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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
KATIUSCHA LARA GENRO BINS
ASPECTOS PSICO-SÓCIO-CULTURAIS
ENVOLVIDOS NA ALFABETIZAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS DEFICIENTES MENTAIS
Porto Alegre
2007
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KATIUSCHA LARA GENRO BINS
ASPECTOS PSICO-SÓCIO-CULTURAIS
ENVOLVIDOS NA ALFABETIZAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS DEFICIENTES MENTAIS
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Pontifícia Universidade católica do Rio Grande
do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Claus Dieter Stobäus
Porto Alegre
2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )
B614a Bins, Katiuscha Lara Genro
Aspectos psico-sócio-culturais envolvidos na alfabetização
de jovens e adultos deficientes mentais / Katiuscha Lara Genro
Bins. – Porto Alegre, 2007.
104 f.
Diss. (Mestrado em Educação) – Fac. de Educação,
PUCRS.
Orientação: Prof. Dr. Claus Dieter Stobäus
1. Educação. 2. Pessoas
Portadoras de Deficiência Mental.
3. Educação Especial. 4. Educação e Sociedade. 5.
Alfabetização (Adultos). 6. Jovens –
Educação. 7. Inclusão
Social. I. Stobäus, Claus Dieter.
CDD 371.928
Ficha Catalográfica elaborada por
Vanessa Pinent
CRB 10/1297
KATIUSCHA LARA GENRO BINS
ASPECTOS PSICO-SÓCIO-CULTURAIS
ENVOLVIDOS NA ALFABETIZAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS DEFICIENTES MENTAIS
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Pontifícia Universidade católica do Rio Grande
do Sul.
Aprovada em 22 de janeiro de 2007
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Claus Dieter Stobäus
FACED/PUCRS
_______________________________________
Prof. Drª Maria Conceição Pillon Christófoli
FACED/PUCRS
________________________________________
Prof. Drª Beatriz Vargas Dornelles
FACED/UFRGS
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço e dedico este trabalho, principalmente, à minha mãe Maria Julia Herz
Genro, por sempre estimular meus sonhos, me proporcionar caminhos para que eles
aconteçam e por ajudar a cuidar da minha pequena para que eu pudesse realizar meu
Mestrado. Obrigada pelo apoio e incentivo.
À minha filha Anna Julia, razão da minha vida, que, mesmo sendo muito pequena,
entende os meus momentos de ausência, obrigada por existir.
Ao meu pai, meus irmãos e toda a minha família por serem a base da minha
formação intelectual e afetiva.
Ao Hilton, por me incentivar e me desafiar a buscar sempre mais, por ser um pai
presente, me ajudando assim a terminar meu mestrado.
Ao Dr. Prof. Claus Dieter Stobäus, pela orientação dedicada, pela paciência,
compreensão e incentivo, mentor intelectual em meus processos de buscas e descobertas.
Querido MESTRE, obrigada por me amparar, orientar e incentivar na realização deste
trabalho e no decorrer do curso. Obrigada, AMIGO, por me escutar em momentos de
desânimo e angústia.
À minha tia Maria Ely H. Genro, por sempre me incentivar e responder minhas
dúvidas “educacionais”, és um exemplo de professora ética e comprometida.
À amiga de “longa data” e professora Drª. Salete Campos de Moraes, incentivadora e
colaboradora na minha busca, por me orientar no princípio, pela valiosa contribuição com
textos e artigos sobre o assunto pesquisado. Sou sua admiradora.
À querida e maravilhosa professora Drª. Maria Inês Cörte Vitória, pela parceria e
ajuda fundamental na finalização da minha caminhada.
Às amigas e professoras Jussara Loch, Susana Huerga e colegas do NEJA/PUCRS,
por me iniciarem na Educação de Jovens e Adultos e por todos estes anos de aprendizagem.
Aos Alunos do CMET, pelas entrevistas valiosas e reveladoras, sem vocês esta
pesquisa não seria possível. À professora Cristiane, pelos momentos de trocas, pela abertura
de suas aulas e pela cumplicidade, à Professora Lucia, por possibilitar o contato com os
alunos.
Às professoras avaliadoras Drª Maria Conceição Pillon Christofoli; Drª Beatriz
Vargas Dornelles pela disponibilidade.
4
À Coordenação, aos professores, aos colegas, principalmente à colega Denise
Dalpiaz e à Secretaria do Curso de Mestrado em Educação, com quem convivi e pude obter
melhores conhecimentos para minha formação. A todas as pessoas que, de forma direta ou
indireta, me incentivaram a seguir nesta caminhada.
5
“Devemos lutar pela igualdade sempre que a
diferença nos inferioriza,
Mas devemos lutar pela diferença sempre que
a igualdade nos descaracteriza”.
Boaventura de Sousa Santos
6
RESUMO
Minha pesquisa é de caráter qualitativo, utiliza como metodologia o Estudo de Caso, tendo
como objetivo investigar sobre a temática da Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes
Mentais, estabelecida através das suas relações com a escola, a família e a sociedade.
Aprofundo aspectos do processo de Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais,
como ele acontece, de que forma estes alunos aprendem, que importância tem a leitura e a
escrita na vida destes sujeitos. Abordo e problematizo em que aspectos a Alfabetização de
Jovens e Adultos Deficientes Mentais contribui para uma maior inclusão destes sujeitos na
sociedade; de que forma o aluno jovem e adulto deficiente mental percebe e se percebe no
mundo da leitura e da escrita. Dessa forma, a presente pesquisa se propõe a realizar uma
triangulação entre a Alfabetização, a Educação de Jovens e Adultos e o Adulto Deficiente
Mental. No Referencial Teórico elaborado, abordo e destaco concepções e princípios teóricos
sobre Alfabetização, Educação de Jovens e Adultos e o Adulto Deficiente Mental, levando em
conta os novos paradigmas emergentes, para além das concepções educativas tradicionais. Os
dados empíricos foram coletados junto a nove jovens e adultos deficientes mentais, incluídos
em uma escola da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre /RS. Nesse sentido, a pesquisa
se propôs a realizar uma reflexão e problematização acerca de três temáticas que, embora
façam parte de nosso cotidiano educacional, ainda não haviam sido articuladas e entrelaçadas
na perspectiva que este estudo buscou indicar, ou seja, estabelecer relações entre a
Alfabetização, a Educação de Jovens e Adultos e o Adulto Deficiente Mental, na modalidade
de ensino de EJA, a partir da ótica dos próprios sujeitos investigados, que deram à pesquisa o
tom de suas próprias vivências e expectativas, o que favoreceu que as análises se assentassem
sobre um escopo teórico-prático que se construiu no universo coletivo da pesquisadora e dos
sujeitos pesquisados. Chama a atenção também para que os adultos deficientes mentais sejam
olhados sob outras perspectivas para uma real e efetiva inclusão social
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Alfabetização. Deficiência Mental.
7
ABSTRACT
My research is in a qualitative approach with Study Case, being its aim to investigate about
teaching how to write and read young and adults with mental dementia, established trough the
relationship with the school, the family and the society. I go deeper into aspects of the process
of teaching young and adults with mental dementia how to write and read, as it happens, in
what way those children learn, what importance there is in reading and writing in the lives of
those subjects. I approach the aspects that teaching young and adults with mental dementia
how to write and read contribute to a bigger inclusion of this people in the society; in a way
that the young and the adult with mental dementia notices and notices himself in the reading
and writing world. This way this present research proposes to have a triangulation between
teaching how to read and write the young and adults education and the adult with mental
dementia. In the elaborated theorical reference I approach and point conceptions and theorical
principle about teaching how to write and read, young and adults education and the mental
dementia adult taking to account the new emergent cultural changing, for beyond the
traditional educational conception. The empiric data were collected with nine young and
adults with mental dementia, included in county school in Porto Alegre/RS. The research
propose to have a reflection and problematization around three thematic, even though they are
part of our daly educational life, they haven’t been articulated and laced in the perspective
that this research tried to indicate, to stablish relation with the teaching how to write and read,
young and adult education and mental dementia adult, in the modality of teaching of EJA,
from the view of the investigated subjects, who gave the to this research the tune of their own
lives experiences and expectations, which helped that the analysis stayed on practical
theorical target that was built in the group universe of the researcher and the researcher
subjects. Calls attention too, the mental dementia adults be watched under other perspectives
for a real and effective social inclusion.
Keywords: Teaching young and adults. How to write and read. Mental dementia.
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Síntese: Fundamentação Teórica...........................................................................46
Quadro 2 – Aspectos Psico-socias, Sócio-culturais e Pedagógicos .........................................60
9
LISTA DE SIGLAS
COPA- Centro de Orientação e Preparação para o Trabalho
CNBB- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
EJA- Educação de Jovens e Adultos
EDUCAR - Fundação Nacional para a Educação de Jovens e Adultos
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
PEI- Programa de Educação Integrada
SEA - Serviço de Educação de Adultos
SENAI- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................12
2 DESENVOLVIMENTO ADULTO E APRENDIZAGEM: UMA RELAÇÃO
MARCADA PELA INTERDEPENDÊNCIA E COMPLEMENTARIEDADE...............15
2.1 APRENDIZAGEM: CONCEITOS, SIGNIFICADOS E PERSPECTIVAS............17
2.2 APRENDIZAGEM DO ADULTO DEFICIENTE MENTAL .................................19
3 ALFABETIZAÇÃO: PARA ALÉM DA DECODIFICAÇÃO, UMA MANEIRA DE
SER E ESTAR NO MUNDO.................................................................................................23
3.1 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA: PERCURSOS DIDÁTICOS E
METODOLÓGICOS............................................................................................................26
3.2 ALFABETISMO E INCLUSÃO SOCIAL: A URGÊNCIA DE NOVOS
ENTENDIMENTOS E A BUSCA DE SUPERAÇÕES.......................................................29
4 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: TRAJETÓRIA E
PERSPECTIVA HISTÓRICA..............................................................................................32
4.1 EJA: DO IMPÉRIO À SOCIEDADE DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO................................................................................................................32
4.2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: PARA ALÉM DE UMA
MODALIDADE DE ENSINO ESPECÍFICA, A URGÊNCIA DE NOVOS
ENTENDIMENTOS E SIGNIFICADOS.............................................................................37
5 A DEFICIÊNCIA MENTAL: A EVOLUÇÃO DO OLHAR SOBRE O
DEFICIENTE MENTAL.......................................................................................................42
5.1 REPENSANDO O ADULTO DEFICIENTE MENTAL: O DIREITO DE SER
DIFERENTE................................................................................................................................................43
6 O PROCESSO DE PESQUISA: SITUANDO AS ESCOLHAS, OS CENÁRIOS E
OS SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO .................................................................................47
6.1 MOVIMENTOS METODOLÓGICOS....................................................................47
6.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA................................................................................50
6.3 PROCEDIMENTOS DE APROXIMAÇÃO DOS DADOS DE OBSERVAÇÃO E
DAS ENTREVISTAS: A BUSCA DE NOVOS ENTENDIMENTOS ................................57
6.4 ANÁLISE
DOS DADOS..........................................................................................59
11
7 O ADULTO DEFICIENTE MENTAL ........................................................................61
7.1 COMPONDO O CONTEXTO PSICO-SOCIAL .....................................................61
7.2 AUTO-IMAGEM / AUTO-ESTIMA: A BUSCA DE UM EXERCÍCIO
PERMANENTE DE AUTO-SUPERAÇÃO........................................................................67
8 A EDUCAÇÃO DO JOVEM E ADULTO DEFICIENTE MENTAL SOB A ÓTICA
SÓCIO-CULTURAL .............................................................................................................71
8.1 DESENVOLVIMENTO HUMANO E INCLUSÃO SOCIAL ................................71
8.2 INCLUSÃO: NECESSIDADE, PARADIGMA OU UTOPIA.................................76
8.3 TRABALHO: UM EXERCÍCIO DE DIGNIDADE E INTEGRIDADE HUMANAS
80
9 APRENDIZAGEM: UMA DAS FORMAS DE SE (RE)CONHECER A SI MESMO
84
9.1 APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA...............................................84
9.2 DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA:
POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES..................................................................................89
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................91
REREFÊNCIAS .....................................................................................................................96
ANEXOS................................................................................................................................100
12
INTRODUÇÃO
Elaborar um trabalho científico, para muito além de exercitar o rigor formal e
sistematização metodológica – características estas fundamentais e imprescindíveis – significa
traduzir trajetórias e vivências que em muito constituem e justificam nossas escolhas e
encaminhamentos no que se refere à temática e abordagem destacadas ao longo da
investigação. Nesse sentido, muitas das minhas reflexões e experiências construídas a partir
de leituras teóricas e leituras de mundo na Educação de Adultos, na Educação Especial e na
Alfabetização, me convencem a analisar e problematizar de que forma o adulto deficiente
mental percebe e se percebe na aprendizagem da leitura e da escrita, para, posteriormente
evidenciar como ela acontece, indicando quais as dificuldades mais expressivas observadas e
refletindo sobre como poderia vir a ser seu processo de alfabetização.
A propósito disso, ressalta-se que os adultos deficientes mentais historicamente
sofrem exclusões tanto do ponto de vista escolar quanto do social. Suas possibilidades de
aprendizagem estavam limitadas a aceitar normas, a se sujeitar as imposições/ deliberações
feitas não somente pelo sistema de ensino formal, mas também pela sociedade de uma
maneira geral. Dessa forma, a educação ainda pretende formatar estes sujeitos para (com)
viverem de forma apática/ submissa na sociedade. Atualmente este quadro está se
modificando para melhor, embora a forma como os deficientes mentais estão sendo incluídos
na EJA continue gerando muitas incertezas e angústias, tanto nos processos didático-
educacionais como nos processos sócio-culturais.
Em tempos de inclusão, os adultos deficientes mentais estão freqüentando escolas
regulares de EJA, na busca de um crescimento diferenciado e de uma ‘aceitação’ maior da
sociedade. Em função de participar ativamente da EJA, da Alfabetização, experiências estas
que, aliadas à minha formação em Pedagogia Educação Especial, percebo que o processo
existente é o de “Pseudo-inclusões”, o que em outras palavras significa dizer que o que existe
é um simulacro de inclusão, possivelmente devido à falta de (in)formação e compreensão do
ato de aprender dos adultos deficientes mentais. Por isso, não se pode falar em inclusão real se
ainda existe um ‘controle social’ sobre eles, com o objetivo de ‘apagar’ ou ‘amansar’ suas
deficiências, sufocando suas subjetividades para que possam ‘com-viver’ na sociedade.
A propósito disso, ressalta-se que estão sendo incluídos de forma precária nos
processos escolares e sócio-culturais, sem que a aprendizagem possibilite ampliar suas
13
possibilidades de participação e, consequentemente, de uma inclusão concreta e efetiva, no
sentido de que se incluam e não que sejam incluídos.
Diante da carência de estudos envolvendo e interligando a Alfabetização, a Educação
de Jovens e Adultos e a Deficiência Mental, realizo a minha investigação, que tem como
objetivo investigar Os Aspectos Psico- sócio- culturais envolvidos na Alfabetização de Jovens
e Adultos Deficientes Mentais, em que o foco se projeta sobre quem são esses sujeitos, como
falam sobre como foi o desenvolvimento de sua leitura e sua escrita, que importância
atribuem à sua aprendizagem, a partir das relações com a escola, família e sociedade, na busca
do exercício de sua cidadania e que dizem sobre sua inclusão como um processo social e
dinâmico.
As questões de pesquisa com que busco responder estas reflexões acima elencadas
são:
- De que forma ocorre o processo de Alfabetização de Jovens e Adultos
Deficientes Mentais?
- Em que a Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais contribui para
uma maior inclusão destes sujeitos na sociedade?
- Como o aluno jovem e adulto percebe e se percebe no mundo da leitura e da
escrita?
- Quais as dificuldades no processo de Alfabetização de Jovens e Adultos
Deficientes Mentais (para além dos déficits biológicos)?
- Que mudanças ocorrem na vida do jovem e adulto deficiente mental durante o
processo de aprendizagem da leitura e da escrita?
Parto do princípio de que os deficientes mentais, sujeitos da minha pesquisa, são
adultos com dificuldades cognitivas e/ou biológicas e/ou sociais, o que não lhes retira o
estatuto de adulto, que como tal deve ser respeitado nas suas individualidades e
idiossincrasias. Acredito que a aprendizagem da língua escrita acontece e deve partir da
realidade dos sujeitos, portanto é preciso respeitar suas singularidades.
Não pretendo realizar uma segmentação excludente ou diferenciação discriminatória
na forma de aprender e de ser jovem e adulto deficiente mental. Pelo contrário, minha
intenção é enfatizar e demonstrar que devem ser motivados para aprender, que estes sujeitos
possuem potencialidades e possibilidades além de seus déficits biológicos e neurológicos, e
que, sobretudo, não apenas crescem fisicamente como adultos, mas sim que podem construir
14
o “poder fazer” na busca de uma autonomia para se sentirem pertencentes ao mundo em que
estão inseridos, buscando realizações na sua vida e nas diferentes áreas que a constituem.
Assim, minha intenção junto a eles foi oferecer uma escuta atenta e observá-los,
exclusivamente, para demonstrar que são capazes, estão em pleno processo de conhecimento
e reconhecimento de seus saberes; que a história de suas vidas influencia e está relacionada
diretamente aos seus processos de aprendizagem. Na presente pesquisa, o que se vê são
adultos que merecem e precisam ser escutados para que realmente possamos ensinar a partir
de seus conceitos pré-formais, identificando os conhecimentos que eles já possuem para
proporcionar uma ampliação dos mesmos ligados à vida diária ou escolar.
Para tanto, a metodologia escolhida para a realização da investigação é qualitativa
possibilitando desta forma destacar as interconexões possíveis, as reflexões e as diferenças
que existem na Alfabetização de Adultos Deficientes Mentais, seguindo para isso as
características apontadas por Lüdke e André (1986) que tem o ambiente natural como sua
fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento.
Busco inspiração na metodologia de Estudo de Caso, visto que esta é uma estratégia
para relatar resultados que possibilita enxergar através de um ‘recorte’ da realidade, e torna
possível a análise a partir de uma dimensão ampla e real, mas que não é única. Dessa forma,
caracterizo estes sujeitos, suas individualidades, histórias de vida, a partir das observações e
entrevistas que realizei ao longo do segundo semestre de 2006, coletando dados e elaborando
análises que corroboram a crença de que os deficientes mentais incluídos na EJA são seres
humanos dotados de sentimentos, saberes e habilidades mentais.
A partir da escuta atenta e sensível, e posterior análise, associada ao Referencial
Teórico e às inquietações e apontamentos finais, acredito que o presente estudo poderá
contribuir para o entendimento das vivências dos adultos deficientes mentais em sua relação
com o saber e com a leitura e a escrita.
15
1 DESENVOLVIMENTO ADULTO E APRENDIZAGEM: UMA RELAÇÃO
MARCADA PELA INTERDEPENDÊNCIA E COMPLEMENTARIEDADE
Não há nada mais ousado no universo do que o homem.
Adelmo Genro Filho, site adelmo.com ,2006
O desenvolvimento humano é complexo, envolve questões qualitativas e está
diretamente relacionado com a aprendizagem. Vygotsky acreditava que o desenvolvimento é
produto da interação entre as características do indivíduo e das oportunidades oferecidas e
vivenciadas pelo seu meio ambiental e social. É na transformação das experiências e na
formação de estratégias para a resolução de problemas que os indivíduos evoluem e se
diferem.
Vygotsky aborda a dimensão social do desenvolvimento, que ocorre quando os
indivíduos internalizam as formas de organizações sociais que são estabelecidas pelo mundo
real. O desenvolvimento não ocorre sem aprendizagem e esta resulta do desenvolvimento,
desta forma estão interligados em um processo que se complementa através de suas partes.
Vygotsky (1999, p. 100- 101) afirma que:
[...] o aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento que já foram
atingidos é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global. Ele não se dirige
para um novo estágio do processo. Assim, [...] capacita-nos a propor uma nova
fórmula, a de que o “bom aprendizado” é aquele que se adianta ao desenvolvimento.
Pode-se afirmar que se o aprendizado é apropriado, resulta em desenvolvimento das
funções culturalmente organizadas e especificamente humanas. O desenvolvimento humano é
marcado pelas mudanças e continuidades que ocorrem ao longo da vida dos sujeitos, essas
mudanças geram transformações marcantes proporcionando consequentemente um
aprendizado efetivo. Essas transformações ocorrem pela influência do meio e pela maneira
ativa com que as pessoas ajudam a moldar os seus progressos.
Papalia e Olds (2000, p. 25) afirmam que: “a mudança de desenvolvimento é
sistemática enquanto coerente e organizada. Ela é adaptativa no sentido de que tem por
objetivo lidar com as condições internas e externas da existência em constante mutação”.
O desenvolvimento adulto esta pautado, pela possibilidade de poder fazer, pela
entrada no mundo do trabalho, pela autonomia adquirida e pelas mudanças que o ‘mundo real’
provoca. O indivíduo está inserido dentro de um contexto social em constante transformação,
16
o desenvolvimento adulto proporciona que ele aceite, ou não, as incertezas destas
transformações e possam aprender e evoluir com as mesmas.
Papalia e Olds (2000, p. 396) observam que “as novas experiências podem evocar
novos padrões de pensamento, caracteristicamente adultos”. Acredito, então, que o
desenvolvimento adulto está relacionado à compreensão e à confrontação da realidade, que o
sujeito adquire no seu processo de aprendizagem no meio social em que está incluído. O
social afeta o interior do ser humano, e a sua forma de pensamento, que lhe permite assim se
desenvolver. Conforme Vygostsky é pela aprendizagem com os outros, com o social que o
indivíduo se constrói constantemente, promovendo um desenvolvimento mental.
Vygotsky propõem para compreender a relação desenvolvimento e aprendizagem o
conceito Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), em que a aprendizagem vai depender do
desenvolvimento prévio, e também do desenvolvimento potencial do sujeito, como afirma
Santos (2001, p. 146):
[...] o caminho do desenvolvimento do ser humano está, em parte, definido pelos
processos de maturação [...], mas é precisamente a aprendizagem que possibilita o
despertar desses processos internos do desenvolvimento, os quais não teriam lugar
se o indivíduo não estivesse em contato com um determinado ambiente cultural.
Portanto, percebo o desenvolvimento adulto como um processo complexo,
envolvendo diferentes aprendizagens em que as relações sociais provocam transformações,
despertando e favorecendo a autonomia do espírito que é a busca constante dos adultos.
Quando, abordo a dimensão social é no sentido de trocas que estabelecemos com os
outros que fazem parte de nossa realidade e também no sentido de sociedade civil abordado
por Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 2), que compreende a mesma como:
União de cidadãos trabalhando em ações voluntárias, para conversar, discutir,
criar soluções. É essa concepção de sociedade civil, baseada na solidariedade,
voluntariado e reciprocidade, que nos interessa hoje Vivemos em um mundo onde
queremos ser simultaneamente iguais e diferentes. Pensamos uma cidadania
planetária que respeite as diferentes culturas. Não queremos um falso
universalismo que destrói todas as diferenças e que impôs a cultura branca,
masculina e ocidental como um padrão universal.
Dessa forma o desenvolvimento humano está pautado por processos de adaptação,
pois tem o objetivo de lidar com as condições internas e externas em constante mutação. O
indivíduo precisa estar sempre disposto a aprender, a montar estratégias para a resolução de
17
seus conflitos, encarando as mudanças e as estagnações que ocorrem como um processo
saudável. Desenvolver-se é ter a capacidade de aprender com o real e vivenciar o novo.
Para Vygotsky o desenvolvimento aponta para dois caminhos, onde a aprendizagem
é fundamental desde o nascimento. Oliveira (1992, p. 33) refletindo sobre a concepção de
desenvolvimento em Vygotsky, afirma que “[...] de um lado o conhecimento do cérebro como
substrato material da atividade psicológica e, de outro lado, a cultura como parte essencial
da constituição do ser humano, num processo em que o biológico transforma-se no sócio-
histórico”.
Ressaltando que é a partir do processo de mediação que o indivíduo se relaciona com
o mundo. Os elementos mediadores que Vygotsky apresenta são instrumentos e os signos.
Segundo Oliveira define (1997, p.78), “[...] instrumento é aquele elemento interposto entre o
trabalhador e o objeto do seu trabalho, que amplia as possibilidades de transformação da
natureza, [...] tendo como função levar a alcançar certo objetivo”. Sobre os signos Santos
(2001, p.133) afirma que “Vygotsky considerava que os mesmo eram úteis para solucionar
um determinado problema psicológico [...] os signos são ferramentas que provocam
transformações no sujeito”.
Portanto, a relação entre o sujeito e o mundo passa a ser mediada por elementos tais
como instrumentos, e signos em um processo de complementaridade que possibilitam a
aprendizagem e o desenvolvimento dos indivíduos. A utilização dos instrumentos e dos
signos auxilia também nas atividades psíquicas, consequentemente favorecendo a construção
do conhecimento.
1.1 APRENDIZAGEM: CONCEITOS, SIGNIFICADOS E PERSPECTIVAS
Tanto quanto o saber, agrada-me a dúvida.
(MONTAIGNE citando DANTE, apud MORIN, 2002, p. 22)
Várias são as teorias e as formas de aprendizagem. O aprender é objeto de estudo em
todo meio educacional, pois acontece em diferentes ambientes e nas mais variadas situações.
As aprendizagens ocorrem em contextos formais e informais. O concreto é que através da
aprendizagem o homem muda, transforma o meio e se desenvolve.
18
A dimensão da aprendizagem com a qual fundamento minha pesquisa é caracterizada
por ser permanente, contínua, social e por proporcionar mudanças, deve ser também
significativa, sendo um processo de construção que se estrutura e reestrutura continuamente.
Zanella (2001, p. 28) coloca que:
As aprendizagens vão acontecer em função das necessidades do indivíduo; estas
tendem a gerar um desequilíbrio, fazendo com que imediatamente surjam motivos
[...]. Após os motivos, o indivíduo entra em motivação, que seria nada mais que a
ação ou o comportamento desencadeado em busca de objetivo.
