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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
CAMPUS DE MARÍLIA
Mara Angélica Pedrochi
A COLEÇÃO DE AUTOMÓVEIS DE EDUARDO ANDRÉ
MATARAZZO: O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO
DE UMA COLEÇÃO
MARÍLIA
- 2007 -
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1
MARA ANGÉLICA PEDROCHI
A COLEÇÃO DE AUTOMÓVEIS DE EDUARDO ANDRÉ
MATARAZZO: O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO
DE UMA COLEÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Ciência da
Informação, da Faculdade de Filosofia
e Ciências, da Universidade Estadual
Paulista – UNESP – Campus de
Marília, para obtenção do título de
Mestre em Ciência da Informação.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ismael
Murguia Marañon.
MARÍLIA
- 2007 -
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2
Pedrochi, Mara Angélica
P372c A coleção de automóveis de Eduardo André Matarazzo: o processo de
institucionalização de uma coleção / Mara Angélica Pedrochi. -- Marília,
2007.
314 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Faculdade de
Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2007.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ismael Murguia Marañon.
1. Colecionismo 2. Relação objeto-colecionador 3. Museu 4. Processo
de institucionalização I. Autor. II. Título.
CDD
069.5
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Ismael Murguia Marañon - Orientador
_____________________________________________________________________
Profª Drª Vânia Carneiro de Carvalho
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. João Batista Ernesto de Morais
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação a três pessoas especiais:
Ao Sr. Eduardo André Matarazzo (in memorian) pelo grande legado que nos
deixou e que infelizmente nem todos souberam reconhecer em tempo hábil.
Mafalda Tereza Detoni Pedrochi, minha mãe e Mario Pedrochi Sobrinho, meu
pai, as pessoas mais dignas e amigas que já conheci em minha vida.
5
AGRADECIMENTOS
Esta lista será extensa, mas muito necessária.
Agradeço primeiramente a Deus, por eu ter Te percebido nesta obra, no meu lugar construído
através das minhas práticas de pesquisa. (JOSGRILBERG, 2005, p.39)
Agradeço imensamente ao mestre e direcionador desta pesquisa Eduardo Ismael Murguia
Marañon, que com muita sabedoria soube guiar-me por caminhos nunca antes sonhados e
pisados.
Agradeço à Patrícia Marta Matarazzo e Drª Eneida Baptistete Matarazzo pela autorização de
realizar a pesquisa e adentrar a vida de Sr. Eduardo.
Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pela
bolsa de pesquisa concedida a mim, durante grande período da pesquisa.
Ao pessoal da biblioteca da Unesp de Marília por todos os auxílios, em especial à Ilma,
Tininha, Luzinete, Lair e Vânia.
Ao pessoal da Pós-Graduação: Márcia, Aline, Edna, Iara e Carol, por todas as instruções.
A todas as pessoas que concederam as entrevistas. Ao Sr. João, funcionário da Prefeitura
Municipal de Bebedouro, que mesmo acidentado me concedeu vasta entrevista. A Patrícia
Matarazzo e Drª Eneida Matarazzo que entre tantos compromissos me receberam gentilmente.
Ao Sr. Roberto Penteado, que me recebeu com tanta presteza (registro que não utilizei a
pesquisa dele neste momento, mas que usaremos em trabalho futuro). Ao Francisco Eduardo
Matarazzo, que em meio a tantos atropelos nos recebeu com muita atenção e nos concedeu
acesso a valiosas informações. Ao Sr. Anésio Buzon e ao Sr. Valdemir que nos receberam
com tanto carinho tanto nas entrevistas, quanto na seção de fotos na Fazenda.
6
Agradeço à Fernanda Canevazzi, Neuza e Rogério Buzon da Miniterras, empresa da família
Matarazzo, que muito gentilmente me receberam e auxiliaram no acesso aos documentos. À
Gilda que trabalha no Museu, meu muito obrigada.
Agradeço ao Nelson Afonso (Nelsinho) responsável pela documentação da Prefeitura
Municipal de Bebedouro pelo empenho em encontrar os documentos referentes ao Museu.
Agradeço a Wilza Aurora Mattos Teixeira que, com muita paciência e garra, me auxiliou na
empreitada das fotos.
Pai e mãe... agradeço por tudo: pelo incentivo e paciência constantes e pelos diversos auxílios
que me deram durante a realização desta pesquisa.
Agradeço aos amigos Pe. Luiz Antonio Lopes Ricci, Pe. Antônio Ilário Felici, Marcos
Mucheroni e Wilson Sampaio pelos primeiros incentivos ao mestrado, lá em 2002.
Agradeço, de forma muito especial, a minha irmã Maria Stela Pedrochi pelo incentivo, pelas
correções, pelos puxões de orelha. Você, o Júnior, a Júlia, a Eduarda, a Vitória e João
Marcelo são preciosidades que Deus me concedeu.
À Vanessa Caramori, Cléria Mattos e Karol Voitila Pereira Resende, por toda a ajuda,
paciência e companheirismo. Sem palavras...
As amigas Eliane Aparecida Borba, Ana Cristina Albuquerque, Gabriela Zumiani Navarro e
Tatiana Pacanaro que muito me incentivaram e me auxiliaram pelo caminho.
Às amigas da república “Aqui mora gente feliz”, pelos bons momentos de convívio: Lígia e
Maria Elisa Nogueira, Meire Barbosa, Aretinha e Creuzinha.
A Chade Rezek Neto, pelas liberações do trabalho.
Aos mestres e companheiros de disciplinas, que muito auxiliaram na ampliação de meus
conhecimentos. Silvia Maria, Mazé, Luzia, Aldinar, Rodrigo(s), Juliane, Raquel, Jane, Lúcia,
Cíntia, Rosa, Igor. Desculpe-me se esqueci de alguém.
7
Silvia Maria do Espírito Santo, a você, um muito obrigada muito especial... por todos os
ensinamentos e trocas de conhecimentos.
Às amigas Rosa Maria Gutiérrez e Ana Paula Peguim pelas trocas de informações e
incentivos.
Agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização do meu trabalho
e infelizmente posso ter me esquecido. Muito obrigada!
8
EPÍGRAFE
“Qualquer coleção é um diário, de viagens, de
sentimentos de estados de alma, de humores. O
impulso secreto que leva a colecionar e reunir
uma coleção, ou a manter um diário, parte da
necessidade de transformar o curso da nossa
própria existência numa série de objetos salvos
da dispersão”. (ÍTALO CALVINO apud
CLARA, 2005, p.171).
“A essência de uma coleção diz respeito aos
afetos nela investidos e que são passíveis de
serem rastreados na história singular do sujeito”.
(FONSECA, 2005, p.181).
9
RESUMO
A coleção de automóveis de Eduardo André Matarazzo: o processo de institucionalização
de uma coleção
O estudo do colecionismo sempre apontou para acumulação de objetos como prova dos
registros da evolução humana. Atualmente, seus trabalhos têm se voltado para a compreensão
das relações construídas entre colecionador e objeto. Grande parte das coleções particulares
dá origem às instituições públicas coletoras de cultura. Focamos o trabalho na instituição
museu e buscamos responder ao questionamento de como se dá o processo de
institucionalização de tais coleções? Através de uma aproximação exploratória, procuramos
fundamentar e descrever de forma sistematizada o processo de conversão da coleção
particular de automóveis de Eduardo André Matarazzo em Museu “Eduardo André
Matarazzo” de Armas, Veículos e Máquinas. Partindo da fundamentação teórica da Ciência
da Informação, analisamos a produção documental do Museu enquanto instituição resultante
de uma parceria entre o público e o privado, ressaltando os aspectos positivos e negativos para
as partes e para o público.
Palavras-chave: Colecionismo –– relação colecionador-objeto –– museu –– processo de
institucionalização.
10
ABSTRACT
The cars collection of Eduardo André Matarazzo: the institutionalization process of
collection
The collectionism study always to point out for the objects accumulation as evidence
recording of human evolution. Nowadays, theirs study to have turning to the understanding
the relations construct between collector and object. The most part of the particular
collections gives beginning those culture collecting institutions. This paper focus the museum
institution and search answer at the question about itself the institutionalization process this
collections? Through de exploratory approximation searching to found and describe the
systematizeted form the conversion process the cars particular collection of Eduardo André
Matarazzo at “Museu ‘Eduardo André Matarazzo’ de Armas, Veículos e Máquinas”.
Matching the theoretical bases the Information Science, we are analyzing the museum
documental production so long as institution resulting of the public and private partnership,to
emphasize the positive and negative aspects for both parts and the public.
Keywords: Collectionism - collector-object relation – museum – institutionalization process.
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 – Eduardo André Matarazzo .............................................................................. 58
Foto 2 – Símbolo de “A Toca do Cacaréco” ................................................................. 83
Foto 3 – Oficina da Rua Guatemala .............................................................................. 93
Foto 4 – Oficina da Rua Guatemala .............................................................................. 93
Foto 5 – Oficina da Rua Guatemala .............................................................................. 93
Foto 6 – Oficina da Rua Guatemala .............................................................................. 93
Foto 7 – Trenzinho ........................................................................................................ 93
Foto 8 – Galpões – Oficina Fazenda Pau D´Alho ......................................................... 96
Foto 9 – Borracharia – Oficina Fazenda Pau D´Alho ................................................... 96
Foto 10 – Sala de Torno – Oficina Fazenda Pau D´Alho ............................................... 96
Foto 11 – Sala de regulagem de motor – Oficina Fazenda Pau D´Alho ......................... 96
Foto 12 – Sala de pintura – Oficina Fazenda Pau D´Alho .............................................. 96
Foto 13 – Elevador de carros – Oficina Fazenda Pau D´Alho ........................................ 96
Foto 14 – Organização das ferramentas – Oficina Fazenda Pau D´Alho ....................... 96
Foto 15 – Organização de parafusos – Oficina Fazenda Pau D´Alho ............................ 96
Foto 16 – Mercedes Benz do Consulado Alemão ........................................................... 98
Foto 17 – Mercedes Benz do Consulado Alemão ........................................................... 98
Foto 18 – Símbolo da “Scuderia Nero” .......................................................................... 106
Foto 19 – Visão geral do Jeepster em 70 ........................................................................ 107
Foto 20 – Foco no símbolo da Scuderia no Jeepster – década de 70 .............................. 107
Foto 21 – Visão geral do Jeepster em 2007 .................................................................... 107
12
Foto 22 – Foco no símbolo da Scuderia no Jeepster – 2007 ........................................... 107
Foto 23 – Processo de restauro - dec. 50/60. Carcaça de carro ....................................... 109
Foto 24 – Processo de restauro – Câmbio ....................................................................... 109
Foto 25 – Processo de restauro – Motor ......................................................................... 109
Foto 26 – Isotta Fraschini 1925, após restauro – década de 50/60 ................................. 109
Foto 27 – Isotta Fraschini 1925, em folder da década de 70 .......................................... 109
Foto 28 – Studebaker 1951, na década de 70 .................................................................. 112
Foto 29 Studebaker 1951, foco na placa com descrição do nome do carro, ano e
breve histórico – década de 70 ........................................................................
112
Foto 30 – Studebaker 1951, em 2007 ............................................................................. 116
Foto 31 Studebaker 1951, foco na placa com os dados do nome, ano e histórico, em
2007 ................................................................................................................
116
Ilustração 1 – Folder 1 de divulgação – Museu década de 70 ........................................
141
Ilustração 2 - Folder 2 de divulgação – Museu década de 70 ......................................... 141
Ilustração 3 – Folder 3 de divulgação – Museu década de 70 ........................................
141
Foto32 - Locomotivas que causaram polêmica. Atualmente, estão expostas no Museu 158
Ilustração 4 – Folder 1 de divulgação – Museu gestão 2005 ..........................................
164
Ilustração 5 – Folder 2 de divulgação – Museu gestão 2005 ..........................................
164
Ilustração 6 – Folder 3 de divulgação – Museu gestão 2005 ..........................................
164
Ilustração 7 – Panfleto de divulgação – Museu gestão 2005 ..........................................
164
Ilustração 8 – Adesivo de divulgação – Museu gestão 2005 .......................................... 164
Ilustração 9 – Camiseta de divulgação – Museu gestão 2005......................................... 164
Foto 33 - Vista externa de avião exposto à degradação causada pelo tempo – Museu
“EAM”, 2007 ..................................................................................................
166
13
Foto 34 Vista interna de avião, degradação causada pelo calor e chuva – Museu
“EAM”, 2007 ..................................................................................................
166
Foto 35 Vista interna de avião, degradação do teto causada pelo calor e chuva –
Museu “EAM”, 2007 ......................................................................................
166
Foto 36 – Vista interna de avião, degradação das cortinas, causada pelo calor e chuva
– Museu “EAM”, 2007 ...................................................................................
166
Foto 37 Vista externa de locomotiva, com ferrugem, degradação causada pelo calor
e chuva – Museu “EAM”, 2007 ......................................................................
166
Foto 38 Vista interna de carro, banco danificado pela ação do calor e da água
(enchente) – Museu “EAM”, 2007 .................................................................
166
Foto 39 – Vista da enchente de 08 de fevereiro de 2006 – Museu “EAM”, 2007 .......... 167
Foto 40 Carro danificado pela enchente, exposto atualmente no Museu – Museu
“EAM”, 2007 ..................................................................................................
167
Foto 41 Vista do canal do lago artificial que passa entre os tratores e caminhões
expostos no Museu – vista de 2007 ................................................................
167
Foto 42 – Cavidade no piso inferior do pavilhão dos caminhões, provocada pela
enchente de 06.02.06 – Museu “EAM”, 2007 ................................................
167
Foto 43 – Cavidade no piso superior do pavilhão dos caminhões, provocada pela
enchente de 06.02.06 – Museu “EAM”, 2007 ...............................................
167
14
LISTA DE QUADROS E ESQUEMAS
Quadro 1 – Fábricas das IRFM ........................................................................................ 45
Quadro 2 – Filmes da Companhia Cinematográfica Vera Cruz ...................................... 63
Quadro 3 – Relação quantitativa de objetos da coleção de Eduardo Matarazzo ............. 90
Esquema 1 – Modelo de fichas de objetos – Museu Paulista ......................................... 103
Esquema 2 Campos de descrição dos objetos do Museu A. V. M “Eduardo André
Matarazzo ..................................................................................................
105
Esquema 3 Esquemas de classificação dos carros, aviões, T/C/L/G, peças bélicas –
elaborado por Patrícia Matarazzo .............................................................
114
Esquema 4 Esquemas de classificação de objetos antigos – elaborado por Patrícia
Matarazzo ..................................................................................................
115
15
SUMÁRIO
1 DA COLEÇÃO AO MUSEU: ASPECTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS ......... 24
1.1 História das coleções e formação da instituição museu ............................................ 24
1.2 Estudos do colecionismo – aspectos atuais da relação sujeito-objeto ....................... 33
2 A FAMÍLIA MATARAZZO E SUAS INDÚSTRIAS EM SÃO PAULO ............. 42
2.1O papel da família Matarazzo no processo industrial de São Paulo ..........................
43
2.1.1 Francisco Matarazzo Júnior - Conde Chiquinho .................................................... 53
2.1.2 Eduardo André Maria Matarazzo ........................................................................... 57
2.1.3 Maria Pia Matarazzo ............................................................................................... 59
2.1.4 Francisco Baby Matarazzo Pignatari ...................................................................... 60
2.1.5 Francisco Matarazzo Sobrinho – Cicillo ................................................................ 61
3 EDUARDO MATARAZZO E SUAS MÁQUINAS. TRAJETÓRIA E INTE-
RAÇÃO DO COLECIONADOR .............................................................................
76
3.1 Automóvel: objeto e símbolo de modernidade .......................................................... 76
3.2 Eduardo Matarazzo e o fascínio por máquinas .......................................................... 82
3.3 Eduardo André Matarazzo, sua coleção de automóveis e objetos antigos ................
87
3.3.1 Quantidade de itens na coleção .............................................................................. 88
3.3.2 Marcos iniciais da coleção ...................................................................................... 92
3.3.3 Formas de aquisição das peças ............................................................................... 94
3.3.4 Valores gastos na compra de peça desejada ........................................................... 95
3.3.5 Formas de procura por peças .................................................................................. 100
3.3.6 Interesse na procedência da peça ............................................................................ 101
16
3.3.7 Registros materiais de informações sobre as peças ................................................ 101
3.3.8 Identificação de marca própria ............................................................................... 106
3.3.9 Busca por fontes de informação sobre as peças ..................................................... 107
3.3.10 Tempo gasto na coleta e apreciação da coleção ................................................... 108
3.3.11 Local de acomodação das peças ........................................................................... 110
3.3.12 Arranjo da coleção ................................................................................................ 111
3.3.13 Para quem a coleção é exposta ............................................................................. 116
3.3.14 O por que do ato de colecionar ............................................................................. 117
3.3.15 A relação entre a coleção e outras atividades cotidianas ...................................... 117
3.3.16 Grau de importância da coleção na vida do colecionador .................................... 118
3.3.17 Venda de uma peça importante ou valiosa ........................................................... 118
3.3.18 Visão da completude da coleção .......................................................................... 118
3.3.19 Existência de peça favorita ................................................................................... 119
3.3.20 Existência de peça almejada ................................................................................. 119
3.3.21 Sentiu em algum momento que não deveria ter começado .................................. 119
3.3.22 Faria tudo novamente? .......................................................................................... 119
4 DO PRIVADO AO PÚBLICO .................................................................................. 121
4.1 Teoria do privado e do público .................................................................................. 121
4.2 Trajetória da coleção Eduardo Matarazzo de 1964 a 2007: do privado à relação
privado-público .........................................................................................................
124
4.2.1 Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos ................................................ 124
4.2.2 Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo” 128
4.2.3 Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas, Veículos e Máquinas ................. 154
17
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 169
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 172
APÊNDICES .................................................................................................................. 178
APÊNDICE A – ÁRVORE GENEALÓGICA DE COSTÁBILE MATARAZZO
E MARIANGELA IOVANE ...........................................................
179
APÊNDICE B – ÁRVORE GENEALÓGICA DE FRANCESCO MATARAZZO
E FILOMENA SANSIVIERI ..........................................................
180
APÊNDICE C – ENTREVISTA Drª ENEIDA BATISTETE MATARAZZO
..........
181
APÊNDICE D ENTREVISTA PATRÍCIA MARTA MATARAZZO
....................
193
APÊNDICE E ENTREVISTA SR. JOÃO - FUNCIONÁRIO DA PREFEITURA
MUNICIPAL, EX-INTEGRANTE DA EQUIPE DO MUSEU
EDUARDO ANDRÉ MATARAZZO ...............................................
202
APÊNDICE F – ENTREVISTA FRANCISCO EDUARDO MATARAZZO ........ 227
APÊNDICE G ENTREVISTA SR. ANÉSIO VICENTE BUSON – FUNCIO-
NÁRIO DE SR. EDUARDO .............................................................
240
APÊNDICE H – ENTREVISTA SR. VALDEMIR PINTOR DE AUTOS, FUN-
CIONÁRIO DE SR. EDUARDO .......................................................
262
APÊNDICE I – RELAÇÃO DOS OBJETOS DO MUSEU EDUARDO ANDRÉ
MATARAZZO .................................................................................
267
APÊNDICE J – RELAÇÃO DOS OBJETOS DA COLEÇÃO DE EDUARDO
ANDRÉ MATARAZZO - FAZENDA ...........................................
281
APÊNDICE K – RELAÇÃO DOS OBJETOS DA COLEÇÃO DE EDUARDO
ANDRÉ MATARAZZO – ANTONINA .........................................
282
ANEXOS ........................................................................................................................
283
ANEXO A – ESTATUTO DO “MUSEU DE ARMAS E VEÍCULOS MOTORI-
ZADOS ANTIGOS”................................................................................
284
ANEXO B - QUESTIONÁRIO “CONTEMPORARY COLLECTING
PROJECT” - AUTORIA DE SUSAN PEARCE...................................
297
ANEXO C – LEI Nº 730, DE 30 DE ABRIL DE 1969...............................................
302
18
ANEXO D – CORREPONDÊNCIA ENTRE PREFEITO MUNICIPAL DE BE-
BEDOURO E CEL. WALFRIDO DE CARVALHO - SOBRE PEDI-
DO DE CONCESSÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO PARA
TRANSIÇÃO DOS OBJETOS DE SÃO PAULO PARA BEBEDOURO
– 24.04.1969 ...............................................................................................
304
ANEXO E – CORREPONDÊNCIA ENTRE PREFEITO MUNICIPAL DE BE-
BEDOURO E SR. FIRMINO ROCHA DE FREITAS - SOBRE PE-
DIDO DE CONCESSÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO PARA
TRANSIÇÃO DOS OBJETOS DE SÃO PAULO PARA BEBEDOURO
– 24.04.1969 ...............................................................................................
306
ANEXO F – CORREPONDÊNCIA ENTRE PREFEITO MUNICIPAL DE BE-
BEDOURO E SR. LUIZ LEITE BANDEIRA DE MELLO - SOBRE
PEDIDO DE CONCESSÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO PA-
RA TRANSIÇÃO DOS OBJETOS DE SÃO PAULO PARA BEBE-
DOURO – 24.04.1969 ...............................................................................
308
ANEXO G – ESTATUTO DO MUSEU “EDUARDO ANDRÉ MATARAZZO”
DE ARMAS, VEÍCULOS E MÁQUINAS ............................................
310
19
INTRODUÇÃO
A história das coleções nos reporta a uma prática muito antiga, em que o homem
recolhe e cuida de determinados tipos de objetos, tornando-se possível, reconstruir o percurso
das pessoas através desses objetos. Esta prática assinala para uma forma de “escrever o
mundo”, motivo pelo qual os estudos sobre o colecionismo ocupam um lugar cada vez mais
destacado nos meios acadêmicos.
Muitas abordagens têm sido apresentadas, nas mais diversas áreas do conhecimento,
promovendo discussões extremamente produtivas em torno do tema colecionismo.
Profissionais da história, antropologia, sociologia, psicologia, psiquiatria, geografia, zoologia,
história da arte, entre muitos outros têm se dedicado a estes estudos. Os próprios
colecionadores têm participado de tais discussões, contribuindo grandemente para o
desenvolvimento dos mesmos.
Neste contexto, procurou-se desenvolver um trabalho voltado para a compreensão da
formação de coleções, que culminam na fundação e implantação de instituições coletoras de
cultura, tais como museus, bibliotecas e arquivos.
As coleções, de acordo com Pomian (2004, p.53), são caracterizadas por formarem um
conjunto de objetos naturais ou artificiais, fora de circulação econômica, que são recolhidos,
guardados, preservados e disponibilizados ao olhar público.
Pearce (2005, p.194) apresenta a coleção, como resultante de uma relação composta
por várias partes, tais como: um contexto, uma rede de relacionamentos, por pessoas e o
mundo material. Esse entendimento permite ao colecionador conhecer-se como ser individual
e o mundo que é material, fora de si. As coleções adquiridas, valorizadas e organizadas por
ele, formam parte importante de seus esforços de construção de mundo.
Essa atividade de armazenar objetos para serem expostos, permite ao homem, de
acordo com Lara Filho (2006, p.12), ‘catalogar’ o mundo, colocando cada objeto num
compartimento, que pode ou não estar organizado previamente, mas que faz parte de um
conjunto de conhecimentos, visivelmente percebido e identificado no arranjo de cada coleção.
Existem várias características que tornam a reunião de objetos, coleções. Numa análise
da Ciência da Informação, as características de organização e sistematicidade podem ser
observadas através de seus arranjos; outra pode ser a questão de estarem disponíveis ao olhar
público. É neste último aspecto que focamos o presente estudo.
20
Dentro da linha Organização da Informação da Unesp de Marília, procurou-se
contextualizar a busca da compreensão da passagem da coleção particular do simples olhar
público para uma coleção a serviço do público. Esse processo recebe o nome de
institucionalização e dá origem ao museu.
Através da coleção de automóveis antigos, do colecionador e restaurador Eduardo
André Matarazzo, descreveu-se o processo de institucionalização de uma coleção que se
desenvolveu desde a infância até sua morte. Caso particular entre outros no Brasil, o
colecionador tornou sua coleção particular em coleção pública, no período em que se
destacava como uma das maiores coleções de automóveis antigos do país.
Esta coleção institucionalizou-se em Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas,
Veículos e Máquinas no ano de 1969, através de uma parceria público-privada, estabelecida
entre Prefeitura Municipal de Bebedouro e o colecionador Eduardo André Matarazzo. A sede
social do Museu está localizada na cidade de Guaranésia-MG, a filial nº 1 na cidade de
Bebedouro-SP (estudada) e a filial nº 2 na cidade de Antonina-PR.
A filial nº 1 está instalada num terreno de 4.621,61 m², com 2.550,15 m² de área
construída, aberta ao público de quinta-feira a domingo, das 9h00 às 12h00 e das 13h00 às
17h00. O acervo conta atualmente com cerca 200 peças antigas entre automóveis, motos,
caminhões, aviões, helicóptero, guincho, maria-fumaça, carro anfíbio, peças bélicas e outros
objetos antigos.
Apesar da obviedade de uma coleção tornar-se museu, questiona-se como se dá este
processo de conversão? Em que medida tal processo determina ou não os objetivos e
percursos da instituição?
Tendo como intuito respostas a estes questionamentos, analisou-se a formação, a
transição e aspectos atuais da coleção de Eduardo Matarazzo, através de uma pesquisa
exploratória. Sendo esta dividida em dois momentos: no primeiro em que realizou-se a busca
por referencial teórico na área das coleções e museus e o segundo momento em que realizou-
se a busca por informações de campo, sobre o processo de conversão desta coleção.
O referencial teórico deu-se nas áreas da organização da informação, história das
coleções, fenômeno do colecionismo, institucionalização de coleções, teoria dos museus e
relação público-privado, possibilitando-se assim ter aporte teórico para o desenvolvimento do
segundo momento.
Considerou-se relevante a realização de levantamento bibliográfico sobre a atuação
industrial da família Matarazzo no estado de São Paulo e da indústria automobilística no
21
ABC, que representaram fatos marcantes na vida do colecionador e conseqüentemente, na
formação de sua coleção.
No segundo momento da pesquisa, buscou-se coletar informações sobre o perfil do
colecionador Eduardo Matarazzo, bem como, sobre o processo de formação e
institucionalização de sua coleção. Tais informações foram obtidas através de entrevistas, que
seguiram como eixo norteador, um questionário elaborado pela autora Susan Pearce. Não foi
possível aplicar o questionário na íntegra, pois o mesmo foi elaborado para aplicação direta
aos colecionadores. No caso desta pesquisa, buscou-se adaptá-lo para aplicação com as
pessoas que estiveram próximas ao colecionador durante toda a sua trajetória de colecionador
e restaurador de objetos antigos, já que o mesmo havia falecido há três anos.
Foram realizadas seis entrevistas ao todo. A seleção de entrevistados seguiu o critério
de aproximação dos indivíduos ao colecionador, no período de 1960 a 2002. Foram
entrevistados: Eneida Baptistete Matarazzo (esposa), Patrícia Marta Matarazzo (filha),
Francisco Eduardo Matarazzo (filho), João Roberto Martins (funcionário da Prefeitura
Municipal de Bebedouro e ex-integrante da equipe do Museu), Anésio Vicente Buzon
(funcionário da Fazenda do colecionador) e Sr. Valdemir Mariano Luiz (funcionário funileiro
da Fazenda do colecionador).
Além das entrevistas, realizou-se levantamento de dados sobre a coleção e o Museu
nos arquivos do Jornal Gazeta de Bebedouro, Arquivo Municipal de Bebedouro e Arquivo do
Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas, Veículos e Máquinas, situado na empresa
Miniterras da Família Matarazzo. Através destas fontes tornou-se possível ter acesso à
documentação produzida pelo museu – leis, atas, estatutos e convênios, além de
documentação produzida sobre o Museu – artigos e reportagens; reconstruindo-se assim, a
história da instituição.
Algumas dificuldades foram encontradas no decorrer da pesquisa. Considera-se
relevante registrar que Eduardo Matarazzo não mantinha nenhum tipo de registro material
sobre sua forma de colecionar, observações particulares sobre as peças ou mesmo sobre o
processo de restauro. Além disso, não comentava sobre sua paixão e era uma pessoa
extremamente reservada, o que tornou necessária as entrevistas.
Acredita-se que houve de início, certa falta de credibilidade quanto à pesquisa. Longa
espera quanto ao acesso à documentação gerada pelo Museu, leis, atas, estatutos e convênios
foram enfrentados, tanto no Arquivo da Prefeitura Municipal de Bebedouro quanto no próprio
Arquivo do Museu.
22
Tendo como intuito contribuir para uma reflexão teórica sobre a importância da
definição prévia de objetivos de uma “instituição coletora de cultura”, procurou-se justificar
através deste trabalho que, embora não exista museu sem coleção, a existência de uma
coleção não pressupõe um museu.
O presente trabalho está organizado da seguinte forma:
No capítulo 1 apresenta-se um breve histórico das coleções, passando-se pelos
gabinetes de curiosidades, galerias de arte, espaços de produção de conhecimento para se
chegar enfim aos primeiros museus. A instituição museu, por sua vez, passou por quatro fases
até chegar aos moldes atuais. Num primeiro momento, os museus valorizavam apenas a
questão estética; posteriormente buscou-se instruir através de pesquisa e educação; num
terceiro, desenvolveu-se uma prática ideológica em que despertava a consciência nacional; e
finalmente, chegou-se a questão da sistematização e organização que culminou na formação
do Conselho Internacional de Museus.
Durante muito tempo, as discussões estiveram voltadas para as práticas organizativas
dos museus, mas atualmente o fenômeno do colecionismo tem sido seu alvo. Procurou-se
apresentar propostas de autores que trabalham com a relação objeto-colecionador, onde são
descritas as relações sociais e a compreensão do mundo material que fazem parte da vida em
sociedade. Destacaram-se as abordagens de Clara (2005), Fonseca (2005), Janeira (2005),
Lara Filho (2006), Léon (1995), Oliveira-Siegmann-Coelho (2005) e Pearce (1993; 2005).
No capítulo 2 faz-se uma descrição da atuação da família Matarazzo no processo de
industrialização de São Paulo, destacando-se a história de sucesso dos homens e das mulheres
da família no mundo dos negócios e a perpetuação do nome na cultura brasileira. Fez-se a
reconstrução cronológica desde a vinda de Conde Francesco Matarazzo de Castellabate –
Itália para Sorocaba – interior de São Paulo, passando por Conde Francisco Matarazzo Júnior,
Eduardo André Matarazzo, Maria Pia Matarazzo, Francisco Baby Pignatari Matarazzo até
chegarmos a Ciccilo Matarazzo, que deixou seu nome cravado na cultura de São Paulo.
No capítulo 3 registra-se o processo de formação da metrópole paulista, as mudanças
radicais de estilo de vida, a introdução do automóvel que revoluciona não só a questão
financeira do pólo do ABC paulista mas, torna-se o símbolo de status e poder de uma época.
Todas essas influências fazem parte do contexto em que o colecionador Eduardo Matarazzo
cresce e que os homens de sua família atuam. Nestas perspectivas, procurou-se apresentar as
transformações sócio-político-estruturais pelas quais a cidade de São Paulo passou, não tendo
como intuito estabelecer uma relação causa-efeito, mas apresentar a permeabilidade do
‘espírito’ da máquina no cotidiano do colecionador.
23
Através da teoria de Pearce (1993; 2005) buscou-se descrever o primeiro momento da
coleção, ou seja, a relação entre o colecionador e seus objetos; resgatando a história da
formação da coleção de Eduardo Matarazzo, levantando-se informações sobre: quantidade de
itens da coleção; marcos iniciais da coleção; formas de aquisição das peças; valores gastos na
compra de uma peça desejada; formas de procura das peças; interesse na procedência;
registros materiais de informações sobre as mesmas; identificação de marca própria em cada
peça; busca por fontes de informação sobre as peças; tempo gasto na coleta e apreciação da
coleção; local de acomodação; arranjo da coleção; para quem a coleção era exposta; o por quê
do ato de colecionar; a relação entre a coleção e outras atividades cotidianas; grau de
importância da coleção na vida do colecionador; venda de peças “valiosas”; visualização da
completude da coleção; existência de uma peça favorita; existência de uma peça almejada;
sentimento de arrependimento, sentimento de satisfação frente à coleção.
No capítulo 4, através de breve análise dos autores Bobbio (2004) e Duby (2004),
procurou-se compreender as questões do público e do privado. A partir de tais conceituações
analisou-se a documentação produzida pelo Museu e as reportagens publicadas sobre ele.
Com intuito de descrever como se deu o processo de institucionalização em si, ou seja, a
passagem de coleção, guardada em lugar fechado e contemplada individualmente, para
exposição em local público e observação pelo olhar do público.
As reportagens jornalísticas e a análise dos estatutos, atas, leis e convênios, permitiram
descrever passo a passo a trajetória percorrida pela coleção desde 1964, momento em que é
fundado o primeiro museu e que permanece até os dias atuais.
No capítulo 5, apresentam-se as considerações finais, em que realizaram-se algumas
reflexões sobre o ato colecionador de Eduardo Matarazzo, a análise do processo de
institucionalização e a importância da definição dos objetivos institucionais, quando da
passagem de coleções particulares, para instituição coletora de cultura.
Pretende-se com este estudo preliminar, iniciar uma discussão um pouco relegada, do
início das coleções. Acredita-se que a maneira como uma coleção se origina e os percursos
por ela trilhados, possam explicar a sutil articulação que será estabelecida em seu posterior
arranjo e organização documental.
24
Capítulo 1 – DA COLEÇÃO AO MUSEU: ASPECTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS
Nos estudos sobre colecionismo há uma tênue distinção entre colecionar e guardar,
que se refere à forma de guardar e manter os objetos. Essa prática de recolher e cuidar de
objetos é antiga e permite o resgate da memória dos indivíduos. Através desses objetos,
criam-se vínculos de identidade onde são ampliados os conhecimentos. Grande parte das
‘instituições coletoras de cultura’ (HOMULOS, 1990), tais como se conhece hoje, bibliotecas,
arquivos e museus advêm em sua maioria de coleções particulares. Apresenta-se a seguir, um
breve histórico das coleções, descrevendo a passagem do acesso restrito ao acesso público,
bem como a busca por uma sistematicidade para a formação da instituição museu.
1.1 História das coleções e formação da instituição museu
A história das coleções é quase tão antiga quanto o homem. Suano (1986, p.12) diz
que recolher objetos aqui e ali é como recolher pedaços do mundo que se quer compreender
ou dominar.
Para Jeudy (1990), esta necessidade de coletar o passado contribui para a construção
de uma identidade através de uma memória individual ou coletiva
1
. Essa identidade facilita a
questão da crença no conhecimento e se fundamenta nas necessidades presentes. De acordo
com Meneses (1993), a identidade não é:
[...] uma essência, um referencial fixo, apriorístico, cuja existência seja
automática e anterior às sociedades e grupos – que apenas os receberiam já
prontos do passado. [...] não só a identidade é um processo incessante de
construção/reconstrução, como também ganha sentido e expressão nos
momentos de tensão e ruptura – precisamente quando se aguça a percepção
da diferença e sua presença se faz mais necessária. Assim, não existe
1
Memória entendida na concepção de Meneses (1992, p.22-23 apud MENESES, 1994, p.21-22) como “[...]
operação ideológica, processo psíquico-social de representação de si próprio, que reorganiza simbolicamente o
universo das pessoas, das coisas, imagens e relações, pelas legitimações que produz. A memória fornece quadros
de reorientação, de assimilação do novo, códigos para classificação e para o intercâmbio social”.
25
identidade em abstrato. A identidade só pode ser identificada “em situação”.
(MENESES, 1993, p.210).
Observa-se, então, a identidade dos colecionadores nas coleções, já que os objetos
representam indicadores da memória e funcionam como agentes de informação.
Os objetos são provas documentais que trazem “informações referentes aos sistemas
sócio-econômico-culturais nos quais estiveram inseridos” (KASINSKY, 2000, p.45).
De acordo com o Instituto de Pesquisa do Colecionismo (2002a, p.2), quando se
coleciona objetos, invoca-se as “tradições, memórias, história; antiga, moderna e
contemporânea, nossos acervos, nossa arte e nossa educação” permitindo uma diversidade de
possibilidades de manifestações do homem, através da expressão artística do colecionismo.
“Buscamos por outro lado os valores de nossas tradições, raízes que podem ser estudadas ou
revividas através das coleções”.
As definições de coleção podem ser apresentadas por Suano e Pomian.
Para Suano (1986, p.12), a coleção funciona como um retrato da realidade e da história
de partes do mundo, cedendo características dos contextos em que foram formadas e da
sociedade que as coletaram e transformaram em coleção.
Pomian (2004, p.53), define coleção como “[...] qualquer conjunto de objectos naturais
ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades
econômicas, sujeitos a uma protecção especial num local fechado preparado para esse fim, e
expostos ao olhar do público”. O autor também atribui o termo semióforos para designar o
valor que liga esse conjunto de objetos, pois, funcionam muitas vezes como pontes entre um
mundo ‘visível’ e um mundo ‘invisível’, ou seja, eles são suportes materiais de idéias,
desempenhando a função de intermediários como apresentados nos mitos, nos contos e nas
histórias. Estas “pontes” ou elos unem o que está “[...] para lá de qualquer espaço físico, de
qualquer extensão, ou num espaço dotado de uma estrutura de facto particular. É ainda o que
está situado num tempo sui generis ou fora de qualquer fluxo temporal: na eternidade”
(POMIAN, 2004, p.66).
Para Chauí (2006, p.12) um semióforo pode ser:
[...] um acontecimento, um animal, um objeto, uma pessoa ou uma
instituição retirados do circuito do uso ou sem utilidade direta e imediata na
vida cotidiana porque são coisas providas de significação ou de valor
simbólico, capazes de relacionar o visível e o invisível, seja no espaço, seja
26
no tempo, pois o invisível pode ser o sagrado (um espaço além de todo
espaço) ou o passado ou o futuro distantes (um tempo sem tempo ou
eternidade), e expostos à visibilidade, pois é nessa exposição que se
realizam sua significação e sua existência (grifo nosso). É um objeto de
celebração por meio de cultos religiosos, peregrinações a lugares santos,
representações teatrais de feitos heróicos, comícios e passeatas em datas
públicas festivas, monumentos; e seu lugar deve ser público: lugares santos
(montanhas, rios, lagos, cidades), templos, museus, bibliotecas, teatros,
cinemas, campos esportivos, praças e jardins, enfim, locais onde toda a
sociedade possa comunicar-se celebrando algo comum a todos e que
conserva e assegura o sentimento de comunhão e de unidade.
Observa-se um valor mais significativo que útil nos semióforos. Sua aquisição indica
superioridade símbolo de status social. “A compra de obras de arte, a formação de bibliotecas
ou de colecções, é uma das operações que, ao transformar utilidade em significado, permitem
a quem tenha uma alta posição na hierarquia da riqueza ocupar uma posição correspondente
na do gosto ou do saber [...]” (POMIAN, 2004, p.80).
Esta posse e propriedade representam o poder daqueles que têm possibilidades de
“produzir e conservar um sistema de crenças ou um sistema de instituições que lhes permite
dominar um meio social”. Exemplos claros desse poder foram em nossa história, as igrejas
detentoras do sagrado e as instituições político-militares, detentoras do saber profano
(CHAUÍ, 2006, p.13).
Mas a história das coleções é um pouco mais antiga, nasce com a coleta de objetos
funerários, no período de 6500 e 5700 a.C., na cidade de Çatal Hoyük, na Anatólia.
Acreditava-se que os objetos funerários permitiam uma forma dos vivos “sentirem” a
presença dos deuses e mortos, mas na verdade não se sabe quem observava quem, percebia-se
apenas essa ligação do visível ao invisível, como se fossem “pontes” (ABREU, 1994).
Em seguida aparecem as oferendas nos templos das musas, na Grécia e Roma; os
presentes (dos detentores de poder) e os despojos (nos saques), em Roma; as relíquias (objetos
que “estiveram” em contato com deuses ou heróis, por exemplo, as imagens, que
representavam a participação do sagrado, do passado, do invisível) e os objetos sagrados
(altares, casulas, tapeçarias, etc), fortemente atuantes no período do Cristianismo com o culto
aos santos, na Grécia e Roma; e finalmente, os tesouros principescos (representados por
detentores de poder, residências reais e principescas. Os objetos principescos, as tradições, os
valores, as histórias e os contextos permitiam a aproximação do passado. Muitos
27
colecionadores deixaram seus legados para os museus, com medo de que seus herdeiros não
preservassem sua herança cultural), na Europa (POMIAN, 2004, p.60).
Apenas no tempo do Império, é que a moda de colecionar se difunde a ponto de
Vitrúvio prever na planta arquitetônica de sua residência, um lugar especial para os quadros e
esculturas (POMIAN, 2004, p.58). Nesta fase, o Colecionismo é marcado pela ostentação e
duas características de comportamento dos colecionadores romanos são destacadas: “[...] a
primeira é o seu soberano desprezo pela utilidade dos objectos recolhidos; a segunda é a
perpétua disputa pela maior oferta em que participavam e que punha em jogo não só a fortuna
de cada um, mas a sua própria dignidade” (POMIAN, 2004, p.58).
Por volta do século XVII, surgem os Gabinetes de Curiosidades, criados com
pretensões estéticas e culturais, com uma pitada de esnobismo e muitas vezes bem arrumados
em armários e estantes, onde eram reunidos “quadros, conchas, armas, relíquias, estatuetas,
aparelhos, etc”, em que se permitiam apreciar “formato, raridade, cor, utilidade da técnica ou
excentricidade do volume” (JANEIRA, 2005, p.15). Eram “verdadeiros espelhos do mundo
conhecido”, onde as “classificações se faziam a partir da semelhança, da afinidade, da
hierarquia analógica, da subordinação e da ordenação do próprio mundo” (LARA FILHO,
2006, p.16). Apesar do caos aparente, os Gabinetes revelavam apenas a falta “das chaves de
interpretação da cultura e das intenções de seus criadores” (LARA FILHO, 2006, p.26). A
partir deles têm origem as duas grandes áreas do colecionismo: a História da Arte, em que são
valorizadas e contempladas as obras de arte e a História Natural, em que são classificados e
catalogados os diversos espécimes naturais.
Paralelamente aos Gabinetes sugiram as boticas, que foram espaços criados para
praticar a ciência e arte do medicamento. Tais espaços propiciaram ambientes mistos de
produção de conhecimento, nos quais estudiosos e eruditos passaram a desenvolver a cultura.
Observa-se que nesses novos espaços unem-se,
[...] bibliotecas enriquecidas de livros impressos e reorganizadas em favor
de novas relações de conhecimento: os objetos que geram as coleções
colocam-se, agora, nas vitrines, em que espécimes diversos, retirados de
seus lugares originários, estão lado a lado, permitindo novas relações de
conhecimento até então impossíveis. As curiosidades naturais, que
compartilhavam o mesmo espaço de obras de arte e relíquias, são aos
poucos subdivididas em uma nova grade de disciplinas, destinada a
reformular a divisão estrutural do conhecimento moderno. (FOUCAULT,
1988 apud CRIPPA, 2005, p.40-41).
28
Este novo ambiente de conhecimento uniu-se ao momento em que, de acordo com
Suano (1986, p.23), a Igreja havia perdido forças (período da Reforma e da Contra-Reforma),
passando as congregações a atuarem fortemente nas áreas do ensino e cultura, tanto que
Frederico Borromeo – arcebispo de Milão, cria em 1601, a Biblioteca Ambrosiana e
Academia de Belas Artes, à qual atribuiu o nome museum e era freqüentada por público
seleto. Em 1683 surge na Inglaterra, o Ashmolean Museum, resultante da doação da coleção
de John Tradeskin a Elias Ashmole, dando início ao primeiro museu público europeu o qual
era frequentado apenas por especialistas e estudiosos.
No final do século, funcionavam em Paris algumas galerias de arte de palácios reais,
abertas à visitação como a Galeria de Apolo, no Louvre.
Entre 1750 e 1790, são abertas ao público alguns dias por semana, as coleções da
realeza francesa, de Frederico II na Prússia e de Catarina II na Rússia. A abertura controlada
deu-se devido a fatores como: medo de roubo, falta de instrução e de comportamento.
Mas são os sábios, escritores, eruditos e artistas que começam a exercer pressão para
ter livre acesso às coleções, pois eles precisam dos livros, manuscritos e objetos para
exercerem suas profissões. Com a Revolução Francesa surge o movimento revolucionário que
reivindica de forma intensa o acesso às grandes coleções, tornando-as verdadeiramente
públicas.
Desta forma, surge entre o século XVII e o XVIII, a consolidação da “[...] instituição
museu em sua função social de expor objetos que documentassem o passado e o presente e
celebrassem a ciência e a historiografia oficiais” (SUANO, 1986, p.23).
Cabe ressaltar que existe uma sutil distinção entre a coleção e o museu. Não basta que
a coleção esteja “aberta ao público” para ser considerada um museu, é necessário que ela
esteja “a serviço do público” para ser verdadeiramente uma instituição museu (SUANO,
1986, p.22). Tratou-se deste assunto no capítulo 5.
Neste período, dos séculos XVII ao XIX, destacam-se a abertura dos seguintes museus
europeus ao público visitante: Museu do Louvre; Museu dos Monumentos; Museu de História
Natural; Museu de Artes e Ofícios; Belvedere, de Viena; Museu Real dos Países Baixos,
Amsterdan; Museu do Prado, em Madri; Atles Museum, em Berlim Museu Hermitage, em
Leningrado; Museus Vaticanos, em Roma; Gliptoteca Ny Carlsberg, na Dinamarca; Museu
Britânico, em Londres que se dividiu em: Museu de História Natural que permaneceu em
29
South Kensignton e o museu de antiguidades e etnografia que permaneceu com o nome
originário e deu origem ao Museu da Humanidade, em Londres.
Na América, surgem a partir do século XVIII o Museu Peale, na Filadélfia; Museu de
Charleston, na Califórnia do Sul; Museu de Salem, em Salem, hoje Museu Peabody da
Universidade de Harvard; Museu Metropolitano de Nova York, em Nova York.
Na América do Sul, os primeiros museus surgem no século XIX. No Brasil: Museu da
Escola Nacional de Belas-Artes do Rio de Janeiro, Museu Nacional do Rio de Janeiro, Museu
do Exército, Museu da Marinha, Museu Paraense Emílio Goeldi, Museu Paraense, Museu
Paulista e Museu do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Na Argentina, o Museu de
História Natural de Buenos Aires e na Colômbia, o Museu Nacional de Bogotá.
No século XIX, os museus começam a ter o objetivo de instruir através da pesquisa e
educação, pois nesta fase a burguesia procura instituir novos quadros administrativos,
fundamentando-se num progresso calcado na educação e liberdade de pensamento do povo.
De acordo com Foucault (apud SUANO, 1986, p.37), a classe burguesa necessitava “observar,
controlar e regularizar a sociedade”, pois através do controle sistemático daquilo que se
conhecia bem, poderia se preparar para o que estaria por vir. A sociedade elaborou um
registro geral em que se mantinham dados da ‘circulação de bens’, ‘classificação do mundo
natural animal e vegetal’ e ‘classificação das doenças’.
Nesta fase, o público começa a reivindicar outras formas de “apresentação das
coleções, dos atendentes, da iluminação, dos horários, etc” criando uma verdadeira relação
com o museu (SUANO, 1986, p.38).
Em 1857, o estudioso de arte John Ruskin apresenta um projeto à comissão
parlamentar inglesa para que haja mudança na função do museu, buscando-se desenvolver
uma relação crítica entre visitantes e objetos, tornando o espaço do museu não só um lugar de
apreciação, mas de prazer.
Com a chegada da Arqueologia, os museus saíram do papel de simples depositários
para transformarem-se em promotores de pesquisa de campo. Surgem então, duas vertentes
dos museus, os que abrigam coleções de História Natural e os que abrigam coleções de
História da Arte.
Na segunda metade do século XIX, os museus passaram a ser o lugar ideológico onde
a consciência nacional era despertada e enraizada com o objetivo de se lutar pela pátria. Foi o
que aconteceu com o Museu das Antiguidades da Pátria, em Bonn, na Alemanha; Museu
Nacional de Antropologia do México; Museu de Cardiff (país de Gales) e o Museu de Arlaten
(Provença).
30
As coleções começaram a provocar tédio nos visitantes e a partir de algumas
observações, começou-se a elaborar planos de ação para criar maior interação entre o público
e a instituição.
Já no início do século XX com a explosão de museus na Inglaterra, buscou-se
sistematizar a organização dessas instituições, estabelecendo um eixo comum de critérios de
intercâmbio de informações; elaboração de padrões de catalogação e indexação do acervo;
formas de organização das coleções de história natural; regulamento de uso dos museus e
bibliotecas; serviços especializados; conferências, preparação de pequenas coleções
circulantes e busca por recursos financeiros.
Neste contexto surge a atual definição de museu dada pelo Conselho Internacional de
Museus (1986): “uma instituição sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu
desenvolvimento, e aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, divulga e expõe, para
fins de estudo, educação e divertimento, testemunhos materiais do povo e seu meio
ambiente”. Sendo que este Conselho surge em 1946 com o objetivo de tratar “da promoção e
desenvolvimento dos museus e de seus profissionais, emitindo recomendações e diretivas para
gerenciar interesses de ambos” (CERÁVOLO, 2004, p.12).
Teixeira Coelho (1999, p.169) apresenta o museu como uma instituição “[...]
estabelecida, sem fins lucrativos, que não se ocupa prioritariamente de exposições
temporárias, aberta ao público e administrada para o bem público”. Nesta perspectiva sua
finalidade é “[...] conservar, preservar, estudar, interpretar, colecionar e exibir para o público,
para a sua instrução e fruição, objetos e espécies de valor educativo e cultural, incluindo
material artístico, científico (seja animado ou inanimado), histórico e tecnológico”.
Essas instituições aparecem fartamente nos Estados Unidos acopladas à indústria
cultural, à universidade e à produção artística; inicia-se o que Suano (1986, p.54) chama de
“museu dinâmico”, definição de uma instituição que abrigava “obras de arte, arquivos,
espécimes raros do mundo mineral, vegetal e animal, e que oferecia serviços educacionais,
concertos de música, desfiles de moda, ciclos de debate”. Já a Europa, começa a dinamizar
seus museus na década de 60.
Há uma maior aproximação do museu com o público através da valorização do meio
ambiente e da vida cotidiana. O ‘trem-museu’ e ‘museobus’ leva às classes menos favorecidas
o acesso às coleções circulantes (SUANO, 1986, p.55). As sedes dos museus reestruturam
seus ambientes preparando-se para receber portadores de necessidades especiais e organizam
eventos que proporcionam verdadeiros laboratórios de criatividade. Nesta época, surgem as
escolas especializadas na formação de museólogos e o ICOM começa a formar seus comitês.
31
Atualmente, o ICOM conta com 28 comitês internacionais e regionais, responsáveis
pelos seguintes temas da museologia: “documentação, segurança, conservação exposições;
gerenciamento (administração, marketing); divulgação (relações públicas); educação e ação
cultural; emprego de novas tecnologias; tipologia de museus e coleções, ou aspectos bastante
particulares como arquitetura de museu, treinamento de pessoal para museus, e museologia”
(CERÁVOLO, 2004, p.14).
A busca pela sistematicidade acontece não só nos museus, mas nas instituições
coletoras de cultura como um todo. Para Homulos (1990) as bibliotecas, os arquivos e os
museus permitem que nossa cultura seja recolhida, protegida, administrada e a informação
nelas contida, recuperada. Mas algumas características as distinguem entre si: a natureza das
coleções, a proposta da instituição e o público servido.
Nas bibliotecas, as técnicas de representação e recuperação são bem mais avançadas
que no museu, principalmente pelo fato delas trabalharem com materiais publicados em série
(que propicia o rateio de despesas com catalogação), enquanto nos museus os objetos são
únicos. O processo de indexação nos museus envolve informações específicas sobre a coleção
causando subjetividade no processo. A automação de bibliotecas é avançada e apresenta alto
grau de satisfação dos usuários, enquanto que nos museus está começando a recorrer a
padrões catalográficos para facilitar a busca. O público é o mesmo para as três instituições.
De acordo com Smith (2000, p.34), Homulos aponta para um contínuo entre
bibliotecas, arquivos e museus, distinguindo-se apenas o conteúdo informacional de cada uma
delas. Na biblioteca a coleção de documentos representa a própria informação estocada, no
museu os objetos documentam potencialmente sobre a sociedade que os gerou e no arquivo os
documentos informam sobre a instituição que os acumula.
Nos três casos a informação estocada é fruto de um processo de institucionalização da
informação “decorrente de decisões institucionais”. A informação ao “ser institucionalizada
em nome de uma utilidade que lhe foi atribuída, é organizada em nome dos objetivos
institucionais”. A justificativa desse processo de institucionalização da informação é que
funciona em prol da sociedade porque esta financia a manutenção de seu estoque. (SMITH,
2000, p.34).
A organização de cada uma das instituições segue um princípio norteador, por
exemplo, na biblioteca o critério é o assunto, no arquivo é a estrutura organizacional da
instituição juntamente com a função administrativa dos documentos e no museu segue-se os
princípios de suportes, funções, períodos, etc (SMITH, 2000, p.33).
32
Essa organização por funções, suportes e etc necessita de todo um sistema documental
para aportar à função social do museu. De acordo com Meneses, no museu as pessoas
defrontam-se com os objetos em:
[...] suas múltiplas significações e funções - ao contrário, por exemplo, do
que ocorre num supermercado. [...] é função documental do museu (por via
de um acervo, completado por bancos de dados) que garante não só a
democratização da experiência e do conhecimento humanos e da fruição
diferencial de bens, como, ainda a possibilidade de fazer com que a
mudança – atributo capital de toda realidade humana – deixe de ser um salto
do escuro para o vazio e passe a ser inteligível. (MENESES, 1994, p.12).
O museu trabalha com o universo material, que exige a apreensão cognitiva e afetiva
dos visitantes, o que possibilita o desenvolvimento de consciência crítica evitando-se a
massificação de opiniões.
Para Hooper-Greenhill (1988), o museu funciona como um teatro da memória, no qual
a matriz sensorial permite que haja “seleção mental, ordenamento, registro, interpretação e
síntese cognitiva na apresentação visual” o que gera forte impacto pedagógico.
Um dos grandes desafios dos museus é criar condições para o:
[...] conhecimento e entendimento do que seja identidade, de como, por que
e para que ela se compartimenta e suas compartimentações se articulam e
confrontam, quais os mecanismos e direções das mudanças e de que
maneira todos esses fenômenos se expressam por intermédio das coisas
materiais. [...] deve-se ir ao museu para interrogar e se interrogar, não para
buscar respostas já concluídas. (MENESES, 1993, p.214).
Essa ‘função pedagógica’ proposta aos museus nasce de temas reflexivos da área da
Museologia.
Desde de 1977 quando se fundou o ICOFOM (Comitê Internacional de Museus)
surgiram tais discussões. O órgão foi criado com o intuito de cuidar especificamente do plano
teórico dos museus e funcionar como uma “consciência do ICOM”. Seu compromisso era
“identificar o objeto de estudo da museologia, o método ou métodos de análise a serem
aplicados, seguidos e confirmados, para marcar o campo disciplinar procurando formatá-lo
dentro de padrões tidos como científicos” (CERÁVOLO, 2004, p.15).
Essa atuação do ICOFOM deu início a amplo debate dentro da área da Museologia.
Publicações especializadas foram amplamente divulgadas e dentro da revista de difusão
33
MuWoP/DoTraM (Museological Working Papers ou Documents de Travail sur la
Muséologie), onde se encontra a possibilidade de debate no plano teórico do museu, como
instituição que possibilita a relação entre o homem e a realidade material, explicadas através
de método interdisciplinar.
Apresenta-se a seguir, o enfoque da relação construída entre o colecionador e o objeto,
nos estudos atuais sobre colecionismo.
1.2 Estudos do colecionismo – aspectos atuais da relação sujeito – objeto
As pesquisas na área do colecionismo têm-se voltado para o ato de colecionar como
ato determinante do processo de formação da coleção. Sendo assim,
[...] cada passo dado por um colecionador ou por uma instituição forma em
si um movimento, onde os colecionadores e a sociedade como um todo se
torna um elemento ativo como formador de toda a metodologia desta teoria
do conhecimento e do comportamento humano que nada mais é do que a
Epistemologia do Colecionismo e as ciências a fim. O colecionismo
atualmente é visto como um fenômeno de atuação entre o homem e os
objetos que o cercam ou que fizeram parte da história e hoje povoam seu
imaginário ou recordações (INSTITUTO DE PESQUISA DO
COLECIONISMO, 2002b, p.2).
Esse ‘fenômeno’ dedica atenção especial para a compreensão da relação construída
entre o colecionador e seus objetos. De acordo com Carvalho e Lima (2005, p.86-87), o
colecionismo é “uma plataforma estratégica quando se trata de entender aspectos da
reprodução das relações sociais” (CARVALHO; LIMA, 2005, p.86-87).
A forma como o colecionador classifica seus objetos serve para catalogar o mundo,
permitindo-o colocar cada objeto num compartimento, que pode estar previamente traçado ou
não, mas que pertencem a um todo muito maior chamado conhecimento. Lara Filho (2006)
diz que o ato de guardar, organizar e expor objetos faz parte do processo de relacionamento
entre o homem e o mundo, permitindo àquele, em muitos momentos, compreender o mundo a
sua volta.
34
A forma como as coleções são organizadas revelam uma ordem expressa por trás do
arranjo. Os agrupamentos das peças, a seqüência e distribuição revelam aspectos da matriz
cultural de uma época, demonstrando a verdadeira episteme existente.
Por ser interdisciplinar, o colecionismo tem sido estudado por várias áreas do
conhecimento. Segue-se apresentação de algumas abordagens teóricas.
Para Oliveira, Sigmann e Coelho (2005) que trabalham com uma abordagem
filosófica, a natureza de colecionar pode ser dividida em dois modos: capitalístico e estético.
No modo capitalístico, o colecionador está atrelado ao sujeito do Renascimento que aparece
na figura do burguês renascentista. Tal sujeito é representado pela relação poder-dinheiro e
possibilidade de colecionar, sinalizando um sujeito que só junta e coleciona uma tipologia
única de objetos, procurando matar sua fome de acumular o mundo.
No modo estético destaca-se a necessidade de buscar que permite ao sujeito recriar e
refazer-se constantemente, já que os objetos estão carregados de significação e história. Nesta
categoria o colecionador-artista age como um nômade, resgatando os registros das ações
deixadas no tempo, gravadas em cada objeto, esperando por ser atualizado. Há a acumulação
de registros por onde passou, constituindo sua própria história.
A escolha do colecionador por determinado tipo de objeto dá-se em identidade com as
qualidades intrínsecas do objeto, dos elementos singulares e da história que o formam. É neste
momento que se instaura a ‘territorialidade subjetiva do colecionismo’. A duração deste
sentimento é proporcional à singularidade causada pelo objeto na coleção.
A singularidade do objeto causa um sentimento único que,
[...] reordena continuamente seus acúmulos colecionados gerando ordem na
desordem e desordem na ordem, o que implementa a transitoriedade nos
objetos e a configuração que eles compõem como conjunto. Pode-se pensar
que aí instaura-se uma memória imemorial pois se trata de um “salto na
ontologia, no ser em si, no ser em si do passado” (Pelbart, 1998, p.37).
Pode-se pensar em um encontro com um passado que não está em cada
objeto da coleção, nem no olhar ou no toque de quem os organiza, mas na
força intensiva que atravessa os corpos (da coleção e do colecionador-
artista) no momento do encontro e que ainda é possível ser sentida e
atualizada no presente pelo colecionador. (OLIVEIRA; SIEGMANN,
COELHO, 2005, p.115).
35
Neste ponto encontra-se a diferença entre guardar o tempo cronológico e expor a
maior parte do tempo. As ações de reproduzir e seguir frente à vida implicam em buscar
singularidades, o diferente, o novo, enquanto que reproduzir significa permanecer num ponto
de vista fixo. Este ‘seguir’ vem carregado de intensidades e sentido através das sensações.
Tais sensações podem ser observadas ou sentidas quando visita-se coleções compostas
por acervos de diferentes colecionadores. Acredita-se que deva existir um fio condutor que
atraia as coleções que estão próximas, como se cada objeto oferecesse linhas de interligação e
construção de uma cena, percebidos por cada olho e por cada encontro individual entre
visitante-observador e coleção. São sensações provocadas por intensidades do viver.
A escolha pelo tipo de material, tamanho, suporte, forma de aquisição, origem do
objeto são fatores importantes para o entendimento da formação da coleção, mas o que
realmente o colecionador conserva do ato de colecionar é o afeto e o perceto. Mesmo que a
coleção, o material ou uma obra de arte durassem alguns segundos, permitiriam ao
colecionador ter a “sensação, o poder de existir e de se conservar em si, na eternidade que
coexiste com esta duração” (OLIVEIRA; SIEGMANN, COELHO, 2005, p.117).
Para o colecionador não há a percepção do objeto em si, mas o registro de uma
sensação que este provoca no seu corpo. Sendo assim, a estética do colecionismo se produz
nas sensações, percepções e sentimentos gerados pelos objetos no sujeito.
A coleção é formada com a intenção de se montar e completar o universo, mas o ato
de colecionar necessita criar espaços vazios para serem preenchidos, gerando uma
necessidade de atualização imemorial. Esses espaços de intervalo permitem que a necessidade
do novo mantenha “acessa a vontade de captar ou encontrar outros objetos que mantenham a
chama do “querer” acessa, pois afinal, desde Nietzsche sabemos que o querer só quer mais
querer...” (OLIVEIRA; SIEGMANN, COELHO, 2005, p.117-118).
O ato de colecionar, portanto, representa a busca constante pelo devir. Mas, o devir
nunca completa a coleção. Assim como no conhecimento, em que estamos sempre a buscar o
preenchimento dos ‘gaps’ de informação (FERREIRA, 1995), na coleção o colecionador está
sempre a buscar o seu “querer”. O devir, o novo e o querer fazem com o fio condutor do
conhecimento nunca se finalize.
Conseqüentemente, o colecionador-artista enxerga sua coleção em constante
movimento, pois está sempre buscando o inusitado para recriar novas formas para sua coleção
e para rearranjar sua própria memória.
36
Uma segunda abordagem seria a psicanalítica, na qual Fonseca (2005, p.183) diz que,
o ato de colecionar é uma tentativa, em termos inconscientes, de ‘re-viver’ através dos
objetos, momentos alegres a eles vinculados. “Não buscamos o passado, já que ele próprio
nos busca e nos envolve. Sua função é viva e atual e compõe a dinâmica do nosso presente e
do nosso futuro”. Abarrotar-se de objetos de artes, por exemplo, pode representar a
construção de uma barreira ‘defensiva’, em que se procura evitar contatos, substituindo uma
realidade imprevisível e potencialmente perigosa.
De acordo com o autor, a noção de controle, de posse, está ligada a um grau que pode
ir desde um “teor obsessivo até quadros limitantes de flagrante patologia obsessiva, resultante
esta da intensificação e freqüência de tais traços caracteriológicos” (FONSECA, 2005, p.183).
Nesses casos estão reconhecidos o ato de colecionar, a busca por um valor que simbolize o
controle sobre o tempo, a memória e o afeto. Tais valores são tão intrínsecos que podem
passar despercebidos.
Nesta visão, o objeto representa o “desafio vencido, a reversão de uma situação
sofrida, a abertura de uma janela para novas esperanças e possibilidades, o reencontro de uma
acalmia”. Essa sensação de posse e do ter provocam uma “satisfação instantânea dos desejos”.
O importante é ter domínio sobre a situação através da disponibilidade constante do objeto.
Assim, a essência de uma coleção está nos afetos nela investidos, passíveis de serem
recuperados e identificados na história individual do sujeito.
Uma terceira abordagem é apresentada por uma administradora e colecionadora de
objetos de cerâmica Manuela Ferreira (2005, p.203), que diz que o ato de colecionar é
resultado da reunião de objetos de uma mesma natureza que representem marcos da vida.
Ela coleciona de forma intencional, pequenas estatuetas, caixas e pratos de cerâmica,
que recebem uma sistematização ‘simples’, onde são registrados os dados de origem, material,
local e ano de aquisição. Diz que, sempre que presta atenção em tais objetos, se esquece de
tudo e consegue através deles revisitar lugares antes visitados, reviver através da lembrança a
sensação dos cheiros e das combinações de cores. Tal lembrança reproduz uma sensação de
dominação do mundo, como se, num golpe de memória conseguisse refazer suas viagens de
formas diferentes e chegar novamente, ao ponto de partida.
Para Janeira (2005, p.176), que é colecionadora de objetos japoneses e trabalha numa
abordagem fenomenológica, o ato de colecionar funciona como uma manifestação de caráter
mais afetivo que material. Para ela, o que sempre lhe chamou a atenção, foram forma,
37
harmonia e colorido dos objetos. Um ‘motor de arranque’ foi sua primeira paixão. A forma, a
dimensão, a cor, a origem e a originalidade foram as características marcantes do objeto. Mas,
o que realmente a instiga é a busca constante por novos tipos de objetos, que lhe
proporcionam ‘prazer’. Acredita que seja o próprio processo de busca, de aquisição e de
ampliação que lhe causem o prazer.
Consegue ter a noção de que o grupo ou ‘família’ de seus objetos irá se enriquecer
mais e mais. Considera suas coleções companhias ideais, porque quando pára o olhar sobre
determinado objeto, obtém um desencadeamento de imagens, sensações e emoções que a
transporta a “um passado mais ou menos remoto, e todo o recordar é um voltar a viver, se
bem que de modo diferente, mas volta-se a viajar” (JANEIRA, 2005, p.176).
Observou-se através do relato da autora, que os objetivos e clareza do eixo norteador
para ampliação da coleção são bem definidos. Apesar desta coleção ser fruto de uma herança,
a colecionadora não deixou de dar continuidade à coleção e de se informar sobre as peças já
existentes, procurando contextualizá-las, sempre que possível.
Já numa abordagem museológica, trabalhou-se com Pearce (1993), que considera o ato
de colecionar uma atividade complexa em que o colecionador constrói uma relação particular
com o mundo. As coleções são resultantes da união de um contexto, de uma rede de relações,
em que a palavra ‘ideológica’ é muito utilizada, por pessoas e pelo mundo material
(PEARCE, 2005, p.194).
Considera-se a coleção o resultado da relação estabelecida entre colecionador e mundo
material externo. A construção de mundo do colecionador é formada pelos processos de
aquisição, valoração e organização de sua(s) coleção(ões).
Nas obras Museums, objects and collections (1993) e Interpreting objects and
collections (2005), Pearce apresenta três modos de natureza das coleções: coleções de
souvenirs
, de objetos fetichistas e sistemáticas.
As coleções de souvenirs
apresentam características de intenso romantismo em todos
os sentidos, pois os objetos que as compõem trazem uma carga latente de significação
resultante das relações individuais de uma pessoa com sua história de vida. Através da
materialidade de um objeto, o colecionador consegue trazer o “passado para dentro do
presente”, proporcionando-se o sentimento de que o passado parece ser melhor que as
dificuldades do presente, trazendo para aquele limite de espaço e de tempo, o sentimento da
vida como gostaria que ela fosse (PEARCE, 1993, p.72 e PEARCE, 2005, p.195).
38
Essa relação permite que o ontem seja freqüentemente, o agora. Essa concepção do
romântico controla ou sustenta tudo e especialmente todos, num lugar em que a totalidade
orgânica seja a verdade, abrangendo as relações humanas, dentro da continuidade do passado,
como numa paisagem. Exemplo de coleção de souvenirs são os brinquedos de crianças
expostos no York Castle Museum.
Lima e Carvalho (2005, p.97) dizem que os souvenirs são “pontos de partida de uma
narrativa pessoal e testemunhal (evidência de uma verdade), uma resposta à necessidade de
compreender o amplo e o coletivo que sem individualização fugiriam à compreensão”.
Já as coleções fetichistas são resultantes da relação colecionador-objeto, pois os
objetos ganham qualidades e sentidos sociais que ultrapassam sua própria realidade material.
Torna-se clara, nestas coleções, a personalidade do colecionador que mantêm além da posse,
uma atitude de adoração por seus objetos (PEARCE, 2005, p.200).
Essas coleções não são organizadas, mas meramente arranjadas, seguindo-se
princípios relacionados a eventos particulares da vida do colecionador, que demonstram sua
identidade pessoal.
Os colecionadores fetichistas identificam-se com os objetos com tanta intensidade que
os desejam e os enxergam como extensão de si próprios. Poderosas emoções e sensações são
despertadas dentro de si pelos objetos e estes parecem retornar aos estímulos daquele,
simulando uma necessidade de reunir mais e mais objetos do mesmo tipo (como o caso do
colecionador-artista, esperando o seu ‘devir’). Todo este processo é uma disposição à
autopossessão, uma estratégia de desejo que faz parte da razão deste modo de colecionar.
Normalmente, essas coleções são formadas por objetos sortidos, curiosidades e
raridades. Na Europa muitas dessas coleções já estão em museus e na maioria das vezes, são
identificadas pelo nome do colecionador. Exemplos clássicos são as coleções de Tradescants,
Sir Hans Sloane e Joseph Mayer.
Apesar deste tipo de coleção caminhar para a relação do objeto como extensão do
corpo e a de souvenir, para o lado romântico, em que o passado é revivido no presente, ambas
se encontram num ponto - fazem parte de experiências que criam um universo privado
satisfatório e ambas fazem dessa tentativa, um modo de exaltar o objeto, partindo de uma rede
de relações sociais para um processo de congelamento do tempo.
Em museus, portanto, esses objetos são percebidos como dissociados e estáticos,
instáveis numa zona menos significativas.
Num outro espectro, Pearce (2005, p.201-203) diz que as coleções sistemáticas
dependem de princípios de organização. Tais princípios são percebidos através de uma
39
realidade externa, que vai além do material específico e que resulta por derivação de
princípios gerais, deduzidos por um conjunto de características familiares dos materiais, ou
seja, através das operações de observação e razão. Estes princípios gerais formam parte de das
idéias sobre a natureza do mundo físico e da própria natureza do ser.
Enquanto as coleções fetichistas trabalham por acumulação, as coleções sistemáticas
trabalham com seleção de exemplares, na qual um exemplar representa todos os outros
daquele tipo, completando uma série e ocupando uma lacuna na coleção; como uma frase que
muitas vezes é elaborada pelo curador, partindo de seu repertório lingüístico. A ênfase está na
classificação, na qual a espécime (uma palavra manifesta) é extraída do contexto e posta
dentro das relações criadas pela série. Isto é alcançado por definir limite de série, no qual
aparentemente, resulta do material.
Colecionar, portanto, é um ato intelectual traçado para demonstrar um ponto.
A coleção permite verificar através de seu arranjo físico, os detalhes de criação das
relações, os elos de manipulação implícitos, que são feitos para convencer ou para impor, para
criar um segundo contexto, idealizado na mente do curador.
A coleção sistemática desenha um ponto de vista dentro do conjunto e pressupõe uma
relação de mão dupla entre a coleção e o público (visitantes), na qual a coleção tem algo de
público (não privado) e o público (visitantes) algo para ler ou discordar. Esta relação é uma
das duas razões pelas quais os curadores geralmente direcionam a maior parte de sua atenção
e de seus espaços de exibição, nestes tipos de coleção. Também é imaginada como exposição
e requer espaço organizado no qual demonstra suas relações de série.
Coleções e arranjos deste tipo representam o conhecimento socialmente construído e
limitado na representação das relações ideológicas. São formadas por imposição de idéias de
classificação e serialidade do mundo externo, num processo sem começo e sem fim.
Ninguém começa a formar ou expor uma coleção sem um processo passado e inerente.
Na fase em que a coleção está sob a guarda dos colecionadores, a classificação dos
objetos é feita de forma espontânea, utilizando-se de uma classificação estabelecida a partir de
concepções do mundo, seja por semelhança ou afinidade dos objetos, estando atrelada à
experiência de vida do colecionador, seguindo uma visão subjetiva. Já no museu, a
classificação passa a receber certa padronização, seguindo-se categorias filosóficas do
conhecimento a partir de normas organizativas, ou seja, passa a receber um sentido
institucionalizado, de acordo com os objetivos da instituição na qual foi acomodada.
Para Léon (1995, p.48), o Colecionismo, mais voltado para a arte, afirma-se em três
aspectos: de preferências, funções e valores ideológicos.
40
Primeiramente a coleção representa para o colecionador como um “[…] mundo de
preferencias ideológicas al definirse como defensor activo de la posesión única, no
compartida”. Em segundo ela incide em uma “[…] función ideológica de la cultura. La
clientela de arte representa a una clase determinada que dirige, controla e instrumentaliza los
objetos de cultura en función de sus intereses y objetivos”. E finalmente, passa a ter um “[…]
valor formativo-consolidante sobre el arte, la crítica y el gusto”.
As características como raridade, singularidade e originalidade também tornam o
objeto mais significativo ao colecionador, além de ter o valor comercial adquirido, apesar
desta última característica não ter tanta importância para o colecionador, haja visto que seu
interesse maior não é comercializar seus objetos, mas sim adquirí-los e mantê-los na coleção.
A partir das seis abordagens do colecionismo acima apresentadas, ressaltam-se três
características que estiveram fortemente presentes: a existência de um contexto, a relação de
pessoas e o mundo material.
A escolha pela tipologia dos objetos parte de uma identidade que é determinada em
situação, seja, na cor, na forma, na origem ou no tamanho. O colecionador enxerga as
qualidades intrínsecas dos objetos instaurando-se uma ‘memória imemorial’.
As relações são todas de fundo afetivo, seja pela vontade de controle e posse do
espaço e do tempo, pela completude de uma lacuna existente, pela sensação de um desafio
vencido, pela rememoração de um sentimento positivo, ou mesmo, pelo sentimento de
autopossessão.
Para Baudrillard (2004, p.103), o poder dos objetos colecionados não está na sua
singularidade nem na sua historicidade, mas está na sensação de congelamento do tempo
causada pelo fato da “própria organização da coleção substituir o tempo”.
A coleção representa, portanto, o perpétuo “reinício de um ciclo dirigido, onde o
homem se entrega a cada instante e com absoluta segurança – partindo não importa de que
termo e seguro de a ele voltar – ao jogo do nascimento e da morte” (BAUDRILLARD, 2004,
p.103).
Logo, as formas de organização das coleções refletem maneiras individualizadas de
olhar o mundo, de organizar conhecimentos e dos colecionadores auto-organizarem-se como
pessoas.
Muitas coleções particulares dão origem a museus. Enquanto estão no âmbito
particular, carregam consigo a poética e a episteme de seus colecionadores, que podem ser
41
observadas em seus arranjos, mas quando chegam aos museus, na maioria das vezes, perdem
essa poética devido à necessidade de serem organizadas dentro de um novo contexto.
O referencial teórico do colecionismo permite-nos compreender a complexa relação
construída entre colecionador e objeto, bem como, a importância dessa relação para a
transição de coleção particular em museus.
Pretende-se demonstrar nos próximos capítulos, a importância da clareza na
determinação de objetivos para a implantação de instituições coletoras de cultura, para
evitarem-se futuras tensões. Foca-se as coleções particulares que se institucionalizam nestas
instituições, como foi o caso do Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas, Veículos e
Máquinas, de Bebedouro.
Considera-se importante apresentar as informações sobre a família Matarazzo, pois
elas fazem parte de fatores contextuais que irão influenciar, consciente ou inconscientemente,
a atuação colecionadora de Eduardo André Matarazzo, que será exposta no capítulo 3.
42
Capítulo 2 – A FAMÍLIA MATARAZZO E SUAS INDÚSTRIAS EM
SÃO PAULO
Em 1850 começa no Brasil o processo de “pré-industrialização”, quando a Lei Eusébio
de Queirós cessa o tráfico de mão-de-obra africana para o país. Nas décadas de 1850, 1860 e
1870, os setores de manufaturas começam a se desenvolver, porém ainda se importam
maquinarias e matérias-primas para as manufaturas nacionais.
A Itália, em 1880, passa por uma grande crise econômica após sua unificação, o que
causa empobrecimento da população, crise na agricultura, desemprego no campo e na cidade,
minimizando sensivelmente as perspectivas de melhoria. Boa parte dos italianos migram para
outros países e alguns vêm para o Brasil no intuito de fazer fortuna. Com esse fato inicia-se
no país a imigração de mão-de-obra européia para o trabalho, principalmente nas fazendas
cafeeiras.
Em meio aos imigrantes, chega Francesco Antônio Maria Matarazzo (09.03.1854,
Castellabate – 10.02.1937, São Paulo), filho de Mariangela Jovane (15.08.1835, Salerno –
18.07.1925, São Paulo) e do médico, proprietário de terras e comerciante Costabile Matarazzo
(23.12.1830-15.09.1873). Costabile falece em 1873, e em 1882 a pedido da mãe, Francesco
Matarazzo sai da cidade de Castellabate para buscar a esperança de firmar fortuna no Brasil
(América), trazendo a responsabilidade de manter financeiramente a família, afinal, Francesco
Matarazzo é o mais velho dos nove irmãos (Giuseppe, Giuseppina, Teresa, Angelo Andrea,
Nicola, Luigi, Carmela, Costabile)
2
.
Nesta fase, os italianos chegam a representar quase 80% da mão-de-obra européia no
Brasil. Muitos desses italianos chegam quase sem nenhum recurso financeiro para trocar o
trabalho por sustento e com a ilusão de fazer fortuna. Francesco Matarazzo chega com o
mesmo intuito, “o de fazer fortuna”, porém, traz consigo algum recurso, resultado das
economias e do que restou financeiramente à família, que sentiu sensivelmente a crise da pós-
unificação. Além dos recursos, traz consigo alguma experiência com negócios, já que era
comum entre os italianos terem lavoura e criação de animais para consumo próprio.
2
Verificar árvore genealógica em apêndice A.
43
2.1 O papel da família Matarazzo no processo industrial de São Paulo
Francesco Matarazzo, além dos recursos, traz alguns contatos já estabelecidos no
Brasil. Um amigo que já estava acomodado na cidade de Sorocaba, interior do estado de São
Paulo, torna-se referência para a escolha da cidade na qual fixará residência. Após chegar ao
Brasil e se acomodar, aguarda a chegada da mercadoria com a qual irá começar um pequeno
negócio – banha de porco. A chata que traz o produto naufraga, forçando Francesco
Matarazzo a começar sua vida comercial de outra forma. Ainda lhe restam as economias, da
qual, Francesco Matarazzo passa a adquirir banha nas vizinhanças, a beneficiá-la e vender
pela região, no lombo de um animal.
Francesco Matarazzo tem conhecimentos nos negócios, experiência em comércio,
administração e agricultura. Portador de instrução secundária completa escreve com clareza e
objetividade, tem letra firme e bonita, faz contas rapidamente e tem uma memória brilhante.
“Tem sagacidade, criatividade, visão telescópica, vontade, firmeza de atitudes. Sabe pensar e
agir com pragmatismo e objetividade. E também trabalhar duro. Pragmático, reconhece que
tem de começar do jeito que pode. Em algo compatível com seus objetivos, recursos,
experiência e, claro, projeto de vida.” (SEVCENKO, 2000, p.157).
