Download PDF
ads:
Tatiana Diello Borges
CRENÇAS DE DUAS PROFESSORAS DE INGLÊS EM PRÉ-
SERVIÇO A RESPEITO DE FALANTES DE LÍNGUA INGLESA DE
SUAS RESPECTIVAS CULTURAS.
UM ESTUDO DE CASO
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Tatiana Diello Borges
CRENÇAS DE DUAS PROFESSORAS DE INGLÊS EM PRÉ-
SERVIÇO A RESPEITO DE FALANTES DE LÍNGUA INGLESA E DE
SUAS RESPECTIVAS CULTURAS.
UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em estudos Lingüísticos da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Lingüística Aplicada.
Área de concentração: Lingüística Aplicada
Linha de Pesquisa: F Estudos em Línguas
Estrangeiras: Ensino/Aprendizagem, Usos e
Culturas
Orientadora: Profª Dra. Ana Maria Chiarini
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2007
ii
ads:
Dissertação aprovada em _______/________/2007 pela banca examinadora constituída
pelos seguintes professores:
______________________________________________
Profª Drª Ana Maria Chiarini – FALE/UFMG – Orientadora
____________________________________________________
Profª Drª Ana Maria Ferreira Barcelos – UFV
_____________________________________________________
iii
Aos meus queridos pais, Lêda e Valdemar, por terem me ensinado que é sempre possível realizar
nossos sonhos.
Ao Darly, amado esposo, por sua força, incentivo e capacidade de conseguir me tranqüilizar nos
momentos mais difíceis desta caminhada.
Às Anas Marias da minha vida acadêmica! A você, professora Ana Maria Chiarini, pela confiança,
pela paciência para compreender meus momentos de desespero e pelas palavras incentivadoras de
sempre! A você, professora Ana Maria Ferreira Barcelos, por estar sempre disposta a me ajudar
ao longo de todos esses anos!
iv
AGRADECIMENTOS
À Deus, por sempre me proteger e iluminar em minha caminhada nesta vida.
Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos (POSLIN) da Faculdade de Letras da
UFMG pela oportunidade de poder me aperfeiçoar academicamente.
Aos professores participantes da banca examinadora, Doutora Ana Maria Ferreira Barcelos e
Doutor Carlos Alberto Gohn por aceitarem tão gentilmente o convite.
À professora Maralice pelo seu sorriso e simpatia de sempre e por ter me proporcionado a
oportunidade de perceber o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras por uma outra
perspectiva.
À professora Reinildes por sua simplicidade e boa-disposição de sempre.
À professora Maria Cristina Pimentel Campos por ter acreditado no meu potencial quando era
apenas uma estudante de graduação apaixonada por inglês.
Às professoras participantes desta pesquisa por estarem sempre disponíveis e muito interessadas ao
longo de todo o processo de coleta de dados. Muito obrigada por terem me ajudado a realizar este
estudo. Aprendi muito com vocês!
À secretaria do Centro de Extensão por tão gentilmente terem nos auxiliado a obter informações
importantes para esta pesquisa.
Ao Adalberto do Colegiado de Graduação por sua boa vontade e rapidez no envio de alguns dados
relevantes para o estudo.
À Carolina, estagiária do POSLIN, por sua disposição em sempre me ajudar com questões
relacionadas à solicitação de auxílio financeiro para apresentação de trabalhos em congressos.
Ao meu irmão Juliano pela força e boas risadas compartilhadas ao longo da vida.
À Anita e à Camilinha por tão gentilmente terem me auxiliado na parte inicial desta pesquisa.
À Aurelia, querida amiga, pela força e estímulo de sempre. Muito obrigada por sua sincera amizade.
À Lú por tão gentilmente ter compartilhado comigo seus preciosos achados na internet relacionados
à investigação de crenças sobre ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.
À Ana Lúcia por várias vezes ter encontrado um tempinho em seus atribulados dias para trocar
umas idéias sobre os trabalhos finais das disciplinas.
Ao Danilo e ao Rodrigo (in memoriam) pelas boas risadas compartilhadas durante nossos encontros
para o café na lanchonete da FALE. Obrigada por me fazerem rir nos momentos de aflição!
À Lili por ter me recebido tão bem em sua casa em São João Del-Rey e por ter compartilhado
comigo alguns livros e artigos.
Ao Enrique por ter imensamente me ajudado a conseguir alguns artigos nos periódicos da CAPES.
Obrigada também pela amizade e pelos bons momentos (e comidas!) compartilhados em Viçosa.
v
À e ao por terem dividido comigo e o Darly vários momentos de insatisfação na e com a
cidade grande! Obrigada pela amizade de vocês!
Ao Seu Darly e à Dona Ana por várias vezes terem me recebido tão bem em sua casa em Belo
Horizonte quando ainda fazia o trajeto Viçosa-BH!
À Maria José pela preciosa dica do fone de ouvido!
À querida Chiarini, pela salvadora dica das canetas marca-texto!
À FUNDEP pelo apoio financeiro para apresentações de trabalhos em congressos.
vi
RESUMO
Esta pesquisa, realizada em um Centro de Extensão de uma universidade pública da região
sudeste do Brasil, teve como objetivos (1) identificar e analisar as crenças que duas professoras de
inglês em pré-serviço possuem em relação aos falantes de língua inglesa e de suas respectivas
culturas e (2) tentar compreender como estas crenças são justificadas pelas professoras. O
referencial teórico apoiou-se em estudos da área de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras
que tiveram como foco de investigação a questão das crenças (Pajares, 1992; Gimenez, 1994;
Johnson, 1994; Barcelos, 1995; Almeida Filho, 1999; Horwitz, 1999; Silva, 2001) e da identidade,
considerando também a questão das comunidades imaginadas (imagined communities), (Hall, 1997;
Rajagopalan, 2003; Norton, 2001; Kanno e Norton, 2003; Brun, 2004; Murphey, Jin e Li-Chi,
2004), ao longo do processo de ensinar/aprender línguas. A metodologia escolhida foi o estudo de
caso e os seguintes instrumentos de coleta de dados foram utilizados: questionário, entrevista,
observações de aulas, acompanhadas de anotações de campo e gravações em áudio, e grupo de
discussão. Os resultados sugerem que as professoras participantes, de modo geral, possuem crenças
e justificativas semelhantes em relação aos norte-americanos e irlandeses, e suas culturas,
demonstrando uma identificação parcial com os “Estados Unidos” e uma identificação plena com a
“Irlanda”, as duas comunidades imaginadas mais citadas. Esse estudo indica para a importância de
considerarmos seriamente as crenças de alunos e professores de línguas a respeito de suas
comunidades imaginadas, uma vez que estas são capazes de estimular ou dificultar o investimento
ao longo do processo de ensino/aprendizagem.
vii
ABSTRACT
This research was carried out at an Extension Center at a Government-owned university in
southeastern Brazil and it aimed at (1) identifying and analyzing the beliefs held by two pre-service
English teachers about English speakers and their respective cultures and at (2) understanding how
these teachers justify such beliefs. The theoretical framework was based on studies in the field of
foreign language teaching/learning that focused on the issue of beliefs (Pajares, 1992; Gimenez,
1994; Johnson, 1994; Barcelos, 1995; Almeida Filho, 1999; Horwitz, 1999; Silva, 2001) and
identity, also taking into account the issue of imagined communities (Hall, 1997; Rajagopalan,
2003; Norton, 2001; Kanno e Norton, 2003; Brun, 2004; Murphey, Jin e Li-Chi, 2004). The case
study methodology was employed and the following data collection tools were used: questionnaires,
interviews, class observations (supported by field notes and audio recordings), and group
discussion. The results obtained suggest that the teachers’ beliefs and justifications about North-
American and Irish people, as well as about their culture, are in general similar. Results also
showed that both teachers identify themselves partially with the “United States” and fully with the
“Ireland”, the two most oft-mentioned imagined communities. This study shows how important it is
to seriously engage both language learners and teachers’ beliefs about their imagined communities,
as these can encourage or hinder students and teachers’ investment in the language
teaching/learning process.
viii
CONVENÇÕES UTILIZADAS NA TRANSCRIÇÃO DE DADOS GRAVADOS EM ÁUDIO
. pausa curta (equivalente a pausa de respiração, marcada por vírgula em linguagem escrita)
.. pausa média
((inint)) fala ininteligível
(( )) relatos de ocorrências não verbais, comentários/explicações do transcritor
P: pesquisador/entrevistador
[...] supressão de trechos com informações redundantes ou desnecessárias
ix
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 - PERCURSO DA INVESTIGAÇÃO..........................................................................1
1.1. Introdução..................................................................................................................................1
1.2. Justificativa ...............................................................................................................................3
1.3. Objetivos e perguntas de pesquisa ............................................................................................4
1.4. Organização da Dissertação ..................................................................................................... 5
CAPÍTULO 2 -REVISÃO DE LITERATURA................................................................................... 6
2.1. Crenças...................................................................................................................................... 6
2.1.1. Conceitos de crenças.......................................................................................................... 6
2.1.2. Relevância da investigação das crenças para o processo de ensino/aprendizagem de
línguas estrangeiras ................................................................................................................... 10
2.1.3. Pesquisas sobre crenças de professores em pré-serviço ..................................................12
2.1.4. Investigação de crenças específicas .................................................................................15
2.2. Identidade ............................................................................................................................... 21
2.2.1. Das origens ao conceito pós-moderno de identidade ...................................................... 21
2.2.2. Identidade na área de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras ...............................23
2.2.3. As comunidades imaginadas (imagined communities) de alunos e professores de línguas
.................................................................................................................................................... 25
CAPÍTULO 3 -METODOLOGIA..................................................................................................... 31
3.1. Pesquisa qualitativa ................................................................................................................ 31
3.1.1. Estudo de caso ................................................................................................................. 32
3.2. Descrição do contexto e das participantes da pesquisa........................................................... 33
3.2.1. Contexto........................................................................................................................... 33
3.2.2. Participantes .................................................................................................................... 34
3.3.Procedimentos e instrumentos utilizados na coleta de dados ..................................................36
3.3.1. Procedimentos adotados no processo de coleta de dados ................................................36
3.3.2. Instrumentos de coleta de dados ......................................................................................37
3.4. Procedimentos de análise dos dados .......................................................................................42
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DOS DADOS......................................................................................... 44
4.1. Povo versus cultura norte-americana: o desconforto sob análise ...........................................44
4.2. “Você não quer viver o American Dream, você quer viver o Irish Dream!”: a plenitude sob
análise ............................................................................................................................................52
4.3.“Português eu fico mais travada”. “[...] se eu pudesse, eu queria que a minha língua mãe
fosse o inglês!”: os espaços das línguas materna e estrangeira sob análise .................................. 62
CAPÍTULO 5 - CONCLUSÃO..........................................................................................................75
5.1. Implicações para o ensino/aprendizagem de língua inglesa ...................................................75
5.2. Sugestões para pesquisas futuras ............................................................................................76
5.3. Considerações finais ...............................................................................................................76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................... 78
ANEXOS............................................................................................................................................87
Carta convite às professoras........................................................................................................... 88
Termo de consentimento................................................................................................................ 89
Carta à coordenação do Centro de Extensão.................................................................................. 90
Questionário aberto........................................................................................................................ 91
Questionário piloto......................................................................................................................... 92
Transcrição de uma entrevista típica.............................................................................................. 93
x
CAPÍTULO 1
PERCURSO DA INVESTIGAÇÃO
1.1. Introdução
A formação de professores é uma das áreas em Lingüística Aplicada (LA) que mais tem
crescido nos últimos tempos (Almeida Filho, 1999; Gimenez, 2002; Araújo, 2003; Celani, 2003).