Assim, para que ocorra aprendizagem, é preciso ocorrer um desejo/ vontade de
aprender, buscando uma ação educativa global para provocar mudanças e proporcionar uma
reflexão critica da realidade. A aprendizagem não é estática, ela é, antes de tudo, mutante e
varia de sujeito para sujeito, de contexto para contexto. O processo de aprender é pessoal,
cada indivíduo é agente do seu processo de construção do conhecimento no sentido de
alcançar o desenvolvimento desejado, Freire (1997, p. 27) acredita que:
O processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era possível
ensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, com
relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade
crescente, que pode torná-lo mais e mais criador. O que quero dizer é o seguinte:
quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e
desenvolve o que venho chamando ‘curiosidade epistemológica’, sem a qual não
alcançamos o conhecimento cabal do objeto.
Portanto pela aprendizagem significativa e social é possível o conhecimento do
objeto que buscamos compreensão, cada indivíduo tem seu ritmo próprio para aprender,
sendo assim à aprendizagem deve ser vista como um processo gradual e individual. As
aprendizagens sempre ocorrem na vida do homem, mas para que ela seja realmente
internalizada é preciso envolver questões sociais, intenções e mudanças pertencentes à
história de vida dos sujeitos envolvidos.
A aprendizagem é determinada por um conjunto de funções mentais e sociais, em
que não se pode compreender estes dois processos isoladamente. A ação do ato de aprender
faz parte do desenvolvimento e das relações humanas, mas existem algumas condições que
podem favorecer ou inibir as aprendizagens, tais como fatores físicos, psicológicos,
ambientais e sociais.
A aprendizagem gera mudanças que abrangem o indivíduo como um todo, de todas
as formas, em todos os aspectos, sejam eles de atitudes, valores, posturas ou habilidades,
19
estimulando sempre a um crescimento. Aprendizagem não representa a aquisição de um
comportamento, mas uma possibilidade de mudar as percepções sobre a realidade e a
aplicação de novos conhecimentos na vida, na sala de aula e na sociedade.
Concordo com Ramos (2001, p. 214), quando afirma que:
Aprender é [...] conectar o prazer e o desprazer, a satisfação e a privação. Aprender é
se deparar com o desconhecido e com a insegurança, com o desafio de crescer e
amadurecer, frente à realidade. É preciso querer sair de si mesmo, ter curiosidade
pulsão de saber. É um processo onde paixão e cognição passam a se relacionar. O
desejo transfere sentido para o aprender, provoca um investimento pessoal e a
geração de conhecimentos.
Portanto, a aprendizagem acontece na e pela interação do sujeito com o meio, é auto-
construtiva, onde o sujeito participa dinamicamente através do significado que atribui as suas
atividades. Relembro que, para Vygotsky, é o aprendizado que resulta em desenvolvimento,
que além dos processos biológicos, sofremos uma intervenção social, para ele a aprendizagem
acontece como interação e, é mediada por várias relações feitas por outros sujeitos.
1.2 APRENDIZAGEM DO ADULTO DEFICIENTE MENTAL
Qual será o projeto de vida de seres humanos que, desde a infância, foram
socializados para a incapacidade, a restrição, a dependência? Como é a vida [...] de
uma pessoa adulta mantida na mais constante infantilidade? Como se podem
integrar socialmente pessoas cujas imagens foram desenvolvidas pelos demais como
sendo essencialmente diferentes.
(ADAM, 1988, p. 153).
Aprendizagem do Jovem e adulto deficiente mental deve ser compreendida a partir
de suas necessidades pessoais e sociais e não somente deve objetivar atividades de cunho
técnico-educacional. Concordo com Farenzena (1993, p. 34) quando ela coloca que “a
educação do ‘sujeito’, seja ele portador ou não de deficiência, deve superar o processo
baseado em treinamento ou exercitação”. As necessidades de aprendizagem das pessoas com
déficit intelectual não devem ser consideradas de forma diferente das outras pessoas ditas
normais a vontade em aprender esta presente sempre. Todos necessitam de apoios e ajudas.
Como indicam Basoco, Castresana et al (apud CASADO MUÑOZ, 1997, p. 6):
20
Todos necessitamos de apoios físicos (semáforos, jornais...); apoios criados por nós
mesmos (notas em agendas.); ajudas sociais e culturais proporcionadas por pessoas
ou instituições, [...] as pessoas com atraso mental, precisam destas ajudas e de nosso
apoio de modo mais amplo, generalizado e intenso, e em geral de modo mais
permanente.
As necessidades básicas das pessoas independentemente de suas condições
biológicas, psicológicas, sociais ou culturais estão pautadas na necessidade de formação/
educação, entendendo como formação um processo permanente, que possa com o apoio de
outras pessoas motivá-los a ser, pensar decidir sobre seus desejos, necessidades e opções de
vida.
Basoco et al.(apud CASADO MUÑOZ, 1997, p. 9) afirmam que:
A tarefa de educar não se limita aos objetivos acadêmicos, [...]. Educar é formar,
orientar, promover e desenvolver a saúde, a emoção, a socialização, a comunicação,
a generosidade, solidariedade. Educar e formar é uma tarefa de negociação
compartilhada e não uma tarefa de impositiva. È participar da construção
permanente das pessoas.
Então a satisfação das necessidades educacionais das pessoas deficientes mentais
possui uma relação direta com sua formação e com os apoios familiares e sociais que
precisam para seu desenvolvimento pessoal, social e do trabalho. Não podemos esquecer que
o meio é fundamental para o desenvolvimento das pessoas com deficiência mental ou não.
Acredito na aprendizagem baseada na possibilidade, de que as tarefas da escola
possam ajudar os alunos a desenvolver novos significados e novas experiências e não os
significados e experiências criados por outros. Na qual a interação da experiência aprendida
esta relacionada e transforma o total e o individual dos sujeitos dela participantes, este
processo deve ser integral com a finalidade de formar cidadãos conscientes e participativos.
Todas as pessoas devem ser consideradas aprendizes, e com a possibilidade de
construir novos significados, aprendendo sempre. O aprendiz deficiente mental pode
apresentar uma lentidão em seu processo de aprendizagem e desenvolvimento, mas não pode
ser visto como um ser incapaz de aprender. A partir da interação com o meio, da mediação e
mobilização, ele é capaz de construir seu conhecimento. A melhor forma de considerar como
alguém irá aprender é partir de sua realidade, a prática educativa deve ser consistente e
coerente com essa realidade, estas práticas devem ser estabelecidas dialogicamente.
A aprendizagem deve ser caracterizada por ocorrer frequentemente e em todos os
espaços, e os erros considerados fundamentais no processo de construção do conhecimento.
Kamii e Devries (1986, p. 27) colocam que “os alunos aprendem sobre as propriedades dos
21
objetos e organismos vivos e suas interações agindo sobre eles e observando a regularidade
de suas reações”. Portanto, cada relação da aprendizagem estabelecida pelo sujeito deficiente
mental é um desafio, uma construção do conhecimento sobre determinado tema.
Vygotsky acreditava, e me fundamento nele, que o desenvolvimento intelectual e
todo o conhecimento são construídos no meio social, ou seja, nas relações humanas. É na
aprendizagem das relações com os outros, que se constroem os conhecimentos os quais
permitem o desenvolvimento mental. Martins (2005, p.36) afirma que “os elementos vão
adquirindo novos significados quando, no processo histórico, são colocados em relação com
o todo que estão integrados”.
Ainda considero importante salientar as idéias de Vygotsky (2004, p. 286) e sua
visão sobre a educação, ressaltando que “o caráter da educação do homem é totalmente
determinado pelo meio social em que ele cresce e se desenvolve. O meio sempre influencia o
homem [...] imediatamente, mas, de forma indireta”.
Portanto, a aprendizagem do deficiente mental deve acontecer a partir da construção
do conhecimento pela interação que o sujeito estabelece com o meio, essa interação deve ser
mediada por várias relações, sejam elas, familiares educacionais e/ou sociais. Precisam ser
permanentes e ativas, mas acima de tudo enriquecedoras. O importante é verificar as
potencialidades e as possibilidades do sujeito deficiente mental.
Naturalmente no processo de aprendizagem do deficiente mental ocorram alguns
déficits, principalmente nas questões de raciocínio e idéias sem um estímulo concreto, que
não podem ser ignorados. Eles devem ser mobilizados para que a partir da apropriação do
conhecimento, fundamentada pela realidade e os conhecimentos que já traz consigo, possam
permitir o desenvolvimento de novas possibilidades pedagógicas e sociais.
Para que a aprendizagem seja significativa é preciso que o professor compreenda
como o aluno deficiente mental aprende, e quais são as funções mais desenvolvidas, entre as
funções visuais, auditivas ou sinestésico corporais. Dando atenção à diversidade destes
levando em conta, os êxitos e fracassos escolares anteriores e atuais do mesmo. Acredito
então na importância das vivências pessoais anteriores dos alunos para que ocorra a
aprendizagem.
Realizar um diagnóstico do aluno deficiente mental é uma ‘ferramenta
imprescindível’, pois se pode partir dele, para atenuar problemas, buscando soluções e
propostas para o avanço dos alunos e diminuir o abandono escolar. Planejar diferentes
tipologias que levarão a projetar intervenções significativas para diferentes casos. O
22
fundamental deste processo é que alunos, professores, e familiares tenham conhecimento e
ajudem na elaboração do mesmo.
2 ALFABETIZAÇÃO: PARA ALÉM DA DECODIFICAÇÃO, UMA MANEIRA DE
SER E ESTAR NO MUNDO
Não são as letras, as silabas e as palavras que fascinam. É a estória. A aprendizagem
da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a escuta [...]
com prazer. ‘Erotizada’ – sim erotizada! – pelas delícias da leitura ouvida, a criança
se volta para aqueles sinais misteriosos chamados de letras. Deseja decifra-los,
compreende-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram
no livro.
(ALVES, 2002, p. 41)
A Leitura e a escrita se constituem em um possibilitador de desenvolvimento cultural
e do pensamento; é na dinâmica das relações sociais que emergem os signos-verbais e não
verbais. Concordo com Moll (1996, p. 63), quando diz que a linguagem escrita “[...] da
mesma forma que a linguagem oral, a linguagem escrita é resultado de uma produção social,
é uma síntese do esforço coletivo dos homens ao longo dos séculos”.
A principal questão que permeia os meios educacionais são quais os fundamentos
cognitivos envolvidos e como ocorre o processo de aprendizagem da escrita. A teoria sobre os
processos de aquisição da língua escrita com a qual fundamento este trabalho está baseada
principalmente nas pesquisas de Emilia Ferreiro, Ana Teberosky e na concepção de
alfabetização de adultos de Paulo Freire, em que a preocupação de ambos não é em analisar a
aprendizagem formal e sim as hipóteses construídas ao longo de sua aprendizagem.
Ferreiro (2001, p.132) confirma sua afinidade e conexões com o pensamento de
Freire onde coloca que:
Acredito que nos parecemos muito na busca, na convicção de que é preciso
reformular o problema, de que não se pode continuar fazendo à mesma coisa. Eu
diria que o tipo de indivíduo que se quer conseguir por meio de um processo de
alfabetização é bastante semelhante. É semelhante também o fato de imbricar a
alfabetização com outros temas. Paulo tem uma ligação com o político-pedagógico
muito mais forte que eu, mas as preocupações políticas e ideológicas coincidem
bastante.
A questão fundamental no processo de alfabetização é a compreensão da estrutura
dos códigos com a representação da língua e não como uma representação gráfica, ou seja,
não é a escrita que significa o que queremos dizer é o que entendemos e representamos com o
sistema alfabético.
Ferreiro (1996) (1985, p.17) coloca que: “[...] sendo o escrito um objeto simbólico,
para que se reconheça nas marcas gráficas objetos simbólicos, os agentes sociais devem
24
atuar como intérpretes, cuja função é transformar essas marcas gráficas em objetos
lingüísticos”.
Partindo das concepções de Ferreiro e Freire, afirmo que a alfabetização deve
acontecer a partir de uma construção significativa por parte do sujeito, possibilitando a este
uma formulação e reformulação de hipóteses sobre a aquisição de seu conhecimento. A
relação entre escrita, mundo e contexto é essencial para a alfabetização. Os pressupostos de
Emilia Ferreiro e Ana Teberosky estão embasados no processo de construção e compreensão
da escrita alfabética, este processo percorre etapas. Abaixo listarei resumidamente estas
etapas:
- Nível 1: escrever é reproduzir traços típicos da escrita, cada sujeito interpreta a
sua escrita; ela é subjetiva e intencional;
- Nível 2; pré-silábico, variedade de grafismos, quantidade mínima de letras, não
existe uma relação entre fonema/grafema, se caracteriza por uma busca de
diferenciação entre as escritas produzidas;
- Nível 3: silábico, período de maior importância evolutiva: cada letra vale por
uma sílaba, podem aparecer grafias ainda distantes das formas das letras, passa
agora para uma correspondência entre as partes dos textos e as partes da
expressão oral; pauta sonora, e a segmentação gráfica;
- Nível 4: silábico-alfabético, conflito entre a hipótese silábica e a escrita
alfabética, existem duas formas de correspondência entre os sons e as grafias
silábica e alfabética, ou seja, escreve parte da palavra aplicando a hipótese
silábica e parte analisando todos os fonemas que compõem a palavra
isoladamente; e
- Nível 5: alfabético, caracteriza-se pela correspondência entre fonemas e grafias,
aquisição da base alfabética, pelo lado qualitativo enfrenta problemas
ortográficos.
A passagem de um nível para o outro não é pré-determinada por idade e sim está
relacionada com o conhecimento anterior bem adquirido. O tempo em que se permanece em
cada etapa varia, a evolução também não é linear podendo ocorrer recuos durante a
aprendizagem, respeitando assim as temporalidades e as potencialidades estabelecidas pelos
próprios sujeitos.
A minha fundamentação nos pressupostos de Ferreiro se justifica, por considerar que
sua pesquisa possibilita ao sujeito uma real construção do conhecimento, uma maior
25
apropriação do sentido social de ler e escrever, bem como, considera que a alfabetização não é
um processo abstrato e sem significado, mas que ocorre em contextos culturais e sociais do
qual o sujeito está inserido.
Desta forma concordo com Ferreiro (2001, p.42-43), quando ela afirma que:
A aprendizagem se insere (embora não se separe dele) em um sistema de concepções
previamente elaboradas e não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas
perceptivo motoras. A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural,
resultado do esforço coletivo da humanidade.
Há então um processo sócio-cultural na aprendizagem da língua escrita, e este deve
possibilitar ao sujeito a pensar sobre o seu conhecimento, sobre a alfabetização como um
sistema de representação do contexto social do qual faz parte.
A idéia fica clara quando Moll (1996, p. 70) afirma que:
A alfabetização é um processo que se inicia [...], nas leituras que o sujeito faz do
mundo que o rodeia, através das diferentes formas de interação que estabelece. Se a
escrita constitui-se ‘objeto’ de uso social no seu contexto, os atos de leitura e escrita
com os quais interage podem levá-lo a elaboração de estruturas de pensamento que
lhe permitam compreendê-la e paulatinamente apropriar-se dela.
A alfabetização deve proporcionar aos sujeitos não a decodificação pura e simples de
palavras ou a cópia de um modelo, mas sim a possibilidade de recriar, compreender e criticar
a sociedade da qual pertence, fazendo-se um ser ativo e participante da mesma. A
aprendizagem da língua escrita é então um processo de construção, que se estabelece pela
interação do sujeito com a escrita e com os conhecimentos socialmente transmitidos e
assimilados, influenciados pelas condições do ambiente alfabetizador rico em materiais
escritos.
A alfabetização pode ser compreendida como o processo de construção da escrita e
da leitura, nesse processo de construção o grupo do qual o sujeito faz parte tem papel
fundamental, na medida em que ele possibilita o levantamento e os avanços significativos.
Para que este processo realmente aconteça Freire (1985, p.22) acredita que os processos de
ensino devem partir da realidade do educando, e destaca que: “Daí que sempre tenha insistido
em que as palavras com que organizar o programa da alfabetização deveriam vir do universo
vocabular dos grupos [...], expressando a sua real linguagem, os seus anseios, as suas
inquietações, as sua reivindicações, os seus sonhos”.
26
É a partir das hipóteses levantadas pelos sujeitos, sua ‘leitura de mundo’ e na troca
de informações e no conflito estabelecido que os sujeitos começam a apropriar-se do código
escrito.
2.1 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA: PERCURSOS DIDÁTICOS E
METODOLÓGICOS
O ato de ler e escrever é uma atividade complexa que envolve diferentes habilidades
e atividades mentais. Se aprende a ler e a escrever quando atividades tais como a percepção,
movimento, atenção, a memória, a fala e o pensamento já possuem uma organização cerebral
fluída, isto é, estão em pleno funcionamento, nos diz Luria (1981). A leitura e a escrita então
para se desenvolverem, no sentido neuronal precisam de maturidade cognitiva e pessoal, mas
não significa dizer , que se algum déficit bilógico ocorrer em algum local do sistema neuronal
a aprendizagem não se efetive concretamente. O que será necessário é descobrir o local do
déficit e possibilitar formas diferentes em aprender, partindo do que funciona normalmente
neste complexo sistema. A aquisição do código escrito e da leitura é um processo de
compreensão abrangente envolvendo aspectos sensoriais, emocionais, intelectuais,
fisiológicos, neurológicos, bem como sócio-culturais.
Pode-se afirmar que aprendemos a falar, a pensar e a andar a partir das relações que
estabelecemos com os outros e depois nossas próprias associações individuais, estabelecidas
pelas partes cerebrais que estão envolvidas no processo como um todo. Infelizmente estamos
acostumados a considerar a aprendizagem da língua escrita apenas como uma tarefa escolar o
que é um equivoco, ou seja, a aquisição da leitura e da escrita começa muito antes da
escolarização, inicia já nas interações sociais que os sujeitos estabelecem entre si.
Mas só aprendemos a falar bem falando e assim, conseqüentemente, só aprendemos a
ler e a escrever lendo e escrevendo, quando estas ações tornam-se significativas e constantes,
portanto quando há suficientes estímulos externos e internos. Treinar a relação som/letra não
garante a aquisição da leitura e escrita, é necessário levar em conta o significado que o sujeito
dá a este processo.
Sobre isso Freire afirma que (1985, p.11) “o ato de ler, não se esgota na
decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se
alonga na inteligência do mundo. A leitura de mundo precede a leitura da palavra”.
27
Para aprender precisa-se interagir com livros, bulas, jornais e pessoas que sabem ler e
escrever. Mas, acima de tudo, é preciso ter o desejo de aprender, bem como um objetivo bem
claro de para o que vamos utilizar esta leitura e escrita. Pensemos no que serve para um aluno
adulto também, não somente para a criança. Pois o ato não pode ser mecânico apenas (como
parece ser para uma criança pequena, a não ser que ela esteja jogando de, brincando de), na
medida que envolve fatores sociais muito significativos.
Concordo com Emilia Ferreiro (2001, p. 103) quando ela coloca que “a língua
escrita é muito mais que um conjunto de formas gráficas. È um modo de a língua existir, é um
objeto social, é parte de nosso patrimônio cultural”. O sujeito só é considerado alfabetizado
quando compreende o que esta lendo e para que ocorra a compreensão é preciso que se
aproprie do significado do texto. No adulto, neste sentido, que lhe sejam significativas, que
tenham uma razão de ser. O fato de o sujeito falar errado pode aparecer e influenciar
diretamente no seu processo de aprendizagem da leitura e conseqüente escrita.
A escrita e a leitura são atividades essenciais de comunicação e inserção social.
Lemos e escrevemos e falamos um determinado código lingüístico por necessidade, pois
queremos expressar nosso pensamento e porque temos algo a comunicar. Aquisição do código
escrito envolve então fatores sociais, psicológicos e de organização do pensamento e
compreensão dos significados, ou seja, é um conjunto de complexas aprendizagens
interligadas, de compreensão do código escrito relacionada com as experiências que o sujeito
estabelece e vai estabelecendo ao longo da sua vida. Quando se compreende o
desenvolvimento da leitura e da escrita, como objeto socialmente constituído e não como
apenas a aquisição de uma técnica, sabe-se que há uma série de modos de representação
anteriores à representação alfabética, Emilia Ferreiro coloca que (1982, p. 10):
[...] esses modos de representação pré alfabéticos se sucedem em certa ordem:
primeiro, vários modos de representação são alheios a qualquer busca de
correspondência entre a pauta sonora de uma emissão e a escrita; depois, modos de
representação silábico-alfabéticos que precedem regularmente a aparição da escrita
regida pelos princípios alfabéticos.
Considero também o que coloca Moraes (2000, p. 49), “para que o processo de
leitura e escrita se efetive são necessárias formulações e reformulações de hipóteses que
resultarão na aplicação de regras”. Acrescentando um pouco ao que coloca a autora para que
o processo de formulação e reformulação ocorra me remeto a Vygotsky e sua abordagem na
construção e formação de conceitos que envolvem funções psicológicas superiores ao longo
da historia social que o indivíduo vai estabelecendo, portanto o processo de leitura e escrita
28
vai acontecendo ao longo do desenvolvimento do sujeito, não existindo uma etapa
determinante e exata para que este aconteça, e que para ocorrer formulações e reformulações é
preciso que o sujeito na sua relação com o mundo seja mediado por ações estabelecidas com e
a partir dos outros.
Vygotsky (1988, p. 74) acredita que:
[...] o desenvolvimento é visto de forma prospectiva, pois a zona de
desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram que
estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão
presentes em estado embrionário. [...] Deste modo, pode-se afirmar que o
conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve a consideração
tanto do nível de desenvolvimento real quanto do potencia.
O processo de Alfabetização ocorre então na medida em que o sujeito amplia seu
universo de expressões e vivências, dando ênfase na elaboração da fala e da escrita como
instrumentos simbólicos que repercutem no desenvolvimento mental. As informações que
ocorrem no meio social ao que o sujeito pertence não são absorvidas de forma direta e
mecânica são sempre intermediadas explicita ou implicitamente pelo sujeito e são
reelaboradas.
Aprofundando as idéias acima concordo com Moll (1996, p. 68) quando ela afirma
que:
A produção da linguagem escrita é fruto do esforço coletivo em busca de resoluções
das necessidades criadas pela complexidade das relações sociais. A linguagem
escrita tem um significado social embutido em sua gênese. [...] Portanto a relação
entre a escrita e significado é essencial. O mundo escrito expressa idéias. [...] Não há
possibilidade de alfabetização sem relação escrita-mundo, escrita-contexto.
Logo a aquisição da língua escrita deve ter sentido para o aprendiz, ele deve quere
aprender e o aprendizado deve ser significativo e se inicia com a percepção das totalidades e
nunca com o conhecimento ou reconhecimento das partes. É um processo adquirido à longo
prazo e em certas circunstâncias de vida e educacionais que determinam o sucesso ou o
fracasso na sua aprendizagem.
29
2.2 ALFABETISMO E INCLUSÃO SOCIAL: A URGÊNCIA DE NOVOS
ENTENDIMENTOS E A BUSCA DE SUPERAÇÕES
A aquisição da cultura escrita, em nossa sociedade, converteu-se em um instrumento
para fins específicos, de significado de poder, até mesmo de exclusão.
Ferreiro (2001, p. 16) coloca que:
[...] enquanto a Língua Escrita não estiver democraticamente distribuída entre a
população, o acesso à informação vinculada à língua escrita tampouco será acessível
de uma maneira igualitária, e qualquer prova de conhecimento sobre a língua escrita,
terá um efeito discriminador.
A importância do ato de saber ler está diretamente relacionada com o patamar social,
no qual este sujeito conseguiu desenvolver, bem como até que ponto ele poderá desenvolver-
se e inserir-se nesta mesma sociedade, de que maneira é visto e incluído. Dominar o código
escrito significa que o sujeito possuiu uma habilidade básica, para que possa trabalhar e
evoluir.
A sociedade atual não valoriza outras potencialidades, apenas os divide entre os
analfabetos e os letrados. O que ocorre, muitas vezes, na alfabetização de jovens e adultos
deficientes mentais, é que estes sujeitos aprendem a decodificar alguns dos códigos mais
utilizados na sociedade na qual estão, mas não possuem a compreensão real, total dos
mesmos.
Neste momento, ocorre então uma dificuldade em avançar, às vezes até um
retrocesso, e com o passar do tempo, estagnam no ponto em que chegaram. Portanto posso
falar em analfabetismo funcional, como já sabem decodificar, alguns perdem a motivação em
aprender. Desta forma, tornam-se analfabetos funcionais, pois não conseguem participar de
todas as atividades que a leitura e a escrita exigem, não compreendem e não possuem uma
atuação eficaz na sociedade, para realmente serem e se sentirem inseridos. Utilizam-se da
leitura e a escrita, de forma mecânica, compreendendo apenas superficialmente as questões
sociais envolvidas na alfabetização.
A alfabetização não é então apenas um processo lógico e intelectual, mas um
processo que compreende também aspectos profundamente afetivos e sociais, por parte de
alfabetizador, alfabetizando e do próprio contexto social no qual estão inseridos.
30
Freire (1997, p. 52) constata que:
A alfabetização e a pós-alfabetização, não podem deixar de propor aos educandos
uma reflexão crítica sobre o concreto, sobre a realidade nacional, sobre o momento
presente - o da re-construção, dos desafios a responder e suas dificuldades. [...]
.assumir diante de sua quotidianidade uma posição mais curiosa.
O sujeito alfabetizado não possui apenas aspectos rudimentares de leitura e escrita,
tem habilidades em usar os códigos impressos, para interagir na sociedade, atingir seus
objetivos e desenvolver seus próprios conhecimentos, potenciais e opinião. Ao longo da vida
ele deverá ser capaz de enfrentar situações, algumas delas marcadas pela instabilidade,
conflitos e pela necessidade constante de adaptação da língua as exigências do meio social no
qual está inserido.
Possui então a capacidade de entender o texto complexo de uma forma global, e sabe
utilizar estratégias, solidamente construídas, para interagir na sociedade na qual às práticas de
leitura e escrita serão diretamente exigidas. Portanto, sabe ler e efetivamente ler o mundo e o
compreender na sua totalidade, a partir do seu conhecimento, com as relações de
intersubjetivas que estabelece.
A sociedade atual está cada vez mais complexa e excludente, os alfabetizados fazem
parte desta, os analfabetos estão cada vez mais do lado de fora. São, muitas vezes, excluídos
também do mundo do trabalho, entrando em um isolamento social, convivendo apenas entre
si, sem possibilidades de desenvolver suas perspectivas de ir além, sem estímulo e metas e
conseqüentemente não tem vontade nem desejo de mudar. Este torna-se então um círculo
vicioso.
