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ANTÔNIO MARCOS DE GUIDE
TPA – O MODELO DE TV PÚBLICA
DE ANGOLA
Dissertação apresentada à Área de Concentração
Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, Linha de Pesquisa
Jornalismo Comparado, como exigência parcial
para a obtenção do Título de Mestre em Ciências
da Comunicação, sob a orientação do prof. Dr.
Laurindo Lalo Leal Filho.
São Paulo
2007
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ANTÔNIO MARCOS DE GUIDE
TPA – O MODELO DE TV PÚBLICA
DE ANGOLA
Dissertação apresentada à Área de Concentração Jornalismo da Escola
de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Linha de
Pesquisa Jornalismo Comparado, como exigência parcial para a
obtenção do Título de Mestre em Ciências da Comunicação, sob a
orientação do prof. Dr. Laurindo Lalo Leal Filho.
São Paulo
2007
COMISSÃO JULGADORA
BANCA:
________________________________
________________________________
________________________________
iv
v
À minha esposa Sônia Mítico Soeda, por ter compreendido as longas horas de
estudos e também pela motivação. Às minhas filhas Helena e Heloísa, pelo
incentivo. À minha mãe Cecília Silva de Guide, pela inspiração de luta e dedicação
de uma vida inteira. A todos os colegas, profissionais, amigos e amigas que, de
alguma forma, colaboraram com a concretização deste projeto.
AGRADECIMENTOS
Uma dissertação de mestrado é trabalho assinado por uma única pessoa,
mas na verdade é feito a muitas mãos. É impossível agradecer nominalmente a
todos que contribuíram com a realização desta etapa fundamental em minha vida
pessoal e profissional.
De qualquer forma, não posso deixar de agradecer em especial ao professor
Laurindo Lalo Leal Filho, que com seu vasto conhecimento sobre comunicação,
jornalismo e televisão, contribuiu de forma decisiva para que eu mudasse com
sucesso o objeto da pesquisa a que inicialmente havia me proposto. Também rendo
meus agradecimentos à professora Leila Leite Hernandez, que me ajudou a
atravessar o terreno arenoso e muitas vezes perdido no tempo, da reconstituição de
elementos da história de África em geral e Angola em particular.
Registro aqui ainda meus agradecimentos ao professor Luiz Fernando
Santoro, pelo vasto conhecimento e experiência, aos jornalistas Marcelo Cancio,
com suas observações oportunas, a Pascoal Gomes e Geórgia Pinheiro, que com seu
apoio possibilitaram minha valiosa experiência pessoal e profissional na África. E
não poderia deixar de lembrar o publicitário e fotógrafo Sérgio Guerra, grande
conhecedor da alma angolana. Foi um desafio assumido e, agora, posso dizer,
concluído. Quero dividir este sentimento de dever cumprido com todos que
cruzaram minha vida nesses últimos três anos, no Brasil e em Angola.
vi
RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise da TPA - TV Pública de Angola
fazendo-se um paralelo com outros modelos de TV pública no Brasil, na Alemanha,
nos Estados Unidos e na Inglaterra. Para atingir o objetivo da pesquisa, a presente
dissertação começa com uma pesquisa sobre a história de Angola, desde antes da
colonização portuguesa até os dias de hoje. Em seguida relatamos a evolução dos
meios de comunicação naquele país africano, dos jornais à Internet, com maior
ênfase na TPA. Os capítulos seguintes relatam características de programação,
capacitação profissional e relações com a sociedade da TV pública angolana. A
conclusão estabelece um paralelo entre a TV de Angola e outros modelos de TV
pública.
Palavras-chave: África, Angola, jornalismo, telejornalismo, comunicação, televisão,
televisão pública, televisão educativa, televisão estatal.
ABSTRACT
This dissertation analyses the TPA – TV Pública de Angola – Public Television
of Angola, building a parallel with different standards of public TV in Brasil,
Germany, United States of America and England. To arrive at the main object of the
research, the text starts with a research abour Angolas’s history, since before
Portuguese domination until nowadays. Just after that, we present a evolution of
Angola’s mass communication midia, from newspapers to Internet, given more
emphasis on TPA. The following chapters explain about program board, crew’s
professional capacitation and relationship with Angolas’s society. The conclusion
make a parallel betwen the TPA and different standards of public TV around the
world.
Keywords: Africa, Angola, journalism, telejournalism, communication, television,
public television, educational television, state television.
vii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................9
CAPÍTULO 1 - DAS CARAVELAS À GLOBALIZAÇÃO
HISTÓRIAS DE ÁFRICA E ANGOLA
.......................................................................................................................................13
1.1 - A terra do Homem .............................................................................. 14
1.2 - Visões preconceituosas do desconhecido ........................................... 18
1.3 - Os portugueses em Angola - Período "Afro-Português" ..................... 21
1.4 - Tráfico de escravos: os não-humanos ................................................ 24
1.5 - O Império Português e a partilha da África .......................................... 27
1.5.1 - A Europa se apodera da África ......................................................... 30
1.6 - Código do Indigenato e política de assimilação ................................... 37
1.7 - A luta pela independência ................................................................... 41
1.7.1 - A Revolução dos Cravos ................................................................... 45
1.8 - A guerra civil ...................................................................................... 50
1.9 - Enfim, a paz ........................................................................................ 59
1.9.1 - A reconstrução do país e da cidadania .............................................. 63
1.9.2 - O relançamento da economia ........................................................... 64
CAPÍTULO 2 -DA SOMBRA DAS ÁRVORES ÀS PARABÓLICAS
HISTÓRIAS DA COMUNICAÇÃO EM ANGOLA
.......................................................................................................................................67
2.1 - Publicações: jornais e revistas ..............................................................73
2.2 - O rádio ............................................................................................... 82
2.3 - Agência de notícias ............................................................................. 90
2.4 - Informação pela Internet ..................................................................... 91
2.4.1 - Sítios abandonados .......................................................................... 92
2.5 - TV: um dos tabus do colonialismo ....................................................... 93
2.5.1 - Informação ligada à orientação política ............................................. 95
2.6 - A questão da liberdade de Imprensa .................................................... 97
2.6.1 - Modernização das leis ...................................................................... 101
CAPÍTULO 3 – TV PÚBLICA, DE ACESSO PÚBLICO, EDUCATIVA OU ESTATAL?
MODELOS DE EMISSORAS PÚBLICAS
.....................................................................................................................................106
3.1 - O espaço público .................................................................................. 108
3.2 - Os desafios da TV pública .....................................................................113
3.3 - O modelo de TV pública da BBC .............................................................115
3.3.1 - Estrutura ............................................................................................ 116
3.3.2 - Recursos .............................................................................................117
3.3.3 - Gerenciamento público e prestação de contas .....................................118
3.3.4 - Princípios éticos ................................................................................. 119
3.4 - A TV pública nos Estados Unidos ............................................................121
3.4.1 - Programação ...................................................................................... 122
3.4.2 - Educação e ações comunitárias ........................................................... 123
3.4.3 - Desafios do futuro ...............................................................................124
3.5 - O modelo da TV Cultura do Estado de São Paulo .....................................125
3.5.1 - Filosofia ...............................................................................................126
3.5.2 - Receitas e estrutura técnica ..................................................................127
viii
3.5.3 - Independência e conteúdo ...................................................................128
3.6 - A TV pública na Alemanha ......................................................................131
3.6.1 - Recursos ..............................................................................................132
3.6.2 - Estrutura e missão ...............................................................................133
CAPÍTULO 4 - A TV PÚBLICA DE ANGOLA: ESTRUTURA, ORÇAMENTO, PROGRAMAÇÃO, AUDIÊNCIA
....................................................................................................................................135
4.1 - Estrutura ............................................................................................... 138
4.1.1 - Expansão do sinal ...............................................................................141
4.2 - Formas de financiamento e pessoal ....................................................... 145
4.2.1 - Orçamento e publicidade .................................................................... 146
4.2.2 - Direção e pessoal ................................................................................153
4.3 - Programação ..........................................................................................156
4.3.1 - Produção .............................................................................................164
4.4 - Audiência ...............................................................................................165
CAPÍTULO 5 - O JORNALISMO NA TPA: LINGUAGEM, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, SINDICALIZAÇÃO,
AUTO-CENSURA
.......................................................................................................................................................170
5.1 - Linguagens e influências do Brasil e de Portugal ................................... 174
5.2 - Pauta, reportagem e edição ...................................................................180
5.3 - Pré-alinhamento e alinhamento ............................................................ 187
5.4 - Contratação e formação dos jornalistas ................................................ 193
5.5 - Auto-censura ........................................................................................196
5.6 - Sindicalização ....................................................................................... 200
CONCLUSÃO ....................................................................................................................204
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................210
ANEXO............................................................................................................................218
FOTOS, MAPAS E ILUSTRAÇÕES
1 – Enesto Bartolomeu na bancada do
Telejornal
, 19/10/2004, ........................ Capa
2 – Mapa da África, cerca de 1600,
Penguin Atlas of África History
, p. 79............. 23
3 – Mapa Cor de Rosa ......................................................................................... 29
4 – Mapa atual de Angola .................................................................................... 49
5 – Ernesto Bartolomeu na bancada do TJ em 21/07/2004 ................................. 97
6 – Joana Tomás em reportagem pelo interior de Angola, 18/08/2004,
reprodução da TV ..............................................................................................138
7 – Quadro de Direção da TPA ................................................................. 153 – 154
8 – Equipe no switcher durante apresentação do TJ ............................................173
(Todas as fotos foram tiradas por Antônio Marcos de Guide; fotos dos
Diretores da TPA: divulgação; mapas são reproduções)
9
INTRODUÇÃO
Brasil e África estão próximos por laços culturais, étnicos e geológicos. No
período da Pangea, o único continente, o Brasil e a costa Oeste africana estavam
ligados numa única extensão de terra. A ligação continuou bem depois, apesar de já
ter o Oceano Atlântico entre os dois gigantes, na forma cruel do comércio de
escravos africanos, trazidos por navios negreiros para a mais promissora colônia
portuguesa. Aí estão outros elos com os africanos de Angola: a língua e a cultura
lusitanas.
A despeito de tantas identidades, o Brasil pouco ou quase nada sabe a
respeito de Angola. Paradoxalmente, Angola conhece melhor o Brasil, pois recebe a
programação das TVs Globo e Record, e muitos angolanos vêm a São Paulo e ao Rio
de Janeiro estudar e fazer compras. Notei essa dicotomia quando me preparava para
embarcar em direção a Luanda, a capital angolana, para trabalhar como consultor de
telejornalismo na TPA – Televisão Pública de Angola: as informações eram escassas
e muitas vezes superficiais. Depois, pesquisando melhor, encontrei farta bibliografia
de autores portugueses, angolanos e brasileiros, que fornece um quadro mais
preciso de Angola, em seu processo histórico, econômico, cultural e social. No
entanto, os meios de comunicação em geral e a TPA em particular são praticamente
desconhecidos dos pesquisadores das Ciências de Comunicação. Por isso, a
finalidade deste trabalho foi realizar pesquisas bibliográfica e de campo, por meio
das quais pudesse descrever o histórico, a estrutura, o funcionamento, a
programação e as relações políticas e sociais da TPA com o Estado e a sociedade
angolana, que na verdade não existe como a entendemos no Brasil. A sociedade civil
de Angola está em pleno processo de formação, após o fim da guerra em 2002.
Não foi, entretanto, minha proposta inicial de dissertação. No final de 2003
propus uma análise comparativa entre os três telejornais policiais exibidos no final
10
da tarde e à noite na Grande São Paulo. No entanto, após minha estada de seis
meses em Luanda, de julho a dezembro de 2004, em pleno período de mestrado na
ECA, em comum acordo com meu orientador, decidi modificar o objeto de pesquisa,
pois a dissertação sobre a TPA seria um trabalho inédito, trazendo informações que
não estavam disponíveis nas bibliotecas universitárias nem nas livrarias. Como essa
decisão foi tomada só após minha volta ao Brasil, no início de 2005, não pude
planejar a obtenção de amostras da programação da TV pública angolana. Trouxe,
porém, diversos textos dos jornalistas com os quais trabalhava na emissora, além
de pré-espelhos e espelhos (que lá eles chamam de pré-alinhamento e alinhamento
final), além da experiência adquirida como consultor de telejornalismo na TPA,
prestando serviços a uma empresa contratada pelo governo de Angola.
Desta forma, a pesquisa não se refere a uma análise da programação da
emissora, mas sim do modelo de TV pública em Angola, um país que enfrentou um
regime de colonização portuguesa ainda mais agressivo do que no Brasil, sob o
signo da escravização e depois de uma política de assimilação que incluía trabalhos
forçados. Os angolanos tiveram que arquitetar uma sangrenta guerra para a
libertação de Portugal e, após a Independência, divididos em três grandes facções
políticas, ainda enfrentaram quase 30 anos de guerra civil, alimentada por disputas
internas de poder e pelo ambiente de Guerra Fria dos anos 1970 e 1980.
Portanto, para entender o modelo de TV pública era preciso recuar no tempo
e resgatar, no primeiro capítulo, a história de Angola, desde o período pré-
colonização, passando pelos séculos de dominação portuguesa, as lutas pela
independência e a guerra civil que destruiu boa parte do país, agora em pleno
processo de reconstrução.
Em seguida, graças a pesquisas bibliográficas e entrevistas, consegui
reconstituir a história da evolução dos meios de comunicação, dos primeiros jornais
à Internet, com ênfase especial à TV. Nesse ponto o trabalho aborda questões
11
relevantes, como a formação e capacitação profissional dos jornalistas e a relação
do governo, mantenedor da TPA, com os jornalistas e a sociedade. Por ter sido de
início um governo de inspiração marxista-leninista, o controle dos meios de
comunicação era prática assentada e aberta. Somente a partir dos anos 1990, em
função do fim da Guerra Fria, da queda do Muro de Berlim e da maior influência da
globalização mesmo em países periféricos, Angola iniciou um processo de
democratização e abertura econômica, que se refletiu também, embora
timidamente, nas relações do governo com os meios de comunicação.
No terceiro capítulo, iniciado com uma introdução sobre o conceito de espaço
público, apresento modelos de TVs públicas do Brasil, da Alemanha, dos Estados
Unidos e da Inglaterra, para servirem de parâmetro para o modelo próprio da TPA.
Os dois capítulos seguintes são um mergulho no modelo de TV angolana. Por
ser a única emissora do país ainda hoje, neste início de 2007, não há nenhuma
referência próxima, a não ser as emissoras internacionais emitidas via satélite por
empresas de TV paga, acessadas por antenas parabólicas, privilégio de uma
pequena camada da população. Mas como são programações geradas
externamente, com exceção da RTP portuguesa, que mantém escritórios de
correspondência nos antigos países colonizados, não é possível fazer qualquer tipo
de correlação, ao menos dentro do escopo do atual trabalho.
A pesquisa se limita a analisar o objeto de estudo durante o período que vai
de minha chegada a Luanda, em julho de 2004, a junho de 2006, quando o
distanciamento passou a dificultar a obtenção de informações relevantes à
dissertação. Uma característica da TPA e da sociedade angolana em geral é a falta
de transparência na distribuição de informação. O fato de viver uma dura guerra
civil durante décadas transformou o angolano num indivíduo reservado, pouco
afeito a abrir-se para estranhos ou para o exterior. Presenciei reações iradas contra
a tentativa de fotografar pessoas nas ruas e até mesmo a detenção de equipes de
12
TV por policiais, apesar de estarem autorizadas por órgãos oficiais a realizar
reportagens externas. Isso certamente vai mudar com o avanço do processo de
democratização, que prevê a realização de eleições gerais neste ano de 2007. As
únicas eleições democráticas realizadas desde a Independência aconteceram em
1992. E o presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, do MPLA, está no poder
desde 1979, após a morte de Agostinho Neto.
A conclusão da pesquisa, finalmente, procura situar o modelo angolano
diante das referências de outros países, em especial a BBC, considerada paradigma
de modelo de TV pública, sem perder de vista as circunstâncias históricas, sociais,
econômicas, culturais e étnicas de Angola, um país em que a expectativa média de
vida não chega aos 50 anos (índice registrado na Europa no início do século XX), o
índice oficial de analfabetismo supera os 30% da população e a taxa de prevalência
de doenças como a Aids e a malária é muito superior à média mundial.
Também é importante não perder de vista as limitações do mestrando que
ora finaliza sua dissertação. Cursar mestrado na ECA/USP, a partir de fevereiro de
2004, significou para mim retornar aos bancos escolares depois de 23 anos da
conclusão do curso de Jornalismo em minha cidade natal, Ribeio Preto, interior de
São Paulo. Trata-se, portanto, do trabalho de um repórter acostumado à
objetividade dos textos escritos num mesmo dia, não raramente em poucos
minutos, e que há muito sentia a necessidade de voltar a estudar para somar, à
experiência profissional de campo, uma sólida base teórica, construída através de
elementos de pesquisa científica, obedecendo ao rigor científico acadêmico tão caro
à Universidade. Portanto, acredito que o principal mérito deste trabalho seja reunir,
num único lugar, um considerável volume de informações sobre Angola em geral e a
Televisão Pública de Angola em particular, servindo como esteio ou ponto de partida
para pesquisadores interessados em se aprofundar no tema.
13
CAPÍTULO 1
DAS CARAVELAS À GLOBALIZAÇÃO
HISTÓRIAS DA ÁFRICA E DE ANGOLA
“Como em outros territórios da África, a instabilidade das chuvas e as secas
são elementos condicionantes da própria história dos povos. Estes foram
adaptando-se a vários contextos também marcados por migrações
e invasões de povos africanos em movimento.
No transcorrer dos séculos suas culturas mantiveram-se,
transformaram-se ou ainda foram tão modificadas que
praticamente desapareceram.”
Leila Leite Hernandez, professora e historiadora
A riqueza tem ligação direta com a luminosidade. Basta conferir as fotos da
Terra feitas à noite pelos satélites que circundam o planeta. Nos Estados Unidos e
Canadá, na Europa e em partes da Ásia, especialmente no Japão, na Índia, em partes
da China e na Coréia do Sul, as luzes que emanam das cidades formam grandes
clarões, vistos a quilômetros de distância do solo.
Já no Alasca, na América do Sul, na Eurásia, grandes regiões da Ásia e na
Austrália, os focos de luz são bem mais esparsos, concentrados em áreas
metropolitanas. E a África é, nitidamente, o continente menos iluminado do planeta.
Foi nisso que pensei quando o Boeing 747 da TAAG – a empresa estatal de
aviação de Angola – sobrevoava Luanda para aterrissar no Aeroporto 4 de Fevereiro,
por volta das 22 horas do dia 4 de julho de 2004, na minha chegada para uma
temporada de trabalho de seis meses na TPA. Ao contrário da profusão de luzes que
se vê ao chegar a São Paulo, Tóquio, Nova Delhi ou Madri, a iluminação pública era
escassa, apesar de estarmos pousando numa cidade onde calcula-se que vivam de 3
a 4 milhões de pessoas.
14
Luanda, fundada oficialmente em 1575 pelos portugueses, foi construída
como cidade colonial, para receber algumas centenas de milhares de habitantes.
Mas a guerra civil, entre 1975 e 2002, provocou o êxodo de milhões de angolanos,
fugindo da violência nas áreas onde era mais sangrento o conflito. A guerra acabou,
mas deixou para trás um país semi-destruído, em que energia elétrica e água
encanada ainda são luxo para poucos.
Para entender este país de promessas e contradições é importante
retornarmos no tempo, ampliarmos a visão do mapa da África e das imediações,
quando as noites eram ainda mais escuras e os habitantes desse imenso continente
podiam manter suas rotinas, tradições e crenças, sem interferências externas.
1.1 - A TERRA DO HOMEM
A História do homem no continente africano pode ser dividida em dois
períodos: antes e depois da colonização européia. O período inicial é extenso, entre
dois e cinco milhões de anos, e há consenso entre os cientistas de que foi na África
onde surgiram as primeiras linhagens humanas que culminaram no
Homo sapiens
.
1
Os fósseis encontrados no continente revelam que a espécie surgiu no continente
“há cerca de 130 mil anos e que o seu deslocamento povoou a Europa há 40 mil
anos”, de acordo com Ana Mónica Lopes e Luiz Arnaut:
A ousada pesquisa da equipe de Allan Wilson, de rastreamento de
polimorfismos no DNA mitocondrial de mulheres descendentes de diferentes
grupos, portanto com fenótipos diferentes, concluiu que a humanidade teria
como origem comum uma mulher subsaariana que foi designada “Eva, mãe de
todos nós”
1
Para mais detalhes, consultar WELLS, SPENCER,
The Journey of Man, A Genetic Odissey
, Princeton
University Press, 2002
15
(...) Hoje é possível constatar a presença de negros em civilizações
antigas na Ásia, na América e na Europa, o que nos leva a pensar numa
diáspora africana. Não estamos nos referindo ao processo que possibilitou o
povoamento do mundo (entre 5 milhões de anos atrás e o fim do período
glacial), mas a um desenvolvimento técnico, que efetivou o contato entre as
antigas civilizações africanas e as populações de outros continentes.
2
Cientistas norte-americanos em Nova York, em outubro de 2005,
confirmaram a datação de três crânios descobertos em 1997, na Etiópia, como
tendo cerca de 160 mil anos. Esses são os fósseis mais antigos conhecidos de
ancestrais imediatos dos humanos modernos. A descoberta empurra a origem da
espécie humana pelo menos 30 mil anos para trás e reforça a tese de que a espécie
humana tenha surgido e evoluído, de fato, no continente africano.
O deslocamento dentro da África foi lento, devido aos obstáculos naturais,
como desertos, grandes rios com cachoeiras e florestas. Somente entre 2000 e
3000 anos atrás é que povos de origem banto saíram de áreas próximas ao Lago
Vitória em direção ao sul da África. Esse movimento migratório aconteceu através de
dois ramos principais, um em direção ao Transvaal e outro no sentido sudoeste, até
as atuais Zâmbia, Zimbabue e Angola.
Uma segunda leva de migrantes de língua banto saiu do atual Camarões em
direção ao sul, seguindo o litoral ou o curso dos rios, descendo até a foz do rio
Congo. Em contraste com os migrantes da outra leva, que já usavam ferramentas de
ferro, esse segundo movimento migratório era formado por povos que utilizavam
ferramentas de pedra e cultivavam raízes. Por volta do início da era Cristã, as
populações desses dois fluxos se encontraram, provavelmente no norte de Angola.
3
2
LOPES, ANA MÓNICA e ARNAUT, LUIZ, História da África, uma introdução, Editora Crisálida, Belo
Horizonte, 2005, p. 21-22
3
Veja mais detalhes com WOLF, ERIC R.,
Europe and the People Without History
, University of California
Press, 1982
16
Esse avanço deslocou as populações de fala khoisan, caçadores e coletores, em
direção ao sul, por volta de 500 DC. Eles ainda vivem no sul de Angola e áreas da
Namíbia e África do Sul, identificados como khoi-khoi (hotentotes), que criam gado,
e os san, (bosquímanos), coletores.
A veracidade desses movimentos migratórios é reforçada por John Iliffe,
4
o
qual afirma que os bantos chegaram ao território hoje conhecido como Angola nos
primeiros séculos do cristianismo. Por volta de 1400, essas populações viviam em
vilas separadas por vastas extensões de terra, explorando tanto o ambiente da
savana quanto das matas, que ficavam próximas, em regiões ao norte de Angola e
ao sul do Congo/Zaire/República Democrática do Congo.
A população do Senegal à Nigéria era estimada, por volta de 1500, em 11
milhões. A região subsaariana, que inclui Angola, teria 8 milhões de habitantes
nessa mesma época. A introdução de culturas de milho e mandioca provavelmente
contribuiu para um aumento dessa população para 20 milhões e 10 milhões,
respectivamente, por volta de 1800 (WOLF, ERIC R., 1982).
O aumento populacional era severamente limitado por doenças, sendo a
malária, provavelmente, já a maior causa de mortes, especialmente entre as
crianças. A mosca tsé-tsé, causadora da doença do sono, era outra ameaça.
Missionários do século XVI que viveram na África ao sul do Saara relataram práticas
de medicina mágica e tradicional, com uso de ervas, unguentos, purgativos e
medicamentos com poderes mágicos. Nas vilas, curandeiros, parteiras e cirurgiões
barbeiros gozavam de poder e influência.
A fome era um segundo obstáculo ao crescimento das populacões. Registros
dos portugueses em Angola no século XVI mostram que grandes fomes aconteciam
em média a cada 70 anos, geralmente provocadas por fortes secas. Acompanhadas
de epidemias, podiam eliminar de um terço até a metade das populações,
4
ILIFFE, JOHN,
Africans, the History of a Continente
, Cambridge University Press – 1995
17
comprometendo o crescimento demográfico de uma geração inteira. Ainda nos anos
1980 Angola enfrentou mais de uma seca severa. (ILIFFE, JOHN, 1995, p. 66-67)
Quanto às crenças, John Iliffe chama a atenção para a falta de registros
escritos na África não-islâmica, o que tornava as idéias e práticas religiosas
dependentes de transmissão oral, geração após geração. Isso fazia com que os ritos
e mitos sofressem mudanças ao longo do tempo, mantendo intocada, de qualquer
forma, a preocupação central dos africanos pela fertilidade das mulheres e das
colheitas.
As religiões da África equatorial são as mais acessíveis, porque os
africanos de fala banto preservaram uma certa homogeneidade nas tradições
religiosas, através da linguagem. Isso mostra que eles dividiam idéias de um
espírito criador, acreditavam em espíritos ancestrais e naturais, cultuados por
encantadores, homens e mulheres com poderes mágicos. Dessa base comum,
cada sociedade desenvolveu diferentes idéias e práticas religiosas. No final do
século XV, o povo do Congo, por exemplo, demonstrava ter uma vaga noção
de um “poder elevado”,
nzambi mpungu
, mas os poderes espirituais mais
ativos entre eles eram espíritos ancestrais ou naturais. Cada família se
comunicava com seus ancestrais através de rituais públicos, realizados à beira
dos túmulos. A fertilidade da agricultura, uma preocupação básica das
comunidades, estava na esfera de espíritos da natureza, que eram servidos
por “chefes da terra” e podiam se comunicar com homens e mulheres,
possuídos por essas forças sobrenaturais.
5
Sobreviver na África, em povoados dispersos, muitas vezes isolados,
ameaçados por doenças, seca, calor e fome, era e, em muitos lugares, ainda é um
desafio diário para milhões de pessoas. Como observa o jornalista polonês Ryszard
Kapuscinski, que foi correspondente na África a partir dos anos 1950 e conhece
5
ILIFFE, JOHN,
Africans, the History of a Continente
, Cambridge University Press, 1995, p. 87-88
18
bem o continente, para fugir às ameaças, a estratégia usada pelos africanos era a
mobilidade, “a capacidade de escapar aos confrontos directos, evitar o perigo e
levar a melhor. Assim, o africano tradicional estava constantemente em trânsito. (...)
Só a vida na cidade trouxe um pouco mais de estabilidade a esta existência”.
Durante milhares de anos, os africanos deslocaram-se a pé, geralmente em busca
de água ou fugindo a alguma ameaça, da natureza ou de tribos rivais. E tudo que
tinham que carregar levavam às costas ou na cabeça, como ainda hoje pode-se ver
nas cidades e no campo, principalmente mulheres a equilibrar grandes sacos ou
vasilhas sobre um pano ajeitado na cabeça, muitas vezes com um filho no colo e
outro amarrado às costas.
Como é que os navios chegaram aos lagos do interior do continente?
Foram desmontados nos portos de mar, as diferentes partes foram
transportadas à cabeça e os navios foram reconstruídos nas margens dos
lagos. Cidades inteiras, fábricas, gruas, centrais eléctricas, hospitais foram
decompostos em partes e transportados para o interior de África. Toda a
civilização técnica do século XIX foi levada para o interior à cabeça dos seus
habitantes.
Os habitantes do Norte de África, do próprio Sara, tinham mais sorte:
podiam recorrer aos animais de tracção – os camelos. Mas os camelos e os
cavalos não conseguiram adaptar-se à África a sul do Sara – morriam vítimas
da mosca tse-tsé ou de doenças mortais próprias dos trópicos húmidos.
6
1.2 – VISÕES PRECONCEITUOSAS DO DESCONHECIDO
Desde o estabelecimento dos feudos e Estados-nação os europeus se
consideram o apogeu da civilização humana. Durante séculos, mantiveram contato e
comércio com povos da Ásia e do Oriente, através de rotas terrestres. A Europa era
uma espécie de “ilha” da civilização ocidental cristã e perscrutava o resto do mundo
6
KAPUSCINSKI, RYSZARD,
Ébano, Febre Africana
, Edições Chá de Caxinde, Luanda, 2001, p. 28-29
19
com olhos céticos, tendo como parâmetro a simbologia cristã e os conhecimentos
sociológicos e científicos da época, que quase sempre funcionavam como um
espelho dos próprios europeus. Tudo que fosse diferente ou ameaçador era visto,
portanto, através dessa cortina de valores que colocavam a Europa no centro do
mundo.
A cartografia medieval é um exemplo disso: o Mapa do Salmo, de 1250,
baseado no Gênesis, representava três continentes, associados aos filhos de Noé: “a
Ásia, na parte superior, era entendida como o ‘Éden terrestre’, abaixo, ao lado da
Europa, está representada a África como o território de monstros” (ARNAUT &
LOPES, 2005, p. 13)
Durante os séculos XVIII, XIX e início do XX, em pleno florescer da ciência
moderna, o conhecimento acadêmico europeu dividia o continente em duas partes
distintas: a África “branca”, dos povos que viviam do outro lado do Mar
Mediterrâneo, entre o atual Marrocos e o Egito, e a África “negra”, compreendida
pelos povos subsaarianos. O deserto do Saara era o grande divisor, e acreditava-se
que os africanos “brancos” jamais tiveram contato com os “negros”.
Esse tipo de concepção era introjetada na ciência da época. O suíço Charles
Linné (1707-1778), conhecido como o “Pai da Taxonomia” (parte da Botânica ou da
Zoologia que se ocupa da classificação de seres e organismos), classificava em 1778
o
Homo sapiens
em cinco variedades: homem selvagem, americano, europeu,
asiático e africano, o qual descrevia como “negro, fleumático, relaxado. Cabelos
negros, crespos; pele acetinada; nariz achatado, lábios túmidos; engenhoso,
indolente, negligente. Unta-se com gordura. Governado pelo capricho”. (Apud
HERNANDEZ, LEILA LEITE, 2005, p. 18-19).
Mesmo George W. Friedrich Hegel (1770-1831), um dos filósofos mais
importantes da era moderna, em um de seus textos em que abordava a natureza
,
dividia a África em três partes distintas: uma setentrional, mediterrânea, incluindo
20
Marrocos, Argélia Tunísia e Líbia; outra meridional, com Egito, o deserto do Saara e
o Níger e por último a “África propriamente dita”, quase desconhecida, ao sul do
deserto do Saara.
A África propriamente dita é difícil de ser compreendida, pela simples
razão de que, em referência a ela, somos obrigados a abrir mão do princípio
que naturalmente acompanha nossas idéias, a categoria de Universalidade.
(...) O Negro, como já observado, mostra-se como homem natural, em seu
estado selvagem e inculto. Temos que deixar de lado qualquer pensamento
de reverência ou moralidade – tudo que podemos sentir – se quisermos
compreendê-lo corretamente; não há nada que se harmonize com
humanidade a ser encontrado nesse tipo de pessoa.
7
Esse era o pensamento hegemônico na Europa, entre os séculos XVIII e início
do XX. Antes disso, a historiografia dispõe de relatos de cronistas do reino
português, que acompanharam as viagens exploratórias pela costa da África, a
partir do século XV. A conquista de porções da África por Portugal foi resultado do
desenvolvimento tecnológico da navegação, no início da era moderna. Os árabes já
navegavam pelo Oceano Índico há bastante tempo, em curtas viagens. Em 1417,
uma frota chinesa, com grandes naves de 2 mil toneladas e vários mastros, chegou
a tocar o litoral da África Oriental: realizou trocas comerciais que de forma alguma
custearam a dispendiosa viagem. O comandante Zheng He levou exemplares de
coisas e animais que considerou exóticos para exibir em Pequim, inclusive uma
girafa. Satisfeita a curiosidade, os chineses jamais voltaram.
8
A revolução nas técnicas de navegação foi alcançada pelos portugueses,
praticamente à mesma época. Com caravelas de 200 toneladas, bem mais leves e
r
7
ROUX, A. P. e COETZEE, P. H.,
The African Philosophy Reader
, Editora Routledge, Inglaterra, 2003, p.
141-142
8
Veja detalhes com MCEVEDY, COLIN,
The Penguin Atlas of African Histo y
, Penguin Books, Inglaterra,
1995, p. 66
21
velozes que os barcos chineses, podiam navegar até mesmo contra o vento, e
baixaram muito os custos das expedições marítimas em direção ao desconhecido. A
primeira conquista portuguesa aconteceu em 1415, com a tomada de Ceuta, em
águas do Mediterrâneo. Eles não imaginavam ainda a enorme extensão que teriam
de contornar pelo litoral ocidental africano, através do Oceano Atlântico, até atingir
o outro lado da África, o Índico, para finalmente chegar às Índias, com quem os
europeus tinham um intenso comércio, principalmente de especiarias.
Esse processo de descobertas sucessivas levou décadas: em 1420 os
portugueses descobriram a Ilha da Madeira e em 1431 os Açores. Em 1434,
ultrapassaram o Cabo Bojador, no atual Senegal. Em 1456 chegavam a Cabo Verde e
em 1482 a São Jorge da Mina. Em 1487, Bartolomeu Dias contornou o Cabo da Boa
Esperança e finalmente encontrou a rota marítima para as Índias, abrindo caminho
também para a descoberta e colonização de Moçambique, Goa e Timor Leste.
O que motivava a exploração marítima portuguesa, além da descoberta do
caminho das Índias, era o interesse por prata, ouro e escravos e também a busca
pelo reino de Preste João, que seria um soberano cristão dono de terras riquíssimas,
de acordo com referências mitológicas do início do século XV.
1.3 – OS PORTUGUESES EM ANGOLA – PERÍODO “AFRO-PORTUGUÊS”
Em 1482, Diogo Cão chegou ao rio Zaire, também conhecido como rio
Congo. Entrando pelo estuário, o navegador encontrou o reino do Congo, que
abrangia uma grande área ao norte de Angola, parte da atual República Popular do
Congo e da República Democrática do Congo. A capital do reino, Mbanza Congo
(Cidade do Congo) é ainda hoje a capital da província angolana do Zaire. Esse reino
era um dos mais organizados da África subsaariana, e sobreviveu até 1665, quando
foi destruído por tropas lusas, africanas e brasileiras, lideradas pelo brasileiro André
Vidal de Negreiros.
22
O reino, formado a partir do século XIII, dividia-se em seis províncias, onde
ficavam as aldeias, organizadas segundo o princípio de linhagem matrilinear, “às
quais se juntavam linhagens clientes e escravos, em decorrência de crimes
praticados ou por terem sido feitos prisioneiros de guerra” (HERNANDES, LEILA
LEITE, 2005, P. 563).
Os portugueses voltaram em 1490, com presentes do rei de Portugal ao rei
do Congo. As caravelas levavam mercadorias, frades franciscanos e trabalhadores
que construíram uma igreja e um palácio para o rei Nzinga a Nkuvu, retornando a
Lisboa com marfim, tecidos e escravos. Entre 1483 e 1575, a política ultramarina de
Portugal costuma ser chamada de “período afro-português”, pelas relações
geralmente amistosas que eram mantidas entre os lusos e os povos africanos.
No início, essa relação foi marcada por trocas e cordialidades: o próprio rei
do Congo entregava escravos para serem comercializados com os portugueses, que
forneciam mercadorias e até armas. Em 1512, o Manicongo (Senhor do Congo)
converteu-se ao cristianismo, tendo recebido o nome de D. João I. O sucessor,
Nzinga Muemba, aprofundou a mesma estratégia: em 1523, com o nome de D.
Afonso I, foi nomeado primeiro bispo do Congo, sagrado em Roma pelo próprio
papa, numa aliança com os portugueses.
Todavia, Colin McEvedy observa que o fato do rei, de nobres e de súditos do
reino do Congo terem se convertido para o cristianismo não significa que na prática
tenham se tornado cristãos, na concepção ocidental do termo. “Pelos costumes
africanos, as novas crenças eram aceitas como mais uma entre as crenças nativas e
não como uma teologia exclusiva (...) Na costa leste (região do atual Moçambique),
os árabes aceitavam a suzerania portuguesa, mas mantinham-se muçulmanos. No
interior, os bantos não se convertiam ao cristianismo, tampouco ao islamismo”
(MCEVEDY, COLIN, 1995, p. 76).
23
Sob essa ótica, a conversão do reino do Congo ao cristianismo poderia não
passar de uma manobra política dos africanos, vendo a importância que os
portugueses davam ao tema, como destacam Lopes e Arnaut:
(...) a adoção do cristianismo como religião oficial pode ser percebida
como uma estratégia política para obter algumas vantagens. Nas cartas
destinadas ao rei de Portugal, observa-se uma atitude de respeito por parte
do soberano africano, mas também pode-se notar as inúmeras solicitações de
envio de material de construção e de profissionais especializados. Podemos
assim inferir que tal relação se efetivava num jogo de interesse, pois em
meados do século XVI o rei do Congo demonstra resistência e desinteresse
pela presença portuguesa no seu território.
9
A África, por volta de 1600 DC
A partir de 1575, com o enfraquecimento do reino do Congo como aliado, os
portugueses passaram a enfrentar resistência à ocupação. Ganharam algumas
batalhas, mas os povos africanos da região formaram a Coligação de Kuanza (o
principal rio de Angola) e impuseram várias derrotas militares aos lusitanos.
9
LOPES, ANA MÓNICA e ARNAUT, LUIZ, op. cit., p. 52
24
As regiões de Luanda e Benguela (cf. mapa na página anterior) tornaram-se
pontos importantes para o domínio português no Atlântico Sul, além de servirem
como portos de embarque de escravos. Em 1575, Paulo Dias de Novais se
estabeleceu em Luanda com 400 soldados e 100 famílias de colonos para plantar
açúcar. Em 1605, com o pomposo nome de São Paulo da Anunciação de Luanda, o
lugarejo se tornou cidade, já com 400 famílias de colonos, a maioria formada por
desterrados, cercados por milhares de africanos. Benguela, mais ao sul, foi fundada
em 1617.
1.4 – TRÁFICO DE ESCRAVOS: OS NÃO-HUMANOS
Essa primeira fase de colonização portuguesa foi um misto de
empreendimento comercial, sob controle de militares, com a participação de
religiosos, que viam nas novas terras descobertas um território povoado por muitas
almas a serem convertidas, geralmente suscetíveis e indefesas diante da supremacia
tecnológica e militar dos europeus.
Desterrados e militares passaram a ocupar áreas próximas ao litoral sob o
peso dos tacões, atacando os povos que não se submetiam pacificamente. Esse
avanço violento pela África garantiu a Portugal o monopólio da exploração
organizada do escravismo, do século XVI à metade do século XVII.
10
Em 1641, os holandeses ocuparam Luanda, buscando na fonte os escravos de
que necessitavam para as lavouras de cana-de-açúcar de Pernambuco, onde o
conde Maurício de Nassau tentava implantar uma colônia holandesa, financiada pela
Companhia das Índias Ocidentais, sofrendo forte resistência dos portugueses.
s
10
Para quem tem interesse mais detalhado no movimento de exploração da escravidão, favor consultar
também BLACKBURN, ROBIN,
A Construção do E cravismo no Novo Mundo
, Editora Record, Rio de
Janeiro, 2003; LOVEJOY, PAUL E.,
A Escravidão na África – Uma História de suas Transformações
,
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2002 e BOXER, CHARLES R.,
O Império Marítimo Português
, Cia.
Das Letras, São Paulo, 2002
25
A invasão dos holandeses durou sete anos, período ao longo do qual não
conseguiram alavancar o comércio de escravos, pois mantinham controle do litoral
mas não se aventuravam pelo interior, onde os portugueses tinham maior
penetração e atuavam para convencer e/ou dominar os povos nativos, obtendo
escravos através de negociações ou de guerras. Em 1648, uma frota de navios que
partiu do Rio de Janeiro, comandada pelo brasileiro Salvador Correia de Sá, atacou e
expulsou os holandeses de Luanda. Nesta mesma época os portugueses
conseguiram vencer a guerra com os povos do Ciclo de Kuanza, retomando uma
fortaleza na embocadura do rio e assumindo novamente o controle de toda a faixa
litorânea entre Luanda e Benguela.
Durante mais de 200 anos, militares, colonos e missionários portugueses
enveredaram por uma faixa de até 200 quilômetros de distância da costa, no
interior da atual Angola, em busca de escravos e de almas. Contavam com a ajuda
de guias africanos, que conheciam as terras e faziam contato com os chefes locais.
Muitas vezes esses encontros não eram pacíficos, e havia enfrentamentos
sangrentos, quase sempre vencidos pelos europeus.
Do controle de grande parte do trato negreiro ao domínio do território
de Angola, a passagem foi pontuada por “guerras de pacificação”, nas quais
os portugueses submeteram os vários e numerosos grupos etnolinguísticos
de origem banto, que podem ser reunidos em nove grupos que, ainda hoje,
habitam o território angolano: ambós, bakongos, hereros, lunda-tchokues,
ngangualas, nhanecas-humbes, ovimbundos, kimbundos e xindongas.
11
Três desses grupos eram e permanecem dominantes em Angola: os
bakongos, a etnia do antigo reino do Congo, é a terceira maior, habitando
principalmente as províncias de Uíge, Zaire e Cabinda, ao norte. Eles falam a língua
11
HERNANDEZ, LEILA LEITE, op. cit., p. 567
26
bakongo. O segundo grupo étnico mais importante é integrado pelos mbundos, que
ocupavam grande parte do território acima do rio Kuanza, até o Bengo, passando
por Luanda, e falam a língua kimbundo. O grupo majoritário é formado pelos
ovimbundos, que falam a língua umbundo e ocupam principalmente as províncias
de Benguela, Bié e Huambo, entre a faixa litorânea e o planalto central. Cada um
desses grupos, em especial os ovimbundos e mbundos, eram integrados por
dezenas de povos reunidos por identidades culturais e étnicas, que viviam
espalhados pelo vasto território angolano.
Durante quatro séculos, cerca de 12 milhões de africanos de etnias angolanas
e também de povos da Nigéria e Daomé (Benin), foram arrancados de seus
povoados, ou entregues por seus chefes ou inimigos, sendo embarcados em navios
negreiros para trabalho escravo no Novo Mundo. A viagem de Luanda durava em
média 35 dias até Recife, 40 dias até Salvador e cerca de 45 até o Rio de Janeiro.
Muitos morriam pelo caminho, já que eram transportados em condições sub-
humanas. Paul E. Lovejoy fez cálculos para dimensionar o tráfico escravo
proveniente da África subsaariana, de acordo com tabela apresentada abaixo:
1450/1600 - 367.000
1601/1700 - 1.868.000
1701/1800 - 6.133.000
1801-1900 - 3.330.000
Total> 11.698.000
(Fonte: P. E. Lovejoy,
Transformations on Slavery
- Cambridge, 1983, p. 19)
De acordo com Philip Curtin (apud ILIFFE, JOHN, 1995, p. 131), 42% desses
escravos foram levados ao Caribe, 38% ao Brasil e cerca de 5% saíram com destino à
América do Norte. A constante chegada de novos escravos ao Brasil reforçava ainda
27
mais a influência da cultura africana no país. Mas havia variações regionais, de
acordo com a origem dos cativos feitos escravos. Por exemplo, para Pernambuco e o
Rio de Janeiro iam principalmente negros de Luanda e Benguela, enquanto a Bahia
comercializava intensamente com a costa de São Jorge da Mina, recebendo negros
originários da Nigéria e Daomé (Benin).
12
1.5 – O IMPÉRIO PORTUGUÊS E A PARTILHA DA ÁFRICA
Os portugueses foram pioneiros na exploração da África subsaariana, mas
não foram os únicos. Aos poucos, ingleses, franceses, o rei Leopoldo da Bélgica,
alemães, espanhóis e italianos também se sentiram atraídos pelos mitos de
Eldorado e picados pela curiosidade do desconhecido. No entanto, os contatos
muitas vezes eram absolutamente superficiais, como relata Henri Brunschwig:
Até o fim do século XVIII para bem dizer, os europeus que
freqüentaram suas costas representaram antes interesses privados que dos
Estados. Seus navios encontraram nas escalas que balizavam essas costas o
abastecimento necessário e os escravos que os chefes lhes conseguiam em
troca das mercadorias que desejavam. Os estrangeiros realizavam suas
transações à pressa, e fugiam, logo que possível, do calor seco ou úmido e
das febres das regiões consideradas como “o túmulo dos homens brancos”.
No fim do século XVIII, só havia soberania estrangeira em alguns pontos da
costa de Angola e de Moçambique, sob dominação portuguesa, na Gâmbia
britânica e no Senegal francês.
13
Podemos acrescentar a essas regiões citadas o Cabo, no extremo sul do
continente africano, onde os bôeres se estabeleceram a partir de 1652, iniciando
um processo histórico que culminou mais tarde no
apartheid
. O tráfico de escravos
12
BETHELL, LESLIE,
Colonial Brazil
, Cambridge University Press, 1987, p. 84
13
BRUNSCHWIG, HENRI,
A Partilha da África Negra
, Editora Perspectiva, São Paulo, 2004
28
foi se esgotando a partir de 1850, quando os ingleses passaram a vigiar o Atlântico
sul, interceptando o tráfico negreiro em direção ao Novo Mundo. Para os
portugueses, a exportação de café cultivado no planalto de Huambo a partir de
1844, somada ao comércio de produtos como sal e marfim, rendiam, já em 1870,
mais do que o tráfico de escravos jamais havia lucrado. (ILIFFE, JOHN, 1995, p. 149).
A produção de sal tinha importância estratégica para Portugal: extraído em Cabo
Verde, Guiné e Angola, não era apenas essencial para a dieta humana e do gado,
mas também indispensável para conservar peixes e carnes. Com a exportação
dessas mercadorias, mais urzela, amendoim e produtos de palmeiras, os
rendimentos alfandegários dobraram entre 1850/1870.
14
A escravidão foi abolida oficialmente em Portugal e nas colônias em 1878,
portanto, dez anos antes da abolição no Brasil. E agora vamos chegando ao período
mais recente, que moldou a sociedade angolana, com reflexos duradouros,
identificáveis até os dias de hoje. Quando se fala em escravatura, geralmente
imaginamos um navio com velas cheias cortando o Atlântico, com seus porões
abarrotados de infelizes negros, arrebatados para longe de seu povo e de sua terra.