De acordo com Araújo (2003), desde o início dos anos 90, a formação de professores tem sido uma
preocupação dominante em LA, em especial no tocante ao ensino/aprendizagem de línguas
estrangeiras. Os estudos focalizam a formação do professor reflexivo, definido, conforme Araújo
(2004), como o profissional capaz de analisar criticamente sua prática, por meio de uma maior
compreensão de suas crenças a respeito de si mesmo, de seus alunos e da natureza e repercussão do
seu ensino. Como esse docente é visto como possuidor de conhecimento, crenças e teorias informais
que dirigem o seu fazer, um tema central de estudos na área de formação de professores vem sendo
a investigação de crenças (Barcelos, 2004).
Nesse sentido, tendo em vista o interesse por pesquisas que focalizem as crenças (Pajares,
1992; Almeida Filho, 1999; Barcelos, 1999; Vieira-Abrahão, 1999) e o argumento de que para
compreendermos a abordagem de ensinar
1
dos professores precisamos primeiramente identificar as
crenças que influenciam o seu fazer ou a sua prática, essa pesquisa procurou investigar quais são as
crenças de duas docentes de inglês em pré-serviço em relação aos falantes de língua inglesa e de
suas respectivas culturas
2
.
Realizando uma viagem pelo tempo, acredito que posso afirmar que a curiosidade em
pesquisar o tema desta pesquisa começou a surgir no momento em que se iniciou minha
aprendizagem de inglês, aos nove anos, e a conseqüente paixão por esse idioma.
Sempre foi muito forte para mim, enquanto aprendiz dessa língua e, anos mais tarde também
de outras línguas estrangeiras, o aspecto cultural ao longo desse processo de aprendizagem. Mais
especificamente, a questão da identificação com a cultura da língua estudada e seus falantes se
1
Segundo Almeida Filho (1993, p. 17) a abordagem de ensinar ”equivale a um conjunto de disposições, conhecimentos,
crenças, pressupostos e eventualmente princípios sobre que é linguagem humana, LE, e o que é aprender e ensinar uma
língua-alvo, além de abranger os conceitos de pessoa humana, sala de aula, e dos papéis representados de professor e
aluno de uma nova língua”.
2
Gostaríamos de registrar que, de acordo com nosso conhecimento, os trabalhos de Gardner e Lambert (1972), Tílio
(1981), El-Dash e Busnardo (2001), Figueiredo (2003), todos os quatro seguindo uma tradição de pesquisas na área de
atitudes, e Chiarini (2002), de representações, também se ocuparam da questão de como alunos e professores de línguas
estrangeiras imaginam que sejam os falantes do idioma que estudam/ensinam, o (os) país (es) onde essa língua é falada
e a cultura desses povos. Embora esses estudos partam de outras tradições acadêmicas, acreditamos que seja válido e
coerente mencioná-los porque, a nosso ver, apresentam as mesmas preocupações que as deste trabalho que se ocupou da
investigação de crenças.
1
apresentava de modo extremamente importante e, de acordo com a minha intuição
3
, essa
identificação, ou a ausência dela, poderia influenciar positiva ou negativamente na aprendizagem de
uma língua estrangeira.
Os anos se passaram e a minha crença de que essa identificação tinha uma relação com a
aprendizagem de línguas permanecia arraigada - e no início de 2004 tive a oportunidade de ensinar
esse idioma.
Durante o período em que atuei como professora de inglês em um Curso de Extensão de
uma universidade pública de um estado da região sudeste do Brasil ouvia, com certa freqüência,
alguns dos meus alunos fazerem afirmativas do tipo: “Ah, professora, eu não gosto de estudar
inglês porque tenho raiva da soberania dos Estados Unidos” ou “Eu adoro aprender inglês porque
me identifico muito com o jeito de ser dos americanos”.
Essas frases me intrigavam e, conseqüentemente, me faziam refletir sobre os vários fatores
envolvidos na aprendizagem de uma outra língua. Aos poucos, fui concluindo que um desses
poderia ser, de fato, aquilo que sempre acreditei ter um papel significativo ao longo do processo de
se aprender línguas estrangeiras: a identificação, ou não-identificação, com a cultura da língua
estudada e seus falantes
4
.
Assim, por meio de conversas informais com uma professora muito próxima e querida sobre
essa questão que acreditava ter uma parcela de influência na aprendizagem de inglês, fui
percebendo que as pessoas se identificam ou não com algo em função do que pensam sobre isto e,
assim, descobri as crenças!
Como nesta época estava muito envolvida com o ensino de inglês no Curso de Extensão e,
conseqüentemente, com a formação de professores, decidi investigar quais seriam as crenças de
alunos de Letras que ministram aulas, acerca dos falantes de inglês e de suas respectivas
culturas
5
.
De maneira semelhante às falas de meus alunos, observa-se com certa freqüência alguns
professores em pré-serviço afirmarem que não possuem inclinação para o ensino da língua inglesa
devido ao fato de terem repulsa ao poderio norte-americano e/ou britânico. Em outros momentos, ao
3
Utilizo a palavra intuição porque durante os anos em que aprendi inglês, dos nove aos dezesseis, não imaginava que
essa questão da identificação com a cultura e os falantes de inglês, no caso, tão presente em minha aprendizagem, se
configurava como um tema de estudo de uma ciência chamada Lingüística Aplicada, que viria a conhecer e estudar anos
depois.
4
Autores como Jakobovits (1970), Tílio (1981), Barata (1999), Kanno e Norton (2003), Sade (2003) e Brun (2004)
compartilham dessa posição. De acordo com Sade (2003, p. 59), “se os alunos se identificarem positivamente com o
grupo de falantes em questão, estarão mais motivados a aprender [...] para fazerem parte do grupo. No entanto, se essa
identificação for negativa, o aprendiz não estará receptivo a aprender a língua”.
5
Gostaria de registrar que, embora tenha optado por pesquisar as crenças de professores em pré-serviço em função do
meu interesse na formação de professores, como explicado acima, as afirmativas dos meus alunos, reproduzidas
anteriormente, tiveram uma grande, talvez a principal, influência em minha motivação para realizar esta pesquisa, pois
foi através delas e da inquietação provocada que resolvi tentar compreender melhor a relação das crenças sobre falantes
de inglês e de suas culturas com o processo de ensino/aprendizagem de língua inglesa.
2
contrário, nos deparamos com docentes que declaram gostar de inglês e se identificar em muitos
aspectos com a cultura e com os falantes dessa língua.
Segundo Brun (2004), dependendo de quais são as crenças - muitas vezes baseadas em
estereótipos que os aprendizes/professores possuem a respeito da cultura estrangeira, a
identificação cultural será mais ou menos capaz de provocar um sentimento de pertencimento e de
participação efetiva. A autora argumenta ainda que “na aprendizagem de línguas a identificação
com o nativo, a língua ou o locutor bilíngüe é considerada como uma condição de sucesso (ou ao
menos uma atitude favorável)” (Brun, 2004, p.92).
Autores como Jakobovits (1970), Tílio (1981) e Barata (1999) corroboram a argumentação
de Brun (2004) ao afirmar que aprendizes com atitudes favoráveis em relação à cultura e ao povo da
língua estrangeira estudada apresentam maiores chances de terem sucesso ao longo do processo de
aprendizagem.
Assim, refletindo sobre essas afirmativas e suas implicações para a questão do
ensino/aprendizagem de língua estrangeira, cabe perguntar: quais são as crenças que os professores
de língua inglesa em pré-serviço possuem sobre falantes de inglês e de suas respectivas culturas?
Como eles justificam essas crenças? Tais perguntas partem do pressuposto de que o
aprendiz/professor, ao entrar em contato com a língua estrangeira e, simultaneamente, ao adquirir
conhecimentos socioculturais sobre a comunidade que a utiliza, é, de certo modo, obrigado a se
renovar não só lingüisticamente, mas, sobretudo, culturalmente.
1.2. Justificativa
Essa pesquisa justifica-se por duas razões. A primeira deve-se à relevância da investigação
das crenças dos professores de língua inglesa em pré-serviço. De acordo com Pintrich (1990) apud
Pajares (1992, p. 307-308), “[...] as crenças são os instrumentos psicológicos mais valorosos que se
pode ter na construção da formação do professor”
6
. Conforme argumentam Freeman e Johnson
(1998), os docentes possuem experiências anteriores, valores pessoais e crenças que formam seu
conhecimento sobre ensino e moldam o que eles fazem em sala de aula. Nesse sentido, de acordo
com Breen (1985, p. 136) apud Barcelos (2004, p. 125), é imprescindível compreender que
“nenhuma instituição ou relacionamento humano pode ser adequadamente entendido, a menos que
consideremos as suas expectativas, valores e crenças”.
A segunda razão deve-se à carência de estudos mais profundos que focalizem crenças mais
específicas, conforme sugerido por Barcelos (2004, 2006). É de fácil constatação que grande parte
dos trabalhos que se ocupam da investigação de crenças sobre ensino/aprendizagem de língua
estrangeira se concentra apenas em aspectos gerais do processo de se ensinar/aprender línguas.
6
“[...] beliefs ultimately will prove the most valuable psychological construct to teacher education”.
3
Entretanto, esse foco de investigação sobre crenças parece estar mudando. Nos últimos seis
anos, pôde-se perceber um aumento significativo de dissertações
7
desenvolvidas nos programas de
pós-graduação brasileiros que procuraram estudar crenças específicas relacionadas ao
ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras (Silva, 2000; Carazzai, 2002; Araújo, 2004; Belam,
2004; Finardi, 2004; Silva, 2004; Lima, 2005; Moraes, 2005; Vechetini, 2005; Bassetti, 2006;
Piteli, 2006).
Os resultados obtidos em um levantamento realizado por Borges, Paula Fernandes e
Barcelos (2005) também vêm comprovar essa expansão. Esse levantamento teve como objetivo
investigar os instrumentos, participantes, foco, contexto e referencial teórico dos trabalhos sobre
crenças apresentados no 15
o
InPLA (Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada – 2005
8
).
No tocante aos resultados referentes ao foco dos estudos, constatou-se que, embora a
maioria dos trabalhos apresentados tenha ainda se ocupado de crenças sobre ensino/aprendizagem
em geral, algumas pesquisas começaram a tratar da investigação de crenças mais específicas.
Essas crenças serão apresentadas mais detalhadamente no capítulo de Revisão de Literatura na
subseção 2.1.4.
Tendo em vista o exposto acima, este trabalho pretende contribuir para o atual momento de
investigação de crenças sobre o processo de ensino/aprendizagem de línguas, denominado, de
acordo com Barcelos (no prelo), de período de expansão
9
, ao pesquisar um aspecto mais específico
desse processo não abordado até o presente momento: crenças a respeito de falantes de inglês e de
suas respectivas culturas. Acreditamos também que esta pesquisa possa, modestamente, dar
continuidade à jornada rumo a um entendimento mais detalhado acerca das crenças sobre o
ensino/aprendizagem de língua inglesa em nosso país ao proporcionar às duas professoras
participantes a oportunidade de refletirem a respeito de suas próprias crenças acerca da cultura da
língua que ensinam e de seus falantes.
1.3. Objetivos e perguntas de pesquisa
Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar a relação existente entre crenças e
identificação cultural ao longo do processo de ensino/aprendizagem de professores de língua inglesa
em pré-serviço. Para isso duas perguntas de pesquisa mais específicas guiaram este estudo:
7
Embora prevaleça a elaboração de dissertações sobre o tema, vale lembrar que, de acordo com nosso conhecimento e
até o momento da realização desta pesquisa, três teses também foram desenvolvidas a respeito de crenças específicas:
Conceição (2004), Madeira (2006) e Barata (2006), sendo vocabulário e estratégia de consulta ao dicionário, ensino de
gramática e avaliação, respectivamente, os temas contemplados nestas pesquisas.