Pinto (1997, p.102) coloca que o adulto torna-se analfabeto, por que:
[...] as condições materiais de sua existência lhe permitem sobreviver dessa forma
com um mínimo de conhecimentos, o mínimo aprendido pela aprendizagem oral,
que se identifica com a própria convivência social. Daí que não há para ele a
necessidade de escola. Assim sendo, não se abre para o adulto analfabeto o campo
da cultura letrada.
Os sistemas sociais atualmente pensam a educação como organizada sob uma lógica
econômica e como preparação para o mercado de trabalho. Saber ler e escrever torna-se então
exigência mínima para que o sujeito seja incluído no sistema laboral.
Outro aspecto deste ciclo vicioso repercute na área da saúde, uma vez doente, não
consegue trabalho, não sabe ler a receita e chegar ao atendimento, não tem conhecimento e
capacidade crítica em observar seu próprio corpo, depende do outro em atender suas
31
necessidades, fechando o ciclo com falta de adesão ao tratamento, ao buscar alternativas mais
simples e muitas vezes incoerentes, outras atrapalhando o processo de cura. Também não sabe
aproveitar bem seus tempos e espaços, por falta de conhecimento e por não ter habilidades.
Doente, não consegue trabalhar e estudar.
Não é a tecnologia da escrita que provoca o impacto social, mas as práticas nas quais
esta é utilizada, o modo como esse conhecimento é valorizado e aplicado, atingem fins
específicos em contextos específicos, muito mais determinados (ou mesmo já pré-
determinados) pelas classes dominantes letradas.
A real aquisição da leitura e da escrita não proporciona apenas aos sujeitos a
possibilidade de decodificação de palavras, sentidos, sinais e sintomas, mas a possibilidade de
exercitar sua inteligência no mundo, de ler, compreender e criticar o mundo ao qual pertence,
bem como estabelecer uma relação de confronto com outros mundos e outras realidades.
O sujeito que apenas decodifica, não compreende o que está à sua volta, apenas
realiza atos mecânicos, continuando alheio às relações e percepções reais do mundo que o
envolve. Paulo Freire (1982, p. 39-40) coloca a importância da alfabetização como
perspectiva de leitura de mundo:
No momento em que os indivíduos, atuando e refletindo, são capazes de perceber o
condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se encontram, sua
percepção começa a mudar, embora isto não signifique ainda mudança da estrutura.
É algo importante perceber que a realidade social é transformável; que feita pelos
homens, pelos homens pode ser mudada; não é algo intocável, um fado, uma sina,
diante de que só houvesse um caminho: a acomodação a ela. É algo importante que a
percepção ingênua da realidade vá cedendo lugar a um a percepção que é capaz de
perceber-se; que o fatalismo vá sendo substituído por uma crítica esperança que
pode mover os indivíduos a uma cada vez mais concreta ação em favor da mudança
radical da sociedade.
Portanto importa de que forma o sujeito utiliza e aprende a língua escrita, que
recursos culturais ela proporciona para que suas habilidades possibilitem uma aprendizagem
para o desenvolvimento da capacidade de criticar, refletir, participar da sociedade que
pertence.
3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: TRAJETÓRIA E
PERSPECTIVA HISTÓRICA
A Educação brasileira tem sua origem nas congregações religiosas, através dos
Jesuítas e dos oraitanos que foram construindo a profissão docente e estavam ligadas aos
processos de reprodução e produção da igreja, assim todos os modelos escolares eram
elaborados sob a tutela da igreja. Desta forma durante a colônia os religiosos exerciam a ação
educativa difundindo o evangelho, normas de comportamento. No primeiro momento então os
alunos eram indígenas e negros, mais tarde nas escolas de humanidades os colonizados e seus
filhos. Com a expulsão dos jesuítas o sistema de ensino desorganizou-se e somente no
império é que volta-se a encontrar informações sobre ações educativas no campo de adultos.
O domínio dos jesuítas estimulava a competição através de uma educação baseada
em prêmios e castigos. Dedicavam-se a formação apenas das elites coloniais enquanto que nas
classes populares difundiam a concepção de subserviência e dependência, estes deveriam
aceitar com alegria a sua condição de servos. O ensino tinha um caráter verbalista,
memorístico e repetitivo. Paiva (1987, p. 165) afirma que os jesuítas tentavam: “[...] a
catequese direta dos indígenas adultos e nesses casos a alfabetização e a transmissão do
idioma português servia com instrumento de cristinização e aculturação dos nativos”.
3.1 EJA: DO IMPÉRIO À SOCIEDADE DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO
Durante o Império em 1824 foi firmado na primeira constituição, a garantia de uma
instrução primária e gratuita para todos os cidadãos, portanto também para os adultos. Neste
período ocorre então uma substituição do corpo de professores religiosos (controlados pela
igreja) por um corpo docente de professores laicos (controlados pelo estado). Neste período os
professores, são também agentes políticos pois são recrutados e possuem aval do Estado para
as suas práticas que está desta forma impregnada por uma forte intencionalidade política.
Quanto a Educação de Jovens e Adultos o parecer projeto de Rui Barbosa, em 1882,
é considerado por alguns historiadores o documento mais importante em favor da educação de
adultos no país. Tal documento não passou apenas de intenção legal, já que os que
33
administravam a educação pertenciam ás elites e deixavam portanto, de fora negros, índios e
grande parte das mulheres. Quanto ao parecer Paiva (1987, p. 76) afirma que:
O parecer Rui Barbosa é, inegavelmente, o mais importante documento relativo à
educação de todo o Império. Suas proposições, elaboradas a partir de um diagnóstico
e de suas idéias liberais, vão além do que seria possível executar na época, mas
podemos considerar seu enfoque como ‘realista’.
Em 1890 quase que 82% da população brasileira com idade superior a cinco anos
eram analfabetas. Percebe-se então que não existia uma preocupação com a EJA como uma
fonte de pensamento pedagógico ou políticas educacionais especificas. Em 1930 o país passa
por profundas transformações políticas econômicas e sociais, é então lançado o Manifesto dos
Pioneiros da Nova Escola, assinado por 27 educadores em 1932, exigindo uma “educação
para todos” e a “formação dos professores”, com resultado político a criação de um Plano
Nacional de Educação.
A educação na Era Vargas com a Constituição de 1934 propõe um Plano Nacional de
Educação, reafirmando o direito de todos e o dever do Estado para com a educação, a Carta
Constitucional reconhecia, a educação como direito de todos e estabelecia ensino primário
gratuito e obrigatório, sendo que esse ensino deveria ser extensivo aos adultos. Foi somente
no final da década de 1940 que a educação de adultos veio a se firmar como um problema de
política nacional, e em 1942 instituiu-se o Fundo Nacional do Ensino Primário que através
dos seus recursos deveria incluir um ensino Supletivo para Adolescentes e adultos.
Em 1947 foi criado o SEA que tinha o objetivo de reorganizar e coordenar o ensino
supletivo. O movimento em prol da EJA cresce devido ao fato da UNESCO denunciar as
profundas desigualdades entre os países e alertava para o papel que deveria desempenhar a
educação, em especial a educação de adultos, no processo de desenvolvimento das nações
categorizadas como “atrasadas”. Os esforços empreendidos durante as décadas de 1940 e
1950, criaram várias campanhas onde a EJA era condição necessária para que o país se
realizasse como nação desenvolvida e como resultado fizesse cair os índices de analfabetismo.
No período de 1946 a 1964, percebe-se um contexto mais democrático, mas com
algumas restrições, ocorre um desenvolvimento dos movimentos populares. Assim no campo
educacional, a participação popular cresce. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, promulgada em 1961 é discutida durante treze anos no Congresso Nacional,
desenvolve-se uma intensa luta no sentido de ampliar o acesso à escola pública e gratuita,
difundem-se campanhas e Movimentos de Educação Popular. Os principais foram: Campanha
34
de Educação de Adultos; Movimento de Educação de Base; Programa Nacional de
Alfabetização.
Todos estes estavam pautados na adequação do processo educativo as características
do meio em que estes estão inseridos. Foi um período especial no campo da Educação de
Jovens e Adultos, pois ocorreu uma renovação dos métodos e processos educativos, uma nova
forma de pensar a EJA, surge a partir das diversas propostas ideológicas e tinha como
objetivo a preocupação de refletir o social. A EJA passa a ser reconhecida então como um
poderoso instrumento de ação política e resgate do saber popular.
A partir de 1964 a educação brasileira passa a ser vítima do autoritarismo que se
instala no país, quando se, pretende principalmente, frear os avanços populares ocorridos nos
últimos anos. Reformas pedagógicas foram impostas sem a participação de professores,
alunos ou outros setores da sociedade, aumentando a deficiência tanto de recursos como de
metodologias, crescendo assim número de repetência e evasão escolar.
O pensamento pedagógico da época não condizia com a prática. Muitas vezes o
professor que se desviava do sentido técnico imposto era reprimido. Os objetivos
educacionais enfocavam a auto-realização, preparação para o trabalho e o exercício
consciente da cidadania, destacando que todos estes eram de cunho autoritário, impostos e
essencialmente técnicos. Como a Educação de Jovens e Adultos não poderia ser abandonada e
a UNESCO pressionava, o governo fundou em 1967 o MOBRAL – Movimento Brasileiro de
Alfabetização – que estruturava a educação adequadamente ao objetivo político de
implantação de uma campanha de massa, com o controle doutrinário através da
descentralização.
No inicio de sua atuação o MOBRAL, foi dividido em dois programas; Programa de
Alfabetização (1970) e o PEI que correspondia a uma versão compactada do curso de 1ª a 4ª
série. Firmam-se convênios com instituições privadas tais como, SENAC, SENAI, CNBB,
TVE, tendo por objetivo atender os objetivos políticos do governo, livrar o país da ‘chaga’ do
analfabetismo e simultaneamente realizar uma ação ideológica capaz de assegurar a
estabilidade, permitindo as empresas contar com amplos contingentes de força alfabetizada. O
MOBRAL não dependia de verbas orçamentais, sua organização era operacional
descentralizada, através de comissões municipais que executavam a campanha promovendo-a,
recrutando analfabetos, providenciando salas de aulas, professores e monitores. Os materiais
didáticos foram designados a empresas privadas, que os elaboraram desconsiderando a
diversidade das regiões brasileiras.
35
O inicio da democratização da escola começa com o fim do regime militar, buscando
a partir daí superar as marcas profundas que o regime deixou tanto no campo educacional bem
como para toda a sociedade. A democratização da escola está diretamente ligada à
democratização do ensino. Os anos pós 85 há retomada do governo pelo civil, e
reconhecimento social dos direitos das pessoas jovens e adultas à educação fundamental. O
MOBRAL é extinto e substituído em 1985 pela Fundação Nacional para a Educação de
Jovens e Adultos – EDUCAR, onde as prefeituras municipais passaram a constituírem-se
como os principais parceiros do EDUCAR, ao lado das empresas e organizações civis de
natureza variada.
O Ensino Supletivo visou se constituir nesta época em uma “nova concepção de
escola” num subsistema integrado, independente do ensino regular, integrado pela
alfabetização e formando a força de trabalho. Propunha-se a recuperar o atraso, reciclar o
presente, tendo como meta repor a educação regular, bem como formar mão-de-obra e
atualizar conhecimentos. O Ensino Supletivo deveria ser uma nova oportunidade dos que
perderam a possibilidade de escolarização, atendendo a todos numa dinâmica de permanente
atualização. A fundação EDUCAR foi extinta em 1990, representando a descentralização da
escolarização básica de jovens e adultos das esferas do governo, assim a responsabilidade dos
programas de alfabetização e pós-alfabetização passa a ser de responsabilidade dos
municípios.
Em 1996 é aprovada a nova LDB 9.394, a seção dedicada à educação básica de
jovens e adultos resultou curta e pouco inovadora, seus dois artigos reafirmam o direito dos
jovens e adultos e trabalhadores ao ensino básico adequado as condições peculiares de estudo,
e o dever do poder público em oferecê-lo gratuitamente na forma de cursos e exames
supletivos. O MEC em 1997 inicia o processo de consultas que resultou Plano Nacional de
Educação (PNE).
Três programas federais de formação de jovens e adultos foram concebidos ao longo
dos anos 90, que não foram coordenados pelo Ministério de Educação e sim, por parcerias
firmadas envolvendo diferentes estâncias governamentais e não governamentais, são eles,
PAS (Programa de Alfabetização Solidária), o PRONERA (Programa Nacional de Educação e
Reforma Agrária) e o PANFLOR (Programa Nacional de Formação do Trabalhador).
A Educação de Jovens e Adultos passa a ser vista como uma concepção de educação
para todos, associada diretamente as lutas sociais com as lutas pedagógicas. As alternativas
educacionais na educação de adultos começam a ser organizadas a partir dos problemas
sociais, bem como na busca pela cultura, criação e invenção de novos meios educacionais.
36
Não é uma escola padronizada, busca sim o desenvolvimento de todas as potencialidades
humanas, como cita Gadotti (1992, P.27) “[...] o ideal da escola: a alegria de construir o
saber elaborado [...]”.
Esse pensamento passa a ser mais concreto a favor da escola pública popular.
Começa a surgir um pensamento pedagógico progressista defendendo o envolvimento da
escola na formação de um cidadão crítico e participante de sua mudança social. Como Pinto
(1997, p.30) que: “A educação é um fato social. Refere-se à sociedade como um todo. É
determinada pelo interesse que move a comunidade a integrar todos os seus membros a
forma social vigente [...]”.
Atualmente no governo Lula o programa que está sendo desenvolvido na
Alfabetização de jovens e adultos é o projeto intitulado, Brasil Alfabetizado, que realiza
parcerias com ONGS e com os municípios. Com isso, a Educação de Jovens e Adultos,
inserida em ações sócio-políticas, se constitui em uma “nova concepção de escola”, que se
propõe a recuperar o atraso escolar, tendo como meta garantir a educação regular.
O que prevalece hoje é um pensamento e uma busca constante e desafiadora sobre a
Educação de Jovens e Adultos e a escola do futuro. Levando em conta a diversidade cultural.
A educação moderna pretende ser crítica, mas ao mesmo tempo é carregada de ambigüidades,
os problemas atuais, oriundos de épocas passadas deixaram marcas concretas. O homem
moderno, a sociedade moderna exige uma permanente formação e muitas vezes uma ruptura
com os paradigmas existentes. Não priorizando apenas o saber técnico e sim o global. Como
cita Gadotti (1995, p.313): “os elementos de uma nova educação estão surgindo. [...] é
preciso identificar o novo no velho caminhando para frente e construindo a educação do
futuro”.
Alguns dos principais pedagogos que abordam a Educação de Jovens e Adultos são
Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Florestan Fernandes, Álvaro Viera Pinto, entre
outros. Estes educadores defendem o envolvimento da escola na formação de um cidadão
crítico e participante, com o intuito de mobilizar o sujeito adulto para o conhecimento através
de sua realidade social, bem como o confronto com outras realidades, dando maior autonomia
a este sujeito. O conhecimento esse ocorre dentro de todo o sistema escolar e fora dele, não
busca um saber técnico “empacotado”.
A prática pedagógica tem um olhar bastante diferenciado na Educação de Jovens e
Adultos, ela está pautada em toda uma questão política e ideológica dos sujeitos envolvidos,
valorizando também a sua realidade, bem como estimulando o saber através da busca
permanente, os educandos são convidados a pensar junto sobre estes saberes.
37
3.2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: PARA ALÉM DE UMA
MODALIDADE DE ENSINO ESPECÍFICA, A URGÊNCIA DE NOVOS
ENTENDIMENTOS E SIGNIFICADOS
A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade específica de educação, que se
propõe a atender a um público ao qual foi negado o direito à educação, seja pela oferta
irregular de vagas, seja pelas inadequações do sistema de ensino ou ainda pelas condições
sócio-econômicas desfavoráveis de que são oriundos.
Para Oliveira (1999), Educação de Jovens e Adultos refere-se não apenas a uma
questão etária, mas, sobretudo, a uma especificidade cultural, ou seja, embora se defina um
recorte cronológico, os jovens e adultos aos quais se dirigem as ações educativas deste campo
educacional, não são quaisquer jovens e adultos, mas uma determinada parcela da população.
Ainda segundo Oliveira (1999, P.1) o adulto para a EJA:
[...] não é o estudante universitário, o profissional qualificado que freqüenta cursos
de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta interessada em
aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas estrangeiras ou
música, por exemplo [...] E o jovem, relativamente recentemente incorporado ao
território da antiga educação de adultos, não é aquele com uma história de
escolaridade regular, o vestibulando ou o aluno de cursos extra-curriculares em
busca de enriquecimento pessoal. Não é também o adolescente no sentido
naturalizado de pertinência a uma etapa bio-psicológica da vida.
Esta modalidade de educação deve possibilitar a mediação para que o aprendizado
seja o elemento de internalização e ressignificação do saber, que se estabelece pelas relações
que o sujeito constrói a partir da sua realidade, para uma inclusão ao meio social a que
pertence.
A concepção da EJA é fator determinante na mudança de práticas pedagógicas na
educação formal, possibilitando que esta mediação aconteça concretamente, a partir da
superação e confronto de realidade; oportunizando que o processo de aprendizagem torne-se
também um processo de luta por reconhecimento social; buscando interagir com novos
espaços que visem à construção do saber, contrapondo-se ao estilo de educação bancária-
fragmentada, ao qual, possivelmente, os sujeitos de EJA já estiveram submetidos por longo
tempo.
38
A propósito disso, Freire (1997, p. 27) ressalta:
[...] que o processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era
possível ensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada em si,
com relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma
curiosidade crescente, que pode torná-lo mais e mais criador. O que quero dizer é o
seguinte: quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se
constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”, sem a
qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.
Portanto o ensino de adultos deve estar permeado de intencionalidade crítica,
buscando incentivar a aprendizagem continua para questionar o mundo em que vive
auxiliando o desenvolvimento integral do aluno. O complexo problema deste campo
educacional, entre outras situações, reporta-se ao baixo número de professores capacitados
para trabalhar nesta área do ensino institucionalizado, o que significa falar da recente e
mínima capacitação que se tem disponível para atuar junto a esta modalidade de educação. E,
ainda, registra-se o caráter assistencialista que permeia a EJA. Entretanto, algumas
instituições de ensino têm demonstrado um interesse maior na formação de jovens e adultos,
entendendo que, por um motivo ou outro, estes alunos não tiveram oportunidade de concluir
seus estudos, embora tenham o direito de retomá-los. Sejam estes motivos pessoais, ou não, o
fato é que as razões que explicam este afastamento, em geral, estão sempre imbricadas em
questões que remetem ao meio social.
Destaca-se, outrossim, que a Educação de Jovens e Adultos, a partir da aprovação da
LDBEN 9.394/96
1
, passou a fazer parte constitutiva da legislação, tornando-se, a partir de
então, uma modalidade da educação básica nas etapas do Ensino Fundamental e Médio.
Ressaltam-se, aí, dois artigos em que são assegurados: o direito dos jovens e adultos ao ensino
básico adequado às condições peculiares de estudo, e o dever do poder público em oferecê-lo
gratuitamente na forma de cursos e exames supletivos.
Sabe-se que todo o adulto deve ser visto como membro atuante em todos os setores
da sociedade, uma vez que constrói a sociedade à qual ele pertence. Entretanto, dentro deste
universo social existem milhares de jovens e adultos que nunca tiveram acesso à educação
formal, o que desencadeia os processos de exclusão e limita/inibe outras possibilidades de
reconhecimento social.
A Educação de Jovens e Adultos torna-se então uma dívida social não reparada, e um
direito assegurado na Constituição Brasileira a todos que não conseguiram freqüentar a
escola. A educação escolar deve possibilitar a este educando um espaço democrático de
1
LDBEN 9.9394/96 Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Brasileiro número 9394, aprovada no ano de 1996.
39
(re)conhecimento, auxiliando-o na superação de discriminações sociais; objetivando um
projeto de sociedade menos desigual. Como afirma Pinto (1997 p. 44-45):
Existe, evidentemente, um problema de forma, de método, de transmissão do saber
[...] é necessário compreender que forma e conteúdo são apenas aspectos – distintos,
mas unidos – de uma mesma realidade, que é o ato educacional como um todo,
concretamente indivisível e só analiticamente separável em partes. Por isso, estão
inter-relacionados e se condicionam um ao outro. [...] a forma da educação é uma
função de seus fins sociais. Tem que ser em cada caso aquela que se adapta ao
conteúdo, isto é, à condição do educando, suas possibilidades imediatas de ascensão
cultural. [...] no sentido de ser a mais adequada para fazê-lo subir de sua condição
humana presente para outra melhor, imediatamente e concretamente possível. A
forma da educação tem que ser aquela que permita as grandes camadas da população
passar à etapa imediatamente seguinte em seu processo de desenvolvimento.
O conjunto que versa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental e Médio
2
afirma que: a universalização do Ensino Fundamental abre caminho
para que mais cidadãos possam se apropriar de conhecimentos avançados, tão necessários
para a consolidação de pessoas mais solidárias, bem como de países mais autônomos e
democráticos.
Nesse aspecto, no mercado de trabalho, espaço em que a exigência do ensino médio
vai se impondo, a necessidade do Ensino Fundamental representa uma verdadeira corrida
contra um tempo de exclusão não mais tolerável. Freire afirmava que “a finalidade da
educação é alcançar a libertação de toda realidade opressiva, de toda injustiça”.A esse
respeito, ressalta-se que a sociedade atual está cada vez mais tecnológica, o que gera um
mercado de trabalho cada vez mais exigente em termos de conhecimentos/saberes
diversificados. No entanto, os adultos que se virem privados do saber básico, dos
conhecimentos em suas múltiplas formas, podem se ver não apenas excluídos do sistema
laboral, como também das inserções sócio-político-culturais; situação que gera um contexto
de permanentes desigualdades. A presença de jovens e adultos na escola é, então, uma
alternativa viável de política social concreta para estes educandos que enfrentaram a exclusão
em seu sentido escolar e, consequentemente, social. Portanto, este caminho busca satisfazer
algumas das necessidades de aprendizagem deste grupo distinto, gerando novos rumos sociais
que se pretendem mais justos e igualitários.
2
O presente parecer se ocupa das diretrizes da EJA cuja especificidade se compõe com os pareceres
supracitados.
40
Não obstante, a função escolar da EJA, especificado nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, diz que esta modalidade de ensino, deve:
[...] dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais [...]. A
reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela
repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou
outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda
que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no
mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais
de participação.
Nesse entendimento, a educação de adultos não é então parte complementar,
extraordinária do esforço que a sociedade aplica em educação. É, sim, parte integrante desse
esforço social, que tem a obrigatoriedade de ser executada paralelamente ao ensino regular,
pois, ao contrário, esta alternativa escolar (EJA) não terá o rendimento que dela se espera.
Noutras palavras, não será um esforço marginal, residual de educação, mas um setor
necessário do desempenho pedagógico geral, ao qual a comunidade se deve lançar. Freire
(1997, p. 37) pressupõe que “educar é substantivamente formar. [...] Pensar certo, [...]
demanda profundidade e não superficialidade na compreensão e na interpretação dos fatos.
Supõe não apenas disponibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazê-
lo”.
Ressalta-se, também, no parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação de Jovens e Adultos, que:
Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a orienta apenas como um
processo inicial de alfabetização. A EJA busca formar e incentivar o leitor de livros
e das múltiplas linguagens visuais juntamente com as dimensões do trabalho e da
cidadania. [...] A eqüidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de
modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade.
Possibilita então que o educando jovem e adulto retome e atualize seus estudos,
desenvolvendo competências pedagógico-cognitivas aliadas a sua realidade e
história de vida, trocando experiências, possibilitando assim um nível técnico
profissional mais qualificado.
Ratificando esta idéia, o Relatório Jacques Delors, para a UNESCO (2003, p. 89),
declara:
Uma educação permanente, realmente dirigida às necessidades das sociedades
modernas não pode continuar a definir-se em relação a um período particular da vida
_ educação de adultos, por oposição à dos jovens, por exemplo, _ ou a uma
finalidade demasiado circunscrita _ a formação profissional, distinta da formação
geral. Doravante, temos de aprender durante toda a vida e uns saberes penetram e
enriquecem os outros.
41
Dentro desta perspectiva o termo Educação de Jovens e Adultos certifica que em
todas as idades e em todas as épocas da vida é possível se formar, se desenvolver e constituir
conhecimentos, habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais da
escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito. Para
assegurar os pressupostos acima descritos, no que se refere às alternativas educacionais para o
ensino de jovens e adultos, estas propostas efetivas de ensino devem ser coerentes com os
sujeitos aos quais se especifica.
Como afirma Arroyo (2001, p. 14): “a EJA é uma modalidade que construiu sua
própria especificidade como educação, com um olhar sobre os educandos”. Assim, tanto
entre as estratégias pedagógicas, quanto na estrutura curricular, no elenco das disciplinas
selecionadas, na qualificação dos docentes, dos métodos e critérios de avaliação, devem estar
previstas a continuidade de sua ação pedagógica e formadora, pois educação é movimento
permanente na vida do ser humano.
Também distinguido por Arroyo (2001, p.15):
[...] a história nos mostra que as experiências mais radicais de Educação de Jovens e
Adultos não aconteceram à margem de sistemas de ensino [...], mas porque a
concepção de jovem e adulto e de seus processos educativos culturais, formadores
não cabiam nas clássicas modalidades de ensino.
Deste modo, constroem-se novas perspectivas culturais e, portanto, sociais,
direcionadas a todos que não tiveram seu espaço educativo garantido dentro das propostas
regulares de educação institucionalizada.
Assim, declarado por Pinto (1997, p.84):
A educação de adultos visa atuar sobre as massas para que estas, pela elevação de
seu padrão de cultura, produzam representantes mais capacitados para influir
socialmente. [...] O caminho assinalado pela consciência crítica é [...]. Não é o
homem que se eleva que eleva consigo o mundo, e sim o mundo que eleva consigo o
homem.
Os seres adultos devem, então, ser sujeitos de sua própria ação educativa, para isso
suas aprendizagens devem estar pautadas na leitura de mundo e na realidade social na qual
estão inseridos.
4 A DEFICIÊNCIA MENTAL: A EVOLUÇÃO DO OLHAR SOBRE O
DEFICIENTE MENTAL
A cada um conforme suas necessidades.
De cada um conforme suas possibilidades.
(MARX e ENGELS manifesto do partido comunista, 1848).