Esses foram a maioria, mas muitos angolanos também eram escravizados em seu
próprio país, para prestar serviços aos colonos portugueses.
O fim da escravidão não representou um basta aos processos de
discriminação e exploração dos habitantes originais de Angola. Logo de saída, os
ex-escravos, que prestavam serviços aos portugueses em território angolano,
tiveram que permanecer nas fazendas, trabalhando por salários miseráveis, ou às
vezes em troca de cama e comida. Foram instituídas formas legais de trabalho
compulsório, que se somaram a outros dois mecanismos basilares do sistema
colonial português a partir do final do século XIX: o confisco de terras e a cobrança
de impostos.
14
ALEXANDRE, VALENTIM et al, coordenação,
Nova História da Expansão Portuguesa – Volume X – O
Império Africano (1825-1890)
, Editorial Estampa, Lisboa, 1998, p. 379
29
Portugal já não tinha a primazia do pioneirismo na colonização da África. As
modernas e revolucionárias caravelas haviam ficado no passado, abrindo espaço
para novas tecnologias e um poderio militar muito superior, sob controle de
franceses, ingleses, espanhóis, italianos, belgas e alemães, que aos poucos
ocupavam áreas cada vez maiores no imenso continente africano.
Tendo perdido a jóia da Coroa, o Brasil, que proclamou a independência em
1822 (só reconhecida oficialmente em 1825), Portugal passou a demonstrar um
maior interesse pelas colônias africanas, até então vistas apenas como entrepostos
comerciais para tráfico de escravos e extração de umas poucas mercadorias. Essa
mudança na política colonialista portuguesa se justificava pelo avanço das outras
nações européias na África e também porque havia incertezas quanto ao futuro das
relações comerciais com o Brasil e a Ásia.
15
Mapa Cor-de-Rosa: sonho de império
O projeto imperialista português alimentava, no final do século XIX, a
intenção de formar uma grande nação lusoafricana, através da unificação dos
15
Ibidem, p. 27
30
territórios de Angola e de Moçambique, do Atlântico ao Pacífico, incorporando
também territórios hoje ocupados por Zâmbia e Zimbabue (então Rodésia,
disputada pela Inglaterra), no que se convencionou chamar de Mapa Cor-de-Rosa
(cf. ilustração à página anterior). Mas já era tarde: os ingleses opuseram-se
fortemente às pretensões portuguesas, lançando um ultimato em janeiro de 1890,
ordenando a evacuação da região do Shiré. Sem poderio militar e enfrentando crises
financeiras, Portugal teve que acatar o ultimato, permitindo o avanço da Companhia
da África do Sul em direção ao norte. (BRUNSCHWIG, HENRI, 2001, p. 67).
Os ingleses também questionaram a soberania portuguesa em Ambriz e na
foz do Congo. Os portugueses conseguiram ocupar Ambriz, mas perderam o
controle sobre a foz do rio, o que explica porque a província de Cabinda se tornou
um enclave em zonas francesa e congolesa, sem ligação de continuidade com o
território angolano.
16
1.5.1 – A Europa se apodera da África
O século XIX marcou o início da exploração da África pelas nações européias
mais poderosas da época. Enquanto Portugal ainda mantinha controle sobre
pequenas faixas dos territórios hoje conhecidos como Angola e Moçambique, os
ingleses, sob influência de missionários, exploradores ou comerciantes,
entranhavam-se pelo imenso continente, criando colônias em Serra Leoa (1807), na
Costa do Ouro (1830) e na Nigéria (1861). Ao sul, apoderaram-se da colônia do
Cabo, ocupada pelos holandeses até 1815.
Dos franceses, os ingleses tomaram a ilha de França, que já havia sido dos
holandeses, e voltou a se chamar ilha Maurício. Os franceses reagiram, e fundaram
três pequenas colônias no estuário do rio Gabão, no Grand Bassam e na Costa do
Marfim. Até então, a França não havia manifestado interesse econômico ou cultural
16
MARQUES, A. H.,
História de Portugal Volume III – das Revoluções Liberais aos Nossos Dias
, Editorial
Presença, Lisboa, 1998, p. 218
31
pela ocupação da África, e esses movimentos foram mais uma resposta nacionalista
dirigida aos rivais britânicos.
Mas a ocupação não era feita apenas seguindo planos diplomáticos ou
estratégicos nacionais. Comerciantes, missionários e militares ocuparam áreas e
fizeram acordos com chefes africanos antes de procurar a aprovação oficial de seus
países, que muitas vezes não tinham intenção de comprometer orçamentos com
esse tipo de aventura. Um exemplo típico desses acordos foi assinado em fevereiro
de 1842 entre dois primeiros-tenentes da Marinha francesa com o rei Peter, de
Grand Bassam, que chegou a ser capital da Costa do Marfim. O tratado previa a
entrega plena da soberania do país ao rei da França, que em troca outorgaria a
proteção dos navios de guerra franceses, e ainda:
() Ademais, sera pago ao rei, quando da ratificação do tratado, o
seguinte:
10 peças de tecidos sortidos
5 barris de pólvora de 25 libras
10 fuzis de um tiro
1 saco de tabaco
1 barril de aguardente
5 chapéus brancos
1 guarda-sol
2 espelhos
1 realejo
Os chefes Quachi e Waka receberão a metade dos presentes
concedidos ao Rei Peter.
17
Os britânicos, pressionados pela necessidade de encontrar ocupação para o
excesso de mão-de-obra disponível e também para os jovens nobres e militares,
17
BRUNSCHWIG, HENRI,
A Partilha da África Negra
, Editora Perspectiva, São Paulo, 2004, p. 77
32
lançaram-se à conquista africana, explorando rios e lagos e fazendo contato com
lugares de difícil acesso até então. O desafio era não só chegar, mas manter-se em
cada lugar conquistado, controlando seus povos e o comércio.
Enquanto isso, nos salões aristocráticos da Europa, os diplomatas
acompanhavam atentos os movimentos estratégicos das outras nações, para evitar
que elas conseguissem um domínio significativo dos novos territórios. Por volta de
1870, as potências européias eram Inglaterra, França, Áustria-Hungria, Prússia e
Rússia. O interesse da diplomacia era extremamente seletivo, abrangendo apenas a
chamada África branca (o Magreb, após a ocupação da França na Argélia em 1830, a
África mediterrânea e o Oriente Médio).
O resto do mundo estava marginalizado. Os Estados Unidos formavam
uma pequena potência que absorvia a maior parte da emigração européia. A
China e o Japão apenas começavam a se abrir para a Europa. Espanha e
Portugal eram instáveis e mergulhados em dificuldades financeiras. A África
negra não interessava aos diplomatas.
18
A situação começou a mudar entre 1870 e 1880, quando descobriu-se
diamante no Transvaal, ouro no Rand e cobre na Rodésia. Era a lenda do Eldorado
africano se convertendo em realidade. Uma onda de emigrantes se deslocou para a
atual África do Sul, criando em pouco tempo cidades como Kimberley e
Joanesburgo, tendo a exploração de diamantes como motor.
Exploradores e cientistas regressavam à Europa depois de percorrer
territórios africanos, contando boas novas e quase sempre exagerando nas
informações. Eliseu Reclus, após visitar Bahr-el-Ghazal, no sudoeste do atual
Sudão, por volta de 1880 calculou que a região poderia abrigar comodamente 50
milhões de habitantes. Paul Leroy-Beaulieu previa em 1904 que o próprio deserto
18
Ibidem, p. 16
33
do Saara alimentaria de 10 milhões a 20 milhões de pessoas. Projetos mirabolantes
também não eram raros. Militares franceses, em 1874, planejaram criar um mar
interior, construindo um canal para lançar água do Golfo de Gabes no sul da
Tunísia. Os ingleses projetaram em 1876 uma estrada de ferro do Cabo ao Cairo.
Todos inspirados em Ferdinand de Lesseps, que em 1869 havia inaugurado o Canal
de Suez, ligando três continentes. (BRUNSCHWIG, HENRI, 2004, p. 19-21).
Desta forma, os governos europeus passaram a ser atraídos para as
oportunidades abertas na África. Como não estavam dispostos a engajar-se em
expedições custosas, outorgavam a tarefa de explorar e ocupar a companhias
concessionárias. O início da exploração na bacia do Congo, próxima do território de
Angola ocupado pelos portugueses, atraiu repentinamente a cobiça da Europa, em
especial do rei da Bélgica, Leopoldo II.
Em setembro de 1876, Leopoldo organizou uma conferência internacional de
Geografia em Bruxelas, para “abrir à civilização a única parte de nosso globo em que
ela não havia ainda penetrado”. Na ocasião foi criada a Associação Internacional
Africana, e pouco mais tarde o Comitê de Estudos do Alto Congo. O rei alegava que
a Bélgica não ambicionava ter colônias africanas, e que o interesse de possuir
propriedades na África era pessoal: o sonho do monarca seria adicionar ao título de
rei dos belgas o de soberano de um estado negro.
As movimentações européias pelo território africano, já em aberta disputa
pelo controle de áreas consideradas ricas em produtos minerais, esquentaram a
temperatura diplomática, inquietando Portugal, que estava no continente há muito
mais tempo que qualquer outra nação da Europa.
Instalado em Angola, invocava direitos de prioridade histórica à
embocadura do Congo, descoberta por seus navegadores no século XV e
dominada por seu aliado, o Reino do Congo, nos séculos XVI e XVII. Em
setembro de 1883, (Portugal) ocupou Landana, entre Pointe Noire e o
34
estuário onde a missão católica francesa do padre Duparquet era
particularmente ativa. Depois, fraco demais para impor sozinho o
reconhecimento de suas pretensões, pôs fim a um longo conflito que o
opunha à Inglaterra sobre os limites de seu estabelecimento em Moçambique,
e obteve em troca, pelo tratado de 26 de fevereiro de 1884, o reconhecimento
britânico de sua soberania nos rios do estuário e nas costas atlânticas ao
norte e ao sul da embocadura (do rio Congo). Os protestos de Banning, agente
de Leopoldo, como também de missionários protestantes e de comerciantes
ingleses, fizeram com que o governo britânico deixasse de submeter o tratado
à ratificação do Parlamento.
19
A organização de uma reunião entre os países europeus para analisar os
acontecimentos, resolver e evitar conflitos se tornou imperiosa. O chanceler alemão,
Otto von Bismark, convocou a Conferência de Berlim, que se reuniu na capital alemã
entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885, com a participação de
chanceleres de 14 potências européias. A proposta era estabelecer normas para as
novas tomadas de posse na África, sendo aplicáveis a todo o continente africano. Ao
contrário do que se pensa, nessa conferência não foi realizada a partilha do
continente. Teria se chegado a um acordo de soberania, porém em termos vagos:
“As potências reconhecem a obrigação de assegurar nos territórios por elas
ocupados nas costas do continente africano a existência de uma autoridade capaz
de fazer respeitar direitos adquiridos e, se for o caso, a liberdade de comércio e de
trânsito” (BRUNSCHWIG, HENRI, 2004, p. 45).
O mito de que a África era um continente estável, com seus povos originais
vivendo em paz e harmonia, quando da chegada dos europeus no século XIX, não
corresponderia à realidade, de acordo com Lopes e Arnaut. “Os vários povos,
organizados em reinos ou não, estavam em constantes conflitos na busca de
19
BRUNSCHWIG, HENRI,
A Partilha da África Negra
, Editora Perspectiva, São Paulo, 2004, p. 34-35
35
anexação de mais terras para a agricultura. Foi esse quadro de conflito generalizado
que os europeus encontraram” (LOPES e ARNAUT, 2005, p. 62).
Os autores destacam ainda que a imagem de povos africanos unidos contra
os europeus também não expressa a verdade histórica desse período.
Os europeus constituíram, em um primeiro momento, “mais um grupo
ao qual me oponho” e não no “grupo-inimigo-de-todos-nós-africanos”. É
possível supor que muitas vezes uma aliança com os europeus era desejável
na luta contra este ou aquele reino. Ainda mais que enquanto o rival africano
habitava o território próximo, o europeu vinha de muito longe, do outro lado
do mar.
20
Na maioria das vezes, os europeus enfrentaram resistência dos africanos que
queriam dominar. Em alguns casos, os povos originais sentiram-se surpresos com a
mudança de comportamento dos brancos, que em vez de apenas fazer comércio,
queriam agora controlar a terra e os seus moradores. A intenção européia era de
exploração econômica do continente, e a resistência obrigou as nações a partir para
uma conquista militar. Lopes e Arnaut apontam cinco razões para essa estratégia
dos europeus: “sua superioridade militar e logística, sua estabilidade associada à
instabilidade africana, seus maiores recursos materiais e financeiros, seu maior
conhecimento do continente que foi o palco da guerra e o avanço da medicina
tropical, especialmente o controle da malária” (LOPES e ARNAUT, 2005, p. 67-68).
Durante a Primeira Grande Guerra (1914-18), o continente africano estava
quase totalmente sob domínio europeu, com exceção da Libéria, que era
independente desde 1847 e da Etiópia (antiga Abissínia), que ficou sob o jugo
italiano por pouco tempo. As fronteiras daquela época são muito parecidas com as
de hoje, embora ainda haja conflitos de demarcação, em especial de fronteiras
20
LOPES, ANA MÓNICA e ARNAUT, LUIZ, op. cit., p. 62-63
36
marítimas. A fronteira marítima sul de Angola com o norte da Namíbia, no Atlântico,
é um desses exemplos. Mesmo após a independência das nações africanas, as
fronteiras ditadas pela Europa permaneceram “por serem nítidas, o que não ocorria
com as separações entre tribos e etnias, visto de acordo com os padrões
geopolíticos ocidentais”.
21
Desta forma, cerca de 10 mil pequenos Estados, reinos, federações e
associações étnicas que existiam na África antes da colonização européia, foram
unificadas em algumas dezenas de nações, de acordo com os interesses dos
colonizadores, o que provocou desastres étnicos e culturais, uma vez que inimigos
foram unidos sob uma mesma bandeira e amigos separados por outras.
Para as elites africanas não restava outra alternativa que a de aprender a
língua do estrangeiro dominador, o que em muitos casos levava também a uma
europeização das culturas africanas tradicionais. A arrogância e a determinação dos
colonizadores portugueses, que é o que nos interessa diretamente, não eram
diferentes na essência de qualquer dos outros europeus.
E a política de colonização em Angola e Moçambique, desde meados do
século XIX, deixava os africanos entre duas alternativas: “civilizar-se” de acordo com
o modelo luso ou manter-se ainda mais explorado, na qualidade de “indígena”. Um
choque de culturas em que o mais fraco cada vez tem menos chance de sobreviver:
Esse choque e esse aniquilamento de civilizações seculares não são
específicos da África negra e do fim do século XIX. Eles se verificaram na
América no tempo dos conquistadores, na Oceania, no início do século XIX, na
Ásia, sob a pressão do imperialismo chinês ou russo. E as reações que se
manifestaram tardiamente não salvaram as culturas tradicionais, pois elas
partiram de africanos ocidentalizados; sua indignação contra os processos de
21
SECCO, LINCOLN,
A Revolução dos Cravos
, Alameda Casa Editorial, São Paulo, 2004, p. 73
37
partilha ou contra a violação dos direitos dos indivíduos exprimiram-se em
nome de conceitos europeus e em línguas européias.
Tanto isso é verdade que a evolução da humanidade é comandada não
pela força bruta – os bárbaros amiúde adotaram as culturas dos vencidos –
mas pela técnica mais avançada. Os povos dependentes continuam a sê-lo até
o dia em que se apropriam dessas técnicas e contribuem para seu progresso.
Eles se tornam então capazes de invenção, e cada invenção cava o túmulo de
uma tradição.
22
1.6 – CÓDIGO DO INDIGENATO E POLÍTICA DE ASSIMILAÇÃO
Olhando o mapa mundi se percebe como Portugal é pequeno, diante da
imensidão africana. O país continental tem apenas 91 mil quilômetros quadrados,
mas se sentia poderoso quando somava Angola, com seus 1.246.700 quilômetros
quadrados, mais 799.380 quilômetros quadrados de Moçambique. O governo
português chegou a produzir um mapa em que sobrepunha Angola e Moçambique
às nações européias, cobrindo quase toda a Europa ocidental, numa demonstração
ideológica de poderio.
Enquanto Ingleses e alemães adotavam uma política colonialista de
diferenciação e segregação
dos povos subjugados, portugueses, franceses e belgas
partiram para a
assimilação
, com objetivo de converter gradualmente os africanos
em europeus, de acordo com a cultura, a língua, a religião e o imaginário do país
imperialista. Sob essa política, angolanos e moçambicanos eram classificados como
“civilizados, assimilados ou indígenas”.
Lisboa objetivava “trazer os africanos e timorenses não civilizados para a
civilização européia e para a nação portuguesa, mediante uma transformação
gradual nos seus costumes e nos valores morais e sociais” (MARQUES, A. H. DE
22
BRUNSCHWIG, HENRI, op. cit., p. 59-60
38
OLIVEIRA, org.,
Nova História da Expansão Portuguesa, Volume XI – O Império
Africano de 1890 a 1930
, Editorial Estampa, Lisboa, 2001, p. 25). Essa política, no
entanto, nunca foi adotada nas colônias de Cabo Verde, Índia e Macau, onde os
moradores recebiam o estatuto de cidadãos, após atingirem a maioridade.
Em Angola e Moçambique, os “civilizados” tinham igualdade de direitos
políticos com os portugueses da metrópole, sendo geralmente a elite africana de
cada localidade, uma parcela bastante pequena da população. Já a grande maioria
era classificada como “indígena”, ou seja, eram os africanos, com suas culturas
tradicionais. Para se tornarem “assimilados”, necessitavam saber ler e escrever a
língua portuguesa, ter meios para a subsistência própria e da família, ter bom
comportamento atestado pela autoridade administrativa mais próxima e abandonar
os usos e costumes tradicionais da sua etnia. (MARQUES, A. H. OLIVEIRA, apud
HERNANDEZ, LEILA LEITE, 2005, p. 105).
Significa dizer que o próprio processo de assimilação, privilegiando o
caráter autoritário e coercitivo do sistema colonial, utilizava mecanismos para
incorporar um número muito pequeno de africanos que, ascendendo à
categoria de assimilados, poderiam se tornar mais coniventes com o
colonizador e sua ideologia. Em outras palavras, a assimilação reforçava a
segregação.
23
O Estatuto do Indigenato, elaborado a partir de leis criadas entre 1914 e
1917, foi aplicado até 1961, e tinha como eixo uma visão de direito que entregava
aos governos central e colonial a função de “proteger” os africanos nativos, ao
mesmo tempo em que permitia o confisco de terras, a imposição de trabalho
compulsório e a cobrança de impostos. Tudo para que as colônias fossem
autônomas financeiramente.
23
MEMMI, ALBERT,
Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador
, Paz e Terra, Rio de
Janeiro, 1967, p. 30, apud HERNANDEZ, LEILA LEITE, op. cit., p. 105
39
A bem da verdade, após o fim da escravatura, em 1878, foram estabelecidos
os trabalhos obrigatórios que, em muitos casos, eram uma forma de escravidão
disfarçada. Depois, com o projeto de colonização através da assimilação dos
africanos, a legislação foi sendo aperfeiçoada. O trabalho era defendido pelos
colonizadores como uma obrigação legal e moral, uma forma de sustento para os
nativos e suas famílias e também a única maneira de alcançar estágios mais
avançados de civilização. Geralmente, cada um poderia escolher a forma de cumprir
o trabalho compulsório, desde que o prazo, quase sempre de seis meses a um ano,
fosse respeitado. Se a autoridade entendesse que as obrigações não estivessem
sendo cumpridas como esperado, podiam determinar como, onde e quando os
africanos deveriam trabalhar. O trabalho compulsório chegou a ser utilizado até
como forma de pena ou punição, para os africanos considerados preguiçosos.
Houve “migrações forçadas” para São Tomé e Príncipe, por exemplo. No início dos
anos 1940, no sul da colônia, além de trabalhos forçados os angolanos sofreram
expropriação de gado.
A partir de 1930, o Ato Colonial passou a endurecer o tratamento dos
colonizadores com os africanos de Angola e Moçambique. O ministro das Colônias,
desde 1926, era Salazar, que depois se tornaria no temido ditador português. O
artigo 2º considerava os territórios ultramarinos como pertencentes à Nação
Portuguesa, tendo os colonizadores, portanto, a missão de “possuir e civilizar” as
populações autóctones.
Assim, o projeto colonial português não respeitava o pluralismo cultural dos
angolanos e moçambicanos, uma vez que os obrigava a abrir mão de suas tradições
para serem considerados assimilados.
(...) Mesmo havendo um crescimento do número de “assimilados”, nas
décadas de 1930 e 1940, cabem três observações.
A primeira é que o número de “assimilados” progrediu muito lentamente;
40
a segunda é que milhares de africanos “civilizados” não requeriam a condição
de “assimilados”, porque esta lhes obrigaria a pagar um montante maior de
impostos;
e a terceira refere-se ao fato de os “assimilados” serem na maioria das vezes
“ex-indígenas”, o que fazia com que fossem tratados como cidadãos de
segunda classe, alvos de preconceito racial, econômico e social.
24
Os números mostram que a política de assimilação teve parcos resultados.
Em 1950, para uma população de 4 milhões de africanos, apenas 30 mil eram
considerados “assimilados” em Angola.
25
Outro levantamento feito em 1959 pelos
próprios colonizadores portugueses verificou que de 4.145.266 angolanos, apenas
135.355 eram classificados “civilizados”. “Portugal era incapaz de promover uma
absorção molecular dos seus dominados, concedendo-lhes a cidadania portuguesa
(SECCO, LINCOLN, A Revolução dos Cravos, Alameda Casa Editorial, São Paulo,
2004, p. 72-73)
Se o número de africanos absorvidos pelo projeto de assimilação crescia
lentamente, o mesmo não acontecia com a população de colonizadores brancos.
Uma das conseqüências da ditadura de António de Oliveira Salazar foi o
recrudescimento do colonialismo lusitano em África, com o envio de milhares de
portugueses para Angola e Moçambique, com o objetivo de garantir o máximo
controle possível sobre os territórios conquistados, política, cultural e
economicamente.
Em 1945 havia em Angola 45 mil colonos brancos. Em 1951 já eram 88 mil,
cerca de 100 mil em 1955 e 300 mil em 1969, muitos deles militares, já envolvidos
na repressão aos movimentos que lutavam pela independência do país. Como
24
HERNANDEZ, LEILA LEITE, op. cit., p. 515
25
CROUZET, MAURICE, dir., História Geral das Civilizações, Vol. 17, A Época Contemporânea, BCD
União de Editoras, Rio de Janeiro, 1996, p. 208)
41
conseqüência também aumentou a população de mulatos, de 15 mil em 1930 para
30 mil em 1950.
26
Angola e Moçambique já não eram colônias nem protetorados, mas
províncias de Portugal, regidas pelos mesmos métodos da ditadura da metrópole. O
resultado dessa avalanche de colonos sobre os territórios foi um enfraquecimento
dos quadros sociais dos nativos. “(...) tribos, sobados, família patriarcal (que é a
célula base) entraram em rápida decadência” (CROUZET, MAURICE, dir.,
História
Geral das Civilizações
, Vol. 17,
A Época Contemporânea
, BCD União de Editoras, Rio
de Janeiro, 1996, p. 176). Isso provavelmente explica porque os movimentos de
libertação, a partir de fins da década de 1950 e começo da de 1960, foram divididos
em três ramos, organizados por líderes dos três principais grupos étnicos.
1.7 – A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA
Após a Segunda Grande Guerra, em 1945, começou-se a desenhar um novo
mapa mundi geopolítico. Quase tão rápido quanto as nações européias ocuparam a
África, no final do século XIX, na segunda metade do século XX o continente viveu
uma segunda onda, com a descolonização e independência das nações africanas em
três décadas.
A Líbia inaugurou essa onda, tornando-se independente em 1951, seguida
pelo Sudão, Marrocos e Tunísia em 1956, Gana em 1957 e Guiné francesa em 1958.
O ano de 1960 marcou a independência de 17 países: Camarões, Togo, Senegal,
Mali, Zaire, Madagascar, Somália, Benin, Níger, Alto Volta, Costa do Marfim, Chad,
República Centro Africana, Congo, Gabão, Nigéria e Mauritânia. Serra Leoa e
Tanzânia se libertaram em 1961. No ano seguinte, foi a vez de Argélia, Burundi,
Ruanda e Uganda. Em 1963, Zanzibar e Quênia; em 1964, Malaui e Zâmbia e
r v
f
26
Mais detalhes em MARQUES, A. H. DE OLIVEIRA,
Histó ia de Portugal, Vol. III, Das Re oluções Liberais
aos Nossos Dias
, Editorial Presença, Lisboa, 1998, p. 555-565 e ILIFFE, JOHN,
A ricans – The History of
a Continente
, Cambridge University Press,1995
42
Gâmbia em 1965; Botsuana e Lesoto em 1966; Ilhas Maurício e Suazilândia em 1968
e Guiné Equatorial em 1973. Em 1975 chegou a vez das colônias portuguesas,
Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. Saara e Ilhas
Seychelles se libertaram em 1976, Djibuti em 1977, o Zimbabue em 1980 e a
Namíbia só em 1990, num processo de complicadas negociações envolvendo África
do Sul, Angola, Estados Unidos e Cuba.
Angola foi a última colônia portuguesa a conquistar a independência, no dia
11 de novembro de 1975, depois de 14 anos de luta armada contra as forças
coloniais. Enquanto um forte movimento de emancipação das nações africanas
colonizadas pelos europeus acontecia, entre o final dos anos 1950 e o início dos
anos 1960, o regime ditatorial português manteve-se intransigente no projeto
colonial, pois temia perder as vantagens políticas e econômicas caso permitisse a
independência dos territórios ultramar, especialmente Angola. Justamente em 1950,
para consolidação do controle político-militar, o governo português instalou a PIDE
– a polícia política – em Luanda.
Essa postura levou, por outro lado, ao surgimento de organizações africanas
decididas a sustentar um conflito armado para conseguir a independência. MPLA –
Movimento Popular de Libertação de Angola, FNLA – Frente Nacional para a
Libertação de Angola e Unita – União Nacional para a Independência Total de Angola
- foram criados no final dos anos 1950. A princípio unidas na UPA – União dos
Povos Angolanos - iniciaram um movimento de guerrilha contra o exército de
ocupação português, em 1961.
No entanto, as divergências étnicas e ideológicas não tardaram a aparecer,
inviabilizando um movimento unificado de luta pela independência. O MPLA,
apoiado pela ex-União Soviética, tinha predomínio étnico kimbundo, com uma
atitude multirracial, admitindo a participação de brancos, negros e mulatos. A FNLA,
com base na etnia bakongo (norte do país), era anticomunista, sustentada pelos
43
Estados Unidos e pela República Democrática do Congo (ex-Zaire). E a Unita, com
forte presença da etnia ovimbundo (centro e sul de Angola), teve inicialmente
orientação maoísta, mas depois se tornou anticomunista ferrenha, também com
apoio dos americanos, do Zaire e do regime sul-africano do
apartheid
. Liderada por
Jonas Savimbi, a Unita queria se constituir numa organização exclusivamente de
negros, criticando a participação de brancos e mulatos no MPLA.
As diferenças entre os três movimentos, durante a guerra pela
independência, só não foram ainda mais exacerbadas devido à violência e
ferocidade da reação militar portuguesa aos primeiros levantes, no norte de Angola,
perto da fronteira com o Zaire/Congo. Os guerrilheiros da UPA atacaram fazendas
de café, lojas e postos policiais controlados pelos colonos portugueses. John
Frederick Walker, no livro
A Certain Curve of Horn
, traz um relato impressionante da
escalada de violência que teve início em março de 1961 em Angola, citando
torturas, estupros, esquartejamentos e assassinatos brutais de ambos os lados:
Cerca de 400 europeus, mestiços e assimilados foram mortos nos
primeiros dias do levante, e outras centenas nos meses seguintes. Uma
semana depois dos primeiros ataques, tropas portuguesas, enfrentando
emboscadas dos rebeldes, tentaram chegar à área para retirar os
sobreviventes, que se protegiam atrás de barricadas em vilas e igrejas.
(...) Os colonos reagiram formando grupos de vigilantes armados, que
mataram africanos em várias partes de Angola, e a força aérea portuguesa
lançou napalm indiscriminadamente em regiões habitadas pelos “indígenas”.
Havia cerca de dois mil soldados antes do levante; em pouco tempo, aviões e
navios levaram 25 mil militares para “pacificar” a região. Como conseqüência
da carnificina inicial, vilas inteiras foram incendiadas. (...) Uma foto que ficou
notória na época mostra um soldado português sorrindo, segurando uma
estaca onde havia espetado a cabeça deformada de um angolano.
44
Em maio de 1961 a violência contra os africanos havia atingido
tamanha proporção que o governo colonial teve que agir, tentando controlar a
situação. Em pouco tempo, a contabilidade oficial registrava a morte de dois
mil europeus e de 50 mil africanos. E ainda haveria muito mais: ao final do
ano, cerca de meio milhão de indígenas havia se refugiado do outro lado da
fronteira com o Congo, muitos mutilados, feridos ou queimados, como um
testamento da brutalidade dos portugueses.
27
O regime salazarista português culpou uma hipotética tentativa de volta ao
tribalismo em Angola, algo que a colonização havia combatido durante quatro
séculos, dentro da visão de que caberia aos europeus atrair os africanos para a
“civilização” ou pelo menos para um regime de assimilação. Para os portugueses, os
rebeldes eram selvagens e terroristas, tentando tomar o controle da terra que eles
consideravam sua.
No caso do MPLA, mais do que um choque cultural, estava criado também um
enfrentamento ideológico: o ultraconservador salazarismo contra um movimento
que tinha raízes marxistas-leninistas, recebia suporte da ex-URSS, dos países do
leste europeu e de Cuba. Já em 1961, Che Guevara, que tentava levar o modelo da
revolução cubana à África, passou pelo Congo e por Angola, onde se encontrou com
Agostinho Neto e prometeu o envio de instrutores militares cubanos, o que
realmente aconteceu. O encontro foi registrado em foto, que se encontra no museu
da Fortaleza de Luanda.
A luta pela independência durou 14 anos. Durante esse período, os três
movimentos nacionalistas jamais conseguiram se unir para fazer frente aos
portugueses. Entre 1961 e 1975, FNLA, MPLA e Unita tentaram controlar partes do
território angolano e obter o reconhecimento de países e organizações multilaterais,
para ter acesso a recursos financeiros e apoio político. Na época, a FNLA tinha o
27
WALKER, JOHN FREDERICK,
A Certain Curve of Horn
, Grove Press, 2004
45
maior exército mas não foi capaz de se impor, pela falta de experiência
administrativa de seus líderes e por uma ligação excessiva a interesses da etnia
bakongo. O menor poder militar do MPLA era compensado por líderes melhor
preparados e educados e por uma maior penetração entre as várias etnias
angolanas. A Unita tinha o menor poderio bélico, e tentava conquistar poder e
influência através do carisma de seu líder, Jonas Savimbi.
1.7.1 – A Revolução dos Cravos
O golpe militar de 25 de abril de 1974 em Portugal derrubou, num único dia,
o regime salazarista que vigorava desde 1926. O forte apoio popular evitou uma
reação das tropas ainda leais ao governo. As pessoas saíram às ruas e ofereceram
aos revoltosos cravos vermelhos, a flor nacional, razão pela qual o movimento ficou
conhecido como a Revolução dos Cravos.
O levante foi liderado por oficiais intermediários do exército português, na
maioria capitães, que tinham participado da guerra colonial contra os movimentos
de libertação na África.
Ninguém duvida de que a revolução, em termos ideológicos, não
começou em Lisboa, mas na África. (...) A soldadesca colonialista (ou seus
oficiais) não pensaria jamais nas colônias como um problema se os rebeldes
africanos não houvessem surgido e se insurgido com armas nas mãos e
levado o exército colonialista a uma virtual derrota.
28
Após a revolução, Portugal passou por um período de instabilidade, com
enfrentamentos entre os campos de direita e esquerda, que durou cerca de dois
anos. Grandes empresas foram nacionalizadas e partidos proscritos, como o
comunista, legalizados. Em 1975, foram realizadas eleições para uma Assembléia
28
SECCO, LINCOLN,
A Revolução dos Cravos
, Alameda Casa Editorial, São Paulo, 2004, p. 58
46
Constituinte, e a partir de então Portugal adotou um modelo de democracia
parlamentar nos moldes europeus, rompendo com uma história de 48 anos de
ditadura salazarista.
O programa da revolução era definido com três Ds: Democratização,
Descolonização e Desenvolvimento. A guerra para manter as colônias desgastou a
economia portuguesa e provocou pesadas baixas nas forças armadas. A perspectiva
da independência, após a Revolução dos Cravos, removeu o único fator que ainda
unia os três movimentos de libertação em Angola: a luta contra o poder colonial
português. A FNLA, apoiada pelo Zaire e também recebendo recursos financeiros e
militares dos EUA, procurou consolidar suas tropas no Norte de Angola. O MPLA
conseguiu manter o controle da capital Luanda, onde predominam os mbundos, a
base étnica do movimento.
Os três principais líderes, Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi,
reuniram-se em Bukavu, no Zaire, numa tentativa de encontrar posições comuns
para negociar com os portugueses. Mas só em janeiro de 1975, no Quênia,
conseguiram um acordo para agir em conjunto nas negociações pela independência.
A partir de 15 de janeiro daquele ano, em Alvor, Portugal, FNLA, MPLA e Unita
tiveram cinco dias de conversações com os portugueses, das quais resultou um
acordo estabelecendo para 11 de novembro a oficialização da independência
angolana.
Nesse ínterim, o poder seria dividido entre um alto comissariado português e
um governo de transição, composto por três representantes de cada grupo rebelde.
O acordo de Alvor também estabeleceu a criação de uma força nacional de defesa
com 24 mil homens, 8 mil de cada movimento, com apoio de outros 24 mil militares
portugueses, que também ajudariam na manutenção da ordem.
O acordo não previu, porém, verificação do cumprimento das metas, e cada
organização formou exércitos bem maiores, suplantando o número de militares
47
portugueses. Recebendo armas, instrutores e munições de aliados externos, FNLA,
MPLA e Unita logo voltaram a se enfrentar em conflitos armados. O MPLA, com
apoio cubano, conseguiu expulsar a FNLA de Luanda e a Unita se retirou do governo
de transição, estabeleceu seu quartel-general no planalto central do país e declarou
guerra ao MPLA.
Em entrevista ao jornalista brasileiro Fernando Morais, em 1976, logo após a
independência angolana, Fidel Castro deu detalhes de como Cuba colaborou com o
MPLA:
(...) O mundo inteiro pôs os olhos em cima de Angola: era um país
muito rico, com grandes recursos naturais. Desde a época de Kennedy, assim,
o imperialismo estava preparando um plano para controlar Angola. E foi a CIA
quem fundou a FNLA e transformou Holden Roberto em um líder – através do
presidente Mobutu, do Zaire, e com muitas armas e muito dinheiro. Os
portugueses, por sua vez, criaram a Unita, no sul de Angola, que
fundamentalmente lutou contra o MPLA e não contra os portugueses.
(...) Em setembro (de 1975), o território estava dividido em três partes:
o norte ocupado pelo Zaire e pela FNLA, o centro, incluindo a capital, nas
mãos do MPLA, e o sul tomado pela Unita e pela África do Sul. Foi aí que o
governo do MPLA nos pediu uma ajuda. Uma nova ajuda, digamos. Em
setembro mesmo nós concordamos em enviar a Angola armas suficientes para
equipar uns 15 mil homens, além de instrutores que dirigiriam quatro escolas
militares do MPLA: uma nas proximidades de Luanda, uma no leste, em
Saurimo, outra no sul, em Benguela e a quarta em Cabinda.
(...) No dia 8 de novembro o Zaire atacou Cabinda, mas aí já estavam à
espera dos invasores dois batalhões angolanos, dirigidos por cubanos e
armados por nós – e o ataque foi rechaçado. Os zairenses, nessa ofensiva,
usaram mais de 1500 homens, tanques, artilharia. Antes, no dia 23 de
outubro, tropas regulares da África do Sul haviam iniciado a invasão pelo sul
de Angola, através de uma guerra
blitzkrieg
, avançando 70 quilômetros por
48
dia, velocidade altíssima para uma guerra. Era um plano perfeitamente
coordenado para apoderar-se de Luanda e de Cabinda ao redor do dia 11 de
novembro.
29
Como previsto no acordo de Alvor, em 10 de novembro de 1975 os
portugueses iniciaram sua retirada de Angola. Por reconherem a soberania angolana
mas por terem falhado na transmissão do poder a um dos movimentos, os
portugueses deixaram para trás uma situação latente de guerra civil, durante a qual
os angolanos decidiriam pela força o controle político e econômico do país.
30
Nesse mesmo dia, enquanto os portugueses se retiravam, o MPLA, com
participação decisiva de soldados cubanos, conseguiu impedir, a poucos
quilômetros de Luanda, que tropas da FNLA, apoiadas por militares da África do Sul
e com suporte norte-americano, chegassem à capital para tomar o poder. Até hoje
não foi reconstruída uma ponte sobre o rio Dande, a cerca de 90 quilômetros de
Luanda, bombardeada por aviões do MPLA para impedir o avanço da FNLA e seus
aliados.
Senhor da situação, em 11 de novembro de 1975 o MPLA proclamou a
independência da República Popular de Angola, tendo como presidente seu principal
líder. Antônio Agostinho Neto, revolucionário, médico e poeta, se referiu os novos
tempos em versos:
Mantivemo-nos firmes: no povo
buscáramos a força
e a razão.
Inexoravelmente
r
29
MORAIS, FERNANDO,
A Ilha – Um Repórte Brasileiro no País de Fidel Castro
, Editora Alfa-Omega,
São Paulo, 1984
30
A avaliação é de ROTHCHILD, DONALD,
Managing Ethnic Conflict in África
, Brookings Institution
Press, 1997
49
como uma onda que ninguém trava
vencemos.
O povo tomou a direção da barca.
Mas a lição lá está, foi aprendida:
Não basta que seja pura e justa
A nossa causa.
É necessário que a pureza e a justiça
Existam dentro de nós.
(Agostinho Neto in
Poemas de Angola
)
Mapa básico: Angola moderna
O fato de Portugal ter aceitado a independência de Angola após a Revolução
dos Cravos não reduz a importância da luta pelo fim do domínio colonial. Victoria
Brittain afirma que o MPLA saiu vitorioso, e que essa vitória foi “parte de um
movimento que engendrou um novo sentimento de confiança que varreu o Terceiro
Mundo”. E mais:
50
O exército de voluntários do MPLA lutou contra os portugueses nas
florestas de Cabinda e nas savanas por mais de uma década, contribuindo
para o colapso do império português. (...) Os guerrilheiros angolanos, homens
e mulheres, brancos e negros, levaram a melhor contra forças militares
poderosas na África – o apartheid da África do Sul, o bem equipado exército
regular do Zaire, duas forças rivais em Angola, a Unita e a FNLA, que tiveram
mercenários, consultores e equipamentos fornecidos pela CIA, pelos serviços
de inteligência da França e pelo governo chinês.
31
O novo governo independente de Angola foi imediatamente reconhecido pelo
Brasil, num gesto surpreendente, levando-se em conta que partiu de um governo
liderado pelo regime militar anticomunista de Ernesto Geisel. Os angolanos mais
bem informados sempre citam o fato de o Brasil ter sido o primeiro país a
reconhecer Angola independente como um ponto importante nas relações entre os
dois países. A partir de fevereiro de 1976 o MPLA passou a ser reconhecido
internacionalmente como governo legítimo da República Popular de Angola.
Mas esse reconhecimento não assegurou paz ao novo regime angolano, com
o conflito entre MPLA e Unita tendo se generalizado em guerra civil. No auge da
Guerra Fria, Angola foi palco não só da luta interna pelo poder, mas por uma
disputa internacionalizada, com a participação, de um lado, da União Soviética, de
Cuba e do Leste europeu e de outro do Zaire, da África do Sul e dos Estados Unidos.
1.8 – A GUERRA CIVIL
O processo de descolonização e independência dos países africanos não
garantiu períodos duradouros de paz, pelo contrário. A perspectiva de assumir o
poder colocou em rota de colisão as principais forças políticas e militares, em vários
países. Roberts (2000, p. 756), destaca que “entre 1957 e 1985, a África
31
BRITTAIN, VICTORIA,
Death of Dignity
, Pluto Press, 1998, p. 1
51
independente viu 13 chefes de Estado assassinados e 12 importantes guerras”.
Hobsbawm (2005, p. 438) também chama a atenção para a manipulação das
diferenças étnicas como forma de incendiar conflitos: “Onde as mobilizações
‘nacionais’ se baseavam em lealdades ou alianças tribais, os imperialistas
mobilizaram outras tribos contra os novos regimes, notadamente em Angola”.
O preço pago por Angola por uma guerra civil que extrapolou os interesses
nacionais para servir de palco privilegiado da Guerra Fria foi extremamente alto,
seja em vítimas diretas ou indiretas, seja pelas oportunidades desperdiçadas de
desenvolvimento e de avanços sociais.
As guerras civis na África têm sido as piores e mais violentas em todo
o mundo – em Angola, Etiópia, Moçambique, Ruanda, Somália, Sudão e
Uganda – cada uma delas deixando entre 500 mil e um milhão de mortos,
incluindo vítimas nos campos de batalha ou das doenças e fomes relacionadas
com as guerras.
32
Não bastassem as motivações políticas da Guerra Fria, os conflitos na África,
como de resto em qualquer outro lugar, sempre foram um bom negócio para os
países desenvolvidos, grandes produtores de armas e munições. Os lucros são
imensos, envolvendo não só armamento, mas tudo que gira em torno da guerra:
veículos, combustíveis, uniformes, alimentação, remédios, ferramentas,
equipamentos de engenharia, sistemas de comunicação e computadores. E esse
comércio é quase sempre ilícito, não paga impostos, apenas propinas. Carolyn
Nordstrom calcula em meio trilhão de dólares ao ano o lucro do comércio ilegal de
armas no mundo.
32
HENDERSON, ERROL A.,
Democracy and War – The End of a Ilusion?
, Lynne Rienner Publishers, 2002
52
(...) Da venda ilegal de armas, passando pela negociação de contratos
futuros de petróleo e o comércio ilegal de diamantes, a guerra é um grande
negócio para os centros de produção dos países ricos. Os diamantes,
petróleo, madeira, pescados e trabalho humano que vêm de zonas de guerra,
de Angola a Burma, e as armas, suprimentos e serviços que esses valiosos
recursos compram das indústrias de países desenvolvidos representam somas
realmente consideráveis.
33
O historiador britânico Eric Hobsbawm cita Inglaterra, Rússia, Israel e a então
Checoslováquia entre esses países que ganharam muito dinheiro com guerras na
África (HOBSBAWM, 2005, p. 250-251). Foi no meio desse turbilhão de interesses
conflitantes, internos e externos, que o novo governo de Angola começou a
administrar o país. A saída da maioria dos portugueses deixou vários postos chaves
da administração desguarnecidos. Houve, portanto, um período inicial de grande
dificuldade administrativa, com a agravante de que o modelo marxista implantado
centralizava as decisões, retardando as ações necessárias para melhorar a vida do
povo angolano.
No campo político, a cúpula do MPLA enfrentou fortes disputas internas, que
culminaram numa tentativa de golpe, em maio de 1977. Um ex-comandante
guerrilheiro, Nito Alves, tentou derrubar Agostinho Neto, que aproveitou a situação
para eliminar os adversários. Ninguém sabe ao certo quantas pessoas foram mortas
nesse episódio, mas o clima de caça às bruxas aterrorizou Luanda durante meses.
Neto conseguiu assegurar sua supremacia no movimento, criando no final do ano o
MPLA-PT – Partido do Trabalho, de inspiração marxista-leninista, que passou por
um período de “retificação”.
Paradoxalmente, a tentativa de golpe fortaleceu e unificou o partido. Quando
Agostinho Neto morreu em Moscou, em setembro de 1979, a transição foi pacífica:
r r r
33
NORDSTROM, CAROLYN,
Shadows of War, Unive sity of Califó nia P ess
, 2004
53
José Eduardo dos Santos, engenheiro de petróleo formado em Moscou, um dos
colaboradores mais próximos do presidente, foi eleito por unanimidade para
assumir a direção do partido e o governo de Angola.
O processo de “retificação” dentro do MPLA, no entanto, deixou seqüelas nos
militantes e na população. O economista inglês Tony Hodges, que morou em Angola
durante muitos anos e escreveu dois livros analisando o país, lembra que boa parte
dos militantes perseguidos, presos ou mortos integravam uma pequena elite de
angolanos que estudaram em universidades da Europa, de Cuba ou da URSS.
As prisões e execuções em massa de dissidentes que se seguiram ao
golpe afetaram particularmente a “intelligentsia” angolana. A violenta reação
instilou um sentimento de medo que durou até os anos 1990, desencorajando
os angolanos de recorrer a qualquer forma de contestação política, criando
uma cultura de conformismo e dependência do Estado e de falta de iniciativa
própria.
34
Outra conseqüência foi uma piora nos serviços públicos, já que os dissidentes
eliminados eram quadros de melhor formação, que trabalhavam nos ministérios ou
em repartições públicas. Isso num momento em que o novo governo deveria cuidar
de tarefas que jamais foram executadas pelos colonizadores, como a extensão da
educação pública ao maior número possível de crianças e jovens, a melhoria dos
serviços de saúde e a criação de infra-estrutura para o desenvolvimento econômico
do país.
Seguindo o modelo marxista-leninista, o governo de Angola nacionalizou
indústrias e empresas e adotou um plano de metas, com controle rígido de preços,
salários e câmbio. Nos primeiros anos não havia parlamento, e sim um Conselho da
Revolução, com membros indicados pelo MPLA, o único partido permitido. Em 1980
34
HODGES, TONY,
Angola – Anatomy of na Oil State
, Indiana University Press, 2001, p. 50
54
o conselho foi substituído por uma Assembléia do Povo, eleita indiretamente entre
militantes do partido único.
A oposição ao MPLA havia se concentrado na Unita, uma vez que a FNLA se
desintegrou após a tentativa frustrada de assumir o poder em novembro de 1975.
Hodges observa, contudo, que a alternativa ao MPLA, caso a Unita assumisse o
controle do país, provavelmente não criaria um ambiente mais democrático.