8
Encontro anual, bastante representativo da área sobre crenças e aprendizagem de línguas em nosso país.
9
Segundo Barcelos (no prelo), “pode-se dizer que a pesquisa sobre crenças no Brasil está dividida cronologicamente
em três períodos, a saber: período inicial, de 1990 a 1995; período de desenvolvimento e consolidação, de 1996 a 2001;
e o período de expansão, de 2002 até o presente”. Quanto ao período de expansão, no qual esta pesquisa se insere por
razões cronológicas e do tópico investigado, a autora afirma que “uma característica marcante dos estudos desse período
diz respeito ao aumento da investigação de crenças mais específicas” (grifo nosso).
4
1) Quais são as crenças que duas professoras de língua inglesa em pré-serviço possuem a
respeito de falantes de inglês e de suas respectivas culturas?
2) Como as professoras justificam essas crenças?
1.4. Organização da Dissertação
Esta dissertação está organizada em cinco capítulos.
O capítulo 1, do qual nos ocupamos até o momento, apresenta a contextualização da
pesquisa, as justificativas, os objetivos e as perguntas de pesquisa.
O capítulo 2 traz a revisão de literatura, dividindo-se em duas grandes partes. Na primeira,
nos ocupamos das crenças, apresentando diversos conceitos relacionados a esse construto e
pesquisas que tiveram como foco de investigação crenças sobre aspectos gerais e mais específicos
do processo de ensino/aprendizagem de língua estrangeira. Na segunda, tratamos da identidade ao
longo do processo de se ensinar/aprender línguas, discorrendo brevemente sobre a origem desse
conceito e apresentando nosso recorte dentro desta grande seção sobre identidade, no qual
iluminamos a questão das comunidades imaginadas (imagined communities) de docentes e
aprendizes de línguas.
O capítulo 3 aborda a metodologia escolhida para a realização dessa pesquisa, detalhando
sua natureza, o contexto investigado, as participantes, os procedimentos utilizados para a coleta, os
instrumentos empregados e a análise dos dados.
O capítulo 4 analisa e discute os dados com base nos resultados finais obtidos.
O capítulo 5 apresenta as conclusões deste estudo. Algumas implicações pedagógicas e
sugestões para futuras pesquisas que objetivem investigar crenças sobre ensino/aprendizagem de
língua inglesa são oferecidas ao final.
5
CAPÍTULO 2
REVISÃO DE LITERATURA
O referencial teórico desta pesquisa apóia-se em estudos da área de ensino/aprendizagem de
línguas estrangeiras que tiveram como foco de investigação a questão das crenças e da identidade
ao longo do processo de se ensinar/aprender línguas.
Assim, este capítulo de revisão de literatura divide-se em duas grandes seções. Na primeira,
nos ocupamos das crenças, apresentando, inicialmente, diversos conceitos referentes a este
construto. Logo em seguida abordamos, de modo geral, a importância da investigação desse tópico
para o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras e apresentamos alguns trabalhos
que contribuíram para um melhor entendimento das crenças de professores em pré-serviço, foco da
presente pesquisa. Por fim, tratamos da questão de crenças específicas, comentando alguns estudos
que as tiveram como foco de investigação.
Na segunda seção deste capítulo, tratamos da identidade no processo de
ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, discorrendo, primeira e brevemente, sobre a origem
desse conceito. Em seguida examinamos como a concepção de identidade foi estabelecida no início
dos estudos e de que maneira a contemporaneidade modificou essa noção. Por último, apresentamos
como o foco de pesquisas da Lingüística Aplicada (LA) evoluiu de um objeto de estudo centrado
apenas em aspectos lingüísticos do ensino/aprendizagem para uma visão mais holística do processo
de ensinar/aprender línguas estrangeiras, começando, assim, a se considerar, de fato, o
professor/aprendiz como participante deste processo. Nesta mesma seção, introduzindo nosso
recorte dentro desse grande bloco sobre identidade, abordamos a questão das comunidades
imaginadas (imagined communities) de professores e alunos de línguas as quais se apresentaram
de modo muito evidente nos resultados desta pesquisa por meio da menção de alguns estudos em
que foram contempladas.
2.1. Crenças
2.1.1. Conceitos de crenças
De acordo com Barcelos (2004) e Pajares (1992), o conceito de crenças não é exclusivo da
Lingüística Aplicada. Tal conceito vem sendo tratado mais tempo em áreas distintas como
medicina, antropologia, sociologia, ciência política, relações comerciais, psicologia, sociologia,
educação e filosofia.
Filósofos americanos como Charles S. Peirce (1877/1958) e John Dewey (1933)tentavam
definir o construto crenças. Para o primeiro, estas equivalem às “idéias que se alojam na mente das
pessoas como hábitos, costumes, tradições, maneiras folclóricas e populares de pensar” (Peirce,
6
1877/1958, p. 91 apud Barcelos, 2004, p. 129). Dewey (1933, p. 6 apud Silva 2000, p. 20), por sua
vez, ao definir crenças destaca sua natureza dinâmica e sua inter-relação com o conhecimento:
[crenças] cobrem todos os assuntos para os quais ainda não dispomos de
conhecimento certo, dando-nos confiança suficiente para agirmos, bem como os
assuntos que aceitamos como verdadeiros, como conhecimento, mas que podem ser
questionadas no futuro.
Em Lingüística Aplicada não uma definição única para esse conceito. O termo crenças é
alvo de várias denominações e essa diversidade é um dos motivos que torna esse conceito complexo
de ser investigado (Pajares, 1992; Williams e Burden, 1997; Silva, 2000; Barcelos, 2001, 2004;
Oliveira, 2001).
Segundo Pajares (1992, p. 309), a utilização do termo crenças se a partir de uma escolha
entre vários outros encontrados, como por exemplo:
[...] atitudes, valores, julgamentos, axiomas, opiniões, ideologias, percepções,
concepções, sistemas conceituais, preconceitos, disposições, teorias implícitas,
teorias explícitas, teorias pessoais, processos mentais, estratégias de ação [...]
10
.
No contexto de ensino/aprendizagem de línguas constata-se igualmente uma abundância de
termos para se referir às crenças. Em relação às crenças sobre aprendizagem, Barcelos (2004)
apresenta algumas das diversas definições utilizadas por estudiosos da área. Dentre elas
encontram-se: filosofia de aprendizagem de línguas dos aprendizes (Abraham e Vann, 1987), a qual
diz respeito às crenças em relação à maneira como a língua funciona e é adquirida; crenças
culturais (Gardner, 1988) para se referir às expectativas de docentes, pais e alunos no tocante à
tarefa de aprendizagem de uma segunda língua; e teorias folclórico-lingüísticas de aprendizagem
(Miller e Ginsberg, 1995), definidas como idéias que os alunos possuem em relação à língua e à
aprendizagem de línguas. Barcelos (2001, p. 72), por sua vez, interpreta crenças em relação à
aprendizagem de línguas como “opiniões e idéias que alunos (e professores) têm a respeito dos
processos de ensino e aprendizagem de línguas”.
Horwitz (1999) e Wenden (1999) também apresentam definições a respeito de crenças sobre
aprendizagem. A primeira as define como idéias que os alunos possuem a respeito do que significa
aprender uma língua e do processo envolvido nesta aprendizagem. De acordo com a autora, as
crenças dos alunos apresentam o potencial de influenciar tanto suas experiências quanto suas ações
enquanto aprendizes de línguas. Wenden (1999), por sua vez, entende crenças como conhecimento
metacognitivo, o qual, segundo a autora, refere-se ao conhecimento interno do indivíduo sobre os
processos relacionados à cognição e ao seu próprio processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo,
10
“[...] attitudes, values, judgments, axioms, opinions, ideology, perceptions, conceptions, conceptual systems,
preconceptions, dispositions, implicit theories, explicit theories, personal theories, internal mental processes, action
strategies […]”.
7
ressalta Wenden (1999), crenças são distintas do conhecimento metacognitivo, no sentido de que
elas são relacionadas a princípios e tendem a ser mantidas de maneira mais persistente.
No tocante às crenças sobre ensino, Feiman-Nemser e Floden (1986), por exemplo, adotam
o termo cultura de ensinar, o qual diz respeito ao mundo dos professores composto por suas
atitudes e conhecimentos sobre ensinar.
Almeida Filho (1993, p. 17) serve-se do termo abordagem de ensinar, definido no capítulo
introdutório desta pesquisa. Para o autor, a abordagem do docente fundamenta-se pelas
competências que ele traz consigo em caracterizações e níveis diferentes:
Competência implícita: é a mais básica, formada pelas intuições, crenças e experiências de
ensino/aprendizagem anteriores. É peculiar do docente mais espontâneo, sem uma formação
específica;
Competência aplicada: é aquela que faz com que o professor se torne capaz de ensinar
conforme o que sabe conscientemente (subcompetência teórica), consentindo a ele justificar
o que faz e por que faz, apoiado pela teoria;
Competência profissional: refere-se àquela apta a fazer o docente conhecer suas
obrigações, potencial e relevância social no exercício da atividade de ensino de línguas.
Independente do nível em que o docente se situa, seu discurso e sua prática de sala de aula
são perpassados pela sua cultura, derivada, sobretudo, de suas experiências enquanto aluno, de suas
vivências profissionais e de sua formação.
Blatyta (1999), por sua vez, utiliza o termo teorias do cotidiano. De acordo com a autora,
"essas teorias subjazem ao fazer do professor, direcionando-o” (Blatyta, 1999, p. 66) e são teorias,
em geral, implícitas sobre o conceito que ele tem de língua, língua estrangeira, ensino e
aprendizagem. Essas teorias podem ser modificadas ao longo da prática do docente à medida que
ele tiver um envolvimento maior com seu trabalho e que este permita a reflexão de sua prática, caso
contrário, suas teorias do cotidiano, suas crenças, podem agir como barreira para a renovação de seu
habitus
11
.
Marques (2001) emprega o termo teorias implícitas, as quais, segundo a autora, conduzem o
professor a desenvolver crenças sobre ensino/aprendizagem de línguas. Essas teorias, prossegue
Marques (2001, p. 79), guiam a prática do docente em sala de aula e transitam por todos os
princípios que caracterizam esse fazer e também por todos os níveis de competência do professor,
“já que não é possível determinar onde elas começam e acabam”.
11
A autora lança mão do conceito de habitus definido por Bourdieu (1991) como sendo um “conjunto de tendências que
predispõem os agentes a agir e reagir de determinadas maneiras, gerando práticas, percepções e atitudes que são
regulares sem serem conscientemente coordenadas e governadas por regras" (Bourdieu, 1991, p. 16 apud Blatyta, 1999,
p. 64).
8
Na revisão de literatura de seu trabalho de mestrado, Coelho (2005) comenta que,
recentemente, os termos representações e concepções também têm sido utilizados. O primeiro,
conforme a autora, aplica-se em pesquisas que investigam a maneira com que docentes e discentes
se percebem no contexto de ensino/aprendizagem. Segundo Celani e Magalhães (2002, p. 321),
representações podem ser definidas como:
cadeia de significações, construídas nas constantes negociações entre os
participantes da interação e as significações, as expectativas, as intenções, os valores
e as crenças referentes a: a) teorias do mundo físico; b) normas, valores e símbolos
do mundo social; c) expectativas do agente sobre si mesmo como ator em um
contexto particular.
O termo concepções, por sua vez, tem sido utilizado para assinalar aspectos implícitos
observados no discurso de professores (Coelho, 2005).