No decorrer da história da humanidade, a forma como os deficientes mentais foram
tratados reveste-se muitas vezes de total irracionalidade. Nas sociedades primitivas o
deficiente mental acabava tornando-se um empecilho, fato que o levava a ser relegado,
abandonado sem que isso provocasse algum sentimento de culpa. Era um tipo de seleção
natural onde os mais fortes sobreviviam.
Na sociedade grega somente a perfeição do corpo e da mente eram valorizados. Se ao
nascer a pessoa apresentava alguma deficiência era eliminada. Praticava-se uma eugenia
radical na fonte. O paradigma corpo/mente vai se modificando e se cristianizando e a
dicotomia passa a ser corpo/alma. O deficiente deixa de ser morto ao nascer, porém passa a
ser considerado sinônimo de pecado. São então desprezados e considerados castigos de Deus.
Outra forma de a Igreja explicar a existência de pessoas deficientes era a de que eles
eram instrumentos de Deus para alertar os homens, para agraciar as pessoas com a
possibilidade de fazer caridade. Assim a desgraça de alguns possibilitava a “salvação” de
outros. É a partir desta concepção de deficiência como um pecado ou um castigo de Deus, que
ajuda a compreender a segregação e a estigmatização do deficiente mental até os dias de hoje.
Em menor ou maior grau os processos de exclusão continuam existindo, não mais por fatores
divinos, atualmente por valores sociais de caracterizar o deficiente como um incapaz de
integrar-se na sociedade e fazer parte dela como um cidadão participante.
Os padrões de normalidade são definidos pela sociedade, a família que recebe a
noticia de que seu filho nasceu com alguma anomalia, muitas vezes recebe informações
incorretas, mensagens dúbias e negativas. Essas informações vão definindo as esferas e as
possibilidades deste “novo ser”, marcando assim o seu desenvolvimento global.
Farenzena (1999, p. 53) afirma que:
A fragmentação dos conhecimentos é responsável pela formação de idéias que
muitas vezes não correspondem à realidade. As dúvidas, os sentimentos revelam [...]
as posturas contraditórias das pessoas. No centro deste fato esta alguém que precisa
romper com todas essas amarras (preconceitos) para se constituir como ser humano
partícipe do grupo social.
43
O sujeito deficiente mental é visto, muitas vezes apenas por suas incapacidades. A
sociedade com as novas leis e propostas educacionais tenta incluir estes sujeitos, mas ainda
não está totalmente preparada para aceitar o diferente, tanto é assim que os deficientes
mentais, na maioria das vezes continuam relacionando-se entre si, e em ambientes familiares
fechados.
Não a como negar que o conceito de deficiência mental tem evoluído. No cenário
atual tenta-se romper com os padrões de normalidade, discute-se a inclusão destes sujeitos nos
meios sociais e educacionais. Portanto busca-se entender o deficiente sob a perspectiva
educacional, não nega-se que o indivíduo deficiente mental terá problemas no seu
desenvolvimento, mas agora enfatiza que a sociedade deve produzir meios para atendê-lo.
A integração das pessoas deficientes mentais pressupõe um contexto social que
aceite o diferente e não apenas sua mera inclusão em um grupo. Devem ser vistos como seres
capazes, que possuem significativas diferenças, decorrentes de fatos inatos ou adquiridos de
caráter permanente, mas com possibilidades e com devir de ir além, crescer, evoluir e
aprender como todo ser humano merece.
4.1 REPENSANDO O ADULTO DEFICIENTE MENTAL: O DIREITO DE SER
DIFERENTE
Os seres humanos não nascem de uma vez por todas no dia em que suas mães lhes
dão a luz... A vida os obriga sempre e sempre a parir a si mesmos.
(MÁRQUEZ apud PAPALIA e OLDS, p. 399).
A estrutura da personalidade adulta é constituída através de vários fatores
interligados. Ser adulto implica psicologicamente, cognitivamente e fisicamente em vários
fatores do desenvolvimento humano. Para ser adulto é preciso certo grau de maturidade na
resolução de problemas, independência e compreensão das regras existentes na sociedade que
se vive. O homem adulto é capaz de auto-realização, transformação social e moral,
relacionamento afetivos estáveis, ações e critérios ante sua vida pessoal e comunitária, além
da idade cronológica em que se encontram. Mosquera (1987, p. 34) coloca que “[...] a ação
do homem se revela através desse emaranhado delicado que está composto por valores,
atitudes, crenças e intenções, que formam uma das bases estruturais da personalidade
humana que caracteriza, especialmente, o homem adulto”.
44
Abordar as características do adulto Deficiente mental não é tarefa fácil, já que
muitos são judicialmente interditados, não vivenciam uma auto-aprendizagem e uma
motivação para a realização de uma vida estável, matrimônio, vida sexual ativa, e socialmente
são estereotipados. Bem como não existe uma “pressão” saudável para que possam
desenvolver uma “personalidade” adulta. Pelo contrário, a sociedade os considera
cronologicamente como adultos, mas mentalmente e algumas vezes biologicamente como
criança devido aos seus déficits. São algumas vezes apenas tolerados, vistos como coitados
considerados e tratados como totalmente dependentes, seus comportamentos devem estar
baseados em repressão aos estímulos sexuais, aceitação das normas, para que desta forma
possam conviver de forma apática perante a sociedade.
A perspectiva que trabalho nesta pesquisa é que ser adulto nas múltiplas formas que
a sociedade impõe não é algo natural ou uma tarefa fácil para os sujeitos ditos normais. Ao
deficiente mental adulto o desafio de poder se firmar em um mundo de constante mudança e
desequilíbrio é ainda maior, pois desde o momento do seu nascimento já é pré-determinado
até onde poderão evoluir, negando-se desta forma muitas vivências que poderiam lhes ajudar
a amadurecer. O real progresso do ser humano está diretamente relacionado com o
desenvolvimento de suas potencialidades, o que ao deficiente mental é negado. Vygotsky
afirma que o deficiente mental não deve ser visto como um sujeito menos desenvolvido e sim
desenvolvido de outro modo.
A deficiência mental não pode ser então um fator determinante para incapacitar os
sujeitos de evoluírem cognitivamente, socialmente ou afetivamente. Para Molina (1994) o
termo deficiência mental é algo genérico, pois cada sujeito deficiente mental possuiu
indossincrasias bem particulares, tanto do ponto de vista etiológico como funcional.
Desta forma não temos como generalizar as deficiências, o que precisamos fazer e o
que devemos pensar é, saber a causa, ter um diagnóstico preciso, bem como a apropriação de
toda a historicidade do deficiente mental adulto, para que o desenvolvimento de suas
potencialidades ocorra de forma mais precisa e concreta. Assim sendo as particularidades de
seu desenvolvimento serão respeitadas na busca do desenvolvimento pleno e possível de cada
sujeito.
O seu reconhecimento enquanto sujeito adulto detentor de desejos, necessidades e
deveres têm que ser possível para que possam sair do “lugar de eternas crianças”. Os
conceitos determinantes e pré-moldados a respeito do jovem e adulto deficiente mental, a
normatização da idade mental que poderão atingir, acredito são fatores ainda de exclusão
social mostrando que à sociedade ainda é impotente em inserir estes sujeitos determinando
45
que só poderão ir até onde lhes forem permitido. É um medo do “desvio social” que estas
pessoas podem causar na sociedade, pautada ainda por valores superficiais. Isto é comprovado
pela falta de bibliografia e estudos sobre o deficiente mental como adulto, fundamentado por
teóricos que abordam o “ser adulto”.
Certamente em alguns aspectos ainda terão imaturidade e idade mental bem inferior
as de sua idade cronológica, não podemos ignorar suas deficiências, mas não podemos
caracterizá-los ou descaracterizá-los subjetivamente pautados apenas em virtude destas
diferenças. O dever da sociedade é proporcionar e ajuda-los a irem em busca do seu máximo,
a compreenderem suas regras e direitos. O jovem adulto deficiente mental precisa ser
conhecido e reconhecido como tal pelo grupo social e comunidade ao qual pertence, e não
apenas pelo grupo de deficientes que convive.
Para que isto aconteça, penso que vai de encontro ao que Vygotsky aborda, pois o
mesmo não ignora as definições biológicas da espécie humana; no entanto, atribui uma
enorme importância à dimensão social, que fornece instrumentos e símbolos (assim como
todos os elementos presentes no ambiente humano impregnado de significado cultural) que
medeiam à relação do indivíduo com o mundo, definindo então a importância da interação
com o meio sociocultural no desenvolvimento cognitivo e, em conseqüência, nos próprios
processos mentais.
Considerar que estes sujeitos possuem apenas um pensamento, abstrato ou que são
desprovidos totalmente de consciência é um pré-conceito, que gera uma exclusão muito
grande, fazendo com que os mesmo estabeleçam uma convivência apenas entre si e com seus
familiares. Desta forma, estes sujeitos estão sempre à margem do sistema e não conseguem
exercer sua cidadania de forma concreta vivenciando os direitos e os deveres que esta
possibilita.
A transição para a idade adulta é um tema que tem despertado interesse, pois esta
transição é um fenômeno fundamental para o desenvolvimento da sociedade e a principal
prioridade para pessoas com atraso mental. Outro aspecto essencial para o adulto deficiente
mental é a possibilidade de trabalho, que torna-se um fator positivo para a transição para a
idade adulta. Desta forma é fundamental criar programas que facilitem esta transição e o
acesso destas pessoas ao mundo do trabalho, realizando atividades laborais, e ações concretas
para a adaptação de suas deficiências nas funções sociais.
46
Quadro 1 – Síntese: Fundamentação Teórica
DIMENSÕES ASSUNTOS ABORDADOS PRINCIPAIS TEÓRICOS
ALFABETIZAÇÃO
Desenvolvimento
humano/aprendizagem
Aprendizagem
Alfabetização/ aquisição do
código escrito
Vygotsky: Desenvolvimento e
aprendizagem
Papalia e olds: Desenvolvimento
humano
Freire: Aprendizagem,
alfabetização
Mosquera: Desenvolvimento
Adulto
Ferreiro e
Teberosky: Alfabetização
EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Breve histórico da EJA
Repensando a EJA
Paiva: Histórico da EJA
Pinto: Educação de Jovens e
Adultos
Freire: Alfabetização e Educação
de Jovens e Adultos
Arroyo: Educação de Adultos
ADULTO DEFICIENTE
MENTAL
Aprendizagem
Ser Adulto Deficiente Mental
Alfabetismo E Inclusão Social
Vygotsky e Luria:
Desenvolvimento e
aprendizagem do deficiente
mental
Mosquera: Desenvolvimento
Adulto
Basoc E Castresano: Educação
de pessoas deficientes mentais
Fonte: O autor, 2007.
5 O PROCESSO DE PESQUISA: SITUANDO AS ESCOLHAS, OS CENÁRIOS E
OS SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO
5.1 MOVIMENTOS METODOLÓGICOS
Investigar é um processo complexo e exaustivo, mas ao mesmo tempo enriquecedor
e gratificante. A investigação não ocorre por acaso, ela se constitui como uma trama de ‘vida,
experiência e Ciência’, pois existem fatos e questões que gostaríamos de ver respondidas com
o intuito de modificar e/ou transformar. A pesquisa é então impulsionada pelo desejo de
conhecer e alcançar o desconhecido, pela descoberta do novo possível, ou do já conhecido a
partir de uma outra perspectiva, buscando o ir além do senso comum, do cotidiano que
engessa e “do lugar comum”.
Os pressupostos que nortearam a presente pesquisa são de cunho qualitativo, o que
me permitiu refletir, problematizar e por fim compreender e estabelecer relações entre três
grandes eixos: Alfabetização, Adulto Deficiente Mental e Educação de Jovens e Adultos,
buscando destacar as diferenças sutis, os acontecimentos e as situações das pessoas que estão
incluídas nestes três eixos.
Por se tratar de pesquisa qualitativa, preocupo-me com o significado que as pessoas
dão as coisas, destaco os valores e a realidade de vida de cada um dos sujeitos, cujos dados
não tenho a intenção de quantificar, ao contrário, pretendo enfatizar a importância da
compreensão das realidades humanas para perceber as realidades e o contexto em que elas são
vividas, em seu movimento processual e não final.
Destaco o pensamento de Santos (2004, p. 28) que, ao tecer uma crítica à ciência na
modernidade, aponta quatro paradigmas emergentes da ciência na pós-modernidade: o
primeiro diz que todo o conhecimento científico-natural é científico social, portanto não deve
haver uma dicotomia entre o conhecimento cientifico e o social. O segundo paradigma diz que
todo o conhecimento local é também total, pois ele ilustra a realidade mais ampla. O terceiro
paradigma aponta que todo o conhecimento é também auto-conhecimento, e finalmente o
quarto paradigma que afirma que todo o conhecimento científico visa a constituir-se em senso
comum. As idéias apontadas pelo autor são consideradas da maior importância e são
fundamentais para nortear o presente estudo.
48
Lüdke e André (1986 p. 11-12) apontam cinco características importantes de um
estudo que se pretende inserido na contemporaneidade:
A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o
pesquisador como seu principal instrumento; os dados coletados são
predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é muito maior do
que com o produto; o significado que as pessoas dão as coisas e a sua vida são focos
de atenção especial pelo pesquisador, à análise tende a seguir um processo indutivo.
A pesquisa qualitativa procura buscar os dados no ambiente natural ou no local de
origem do fenômeno que se pretende estudar, tendo o ambiente natural como sua fonte direta
de dados. A esse respeito, Guba salienta (apud SISSON DE CASTRO, 1996, p. 3): “[...] nós
sugerimos que a pesquisa seja realizada em um ambiente ‘natural’ porque o fenômeno em
estudo seja ele qual for – físico, químico, biológico, social ou psicológico – assume
significado tanto em função de si mesmo quanto em função do contexto”.
Partindo da concepção de que para o pesquisador não existe realidade acabada e
única, a opção portanto, neste trabalho, foi de investigar a multiplicidade de aspectos
abrangendo as questões psicológicas, sociais e culturais envolvidas no processo de
Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais. A pesquisa buscou especificar e
redimensionar as descobertas e as perguntas que foram surgindo ao longo do estudo.
Portanto, investigar de forma qualitativa exige, necessariamente, do investigador um
trabalho intensivo de campo. Exige que se entre em contato direto com o contexto em que está
inserido o objeto de estudo. Para chegar à compreensão da realidade, não se pode analisar
suas partes isoladamente de forma descontextualizada, é necessário observar o espaço onde os
sujeitos interagem, a sua sala de aula, entrevistá-los e ter uma escuta atenta aos seus
depoimentos. Estudar registros e dados sobre suas histórias.
Metodologicamente, optei pelo Estudo de Caso no seu sentido mais amplo, pois me
permitiu estudar dentro de uma realidade complexa com uma multiplicidade de dimensões,
aqueles aspectos que desejo e os pontos de vista conflitantes focalizados e estudados como
um todo, pois a realidade não é única, ainda mais ao se investigar a Alfabetização, Jovens e
Adultos deficientes Mentais e a EJA.
49
Segundo Lüdke e André (1986, p.19), uma das características fundamentais do
Estudo de Caso é:
Buscar retratar a realidade de forma completa e profunda, onde o pesquisador
procura revelar multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação
ou problema [...]. Esse tipo de abordagem enfatiza a complexidade natural das
situações, evidenciando a inter-relação dos seus componentes.
O Estudo de Caso é, portanto, uma possibilidade e o caminho mais adequado para
que eu possa analisar as inter-relações entre a Alfabetização a EJA e a Deficiência Mental,
evidenciada pelos testemunhos dos jovens e adultos deficientes mentais, propondo um olhar
sobre esses sujeitos que possibilite uma percepção para além dos seus déficits biológicos,
dando visibilidade às trajetórias pessoais. Através desta interlocução, valorizo o processo de
aprendizagem desses jovens e adultos, relatando suas histórias, suas aprendizagens e as
circunstâncias que possibilitaram ou não que esses sujeitos conseguissem aprender.
Ainda segundo Ludke e André (1986), o Estudo de Caso deve delimitado o suficiente
para que, seja ele simples ou complexo, represente um mergulho profundo nas singularidades
da realidade contextualizada, portanto, o objeto de estudo é uma instância que se analisa
dinamicamente, supondo um contato direto e prolongado do pesquisador com o objeto de
estudo. As autoras salientam ainda que (1986, p.17): “O caso é sempre bem limitado, devendo
ter contornos claramente definidos no desenrolar do estudo. [...] O caso pode ser similar a
outro, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular, que tem valor
em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso”.
Triviños (1987), abordando também o estudo de caso, salienta que este tipo de
metodologia de pesquisa é uma das mais relevantes abordagens na pesquisa qualitativa,
constituindo-se numa expressão importante da pesquisa educacional. Faço então a opção pela
abordagem como Estudo de Caso, visto que esta é uma estratégia que me possibilita através
de um “recorte” da realidade, a análise de dados a partir de uma dimensão mais ampla e real.
Os resultados não irão se esgotar com a presente pesquisa, assumo as incertezas e o caráter
temporário do conhecimento, novos olhares são necessários, pois trarão mais contribuições
sobre a complexidade do que se estuda, uma vez que esta temática é múltipla, importando as
diversidades, as ilustrações, no lugar de uma pretensa generalização.
Afirma Yin (2001) que a definição pelo Estudo de Caso, de forma mais abrangente, é
a metodologia ideal para a educação, pois trata de questões sobre o “como” e o “porquê” e
50
respeita um conjunto de eventos atuais, o que possibilita, a tentativa de compreensão de uma
realidade extremamente complexa em seu contexto natural.
5.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA
A escolha dos sujeitos da pesquisa é baseada em critérios de seleção pré-
estabelecidos. Portanto a escolha dos sujeitos foi intencional e justifica-se pelo fato de serem
jovens adultos deficientes mentais, que freqüentam uma escola de Educação de Jovens e
Adultos no município de Porto Alegre e estão em processo de alfabetização. A partir destes
critérios selecionei nove alunos que freqüentavam o Laboratório de Aprendizagem da escola.
Os participantes da pesquisa são Jovens e Adultos Deficientes Mentais, não tive
acesso aos diagnósticos médicos porque a escola não os têm, seja porque a família nunca
tenha buscado um diagnóstico médico adequado, seja por não ter sido orientada para
compreender a etiologia de suas deficiências. Nos prontuários da escola, existem entrevistas
com as psicólogas e/ou psicopedagogas, mas sem laudos médicos de cada aluno.
Utilizo o termo deficiência mental, pois percebo que do ponto de vista físico e
cognitivo são “desviantes do padrão normal de desenvolvimento”, através do relato das
professoras e de alguns prontuários a que tive acesso com as entrevistas dos pais, colocando
as histórias de vida de cada sujeito desde o seu nascimento, quedas, infecções, convulsões,
nascimentos prematuros, violência física e social.
Estes alunos advêm de classes populares de Porto Alegre, freqüentam o Laboratório
de Aprendizagem da escola e possuem histórias de fracassos escolares anteriores. A opção por
esta escola ocorreu porque foram obrigados a sair da Escola Especial, a qual o aluno pode
freqüentar até completar 21 anos, na busca de uma aprendizagem diferenciada da Escola
Especial. Alguns alunos se mantêm no mesmo nível de ensino, mudando algumas vezes de
professora, permanecendo, segundo a escola, sem aprender.
Com o intuito de preservar a identidade dos sujeitos entrevistados e de suas famílias
e da escola, decidi atribuir-lhes nomes fictícios. Como síntese descritiva dos participantes da
pesquisa, apresento os alunos e suas características a partir das observações realizadas e dos
dados obtidos nos prontuários da escola.
51
1. Rita
Dados do Prontuário:
Tem uma deficiência mental que a impede (segundo a professora), por exemplo, de
emitir uma opinião própria sobre o texto lido, já está na escola atual há muitos anos, “esta, a
meu ver, é meio fora do mundo”, segundo descreve uma professora. Em 1998 foi
encaminhada para saber a etiologia de sua deficiência. A professora coloca que ela tem um
atraso no desenvolvimento psicomotor que nunca foi investigado ou do qual a escola não tem
conhecimento.
Em 1996 chegou espontaneamente para falar com a psicóloga, e disse que a mãe
queria que arranjasse um médico para ela, pois estava mal no colégio e não conseguia
aprender as letras. Falou para a psicóloga: “ Eu quero conhecer o mundo ainda não conheço
nada, a minha mãe também não sabe ler e escrever, eu fico fechada, choro muito... eu não
arranjo namorado porque eu ainda não sei ler e escrever”.
Em entrevista com a mãe, a mesma relata que conta história da Branca de Neve para
a Rita dormir. Teve uma gravidez agitada e chorou toda a gravidez porque a mãe morreu no
parto e ela tinha medo de morrer também. Tentou aborto, mas não tinha dinheiro, fugiu de
casa e foi morar com o marido em uma peça alugada, o pai não aceitava a gravidez. Fez
cesariana e não pode mais engravidar. O bebê tinha muita cólica e com sete meses teve
pneumonia aguda, caminhou com, aproximadamente, dois anos de idade. Rita fica dois ou três
meses sem menstruar, tem muitos medos, quando fica com medo treme, foi encontrada sem
roupa e dopada, não fala no assunto. Até os sete anos não freqüentou a escola ficava em casa
ajudando a mãe. Dormiu na cama dos pais até os nove anos. Toma Gardenal® sem ter
realizado nenhum exame, segundo a mãe.
Dados da Observação:
Rita é bem comunicativa, adora falar de novelas, sobre namorados, participa das
aulas ativamente, muitas vezes corrige os colegas e coloca como ela acha que é o certo.
Repete bastante à fala da professora. Está fazendo regime, mas continua muito obesa, não
come o lanche da escola porque a mãe falou que está muito gorda. Comenta que os pais não
querem que ela namore. É organizada, tem uma angústia e uma pressa em aprender a ler e a
escrever. Está lendo melhor do que escreve, mas não compreende muitas vezes o que lê.
Diante das minhas observações acredito que Rita está silábica pois cada letra representa uma
sílaba no momento da escrita. Diz que gosta muito de ler e aprender. Quando convidei para a
entrevista tremia um pouco no inicio, mas depois foi se acalmando. Sua história mostra que
freqüentou escola regular e depois o COPA.
52
2. Gean
Dados do Prontuário
A mãe comenta que Gean não é muito de fazer comentários, trabalhou como
estagiário na câmara dos vereadores. Toma medicação para ansiedade. No parecer da escola
anterior há o registro de que Gean é muito afetivo e solidário, mas que chega na escola
sempre muito irritado ou depressivo.
Dados da observação:
É muito comunicativo, está sempre disposto a ajudar os colegas e a professora. Faz
comentários sobre os filmes que assiste na TV e passeios. Adora tomar chimarrão e passear de
bicicleta.
Gean tem um problema de visão bem acentuado, quando iniciei as observações ele
não usava óculos, se dispersava facilmente e não conseguia realizar as tarefas por mais que
tentasse, muitas vezes ficava com o rosto “colado” no caderno, quando comecei a questionar
sobre os óculos disse que tinha estragado e a mãe não tinha dinheiro para arrumar. Diante da
minha insistência e da professora da classe a mãe nos mandou um recado dizendo que tinha
coisas mais importantes para gastar o dinheiro. Depois Gean apareceu com o óculos antigo e
disse que não estava muito bom, mas que ia usar para ajudar.
Começou então a participar mais das atividades propostas pela professora de forma
comprometida e tentando fazer o melhor possível. É mais lento que os colegas para se
organizar e realizar as tarefas. O Gean lê com dificuldade e escreve bem, acredito que está
silábico-alfabético, pois faz correspondência com o som e a grafia. Quando acha que não
escreveu direito apaga várias vezes até achar que está certo. Quando tive acesso ao prontuário
de Gean parecia de outra pessoa, pois os mesmo relatava que Gean era muito agressivo com
os colegas e apresentava problemas de relacionamentos muito graves, o que durante minha
observação não ocorreu em nenhum momento, pelo contrário sempre tentava ajudar os
colegas e era bem afetivo.
3. Jefe
Dados do Prontuário:
Quando pequeno Jefe teve várias infecções e convulsões, ficava muito doente e
tomou muita medicação. Quando começaram as convulsões a mãe achou que Jefe não iria
sobreviver. Até os 5 anos não se alimentava sozinho. A mãe tem excesso de cuidado, pois é
seu o primeiro filho e cuidava de um sobrinho que faleceu. Com sete anos não conseguia
53
aprender e a professora puxava a orelha dele porque não ficava sentado direito na sala. Fez
tratamento neurológico na clinica Pinel até os 12 anos.
Dados da Observação:
Jefe é bem quieto, mas quando o assunto da aula o interessa participa ativamente, é
bem calmo, sua fala é bem arrastada. Quando está muito desligado fala qualquer coisa
precisando que a professora retome para que ele possa responder adequadamente. Tem um
vocabulário diferente dos colegas, utiliza uma linguagem bem formal, vive dizendo que não
gosta de confusão, está muito chateado porque acabou seu estágio na SMED. Reclama que
tem muito sono, filho de militar, diz que seu sonho era ser militar. Gosta muito de ler sobre
cachorros, quando acha uma reportagem em revistas corta e guarda. Escreve textos em casa,
alguns confusos, mas está alfabético, tem dificuldade, algumas vezes, em compreender o que
está lendo, sendo necessário repetir a leitura.
4. Vitor
O Vitor não tem prontuário na escola, a professora acredita que é porque ele esta lá
há muito tempo; vai e volta para a escola e alguns prontuários vão para o “arquivo morto”.
Dados da observação:
O Vitor é muito dispersivo, mas consegue fazer os trabalhos solicitados. Tem que
estar concentrado e nada pode desviar sua atenção , o que raramente acontece, gosta muito de
se olhar no espelho e é muito carinhoso com os colegas. Comenta sobre futebol e política.
Quando o assunto da aula não lhe interessa pede para ir ao banheiro e demora a voltar. Chama
a mãe de tia, escreve sempre que seu verdadeiro nome é outro, diferente do real. O Vitor sabe,
escrever bem, lê silabando, tem muita dificuldade em compreender o que está lendo. Vitor
tem pouca freqüência na escola.
5. Rui
Dados do prontuário:
Teve hepatite, problemas de coluna e na formação óssea, é estrábico. Teve
sofrimento no parto, tendo três paradas cardíacas. Com nove anos é que a família descobriu
que ele tinha uma lesão cerebral. Freqüentou a escola Nazaré, a Intercap e no COPA, onde
trabalhou na área dos parafusos e de limpeza. Atualmente trabalha no supermercado Nacional.