De fato, é importante destacar que a Unita praticava formas ainda mais
violentas de política totalitária dentro do movimento e nas áreas sob seu
controle. Savimbi exercia o poder com mão de ferro e não aceitava qualquer
tipo de crítica. Oficiais da Unita que ousassem questionar o líder ou se
tornassem suspeitos de deslealdade eram sumariamente executados; no final
dos anos 1980 foram registrados incidentes em que famílias inteiras de
dissidentes da Unita, inclusive crianças, foram queimadas vivas em fogueiras,
acusadas de bruxaria. (Human Rights Watch, 1989; Amnesty International,
1992).
35
Fatos como estes permitem entender o nível de rivalidade e a ferocidade que
tomaram conta da guerra civil angolana, disputada entre o MPLA e a Unita. Os dois
movimentos estavam dispostos a pagar o preço necessário – um para manter e
outro para alcançar o poder. A intromissão de forças externas só agravou o quadro,
prolongando o conflito ainda mais.
Cada intervenção ou atrocidade servia de justificativa para outras,
provocando uma escalada de violência. Por exemplo, a intervenção do governo
racista da África do Sul, invadindo o sul de Angola, sob pretexto de combater
guerrilheiros da Swapo (South West African People's Organization) que lutavam pela
independência da Namíbia, provocou em contrapartida a radicalização do apoio
35
HODGES, TONY, op. cit., p. 51
55
cubano. Milhares de soldados, equipamentos, armas e munições foram enviados de
Cuba em navios e aviões, com apoio logístico da URSS, que também fornecia caças
MIG, tanques T-54 e T-34 e lançadores móveis de foguetes de 122 mm. “A mal-
sucedida intervenção da África do Sul provocou ainda um ‘resíduo’ de 20 mil
soldados cubanos em Angola”, contabiliza Robert M. Price, no livro
The Apartheid
State in Crisis
(Oxford University Press, 1991).
Os americanos, que não haviam participado da partilha da África, no século
XIX, fortalecidos pela vitória na Segunda Grande Guerra e mergulhados na disputa
geopolítica com a União Soviética, desta vez se envolveram decisivamente no
conflito angolano, financiando e apoiando a Unita. Jonas Savimbi chegou a ser
chamado de “Abraham Lincoln da África”, pelo presidente Ronald Reagan.
36
Howard W. French, jornalista americano, veterano correspondente do
The
New York Times
na África, afirma que o aeroporto de Robertsfield, na Libéria, o
maior da África nos anos 1980, foi construído com fundos do Departamento de
Estado, não para receber passageiros, mas para servir de base aos grandes aviões
de carga que levavam armas e munições, enviadas pela CIA e o Pentágono para a
Unita, em sua guerra anticomunista em Angola. O apoio americano a Savimbi
também chegava pelo Zaire. French estima a ajuda financeira dos Estados Unidos
em torno de US$ 250 milhões, durante 16 anos. Os pragmáticos americanos não
tinham apenas o objetivo de derrotar os marxistas africanos: estavam de olho nos
recursos minerais de Angola, principalmente o petróleo, com jazidas em águas
profundas, localizadas longe das zonas de conflito, e que interessavam às
petrolíferas norte-americanas (FRENCH, 2005, p. 106, 155, 172, 190, 232 e 251).
O combustível bélico fornecido por sul-africanos, cubanos, soviéticos e
americanos queimou na fogueira da Guerra Fria a esperança dos angolanos de viver
em paz depois da independência. O Banco Mundial estima que a guerra do MPLA
36
FRENCH, HOWARD W.,
A Continent for the Taking
, Vintage Books, New York, 2005, p. 155
56
contra a Unita, apenas de 1975 a 1994, teria causado 345 mil mortes. Grandes
regiões agriculturáveis foram minadas, inviabilizando a produção de alimentos e
fazendo mais vítimas inocentes da guerra.
37
Na primeira fase do conflito (1975 a 1991), negociações entre Angola e a
África do Sul levaram à retirada das tropas do
apartheid
do território angolano e à
independência da Namíbia em 1990, em troca da saída dos soldados cubanos de
Angola, após pelo menos sete anos de conversações e de acordos não cumpridos de
lado a lado.
A falta de verificação do cumprimento de cláusulas de armistícios e acordos
de paz foi uma das principais causas do fracasso desses tratados em Angola. Nem a
queda do muro de Berlim, o desmantelamento da União Soviética, o fim da Guerra
Fria e a extinção do regime de apartheid na África do Sul foram suficientes para
encerrar a guerra civil angolana.
A situação só começou a mudar a partir de 1990, quando MPLA e Unita
decidiram promover negociações sérias de paz em Portugal. Em maio de 1991, em
Estoril, com a presença de observadores da Rússia e dos Estados Unidos, foram
assinados os Acordos de Bicesse, que determinavam um cessar-fogo, o
aquartelamento das forças da Unita, criação de Forças Armadas unificadas, a
extensão da administração do Estado às áreas controladas pela Unita e eleições
parlamentares e presidenciais multipartidárias.
O processo de paz seria fiscalizado pelas próprias partes em conflito, com a
participação de uma missão da ONU, a Unavem II (Missão Angolana de Verificação
da ONU). O período de tranqüilidade foi curto. As novas Forças Armadas de Angola
(FAA) foram constituídas poucos dias antes das eleições de setembro de 1992, e a
Unita não cumpriu o compromisso de desmobilizar seu exército.
37
COLLIER, PAUL,
Breaking the Conflict Trap
, World Bank Publications, 2003
57
As primeiras eleições democráticas do país, fiscalizadas pela ONU,
terminaram com 54% dos assentos tomados por deputados do MPLA, 34% da Unita e
12% de outros partidos. O presidente José Eduardo dos Santos, no cargo desde
1979, obteve 49,6% dos votos, contra 40,1% para Jonas Savimbi, da Unita.
Savimbi, respaldado pelo seu exército, não reconheceu o resultado eleitoral,
recusou-se a participar do segundo turno das eleições e voltou à guerra. Em
outubro de 1992, houve episódios de violência até mesmo nas ruas de Luanda,
onde morreu um número não contabilizado de pessoas, geralmente em confrontos
pessoais ou de pequenos grupos, uns ligados à Unita, outros ao MPLA.
No início de 1993, estimava-se que a Unita controlasse 50 dos 164
municípios do país e 75% do território, incluindo importantes estradas e
regiões produtoras de diamantes. A guerra continuou até 1994, matando
cerca de 300 mil pessoas, o que excedeu o número de vítimas da guerra civil
entre 1975 e 1991.
38
Outros autores confirmam que esse período de apenas dois anos de guerra,
de 1992 a 1994, foi o mais devastador do conflito angolano.Tony Hodges relata que
apenas o MPLA havia desmobilizado a maior parte de seu exército, enquanto a Unita
havia blefado para a ONU, mantendo quase todo seu poder de fogo. Como
conseqüência, Savimbi pôde, pela primeira vez
ocupar e manter em seu poder grandes cidades, tendo tomado cinco
das 18 capitais provinciais (Caxito, Huambo, Mbanza Congo, Ndalatando e
Uíge), ao mesmo tempo que submetia outras (Cuíto, Luena e Malange) a
cercos prolongados e bombardeamentos de artilharia. A ONU calcula que
tenham morrido cerca de 300 mil pessoas nessa fase do conflito, quer
directamente em resultado dos combates, do bombardeamento de zonas civis
38
PARIS, ROLAND,
At War’s End
, Cambridge University Press, 2004, p. 67-68
58
e da activação de minas, quer indirectamente, devido à severa carência
alimentar nas cidades sitiadas.
39
Jonas Savimbi financiou seu exército com a extração de diamantes nas minas
das províncias da Lunda Sul e da Lunda Norte. Entre 1992 e 2000, o líder da Unita
teria conseguido entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões com a venda de diamantes,
aproveitando o período de relativa paz que vigorou entre 1994 e 1998, graças ao
Protocolo de Lusaka, mais um acordo para tentar acabar com a guerra civil
angolana.
40
Mas o Protocolo de Lusaka falhou novamente na verificação do mais
importante, o desarmamento dos dois inimigos mortais. As forças do governo
afirmavam ter 200 mil soldados e a Unita 50 mil. Porém, observadores da ONU
estimaram, respectivamente, contingentes de 113.700 e 37.300 soldados.
41
A
Unavem III chegou a dispor de 7 mil homens para garantir a paz, mas novamente as
tropas da ONU falharam e deixaram o país no final de 1999.
Na área política, os deputados da Unita eleitos em 1992 continuavam a
exercer seus mandatos na Assembléia Nacional, em Luanda. Os ministros nomeados
pela Unita para compor o governo de unidade e reconciliação nacional também
assumiram seus postos, em abril de 1997, como determinava o Protocolo de
Lusaka. Mas Savimbi seguiu protelando decisões do acordo de paz, como o
aquartelamento de suas tropas e a extensão da administração do governo nas áreas
que controlava. E jamais concordou em assumir o seu cargo no governo, em
Luanda.
O presidente José Eduardo dos Santos decidiu então partir para o tudo ou
nada contra o adversário. Os americanos, os racistas sul-africanos, os russos e os
f
39
HODGES, TONY,
Angola – do A ro-Estalinismo ao Capitalismo Selvagem
, Principia, Lisboa, 2002
40
Ver mais detalhes com RICHANI, NAZIH,
Systems of Violence
, Suny Press, 2002, p. 167-168
41
Cf.
Ending Civil Wars
, Lynne Rienner Publisher, 2002, p. 149
59
cubanos não estavam mais envolvidos diretamente no conflito, após o fim da Guerra
Fria. A solução teria que acontecer apenas com a participação dos atores angolanos.
“A partir do ano 2000 o governo aproveitou a alta nos preços do petróleo para
ampliar suas despesas militares, quase ao mesmo tempo em que um relatório da
ONU (Fowler Report) expôs as rotas pelas quais a Unita conseguia financiamento e
suprimentos, e essas rotas foram fechadas.”
42
Até mesmo deputados da Unita, no final de 1998, romperam com Jonas
Savimbi, que sem o dinheiro dos diamantes e cada vez com menos apoio político foi
ficando isolado e somando derrotas nos campos de batalha. Aos poucos, Savimbi se
transformou, de um senhor da guerra, em um líder guerrilheiro, comandando
pequenos grupos que lançavam ataques rápidos e voltavam a se refugiar. Em
fevereiro de 2002, finalmente o exército angolano conseguiu cercar e abater Jonas
Savimbi. A conseqüência imediata foi o abandono da luta armada pelo que restava
das tropas da Unita. Em abril de 2002, em Luanda, foi assinado um acordo
estabelecendo um cessar-fogo geral e implementando as medidas do Protocolo de
Lusaka, de 1994, que nunca tinham sido cumpridas.
1.9 – ENFIM, A PAZ
O fim abrupto do conflito, após a morte do líder da Unita, demonstra mais
uma vez a importância do indivíduo na História. Jonas Savimbi explorou ao máximo
sua liderança carismática, mantendo firme a posição de não aceitar nada menos que
o poder total, recusando-se a ser mero coadjuvante num governo de reconciliação
nacional, e por isso manteve seu país em guerra por tanto tempo.
No caso concreto de Jonas Savimbi, um sentido messiânico de destino
levou-o a lutar pelo poder absoluto durante mais de três décadas, fossem
quais fossem os reveses ou os obstáculos. Exerceu na Unita um poder
42
COLLIER, PAUL,
Breaking the Conflict Trap
, World Bank Publications, 2003
60
absoluto a que não escaparam sequer os seus colaboradores mais próximos.
Isto resultou, em parte, do seu carisma pessoal e das suas reais qualidades de
chefia, mas também de um temível aparelho de segurança, de uma prática de
intolerância relativamente a qualquer divergência e de um culto da
personalidade comparável aos de Mao Tse-Tung ou Kim Il-Sung.
43
Enfim em paz, que dura desde fevereiro de 2002, Angola agora trilha um
caminho menos letal, porém não menos penoso e difícil: reconstruir um país rico
em recursos minerais e agriculturáveis, que convive com índices muito baixos de
desenvolvimento humano, saúde e educação. Nos últimos 30 anos, o país passou de
uma sociedade majoritariamente rural para outra, em que cerca da metade da
população está em cidades, sem serviços razoáveis de abastecimento de água ou
eletricidade, coleta de lixo ou de esgoto.
Enquanto em 1970 apenas 14,1% dos angolanos viviam em cidades, em 2005
estima-se que 49% residam em áreas urbanas. As projeções da população atual de
Angola são feitas com base nos quatro únicos censos realizados durante o período
colonial, em 1940, 50, 60 e 70, de acordo com os quadros abaixo, fornecidos pelo
FNUAP, Fundo das Nações Unidas para a População.
44
A população angolana segundo os censos realizados entre 1940 e
1970
(em milhões) H – homens M - mulheres
Anos HM H
1940 3,7 1,8
1950 4,1 2,0
43
HODGES, TONY, op. cit., p. 38
44
O FNUAP - Fundo das Nações Unidas para a População é a principal Agência Internacional de
cooperação em matéria de população, criado em 1969. As informações sobre Angola podem ser
acessadas pelo site
http://angola.unfpa.org/unfpa.htm
61
1960 4,8 2,5
1970 5,6 2,7
Fonte: Censos Demográficos de 1940, 1950, 1960 e 1970
A população angolana segundo estimativas das Nações Unidas entre 1980 e
2005
(em milhões)
Anos HM H
1980 7,0 3,5
1990 9,3 4,6
2000 12,4 6,1
2005 14,6 7,2
Fonte: World Population Prospects: The 2002 Revision
Angola é um país predominantemente de jovens, de acordo com o FNUAP.
Devido ao rápido crescimento da população a partir de 1970, por conta de uma
elevação da fecundidade, 54,7% da população é majoritariamente jovem, com idades
inferiores a 20 anos, contrapondo-se a uma população idosa com 60 anos ou mais
que representa apenas 5,5% da população total. A falta de infra-estrutura e de
serviços básicos faz com que o índice de mortalidade infantil e a expectativa de vida
dos angolanos estejam entre os piores do mundo.
Em consequência da ainda elevada mortalidade, particularmente a
infantil (118/1000), a esperança de vida ao nascer foi estimada em 45.8 anos
para ambos os sexos, sendo de 44,5 anos para o sexo masculino e 47.1 para
o sexo feminino, referente ao período 2000/2005 (World Population Prospect,
The 2000 Revision). Entretanto, estimativas mais recentes das Nações Unidas
62
que consideram já os efeitos da pandemia do SIDA (Aids), situam a esperança
de vida dos angolanos em 40,1 anos para ambos os sexos, sendo 38,8 para
homens e 41,5 para mulheres (World Population Prospect, The 2002 Revision).
Quanto ao IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, em 2005 Angola
pontuou com índice 0,445, ocupando a posição 160 entre 177 países pesquisados.
Na África sub-saariana o melhor índice é das ilhas Seychelles (51) e o pior é do
Níger (177). O IDH é calculado com base numa combinação de referências, que
incluem expectativa de vida, nível de escolaridade e renda.
Desde 1997, o Relatório de Desenvolvimento Humano também passou a
calcular o IPH – Índice de Pobreza Humana. Angola, com 41,5%, está na posição 83
entre 103 países pesquisados. Na África subsaariana o melhor resultado é das ilhas
Maurício, na 24ª posição e o pior novamente é do Níger, na última posição.
Com relação ao nível de pobreza, o FNUAP utiliza parâmetros internacionais,
que consideram o limiar da pobreza em US$ 2/dia e em US$ 1/dia para a pobreza
extrema. Em Angola, a fronteira para a pobreza extrema está situada em US$
22,8/mês (0,76/dia) e em US$ 51,2 (1,70/dia) para a pobreza.
De acordo com os dados do inquérito das receitas e despesas das famílias,
realizado pelo INE, (IDR e MICS) em 1996 e 2001, a pobreza abrangia em 2000 cerca
de 68% da população havendo 26% em situação de pobreza extrema. A pobreza
agravou-se de 36% em 1990 para 68% no ano 2001. A pobreza extrema agravou-se
de 13% em 1996 para 26% no ano 2001.
Segundo o FMI, que desenvolve um programa de acompanhamento
econômico em Angola, o PIB per capita passou de 679 dólares em 2001 para 828
dólares anuais em 2004. (Regional Economic Outlook, Sub-Saharan África, outubro
de 2005).
63
1.9.1 – A reconstrução do país e da cidadania
A guerra provocou o deslocamento de mais de 4 milhões de pessoas, desde
1992, ou seja, quase um terço da população do país - estimada em 2001 pelo
Instituto Nacional de Estatística em 13,8 milhões de habitantes - teve que
abandonar suas casas e locais de origem. Um grande trabalho de recondução dessas
populações está ainda a ser realizado (HODGES, 2002, p. 43). Os ex-combatentes
da Unita também recebem treinamento profissionalizante para retomar a vida civil.
No entanto, devido aos deslocamentos causados pelo prolongado conflito, há
disputas de terra, pois muitas vezes quando voltam para sua região, o ex-
combatente e sua família encontram outras pessoas ocupando a terra.
Por outro lado, a implantação de milhões de minas terrestres em diversas
regiões do país, durante o conflito, é sério obstáculo a uma rápida retomada da
atividade agrícola e ao assentamento de deslocados e ex-combatentes. O INAD –
Instituto Nacional de Desminagem - que recebe apoio de organizações estrangeiras,
estimava haver em 2005 entre quatro e cinco milhões de minas a serem retiradas,
trabalho que poderá durar até por volta de 2010.
Outra herança do conflito é o elevado índice de informalidade na economia,
entre 80% e 90% (NORDSTROM, 2004).
Hoje, em Angola, um frango ou um pacote de tomates são
frequentemente mais raros e mais preciosos do que um fuzil automático. Não
é raro acontecer que na beira de uma estrada um caminhão desembarcando
batatas e tomates se transforme numa feira improvisada. Os caminhoneiros
também podem vender armas e outras mercadorias, mas os vegetais são as
commodities mais valiosas.
45
45
NORDSTROM, CAROLYN, Shadows of War, University of Califórnia Press, 2004, p. 98
64
Brian Ferguson diz que durante a guerra havia uma economia de duas
faces: uma de supermercados e produtos importados, acessíveis às elites e
burocratas, e outro representado pelo mercado negro e informal. Angola estava de
fato dividida entre aqueles que tinham documento de identidade (cerca de 50 mil
pessoas) e os que não tinham (cerca de 8 milhões). Em Luanda, o templo do
comércio informal e ilegal era e continua sendo o Roque Santeiro, mercado criado
em 1986, cujo nome foi inspirado em uma novela brasileira de sucesso, transmitida
pela TPA. Dezenas de milhares de pessoas frequentam o lugar diariamente,
considerado o segundo maior mercado aberto do mundo. Durante a guerra, o
kwanza, a moeda nacional, não valia nada. Os valores monetários eram calculados
em cerveja, cigarros ou uísque importado.
46
1.9.2 – O relançamento da economia
A paz libera recursos, que antes eram destinados à guerra, para serem
aplicados em novas oportunidades abertas pela economia. Caso esses recursos
sejam investidos em projetos eficientes, o relançamento da agricultura angolana
pode acontecer a curto, médio e longo prazos.
O país já foi o quarto maior produtor mundial de café, nos anos 1950 e 60. O
plantio de cana também dava bons resultados. Mats Lundahl (2001) ressalta que a
recuperação da produção agrícola a curto prazo é importante como forma de
produzir alimentos e criar empregos, mas é preciso também ampliar os
investimentos, a médio e longo prazos, para produzir excedentes de exportação.
47
O parque industrial estava sucateado em 2002, ao final da guerra, e necessita de
grandes investimentos para reduzir a dependência das exportações. Quase tudo que
r
46
Cf. com FERGUSON, BRIAN
, The State , Identity and Violence
, Routledge (UK), 2003
47
LUNDAHL, MATS,
From C isis to Growth in Africa?
, Routledge (UK) - 2001
65
se encontra nos supermercados é importado da Europa, da Ásia, dos Estados
Unidos, de Israel, da Holanda e do Mercosul.
A economia de Angola é regida pelas regras globalizadas de mercado,
embora não tenha ainda em operação uma Bolsa de Valores. Consultores da Bolsa
de Valores de São Paulo estão colaborando com as autoridades do Banco Nacional
de Angola (equivalente ao nosso Banco Central) para a implantação de um mercado
de capitais. A Assembléia Nacional e o governo têm apresentado e aprovado leis
para dar maior segurança aos investidores externos, pois o país necessita de
capitais para relançar sua economia e combater a pobreza e a informalidade.
Na área de saúde, Angola é um dos países mais afetados pela Aids. Pesquisas
realizadas sob supervisão da ONU indicavam em 2003 que 9% das mulheres
grávidas atendidas em hospitais públicos estavam contaminadas. De cada três
angolanos, um convive com um portador do vírus HIV. No maior hospital de Luanda,
o Josina Maciel, a Aids era a terceira causa de morte, depois da malária e da
tuberculose. No plano social, embora a guerra civil não tivesse motivação étnica, os
longos anos de conflito criaram um ambiente de rivalidade, ódio e desconfiança,
que ainda fazem de Angola um país sui-generis: a maioria dos prédios de
apartamentos não tem administração condominial, pois os moradores geralmente
discordam da necessidade de pagar uma taxa que cubra despesas comuns de
portaria, iluminação e coleta de lixo. Cada morador tem seu próprio gerador para
suprir os cortes de fornecimento de eletricidade. Os elevadores raramente
funcionam.
Em Angola, fotografar ou gravar imagens na rua pode ser um perigo. Como
um claro reflexo dos tempos de guerra, as pessoas não gostam de ser fotografadas
e a polícia freqüentemente prende qualquer um que esteja com uma câmera à vista.
Esse clima de desconfiança também faz com que o governo mantenha controle
severo sobre os meios de comunicação, especialmente o rádio e a TV, o que
66
geralmente compromete a qualidade da informação que chega a boa parte da
população, tanto na capital quanto no interior do país.
67
CAPÍTULO 2
DA SOMBRA DAS ÁRVORES ÀS PARABÓLICAS
HISTÓRIAS DA COMUNICAÇÃO EM ANGOLA
“Angola te e sempre o rosto voltado para o v
Oceano Atlântico – do lado de lá do mar vê o Brasil.
O Brasil, ao contrário, tem os olhos postos na sua própria imensidão.”
José Eduardo Agualusa, escritor angolano
No princípio, era o verbo. Durante séculos, na África, o verbo foi o senhor da
comunicação e da História. A sabedoria, a religiosidade, os relatos mitológicos,
épicos, lendas e os acontecimentos de cada etnia, em cada aldeia, foram
transmitidos oralmente, ao longo do tempo, de geração para geração, geralmente
em confabulações realizadas sob as árvores, que tinham e em muitos lugares ainda
têm um significado sagrado ou fantástico para os africanos. A transmissão do saber
e os exercícios de récita eram feitos geralmente em escolas de iniciação ao ar livre,
de acordo com características próprias de cada região ou grupo étnico, tendo como
ponto comum a crença na palavra que mitologicamente emana do criador do
universo.
Com exceção da Etiópia (ex-Abissínia), a região de influência islâmica do
Sudão e cidades do oceano Índico, em todo o restante da África os povos eram
ágrafos, não conheciam ou não haviam desenvolvido a escrita, até a chegada dos
europeus. Disso resulta que povos como os que formaram a nação angolana têm
um componente oral que permeia todas as relações sociais e culturais, ainda nos
dias de hoje.
A professora Leila Leite Hernandez, no livro
A África na Sala de Aula
, cita o
movimento de estudiosos para repensar as origens e as culturas do continente
africano, a partir do século XX, e destaca a necessidade de os historiadores se
68
iniciarem nos modos de pensar das sociedades orais, para então conseguir
interpretar suas tradições. É pelo conteúdo das narrativas que pode-se identificar as
origens de organizações sociais e políticas e os movimentos migratórios,
notadamente entre os séculos XVIII e XIX. Na falta de documentos, deve-se recorrer
aos relatos, à memória coletiva de cada povo ou etnia.
A tradição oral é encontrada sobretudo nos meios rurais, mas também
nos urbanos, no âmbito da vida social. (...) Tem como seu principal grupo de
expressão os “guardiões da palavra falada”, responsáveis por transmiti-la de
geração em geração.
Vale registrar que os que detêm o conhecimento da palavra falada por
revelação divina são denominados “tradicionalistas” e transmitem-no com
fidelidade, uma vez que a palavra tem um caráter sagrado derivado de sua
origem divina e das forças nela depositadas. Significa dizer que a fala tem
uma relação direta com a harmonia do homem consigo mesmo e com o
mundo que o cerca. Assim, a mentira é execrada, pois “aquele que corrompe a
palavra corrompe a si próprio”.
48
Ainda hoje, em vastas áreas do Cunene e do Namibe, duas províncias ao sul
de Angola, alguns povos, como os muacahonas, proíbem seus filhos de freqüentar a
escola e aprender a língua oficial portuguesa, com receio de que isso afaste as
crianças das tradições milenares dessas tribos pastoreiras.
Esses angolanos vivem como sempre viveram seus antepassados, tangendo o
gado para onde houver água e pasto, acampando em locais improvisados, bebendo
o leite e comendo a carne dos rebanhos. Para eles o gado é tão importante que
vacas e bois têm prioridade para beber, quando a água é escassa, especialmente no
cacimbo, o período de seca e inverno.
f
48
HERNANDES, LEILA LEITE,
A Á rica na Sala de Aula
, São Paulo, Selo Negro Edições, 2005, p. 28
69
Como o índice de analfabetismo em Angola é ainda elevado, com pelo menos
33% dos adultos maiores de 15 anos analfabetos
49
- e essa estatística não leva em
conta o analfabetismo funcional, que no Brasil chega a 60% - a comunicação oral,
via rádio e televisão, é extremamente importante como fator de integração nacional.
A TPA – Televisão Pública de Angola – que transmite em português quase toda a
programação, mantém serviços informativos em oito das principais línguas nativas
ainda faladas na capital e principalmente no interior: fiote, cokwe, umbundo,
kimbundo, kicongo, ngangela, kwanyama e nyaneca.
Reportagens divulgadas pelos telejornais
Notícias da Tarde, Ecos & Factos e
Telejornal
, são traduzidas por uma equipe de cerca de 30 pessoas. O programa
Línguas Nacionais
é transmitido diariamente das 14h30 às 15h30. De segunda a
sábado, uma língua por dia e aos domingos, num único programa, as duas línguas
menos faladas.
Maria Kafute, jornalista que traduz a língua kwanyama, falada no Cunene,
tem tanta experiência no trabalho que vai para a cabine de áudio com os textos em
português e faz a tradução simultânea. É desta forma que a TPA procura atingir a
os angolanos que não dominam o português, e ainda preferem se comunicar na
própria língua. A mesma política de inserção pelas línguas nativas é aplicada na RNA
– Rádio Nacional de Angola.
As línguas nacionais são um patrimônio cultural que os angolanos podem e
devem preservar. O Ministério da Educação desenvolveu em 2004 um plano para
incluir no currículo das escolas públicas o ensino de algumas línguas nativas,
previsto para ser aplicado a partir de 2006, em unidades experimentais.
No Brasil, seria o mesmo que ensinar tupi-guarani nas escolas públicas. Aqui,
o processo de extinção das línguas indígenas foi inexorável. O lingüista Aryon
Rodrigues, da Universidade de Brasília, estima que eram faladas no território
49
Relatório do Banco Mundial,
Angola at a Glance
, 2004
70
brasileiro cerca de 1200 línguas, quando os portugueses chegaram, em 1500.
Dessas, apenas cerca de 15%, ou 180 línguas, ainda estão vivas, praticadas por
pequenos grupos étnicos, fadadas ao desaparecimento a curto e médio prazo. A
extinção de cerca de mil línguas em cinco séculos de História (o que resulta em 2
línguas mortas a cada ano, em média), aconteceu durante o período colonial, o
Império, a República e até recentemente, com a colonização do noroeste do Mato
Grosso e de Rondônia.
Quase todas as línguas indígenas que se falavam nas regiões Nordeste,
Sudeste e Sul do Brasil desapareceram, assim como desapareceram quase
todas as que se falavam na calha do rio Amazonas. Essa enorme perda
quantitativa implica, naturalmente, uma grande perda qualitativa. Línguas
com propriedades insuspeitas desapareceram sem deixar vestígios. E
provavelmente algumas famílias lingúisticas inteiras deixaram de existir.
50
Nisso, Angola está um passo à frente do Brasil: ainda consegue preservar
suas línguas seculares. Mas o escritor angolano José Eduardo Agualusa alerta: “O
desastre que se verificou no Brasil está agora em curso no continente africano.
Existem atualmente seis mil línguas em todo o mundo. Destas, três mil vão
desaparecer durante este século. Em média, a cada quinze dias desaparece uma
língua – e a África é o continente mais ameaçado”.
Na época colonial só uma pequena percentagem de angolanos falava
português como língua materna. Até o século XIX a população letrada de
Luanda era bilíngüe, alternando o português com o kimbundo; nessa época
foram publicados pelo menos dois jornais redigidos em kimbundo, além de
dicionários e gramáticas. Hoje, o português é a segunda língua materna de
r
50
RODRIGUES, ARYON,
A O iginalidade das Línguas Indígenas Brasileiras
, in Com Ciência – Revista
Eletrônica de Jornalismo Científico
71
Angola, com cerca de 40% de falantes, logo depois do umbundo e antes do
kicongo e do kimbundo. Os falantes do nosso idioma têm vindo a crescer de
uma forma espantosa, de Cabinda ao Cunene, neste último quarto de século,
ou seja, desde a independência, sendo relativamente raro encontrar quem não
se consiga comunicar no nosso idioma. Desgraçadamente tal avanço foi feito
à custa das línguas nacionais, sobretudo do kimbundo, idioma que, se nada
for feito para o impedir, poderá desaparecer dentro de duas gerações.
Parece-me fundamental, para inverter o atual processo, que se comece
a alfabetizar as populações rurais nas suas línguas maternas. (...) Seria
importante fomentar também uma imprensa em línguas nativas. Esta é uma
outra forma de lutar pela unidade nacional – ao impedir que a língua
portuguesa seja percebida como um idioma de dominação e de extermínio;
mas é, sobretudo, uma forma de lutar pela inteligência e pelo patrimônio
cultural da humanidade.
51
Ou seja, levando em conta as heranças étnicas e culturais de cada nação,
pode-se afirmar que a atual situação dos meios de comunicação de massa de
Angola tem, como já vimos, relação direta com a secular tradição de oralidade, o
inconsciente coletivo de um povo submetido a prolongado período de colonialismo
escravagista, a experiência do afro-stalinismo, a fraticida guerra civil e a
globalização tardia, como veremos a seguir neste relato histórico, e também nos
próximos capítulos.
Os primeiros veículos de comunicação em Angola surgiram apenas no século
XIX, quando Portugal resolveu dedicar maior atenção às colônias africanas,
especialmente após a independência do Brasil, em 1822, e a proibição do tráfico de
escravos, a partir da década de 1840. Vale lembrar que, no Brasil, os portugueses
51
AGUALUSA, JOSÉ EDUARDO,
A Minha Pátria é Uma Viagem
, in Fórum Brasil-África, Política,
Cooperação e Comércio, Brasília, edição do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), 2004,
p. 261-262
72
proibiram a publicação de jornais até 1808, quando a família real teve que se
refugiar no Rio de Janeiro.
Tradicionalmente, o estudo da informação em Angola é dividido em três
épocas distintas:
- Colônia: começa com o lançamento do primeiro órgão de imprensa, o
Boletim Oficial de Angola, em 1845. Esse período se estende até 24 de abril
de 1974;
- Época de transição: de 25 de abril de 1974 a 10 de novembro de 1975;
- Pós-Independência: de 11 de novembro de 1975 até os dias atuais.
O jornalista Muanamosi Matumona, formado em comunicação social pela
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, escreveu
um livro sobre os meios de comunicação de Angola, e faz uma divisão própria dessa
história:
- Antes da independência;
- Após a independência, no período marcado pelo monopartidarismo do
MPLA-PT, de 1975 a 1991;
- Multipartidarismo: essa fase começou em 1991, com os Acordos de Bicesse,
na esteira da queda do muro de Berlim e do fim da Guerra Fria. Esses novos
tempos levaram a uma reforma institucional de Angola, permitindo a
oficialização de diversos partidos, inclusive FNLA e Unita, que em 1992
73
concorreram com o MPLA, nas primeiras eleições livres e diretas do país. No
plano econômico também ocorreram mudanças significativas, com o fim da
experiência socialista e o início do livre mercado.
Considero mais adequada essa segunda proposta de separação de fases
históricas, porque o período mais recente tem maior interesse para este trabalho, e
de fato a transformação do regime marxista-leninista de partido único e economia
centralizada para o multipartidarismo e economia de mercado, é o elemento divisor
que ao mesmo tempo explica e levanta questões sobre a História contemporânea de
Angola.
Assim, apresentarei os principais acontecimentos do período anterior à
independência, quando houver, durante o sistema de partido único e por fim do
período de 1991 aos tempos atuais, para cada segmento dos meios de
comunicação, ou seja, publicações, rádio, agência noticiosa, internet e televisão.
Acredito que desta forma ficará mais fácil ao leitor entender o desenvolvimento
histórico e cultural de jornais e revistas, das rádios, das agências noticiosas, dos
sites informativos e da TV.
2.1 – PUBLICAÇÕES: JORNAIS E REVISTAS
Durante mais de 300 anos, desde o primeiro contato com os kicongos, os
portugueses estiveram mais interessados na exploração dos recursos da terra e na
comercialização de escravos do que na colonização e no desenvolvimento do
território, que depois veio a se constituir em Angola.
No que diz respeito aos primeiros registros escritos por angolanos, as poucas
referências indicam para relatórios redigidos ainda no século XVIII pelo capitão
António Dias de Macedo, filho de portugueses nascido em Angola. Também há um
livro de poemas,
Espontaneidades da Minha Alma – às Senhoras Angolanas
, de
74
autoria de José da Silva Maia Ferreira, na primeira metade do século XIX. Ferreira
integrava uma elite angolana inaugural, que atuava no comércio e no funcionalismo
público e passou a usar os primeiros jornais para exprimir suas aptidões literárias.
Assim é que o Boletim Oficial, lançado em 1845 pelo governador Pedro
Alexandrino da Cunha, servia não apenas para divulgar notícias de Portugal e das
províncias dalém-mar, como para a manifestação literária de portugueses e
angolanos. O Boletim Oficial de Angola divulgava documentos oficiais, cartas
pastorais do Bispado de Angola e Congo, crônicas de viagens através das colônias,
trechos literários em prosa e verso, anúncios comerciais e avisos de leilões.
52
A invenção do linotipo, pelo alemão Ottmar Mergenthaler, acelerou o
processo de industrialização de produções gráficas no final do séxulo XIX, na
medida em que tornou mais fácil e barato imprimir livros, revistas e jornais. “A
partir de 1860, a imprensa periódica tornou-se o veículo principal do
descontentamento, a todos os níveis econômicos e sociais da colônia, na luta para
influenciar e pressionar o governo de Lisboa”.
53
Em Angola, a chegada via Portugal de novas tecnologias para impressão levou
ao surgimento dos primeiros jornais montados e impressos com recursos próprios:
independentemente do nível tecnológico empregado, para os novos veículos de
comunicação dispor de tipografias ou gráficas próprias era um primeiro sintoma de
liberdade de expressão.
Em 1855, aparece o primeiro periódico significativo, intitulado
A
Aurora
, de feição essencialmente literária e recreativa. Em 1866 é fundado por
Urbano de Castro e Alfredo Mântua, já com tipografia própria, um importante
semanário dedicado aos assuntos de interesses administrativos, econômicos,
r t
52
Cf. MATUMONA, MUANAMOSI,
Jornalismo Angolano – Histó ia, Desafios e Expecta ivas
, Uíje, edição
do Secretariado Diocesano de Pastoral do Uíje (Sedipu), 2002, p. 12-13
53
ALEXANDRE, VALENTIM et al, coordenação,
Nova História da Expansão Portuguesa – Volume X – O
Império Africano (1825-1890)
, Editorial Estampa, Lisboa, p. 529
75
mercantis, agrícolas e industriais da África Portuguesa, particularmente de
Angola e São Tomé. Em 6 de dezembro de 1866, aparecia ao público o
primeiro número de
A Civilização de África Portuguesa
, que quase marcou,
deste modo em Angola, um novo período do jornalismo. Foi daqui que os
colonos começaram a designar imprensa livre os periódicos saídos de
tipografias particulares, distinguindo-a, assim, da Imprensa do Governo.
54
A linha editorial de
A Civilização de África Por uguesa
incomodou a
administração colonial, pela postura em defesa de interesses econômicos e
administrativos da colônia, da total abolição da escravatura e por críticas a figuras
do governo. Um ano depois do lançamento, em dezembro de 1867, o governador
geral António Gonçalves Cardoso mandou o chefe de polícia de Luanda fechar o
jornal, por ter considerado “subversivos” alguns artigos atacando a atuação do
governo. A publicação sobreviveu até 1869. Urbano de Castro e Alfredo Mântua
escreveram o periódico na cadeia, onde ficaram por dois meses. Em 1873,
O
Mercantil
também foi suspenso, por ordens do sucessor de Cardoso.
t
55
No sul do país, o
Jornal de Moçâmedes
(atual Namibe), foi o órgão mais
importante. O jornalismo em Angola era uma atividade mantida por redatores
amadores, tanto portugueses quanto angolanos e até brasileiros, como o
engenheiro Francisco Pereira Dutra, aliados a empreendedores ou comerciantes, a
maioria com idéias reformistas. Até a virada do século XX, pelo menos 46 títulos
foram criados e tiveram vida efêmera, entre eles
O Comércio de Luanda
(1867),
O
Mercantil
, (1870) e
O Cruzeiro do Sul
(1873). O primeiro jornal inteiramente dirigido
e escrito por angolanos foi
Echo de Angola
, lançado em novembro de 1881 em
Luanda, por Arantes Braga.
st
54
MATUMONA, MUANAMOSI,
Jornalismo Angolano – Hi ória, Desafios e Expectativas
, Uíje, edição do
Secretariado Diocesano de Pastoral do Uíje (Sedipu), 2002, p. 13
55
ALEXANDRE, VALENTIM et al, coordenação,
Nova História da Expansão Portuguesa – Volume X – O
Império Africano (1825-1890)
, Editorial Estampa, Lisboa, p. 531
76
O governo colonial, no entanto, mantinha estreita vigilância sobre os
primeiros jornalistas angolanos. As publicações eram censuradas e circulavam com
a tarja “visado pela censura”. Tudo era controlado por Portugal, em especial o fluxo
de informações em direção às colônias, mesmo durante o período entre 1870 e
1926, quando o país europeu teve um governo liberal. Qualquer informação ou
opinião que pudesse ameaçar a integridade dos territórios coloniais era
estritamente proibida.
Na última década do século XIX, uma geração de filhos do país, negros e
mestiços, nascidos nas décadas de 1860/1870, passou a dedicar grande parte de
seu tempo ao jornalismo, iniciando um movimento de profissionalização.
O
Angolense
, lançado em 1907, auto-proclamado “órgão defensor dos filhos de
Angola”, foi o jornal mais representativo dessa elite.
56
A criação do Liceu Salvador Correia em Luanda, em 1919, abriu novos
horizontes para os portugueses e para a elite angolana que tinha acesso à educação
formal. Pouco depois, em 1923, Adolfo Pina fundou o semanário
A Província de
Angola
, que após três anos passou a ser diário. Foi um marco do início da
profissionalização no jornalismo angolano, com redatores que se dedicavam
exclusivamente ao jornal, não mais como uma ocupação de caráter literário. Até a
década de 1930 surgiram outros veículos de informação, entre eles
O Sport de
Luanda
(1924),
A Actualidade
(1926),
Correio de Angola
(1929),
Angola Desportiva
(1930)
Jornal de Notícias
(1932),
O Comércio
(1933) e
Os Desportos
(1934).
57
Num país predominantemente católico, a Arquidiocese de Luanda também
lançou o seu jornal,
O Apostolado
, em 1935. Circulava a cada duas semanas, com
t
st
56
MARQUES, A. H. DE OLIVEIRA, coordenação,
Nova His ória da Expansão Portuguesa – Volume XI – O
Império Africano (1890-1930)
, Editorial Estampa, Lisboa, p. 423-425
57
MATUMONA, MUANAMOSI,
Jornalismo Angolano – Hi ória, Desafios e Expectativas
, Uíje, edição do
Secretariado Diocesano de Pastoral do Uíje (Sedipu), 2002, p. 15
77
artigos e reportagens que visavam a promoção cultural dos angolanos, sob a ótica
da Igreja Católica, evidentemente.
A edição e publicação de jornais, nesse ínterim, chegou às principais
províncias de Angola. Em 1958, com a criação da Empresa Gráfica do Uíje, passou-
se a publicar o semanário
Jornal do Congo
, montado na capital da província,
Carmona, que após a independência passou a ser conhecida com o mesmo nome da
província, Uíje. A publicação era distribuída também em Luanda, onde viviam muitos
angolanos nascidos no Uíje e que tinham interesse em acompanhar os
acontecimentos econômicos, políticos e sociais de sua província. Outros jornais
regionais também circulavam nesse início dos anos 1960, como
O Sul de Angola
,
editado no Namibe,
Jornal da Huíla
,
O Democrático
, de Malanje,
Jornal de Benguela
,
O Lobito
e
A Voz do Planalto
, da província do Huambo, cuja capital, na época,
chamava-se Nova Lisboa.
Outro movimento importante, que influenciou os destinos do jornalismo e da
política de Angola, foi a fundação, em Lisboa, da Casa dos Estudantes de Angola,
logo após o final da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, os estudantes angolanos
criaram na capital portuguesa um boletim literário, denominado
Mensagem
. Em
Coimbra, os estudantes passaram a publicar o
Meridiano
. O boletim
Mensagem
, em
1951, se transformou em revista, editada pela Associação dos Naturais de Angola.
Sob a fachada literária, esses grupos de estudantes também escreviam artigos com
forte conteúdo ideológico, pregando o fim do colonialismo português, sem
esconder a simpatia pela proposta socialista. As autoridades portuguesas não
gostaram da agitação estudantil angolana e os boletins e a revista tiveram vida
efêmera.
A maioria dos jovens universitários viria a se reunir novamente, pouco
depois, sob inspiração do MPLA – o primeiro movimento político organizado, criado
em 1956 para combater o colonialismo português em Angola. Com a forte
78
repressão e a censura ainda mais rígida aos meios de comunicação, restavam aos
estudantes revolucionários a poesia e o jornalismo panfletário, clandestino.
58
O recrudescimento da revolução levou o governo colonial a endurecer ainda
mais a repressão contra qualquer tentativa de divulgar opiniões ou mesmo
informações, através de jornais e revistas. Por volta de 1966, em vez de jornais, os
poetas angolanos produziam poemas e contos, inspirados na guerra, entre eles
Costa Andrade, Arlindo Barveiro e Pepetela. Boa parte dessa obra foi produzida nos
esconderijos dos rebeldes, com a caneta numa mão e o fuzil na outra.
59
Após a independência, em 1975, a repressão à liberdade de informação
apenas mudou de mãos: dos colonos portugueses para os novos donos do poder. O
controle era exercido pelo DIP – Departamento de Informação e Propaganda. “No
seu trabalho – salienta Muanamosi Matumona (2002, p. 23) - os jornalistas
deveriam esperar por um comunicado oficial, antes de publicar uma informação
acerca das acções político-militares”.
No
Jornal de Angola
, único diário em todo o país, pouca informação havia: a
publicação tinha como principal função divulgar as declarações e discursos oficiais
dos integrantes do MPLA. Em 1976, os poucos jornais que ainda tentavam
sobreviver com tiragens irregulares foram fechados, entre eles
Diário de Luanda
,
Vitória é Certa
e
Angolense
. Em 1978, finalmente, a repressão total abateu-se sobre
as publicações independentes: até as gráficas e tipografias foram confiscadas e
nacionalizadas. O
Jornal de Angola
restou soberano, mas enfrentava dificuldades
para sair às ruas, como escassez de papel e a crônica falta de eletricidade. A
circulação diária, que chegou a 70 mil exemplares em 1975, caiu para apenas 4.000
em 1995, devido ao colapso da infraestrutura do país.
60
r
58
LOPO, JÚLIO DE CASTRO,
Para uma Histó ia do Jornalismo de Angola
, Editora Museu de Angola,
Luanda, 1952, p. 11-12
59
Ibidem, p. 29
60
HYDEN, GORAN et al.,
Media and Democracy in Africa,
Transaction Publishers, New Jersey, 2003, p.
91
79
A partir do início dos anos 1980, o governo decidiu autorizar o
funcionamento de jornais especializados em esportes. Entre os mais significativos
está o semanário
JDM - Jornal Desportivo Militar,
criado em fevereiro de 1982. As
páginas esportivas que o
Jo nal de Angola
publicava às terças-feiras já não eram
suficientes para atender o interesse dos leitores de Luanda.
r
A princípio o JDM cobria apenas as atividades esportivas dos militares e pára-
militares, mas em pouco tempo passou a cobrir todas as modalidades,
principalmente basquete e futebol. Por ser um órgão ligado aos militares, não teve
dificuldade em conseguir a autorização do poderoso DIP. Na opinião de Matumona,
que foi repórter e redator do JDM, o jornal especializado tinha como principal
função “completar a informação apressada do jornal diário, onde a notícia era um
produto perecível imediatamente após ser veiculado”.
Mas o
Jornal Desportivo Militar
também enfrentava dificuldades para chegar
aos leitores: ora faltava papel, ora tinta, ora eletricidade, ou a tipografia, já velha e
desgastada, sofria alguma avaria. Essa penúria acabou por levar o semanário à
falência, em 1989.
Pouco antes, em 1987, a tentativa de lançar uma revista desportiva,
O Golo
,
(O Gol) ligada ao Centro de Documentação da Informação do Secretariado de Estado
da Educação Física e Desporto, também fracassou: foram publicadas apenas duas
edições. Para ocupar esse vazio, o
Jornal de Angola
lançou um suplemento
esportivo, em 1993.
Os acordos de Bicesse, assinados em 1991, começaram a mudar o cenário de
repressão à liberdade de expressão, permitindo o surgimento de novos veículos de
comunicação. A interrupção da guerra entre a Unita e o MPLA e a perspectiva de
eleições gerais em 1992 criaram um clima de esperança. Até a forma de tratar a
notícia mudou, como registrou em um artigo o chefe de Redação do
Jornal de
Angola
, Osvaldo Gonçalves:
80
Os velhos gêneros jornalísticos praticados até então de forma insípida
e repetitiva ganham novos sabores – a notícia é mais curta e incisiva, deixam
de lado os narizes de cera com apelos ideológicos – a reportagem ganha
como personagem o cidadão, o trabalhador da fábrica. Antes só os directores
falavam, a entrevista, que era até então uma simples reprodução das palavras
do entrevistado, passa a ser mais controversa. Aparece a entrevista-debate, o
artigo deixa de ser uma mera repetição de palavras de ordem e ganha
números, a crônica sobe do discurso romântico para o crítico.