Em um recente levantamento realizado por Borges, Paula Fernandes e Barcelos (2005),
mencionado anteriormente na introdução desse trabalho, pôde-se constatar também a utilização do
termo percepções. Esse levantamento teve como objetivo investigar os instrumentos, participantes,
foco, contexto e referencial teórico dos trabalhos sobre crenças apresentados no 15
o
InPLA
(Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada 2005). Vale ressaltar que as autoras optaram
por incluir no levantamento estudos que utilizaram em seu título os termos representações,
percepções e concepções por perceberem que estes, na maioria dos trabalhos, foram empregados
com um sentido semelhante ao de crenças.
Como pode-se perceber, após essa breve apresentação de apenas alguns dos diversos termos
utilizados para se referir a crenças, ainda não existe uma definição uniforme a respeito desse
construto. Nas palavras de Coelho (2005, p. 26), “cada termo escolhido tem raízes conceituais que
justificam sua escolha, pois caracterizam uma particularidade que mais se deseja destacar ou se
expressar na pesquisa”.
Assim, ressalta-se que, para a realização deste trabalho, optou-se pela utilização do termo
crenças devido ao fato de acreditarmos que esse conceito não envolve apenas aspectos cognitivos
do ensino/aprendizagem, mas, sobretudo, sociais, pois entendemos que as crenças são
desenvolvidas a partir de nossas experiências e de nossa interação com o ambiente que nos cerca
(Barcelos, 2004). Além disso, a escolha pelo uso desse termo deu-se também por ser o mais
recorrente nos trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros
12
.
O conceito de crenças adotado neste estudo está de acordo com as características de crenças
encontradas em Barcelos (2000, p. 39). Segundo a autora, as crenças:
guiam nossas ações, influenciam e são, ao mesmo tempo, influenciadas por elas;
12
Além de diversas dissertações e teses que têm utilizado esse termo (Gimenez, 1994; Barcelos, 1995; Silva, 2000;
Silva, 2001; Conceição, 2004; Coelho, 2005), no levantamento realizado por Borges, Paula Fernandes e Barcelos
(2005), mencionado acima, os resultados sugerem que a maioria dos trabalhos (58%) apresentados no 15
o
InPLA,
encontro anual bastante representativo da área no Brasil, utilizaram o termo crenças, indicando, assim, um relativo
consenso entre os pesquisadores quanto ao seu uso.
9
são difíceis de serem mudadas;
são construídas socialmente e transmitidas culturalmente;
devem ser inferidas a partir de nossas ações, intenções e afirmações;
são dinâmicas, podendo ser mudadas ao longo do tempo e expressas de modo
diferente em diferentes situações.
Assim, definimos crenças, para o contexto desta pesquisa, como as idéias que tanto alunos
quanto professores de inglês possuem em relação a falantes de língua inglesa e de suas respectivas
culturas. Essas idéias compartilhadas modelam os processos e as estratégias que esses indivíduos
desenvolvem e implementam ao aprender e utilizar a língua estudada/ensinada. Vale ressaltar que
essas imagens podem ser baseadas tanto em experiências de fato vivenciadas por aprendizes e
professores quanto em estereótipos e preconceitos que emergem e são perpetuados na sociedade
através de vários meios, como a mídia e a literatura, dentre outros.
Na sessão que se segue, abordamos, de modo geral, a relevância da investigação das crenças
para o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.
2.1.2. Relevância da investigação das crenças para o processo de ensino/aprendizagem de
línguas estrangeiras
Inegavelmente as crenças são um componente-chave no processo de ensino/aprendizagem
de línguas. Elas influenciam o que professores e alunos fazem, sentem e sabem em relação a esse
processo. Daí, em nosso entendimento, a importância da investigação desse tema.
Tendo em vista o exposto acima, vale destacar o levantamento histórico realizado por
Pajares (1992) sobre o estudo de crenças e sua relevância para a pesquisa educacional. Nesse
levantamento, o autor cita Fenstermacher (1979), que previu o grande valor da investigação de
crenças para a eficiência da pesquisa sobre professores. Assentindo com essas observações,
Barcelos (2001) afirma que o estudo de crenças pode influenciar, dentre outras questões, as
estratégias de aprendizagem de línguas, a motivação e as atitudes do aluno em relação à segunda
língua e cultura (L2) e a formação de professores.
A autora destaca também as principais funções das crenças, enfatizando, assim, a
importância dos estudos a respeito desse construto. De acordo com Barcelos (2000), as crenças
auxiliam os indivíduos a compreenderem a si mesmos e aos outros, a se adaptarem ao mundo e a se
identificarem com outros grupos. Também proporcionam estrutura, ordem, direção e valores
compartilhados. Elas colaboram ainda para um entendimento mais amplo das atitudes, ações e
motivações dos aprendizes.
Conceição (2004, p. 58), corroborando a argumentação de Barcelos (2000), afirma que “os
professores de línguas deveriam reservar momentos em suas aulas em que as crenças de seus alunos
fossem discutidas e em que cada um pudesse falar e refletir a respeito de sua própria
10
aprendizagem”. A autora ressalva que essas discussões não devem assumir um caráter prescritivo,
em defesa de crenças que seriam certas ou erradas, como várias vezes, segundo Conceição (2004),
acontece na sala de aula de língua estrangeira.
A investigação de crenças, tanto de professores quanto de alunos (Barcelos, 2004), tem sido
um tema central de estudos na área de formação de professores, pois é através da compreensão das
crenças que poderemos entender a prática do professor. Os formadores de professores perceberam
que os docentes não são recipientes vazios aguardando para serem preenchidos com teorias e
habilidades pedagógicas (Coelho, 2005). Segundo Wallace (1991), dificilmente os indivíduos que
se iniciam em situações de formação o fazem com a mente vazia ou com posturas neutras. Os
professores são pessoas que entram em programas de formação de professor com experiências
anteriores, valores pessoais e crenças que compõem seu conhecimento sobre ensino e orientam o
que realizam em sala de aula (Freeman e Johnson, 1998). Muito do que sabem vem de suas
lembranças enquanto aprendizes como aprendizes de língua. De acordo com Kennedy (1991, p. 2)
apud Freeman e Johnson (1998, p. 401), “os professores, como outros aprendizes, interpretam
novos conteúdos através de seus conhecimentos anteriores e modificam e reinterpretam novas
idéias com base naquilo que já conhecem e acreditam
13
”.
Coelho (2005) ressalva que esse aspecto deve ser observado com cuidado se quisermos
aperfeiçoar e fortificar a prática educacional, ao invés de apenas preservá-la e reproduzi-la. Assim,
torna-se imprescindível o conhecimento e a interação das crenças sobre si mesmo, sobre o conteúdo
a ser ministrado e sobre os aprendizes. Conforme argumentam Freeman e Johnson (1998), esse
conhecimento é socialmente negociável, já que está imbricado nas experiências que os docentes têm
com seus alunos, pais, administração escolar e colegas de trabalho.
Richards e Lockhart (1994) observam que, assim como os professores, os alunos também
trazem para a sala de aula suas próprias crenças, objetivos, atitudes e decisões, as quais influenciam
o modo como eles lidam com o processo de ensino/aprendizagem. Os autores expandem a idéia de
que os aprendizes também possuem suas formas de refletir sobre questões de ensino e de
aprendizagem.
De uma maneira sintética, podemos afirmar que a relevância da investigação das crenças
para o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras explica-se, de acordo com Johnson
(1994), em função de três pressuposições principais: 1) as crenças influenciam a percepção e o
julgamento de professores e alunos, afetando, assim, o que eles dizem e praticam em sala de aula; 2)
as crenças possuem um papel relevante na maneira como se aprende e se ensina, ou seja, na maneira
como docentes e aprendizes interpretam as novas informações sobre ensino e aprendizagem e como
essas informações são transmitidas na interação da sala de aula; e, 3) a compreensão a respeito das
13
“Teachers, like other learners, interpret new content through their existing understandings and modify and reinterpret
new ideas on the basis of what they already know or believe”.
11
crenças de professores e alunos é fundamental para que seu ensino e sua aprendizagem possam ser
cada vez mais aperfeiçoados.
Tendo discorrido, de modo geral, a respeito da importância da investigação das crenças para
o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, apresentamos na seção seguinte alguns
estudos que contribuíram para uma melhor compreensão das crenças de professores em pré-serviço,
foco desta pesquisa.
2.1.3. Pesquisas sobre crenças de professores em pré-serviço
Gimenez (1994), em sua tese de doutorado, objetivou identificar as crenças sobre
ensino/aprendizagem de professores em formação (alunos de Letras Anglo-Portuguesas) e em
serviço, relacionar essas crenças com as experiências anteriores desses informantes e revelar
aspectos da identidade dos participantes no tocante ao papel do professor. A autora investigou
alunos de primeiro e quarto anos do curso de Letras, bem como professores que haviam se formado
no mesmo programa nos últimos cinco anos.
Gimenez (1994) conseguiu acessar as crenças dos participantes fazendo uma relação entre a
sala de aula, a instituição e o contexto social. Não houve comparações entre os grupos de
participantes, mas a pesquisadora concluiu que existiam crenças em comum entre eles.
A autora propõe que é relevante explicitar as crenças de docentes, da mesma forma que é
importante explicitar como elas surgiram, tornando-os “cientes de modos alternativos de
pensamentos” (Breen, 1990; Johnson, 1994, apud Gimenez, 1994, p. 291). Para Gimenez (1994, p.
291), “crenças e biografia deveriam estar no núcleo de programas de curso que almejam valorizar o
passado do aprendiz e não desejam adotar uma perspectiva de treinamento, no sentido de prescrever
teorias externas aos professores”.
Barcelos (1995), em um estudo de base etnográfica, procurou pesquisar a cultura de
aprender línguas
14
de alunos formandos de língua inglesa de um curso de Letras em uma
universidade federal. De acordo com a autora, o estudo a respeito da cultura de aprender línguas foi
extremamente relevante devido ao fato de manifestar as crenças dos aprendizes no que se refere à
sua aprendizagem, ao professor e ao ensino universitário. Um grupo de quatorze alunos participou
da pesquisa, a qual teve como embasamento teórico os estudos de Erickson (1984, 1986, 1987),
Wenden (1986), Horwitz (1987), Leffa (1994), dentre outros.
Conforme Barcelos (1995), o contexto pesquisado foi selecionado considerando-se os
seguintes fatores: a) a questão da formação de professores de línguas, que os participantes eram
alunos do curso de Letras, b) a ampla experiência de aprendizagem de línguas desses aprendizes,
14
Para o contexto da pesquisa, Barcelos (1999, p. 158) define o termo cultura de aprender línguas, o qual foi
primeiramente proposto por Almeida Filho (1993), como “o conhecimento implícito (ou explícito) dos aprendizes
constituído de crenças, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre como aprender línguas”.
12
pois eram adultos e formandos, e c) o crescimento profissional da própria pesquisadora ao analisar e
pensar criticamente acerca de suas próprias crenças.
No grupo de alunos pesquisados, a autora pôde identificar três fortes crenças: a
aprendizagem como aquisição de itens gramaticais, a responsabilidade do professor pela
aprendizagem do aluno e o país onde a língua-alvo é falada como sendo o lugar ideal para a
aprendizagem rápida e eficiente. Essas crenças, segundo a autora, revelam uma postura passiva dos
aprendizes resultante, quem sabe, de tradições que trazem de sua história escolar.
Barcelos (1995), com o objetivo de gerar transformações eficientes para o contexto de
ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, conclui seu trabalho sugerindo uma reformulação de
currículo dos cursos de Letras, a criação de um programa de acompanhamento aos professores
recém-formados e a investigação, por parte dos docentes do curso de Letras, de suas abordagens de
ensino e de suas crenças em relação à aprendizagem de línguas.