Dados da Observação:
É super comunicativo, fala de assuntos relacionados à política, novelas, namoros,
noticias de jornais. Ajuda os colegas e a professora, é muito disponível, por exemplo, um dia
54
entrou um aluno surdo-mudo não sala e ninguém entendia o que ele queria, o Rui
compreendeu. Atualmente está namorando é muito responsável. Rui está alfabético, sua
escrita apresenta erros ortográficos e tem dificuldade algumas vezes de compreender o que
leu.
6. Suzi
Dados do Prontuário:
Suzi tem um extenso prontuário e está na escola há muitos anos. Esteve várias vezes
internada no hospital Espírita, por surtos e segundo as professoras da escola ela é
esquizofrênica, mas no prontuário não há nenhum laudo médico. É tutelada pelo estado e vive
de pensões. Foi para a FEBEM com 1 ano e às vezes voltava para a casa, mas o pai batia
muito na sua mãe e então a família se desfazia. Teve cinco irmãos e atualmente não tem
contato com os mesmo, nem sabe o local em que se encontram. Morava em uma peça com os
5 irmãos e 6 adultos, certa vez a casa pegou fogo porque o pai caiu bêbado em cima de uma
vela, o irmão menor queimou-se. Suzi já agrediu o sobrinho, usou drogas e morou na rua. Foi
violentada, roubou, ficava dias apenas tomando água. Tem uma tia que convive às vezes, mas
que não gosta da Suzi. Apanhou bastante na FEBEM, ficava amarrada e fingia que tomava a
medicação.
Precisa de apoio para se organizar, tem conflitos familiares e existenciais. Ameaça,
professores e colegas.
Dados da Observação:
Suzi é muito fechada e não gosta de ser contrariada, no inicio das observações
chegava sempre dopada com a medicação, tremia muito e tinha dificuldades em falar (fala
arrastada), chegava com sono e dizia que não conseguia dormir (mesmo tomando medicação),
pois tinha medo que roubassem suas coisas na pensão onde vive. Brigou na pensão e teve que
ir morar com a tia novamente, acredito que parou com a medicação, pois não tem mais sono,
não fala mais arrastado e está mais centrada na realidade, mas também está mais agressiva.
Teve que mudar de professora, pois ameaçou a anterior. Diz que a professora atual não ensina
ela direito, que só manda pintar e um dia foi dar um beijo na professora e esta virou o rosto.
As pessoas com as quais mantém um vinculo bom, ela respeita e aceita os limites. Quando
quer fazer uma atividade e a proposta do professor é outra, começa com ameaças sutis
contando que já quebrou vidros, já bateu em alguém até sangrar. Respeita muito a professora
do laboratório que é com quem mantém um vínculo afetivo e a professora respeita Suzi e
impõe limites, mas é afetiva e explica com cuidado quando Suzi tem alguma dúvida, se
55
preocupa com o seu bem estar. Construí um vinculo importante com Suzi, que um dia
perguntou por que não podia morar comigo ou com a professora. Freqüenta a Assembléia de
Deus, diz que odeia os homens. É bem vaidosa e está sempre bem arrumada. Esta alfabética, o
problema de Suzi na escola é que ela avança, mas quando avança a dificuldade é em achar o
professor que queira trabalhar com ela, alguns se negam. Está escrevendo um “livro” sobre
sua vida, tem dificuldades ortográficas e de leitura, mas compreende o que está lendo. Insisti
algumas vezes para fazer a entrevista, um dia repentinamente ela disse que queria fazer,
começou e terminou a entrevista.
7. Luan
Dados do Prontuário:
O Prontuário está sem laudo médico, tem apenas entrevista com o pai. Estudou na
Escola Estadual Azambuja. A esposa não mandava os filhos para estudar. Luan teve várias
convulsões quando pequeno, aos 3 anos tomou Gardenal®, não tem acompanhamento
médico, tem 6 irmãos e ele é o mais velho. A mãe se trata com psicóloga e tem depressão,
toma Diazepam® e Fluoxetina®.
Dados da Observação:
Luan é muito quieto, fala muito baixo. É crente e freqüenta a Igreja todos os dias.
Costuma fazer tudo que o pastor diz que é para fazer. Tem dificuldade em compreender o que
a professora solicita, mas quando ajudado consegue resolver as atividades propostas. Sabe
escrever seu nome e está silábico. Não reconhece os números, mas reconhece as letras e tenta
ler.
8. Vivi
Dados do Prontuário:
Quando nasceu parecia normal e saudável. Com 1 ano começou a gritar, levaram
para o hospital e constataram que tinha uma bola no estômago, cheia de liquido. Com 1 ano
passou por 8 cirurgias neurológicas e na coluna. Não urinava e nem evacuava e com 1 ano e 5
meses ficou três meses hospitalizada então descobriram que tinha hidrocefalia, que atingia a
região da leitura. A tia relata que para Vivi a lei da inclusão foi pior porque não conseguia
acompanhar os outros. A tia a leva e a busca na escola. O pai é usuário de cocaína, a tia a
super-protege, diz que a família não conversa com Vivi. O laudo médico que tem no
prontuário diz que Vivi tem deficiência visual e motora, mas não diz a etiologia. Teve
hemorragia cerebral.
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Vivi está enfrentando os conflitos da adolescência, fala em namorar, a tia não quer
que ela namore. Os pais querem lhe dar mais liberdade e a tia não deixa.
Dados da Observação:
Vivi é afetiva, carinhosa, responsável, opina e ajuda os colegas quando eles estão
com alguma dificuldade. Trabalha no COPA na parte de culinária. Atualmente vem para a
escola sozinha, pois já consegue ler a placa do seu ônibus. Realiza todas as tarefas com
dedicação, depois que termina auxilia os colegas. Está namorando escondido um colega, mas
diz que não beijou na boca ainda. Tem dificuldade na escrita e na leitura, mas está alfabética,
algumas vezes não compreende o que leu porque demora muito na leitura, esquecendo o que
tinha lido anteriormente, mas quando o assunto é do seu interesse ela consegue ler e entender
melhor. No último dia da observação estava muito nervosa e chorando, pois o pai tinha
cheirado muita cocaína e passou mal quando estava só com ela em casa, disse que ele teve
uma overdose e que quis lhe bater, mas o irmão não deixou. Ele voltou para casa pediu
desculpa e disse que não ia fazer mais, e ela respondeu que ele não pode fazer mais isto e o
ama muito, e que o perdoa, e que vê-lo no estado em que ele estava lhe fez muito mal. Depois
que contou comentou que tinha ficado aliviada. Neste dia não quis trabalhar.
9. Aline:
Dados do Prontuário:
Aline nasceu aos 8 meses, no nascimento não foi detectado nenhum problema, esteve
no Hospital Espírita quando pequena, internada durante quinze dias. Sente fortes dores de
estômago e cólicas no intestino. Quando a mãe morreu não reagiu, não aceita a morte da mãe,
tem vários episódios de medo, a mãe vestia as irmãs iguais. Estudou no Nazaré durante dez
anos. Mora com a irmã e o sobrinho, a irmã é separada, mas Aline ainda telefona para o ex-
marido da irmã, relata que gosta muito dele.
Dados da Observação:
Aline tem a fala muito prejudicada (arrastada), comenta bastante sobre a irmã e o
sobrinho. Corrige muito os colegas, diz o que é certo e errado, não gosta de grito, tenta
realizar a tarefa pelo colega quando este não consegue. Está sempre disposta a participar e ir
ao quadro. Conversa muito sobre novela, sabe o nome de todos os personagens e atores da
TV. No inicio apresentou bastante resistência comigo, mas depois foi falando mais. Tem
muita dificuldade em compreender o que está lendo, esta alfabética e escreve com alguns
erros ortográficos. A professora comentou que Aline já está há bastante tempo na escola, mas
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que só começou a aprender a ler e a escrever depois que entrou para a oficina de teatro e
precisava decorar algumas falas.
5.3 PROCEDIMENTOS DE APROXIMAÇÃO DOS DADOS DE OBSERVAÇÃO E
DAS ENTREVISTAS: A BUSCA DE NOVOS ENTENDIMENTOS
O contato com a Escola foi realizado através do setor de Educação Especial de
Educação de Jovens e Adultos na SMED/POA. No primeiro contato com a direção da escola e
com a psicopedagoga expliquei minha pesquisa para obter o consentimento para a realização
da mesma. E obtive então autorização junto a SMED/POA para realizar a pesquisa na escola.
Fiquei estudando os documentos na escola.
Iniciei as observações antes de realizar as entrevistas para criar um vínculo com os
alunos, pois acredito que assim obteria as respostas do que eu desejava investigar. Durante
minhas observações eles me questionavam sobre minha pesquisa, alguns elementos de minha
vida particular, mostravam seus trabalhos realizados em aulas e, muitas vezes, solicitavam o
meu auxílio para executar tarefas que a professora tinha solicitado, quando ela esta estava
ocupada com outro aluno. Contavam bastante sobre suas vidas, famílias e sonhos.
Tive a oportunidade de realizar várias observações antes das entrevistas, acredito que
assim obtive um pré-estudo ‘exploratório’, coletando dados significativos para compreender
melhor seus processos de aprendizagem e também construir um vinculo afetivo. Esses
encontros me permitiram refazer o meu roteiro de entrevistas abrindo mais caminhos para a
minha investigação, possibilitando ainda uma ‘leitura’ da realidade e do contexto de cada
sujeito.
Passado este contato inicial e estabelecido o vínculo iniciei minha coleta de dados.
Através de entrevistas semi-estruturadas, acredito que na entrevista a pessoa, seja qual for sua
origem, gênero, situação sócio-econômica e cultural, vive sua cotidianidade, é nela que expõe
suas capacidades, possibilidades, objetivos e sonhos. Considero que uma das formas de
conhecer e vivenciar esta cotidianidade dos sujeitos é através da escuta comprometida e
atenta.
A inter-relação no ato de entrevista como afirma Minayo (1994, p. 124) “[...]
contempla o afetivo, o existencial, o contexto do dia-a-dia, as experiências, e a linguagem do
senso-comum, e é a condição ‘sine qua non’ do êxito da pesquisa qualitativa”. Optei então
58
pela entrevista semi-estruturada por acreditar que esta possibilita um campo maior de
interação, através de um diálogo coloquial e dinâmico. Favorecendo que o entrevistado possa
muitas vezes discorrer livremente sobre as perguntas realizadas, bem como abrir espaços para
novos questionamentos.
Sobre o procedimento de entrevistar, concordo com Lüdke e André (1986, p 33-34)
que colocam que:
[...] na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo um clima de estímulo
e aceitação mútuo, as informações fluirão de maneira notável e autêntica [...],
permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com
qualquer tipo [...] e sobre os mais variados tópicos.
Quando comecei as entrevistas, deixei os alunos à vontade, fiz o convite para realizar
a entrevista, e eles se ofereciam. Quando havia mais de um, eles mesmos decidiam quem seria
o primeiro.
Antes da realização das entrevistas li o Termo de Consentimento para cada um,
questionei se tinham entendido e repeti as intenções da pesquisa, coloquei também que se
tivessem alguma dúvida durante a entrevista poderiam perguntar e no momento que
quisessem poderíamos parar a entrevista.
Durante as entrevistas, acrescentei questionamentos para coletar mais dados. Muitas
vezes precisava retomar a mesma pergunta para que compreendessem melhor o que estava
sendo questionado, porém tentei deixar que falassem o máximo, sem interrompê-los. No final
das entrevistas os alunos solicitavam que eu os deixasse ouvir a entrevista e gostavam de se
reconhecer ouvindo a gravação.
A duração de cada entrevista variou de aluno para aluno. Cerca de 30 minutos com
os dois alunos com mais comprometimento e o restante de 40 a 80 minutos. Os momentos da
entrevistas foram muito prazerosos, os alunos estavam tranqüilos, comentavam assuntos
relacionados à sua vida, sem que eu tivesse feito o questionamento. Foi muito importante
haver um vínculo anterior, pois me consideravam incorporada ao seu cotidiano escolar.
Pesquisar, utilizando testemunhos, coloca-me diante da posição, referida por
Mosquera e Stobäus (1998, p. 103):
Devemos ter em mente que os testemunhos têm uma aspiração cognitiva à verdade.
Como conclusão, quando os testemunhos são lidos devem momentaneamente,
suspender-se as explicações. O fato de compreender é mais profundo [...], os
testemunhos não devem considerar-se atemporais nem por um minuto. Deste modo,
o leitor de testemunhos quando se compromete a investigar e decifrar o sentido das
afirmações e o significado de seus signos e símbolos deve-se supor que, na
59
dimensão espaço-temporal, as afirmações podem ter um sentido diferente do que ele
obtém da mensagem no momento em que está levando a efeito tal tarefa.
Os testemunhos obtidos me possibilitaram aprofundar questões relevantes da
pesquisa avançando em determinados assuntos e fazendo retomadas sempre que necessário
para avançar no meu processo de pesquisa e nas minhas análises.
5.4 ANÁLISE DOS DADOS
Realizada as entrevistas, iniciei então o processo de transcrição fiel dos testemunhos
obtidos, as mesmas foram exaustivamente escutadas e lidas. Após as leituras realizadas, os
dados foram analisados seguindo alguns princípios da análise de conteúdo propostas por
Bardin (2004), que sugere que a análise se processe através de uma leitura vertical, a fim de
possibilitar a impregnação das idéias nelas contidas. Desta leitura foram destacadas as idéias
emergentes para um posterior agrupamento por semelhança nas categorias a priori. Na fase
seguinte analisei os dados no sentido horizontal, com a finalidade de possibilitar o emergir
das categorias que foram desenvolvidas no presente trabalho.
Segundo Bardin (2004, p. 41), a análise de conteúdo permite ao pesquisador:
[...] compreender o sentido da comunicação (como se fosse receptor normal), mas
também principalmente desviar o olhar para uma outra significação, uma outra
mensagem entrevistada através ou ao lado da mensagem primeira. A leitura efetuada
pelo analista de conteúdo das comunicações não é, ou não é unicamente, uma
leitura- uma letra- mas antes o realçar de um sentido que se encontra em segundo
plano.
Segundo Moraes (1999, p. 2) o processo de análise de conteúdo:
Constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o
conteúdo de toda a classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a
descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as
mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai
além de uma leitura comum.
Os dados obtidos então me possibilitaram a avançar no processo de análise e com a
categoria central a priori estabelecida no problema de pesquisa: Os Aspectos Psico-sociais,
Socio-culturias e Pedagógicos envolvidos na Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes
Mentais, consegui que emergissem após a leitura das falas e seus agrupamentos novas
subcategorias a posteriori, relacionados às dimensões pessoais, sociais, educacionais.
60
Esse processo fica melhor explicitado no quadro a seguir:
Quadro 2 – Aspectos Psico-socias, Sócio-culturais e Pedagógicos
Fonte: O autor, 2007.
Definidas as categorias finais, inicio o processo de descrição e interpretação dos
conteúdos nas falas de Rita, Gean, Jefe, Vitor, Rui, Suzi, Luan, Aline e Vivi. A descrição vai
se constituindo no texto em que se expressam o conjunto de significados presentes nas
diversas unidades das análises. Buscando interpretar e compreender o testemunho dos
entrevistados, acompanhados pelos fundamentos teóricos que dão suporte a pesquisa, num
diálogo expresso pela teoria e interpretação do pesquisador. É nesse processo de descrição e
teorização que vou tentando compreender o que está sendo investigado e indo além, para
revelar uma nova compreensão atingida. É a partir deste momento que estabeleço o vínculo e
DIMENSÃO CENTRAL
ALFABETIZAÇÃO
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
ADULTO DEFICIENTE MENTAL
CATEGORIAS INICIAS SUBCATEGORIAS FINAIS
PSICO-SOCIO:
O aprendiz adulto deficiente mental
SER ADULTO DEFICIENTE
MENTAL;
AUTO-IMAGEM E AUTO-ESTIMA
SOCIO-CULTURAL:
O adulto deficiente mental incluído na
EJA, e suas relações sociais com o
aprendizado da língua escrita,
consequentemente na busca de um
maior conhecimento e inserção social.
DESENVOLVIMENTO;
INCLUSÃO;
TRABALHO
PEDAGÓGICO:
De que forma estão aprendendo, quais
as dificuldades que relatam, e que
importância tem aprendizagem para
suas vidas.
APRENDIZAGEM DA LEITURA E
ESCRITA
DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM NA LEITURA E
ESCRITA
61
as inter-relações entre a Alfabetização, a Educação de Jovens e Adultos e os Adultos
Deficientes Mentais.
6 COMPONDO O CONTEXTO PSICO-SOCIAL
6.1 O ADULTO DEFICIENTE MENTAL
Queremos ser os poetas de nossa própria vida, e, primeiro, nas menores coisas.
(NIETZSCHE)
Denomino esta categoria como psico-social, no sentido de que através de minha
escuta e posterior análise, consegui realizar uma leitura da realidade dos sujeitos, não
pretendo analisar profundamente os aspectos psicológicos da constituição do ser adulto
deficiente mental, pois este não é o objetivo do estudo, minha intenção é refletir sobre a forma
como se constituem os adultos deficientes mentais em nossa sociedade.
Os pré-conceitos formados ao longo da história do desenvolvimento humano, sobre
deficiência mental, impedem que sejam reveladas as qualidades e as possibilidades dos
indivíduos deficientes mentais. Uma vez construídos os preconceitos e as generalizações, fica
muito difícil compreender estes sujeitos como seres capazes de pensamento, ação, e
desenvolvimento para constituir-se em adultos. O lugar destinado às pessoas deficientes
mentais na sociedade é sempre secundário, sem possibilitar que ela se efetive concretamente a
partir de mediações e co-gestão.
Ao refletir, observar e participar da vida de adultos com deficiência mental, percebo
que a falta de questionamentos e vivências, causa no adulto deficiente uma discrepância sobre
o significado de ser adulto: o que pensa sobre si, estagnação de suas vontades, o que é ser
adulto, quais os direitos e deveres do adulto, que tarefas deve desempenhar, o que diferencia
um adulto de uma criança ou um adolescente, enfim uma série de questões para as quais
parece não haver uma resposta muito clara. Percebe-se isto na fala dos próprios sujeitos, pois
alguns se consideram adultos só porque se sentem fisicamente diferentes das crianças, outros
porque ao serem tratados como criança não gostam, mas não sabem e não vivenciam
realmente a maturação adulta exigida.
Na falas de Gean, Rita, Vivi, percebe-se a confusão estabelecida:
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“Adulto o que é isso? -[...] sou grande maior que minha irmã”. (Gean)
Sou adulta, porque sim, to amadurecendo, tem que se responsável para faze as
coisa, [...], um dia quero casa e te minha casa, para casa tem que te a autorização
do pai e da mãe”. (Rita)
“Criança não, eu me acho adulta. Tem gente lá no meu serviço que me chama de
criança, criança são vocêis, eu sou adulto. Eu amadureci, eu cresci, eu sei o que é
certo e errado, eu sei faze as coisas que minha mãe pede”. (Vivi)
As ambivalências que caracterizam o mundo no qual estes sujeitos estão inseridos,
dão margem para que as pessoas em sua volta muitas vezes, acabem por infantilizá-los e,
‘inconscientemente’ ou não, considerá-los incapazes. A superproteção dos pais, amigos e
familiares faz com que não vivenciem etapas importantes na constituição do ser humano
adulto favorecendo assim a ‘regressão’ e o não-desenvolvimento de algumas de suas
habilidades, que seriam possíveis se eles tivessem a oportunidade de ampliá-las.
Não se trata de tecer uma crítica e colocar a culpabilidade apenas nos pais, pois
muitas vezes ao perceberem os valores dissimulados e excludentes, que permeam a sociedade,
querem apenas proteger seus filhos, e acabam impedindo-os de aprenderem. Algumas vezes
não tem muita clareza das limitações e potencialidades de seus filhos, bem como o quanto
podem e/ ou não prejudicar seu desenvolvimento com algumas falas e imposições.
Vivi relatou o seguinte diálogo com um membro de sua família: “Tu nunca mais me
chama de doente, eu não gosto que ninguém me chame de doente, [...], mas tu não sabe te
virar sozinha. Se eu não sei me virar sozinha porque tu não faz algo para me ajudar”.
Rui escutando o relato complementou, “mas é claro que ela sabe se virar sozinha já
é adulta”.
Vivi falou então “eu pego ônibus sozinha. Ontem fiquei tão triste que chorei”.
Alguns não conseguiram responder sobre o que para eles significava ser adulto, no
máximo colocaram que eram adultos porque ‘sim’ ou porque já tinham cabelos brancos, ou
eram grandes. Mas a vontade de concretizar um sonho e as expectativas em crescer e evoluir
esteve presente em todos.
O desconhecimento e o preconceito, por parte das famílias, impede, muitas vezes,
que o deficiente mental adulto vivencie as etapas evolutivas principais do desenvolvimento
humano, o que os levaria a sua constituição como adultos e que os conduziria ao fim da
adolescência, e também sua afirmação através da profissão e da busca de uma relação afetiva
estável.
Certamente a moral social, a luta contra sexualidade e as regras impostas a estes
sujeitos, são feitas de uma forma muitas vezes incompreensível para eles, causando uma
insegurança e confusão, pois ao mesmo tempo em que são tratados como crianças, são
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adultos. Transitam numa constante ambivalência adulto/criança. Isso causa uma insegurança
fazendo com que se acostumem apenas com o que lhes é permitido.
Jefe tem 35 anos, mas tem muito receio de sair de casa com medo de se arrepender:
“O fato de morá sozinho, é tem um lado bom que tu não vai ser subordinado a
ninguém, a pai, a mãe, que tu tem tua liberdade restrita, mas também morando
sozinho tu vai ter teu lado restrito. [...] fazendo uma coisa assim eu não quero me
arrepender, tem gente assim que só se sente preparado, assim, por exemplo, nessas
acrobacias, essas pessoas que fazem acrobacia metem o avião em folha seca,
assim, só não pode se arrepender, então é isso eu não quero me arrepender, e o
que eu faço depois se do de bico, eu não quero perder minha vida, meus minutos,
para não se arrepende”.
O conflito causado pelo atraso cognitivo, com os ‘impulsos’ adultos, causa nos
deficientes mentais adultos uma ambivalência, assim como nas pessoas que os cercam, são
tratados como crianças, mas em alguns momentos espera-se destes uma atitude de adulto.
Quando não conseguem resolver um conflito ou passam por uma dificuldade, não é o fator
social que justifica a dificuldade e sim sua deficiência orgânica é que responde por ela, o
sujeito é então culpabilizado, isentando-se o social.
Os sujeitos deficientes mentais da pesquisa que estão freqüentando a Educação de
Jovens e Adultos ainda são infantilizados, muitas vezes por causa de sua fala que apresenta
omissões ou troca de fonemas, arrastada, e/ou por causa de seus pensamentos ingênuos.
Bollazzi (2006, p. 50) afirma que:
A concepção de que as pessoas com deficiência mental, como seres que crescem que
chegam à condição de adultos tem significado um grande esforço para os pais. É
mais fácil acreditar que são eternas crianças, que não devem enfrentar e tomar
decisões sobre suas vidas, os pais é que devem decidir e atuar por eles. Hoje [...]
ainda estamos situados a uma transcrição paradigmática, entre o paradigma medico
do deficiente, de que ‘não pode’ e o paradigma de direito, ‘de poder fazer’, o que é
condição para que possam ser e atuar.
O cotidiano, a possibilidade de aprendizagem através do outro e com o outro, e
também a partir do outro é um processo fundamental para a construção da personalidade
destes sujeitos. Através da minha escuta foi possível constatar que o processo de aprender, e
principalmente a aprendizagem da língua escrita, pode contribuir para o desenvolvimento
destes sujeitos como indivíduos adultos. A partir da aprendizagem da leitura e escrita, eles
acreditam que vão conseguir realizar seus sonhos, que irão se tornar adultos participantes.
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O desejo de aprender e o desenvolvimento estão diretamente relacionados com o
constituir-se adulto. As falas de Rita, Rui, Gean expressam este desejo: “Quero ter casa
família, ter casa é ter tudo, trabalhá”.
Ao perguntar sobre porque tu achas que não conseguiu isso ainda?, Responde:
“Porque eu não sei lê e escreve ainda, aí não adianta, né” (Rita). “Não tinha amigos aqui,
depois que eu aprendi comecei a fazê, eu não falava com ninguém, tinha vergonha, sou
muito emotivo” (Gean).
Para Rui, a questão da aprendizagem modificou também a sua maneira de se
relacionar com as pessoas: “Agora que eu tô aprendendo, mudou bastante meu
comportamento, meu modo de agir com as pessoa, amizade com todo mundo, no meu
trabalho mudou bastante também”.
A ação sobre as coisas e as vivências concretas possibilitam que eles construam os
seus caminhos e determinem até onde é possível ir. Mosquera (1987, p. 85) coloca que o
desenvolvimento o adulto ocorre a partir da “[...] interação de pessoas no que diz respeito às
suas estruturas ou aos seus produtos decorrentes de respostas e tendências, que abrem
caminho para as formas de comportamento e enriquecimento de si”.
As relações conflitantes estabelecidas junto com a falta de vivências, aprendizagens e
auto aprendizagem nos mais diversos espaços e das mais variadas formas, apontam para a
impossibilidade de o deficiente mental constituir-se adulto, não pelos seus déficits orgânicos e
biológicos, mas pela forma de construção de sua subjetividade, que se dá na interação entre
família - sociedade - deficiente mental. Ainda não se reconhece o adulto deficiente mental
como capaz de aprender concretamente, de desenvolver-se cognitivamente e também que
possa constituir-se como um ser reflexivo de suas capacidades e possibilidades.
Tornar-se adulto deve lhes permitir adquirir competência social, ou seja, reconhecer
seus deveres e direitos. Para isto surge, ainda, a necessidade da sociedade transformar-se,
aceitando a diversidade humana, respeitando as singularidades, buscando transformar o
mundo num espaço mais fraterno e justo.
Mannoni (1985, p. 201) afirma que:
Quando um adulto se encontra em face de semelhante que não é a imagem do que
ele crê poder esperar, oscila entre uma atitude de rejeição e de caridade. [...] Todo
ser humano que, por seu estado, torna impossível certas projeções, provoca no outro
um mal-estar - mal-estar negado, cujos efeitos vão produzir-se no plano imaginário.
