainda em Dessau, a Bauhaus teve mais
um diretor: Hannes Mayer, que a assumiu em 1927, início do período funcionalista e
técnico/produtivista. Defendia como meta a criação de modelos que se adaptassem às necessidades
do proletariado, priorizando-as sobre critérios estético-formais. Havia a preocupação em se
estabelecer um standard, e a forma era produto da assimilação de resultados da pesquisa
sistemática. Uma citação de Mayer, de 1926, ilustra como a sua orientação era distinta daquela de
Gropius: “sem pretensões clássicas e sem a confusão dos conceitos artísticos, sem a infiltração
das artes aplicadas, surgem os testemunhos de uma nova época: feiras de amostras, silos, music-
halls, aeroportos, mercadorias estandardizadas. Todas essas coisas são produtos da fórmula:
função-economia. Não são obras de arte. A arte é composição, o objetivo é função. A idéia de
composição de um porto nos parece absurda e o que dizer sobre a composição de um plano
urbanístico ou de um apartamento? Construir é um processo técnico, não estético, a idéia de
funcionalidade de uma casa se opõe à composição artística” (citado em SOUZA, 2001:48). Nesse
pensamento, que se desenvolve dentro da própria Bauhaus, está a origem das diretrizes adotadas
na escola de Ulm. (Cf. DROSTE, 1994 e SOUZA, 2001).
12
Informationstheoretische äesthetik.
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23
fosse uma disciplina mediadora entre as ciências naturais e as ciências do espírito.
Se, por um lado, é uma estética centrada no objeto, em que os “estados estéticos”
são visíveis e constatáveis e, portanto, baseada na experiência, por outro, essa
experiência é considerada a partir de teorias formuladas anteriormente:
A designação mais apropriada seria a de uma “estética científica”, o que indicaria
que aqui a informação de teorias pode ser submetida à revisão crítica do
experimento e da experiência. De fato, nesta teoria estética desempenham um
grande papel idéias e concepções, que não apenas pertencem à matemática e à
semiótica, mas que foram tomadas também da física, da teoria da informação, da
teoria da comunicação, da teoria dos sinais e da investigação dos sistemas. Esta
estética foi concebida, portanto, como uma estética objetiva e material, que não
opera com meios especulativos, mas racionais. Está interessada primariamente no
objeto. A relação com o consumidor, observador, comprador, crítico, etc., passa a
um segundo plano. Não se trata de uma “estética do gosto”, mas de uma “estética
da constatação”, na qual os “estados estéticos”, seu “repertório”, seus “portadores”
são descritos “objetiva”, “material” e “exatamente” na linguagem abstrata de uma
teoria geral empírica e racional
14
.
Assim, em Ulm, teoria e prática estariam em plena reciprocidade, supondo,
contudo uma separação: são dois momentos distintos e alternados, em que a teoria
tem a finalidade de abarcar a vivência. Embora a observação e a experiência
pudessem, de acordo com essa concepção estética, promover uma superação
progressiva da posição teórica de que partiram, haveria aí sempre a preocupação
em submeter o sensível a uma ordem inteligível que o regule e justifique. A teoria
seria, além disso, o motor da realização de novas experiências, mantendo também
a produção estética em uma evolução contínua
15
. Do mesmo modo que a teoria
estética, o processo criativo também deveria, segundo Bense, submeter-se a um
método. O gosto subjetivo deveria dar lugar a princípios matemáticos e
13
Max Bense publicou Estética Informacional em 1954 e Estética em 1965.
14
BENSE, 1972:22.
15
Nesse ponto, podemos estabelecer uma relação entre a estética de Max Bense e a de Hegel,
filósofo cuja obra seria uma de suas principais referências.
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24
semióticos, mensuráveis e observáveis, aproximando a produção artística da
tecnologia e da ciência, equiparando-se a elas.
Muitos artistas em São Paulo partilhavam dessas idéias, e voltaram sua
atuação em direção à indústria e aos meios de produção de massa. Essa influência
se fez sentir também na produção artística que, muitas vezes, baseando-se nesse
pensamento, veio a ser compreendida como um estágio investigativo, uma
pesquisa a serviço da produção de objetos e da comunicação em massa. Para
Waldemar Cordeiro (O objeto, 1956), “a arte se diferencia de um pensamento
porque é material, e das coisas ordinárias porque é pensamento (…) não é
expressão, mas produto
16
, na qual a toda forma, a tudo que é produzido pelo
artista corresponderia um valor:
É preciso compreender a tela como um plano só, como um espaço definido, onde a
composição é uma prova de dependências, e onde só não é valor o que não
corresponde à relação com outros elementos, porque o valor é um só, e todos os
elementos devem ser equivalentes na quantidade e na qualidade. (Ainda o
abstracionismo, 1949)
17
Para Waldemar Cordeiro e o grupo Ruptura
18
, a arte não era uma atividade
privilegiada com relação às artes aplicadas. De maneira análoga à concepção
existente no Produtivismo Russo
19
, eles viam uma e outra como momentos
16
BANDEIRA, 2002:55.
17
Ibidem, p.17.
18
Grupo de artistas formado com a exposição de mesmo nome, inaugurada em dezembro de 1952,
no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Na ocasião, publicaram também o “Manifesto Ruptura”,
distribuído ao público visitante. Assinaram o manifesto e participaram da exposição os artistas
Waldemar Cordeiro, líder do grupo, Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Leopoldo
Haar, Luiz Sacilotto e Anatol Wladyslaw.
19
Refiro-me aqui, principalmente, ao trabalho de artistas, como Aleksandr Rodchenko e Varvara
Stepanova, cuja experimentação intensa levou-os a abandonar a atividade artística e a dedicar-se
exclusivamente à produção de objetos utilitários e gráficos. Em 1921, na exposição 5x5=25,
declararam o fim da pintura e a intenção do grupo de participar ativamente da nova sociedade, que
acreditavam estar em construção na União Soviética, pela atuação direta na vida cotidiana. No
texto da exposição, Rodchenko escreveu: “Reduzi a pintura a sua conclusão lógica e expus três
quadros: vermelho, azul e amarelo. Afirmei: está tudo acabado. Cores básicas. Cada plano é um
plano e não há mais representação” (citado em DABROWSKI, 1998:43) “Não há nada que
precisemos representar, em lugar disso devemos apenas fazer, processar e construir.” (citado em
LAVRENT’EV, 1998:58).
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25
diferentes de uma mesma prática, projeto e realização, pesquisa e aplicação de
uma idéia. Uma vez que entendiam a arte como a concretização, ou mesmo a
demonstração, de uma idéia a priori, essa separação entre teoria e prática permitiu
que concebessem a divisão entre arte, como pesquisa desinteressada, e sua
inserção no cotidiano, como aplicação prática dessa teoria. Não encontramos essa
divisão no neoconcretismo, tampouco no trabalho gráfico de Amilcar de Castro,
como veremos adiante.
Outros artistas concretos paulistas, como Antonio Maluf, não poderiam, no
entanto, ser identificados com o modo de entender a arte que caracteriza o grupo
Ruptura
20
. Maluf distinguiu seu processo daquele fundamentado na matemática,
na representação de uma realidade perfeita, ideal. Afirmou que suas “equações”
são sinônimo de equivalências entre linguagem e suporte
21
, ou seja, ausência de
representação e atenção à forma como fenômeno, como realidade, como aquilo
que é percebido pelo olhar. Aproxima-se, assim, da visão fenomenológica de
Walter Gropius, segundo a qual a arte não seria representação, mas atuação no
real. O ponto que une a sua concepção à de outros concretistas, no entanto, é a
crença no artista como um agente capaz de intervir na produção industrial,
contribuindo com a transformação da sociedade pela disseminação da forma
artística. A construção de ambientes e a produção de objetos projetados pelos
artistas seriam capazes de sensibilizar e educar, seguindo um pensamento
influenciado, também aqui, por Walter Gropius e a utopia bauhausiana
22
. Nas
palavras de Antonio Maluf (“Vila Normanda”, 1958):
20
Em conferência pronunciada no Museu Imperial de Petrópolis, em 2005, Antonio Maluf
ressaltou essa distinção. Afirmou que a arte concreta tem ‘vários caminhos’ e aquele percorrido
pelo grupo Ruptura estaria próximo ao do artista holandês Theo Van Doesburg, distinto daquele
escolhido por ele próprio. Doesburg adotava preceitos matemáticos como uma justificativa para a
abstração, substituindo a figura, a representação do real, pela representação do ideal – a perfeição
matemática. Um exemplo que ilustraria essa interpretação está na série de oito estudos From
Nature to Composition de Theo Van Doesburg, 1919 (BOIS, 1991). Trata-se de uma seqüência de
imagens em que a primeira delas traz a pintura figurativa de uma mulher, enquanto a última é uma
pintura totalmente abstrata. As demais imagens da série são estágios intermediários nos quais a
figura, a cada um deles, torna-se menos realista, até chegar à abstração completa. Yve-Alain Bois
ressalta, ainda, que esse entendimento de Doesburg quanto à abstração, que mantém uma conexão
entre abstração e representação, seria a diferença primordial entre o seu trabalho e aquele de
Mondrian.
21
Conferência pronunciada por Antonio Maluf no Museu Imperial de Petrópolis, 2005.
22
Foi na Bauhaus de Gropius que o ideal romântico de educação pela forma buscou integrar-se à
produção industrial. Gropius acreditava que uma elite intelectual poderia promover uma nova
organização social da indústria, capaz de assimilar e potencializar o artesanato, e não destruí-lo,
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26
O artista de vanguarda aceita o rigor e a responsabilidade decorrentes de uma
linguagem racional, adaptando-se a condições de trabalho que o fazem assemelhar-
se a um operário, o ‘operário da arte’. (…) O aparecimento e o aperfeiçoamento da
indústria são sem dúvida fatores históricos que estão na base de toda arte
contemporânea
23
.
Décio Pignatari, poeta concreto, também acreditava na integração da arte à
produção de objetos úteis, embora a afirmasse como atividade autônoma
(“Forma, função e projeto geral”, 1957):
As artes visuais encontraram na arquitetura e no urbanismo, bem como no desenho
industrial, no cinema, na propaganda, um vasto campo possível de aplicações,
enquanto, por urgência de uma comunicação mais rápida e incisiva – mais
econômica – a nossa época colocava-se sob o signo da comunicação não verbal.
(…) A poesia concreta, por recente, apenas principia a entrever possibilidades
utilitárias na propaganda, nas artes gráficas, no jornalismo. (…) Contudo, o objeto
útil ou utilitário (…) não pode absorver toda a capacidade de criação das artes, que
ainda encontram na idéia-objeto autônoma a mais conseqüente e profunda de suas
manifestações
24
.
Para Pignatari, os principais fatores que orientam a atividade do artista na
indústria seriam a economia e a eficiência. Para o poeta, era importante enfatizar a
facilidade de assimilação que a comunicação visual permite. Ainda que
reafirmasse, no texto acima citado, a autonomia da arte, Pignatari indicou uma
relação entre a arte e o mundo utilitário que se aproxima da idéia de fim da arte
como atividade independente e desinteressada. Antonio Maluf chegou a afirmar,
no texto “Vila Normanda” (1958), que “para a nova arte, poderá realizar-se a
impedindo a alienação do trabalhador (Cf. ARGAN, 1984). O entendimento do modo de produção
industrial como a única maneira de difundir a arte pela população diferencia as idéias da Bauhaus
com relação àquelas defendidas por John Ruskin e William Morris, que acreditavam ser a
regeneração da sociedade pela disseminação da forma artística possível apenas com o retorno a um
modo de produção pré-industrial.
23
AMARAL, 1977:193.
24
Ibidem, p. 76.
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27
profecia de Renan, segundo a qual não existirá mais poesia no dia em que todas
as coisas que nos cercam forem poéticas
25
. Segundo essa visão, a arte, já
desvinculada da representação de um ideal ou sentimento, seja por meio de
formas figurativas ou abstratas, passaria, conseqüentemente, a não pertencer mais
necessariamente ao ambiente isolador e contemplativo do museu. A arte invadiria
então a vida cotidiana, fazendo-se presente na arquitetura, nos objetos, nas artes
gráficas, exercendo um papel ativo, transformador, na vida das pessoas.
O movimento Concreto provocou a reação de um grupo de artistas que
lidavam também com a abstração geométrica, mas discordavam do que lhes
parecia um certo rigor dogmático, no qual não se enquadravam. Essa reação foi
formalizada com o Movimento Neoconcreto e a publicação de seu manifesto, no
qual esses artistas criticavam, no movimento concreto paulista, o que
consideravam uma “perigosa exacerbação racionalista
26
, que reduziria a arte a
valores quantificáveis, submetendo-a à ciência e levando-a, como conseqüência
lógica dessa submissão, à sua dissolução na vida cotidiana em uma prática
utilitária.
Como solução para o que acreditava levar a um esgotamento da atividade
artística, o Movimento Neoconcreto propôs a busca de um novo fundamento, um
retorno à “expressão original” e a reafirmação do artista como indivíduo capaz de
trazer ao mundo “novas significações”. No Manifesto Neoconcreto (1959),
Ferreira Gullar afirmou:
Propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos demais
movimentos afins, na base de suas conquistas de expressão e dando prevalência à
obra sobre a teoria. (…)
O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do
homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a validez
das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da expressão
(…). O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as qualidades
intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica: assim os
conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura – que na linguagem das artes estão
25
Ibidem, p. 193.
26
Ibidem, p. 80.
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28
ligadas a uma significação existencial, emotiva, afetiva – são confundidos com a
aplicação teórica que faz deles a ciência
27
.
Gullar se referia, principalmente, à adesão dos artistas concretos ao
pensamento estético de Ulm e a uma determinada interpretação da teoria
perceptiva da Gestalt que essa adesão implicava. Via nos concretos,
especialmente nas declarações de Waldemar Cordeiro e do grupo Ruptura, um
entendimento da arte como demonstração de mecanismos perceptivos. Ainda no
Manifesto Neoconcreto, afirmou:
Inevitavelmente, os artistas que assim procedem apenas ilustram noções a priori,
limitados que estão por um método que já lhes prescreve, de antemão, o resultado
do trabalho. Furtando-se à criação intuitiva, reduzindo-se a um corpo objetivo num
espaço objetivo, o artista concreto racionalista, com seus quadros, apenas solicita
de si e do espectador uma reação de estímulo e reflexo: fala ao olho como
instrumento e não ao olho como um modo humano de ter o mundo e se dar a ele;
fala ao olho-máquina, e não ao olho-corpo
28
.
O entendimento criticado por Gullar suporia uma compreensão da visão, e
da percepção em geral, como um processo transparente e inequívoco e, portanto,
objetivo e passível de quantificação e de demonstração. Ainda segundo os artistas
neoconcretos, a redução da obra a valores quantificáveis e comparáveis que
julgavam existir no trabalho dos concretistas acabaria por negar a especificidade
da arte, as qualidades individuais do artista e a sua capacidade criadora. O papel
do homem e suas decisões teriam sido diminuídos, perdendo em importância para
valores permutáveis, determinados pela teoria da forma, pela matemática e, enfim,
pela ciência.
O Neoconcretismo identificou nessa submissão da arte à ciência uma
situação de crise que levaria ao esgotamento da própria atividade artística. Em
contraposição, defendeu para a arte a necessidade de uma aproximação
qualitativa, que admitisse o imprevisível, o indeterminado, a liberdade, que
corresponderiam a valores centrados no homem, revalorizados frente à lógica
27
Ibidem, p. 80-82.
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29
quantitativa e determinada da ciência e da tecnologia. Propunha uma interpretação
fenomenológica da obra dos artistas da tradição geométrica e construtiva,
privilegiando a percepção direta da obra, a experiência. Diferentemente da estética
preconizada em Ulm, a abordagem feita a partir da fenomenologia entendia o
inteligível e o sensível como indissociáveis na obra artística, não havendo a
separação entre idéia e concretização. A leitura feita pelos neoconcretos, via
Gullar, da arte concreta paulista a via como uma arte que supervalorizava a
técnica, e propôs uma recusa a essa tecnização e à conseqüente desvalorização do
homem e da arte.
Gullar contrapôs a abordagem fenomenológica de Merleau-Ponty às teorias
da percepção da Gestalt, que considerou tratar, de um modo geral, de relações
mecânicas
29
. No entanto, é a partir dessas teorias que Merleau-Ponty partiu,
criticamente, para chegar à redução fenomenológica da percepção. O filósofo
argumentou, em seu livro Fenomenologia da Percepção (1945), que o resultado
mesmo das pesquisas da psicologia da forma levaram a um entendimento da
percepção diferente daquele que supunha a ciência. Ao observarem os fenômenos
perceptivos, os psicólogos da Gestalt constataram que o mundo não seria
codificado de modo inequívoco e direto pela percepção e transmitido à
consciência. A percepção como um meio neutro de transmissão de informação se
daria apenas em um nível teórico. Para Merleau-Ponty, faltou aos psicólogos uma
compreensão filosófica de suas constatações, que acabaria por levá-los a
28
Ibidem, p. 82-83.
29
No Suplemento Dominical do Jornal do Brasil de 14-15 de março de 1959, Ferreira Gullar
escreveu uma nota intitulada “Os neoconcretos e a Gestalt”, esclarecendo sua posição sobre o
tema: “Um ponto importante do manifesto neoconcreto (publicado no catálogo da I Exposição
Neoconcreta no MAM-Rio) é o que se refere à insuficiência da Psicologia da Forma (Gestalt
Psychology) para definir e compreender em toda a sua complexidade o fenômeno da obra de arte.
Não se trata, evidentemente, de negar a validez das leis gestaltianas no campo da experiência
perceptiva, onde realmente o método direto dessa psicologia abriu novas possibilidades para a
compreensão das estruturas formais. A limitação da Gestalt, conforme o afirma e demonstra
Maurice Merleau-Ponty (“La Structure du comportament” e “Phenomenologie de la perception”)
está na interpretação do que os teóricos da forma dão às experiências e testes que realizam, ou
seja, às leis que tais experiências permitiram objetivar no campo perceptivo. M. Merleau-Ponty,
depois de um exame minucioso do conceito de forma, mostra que a Gestalt é ainda uma psicologia
causalista, o que a obriga a lançar mão do conceito de “isomorfismo”, para restabelecer a unidade
entre o mundo exterior e o mundo interior, entre o sujeito e o objeto. Não pretendemos nesta
pequena nota mais do que chamar a atenção para este aspecto importante para a nova atitude –
prática e teórica – que os artistas neoconcretos tomam em face da arte construtivo-geométrica. O
problema da Gestalt e o conceito de forma reclamados pelos neoconcretos será abordado mais
tarde nesta página.”
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30
recolocar em questão o pensamento objetivo da lógica e da filosofia clássicas,
pôr em suspenso as categorias do mundo, pôr em dúvida, no sentido cartesiano,
as pretensas evidências do realismo, e proceder a uma verdadeira ‘redução
fenomenológica’
30
. Concluiu que a descrição da percepção não poderia ser
anterior a ela mesma, uma vez que a percepção está suposta em toda observação
de que parte a investigação científica:
As pretensas condições da percepção só se tornam anteriores à percepção quando,
em lugar de descrever o fenômeno perceptivo como primeira abertura ao projeto,
nós supomos em torno dele um meio onde já estejam inscritas todas as
explicitações e todas as confrontações que a percepção analítica obterá, onde
estejam justificadas todas as normas da percepção efetiva – um lugar da verdade,
um mundo. Ao fazer isso, nós subtraímos à percepção a sua função essencial, que é
a de fundar ou inaugurar o conhecimento, e a vemos através de seus resultados. Se
nós nos atemos aos fenômenos, a unidade da coisa na percepção não é construída
por associação, mas, condição da associação, ela precede os confrontos que a
verificam e a determinam, ela se precede a si mesma.
31
Este é um ponto de vista que dá distinção especial à experiência, com tudo o
que nela pode haver de ambíguo ou indeterminado. É uma valorização da vivência
acima de qualquer discurso ou teoria. Merleau-Ponty entendia o mundo como
sendo anterior a toda síntese feita pelo conhecimento, e o “estar no mundo” como
condição primeira da existência, enfatizando a percepção, o corpo:
(…) retornar às “coisas mesmas” é antes de tudo a desaprovação da ciência. Eu
não sou o resultado ou o entrecruzamento de múltiplas causalidades que
determinam o meu corpo ou o meu “psiquismo”, eu não posso pensar-me como
uma parte do mundo, como o simples objeto da biologia, da psicologia ou da
sociologia, nem fechar sobre mim mesmo o universo da ciência. Tudo aquilo que
sei no mundo, mesmo pela ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma
experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada.
Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos
pensar a própria ciência com rigor, (…) precisamos primeiramente despertar essa
30
MERLEAU-PONTY, 1999:80.
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31
experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda. A ciência não tem e não
terá jamais o mesmo sentido de ser do mundo percebido, pela simples razão de que
ela é uma determinação ou uma explicação dele. (…) Eu sou a fonte absoluta (…)
32
Temos aqui um pensamento que permite compreender a arte como um lugar
privilegiado, por ser capaz de promover a experiência, e não derivar dela. O
sentido da obra estaria, assim, em sua própria existência e na experimentação que
temos dela, o sensível e o inteligível não sendo mais distinguíveis: o primeiro não
seria mais o intermediário entre nós e o inteligível. A arte seria, portanto, um
modo de experimentarmos a existência, em uma perspectiva a partir do próprio
sujeito-no-mundo.
Nesse sentido, a fenomenologia seria uma via que busca reafirmar o que é
intrinsecamente humano em contraposição à técnica e à pura racionalidade.
Também a abordagem de Merleau-Ponty, embora centrada na relação entre
pensamento e corpo, o que lhe conferiria, à primeira vista, uma relação com as
ciências naturais, estaria alinhada com essa reafirmação do homem. Pois, ao
buscar um novo fundamento, um retorno aos fenômenos, o fez a partir dos
sentidos, do corpo, daquilo que é próprio do homem, buscando uma humanidade
mais completa, mais abrangente que aquela pensada pela metafísica da filosofia
da tradição. A “fonte absoluta” a que se refere Merleau-Ponty é a experiência, que
tem no homem o seu centro: “se não tivesse havido um homem com órgãos de
fonação ou de articulação e um aparelho para assoprar, ou pelo menos com um
corpo e a capacidade de mover-se a si mesmo, não teria havido fala nem
idéias.”
33
O Neoconcretismo se alinhou à crítica feita pela fenomenologia de Merleau-
Ponty à atitude cientificista e contrapôs à orientação ligada ao pensamento-
fundamento e à técnica, presente no concretismo, um retorno ao mundo vivido, à
experiência, à perspectiva individual. Não seria possível, aqui, determinar a
precedência do sujeito com relação ao objeto, e vice-versa. Na experiência, seriam
31
Ibidem, p. 40.
32
Ibidem, p. 3.
33
Ibidem, p. 523.
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32
duas categorias simultâneas que se determinam reciprocamente. Trata-se de uma
orientação contrária à estética objetiva de Max Bense, em que afirmava ser
necessário
Distinguirmos entre os “estados estéticos” da “fonte”, isto é, do “objeto estético” e
as “sensações estéticas” do “sujeito estético”, ou seja, do produtor ou
contemplador. Na “estética material” aspiramos, por conseguinte, a uma teoria dos
objetos reais, que se diferenciam por meio dos estados estéticos.
34
Para Max Bense, essa separação entre sujeito e mundo é não só possível
como necessária, e o sujeito teria a possibilidade de acesso a esse mundo por meio
de uma relação comunicativa, intermediado pela linguagem. Embora haja uma
coincidência com Merleau-Ponty no que diz respeito ao retorno aos fenômenos,
ao mundo em sua facticidade, há a discordância quanto à possibilidade de o
homem poder abarcá-lo, de “aspirar a uma teoria dos objetos reais”, como se
estivesse dele apartado. Baseando-se na fenomenologia de Merleau-Ponty e
contrapondo-se à estética de Bense e de Ulm, os Neoconcretos abdicaram da
adoção de uma linguagem codificável, de uma estética constatável, em favor da
vivência singular e não sistematizável da obra de arte.
Embora a publicação do Manifesto Neoconcreto, a formação de um grupo, a
organização de exposições e a intensa produção de textos em torno do movimento
neoconcreto pudessem revelar a afirmação de novas certezas, uma certa nostalgia
do espírito utópico moderno fez-se presente. Na Carta a Mondrian (1959), Lygia
Clark exprimiu a angústia da dúvida de um ideal frágil, instável. Seu interlocutor
é Mondrian, o único que poderia compreendê-la e inspirar-lhe num momento em
que ter convicção acerca de uma verdade seria uma insistência solitária, quase
admitindo a impossibilidade de retorno a uma visão humanista e positiva:
Mondrian: você acreditou no homem. Você fez mais: num sonho utópico,
estupendo, pensou em eras vindas em que a própria vida “construída” seria uma
realidade plástica…
34
BENSE, 1972:25.
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33
Talvez isto te salvasse da tua própria solidão. Pois eu, meu amigo, não sonho
porque não acredito. Não por excesso de realismo, mas para mim o coletivo só
existe na razão desta desordem de ordem prática e social.