André (1999) também mostra a relevância de se conhecer e discutir as crenças educacionais
do futuro professor, ao longo do curso de Licenciatura, ao realizar um estudo com um grupo de seis
alunos em uma instituição de ensino superior no sul do país.
Os resultados da pesquisa revelaram que os futuros professores possuem crenças a respeito
do que é necessário e relevante para o processo de ensino/aprendizagem, assim como sobre quais
fatores motivam e interferem nesse processo. Segundo a autora, muitos dos participantes também
destacaram a importância da produção oral para a construção da competência lingüística. O uso de
estratégias e o fator idade foram igualmente considerados importantes. No que se refere ao
professor, os informantes acreditam que seja imprescindível que este domine o conteúdo a ser
ministrado para exercer bem a sua profissão, devendo ainda proporcionar um clima descontraído em
suas aulas para que a aprendizagem aconteça mais facilmente.
Carvalho (2000), em sua pesquisa de mestrado, realizou um levantamento com o objetivo de
identificar as crenças sobre aprendizagem de línguas de alunos do curso de Letras de um centro
universitário da região sudeste do Brasil. O referencial teórico baseou-se em trabalhos acerca de
crenças de aprendizes, como os de Barcelos (1995) e de Horwitz (1987). Quanto aos informantes do
estudo, 139 alunos do quarto período do curso de Letras, com idade entre 18 e 25 anos, sendo a
maioria do sexo feminino, fizeram parte da pesquisa. Carvalho (2000) fez uma análise comparativa
dos resultados de sua pesquisa com a pesquisa realizada por Horwitz em 1987
15
.
Os resultados apresentaram a existência de duas crenças prevalentes em relação à
aprendizagem de uma língua estrangeira: a de que crianças aprendem línguas mais facilmente do
15
HORWITZ, E. K. Surveying student’s beliefs about language learning. In: WENDEN, A.; RUBIN, J. (Orgs.) Learner
strategies in language learning. London: Prentice Hall International, p.110-129, 1987.
13
que adultos e a de que a estada no país de língua-alvo é condição ideal para a aprendizagem dessa
língua, tendo essa última também se manifestado na pesquisa de Barcelos (1995).
Oliveira (2001), por sua vez, pesquisou as crenças de alunos-professores do quinto ano do
curso de Licenciatura Português-Inglês sobre o ensino de língua inglesa na escola pública. Alguns
desses aprendizes ministravam aulas na rede pública como professores de inglês, português ou
literatura.
A investigação dessas crenças envolveu os seguintes aspectos: crenças sobre atuar na escola
pública, sobre o professor, o aluno e a direção (englobando o ambiente da escola e as secretarias
municipal e estadual). Os resultados indicaram que, no tocante à atuação na rede pública de ensino,
os alunos acreditam que uma baixa remuneração e carência de materiais didáticos. Quanto ao
professor, os participantes afirmaram que os docentes de língua das escolas públicas não estão bem
preparados, ensinam apenas formas gramaticais ou realizam somente atividades lúdicas,
supervalorizam a cultura dos países desenvolvidos, depreciando a própria cultura, e são indivíduos
frustrados, cansados e desmotivados. No que se refere aos alunos de escola pública, os informantes
acreditam que somente os aprendizes mais novos gostam de inglês e atribuem sentido à
aprendizagem dessa língua. Por fim, a respeito da direção, os alunos afirmaram que a disciplina é
vista como inferior, necessária apenas para o vestibular, não demandando qualificação do professor
(“qualquer um pode ensinar”), e a carga horária é reduzida.
Oliveira (2001) entende que seja extremamente válido pesquisar de que maneiras os alunos
em formação, ao obterem novas informações, manipulam esse conhecimento recente e o colocam
em prática. Além disso, segundo a autora, é igualmente relevante identificar quais variáveis,
casualmente, afetam esse processo. Nas palavras da autora, “é essencial que estudemos o que
constitui o conhecimento dos professores” (Oliveira, 2001, p. 52).
Um último trabalho a ser mencionado nesta seção refere-se ao de Mateus et al. (2002). Esse
estudo faz parte de um projeto de pesquisa no qual foram investigados quatorze participantes do
quarto e último ano do curso de Letras Anglo de uma universidade pública do Paraná. O estudo
relata os resultados de dois dos catorze sujeitos e teve por objetivo pesquisar a percepção dos
alunos-professores em relação ao que seja ensinar e como, de fato, as percepções deles se
desenvolviam em sua prática educacional.
Segundo as autoras, as duas alunas apresentaram a crença de que um bom relacionamento
entre professores e aprendizes pode resultar, por parte dos últimos, em um maior interesse em
relação à disciplina, conseqüentemente, levando à aprendizagem. Notou-se que uma das
participantes empenhava-se para atingir esse relacionamento cortês com o propósito de opor-se ao
comportamento autoritário que recebeu de seus professores. Percebeu-se ainda que essa participante
relacionava a amizade com seus alunos à sua eficiência enquanto professora.
14
Após essa apresentação de trabalhos que tiveram como foco de investigação crenças de
professores em pré-serviço, é possível constatar uma conclusão comum a esses estudos: a relevância
de acessar essas crenças e refletir sobre elas. Parece ser extremamente significativo que os docentes,
tanto aqueles em pré quanto aqueles em serviço, se tornem conscientes e reflexivos a respeito de
suas concepções de ensino/aprendizagem de línguas, que estas podem influenciar suas atitudes e
decisões em sala de aula.
Na seção seguinte nos ocupamos da questão de crenças específicas referentes ao processo de
ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras. A inclusão desse tópico nesta revisão de literatura
justifica-se pelo fato de que o tema de investigação da presente pesquisa trata-se de uma crença
específica a respeito do processo de ensino/aprendizagem crenças sobre falantes da língua
inglesa e de suas respectivas culturas.
2.1.4. Investigação de crenças específicas
Embora o número de estudos publicados a respeito de crenças sobre ensino/aprendizagem de
língua estrangeira (Barcelos, 1995, 2000; Almeida Filho, 1999; Vieira-Abrahão, 1999; Coelho,
2005) seja significativo, uma das lacunas nas pesquisas nessa área, em nosso entendimento, reside
no fato de concentrarem-se apenas em aspectos gerais do processo de ensino/aprendizagem.
Barcelos (2004) apontava para a necessidade de pesquisas que investigassem crenças
sobre aspectos mais específicos.
No levantamento realizado por Borges, Paula Fernandes e Barcelos (2005), mencionado
anteriormente, percebeu-se que alguns estudos (35% dos trabalhos do InPLA) começaram a se
ocupar da pesquisa a respeito de crenças mais específicas. Crenças sobre avaliação (Moraes, 2005),
bom aprendiz (Araújo, 2004), correção de erros (Silva, 2004), fonologia (Quast, 2005), gramática
(Bassetti, 2006; Cruz, 2005; Oliveira, 2005 e Rodrigues, 2005) e leitura (Piteli, 2005; Sousa, 2005 e
Torres, 2005) foram o foco desses trabalhos.
O modesto, embora cada vez mais crescente, interesse acerca da investigação de crenças
mais específicas como as acima mencionadas, dentre outras, também é observado por Barcelos
(2006, p. 23) ao elencar alguns estudos que m pesquisado crenças específicas sobre vários
aspectos: gramática (Borg, 1998; Carazzai, 2002; Dutra e Mello, 2004), leitura (Graden, 1996
16
),
bom professor (Silva, 2000), bom aprendiz (Araújo, 2004), correção de erros (S. Silva, 2004
17
),
linguagem lúdica (Finardi, 2004), tradução (Pagano, 2000), vocabulário e ensino de vocabulário
(Conceição, 2004; Vechetini, 2005), motivação (Lima, 2005), avaliação (Rolim, 1998; Belam,
2004, Moraes, 2005) e oralidade (V. Silva, 2004)” (grifos nossos).
16
Destacamos também o estudo de Geraldini (1995), a qual se ocupou da investigação de crenças sobre leitura em
língua francesa.
17
Acrescentamos aqui o trabalho de Rauber e Gil (2005) sobre correção de erros gramaticais.
15
De acordo com a autora, “esses estudos contribuem para uma compreensão mais detalhada a
respeito de fatores específicos dentro do processo de aprendizagem/ensino de línguas e da relação
desses fatores com crenças” (Barcelos, 2006, p. 23).
Após esta breve apresentação a respeito do interesse inicial, porém próspero, de pesquisas
que se ocupam do estudo de crenças mais específicas, tratamos, nos parágrafos que se seguem, de
alguns trabalhos que investigaram algumas dessas crenças. Vale destacar que os estudos
apresentados nesta seção tiveram como participantes principais professores em pré-serviço ou em
serviço, em função do fato de que a presente pesquisa teve como informantes os primeiros
mencionados.
Silva (2000) procurou investigar as crenças de um grupo de treze alunos formandos de
Letras da Universidade Federal do Pará sobre o que seja ser um bom professor de inglês.
Nessa pesquisa foram identificadas nove crenças, classificadas de acordo com as
características do bom professor de línguas propostas por Brown (1994).
De acordo com a autora, para os participantes do estudo, o “bom professor de inglês: tem
domínio de inglês, domina e usa técnicas de ensino variadas, planeja suas aulas, cria bom ambiente
em sala de aula, ensina de forma centrada nos alunos, ensina os alunos a se comunicar em inglês,
tem bom relacionamento com os alunos, gosta do que faz e da língua inglesa e busca crescimento
profissional” (Silva, 2000, p. 52-53).
Essa pesquisa procurou investigar também se as crenças dos participantes sofreriam algum
tipo de modificação a partir do momento em que foram cursadas as disciplinas de Metodologia
Específica e Prática de Ensino de Inglês. Segundo Silva (2000), embora os quadros de crenças dos
alunos formandos não terem sofrido modificações, todos os participantes mencionaram que algumas
de suas crenças sobre o que seja um bom professor de inglês, assim como sobre o processo de
ensino/aprendizagem de línguas, foram revistas em função das novas informações a que tiveram
acesso.
A pesquisa realizada por Porto (2003) teve por objetivo investigar as crenças de três
professoras da Universidade Federal do Pará a respeito da avaliação da aprendizagem.
Procurou-se pesquisar as crenças das participantes sobre o que seja avaliação em educação
geral e em língua estrangeira, os fatores que influenciam suas práticas avaliativas, as dificuldades ao
avaliar seus alunos e o uso que fazem das informações obtidas do processo avaliativo. O referencial
teórico do estudo teve por base trabalhos realizados no Brasil sobre avaliação da aprendizagem em
contexto de ensino/aprendizagem de língua estrangeira (Rolim, 1998; Santos, 2001 e Lopes, 2002,
entre outros) e pressupostos teóricos das áreas de avaliação em educação geral (Vasconcellos, 2000;
Hoffmann, 2001 e Luckesi, 2001, entre outros) e em língua estrangeira (Hughes, 1989 e Bachman e
Palmer, 1996, entre outros).
16
Os resultados indicam que as participantes assumem duas posturas no tocante à avaliação:
tradicional e transicional. Quanto à avaliação em língua estrangeira, as professoras privilegiam o
conhecimento de estruturas gramaticais e vocabulário e o uso da língua para comunicação. A
análise apontou três fatores que influenciam a prática avaliativa: tempo, conhecimento teórico e
experiências anteriores. As dificuldades mencionadas são de dois tipos: estabelecimento de critérios
de avaliação e elaboração de instrumentos para avaliar o uso comunicativo da língua. Quanto à
utilização de informações do processo avaliativo, a análise revelou duas posturas: atribuição de
notas e implementação de melhorias no processo de ensino/aprendizagem.
A autora conclui afirmando que as implicações desse estudo indicam a relevância de se
repensar o papel que a avaliação desempenha no processo de ensino/aprendizagem em contexto de
sala de aula.