61
Com a democratização, o governo permitiu a abertura de novos jornais, como
o
Correio da Semana
e o
Jornal dos Desportos
, que eram produzidos e impressos
nas mesmas instalações do
Jornal de Angol
a que todavia seguia sendo único diário
do país. O DIP foi substituído em 1992 pelo Conselho Nacional de Comunicação
Social, integrado por funcionários do Ministério da Comunicação Social e pelos
diretores e editores das publicações ligadas ao Estado. Em janeiro de 1996, o
Conselho dos Media foi ampliado, permitindo a participação de representantes de
todos os partidos com assento na Assembléia Nacional. No entanto, o Conselho foi
aos poucos deixando de funcionar, na prática.
62
A Nova Lei de Imprensa, de 1991, permitiu que a Unita passasse a editar em
Portugal o semanário
Terra Angolana
, preparando-se para o processo de
transformação de movimento revolucionário em partido político, tendo em vista as
eleições gerais programadas para 1992.
A imprensa privada ressurgiu, com o lançamento de vários títulos, dentre eles
Comércio de Actualidade
,
Imparcial Fax
,
Folha 8
e
Agora
, todos editados e
impressos em Luanda, numa mesma gráfica. Esse momento de relativa paz foi
interrompido pelo retorno da guerra em 1992, logo depois de Jonas Savimbi,
derrotado nas urnas pelo então presidente José Eduardo dos Santos, não reconhecer
61
GONÇALVES, OSVALDO,
O caso de Angola
, texto avulso, Luanda, 2000
62
HODGES, TONY,
Angola, Anatomy of an Oil State
, Indiana Universitu Press, Indiana-USA, 2001, p. 95
81
a vitória do adversário. Durante cerca de dez anos, o conflito se manteve aceso, com
alguns períodos de trégua. A guerra provocou mortos e feridos também entre os
jornalistas.
63
Após a morte de Savimbi e o início de um período duradouro de paz, em
2002, a imprensa passou a viver, como de resto todo o país, um clima de
normalidade e reconstrução nacional. Em 2005, o
Jo nal de Angola
ainda era o único
diário, com circulação estimada em 41 mil exemplares em formato tablóide
ampliado. O jornal também pode ser acessado via Internet, no endereço
r
www.jornaldeangola.com, com links para as editorias de Política, Economia, Geral,
Polícia, Desporto e Cultura, além de Opinião, Colunas, Especial, Entrevista e Roteiro
Cultural. Na capa oferece ainda serviços como câmbio da moeda nacional, o
Kwanza, com dólar e euro, previsão do tempo e últimas notícias.
Também são editados em Luanda oito jornais, todos semanais, em formato
tablóide. A impressão das capas é em quatro cores, e a distribuição começa às
sextas-feiras, por vendedores ambulantes nas ruas. Não há bancas de revistas em
Luanda, ou pelo menos não havia até o início de 2005. Freqüentemente, esses
tablóides são acusados pelo governo de sensacionalismo, em reportagens de
denúncias contra figuras públicas do MPLA e dos outros partidos com representação
na Assembléia Nacional. Nas principais capitais provinciais também funcionam
jornais de circulação regional. A circulação, todavia, é bastante restrita, seja pelo
alto índice de analfabetismo, pela baixa renda e a precariedade da infraestrutura
nacional. Estimava-se em 1996 que todos os jornais independentes somados não
chegavam a uma tiragem de 22.000 exemplares (MOGALAKWE AND LIMA, 1996,
apud HODGES, 2001, p. 97). Somando-se a tiragem semanal do
Jo nal de Angola
(cerca de 290 mil) com os outros semanários distribuídos em Luanda (cerca de 25
mil), chega-se a aproximadamente 315 mil exemplares, o que representa um
r
63
Veja detalhes da Nova Lei de Imprensa no segmento sobre a TPA e informações sobre violações ao
direito de liberdade de expressão e de imprensa no final deste capítulo
82
exemplar para cada 12,7 habitantes da capital de Angola, levando-se em conta que
a população de Luanda seja de 4 milhões de pessoas.
2.2. - O RÁDIO
A primeira emissão radiofônica, realizada a partir de Benguela, por iniciativa
de Álvaro Carvalho, foi no dia 28 de fevereiro de 1936. A CR 6-AA operava em
ondas curtas, com potência máxima de 50 watts. Depois, com a mudança de Álvaro
de Carvalho para Lobito, a emissora passou a se chamar Rádio Difusão do Lobito,
com o mesmo indicativo.
Assim como no Brasil, que por sua vez seguia o modelo europeu de
radiodifusão, em Angola também se desenvolveu o rádio clubismo, a partir da
fundação do Rádio Clube de Angola, em Luanda, em 5 de fevereiro de 1938. Grupos
de amigos ou pessoas com interesses comuns se cotizavam para comprar um
aparelho receptor e ouvir a grande novidade: voz e música tocando numa caixa de
madeira amplificada.
Esses grupos passavam depois a freqüentar a sede da emissora, onde
acompanhavam a programação ao vivo, assistiam apresentações musicais,
dançavam e namoravam.
Outros clubes de radiodifusão também foram criados em Benguela, Lobito,
Huíla e Huambo, e depois em praticamente todas as províncias angolanas. Esse
período durou cerca de dez anos. “As motivações iniciais transformaram-se aos
poucos e a publicidade comercial seria introduzida como fonte principal de
receitas”.
64
A profissionalização, ou comercialização da radiodifusão em Angola tem
como marco a emissora de Huambo, em 1949, que passou a inserir comerciais
como forma de sustentação financeira. A programação, consequentemente, também
st
64
MATUMONA, MUANAMOSI,
Jornalismo Angolano – Hi ória, Desafios e Expectativas
, Uíje, edição do
Secretariado Diocesano de Pastoral do Uíje (Sedipu), 2002, p. 17
83
mudou, seguindo modelos de rádios da Europa, especialmente Portugal e França,
que já haviam abandonado a fase do radioclubismo há mais tempo.
Em 8 de dezembro de 1954, a Igreja Católica aproveitou o encerramento das
Celebrações Marianas e inaugurou a
Rádio Ecclesia
, com um emissor de ondas
curtas de 50 watts, de baixa potência. Os discos eram pouco mais de meia dúzia, as
instalações exíguas, num bairro da capital angolana. As emissões diárias
começaram em março de 1955. No 15° aniversário, em 1969, inaugurou, em fase
experimental, um sistema automático de transmissões, passando a emitir 24 horas
por dia, com novos e mais potentes equipamentos. No entanto, segundo o
jornalista e padre católico Muanamosi Matumona, a influência do poder colonial era
quase absoluta no controle das emissões radiofônicas.
No início dos anos 1960, as emissoras nacionais difundiam pouca
música popular angolana, dedicando grande parte da sua programação à
música portuguesa, notícias e rádio-novelas. A cultura portuguesa era
imposta por um poder político abertamente autocrático e conservador.
65
Com o surgimento dos movimentos de libertação nacional, o governo
colonialista português decidiu criar a Comissão Coordenadora do Plano de
Radiodifusão da Província de Angola, em março de 1961. O objetivo era levar o
rádio a todas as províncias do país e organizar a política informativa que deveria se
contrapor aos rebeldes, que iniciavam a usar o rádio como forma de propaganda.
Nessa época, o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola – passou a
transmitir o programa
Angola Combatente
, a partir de uma emissora instalada em
Leopoldville (hoje Kinshasa), capital do então Congo Belga. A penetração no
território angolano, todavia, era pequena, pois os angolanos não tinham simpatia
pelo Congo Belga, hoje denominado República Democrática do Congo. O programa
65
Ibidem, p. 17
84
foi transferido em 1963 para Brazzaville, a capital do Congo francês (também
conhecido como Congo Brazzaville), depois que subiu ao poder naquele país o novo
presidente, Massamba Debat, alinhado com os países do Leste Europeu.
66
A partir daí, o MPLA usou o programa para propaganda e noticiário e também
para transmitir instruções aos militantes anti-colonialistas. A audiência aumentou,
já que os quadros do movimento conseguiam uma comunicação mais eficiente,
procurando entusiasmar os ouvintes e motivá-los a integrar a luta contra os
portugueses, mesmo que fosse apenas com apoio aos guerrilheiros. Outros
programas radiofônicos revolucionários, sob a inspiração do MPLA, passaram a ser
emitidos a partir de outras capitais africanas, entre elas Cairo, Dar-es-Salem e
Lusaka.
67
Enquanto isso, outras emissoras legalizadas eram criadas em Angola, dentro
do plano do governo colonialista de disseminar suas idéias e informações pelo país.
Em Luanda, uma dessas emissoras surgiu com o nome de
Rádio Clube Português
,
pouco depois passou a se identificar como
Emissora da Liberdade
, adotando enfim
o nome de
Rávio Voz do Povo
. De acordo com dados da Comissão Coordenadora do
Plano de Radiodifusão de Angola, em 1970 funcionavam 59 emissoras de rádio,
transmitindo 2.439 horas semanais.
A primeira tentativa de criar uma rádio oficial aconteceu no início dos anos
1950, com a
Rádio Angola
, que utilizava transmissores alugados da
Rádio Marconi
.
A rádio mudou várias vezes de nome: foi chamada de
Emissora Oficial de Angola
,
depois
Emissora Nacional de Angola
e finalmente, em 1975, após a independência,
viria a se transformar na
RNA – Rádio Nacional de Angola
, denominação que usa até
hoje.
r r
r
66
KI ZERBO, JOSEPH,
Histó ia da África Neg a
, Vol. II, 2ª edição, Publicações Europa-América, 1991, p.
228
67
CARREIRA, IKO,
O Pensamento Est atégico de Agostinho Neto
, Pub. D. Quixote, Lisboa, 1996, p.
105-107
85
Com o fim do colonialismo, grande parte dos quadros da
Rádio Ecclésia
voltou a Portugal, ficando um pequeno grupo responsável pela emissora, dirigida
pelo padre Abílio de Sousa Ribas. Assim como as outras emissoras em todo o país, a
rádio católica também foi nacionalizada e fechada pelo governo socialista, através
do Decreto Presidencial n° 5/78, de 24 de janeiro de 1978. Até 1992, ou seja, por
14 anos, as emissões radiofônicas foram exclusivas da RNA, que emitia toda a
programação para 18 emissoras regionais retransmissoras. Havia programas em
português, inglês, francês e espanhol, e também em línguas nacionais. Em 1988,
estima-se que as rádios em atividade podiam ser captadas em cerca de 435 mil
aparelhos receptores.
68
No entanto, desde 1979 a rádio
Vorgan – Voz da Resistência do Galo Negro
emissora da Unita – União Nacional para a Independência Total de Angola,
transmitia do exterior sua programação via ondas curtas, em português, inglês e
línguas nativas, especialmente kimbundo e umbundo. Era um dos instrumentos de
propaganda de guerra da Unita, que enfrentava as tropas oficiais do governo, na
longa e sangrenta guerra civil. Um contraponto ao programa
Angola Combatente
,
do MPLA, transmitido pela
Rádio Nacional de Angola
. Cesaltina Fragoso, uma das
lideranças da Unita, explicava assim os objetivos da
Vo gan
:
r
Fundada em 1979, a
Vorgan
nasceu da iniciativa e vontade da direcção
da Unita, com o objectivo único de informar, actualizar a nível nacional e
internacional, o momento político-militar vigente, dimensionado às diferenças
políticas, propósitos e esperanças na diversidade.
Tecnicamente assistiu-se ao seu crescimento gradual, não só na
nitidez sonora, como na expansão das ondas, que se deveu aos novos
equipamentos, adquiridos pela nossa direcção. Essa determinação será como
uma constante com a Unita a defender a Alma Angolana, as suas tradições e
68
United States Library of Congress Country Studies
, fevereiro de 1989
86
cultura. Assim, defender a
Vorgan
é defender a dignidade de Angola. Falar da
Vorgan
é falar de nós mesmos, da Nação. A
Vorgan
que diz a verdade (...)
Uma orientação inteiramente ao serviço do nosso povo, no seu tempo.
69
O clima de polarização se manteve mesmo em 1992, quando Angola viveu
um breve período de paz para a realização das eleições parlamentares e
presidenciais. A
Vorgan,
já como emissora FM legalizada, instalada em Luanda,
fazia seu proselitismo anti-MPLA e a favor do líder da Unita, Jonas Savimbi. O MPLA
do presidente José Eduardo dos Santos, que concorria à Presidência com Savimbi,
utilizava a
Rádio Nacional de Angola
como instrumento de propaganda do governo.
Com o retorno da guerra logo após as eleições, de uma forma ainda mais
furiosa, e sentindo a necessidade de ampliar sua capacidade de transmitir
informações além da província de Luanda, o governo angolano autorizou a criação
de novas emissoras, como a
Rádio 5,
de programação exclusivamente esportiva, e a
Rádio Luanda,
ambas ligadas à estrutura da
Rádio Nacional de Angola
. Também
surgiram outras emissoras FM:
Luanda Antena Antena Comercial
(LAC),
Rádio
Cabinda Comercial, Rádio Morena
, em Benguela e a
Rádio 2000
em Lubango. Essas
emissoras teriam sido instaladas com discreto apoio governamental, e raramente
faziam críticas ao governo ou ao partido dominante (HODGES, 2001, p. 96).
Durante as negociações de paz em Lusaka, em 1994, a rádio
Vorgan
, da
Unita, continuou a funcionar em Luanda, com o compromisso de interromper a
propaganda partidária e beligerante e se transformar numa emissora comercial.
Mas, de acordo com Matumona (2002, p. 37), “a
Vorgan
continuou a transmitir uma
propaganda hostil e declarações públicas inflamatórias, encorajando o ódio e a
violência.” A despeito do acordo de Lusaka, firmado em 1994, que garantia a
liberdade de expressão, entre outros direitos constitucionais, a guerra se reacendeu,
e a rádio do Galo Negro foi fechada em 1998.
69
FRAGOSO, CESALTINA,
Vorgan – 16 anos ao serviço dos angolanos
, in Terra Angolana, maio de 1995
87
Durante um novo período de trégua, em março de 1997, quase 20 anos após
ter sido encerrada, a
Rádio Ecclesia
foi re-inaugurada, com a presença do cardeal D.
Alexandre do Nascimento, arcebispo de Luanda e presidente da Conferência
Episcopal de Angola e S. Tomé, e de autoridades, como o ministro da Comunicação
Social. A programação era emitida das 06h00 às 21h30, através da FM 97.5 MHz.
Segundo seus estatutos, a Rádio Ecclesia, como emissora católica, tem como fins
específicos, além dos consagrados aos demais órgãos de comunicação social:
- garantir o direito dos angolanos à informação;
- difundir valores evangélicos, de modo a tornar a sociedade angolana mais justa,
fraterna e solidária;
- respeitar e participar no desenvolvimento integral da pessoa humana;
- criar um espírito de tolerância, respeito e convivência pacífica entre todos os
cidadãos angolanos.
70
Veja, no quadro abaixo, algumas das emissoras de rádio em FM, AM e Ondas Curtas
que funcionam atualmente em Angola:
Luanda, Angola
FM RADIO
93.5 -
Canal A (RNA) - Luanda (Luanda) AO
94.5 -
Radio 5 (RNA) - Luanda (Luanda) AO
95.5 -
LAC-Luanda Antena Comercial - Luanda (Luanda) AO
96.5 -
Radio FM Estereo (RNA) - Luanda (Luanda) AO
97.5 5kW
Radio Ecclesia - Luanda (Luanda) AO..
religious/Catholic
99.9 -
Radio Luanda (RNA) - Luanda (Luanda) AO
101.4 -
Radio N'Gola Yetu (RNA) - Luanda (Luanda) AO..
several languages
AM RADIO
70
Dados da Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé – CEAST
88
944 25kW
Radio N'Gola Yetu (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
se eral languages; 05-
00h
v
1010 1kW
Radio Luanda (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
24h.
1088 25kW
Canal A (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
24h.
1367 100kW
Canal A (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
1900-6000
SHORTWAVE RADIO
3375 15kW
Radio N'Gola Yetu (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
se eral languages; 17-
00h
v
4950 100kW
Canal A (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
24h.
7245 25kW
Radio N'Gola Yetu (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
se eral languages; 05-
00h
v
9720 100kW
Canal A (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
0600-0000
11955 100kW
Canal A (RNA)|on FM - Luanda (Luanda) AO..
24h.
Angola (outside Luanda)
FM RADIO
(FM) - Radio 2000 - Lubango (Huila) AO
(FM) - Radio Cabinda - Cabinda City (Cabinda) AO
(FM) - Radio Morena - Benguela (Benguela) AO
SHORTWAVE RADIO
4780 - Emissora Províncial Kuando-Kubango - Menongue (Cuando-Cubango) AO
4820 - Emissora Províncial da Huila - Lubango (Huila) AO
5015 - Emissora Províncial do Namibe - Namibe (Namibe) AO
5043 - Emissora Províncial de Benguela - Benguela (Benguela) AO
Internet Radio, Angola
INTERNET RADIO
Radio do Canal Angola
71
71
TVRadioWorld, www.tvradioworld.com/region3/agl/
89
A Rádio Nacional de Angola pode ser acessada também através da Internet,
no endereço
www.rna.ao, onde o internauta tem acesso a informações sobre a
empresa, a relação completa das 6 emissoras locais, 18 provinciais e 7 regionais,
além dos centros de transmissão e de duas emissoras on-line: o Canal A e a Rádio
Luanda. Segundo a emissora, “para além da língua portuguesa emitimos em 12
línguas nacionais a partir de Luanda e 59 a partir das emissoras provinciais. A
programação internacional se faz em português, inglês, francês e lingala (principal
língua falada nos Congos).” O site da RNA informa ainda que a promoção da
cidadania, dos bons costumes, da solidariedade humana, dos valores culturais
nacionais e o incentivo ao estudo estão entre seus principais objetivos. “A RNA é um
garante da liberdade de expressão e promotor do confronto de diferentes correntes
de opinião, através do estímulo à criação e à livre expressão do pensamento e dos
valores políticos, culturais, linguísticos, técnicos e outros.” E a direção da emissora
ainda garante: “Em nenhum momento a Rádio Nacional de Angola divulgará
qualquer informação sem confirmação da sua veracidade e, como valor nuclear de
trabalho, não fará devassa à vida particular alheia.” Vale destacar que o serviço da
Rádio Nacional de Angola na Internet funciona muito melhor do que o mesmo
serviço da TPA, que nos meses finais de 2004 esteve continuamente fora do ar. Por
força de lei que vigora desde 1992, como as emissoras independentes são proibidas
de transmitir em ondas curtas e médias, a RNA detém ainda o monopólio da
radiodifusão nas zonas rurais e nas menores cidades, ou seja, na maior parte
geográfica do país.
Como em outras partes da África, muitos angolanos buscam informaçãoo-
partidária sobre seu país em transmissões por ondas curtas de emissoras
estrangeiras, em português, especialmente os serviços internacionais da
BBC
e da
VOA – Voz da América
. O governo não permite a retransmissão desses programas
pela
RNA
ou emissoras independentes, e a
Rádio 2000
, de Lubango, chegou a ser
90
advertida pelas autoridades por exibir programas da Voz da América. Apesar dessas
restrições, uma pesquisa realizada pela empresa angolana Austral, a pedido da
BBC
,
constatou que 6% dos adultos ouviam a
BBC
e 5% a
VOA
, pelo menos uma vez por
semana (HODGES, 2001, p. 97).
2.3 – AGÊNCIA DE NOTÍCIAS
A divulgação de notícias de Portugal e das colônias africanas foi feita até
1960, preferencialmente, pelas agências portuguesas Lusitânia e Ani. Algumas
experiências foram feitas a partir de então, com serviços irregulares e
amadorísticos, que chegaram a ser nomeadas Angola Press e Agência Angolana de
Notícias – Ana. Só durante o governo de transição foi criada a Agência Nacional de
de Notícias, Angop, ativada realmente após a independência, com a colaboração da
agência iugoslava Tanjug, sob a direção de Luis Kiambata. Mas, segundo Matumona,
“...era vista como uma agência oficial do governo, de muito pouco uso e de
duvidosa utilidade. (...) A Angop exercia, assim, o monopólio das notícias; alinhou
também na criação de um pool de agências noticiosas dos Países não-Alinhados”.
72
Notícias de Angola também eram divulgadas através da PANA – Agência
Informativa Pan-Africana, criada em maio de 1983 pela OUA – Organização da
Unidade Africana, cujo conselho intergovernamental foi dirigido durante um período
por Lúcio Lara, um dos principais líderes revolucionários angolanos.
No início dos anos 2000, uma equipe de jornalistas brasileiros prestou
consultoria à Angop, a pedido do governo angolano, para modernizar os serviços e
oferecer informações em tempo real através da Internet, no endereço
http://www.angolapress-angop.ao/.
A Angop transmite informações em português, francês e inglês, e organiza o
material nas seguintes editorias: Política, Economia, Social, Desporto, Cultura,
st
72
MATUMONA, MUANAMOSI,
Jornalismo Angolano – Hi ória, Desafios e Expectativas
, Uíje, edição do
Secretariado Diocesano de Pastoral do Uíje (Sedipu), 2002, p. 33
91
África, Internacional e Especiais. A despeito da modernização do serviço noticioso, a
Angop continua sendo uma agência oficial do governo de Angola: as manchetes de
primeira página, que muitas vezes são mantidas por mais de um dia, são sempre de
atividades ligadas ao primeiro escalão, seja do Executivo, seja do Legislativo.
Os usuários têm acesso a um serviço de busca na base de dados da agência,
que funciona com boa eficiência, e podem fazer contato com a Angop através de um
formulário. O site da agência, ao lado das manchetes e dos links das principais
notícias do dia, oferece um menu de notícias 24 horas, que em português lusitano
se expressa 24 sobre 24.
2.4 – INFORMAÇÃO PELA INTERNET
Além do site da Angop, emissoras de rádio, alguns jornais e instituições
mantêm endereços na Internet, onde é possível encontrar informações e/ou links
para informações a respeito de Angola (confira relação em Anexos). Um deles é o
Angonotícias, com informações em tempo real, acessado em
www.angonoticias.com, produzido pela Rede TOANGOLA, que se apresenta como
“uma equipa jovem, empenhada, dinâmica e com experiência na área das Novas
Tecnologias de Informação e Comunicação.”
Seus principais canais são denominados: Generalista, O Povo, Desporto,
Entrevista e Arquivo, onde o internauta pode pesquisar notícias das duas semanas
anteriores. O serviço de pesquisa também funciona bem. Uma característica do
Angonotícias é a abertura para comentários dos leitores. A maioria utiliza-se do
anonimato ou de apelidos, e as críticas são mordazes.
Outros endereços da internet que disponibilizam notícias sobre Angola e
países lusófonos são o Notícias Lusófonas, que pode ser acessado em
http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?catogory=Angola e EboNet, cujo
92
endereço é
http://www.aeiou.pt/registos/e/EBONet.html e que são mantidos por
organizações sediadas em Portugal.
2.4.1 – SÍTIOS ABANDONADOS
Em finais dos anos 1990, a utilização da Internet como forma de inserção
institucional e de distribuição de informações se disseminou rapidamente em
Angola, coincidindo com a “bolha” da rede, registrada praticamente no mundo todo.
Passada a euforia inicial, no entanto, muitos sites – que em português de Portugal
costumam ser chamados de sítios – foram abandonados e deixaram de receber
atualizações.
O assunto é tratado na reportagem “Abortos online – A História de um
Dinheiro (Muito) Mal Empregue – Organismos do Estado gastam milhares de dólares
na construção de páginas na Internet que acabam por não ter qualquer utilidade”,
publicada no semanário
A Capital
, de 15 a 22 de outubro de 2005. O repórter
Tandala Francisco visitou diversos endereços, a maioria ligada ao governo, e
constatou a falta de atualização, em alguns casos, há anos. Ele cita, entre outros, os
sítios do Conselho de Ministros (
www.cministros.gv.ao), do Ministério da Família e
Promoção da Mulher (
www.mifam.netangola.com), do Ministério da Indústria
(
www.mind.gv.ao), do IDIA – Instituto de Desenvolvimento Industrial de Angola
(
www.idia.gv.ao), do Tribunal de Contas (www.tcontas.ao), do Ministério das
Relações Exteriores (
www.mirex.gv.ao) da Polícia (www.policia-angola.gv.ao) e dos
Serviços de Migração e Fronteiras (
www.angolavisa.com). E ressalta:
Quanto à importância da disponibilização de informação online,
técnicos como Oscar Zovo não têm dúvidas. “De nada vale ter um site que não
reflicta a produção de informação de determinada instituição”, um recado que
cabe, por exemplo, à Televisão Pública de Angola (
www.tpa.ao), cujo site, já
de si débil, foi substituído por um telão azul a dizer que se encontra off line
93
por razões técnicas. “Volte em breve”, lê-se na tela azul. O breve, porém, já
dura um bom tempo.
73
2.5 - TV: UM DOS TABUS DO COLONIALISMO
A primeira emissora de TV na África começou a operar em 1954 no Marrocos.
Argélia, em 1956 e Nigéria, em 1959, vieram em seguida. Quênia, Uganda e Senegal
inauguraram suas emissoras durante os anos 1960, e hoje todos os países africanos
emitem e/ou recebem programação de TV.
74
As primeiras tentativas de criar uma
televisão em solo angolano ocorreram no início dos anos 1960. Uma delas
aconteceu em Benguela, em janeiro de 1964. Em 1969, o Ministério do Ultramar
instituiu em Lisboa uma comissão para estudo da implantação da TV nas colônias.
Naquele momento, de acordo com o histórico postado até meados de 2005
no site da TPA na Internet (
www.tpa.ao/paginas/historia.htm), “o governo colonial-
fascista é forçado a reconhecer a urgência e a necessidade do estabelecimento, a
curto prazo, de um serviço de televisão nas colónias como mais um máquina de
acção psicológica pró-regime.”
Em junho de 1970, tentou-se adaptar para a TV um programa radiofônico,
Café da Noite
, em Luanda. Dois anos depois, a proposta de criar a TVA – Televisão
de Angola também fracassou, pois havia correntes conflitantes no governo
colonial, sendo a mais forte a que pretendia manter o monopólio da TV para a RTP –
Rádio e Televisão Portuguesa.
É de assinalar que a televisão era um dos grandes tabús (sic) do
colonialismo português, no sentido de boicotar, por todos os meios, as
possibilidades de informação e educação do povo angolano. E sempre
permaneceu a convicção de que os governos de Lisboa e Pretória tinham
73
Reportagem completa na edição de no 175 do semanário
A Capital
, de 15 a 22/10/2005, p. 6
74
OJO, TOKUNBO,
Educational Dimensions of Television in the Post-Colonial African States
, artigo s/
data localizado no endereço: http://cms.mit.edu/mit3/papers/ojo.pdf
94
acordos secretos, que estabeleciam impedimentos à instalação de canais de
televisão em Angola, Moçambique e África do Sul.
O governo colonial alegava razões impeditivas: o exclusivo da televisão
em todo o espaço português fora concedido à RTP e a primeira fase da
instalação estava em curso, na metrópole, aguardando pela criação de
condições mínimas para a instalação da TV no Ultramar. Depois disso se
procederia ao estudo e montagem do serviço. Jamais se reuniam as tais
“condições mínimas” e o projecto ficou no papel. Em 1962 foi apresentado,
oficialmente, pela Rádio Clube de Huambo, o primeiro requerimento,
solicitando autorização para instalar a televisão em Angola. Desse pedido
nunca mais se teve notícias...
75
Em 1970, outra tentativa, desta vez usando um sistema amador de circuito
fechado para realizar programas experimentais, também foi reprimida pelas
autoridades logo após a primeira emissão, argumentando-se a exclusividade da
RTP.
Ainda segundo o relato histórico da TPA, acessível no site da emissora, só em
27 de junho de 1973 foi autorizada a constituição de sociedades anônimas, para a
exploração da TV. Nestes termos é constituída a RPA/TPA – Radiotelevisão
Portuguesa de Angola, que em 1974 substituiu a palavra “Portuguesa” por “Popular”.
A fase de transição, após a Revolução dos Cravos, era um momento histórico cheio
de ambigüidades: embora já com a independência prometida, os organismos
oficiais ainda eram controlados majoritariamente pelos colonizadores, com
participação minoritária de angolanos.
Em 18 de outubro de 1975, menos de um mês antes da Independência (11 de
novembro), a TPA iniciava emissões regulares, que eram captadas por poucos
st
75
MATUMONA, MUANAMOSI,
Jornalismo Angolano – Hi ória, Desafios e Expectativas
, Uíje, edição do
Secretariado Diocesano de Pastoral do Uíje (Sedipu), 2002,
p. 20
95
aparelhos receptores em Luanda. A emissora foi nacionalizada em junho de 1976
pelo governo da República Popular de Angola, recém-instalado pelo MPLA.
2.5.1 - Informação ligada à orientação política
Duas semanas depois de assumir o poder, o Ministério da Informação, em
seu primeiro despacho, de 28 de novembro de 1975, nacionalizou as estruturas dos
meios de comunicação, criou o Centro Nacional de Jornalismo, para a formação de
quadros, e um Centro de Imprensa, de apoio aos jornalistas angolanos e
estrangeiros. Mas o Ministério da Informação durou pouco: em 1977, após uma
tentativa de golpe dentro do MPLA, o presidente Agostinho Neto endureceu ainda
mais o regime, e o controle dos meios de comunicação passou para o DOR –
Departamento de Orientação Revolucionária - ligado diretamente ao partido, que
traçava as linhas editoriais a serem obedecidas.
Já na inauguração do Centro Nacional de Jornalismo o presidente Agostinho
Neto deixou clara a importância para o novo regime da formação política de
quadros, que eram enviados com bolsas de estudo para instituições de ensino e
doutrinação em países socialistas, principalmente União Soviética, Iugoslávia e
Cuba.
(...) Há uma necessidade que aqui foi focada. É a necessidade de não
desligar a informação da nossa orientação política. E, portanto, a parte
política será uma das partes mais importantes do trabalho didáctico deste
centro. É absolutamente necessário que seja assim. Porque se o jornalista não
acompanhar a orientação política do MPLA e do Governo, (...) teremos
simplesmente a confusão. Teremos a confusão lá onde não chegam notícias,
onde chegam notícias falsas e erradas.
76
76
COELHO, SEBASTIÃO
, Informação de Angola
, Edição do Autor, Lisboa, 1977, p. 325
96
Em seu primeiro Congresso, em 1977, o MPLA deixou de ser um movimento
de massas para se transformar oficialmente num partido marxista-leninista. Nesse
quadro, a informação tinha a responsabilidade de acompanhar e apoiar as
atividades políticas, formando, informando e mobilizando os angolanos. Durante a
apresentação do relatório do Comitê Central do MPLA-PT (Partido do Trabalho),
naquele Congresso, Agostinho Neto, presidente da República e do partido, não
deixou dúvidas sobre esse ponto.
À informação caberá um importante papel na presente etapa do nosso
processo revolucionário. Completando a actividade política do Partido, a
informação leva as suas orientações a todos os pontos do país. A rádio, a
televisão e a imprensa escrita, sob a orientação do partido, têm as tarefas de
mobilizar, formar e educar o nosso povo, dentro dos objectivos da Revolução
Socialista.
77
Foi sob essa inspiração revolucionária que a TPA – Televisão Popular de
Angola - foi se estruturando e ampliando sua presença no país, durante a fase de
linha dura do governo socialista. Em 1979 o sinal chegou às cidades de Benguela e
Lobito, na província de Benguela, dois portos estratégicos. Em 1981 é criado na
cidade do Huambo, no planalto central, o primeiro centro de produção regional.
Esse passo foi importante porque Huambo era uma das províncias com maior
presença da Unita, onde a guerra civil se desenrolava com grande potencial
destrutivo. Mas o alcance da TPA era muito restrito: o número de televisores em
1988 foi estimado em cerca de 40.500 em todo o país.
78
77
KRAPIVINE,
Os Fundamentos da Filosofia Marxista-Leninista
, Editora Novosti, Moscou (sem data)
78
United States Library of Congress Country Studies
, fevereiro de 1989
97
Na esteira da redemocratização pós-acordos de Bicesse (1991), a TPA foi
transformada em empresa pública, através do Decreto n.º 66/97 de 5 de Setembro
de 1997, tendo, na sua designação oficial, a palavra "Popular" substituída por
"Pública".
Antigo cenário do TJ
Em agosto de 2000, a emissora passou a transmitir experimentalmente,
apenas para Luanda, uma nova programação pelo canal 2. As emissões se tornaram
diárias a partir de maio de 2002, na capital e imediações. Apenas em 2004 o sinal
do segundo canal chegou a outras províncias de Angola, entre elas Cabinda,
Benguela, Huambo e Huíla.
2.6 - A QUESTÃO DA LIBERDADE DE IMPRENSA
A liberdade de imprensa num país constantemente ameaçado pela guerra
civil, sofrendo a interferência de potências estrangeiras até o início dos anos 1990,
era assunto controverso, muitas vezes tratado como de interesse nacional. Numa
guerra, a primeira vítima é sempre a verdade.
Apenas a partir da abertura ao multipartidarismo e à economia de mercado,
criou-se clima para a promulgação, em 15 de julho de 1991, de uma nova
98
legislação, que regulamentava a liberdade de imprensa prevista no artigo 272 da Lei
Constitucional e estabelecia o funcionamento dos órgãos de comunicação, prevendo
punições para casos de abusos ou descumprimentos da lei. Em seu artigo terceiro, a
legislação determinava:
Os órgãos de comunicação social têm os seguintes fins gerais:
contribuir para consolidar a nação angolana e reforçar a unidade nacional;
informar o público com a verdade, independência e isenção, sobre os
acontecimentos nacionais e internacionais, assegurando o direito dos
cidadãos à informação correcta e imparcial.
Quanto à liberdade de expressão, a Nova Lei de Imprensa estabelecia os
seguintes critérios:
Os limites à liberdade de imprensa são os que decorrem unicamente
dos preceitos da presente lei e daqueles em que a lei geral e a lei militar
impõem, com vista à salvaguarda da defesa da soberania e independência
nacionais, da integridade territorial da Nação angolana, da unidade nacional,
da ordem pública, da saúde e da moralidade públicas. (...) A fundação de
empresas jornalísticas e editoriais é livre, com vista à elaboração, edição e
difusão de quaisquer publicações, sem subordinação a autorização, caução,
habilitação prévia ou outras condições que não sejam as constantes presentes
na lei.
No entanto, o Estado manteve estrito controle sobre o rádio e,
principalmente, sobre a televisão:
A actividade da radiodifusão é exercida pelo Estado, podendo lei
especial determinar as formas de licenciamento e do exercício de estações de
rádio comerciais privadas. A concessão de serviço público de radiodifusão é
99
atribuída à Rádio Nacional de Angola. (...) A actividade de televisão é exercida
em exclusivo pelo Estado. A concessão de serviço público de televisão é
atribuída à Televisão Popular de Angola.
O ambiente em que foi promulgada a Lei de Imprensa em 1991 mudou
bastante com o reinício da guerra, em 1992. O conflito, que ora recrudescia, ora era
interrompido por tréguas, manteve uma situação de tensão permanente, em que
qualquer manifestação contrária ao governo ou a alguma autoridade pública era
interpretada como uma traição ou um ataque aos legítimos interesses de Angola. O
jornalista Matumona relata as conseqüências trágicas que esse cenário provocou
para alguns profissionais dos meios de comunicação:
(...) Rafael Marques, então jornalista do
Jornal de Angola
, foi banido do
seu jornal, segundo consta, por ter escrito no estrangeiro uma série de artigos
que punha em causa a imagem do Governo de Angola. Vários jornalistas
foram asssassinados em circunstâncias suspeitas. Os casos mais conhecidos
são: o assassínio, a 18 de janeiro de 1995, de Ricardo Mello, director do
semanário independente
Imparcial Fax
. Mello foi assassinado nas escadas de
seu prédio, em Luanda, por homens armados e não identificados; Antônio
Casimiro, correspondente da
Televisão Pública de Angola
em Cabinda foi
morto em sua casa, a 30 de outubro de 1996; em 1998, os escritórios do
Agora
sofreram um incêndio suspeito. Mesmo assim, não parou o lançamento
de outras publicações privadas, facto que confirmaria a existência de uma
“imprensa livre”: surgiram, nesta época, os semanários
Angolense, Actual,
Independente
e
Comércio Actualidade
.
79
O caso do jornalista Rafael Marques teve repercussão internacional, e teria
ocorrido de forma diversa da citada por Matumona. Ex-redator do oficioso
Jornal
st
79
MATUMONA, MUANAMOSI,
Jornalismo Angolano – Hi ória, Desafios e Expectativas
, Uíje, edição do
Secretariado Diocesano de Pastoral do Uíje (Sedipu), 2002,
p. 36
100
de Angola
, Marques foi detido em casa, em outubro de 1999, quando trabalhava
como free-lancer e coordenador do Open Society Initiative in Souther África. Ele foi
acusado de difamação do presidente José Eduardo dos Santos, por um artigo
publicado em julho daquele ano, no semanário
Ago a
.
r
Em um artigo publicado no
The New York Times
, Rafael Marques se defende:
Meu crime? Em um artigo para um semanário independente no último verão eu
chamei o presidente de Angola de o mais “astuto e discreto dos comandantes
autoritários da memória recente da África.”
80
O julgamento de Marques, marcado para o fim de dezembro de 1999, foi
adiado devido a pressões políticas. Mais de 50 deputados do parlamento angolano
divulgaram uma carta, afirmando: “É com redobrada apreensão que vimos assistindo
a constantes atropelos à liberdade de expressão, consubstanciados na intimidação a
jornalistas e a órgãos da comunicação social privada.” Todavia, na interpretação do
site Observatório da Imprensa, que acompanhou de perto o caso, o documento era
encabeçado por parlamentares da Unita: “O problema é que, vindo da Unita, que
nasceu na direita mais sanguinária e hoje posa de liberal, esta declaração de
princípios também não pode ser levada muito a sério”.
81
Desde 1999, o IPI – International Press Institute – acessado pelo endereço
http://www.freemedia.at/cms/ipi/, uma rede de editores, gerentes, executivos de
mídia e jornalistas, que busca salvaguardar a liberdade de imprensa e o livre fluxo
de informações, com sede em Viena, na Áustria – divulga relatórios anuais sobre a
situação de liberdade de imprensa em Angola.
82
São citados inúmeros casos, desde
ameaças até assassinatos de jornalistas, especialmente no período em que o país
ainda estava em guerra civil.
80
The New York Times
, edição de 15 de dezembro de 1999
81
Cf. www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br
82
Os relatórios podem ser consultados em inglês no endereço:
www.freemedia.at/wpfr/Africa/angola.htm
101
Nota-se, claramente, que a cada ano o relatório é menor, ou seja, os
problemas de violação da liberdade de imprensa estão diminuindo, especialmente a
partir de 2002, quando a guerra civil terminou e o clima de polarização entre o
MPLA e a Unita e demais forças de oposição se reduziu sensivelmente. O relatório
de 2004 confirma que “Angola está fazendo uma transição pacífica para a
democracia, após centenas de milhares de cidadãos mortos em décadas de brutal
guerra civil.”
Essa transição, de acordo com o IPI, ocorre mais rapidamente na capital
Luanda. O problema ainda está no interior do país, onde, segundo o instituto, “o
governo mantém um firme controle sobre a mídia, e autoridades governamentais
continuam a usar violência contra ativistas da oposição”. Destacando a importância
das futuras eleições gerais para consolidar a democracia, o IPI destaca a
necessidade de “desenvolver um sistema aberto de mídia no interior de Angola, para
educar os cidadãos antes das eleições”.
2.6.1 - Modernização das leis
A partir do ano 2000, um novo projeto de lei foi apresentado pelo governo e
começou a ser discutido com as associações de classe e com os parlamentares da
Assembléia Nacional. O país ainda estava em guerra civil, que só viria a terminar em
fevereiro de 2002. O texto, fortemente baseado na Lei de Imprensa de 1991,
deixava clara a garantia de liberdade de expressão e de imprensa:
São garantidas as liberdades de expressão, de reunião, de
manifestação de associação e de todas as demais formas de expressão. (...) É
garantida a liberdade de imprensa, não podendo esta ser sujeita a qualquer
censura, nomeadamente de natureza política, ideológica e artística. A lei
102
regulamenta as formas de exercício de liberdade de imprensa e as
providências adequadas para prevenir e reprimir os seus abusos.
83
Mas a nova legislação sofreu forte oposição dos jornalistas angolanos, e
jamais foi colocada em votação na Assembléia Nacional, permanecendo em vigor a
lei de 1991. Portanto, o monopólio da TV e restrições à expansão do rádio
continuavam. A Rádio Ecclesia chegou a ser acusada de contrabandear novos
equipamentos para modernizar suas instalações e implantar emissoras nas
províncias, e foi obrigada a permanecer emitindo apenas em Luanda e imediações.
O governo exercia seu poder para manter as emissões sob controle, deixando livres
apenas os jornais privados, de baixa circulação e, portanto, pequena penetração e
influência na sociedade angolana. O
2004 World Press Freedom Review,
relatório
anual sobre liberdade de imprensa, elaborado pelo IPI – International Press Institute
- observa que “o alto custo da produção gráfica num país com extrema pobreza
significa que o acesso aos jornais é restrito a poucos milhares de cidadãos, a
maioria em Luanda.” O relatório ainda comenta o efeito do monopólio na
radiodifusão para o interior de Angola:
O monopólio na radiodifusão é causa de grande preocupação, uma vez
que é a mídia mais acessível à maioria dos angolanos. Mais de 30% da
população é incapaz de ler os jornais, problema ainda maior entre as
mulheres. Com uma alta taxa de analfabetismo, e alto custo da distribuição
dos jornais para as regiões mais pobres do país, a mídia impressa não tem
uma ampla circulação fora da capital. Como resultado, as rádios são a
principal fonte de informação, mas há limitações às idéias políticas que
podem ser expressas através das emissoras controladas pelo Estado, o que
83
Projecto de Lei de Imprensa
, 2000, trechos dos artigos 32º e 35º
103
significa que há restrições aos angolanos no acesso à informação e em sua
capacidade de participar do processo político.
84
Em julho de 2002, meses após a morte de Jonas Savimbi, o presidente José
Eduardo dos Santos criou uma comissão para elaborar um ante-projeto de Lei de
Imprensa. A proposta, que teve participação de jornalistas e juristas, foi aprovada
em agosto de 2005 pelo Conselho de Ministros, um órgão consultivo da Presidência
da República. A principal mudança é a quebra do monopólio estatal na TV e no
rádio.
Em março de 2005, em entrevista ao jornal português
Público
, o vice-
ministro da Comunicação Social, Manuel Miguel de Carvalho "Wadijimbi", afirmava,
referindo-se à nova legislação constitucional: (...) “Quem estiver interessado em
abrir uma estação de rádio ou de televisão em Angola pode ir preparando o
dinheiro”.
85
Após a aprovação da proposta pelo Conselho de Ministros, “Wadijimbi” deu
entrevista à Angop, em 1º de setembro de 2005:
(...) considerou que o projecto de Lei de Imprensa quarta-feira
aprovado pelo Conselho de Ministros constitui "um instrumento consensual
mais moderno e democrático no seu conteúdo". O governante justificou esta
sua opinião pelo facto de "terem sido eliminados, entre outros aspectos,
todos os constrangimentos que se colocavam no domínio das televisões e das
rádios".
86
Também segundo despacho da Angop, a secretária-geral do Sindicato dos
Jornalistas Angolanos (SJA), Luísa Rogério, considerou mais plural e democrático o
84
O
2004 World Press Freedon Review
, assim como os demais relatórios do IPI, podem ser acessados
pelo endereço: www.freemedia.at/wpfr/Africa/angola.htm
85
Cf. http://dossiers.publico.pt/shownews.asp?id=1222314&idCanal=10
86
Cf. o site da
Angop
: www.angolapress-angop.ao/
104
Projeto de Lei de Imprensa, em comparação com a legislação em vigor desde 1991:
Ao falar da aprovação do documento que vai estabelecer os princípios
orientadores da comunicação social e do exercício da liberdade de imprensa
no país pelo órgão colegial do Governo, a responsável disse que esta Lei de
Imprensa é a mais consensual possível, na medida em que foram ouvidas as
contribuições das associações do ramo e procurou-se salvaguardar o
interesse de todas as partes, entre jornalistas, o Estado e a sociedade.
87
Finalmente, no dia 3 de fevereiro de 2006, a Assembléia Nacional aprovou a
nova Lei de Imprensa, por 125 votos a favor, 25 contra e dez abstenções. O projeto
teve, portanto, votos da oposição, o que seria, na opinião do ministro das
Comunicações, Manuel Rabelais, clara concordância com os princípios do diploma
legal, dentre eles o equilíbrio entre a liberdade de imprensa e os direitos dos
cidadãos e autoridades e incentivos aos veículos de comunicação.
No entanto, a Unita divulgou nota afirmando que a lei deixa importantes
lacunas, entre elas “o facto de não instituir o órgão do Estado responsável para
assegurar com isenção e imparcialidade a liberdade de imprensa”. Segundo o
principal partido de oposição, esse órgão seria o Bureau da Alta Autoridade para a
Comunicação Social, que teria representantes do governo, do parlamento, dos
meios de comunicação e da sociedade angolana.
88
A nova legislação, que derruba o monopólio estatal da TV e do rádio, sendo
promulgada pelo presidente da República, poderá resultar, num futuro próximo,
numa real abertura dos meios de comunicação. A partir daí, dependendo das
circunstâncias em que essa abertura se realizará, Angola passará a viver uma nova
fase, sem monopólios na comunicação social e com mais democracia. No entanto,
87
Ibidem
88
“Assembléia Nacional aprova Lei de Imprensa”, notícia publicada no site www.angonotícias.com em
03/02/2006, tendo como fonte a Angop
105
até lá a TPA continuará sendo a única TV aberta disponível para os angolanos de
baixa renda, que não podem pagar o serviço de cabo via satélite.
106
CAPÍTULO 3 – TV PÚBLICA, DE ACESSO PÚBLICO, EDUCATIVA OU ESTATAL?
MODELOS DE EMISSORAS PÚBLICAS
“Os pré-requisitos da TV pública são: a vontade da sociedade;
o respeito pela liberdade e opinião de cada um dos seus cidadãos;
a disponibilidade do Estado em democratizar a informa ão, a formação ç
e o entretenimento, e a disponibilidade do Estado para
garantir um financiamento independente.”