Em pouco tempo, comercializou banha e carne de porco, azeite de oliva, farinha, figos
secos, passas, queijos, trigo, tomates e vinho. Passou a trocar seus produtos por porcos para
ter sua matéria prima e beneficiar a banha. Sua familiaridade com banha de porco vem da
Itália, como descreve Malzone na entrevista a Couto:
[...] O professor Gennaro Malzone confirma que Matarazzo aprendeu a lidar
com banha de porco em Castellabate. Que naquela época todas as famílias
matavam suínos e guardavam tudo. Era uma criação comum, espalhada por
toda a região. Uma atividade fácil, pouco exigente. Derretiam a gordura,
guardavam a carne e outras partes. Aproveitavam tudo, comiam tudo.
Usavam a banha para conservar a própria carne, para dar sabor à comida,
para fritar, para untar. Até sabão faziam. Nas propriedades e atividades
comerciais do jovem Matarazzo, a suinocultura esteve muito presente. Até
na troca direta de mercadorias. “Eu troco esses meus vinhos, queijos e óleos
por esses porcos. O escambo era comum aqui”, explica Malzone. (COUTO,
2004a, p.98-99).
Já com sua própria vara de porcos, colocou em prática o segredo do capitalismo – a
inovação. Passou a armazenar e vender a banha de porco em latas, ao que ele mesmo designa
44
como seu grande salto, a forma de armazenamento. Comercializou sua produção na região de
Sorocaba.
Ao usar embalagens de metal, Matarazzo aumentava a durabilidade do
produto e permitia que os consumidores comprassem quantidades menores,
evitando o desperdício. As latas do italiano começaram a expulsar as
barricas norte-americanas do mercado. Décadas depois, em entrevistas, o
industrial atribuía todo o seu sucesso a essa invenção. A banha em lata é um
exemplo de como Matarazzo agiria em toda a sua carreira. Fazendo barato
dentro do Brasil o que antes era caro e chegava do exterior, ele ajudava na
chamada “substituição de importações”. (PEIXOTO, 2005, p.49).
No final de 1890, três irmãos de Francesco Matarazzo estão no Brasil – Angelo Andrea,
Giuseppe e Luigi. Os irmãos montam um comércio em parceria na cidade de São Paulo,
localizado à “Praça do Mercado, na Rua 25 de Março” (VICHNEWSKI, 2004, p.51), uma
importadora de farinha de trigo (vinda dos Estados Unidos e Argentina) e arroz, com um
investimento de “quarenta e seis contos (21.000 dólares)” (DEAN, 1971, p.69). Além de
comercializar trigo e arroz, os Matarazzo também vendiam a banha em lata produzida por
eles.
Em 1898, a família de Francesco Matarazzo se muda para São Paulo, onde passam a
morar num grande palacete na Avenida Paulista, introduzindo-se na “[...] nata da sociedade
paulistana (de sua garagem sairia, no futuro próximo, o elegante Packard, carro com a placa
número 1 da frota municipal)”. (PEIXOTO, 2005, p.50).
Francesco Matarazzo não era um imigrante comum, descende de família fidalga, cabeça
de empresário, projeto profissional, determinação de crescer; gosta de negócios “[...] do jogo
comercial, dos truques e manhas da compra e da venda” (SEVCENKO, 2000, p.113-114).
Realiza-se, diverte-se. Com grande visão de mercado instituiu a integração vertical como
marco de sua administração, na qual passa a controlar todo o processo, desde os cuidados com
a matéria-prima até a comercialização final. Conhecia bem a necessidade de inovação e
avanços tecnológicos para melhoria de produção. De acordo com Vichnewski (2004, p.51),
Matarazzo explorava a produção através da cadeia vertical, a criação de porcos tornava-se
banha e carne beneficiada e em sua importadora comercializava os produtos finais. Do
algodão, extraía o caroço que dava origem ao óleo e ao sabão. Esse mesmo esquema aplicava-
se a todos os outros empreendimentos, por exemplo, no caso do moinho, extraía do trigo a
farinha e o farelo.
Em 1899, conseguiu financiamento junto a um banco inglês e em dez meses colocou
em funcionamento o Moinho Matarazzo, localizado no bairro do Brás, se tornando a maior
45
fábrica de São Paulo na época. Em pouco tempo, pagava a dívida. Matarazzo trouxe avanços
tecnológicos em máquinas e mão-de-obra qualificada do exterior, para a construção de suas
fábricas e empreendimentos. Enxergava o desenvolvimento do mercado, tanto que suas
fábricas expandiam numa velocidade incrível.
Mais tarde, desse moinho surgiu um anexo para fabricação de massas alimentícias,
gerando a marca Petybon. No mesmo local, produzia sacarias, criou uma oficina mecânica e
um almoxarifado. Da produção de sacarias surgiu a Fiação e Tecelagem Mariângela, fundada
em 1901 que realizava a fiação, tecelagem de algodão e cascamifício (fibras para cobertor).
Em seguida, expandiu a tinturaria e estamparia. Em 1906, surgiu a Fábrica de fósforos Sol
Levante; em 1910, a Fábrica de óleo e sabão Sol Levante. Daí em diante, ninguém mais
segurou os Matarazzo.
A partir de 1911, Matarazzo instituiu as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo –
IRFM, localizadas no conjunto de edifícios da Rua Joly e Sampson. Considera-se relevante
elencar, alguns dos empreendimentos que destacam o nome dos Matarazzo:
[...] Fiação, Tecelagem, Malharia e Tinturaria Mariângela, a Branquearia e
Estamparia Mariângela, o Moinho Matarazzo, a Fábrica de Banha, em
Capão Bonito, um Engenho de Arroz, em São Paulo, e outro em Iguape, à
beira do Rio Ribeira, a Fábrica de Óleo e Sabão Sol Levante e o
Cascamifício Mariângela, entre outros. O setor de tecelagem da empresa e
outros foram ampliados, com a construção da Tecelagem Belenzinho, da
Amideira Matarazzo, um belo exemplo da arquitetura industrial da época, e
com a aquisição de armazéns e trapiches em portos, como o de Antonina, no
Paraná, pela subsidiária S. A. Indústrias Matarazzo do Paraná, além de
filiais em Santos, Rio de Janeiro e Curitiba. (LIMA, 1982, p.27 apud
VICHNEWSKI, 2004, p.60).
A partir de dados coletados em fontes como Couto (2004), Dean (1971), Lima (1982),
Peixoto (2005), Pivetta (2001) e Vichnewski (2004) elencam-se algumas das fábricas:
Ano de instalação Fábricas das IRFM
1911 Tecelagem Belenzinho
1913 Fábrica de pregos
1914 Amideira Matarazzo e Destilaria de álcool
1917 Moinho Matarazzo em Antonina – PR
1920 Frigorífico Jaguariaíva – PR
1922 Fábrica de Curtumes;
Fábrica de Licores Matarazzo;
Matzfilm – distribuidora de filmes norte-americanos em todo o país
(até 1932).
1924 Fábrica Viscoseda e depois Rayon Matarazzo
46
1926 Pastifício do Brás – Petybon
1931 Usina Amália – Santa Rosa do Viterbo;
Tecelagem Santa Celina;
Parceria com fábrica de óleo de algodão e sabão, em João Pessoa-
PB.
1933 Fábrica de Cal Santana – em Vau Novo (município de Satana do
Parnaíba)
1935 Cerâmica Matarazzo – Louças Cláudia;
Tecelagem Brasileira de Sedas;
Beneficiadores Matarazzo de algodão em Avaré, Bauru, Bernardino
de Campos, Itapetininga e Ribeirão Preto;
Jazidas de caulim em Sacomã (SP), quartzo (Mogi das Cruzes),
gipsita (Missão Velha – CE) pedreira (Mauá), argila (Sacomã,
Guarulhos, Cangaiba, Ermelino Matarazzo e Mauá – SP), lenha
(Paranapiacaba, Mauá, Perus, Guarulhos, Ermelino Matarazzo – SP).
1936 Fábrica de Ácidos;
Fábrica de Papel, Papelão e Celulose;
Fábrica de extração de essências de frutos cítricos, essência de
bergamota, óleo de casca de laranja e marmellata de laranja (Limeira
– SP).
1937 Beneficiadores Matarazzo de algodão em Catanduva, Marília,
Presidente Prudente, Rancharia , São José do Rio Preto;
Fábrica de doces e conservas – Produtos Amália.
1938 Refinaria de Petróleo – I.M.Ê.;
Fábrica de óleo de caroço de algodão em Catanduva.
1939 Fábrica de Sulfato de Alumínio;
Fiação e Tecelagem Matarazzo em Rio Claro;
Beneficiadores Matarazzo de algodão em Araçatuba e São João da
Boa Vista;
Fábrica de óleo de caroço de algodão em Marília e Rancharia.
1942 Fiação e Tecelagem Matarazzo em Bauru
1943 Fábrica de óleo de caroço de algodão em Campinas
1944 Beneficiadores Matarazzo de algodão em Presidente Venceslau
1945 Casa Bancária F. Matarazzo S.A.
1946 Beneficiadores Matarazzo de algodão em Votuporanga;
Fiação e Tecelagem Matarazzo em Campinas e Ribeirão Preto.
1947 Fábrica da Margarina Matarazzo – “Margarite”
1948 Soda Cáustica;
CIMEPAR (cimento) – João Pessoa - PB;
CIMESUL (cimento) – Morretes – RS.
1949 Fábrica de Biscoitos Petybon
1954 Fábrica de Acetileno
1955 Fábrica de Carbureto de Cálcio
1957 Fábrica Milprint do Brasil S.A. (embalagens flexíveis) – Ermelino
Matarazzo;
Cloroquímica S.A. Indústria e Comércio – São Caetano;
Visking do Brasil S.A. Indústria e Comércio (revestimentos
sintéticos – tripas artificiais) - Ermelino Matarazzo.
1958 S.A. Comércio e Indústria de Produtos Químicos e Têxteis
47
Textilquímica – São José dos Campos
1960 Fábrica de óleo de caroço de algodão em Araçatuba
1961 Fábrica de Ácido Sulfúrico
1962 Fiação e Tecelagem Matarazzo em São José dos Campos
1968 Polynor (fios de poliéster) – João Pessoa – PB
1977 Desativação de parte dessas indústrias
Quadro 1 – Fábricas das IRFM
Por volta de 1920, Francesco Matarazzo adquiriu um terreno de mais de 100 mil
metros quadrados no bairro Água Branca em São Paulo, que tinha nas suas margens as
estradas de ferro Sorocabana e Inglesa, onde instalou o Parque Industrial da Água Branca.
Considerado o maior complexo industrial da América Latina era composto inicialmente por
fábricas de sabão, velas, estearina, oleína, glicerina, pregos, óleo de caroço de algodão,
carrocerias, refinaria de açúcar, além de serraria, caixotaria, carpintaria, marcenaria e seção
interna de transporte - com duas locomotivas. Em 1927, adquiriu estabelecimento destinado à
produção de louças, aparelhos sanitários e azulejos.
A expansão geográfica não parou e paralelamente, foram instalados armazéns que
futuramente se tornariam filiais das IRFM, na capital paulista, nos bairros Vila Mariana,
Belenzinho, Vila Pompéia; no interior, em Ribeirão Preto, Campinas e São José do Rio Preto;
e em Minas Gerais, na cidade de Juiz de Fora. Com a expansão do beneficiamento de algodão
instalou armazéns em Avaré, Bauru, Bernardino de Campos, Catanduva, Itapetininga, Marília,
Presidente Prudente, Rancharia e Ribeirão Preto.
O historiador Warren Dean diz que Francesco Matarazzo era o mais “bem conceituado
dos industriais” de sua época, devido à forma como conduzia seus negócios e por ser arguto e
experiente. Credita-lhe a criação do maior complexo industrial da América do Sul, o Parque
Industrial da Água Branca; chega a desarmar “[...] os conhecidos, os homens de negócios e a
própria imprensa hostil com sua camaradagem, modos simples e habilidade em depreciar-se
quando achava necessário.” (DEAN, 1971, p.73).
Dean ressalta, que Francesco Matarazzo soube diversificar seus ramos de atividade e
explorar a integralização vertical, usando-a, como grande estratégia de mercado:
Com o passar do tempo, comprou também uma fábrica de conservas em São
Paulo, uma oficina de litografia para fazer rótulos, uma serraria para
fornecer madeira a caixotaria, fundições e oficinas mecânicas para reparo
do seu equipamento. Construiu suas próprias docas para a frota costeira,
reservou fundo de reserva a fim de não precisar pagar seguros, e fazia
operações bancárias através da filial do Banco de Nápoles, que dirigia.
Matarazzo comprou uma vasta área do distrito de Água Branca na capital,
onde reuniu a maior parte de suas instalações industriais e loteou o resto. À
proporção que se passava o tempo, comprou terras para plantar cana-de-
48
açúcar e criar gado de corte e desenvolveu dois empreendimentos até chegar
aos produtos finais: açúcar refinado, carne e couro. Só vendeu uma fábrica
de fósforos; foi a única cujos processos não conseguiu controlar desde o
princípio até o fim. (DEAN, 1971, p.71).
Francesco Matarazzo e outros industriais procuraram retirar de seus negócios as
incertezas de suprimento de matéria-prima, transporte, energia e lucros de intermediários.
Buscavam ter vários clientes com contas pequenas para evitar grandes “calotes”, evitando, o
não pagamento de suas vendas. Outras três características marcaram sua pessoa: a primeira é
sua atenção às especulações de câmbio “Costumava comprar dinheiro estrangeiro quando o
mil-réis estava alto e usá-lo para saldar as contas de importação quando o mil-réis baixava.”
(DEAN, 1971, p.72). Sobre a primeira característica de Francesco Matarazzo, o câmbio, o
neto Eduardo André Matarazzo
3
, relata:
Meu avô era muito hábil em matéria de câmbio. Naquele tempo reinava
aqui a libra esterlina, não o dólar. Ele comprava e vendia grandes
importâncias. Ele começou mais como comerciante. Depois a atividade
industrial tornou-se a principal do grupo. Claro que a parte comercial
continuou sendo importante. Ele tinha também várias representações de
produtos estrangeiros e nacionais e fazia muitas importações. Representava
o Banco de Napoli. Naquele tempo havia muito imigrante italiano no Brasil.
E todo mês eles mandavam um dinheirinho para os parentes na Itália.
Grande número de italianos vieram para cá do fim do século XIX até o
começo dos anos vinte, por causa de uma crise violenta. Então o negócio
era mandar os filhos “fazer a América”. Meu avô criou a Seção Bancária,
que recebia e enviava esse dinheiro dos imigrantes. As quantias individuais
eram pequenas, mas a quantidade de remetentes enorme. Daí, valores altos,
significativos. (COUTO, 2004b, p.42-43).
A segunda era sua perspicácia e dedicação ao trabalho, na maior parte do tempo, sete
dias por semana. Dean relata que Rust, seu ajudante particular, “[...] ia encontrá-lo na cama às
4 horas da manhã fumando e lendo catálogos de máquinas, sonhando com empreendimentos
ainda maiores [...]” (DEAN, 1971, p.74).
A terceira, seus “[...] sistemas de planejamento para todos os departamentos, de modo
que se lhes pudessem prever futuras necessidades.” (DEAN, 1971, p.72).
Os industriais pagavam pouco imposto mantinham as condições de trabalho muito
precárias e baixa qualidade de seus produtos. Francesco Matarazzo mantinha-se atento e,
procurava evitar ataques dos colegas e para tanto diferenciou suas fábricas das demais, como
Dean relata: “Suas fábricas, mais seguras, proporcionavam um ambiente menos desagradável
3
Entrevista realizada pelo historiador Ronaldo Costa Couto, na cidade de Bebedouro –SP, dia 15 de agosto de
2001. (COUTO, 2004b, p.407).
49
de trabalho e sua atitude para com os operários, se não era igualitária, também não era
impiedosa.” (DEAN, 1971, p.73).
Exemplo descrito por Vichnewski e Decca, quando comentam sobre os diferenciais de
salubridade na Fiação e Tecelagem Mariângela. A produção contava com “[...] alguns
mecanismos que facilitavam a vida do operário, como o caso do transporte da matéria-prima,
que era feito por meio de elevadores, guindastes, carrinhos e esteiras sem fim, sendo que a
maioria das fábricas da época não dispunha desses recursos.” (VICHNEWSKI, 2004, p.57-
58). Sob os pontos de vista de segurança e higiene, Decca ressalta que:
[...] não se pode desejar coisa mais perfeita: as suas instalações são feitas
com todo rigor; há luz e ar em abundância, asseio completo. Nos corredores
e nos lugares onde permanecem os operários, o soalho é sempre de madeira.
Na fiação existem aspiradores para a poeira do algodão, e, em todas as
seções, ventiladores para a renovação do ar ambiente. Para o trabalho de
menores, as máquinas são de tamanho reduzido. (...) Tem esta fábrica todas
as seções separadas, havendo algumas onde só é fornecido trabalho a
adultos, W.C. e vestiários em número suficiente... (DECCA, 1991, p.33-34
apud VICHNEWSKI, 2004, p.58).
Francesco Matarazzo era homem atuante e influente nos negócios paulistas, a
expansão não parava de acontecer. A esta altura, já tinha um sucessor, Ermelino (o terceiro
filho, nascido em 1883), por quem tinha grande afinidade e para prepará-lo, mandou-o para as
melhores escolas européias, qualificando-o nos negócios, completando a formação com
estágios em várias indústrias européias. No Brasil, passou a acompanhar o pai nas
peregrinações pelas fábricas da família, a fim de aprender a rotina. Durante a Primeira Guerra
Mundial, Francesco Matarazzo esteve ausente do país, durante dois anos, com a esposa e os
filhos menores. Ermelino, com pouco mais de 30 anos, ficou na direção das IRFM, obtendo
sucesso e elogios do pai.
Com o retorno de Francesco Matarazzo, Ermelino se ausenta do país para merecidas
férias, as quais passa na Itália. Em um acidente trágico, aos 25 de janeiro de 1920, em um raid
automobilístico nos Alpes, numa estrada próxima a Turim, bateu o carro e morreu
instantaneamente.
Francesco Matarazzo sentiu profundamente a morte do filho, até então, seu sucessor.
Após profundo luto, escolheu o penúltimo de seus 13 filhos
4
(desobedecendo à regra italiana
de escolha de sucessores e contrariando os herdeiros mais velhos) Francisco Matarazzo Júnior
[14.08.1900, São Paulo – 27.03.1977, São Paulo] – o Conde Chiquinho. Francesco Matarazzo
4
Verificar árvore genealógica no apêndice B.
50
recomeçou o preparo do futuro sucessor para a direção das IRFM. Chiquinho passa a trabalhar
com o pai o dia inteiro, com rotina cheia e densa, inclusive nas manhãs de domingo. Como
Couto descreve:
Levantam-se muito cedo e seguem diretamente para o escritório central.
Visitam fábricas, fazem contatos e negócios. Um mar de lições práticas de
pai para filho. Princípios, relacionamento com funcionários, clientes,
fornecedores. Quem é quem, técnicas, manhas, segredos e truques, tudo.
Francesco Matarazzo é uma enciclopédia completa daquele mundo. Pai e
filho comungam a mesma visão estratégica, discutem grandes e pequenos
problemas do grupo, tomam decisões.
Francesco Matarazzo ensinava que o pormenor costuma ser o essencial
(grifo nosso). Que não é suficiente cuidar do macro, do grande. Basta um
fiozinho solto para impedir uma limusine ou um caminhão de funcionar. E
um cisquinho de nada no olho para deixar nobre e plebeus chorando, em
xeque. Atento à vida, dizia muitas coisas sábias, práticas, verdadeiras.
(COUTO, 2004b, p.192).
Na assembléia geral de 15 de abril de 1924, Francisco Júnior, aos 24 anos, foi eleito
diretor-geral, por mandato de seis anos.
Chiquinho encara, vai em frente. Preferência: negócios industriais. Mas
entra em tudo, vê tudo, envolve-se até a medula. Da agropecuária,
navegação e imóveis até a comercialização de carros. Trabalha muito, mete
o bedelho em tudo. Administra, faz contatos, fiscaliza e controla, decide.
Não se poupa. Vive para a vida empresarial. Deita e acorda com as IRFM
na cabeça, come e respira negócios. É mesmo o diretor-geral. (COUTO,
2004b, p.193).
São Paulo, na década de 20, vive grande expansão, na qual as indústrias se implantam, a
população aumenta de forma eloqüente, a arquitetura começa a mudar e os hábitos das
pessoas também. Começa a se formar uma das maiores metrópoles do mundo, a metrópole
paulista. Verifica-se nesta fase uma tomada de consciência:
[...] tanto de um sentido de identidade, quanto de uma manifestação
de destino da cidade. Cortada do passado pelo seu modo de
desenvolvimento abrupto, São Paulo, tal como era figurada pelos seus
cronistas, aparecia insistentemente refletida num improvável espelho
de futuro. Esse espelho espectral cintilava ao longe, como se pode
supor, nos confins do Ocidente exótico. De modo que, ou esses
observadores o viam daqui refletindo as metrópoles européias ou
americanas ou, alternativamente, projetavam a silhueta disforme de
São Paulo contra aquelas cidades, procurando encontrar os sinais de
sua identidade em cada uma e no conjunto das marcas do contraste.
(SEVCENKO, 2000, p.36-37).
51
Nesse contexto do avanço de formação da metrópole, vêem-se de acordo com
Sevcenko (2000, p.228) o “moderno”, entendido sobre três contextos amplos, “a revolução
tecnológica, a passagem do século e o pós-guerra”. Fase do “moderno” onde acontecem os
desenvolvimentos da motocicleta; da máquina de escrever e calcular; da caixa registradora;
dos alimentos enlatados; do concreto armado; da máquina de costura e de lavar; dos
refrigerantes com gás; da aspirina, além da “necessidade” de se ter o automóvel entre outros.
A metropolização de São Paulo mexe com as pessoas em vários aspectos: nos hábitos de
consumo, de lazer, culturais, sociais e principalmente, na busca de identidades. Desta época
em diante, começam a se formar entidades e instituições de fortalecimento de interesses.
Chiquinho continuou firme acompanhando Francesco Matarazzo e aprendendo o
ofício de futuro sucessor. A dedicação do genitor aos negócios, sua perspicácia com o trato de
trabalhadores e principalmente, o respeito conquistado, fez com que Francesco Matarazzo
incentivasse seus colegas empresários a se unirem e lutarem pela conquista do espaço das
indústrias no estado de São Paulo. Ansiavam por estudos e pesquisas que auxiliassem na
defesa dos interesses da indústria, além do aumento de poder de barganha.
Na função de importador e manufaturador, Francesco Matarazzo, considerado o mais
bem sucedido dos empresários do Brasil, insistia em 1928, na defesa da classe quanto aos
direitos aduaneiros, “Se sou industrial, como indicou a generosidade dos meus amigos
fazendo-me presidente do Centro [dos industriais], sou também negociante, importador em
larga escala e fazendeiro neste Estado. Sinto-me, portanto, perfeitamente à vontade no que
concerne a esta questão.” (FOLHA DA MANHÃ, 1928, p.16 apud DEAN, 1971, p.39).
De acordo com Couto (2004, p.142-144), em 28 de fevereiro de 1928 é publicado o
manifesto de fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – CIESP. O
manifesto é assinado pelas IRFM, Votorantim e Klabin, nas pessoas de Francesco Matarazzo,
José Ermírio de Moraes, Roberto Simonsen, Jorge Street e Horacio Lafer. Tem como primeiro
presidente, Francesco Matarazzo, que dirigiu a entidade de 1928 a 1931. A comissão era
representada por Roberto Cochrane Simonsen, como vice-presidente e os diretores eram:
Antônio Devisate, fabricante de calçados; José Ermírio de Moraes, líder do grupo Votorantim;
Carlos von Bülow, da Companhia Antarctica Paulista; Alfried Weiszflog, da Companhia
Melhoramentos (papel e livros); Horacio Lafer, da Klabin, de papéis; Jorge Street, médico,
industrial têxtil; Plácido Meirelles, industrial têxtil. O conselho consultivo era representado
por F. P. Ramos de Azevedo e Francisco Matarazzo Júnior, então com 28 anos.
52
Em março de 1931, Francesco Matarazzo saiu do CIESP para assumir a presidência da
Federação das Indústrias de São Paulo – a FIESP, associação sindical patronal de grau
superior, que se institucionalizará, oficialmente, apenas em julho de 1939. Couto descreve os
frutos das entidades:
Um fenômeno: o CIESP, pai e mãe da FIESP, depois virou seu irmão mais
velho. Responsável em São Paulo pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) e
pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a FIESP é hoje
esteio e coração de um sistema integrado pelo Instituto Roberto Simonsen e
pelo próprio CIESP, que atua especialmente em assessoramento técnico
administrativo de empresas. (COUTO, 2004b, p.145).
Neste ínterim, ocorre a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, seguida da Grande
Depressão. Enquanto os senhores de café vêem ruírem seus lucros, pois as exportações caem
40% ao ano, Matarazzo aproveitou para consolidar seu domínio, comprando seus
concorrentes, afinal sua produção tinha matéria-prima nacional e como o próprio neto
Eduardo Matarazzo
5
relatou em entrevista:
_ Ele previu, por exemplo, o colapso de 1929. Preparou-se para a crise.
Antes, a mania geral era investir, investir e investir. Ele também investiu,
mas manteve as empresas líquidas para enfrentar a crise.
_ O conde esperava por ela?
_ Vovô não se surpreendeu com a crise do café. Era um crítico da
monocultura cafeeira. Ele sentiu que a crise vinha e procurou fazer liquidez,
fortalecer o caixa. Depois adquiriu empresas e produtos. Os preços estavam
no chão. E deu crédito aos clientes dele, o que outros não faziam. (COUTO,
2004b, p.157-158).
Em 1935, Francesco Matarazzo começou a apresentar alguns problemas de saúde,
sentindo o reumatismo, a catarata e o inchaço da próstata. O médico pediu-lhe que diminuísse
o consumo de vinho diário, pois consumia pouco mais de 1 litro/dia. Brincalhão, comprou um
copo de 1 litro e passou a tomar apenas um copo/dia, como indicação médica.
Aos 10 de fevereiro de 1937 era anunciada a morte do Conde Francesco Matarazzo
6
. O
funeral parou a Avenida Paulista, pois o Conde era respeitado e bem quisto por muitos, entre
eles, familiares, funcionários, empresários e amigos. O funeral contou com mais de cem mil
habitantes. Como Menotti del Picchia relata:
5
Entrevista realizada pelo historiador Ronaldo Costa Couto, na cidade de Bebedouro –SP, dia 15 de agosto de
2001. (COUTO, 2004b, p.157-158).
6
O título de Conde foi concedido pelo rei italiano Vittorio Emanuele III, através de decreto em 25.06.1917.
Outro decreto de 02.12.1926, do governo italiano, torna extensivo o título de conde a cada um dos seus filhos
varões. O título foi concedido como honras por “lutar” na Primeira Guerra.
53
Geralmente a morte de um rico não abala ninguém. Nem seus parentes mais
próximos, pois estes se regozijam com a herança. A morte de Matarazzo
abalou a todos: até seus herdeiros. É que seu espólio não são os immensos
bens que deixou. Sua herança é muito difficil de ser recebida, porque
significa a clarividência genial de um organizador e uma capacidade de
trabalho de tal vulto que fica sem parelha mesmo numa terra de titânicos
trabalhadores como são os filhos de Piratininga. (MENOTTI DEL
PICCHIA, 1937, p.480-3 apud COUTO, 2004b, p.359).
A partir de 1937, Conde Chiquinho passou a ser o presidente das IRFM e continuou
ampliando o ramo de negócios da família.
2.1.1 Francisco Matarazzo Júnior - Conde Chiquinho
Ao seu lado está Mariângela, prima, esposa e companheira fiel, que desde o casamento
em 1924, com a benção de Conde Francesco Matarazzo e Conde Andrea, tornava-se um
alicerce para Chiquinho, dando-lhe forças no desenvolvimento e ampliação dos negócios.
Breve resgate da história desta união torna-se pertinente.
A família Matarazzo, no início do século XX, já se encontrava bem estabelecida na
cidade de São Paulo, instalados numa boa casa na Avenida Paulista. Nesta fase, já contavam
com uma vida confortável e Conde Francesco Matarazzo tinha perto de si esposa, filhos, mãe,
irmãos e sobrinhos. Em uma das férias coletivas da família, na cidade de Lindóia, em 1919,
dois primos despertam interesse entre si. Esses primos são Conde Chiquinho, filho do Conde
Francesco Matarazzo e Filomena Matarazzo, então com 19 anos que se encanta pela prima e
vizinha Mariangela Francisca Annunciata Apparecida Matarazzo (04.06.1905, São Paulo), de
14 anos. Ela é filha do senador Andrea Matarazzo (irmão do Conde Francesco Matarazzo) e
de Virginia Ceraldi, irmã do mecenas Ciccilo Matarazzo.
Contrariando as convenções da época, os primos se aproximaram, mas o pai de
Mariângela a mandou estudar no Collegio del Poggio Imperiale em Florença, onde cursou até
o terceiro ano do segundo grau. Os pais após muita insistência resolveram ceder, afinal, a
afinidade entre Conde Francesco Matarazzo e o irmão Andrea era muito grande e por fim,
ficaram felizes pela união. “[...] O noivado é logo formalizado e o casamento marcado para 24
de fevereiro de 1924. Local: Basílica Abacial de São Bento, sagrada havia menos de dois
54
anos.” (COUTO, 2004b, p.70). A irmã de Mariângela, Claudia se casou no mesmo dia com o
príncipe e piloto da reserva Aeronáutica italiana D. Francesco Matarazzo Ruspoli.
O casamento entre os Matarazzo, e da Matarazzo com o príncipe italiano, foi o evento
mais importante da Vila Matarazzo, na manhã de 24 de fevereiro de 1924. Uma multidão de
pessoas vem admirar o evento; a guarda civil fez a segurança e a Seção Cinematográfica das
IRFM (criada em 1922 e relatada no primeiro capítulo) registrou o acontecimento, ainda em
forma de cinema mudo. Começaram a chegar os convidados:
Líderes empresariais, expoentes da colônia italiana, membros das famílias
dos noivos. Estrelas políticas da República Velha, como o futuro presidente
da República Washington Luís Pereira de Sousa e Carlos de Campos,
presidente de São Paulo. Os noivos não demoram a desfilar. Chiquinho,
com a mãe, condessa Filomena; o príncipe Ruspoli, também com a mãe,
Marianita, filha dos duques de Lantre-Montefeltro della Rovera; Claudia
Matarazzo, com o pai Conde Francesco Matarazzo; e Mariangela
Matarazzo, dentro do lindo vestido especial da Casa Worth, também com o
pai, o cavaliere del lavoro Andrea Matarazzo. Levam as alianças as
meninas Nelly Comenale e Olga e o menino de sete anos Francisco
Matarazzo Pignatari, o Baby, apelido dado por uma governanta inglesa.
(COUTO, 2004b, p.73).
Dessa união nasceram Filomena Matarazzo – Filly (24.09.1909, São Paulo), Ermelino
Matarazzo (13.08.1926, São Paulo), Francisco Antônio Sebastiano Matarazzo (21.12.1929,
Resina, Itália), Eduardo André Maria Matarazzo (07.07.1932, São Paulo – 03.03.2002
Bebedouro-SP) (grifo nosso) e Maria Pia Esmeralda Matarazzo (15.11.1942, São Paulo).
A administração das IRFM ficou sob a responsabilidade do Conde Chiquinho, após a
morte do velho Conde Francesco Matarazzo, em 1937. Penúltimo filho de Francesco
Matarazzo e Filomena, Conde Chiquinho tem uma administração marcada por expansão e
diversificação das indústrias. A expansão se desenvolveu para o interior paulista, com forte
investimento no beneficiamento de algodão, fiação e tecelagem. De acordo com Vichnewski
(2004, p.64;80), ocorreram a instalação de beneficiadores de algodão nas cidades de Avaré,
Araçatuba, Bauru, Bernardino de Campos, Catanduva, Itapetininga, Marília, Presidente
Prudente, Presidente Venceslau, Rancharia, Ribeirão Preto, São João da Boa Vista, São José
do Rio Preto, Votuporanga; fiações e tecelagens em Bauru, Campinas, Ribeirão Preto, Rio
Claro e São José dos Campos; fábricas de óleo de caroço de algodão em Araçatuba,
Campinas, Marília e Rancharia. A fase de plena expansão se deu entre 1936 e 1964.
55
As fábricas de óleo de algodão instaladas nas cidades citadas, deram-se devido a
abundante reserva de algodão das tecelagens das IRFM. A fábrica de Campinas, construída
em 1943 num terreno de:
[...] 50.200,00 m², na avenida Engenheiro Augusto Figueiredo, 585, no
bairro Jardim Progresso (antiga rua da Abolição, que ligava Campinas a
Valinhos). Trabalhavam nessa indústria cerca de 192 operários e sua
diretoria era formada pelo presidente, Francisco Matarazzo Júnior, vice-
presidente Ermelino Matarazzo e Eduardo A. Matarazzo (grifo nosso). A
fábrica inicialmente produzia, óleo bruto de algodão, óleo bruto de soja,
farelo de algodão, farelo de soja e linters de algodão (que são as pequenas
fibras do algodão, grudadas em cima do caroço, são ricas em celulose,
utilizadas como subproduto para fabricar filtro de cigarro, embalagem de
papelão e outros). Em 1959, ela passou a extrair óleo de café e, em 1961, já
extraía cafeína (CAMPINAS, 1974/1975: grupo 26, e LIMA, 1982:112
apud VICHNEWSKI, 2004, p.241).
Outro destaque dado à administração do Conde Chiquinho foi sua preocupação com a
proteção, segurança e infra-estrutura dada a seus funcionários. Esse diferencial tornou-se
vantagem competitiva, já com Conde Francesco Matarazzo, em 1920. Como exemplo,
citamos a descrição de Vichnewski (2004) sobre a Fiação e Tecelagem Matarazzo em
Ribeirão Preto-SP, instalada em 1946:
O refeitório da tecelagem Matarazzo foi dividido para homens e mulheres,
com 400 vestiários para a turma da fiação e mais 400 para a turma da
tecelagem. No edifício do escritório iria ser instalado no primeiro andar,
sala de médico, consultório, enfermaria, farmácia, sala de amamentação,
berçário, depósito de leite e sanitários. (VICHNEWSKI, 2004, p.197).
Além desta infra-estrutura, ainda chegou a construir casas para os operários, clube
esportivo com quadras de futebol, pistas de bocha, área de lazer, escolas e até cinema.
As IRFM contemplavam em 1952 “[...] 30.000 operários, 5.000 trabalhadores
agrícolas e 1.000 técnicos especializados. Suas fábricas cobriam 2.000.000 m² de superfície e
seus veículos, rodoviários e ferroviários, transportavam por ano 600.000 toneladas de
variados produtos.” (LIMA, 1982, p.134). Temos, como exemplo, em 1976, a Fiação e
Tecelagem Matarazzo, que sozinha tinha “4.200 funcionários” e produzia “3.200.000 metros
lineares mensais” de tecido, de acordo com dados fornecidos por Vichnewski (2004, p.201).
No ano 1954, foi comemorado o IV Centenário de São Paulo e o 1º centenário de
nascimento do Conde Francesco Matarazzo. Para homenageá-lo Conde Chiquinho fez o
lançamento da pedra fundamental do Instituto Conde Francesco Matarazzo, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. A preocupação do Conde já era antiga, pois sentia a
56
necessidade de formar pessoal técnico especializado para atuar em suas empresas.
Primeiramente, entrou em contato com a Fundação Getúlio Vargas que nesta época ainda não
havia criado a Faculdade de Administração, mas foi com a PUC que teve sucesso.
O Instituto Conde Francesco Matarazzo foi idealizado nos planos da
Università Commerciale Luigi Boccone, de Milão. Para abrigá-lo foi
projetado um edifício suntuoso, construído no bairro do Morumbi, que
despontava como a área mais nobre da Cidade de São Paulo. Quando do
lançamento da pedra fundamental, já estava pronto também o projeto
educacional do Instituto, com os currículos organizados e previsões a
respeito do corpo docente. (LIMA, 1982, p.138).
Apesar de todos os investimentos em infra-estrutura por parte dos Matarazzo, a PUC
apresentou dificuldades para manter a administração da escola. Conde Chiquinho desanimado
na busca por recursos para manter a Fundação Conde Francesco Matarazzo e vende o prédio
para o Estado, que passa a ser a sede do governo.
Apesar de sua vida profissional ser extremamente corrida e preenchida por atividades,
encontrava tempo para se distrair. Mantinha em seus momentos de folga hobbies como:
[...] plantas, animais, carros. Quando viajava, ocupava-se da coleção de arte.
Ao longo dos anos foi reunindo, sobretudo na Villa da avenida, uma
coleção de arte de valor incalculável. Telas de Rubens, Boilly, Canalletto,
conjuntos de porcelana “Blanc de Chine”, da Companhia das Índias, além
de variadas peças de mobiliário artístico, são algumas das raridades que ali
podem ser vistas. Mas o valor pecuniário dessas obras, para ele, era
secundário. Diz a Condessa Mariângela: “- Tudo o que foi comprado, não
foi por ostentação, mas porque era uma ‘coisa que nos vai fazer companhia
todos os dias’. Cada quadro, cada objeto foi comprado por uma razão
especial. Ele gostava de desfrutar a companhia de coisas belas. Quando
comprava um quadro na Europa, já de longe pensava onde ia colocá-lo em
nossa casa. (LIMA, 1982, p.150).
Na década de 60, muitas empresas estrangeiras começaram a investir no Brasil e a
concorrência com os produtos das Indústrias, começam a se intensificar. A partir de 1966,
novas diretrizes foram estabelecidas por Conde Chiquinho, que começou a firmar parcerias
internacionais com alguns ramos de suas atividades e reorganizar outros tantos. Em 1969,
apresentou o primeiro balanço negativo das Indústrias.
Na intenção de re-equilibrar as empresas, investiu em parcerias. De acordo com Lima
(1982, p.152), as parcerias começaram em 1970, quando o Conde Chiquinho fundou em
parceria com a empresa alemã Theodor Wille, a COCAM – fabricante de café solúvel, em
Catanduva (SP). Em 1972, em João Pessoa (PB), a Polynor passa a Matoray (parceria da
Matarazzo com Toray do Japão) – fabricante de fios sintéticos. Em Santa Rosa do Viterbo
57
(SP), na Fazenda Santa Amália, em 1976, firma parceria com a norte-americana Milles Inc.
criando a FERMENTA – fabricando ácido cítrico.
Alguns imóveis foram vendidos, mas o resultado esperado não foi alcançado. Optou
então, por investir em um novo ramo de atividade – o de supermercados. Criou em 1971, a
rede SUPERBOM de Supermercados, que não obteve o sucesso esperado.
As marcas deixadas por Conde Francesco Matarazzo eram constantemente
identificadas na administração de Conde Chiquinho: buscava por inovações, expansões e
diversificações, a centralização das decisões, a rigidez da hierarquia interna e a dedicação ao
trabalho. “Sua rotina de trabalho pouco mudou desde que assumiu a presidência em 1937. Era
religião chegar pelo menos quinze minutos antes do primeiro empregado e sair no mínimo
quinze minutos depois do último”. (LIMA, 1982, p.148).
Três dos cinco filhos de Conde Chiquinho atuavam a frente das IRFM. Ermelino e
Eduardo André atuaram juntos com o pai até 1977 e Maria Pia assumiu a presidência em
1977, com a morte de Conde Chiquinho. Eduardo deu continuidade à vida empresarial
atuando no ramo da citricultura e Maria Pia assumiu a administração das IRFM, em 1977, até
o fechamento das empresas, em 1983.
2.1.2 Eduardo André Maria Matarazzo
Eduardo André Maria Matarazzo
7
nasceu em São Paulo, aos 07.07.1932, quarto filho
da união de Conde Francisco Matarazzo Júnior e Mariangela Francisca Annunciata
Apparecida Matarazzo. Realizou seus estudos nos Estados Unidos, fez estágio na Europa e
concluiu o Curso Ginasial no Colégio Estadual Regente Feijó em Ponta Grossa / PR. Aos
dezoito anos, se casou com Maria Alice de Castro Magalhães, no dia 12.07.1950. Desta união,
nasceu em 04.02.1954 Francisco Eduardo Matarazzo, engenheiro, especializado em
engenharia de segurança. A união não perdurou. Em 17.05.1967 se casou com Eneida
Baptistete Matarazzo, médica psiquiátrica e professora da Universidade de São Paulo, em São
Paulo. Desta união, nasceram Patrícia Marta Matarazzo, em 29.07.1969, psicóloga e Fernando
Jerônimo Baptistete Matarazzo, nascido em 20.07.1971.
Profissionalmente, Eduardo Matarazzo atuou juntamente com o pai, Conde Chiquinho,
nas IRFM, na função de Vice-Presidente Executivo, onde era responsável pela compra,
instalação e manutenção das fábricas, de 1951 a 1977. Sua responsabilidade: adquirir, instalar
7
Desta parte do texto em diante usaremos apenas Eduardo Matarazzo para designar Eduardo André Maria
Matarazzo.
58
e manter as fábricas do complexo. No desempenho da função, viajava constantemente ao
exterior, atualizando-se quanto à tecnologia existente, para aplicar nas Indústrias.
Depois de 1977, atuou como Presidente do Conselho Consultivo da Frutesp S.A. – na
cidade de Bebedouro-SP; Membro do Conselho de Administração da TransBrasil S.A. –
linhas aéreas; Membro do Conselho de Administração do Banco de Crédito Comercial;
Membro do Conselho de Administração da Embraplan - Empresa Brasileira de Planejamento
Ltda.; Membro do Conselho do Museu de Tecnologia de São Paulo; Diretor Superintendente
do Departamento de Citrus e Membro do Conselho da Coopercitrus – Bebedouro-SP;
Presidente da Fundação de Pesquisas Agro-Industrial de Bebedouro; Diretor Secretário da
Associtrus - Associação Paulista de Citricultores; Diretor do Sindicato Rural de Bebedouro;
Membro da Comissão Técnica de Citricultura da FAESP –Federação da Agricultura do
Estado de São Paulo; Presidente do Museu de Armas e Veículos Antigos E. A. Matarazzo
8
.
Eduardo Matarazzo veio a falecer aos 69 anos idade, em 03.03.2002. Até o fim,
manteve-se atuante na área empresarial: administrador, citricultor, agropecuarista, presidente
do Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André Matarazzo” e restaurador
9
.
Foto 1 - Eduardo André Matarazzo
Fonte: Patrícia Marta Matarazzo
8
Segundo nome dado à coleção de Eduardo Matarazzo, de acordo com Estatuto em anexo A.
9
O terceiro capítulo será dedicado ao perfil de Eduardo A. Matarazzo como colecionador e restaurador.
59
2.1.3 Maria Pia Matarazzo
Maria Pia Esmeralda Matarazzo [15.11.1942, São Paulo, SP], filha caçula de Conde
Chiquinho foi indicada desde pequena pelo pai como sua sucessora. Audaciosa, enfrentando
pressões religiosas e familiares, se casou por quatro vezes e como fruto de suas uniões teve
cinco filhos. Nos negócios, a característica principal de Maria Pia é a coragem, pois enfrenta
grandes homens, sem deixar de exercitar sua feminilidade.
A escolha por Maria Pia não desmereceu os outros filhos, pelo menos na visão de
Conde Chiquinho, que teve todos os filhos ao seu lado, em fases diferentes, mas atuantes nas
IRFM. Em testamento, 1954, designou Maria Pia como sucessora oficial. Na cláusula VII do
testamento descreve:
Minha intenção, que também foi a de meu pai, de concentrar nas mãos de
um só de meus descendentes o controle das empresas do Grupo
Matarazzo... deverá ser compreendida pelos outros não como uma forma de
presentear a quem receberá maior quantidade de ações e cotas, mas como
um pesado encargo que lhe passo, pela enorme responsabilidade que arcará
frente às gerações passadas, presentes e futuras da família e também perante
a Nação, de dar continuidade a esta imensa obra de nossa família. (LIMA,
1982, p.160).
Nos anos 50, o Conde Chiquinho sofreu um infarto que debilitou sua saúde. Afastou-
se da direção das Indústrias e designou os filhos Ermelino e Eduardo para administração. Em
1969, as Indústrias tiveram seu primeiro balanço negativo, como já relatado. Em 1972, com o
aval do pai, os filhos vendem o edifício do Anhangabaú (hoje sede do governo paulista) para
fazerem caixa e voltam para o prédio da Rua Joly. Conde Chiquinho permaneceu com uma
sala no quinto andar do prédio, vigorando cláusula estabelecida em contrato. Em 1974, o
Conde retoma a direção das empresas e em 1975, começou a treinar sua sucessora para as
futuras funções.
No início de 1977, faleceu Conde Chiquinho, passando a assumir a direção das
Indústrias, Maria Pia. Quando assumiu, as IRFM carregavam uma dívida de
aproximadamente 300 milhões de dólares, problemas internos e crise estrutural. Porém,
manteve pulso firme e enfrentou as dificuldades, chegando a receber elogios e por ser uma
das mulheres de “[...] mais pesada responsabilidade empresarial do mundo. Atuante e
60
determinada causava espanto e admiração em poderosos de Brasília e colegas do setor
privado.” (COUTO, 2004a, p.27).
Em 1983, já com a dívida inflada por três grandes valorizações cambiais, algumas das
indústrias começavam a entrar em concordata e a avalanche não parava mais. A história das
IRFM começou a se encerrar, com venda de bens, disputas familiares, ações trabalhistas e
arrendamento de fábricas.
Cem anos de existência dos Matarazzo revelaram grandes empresários, negociantes,
produtores, políticos, esportistas, mecenas e apreciadores de arte. Além de Conde Francesco
Matarazzo, Conde Chiquinho, Eduardo Matarazzo, Maria Pia, que formam o eixo familiar de
maior interesse para esta pesquisa, destacam-se outros membros que contribuíram para a
divulgação do nome Matarazzo, para a expansão e popularização da arte na cidade de São
Paulo.
Resgata-se Baby Matarazzo Pignatari e Ciccilo Matarazzo. Um atuava na área
empresarial da laminação e usufruía da vida de playboy; o outro, se destacou na vida
empresarial na área da metalurgia e investiu seus lucros na cultura, tornando-se mecenas e
incentivador da cultura na cidade de São Paulo.
2.1.4 Francisco Baby Matarazzo Pignatari
Francisco Baby Matarazzo Pignatari (11.02.1917), filho de Lydia Matarazzo e do
médico italiano Giulio Pignatari. Neto do Conde Francesco Matarazzo e sobrinho de Conde
Chiquinho, desenvolveu vasto complexo industrial na área de laminação industrial e viveu
intensamente o mundo. Em 11 de fevereiro de 1937, dia de seu aniversário, Baby perdeu o
avô e um mês depois o pai.
Conhecido como último grande playboy internacional, admirava mulheres, festas,
gastos supérfluos (chegava a gastar 10 mil dólares em uma única noite), brincadeiras e
encrencas não só em São Paulo e no Rio, mas também no exterior. Rico, bonito e simpático
era namorador. Foi namorado “[...] de estrelas de cinema de Hollywood e européias, marido
de grande herdeira italiana, de princesa de verdade, de linda quatrocentona paulista e mais.”
(COUTO, 2004a, p.26). Entre suas paixões estão: Ilha de Ischia (com quem teve seu único
filho Giulio Cesare); Nelita Alves de Lima (casado até 1957); Linda Christian (ex-Tyrone
Power); Ira de Furstenberg (filha do Príncipe Tassilo Von Furstenberg e Clara Agnelli) e
finalmente casou-se com Regina Fernandes (30 anos mais jovem).
61
Em 1939, Baby Pignatari começou a fabricar o famoso avião monomotor brasileiro
“Paulistinha”. Em 1942, a convite de Getúlio Vargas, investiu na exploração de minas de
cobre na cidade de Caçapava do Sul e tornou-se o rei do cobre.
A vida de Baby foi marcada por muitos tumultos, morrendo com pouco mais de
sessenta anos. Seu único filho Giulio, viciado em drogas, foi interditado pelos advogados que
cuidavam de seu patrimônio; a herança desapareceu. Giulio morreu de forma súbita.
2.1.5 Francisco Matarazzo Sobrinho - Ciccilo
Destacou-se na área cultural paulista, o industrial e mecenas, Francisco Antônio Paulo
Matarazzo Sobrinho, o Ciccilo. Nascido em 20 de fevereiro de 1898, em São Paulo, à rua
Major Quedinho, filho de Ângelo Andrea Matarazzo (senador da Itália, irmão e braço direito
do Conde Francesco Matarazzo) e de Maria Virgínia Ceraldi, era o mais velho de sete irmãos.
O ensino primário realizou no Instituto de Educação Caetano de Campos em São Paulo e “[...]
em 1908 foi enviado a Nápoles, acompanhado de um preceptor, a fim de completar o ensino
médio. Depois, seguiu para Liège, na Bélgica, onde cursou engenharia na universidade local.
Viveu na Europa, entre 10 e 20 anos, recebendo formação humanística da belle époque.”
(OLIVEIRA, 2001). Na área industrial, Ciccilo se destacou por ser fundador e presidente da
Metalúrgica Matarazzo S/A. Esteve também a frente da Metalúrgica do Norte S/A (Recife);
Metalúrgica Brasileira S/A (RJ); Transportes Metalma S/A; Mecânica Nacional S/A;
Metalgráfica do Sul S/A (Porto Alegre); Liquigás do Brasil S/A; Liquifarm do Brasil S/A
Agro-Pecuária e Liquifarm Agropecuária do Sul-Missú S/A. Desde moço apresentava
interesse pela área cultural e quando se tornou empresário incentivava a construção das
chaminés nas IRFM, como marco referencial, funda o Teatro Brasileiro de Comédia (1948) –
TBC, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (1948) – MAM-SP, a Companhia
Cinematográfica Vera Cruz (1949), a Bienal de Artes Plásticas de São Paulo (1951) e
contribuiu para a fundação do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (1963) – MAC-
USP, doando parte de seu acervo pessoal de arte moderna. Os laços com a cultura se
fortaleceram quando foi estudar engenharia em Liége, Bélgica e Nápoles, Itália e quando se
casa com Yolanda de Ataliba Nogueira Penteado (Campinas, 06.01.1903 – Standford,
14.08.1983). Após o desfecho do casamento com Yolanda, Ciccilo se uniu a Malvina M. de
Zaias.
62
Quando retornou a São Paulo, encontrou uma população que desde 1920 clamava por
arte, requeria infra-estrutura para receber um número maior de obras, tendências, artistas e
acervos. “O clamor por um museu de artes adquire uma intensidade que se assemelha à das
campanhas por um estádio monumental poliesportivo.” (SEVCENKO, 2000, p.97). O gosto
pelas artes ansiava os jovens, havia uma busca por mudanças, já que as exposições além de
esporádicas eram totalmente isoladas como o relato abaixo:
Não há muitos anos, as exposições só de longe em longe se realizavam e,
muito a medo, cercadas de mil cautelas. [...] De mais de uma guardamos a
dolorosa visão: uma sala vazia e silenciosa, com muitos quadros pelas
paredes, e, a um canto, martirizado por invisíveis algozes, pálido, nervoso,
olhando para o alto como São Sebastião convertido em paliteiro de flechas,
o artista... Hoje, tudo mudado. As exposições sucedem-se, quase sem
interrupção em largos períodos do ano, e todos tem público, e todas têm um
público fino, inteligente, distinto, composto de amadores que voltam muitas
vezes, e namoram as boas coisas, e discutem e denotam preferências
repulsas, e – o que é mais sério – compram.” (O ESTADO DE SÃO
PAULO, 1920, p.3 apud SEVCENKO, 2000, p.96).
Em 1922, o Brasil viveu a Semana de Arte Moderna – marco cultural e altamente
representativo para a área artística. Nesta mesma época, nasceram instituições culturais
pensadas pelos intelectuais e pelos empresários, afinal, a iniciativa privada teve papel
marcante na cultura paulista, pois o governo investia apenas na capital nacional – Rio de
Janeiro.
O período pós-guerra foi marcado por algumas características, tais como:
desenvolvimento da economia, industrialização, institucionalização da cultura e pelo
mecenato. Nesta fase, o mecenato burguês adquiriu grande força. Composto pelos industriais
buscava-se, de acordo com Arruda (2001, p.117), “culturalizar” o país. Neste momento, havia
a introdução da especialização e profissionalismo na cultura. Temos, como exemplo, o Teatro
Brasileiro de Comédia, criado no ano de 1948, pelo engenheiro Franco Zampari e pelo
também engenheiro e industrial Ciccilo Matarazzo. Para arrecadar fundos para criação da sala
de espetáculo criaram, a Sociedade Brasileira de Comédia, que contava com o apoio de
industriais e banqueiros, nasciam os negócios culturais. O teatro paulista passou da fase de
amadorismo para profissional, contando com profissionais altamente qualificados, diretores a
cenógrafos.
Ligada ao Teatro Brasileiro de Comédia, surgiu neste mesmo ritmo de
profissionalismo, em 4 de Novembro de 1949, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz.
Idealizada e instituída por interesses comuns de intelectuais e da elite burguesa de São Paulo a
63
Vera Cruz se destacou por empenhar “[...] bons técnicos, bons artistas, maquinaria adequada,
grandes estúdios e dinheiro [...]” (ARRUDA, 2001, p.124). O diretor Alberto Cavalcanti, que
trabalhava na França e produzia documentários britânicos, além do montador Mauro Alice,
que trabalhou na produção de O caiçara. Alice falava sobre a qualidade da técnica empregada
"Já se trabalhava com 13 cabeças de som, o que só recentemente foi usado em algumas
produções. Alice montou vários filmes, desde os de Mazzaropi aos do diretor Hector
Babenco, inclusive o mais recente Carandiru” (JORGE, 2004). A Vera Cruz tomou
proporções maiores a ponto de organizar o I Festival Internacional de Cinema no Brasil em
1954, ano em que suas atividades se encerram.
A Companhia Vera Cruz seguia os padrões hollywoodianos e procurava fazer em São
Paulo o mesmo que acontecia com a Atlântida no Rio de Janeiro. Ciccilo cedeu:
[...] parte do terreno de sua granja, em São Bernardo do Campo (SP),
para erguer os estúdios da Cia. Cinematográfica [...]. Um grande
estúdio foi montado, com dimensões que impressionam até os dias de
hoje. Numa área de 100 mil metros quadrados e um investimento de
7,5 milhões de cruzeiros – uma fortuna para a época – os estúdios
receberam equipamentos importados, os melhores disponíveis no
exterior. (JORGE, 2004).
A Vera Cruz deixou como “patrimônio” cultural a produção de 22 filmes de longa-
metragem. São eles:
Ano Título do filme Classificação Direção
1950
Painel
Documentário Lima Barreto
1950
Santuário
Documentário Lima Barreto
1950
Caiçara
Drama Adolfo Celi
1951
Ângela
Drama Abílio Pereira de Almeida e
Tom Payne
1951
Terra é sempre terra
Drama Tom Payne
1952
Apassionata
Drama Fernando de Barros
1952
Veneno
Drama Gianni Pons
1952
Tico-Tico no Fubá
Drama biográfico Adolfo Celi
1952
Sai da frente
Comédia Abílio Pereira de Almeida
1952
Nadando em dinheiro
Comédia Abílio Pereira de Almeida e
Carlos Thiré
64
1953
Sinhá Moça
Drama Tom Payne
1953
A família Lero-lero
Comédia Alberto Pieralise e Gustavo
Nonnemberg
1953
O cangaceiro
Drama Lima Barreto
1953
Uma pulga na balança
Drama Luciano Salce
1953
Esquina da ilusão
Comédia Ruggero Jacobbi
1953
Luz apagada
Drama Carlos Thiré
1954
É proibido beijar
Comédia Ugo Lombardi
1954
Na senda do crime
Drama Flamínio Cerri
1954
Candinho
Comédia Abílio Pereira de Almeida
1954
Floradas na Serra
Drama Luciano Salce
1954
São Paulo em festa
Documentário Lima Barreto
Quadro 2 – Filmes da Companhia Cinematográfica Vera Cruz.
Fonte: Wikipédia.
Em 1954, deu-se o fim da Companhia, devido à falta de um sistema próprio de
distribuição (a Colúmbia e a Universal, na época distribuidoras, ficavam com 60% da
arrecadação), dificuldade de inserção no mercado internacional (apesar de muitos filmes
receberem prêmios internacionais), falta de reconhecimento e valorização financeira da
produção. Como exemplo, o filme O Cangaceiro:
[...] recebeu o prêmio de melhor filme de aventura no Festival de Cannes e
faturou, só no mercado brasileiro, US$ 1.5 milhão. Rendeu à Vera Cruz,
porém, apenas US$ 500 mil desse total, pouco mais da metade do custo do
filme que foi de US$ 750 mil; já no exterior, na década de 1950, foi
considerado uma das maiores bilheterias da Columbia Pictures. Mesmo
assim, nenhum dólar a mais veio para a Vera Cruz, pois toda
comercialização internacional pertencia à distribuidora norte-americana.
(JORGE, 2004).
O que parecia ser o maior sucesso da Vera Cruz, se tornou um de seus maiores
prejuízos; em 1954, a Companhia “quebra” e fecha suas portas para o mercado
cinematográfico. Por volta de 1922, Conde Francesco Matarazzo, tio de Ciccilo, já atuava na
criação da Seção Cinematográfica - MATZFILM, uma distribuidora de filmes com
abrangência nacional. Trazia filmes das fábricas norte-americanas como:
[...] First National Pictures e Warner-Bros, sendo os seus films considerados
pelos críticos Os Clássicos da Tela. Além destes, destacam-se as
65
producções da Selznick-Pathé N. Y. Equity, Pyrami, Halimarck-Pioneer
(americanas) e União Cinematographica Italiana. As marcas de maior
reputação e os astros mais notáveis da scena muda. Quem não ouviu falar
de “O Barqueiro do Volga”, “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, “Dom
Juan”, “Rio Rita”?. Há também menção a “films em séries”, como “O rei da
velocidade”, em quinze episódios, por Charles Hutchiso. E “Os pátrias do
amor”, em doze episódios, por Eugenie Ernkison.” (COUTO, 2004b, p.67-
68).
Na década de 40, surgiram em São Paulo, dois importantes museus, fruto de disputa
entre os mecenas Chateaubriand e Ciccilo Matarazzo.
O primeiro Museu nasceu com o jornalista, empresário, mecenas e político Francisco
de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (04.10.1892, Ambuzeiro-PB - 04.04.1968, São
Paulo-SP). Chateaubriand era proprietário do conglomerado Diários Associados, formado por
34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de TV - dentre elas a Tupi (1950), 1 agência de
notícias, a revista semanal – O Cruzeiro, a revista mensal - A Cigarra, revistas infantis e uma
editora. Em 1946, Chateaubriand idealizou a criação do Museu de Arte de São Paulo (MASP),
com o intuito de reunir clássicos da pintura mundial na cidade de São Paulo. Convidou Pietro
Maria Bardi, professor, jornalista, galerista, crítico de arte, historiador e marchand italiano,
para dirigir o Museu e a arquiteta italiana Lina Bo Bardi (esposa de Pietro) para elaborar o
projeto arquitetônico do prédio. Chateaubriand fez um pedido à Lina, que o MASP
tivesse“[...] relação saudável entre vida moderna, arte e povo” (OLIVEIRA, 2002). Outra
recomendação seria que o prédio deveria dar visão ao centro da cidade e a Serra da
Cantareira, através do vale da avenida 9 de Julho. O prédio criado por Bo Bardi era
considerado marco na construção civil mundial, por ser sustentado por quatro pilares laterais e
um vão livre, de 74 metros, afirmando a técnica do concreto protendido.
O MASP foi inaugurado em 02 de outubro de 1947, na rua Sete de Abril, sede do
Diários Associados. Apenas em 1968, recebera da Prefeitura de São Paulo a nova sede na
avenida Paulista e contara com a Rainha Elizabeth II para sua inauguração.
O segundo, nasceu através de contatos entre empresários, intelectuais e artistas que
idealizavam um museu de arte moderna. Os primeiros contatos de formação do Museu de
Arte Moderna (MAM) aconteceram também em 1946, quando Sérgio Milliet enviou carta ao
magnata Rockefeller, então presidente do Museu de Arte Moderna de Nova York. Rockefeller
se interessou em estimular a abertura do Museu no Brasil e enviou sete obras de Alexander
Calder, André Masson, Byron Browne, Fernand Léger, George Grosz, Marc Chagall e Morris
66
Grave, que ficaram sob a guarda do Instituto de Arquitetos do Brasil, seção de São Paulo, até
que fossem definitivamente entregues ao MAM em 1949.
Em 1948, Ciccilo criou a Fundação de Arte Moderna e encomendou a Rockefeller
uma exposição de arte abstrata, que marcaria profundamente as discussões de arte em São
Paulo. De acordo com Artigas,
Ciccilo Matarazzo financiou de seu próprio bolso a compra das obras para a
coleção do Museu e fomentou seu posterior crescimento com o “Prêmio
Aquisição” promovido pelas futuras bienais. Os estatutos do Museu
previam a criação de comissões de cinema, arquitetura, folclore, fotografia,
gráfica, música, pintura e escultura. Sua sede foi instalada numa sala do
edifício dos Diários Associados, na rua 7 de Abril, cedida por Assis
Chateaubriand. Em 8 de março de 1949, o Museu de Arte Moderna de São
Paulo foi inaugurado com célebre exposição Do Figurativismo ao
Abstracionismo [...]”. (ARTIGAS, 2001).
De acordo com informações do site do Museu de Arte Moderna, dentre as obras que
Ciccilo pode ter financiado, estão telas de Chagall, Dufy, Kandisky, Miro, Picasso, Anita
Malfatti, Di Cavalcanti, José Antônio da Silva, Mário Zanini e Volpi.
Diferentemente da estruturação do MAM, o MASP não contava em seu planejamento
e organização com a contribuição de critérios técnicos e críticos de intelectuais e artistas. Seu
acervo se desenvolveu pela oportunidade da hora, com contribuições de muitas pessoas e de
formas diversas. Muitas vezes, Chateaubriand utilizou seu prestígio para “sensibilizar” os
doadores. Uma das maiores críticas que ele recebeu foi em relação à autenticidade das obras,
já que não contava com um conselho de curadores como havia no MAM. As aquisições de
obras pelo MASP, deram-se numa velocidade incrível e em lotes, o que fez com que o acervo
se tornasse heterogêneo, com a representação de várias escolas de pintura.
A organização do acervo do MASP foi centrada nas figuras de Chateaubriand e Bardi,
porém este fato não tirou do MASP o título de um dos melhores acervos da América Latina.
Bardi desenvolveu atividades didáticas nas áreas de design, história da arte e
publicidade no Museu. Contribuiu muito para a bibliografia de arte no Brasil, pois publicou
“[...] sistematicamente obras sobre artistas brasileiros, estrangeiros e panoramas da nossa
arte”, institui mostras temáticas, exposições individuais, desfiles de moda, formação de
orquestra infantil e criação da “[...] Escola Brasileira de Propaganda (hoje Escola Superior de
Propaganda e Marketing), Escola de Desenho Industrial, etc. O primeiro desfile de moda em
um museu do país, foi o do famoso estilista Denner, no MASP.” (KLINTOWITZ, [200-]).
67
A união do projeto arquitetônico de Lina Bardi e a estratégia didática de Pietro Bardi
permitiram que houvesse no MASP, o encontro de obras de artistas renomados e iniciantes. O
MASP desenvolveu um museu “dinâmico”, como descreve Oliveira:
[...] museu dinâmico com um perfil de centro cultural. Suas diversas
atividades (Pintura, Escultura, Gravura, Arquitetura, Design, Mobiliário,
Moda, Música, Dança, Biblioteca, Escola, Teatro, Cinema, Workshops,
Lançamentos de livros, Conferências) e os espaços diferenciados para a
concretização de exposições temporárias permite que o visitante sempre se
surpreenda com um universo de imagens. (OLIVEIRA, 2002).
Nas décadas de 50 e 60, foram reunidas no MASP, grandes obras de arte, que
atualmente, compõem o acervo de 3500 obras como “[...] Rafael, Botticeli, Rembrant,
Velásquez, Goya, Renoir, Manet, Cézanne, Degas, Van Gogh, Delacroix, Portinari entre
outros.” (OLIVEIRA, 2002). Esse patrimônio é resultado de financiamentos dos idealizadores
junto aos empresários de São Paulo.
Atualmente, o MASP mantém “[...] Pinacoteca, Biblioteca, Fototeca, Filmoteca,
Videoteca, Cursos de Artes e serviço educativo de apoio às exposições, exibição de filmes e
concertos musicais de interesse artístico e cultural.” (MASP, 2006).
Como é o MAM era resultado de um projeto pensado por várias cabeças, começou a
frutificar. Como fruto do MAM, nasceu a Bienal Internacional de São Paulo, uma das
exposições mais importantes da América Latina. Em 1948, Ciccilo vai à Bienal de Veneza
representar o Brasil, trazendo de lá o regulamento do evento e juntamente com Lourival
Gomes Machado, diretor artístico do MAM, fez a adaptação do documento para a realidade
brasileira. Em 1951, Ciccilo instituiu uma de suas melhores realizações, tendo como objetivos
confrontar a arte brasileira com a arte internacional, colocando o público e os artistas em
contato com o que estava sendo produzido no restante do mundo, além de testar seu poder e
engrandecer sua vaidade. Os arquitetos, Luís Saia e Eduardo Kneese, foram os responsáveis
pela instalação e utilizaram parte do Trianon por onde distribuíram obras de pintura, escultura
e gravura. No dia 20 de outubro de 1951, deu-se a inauguração da I Bienal Internacional de
São Paulo, tendo como foco principal o “Abstracionismo”. Foram apresentadas “[...] 1800
obras vindas de 20 países, incluindo os artistas brasileiros”. (AMARANTE, 1989, p.17). A
montagem foi feita de forma insípida, não havia profissionalismo, tudo era improvisado. “O
68
júri, heterogêneo, era integrado por críticos, comissários e até mesmo cônsules, que opinavam
sobre arte.” (AMARANTE, 1989, p.45).
Os objetivos inicias de Ciccilo foram alcançados: a Bienal de São Paulo tornou-se um
dos eventos mais importantes na área cultural, o público apesar de resistir e criticar no início,
passou a freqüentar todas as outras edições que vieram a se realizar, desviou as atenções do
Rio de Janeiro (considerado o centro da cultura brasileira), além de “riscar” o ego de
Chateaubriand (seu rival).
Em 12 de dezembro de 1953, foi inaugurada a II Bienal, contando com um corpo de
críticos importantes como o “[...] inglês Read, o norte-americano James Johnson Sweeney, da
Fundação Guggenheim, o argentino Brest, o suíço Bill, além de dois brasileiros competentes:
Milliet e Pedrosa. Enfim, era um grupo envolvido com a área.” (AMARANTE, 1989, p.45).
Também ocupava um novo espaço físico, elaborado por Oscar Niemeyer e localizado no
Parque do Ibirapuera. O novo espaço contemplava dois pavilhões: o das Nações destinado aos
artistas estrangeiros e o dos Estados, destinado aos artistas brasileiros. Nota-se nesta fase
dificuldade quanto à organização museológica do acervo. “Além da necessidade de reserva
técnica e do acondicionamento das obras, havia o problema de se distinguir o que pertencia ao
MAM, o que era de fato doação de Ciccilo e Yolanda Penteado e o que não havia sido doado,
apenas depositado no Museu.” (KLINTOWITZ, [200-]).
Durante a mostra de 1953, apresenta-se a obra de Giacomo Balla (artista futurista
italiano) que representa a velocidade, automóveis e arte, tudo o que São Paulo vivia em sua
fase de metrópole, como o descrito por Sevcenko. O futurismo advém do cubismo e floresce
na Itália, contribuindo para o fortalecimento da arte moderna. Além de Balla, apresentam-se
na mostra Carlo Carrà, Ardengo Soffici, Umberto Boccioni e outros.
O conjunto de obras, que abrangia pintura e escultura, traduziu o “grito de
guerra” dos futuristas, que soou no pavilhão da Bienal. “Daremos esqueleto
e carne ao invisível, ao impalpável, ao imponderável, ao imperceptível.
Encontraremos equivalentes abstratos de todas as formas e de todos os
elementos do universo, depois os combinaremos e juntaremos segundo os
caprichos de nossa inspiração, para formar complexos plásticos que
colocaremos em movimento.” Assim, Balla começou a estudar a velocidade
dos automóveis, descobriu suas leis e as linhas de força essenciais. Depois
de 20 quadros, na mesma incessante procura, compreendeu que o plano
único da tela não permitiria mostrar em profundidade o volume dinâmico da
velocidade. Sentiu então a necessidade de construir, com fios de ferro,
papelão, tecidos e papel de seda, o primeiro complexo plástico dinâmico.
Num de seus comentários sobre a 2
a
. Bienal, o crítico Antônio Bento
ressaltou: “As novas pesquisas, ou tentativas de desenvolvimento rítmico
dos abstratos, lembram, ou mesmo se prendem às soluções futuristas, que
69
deram enorme importância ao movimento, celebrando a velocidade dos
aviões e dos automóveis de corrida.” (AMARANTE, 1989, p.38).
Em 1954 Ciccilo, então presidente da Comissão Organizadora dos Festejos do IV
Centenário da cidade de São Paulo, procurou conciliar o final da II Bienal com as festas de
comemoração dos 400 anos da cidade.
Em 1957, foi realizada a IV Bienal, que ocupou o Pavilhão Ciccilo Matarazzo no
Parque do Ibirapuera. Como Amarante descreve o pavilhão foi preparado com:
[...] estruturas reforçadas e um sistema elétrico capaz de suportar altas
cargas de energia. O prédio, uma imensa caixa de concreto e vidro,
serpenteado em seu interior por rampas que dão acesso aos três andares,
integra um conjunto de nove outros, distribuídos pelo parque Ibirapuera.
Muitos paulistanos pensavam que só a possibilidade de admirá-lo já
justificava um passeio à Bienal. (AMARANTE, 1989, p.72).
Nesta edição da Bienal apresentaram-se 51 telas de Picasso, dentre as quais a tela
Guernica.
Em 1959, Ciccilo já preparava os caminhos legais para separar o MAM das Bienais.
Intelectuais, artistas e Mário Pedrosa diretor artístico, fizeram o possível para não haver a
separação, mas foi em vão. Yolanda Penteado e Ciccilo recepcionaram na Fazenda Empyreo,
da família de Yolanda, vários artistas expositores da Bienal, com uma festa de gala.
Preparavam-se para entrar numa fase de profundas transformações em que o MAM seria
separado da Bienal e esta passaria a ser organizada por uma entidade independente a
Fundação Bienal de São Paulo. A Fundação foi criada, pois as Bienais consumiam a maior
parte dos esforços, das verbas e do tempo do MAM e acabava funcionando como um
escritório de operacionalização. Em 1960, Ciccilo disputou a Prefeitura de Ubatuba, a pedido
do governador Adhemar de Barros. Doou a seu adversário a mesma quantia que iria gastar
com sua campanha e quando vitorioso, nomeou o “adversário” para o secretariado. Em sua
gestão, de 1964 a 1969, modernizou a administração da cidade. Paralelamente, administrava
sua Metalúrgica e se manteve ativo no meio cultural.
A formalização da Fundação Bienal de São Paulo deu-se em junho de 1961, quando
Jânio Quadros, presidente da República, autorizou:
[...] o crítico Mário Pedrosa, secretário do Conselho Nacional de Cultura, a
redigir um projeto de lei que a tornasse uma instituição pública. O
70
presidente decidiu o destino da Bienal, quem a inaugurou foi o sucessor, o
vice-presidente João Goulart.
Com déficit particular calculado na época em 30 milhões de cruzeiros (115
mil dólares), Ciccilo Matarazzo não podia arcar com o explosivo
crescimento da Bienal. Por mais altruísta que fosse, por mais disposto que
estivesse a sacrificar sua fortuna pessoal, a situação era insustentável. Para
Ciccilo, além disso, a restrição ao crescimento de sua megacriação, que
naquele ano esperava receber 400 mil pessoas, seria uma derrota, algo
intolerável para si e para a cidade de São Paulo. Somado a isso, o Museu de
Arte Moderna também estava financeiramente desgastado, o que poderia
colocar em risco não somente a realização da 6.ª edição como a própria
existência da Bienal. Ao transformá-la em entidade autônoma, Ciccilo
estaria, de certa forma, garantindo outras fontes para a manutenção da
exposição, tais como dotações de verbas da Prefeitura e do Estado.
(AMARANTE, 1989, p.106).
Em 1962, a Fundação Bienal de São Paulo foi instituída de fato. Em 1963, já
independente do MAM era lançada a sétima edição da Bienal, mantida por recursos fixos do
âmbito do governo federal, estadual e municipal.
Neste mesmo ano, boa parte do acervo do MAM foi doado para o Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo. O MAC tem sua sede no Pavilhão Ciccilo
Matarazzo no campus central da Universidade de São Paulo. Seu acervo reúne as obras
particulares doadas por Ciccilo e por Yolanda, obras internacionais vindas da Fundação
Nelson Rockfeller e os prêmios das Bienais de São Paulo. Artistas como Anita Malfatti, Di
Cavalcanti, Hélio Oiticica, Portinari e Tarsila do Amaral estão representados, através de suas
obras, no acervo do MAC.
A Bienal sofreu altas críticas sobre os excessos de artistas participantes, de salas
especiais, organização por origem geográfica, principalmente sobre a forma de organização e
exposição das obras. Durante a oitava edição, no ano de 1965, a crítica Maria Eugênia Franco
e os artistas Maria Bonomi, Fernando Lemos e Salvador Candia diziam que:
[...] o proveito didático da mostra era nulo, quando não contraproducente,
pela confusão que provocava no espírito de um público desprevenido, que
não era assistido de nenhuma maneira na visita àqueles quilômetros de
objetos, “os mais disparatados, distribuídos segundo ordem geográfica que
nada tem a ver com o seu significado estético. Isso resulta de um equívoco
que a cada ano se agrava, e que consiste em permitir que continue
funcionando como se fosse mesmo uma fundação particular, uma
instituição que, na verdade, vive das subvenções dos poderes públicos
federal, estadual e municipal. (AMARANTE, 1989, p.144).
71
Um dos destaques da Bienal foram os prêmios instituídos por Ciccilo, muitas vezes
bancado por ele e por empresários paulistas. Dentre estas premiações existiam duas
categorias: premiação nacional, para pintura, escultura, gravura, desenho e cartaz, e
premiação internacional, para pintura, escultura, gravura e desenho. Durante a oitava edição,
a Fundação Bienal assinou convênio com o Ministério das Relações Exteriores, criando o
“[...] Grande Prêmio Itamaraty, no valor de 10 mil dólares, que poderia ser conferido a artistas
nacionais ou estrangeiros. O destino das obras, também previsto no acordo, era enriquecer as
paredes das embaixadas brasileiras no Exterior.” (AMARANTE, 1989, p.150).
Mais uma premiação foi lançada, o Prêmio Francisco Matarazzo Sobrinho, durante a
nona edição, em 1967. O diretor-secretário da Bienal, Luís Rodrigues Alves anunciou que o
prêmio era de 600 dólares, mais uma estatueta com o símbolo da Bienal em material dourado
e a indicação para artistas nacionais. Ciccilo “[...] a princípio espantou-se, mas num instante,
sorria, agradecia e abraçava Rodrigues Alves.” (AMARANTE, 1989, p.176). Nesta mesma
edição, decidiu-se criar a Bienal Nacional nos anos pares, com o intuito de selecionar artistas
nacionais para a exposição internacional, que anteriormente eram selecionados por burocratas,
diplomatas e críticos. A primeira edição da Bienal Nacional aconteceu em 1970 e a última
realizou-se em 1976, após esta edição foi lançada em 1978, a Bienal Latino-Americana.
(AMARANTE, 1979, p.179).
Em 1968, a Prefeitura de São Paulo ergueu a nova sede do MASP, na avenida Paulista
e contou com a Rainha Elizabeth II para sua inauguração, para alegria de Chateaubriand.
Os objetivos iniciais da Bienal foram alcançados aos poucos. Com a introdução das
mostras nacionais, foi possível criar maior conhecimento da produção artística nacional pelos
próprios artistas brasileiros, como relata Amarante:
A idéia também era provocar o intercâmbio entre os artistas de vários
Estados. Afinal, a complexidade e as diferenças geográficas do País fazem
com que um artista brasileiro tenha muito mais informação sobre a arte
européia e norte-americana, através da própria Bienal, do que sobre a
produção de seus companheiros do Sul, Norte ou Nordeste. Essa
desinformação normalmente é motivada pela falta de verba ou pela ausência
de uma política museológica moderna, que prevê, naturalmente, esse tipo de
intercâmbio. (AMARANTE, 1989, p.205-206).
72
A última direção da Bienal, sob a administração de Ciccilo, ocorreu em 1975, durante
a décima terceira edição.
A décima quarta edição aconteceu sem a presença de seu grande mentor intelectual
Ciccilo, morreu seis meses antes (16.04.1977) da inauguração da mostra. Algumas mudanças
ocorreram quanto à organização e seleção das obras. O Conselho de Arte e Cultura assumiu
poderes deliberativos e alterou critérios como a forma de indicação dos artistas. Os artistas
passaram a ser indicados pelas embaixadas, porém:
[...] tinham que adequar seus trabalhos a um dos sete temas propostos pelos
chamados operadores culturais da Fundação, independente do país que
representassem: Arte não Catalogada, Arqueologia do Urbano, Proposições
Contemporâneas, A Vídeo-Arte, Poesia Espacial, O Muro como Suporte de
Obras e Grandes Confrontos. Havia ainda uma sala especial, Exposições
Ontológicas, exibindo nomes consagrados que, pelo regulamento, estavam
fora da premiação. (AMARANTE, 1989, p.246).
Novamente a forma de organização causou crítica, mas permaneceu de 1981 a 1987.
A décima quinta edição ficou conhecida como a “Bienal das Bienais”, pois nesta
edição objetivou-se recolher as obras premiadas das edições anteriores, com o intuito de
mostrar um panorama das influências dos grandes artistas sobre os novos representantes da
arte. (AMARANTE, 1989, p.265).
Uma nova forma de organização e ordem na montagem da mostra passou a ser seguida
e o diretor Walter Zanini abandonou “[...] definitivamente a montagem geográfica e [parte]
para o desafio da analogia da linguagem.” (AMARANTE, 1989, p.282). Essa nova forma de
organização agradou aos artistas, como relatou um deles, Ivens Machado: “Com essa nova
forma de organização, a Bienal se abre possibilidades mais amplas de abordagem. Foi uma
atitude positiva, somada ao fato de ainda terem sido eliminados todos os prêmios.”
(AMARANTE, 1989, p.282).
Zanini organizou em núcleos as mais de mil obras:
O Núcleo I reunia artistas de várias procedências, reforçando o objetivo
principal de se ordenar os aspectos mais significativos da produção
contemporânea. Sua estrutura se desdobrava em dois vetores e um espaço
especial. O primeiro vetor se referia à produção artística em xerox,
performance, livros de artistas, vídeo-arte e instalações. O segundo
agrupava obras que revelavam novas maneiras de trabalhar meios
73
tradicionais de expressão. Ainda foi reservada uma sala especial para a arte
postal e realizado o evento paralelo “Arte Incomum”. (AMARANTE, 1989,
p.283).
Como se percebeu, as categorias de artes se diversificaram, o público passou a ter
acesso às mais diversas formas de representação da arte humana.
Em 1981, quando mudou-se a forma de organização para analogia de linguagem, a
Bienal Internacional de São Paulo recuperou o prestígio perdido em 1969. Representantes de
todo o mundo estiveram presentes, como há muito não se via.