Araújo (2004), em sua dissertação de mestrado, se ocupou da investigação das crenças de
três professores de inglês de escolas públicas do Estado de Minas Gerais, participantes de um
projeto de educação continuada, sobre o papel do bom aprendiz e da verificação de como essas
crenças se manifestam na prática em suas salas de aula.
O estudo procurou investigar ainda se as crenças e as práticas pedagógicas dos participantes
foram modificadas após oito meses de participação no referido curso.
Os resultados mostram que as crenças dos professores sobre o aprendiz de língua inglesa
eram condizentes com as tendências atuais de ensino/aprendizagem de línguas, as quais entendem
que o bom aprendiz de inglês deve ter interesse pela língua, ser autônomo, procurar oportunidades
para se comunicar na língua sob estudo e ser parceiro do professor no processo de ensino. A
pesquisadora verificou também que, ao final do estudo, houve a ocorrência de uma convergência
maior entre o dizer e o fazer dos participantes e a revisão de algumas de suas posições. De acordo
com a autora, essas mudanças apontam a influência do curso de educação continuada no
desenvolvimento das competências e das ações pedagógicas dos professores.
Partindo do pressuposto de que crenças afetam tanto o professor de língua estrangeira
(inglês) quanto os alunos, Silva (2004) buscou inferir e analisar as crenças relacionadas à correção
de erros de dois professores de língua inglesa da rede pública de ensino do Estado de Goiás.
A pesquisa teve ainda como objetivo estabelecer relações entre as crenças dos professores e
as crenças de alguns dos seus alunos dos Ensinos Fundamental e Médio.
O referencial teórico adotado prezou por estudos que tratavam de crenças relacionadas ao
processo ensino/aprendizagem (Horwitz, 1985, 1988, 1999; Pajares, 1992; Johnson, 1994, 1999;
Barcelos, 1995, 1999, 2004, entre outros) e de trabalhos a respeito de erro e correção (Schulz, 1996;
Figueiredo, 1997; Lee, 2003, entre outros).
17
Os resultados, de acordo com a pesquisadora, indicam que as práticas dos participantes são
permeadas por várias crenças que não se restringem unicamente ao tema da investigação. No
tocante às crenças sobre erro e correção, observa-se que as experiências dos professores, enquanto
aprendizes de língua estrangeira, influenciam sua prática em sala de aula, assim como as maneiras
como lidam com as questões relativas a erro e correção.
Silva (2004) conclui afirmando que os resultados mostram, portanto, a relevância de se
fornecerem subsídios para que os professores possam conhecer, refletir, discutir e questionar suas
crenças, de forma geral, e não somente sobre erro e correção.
Finardi (2004) também se ocupou da investigação de crenças mais específicas. A autora
pesquisou a relação entre crenças e o uso de uma forma específica de linguagem, a linguagem
lúdica, de dois professores de inglês como língua estrangeira.
O referencial teórico utilizado apoiou-se em estudos sobre crenças de professores (Pajares,
1992; Woods, 1993, entre outros), trabalhos em educação a respeito do lúdico (Dewey, 1916; Cook,
2000; entre outros) e estudos na área de ensino de línguas sobre linguagem lúdica (Kramsch e
Sullivan, 1996; Broner e Tarone, 2001, entre outros).
Os resultados indicam que, seguramente, o uso de linguagem lúdica pelos dois participantes
da pesquisa estava intimamente relacionado a suas crenças sobre linguagem em geral e, mais
especificamente, sobre ensino de línguas. De acordo com Finardi (2004, p. 90), “dependendo de
como estes professores entendiam linguagem e, seu papel como docentes de línguas, eles usariam
mais ou menos este tipo de linguagem [...]”. Assim, a pesquisadora, ao contrastar o uso de
linguagem lúdica e as crenças sobre esse uso, concluiu que tais crenças podem ter desempenhado,
de fato, um papel importante em determinar a forma de linguagem que os participantes utilizaram
em suas aulas.
Finardi (2004) observa que os resultados obtidos em sua pesquisa podem trazer duas
possíveis implicações pedagógicas. A primeira está relacionada ao fato de que o uso de linguagem
lúdica na aula de línguas pode reduzir o filtro afetivo e convidar os alunos, por meio da linguagem,
a brincarem em uma outra língua, criando, assim, um ambiente mais incentivador para a
aprendizagem. A segunda implicação do estudo reside na questão de que os dois professores
observados pareciam guiados por suas crenças, sendo que a diferença entre eles estava no fato de
que um refletia mais a respeito de suas próprias crenças do que o outro. Para a autora, “porque as
crenças de professores são tão importantes em determinar ou afetar sua prática, parece ser de
extrema relevância para estes sujeitos acessar criticamente suas crenças se eles anseiam aprimorar
seu fazer pedagógico” (Finardi, 2004, p. 93).
Quast (2005) procurou investigar as crenças de um grupo de professores de um curso de
Especialização em Língua Inglesa a respeito do ensino/aprendizagem de fonologia.
18
O referencial teórico da pesquisa baseou-se nos trabalhos de Brown (1994), Celce-Murcia,
Brinton e Goodwin (1996) e Barcelos (2004).
Os resultados apontam que a maioria dos participantes, ao iniciar o módulo de Fonologia,
entendia a pronúncia apenas em termos de sons e palavras isoladas, não levando em consideração os
aspectos supra-segmentais (stress, ritmo, entonação, tom de voz, pitch). Entretanto, ressalva a
autora, após o término do módulo, pôde-se constatar que os professores começaram a perceber a
pronúncia em termos menos restritos, considerando questões como ritmo e entonação relevantes
para a realização de uma boa pronúncia em língua estrangeira.
Segundo Quast (2005), os resultados sugerem ainda que a maioria dos professores não se
sente preparada para trabalhar com pronúncia em sala de aula. Entretanto, continua a autora,
percebeu-se que os participantes, depois de terem cursado a disciplina de Fonologia, sentem-se mais
seguros e começam a visualizar novas formas de inserir o trabalho com pronúncia em suas
atividades em sala.
A autora finaliza seu trabalho afirmando que, por meio da análise dessas crenças, foi
possível obter subsídios para redesenhar o módulo de Fonologia de forma a melhor atender às
necessidades e expectativas dos professores, assim como proporcionar momentos de reflexão sobre
a questão do ensino/aprendizagem de fonologia em língua inglesa.
Vechetini (2005), por sua vez, se ocupou da investigação das crenças sobre ensino de
vocabulário de dois professores de inglês como língua estrangeira.
Os participantes do estudo ministravam aulas em uma escola de idiomas e a investigação das
crenças a respeito do ensino de vocabulário focava em alunos que estavam no início do processo de
aprendizagem da língua inglesa.
O objetivo da pesquisadora era pesquisar as crenças desses profissionais por meio do seu
dizer e do seu fazer. Para isso, foram utilizados questionários, entrevistas e observações de aulas.
Os resultados indicam que os dois professores observados acreditam que seus alunos
iniciantes possuem dificuldades para desempenharem as atividades relacionadas ao vocabulário e de
terem um conhecimento restrito em relação ao léxico da língua inglesa. Constata-se também que os
professores acreditam na relevância de usar técnicas explícitas de ensino do vocabulário, visando
promover uma aprendizagem intencional, mas a pesquisadora, ao observar as aulas desses
participantes, pôde verificar que a utilização dessas técnicas é raramente sistemática.
Vechetini (2005) conclui afirmando que o que se pode notar, através da análise dos dados, é
que a prática desses professores é muito influenciada pelo material didático utilizado por eles.
Por fim, destacamos a pesquisa realizada por Bassetti (2006), a qual investigou, em sua
dissertação de mestrado, as crenças de uma professora de inglês em relação ao ensino de gramática
no contexto de uma escola municipal de ensino fundamental.
19
A autora objetivou ainda em seu trabalho analisar como a professora, juntamente com seus
alunos, reagiria a uma proposta de ensino de gramática através de atividades dirigidas à
comunicação.
Assim, duas etapas marcaram essa investigação. Na primeira, procurou-se descobrir quais
eram as expectativas da professora e de seus alunos em relação às aulas de inglês e quais eram as
crenças a respeito do ensino da gramática da língua inglesa. Na segunda, administrou-se a proposta
pedagógica e analisou-se a reação dos participantes e sua avaliação dessa proposta.
O referencial teórico baseou-se nos estudos de Pajares (1992), Brown (1994), Richards e
Lockhart (1994), Woods (1996), dentre outros. Os instrumentos utilizados foram: diário de pesquisa
produzido pela pesquisadora, entrevista semi-estruturada, questionários, gravações das aulas em
áudio e vídeo, sessão de discussão, logs e sessões de visionamento.
Os resultados indicam que a prática de ensino da professora participante baseia-se em
tendências tradicionais, sendo fortemente influenciada por suas crenças e experiências pessoais
anteriores. Percebeu-se também que essas crenças e experiências anteriores influenciam diretamente
as crenças de seus alunos a respeito do tema investigado, a gramática da língua inglesa.
Quanto à análise da reação da professora, em conjunto com a de seus alunos, à proposta
pedagógica, pôde-se constatar que o livro didático, no contexto sob investigação, apresenta-se como
muito importante para esses participantes.
Nesse sentido, Bassetti (2006) conclui sua dissertação observando que embora a professora
participante tenha demonstrado um certo receio quanto à aplicação de uma nova abordagem de
ensino, foi possível perceber alguns sinais de reflexão e preocupação desta com questões referentes
à sua prática de ensino e ao seu desenvolvimento profissional.
Ao finalizarmos esta revisão de trabalhos que se ocuparam da investigação de crenças mais
específicas do processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, é possível perceber que
oito aspectos distintos referentes a esse processo foram contemplados nas pesquisas apresentadas -
bom professor, avaliação, bom aprendiz, correção de erros, linguagem lúdica,
ensino/aprendizagem de fonologia, ensino de vocabulário e ensino de gramática -, demonstrando,
assim, a preocupação cada vez maior de se considerar a importância desses aspectos para um
melhor entendimento do complexo processo de se aprender/ensinar línguas.
Chegando ao término dessa primeira parte da revisão de literatura, tratamos da questão das
crenças no processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, apresentando, primeiramente,
diversos conceitos referentes a esse construto. Em seguida abordamos, de modo geral, a relevância
da investigação das crenças para o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras e
apresentamos alguns estudos que contribuíram para uma melhor compreensão das crenças de
20
professores em pré-serviço, foco da presente pesquisa. Por último, nos ocupamos da questão de
crenças específicas, comentando alguns trabalhos que as tiveram como foco de investigação.
Na segunda parte da revisão de literatura nos ocuparemos da questão da identidade ao longo
do processo de se ensinar e aprender línguas.
2.2. Identidade
Como mencionado anteriormente, nesta segunda parte da revisão de literatura, trataremos da
identidade e o processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.
Antes, porém, de abordamos esse tema no âmbito da Lingüística Aplicada, mais
especificamente, no campo de ensino/aprendizagem, discorreremos, brevemente, acerca da origem
da identidade enquanto teoria.
2.2.1. Das origens ao conceito pós-moderno de identidade
Conforme observa Ruben (1992), não é possível afirmar que exista um consenso em relação
à procedência da teoria da identidade. Para a maioria dos autores, segundo Ruben (1992, p. 81-82),
sua origem encontra-se “nas obras do antropólogo norueguês Frederik Barth que em 1969
caracterizou os grupos étnicos como organizações sociais em que as pessoas se incluem ou são
incluídas pelos outros”. Entretanto, conforme afirma Ruben (1992), outros autores contestam
vigorosamente essa asserção, asseverando que Mitchell (1956) e Epstein (1958) seriam os
verdadeiros pioneiros do paradigma contemporâneo da identidade.