Uwe Rosenbaum, diretor de Programação da TV pública alemã
“É necessário evitar que a TV pública repita a mesma receita
das TVs comerciais, que privilegiam o noticiário de gabinete,
em detrimento do que acontece na vida real.”
Ricardo Kotscho, jornalista brasileiro
Mas afinal, o que é TV pública? Quais os conceitos que necessita respeitar?
Que tipo de programação deve privilegiar? Qual o público almejado? Para buscar as
respostas vamos comparar formatos e conceitos de televisão não-comercial,
educativa, pública ou dita pública, tomando como modelos a pioneira BBC, a PBS
norte-americana, a TV Cultura de São Paulo e a alemã SWR/Sudwestrundfunk.
Durante o mestrado na ECA/USP, nas aulas da disciplina
Tendências da TV
Brasileira: dos Canais Comunitários à TV Digital
, ficou evidenciado que os canais
comunitários podem ser produzidos com a comunidade, pela comunidade ou para a
comunidade, sendo esta última a forma mais comum. Portanto, o que parece
simples – que a TV comunitária seja feita de acordo com os interesses comunitários
que representa ou se propõe representar – revela-se muito mais complexo e, muitas
vezes, contraditório e decepcionante. Da mesma forma com a TV pública, de acesso
público ou educativa, que na verdade muitas vezes não passa de uma TV estatal
107
disfarçada, algumas mais competentes, outras menos, em seu papel de assegurar
acesso público e democrático a informação, teleducação e entretenimento.
Em entrevista ao jornal
Folha de S. Paulo
, para comentar o vídeo exibido
através da Internet e por emissoras de TV brasileiras, em que a ex-modelo e
apresentadora Daniela Cicarelli aparecia supostamente fazendo sexo com o
namorado numa praia da Espanha, a professora da PUC-SP e pesquisadora de novas
mídias, Giselle Beiguelman, chama atenção para o fato de que a predominância das
câmeras, fenômeno cada vez mais presente, fortalece a sociedade de controle,
através da vigilância ou do espetáculo.
É preciso diferenciar notícia de informação. Os meios
hoje permitem grande capacidade de produção e difusão de notícias,
mas não necessariamente de informação. A dinâmica da sociedade do
espetáculo, analisada por Guy Debord, pensador fundamental do
século 20 e ironizada por Fellini em
La Dolce Vitta
, depende do
consumo de imagens e de uma disponibilidade de alguns para ser
protagonista desse espetáculo.
Estamos falando de mercado. Em nosso contexto,
mediado por câmeras, mensageiros on-line, cartões de fidelidade, o
que temos é a consolidação da sociedade de controle, o estado de
vigilância distribuída, no qual a privacidade se torna uma mercadoria
de luxo, que nunca será entregue na sua totalidade.
89
O mundo retratado pelas câmeras é o mesmo para todos que estão investidos
da função mediadora da TV. A forma de olhar é que diferencia necessariamente
cada um desses mediadores. O que se deve transmitir ao público: notícia ou
informação? As notícias circulam com grande facilidade e abrangência, mas só um
89
Entrevista de Giselle Beiguelman a Juliana Monachesi, Performance anônima, Folha de S.
Paulo, 24 de setembro de 2006, Caderno Mais, p. 6
108
serviço público, sem compromissos comerciais, políticos ou ideológicos, seria capaz
de transmitir informação. Informar o público com isenção pode ser um bom começo
para qualquer emissora que queira ser pública e levada a sério. E tudo começa no
espaço público.
3.1 – O ESPAÇO PÚBLICO
Comunicação é poder: este é o ponto essencial.
90
O conceito de espaço
público é recente, originário do Iluminismo e da Revolução Industrial. Tem a ver
com as noções de racionalismo, de enfrentar a realidade. A associação entre os
meios de comunicação e o espaço público, identificada por Habermas, tem início no
século XVIII, quando os jornais organizam e desorganizam esse espaço.
Na Inglaterra, a burguesia se reunia em cafés literários e clubes, para discutir
literatura e política. Em 1810 havia cerca de 3 mil desses clubes só em Londres.
Foram o embrião do espaço público, ainda restrito à burguesia e aos homens, e ali
surgiam novas idéias. A restrição física dos salões é rompida pelos meios de
comunicação de massa, que ampliam as fronteiras desse espaço público. Passa-se
então, de uma relação direta e pessoal para uma relação mediada, mediatizada.
Esse período que marcou o processo de ampliação do espaço público através
dos MCM coincide com o racionalismo, em que a opinião de várias pessoas era
depurada e forjada no debate na esfera pública. Era também o início da sociologia,
das ciências sociais. Isso leva a contradições em locais como o Reino Unido, já que o
princípio do segredo, típico da monarquia, entra em choque com o princípio da
publicidade e da transparência, característico da democracia.
De acordo com Laurindo Lalo Leal Filho, os MCM são responsáveis por dar
publicidade aos atos públicos: todo cidadão tem o direito de saber, de conhecer os
90
As informações sobre os serviços públicos de rádio e TV e os conceitos sobre espaço público foram
transmitidos pelo professor dr. Laurindo Leal Filho, durante aula do curso de mestrado na ECA/USP
pela disciplina
Tendências da TV Brasileira: dos Canais Comunitários à TV Digital
, em setembro de
2005.
109
atos públicos, o que se configura no conceito da universalidade de acesso, um dos
princípios básicos da BBC, o primeiro serviço público de rádio e TV. Forma-se um
público interessado em consumir as informações fornecidas pelos meios de
comunicação de massa: jornais e revistas rompem os limites, ampliando o espaço
público horizontal (na medida em que extrapolam os círculos fechados) e
verticalmente (chegando a outros grupos sociais). A classe operária, criada pela
Revolução Industrial, também cria seus próprios meios de comunicação, o que
amplia e dinamiza o espaço público.
No Brasil, o rádio é criado em 1922 através dos clubes de ouvintes, com
prestação de serviço público e princípios semelhantes aos da BBC. Os ouvintes se
cotizavam e um imposto sobre a compra dos aparelhos de rádio servia para manter
o serviço. “Esse formato durou até o começo do governo Vargas, quando o país
iniciou sua adesão à lógica do capital e o rádio tornou-se mais um empreendimento
comercial. Os MCM são estruturais para o sistema capitalista, na medida em que
transformam produtos em mercadorias”, destaca Leal Filho.
Os meios de comunicação de massa atrofiam, a partir de então, sua função
de ampliar e dinamizar o espaço público, para o que contribui a tendência a tratar a
informação como entretenimento. Por outro lado, a edição das informações cria um
recorte de mundo conforme com visões ou idiossincrasias. Entre os MCM e seus
receptores há uma mediação ideológica do que pode ou deve ser visto e ouvido. O
público vai se transformando em massa acrítica: a revolução burguesa pára no
capitalismo.
A criação das agências de notícias européias a partir de 1860 – lembra o
professor Laurindo Leal Filho - reforça essa tendência, e um tratado de 1870 divide
as áreas de cobertura, para evitar competição, no que pode ser considerado o
primeiro indício de globalização da informação. Em 1900 são criadas as norte-
americanas AP e UPI e pressões dos EUA em defesa do livre fluxo da informação
110
levam ao fim do tratado das agências no início dos anos 1930. No entanto, persiste
o monopólio do Hemisfério Norte sobre o Hemisfério Sul, que é questionado através
da Unesco, especialmente a partir dos anos 1960, quando a descolonização da
África e da Ásia amplia o número de nações com assento na ONU e impulsiona esse
debate.
A Comissão McBride, instalada pela Unesco, apresenta um relatório intitulado
“Um Mundo, Múltiplas Vozes”, lançando o conceito do direito de comunicar e
informar, o que representou uma volta ao conceito inicial do espaço público. A
popularização da Internet, nos anos 1990, também fez renascer a mística da
recriação do espaço público: com a interatividade, parece que o cidadão tem a
possibilidade de participar dos debates, mesmo quando há edição ou mediação.
No Brasil, a identidade nacional se faz pela TV, enfatiza Laurindo Leal Filho: o
cidadão, mesmo nos lugares mais longínquos, tem a ilusão de que pertence a um
grupo, a uma nação, já que pode discutir os últimos capítulos da novela, o jogo de
futebol ou a mais recente crise política. Todavia, existe um enorme distanciamento
entre quem faz e quem consome TV. Perde-se a capacidade de crítica e muitas
vezes a própria crítica se torna um produto a ser consumido.
Nesse contexto, no mundo todo, os serviços públicos de rádio e TV passam a
ser a última fronteira em defesa do espaço público, em que o cidadão tem o direito
a informar e ser informado, com o mínimo de interferências de ideologia e edição.
Assim como os clubes e salões onde os burgueses se reuniam, foi também em
Londres que se materializou pela primeira vez o conceito de serviço público de
comunicação. A criação da Rádio BBC, em 1922, acontece no período de
reconstrução européia pós-Primeira Grande Guerra. São várias as razões para o
surgimento de um serviço público de comunicação. A emissora de rádio era vista
como parte do patrimônio cultural da Nação, assumindo o mesmo valor das
bibliotecas, museus e universidades. Politicamente, era necessário ter instrumentos
111
para enfrentar o crescimento do nazismo e do comunismo, que levaram depois à
Segunda Grande Guerra. Assim, na Europa, os serviços públicos de rádio e TV são
vistos até hoje como mais um serviço público, como água, eletricidade ou a
estrutura de bem-estar social.
Os fundadores da rádio BBC estabeleceram desde logo uma série de
conceitos que deveriam ser respeitados para preservar a própria existência do
serviço público de informação:
- O serviço não deve servir para fazer dinheiro, almejar lucro;
- Deve ser independente do governo no poder;
- Tem como objetivo criar um eleitorado mais consciente para exercer a democracia
e a cidadania;
- O serviço tem como função principal suprir a necessidade de informação dos
cidadãos.
De acordo com o modelo europeu, a TV Pública é o centro do modelo, não
tem função complementar aos MCM comerciais. No Brasil, a TV Pública é
complementar e surge com finalidade educativa. Nos Estados Unidos também é
complementar, servindo a públicos restritos. Nos anos 1980, com a tentativa do
governo Tatcher de privatizar a BBC, um grupo de jornalistas e intelectuais cria um
grupo de trabalho e lança um livro com princípios a serem seguidos na busca do
tipo ideal de serviço público de comunicação. São oito normas, citadas por Laurindo
Leal Filho:
1 – Universalidade geográfica: as pessoas têm direito a receber esse serviço, que
deve ser oferecido a toda a população;
2 – Apelo universal: deve atender a todos os gostos e interesses, com diversidade de
conteúdo e programação (criação de canais alternativos com programação
segmentada);
112
3 – Universalidade de pagamento: para evitar quebra do princípio de independência,
os serviços públicos de comunicação devem ter receitas que não os submetam aos
interesses dos governos;
4 – Independência dos governos
5 – Identidade nacional: devem servir como contrapeso à invasão cultural de outras
nações (como a indústria cultural norte-americana)
6 – Zelo com as minorias: compromisso de oferecer opções para públicos
segmentados, como apreciadores de jazz, música caribenha, etc.;
7 – Competição: devem encorajar o público a reagir contra programas ruins. A BBC,
por exemplo, compete com canais privados desde 1974;
8 – Estímulo à experimentação de novos formatos.
Essas normas surgiram como síntese de um modelo que existia há mais de
60 anos na Inglaterra. A existência de Conselhos Gestores e de Financiamento são
pilares do modelo, e assumem diferentes formatos. Na Inglaterra, Irlanda e Suécia,
são suprapartidários; permitem representação política na Alemanha, com
representantes proporcionais às bancadas regionais; na França e na Itália é maior a
influência do Estado, com representação partidária direta nos conselhos.
Nos últimos 20 anos, desde o lançamento daqueles oito princípios, ampliou-
se a pressão da globalização em direção à privatização dos serviços públicos. A
concorrência aumentou muito com o surgimento de novas concessões privadas no
mundo todo. Em 1997 a União Européia divulgou um protocolo sobre os serviços
públicos de comunicação para preservar o pluralismo, uma vez que o sistema
comercial tende a induzir à homogeinização de formatos e programações. O
conceito estabelecido é de que o Estado deve investir no serviço público de
comunicação como um gasto social.
Em 2002, a EU aprovou uma resolução defendendo um conjunto equilibrado
de programações e canais, generalistas e temáticos, para atender as necessidades
113
democráticas, sociais e culturais dos cidadãos, garantindo o acesso à educação,
informação, cultura e entretenimento de qualidade. A resolução da União Européia
estimula a diversidade cultural e lingüística, com programas de qualidade que se
atenham às necessidades de inovação e de exigência ética, tendo por objetivo
atender a mais ampla audiência, assegurando a máxima cobertura geográfica e
social, favorecendo a educação e a difusão intelectual. Objetivos que só um serviço
público pode almejar.
3.2 – OS DESAFIOS DA TV PÚBLICA
Em junho de 2003 a TVE Rede Brasil organizou no Rio de Janeiro um
seminário para discutir o conceito de TV pública, com a participação de convidados
brasileiros, ligados ou não às emissoras públicas e educativas, além de
representantes da PBS americana, da BBC e da alemã SWR/Sudwestrundfunk. O
evento gerou a edição de um livro, que será a principal fonte deste capítulo.
A TV feita para o cidadão dialoga com a sociedade civil e deve existir
além da tela, sair do prédio das emissoras para buscar, nos centros urbanos e
rurais, inspiração nos movimentos sociais de cultura e informação, retratando
a dinâmica social de seu público.
Pesquisas qualitativas com os telespectadores, investigando os
interesses e demandas da audiência, para definir e reorientar estratégias da
programação, são mais do que necessárias, e esse foi um ponto destacado
por alguns debatedores do evento.
91
Um ponto pelo qual pode-se iniciar o debate sem receio de errar é a
definição legal, na maioria dos países, de que a mídia, com exceção da Internet, é
t
91
CARMONA, BETH e FLORA, MARCUS, org.,
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 10-11
114
pública. Sobretudo o rádio e a televisão, que dependem de uma concessão
governamental. Por isso, todas as emissoras têm responsabilidades sociais.
No entanto, o jornalista Alberto Dines, que participou do seminário sobre a
TV pública, afirma que as emissoras não comerciais devem se diferenciar inclusive
pela forma de narrar os fatos:
(...) A narração, a concepção, a apresentação, o ritmo e a
formatação de um programa da TV pública devem obedecer a
parâmetros e paradigmas específicos, diferentes da narração, da
apresentação, do ritmo e da formatação da TV comercial, da TV aberta
ou mesmo da TV por assinatura.
Esse é um assunto que acho da maior importância, porque nós
estamos vendo que se criou um estilo de narração na TV por
assinatura, sobretudo na parte de jornalismo, que é o meu viés, que
nada tem a ver com a narração jornalística de uma TV pública. (...) Um
exemplo: contratar um helicóptero, que fica horas filmando, gravando
um acontecimento, enquanto, às vezes, o acontecimento nem chegou
a acontecer. Isso não é a narrativa, não é o objetivo do jornalismo da
TV pública.
92
Num país em que mais de 90% dos lares têm televisores e em que a maioria
recebe notícias e informações quase que exclusivamente via rádio e televisão, fica
clara a importância da TV na educação e formação do povo brasileiro. A TV nasceu
privada e em menos de 20 anos alcançou um nível de eficiência reconhecido
inclusive no exterior, com a exportação de novelas e a concessão de prêmios
internacionais para jornalistas do Brasil. Nesse contexto, em que os recursos são
disputados em função de audiência, fica difícil consolidar um modelo público de TV.
t
92
DINES, ALBERTO, Toda Mídia é Pública, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 16-17
115
Acredito que a televisão pública deva ter, de saída, dois
compromissos essenciais: primeiro com a qualidade e o segundo com a
autonomia, com a liberdade de criar e de se expressar, não importa de onde
venham os recursos.
Existe sem dúvida alguma, um compromisso educacional mas,
sinceramente, não acredito que esse compromisso deva se limitar à educação
formal das crianças. Pelo contrário, considero que o compromisso educacional
da TV pública é também, e sobretudo, o de orientar os espectadores, tanto os
mais jovens quanto os menos jovens, no sentido de abrir a mente para as
possibilidades de transgressão. É encorajando essa possibilidade que a
televisão pública educa. Num ambiente onde a televisão massiva tem a
capacidade de promover uma ampla lavagem cerebral, de definir valores
elaborados segundo critérios completamente circunstanciais e de limitar a
capacidade de discernimento do espectador, eu não consigo imaginar um
serviço melhor que a TV pública possa prestar ao espectador do que estimular
nele a dúvida sobre o que a própria televisão está lhe dizendo.
93
Vamos portanto, a seguir, apresentar os relatos, conceitos e informações
sobre diferentes modelos de TV pública, com base no seminário que se transformou
em livro, começando pela BBC de Londres.
3.3 – O MODELO DE TV PÚBLICA DA BBC
No seminário sobre o desafio da TV pública, realizado no Rio de Janeiro em
2003, o jornalista e diretor para as Américas do Serviço Mundial da BBC, Lúcio
r t
93
HOINEFF, NELSON, A Gênese das Televisões Públicas, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão
sob e Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p.
42-43
116
Mesquita, falou sobre o modelo BBC de serviço público de difusão por rádio e TV.
94
Os pontos básicos destacados são:
- A BBC é uma corporação pública que tem como objetivo enriquecer a vida dos
indivíduos com programas e serviços que eduquem, entretenham e também
informem;
- A BBC tem como visão ser a organização mais criativa do mundo, através de
programas e serviços, livres de interesses comerciais e tendências políticas. Nesse
sentido, a emissora busca se envolver em ações de desenvolvimento comunitário,
social e educativo, através de projetos com a comunidade e também em centros de
treinamento, como forma de aproximação com o público.
3.3.1 – Estrutura
A BBC mantém oito canais nacionais em TV aberta, seis deles digitais. A BBC
1 e a BBC 2, as principais, são analógicas. Os demais são voltados ao público jovem,
infantil, programação cultural, cobertura de atividades parlamentares e políticas e
um canal de notícias 24 horas (BBC News).
Em rádio a organização mantém dez emissoras nacionais, com uma variada
programação que inclui esportes, música, documentários, radioteatro, humor e
programas infantis. Além disso, a BBC tem cerca de 50 emissoras de rádio e TV
espalhadas pelo país, com programações locais ou regionais.
Na Internet a BBC tem o site
www.bbc.co.uk, que inclui o site noticioso
NewsOnline news.bbc.co.uk), considerado a maior rede de correspondentes do
mundo, com cerca de 250 jornalistas, orquestras sinfônicas, serviços interativos de
TV digital e o Serviço Mundial, em 43 línguas.
t
94
MESQUITA, LÚCIO, O Modelo da TV Pública da BBC, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 28-40
117
3.3.2 – Recursos
A estrutura da BBC na Grã-Bretanha é financiada por uma taxa anual que toda
residência com televisor tem que pagar. Essa taxa é de aproximadamente 115
libras/ano para a maioria das casas, com descontos para idosos, donos de
aparelhos preto e branco e cegos. A taxa gera uma receita anual de cerca de 2,5
bilhões de libras, o equivalente a aproximadamente R$ 10 bilhões.
A BBC tem outras fontes de renda, como cooperações comerciais criadas para
otimizar a rentabilidade da corporação. Por exemplo, cada vez que alguém assiste
no Brasil a programas como o Teletubies ou a série dos dinossauros exibida pelo
Fantá tico
da TV Globo, de certa forma contribui para o reinvestimento de recursos
na BBC. A BBC Worldwide, o braço comercial da BBC, fatura cerca de 660 milhões de
libras anualmente, o que equivale a aproximadamente R$ 3 bilhões.
s
Foram criadas também empresas coligadas, que prestam serviços e auferem
renda. É o caso da BBC Technology, que explora a expertise da BBC em áreas
tecnológicas, enquanto a BBC Resources disponibiliza mão-de-obra e instalações
para terceiros.
Já no caso do Serviço Mundial, que transmite em 43 línguas, a fonte de
recursos é o Ministério do Exterior britânico. A verba anual de 200 milhões de
libras, cerca de R$ 1 bilhão, é transferida para a BBC, que gerencia e aplica os
recursos no serviço internacional, seguindo normas editoriais e administrativas
válidas para a Grã-Bretanha.
Segundo o próprio site da BBC, o Serviço Mundial vai abrir em 2007 um canal
de TV com notícias em árabe. Porém, para arcar com os custos, fechou dez serviços
em línguas estrangeiras, a maioria no Leste Europeu, e reduziu algumas
transmissões de rádio, inclusive para o Brasil. Esta é a maior transformação no
118
Serviço Mundial, desde que a BBC começou as transmissões internacionais, há mais
de 70 anos.
95
Para financiar o canal internacional de TV, o BBC World, foi criada uma
operação comercial com publicidade, uma vez que a legislação britânica não
permite que o dinheiro da taxa anual paga pelas residências seja utilizado para a
prestação de serviços fora da Inglaterra. Para garantir isenção comercial e política, o
mecanismo adotado separa o lado comercial da operação jornalística. Na prática, a
BBC Worldwide compra o serviço noticioso do Departamento de Jornalismo da BBC e
transmite esse material pela BBC World. Assim, quem produz os programas não
sabe quem são os anunciantes e, ao menos em tese, não sofreria qualquer tipo de
influência comercial na produção da linha editorial.
3.3.3 – Gerenciamento Público e Prestação de Contas
O quadro de funcionários na Inglaterra e nos países servidos pela
organização soma cerca de 20 mil pessoas. Todos são regidos por uma carta de
princípios, criada desde o início das operações, aprovada pelo Parlamento, definindo
parâmetros de isenção e caráter público da organização. A BBC é conduzida por um
diretor geral e 16 diretores executivos. Esse diretor responde a um Conselho
Curador, o Board of Governors, formado por 12 pessoas que representam a
população. São esses curadores que controlam os padrões e as operações da BBC,
atuando como guardiões da qualidade da programação.
O presidente do Conselho Curador e os demais curadores são confirmados
pelo governo, num processo apartidário, para evitar nomeações que sigam
tendências políticas.
95
BBC confirma canal de TV em árabe e fecha serviços
, publicado no site www.bbc.co.uk/portuguese,
em 25/10/2005
119
Na BBC, temos consciência de que o grande fator para a
sobrevivência da rádio e da TV públicas é o apoio público. Se um
partido político, na Grã-Bretanha, decidir politizar a BBC, será o
público que vai reagir contra. O público é o principal guardião da BBC
como uma entidade pública independente e valorizada pelo próprio
público.
96
Anualmente, a BBC apresenta um relatório geral que inicialmente é submetido
ao Conselho Curador e, se aprovado, é apresentado formalmente ao Parlamento,
que representa o público e não o governo britânico. Assim, as contas e estratégias
da BBC são tornadas públicas e podem ser debatidas por qualquer cidadão.
3.3.4 – Princípios Éticos
A BBC criou um manual para nortear a produção editorial, o Producer
Guidelines, que determina os parâmetros para o trabalho dos jornalistas, além de
valores gerais. Entre os pontos principais desse manual podem ser destacados:
1 – A necessidade de ser imparcial, preciso e justo
2 – Dar uma visão completa e justa das pessoas e das suas culturas
3 – Manutenção da integridade editorial e independência
4 – Respeito à privacidade e aos padrões de gosto e decência, no sentido de evitar o
abuso do espetáculo, que pode destruir pessoas em situações em que estejam
claramente vulneráveis diante das câmeras.
A relação com os entrevistados é também um dos pontos fundamentais do
manual. Para a BBC, o entrevistado deve saber para que servirá sua entrevista e até
se vai aparecer ao lado de um painel, por exemplo. Quanto ao tratamento que se dá
aos programas, o manual sugere que o profissional se pergunte, durante a
t
96
MESQUITA, LÚCIO, O Modelo da TV Pública da BBC, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 33-34
120
realização do programa, se está sendo justo. Em programas com a participação de
crianças, a orientação é pedir consentimento aos pais ou responsáveis antes de
entrevistar uma criança.
Com relação à imparcialidade, a BBC tem o compromisso de fornecer
programas com diversidade e grande abrangência. Porém, a imparcialidade não
deve levar a neutralidade nem distanciamento de princípios democráticos.
Também não é uma abordagem matemática, que
contrabalance cada opinião divergente. A BBC está, porém,
comprometida a refletir a diversidade de opiniões. Existe uma falsa
impressão do que é imparcialidade na TV ou na rádio públicas.
Não é dar exatos trinta segundos para as opiniões divergentes,
porque isso não vai servir a ninguém. Na realidade, essa é uma forma
bastante preguiçosa e burocrática de dizer que se exerce a
imparcialidade.
97
Quanto à referência a produtos e empresas comerciais, o manual da BBC
recomenda que a citação ocorra em situações editoriais e não promocionais.
Quando uma empresa é visitada para a realização de uma reportagem econômica,
por exemplo, deve-se citar o nome da fábrica. Se é justificável ir à empresa, do
ponto de vista jornalístico, é justo identificar essa empresa.
Outro ponto essencial à política editorial da BBC: a programação, além de ter
qualidade, isenção e liberdade de forma, deve servir de referência para o público e
para as emissoras comerciais. No Brasil isso aconteceu com o programa Castelo Rá-
Tim-Bum, criado nos anos 1990, que chamou interesse do público e levou as
emissoras comerciais a melhorar o nível da programação infantil.
t
97
MESQUITA, LÚCIO, O Modelo da TV Pública da BBC, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 37
121
3.4 – A TV PÚBLICA NOS ESTADOS UNIDOS
A apresentação sobre a TV Pública americana coube a Alyce Myatt, ex-vice-
presidente de Programação da PBS e consultora em projetos de comunicação. O
sistema público de rádio e TV nos Estados Unidos é complexo, formado por
organizações de abrangência nacional e uma grande rede de emissoras locais.
98
Não é propriamente uma rede, mas uma organização que reúne 350
emissoras locais e canais nacionais, como a PBS – Public Broadcasting System - e a
CPB – Corporation for Public Broadcasting. As emissoras de TV estão em todos os 50
estados americanos, inclusive Porto Rico, Ilhas Virgens e Samoa Americana.
A PBS foi criada pelas emissoras que compõem o sistema. O canal oferece
programação não-comercial e outros serviços pelos quais as emissoras integrantes
do sistema pagam para ter acesso. Já a CPB foi criada pelo governo americano em
1967 e recebe uma dotação governamental anual, que em parte é repassada para a
PBS, para rádios e TVs públicas locais e para produtoras independentes de
programas e séries.
O orçamento anual da PBS é de aproximadamente 320 milhões de dólares.
Cerca de 13% das verbas são repassadas pela CPB. O maior volume, cerca de 25%,
vêm dos próprios telespectadores, que pagam através das 350 emissoras locais.
Todo ano, as emissoras fazem três ou quatro campanhas para levantamento de
recursos, pedindo aos telespectadores contribuições para a TV pública. O dinheiro
arrecadado vai para a PBS. Alguns programas e séries são patrocinados por
empresas, que pagam para colocar seus logotipos no final ou no início da produção.
r
t
98
MYATT, ALYCE, A TV Pública nos Estados Unidos, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sob e
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 20-27
122
3.4.1 – Programação
A PBS não é uma produtora de programas. Ela recebe programas ou séries
apresentados por outras emissoras ou produtores independentes, e pode exibi-los
ou não. Originalmente, várias emissoras públicas de TV eram produtoras, mas hoje
a maioria delas apenas exibe programas produzidos por terceiros. A WNET de Nova
York, por exemplo, trabalha em co-produções com a BBC, o Channel Four e outros
canais de produção da Inglaterra. Algumas emissoras que fazem parte do sistema
oferecem algumas horas de programação própria, como a WETA, de Washington, a
KCET, de Los Angeles, e a KQED, de São Francisco.
Muitos programas exibidos pela PBS são séries permanentes, exibidas há
muitos anos, como o MasterPiece Theater e o Great Performances, programas de
teatro e cultura que estão no ar há cerca de 35 anos. Uma série de documentários
para jovens é mantida há mais de 15 anos. A maior parte dos recursos que a PBS
recebe é usada para a renovação desses programas.
Outro segmento da programação da PBS é formado pelas produções
independentes e de emissoras locais:
A relação com as produções independentes funciona da
seguinte maneira: elas oferecem seus programas à PBS e, uma vez
aprovados, buscam financiamento na própria PBS. Entretanto, os
valores pagos pela PBS são muito mais baixos do que os
tradicionalmente pagos no mercado. Eles não refletem os custos do
programa e sim a quantia que a PBS possui e pode dispor no
momento. Com isso, alguns programas são financiados por fundações
privadas ou por agências governamentais.
(...) Alguns produtores também oferecem programas
gratuitamente à PBS, meramente em busca de espaço de exibição. Mas
o espaço é tão raro quanto o dinheiro. Só porque um programa é
oferecido gratuitamente não significa que venha a ser aprovado. Devo
123
admitir, no entanto, que um programa que já tenha patrocínio torna-
se muito mais atraente, até porque será o produtor independente
quem arcará com todos os impostos e taxas.
99
Devido às características do sistema americano de rádios e TVs públicas e a
fatores como a existência de diferentes fusos horários no território dos Estados
Unidos, é muito difícil promover um programa em âmbito nacional. As emissoras
alertam, nas vinhetas de divulgação, para que o público cheque a lista com a
programação local, que varia de uma cidade para a outra. Para atrair patrocinadores
interessados em exibição abrangente de programas, as emissoras têm procurado
encontrar formas de veicular produções geradas em caráter nacional, nos últimos
anos.
3.4.2 – Educação e Ações Comunitárias
Para potencializar a capacidade de divulgação de programas educativos, a
PBS utiliza a Internet. A maioria dos programas possui um site com informações
adicionais detalhadas, com links, textos e pesquisas relacionadas à temática,
contatos e referências em cada uma das emissoras locais. Esses endereços podem
ser acessados através do site da PBS (
www.pbs.org), um dos maiores “ponto org” do
mundo, recebendo cerca de 10 milhões de acessos por dia, disponibilizando 135
mil páginas de informação. Esse material pode ser utilizado inclusive em salas de
aula, pois oferece guias para os professores. Há ainda cursos de educação à
distância oferecidos por universidades americanas, e o
www.pbs.teachersource.org,
que disponibiliza cerca de 4.500 atividades para serem usadas em sala de aula.
Alguns sites são criados especificamente para crianças e seus familiares.
r t
99
MYATT, ALYCE, A TV Pública nos Estados Unidos, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão
sob e Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p.
22-23
124
Outro ponto que diferencia a PBS entre as emissoras públicas internacionais é
a realização de campanhas de engajamento comunitário. A maioria das emissoras
regionais tem coordenadores de atividades educacionais, que se relacionam com
organizações e instituições da comunidade. Antes que um programa educativo seja
apresentado, esses coordenadores vão às comunidades, onde entregam um guia e
divulgam trechos do programa, promovem workshops, seminários e reuniões, para
ajudar a população a trabalhar melhor os aspectos locais abordados na
programação.
3.4.3 – Desafios do Futuro
A chegada do sistema digital de TV é vista como uma oportunidade e um
desafio. Ainda não está claro o que a audiência deseja: ainda mais canais ou mais
qualidade de definição e programação. No caso da PBS, as fontes de recursos são
variáveis e muitas vezes incertas, o que compromete o planejamento e a própria
qualidade da programação.
Por causa de ideologias políticas, o governo dos Estados
Unidos ocasionalmente atacou a PBS, ameaçando cortar o seu
financiamento. O apoio das empresas tem refletido os altos e baixos
do mercado e o valor real e/ou percebido da missão da PBS. O
montante da contribuição anual dos telespectadores varia de um ano
para outro, fazendo com que, na verdade, o orçamento da PBS não
possa ser levado em conta além do ano em exercício.
(...) Há os que fazem lobby a favor de um financiamento
garantido, talvez tomando como modelo a BBC, cobrando taxas na
venda de aparelhos de TV ou reservando um montante da verba gerada
pela venda da distribuição do sinal. Qualquer que seja o modelo a ser
definido, um sólido e sustentável plano deve ser implementado, caso
125
os EUA desejem perpetuar o ideal democrático – um povo livre, com
capacidade de determinar o seu próprio futuro.
100
3.5 – O MODELO DA TV CULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO
A Fundação Padre Anchieta - Centro Paulista de Rádio e TV Educativas - foi
instituída pelo governo do Estado de São Paulo em 1967, é uma entidade de direito
privado que goza de autonomia intelectual, política e administrativa. Custeada por
dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos próprios obtidos junto
à iniciativa privada, a Fundação Padre Anchieta mantém uma emissora de televisão -
a TV Cultura - e duas emissoras de rádio: a Cultura AM e a Cultura FM. Por
inspiração de seus fundadores, as emissoras da Fundação Padre Anchieta não são
nem entidades governamentais, nem comerciais. São emissoras públicas, cujo
principal objetivo é oferecer à sociedade brasileira uma informação de interesse
público e promover o aprimoramento educativo e cultural de telespectadores e
ouvintes, visando a transformação qualitativa da sociedade.
101
3.5.1 - Filosofia
A Cultura orienta sua programação por critérios de audiência diferentes dos
das TVs e rádios comerciais. Seu primeiro compromisso é a qualidade de
programação. Em vez de buscar uma audiência universal - todo mundo, o tempo
todo, ao mesmo tempo - trabalha com o conceito de universo de audiência.
De acordo com esse conceito, isto quer dizer que, respeitando sua natureza
segmentada, produz e exibe programações de qualidade, adequadas às
necessidades e expectativas específicas de cada um dos segmentos do público:
r
t
100
MYATT, ALYCE, A TV Pública nos Estados Unidos, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sob e
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 26-27
101
Os dados sobre a constituição,a estrutura e o orçamento da TV Cultura podem ser encontrados no
site da emissora, no endereço www.tvcultura.com.br
126
adultos, crianças, adolescentes, vestibulandos, empresários, intelectuais...
Trata-se, porém, de uma audiência segmentada e horizontal, ao contrário das
emissoras a cabo cuja especialização dá origem a uma audiência de segmentação
vertical. É preciso ser fiel ao universo de audiência de cada faixa ou segmento,
oferecendo sempre e cada vez mais, programas com qualidade, destaca o site da
emissora.
Buscando cumprir seus objetivos e missão, a programação das emissoras da
Fundação Padre Anchieta está estruturada a partir de quatro pilares fundamentais,
destacadas pela apresentação feita no site www.tvcultura.com.br.
Educação - A programação educativa veiculada se apresenta como um complemento
à formação escolar, favorecendo a ampliação dos horizontes tanto de crianças como
de adultos, objetivando a formação integral do ser humano.
Cultura - A programação cultural visa criar, promover e divulgar valores culturais
universais, em especial aqueles dificilmente contemplados pelo mercado comercial.
Produzindo e divulgando materiais dessa natureza, a Cultura oferece ao
telespectador e ao ouvinte um panorama bastante completo da realidade e da
atualidade, contribuindo, cada vez mais, para a construção de uma identidade
nacional.
Informação - A programação jornalística é independente, pluralista, informativa e,
também, pedagógica. Além de incentivar o debate e de manter sempre aberto um
canal de comunicação com o público, não se submete à pauta imposta pelos meios
de comunicação de massa, pelos interesses do mercado ou pelos interesses
conjunturais do poder político ou econômico. Seu foco é a sociedade. Seu mercado
é o cidadão.
127
Entretenimento - A Cultura tem consciência de que televisão e rádio são, também,
entretenimento. Porém, por ser diferente das emissoras comerciais e por sua
natureza educativa e cultural, assume, em sua programação, o risco de uma
dinâmica de reflexão em substituição à dinâmica de mercado.
3.5.2 – Receitas e estrutura técnica
A atual gestão da Fundação Padre Anchieta afirma que não se faz serviço
público de televisão sem a ajuda dos poderes públicos. Pela própria natureza das
emissoras e para que elas possam permanecer independentes do mercado é preciso
defender a consolidação de verbas provenientes do Estado.
Crê, por outro lado, que os patrocínios e parcerias comerciais são a chave
para garantir a criação, implantação e manutenção de novos projetos, sempre tendo
como objetivo uma programação de alta qualidade. Em seu site, a TV Cultura
destaca que “independência do mercado não significa, contudo, manter-se alheio a
ele, não somente as emissoras públicas, mas toda e qualquer emissora de
radiodifusão deve manter-se atenta às significativas mudanças advindas do
mercado, na razão em que são também indicativos das preferências de público que
sempre devem ser contempladas no sentido de oferecer alternativas de qualidade.
Mas isso não basta. Para crescer e cumprir sua vocação educativa e cultural,
especialmente num universo que se torna cada dia mais e mais competitivo, as
emissoras da Fundação também precisam ter receitas próprias originadas a partir de
contatos com diferentes setores da sociedade, tanto no âmbito público como
privado.
A partir do ano de 2004 a Fundação Padre Anchieta lançou-se mais
agressivamente no mercado, com o objetivo de gerar e ampliar receitas através de:
128
Mídia Promocional e Institucional: venda de patrocínios e apoios culturais.
Venda de produtos e sub-produtos criados a partir de elementos da
programação. Para tanto se criou a Cultura Marcas que encarregou-se desse
trabalho, mantendo hoje parcerias com grandes empresas fabricantes e de
comércio eletrônico.
Licenciamento e prestação de serviços específicos, como produção de vídeos
institucionais.
Prestação de assessoria específica para áreas correlatas (tais como projeto,
instalação e manutenção de emissoras de caráter público).
O sinal da TV Cultura está disponível nas modalidades digital e analógica. Desde
o dia 15 de março de 2005, a TV Cultura passou a enviar seu sinal no modo
analógico para o satélite de comunicação Brasilsat B1. Como a esmagadora maioria
das antenas parabólicas brasileiras opera no modo analógico, estima-se que cerca
de 15 milhões de antenas em todo o território nacional recebem o sinal da TV
Cultura. A operação digital está disponível no satélite Brasilsat B3.
3.5.3 – Independência e Conteúdo
No encontro sobre o Desafio da TV Pública, realizado no Rio de Janeiro em
2003, o então diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta e atual presidente do
Conselho Curador da organização falou sobre o modelo da TV Cultura de São Paulo.
Na opinião dele
102
os três problemas estruturais de qualquer TV pública são a
independência, o conteúdo e o investimento ou sobrevivência.
A independência da TV pública depende da
independência da estrutura jurídica institucional que a constitui. Nós
r
102
CUNHA LIMA, JORGE, O modelo da TV Cultura de São Paulo, in
O Desafio da TV Pública – Uma
Reflexão sob e Sustentabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil,
2003, p. 63-70
129
temos que chegar a um acordo nacional, que é a soma de acordos
estaduais e legislativos, para que a estrutura da TV pública brasileira
seja uma estrutura jurídica institucional de independência: que ela não
seja nem regida pelas forças do mercado e nem por um eventual
governo que, quando está financiando, pensa que manda nela. Essa é
uma mágica difícil.
103
O Conselho Curador da TV Cultura é apresentado como um modelo que teria
garantido até o momento relativa independência dos governos que se sucedem no
estado de São Paulo. É constituído por 20 membros representativos da sociedade,
três membros vitalícios, vinte e um membros natos e um representante dos
empregados. O ex-governador Paulo Maluf chegou a destituir os presidentes da
Fundação Padre Anchieta por decreto. O Conselho recorreu à Justiça que, por
unanimidade, considerou ilegal a intervenção política.
Os conteúdos são produzidos, em sua maioria pela própria TV Cultura, que
dispõe de um quadro funcional de aproximadamente 1.400 funcionários, mesmo
após sucessivos cortes, realizados com a finalidade de redução de custos. São
programas infantis, jornalísticos, documentários, esportivos, educativos e de
variedades. Quanto aos programas educativos, a proposta é oferecer uma educação
complementar ao conteúdo que os estudantes dispõem nas próprias escolas.
Um dos grandes dilemas da TV Cultura nos últimos 15 anos tem sido
equilibrar a qualidade da programação e a busca por mais audiência, uma vez que a
partir de meados de 1995, com a crise de financiamento do Estado, passou a aceitar
inicialmente patrocínios e, depois, publicidade convencional.
Nós temos que produzir conteúdos de toda a natureza para a
sociedade, mas de uma forma diferente dos conteúdos pedidos pela chamada
103
Ibidem, p. 66
130
audiência universal, que é aquela coisa de pretender todo mundo o tempo
todo assistindo televisão, que deu no que deu. A subserviência a esse critério
deu o domingo na televisão. A programação dos domingos fala por si, não
preciso enfatizar nada. Então, precisamos fugir dessa imposição do critério de
audiência mercadológica. Todos nós queremos, evidentemente, a audiência
das pessoas, queremos ser vistos, ouvidos, compreendidos e amados. O
conteúdo, na TV educativa, não é mais um conteúdo exclusivamente
educativo e pedagógico.
104
Gabriel Priolli, jornalista, professor universitário e presidente da ABTU –
Associação Brasileira de TV Universitária – defende o aumento das receitas através
da prestação de serviços e a redução dos custos das TVs públicas brasileiras, como
forma de depender cada vez menos das dotações orçamentárias do Estado. A
principal proposta é terceirizar parte da produção de conteúdos, como faz a PBS
americana. Priolli exemplifica com a estrutura da TV Cultura de São Paulo:
Por que é necessário a uma emissora de televisão ter 1.400
funcionários, em 2003, quando é perfeitamente possível, com a tecnologia
disponível, tocar uma estação de TV com 200 pessoas, talvez até menos do
que isso. Ter 1.400 funcionários significa um custo elevadíssimo de mão-de-
obra, uma estrutura gigantesca, sendo que o grosso de pessoal não está na
sua estrutura produtiva, mas na de apoio, de administração. Essas TVs são
máquinas pesadas, mastodônticas, caríssimas, que precisam mudar.
105
Em busca de sustentação financeira, nos moldes da BBC e das emissoras
públicas da Alemanha, o governo de São Paulo tentou implementar uma taxa, em
r
t
104
CUNHA LIMA, JORGE, O modelo da TV Cultura de São Paulo, in
O Desafio da TV Pública – Uma
Reflexão sob e Sustentabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil,
2003, p. 67
105
PRIOLLI, GABRIEL, A Questão de Recursos, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 103-
109
131
1998, um percentual da conta de energia elétrica para financiar a TV Cultura, mas a
proposta foi duramente combatida e abandonada.
3.6 – A TV PÚBLICA NA ALEMANHA
A primeira emissora de rádio alemã entrou em operação em 1923, em Berlim.
Era uma emissora dos Correios, que tinham e ainda mantêm a propriedade dos
equipamentos de transmissão de radiodifusão. Até hoje, quem quiser ouvir rádio na
Alemanha tem que comprar um aparelho receptor no comércio e pagar aos Correios
uma taxa que equivale hoje a aproximadamente R$ 3,00.
A estrutura criada mais de 80 anos continua intocada: do ponto de vista
jurídico e econômico, o modelo é centralizado através dos Correios. Do ponto de
vista político e público, existe descentralização, já que a Alemanha se compõe de 16
estados. Portanto, o princípio de cobrar tarifa centralizadamente e irradiar
programas de forma descentralizada não mudou nas emissoras públicas de rádio e
TV. Nem mesmo a ascensão do Partido Nacional Socialista de Hitler, entre 1933 e
45, modificou esse princípio básico, embora os nazistas tenham reunido as
emissoras de rádio numa sociedade do Reich, de onde eram coordenadas
politicamente, inclusive como instrumento de propaganda do nazismo.
Após a Segunda Guerra, os aliados dividiram a Alemanha em quatro zonas de
ocupação. Americanos, franceses e ingleses procuraram estruturar as emissoras
longe do Estado e dos partidos políticos. Já os russos utilizaram o rádio, na
Alemanha Oriental, de acordo com os princípios do regime comunista, intimamente
ligado ao Estado. Por volta de 1955, os aliados devolveram o controle dos meios de
comunicação depois que o país se assumiu como República Federal da Alemanha.
Uwe Rosenbaum, diretor de Programação da SWR Südwestrundfunk fez a
apresentação sobre a TV pública da Alemanha, no seminário do Rio de janeiro. Ele
atribui à atuação dos aliados, durante pelo menos dez anos após a guerra, o fato de
132
a Alemanha dispor até hoje de um sistema de emissoras públicas organizadas como
concorrência ao sistema privado, tendo o modelo da BBC como forte influência.
3.6.1 – Recursos
O sistema alemão de emissoras públicas de rádio e TV baseia-se ainda no
monopólio dos Correios e na tarifa básica de dois marcos mensais paga por todo e
qualquer ouvinte, o que corresponde a uma tarifa anual de aproximadamente R$
45,00 para cada cidadão da Alemanha. Por isso, apesar do nazismo e da derrota na
Segunda Guerra, a base financeira dessas emissoras permaneceu garantida. Os
recursos são divididos da seguinte forma: 20% ficam com os Correios e os 80%
restantes são destinados à rede de emissoras de rádio e TV.
Os valores éticos e morais das emissoras públicas são determinados por leis
ordinárias para proteger crianças e jovens, o direito e a dignidade dos cidadãos.
Correios e Telecomunicações são de competência da União, enquanto a soberania
cultural fica por conta dos estados, que regulam questões relacionadas a escolas,
informação, arte e cultura.
O sistema foi feito para que fique muito mais difícil um governo
tentar influenciar 16 estados independentes, na educação, na formação da
opinião e na formação de consciência. A sociedade precisa de uma
multiplicidade de opiniões, de um acesso aberto a todas as fontes de
informação. É uma saída encontrada para evitar que alguma sociedade
monopolística pudesse negar essa multiplicidade de fontes de informação a
seus cidadãos, na tentativa de doutriná-los, ou seja, estabelecer uma
regulamentação intelectual.
106
t
106
ROSENBAUM, UWE, A TV Pública na Alemanha, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 44-53
133
3.6.2 – Estrutura e Missão
A Alemanha tem 16 estados e 12 emissoras públicas de TV. A TV do Norte,
por exemplo, pertence a vários estados. Outras são de um único estado, como a TV
da Baviera e a SWR, que resultou da fusão de duas emissoras do estado de Baden-
Württemberg. As TVs também mantêm programação de rádio e podem produzir em
conjunto e ter programas feitos por cooperativas. Em 1950, todas as emissoras
públicas foram reunidas numa associação, a ARD, que operou a primeira TV pública
federal, tendo sido criada uma segunda em 1964. Assim, uma residência na
Alemanha, ligada por satélite ou cabo, pode receber em média 50 emissoras de
rádio e 12 canais de TV pública, além das ofertas do setor privado e de emissoras
de países vizinhos. Na SWR em particular, a missão é oferecer programas com uma
visão objetiva e abrangente dos acontecimentos internacionais, europeus, alemães,
estaduais da Alemanha e também regionais, sobre todos os setores da vida.