Ao final da décima sexta edição, curadores de bienais mundiais se reuniram para
discutir sobre os pontos que representavam a escolha das melhores obras para as bienais. O
grupo estava composto por:
Walter Zanini, de São Paulo; Luigi Carluccio, de Veneza; Oscar Mejia, de
Medellín; Georges Boudaille, de Paris; Bernice Murphy, de Sidney; Rudi
Fuchs, da quadrienal de Kassel. Durante o encontro, realizado no prédio da
Bienal, os dirigentes debateram os problemas de organização de suas
respectivas mostras. Constataram uma série de semelhanças e estudaram
pontos comuns como estrutura de organização e promoção da arte,
internacionalismo, periodicidade, contribuição para informação, educação,
estímulo à pesquisa e caráter não comercial. (AMARANTE, 1989, p.297).
Após a morte de Ciccilo, passaram pela presidência da Bienal de São Paulo:
14.ª edição (1977) – Oscar Landmann;
15.ª edição (1979) – Luiz Fernando Rodrigues Alves;
16.ª edição (1981) – Luiz Diederichsen Villares;
17.ª edição (1983) – Luiz Diederichsen Villares;
18.ª edição (1985) – Roberto Muylaert;
19.ª edição (1987) – Jorge Wilheim;
20.ª edição (1989) – Alex Periscinoto;
21.ª edição (1991) – Jorge Eduardo Stockler;
22.ª edição (1994) – Edemar Cid Ferreira;
23.ª edição (1996) – Edemar Cid Ferreira;
24.ª edição (1998) – Julio Landmann;
74
25.ª edição (2002) – Carlos Bratke.
10
A Bienal passou por várias fases, dentre elas, a evolução do corpo técnico de
apreciação/avaliação das obras, os prêmios, a organização das categorias por tematicidade,
mudança para instalações adequadas, etc. Introduziu o Brasil no cenário mundial de arte e
arquitetura, com um evento de grande porte, no qual em cinqüenta anos de atuação,
possibilitou a participação de “[...] 148 países, 10.660 artistas e cerca de 56.932 obras, num
espaço que permitiu a estimulante convivência das artes plásticas, das artes cênicas, das artes
gráficas, do design, da música, do cinema, da arquitetura e de muitas outras formas de
expressão artística.” (KLINTOWITZ, [200-]).
Ciccilo industrial, magnata, mecenas e incentivador da cultura mereceu
reconhecimento por seu trabalho junto à cultura paulista. A sobrinha Claudia Matarazzo,
jornalista e escritora, sobrinha e afilhada de Ciccillo, descreveu o tio, em 28 de julho de 2004:
Otimista, criativo, versátil, dinâmico, grande capacidade de articulação e
organização, sonhou e agiu para fazer de São Paulo não apenas no pólo
industrial, mas centro civilizador: “Tenho uma fé inabalável nesta cidade”,
repetia sempre. Em maio de 1954: “Foi sempre dom de São Paulo olhar
além dos limites traçados, além das dificuldades momentâneas e dos perigos
presentes”. (COUTO, 2004b, p.88).
11
Ao criar o MAM, Ciccilo manteve um jogo de poder e vaidade com Chateaubriand.
Tanto Chateaubriand quanto Ciccilo Matarazzo contribuíram consideravelmente para
o fortalecimento da cultura paulista, principalmente nas artes plásticas, cinematográficas e
teatrais.
Já, os Matarazzo têm papel fundamental na expansão e fortalecimento do processo
industrial da cidade de São Paulo, que fortaleceu a formação de uma metrópole que introduz
uma geração com novos hábitos, gostos e interesses. Eles investiram em diversas áreas
comerciais. A indústria automobilística não foi um dos principais ramos de investimentos da
família, porém os automóveis encontram-se recortando a história de seus membros em vários
momentos.
10
Fonte: KLINTOWITZ, Jacob. Os italianos e a arte brasileira. Ecco!. [200-]. Disponível em:
<http://www.ecco.com.br/vita_mia/oriundi_artplas.asp>. Acesso em: 21 jul. 2006.
11
Entrevista realizada pelo historiador Ronaldo Costa Couto, na cidade de São Paulo –SP, dia 28 de julho de
2004. (COUTO, 2004b, p.88).
75
Conde Francesco Matarazzo, Conde Chiquinho, Senador Andrea, Ermelino e muitos
outros Matarazzo dedicaram parte de sua atenção à evolução dos automóveis. Desses
Matarazzo,destaca-se Eduardo Matarazzo, empresário e colecionador de automóveis.
Para compreender essa paixão entre o Matarazzo e a máquina, propõe-se o presente
trabalho a apresentar breve histórico sobre a importância do automóvel na sociedade do
século XX, da indústria automobilística no ABC paulista e da formação da coleção de
automóveis antigos de Eduardo André Matarazzo.
76
Capítulo 3 – EDUARDO MATARAZZO E SUAS MÁQUINAS. TRAJETÓRIA E
INTERAÇÃO DO COLECIONADOR
12
No início do século XX, a cidade de São Paulo se expande e o processo de
metropolização é intenso. O transporte é um dos pontos marcantes, futuramente, um dos
motivos de preocupação da população da cidade, pois já toma grandes proporções. Em 1901,
circulam pela cidade bondes a burros. A Light, empresa canadense de energia elétrica,
propicia em 1901 o serviço de bondes elétricos que crescem de forma radial, sem se
preocuparem com a concentração dos trilhos, de tal forma que retire do centro da cidade o
fluxo do trânsito. Em 1930, a cidade conta com 400 ônibus de autônomos, número que sobe
para 700 em 1932, quando empresas assumem legalmente a exploração do serviço.
De acordo com Uelze (1968), os automóveis “[...] não atingiam 30 mil em 1940, com
um índice de 44,33 habitantes por veículo. Em 1950, eram cerca de 85 mil. Já em 1966,
encontramos 415 mil, com um índice de 12,28 habitantes por veículo.” (UELZE, 1968,
p.229).
3.1 Automóvel: objeto e símbolo de modernidade
São Paulo vive até a Primeira Guerra uma fase de grandes mudanças: implantação da
energia elétrica, saneamento, desenvolvimento de infra-estrutura, implantação de estilos
arquitetônicos, industrialização, além de mudanças de hábitos e costumes. O lema dos
moradores de São Paulo passa a ser “movimento e avanço”. Sevcenko descreve essa alteração
no cotidiano:
O antigo hábito de repousar nos fins de semana se tornou um despropósito
ridículo. Todos para a rua: é lá que a ação está. Não é que repousar não seja
mais viável, é que se tornou uma obsolescência, uma caduquice. Não é
descansando que alguém se prepara para a semana vindoura, é recarregando
as energias, tonificando os nervos, exercitando os músculos, estimulando os
sentidos, excitando o espírito. Sob o epíteto genérico de “diversões”, toda
uma nova série de hábitos, físicos, sensoriais e mentais, são arduamente
12
Todas as informações e citações que apresentarem o nome de Patrícia Matarazzo, Eneida Matarazzo,
Francisco Eduardo Matarazzo, Sr. João Martins, Sr. Anésio Buzon e Sr. Valdemir Mariano, daqui para frente,
foram retiradas da entrevistas realizadas, e estão nos apêndices C, D, E, F e G.
77
exercitados, concentradamente nos finais de semana, mas a rigor
incorporados em doses metódicas como práticas, indispensáveis da rotina
cotidiana: esportes, danças, bebedeiras, tóxicos, estimulantes, competições,
cinemas, shopping, desfiles de moda, chás, confeitarias, cervejarias,
passeios, excursões, viagens, treinamentos, condicionamentos, corridas
rasas, de fundo, de cavalos, de bicicletas, de motocicletas, de carros, de
avião, tiros-de-guerra, marchas, acampamentos, manobras, parques de
diversões, boliches, patinação, passeios e corridas de barco, natação, saltos
ornamentais, massagens, saunas, ginástica sueca, ginástica olímpica,
ginástica coordenada com centenas de figurantes nos estádios, antes do jogo
e nas principais praças da cidade, toda semana. (SEVCENKO, 2000, p.33).
Estes novos hábitos e a busca pelo movimento compõem o contexto social e cultural
de um novo estilo de vida, construindo-se uma nova identidade. Surgem os clubes compostos
por jovens que buscam “ser atuais” nos hábitos, vestes e estilos. “A metropolização tem sua
sede nessa dimensão invisível, em que se interceptam a energia espontânea liberada e o
movimento mecânico.” (SEVCENKO, 2000, p.72-73).
Quando o automóvel aparece pela primeira vez, lá com Henrique Dumont a impressão
é chocante:
Parecia pura magia aquela coisa barulhenta se movendo sozinha, auto-
suficiente, sem burros, nem bois, nem gente tracionando, rodando rua
abaixo ou acima, cantando uma nova era. Um espanto. Descrição da época:
“Tinha rodas de borracha e se movia por si mesmo, sem nada puxando”.
Portaria do prefeito Antônio Prado fixou que, em locais com aglomeração,
“a velocidade máxima deve ser a de um homem a passo, não podendo
exceder o limite de 12 km/h nas ruas da cidade, 20 km/h nos locais ou 30
km/h em campo raso.”
E as exigências para habilitação: “Conhecer todos os órgãos do aparelho e a
forma de o manobrar, assim como os requisitos necessários de prudência,
sangue frio e visualidade”. (COUTO, 2004b, p.53).
A apresentação do automóvel é algo impactante e o desenvolvimento tecnológico
rápido. Em 1893, chega o primeiro carro a São Paulo e é dirigido por Henrique Santos
Dumont (irmão de Alberto Santos Dumont). Mas, o primeiro carro a ser licenciado e receber a
famosa P-1 é o Packard do Conde Francesco Matarazzo, em 1903.
O automobilismo é uma paixão, porém os custos são altos e a elite ostenta suas
aquisições. De acordo com Couto (2004b, p.46-47) e Forest (2002, p.33), em 1893, Henrique
Santos Dumont (irmão de Alberto Santos Dumont) é o primeiro a guiar um automóvel pelas
ruas de São Paulo, um Peugeot com motor Daimler. Em 1898, transita o segundo automóvel,
de propriedade do Sr. Tobias de Aguiar. Em 1901, o prefeito Antônio Prado institui o
78
pagamento de impostos para licenciamento dos automóveis, porém, Henrique Santos Dumont
que deveria pegar a primeira placa de automóvel de passageiros (P-1), se nega a pagar,
contestando as péssimas condições das vias públicas. Em 1903, Francesco Matarazzo não
perde tempo e abocanha a primeira chapa registrada de automóvel, a tal P-1, para seu
Packard.
Essa elite apaixonada por carros, organiza a primeira competição automobilística da
América do Sul:
O clube mais reservado e importante da cidade, marco referencial da área
nobre do centro e ponto de encontro da elite que decidia os destinos da
República, era o Automóvel Club. Desde o início, dados os seus custos de
compra, importação e manutenção, o automóvel era identificado como o
último grau da ostentação. Pouco viável no seu uso, em vista do estado
deplorável da maior parte das ruas suburbanas e estradas, num contexto em
que o transporte era maciçamente baseado nos trens, bondes, carroças,
charretes, cavalos e mulas, ele sempre foi encarado como um “brinquedo de
ricos”. Depois da guerra e com sua incorporação ao serviço de táxis
urbanos, os automóveis vão ter o seu boom ao longo da década de 20,
bloqueando com seu volume os estreitos espaços de circulação da área
central e transformando a cidade num autêntico inferno. (SEVCENKO,
2000, p.74).
Outra paixão dos paulistas eram as corridas automobilísticas, que retornam com força
total no final da Guerra. Os Grandes Prêmios, como as 500 Milhas de Indianápolis (corrida na
cidade norte-americana), são apreciadíssimas pelos paulistas. Tais campeonatos além de
serem marketing dos automóveis, estimulam as equipes técnicas a buscarem aprimoramento e
desenvolvimento das marcas. Alguns pilotos egressos do exército e da aeronáutica fazem
acrobacias com aviões provocando excitação. Este alvoroço dos automóveis e aviões
provocam além da adrenalina da velocidade o “[...] flerte com a morte, assim na guerra como
na paz.” (SEVCENKO, 2000, p.73).
O automóvel acrescenta ao sujeito, uma dimensão de poder e status. A posse de um
automóvel funciona como uma “[...] espécie de diploma de cidadania, a carta de motorista é a
credencial desta nobreza mobiliária cujos costados são a compressão e a velocidade máxima.”
(BAUDRILLARD, 2004, p.74). Essa velocidade e o risco permitem ao motorista conseguir
com o automóvel a sensação de “[...] integrar o espaço-tempo, reduzir o mundo a duas
dimensões, a uma imagem, vem ela livre de seu relevo e de seu devir, entrega-se de certo
modo a uma imobilidade sublime e a uma contemplação.” (BAUDRILLARD, 2004, p.75).
79
Essa sensação causada pela velocidade e risco encantava a mente dos motoristas, a
ponto de muitas vezes, não pensarem e até judiarem dos pedestres. Os jovens dispensavam os
choferes, aceleravam e buzinavam muito. Os pegas eram comuns na Avenida Paulista, após o
asfaltamento e os transeuntes assistiam atemorizados “[...] passarem furiosamente inúmeros
automóveis que, rugindo estrepitosamente pelos motores desimpedidos, voam sobre o asfalto
ou sobre o calçamento em doidas e fantásticas arremetidas [...].” (ESTADO DE SÃO
PAULO, 1920, p.5 apud SEVCENKO, 2000, p.76).
Da mesma forma, em 1919, a aviação é marcada pela chegada dos “capitães Lafay e
Verdier, membros da missão francesa de aviação junto ao Exército Brasileiro”, à cidade de
São Paulo. O capitão-aviador norte-americano Orton Hoover, com seu Oriole, estabelece
serviço de vôos diários pelos céus de São Paulo, causando frisson. (SEVCENKO, 2000, p.77-
78).
Além dos automóveis, o avião também se torna febre entre a elite, requerendo a “[...]
formação de uma escola de aviação civil nesta capital [...]. A criação dessa escola viria
satisfazer uma das mais caras aspirações da nossa mocidade esportiva...”. (O ESTADO DE
SÃO PAULO, 1919, p.6 apud SEVCENKO, 2000, p.77). Merece destaque na aviação
paulista, o piloto Edu Chaves recordista sul-americano de velocidade e distância, por ter
realizado a travessia Rio de Janeiro – Buenos Aires.
Dentro desse contexto moderno e mecânico, a introdução dos automóveis começa a
tomar força em 1919, quando a indústria automobilística instala-se no Brasil. Nesta fase,
algumas agências importam automóveis ou no máximo, os fabricantes instalam montadoras
no país. Como representante de agência importadora, temos Francesco Matarazzo que “[...]
possuía agências de venda de automóveis [...]” na cidade de São Paulo (DEAN, 1971, p.38-
39).
As indústrias fabricantes ocupam, principalmente, a região do ABC paulista e podem
ser apresentadas em duas fases: a primeira, representada pela implantação e montagem de
veículos com peças importadas; e a segunda, representada pela produção de peças e
montagem totalmente brasileiras.
A primeira fase é marcada pela instalação, na metrópole paulista, da Ford Motor do
Brasil, em 1919, como uma montadora de carros e caminhões; a General Motors em 1925,
como montadora de carros de passageiros e caminhões; a International Harvester Máquinas
S/A em 1926, como montadora de caminhões, passando em 1967, suas instalações para a
80
Chrysler do Brasil; a Máquinas Agrícolas Romi, implantam em 1938, na cidade Santa Bárbara
do Oeste, produzindo máquinas operatrizes; a Vemag S/A (inicialmente chamada de
Distribuidora de Automóveis Studebaker), em 1945, instala a linha de montagem e
distribuição de veículos, caminhões Kenworth, máquinas agrícolas Massey-Ferguson e Harris
e caminhões Scania Vabis e a Wolskwagen, em 1954, começa a montar veículos.
A segunda fase é marcada pela nacionalização. A Fábrica Nacional de Motores
(FNM), com recursos do governo, é instalada no Rio de Janeiro em 1940. Em 1945, começa a
fabricar “motores Wright, de 450 Hp radiais, para aviões médios”; os motores apresentam
problemas. Cessa a fabricação e institui-se apenas a revisão de motores de avião. Em 1952,
passa a fabricar caminhões em parceria com a Isotta-Fraschini (que decreta falência em
seguida). O contrato, por indicação do governo italiano, é firmado com a Alfa Romeu. Como
resultado da parceria surge o caminhão “Alfa-Romeo, de 8 toneladas, motor Diesel, de 130
Hp”. (GATTÁS, 1981, p.219-221).
Mas, a concentração da produção nacional acontece na região da cidade de São Paulo,
conhecida como ABC. Em 1955, a Mercedez-Benz instala-se na cidade de São Paulo e passa
a produzir caminhões e ônibus; em 1956, a General Motors na cidade de São José dos
Campos, passa a produzir caminhões; em 1956, a Máquinas Agrícolas Romi, fabrica o micro
carro Romi-Isetta, cessando sua produção pouco tempo depois; a Vemag S/A, em 1956, na
cidade São Paulo, passa a fabricar veículos (perua DKV, Candango, Belcar e Fissore) e
investir nas linhas Scania-Vabis e Massey Ferguson. Mais tarde, torna-se acionária da
Volkswagen. Em 1956, a Volkswagen do Brasil, instala-se na cidade de São Bernardo do
Campo, passa a fabricar camioneta (Kombi) e carros (Sedan); em 1957, a Ford Motor do
Brasil começa a produção de caminhões, tratores, caminhonetas e carros (como o Galaxie);
em 1957, a Scania-Vabis, passa a fabricar motores pela Scania e veículos pela Vemag
(parceria instituída em 1956) instalando-se na cidade de São Paulo e em 1960, passa para São
Bernardo do Campo; em 1958, Simca do Brasil (fruto do consórcio entre a Cia Siderúrgica
Nacional, um grupo de Bancos do Estado de Minas Gerais, a SIMCA francesa), instala-se na
cidade de São Paulo, passa a produzir carros de passageiros (como o Simca-Chambord); em
1958, a Toyota do Brasil S/A, instala-se na cidade de São Bernardo do Campo, produz o Jipe
e utilitários conexos; em 1958, a Willys Overland do Brasil, se instala em São Bernardo do
Campo, e produz blocos para motores, eixos, transmissões e veículos (Jipe, Rural Willys,
Dauphine, Pick-up-Jipe, Aero-Willys, Gordini, Renault, Itamaraty); 1960, a Cartepillar Brasil
S/A, produz motoniveladoras, moto-escreiperes, tratores de esteiras e pás-carregadeiras.
81
Nesta fase, Conde Chiquinho Matarazzo aparece no meio automobilístico,
representado através da Fabral - parceria entre a Alfa-Romeo e os Matarazzo, que em 1957
apresentam ao Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), o projeto de produção
de carros caros da Alfa-Romeo. Em 1958, a Fabral tem seu projeto aprovado pelo GEIA,
porém Matarazzo volta atrás.
Paradoxalmente, nesse clima de industrialização e ampliação do mercado
automobilístico, a família Matarazzo assume o papel de distanciamento e prudência. Em
1950, tem-se notícia que Matarazzo foi consultado pelo amigo, e então, presidente da
república Juscelino Kubitschek sobre a viabilidade de associação com a Volkswagen, na
instalação da primeira montadora no país, mas recusou. Eduardo André absolve o pai (Conde
Chiquinho) pela decisão: “Como os recursos eram escassos, precisaríamos trocar setores em
que tínhamos tradição por outro que desconhecíamos”, explica. (LETAIF, [199?]).
Todas essas instalações e parcerias são resultantes do plano do governo brasileiro que
instituiu a indústria automotiva nacional. Das indústrias acima citadas podem-se destacar três
grandes grupos: de controle de capital brasileiro – Willys-Overland, Vemag e FNM; as de
joint-ventures (50% capital brasileiro e 50% capital estrangeiro) – Mercedez-Benz e Simca; e
a terceira, formada por empresas com capital totalmente estrangeiro – Ford, General Motors,
International Harvester, Scania Vabis, Volkswagen e Toyota.
No período pré-Segunda Guerra, existiam duas categorias de carros: os que atendiam a
classe popular e a elite. Dentre os mais populares, temos o Ford “pé-de-bode” - modelos A e
T, com características de simplicidade, leveza e resistência, aptos a trafegar pelas ruas ainda
em sua maioria de terra e o Chevrolet Studebaker. Entre os caminhões encontram-se o Ford,
Chevrolet (GM), Fargo e De Soto (Chrysler). Durante a Segunda Guerra, quase nada pode ser
importado e “[...] nos anos que se seguiram à guerra, um produto surpreendentemente
encabeçava a lista das importações: de 1946 a 1948, veículos motores e autopeças
suplantaram até mesmo as importações, tradicionalmente predominantes, de petróleo e trigo”.
(SHAPIRO, 1997, p.25).
Os automóveis, caminhões e tratores têm grande significado nesta fase de ocupação do
território nacional, não só como instrumento de condução de riquezas, mas também como
conforto, luxo e status. Gattás descreve a importância desses bens:
O caminhão, realizando a ocupação do nosso imenso território,
transportando riquezas e promovendo o desenvolvimento econômico, é um
instrumento de integralização nacional. O trator, a máquina agrícola e a
rodoviária, ferramentas dos novos tempos, multiplicam o trabalho ao abrir
caminhos, rasgar sulcos e lançar sementes, para, afinal, colher da terra
82
abundantes messes. O automóvel de passageiros, símbolo da mobilidade
social, proporciona ao homem, na agitação da vida moderna, mais do que a
franquia da locomoção, que vence o tempo e o espaço: potencializa o seu
trabalho, devassa horizontes e o ajuda, ainda, a extravasar o seu anseio de
liberdade. (GATTÁS, 1981, p.219).
A introdução do automóvel, o desenvolvimento da metrópole paulista, o processo de
industrialização, a formação do homem moderno paulista acarretaram profundas mudanças
não só na cidade de São Paulo, mas nas esferas da vida pública e privada do país. O
automóvel representa, simbolicamente, o marco desse desenvolvimento de liberdade do
homem, tanto nos aspectos da possibilidade de ir e vir como maior facilidade quanto à
modernidade: a velocidade, a tecnologia, o luxo e a disputa por status.
A concentração das indústrias automobilísticas no ABC paulista, contribui para o
fortalecimento do processo de industrialização, que já vinha acontecendo com os outros ramos
de atividade, reflexo do “espírito” inovador e progressista da cidade.
Apresenta-se esse panorama da modernidade da metrópole de São Paulo, através da
introdução da máquina automobilística, não com o intuito de posteriormente argumentar que
tenha sido numa relação causa / efeito, o motivo principal para a empreitada do colecionador
Eduardo Matarazzo, mas com a intenção de mostrar, num pleno sentido de permeabilidade, o
“espírito” moderno / tecnológico imperante na época.
3.2 Eduardo Matarazzo e o fascínio por máquinas
Eduardo Matarazzo sempre foi um apaixonado por máquinas. Já na infância,
apresentava propensão em recolher e restaurar peças, que muitos consideravam sem valor de
uso. Através de uma conversa telefônica, a irmã Maria Pia Matarazzo
13
diz que, Eduardo
Matarazzo quando garoto comprou uma casa anfíbia
14
em mau estado de conservação e
colocou-a num sítio da família Matarazzo, chamado “Toca do Cacaréco” (veja foto a seguir),
13
Conversa telefônica entre Patrícia Matarazzo e Maria Pia Matarazzo realizada no dia 10 de abril de 2007, às
10h00. Esta conversa foi presenciada pela pesquisadora. A pesquisadora insistiu por uma entrevista presencial
com a Srª Maria Pia Matarazzo, com o intuito de recolher informações sobre o irmão e colecionador Eduardo
Matarazzo, porém, não houve sucesso e trabalhamos com as informações cedidas no dia 10 de abril, pela
sobrinha Patrícia Matarazzo.
14
A casa anfíbia seria uma casa em tamanho reduzido, com quarto, sala, cozinha e banheiro, que ficaria sobre
uma base que flutuasse sobre a água. Esta casa foi pega em estado muito rudimentar, sendo restaurada e
adaptada para uma “vida cotidiana”.
83
onde hoje encontra-se a represa Billings
15
. Eduardo Matarazzo acondicionou os cômodos da
casa, desenvolvendo e implantando, ele mesmo, as partes hidráulica e elétrica.
Foto 2 – Símbolo de “A Toca do Cacaréco”
Fonte: Wilza Aurora Mattos Teixeira
A “Toca do Cacaréco” é o início da caminhada colecionadora de Eduardo Matarazzo.
Neste espaço onde começou a restaurar a casa anfíbia e depois o barco do irmão Ermelino
16
,
ele começou a construir através de suas práticas ou de seus “modos de fazer” o que Certeau
chama de lugar. Para Certeau, o lugar é o início da caminhada, a partida de um itinerário, no
qual “[...] os usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sócio-
cultural”, pelos seus “modos de fazer”, pelo saber “construído socialmente”, adquirido através
de um “Outro” que sempre está por vir (CERTEAU, 2005, p.41); (JOSGRILBERG, 2005,
p.39). Como continuidade dessa “caminhada”, Eduardo Matarazzo entrou na fase do restauro
de automóveis e passou a formar uma de suas maiores coleções, a de automóveis, aviões e
diversos objetos antigos que iriam compor o atual Museu de Armas, Veículos e Máquinas
“Eduardo André Matarazzo”.
Esse fascínio pelo funcionamento das máquinas, esteve com Eduardo Matarazzo desde
pequeno, quando desmontava e montava relógios, rádios e móbiles, deixando os familiares de
“cabelo em pé”, porque algumas vezes não conseguia deixá-los como era no início.
Sua paixão continua não só na coleção, mas no seu cotidiano
profissional. Durante sua atuação nas IRFM, trabalhou diretamente
com a compra, instalação e manutenção das fábricas, de 1951 a 1977.
15
A Represa Billings é um grande reservatório de água da região metropolitana de São Paulo, idealizado nas
décadas de 30 e 40 pelo engenheiro Billings.
16
O filho Francisco Eduardo Matarazzo diz que neste sítio “Toca do Cacaréco”, o pai restaurou um barco do tio
Ermelino, que havia pegado fogo no cais.
84
Também esteve ligado às máquinas, quando conselheiro da TransBrasil Linhas Aéreas
e do Museu de Tecnologia de São Paulo
17
.
Aficionado por carros, como relatam esposa, filhos e funcionários em entrevistas, por
volta de seus quinze / dezesseis anos começou a manifestar maior interesse por automóveis,
objeto fascinante que marca o início do século XX. Essa ligação com os automóveis pode ter
começado em período anterior, já que Eduardo Matarazzo também mantinha uma coleção de
miniaturas de automóveis
18
. Dirigia pela cidade de São Paulo, seus diferentes modelos e
adorava que lhe perguntassem detalhes do funcionamento e fabricação de seus carros, para
arrolar seu conhecimento sobre cada um deles. Teve vários carros para se locomover, de
marcas e tamanhos diversos, verificando na maioria das vezes, a potência, a velocidade e o
funcionamento dos motores e das “máquinas” na pista de Interlagos.
De acordo com informações de Francisco Eduardo, certa vez, o pai restaurou uma
Masserati, um carro esporte e foi experimentá-la em Interlagos. Às vezes, ele corria sozinho e
em outras levava a primeira esposa para correr. Muitas vezes “ela em pânico. Mas, ela ia, não
sei como, em Interlagos”.
Eduardo Matarazzo foi um homem instigante, pois, acredita-se que tenha sido esse
conhecimento dos automóveis o que fez um colecionador dessa categoria de objetos. Ao
coletar as peças seu conhecimento era incrementado, numa via de mão dupla em que o
conhecimento proporcionava a aquisição das peças e as próprias peças traziam novos
conhecimentos. Foi assim que começou a colecionar marcas importantes que pontuam a
evolução automobilística, embora ele próprio utilizava de carros simples no seu cotidiano.
Nas entrevistas de Eneida Matarazzo, Patrícia Matarazzo, Francisco Eduardo Matarazzo, Sr.
João Martins e Sr. Anésio Buzon, pode-se constatar o relato das marcas de carro com que
Eduardo Matarazzo andava no seu dia-a-dia: Fusca, Fiat Oggi, perua Sinca-Jangada, perua
Dodge e Veraneio, peruas Ford, caminhonete D-20 e El Camino. Seus carros particulares
sempre trouxeram “preciosidades” e histórias engraçadas para quem estava ao seu lado.
17
A Fundação Museu de Tecnologia de São Paulo foi instituída pela lei municipal nº 7.456 sancionada pelo
prefeito Paulo Salim Maluf em 20 de abril de 1970. O Museu é resultado de um projeto do engenheiro Francisco
de Paula Machado Campos, que juntamente com alguns amigos passaram a perseguir o sonho de instituir um
espaço onde a juventude pudesse se informar sobre as conquistas tecnológicas de nossa época. Seu acervo é
composto por aviões, canhões, metralhadoras, locomoveis, carroças, caixas de música, objetos ferroviários,
locomotivas, oficina de ferraria, submarino, rodas locomotivas, entre outros tantos objetos.
É nesta fase que Sr. Eduardo Matarazzo aparece, entre os membros beneméritos. Os membros beneméritos
são: Paulo Salim Maluf, Laudo Natel, Henri Aidar, Sérgio Baptista Zaccarelli, Miguel Reale, Antonio Salim
Curiatti, Olavo Egydio Setúbal, Rachel Machado de Campos Soares Mello, Acyr Ayres Paes, Francisco de Lima
de Souza Dias, Eduardo Matarazzo, André Franco Montoro, Einar Alberto Kok. (http:\\www.museutec.org.br).
18
Desde pequeno Eduardo Matarazzo colecionava as miniaturas, de acordo com informões do filho Francisco
Eduardo.
85
De acordo com a esposa Eneida Matarazzo, apesar de Eduardo Matarazzo ter 1m e 83
cm de altura, adorava dirigir seu Fusca e “parecia estar em uma caixinha de fósforos [...] e
usou muito o automóvel para ir as IRFM”. Um dos maiores orgulhos do colecionador foi ser o
proprietário do primeiro Volkswagen Sedan fabricado no Brasil - o Fusca. Adquiriu o
automóvel em 7 de janeiro de 1959, numa concessionária da Avenida Santo Amaro em São
Paulo. Em reportagem de Ribeiro (1986), Eduardo Matarazzo diz que se arrependeu muito de
ter vendido esse exemplar, mas nunca mais conseguiu adquiri-lo, apenas soube notícias de
que estava no Rio Grande do Sul.
Em 1987, adquiriu também um, dos trezentos e cinqüenta exemplares da última série
especial limitada de Fusca. Era um exemplar de cor azul Stratus, a álcool, motor 1600, uma
versão para colecionadores, o carro veio acompanhado de um[...] chaveiro de ouro, um teipe
cassete que conta a história do Fusca e mostra todos os comerciais, desde a época da TV
preto e branco e [...] certificado de menção honrosa” da última série. (EDUARDO, 1987).
Essa relação de Eduardo Matarazzo com os carros não era uma novidade na família,
que os relatos trazem a ligação do avô, pai, tios e primos ao fascinante objeto.
Após 1903, têm-se relatos dos carros importados dos Matarazzo, tais como: Rolls-
Royce (placa 10), um Fiat (placa 21), um Chevrolet (placa 23, de Costabile Matarazzo), uma
Bugatti (placa 33), um Fiat (placa 34, de André Matarazzo), um Hudson (placa 37, de Julio
Pignatari), um Chrysler (placa 42, de Francesco), além de três Isotta Fraschini (importadas
entre os anos 1920 a 1925).
Os carros antigos dos Matarazzo foram desejados por vários colecionadores, entre eles
Og Pozzoli. Pozzoli é colecionador de grande porte dentre os brasileiros, têm uma coleção de
mais 150 carros de grande valor. Couto (2004b) descreve uma das descobertas de Pozzoli, um
Packard que fora do velho Matarazzo.
O velho Conde Francesco tinha um Packard Victoria Super Eight 1934/35 “famoso
pelo tamanho, conforto e luxo” (COUTO, 2004b, p.193), que usava nas suas visitas às
fábricas no interior paulista. Tal automóvel foi vendido pela Condessa Filomena logo após o
falecimento do Conde. Ela vendeu o carro para bem longe de São Paulo. Após muitos anos, o
carro foi encontrado e recuperado pelo colecionador, como relata Couto:
[...] passados muitos anos, a bela e robusta raridade, bastante danificada, foi
arrematada em Goiás Velho, antiga capital de Goiás, pelo engenheiro Og
Pozzoli, potiguar radicado em São Paulo, importante colecionador de
automóveis antigos. Depois de dois anos de trabalho de restauração, passou
a brilhar e pontificar entre as suas mais de 150 bem cuidadas relíquias.
(COUTO, 2004b, p.49-50).
86
Francisco Eduardo Matarazzo diz que existe uma certa disputa pelo pioneirismo do
colecionismo de carros no Brasil e tal disputa ficaria entre Eduardo Matarazzo e Og Pozzoli.
Em entrevista, ele diz que o pai “[...] foi o pioneiro, o papai fez assim, tudo pesquisando, com
livros, ele tinha oficina na casa dele, tinha os funcionários, tinha as máquinas todas da oficina.
Então, tudo muito bem feito”. Pozzoli tem condições financeiras, uma respeitável coleção e a
proposta de montar um museu unindo sua coleção e a de Eduardo Matarazzo. Mas, o caso não
é bem recebido pelos familiares de Eduardo Matarazzo
19
.
O ato colecionador de Eduardo Matarazzo começou cedo, mas a idéia de torná-lo
público veio com o passar do tempo. Em um dos poucos relatos públicos do próprio
colecionador, o início da exposição pública deu-se da seguinte forma: “Sempre gostei de
automobilismo e comecei a restaurar alguns veículos; a coleção foi aumentando e surgiu o
interesse do público vê-los” (HENRIQUE, 2000, p.6).
A esposa recorda-se que “quando ele tinha mais ou menos uns vinte carros antigos”
resolveu mostrar a amigos que o incentivaram a tornar público, então fundaram em 1964, o
Museu de Carros e Veículos Motorizados Antigos, na cidade de São Paulo.
Nesta fase, o colecionador começou a coletar objetos diferentes para colocar no
Museu. Além dos carros começaram a aparecer motores, aviões, máquinas de guerra, tanques,
máquina registradora, etc. A esposa explica que tudo o que fosse antigo, mas representasse o
avanço tecnológico de certa época, o colecionador adquiria e restaurava.
Ao longo de sua vida Eduardo Matarazzo coletou, restaurou e preservou, cerca de 145
(cento e quarenta e cinco carros), 19 (dezenove aviões), 8 (oito) motocicletas, 29 (vinte e
nove) tratores/caminhões/locomotivas/guinchos, 44 (quarenta e quatro) peças bélicas e 84
(oitenta e quatro) peças antigas diversas, além de outros objetos.
19
Cabe mencionar que a paixão colecionadora de carros, denomina-se atualmente Antigomobilismo. Nesta nova
fase de colecionar carros antigos, busca-se constantemente, o reconhecimento de originalidade de carros através
da placa preta. Previsto na lei nº 9503, de 23 de setembro de 1997, do novo Código Nacional de Trânsito, no
Capítulo IX, Seção I, art. 96, letra g, Anexo I, o automóvel de coleção é aquele que mesmo tendo sido produzido
a mais de trinta anos, conserva suas características originais de fabricação e possui valor histórico próprio. A
resolução nº 56 do Contran, de 21 de Maio de 1998, estabelece que para que se possa utilizar deste tipo de
emplacamento especial é necessário que: 1 – o carro tenha sido fabricado há mais de 30 anos; 2 – que as
características originais de fabricação tenham sido preservadas; 3 – que integre uma coleção; 4 – que apresente
certificado de originalidade, reconhecido pelo Denatran. O certificado de originalidade é expedido por entidade
credenciada pela Federação Brasileira de Veículos Antigos ou pelo Denatran, após pagamento de taxa e
atendimento de alguns requisitos que equivalem a pontos, tais como: motor, farol, rodas, pneus, voltagem,
pintura, estofamento, câmbio, carroceria, chassis, espelhos, volante, painel, pára-choques, entre outros.
(Informações disponíveis no site: http:\\www.vccnh.com.br/placa_preta.htm).
87
Torna-se relevante para o entendimento do perfil do colecionador Eduardo Matarazzo
descrevermos a formação e o processo de restauro dos objetos da coleção, utilizando como
fonte básica as entrevistas realizadas com base no questionário da autora Susan Pearce (2005).
3.3 Eduardo Matarazzo, sua coleção de automóveis e objetos antigos
Eduardo Matarazzo foi um homem fascinante que começou a colecionar seus carros na
década de 40. Restaurava e colecionava carros das mais diversas marcas e modelos.
Juntamente com o cunhado Roberto Lee colecionavam carros, já em 1948 e expunham seus
carros em galpões das IRFM. De acordo com Kamide e Pereira (1998, p.49), Roberto
Eduardo Lee contava em 1962, com uma coleção de 20 carros e isto fez com que ele,
juntamente com o apoio do governo do estado, fundasse em 1963, o Museu Paulista de
Antiguidades Mecânicas, localizado na cidade de Caçapava-SP.
Francisco Eduardo diz que o pai e o tio “compravam carros juntos, de três faziam dois,
trocavam peças”. A relação entre eles perdurou mesmo com a separação de Roberto Lee e
Maria Pia Matarazzo.
Francisco Eduardo relata que o pai tinha um carinho muito grande pela sobrinha
Mariângela Matarazzo Lee e antes de falecer, Roberto Lee havia pedido “a papai [...] pra ele
tomar conta da Mariângela, olhar pela Mariângela, apesar de ela ter sido criada muito pelos
meus avós também, pela mãe, pela Maria Pia ...; mas que meu pai olhasse pela Mariângela”.
Após esta fase, em que trocou informações e compartilhou compra de objetos,
Eduardo Matarazzo começou a traçar uma linda trajetória para sua coleção.
Para resgatar vários aspectos e características do perfil colecionador de Eduardo
Matarazzo, decidiu-se por utilizar um questionário elaborado por Pearce (2005, p.292-295)
em que são analisadas as relações entre colecionador e coleção. Tal questionário deveria ser
aplicado diretamente aos colecionadores, mas especificamente neste caso, tivemos que fazer
algumas adaptações, já que o colecionador não poderia respondê-lo. Trabalhou-se com
pessoas que estiveram próximas a vida particular dele – esposa, filho e filha – e com pessoas
próximas ao seu hobby de colecionar e restaurar – funcionários do Museu e da Fazenda.
Foram levantados e analisados vinte e dois aspectos sobre esta relação colecionador-coleção:
3.3.1 Quantidade de itens na coleção;
3.3.2 Marcos iniciais da coleção;
88
3.3.3 Formas de aquisição das peças: troca, clube de colecionadores, compras, contatos
informais, etc;
3.3.4 Valores gastos na compra de uma peça desejada;
3.3.5 Formas de procura pelas peças: busca constante por peças ou aguarda a oferta;
3.3.6 Interesse na procedência da peça;
3.3.7 Registros materiais de informações sobre as peças;
3.3.8 Identificação de marca própria em cada peça;
3.3.9 Busca por fontes de informação sobre as peças;
3.3.10 Tempo gasto na coleta e apreciação da coleção;
3.3.11 Local de acomodação das peças;
3.3.12 Arranjo da coleção
20
;
3.3.13 Para quem a coleção era exposta;
3.3.14 Por que do ato colecionar, seja por gosto, por preenchimento de algo, por
lembranças (no sentido de memórias);
3.3.15 A relação entre a coleção e outras atividades cotidianas;
3.3.16 Grau de importância da coleção na vida do colecionador;
3.3.17 Uma peça “valiosa” poderia ser vendida?;
3.3.18 Se o colecionador visualizava a completude da coleção;
3.3.19 Existência de uma peça favorita;
3.3.20 Existência de uma peça almejada;
3.3.21 Em algum momento sentiu que nunca deveria ter começado;
3.3.22 Faria tudo novamente.
Procurou-se aplicar o maior número de perguntas, visando analisar e recolher o
histórico da formação da coleção, para poder compreender o que o levou a torná-la uma
coleção visível ao público, permitindo o processo de institucionalização. Não utilizou-se o
questionário todo, já que algumas perguntas seriam aplicadas exclusivamente ao
colecionador.
3.3.1 Quantidade de itens na coleção
20
Utilizamos, também, os termos: organização e disposição da coleção durante as entrevistas.
89
É longo o histórico da coleção de Eduardo Matarazzo, pois esta se iniciou na década
de 40 e se desenvolveu de forma acelerada. A paixão do colecionador por carros era tão
grande que chegou a montar uma oficina, apenas para realizar os restauros dos carros e partir
daí, o número de peças não parou de crescer, levando-o a formar uma das maiores coleções do
país. Como todo colecionador, sua intenção inicial era manter a coleção para apreciação e
satisfação própria. Porém, os amigos sugeriram que a tornasse pública e criou, juntamente
com estes, o “Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos”, no ano de 1964, na cidade
de São Paulo. A partir da formação desta sociedade civil, sem fins lucrativos, chegou-se ao
objeto de estudo desta pesquisa o Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André
Matarazzo”, criado no ano de 1969, na cidade de Bebedouro-SP.
O Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André Matarazzo”, atualmente,
tem sede social em Guaranésia-MG, filial nº 1 em Bebedouro-SP, filial nº 2 em Antonina-PR
e a oficina de restauro, na Fazenda Santa Cruz do Pau D´Alho, em Bebedouro-SP. De forma
mais criteriosa, descreve-se no capítulo 4, a trajetória percorrida pela coleção iniciada na
década 40 e existente até os dias de hoje: passa-se à forma como foi instituída a parceria
público-privado em que Prefeitura Municipal de Bebedouro cede um espaço físico para
exposição e a concessão da coleção a ser exposta, por Eduardo André Matarazzo.
Esta divisão civil da sede social, filiais 1 e 2, vem esclarecer sobre a divisão do acervo
que constitui a coleção de Eduardo Matarazzo. Em seu total, a coleção conta com 145 (cento e
quarenta e cinco) carros, divididos da seguinte forma: na sede social não se encontra nenhum
carro, na filial nº 1 se encontram 90 (noventa) carros, a filial nº 2 encontram-se vinte e oito
carros e na Fazenda Santa Cruz do Pau D´Alho, encontram-se 27 (vinte e sete) aguardando
processo de restauro
21
.
A filial nº 1 possui em seu acervo, além dos 90 carros, mais 19 (dezenove) aviões, 08
(oito) motocicletas, 29 (vinte e nove) tratores/caminhões/locomotivas/guinchos, 84 (oitenta e
quatro) objetos antigos diversos e 44 (quarenta e quatro) peças bélicas.
Elaborou-se um quadro para que a quantidade de objetos pudessem ser melhor
visualizada. Utilizou-se uma “classificação” elaborada por Patrícia Matarazzo e que será
abordada no item 3.3.12.
21
Estes carros foram adquiridos pelo colecionador antes de seu falecimento. A filha diz que neste momento não
é prioridade realizar os restauros destes carros, já que a enchente de fevereiro de 2006 danificou boa parte do
acervo que já havia sido restaurado.
90
CARROS
Nacionais 18
Americanos 47
Órfãos 11
Linha Chrysler / Mopar 10
Linha Cadillac 04
Ford 11
Linha Chevrolet 11
Europeus 24
Carros franceses 02
Carros italianos 04
Carros ingleses 11
Carros alemães 06
Carros suecos 01
TOTAL DE CARROS 90
AVIÕES
Aviões 18
Helicópteros 01
TOTAL DE AVIÕES 19
MOTOCICLETAS
Motoneta 03
Motocicleta 04
Bicicleta Motorizada 01
TOTAL DE MOTOCICLETAS 08
TRATORES / CAMINHÕES / LOCOMOTIVAS / GUINCHOS / BONDE
Trator 16
Caminhão 08
Locomotiva 03
Guincho 01
Bonde 01
TOTAL DE T./C./L./G./B. 29
OBJETOS MUSEU
Motor 19
Avião 04
Popa 03
Estacionário 03
Elétrico 01
Carro 08
Bomba 15
Gasolina centrífuga 02
Gasolina 11
Água 02
Farol de avião 02
Telégrafo 01
Vitrola 01
Máquina registradora 01
Prensa 04
de jornal 02
de azulejo 02
91
Cofre 02
Pás de hélice 06
Compressor de refrigeração 01
Gasogênio 02
Pistão 01
Radiador 02
Câmbio hidramático 01
Caixa de câmbio 01
Girabrequim com volante 02
Rádio de avião 03
Escafandro 01
Diferencial e caixa de direção 01
Urdideira 03
Tear de madeira 03
Fogão de metal de guerra 02
Espremedor de laranja 2 bocas 01
Máquina de espremer laranja 01
Swing Fog 01
Morsa 01
Olofote contra incêndio 01
Painel 02
Painel 01
de navio 01
Antena para radar 01
Geladeira 01
Kart 01
TOTAL DE OBJETOS 84
PEÇAS BÉLICAS
Motor 12
Turbina 02
Pá de hélice 06 pares
Torpedo 01
Lança Torpedo 01
Morteiro 01
Mina marítima 01
Canhão 13
Jeep anfíbio 03
Carro de combate 04
TOTAL DE PEÇAS BÉLICAS 44
FAZENDA
Carros 27
ANTONINA
Carros 28
Locomotivas 02
Quadro 3 – Relação quantitativa de objetos da coleção de Eduardo Matarazzo
92
É grande o número de objetos, bem como, a diversidade tipológica. Esta diversidade
instiga a procura de uma explicação plausível, já que a coleção inicialmente seria apenas de
carros.
3.3.2 Marcos iniciais da coleção
Eduardo Matarazzo começou a restaurar e colecionar carros na década de 40,
utilizando as oficinas do Parque da Água Branca, da família Matarazzo, na cidade São Paulo,
para desenvolver o que seria uma de suas maiores paixões. Entre 1953 e 1955, constrói uma
casa na Rua Guatemala (em São Paulo), com uma grande garagem, na qual, monta uma
oficina equipada e passa a trabalhar com o auxílio de funileiros, pintores, mecânicos e
eletricistas, sempre supervisionando tudo.
O filho Francisco Eduardo se recorda que em 1950, quando os pais se casaram, o
hobby do restauro e da coleção dos automóveis já existia. A filha Patrícia diz que o pai
adquiriu uma Isotta Fraschini (foto 27), não pôde afirmar com precisão a data, que tornou-se o
marco inicial da coleção. Após o restauro da Isotta Fraschini, vieram um Opel e uma
Mercedes K. Night. A partir daí, pelas informações coletadas, o colecionador não parou mais
de adquirir carros antigos e restaurá-los.
Durante toda a pesquisa, trabalhou-se com a hipótese de que as paixões, pela mecânica
e pelo restauro, teriam levado Eduardo Matarazzo à empreitada colecionadora que realizou,
porém, não conseguiu-se identificar com precisão a resposta.
Através da infra-estrutura montada, na oficina da Rua Guatemala, tornou-se um marco
que definiu a fase do restauro e da coleção, que daria origem à instituição Museu, já que é
através desta oficina, que o processo de restauro toma maiores proporções.
O filho, Francisco Eduardo, diz que a casa da Rua Guatemala era fantástica e a oficina
perfeita. Dois subsolos dedicados às suas paixões: o restauro dos carros e o trem elétrico
22
.
[...] na garagem da casa, tudo foi mantido pelo proprietário atual. Como
num posto de gasolina. Ele tinha um elevador mecânico, os carros subiam e
os carros desciam, os carros a serem consertados. Então a garagem, era para
os carros do dia a dia da família e em baixo tinha a oficina, com as
máquinas, com livros, com ferramentas, e com vários carros ao mesmo
tempo, isto era um subsolo. E havia um outro subsolo, acredito eu, que
maior, onde havia o trem elétrico. Que ele não deixava eu brincar!
22
O trem elétrico é uma outra coleção de Eduardo Matarazzo. Começou a ser montado aos dez anos de idade e
até sua morte nunca parou de crescer. A coleção está dividida em duas fases: a primeira representou a cidade do
Rio de Janeiro e hoje, toma uma grande sala da Fazenda Santa Cruz do Pau D´Alho. A segunda fase, ainda
estava se desenvolvendo, representaria a cidade de São Paulo. O projeto não foi concluído devido a sua morte.
93
A esposa, Eneida Matarazzo, descreve a oficina:
[...] tinha uma garagem muito grande e parte da garagem ele fez uma sala
grande, um salão muito grande onde instalou todo maquinário necessário
para reforma, conserto e pintura, etc e tal dos carros. E continuou
reformando esses carros. Como tinha elevador, levava os carros para essa
sala e reformava e depois ele ia guardando num pátio.
Conseguiu-se recuperar algumas imagens da oficina e também, do trenzinho que foi
outra paixão do colecionador:
Fonte: Patrícia Marta Matarazzo
Verifica-se que não se pôde definir com precisão, quais os marcos iniciais desta
coleção, mas levantaram-se dois tipos de marcos: marco temporal com a definição de um
objeto e o marco estrutural, com a implantação da oficina de restauro. A história da coleção
Foto 3 – Oficina Rua Guatemala Foto 4 – Oficina Rua Guatemala Foto 5 – Oficina Rua Guatemala
Foto 6 – Oficina Rua Guatemala Foto 7 – Trenzinho
94
nos introduz e instiga a compreensão das demais etapas do processo restaurador e
colecionador. A aquisição das peças será uma das primeiras etapas a serem analisadas.
3.3.3 Formas de aquisição das peças
Quando se fala na coleção de Eduardo Matarazzo, pode-se compreendê-la em dois
momentos: um antes da institucionalização da coleção e o outro, depois da institucionalização
da coleção, com a formação do Museu.
Num primeiro momento, o colecionador adquiria os carros, exclusivamente, através de
compras. Pôde-se observar nas entrevistas de Francisco Eduardo
23
e Eneida Matarazzo que o
termo “comprar” é uma constante quando se referem à aquisição dos carros por parte do
colecionador. O filho diz que a compra podia ser em parceria, como no caso, com Roberto
Lee “eles compravam carros juntos, de três faziam dois, trocavam peças”, ou que apenas
“comprava as coisas desativadas das pessoas”.
Eneida Matarazzo relata que o marido não perdia negócio quando aparecia. Tinha
visão sobre o que comprar, analisava o valor do raro “valor histórico, valor técnico ou
modelagem, quer dizer, ele conhecia muito, ele entendia muito, ele sabia qual era o carro que
poderia ter valor dentro de uma coleção” e por isso “ia comprando”.
Num segundo momento, Eduardo Matarazzo comprava seus objetos de desejo, mas
também, ganhava alguns carros de pessoas próximas, recebia doações de objetos para o
Museu e realizava comodatos com órgãos públicos e privados.
A compra de carros para restauro nunca parou de acontecer por parte do colecionador,
tanto que, quando faleceu deixou 27 carros na fila do restauro. A esposa diz, que estes carros
estão na fazenda “cobertos por uma lona. Comprados para serem reformados”. O funcionário
Sr. Anésio Buzon diz que “Se ele passava num lugar e via um carro que estava vendendo e
que interessava para ele, uma marca de carro que ele não tinha, ele comprava daí uns dias o
caminhão ia lá buscar”.
A doação vinha de amigos, parentes próximos e instituições governamentais que
doavam na maioria das vezes, aviões. A esposa diz que no caso dos aviões “ele comprou
alguns e outros foram doados” e outros objetos foram doados por “amigos dele”.
23
Francisco Eduardo diz que o pai também ganhou um carro do Conde Sandu, da família da Livraria Siciliano,
que era amigo do pai de Eduardo Matarazzo, mas, como a data não foi precisa optamos por não colocar a doação
como forma de aquisição neste momento.
95
De acordo com Sr. João Martins, o avião Douglas DC-6 foi uma “doação” da Varig,
um dos Kart foi “doado pelo Fitipaldi” e o outro por “Francisco Scarpa”. Algumas peças
bélicas foram doadas por órgãos públicos, como o canhão pelo Ministério da Guerra do
Brasil, o avião Fairchild T-19 260-A, prefixo PP-GAY, doado pelo Ministério da Aeronáutica
e o torpedo MK-8 doado pelos Fuzileiros Navais de Santos.
Outros tantos objetos, a maior parte aviões, caminhões de guerra e peças bélicas são
resultantes de comodato. É o caso do Caça AT 33, cedido em comodato pelo Ministério
Aeronáutico do Recife e do North American, em comodato pelo Ministério da Aeronáutica.
Patrícia Matarazzo cedeu algumas listagens com informações sobre esses objetos do
Museu e a partir delas elaboram-se tabelas padronizadas que se encontram no Apêndice I para
consulta.
As doações e os comodatos envolviam a Prefeitura Municipal de Bebedouro e
Eduardo Matarazzo que muitas vezes pagava o transporte dos objetos, mas as compras
envolviam o financeiro do colecionador.
3.3.4 Valores gastos na compra de uma peça desejada
Eduardo Matarazzo não media esforços para conseguir uma peça. Durante toda a vida
dedicou parte dos seus recursos financeiros para sustentar a paixão pelos carros. Sua mãe,
Condessa Mariângela Matarazzo, não gostava que ele gastasse tanto com o hobby do restauro,
mas a paixão era maior.
Não conseguiu-se obter referências quanto a valores monetários, porém, apresentam-se
os esforços sentimentais e materiais investidos pelo colecionador para conseguir as peças
montar a infra-estrutura do processo de restauro.
Quando Eduardo Matarazzo mudou-se para Bebedouro, transportou consigo todo o
equipamento da oficina da Rua Guatemala, ampliando seu espaço físico, seus equipamentos e
a produção de objetos restaurados. Com o passar dos anos, na Fazenda Pau D´Alho, a oficina
passou a ocupar vários galpões. Foram criados espaços para marcenaria, borracharia, sala de
pinturas, sala de tornos e equipamentos específicos para o restauro, depósito de peças antigas,
galpões para as diversas fases do restauro, elevador de carros e lava rápido. Abaixo são
apresentadas fotos que elucidam esta infra-estrutura, bem como, a organização mantida pelo
colecionador no que se refere às peças menores como ferramentas e parafusos. No intento de
manter o material adquirido e o bom funcionamento dos restauros, Eduardo Matarazzo
pintava o painel de ferramentas de vermelho, contornando as chaves em branco, para
96
visualizar quando alguma estivesse faltando (seguindo uma prática americana); os parafusos
eram organizados por tamanho e finalidade (para que tipo de objeto era utilizado) e
acomodados em vidros.
Fonte: Wilza Aurora Mattos Teixeira
Foto 8 – Galpões
Oficina Fazenda Pau D´Alho
Foto 9 – Borracharia
Oficina Fazenda Pau D´Alho
Foto 10 – Sala de Torno
Oficina Fazenda Pau D´Alho
Foto 11 – Sala de regulagem de motor
Oficina Fazenda Pau D´Alho
Foto 12 – Sala de pintura
Oficina Fazenda Pau D´Alho
Foto 13 – Elevador de carros
Oficina Fazenda Pau D´Alho
Foto 14 – Organização das Ferramentas
Oficina Fazenda Pau D´Alho
Foto 15 – Organização de parafusos
Oficina Fazenda Pau D´Alho
97
Os esforços para obter as peças desejadas eram incalculáveis. Acredita-se que seja
interessante contar algumas histórias sobre a aquisição e transporte dos objetos, entre elas a da
Mercedes Benz, do caminhão do Mazzaropi, dos carros Jornada, transporte de aviões e da
porta de entrada do Museu.
Certa vez, Eduardo Matarazzo ficou sabendo da existência de uma Mercedes, peça
única no país, que pertencia ao Consulado Alemão. Seu fascínio foi tanto, que insistiu durante
um ano para o representante do Consulado vendê-la, mas não obteve sucesso. Colocou então
um profissional para seguir o carro, como relata a filha Patrícia Matarazzo:
O que tinha, é que quando ele cismava com alguma coisa, aí ele ia atrás. A
gente tem a história lá de uma Mercedes, que era do Consulado Alemão, e
que ele cismou que queria o carro, e o Consulado não queria vender; ele
ficou um ano atrás do carro e o Consulado não vendia. Aí um dia ele
resolveu colocar um cara atrás do carro. Você vai andar atrás do carro até
dar um jeito de comprar esse carro. E a pessoa ficou seguindo o carro e
bateram o carro. E assim que bateu ele foi lá e comprou. Então, ele era fogo.
Se ele queria uma coisa ele ia fazer até ele conseguir. Mas não por ela ser
especial ou um carro caro, ou um carro isso, ou um carro aquilo, um carro
que ele achasse interessante. Essa era uma Mercedes Bens, uma Mercedes
muito rara e aí é que está, pra você ver, como ele tinha um carro muito raro,
que foram fabricadas poucas unidades, ele lembra um Fusca, você olha você
nunca vai dizer que é uma Mercedes e por isso eu acho que ele viu a
raridade no modelo e quis ter.
Abaixo pode-se visualizar a tão almejada Mercedes do Consulado Alemão, que se
encontra em exposição no Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André
Matarazzo”.
98
Fonte: Wilza Aurora Mattos Teixeira
Outro objeto de desejo, foi um caminhão Ford 60, usado durante muitos anos pelo ator
Mazzaropi em suas gravações. Através de algumas informações obtidas em São Paulo, o
colecionador conseguiu comprar o caminhão, que veio “rodando de São Paulo, com galão de
gasolina” e um “farol só”, diz Sr. Anésio Buzon. Algumas modificações foram feitas durante
o restauro desta peça. O motor à gasolina foi substituído por um a diesel, foi colocado ar
condicionado para refrigerar a cabine e a parte traseira da carroceria, trocaram o banco
original que cabiam por volta de seis pessoas, por um banco de D-20 que cabem cerca de três
pessoas. O restante do caminhão foi restaurado de acordo com o original, mantendo-se
inclusive a plataforma superior do caminhão com as tomadas onde Mazzaropi ligava seus
equipamentos. Para o funileiro de Eduardo Matarazzo, Sr. Valdemir Mariano, “O carro que
deu mais trabalho foi o do Mazzaropi, porque era bastante grande e eu fiz ele sozinho. E o Sr.
Eduardo olhando, ele olhava tudo. Trabalhava aos sábados, trabalhava até tarde e ele ficava
ali”.
Atualmente, este caminhão está coberto com encerado na Fazenda Pau D´Alho.
Foto 16 – Mercedes Benz – Consulado Alemão
Foto 17 – Mercedes Benz – Consulado Alemão
99
O Sr. Anésio Buzon conta que certa vez, o colecionador comprou dois exemplares do
Modelo Jornada, da Volkswagen, que é um carro feito “todo fibra de vidro” e com “carcaças
de um bloco só”. Os carros foram adquiridos em Curitiba-PR e o colecionador enviou um
funcionário para fazer o transporte, mas chegando na cidade de Ourinhos-SP, um policial
rodoviário “prendeu e teve que descarregar, o caminhão veio vazio”, passado uns tempos o
caminhão voltou para buscar as carcaças novamente.
O Sr. João Martins relatou sobre o caso do transporte de um avião. Ele e mais alguns
funcionários foram transportar um avião do Aeroporto de Cumbica para a Cidade
Universitária, em São Paulo, a pedido do colecionador. No meio do percurso, o avião ficou
preso debaixo da Ponte da Freguesia do Ó. Por se aproximar a noite e grande tumulto se
formou, gerando várias especulações, inclusive de que o avião havia caído enquanto estava
voando. O colecionador foi comunicado e veio até o local ajudar a resolver o problema.
A esposa diz que os aviões davam muito trabalho para transportar de São Paulo para
Bebedouro. “Tinha que se mobilizar com a polícia militar, com o Detran para fechar as
estradas, para vir na frente as motos abrindo o caminho, tirava as asas, dava um trabalho
enorme para trazer isso”.
Outro episódio curioso descrito pelo Sr. João Martins aconteceu por volta de 1985,
1986, quando o colecionador mobilizou o engenheiro da Prefeitura Municipal de Bebedouro,
para que fosse realizado um estudo de cálculos de peso e altura dos aviões porque ele gostaria
de colocar na parte interna do Museu alguns aviões menores. Após os cálculos, o
colecionador orientou os pedreiros para que fossem feitas pilastras que iriam sustentar o peso
dos aviões e seriam apoiados por cabos de aço. Após a reforma interna, quebraram uma das
paredes de acesso ao pavilhão para que o avião (semi montado) fosse colocado e novamente
montado.
A última história sobre os empenhos, se refere à porta de um cofre do Banco do Brasil
que foi colocada na entrada principal do Museu. Após a primeira enchente em 1983 o
colecionador resolveu colocar a porta do cofre para evitar a entrada de água. O Sr. João
Martins conta que o cofre veio de São Paulo trancado e alguns técnico de lá vieram para tentar
abrir a porta, porém não tiveram sucesso. Um chaveiro de Bebedouro, Sr. Trinca, conseguiu
abrir a porta e na hora, o colecionador decidiu onde seria colocada “vou elevar a entrada do
Museu, por causa das enchentes e essa porta do cofre vai ser a porta do Museu”. Para o Sr.
João Martins, a intenção era “mostrar que atrás dessa porta existia um tesouro”.
100
3.3.5 Formas de procura por peças
Na década de 50, já existia um comércio de antiguidades automobilísticas, na cidade
de São Paulo. Eduardo Matarazzo utilizava os serviços especializados prestados por
profissionais que se dedicavam a rastrear raridades, na cidade de São Paulo e região. De
acordo com Eneida Matarazzo, o marido utilizava esse tipo de prestação de serviço porque já
sabia quem vendia carros antigos. “[...] No domingo de manhã saía pra visitar, ver quem tinha
carros antigos pra vender, escolher algum pra comprar. Ele conhecia tudo, ele lembrava de
tudo, Eduardo tinha uma memória inacreditável [...]”. Como viajava muito por negócios
24
,
fazia contatos com profissionais de todo o mundo
25
, por várias vezes, obteve informações de
raridades fora do Brasil e algumas vezes adquiriu peças importantes para seus restauros. Ela
disse que muitos carros foram comprados na Argentina,
[...] porque naquela época podia, era permitido trazer pelos portos, então
naquela época não havia interesse por carros antigos, esse interesse é muito
mais recente. Havia uma fábrica da Matarazzo na Argentina, então quando
ele ia visitar a fábrica muitas vezes ele comprava os carros.
De acordo com o funcionário Sr. Anésio Buzon, Eduardo Matarazzo tinha “muitos
amigos, em todas as cidades ele tinha muitos amigos, conhecidos” que permitiam os contatos
e os acessos às informações estratégicas.
Outra fonte de informações, para suas aquisições de novos objetos para a coleção e
peças para o restauro, era o Automóvel Clube do Brasil, do qual foi presidente nos anos de
1953 e 1954 (época em que construiu a nova oficina, na casa da Rua Guatemala).
Na década de 60, com a fundação do “Museu de Armas e Veículos Motorizados
Antigos”, em São Paulo, outra fonte de notícias e troca de informações especializadas passou
a existir.
Através dos contatos, deixava avisado sobre seus objetos de interesse, mas, às vezes,
lhe ofereciam peças que interessavam e acabava comprando. Verifica-se, portanto, que o
colecionador aguardava a oportunidade e após a confirmação, se articulava até conseguir.
24
De acordo com o funcionário Sr. Anésio Buzon, Eduardo Matarazzo tinha um mapa mundi pregado na parede
da Fazenda, no qual marcava, quando chegava de viagem, com um alfinete de cabeça vermelha, os lugares para
onde tinha viajado. Sr. Anésio Buzon diz “tem país que ele foi mais de cem vezes, duzentas vezes”.
A filha Patrícia diz que existiram não só um mapa, mas vários mapas, que ficavam na Fazenda de Bebedouro,
na casa de São Paulo e no escritório da família, em Bebedouro. Ela também diz que nos últimos anos os mapas
ficaram defasados, pois, ele não mais indicava os lugares que tinha viajado.
25
Existiam entre estes profissionais, alguns “olheiros” que indicavam as raridades.
101
Por exemplo, o caso do avião da Esquadrilha da Fumaça. Em agosto de 1976, o Major
Brigadeiro do Ar, Stetison Machado de Carvalho (conselheiro juntamente com Eduardo
Matarazzo no Museu de Tecnologia de São Paulo), atuante no Ministério da Aeronáutica em
Brasília, passou a informação de possibilidade de Bebedouro receber um avião da Esquadrilha
da Fumaça. Eduardo Matarazzo pede ao Prefeito Municipal para enviar uma carta pediu a
doação desta peça para o Museu de Bebedouro. O Major Stetison interveio e ajudou a liberar
a peça, que está atualmente no Museu.
Apesar de saber onde encontrar um exemplar da peça que desejava, não fica claro nas
coletas, se o colecionador se interessava pela procedência do objeto.
3.3.6 Interesse na procedência da peça
A procedência dos objetos não era extremamente relevante, pois poucos carros e
alguns objetos apresentam em seu histórico a trajetória percorrida. Somente em casos como o:
Packard Limousine, usado por presidentes nacionais; o Kart utilizado por Fitipaldi em
corridas; o helicóptero que transportou o governador Adhemar de Barros e o avião Douglas
DC-3, que acompanhou a seleção brasileira de futebol em 1958, durante a primeira copa de
Pelé. Acredita-se que, a maior importância estava no exemplar, como representação de uma
época de produção e não necessariamente em quem o utilizou.
3.3.7 Registros materiais de informações sobre as peças
O registro de informação sobre a coleção foi um dos aspectos mais difíceis
encontrados, pois além do colecionador ter falecido, não existe o registro escrito. Esta é uma
característica típica de colecionador: o interesse pelos objetos é tão grande que ele não se
preocupa em registrar as dificuldades encontradas para obter as peças, detalhes importantes de
restauro ou de busca, procedência, etc, que em coleções institucionalizadas são de extrema
importância.
Os Srs. Anésio e Valdemir deram notícias de que Eduardo Matarazzo registrava em
fotos o antes e o depois dos restauros, porém não houve tempo hábil para investigar o assunto.
Quando questionada, a filha diz não saber deste fato.
Este aspecto dos registros em suporte material é de extrema relevância para a área da
Ciência da Informação que trabalha especificamente, com a informação explícita e registrada
102
para que essa possa ser recuperada. As instituições coletoras trabalham com o objeto como
documento entendido como tal, na concepção da Documentação.
Já o colecionador, se preocupa com os objetos de sua coleção enquanto reprodução de
sensações e ligações emotivas. Essa materialidade dos objetos basta ao colecionador, pois as
pontes ou conexões de identidade estão estabelecidas dentro de si, em resgates de suas
lembranças, muitas vezes. Ou seja, a preocupação com a informação se dá apenas no âmbito
do tácito.
Nesta pesquisa, as recuperações ocorreram graças à documentação produzida durante
o processo de institucionalização, no que se refere ao Museu, mas pouco se sabe sobre as
peças que compõem o acervo. Desde 1972, quando foi criada a Diretoria Patrimonial
26
, as
informações específicas sobre as peças, suas trajetórias, suas documentações e especificações
enquanto acervo, deveriam ficar registradas em um arquivo sob responsabilidade dos diretores
representantes deste Conselho, porém em vias de fato, este arquivo nunca existiu.
Para situar o processo de análise e representação de objetos em museus, consultou-se o
“Manual para preenchimento da ficha de objetos” 2ª versão (1994), utilizado no Museu
Paulista
27
, do qual são extraídas, de forma padronizada, as informações que preenchem os
campos apresentados no esquema:
26
As informações sobre as responsabilidades da Diretoria Patrimonial estão descritas no capítulo 4, na análise do
estatuto de 1972.
27
Tivemos acesso apenas a esta versão do manual, que utilizamos como base comparativa, para análise do que é
realizado no Museu Matarazzo. Não foi nosso objetivo realizá-la de forma tão profunda, neste momento, por isso
não procuramos saber se há uma versão mais atualizada deste manual.
103
Identificação
Situação
Thesaurus
Acessórios
Autor/Fabricante
Localiza
ç
ão
Cole
ç
ão
Conjunto
Termo vernacula
r
Denomina
ç
ão
Registro Geral
OBJETOS
Marca
Casa comercial
Inscri
ç
ões
Ori
g
e
m
Cronolo
g
ia
Estilo
Dados Técnicos
Fun
ç
ão
Material
Dimensões
Altura
Diâmetro
Com
p
rimento
Lar
g
ura
Profundidade
Es
p
essura
Peso
Calibre
Descrição
Descrição textual
Fotografia
N
º Negativo e cópia empréstimo
Histórico
Conservação
Estado
Intervenções sofridas
Recomendações
Registros
Nº Museu Paulista
Nº RUSP
Denominação anterior
Nº anteriores
Nº processo
Doação, compra, outros
Doc. nº
Fonte
Data
Termos de aquisição
Valor (R$)
Avaliação (US$)
Avaliador
Quadro
104
Pode-se observar que no Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André
Matarazzo” ainda não existem princípios organizacionais, como acontece no Museu Paulista.
Sabe-se que a comparação é radical, mas o intuito é mostrar a necessidade que existe de se ter
um registro e tratamento informacional da coleção, inclusive para melhor aproveitamento por
parte do público.
Na gestão atual foi elaborada uma listagem em que são descritos os dados dos objetos
(como um inventário). Ainda não há uma padronização para esta descrição, mas elaborou-se
tabelas
28
a partir das listagens fornecidas. Ressalta-se que a área de “Numeração seqüencial
atribuída” foi criada pela filha do colecionador, após a institucionalização da coleção, mas não
representa a ordem de chegada dos objetos no Museu.
Apesar dos esforços de Patrícia Matarazzo, a falta de uma área técnica para trabalhar
com a organização dos objetos, com o processamento técnico das informações e com o
público, é uma realidade.
No esquema abaixo, pode-se entender os campos de descrição constantes das listagens.
28
Disponíveis no Apêndice I.
Circulação
Indexação
Indexação de informações do campo de descrição
OBJETOS
Bibliografias e fontes
Referências no acervo
Interna
Externa
Indexação de informações do campo histórico
Termos correlatos do thesaurus
Observações
Compilação
Esquema 1 – Modelo de fichas de objetos – Museu Paulista
105
C
O
L
E
Ç
Ã
O
Carros
Aviões
Motocicletas
Tratores / Caminhões / Locomotivas / Guincho
Objetos
N
umera
ç
ão Se
q
üencial
Designação do Objeto
Marca
Modelo
Ano
Co
r
Numeração Seqüencial
atribuída
Marca
Modelo
Série
Prefixo
Moto
r
Documenta
ç
ão
Ano
Características
Características do Moto
r
Fabricação
Informa
ç
ões Com
p
lementares
Peças Bélicas
Marca
Moto
r
Ano
Inform. Complementares
Designação do Objeto
Marca
Moto
r
Ano
Desi
g
na
ç
ão do Ob
j
eto
Ano
Marca
Inform. Com
p
lementares
Localização
Desi
g
na
ç
ão do Ob
j
etos
Modelo
Marca
Documenta
ç
ão
Ano
Classificação por Fabricantes
Localização
Classificação por países
Localização
Designação do Objeto
Quantidade
Série
Fabricação
Esquema 2 – Campos de descrição dos objetos do Museu de A. V. M. “Eduardo André Matarazzo”
106
Embora haja a falta dos registros sistemáticos das informações, existe no Museu uma
forma de registro muito utilizada entre os colecionadores, a marca própria.
3.3.8 Identificação de marca própria
Após o processo de restauro, Eduardo Matarazzo identificava suas peças com o
símbolo da “Scuderia Nero”, elaborado por ele mesmo. Procurou-se saber maiores
informações sobre o nome alusivo de Nero, mas não encontrou-se nenhuma fonte que
respondesse a tal questionamento.
A filha, Patrícia Matarazzo, diz que nem todos os carros eram identificados com este
símbolo e desconhecia qual o critério adotado para a implantação.
As fotos a seguir, permite visualizar o uso do símbolo na década de 70, em que foi
fundado o Museu e a conservação até os dias de hoje.
Foto 18 – Símbolo da “Scuderia Nero”
107
Com esta marca personalizada, um carro de Eduardo Matarazzo poderia ser
identificado entre os colecionadores. Curiosamente, este símbolo não era colocado em outros
objetos, apenas nos carros. Observa-se maior atenção com os carros, inclusive no
desenvolvimento de pesquisa prévia para o restauro dos mesmos. O colecionador chegou a
formar uma biblioteca especializada no assunto.
3.3.9 Busca por fontes de informação sobre as peças
Para a compra das peças, Eduardo Matarazzo utilizava seus contatos, mas não se sabe
sobre o foco da procedência. Antes de iniciar um restauro, realizava uma pesquisa exaustiva
sobre a peça. Prova disso é a biblioteca formada por ele, onde encontram-se livros
Foto 19 – Visão geral do Jeepster em 70
Foto 20 – Foco no símbolo da Scuderia – década de 70
Fonte: Patrícia Marta Patrícia
Foto 21 – Visão geral do Jeepster em
2007
Foto 22 – Foco no símbolo da Scuderia
- 2007
Fonte: Wilza Aurora Mattos Teixeira
108
especializados, catálogos sobre os automóveis, manuais de carros. O acervo
29
contém livros
sobre marcas e mecânica dos carros, revistas especializadas de carros antigos, nas mais
variadas línguas.
A existência das pesquisas vem desde o início dos restauros, pois Francisco Eduardo
diz que o pai realizava tudo “pesquisando, com livros, ele tinha oficina na casa dele, tinha os
funcionários, tinha as máquinas todas da oficina”.
Não souberam relatar se outras fontes eram consultadas, mas verificou-se que grande
parte de seu tempo era dedicado ao processo de restauro e à coleção.
3.3.10 Tempo gasto na coleta e apreciação da coleção
A dedicação à restauração dos automóveis, tomava boa parte do tempo livre de
Eduardo Matarazzo, quando não estava trabalhando, estava restaurando. Essa dedicação
sempre aconteceu, com menos intensidade quando do início, em 1950 e de forma mais intensa
no final de sua vida. Tais fatos podem ser verificados nas entrevistas concedidas por Patrícia
Matarazzo, Eneida Matarazzo, Sr. João Martins, Sr. Anésio Buzon e Sr. Valdemir Mariano.
Patrícia Matarazzo se recorda e descreve um desses momentos:
Lembro que desde pequena, meu pai passava toda noite restaurando, então
assim, a gente jantava e ia normalmente pra oficina. Eu gostava de martelar,
meu pai sempre me dava uma madeirinha, um martelo e punha uns pregos
lá e eu ficava lá sentada martelando, lembro bem disso. E assim, lembro de
ver meu pai a vida inteira ali, em cima, e mexendo, e como ele entendia,
tinha uma noção muito, muito particular dos carros, uma coisa não só de
aprendizado, mas de feeling mesmo, ele tinha muita intimidade com os
carros, e é isso mais que eu lembro assim.
Eneida se recorda, que vários carros eram restaurados ao mesmo tempo, alguns
poderiam demorar a ficarem prontos, porque muitas peças poderiam não ser encontradas no
país. Como exemplo, tem-se um Gardner, ano 1928, que está na coleção. Foi um carro
manufaturado com peças de diferentes lugares e com edição limitada de 12 exemplares, no
mundo todo.
Abaixo, podemos visualizar as fases do Gardner durante o processo de restauro na
década de 50 e exposto no Museu no ano de 2007.
29
A biblioteca a que nos referimos encontra-se até os dias de hoje, como o colecionador deixou.
109
O funcionário do Museu Sr. João Martins, diz que nas décadas de 70 e 80, o período
da entressafra da laranja era o período que chegava maior número de carros ao Museu, porque
“ele ficava mais sossegado, aí dava pra ele ficar mais atento ao Museu [...] Quando ele estava
em cima, aí saia mais carros, aí vinham mais carros pra cá. Mas quando ele estava ocupado
com as indústrias ou com as fazendas, então demorava”. Diz que a coleção era visitada pelo
colecionador “sempre que ele podia e estava em Bebedouro, ele passava sempre pelo Museu
[...]. Ele era observador, se ele visse alguma coisa estranha, ele conhecia isso aqui como a
palma da mão”.
A esposa diz que nesta época, Eduardo Matarazzo “trabalhava na Frutesp durante o dia
e a noite se dedicava ao restauro, o tempo todo, quer dizer (...) ele orientava os mecânicos que
não entendiam muito de carro, de carro antigo”.
Foto 23 – Processo de restauro - déc. 50
Carcaça de carro
Foto 24 – Processo de restauro -
Câmbio
Foto 25 – Processo de restauro -
Moto
r
Foto 26 – Isotta Fraschini 1925, após
restauro – década de 50/60
Fontes: Patrícia Marta Matarazzo
Foto 27 – Isotta Fraschini 1925, em
folder da década 70
110
O funcionário, Sr. Anésio, confirma que a dedicação de Eduardo Matarazzo era menor
no período em atuava nas IRFM, apenas no período da noite; no período da Frutesp, dedicava-
se parte da manhã e à noite, na melhor idade intensifica sua dedicação.
O Sr. Valdemir Mariano diz que nos últimos anos, Eduardo Matarazzo ficava mais
tempo na oficina, às vezes o dia inteiro. “A gente ainda brincava com o Sr. Eduardo, que ia
arrumar uma cadeira pra ele ali. Ele dormia no banco da caminhonete enquanto a gente estava
trabalhando naquela barulheira”. Às vezes “dava uma volta pela oficina assim, dava uma
olhada no serviço, entrava na caminhonete e ficava sentado lá e acabava dormindo de novo”.
Tanto a questão do tempo como a preocupação com a acomodação dos objetos,
permearam a vida do colecionador. Com a mudança de trabalho e de cidade, o colecionador se
preocupou em levar a coleção.
3.3.11 Local de acomodação das peças
Na década de 50, Eduardo Matarazzo tinha por volta de vinte carros e acomodava-os
na garagem da Rua Guatemala, mas quando a coleção começou a crescer passou a acomodá-
los, de forma espalhada, pelos galpões das IRFM.
Por volta de 64, passou a acomodar os carros no “Museu de Carros e Veículos
Motorizados Antigos”, na cidade de São Paulo, na Rua Gonçalo Camacho s/nº, Bairro
Pedreira, São Paulo – SP.
No final da década de 60 e começo de 70, começaram algumas negociações e na
procura de um espaço físico maior para abrigar sua coleção, que nesta época já estava com
cerca de quarenta peças, utilizou-se de contatos pessoais e políticos para levar sua coleção
para Bebedouro, terra natal da esposa Eneida Baptistete Matarazzo.
Em abril de 1969 é fundado o Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos
“Eduardo André Matarazzo”, na cidade de Bebedouro e em julho de 1970, com a inauguração
do Museu, os carros vão ocupando o novo espaço.
Quando inaugurou o Museu, Eduardo Matarazzo se mudou para Bebedouro, com toda
a infra-estrutura e com o fiel escudeiro Sr. Mirotti. Para a esposa, Sr. Mirotti além de
motorista de Eduardo Matarazzo, tornou-se um “faz tudo”. Cuidava do Museu junto com o
colecionador. Freqüentava o Museu diariamente, fazia os motores dos carros funcionarem,
cuidava de tudo. Os dois eram como “Dom Quixote e Sancho Pança era a própria dupla”. O
Sr. Anésio Buzon diz que o Sr. Mirotti trabalhou por quarenta anos com Eduardo Matarazzo e
era ele quem viajava nas estradas para buscar aviões e carros quando eram comprados pelo
111
colecionador. Sr. João Martins diz que Sr. Mirotti “era a menina dos olhos” dele, pois, era “o
segundo pai do Sr. Eduardo”.