(…) Mondrian, se sua força pode me servir, seria como o bife cru colocado nesse
olho sofrido para que ele veja o mais depressa possível e possa encarar esta
realidade às vezes tão insuportável – “o artista é um solitário”.
(…) Você hoje está mais vivo para mim que todas as pessoas que me
compreendem, até certo ponto.
35
Nesse contexto, tornou-se problemática, para os neoconcretistas, uma
atuação social semelhante à que se propunham os artistas concretos paulistas. Os
neoconcretos viam no concretismo paulista a culminância e o esgotamento do
processo crítico e autocrítico que caracterizou as vanguardas do início do século
XX. Ao levar ao extremo a questão da não-representação em arte, a dissolução
das fronteiras entre a arte e a vida cotidiana era entendida pelos concretos como
um desdobramento espontâneo da atividade artística. A inserção do objeto
artístico no mundo real estaria relacionada a uma tentativa de alinhar-se com o
método científico de aproximação da verdade. A abordagem Neoconcreta, ao
contrário, constituía uma resistência a esse processo. No entanto, alguns desses
artistas, como Amilcar de Castro, Willys de Castro e Lygia Pape aproximaram-se
de atividades ligadas à indústria. O estudo do trabalho gráfico de Amilcar de
Castro, especialmente aquele realizado no Jornal do Brasil e no SDJB,
conjuntamente com Reynaldo Jardim, nos ajuda a compreender como se dá essa
aproximação.
O Neoconcretismo se opôs à ideologia do movimento concreto paulista pela
reafirmação da arte como meio de expressão do artista, de suas possibilidades
criadoras e de sua independência com relação a outras esferas do conhecimento e
ao sistema de produção e consumo. Segundo Ronaldo Brito (“As ideologias
construtivas no ambiente cultural brasileiro”, 1975),
O neoconcretismo, por sua vez, era praticamente apolítico, mantinha-se no terreno
reservado, era tímido e desconfiado com relação à participação da arte na produção
35
Lygia Clark, 1997:114-115.
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34
industrial. (…) por mais que projetassem transformações sociais a partir do seu
trabalho, permaneciam necessariamente no terreno especulativo, no terreno da arte
enquanto prática experimental autônoma. A inserção neoconcreta se dava num
espaço menos abrangente e mais tradicional do que a concreta, levando-se em
conta estritamente a participação do artista na produção social.
36
O neoconcretismo não era um movimento que funcionava de maneira coesa
e homogênea, mas tratava-se, antes, de um grupo de artistas que trabalhavam
individualmente, reunindo-se para trocar idéias. A posição tomada pela defesa da
sensibilidade na arte geométrica não se estendia a uma orientação com relação ao
trabalho: “Era cada um no seu canto. Mas a gente se telefonava. E se encontrava,
às vezes na casa do Mário Pedrosa, às vezes na de Lygia Clark. Ou num
botequim.”
37
A atuação dos neoconcretos na vida cotidiana não era, portanto, parte
de um programa, da luta pela realização de uma utopia de transformação do
ambiente social pela arte. Não partilhavam da crença de que a arte seria o lugar de
uma produção especial cuja missão seria disseminar-se na coletividade, nem
tampouco acreditavam nela como um campo de realização de experiências
posteriormente aplicáveis em situações com fins utilitários.
Lygia Clark afirmava acreditar numa fusão entre arte e vida, mas em um
sentido diverso do que encontramos entre os artistas concretos. Sua preocupação
era tratar a arte como um meio de recuperar a dimensão espiritual do homem, em
contraposição à técnica, e não a acompanhando. A necessidade de expressão
criativa do artista permanecia como foco de sua atuação, mesmo ao realizar
projetos relacionados às artes aplicadas e à arquitetura. Em uma conferência
pronunciada na Escola Nacional de Arquitetura de Belo Horizonte (1956), Lygia
Clark evidenciou a sua posição quanto ao tema, e já então revelou, mesmo que de
maneira implícita, a sua discordância com relação à orientação ideológica do
concretismo:
36
AMARAL, 1977:307.
37
Entrevista concedida por Amilcar de Castro ao caderno Mais! da Folha de São Paulo , publicada
na edição de 10/02/2002.
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35
Se a arte concreta prescinde do caráter expressional que sempre foi a característica
de uma obra de arte individual, então é de se supor que ela já se situe
essencialmente [de modo] diferente de uma obra de arte individual em si mesma.
Daí, a meu ver, a necessidade de um trabalho de equipe em que o artista concreto
poderá se realizar realmente, criando com o arquiteto um ambiente “por si só
expressional”.
38
2.3
Amilcar de Castro, o Jornal do Brasil e o SDJB
Amilcar de Castro está entre alguns dos artistas neoconcretos que realizaram
uma atividade relacionada à indústria. A atuação de Amilcar de Castro no Jornal
do Brasil e, principalmente, no SDJB, no entanto, revelou uma atitude diversa da
defendida pelos valores concretos de integração entre arte e vida. Estava mais
próxima da visão de Lygia Clark, realizando um trabalho em que desafiou o
utilitário, com grande autonomia expressiva. Não tinha a intenção de, no trabalho
como diagramador, encontrar uma aplicação prática para a sua produção artística.
Não via a atuação junto à indústria como uma complementação ou uma etapa
necessária ao seu trabalho como artista. Como observou Ferreira Gullar,
referindo-se ao trabalho de Amilcar de Castro no Jornal do Brasil: “O Amilcar
também era um cara que se apaixonava por uma coisa como essa – renovar um
troço – perfeito, mas também o interesse dele era a escultura dele, outras
coisas.”
39
O ofício de diagramador era uma alternativa para a sobrevivência do artista
diante de um mercado de arte ainda incapaz de absorver a sua produção com
regularidade.
40
Embora Amilcar de Castro tenha voltado a fazer projetos para
outros jornais posteriormente, nos anos 1960 e 1970, e ainda em 1998, com o
Jornal de Resenhas, não se pode afirmar que, à época da reforma do Jornal do
38
Lygia Clark, 1997:71.
39
Depoimento de Ferreira Gullar prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em 1977.
40
Em 1969, Amilcar declarou em entrevista a Vera Pedrosa não ter “vendido mais que uma dúzia
de trabalhos em 15 anos” (ALVES, 2005:145). A atividade de programador visual era, nessa
época, um meio encontrado para assegurar algum rendimento.
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36
Brasil, a atividade fizesse parte da realização de seus projetos pessoais como
artista:
Eu estava no Rio, tinha uns 30 anos, dois filhos e não tinha encontrado o meu
caminho: sabia que não era o Direito, nem trabalhar em jornal. Eu queria sentir,
pensar e fazer uma coisa minha, que não sabia qual era. (…) Comecei a achar que
podia fazer alguma coisa em escultura. Mas só em 1968, quando ganhei as bolsas
para o exterior, o prêmio Guggenheim, tive certeza que era escultor. Tinha quase
50 anos.
41
Podemos entender que não se tratava exatamente de um artista a serviço da
produção industrial, nos moldes do ideário concreto, mas de um “funcionário da
indústria” que realizou o seu trabalho como se fosse um trabalho de arte, o
diagramador que usou seu ofício como uma oportunidade para se expressar. Não
foi a arte que se adaptou às exigências de um objeto utilitário, mas o objeto
utilitário que foi tratado como objeto artístico – um objeto experimental,
reafirmando a capacidade criativa do homem, imposta à lógica mecânica do
mundo industrializado. O trabalho de Amilcar de Castro no Jornal do Brasil e em
seu suplemento foi norteado pela experimentação, a variação e a liberdade. A
separação praticada no design racionalista entre projeto e execução, que permite
uma especialização dentro do trabalho gráfico, em que um profissional define o
projeto, no caso de um jornal, e outro o executa com pequenas variações a cada
dia, não seria possível em um jornal como o SDJB, cujo projeto se transformava
continuamente, ou no conjunto de primeiras páginas do Jornal do Brasil.
Concepção e execução eram aí atividades difíceis de serem separadas, uma vez
que a cada dia se apresentavam soluções novas, em um projeto sempre em
transformação, o que dificultava a divisão de tarefas, contrariando a lógica da
indústria
42
.
41
Entrevista concedida por Amilcar de Castro ao caderno Mais! da Folha de São Paulo , publicada
na edição de 10/02/2002.
42
Amilcar de Castro diagramava todas as primeiras páginas do Jornal do Brasil . Na diagramação
do miolo havia outros diagramadores. O SDJB era diagramado por Amilcar de Castro e Reynaldo
Jardim (Depoimento de Amilcar de Castro prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI
em 1977).
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37
Partindo de formas geométricas, as soluções formais encontradas nas
esculturas e desenhos de Amilcar de Castro não são demonstrações ou
materializações de pensamentos – só adquirem sentido ao serem confrontadas
com o olhar que partilha com a obra o mesmo espaço real e tangível. Não é da
teoria que parte a obra, mas ela produz significação em si mesma, e apenas desse
modo. Algumas declarações de Amilcar de Castro confirmam a atitude que já
transparece em seu trabalho:
Teoria é um perigo: ela pode matar a arte. O sujeito passa a pintar para ilustrar a
teoria. (…) Não há nenhuma teoria – nenhum raciocínio – que alcance o que o
sensível alcança. (…) o melhor golpe de espada é no coração, e ele deve ser feito
sem cálculo prévio.
43
Eu detesto teoria de qualquer coisa, ela é secundária por uma razão: antes não
adianta nada e, depois, ela não é necessária. Então eu faço o que estou sentindo,
desde a Bienal de São Paulo de 1953 até hoje eu não estou preocupado com isso ou
aquilo, nem pensando em termos teóricos. Você, como artista, não tem certezas.
Não há coisas definitivas, a arte não é assim. Arte é um fazer permanente, sem
certeza de coisa nenhuma. Se não, para que fazer? Já estaria tudo resolvido de
antemão.
44
Merleau-Ponty tratou dessa mesma relação entre idéia e realização, que
supõe a impossibilidade de apartá-las, ao considerar a pintura de Cézanne (A
dúvida de Cézanne, 1945): “A ‘concepção’ não pode preceder a ‘execução’.
Antes da expressão, existe apenas uma febre vaga e só a obra feita e
compreendida poderá provar que se deveria ter detectado ali antes alguma coisa
do que nada.
45
Essa atenção ao fazer e ao olhar conjugados, própria das esculturas e
desenhos de Amilcar de Castro, se estende também ao seu trabalho gráfico. No
Jornal do Brasil e especialmente SDJB, há os diagramas e os esquemas a partir
43
Entrevista concedida por Amilcar de Castro ao caderno Mais! da Folha de São Paulo , publicada
na edição de 10/02/2002.
44
“Amilcar de Castro: o experimentador do espaço” (entrevista a Viviane Matesco). In:
Bravo!Entrevista. São Paulo, Editora D’Ávila, 2002, p. 59-65.
45
MERLEAU-PONTY, 1980:121.
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38
dos quais as páginas seriam elaboradas, mas eles foram ocupados em cada uma
delas de um modo inesperado, que só pode ser explicado pela obediência ao olhar
e à sensibilidade. O uso de grides combinados para gerar ritmos fez dos diagramas
um suporte para o fazer, mas nunca uma pré-determinação da forma. A página
branca não seria aqui um espaço vazio compartimentado que serviu de fundo às
letras e imagens a serem nele dispostas, e que uma vez imaginada, ou projetada,
se materializou sem passar por transformações. Ao contrário, formou com elas
uma unidade que a cada nova página se transforma, em uma cadência que poderia
ser determinada apenas pela experiência.
Na leitura feita por Merleau-Ponty a respeito do trabalho de Cézanne, o
filósofo ressaltou a coincidência entre sensação e pensamento. Viu na obra do
pintor um esforço em retornar à “ordem espontânea da natureza”, anterior à
“ordem humana das idéias e da ciência”. Para Merleau-Ponty, Cézanne
não acha que deve escolher entre a sensação e o pensamento, assim como entre o
caos e a ordem. Não quer separar as coisas fixas que nos aparecem ao olhar de sua
maneira fugaz de aparecer, quer pintar a matéria ao tomar forma, a ordem nascendo
por uma organização espontânea. Para ele a linha divisória não está entre ‘os
sentidos’ e a ‘inteligência’, mas entre a ordem espontânea das coisas percebidas e a
ordem humana das idéias e ciências.
46
Em Amilcar de Castro, a espontaneidade procurou também esse momento
de origem no qual a percepção encontra os princípios a partir dos quais se
organiza o pensamento. Sua preocupação é com a terceira dimensão e com a
geometria. Quis registrar o surgimento de ambas, o momento em que o homem,
na sua relação com o espaço, as percebe e constrói, pelo olhar e pelo gesto de
quem está no mundo imerso no espaço. Em seus desenhos e esculturas, a
geometria é força e ação, gesto e movimento. Na página, ela é experimentação,
fazer e refazer, é possibilidade e variação:
Eu discutia a reforma com o próprio Odylo, com o Castelo Branco, Ferreira Gullar,
Jânio, Reynaldo. Mas não é assim na hora de fazer, não. Na hora de fazer eu não
46
Ibidem, p. 116.
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39
tinha lido com ninguém. Fazia mesmo. (…) Eu desenhei umas trezentas primeiras
páginas, pra ver a possibilidade de modificação. Desenhei todas as variações.
47
2.4.
A relação com a Bauhaus e a ênfase no fazer
Se até aqui procuramos entender o trabalho de Amilcar de Castro para o
Jornal do Brasil segundo a orientação da escola de Ulm, a estética científica e a
reação fenomenológica do neoconcretismo, faz-se ainda necessário situá-lo com
relação à Bauhaus, outra importante referência na atividade de artistas junto à
indústria. É possível estabelecerem-se relações entre o trabalho gráfico de
Amilcar de Castro e o trabalho feito na escola alemã. A atitude dos neoconcretos
frente à produção ligada à indústria, ao manter-se coerente com uma reação ao
concretismo suíço e ao pensamento estético de Ulm, acaba por retomar, em um
certo sentido, algumas das características da Bauhaus de Walter Gropius. O
contato com a Bauhaus se deu por intermédio, principalmente, da obra de Max
Bill e de Joseph Albers, artistas que participaram tanto da Bauhaus como da
escola de Ulm, e que foram ponto de partida para diferentes interpretações nas
diferentes vertentes concretistas brasileiras nos anos 1950.
Embora haja afinidades entre o trabalho de Amilcar de Castro no Jornal do
Brasil e o projeto da Bauhaus, no que diz respeito à estetização do objeto utilitário
e à restrição do repertório gráfico a elementos auto-referentes, há também
diferenças de ponto de vista que os distanciam. A preocupação com a forma do
objeto, na Bauhaus, teve como finalidade a transformação do cotidiano pela
disseminação da arte, que seria capaz de educar as massas. A arte teria, portanto,
de acordo com o pensamento de Gropius, o poder e a missão de intervir na
realidade, modificando-a. Para Argan (“Walter Gropius e a Bauhaus”, 1951), a
obra de Gropius “nasce da desagregação dos grandes sistemas e da confiança
restabelecida numa crítica construtiva, capaz de colocar e resolver os problemas
47
Depoimento de Amilcar de Castro prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em
1976 / 1977.
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40
imediatos da existência.”
48
O trabalho de Amilcar de Castro não tem esse ideal
como proposta, nem mesmo o seu trabalho para o jornal.
Assim como as esculturas de grande porte que Amilcar de Castro viria a
realizar na década de 1990, o jornal participa e integra o espaço público,
estabelecendo um diálogo com o ambiente. A grande variação nas primeiras
páginas do Jornal do Brasil não nos permite identificar um padrão que queira
impor a sua forma em meio à profusão de letras e imagens dos impressos que
povoam a cidade moderna, mas se apresenta como um movimento que lhe
empresta poesia pela surpresa, pela incorporação do inesperado na maneira como
se conforma a cada dia. Para as páginas do Jornal do Brasil não deixa de ser
válida uma declaração que Amilcar de Castro fez a respeito de suas esculturas
públicas: “Não gosto da palavra ‘intervenção’. Prefiro ‘participação’. Faço
esculturas para participar do espaço público.
49
A clareza formal aqui não quer
organizar a existência, mas promover a experiência estética. A impossibilidade de
controle sobre a obra, uma vez que ela passa a integrar o espaço público, é parte
integrante de sua poética. Do mesmo modo, o tratamento dado ao projeto do
jornal deixa transparecer a noção de que a criação de um objeto que participará do
cotidiano em diferentes situações não pode prever ou determinar seus usos
posteriores
50
. Há inúmeras possibilidades de interação com o ambiente e com o
público, pela exposição, pela manipulação, pelos usos. Não há orientação ou
ordem definida de leitura, nem mesmo pode-se garantir que haja uma leitura. É
pertinente lembrar, sobre essa relação do artista com a vida cotidiana, a frase de
Lygia Clark: “o coletivo só existe na razão desta desordem de ordem prática e
social”.
Essa orientação difere da avaliação feita por Argan sobre Walter Gropius,
quando o historiador afirmou que: “É um pensamento positivo, dir-se-ia
48
ARGAN, 1984:7.
49
Entrevista concedida por Amilcar de Castro ao caderno Mais! da Folha de São Paulo , publicada
na edição de 10/02/2002.
50
Sobre uma crítica à viabilidade prática dos pontos de vista da escola de Ulm, ver DUARTE,
Rogério, 2003. “Pensa-se no trabalho de Otl Aicher no setor de comunicação visual. Tudo
arrumadinho e exato, como se um milímetro para lá ou para cá na colocação de qualquer
elemento visual pudesse levar a Europa à ruína” (Op. Cit., p. 128).
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41
extroverso, que quer agir a todo custo no terreno concreto do contingente
51
.
Trata-se de um projeto cuja ênfase está na coletividade, a qual pretende não
apenas integrar, mas também transformar. A atenção à função, ao uso,
permaneceu, desse modo, como guia na orientação do projeto na Bauhaus. De
outro modo, no Jornal do Brasil, e em especial no SDJB, em que havia um maior
grau de liberdade que permitia uma experimentação mais intensa, a função teve
sua importância diminuída, subordinada à estética e à vontade do artista.
Na Bauhaus de Gropius, seria impossível separar o “momento teórico do
momento criativo e do momento pedagógico
52
. No SDJB, os momentos teórico e
criativo seriam também inseparáveis, assim como o “ser” e o “fazer”, mas não
haveria aqui uma intenção pedagógica explícita. No suplemento, o foco é o ato
criativo. O utilitarismo, meio encontrado pelos racionalismos para interferir no real,
nesse caso seria uma circunstância, uma oportunidade de criar, de realizar. Não
encontramos, no projeto do SDJB, sacrifícios criativos em favor de um ideal
educativo ou funcional. Haveria, ao contrário, uma preocupação em despertar a
atenção ao fenômeno pela experiência estética, de maneira similar à própria
atividade artística.
Argan relacionou Gropius à fenomenologia de Husserl, por enxergar no
primeiro o esforço em centrar a arte em si própria, e não para além de si, na
representação. A fenomenologia, além disso, estaria relacionada à recusa aos
grandes ideais e à descrença na possibilidade de se planificarem sistemas capazes
de dar conta da infinidade de casos específicos da existência. A atenção à
especificidade, ao fenômeno, entretanto, para Gropius, era a preocupação em
atender a uma necessidade: “a obra de arte é uma realidade que a sociedade
produz para corresponder a uma necessidade real e não para satisfazer
aspirações ociosas
53
, num pensamento utilitarista que diverge da abordagem
fenomenológica neoconcreta e de Amilcar de Castro, por voltar os objetivos da
arte para algo além dela própria. Nesse sentido, encontramos na escola um
pensamento que diverge da filosofia de Merleau-Ponty, em que a arte não
51
ARGAN, 1984:7.
52
Ibidem.
53
Ibidem, p. 14.
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42
necessitaria de uma finalidade além dela mesma para conferir-lhe dignidade. Ao
contrário, para o autor a arte (mais particularmente a pintura), na sua
imediaticidade, poderia nos permitir o contato com o mundo tal como ele se
apresenta, “anterior ao conhecimento” e à significação, sendo capaz de promover
a verdadeira “redução fenomenológica” proposta pela filosofia.
Enquanto, para Gropius, o foco é o ato, o uso do objeto, no SDJB o foco é a
visão, o fenômeno perceptivo. Embora indissociável do uso, no caso do trabalho
de Amilcar de Castro, ele é manipulação, contato com o homem e seu corpo, e
não função. A função, para um jornal, é a leitura e a informação, que, no caso do
suplemento, são submetidas à importância dada ao olhar. Ao contrário, no design
gráfico da Bauhaus, acreditava-se ser possível que as formas fossem neutras,
transparentes à leitura, meros sinais independentes do conteúdo verbal que
trazem. E a transmissão da informação verbal seria a meta principal do projeto. A
diagramação do suplemento, inversamente, assim como a poesia concreta
publicada freqüentemente em suas páginas, revela uma compreensão do conteúdo
e da forma da palavra como indissociáveis, apresentando uma relação mais
estreita com a estética das páginas impressas do futurismo e do dadaísmo, que,
para a Bauhaus, seriam ainda resquícios de uma arte representativa.
O comportamento de Amilcar de Castro como diagramador do jornal pode
ser visto também como uma busca de afirmação individual diante do trabalho
mecânico, alienante, da lógica fordista, que coloca a produtividade e a eficiência
acima do próprio homem. Essa é também uma das preocupações de Walter
Gropius, que está relacionada às idéias de John Ruskin e William Morris, embora
com algumas diferenças importantes. Enquanto Ruskin e Morris rejeitavam a
indústria e defendiam o retorno a um modo de produção artesanal que reafirmasse
a superioridade do homem sobre a máquina, a utopia de Gropius acreditava poder
conjugar industrialização e trabalho participativo e criativo. Para ele, a solução
dos problemas sociais estaria em uma “atitude diferente de cada um para com a
própria obra (…) ela reflete a relação entre indivíduo e corpo social
54
. No
trabalho gráfico de Amilcar de Castro não há a utopia a impulsionar-lhe, nem
tampouco a intenção de, desse modo, transformar o meio social e o modo de
54
Ibidem, p.13.
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43
produção. Há a apenas o trabalhador que quer agir como ser criativo, atento ao
modo de atuação do homem no mundo.
Alexandre Wollner, que antes de estudar em Ulm havia integrado o grupo
Ruptura, em São Paulo, ao contrário do que observamos no trabalho de Amilcar
de Castro, estabelece uma distinção entre “ser atuante” – o artista – e “ser útil” – o
designer. Explicita em suas declarações que seu entendimento do trabalho do
artista na área gráfica se dá, principalmente, pelo seu desejo em atingir um grande
número de pessoas, pelo cumprimento de uma função, relacionada à transmissão
de uma “idéia” ou “mensagem”:
Embora de igual importância pelo valor criativo, a percepção e a intuição expressas
numa tela são pesquisa formal pura, fazem com que a pintura hoje só se comunique
com um reduzido público intelectual. O design, no entanto, está envolvido no
processo criativo de comunicação visual mediante a busca e relacionamento de
novos signos que, reproduzidos pela indústria (…) atingem milhares de pessoas. A
experiência intuitiva, assim manifestada por meio das possibilidades científicas e
técnicas, adquire outro significado; envolve responsabilidade social, cultural e
econômica, participa da transformação e evolução do comportamento humano.
55
Para nós, pintar era fazer algo que tivesse um conceito e uma função para as
pessoas, que mostrasse um progresso e uma relação entre cores e formas. Fazendo
um projeto, fazíamos a mesma coisa.
56
Esse é um ponto de vista que diverge daquele que notamos em Amilcar de
Castro, por relacionar a pintura a uma função, a partir da qual se daria a união
entre arte e indústria. Para Amilcar de Castro, as fronteiras entre essas atividades
também se dissolveram, mas, ao contrário, a sua preocupação não era dar
utilidade à arte, era tornar o útil artístico. Para ele, a relação era inversa, fazer o
projeto era como pintar:
(...) o fato de saber desenhar, de saber organizar o espaço num desenho, ou numa
pintura, ou num desenho para uma escultura, essa experiência de organizar o
55
WOLLNER, 2003:85.
56
STOLARSKY, 2005:42.
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44
espaço aqui no papel é a mesma coisa que fazer jornal; não tem diferença, não. Em
vez de você dar uma pincelada preta, você põe um título de cinco colunas.
57
Essa atitude de Amilcar de Castro ao lidar com o projeto do jornal é
coerente com a sua trajetória como artista, e vai ao encontro da fenomenologia de
Merleau-Ponty. É um debruçar-se sobre os próprios meios disponíveis,
experimentando a relação entre homem e mundo, unidos no ato criativo; não
importa se se trata das esculturas em ferro, dos desenhos a nanquim ou da página
impressa. Ao investigar o momento em que a terceira dimensão se define como
tal, o modo como a ação se converte em geometria ou como as letras e imagens se
agrupam definindo o espaço, Amilcar de Castro busca o não previsto que só o
fazer pode alcançar. Conforme observou Hélio Oiticica (1965): “O conceito de
‘construção’ não quer indicar relações puramente formais, mas também uma
atitude, uma maneira de ser do artista diante da criação (…)
58
. Essa é uma
“maneira de ser” que passa necessariamente pela experimentação e pelo
“experimentar-se”, que em uma abordagem fenomenológica deixa de ser
momentos diferentes para converter-se em um único ato indissociável, e que pode
explicar a naturalidade com que Amilcar de Castro passava de um meio a outro,
sempre a partir do mesmo viés, não importando muito se o destino do trabalho é a
galeria de arte, a praça pública ou a banca de jornais: “Toda experiência em arte é
um experimentar-se, é a experiência de si mesmo, é uma pesquisa em você
mesmo. (…) É por isso que eu acho que criar está junto de viver, que arte e vida
são a mesma coisa.