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Portanto é preciso modificar as percepções e os pré-conceitos que muitos adultos
“ditos normais” estabelecem ao ver um adulto deficiente mental: a concepção de que eles não
têm capacidade para aprender e se aprenderem será muito pouco, e que sua idade mental é
sempre de criança. Estes pré-conceitos são permeados de um sentimento de ‘autoridade’ em
que a ‘normalidade’ estabelece e impõe que o mais capacitado socialmente, determine até
onde o sujeito deficiente pode chegar, ou de ‘assistencialismo’ no sentido paternal de ajudar o
‘coitadinho’. Essas estratégias tendem a dominação e exercício de poder, e assim submeterem
os indivíduos a estagnação e exclusão.
A educação de pessoas deficientes mentais deve ter como objetivo básico
proporcionar aos mesmos, a participação mais ativa na sociedade, para assim adquirirem uma
capacidade de maior autonomia até onde for possível e quem determinará este ponto será o
próprio sujeito. Formar para a vida adulta é também possibilitar um desenvolvimento e uma
vivência harmoniosa dos aspectos corporais, intelectuais, afetivos e sociais através do
conhecimento de si mesmo.
Mosquera (1987, p. 85) afirma que:
Como o desenvolvimento existe desde o nascimento até a morte, a maneira mais
aberta de entendê-lo pressupõe não apenas a pessoa em si, mas todo um contexto no
qual se situam outras pessoas e padrões culturais. Seguindo este critério podemos
dizer que o desenvolvimento de formas de vida ou também o acanhamento são
decorrentes ou de situações favoráveis ou de situações adversas.
No caso do deficiente mental adulto da pesquisa, além dos déficits orgânicos
presentes, houve desde a sua infância situações sociais e de aprendizagem adversas
prejudicando assim a evolução de suas capacidades. Constata-se na fala de Jefe e Rita a
frustração por não ter conseguido desenvolver suas aprendizagens, e a forma como se
percebem diante das frustrações e não aprendências: “[...] na época eu queria fazê carreira
para militar, mas como eu não sabia lê, eu não consegui tava travado nessa questão de
aprende, só fui aprender com 21 anos”.
Ao perguntar sobre - E daí não podia mais? “Não só recadastro, que eu não podia
fazê, mas acho que não foi o destino pena” (Jefe); “depois que eu aprende vou compra CD,
celular vo se muito feliz”.
Ao perguntar sobre - porque tu não é feliz? “de vez em quando eu não sou muito
não”.
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Ao perguntar sobre Por quê? “me deixa triste o fato de que eu não aprendi na
infância [...] não entrava estudo em mim, ai eu ficava muito triste comigo mesma, eu
chorava muito”.
O ser humano se projeta no mundo através de suas vivências, como ser singular com
pensamentos e vontades. No indivíduo deficiente mental certamente os processos biológicos
interferem no desenvolvimento, mas não podem ser o pré-determinante do que este sujeito é
capaz ou não. É preciso conceber o sujeito como afirma Morin (2002, p. 128):
[...] como aquele que dá unidade e invariância a uma pluralidade de personagens, de
caracteres, de potencialidades. Isso, porque, se estamos sob a dominação do
paradigma cognitivo, que prevalece no mundo cientifico, o sujeito é invisível, e sua
existência é negada. No mundo filosófico, ao contrário, o sujeito torna-se
transcendental, escapa à experiência, vem do puro intelecto e não pode ser
concebido em suas dependências, em suas fraquezas, em suas incertezas. Em ambos
os casos, suas ambivalências, suas contradições, não podem ser pensadas nem em
sua centralidade e sua insuficiência, seu sentido e sua insignificância, seu caráter de
tudo e nada a um só tempo. Precisamos, portanto, de uma concepção complexa de
sujeito.
É preciso respeitar estes sujeitos como únicos e como seres com possibilidades, não
no sentido de querer normalizá-los ou normatizá-los para conviverem na sociedade, mas
respeitar suas diversidades e permitir que eles aprendam e se desenvolvam e que possam
construir uma consciência critica, atingindo o nível de adultez que lhes for possível.
Pinto (1997, p. 86) coloca que a Educação:
Deve ser tal que desperte no adulto a consciência da necessidade de instruir-se e de
alfabetizar-se. (...) despertar nele a consciência crítica de sua realidade total como
ser humano, o faz compreender o mundo onde vive seu país – com as peculiaridades
da etapa histórica na qual se encontra – sua região, desperta nele a noção clara de
sua participação na sociedade pelo trabalho que executa, dos direitos que possui e
dos deveres para com seus iguais.
Assim sendo, a Educação do adulto deficiente mental, deve ser permeada de questões
do universo adulto, respeitando suas realidades, bem com o conhecimento de vida que trazem
consigo e, como afirma Pinto (1997, p.86), “deve partir dos elementos que compõem a
realidade autêntica do educando, no seu mundo de trabalho, suas relações sociais, suas
crenças, valores, gostos artísticos”.
O nível de maturidade necessário para que um sujeito viva com autonomia é difícil
de ser estabelecido e não pode ser pré-determinado. Sujeitos ‘ditos normais’ nem sempre
amadurecem totalmente. Percebe-se isso no cotidiano: filhos com idade avançada ainda
vivendo com os pais, sujeitos que não conseguem estabelecer relações afetivas estáveis e
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duráveis, e ainda pessoas que não conseguem estabilidade funcional. Porque então exigir uma
‘normalização’ total dos deficientes adultos.
Um dos fatores que se destaca como um forte componente positivo para a inclusão
desses sujeitos na vida adulta é a aprendizagem da língua escrita. A construção de estratégias
para a aquisição da língua escrita pode favorecer a evolução e possibilitar vivências e
experiências para que, assim como os outros adultos ‘ditos normais’, possam constituir-se
como adultos com suas singularidades. A medida em que os conflitos existentes no
aprendizado da leitura e da escrita forem resolvidos, dentro da sua realidade social, haverá
mais possibilidades de construção de atos reflexivos, e uma maior construção lógica para que
subjetivamente este sujeito possa ser enriquecido e também para que ele possa interferir em
outros questionamentos humanos.
Entendo que, desta forma, a pessoa adulta deficiente mental será aquela capaz de
assumir a responsabilidade pela sua vida (de acordo com suas capacidades), que irá participar
ativamente das decisões que afetam sua vida, que será produtiva e poderá desempenhar um
trabalho remunerado desenvolvendo seus sentimentos e sentindo-se realmente pertencente a
seu grupo.
6.2 AUTO-IMAGEM / AUTO-ESTIMA: A BUSCA DE UM EXERCÍCIO
PERMANENTE DE AUTO-SUPERAÇÃO
“No teatro o meu problema é que não consigo visualizar o imaginário, eu me
atrapalho todo com o meu imaginário. Eu tenho que desafiar essa questão do
imaginário, eu vô te que vê , olha projeta no espelho, me vê e pensar”.
(Jefe)
Entendo que a forma como está estruturado o auto-conhecimento do indivíduo
deficiente mental e como a família e a sociedade os percebem, é ambivalente problemática e,
conseqüentemente, vai influenciar em seus processos de desenvolvimento e aprendizagem. A
auto-imagem e auto-estima dos sujeitos da pesquisa se explicita nas suas falas.
Jefe e Rui assim o demonstram: “na minha infância eu fui muito ‘execuido’ (não
entendemos também sentido, mas parece ser excluído), eu tentava achar escola que tivesse
pessoas com os mesmo problema que eu e não conseguia”.
Ao perguntar sobre - que problema tu tens? “Eu tive, eu tenho defi...é que eu tenho
passe livre sora, as pessoa tinham preconceito”.
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Ao perguntar sobre - e tu sabe que problema tu tens?
“não ‘sora’, não me falaram ainda, as pessoa me chamavam de vesgo, eu dava
resposta na hora, bah! Eu ficava tri triste” (Rui).
“[...] eu aprendo com muita dificuldade, não é fácil, eu tomava remédio...eu
tômo...eu era assim...por exemplo ‘onti’ quando eu tava no ônibus [...] sento um
guri do meu lado, eu também tive esses ‘ploblemas’ assim convulsões, estabilizou
mas dava sono...questões assim ó, eu sempre tive vontade de aprender” (Jefe).
Os seus conhecimentos sobre a vida ou sobre si mesmos são muitas vezes silenciados
ou silenciosos, passam a agir ou a dizer o que os outros lhes impõem sem tenham a
possibilidade de viverem sem tantas interdições. A valorização, o reconhecimento de si, o
reconhecimento das pessoas deficientes mentais depende muito da atitude da família e da
sociedade, a forma como se trata esse sujeito irá se refletir na constituição de sua identidade.
Infelizmente este reconhecimento geralmente é permeado de negativismos, angústias e culpa.
O medo e a superproteção geram conflitos e levam este sujeito ao seu isolamento. Há uma
negação de oportunidades para uma aprendizagem e um desenvolvimento pleno para que ele
busque uma vida mais independente.
A família não pode ser vista como vilã, pois é também vítima social, dentro de uma
sociedade competitiva, desigual e desagregada. Atualmente prega-se a inclusão mas não se
aceita verdadeiramente a diversidade. Desde o nascimento do filho, a família já lida com
sentimentos de angustia e rejeição e muitas vezes recebe a notícia da deficiência do filho de
modo equivocado e hostil. A sociedade pressiona pelo filho ‘perfeito’ desejado.
A rejeição e o preconceito são históricos, as pessoas não estão preparadas para o
nascimento de um filho ‘deficiente’, elas são preparadas para negar e rejeitar a deficiência na
sociedade. Deficiência está relacionada com fraqueza e insuficiência sendo esta forma que
eles irão perceber seus filhos, prejudicando assim suas vivências e a própria possibilidade de
se auto-reconhecerem.
Mosquera (1985, p. 51) afirma que: “As condições de vida cotidiana e as avaliações
culturais exercem uma forte influência sobre à auto-imagem pessoal. Sabe-se que a
sociedade exerce forte influência sobre os tipos de comportamento de cada indivíduo elabora
no decorrer de sua existência”. Muitas vezes estes sujeitos escutam e recebem da família e do
grupo que estão inseridos palavras negativas, do não poder fazer, do não conseguir, o que
acaba prejudicando e impondo barreiras na aprendizagem do sujeito deficiente mental.
Rita fala desse conflito familiar: “Eu me esforço, puxo pela cabeça [...] vô fica
burra”.
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Ao perguntar sobre - quem te disse? “Minha mãe... Minha mãe me incomoda toda
hora, quero me concentrar no colégio e não consigo”.
Ao perguntar sobre - porque ela quer que tu faça as coisas e tu não faz? “Não, não é
fazê ‘as coisa’, é que ela me atrapalha e me incomoda aí eu quero aprende no colégio e não
consigo, ela bota muita coisa na minha cabeça, ai eu não consigo avançar, aí não dá, não
consigo” .
É provável que a aprendizagem de Rita possa ficar prejudicada, pois sua mãe não
acredita que ela possa aprender, ao contrário do que seria esperado, a desestimula. O caso de
Luan e Jefe também se assemelham por não acreditar que os filhos deficientes possam
desenvolver-se, os pais acabam não colocando-os na escola quando pequenos e seu ingresso é
tardio, percebo que todos ingressaram tardiamente (dado retirado do prontuário da escola).
O não vivenciar experiências diversas e ricas ou vivenciar apenas a partir dos outros,
ou ainda a pressão que a sociedade faz para que siga os padrões do que considera correto irão
atrapalhar o desenvolvimento da auto-imagem e por, conseqüência, a auto-estima do sujeito
deficiente.
Todos os sujeitos da pesquisa, durante minha observação, apontavam aspectos
negativos de si mesmos, ou da sua vida e mostravam assim, sua auto-imagem prejudicada o
que afetava diretamente a sua auto-estima. Muitas vezes os pais possuem auto-estima baixa
ou se culpam pelo nascimento do filho deficiente, o sujeito deficiente mental cresce então
num ambiente de perdas e de negação.
A auto-imagem não acontece apenas a partir do reconhecimento individual de si e no
desenvolvimento das próprias potencialidades, o contexto social interfere fortemente nessa
construção, o processo emitido pelo contexto social para o âmbito pessoal torna-se único e é
vivenciado pelo sujeito deficiente mental desde seu nascimento tendo como conseqüência a
construção da auto-imagem e auto-estima abaixo de suas capacidades e possibilidades, ou até
mesmo é irreal.
A estrutura social prejudica o desenvolvimento da auto-imagem e da auto-estima
destes sujeitos. Mosquera (1985, p. 52) complementa minha afirmação, quando bem coloca
que “[...] se entre uma ocasião e outra o indivíduo não pudesse ser reconhecido como uma
pessoa mesma, nenhuma auto-imagem social poderia lhe ser construída”.
O desenvolvimento e a aprendizagem estão diretamente relacionados com a auto-
imagem e a auto-estima que alguém constrói. O indivíduo traz para sala de aula sua realidade
e seus conhecimentos de vida. Na educação, para que ocorra a construção de um determinado
nível de auto-imagem e auto-estima, é necessário reconhecer e motivar o sujeito a partir da
70
sua individualidade e do meio social em que ele está inserido, e não somente olhar para a
deficiência mental que possui.
Vygotsky (1983) aborda que, na deficiência mental, os sujeitos não podem ser
selecionados segundo seus feitos negativos, a partir do que lhe falta e sim deve ser visto a
partir do que possuiu, ou seja, devem ser vislumbradas suas possibilidades.
Pinto (1997, p. 33) coloca que:
A educação é um fato de ordem consciente. É determinada pelo grau alcançado pela
consciência social e objetiva suscitar no educando a consciência de si e do mundo. É
a formação da autoconsciência social ao longo do tempo em todos os indivíduos que
compõem a comunidade. [...]. Esta será a etapa em que todos os indivíduos
alcançam igualmente o máximo de consciência crítica de si e de seu mundo
permitida pelo estado de adiantamento do processo da realidade (máxima
consciência historicamente possível).
Portanto, a construção positiva da auto-imagem do deficiente mental é possível se ele
aprender a se reconhecer, se o seu grupo social não subestimar suas capacidades, se ele não
for visto somente pelos seus déficits, mas que seja considerado muito mais pelas suas
possibilidades. A família precisa estimular e promover estes sujeitos, acreditando nas suas
potencialidades, proporcionar vivências significativas e auxiliando na construção de sua
autonomia nos processos cognitivos e buscando fugir das infantilizações e dos
‘reducionismos’.
Para que isto aconteça, como coloca Morin (1993, p. 25), “precisamos abandonar a
falsa racionalidade. As necessidades humanas não são somente econômicas e técnicas, mas
também afetivas”. O resultado positivo da aprendizagem só será possível mediante a
apresentação, ao educando adulto deficiente mental, de imagens de seu meio de vida, de seus
costumes e das atitudes de seu grupo. Com isso, o sujeito pode e deve perceber e discutir sua
realidade, o que significa abrir o caminho para o começo da reflexão crítica, e surgimento de
sua autoconsciência.
Concordo com Santos (1987, p. 38), quando ele afirma que:
A experiência da apreensão direta supõe uma forma de ser do real que não se
confunde nem com uma organização racional, nem com o puro caos. [...] a
compreensão da decisiva participação humana na produção da organização presente
no real, não equivale conceber este como privado de toda e qualquer forma própria
de ser. [...] o ato do conhecimento introduz algo do sujeito não apenas no ato de
conhecer, mas também no próprio objeto.
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Todo o conhecimento torna-se inovador e possível quando ocorre a partir da prática
efetiva, a fala de Jefe demonstra que ele pode e consegue aprender mesmo, e a partir de seus
erros e limitações, consegue realizar auto-crítica: “Foi jogando com esses erros que eu
comecei a aprender, essas vivências que eu passei. Quero alcançar meus objetivos, quero
fazê contas, melhora na leitura e escrita, remover as barreiras que tem me atrapalhado”.
O processo de aprendizagem contribui para a construção da auto-imagem, auto-
estima, quando as pessoas são atuantes em seu próprio desenvolvimento, elas podem aprender
e modificar suas vidas para assim buscar a auto-realização. Concordo com Stobäus (2005,
p.12), quando ele afirma que:
Não podemos pedir para alguém, pelo menos de imediato, que é ‘pobre’ em
vivências, convivências e em experiências, que analise ou sintetize situações
complexas, com várias inferências e deduções, nexos para outros campos de
conhecimento e de outros ambientes, a novas combinações sociais e emocionais
mais difíceis.
Portanto, o processo da construção da auto-imagem e auto-estima inicia muito cedo,
depende das inter-relações estabelecidas, é um processo gradual e deve-se respeitar as
temporalidades e singularidades de cada indivíduo.
7 A EDUCAÇÃO DO JOVEM E ADULTO DEFICIENTE MENTAL SOB A ÓTICA
SÓCIO-CULTURAL
7.1 DESENVOLVIMENTO HUMANO E INCLUSÃO SOCIAL
Somente a educação não alienada pode servir aos objetivos da sociedade em luta
pelo seu desenvolvimento, e pela transformação da vida do homem. E isto pela
razão de que se funda nas próprias condições de atraso [...], não as rechaça, e sim as
aceita como um dado histórico-antropológico que terá que suprir.
(PINTO, 1997, p. 55)
As relações sociais estabelecidas e o meio em que o sujeito está inserido são
fundamentais para o desenvolvimento e a aprendizagem. O fator sócio-cultural, é a base
estrutural e fundamental do universo cognitivo humano. A atividade social constitui-se em
fonte de formação dos processos mentais, aprende-se a ser social através das relações e ações
interpessoais. Morin (2002, p.48) afirma que: “Uma cultura fornece os conhecimentos,
valores , símbolos que orientam e guiam as vidas humanas. A cultura das humanidades foi, e
72
ainda é, para uma elite, mas de agora em diante deverá ser, para todos, uma preparação
para a vida”.
Os sujeitos jovens e adultos deficientes mentais deste estudo estão buscando ampliar
seus horizontes, convivendo com os outros diferentes de si, fora do círculo das escolas
especiais. Percebi durante minhas observações e através do relato dos alunos que a escola não
se tornou apenas um espaço de aprendizagem, mas também um espaço de trocas sociais para
estes sujeitos. “Gosto dos passeio da escola, gosto de cinema , teatro” (Rita). “Gosto na
escola dos meus colega, meus amigo” (Luan).
Para Aline a escola parece ser o único ambiente social que ela interage, freqüenta a
mesma nos dois turnos. A tarde faz oficina de teatro e diz gostar muito: “[...] é bom, ensaiá,
sentá conversá, vê o que tá certo o que tá errado, contá uma história, arrumá as coisa,
decorá, falá com os colega” (Aline).
As interações sócio-culturais e a vivência em espaços sociais diferenciados, a
aceitação da diversidade, permitem aos sujeitos pensar, aprender, construir suas
subjetividades. Para Vygotsky (1989, p. 31): “a verdadeira direção do desenvolvimento do
pensamento não vai do individual para o social, mas do social ao individual”. O
desenvolvimento e a aprendizagem acontecem a partir do social, mas a forma como cada um
interage e internaliza o social é fundamental.
Viera Pinto (1997, p. 30) afirma que:
A educação é um processo, portanto é o decorrer de um fenômeno (a formação do
homem) no tempo, ou seja, é um fato histórico. Todavia, é histórico em duplo
sentido: primeiro, no sentido de que representa a própria história individual de cada
ser humano; segundo, no sentido de que está vinculada à fase vivida pela
comunidade em sua contínua evolução. Sendo um processo, desde logo se vê que
(...) interpretada (...) com as categorias da lógica dialética.
Infelizmente a sociedade ainda fragmenta o desenvolvimento e a aprendizagem. As
pessoas desviantes do padrão normal passam por processos socioculturais ora de obstrução, de
exclusão e/ou de inclusão pelos grupos dominantes, o que justifica muitas vezes suas
dificuldades de aprendizagem.
A convivência social deve possibilitar com que todos se eduquem permanentemente,
nenhum membro da comunidade deve ser considerado ignorante, pois se assim fosse não teria
a capacidade de viver. Relaciono o que coloquei acima com o pensamento de Foucault (1979,
p. XXI) sobre as implicações do saber, do poder com o social quando ele afirma que: “Não há
saber neutro. Todo saber é político. E isso não porque cai nas malhas do Estado, é
73
apropriado por ele, que dele se serve como instrumento de dominação, descaracterizando seu
núcleo essencial. Mas porque todo o saber tem sua gênese em relações de poder”.
A questão social acaba também por fazer uma pressão para que muitas vezes se
estabeleçam vontades e objetivos abstratos muito distantes dos sujeitos e que os afastam de
seus objetivos e capacidades reais.
A fala de Gean e Vivi mostra esta dualidade:
“Quero fazê vestibular e me formá em leitura, um dia talvez eu consiga ser
professor de sala. Eu quero cuidar de criança pequena, eu gosto de criança, tipo
minha mãe assim, se doméstico, se faxineiro” (Gean).
“[...] tenho vontade de aprender mais ainda , para depois eu passar , ai eu vou
aprendê mais e tô com vontade de fazê uma faculdade”.
Ao perguntar sobre - é qual faculdade? “Eu tô com vontade de fazê faculdade...ai eu
estudo bem , e tô com vontade de trabalhar numa padaria” (Vivi).
Em alguns casos a dualidade é tão grande que o desejo torna-se imaginário. Eles
desejam mas não sabem como atingir, mas considero que o importante é a vontade que eles
possuem de evoluir, sair de onde estão para um patamar maior de aprendizagem. Suas
vontades devem ser valorizadas e trabalhadas no sentido educacional, são um ótimo
instrumento para que se busque a construção de estratégias para a realização da mesmas. O
importante é a mobilização e o esforço, a busca de um objetivo e não apenas o resultado final.
Rita coloca que: “[...] eu quero fazê um curso fora daqui”.
Ao perguntar sobre - é de que? “Aprende a se forma. Eu queria aprende, um dia
entrá em um curso de enfermagem e me forma”.
Às vezes mais críticos, voltam atrás e estabelecem outros objetivos, Rita no final da
entrevista demonstrou outro desejo ou objetivo para seu aprendizado: “Um dia eu vou ser
professora”.
Ao perguntar sobre -tu vai ser professora ou enfermeira? “Um dia vou ser
professora, tem que fazê vários cursos , se forma”.
Ao perguntar sobre - e para ser enfermeira? “Ih tem que faze muito mais”.
Ao perguntar sobre -tu acha que para ser professora tem que estudar menos? “Muito
menos”.
Ao perguntar sobre - o que tu acha mais fácil ser professora ou enfermeira? “Ser
professora, não demora muito, enfermeira demora mais”.
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A aprendizagem é então a busca de uma mudança de vida, percebem que a sociedade
exige isso. Sabem que para evoluir precisam aprender e esta aprendizagem inicia pela leitura e
pela escrita. O ler e o escrever irão possibilitar a sua inclusão social que é fundamental no
desenvolvimento cognitivo.
Freire (1997, p.46) coloca que:
Uma das tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o
professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se
como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.
A educação é necessariamente social, mas sendo educação social não deve refletir os
preconceitos que carrega com os sujeitos deficientes mentais. Nos adultos da pesquisa se
reflete a exclusão e menosprezo pelo analfabetismo:
“[...] sem estudo a pessoa não é ninguém na vida, não faz nada” (Gean).
“Quem não sabe lê e escreve é burro” (Vitor).
“bom existe o lado do preconceito, preconceito com as pessoa que não sabem lê e
escreve, não sabe lê vai varre rua, vai sempre te um lado assim, ou se cai na
simpatia de uma pessoa. Se cai na simpatia ta tudo bem, se não cai , cai no lado
do preconceito, um primo meu me disse que quando ele tava no quartel caiu na
simpatia de um coronel e era um soldado. Então se tu caiu na simpatia dos outros,
do chefe então ta pronto tu é protegido (Jefe)
As suas falas reproduzem aquilo que muitas vezes escutam, mas como Freire (1997,
p.31) coloca: “Temos de respeitar os níveis de compreensão que os educandos - não
importa quem sejam - estão tendo de sua própria realidade”. Não há como ser diferente no
universo destes sujeitos, pois para muitos o estudo e a aprendizagem da escrita é um ‘sonho
acalentado como possibilidade de aceitação ou de ascensão social, e reproduzem também
aquilo que escutam de seus pares.
Os sujeitos deficientes mentais certamente querem aprender para se desenvolver, mas
o que realmente os mobiliza também é o desejo de serem aceitos, para ampliar as suas
possibilidades de participação no mundo. Mas toda transformação em suas vidas só terá
sentido se for vivido por eles em relação ao meio em que estiverem inseridos, para Charlot
(1992 apud CRAIDY, 1998, p. 37) : “O sujeito só pode acontecer na relação com o outro,
75
num mundo humano no qual ele se apropria, e ele carrega, na sua própria singularidade, a
marca dessas relações humanas que estão estruturadas enquanto relações sociais”.
A educação e a Alfabetização dos adultos deficientes mentais deve estar permeada de
um processo de humanização, na qual não se abandona algo que está na raiz de todo ato
educativo: tornar os seres humanos mais humanos. Humanizar no sentido de situá-los nos
processos e práticas educativas, nos anseios, e nas lutas pela inclusão e aceitação da
diversidade. Buscando o desenvolvimento de suas capacidades e possibilidades onde a
educação problematize a vida humana e tornando-se mais concreta e efetiva. Desta forma a
educação servirá aos interesses dos sujeitos e não aos da sociedade.
Para que ela realmente se efetive concordo com Freire (1997, p.67) quando ele
afirma que: “Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ele é um dever por mais que se
reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar.(...) Saber que devo respeito à
autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este
saber”.
Os sujeitos da pesquisa percebem então que ser não alfabetizado é sinônimo de
exclusão social, e incluí-los socialmente é uma das tarefas e metas da educação. Para Freire
(1982, p.39) é muito importante refletir e conhecer o social no processo de aprendizagem
pois:
[...] no momento em que os indivíduos, atuando e refletindo, são capazes de
perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se encontram,
sua percepção começa a mudar, embora isto não signifique ainda mudança da
estrutura. É algo importante perceber que a realidade social é transformável; que
feita pelos homens, pelos homens pode ser mudada; não é algo intocável, um fado,
uma sina, diante de que só houvesse um caminho: a acomodação a ela. É algo
importante que a percepção ingênua da realidade vá cedendo lugar a um a percepção
que é capaz de perceber-se; que o fatalismo vá sendo substituído por uma crítica
esperança que pode mover os indivíduos a uma cada vez mais concreta ação em
favor da mudança radical da sociedade.