Apesar de ter trazido toda a infra-estrutura para continuar o restauro, o prédio
construído para o Museu foi ficando pequeno para a coleção que não parou de crescer. Mais
dois pavilhões foram construídos para acomodar a coleção. Adaptaram as laterais do canal do
lago artificial, que está (mas não sabemos se já existia) coberta e que abrigam os caminhões e
tratores. A área externa era grande e foi sendo preenchida com esteira, guincho, locomóvel,
aviões e locomotivas.
Parte da coleção de Eduardo Matarazzo foi encaminhada para um galpão da família,
localizado no Porto de Antonina-PR; outra parte (que seria restaurada) se encontra na Fazenda
Pau D´Alho, nos galpões apresentados na foto 8 do item 3.3.4.
O arranjo existente nesta coleção pode ser observado em dois momentos: durante a
administração do Museu pelo colecionador e após sua ausência, pela filha.
3.3.12 Arranjo da coleção
Ao olhar a coleção de carros de Eduardo Matarazzo, observa-se a representação da
história da indústria automobilística, quanto ao valor histórico, tecnologia empregada, motor e
design. A esposa relata que o marido era freqüentador assíduo de museus de automóveis na
Europa e nos Estados Unidos e por isso seu vasto conhecimento sobre o assunto. Esse
conhecimento é percebido pelos velhos amigos e por especialistas em Antigomobilismo que
dizem que a coleção está muito bem agrupada, pois representa diversas marcas, épocas e
mostra o desenvolvimento do automóvel. De acordo com Patrícia Matarazzo, “[...] é muito
mais o desenvolvimento da máquina e isso acho que ele teve olho clínico”.
As peças eram adquiridas de forma aleatória, de acordo com as oportunidades que
surgiam. Para o colecionador não havia uma ordem na organização das peças enquanto
estavam sob sua tutela. A partir do momento em que as peças passavam para o olhar do
público, ele alterava o arranjo passando a sistematizá-lo por uma ordem cronológica de
produção dos carros. Patrícia Matarazzo diz acreditar que fosse arranjada por “ordem
cronológica a princípio e depois quando a coisa foi apertando e aumentando aí passou a não
ter divisão”. Eneida diz que para o marido “bastava a data, de onde e... é de 1920, 1924, etc
[...] acreditava que colocando carros de diferentes épocas, as pessoas automaticamente, viam a
evolução da indústria automobilística”.
112
O Sr. João Martins diz que “ele gostava de seguir o padrão, desde o mais antigo até o
mais novo”. Por exemplo, se chegasse um carro 1938 e a coleção já contasse com carros 1937
e 1939, Eduardo Matarazzo fazia com que os funcionários “andassem”
30
com todo o acervo,
para que o carro 1938 (recém-chegado) pudesse ser “encaixado”.
Nesta fase, o visitante do Museu tinha acesso apenas às informações disponibilizadas
através de pequenas placas de eucatex, onde eram descritos: nome do carro, ano de
fabricação, breve histórico do modelo e não da peça. Não havia nenhuma pessoa na função de
guia para conduzir os visitantes no passeio pelo Museu.
Infelizmente, não conseguiu-se uma boa resolução nas imagens abaixo, mas, procurou-
se apresentar as pequenas placas de descrição dos objetos utilizadas na década de 70.
Os motores, as peças dos aviões, os aviões menores e as peças bélicas ficavam
expostos pelos pavilhões. Os tratores e os caminhões ficavam agrupados por semelhança, os
aviões maiores expostos ao ar livre, arranjados por tamanho.
A organização da documentação e o arranjo da coleção foram mudados na atual
gestão.
O Museu encontra-se dividido em três “partes”. Na primeira parte, existem três
pavilhões internos, que recebem numeração de 1 (um) a 3 (três), numerando-se da entrada
oficial do Museu para o fim dos pavilhões, dedicados aos carros, pequenos aviões, diversos
objetos antigos, motores e algumas peças bélicas. Na segunda parte, 2 (dois) pavilhões
30
Termo que utilizamos na prática cotidiana da Biblioteconomia, para designarmos o encaixe de obras
classificadas em áreas específicas, quando o acervo se encontra fisicamente justo. “Andamos com o acervo para
encaixarmos o livro que acabou de chegar”.
Foto 28
Studebaker 1951, na década de 70
Foto 29 – Studebaker 1951, foco na placa com
descrição do nome do carro, ano e breve
histórico – década de 70
Fontes: Patrícia Marta Matarazzo
113
externos cobertos por uma estrutura metálica e divididos por um canal do lago artificial de
Bebedouro; de um lado estão os tratores e de outro os caminhões. Na terceira, fica a área
externa que acomoda os aviões, canhões, máquinas de esteira e locomotivas - objetos de
maior porte, tudo ao ar livre.
Os carros estão organizados por países, fabricantes, modelos e ano. A partir destas
categorias, os pavilhões foram reorganizados e os carros redistribuídos. As peças bélicas
ficaram reunidas em um único pavilhão e o restante das peças permaneceram da mesma forma
que estavam.
O arranjo atual segue uma classificação elaborada por Patrícia Matarazzo. Esboçou-se
um esquema de acordo com sua listagem.
114
Europeus
Americanos
Ingleses
Alemães
Suecos
Nacionais
Linha Chr
y
sle
r
Linha Cadillac
Linha Chevrole
t
Linha Ford
Italianos
Franceses
Fábricas Extintas / Incorporados
AVIÕES
Helicó
p
tero
Aviões
TRATORES / CAMINHÕES / LOCOMOTIVAS / GUINCHO
Caminhões
Tratores
Locomotivas
Guincho
CARROS
PEÇAS
BÉLICAS
Moto
r
Turbina
Pá de Hélice
Tor
p
edo
Lan
ç
a Tor
p
edo
Morteiro
Mina Marítima
Canhão
Jee
p
Anfíbio
Carro de Combate
Esquema 3 – Esquemas de classificação dos carros, aviões, T/C/L/G, peças bélicas – elaborado por
Patrícia Matarazzo
115
OBJETOS
ANTIGOS
Motor
Bomba
Estacionário
Elétrico
Gasolina
Água
Po
p
a
Avião
Telégrafo
Vitrola
q
uina Re
g
istradora
Prensa
Cofre
Pás de Hélices
Com
p
ressor de Refri
g
era
ç
ão
Gaso
g
ênio
Pistão
Radiado
r
Câmbio Hidramático
Caixa de Câmbio
Girabre
q
uim com Volante
Rádio de Avião
Escafandro
Diferencial e Caixa de Redu
ç
ão
Urdideira
Azulejo
Jornal
Farol de Avião
Tear de Madeira
Gasolina Centrífuga
Fo
g
ão de Metal de Guerra
Es
p
remedor de Laran
j
a 2 Bocas
q
uina de Es
p
remer Laran
j
a
Morsa
Swing Fog
Holofote contra incêndio
Painel
Geladeira
Bomba d’Á
g
ua contra incêndio
B
o
m
b
a
d
’Á
gu
a
Antena
p
ara Rada
r
Kart
Esquema 4 – Esquemas de classificação de objetos antigos – elaborado por Patrícia Matarazzo
116
As placas descritivas permanecem registrando nome do carro, ano de fabricação e
histórico dos modelos, porém estes foram ampliados. Este histórico, conta a história da
produção dos modelos, mas não traz a trajetória específica da peça. Outra dificuldade que
permanece é a falta de alguém para guiar os visitantes dentro do Museu.
Observe o mesmo Studebaker com a placa atual.
Esse arranjo da coleção, nos mostra o lado da concepção de mundo do colecionador
reproduzindo suas relações sociais. Pearce (2005) analisa o público que pode ter acesso à
coleção, a quem o colecionador a mostraria.
3.3.13 Para quem a coleção era exposta
A exposição passa por quatro momentos. Num primeiro momento, a coleção era
visitada por parentes e amigos. No segundo, dá-se na década de 50, quando a coleção é
exposta nos galpões das IRFM, permitindo a quem trabalhasse ou visitasse a empresa ter
acesso às raridades. Por sugestão de amigos, surge o terceiro momento, em que passa-se a
expor no Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos. Surge então, o quarto e atual
momento, em que a coleção passa a ser exposta para um número incalculável de pessoas, no
Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André Matarazzo”, na cidade de
Bebedouro.
A fase de expor, ao olhar do “outro”, sucede ao ato de colecionar, por isso torna-se
necessário compreender que levou Eduardo Matarazzo a reunir seus objetos.
Foto 30
Studebaker 1951, em 2007
Foto 31 – Studebaker 1951, foco na placa com os
dados do nome, ano e histórico, em 2007
Fontes: Wilza A. Mattos Teixeira
117
3.3.14 O por quê do ato de colecionar
Este foi mais um dos tópicos de análise que ficaram obscuros em nossas coletas. A
esposa diz que Eduardo Matarazzo sempre colecionou “por hobby e assim uma paixão, ele
gostava daquilo que fazia, tinha orgulho de ver o carro refeito. Pegar um carro em péssimas
condições e fazer ele como ele era originalmente e gostava demais do que fazia”. O
funcionário, Sr. Anésio Buzon, diz que quando se dedicava à coleção, ele se preenchia.
“Quando ele estava sozinho na Fazenda, ele ficava o dia inteiro dentro da biblioteca dele. [...]
Ele colecionava rolha, colecionava cachimbo, colecionava chaveiro, tudo, até caixa de
fósforos ele colecionava [...] então, tudo dentro de painel de veludo e é uma coisa muito
bonita. Carrinho pequeno, ele tem de tudo assim”. Acredita-se que a coleção o preenchia de
alguma forma e a paixão pelo restauro estimulava-o a viver.
A relação com a máquina também foi uma forma de estímulo, já que suas atividades
profissionais envolviam a necessidade da tecnologia.
3.3.15 A relação entre a coleção e outras atividades cotidianas
A atuação profissional nas IRFM fez com que a tecnologia, estivesse muito presente
em sua vida. O momento de formação da metrópole paulista permeava o ambiente em que ele
se desenvolvia e o gosto pelas máquinas o estimulava. Através dos relatos pesquisados,
verificou-se esta ligação de forma clara. Patrícia Matarazzo diz que o pai, como responsável
pelas máquinas “na Matarazzo [...] acho que ele sempre se voltou por maquinário. Era um
gosto dele por máquinas”. A esposa descreve a relação entre o marido e as máquinas como
uma verdadeira “paixão”. Relembrou um fato em que um engenheiro das IRFM, descreveu-
lhe:
[...] quando a máquina de uma fábrica enguiçava, a gente ia lá ver. Iam os
engenheiros, procuravam. Os técnicos de que forma... e ninguém conseguia
resolver. Então, a gente chamava o Sr. Eduardo e Sr. Eduardo conversava
com a máquina. Sr. Eduardo sabia mais que todos nós. Ele conversava com
a máquina e a máquina funcionava.
Observa-se que esta “paixão” era bem administrada pelo colecionador, pois, além de
conciliar o gosto por máquinas com o trabalho, as viagens com a compra das peças, o tempo
118
também era dividido entre: trabalho, coleção e família. Porém, para a família e às pessoas a
sua volta, isso não era bem compreendido.
3.3.16 Grau de importância da coleção na vida do colecionador
Eduardo Matarazzo tinha a coleção como parte de sua vida. O restauro dos automóveis
e a ampliação da coleção foi motivo de discussão. Todas as noites, a atenção era do restauro,
após o jantar a oficina era seu caminho, de acordo com os relatos do filho Francisco Eduardo
e da filha Patrícia. A mãe implicava com os gastos. A primeira esposa chegou a quebrar uma
miniatura de locomotiva para que ele dedicasse maior atenção à família. Em suas viagens ao
exterior, sempre havia algo a adquirir para a coleção. Durante toda a vida profissional, parte
do dia era dedicado à coleção e na melhor idade, quase que todo o tempo livre.
Conclui-se que a coleção tinha alto grau de importância na vida do colecionador.
3.3.17 Uma peça “valiosa” poderia ser vendida?
Há controvérsia a respeito desse assunto. De acordo com a filha Patrícia, nenhuma
peça foi vendida “nunca”. Já o filho diz que presenciou algumas negociações.
Patrícia diz que o pai “não vendia nada, nem a pouco valiosa, nem a muito valiosa. Se
ele tivesse dois Chevrolet(s) 56. Acontece isso, nós temos dois Chevrolet(s), ele restaurava os
dois e ele não vendia”. O filho Francisco Eduardo diz que quando “veio a enchente, o papai
não pode bancar a restauração de muita coisa e teve que vender, e, fez ele muito bem de ter
vendido”, quer dizer, num momento de grandes gastos o colecionador se desfez de algumas
peças.
Não é intenção criar polêmicas, mas percebe-se, novamente, que a ausência do
colecionador e dos registros da coleção fazem falta para se poder elaborar uma conclusão.
3.3.18 Se o colecionador visualizava a completude da coleção
Acredita-se que o colecionador não visualizasse a completude da coleção, pois a
esposa diz que o marido deixou vários carros para serem restaurados na fazenda, quando
faleceu. A filha fala que o pai nunca pensou em tal assunto. “Meu pai era um cara que
colecionava coisas, é como um princípio de vida. Não vejo isso com objetivo traçado e
limitado”.
119
3.3.19 Existência de uma peça favorita
Há contradições neste aspecto. A filha diz que o pai não tinha nenhuma peça favorita,
que ele não se empolgava com “o carro x ou y, para mim a empolgação sempre foi a mesma”.
A mãe confirma o que Patrícia fala “talvez ele soubesse [...] mas não transmitia esse
conhecimento para nós”. Francisco Eduardo, já diz que ele gostava de um “Fiat antigo” e
também de uma “Bugatti, ele gostava muito, eu acho que tem um, ele tinha mais de um”. O
Sr. João Martins diz que ele gostava do todo, mas havia um carinho muito especial “pelo
Rolls Royce, pela Mercedes, pela Isotta Fraschini, nossa esses carros eram a menina dos olhos
dele”.
Por todos estes relatos controversos acredita-se que se havia alguma peça favorita,
ninguém ficou sabendo, mas cuidado e zelo ele tinha por todos.
3.3.20 Existência de uma peça almejada
As peças almejadas e desejadas foram perseguidas e na maioria das vezes adquiridas.
Mas, Francisco Eduardo conta que o pai falava que não queria nada na vida, mas que pensava
em algum dia comprar “uma Ferrari para dar umas voltas”.
3.3.21 Em algum momento sentiu que nunca deveria ter começado
Não obteve-se respostas convictas, apenas o filho disse que nunca ouviu o pai dizer
que se arrependesse de ter começado a colecionar.
3.3.22 Faria tudo novamente
Acredita-se que o colecionador faria sim, pois Eduardo Matarazzo era um
colecionador nato. A coleção desenvolvida por ele, foi proporcional à sua situação financeira,
mas se estivesse numa situação menos favorecida, com certeza colecionaria outro tipo de
objeto, desenvolvendo sua coleção.
O filho diz que a única coisa que acredita que o pai não faria, por tudo que haviam
conversado, seriam os “grandes gastos”.
120
Existem momentos bem definidos na coleção de Eduardo Matarazzo: a satisfação
pessoal onde ele restaurava e contemplava seus objetos; a exposição dos objetos ao público,
instigando-o a investir em infra-estrutura para o restauro; a falta de espaço físico, que o obriga
a procurar um local apropriado para acomodar sua coleção; estabelecimento da parceria entre
o público, que lhe oferece o espaço físico e o privado que expõe sua coleção e trabalho de
restauro; distanciamento entre a compra de carros para uso particular e os de exposição no
Museu e a mudança de foco do colecionador, onde deixa de apreciar a coleção e passa a
vivenciar o restauro.
O aprofundamento do estudo da trajetória desta coleção com vistas a relação do
privado e público, da transposição de coleção a museu, o processo de institucionalização serão
descritos através da análise da documentação produzida pelo e sobre o Museu de Armas,
Veículos e Máquinas “Eduardo André Matarazzo”.
121
Capítulo 4 – DO PRIVADO AO PÚBLICO
4.1 Teoria do privado e do público
Para compreensão da passagem da coleção particular de Eduardo Matarazzo para
instituição Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas, Veículos e Máquinas faz-se
necessário uma breve análise sobre as diferenças entre o público e o privado que utilizaou-se
no decorrer deste capítulo. A proposta
31
é descrever como deu-se o processo de
institucionalização e se realmente este ocorreu. Pautados nos conceitos de Bobbio (2004),
Duby (2004), Suano (1986) e Pearce (1992) analisou-se o processo de institucionalização da
coleção.
Para Bobbio existe uma dicotomia entre os termos, já que um pode ser definido
independentemente do outro, ou seja, pela definição de um termo podemos entender o outro
como sua negativa. Por exemplo, privado é o não público, entendendo-se que o interior do
espaço em que esses dois termos se delimitam “[...] fica totalmente ocupado, eles por sua vez
delimitam-se reciprocamente, no sentido que a esfera do público chega até onde começa a
esfera do privado, e vice-versa”. (BOBBIO, 2004, p.177). Um dos lugares-comuns no debate
secular entre público e privado se encontra na proporcionalidade, quando se aumenta “[...] a
esfera do público, diminui a do privado, ao aumentar a esfera do privado diminui a do
público: uma comprovação que é geralmente acompanhada e complicada por juízos de valor
contrapostos” (BOBBIO, 2004, p.177).
As três dicotomias apresentadas por Bobbio (2004, p.178), para os conceitos de
público e privado, podem ser caracterizadas através do Direito como uma “ordenação de
relações sociais” em que são distinguidos dois tipos de relações entre iguais e desiguais,
aplicadas tanto na esfera pública – governantes e governados, quanto na esfera particular –
poder de comando e dever de obediência; através da forma de constituição do conjunto de
regras que vinculam o comportamento, o direito público - pelas leis e o direito privado - pelos
contratos (ou acordos bilaterais). Através das formas clássicas da justiça, a distributiva
(aplicada entre o todo e as partes) – distribuição de cargos em honras de acordo com critérios
31
Embora o debate sobre “institucionalização” e “público e privado” seja amplo e profundo, devido aos
objetivos deste trabalho inicial apenas, uma discussão bastante sucinta foi elaborada.
122
pautados na diversidade de situações, e a comutativa (aplicada entre as partes) – trocas
consideradas justas para as partes.
Mas, a relação público/privado não é só descritiva. De acordo com Bobbio (2004,
p.181) ela é valorativa, quando se atribui um significado valorativo, seja pelo “primado do
privado sobre o público” ou do “primado público sobre o privado”.
O primeiro é considerado o grande direito privado, direito da razão, representado pelas
instituições: família, propriedade, contrato e testamento. Um acontecimento que revela a
persistência do privado sobre o público é a “[...] resistência que o direito de propriedade opõe
à ingerência do poder soberano, e, portanto ao direito por parte do soberano de expropriação
(por causa de utilidade pública) dos bens do súdito”. (BOBBIO, 2004, p.183).
O primado do público sobre o privado fundamenta-se na subordinação, se necessário,
do interesse coletivo sobre o individual, ou seja, “o todo precede as partes" e o bem da
totalidade se torna o bem das suas partes. Para Bobbio, esse bem uma vez conseguido se torna
“o maior bem para os sujeitos”, pois é o esforço de cada um que constrói solidariamente o
“bem comum”, de acordo, “[...] com as regras que a comunidade inteira, ou o grupo dirigente
que a representa, por ficção ou na realidade, impôs a si própria através dos seus órgãos, sejam
eles autocráticos ou democráticos.” (BOBBIO, 2004, p.184).
Sob a visão do público / privado e político / econômico, Bobbio (2004, p.186) diz que
pode-se ver dois processos o de “publicização do privado” e o de “privatização do público”
que trabalham de forma compatíveis e se cruzam em determinados momentos. O processo de
publicização do privado apresenta a subordinação dos interesses do privado aos interesses
coletivos representados pelo Estado. O processo de privatização do público representa os
interesses privados organizados, através de grupos, que utilizam os “aparelhos públicos” para
atingirem seus objetivos próprios.
Num processo de intersecção, em algum momento, da publicização do privado (que
dificilmente acontece) com a privatização do público “[...] é preciso observar que a vitória do
poder visível sobre o invisível
32
nunca é completa: o poder invisível resiste à avançada do
visível, inventa maneiras sempre novas para se esconder para ver e para se esconder sem ser
visto”. (BOBBIO, 2004, p.189).
Para Duby (2004, p.21), o conceito de público pode ser entendido como o comum, de
uso de todos, o que “[...] não constituindo objeto de apropriação particular, está aberto,
32
Na época em que o poder do príncipe era absoluto, as decisões eram tomadas às escondidas, provocando uma
invisibilidade do poder. Já na república democrática, as decisões devem ser tomadas às claras, provocando a
visibilidade do poder.
123
distribuído, resultando a derivação no substantivo público, designando o conjunto daqueles
que se beneficiam dessa abertura de distribuição. [...] é dito público o ostensivo, o manifesto”.
O conceito de privado busca o termo próprio – que pertence a alguém, ao outro, “ao
secreto, reservado (o que é subtraído)”. Outro aspecto importante do privado, segundo Duby
(2004, p.22) se encontra ligado à noção “[...] de festa, de cerimonial, de espetáculo montado,
os gestos que se fazem, as palavras que se dizem, as atitudes que se tomam diante dos outros
de maneira a mostrar-se [...]”, de reservado, de retiro. O privado na época feudal, se
organizava em torno de seres e objetos que escapavam por direito da autoridade coletiva, ou
seja, constituíam lugares próprios, delimitados por um espaço físico resultando na vida
privada. Essa vida privada não era ligada necessariamente à família, mas às relações de
“grande vínculo afetivo” as amizades, “cimento de todas as ordenações internas” (DUBY,
2004, p.25).
Essa relação do privado e público é vivida na sociedade e sociedade para Papagno
(2004, p.160), não pode ser vista sem instituições. O autor diz que as instituições nascem
dessa “socialidade” e, portanto, “em estreita interdependência com a formação de um
conjunto de formas ou estruturas sociais elaboradas pelo costume ou estabelecidas por uma ou
mais leis, que nós, precisamente, definimos como instituições de uma sociedade”.
Suano (1986, p.90-91) retrata sobre um artigo de Cameron, publicado em 1971, que
falava sobre o museu enquanto templo de apreciação ou enquanto fórum de debates, como as
praças públicas em se davam importantes discursos políticos. Para Cameron, a convivência
dos dois tipos de museus era possível, desde que o público fosse informado sobre o conteúdo
a ser apreciado. Suano, porém, acredita que:
[...] enquanto o museu estiver sobre a tutela de entes públicos que
desconhecem frontalmente o que seja coisa pública e que operam como se
fossem organismos privados, usando fundos públicos para refletir a imagem
de seus próprios interesses, a ele, museu, caberá continuar como parte do
quadro gera, dizendo apenas o que o “patrão” permite. [...] O círculo então
se fecha definitivamente: aos museus é consignada verba que lhes permite
sobreviver no limiar da indecência, para que sirvam de fachada à “política
cultural” dos dirigentes.
Sobre o enfoque da relação do privado e do público, será analisada a passagem da
coleção privada em instituição coletora pública, o Museu. Através da trajetória percorrida pela
coleção de Eduardo Matarazzo a Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André
Matarazzo” apresentar-se-á como se deu o processo de institucionalização da coleção.
124
4.2 Trajetória da coleção Eduardo Matarazzo de 1964 a 2007: do privado à relação
privado-público
A coleção de Eduardo Matarazzo nasceu no final da década de 40, como um hobby
para admiração própria. Abre-se para a admiração dos amigos e através destes passa a ser
exposta ao olhar do público. Já na década de 60, há a fundação do “Museu de Armas e
Veículos Motorizados Antigos” que dará origem, no final da década de 60, início de 70, ao
Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo”
33
(de acordo
com documentação da Prefeitura ou “Museu de Armas, Veículos e Máquinas”, de acordo com
o estatuto). Já no início de 2000, dará espaço ao Museu “Eduardo André Matarazzo” de
Armas, Veículos e Máquinas que receberá nova administração e mudanças em sua estrutura
organizacional.
Com a análise da Documentação produzida durante quarenta e três anos de existência
da coleção “institucionalizada”, mas que considera-se efetivamente apenas trinta e oito anos
(ano em que é criado o Museu em Bebedouro) foi possível reconstruir a trajetória percorrida e
analisar o processo de institucionalização, através de seus estatutos, atas, leis, convênios,
pedidos de doação, correspondências entre Prefeitura Municipal de Bebedouro e o Museu de
Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo” e outros órgãos
públicos municipais, estaduais e federais.
4.2.1 Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos
Eduardo André Matarazzo juntamente com dezesseis amigos, instituiu no dia 19 de
setembro de 1964, na cidade de São Paulo, Capital, o “Museu de Armas e Veículos
Motorizados Antigos”. O Museu foi registrado como uma sociedade civil sem fins lucrativos,
tendo por finalidade expor de forma gratuita ao público, objetos de valor histórico, tais como,
armas e veículos motorizados antigos. Destaca-se que os documentos não apresentam
nenhuma especificação sobre outros objetivos, a não ser o valor histórico por sinal, sobre o
33
Na documentação emitida pela Prefeitura Municipal de Bebedouro, inclusive na lei que cria o Museu, é
utilizada a designação ‘Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo”’, já nos
estatutos do Museu a designação é “Museu de Armas, Veículos e Máquinas”. Optamos por utilizar a designação
da documentação da Prefeitura.
125
qual, também não apresenta especificação. Acredita-se que nesse valor histórico existam
critérios como raridade e antiguidade.
Esta sociedade era composta por pessoas residentes na cidade de São Paulo e de
profissões distintas, que em comum compartilhavam o gosto por automóveis antigos. Os
membros fundadores foram: Eduardo Matarazzo, industrial; Mentor F. Muniz, jubilado;
Carlos A. Roderbourg, comerciante; Pedro Machado Filho, industriário; Nelson Monteiro de
Carvalho, industriário; Oscar Malzone, comerciante; Pedro Edmundo Santoro, radialista;
Darcílio Moreira Marques, comerciante; Cincinato Coelho dos Santos, advogado; José
Matarazzo, industriário; Carlos de Britto Pereira, advogado; Layre de Castro Alves,
industriário; Alfredo Villares, industriário; André Ippolito, industriário; Roberto Lenci,
técnico em Administração de Empresas; Ricardo Lenci, estudante; André Francisco de
Andrade Arantes, comerciante e Joaquim Roderbourg, industriário.
O estatuto deste Museu apresentava onze capítulos e trinta e dois artigos que definiam
a estrutura legal da instituição. O prazo de duração da sociedade era indeterminado e o
número de sócios ilimitado. Apresentavam-se três classes ou categorias de sócios, sendo elas:
Sócios Beneméritos – pessoas físicas ou jurídicas, que tivessem feito donativos valiosos ou
prestado algum serviço relevante e excepcional à sociedade (sendo aceitos como tal em
Assembléia Geral e isentos de pagamento de contribuições); Sócios Remidos – pessoas que
pagassem cem mensalidades antecipadas e Sócios Contribuintes – pessoas que fossem
incluídas por decisão da Diretoria e pagantes de mensalidade.
Eram direitos dos sócios contribuintes e remidos: assistir às Assembléias Gerais, votar
e ser votado para cargos administrativos, propor em Assembléia Geral todas as medidas que
achassem conveniente, propor admissão de sócios e usar o distintivo da sociedade. Eram
deveres dos sócios contribuintes e remidos: aceitar e desempenhar com zelo os cargos aos
quais fossem eleitos, cumprir e fazer cumprir as disposições do estatuto.
O patrimônio social da sociedade era composto de jóias, mensalidades dos sócios,
donativos feitos à sociedade, bens e fundos adquiridos por títulos legítimos.
De acordo com o artigo 10, a Sociedade era administrada por quatro membros
representantes: Diretor-Presidente, Diretor Vice-Presidente, Diretor-Secretário e Diretor-
Tesoureiro, além de uma comissão de sindicância formada por três membros efetivos e três
suplentes; uma comissão fiscal formada por mais três membros efetivos e três suplentes.
De acordo com o artigo 17, o Diretor-Presidente era responsável por presidir reuniões
de Diretoria e Assembléias Gerais; representar e defender a sociedade em juízo, praticar todos
os atos judiciais que exigissem poderes especiais; resolver casos urgentes, assinar
126
correspondência ordinária da sociedade junto ao Diretor-Secretário; ordenar pagamento e
despesas de expediente; apresentar relatório anual e balanço de receita e despesas em
Assembléia Geral; cumprir e fazer cumprir resoluções da Diretoria, designar substitutos por
impedimento ou ausência de membros da Diretoria.
De acordo com o artigo 18, ao Diretor Vice-Presidente competia substituir o Diretor-
Presidente nos seus impedimentos ou ausência temporária com os poderes a ele atribuídos.
Cabia ao Diretor-Secretário, de acordo com o artigo 19, dirigir e superintender os
serviços de secretaria; secretariar os trabalhos e redigir atas de reuniões da Diretoria e
Assembléia Geral; fazer a correspondência da sociedade e assiná-la junto, como Diretor-
Presidente; manter sob sua guarda todos os livros, papéis e documentos pertencentes à
sociedade, enviar avisos de convocação de assembléias aos sócios e fazer publicar todos os
atos que devessem ser publicados; levar ao Diretor-Presidente, fatos passados na Secretaria e
substituir o Diretor-Tesoureiro na falta de indicação do Diretor-Presidente.
Ao Diretor-Tesoureiro, cabia de acordo com o artigo 20, arrecadar dinheiro da
sociedade e ter sob sua guarda e responsabilidade todos os títulos e valores a ela pertencentes;
fazer todos os pagamentos autorizados pela Diretoria; apresentar mensalmente à Diretoria
balancete acompanhado dos documentos que os comprovassem; organizar balanço anual de
receita e despesa.
Esses membros eram eleitos anualmente (exercício social com término em 31 de
dezembro de cada ano), em Assembléia Geral Ordinária, empossados em Assembléia Geral
(reunião prevista até o último dia do mês de abril de cada ano) e as resoluções eram
registradas em Livro de Atas das Reuniões de Diretoria. Todos os membros da Diretoria eram
isentos de qualquer remuneração. As reuniões da Diretoria poderiam ocorrer sempre que
houvesse uma convocação, de qualquer um dos membros, todas as decisões e resoluções
constariam em Livro de Atas de Reuniões da Diretoria.
Representavam a primeira composição da Diretoria: Eduardo Matarazzo (Diretor-
Presidente), Mentor F. Muniz (Diretor-Vice-Presidente), Carlos A. Roderbourg (Diretor-
Secretário), Pedro Machado Filho (Diretor-Tesoureiro). Comissão de Sindicância: efetivos -
Nelson Monteiro de Carvalho, Oscar Malzone, Pedro Edmundo Santoro; suplentes - Darcílio
Moreira Marques, Cincinato Coelho dos Santos, José Matarazzo. Conselho Fiscal
: efetivos -
Carlos de Britto Pereira, Layre de Castro Alves, Alfredo Villares; suplentes - André Ippolito,
Roberto Lenci, André Francisco de Andrade Arantes.
Não aconteceu nenhuma reunião no ano de 1965.
127
Em ata de 30 de abril de 1966, o “Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos”
recebeu seu número de registro legal CGCMF Nº 57.024.846/0001-89, bem como, o endereço
de sua sede social, situada à Rua Gonçalo Camacho s/nº, Bairro Pedreira, São Paulo – SP.
Essa primeira reunião foi presidida pelo diretor presidente Eduardo Matarazzo e secretariada
por Layre de Castro Alves. Foram discutidas e aprovadas as prestações de contas e votados os
novos membros da Diretoria da Sociedade. A segunda Diretoria era composta por Eduardo
Matarazzo (Diretor-Presidente), Mentor F. Muniz (Diretor-Vice-Presidente), Carlos A.
Roderbourg (Diretor-Secretário), Pedro Machado Filho (Diretor-Tesoureiro). Comissão de
Sindicância: efetivos - José Matarazzo, Oscar Malzone, Pedro Edmundo Santoro; suplentes -
Darcílio Moreira Marques, Carlos de Britto Pereira, Ricardo Lenci. Conselho Fiscal: efetivos
- Layre de Castro Alves, Alfredo Villares, André Ippolito; suplentes - Roberto Lenci, André
Francisco de Andrade Arantes, Joaquim Roderbourg.
No dia 30 de abril de 1967, realizou a terceira reunião na qual foram discutidas e
aprovadas as prestações de contas e votados novos membros da Diretoria da Sociedade.
Representavam a terceira Diretoria: Eduardo Matarazzo (Diretor-Presidente), Mentor F.
Muniz (Diretor-Vice-Presidente), Carlos A. Roderbourg (Diretor-Secretário), Pedro Machado
Filho (Diretor-Tesoureiro). Comissão de Sindicância: efetivos - José Matarazzo, Oscar
Malzone, Pedro Edmundo Santoro; suplentes - Darcílio Moreira Marques, Carlos de Britto
Pereira, Ricardo Lenci. Conselho Fiscal: efetivos - Layre de Castro Alves, Alfredo Villares,
André Ippolito; suplentes - Roberto Lenci, André Francisco de Andrade Arantes, Joaquim
Roderbourg.
A quarta reunião aconteceu em 30 de abril de 1968, onde foram discutidas e aprovadas
as prestações de contas e votados os novos membros da Diretoria da Sociedade.
Representavam a quarta Diretoria: Eduardo Matarazzo (Diretor-Presidente), Mentor F. Muniz
(Diretor-Vice-Presidente), Carlos A. Roderbourg (Diretor-Secretário), Pedro Machado Filho
(Diretor-Tesoureiro). Comissão de Sindicância: efetivos - José Matarazzo, Oscar Malzone,
Pedro Edmundo Santoro; suplentes - Darcílio Moreira Marques, Carlos de Britto Pereira,
Ricardo Lenci. Conselho Fiscal: efetivos - Layre de Castro Alves, Alfredo Villares, André
Ippolito; suplentes - Roberto Lenci, André Francisco de Andrade Arantes, Joaquim
Roderbourg.
Observa-se que a sociedade se reunia uma vez ao ano, votava-se as prestações de
contas e elegiam novas diretorias de representação. Porém nas atas, não se verificava
discussão de outros assuntos.
128
Paralelamente, Eduardo Matarazzo, como presidente do Museu, começou a buscar
novo espaço para exposição dos carros. De acordo com a esposa, ele procurou algumas
“entidades de São Paulo”, mas não obteve sucesso. Ela então, sugeriu a cidade de Bebedouro-
SP, como ponto estratégico para instalar o Museu. Neste local, Eduardo Matarazzo havia
comprado uma fazenda e onde a esposa havia nascido. Acatando a sugestão da esposa, ele
começou a negociar com o Prefeito Hércules Hortal um novo espaço para abrigar a coleção
34
.
A negociação girou em torno de um prédio, exclusivo, para abrigar a coleção.
4.2.2 Passagem do “Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos” para Museu de
Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo”
Em 17 de agosto de 1968, Eduardo Matarazzo recebeu um comunicado do Prefeito
Municipal de Bebedouro, que registrava o início da construção do prédio que iria abrigar o
Museu, destacando a localização privilegiada na cidade de Bebedouro, em praça situada nas
proximidades do lago artificial. Começavam então, os preparativos para o transporte do
acervo.
Em 24 de abril de 1969, o Prefeito Municipal Hercules Hortal iniciou as negociações
para conseguir o transporte do acervo. Dirigiu correspondência ao Cel Walfrido de Carvalho,
Presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro de São Paulo, pedindo a concessão de
transporte ferroviário de vagão, do tipo galera aberta, da Mooca a Bebedouro, pois seria
necessário transportar automóveis, tratores e caminhões antigos que se destinavam ao Museu
de Automóveis da Municipalidade, a ser inaugurado no dia 03 de maio de 1969. O Prefeito
redigiu no mesmo dia ao Sr. Firmino Rocha de Freitas, Secretário dos Transportes de São
Paulo, a intercessão junto ao Presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro de São
Paulo. Reforçou o pedido ao Sr. Luiz Leite Bandeira de Mello, Administrador da Estrada de
Ferro Santos a Jundiaí, pedindo a colaboração da Estrada de Ferro, para o transporte das peças
do Museu pertencentes à Prefeitura. Mesmo com todos os esforços, no dia 30 de abril de
1969, o Sr. Rubem Muller, superintendente interino da Rede Ferroviária Federal S.A., da
Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, veta o pedido de concessão de transporte gratuito dos
34
Não encontramos menção das negociações na documentação, nem reportagens sobre o assunto.
129
automóveis, tratores e caminhões da Mooca a Bebedouro, pautado no art. 31º da lei nº 3115
de 16-3-1957, regulamentada pelo Decreto nº 56.378 de 31-5-1965.
Ainda no dia 30 de abril de 1969, foi decretada e promulgada a Lei nº 730, pelo
Prefeito Municipal Hercules Pereira Hortal, que “dispõe sobre a instalação do Museu de
Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo””, na cidade de
Bebedouro.
Quatro artigos descrevem a lei:
Art. 1º - Fica o Chefe do Executivo autorizado a instalar nesta cidade o
Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa
Matarazzo”, em prédio para esse fim construído no vale do Córrego da
Consulta, com finalidade cultural e turística, para exposição pública e
permanente de armas, peças bélicas e de caça, veículos e objetos correlatos,
todos de fabricação antiga e vinculados ao desenvolvimento mundial das
indústrias de armamentos e automobilística.
Art. 2º - Fica também o Chefe do Executivo autorizado a firmar
CONVÊNIO
35
com a Diretoria do Museu de Armas e Veículos Motorizados
Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo” para o fim aludido no artigo anterior.
Art. 3º - As despesas provenientes da execução da presente lei correrão por
conta de verbas próprias constantes do orçamento deste exercício e dos
exercícios futuros.
Art. 4º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Em São Paulo, aconteceu no mesmo dia, a quinta Assembléia Geral do Museu em que
foram discutidas e aprovadas as prestações de contas e votados os novos membros da
Diretoria da Sociedade. Representam a quinta Diretoria
: Eduardo Matarazzo (Diretor-
Presidente), Mentor F. Muniz (Diretor-Vice-Presidente), Carlos A. Roderbourg (Diretor-
Secretário), Pedro Machado Filho (Diretor-Tesoureiro). Comissão de Sindicância: efetivos -
José Matarazzo, Oscar Malzone, Pedro Edmundo Santoro; suplentes - Darcílio Moreira
Marques, Carlos de Britto Pereira, Ricardo Lenci. Conselho Fiscal: efetivos - Layre de Castro
Alves, Alfredo Villares, André Ippolito; suplentes - Roberto Lenci, André Francisco de
Andrade Arantes, Joaquim Roderbourg.
Aos 30 de abril de 1970 realizou a sexta Assembléia Geral, onde foram discutidas e
aprovadas as prestações de contas e votados os novos membros da Diretoria da Sociedade.
Representavam a sexta Diretoria
: Eduardo Matarazzo (Diretor-Presidente), Mentor F. Muniz
(Diretor-Vice-Presidente), Carlos A. Roderbourg (Diretor-Secretário), Pedro Machado Filho
35
Tivemos acesso às cópias do convênio apenas no escritório Miniterras da Família Matarazzo, onde se encontra
o arquivo do Museu. No arquivo da Prefeitura Municipal não consta nenhuma cópia do convênio.
A data do primeiro convênio que tivemos acesso é de 1989 e não sabemos se existe alguma versão anterior ou se
o convênio era acordado de forma verbal.
130
(Diretor-Tesoureiro). Comissão de Sindicância: efetivos - José Matarazzo, Oscar Malzone,
Pedro Edmundo Santoro; suplentes: Darcílio Moreira Marques, Carlos de Britto Pereira,
Ricardo Lenci. Conselho Fiscal: efetivos - Layre de Castro Alves, Alfredo Villares, André
Ippolito; suplentes - Roberto Lenci, André Francisco de Andrade Arantes, Joaquim
Roderbourg.
Em 19 de julho de 1970, foi inaugurado oficialmente o Museu de Armas e Veículos
Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo” na cidade de Bebedouro e estiveram
presentes na inauguração, o Conde Francisco Matarazzo Júnior e a Condessa Mariângela
Matarazzo, deputados e pessoas ilustres. Numa reportagem do Jornal Gazeta de Bebedouro,
de 26 de julho de 1970, foi relatado que a coleção contemplava, na época da inauguração,
carros antigos, uma aeronave Douglas DC-3, um helicóptero, um tanque de guerra, dois carros
anfíbios e motores diversos.
Em 30 de abril de 1971, aconteceu a sétima Assembléia Geral do Museu de Armas e
Veículos Motorizados Antigos, onde forem discutidas e aprovadas as prestações de contas e
votados os novos membros da Diretoria da Sociedade. Representavam a sétima Diretoria:
Eduardo Matarazzo (Diretor-Presidente), Mentor F. Muniz (Diretor-Vice-Presidente), Carlos
A. Roderbourg (Diretor-Secretário), Pedro Machado Filho (Diretor-Tesoureiro). Comissão de
Sindicância: efetivos - José Matarazzo, Oscar Malzone, Pedro Edmundo Santoro; suplentes -
Alfredo Villares, André Ippolito, Carlos de Britto Pereira. Conselho Fiscal: efetivos - Layre
de Castro Alves, Darcílio Moreira Marque, Roberto Lenci; suplentes - Rircardo Lenci, André
Francisco de Andrade Arantes, Joaquim Roderbourg.
No dia 30 de abril de 1972, realizou-se a oitava Assembléia Geral que trouxe
mudanças relevantes, desde a alteração do nome da Sociedade até alteração do estatuto. O
estatuto passou a ter onze capítulos e trinta e cinco artigos. Na ata desta Assembléia,
observou-se que o endereço da sede do Museu não aparecia e mudou-se também, a estrutura
de redação da ata.
No primeiro item desta Assembléia, foram discutidas e aprovadas as prestações de
contas e votados os novos membros da Diretoria da Sociedade.
O segundo item da pauta, se refere à reforma dos estatutos sociais elaborados em
1964. Foram alterados vários capítulos, destacando-se as alterações do Capítulo I – Da
Denominação, Sede, Objeto e Duração – Artigo 1º: A denominação passa de “Museu de
Armas e Veículos Motorizados Antigos” para “Museu de Armas, Veículos e Máquinas”;
Capítulo II – Dos Sócios – Artigo 6º: Permanecem três classes de sócios, porém, no lugar de
Sócios Beneméritos surge a Classe dos Sócios Fundadores, sendo considerados todos os
131
membros que fundaram a sociedade; Capítulo IV – Da Administração – Artigo 10: A estrutura
da Administração é alterada. São criadas as funções de Diretor Patrimonial e Diretor de
Relações Públicas, suplente de Tesouraria e suplente de Secretaria. A Diretoria passa a contar
com oito membros, nas seguintes funções: Diretor-Presidente, Diretor-Vice-Presidente,
Primeiro e Segundo Diretores Secretários, Primeiro e Segundo Diretores Tesoureiros, Diretor
Patrimonial e Diretor de Relações Públicas.
De acordo com o Artigo 24, compete ao Diretor Patrimonial: “a) manter registrado e
sob sua guarda um arquivo completo de todo o acervo da sociedade, tanto no que se refere a
bens móveis quanto no que se refere a bens imóveis, atualizando-o na medida em que as
novas peças venham a ser incorporadas ao mesmo”; b) promover todas as medidas
acauteladoras necessárias a assegurar uma perfeita manutenção e conservação do acervo da
sociedade, evitando a ocorrência de danos e prejuízos às peças expostas à visitação pública; c)
orientar, dirigir e fiscalizar qualquer exposição pública ou particular de peças; d) promover o
levantamento histórico e técnico de peças que possam vir a ser indicadas à sociedade, para
aquisição, emitindo parecer prévio quanto à conveniência de sua compra; e) assessorar o
Diretor Tesoureiro e o Diretor de Relações Públicas nas atividades destes, que estejam
vinculadas à sua Diretoria.
O Artigo 25 diz que, compete ao Diretor de Relações Públicas: a) superintender
qualquer divulgação de âmbito cultural ou social da sociedade; b) organizar, com o
assessoramento técnico do Diretor Patrimonial, o funcionamento de toda e qualquer exposição
pública ou particular de peças do acervo social; c) assessorar, naquilo que se prenda à sua
Diretoria, o Diretor Secretário e o Diretor Tesoureiro.
As eleições de Diretor-Presidente e Vice Diretor-Presidente são de responsabilidade
do Conselho Deliberativo, com mandatos de três anos, podendo ser reeleitos. Os demais
diretores serão eleitos pelo Diretor-Presidente, sendo membros do Conselho Deliberativo e
tendo mandato de três anos.
Sobre a transferência de peças do acervo, o Artigo 16 diz que, a Diretoria fica
expressamente proibida de transferir ou acomodar as peças de propriedade da Sociedade para
outros locais fora da exposição, exceto em casos onde haja autorização do Conselho
Deliberativo.
Sobre a liquidação da Sociedade, o Capítulo VIII – Da liquidação – Artigo 29 diz que,
“A sociedade entrará em liquidação quando em casos legais ou quando o Diretor Presidente e
mais dois terços dos sócios contribuintes deliberarem”. Da restituição das peças, o Artigo 31
diz que, “Em caso de liquidação da sociedade, os correspondentes bens e peças serão
132
restituídos aos respectivos doadores ou sucessores ou a quem tiver propiciado meios para sua
aquisição, e, na falta destes aos seus herdeiros”.
O Capítulo IX trata das disposições transitórias. O Artigo 32 registra que “Para efeitos
do artigo 6º, § 1º, considera-se sócio fundador da sociedade, Eduardo Matarazzo, como
fundador que é. Parágrafo único – Ao sócio fundador caberá o direito de veto total ou parcial
das decisões tomadas pela Diretoria ou pelo Conselho Deliberativo, isoladamente ou em
conjunto”.
É criada a função de Presidente Honorário através do Artigo 33 “A sociedade poderá
ter, também, um Presidente Honorário, representado na pessoa do Sr. Prefeito do Município
de Bebedouro”. Observou-se que neste momento, acontece o que Bobbio (2004) diz sobre a
relação dos iguais e desiguais, onde o público aplicaria através da regra distributiva “a
distribuição de cargos em honras de acordo com critérios pautados na diversidade de
situações”.
No Capítulo XI são estabelecidos os valores de anuidades pagos pelos sócios, já
existentes, bem como pelos novos, aceitos pela Comissão de Sindicância. De acordo com
Artigo 35, à Comissão é proposta a anuidade de Cr$ 60,00 (sessenta cruzeiros) paga por todos
os sócios existentes.
Durante este período de mudança do Museu, forem inseridos novos sócios, a maioria
da cidade de Bebedouro e outras do círculo de relações sociais do Diretor-Presidente. Os
novos sócios são: Paschoal Bianco Netto, industrial, residente na cidade de São Paulo; Hélio
Canal, comerciante, residente na cidade de Bebedouro-SP; Ferdinando Battistettti, agricultor,
residente na cidade de Bebedouro-SP; Sérgio S. Stamato, agricultor, residente na cidade de
Bebedouro-SP; Milton Getúlio da Cunha, advogado, residente na cidade São Paulo; Mario
Garibaldi, contador, residente na cidade de Bebedouro-SP; Mussi Zauith, advogado, residente
na cidade de Ribeirão Preto – SP; Jaesne Finck, industriário, residente na cidade de São
Paulo; Amadeo Bragetto, comerciante, residente na cidade de Ribeirão Preto – SP; Décio
Moreira Marques, comerciante, residente na cidade de São Paulo; Rocio C. Prado, bancário,
residente na cidade de São Paulo; Benjamin Belinky, industrial, residente na cidade de São
Paulo; Victor Lainetti, comerciante, residente na cidade de Bebedouro-SP.
A oitava Diretoria
foi eleita e a gestão passou a contar com: Eduardo Matarazzo
(Diretor-Presidente); Sérgio S. Stamato (Diretor Vice-Presidente); Benjamin Belinky
(primeiro Diretor Secretário); Mussi Zauith (segundo Diretor Secretário); Mario Garibaldi
(primeiro Diretor Tesoureiro); Pedro Machado Filho (segundo Diretor Tesoureiro); Vitor
Lainetti (Diretor Patrimonial); Hélio Canal (Diretor de Relações Púbicas). O Conselho
133
Deliberativo era composto por onze membros, representados nas pessoas de: Sérgio Sessa
Stamato (Presidente); José Matarazzo (Vice-Presidente). Membros: Darcílio Moreira Marques
Júnior; Hélio Canal; Benjamin Belinky; Eduardo Matarazzo; Ferdinando Battistetti; Mario
Garibaldi; Paschoal Bianco Netto; Milton Getúlio da Cunha; Rocio C. Prado e Mussi Zauith.
Observa-se que as relações e articulações políticas estão presentes de forma intensa
neste período de implantação da instituição de cultura. Os cargos representativos no Museu
são ocupados por pessoas da cidade de Bebedouro, foi criado um lugar especial para o
Prefeito Municipal da cidade que acolheu a coleção, mas os antigos membros do Museu não
deixaram de participar. O convênio estabeleceu que a Prefeitura Municipal ficaria com a
responsabilidade da guarda e proteção da coleção, manutenção e ampliação do prédio,
enquanto que o colecionador, fique responsável pela conservação e ampliação da coleção.
Observa-se que as articulações são estabelecidas através da rede de relacionamentos dos
membros componentes dos órgãos representantes do Museu; onde encontraram-se
representantes dos mais diversos ramos profissionais e de distintas localidades. Forma-se um
tripé de relacionamentos entre: Bebedouro- São Paulo – Ribeirão Preto.
Em 30 de abril de 1973, realizou a nona Assembléia na sede Museu, em São Paulo.
Nesta assembléia foram discutidas e aprovadas as prestações de contas.
Estiveram presentes: Eduardo Matarazzo, Benjamin Belinky, Pedro Machado Filho,
Darcílio Moreira Marque Júnior, Paschoal Bianco Netto, Helio Canal, Ferdinando Battistetti,
Sergio S. Stamato, Mario Garibaldi, Mussi Zauith, Jaesne Finck, Amadeo Bragetto, Roberto
Lenci, Ricardo Lenci, Décio Moreira Marques, Rocio C. Prado, Vitor Lainetti, Carlos
Roderbourg, Mentor Muniz, Milton Getulio da Cunha, Pedro Edmundo Santoro, José
Matarazzo.
Em Bebedouro, o empenho do poder público na ampliação do acervo era intenso. À
frente da administração pública municipal estava o Vice Diretor-Presidente do Museu, o Sr.
Sérgio Sessa Stamato. Nesta fase, o Museu conquistou peças significativas para a história dos
transportes.
Em 04 de agosto de 1973, o Prefeito Municipal fez uma solicitação junto ao secretário
dos transportes de São Paulo, Paulo Salim Maluf
36
, para conseguir a concessão de três
aeronaves: um Viscount, um Scânia e um Curtis Comander. O Prefeito referiu-se as peças já
36
Nesta época, Paulo Salim Maluf e Eduardo Matarazzo eram membros beneméritos do Museu de Tecnologia de
São Paulo.
134
existentes no acervo
37
e dizia que o intento era para poderem ampliar o acervo de raridades, a
fim de transformar o Museu em um dos “mais perfeitos e completos do mundo, pois já o é da
América Latina”. O documento registra:
Esta Prefeitura tomou conhecimento de que a VASP pretende transformar
em sucata várias aeronaves que não mais estão em condições de vôo, por
terem já completado as horas de vôo permitidas e que suas revisões seriam
muito dispendiosas.
Assim sendo, vimos solicitar de Vossa Excelência a doação de três dessas
aeronaves, sendo um Viscount pequeno, um Scânia e um Curtis Comander,
a fim de que possamos completar nossa linha de aviões que mais tarde
servirão como objetos de admiração para a juventude e turistas.
No mesmo dia, um oficio foi encaminhado ao Sr. Diretor-Presidente da Ferrovia
Paulista S/A – FEPASA-SP, pedindo a doação de objetos da FEPASA em desuso, para que
pudessem servir de adorno no Museu. Os Diretores da Fepasa haviam feito uma visita ao
Museu e mencionaram a existência dos objetos e a possibilidade de doação.
Na mesma data, o Prefeito Municipal encaminhou ao Governador do Estado de São
Paulo, Paulo Natel, pedido de concessão de dois carros de bombeiro e um carro farol
pertencentes ao Corpo de Bombeiros do Estado, que se encontravam na capital de São Paulo.
Após tomar conhecimento de que o ofício deveria ser encaminhado diretamente ao
Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo, o Prefeito Municipal fez uma nova
solicitação, no dia 29 de agosto de 1973, ao Cel. Theodoro Cabette, para conseguir a
concessão dos dois carros de bombeiro e do carro-farol.
Em 12 de setembro de 1973, chegou a resposta do pedido de doação dos objetos da
Fepasa. O Sr. Cláudio de Assumpção Cardoso, Diretor de Relações Públicas da FEPASA
respondeu negativamente ao pedido de doação de objetos em desuso, feito pelo Prefeito
Municipal Sérgio Sessa Stamato. No ofício, o Diretor menciona o desejo inicial de doar os
objetos, porém se retrata dizendo que em 17 de agosto do mesmo ano haviam criado o Museu
Ferroviário da FEPASA que estava instalado em Jundiaí e onde cuidavam da conservação e
exposição permanente de seus objetos antigos e raros.
Em 01 de dezembro de 1973, o Prefeito Municipal encaminhou pedido de doação ao
Governador do Estado, Paulo Natel, reforçando o pedido do avião Viscount, requisitado em
37
O Museu contava com um avião BC-3 e um Jato de Guerra doados pela Varig, quarenta e dois automóveis de
várias marcas, um bonde, várias locomotivas, um tanque de guerra e outros veículo motorizados doados pelo
Exército, mina magnética e torpedo doados pela Marinha.
135
04 de agosto do mesmo ano ao Secretário de Transportes do Estado, Paulo Salim Maluf. No
mesmo dia, o pedido foi encaminhado ao Diretor da Viação Aérea São Paulo – VASP.
Em 21 de dezembro de 1973, o Sr. Luiz Rodovil Rossi – Diretor Presidente da VASP
respondeu positivamente ao Sr. Paulo Salim Maluf, sobre a doação das três aeronaves
inoperantes e depostas dos registros de aeronavegabilidade. Neste ofício, o Diretor Presidente
da VASP deixa claro a possibilidade de doação à Prefeitura Municipal de Bebedouro,
esclarecendo que a mesma deverá se responsabilizar pelos procedimentos especiais para
remoção e transporte das aeronaves, inclusive junto às demais autoridades governamentais
envolvidas como DER e Polícia Rodoviária Estadual.
Em 27 de dezembro de 1973, o Prefeito Municipal de Bebedouro fez uma consulta
junto ao Engenheiro Wilson Batista de Oliveira, Superintendente Regional da SR-4 de
Araraquara, sobre uma escavadeira velha, a vapor, marca “Bucilus” nº 2, fora de uso, já na
sucata, que se encontrava na cidade de Rincão-SP. O Prefeito consultou se havia interesse da
FEPASA em vender essa escavadeira e qual seria o valor por quilo.
Em 16 de janeiro de 1974, o Sr. Paulo Salim Maluf, Secretário dos Transportes de São
Paulo, encaminha ofício ao Prefeito Sérgio Sessa Stamato, informando a resposta positiva do
Sr. Luiz Rodovil Rossi – Diretor Presidente da VASP sobre a doação de três aeronaves. O
Secretário encaminhou, em anexo, a carta original do Diretor da VASP, ressaltando apenas a
questão dos custos de transporte.
Em 30 de abril de 1974, aconteceu a décima Assembléia Geral onde foram discutidas
e aprovadas as prestações de contas e indicados pelo presidente os membros do Conselho
Deliberativo, de acordo com o artigo 26º, §2º (correspondente a 30% do total eleito pela
Assembléia de 30/04/1972), com mandato até o ano de 1980. O Conselho Deliberativo é
composto por: Sérgio Sessa Stamato (Presidente), Nivaldo Battistetti (Vice-Presidente);
Membros: Eneida Baptistete e Hélio Canal. Todos os outros membros permaneceram no
cargo, exceto José Matarazzo e Victor Lainetti.
Em 06 de maio de 1974, mudou o prefeito municipal e o novo representante dá
continuidade ao processo de ampliação do acervo. O Prefeito Municipal, Walter da Cunha
Stamato, refez a solicitação junto ao Governador do Estado de São Paulo, Laudo Natel, para
conseguir a concessão dos dois carros de bombeiro e do carro-farol, pertencentes ao Corpo de
Bombeiros do Estado, que permaneciam na Capital e que, até então, não tinham obtido
nenhuma resposta.
Em 16 de julho de 1974, o Prefeito Municipal fez uma solicitação junto ao
Comandante da Polícia Militar de São Paulo, para conseguir a doação de um carro de
136
bombeiro equipado com escada Magirus, do ano de 1911, que se encontrava no quartel da
Polícia Militar, no Aeroporto. A Prefeitura se comprometeu em recuperar o veículo, assim
como, colocá-lo à disposição dessa Corporação, quando necessário.
Em 07 de agosto de 1974, a Prefeitura Municipal de Bebedouro recebeu telegrama
acusando a liberação de dois caminhões de bombeiro, tendo o prazo de trinta dias para a
retirada da doação.
Em 30 de agosto de 1974, o Prefeito Municipal encaminhou três ofícios de
agradecimento pela doação dos dois carros de bombeiro feitos pela Polícia Militar de São
Paulo; um encaminhado ao Coronel Hélio Fernandes, Diretor da Divisão Estadual de Material
Excedente, São Paulo; outro, ao Coronel Jonas Flores Ribeiro, de São Paulo e um terceiro ao
Governador do Estado, Paulo Natel.
Em 13 de setembro de 1974, o Prefeito Municipal preocupado com as condições
físicas do prédio do Museu, fez um pedido de auxílio ao Sr. Pedro de Magalhães Padilha,
Secretário de Cultura, Esportes e Turismo de São Paulo, no valor de CR$ 500.000,00
(quinhentos mil cruzeiros) para reformas e melhoramentos do prédio que abrigava o acervo.
Em 17 de dezembro de 1974, o Sr. Mario Garibaldi (primeiro Diretor-Tesoureiro do
Museu) encaminhou ofício em nome do Museu de Armas, Veículos e Máquina “Eduardo
Andréa Matarazzo” à Prefeitura Municipal de Bebedouro requisitando uma máquina a fogo,
de fabricação inglesa, tipo tatuzinho, ano 1888, recebida através de doação da Cia. Paulista de
Estradas de Ferro, para que viesse a compor o acervo do Museu.
Em 28 de março de 1975, o Prefeito Municipal fez pedido de construção de um novo
prédio ao Sr. Paulo Egídio Martins, Governador do Estado de São Paulo, com o intuito de
abrigar os novos objetos, já em posse do Museu. O Prefeito justificou que, o prédio existente
se tornou demasiadamente pequeno, fazendo com que os veículos expostos ficassem
praticamente amontoados, impossibilitando de serem observados e admirados em sua beleza
de linhas arrojadas para a época em que foram construídos.
Nota-se que, na década de 70, a união das forças pública e privada fizeram com que o
acervo crescesse, marcando a fase de maior número de doação de peças.
Em 29 de abril de 1975, o Sr. Brigadeiro do Ar – Protásio Lopes e Oliveira,
Comandante do Comando de Apoio Militar – Interino, dirige ofício ao Sr. Diretor do Museu
para comunicar-lhe que a aeronave C-118 2413, requerida
38
, estava incompleta, não
38
Não encontramos nenhum registro que comprovasse este pedido / consulta, apenas esta resposta do Brigadeiro
Protásio Lopes e Oliveira.
137
possuindo motores, componentes, instrumentos, etc. Mesmo assim, havendo interesse na
doação, tal ofício deveria ser encaminhado ao Ministro da Aeronáutica.
No dia 30 de abril de 1975, realizou-se às 13h00, a décima primeira Assembléia na
sede do Museu em São Paulo, onde foram discutidas e aprovadas as prestações de contas. No
mesmo dia, às 20h00 reuniu-se o Conselho Deliberativo para votar a nova Diretoria, que
passou a ser composta por: Eduardo Matarazzo (Diretor-Presidente), Sérgio Sessa Stamato
(Diretor Vice-Presidente), Benjamin Belinky (1º Diretor-Secretário), Mussi Zauith (2º
Diretor-Secretário), Mário Garibaldi (1º Diretor-Tesoureiro), Pedro Machado Filho (2º
Diretor-Tesoureiro), Ferdinando Battistetti (Diretor-Patrimonial), Hélio Canal (Diretor de
Relações Públicas). Ainda fizeram o voto de pesar, pela morte de sócio, Victor Lainetti.
Em 14 de maio de 1975, o Subchefe da Casa Civil para assuntos do interior, Maurício
de Figueiredo, encaminhou oficio ao Prefeito Sérgio Sessa Stamato para informar-lhe que o
ofício da Prefeitura encaminhado em 28.03.1975, dirigido ao Senhor Governador, fora
direcionado à Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia.
Em 30 de maio de 1975, o Sr. José Geraldo Nogueira Moutinho, correspondente do
Expediente da Coordenadoria do Patrimônio Cultural, justificou que a Divisão de Museus da
Coordenadoria, não dispunha de recursos para empreender na construção de novo prédio do
Museu e esclareceu que os Museus Históricos e Pedagógicos do Interior eram instalados,
quando o Estado não possuía prédio próprio e em edifícios cedidos pelas Prefeituras
Municipais. Esclareceu ainda que o setor competente, também fora consultado a respeito do
assunto, informando não possuir recursos disponíveis para atender tal solicitação.
Em 17 de junho de 1975, o Sr. Antonio Angarita Silva, Chefe de Gabinete da
Secretaria de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia, encaminhou em anexo à sua
correspondência, a resposta do Sr. José Geraldo Nogueira Moutinho, acima citada.
Em 03 de julho de 1975, o Prefeito Municipal promulga a Lei nº 1.042 que “Dispõe
sobre alienação, por doação, de uma locomotiva a vapor, de fabricação inglesa, tipo
“tatuzinho”, ano 1888, que a Municipalidade adquiriu da FEPASA – Ferrovia Paulista S.A.
(ex-Companhia Paulista de Estradas de Ferro) ao Museu de Armas e Veículos Motorizados
Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo”.
Em 27 de agosto de 1975, o Prefeito Municipal pediu através de ofício, auxílio à
Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo, junto ao Sr. Rui Silva, Secretário de Turismo
de São Paulo, para construção de segundo pavilhão, pois, muitas doações estariam à espera de
local próprio para serem acomodadas.
138
Em 30 de abril de 1976, realizou-se a décima segunda Assembléia onde foram
discutidas e aprovadas as prestações de contas e indicados pelo Diretor-Presidente os
membros do Conselho Deliberativo, com mandato até o ano de 1982. O Conselho
Deliberativo contava com: Benjamin Belinky, Eduardo André Matarazzo, Ferdinando
Battistetti, Mário Garibaldi, Paschoal Bianco Netto. Os demais membros permaneceram em
seus cargos até vencimento de seus mandatos.
Em 13 de agosto de 1976, o Prefeito Municipal enviou oficio de agradecimento ao
Major Brigadeiro do Ar, Stetison Machado de Carvalho, atuante no Ministério da Aeronáutica
em Brasília, pela informação da possibilidade de Bebedouro receber um avião da Esquadrilha
da Fumaça.
No mesmo dia, o Prefeito enviou o pedido de doação de uma aeronave T-6 da
Esquadrilha da Fumaça, para o Brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo, Ministro da
Aeronáutica em Brasília, já que a aeronave estaria desativada e pronta para ser alienada. O
parágrafo de conquista:
Por esta razão, tendo chegado ao nosso conhecimento que foram
desativados todos os aviões T-6 da “Esquadrilha da Fumaça”, vimos
solicitar-lhe a doação de um aparelho para o nosso Museu, a fim de ficar
permanentemente exposto com as cores tradicionais da Esquadrilha, na
cidade, onde ela, vem se exibindo quase que anualmente, tendo mesmo,
durante uma exibição realizada em Bebedouro, em maio de 1975, o
Comandante da Esquadrilha, Tem. Cel. Av. Antonio Arthur Braga,
completado a sua 1.000ª missão, tendo recebido calorosas manifestações de
carinho de toda a cidade.
Em 17 de outubro de 1976, o Prefeito Municipal, enviou outro pedido de doação, ao
Brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo, Ministro da Aeronáutica em Brasília, agora
pedindo uma aeronave Breechraft C-45, também desativada e pronta para ser alienada. A
aeronave estava no Parque de Material Aeronáutico dos Afonsos. Mais este pedido foi
encaminhado, já que o Ministério havia cedido as aeronaves F-8, B-25 e T-6 da Esquadrilha
da Fumaça.
Em 01 de novembro de 1976, o Prefeito Municipal solicitou junto ao governador do
Estado de SP, ao Sr. Paulo Egydio Martins, a autorização de doação de um DC-6 da VASP,
desativado e pronto para ser alienado, de tal forma que tal doação enriquecesse o acervo de
aeronaves do Museu, na época composto por um DC-3 da VARIG, um Viscount da VASP,
dois Gloster-Meteor e um B-25 da FAB. Todos acomodados em um terreno de 2.400 m
2
.
No mesmo dia, o Prefeito enviou ofício de agradecimento ao Major Brigadeiro do Ar
Stetison Machado de Carvalho, atuante no Rio de Janeiro, pelas informações fornecidas e fez
139
o pedido de intermediação junto ao Ministério da Aeronáutica, para liberação da aeronave
Breechraft C-45.
Em 30 de abril de 1977, aconteceu a décima terceira Assembléia na sede do Museu de
Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo Andréa Matarazzo” em São Paulo, para discussão e
aprovação das prestações de contas.
Em 31 de janeiro de 1978, os Senhores Orlando Manoel Beleza de França Carvalho,
Rachel Maria Beleza de França Carvalho e José Antonio Beleza de França Carvalho, de
comum acordo, doam em caráter definitivo o automóvel Aero-Willys, motor B3-009.630, ano
1963, Tipo Sedan, Cor Bordeaux, 6 cilindros, Chassis nº 3.114.309.511, com certificado de
propriedade nº 196.088, expedido pela Delegacia de Polícia de Bebedouro em 07.10.1964,
pertencente ao pai, o Sr. Prof. Orlando França de Carvalho, ao Museu de Armas, Veículos e
Máquinas “Eduardo Andréa Matarazzo”.
Em 30 de abril de 1978, realizou-se a décima quarta Assembléia, na sede do Museu,
em que foram discutidas e aprovadas as prestações de contas e indicados pelo presidente os
membros do Conselho Deliberativo com mandato até o ano de 1984. São membros: Rocio C.
Prado, Mussi Zauith, Lelis do Amaral Campos, Major Brigadeiro Stetison Machado de
Carvalho. Os demais membros permaneceram em seus cargos até vencimento de seus
mandatos, conforme as eleições na Assembléia de 1974 e 1976. Exceto os Srs. Darcílio
Moreira Marque Jr. e Milton Getúlio da Cunha, que foram substituídos. Um documento em
anexo, traz as informações pessoais dos novos membros da Diretoria do Museu. Armando
Silva Costa, advogado, residente em Ribeirão Preto (Membro do Conselho Deliberativo);
Major Brigadeiro Stetison Machado de Carvalho, militar da ativa - Diretor de Administração
do Pessoal do Ministério da Aeronáutica, residente na Ilha do Governador – RJ (Membro do
Conselho Deliberativo); William Carlos Becker, aposentado, residente na cidade de São
Paulo; Lellis do Amaral Campos, professor secundário, residente em Bebedouro-SP; Nivaldo
Battistetti, agricultor, residente em Bebedouro – SP.
Ressalta-se que, nesta mesma época o colecionador Eduardo Matarazzo começou sua
mudança para Bebedouro, bem como da oficina de restauro e passou a trabalhar na Frutesp.
Houve maior atuação dos membros de Bebedouro e região na Diretoria, iniciando o
afastamento dos antigos sócios.
Em 10 de julho de 1978, o Prefeito Municipal, agora representado por Hélio de
Almeida Bastos, enviou ofício ao Major Brigadeiro Stetson Machado de Carvalho, Diretor de
Administração do Pessoal da Aeronáutica no Rio de Janeiro, pedindo os préstimos de
contactar o Departamento competente para efetivação da liberação da aeronave C-46, para o
140
Museu de Bebedouro, já que a referida aeronave havia sido cedida pelo Ministério da
Aeronáutica, e obstáculos desconhecidos estariam protelando tal liberação.
Em 30 de abril de 1979, realizou-se a décima quinta Assembléia Geral na sede do
Museu em São Paulo para discutirem e aprovarem as prestações de contas.
Em 26 de novembro de 1979, realizou-se na sede do Museu em São Paulo, a reunião
da Diretoria, para deliberar sobre a transferência da sede social do Museu de São Paulo para
Bebedouro-SP, passando a ocupar a Praça Santos Dumont s/nº, Centro, tomando todas as
providências necessárias para a transferência do Registro e Inscrições junto aos órgãos
competentes. Justificou-se:
[...] tendo o Museu fixado sua exposição na cidade de Bebedouro desde 03
de maio de 1969 e posteriormente com o decorrer do tempo vindo o Acervo
completo nada mais existindo de propriedade do Museu em outro local, por
este motivo entende a Diretoria que a sede deverá a partir de agora ser em
Bebedouro como endereço da exposição completa do Acervo.
Estiveram presentes nesta reunião os membros: Eduardo Matarazzo, Sérgio Sessa
Stamato, Ferdinando Battistetti, Eneida Baptistete Matarazzo, Mário Garibaldi, Pedro
Machado Filho, Lellis do Amaral Campos, Hélio Canal. Os registros de mudança da sede
foram publicados no Diário Oficial do Estado, no dia 27 de dezembro de 1979.
Às 14h00, do dia 30 de abril de 1980, realizou-se a décima sexta Assembléia Geral
sendo a primeira na nova sede social do Museu de Armas, Veículos e Máquinas, situada à
Praça Santos Dumont s/nº, em Bebedouro, estado de São Paulo, presidida pelo Diretor
Presidente Eduardo Matarazzo e secretariada por Ferdinando Battistetti. Foram discutidas e
aprovadas as prestações de contas e reeleitos pelo Presidente os seguintes membros do
Conselho Deliberativo, com mandato até o ano de 1986: Sérgio Sessa Stamato (Presidente),
Nivaldo Battistetti (Vice-Presidente); membros: Eneida Baptistete Matarazzo e Helio Canal.
Os demais membros permaneceram no cargo até vencimento de seus mandatos. E nesta
reunião o Diretor-Presidente menciona a ata de 26.11.1976
39
que deliberava sobre a mudança
da sede social do Museu para Bebedouro.
Nesta fase, em que a sede do Museu foi transferida para Bebedouro, a Prefeitura
Municipal elaborou dois folders, que acredita-se serem os únicos, para divulgação do Museu.
39
Não tivemos acesso à referida ata.
141
Fonte: Patrícia Marta Matarazzo
Em 26 de junho de 1980, realizou-se a reunião da Diretoria, na qual deliberou-se sobre
a indicação de novos sócios. Observa-se a intensidade de sócios regionais, prevalecendo a
tendência de mudança da sede e as relações do colecionador. Os novos sócios apresentados:
Luiz Carlos Izique, advogado, residente em Bebedouro-SP; Moacyr Pegoraro, diretor de
empresa, residente em Bebedouro-SP; Walter da Cunha Stamato, citricultor, residente em
Bebedouro-SP; Walter Ribeiro Porto, citricultor, residente em Bebedouro-SP; Leopoldo Pinto
Ilustração 1 – Folder 1 de divulgação – Museu década de 70
Ilustração 2 – Folder 2 de divulg. –
Museu década de 70
Ilustração 3 – Folder 3 de divulgação – Museu década de 70
142
Uchoa, citricultor, residente em Bebedouro-SP; Nercio Stecca, contador, residente em
Bebedouro-SP; Julien Mutton, funcionário público estadual, residente em Bebedouro-SP;
Arnaldo de Rosis Garrido, citricultor, residente em Bebedouro-SP; José Deocleciano Ribeiro
Filho, médico, residente em Bebedouro-SP; João Moreira Castro, comerciante, residente em
Bebedouro-SP; Carlos Eduardo Prudente Correa, agricultor, residente em Terra Roxa-SP.
Boa parte dos novos sócios fazia parte do ramo de negócios de Eduardo Matarazzo na
época, a citricultura.
Em 15 de julho de 1980, realizou-se a reunião do Conselho Deliberativo para discutir
e deliberar sobre a alteração do §1º do Artigo 10 que procedera a criação de um artigo, no
Capítulo IX dos Estatutos Sociais. Tal artigo criou o título de Diretor-Presidente-Vitalício que
seria concedido à Eduardo André Matarazzo, ficando a cargo dele indicar o próximo Diretor-
Presidente, também vitalício, e assim sucessivamente.
A proposta foi aprovada e estiveram presentes: Sérgio Sessa Stamato, Nivaldo
Battistetti, Benjamin Belinky, Paschoal Bianco Netto, Rocio Castro Prado, Mario Garibaldi,
Lellis do Amaral Campos, Eneida Baptistete Matarazzo, Stetison Machado Carvalho, Mussi
Zauith, Ferdinando Battistetti, Eduardo André Matarazzo e Hélio Canal.
Tal medida, passou a garantir a administração da coleção ou do acervo pela família
Matarazzo, já que Eduardo Matarazzo transferiu a função para filha Patrícia em 2002, através
de testamento.
Em 05 de agosto de 1980, realizou-se a décima sétima Assembléia Geral, em que se
debateram as alterações dos Estatutos Sociais, de acordo com as manifestações ocorridas em
reunião do Conselho Deliberativo em 15/07/1980. Foi aprovada a alteração no §1º do Artigo
10, passando a ter o seguinte texto: “O Diretor Presidente da Sociedade é vitalício e apto a
nomear seu sucessor também vitalício e assim sucessivamente.”
No Capítulo IX teria mais um artigo de nº 34 que designava o titular do §1º do Artigo
10: “Para efeitos do Artigo 10, §1º considera-se Diretor Presidente Vitalício da Sociedade o
Eduardo Matarazzo André Matarazzo, conforme título que lhe foi concedido em 15 de julho
de 1980”.
Em 30 de abril de 1981, aconteceu a reunião do Conselho Deliberativo, presidida pelo
presidente do Conselho e teve o intuito de consolidar a nova diretoria para o triênio seguinte.
A Diretoria ficou composta por: Sérgio Sessa Stamato (Diretor Vice-Presidente); Ferdinando
Battistetti (1º Diretor Secretário); Eneida Baptistete Matarazzo (2º Diretor Secretário); Mario
Garibaldi (1º Diretor Tesoureiro); Nivaldo Battistetti (2º Diretor Tesoureiro); Lellis do
Amaral Campos (Diretor Patrimonial); Hélio Canal (Diretor de Relações Públicas).
143
No mesmo dia realizou-se a décima oitava Assembléia Geral Ordinária para análise e
aprovação de balanço anual e parecer do Conselho Deliberativo.
Em 29 de junho de 1981, realizou-se a décima nona Assembléia Geral para votar e
preencher as vagas do Conselho Deliberativo. O Sr. Moacyr Pegoraro veio a substituir o sócio
Ferdinando Battistetti, por motivo de falecimento, e Walter Ribeiro Porto veio a substituir o
sócio Rocio de Castro Prado, afastado através do §4º do Artigo 27, do Estatuto.
No mesmo dia, realizou-se reunião do Conselho Deliberativo presidida pelo presidente
para fazer cumprir o Artigo 12 e nomear o Sr. Moacyr Pegoraro para ocupar o cargo de 1º
Diretor Secretário, em vaga deixada pelo Sr. Ferdinando Battistetti em virtude de seu
falecimento.
Em 20 de outubro de 1981, foi promulgada a Lei nº 1.489, pelo Prefeito Municipal de
Bebedouro, Hélio de Almeida Bastos. Esta lei autorizava a doação de uma Motoniveladora,
uma Moto Bomba e um automóvel Ford-Galaxie, que pertenciam ao Município.
Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a doar ao Museu de Armas e
Veículos Motorizados Antigos “Eduardo Andréa Matarazzo”, com sede
nesta cidade, livres de quaisquer ônus os bens móveis abaixo descritos,
incorporados ao patrimônio do Município para fins de interesse social:
a) Uma motoniveladora marca Caterpillar, ano 1948, 12 série 8T2124, à
Diesel;
b) Uma moto bomba, com motor Oliver, à Diesel;
c) Um automóvel marca Ford-Galaxie 500, ano 1975, cor preta bali, chassis nº
LA6ARD-16.182.
Em 30 de outubro de 1981, Eduardo Matarazzo, Diretor Presidente do Museu,
agradeceu as doações feitas pela Prefeitura e ainda solicitou informações sobre a programação
da continuidade das obras de ampliação do Museu e sobre a cobertura do pátio dos aviões.
Ressalta-se que aparece oficialmente, neste momento, o primeiro pedido oficial de
cobertura das aeronaves do Museu. Por várias vezes o colecionador foi acusado de não cuidar
de forma correta das aeronaves, de não preserva-las; observa-se porém, que esta obra era de
competência da Prefeitura.
Em 25 de abril de 1983, realizou-se a vigésima Assembléia Geral, convocada para
discutir e deliberar sobre exame e aprovação das contas de 1982 e providências do que
precisasse.
Em 28 de dezembro de 1983, realizou-se uma reunião do Conselho Deliberativo,
convocada para discutir e deliberar sobre alteração do Artigo 16 §1º dos Estatutos Sociais,
144
para agilizar e desenvolver a administração, tendo condições de qualificar, diversificar e
ampliar os bens que compunham o acervo do Museu.
Destaca-se que na reunião que antecedeu a primeira enchente do Museu, ficou
deliberado o direito de locomoção ou transferência dos objetos do acervo.
Na noite de 29 para 30 de dezembro de 1983, um violento temporal atingiu
Bebedouro. Paus, plantas e objetos transbordaram os córregos e o lago artificial, atingindo
casas, derrubando o portão principal do Museu, destruindo plantas e danificando carros.
No dia 04 de janeiro de 1984, Eduardo Matarazzo juntamente com o Prefeito Sérgio
Sessa Stamato estiveram no Museu para verem os estragos causados pela enchente de dois
metros de altura, ocasionada pelo temporal. Os carros foram enviados para postos de lavagem,
para se evitarem maiores prejuízos. A Prefeitura ficou responsável pela lubrificação e troca de
óleo dos carros. A limpeza total e reparos dos carros se tornaram necessários e após
retornaram ao local.
No mesmo dia, a Diretoria do Museu se reuniu em Assembléia Geral para leitura e
aprovação no Artigo 16 §1º dos Estatutos Sociais. De acordo com este Artigo:
Artigo 16 - A Diretoria poderá empenhar, permutar, emprestar, alienar bens
do acervo de propriedade do Museu, sempre constando esta resolução em
Ata de Reunião da Diretoria, convocada para este fim.
§1º - A transferência ou locomoção de peças que compõem o acervo de
propriedade do Museu, para outros locais diferentes da exposição, somente
poderá ser realizada com autorização expressa do Conselho Deliberativo,
mediante aprovação em Assembléia Geral Extraordinária, devidamente
convocada para este fim.
Em 23 de janeiro de 1984 aconteceu
40
uma reunião da Diretoria para deliberar
providências baseadas no Artigo 16 dos Estatutos Sociais. A pauta abordava os problemas
ocasionados pela enchente nas dependências do Museu, no dia 29.12.183, provocando
grandes prejuízos ao seu acervo, atingindo veículos, equipamentos, peças, maquinários, que
ficaram submersos, tomados também pela lama que adentrou o recinto. Em vista disto, foram
separados quatro veículos e um motor, seriamente avariados, o que motivou a iniciativa do Sr.