59
Na diagramação do jornal semanal, o projeto é flexível, transforma-se a
cada edição. A legibilidade e a produtividade, valores que direcionam o design
racionalista moderno, não são prioridade no SDJB. Aqui o que prevalece é o
ímpeto criativo, a experiência estética e a experimentação do projetista, que se
comporta como um artista. A liberdade com que o projeto era realizado mostra
57
Depoimento de Amilcar de Castro prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em
1976 / 1977.
58
Amilcar de Castro, 2001:255.
59
Amilcar de Castro, 2001:201.
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45
que ali não havia simplesmente o cumpridor de uma função, mas alguém que
adotou como modo de agir um modo artístico de estar no mundo. Voltando, ainda,
às palavras de Merleau-Ponty:
é sendo sem restrições nem reservas aquilo que sou presentemente que tenho
oportunidade de progredir, é vivendo meu tempo que posso compreender os outros
tempos, é me entranhando no presente e no mundo, assumindo resolutamente
aquilo que sou por acaso, querendo aquilo que quero, fazendo aquilo que faço que
posso ir além. Só posso deixar a liberdade escapar se procuro ultrapassar minha
situação natural e social recusando-me a em primeiro lugar assumi-la, em vez de,
através dela, encontrar o mundo natural e humano.
60
60
MERLEAU-PONTY, 1999: 611.
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3
A reforma do Jornal do Brasil
Entre 1956 e os primeiros anos da década de 1960, o Jornal do Brasil passou
por um processo de transformação da sua antiga orientação editorial, que o
caracterizava como um jornal voltado principalmente para a publicação de
classificados, predominantes tanto no miolo como em sua primeira página (figura
01)
1
. A reforma do Jornal do Brasil tinha por meta transformá-lo como um todo,
tornando-o efetivamente uma empresa comercial, acompanhando as mudanças por
que passavam diversos jornais e revistas brasileiros da época. O Última Hora e o
Diário Carioca foram os pioneiros em um processo de inovação que fez a imprensa
brasileira migrar de um jornalismo de influência francesa, predominantemente
opinativo, para um jornalismo empresarial, informativo, voltado para o modelo norte-
americano
2
. No Jornal do Brasil se encontraram as condições mais favoráveis para a
consolidação desse processo de reforma, tornando-o um caso exemplar para a
imprensa brasileira. Fundado em 1891, o jornal havia, desde então, alternado
momentos em que seguiu, predominantemente, uma linha editorial voltada para as
questões culturais e o debate político, constituindo-se como um órgão formador de
opinião, com momentos onde a prioridade do jornal era a estabilidade financeira,
seguindo uma orientação comercial que privilegiasse as vendas, voltando-se para o
grande público por intermédio dos anúncios e do noticiário local. Assim, no momento
1
O jornal, que, desde a década de 1930, havia optado pela estabilidade financeira proporcionada pelo
pequeno anunciante, sofreu mudanças tanto do ponto de vista gráfico como editorial, que o
transformaram em um dos jornais mais lidos do país. As inovações adotadas foram, por muito tempo,
referência para o jornalismo brasileiro, convertendo o Jornal do Brasil em modelo de modernidade
para a imprensa de então.
2
Alzira Alves apontou como causas importantes dessa mudança de paradigma a percepção do papel da
imprensa na crise política que desencadeou o suicídio de Vargas: “A imprensa, que nos meses que
antecederam o 24 de agosto exacerbou a linguagem violenta e apaixonada utilizada no tratamento dos
temas políticos, a partir desse acontecimento buscou maior objetividade na construção e transmissão
da notícia.”; e uma maior profissionalização da atividade de jornalista, com o surgimento, nos anos
1950, de cursos especializados de formação de profissionais. (ALVES, 1996 : 10)
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imediatamente anterior à gestão da nova diretoria que optou pela reforma, o Jornal do
Brasil, que havia se convertido em uma espécie de “boletim de anúncios” nos anos
1930, tinha acumulado capital suficiente para investir nas mudanças. Tal fato, aliado
à tradição de momentos anteriores em sua história, quando fora espaço para
discussões políticas e intelectuais, proporcionou as condições favoráveis às
transformações que ocorreriam nos anos seguintes.
A história da reforma do Jornal do Brasil teve início com a criação de um
suplemento literário, o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Inicialmente,
tratava-se de um programa veiculado na Rádio Jornal do Brasil, criado por Reynaldo
Jardim, diretor da rádio. Em abril de 1956, foram publicadas pela primeira vez, aos
domingos, uma página literária e uma página feminina, correspondendo às páginas
dois e três do segundo caderno do jornal. A página literária, intitulada Livros e
autores contemporâneos, era assinada por Reynaldo Jardim, também idealizador da
página feminina, cuja publicação havia sido sugerida por ele à direção do jornal em
1953. As duas novas páginas, além de tratarem de temas diferenciados, destacavam-
se por apresentar uma maior preocupação com os aspectos gráficos, tendo grande
aceitação pelo público, especialmente a página feminina (figura 02). A iniciativa logo
prosperou, com a criação de uma versão impressa do Suplemento Dominical do
Jornal do Brasil (SDJB), publicado pela primeira vez em 3 de junho de 1956, editado
por Reynaldo Jardim. Saía aos domingos, no segundo caderno, com conteúdo voltado
principalmente para as artes e entretenimento. Inicialmente com oito páginas,
continha as páginas feminina e literária, além de uma página de artes plásticas,
assinada por Ferreira Gullar e Oliveira Bastos, uma de poesia, por Mário Faustino,
uma de cinema e teatro, e outra de dança. Aos poucos, o suplemento tornou-se um
espaço voltado exclusivamente para questões artísticas, principalmente relacionadas à
literatura e às artes plásticas. A página feminina, assim como as de teatro e cinema,
desde 1957 foram aos poucos deixando o SDJB para integrar novos suplementos
criados para o jornal. O SDJB teve repercussão muito positiva, tanto internamente
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48
como em relação ao público, o que motivou a direção a estender a iniciativa a todo o
Jornal do Brasil
3
.
A criação de um suplemento literário não era uma inovação. Ao contrário, a
publicação de suplementos era uma das características do jornalismo que predominou
no Brasil antes de 1950, o chamado “jornalismo literário”, de crítica e de opinião, que
iria desaparecer nas décadas seguintes dando lugar a um “jornalismo empresarial”,
que buscou uma maior impessoalidade na transmissão da notícia. Contraditoriamente,
a origem da reforma do Jornal do Brasil, que é tomada como um paradigma da
transformação da imprensa nacional nos anos 1950, está na reafirmação de uma linha
que iria ser preterida pelo jornalismo brasileiro nos anos seguintes. Se o suplemento,
por um lado, devolveu o prestígio ao Jornal do Brasil, retomando a sua posição de
formador de opinião, permitindo a reforma do jornal, por outro, caracterizou-se por
um tipo de jornalismo que se tornaria difícil de sobreviver após a reforma. Segundo
Alzira Alves, nos anos 1950, “os suplementos literários deixam de ser o espaço da
crítica e do debate de idéias para se tornar o que são hoje, resenhadores de novos
lançamentos editoriais (…) observa-se que a crítica vai perdendo espaço na
imprensa e se acantonando na universidade
4
. Com a consolidação da reforma do
Jornal do Brasil, o seu suplemento também deixou de ser publicado, pondo fim a um
espaço que, além de abrigar debates e críticas, se prestava à experimentação do ponto
de vista gráfico.
As diretrizes principais adotadas na reforma do Jornal do Brasil privilegiavam
a eficiência da transmissão da informação, com o objetivo final de firmar o jornal
como uma publicação de prestígio e de, ao mesmo tempo, conquistar leitores e
aumentar as vendas. Para que tal fim fosse atingido, buscou-se uma maior
3
“Nós estávamos em 1956. Nessa época o Jornal do Brasil era o ‘jornal das cozinheiras’. Então
Reynaldo Jardim foi à Condessa e pediu permissão para fazer uma página feminina no Jornal do
Brasil. Nessa página ele misturava receita de bolo, cozinha e poemas. No princípio era uma página,
depois passou para duas, foi forçando a barra e passou para três. Quando ele passou para quarto estava
criado o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, que ele ia fazendo mais ou menos só. Depois ele
chamou o Mário Faustino, o Oliveira Bastos, que me chamou, e eu fui fazer a parte de pintura e de
artes plásticas, o Mário Faustino a de poesia e aí foi nascendo o suplemento do Jornal do Brasil que na
verdade é a origem da renovação do Jornal do Brasil.” (Depoimento de Ferreira Gullar prestado ao
Centro de Memória e Jornalismo da ABI em 1977).
4
In: ALVES, 1996:10.
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metodização da produção, tanto no que diz respeito ao texto como à apresentação
gráfica do jornal, e uma maior simplicidade e eficiência na transmissão da
informação. O jornal foi reformulado em todos os níveis, em um processo que atingiu
tanto a publicação e seu conteúdo gráfico e editorial como a empresa, seu
funcionamento, o método de trabalho e o perfil dos funcionários. Antes da reforma, o
jornal era escrito à mão na redação, não havia máquinas de escrever, o que dificultava
o cálculo da distribuição das matérias na página. Não havia um paginador e as
matérias saíam diretamente da redação para a oficina, onde eram compostas de
acordo com a ordem de chegada. Em um primeiro momento (de 1956 a 1958),
período em que Odylo Costa, filho, conduziu a reforma do Jornal do Brasil, as
mudanças na parte gráfica não foram, de um modo geral, muito evidentes. Nesse
período, houve grande resistência dos funcionários antigos, principalmente por parte
dos que trabalhavam na oficina, o que dificultou a implementação de mudanças mais
radicais
5
. Durante esses anos, formou-se uma nova equipe no jornal capaz de realizar
a mudança mais estrutural que ocorreria em 1959. Se, por um lado, o pessoal e a
estrutura antiquados constituíam obstáculos a qualquer tipo de mudança, por outro,
acabaram por acarretar a sua substituição completa, o que permitiu, em um momento
posterior, uma reforma total.
Apesar de muitas mudanças já terem sido aos poucos implementadas, o novo
projeto do jornal ainda não havia sido elaborado nessa primeira fase, podendo ser
caracterizado, então, como uma adaptação do projeto antigo, mais do que como um
projeto efetivamente novo. A diagramação preservou o seu aspecto geral, com as
matérias separadas umas das outras por fios e com todos os espaços das páginas
preenchidos, sem muitas áreas brancas. A principal mudança gráfica nessa fase da
reforma foi a publicação de fotos na primeira página, abaixo do título do jornal, no
centro (figura 03). Além das manchetes que já existiam, o jornal passou a ter, nessa
5
“Nesse início, a dificuldade não era de organização gráfica. A dificuldade era com o pessoal. O mais
novo tinha 30 anos de casa. (…) O sujeito não concordava com aquilo, uma foto não podia ser de uma
coluna e a matéria de três. Não pode, se a matéria é de três, a foto tem que ser de três. Coisas assim.
Então, esse pessoal foi sendo substituído e o Odylo teve grande trabalho com isso.” (…) “mas pedir
para o sujeito lá embaixo, na oficina, dá aquele claro em 24 pontos; ele achava que era um absurdo,
não podia separar uma matéria da outra, não botar fio. Isso aí foi uma batalha imensa na oficina
também.” (Depoimento de Amilcar de Castro prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em
1976 / 1977).
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página, uma manchete maior e uma foto e, mais tarde, duas fotos, acompanhadas cada
uma de uma legenda-texto (figura 04). Os classificados, no entanto, continuavam
predominantes. Embora outros jornais já publicassem fotos na primeira página, a foto
grande e central adotada na primeira página do Jornal do Brasil constituiu uma
inovação entre os jornais brasileiros da época. A ausência quase total de texto
tornava-a o conteúdo principal da página. Os classificados, que continuaram
ocupando o resto do espaço, funcionavam como uma textura de fundo sem
importância, direcionando toda a atenção para a informação contida na imagem e sua
legenda. Esse tratamento, diferente da habitual primeira página sem um foco
determinado, garantiu o impacto buscado pelo Jornal do Brasil.
Amilcar de Castro foi contratado pelo jornal em fevereiro de 1957, deixando-o
em abril de 1958 e retornando em março de 1959, aí permanecendo até 1961. Nesse
segundo período, que vai de 1959 a 1961, com Jânio de Freitas comandando a
transformação do jornal, as mudanças na parte gráfica foram mais acentuadas.
Amilcar retomou então os estudos de paginação que já haviam sido elaborados na
primeira fase. À sua experiência somaram-se as de Reynaldo Jardim e Jânio de
Freitas
6
, que, respectivamente no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e na
seção de esportes, vinham dando continuidade às experimentações iniciadas com as
mudanças da primeira fase. O layout do jornal foi totalmente reelaborado, a partir do
projeto de Amilcar de Castro. O objetivo era aplicar a orientação da direção de
transmitir seriedade, modernidade e eficiência também no design do jornal, que
deveria estar de acordo com a nova mentalidade seguida na redação de dar prioridade
à objetividade, privilegiando a informação direta e sem ruídos.
Do ponto de vista gráfico, a orientação que melhor serviria a esses objetivos era
a do design racionalista moderno, na qual o projeto gráfico era visto primordialmente
como instrumento de comunicação, cuja ênfase é a transmissão eficiente da
informação, de uma maneira que procura ser neutra e direta. Buscou-se Amilcar de
6
Jânio de Freitas, que, assim como Amilcar de Castro, havia trabalhado na Manchete, seguiu uma
orientação semelhante à adotada na revista, que dava grande importância às fotos, transformando-as no
principal elemento da página. Havia nessa seção uma preocupação com o impacto visual que chamou a
atenção de Nascimento Brito, incentivando-o a convocar Jânio de Freitas para dar continuidade à
reforma em 1959, após a saída de Odylo Costa, filho do jornal.
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51
Castro pelo trabalho que havia realizado na revista Manchete, cujo projeto gráfico em
muito se assemelhava ao da revista francesa Paris Match
7
. Amilcar foi trabalhar na
Manchete em 1956 para diagramar a revista a partir de um projeto já existente. O
projeto lançava mão de grandes áreas de imagens e de uma diagramação que variava
dentro de um limite, respeitando uma grade regular e mantendo sempre o uso da
mesma tipografia e das mesmas modulações. Esse tipo de orientação enfatizou a
função utilitária em dois sentidos, tanto do ponto de vista da realização do projeto
como da sua recepção pelo leitor. Visava a simplificar o trabalho do diagramador,
diminuindo a necessidade e também as possibilidades de improvisação. Por outro
lado, tinha como objetivo habituar o leitor a um ritmo previsível que, além de
procurar garantir o conforto de leitura, direcionava a ênfase da diagramação para as
imagens em lugar do texto.
No caderno principal do Jornal do Brasil, de uma maneira geral, há as mesmas
preocupações em se estabelecer um método de produção e tornar a comunicação com
o leitor mais direta, criando-se uma identidade visual prontamente identificável, sem
muitas variações de elementos, o que interferiria, segundo essa visão funcional, de
modo negativo na leitura do texto. A estrutura do jornal foi totalmente revista, a
começar pela primeira página. Apesar de manter os classificados, que no miolo
passaram a ocupar o final do caderno sem mais se misturar às notícias, a primeira
página foi diagramada de tal maneira que conseguiu preservar a unidade com relação
ao restante do jornal. Com os classificados organizados em forma de “L”, embaixo e
à esquerda, o restante da página, correspondente às matérias jornalísticas, funcionava
como uma página independente, capaz de exprimir a nova identidade do jornal,
coerente com a nova disposição do miolo (figura 05). A diferença brusca entre os
7
“Nessa época o nosso modelo era a Paris Match , que tinha um tipo de diagramação bastante
moderno, com certos elementos brancos, quer dizer, as páginas não eram cheias de elementos de
adorno, vinhetas, fotografias cortadas, montadas, nada disso. Era uma coisa muito simples e de bom
gosto. (…) Nessa época eu também era crítico de arte e ligado ao movimento concreto, sendo que uma
das preocupações desse movimento era justamente com o visual, com os elementos visuais, com a
energia do campo visual, essas coisas. Então a preocupação com a coisa gráfica, com a limpeza da
página, pela composição limpa e simples apenas, sobretudo nas massas de cor, ou de preto em
contraste com o branco, isso tudo de certo modo influenciou o nosso gosto e determinou um pouco o
nosso interesse pela paginação da Paris Match e nós começamos a querer introduzir na Manchete esse
gosto também.” (Depoimento de Ferreira Gullar prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI
em 1977).
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tratamentos e a maneira como a página estava disposta induziam o leitor a ver as duas
partes separadamente, preservando a parte de notícias. No miolo, os fios, vinhetas,
títulos em negativo e todo elemento gráfico considerado por eles como supérfluo
foram eliminados
8
, minimizando os efeitos da má qualidade de impressão do jornal e
economizando tempo e custos de composição da página (figura 06). A diagramação
adotada anteriormente no Jornal do Brasil valia-se de fios gráficos para separar as
matérias que, de outro modo, seriam confundidas pelo leitor. A nova orientação
gráfica do jornal via o uso desse recurso como uma maneira de compensar uma
diagramação ineficiente, desnecessário caso a organização da página fosse submetida
a um planejamento. Para separar as matérias e estabelecer a hierarquia entre elas,
apenas os espaços brancos foram utilizados. A preocupação em simplificar a leitura,
mantendo-a em um sentido constante – “de cima para baixo, da esquerda para a
direita”, segundo as palavras do próprio Amilcar de Castro
9
– possibilitou essa
economia de recursos. A estrutura legível, a eliminação de todo elemento gráfico que
não fosse texto, assim como a padronização dos tipos, com a compra da tipografia
Bodoni
10
, são alguns pontos que permitem relacionar o projeto do jornal ao design
racionalista suíço, muito influente nos anos 1950. No entanto, essa avaliação não
bastaria para se compreender o projeto de Amilcar de Castro para o Jornal do Brasil.
Ao observarmos um conjunto de primeiras páginas do jornal, podemos deduzir, pela
grande variedade apresentada, a preocupação em não se estabelecer uma solução
final, que cristalizasse o layout em um modelo repetido com pequenas variações.
Amilcar de Castro desenhou inúmeros esquemas de página, para capa e miolo do
jornal, estabelecendo as variações possíveis de diagramação dentro de um mesmo
8
“A impressão do Jornal do Brasil era péssima. Então, uma das providências que eu tomei foi tirar
tudo que é negativo e fio. Tudo o que não era essencial à leitura eu tirava para clarear um pouco o
jornal, para dar mais força à matéria escrita.” (Depoimento de Amilcar de Castro prestado ao Centro de
Memória e Jornalismo da ABI em 1976 / 1977)
9
Citado em LEMOS, Carlos. “ De como ser um dos 10 melhores jornais do mundo ”. In: AMARAL,
1977 : 244.
10
Amilcar de Castro declarou que a grande variedade de tipos em uma mesma página no Jornal do
Brasil antes da reforma gráfica não era uma opção estética, mas uma limitação de recursos, uma vez
que a oficina não dispunha da mesma fonte em vários tamanhos. A escolha do tipo era feita em função
do tamanho disponível. (Depoimento prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em 1976 /
1977)
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projeto. Desenhou mais de 300 primeiras páginas, evitando a repetição de esquemas e
garantindo, ao mesmo tempo, forte identidade ao jornal. O título (o nome do jornal
escrito em caixa alta Bodoni), não tinha posição fixa, fator que conferiu dinamismo
ao conjunto de primeiras páginas, permitindo a grande variedade de exemplos de
diagramação. A busca constante por soluções novas caracteriza o projeto, onde cada
página se apresenta como um novo desafio. Não havia, portanto, um conjunto de
regras que definisse o projeto e que garantisse a sua realização independentemente da
figura de Amilcar de Castro
11
. Trata-se de um projeto que supunha o improviso, mais
do que o estabelecimento de um grupo de regras que orientasse o diagramador.
Assim, todas as páginas eram diagramadas de acordo com os desenhos previamente
feitos por ele
12
. E a primeira página, cujas possibilidades de diagramação eram
exploradas no limite entre a variedade e a unidade, era feita diariamente pelo próprio
Amilcar de Castro. Essa variação fez com que o jornal se apresentasse sempre como
uma surpresa, uma novidade aguardada com expectativa, fator que foi decisivo no
sucesso alcançado pelo jornal
13
.
No SDJB, a importância dada à experimentação visual é ainda mais evidente.
É o espaço no qual as principais características do projeto foram mais acentuadas, e
onde as mudanças aconteceram de modo mais acelerado. Por se tratar de um
suplemento literário, semanal, era-lhes permitido assumir mais riscos. Assim, nele
foram apresentadas, pela primeira vez, muitas das soluções gráficas adotadas
posteriormente no caderno principal do jornal.
11
“No início era só eu. Depois o Odylo chamou um outro lá, que acompanhava na oficina a
diagramação feita na redação. Mas não tinha um método.” (Depoimento de Amilcar de Castro prestado
ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em 1977)
12
“Fiz o desenho todo do jornal, desenhei milhares de primeiras páginas, páginas internas, tamanho do
título, tipografia a ser usada, uma coluna, duas, três, quatro, cinco, seis, quantas linhas em cada
coluna.” Ibidem.
13
“Por outro lado o Amilcar não era um cara que tinha experiência de diagramação mas era um cara
muito inteligente, muito sensível e aberto às coisas. Essa abertura dele por isso foi muito importante na
renovação do jornal. É claro que o jornal não é uma coisa puramente estética. (…) É claro então que
atuavam nisso as pessoas que tinham mais experiência de jornal (…) Isso é um negócio interessante
porque é uma coisa meio dialética, um certo rompante do cara que quer fazer uma coisa bacana, pouco
ligando para outros aspectos, e do outro lado o cara que tá apoiando aquilo mas ao mesmo tempo tem
que dar a norma para não fugir do espírito jornalístico propriamente dito. E nisso acho que o trabalho
do Jânio [de Freitas] foi fundamental.” (Depoimento de Ferreira Gullar prestado ao Centro de Memória
e Jornalismo da ABI em 1977)
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54
Mesmo antes do início da reforma, o suplemento tinha uma paginação
diferenciada com relação ao restante do jornal. A página não era entendida
simplesmente como um campo a ser preenchido por blocos de texto e imagens, a sua
diagramação levava em conta que esses elementos produziam também formas e
relações espaciais (figura 07). Depois da contratação de Amilcar de Castro, em
fevereiro de 1957, as mudanças na diagramação do suplemento aconteceram aos
poucos
14
. Antes que o projeto gráfico do primeiro caderno pudesse ser transformado
(o que só veio a acontecer de fato em junho de 1959), o suplemento sofreu alterações
mais significativas. Em junho de 1957 a diagramação de algumas páginas já mostrava
a preocupação em se formarem composições assimétricas, pela combinação de
colunas de texto e grandes áreas de imagens. Nesse momento, a página já não
dispunha de fios separando os blocos de texto, e podemos notar semelhanças com o
projeto gráfico da Manchete e da Paris Match. Os cabeços, por exemplo, são
idênticos aos da revista francesa, escritos em caixa alta, na tipografia futura e
emoldurados por um fio (figura 08)
15
.
É comum uma interpretação do projeto de Amilcar de Castro para o Jornal do
Brasil pela via funcionalista. Sob esse ponto de vista, o diagramador seria um técnico
capaz de otimizar a transmissão da informação, com o mínimo de interferências para
14
“Tinha também o suplemento literário do jornal que o Reynaldo fazia, depois eu fui também
trabalhar com ele o suplemento, e esse suplemento começou a publicar esse negócio de poesia
concreta, neoconcreta, briga entre poetas, uma vez por semana; então teve também essa ajuda, porque
ao mesmo tempo o jornal saiu reformado, o suplemento reformado.” (Depoimento de Amilcar de
Castro prestado ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em 1977)
15
As páginas do jornal não trazem os créditos de diagramação. Não é possível, portanto, determinar
quais páginas do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil foram diagramadas por Amilcar de
Castro, responsável pelos aspectos gráficos da reforma do jornal, nem quais foram diagramadas por
Reynaldo Jardim, editor e responsável pela orientação gráfico-editorial do suplemento. Quando
Amilcar de Castro passou a trabalhar para o Jornal do Brasil, o suplemento sofreu mudanças bastante
evidentes e adotou características do projeto gráfico da revista Manchete e da Paris Match. Também
foi no suplemento que se empregaram pela primeira vez soluções posteriormente adotadas no caderno
principal do jornal na segunda fase da reforma, como a retirada dos fios, a superposição de grides, o
uso do espaço branco como elemento ativo na composição. Para efeito desse estudo, consideraremos,
portanto, que se trata de um trabalho em equipe, cujo resultado pertence, sem dúvida, ao conjunto do
trabalho de Amilcar de Castro como projetista gráfico, visualmente coerente com os demais projetos
para jornais realizados por ele, como, naturalmente, o primeiro caderno do Jornal do Brasil (1957-
1961), o jornal Estado de Minas e seu Suplemento Literário (1967-1968), além do Jornal de Resenhas
(1998), seu último trabalho na área gráfica. Para uma visão abrangente do conjunto do trabalho gráfico
de Amilcar de Castro, ver AGUILERA, 2005.