Sendo assim, o desenvolvimento da escrita e sua aprendizagem torna-se um
motivador e mobilizador de novas formas de cultura e saberes, e também uma alavanca que
promove e proporciona uma maior inserção social
76
7.2 INCLUSÃO: NECESSIDADE, PARADIGMA OU UTOPIA
Não quero em absoluto que algo se torne diferente do que é; eu mesmo não quero
tornar-me diferente. É preciso desmontar para depois recriar o nada.
(NIETZSCHE)
A inclusão é um tema muito presente nos meios educacionais atualmente. Gostaria
de colocar o que entendo como processo de inclusão e como eu acredito que ele deve
realmente acontecer, mas esclareço que o objetivo não é analisar os processos de inclusão no
cenário brasileiro e sim refletir sobre a alfabetização como processo possibilitador de uma
inclusão social efetiva dos sujeitos adultos deficientes mentais.
Entendo ser importante contextualizar alguns aspectos sobre inclusão para que o
entendimento do que busco fique mais claro e objetivo. Acredito na inclusão que inclua o
sujeito como um membro da sociedade, como um sujeito ativo e capaz, e este processo deve
partir do próprio indivíduo. Todo o sujeito quer fazer parte da sociedade, e deve portanto
buscar diferentes formas para que isto se efetive. Se o movimento for inverso que é o que
ocorre atualmente, não será uma inclusão concreta e sim reducionista e paternalista.
Atualmente os processos são de pseudo-inclusões, isto porque percebo nas escolas a
não existência de uma efetiva aceitação da diversidade destes sujeitos, bem como o
desconhecimento do seu sentido e de que forma a inclusão deve realmente acontecer. Na
escola da presente pesquisa os alunos que freqüentam o laboratório de atividade durante o
horário em que realizei as observações, eram todos alunos com necessidades educativas
especiais, ou seja acabava se formando uma turma de escola especial, os alunos “ditos
normais” freqüentavam o laboratório em outro horário. Nos relatos dos alunos constata-se que
eles convivem e estabelecem amizades apenas entre si.
Outro aspecto importante para ser analisado são os professores, percebe-se as
angustias dos mesmos com os alunos que estão incluídos, o professor não preparado para
trabalhar com a diferença e a partir da diversidade. A preocupação de como ensinar estes
alunos, o que eles aprendem e de que forma eles podem evoluir, não parte dos diagnósticos e
das reais individualidades e necessidades de cada um, mas ao contrário, muitas vezes os
professores desconhecem as leis de inclusão. Sabem que elas existem, mas não conhecem sua
essência e suas formas de organização, viabilização e aplicabilidade das mesmas. Não há um
ambiente de escuta para as apreensões e esclarecimentos das dúvidas, que os professores
possam ter, não havendo portanto estímulo para os mesmos.
77
A inclusão ocorre de uma forma imposta, como se estes sujeitos não fossem
diferentes, justificando sua inserção apenas no sentido de que eles precisam e aprendem da
mesma forma que os outros. O que é um equivoco, sua aprendizagem é diferente, suas
dificuldades são mais claras, suas temporalidades na construção do conhecimento são
diferenciadas. Mas estes motivos não justificam a não inclusão, até porque todos temos
limites e as aprendizagens ocorrem de múltiplas forma, o que é realmente preciso é que se
aceite as diferenças. A diversidade é natural e a inclusão se imposta, pode gerar uma
discriminação.
O processo de inclusão não pode ser visto apenas como um direito em que as pessoas
deficientes obtêm para começar a freqüentar o ensino regular, ou que o professor possa apenas
vencer conteúdos e deixar que este aluno faça o que é capaz sem motivá-lo ou mobilizá-lo.
Algumas vezes parece que os professores buscam ou acreditam em “uma receita ou fórmula
especifica” para incluir os sujeitos deficientes mentais. O processo de inclusão torna-se então
utópico e falso.
As leis educacionais orientam e buscam a igualdade e o reconhecimento das
pessoas. A legislação brasileira afirma o direito de todas as pessoas à educação e exige a
garantia de educação para todos, também conclama que os estados garantam que a educação
das pessoas com deficiência seja parte integrante de todo o sistema educativo. Assumindo a
linha de ação sobre as necessidades educacionais especiais, orientadas pela Declaração de
Salamanca, quando o governo da Espanha em conjunto com a UNESCO, afirma que
(AMARAL, 1994, p. 23):
[...] as escolas integradoras devem reconhecer as diferentes necessidades de seus
alunos e a elas atender; adaptar-se aos diferentes estilos e ritmos de aprendizagem
[...] e assegurar um ensino de qualidade por meio de um adequado programa de
estudos , de boa organização escolar, criteriosa utilização de recursos e entrosamento
com suas comunidades.
As políticas públicas apontam então para a importância da inclusão, mas
efetivamente o que acontece na prática são extremas contradições, lacunas e descontinuidades
nos processos educacionais. O sistema como condutor do processo só inclui até onde
considera que o sujeito ‘é capaz de avançar’, o processo é ainda de dominação e poder. Para
que este processo se inverta, Aranha (2003 apud FREITAS, RODRIGUES, KREBS, 2005,
p.14) considera o ideário de inclusão como:
78
Um projeto a ser construído por todos: família, diferentes setores da vida publica e
população leiga. Necessita de planejamento, experimentação, de forma a se
identificar o que precisa ser feito em cada comunidade, para garantir acesso das
pessoas com deficiência do local e de outras comunidades[...]. Não se instala por
decreto, nem de um dia para o outro. Mas há que se envolver efetiva e
coletivamente, caso se pretenda um pais mais humano, justo e compromissado com
seu próprio futuro e bem –estar.
O primeiro passo para uma efetiva inclusão por parte da sociedade é aceitação da
Diversidade. Este deve ser o ponto de partida para o inicio de processos de ensino e
aprendizagem válidos e que “por mais atrasado”,que esteja, o aluno pode progredir se for
atendido individualmente, partindo e respeitando sua realidade, seus conhecimentos iniciais e
necessidades imediatas, (o que geralmente, muitos dos professores desconhecem). O segundo
passo é ter consciência que trabalhar a partir da diversidade não é tarefa fácil, mas deve ser
um motivo desafiador para que o professor transforme sua prática e busque aprender mais.
Penso que os alunos adultos deficientes mentais que freqüentam a EJA em busca da
aprendizagem da língua escrita estão em processo de inclusão pois esta deve possibilitar a
mediação para que o aprendizado seja o elemento de internalização e ressignificação do saber,
que se estabelece pelas relações que o sujeito pode construir a partir da sua realidade, para
serem também incluídos ao meio social a que pertencem.
A Educação de Jovens e Adultos deve satisfazer as necessidades das pessoas
deficientes mentais, que apresentam diversas formas de aprendizagem, diferentes
conhecimentos prévios, oportunidades desiguais e variadas motivações, a partir de suas
realidades.
A minha intenção então em escutar exclusivamente os alunos adultos com
deficiência mental foi em colocar em prática, o que abordei anteriormente, que o processo de
desenvolvimento, aprendizagem e inclusão deve partir dos próprios sujeitos e a partir de sua
realidade, e para que isso ocorra acredito, é necessário não apenas escutar seus professores e
familiares como tem sido feito. É necessário dar voz a estes sujeitos. Criar espaços para suas
falas, seus sonhos e seus desejos.
O processo de exclusão esta diretamente relacionado aos fatores de aprendizagem.
Alguns sujeitos já buscaram aprender nas escolas regulares mas o que relataram foram casos
de fracassos cognitivos ou sociais, como aconteceu com Rita e Jefe:
“antes daqui eu estudava lá no botânico, na escola [...], eu não gostava de lá, não
é assim, não é que eu não gostava, é que tinha muita como é que eu vou dizer,
tinha muita briga, discurssão, que eu não gosto, tinha robação de merenda, eu
não aprendia” (Rita).
79
“na época quando eu tava numa escola em Viamão, só que na época eu era muito
lento , eu não acompanhava o que a professora colocava no quadro, eu nem sabia
o que estava acontecendo , não sabia nada , ela passava rápido eu não entendia e
ficava de braços cruzados, não sabia o que eu ia fazer, eu ficava quieto” (Jefe).
No caso de Vini a exclusão aconteceu por não saber lidar com seu comportamento,
Vini às vezes é bem dispersivo e se a professora não retoma com ele, começa a desviar a
atenção dos colegas, Vini comenta o porquê saiu da escola com naturalidade:
Ao perguntar sobre - porque tu saiu da escola [...]? “Porque eu fiz muita bagunça,
eu fui expulso”.
Os alunos buscam então a inclusão na EJA para aprender o que nas outras escolas
não conseguiram ou não lhes foi ensinado, que é a aprendizagem da leitura e escrita. A
Alfabetização inclui os sujeitos que não pertencem a este universo e assim ficam impedidos
de interagir em todos os espaços que o sujeito alfabetizado convive. Percebo os sujeitos da
pesquisa como coloca Craidy (1998, p. 74):
Num mundo penetrado de contradições, o direito a palavra é reservado aos que tem-
ou pensam ter- poder suficiente para expressa-la. Para o excluído, o sentimento de
não pertencimento pode ser vivido não apenas no poder falar, mas também na
sensação de não saber faze-lo. Esse é um processo inconsistente de dominação
simbólica, que se expressa como cassação de palavra e como produção do
analfabetismo.
A fala de Suzi demonstra bem essa percepção de exclusão das pessoas não
alfabetizadas: “quem não sabe lê só pega ônibus errado, não lê jornal, e não sabe lê o que
vai assina pode se enganado”.
Suzi relaciona a leitura e a escrita como importante para seu desenvolvimento:
aprender a lê é aprender muita coisa para crescê”.
A Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais torna-se fator essencial
para a sua inclusão, porque possibilita a eles uma autonomia para se locomoverem sozinhos,
antes não iam para a escola sozinhos como relata Gean: “agora que eu tô aprendendo a lê eu
saio sozinho, minha mãe me trazia , ai um dia ela me largou e disse vai que é tudo contigo,
se tu tê perde vai num orelhão e liga”.
Agora que estão em processo de aprendizagem e conseguem ler o nome de seus
ônibus, eles já adquiriram uma certa autonomia, favorecendo assim o seu processo de
inclusão, pois também começam a ler jornal e a participar mais ativamente das atividades
sociais, bem como colocar seus pontos de vista em diversas áreas. Durante uma das
entrevistas era época de eleição e Rui comentou comigo:
80
“agora eu compro o diário gaúcho, minha mãe diz que eu compro só pa vê mulhé
pelada, eu to lendo sobre política , sobre os projetos do lula e do Olívio para o
segundo turno”.
“[...] o lula tem umas pessoa que fala sobre o sangue sugas, mas eu não acho , e
eu digo , com é que eu vô chega lá em Brasília e dizê, pó Lula porque tu roubou o
dinheiro de todo mundo, porque os outros tão falando mal de ti, não tem como eu
pergunta pra ele, se ele prometeu agora ele vai fazê”.
A alfabetização é um processo de inserção social e também uma necessidade
particular e genérica que exige prática para que se efetive. Alfabetizar para uma concreta
inclusão social é aceitar a diversidade como um fator diferenciador, de origem natural ou
social, que exige respostas educativas integradoras em forma de estilos e métodos de ensino-
aprendizagem capazes de se adaptar às necessidades individuais de cada aluno. Esse tipo de
resposta deve partir sempre dos conhecimentos e experiências e serem avaliados em função
dos progressos realizados sobre elas.
A inclusão efetiva implica aceitação dos limites e das deficiências, mas, ao mesmo
tempo, que se acredite que mesmo com limites e com as deficiências este sujeito é capaz de
aprender. Desta forma as possíveis correlações que o sujeito adulto deficiente mental vai
estabelecer com o saber deverão influenciar e provocar no mesmo variadas estratégias para
uma efetiva inclusão que deverão promover uma conscientização crítica de seu papel na
sociedade.
7.3 TRABALHO: UM EXERCÍCIO DE DIGNIDADE E INTEGRIDADE
HUMANAS
Os homens e as mulheres trabalham, quer dizer, atuam e pensam, [...]. Trabalham
porque se tornam capazes de prever, de programar, de dar finalidades ao próprio
trabalho. No trabalho o ser humano usa o corpo inteiro. Usa as mãos e a sua
capacidade de pensar. O corpo humano é um corpo consciente. Por isso, esta errado
separar i que se chama trabalho manual de trabalho intelectual.
(FREIRE, 1983, p.79)
Quanto à dimensão de trabalho, durante as minhas observações e nas realizações das
entrevistas, constatei uma diferença expressiva entre os alunos. Os sujeitos que trabalhavam
ou que haviam trabalhado apresentaram umvel diferenciado nas respostas. Desta forma
considerei importante incluir esta subcategoria. Como afirma Pinto” (1997, p.70), o trabalho é
parte constituinte dos seres humanos:
81
A capacidade de responder aos estímulos sociais, de criar hábitos de convívio social
e de ministrar trabalho útil (para si e para os outros) é inerente ao ser humano por
sua simples constituição. [...] como ente racional, por sua consciência, tem a
capacidade de fazer algo mais, ou seja, de trabalhar
Penso que o trabalho está interligado com os aspectos de desenvolvimento e inclusão
abordados nos capítulos anteriores, desta forma o considero como característica final na
seqüência lógica dos aspectos sócio-culturais envolvidos na Alfabetização de Jovens e
Adultos Deficientes Mentais.
Todos os alunos adultos da pesquisa abordaram a temática trabalho. Os que não
trabalham, buscam na aprendizagem da leitura e da escrita uma possibilidade de incluir-se no
âmbito de trabalho. Destaco algumas falas dos que nunca ingressaram no mercado de trabalho
e atribuem este fato a uma ausência de aprendizagem, e também os que querem aprender
imediatamente para terem acesso ao mundo do trabalho.
“- aprender a lê e escreve é meu sonho para arruma trabalho, eu queria arruma
um trabalho p mim, as pessoa exigem isso. Meu sonho é trabalhar no COPA, mas
não deu certo”.
“porque eu não passei, eu não sei, tem que aprende a lê e escreve, eles não
querem pessoa burra lá dentro”. (Rita)
“é importante sabe lê , mudou bastante cosa na minha vida depois que eu to
aprendendo, eu tenho vontade de arruma um trabalho para mim, trabalhar numa
oficina mecânica”. (Vitor)
“minha vida vai mudá depois que eu aprende, vô trabaia, fica trabaiando no
centro, varrê rua”. (Luan)
Esta relação se justifica porque a sociedade está cada vez mais complexa, exige que o
adulto busque no trabalho sentido para sua existência, e o trabalho, ao mesmo tempo, lhe
outorga sua condição de pertença social. Na atualidade revela-se a necessidade de ampliar
conhecimentos, de especializar-se para se inserir no mercado de trabalho, que é competitivo, e
ainda estudar cada vez mais para manter este trabalho.
A sociedade preocupa-se com a alfabetização por julgá-la um direito de todos,
quando na verdade aprender a ler e escrever é condição necessária para obter um trabalho.
Pinto (1997, p.93) analisa a relação da leitura e escrita com o trabalho:
A leitura e a escrita são primordialmente dois dos recursos a que o indivíduo recorre
para execução de um trabalho que não pode ser feito sem esse reconhecimento . por
conseguinte, o conhecimento da leitura e da escrita é uma característica do trabalho.
Sua valoração só pode ser feita tomando em consideração o nível de trabalho que
cada indivíduo executa na sociedade.
82
Os alunos que trabalham ou que já trabalharam se diferenciaram muito dos que
nunca tiveram esta oportunidade. Percebi que são mais desenvolvidos socialmente e a escola
acaba auxiliando neste desenvolvimento. Adquirem uma maior autonomia, freqüentam outros
espaços sociais, sentem-se mais responsáveis e interagem melhor com a aprendizagem da
língua escrita.
O sentido e a busca pelo trabalho geram no indivíduo um desenvolvimento formado
por uma teia de fatores, na medida em que se desenvolvem, conseguem entrar no mercado de
trabalho, e entrando no mercado de trabalho seu interesse e sua necessidade por aprender a
língua escrita aumenta. A sua inclusão começa a ser efetiva, e buscam cada vez mais
processos de inclusão. Interagem em outros espaços com pessoas diferentes. Estabelecem
responsabilidades a serem cumpridas, compreendem melhor os valores que permeiam a
sociedade e buscam adaptar-se neles. Pinto (1997, p. 93) relaciona a aprendizagem da língua
escrita com o trabalho na medida em que:
Pode-se dizer que é o trabalho que alfabetiza o homem, segundo exija dele o
conhecimento das letras, ou seja de tal espécie que o dispense de conhecê-las.
Como, porém, por sintetizar o conjunto de relações sociais às quais o homem está
sujeito, toca a essência do homem, a definição do analfabeto (definição autêntica)
tem que ser estabelecida em termos de necessidade ou não de saber ler, e de
nenhum modo pelo fato exterior do simples desconhecimento.
É fundamental então que a EJA em que estes sujeitos estão inseridos, bem como seu
processo de construção da leitura e escrita busque também a preparação para o trabalho, para
um desempenho adequado favorecendo assim uma verdadeira inclusão social, na qual, a partir
do direito de trabalhar, assuma e compreenda seus direitos e deveres:
“Na SMED eu ficava na mesa anotando os recados e levava, os memorandos para
os outros setores. No começo eu ficava que nem bicho arisco , até eu me
acostumar. Quando chegou a hora de ir embora eu tinha vontade de ficar, com o
dinheiro que eu recebia eu comprava roupa” (Jefe).
Para Rui é muito importante saber ler e escrever para o seu trabalho:
“por exemplo, se eu for tipo gerente, e eu quero, quero que meu funcionário
coloque o preço no produto que o cliente possa confiar, se o cliente compra um
sabonete que da alergia, daí ele tem que troca, daí o funcionário tem que sabe lê
para ajuda, eu acho que é por aí”.
Geralmente a mudança que percebem depois que iniciaram a aprendizagem da leitura
e da escrita também está relacionada ao trabalho, Vivi comenta que: “antes eu não sabia fazê
83
nada , agora eu tô aprendendo, lá no meu serviço a gente faz doce para vender, tem que
aprender a lê a receita e sabe pesa, antes eu tava na reciclagem, a gente só fazia papel,
picotava e fazia a polpa”.
Percebe-se que os adultos da pesquisa, que não trabalham têm que realizar as tarefas
domésticas. Rita comenta que:
“- todos os dias eu tenho aula...depois eu tenho coisas para fazê.
- ué eu tenho trabalho para fazê.
- trabalho em casa , em casa, faxina, eu faço sozinha”.
Outra dificuldade em relação ao trabalho no universo destes jovens e adultos
deficientes mentais é que nem todos podem usufruir desta experiência para ampliar seu
desenvolvimento. Nem sempre as empresas oferecem emprego para o sujeito com
necessidades especiais. Outro fator que restringe também o acesso desse sujeito ao mundo do
trabalho é o receio dos pais de que, se tiverem carteira de trabalho assinada, perdem o direito
a bolsa assistencial que recebem do governo. Os familiares preferem então ficar com a
garantia da bolsa do que incluir este sujeito no sistema laboral e depois ele possa tornar-se
desempregado.
Percebe-se também que os pais que estão desempregados ou que não trabalham, não
mobilizam os filhos a procurarem empregos, ou acham que estes não são capazes, consideram
que realizar as tarefas domésticas já é uma grande contribuição e a única possível.
Para que se complete o ciclo de desenvolvimento e de inclusão, o aprendizado da
pessoa adulta deficiente mental deve se oportunizar alguma atividade profissional digna, a
partir do que se deseja realmente desempenhar, criar oportunidades e ocupações possíveis e
disponíveis dentro do que o mundo do trabalho possa oferecer. Para isto é fundamental que
tanto a família como os empregadores e os companheiros de trabalho acreditem no seu
potencial e superem seus preconceitos que muitas vezes impedem o reconhecimento destas
capacidades e das possibilidades que esse sujeito tem em gerar recursos para si e para a
comunidade, bem como tomar decisões.
Foucault (1999, p.480) refletindo sobre trabalho, vida e linguagem, coloca que:
[...]a reflexão filosófica, que se desenvolve como pensamento, com a dimensão da
lingüística, da biologia e da economia, ela delineia um plano comum; lá podem
aparecer, [...], as diversas filosofias da vida, do homem alienado, das formas
simbólicas [...], mas, lá também apareceram,o se se interrogar de um ponto de vista
radicalmente filosófico, o fundamento dessas empiricidades, que tentam definir o
84
que são, em seu ser próprio, a vida, o trabalho e a linguagem; enfim [...] a
formalização do pensamento.
Trabalho é requisito básico para viver em sociedade, mas para que tenha acesso a
esse mundo, o sujeito precisa se desenvolver e aprender. O trabalho possibilita um
desenvolvimento significativo e constante pois os sujeitos deficientes mentais se relacionam
com outras pessoas e em vários cenários sociais, bem como estabelecem a construção de
comportamentos diferenciados tornando os sujeitos mais responsáveis e conscientes de sua
cidadania. Gadotti (1988, p.149) refletindo sobre educação e trabalho afirma que é a
pedagogia que sustenta a formação do homem: “Pela elevação da consciência coletiva
realizada concretamente no trabalho que cria o próprio homem. A educação identifica-se
com o processo de homonização. A educação é o que se pode fazer do homem de amanhã”.
Desenvolvimento, inclusão e trabalho estão diretamente relacionados com o
contexto sócio cultural do sujeito. O aprendizado, visando a uma educação social, promove
práticas mais coerentes, para a construção do homem coletivo, cujos processos educacionais
(aprendizagem, aquisição da linguagem escrita) cruzam-se e inter-relacionam-se com os
processos sociais: trabalho, desenvolvimento e inclusão.
8 APRENDIZAGEM: UMA DAS FORMAS DE SE (RE)CONHECER A SI MESMO
8.1 APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA
O saber não nos torna melhores nem mais felizes, mas a educação pode nos ajudar a
nos tornarmos pessoas melhores, se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte
prosaica e viver a parte poética de nossas vidas.
(MORIN, 2002, p. 11)
As aprendizagens acontecem em função das necessidades e das vontades do
indivíduo no meio social em que estão inseridos. Através de um processo de construção e
reconstrução, a partir de signos, símbolos, representações, idéias e discursos. Constatei no
relato dos alunos, que a aprendizagem da leitura e da escrita é um grande desafio para todos, e
que sua aprendizagem está relacionada com motivos pessoais e que a continuidade dos seus
estudos, bem como sua inclusão maior na sociedade se efetive no acesso ao trabalho.
85
Historicamente os sujeitos deficientes mentais não eram estimulados a ler e a
escrever, era pré-determinado a sua não capacidade para uma aprendizagem tão complexa.
Desta forma não interagiam com portadores de texto. Hoje os adultos deficientes mentais, da
pesquisa estão aprendendo a ler e escrever mesmo e apesar de seus déficits biológicos, sociais
e educacionais. A EJA está proporcionando situações que favorecem sua aprendizagem já que
convivem com adultos diferentes de si e que oportuniza a interação com diversos portadores
de textos das mais diferentes formas.
Os processos de aquisição da linguagem escrita são complexos, as funções
psicológicas superiores comandam a aprendizagem de acordo com o meio social, afirmo isto
para explicitar o quanto é importante o meio para aprendizagem. O professor deve ser um
mediador entre o aprendiz e a escrita, favorecendo a ação com diferentes portadores de texto,
faz com que a construção ocorra de acordo com as potencialidades e possibilidades dos
sujeitos adultos deficientes mentais.
O processo de alfabetização então para concretizar-se tem que partir da relação que o
sujeito estabelece com a leitura e a escrita, da sua realidade e da importância que este sujeito
atribui ao aprender. O sujeito deficiente mental não é neutro no seu processo de
aprendizagem, e penso que para que aprenda coloco o que afirma Teberosky e Colomer
(2003, p. 96) “ler e escrever são atividades comunicativas e que, por isso [...] devem entrar
em contato com textos reais desde o inicio”.
Percebi que os processos de aprendizagem da leitura e da escrita dos jovens e adultos
deficientes mentais acontecem de forma significativa quando eles estabelecem um motivo ,
uma tarefa a ser realizada e um problema a ser solucionado, exemplifico então o caso da Aline
que está há vários anos na escola, mas que só agora depois de ter entrado para a oficina de
teatro está se alfabetizando.
As reflexões sobre a aprendizagem destes sujeitos são múltiplas. Pretendo priorizar
neste momento as relações e a importância do saber, vivenciadas e abordadas pelos adultos
deficientes mentais, bem como relatar sobre suas aprendizagens da leitura e da escrita.
A alfabetização torna-se um fator de inserção social para estes sujeitos, sua
aprendizagem está relacionada diretamente com a busca de uma vida melhor e mais digna e
também na possibilidade de interagir com outras pessoas. A EJA está favorecendo e
proporcionando esta interação. Jefe coloca que não aprendia na outra escola mas que agora
está aprendendo: “aprendi o be a ba e nada entrava na minha cabeça, hoje aqui eu sei. Se a
pessoa fala ela vai junta as letras. Tem muitas pessoas que não sabem ler mas falam muito
bem”.
86
Para todos os sujeitos da pesquisa é fundamental aprender a ler e a escrever para
obter uma certa autonomia. Usando a leitura e a escrita a serviço de seu desenvolvimento
social. O relato de Suzi e Aline mostram a importância dessa aprendizagem ligada a fatores
sociais:
“eu acho muito impotante sabe lê e escrevê porque antes eu só pegava ônibus
errado uma veiz eu peguei três, e ninguém engana a gente” (Suzi).
“antes não tinha escola, tinha que sai para a rua, minha mãe tinha que me traze,
tem que sabe escreve as coisa para sai” (Aline).
O aluno adulto busca a principio aprender o seu nome, e utilizar o código de uma
forma funcional na sociedade, buscando não passar vexame como coloca Jefe:
“minha vida mudou muito agora que tô aprendendo, eu era dependente, assim ó,
quando meu primo casou, que me levava, puxa vida e agora, eu pegava tudo que
era ônibus errado, bah e agora eu não sei anda sozinho, daí eu ficava puxa vida,
daí eu pensei vo te que aprende, a mãe disse não vai te perde, não não. Daí eu
peguei o Viamão Protásio, bah que ônibus é esse Viamão Protásio, bah não , não,
eu vô desce. Então eu pegava tudo que era ônibus errado eu não queria chega e
dize olha eu não sei lê, eu me segurava para não dize, eu tinha medo”.