Presidente em solicitar autorização da Diretoria, para permutar os veículos danificados por
dois veículos antigos, importados e em perfeito estado de conservação, para fazerem parte do
acervo. Abaixo seguem as descrições dos veículos a serem permutados:
40
Esta reunião aconteceu em local provisório à Rua Adolfo Pinto nº 176, na cidade de Bebedouo-SP, pois a sede
do Museu de Armas, Veículos e Armas situada à Praça Santos Dumont s/nº, em Bebedouro, Estado de São
Paulo, encontrava-se impossibilitada de uso por motivo dos danos ocorrido, ocasionados pela enchente ocorrida
em 29.12.1983.
145
1 veículo marca Mercedes-Benz ano 1939, cor bordô, motor 169399; 1
veículo marca Masserati, ano 1955, cor vermelha, motor CM. 2012; 1
veículo marca Talbot ano 1939, cor creme, motor 90130; 1 veículo marca
Alfa Romeo, ano 1934, cor bordô, motor 2211081; 1 motor marca Talbot,
veículos estes que serão permutados por: 1 veículo marca Oldsmobile, ano
1962, cor branca, importado, motor-chassis 621M05512H120923; 1 veículo
marca Nash, ano 1949, cor branca, importado, motor-chassis R.621209.
Aos 15 de abril de 1984, o Conselho Deliberativo se reuniu para examinar e aprovar as
contas da Diretoria e o balanço patrimonial de 1983.
Em 26 de abril de 1984, realizou-se a vigésima primeira Assembléia Geral Ordinária
para examinar e aprovar as contas da Diretoria e o balanço patrimonial, bem como tomar
outras providências de seu interesse.
Em pronunciamento ao jornal impresso local, o Diretor-Presidente do Museu registrou
a necessidade do Museu ficar fechado por alguns meses para recuperação do prédio e das
peças.
Em 28 de dezembro de 1988, o Diretor-Presidente do Museu, Eduardo André
Matarazzo, encaminhou notificação via Cartório de Registros de Títulos e Documentos, ao
Prefeito Municipal Edne José Piffer, registrando pleno interesse no Prédio, em que se
encontrava instalado o Museu de Armas, Veículos e Máquinas, na cidade de Bebedouro, pois
disse que este necessitava do “imóvel para permanência do referido Museu”.
Aos 10 de maio de 1989, realizou-se uma reunião extraordinária do Conselho
Deliberativo para aprovar a nova redação do Estatuto Social e tomar providências sobre o que
fosse deliberado.
Em 27 de julho de 1989, aconteceu a terceira mudança nos Estatutos Sociais do Museu
de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André Matarazzo”. A primeira alteração dizia
respeito à mudança da sede social do Museu, de Bebedouro-SP para a Fazenda São José, Km
8, Estrada Guaranésia, cidade de Guaranésia, Estado de Minas Gerais, com uma filial nº 1 na
Praça Santos Dumont, s/nº, Bebedouro-SP. Ficou claro que a finalidade da Sociedade era
organizar exposições de suas peças, na sede ou em outras localidades que oferecessem
condições de segurança de garantia e integridade às peças.
A segunda alteração dizia respeito ao número de membros da Diretoria que passou de
oito para quatro membros, representados por: Diretor-Presidente, Diretor-Secretário, Diretor-
Tesoureiro e Diretor de Patrimônio.
146
O cargo de Diretor Presidente ganhou um parágrafo único no Artigo 10: “O cargo de
Diretor Presidente é vitalício, sendo substituído por morte, em linha reta, pelos seus
descendentes de 1º e 2º grau”.
O Conselho Deliberativo passou a ser composto por três elementos, três suplentes
empossados em Assembléia.
Neste novo estatuto apareceu dentro do Capítulo II, o Artigo 16 em que a: “Diretoria
poderá empenhar, permutar, alienar bens do acervo ou propriedade da sociedade”. O que era
proibido no estatuto anterior.
No Capítulo VIII – Disposições Transitórias – Artigo 28 - “A sociedade poderá
também ter um Presidente Honorário representado na pessoa indicada pelo Presidente
Vitalício, Eduardo André Matarazzo”.
Com a primeira enchente, observa-se um abalo na pareceria público-privado. O poder
público não assistiu à parte privada como deveria acontecer, mesmo no caso excepcional, de
uma catástrofe natural. O colecionador ficou com os prejuízos e como todo colecionador, se
ressentiu pelos danos causados às peças. O diretor-presidente buscou as alterações legais no
estatuto para proteger-se, bem como sua coleção. A figura do Presidente Honorário, deixou de
ser do Prefeito Municipal, já que Bebedouro passa a ser a filial nº 1.
Em 23 de outubro de 1989, o Presidente do Museu encaminhou correspondência ao
Prefeito Municipal Edne José Piffer, registrando que em vias de ajustamento para a assinatura
de um convênio entre a Prefeitura Municipal de Bebedouro e o Museu, alguns itens deveriam
tomar parte do instrumento de convênio e que, este só entrará em vigor, após vistoria conjunta
entre Diretoria do Museu e Prefeitura, para aprovação deste quanto às reformas que deveriam
se realizar.
As cláusulas do convênio regem que a Prefeitura deveria ficar responsável pela
manutenção dos jardins e prédios, das instalações elétricas, hidráulicas, de telefonia;
vigilância 24 horas por dia, durante os sete dias da semana, tanto nas áreas internas como
externas; instalação de hidrantes e extintores de incêndio, conforme fosse determinado e
aprovado pelo Corpo de Bombeiros de Bebedouro.
O Museu se comprometeu a manter todo o acervo existente no referido local, bem
como futuros bens incorporados ao mesmo. Como titular de todos os valores e bens, ficaria
com todos os direitos publicitários, fotográficos e a propriedade intelectual, que diriam
respeito à sua exploração comercial; a movimentação dos objetos em exposição sempre seria
precedida de consulta à diretoria do Museu, que em qualquer hipótese, promoveria as
modificações que entendessem necessárias à salvaguarda e conservação do seu patrimônio.
147
A visitação pública ocorreria somente com grupos de não mais que vinte pessoas,
sempre acompanhadas por pessoal encarregado da vigilância.
A abertura ao público seria as quartas, sábados e domingos, e excepcionalmente os
feriados. Mediante um aviso com antecedência de uma semana, facilitar-se-ia a visita de
escolas e universidades, fora dos dias acima determinados.
Quanto aos aspectos legais: a Prefeitura em hipótese alguma adquiriria direitos sobre o
acervo do Museu e declararia não ter interesse na sua expropriação. O foro competente
para dirimir qualquer questão oriunda do Convênio seria o da sede do Museu.
O prazo de vigência do convênio seria o da data de sua assinatura até 30 de setembro
de 1992.
Em 03 de janeiro de 1990, o Presidente do Museu acusou recebimento de minuta do
Convênio entre Museu e Prefeitura aprovando-se porém, solicita a alteração em dois tópicos:
“no primeiro tópico, para acrescentar, na cláusula segunda, que a Prefeitura, além de fazer a
manutenção dos jardins e prédios, se obriga especificamente a proceder à limpeza e manter o
asseio dos mesmos, e quanto ao segundo tópico, anotar no Convênio, na cláusula oitava,
como fora solicitação anteriormente, que o foro competente para dirimir qualquer questão
oriunda do contrato será o da sede do Museu”.
Finalmente, em 15 de janeiro de 1990, o Convênio entre Prefeitura Municipal de
Bebedouro e Museu de Armas, Veículos e Máquinas era assinado. As especificações
sugeridas pelo presidente do Museu foram acatadas, porém deve-se recordar que em 27 de
julho de 1989 aconteceu a alteração da sede do Museu, de Bebedouro-SP para a Fazenda São
José, Km 8, Estrada Guaranésia, cidade de Guaranésia, Estado de Minas Gerais, e que
Bebedouro passou a ser a filial nº 1.
O desgaste entre a relação público-privado começou a se intensificar. Observa-se pela
primeira vez que um documento sobre o uso do prédio foi enviado à Prefeitura e a existência
de um documento que formalizava o convênio entre a Prefeitura e Museu (não encontrou-se
nenhum documento anterior no Arquivo Municipal ou no Arquivo do Museu).
Em 20 de abril de 1991, o Conselho Deliberativo se reuniu para deliberar sobre os
relatórios de prestação de contas e balanços patrimoniais, de 1984 a 1990. O acúmulo das
prestações de contas deu-se por falta de reuniões ocasionadas pelo fechamento do Museu
neste período, causados pela reforma realizada pela Prefeitura Municipal. Em ata: “reunidos
em uma única tomada de posição, em virtude da reforma realizada de 1984 a 1990, pela
Prefeitura Municipal de Bebedouro” e outras providências de interesse.
148
Em 27 de abril de 1991, realizou-se a vigésima segunda Assembléia Geral
extraordinária para deliberar sobre os relatórios de prestação de contas da Diretoria e
Balanços Patrimoniais dos exercícios de “1984/1985/1986/1987/1988/1989/1990”, período
esse em que o Museu permaneceu em reforma. O presidente informou também, que muito
embora a entidade tenha transferido a sede social para Guaranésia, Estado de Minas Gerais, os
sócios contribuintes e beneméritos deliberaram validamente no endereço da nova filial nº 1,
na cidade de Bebedouro.
Em 21 de janeiro de 1992, realizou-se a reunião do Conselho Deliberativo para
deliberar sobre o relatório de prestação de contas da Diretoria e balanço patrimonial do ano de
1991 e outras providências de interesse.
Em 22 de janeiro de 1992, realizou-se a vigésima terceira Assembléia Geral Ordinária
para deliberar sobre relatório de prestação de contas da Diretoria e balanço patrimonial, já
com parecer do Conselho Deliberativo e outras providências de interesse. Após as devidas
aprovações colocou-se em votação e sendo aprovado sem restrições o voto de louvor “aos
trabalhos da diretoria pelo esforço hercúleo em manter com seus próprios recursos o
Museu, aberto à visitação pública, a sociedade bebedourense”.
Em 24 de março de 1993, o Conselho Deliberativo reuniu-se na sede social do Museu
em Guaranésia – MG para deliberarem sobre relatório de prestação de contas da Diretoria e
balanço patrimonial do ano de 1992 e outras providências de interesse.
Aos 25 de março de 1993, na sede social do Museu em Guaranésia-MG, aconteceu a
vigésima quarta Assembléia Geral Ordinária, para deliberarem sobre relatório de prestação de
contas da Diretoria e balanço patrimonial de 1992 e outras providências de interesse.
Em 30 de abril de 1993, aconteceu a quarta mudança dos Estatutos Sociais. A
Sociedade passou a ter a sede em Antonina – PR, à Rua Conde Matarazzo, 2489, bairro
Itapema. Neste estatuto foi criado o Artigo 3º - Objeto social – neste artigo observa-se
algumas alterações, dentre elas a exigência de seguro contra riscos de transportes, danos ou
perdas totais, para as exposições dos objetos. O texto deste artigo mudou:
A Sociedade tem por finalidade, organizar o MUSEU DE ARMAS,
VEÍCULOS E MÁQUINAS, de todas as origens ou procedências, expor
suas peças à visitação pública, em sua sede social de forma permanente e
em outras localidades do território nacional que ofereçam condições de
garantias e segurança da integridade das peças a serem expostas,
asseguradas por apólices de seguros contra riscos de transportes, danos ou
perdas totais.
149
Em 17 de julho de 1993, em reportagem do Jornal Gazeta de Bebedouro, foi
anunciado que o Museu poderia permanecer em Bebedouro, já que a validade do convênio
entre Prefeitura Municipal e o Museu de Armas, Veículos e Máquinas “Eduardo André
Matarazzo” havia terminado em setembro de 1992 e o proprietário Eduardo Matarazzo havia
comunicado ao Executivo, a intenção de retirar o Museu da cidade e transferí-lo para uma
propriedade particular em Antonina-PR. Em tal reportagem fica claro que desde que o Museu
havia sido criado na cidade, as características de cada uma das administrações públicas
ficaram refletidas no Museu. De acordo com Eduardo Matarazzo, em algumas administrações,
o Museu foi muito bem apoiado, mas em outras, totalmente abandonado. “Não aceitamos
essa alternância. Nós não podemos deixar que tamanho acervo seja submetido à vontade
deste ou daquele político”, ficando claro que as necessidades e interesses já não eram bem
atendidas. De acordo com Gomes (1993), o que Matarazzo pretendia era “uma política
planejada e estruturada” para que o Museu pudesse se manter dentro do seu objetivo único e
não alvo de “mudanças de climas políticos”.
Nesta fase, a relação está desgastada, pois o colecionador vai a público, registrar o
desprezo das administrações públicas com o Museu, o jogo de interesses de cada gestão
pública. O Museu e a população passam a viver o princípio da proporcionalidade e de
intersecção dos interesses apresentados por Bobbio (2004, p.177), resultantes da parceria
público-privado.
De acordo com Eduardo Matarazzo:
Nesta fase das negociações, algumas pessoas e até lideranças políticas que
desconhecem que o Museu não é propriedade do município, que a
Prefeitura apenas administra as instalações, tentam interferir no assunto sem
conhecimento de causa. Querem dispor o acervo. O resultado é que acabam
mais prejudicando do que ajudando (GOMES, 1993).
Uma nova gestão pública foi eleita e a parceria voltou a se tornar amistosa, apesar da
sede do Museu não retornar para Bebedouro.
Em 28 de julho de 1993, o Prefeito Municipal de Bebedouro baixou o Decreto nº
2820, no qual, ficou concedido ao Museu por tempo indeterminado dois Ford Landau, modelo
1980 de sua propriedade. A Diretoria do Museu deveria devolver os referidos veículos, caso
fosse destituída a Associação.
Em 25 de março de 1994, realizou-se a vigésima quinta Assembléia Geral Ordinária,
na qual se deliberou sobre relatório de prestação de contas da Diretoria e balanço patrimonial
de 1993 e outras providências de interesse.
150
Em 30 de março de 1994, aconteceu a reunião do Conselho Deliberativo para deliberar
sobre relatório de prestação de contas da Diretoria e balanço patrimonial do ano de 1993 e
outras providências de interesse.
A década de 90 foi marcada por grandes turbulências na relação entre Prefeitura e
Museu, pois os políticos da cidade tentavam fazer “negócios” com os objetos do Museu para
melhorar a infra-estrutura do Município.
Em 15 de fevereiro de 1995, uma polêmica foi instituída na cidade de Bebedouro. O
diretor do Departamento de Cultura do Município denunciava ao Jornal O Estado de São
Paulo, que vereadores da cidade pretendiam trocar o avião bimotor Saab Scânia por
equipamentos hospitalares para reativar o Hospital “Júlia Pinto Caldeira”. Os vereadores
acreditavam que o aparelho pertencia a VASP e sendo o governo estadual o maior acionista
da empresa, os mesmos tentavam convencer o governador a doar ao município a aeronave
para que pudessem fazer a troca com a empresa Saab, por outro modelo militar também
pertencente a Saab.
De acordo com informações de Jumpei (1995?), o colecionador Eduardo Matarazzo
revelava o cansaço e apresentava suas desilusões com relação a Prefeitura de Bebedouro,
frente ao descaso com os objetos do Museu. Em entrevista a Jumpei, mostrou o intento de
mudança de endereço do Museu para Antonina, no Paraná.
O próprio repórter constatou o descaso com as aeronaves, por exemplo.
É muito válida a atitude do proprietário do museu, Eduardo André
Matarazzo, em querer preservar estas relíquias, mas seu intento não está
sendo logrado integralmente, uma vez que não existe área coberta para
abrigar todos os aviões das intempéries e do vandalismo. As crianças
costumam praticar tiro ao alvo, arremessando pedras contra as janelas dos
aviões, sendo que, quando quase sessenta foram trocadas no ano passado.
(JUMPEI, [1995?], p.24).
O colecionador chegou a abrir mão da guarda dos objetos, por reconhecer que eles não
estavam em local apropriado e dizia que “melhor evitar que peças que fizeram parte de nossa
história se percam, sendo adquiridas por desmanches para virarem sucata” (JUMPEI, [1995?],
p.24).
Ao mesmo tempo em que o cansaço do colecionador existia, um resto de esperança
ainda era apresentado, quando dizia ao repórter que o helicóptero que se encontrava em fase
final de restauração, um Sikorsky S51, peça única no qual voou o falecido governador do
Estado de São Paulo, Adhemar de Barros, depois de restaurado, “será armazenado à espera
151
seja da cobertura do atual local ou da mudança para novas instalações” (JUMPEI, [1995?],
p.26).
Novamente o conflito entre o público e o privado estava lançado, pois na mesma
reportagem era denunciado o descaso da administração pública com os objetos que ficavam
expostos na parte externa do Museu: “O bimotor da Saab, assim como outros 15 aviões,
locomotivas e mais de uma centena de carros antigos, está se deteriorando no Museu, mantido
pela Prefeitura de Bebedouro” (AMORIM, 1995, C-3). O diretor do Departamento de Cultura
disse ao repórter que os objetos eram de propriedade do colecionador e por isso estavam
“legalmente impedidos de cuidar da manutenção das peças”, desconhecendo que a infra-
estrutura, ou seja, a cobertura metálica para os aviões era de responsabilidade da Prefeitura
Municipal. Lembra-se que o colecionador, em documento enviado ao Prefeito Municipal
Hélio de Almeida Bastos, em 30 de outubro de 1981, solicitava informações sobre a
programação da continuidade das obras de ampliação do Museu e sobre a cobertura do pátio
dos aviões.
Em 25 de março de 1996, realizou-se a vigésima sexta Assembléia Geral Ordinária em
que se examinaram e aprovaram as contas do ano de 1995, retiradas e inclusões de sócios e da
nova Diretoria. O filho de Eduardo, Fernando Jerônimo Baptistete Matarazzo veio a substituir
o sócio Mário Garibaldi e João Moreira Castro veio a substituir o sócio Nércio Stecca. A
Diretoria passou a ser composta por Eduardo Matarazzo (Diretor Presidente), Eneida
Baptistete Matarazzo (Diretora Secretária), Moacyr Pegoraro (Diretor Tesoureiro), Fernando
J. Bastistete Matarazzo (Diretor Patrimonial). O Conselho Deliberativo passou a ser
representado por Nivaldo Battistetti, Mussi Zauith, Cleusa Gomes, Roberto Pegoraro, João
Moreira Castro.
O Museu começou a passar por uma fase de dormência, não fazendo parte das
prioridades do Município. Observa-se que o colecionador foi se desanimando com a parceria
e isto era refletido na composição da Diretoria, em que representantes políticos da cidade já
não auxiliavam na tomada de decisão.
Em 01 de novembro de 1996, foi baixado o Decreto nº 3585 pelo Prefeito Municipal,
no qual concedeu por tempo indeterminado um automóvel Chevrolet, Opala Diplomata,
modelo 1990 ao Museu:
Artigo 1º - Fica permitido ao Museu de Armas e Veículos Motorizados
Antigos “Eduardo André Matarazzo”, sediado na Praça Santos Dumont,
nesta cidade, o uso, por tempo indeterminado, do veículo de propriedade
desta municipalidade abaixo discriminado:
152
a) 01 automóvel de passageiros, marca Chevrolet, placa DZ-3003, versão
Opala Diplomata 1.8, à gasolina, cor preta, ano de fabricação 1990, Chassi
nº 9BGVR69HLLB-113315, em perfeito estado.
Em 14 de setembro de 1997, foi anunciada em jornal local, a transferência do avião
Scandia para o Museu Aeroespacial no Campo dos Afonsos (RJ), através de decisão unânime
da diretoria da VASP, segundo o diretor do museu Ten. Cel. Antônio Claret Jordão.
Já em 23 de setembro de 1997, outro jornal local, dizia que além da retirada do Saab
Scandia, o Museu Aeroespacial tentava levar o avião Curtiss C-46, da Varig.
No dia 28 de setembro de 1997, a Folha de São Paulo fez uma reportagem sobre a
possibilidade de municipalização de patrimônios do estado de São Paulo. A Folha apresentou
as dificuldades enfrentadas pelos museus da região de Ribeirão Preto, dentre eles o Museu
Francisco Schmidt – Museu do Café (Ribeirão Preto), Museu de Armas e Veículos
Motorizados Antigos “Eduardo André Matarazzo” – Museu Matarazzo (Bebedouro), Museu
Casa de Portinari – Casa de Portinari (Brodósqui), Museu de Paleontologia de Monte Alto –
Museu de Paleontologia (Monte Alto), Casa de Cultura Marcelo Grassmann – Museu Marcelo
Grassmann (São Simão). Nesta reportagem verifica-se que:
As prefeituras não têm dinheiro para manter os museus funcionando, nem
pessoal especializado para conservar os acervos. Alguns museus disputam
espaço com órgãos públicos. Outros não possuem pessoal para conservação
ou catalogação das obras, que acabam desaparecendo ou são guardadas em
depósitos. (ANGELO, 1997, p.11).
A polêmica sobre a retirada dos aviões fez com que surgisse na seqüência outra maior,
o descaso dos municípios com os patrimônios públicos na região de Ribeirão Preto. De acordo
com Ângelo (1997, p.11), o Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos “Eduardo
André Matarazzo” “mantém as peças que foram colecionadas pelo empresário Eduardo André
Matarazzo, que reclama de ingerência do município no acervo”. Na época, o debate girava em
torno do avião Saab Scandia, pertencente ao Museu de Tecnologia de São Paulo e sob guarda
do Museu de Matarazzo. A Prefeitura queria cobrar da Aeronáutica dois anos de estadia do
avião no Museu. De acordo com Eduardo Matarazzo, “Isso é uma palhaçada. O avião ficou
cedido em regime de comodato para o Museu e agora está sendo levado de volta”. O
empresário registrou o desejo de acabar com a parceria entre Prefeitura e Museu “para evitar
fofoca. Teve até vereador propondo a troca do acervo por equipamento hospitalar”.
(ANGELO, 1997, p.11).
153
Em 18 de junho de 1998, o Presidente do Museu encaminhou notificação via Cartório
de Registros de Títulos e Documentos ao Prefeito Municipal, Edne José Piffer, registrando
que o Convênio de Desenvolvimento Cultural e Histórico, firmado entre Município e Museu,
estava vencido e tendo em vista que o Museu já havia remetido à Prefeitura, há tempos,
comunicado e até a data nada havia sido assinado, concluía-se que o referido convênio não
vigorava mais. A notificação dizia que no prazo de cinco dias, o documento fosse
devidamente assinado, entregando-se uma cópia ao Museu, sob pena de a partir de 03/07/98,
promoverem o fechamento de suas portas, por prazo indeterminado.
Em 06 de dezembro de 1998, o Convênio foi assinado, ficando a ressalva de que o
Museu de Bebedouro era a filial nº 1 desde 1993 e que o foro para dirimir sobre questões do
Museu passava a ser Bebedouro. O convênio vigorou de 06 de dezembro de 1998 a 30 de
dezembro de 2000.
Em 25 de março de 1999, realizou-se a vigésima sétima Assembléia Geral Ordinária
para exame e aprovação das contas do ano de 1998, retirada e inclusão de sócios, alteração da
Diretoria, mudança da sede do Museu que voltava para Guaranésia-MG e alteração do Artigo
10º §1º dos Estatutos Sociais. Substituição de Fernando J. Baptistete Matarazzo por Paulo
Pegoraro. A nova Diretoria ficou representada por: Eduardo Matarazzo (Diretor Presidente e
Diretor Patrimonial), Eneida Baptistete Matarazzo (Diretora Secretária), Moacyr Pegoraro
(Diretor Tesoureiro). O Conselho Administrativo ficou representado por: Mussi Zauith,
Cleusa Gomes, Roberto Pegoraro, João Moreira Castro, Paulo Pegoraro.
O outro item da pauta foi a quinta alteração do Estatuto Social, no qual o Artigo 3º é
simplificado, retirando-se o texto sobre o seguro dos objetos para transporte. Já no Artigo 10
foi inserido o parágrafo único – “O cargo de Presidente é vitalício, sendo substituído por
morte, por quem for indicado através de Ata, Carta ou Testamento pelo Presidente, no caso de
não haver tal indicação será substituído por descendentes na linha direta”. Alterou-se o Artigo
16 – que passou a permitir que a Diretoria pudesse “empenhar, permutar, alienar bens do
acervo ou propriedade da sociedade”. A forma de convocação para as assembléias deixou de
ser por carta ou telegrama e passou a ser feita por convites protocolados e publicação em
jornal de comprovada circulação.
Em 31 de outubro de 2000, o Presidente do Museu, Eduardo Matarazzo, encaminhou
comunicação via Cartório de Registros de Títulos e Documentos ao Prefeito Municipal, Edne
José Piffer, registrando que não haveria renovação do Convênio entre Prefeitura e Museu, de
acordo com a cláusula sétima do Convênio anterior e comunicava ainda que, a partir do dia
154
05/01/2001, começariam a ser retirados do prédio e do terreno da Prefeitura o acervo do
Museu.
Observa-se que houve falta de clareza nos papéis para efetivação do convênio, o que
fez com que as tensões, entre as partes, se intensificassem a ponto de haver grande desgaste
por parte do colecionador. Pode-se observar que na década de 70, aconteceu um momento de
euforia, onde houve um auge de conquistas e divulgações. A década de 80 ficou marcada pelo
que considera-se o primeiro desgaste na relação público-privado, com a inundação e o lento
processo de revitalização do prédio do Museu. O colecionador desanima, inclusive com a
coleção e passa a visitá-la com menor freqüência. Na década de 90, começaram a aparecer os
descasos da administração pública frente às renovações do Convênio e conservação do prédio,
salvando talvez as esparsas doações de objetos por parte da Prefeitura.
O colecionador apresentou indícios de profundo desgosto frente à relação com o poder
público.
As ameaças de retirada do acervo de Bebedouro, tendo novos espaços propostos com
tal fim, tais como: Antonina, no Paraná ou Campos de Jordão, em São Paulo. Percebe-se que
nesta fase, o colecionador já não sentia a coleção como sua, em relação ao cuidado, ao fetiche,
ao zelo, mas era sua do ponto de vista legal e por isso, continuava a cuidar. Nessa trajetória,
observa-se que o colecionador canalizou sua paixão para o restauro.
O desgaste frente ao descumprimento do convênio provocou o cansaço no
colecionador. Em 10 de novembro de 2000, o Convênio entre Prefeitura Municipal de
Bebedouro e Museu de Armas, Veículos e Máquinas foi assinado. A vigência deste Convênio
seria da data da assinatura até 30 de julho de 2001.
Em 30 de junho de 2001, o Convênio foi renovado até 30 de junho de 2002.
No dia 03 de março de 2002, faleceu Eduardo André Matarazzo.
4.2.3 Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas, Veículos e Máquinas
Em 15 de abril de 2002, realizou-se a vigésima oitava Assembléia Geral Ordinária e
Extraordinária presidida pela Diretora Secretária Eneida Bapstistete Matarazzo. A ordem do
dia foi o exame e aprovação das contas dos anos de 1999, 2000 e 2001; cumprimento do
Artigo 10º §1º dos Estatutos Sociais; retirada e inclusão de sócios e alteração da Diretoria.
Por motivo de falecimento do Presidente Vitalício – Eduardo Matarazzo, e de acordo
com o Artigo 10º §1º foi nomeada através de carta, sua sucessora na presidência vitalícia do
Museu de Armas, Veículos e Máquinas, Patrícia Marta Matarazzo, sua filha.
155
Foi excluído do Conselho Deliberativo, o Sr. João Moreira Castro, por motivo de
falecimento.
A nova Diretoria ficou representada por: Patrícia Marta Matarazzo (Diretora-
Presidente Vitalícia e Diretora Patrimonial), Eneida Baptistete Matarazzo (Diretora
Secretária), Moacyr Pegoraro (Diretor Tesoureiro). O Conselho Administrativo ficou
representado por: Mussi Zauith, Cleusa Gomes, Roberto Pegoraro, Paulo Pegoraro.
Estiveram presentes: Patrícia Marta Matarazzo, Moacyr Pegoraro, Eneida Baptistete
Matarazzo, Mussi Zauith, Roberto Pegoraro, Cleusa Gomes.
Observa-se que a partir do falecimento do colecionador, as tensões entre o poder
público e o poder privado se intensificaram, gerando grandes tensões.
Em 16 de fevereiro de 2002, o Jornal Folha de São Paulo apresentou uma briga entre
Prefeitura Municipal de Bebedouro e Família Matarazzo sobre a retirada de duas locomotivas
que seriam levadas ao Paraná para restauro. Começou assim uma briga judicial que durou
vários anos, finalizando com o retorno das locomotivas restauradas.
A família Matarazzo pretendia enviar à Curitiba, duas locomotivas para restauro,
porém, o Executivo da Prefeitura Municipal entrou com pedido judicial para que os bens do
Museu ficassem em poder da mesma. O juiz Amílcar Gomes da Silva acatou o pedido da
Prefeitura. Sob determinação do prefeito Davi Perez Aguiar, a Guarda Municipal impediu a
saída do caminhão com as locomotivas. A Prefeitura pretendia pedir a desapropriação judicial
dos bens do Museu para garantir que eles se tornassem públicos. Patrícia Matarazzo,
presidente do Museu relatou “É uma decepção uma pessoa querer desapropriar uma obra
construída pelo meu pai”. Ela afirmou que o prédio, que pertencia à Prefeitura, estava em
péssimas condições de uso e que se não fossem feitas reformas, o Museu seria retirado da
cidade. Os impasses passaram a ser discutidos na justiça.
O Prefeito Municipal foi às rádios locais e aos jornais impressos manifestar seu
interesse em terceirizar a administração do Museu, retirando das mãos da Família Matarazzo.
Novamente, o desgaste na parceria começou a acontecer. O público avançou sobre o
privado, desrespeitando as regras instituídas no acordo existente através do convênio.
No dia 06 de abril de 2002, Eneida Matarazzo respondeu, através de carta ao Prefeito
Municipal, que não aceitava a terceirização, porque era sua responsabilidade bem como dos
filhos, dirigirem o Museu de acordo com o pedido feito pelo colecionador e em memória ao
extenso trabalho realizado por ele. No dia 11 de junho de 2002, esta carta foi publicada no
Jornal Gazeta de Bebedouro.
156
Nesta mesma edição do jornal, outro artigo repercutiu, a discussão sobre a permissão
das locomotivas saírem de Bebedouro para Curitiba, PR, onde seriam restauradas, através de
uma parceria entre a família Matarazzo e o governo do Paraná. A proposta seria depois de
restauradas, as locomotivas serem colocadas em funcionamento na cidade litorânea de
Antonina, em ramo ferroviário da família e de acordo com Fernando Matarazzo, na única
linha férrea particular do país. A discussão estava na justiça, 2ª Vara Cível, onde dois
mandatos de segurança deram entrada. De acordo com a filha do colecionador, Patrícia
Matarazzo, o convênio firmado entre Prefeitura e Museu lhes conferia esse direito e que seria
melhor, reformar tais locomotivas, ao invés de deixá-las enferrujar e expostas ao relento.
Em julho de 2002, o jornalista Nilton Santos escreveu um artigo na Gazeta de
Bebedouro, em que fazia uma comparação do impasse entre Prefeitura Municipal de
Bebedouro e Família Matarazzo, a briga de Davi e Golias.
No dia 13 de julho de 2002, foi publicada na Gazeta de Bebedouro a notícia de que no
dia 10 de julho de 2002 um mandato havia sido expedido pela justiça impedindo que as
locomotivas fossem levadas para o restauro no Paraná. Mas, para Patrícia Matarazzo o que a
família não esperava era que a Prefeitura anunciasse, na medida cautelar protocolada na
Justiça, seu anseio de iniciar procedimento administrativo de desapropriação dos bens do
Museu. “O acervo vale milhões. É uma coleção caríssima. Como a prefeitura tem dinheiro
para desapropriar e não tem dinheiro para cobrir a área?” referindo-se ao espaço ocupado
pelas aeronaves.
O caso das locomotivas foi parar duas vezes na delegacia, a primeira quando o
delegado plantonista solicitou o convênio firmado entre as partes para verificar quem estava
com a razão e a segunda após a liminar. Duas viaturas, que guardavam a carreta com as
locomotivas, saíram e como a família não havia sido notificada oficialmente sobre a decisão
judicial, Fernando Matarazzo deu ordem para que a carreta seguisse rumo a Curitiba. De
acordo com o filho do colecionador “Havia um guarda no museu vendo retirar a carreta e não
disse nada”. De acordo com o jornal “Quando seguia pela estrada Bebedouro-Taiúva, a
carreta escoltada por dois veículos, conduzidos por Fernando e por um funcionário – foi
interceptada pela GCM. A Polícia Militar foi solicitada para prestar apoio e as locomotivas
retornaram para a cidade”. (FAMÍLIA, 2002, p.B-8).
No mesmo dia, o caso das locomotivas foi parar no Jornal O Estado de São Paulo.
Henrique (2002) escreveu que a presidente do Museu, Patrícia Matarazzo, questionava como
a Prefeitura teria verba para desapropriar o acervo e não teria verba para fazer a manutenção
do prédio e a construção da cobertura da parte externa que abrigava os aviões. A esposa do
157
colecionador se manifestou e criticou a atitude do prefeito, dizendo que foi “arbitrária e
truculenta” e ainda disse que esperava que a Prefeitura assumisse os custos de aluguel da
carreta, que custava na época R$ 1 mil (hum mil) por dia, além das outras despesas.
No Jornal Folha da Cidade (2002, p.1), os herdeiros diziam que a família tinha direito
de movimentar as peças em exposição seguindo as orientações dos Estatutos Sociais e do
Convênio existente entre Prefeitura e Museu. De acordo com os documentos consultados, há
viabilidade de transferir um objeto para restauro, estando estes sob responsabilidade da
Diretoria do Museu, não havendo necessidade de encaminharem pedido de autorização ao
Executivo local. O herdeiro Fernando Matarazzo dizia que o acervo do Museu não era
conservado, as máquinas apodreciam ao ar livre sem nenhuma manutenção. O que a família
sempre pediu foi para que se fizesse uma cobertura externa para os aviões e as locomotivas,
melhorias na ventilação do prédio que abrigava os carros e aumento na segurança local, o que
nunca foi realizado.
Novamente, observa-se que o Convênio não era cumprido de forma contundente, por
isso os impasses gerados e o descontentamento a longo prazo.
Finalmente, em 25 de julho de 2002, o final da “novela” foi publicado no Jornal
Gazeta de Bebedouro. Em decisão judicial, ficou cassada a liminar que concedia à
administração municipal o direito de impedir a saída de máquinas do Museu com destino a
Antonina. Às 8h00, do dia 25 de julho de 2002, as locomotivas foram encaminhadas à
Curitiba, com o intuito de restauro. Fernando Matarazzo disse que a Prefeitura seria
processada para que houvesse ressarcimento do ônus causado pelos dias de impasse.
No dia 27 de julho de 2002, o Jornal Folha da Cidade publicou que após 15 dias o juiz
da 2ª Vara Cível de Bebedouro, cassou a liminar que impedia a Família Matarazzo de levar
duas locomotivas para restauro em Curitiba:
Com a decisão, as locomotivas (Maria Fumaças) foram levadas a Curitiba,
onde ficarão em restauração por dois meses, sob a responsabilidade da
ABPF – Associação Brasileira de Preservação Ferroviária e posteriormente
serão levadas à cidade de Antonina, no Paraná, onde ficarão por dois anos.
Durante o ano de 2002, muitos impasses surgiram em torno do Museu. Houve grande
desgaste na relação entre Prefeitura Municipal e Presidência do Museu, durante a gestão do
Prefeito Davi Peres Aguiar, além de afetar diretamente a relação com os familiares do
colecionador e idealizador do Museu, Eduardo André Matarazzo.
158
Em 10 de agosto de 2002, Patrícia Matarazzo publicou uma carta aberta ao Prefeito
Municipal, respondendo às acusações feitas por ele, em rede de rádio e jornal. Ela registrou
esclarecimentos sobre falsas interpretações feitas pelo prefeito sobre os contatos entre poder
público e Museu. Esclareceu que o primeiro contato feito em 10 de julho de 2002, foi
posterior a ordem ilegal de impedir a locomoção das locomotivas. No dia 16 do mesmo mês,
o segundo contato foi feito pelo Secretário da Cultura Fauze Bazzi, no intuito de resolver os
conflitos, porém, a presidente do Museu pediu as propostas por escrito para serem repassadas
aos outros membros familiares. No dia 26 seguinte, uma carta datada de 19 de julho foi
protocolada no escritório da família. Tal carta propunha uma reunião para “discutir renovação
de contrato e uma melhor contrapartida por parte da Prefeitura, para conseguir uma nova e
duradoura parceria”. No mesmo dia, o Prefeito pediu ao Departamento Jurídico que recorresse
ao Tribunal de Justiça do Estado contra a decisão do juiz Amílcar Gomes da Silva que
liberava as locomotivas para restauro. Patrícia pediu que o Prefeito parasse de fazer “queda de
braço”.
Com este episódio a administração pública interferiu drasticamente na questão do
privado, causando tensões ainda maiores. Com o objetivo de desapropriação do acervo, a
administração pública tenta impor o que Cameron diz (apud Suano, 1986, p.90-91)
‘desconhecimento frontal do que seja coisa pública’, fazendo nascer uma disputa de poder
entre as partes da parceria.
Em 15 de abril de 2003, realizou-se a décima nona Assembléia Geral Ordinária e
Extraordinária para que se examinassem e aprovassem as contas do ano de 2002.
Em 04 de dezembro de 2003, na Gazeta de Bebedouro, Patrícia Matarazzo divulgou
que novidades estavam chegado semanalmente ao Museu. Peças que o pai tinha receio de
Foto 32 – Locomotivas que causaram polêmica. Atualmente, estão expostas no Museu
Fonte: Wilza Aurora Mattos Teixeira
159
expor no Museu devido à degradação favorecida pelo prédio como excessivo calor, por
goteiras, poeira e fuligens. Ela registrou alguns planos para 2003 “pretende firmar parceria
com a iniciativa privada para refrigerar o prédio e construir cobertura no recinto dos aviões e
das máquinas expostos ao tempo. Para isso, reivindica ações da Prefeitura, responsável pelo
prédio, como o conserto e a vedação do telhado” (NOVIDADES, 2002, p.3).
Apesar de todos os desgastes, observou-se que o Museu foi se rearticulando, porém,
procurando apoio em outras parcerias.
Em 15 de abril de 2004, aconteceu a trigésima Assembléia Geral Ordinária e
Extraordinária para examinar e aprovar as contas do ano de 2003.
Em 2005
41
foi renovado o Convênio entre Prefeitura Municipal de Bebedouro e Museu
de Armas, Veículos e Máquinas. Este foi o primeiro convênio assinado pela nova presidente
do Museu, que elaborou novas cláusulas, partindo dos fatos que haviam acontecido, logo
após, a morte do colecionador:
Na cláusula segunda – sobre as obrigações - foi inserido um item em que a Prefeitura
assumia a responsabilidade de manter a limpeza do acervo, fora as outras obrigações já
assumidas quanto à conservação do prédio. O Museu permaneceu com a manutenção do
acervo em exposição. No item 6 desta cláusula, ficou em destaque que: “fica absolutamente
vedada” a transferência deste Convênio a terceiros.
Na cláusula terceira do Convênio - sobre a visitação - foram alterados os dias de
visitação, passando a ser de quinta-feira a domingo e em feriados, exceto os dias 25 de
dezembro e 1º de janeiro. Visitações de escolas e grupos seriam aceitas mediante
agendamento prévio e somente escolas públicas, creches municipais e entidades sem fins
lucrativos teriam ingresso gratuito. Ficou registrado no item 3 que o ingresso cobrado,
destinava-se exclusivamente ao Museu, para manutenção do acervo.
Ressalta-se que durante a gestão do colecionador a entrada dos visitantes era gratuita.
Na cláusula sexta do Convênio ficou designado que: “somente pessoas autorizadas
pela Diretoria do Museu poderão movimentar ou praticar qualquer mudança no acervo”; “O
Museu tem livre acesso para trocar, retirar e modificar seu acervo”; “A Prefeitura, em
nenhuma hipótese adquirirá direitos sobre o acervo do Museu, e declara expressamente
que não tem interesse na sua expropriação”.
A vigência do Convênio se daria, a partir da assinatura, até fevereiro de 2009.
41
Este convênio não tem uma data específica de assinatura, apenas o ano.
160
Tais ressalvas vêm como resultado dos fatos ocorridos entre a Prefeitura na gestão
anterior e a direção do Museu.
As providências legais foram tomadas, assegurando que a relação entre público e
privado permanecesse.
Em 15 de abril de 2005, realizou-se a trigésima primeira Assembléia Geral Ordinária e
Extraordinária em que foram examinadas e aprovadas as contas do ano de 2004 e a inclusão
de novos associados no quadro de associados do Museu. Passaram a integrar o quadro de
sócios: Adriana de Moraes Perri Camargo, decoradora, residente em São Paulo, Capital;
Ricardo Addad, arquiteto, residente em São Paulo, Capital; Maria Cecília Pereira Barreto Del
Fiore, administradora, residente em São Paulo, Capital; Daniel Del Fiore, engenheiro,
residente em São Paulo, Capital; Luis Fernando Fernandes Pessoa, engenheiro agrônomo,
residente em São Paulo, Capital; Fernanda Olivieri Januzzi Pessoa, advogada, residente em
São Paulo, Capital; Cristiana Maria Feres, residente em São Paulo, Capital; Miriam Siqueira
da Rocha Mendes de Almeida, arquiteta, residente em São Paulo, Capital; Rogério Aparecido
Buzon, administrador, residente em Bebedouro-SP; Marcelo Ferreira da Rosa, administrador,
residente em São Paulo, Capital.
Em 05 de junho de 2005, realizou-se a trigésima segunda Assembléia Geral
Extraordinária, que visava apreciar a minuta do novo Estatuto Social da Associação.
A nova Diretoria ficou composta por: Patrícia Marta Matarazzo (Diretora-Presidente),
Eneida Bapstistete Matarazzo (Diretora-Secretária), Rogério A. Buzon (Diretor Patrimonial).
A nova versão do Estatuto Social pode ser encontrada no Anexo G.
O Museu sofreu alteração na denominação de “Museu de Armas, Veículos e
Máquinas” para Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas, Veículos e Máquinas. O
artigo 1º do Estatuto esclarece que este Museu foi constituído originalmente em 09 de
dezembro de 1964 com o nome de “Museu de Armas e Veículos Motorizados”, com inscrição
no CNPJ/MF sob o nº 57.024.846/0002-60, com sede e foro na cidade de São Paulo, Capital,
mas que atualmente sua sede social fica no município de Guaranésia, estado de Minas Gerais,
na Fazenda São José, Km 8, Estrada Guaranésia.
Fica consolidado o atual quadro de associados do Museu que passam a ser
considerados associados fundadores da Associação, conforme Artigo 8º, alínea “a”, do
Estatuto.
Mudanças sensíveis são estabelecidas na administração. Para se associarem as pessoas
precisam se comprometer com as atividades do Museu, preencher os requisitos de admissão e
161
assumir responsabilidades frente à Associação. Pela primeira vez, aparece a possibilidade dos
associados formarem chapas para se candidatarem à Administração.
No Artigo 2º - Finalidades da Associação
42
– fica explícito que o primordial é: a)
organizar, com propósito educativo, exposições de seu acervo na própria sede ou em outras
localidades que ofereçam condições de segurança e garantia de integridade; b) ampliar e
manter seu acervo, constituído por armas, máquinas e veículos antigos, através de compras,
doações, reconstituição e reparos, promovendo e fomentando a conservação de bens com
valor histórico, cultural e científico; c) filiar-se ou firmar convênios com entidades
congêneres, inclusive promover vendas, trocas ou doação de bens do acervo.
No Capítulo II – Dos associados - requisitos para admissão, demissão e exclusão:
“Artigo 5º - Para associar-se a pessoa interessada deverá preencher e apresentar
requerimento em formulário fornecido pela própria associação, que deverá conter a assinatura
e a indicação de pelo menos 2 (dois) associados no uso e gozo de seus direitos, ou de 1 (um)
membro da Administração, devendo ainda prestar todas as informações solicitadas pela
associação, fornecer toda a documentação exigida e pagar eventual taxa que for fixada.”
“Artigo 6º - Ainda que preenchidos todos os requisitos formais, poderá a associação
recusar o ingresso de novos associados, sem necessidade de divulgação dos motivos, ocasião
na qual serão devolvidos aos interessados os documentos eventualmente entregues à
associação e os valores eventualmente pagos”.
“Artigo 8º - Os associados admitidos serão divididos nas seguintes categorias:
a) Associados Fundadores: exclusivamente aqueles que assinaram a Ata de fundação e
a consolidação desse novo Estatuto Social;
b) Associados Beneméritos: exclusivamente aqueles que contribuírem com doações de
grande valor ao acervo do MUSEU ou que prestarem relevantes serviços, a critério da
Assembléia Geral;
c) Associados Contribuintes: todos aqueles que contribuírem de qualquer forma para a
associação”.
“Artigo 9º - O ingresso na Associação não gerará direitos ou obrigações recíprocas
entre os associados, muito menos quota ou fração ideal ao patrimônio do MUSEU”.
“Artigo 15 - Aos associados fundadores ou beneméritos será dado tratamento
privilegiado relativamente aos associados contribuintes, podendo ser concedidas vantagens
especiais pela Administração, inclusive isenção no pagamento de eventuais taxas”.
42
Observa-se a alteração do nome Sociedade Civil para Associação Civil sem fins lucrativos.
162
Capítulo IV – Dos deveres dos associados:
“Artigo 16 - item h) zelar pela conservação do patrimônio social, indenizando a
associação no prazo fixado pela Administração por todos os prejuízos que causar,
independente de culpa, bem como, em idênticas condições, os danos causados por pessoas da
família ou visitantes que estiverem sob a responsabilidade do associado”.
“Artigo 19 - Em caso de dissolução e liquidação da associação, após a liquidação de
seus débitos financeiros, os remanescentes do patrimônio líquido, incluindo o acervo, terá o
destino que for deliberado pelo Diretor-Presidente e aprovado em Assembléia Geral por dois
terços dos associados, devendo ser transferido preferencialmente a entidade congênere
privada ou pública de fins não econômicos. As doações ao acervo poderão ser devolvidas aos
doadores ou aos seus descendentes, em restituição. Caso não seja possível a restituição,
poderão ser vendidos os bens do acervo e o valor apurado terá o mesmo destino do patrimônio
remanescente da associação”.
Capítulo VI – Órgãos da Associação:
Artigo 21 - São órgãos da Associação:
a) Assembléia Geral;
b) Administração.
Capítulo VIII – Da Administração:
“Artigo 28 - A Administração será composta de: Diretor-Presidente, Diretor-Secretário
e Diretor do Patrimônio, sendo a duração dos mandatos decidida e transcrita na Ata da
Assembléia Geral que aprovar esse Estatuto, sendo permitidas reeleições.”
“Artigo 31 - A Administração reunir-se-á ordinariamente ao menos uma vez por mês
e, extraordinariamente, sempre que for convocada pelo seu presidente ou pela maioria dos
administradores”.
“Artigo 34 - compete ao Diretor-Secretário:
g) Manter relações com a imprensa: rádio, televisão ou qualquer outra mídia;
h) Preparar boletins informativos”.
“Artigo 35 - Compete ao Diretor de Patrimônio:
a) Zelar pelos bens móveis e imóveis da associação, procedendo ao seu inventário, que
deverá ser mantido sempre atualizado, comunicando à Administração qualquer dano ou baixa
que se verifique;
b) Promover a arrecadação de rendas para a Associação;
c) Fiscalizar os serviços dos funcionários e prepostos;
163
d) Zelar pela moralidade ou disciplina dos associados nas dependências da Associação
ou onde esta estiver sendo representada;
e) Apresentar à Administração relatório anual de suas atividades”.
Capítulo IX – Da eleição da Administração:
“Artigo 37 - A eleição dos administradores, pela Assembléia Geral ou pela própria
Administração, ocorrerá dentre as chapas admitidas à inscrição, formadas exclusivamente por
associados:
§1º - Só será admitida à inscrição de chapa completa, compreendendo todos os cargos
da Administração disponíveis, ou seja, Diretor-Presidente, Diretor-Secretário e Diretor de
Patrimônio, devendo cada chapa apresentar a respectiva denominação e legenda.”
Observa-se maior vínculo de responsabilidade para os sócios com a Associação,
sistematização da documentação gerada dentro Museu, busca por uma padronização de
descrição e classificação dos objetos do Museu, através de inventário e reorganização do
arranjo da coleção, visando melhor atender as necessidades dos cerca de 288 visitantes/mês.
Atualmente, o Museu “Eduardo André Matarazzo” de Armas, Veículos e Máquinas,
encontra-se num terreno de 4.621,61 m², com 2.550,15 m² de área construída e funcionamento
ao público de quinta-feira a domingo, das 9h00 às 12h00 e das 13h00 às 17h00. O valor do
ingresso inteiro é de R$ 5,00 (cinco reais) e R$ 2,50 (dois reais e cinqüenta centavos) para
estudantes e idosos. O dinheiro arrecadado é destinado para pagamento de um atendente e um
trabalhador de serviços gerais.
Parte do dinheiro é destinado a pagamento de impostos e manutenção dos carros. A
verba acaba sendo insuficiente e freqüentemente a esposa do colecionador se vê obrigada a
colocar dinheiro próprio para completar os pagamentos.
A Prefeitura Municipal mantém quatro funcionários na limpeza do prédio e quatro
funcionários na vigilância.
Outra mudança é o interesse na divulgação do Museu, procurando torná-lo visível para
outras regiões. Foram elaborados alguns produtos de divulgação, entre eles camisetas,
adesivo, cartões e folders, que seguem abaixo:
164
Fontes: Patrícia Marta Matarazzo e Wilza A. Mattos Teixeira
Na gestão do colecionador, a maior preocupação se voltava para o restauro das peças.
Entre os dias 02 e 04 de dezembro de 2005, ocorreu o Encontro de Antigomobilismo
“Os bons tempos de volta” na cidade de Bebedouro promovido pelo Museu. O evento reuniu
cem colecionadores de carros antigos do país, atraindo aproximadamente hum mil e
oitocentas pessoas. Reuniram-se pessoas de grande importância dentro do Antigomobilismo,
Ilustração 4 – Folder 1 de divulgação – Museu gestão 2005
Ilustração 6 – Folder 3 de divulgação
– Museu gestão 2005
Ilustração 5 – Folder 2 de divulgação
– Museu gestão 2005
Ilustração 7 – Panfleto de
divulgação – Museu gestão 2005
Ilustração 8 – Adesivo de divulgação –
Museu gestão 2005
Ilustração 9 – Camiseta de divulgação
– Museu gestão 2005
165
tais como: “Og Pozolli, Cláudio Rome, Gabriel Chama, Paulo Scalli, Bird Clemente, Geraldo
Meireles, Mario Leão, Boris Feldman, Nelson Rigotto de Gouveia, Nilson e Denise Carratu
entre outros”. (ANTIGOMOBILISMO, 2005, p.3).
No dia 08 de fevereiro de 2006, o Museu sofreu mais uma calamidade, a segunda
inundação. De acordo com publicações jornalísticas e documentos eletrônicos emitidos por
Patrícia Matarazzo, os danos desta vez foram grandes. De acordo com Severino (2006, p.A-
5), a parede cedeu e a água da enxurrada inundou todos os pavilhões, fazendo com que os
carros ficassem cobertos por água e lama. Henrique (2006) disse que noventa e dois carros
ficaram submersos.
Patrícia Matarazzo pediu auxílio de voluntários para auxiliarem na limpeza dos carros
e do local e obteve algumas respostas. Em 15 de fevereiro de 2006, relata à Gazeta de
Bebedouro que noventa e dois carros já haviam sido lavados e encontravam-se em pátios de
empresas. A Prefeitura Municipal decretou estado de calamidade pública e priorizou o
atendimento às famílias, ficando sob a responsabilidade da filha do colecionador as
articulações para socorrer o acervo do Museu.
Novamente ocorreu atrito entre a gestão pública e privada, sentindo a família
Matarazzo descaso por parte da Prefeitura.
Após a inundação, mais um fato conturba o Museu: a notícia de que a família
concederia as 19 aeronaves ao Museu da Aviação “Asas de um Sonho”, localizado na cidade
de São Carlos. Tudo começou com uma informação, do vereador Rubens Marcon, à Câmara
de Bebedouro, de que as peças seriam cedidas a empresa TAM Linhas Aéreas. Eneida
Matarazzo vem a público, no dia 15 de março de 2006, esclarecer que o acervo do Museu não
estava disponível nem para ser emprestado, alugado, cedido, doado ou vendido. Ela
esclareceu que havia acessado uma publicação, de responsabilidade da TAM, que dizia que as
aeronaves foram descritas e classificadas como de propriedade da empresa, cedidas pela
Miniterras, empresa agropecuária da família Matarazzo e que essa informação não procedia,
dizendo que o autor é “um cara de pau” (ACERVO, 2006, p.3).
Finalmente em 22 de março de 2006 foi divulgado na Gazeta de Bebedouro e no
Jornal Folha da Cidade, que o Museu seria reaberto à visitação pública no dia 30 do referido
mês.
A presidente do Museu foi à Câmara pedir aos vereadores apoio para pressionar o
Poder Executivo a tomar uma atitude quanto a um plano de emergência. Ela dizia que
contabilizava um prejuízo de R$ 800 mil com os carros e dizia que a única providência
166
tomada até aquele momento era a diminuição do nível de represamento das águas do Lago
(EMPRESÁRIA, 2006, p.3).
Abaixo as fotos dos danos provocados nos objetos do Museu.
Foto 33 – Vista externa de avião exposto à degradação
causada pelo tempo
Museu “EAM”, 2007
Foto 34 – Vista interna de avião, degradação causada
pelo calor e chuva
Museu “EAM”, 2007
Foto 35 – Vista interna de avião, degradação do teto
causada pelo calor e chuva
Museu “EAM”, 2007
Foto 36 – Vista interna de avião, degradação das
cortinas, causada pelo calor e chuva
Museu “EAM”, 2007
Foto 37 – Vista externa de locomotiva, com ferrugem,
degradação causada pelo calor e chuva
Museu “EAM”, 2007
Foto 38 – Vista interna de carro, banco danificado pela
ação do calor e da água (enchente)
Museu “EAM”, 2007
167
Fonte: Wilza Aurora Mattos Teixeira
Foto 39 – Vista da enchente de 08 de fevereiro de 2006
Museu “EAM”, 2007
Foto 40 – Carro danificado pela enchente, exposto
atualmente no Museu. Museu “EAM”, 2007
Foto 41 – Vista do canal do lago artificial que passa entre os tratores e
caminhões expostos no Museu – vista de 2007
Foto 42 – Cavidade no piso inferior do pavilhão dos
caminhões, provocada pela enchente de 06.02.06
Museu “EAM”, 2007
Foto 43 – Cavidade no piso superior do pavilhão dos
caminhões, provocada pela enchente de 06.02.06
Museu “EAM”, 2007
168
Em 22 de agosto de 2006, uma faixa é colocada na frente do Museu, com os seguintes
dizeres “As más condições do Museu são devidas a total falta de colaboração para mantê-lo,
inclusive da Prefeitura”. (FAIXA, 2006, p.3). A faixa foi colocada a pedido de Patrícia
Matarazzo, para tornar pública a insatisfação da Diretoria do Museu quanto ao descaso da
Prefeitura. A manifestação engloba a falta de providências quanto à prevenção de novas
enchentes, bem como a falta de limpeza tanto da área externa quanto do acervo.
Pode-se observar através das fotos que realmente a parceria público-privado não está
caminhando bem, pois não houve uma definição clara dos objetivos que se pretendiam com a
parceria entre a Prefeitura Municipal de Bebedouro e o colecionador Eduardo André
Matarazzo. Observa-se que não há resolução bem definida sobre o limite entre o público e o
privado, o que cada um deve fazer para honrar o acordo. Fica claro que o colecionador nunca
esteve distante de sua coleção, administrando-a bem de perto, enquanto a Prefeitura apenas
cedia o espaço físico. Dentro do processo de dinamicidade entre o público e o privado, não se
pode deixar de pensar que a “[...] reflexão necessária em muitos casos, não pode excluir uma
série de outras instâncias intermediárias, zona de conflito não-organizada, que alteram tanto o
caráter de um como o de outro”. (JOSGRILBERG, 2005, p.104).
169
Capítulo 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O colecionismo aparece como uma forma do homem compreender e agir no mundo a sua
volta. Procurou-se observar como os colecionadores organizam suas preferências, suas escolhas e
suas informações através de seus objetos e refletir como a coleção expressa sua trajetória de vida,
suas relações sociais e suas condições contextuais.
A coleção é criada pela vontade individual de um sujeito ou uma instituição inscrevendo
no mundo uma narrativa construída pela disposição dos objetos em séries. Assim, ao mesmo
tempo em que a coleção reflete a vida do indivíduo, seus gostos, e seus valores, o sujeito age no
mundo, muda a realidade pela inserção e disposição dos seus objetos no espaço.
A coleção, quando privada, constrói-se como um alongamento da personalidade do
colecionador, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, também determina suas ações. Os
objetos se apresentam como uma projeção do sujeito e, simultaneamente, como agentes que se
adentram na vida do colecionador. Estabelece-se uma relação biunívoca e dinâmica entre o sujeito
e os objetos.
Seja qual for a ênfase observada, essa relação é exercida no território da intimidade, da
privacidade. No caso das coleções pessoais, elas começam sempre no âmbito privado,
impulsionadas por motivos muitas vezes racionalmente inexplicáveis; em outros casos, os motivos
se manifestam claros e objetivos. De qualquer forma torna-se imprescindível estudar o
colecionador para explicar a coleção, pois não existe coleção sem colecionador. Embora pareça
uma tautologia, essa preocupação revela aspectos determinantes não somente na construção, mas
na própria organicidade do conjunto de objetos reunidos.
Nesse sentido, o colecionismo não pode ser considerado como dissociado da história –
entendida como relação espaço/tempo. O colecionismo de Eduardo André Matarazzo pode ser
entendido, por um lado, se inserido dentro da dinâmica citadina de São Paulo das primeiras
décadas do século XX, enfatizando a modernidade, a velocidade e a tecnologia expressa nos
automóveis. E, por outro lado, pelas relações familiares, no sentido das afinidades da família
Matarazzo com as corridas, as marcas automobilísticas e as possibilidades econômicas que a sua
fortuna permitia.
Eduardo André Matarazzo se apresenta, portanto, não unicamente como um exemplo, mas
como um agente na construção de uma coleção. No caso, um anseio coletor unido a um interesse
restaurador. Não uma coleção de objetos intocáveis, mas uma coleção de objetos modificados
pelas aptidões e conhecimentos específicos sobre máquinas e automóveis. A coleção Matarazzo
foi criada pela paixão e o interesse cognitivo, numa mescla de fetichismo e estudo. Esses motivos
que perpassam a vida de Eduardo André Matarazzo fizeram com que os automóveis que hoje
170
conhecemos revelem aspectos específicos, criados e enunciados por ele próprio, sobre o devir
dessa máquina.
Através da análise desta coleção de automóveis e objetos antigos pode-se identificar que a
coleção é o cruzamento de fatores como as relações sociais, as características pessoais e a
materialidade dos objetos. Esse cruzamento pode ser observado na escolha das peças: seja através
das cores empregadas nos objetos, durante o processo do restauro ou na impressão da marca
“Scuderia Nero” após o restauro, que imprimiram a especificidade da coleção. Ou, também,
através da escolha por raridade ou exemplificação da história evolutiva da máquina.
Se na esfera privada, uma coleção começa nas sombras da intimidade, no plano
institucional existem os museus, que permitem ao público apreender e resgatar informações sobre
o passado, aprimorando seus conhecimentos e suas lembranças de sensações e emoções. As
relações entre o museu e a coleção são determinantes, pois não existe museu sem coleção. Porém,
essa determinação pode ser exercida de múltiplas formas. Assim, um museu quando recebe uma
coleção pode respeitar a organicidade da mesma, já em outros casos, essa organicidade pode ser
desfeita.
Os museus são lugares de exposição de objetos com a finalidade de comunicar mensagens
ou significados específicos. Seus objetos têm a missão de tornar vivível o passado. Um passado
que se mostra não pela decodificação da fala ou da leitura, mas pelo apelo a sensorialidade da
visão. Os objetos expostos para serem vistos dão lugar a múltiplas significações e apropriações,
seja como lembrança, como símbolo ou como elemento para uma posterior construção intelectual
do passado; em todos os casos os significados são definidos sobre a tensão da manipulação e da
crítica.
Todo museu é uma instituição, seja pública ou privada, da mesma forma que uma coleção.
Como instituições, os museus estão atrelados a uma pessoa física ou jurídica, sob o estatuto do
público ou do privado. Dependendo das tensões e explicitações do cruzamento desses dois fatores,
os museus definirão suas ações especificas enquanto instituição.
A descrição do processo de institucionalização da coleção é um campo ainda inexplorado
no Brasil. Geralmente, quando visitamos um museu percorremos suas instalações como se,
sempre tivessem existido dessa forma, como se fossem objetos que “estiveram lá”. No entanto,
essa passagem dos objetos para o museu é um palco de enfrentamentos não unicamente legais
pela mudança do estatuto dos objetos, mas também pela resignificação que eles sofrem nesse
espaço.
Em 1964, quando foi criado o “Museu de Armas e Veículos Motorizados Antigos”, houve
os primeiros indícios para o processo de institucionalização da coleção. Mas este se deu
verdadeiramente, no ano de 1969, quando foi fundado em Bebedouro o “Museu de Armas e
171
Veículos Motorizados Antigos Eduardo Andréa Matarazzo”. Todas as tramitações legais, as
articulações políticas e as relações sociais fizeram com que a coleção particular se tornasse
exposta ao público e se complementasse com outros objetos antigos que passaram a representar a
evolução dos automóveis.
Observando o percurso da coleção de automóveis de Eduardo André Matarazzo considera-
se importante destacar dois aspectos que interferiram no momento da institucionalização. O
primeiro aspecto, diz respeito ao fato da coleção ser particular, portanto, carregada de sentimentos
na relação entre o colecionador e seus objetos. Isso fica demonstrado pela ingerência direta de
Eduardo André Matarazzo sobre seus objetos: o que colecionar, como mostrar, onde guardar.
O segundo aspecto é um alastramento do primeiro, pois há a falta de clareza dos objetivos
institucionais quando estabelecida a parceria entre Prefeitura Municipal de Bebedouro e
colecionador Eduardo André Matarazzo. As cláusulas do convênio nunca ficaram claras porque a
intenção era justamente essa: interferir no público como se fosse privado.
Neste último aspecto, observou-se que em 1969 a instituição se tornou uma sociedade
civil sem fins lucrativos, aberta ao público e com finalidade educativa, atendendo as
características de toda uma instituição museu. Mas não encontrou-se registros, nem ações que
apontem para o fato de que esse objetivo haja sido realizado.
A mudança da coleção de São Paulo para Bebedouro não é explicitada, porém pode ser
explicada pelos interesses econômicos que Eduardo André Matarazzo mantinha com a cidade que
abrigou a coleção. Decorrente desse fato, a presença de sua personalidade se traduz no
outorgamento da Prefeitura da doação de um terreno para a criação do museu. Esse acontecimento
está revestido de vários indícios que apontam para as tensões que Eduardo André Matarazzo e
posteriormente seus herdeiros mantiveram com o Município.
A conseqüência desse “acordo” se reflete no impasse ou atual inércia do museu. Por um
lado a família reclamando seus direitos privados e, por outro lado a Prefeitura impondo também
seus interesses.
O desdobramento pode ser resumido na ameaça constante da família Matarazzo retirar os
objetos do museu, o que impede à Prefeitura agir no foro institucional. E, na falta de interesse da
população pelo museu, o qual continua a ser visto como “propriedade” da família Matarazzo.
Com esse percurso procurou-se mostrar que, tanto o processo de formação de uma
coleção, como sua posterior institucionalização determina qualquer ação posterior do museu.
Nesse sentido, a análise desse momento se abre também como uma possibilidade de estudo que
contemple a formação das coleções e dos museus como elemento constitutivo do posterior arranjo
dos objetos e a informação gerada e organizada por eles.
172
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178
APÊNDICES
179
Angelo
Andrea
Matarazzo
Josephina
Matarazzo
Teresa
Matarazzo
Giuseppe
Matarazzo
Nicola
Matarazzo
Luigi
Matarazzo
Rosina Pinto
Fortunato
Gorrase
Maria
Virgínia
Geraldi
Filomena
Sansivieri
M
a
t
a
r
a
zz
o
Maria Esteves
Barbosa
Elisa Mafeo
Francisco
Matarazzo
Francisco
Caramiello
(
2º casamento
)
Andréa
Ippolito
Camilla
Cazzola
Mariano
De Vivo
Michelina
Rugiero
Costábile
Matarazzo
Ana Iovane
Virgínia
Matarazzo
Ippolito
Maria
Raffaela
Giannicola
Carmine
Matarazzo
Costábile
Matarazzo
Francisco A.
P. Matarazzo
Sobrinho
(
Ciccilo
)
Pedro P.
C. A. A.
Matarazzo
Luiz Pappone
(
1º casamento
)
Mariangela
F. A. A.
Matarazzo
Conde
Francesco A.
M. Matarazzo
Maria
An
g
ela
Malvina M.
de Zaias
(
2º casamento
)
Yolanda
Penteado
(
1º casamento
)
Maria
An
g
ela
Costábile
Matarazzo
Guido
Matarazzo
Ézio
Matarazzo
Carmella
Matarazzo
Adolfo
Cilento
Bruno
Matarazzo
Letícia
Matilde
Moro
Muniza
Priani
Hugo
Matarazzo
Carlos Bruno
Matarazzo
Giovanna
Cilento
Marta
Caldas
Costábile
Matarazzo
Guido
Matarazzo
Ézio
Matarazzo
Letícia
Matilde
Moro
Muniza
Priani
Francisco
Matarazzo
Mário
Matarazzo
Júlio
Matarazzo
Letícia
Parente
Michelina
(prima)
Letízia
Scurachio
Cláudia
Matarazzo
Mariangela
Matarazzo
Giussepe
Matarazzo
Di Licosa
Olga
Matarazzo
Ida Helena
Matarazzo
Francisco A. M.
Matarazzo Júnior
(
Conde Chi
q
uinho
)
Luiz Eduardo
Matarazzo
Therezina
Matarazzo
Andre
Matarazzo
Ermelino
Matarazzo
Lydia
Matarazzo
Attílio
Matarazzo
Carmela
Matarazzo
Francesco
Rus
p
oli
Mário Peixoto
Gomide
Anna de
Notaristefane
Príncipe D. Giovanni L. S. I. G.
O. M. A. de M. e di Villafranca
Gr. Uff. Davide
Mele
(
1º casamento
)
Mariangela
Matarazzo
Bianca
Troise
Caetano
Comenale
Amália Cintra
Ferreira
Giulio
Pi
g
natale
Condessa Adele deall’Aste
Brandoline
Antonio
Campostano
Conde V. Marcello
(
2º casamento
)
Francisco A.
M. Matarazzo
Júnior (Conde
Chiquinho)
APÊNDICE A - ÁRVORE GENEALÓGICA DE
COSTÁBILE MATARAZZO E MARIANGELA IOVANE
Mariangela
Iovane
Costábile
Matarazzo
180
Giuseppe
Matarazzo
di Licosa
Andrea
Matarazzo
Ermelino
Matarazzo
Therezina
Matarazzo
Mariangela
Matarazzo
Attilio
Matarazzo
Carmela
Matarazzo
Lydia
Matarazzo
Olga
Matarazzo
Ida
Helena
Matarazzo
(
Mimi
)
Claudia
Matarazzo
Luiz
Eduardo
Matarazzo
Gr. Uff.
Davide Mele
(
1º casamento
)
Giulio
Pi
g
natari
Adéle Dall’Aste
Brandolini
Caetano
Comenale
Amália
Cintra
Ferreira
Anna de
Notaristefane
Mario
Peixoto
Gomide
Antonio
Cam
p
ostano
Príncipe D.
Giovanni L. S. I. G.
O. M. A. de M. e di
Villafranca
Príncipe D.
Francesco N. Q.
Rus
p
oli
Bianca
Troise
Conde V.
Marcello
(2º casamento)
Ferdinando
José
Matarazzo
Maria
Teresa
Giunta
Filomena
Matarazzo
Anésio de Lara
Campos
(
1º casamento
)
Paulo Cochrane
Suplicy
(
2º casamento
)
Francisco
Matarazzo
Neto
Eduardo
Matarazzo
Ermelino
Matarazzo
Francisco
A. S.
Matarazzo
Eduardo
André
Maria
Matarazzo
Filomena
Matarazzo
(
Fill
y)
Helena
Tourtois
Maria Alice de
Magalhães
(
1º casamento
)
Eneida Baptistete
Matarazzo
(
2º casamento
)
Patrícia
Marta
Matarazzo
Fernando J.
Baptistete
Matarazzo
Maria Pia
Esmeralda
Matarazzo
Francisco A. M.
Matarazzo Júnior
(Conde Chiquinho)
Mariângela
F. A. A.
Matarazzo
Judith
Lara
Vidi
g
al
Roberto C. de
Barros Barreto
(
4º casamento
)
Sforza
Ruspoli
(
Lilio
)
Alessandro
Ruspoli
(
Dado
)
Graziella
Claudia
Franca
Francisco Matarazzo
Pignatari (Baby)
Pietro
Maria
Lia Reuter
(
1º casamento
)
Ligia Pereira
(
2º casamento
)
Olympio
Odette
Andréa
Matarazzo
Filho
Maysa
Monjardim
Matarazzo
Jaime
Monjardim
Maria Thereza
Anésio
Ronald
Ana Maria
Besita
Vera
Roberto
Luís
Paulo
Eduardo
Matarazzo
Suplic
y
Marina
Francisco
Eduardo
Matarazzo
APÊNDICE B - ÁRVORE GENEALÓGICA DE
CONDE FRANCESCO MATARAZZO E FILOMENA SANSIVIERI
Conde
Francesco
Matarazzo
Filomena
Sansivieri
181
APÊNDICE C – ENTREVISTA Drª ENEIDA BATISTETE MATARAZZO
ENTREVISTA – 03/10/2006
M - Como começou a coleção do Sr. Eduardo? Por que a opção pelo objeto carro?
E – Vamos iniciar pela paixão que ele tinha pelo automóvel. Quer dizer, ele gostava demais
de carros. Desde sei lá, quinze / dezesseis anos, ele já guiava em São Paulo. Tinha
pouquíssimos carros, né!. Então, ele guiava. Ele tinha carros diferentes, ele usava os carros,
(queria que perguntassem, etc e tal), então, basicamente ele gostava de automóvel. Chegou
inclusive a participar de corridas em Interlagos.
Acho que você pode até incluir, que como ele era nas Indústrias Matarazzo, ele era vice-
presidente executivo e ele era o responsável pela compra e instalação e manutenção das
fábricas. Ele gostava muito de motores, de máquinas, quer dizer era uma coisa assim, que era
apaixonado. Ele conhecia tão bem as máquinas, que quando, tinha uma frase que o engenheiro
da Matarazzo uma vez contou para mim: “quando a máquina de uma fábrica enguiçava, a
gente ia lá ver. Iam os engenheiros, procuravam, os técnicos de que forma... e ninguém
conseguia resolver. Então, a gente chamava o Sr. Eduardo e Sr. Eduardo conversava com a
máquina, Sr. Eduardo sabia mais que todos nós, ele conversava com a máquina e a máquina
funcionava.”
Eu acho uma coisa interessante, que mostra um traço de personalidade. E motores, carros
eram motores. Então, ele era apaixonado pelos carros, mas também pelo motor que fazia o
carro funcionar.
Ele teve inúmeras marcas, vários carros, vários carros diferentes, pequenos e grandes. Ele foi
a primeira pessoa a ter Volkswagen no Brasil e ele andou muito no Volkswagen dele. Ele era
um homem alto de 1 metro e 83. Ele fica como numa caixinha de fósforo, mas ele ia muitas
vezes lá pro escritório com o Volkswagen.
E aí, ele resolveu começar a reformar carros. Cotava os carros. Comprou um carro antigo, que
não estava bem e resolveu reformar. E ele começou também a colecionar livros sobre carros e
inclusive, formou uma coleção enorme de livros sobre os carros, sobre as marcas e revistas
sobre carros antigos só.
Ele começou a se (...) mais quando ele tinha talvez uns vinte carros ele colocava assim: um
carro numa fábrica, outro carro noutra fábrica, não tinha (...)
Ele estava com uns vinte e um anos, quando se mudou para uma casa que tinha uma garagem
muito grande e parte da garagem ele fez uma sala grande. Um salão muito grande onde
instalou todo maquinário necessário para reforma, conserto e pintura, etc e tal dos carros. E
continuou reformando esses carros. Como tinha elevador, levava os carros para essa sala e
reformava e depois ele ia guardando num pátio. Quando ele tinha mais ou menos uns vinte
carros antigos, ele resolveu. Tinha amigos que gostavam de ver e ah! tem que mostrar. Então,
ele criou em 1964 esse Museu de Carros e Veículos Motorizados Antigos, em São Paulo e
passou a guardar a coleção na Rua Joly, que era um prédio da fábrica da Matarazzo.
Mas, ele continuou reformando, e continuou mandando pra guardar numa fábrica, na outra e
na outra e ele já estava casado comigo nesta época. Quando foi? Mais ou menos sessenta e
sete. Sessenta e sete com certeza. Foi quando eu estava grávida da minha filha, é que ele já
estava com uma coleção de uns quarenta carros e então, comentando por que você não torna
público, não só para os seus amigos verem?
M – Sugestão da Srª?
182
E – É. Por que você não instala um Museu e deixa, torna, expõe isso num lugar público? Aí
ele começou a ter entendimento com entidades de São Paulo (...) Aí fui eu que opinei: por que
São Paulo? Por que tudo que é bonito fica na cidade grande? Por que não Bebedouro se nós
temos uma fazenda e a gente vai constantemente?
E aí: é uma boa idéia. Conversou com o prefeito que era o Hércules Hortal. O Hércules
concordou em construir o prédio e ele trouxe a coleção pra cá. Que aí na época tinha, eu não
sei exatamente quantos carros, mas talvez uns setenta, não sei. E aí além dos carros, ele foi
ampliando, porque não era só carro, era tudo que era motor, tudo que era motorizado
interessava. Então, ele começou a trazer aviões, máquinas de guerra, tanques e foi ampliando
e como ele era um colecionador nato, ele gostava de colecionar também outros tipos de
objetos antigos. Ele trouxe máquina registradora, quer dizer ele foi diversificando a coleção.
Ele não era um colecionador de carros, começou com carros, mas pra ele, por isso que chama-
se Museu de Armas, Veículos e Máquinas. Tudo que era máquina, tudo que era motorizado,
tudo que se movia ele tem interesse enorme e daí ele diversificou. Então, o Museu hoje, é um
museu bem diferente da média dos museus de automóveis. O Museu de Automóvel é um
museu que tem automóveis e este Museu aqui é super diversificado, tem até bomba de
gasolina, tem, se bem que bomba de gasolina está ligada a carro, mas você vê que tem, por
exemplo, uma roupa escafandro, enfim, ele foi diversificando. Tudo que era antigo ele
gostava e ia comprando e colocando no Museu, por isso ela é múltipla (a coleção) não é um
museu de automóveis.
M – A Srª diz que ele começou restaurando um carro. Quantos anos ele tinha quando ele
restaurou esse primeiro carro?
E – Foi quando ele? Porque eu sou casada. Ele era divorciado quando eu casei com ele. Mas,
foi quando ele construiu essa casa na rua Guatemala. Ele tinha vinte e um anos, foi quando ele
construiu a casa e fez a oficina em baixo. E aí nessa oficina, ele começou a restaurar os carros
e ele pessoalmente orientava. Não é que ele comprava carros em más condições, como muitos
colecionadores fazem, mandam pra uma oficina quando estiver bom trazem de volta e tal,
não. Ele chegava do escritório às sete da noite, íamos jantar, acabava o jantar ele descia. Ia pra
essa oficina, aonde à noite vinha mecânico, eletricista, pintor, todos participavam da reforma e
ele inclusive vai orientando um por um, porque ele tinha os manuais. Ele tinha os livros de
carros, então ele orientava, quer dizer toda a reforma era supervisionada por ele.
M – Na verdade, ele já tinha feito todo um estudo prévio para poder reconstruir?
E – Pra poder reconstruir. Então se ele comprasse carros ele já tinha os livros. Ele comprava
os livros sobre a máquina, os manuais, enfim tudo que dissesse a respeito. E, além disso, ele
tinha essa preocupação de restaurar os carros como eram desde o início. Então, ele comprava
muita peça que não existia no Brasil, nos Estados Unidos, viajava muito para os Estados
Unidos e cada vez que ele viajava, trazia uma quantidade de peças dos carros antigos e
quando não encontrava, ele mandava fazer de acordo com o original. Mas sempre assim ele
supervisionando esse restauro, ele supervisionando o restauro. Ele supervisionando o restauro.
M – Mas, isso como um hobby?
E – Como um hobby. Porque ele trabalhava na Matarazzo. Ele ia das sete da manhã às sete da
noite, como vice-presidente executivo, e viajava em média, cento e setenta dias por ano.
183
M – Num primeiro momento, ele não teve a intenção de comercializar nada, foi simplesmente
por hobby?
E – Não, o que é isso. Sempre foi hobby. Depois, quando ele instalou o Museu aqui, alguns
amigos diziam: olha você tem um museu e eu vou doar. Então, começaram as doações.
Começou exclusivamente com os carros dele, que eram da coleção dele.
M – Eu pergunto isso porque alguns colecionadores têm o objetivo de mercado, por isso a
gente precisa esclarecer essa questão dele colecionar por hobby.
E – Por hobby e assim uma paixão. Ele gostava daquilo que fazia, tinha orgulho de ver o carro
refeito. Pegar um carro em péssimas condições e fazer como ele era originalmente. Gostava
demais do que ele fazia. Então o que aconteceu, quando nós... nós tínhamos a fazenda quando
ele veio pra Bebedouro pra ser presidente da Frutesp, que ele (...) para que fosse privatizada a
Frutesp, porque a Frutesp era do estado e ele era um grande amigo do Paulo Henrique
Martins, que era o governador do Estado. E ele usou toda a influência que tinha e todo o
poder das Indústrias Matarazzo pra poder conseguir que Frutesp fosse privatizada. E partir do
momento em que ela foi privatizada, o convidaram para que ele fosse o presidente da Frutesp
e ele veio pra Bebedouro. Passou a morar na Fazenda Santa Cruz. Aí ele trouxe da casa da rua
Guatemala, trouxe à nossa fazenda todo o maquinário e continuou. Era assim, trabalhava na
Frutesp durante o dia e a noite se dedicava ao restauro, o tempo todo, quer dizer (...) ele
orientava os mecânicos que não entendiam muito de carro, de carro antigo. Então, ele trouxe
todo esse maquinário, instalou na fazenda Santa Cruz e continuou reformando, e reformando e
reformando sem parar.
M – A coleção fazia parte do cotidiano dele. Todos os dias ele olhava pro....
E – E quando, nos últimos anos, quando ele já não estava mais na Frutesp, o que ele fazia já
não tão bem de saúde. Todos os dias ele ia à oficina cuidar das reformas. Foi a última
atividade dele. Tinha uma porção de carros comprados pra serem reformados. Vários carros
antigos e em mau estado, que ele comprava sempre com a intenção de reformar e quando ele
morreu ainda estavam na oficina três ou quatro carros em reforma. Foi a última atividade dele.
Ele morreu reformando carros.