Os programas devem garantir informação, formação,
aconselhamento e entretenimento e corresponder à missão cultural de
uma emissora pública, servindo à formação da opinião livre, tanto
individual quanto política. Nossos programas servem também à
estrutura da região de realização, que é o nosso estado, e têm que
frisar que a emissora recebe aporte institucional. A SWR tem o dever
da verdade, deve apoiar a união da Alemanha e respeitar a dignidade
humana e todas as opiniões ou pontos de vista moral, religioso e
geopolítico (...)
107
Por sinal, a regionalização da programação das TVs públicas é uma
característica marcante na atual fase do sistema. É uma forma que as emissoras
encontraram de recuperar o espaço perdido nos anos 1960 e 70, orientando-se de
t
107
ROSENBAUM, UWE, A TV Pública na Alemanha, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 49-50
134
volta para suas próprias comunidades, atraindo ouvintes e espectadores com
programas que refletem o lugar onde vivem. A estratégia é chamar a atenção da
audiência com o que é mais familiar ou característico da vizinhança.
Para reforçar essa estratégia, as TVs utilizam slogans como “Essa é a minha terra”,
“Nosso terceiro canal”, “O melhor do Norte”, entre outros. As receitas obtidas via
tarifas são investidas na infra-estrutura regional. A SWR, por exemplo, que cobre
uma região pequena, mantém 18 escritórios regionais, dez grupos de produção com
equipes de 20 a 50 pessoas, e uma boa estrutura de produção, com carros,
equipamentos técnicos e funcionários disponíveis. O objetivo é garantir que todas
as localidades cobertas pela SWR sejam alcançadas rapidamente, para cobertura de
eventos e notícias.
Para assegurar o interesse do público a SWR organiza cerca de mil eventos
públicos por ano, de concertos de rock para até 30 mil pessoas a pequenos
concertos de câmera, reunindo 30 pessoas. A regionalização pressupõe
participação, tradição e proximidade. Para isso, são organizados eventos como
passeios a pé ou de bicicleta.
Ou seja, a emissora busca marcar presença na região, sair do seu prédio para
ser vista, conhecida, para poder ser tocada pelo seu público, que deve concluir: “Eu paguei a
tarifa, mas olha o que eu recebo em troca”.
108
t
108
ROSENBAUM, UWE, A TV Pública na Alemanha, in
O Desafio da TV Pública – Uma Reflexão sobre
Sus entabilidade e Qualidade,
Rio de Janeiro, editado e publicado pela TVE Rede Brasil, 2003, p. 51
135
CAPÍTULO 4 – A TV PÚBLICA DE ANGOLA: ESTRUTURA, ORÇAMENTO,
PROGRAMAÇÃO, AUDIÊNCIA
“A TPA é uma empresa pública de grande dimensão
e de interes e público, dotada de personalidade jurídica, s
autonomia administrativa, de gestão e patrimônio próprio e
tem por objecto principal a prestação de serviços públicos
de radiotelevisão informativa, publicitária e recreativa.”
Trecho do Estatuto da TPA, aprovado pelo Conselho de Ministros
Certa vez, em novembro de 2004, a jovem repórter Nkula Zao, da TPA, me
surpreendeu com uma pergunta à queima-roupa: como era possível viver numa
cidade como São Paulo, onde acontecem tantos assaltos, assassinatos e crimes
contra a pessoa e o patrimônio? Estávamos em uma ilha de edição, vendo uma
reportagem realizada por ela, que eu acabara de editar. A indagação me causou
uma certa perplexidade, partindo de uma jornalista de um país que vivera uma
intensa e letal guerra civil, com até 1,5 milhão de vítimas.
Só entendi melhor a curiosidade quando soube que ela assistia regularmente
ao telejornal
Cidade Alerta
, até então exibido diariamente pela Record Internacional.
Procurei explicar a Nkula que a concentração de notícias policiais num único espaço
jornalístico realmente dava ao telespectador uma dimensão ainda maior ao
problema da violência em São Paulo. Que, na verdade, não havia um assaltante,
assassino ou estuprador à espreita em cada esquina, como a sucessão de
reportagens, a dramatização, a espetacularização e os comentários pessoais do
apresentador poderiam fazer crer.
Esse é um episódio que demonstra o poder de influência da TV, por um lado,
e como o que se vê e ouve pode parecer bem diferente do que é na realidade.
136
Porque a reportagem, seja ela de TV, rádio ou jornal, por mais fiel aos fatos, será
sempre uma representação da realidade e não a própria realidade.
Curiosamente, na maior parte da África o rádio quase sempre teve mais
alcance do que a TV, para além do pioneirismo, por uma razão básica: o alto custo
para instalar uma emissora de televisão, produzir programas com qualidade e
montar um sistema de retransmissão que leve o sinal a um número significativo de
consumidores. Segundo o jornalista Tokunbo Ojo, integrante da Canadian
Association of Journalists, a introdução da televisão, que aconteceu ao tempo do
processo de descolonização da África, refletia a geopolítica cultural e/ou comercial
dos países. Na Nigéria, por exemplo, com sua ampla variedade de grupos étnicos e
organizações sociais bem desenvolvidas, muitos desses atores sociais competiam
com o governo federal por poder e influência, e a TV inicialmente teve um alcance
regional. Todavia, muitos governos independentes decidiram investir pesadamente
na implantação da TV, com objetivos sociais, econômicos e políticos.
O argumento em favor do estabelecimento da TV pública nacional era
de que isso ajudaria a forjar a identidade cultural e promover a unidade
nacional nos países independentes que naquele momento emergiam na
África. Apesar do alto custo para instalação da televisão, esse investimento
era articulado como uma mídia com propósitos educacionais. A TV tem sido
vista como um símbolo da nacionalidade e uma panacéia para os problemas
de educação, desenvolvimento econômico e avanço político. Devido a esse
otimismo, os serviços de televisão africanos foram em muitos casos incluídos
entre as maiores prioridades dos governos pós-coloniais africanos. “Nos
estágios iniciais da TV, alguns países destinaram até 95% do orçamento para
informação nessa nova mídia” (Bourgault, 1995, p. 105).
109
109
OJO, TOKUNBO,
Political, Cultural and Educational Dimensions of Television in Post-Colonial African
States.
O
artigo pode ser encontrado em http://web.mit.edu/cms/mit3/subs/works.html#ojo.
137
No caso angolano, como na maioria dos países africanos, o investimento era
feito diretamente pelo governo. E havia – e ainda há - um dilema: como justificar
elevados investimentos numa emissora de televisão, num país com terríveis
carências sociais, onde faltam serviços básicos de saúde, educação, saneamento
básico e infra-estrutura? Mesmo levando em conta o interesse político do governo
de ter uma TV à sua disposição, o peso desse dilema não pode ser desconsiderado.
Uma das soluções para amenizar esse conflito, ao que tudo indica no caso de
Angola, tem sido manter o monopólio estatal na TV em todo o país e na transmissão
de rádio para o interior.
Sem competidores sérios, a falta de investimentos, no nível necessário para
manter qualidade
broadcasting
internacional, fica menos visível aos olhos do
telespectador. As emissoras de TV têm duas opções básicas: vender conteúdo para
os telespectadores (no caso da TV a cabo ou por satélite) ou vender a audiência para
os anunciantes. Mesmo as emissoras públicas, que recebem dotações
governamentais, têm recorrido aos anunciantes para complementar suas verbas.
A despeito do monopólio, a competição da TPA pela audiência em Angola é
cada vez maior, especialmente nas capitais. Os serviços de TV a cabo estão se
disseminando rapidamente. O principal serviço de TV digital por satélite é oferecido
pela Multichoice, criada em 1993. A empresa informa em seu site
(
www.multichoice.co.za) que tem 1,2 milhão de assinantes em cerca de 50 países
africanos, que recebem até 50 canais de vídeo e 60 canais de áudio, 24 horas por
dia. Por outro lado, o grupo português Visabeira, em associação com a Angola
Telecom, a empresa estatal de telecomunicações, começou, em março de 2006, a
operar a primeira rede de TV digital por cabo em Angola, inicialmente apenas em
Luanda, com investimentos anunciados de US$ 30 milhões. Oferece pacotes de
Tokunbo cita BOURGAULT, LOUISE M.,
Mass Media in Sub-Saharan Africa
, Indiana University Press,
1995, p. 105
138
assinatura com até 100 canais de vídeo e 25 canais de áudio, além de acesso à
internet e serviços de vídeo-vigilância.
Quem dispõe de uma antena e capta os canais por satélite dificilmente assiste
à TPA, pois a emissora não integra os pacotes oferecidos pelas operadoras. É
necessário ter uma antena externa, desconectar o cabo, conectar a antena e buscar
uma posição que garanta uma qualidade razoável do sinal, nunca do mesmo nível
do cabo ou do satélite. Em suma, cada televisor equipado com uma parabólica é um
receptor a menos da programação da TV estatal angolana.
4.1 – ESTRUTURA
É nesse cenário que a TPA chegou aos 30 anos, em outubro de 2005. A sede
da emissora fica no setor dos ministérios, em Luanda, tendo à frente o prédio da
Biblioteca Nacional, do lado direito as instalações da Rádio Nacional e à esquerda a
sede do MPLA, o partido no poder desde 1975. A proximidade física da TV e do
partido pode funcionar como metáfora da influência exercida pelo governo do MPLA
na televisão estatal.
Joana Tomás em reportagem
A emissora foi nacionalizada em 25 de junho de 1976, pelo regime marxista
que se instalou no país. Na sigla TPA, o P já significou Portuguesa, foi substituído
139
por Popular e, em 1997, sendo transformada em empresa pública por decreto
presidencial, o P passou a significar Pública.
Somente a partir de 1979 a TV começou a ter produção regional, inicialmente
nas cidades de Benguela e Lobito e, a partir de 1981, no Huambo e,
progressivamente, nas outras províncias. Atualmente, a TPA está presente nas 18
províncias angolanas, emitindo o sinal em alta, média e baixa potência ( 1 KW a
100 W). Durante o período de guerra civil, enfrentou ataques terroristas e
sabotagens que deixavam a programação fora do ar por vários dias. Até hoje, a
deficiência na infra-estrutura de produção e distribuição de energia elétrica dificulta
a transmissão regular, não só em Luanda como no interior de Angola. Durante os
seis meses em que trabalhei na TPA, os cortes bruscos de eletricidade eram diários,
às vezes mais de três vezes ao dia. A direção da EDEL, empresa estatal de
eletricidade, justificava os apagões alegando que a poeira excessiva provocava
problemas de contato nas torres de transmissão, perto de Luanda.
A sede em Luanda ocupa uma área onde não há mais para onde crescer. Os
três estúdios são disputados pelo jornalismo e demais setores de produção, com
um cronograma bastante apertado. Isso ficou claro quando dirigi a repórter Joana
Tomás durante as gravações de cabeças
110
para um programa especial sobre a seca
no sul de Angola, em outubro de 2004. Nem tínhamos concluído o trabalho e o
pessoal da produção de um outro programa já pressionava para a liberação do
estúdio.
A equipe de jornalismo fica concentrada num prédio central, com dois
andares, onde funcionam as redações, as salas da chefia e direção, um arquivo
improvisado, a sala dos cinegrafistas e as ilhas de edição. Nesse mesmo prédio
estão o switcher e o estúdio utilizados pelo
Telejornal
e pelo
Jornal da Tarde
, além
de algumas produções semanais.
110
Cabeça é o nome técnico que se dá na TV ao texto lido pelo apresentador ou apresentadora,
chamando a reportagem que será exigida em seguida
140
Os outros jornais são exibidos de um dos estúdios que ficam num prédio
construído recentemente, nos fundos do terreno, fazendo limite com a Rádio
Nacional. Por serem maiores, abrigam também as produções com participação do
público. Em outro prédio térreo ficam a direção e os setores administrativos da
emissora.
As instalações da Rádio Nacional, ao lado, são mais modernas e bem
estruturadas que as instalações da TV estatal. O prédio da rádio foi construído para
abrigar a emissora, enquanto o prédio da TPA foi improvisado, sendo ampliado
periodicamente, para acompanhar o crescimento da TV.
Isso poderá mudar até 2010, quando a direção da Televisão Pública de
Angola pretende transferir a emissora para um novo endereço, num prédio de oito
andares a ser erguido na avenida Ho Chi Minh, região nobre de Luanda. De acordo
com dados do site
Angonotícias
de 14 de novembro de 2005, citando uma
reportagem do semanário
Independente
, “as obras de construção do novo edifício
seda da TPA poderão consumir aos cofres do Estado mais de 100 milhões de
dólares norte-americanos provenientes da linha de financiamento do crédito
chinês”.
Em 2004, o governo da China prometeu liberar até US$ 2 bilhões para
Angola, tendo como garantia o fornecimento de petróleo, já que Angola é o
segundo maior produtor na África, ficando atrás apenas da Nigéria. A reportagem
informava que a TPA teria acesso a uma fração dessa linha de crédito para construir
e equipar sua nova sede. O início das obras, segundo afirmou o diretor geral da
TPA, Carlos Cunha, seria entre o final de 2007 e início de 2008. O projeto seria feito
em duas etapas: a construção do prédio, orçada em US$ 65 milhões e a compra de
novos equipamentos, que consumiria mais US$ 50 milhões, totalizando US$ 115
milhões. A reportagem não informa se esses investimentos serão feitos já em
equipamentos para produção e transmissão digital, mas anuncia outros planos.
141
(...) Mas, os projectos da TPA não ficam por aqui, o pelouro de Carlos
Cunha vai edificar o centro de produção da Camama, em Luanda, cujas as
obras terão início em Janeiro do próximo ano (2006). As províncias de
Cabinda, Benguela, Huambo, Huíla e Namibe também verão edificados os seus
centros de produção.
Fontes do jornal
Independente
, avançaram ainda que, outras atenções
estão viradas para a edificação de 60 novos postos de recepção bem como a
reabilitação dos que já existem um pouco por todo país. Quanto a
programação, a TPA pretende também investir na sua qualidade em particular
a nacional (sic).
111
4.1.2 - Expansão do sinal
Já durante as comemorações dos 30 anos da TPA, em outubro de 2005, o
diretor geral da emissora, Carlos Cunha, um ex-astro da seleção nacional de
basquete, havia anunciado a intenção de estender o sinal da TV a 60 novas
localidades pelo interior de Angola. Mas não citou quanto teria nem quando poderia
contar com os recursos para realizar esse projeto de expansão. “Achamos que é um
passo importante e vamos esperar que os recursos sejam concedidos para que nós
continuemos com esse processo”, disse Cunha, de acordo com registro da Angop,
de 19/10/2005.
A TV estatal angolana precisa, além dos recursos para ampliar o sinal, de
dinheiro para recuperar e manter os retransmissores já existentes. Uma consulta à
Angop, a agência oficial de notícias do país, mostra que os cortes no sinal são
constantes, seja em capitais de províncias, seja em localidades mais distantes.
Em agosto de 2005, o diretor da TPA em Cabinda, a província mais ao norte,
anunciava que o sinal do Canal 2 seria retomado até o final do mês. Os
telespectadores da província não recebiam a programação do Canal 2 há mais de
111
Informações podem ser acessadas no site www.angonoticias.com, utilizando o serviço de buscas
para a reportagem “Novo edifício da TPA orçado em mais de cem milhões de dólares”, de 14/11/2005
142
três meses, “por problemas técnicos”, que poderiam ser resolvidos com o envio de
equipamento de Luanda. Informava ainda a nota: “O sinal do canal principal é
captado quase em toda a extensão da província, com a exceção a sede municipal de
Belize e a comuna de Miconge devido ao problema de relevo e, porque o sinal
televisivo propaga-se em linha recta, referiu (sic)”. (Angop,
Cabinda: Sinal do canal 2
da TPA será retomado
, 11 de agosto de 2005).
Em setembro de 2005, um incêndio destruiu parcialmente as instalações do
centro emissor da TPA em Uíge, também no norte do país. “O incêndio iniciou na
parte do grupo gerador, deixando-o totalmente destruído, tendo o fogo se
alastrado e danificado uma parte do contentor onde está instalado o equipamento
que capta o sinal do canal 1 da TPA (sic)”. (Angop,
Uíge: Incêndio destrói
parcialmente instalações do centro emissor da TPA
, 2 de setembro de 2005).
Na cidade do Dondo, província do Kwanza Norte, os telespectadores também
ficaram sem o sinal da TPA por pelo menos um mês, devido a uma avaria no
retransmissor. O equipamento foi enviado a Luanda para reparos. “Presume-se que
as constantes oscilações da energia eléctrica, aliadas à antiguidade do equipamento
instalado em 1993 estejam na origem das avarias que freqüentemente provocam a
interrupção do sinal da TPA. Em conseqüência das avarias, a cidade do Dondo teve
nos últimos oito meses três interrupções do sinal televisivo”. (Angop,
Kwanza-
Norte: Cidade do Dondo privada do sinal da TPA
, 6 de setembro de 2004).
A escassez de combustível, devido à dificuldade dos caminhões atingirem
lugares mais distantes, com as estradas em más condições, também prejudica as
emissões da TV angolana. Na comuna de Kalussinga, município do Andulo, em
março de 2005, a TV só podia ser captada aos sábados e domingos. “A
administradora adjunta Justina Bundo esclareceu que o tempo de emissão do sinal
televisivo reduziu-se para dois dias devido a escassez da gasolina para o grupo
gerador que fornece a energia eléctrica aos equipamentos (sic)”. (Angop,
Bié:
143
Insuficiência de combustível reduz o tempo de emissão da TPA em Kalus inga
, 13
de março de 2005).
s
r
Na comuna de Kalussinga, como em muitas outras localidades pelo interior
de Angola, a TPA é captada por antena parabólica, contando com um gerador, um
codificador e um estabilizador. Um televisor é colocado num
Jango
, uma espécie de
cabana aberta ou semi-aberta, coberta por sapé ou similar, onde a comunidade se
reúne para acompanhar a programação da TV. Costume que também existe no
Brasil, principalmente no Nordeste, onde o aparelho de TV é colocado numa caixa,
na praça principal de cada cidade.
Até mesmo em Kuito, capital da província do Bié, a TPA enfrenta constantes
problemas com o retransmissor. A região foi uma das mais atingidas pela guerra
civil e ainda tem boa parte da infraestrutura destruída ou danificada. Em abril de
2004, os habitantes ficaram vários dias sem o sinal da TV para que fossem
realizados serviços de manutenção elétrica. “Segundo o responsável, o trabalho
deve-se ao facto da necessidade de acabar com os curtos circuitos que se
registavam frequentemente, adiantando que a manutenção será feita na capital
onde a peça já foi enviada (sic)”. (Angop,
Bié: Kuito sem sinal da TPA
, 29 de abril de
2004).
Mas nem só de má notícias vive a TPA. Na Angop também há informações
sobre planos de expansão do sinal e inaugurações de novos retransmissores. Em
Cabinda, um novo diretor de Comunicação Social assumiu em julho de 2004,
definindo como prioridade “a extensão dos sinais da Rádio Nacional de Angola e da
Televisão Pública de Angola em toda a província” (Angop,
Cabinda: Comunicação
social tem como prio idade alargamento dos sinais da RNA e TPA
, 14 de julho de
2004).
O representante da TPA no Bengo, província colada ao norte de Luanda,
informava em julho de 2005 que esperava verbas para estender os sinais da TV
144
estatal a diversos municípios. O objetivo era, até o fim de 2005, levar o sinal da TPA
a pelo menos cinco dos oito municípios do Bengo, “caso o governo local agilize já o
pagamento de cerca de 400 mil dólares do equipamento de fabrico espanhol,
necessário a recepção do sinal via satélite”. No mesmo evento, o chefe do Jornal de
Angola na província, Augusto Pedro, disse que dois jornalistas apenas não
conseguem cobrir os oito municípios da província, com população estimada em 500
mil pessoas. (Angop,
Bengo: Sinal da TPA pode ser e tendido ao interior da
província ainda este ano
, 2 de julho de 2005).
s
Em Huambo, capital da província do Huambo, planalto central de Angola, o
sinal do Canal 2 da TPA foi inaugurado oficialmente em julho de 2004, atingindo,
além da capital, os municípios de Caála, Longonjo, Thicala-Tcholonhaga,
Katchiungo, Bailundo, Ekunha, além de Chingar, na vizinha província do Bié. A
diretora da Comunicação Social do Huambo, Emília Mendonça, “assegurou que o
governo está a trabalhar no sentido de adquirir dentro dos próximos tempos novos
e sofisticados equipamentos para permitir expandir o sinal da televisão e de rádio
para os 11 municípios do interior da província (sic)”. (Angop,
Huambo: Inaugurado
sinal do canal dois da TPA
, 29 de julho de 2004).
Também no Huambo, quase um ano depois, em junho de 2005, em visita à
província, a secretária-geral do Ministério da Comunicação Social, Júlia Mingas,
informou ao governador António Paulo Kassoma, que seria lançado no segundo
semestre o concurso público (licitação) para a construção de um novo edifício da
TPA e para a reabilitação (reforma) das instalações da Rádio Nacional. As duas obras
estavam orçadas em 115 milhões de kwanzas (cerca de US$ 1,437 milhões), sendo
59,7 milhões de kwanzas (cerca de US$ 746 mil) para a Rádio Nacional e o restante
para a TPA.
Em Benguela, no litoral sul de Angola, o sinal da TPA passou a ser
retransmitido em setembro de 2005 ao município do Cubal, a 170 quilômetros da
145
capital. “Segundo o administrador-adjunto do Cubal, Júlio da Silva Santos, a
montagem da estrutura que permite a retransmissão do sinal num raio de 10 a 15
quilômetros enquadra-se no programa do Governo de melhoramento e aumento da
oferta dos serviços básicos à população”.
A retransmissão comunitária do sinal para locais distantes (levando-se em
consideração que uma distância de 170 quilômetros de estradas, muitas vezes sem
asfalto, pode exigir horas de viagem num veículo 4x4), como nesse caso, tem sido
feita por satélite, sendo necessário decodificador e antena parabólica. O sistema de
transmissão via ondas só é usado nos municípios situados no litoral de Benguela,
como a capital Benguela, Lobito e Baía Farta. (Angop,
Benguela: Sinal da TPA
re ransmitido no Cubal
, 25 de setembro de 2005).
t
O quadro que se pode formar a partir destas informações é de que a TPA é
retransmitida e assistida nas 18 províncias de Angola, porém muitos angolanos que
só têm a emissora oficial como fonte de informação e entretenimento muitas vezes
ficam privados até mesmo dessa programação, em virtude de problemas técnicos,
de manutenção e/ou da falta de investimento necessário para levar o sinal da TV até
as localidades mais distantes.
4.2 – FORMAS DE FINANCIAMENTO E PESSOAL
As três principais características de uma TV pública são: a natureza jurídica
das emissoras educativas e culturais, as formas de financiamento do sistema e o
controle público sobre o serviço.
112
Vamos explicar agora como funciona o sistema
de financiamento da TPA, similar ao de outras emissoras públicas que recorrem à
publicidade para reforçar o caixa.
r v
112
MOTA, REGINA. “
Uma pauta pública para uma nova televisão b asileira”,
publicado na
Re ista de
Sociologia e Política,
jun. 2004, no.22, p.77-86
146
4.2.1 – Orçamento e publicidade
A Televisão Pública de Angola não divulga regularmente o montante de
recursos anuais que recebe do orçamento público. Existe pouca transparência na
relação da TV com o público e menos ainda no que diz respeito a prestar contas dos
recursos oficiais recebidos e de que forma são consumidos. O site da emissora, que
não era atualizado desde 2002, informava em meados de 2005 que a TPA recebe
“um orçamento anual inferior a US$ 5 milhões por ano, cabimentados (sic) pelo
Governo através do Orçamento Geral do Estado (a título meramente comparativo, a
RTP portuguesa e a SABC sul-africana dispõem de um orçamento anual da ordem de
350 a 400 milhões de dólares)”.
Para suprir a escassez de recursos, em 1992 a TPA lançou um concurso
público tendo como objetivo selecionar uma entidade com a qual constituísse
sociedade, para a exploração comercial dos espaços publicitários. É importante
lembrar que nesse momento o país vivia em relativa paz: foi em 1992 que se
realizaram as primeiras – e até o momento únicas – eleições democráticas e
multipartidárias. Em 13 de dezembro de 1994 foi fundada a TVC – Televisão
Comercial de Angola – responsável pela comercialização e administração de
publicidade na programação da emissora estatal. “Apesar de os incentivos
publicitários já representarem uma presença bastante aceitável no bloco geral das
emissões (comerciais, incentivos à programação e institucionais, geralmente não
pagos), o seu contributo financeiro não ultrapassa os 10% do orçamento geral da
TPA, dadas as dificuldades de inserção da publicidade no âmbito geral de marketing
da maior parte das empresas que operam em Angola...”, informava o site da TV.
No entanto, esse quadro vem mudando rapidamente. Loterias, fabricantes de
cervejas, vinhos e refrigerantes e empresas de telefonia móvel estavam entre os
principais anunciantes no horário nobre da TPA, no segundo semestre de 2004. E
essa participação da publicidade no orçamento geral só tende a se expandir pois,
147
como no resto do mundo, o crescimento do número de telefones celulares
(chamados de telemóveis, em Angola e outros países lusófonos) tem sido
vertiginoso, com um grande mercado a ser conquistado, limitado apenas pelo baixo
poder aquisitivo dos potenciais consumidores.
A TVC entrega, desde 1997, um prêmio que leva o nome da organização, ao
melhor anúncio e à melhor agência publicitária. No site da empresa constava a
entrega do último prêmio, em 2003, que teve a participação de 62 anúncios e 14
agências.
A Televisão Comercial de Angola – disponibiliza, através de seu endereço na
internet, as informações necessárias a empresas e instituições que queiram anunciar
na TPA.
As tabelas de preços da TVC estão elaboradas levando em conta a
grande importância que a TPA assume no quadro da comunicação social
angolana, da sua cobertura em todo o país e do seu elevado nível de
audiências, mas reflectem igualmente o actual estado do mercado angolano,
numa economia que inicia a sua reabilitação e em que os investimentos para o
desenvolvimento começam agora a verificar-se.
113
As tabelas de preços para inserções comerciais são apresentadas em dólares americanos,
mas os valores devem ser convertidos e pagos na moeda nacional, o kwanza, tendo como
base as taxas de referência cambial do BNA – Banco Nacional de Angola – o Banco Central do
país. Seguem, abaixo, as tabelas de anúncios nos Canais 1 e 2, com quatro faixas de horário
e três faixas de preços:
113
Cf. o site www.tvc.co.ao
148
CANAL 1
Duração
Horas Tabela
15" 20" 30" 45" 60"
08:00 - 16:00 C 168 224 280 420 560
16:00 - 20:00 B 192 256 320 480 640
20:00 - 22:30 A 300 400 500 750 1.000
22:30 - Fecho B 192 256 320 480 640
CANAL 2
Duração
Horas Tabela
15" 20" 30" 45" 60"
10:00 - 16:30 C 87,5 120 175 262,5 350
16:30 - 19:00 B 100 135 200 300 400
19:00 - 22:00 C 87,5 120 175 262,5 350
22:00 - Fecho A 125 165 250 375 500
Além desses preços, caso o cliente queira a inserção em bloco determinado, necessita pagar
mais 20% do preço do anúncio. Também há cobrança de 10% do valor da emissão a título de
imposto.
De acordo com recomendação da TVC, os anúncios, gravados em fita Betacam, devem ser
entregues à TPA em Luanda com prazo mínimo de dois dias úteis antes da primeira exibição.
No caso de anunciantes que tenham um plano de mídia extensão, com grande número de
inserções, a TVC oferece bônus progressivos, conforme tabela abaixo, referenciada em
dólares norte-americanos:
Verba Canal 1 Canal 2
10.000 A 15.000 5% 10%
15.000 A 25.000 10% 15%
25.000 A 50.000 15% 20%
ACIMA DE 50.000 20% 25%
149
Quanto aos formatos dos anúncios a serem exibidos na grade de programação da Televisão
Pública de Angola, a TVC oferece seis opções, informando duração, características de cada
um e também exemplos. Os textos abaixo foram extraídos
ipsis literis
do site da empresa,
tendo sido preservadas a ortografia, a grafia e a organização originais:
Spots
Refere-se à emissão de mensagens publicitárias através do spot tradicional inserido em
blocos de anúncios emitidos em intervalos da programação e emissão da estação.
Duração
15", 20", 30", 45" e 60"
Emissão
Durante toda a emissão da estação, de acordo com espaços e tabelas estabelecidas.
Exemplos
Um concessionário de automóveis apresenta um novo modelo e suas vantagens.
Um fabricante de sumos explica as qualidades de uma nova marca.
Uma empresa divulga tipos e qualidades de mobílias que tem para venda.
Antena empresarial
Trata-se de um micro-programa de divulgação dos produtos, serviços, projectos, etc., de
empresas anunciantes. Poderão ser apresentadas imagens de instalações, dos processos de
fabricação, de distribuição, relações com clientes, etc. Na parte final dessa emissão, poderão
ser divulgadas mensagens publicitárias, até um máximo de 30", para além das naturais
referências decorrentes da realização deste tipo de material.
Duração
Dois formatos: 15' e 8'.
Poderão ser feitos de blocos de 2 ou mais anunciantes (cujos objectos sociais não deverão
ser concorrentes), não devendo o tempo total exceder os 16'.
150
Emissão
A Antena Empresarial será emitida de 2ª a 6ª feira, entre as 18h / 20h30m.
Exemplo:
Uma empresa de fabrico de refrigerantes demonstra a tecnologia de fabrico, revela a
introdução de uma nova marca, exibindo o logotipo da empresa ou marca. Poderá incluir
igualmente entrevista com responsáveis, quadros e outros trabalhadores.
Especial desporto
Spot com formato, tempo e inserção especiais, a contratar pontualmente, para emissão em
eventos desportivos de grande importância.
Duração e horários
A contratar pontualmente para emissão em eventos desportivos de grande importância.
Duração e horários
A contratar pontualmente
Exemplos
Logotipo de marca associada a: Logotipo de marca associada a:
Resultados Apresentação das equipas
Quartos de hora Interrupções naturais do jogo
Momentos de golo Replay de imagens
Datas festivas
Modalidade publicitária que possibilita que vários produtos ou várias marcas possam ser
divulgados numa produção conjunta, enquadrados por um mesmo fio condutor, que no caso
será a comemoração das datas festivas, a criar pela TPA.
Duração
4' máximo
151
Emissão
Bloco especial em horário a fixar caso a caso.
Exemplos
Bloco com prendas diversas, de vários anunciantes, destinados ao Dia da Mãe.
Um anunciante publicita vários artigos de oferta habitual no Natal.
Spot especial
Trata-se de um spot especial colocado de uma forma isolada em espaços e momentos
importantes de destaque da emissão da TPA.
Duração
6"
Emissão
Em horários de emissão dos programas em que se decida a sua inclusão.
Exemplos
Spot após as imagens de sumário/destaque do Telejornal e antes do respectivo genérico de
abertura.
Spot após as imagens de sumário das telenovelas e antes do respectivo genérico de
abertura.
Sinal horário
Mensagem publicitária associada ao sinal horário que antecede programas de informação
diária.
Duração
Até 10"
Emissão
Jornal da Tarde
Telejornal
152
Jornal da Noite
TPActualidade
A TVC oferece, além dos anúncios publicitários convencionais, inserções
chamadas de “Publireportagens”, assim descritas no site da empresa:
Apresentação de Novos Produtos, Inaugurações de empreendimentos e Realizações
Empresarias, que não sejam de interesse público, podem ser enquadrados publicitariamente
nos programas ECONOMIA E NEGÓCIOS, ECOS & FACTOS ou nos quatro magazines da
programação da TPA, designadamente ARCO ÍRIS de Luanda, NÓS E A NOITE da Huíla,
VENTOS E SOPROS de Benguela e O NOSSO SERÃO da província de Cabinda. Exceptuando o
ECOS & FACTOS, qualquer dos demais programas tem reposição no canal 2.
Programa 1 m 2 m 3 m
Ecos & Factos 990 1.980 2.970
Ventos & Sopro 660 1.320 1.980
Nosso Serão 660 1.320 1.980
Nós & Noite 660 1.320 1.980
Arco Íris 770 1.540 2.310
Economia e Negócio 880 1.760 2.640
Preços em USD
Os anunciantes de produtos ou serviços de âmbito cultural recebem descontos especiais, de
acordo com tabela que diferencia empreendimentos angolanos e estrangeiros.
Os Descontos referidos para Rádio e Imprensa obrigam a reciprocidade de condições em
relação à TVC e TPA. A Inclusão de referências a Patrocinadores implica redução dos
descontos em 50%.
A Referencia a Patrocinadores não deve exceder 20 % da duração do Spot.
153
Desconto
Produtos
Angolanos Restantes
Livros, Discos, Exposi
ç
ões, Teatro, Ballet, Circo,
Filme, Musicais ao vivo.
75% 50%
Imprensa e Rádio 50% ------
Outras Actividades Recreativas 25% ------
4.2.2 – Direção e pessoal
O quadro abaixo, disponível no endereço da TPA na Internet (
www.tpa.ao) até
meados de 2006, ilustrava a constituição da direção da emissora, por eles chamada
de “estrutura orgânica”:
Carlos Cunha
DIRECTOR GERAL
DIRECÇÃO DE PROGRAMAS DIRECÇÃO DE INFORMAÇÃO
Casimiro Alfredo
Nelson Rosa
154
DIRECÇÃO DE REDE DE DIFUSÃO DIRECÇÃO TÉCNICA DE ESTÚDIO
Hélder Figueiredo
Florindo Ramos
DIRECÇÃO ADMIN E FINANCEIRA SUBDIRECÇÃO ADMINISTRATIVA
Jorge Marques
Suzana Mata
SUBDIRECÇÃO DE INFORMAÇÃO SUBDIRECÇÃO DE PROGRAMAS
Manuel da Silva
António Maria Estevão
155
O diretor geral e outros integrantes do corpo diretivo estão no cargo, por
indicação do governo, desde a nacionalização da emissora, em 1976. O corpo de
funcionários da TPA é formado por uma força de trabalho de aproximadamente
1.500 funcionários, nas 18 províncias. A maioria, cerca de 950, está alocada na
sede, na capital federal, Luanda. De acordo com informações da TPA, 76% dos
funcionários são homens. A própria emissora reconhece que trata-se de mão de
obra majoritariamente com baixa escolaridade, com salário entre 200 e 400 dólares,
em média:
Apesar de o seu nível de escolaridade estar aquém do exigido a uma
estação de televisão (apenas 6% têm formação superior e 39% de nível médio),
a programação diária apresenta níveis bastante aceitáveis em que se denota
que as debilidades de formação acadêmica e profissional são compensadas
pelo espírito de entrega, vontade e disponibilidade para o desenvolvimento do
trabalho.
114
Funcionários indicados por pessoas influentes no governo ou no partido
majoritário, de acordo com comentários entre os próprios servidores, não
encontram dificuldade para serem selecionados e contratados pelo Setor de
Recursos Humanos da TV. A direção da emissora informa que são realizados
concursos periodicamente para o preenchimento de vagas. Todavia, a indicação é
geralmente a forma mais segura e rápida para se obter um emprego na televisão
estatal.
114
Estas informações estavam disponíveis no site da TPA até meados de 2006, no endereço da Internet
http://www.tpa.ao. Posteriormente, o site foi reformulado, sendo excluídos diversos dados sobre o
quadro de funcionários, orçamento e considerações sobre a criação da emissora. O novo conteúdo do
site, por sua vez, inclui outras informações, em especial sobre a nova programação
156
4.3 – PROGRAMAÇÃO
Desde agosto de 2000, a TPA transmite em dois canais, num total de 20
horas diárias. O Canal 2 inicialmente atingia apenas Luanda, mas foi aos poucos
sendo retransmitido para outras províncias, atingindo, entre outras, Benguela, Huíla,
Huambo e Cabinda. Alguns programas exibidos no Canal 1 são reprisados mais
tarde no Canal 2, ampliando a capacidade de audiência dessas produções.
Cerca de 60% da grade de programação da TPA tem produção própria. A
novela
Reviravolta,
com 100 capítulos, foi gravada em 2002 por uma equipe quase
toda formada por angolanos. Equipes de profissionais brasileiros já participaram da
produção de outras novelas, transferindo know-how para profissionais locais.
Atualmente, o chefe do setor de finalização das novelas e programas da linha de
entretenimento e de shows é um brasileiro, que assumiu o cargo em 2004.
Conversas no Quintal
é um programa humorístico semanal, uma sitcom que ironiza
características dos angolanos e por isso mesmo tem boa audiência. Por terem baixo
custo de produção, e tendo em vista também o grande número de músicos
angolanos, a TV também investe em musicais, com diversos formatos. Entre eles,
Vozes do Semba
, uma série de documentários sobre os intérpretes mais
consagrados do semba, um estilo musical tipicamente angolano.
Estrelas ao Palco
é
um concurso de imitação de vozes de cantores nacionais e internacionais, um
programa de calouros.
Não poderia faltar um programa de culinária, o
Muamba
. Semanal, com
periodicidade de 30 minutos, ensina como fazer os principais pratos da cozinha
angolana, entre eles a galinha à cabidela (ao molho pardo), a muamba de galinha
(com frango, amendoim e quiabo) e o feijão de óleo de palma, que no Brasil é
conhecido como azeite de dendê.
O estatuto da TPA informa que trata-se de “uma empresa pública de grande
dimensão e de interesse público”, que tem “por objectivo principal a prestação de
157
serviços públicos de radiotelevisão informativa, publicitária e recreativa.” Embora
seja oficialmente uma TV pública, a TPA não tem uma programação educativa
significativa. A grade inclui alguns programas com concursos de cultura geral, como
3 x 3
e
Vencedores
.
Janela Abe ta
é um talk show que tem mais prestígio do que audiência,
embora seja um dos mais citados nas pesquisas informais realizadas
periodicamente pela Angop – a agência nacional de informação. O Jornalismo é um
dos setores que mais tem conseguido espaços na TPA, como se verá a seguir. Para
exemplificar uma semana típica de programação na emissora, reproduziremos
abaixo a previsão de grade da última semana de janeiro de 2005, entre os dias 23 e
29.
r
DOMINGO, 23 DE JANEIRO
07:30 – Abertura
07:35 – Shop TV
09:30 – Ginástica para todos
10:00 – Carrossel (resumo Temas Educativos)
11:00 – Filme infantil: Pocahontas
12:00 – Série Juvenil: TV Colosso
12:30 – Variedades
13:00 - Muamba
13:30 – Jornal da Tarde
14:00 – Educativo: Cores
14:30 – Língua Nacional: Nyabeca e Kwanyama (Estações regionais noticiários)
15:30 – Domingo Desporto
17:30 – Telefilme Africano: Maionese Africana
18:00 – Educativo: Terras de Festa
158
18:30 – Concurso: Luanda dá Sorte (Finangest)
19:30 – Semana em Actualidade
20:00 – Conversas no Quintal
20:30 – Telejornal
21:00 – Desenhos Animados
21:05 – Você Decide: O Jogador
22:30 – Interlúdio Musical
23:00 Seriado Serviços Médicos: Verdadeiras Mentiras
00:00 – Shop TV
02:00 – Encerramento
SEGUNDA-FEIRA, 24 DE JANEIRO
09:30 – Abertura
09:35 – Shop TV
11:30 – Ponto de Reencontro
12:00 – Carrossel
13:00 – Educativo: O Mundo Animal da Toyota IV
13:30 – Jornal da Tarde
14:00 – Educativo: Mediterrâneo
14:30 – Noticiário em Línguas Nacionais
15:30 – Educativo: Laboratório da Ciência
16:00 – Talk Show: Janela Aberta
18:00 – Educativo: Economia Hoje (Estações regionais noticiários)
18:30 – Ver de Novo (Telenovela): Reviravolta
19:00 – Ecos & Factos
20:00 – Loto 2
20:05 – Telenovela: Lusitana Paixão
159
20:30 – Telejornal
21:00 – Desenhos Animados
21:05 – Angola em Movimento
22:00 – Telenovela: Porto dos Milagres
22:30 – Institucional Cabinda
22:35 – Jogo Aberto
00:00 – Jornal da Noite
00:30 – Shop TV
02:30 – Encerramento
TERÇA-FEIRA, 25 DE JANEIRO
09:30 – Abertura
09:35 – Shop TV
11:30 – Ponto de Reencontro
12:00 – Carrossel
13:00 – Educativo: Aventuras Arqueológicas
13:30 – Jornal da Tarde
14:00 – Educativo: O Mundo do Trabalho
14:30 – Noticiário em Línguas Nacionais
15:30 – Educativo: Natureza em Profundidade
16:00 – Talk Show: Janela Aberta
18:00 – Educativo: A Moderna Administração (Estações regionais noticiários)
18:30 – Ver de Novo (Telenovela): Reviravolta
19:00 – Ecos & Factos
20:00 – Telenovela: Lusitana Paixão
20:30 – Telejornal
21:00 – Desenhos Animados
160
21:05 – Seriado Nacional: Sede de Viver
21:30 – Telenovela: Porto dos Milagres
22:30 – Parlamento
23:30 – Jornal da Noite
00:00 – NBA Action
00:30 – Shop TV
02:30 – Encerramento
QUARTA-FEIRA, 26 DE JANEIRO
09:30 – Abertura
09:35 – Shop TV
11:30 – Ponto de Reencontro
12:00 – Carrossel
13:00 – Educativo: O Mundo Animal da Toyota IV
13:30 – Jornal da Tarde
14:00 – Educativo: Mediterrâneo
14:30 – Noticiário em Línguas Nacionais
15:30 – Educativo: Laboratório da Ciência
16:00 – Talk Show: Janela Aberta
18:00 – Educativo: Economia Hoje (Estações regionais noticiários)
18:25 – Institucional Cabinda
18:30 – Ver de Novo (Telenovela): Reviravolta
19:00 – Ecos & Factos
20:00 – Telenovela: Lusitana Paixão
20:30 – Telejornal
21:00 – Desenhos Animados
21:05 – Magazine Nacional: O Nosso Serão
161
21:30 – Telenovela: Porto dos Milagres
22:30 – Desporto Internacional
00:00 – Jornal da Noite
00:30 – Shop TV
02:30 – Encerramento
QUINTA-FEIRA, 27 DE JANEIRO
09:30 – Abertura
09:35 – Shop TV
11:30 – Ponto de Reencontro
12:00 – Carrossel
13:00 – Educativo: Aventuras Arqueológicas
13:30 – Jornal da Tarde
14:00 – Educativo: O Mundo do Trabalho
14:30 – Noticiário em Línguas Nacionais
15:30 – Educativo: Natureza em Profundidade
16:00 – Talk Show: Janela Aberta
18:00 – Educativo: A Moderna Administração (Estações regionais noticiários)
18:30 – Ver de Novo (Telenovela): Reviravolta
19:00 – Ecos & Factos
20:00 – Telenovela: Lusitana Paixão
20:30 – Telejornal
21:00 – Desenhos Animados
21:05 – Seriado Nacional: Sede de Viver
21:30 – Telenovela: Porto dos Milagres
22:00 – Debate Informativo
00:00 – Jornal da Noite
162
00:30 – Shop TV
02:30 – Encerramento
SEXTA-FEIRA, 28 DE JANEIRO
09:30 – Abertura
09:35 – Shop TV
11:30 – Ponto de Reencontro
12:00 – Carrossel
13:00 – Educativo: O Mundo Animal da Toyota IV
13:30 – Jornal da Tarde
14:00 – Educativo: Mediterrâneo
14:30 – Noticiário em Línguas Nacionais
15:30 – Educativo: Laboratório da Ciência
16:00 – Talk Show: Janela Aberta
18:00 – Educativo: Economia Hoje (Estações regionais noticiários)
18:30 – Ver de Novo (Telenovela): Reviravolta
19:00 – Ecos & Factos
20:00 – Telenovela: Lusitana Paixão
20:30 – Telejornal
21:00 – Desenhos Animados
21:05 – Institucional Cabinda
21:10 – Magazine Nacional: Nós e a Noite
21:40 – Institucional Obras Públicas
21:45 – Telenovela: Porto dos Milagres
22:45 – Kandandu
23:45 – Jornal da Noite
00:15 – Sétima Arte: Invasão Letal II
163
01:45 – Shop TV
03:40 – Encerramento
SÁBADO, 29 DE JANEIRO
08:00 – Abertura
08:05 – Shop TV
10:05 – Carrossel
11:30 – Filme Infantil
12:30 - Variedades
13:30 – Jornal da Tarde
14:00 – Educativo: O Regresso das Epidemias
14:30 – Noticiário em Línguas Nacionais: Fiote
15:30 – Tarde de Cinema: Big
17:00 – Magazine: Economia e Agropecuária
17:30 – Jovemania
18:30 – Ver de Novo (Telenovela): Reviravolta
19:00 – Jornal África
20:00 – Totoloto
20:05 – Telenovela: Lusitana Paixão
20:30 – Telejornal
21:00 – Desenhos Animados
21:05 – Seriado Nacional: Sede de Viver
21:30 – Telenovela
22:30 – Estrelas ao Palco
23:30 – Cine Estúdio: Uma Lição de Vida
01:00 – Shop TV
03:00 – Encerramento
164
Uma das novidades da programação, desde meados de 2005, é uma versão
matinal do
Ecos & Fatos
, das 10 às 11 horas da manhã, apresentada por Gustavo
Silva e Ana Celeste. É um telejornal que aborda temas do cotidiano, dá dicas e faz
entrevistas para esclarecer assuntos de destaque no momento. Relembra as
manchetes da noite anterior e abre espaço a repórteres das províncias, que
participam através de audiofone.
4.3.1 – Produção
Como se vê na amostragem de programação de uma semana, os programas
jornalísticos são totalmente produzidos pela TPA. Também há alguns programas de
entrevistas (Janela Aberta), de entretenimento (Carrossel, Jovemania) e
teledramaturgia (Conversas no Quintal).
Todo o resto – filmes, seriados educativos, seriados e telenovelas – é
importado. A teledramaturgia é comprada geralmente em Portugal e no Brasil,
principalmente séries e novelas produzidas pela TV Globo.
Num evento promovido em junho de 2005 pelo IACAM – Instituto Angolano
do Cinema Audiovisual e Multimédia – Tomás Ferreira, que se apresentou como
realizador e produtor de cinema e televisão, criticou a falta de espaço na TPA para a
produção nacional de vídeos, documentários e filmes. Ele disse que chegou a
atender o convite da TPA, no primeiro trimestre de 2005, para participar da
produção da programação, apresentando projetos, mas reclamou das condições
exigidas e da falta de apoio e financiamento:
A televisão pode dar um contributo maior no desenvolvimento do
audiovisual em Angola, se priorizar o produto nacional descentralizando a sua
produção, através de financiamento de projectos de carácter social. O
mercado angolano precisa de dinheiro e legislação para que possa crescer,
165
formar os seus quadros, actualizar tecnologia e assim estar ao mesmo nível
com os seus concorrentes.