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o conteúdo textual. A comparação com o projeto gráfico de jornais brasileiros da
época em que foi reformado o Jornal do Brasil, que na maior parte das vezes se valia
de grande variedade de recursos gráficos, reforça essa visão segundo a qual o projeto
de Amilcar de Castro se basearia na neutralidade e na eficiência. O discurso adotado
muitas vezes pelo próprio Amilcar de Castro ao tratar do projeto gráfico do jornal
também estaria alinhado com essa compreensão:
A diagramação é a maneira pela qual o jornal se apresenta ao leitor. O jornal deve
chegar a ele da melhor maneira possível; a diagramação seria o seu cartão de visitas;
deve, pois, fazer com que cada matéria publicada seja mais agradável e mais fácil de
ser lida e a sua mensagem melhor apreendida conforme a sua importância. O
diagramador deve ser um artista: a diagramação é arte aplicada.
16
No entanto, essa análise parece insuficiente para dar conta do modo de
proceder adotado na diagramação do jornal. A preocupação com o “agradável” e com
a facilidade de leitura não explicam a orientação adotada no conjunto de primeiras
páginas do Jornal do Brasil, tampouco no SDJB. A eles talvez seria mais adequado
relacionar um outro proceder, mais próximo do modo de fazer a que se referia o
artista ao falar de suas esculturas e desenhos: “Não sou nada metódico. De vez em
quando eu mudo tudo. Não dá para fazer previsões.”
17
Mais do que a sistematização
de um método, temos aqui um projeto que supõe uma improvisação.
Especialmente na diagramação do suplemento, a função operacional não era
privilegiada do ponto de vista de sua realização, tampouco do ponto de vista de sua
apreensão. O suplemento era não apenas um instrumento de comunicação, mas um
meio de expressão do ponto de vista gráfico, que priorizava as qualidades estéticas
acima das qualidades funcionais. Não se pode dizer que fosse produtivo mudar
sempre o gride que serve de base para a diagramação ou variar com freqüência a
tipografia utilizada. Tampouco, do ponto de vista do leitor, pode-se dizer que a
melhor forma de se ler um texto contínuo é dividi-lo em várias colunas curtas. No
16
SAMPAIO, 1967:260.
17
“Amilcar de Castro: o experimentador do espaço” (entrevista a Viviane Matesco). In:
Bravo!Entrevista. São Paulo, Editora D’ávila, 2002, p. 59-65.
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SDJB, Amilcar de Castro exerceu também uma espécie de reafirmação do homem
como ser criativo, que busca o imprevisto, a surpresa, opondo-se ao trabalho
mecânico e à redução de todas as atividades, também das artes visuais, a um valor
quantificável. Criou variações de estrutura, combinando diferentes divisões de
página, usou diversas famílias tipográficas e variou os pesos das manchas de texto
(regulando tamanho de letra, entrelinha e espacejamento), sem deixar que um padrão
se estabelecesse como norma. Assim como no primeiro caderno do Jornal do Brasil,
o logotipo do suplemento não tinha posição nem diagramação fixas, aparecendo, a
cada edição, em um lugar diferente na página, ora rotacionado, ora interceptado por
manchas de texto. A experimentação pode ser observada não apenas de edição para
edição, mas também de página para página.
O uso do espaço da página como meio expressivo remonta às experiências de
alguns escritores do final do século XIX, como Lewis Carroll e, especialmente,
Stéphane Mallarmé. Em Un coup de dés (1897), a disposição espacial contribuiu para
a significação, indicando pausas, silêncios e conotações, interferindo na
temporalidade do poema. O espaço foi utilizado de maneira a desconstruir a
linearidade, somando à sucessão de palavras o tempo simultâneo e indefinido das
múltiplas possibilidades de leitura.
Nos poemas e publicações das vanguardas artísticas do princípio do século
XX, as possibilidades expressivas do meio gráfico foram intensamente exploradas.
As experiências do cubismo, com as colagens de Picasso e Braque, trabalharam as
letras também como formas, evidenciando a visualidade da palavra, não mais tratada
como um meio transparente ao significado ou ao som ao qual correspondem. Essa
abordagem da letra e do texto também como elementos gráficos abriu caminho para a
experiência dos poetas futuristas, que usaram o texto e o espaço da página para
exprimir as idéias de movimento e simultaneidade, apresentando-a como um todo
não-linear. Os poemas em verso livre de Marinetti, Soffici e Carrá dispensaram
imagens e ilustrações, elementos tradicionalmente empregados como veículo
expressivo, para explorar a variedade de tipos, de tamanhos e a distribuição dos
elementos no espaço. Tomaram a página como unidade básica do poema, em lugar da
estrofe e do parágrafo, destruindo, por vezes, até mesmo a linha. Além dos poemas,
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os manifestos e publicações das vanguardas desde o Futurismo usaram a forma
gráfica do texto como meio de expressão.
Também o SDJB acaba por constituir, sob certos aspectos, uma publicação de
artistas. Seu editor, Reynaldo Jardim, o diagramador, Amilcar de Castro, e um dos
redatores, Ferreira Gullar, eram integrantes do Movimento Neoconcreto, definindo
sua forma e seu conteúdo, utilizando-o como um espaço experimental. O manifesto
do grupo, assim como textos de Ferreira Gullar sobre neoconcretismo, textos de
Lygia Clark sobre seu próprio trabalho, poemas de Reynaldo Jardim, entre outros
textos referentes ao movimento, foram publicados nas páginas do suplemento. Essa
particularidade é importante ao considerarmos a diferença de orientação entre o
projeto do caderno principal do Jornal do Brasil e o SDJB.
Embora o neoconcretismo se posicionasse, de maneira geral, à margem com
relação à inserção social do artista, convém lembrar que eles tiveram, mesmo que por
um período breve, acesso a um importante meio de comunicação e de difusão de suas
idéias e trabalhos. Em um dos maiores jornais do país, gozavam de relativa
autonomia para utilizar o espaço, promovendo debates e divulgando o movimento,
tanto do ponto de vista crítico como do ponto de vista plástico, pela publicação de
textos e imagens e, também, pelo próprio projeto gráfico do jornal.
Com relação à imprensa, de um modo geral, é difícil determinar até que ponto
ela transmite as mudanças por que passa a sociedade, e até que ponto ela as consolida
e constrói. Não seria diferente com relação ao SDJB: ele é parte das transformações
culturais que despontavam no Brasil dos anos 1950, principalmente no âmbito das
artes plásticas, mas também no que diz respeito à literatura, à poesia e ao teatro. Já
em 1956, o suplemento publicou a cobertura da primeira exposição nacional de arte
concreta, cuja projeção fomentou debates e a produção de textos críticos. Com o
neoconcretismo, a relação é ainda mais estreita. O manifesto que o formalizou como
movimento juntamente com a primeira exposição neoconcreta em 1959, publicado no
suplemento, é uma tomada de posição frente às discussões que também eram tema
das páginas do SDJB, e que tinham no jornal um meio para torná-las públicas e, por
sua vez, gerar mais discussões, que também ocuparam o espaço do jornal. O
neoconcretismo manteve estreita relação com a sua produção textual, cujo principal
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veículo era o suplemento. A aproximação entre artes plásticas e poesia existente no
movimento teve no SDJB uma importante manifestação. Não apenas pela convivência
entre a publicação de poemas com a de textos críticos e imagens de obras de arte, mas
também pela orientação gráfica adotada em sua diagramação. É como se o conjunto
de páginas fosse também um grande poema, onde o tratamento dado ao espaço da
página e à visualidade do texto contribui para a recepção da palavra em seus
múltiplos aspectos – significação textual, sonoridade, forma gráfica – que se
desdobram no espaço manipulável das páginas e no tempo sem medida da leitura.
Ao mesmo tempo em que podemos entender o SDJB como uma publicação de
artistas, ele é também um meio tradicional de comunicação, impresso em alta tiragem
e com grande circulação. Embora não fosse destinado ao grande público, e seus
leitores efetivos representassem uma pequena parte dos leitores do primeiro caderno
do jornal, é provável que fosse muito visto e bastante folheado. As características
visuais poderiam, portanto, ser assimiladas não apenas pelos seus leitores específicos,
mas por uma parcela maior do público consumidor do jornal. Além de serem um
meio expressivo do artista, as características gráficas prestaram-se também a divulgar
o pensamento neoconcreto diretamente pela forma e pela imagem.
O Jornal do Brasil e, principalmente, seu suplemento são um caso muito
particular de ação de artistas na vida cotidiana. Se o jornal permitiu um alcance maior
às discussões e idéias artísticas, também é graças a elas que adquiriu o prestígio
necessário para transformar-se e se tornar um jornal de maior projeção. Por um lado,
valeram-se de um meio de comunicação estabelecido e de grande alcance, nada
marginal, para divulgar idéias e discutir o movimento, atuando como artistas e
críticos de maneira independente. Por outro, participaram ativamente da constituição
do jornal como tal, sendo agentes da reforma. Cabe, aqui, levantar a questão de se o
Jornal do Brasil, nesse breve período, pode ser considerado uma realização próxima
ao espírito da utopia construtiva, onde se dá a integração entre arte e vida, quando
alguns artistas lograram levar a arte à vida cotidiana, para o grande público leitor de
jornais.
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4
O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil
4. 1
Paralelos com as publicações das vanguardas artísticas
As qualidades estéticas dos signos gráficos, dentre os quais dastaca-se a palavra
impressa, fizeram parte das investigações plásticas das vanguardas artísticas do início
do século XX, quando os impressos, que então passaram a ser produzidos em larga
escala, transformaram a visualidade do ambiente urbano. A diagramação do Jornal do
Brasil e, especialmente, de seu Suplemento Dominical, remetem-se a esse universo,
não apenas pela sua relação com o neoconcretismo mas, sobretudo, pela
experimentação em torno dos aspectos visuais da palavra e da mancha de texto, que
implicaram o tratamento dado à página como um espaço gráfico e plástico. Amilcar
de Castro desenvolveu o projeto a partir do espaço plano, suas subdivisões e
preenchimentos, criando contrastes e relações espaciais. A página era, para ele, um
campo a ser trabalhado, construído, no qual sentido plástico e textual formavam uma
unidade. Faz com que nos refiramos às experiências cubistas com a colagem, que
incorporaram em sua estética a palavra impressa, pondo em questão o espaço
representativo; às experiências poéticas de Mallarmé e Apollinaire, nas quais fizeram
aderir o espaço gráfico como fator constitutivo do poema; e ao intenso
experimentalismo em torno das artes gráficas em diversos movimentos de vanguarda,
como o Futurismo, o Construtivismo, o De Stijl, o Dadaísmo e o programa Merz, de
Kurt Schwitters, que se ocuparam em criar impressos tais como cartazes, revistas e
jornais, nos quais publicaram textos, poemas e manifestos.
A referência mais direta, dentre as vanguardas artísticas, para a diagramação do
Jornal do Brasil foi o construtivismo do movimento De Stijl. Ferreira Gullar e
Amilcar de Castro referiram-se às diagramações do Jornal do Brasil e da revista
Manchete como sendo feitas “à Mondrian”
1
. De fato, a influência do artista holandês
1
Em depoimentos prestados ao Centro de Memória e Jornalismo da ABI em 1976 / 1977.
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60
e das idéias do movimento De Stijl na diagramação do jornal pode ser vista naquilo
que Yve-Alain Bois, no texto “The De Stijl Idea” (1991), chamou de
“elementarização” e “integração”
2
. Estes seriam dois processos que levariam ao
princípio básico de cada arte – o que cada uma deveria buscar, despojando-se dos
resquícios das demais modalidades artísticas, em direção àquilo que lhe diz respeito
especificamente. Cada arte seria, assim, reduzida a seus elementos básicos,
articulados em função de uma totalidade não-hierárquica, em que a alteração de
quaisquer dos elementos requereria uma reestruturação do todo. Estaria estabelecida,
dessa forma, uma arte fundamentada na pura relação entre as partes, em um mundo
autônomo, que não se relacionaria com o mundo real pela mímesis, mas que seria,
antes de mais nada, parte dele. A composição restrita a elementos perpendiculares fez
coincidir plano físico e plano estético, reforçando a literalidade da superfície. O uso
da grade ortogonal indicou a negação a toda referência à realidade natural, em uma
busca pela independência com relação à narrativa ou ao discurso verbal a que a
pintura poderia estar referida.
Em Teoria do não-objeto (1960), um dos textos fundamentais do
neoconcretismo, Gullar discorreu sobre a “morte da pintura”, uma conseqüência do
desenvolvimento da arte a partir do impressionismo, no qual “cada vez mais o objeto
representado perdia significação aos olhos, e, em conseqüência disso, o quadro,
como objeto, ganhava importância
3
. Em um processo semelhante, deu-se o
tratamento conferido à página impressa pelas vanguardas artísticas européias,
movimento que indicou novos rumos para o design moderno. A página ganhava cada
vez mais evidência, enfatizando as possibilidades plásticas da superfície, não mais se
restringindo à apresentação convencional do conteúdo. Desde as experiências com o
espaço gráfico feitas por Mallarmé em seus poemas, no final do século XIX,
quebrando as convenções de diagramação em favor do uso da forma do texto como
elemento expressivo, o desenho da página passou a ser visto como um fator de grande
potencial estético, ao mesmo tempo capaz de interferir ativamente na transmissão da
2
BOIS, 1991.
3
AMARAL, 1977 : 85.
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61
informação. O movimento De Stijl, fundado em 1918 por Piet Mondrian e Theo van
Doesburg, foi fundamental no processo de valorização do plano pictórico, e foi um
dos principais pontos de partida para o projeto construtivo brasileiro. O movimento
defendia a criação de uma nova plástica que seria universal
4
, baseada na geometria e
nas cores básicas, e que se estenderia das artes plásticas ao ambiente, transformando a
arquitetura e os objetos cotidianos. A pintura de Mondrian, que se distanciou do
sistema representacional e da pintura ilusionista, foi uma referência importante tanto
para o concretismo e o neoconcretismo como para a paginação do Jornal do Brasil e
do SDJB
5
. Mondrian evidenciou a dimensão planar da pintura, limitando-se às cores
primárias e aos movimentos básicos da horizontal e da vertical, usando a pintura para
construir relações, ritmos e proporções. Do mesmo modo, a composição reduzida aos
elementos essenciais – formas retangulares em um plano subdividido pelas áreas de
diferentes pesos gráficos – foi o procedimento dominante na estrutura de página
adotada no Jornal do Brasil e no SDJB.
Os elementos gráficos da página foram assim reduzidos a textos e imagens. E
cada página, sobretudo no que diz respeito ao SDJB e ao conjunto de primeiras
páginas do Jornal do Brasil, constitui um todo fechado, baseado na relação entre as
partes, e que por sua vez se articula com o conjunto de páginas que formam o jornal.
No entanto, no caso do jornal, essa redução aos elementos básicos não significou um
isolamento das artes gráficas ao aspecto puramente visual. O texto ganhou
importância, e foi tratado também visualmente, pelo peso, tamanho e disposição na
4
Sobre o novo estilo, Mondrian escreveu, no texto “ Realidade natural e realidade abstrata ” (1919):
“a nova plasticidade não pode, por conseguinte, tomar forma através de uma representação (natural)
concreta, a qual – mesmo no sentido universal – sempre indica, de uma maneira ou de outra, o
individual; a menos que oculte em si o universal não poderá, portanto, ocultar-se naquilo que
caracteriza o individual, ou seja, a forma e a cor naturais, mas deverá expressar-se na abstração da
forma e da cor, quer dizer, na linha reta e na cor primária claramente definida.
Esses meios de expressão foram descobertos na pintura moderna pelo caminho da abstração (…). Uma
vez encontrados seguiu-se a representação exata das relações isoladas, e com isto o elemento essencial
e fundamental de qualquer emoção plástica do belo. (…)
O novo plasticismo na pintura é pintura pura: os meios de expressão permanecem como sendo a forma
e a cor, da maneira mais interiorizada; a linha reta e a cor lisa permanecem puramente como meios de
expressão pictóricos. (…) A relação equilibrada é a mais pura representação da universalidade, da
harmonia e unidade, características inerentes à mente.” (CHIPP, 1996 : 325-326).
5
Traçando um caminho inverso, Antonio Manuel é um artista que estabelece relações com a estética
neoplástica a partir da estrutura da página de jornal. Ver seus flans (1975).
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página, fazendo com que o significado das palavras e sua forma visual interagissem
formando um único corpo: texto-imagem, visualidade-poesia. Assim, as aspirações de
Mondrian quanto à nova estética que, segundo ele, seria “baseada nas relações
puras, pois somente relações puras de elementos construtivos puros podem levar à
pura beleza
6
, não encontrariam nos impressos uma situação exemplar, uma vez que
os elementos mais essenciais, as linhas e áreas planas, são formadas por palavras.
Talvez o jornal pudesse ser visto como uma possibilidade de expansão da nova
plástica para o ambiente da vida cotidiana. Contudo, ao abrir-se para o mundo, ela,
pela sua própria natureza de objeto útil, um meio de comunicação, teria de renunciar
à pureza de relações preconizadas por Mondrian.
A utilização de um gride como estrutura do plano seria, a princípio, um
emblema dessa pureza de relações, segundo expôs Rosalind Krauss no texto “Grids
(1978): “O gride anuncia, dentre outras coisas, a predisposição da arte moderna ao
silêncio, sua hostilidade com relação à literatura, à narrativa, ao discurso (...) A
barreira que construiu entre as artes da visão e aquelas da linguagem obteve êxito
quase completo em isolar as artes visuais no domínio da visualidade exclusiva e
defendê-las contra a intromissão do discurso
7
. Embora a composição das páginas do
SDJB, assim como as do Jornal do Brasil, fosse feita a partir de um gride, de uma
divisão da superfície em linhas horizontais e verticais, não temos aqui uma quebra da
barreira entre artes visuais e linguagem que o uso de uma grade ortogonal, pela
negação da virtualidade, implicaria. O gride não era aí uma organização da página em
compartimentos a serem preenchidos por letras e imagens. O modo sempre
surpreendente com que sua ocupação se dava a cada página enfatizou a
interdependência entre texto e imagem. As letras, ao não serem “aprisionadas” em
uma estrutura, retiravam significação também do espaço, como no poema de
Mallarmé, na apresentação gráfica de manifestos e poemas futuristas e nas páginas
das diversas publicações do movimento Dada. Embora muitos desses exemplos não
fizessem uso de grides na disposição das palavras no espaço, o jornal de Amilcar de
Castro acabou por estabelecer com eles relações por ocupar a grade ortogonal de
6
MONDRIAN. “Le home, la rue, la cité” (1926).
7
KRAUSS, 1986:9.
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63
modo a não definir um ritmo regular. A estrutura original, embora existisse, era
desconstruída e reconstruída a cada momento, a cada página.
A questão formal não esgota a análise do trabalho de Amilcar de Castro no
suplemento. O projeto não se limita, tampouco, ao discurso funcional adotado pelo
artista, que justificou o uso de pouca variedade de elementos gráficos como uma
adaptação às condições precárias da oficina e como um fator facilitador da leitura.
Forma e conteúdo se entrelaçam, partindo do princípio de que a configuração dada
aos elementos da página acabaria por influir, mesmo sem um direcionamento
explícito, na recepção por parte do leitor. No SDJB, os aspectos gráficos são
explorados de modo a criar sentidos de leitura, estabelecer relações entre textos,
privilegiar determinados temas e matérias. Nesse ponto, há um paralelo a ser feito
com a poesia concreta e neoconcreta, reforçando a relação que o projeto gráfico do
suplemento tinha com o conteúdo de suas matérias, já que os poemas concretistas e
neoconcretistas eram um tema recorrente em suas páginas.
A poesia concreta propôs um desenvolvimento da linguagem no espaço-tempo,
em contraposição ao desenvolvimento linear da poesia tradicional, que usava o
espaço da página como um suporte neutro, indiferente à leitura do poema. O
Movimento Concreto, em poesia, levou em conta a superfície gráfica na elaboração
de uma estrutura dinâmica que aderisse ao conteúdo das palavras, criando novos
sentidos, conseguidos pela conjugação entre a dimensão do tempo e as duas
dimensões do plano, que acrescenta a simultaneidade e o movimento à linearidade
habitual de leitura. Assim como na página do jornal, o texto desenvolve-se no espaço,
e a percepção da superfície dá-se também no tempo, mas de uma maneira não-linear,
guiada por fatores gráficos, numa inter-relação rítmica de formas. A “estrutura-
conteúdo”
8
do poema concreto é semelhante à estrutura da página, na qual as
comunicações verbal e não-verbal convivem e interagem.
O grupo paulista Noigandres
9
editou uma revista homônima de poesia concreta
nos anos 1950, publicando poemas que exploravam, sobretudo, a materialidade da
8
CAMPOS, Augusto de et al. Plano piloto para poesia concreta, 1958. In: AMARAL, 1977 : 78.
9
Grupo fundado pelos poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, com o
lançamento do primeiro número da revista Noigandres, em 1952. Nos anos seguintes aproximou-se do
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palavra, sua forma e sonoridade como parâmetros indissociáveis de seu conteúdo
verbal. Criaram-se estruturas gráficas que eram incorporadas à leitura, perturbando a
sua linearidade. As variáveis gráficas utilizadas eram poucas, centradas na forma da
palavra e no desenho formado pelo conjunto, que sugerem vozes e ritmos. A
musicalidade, parte integrante do universo poético, ganhou na poesia concreta um
reforço ao se associar à visualidade, o que permitiu novas relações sonoras,
exploradas a partir dos sons próprios da palavra. A simultaneidade de sons foi
incorporada ao poema, em contraponto à seqüência linear de palavras, e valores
diferentes foram atribuídos a eles por meio de recursos gráficos, como tamanho e tipo
de letra, cor, ordenação no espaço. Essa relação entre texto e imagem (texto como
imagem) foi amplamente explorada no SDJB, que usava variações formais para guiar
a leitura, criar hierarquias, e, ao mesmo tempo, surpreender o leitor pela forma.
Analogias com estruturas musicais são possíveis graças à elaboração de um projeto
baseado em variações rítmicas e que se desenvolveu seqüencialmente, na sucessão
das páginas.
A integração entre verbalidade, visualidade e musicalidade fez com que o jornal
se aproximasse da experiência realizada em outros movimentos de vanguarda
moderna, em particular os que se ocuparam da poesia e do teatro, como o Futurismo,
o Dadaísmo e o programa Merz.
O movimento Dada, em uma recusa à ordem, aos sistemas e hierarquias, partiu
da impossibilidade de se estabelecerem fronteiras entre as artes. Poesia, teatro,
pintura, música, misturavam-se nas manifestações do movimento, cuja
experimentação se estendia também às técnicas e aos meios de expressão artística.
Para uma arte que não pretendia isolar-se do mundo, mas ser por ele contaminada,
buscaram-se meios considerados menos tradicionais, ou mesmo menos nobres, dentre
os quais destaca-se a impressão tipográfica, extensivamente explorada pelos artistas
dadaístas, como, para citar alguns deles, Tristan Tzara, Raoul Hausmann, Richard
Huelsenbeck, Hans Richter e Kurt Schwitters. A produção de impressos era a
incorporação pela arte de um meio tipicamente moderno, pertencente ao mundo
grupo Ruptura, de artistas plásticos paulistas, e em 1956 participou da Exposição Nacional de Arte
Concreta, na qual seu trabalho veio a ser identificado como “poesia concreta”.
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urbano, da indústria e das comunicações, distante da tradição dos museus e do
isolamento das galerias, próprio para a disseminação de um movimento que não
queria se enquadrar no sistema estabelecido de arte. Diversos artistas dadaístas
promoveram a publicação de revistas e outros periódicos, livros, cartazes, panfletos,
em diferentes cidades, sendo eles não apenas os editores responsáveis pelos textos
publicados, mas também pela própria criação e diagramação dos impressos.