M – E depois que ele trazia os carros pra coleção, qual era a freqüência com que ele olhava
pra coleção, aqui dentro do Museu?
E – No começo bastante, depois ele foi se decepcionando, porque a Prefeitura não dava apoio.
A cidade não dava apoio. A população não dava apoio e teve dia em que havia muito mais
interesse das pessoas de fora do que dos bebedourenses em valorizar a coleção. Ele não
recebia estímulos de jeito nenhum, de jeito nenhum. Aí houve aquela enchente em 1984. Os
carros ficaram bem danificados, não houve nenhuma ajuda, no sentido de recuperar,
nenhuma! Precisamos pagar a lavagem dos motores dos carros todos e não recebemos nada
para limpar o Museu e limpar os carros. E de Bebedouro não veio ninguém ajudar. De São
Paulo veio uns dez, pra ajudar a Patrícia a limpar o prédio do Museu e lavar os motores.
Mandar para os lava-jatos e cuidar dos carros. Bom então, quando houve a enchente, ele ficou
muito decepcionado com a atitude da cidade quanto aos danos que tinham ocorrido. Então, ele
foi reformando os carros bons que tinham se danificado e por uma questão de segurança ia
mandando pra um porto que nós temos no Paraná – Antonina, chama Porto Matarazzo em
Antonina. Há lá alguns prédios. Então, em um dos prédios ele (...) que ele mandava pra lá por
184
questão de segurança. Então hoje em dia, tem vinte e quatro carros lá e ele continuou
reformando na fazenda. Atualmente, são noventa e seis carros. Mandou esses vinte pra
Antonina e quando o salão de recebimento encheu, ele reformou um barracão na fazenda e
tem mais vinte carros na fazenda guardados.
M – Coleção grande!
E – Quer dizer, tem noventa seis, noventa e oito, noventa e seis, mais vinte e quatro, mais
vinte aqui. Não há lugar pra colocar. Hoje mesmo, fui participar de uma reunião, em que o
presidente da Assembléia está querendo ver se o Cutrale cede uma área ao lado do Shopping,
constrói o prédio e através de um convênio a gente coloque a coleção lá, e vamos ver no que
dará.
M – O que seria melhor!
E – Então, você pergunta se nos últimos anos ele costumava freqüentar o Museu. Cada vez
menos, porque ele tinha tanta tristeza de ver que havia goteiras no teto, os carros ficavam, a
pintura ficava coberta de fuligem da cana, (...). O teto tinha várias goteiras. Enfim, então, ele
se desiludiu, mas não queria abrir mão da coleção, porque ele podia vender, o estatuto
permitiria que ele vendesse, seriam mais de alguns milhões de dólares, ou mais até do que
isso, e teria a maior facilidade de vendê-los. Mas ele não queria vender. Então, ele continuava
reformando em Bebedouro, mandando pra Antonina, depois guardando na fazenda Santa Cruz
e até os últimos dias de vida era aquilo que ele se dedicava, reformar os carros.
M – Quando ele começou a colecionar os carros, ele tinha uma visão de como iria ficar a
coleção dele ou não?
E – Seguramente não.
M – Como se dava a aquisição desses carros?
E – Ele conhecia muito carros. Então ele sabia quais eram os carros que tinham valor, valor
histórico ou valor como máquina, certo? Então ele escolhia sabendo: esse carro aqui é antigo,
uma raridade, esse carro aqui é uma raridade. Então, ele ia comprando, escolhendo nesse
sentido, então mais orientado pelo sentido.
M – Mas aleatoriamente? Conforme ia aparecendo ele não perdia o negócio.
E – Exatamente. Não é como muita gente que a gente conhece que coleciona Cadillac, outros
colecionam Mercedes. O Eduardo não. Ele se baseava em um valor histórico, valor técnico ou
na modelagem. Quer dizer, ele conhecia muito, ele entendia muito, ele sabia qual era o carro
que poderia ter valor dentro de uma coleção.
M – Ele tinha uma grande visão do setor automobilístico?
E – Tinha sim, muita visão. Visitava muitos museus na Europa, muitos museus nos Estados
Unidos, ele ia.
M – Quando ele viajava a Srª acha que ele já se preocupava com as peças que ele iria trazer?
185
E – Ele viajava através da firma, viajava a negócios, pelo trabalho dele. Mas, sempre sabendo
que ele iria encontrar peças e já tinha a lista, já tinha os vendedores que ele conhecia, que já o
conheciam e até mesmo dos carros que estavam em reforma, que ele sabia que não ia
encontrar no Brasil peças pra repor. Então, várias vezes que ele viajava vinha uma quantidade
de peças de carro com ele. Quer dizer que o colecionador acompanhava. Eu acho que ele
difere muito, da maioria dos colecionadores, pelo fato de que ele era restaurador, não era só
um colecionador. E há grandes coleções em São Paulo, grandes coleções de carros,
fantásticas, mas de pessoas que mandam pra uma oficina, especializada em carros antigos,
pagam e incorporam à coleção. Colecionadores em massa determinados. O Eduardo não, era
pelo significado dos carros, pelo significado histórico, pela tecnologia que o carro tinha
introduzido e ele era (...).
M – Relativo a um autor específico do colecionismo em que ele diz que o verdadeiro
colecionador não é aquele que se preocupa somente em guardar, mas que se preocupa em
resgatar a história, a trajetória do objeto. Ele não se preocupava, por exemplo, em registrar
essa trajetória do objeto que ele passava a restaurar? Isso ele nunca se preocupou? Numa
ficha, num computador ou num papel?
E – Na verdade, infelizmente, ele não era nem um pouco organizado. Como ele tinha uma
memória excepcional, ele devia achar que lembrava de tudo, mas não registrava. Não há
registro nenhum sobre tudo isso. Só as pessoas que acompanharam.
M – De acordo com Susan Peirce existe um foco do olhar do colecionador sobre a coleção;
seria importante relembrar onde as peças foram adquiridas, o que pagou por elas, o que
pesquisou sobre ela. Esses tópicos eram relevantes para ele?
E – É ele devia saber tudo porque ele sabia quem eram as pessoas que vendiam carros antigos,
ele visitava; em São Paulo, havia as pessoas que adquiriam (...) de carros antigos. Então ele
muitas vezes, no domingo de manhã, ele saía pra visitar, ver quem tinha carros antigos pra
vender, escolher algum pra comprar. Conhecer ele conhecia tudo, ele lembrava de tudo, que
Eduardo tinha uma memória inacreditável, mas não registrava nada.
M – Era colocada alguma marca pessoal sobre cada peça ou não, depois que ele adquiria?
E - Não.
M – Ele não registrava uma marca dele?
E – Não. Ele tinha este escudo do Museu. Patrícia... papai colocava o escudo do Museu em
todos os carros, né?
P – Não. Ele colocava na frente de vários carros, mas...
E – Não em todos?
P – Não, mas era o que ele considerava porque ele mandou fazer um escudo grande pra
colocar na frente lá na fazenda, na porta do barracão lá da fazenda.
186
E – Então, mas ele não personalizava os carros, tipo esse fui eu que reformei, esse fui eu, não
tinha marca dele não. Não tinha essa vaidade digamos. Eu diria que ele não tinha vaidade de
dizer: este fui eu que reformei, coisa e tal, pôr a minha marca não.
M – O colecionador coletava algum tipo de material relevante nos jornais especializados
sobre a coleção dele ou não?
E – Sobre a coleção dele não, era genérico. Nós temos uma biblioteca na fazenda lotada de
livros de carros, de todas as marcas, ele assinava revistas de carros antigos, isso ele tinha
demais.
M – Sobre a coleção, ele não se preocupava?
E – Não era específico porque, vamos dizer, se era um carro Chevrolet ele tinha uma porção
de livros da marca Chevrolet, tinha de carros antigos - nas revistas de carros antigos trazia
também de carros Chevrolet, mas não era específico. Ele precisava de orientação? Ele sabia
que tinha lá um livro ou uma brochura, qualquer coisa, que dava enfim informações técnicas
sobre aquela. Então, quando ele reformava ele tinha isso na biblioteca.
M – Mas eu falo do objeto dele? Como resultado da memória da coleção dele?
E – Não. Eu diria que até que é um desprendimento, falta de vaidade. Não precisa ter a minha
marca, não preciso mostrar que eu... era o prazer dele.
M – Sobre a coleção arranjada, por exemplo, quando ele trazia pro Museu, que era onde
ficava exposto ao olhar do público, ele organizava os carros?
E – Sim. Ele dispunha os carros da forma como ele achava adequada. Depois foi ficando,
como ele foi se desencantando, ele mandava dispor (...), nos primeiros anos ele tinha muita
paciência. Ele colocava, vamos supor por data ou por marca. O que realmente Eduardo ficou,
desencantado.
M – É. Por que eu entrevistei Sr. João que trabalhou muito tempo no Museu e ele relatava um
Sr. chamado Joaquim. Sr. Joaquim e em artigos que eu li aqui também, Sr. Eduardo gostava
muito do Sr. Joaquim, porque ele cuidava dos carros...
E – Mas, muito mais do que este, ele tinha uma pessoa que tinha sido o motorista dele, e que
se tornou o “faz tudo” dele, e que veio pra Bebedouro quando vieram as, quando o
maquinário veio pra cá, passou a morar na fazenda, chamava-se Mirotti. Mirotti sim, Mirotti
vinha todo dia, fazer os motores dos carros funcionarem. Ele aprendeu com o Eduardo tudo
sobre carros antigos. Então, ele cuidava demais. Eduardo confiava muito nele, ele cuidava dos
carros todos. E o Mirotti era apaixonado por aqueles carros. E era o Dom Quixote e Sancho
Pança era a própria dupla. Mirotti vinha todo dia aqui. Depois ele teve Acidente Vascular
Cerebral e ficou imobilizado e morou anos e anos e anos na fazenda, sem poder nem falar. Ele
perdeu a fala coitadinho, ficou de cadeiras de rodas até morrer na fazenda. Então a partir daí,
não tinha mais uma pessoa que conhecesse tão bem os carros, os motores, para fazerem os
carros funcionarem e tal. Aí que entrou o Sr. Joaquim. Mas o Mirotti foi uma pessoa
excepcional, o Mirotti foi um anjinho. O Sancho Pança do Dom Quixote.
M – Quem soube da coleção primeiramente, foi a Srª?
187
E – Não, da coleção não, porque quando ele fundou em 1964, eu não era casada com ele. O
Museu de Veículos Motorizados Antigos, ele tinha uma quantidade grande de amigos em São
Paulo que gostavam de carros antigos e a única coisa que ele disse pra mim é que ele fundou o
Museu. Mas era, quer dizer, mas era um Museu particular que ficava guardado digamos, para
os amigos verem lá, neste prédio, da rua Joly. Depois ele continuou com diversos carros
espalhados em diversas fábricas da Matarazzo. Então, quando ele juntou a coleção para trazer
para Bebedouro aí sim, eu fui uma das primeiras pessoas a conhecer a coleção.
M – Sobre esse assunto das pessoas que souberam sobre a coleção, um dos tópicos sugere:
família, amigos, ninguém, pessoas variadas é nesse sentido?
E – Na fundação do Museu de Veículos Motorizados Antigos você até pode ter uma cópia,
porque começou aí, quer dizer, ele já tinha alguns carros e ele criou em 1964, a gente pode ver
um xerox para você. E nós sabemos que os fundadores e a diretoria eram todos de São Paulo.
M – A Srª acredita que cada carro trazia registros de memória para ele, de histórias?
E – Não necessariamente. Como eu disse a você, o que me chamava a atenção no Eduardo era
o valor histórico, a tecnologia empregada, fosse dos motores, fosse do design, era isto que
chamava a atenção dele. Então era por aí que ele ia escolhendo carros. Inclusive, é bem
heterogênea a coleção, por causa disso, não tem. Tem um carro, por exemplo, que eu não
sabia, quando nós fomos fazer o histórico de cada carro, que eu mesma me surpreendi: um
carro que foi inteiramente feito por um construtor que encomendava peças em diferentes
lugares e montava, e parece que há doze carros no mundo, daquele tipo, e está no histórico
dele. Ele só construiu doze e certamente Eduardo sabia. Quando ele soube que havia ele, bom
esse carro tem valor. Ele comprou muitos carros na Argentina, porque naquela época podia,
era permitido trazer pelos portos, então naquela época não havia interesse por carros antigos.
Esse interesse é muito mais recente. Havia uma fábrica da Matarazzo na Argentina, então,
quando ele ia visitar a fábrica muitas vezes ele comprava os carros.
M – Era fácil pra ele falar sobre a coleção?
E – Ele era de falar pouco sobre isso. Eduardo não fazia grandes comentários.
M – Mas não o incomodava se tivesse que falar?
E – Não nunca foi preciso, ele levava os amigos para visitar o Museu, hospedava as pessoas
na fazenda, então nós vínhamos aqui, as pessoas olhavam e tal, esse carro? Ah, esse carro tem
uma coisa assim e assim. Então, ele dava alguma informação para alguém que tivesse
interesse, mas ele não era. Não tinha interesse em difundir conhecimentos específicos sobre os
carros. Eu acho que era muito mais de conhecimento pessoal dele. Ele sabia o que aquilo
representava, o que aquilo significava. Tanto assim, que quando nós fomos procurar o
histórico de cada carro que a coleção é muito grande, e acabava se achando, que tal carro tem
(...) e eu me surpreendi muito, porque havia carros que eram raros e ele não falava, não
comentava nem comigo – ah que carro caríssimo, não!
M – Quando se estuda a história do museu, a intenção do museu lá na Antiguidade é a questão
do tornarem públicas as coleções, então, conhecimento tornando-se público. Então, era nesse
188
sentido que eu encarava a coleção do Sr. Eduardo, e a Srª acha que não era sob esse olhar que
ele trouxe e transformou isso em algo público?
E – Não, era público no sentido de mostrar para as pessoas como eram os carros na medida
em que eles foram evoluindo tecnicamente depois (...).
M – Ele subentendia que as pessoas já iriam entender?
E – Iriam perceber.
M – Existe toda uma pesquisa aí por trás de cada um dos carros?
E – Ele tinha todo um conhecimento pessoal sobre isso. Agora, ele satisfazia em colocar a
data e os nomes dos carros. Quando a Patrícia se tornou presidente, ela teve interesse em
colocar essas placas com o histórico dos carros, e eu acho que foi uma contribuição muito
grande, principalmente nesse sentido. Inclusive eu não sei se você esteve lá recentemente, tem
os fólios que ela colocou todos numa linha só e tem a história da fábrica desde que foi
fundada até o presente. Ta lá, eu acho (...) que as placas (...) devem ter a data em que o carro
foi construído, as características técnicas do carro, do motor etc, e depois tem um histórico,
tem acho placas do histórico da família Ford, da criação dos carros, da evolução da própria
família e quem está atualmente, tem até o presente, quem cuida agora. Então essa
preocupação em transmitir mais conhecimentos históricos foi da Patrícia. Para o Eduardo
bastava a data, de onde, e é de 1920, 1924, etc. Então não era uma preocupação de
colecionador e educador ao mesmo tempo. Não nesse sentido.
Quer dizer, ele acreditava que colocando carros de diferentes épocas, as pessoas
automaticamente viam a evolução da indústria automobilística. Essa era a idéia dele. Por isso
que havia carros soltos de décadas e décadas. Não a instrução específica sobre cada um dos
carros como foi feito pela Patrícia.
M – Em algum momento, dentro do Museu, a Srª sabe se houve a preocupação em ter guias
explicando sobre as peças?
E – Não.
M – Nem por parte da Prefeitura houve essa preocupação?
E – Não, não. O que havia quando nós íamos, ele explicava para os amigos, ah esse carro foi
assim, assim, assim, assim, uma coisa mais particular. Para o público não.
M – Existia alguma peça favorita para ele?
E – Acho que não. Nunca ouvi o Eduardo relatar sobre isso. Algum carro favorito?
Talvez ele soubesse, porque como eu disse a você, esse Gardner, que foram construídos 12 e
foram manufaturados, para ele com certeza o carro tinha um grande significado. Mas ele não
transmitia esse conhecimento para nós. Eu fiquei sabendo sobre o Gardner por isso, descobri
porque nós fomos buscar. Mas quando ele olhava, com certeza ele sabia isso é uma coisa e...
P – Ele não tinha (...).
E – Hein?
189
P – Ele não tinha
E – Não eu estou dizendo que ele quando olhava, papai não era uma pessoa muito
comunicativa nesse sentido, Patrícia. Então sobre a coleção, ele não falava conosco, então ele
devia saber.
P – Ele gostava de novidades na verdade, é como se fosse: a Fiat lançava um carro, podia ser
um, podia ser um, aquele (...) lá. Aí ele ficou louco e comprava, usava o carro até, daí ele
enjoava. Ele gostava de tudo que era novidade pra ele, entendeu?
E – Isso que eu disse. Ele era uma pessoa interessada em design, em tecnologia, em evolução
de tudo que fosse maquinário. Ele entendia mais...
P – Aí as duas coisas, ele passou bastante tempo com aquele carro, acabou, morreu, lá vai pra
outro, não é que ele.
E – Ah sim os carros vão e voltam. Mas em relação.
P – Não, antigos. Tipo, ele curtia quando ele comprava, reformava, dava (...) e depois perdia a
graça.
E – Agora vamos para o próximo (risos).
P – É, por mais. Aliás, para ele entender e (...) não tinha (...) em reformar carros.
E – Pois é Patrícia, mas a gente não sabe se o papai achava que determinados carros da
coleção tinham mais valor pra ele, porque ele não falava, podia ser que ele achasse, que este
carro é uma raridade, que bom que eu encontrei, que bom que eu reformei, mas ele não
externava.
M – É porque normalmente outros colecionadores, dentro de outra categoria de objetos,
diferentes de carros, por exemplo, eles têm um, que um dia eu vou ter um desse. Sabe, eu vou
chegar a esse objeto, eu vou ter essa peça, né. Ela é chave pra minha coleção. Ele não tinha
isso?
E – Ele não exteriorizava, eu não posso dizer que ele não tinha, ele não exteriorizava.
M – Se acontecesse da coleção estar finalizada, ele considerasse a coleção, não agora ela está
completa, isso não aconteceu...
E – Nunca aconteceu.
M – Porque ele continuou...
E – Não, nunca considerou, porque quando ele morreu havia carros na fazenda. Quantos
carros têm lá cobertos para reforma Patrícia? No barracão?
P – Mais de vinte.
190
E – Mais de vinte. Estão lá cobertos por uma lona. Comprados para serem reformados,
portanto para ele era inesgotável a coleção. E não só de carros, porque uma das últimas peças
que ele reformou, foi o helicóptero que está restaurado (...) que foi reformado na fazenda, que
ele mesmo solicitou.
M – A maioria dos aviões ele que colecionou ou foram doações?
E – Ah, ele comprou alguns e outros foram doados, mas era um trabalho imenso para ele
trazer de São Paulo pra cá. Tinha que se mobilizar com a polícia militar, com o Detran para
fechar as estradas, para vir na frente as motos abrindo o caminho, tirava as asas, dava um
trabalho enorme para trazer isso.
M – Ele não media esforços nem financeiros e nem pessoais para conseguir uma peça?
E – Agora, ele gostava demais e entendia muito de aviões. Então, não é por acaso que tem
dezenove aviões. Porque além de carros, ele gostava muito de aviões.
M – Todos os objetos que estão dentro do Museu passaram pelo crivo dele?
E – Sempre, sempre.
M – Por que alguns objetos são frutos de doações?
E – Ou eram amigos dele, ou comprados por ele e reformados por ele.
M – E por que o nome do Museu leva o registro dele? Museu Eduardo André Matarazzo?
E – É isso no estatuto social atual, pois na fundação é Museu de Armas, Veículos e Máquinas
e na frente a Prefeitura que escreveu Eduardo André Matarazzo. Agora oficialmente é Museu
Eduardo André Matarazzo: de Carros, Veículos e Máquinas, mas isso foi mudado de nome
recentemente. Nas atas e nos estatutos iniciais não tinha o nome. A Prefeitura considerou (...).
M – É em questão de memória, porque a maior parte dos objetos da coleção representam o Sr.
Eduardo.
E – Foram... deixa eu ver, mais de noventa por cento.
M – Sobre o Sr. Eduardo. Qual o local de nascimento?
E – São Paulo. Tem tudo neste documento que eu fiz. Você tem cópia disso?
M – Não.
M – Drª Eneida, tem mais alguém na família que coleciona?
E – Não. Ele teve um cunhado que é o Roberto Lee, que colecionava e que morreu, mas
quando morreu houve uma disputa em família. A filha não teve interesse, não deu certo.
M – O único da família que teve o interesse em colecionar? Porque o Ciccilo está ligado ao
mecenato – área cultural...
191
E – É Ciccilo foi o único da família.
M - E o Ermelino que a gente vai resgatar a questão da velocidade, que talvez esteja um
pouco ligado...
E – Velocidade? Ermelino?
M – Sim, que corria. Tinha um que era piloto, que está registrado no livro do Couto,
historiador.
E – Ermelino? Ermelino? Ermelino jogava futebol que eu saiba.
M – Tem um Ermelino que era piloto.
E – Não, é o Ermelino tio? O Ermelino, o filho mais velho, o irmão mais velho do meu sogro
ou irmão mais novo não me lembro, que era o destinado a ser o substituto do Conde Francisco
Matarazzo, do velho Conde. Esse era o corredor.
M – Ele era, não era?
E – Exatamente. Ele estudou na Itália, estudou para engenharia e morreu num acidente de
automóvel.
M – Correndo. Ele estava num rally.
E – Então não, é o Ermelino irmão.
M – Não, não é.
E – Porque o Eduardo tem um irmão que se chamava Ermelino também, e este outro era
fisicamente muito parecido com o velho Conde. Dizem que era uma pessoa excepcional,
muito inteligente, formou-se em engenharia na Itália, ótima pessoa, merecedor de um dos
maiores elogios.
M – Então, porque na verdade a gente vai tentando resgatar algum elo de ligação do Sr.
Eduardo com a questão do movimento. Tem a questão da formação da metrópole em que ele
nasceu nessa fase, tem todo esse pano de fundo para...
E – Eu acho que tem muito, evidente que ainda existe uma coisa que é a tendência natural,
que é predisposição. O fato de ele ser vice-presidente executivo das Indústrias e responsável
pelas fábricas.
M – Pelo funcionamento?
E – Compra e funcionamento. Porque para comprar ele tinha que conhecer. Ele tinha que
saber as diferenças entre vários tipos de fábricas, para poder decidir qual era e isso exigia um
contato muito íntimo com motores e máquinas.
M – Com tecnologia.
192
E – Com tecnologia. Então isso era uma coisa que o Eduardo gostava demais. Daí para cá, nos
dias de hoje, é fácil compreender.
M – Ele começou a trabalhar nestas Indústrias com quantos anos?
E – Com dezoito.
M – Então está muito próxima a ligação dele em termos de idade com...
E – Ah sim, com a coleção?
M – É com a coleção.
E – Sim, sim. Começou inicialmente a visitar as fábricas, para conhecer tudo, para conhecer
particularmente todas etc, e depois fez um estágio na Europa. E depois ele retornou vice-
presidente executivo.
M – Drª gostaria de agradecer e até o momento era isso que eu gostaria.
193
APÊNDICE D – ENTREVISTA PATRÍCIA MARTA MATARAZZO
ENTREVISTA – 21/10/2006
M – Patrícia, gostaria que você falasse um pouquinho sobre a coleção do seu pai, coleção de
veículos e aviões.
P – Justamente o quê?
M – A trajetória da coleção, como ela começou, o que você têm notícias, a paixão dele pelos
carros.
P – Ela se iniciou quando o meu pai tinha 18 anos. O primeiro carro que ele restaurou foi uma
Isotta Fraschini, que ele restaurou na casa dele, e de lá pra cá ela vem aumentando. Mas, ele
não tem um histórico de como foi se desenvolvendo, da onde vieram os carros.
M – Das suas lembranças em relação ao ato colecionador dele, você registra alguma, sobre
essa paixão?
P – Lembro sim, que desde pequena, a gente ia... meu pai passava toda à noite restaurando.
Então assim, a gente jantava e ia normalmente pra oficina. Eu gostava de martelar, meu pai
sempre me dava uma madeirinha, um martelo e punha uns pregos lá e eu ficava lá sentada
martelando, lembro bem disso. E assim, lembro de ver meu pai a vida inteira ali, em cima e
mexendo e como ele entendia! Tinha uma noção muito, muito particular dos carros, uma coisa
não só de aprendizado, mas de feeling mesmo. Ele tinha muita intimidade com os carros, e é
isso mais que eu lembro assim. Nunca, não lembro de ter visto meu pai em encontros, de ter
visto meu pai em relação à coleção fora de casa. Eu lembro de ver muito a relação dele com
os carros, com os funcionários ou na fazenda ou em casa.
M – A relação dele com os carros, com os objetos que compunham a coleção, uma vez você
me disse sobre a paixão dele em restaurar e não em expor. Tem como você descrever um
pouco isso, para poder ficar registrado?
P – Eu vejo pelo, porque assim, enquanto meu pai às vezes restaurava cinco carros de uma
vez, então, ele ficava lá às vezes o dia inteiro. Então mexia e comprava peças e lia. Mas aí a
hora que o carro ficava pronto ou que ele guardava no barracão, ou que ele colocava no
museu, meu pai nunca mais olhava pro carro de novo. Assim é, não especificamente aquele
carro, ele podia ir ao museu para resolver uma coisa ou outra, mas assim; não é que ele
continuava namorando o carro como ele namorou no período do restauro. Estava pronto, ele
cuidava bem, estava na fazenda ele punha num local adequado e tal e guardava. Então, nesse
sentido que eu acho que o interesse dele estava mais no restauro do que a exposição. Era ter
pegado uma coisa estragada e ter transformado numa coisa original, de novo, em perfeito
estado, que acho que esse era o grande barato e não andar com ela, exibir, mostrar, dividir.
Dividir assim, no sentido de levar em encontros e tal. Então, ele punha no museu, punha lá
direitinho e lá ficava.
M – É que na verdade você não acompanhou muito o desenrolar dessa coleção ou
acompanhou?
194
P – Não. Não. Como meu pai era um cara muito fechado e eu sendo mulher, eu acabei não
participando. Na verdade, eu mal entrava no museu. Eu entrava no museu uma vez por ano, se
tinha algum amigo meu de São Paulo, para estar levando e mostrando o museu. Mas, eu não
tinha nem gosto, não lidava com isso, né. Então eu acabei não participando.
M – Ele participava de algum clube de colecionadores desde o início da coleção? Em que
época ele participou?
P – Não. O que eles fizeram parte logo no começo, sei lá em 1964, 1965; eles fundaram o
Veteran Car, de São Paulo; e ele fez parte do Automóvel Clube também, foi um dos
fundadores do Automóvel Clube, mas detalhes maiores sobre isso eu não sei. Mas eu acho
que ele não era de participar muito. Ele ia a alguns eventos assim, mas é porque na época
eram amigos, e era um clube pequeno; eles iam, tipo, uns dez amigos, sei lá. Mas depois que o
Veteran se desenvolveu e que, aí eu não vi mais o meu pai participando de nada, ele até ficou
como sócio-fundador, mas ele não tinha, ele não ia, não participava das reuniões, assim. Meu
pai nunca participou do meio. Ele participava com alguns amigos dele, mas não em eventos
do meio de antigomobilismo.
M – Recentemente ele participou com algumas exposições ou não?
P – Não. Eu. Fui eu, que após a morte dele, aí eu levei os carros para Araxá e levei os carros
para Lindóia, levei em alguns eventos, mas não ele.
M – Sobre essa questão da busca pelos objetos, você conhece alguma particularidade dele,
sobre essa vontade, esse discernimento que ele tinha da linha de produção, de determinado
método?
P – Eu acho que ele tinha olho clínico para o que era diferente e bom. Não necessariamente
mais caro. Mas a gente tem marcas, carros, que cada crítico de época, tipo, se você pegar o
Candango que é um carro nacional, é um carro que leva o candango por causa da formação,
construção de Brasília, o nome Candango, que levava os trabalhadores e tal, e foi um carro
expressivo daquela época, um jipe nacional e tal; e não é um carro hoje de um super motor,
não é um carro que deu certo, não é um carro que vendeu muito, mas foi um carro importante.
Historicamente para a época, então eu acho que tinha muito essa visão não só do carro que
valia muito porque era uma Masserati que tinha um motor fantástico, que era um carro de
corrida, um carro de peso e que vinha já com tradição. Ele tinha um olho para carros
importantes e também determinadas épocas, carros que faziam história. A Romi Isetta não é
um carro chique, caro ou de um super motor, não, mas ela foi um carro extremamente
vendido, um carro diferente e tal, então tem lá uma Romi Isetta. Então eu acho, que nesse
ponto, ele tinha muito feeling. As pessoas que visitam e que entendem da coleção,
principalmente os amigos dele, me falaram muito isso, que é uma coleção muito bem
agrupada, que ela tem diversas coisas, de diversas épocas e que ela representa muito bem o
desenvolvimento do automóvel e isso é muito interessante. Não se focou em marca, não se
focou em nada! É muito mais o desenvolvimento da máquina e isso acho que ele um olho
clínico pra isso, ele se ligava no que era legal.
M – Em termos de tempo, o tempo que ele dispendia para a coleção em si. Você tem noção
disso?
P – Ah muito, porque era a diversão do meu pai, então.
195
M – Era diário?
P – Era. Se você falar em tempo era assim, por exemplo, quando ele estava na Matarazzo, que
ele morava em São Paulo, era à noite. Então na Frutesp, quando ele ficou lá e aqui, eram os
períodos noturnos e sábado e domingo. Depois que ele veio para, acabou se desvinculando e
ficou tomando conta das coisas dele, era assim, todos os dias até as onze da manhã ele ficava
na oficina, depois ele vinha pro escritório. Aí ele voltava, almoçava, descansava e no fim da
tarde ele ia pra oficina e assim, sábado sempre e domingo sempre, ele dava uma passadinha.
Ia lá, e os mecânicos acabavam sempre trabalhando. Então assim, quando ele não tinha outras
atividades como um jantar, um almoço, um compromisso social, ele se voltava ou pra música,
que ele gostava lá de ficar mexendo na biblioteca dele, escutando música, ou ficava lá
envolvido com os carros dele. Então é muito tempo, acho que a grande parte do tempo
disponível dele, ele se dedicava assim aos carros.
M – A interação dele, Sr. Eduardo, com os objetos, você acha que envolve toda uma questão
social, de trazer a história de vida dele, que influenciaram nessa relação com os objetos, ou
não?
P – Não, acho que não. Não história de vida, mas eu acho que é uma coisa inata, meu pai
sempre gostou de máquinas, né. Meu pai já correu de moto, corria de carro.
M – Descreve um pouquinho sobre essa história de ele ser piloto de moto ou piloto de carro.
P – Eu não sei muito disso assim.
M – Para a gente poder registrar na biografia dele ou a época que ele correu.
P – Eu não sei, sei muito pouco. Eu acredito que tenha sido dos 25 pra baixo, porque meu pai
sempre falava que ele quebrou o nariz acho, que num acidente de moto, ele não suportava
moto, então, eu não tenho foto eu não tenho nada. Precisaria buscar. Eu sei que ele correu, é
engraçado, mas não tem registro de nada disso.
M – Era hobby dele?
P – Era hobby. E assim, um hobby que ele fez, quando a gente não existia, quer dizer, eu
nasci quando ele tinha 30 anos acho, e isso é com 18, quer dizer, foi em outra época da vida
dele. Mas na Matarazzo, ele era responsável pelas fábricas, quer dizer, ele acho que sempre se
voltou por maquinário. Era um gosto dele por máquinas. Por exemplo, o meu pai, ele gostava
de montar aqueles carrinhos, como chama, móbile. Sabe esses que você compra em caixas,
totalmente desmontável. Ele tem milhões, que ele montou de carrinhos, de aviões. Outra coisa
que ele gostava de montar era eletrônico. Então, ele montava rádios, comprava peças e
montava rádio. Ele sempre gostou. Meu pai adorava som. Ele era louco por som, televisão,
tudo que saia em eletrônica. Engraçado que ele não se apegou ao computador, mas até à
informática, tudo o que aparecia de novo.
M – De tecnologia?
P – Tudo. Quando apareceu o primeiro DVD, que não é DVD, é aquele discão, ele logo
comprou. Quer dizer, ele era louco por tecnologia, por máquinas.
196
M – Autodidata?
P – Autodidata, ele tem milhões de livros em casa, sei lá, de como é que monta, de eletrônica,
de ligações e tal, coisas que ele leu por conta dele. Meu pai nunca estudou nada, nada de...
M – De engenharia?
P – Nunca. Meu pai não fez faculdade. Meu pai terminou o colegial e isso fora do Brasil, não
aqui. Meu pai estudou aqui um tempo e depois foi estudar nos Estados Unidos.
M – Havia uma ordem especial para a organização dessa coleção?
P – Não, nenhuma.
M – Dividida de forma particular?
P – Acho que ele dividiu por ano. Ordem cronológica.
M – E não por marca?
P – Não por marca. Ordem cronológica a princípio e depois quando a coisa foi apertando e
aumentando aí passou a não ter divisão, entendeu. Mas a princípio, acho que era ordem
cronológica.
M – O desenvolvimento da coleção foi aleatório?
P – Totalmente aleatório. Assim, meu pai era um cara que, por exemplo, ele tinha um amigo
da Fiat, era um dos melhores amigos dele. Todo carro que a Fiat lançava meu pai comprava,
entendeu. Então assim, não era só o gosto pelo antigo, gosto pelo novo, mas ele comprava
para ele andar. Por exemplo, ele já teve Fiorino, ele teve Uno, a gente teve um Oggi, eu tive o
Prêmio. Quer dizer, a gente teve quase toda a linha Fiat. Por quê? Porque era um carro que ele
gostava, a marca Fiat, ele ia lá acabava comprando. Lançava um novo ele dava o velho e
comprava um Fiat novo. Então assim, ele gostava de carro.
M – E esses antigos da Fiat ele não jogava na coleção?
P – Não esses atuais não. Ficavam mais pra gente. Tipo assim, quando eu tirei carta eu peguei
um Oggi que tinha na minha casa. Depois, o Oggi ficou muito velho, ele comprou um Prêmio
e aí, foi assim. Não era coisa que ele punha na coleção.
M – Quer dizer, a coleção era de carros antigos?
P – Só de antigos.
M – Ele falava sobre a coleção dele ou não?
P – Não.
M – De forma alguma?
197
P – Não. Meu pai não falava sobre a vida dele.
M – Alguém estimulava essa coleção?
P – A minha mãe.
M – A coleção tinha haver com o trabalho profissional? Você acredita que essa ligação com a
parte do maquinário...
P – É sim, tinha bem é. Partes pela ligação dele com a máquina, né. Mas nada haver uma
coisa com outra. Quer dizer, uma coisa era a indústria e outra era. Quanto à máquina sim.
M – Sentia a coleção como parte de si?
P – Acho que sim. Acho que era a vida dele, ele sem carros não era ele.
M – Se uma peça fosse muito valiosa, você acha que ele venderia?
P – Meu pai não vendia nada, nem a pouco valiosa, nem a muito valiosa. Se ele tivesse dois
Chevrolet(s) 56. Acontece isso, nós temos dois Chevrolet(s), ele restaurava os dois e ele não
vendia.
M – Os dois iam para a coleção?
P – Iam.
M – Tinha alguma peça que era muito especial pra ele?
P – Que eu saiba não. Não, nunca vi meu pai mais empolgado com o carro x ou y, para mim a
empolgação sempre foi a mesma. O que tinha, é que quando ele cismava com alguma coisa, aí
ele ia atrás. A gente tem a história lá duma Mercedes, que era do Consulado Alemão, e que
ele cismou que queria o carro, e o Consulado não queria vender. Ele ficou um ano atrás do
carro e o Consulado não vendia. Aí um dia ele resolveu colocar um cara atrás do carro. Você
vai andar atrás do carro até dar um jeito de comprar esse carro. E a pessoa ficou seguindo o
carro e bateram o carro. E assim que bateram, ele foi lá e comprou. Então ele era fogo. Se ele
queria uma coisa ele ia fazer até ele conseguir. Mas, não por ela ser especial ou um carro caro,
ou um carro isso, ou um carro aquilo, um carro que ele achasse interessante.
M – Atiçasse alguma coisinha lá dentro dele....
P – Exatamente, o carro que ele não tivesse, né. Essa era uma Mercedes Bens, uma Mercedes
muito rara e aí é que tá, pra você como ele tinha um carro muito raro, que foram fabricadas
poucas unidades. Ele lembra um fusca, você olha você nunca vai dizer que é uma Mercedes e
por isso eu acho que ele viu a raridade no modelo e quis ter.
M – E depois do restauro ela já não se tornava tão especial assim?
P – É se tornava mais uma peça do todo. Que do qual ele não se desfazia então, eu fiquei
pesando que o todo é importante. Muito importante.
198
M – Existia alguma peça que ele gostaria de ter e que ele não chegou a ter? Que você tem
notícia?
P – Não. Não.
M – Em algum momento ele falou sobre o que faria com a coleção se ela tivesse finalizado,
ou ele nunca conseguiu visualizar o fim da coleção?
P- Não, acho que meu pai nunca pensou nisso.
M – A completude da coleção.
P – Não, acho que meu pai nunca pensou nisso. Meu pai era um cara que colecionava coisas,
é como um princípio de vida. Não vejo isso com objetivo traçado e limitado. Minha vida é
colecionar. E é o que foi, começou e terminou colecionando.
M - Devo perguntar sobre o destino da coleção e ele mesmo estabeleceu que foi o Museu.
P – Exatamente, e eu acho que o destino da coleção, primeiro ele criou o Museu. Mas eu acho
que para ele, esta coleção não poderia nunca sair da minha família. A gente vê isso através
dos estatutos. Era uma coisa muito amarrada, e assim, e a prova disso é que meu pai deixou
uma carta, passando a presidência do Museu para mim cinco anos antes dele morrer. Quer
dizer, e era para garantir que aquilo não ficasse perdido ou não se desfizesse ou mudasse a
maneira como era. Eu acho que isso era uma coisa que meu pai gostaria, não vejo meu pai
aceitando que isso fosse vendido, ou que isso fosse, não. Acho que nesse sentido, ele tinha
muito apego aos bens. Acho que o objetivo dele era que fosse mantida dentro da família.
M – Ele conseguiu passar essa paixão que ele tinha pelos carros a você?
P – De uma certa maneira sim, descobri isso depois que ele morreu.
M – Você tem dado continuidade?
P – Sim, hoje eu gosto do que eu faço. Hoje o Museu passou a ser parte da minha vida. Talvez
não tão integrante, não integralmente como fazia da dele porque eu ainda sou muito nova e
tenho milhões de outras coisas pra fazer, mas assim, eu acho que isso é uma coisa que vai
comigo como foi com ele. A gente acaba gostando, se afeiçoa.
M – Mais alguém da família coleciona?
P – Não.
M – Algum outro tipo de objeto?
P – Não. Eu não gosto de colecionar.
M – P, eu gostaria que você falasse dessa coleção dentro do ambiente físico do Museu, na
cidade de Bebedouro. Essa trajetória da vinda da coleção. Como se dá o tratamento dessa
199
coleção por parte de vocês que são os detentores dos objetos e também, da administração
pública que deveria cuidar dessa parte educativa e dessa parte de manutenção dos objetos.
P – A relação do acervo para com a cidade é a mesma desde o dia em que ela veio pra cá.
Então, foi firmado um acordo onde a gente entraria com o acervo e a Prefeitura entraria com o
prédio, a manutenção do prédio, a limpeza do acervo e a segurança do acervo. Acredito que
no início, digamos no primeiro pavilhão, logo lá em 1968, quando foi inaugurado e nos anos
seguintes, 1972, 1974 é isso, foi preservado. Isso foi muito bem cuidado e existia um orgulho
por parte da Prefeitura, um cuidado para com o Museu. Ao longo dos prefeitos e dos anos, o
prédio que foi se deteriorando. As atitudes necessárias para a conservação não foram feitas e
desinteresse com relação à história, ao acervo e a importância de um museu, foi se acentuando
cada vez mais. Então eu acho que embora Bebedouro, hoje, quando a gente fale em ir embora
daqui se mobilize pra não tirar o Museu, ao mesmo tempo não fazem nada pra que ele fique.
Então hoje, a gente se coloca numa situação onde há um prédio, extremamente inadequado
para a instalação de qualquer acervo, não seria só. Não é um Museu, pra mim é um barracão
onde se colocam os carros.
Um descaso muito grande da Prefeitura que não acha, não entende isso como uma raridade ou
como um privilégio de ter uma coisa tão diversificada, dentro de uma cidade tão pequena e
nós, tendo passado por duas calamidades que foram as duas enchentes, que foram em 1983 e
início de 2006, que prejudicaram 70% do acervo. Hoje, o acervo é um acervo bastante
danificado, o valor para restaurar isso é altíssimo. A gente hoje, não tem condições, a gente
vai lá devagarzinho arrumando uma coisa, arrumando outra, mas assim, a gente está
descobrindo danos em motores, depois dessa última enchente. Quer dizer, por mais que a
gente tenha tirado, lavado e posto mecânicos, tem muito carro que eu fui mexer agora, tão
travados, é! Então, a gente começa a descobrir problemas internos e que isso é muito mais
caro até que uma lataria e assim a gente não tem apoio, nem ajuda financeira de ninguém. A
manutenção do acervo, até por questão de uma opção da família, mas assim, a família não
optou em o acervo ser estragado e ter que ser duas vezes restaurado. Quer dizer, enquanto era,
a gente gosta de restaurar. A gente compra um carro velho, restaura e põe lá e investe nisso.
Isso é a proposta da família, mas ter que pôr, ter que arrumar, e arrumar, e arrumar dez vezes,
essa nunca foi a nossa proposta e nem nós temos dinheiro pra isso. Deixa de ser um hobby pra
ser um peso financeiro. Então, nossa relação com a Prefeitura é essa. É de um descaso
absoluto e eu chego à conclusão que há anos e anos não existe a noção do que é o Museu, da
importância do Museu e do que o Museu pode trazer pra cidade. Tanto que nas propagandas,
nos discursos que a gente escuta ou da Prefeitura para com a cidade, a gente sempre escuta
falar que Bebedouro é a capital da laranja, que Bebedouro vai ter um horto florestal e por
último, Bebedouro tem um Museu de carros. A prova disso é que não tem placa do Museu na
entrada da cidade, indicando o caminho. Quer dizer a Prefeitura não entende do quão isso
poderia ser inclusive lucrativo pra cidade, o quanto a gente poderia atrair de turismo e esse
tipo de coisa.
M – Você tem conhecimento se a Prefeitura encara o Museu como parte do planejamento da
área cultural? Algum planejamento que envolva o Museu, na parte educativa ou na parte do
desenvolvimento cultural da cidade? Em alguma gestão?
P – Eu acho que não. Agora sim, tem esse Departamento de Cultura, inclusive o Rogério
tentou trabalhar com a gente e tal, mas não existe planejamento, não existe. Existe assim, o
que eu sinto é isto: se eu entregasse o Museu pra eles. Mesmo assim, talvez eles cuidassem
melhor, mas não como sendo um acervo particular. Eu acho que essa coisa do acervo ser
particular mexe muito com a cidade. É uma guerra de poder assim mesmo, sabe... assim... mas
200
vocês são quem? Só porque vocês são Matarazzo, têm um monte de carros, então se vira aí
e...
M – Mas não era esse o acordo feito entre a Prefeitura e o Sr. Eduardo, o colecionador?
P – Não. O acordo foi: eu empresto o que é meu pra você fazer com que a cidade ganhe com
isso, né. E eles, além de eles não ganharem nada, ainda destruíram o que é nosso, porque é
assim o acervo está destruído. Se a gente fosse falar, a gente teria que restaurar 70% de tudo
que está lá, não tem. Está bonito porque pra uma exposição para as pessoas que olham está
bom, mas assim, não são as máquinas que meu pai restaurou. Então, não segue o propósito. E
quando existe alguma idéia da Prefeitura não é conjunta. Ah! eu vou fazer isso! Não é, vamos
fazer isso.
M – P, voltando para o assunto da coleção. Hoje, a coleção está composta de quantos objetos?
Quantas peças?
P – São quase duzentas peças, a gente tem 21 aviões, 92 carros, tem caminhões, tem
máquinas.
M – Sua mãe descreveu a coleção como sendo um pouco maior, a coleção não do Museu, mas
a coleção do Sr. Eduardo. A coleção que tem uma parte que ainda está sendo restaurada. Uma
parte que está na fazenda e tudo mais. Você pode falar um pouco sobre esse todo da coleção
do Sr. Eduardo e não o todo da coleção do Museu, dos carros?
P – A gente tem uns vinte carros pra restauro, tem outros vinte e tantos, vinte e nove em
Antonina, no Paraná, guardados e restaurados. São carros que meu pai iria fazer, mas que no
momento é impossível da gente mexer. Vão ficar lá até a gente decidir o que a gente vai fazer
com eles.
M – Mas eles são componentes da coleção do Sr Eduardo?
P – São. São.
M – Não são do Museu, mas são do colecionador Eduardo Matarazzo?
P – Isso. São vinte e oito no Paraná, vinte e oito no Paraná e na fazenda, estamos com trinta e
um.
M – O que você fala sobre esses objetos que estão aqui no Museu de Bebedouro, que eles
estão sendo estragados. Eu gostaria que você descrevesse um pouco o que é esse ser
estragado. Por que na verdade são influências do ambiente físico?
P – É exatamente. O Museu, o prédio do Museu, tinha dois problemas principais: uma
ventilação totalmente inadequada e ele têm uma temperatura absurdamente alta, o que fez
com que toda a parte de borrachas e frisos derretessem, as pinturas rachassem e os
escapamentos ressecassem e por muito tempo ele teve goteiras, problemas no telhado
seríssimos. Então, choveu demais em cima dos carros e isso arrebentou com a pintura e a
lataria, ferrugem e tal. E isso são problemas assim que destroem mesmo. Agora, fora que ele
não é vedado, não é um local vedado. Então, assim a sujeira que entra lá, impregna no carro, é
enorme, fuligem de cana. E são coisas que depois você não tem mais como voltar atrás, por
201
exemplo, um estofamento com fuligem de cana por anos, a única coisa que dá pra você fazer é
refazer o estofamento, não é que dá pra você mandar limpar, ele fica encardido e não tem
mais conserto. Uma peça que sofreu com a temperatura, que derreteu ou ressecou, não tem
conserto, é só pegar e trocar de novo. E pra completar as duas enchentes com água de um
metro e meio de altura que aí terminaram de fazer o serviço. Quer dizer, aí inundou tudo,
encheu todos os motores de água, todos os painéis de água, todos os estofamentos de água e aí
é uma coisa que só um novo restauro. Também, não é uma coisa que a gente pode solucionar.
E eu digo isso assim, porque no dia em que meu pai morreu, no ano seguinte, eu resolvi pegar
muitos carros restaurados que ele guardava e pus na fazenda e alguns carros que estavam no
Museu que tinham sido danificados pela outra enchente e que não tinham sido arrumados de
novo, eu levei embora e pus bastante coisa nova, e justamente a gente teve a outra enchente e
me estragou os carros novos, perfeitos, que eu tinha colocado.
M – E os aviões...
P – Os aviões... nem falamos dos aviões, dos tratores e dos caminhões que estão num pavilhão
aberto e os aviões na área externa. E esses aviões estavam impecáveis. Hoje, eles têm
problemas de ferrugem, e por dentro eles estão cozidos. Avião tem borracha e plástico e
acrílico pra burro. Então, estofamento apodreceu tudo, ressecou e apodreceu tudo, toda essa
parte de acabamento está destruída. E a parte externa que é a pintura se perdeu muito e agora
já está começando a enferrujar e estragar a lataria, e aviões que vieram pra cá em perfeito
estado.
M – Sua perspectiva de restauro para esses aviões?
P – Não, isso não. Isso é um trabalho que eu vou desenvolver, que eu ia desenvolver esse ano
e que não deu por causa da enchente, de conseguir parcerias pra que empresas, enfim alguém,
faça esse trabalho pro Museu. Nós nunca vamos fazer isso. Nós não temos gente, não temos
dinheiro e não temos competência para mexer com avião.
202
APÊNDICE E – ENTREVISTA SR. JOÃO ROBERTO MARTINS - FUNCIONÁRIO
DA PREFEITURA MUNICIPAL, ENCARREGADO DE MANUTENÇÃO, EX-
INTEGRANTE DA EQUIPE DO MUSEU EDUARDO ANDRÉ MATARAZZO
ENTREVISTA – 05/06/2006
M – Sr. João, o que o Sr. poderia falar sobre o Museu? Gostaria de começar pela organização
das peças no acervo?
J – O Museu começava com o carro Peugeot 1902 e 1903, então, na seqüência, os carros de
acordo com os anos. Então, você seguia neste sentido, passava primeiro pelos carros mais
velhos. Na seqüência, começando pelo Peugeot e vinha descendo, então você vinha descendo
pela lateral até chegar no bonde. Do bonde você voltava e chegava até o carro de corrida.
Aqui parava com um carro de corrida, que era um 1932, que eu nem sei se existe ainda aqui
na coleção. Aí o Sr. Eduardo, o que ele procurava, ele era bem perfeccionista nesse sentido.
Ele gostava que você colocasse ano por ano, na seqüência, por quê o acontece? O visitante
chega no Museu ele vai começar do começo, do carro que ele já conhece? Não. Ele vem no
começo para ele entender o sentido da história do Museu, como começou o Museu. O Sr.
Eduardo começou pelo mais antigo, chegando até o carro mais novo, que na época em que eu
saí daqui, era um carro ano 1974.
M – Qual era o carro?
J – Era um Landau, que era o carro mais novo do Museu. Então, começava do Peugeot 1902 e
chegava ao Landau 1974.
M – Mas essa coleção começou trazendo o 1902 e depois os próximos? Como foi?
J – A paixão do Sr. Eduardo começou com os mais antigos e veio trazendo os outros carros.
Por exemplo, ele ia visitar os amigos dele. Ele via um carro encostado antigo. Ele via o carro
e perguntava. O cara respondia, ah, ele não funciona mais. Aí ele perguntava se vendia. Se o
cara aceitava, ele comprava. A paixão dele era tanta que ele queria ter todos os modelos.
Então, às vezes, as pessoas perguntavam, mas para que você quer? Ele respondia que era para
montar o acervo, e dependendo da amizade, do círculo de amizade dele, as pessoas até
doavam o carro para ele, mas, na maioria das vezes ele comprava.
M – Independente do estado em que estava o carro?
J – Às vezes ele pegava o carro um caco. Ele trazia pra fazenda, pra Santa Cruz, lá ele tinha,
quer dizer, tem uma oficina até hoje, não tem mais os mecânicos que reformavam, né! Ou
quando não, ele reformava em São Paulo também. Quando o carro era bem complicado, se
tinha que estudar tinta, estudar matéria do carro, então era feito em São Paulo.
M – O restauro que ele fazia era com peças originais?
J – Ah, ele procurava deixar tudo originalzinho, sempre funcionando. O motor, você batia a
chave ou na manivela, na hora pegava. Hoje, devido as duas enchentes que teve aqui muitos
motores se danificaram. Entrou água, travou motor, travou cabeçote, o que é uma judiação!
203
Hoje, se a Patrícia, se ela for montar, reformar todos estes motores aqui, nossa senhora, ela...
racha no meio.
M – Por que são caros?
J – São caros, são carros antigos. A maioria desses carros, pode ver, são de outros paises, pra
buscar...!
M – E ele fazia isso?
J – Muitas vezes, ele ia para os Estados Unidos, para a Alemanha, para a Inglaterra buscar as
peças para os carros dele. Faltava por exemplo... Tinha um carro aqui que ele era apaixonado,
que era o Rolls Royce, a Mercedes, o Isotta Fraschini, nossa esses carros eram a menina dos
olhos dele. Todos carros presidenciais da época, aquilo era... Quando ele chegava aqui vinha
direto. Passava pela porta e vinha direto olhar aqueles três carros.
M – Para ver o estado, como estava?
J – Para ver como estava. E ele chegava aqui, ele era detalhista. Ele chegava passava por
debaixo da porta, e passava a mão no carro para ver se estava empoeirado. E a gente nossa...
Quando o Sr. Eduardo estava aí, era aquele... sabe? Vamos caprichar porque o Sr. Eduardo
está chegando.
M – Vamos falar mais da coleção. Como os carros vinham chegando, de onde eles vinham,
além das relações com os amigos?
J – Exatamente. Às vezes nessas viagens que ele fazia. Ele chegava num estado que ele ia
visitar, ou numa fábrica, ou numa agência de carros. Ele via o carro antigo lá, e perguntava
sobre o carro. Ah, esse carro eu guardo ele porque foi da minha família. Olhe eu tenho um
acervo, você me venderia? Ou você me.... aí eles entravam em negócio. Às vezes Sr. Eduardo
comprava ou às vezes, a pessoa doava e ele trazia, mas na maior das vezes, o Sr. Eduardo
comprava.
M – O Sr. chegou aqui em que ano?
J – Eu entrei na Prefeitura para trabalhar em 04.04.1974 e saí em 1988.
M – E o Museu já estava aqui?
J – Sim, porque o Museu chegou aqui em 68, tem a placa de inauguração, nós vamos chegar
nela.
M – E tinha alguém que cuidava?
J – Tinha o Sr. Joaquim, que já faleceu. Isso aqui era a vida do Sr. Joaquim. Nossa... Sr.
Joaquim, ele era aposentado da Fepasa e o que ele fazia? Ele saia da casa dele, que ele morava
aqui beirando a estação de ferro. Ele passava a mão numa flanela e vinha limpar as máquinas,
porque ele era maquinista da Fepasa. Então, ele tinha aquela paixão, adoração. Quando ele
chegava com a flanelinha, ele ficava limpando... porque as locomotivas tem seus detalhes em
bronze e em cobre, então ele deixava aquilo brilhando! E o Sr. Eduardo começou a observar.
204
Aí um dia, o Sr. Eduardo falou para ele: o Sr. teria condições de fazer essas máquinas
funcionar? Essas locomotivas?
O Sr. Joaquim respondeu para o Sr. Eduardo: se elas estiverem em perfeito estado, funciona
sim. O Sr. Eduardo perguntou para ele se poderia tentar? Foi aí que ele funcionou a primeira
máquina. Daí o Sr. Eduardo se encantou. Aí Sr. Eduardo perguntou para Sr. Joaquim se ele
queria trabalhar no Museu (para ele, Sr. Eduardo), já que estava aposentado mesmo? E a
partir daí Sr. Joaquim começou a trabalhar no Museu.
Então, a paixão da vida do Sr. Joaquim, eram as locomotivas e esses carros. Ele entrava aqui
às cinco horas da manhã, era um Sr. de 60, quase 70 anos. Nossa! Ele ficava, aquilo era a
menina dos olhos dele, a paixão dele.
M – Sr. João, não existe nenhuma foto, nenhum registro dessa época?
J – Olha, se tiver, alguma foto do Museu dessa época do Sr. Joaquim, que éramos eu, o
Rachela e o Sr. Joaquim, deve ser dona Dita, esposa do Sr. Joaquim ou a Lídia Luzia Santin,
filha do Sr. Joaquim, que trabalha no cartório de registros de casamento. A gente pode até
estar procurando.
M – Por exemplo, a periodicidade de carros, tinha alguma periodicidade? Vamos supor o Sr.
chegou aqui em 1976 aí o Sr. Eduardo tinha quantos carros aqui?
J – Tinha esse pavilhão montado já e o outro, depois é que foi construído o terceiro. Era uma
média de 25 carros por pavilhão. Ah, já tinha uns cinqüenta carros.
M – E depois?
J – Foi crescendo.
M – Mas tinha uma média que ele trazia, por ano, ou por mês?
J – Não. Isso aí dependia muito do tempo do Sr. Eduardo. Às vezes, ele estava mexendo com
as indústrias dele, com as fazendas, então, dependia muito do tempo dele. Às vezes, quando
dava tempo, na entressafra, porque ele mexia com laranja. Aí ele ficava mais sossegado, aí
dava pra ele ficar mais atento ao Museu. Porque também ele não podia ficar tão disperso dos
negócios dele. Então, quando ele tinha uma folga, ele ficava na oficina. Sentava lá e ficava
olhando o dia inteiro o pessoal trabalhar. Quando ele estava em cima, aí saia mais carros, aí
vinham mais carros pra cá. Mas, quando ele estava ocupado com as indústrias ou com as
fazendas então demorava.
M – Para esse hobby dele de colecionar carros, ele não tinha muito, quer dizer não media
muitos esforços financeiros para ampliar o acervo?
J – Ah... ele gastava, ele gastava uma grana violenta.
M – E como era a equipe dele? Por que ele montou uma equipe de restauro inclusive.
J – Exatamente. Ele tinha nos aviões o Sr. Sauzibir que era um polonês; o Jorge, que era
mecânico de carros também. O Jorge vinha periodicamente estava aqui dentro do Museu.
Funcionava com carinho também, era um mecânico dedicado. Ele vinha ficava, às vezes,
205
hospedado aqui nos hotéis ou, às vezes, na fazenda do Sr. Eduardo, ficava às vezes, um mês
direto aqui pra funcionar todos os carros.
M – O Jorge era mecânico dele?
J – O Jorge era o mecânico oficial dele, que vinha para funcionar todos os carros.
M – E ele não era daqui?
J – Não, ele era de São Paulo. Ele era funcionário das Indústrias Reunidas ou era funcionário
particular do Sr. Eduardo, mas pra mim, eu acho que era das Indústrias.
M – Fora eles tinha mais pessoas, tais como, funileiro...
J – Sim, tinha o polonês, na fazenda tinha funileiro, tinha mecânico, mas não era só aqui em
Bebedouro não. Tinha lá em São Paulo também, o pessoal que trabalhava pra ele. Alguns
amigos colecionadores que conheciam de carro e procuravam estar sempre se informando;
olha eu peguei um carro assim, assim, assim, o que eu faço? Aí, as pessoas direcionavam,
qual seria o caminho mais fácil pra ele estar restaurando esses carros.
M – Qual era a relação dele com o Museu? Ele vinha com freqüência, como que era?
J – Sempre que ele podia e estava em Bebedouro, ele passava sempre pelo Museu, passava.
Ele era observador, se ele visse alguma coisa estranha. Ele conhecia isso aqui como a palma
da mão. E passava, se visse alguma coisa diferente, encostava o carro e descia. Perguntava:
por que está acontecendo isso? Aquele jeitão dele, aquele vozeirão grosso. Por isso, por isso,
por isso. Mas ele era muito detalhista, observador e como era!
M – E esses aviões que lá fora estão expostos ao tempo? Por que quando...
J – O sonho dele era ver esses aviões cobertos! Era o sonho da vida do Sr. Eduardo.
M – Porque estão se deteriorando....
J – Porque sol, chuva, vai correndo né, tudo vai acabando. Inclusive hoje, a maior parte desses
aviões estão lá, os flaps deles, os lemes deles eram tudo de lona. Aí o tempo foi correndo,
apodrecendo e nós os restaurávamos com alumínio. Nós tirávamos a lona e colocávamos
alumínio pra agüentar o sol, a chuva, porque o tempo estava destruindo. O sonho do Sr.
Eduardo era ver esses aviões tudo coberto, não fechado, poderia até ser aberto, mas todos eles
debaixo de uma estrutura, e ele não conseguiu ver isso.
M – Essa parte é a parceria da Prefeitura, a parte da infra-estrutura, enquanto ele cuida do
acervo?
J – Eu não sei até que ponto eles têm essa parceria. Eu sei que a manutenção, inclusive eu sou
funcionário da Prefeitura. Eu não era funcionário do Sr. Eduardo. Sou funcionário da
Prefeitura, mas o Sr. Eduardo via a dedicação, o carinho da gente. Então, a gente tinha o
salário da Prefeitura e ele dava pra gente uma certa quantia por mês, pra que a gente zelasse
pelo patrimônio dele.
206
M – Quais são os carros que ele gostava que estão aqui? Os três que ele tinha como a pupila
dos olhos?
J – Eu não estou vendo aqui, mas era o Pegeout...
M – Nenhuma dessas Mercedes?
J – Não, ele gostava dos antigos, bem antigos. O Pegeout, os dois pequenininhos eram a
paixão da vida dele, que deve estar por aqui.
M – Eu ia lhe perguntar por que essa diversidade? Em algum momento o Sr. soube por que
colecionar o tear, por que colecionar o bonde...
J – Porque a vida, esses teares se eu não me engano pertenceram a família dele, se eu não me
engano tinha...
M – Tinha a tecelagem.
J – Exatamente.
M – Mas então, nenhum desses teares são doações aleatórias, são da família?
J – Sim, porque era um acervo da família.
M – Por que aviões? Em algum momento ele comentou o por quê dos aviões, o por quê dos
carros, dos caminhões lá fora?
J – Bom... o Sr. Eduardo... Eu não sei se você sabe, mas ele era apaixonado por carros de
corrida, ele chegou até a correr.
M – É... a Patrícia comentou.
J – Foi piloto. O Sr. Eduardo era apaixonado. O carro já era a paixão mesmo da vida dele.
Agora os aviões, eu acho que incluiu. E se a gente colocar um avião? Aí veio um, veio dois e
veio vindo. Mas eu acho que a paixão dele não é o avião. O avião fez parte do acervo, mas a
paixão dele era carro.
M – Mas ele comprava os aviões?
J – Olha eu não tenho essa informação, mas, por exemplo os da FAB, não tem como comprar,
a FAB doou, porque o que acontece? O avião tem as horas de vôos, deu a quantidade de horas
o que acontece?
M – Ele encosta.
J – É encostado.
M – Então... Mas eu pergunto assim, pra gente poder entender o por quê dos aviões terem
vindo, o primeiro foi adquirido?
207
J – Eu acho que foi doado.
M – Já foi doado, então. O Museu já existia, as pessoas sabiam da existência e então...
J – Porque começou, se eu não me engano, com esses paulistinha de madeira, são os aviões
que estão pendurados no teto do primeiro pavilhão. Um paulistinha está inteiro e o outro está
a carcaça, para mostrar como era confeccionado um avião. Começou nesses aviões. Mas, eu
não sei se esse paulistinha foi um avião particular da família, se era dele. Aí, eu não posso
dizer que foi doado. Aí começou... Então veio um, veio dois e hoje está... Ele tem um avião
que só existe esse no mundo. Tá lá em cima é o Cover. Esse avião, acho que é o único que
tem no mundo, foram fabricadas três peças: um caiu, outro desmanchou e sobrou este.
Inclusive, o pessoal da fabricante dele estavam desesperados para levar ele embora.
M – O Sr. Eduardo não deixou?
J – O Sr. Eduardo estava vivo e disse não... esse vai ficar aqui.
M – E esses aviões funcionam, ou já não funcionam mais, também?
J – Não. Os que estão aqui dentro, todos eles têm os motores perfeitos, mas funcionar não,
não funciona. Eu acredito que se fizer uma manutenção neles funciona sim, mas, aqui no
Museu nenhum deles nunca foi funcionado.
M – Por que não tem nem condições...
J – Não tem como, né! A única coisa que a gente funcionava na época era essa turbina.
M – É turbina de avião?
J – Turbina de avião, uma turbina Rolls Royce, tem chave! Olhe! O partidão era um urro. A
gente escutava ela aqui.
M – E ele gostava que funcionassem todos os carros?
J – Ah, sim.
M – Quantas vezes por semana?
J – Ah, era periódico. De vez em quando, ele passava, ele deixava... aqui no Museu nunca
faltou gasolina para funcionar os carros. Isso dependia muito do nosso tempo. Porque às
vezes, quando ele chegava com um avião novo aqui, a gente ajudava a equipe montar. Então,
ficávamos todos empenhados em montar aquele avião. Então, o Sr. Joaquim ficava aqui
dentro limpando os carros. Então como Sr. Joaquim estava sozinho não tinha como funcionar
os carros. Aí a gente acabava e entrava pra dentro, vamos funcionar os carros. Hoje é dia de
funcionar os carros. Aí íamos com um galão, funcionávamos todos eles, mas sempre que a
gente podia, estávamos sempre atentos para funcionar os carros.
M – O Sr. estava falando dos aviões. Como era a vinda do acervo, questão de transporte, etc?
208
J – Era o corpo, a asa e o rabo, vinha todo desmontado. Vinha em três partes. As asas vinham
num caminhão, o corpo em outro e a cauda em outro. Era complicado. Se era um avião
pequeno dava, às vezes, até cabia numa carreta só. Mas, dependendo do avião, era
transportado em três, quatro caminhões. Aí, fazíamos o comboio. Inclusive nós passamos um
episódio até marcante.
Nós fomos transportar, porque o Sr. Eduardo tinha a equipe que fazia o transporte de [...]. Lá
em São Paulo, nós tínhamos que transportar do aeroporto de Cumbica para a Cidade
Universitária e nós fomos fazer esse transporte, o pessoal de Bebedouro: eu, o Rachela e os
mecânicos dele. Nós estávamos transportando esse avião e na ponte da Freguesia do Ó o
avião não passou em baixo, ficou enroscado, porque a gente tinha que fazer o transporte a
noite. Menina! Foi um tumulto. O pessoal achou que o avião tinha caído. Aí pareceu o pessoal
que cria as histórias. Diziam: eu vi a hora que o avião vinha descendo e a asa caiu pra lá e o
rabo caiu pra cá e se espatifou no chão (risos). Cada um criava uma história.
M – Por que o avião caiu no chão?
J – Não. O avião estava enroscado debaixo de uma ponte, não ia e não voltava (risos). Não ia
e não voltava, foi um desespero. Mas foi uma loucura. E o povo, aquela multidão, parecia que
estavam acompanhando um velório (risos), devagarzinho e o povo todo atrás. Tem umas
histórias curiosas sobre o Museu.
M – Mas os carros, também vinham da mesma forma? Mas quando eram doados e...
J – Vinham amarrados, com carinho, com muito cuidado.
M – E tem algum outro histórico desses transportes que o Sr. acha interessante contar?
J – Não, porque os carros a gente não acompanhava. A gente só vinha descarregava e
guardava.
M – Mas, ele tinha a equipe dele, responsável pelo transporte que não deixava outra pessoa?
J – Quem era o motorista dele era o Sr. Mirotti. O Sr. Mirotti era a menina dos olhos. O Sr.
Mirotti foi aquele motorista que começou quando o Sr. Eduardo nasceu, carregava o Sr.
Eduardo no ombro e morreu junto com o Sr. Eduardo. Era o segundo pai do Sr. Eduardo.
M – E esse Sr. Mirotti era de onde?
J – Ele era de São Paulo. Ele era motorista da família Matarazzo e passou a ser motorista do
Sr. Eduardo.
M – Quando o Sr. Eduardo veio pra Bebedouro ele veio junto?
J – Ele veio junto. Ele trabalhava lá em São Paulo. Ele aposentou e veio pra cá, pro Museu,
cuidar do Museu e cuidar da.... Ele viajava com o Sr. Eduardo, com a Drª Eneida, com as
crianças, né, na época.
M – E ele já faleceu também?
J – Faz uns seis anos.
209
M – Um pouquinho antes do Sr. Eduardo?
J – Um pouco antes do Sr. Eduardo.
M – Sobre a questão da classificação, o Sr. acha que a ordem é apenas cronológica?
J – É ele gostava de seguir o padrão, desde o mais antigo até o mais novo, que faz sentido.
M – Só em termos cronológicos, ele não categorizava por exemplo...
J – É esse é mais importante, esse não ...
M – Não. Ou por modelo, por fabricante?
J – Não, não. Ele não tinha essa preocupação. A preocupação dele era a seqüência do ano do
carro. Ele priorizava o ano do carro.
M – Se chegasse um carro 1938 e tivesse...
J – Um 1939, ele encostava o 1939 pra baixo e punha o 1938, no 1938.
M – E essas descrições, por exemplo, agora tem essas plaquinhas que descrevem a história do
carro. Ele sempre prezou por isso?
J – Sempre, sempre.
M – Mas essas não são as originais?
J – Não, são da minha época. O que estava escrito naquelas da minha época, é o que está
escrito aqui.
M – E quem fazia essas plaquinhas?
J – Ele lia o histórico dos carros...
M – Ele mesmo descrevia o histórico dos carros?
J – Ele mesmo lia e descrevia o histórico dos carros. Ele passava pro pessoal do escritório e o
pessoal do escritório mandava confeccionar as plaquinhas daquelas... eucatex, era uma placa
mais ou menos assim, um metro e quarenta. Aí a pessoa chegava e ficava bem... aí, a pessoa
lia. Mas ele que passava o histórico dos carros, pessoalmente.
M – Ele se preocupava com isso?
J – Exatamente. Nesse ponto, ele era detalhista e fazia questão de ele passar o que era o carro.
M – Qual era o objetivo dele com o Museu? O senhor sabe algo sobre isso?
J – O colecionador, a paixão, a paixão.
210
M – E por que ele mostrar para o público?
J – Para o pessoal ver. Ah, não tem o porquê você ter uma coleção dessa e esconder.
M – Não. Porque existem colecionadores que colecionam pra si, pro seu próprio desejo, pra
sua própria paixão e pra sua própria satisfação.
J – Eu acredito até que ele quis fazer uma homenagem pra esposa. Vamos fazer na sua cidade,
você é de lá e eu acho que ele quis prestar alguma homenagem a Bebedouro, por sua esposa
ser daqui.
M – Mas, o Sr. acha que houve o intuito de educador, em algum momento, a ponto de ele
poder expor, se preocupar com essas placas, com as descrições?
J – História. Para o pessoal resgatar a história. Você viu esse Museu serviu para o estudo de
muita gente, muitas faculdades. Na época eram imensas as discussões que chegavam. Hoje, eu
não sei como está, mas na época em que a gente trabalhava aqui, não passava uma semana
sem vir três, quatro excursões, de escolas, de faculdades. O pessoal vinha e vinham pra
pesquisar mesmo.
M – Vocês aqui do Museu, nunca receberam retorno desses estudos?
J – Como assim?
M – Por que, por exemplo, nas minhas pesquisas eu não encontro nada sobre o Museu.
J – Olhe, o Sr. Eduardo, eu acredito que essa coleção. Pra você ver, ele gostava sim de
mostrar para o público, mas ele era assim, bem reservado, era bem dele mesmo. Ele não tinha
interesse em estar, até mesmo porque ele não precisava disso, em estar mostrando o porquê,
então... ele evitava o máximo entrevista pra falar do Museu. Às vezes o pessoal, Sr. Eduardo,
dá pro Sr. ceder uma entrevista para gente falar do Museu? Ele ah, não precisa disso. Ele era
bem reservadão. Ele gostava de ter o Museu, abria pro público, mas não era de estar falando
porque disso, disso, não... gostava de ter!
M – Mas eu digo assim, o Sr. disse que eles vieram, que foi objeto de estudo de várias
pessoas...
J – Ah sim, foram feitas muitas pesquisas.
M – Então... aí é que eu pergunto para o Sr. O Sr. sabe, têm notícias de algum destes registros,
destes estudos? Porque todos são parâmetros para mim, para minha pesquisa!
J – Não, não. Você precisaria saber no escritório dele se existe algum histórico disso tudo que
veio acontecendo com o tempo. Isso aí, eu não tenho informação.
M – Vocês não registravam em nenhum livro a chegada dessas pessoas?
J – Tinha uns livros de entrada do pessoal, dos visitantes? Sim.
211
M – Porque dá pra resgatar por esses...
J – Tínhamos, tínhamos. Agora, eu não sei onde foi parar, mas que tinha, tinha. Eu não sei se
com a enchente ele se foi? Inclusive ficava na entrada mesmo do Museu, como se fosse um
livro de ata. O pessoal chegava e entrava já a primeira coisa que...
M – Eu me lembro, eu vinha muito quando eu era pequena.
J – Nome, cidade, data e isso aí tudo, todo mundo registrava.
M – E o Sr. não sabe pra onde foram esses registros?
J – Não, não faço a menor idéia. Se eles existem ainda, ou se eles foram destruídos pela
enchente.
M – Por que em algum momento, Patrícia e eu conversamos sobre a questão do histórico do
Museu e o Sr. não saberia nos dizer, se alguém se preocupou em registrar, o próprio Sr.
Eduardo?
J – Me parece que já foram feitos alguns estudos, mas eram pessoas de faculdade. Foi feito
pesquisa, foram estudados, o por quê, acho inclusive o Sr. Eduardo andou cedendo pra
algumas pessoas o histórico do Museu, o por quê.
M – O Sr. lembra mais ou menos a época?
J – Não. Ah é, 1990, 1985 a 1990. Às vezes, ele parava para explicar o por quê do Museu,
entendeu. Mas agora, pra quem eu não me lembro. Eu não sei se na Prefeitura existe algum
dado. Você procurou?
M – Eles não liberaram nada, não têm registros.
M – Essas histórias que o Sr. me conta sobre a evolução e o desenvolvimento da coleção são
importantes, porque nós vamos montar o histórico deste Museu. Pessoas chaves que
trabalharam aqui, que trabalharam próximos ao Sr. Eduardo. O Sr. sabe de alguém?
J – Que estejam vivas, hoje ainda?
J – Sauzibir já foi. Sr. Joaquim já foi. Sr. Mirotti já foi. Cabeção que era o funileiro, também
já não está mais aqui. É... daqui do Museu que restou mesmo da época forte em que o Museu
vem crescendo, sou eu e o Rachela. Mas, essas informações que eu passei são as mesmas que
o Rachela vai te passar para você.
M – O Rachela?
J – Professor de Educação Física, que trabalhava aqui. Trabalhávamos juntos. As informações
que eu estou te passando, são as mesmas que ele irá te passar.
M – O que eu não tenho achado são registros fotográficos da coleção, do Museu?
J – Por que? Porque o Sr. Eduardo não gostava que fotografasse de jeito nenhum.
212
M – Ah... ele não gostava de fotografias do Museu?
J – Ele deixava sim, o pessoal vim, ver, inclusive...
M – Filme nem pensar? Nunca filmaram o Museu?
J – De jeito nenhum, filmadora nem pensar. Inclusive isso aqui ó, ele não gostava que
fizessem isso de jeito nenhum.
M – É isso que eu ia perguntar, ninguém podia chegar perto dos carros?
J – Não. A corda era o limite. De vez em quando, nós colocávamos, em dias de pico que dava
muita gente, nós colocávamos uma pessoa de pé em cada corredor, para que o pessoal tivesse
uma visão ampla do corredor. A pessoa que levantasse a corda pra passar, a gente já falava:
Opa! não pode, por favor. E diziam: Ah, mas a minha loucura é conhecer esse carro! E a gente
respondia: Mas se eu abrir essa exceção pra você, todo mundo vai começar a passar e não vai
sobrar ninguém no corredor e os carros vão se encher de gente. O pessoal tinha curiosidade de
chegar perto, mas se ele chegasse aqui, alguém tivesse do lado de dentro da corda; aí o
homem ficava bravo. O homem ficava bastante bravo. Não gostava não. Podia deixar o
pessoal visitar, ver os carros, mas o limite era a corda.
Outra coisa que ele, Nossa Senhora! Pôr a mão. Marca de mão. A gente cuidava, encerava,
lavava, políamos os carros. Então, esses carros eram assim, maravilhosos! Para a pessoa
chegar e marcar com a mão, ficava horrível.
M – E a Prefeitura, a relação da coleção com a Prefeitura?
J – Sempre a Prefeitura, na medida do possível, dentro, não sei se existe um contrato, acho
que existe. Existe?
M – Existe.
J – Então, manutenção do prédio e funcionários, que fazem a limpeza, se eu não me engano,
são da Prefeitura. Eu não sei se ainda hoje é assim, mas na minha época, o Sr. Joaquim era
funcionário do Sr. Eduardo. Eu e o Rachela éramos da Prefeitura, e os guardas, que era um
das seis da manhã às quatorze, outro das quatorze às vinte e duas e das vinte e duas até as seis.
Então, era revezado e tinha o guarda que dava as folgas, que era o pessoal da Prefeitura.
M – Em relação a relacionamento: Sr. Eduardo, proprietário da coleção e Prefeitura sempre
foi positivo? Por que me parece que esse Museu surgiu na gestão do Sr. Sérgio Stamato?
J – Isso mesmo. Ele e o Sr. Sérgio Stamato eram muito amigos.
M – Eles eram amigos?
J – Eles eram amigos. Inclusive quando um era presidente, o outro era vice da Frutesp, na
época. Então, eles eram bem próximos.
M – Mas assim, das outras gestões, sempre continuou essa cordialidade?
213
J – É lógico, sempre dentro da medida do possível.
Vamos para o pavilhão de fora.
M – O Sr. disse que se recorda do episódio do Silvio Santos. O Sr. gostaria de falar?
J – Isso. Acho que foi em 84, 85. Nós levamos aqui do Museu, o Peugeot, para disputar na
cidade por curiosidade, naquele programa cidade contra cidade. Então é... curiosidades, de
curiosidade o carro do Museu que foi representar essa parte. (Risos...) Nós perdemos, onde já
se viu, a cabeça do povo como é... Nós perdemos para um senhor de sessenta anos, que
equilibrou uma cama no queixo. Foi mais curioso um velho equilibrar a cama, do que um
carro, que é um carro de 1902, que é um exemplar que não existe mais. Então perdeu. Nós
ficamos revoltadíssimos, mas não pode, isso não tem cabimento, é, mas foi o jurado que
escolheu né! O Silvio Santos, ele andou com o carro, eu funcionei pra ele e...
M – O Sr. Eduardo estava presente?
J - Não. O Sr. Eduardo não estava presente. Mas, o mais interessante disso tudo, foi que o
carro chegou lá, na hora em que fomos apresentar o carro pro Silvio Santos, ele indagou, ele
ria, ele olhava como se dissesse: quem disse que isso funciona? Na hora H, que foi na hora de
entrar, eu precisei entrar com ele empurrando porque ele não pegou. (risos). Ele não pegou
(risos). Na hora de apresentar ele pro público, eu tive que entrar com ele empurrando. Não
pegou de jeito nenhum e o Silvio Santos já tinha andado... Mas, não valeu né! Valia se tivesse
entrado com o carro funcionando. Mas, foi interessante isso aí.
M – E foi a pedido do Sr. Eduardo ou a pedido da Prefeitura?
J – Não. Foi a pedido da Prefeitura, representando Bebedouro.
M – E sobre essa colocação dos aviões?
J – Eu acredito que isso aí, foi um meio de Sr. Eduardo achou até pra conservar essas peças,
por isso que ele... Oh! esses aviões quando são pequenos e a largura deles permitem que gente
os pendure dentro do Museu, vão pendurar pra que eles não se acabem como os outros que
estão se acabando lá no pátio.
M – E como foi colocar esses aviões aqui dentro?
J – Foi uma barra (risos), foi uma loucura. Vinha um engenheiro né, fazia um estudo de peso,
cálculo, é... A gente desmontava uma parte da ponta da asa, andamos quebrando paredes pra
que entrássemos com...
M – Mas não retirava o teto?
J – Não, entrava... Essa parede da avenida, a gente quebrava a parede inteira, para que
passasse o avião rodando. Só tirávamos a cauda, que era mais alta, e a ponta das asas.
M – Isso foi feito em que ano?
J – 85, 86...
214
M – E aí foram feitos todos os aviões ao mesmo tempo ou não?
J – Não. Passava algum tempo, assim seis meses. De acordo com o Sr. Eduardo vinha aqui no
Museu. Ele chegava aqui e falava assim: antes de a gente colocar esse, vamos...