O que se pode afirmar, de acordo com Ruben (1992), independentemente de quem tenha
sido o primeiro a se ocupar dessa teoria, é que esta surgiu da Antropologia, disciplina que, segundo
o autor, “tem demonstrado constantemente uma acentuada preferência pela procura dos elementos
estabilizadores ou equilibrantes das sociedades humanas” (Ruben, 1992, p. 88).
Chiarini (2002), assentindo com a afirmativa do autor, lembra que o conceito de identidade
começa a ser uma temática na Antropologia devido à constatação da permanência de sociedades que
antes, acreditava-se, estavam condenadas à extinção. Tal fato, de acordo com a autora, obrigou a
Antropologia a modificar seus preceitos teóricos, estabelecendo, portanto, como seu objetivo
principal, a investigação de como, apesar do contato, ocorre a sobrevivência e resistência das
culturas. Segundo Chiarini (2002, p. 40), “é neste momento significativo para a Antropologia que se
localiza a preocupação de Roberto Cardoso de Oliveira com a questão”.
Cardoso de Oliveira (1976), indiscutivelmente, foi o primeiro etnólogo brasileiro a se
preocupar com a noção de identidade no âmbito da Antropologia
18
.
18
Vale ressaltar que, de acordo com Ruben (1992), embora a preocupação primária de Cardoso de Oliveira (1976) tenha
sido desvendar questões específicas - as relações interétnicas em áreas de fricção essa preocupação foi,
posteriormente, reaproveitada pelo pensamento social brasileiro com o intuito de produzir uma teoria da identidade
nacional.
21
O conceito de identidade utilizado pela etnologia brasileira foi distinto em dois momentos
históricos. No primeiro, no princípio da década de setenta do século XX, a noção de identidade
estava unicamente relacionada a uma dimensão individual, denominada, conforme Ruben (1992),
de dimensão pré-sociológica.
Cardoso de Oliveira (1976), nessa fase histórica, também utiliza uma noção pré-sociológica
da identidade. Entretanto, vale mencionar que é esse etnólogo que realiza a passagem teórica da
concepção pré-sociológica para a sociológica. Nesta, uma dimensão mais abrangente da sociedade é
contemplada.
Em breves palavras, a teoria da identidade brasileira foi de uma dimensão pré-sociológica a
uma sociológica e isso se deu a partir das investigações, na área da etnologia, de Cardoso de
Oliveira (1976).
Tendo discorrido resumidamente acerca do surgimento, não muito bem definido, da
identidade enquanto teoria examinaremos, nos parágrafos que se seguem, como esse conceito foi
estabelecido no início dos estudos e de que forma a contemporaneidade modificou a concepção de
identidade.
Por muito tempo, o conceito clássico de identidade foi definido como relacional, contrastivo,
que se estabelece a partir da oposição em relação ao outro e “se afirma “negando” a outra
identidade” (Cardoso de Oliveira, 1976, p. 6).
Entretanto, a pós-modernidade e seu caráter de mudanças constantes e rápidas trouxe, dentre
outras questões, a necessidade de se repensar este conceito. A identidade começa a ser entendida
como anti-essencialista, mais fluida e alguns autores reforçam essa nova concepção (Canclini, 1995;
Hall, 1997; Marcus, 1998). De acordo com Hall (1997), as identidades estão em colapso em função
de transformações sociais do século XX, as quais modificaram conceitos de classe, gênero,
sexualidade, etnia. O sujeito do século XX sofreu um deslocamento, tanto do seu lugar sócio-
cultural quanto de si mesmo, caracterizando o que se denominou de “crise de identidade”.
Segundo o autor, o sujeito cartesiano, uno, centrado, racional e consciente sofreu, ao longo
da história, deslocamentos que se expressaram e foram reforçados através de teorias de estudiosos
como Marx, Freud, Lacan, Saussure, Foucault e da ação de movimentos sociais do século XX,
como os movimentos de feministas, estudantes, pacifistas, homossexuais, dentre outros. Cada um
desses movimentos contribuiu para a desestabilização do sujeito cartesiano e para o surgimento do
sujeito heterogêneo da modernidade tardia.
Como pode-se constatar, a identidade é fruto do movimento da história, que está em
constante processo de mudança e de transformação. Assim, para Hall (1997, p. 13), a identidade,
torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em
relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam.
22
como representante do campo dos estudos da linguagem, Orlandi (1998, p. 204),
corroborando a concepção de identidade de Hall (1997), afirma que esta representa “um movimento
na história [...] ela não é sempre igual a si mesma. Isto é, ela não é homogênea e ela se transforma”.
Um outro autor que igualmente concorda com o fato de que a identidade está sempre em um
processo contínuo de formação é Rajagopalan (2003). Para o autor:
[...] as identidades estão, todas elas, em permanente estado de transformação, de
ebulição. Elas estão sendo constantemente reconstruídas. Em qualquer momento
dado, as identidades estão sendo adaptadas e adequadas às novas circunstâncias que
vão surgindo (Rajagopalan, 2003, p. 71).
Nesse sentido, Hall (1997) explica que, na pós-modernidade, o sujeito desta nova época é
conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ao contrário,
possui várias posições-sujeito, ou seja, diversos momentos ou posições de identificação.
Norton (1997), também compartilhando desse novo conceito de identidade, acrescenta que,
além de ser definida no âmbito social, ela é compreendida como complexa, contraditória,
multifacetada, dinâmica e se constrói e é construída por meio da linguagem.
Tendo em vista que a identidade se constrói e é construída através da linguagem, diversos
autores têm se interessado por essa questão no contexto de ensino/aprendizagem e é nessa direção
que encaminhamos o presente texto.
2.2.2. Identidade na área de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras
Embora constate-se a relevância da relação existente entre identidade e linguagem, ainda
muito a ser investigado na Lingüística Aplicada, em especial, pelos estudos a respeito do processo
de ensino/aprendizagem de língua estrangeira.
Um retrospecto sobre as teorias elaboradas e mais citadas na literatura da área nos mostra
que as várias pesquisas acerca da aquisição, realizadas em ambientes formais e naturais, salientaram
principalmente o aprendizado de estruturas lingüísticas.
Os estudos com morfemas, citados por Ellis (1985), Larsen-Freeman e Long (1991), dentre
outros, evidenciam nitidamente a noção de língua que predominava nos anos setenta e no princípio
da década de oitenta. Essa visão científica da língua, influenciada pelo gerativismo
19
, fez com que
os vários estudos buscassem evidências da ordem natural da aprendizagem, do universalismo, do
inatismo e do acesso à gramática universal.
Entretanto e, felizmente, Larsen-Freeman (1993), realizando uma retrospectiva acerca das
teorias de aquisição, nos apresenta uma considerável mudança no foco das pesquisas desenvolvidas
no campo de ensino/aprendizagem de língua estrangeira.
19
O gerativismo, criado por Noam Avram Chomsky, se propõe a explicar os fatos lingüísticos e usa as intuições para
julgar a sentença. Nesta teoria, a linguagem é derivada de um fator genético, ou seja, ela não é adquirida por fatores
externos, a mente sustenta a dedução.
23
A autora fornece um resumo de como essa área tem progredido e ampliado, ao longo dos
anos, seu foco de pesquisas, abrangendo, assim, questões relativas não apenas à variação lingüística,
mas também em relação ao processo de ensinar e aprender uma língua e à compreensão do
professor/aprendiz como participante desse processo.
Signorini e Cavalcanti (1998), em consonância com Larsen-Freeman (1993), apresentam
trabalhos de diversos lingüistas que apontam para a natureza inter, multi e transdisciplinar da área
de ensino/aprendizagem de língua estrangeira e abordam a necessidade da inclusão de fatores
culturais e políticos na compreensão da língua enquanto linguagem, ou seja, em sua instância de
uso.
Pensando na temática da identidade sob a perspectiva de aquisição de segunda língua/língua
estrangeira, Peirce (1995), concordando com as autoras citadas acima, afirma que é preciso
desenvolver uma concepção do aprendiz de línguas como tendo uma identidade social complexa
que deve ser entendida a partir de estruturas sociais mais amplas e freqüentemente desiguais, as
quais são reproduzidas na interação social do dia-a-dia. Chiarini (2002, p. 49), considerando
também essa questão da identidade ao longo do processo de ensino/aprendizagem, argumenta que:
[...] não aprendemos uma língua apenas para fazermos coisas com as palavras ou
para nos comunicarmos, mas para sermos sujeitos móveis, com projetos em relação
à própria subjetividade, participantes de comunidades diversas, marcadas
historicamente e em constante mudança.
Brun (2004), corroborando a relação existente entre identidade e aprendizagem/ensino,
afirma que o aluno/docente de língua estrangeira gerencia permanentemente a diversidade ao longo
de sua aprendizagem/ensino e, por conseguinte, revisa princípios, reorganiza seus vínculos
socioculturais, re-elabora sentimentos acerca de si mesmo e do mundo. Desse modo, o contexto de
línguas estrangeiras pode significar uma verdadeira e inerente re (construção) identitária.
A autora enfatiza ainda que três aspectos referentes à identidade são, em especial, evocados
no contexto de ensino/aprendizagem de línguas: 1) a necessidade de unidade e de coerência interna,
a qual é desestabilizada pelo questionamento dos valores; 2) o sentimento de diferença que é
fundamental para a conscientização da identidade; e, 3) a sensação de ruptura com a realidade
externa à sala de aula.
Acreditamos que a citação de Rajagopalan (2003, p. 69) expresse, de maneira exemplar, o
sentimento de quem experimenta uma genuína re-significação identitária ao se aventurar no
processo de ensinar/aprender línguas estrangeiras:
As línguas são a própria expressão das identidades de quem delas se apropria. Logo,
quem transita entre diversos idiomas está redefinindo sua própria identidade. Dito
de outra forma, quem aprende uma língua nova está se redefinindo como uma nova
pessoa.
24
Diante dessas considerações, percebe-se que é de fundamental relevância compreender o
processo de ensino/aprendizagem de forma holística, tomando-se o professor/aluno não como um
indivíduo isolado de seu contexto, mas como membro de um grupo, de uma comunidade discursiva,
que se insere em um contexto sócio-histórico específico e que usa sua língua tanto para refletir a
respeito das relações travadas no contexto quanto para construir seu próprio contexto, e, em última
instância, para construir e reconstruir a si mesmo.
Tendo em vista o exposto acima, finalizamos esta seção na qual primeiramente abordamos,
de modo geral, a mudança significativa do foco de pesquisas na área de aquisição de línguas
estrangeiras e, em seguida, tentamos demonstrar a importância de se considerar a questão identitária
ao longo do processo de ensinar e aprender uma língua.
Na seção que se segue, introduzimos nosso recorte na questão da identidade abordada até o
momento.
2.2.3. As comunidades imaginadas (imagined communities) de alunos e professores de línguas
Conforme abordado na seção anterior, o professor/aluno ao entrar em contato com uma nova
língua não se encontra envolvido somente com o processo de ensinar/aprender o código lingüístico,
mas também e, talvez, sobretudo, com uma redefinição de si mesmo, pois, durante o processo tem
que gerenciar constantemente uma certa diversidade. Assim, o contexto de se ensinar/aprender
línguas pode significar uma genuína e inerente re-construção da identidade dos envolvidos nesse
ambiente.
O processo de ensino/aprendizagem de um idioma estrangeiro, a nosso ver, além de
abranger essa questão da resignificação identitária, também é marcado pela construção ou
desconstrução - de comunidades imaginadas, tanto por parte de alunos quanto de professores de
línguas. E é precisamente desse aspecto que nos ocupamos nesta subseção.