O caráter provocativo do movimento Dada, o desprezo pelos padrões estéticos
em vigor, o desejo de transgressão estão presentes nas suas publicações de modo
evidente, não apenas pelos textos, mas também pela sua apresentação formal. A
diagramação das páginas dadaístas não parece seguir outra orientação senão aquela
sugerida pela experimentação. Nem sempre se pode estabelecer uma conexão direta
entre a forma do texto, das letras, ocupação do espaço e o conteúdo do texto. A
materialidade das palavras, sua forma visual, ganhou vida própria, manifestada pela
variação de formas e de tipos de letras, tamanhos, posições, que não seguiam
necessariamente nenhuma ordem hierárquica, nem estavam submetidas a um sentido
verbal ou à transmissão da informação. Há uma proximidade clara com os poemas
futuristas, ponto de partida para as experiências dadaístas em tipografia
10
, com os
quais coincidiam na recusa à tradicional disposição tipográfica da página, buscando
uma transformação radical do espaço gráfico, e na exploração das letras e textos
como imagens. Nesse sentido, podem-se destacar o uso de diferentes tipografias em
uma mesma página, ou mesmo em uma mesma palavra; os tamanhos variavam
também entre palavras e entre letras, assim como as suas posições, o que desconstruía
a linearidade do texto, criando leituras paralelas alternativas e fazendo vir à tona, com
as palavras e fonemas empregados, mais um aspecto material da palavra – a
sonoridade. A renúncia a uma correspondência unívoca entre forma e conteúdo
permitiu que o leitor fizesse associações ao acaso, abrindo à página inúmeras
possibilidades que independem da intenção do autor (figura 09).
10
Embora Schwitters negasse a influência do futurismo italiano na sua atividade como diagramador,
Hugo Ball e Richard Huelsenbeck a afirmavam. Em 1915, Marinetti enviou a Tristan Tzara o poema
Parole in liberta”, exposto na inauguração do Cabaré Voltaire. (Cf. Dada p.528; Huelsenbeck, p.382)
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O conjunto de trabalhos gráficos produzido pelo movimento Dada é extenso e
muito variado quanto à sua forma. Muitos faziam uso de vinhetas, que por vezes
funcionavam como ideogramas, de ilustrações e de colagens, em uma profusão não-
hierárquica de imagens e de letras que se aproximaria de uma espécie de all-over
(figura 10), distante da organização relacional e baseada no estabelecimento de
hierarquias de leitura com a criação de grandes áreas brancas, como vemos no SDJB.
No entanto, dentro da variedade produzida pelo movimento Dada, muitas
publicações, como as revistas Club Dada, Dada, Der Dada, e, principalmente, as
revistas G, Mécano e Merz, permitem que se estabeleçam relações com o jornal
diagramado no Brasil no fim dos anos 1950. São revistas que exploram a página do
ponto de vista plástico, utilizando espaços brancos nas composições, que criam
estruturas para o desenvolvimento das disposições dos elementos nas páginas, mas
que procuram, também, ocupar as páginas sempre de uma forma nova, não
cristalizando nenhuma solução que se repita. A inovação e a opção pelo não
estabelecimento de regras resultam em um conjunto que, assim como o SDJB,
embora privilegie a ortogonalidade e restrinja a variação de elementos, coloca a
variedade de soluções e a heterogeneidade em primeiro plano.
Trata-se de publicações que atestam a dificuldade em se compartimentarem as
vanguardas do início do século XX em movimentos estanques, separados em
vertentes “racionais” ou “irracionais”. As trocas entre Dada e Construtivismo eram
ocasionadas pelas figuras de Theo Van Doesburg, Hans Richter, Kurt Schwitters,
Lissitzky e Picabia, que transitavam pelos dois movimentos, influenciando-os
mutuamente. Para Hans Richter, editor e diagramador da revista G (primeira letra de
Gestaltung), “os objetivos da novidade sem restrições (Dada) e aqueles da
permanência (Construtivismo) seguem lado a lado e se condicionam mutuamente. O
objetivo da revista G é o de apreender e integrar essas duas tendências
11
. A
diagramação da revista seguia uma orientação construtivista (figura 11) e contou com
a colaboração de artistas e professores ligados à Bauhaus, como Lissitzky e Mies Van
der Rohe.
11
Citado em Dada, p. 440.
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67
Theo van Doesburg, criador, junto com Mondrian, do movimento De Stijl e
professor da Bauhaus no início dos anos 1920, também promoveu e participou de
soirées dadaístas na Holanda. Sua colaboração com o movimento se deu ainda na
produção de impressos, em alguns números da revista Merz, editada por Kurt
Schwitters, e na edição e projeto gráfico da revista Mécano (figura 12). Nessa última
revista, contribuíram Hausmann, Tzara, Man Ray, Schwitters, dentre outros dadaístas.
Editada por Doesburg sob o seu pseudônimo para atividades dadaístas, I. K. Bonset,
foi diagramada de modo a explorar os sentidos espaciais de leitura. Trata-se de uma
revista impressa em uma única folha frente e verso, dobrada em oito partes nas quais
textos e imagens são dispostos de maneira a obrigar o leitor a manipular a folha
impressa, girando-a, dobrando-a, experimentando-a sob seu aspecto material e
manipulável, evidenciando também esses aspectos nas letras e texto, ponto
importante para se compreender o SDJB, jornal que explora a conjunção entre texto e
plasticidade, entre visão e leitura, entre manipulação e contemplação.
É, porém, na revista Merz, editada entre 1923 e 1932, que se deu a conexão
mais significativa entre o movimento Dada e o Construtivismo, no que diz respeito à
página impressa. Não apenas porque com a Merz colaboraram artistas como
Lissitzky, Theo van Doesburg, Jan Tschichold, além de terem sido publicados em
suas páginas textos de Mondrian e reproduções de trabalhos de Vladimir Tátlin. Mas
também pelo modo como as páginas eram compostas, estabelecendo relações entre as
partes baseadas na ortogonalidade, de acordo com a estética neoplástica, ao mesmo
tempo em que promoveu a livre experimentação do espaço gráfico aliada à
evidenciação da dimensão visual da palavra (figura 13).
O modo como a estética neoplástica se desdobrou na elaboração da revista Merz
a aproxima do SDJB. Em ambos os casos, a “pura relação”, desenvolvida na pintura
por Mondrian, ao migrar para um objeto que supõe um uso – a leitura –, sofreu uma
interferência não prevista no jogo de equilíbrio entre diferenças proposto pelo pintor
holandês. Isso porque, tanto na revista de Schwitters como no suplemento, aquilo que
é próprio da palavra como signo gráfico – a forma e tamanhos das letras, a sua
orientação no espaço, a disposição e separação entre manchas de texto – renuncia à
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pretensão de neutralidade e se imiscuem deliberadamente no ato de ler. Lê-los sem
atentar à dimensão visual da palavra é quase impossível.
Duas premissas defendidas por Schwitters ao compor a sua revista Merz
podem ser identificadas com dois importantes aspectos do trabalho de Amilcar de
Castro: “faça de um jeito que ninguém jamais fez antes” e “as palavras da folha
impressa são vistas, não ouvidas
12
. Com relação à primeira delas, refere-se à idéia
de novidade como um valor positivo, priorizado acima de aspectos funcionais ou de
eficiência na comunicação, e que transforma a atividade tipográfica em uma atividade
experimental. Quanto à segunda premissa, ao supor uma diferença entre a palavra
vista e aquela declamada, Schwitters opõe forma e sonoridade, mas essa oposição não
significa uma mútua exclusão. Em páginas, como as do SDJB, nas quais a disposição
e formas dos textos e letras é explorada de modo a sugerir ritmos visuais e de leitura,
não há uma correspondência unívoca entre som e imagem. Mas, ao mesmo tempo,
dissociá-los totalmente parece impossível: são dimensões constitutivas e inseparáveis
da palavra e que mantêm a sua presença, seja ao ser lida em silêncio, seja ao ser
apenas ouvida.
Raoul Hausmann e Kurt Schwitters são dois artistas ligados ao movimento
Dada que se empenharam na criação de impressos e que também se dedicaram à
produção poética, mais especificamente ao que chamaram de “poemas fonéticos” ou
“optofonéticos”. Essa produção está relacionada à diagramação de páginas de
revistas, como a Merz de Schwitters e como as Club Dada, Dada e Der Dada, de
Hausmann. Na produção poética, assim como nas revistas, a indissociação entre
visualidade e sonoridade da linguagem verbal vem à tona. A correspondência por
vezes aleatória entre imagem, som e significado não dissocia som e imagem, mas cria
entre eles e o significado das palavras uma defasagem que destrói a unidade
usualmente percebida. Promove um embaralhamento dos sentidos que contraria o
hábito, surpreendendo as relações espontâneas entre som e imagem que, descolados
de uma associação semântica, encontram-se livres para possibilitar novas relações.
Tanto Hausmann como Schwitters não apenas compunham os poemas em um espaço
gráfico como também os declamavam em público, contrapondo artes visuais e música
12
Citado em HOLLIS, 2000 : 55-56.
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na poesia, visão e audição na materialidade da palavra, operação ainda mais evidente
nos poemas “letristas” de Hausmann (figura 14), dos quais toda possibilidade de uma
correspondência semântica fora excluída. Sobre esses poemas, declarou, em seu texto
O poema fonético” (1955) :
O poema para mim é o ritmo de seus sons. Então por que ter palavras? Poesia é
produzida por seqüências rítmicas de consoantes e ditongos postos em oposição a um
contraponto de vogais associadas, e deveria ser simultaneamente fonético e visual.
(…). Poemas emergem da visão e audição internas do poeta, materializando-se como a
força do som, barulho e forma tonal, ancorados no próprio ato da linguagem. Visão
espiritual, forma espacial e materialidade do som não são poesia em si, mas todos
compõem o poema. (…)
O poema é um ato que associa respiração com audição, inseparável da passagem do
tempo. A poesia fonética divide o espaço-tempo contínuo em valores numéricos pré-
lógicos que guiam a percepção visual pela força da notação escrita das letras. Cada
valor, em um poema desses, se expressa individualmente e, por uma declamação mais
grave ou aguda de letras, sons, aglomerações de vogais e consoantes, a cada unidade de
som é dado o seu valor. Para comunicá-los tipograficamente, escolho letras de
diferentes tamanhos e diferentes pesos, tratando-as como uma espécie de partitura
musical.
13
A página tipográfica permitiria, portanto, a associação de mais de um “gênero
artístico”
14
. Os signos gráficos trazem a poesia, a arte das “letras, sílabas, palavras,
frases”
15
, apresentada também na sua dimensão gráfica, criando relações visuais e
espaciais. Essas mesmas relações, aliadas à poesia, nos levam a associações musicais,
de ritmos, freqüências, intensidades, que aproximam a página impressa da grafia das
partituras musicais, como na poesia de Mallarmé. As palavras formam desenhos,
ritmos impregnados de musicalidade e significado. Temos, assim, uma a união entre
sentido visual, verbal e sonoro, que se aproxima da fusão entre as artes à qual
13
In: HAUSMANN, 1955.
14
Termo empregado por Schwitters.
15
Kurt Schwitters. “Merz”(1920). In: SCHWITTERS, 1990 : 57.
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Schwitters pretendia chegar com a obra de arte total Merz. Também nas páginas,
como na cena de teatro experimental idealizada por Schwitters, é impossível dissociar
os aspectos visuais dos verbais ou musicais; do mesmo modo que nas colagens
cubistas, em que as palavras integram um jogo visual e verbal em uma unidade que
não pode ser exclusivamente nem uma coisa, nem outra. Schwitters pretendia a
eliminação dos limites entre as artes, considerados por ele artificiais. Para ele, o
próprio limite entre a arte e a vida era uma tênue construção cuja fragilidade
procurava demonstrar pela incorporação de elementos vulgares em seus trabalhos.
Esse tipo de atitude favoreceu o desenvolvimento da revista como um objeto
cotidiano com tratamento artístico, ponto que permite uma aproximação com o SDJB.
Para Schwitters, qualquer material poderia ser trabalhado pelo artista
16
. Assim,
para ele, a arte permitiria o uso de vários meios, dos quais caberia ao artista extrair a
sua plasticidade, fosse ele pintura, colagem ou tipografia. A diagramação da revista
Merz também era tratada como mais uma modalidade artística, mais uma maneira de
“dar forma”. Podemos encontrar entendimento semelhante na declaração de Amilcar
de Castro, na qual afirmou ser, para ele, indiferente uma pincelada negra ou um título
de cinco colunas. São procedimentos similares no que diz respeito à página impressa,
que permitem que se aproxime a revista Merz do jornal diagramado por Amilcar de
Castro. Schwitters estabeleceu a relação entre os elementos como o fator mais
importante na elaboração de um trabalho plástico, relação indicada por um processo
interno ao quadro, guiado pela sensibilidade
17
. Essa compreensão desencorajaria a
elaboração de um projeto anterior à própria obra, em favor da liberdade do artista.
Também aqui é dada ênfase à sensibilidade contemporânea ao fazer da obra: “Apenas
sei como proceder, apenas conheço o material que utilizo, não sei para quais fins.
18
16
Le matériau est aussi insignifiant que moi-même. L’essential est donner forme”. Ibidem, p. 56.
17
Comme le matériau est insignifiant, je le choisis en fonction des exigences du tableau. En
accordant entre eux des matériaux divers, j’obitens un plus rapport à la seule peinture à l’huile car,
outre l’evaluatión d’une couleur en fonction d’une autre, d’une ligne en fonction de une autre ligne,
d’une forme en function de une autre forme, je mets en valeur égalment le bois en fonction de jute, par
example. J’apelle Merz cette vision du monde qui engendre ce genre de conception artistique”.
Ibidem.
18
Ibidem.
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71
Assim como essas publicações foram importantes na constituição dos
movimentos das vanguardas artísticas do início do século XX, o SDJB teve papel
relevante no Movimento Neoconcreto, não apenas por sua importância como meio de
divulgação, mas sobretudo na medida em que seu projeto gráfico apresentou
qualidades que permitem incluí-lo no conjunto de obras desse movimento. Também
nele há a associação de elementos construtivos a uma incessante investigação formal,
por meio da livre experimentação. Pode-se dizer que a atitude de Amilcar de Castro,
ao fazer o projeto gráfico do suplemento, é semelhante àquela do artista com relação
à sua obra – ele vê a página como um plano a ser organizado, mas também ao qual
deve ser conferida uma “transcendência que o subtraia à obscuridade do objeto
material
19
.
Em Teoria do não-objeto (1960), Ferreira Gullar se propôs a redefinir o objeto
artístico, tomando-o do ponto de vista fenomenológico e da sua apreensão subjetiva:
O não-objeto não é um antiobjeto mas um objeto especial em que se pretende
realizada a síntese de experiências sensoriais e mentais: um corpo transparente ao
conhecimento fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem
deixar rastro. Uma pura aparência.”
20
Destacou o fim do espaço metafórico como
decisivo na constituição do não-objeto, pela eliminação da moldura no quadro e da
base na escultura, confundindo-os em uma mesma categoria artística que se dá no
espaço real mesmo, sendo capaz de transformá-lo pela sua presença. Ao deslocar
aquilo que define a arte das convenções representativas para a produção de uma nova
significação no mundo real, essa análise permitiu que aproximássemos o jornal da
obra de arte. A maneira com que a página foi tratada na organização de seus
elementos, e como esse tratamento interagiu com o objeto, um conjunto de folhas
manipuláveis e flexíveis, seria o fator que o determinaria como artístico ou não. O
fato de estar ou não em um museu, limitado ou não por moldura ou base deixou de
ser imprescindível nessa determinação.
19
GULLAR, Teoria do não-objeto, 1960. In: AMARAL, 1977:86.
20
Ibidem, p. 85.
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É importante ressaltar que o jornal não é pensado para ser visto
distanciadamente, na posição vertical, mas em uma relação de proximidade e
horizontalidade, fator que, de certo modo, o contrapõe à pintura. A condição
horizontal remete ao uso e à operacionalidade, mais do que à contemplação,
priorizando a relação entre arte e cultura sobre a relação entre arte e natureza
21
. Essa
contraposição, explicitada por Walter Benjamin no texto Peinture et graphisme
(1917) ao confrontar o que chamou de duas possibilidades de “corte na substância do
mundo: o corte longitudinal da pintura e o corte transversal de certos grafismos
22
foi, primeiramente, problematizada nas colagens cubistas, assim como o foi, sob
certos aspectos, também no neoconcretismo. A primeira possibilidade, a da pintura,
vertical, corresponderia à representação que, de certo modo, contém as coisas. A
segunda, ao contrário, é transversal e simbólica, contendo signos e não coisas. A ela
pertencem os desenhos, os grafismos, a escrita, a página, a palavra. Remete a uma
aproximação horizontal e sugerem um modo de proceder relacionado ao fazer, ao ato
de debruçar-se sobre uma superfície – o que implica uma abordagem do espaço ligada
à ação e à mobilidade, diversa da abordagem vertical. A fusão entre os dois “cortes”
no cubismo provocou a reflexão sobre as diferenças entre as duas abordagens de
espaço e de mundo, transformando a pintura. Inversamente, essa reflexão se estendeu
também à página, cujo espaço foi sensível a essa influência a partir das vanguardas do
início do século XX.
Ao incluir recortes de páginas impressas em seus trabalhos, Picasso estava
estabelecendo um diálogo com a enorme carga visual a que foi submetido o ambiente
urbano do final do século XIX e início do XX. Até então, a composição tipográfica de
impressos era feita manualmente, tipo a tipo, utilizando praticamente a mesma
tecnologia desde a invenção da imprensa. Na década de 1880, a criação do linotipo
(1884) e do monotipo (1889) possibilitou a conversão da composição manual em
composição mecânica, revolucionando a produção de impressos. Jornais, cartazes e
anúncios, principalmente, invadiram o cotidiano das cidades e provocaram respostas
21
Ver STEINBERG, 1972.
22
La part de l’œil. Dossier: le dessin. 1990 : 13.
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de artistas e poetas, levados a travar diálogos com essa nova visualidade que
transparecem nos trabalhos do período, por vezes em uma recusa ou em uma adesão a
ela.
Mallarmé criticava o jornal pelo modo monótono, uniforme, como eram
apresentados os textos, em páginas compartimentadas que impunham uma leitura
passiva e submissa a uma ordenação pré-determinada da informação
23
. Opôs-se a essa
estética revolucionando a maneira de organizar a página tipográfica, com seu poema
Un coup de dés (1897). Nele, fez associações entre o espaço da página, o tamanho e o
peso das letras com o ritmo
24
e a musicalidade do poema. As colunas de texto e a
diagramação regular desapareceram, dando lugar ao movimento livre e imprevisível,
criando diversas possibilidades de leitura, em oposição à limitação da diagramação do
jornal tradicional. À disposição espacial das palavras na página corresponde um
percurso de leitura que segue paralelamente a outras leituras, outros percursos,
somando à linearidade a simultaneidade da composição visual, construindo uma
espécie de partitura. Palavras funcionam como contrapontos, os brancos são pausas,
as frases são linhas melódicas. Diferentes letras parecem exprimir diferentes timbres,
diferentes vozes simultâneas de entonação e intensidade que variam com o tamanho e
os pesos. Os paralelos com a partitura musical, no entanto, encontram no problema do
tempo um obstáculo, tanto no poema de Mallarmé como nos poemas fonéticos
dadaístas ou nos poemas concretos. Ao contrário do tempo da notação musical, este
aqui não é sincrônico, nem medido. É um tempo aberto, refeito a cada leitura. Não há
aqui a intenção, como em uma partitura musical tradicional, em se definir ritmos,
tempos, freqüências ou tonalidades, como o registro de uma obra a ser executada. A
própria leitura é uma experimentação do tempo a ser vivida a cada vez e não
reproduzida sempre de forma semelhante. Composto em várias páginas, o poema de
Mallarmé foi disposto de maneira que cada uma delas não fosse vista isoladamente,
como no caso do jornal tradicional, mas, primeiramente, em duplas e, em um outro
nível, como parte de uma seqüência que se dá no folhear do livro. A seqüência das
páginas permite a vivência de um tempo que é fragmentado em momentos de
23
Cf. “In the name of Picasso” (1980). In: KRAUSS, 1989.
24
Ritmo não é aqui entendido como uma pulsação regular, mas uma seqüência de durações.
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durações indefinidas, mas que se impregnam uns aos outros. Esse entendimento das
páginas como espaços, ou momentos, que extrapolam seus limites é uma das
principais características do SDJB. Cada página aí se relaciona com a página ao lado,
as seguintes e as anteriores, em uma diagramação que se abre ao espaço exterior à
página, a exemplo de Un coup de dés (figura 15).
Os artistas Futuristas também foram sensíveis às transformações do ambiente
visual da época, mas por um outro caminho. Preconizavam a unidade entre a arte e
seu tempo, procurando absorver o novo na construção de uma estética capaz de
transformar o tradicional meio de arte italiano. Os poemas de Marinetti e Soffici
incorporaram a visualidade do jornal, num elogio à ausência de hierarquia, à
aparência caótica da justaposição de informações em um mesmo espaço. Propuseram
uma “revolução tipográfica, em que a palavra não estaria mais submetida à sintaxe.
Seus poemas, mais do que lidos, foram pensados para serem vistos, revelando o
potencial plástico das letras tipográficas e da mancha negra de texto. Marinetti, no
texto “Dopo il verso – parole in libertà” (1913), descreveu o procedimento defendido
pelos futuristas:
A revolução tipográfica foi iniciada por mim e direcionada especialmente contra a
chamada harmonia tipográfica da página. Usamos em média três ou quatro cores de
tintas e ainda vinte tipos diferentes de fontes: por exemplo, itálico para uma série de
sensações rápidas e similares, negrito para uma onomatopéia violenta, etc. Com essa
revolução tipográfica e uma variedade multicolorida de fontes, estou apto a reforçar o
poder expressivo das palavras.
25
A imediaticidade da página em poemas como Assemblea politica tumultuosa
(1919), de Marinetti (figura 16), revela uma solução que diverge daquela empregada
na diagramação em seqüência do poema de Mallarmé. Em lugar da variação melódica
de Un coup de dés, temos aqui os ruídos atonais das onomatopéias gráficas do Parole
in libertà, que exprimem a cacofonia da profusão de cartazes, anúncios e jornais que
25
Citado em CUNDY, 1981. David Cundy observou, em seu artigo, que não há poemas futuristas
impressos a cores. Interpretou a menção às cores feita por Marinetti como uma referência à variedade
de pesos e desenhos de letras utilizadas nos poemas.
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são parte da ambientação da cidade moderna. A utilização da estética do jornal para
compor poemas estendeu-se também à França, no trabalho de Apollinaire e Cendras.
O abandono da sintaxe e a simultaneidade na recepção da página,
proporcionada pela ausência de uma ordenação seqüencial na leitura do texto, levou
alguns artistas futuristas ao uso das letras como elementos figurativos. O sentido
narrativo ou descritivo, preterido graças à eliminação de um conteúdo verbal
dominante, foi resgatado aí pelo uso figura. Um exemplo é o poema Sintesi di Città
(1917), de Lúcio Venna, em que a disposição das letras sugere a arquitetura de
Florença (figura 17). Do ponto de vista da relação entre imagem e leitura, essas
experiências estariam no meio do caminho entre a as experiências poéticas de
Hausmann e Schwitters e os caligramas de Apollinaire, nos quais as linhas do texto
são dispostas de modo a formar desenhos. Nos poemas fonéticos, optofonéticos e
letristas dos artistas dadaístas, a leitura chega a se converter em pura abstração, sem
formar nem mesmo palavras, tampouco figuras que remetam a algum sentido exterior
à materialidade do signo. No poema futurista de Venna, leitura e ilustração convivem,
pois ao passo que vemos o conjunto que forma a paisagem, podemos ler “L’Arno” ou
o grupo de letras que sugere a palavra “fiume” ou, ainda, “Italia”. A apreensão do
desenho e a leitura das palavras se dão no poema futurista de modo praticamente
simultâneo. Nos caligramas, ao contrário, a leitura do texto e a visão geral do desenho
por ele formado são momentos necessariamente alternados da percepção. É a
manifestação, quase uma demonstração, do duplo caráter da letra: sinal legível e
desenho plástico. A análise que Foucault fez dos caligramas em “Isto não é um
cachimbo” (1973) os aproxima da questão levantada por Benjamin, ao opor o corte
horizontal, dos signos, ao corte vertical, das imagens, e observar a conjunção entre os
dois cortes nas colagens de Picasso. Também Foucault vê no caligrama uma oposição
entre signo e imagem, oposição não resolvida, mas conjugada em um único objeto,
um paradoxo visual: “O caligrama pretende apagar ludicamente as mais velhas
oposições de nossa civilização alfabética: mostrar e nomear; figurar e dizer;
reproduzir e articular; imitar e significar; olhar e ler.
26
Caligramas e colagens
26
FOUCAULT, 1989 : 23.
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cubistas estavam lidando com o mesmo problema, posto em questão nessa época, de
como lidar com a visualidade dos signos gráficos
27
.
A ausência de profundidade e a extrema frontalidade em que resultam as
colagens cubistas abriram a possibilidade para um longo caminho a ser percorrido
pela pintura, ao problematizar a sua condição de suporte para uma projeção mimética.
Mais do que propor jogos de trompe l’oeil ou variações de luz, nas colagens foi
desenvolvido um sistema de símbolos que “falam de profundidade e de luz,
remetendo-se a elas e não apresentando-as. Conforme expôs Clement Greenberg no
artigo “Colagem” (1959), Picasso e Braque estavam mais preocupados em
descobrir, para cada aspecto da visão tridimensional um equivalente explicitamente
bidimensional, independentemente de quanto a verossimilhança sofreria nesse
processo.”