As minhas observações e análises apontam que a maior dificuldade na Educação de
Jovens e Adultos deficientes mentais incluídos na EJA é impedir que não se tornem
analfabetos funcionais, muitos estão aprendendo a decodificar, mas não a compreender o que
lêem, são meros decodificadores e não leitores. Compartilho do pensamento de Teberosky e
Colomer (2003, p. 96) de que “ler não é decodificar, mas compreender, mesmo que existam
diferentes compreensões de um texto”.
Reflito então que é preciso que o professor transforme a alfabetização em ferramenta
pedagógica buscando assegurar a estes sujeitos, o seu envolvimento social e o gosto e o prazer
para a leitura. Se não ocorrer desta forma os alunos podem transformar-se em analfabetos
funcionais. Ferreiro afirma que: [...] se a escola não alfabetiza para a vida e para o trabalho
[...] para que e para quem alfabetizar? (2002, p. 17). A forma como o sujeito aprende está
diretamente relacionado com o método utilizado. Alguns alunos relataram como aprendem em
sala de aula, e assim considero que muitos podem se tornar analfabetos funcionais:
“quando a professora, bota ali no quadro e bota bastante coisa tem que copia”
(Aline).
“tem as vezes que eu nem tô aprendendo pra fala a verdade, a sora deu três folhas
e eu não entendo, tentei fazer várias vezes e não consegui” ( Suzi).
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“copio, copio do quadro e escrevo” (Luan).
“é o adestramento que faz a história” (Jefe).
“aprendo a faze a data” (Vitor).
O que foi colocado acima pelos alunos deve servir como um sinalizador sobre as
dificuldades de aprendizagem dos alunos adultos deficientes mentais. As colocações podem
não refletir o que realmente ocorre em todas as aulas, mas devem ser levadas em conta. O
ensino da leitura e da escrita não deve acontecer apenas através de cópias, ensino de datas ou
de assuntos que não despertem interesse nos alunos, é fundamental ensinar a partir de sua
realidade e de seus conhecimentos prévios, e das estratégias que o educando constrói a
aprendizagem escolar não se separa da prática social e sim é construída a partir dela. . É
importante salientar que se muitas vezes o aluno deficiente mental não aprende não é devido
aos seus déficts e sim porque as práticas pedagógicas podem estar equivocadas.
A escola não pode determinar concretamente até que nível de aprendizagem os
alunos deficientes mentais chegam, como também não pode definir quais sujeitos serão
capazes de aprender e os que não serão. Não há estudos abordando ou pesquisas que defina o
nível de consciência que os indivíduos precisam ter para aprender.
Certamente suas aprendizagens tornam-se mais complexas, devido a sua fala
prejudicada, as suas deficiências neurológicas, motoras, mas elas acontecem e eles mesmos,
estabelecem as suas estratégias na aprendizagem da linguagem escrita. Demonstram que as
referências teóricas do estudo manifestam-se no cotidiano de suas vidas, de que como coloca
Freire (1986) a leitura de mundo precede a leitura da palavra, eles mesmos estabelecem suas
estratégias de aprendizagem como é relatado por Jefe e Gean:
“Quero alcançá meus objetivos, remover as barreiras que tem me atrapalhado. Na
leitura eu vô êe que pegá a folha de papel e colocar na veneziana, na porta de casa
e fazê como é...um recital, lê e relê e eu mesmo me conta os fatos. O recital vem
entra dentro de uma leitura dinâmica e da imaginação, ali eu acredito vem
verifica meus erros” (Jefe)
“lê e escrevê é difícil, eu não sabia lê, escreve alguma coisa muito difícil. Daí eu
comecei, parava juntava as letra, pensava Carrefour, super, juntava e comecei a
fazê, sei fazê emendada e cursiva, mas quero aprende mais emendada” (Gean).
Nos relatos percebo que ambos buscam desenvolver estratégias para compreender o
contexto da linguagem escrita, dentro do meio social em que estão inseridos. Portanto estão
compondo e recompondo seus conhecimentos e pensando sobre a escrita.
88
A realidade em que participei permitiu-me verificar que a maioria dos alunos
deficientes mentais incluídos na EJA está buscando aprender a ler e a escrever e assim
percebem e problematizam como o professor deve ensinar. É o caso de Suzi que revela-se
bem critica quanto às intervenções pedagógicas:
“eu estudo em casa também, uma veiz eu tava estudando um monti de coisa e a
professora me deu um xinga. Disse Suzi não é pra tu fazê isso, e pa fazê as coisa
que eu quero coisa de português. Eu não acho isso legal, acho que tem que fazê as
coisa que a gente sabe, eu acho assim ó, para a pessoa aprende, a pessoa te que
fazê só as coisa que sabe e depois vai aprendendo as coisa que não sabe, coisa
assim tu escreve uma coisa, tu não sabe, ai tu tenta escreve mesmo assim do teu
jeito”
Rui quando fala sobre aprender a ler , já estabelece uma compreensão critica sobre o
exemplo que deu, desta forma demonstra que reflete , compreende e dá sua opinião:
“ a pessoa pra aprender a lê e a escreve tem que primeiro pega um livro, acho que
um texto que ela possa consegui lê, jornal , revista, e tenta lê o que consegue, tipo
assim esses dia eu peguei uma revista que falava do mensalão e fiquei horas
lendo, e lendo, as pessoas falam muito do mensalão, o Lula rouba é mentiroso,
não sabem nada”.
Jefe também cria estratégias para o seu aprendizado.
“eu sou uma pessoa muito curiosa nas questões de lê , eu vejo uma placa para e
leio mas eu procuro assim , me distrai com a leitura... se eu entendo eu entendo,
se eu não entendo , não fico perdendo meu tempo eu deixo assim fico no aguardo,
bah senão eu fico louco. mas eu gosto assim de lê livros eu passei por exemplo de
procura entender as letras maiúsculas e minúsculas, entende o conteúdo daquela
folha” (Jefe).
Rita em uma conversa informal, um dia em que me pediu ajuda para escrever uma
palavra percebeu seus erros, me pergunta e devolvo a pergunta , e ela consegue escrever e
comentou: “viu eu consigo, to quase lá, é eu to aprendendo”.
Através das observações e dos trabalhos que presenciei, percebi que os sujeitos estão
em diferentes níveis de escrita e de aprendizagem, os que sabem menos auxiliam os que
sabem mais, respeitam e aceitam as dificuldades dos colegas. Estão aprendendo uns com os
outros em múltiplos aspectos e comprovando que a aprendizagem acontece a partir de trocas e
pela inclusão.
É de se lamentar que outros sujeitos deficientes mentais não tenham tido e não têm,
também, a possibilidades de freqüentar a escola e de aprender. E ainda lastimar que estes
89
sujeitos da pesquisa não tenham ingressado mais cedo na EJA, o que lhes permitiria ampliar
suas possibilidades e potencialidades na construção de sua aprendizagem.
8.2 DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA:
POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES
“Na minha família só eu sei lê e escreve, minha tia não sabe, é difícil aprender,
mas como é, mas eu me ajudo”.
(Suzi)
As dificuldades são múltiplas e de ordem social, cultural e pedagógica. Acredito ser
importante iniciar este sub capítulo com as dificuldades relatadas pelos sujeitos:
“eu tenho medo de pegá as letra, tem que me dize, daí eu vo aprende, é difícil eu
não consigo ler texto ainda” (Aline).
“o problema é na hora de junta as letra eu não consigo juntá” (Rita).
“bom tô começando com uma coisa, eu mudei a minha concepção de escrevê
antes eu escrevia com as letras muito grandes e às vezes , bah dava conta que
fugia minhas palavras meus contextos , não entendia nem o que tava escrevendo
no papel , daí o fato de apaga várias vezes e o papel fica manchado, eu não
entendia nada , então o trabalho com a pro...,eu comecei a anotar e rever minhas
dificuldades” (Jefe).
As dificuldades que prejudicam a aprendizagem dos sujeitos deficientes mentais vão
muito além dos seus déficits biológicos. É preciso que a sociedade, a escola e os educadores
compreendam as suas diversidades, suas dificuldades cognitivas e sociais e que compreendam
acima de tudo que suas aprendizagens ocorrem de múltiplas formas, assim como podem
ocorrer com qualquer sujeito.
O preconceito, o descrédito, dos professores e dos familiares é um dos principais
fatores que impede a aprendizagem destes sujeitos. A escola regular busca uma receita inédita
para ensiná-los, alguns ficam estagnados anos a fio no mesmo nível, porque não conseguem
cognitivamente vencer todas as áreas de conhecimento, embora possam dominar uma delas.
A escola não evoluiu como seria necessário, não se ensina através dos erros, mas
com os erros se classifica. Muitos menos se ensina a partir da realidade e possibilidade desses
sujeitos, exige-se muitas vezes destes alunos uma perfeição “utópica” que não se exige dos
90
outros ditos normais. Na maioria dos casos o professor desconhece a história, o diagnóstico e
o objetivo deste aluno, priorizando apenas conteúdos.
Fala-se muito em escutar o aluno, mas esta escuta precisa ser atenta e também deve
ser oportunizada para as pessoas deficientes mentais. A responsabilidade em ensinar a ler e
escrever é grandiosa, mas alguns professores desconhecem o significado e a importância do
aprender a ler e a escrever para um adulto deficiente mental.
Os alunos adultos deficientes mentais se culparam pela não aprendizagem e por suas
dificuldades, o que isentaria a sociedade a escola e o professor do seu papel de mediador, já
lhes é internalizado que eles são os culpados de seus fracassos pois o não aprender
historicamente faz parte de sua vida educacional. Não problematizam o professor ou a
sociedade já que estes não possuem défictis biológicos e são o centro da aprendizagem.
Quando a aprendizagem não tem sentido o sujeito vai demorar em internalizá-la ou
não vai conseguir uma aprendizagem efetiva. O aluno adulto deficiente mental pelas, suas
peculiaridades precisa dar um sentido para a sua aprendizagem para que ela ocorra
concretamente.
Os processos metodológicos que infantilizam o sujeito por causa de suas deficiências
e muitas vezes os materiais utilizados na Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes
Mentais estão descontextualizados e desvinculados de sua realidade e assim causam um
retrocesso grande na aprendizagem; Ensinar apenas o código para a decodificação é não
estimular a compreensão e a formação de sujeitos leitores, é apenas tentar formatá-los.
A falta de diagnósticos e leituras e releituras dos prontuários é outro fator que pode
gerar dificuldades na aprendizagem. O professor que não tem dados do aluno não pode partir
da realidade destes sujeitos, bem como construir ou planejar estratégias para promover a
efetiva construção do conhecimento e tornar estes sujeitos letrados.
As finalidades educativas para a real aprendizagem do deficiente mental adulto
devem acontecer buscando trabalhar as dificuldades apresentadas ao longo do processo, em
um ambiente de liberdade, individual e social. Práticas democráticas, tolerantes e solidárias
em atitudes baseadas em respeito às dignidades das pessoas e ao uso das coisas, sentimento de
profunda igualdade, valorizando as diferenças culturais.
A construção da aprendizagem da leitura e da escrita adaptada às necessidades
individuais, para que possa ser alcançado em seus aspectos mais básicos por todos os alunos,
onde as dificuldades tornam-se parte integrante e fundamental a serem trabalhadas e
desenvolvidas.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais vivências, devidamente analisadas e criticadas, estariam fazendo um lastro
neuronal maior e mais capaz de provocar novas ZDP que um ‘mundinho igual’
repetitivo, baseado em ‘mim mesmo’. Lembremos disto ao lidar com seres
humanos,[...] que tenham necessidades educacionais especiais/especificas.
(STOBÄUS,2005,p.12)
Nesse momento em que começo a tecer as considerações finais deste estudo, percebo
que muitas foram as aprendizagens por mim desenvolvidas ao longo desta construção, tanto
pelas leituras que realizei, pelos dados que recolhi, pelo que aprendi com os alunos, quanto
pelas análises e reflexões realizadas junto aos meus pares e meu orientador. Nesse sentido, o
título deste capítulo se faz bastante apropriado, uma vez que um trabalho de investigação que
se pretende rigoroso e profundo, jamais chega ao fim, o que exige do investigador definir o
momento adequado para colocar um ponto final, do ponto de vista didático, na pesquisa que
se propôs a elaborar. Assim sendo, as considerações finais deste estudo representam pontos de
ancoragem sob os quais pretendo me apoiar para futuras investigações nesta mesma temática.
Dessa forma, considero importante salientar que a Alfabetização, a Educação de
Jovens e Adultos e a Deficiência Mental fazem parte do cotidiano da sociedade, e estão
presentes especialmente nas discussões realizadas, em espaços de produção de conhecimento.
Entretanto, o desafio que me propus a enfrentar foi o de relacioná-las e analisá-las a partir da
concepção que os próprios alunos têm da sua aprendizagem e das questões sociais dentro das
quais se inserem. Tratou-se, portanto, de realizar uma análise pautada pela ótica apresentada
pelos próprios sujeitos de pesquisa, movimento este que deu voz ao universo investigado.
No que se refere às questões de pesquisa, na primeira delas, questionava-se acerca da
forma como ocorre o processo de Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais. A
partir desta perspectiva, pode-se dizer que os processos de alfabetização de jovens e adultos,
embora estejam ocorrendo na EJA, encontram-se, ainda, desvinculados da realidade dos
alunos, já que os conhecimentos prévios por eles acumulados/construídos não estão sendo
levados em conta nos planejamentos e na avaliação, o que acaba por se projetar em práticas
educativas esvaziadas de significação para o aluno. Destaca-se, portanto, que os alunos
aprendem a ler e a escrever justamente na interação com a leitura e a escrita, por isso se
reafirma a importância que o meio social representa para os processos de aprendizagem.
92
Percebi que os alunos aprendem interagindo com a leitura e a escrita, e que, a esse
respeito, o meio social é fundamental para que a aprendizagem seja significativa. Eles são
capazes de aprender e estão aprendendo. Embora não existam receitas ou fórmulas específicas
na aprendizagem do sujeito deficiente mental, pode-se pensar que ela acontece a partir de uma
prática pedagógica responsável, ativa e preocupada. Cada ser humano tem o seu tempo e a sua
forma particular de aprender
A EJA possibilita a estes sujeitos ampliarem seus espaços de aprendizagem, pois na
escola eles participam de outras atividades culturais e oficinas pedagógicas oferecidas, tais
como, teatro, coral, artes, o que os estimula bastante no desenvolvimento e construção de
novos conhecimentos e aprendizagens.
Percebo que algumas vezes o ensino está um pouco distante de suas realidades, o que
prejudica seu aprendizado, pois se deve levar em conta que o ato de aprender deve partir de
experiências vividas pelo aluno, o que significa dizer que faz-se necessário levar em conta a
heterogeneidade destas vivências e o fato de serem deficientes mentais, característica esta
que, algumas vezes, prejudica a ‘leitura’ que os professores fazem do sujeito.
É preciso aceitar que eles aprendem de forma diferente, bem como aceitar seus
déficits orgânicos e sociais, e isso de forma alguma é descriminá-los, é sim aceitar a diferença
concretamente. Faz-se fundamental diagnosticar suas formas de aprender, suas realidades e a
etiologia de suas doenças, para que partir disto se possa elaborar estratégias educacionais para
que a aprendizagem realmente se efetive. Negar suas diferenças e dificuldades é ser hipócrita,
e tentar normalizá-los significa causar um dano ainda maior.
As possibilidades e os desafios são múltiplos para estes sujeitos, assim como para
seus professores e seus familiares, é preciso que estejam sintonizados harmonicamente nos
objetivos que se busca atingir.
A reflexão sobre a sua aprendizagem os estimula ao reconhecimento social e à busca
de autonomia. Eles aprendem buscando dar sentido para sua aprendizagem, que está
vinculada a aspectos pessoais e sociais. Assim, o fato de aprender a ler e a escrever afeta a
auto-imagem e a auto-estima destes sujeitos, o que encaminha à idéia de que o professor
precisa ter muito cuidado com a sua práxis, suas intervenções. Precisa mobilizar e motivar
estes alunos, pois, se assim não o fizer, pode prejudicar muito a construção da auto-imagem
dos sujeitos, consequentemente, tornando-os ainda mais vulneráveis e com uma baixa auto-
estima, uma vez que os que não conseguem sentem-se à margem do sistema, sujeitando-se a
aceitar tudo o que este lhes impõe.
93
Estes sujeitos, apesar de todas as suas limitações biológicas e sociais, já que são
discriminados desde o seu nascimento, buscam aprender a totalidade dos fenômenos, para
uma maior inserção social, já que todos são desejantes de aprender para modificar suas vidas.
E afirmo: eles realmente aprendem.
A sua aprendizagem deve buscar a totalidade de conhecimentos, principalmente de
vida, de saúde, e não a fragmentação destes, por acharem que não são capazes. Daí a
importância de contextualizar e relacionar suas aprendizagens com os valores sociais com a
busca de uma vida saudável, em contínua construção entre o geral e o particular.
Portanto um sistema educacional de qualidade não é aquele que exige que o aluno
adapte-se à transmissão de conteúdos considerados adequados, e sim que busque atender a
todos os indivíduos a partir de suas necessidades. Noutras palavras, um sistema em que as
disciplinas tornem-se um meio para explicar o mundo e preparar para a vida, a aquisição de
conhecimento e de habilidades a partir das quais o aluno aprenda progressivamente a pensar
por si próprio, criando esquemas para uma sobrevivência mais integradora, concreta, justa e
inclusiva.
No que tange ao questionamento acerca de que a Alfabetização de Jovens e Adultos
Deficientes Mentais contribui para uma maior inclusão destes sujeitos na sociedade,
verificou-se que o fato de estarem incluídos na EJA já contribui para uma maior inserção
social. Mas o fato de serem infantilizados e subestimados faz com que os processos de
inclusão ainda não ocorrem concretamente, pois ainda dependem dos outros para se incluir,
não realizando eles próprios estes movimentos, e os outros incluem até onde julgam
necessário.
É preciso aceitar que a normalidade está na diversidade e que esta é enriquecedora.
Desta forma, é ilógico incluir buscando uniformidades, e assim, muitas vezes, sem perceber,
os sistemas educacionais exigem dos alunos deficientes mentais níveis iguais de respostas à
margem de suas capacidades ou das circunstâncias pessoais que os rodeiam, gerando assim
exclusões.
Posso agora afirmar concretamente que aceitar o diferente não é tarefa fácil, e
trabalhar a partir da diversidade social, mental e biológica dos alunos, também não fácil, e
exige muito do professor, a aceitação da diversidade deve ser o ponto de partida para o início
de processos de ensino e aprendizagem válidos. O aluno pode progredir se for mobilizado,
motivado e partindo sempre de seus conhecimentos iniciais e necessidades imediatas. A busca
de um diploma, a escolarização é sim um fator de inclusão social muito forte, bem como uma
exigência da sociedade para se chegar a determinados níveis de maior qualidade de vida.
94
A aprendizagem da leitura e da escrita não pode compensar, certamente, todas as
desigualdades sociais ou individuais, pois não é a “salvação do mundo”, mas pode amenizá-
las, tornando-as superáveis.
No que se refere ao questionamento acerca de como o aluno jovem e adulto percebe
e se percebe no mundo da leitura e da escrita, verificou-se que a vida diária do aluno está
presente e diretamente relacionada ao aprender. Os alunos buscam superar suas dificuldades.
Alfabetizar-se está relacionado com a concretização de sonhos e na busca de uma
vida mais justa e digna. Os jovens e adultos investigados interagem com vários portadores de
texto, mas atualmente o aprender significa ter autonomia, saber ler o nome do ônibus para vir
para à escola sozinho, saber ler no supermercado os preços. Significa, principalmente
ingressar no mercado de trabalho.
Com relação ao questionamento sobre quais as dificuldades – para além dos déficits
biológicos – no processo de Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais, pode-se
afirmar que são sociais e culturais, existem pré-conceitos que “determinam” que o aluno
deficiente mental não aprende.
Há no imaginário escolar a procura de resultados homogêneos, se busca a
uniformidade. Entretanto, esta não é a escola para uma concreta inclusão social.
Principalmente quando se considera que um dos maiores esforços da escola deva ser o de não
acrescentar elementos de marginalização às histórias pessoais que muitos jovens já levam
consigo. A tarefa de educar jovens e adultos com deficiência mental deve ter o compromisso
– difícil e equilibrado com os valores que dão qualidade à vida humana.
No que tange ao questionamento acerca de que mudanças ocorrem na vida do jovem
e adulto deficiente mental durante o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, pode-se
constatar que ocorrem muitas mudanças, sejam elas de ordem social, psico-sociail e/ou
pedagógicas
A Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais tem que efetuar as
adaptações curriculares necessárias, considerando as idiossincrasias dos sujeitos adultos
deficientes mentais. Acredito que tenha atingido o objetivo de demonstrar que estes sujeitos
realmente são capazes, podem e conseguem aprender, mesmo que ainda exista uma lacuna
expressiva no que diz respeito a uma efetiva inclusão social.
Os sujeitos investigados buscam desenvolver suas capacidades, ingressar no mundo
de trabalho e, para todos eles, a alfabetização se configura como algo essencial. Constatou-se
que significativas mudanças pedagógicas e sociais foram estabelecidas a partir de trocas com
os colegas.
95
Assim, a Alfabetização de Jovens e Adultos Deficientes Mentais deve levar em
conta, e deve acontecer, num ambiente de liberdade individual e social, com práticas
democráticas, tolerantes e solidárias, em atitudes baseadas em respeito às dignidades das
pessoas. Conseguir que os adultos deficientes mentais sejam críticos e capazes de se expressar
com desenvoltura e com autonomia na sociedade requer, fundamentalmente, que se parta da
auto-aceitação e do conhecimento de si mesmo e dos próprios limites e capacidades.
É no equilíbrio entre o ensino e a aprendizagem de conceitos e de procedimentos
voltados para uma vida saudável – na perspectiva da educação para a saúde – dando uma
especial relevância e peso na atuação docente voltada a aquisição de atitudes e valores, que a
aquisição de conteúdos pode ganhar sentido entre os alunos.
Cabe ainda ressaltar, e indicar para futuros projetos – para outros pesquisadores que
se “aventurem” trabalhar com essa temática – que busquem questionar as “certezas” de pais e
professores com relação às limitações desses jovens e adultos, mas, fundamentalmente, é
necessário que se invistam as energias pedagógicas nas possibilidades e potencialidades
desses sujeitos. Possibilidades e potencialidades essas que, conforme se pode verificar nesse
trabalho, não só existem, como são passíveis de concretização. Finalmente quero deixar aqui
um especial muito obrigado a cada um dos meus aqui denominados sujeitos, na realidade para
mim ‘adultos especiais.
96
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http://www.proinesp.ufrgs.br/portal/palestrasescritas/palestraclaus.pdf
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100
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p.23-36
101
ANEXOS
102
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
A pesquisa, com o nome de Alfabetização de Jovens e Adultos, é sobre os
aspectos psico-sócio-cognitivos envolvidos no processo de alfabetização de jovens e
adultos com deficiência mental, ou seja de que forma estes alunos aprendem a ler e
escrever. O estudo será desenvolvido através de entrevistas semi-estruturadas, que serão
transcritas e analisadas na pesquisa.
A mestranda Katiuscha Lara Genro Bins , apoiada pelo prof. Dr. Claus
Dieter Stobäus, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS
(fone 33203635), são os responsáveis por esta pesquisa e asseguram que os alunos
entrevistados não serão identificados, bem como não serão identificadas pessoas e
instituições eventualmente citadas nas entrevistas, mantendo-se o anonimato dos dados
colhidos.
Eu,____________________________________________________________
__, aluno da EJA e ou meu responsável, declaro que recebi informações de forma clara
e detalhada a respeito dos objetivos, sem ser obrigado a responder perguntas por mim
consideradas de menor importância ou constrangedoras. Também estou informado de
que a qualquer momento posso esclarecer as dúvidas que tiver em relação à entrevista,
assim como usar da liberdade de deixar de participar do estudo, sem que isso traga
qualquer dificuldade para mim. A minha assinatura neste Termo de Consentimento
autoriza os pesquisadores a utilizar e divulgar os dados obtidos, sempre preservando a
minha privacidade, bem como a de pessoas ou instituições eventualmente por mim
citadas. Declaro que recebi uma cópia do presente Termo de Consentimento Livre e
Informado e que o mesmo foi suficientemente esclarecido pelos pesquisadores.
Porto Alegre, ____ de ________ de 2006.
______________________________ _______________________________
Mestranda Katiuscha Entrevistado e/ou
Prof. Dr. Claus D. Stobäus, Responsável
103
QUESTÕES NORTEADORAS
1.ME CONTA UM POUCO SOBRE TI , TUA FAMILIA, TUA ROTINA, COM
QUEM TU MORAS, O QUE FAZES FORA DA ESCOLA?
2. O QUE PARA TI É APRENDER. O QUE TU ESPERAS APRENDER NA
ESCOLA E PARA QUÊ?
3. FREQÜENTAS ALGUMA OFICINA AQUI NA ESCOLA? ME CONTA UM
POUCO COMO É?
4. COMO TU ACHAS QUE O TEU PROFESSOR DEVERIA ENSINAR.
5. TU ACHAS QUE ESTÁS APRENDENADO BASTANTE NA ESCOLA. O QUE
TE INTERESSA MAIS, COMO ESTÁS APRENDENDO SOBRE ISTO, POR
EXEMPLO?
6. COMO É A TUA ESCOLA. COMO TU GOSTARIAS QUE FOSSE?
7. O QUE TU GOSTAS DE ESTUDAR?
8. TU GOSTAS DE APRENDER A LER E ESCREVER? COMO É QUE
APRENDES? DE QUE FORMA TU ACHAS QUE APRENDES A LER E A
ESCREVER?
9. QUAL A IMPORTÂNCIA QUE ACHAS QUE TEM APRENDER A LER E A
ESCREVER PARA A TUA VIDA?
10. O QUE MUDOU NA TUA VIDA DEPOIS QUE TU COMEÇASTE A
APRENDER A LER E ESCREVER.
11. ESTÁS LENDO ALGUMA COISA NESTES DIAS, O QUÊ É?
12. O QUE TU GOSTAS MAIS DE LER? QUANTO TEMPO INVESTES?
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