115
O diretor geral da TPA, Carlos Cunha, reconheceu a falta de recursos
disponíveis para incentivar a produção nacional, principalmente de seriados e
telenovelas. Durante as comemorações dos 30 anos de criação da emissora, em
outubro de 2005, afirmou que pretende produzir até 2008 uma nova telenovela
angolana de longa duração.
O nosso problema de continuidade deste trabalho prende-se
precisamente com a falta de estúdios, de condições para produzirmos de uma
forma mais eficaz, mais efectiva e mais rápida. Nós, com o nosso centro de
produção, vamos poder produzir de forma contínua e dentro de dois ou três
anos estaremos a substituir a telenovela principal brasileira por uma de
produção nacional.
116
A última novela produzida em Angola, com atores angolanos e equipes que
mesclavam profissionais angolanos, brasileiros e portugueses, foi
Reviravolta
, que
estreou em 2003, e era reprisada até recentemente.
4.4 – AUDIÊNCIA
Em Angola não há um instituto que faça regularmente a medição de audiência
de emissoras de rádio e de TV, como o Ibope no Brasil. Por isso, o nível de audiência
desses veículos de comunicação é estimado, o que pode resultar em números bem
diferentes, de acordo com a origem da estimativa e das fontes e números utilizados.
r
s r s
115
Ver reportagem na Angop,
Realizador pouco optimista com política de p odução da TPA
, de 28 de
junho de 2005
116
Entrevista pode ser encontrada no site da Angop,
TPA vai e tende sinal a ses enta novas
localidades do país
, de 19 de outubro de 2005
166
A TPA, por exemplo, apresenta uma estimativa de audiência de 3 milhões de
telespectadores em todo o país, 50% desse total na capital Luanda, sendo 70% de
mulheres. Para chegar a essa conclusão, a TV estatal angolana informava que
haveria mais de 400 mil aparelhos de TV no país em meados de 2006, com
audiência média estimada entre sete e oito pessoas por televisor. Porém, no site da
emissora, que não era atualizado desde 2003, não havia identificação de qualquer
fonte para esses números.
Em Angola, a penetração do rádio e da TV é relativamente baixa, quando
comparada com outros países africanos. De acordo com uma pesquisa nacional
realizada em 1996, 33% das residências tinham um aparelho de rádio (51% em áreas
urbanas e 22% em zonas rurais). Outra pesquisa do INE – Instituto Nacional de
Estatística – de 1999, indicava que apenas 9% das casas tinham um aparelho de TV,
todos em áreas urbanas.
Pesquisa das Nações Unidas neste mesmo ano documentava a existência de
123 aparelhos de TV para cada 1000 habitantes na África do Sul, enquanto em
Angola essa relação não passava de 19 por 1000. Na Nigéria havia 55 televisores
por 1000 habitantes e no Zimbabwe, 29 por 1000. No entanto, a audiência de rádio
e de TV em Angola, embora não mensurada, seria maior do que esses números
sugerem, devido ao acesso que muitas pessoas têm aos receptores de propriedade
de vizinhos.
117
Esses números são confirmados por outra pesquisa, do Banco Mundial, sobre
a infra-estrutura e o acesso à tecnologia da informação e da comunicação: o
número de linhas telefônicas fixas passou de 5 por 1000 em 1995 para 6 por 1000
em 2001, na média nacional. Nas maiores cidades, entretanto, essa cifra era de
19/1000 e 21/1000, respectivamente. Em 1995 não havia telefonia celular; em
2001, já havia 6 aparelhos por 1000 angolanos.
117
HODGES, TONY,
Angola, Anatomy of an Oil State
, Indiana University Press, Indiana-USA, 2001, p. 95
167
Quanto aos computadores e acesso à internet, o Banco Mundial não
encontrou equipamentos do gênero em 1995, mas em 2001 havia 1,3/1000
habitantes, sendo que 60 mil pessoas eram usuárias da rede mundial.
Em 1995, havia 33 aparelhos de rádio por 1000 habitantes, número que
saltou para 74/1000 em 2001. O número de televisores passou de 7/1000 em 1995
para 19/1000 em 2001, a mesma cifra fornecida pela ONU. Para efeito de
comparação, na África Sub-Saariana, a média em 2001 era de 60 aparelhos de TV
por 1000 habitantes, ou seja, duas vezes mais do que em Angola.
118
O estudo mais recente de que se tem notícia sobre a audiência dos meios de
comunicação em Angola (rádio, TV, jornal e internet) foi realizado de 3 a 16 de abril
de 2002, com 600 entrevistados maiores de 15 anos. Os resultados estão no livro
Audiência de Media em Luanda,
do sociólogo angolano Paulo de Carvalho.
119
A obra
é dividida em sete capítulos e, de acordo com o autor, a intenção é entender o perfil
do consumo e das audiências dos veículos de comunicação na capital Luanda,
servindo de instrumento para as decisões de gestores, jornalistas e outros
profissionais dos meios de comunicação. Também procura avaliar a adesão dos
públicos a determinados programas e mensagens e apreender o grau de
serviço
público
prestado pelos profissionais e órgãos de comunicação.
A metodologia utilizada foi a realização de 600 entrevistas, por pessoas
previamente preparadas, tendo uma amostragem de acordo com critérios
demográficos, sociológicos e econômicos de Luanda, que foi dividida em área
urbana, área semi-urbana e subúrbios. Em cada rua, e seguindo métodos
específicos, foram realizadas 10 entrevistas de cerca de 20 minutos. Os dados
obtidos foram tratados através de um programa de informática estatístico para as
ciências sociais, designado SPSS.
118
O relatório
ICT at a glance – Angola
, do Banco Mundial, pode ser encontrado no site
http://devdata.worldbank.org
119
CARVALHO, Paulo de,
Audiência de Media em Luanda,
Luanda, Editorial Nzila, 2002, Colecção
Ensaio
168
De acordo com análise dos dados apurados, realizada pela professora
portuguesa Izabel Ferin da Cunha, licenciada em História pela Faculdade de Letras
de Lisboa
(...) pode inferir-se, primeiramente, que os meios de comunicação
gozam, na generalidade, de grande prestígio e exercem uma influência
considerável na vida das pessoas em Luanda. O mesmo público manifesta
maior confiança na informação produzida pelos órgãos de comunicação
privados. A rádio é o meio com maior penetração na população sendo as
estações de rádio as que obtêm uma avaliação mais positiva. A
Rádio Luanda
lidera as audiências, seguida da
Rádio Cin o
, da
Rádio Ecclésia
,
Luanda
Antena Comercial
e da rádio coligada à
Rádio Nacional de Angola
.
c
r
Como refere o autor (p. 109)
a televisão pública de Angola é uma
estação estatal, que detém actualmente o monopólio da televisão em Angola
operando dois canais desde 2002. A televisão é o segundo meio em impacto
na população entrevistada, estando o
Telejornal
(jornal televisivo) no topo das
preferências, seguido pelo programa de informação e entrevistas
Ecos &
Factos
, as telenovelas da tarde e da noite e o programa de opinião pública
designado
Janela Abe ta
. Refere-se que nos bairros mais carentes nem todos
têm acesso a um receptor (a preto e branco ou a cores), além de que os cortes
de energia e avarias de transmissão, em toda a cidade, inibirem
frequentemente a visualização dos programas. Contudo, os dados recolhidos
pelo autor registam cerca de 77% de espectadores assíduos de televisão nas
entrevistas realizadas. A análise estatística dos mesmos dados aponta para
um perfil de espectador que varia em função dos programas emitidos (p.
130).
120
Segundo o autor, estimava-se que 22% da população teria acesso à Internet
em Luanda, dependendo de fatores sócio-econômicos, grau de instrução, volume de
120
A análise completa pode ser encontrada no site www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr
169
rendimentos da família, local de residência e sexo. Os dados recolhidos durantea
pesquisa apontam para uma percentagem diminuta de utilizadores com acesso
diário garantido à rede internacional de computadores.
170
CAPÍTULO 5 – O JORNALISMO NA TPA: LINGUAGEM, FORMAÇÃO DE
JORNALISTAS, SINDICALIZAÇÃO, AUTOCENSURA
“Tentamos ser imparciais, mas ainda não é possível atingir essa imparcialidade,
essa isenção, porque há uma influência significativa do Estado,
e quando digo Estado me refiro ao partido que está atualmente no poder.
Isso é uma realidade que nós temos que aceitar. Nossa democra ia é c
muito recente e tudo isso se reflete no nosso trabalho.”
Ramiro Matos, jornalista da TPA, em entrevista a Maria Silvia Bembom
Em 1992, o jornalista Volmar Antônio Malganin foi contratado pela agência
de publicidade baiana Propeg para participar da equipe que foi a Angola trabalhar
na campanha presidencial do MPLA. O presidente José Eduardo dos Santos, no
poder desde a morte de Agostinho Neto, em 1979, havia assinado, em 1991, com
Jonas Savimbi, da Unita, um acordo de paz, que previa a realização das primeiras
eleições livres e pluripartidárias da História de Angola.
Além de cuidar da campanha, o contrato da Propeg previa a administração
técnica dos meios de comunicação sob controle do Estado, ou seja, a Rádio
Nacional, a TV Pública e o Jornal de Angola, que era e ainda é o único diário do país.
Volmar integrava uma pequena equipe que ficou encarregada de dar consultoria na
TPA: ele cuidava da produção e do fechamento, enquanto outro profissional
acompanhava uma das equipes de reportagem e um terceiro supervisionava as
edições.
“Na época, o Jornalismo da TPA era praticado por pessoas com pouco ou
nenhum preparo técnico ou profissional. Para se ter uma idéia, repórteres e editores
não usavam lauda, portanto não tinham noção do tempo que cada reportagem iria
ocupar. O
Telejornal
, que já era o principal produto informativo da emissora,
171
poderia ter 50 minutos ou duas horas de duração. Quando havia uma conferência
de imprensa com alguma autoridade, eles punham a fita bruta (sem edição) no ar, o
discurso todo, mesmo que tivesse 20, 30 minutos ou mais”, relembra Volmar.
A emissora já dispunha de pelo menos sete equipamentos de externa
Betacam (sistema Pal), e os cinegrafistas tinham pouco conhecimento de como usar
as câmeras. O jornalista diz que a equipe de brasileiros treinou cinegrafistas,
repórteres e editores, introduzindo lauda para contagem de tempo por linhas,
montando novos cenários, ensinando a editar e sonorizar reportagens e a usar o
som ambiente.
A TPA funcionava no mesmo prédio que ocupa atualmente, e a diretoria era
exatamente a mesma. Com as inovações que introduziu, Volmar Antônio Malganin
afirma que conseguiu padronizar a duração do
Telejornal
em aproximadamente 45
minutos de arte (tempo do qual se exclui os intervalos). No primeiro dia em que o
novo sistema foi utilizado, Volmar previu que o jornal teria 45 minutos. Controlou a
prolixidade dos textos e dividiu os blocos em reportagens de um e meio a dois
minutos de duração. Ao final, o
Telejornal
teve 46 minutos. Impressionado com a
precisão da contagem de linhas das laudas de textos, um jornalista angolano teria
chamado o brasileiro de bruxo, por contar o tempo através das palavras.
“Os jornalistas não eram tecnicamente preparados para produzir um jornal
como estamos acostumados a fazer no Brasil, mas muitos têm um bom nível
intelectual. Falam duas ou três línguas e muitos estudaram no exterior”, observa
Volmar. Realmente, vários dos jornalistas que conheci em Luanda no segundo
semestre de 2004 concluíram Comunicação Social ou outros cursos, geralmente da
área de Humanas (Sociologia, Direito, Filosofia), através de bolsas de estudo ou
acordos de cooperação, especialmente com faculdades e universidades de Cuba, da
antiga União Soviética (geralmente da Rússia), ou do Leste Europeu, principalmente
a ex-Iugoslávia. Eram fluentes em russo, espanhol, inglês e/ou francês.
172
Durante a campanha eleitoral de 1992, Volmar garante que não recebia
pressões do governo para privilegiar o candidato José Eduardo dos Santos. Como
contava com uma melhor estrutura profissional de campanha, e acesso irrestrito aos
principais meios de comunicação, o MPLA conseguia atrair um maior número de
eleitores aos comícios do que os principais adversários, Jonas Savimbi, da Unita e
Holden Roberto, da FNLA. E isso se traduzia em reportagens maiores nos programas
jornalísticos da TPA.
Savimbi, conhecido pelo carisma e pela crueldade até com os correligionários,
dizia nos comícios que logo que vencesse as eleições estaria na TPA “para ajustar as
contas com quem está a mentir”, numa ameaça que era editada e incluída nas
reportagens sobre os comícios da Unita. “Nós colocávamos no ar todos os desafios e
ameaças do Savimbi”, diz Volmar.
Como várias províncias não tinham condições técnicas para gerar o material
que gravavam, a TPA recolhia as fitas em várias partes do país através de três
aviões, pela manhã e à tarde. O material depois era editado em Luanda e incluído
nos noticiários. Já no início da apuração, Savimbi passou a ameaçar retomar a
guerra civil caso não fosse o vencedor. A contagem dos votos durou cinco dias, e
haveria necessidade de um segundo turno, já que nenhum dos dois principais
candidatos conseguiu a metade mais um dos votos.
Após dois dias de apuração, a Propeg decidiu retirar a maior parte da equipe
do país, temendo que o conflito reacendesse mais rápido do que se imaginava.
Menos de uma semana após o final da apuração, houve violentos enfrentamentos de
integrantes do MPLA e da Unita em Luanda, com um número de mortos elevado,
mas jamais contabilizado oficialmente. A guerra civil estava de volta e durou mais
dez anos, com intervalos de paz. Durante esse período as divisões políticas se
exacerbaram entre simpatizantes dos dois lados em luta, o que se refletia em todos
os aspectos da convivência nacional.
173
Switcher do Telejornal
No início do segundo semestre de 2004 o clima já era bem diferente: a
guerra havia terminado há quase dois anos e meio, com a morte de Savimbi, e os
angolanos pensavam e falavam muito em reconstruir o país e suas vidas. Porém, na
TPA, muita coisa parecia igual ao que Volmar havia encontrado 12 anos antes. O
prédio e a diretoria continuavam os mesmos, as máquinas de escrever haviam sido
substituídas por microcomputadores, mas o
Telejornal
era produzido e fechado sem
muita preocupação com a duração. A programação era condescendente e o jornal,
que ia ao ar às 20h30, poderia se prolongar até 21 horas ou 21h30, embora tivesse,
oficialmente, 30 minutos brutos, incluindo os intervalos.
Não era utilizado nenhum sistema informatizado de edição de telejornais: o
fechamento era feito em arquivos Word, do Windows. Na mesma época, a Rádio
Nacional já dispunha de uma redação com computadores padronizados, e os
noticiários e programas eram produzidos e finalizados através de um software de
edição.
Na redação que era utilizada pelo
Telejornal
, o
Jornal da Tarde
, o
Jornal 2
, o
Jornal África
e os noticiários em língua estrangeira, havia apenas cinco ou seis
computadores em funcionamento simultâneo, com diferentes configurações, mais
174
dois para os editores e apresentadores. As longas sonoras e os textos prolixos
também estavam lá, em quase todas as cabeças, chamadas ou reportagens.
A partir de 1992, várias equipes de jornalistas brasileiros trabalharam dando
consultoria técnica e editorial à TPA, sob contrato com o governo angolano. Alguns
desses profissionais, com os quais tive contato, contam que conseguiam introduzir
avanços na produção, edição e apresentação dos telejornais, mas quando ficavam
duas ou três semanas de férias no Brasil, ao voltar notavam que algumas dessas
tarefas e/ou procedimentos haviam sido abandonados ou negligenciados.
A seguir, seguem observações e informações recolhidas durante os seis
meses de trabalho na TPA em Luanda, no segundo semestre de 2004, abordando
aspectos como linguagens e influências, pauta, reportagem e edição, com
amostragem de textos, pré-espelhos e espelhos de jornais (que em Angola são
chamados de pré-alinhamentos e alinhamentos).
5.1 – LINGUAGENS E INFLUÊNCIAS DO BRASIL E DE PORTUGAL
Os angolanos, de modo geral, vêem o Brasil e os brasileiros com bons olhos,
por várias razões: foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola; o
Brasil tem uma parcela da população de origem angolana, devido ao tráfico de
escravos; é um gigante estendido do outro lado do Oceano Atlântico; e produz
seriados e telenovelas que caíram no gosto do povo de Angola. Uma delas,
Roque
Santeiro
, produzida pela TV Globo e exibida nos anos 1980, causou tamanha
impressão no público angolano que serviu para nomear o maior mercado a céu
aberto da África, localizado em Luanda.
Embora falem a mesma língua, angolanos, portugueses e brasileiros têm
significativas diferenças de estilos e de sotaques. Angola, que só se libertou de
Portugal há 31 anos, ainda preserva fortes influências lusófonas, especialmente na
ortografia e no modo de falar. Dos países de língua portuguesa, o Brasil é o único
175
que não tem fala e ortografia diretamente vinculadas às características de Portugal,
o que chama a atenção, especialmente nos PALOP – Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa. A maioria dos angolanos é tolerante às diferenças, mas a
influência brasileira na mídia, principalmente, costuma despertar reações adversas
ou até de repúdio.
Foi o que aconteceu na edição de 23 de outubro de 2004 do semanário
Agora
. Em editorial às páginas dois e três, assinado pelo jornalista Pascoal Mukuna,
a influência lingüística de assessores e consultores brasileiros, contratados para
trabalhar no
Jornal de Angola
, na Rádio Nacional e na TPA é duramente criticada,
tendo como exemplo uma reportagem sobre a roupa do presidente George W. Bush,
publicada no único jornal diário de Angola.
(...) Que contratem gregos, chineses, portugueses ou brasileiros não
é da nossa conta. Mas, como agentes activos da sociedade angolana já não
nos podemos manter indiferentes a alguns estragos lingüísticos que, com a
complacência e a passividade das direcções desses órgãos, os assessores
causaram nas referidas empresas jornalísticas.
Com alguma freqüência, fomos escutando colegas nossos dos órgãos
estatais queixarem-se da introdução, por parte dos assessores sul-
americanos, de termos estritamente brasileiros nas matérias jornalísticas em
que estes punham a sua indesejada “colher”. Ainda na sua edição de segunda-
feira, 11, o Jornal de Angola inseriu, numa determinada notícia internacional,
a expressão “terno”, um brasileirismo que significa “fato” (o conjunto do
vestuário).
O jornalista angolano chama atenção para o papel dos meios de comunicação
social na formação dos cidadãos, e considera um “péssimo exemplo” o uso de
brasileirismos nas edições de jornais e em emissões de rádio e TV. Além de “terno”,
Mukuna cita outras palavras e expressões tipicamente brasileiras que seriam usadas
176
até com certa regularidade pela mídia angolana: “carioca”, “cara”, “grana”, bufunfa”,
“tô nem aí” e “cadê”, “para além de outros que não fazem parte do léxico da língua
de Camões de José Maria Relvas. Outrossim, os compatriotas do rei Pelé exageram
no uso do gerúndio. E aqui se escreve e fala com toda a naturalidade esses termos,
como se de português se tratasse”. E mais:
Um jornal que se preze deve, pois, evitar inserir no seu serviço
noticioso expressões da “rua”, sob pena de cair na vulgaridade. Longe de
pretendermos ser arautos da nossa língua oficial, não nos podemos, porém,
manter indiferentes ao português sofrível que se fala em algumas rádios, na
Televisão Pública de Angola – ficamos estarrecidos quando escutamos um
locutor da TPA dizer “a perca da bola...” – e se escreve em certos jornais –
entre o estatal e alguns privados.
(...) Aconselhamos os nossos confrades a melhorar o seu principal
instrumento de trabalho, a língua portuguesa, aproveitando ao máximo os
cursos que, regularmente, o Centro Cultural Português tem oferecido aos
órgãos de comunicação social. (...) Que saibamos, não houve qualquer acordo
ortográfico da língua portuguesa que contemplasse a introdução dos termos
regionais brasileiros nem de outro país da CPLP (Comunidade de Países de
Língua Portuguesa). Portanto, a semântica do português mantém-se a mesma.
Até que se altere, a língua veicular tem de ser respeitada. Nada de ternos!
121
A preocupação com a manutenção de uma língua portuguesa pura de origem
não é só de Pascoal Mukuna. O diretor do Cefojor – Centro de Formação de
Jornalistas – sediado em Luanda, Mário Costa Dias, também foi questionado pelo
repórter Jorge Eurico, em entrevista ao site
Notícias Lusófonas
:
121
O texto completo pode ser consultado às páginas 2 e 3 da edição 398, de 23 de outubro de 2004
do semanário
Agora
177
Notícias Lusófonas – Quais são os grandes défices que mais
apresentam os formandos?
Mário Costa Dias – O principal défice é o domínio da Língua
Portuguesa. Por isso em todas as acções formativas que o Cefojor ministra
tem a cadeira de Língua Portuguesa como elementar.
NL – Não será que esse défice se agrava mais com o “brasileirismo”
que tem estado a invadir a sociedade angolana, particularmente na imprensa?
MCD – Não colocaria a questão nesses termos. Quem domina bem de
facto a Língua Portuguesa, independentemente de qualquer invasão, sabe
quais são as ferramentas certas para bem escrever e falar português.
NL – Não admite que tem havido uma grande invasão do
“brasileirismo” na nossa sociedade e na imprensa angolana?
MCD – Admito! E isso acontece fundamentalmente entre os quadros do
nosso sector por falta de autodidatismo. Temos lido muito pouco e o que se
lê é basicamente proveniente do Brasil. Sobre o que vem de Portugal, temos
muito pouco. Infelizmente vamos tendo mais material didático referente ao
jornalismo brasileiro. E por isso há uma tendência muito grande para cairmos
no português falado no Brasil ou, se quisermos, o “brasileirismo”. Há esse
risco que, contudo, pode e deve ser corrigido.
NL – De que forma podemos corrigir isso?
MCD – Esta é uma preocupação que toca todos os angolanos. Defendo
que é necessário que incrementemos o ensino da Língua Portuguesa em todos
os níveis de ensino no nosso país.
NL – Por quê que vamos estando mais distantes de Portugal e mais
próximos do Brasil?
MCD – Acho que nunca houve interesse por parte dos Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa em voltar costas à Língua Portuguesa. Penso que
não aconteceu nem há de acontecer. A nível da política de expansão da Língua
Portuguesa parece-me ter sido relegado, esse aspecto, para um plano inferior
quando devia ser uma questão de prioridade das prioridades.
178
NL – Mas não sente que estamos virados mais para o Brasil do que
para Portugal?
MCD – Sinto, sim senhor! Sinto que os angolanos vão estando mais
virados para o Brasil do que para Portugal por algo que, no fundo, começam a
ser nuances da Língua Portuguesa, o que poderá levar que cada país possa
criar terminologias muito próprias que fogem ao padrão universalmente
considerado a nível da Lusofonia. Isso tem fragilizado o português como uma
língua uma. E há o receio de que num futuro não muito distante tenhamos
dificuldades em nos entendermos.
122
Queiram os angolanos ou não, a influência de outras línguas ou variações
lingüísticas é conseqüência do processo histórico e parece ser tendência inexorável.
A língua que se fala em Luanda também absorveu palavras e expressões do
kimbundo, a língua original dos povos que habitavam a região. Por exemplo, ao se
referir a uma pessoa mais velha, se diz kota. Pelada de futebol é baba e quando se
quer dizer que há muito de uma coisa se utiliza bwé (bué).
E a diversidade não pára por aí. Na TPA, usam-se termos bem diferentes
daqueles que são familiares na TV brasileira. Alguns exemplos:
BRASIL
Matéria
Cobrir a matéria
Decupar
Pré-espelho
Espelho
ANGOLA
Peça
Pintar a peça
Visualizar
Pré-alinhamento
Alinhamento
122
A entrevista completa de Mário Costa Dias, de 4 de setembro de 2005, pode ser acessada no site
www.noticiaslusofonas.com
179
Chamada de bloco
Quadros
Produtor
Diretor de TV
Falecido
Amendoim
Pimenta
Homossexual
Fila
Injeção
Camiseta
Legal
Amigo
Criança
Destaques de Intermédio
Rubrica
Realizador
Misturador
Malogrado
Ginguba
Gindungo
Paneleiro
Bicha
Pica
Camisola
Fixe
Kamba
Miúdo
Como se vê, a língua falada em Luanda tem nítidas influências do português
lusitano e do kimbundo. A polêmica da linguagem como fator de identidade
nacional e/ou étnica é tratada em artigo do professor angolano João Baptista
Lukombo Nzatuzola, no primeiro caderno do CESD – Centro de Estudos Sociais e
Desenvolvimento, lançado em agosto de 2004. “A língua pode tornar-se muitas
vezes vector social de discórdia entre elementos na sociedade que fazem uso de
uma determinada língua, que não seja tida como materna”, destaca Nzatuzola,
referindo-se ao português em contraposição às línguas originalmente faladas em
Angola.
180
O sociólogo comenta dois aspectos que não podem ser esquecidos neste tipo
de debate: as línguas faladas na África nem sempre obedecem às fronteiras políticas
dos países; e a velocidade de expansão da língua portuguesa, que 25 anos após a
independência já havia se tornado na segunda língua materna mais importante de
Angola, atrás apenas do umbundo, com 40% de utilizadores. Ou seja, a tendência de
absorção de influências externas não pode ser desconsiderada quando se pensa no
futuro da língua falada em Angola. Um exemplo típico se vê nos nomes de muitos
angolanos, escolhidos provavelmente pelo ritmo e sonoridade e não pelo significado
das palavras: conheci pessoas que tinham, no registro civil, nomes ou até
sobrenomes como Cambalhota, Capitão, Papel e Solavanco!
5.2 – PAUTA, REPORTAGEM E EDIÇÃO
No segundo semestre de 2004, a TPA não produzia uma pauta como
normalmente acontece nas emissoras de TV brasileiras e internacionais, com
informações sobre o objetivo de cada reportagem a ser realizada, dados
informativos a respeito do assunto, além de endereços, telefones e horários
estabelecidos para cada marcação de entrevista ou produção de imagens.
A maioria dos assuntos encaminhados para produção tinha a mesma origem:
um ofício ou carta, de instituição oficial, partido, organização não governamental,
do governo angolano, etc., solicitando cobertura para eventos. Dependendo do
tema, a reportagem poderia ser solicitada por um telefonema, especialmente se
fosse do interesse do MPLA ou do governo federal ou provincial.
A solicitação era enviada a Manuel da Silva, sub-director de Informação da
TPA. Na prática, é o sub-director quem dirige o Jornalismo da TPA. O diretor Nelson
Rosa cuida da parte administrativa, no setor de administração da emissora, onde
fica também o gabinete do diretor geral.
181
O sub-diretor chancelava o documento e o encaminhava a uma de suas
secretárias, que elaborava o roteiro de reportagens. Esse roteiro, com o repórter
indicado para cada pauta, o local e o horário de saída da emissora, era afixado na
redação no fim da tarde do dia anterior. No entanto, geralmente, essas eram as
únicas informações que o repórter recebia. Não havia um trabalho de levantamento
prévio do assunto, com informações adicionais para familiarizar o repórter ou
contextualizar a abordagem que deveria fazer.
Devido à disponibilidade de poucas viaturas, normalmente a equipe –
repórter, cinegrafista e auxiliar - era levada até o local da cobertura, o carro voltava
à emissora para outros serviços e buscava a equipe mais tarde. Por isso,
privilegiava-se pautas como congressos, palestras, audiências oficiais, balanços de
atividades, encontros partidários, cursos e/ou outros eventos que tivessem uma
única marcação. Uma repórter e apresentadora bem humorada costumava classificar
de “Angola sentada” a maioria das reportagens realizadas na TPA.
Ao retornar, o repórter vizualizava a fita gravada, num equipamento Betacam
disponível na redação principal. Ou podia recorrer a uma das quatro ilhas
destinadas ao Jornalismo, caso estivessem desocupadas. O próprio repórter é o
editor da matéria: não havia a figura do editor de textos, o profissional que
geralmente acompanha a realização da reportagem desde a elaboração da pauta,
assessorando o repórter durante o trabalho de campo, recebendo a fita ou as fitas
para decupagem. No Brasil e na maioria dos países, o editor trabalha em conjunto
com o repórter para escrever o texto, e depois vai para a ilha editar a reportagem de
acordo com o roteiro estabelecido.
Após decupar (visualizar) a matéria, o repórter ia para um computador e
escrevia o texto abrindo um arquivo Word. Ele começava com uma sugestão de
lead
(cabeça, o texto a ser lido pelo apresentador), o que é um bom exercício, pois
começando-se pela cabeça o jornalista tem uma noção mais clara da reportagem
182
como um todo, evitando repetições desnecessárias, explorando e articulando
melhor o material disponível. Ele fazia as indicações de entrada e saída das sonoras
(entrevistas ou declarações gravadas), pois o material depois seria editado por um
editor de imagens, geralmente sem a presença do repórter ou de um editor de
textos.
Ao concluir a redação, cortava a parte superior do texto com o
lead
(cabeça),
incluindo as legendas dos entrevistados, e o entregava ao editor chefe que fechava
o jornal. Alguns editores aceitavam o trabalho sem questionamento; outros faziam
questão de revisar o texto, geralmente fazendo alterações e/ou discutindo o teor da
reportagem. Aprovado o texto, o repórter descia para uma cabine de áudio próxima
às ilhas de edição, gravava o off e entregava a fita com o roteiro da reportagem ao
editor de imagens que finalizaria o material.
Abaixo, seguem amostragens de textos produzidos por repórteres da TPA,
com indicações de entrevistas, tendo sido mantidas todas as características originais
de linguagem e ortografia. O primeiro foi produzido para o telejornal
Ecos & Factos
:
Ecos & Factos
Florêncio André/texto
Paulo Sérgio/Imagens
Edição: Norberto Soares
Data: 21.07.04
As autoridades de Benguela acreditam que através da recente visita da missão do
Banco Mundial à Província, muitos projectos serão implementados. Os sectores
Pecuário, Agrícola e do Ensino são prioritários;
V.T.
Na actual fase de reconstrução nacional, o governo procura financiamentos para
recuperar as principais infra estruturas sociais. O Banco Mundial é um dos principais
parceiros.
183
A comissão que recentemente visitou Benguela vai assegurar o financiamento de
vários projectos no campo social.
Som....................Job Sassando/ Admin. Municipal da Ganda
00:00:15:03... acredito; 00:00:28:19... seja maior
Agostinho Felizardo / Gov. Provincial de Benguela em Exercício
00:05:07:11... mas também; até 00:05:37:00... destino
A reintegração dos ex. militares, é uma das prioridades. Foram feitos estudos dos
solos no Cachimbambo. Apurada a sua fertilidade, os terrenos foram entregues aos
desmobilizados para o cultivo. Vai beneficiar cerca de mil e quinhentos homens e
suas famílias. Sorgo, massambala e milho, são as sementes a serem lançadas à terra.
Alguns preferem experimentar as artes e ofícios previstos no pacote de
financiamentos.
Som....................Domingos Laurindo/ Ex. Militar
00:07:19:01... Eu por mim; 00:07:43:14... Marceneiro
Manuel Tchicalengó/ Ex. Militar
00:08:06:11... consegui já; 00:08:22:06... difícil
Outro espaço também atribuído aos ex. militares vai ser aproveitado para a
construção de moradias. Aos poucos a vida dos ex. militares e suas famílias, ganha
outro sentido com a sua reinserção.
Sai.... V.T. –
Este texto, já corrigido pelo editor chefe do
Jornal da Tarde
, foi editado e
inserido também no
Telejo nal
:
r
VISITAS/MINARS + COM.GESTÃO
LEAD: (SUGESTÃO)
184
O MINISTRO DA REINSERÇÃO SOCIAL E A COMISSÃO DE GESTÃO VISITARAM HOJE
VÁRIOS PROJECTOS SOCIAIS LOCALIZADOS EM CACUACO, MAIANGA E SAMBA.
INTEIRAR-SE DA REAL SITUAÇÃO QUE SE VIVE NESTES CENTROS E LARES INFANTIS,
FOI O PROPÓSITO DA VISITA DE JOÃO BAPTISTA KUSSUMWA E JOB CAPAPINHA.
LEGENDAR: 1-JOÃO BAPTISTA KUSSUMWA/MINISTRO DA REINSERÇÃO SOCIAL
2 – JOB CAPAPINHA/MEMBRO DA COMISSÃO DE GESTÃO DE LUANDA
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: ( RODA VTR ) :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
O CENTRO FEMENINO ILUMBA, NO MUNICÍPIO DA MAIANGA TEM CAPACIDADE DE
ALBERGAR CERCA DE 200 MENINAS COM PROBLEMAS SOCIAIS SÉRIOS, COMO O
ALCOOLISMO E TRABALHADORAS DO SEXO.
COMO ESTE EXISTEM VÁRIOS VOCACIONADOS A RÁPIDA REINTEGRAÇÃO DE
CRIANÇAS E JOVENS NA SOCIEDADE, ESPALHADOS PELOS MUNICÍPIOS DE CACUACO,
MAIANGA E DA SAMBA.
CONSTATAR O NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO SOBRETUDO, DOS EMPREENDIMENTOS
QUE EXIGEM A ALOCAÇÃO DE RECURSOS FOI O OBJECTIVO DAS VISITAS.
O MINISTRO BAPTISTA KUSSUMWA E JOB CAPAPINHA, MEMBRO DA COMISSÃO DE
GESTÃO DE LUANDA, FORAM SABER QUAL O DESEMPENHO FUNCIONAL E A MELHOR
ESTRATÉRIA PARA A UTILIZAÇÃO DE VERBAS NO PRÓXIMO ANO.
(SOM...JOÃO BAPTISTA KUSSUMWA/CTL – 14’12” – HÁ ÁREAS CUJO EXERCÍCIO
PARTILHADO... ATÉ ... 14’44” – ENTREGUES AO GOVERNO DA PROVÍNCIA )
A COMISSÃO DE GESTÃO DE LUANDA VAI ASSUMIR AS SUAS RESPONSABILIDADES NO
TOCANTE A CRIAÇÃO DE CONDIÇÕES PARA O BEM-ESTAR DA SOCIEDADE.
JOB CAPAPINHA, PROMETEU QUE A PARTIR DO PRÓXIMO ANO O ORÇAMENTO DA
PROVÍNCIA SERÁ EXTENSIVO A ESTES SECTORES.
185
(SOM...JOB CAPAPINHA/CTL – 5’49” – UMA RESPONSABILIDADE... ATÉ ... 6’06” – DO
ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO)
A ACTIVIDADE ABRANGIU CENTROS E LARES INFANTIS, BEM COMO PROJECTOS DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL, INSERIDOS NO PROGRAMA DE INVESTIMENTOS PÚBLICOS TAL
COMO EM CACUACO, O KWZOLA NA MAIANGA, E POR ÚLTIMO O SOL E A BASE
CENTRAL DE LOGÍSTICA E TRANSPORTES NO BENFICA, NA SAMBA.
O texto a seguir foi enviado juntamente com a fita Betacam contendo a
reportagem, pelo Gabinete de Correspondência da TPA na província da Lunda Sul,
para o
Ecos & Factos
:
DE: TPA LUNDA SUL
PARA: DIRECÇÃO INFORMATIVA ECOS & FACTOS
TÍTULO: REGISTADO CENTO CINQUENTA CRIANÇAS
PROPOSTA DO LEAD:
NA LUNDA SUL, CENTO CINQUENTA CRIANÇAS DE ZERO AOS 17 ANOS DE IDADE
FORAM REGISTADAS NO MUNICIPIO DE SAURIMO, PELOS SERVIÇOS DA JUSTIÇA,
DAQUELA CIDADE. A INSUFICIENCIA DE MEIOS DE TRANSPORTES FAZ COM QUE
OUTROS MUNICIPIOS FICAM SEM REGISTRO CIVIL.
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: VTR :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
COM A CRIAÇÃO DE BRIGADAS DE SERVIÇOS DE REGISTO CIVIL EM SAURIMO, NAS
VÁRIAS ARTÉRIAS DA CIDADE, OS SERVIÇOS MELHORARAM POSITIVAMENTE, ONDE
POR DIA SÃO ATENDIDOS CERCA DE DEZ PESSOAS.
SOM.....................JOÃO KALILESSE.........................
SOM......................NATERÇA SEGUNDA..................
186
A FALTA DE MEIOS DE TRANSPORTE PARA A DESLOCAÇÃO DOS BRIGADISTAS AOS
MUNICIPIOS, COMUNAS E ALDEIAS, TEM DIFICULTADO O PROCESSO DE REGISTO CIVIL
NA PROVINCIA.
SOM...........................JOAQUIM CÉSAR.............CONSERVADOR
LEGENDAR LUNDA SUL
1 – JOÃO KALILESSE................................................PAI DA CRIANÇA
2 – NATERÇA SEGUNDA...........................................MAE DA CRIANÇA
3 – JOAQUIM CÉSAR.................................................CONSERVADOR
REPORTAGEM DE:
CARLOS LINO (TEXTO) E CARLOS CASSACUA (IMAGEM)
Este texto foi enviado pela repórter Arminda Manico, de Benguela:
DEFICIENTES FORMADAS EM CORTE E COSTURA
QUINZE SENHORAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA ESTÃO A SER FORMADAS EM CORTE
E COSTURA. A ACÇÃO É LEVADA A CABO PELAS IRMÃS SERVAS POBRES DA DIVINA
PROVIDÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA NO BAIRRO DA NOSSA SENHORA DA GRAÇA EM
BENGUELA.
VT.............................................................................................................................
LOGO A ENTRADA AO BAIRRO DA NOSSA SENHORA DA GRAÇA ENCONTRA-SE ESTA
BOUTIQUE.
É OBRA DE QUINZE SENHORAS PORTADORAS DE DEFICIENCIA. VENCERAM O
PRECONCEITO E TÊM ESTA ACTIVIDADE COMO O SEU GANHA PÃO. AS IRMÃS SERVAS
POBRES DA DIVINA PROVIDÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA ENCARREGAM-SE PELA
INSTRUÇÃO DAS SENHORAS.
PAUSA SOM......................GERTRUDES NASSOMA/FORMANDA
187
06:19:04 gosto da costura... 06:48:23 sim estou
ANA BUNDU/FORMANDA 07:00:04 escolhe a costura 07:35:12 batas
O PROCESSO DECORRE HÁ QUATRO ANOS
PAUSA SOM...........................................JOANA MARIA/FORMADORA 09:01:23 eu vejo
09:31:21 para o futuro delas
AS SENHORAS SÃO ORIUNDAS DE VÁRIOS BAIRROS DA CIDADE DE BENGUELA.
SAI VT........................................................................................................................
Uma característica da maioria das reportagens produzidas e exibidas na TPA,
no segundo semestre de 2004, era a escassez de informações trabalhadas pelos
repórteres no texto ou em passagens (quando o repórter aparece no local da
reportagem). A tendência era sempre deixar para as sonoras dos entrevistados a
função de passar as informações, o que tornava as reportagens longas, pois um
entrevistado poderia voltar duas ou três vezes na mesma edição.
Como se nota pelos textos, não havia também uma uniformidade de laudas
ou de tratamento das reportagens em Luanda e nos diversos Gabinetes de
Correspondência, existentes nas 17 capitais de províncias (além de Luanda, sede da
emissora). Também não havia uma coordenação específica para solicitar
reportagens ou receber as matérias enviadas por esses gabinetes.
5.3 – PRÉ-ALINHAMENTOS E ALINHAMENTOS
Ao receber o material do repórter, o editor chefe transferia o texto do
lead
para o pré-alinhamento (pré-espelho), na íntegra, sem alteração, ou fazendo as
modificações que considerasse necessárias. Incluía as legendas que deveriam ser
comandadas durante a apresentação do telejornal. Essas legendas eram
188
transmitidas depois pela rede interna de computadores até o TP (teleprompter).
Também poderia ser usado um disquete, com o arquivo do alinhamento (espelho),
contendo as legendas. O TP era controlado manualmente por um funcionário
(geralmente uma funcionária).
Como amostragem da forma como eram elaborados em arquivos Word,
acrescento abaixo o alinhamento do primeiro bloco do
Telejornal
do dia 10 de
março de 2004, com os respectivos
leads
e legendas, lembrando que estão
mantidas as características ortográficas e gramaticais,
ipsis literis
:
TELEJORNAL
ALINHAMENTO
I BLOCO
1-PR/AUDIÊNCIA/MINISTRO POLACO.............................................................VT
2-RODAPÉ.................................................................................................NOTA
3-MINISTRO POLACO/PESCAS.........................................................................VT
4-PARLAMENTARES/HOSPITAL/PRENDA..........................................................VT
5-FESA/DOAÇÃO/HOSPITAIS..........................................................................VT
TELEJORNAL
10 DE MARÇO DE 2004
QUARTA-FEIRA
EDIÇÃO: GUSTAVO SILVA
I BLOCO
VT 1
PR/AUDIÊNCIA/MINISTRO POLACO
BOA NOITE. A POLÓNIA VAI CONCEDER CRÉDITOS COM TAXAS DE JURO RAZOÁVEIS
PARA APOIAR OS PROGRAMAS DE RECONSTRUÇÃO DAS INFRAESTRUTURAS. ESTA
189
VONTADE FOI REAFIRMADA HOJE PELO MINISTRO POLACO DOS NEGÓCIOS
ESTRANGEIROS WLODZIMIER CIMOSZEWICZ, À SAÍDA DA AUDIÊNCIA QUE LHE FOI
CONCEDIDA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS.
LEGENDAR: 1. WLODZIMIER CIMOSZEWICZ – MINISTRO NEG. ESTRANGEIROS POLÓNIA
2.GONÇALVES IHANJICA – JORNALISTA
RODAPÉ
A ANGOP CITA O MINISTRO POLACO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, WLODZIMIER
CIMOSZEWICZ COMO TENDO AFIRMADO HOJE QUE O GOVERNO ANGOLANO JÁ
COMEÇOU A PAGAR A DÍVIDA COM A POLÔNIA E PRESTOU 15 MILHÕES DE DÓLARES
DA PRIMEIRA TRANS. OS DOIS ESTADOS ASSINARAM UM CONTRATO DO QUAL A
POLÓNIA PERDOOU 60 PORCENTO DA DÍVIDA ANGOLANA. O RESTO SERÁ PAGO NUM
PERÍODO DE DOIS ANOS EM QUATRO PRESTAÇÕES DE 15 MILHÕES DE DÓLARES
CADA.
VT 2
MINISTRO POLACO/PESCAS
E ANTES DE DEIXAR O NOSSO PAÍS O GOVERNANTE POLACO QUE JÁ ESTÁ DE
REGRESSO A VARSÓVIA, MANTEVE ENCONTROS COM OS MINISTROS DAS PESCAS E
DAS OBRAS PÚBLICAS. NO DOMÍNIO PESQUEIRO A POLÓNIA VAI EM BREVE APOIAR NA
FORMAÇÃO DE QUADROS E NA ÁREA DAS OBRAS PÚBLICAS VAI ENTREGAR
EQUIPAMENTOS PARA CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS.
LEGENDAR: 1. SALOMÃO XIRIMBIMBI – MINISTRO DAS PESCAS
2. HIGINO CARNEIRO – MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS
3. WLODZIMIER CIMOSZEWICZ MINISTRO NEG. ESTRANGEIROS
POLÓNIA
190
VT 3
PARLAMENTARES/HOSPITAL/PRENDA
A CONCLUSÃO DA PRIMEIRA FASE DO PROJECTO DE REABILITAÇÃO E AMPLIAÇÃO DO
HOSPITAL DO PRENDA ESTÁ ATRASADA. A SUA CONCLUS~~AO INICIALMENTE
PREVISTA PARA MAIO PRÓXIMO FOI ADIADA PARA O MÊS DE AGOSTO CASO SEJAM
ENTREGUES TODOS OS EQUIPAMENTOS E A SITUAÇÃO FINANCEIRA SEJA
DESBLOQUEADA. HOJE, UM GRUPO DE MULHERES PARLAMENTARES VISITOU AQUELA
UNIDADE HOSPITALAR.
LEGENDAR: 1. JACINTO TCHIKUNGA – PACIENTE
2. RODRIGUES LEONARDO – DIR. HOSPITAL DO PRENDA
3. CÂNDIDA RODRIGUES – GRUPO MULHERES PARLAMENTARES
VT 4
FESA/DOAÇÃO/HOSPITAIS
A FESA DOOU HOJE UM LOTE DE MEDICAMENTOS E MATERIAL GASTÁVEL AO
HOSPITAL JOSINA MACHEL, NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE INTERVENÇÃO SÓCIO-
HUMANITÁRIO QUE ESTÁ A DESENVOLVER EM TODO O PAÍS.
LEGENDAR: 1. ANTÓNIO MAURÍCIO – VICE-PRESIDENTE DA FESA
2. KINFUMU ANTÓNIO – DIR. GERAL HOSPITAL JOSINA MACHEL
Este material demonstra como o
Telejornal
, considerado o principal produto
informativo da TPA, era aberto, com raríssimas exceções, com atividades e/ou
eventos que tivessem participação do PR, como é chamado o Presidente da
República, José Eduardo dos Santos. Na falta do PR, o privilégio seria do PM -
Primeiro Ministro - ou de outros ministros e autoridades federais.
Essa regra de ouro era quebrada apenas em situações especiais, quando
ocorresse algum fato de grande importância para Angola e o mundo. Esse formato
editorial conferia ao
Telejornal
uma aparência oficiosa, especialmente visto por um
191
profissional estrangeiro, desacostumado com esse tipo de tratamento informativo,
mesmo nas emissoras públicas brasileiras.
Como se vê na amostragem do primeiro bloco, os quatro VTs tratam de
reportagens ligadas a eventos oficiais ou oficiosos do governo ou do Parlamento. A
audiência do PR com o ministro polonês, os encontros oficiais do visitante com dois
ministros de Estado, a visita de parlamentares a um hospital em obras e, por fim,
uma doação da Fesa – Fundação Eduardo dos Santos – entidade criada pelo PR com
fins de atendimento social, cuja atividade muitas vezes se confunde com a ação do
próprio governo.
Já no processo de edição chamaram a atenção alguns detalhes que
diferenciavam a forma de atuação dos jornalistas e técnicos angolanos dos
brasileiros, seja por aspectos jornalísticos, editoriais ou técnicos.