28
Ainda segundo Greenberg, para que a representação sobrevivesse nesse
sistema em que o plano literal tornava-se a cada vez mais evidente, o recurso à
colagem foi utilizado como um modo de, por contraste, recuperar a profundidade das
demais áreas do trabalho, onde a colagem não fora aplicada. Contudo, essa
profundidade não era mais a ilusão do espaço tridimensional, mas uma “semelhança
da semelhança”, ou uma “memória da profundidade plástica ou espacial”
29
. Não se
trataria mais de tentar criar um duplo para a realidade, mas de um outro entendimento
da representação, no qual aquilo a que se refere está ausente, baseando-se em um
sistema de substituições. Rosalind Krauss, em seus artigos “In the name of Picasso”
(1980) e “The motivation of sign” (1989), sustentou essa idéia citando dois exemplos
encontrados na colagem Violino (1912) de Pablo Picasso (figura 18): os orifícios em f
do violino em tamanhos de diferença exagerada, simbolizando a profundidade; e a
textura de letras, simbolizando uma atmosfera de luz, ambos símbolos de
espacialidade. Criou-se, assim, um sistema de signos: signos para escorço em uma
27
Sobre essa relação, Rosalind Krauss diz acreditar que a incorporação do jornal nas colagens de
Picasso seria uma espécie de diálogo com o seu amigo e poeta Apollinaire, que vinha trabalhando a
questão do jornal e da visualidade tipográfica em seus poemas e caligramas. In: “The Motivation of
sign” (KRAUSS, 1989).
28
GREENBERG, 1996:86.
29
Ibidem.
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superfície cuja planaridade é assumida, signos para transparência onde não se quer
dissimular a opacidade nem a materialidade do recorte de jornal
30
. A esses signos,
associaram-se as palavras que, funcionando também como elementos plásticos, são
parte do sistema de construção de sentido que substitui a representação tradicional.
Embora esses trabalhos sejam apresentados na vertical, para serem
contemplados, a operacionalidade do ato de recortar e colar, a construção de signos, a
relação com o fundo branco do suporte remetem à horizontalidade a que se refere
Walter Benjamin. Esta ambigüidade ocasionou um novo contemplar, cujo sentido não
é encontrado além da superfície real da tela. Ao olhar não é mais possível projetar-se
através dela, mas dispersar-se sobre ela. Ao mesmo tempo, evidenciou o potencial
plástico da mancha de texto e dos signos gráficos, em especial os que dizem respeito
à visualidade do jornal, embora de um modo diverso daquele explorado pelos
futuristas. Mais do que incorporar a estética da emergente cultura de massa ao meio
tradicional da arte, Picasso estava conferindo-lhe um novo sentido, ao utilizá-la em
um contexto a ela até então estranho, que envolve as idéias de composição, de
harmonia e equilíbrio, ao passo que estava problematizando esse mesmo contexto.
Nas colagens de Picasso, a mancha tipográfica recebeu um novo tratamento. Os
recortes de jornal são aí parte de uma operação que põe em evidência o plano literal.
A incorporação de um elemento real, parte de um objeto material, não representado,
fez com que as letras fossem vistas como elementos tangíveis, acessíveis ao toque,
em oposição ao espaço virtual ilusionista. A seção de texto deixou de ser, assim, um
plano superposto à superfície branca do suporte para ocupar-lhe o mesmo nível. A
partir daí, a página impressa não necessariamente teria de ser vista como um campo a
ser preenchido por formas nele contidas, mas como a própria forma, integrada ao
espaço real, e não dele isolada. A literalidade do material evidenciou-o como forma,
30
O sistema de representação que se baseia na ausência como uma das condições para a existência do
signo relaciona-se também com os caligramas. Nesses poemas, a disposição do texto no espaço forma
silhuetas de figuras, contornos que não constituem uma representação mimética, mas simbólica. Um
exemplo é o conjunto de caligramas de Guido Casoni, poeta italiano do século XVII, considerado um
“proto-futurista”. Em seu poema “La passione di Cristo” (1626), a mancha de texto forma contornos de
símbolos cristãos. Essas figuras, silhuetas apenas, e que só são vistas em alternância à leitura do texto,
não são o acréscimo de elementos decorativos às palavras. Ao contrário, são uma ausência, uma
subtração com relação aos excessos iconográficos que tratavam o tema da paixão de Cristo em sua
época.
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mais do que como o habitual conjunto de códigos que dão acesso à leitura ou como
um elemento representativo. Essa forma ocupa um espaço real, relaciona-se com os
limites da tela, com os espaços brancos, com as linhas do desenho. A diagramação do
Jornal do Brasil remete-se à espacialidade do cubismo, na relação dos elementos com
o suporte, os brancos da folha de papel, e na organização do campo visual, que parece
extrapolar os limites da página
31
. Também nos caligramas, os espaços brancos
assumem um papel diferente, ativo, na constituição da página. As margens brancas
que separam, tradicionalmente, o texto das imagens em uma página perdem a sua
neutralidade. Ao tornar-se o recorte negativo da forma, o branco da página não é mais
o campo comum sobre o qual convivem, simultaneamente, texto e figuras. O espaço
de convivência deixa de existir para dar lugar à alternância entre olhar e ler que
constitui jogo representativo do caligrama. A folha de papel, assim como nas
colagens, deixou de ser um plano contínuo paralelo à superfície preenchida para estar
ligada indissociavelmente à forma.
A mesma ambigüidade entre objeto contemplativo e operacional, entre olhar e
ler, presente nas colagens cubistas e também nos caligramas de Apollinaire, pode ser
encontrada no trabalho gráfico de Amilcar de Castro, seja no SDJB e no Jornal do
Brasil ou em outros projetos que veio a realizar posteriormente, como o Jornal de
Resenhas. O jornal é um conjunto de códigos a serem lidos, as páginas são
manipuladas, dobradas, utilizadas. Ao mesmo tempo, a preocupação estética, que
envolve a composição, os ritmos gráficos, a disposição espacial, é evidente. As
páginas também se prestam à contemplação, adquirindo sentido ainda ao serem
observadas na vertical. A duplicidade entre, por um lado, fazer, operar, ler e, por
outro, contemplar, ver, não se restringiram às colagens de Picasso nem aos caligramas
31
No Jornal de Resenhas, projeto que teve início em 1998, a relação espacial é um pouco diferente. A
composição parece estar contida no retângulo da página, uma vez que a disposição dos elementos é
feita, quase sempre, de maneira a demarcar as margens, completando visualmente um retângulo
proporcional à folha que o contém. Contudo, aqui podem-se observar outros aspectos que o relacionam
com as colagens cubistas que não estão presentes no Jornal do Brasil. A página é estruturada pela
combinação de dois elementos gráficos: as colunas de texto e os desenhos a mão livre de Amilcar de
Castro, que dividem o mesmo espaço sem nenhuma delimitação ou separação entre eles. Linhas e texto
convivem aí numa profusão de grafismos que vão desde a mancha tipográfica ao desenho linear
figurativo, passando pelos títulos e subtítulos de variados pesos, pela escrita manual presente no
logotipo e nos símbolos gráficos, e pelos desenhos abstratos de Amilcar de Castro (figuras 19 e 20). A
diferença entre os grafismos gerou diferentes intensidades de preto, resultando em variações que
dispensam a cor ou os meios-tons.
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de Apollinaire, mas foi um problema tratado por todos os movimentos artísticos que
se ocuparam de impressos no início do século XX, e do qual se originou uma nova
visualidade ao se conceberem as páginas tipográficas, especialmente no que diz
respeito à materialidade do signo, seus aspectos visuais e sonoros. Várias das
características dessa nova visualidade estão presentes no projeto gráfico do Jornal do
Brasil, especialmente no conjunto de primeiras páginas e no SDJB.
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4.2. As páginas do SDJB e a obra de Amilcar de Castro
A diagramação do Jornal do Brasil e de seu Suplemento Dominical partiu da
estruturação da página em módulos gerados por uma rede de linhas ortogonais – um
grid. Essa divisão foi feita a partir das proporções clássicas, baseadas na série de
Fibonacci
32
, que define um padrão de relações encontrado com freqüência em formas
da natureza. Tradicionalmente, o uso dessa série para se estabelecerem relações e
proporções esteve vinculada à busca por um ideal de beleza e perfeição, presente nas
manifestações artísticas da Antiguidade clássica
33
. No jornal, essa orientação supunha
o estabelecimento de uma relação entre a arte e a matemática, defendida por Max
Bill
34
, segundo o qual a arte concreta seria a “ pura expressão de leis e medidas
harmoniosas” (Arte Concreta, 1936)
35
. Max Bill definia a matemática como “ciência
das relações”, passíveis de serem materializadas seja musicalmente, pela relação entre
os sons, seja visualmente, pela relação entre as formas e cores no plano e no espaço.
Ao basear-se na proporcionalidade clássica, no entanto, Amilcar de Castro não
se propôs a fazer uma demonstração de relações matemáticas por meios visuais
36
.
32
A série de Fibonacci é uma seqüência numérica na qual cada número corresponde à soma dos dois
anteriores (0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21...), de tal modo que a razão entre cada um deles e o anterior
aproxima-se da razão (1,61818) que define a proporção entre os lados do chamado “retângulo áureo”.
33
O uso dessas proporções não se limitou à antiguidade clássica, mas percorreu diversas épocas. A
pintura neoclássica tem nos quadros de David um exemplo do emprego da proporção áurea, em que
são baseados muitos de seus trabalhos, como O juramento dos Horácios (1784) e A morte de Marat
(1793). Na primeira metade do século XX, artistas construtivos, como Max Bill, e arquitetos
modernos, como Le Corbusier, valeram-se das proporções clássicas na busca por um ideal eterno e
imutável, que acreditavam poder encontrar na perfeição das relações matemáticas. Na arte minimalista,
a questão reaparece em muitos artistas e também na arte conceitual tem seus representantes, como Mel
Bochner, que se utiliza da série de Fibonacci em alguns de seus trabalhos.
34
Sobre a influência de Max Bill e a relação entre arte e geometria, Amilcar de Castro declarou: “ Sua
Unidade Tripartida se baseava na tabela de Fibonacci, do matemático italiano do Renascimento, que
buscava a proporção áurea entre os números. Na verdade, ele usou a tabela de Fibonacci, o teorema
de Pitágoras e folha de Moebius para compor a obra. Essa base geométrica, mais do que aritmética,
foi uma dica para que se organizasse aquele abstracionismo no Brasil.” “Amilcar de Castro: o
experimentador do espaço” (entrevista a Viviane Matesco - dezembro de 1999). In: Bravo!Entrevista.
São Paulo, Editora D’ávila, 2002, p. 59-65.
35
AMARAL, 1977 : 48.
36
Sobre a arte como uma possibilidade de demonstração de um pensamento matemático, Max Bill
defendeu essa idéia no texto “O pensamento matemático na arte de nosso tempo” (1950): “Ao mesmo
tempo, a matemática traz novas e inauditas proposições. Seus limites perderam sua primitiva clareza e
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Esse modo de proceder presumiria uma separação entre idealização e materialização,
numa operação que partiria de um espaço vazio existente a priori, a ser preenchido
por formas definidas e estabelecidas também anteriormente à experiência. Ele
utilizou, de outro modo, a geometria como um ponto de partida para a criação. Mais
do que um ideal a ser transmitido como expressão da perfeição, a geometria, para
Amilcar de Castro, era um instrumento de aproximação entre o artista e o mundo. No
projeto do jornal, assim como em suas esculturas, a geometria era um meio de se
criarem formas pela experimentação, relacionado à vivência do espaço, desviando-se
da orientação que a via como um conjunto de regras capaz de originar formas ideais,
codificáveis, a serem materializadas por meios sensíveis. Ao nos confrontarmos com
as páginas do jornal, nos deparamos com um paradoxo: um trabalho que incorpora o
processo, mas que, ao mesmo tempo, parte de um projeto. A frase de Amilcar de
Castro: “Era imaginar todo dia. Apesar de haver um ponto de referência anterior,
que era o desenho de antes” resume o procedimento que percebemos ao percorrermos
o conjunto de páginas do suplemento. O fazer transforma o projeto, uma via de mão
dupla em que os dois momentos se confundem.
Para o jornal, o artista desenhou diagramas de três, cinco e oito colunas,
usando-os isoladamente ou combinando-os em uma mesma página, possibilitando
uma grande variação dentro da mesma estrutura. No sentido horizontal, dividiu o
retângulo da página em oito módulos e, no sentido vertical, em cinco, todos de
mesma medida. Essa disposição criou relações de espaço baseadas na proporção
áurea, pois cinco e oito são dois números consecutivos da série de Fibonacci
37
. As
mesmas proporções aparecem no decorrer das páginas e, ao gerar algumas linhas
fortes que se repetem, dão sentido ao conjunto, que foi elaborado no limite entre
variação e unidade (figura 47). Cada página constitui uma composição independente,
formada por retângulos de diversos tamanhos e tonalidades (colunas de texto e
já são irreconhecíveis. Mas o pensamento humano em geral (e o matemático em particular) necessita,
diante do ilimitado, de um apoio visual. É então que a arte intervém. (…) O pensamento abstrato,
invisível, surge como concreto, visível. (…) Espaços até há pouco desconhecidos e inimagináveis
começam a ser conhecidos e imaginados.” In: AMARAL, 1977 : 52.
37
Também Le Corbusier, em seus projetos, baseava-se na proporção áurea e na série de Fibonacci (ver
o seu Modulor, que relaciona o homem e a natureza pelas proporções). Mas o fazia de modo diverso
daquele empregado pela arquitetura clássica. Assim como no SDJB, a proporcionalidade, para Le
Corbusier, era um padrão móvel que contrapunha ordem e movimento.
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imagens), linhas negras (títulos) e áreas brancas. A grande variedade de soluções de
páginas remete a uma indefinição aparente, impedindo que a ordenação construtiva
que orientou o trabalho resultasse em soluções previsíveis. Ao contrário, a geometria
foi utilizada de maneira a possibilitar grande diversidade sem que, contudo, a
totalidade fosse desfeita. Trata-se, na maioria dos casos, de composições de equilíbrio
dinâmico formadas por poucos elementos, calcadas no estabelecimento de proporções
e relações entre eles, exprimindo a mesma sensação de movimento iminente que
despertam as esculturas de Amilcar de Castro.
Cada página é um novo problema, uma nova experiência do plano. Embora
possamos identificar a existência de um grid que percorre o desenho dessas páginas,
ele se transforma ao ser conjugado com outras divisões rítmicas e ao ser trabalhado,
experimentado em cada instância do projeto. Em muitas situações, alguns elementos
na diagramação sequer o respeitam, seguindo mesmo a sensibilidade do olhar. Essa
aproximação da geometria, em que traçados e divisões conjugam sensível e
inteligível no fazer e no olhar, nos lembra o processo criativo de Amilcar de Castro
na série de suas esculturas feitas no final da década de 1990 (figura 48). A criação
dessas esculturas tem início com o desenho de formas geométricas simples, como um
círculo e um quadrado, a partir das quais o artista traça linhas que, ligando os seus
contornos, formam a trama de onde surge uma nova figura. As figuras possíveis são
inúmeras, e a configuração é determinada pelo olhar do artista, que cria, a partir dessa
espécie de grid, uma nova forma, que não foi projetada idealmente, e que só existe
pelo ato de desenhar
38
(figura 49). Também as esculturas de décadas anteriores, que
partem igualmente de formas geométricas simples, ao serem cortadas e dobradas
geram formas não idealizáveis, que existem apenas quando confrontadas com a
percepção, materializadas no mundo e habitando um espaço (figura 50). São
conseqüência do fazer, do experimentar, da relação entre homem e mundo, e não do
pensamento apartado da experiência. Do mesmo modo, no desenho da página, o
processo de trabalho que lida com diagramas não restringe a experimentação; ao
contrário, é um permanente construir e desconstruir. A grande variação nos desenhos
38
Cf. BRITO, Ronaldo. “De Ferro Inquieto” (1999). In: Amilcar de Castro , Centro de Arte Helio
Oiticica, 1999.
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é obtida não apenas pelo uso de diferentes diagramas isolados ou combinados, mas
pelo deslocamento de colunas de texto tanto na direção vertical como na horizontal, e
na variação dos elementos independentemente dos módulos do grid não apenas na
altura, mas também na largura (figuras 34 e 47). A estrutura não seria, portanto, uma
grade pré-existente na qual se apóiam os elementos, mas um instrumento
contemporâneo ao fazer. A combinação de diferentes diagramas de colunas em uma
mesma página multiplicou as possibilidades de soluções de diagramação adotadas. A
tensão entre variação e conjunto, entre a indeterminação e a ordenação dos elementos
gráficos, percorre o suplemento. O uso de poucos elementos, que se repetem pela
página com variações de posição e dimensão, enfatiza a relação entre eles, que se
traduz em ritmo gráfico. É o ritmo, o desdobramento temporal, que conecta as
diversas páginas e os diversos exemplares.
A página do suplemento ficou restrita aos componentes mais elementares de
um jornal – texto, imagem, folha de papel. Ao prescindir da variedade de elementos,
Amilcar de Castro evidenciou a estrutura do espaço gráfico. Tratou o desafio da
página partindo do mínimo necessário, apenas o papel e as letras, eventualmente
imagens, sem vinhetas ou fios. Do mesmo modo, procedeu com relação às suas
esculturas, conforme observou Ferreira Gullar no texto “A experiência radical
(2000): “do plano nascerá a nova escultura sem nenhum artifício, sem apelo a
nenhum recurso estranho à natureza do próprio plano. É um começar de novo, a
partir do zero
39
. Os elementos da composição das páginas do SDJB são os títulos, as
colunas de texto e as imagens. Os títulos das matérias ocupam, em geral, uma linha
horizontal com o comprimento equivalente à largura de várias colunas, permitindo
uma composição baseada em um jogo ortogonal. Os títulos são fortes o suficiente
para funcionar como contrapontos horizontais para a ordenação predominantemente
vertical das colunas de texto, graças ao uso, para todos eles, de uma única tipografia,
cujo desenho torna-se marcante pela repetição. Além da família tipográfica, os títulos
de uma mesma página recebem o mesmo tratamento quanto ao tamanho e peso das
letras, sendo percebidos como elementos de um mesmo conjunto que se espalham
39
Amilcar de Castro 2001:268.
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pela página. O olhar, ao relacioná-los dessa forma, interliga-os, percebendo-os
graficamente como um desenho (figuras 23, 25, 26, 28).
Em contraponto aos títulos, há as massas de texto, que ocupam, quase sempre, a
maior parte da área da página. Dispostas em colunas, acentuam o sentido vertical da
folha de jornal. São comuns as soluções que exageram a verticalidade, com colunas
que vão da base ao topo da página, sem interrupções (figuras 33, 36, 41 e 42). Por
outro lado, encontramos também soluções que privilegiam a horizontalidade, como
acontece nas páginas quatro e cinco de 15 de março de 1959 (figura 34). Trata-se de
duas páginas verticais que foram elaboradas de modo a formar composições
independentes, mas que, vistas juntas, lado a lado, formam um conjunto horizontal,
unido pelo título que vai de fora a fora, passando pelas duas páginas. Do mesmo
modo, há várias situações em que duplas de páginas são diagramadas
horizontalmente, soluções mais comuns em revistas e livros que em jornais (figura
35).
As colunas são, do ponto de vista gráfico, texturas retangulares às quais
corresponde um peso, uma “tonalidade” intermediária entre o branco do papel e o
negro dos títulos, e que varia em função do tamanho da letra e da entrelinha.
Repetidas em seqüência, atravessam o plano, estabelecendo relações espaciais e
rítmicas (figuras 23, 28, 29, 30). Essas variações resultam, por vezes, em situações
ambíguas, em que o branco da folha ativa o plano da página, como na situação em
que uma grade de linhas ortogonais passa a equivaler em importância à textura de
letras. Manchas negras e brancas parecem coexistir em um único plano (figura 28). O
equilíbrio da composição é atingido de modo a não permitir que o preto ou o branco
prevaleça como um elemento sobre um fundo neutro. Esse equilíbrio, no entanto, é
sempre uma iminência de movimento que se completa na alternância entre as páginas.
As diferenças entre elas, em um mesmo número do suplemento, criam um ritmo que
se define na seqüência, emprestando um novo sentido a cada página isolada. A
relação de equivalência não hierárquica entre áreas pretas e brancas interfere no
percurso do olhar, provocando tanto situações de convergência como de divergência.
Ao adquirir pesos e direções, a diagramação ora comprime os espaços, concentrando-
os, ora os expande para além dos limites da página.
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Nas páginas em que o texto predomina, sendo percebido como uma mancha
contínua interrompida por espaços brancos, estes acabam por funcionar como traços e
pontos de luz, correspondendo, respectivamente, ao espaço entre as colunas e aquele
que permeia as letras. Configura-se, assim, um desenho definido pela própria luz,
como nas esculturas de blocos de ferro em que o corte faz fendas e a massa é assim
interceptada pelo desenho. Nas entrecolunas do jornal, ela é precisa e definida como a
luz que nas esculturas de ferro preenche os rasgos deixados pelo corte (figuras 23, 26,
28 e 51). O desenho que define e é definido pela luz, e não pela sombra, traz à
lembrança as gravuras em madeira de Goeldi e os crayons de Seurat. Nas gravuras, o
desenho é formado por subtração. Os traços, no papel, correspondem às áreas que, na
matriz em madeira, não recebem tinta. As massas negras são áreas de sombra, tanto
nas gravuras como no jornal. Contudo, não são compactas, nem nas gravuras,
tampouco nas colunas de texto. As hachuras e os veios da madeira nas impressões de
Goeldi, assim como os espaços entre as letras na mancha de texto, se fundem aos
elementos gráficos no plano, constituindo uma matéria etérea e translúcida, permeada
de luz. Trata-se do efeito que aproxima a página do jornal dos desenhos de Seurat,
nos quais a variação de densidade dos pontos gera diferentes tonalidades. Do mesmo
modo, a página do suplemento cria tons de cinza ao variar a densidade do texto pela
alteração de valores de entrelinha, espacejamento e estilo tipográfico. Podemos ver
efeito similar nos desenhos a bico de pena de Goeldi, obtido pela variação de
concentração de traços de mesma espessura, e, também, nas pinturas de Amilcar de
Castro
40
, nas quais a textura da pincelada negra produz o efeito gráfico de gerar
tonalidades a partir de uma única cor, por deixar transparecer o branco do suporte nas
pequenas áreas que se intercalam à tinta sólida.
Outro elemento-chave na variação rítmica são as imagens, que funcionam como
grandes áreas contrapostas tanto às colunas de texto quanto aos grandes espaços
brancos, com proporções que variam do extremamente vertical ao extremamente
horizontal, passando por formatos quadrados. Por serem preenchidas por tons
contínuos de cinza, as imagens estabelecem uma relação de contraste com a textura
40
Amilcar de Castro se referia a esses trabalhos como desenhos, por seu caráter predominantemente
gráfico, embora fossem feitos com tinta e pincel ou trincha.
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de letras miúdas negras sobre fundo branco, criando grandes pausas, momentos de
interrupção nos quais o olhar repousa. Além do contraste com relação à forma, as
imagens se contrapõem aos elementos gráficos no que diz respeito à aproximação do
leitor: ao tempo despendido e ao tipo de observação que requerem, por não serem
lidas, mas vistas, em um nível diferente daquele em que vemos as imagens que a
disposição do texto, de um outro modo, também forma. A imagem fotográfica retém
o olhar, abrindo mais uma possibilidade no jogo de leituras do SDJB. As diferenças
de tempo e de níveis de leitura, que passam pela imagem total formada pela
diagramação da página, pela leitura do texto e dos títulos e pela observação das
imagens, interpenetram-se graças às relações deliberadamente criadas pelo projeto.
Há momentos em que são criadas relações entre a imagem geral da página e as
imagens fotográficas nela dispostas, como na primeira página do suplemento de 29 de
junho de 1958, em que se estabeleceu um diálogo entre as colunas de texto e uma
gravura de Lygia Pape. A diagramação reforça a tensão interna entre os elementos
gráficos do trabalho da artista, ao mesmo tempo em que se refere, pela disposição
gráfica, também ao poema Árvore, de Ferreira Gullar (figura 32). A coluna de texto
central está na mesma direção do encontro entre as duas elipses da gravura
reproduzida na página. A coluna desestabiliza a gravura, parece pôr em movimento a
figura. O deslocamento que o olhar é levado a fazer ao ler o texto, que começa na
coluna central e é bruscamente interrompido, no meio da frase, para continuar na
coluna abaixo, na extrema esquerda da página, sugere o mesmo desencontro entre as
elipses da imagem. A gravura de Lygia Pape está totalmente integrada à impressão do
jornal, que é também um gênero de gravura. Não há delimitação do retângulo em que
se inscreve a gravura original da artista. Assim, as áreas brancas e negras da página se
confundem com as áreas brancas e negras da imagem reproduzida, fazendo de tudo
uma só composição, uma grande gravura, e não uma página na qual uma imagem fora
impressa. As áreas brancas e negras da gravura integram o mesmo jogo de relações
das áreas brancas e negras do jornal, e a textura gerada pelas letras relaciona-se ainda
com as hachuras da gravura da artista, que, de modo semelhante, criam tons de cinza
a partir de uma trama binária.
