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chegar em casa e é interceptado por um cão. Ele diz que não criou o menino, nem o cão,
nem o medo do menino pelo cão, ele somente juntou esses elementos e os registrou.
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Já em Close-up, Kiarostami parece cair em uma contradição. Ou, por outro lado,
a busca por uma solução que levasse ao realismo repercutiu de outra forma. Ao cortar o
som na encenação/ficção do encontro de Makhmalbaf e Sabzian, o diretor abriu nova
camada de percepção para o público, justamente fazendo lembrar que por trás de um
defeito técnico, simulado ou não, há um filme sendo feito e é preciso duvidar do que se
vê e do que se ouve. Neste sentido, Kiarostami desnaturaliza o cinema ao não
reproduzir a aparência e provoca a sensação de que o mundo não é o que vemos.
Por não ser o que parece, Close-up suscita questões polêmicas, que podem ser
disputadas no campo da sociologia, da antropologia (e mais estritamente do cinema
etnográfico), da estética, da filosofia, e que estão, também, circunstancialmente na pauta
da imprensa diária. A referência aqui é ao documentário de Michael Moore, Fahrenheit
9,11, e o uso do filme para não reeleger George Bush. É para isto que serve o cinema?
Cabe a um cineasta intervir na realidade? É certo que a intervenção de Kiarostami na
realidade surge de um modo latente – ele não tem propósitos definidos como Moore –
mas acaba tornando-se uma evidência. Assim como Onde Fica a casa do Meu Amigo?
deu origem a E a Vida Continua, tratando do terremoto e obrigando as autoridades
iranianas a se voltarem para a tragédia
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, em Close-up, Kiarostami define o destino de
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A propósito do cão, perguntado pelo cineasta português Manoel de Oliveira como ele tinha conseguido
dirigir o animal, Kiarostami respondeu que eram todos não-profissionais naquele filme: o menino, o vira-
lata e ele, por isso tudo teria dado tão certo. In: Ivonete PINTO, “O princípio da imagem”, Teorema
Crítica de Cinema, nº 6, p. 27.
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No entanto, Antoine de BAECQUE observa que o cinema de Kiarostami sempre chega tarde. Em E a
Vida Continua, a equipe chega no local três dias após o terremoto, isto na ficção do filme, pois na
realidade a película foi rodada cinco meses após a tragédia. In: “Le réel a tremble”, Cahiers du Cinéma,
461, p. 31. Se persarmos melhor, veremos que em Close-up acontece o mesmo, com Kiarostami
chegando após a prisão de Sabzian. E acrescentaríamos que em Dez o mesmo ocorre, com Kiarostami