M – Mudanças, ele que estabelecia?
J – Sim, tudo ele, determinado por ele. Ninguém fazia nada, ninguém tirava um carro do lugar
sem que ele autorizasse. Ele chegava e falava assim: esse carro aqui eu quero que ponha aqui;
a gente fazia de acordo com que ele pedia.
M – Termina a história dos aviões. Aí vocês quebravam a parede, colocavam os aviões,
seguravam eles por cabo de aço?
J – Cabo de aço. Eles são amarrados por cabo aço, pode ver todos eles. Na realidade, o cabo
de aço, é pra que ele não fuja, porque não tem sustentação nenhuma, o peso dele está todo
sobre as pilastras.
M – Uma outra pergunta, sobre a organização da coleção. Se retirasse uma peça do lugar ele
sabia?
J – Vixe... Ele era observador, né! Só mexíamos se...
M – E mudava o sentido se mudasse o carro de lugar?
J – Exatamente. E a gente não punha a mão, só com autorização dele. Ele chegava assim, esse
carro aqui põe aqui. Oh, hoje, por exemplo, o carro está de esgueio, vamos colocar reto? Isso
determinação dele, só ele.
M – Vamos ver os carros que ele gostava. Daria pro Sr. falar os nomes dos carros preferidos
dele.
J – Esse era um dos xodós dele.
M – Mas está sem nome, né!
J – Esse é o Packard.
M – Packard, que ano?
J – Acho que esse carro deve ser... 53, 54, uma coisa assim. Esse carro é presidencial.
M – Foi de algum presidente?
J – Parece que foi do Juscelino. Juscelino foi presidente em que época? Foi em 70? 54? 54...
ou Getúlio Vargas. Foi usado pelo Vargas.
J – Aqui.
215
M - Packard Custom Limousine, ano 1947. O que é o G?
J – Aqui ó, é carro de presidência à lá! É carro de presidência, tem a plaquinha ali de carro
oficial, você entendeu?
M – Mas ele andava com esse carro, o Sr. Eduardo?
J – Não. Ele veio pro Museu, aí ficou.
M – Mas era a paixão da vida dele?
J – Uma das paixões porque foi de carro de pessoas importantes né! Então tinha um histórico,
tinha toda uma, inclusive era pra ter o nome do presidente que usou ele na época.
J – Outro carro que ele gostava muito, esse Gardner aqui, ele gostava demais desse carro.
M – Gardner, ano 1929.
J – Isso aqui era usado como uma carruagem né, era de príncipes.
M – A marca Packard, ele deve ter usado, ou a família, né?
J – A família né!
M – Tem mais algum aqui que...
J – Tem muitos, muitos carros aqui que pertenceu à família dele.
M – E o Sr. não sabe dizer quais foram?
J – Não.
J – Esse foi o último carro, até quando eu permaneci no Museu, foi o último carro que entrou.
M – Ford Landau.
J – Ford Landau 80. Era da Prefeitura.
M – Daqui de Bebedouro?
J – Daqui de Bebedouro.
M – Esse carrinho de corrida, não era dele?
J – Esse não, eu não cheguei a conhecer aqui no Museu.
M – Fale um pouco sobre essas hélices e peças penduradas nas paredes laterais.
J – Isso aí seria mais pra pessoa ver o sentido do avião, como seria montado um avião. Ali
está uma das primeiras hélices, de madeira. Isso aí, é mais pro pessoal ter uma noção de como
216
consistia as peças do avião. É uma hélice dupla, de três pás, entendeu? Então era pro pessoal
passar e falar porque...
M – Mas ele adquiria separadamente?
J – Separadamente.
M – Mesmo que fosse só uma peça?
J – Ah sim. Lá embaixo tamm tem uma coleção de telefones antigos.
M – Então... é isso que ia perguntar pro Sr., por que...
J – Porque ele era colecionador.
M – Mas qual o sentido de colecionar apenas objetos antigos? Por que a diversidade de
objetos? O Sr. sabe o por quê dele colecionar e colocar aqui em exposição? O objetivo dele
seria, em hipótese, trabalhar com a preservação da memória para as gerações futuras? Ou em
nenhum momento ele deixou isso claro?
J – Eu acredito assim, que o Sr. Eduardo ele gostava muito de colecionar. Principalmente se
fosse doado, ele dizia: não, dá aqui que eu levo pro Museu.
M – Mas esses telefones, essas motos, isso era da família...
J – Da família, das firmas...
M – Ah, das firmas antigas das Indústrias Matarazzo.
M – Compressor de refrigeração, de onde era?
J – É uma geladeira das Indústrias Matarazzo.
M – Mas nada disso funcionava quando chegou aqui? É esse o carrinho?
J – Esse Kart, eu acho que pertenceu a ele.
M – Emerson Fitipaldi.
J – Do Emerson?
M – É.
J – Doado pelo Fitipaldi.
M – Foi doado pelo Sr. Francisco Scarpa.
J – Chiquinho Scarpa?
217
J – Eu acho que deve ter começado a história do Emerson como piloto deve ter começado
com esse Kart.
M – Isso daí o Sr. sabe o que é?
J – Uma geladeira.
M – Tudo geladeira? Tudo coisa antiga?
J – Uma geladeira. Esse motor Deutz aqui, substituía um gerador, né?! Um motorzão deste
aqui. E outro, ele funcionava, parece que vai escapar aquela roda, pega uma velocidade tão
grande que ela vai escapar dali e vai destruir o Museu. É...
M – A Patrícia me falou um dado importante, não sei se o Sr. confirma, mas que o Sr.
Eduardo, a intenção dele era sempre ver o maquinário funcionando.
P – Sim, sempre!
M – Mesmo que ele pegasse...
J – Ah, ele gostava. Ele ia assim, estudando, procurando peça que faltava. Ele viajava e
pegava livros de manual do carro, procurava o manual do carro pra saber onde foi fabricado,
onde tinha peça, onde ele poderia encontrar peça para que ele deixasse o carro funcionando.
M – Não era só com os carros? Ele montava de tudo, qualquer motor?
J – Não, era com tudo, tudo, tudo! Esse motor Deutz a gente funcionava sempre. Ele adorava
ver isso aqui funcionando, risos. Era um barulhão! Essa geladeira também, a gente chegou a
refrigerar ela.
M – Ah, chegou a funcionar?
J – Chegou a funcionar, esse gerador chegou a funcionar.
M – Tear? Telégrafo?
J – Parece que... esse não é da minha época, chegou depois. A filmadora ali, ai meu Deus!
M – Aquela grandona ali é uma filmadora?
J – É uma filmadora.
M – Também é da época do Sr.?
J – Aquela é da minha época.
M – As motos eram paixão dele também?
J – Moto?
218
M – Porque ele tem alguns exemplares.
J – Eu acredito mais que, mais em sentido coleção, né!
M – Não era no sentido de andar?
J – Não, não. Gostava mesmo era de carro de corrida. Andar de carro de corrida. Ele adorava
correr! Ah, era um piloto nato!
M – Sobre essas peças aí do fundo?
J – É uma varredeira. Foi usada muito em São Paulo logo que lançou as varredeiras para
diminuir a mão-de-obra, né! Elas que varriam as ruas de São Paulo, risos.
M – Ele trouxe de lá?
J - Trouxe de lá.
M – O que o Sr. tem a dizer sobre a porta do Museu?
J – A porta do Museu era um cofre. Fazia parte do acervo.
M – Era um cofre do Banco do Brasil?
J – Era um cofre do Banco do Brasil de São Paulo. Vieram diversos técnicos de São Paulo que
não conseguiu abrir. Aqui nós tínhamos um Sr. que fazia chaves. Um Sr. chamado Trinca. Ele
veio e conseguiu abrir. Aí Sr. Eduardo, na hora que ele abriu a porta, o Sr. Eduardo falou
assim: eu já tenho o lugar. Eu vou elevar a entrada do Museu, por causa das enchentes, eu vou
elevar e essa porta do cofre vai ser a porta do Museu. Está aí e essa é a história do cofre.
M – Então na verdade, a intenção dele era mostrar que atrás dessa porta existia um tesouro?
J – Exatamente. Aí, você vai conhecer o que o tempo traz.
M – Por dentro deste cofre?
J – Por dentro desse cofre que é uma maravilha.
Passemos para o lado de fora do Museu.
M – Essa daqui, o que é?
J – Um rolo compressor.
M – Que ele adquiriu...
J – Se eu não me engano, esse era das Indústrias mesmo.
M – O rolo compressor das Indústrias Reunidas.
219
J – Esse canhão é de 1939, mas parece que tem esse negócio de revolução nele aqui.
M – E por que a relação dele com os materiais bélicos? Esse canhão foi doado ao Museu pelo
Ministério da Guerra do Brasil.
J – Porque o Sr. Eduardo, pra ele é interessante. Pro pessoal do Exército é interessante
conservar. Onde ele estava, estava sendo destruído. Então, o Sr. Eduardo em contato com
algum Brigadeiro amigo dele, falou se vocês me cederem ele, ele vai pro Museu e vai ficar
exposto. Aí o pessoal vai conhecer um pouco da história do Brasil. Essa foi a intenção de
trazer esses materiais bélicos pra cá.
M – Mas não tinha nenhuma representação, até onde vocês sabiam, por ele ter passado por
essas fases da guerra?
J – Não.
M – É mais um registro esporádico do que aconteceu, para que as pessoas possam ter acesso,
como representação histórica?
J – Exatamente.
M – E esse avião?
J – Esse foi o último que chegou aqui.
M – Como chama?
J – Douglas DC-6. Noventa passageiros.
M – Foi doação?
J – Foi doação. Esse foi o último avião que eu trabalhei dentro.
M – E vocês os mantinham restaurados por dentro? Como que é?
J – Sr. Eduardo, ele era muito detalhista. Esse avião aqui, quando eu, até na época em que eu
trabalhei no Museu, nós estávamos restaurando ele por dentro. Sr. Eduardo queria colocar
uma passadeira vermelha e colocar os noventa bancos no lugar, mas não deu tempo de fazer
isso não. Mas ele... vixe!
M – E ele foi doação da onde, da Varig?
J – Da Vasp.
M – E pra colocar esse avião aqui dentro? Esse foi um dos que veio em três carretas?
J – Esse veio mais. Porque uma parte da asa e a ponta, metade veio em um caminhão, os
motores vieram todos separados, todos desmontados, veio o motor inteiro, mas sim
desmontado. A cauda, o flap, o leme, veio todo desmontado. Aquela última parte traseira do
avião veio toda desmontada até o bico. Então, esse veio em umas cinco ou seis carretas.
220
M – E vocês tinham técnica para poder montar esse avião ou era esse mecânico que vinha...
J – O Jorge vinha e orientava a gente, a gente ajudava ele.
M – Mas ele estudava pra poder montar?
J – Ele tinha um conhecimento profundo.
M – O Sr. Eduardo não entrava nos aviões não?
J – Ô!
M – Entrava e verificava ainda por cima?
J – Entrava e verificava.
J – Parte do acervo dos caminhões das Indústrias Reunidas, olhe lá.
M – Ele trouxe pra cá. O que são? São tratores, o que mais?
J – Aí tem tratores de esteira, tratores comuns...
M – Mas, tudo das Indústrias?
J – Não! Não! Das Indústrias você pode ver que tem até os logotipos lá das Indústrias, são
aqueles três amarelinhos.
M – Ah tá... os vermelhos não?
J – Os vermelhos foram adquiridos por ele. Ele foi adquirindo e trazendo pra cá.
M – Mas não tinha uma relevância tão grande quanto os carros?
J – Ah não. Ele gostava sim, mas os carros eram o xodó, prioridade dele.
Sobre as Maria Fumaças...
M – Essa daqui que o Sr. Joaquim funcionou?
J – Essa daqui que o Sr. Eduardo chegou e viu ele mexendo, tá vendo aqui, todos os detalhes
em bronze? Ele polia e deixava elas maravilhosas.
M – Ela funcionou?
J – Funciona... todas as maquininhas funcionavam.
M – Quer dizer, aquela ali da frente também?
221
J – Era boa, mas apodreceu tudo lá, oh.
J – Esse guincho aqui, nós funcionávamos ele (risos). O Sr. Joaquim levantava ele, a gente
pendurava ali na bola do guincho, a gente amarrava uma correia, sentava, e o Sr. Joaquim
ficava passeando com a gente. (Risos). Coisa de moleque, molecão, mas era legal!
M – Ali os caminhões...
J – Sim, os caminhões, nós funcionávamos todos na manivela, era uma loucura! Você
funcionava ele, parecia que o mundo ia acabar, de tanto que trepidava. (Risos).
M – Mas, eles funcionavam todos?
J – Eu hoje não sei, depois da enchente, que entrou água no motor, se funciona. Mas, todos
funcionavam antes, normal. Você dava três manivela e o bicho já pegava.
M – Mas, ele gostava também de tudo, desses jipes?
J – Ah, sim! Isso aqui era a paixão do Sr. Eduardo. Olhe a Land Rover, o Jipão, tracionado
nas quatro rodas, aí ó! É... tem história isso aqui! (Emoção).
M – Ah... eu não sabia que eram das IRFM. Só sobraram esses?
J – Aqui no Museu sim. São os três, né!
M – Ele não trouxe mais nenhum?
J – Não, não. Tem, mas já descaracterizados da firma, tirou o logotipo. Tem muita coisa que
veio das IRFM.
M – Esse logotipo é original?
J – É original das Indústrias. IRFM – “Fides, Honor, Labor” - “Fidelidade, Honra e
Trabalho”.
M – E o símbolo é a locomotiva, talvez isso também tenha a haver com as locomotivas que
ele coleciona.
J – Sim.
M – Aqueles tratores do lado de lá foram doações?
J – Sim, foram doações. Aí quando começou a parar de trabalhar com tração animal e entrar o
maquinário, época em que entrou a evolução de tração animal para tração motorizada.
M – Aqueles caminhões maiores, o Sr. sabe...
J – Caminhão de guerra.
J – Oh, de guerra, o Ford Canadá, [...] tudo isso funciona.
222
M – Esses foram aquelas doações do Exército...
J – Do Exército, além de materiais bélicos.
Pavilhão de Aviões...
J – Este avião foi o que levou os jogadores para a Suécia, na copa de 58.
M – Douglas?
J – Douglas DC-3.
M – E não é esse que o Sr. Eduardo queria fazer voar?
J – Eu acho que é ele. Se eu não me engano ele veio em condições de vôo para Bebedouro na
época. Esse aí foi o que acompanhou a copa. Primeira copa do Pelé, de 58.
M – E esses daqui Sr. João?
J – São aviões de guerra. Foi nesse aqui que eu fiz o favor de quebrar o braço. (Risos).
M – O Sr. inventou de voar?
J – Todo mundo falava: João, você tentou voar?
J – Esse aqui é o LoadStar, esse é o Load. Esse aqui é avião de carga.
M – Também usado pra transporte de alimentos em guerra?
J – Exatamente.
J – Este aqui ó, é o único que restou. É o único modelo que restou dos três que foram
fabricados.
M – Como ele chama?
J – Não sei se é o Cover. Acho que é o Cover.
M – Esse é o único?
J – É o único que não foi destruído.
J – E aquele último lá que é o... eu não vou lembrar o nome dele.
M – E esse do meio, qual que é?
J – O Cover, o Douglas, o Vaiscon. Se não me engano aquele primeiro lá, é o Vaiscon, aquele
lá o Sr. Eduardo preparou para vôos simulados. Ele é todo reformadinho; ele é lindo por
223
dentro! Não sei hoje, mas ele era totalmente reformadinho por dentro, as luzes ascendiam, era
uma gracinha, só fazia vôos simulados.
M – E o Sr. Eduardo pilotava avião?
J – O Sr. Eduardo era piloto! O Sr. Eduardo acho que só não pilotou cabrito, porque o resto...
risos.
J – O Radial, veio com certificado de guerra, né.
J – Aquele Super C-46 lá, foi uma doação do Rio de Janeiro e foi o último avião a vir para o
Museu. Aquele lá do cantinho. A gente foi buscar ele no Galeão.
M – Quem doou? A Aeronáutica?
J – Não, se eu não me engano foi uma família.
J – Olhe o DC-5. Esses aviões nós chegamos a pintá-los na época. A gente lavou eles, o que
era de alumínio...
M – Eu acho que tem uma foto que está com todos eles limpos, pintadinhos... Era uma foto
aérea.
J – Exatamente. O que a gente fez. Lavou tudo com palha de aço, aonde não podia passar a
palha de aço, a gente lavou, deixou brilhando, e aonde era tinta, a gente pintou o azul, os
logotipos deles, que era o da Varig, continuou o da Varig, continuou... a gente não tirou, você
entendeu?
Agora, o tempo já tirou as inscrições deles, o logotipo do avião. O tempo já corroeu. Mas é
uma judiação, porque se está coberto, você acha que estaria numa situação dessas?
M – Não, com certeza não.
J – Se os aviões estivessem cobertos, lógico que eles estariam muito bem conservados. Você
vê, pomba pra tudo quanto é lado, além de trazer doenças pra cidade, imundiça o acervo. Mas
dá saudade! Passei boa parte da minha infância e da minha adolescência aqui.
M – Com certeza é muito prazeroso trabalhar com isso.
J – Ah sim, e a gente gostava. O Sr. Joaquim era o que mais empolgava a gente. O Sr.
Joaquim era uma gracinha de pessoa. O Sr. Eduardo gostava muito dele, adorava o Sr.
Joaquim!
Mas pra você ver é uma riqueza que em espécie não tem valor, você não consegue chegar...
M – A estimar o valor...
J – Estimar o valor dela. Não consegue estimar... é muito dinheiro.
Tá vendo aqui esse flap aqui ó, a gente teve que refazer as carenagens dele.
M – E ainda tem condições de restauro?
224
J – Ah sim!
M – Se pegar pra restaurar tem?
J – Se pegar pra restaurar tem, lógico, como tem. Pra você ver esse flap aqui fui eu que
restaurei, com uma tesourinha, máquina de arrebitar, uma pop, tudo na mão, com
arrebitadeira.
M – Não existia?
J – Não porque ele era de lona né, e a lona apodrecia, os lemes, os flaps, foram todos feitos
com uma tesourinha e uma arrebitadeira pop.
M – O Sr. Eduardo comprava o material e vocês faziam?
J – O Sr. Eduardo comprava as chapas de alumínio, a gente recortava e fazia.
M – Mas, isso tirou a originalidade do avião.
J – Por que tirou a originalidade do avião?
Porque já estava podre. Pra você deixar ele podre pra visitação ficava pior, ficava mais feio.
M – Mas os carros não, os carros são todos originais?
J – Não.
Aviões...
J – O Sr. Eduardo tinha sonhos com os aviões. Ele tem um avião lá na fazenda que está no
pasto lá. Ele queria, porque queria, fazer um bar dentro do avião.
M – Dentro do avião?
J – Dentro do avião. Um bar pra que quando ele viesse no final de semana ele ia entrar dentro
do avião e ia ter um bar dele ali. Todo funcionando com banquinho, com cadeira, com
geladeira, com frigobar, com tudo. Ele queria fazer do avião um bar. Era uma loucura dele,
um sonho dele.
M – Ele não fez?
J – Ele não chegou a completar. Esse sonho ficou no sonho.
M – Mas ele começou?
J – Começou, começou a mexer, começou a mexer no avião. Ele começou a pôr todos os
bancos. Ele estava preparando o avião pra isso, mas ele não conseguiu. Era um sonho dele
fazer o bar dentro do avião.
225
M – O Sr. estava estava falando dos carros. Não existiam peças repetidas. Vamos falar da
aquisição das peças.
J – Aqui no Museu não.
Aquisição das peças....
J – Por exemplo, se ele chegasse aqui e ele tinha um Lincoln, 1957 e aparecesse outro
Lincoln, 57, ele comprava sim. Mas não trazia pra cá, deixava na Fazenda, você entendeu.
Existia dois, três carros iguais, mas não aqui no Museu, aqui no Museu era uma peça só.
M – Então o que interessava pra ele era o restauro das peças.
J – A originalidade.
M – A originalidade. Era isso que ele buscava?
J – Sim.
M – A satisfação dele terminava quando....
J – Quando o carro estava no... Quando ele foi fabricado, por exemplo, se ele foi fabricado em
preto, ele ia deixar o carro em preto, original. Banco de couro, banco de couro. Não ia, por
exemplo, pra facilitar ou pra ficar mais barato, colocar onde era couro colocar uma capa ou
colocar um corvim. Não ele ia colocar couro, deixar o original. Essa era a meta dele como
colecionador. Deixar o carro funcionando como saiu de fábrica.
M – Ele sabia as peças que tinha?
J – Ele sabia de cor e salteado o que ele tinha dentro do Museu, todas as peças.
M – Não precisava registrar?
J – Não precisava. Porque ele tinha na cabeça dele, o Museu do jeito que ele começou. Veio
vindo, ele sabia tudo.
M – Voltando à questão do restauro. No restauro ficava, às vezes, mais de um carro?
J – Sim. Aí na hora do acabamento, ele se dedicava a um carro, vou acabar esse. Aí, acabava e
ele trazia pro Museu.
M – Ele não ficava com o carro um tempo pra ele andar?
J – Não. Ele não tinha esse, eu vou me aparecer, vou mostrar esse carro. Não, não tinha.
Mostrava o carro sim, dentro do Museu.
M – Ele não participava de exposições com esses carros ou ele levava, como a Patrícia leva?
226
J – Não, de quando eu entrei aqui, só saiu mesmo do Museu pra ir pro Silvio Santos, esse
carro que eu te falei. E não tinha esse negócio de pegar um carro daqui e levar para expor.
Não, não. Os carros estão expostos dentro do Museu, o acervo dele é aqui.
M – Então, ele não andava com os carros pela cidade? Nunca teve esse interesse?
J – Não tinha esse interesse. Ele andava numa peruona Dodge feia pra caramba (risos). Uma
peruona feia, grandona. Ele adorava aquela perua, uma perua Dodge, era cinza, feia. Ele
adorava andar naquela perua. Quando não era a Veraneio.
M – Ele gostava de carros grandes?
J – Gostava de carros grandes. Quando ele não estava com aquela peruona estava com a
Veraneio.
M – Quais eram os três carros que ele mais gostava na coleção?
J – Hoje, o que tem aqui dentro hoje. Ele gostava do Packard, que era o carro presidencial, o
carrinho de corrida, que se eu não me engano ele até andou correndo com esse carro, ele
gostava do todo, a paixão dele era tudo. O que tinha aqui dentro, ele era apaixonado.
227
APÊNDICE F – ENTREVISTA FRANCISCO EDUARDO MATARAZZO
ENTREVISTA – 25/05/2007
M – Francisco Eduardo, você poderia falar um pouco sobre seu pai, seu o perfil de
colecionador, o que você quiser. Você disse que existia uma competição entre seu pai e o Og
Pozzoli, no que se refere, ao pioneirismo de colecionismo de carros no Brasil?
F.E. – Então, existe esta inveja porque o papai foi o pioneiro. O papai fez assim. Tudo
pesquisando com livros. Ele tinha oficina na casa dele, tinha os funcionários, tinha as
máquinas todas da oficina. Então, tudo muito bem feito. Aí, vieram os outros, com muito mais
dinheiro. Aí veio a enchente. O papai não pode bancar a restauração de muita coisa e teve que
vender e fez ele muito bem de ter vendido. Manteve da melhor forma possível e eles querem
englobar a coleção do papai, não vamos fazer um museu só. Não, não vamos.
M – O Og Pozzoli?
F.E. – O Og Pozzoli tem essa proposta. Ele tem muito dinheiro e dizem que o museu dele é
maravilhoso.
M – Você sabe a idade dele?
F.E. – Não. Eu tenho um primo que é muito amigo dele, posso até de repente fazer uma ponte.
M – Mais ou menos a idade são uns oitenta anos?
F.E. – Não sei... não sei. Não sei a idade do Og.
M – E será que ele é da mesma geração que seu pai?
F.E. – Talvez. Mas, papai morreu muito cedo. Papai morreu com 69 anos e muito bem.
Porém, um mês antes, estive com ele. Daquelas coisas assim. Estive um mês antes. Eu falei,
pai como você está bem, todo mundo elogiando, por causa do marca-passo aquela coisa toda.
Ele melhorou muito. Fez regime, diminuiu o cigarro, tudo e... mas ele falou: não, agora chega,
já vivi tudo. E o papai, ele tinha, os amigos eram todos mais velhos. Então, ele falava: tá
vendo, morreu mais um, tá na minha hora. Eu falava pai, eles são muito mais velhos que você,
pára com isso. Isso foi sempre uma coisa que eu falei pra ele, mas ele foi... (emoção) na sexta-
feira antes dele morrer, ele estava começando a colecionar música erudita brasileira. E ele não
achava CDs e eu comecei a procurar os CDs. Aí, ele mandou a secretária me ligar com um
recado que eu não entendi. Nem ela, eu liguei. Tentei o celular, tentei a fazenda. Ele estava lá.
No entanto, ele morreu lá. Eu não consegui falar com ele. Daquelas coisas, falo com ele na
segunda-feira (emoção).
M – Então ele estava começando uma nova coleção?
F.E. – Sim, de música erudita brasileira, brasileira né.
M – Mas, ele ainda não tinha começado?
228
F.E. – Ele estava começando. Ele começou esse interesse. Porque ele me contava que ele
ficava muito na fazenda, lendo e ouvindo música. Aí, ele se interessou pela música erudita.
Meu pai era um homem preparadíssimo, sempre lendo, lendo, lendo, lendo. E música. Então,
aí, ele passou a se interessar. Aí a gente começou a ver, que eu dei uma pequena pesquisada
pra ele, que tinha muito pouco CD sobre tudo que tem de música erudita brasileira. Era muito
difícil. E naquela sexta-feira, ele deve ter falado com alguém que eu tinha indicado e passado
o telefone pra ele. Eu não me lembro mais.
M – Sobre o Sr. Eduardo, o que você tem de boas lembranças, o que você consegue se
recordar?
F.E. – Olha, eu só tenho boas lembranças do meu pai (emoção). Ele, nós passamos um longo
tempo afastados, dezesseis anos, e aí nos reconciliamos. Ele foi tão bacana porque foi como
se nada houvesse, como se nós tivéssemos nos visto na véspera. Nunca houve cobranças. Meu
pai era um homem que não fazia cobranças. Nunca (emoção). Ele era meio pão-duro (risos),
mas ele tinha uma coisa muito bonita. Eu falava pai, me empresta estou apertado. E ele
emprestava. E eu queria pagar... não me enche o saco. Então eu não pagava. Aí pai, tem,
porque aí, eu não me constranjo de pedir de novo. Mas, eu nunca paguei (emoção). Ele, nós
temos todos uma personalidade muito difícil, a família Matarazzo não é fácil. Ele era muito
especial. Meu pai me ouviu muito, me respeitou muito. Antes de morrer, eu tive um pequeno
problema, e foi um dos momentos bons, porque ele falou, deixa que a gente resolve sem
atropelo. Foi uma grande recordação dele. Ele me ouvia, ele respeitava as minhas diferenças,
inclusive as diferenças de opinião. Em coisas que eu sei que pra ele eram difíceis, mas ele
respeitava e eu soube por uma prima, que ele falou uma coisa, que, até uma certa época ele
tinha um pouco de raiva, porque ele achava que eu não fazia certas coisas que ele queria que
eu fizesse, por descaso, por pirraça. E o tempo foi passando e ele percebeu que não era,
porque eu não conseguia fazer. Ele entendeu que não era por ele, eu não conseguia. Isso é
uma grande recordação. O exemplo do meu pai, que foi injustiçado na empresa do meu avô e
que aos 45 anos, na pior fase da vida dele, saiu pro mercado de trabalho, foi um vitorioso. Fez
administração. Eu nunca sei se é Citrosuco ou a outra, Frutesp. Na Frutesp, fez uma
administração brilhante, teve muitos convites, batalhou com problemas de saúde muito sérios,
que ele venceu! Então, meu pai foi um herói, meu pai foi um herói!
Uma coisa que me lembro, eu me acho um pouco ingênuo às vezes, eu contava, pai não sei o
que, não sei o que, e você acreditou? Acho isso muito engraçado. As críticas dele, digamos
que 70%, eu dava risada, eu achava engraçado essas críticas. Uma pessoa muito inteligente,
muito especial, muito sincera, duro, meus pais. Os dois. Isso foi um problema, isso foi muito
difícil pra mim, a dureza dos dois.
M – Seus pais se casaram em que ano?
F.E. – Eles se casaram em 50. Meu pai foi emancipado pra casar porque ele tinha 18 anos e
minha mãe 22. Nenhum dos lados queria o casamento. Eles se conheceram quando meu pai
tinha 14 e minha mãe 18, com tumultos, as famílias não querendo. Aí, meu pai foi
emancipado, se casaram no dia 02.07.1950.
M – Não eram parentes?
F.E. – Não eram parentes. Não eram parentes.
229
M – Aí, você chegou em que ano?
F.E. – Em 1954.
M – E ele já colecionava nessa época. Sua mãe contava alguma coisa da coleção dele?
F.E. – Contava. Ela... a mamãe é típica, foi típica esposa de colecionador. Eu coleciono
miniaturas de automóveis, adivinha por quê? Mas a mamãe não gostava, porque era tempo
longe. Ele chegava do escritório, jantava. Aí, ele descia por um tempo na oficina.
M – Da casa da rua Joly?
F.E. – Não, não. Da casa da rua Guatemala. É a continuação dessa casa. Uma casa imensa,
branca, linda.
M – Ele tinha uma oficina?
F.E. – Uma oficina perfeita. Não em 1954, em 1955, ele montou. Tinha o trem elétrico, o
famoso trem elétrico, tudo em subterrâneos, a casa é fantástica.
M – Conte sobre isso, porque nós não temos registro.
F.E. – É assim, na garagem da casa, tudo foi mantido pelo proprietário atual. Como num posto
de gasolina. Ele tinha um elevador mecânico, os carros subiam e os carros desciam, os carros
a serem consertados. Então, a garagem era para os carros do dia a dia da família e em baixo
tinha a oficina com as máquinas, com livros, com ferramentas e com vários carros ao mesmo
tempo. Isto era um subsolo. E havia um outro subsolo, acredito eu, que maior, onde havia o
trem elétrico. Que ele não deixava eu brincar!
M – Ele já tinha o trem elétrico.
F.E. – Ele já tinha o trem elétrico. Porque quando os meus pais se casaram, eles foram morar
numa rua, do lado do túnel Nove de Julho, e meu pai já tinha o trenzinho, lá no apartamento.
Então minha mãe contava uma história, que um dia ela brigou com ele. Ela sabia qual era a
locomotiva predileta, ela pegou o martelo e....
M – Foi a morte pra ele?
F.E. – É eu acredito que deva ter começado em 1952 ou alguma coisa assim. Mas, os carros
também, alguma coisa. Aí, eu já não sei muita referência. Porque ele gastava muito com
carros e era uma queixa aí da mãe dele, que eu fiquei sabendo. Na restauração.
M – Ele já gastava então?
F.E. – Na restauração. Não é aquele carro importado, de luxo, do ano. Só carros nacionais.
Quer dizer ele teve, eram os Cadillacs do meu avô, alguns ficaram pra ele. Mas, no mais
sempre carro nacional. Ele teve o primeiro AeroWillys, teve um dos primeiros Maverics, um
amarelo e preto, era horroroso. Mas ele gastava no restauro, ele gostava de restaurar.
230
M – É porque o perfil de colecionador é esse, de não medir esforços nem financeiros, nem
físicos, para poder ter, ampliar sua coleção.
F.E. – E não era uma coisa exibicionista. Porque o meu pai era uma pessoa pouco sociável.
Nós todos, eu tenho esse problema, porque a minha mãe também era assim. Essa coisa do
social, meu pai detestava e minha mãe também. Só que minha mãe teve uma educação na qual
a coisa funcionava assim. Tem tal evento, você é um diretor de uma grande empresa, nós
temos que nos relacionar, nós temos que ir. Então, tinha uma frase famosa que irritava minha
mãe. Ela chegava e falava: Olha! nós temos um convite para X, dia tal, vamos? Precisa
resolver já? Ele falava. E ela não gostava. Porque minha mãe se esforçava e meu pai já era
mais autêntico.
M – Ele já se voltava mais para as coleções?
F.E. – Eu acho que para a vida mais fechada; o social, teve muitos amigos, muito admirado.
Mas, ele não tinha essa coisa da preocupação. Uma vez ele me falou: eu falo o que penso e
tenho muitos amigos assim mesmo. E é verdade. Então, e toda a família é um pouco fechada.
M – Seu avô também era.
F.E. – Meu avô também era, mas meu avô era uma pessoa, com um perfil muito diferente do
meu pai. Meu pai era um homem de uma simplicidade brutal. Um dos maiores castigos que eu
tomei dos meus pais foi uma vez que nós fomos comer num lugar horroroso. E quando eu
cheguei em casa, eu falei para minha mãe, imagina: nós Matarazzo num lugar desses?
Aí a bronca! Aí o castigo! O meu pai era um homem simples. Todo mundo era todo mundo,
né! Garçom de restaurante, métri de restaurante tem grandes recordações de meu pai.
M – Não desfazia de ninguém?
F.E. – Nunca, nunca. Meu pai não era um elitista. Meu pai prezava a educação, prezava a
educação. Sempre de igual para igual. Mas, com todos. Isso não se restringia ao lado de
colecionador dele, nos lugares que ele ia. Agora, tinha gente que achava meu pai antipático. O
papai tinha uma coisa, ele não se preocupava em ser simpático. Ele era o que ele era. Agora,
todos nós não temos gênio fácil porque ele não se preocupava em ser simpático.
Tinha gente que falava: nossa... seu pai é bravo – era, nossa... seu pai não é muito simpático –
ele não era mesmo. Eu acho que eu também não sou, eu acho que minha mãe também não era,
acho que é uma coisa de genética.
M – Voltemos à relação sua e de seus pais. A Patrícia me disse que você acompanhou o início
da coleção. Ela me contou que toda noite o pai de vocês descia até o subsolo, numa casa onde
eles moravam, para o restauro na oficina. Era nessa casa que vocês moraram?
F.E. – Era, era.
M – Achei que era da Joly.
F.E. – Joly eram os escritórios da Matarazzo.
M – Ela disse que eles desciam toda noite para o subsolo e que seu pai dava pregos, martelo
madeirinha para que ela se distraísse, enquanto ele cuidava dos carros. E você?
231
F.E. – Comigo tinha um tempo determinado para descer, às vezes. A relação durante o
casamento dos meus pais, a minha relação com os meus pais, extremamente protocolar. Eu
nunca comi com meus pais na mesa. Tudo era muito determinado. Quando eu fui ficando
mais velho, oito, nove anos, meu pai tinha um sítio em Eldorado, que hoje é a represa
Billings, porque aquilo tudo acabou e tinha lá, e ele fazia os barcos.
M – Quais barcos?
F.E. – Ele colecionava barcos. Então, ele construía barcos. E o irmão mais velho dele, meu tio
Ermelino, o barco dele pegou fogo. Eu não me lembro em que ano, e, ele construiu um barco
novo pro meu tio lá. O barco novo do meu tio que eu acho que ainda existe. Está lá no Rio de
Janeiro, foi lá que foi construído. E aos sábados, tinha churrasco lá. Lá ficava solto.
M – Lá podia brincar mais?
F.E. – Lá tomava cerveja, lá já tinha alguns carros num galpão, tinha ovelhas. Eu morria de
medo das ovelhas. Já tinha o churrasco. Lá eu podia ir. Muito raramente pro Guarujá, onde
tinha o iate dele que ele estava reformando. A Patrícia te contou do iate?
M – Não.
F.E. – Então... o Iate dele chamava Ataíso. O Ataíso era um barco militar inglês que foi
comprado pela Argentina e depois foi desativado. Meu pai comprou e fez dele um iate.
M – Em que ano?
F.E. – Ai.. isso eu posso pesquisar pra você. Mas isso, ele não chegou a terminar o barco. Ele
vendeu o barco. Era o maior iate do Brasil durante muitos anos.
M – O restauro durou anos?
F.E. – Anos. Eu acho que ele vendeu sem terminar o restauro. E, eu me lembro de uma vez,
ele estava trabalhando e começou a pegar fogo o barco. Ele foi correndo lá pra Santos, pro
Iate Clube porque estava pegando fogo o barco. Então, tinha isso, ele tinha os barcos ele tinha
um outro barco chamado Artege, que ele vendeu. Aí ele tinha um veleiro, aí tinha a lancha lá.
E tinha uma coisa fantástica, ele tinha uma casa anfíbia.
M – Como é isso?
F.E. – Ah... a casa anfíbia era muito legal! Era um barquinho, não era pequeno, eu não sei dar
o tamanho, mas era uma casinha.
M – Acho que a Maria Pia falou sobre isso com a Patrícia.
F.E. – Que ficava na represa. Então tinha: quarto, sala, tudo pequininho.
M – E que ele construiu?
232
F.E. – Não acho, acho que isso ele pode ter restaurado, mas não foi construído por ele. Era
uma coisa de uma fábrica. Meu pai comprava as coisas desativadas das pessoas, quer dizer,
ele batalhou. Ele tem um carro no Museu, isso a Patrícia deve saber melhor, é um carro muito
importante, que ele ganhou do Conde Sandu, Sandu é o apelido, é família da Livraria
Siciliano, do Conde Siciliano que era amigo do meu avô. Ele restaurou o carro inteiro do
Conde Siciliano, que deu o carro pra ele. A Patrícia falou do cunhado dele, do primeiro
marido da Maria Pia? Do Roberto Lee?
M – Roberto Lee, falou alguma coisa.
F.E. – Grande amigo do papai. Eles compravam carros juntos, de três faziam dois, trocavam
peças. O Roberto era muito amigo, mesmo depois da separação dele e da Maria Pia, ele
continuava indo em casa e continuava amigo do meu pai. E a filha dele Mariângela, meu pai
adorava a Mariângela, e porque ele morreu assassinado.
M – O Roberto Lee?
F.E. – É. Porque ele, olhe como é vida. É melhor não citar certas circunstâncias, enfim... ele o
Roberto teve um caso com uma senhora viúva que tinha um carro antigo muito bonito; assim
eles ficaram acho que se conhecendo. O Roberto era um homem muito bonito. E a moça
engravidou, e ele não quis dar o nome para a menina. E a moça entrou no escritório dele e
falou: você vai dar o nome ou não vai? Não sei direito, não me lembro o que aconteceu, deu
um tiro e ele morreu. Mas, eu acho que o Roberto já previa, porque o papai contava que ele
tinha pedido pra ele tomar conta da Mariângela, olhar pela Mariângela, apesar de ela ter sido
criada muito pelos meus avós tamm, pela mãe, pela Maria Pia e pelos meus avós. Mas, que
meu pai olhasse pela Mariângela. A Mariângela tem um Museu de carros antigos.
M – É aquele de Caçapava?
F.E. – Isso.
M – Ainda existe?
F.E. – Olha, eu não sei como está aquilo. O papai ajudou muito, estava ajudando muito, mas
não estava terminado todo o processo quando ele morreu.
M – Ah.. entendi.
F.E. – O papai, nossa! batalhou demais! Eu tinha uma função naquele Museu, eu não sei se eu
era tesoureiro, o que eu era daquele Museu? Eu recebia ordem pra assinar lá o papel. Papai
mandou, a gente faz, né?! (risos).
M – Existe um Museu que foi criado em 64 pelo seu pai e vários colegas dele, você sabe da
existência desse Museu? Museu de Veículos e Armas Antigos.
F.E. – É esse Museu eu acho que ainda existe, o nome, porque tem umas armas. Ah... eu
tenho uma história engraçadíssima do Museu de Armas. O papai arrumou um tanque de
guerra, que não sei como foi parar no Guarujá e um tio meu saiu andando com o tanque na
década de 60, e o Exército foi atrás, que não podia ter, e aí acabaram acho que deixando ele.
233
Aí tinha a coleção de armas; eu tenho uma garrucha que o papai me deu, da coleção dele
antiga.
M – Ele cedeu um objeto da coleção para você?
F.E. – Isso era raríssimo comigo, comigo raríssimo.
M – Porque normalmente o colecionador não cede, ele não retira um objeto da coleção.
F.E. – Bom. A minha situação, eu como colecionador, a coisa funciona um pouco diferente.
M – Você troca?
F.E. – Troco. Ele também trocava, ele também negociava o papai. Às vezes uma peça que ele
gostasse mais, alguma coisa que ele tivesse maior interesse.
M – Quer dizer você presenciou alguma negociação?
F.E. – Sim, sim. E tem uma história muito engraçada, também. Quando eu era pequeno, eu
tinha mania de Rolls Royce, ainda tenho. Aí o que aconteceu? Nós estávamos passando por
um hospital para ir para fábrica, assim, a Matarazzo, tinha na Água Branca. Aí eu falei, pai,
pai, tinha um hospital; pai tem um Rolls Royce naquele hospital, pára. Ele olhou pra mim
desconfiadíssimo. Fez a volta, voltou tudo, não era, era um Jaguar né! Não gostou, não gostou
muito do meu erro.
M – Por que a Patrícia disse que ele tinha um olho clínico.
F.E. – E tinha mesmo.
M – E sobre a relação de seu pai e a velocidade. Você se recorda de algo?
F.E. – Em Interlagos. Meu pai corria em Interlagos. Às vezes, ele ia sozinho. Meu pai
restaurou uma Maseratti, MARAVILHOSA!!! Que eu não sei se está com a Patrícia ou não,
mas eu gostaria que estivesse, porque eu me lembro do restauro. Um carro esporte.
M – Acabamos de cruzar com uma zero, e eu disse que o Sr. Eduardo tinha restaurado uma
antiga.
F.E. – Que não é bonita como a do meu pai, sabe! Eu lembro do restauro. Mas aí, ele ia muito
pra Interlagos correr. Não me lembro os carros infelizmente. Tem até uma pessoa que poderia
lembrar, que o pai, era amigo do papai e depois brigaram. Mas, o papai levava também a
mamãe para correr, e ela em pânico. Mas, ela ia, não sei como em Interlagos. Lembro de uma
coisa do meu pai, agora que me veio. A gente indo para ver os barcos, meu pai sempre com os
carros nacionais: Sinca-Jangada; perua do Sinca, vermelha e branca, fervia na serra. Eu fui
com o papai, o carro ferveu na serra velha. Ele deu um jeito e nós chegamos muito bem.
M – Então ele corria.
F.E. – Ele corria em Interlagos.
234
M – Que ano mais ou menos?
F.E. – Isto 50, nos anos 50.
M – Mais que um ano?
F.E. – Ah provavelmente. Porque meu pai virou um trabalhador muito sério. Meu pai era
muito disciplinado. Imagina que o meu pai dormia depois do almoço uma hora, todo dia. E
como ele não queria tirar o terno e o sapato, a minha mãe improvisou um plástico na ponta da
cama (risos), para ele nem precisar tirar o sapato. O meu avô era assim, só que o meu avô
tirava toda a roupa e punha pijama. Então, era uma hora. Depois, ele saia pro escritório. Às
vezes, eu ia com ele até lá, que é o prédio da Praça Patriarca. Hoje, Prefeitura de São Paulo, 5º
andar. Foi uma época...
M – Nostálgica?
F.E. – É... eu ia com ele e voltava, o motorista ia atrás.
M – Quem o fez olhar pra sua coleção de forma especial? Alguém?
F.E. – Pro meu pai?
M – É. Alguém fez o seu pai olhar para a coleção?
F.E. – Não sei, não sei. Eu acho que o amor. Olha, pra mim, o amor que ele tinha, a
dedicação, o perfeccionismo que ele tinha era uma coisa dele mesmo. Eu não acho que tenha
sido alguém.
M – Nem os pais?
F.E. – Certamente não.
M – Os pais não?
F.E. – Não.
M – Influência nenhuma?
F.E. – Não.
M – Porque o seu avô colecionava, por exemplo, carruagens.
F.E. – Carruagens.
M – Como a gente sabe. Pelo menos, foi a única notícia que eu tive, e as obras de arte.
F.E. – E obras de arte.
M – Que também vem do tio Ciccilo.
235
F.E. – O Ciccilo também, mas num outro contexto.
M – Num outro contexto, porque eu levantei a história do MAM.
F.E. – O Ciccilo, eu até posso te apresentar o sobrinho predileto dele, que é o nosso secretário
da subprefeitura de São Paulo. Ele vai gostar muito de falar do tio-avô. O Ciccilo era um
mecenas e meu avô era um colecionador. É uma coisa diferente.
M – Eu sei disso.
M – Não era fácil pra ele também, falar sobre a coleção?
F.E. – Ah... falava, eu acho que falava. Eu nunca senti. Para os amigos, comigo, nunca...
sempre falava, normal.
M – Mas não para a imprensa?
F.E. – Ah, não. Meu pai era avesso à mídia, estava ele certo. E mesmo a própria, isso é bom
que fique muito claro, meu pai era um homem muito simples. O meu pai, toda essa coisa do
nome, ele não gostava. O meu pai, dos filhos do meu avô, o meu avô tinha um brasão, era o
único filho que não falava, não tinha brasão nas louças de casa, não queria ter. Meu pai, essa
coisa do título de conde, ele brincava com isso. Era brincadeira, ele fazia, ele não gostava. Ele
era um homem essencialmente simples, muito educado. Sabia de todos os requintes, mas um
homem muito simples. Não admitia muita falação de italiano em casa. Minha mãe aprendeu
quando casou com ele a falar italiano, por causa da família, porque meus avós falavam em
italiano, mas ele não queria isso não. Ele era brasileiro (ênfase).
M – Você acha que, do seu pai, pelas poucas conversas que vocês tiveram nos últimos
tempos, você acha que ele imaginava a coleção completa, ou as coleções completas, falasse
assim, o dia em que eu conseguir tal peça eu fecho essa coleção?
F.E. – Não. Não.
M – Ele não tinha a noção de completude?
F.E. – Não, não. Eu até sei, isso um pouco e eu não sei, eu não gostaria que isso fosse falado.
Mas enfim, eu sei de uma coisa que até a Patrícia deve saber também, porque se ele falou para
mim, certamente ele falou para ela. Ele no final, depois da inundação, problemas de ter que
vender carro, essa coisa toda, ele se preocupava em um Museu bonito. Ele não queria, eu
notava bem isso, ele não queria mais gastar, não poderia mais gastar tanto e ele não queria.
Ele queria um Museu bonito. Ele não queria espaços, pelo que eu entendia espaços vagos.
Então ele até procurava outros carros não tão antigos, não tão bons, apenas para não haver,
assim, espaços, ou seja, olhar para algum lugar e alguém olhar pra ele e perguntar: Sr.
Eduardo aí havia alguma coisa e não tem mais? Isso que me passava, ele tinha essa
preocupação. Talvez carros não tão antigos. E aí sim, ele se reportava, isso eu me lembro, de
carros assim, americanos, mas que é uma coisa que tem aqui pra vender que não é tão caro,
até a década de 40, da década de 40 a 60.
M – Você sabe se existe ou existiu o objeto predileto na coleção?
236
F.E. – Olha, eu acredito, ou, não sei, mas eu acho que muita coisa que foi vendida era de
grande estimação.
M – Mas, não tinha um específico, ele nunca comentou sobre um?
F.E. – Ele gostava do Fiat antigo, que eu acho que não foi vendido. Ele gostava do Bugatti,
ele gostava muito, que eu acho que tem um, ele tinha mais de um.
M – Existia alguma peça que ele queria ter? Que ele falava: eu ainda vou comprar essa.
F.E. – Olha não. Eu acho que não, porque eu falava: pai o que o Sr. quer da vida? Tenho tudo
que quero, não preciso de nada; quem sabe um dia eu compre uma Ferrari para dar umas
voltas.
M – Só?
F.E. – Só. Tenho tudo que quero, tenho tudo que quero. Ele falava uma coisa que é uma
grande lição: eu tenho o meu dia 30 garantido.
M – Dia 30?
F.E. – As contas do mês pagas.
M – Em algum momento ele falou que não deveria ter começado a coleção?
F.E. – Nunca, nunca ouvi, nunca, nunca, nunca.
M – E alguma coisa, que ele faria novamente, se preciso?
F.E. – Como assim? Com relação à coleção?
M – Ou as coleções.
M – Que ele faria novamente?
F.E. – Não sei, não sei. Com certeza uma coisa que ele não faria, ao meu ver, por tudo que a
gente conversou, e por outras questões até, ele não faria grandes gastos.
M – Ele falou em algum momento sobre a finalidade das coleções? Ele montaria um museu
para as coleções?
F.E. – Ah sim, a idéia, sempre passou muito light, mas que seria uma coisa, principalmente os
carros, uma coisa para o público, para as pessoas verem, eu acho que...
M – Fora os carros, as outras coleções não?
F.E. – Aí eu já não sei, mas os carros para as pessoas verem.
M – Mais alguém da família coleciona?
237
F.E. – Eu coleciono miniaturas de automóveis. Eu sou um pouco colecionador, mas isso
precisa parar um pouco, miniaturas de automóveis, basicamente miniaturas de automóveis.
M – Há quanto tempo você coleciona?
F.E. – Desde os seis, sete anos, mas com mais consciência desde os onze anos e eu tenho
cinqüenta e três anos.
M – Você está com quantos objetos hoje em dia?
F.E. – Eu não gosto de contar, alguns milhares.
M – Você acondiciona sua coleção onde?
F.E. – Com a morte da minha mãe. Minha mãe ficou doente em 2000. Minha mãe sempre teve
alguns problemas, mas o grande problema. Começou em 2000 e ela faleceu em 2006. Mas
desde antes, eu já queria guardar tudo em algum lugar, pra um dia expor. Aí, mas eu fui
protelando isso, e minha mãe morreu ano passado (emoção). Agora, então, o que acontece, eu
vou sair da casa, vou para um micro apartamento, e aí eu pretendo ter um outro apartamento
para expor a coleção.
M – Entendo. Mas você quer ter um espaço físico para exposição?
F.E. – Exatamente.
M – Mas hoje, você guarda contigo?
F.E. – Hoje eu guardei, eu tenho num galpão, assim, num imóvel. Eu tentei galpões, pesquisei
galpões, mas não achei seguro. Há muita roubalheira, e inunda, essas coisas todas assim. Aliás
hoje, pedras caíram sobre miniaturas importantes minhas, o teto caiu. Aí eu fui pra um imóvel
e mas... eu vou ter que sair rápido e tirar o resto das coisas pra ir pra esse imóvel, onde eu
aluguei. O resto das miniaturas. Eu já tirei móveis, essa semana toda. Mas, as miniaturas vão
pra este lugar, pra depois serem abertas quando eu tiver meu apartamento para a coleção.
Porque, eu não gosto de conviver com a coisa muito olhando todo dia. Eu tenho quatro
vitrines no meu quarto, que tem horas que eu não estou muito bem assim, eu tiro tudo. Aí num
dia em que eu estou bem, sinto saudades de alguma coisa, vou catar lá fundo e exponho
novamente na prateleira.
M – A sua companhia é a coleção?
F.E. – Já foi mais. Eu estava perdendo durante a doença da minha, o estímulo. Depois da
morte dela, perdi bastante. Não por nada. A minha mãe foi a pessoa mais importante da minha
vida. Aí você vai dizer, vocês tinham uma relação maravilhosa? Não, dificílima. Mas, a
pessoa mais importante da minha vida. E, eu perdi o chão. Eu era muito preso a minha mãe; e
eu não sei o que fazer com a minha vida. Está sendo um grande problema, inclusive.
Tratamento médico, eu não sei o que fazer da minha vida. Então, os carros alguns momentos,
eles têm ... menos valor para mim. Eu espero que com essa minha saída, eles ficando para um
lado e eu para outro, por um tempo, eu me anime novamente, tudo. Mas não quero... Eu acho
que agora só algumas coisas. Chega de muita coisa.
238
M – Você quer falar alguma coisa sobre sua mãe, sobre seu pai, dados que possam auxiliar na
montagem da história dele?
F.E. – Eu devo dizer o seguinte...
M – Como chamava sua mãe?
F.E. – Maria Alice de Castro Magalhães.
M – Nasceu quando?
F.E. – Minha mãe nasceu em 08.03.1928.
M – E Sr. Eduardo?
F.E. – Em 07.07.1932.
M – E eles se casaram?
F.E. – Em 12.07.1950.
M – Você se chama?
F.E. – Francisco Eduardo Matarazzo. É o nome do meu avô e do meu pai.
M – Você nasceu?
F.E. – Em 04.02.1954.
M – Você é formado?
F.E. – Eu me formei em Engenharia e depois fiz Engenharia de Segurança.
M – Atuou?
F.E. – Atuei até três anos atrás.
M – Seu pai daria um bom engenheiro.
F.E. – Ele era...
M – Só não tinha o diploma (risos).
F.E. – Ele era.
M – Você quer falar alguma sobre ele.
F.E. – Eu queria dizer assim. Eu acho que isso é uma coisa muito importante. Eu acho que
todos os filhos de pais separados sonham em ter seus pais de volta. Não poderia ser. Não daria
certo. Eu demorei para superar, meu pai me ajudou muito a superar isso. Muito sutilmente,
239
mas me ajudou. Eu acho que ele teve um bom casamento com a Eneida. A Eneida foi uma
companheira de mão cheia, em momentos difíceis, que eu não sei se minha mãe teria
segurado a barra pela personalidade dela. Então, casou com mulheres de personalidade forte,
as duas. Eu acho que os meus pais são meu patrimônio. São relações muito diferentes,
sentimentos muito diferentes. É engraçado né? Meu pai me dava uma liberdade de falar,
quase tudo, muito pouca coisa podia ser dita, não podia não, eu não falava. Mas, minha mãe
não. Então eu me sentia.... Isso é uma benção. Você ter um pai ou a mãe que você pode falar,
e você pode dizer. Isto foi muito legal com o meu pai. Uma coisa que para ele, eu não vou
entrar em detalhes, era muito importante. Eu falava para ele, pai procura pensar de um outro
jeito. Isso demorou tempo. Ele não verbalizou, mas no fim, ele pensava de outro jeito. Não
que eu quisesse fazer valer o meu ponto de vista, ele era suficientemente inteligente, com uma
personalidade muito forte. Não dava para mudá-lo, mas para ele ver de uma outra maneira,
que talvez fosse mais digestiva para ele. Isso era muito bom.
240
APÊNDICE G – ENTREVISTA SR. ANÉSIO VICENTE BUSON – FUNCIONÁRIO
DE SR. EDUARDO
ENTREVISTA – 21/04/2007
M – O que o Sr. tem para falar sobre o Sr. Eduardo?
A – O Sr. Eduardo, o que eu tenho pra falar, é que faz 40 anos que eu trabalho com ele lá na
Fazenda. Fez 40 anos já. E para mim, ele sempre foi um bom patrão, eu gostava do Sr.
Eduardo. Quem convivia muito com Sr. Eduardo era eu. Das vezes, ele estava até deitado no
quarto dele, eu gritava lá de fora. Pode entrar, ele falava pra mim (risos). Uma pessoa que
num tinha... eu assisti tudo a tragédia dele. [...] E negócio de carro, ele levava lá pra oficina,
ele ficava o dia inteiro com nós lá; o dia inteiro. Ele ficava dentro da oficina dando as idéias, o
que ele queria que fazia. Ele aceitava as idéias da gente também, do funileiro e de outro uai,
ele aceitava né! E... ficava ali, e às vezes um carro ficava ali, três quatro meses ali. Às vezes
faltavam peças e ele falava, semana que vem, eu vou pro exterior. Os carro dele tudo
importado né?!, quase tudo importado os carros. Ele ia pro exterior e voltava com a peça
numa mala, trazia... Olhe, teve uma vez que ele trouxe até um bloco de motor do Estados
Unidos dentro de uma mala, aquelas malas de rodinha (risos)... ele trouxe. Ele gostava, o Sr.
Eduardo pra isso aí. O que precisava no carro, ele queria original, ele não queria nada, porque
aquele carro é importado, vai colocar peça adaptada. Ele não queria adaptação, ele queria peça
original do carro.
M – E quando não conseguia peça original?
A – Quando não conseguia... ele conseguia porque quando ele ia para os Estados Unidos, ele
conseguia.
M – Ou conseguia, ou conseguia?
A – É... ele conseguia ou conseguia, porque se ele fosse pra lá, lá na Fazenda ele já escrevia
tudo num papel. O dia que ele fosse viajar, que ele ia sempre, ele conseguia as peças. Ele
tinha as malas dele viajar lá, tudo malonas grandes, de rodinhas, ele ponhava dentro. Tinha
mala que vinha pesada (risos), mas ele trazia. E ali chegava a montar, começava e aí o carro
ficava parado aqueles dias, e assim, às vezes ele não tinha só um carro mexendo, dois, três
carros lá encostado que mexia.
M – E, por exemplo, ele tinha uma ordem para conseguir estes carros. Ele planejava quais
carros ele iria buscar, quais carros ele iria restaurar, qual seria a seqüência?
A – Ah, ele planejava. Ele tem muito carro lá na Fazenda, mas têm carros até hoje na Fazenda
lá. Tá tudo embalado num encerado, que a Patrícia mandou embalar, tá tudo embalado nessa
lona preta. Carro velho que podia entrar pela funilaria para conserto.
M – Mas, não eram carros batidos, eram carros que estavam descuidados?
A – Não... tinha carro lá que estava pendurado, a ferrugem nele assim, lata... Uma vez faltava
uma peça de um carro lá (você se lembra daquela traseira daquele carro, que foram para São
241
Paulo, não sei que lugar de São Paulo, que o cara ligou para ele que tinha aquela peça do
carro). Olha, esse povo andou com a caminhoneta, acho que era amigo do Sr. Eduardo e
ligava, eu tenho a peça do carro aqui. Meu Deus do céu andaram lá pra São Paulo, mas o
motorista falou: olha rapaz, eu fui em cada lugar lá, que dá até medo. Aí pegou a peça, uma
peça assim, uma lata do carro traseira ali, mas era só ferrugem, gente. Mas, você vai tão longe
para buscar peça assim, mas gente, depois nem sei o que fizeram com aquilo lá. Depois que o
Sr. Eduardo morreu, acabou ficando lá a peça e.... é coisa inacreditável, mas que ele ia buscar
ele ia. Se ele passava num lugar e via um carro que tava vendendo e que interessava para ele,
uma marca de carro que ele não tinha, ele comprava. Daí uns dias, o caminhão ia lá buscar.
M – Ele repetia os carros?
A – Não, muito difícil. Ele repetia sabe por quê? Porque de dois ele fazia um, não é?! Ele
repetia por causa disso, ele repetia sim. Porque se ele comprava um FP-2 ele comprava dois
ou três, mas era pedaceira mesmo gente, não era carro... ele ia lá e o que ele achava ele
comprava, três para fazer um. Uai, tem um FP-2 que está lá, Fazenda, que ele estava fazendo
quando ele morreu. Tá lá, o rapaz fez a funilaria. Tá lá, debaixo do barracão embrulhado num
encerado e morreu, ele parou, tava ele e o Rogério meu filho fazendo. O do Rogério tá aí,
aquele que tá em frente ali. Depois, se você quiser, a gente dá uma olhada, e o Sr. Eduardo ia
fazer dois. Ele comprou três para fazer dois, tá lá os carros lá, não fez. Uma vez ele comprou
duas carcaças de Jornada, você nem sabe o que é Jornada.
M – Não, não conheço.
A – É um tipo de carro que, eu não sei, só ele que eu sei que tem esse Jornada. Tá lá na
Fazenda, tá andando, estava lá no escritório.
M – Ah, eu vi. Um vermelhinho?
A – O vermelhinho que o motorista tá andando, ele é Jornada. Tem dois. É todo fibra de
vidro. Aquelas carcaças daqueles carros é um bloco só. Ele comprou (você se lembra quando
o guarda prendeu lá em...) ele veio de Curitiba e passou em Ourinhos e prenderam as duas
carcaças do carro lá, em Ourinhos. O guarda prendeu e teve que descarregar e o caminhão
veio vazio. Ah... eu não sei o que ele arrumou, daí uns tempos o caminhão foi lá buscar as
carcaças outra vez. Disse que para passar a barreira tinha que pagar não sei quanto, não sei o
que ele arrumou. Eu sei dizer que o motorista (foi o Valdir), ele vinha vindo e o guarda parou
ele na barreira, falou que não podia passar porque... não sei se estava ilegal ou o que estava
acontecendo. Pegou e jogou as duas carcaças lá, montou no caminhão e veio embora, disse
que não passava não. Daí uns tempos, ele, eu acho, que pôs o advogado, não sei o que foi,
foram lá e buscaram as carcaças. Fizeram aquele carrinho lá, que tá lá e tem outro na Fazenda
(já tá no Museu, né?!), tá tudo montadinho, mas foi ele mesmo quem fez aqueles carros lá,
tudo peça de Volks, aqueles carros lá.
M – Sr. Anésio, o Sr. conhece histórias de quando ele começou a formar o Museu?
A – O Museu?
M – De quando trouxe de São Paulo... conte um pouco esta história.
242
A – Eu conheço, eu me lembro. Quando começou a formar o Museu, que vieram os carros de
São Paulo...
M – Quantos carros ele tinha nessa época?
A – Não, nessa época ele trouxe poucos carros pra cá. Você conhece o Zé Pedro, onde era o
Zé Pedro antigamente? Seu pai conhece.
M – Com certeza.
A – Lá onde era o Zé Pedro, descendo pro lago ali, pra chegar no farol, tinha o Zé Pedro, era
representante do Mercedes, então... não tinha o Museu, veio seis carros de São Paulo e
colocou no canto, na esquina daquela que sobe com aquela que desce pro lago, do farol.
Colocaram seis carros lá, numa vitrine toda de vidro e os carros ficaram lá. Quando... vieram
esses carros.
M – 1960...
A – Isso foi em 67, 68, foi por aí, foi nessa base mais ou menos. Aí, ele não tinha o Museu
ainda.
M – E esses carros o Sr. lembra quais eram?
A – Não lembro viu. Acho que nem o Rogério, o Rogério não era nem nascido. E esses carros
ficaram aí. Teve um desfile aqui na cidade, os carros todos desfilaram no dia 03 de maio. Eles
desfilaram esses carros, era uma coisa pro povo era um... naquele tempo...
M – E os carros estavam rodando?
A – Opa, naquele tempo vinha gente de São Paulo trabalhar pra ele aí. Naquele tempo em que
eles vinham na Fazenda, ele tinha mecânico que trazia de São Paulo. Tudo quanto é gente,
cada um na sua profissão. Ele tinha um soldador, encanador. Ele tinha tudo quanto é
profissão, ele tinha um. Tinha época que tinha aí 15 pessoas na Fazenda que comia tudo lá em
casa ainda, dava pensão pra esse povo tudo. E aí montaram o Museu, e eu até me lembro que
quando começaram com o Museu, vieram as carreatas da Usina Amália. Você não lembra....
você não era nem nascida, o seu pai deve lembrar. [...] E eu, de quando eles compraram a
Fazenda, eu to lá. Aí vieram aquelas carreatas lá da Usina Amália. Cada “cimitante” daqueles
lá vinha com seis cavalinhos, poninho e desfilava pela cidade, foi quando começou a criar o
Museu. Mas era uma coisa muito bonita, era uma festa aquele Museu ali, viu?
M – Era?
A – Nossa Senhora. O povo vê um trem daquele lá, daquele “cimitrole” que tem lá na
Fazenda, vinha com seis poninhos pra desfilar na cidade. Era uma coisa que o público
ficava... né. E ali começou a vir carros e ele montava aqui na Fazenda e levava pra lá e hoje,
ele tem carro danar! Ele não, a Patrícia, que hoje é tudo da Patrícia. E ali foi indo... um par de
ano.
M – E qual era a média de carros que ele trazia por ano? Ou não tinha isso?
243
A – Não... ele arrumava assim, mas uma base de cálculo assim eu não tenho lembrança. Mas
ele via um carro que... porque ele tem carro lá em Antonina também, tem muito carro lá. Os
carros maiores brasileiro, Landau, aquele... tem outro. Aqueles lá, ele comprava eles mais ou
menos e reformava mandava pra Antonina.
M – Já em que época?
A – Porque aí já estava quase cheio já. Tem muito carro lá em Antonina, [...] para ter bastante
carro lá viu. Mas, o Sr. Eduardo era o homem que, se ele falava eu vou fazer, não tinha
barreira pra ele não.
M – Não?
A – Não, porque pro Sr. Eduardo não tinha barreira não, não tinha o que segurava.
M – E a dedicação dele pra coleção, pro restauro, como era? Em termos de tempo do dia...
A – Não, ele era calmo. Ele ia fazendo devagar, ele chegava na oficina, ele encostava lá, a
caminhonete, encostava na caminhonete e ficava com o cachimbão dele na boca, só pensando
assim. Aí, ele falava pra gente assim: ah... eu pensei uma coisa agora, vamos fazer assim e
assim. Do jeito que ele mandava fazer a turma trabalhava, não era de teimar não. Se ele
mandava fazer daquele jeito era daquele jeito. Ele era um homem muito bom, tratava muito
bem os empregados e eu considero o Sr. Eduardo um segundo pai meu, porque aquele homem
pra mim (emoção).
[...]
M – Fale um pouquinho sobre as coleções.
A – Sobre as coleções, ele colecionava tudo.
M – Então, mas fale um pouquinho sobre ele, esse jeitão dele colecionar, dele estar sempre
procurando montar, o zelo que ele tinha...
A – Quando ele estava sozinho na Fazenda, ele ficava o dia inteiro dentro da biblioteca dele.
Ficava ali. Ele colecionava rolha, colecionava cachimbo, colecionava chaveiro, tudo, até caixa
de fósforos. Ele colecionava, porque ele colecionava tudo. [...] Então, tudo dentro de painel de
veludo e é uma coisa muito bonita. Carrinho pequeno, ele tem de tudo assim.
M – Quantas coleções mais ou menos ele tem lá?
A – Lá tem aqueles painéis na parede, no fim do cômodo, que tem chaveiro, caixa de fósforos,
ele colecionava rolha, agora eu não sei se ainda existe lá, [...] Não sei... aquelas umas estão
lá... porque teve muita coisa que ela tirou lá da sala de armas, onde ele ficava mais ali. Som,
ele montava som, cada lugar tinha um alto-falante. Esses alto-falantes aí (gesticula) eram
todos dele. [...] Os quadros que ficavam tudo na parede, de carros antigos, cada carro tinha o
quadro do carro.
M – Antes de ele restaurar ele colocava a imagem no quadro?
244
A – Você não viu lá no escritório como estava de quadros?
M – Vi.
[...]
M – Quanto tempo ficaram intactas essas coleções Sr. Anésio?
A – Ficaram muitos anos.
M – Depois da morte dele ainda ficou muito tempo com a Drª?
A – Um ano e pouco mais ou menos.
M – Permaneceu intacta? Eles não mexeram em nada?
A – Não mexeram. Depois é que ela falou: Ah Anésio, ai não sei que... colocava lá, ah, assim
assim. Aquele outro ah... é...
M – Ela foi organizando do jeito dela?
A – Do jeito dela, ela gosta do jeito dela. E muitas coisas eu trouxe, eu pra mim, ela me deu
isso aí. Tinha o barbeador elétrico dele, ela me deu pra mim. Eu tenho um canivete grande,
que tem um mundo de coisa, que ele andava dentro de uma bolsa, a Patrícia falou: isso Anésio
era do meu pai, guarda com você. Tá lá em casa guardado. O que era do Sr. Eduardo eu
guardo, viu.
M – Sr. Anésio, por exemplo, nesses discos de vinil dele, ele colocava algum carimbo, ele
tinha alguma marca que identificava que o disco era dele, ou nos painéis existe alguma marca,
por exemplo, EM de Eduardo Matarazzo. Existe alguma coisa que identificava os carros,
depois de restaurados, ele colocava alguma identificação?
A – Não, ele não colocava não. Ele tinha na biblioteca dele tudo. Tinha um emblema da
Escuderia Nero, mas não era em todos os carros não. Isso apareceu lá na Fazenda agora. Eu vi
lá na cozinha da Fazenda essa semana. Eu perguntei para as mulheres e elas disseram que
apareceu por lá e que elas iam entregar para a Patrícia.
M – Ele que atribuiu esse nome de Escuderia Nero? Ele que registrou?
A – O Rogério é quem sabe.
M – E sobre o trenzinho? O trenzinho continua intacto?
A – O trenzinho está. Lá não mexeram. Eles querem restaurar ele né?
M – Mudaram ele de lugar?
A – Encaixotaram um e outro está lá. Colocou tudo junto lá. Mas, Deus me livre, tem tanta
coisa lá.
245
M – Mas está perfeitinho montado?
A – Não... tá perfeitinho montado o que veio de São Paulo, mas máquina, vagão e coisa está
tudo embalado dentro das caixas, porque tem uma pilha lá.
M – Mas ele tinha deixado montado ou não?
A – Não estava, lá para ele montar nesse barracão. Aí desmanchou lá e trouxe pro outro aqui,
mas é grande.
M – O Sr. lembra quando veio esse trenzinho de lá pra cá?
A – Iiii... fazem muitos anos.
M – Foi em 68 também ou não?
A – Não, foi por aí, até 70 veio viu. Até no fim de 70, esses trenzinhos vieram em bloco de 2
por 2, dessa altura do chão (gesticula). Mas aquilo lá é coisa rara.
M – A Patrícia me cedeu as fotos, eu estou com as fotos desta coleção. Na verdade eu não
sabia da existência dessa coleção e é uma coleção para pesquisa futura.
A – Está num salão lá.
M – A Patrícia contou que ela e o Fernando passeavam em volta numa cadeira e...
A – Lá em São Paulo, isso funcionava, que toda a noite vinham os empregados dele que
trabalhavam nisso aí e ligavam e lá estava funcionando.
M – Quando veio para Bebedouro já não funcionava?
A – Agora parece que vão indo uns homens lá para montar ele, aqui em Bebedouro. Tô vendo
o Rogério indo lá com esses homens. Quer ver, ele até trouxe um trenzinho aqui, quer ver,
disse que a Patrícia deu para ele. Tá ali na cozinha, pareceu isso aí faz uns dois dias. O
Rogério também é cheio dessas coisas.
M – Pegou um pouco do perfil do Sr. Eduardo?
A – Pegou um pouco dessa doença (risos). Esse está aqui na cozinha, depois você dá uma
olhada. Só que esse é pequeno tem um 1 metro e pouco, 2 metros, mas tem todas as
maquininhas, as coisas e ele está montando.
M – Mas era do Sr. Eduardo?
A – Era do Sr. Eduardo. Mas esse aí é uma coisinha. O dele lá....
M – Pelos fotos, eu vi que toma uma sala inteira.
A – Sala inteira.
246
M – É a cidade do Rio de Janeiro que é representada pelo trenzinho?
A – Não. Lá era São Paulo.
M – A Patrícia falou que era o Rio de Janeiro, agora não sei.
A – Tá no Rio... depois ele comprou outro. Estava montado no casarão dele em São Paulo, ele
tinha o casarão lá.
M – O que eu digo é que o que estava representado pelo trenzinho era a paisagem do Rio de
Janeiro, foi isso que ela explicou para mim.
A – Aquele lá?
M – É. Não era?
A – Não, aí eu já não sei. Eu sei que os caras ligavam ele, que eles falavam para nós...
M – O trenzinho ficava em São Paulo sim, mas eu falo assim, as montanhas, os trilhos, etc
eram a representação da cidade do Rio de Janeiro.
A – Ah, isso mesmo! Tem as montanhas lá dentro, elas eram de gesso, tem córrego, campo de
futebol, estação de trem, mas tem tudo. Atravessa rio no meio, é para ser a cidade do Rio de
Janeiro mesmo. Os postes tudo. É um negócio muito bem bolado.
M – Quanto tempo mais ou menos, no dia, ele dedicava para essa coleção? Para as coleções
particulares, dos carros, para o restauro...
A – De carro, ele ficava quase o dia inteiro.
M – Quando ele trabalhava na Frutesp ele dedicava menos tempo?
A – Menos tempo.
M – Mas qual seria a média de horas do dia que ele dedicava àquela época?
A – No tempo da Frutesp, ele ia muito a tarde lá. Que ele vinha de lá e ele parava, que
naquele tempo, os empregados pegavam carros de empreita e trabalhavam até nove, dez
horas. Então, ele ficava ali olhando ali, porque no meio do dia ele não tinha tempo né. E de
manhã cedo, ele passava lá também.
M – Mesmo que ele fizesse outras atividades, o pessoal do restauro permanecia trabalhando?
A – Trabalhando.
M – Trabalhavam o dia todo?
A – Era dado de empreita. Quando ele queria que um carro saísse logo, ele dava de empreita.
Combinava: você quer pegar esse carro de empreita. Quanto você quer? Às vezes, o cara dava
247
o orçamento, ele falava: eu vou querer tanto. Aí ele falava pode fazer. O cara fazia, acabava
aquele e ele queria que saísse logo, ele dava o outro de empreita.
M – Quando esses carros eram restaurados Sr. Anésio, eles restauravam lataria e também
motor?
A – Tudo.
M – Saia andando?
A – Tinha que sair andando. Experimentar. Quando pegava tinha que vir na cidade, andar na
avenida, essa pista do Shopping, ir pra riba aí, tinha que andar aí.
M – Então, quando os carros entravam no Museu, tinham que estar funcionando?
A – Todos funcionando.
M – E hoje em dia, eles não funcionam por causa da enchente?
A – Houve enchente. Ainda tem carro lá na Fazenda, que a gente está mexendo porque o
motor estava travado, já destravou. Tem o Alfa Romeu que está quase pronto já. O motor já
está arrumado, o deferencial travou tudo porque entrou água. Foi uma coisa de louco aquilo
lá! Estragou tudo. Já está montado já. O rapaz montou a parte de freio dele ontem e falta
colocar o motor, porque parece que a vela o Rogério pediu para vir dos Estados Unidos. A
vela dele tá tudo enferrujada, do motor, você sabe o que é vela?
M – Sei.
A – Mas, aquele tipo de vela não tem no Brasil. Aí o Rogério deu a amostra para o rapaz que
foi para os Estados Unidos, ele vai trazer a vela de lá.
M – A Patrícia então, continua com o restauro.
A – Continua.
M – Ela me disse que não é naquele ritmo do pai dela, mas continua.
A – Não é naquele ritmo, mas continua. Ela vai mais devagar, devagar, mas vai trabalhando.
Mas, o Sr. Eduardo era acelerado mesmo (risos). Eram dois, três carros lá arrumando, às
vezes tinha até mais.
M – A equipe de trabalho de vocês, quantos eram na época do Sr. Eduardo? Quantos
profissionais tinham lá trabalhando?
A – Na época do Sr. Eduardo, ele mexia muito com barco também.
M – Com restauro também?
A – Mas acabou tudo os barcos. Os motores o Fernando levou tudo embora, o barco....
248
M – Mas a coleção de barcos não existe mais?
A – Não. Só tem os barcos lá em cima. Disseram que quando resolver com o Fernando vai dar
pra ele, eu ouvi falar.
M – A coleção, vocês falam que fica lá em cima, por que fica suspensa?
A – Fica suspensa. Lá encostou, no barracão de cima, lá encostou e...
M – Quantos barcos mais ou menos tinha?
A – Tinha uma porção. Tinha dois barcos de borracha, tem aquele grandão que estava [...] tem
um que está no Museu.
M – Então, lá na Fazenda, tinha lugar para ele testar?
A – Tinha. Nós fomos na Fazenda Aparecida, também, que tinha uma represa grande e era ele
mesmo que ia testar.
M – Lancha?
A – Lancha, mas de madeira, essas antigonas, tudo invernizada. Tá guardada lá, tá coberta lá,
tá no barracão da Fazenda, mas tá coberta. Vixe, mas uma lancha daquela lá. E tem uma lá
cima, no barracão de cima, mas tá largada, ele não acabou ela. Ele morreu parou de mexer. Aí
o Fernando foi lá levou tudo os motores, não sei o que ele fez com os motores... sumiu...
M – A paixão dele era a carcaça do barco ou também o motor?
A – Ele comprou um barco, acho que foi no Guarujá. O barco tinha afundado. Mas não era
barco não, era um navio era, tinha uns 15 metros.
M – Ele mandou trazer pra cá?
A – Veio uma carreta e... ele sabia trabalhar! Esse barco chegou na Fazenda; esse barco estava
afundado lá no mar. Tiraram o barco e ele comprou o barco. Aí ele alugou uma carreta da
Companhia Tomé para trazer aqui para a Fazenda. Coitado! O barco estava tudo podre,
porque estava afundado dentro do mar, me lembro e começo a dar risada (risos).
O cara chegou lá, chegou na Fazenda e disse que veio trazer o barco que o Sr. Eduardo
Matarazzo comprou e ... para eu descarregar o barco eu preciso da autorização dele porque ele
ia fazer vistoria se o barco chegou em ordem, se não chegou. O barco estava tudo podre
(risos). O motorista chegou e eu falei para ele aguardar porque o Sr. Eduardo ia fazer a
vistoria, vai olhar.
Aí ele foi olhar o barco e disse: não! Esse barco eu não comprei desse jeito, esse barco está
tudo de qualquer jeito. Eu segurei esse barco (fez seguro do barco para viajar). Era muito
grande!
Ele fez um barracão exclusivo para o barco, mas é um barracão alto com uma ponte rolante
para trabalhar a carga, vai para lá e vem para cá, para descarregar o barco.
M – Ele que planejou isso aí?
249
A – Ele que planejou. Está lá até hoje isso aí. Tá armado lá.
Aí chegou a carreta com o barco. Eu pra descarregar, o Sr. Eduardo vai ver o barco, porque eu
lá que sei o vai fazer com isso aí? Aí ele veio, olhou: Não eu não aceito isso aí! O barco
chegou quebrado, o barco desmunhecou assim, não amarraram na carreta? Eu não aceito isso
aí não! O Sr. encosta a carreta aí debaixo do barracão. Ele entrou com a carreta debaixo do
barracão, porque o barracão era muito grande, e pode esperar aí que tem que vir o inspetor do
seguro, ver isso aí, porque eu não aceito o barco desse jeito. Eu assegurei o barco para viajar.
Esse homem ficou três dias com essa carreta lá. Preso lá na Fazenda. Companhia Tomé
(risos).
A carreta pra entrar dentro da Fazenda nós precisávamos ir com uma pá carregadeira
esparramando as lombadas assim da estrada. Porque a carreta era muito comprida, quando
chegava o meio da carreta ela pegava a barra de ferro no meio e travava a carreta e o cavalo
não puxava. Aí precisava a esteira ir esparramar a terra e depois fazer de novo. Até que ela
chegou no barracão. E depois aconteceu isso aí. Coitado do motorista. Eu precisei dar comida
três dias pro motorista lá e ficou lá.
Aí ele veio e disse que não ia descarregar enquanto o inspetor do seguro viesse. E esse
inspetor pra vir? Demorava... fez de pedido lá e depois de três dias que ele veio. O cara ficou
lá, com o barco em cima, da carreta... e veio tirou a fotografia. Vai de lá e vai de cá e pode
descarregar. Aí, nós descarregamos o barco.
M – Quantos homens pra descarregar?
A – Homens? Aquilo lá só com talha, com máquina. Aí descarregamos o barco, a carreta saiu,
o rapaz estava doido para ir embora, coitado! Aí foi embora.
Aí, ele pegou e arrumou o barco. Aí, ele comprava tora lá em São Paulo, da madeira que era
do barco. Ele sabia qual era a madeira que ele queria; a quina do barco em baixo, a quina que
ia debaixo do barco ali, aquela que vai em cima da água rasgando assim, precisou trocar tudo,
estava tudo ruim.