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As imagens, em muitas situações, são exploradas paralelamente ao texto,
estabelecendo com ele um diálogo silencioso. Uma dessas situações é a que
encontramos na página nove do suplemento de oito de setembro de 1957. Uma
imagem, retrato de um homem, foi dividida em módulos, à maneira das colunas de
texto. A fragmentação do rosto contribui para criar interesse em torno da expectativa
sugerida pela legenda: José Carlos de Oliveira: O homem e a fábula. Domingo
próximo no Suplemento Dominical, e, ao mesmo tempo, destaca o olhar do
retratado, que parece aproximado pelo corte (figura 29). Há momentos em que a
forma contida na fotografia também é enfatizada na diagramação, quando uma linha
mais marcante de uma imagem coincide com uma linha forte do plano, revelando que
o projeto também passa pela escolha e o posicionamento das imagens. Como na
página 11 de nove de junho de 1957 (figura 21), em que as diagonais predominantes
nas imagens coincidem com uma das diagonais que cortam retângulo da folha de
jornal em dois triângulos iguais. E, também, na página 11 de sete de julho de 1957
(figura 25), em que a diagonal da imagem coincide com a diagonal central de um dos
retângulos proporcionais que formam a composição. Na dupla de páginas que trata da
primeira exposição neoconcreta, o formato das colunas de texto também se relaciona
com as imagens impressas (figura 34). O texto sobre o escultor Franz Weissmann
forma uma coluna estreita, que visualmente é prolongada pela coluna disposta acima,
que traz uma nota de Ferreira Gullar. Embora desalinhadas, as colunas têm a
verticalidade acentuada por estarem quase em um prolongamento. O texto
acompanha, desse modo, a imagem vertical da escultura de Weissmann, “Coluna
linear”. Encontramos procedimento semelhante na página ao lado, no trecho de texto
que trata da pintura de Lygia Clark. O texto é dividido em três colunas curtas
espaçadas entre elas, formando um contraponto ao ritmo visual apresentado na
imagem. As colunas não estão justificadas com relação aos limites da reprodução do
quadro, o que reforça a sensação de movimento sugerida pelos módulos
interrompidos da pintura, nas extremidades laterais da imagem.
A relação entre texto e disposição dos elementos gráficos também foi
freqüentemente explorada. Ainda na dupla de páginas cujo tema é a primeira
exposição neoconcreta (figura 34), três textos convivem na mesma diagramação, sem
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estarem ordenados no espaço de maneira linear. Eles se interpenetram, diferenciando-
se graças ao estilo tipográfico adotado em cada um deles e também ao modo como
estão dispostos na página. A matéria em destaque, “1
a
exposição neoconcreta”, ocupa
as duas primeiras colunas da página da esquerda e a primeira coluna da página da
direita. Entre as duas primeiras e a terceira, estão intercaladas uma nota sobre a teoria
da Gestalt, escrita por Ferreira Gullar, e um pequeno texto sobre o escultor Franz
Weissmann. Misturadas no espaço, as leituras não se confundem pelo uso de tipos de
letras diferentes (futura negrito, bodoni e futura itálico), e também pelo deslocamento
com relação ao grid das colunas intercaladas, que trazem os textos secundários. Elas
claramente não pertencem à estrutura da matéria principal que interceptam. Por outro
lado, o título principal não ocupa o lugar habitual em uma diagramação cuja
informação é tradicionalmente hierarquizada, que seria o topo da página. Ele vai de
fora a fora, atravessando a dupla de páginas um pouco acima do centro
(estabelecendo a proporção 3:5 na direção vertical). Assim, os textos não estão sob o
título, mas em torno dele, favorecendo um tipo de leitura descontínua. O olhar é
levado a passear pela página, a se demorar nas imagens, a escolher percursos de
leitura e, também, a perceber a página ela mesma como uma composição plástica.
Na página quatro do suplemento de 18 de agosto de 1957 (figura 26), podemos
ver como diagramação e texto se relacionam. Trata-se de uma seção sobre prosa de
ficção, escrita por Barreto Borges, cujo título é “O romancista crítico e o crítico
romancista”, formada por um texto introdutório escrito pelo colunista do suplemento
e por dois textos do crítico literário Henry James. É uma página diagramada apenas
com elementos textuais que, assim como várias outras páginas, extrai desenhos
diversos a partir de um grid básico de oito colunas que atravessam a página de alto a
baixo. Dele retiraram-se dois retângulos na parte superior, nos quais entram os títulos,
e um espaço central que, na largura de duas colunas, foi ocupado pelo texto
introdutório aos outros dois. Deslocado para cima, mesmo estando no centro da
página, ele tende a ser o primeiro a ser lido dentre os três. A oposição entre os dois
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textos críticos de Henry James, sugerida no trecho introdutório
41
, é reforçada pela
diagramação, que opôs os dois ao rebatê-los com relação ao eixo central da página,
ecoando também a ambigüidade do título principal: “O romancista-crítico e o crítico-
romancista”. Fica evidente aí a sintonia entre diagramação e texto, entre verbo e
forma visual. A composição simétrica, a partir do centro, deixa indeterminado qual
dos dois textos laterais seria o segundo a ser lido, subvertendo a máxima “de cima
para baixo, da esquerda para a direita”
42
.
Na sua experiência no Jornal do Brasil e em seu suplemento, o pensamento
de escultor de Amilcar de Castro confunde-se com o de diagramador. Compunha a
página pensando espacialmente, em pesos e forças. Mais do que uma relação de
medidas, a página trata de uma relação de energias, em um espaço magnetizado,
como se os seus elementos fossem dotados de massa, a ser equilibrada sob a ação da
gravidade. Esse modo de proceder evidencia como, no jornal, Amilcar de Castro
opera a fusão entre “corte” vertical e “corte” horizontal na página impressa. Na
seguinte declaração, descreveu o seu processo de elaboração do conjunto de primeiras
páginas do Jornal do Brasil:
Eu vinha do trabalho na revista Manchete, que era paginada na horizontal, de duas em
duas páginas. No jornal teria de ser diferente: passei a considerá-lo como um espaço
vertical. A página do jornal é mais alta do que larga. Precisei de um certo tempo para
me adaptar a essa virada do espaço. Então comecei a pensar como solucionar as marcas
permanentes, como o nome do jornal; também manchetes em oito colunas, títulos,
fotos, que eram estampados no topo do jornal, muito pesado com relação à parte
inferior que não tinha nada. Propus então colocar a manchete em cima. Os títulos e as
chamadas seriam abaixados para compensar o peso de cima. Comecei a modelar a
página do jornal aplicando os princípios da escultura, dando peso igual à parte de cima
e embaixo. O JB tinha, como tem hoje, oito colunas. Fiz uma base de paginação
propondo o esquema 1-2-1-3-1. O três era sempre ocupado por uma foto, uma na parte
41
“Os dois trechos que destacamos e ora publicamos, encerrando alguns conceitos gerais e
fundamentais, versam especificamente sobre as figuras por assim dizer antitéticas de Dickens e Balzac
(…)” In: Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, 18 de agosto de 1957, p. 4.
42
In: De como ser um dos 10 melhores jornais do mundo (Carlos Lemos, 1970. In: AMARAL,
1977:244).
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superior, outra na parte inferior, e uma cortando no meio. Jogava, então, para baixo,
chamadas de três colunas e três linhas. Assim, distribuía o peso da página, valorizando
cada um das partes com a mesma força.
43
Seu trabalho no Jornal do Brasil e no SDJB está muito próximo de seu trabalho
como escultor e desenhista, nos quais procedimentos semelhantes se desenvolvem em
meios diversos. Amilcar de Castro explorou o máximo de possibilidades, sempre a
partir de um mínimo de elementos, o que põe em evidência o meio empregado, fosse
ele a pincelada negra, a chapa de ferro; ou os tipos negros, as imagens e as áreas
brancas do papel. Seus trabalhos, que incorporam em sua poética características tais
como a cor, a textura, o peso do material, impede que ali enxerguemos formas ideais,
que poderiam ser sugeridas, ao contrário, por uma matéria sem textura, sem cor
própria. A chapa de ferro das esculturas e a pincelada de tinta negra dos desenhos são
presenças que participam da constituição da forma em uma oposição entre matéria e
ato do artista, conjugando ideação e olhar na resistência física do ferro cortado e
dobrado ou do atrito da tinta no papel. A página do jornal, antes de ser um conjunto
de retângulos e linhas ortogonais é, também, um conjunto de letras. O aspecto
material da letra – um desenho que já traz em si uma forma pré-determinada, e que
remete ao relevo da matriz que o origina – transforma o esquema de medidas em
texturas de diferentes densidades, ligando a visão ao tato, também pelo papel que não
é liso, mas áspero e poroso. Trata-se de uma sensação tátil que é percebida também
pela visão, de modo semelhante à ferrugem nas esculturas e às hachuras deixadas pela
pincelada seca de tinta nos desenhos
44
. O próprio papel impresso, dobrável e
manipulável, acessível também ao toque, e sujeito sobretudo a uma aproximação
horizontal, relacionada ao operar, faz com que a geometria do traçado do layout da
página se distancie da forma idealizada, e escape à possibilidade de esgotar-se na
teoria. Está sempre submetida à sua situação espacial, horizontal ou inclinada,
indeterminada e cambiante. Está relacionada ao uso, nós a percebemos em relação ao
corpo, à manipulação, é uma geometria no mundo. Assim como o gesto e o ato estão
43
Depoimento sem data. SAMPAIO, 2001: 214.
44
Pincelada feita, no caso dos desenhos maiores, com vassoura de piaçaba.
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presentes nos desenhos e na escultura – a dobra e o corte, a ação de pintar – o fazer
está presente também no projeto do jornal, no transformar-se diariamente.
Suas esculturas e desenhos compartilham da mesma poética. Tanto em um caso
como em outro, Amilcar de Castro trata da relação entre planos e espaço. As
esculturas partem de um desenho planar, e os desenhos criam também divisões
espaciais, que ultrapassam os limites do suporte (figura 52). Amilcar de Castro
declarou que a procedência de suas esculturas estaria no traço feito a lápis duro no
papel, no estudo da linha, cujo desenvolvimento seria o corte e a dobra da chapa de
ferro. A página também surge com o desenho que cria ritmos e relações espaciais,
assim como, de modo semelhante, as suas esculturas. Ao compararmos o corte da
escultura ao sulco deixado pela linha nos desenhos, podemos, também, estabelecer
um paralelo entre eles e a entrecoluna do jornal, que percorre a página articulando o
suporte e as massas de texto, formando um desenho linear ao passo que define a
organização espacial.
No SDJB, pelas relações que se estabelecem, a própria página é a forma, que
surge com a diagramação. É uma unidade no plano, um objeto, e não dois planos
imaginários superpostos. Também nas esculturas a partir de blocos de ferro (e outros
materiais, como mármore, aço, madeira ou granito) dos quais foram extraídos sólidos
geométricos – em que o corte e a dobra deram lugar ao corte e ao deslocamento – a
relação entre sólido e entorno é problematizada de modo similar ao da página (figura
53). A matéria maciça trabalhada, submetida à força do corte e do deslocamento e ao
peso, cria um novo espaço, do qual cheios e vazios participam formando um todo
integralmente articulado. Os blocos deslocados dinamizam o espaço do mesmo modo
que a disposição das colunas nas páginas desfazem os limites da folha. As relações de
espaço criadas pelo sólido são semelhantes ao jogo positivo-negativo das áreas negras
e brancas dos desenhos de Amilcar de Castro e também nas páginas do jornal. As
formas tendem a não se inscrever nos limites do papel, elas interagem com todo o
nosso campo visual, tornando relativo o papel do recorte que a obra de arte ou a
página poderiam propor. Algumas diagramações reforçam essa idéia quando, por
exemplo, uma coluna de texto longa e vertical é posicionada assimetricamente no
sentido da altura da página, muito próxima à borda superior do papel e distante da
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base (figura 30). Os limites da página tornam-se frágeis, e as formas parecem seguir
ininterruptamente. Do mesmo modo como podemos observar na primeira página de
14 de novembro de 1959 (figura 38). Na manchete da matéria de capa (“Max Bense
convida neoconcretos a expor em Stuttgart”), a palavra “neoconcretos” intercepta a
coluna de texto da esquerda, que iria de alto a baixo página. Assim, não há nenhum
elemento que cruze a página continuamente, sem interrupções. O intrincamento entre
as formas, entre áreas brancas e manchas negras, provoca a sensação de que as
formas não se contêm na folha, mas que as colunas a extrapolam, assim como as
palavras que interceptam a mancha tipográfica. Os limites da página não seriam,
assim, a demarcação de um espaço que contém os elementos, mas a indicação de um
recorte, ou uma seleção em um espaço maior, que mostraria o detalhe do movimento
de elementos que se estendem indefinidamente, em um proceder que se aproxima
daquele que vemos nas telas de Mondrian. Assim como em outros de seus trabalhos,
na Composição em vermelho amarelo e azul (1927), as áreas de cor e linhas
interrompidas pelas bordas da tela reforçam a noção de que estaríamos diante de um
fragmento, cujas formas seguiriam infinitamente (figura 54). Isso se deve às relações
espaciais estabelecidas na composição e ao percurso que o olhar é levado a fazer no
jogo de equilíbrio dinâmico aí proposto. Essa noção é ainda mais premente nos
trabalhos cujos limites são rotacionados com relação à composição ortogonal, como
na Composição IA (1930), nos quais a interrupção da forma leva o olhar a completá-
la (figura 55). Há outros momentos, no SDJB, em que o mesmo ocorre, e um deles é a
primeira página do suplemento do dia 27 de fevereiro de 1960 (figura 43). Nele,
retângulos brancos se formam na página sem que seus limites sejam desenhados. A
linha da data, disposta na vertical, é perpendicular à linha do topo da imagem e ao
título do jornal, e paralela à coluna de texto, formando com esses elementos um
quadrado. A coluna intercepta o título do suplemento (deixando “s”, de um lado, e
“djb” do outro lado da coluna) e é percebida como um elemento que seguiria para
fora dos limites da folha. O texto que se encontra na base da folha, pelo tamanho da
letra e disposição horizontal, forma uma larga faixa de tonalidade diferente dos
demais itens. Trata-se de mais um elemento na composição balanceada de tons de
cinza que se estende espacialmente, indefinidamente.
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A diagramação do suplemento problematiza a nossa percepção do espaço não
apenas pela relação entre os elementos gráficos já descritas, mas também por jogar
com nossa orientação espacial a partir da operação de leitura. Na página cinco de
nove de janeiro de 1960 (figura 42), as letras estão orientadas em duas direções
perpendiculares: a direção horizontal, costumeira, das linhas do texto crítico sobre
teatro, dividido em três colunas de igual dimensão; e a direção vertical do título do
texto “Wagner, a unidade e o espetáculo”, dividido em três linhas alinhadas pela
base. Para lermos um título posicionado verticalmente, não é necessário
rotacionarmos a folha de papel: ele é lido como se estivesse na horizontal, pois
prontamente reconhecemos a forma das letras que estamos habituados a perceber na
posição para a qual foram, a princípio, desenhadas. Contudo, a convivência, no
mesmo espaço, de duas direções de leitura faz com que nos demos conta da operação
de inversão de direções que realizamos normalmente sem que a distingamos. Esse
convívio, reforçado pela quebra do título em três linhas que intercalam as colunas,
nos obriga, a todo instante, a realizarmos uma mudança interna de direção. Ao lermos
o texto, lemos também o título, que permanece em nosso campo visual, tendo assim
de lidar, simultaneamente, com duas direções de leitura. Essa página mostra ainda a
relação que podemos estabelecer entre a diagramação do suplemento e o caligrama.
Nela há, pelo menos, três níveis de percepção que residem no mesmo espaço e que
podemos efetuar alternadamente, de modo semelhante ao descrito por Foucault em
Isto não é um cachimbo (1973)
45
. Um primeiro nível de percepção seria aquele
relacionado à leitura do título vertical. Um segundo nível seria aquele vinculado à
leitura do texto disposto em colunas, com o qual alternamos o primeiro graças à
mudança de direção que requer uma outra disposição com relação ao texto. O terceiro
nível seria aquele que diz respeito mais diretamente ao caligrama, aquele em que
vemos o triângulo que é formado pelas três linhas do título e que intercepta as três
faixas verticais. Nesse nível, vemos a figura e não lemos o texto. Vemos os títulos
45
“Para quem vê, o caligrama não diz , não pode ainda dizer: isto é uma flor, isto é um pássaro; está
ainda demasiadamente preso na forma, demasiadamente sujeito à representação por semelhança para
formular uma tal afirmação. E quando alguém o lê, a frase que se decifra (‘isto é uma pomba’, ‘isto é
uma chuvarada’), não é um pássaro, não é mais uma chuvarada. Por astúcia ou por impotência, pouco
importa, o caligrama não diz e não representa nunca no mesmo momento; essa mesma coisa que se vê
e se lê é matada na visao, mascarada na leitura.” (FOUCAULT, 1989: 27).
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como pinceladas negras, as colunas como faixas cinzas. Vemos a diagramação se
estender para cima e para baixo, orientada toda ela em uma mesma direção, pela
disposição e forma das colunas, pelo crescente das linhas que formam o título,
reforçando a verticalidade em um movimento para o alto, sutilmente interrompida
pela linha horizontal e a linha diagonal que formamos ao percebermos o triângulo.
Embora de modo nem sempre tão evidente, esse jogo de alternância entre texto e
figura se repete em quase todas as páginas do suplemento, nas quais a diagramação
origina formas abstratas, relações e ritmos que não são lidos, mas vistos.
As esculturas de Amilcar de Castro, de modo similar, provocam novas
experiências perceptivas. Elas exigem de nós um olhar que não se basta na
imobilidade frontal ou no distraído presumir da forma, mas que precisa mover-se,
habitar o mesmo espaço da obra. Um olhar que não é apartado daquilo que vê e, do
mesmo modo que o tato, supõe uma reciprocidade entre aquele que vê e aquilo que é
visto. A escultura demanda mais que a visão isolada, requer uma percepção que é
todo o corpo, que se movimenta, que tem uma escala, que vivencia um ambiente
suscetível à variação de luz, à interferência de quem passa, à presença de outras
esculturas, exigindo de quem as vê um retorno ao fenômeno perceptivo e à vivência
do espaço como algo que não é um dado anterior à experiência. Suas esculturas fazem
vir à tona aquilo que tornamos espontâneo pelo hábito, obrigando-nos a retornar à
experiência de constituição das nossas significações de espaço.
O jornal, contudo, é um objeto que já por si é dirigido a uma aproximação
diferente daquela que a obra de arte, como habitualmente a entendemos, indica. A
percepção do jornal está relacionada ao uso, à leitura, à manipulação do objeto,
percebido distraidamente, sem a predisposição especial, de isolamento com relação
ao cotidiano, que caracteriza o procedimento convencional diante das obras de arte.
Também no jornal, ao percebê-lo, o fazemos não apenas pela visão, mas por todo o
nosso corpo – pelo uso, pela manipulação, por nossa orientação no espaço, orientação
de nossa leitura, nossos movimentos para virar as páginas, levantar as folhas, dobrá-
las. O uso se põe entre nós e a página de jornal, e se contrapõe à experiência
contemplativa. Trata-se, como nas esculturas, de uma relação espacial – não um
mover do corpo pelo espaço circundando a obra, mas um situar, espacialmente, a
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folha a partir do corpo, ao passo que este se situa em relação a ela, uma vez que toda
leitura, assim como toda ação, é orientada espacialmente a partir do fazer, da
operacionalidade. Por outro lado, trata-se de uma ação naturalizada pelo hábito. Mas,
no projeto do SDJB, o inesperado provocado pela evidenciação da forma interfere no
ato perceptivo habitual. Assim como em suas esculturas, o jornal não constitui uma
unidade prontamente decifrável, mas depende do tempo e do movimento – no caso
das esculturas, o movimento do nosso corpo; no caso do jornal, o movimento é o
folhear das páginas – para que a forma se apresente. Também no jornal, esse processo
é marcado pelo confronto entre o habitual e o atual, entre o que esperamos ver e o que
vemos de fato, desfazendo as relações perceptivas mecanicamente estabelecidas que,
de outro modo, passariam despercebidas. O caso do jornal, no entanto, apresenta
particularidades por se tratar do inesperado incorporado a um ato cotidiano. Em um
espaço convencionalmente instituído para a fruição de obras de arte, como uma
galeria ou um museu, já se esperaria, de certa forma, viver uma experiência estética.
Uma primeira aproximação com o jornal é relacionada ao uso e ao hábito: o
seguramos, o folheamos e o lemos. O hábito determina a ação, que é guiada, ao
menos em um primeiro momento, pelo uso que, nesse caso, diz respeito à leitura e à
busca por informação. O projeto gráfico do SDJB, no entanto, permite uma segunda
recepção, que surge do jogo formal inesperado. A surpresa subverte o hábito e abre a
possibilidade para transformar aquilo que seria uma percepção distraída em
apreciação formal. A forma se apresenta de maneira determinante, insubordinada à
função e ao estabelecimento de um padrão, impondo sentidos de leitura que nos
levam a romper o hábito, percebendo a página como objeto que não é transparente à
leitura. Desperta, assim, a apreensão fenomenológica, da forma primeira em seu
surgimento e origem, a que se referem Ferreira Gullar em seus textos e também
Amilcar de Castro, ao falar sobre escultura
46
.
Situação semelhante é aquela descrita por Ferreira Gullar ao tratar do não-
objeto, cujo espaço era, segundo ele, um refundar do espaço, que renasceria
46
“Gostaria, sim, de mostrar o espaço ainda não visto, o espaço reinventado de assombros e sem
alarde, mas que se mostra novo, sempre novo” (Trecho de poema sem título, 1985. In: Amilcar de
Castro: depoimento, 2002: 24). “Fundar o espaço pelo sensível é inventar a forma” (Trecho de
Pensando sobre argila, 1979. Ibidem, p. 29)
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permanentemente com a forma. Seria, portanto, um chamado à experiência viva de
descobrir o espaço, o mundo, como se este fosse experimentado pela primeira vez.
Em Teoria do não-objeto (1960), escreveu:
O espectador é solicitado a usar o não-objeto. A mera contemplação não basta para
revelar o sentido da obra – o espectador passa da contemplação à ação. Mas o que a
sua ação produz é a obra mesma, porque esse uso, previsto na estrutura da obra, é
absorvido por ela, revela-a, incorpora-se à sua significação.
47
Do mesmo modo, o jornal põe em evidência a conjugação de nosso campo de
visão e nosso campo de ação na percepção. É movendo-se intencionalmente ou, no
caso do jornal, exercendo um determinado plano de ação, que efetivamente o espaço
é gerado e se dá a nossa percepção do mundo. O jornal não é uma página plana,
isolada, estática, vista de frente em uma parede. É um objeto a ser manipulado, e as
suas páginas se apresentam em uma seqüência cujo tempo de visão, orientação,
princípio e fim são determinados pela nossa ação. A percepção se confunde com a
ação da leitura, e pode se dar em vários níveis. Assim, apresenta dois aspectos
importantes na compreensão do trabalho de Amilcar de Castro no SDJB: a recusa em
se estabelecer um padrão, buscando sempre novas relações que surpreendam o leitor e
mantenham viva a investigação do artista; e a interação do leitor, que é por si um
espectador ativo. A preocupação prioritariamente estética que vemos no SDJB
permite relacioná-lo ao não-objeto, pois assim como ele, “não se esgota nas
referências de uso e sentido porque não se insere na condição do útil e da
designação verbal
48
.
O projeto gráfico de um jornal está necessariamente ligado à idéia de múltiplo.
As páginas não se limitam a um plano isolado, mas formam um conjunto de planos
que atuam uns sobre os outros, gerando um único objeto subdividido. É possível,
também sob esse ângulo, estabelecer uma relação com as esculturas de Amilcar de
Castro, nas quais os diversos pontos de vista que constituem a nossa percepção da
47
AMARAL, 1977: 94.
48
Ibidem, p.90.
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obra se dão no tempo, que, em um mover-se fluido, invocam a totalidade da
escultura. Para apreendê-la, nos é necessário vivenciar a sua multiplicidade,
apresentada na matéria opaca e situada em relação a nós. A opacidade de suas
esculturas, contudo, não é percebida do mesmo modo que aquela do objeto
tridimensional comum, do qual podemos, pelo hábito, antever o que não se apresenta
à limitação de nossa visão, resolvendo-o em uma imagem-síntese, quase fotográfica.