1 – Cinegrafistas e repórteres não usavam o precioso recurso do TC – Time
Code - o código com o tempo corrido da reportagem, que no sistema Betacam pode
ser gravado automaticamente pela câmera na fita, após zerado no início da
reportagem. Mesmo que a fita seja retirada e recolocada na máquina, o Time Code
continua lá, invariável, facilitando o processo de decupagem e edição. Questionei os
cinegrafistas, que alegavam problemas no TC das câmeras. Por esta razão, ao
visualizar (decupar) as matérias, os repórteres usavam um sistema que era comum
no Brasil até o início dos anos 1990, quando se trabalhava ainda com U-Matic sem o
Time Code: voltar a fita e zerar a contagem de tempo, passando a anotar as
informações necessárias sobre imagens e sonoras.
O problema aqui é que toda vez que é necessário retirar a fita da máquina,
quando se trabalha com mais de uma fita, perde-se a contagem e é necessário fazer
cálculos ou rebobinar a fita para zerá-la novamente. Ou seja, um recurso
extremamente útil e prático, disponível no sistema Betacam, não era utilizado na
TPA, e apesar de argumentar insistentemente sobre as vantagens do uso do TC,
192
poucas vezes cinegrafistas e repórteres se deram ao trabalho de gravar o Time Code
e empregá-lo depois na decupagem e na edição. Certamente, uma questão cultural
inerente ao modo de fazer TV em Angola.
2 As ilhas de edição têm esse nome porque o trabalho de finalização de
matérias jornalísticas necessita de um local com um certo isolamento visual e
acústico, para que o editor de imagens e o editor de textos possam ter maior
precisão na escolha e edição das imagens, sonoras e sons. Na TPA, as ilhas de
edição eram montadas duas por vez, uma ao lado da outra, em grandes salas, sendo
separadas apenas por uma divisória de madeira e de vidro com uma porta de
acesso, insuficientes para isolar o áudio entre as duas ilhas instaladas em cada sala.
Para chegar à ilha do fundo era necessário atravessar a primeira ilha. Geralmente, as
pessoas entravam e saíam do local conversando ruidosamente e muitas vezes
deixavam a porta aberta, o que servia para dispersar ainda mais a atenção e
produzir mais barulho. Também aqui identifiquei um hábito cultural dos angolanos,
pois apesar de insistir várias vezes sobre a necessidade de maior isolamento das
ilhas, nenhuma reforma foi realizada para solucionar o problema. Como resultado,
muitas reportagens apresentavam “rabichos” de áudio e/ou de vídeo, sobrando um
ou mais frames (na TV, cada segundo é dividido em 30 frames) entre um corte e
outro.
3 – A duração das sonoras, que na TV brasileira raramente passa dos 15
segundos, na TPA podiam chegar a 40 segundos ou até mais de um minuto. Uma
eternidade, para os padrões internacionais, a não ser no caso de programas de
entrevistas, talk shows ou assemelhados. Isso decorria do fato de que muitas
reportagens, na verdade, não passavam de registros de declarações oficiais de
autoridades ou de entrevistas, em que a equipe simplesmente depositava o
microfone sobre uma mesa e gravava todo o pronunciamento. Por exagerado
respeito à autoridade ou por não ter claro o momento exato do corte da sonora,
193
repórteres e editores de imagem tinham a tendência a deixar a entrevista fluir. Na
dúvida, o melhor procedimento era deixar o entrevistado falar. Para isso também
contribui a cultura africana da palavra livre e solta, da comunicação oral
sobrepujando qualquer outra forma de manifestação. Presenciei casos em que o
editor foi questionado pela chefia por ter reduzido algum pronunciamento de
autoridade do governo, o que certamente também funcionava como modelo de
procedimento editorial: para evitar questionamentos ou censuras dos superiores,
repórteres e editores não economizavam no tempo das sonoras.
4 – Entrevistas em línguas estrangeiras não eram traduzidas pelo conteúdo
principal da fala, como no Brasil, onde o repórter e/ou editor de textos inclui no off
da reportagem o texto referente ao pronunciamento, limitando-se à sua essência. A
tradução era literal, de acordo com o sistema europeu, em particular o português,
que foi o modelo inicial para a formatação da TPA como emissora televisiva.
Normalmente, um segundo locutor ou locutora – caso fosse uma entrevistada –
gravava a tradução literal, que era editada tendo como fundo a sonora original em
língua estrangeira. Acontecia, no entanto, que o editor de imagens inseria o texto
em off com a tradução integral, tendo como imagem de cobertura o entrevistado
calado, durante a gravação da reportagem, o que parecia fora de contexto. Solicitei
aos repórteres e editores que só utilizassem a sonora original para cobrir o off da
tradução, para evitar essa impressão de estranhamento.
5.4 – CONTRATAÇÃO E FORMAÇÃO DOS JORNALISTAS
As vagas nos meios de comunicação estatal de Angola são preenchidas,
oficialmente, via concurso público. Todavia, é conhecida a importância de
indicações políticas na contratação, principalmente de apresentadores, locutores e
jornalistas, que são os postos mais cobiçados.
194
De acordo com uma jornalista da TPA que pediu para não ser identificada, os
candidatos às vagas de repórteres, apresentadores e editores da Direcção de
Jornalismo precisam ter pelo menos o curso médio de jornalismo. Os
apresentadores de programas de entretenimento não necessitam comprovar
escolaridade específica. Geralmente a ligação com um determinado tema ou
profissão é suficiente. Por exemplo, um artista plástico pode apresentar um
programa dedicado às artes. Há misses que, ao ganharem notoriedade, conseguem
convite para apresentar algum programa recreativo, ou seja, nada muito diferente
do que acontece no Brasil, onde modelos ou ex-modelos também estão no vídeo
como apresentadoras ou entrevistadoras.
Há em Angola três tipos de cursos para a formação de jornalistas. No
Instituto Médio de Economia, o curso de Jornalismo tem duração de três anos, com
aulas pela manhã. Ao final, os estudantes são considerados técnicos médios de
Jornalismo. Em 2005, havia 426 alunos cursando Jornalismo. Segue abaixo o
currículo de disciplinas, fornecido pelo instituto, com ortografia original:
FORMAÇÃO GERAL
1 Língua Portuguesa
2 Língua Inglesa
3 Matemática
4 História Universal
5 Organização do Estado Angolano
6 Filosofia
7 Introdução às Actividades Económicas
8 Educação Física
9 Informática
10 Demografia
195
11 Relações Económicas Internacionais
12 Geografia Econômica
FORMAÇÃO ESPECÍFICA
13 Introdução ao Jornalismo
14 Arte e Literatura Angolana
15 História do Jornalismo Angolano
FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL
16 Informação Jornalística
17 Entrevista e Reportagem
18 Artigo e Crónica
19 Agência de Notícias
20 Rádio
21 Televisão
22 Trabalho de Investigação
Em nível superior, os interessados encontram cursos de Jornalismo na
Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, a única
pública do país, e no Instituto Superior de Ensino Privado de Angola (ISPRA), ambas
criadas no início dos anos 2000. A duração é de quatro a cinco anos.
Há ainda o Cefojor – Centro de Formação de Jornalistas – instalado no centro
de Luanda e mantido pelo governo, onde são organizadas palestras e cursos, que
chegam a ter duração de seis a nove meses. O local, freqüentado por jornalistas
angolanos e de outros países de língua portuguesa, foi criado em 2002 pelo
governo, “para se começar, de uma forma ordenada e programada, a suprir as
grandes carências e lacunas a nível da formação dos jornalistas dos Países Africanos
196
de Língua Oficial Portuguesa (Palop)”, segundo o diretor da instituição, Mário Costa
Dias.
Em entrevista ao site
Notícias Lusófonas
, Dias afirma que o Cefojor
(...) Não vem de forma alguma substituir a prática até esta altura mais
exercida, que é a formação on-job que os órgãos de comunicação social
realizam. Defendemos que os órgãos devem continuar a promover essa
prática. O Cefojor está para congregar idéias mais gerais que possam
consubstanciar-se em acções formativas que toquem os jornalistas de todos
os órgãos. Somos, por excelência, uma escola do saber fazer por sermos um
instituto técnico com áreas laboratoriais nos sectores de Rádio, Televisão e de
Imprensa onde os formandos praticam a profissão em tempo real. Por isso, o
nosso cartão de visitas é: Cefojor, a escola do saber fazer.
123
Entre os professores do Cefojor estão jornalistas ou comunicadores de
origem angolana, portuguesa e também brasileiros, britânicos, namibianos e sul-
africanos, estes três últimos para aprimoramento da língua inglesa. Mário Costa
Dias cita o surgimento dos dois primeiros cursos universitários e ressalta que o
Cefojor é utilizado pelas faculdades, para atividades práticas.
5.5 – AUTOCENSURA
A grande influência do governo no mercado de trabalho de radialistas e
jornalistas, além de ligações diretas ou indiretas com instâncias do partido oficial e
um sentimento de desconfiança com relação a quem quer que não seja claramente
vinculado às mesmas origens ou referências políticas, faz com que a maioria dos
funcionários, não só da TPA, como da Rádio Nacional e mesmo de empresas
privadas de mídia, lancem mão da autocensura para evitar problemas com a chefia e
123
A entrevista completa, de 4 de setembro de 2005, pode ser acessada no site
www.noticiaslusofonas.com
197
assegurar o emprego. O rapper MC Kappa, de 24 anos, estudante de Sociologia na
Universidade Agostinho Neto, única pública do país, em entrevista à jornalista
Roberta Lotti, reclamou da dificuldade de ter suas músicas apresentadas nas rádios
ou na TPA, pelo conteúdo crítico ao governo e à sociedade de Angola:
“As rádios não passam minhas músicas não porque não gostam ou não
querem, mas sim porque o regime é fechado ao pluralismo de idéias, e os
técnicos ou jornalistas que ousarem tocar correm sérios riscos de serem
expulsos dos seus locais de trabalho. Este ano (2005), um técnico de som da
rádio Eclésia (ligada à Igreja Católica) perdeu o emprego por tocar uma música
minha.”
124
A autocensura é um elemento a se considerar em qualquer análise que se
fizer de veículos públicos de comunicação, ainda mais num país como Angola, que
viveu dividido pela guerra civil durante tanto tempo. A economia é de mercado, mas
a política mantém resquícios da centralização do antigo regime marxista, na forma
de controle severo dos quadros e das estruturas de governo.
No livro
The Right to Tell
, Alisa Clapp-Itnyre afirma que em alguns países
onde existe monopólio estatal da mídia pode-se notar o “efeito Castro”: o controle
do Estado é tão presente e poderoso, tão entranhado nos diversos níveis
hierárquicos, que nem é necessário censurar ou perseguir os jornalistas: eles
mesmos cuidam de evitar temas ou assuntos que poderiam melindrar os interesses
124
LOTTI, ROBERTA,
Jindungo e Missangas, Sementes de Ilusão
, São Paulo, edição própria, p. 25. Na
música
O Silêncio também Fala
, MC Kappa canta: “A democracia não cai do céu, corre atrás dela; o
grande exemplo está aí, Nelson Mandela; Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral assim confessa a história;
Obstáculos são ingredientes para a vitória” (...) “É hora de pôr fim a esse regime sinistro; Angola é um
estado democrático de direito; o morador da Boa Vista é igual ao sr. Ministro; Portanto deve existir
respeito”. (...) “Angolano, acorda, chora agora, ri depois; Luta em defesa dos teus direitos, manifesta a
tua voz; O país não tem dono, Angola é de todos nós.” Versos assim dificilmente não seriam
considerados panfletários em qualquer emissora pública.
198
oficiais ou das chefias. Nesse cenário, corre-se o risco de ser mais realista do que o
rei.
125
No entanto, o envolvimento de jornalistas com interesses partidários ou de
Estado ou pressões governamentais sobre os meios de comunicação são mais
comuns do que se imagina e nem de perto exclusividade dos veículos estatais, ou
manifestação tipicamente angolana, como mostram os dois exemplos a seguir, um
na Argentina e outro no Brasil. Em janeiro de 2001, a
Folha do Amapá
denunciou o
pagamento de valores mensais a jornalistas e políticos do estado, para que as
reportagens e manifestações tivessem “um tom amistoso em relação ao poder nas
matérias publicadas em seus veículos. Os envolvidos no esquema receberiam entre
R$ 300,00 e R$ 60 mil por mês”, segundo divulgou o portal
Comunique-se
(
www.comunique-se.com.br), do dia 21/01/2006.
Também o presidente argentino Néstor Kirchner é acusado pela revista
The
Economist
de domesticar parte da mídia, injetando publicidade estatal nos veículos
mais dóceis. Na reportagem à página 44, da edição de 14 de janeiro de 2006, a
revista afirma que a maior parte das verbas publicitárias do governo vai para o
grupo
Clarin
, que teria uma linha editorial pouco crítica ao governo. Até o jornal
Página12
, tradicionalmente oposicionista, teria recebido mais recursos e, segundo
The Economist
, sintomaticamente mudou a linha editorial, com reportagens mais
simpáticas ao governo de Kirchner. Na Terra do Fogo, a verba publicitária
governamental representaria três quartos dos recursos obtidos pela mídia da região.
Na entrevista ao site Notícias Lusófonas, Mário Costa Dias, diretor do Cefojor,
reconhece a grande influência – e mesmo interferência – governamental nos meios
de comunicação, mas afirma que com a democratização as coisas estão mudando. A
seguir, trechos da entrevista, com a grafia original:
125
CLAPP-ITNYRE, ALISA,
The Right to Tell: The Role of Mass Media in Economic Development,
Washington, World Bank Publications, 2002, p. 158
199
Notícias Lusófonas – Angola, 30 anos depois. Como é que está a
Imprensa angolana?
Mário Costa Dias – Estamos cada vez mais ricos em termos de
maturidade dos próprios jornalistas e do ponto de vista do crescimento da
idéia da existência de uma Comunicação Social responsável, profissional e
isenta.
NL – Faz sentido termos hoje, num país que se diz de direito
democrático, um Ministério da Comunicação Social?
MCD – Faz. É um instrumento regulador a nível da política
relativamente à Comunicação social.
NL – De 1975 a 1991 fez-se Jornalismo ou propaganda?
MCD – (Risos) De 1989 a 1991 trabalhei como jornalista na Rádio
Nacional de Angola. Admito que houve um controlo bastante acentuado do
poder político em relação à Comunicação Social. Na altura fez-se um
Jornalismo que foi mais ao encontro das preocupações e interesses do partido
MPLA. Acho que qualquer partido que estivesse no lugar do MPLA procederia
da mesma forma porque a situação do país exigia que as coisas assim se
passassem.
NL – Está a admitir que fez propaganda?
MCD – Não é que tenha feito propaganda. Agora, o Jornalismo foi
muito alimentado por aspectos propagandísticos.
NL – Ainda temos resquícios disso na Comunicação Social pública?
MCD – Acho que não. Já se passou muito tempo. Muita coisa já
aconteceu no sentido de erradicar algumas práticas existentes até há 10 anos.
Hoje defendo e acredito na existência de uma Comunicação Social mais
actuante e responsável.
NL Confirma que a Rádio Escola (do Cefojor) irá para o ar na altura
das eleições para fazer a campanha do MPLA?
MCD – Desminto totalmente. A Rádio Escola existe como laboratório
do Cefojor. É evidente que temos uma rádio com uma linha que não atende a
200
muitas outras questões como uma FM normal. Somos uma escola para a vida.
Agora, se entraremos em cena na altura das eleições, é um pensamento
errado de quem tem estado a alimentar esta informação.
5.6 – SINDICALIZAÇÃO
Os jornalistas podem se associar ao SJA – Sindicato dos Jornalistas de Angola
– desde 1992. Em 2003 aconteceu uma crise na instituição, com denúncias de
desvio de verbas contra a diretoria da época. Entre os dias 15 e 17 de novembro de
2004, num auditório da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, foi realizado o
primeiro congresso extraordinário do Sindicato. O encontro teve a participação de
135 delegados, representando 14 províncias.
Entre as resoluções, os participantes concluíram que não ficaram
comprovadas as suspeitas de desvios de fundos, e decidiram fazer campanha entre
os jornalistas em atividade para ampliar o número de filiados e a regularidade do
pagamento das mensalidades.
Foi elaborado um anteprojeto de Acordo Colectivo de Trabalho para a
Comunicação Social Angolana e decidiu-se adotar um Código de Ética para a
categoria. O Congresso Extraordinário do SJA fez ainda uma série de
recomendações, elencadas abaixo, mantendo-se a grafia original:
1 – Criação de seguro de vida para os membros da classe e a procura
de formas de criação de um fundo de pensões para assegurar a reforma dos
jornalistas.
2 – A obrigatoriedade das empressas assumirem, na totalidade, os
custos de assistência médica e medicamentosa dos jornalistas.
3 – Que o novo executivo parta para as negociações do Acordo
Colectivo de Trabalho, já em posse do governo, no qual a questão salarial
deve ser enquadrada no âmbito do tecto dos salários praticados na regição da
SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral).
201
4 – Recomenda que as negociações deverão ser levadas até à exaustão
sem descurar a possibilidade de greve caso não se chegue a acordo.
5 – Que a cobertura das deslocações de entidades governamentais às
províncias seja em exclusivo ou em colaboração feita pelos jornalistas locais.
De igual modo solicita às direcções dos órgãos que seja garantida maior
rotatividade nacional na indicação de jornalistas em serviço no exterior, e a
uniformização dos salários dos profissionais de comunicação social em todo o
país. Recomdna ainda que as direcções dos órgãos cumpram com a legislação
laboral vigente e com o postulado da lei sindical.
6 – O Congresso recomenda que o executivo diligencie no sentido de
que os prestadores dos serviços essenciais aos jornalistas em serviço, tais
como hospitais, clínicas, agências de viagens, hotéis, serviços de viação e
aviação e outros concedam tal como em outras partes do mundo descontos
substanciais às suas aquisições.
7 – Também recomenda ao executivo diligências junto do governo
para que futuramente sejam incluídos nas delegações das visitas de Estado
jornalistas de órgãos privados.
8 – Recomenda a insistência ao governo para a criação do prêmio
nacional de jornalismo com a participação do SJA e associações profissionais
de classe. Exorta o executivo a continuar a trabalhar com os jornalistas no
sentido de se encontrar o Dia do Jornalista Angolano.
9 – Que se trabalhe no sentido de se estabelecer o mais rapidamente
possível a criação da carteira profissional do jornalista, de acordo com normas
internacionais.
O texto final é assinado por João Carlos Van-Dúnem, Lucília Gouveia e
Francisco Fino. A realização do Congresso foi patrocinada, entre outras empresas e
instituições, pelas embaixadas do Reino Unido, de Portugal e dos Estados Unidos,
pela USAID, Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), União dos Jornalistas de
202
Angola (UJA), Sonangol, TAAG, Endiama, Porto de Luanda e Restaurantes XL e Bom
Sabor.
Além do SJA, há ainda a UJA – União dos Jornalistas Angolanos, que teria
cerca de 2.500 membros, segundo o presidente da instituição, Miguel de Carvalho
“Wadijimbi”. Ele diz que a UJA é uma organização independente, mas admite
estreitos laços com o Ministério da Comunicação social, que facilitariam a resolução
de problemas enfrentados por jornalistas.
No entanto, a União dos Jornalistas de Angola não tem a representação oficial
da classe junto às empresas e ao governo, papel que cabe exclusivamente ao
Sindicato. “Wadijimbi” contabiliza, desde o protocolo de Lusaka, em 1991, o
desaparecimento de dez jornalistas e a morte confirmada de seis deles, dois em
Uíge, dois em Huíla, um no Zaire e outro em Benguela.
Num artigo, o líder da UJA garante que Angola vive, após a guerra, um
período de plena democracia, e apresenta seu conceito sobre censura:
Eu não conheço nenhum jornalista estrangeiro que tenha sido
impedido de entrar no nosso país. Qualquer um tem a liberdade de solicitar
entrevistas a quem quiser e pode publicar o que bem entender, sem qualquer
tipo de censura. Nossa legislação permite às pessoas que se expressem
livremente. A lei autoriza partidos políticos, igrejas e indivíduos a ter suas
publicações. Isso não significa que tenham autorização para abrir e manter
jornais ou outros tipos de mídia. (...) É errado dizer que não há liberdade de
imprensa em Angola. Os jornais que circulam pelo país têm uma linha
editorial e ocupam um espaço que lhes pertence. É como funciona na França,
na Inglaterra, na Alemanha, na Itália e na Bélgica. A imprensa é livre, porém
dentro de limites impostos pela lei. Falar em liberdade total de imprensa no
mundo de hoje não é algo real.
(...) Quando um profissional é contratado por uma publicação, é
informado sobre a linha editorial que deverá observar. Isso é aplicado em
203
qualquer lugar, em Angola ou em qualquer outro país. Se alguém chama a
isso de “censura”, deve entender que essa é a forma como as coisas
acontecem na mídia, no mundo todo. Eu, pessoalmente, não considero isso
uma forma de censura, mas respeito por um entendimento entre empregado e
empregador, que pode ser tanto o Estado quanto uma empresa privada.
126
126
O artigo completo, em inglês, pode ser acessado no site
www.angola.org/referenc/uaj.htm, mantido pelo governo de Angola, sob o título
Miguel de
Carvalho “Wadijimbi” talks about the Union of Angolan Journalistas, UAJ
204
5 - CONCLUSÃO
Raro é o sonho que começa
e acaba na mesma noite.
A verdade não está num só,
mas em muitos sonhos.
Provérbio angolano em
Brasileiro, Brasileiros
, publicação do Museu AfroBrasil, São Paulo
O estudo de modelos de TV pública em diferentes países, da BBC à TPA,
revela uma evidência: o desenvolvimento e a consolidação de um determinado
modelo têm estreita e direta ligação com os fundamentos históricos e as condições
sócio-econômicas e culturais de cada país.
É difícil supor que o Brasil poderia ter um modelo de TV pública como o da
BBC, considerado o melhor do mundo. A reprodução de um Conselho Curador até
foi possível, mas o principal sustentáculo do modelo – o financiamento através de
uma taxa paga pelos telespectadores – jamais conseguiu ser implantado, a despeito
da tentativa de instituir uma taxa cobrada nas contas de energia elétrica. Nos
Estados Unidos, a PBS privilegia a produção independente, abrindo espaço para a
descentralização da produção de conteúdo. Essas diferenças, portanto, estão
vinculadas aos laços históricos, econômicos e culturais dos países.
Em Angola, dificilmente poderia ter se criado um modelo menos centralizador
e estatizante de TV pública, num país que viveu sob o jugo dos portugueses durante
quase 500 anos, teve que empreender uma sangrenta guerra pela independência e
depois se viu engolfado num conflito interno, alimentado pela conjuntura
geopolítica da Guerra Fria.
Um paralelo entre Angola e outros países cujos modelos de TV pública
estudamos há pouco, em especial o Reino Unido, mostra as enormes distinções
históricas, econômicas, sociais e culturais, que culminaram na consolidação de cada
205
uma dessas nações, influenciando também o formato de suas respectivas emissoras
públicas de rádio e TV. Senão, vejamos:
No século XIII, enquanto na Inglaterra eram criadas as bases para a
implantação de um regime parlamentarista, com o objetivo de limitar os poderes da
realeza, no futuro território de Angola diversas etnias, organizadas em diferentes
nações, viviam em aldeias de terra batida, praticando agricultura rudimentar,
transmitindo seus conhecimentos exclusivamente por relatos orais, em suas línguas
próprias, pois não havia escrita.
A partir do século XVIII desenvolve-se na Europa o conceito de espaço
público, influenciado pelo Iluminismo e a Revolução Industrial. Na Inglaterra, cafés
literários e clubes são o embrião desse espaço público, depois ampliado pelos
incipientes meios de comunicação de massa. Na mesma época, em Angola,
capitães-do-mato portugueses e holandeses (durante breve invasão de Luanda pela
Companhia das Índias) caçavam nativos para serem enviados em navios negreiros
para o trabalho escravo nos Estados Unidos, Caribe e Brasil, principalmente. É o
auge do comércio escravista, que desagregava famílias e desunia etnias, algumas
aliadas dos portugueses, outras vítimas dos ataques dos comerciantes de escravos.
Quanto aos meios de comunicação de massa, os primeiros jornais angolanos
começaram a circular precariamente apenas no século XIX: o Boletim Oficial de
Angola foi criado em 1845. Jornais independentes surgiram apenas a partir de
1855.
A primeira emissora de rádio é criada em 1919 nos Estados Unidos, a Radio
Corporation of América (RCA). Na Europa, a British Broadcasting Corporation (BBC),
em Londres, faz as primeiras emissões em 1922, sob controle de um grupo de
206
empresas de telecomunicações. Em 1927, a BBC se transforma em emissora pública,
com considerável nível de independência do poder. No Brasil, a primeira emissão
acontece em 1922, centenário da Independência. O modelo brasileiro era
semelhante ao europeu. Nas Rádio Clubes, os próprios ouvintes cuidavam da
programação, sem intervalos comerciais. Em Angola, a primeira emissão radiofônica
foi registrada em fevereiro de 1936, ao mesmo tempo em que, em Londres,
começavam as transmissões pioneiras de TV, pela BBC.
No campo político, na década de 1920, enquanto o rádio se espalhava pelo
mundo e a Europa se recuperava da Primeira Grande Guerra (1914-1918), Portugal
instaurava a República e alterava a política colonial para a África, com um processo
de afirmação imperial que previa a subjugação completa das colônias, entre elas
Angola. É aplicado o Código de Trabalho dos Indígenas, como eram chamados os
angolanos que não falavam português ou não se comportavam ou vestiam como os
europeus. Centenas de milhares de angolanos eram submetidos a migrações e
trabalhos “forçados”, mesmo após o fim da escravidão.
A BBC começa a enfrentar concorrência da ITV, estação comercial, em 1955.
Em 1962, o relatório do Comitê Pilkington, que analisou a qualidade da
programação das duas emissoras televisivas elogiou a BBC e censurou a ITV, cuja
programação foi criticada por falta de qualidade. Como resultado, a BBC recebeu do
governo inglês um segundo canal de TV, em 1964, que passou a operar em cores a
partir de julho de 1967. O canal BBC 1 e a ITV iniciaram as transmissões em cores a
partir de 1969, o ano em que a Apollo 11 chegava à Lua.
No plano geopolítico, a Guerra Fria entre Estados Unidos e Europa ocidental
de um lado e a União Soviética e seus aliados da Cortina de Ferro de outro, estava
no auge. Em 1961, em Angola, começa a guerra pela independência, com três
grupos rebeldes atuando separadamente. A luta pela libertação de Portugal é
207
sangrenta, aumentando a repressão do governo colonial contra os nativos. “Nas
suas solidões extensas, no seu clima variegado, na sua beleza saqueada, herdavam,
os africanos, as rotas de comércio voltadas para os interesses das antigas
metrópoles, as divisões administrativas européias, as técnicas, os vícios e
preconceitos na administração do Estado,” diz Lincoln Secco (2005, p. 11)
Nos anos 1970 a BBC lançou a Universidade Aberta, uma série de programas
educativos que em 1973 distribuiu diplomas para o público que acompanhou as
vídeoaulas e teve desempenho aprovado. Em 1972, o programa
NewsRound
foi
criado para ser exibido após a programação infantil, com notícias para o público
adolescente. O apresentador John Craven inovou, apresentando as notícias sentado
sobre a mesa e não atrás da bancada.
Enquanto isso, Portugal enfrentava a Revolução dos Cravos em abril de 1974,
promovida por militares descontentes com a ditadura, a falta de prestígio das
Forças Armadas e a guerra contra os movimentos africanos pela independência,
àquela altura virtualmente vitoriosos, sob liderança de grupos guerrilheiros de
esquerda. A independência de Angola, em 11 de novembro de 1975, longe de
garantir soberania à nova nação, lançou o país numa feroz guerra civil, em que o
governo do marxista MPLA era combatido por dois grandes movimentos, em
especial a Unita de Jonas Savimbi.
A TV angolana, criada em junho de 1973 ainda sob o controle português,
refletiu a mesma situação dos demais serviços públicos de Angola, com a saída de
centenas de milhares de colonizadores portugueses, que voltaram para casa depois
da independência angolana. Sem suficiente mão-de-obra especializada ou ao
menos treinada, as operações da TPA – Televisão Pública de Angola – não tiveram,
em seu início e por um longo período de tempo, padrão internacional de qualidade.
Sem editores, as reportagens chegavam a ser exibidas brutas: a fita gravada no local
do evento era apresentada na íntegra.
208
Por outro lado, as circunstâncias históricas levaram o governo angolano do
MPLA, no poder desde 1975, a criar salvaguardas, inclusive no acesso da oposição à
única TV do país. O controle sempre foi grande, para que os guerrilheiros da Unita
não pudessem utilizar a emissora como instrumento de divulgação do ideário
anticomunista.
Neste início do século XXI, os ataques da Al Qaeda aos Estados Unidos em 9
de setembro de 2001 criaram um novo limiar na configuração geopolítica
planetária. O combate ao terrorismo serve de escudo para novas guerras e invasões.
No plano econômico, a globalização alcança um nível de penetração e de influência
aparentemente sem volta. Nem antigos países de inspiração socialista resistem.
Angola, livre da guerra civil desde a morte de Jonas Savimbi, em abril de 2002,
sucumbe de vez às regras do mercado financeiro internacional.
Angola é um país que, mesmo durante a guerra civil, vinha sofrendo cada vez
mais influências externas, seja com a chegada de produtos e equipamentos
importados, graças à abertura da economia, seja pela entrada de informações
através da TV a cabo, captada por antenas parabólicas. Havia a preocupação de que
essas transformações pudessem interferir, de forma inexorável, sobre os elementos
culturais locais, sendo a própria televisão um desses elementos. Portanto, havia
razões de ordem cultural, econômica e política que levaram a que a TPA tivesse
características bem diversas das outras TVs públicas analisadas: BBC, PBS, SWR e TV
Cultura de São Paulo. Isso explica, em grande parte, porque a Televisão Pública de
Angola tem um maior controle do Estado, está mais distante de seu público, utiliza
em menor escala produções independentes e tem menor transparência na
divulgação da sua gestão e de seu orçamento.
As circunstâncias políticas que levavam o governo angolano a restringir o
acesso da oposição e da população em geral aos meios de comunicação de massa já
209
não existem mais. O país agora poderá ter outras emissoras de televisão, sob
controle de grupos privados. Não há mais o argumento de defesa nacional para
impedir a flexibilização do modelo da TPA, mais estatal do que propriamente
público. Tudo indica que o início de operação de uma nova TV em Angola, já
autorizada pela Assembléia Nacional através de emenda à Constituição, poderá levar
a TPA – voluntária ou involuntariamente - a um aprimoramento técnico e de
conteúdo, abrindo sua grade para produções independentes de qualidade e
democratizando o acesso à informação. Um enorme desafio para Angola, onde
apesar da união dos diversos povos africanos sob uma única bandeira, realizada a
ferro e fogo pelos colonizadores portugueses, persistem diferenças culturais e
sociais dentro dos limites do país.
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218
ANEXO
SUGESTÕES DE PROJECTOS PARA A TPA
Documento apresentado à direcção da TPA com recomendações técnicas, redigido
com ortografia corrente em Angola.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O período compreendido entre 2005 e 2007 será de fundamental importância para
Angola, seja para seu povo, seja para os projectos e planos governamentais. E como
a comunicação social é elemento central de qualquer projecto dessa natureza,
apresentamos o presente relatório, com propostas para o Departamento de
Informação da TPA.
O horizonte que se descortina nos próximos dois ou três anos – período em que
ficarão marcados os 30 anos de Independência e de fundação da TPA, as eleições
legislativas e presidenciais e a consolidação do processo de paz, da democracia e da
reconciliação nacional - justifica a tomada da decisão política de dotar Angola de
uma TV Pública de nível internacional.
Quanto maior a qualidade e a credibilidade da TV Pública que se oferecer aos
angolanos, maior e melhor será o retorno de audiência e o
feed back
. Com a
massificação das antenas parabólicas, o desafio da TPA nos próximos anos será
enfrentar uma competição crescente com as emissoras internacionais, entre o
público que tem ou terá acesso à TV por assinatura.
Para além disso, tem ainda a Televisão Pública de Angola que assegurar o
compromisso de levar, aos pontos mais remotos do país, a informação que pode
garantir a integração popular em torno de um projecto político, permitindo ao
Governo concluir sua tarefa de reforma do Estado, modernização da economia,
combate à pobreza, reconstrução das infra-estruturas e unificação nacional.
219
As propostas e sugestões contidas neste relatório levam em conta padrões
internacionais de qualidade e procedimentos, adoptados em emissoras públicas e
privadas do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa. São ferramentas para melhorar
a eficiência e a qualidade dos serviços informativos, especialmente no campo das
TVs públicas, que necessitam do reconhecimento da credibilidade para garantir o
retorno de audiência que almejam. Essas medidas podem ser adotadas em pacotes,
de acordo com um planejamento de acção e investimentos, a ser determinado pela
Direcção da TPA, a quem entregamos o documento para análise.
INFORMATIZAÇÃO DA REDACÇÃO
No início dos anos 1990, a introdução de softwares e sistemas para edição de
telejornais revolucionou a forma de se trabalhar nas redacções das emissoras de
televisão, em todo o mundo. Tive a oportunidade de utilizar pela primeira vez um
desses sistemas em 1995, na TV Cultura de São Paulo, quando as velhas máquinas
de escrever foram substituídas pelos computadores.
Um galpão que servia de oficina foi reformado e adaptado para receber a nova
redacção, com dezenas de computadores de mesma marca e modelo, ligados em
rede e rodando uma geração do sistema AP-ENPS (www.enps.com).
Esses sistemas de edição agilizam o trabalho, pois permitem que os próprios
repórteres e/ou editores de textos insiram no pré-espelho ou no espelho os textos
de leads e os créditos com informações ou nomes dos entrevistados, utilizando um
dos terminais disponíveis.
Em seguida, o editor executivo ou editor chefe acessa a lauda e faz as alterações
que considerar necessárias.
O software permite controlo total de todas as operações realizadas no alinhamento
do telejornal, uma vez que o nome da última pessoa a fazer modificações fica
220
gravado na lauda ou na retranca. Cada usuário tem um login e uma senha, que
utiliza sempre que entra no sistema.
Além disso, o acesso é oferecido em diferentes níveis: o repórter só pode abrir uma
lauda e escrever; o editor de textos pode criar uma lauda nova e escrever; o editor
executivo ou o editor chefe e eventualmente o realizador podem fazer tudo isso e
ainda eliminar ou mudar as retrancas de lugar, travar os alinhamentos quando o
jornal vai ser exibido, entre outras operações.
Com a implantação de um sistema desse tipo, os profissionais com acesso ao
software podem acompanhar o que está sendo feito, quem está fazendo o quê, e
podem ainda colaborar, trocando informações com os colegas ou com as chefias,
através de correios pela intranet.
O editor chefe não fica retido horas preciosas diante de um computador escrevendo
os leads e as legendas deixados pelos repórteres: ele ganha mobilidade e tempo
para acompanhar de perto os preparativos do telejornal, atualizar as informações
através de consultas à Internet, podendo inclusive verificar o andamento da edição
das matérias. O trabalho editorial ganha densidade e qualidade.
Durante a exibição do produto final, o editor executivo e o realizador, no
switcher,
podem acrescentar informações de última hora e alterar a ordem das laudas,
tornando mais segura a operação.
Por essa razão, a informatização das redacções do Departamento de Informação da
TPA é a primeira recomendação deste relatório. O sistema a ser implantado, seja da
ENPS ou de qualquer outro fornecedor, deve preferencialmente prover a TV dos
seguintes requisitos:
- Diferentes níveis de acesso e segurança, através de login e senhas
monitoradas
- Diretórios para cada telejornal
- Gavetas para redacção de Offs em cada directório
221
- Gavetas para pautas e/ou sugestões de pautas em cada directório
- Inserção automática dos textos no teleprompter (TP), com atualizações
instantâneas
- Intranet para comunicação entre os jornalistas
EDITOR DE TEXTOS E PAUTA
O modelo de produção jornalística brasileiro, bem como o norte-americano e o
europeu, inclui a figura do editor de textos, que trabalha em conjunto com o
repórter. Uma das funções do editor de textos é fazer a comunicação com o
repórter, acompanhando o desenrolar da reportagem, fornecendo informações e
também recebendo solicitações, como o pedido de imagens de arquivo. Por outro
lado, o editor de textos, estando informado sobre o assunto em pauta mas
guardando distância dele, ajuda a dar equilíbrio à reportagem, uma vez que o
repórter, que teve contacto directo com o facto, pode sobrevalorizar alguns
aspectos da cobertura.
Cada telejornal da TPA poderia ter, inicialmente, pelo menos dois editores de
textos, que trabalhariam sob orientação do editor executivo ou do editor chefe. Isso
daria um maior controlo sobre a qualidade dos textos e das matérias editadas. Eles
fechariam os Offs com os repórteres e acompanhariam a edição junto aos editores
de imagens. Os editores de texto seriam selecionados entre os repórteres com
melhor texto e boa experiência.
Por outro lado, seria importante o fortalecimento do setor de pauta, que levantaria
informações para serem incluídas em propostas diárias de assuntos, a serem
fornecidas aos repórteres, com a sugestão de abordagem de cada matéria, horários,
endereços, nomes e telefones das fontes e entrevistados.
Atualmente, o setor de Informação da TPA, predominantemente, atende a
solicitações externas de cobertura de eventos, oficiais ou não, de órgãos do
222
Governo, instituições e organizações nacionais e internacionais. Com a pauta em
pleno funcionamento, boa parte da produção seria decidida de dentro para fora, de
acordo, evidentemente, com a orientação editorial e política da casa.
No entanto, para que esse sistema pudesse funcionar, haveria a necessidade de um
maior número de equipamentos de externa (câmeras, tripés, iluminadores, etc) e
também de viaturas, que teriam disponibilidade para ficar à disposição da equipa de
reportagem durante todo o processo de produção da matéria.
A capacidade de realizar pautas com duas ou três marcações daria ao Departamento
de Informação da TPA a possibilidade de abordar temas tratados em seminários,
workshops e palestras, em que as imagens e as entrevistas colhidas nesses eventos
seriam apenas parte da reportagem. Esse formato, para além de tratar os assuntos
de forma mais abrangente, criativa e interessante, torna-se um importante
instrumento para reforçar a credibilidade do jornalismo da emissora, aproximando-
o do seu público telespectador, que é o objectivo final de qualquer empresa de
comunicação, pública ou privada.
COORDENAÇÃO DE REDE
Os Gabinetes de Correspondência da TPA enviam periodicamente reportagens que
são utilizadas nos jornais da tarde e da noite. Esse material informativo poderia ser
produzido, pelo menos em parte, sob orientação dos editores dos jornais.
E essa orientação seria passada para as províncias através de um profissional que
teria a função de Coordenador de Rede, em contato permanente através do telefone
e/ou e-mail. É ele quem verificaria com os gabinetes qual o material a ser enviado
e, por outro lado, faria os pedidos de pauta, de acordo com as necessidades dos
jornais produzidos em Luanda.
Por exemplo, repercussões, nas províncias, de medidas de carácter nacional, ou
reportagens sobre temas gerais, que podem ser feitas em qualquer parte do país,
223
não necessariamente na capital, como educação infantil, saúde da mulher, combate
ao paludismo, etc.
Para além disso, seria fundamental ainda padronizar, pelo nível mais elevado, o
trabalho jornalístico dos correspondentes provinciais, seja no âmbito da redacção e
do tratamento das notícias, seja no que toca às questões operacionais, como o
treinamento dos cinegrafistas e técnicos.
ALTERAÇÕES NA GRELHA DE PROGRAMAÇÃO
Ecos & Factos
e
Telejo nal
são dois produtos estanques, que raramente
comunicam-se entre si, através da utilização mútua de material informativo. O
Ecos
é um produto que trata mais de comportamento social, de assuntos mais próximos
do cidadão. O
Telejornal
é sério, oficioso. No entanto, o
Telejornal
poderia incluir
em seu alinhamento versões reeditadas das melhores reportagens do
Ecos
, além de
um compacto com notícias das províncias, cobrindo uma maior parcela do país no
mesmo espaço de tempo.
r
Nesse caso, seria recomendável antecipar a entrada do
Ecos & Factos
, deslocando-o
das 19 para 17 ou no máximo 18 horas, criando um intervalo maior de
programação entre ambos.
Com isso, o
Telejornal
ganharia um maior volume de informação, uma maior
diversidade de temas, aproximando-se mais do cidadão comum, que raramente se
vê retratado no principal produto informativo da TPA. Não se trata de deixar de
cobrir as atividades do Governo e de outras instituições, mas direcionar a cobertura
para uma abordagem editorial que leve em conta também o ponto de vista do
telespectador. Esse factor, da identidade do público com o produto, é um dos
pontos básicos que explicam o sucesso de telejornais como o Jornal Nacional, o
Jornal da Record e o Fala Brasil, com seus alinhamentos plurais, que procuram
cobrir todos os campos de interesse da sociedade nacional.
224
Outra proposta de modificação na grelha seria a extinção de um dos jornais da noite
(O
Jornal Dois
ou o
Notícias da Noite
), substituindo-o por um novo produto, com
perfil de
soft news
. Do volume de material informativo que a TPA recebe através da
CFI, RTP, Globo e CNN, diariamente, boa parte não tem qualquer aproveitamento,
por falta de interesse editorial dos telejornais noticiosos.
No entanto, informações sobre avanços tecnológicos, médicos ou sociais e defesa
do ambiente, seja em África ou em outras partes do mundo, sempre despertam o
interesse dos telespectadores, principalmente em final de noite, quando os assuntos
mais amenos são preferidos. O novo produto poderia ter um compacto com as
principais notícias nacionais, outro compacto com as principais notíciais
internacionais, e os assuntos mais interessantes seriam tratados em matérias
variadas. Parte desse material poderia ser reciclado e utilizado no dia seguinte pelo
Notícias da Tarde
.
E o jornal nocturno que permanecesse na grelha teria sua produção reforçada, para
ampliar a qualidade e a precisão das últimas informações do dia para os
telespectadores da TPA.
AVALIAÇÃO DOS TELEJORNAIS
As equipas que participam dos telejornais da TPA podem e devem reunir-se
periodicamente para avaliação do produto em que estão a trabalhar. O ideal seria
que essa avaliação ocorresse diariamente, no entanto ela pode acontecer sempre
que necessário, ou no mínimo semanalmente.
A experiência das reuniões de avaliação mostra que os profissionais se tornam mais
comprometidos com o próprio trabalho, o que termina produzindo um efeito
cumulativo bastante benéfico para o nível de qualidade geral dos jornais. Mesmo
não tendo a TPA o parâmetro da concorrência, como acontece no campo das
emissoras de rádio e dos jornais impressos, o padrão de qualidade internacional,
225
que se vê nas emissoras captadas em Angola, torna-se automaticamente na
referência a ser buscada pelas equipas de jornalistas.
SUBSTITUIÇÃO DE EQUIPAMENTOS
O uso do
time code
, o contador de tempo que é gravado magneticamente nas fitas
Betacam pelas câmeras de vídeo, foi um dos avanços da tecnologia broadcasting
internacional, nos últimos 15 anos.
No entanto, curiosamente, esse recurso de tamanha utilidade não é utilizado no
sector de Informação da TPA. Os cinegrafistas ou operadores de câmera não zeram
o contador do TC quando iniciam a gravação.
Como consequência, os repórteres e editores de imagens utilizam-se do LTC, a
contagem que é feita rebobinando-se a fita na máquina de visionamento ou edição,
zerando-se a partir do início. Se a fita precisa ser tirada da máquina para ser
substituída por outra, perde-se a contagem e é preciso rebobiná-la novamente,
zerando a contagem.
Percebi que os editores de imagens têm uma razão plausível para isso: as máquinas
de edição estão desgastadas pelo uso, e a marcação do ponto de edição exige
esforços bem acima do normal, mesmo assim nem sempre bem sucedidos. Para
simplificar, os editores zeram a contagem do LTC e acionam o Edit, a máquina
entende que o zero é o ponto de marcação e faz a edição.
Cheguei à conclusão de que esse hábito só poderá mudar quando os equipamentos
de edição forem substituídos por novos. Um investimento absolutamente necessário
para aumentar a qualidade dos telejornais da TPA. Os editores de imagens
passariam novamente a usar os botões para marcar o kill (ponto de edição), e o uso
do
Time Code
agilizaria o trabalho tanto de repórteres quanto de editores,
ampliando a gama de recursos para contagem de tempo, sonorização e cobertura
226
de imagens. Um ganho qualitativo significativo, com base num simples detalhe de
operação.
Mas para isso seria necessário também cobrar dos operadores de câmera que
passassem a zerar o contador de TC, a cada vez que começassem a gravar algum
material. Trata-se aí de uma mudança cultural, que exigiria a intervenção das
chefias. Esse procedimento (zerar o TC no início das gravações) é padrão mundial
nas emissoras de televisão, e não há nenhuma razão aparente para não ser seguido
na TPA.
REFORMA E ADEQUAÇÃO DAS ILHAS DE EDIÇÃO
Como o prédio ocupado pela Televisão Pública de Angola não foi projectado para
abrigar uma emissora de TV, existem problemas estruturais que prejudicam o bom
funcionamento dos serviços de edição.
As ilhas de edição têm esse nome porque lembram – ou deveriam lembrar – um
ambiente em que os editores, tanto de texto como de imagens, possam trabalhar
com privacidade e silêncio, sendo assim capazes de notar e utilizar sutilezas de
cada material, enriquecendo as edições. Um som ambiente destacado, uma fala
curta mas fundamental, uma informação importante, tudo aquilo que faz a diferença
entre uma reportagem comum e outra com qualidade, perde-se diariamente nas
edições porque as ilhas da TPA são devassadas, as pessoas têm que passar por uma
para chegar à outra, as portas ficam abertas, e o barulho atrapalha o trabalho dos
profissionais da edição.
Portanto, em relação ao processo de edição, que dá o formato final dos telejornais
que são exibidos pela TPA, ou seja, refletem o nível de qualidade da emissora,
sugerimos as seguintes acções:
- Substituição dos equipamentos de edição
227
- Substituição das fitas de reportagem e de edição, o que já vem sendo feito
paulatinamente
- Ampliação do número de ilhas de quatro para seis, aumentando a capacidade
operacional e ainda facilitando aos repórteres o acto de visionar suas fitas
para a produção de textos e consequente edição.
- Reforma ou transferência do setor de edição, transformando as ilhas em
baias isoladas, com acesso restrito aos profissionais dos programas
informativos.
Luanda, dezembro de 2004
A. Marcos de Guide
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