Então, ele contratava uma turma lá de São Vicente de Carvalho, lá pra Guarujá, pra aqueles
lados lá. Só trabalhava nisso aí. Aí eles pegavam empreita vinha aí fazia aquele serviço, aí
parava. Ia embora. Aí ele queria fazer mais outra parte eles vinham, contratava ali, tantos mil
reais deve cobrar pra fazer aquilo. Os homens vinham outra vez. Ele mandava o caminhão pra
São Paulo, serrar uma tora da madeira que era pra barco mesmo, especial para barco. O
caminhão buscava as madeiras, trazia e os caras vinham fazer o serviço.
Quando ele morreu já estava faltando só... já tinha posto tudo os motores, tudo motor Scania,
esses motorzão grande, turbinado. Ele tinha dois motores que foi nele, dois que foi nele eram
Cumes, dois motores Cumes e dois motores Scania, cada motor que... do barco né. Aí ele pôs
os motores e o Ângelo também andou pegando empreita pra fazer a lateral do barco né.
Mandou aumentar mais, porque o barco era pequeno estava aumentando mais (risos) porque
eu não sei o que ele ia fazer. Quando estava faltando... o madeiramento estava pronto, que
estava só... que aquilo vai um cordão, uma fibra, colocada no meio das tábuas para rejuntar
elas para não entrar água. Aquele negócio lá é esquisito, complicado, a gente que nunca viu
aquilo.
[...] Vinham quatro homens do Guarujá, lá de São Vicente de Carvalho, ficavam aí quinze
dias, um mês aí.
M – Sr. Anésio e essas engenhocas que ele elaborava, ele não punha nada no papel? Tudo
dentro da cabeça dele?
250
A – Tudo na cabeça dele.
M – E ele nunca falou sobre todo esse conhecimento que ele tinha? Onde ele tinha adquirido?
Porque a Patrícia me falou....
A – Ele conhecia muito, o Sr. Eduardo. (Ele era engenheiro mecânico).
M – Não era. A formação dele era 3º Colegial.
A – O Sr. Eduardo era comendador, ele era comendador.
M - Aí que está, porque o Sr. Eduardo fazia coisas na área da mecânica que um engenheiro
não fazia. Mas ele não tinha formação. A Patrícia falou para mim que ele tem uma biblioteca.
A – Cada coisa que ele tem, tem um livro na biblioteca dele.
M – Ele era autodidata. Ele mesmo estudava, ele mesmo entendia e ele passava pra vocês
fazerem?
A – Ele passava para a gente fazer do jeito que ele mandava.
M – Ele não rascunhava nada para orientar vocês?
A – Ele falava: faz assim, faz assim, faz assim e a gente ia fazendo. E ele tem aquelas revistas
4 Rodas, cada carro tem uma revista daquela. Eu acho que tem até hoje porque a biblioteca
está lá.
M – A biblioteca está do jeito que ele deixou?
A – Tá. É livro que Deus me livre! Depois ele fez outra, que veio do casarão de São Paulo.
Aquilo tá cheio de livro, que Deus me livre! E ele ficava ali passava o tempo dele ali.
M – É por que pra desenvolver um projeto desse, como o do barco?
A – Ele era danado pra fazer. De vez em quando, ele se embaraçava e vinha o engenheiro de
barco de São Vicente de Carvalho. O motorista saia cedo de lá e quando era dez horas, ele
estava aí com o engenheiro e acabava de fazer o que ele queria fazer e o português, ele era
português, acabava de fazer a engenharia dele, que passava pra ele, isso aqui precisa ser
assim, assim, assim. Montava na caminhoneta e voltava pra São Vicente. Coisa de louco um
trem daquele lá, gente! Fazer uma viagem dessas.
M – Para orientar um pouquinho e já voltar?
A – Às vezes tinha lugar, negócio dos eixos que vinha assim, tinha que ser tudo calculado
aquilo lá. Não pode... Eram uns eixos de inox de duas polegadas. Uma vez ele comprou dois
eixos daquele, não sei pra aonde, lá para São Paulo lá, que tinha mais ou menos, quase quatro
metros de comprimento. Ele comprou dois eixos, porque os que vieram com o barco, já
estavam corroídos sobre o negócio da água do mar, que acho que corrói. Olha! aço
inoxidável. Coisa de louco um trem daquele! Aí ele comprou dois. Aí, veio por uma
251
transportadora aqui de Bebedouro, esses dois eixos, e quando chegou um dos eixos estava
torto, foi um sufoco.
M – Ah....
A – Mandava gente que andava as fazendas por aí pra, fazenda tinha essa máquina né (risos),
para ver, porque ele queria montar aquela máquina lá, tudo em pedaço gente! Aí levou lá pra
Fazenda e montou a máquina. Tá lá.
M – Montou?
A – Montou. Lá na Fazenda mesmo, lá na fazenda, na sede mesmo, ele tem um barracão lá,
que tem engenhoca, daquelas puxadas a burro. Engenhoca, tem os tonéis de ferver pinga, tudo
de metal, aqueles! Ele comprava os manômetros, aqueles relogião novo e colocava ali para
pressão, bem imitando, imitação né! Não tem nada funcionando. Aqueles tonéis que punha
pinga tudo lá, depois pra frente vem a engenhoca de cana, aí vem coisa de raspar mandioca.
Os coxos nossa! Os coxos vieram de Recife, veio de Recife com um caminhão, tudo quebrado
em pedacinho. Ele falava, pelo amor de Deus, vocês não me perdem um pedacinho disso aí,
não pode perder (risos).
M – Na verdade ele montou como se fosse um museu dentro da casa dele?
A – É um museu, está lá. Isso aí você vai lá Fazenda você vai ver.
M – Máquina de café também, funciona ou não?
A – Não trabalhar não, é imitação, mas se ligar o motor ela trabalha.
Ele arrumou um motor desses de transmissão, que antigamente fazenda tinha transmissão que
trabalhava em cima, aqui em baixo trabalhava os motores, trabalhava uma correia aqui,
aqueles motorzão (risos). Ele arrumou um motor daquele lá, não sei onde foi que ele arrumou
aquele motor, acho que fui eu, nem sei onde eu arrumei aquilo. E colocou lá e pôs as correias,
e liga. Essa semana o Rogério ligou o motor lá e ela funciona. Mas não, beneficiar café, só
imitação, só pra mostrar, né?! Tá lá.
M – Sr. Anésio, como o Sr. definiria o Sr. Eduardo? A Patrícia definiu o pai dela. Ela resumiu
o pai dela em movimento, porque o pai adorava pegar um negócio inacabado e ver o negócio
funcionando. Como o Sr. falaria?
A – É isso aí. Até que ele não via funcionando. Às vezes, ele segurava o empregado até de
noite lá. Pagava hora extra, porque ele ficava ansioso de ver aquilo dar certo. Às vezes, vinha
um carro desmontado de São Paulo, aquele Jipão que está lá. Eu ainda falei pra Drª esses dias,
falei Drª: o dia que eu sair dessa Fazenda, eu quero que a Srª me vende esse Jipe pra mim. É
um Jipe de guerra, é um negócio né. E elas não dão valor naquilo lá, então, elas dão valor eu
já vi. Eu falei pra ela, o dia em que eu sair dessa Fazenda, que eu não vou ficar aqui eterno, eu
posso morrer, eu posso.... eu quero que a Srª me vende esse Jipe pra mim. Eu falei ainda: eu
faço acerto com a Fazenda, eu ponho o Jipe no meio. Eu faço tudo, mas eu quero que a Srª me
vende esse Jipe.
Mas por que você quer esse Jipe Anésio?
252
Eu quero esse Jipe aí, isso aí, eu quero esse Jipe, eu quero arrumar. Eu falei pra ela: a Srª não
vai arrumar esse Jipe aí, isso eu tenho certeza. Porque um pneu desse Jipe aí custa dois mil
reais, um pneu! Eu falei, eu quero que a Srª me vende porque eu vou montar esse Jipe sim.
M – Ele não está montado?
A – Não, ele estava montado. Mas, o Sr. Eduardo modificou tudo. Ele pegou pôs pneu de
caminhão no Jipe, lá sei o que ele fez. Pôs seis pneus de caminhão no Jipe. O Jipe é... Bom
você pode ver lá um dia. Hoje, nós até tiramos os pneus e colocamos nos caminhões. Eu falei:
eu vou voltar tudo no original do jeito que era esse Jipe aí, porque eu ainda tenho fé de andar
com esse Jipe aí.
M – Mas ele andava com o Jipe?
A – Ôô, ele andava. Aquele Jipe lá, nossa senhora. Mas é um trem bonito mesmo. Você chega
na cidade com um Jipe daquele lá, os policiais ficam tudo olhando. Ele não fica original
certinho, porque o motor dele era gasolina quando veio. Motor de Jipe de guerra é tudo a
gasolina. E hoje ele está com motor de 608. Mas, está uma beleza. Um Jipe do tamanho...
Bom, a cabine dele, ele fez de fibra de vidro e o Jipe é um espetáculo. E tem gente que fica
doida por causa do Jipe, quer comprar o Jipe. E eu falei não, se for vender, quem vai comprar
o Jipe sou eu.
M – Sr. Anésio, o Sr. lembra de mais alguma história engraçada, ou alguma história
interessante, sobre a busca por um carro, de alguma peça, de alguma loucura que ele fazia em
busca da ampliação das coleções? Por que é típico de colecionador. Colecionador não mede
esforços para conseguir um objeto de desejo.
A – Não. Ele quando mandava buscar o carro, o Jipe, o trem que estava montado e que vinha
desmontado...
M – Como os aviões?
A – É. Nem que fosse de noite. Se chegava lá de noite, na boca da noite, ele já mandava
avisar os caras, na hora que chegar o caminhão aí, vocês mandam o cara vir aqui, porque eu
quero ver se está certo. O Jipe foi a mesma coisa, esse Jipe que eu estou contando. O Jipe veio
desmontado. O chassis e vinha tudo desmontado. E chegou lá, ele colocava o chassis do Jipe
assim, em frente a oficina, no chão, só o chassis. E pegava todas as peças e ia apoiando para
ver se veio certo (risos). Esse Jipe foi isso que ele fez quando chegou, chegou desmontado lá.
Depois ele...
M – Em que época mais ou menos chegou esse Jipe?
A – Isso faz muito tempo.
M – O Sr. não lembra o ano?
A – Mais ou menos, eu acredito que foi lá pelos anos 80 e 90 que chegou esse Jipe lá porque o
Jipe se for rodar tá uma beleza. Ali veio caminhão de guerra, os caminhões Buk que
trabalham na Fazenda são esses caminhões militar de guerra. Tem guincho.
253
M – Das Indústrias Reunidas não ficou nada aí?
A – Não, o que vinha das Indústrias assim de caminhão, ele restaurava e mandava lá pro
Museu.
M – Que são aqueles que estão expostos no Museu?
A – Lá em Antonina, também tem caminhão da Embaixada Americana. Aquele caminhão que
o Cabeção fazia as manchas nele lembra? Tudo caminhão que vinha do Exército de Brasília,
caminhão americano. Tem um caminhão americano lá que é furgão, que até o Rogério está
arrumando ele pra puxar carro, quando vai em evento de carro vai levar naquele caminhão.
Você vai ver lá, está com um baú. Quando o carro entra fica fechado, fica certinho lá. É
americano aquele caminhão, não é... Tanto é o carro que vai dentro e conserva o caminhão,
porque um caminhão daquele lá, ninguém tem. Um caminhão Chevrolet americano.
M – A Patrícia me contou uma história que talvez até o Sr. não conheça, ou conheça. Que
uma vez, ele queria uma Mercedes e era uma peça única aqui no Brasil. Ele fez que fez que
queria a Mercedes e a embaixada alemã no Brasil, não queria vender. Resumindo, ele colocou
um cara na cola do carro, até que houve um acidente com a Mercedes e ele adquiriu a peça,
batida mesmo. Restaurou a peça e colocou-a no Museu. Essas histórias para mim são muito
importantes para montar o perfil de colecionador dele.
A – Então, esse cara que fazia isso é para ser de São Paulo, ou de Brasília, porque ele tinha
muitos amigos, em todas as cidades. Ele tinha muitos amigos, conhecido. Então, ajeitava os
caras lá. Mas, isso já era fora da Fazenda. Agora, quando vinha, vinha aqui. Agora a
Mercedes, tem carro Mercedes lá no Museu? Então, é daqueles lá então, porque aqueles lá são
carros antigos mesmo. Agora, ele tem Mercedes que... (Será que é a Gaivota?).
M – A Gaivota não está em Antonina?
A – É pra estar em Antonina, então. Porque teve uma Mercedes que veio da Usina Amália,
uma preta, que está lá no Museu, você esteve no Museu?
M – Sim.
A – Essa faz pouco tempo que foi para o Museu. Ela estava no barracão. Aquela ali era da
Usina Amália, o carro que o pai dele andava. Então, ela foi pro Museu agora. É uma das mais
novas. Ela é Mercedes a gasolina ainda. Porque tem Mercedes a diesel também. Aquela ali é a
que o pai dele andava.
M – Conde Chiquinho?
A – O Conde. E... ela esteve na Fazenda guardada, toda encapada lá e naquela “mexeção”, de
carro lá, a Patrícia levou pro Museu. Porque na Fazenda ali, tem o carro de quando o Sr.
Eduardo... tá ali na Fazenda, esse eu conheço, uma Ford, de quando ele namorava a Drª. De
quando ele vinha na Fazenda, o carro está lá. Ele vinha com essa perua, aquela peruona que
está no meio ali da pastagem ali. Não a amarela, ele fazia aí, as peruas americanas amarelas
ele tem duas, tem uma que eu andei muito com ela, a perua amarela, três bancos, teve uns
carros grandes pra danar. E tem esse carro que quando ele vinha de São Paulo que ele
namorava a Drª, ele vinha, que ele comprou a Fazenda, ele vinha neste carro, é uma Ford,
254
Deus me livre! Um carro grande, aquilo eu acho que voava, um carro daquele lá. Naquele
tempo, aquilo lá, gasolina não faltava pra encher o tanque. Um motor daquele lá. Ele está lá,
atrás da charrete assim, ele está parado lá e todas às vezes, eu me lembro e penso: olha lá o
carro que o Sr. Eduardo vinha de São Paulo. Porque naquele tempo, eles vinham só de
domingo, naquele tempo. Porque ele trabalhava nas Indústrias. Então, no domingo cedinho,
eles saiam de lá, ele e a Drª.
M – Todo domingo?
A – Todo domingo eles vinham, quando comprou a Fazenda. Às vezes, eles vinham no
sábado e posavam aí, que já tinha construído a casa, parte da casa, eles posavam aí. Eles
posavam aqui na avenida também, na casa da sogra dele, da finada dona Celeste. Ali onde é
do Sérgio Stamato hoje.
M – Na Avenida Raul Furquim?
A – Ele que fez aquela casa. Depois o Sérgio comprou dele e modificou tudo. Mas quando ele
veio pra Bebedouro, que ele comprou, ele fez aquela casa ali. Ele comprou dois lotes ali na
Avenida e fez a casa pra ele. Comprou duas casas e fez uma casa pra ele.
M – É a casa da filha do Sérgio hoje?
A – É isso mesmo. Ali ele fez tudo, ele fez a casa inteira. Ele só não fez a piscina lá, porque
ele fez a piscina na Fazenda. Você já viu a piscina na Fazenda?
M – Eu não conheço a Fazenda.
A – É quinhentos e vinte mil litros de água. É um...
M – Ele que construiu a sede da Fazenda?
A – Ele que construiu tudo aquilo ali, piscina, tudo que tem ali na sede de cima. Ele
desmanchava uma parede aqui, fazia outra ali. Não aproveitou nada do casarão que era sede
do Moura Andrade. Você ouviu falar do Moura Andrade né?
M – Já, já.
A – Aquela Fazenda foi do Moura Andrade. Eu morei lá, eu vivi lá no tempo do Moura
Andrade. Ali tinha de tudo, ali naquela Fazenda: armazém, matador, matava vaca duas vezes
por semana, no tempo do Moura Andrade, né. Porco, tudo matado ali para os empregados,
vendia para os empregados, com precinho... Empregado não ia pra cidade nem pra comprar
roupa, comprava tudo no armazém. Naquele tempo vendia roupa de rolo, você se lembra?
M – Não, não.
A – Não vendia que nem hoje, tudo jeito é isso e aquilo. Não. Naquele tempo você ia lá no
armazém, o cara tirava o rolo de roupa lá da prateleira e dizia: quantos metros você quer?
(risos). Era assim.
M – Era tecido?
255
A – Tecido, o que queria tinha. Você queria fazer um terno. Eu quero fazer um terno, você
comprava o pano e ia no alfaiate mandava costurar. Hoje em dia não, hoje em dia é tudo feito,
certo?
M – E desses carros aí que ele andava tinha algum preferido dele? Dentro da coleção do
Museu, ele apresentava interesse em um específico? O Sr. conhece alguma coisa? O Sr. que
conviveu com ele, tinha algum que era a pupila dos olhos dele?
A – Ah... ele tinha carro ali que... eu vou te falar ele gostava era de tudo viu.
M – Isso que todo mundo fala.
A – Ele gosta de tudo. Ele gostava do restauro. Ele gostava era de fazer os carros, de falar
assim: esse aqui foi eu que restaurei.
M – De andar, por exemplo?
A – De andar ele andava em qualquer carro, se fosse preciso. Ele não tinha luxo pra carro não.
Depois, ele comprou as caminhonetes, ele comprou, naquela época, ele comprou as três
caminhonetes aqui da Fazenda. Essa que está com o Rogério, tem essa que está comigo e
depois uma roubaram em São Paulo. O motorista foi pra São Paulo com ele e roubaram a
caminhonete de São Paulo. A caminhonete que ele gostava dela, encontrou essa caminhonete
só no Rio Grande do Sul, e comprou lá nova e veio pra ele aqui né. Era uma caminhonetona,
grandona, vermelha, roubaram em São Paulo.
M – Mas, era carro novo, carro antigo?
A – Carro novo. D-20 novinha, mas era um carro maior que essas outras aí que ele andava.
M – Ele não andava com esses carros que ele restaurava?
A – Não. Ele mandava os empregados experimentar e... Tem o El Camino que ele fez lá, mas
pra ele andar, está lá na Fazenda. Uma caminhoneta americana tá lá, do jeito que ele deixou
está lá. Até falar nisso, essa semana eu quero ver com a Patrícia se traz pra baixo aqui esse
caminhonete essa semana, pra lavar ela, lá está entrando rato lá, mas rato que fica lá, lá em
cima na Fazenda debaixo do rancho. Na garagem da Fazenda né, e rato está atacando lá. Nós
pusemos veneno pra tudo lado, mas deixa aquele cheiro dentro, nós vamos trazer pra baixo.
Essa caminhonete, ele fez pra ele andar. El Camino, é americana. E ele tem mais desta parte
aí, ele tem mais duas peruas também americanas, tá lá também.
M – Que ele andava?
A – Que ele andava. Ele gostava de andar com esses carros, que eram esses carrão grandão.
M – Eu já ouvi falar que ele gostava de andar com aquelas barcaças.
A – Barcaças é isso aí. Nego falava pra ele: onde você vai com essa canoa, com essa barcaça?
É isso aí. É grande mesmo.
256
M – Porque a Patrícia conta em uma das entrevistas que ele não tinha frescura pra andar com
carros. Por exemplo, uma das marcas que ele gostava de andar era Fiat.
A – Fiat, ele tinha muito Fiat também.
M – E ela também teve que andar muito tempo porque ele comprava e ...
A – Quando ela começou a guiar, a Patrícia, ela começou com Fiatinho daquele 147.
[....]
M – Tem mais alguma que o Sr. se lembre? Moto, por exemplo, no Museu existem algumas
motos...
A – Aquelas motos lá vieram e foram direto pro Museu.
M – Ele não gostava de moto?
A – Não, ele não gostava não.
M – Não era um das paixões dele?
A – (risos) Não, não gostava não (risos). Ele tinha uma Lambreta lá, tem uma lambreta lá na
Fazenda. O dia que você for lá eu te mostro. Uma Lambreta que veio da fábrica mesmo pra
ele. Um dia, ele foi andar lá com a Lambreta parece que ele caiu da Lambreta (risos), ele não
sabia andar também. Derrapa aquilo lá, é terra. Depois ele encostou lá, ficou muito tempo
encostada, mandou dar uma ajeitada nela, que fica muito parada, estraga até o motor né; aí o
rapaz que olha praga na Fazenda andou uns tempos com ela. O Mauro andou uns tempos com
ela lá, aí ela falhou o motor outra vez, a Patrícia mandou arrumar e falou assim: agora não vai
mais andar com ela não, guarda ela aí. Está parada lá dentro do barracão, já faz uns dois anos
que está lá parada.
M – E avião, era paixão dele também ou não?
A – A paixão dele era avião também.
M – Carro, avião...
A – Você não lembra o que foi buscar de avião lá em São Paulo, que ficava com o trânsito
impedido? Em São Paulo mesmo, passou até na televisão uma vez. Ele foi buscar um avião
em São Paulo e impediu o trânsito lá em São Paulo, eu não sei o que houve lá; outra hora os
guardas parava e ficava... mas que vinha, vinha.
M – Ele pilotava? Ele gostava ou não?
A – Eu não sei se ele pilotava, porque ele era, não sei o que era do Clube Frankfurt lá de...
M – De avião ou de carro?
A – Ele era de tudo viu.
257
M – Porque eu sei que ele participou do Veteran Clube.
A – Ele era qualquer coisa lá desse negócio. E de barco, ele era...
M – Ele estava sempre envolvido com essa parte de...
A – Sempre envolvido. A parte dele era de automóvel, coisa de motor...
M – Administrador, ele era das Indústrias. Pelo histórico ele ficou muito tempo no nordeste,
pelas Indústrias, ele fazia o sul, ele fazia a América Latina, ele cuidava de toda essa parte.
A – Ele tem um mapa, eu não sei se está lá ainda...
M – A história dos pontinhos.
A – É, tem país que ele foi mais de cem vezes, duzentas vezes.
M – E essas vezes que ele foi, o país tem mais de cem pontinhos?
A – Ah tem, um alfinetinho com a cabecinha vermelha, quando ele chegava de viagem, ele
batia ali. Aquilo ali está marcando às vezes. Um dia, eu estava lá na cabine de rádio (risos) eu
vi o mapa lá e (risos) tem país que foi bem mais de cem vezes. Ele só vivia pro exterior. Ele
conhecia... Deus me livre!
M – Na verdade, ele era um homem extremamente culto...
A – É. Ele era um homem simples, muito simples, ele vivia lá no meio de nós. Você pensa
que pra comer ele era... porque era rico. A gente ia fazer um churrasco. Ele ia lá. Ele comia
farinha de mandioca com a mão, pegava carne, era assim. Ele gostava de festa.
O dia que eu falava que ia fazer uma festa lá na Fazenda, um churrasco. Ôô, hoje nós temos
festa aqui, ele falava. Hoje, nós vamos ter festa aqui. Olha... se a gente brincasse, ele era o
primeiro a estar na festa, ele gostava. Falou de fazer uma festa, ele estava lá.
Quando... depois ele pegava e pagava tudo pra gente ainda. Ele falava, vamos na festa lá,
vamos... mas no fim ele falava: aquilo lá sou eu que vou pagar. Ele era assim. Mas olhe, eu
gostava dele. O Sr. Eduardo era gente fina mesmo!
Agora, existia momentos que ele chegava firme, porque ele era assim. Comigo mesmo, nós já
tivemos muitos casos, que eu já cheguei no escritório e pedi as contas. Ele chegava... às vezes,
ele chegava de avião de São Paulo e ouvi no falante lá, parece que o Sr. está nervoso.
Chegava ali, qualquer coisinha errada que ele via, ele ficava nervoso, me chamando a atenção,
e fazia... e era um homem pontual.
Se ele tratasse uma coisa de um minuto, era um minuto. Não chegava com cinco minutos não.
Uma vez, ele fez um negócio comigo (risos). Ele falou pra mim assim: Anésio, amanhã às
oito horas, eu quero que você e o eletricista estejam lá na porta do terraço, porque eu vou
viajar e eu quero que vocês estejam lá pra eu mostrar um serviços pra vocês, você e o
eletricista. Eu falei tudo bem.
E eu fiquei lá na oficina, atrás do eletricista, vamos João. Ele dizia, deixa eu acabar isso aqui.
Eu falava, vamos João. Ele dizia, não, deixa eu acabar isso aqui. Eu cheguei lá na Fazenda,
pertinho, era oito e cinco e ele estava no terraço esperando oito horas. Ele montou nesta
caminhoneta e desceu pra baixo e encontrou comigo no meio. Se eu não saio da frente, ele
258
passava em riba. Ele foi parar aqui no escritório. E largou as malas dele tudo lá dentro do
quarto dele, as malas que ele ia viajar. Aí ficamos nós dois, boca aberta lá. Aí ele veio pro
escritório, eu saí de lá e vim aqui no escritório conversar com ele, né?!
Cheguei aí, ele não deixou eu entrar dentro do escritório não. Falou pra secretária dele: O
Anésio não é nem pra entrar aqui não, não é para entrar aqui. Eu já liguei lá na Fazenda, o
mecânico vai pegar as malas e vai levar lá em Taiúva e eu pego as malas lá no posto de
Taiúva.
Eles foram por ali. O mecânico pegou as malas e foi lá em Taiúva levar pra ele. Lá ele pegou
as malas e foi embora.
M – Por que não queria ver o Sr.?
A – Não queria nem ver eu. Tinha momentos. Quando voltava, voltava bom e era assim.
M – Tinha temperamento forte?
A – Temperamento forte. Eu não fazia conta disso aí. Ele podia até me mandar embora, mas
não mandava embora. Fazia tudo isso. Quantas e quantas vezes o que ele fazia, ele falava pra
Drª. O Anésio, o Anésio não tem jeito, ele falava para a Drª. A Drª pegava a gente e falava:
não é assim não...
M – O Sr. gostaria de contar mais alguma coisa sobre ele?
A – Olha, ele era gente fina mesmo, e eu considerava o Sr. Eduardo como um segundo pai
meu. Quando eu tinha um negócio enrolado, que eu queria uma coisa, que eu estava fazendo e
não conseguia mais, eu chegava nele e falava: olha Sr. Eduardo, eu estou fazendo isso e isso e
agora eu já não agüento mais. Ele perguntava: O que você quer fazer? Ele falava pra mim.
Uma vez, eu fiz um consórcio de um carro, faz muitos anos, 89; o carro está aí na garagem do
Rogério, um gol. Eu estava pagando o consórcio do BX, o BX é mais fraquinho. Acabou o
BX e eu estou pagando esse consórcio, estou pagando. Teve uma época que começou a subir
muito o valor de consórcio e o BX não fabricava mais. Aí eu falei pro Sr. Eduadro, que o
consórcio que eu pagava era na Comeri.
Então, ele falou: essa semana, eu vou almoçar com o Mário Santin, da Comeri, você vai ver
como o seu carro vem. Aí, eu não sei o que eles arrumaram lá. Eu só sei que passado uns dias,
ligaram lá na Fazenda dizendo: Oh Anésio seu carro chegou, viu. Vem aqui ver se você quer
esse aqui mesmo, ou se não quer, só que tem uns detalhezinhos aqui que parece que você vai
ter que pagar um pouquinho a mais, e não sei o que lá. Aí eu fui lá, tinha que dar um dinheiro
a mais pra pagar, que o banco traseiro era sofá cama eu não sei o que tinha e era CL. Aí tinha
uma importância de uns setecentos, oitocentos contos que tinha a mais para pagar e aí, eu
fiquei com ele e paguei a diferença.
Mas, ele era bom. Se o cara fosse lá, ele ajudava a pessoa. Ele não tinha... Eu gostava do Sr.
Eduardo demais. Ele era um homem que estava lá sozinho, ele dava atenção pra gente. Ele
não fazia nada sem a gente. Ele ligava pra gente. Anésio, eu queria isso aqui; Anésio, eu estou
sem cigarro. Não, Sr. Eduardo pode deixar que eu vou lá buscar. Tudo que ele queria eu fazia
pra ele; na hora, eu pegava a caminhonete e ia buscar pra ele, fosse remédio o que fosse. Eu
nunca falei não. Porque ele era bom pra gente e eu queria retribuir. Ele era meu patrão. Eu
gostava dele.
M – O Sr. gostaria de falar sobre o Sr. Mirotti.
259
A – O Sr. Eduardo trouxe o Mirotti de São Paulo. Era motorista dele, em São Paulo. Ele veio
pra cá. Ele que era o motorista do Sr. Eduardo. Ele ficou velhinho aqui na Fazenda. Ele
trabalhava aí. Toda essa parte de carro, se o Mirotti estivesse vivo ele te contaria detalhe por
detalhe, porque ele que viajava na estrada. Ia buscar avião. O Mirotti estava junto. Ia buscar
um carro, o Mirotti estava junto. O Mirotti estava em toda parte. O Mirotti morreu, já fazia
quarenta anos que ele trabalhava com o Sr. Eduardo. Aí, o Sr. Eduardo, trouxe ele pra
Fazenda, ele e a família. Ele morreu aí.
M – A família dele está aí?
A – Não moram mais na Fazenda. As filhas se casaram e a esposa morreu numa viagem.
M – Sr. Anésio, o Sr. Eduardo nunca se preocupou em registrar nada, tipo fotografar os
restauros, fotografar os carros?
A – Fotografar, ele fotografava. Tirava as fotos para ver as peças, para ver como ficava.
M – E onde estão estas fotos?
A – Eu sei que elas ficavam na sede.
M – Algumas estão lá?
A – É para estar pela biblioteca.
M – Na Miniterras não está. A Patrícia explicou que ela está com tantos afazeres, que
infelizmente, ela não está tendo tempo de cuidar disso.
A – Ela não tem tempo e ela está muito carregada de serviço. Só tem ela para ver tudo.
Existiam algumas fotos do Caminhão do Mazzaropi. Você já viu o caminhão.
M – Eu vi na Gazeta.
A – Não, mas ele esteve no Museu, na época da festa, atravessado no meio da rua. Ele está lá,
embrulhado num encerado, o caminhão do Mazzaropi mesmo. Ele comprou em São Paulo.
M – É dele?
A – É dele do Sr. Eduardo.
M – Está onde?
A – Ele nem bem acabou de reformar ele, ele morreu. O Sr. Eduardo só não viu a parte das
rodas ficarem prontas, mas ele cuidou de tudo. A intenção dele com esse carro do Mazzaropi,
era fazer o serviço que vai fazer esse furgão que eu te falei. E o Mazzaropi mesmo, já ia levar
os carros mesmo, ele tinha essa intenção.
M – O caminhão é grande?
260
A – É grande. E tem a plataforma em cima. E tem as tomadas, as tomadas nem mexeram, que
o Mazzaropi funcionava, ligava os aparelhos. Tá aqui na frente, aquelas tomadas.
M – E como ele conseguiu notícia desse caminhão?
A – Ah, ele achava lá, em São Paulo. Veio rodando de São Paulo, com galão de gasolina. O
Sr. Eduardo tem bastante dinheiro pra ir colocando gasolina [...].
M – Isso em que ano?
A – Foi antes de 2000, bem antes. Foi nos anos... o João Branco e o Sr. João que buscaram
ele, eles devem saber. Eles foram buscar em São Paulo, vieram com um farol só (risos). Era
para ser 56 aquele caminhão. Tinha Ford 59 que o Cutrale puxava laranja para São Paulo, era
caminhão daquela época. O motor dele era a gasolina e o Sr. Eduardo, agora, pôs motor a
diesel nele. Está novinho o motor, tá lá encostado, o motor tá novinho, novinho. Se ele
funcionou duas horas foi muito. Está embrulhado no encerado. Pôs ar condicionado no
caminhão inteiro, tanto pra refrigerar tanto a carroceria pra trás, porque é furgão, quanto pra
refrigerar a cabine. Porque a cabine ele mudou também, pôs banco de D-20. O banco do
Mazzaropi quando veio era do tamanho disso aqui ó (gesticula), pegava lá da porta lá e vinha
até aqui (gesticula). Colocava seis pessoas, tranqüilo. Porque era comprido, um banco simples
de tudo. Então, ele ia atravessava a cabine. Eu não sei porque parece que é mais largo ali perto
da porta, porque eu acho que era pra viajar a equipe do Mazzaropi. Mas, o banco, ele tirou
também, eu nem sei onde ele colocou.
M – Mas, por exemplo, ele não fotografava o carro quando chegava e o carro depois de
pronto?
A – Ele fotografava.
M – Essas duas fases, ele fotografava?
A – Fotografava.
M – E vocês não sabem onde está esse arquivo?
A – Não.
M – Eu vou perguntar para a Patrícia.
A – Ele tirava muitas fotografias.
M – Então, ele cuidava disso? Por que as fotos que a Patrícia me mostrou, são da época de
São Paulo, são bem antigas.
A – Sabe qual era o problema?
Às vezes ele ia viajar pra São Paulo, ele precisava de uma peça. Então, ele levava a fotografia
e mostrava, eu quero essa peça aqui. É lateral, é pára-lama. Então, ele mostrava. Ele sabia o
que ia comprar porque mostrava já para o cara o caminhão, o carro, etc. Ele sabia o que estava
comprando. Porque só falar não adiantava. Essa parte do pára-lama, o cara pegava o manual
comparavam e dava certo.
261
M – Por que a Patrícia dizia que ele não gostava de dar entrevistas, divulgar os carros, ele era
mais...
A – Ele não gostava de se aparecer muito com isso aí, mas ele gostava de fazer. Ele não
gostava de se aparecer, de os outros ficar elogiando ele, ele não gostava disso não. No
entanto, quando aparecia um cara lá na Fazenda que queria ver e que ele estava lá, nós não
mostrávamos nada, porque ele não gostava que mostrasse. Ele fazia mais pra ele. Porque tem
gente que faz para os outros verem, mostra, vai a evento. Ele não.
Esses encontros aí que puseram o nome dele, parece que a Patrícia pediu pra tirar. Então, ele
não ia lá, quando ele ia, ele sentava lá numa cabininha daquela lá e ficava conversando com a
turma. Ele mostrava a presença dele, mas não que ele ia lá. Ele não gostava muito de se
aparecer.
262
APÊNDICE H – ENTREVISTA SR. VALDEMIR MARIANO LUIZ – PINTOR DE
AUTOS, FUNCIONÁRIO DE SR. EDUARDO
ENTREVISTA – 21/04/2007
M – Qual o seu nome?
V – Meu nome é Valdemir, faz dezenove anos que eu trabalho lá na Fazenda, do Sr. Eduardo,
sou pintor de autos.
M – Você pinta os carros?
V – Carros, máquinas, tudo quanto é coisa que ele pedia pra fazer, pintura de barco eu fazia.
M – Você poderia falar alguma coisa sobre o Sr. Eduardo, no que se refere às pinturas do
restauro, as exigências dele, acompanhamento do trabalho por parte dele?
V – Todos os carros que a gente ia fazer lá, ele olhava a cor, falava a cor que queria.
M – Você não lembra de nenhum fato curioso que considere importante contar?
V – Tinha um carro lá, um Nasha, que ele decidiu fazer, que não tinha nada nele. Mas o Sr.
Eduardo queria fazer ele, estava todo podre. O Sr. Eduardo comprou todas as peças, lanterna,
farol, pára-brisa, parafuso assim, tinha que ser tudo de inox, porque ele falava que não
enferrujava. Nenhum detalhe escapava do Sr. Eduardo.
M – Até o parafuso ele cuidava?
V – Até o detalhe do parafuso.
M – E como era a escolha das cores dos carros? Eram originais, tinha ainda pigmentação
quando ele trazia?
V – Tinha carro que ainda tinha cor, às vezes ele mandava colocar cores bem parecidas ou às
vezes ele mudava mesmo. Do jeito que ele queria.
M – Algum carro deu mais trabalho?
V – O carro que deu mais trabalho foi o do Mazzaropi, porque era bastante grande e eu fiz ele
sozinho. E o Sr. Eduardo olhando, ele olhava tudo. Trabalhava aos sábados, trabalhava até
tarde e ele ficava ali.
A - Uma coisa que eu me lembro é que se ele fosse mexer com barcos, ele não aceitava por
pregos, tinha que ser de aço inoxidável. Toda a ferragem que ia no barco, tinha que ser aço
inoxidável. Prego não podia ser de ferro, tinha que ser de latão ou aço inoxidável.
M – Você gostaria de falar sobre o restauro dos barcos?
263
V – Os barcos também né, o Sr. Eduardo inspecionava tudo. Da forma como queria para
amaciar, fazer tudinho. Ele ficava em cima, inspecionava tudinho. Às vezes, ele passava e
falava: ai meu barco!
A – E outra coisa, o barco, era alto. Nós fazíamos escada de ferro para ir lá em cima e ele
poder subir lá. Tinha que por corrimão dos dois lados, porque ele era pesadão. Fazia tudo de
chapa a escada por fora, para ele poder subir lá em cima e olhar dentro do barco. Ele tinha que
olhar lá dentro.
M – Para ver como estava o restauro?
A – Lógico, ele não aceitava o cara trabalhar lá e ele não olhar o que estava sendo feito.
Então, nós fazíamos a escada com chapa e com corrimão de cano, dos dois lados para subir,
porque era alto o barco, altura medonha.
V – Eu me lembro que ele ficava lá na oficina o dia inteiro. A gente ainda brincava com o Sr.
Eduardo, que ia arrumar uma cadeira pra ele ali. Ele dormia no banco da caminhonete,
enquanto a gente estava trabalhando naquela barulheira.
M – Ele dormia enquanto vocês trabalhavam...
A – É aí ele levantava um pouco...
V – Dava uma volta pela oficina assim, dava uma olhada no serviço. Entrava na caminhonete,
ficava sentado lá e acabava dormindo de novo.
A – Agora nos últimos tempos, que o fazer dele era só isso aí, ali mesmo. E ele era assim. Às
vezes, ele estava ali, acontecia dele ficar nervoso com alguma coisa, até do escritório mesmo,
que ligava para lá e já ficava nervoso com alguma coisa que estava errada. Ele saia assim ia lá
pra casa, casa dele. Chegava lá, tomava uma água lá, descansava um pouco, voltava, acertava
tudo outra vez (risos). Era gozado viu.
M – Você não tem mais nenhum fato interessante que queira contar? Sobre a pintura?
V – A gente não fazia assim só a parte da pintura, também mexia nos barcos, em tudo, no
avião também lá, que a gente estava restaurando que ele queria fazer um bar, que está lá, na
Fazenda. Nós trabalhamos muito tempo nele lá também. Os carros, às vezes para pintar,
demoravam cinco meses, seis meses, às vezes até mais, porque ele fazia um carro e deixava
sempre um carro pra... vir ali, parava, pegava em outro, era sempre assim. Tudo do jeito dele.
A – Naquele avião lá. Quando chegou esse avião... faz mais de trinta anos que esse avião
chegou lá na Fazenda. Então... ele estava pra cá do açude, pra banda de cá, o avião, onde ele
pretendia fazer. Teve uma época que ele queria colocar o avião em cima do açude. Eu precisei
medir o açude todinho, medindo a fundura e marcando, a fundura e marcando para ver onde é
que ia fazer o pilar dentro do açude. Ele queria fazer os pilares dentro do açude, para por o
avião em cima da água dentro do açude. O avião é grande, 64 passageiros (risos). Ele queria
por lá (risos). Eu medi tudo o açude lá. Marcava as funduras e passava pra ele. Eu falei, se ele
conseguir colocar esse avião dentro do açude vai ficar bonito hein. Agora fazer pilar... Mas,
ele mandava ligar os motores e jogar a água do açude fora (risos).
264
M – Com ele não tinha problema e nem empecilho?
A – Motor comia lá, noite e dia, esvaziava o açude (risos) se fosse preciso né. Muitas vezes,
nós esvaziamos. Aí, eu não sei o que foi, ele resolveu mudar o avião de lugar. O avião estava
do lado de cá de curral e quando o avião chegou lá, eu plantei duas seringueiras, pra fazer
sombra no avião porque se ficasse o sol lá, mas fazia uma caloria no avião que não agüenta lá
dentro. Porque o avião tem as tubulações de ar condicionado dentro, senão o cara agüenta
ficar lá dentro, ainda mais parado. Eu peguei e plantei as duas seringueiras. Estão lá as
seringueiras.
Chegou com uma carreta com as duas asas e a outra carreta com o charuto do avião. Chegou e
ele falou Anésio, nós vamos descarregar lá no pasto, largamos lá. Aí ele pensou bem o lugar e
falou: agora você planta bambu e seringueira em volta do avião para subir e fazer sombra para
cobrir o avião e refrescar dentro do avião. Aí eu plantei duas seringueiras, uma de cada lado,
aí a seringueira começou a engrossar, engrossar e começou a apertar o avião (risos), os galhos
começaram a engrossar, crescer e apertar o avião, isso aí vai chegar um tempo que vai prensar
o avião e ninguém vai conseguir tirar esse avião.
Então, ele mandou trazer o avião aqui na sede, na sede de cá, estava do lado de lá do açude e
ele mandou trazer pro lado de cá do açude. Pegamos uma esteira, amarramos os cabos de aço
no avião, e nós tínhamos que dar volta lá em cima, na beira da estrada, num lugar mais seco,
fazer o balão e descer no meio. O avião tinha que descer em cima de duas ruas de laranja;
umas laranjas mais novas, pra poder chegar na sede. Aí nós amarramos, mas aí chegou lá pra
riba do chão o avião afundou no brejo lá, o avião pesava 17 toneladas, estava marcado lá nele
(risos). Olha e batucamos para tirar esse avião de lá e vai de cá e vai de cá.
M – E ele sempre acompanhando tudo?
A – Ah, ele sempre ia lá olhava e deixava a gente trabalhando. Esse avião enterrou no brejo, e
nós levávamos madeira, levantava esse avião, calçava e a Máquina tentava puxar e
arrebentava o cabo de aço. E o avião não saia (risos). Não era para pesar um tanto daquele lá,
porque na tara dele estava 17 toneladas. Acho que está até hoje lá. Aí, nós chegamos lá em
cima, viemos no lugar certo e descemos na rua de laranja e veio. Chega aqui perto da Fazenda
tinham duas forças, a de alta tensão 13.000 e a secundária que é 220 que subia pra Fazenda.
Precisamos derrubar a linha de alta tensão, ir lá em cima, desligar todas as chaves no tronco, e
passar o avião pro lado de lá que o rabo dele pegava em cima. A de alta tensão desmanchamos
ela e o avião passou por cima. A 220 enganchava no rabo do avião assim, que a altura [...],
precisava ir puxando devagarzinho o avião e empurrando com um pau para escorregar por
cima, porque é 13.000 lá. Deus me livre, não sobra nada. Aí atravessamos e colocamos o
avião de fasto ali perto da piscina. Que ele pretendia fazer um bar lá, pra vir da piscina, fazer
um viaduto por cima, uma estrada de paralelepípedo, passar por cima da estrada e entrar
dentro do avião. É o que ele tinha intenção de fazer.
Aí, ele mandou tirar todos os bancos, os bancos estão em cima de um caminhão até hoje.
V – Ele mandou tirar os bancos, tirar a fiação de baixo. Nós trocamos o assoalho dele,
trocamos a porta, ele estava fazendo tudinho...
A – Chegou uma porta nova.
V – Ele parou, deu um tempo. Ele era assim, ele parava com aquele serviço, dava um tempo,
depois ele voltava pra aquele serviço de novo. Aí depois, ele mandava fazer um outro serviço,
aí depois, ele lembrava do anterior, mandava voltar pra aquele de novo.
265
M – Ele tinha vários projetos ao mesmo tempo?
A – Vários projetos. Ele mexia com tudo. O avião, fizemos escada de ferro para ele subir lá
em cima. O avião ficava lá em cima. Está lá a escada até hoje na porta do avião. A porta
estava amassada, ele comprou uma chapa acho que em Ribeirão, de alumínio. O funileiro de
lá, fez a porta novinha, a porta está lá no avião. Desmontou tudinho por dentro, arrumou as
vidraças dele que estavam entrando água, arrumou borracha, fez tudo. Ele fez um salão dentro
do avião. Depois...
M – Ele não terminou?
A – Não terminou, ficou parado lá, está parado até hoje. Colocou energia dentro para
trabalhar, porque às vezes o funileiro trabalhava até de noite.
M – Mas ele não conseguiu montar o bar?
A – Não, não conseguiu. Era um projeto que ele tinha.
M - E tudo isso ele não descrevia pra ninguém? Qual era o projeto final? O que ele imaginava
que ia ser?
A – Não, não falava. Só falava: Eu vou fazer um bar aí dentro.
M – Mas ele não falava: vou colocar tantos assentos, vou colocar mesa, quero assim, quero
assado?
V – Ele mesmo quem sabia. Falava põe aqui, faz assim, faz aqui.
A – Ele não falava pra ninguém, ele ia falando, faz assim.
O Sr. Eduardo é uma história, é uma novela. Para quem conviveu com ele. A gente tem muita
coisa que acompanhou, tem muita coisa para dizer, mas a gente se esquece. Eu vou saber
coisa de quarenta anos atrás? Mas quando eu passo pelos lugares, eu lembro das histórias. O
Sr. Eduardo tinha história todo dia dele, ele inventava. Trator, ele arrumava trazia pro Museu
e pintava o trator, quantos tratores...
V – Aquele trator Deutz que estava no barracão lá em cima, o Sr. Eduardo mandou trazer ele
pra baixo. Fazia muitos anos que ele estava parado lá. Ele pegou, deram um tranco nele lá, o
trator pegou, aí o Sr. Eduardo mandou desmontar dois...
A – Ele tinha dois daquele lá, pra de dois fazer um. Depois a carcaça que sobrava do outro,
você pensa que ele mandava jogar no ferro velho? Jogar o que. Você me guarde isso aqui lá,
mas olha lá hein! Não... não jogava nada.
A Patrícia... ela até me admira, ela fala, isso aqui você não vai aproveitar não, ela manda jogar
fora.
O Sr. Eduardo, esse resto que sobrou, a mesma coisa era carro. Ele comprava dois carros, ele
nunca arrumava um carro só, ele comprava dois, para de dois fazer um. Uma coisa que estava
estragada em um ele passava pro outro, no fim ele fazia um. Você pensa que os pedaços ele
deixava? Mas de jeito nenhum. Você vai ali no fundo do escritório, tem um barracão fechado
266
ali, para você ver o que tem ali. Agora está indo pra Fazenda, porque a Patrícia quer que leve
tudo pra lá agora.
Lataria de carro... ali naquela coisa de fazer ginástica, um barracão fechado. Vai tempo pra
levar tudo aquilo ali.
M – Vai carreta?
A – Vai carreta. Buscava em Caçapava. Ele buscou cinco carros em Caçapava, está lá. Não
chegou a restaurar. Desses carros, ele arrumou a caminhonete da Usina Amália que estava lá,
que era da Maria Pia. Parece que a filha dela deu esses carros pra trazer, porque eles tem um
Museu lá.
M – Do Roberto Lee.
A – Os homens trouxeram os cinco carros pra cá. Ele arrumou os caminhões, as carretas lá da
Fazenda pra ir atrás do caminhão que ia em Caçapava. Voltava o caminhão com o carro
dentro e uma carreta atrás do caminhão. Você via cada coisa que o Sr. Eduardo fazia que você
ficava boba.
M – O Sr. Eduardo na verdade não ganhava dinheiro nenhum com isso. Só gastava.
A – Só gastava.
267
APÊNDICE I – RELAÇÃO DOS OBJETOS DO MUSEU DE ARMAS, VEÍCULOS E
MÁQUINAS “EDUARDO ANDRÉ MATARAZZO”
CARROS EUROPEUS
Carros franceses
Numeração
seqüencial
atribuída
Marca Modelo Ano Cor Localização
26 Citroen 2 CV 1955 Verde Pavilhão 3
Restauro Delahaye 38 1912 ---- Pavilhão 3
Carros italianos
Numeração
seqüencial
atribuída
Marca Modelo Ano Cor Localização
56 Alfa Romeo 2500 1949 Cardinal Pavilhão 3
43 Lancia Aurelia ---- 1951 Preto Pavilhão 3
16 Fiat Topolino C 500 1953 Azul Pavilhão 3
61 Masserati GT 3500 1961 Vermelho Pavilhão 3
Carros ingleses
Numeração
seqüencial
atribuída
Marca Modelo Ano Cor Localização
58 Austin Conversível Atlantic 90 1949 Grená Pavilhão 3
66 Ford Anglia EO 4ª 1947 Preto Pavilhão 3
50 MG TC 1950 Azul Pavilhão 3
48 Consul ---- 1951 Verde Pavilhão 3
45 Jeep Land Rover ---- 1951 Verde/Preto Pavilhão 3
59 Jaguar XK 120 1952 Cinza Pavilhão 3
35 Morris OXF / SYN 1952 Vermelho Pavilhão 3
39 Austin Devon A 40 1952 Verde Pavilhão 3
65 Morgan Conversível 1954 Beije Pavilhão 3
37 Rover ---- 1953 Cinza Pavilhão 3
12 Austin Healey 100-6 Conversível 1958 Grená Pavilhão 3
Carros alemães
Numeração
seqüencial
atribuída
Marca Modelo Ano Cor Localização
77 Adler ---- 1939 Preto Pavilhão 3
87 Mercedez Benz 170 H 1938 Beije Pavilhão 3
40 Mercedez Benz Adenauer 1952 Grená Pavilhão 3
21 Mercedez Benz 219 (W210) 1953 Pérola Pavilhão 3
Restauro Mercedez Benz ---- 1968 Preto Pavilhão 3
19 Borgward Isabella ---- 1958 Verde Pavilhão 3
Carros suecos
Numeração
seqüencial
atribuída
Marca Modelo Ano Cor Localização
85 Volvo 444 1957 Bordô Pavilhão 3
268
CARROS AMERICANOS
Carros Órfãos - Fábricas extintas / Incorporadas
Numeração
seqüencial
atribuída
Designação
do objeto
Marca Modelo Ano Cor Localização
86 Carro Humber Limited ---- 1909 Preto Pavilhão 2
80 Carro Gardner ---- 1928 Marrom Pavilhão 2
89 Carro Cord ---- 1938 Beije Pavilhão 2
81 Carro Packard Limousine Executive 1947 Preto Pavilhão 2
53 Carro Nash ---- 1949 Branco Pavilhão 2
54 Carro Willis Jeepster 1949 Vermelho Pavilhão 2
47 Carro Studebaker Champion 1951 Pérola Pavilhão 2
34 Carro Hudson Hornet 1952 Branco Pavilhão 2
20 Carro Pakcard Clipper 1953 Cinza Pavilhão 2
60 Carro Studebaker Starliner 1954 Azul Pavilhão 2
Restauro Carro Kaiser Henry J. 1951 ---- Pavilhão 2
Linha Chrysler / Mopar
Numeração
seqüencial
atribuída
Designação
do objeto
Marca Modelo Ano Cor Localização
36 Carro De Soto ---- 1951 Cinza Pavilhão 2
44 Carro Dodge Coronet 1951 Verde Pavilhão 2
22 Carro Chrysler Imperial 1953 Cinza Pavilhão 2
10 Carro Dodge Coronet 1959
Vermelho /
Branco
Pavilhão 2
11 Carro Plymouth Fury 1959 Branco Pavilhão 2
88 Carro Lincoln Première Chassis 1957 Verde Pavilhão 2
74 Carro Lincoln Zephir 1939 Bordô Pavilhão 2
23 Carro Lincoln Continental Coupe 1942 Marfim Pavilhão 2
57 Carro Lincoln Continental Conversível 1948 Bordô Pavilhão 2
Restauro Carro Continental Mark II 1956 Beije Pavilhão 2
Linha Cadillac
Numeração
seqüencial
atribuída
Designação
do objeto
Marca Modelo Ano Cor Localização
75 Carro Cadillac La Salle 1939 Preto Pavilhão 1
32 Carro Cadillac Série 61 1950 Preto Pavilhão 1
25 Carro Cadillac Eldorado 1954 Preto Pavilhão 1
24 Carro Cadillac Coupê Deville 1955 Azul Pavilhão 1
9 Carro Cadillac Fleetwood 1963 Preto Pavilhão 1
269
Linha Ford
Numeração
seqüencial
atribuída
Designação
do objeto
Marca Modelo Ano Cor Localização
83 Carro Ford T "Bigode" 1924 Verde Pavilhão 1
76 Carro Ford Fordor Sedan 1937 Verde Pavilhão 1
73 Carro Ford Tudor 1939 Beije Pavilhão 1
71 Carro Ford Deluxe Coupe 1940
Vermelho /
Preto
Pavilhão 1
69 Carro Ford Conversível Super Deluxe 1947 Bordô Pavilhão 1
49 Carro Ford Custom Coupe 1951 Cinza Pavilhão 1
42 Carro Ford Crestline 1952 Vermelho Pavilhão 1
5 Carro Ford Crestline 1954 Verde Pavilhão 1
Restauro Carro Ford Falcon 1961 Vermelho Pavilhão 1
8 Carro Ford Galaxie LTD 1963 Beije Pavilhão 1
2 Carro Ford Galaxie 500 1975 Preto Pavilhão 1
Linha Chevrolet
Numeração
seqüencial
atribuída
Designação
do objeto
Marca Modelo Ano Cor Localização
14 Carro Corvair Sport 1963 Pérola Pavilhão 1
17 Carro Oldsmobile Cutlass 1962 Branco Pavilhão 1
4 Carro Buick Electra 1960 Azul Escuro Pavilhão 1
3 Carro Oldsmobile Holiday 1954
Branco /
Azul
Pavilhão 1
33 Carro Chevrolet Bell Air 1953 Verde Pavilhão 1
41 Carro Chevrolet de Luxe Bell Air 1952 Verde Pavilhão 1
52 Carro Chevrolet Power-Glide 1950
Preto /
Cinza
Pavilhão 1
55 Carro Chevrolet ---- 1949 Preto Pavilhão 1
68 Carro Oldsmobile ---- 1948 Azul Pavilhão 1
79 Carro Chevrolet Phaeton "Ramona" 1923 Preto Pavilhão 1
82 Carro Chevrolet Phaeton AA 1926 Amarelo Pavilhão 1
270
CARROS NACIONAIS
Numeração
seqüencial
atribuída
Designação
do objeto
Marca Modelo Ano Cor Localização
31 Carro Matriz Karman Guia TC 1600 ---- Marrom Pavilhão 2
18 Carro D.K.V Vemag Candango 1958 Verde claro Pavilhão 2
67 Carro Romi Izeta 1960 1962 Azul Pavilhão 2
Restauro Carro Aerowillis ---- 1962 ---- Pavilhão 2
84 Carro Aerowillis 2600 1963 Bordô Pavilhão 2
15 Carro Renault Dauphine 1963 Cinza Pavilhão 2
63 Carro D.K.V Vemag Belcar 1964 Grená Pavilhão 2
64 Carro D.K.V Vemag Fissore 1965 Branco Pavilhão 2
28 Carro Willys Interlagos 1962 Amarelo Pavilhão 2
62 Carro Brasinca Uirapuru 1966 Cinza Pavilhão 2
38 Carro Willys
Itamarati Executivo -
Limousine
1967 Preto Pavilhão 2
1 Carro Crysler Regente 1969 Bordô Pavilhão 2
Restauro Carro Dodge Mamae 1970 ---- Pavilhão 2
29 Carro F.N.M. 2150 1970 Gelo Pavilhão 2
13 Carro Ford Maverick 1976 Prata Pavilhão 2
6 Carro Ford Landau 1980 Preto Pavilhão 2
30 Carro Chevrolet Opala 1990 Preto Pavilhão 2
Restauro Carro Jornada Conversível 1977 ---- Pavilhão 2
271
TRATORES / CAMINHÕES / LOCOMOTIVAS / GUINCHO
Designação do objeto Marca Motor Ano
Esteira Esteira ---- ----
Trator Deutz DM 55 Deutz Num. 1046/64 1964
Colheitadeira de arroz Case Num. 5.779 1954
Jeep utilitário Unimog 42 19 17 381 1957
Jeep utilitário Dodge T 215 277 41 - S 1942
Caminhão Ford - T Ford 30 05 1922
Caminhão Saurer Sauer 44 79 1904
Caminhão Vomag Vomag Renaut 64 98 1926
Caminhão Tanque Borgward Termo 1145 1946
Caminhão Ford Canada Ford ---- ----
Trator Guincho Mod - HBA Mineapolis Moline 16 04 92 ----
Caminhão Sply Mack ---- ----
Trator Fordson Super Major Ford Mod. Coutry 15 94 989 ----
Trator Fordson Super Major Ford CO 28 0001 ----
Trator International 50 540 ----
Trator MC Cornick 650 International Disel 650 ----
Trator International Rarvester C. O. Chicago ----
Trator Ursus Ostroznie Otwienac 148 38 ----
Trator Cockshutt FL 40G 30 464 ----
Esteira Tipo P Vivioan - Loyd 72 03 490 ----
Trator Est. Mod 003-31-cana Oliver - Chawlers 24 79 140 ----
Trator Est. Série 2815 A Merican Still C. O. ---- ----
Locomóvel Mod 42 Marschall Sons & Cia 12 416 1884
Motoniveladora Caterpillar Tractor 8T 21 24 1948
Rolo compressor Marschall Sons & Cia 91 071 ----
Locomotiva a vapor Tatuzinho Sharp Stewart ---- 1888
Locomotiva Henschel & Sohn Cassel 11 372 E N.55 1912
Guincho a vapor Smitj & Rodley ---- 1938
Bonde ---- ---- ---
272
MOTOCICLETAS
Tipo Marca Motor Ano Informações complementares
Motoneta Lambreta 33 712 1958 Chassis L0 L8 LD 5
Motoneta Jawa Manet 28 268 1962 Placa SP 11 036
Motocicleta Harley Davidson 51 FL 65 67 1951 ----
Motocicleta Harley Davidson 51 FL 65 67 1951 Com side car
Motoneta Jawa 280 729 1960 Placa SP 13 733
Motocicleta Honda ---- 1974 Chassis CBI 255 038 377
Bicicleta Motorizada Solex 5000 ---- ---- ----
Motocicleta BMW 06 00 666 ---- Fabricada na Alemanha
273
PEÇAS BÉLICAS
Quanti-
dade
Designação
do objeto
Marca Modelo Série Ano
Documento /
Fonte de doação
Locali-
zação
2 Motor FAB ----
R-985 AN3
S/N 201105
JP
206536
---- Comodato ----
2
Motor Prat
Witney
----
R-985 AN3
S/N 207705
JP
206536
----
Doação Usina
Amália
----
2
Motor Allisson
a gasolina
---- V 17 10 F10 RE 22 ----
Doação Sr.
Eduardo
Pavilhão 3 -
Corredor
1
Motor
Billancourt
---- ---- 80421 ----
Doação Sr.
Eduardo
Pavilhão 2 -
Número 2
2
Motores do
avião PP-SBL
---- 1104 e 1148 ---- ----
Recibo em nome do
Museu
----
1
Turbina
Derwent
Rolls Royce 8-36 10779 ----
Comodato
Ministério da
Aeronáutica
Corredor
6 pares
Pás de hélice
de Aeronaves
---- Douglas C-47 ---- ----
Recibo em nome do
Museu
Pavilhão 1 -
Número 15
1 Motor Ranger ---- L-440
R 020
089
----
Doação do
Ministério da
Aeronáutica
Corredor
2 Motores DEM
Lycoming Aircraft
engine
0235-C 1R
IGSC-540-A
10
---- ---- ----
Pavilhão 2 -
Número 4
1 Turbina Rolls Royce ---- ---- ---- Corredor
1 Torpedo ---- MK-8 ---- ----
Doado por
Fuzileiros Navais
de Santos
----
1 Lança torpedo ---- ---- ---- ----
Doado por
Fuzileiros Navais
de Santos
----
1 Morteiro ---- MK-VI ---- ----
Doado por
Fuzileiros Navais
de Santos
----
1 Mina marítima
Fuzileiros Navais
de Santos
SH-T-80 ---- ----
Doado por
Fuzileiros Navais
de Santos
----
2 Canhão 55 mm Mount - M24 ---- ---- ----
Doado pelo
Ministério da
Guerra
----
3
Jeep anfíbio
militar
Ford ---- ---- 1942
Cessão Ministério
da Guerra
----
4
Carro de
combate
Renault ---- ---- 1917
Cessão Ministério
da Guerra
----
5
Canhão para
submarino 5"
Herring Hall
Marvinsafego
5 sight
MK 42-2
093 003 1942
Doado pelo
Ministério da
Guerra
Área externa
6 Canhão Fried Krupp ---- ---- 1939
Doado pelo
fabricante
Aktiengrsellschraft
Essen
Área externa
274
OBJETOS MUSEU
Designação do
objeto
Marca Ano
Fabrica-
ção
Informações complementares
Localiza-
ção
Motor de avião - tipo
estrela
Entrada museu ---- ---- N. 820 / 87799 ----
Motor de avião - tipo
estrela
Entrada museu ---- ---- N. R I 820 - 87 / 153 089 ----
Bomba de gasolina
centrífuga
Wayne 1930 U.S.A. ---- ----
Bomba de gasolina
centrífuga
Wayne 1930 U.S.A. Série B 26 ----
Bomba de gasolina Satan ---- Brasil ---- ----
Bomba de gasolina Sadol S.A. 1965 Brasil ---- ----
Bomba de gasolina Sadol S.A. ---- Brasil Mais antiga que a de cima. ----
Bomba de gasolina Wayne ---- U.S.A. Série 65 170 ----
Bomba de gasolina Wayne ---- Brasil Modelo R 70 série 13 T ----
Bomba de gasolina Wayne ---- U.S.A. ---- ----
Bomba de gasolina Back ---- Inglaterra Modelo 56 430 ----
Bomba de gasolina Aury-Hardool ---- ---- ---- ----
Bomba de gasolina Aury-Hardool ---- ---- ---- ----
Bomba de gasolina Wayne ---- ---- ---- ----
Bomba de gasolina Wayne ---- ---- B 439 X N. 46 81 X ----
Motor de popa Comander ---- ---- Série 10 504 ----
Motor de popa ---- ---- ---- ---- ----
Motor de popa Mercury ---- ---- ---- ----
Farol de avião Ford Plesley England 1962 ----
Tipo AS 214 Jaguar série
1601215
----
Farol de avião Ford Plesley England 1962 ----
Tipo AS 214 Jaguar série
1601215
----
Motor de avião -
Aircraft Engin.
Le Blond ---- U.S.A. Modelo 5F Série 961 ----
Motor de avião -
Aircraft Engin.
Le Blond ---- U.S.A. Modelo 5F Série 970 ----
Motor estacionário Waukesha motor C.O. ---- U.S.A. N. 14 5 H R Série 535941 ----
Motor estacionário
Deutz - Motoren Fabrik
Deutz
1928 ---- N. 21 75 66 ----
Moto bomba Oliver ---- ---- Diesel ----
Telégrafo ---- ---- ---- ---- ----
Vitrola Thorens Concert ---- Suiça Tipo CD 43 N. 26 414 ----
Máquina registradora National Mod. 532 - 3C 1908 ---- ---- ----
Prensa de jornal
Margenthalern linotype
C.O.
---- U.S.A.
Linotype Modelo 31 N. 64 779
U.S.A.
----
Cofre Berta número 2330 1923 ---- ---- ----
Cofre Berta número 2354 1923 ---- ---- ----
6 pás de hélice
Douglas C-47
---- ---- ---- ---- ----
Compressor de
refrigeração
Carrier 1936 ---- ---- ----
Gasogênio Penha 1945 ---- N. 465 ----
Pistão ---- ---- ---- ---- Pavilhão 2
Radiador ---- ---- ---- ---- Pavilhão 2
Radiador ---- ---- ---- ---- Pavilhão 2
Motor de carro Ford - Ford T 1922 U.S.A. N. 12 79 96 33 - U.S.A. Pavilhão 2
Motor de carro Ford ---- ----
Tipo G-700 Série G 600 762 a
dísel
Pavilhão 2
275
Motor carro Ford ---- ---- Modelo - 8BA N. 10 773 Pavilhão 2
Motor de carro Fiat ---- ---- N. 103-41 46 63 Pavilhão 2
Motor de carro Fiat ---- ---- N. 103-41 46 36 Pavilhão 2
Motor de carro Cadillac 1954 ---- N. 469.262 Pavilhão 2
Motor de carro
Tucker - Corporation.
Chicago III
1949 ---- N. 103.507 Pavilhão 2
Motor carro Tatra ---- ---- N. 600 184. 185, 50 a gasolina Pavilhão 2
Câmbio Hidramatic -
352
Ford ---- ---- N. PBL. AH - 88920 Pavilhão 2
Caixa de câmbio Powerglide ---- ---- Chev Power Pavilhão 2
2 Girabrequim com
volante
---- ---- ---- ---- Pavilhão 2
Motor estacionário Haina ----
Tchecos-
lováquia
Diesel Pavilhão 2
Rádio de avião Bendix Rádio Division ---- USA
Tipo MM 28C Remote Control /
N. 1130 N. 583
Pavilhão 2
Rádio de avião Signal Corps U.S. Army ---- USA N. 10 773 Pavilhão 2
Rádio de avião Signal Corps U.S. Army ---- USA N. 964 Pavilhão 2
Prensa de jornal Schnell Prenssen Fabrik ----
Alema-
nha
---- Pavilhão 3
Motor elétrico
Simon Handling
Engineers
---- ---- N. 30 63 94 Pavilhão 3
Escafandro Person
Fab. Morse dining
Equipament C.O.
----
Boston -
E.U.A.
---- Pavilhão 3
Diferencial e Caixa
de direção
Rolls Royce ---- ---- ---- Pavilhão 3
Urdideira Stagionatura Anonima ---- Itália Sistema Brivettato / Italiana Pavilhão 3
Urdideira c/ 16
espulas
Chas. Hahlo&Sons
Union Special Machine
----
Bradfort /
USA
---- Pavilhão 3
Urdideira Otta Giov. Bataglia ---- Itália Motor Westinghouse Pavilhão 3
Tear de madeira
Henry Rogers Sons &
C.O.
---- ---- Modelo LM 6246 Pavilhão 3
Tear de madeira E.C.H. Will ---- ----
Fabricada por Liniirmaschinen
Fabrik N. 803
Pavilhão 3
Tear de madeira Rayon Af 207 ---- Itália
Fab. por Officine A. Fontana N.
15 729
Pavilhão 3
Fogão de metal de
guerra
Chmber Corporation 1945 U.S.A. ---- Pavilhão 3
Fogão de metal de
guerra
Reynols metals 1944 U.S.A. ---- Pavilhão 3
Prensa de azuleijos Dorts Maschinen Fabrick ---- ---- AG 359 B Pavilhão 3
Prensa de azuleijos Lidgewood ---- ---- ---- Pavilhão 3
Espremedor de
laranja
---- ---- ---- 2 bocas Pavilhão 3
Máquina de espremer
laranja
Brevetti F. Indelicato ----
Sicilia -
Itália
---- Pavilhão 3
Swing Fog ---- ---- ---- Tipo 6157 N. 38 79 Pavilhão 3
Morsa ---- ---- ---- ---- Pavilhão 3
Olofote contra in-
cêndio (search light)
General Eletric 60" ---- ---- N. 47 993 Pavilhão 3
Gasogênio Siguieroli ---- ---- Modelo SG 60-10 Série 01 81 Pavilhão 3
Bomba de água Sulzer ---- ---- N. 53 306 Pavilhão 3
Painel de navio ---- ---- ---- ---- Pavilhão 3
Antena para radar ---- ---- ---- ---- Pavilhão 3
Painel Modelo G ----
Alema-
nha
---- Pavilhão 3
276
Instrumen. Mod - 2
Rang Keeper
Ford ---- ---- N. 860 Pavilhão 3
Geladeira Tipo CG-1-
A16
General Eletric ---- ---- N. 52 43 493 Pavilhão 3
Bomba d'agua contra
incendio
Fiat - Tipo 180/12 BS ---- ---- N. 4609 Pavilhão 3
Kart ---- ---- ---- ---- Pavilhão 3
AVIÕES
Numeração
seqüencial
atribuída e
Designação
do objeto
Marca Modelo Série Prefixo Motor Ano
Documento de
doação
Característic
as
Característi-
cas do
motor
Fábricação
Informações
complementares
Locali-
zação
Avião 1 Fairchild T-19 260-A
PP-
GAY
Ranger ----
Doado pelo
Ministério da
Aeronáutica -
1975
---- ---- ---- ---- Pavilhão 1
Avião 2 ---- H.L. – 1 ----
PP-
TVX
Conti-
nental
1942 Sr. Eduardo
Monomotor,
monoplano,
dois lugares.
Peso da
aeronave
vazia: 464,4
Kg. Peso
máximo
permitido de
carga e
passageiros:
580,0 Kg.
Velocidade
máxima: 150
Km/h.
4 cilindros,
horizontal, 4
tempos,
potência de
65 CV, 2300
RPM.
Capacidade:
50,5 litros.
Consumo:
15 L/h
Companhia
Nacional de
Navegação
Aérea. Ilha
do
Engenho -
Rio de
Janeiro
---- Pavilhão 1
Avião 3 Rearwim Sportster 9000-L
PP-
TEE
---- 1938 ----
Para dois
passagei-ros.
Peso da
aeronave
vazia: 337
Kg. Peso do
combustível e
óleo: 65 Kg.
Peso
autorizado
para
tripulação: 75
Kg. Carga útil
autorizada:
116 Kg.
----
Rearwim
Airplane.
Kansas City
- USA
----
Pavilhão 1
277
Avião 4 Paulistinha CAP-4 ---- PP-RXI
Conti-
nental
----
Carta de
Manuel de
Freitas – 1972
Estrutura
metálica sem
revestimento.
Horizontal,
de 4
cilindros, 4
tempos, à
gasolina.
Companhia
Aeronáutica
Paulista
A Companhia
Aeronáutica
Paulista projetou
e fabricou 840
aviões do tipo
CAP-4 para
aeroclubes e
particulares.
Pavilhão 1
Avião 5 ---
Caça AT
33
----
FAB 43
23
Allison
J-33-35
----
Comodato
Ministério
Aeronáutico de
Recife
---- ---- ---- Pertenceu a FAB Pavilhão 2
Avião 6 ---
F-8
Turbinado
---- 4409 ---- ----
Nota de
compra em
nome do Mu-
seu
---- ---- ---- Pertenceu a FAB Pavilhão 2
Avião 7
Gloster
Meteor
F-8 ---- 4442 ---- 1954
Comodato –
Parque
Aeronáutico de
SP
Avião de
caça.
Monoplano
de asa baixa.
Construção
inteiramente
metálica.
Assento de
piloto
ejetável.
Pouso cíclico.
Armamento:
quatro
canhões de
20 M/M na
estrutura
externa que
são
alimentados
por cintos de
munição
acondicionad
os em
depósitos
dentro
Bimotor,
motores
turbo-jato
---- Pertenceu a FAB
Pavilhão 2
278
Avião 8 Beechcraft D-18-S ----
U-45-
2850
Pratt e
Whitney
---- Sr. Eduardo ---- ---- ---- Pertenceu a FAB Pavilhão 3
Avião 9
North
American
Texan T-6 ---- ---- ---- 1941
Nota de
compra em
nome do
Museu
---- ----
Parque da
Aeronáutica
de Lagoa
Santa.
Minas
Gerais
Pertenceu a
Esquadrilha da
Fumaça. Em
1952, instrutores
da escola
começaram a
fazer as primeiras
exibições de
acrobacias
aéreas, dando o
primeiro passo
para que o que
iria ser a
Esquadrilha da
Fumaça. Com ela
o T-6 fez 1272
demonstrações,
cerca de 35
Pavilhão 3
Avião 10
North
American
Texan T-6 ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ----
Pertenceu a FAB.
Também
desempenhou
outras missões.
Sua versatilidade
permitiu sua
utilização,
principalmente na
década de 60,
como
equipamento das
esquadrilhas de
reconhecimento e
ataque da FAB.
Armados com
metralhadoras 7,
62 mm, foguetes
Ar-superfície,
Pavilhão 3
279
Helicóptero
11
Cikorsky ---- ----
PT –
HAL
Pratt e
Whitnery
de 40
HP e 2.2
RPM
1946
Doado pela
OCIAN em 69,
Organização
Construtora e
Incorporadora
Naraus Ltda
---- ---- ---- ---- Pavilhão 3
Avião 12 Lodestar Lockheed ---
CGV
18-56
---- ----
Compra com
recibo em
nome do
Museu
---- ---- ---- ----
Pátio do
fundo
Avião 13 Fokker
Scandia
90-A2
----
SAAB
PP-
SQR
---- ---- ---- ---- ---- ----
Chegou a VASP
em 1955.
Pátio do
fundo
Avião 14 Vickers
Viscount
701
----
PP-
SRO
---- 1955
Doado pela
VASP
---- ---- ----
Chegou a VASP
em 1963. Operou
até 1969.
Pátio do
fundo
Avião 15 Curtiss
C-46 A
Commando
----
PP-
VCE
---- ----
Nota fiscal do
Museu
---- ---- ----
Adquirido pela
VARIG em 1952.
Pátio do
fundo
Avião 16 Douglas DC-3 ----
PP-
VBK
---- ----
Carta de
doação ao
Museu – IRFM
---- ---- ----
Comprado pela
VARIG em 1948.
Pátio do
fundo
Avião 17
General
Dynamics
Convair
240
----
PP-
VDG
---- 1948
Recibo em
nome do
Museu
---- ---- ----
Chegou na
VARIG em 1959.
Pátio do
fundo
Avião 18 ---- DC-6 ----
PP-
LFB
---- ----
Doação da
VASP
---- ---- ---- ----
Pátio do
fundo
Avião 19
North
American
---- ----
B 25-
5070
Bimotor ----
Comodato
Ministério da
Aeronáutica
---- ---- ---- ----
Pátio do
fundo
280
281
APÊNDICE J – RELAÇÃO DOS OBJETOS DA COLEÇÃO DE EDUARDO ANDRÉ
MATARAZZO – FAZENDA
FAZENDA
Numeração
seqüencial
atribuída
Carro Ano Cor Motor Placa
1 Buick 1926 Preto 2 371 321 ----
2 Fiat Topolino 1950 Cinza 16 40 15 ----
3 Plymouth 1951 Verde P 23 44 25 39 DA 5016
4 Mercury 1941 Azul 99 A 35 30 047 AB 550
5 Hudson 1946 Azul 3 274 233 AB 3471
7 Triumph 1951 Preto TT 73 29 Z
8 Oldsmobile 1962 Vermelho 621 M 14 175 KN 0917
9 Lincoln 1942 Cinza 26 H 57 11 OM 1942
10 Dodge Limousine 1947 Cinza ---- ----
11 Chevrolet Impala 1965 Pérola ---- VF 1883
12 Oldsmobile 1958 Azul B 26 74 27 ----
13 War de La France 1951 ---- ---- ----
16 Ford 1948 Caramelo/Preto ---- ----
17 Masserchimitt ---- ---- ---- ----
18 Chevrolet Perua 1969 Azul ---- ----
20 Saab 1954 Cinza 12340 BC 1390
22 Mazzaropi 1960 Branco ---- ----
23 Lincoln Continental 1941 Pérola ---- H 11 30 62
24 Nash Rambler 1949 Branco ---- R 62 12 09
25 MG - TC 1951 Preto ---- XPAG/TD2/18 9
26 Lancia 1967 Cinza ---- ----
62 Brasinca 1966 Cinza ---- ----
46 Buick Eight 1951 Beije ---- ----
31 Chevrolet Perua 1964 Azul ---- ----
27 SP-2 1975 Amarelo ---- ----
282
APÊNDICE K – RELAÇÃO DOS OBJETOS DA COLEÇÃO DE EDUARDO ANDRÉ
MATARAZZO – ANTONINA
ANTONINA – CARROS
Numeração
seqüencial
atribuída
Marca Ano Cor Fonte de doação Placa
1 Maverick 1974 Vermelho ---- UB 3656
2 Fusca 1979 Beije ---- TD 7340
3 FMN Alfa Romeu 1981 Cinza Sr. Eduardo JH 0762
4 Fusca 1986 Azul ---- ----
5 Mustang 1968 Azul ---- ----
6 Austin Caminhão 1951 Cinza Joaquim Inácio de Souza ----
7 Mercury Cougart 1967 Azul ---- ----
8 Chevrolett 1956 Azul ---- GR 4764
9 Bugatti 1975 Vermelho ---- IV 0549
10 Keiser 1949 Azul Sr. Eduardo BLZ 4570
11 Nash 1952 Azul ---- ----
12 Fiat 1912 Preto ---- ----
13 Pegeout 1903 Preto ---- ----
14 Austin Caminhão 1929 Amarelo ---- AP 1088
15 Impala 1966 Branco ---- EY 5883
16 Gordine 1967 Vermelho ---- JH 5517
17 Ford 1927 Azul ---- ----
18 Galaxi 1979 Branco Partimed ----
19 Mustang 1969 Vermelho Cary Bacchi Filho ----
20 Mercury Cougart 1967 Cinza ---- ----
21 Masserati 1955 Beije ---- ----
22 Maverick 1974 Amarelo ---- ----
23 Cougar 1969 Azul ---- ----
24 Trator Milano ---- Vermelho / Verde ---- ----
25 Mercury 1951 Verde ---- ----
26 Pegeout 1903 ---- ---- ----
27 Caminhonete 1948 Vermelho ---- ----
28 Masserchimit 1930 Vermelho ---- ----
ANTONINA – LOCOMOTIVAS
Designação do objeto Marca Motor Ano
Locomotiva N.3 ---- Antonina 1890
Locomotiva La Meuse Antonina 1912
283
ANEXOS
284
ANEXO A – ESTATUTO DO “MUSEU DE ARMAS E VEÍCULOS MOTORIZADOS
ANTIGOS”
285
286
287
288
289
290
291
292
293
294
295
296
297
ANEXO B – QUESTIONÁRIO “CONTEMPORARY COLLECTING PROJECT” –
AUTORIA SUSAN PEARCE (2005, p.292-295)
298
299
300
301
302
ANEXO C – LEI Nº 730, DE 30 DE ABRIL DE 1969
303
304
ANEXO D – CORREPONDÊNCIA ENTRE PREFEITO MUNICIPAL DE
BEBEDOURO E CEL. WALFRIDO DE CARVALHO - SOBRE PEDIDO DE
CONCESSÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO PARA TRANSIÇÃO DOS OBJETOS
DE SÃO PAULO PARA BEBEDOURO – 24.04.1969
305
306
ANEXO E – CORREPONDÊNCIA ENTRE PREFEITO MUNICIPAL DE
BEBEDOURO E SR. FIRMINO ROCHA DE FREITAS - SOBRE PEDIDO DE
CONCESSÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO PARA TRANSIÇÃO DOS OBJETOS
DE SÃO PAULO PARA BEBEDOURO – 24.04.1969
307
308
ANEXO F – CORREPONDÊNCIA ENTRE PREFEITO MUNICIPAL DE
BEBEDOURO E SR. LUIZ LEITE BANDEIRA DE MELLO - SOBRE PEDIDO DE
CONCESSÃO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO PARA TRANSIÇÃO DOS OBJETOS
DE SÃO PAULO PARA BEBEDOURO – 24.04.1969
309
310
ANEXO G – ESTATUTO DO MUSEU “EDUARDO ANDRÉ MATARAZZO” DE
ARMAS, VEÍCULOS E MÁQUINAS
311
312
313
314
315
316
317
318
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