O “outro lado” das esculturas é o imprevisível, o inesperado que requer a vivência
efetiva da percepção. Pela operação de dobra e corte da chapa plana, suas esculturas
se desenvolvem no espaço, e o fazem restabelecendo a relação por nós
cotidianamente esquecida entre a terceira dimensão e o tempo. A terceira dimensão
esquemática obtida por prolongamentos perpendiculares a partir do perímetro de uma
forma plana, como quando um cubo é obtido a partir de um quadrado, é aqui posta
em questão. Os cortes e torções são uma nova e investigativa proposta de surgimento
da terceira dimensão, que privilegia a própria experiência do espaço. Faz-nos viver a
experiência de que a terceira dimensão não é exatamente o acréscimo de um perfil ao
plano, mas que a percepção do espaço está diretamente relacionada à percepção
temporal, pela união entre sensibilidade e motricidade.
Também as páginas nos fazem experimentar a opacidade das coisas e a
percepção visual e espacial como uma vivência temporal. Não temos a experiência,
ao ler um jornal, de ver a totalidade das páginas lado a lado, mas temos, ainda assim,
a assimilação de um conjunto que se completa ao folhearmos as páginas encartadas.
A nossa percepção não isola a visão presente, atual, daquelas que apenas vimos nem
tampouco das que estamos por ver. A visão é um pensamento que inclui aquilo que
também não vemos, o que não está em nosso campo privilegiado, o que está fora dos
limites da página, o que está por detrás dela. Assim, a visão da página se mistura em
nosso campo de visão, indefinido, móvel, e é também contaminada pelas outras
páginas, já passadas ou ainda por vir. Assim, não se trata de uma sucessão de
momentos isolados, mas de um momento estendido, que traz em si o precedente e
antecipa o seguinte, sem o intermédio de uma recordação ou a formalização de uma
previsão. Naturalmente, esses momentos sucessivos coexistem na percepção, sem que
precisemos evocá-los a todo instante e, assim como se mover ao redor de uma
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escultura traz a sua integralidade e nos confronta com uma experiência de tempo que
não é a simples sucessão, o movimento do virar das páginas faz aparecer também a
indistinção entre espaço e tempo na percepção. É dessa experiência que trata
Merleau-Ponty na Fenomenologia da Percepção (1949) ao nomear um “campo de
presença”
49
na percepção, que englobaria a dimensão aqui-ali e a dimensão do
passado-presente-futuro, completamente emaranhadas uma na outra, e que tem no
fenômeno do movimento a condição de transição em que é feita nossa percepção do
mundo. Exige, assim, uma outra compreensão do tempo, que não seria aquela de uma
linearidade sucessiva, equivalente a uma dimensão espacial: “É o tempo objetivo que
é feito de momentos sucessivos. O presente vivido encerra em sua espessura um
passado e um futuro. O fenômeno do movimento não faz senão manifestar de uma
maneira mais sensível a implicação espacial e temporal.
50
É no próprio movimento que experimentamos o SDJB. Ele só se constitui
inteiramente no folhear das páginas encartadas, a partir de uma perspectiva finita e
individual, de um leitor que o manipula, gerando o movimento, a passagem das
páginas análoga mesmo à passagem do tempo. A visão de uma das páginas se
sobrepõe à memória da página anterior e gera uma expectativa com relação à
seguinte, formando uma cadeia que confronta as tensões de cada composição. A cada
nova página, ou a cada novo momento presente, assumimos uma nova perspectiva
com relação às páginas que já passaram. Ao mesmo tempo, a expectativa com relação
às páginas seguintes também se transforma. O conjunto se dá na própria transição, e
seu projeto gráfico é elaborado em função dela. Ao contrariar as nossas antecipações,
explorando a ocupação do espaço em sentido divergente ao da regularidade rítmica e
da repetição cadenciada de soluções, a diagramação das páginas nos traz a todo
instante a própria transição, que não seria apenas a substituição de uma página pela
outra, mas a substituição e transformação da nossa perspectiva no tempo, a
reavaliação constante de todo um passado e de todo um porvir. O que vemos
atualmente é a cada vez confrontado com o que passou e com o que está por vir, em
um ato que é simultaneamente retrospectivo e prospectivo, e que modifica, a cada
49
MERLEAU-PONTY, 1999: 357.
50
Ibidem, p. 371.
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novo presente, todo o conjunto. O frágil repouso de cada página converte-se em
movimento de ritmo fluente, que, alternando valores, produz contrastes e
consonâncias. O ritmo gráfico interno de cada página se soma ao ritmo da alternância
entre elas, em que as diferenças provocam acentos fortes e fracos, pausas, oscilações
e intervalos, resultando em um desdobramento no espaço-tempo que é concatenado
sem ser uniforme, que desafia o olhar ao mesmo tempo em que recupera o equilíbrio
na instabilidade da seqüência. A seqüência temporal baseada em diferenças nos faz
lembrar a própria estrutura musical. Na melodia, os intervalos, ou diferenças entre os
tons, se apresentam no tempo, mas não precisamos recordar a cada instante aqueles
passados para relacioná-los ao que a audição recebe em um dado momento, ou não
seria possível percebermos uma melodia. A seqüência de notas é por nós retida em
um tempo que é espesso, a melodia está toda ela contida em uma mesma “onda
temporal”
51
. É mais que uma seqüência de freqüências, mas uma transição, um
movimento, do mesmo modo que o conjunto de páginas ao passar.
No caso do SDJB, a relação entre elemento e conjunto é tensionada até o seu
extremo, uma vez que cada página é uma unidade que se basta em si mesma,
apresentando soluções independentes do restante do conjunto, forçando os limites
entre variação e unidade. No SDJB não há um procedimento claro dedutível a partir
do exame de poucas páginas. A diagramação do SDJB não é um espelho da estrutura,
mas nela se apóia para criar situações inesperadas que, além de funcionar
isoladamente, ganham um sentido mais amplo na seqüência das páginas. A intensa
experimentação nas páginas do SDJB remete, assim, a uma reflexão sobre a idéia de
unidade. Há aí implícita uma indagação a respeito dos aspectos responsáveis pela sua
manutenção. A restrição de elementos gráficos ao mínimo aparece como um fator
primordial, mas alterações significativas em seu repertório, como a variação da
tipografia utilizada ao longo das edições, se apresentam como um desafio à
identidade do conjunto, que persiste apesar das mudanças. Outro fator importante é a
atenção dada às relações, embora estas também estejam em constante mutação. A
coerência do projeto parece ser constantemente desafiada, ao ser ele submetido ao
máximo de intervenções. Em uma composição de estrutura e elementos mutáveis o
51
Ibidem, p.371.
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100
que forma o conjunto é, antes de tudo, um proceder com relação à visão, percebido
como ritmo gráfico, uma melodia visual. O que caracteriza o projeto gráfico do SDJB
não está nos elementos estáticos, isolados, mas no movimento gerado pelas relações e
diferenças entre eles, nas operações que o olho realiza ao confrontar cheios e vazios,
em algo que é visível sem estar concretamente traçado. O ritmo, a impossibilidade de
assimilação simultânea, a ênfase nas relações e diferenças, a estrutura cambiante,
sobre a qual variam os elementos de um repertório, remetem a um procedimento
tipicamente musical
52
.
O ritmo e a musicalidade nos levam mais uma vez à poesia concreta, que
relacionou a sonoridade da palavra ao ritmo visual do espaço gráfico. A palavra, por
trazer nela indissociáveis a visão, a audição e a fala, apresenta, no nível da leitura,
aquilo que o projeto gráfico do jornal exibe na sua diagramação: o embaralhamento
entre dimensão temporal e espacial. No Plano piloto para poesia concreta (1958),
Décio Pignatari destacou, na poesia concreta, o uso de “recursos tipográficos como
elementos substantivos” e a “interpenetração orgânica de tempo e espaço”
53
, em uma
multiplicidade de eventos simultâneos que faz da disposição gráfica parte da poesia, e
que torna a página e a palavra indissoluvelmente ligadas.
A página seria o lugar onde a poesia e as artes visuais se encontram, onde a
dimensão visual da palavra se apresenta, palavra entendida como uma unidade visual
e sonora impregnada de sentidos inseparáveis do significado tradicionalmente
atribuído a ela pelo uso da linguagem. A poesia concreta e neoconcreta têm no SDJB
um espaço para o desenvolvimento de suas experiências, tanto pela publicação dos
poemas, como pela exploração da visualidade dos textos não poéticos.
O modo como as páginas eram diagramadas permitiu que fossem publicados
poemas que se valiam da disposição espacial de modo inteiramente livre de uma
52
Kandinsky, em Do espiritual na arte (1910), estabeleceu um paralelo entre a pintura abstrata e a
música, destacando a importância da última com relação à primeira: “As aproximações com a música
são, a esse respeito, as mais ricas de ensinamentos. A música é, há muitos séculos, a arte por
excelência para exprimir a vida espiritual do artista. (…) Compreende-se que ele [pintor] se volte
para essa arte [música] e que se esforce, na dele, por descobrir procedimentos similares. Daí, na
pintura, a atual busca de ritmo, da construção abstrata, matemática (…)” (KANDINSKY, 1990, p.
55).
53
AMARAL, 1977: 78.
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estrutura pré-estabelecida, sem que com isso se criasse uma página estranha ao
conjunto. Como na página sete de 14 de novembro de 1959 (figura 40), na qual a
predominância das áreas brancas necessárias à apresentação dos poemas está
totalmente integrada ao fluir de diferenças do conjunto de páginas do jornal. As
palavras formam desenhos sinuosos, que resultam em uma página pontilhada com
uma constelação de tipos negros, os poemas dos “Cinco poetas novos”, título em
destaque na página. O texto da matéria que introduz os poetas é diagramado em uma
coluna que, ao contrário da maioria dos casos, não estrutura a página, é mais um
elemento que surge no silêncio do branco da folha de papel. O grid desaparece nessa
página em que as letras fluem como na fala poética. A pequena coluna é um
parênteses, um comentário, e o título não vem acima de tudo, apresentando o que está
por vir, mas está entremeado na leitura dos poemas diagramados a seu redor.
Além da já mencionada poesia concreta, a poesia neoconcreta também tratou
das relações entre tempo e espaço na visualidade. Os poetas neoconcretos, contudo,
sugeriram uma aproximação temporal diversa daquela que entendiam prevalecer na
poesia concreta, procurando se distanciar de uma vivência do tempo que
consideraram como mecânica, relacional. Ferreira Gullar, no texto “Da arte concreta
à arte neoconcreta” (1959), afirmou querer buscar a experiência, pela poesia
neoconcreta, de um “espaço-tempo orgânico, subjetivo, que se dá na percepção
fenomenológica
54
. Nessa experiência, o contraponto com o silêncio revelaria a
palavra em seu surgimento, envolvendo a linguagem na sua própria ausência,
expressa nas áreas brancas da folha de papel. Essas áreas não seriam pausas rítmicas,
medidas, mas durações indefinidas que antecedem e sobrevivem ao evento sonoro e
gráfico que encerram
55
. Também no folhear SDJB, trata-se de um tempo da vivência,
no qual estamos submersos. Não há aí um ritmo pré-estabelecido, mas determinado
pelo tempo de apreensão da página pelo olhar, que inclui a nossa liberdade em nos
demorarmos aqui ou ali, associado à cadência indefinida do virar das páginas,
54
Ibidem, p. 113.
55
Essa idéia, que traz o branco como silêncio, remete-se à experiência musical de John Cage, em que
o silêncio é, não a ausência de som, mas uma abertura aos ruídos: “O vazio é o virtual, o campo em
que todos os sons são possíveis.” (TERRA, 2000: 102).
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constituindo a experiência pessoal do tempo. Essa ação encontra paralelo com o livro-
poema neoconcreto, conforme escreveu Ferreira Gullar no artigo A poesia
neoconcreta (1975): “o passar das páginas seria um ato de construção do poema
cuja forma final nasceria dessa ação do leitor, pela acumulação gradativa das
palavras; assim nasceu o livro-poema
56
. Contudo, a ênfase nas relações formais e
espaciais, pelo emprego de variados tamanhos, pesos e tipos de letras, dispostas de
modo a criarem-se ritmos e composições gráficas variadas, preserva a relação entre o
SDJB e poesia concreta. É possível, assim, estabelecer relações do projeto do jornal
com os dois movimentos poéticos e suas respectivas conotações espaciais e
temporais, uma vez que as páginas do suplemento abrem a possibilidade para a
vivência do tempo como sucessão, na linearidade sintática da leitura de seus textos;
como simultaneidade e multiplicidade, na relações espaciais sugeridas pela
diagramação; e, também, como duração, na experiência perceptiva do virar das
páginas.
56
Ibidem, p. 339.
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5
Considerações finais
O trabalho gráfico realizado por Amilcar de Castro para o Jornal do Brasil nos
anos 1950, especialmente aquele feito no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil
(SDJB), pode ser considerado como um caso de atuação de artistas junto à indústria.
Apresenta, contudo, particularidades com relação aos demais trabalhos de artistas
ligados a movimentos construtivos que se voltaram também para a produção
industrial. Seu trabalho no jornal aponta para a investigação formal e plástica,
privilegiada com relação a aspectos funcionais ou à pretensão de transformação do
cotidiano pela arte. Alinhado com o pensamento neoconcreto, no que diz respeito a
uma abordagem fenomenológica da obra de arte, Amilcar de Castro buscou, também
no jornal, uma aproximação que promovesse a experiência estética e o exercício de
sua poética como artista. O entendimento da arte como um modo de se experimentar
o mundo permitiu que a atividade gráfica exercida no jornal fosse tratada também
como uma atividade experimental – para o artista, que sempre propunha novas
soluções, mas também para o leitor, que era levado, pela observação e leitura das
páginas, a experimentar novas situações perceptivas.
São muitas as diferenças entre o modo como Amilcar de Castro conduziu o seu
trabalho para o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e o trabalho gráfico ligado
ao concretismo paulista e à escola de Ulm. O pensamento estético predominante na
escola alemã, com a estética informacional formulada por Max Bense, presumia-se
constatável pelo experimento, à maneira da ciência e centrada no objeto, promovendo
a união entre o domínio da estética e aquele da utilidade. O neoconcretismo,
diversamente, defendeu, para a arte, a sua independência com relação à ciência,
afirmando-a como uma atividade cujo fim não estaria fora dela mesma. De modo
semelhante, os aspectos visuais do suplemento não estiveram voltados para a
otimização de aspectos funcionais, nesse caso a legibilidade e a transmissão eficiente
da informação, mas sobretudo para a experimentação plástica, admitindo o
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imprevisível, o indeterminado, a variedade que não se apóia em justificativas
utilitárias, mas na experiência estética. As divergências com relação à estética
científica de Ulm levaram os neoconcretos a se aproximarem da fenomenologia de
Merleau-Ponty que, numa desaprovação da ciência, supunha a indissociação entre
sensível e inteligível, entre idéia e sua concretização. Do mesmo modo, o projeto
gráfico para o jornal não se definiu anteriormente à sua execução, mas transformava-
se a cada edição, unindo concepção e realização no processo contínuo do fazer.
As esculturas e desenhos de Amilcar de Castro nascem com o fazer, com o
experimentar o espaço, que surge na confrontação do olhar com a obra. Na
diagramação do jornal, o procedimento é semelhante. Foi um dos meios que Amilcar
de Castro explorou para exercitar a sua poética. Assim, muitas das questões
trabalhadas em suas esculturas e desenhos estão também presentes no projeto gráfico
do jornal: a conjugação entre pensamento e fazer na sensibilidade do olhar; a
utilização sempre do mínimo de elementos, priorizando as relações entre eles,
incorporando a materialidade do meio; a experimentação do espaço e do tempo como
dimensões indissociáveis, vivenciadas a partir da motricidade e da operacionalidade.
O jornal, contudo, apresenta também especificidades que não são vivenciadas
nas esculturas e desenhos de Amilcar de Castro. As particularidades do jornal com
relação aos outros meios com que o artista lidou dizem respeito, sobretudo, ao
principal elemento constitutivo da página de jornal: o signo gráfico, a palavra. As
relações entre signo gráfico e espaço, entre palavra e visualidade, foram também um
partido plástico explorado na diagramação do jornal. Na poesia concreta e
neoconcreta estreita-se a relação entre o trabalho de Amilcar de Castro para o SDJB e
os movimentos artísticos e poéticos que trouxeram à tona a dimensão visual da
palavra e suas conseqüências para a nossa percepção do espaço. Essas poesias eram
publicadas com freqüência nas páginas do suplemento, e a relação entre espaço e
palavra que propunham fluía pela diagramação de todo o jornal. A intensa
experimentação gráfica fez com que a diagramação do suplemento explorasse a
visualidade do signo sob vários aspectos, o que permite aproximações com
publicações da vanguarda artística moderna do princípio do século XX, que incluíram
a palavra em suas investigações plásticas, relacionando poesia e artes visuais na
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página impressa. O movimento De Stjil, o Dadaísmo, o Futurismo e o programa
Merz, de Schwitters, exploraram a página do ponto de vista plástico, unindo texto e
espaço gráfico. A união entre palavra e espaço na poesia de Mallarmé também se
relaciona à diagramação do suplemento que, de modo semelhante, dispõe o texto em
uma espacialidade que se desdobra na seqüência das páginas, sobrepondo tempo e
espaço na diagramação.
As experiências artísticas que lidam com a visualidade do signo, com a palavra
no espaço gráfico, remetem à questão levantada por Walter Benjamin ao observar as
colagens de Picasso. Trata-se da fusão entre modos diferentes de abordagem do
mundo: aquele dos signos e aquele da representação. Os signos, as palavras, os
grafismos, estariam relacionados à operacionalidade, ao fazer, à significação, que
remetem a uma aproximação horizontal com o mundo. A pintura, a representação, as
imagens, estariam ligadas, por sua vez, à contemplação, que requer uma aproximação
vertical com o mundo. No cubismo, as colagens fizeram levantar os signos para a
posição vertical, evidenciando o plano literal da tela. No Jornal do Brasil e no SDJB,
relações espaciais de equilíbrio ligadas à composição e à verticalidade foram trazidas
para a posição horizontal de leitura, promovendo, também, uma fusão que propõe
uma nova relação com o espaço, ambígua, invertida. Essas oposições, que a
diagramação do jornal conjuga, foram também explicitadas na leitura feita por
Foucault sobre os caligramas. Oposições, segundo o autor, “as mais velhas de nossa
civilização alfabética: figurar e dizer, mostrar e nomear, olhar e ler·”. A mesma
união entre essas oposições pode ser observada no jornal de Amilcar de Castro, o qual
é feito para ser lido, mas também visto. A letra é um código para um som, para uma
fala, mas é também uma forma, com dimensão e peso, disposta espacialmente, e as
relações gráficas são aí evidenciadas, presentes, determinantes.
Ao observarmos as páginas do Jornal do Brasil e do SDJB, notamos a sua
proximidade com relação ao trabalho de Amilcar de Castro como escultor e
desenhista. No jornal, o desenho conjuga pensamento e fazer, inseparáveis também
na sua pratica artística. A combinação entre diferentes grids, de modo a permitir
inúmeras variações de soluções de páginas, e a disposição dos elementos, feita
sempre de modo surpreendente, fizeram também da diagramação uma experiência de
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surgimento do espaço, construído e reconstruído a cada página. Nas esculturas, a
percepção não se basta na visão isolada, mas exige um empenho de todo o corpo no
mover-se e situar-se com relação à obra. Também no jornal, a visão se completa com
o uso, a leitura, a manipulação e o virar das páginas. A nossa percepção do espaço,
tanto em um caso como outro é, assim, dependente do movimento e, portanto,
embaralhada na dimensão temporal. A percepção no tempo é também determinante
para a apreensão do projeto do jornal – um objeto formado por múltiplas páginas, e
que se define na seqüência, no próprio folhear. O tempo aí considerado leva em conta
não apenas o momento presente – as relações espaciais dos elementos na folha –, mas
também os momentos passados e futuros – a relação com os elementos das páginas
que já vimos e a expectativa que essa relação cria para as páginas a seguir.
A experimentação, no trabalho de Amilcar de Castro, promove a ruptura entre o
habitual e o atual, proporcionando, também no jornal, a experiência estética que a
obra de arte produz. Em seu trabalho gráfico, assim como em seu trabalho artístico, as
nossas relações mecanicamente estabelecidas de constituição do espaço são desfeitas
no jogo formal proposto pelo artista. O projeto do jornal, que se transforma
continuamente no processo de diagramação das páginas, revela o entendimento da
geometria, seu ponto de partida, como um meio de aproximação entre homem e
mundo, que não se fixa em um conjunto de normas a ser seguido, mas se reconstrói a
cada novo momento. A geometria é, para Amilcar de Castro, um experimentar
incessante do espaço, a organização espontânea das formas sob o olhar e o operar, um
instrumento da busca incessante que une homem e mundo no ato criativo.
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TZARA, Tristan. “Kurt Schwitters”. In: Kurt Schwitters. Merz. Paris, ed. Gerard
Lebovici, 1990, p. 314-317.
Monografias e Dissertações
CONDURU, Roberto Luís Torres. Willys de Castro – O Belo na ordem do dia.
Dissertação de mestrado, Departamento de História, Puc-Rio, 1994.
FONSECA, Isabel Ralston. Grupo Rex: um combate ao meio de arte de São Paulo.
Monografia de graduação, Departamento de História, Puc-Rio, 2004.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Anexo – Figuras
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figura 02
Página Feminina
15 de abril de 1956
Primeira página
F
igura 01
J
ornal do Brasil
12 de novembro de 1956
P
rimeira página
118
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figur
a 04
Jornal do Brasil
18 de abril de 1959
Primeir
a página
Figura 03
J
ornal do Brasil
11 de março de 1957
Primeira página
119
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figur
a 06
Jornal do Brasil
09 de outubro de 1959
Página 03
Figura 05
J
ornal do Brasil
02 de junho de 1959
Primeira página
120
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121
Figur
a 08
SDJB
09 de junho de 1957
Página 11
Figura 07
S
DJB
2
9 de julho de 1956
Primeira página
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figura 10
Cartaz para
Kl
eine Dada
Soireé , 1923
Kurt Schwitters, Theo van
Doesbur
g
Figura 09
C
artaz da peça
S
oireé du
Cœr à Barbe, 1923
Ilya Zdanevitch
122
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figura 12
Revista Mécano
, 1922
F
igur
a 11
Revista G
, 1923
123
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figura 14
Grün
, 1918
Raul Hausmann
F
igur
a 13
Revista Merz n
o
11
, 1924
124
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figura 16
Assemblea politica
tumultuosa
, 1919
Filippo Marinetti
Figura 15
Un coup de dés
, 1897
Stéphane Mallarmé
125
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
Figura 18
Violino
, 1912
P
abl
o Pic
as
so
Figura 17
S
intesi di città
,
1917
Lucio Venna
126
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Figura 19
J
ornal de Resenhas
0
8 de abril de 2000
Página 01
Figur
a 20
Jornal de Resenhas
14 de julho de 2001
Página 01
127
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128
FIGURA 21
09 de junho de 1957
página 11,
SDJB
FIGURA 22
23 de junho de 1957
página 05,
SDJB
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129
FIGURA 23
07 de julho de 1957
página 01,
SDJB
FIGURA 24
07 de julho de 1957
página 07,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
130
FIGURA 25
07 de julho de 1957
página 11,
SDJB
FIGURA 26
18 de agosto de 1957
página 4,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
131
FIGURA 28
8 de setembro de 1957
página 3,
SDJB
FIGURA 27
1 de setembro de 1957
página 9,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
132
FIGURA 30
22 de setembro de 1957
página 7,
SDJB
FIGURA 29
8 de setembro de 1957
página 4,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
133
FIGURA 32
29 de junho de 1958
página 1,
SDJB
FIGURA 31
22 de dezembro de 1957
página 5,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
134
FIGURA 33
6 de julho de 1958
página 1,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
135
FIGURA 34
15 de março de 1959
página s 4 e 5,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
FIGURA 35
22 de mar
ç
o de 1959
páginas 4 e 5,
SDJB
Manifesto Neoconcreto
136
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137
FIGURA 37
7 de novembro de 1959
página 1,
SDJB
FIGURA 36
25 de julho de 1959
página 4,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
138
FIGURA 39
14 de novembro de 1959
página 5,
SDJB
FIGURA 38
14 de novembro de 1959
página 1,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
139
FIGURA 41
9 de janeiro de 1960
página 1,
SDJB
FIGURA 40
14 de novembro de 1959
página 7,
SDJB
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140
FIGURA 43
27 de fevereiro de 1960
página 1,
SDJB
FIGURA 42
9 de janeiro de 1960
página 5,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
141
FIGURA 45
12 de junho de 1960
página 1,
SDJB
FIGURA 44
24 de abril de 1960
página 1,
SDJB
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410535/CA
142
FIGURA 46
4 de março de 1961
página 1,
SDJB
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143
FIGURA 47
Diagramas utilizados
SDJB
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FIGURA 49
desenho para elaboração
de escultura
, 1999
F
IGURA 48
escultura
, 1999
144
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FIGURA 51
escultura
, 1983
FIGURA 50
maquete para escultura
, 1984
145
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146
FIGURA 52
desenho
, 1999
FIGURA 53
escultura
, 2001
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FIGURA 55
Composição IA,
1930
Piet Mondrian
FIGURA 54
Composição em
vermelho, amarelo e
azul,
1927
Piet Mondrian
147
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