O termo comunidades imaginadas foi cunhado por Anderson (1991) para tratar da questão
nacional e explicitar a relação estabelecida entre o Estado nacional e seus cidadãos. De acordo com
o autor, o que pensamos que sejam nações são, na realidade, comunidades imaginadas “porque até
mesmo os membros da menor nação nunca conhecerão, encontrarão ou se relacionarão com a
maioria de seus compatriotas”
20
(Anderson, 1991 apud Kanno e Norton, 2003, p. 241), mas mesmo
assim são capazes de se conectar por meio do poder da imaginação.
Alguns pesquisadores interessados no processo de aprendizagem de línguas se apropriaram
do termo comunidades imaginadas na tentativa de compreender um pouco melhor este complexo
processo (Murphey, 1998; Norton, 2000, 2001; Blackledge, 2003; Dagenais, 2003; Kanno, 2003;
Kanno e Norton, 2003; Norton e Kamal, 2003; Pavlenko, 2003; Silberstein, 2003; Murphey, Jin e
Li-Chi, 2004, Pavlenko e Norton, no prelo). Segundo esses autores, uma característica das
20
“[...] because the members of even the smallest nation will never know most of their fellow-members, meet them, or
bear of them […]”.
25
comunidades imaginadas de fundamental importância para esse maior entendimento é que elas são
capazes de estimular um investimento
21
(ou não) ao longo do aprendizado.
Assim, entendemos que esse aspecto inerente às comunidades imaginadas seja a base deste
estudo, pois dependendo de quais são as crenças que alunos, no caso em questão, alunos-
professores, de línguas possuem em relação a suas próprias comunidades haverá ou não uma
identificação com estas - incluindo, naturalmente, os povos e as culturas pertencentes a essas
comunidades – e, conseqüentemente, um maior ou menor estímulo para investir ou não no processo
de ensino/aprendizagem.
Nos parágrafos seguintes, apresentamos alguns estudos em que a questão das comunidades
imaginadas foi contemplada.
Em seu artigo, Norton (2001) examina a relação existente entre a não-participação de
aprendizes em salas de aulas de línguas estrangeiras e as comunidades imaginadas. Para isso,
recorre à análise dos dados de duas participantes de sua pesquisa realizada com mulheres imigrantes
no Canadá, alunas de inglês como segunda língua.
A autora, primeiramente, relata as histórias de não-participação dessas aprendizes. Em
breves palavras, Katarina, polonesa e uma de suas informantes, após comentar com sua professora
de língua inglesa a vontade de participar de um curso de computação foi explicitamente
desencorajada por ela, a qual alegou que seu inglês não era suficiente para realizar tal tarefa. Assim,
profundamente ofendida, Katarina nunca mais retornou às aulas. Felicia, peruana e outra
participante do estudo, assim como Katarina, também desistiu de freqüentar o curso de inglês. Em
uma das atividades, a professora solicitou que cada um dos alunos, todos imigrantes e aprendizes de
inglês como segunda língua, trouxesse informações sobre seus países para compartilhar com a
turma. Terminada a exposição, a professora resumiu os principais aspectos de cada nação, deixando
de mencionar os pontos relativos ao Peru. Felicia, indignada, perguntou à professora o motivo de ter
excluído seu país. Esta lhe explicou que o Peru não era uma nação que merecesse ser considerada.
Norton (2001) argumenta que essas atitudes extremas das duas participantes (o abandono
total das aulas) podem ser melhor compreendidas se levarmos seriamente em consideração suas
comunidades imaginadas e seus investimentos nestas. Conforme relata a autora, Katarina, em sua
terra natal, pertencia a uma comunidade de profissionais, na qual exercia a atividade de professora
dezessete anos. Embora não tenha encontrado emprego como docente no Canadá, ansiava
avidamente pelo reconhecimento de profissionais, tais como, médicos e professores. Percebe-se,
portanto, que sua comunidade imaginada era uma comunidade de profissionais. Assim, de acordo
com Norton (2001), quando a professora de inglês de Katarina a desestimulou a participar do curso
21
O conceito de investimento, cunhado por Pierce (1995), tenta capturar a relação entre o aprendiz de línguas e o
contexto. Assim, esse aprendiz não é entendido como um ser ahistórico e unidimensional, mas como tendo uma história
social complexa e múltiplos desejos.
26
de computação, ela sentiu que estava sendo rotulada como uma mera imigrante e que uma
importante oportunidade de alcançar um significativo acesso a sua comunidade imaginada de
profissionais estava lhe sendo negada. Daí, uma provável e expressiva razão para a total desistência
de Katarina no curso de inglês. Felicia, por sua vez, saiu de seu país, Peru, muito relutantemente.
Usufruía de uma vida privilegiada e a única razão de sua partida deveu-se a uma séria crise em sua
terra natal. Segundo Norton (2001), Felicia resistia intensamente ao rótulo de imigrante, afirmando
que nunca se sentiu como uma imigrante no Canadá, apenas como uma pessoa estrangeira que vivia
nesse país por acaso. Ainda, conforme a autora, os colegas de trabalho de Felicia atestavam sua
identidade peruana, ao passo que, como vimos, sua professora de inglês parecia não valorizar a
importância de sua nação para ela, provocando, assim, o abandono por completo das aulas por parte
de Felicia.
Refletindo sobre o exposto acima, Norton (2001) conclui seu artigo apontando para a
relevância de professores de línguas verdadeiramente se interessarem pelas comunidades
imaginadas que seus alunos trazem para as salas de aulas, pois, como apresentado, a não-
participação de Katarina e Felicia no curso de inglês se deu em função do fato de suas professoras
não reconhecerem suas comunidades imaginadas e o importante papel que estas representam ao
longo do processo de aprendizagem.
No artigo introdutório de uma edição do Jornal Language, Identity and Education,
especialmente destinada à apresentação de trabalhos que se ocupam da questão das comunidades
imaginadas no âmbito de ensino/aprendizagem de línguas, Kanno e Norton (2003, p. 242)
comentam que o objetivo dessa publicação específica é demonstrar como a noção de comunidades
imaginadas pode contribuir para um melhor entendimento da aprendizagem de línguas e da
identidade, já que, segundo as autoras, a afiliação dos alunos a essas comunidades “pode afetar suas
trajetórias de aprendizagem”
22
.
Kanno e Norton (2003), nessa introdução, primeiramente, apresentam sua definição do
termo comunidades imaginadas. Para elas, essas comunidades “referem-se a grupos de pessoas com
os quais nos conectamos através do poder da imaginação”
23
(Kanno e Norton, 2003, p. 241). São
também, de acordo com as autoras, capazes de estimular ou não um investimento ao longo do
processo de aprendizagem
24
de línguas.
Em um segundo momento desse artigo introdutório, as autoras discorrem brevemente acerca
das seis pesquisas que constituem essa publicação especial sobre a questão das comunidades
imaginadas. Kanno e Norton (2003, p. 247) comentam que, embora os autores desses estudos,
22
“[...] might affect their learning trajectories”
23
“[...] refer to
groups
of people [...] with whom we connect through the power of the imagination”.
24
Acreditamos que essa questão de investir ou não também se encontra presente no processo de ensino, como veremos
no capítulo de Análise dos Dados.
27
realizados no Canadá, Japão, Paquistão, Estados Unidos e Inglaterra, apresentem conceituações
distintas acerca do termo comunidades imaginadas, todos revelaram que as pessoas, de modo geral,
“são capazes de se conectar com comunidades que vão muito além do local e do imediato e que o
investimento em tais comunidades imaginadas influencia significativamente a construção identitária
e o compromisso com a aprendizagem de línguas”
25
.
Nesse sentido, as autoras finalizam sua introdução afirmando que nossas identidades, então,
“devem ser compreendidas não apenas em termos de nosso investimento no mundo “real”, mas
também [...] em mundos possíveis
26
(grifos no original).
Por meio da análise de narrativas a respeito da aprendizagem de línguas de 84 alunos
japoneses e de 58 tailandeses
27
, Murphey, Jin e Li-Chi (2004) buscaram compreender melhor como
se dá a construção social das identidades desses aprendizes e de suas comunidades imaginadas.
A argumentação dos autores baseia-se no fato de que os aprendizes precisam ter
experiências prósperas de aprendizagem de línguas para que estas possam originar um desejo de se
identificarem com certos grupos, posicioná-los em comunidades imaginadas e estimulá-los a se
perceberem como usuários bem-sucedidos de segunda língua.
Pela análise dos dados, Murphey, Jin e Li-Chi (2004) puderam perceber momentos em que
os alunos não possuíam comunidades imaginadas para se identificar e, conseqüentemente, investir
na aprendizagem, momentos de não-identificação com suas comunidades como lembram os
autores, algumas vezes, nossas comunidades imaginadas não são exatamente o que imaginávamos
e ainda ocasiões em que comunidades imaginadas que existiam antes do início da aprendizagem
em língua inglesa se modificaram, enfraqueceram ou foram esquecidas.
Refletindo sobre esses três momentos distintos observados nas narrativas dos alunos,
Murphey, Jin e Li-Chi (2004) finalizam o artigo afirmando que as comunidades imaginadas que os
alunos possuem não devem se ignoradas ao longo do processo de aprendizagem, pois, como visto,
são capazes de incentivar ou não um investimento nesta. Ainda para os autores, após a leitura dessas
histórias de aprendizagem, os professores poderiam acompanhar de modo mais eficiente cada um de
seus alunos, pois, com essas informações, as chances de saberem como poderiam adaptar sua
prática pedagógica para torná-la, de fato, centrada no aluno, seriam maiores. Para Murphey, Jin e
Li-Chi (2004), é imprescindível que os docentes permitam a seus aprendizes participarem
integralmente do processo de aprendizado, e uma das maneiras de se fazer isso, de acordo com os
autores, é dar lugar para que os alunos, juntamente com suas identidades, comunidades imaginadas
e seu desenvolvimento, sejam o tópico principal dos cursos ministrados pelos professores.
25
“[...] are capable of connecting with communities that lie beyond the local and immediate and that investment in such
imagined communities strongly influences identity construction and engagement in learning”.
26
“[...] must be understood not only in terms of our investment in the “real” world but also […] in possible worlds”.
27
Vale ressaltar que todos esses alunos cursavam, na época da realização do estudo, o primeiro ano da universidade.
28
Pavlenko e Norton (no prelo), por sua vez, argumentam em prol da noção de comunidades
imaginadas como uma maneira de tentar melhor compreender a relação existente entre
aprendizagem de segunda língua
28
e identidade.
As autoras, compartilhando da noção de comunidades imaginadas proposta por Anderson
(1991), observam que os seres humanos, por meio da imaginação, são capazes de sentirem uma
conexão com indivíduos que se encontram além de suas redes de relacionamentos próximas. Assim,
Pavlenko e Norton (no prelo), argumentam que nosso posicionamento em relação a essas
comunidades imaginadas pode ter o mesmo impacto em nossas identidades e no processo de
aprendizagem como nosso envolvimento direto em comunidades do dia-a-dia.
De acordo com as autoras, as comunidades imaginadas que alunos de línguas possuem
podem afetar suas trajetórias de aprendizado, influenciando suas ações, motivações, investimentos e
resistências ao longo do processo de aprendizagem de língua inglesa. Assim, por meio da análise de
cinco contextos distintos de identidades (pós-colonial, global, étnico, multilíngüe e de gênero), ao
longo do artigo, demonstram essas influências.
Como conclusão de suas observações a respeito desses cinco grupos de identidades, as
autoras afirmam que o conceito de comunidades imaginadas possui um notável potencial para unir
teoria e prática no ensino de línguas e informar de maneira crítica e transformadora esse ensino.
Por meio da apresentação desses estudos que abordaram a questão das comunidades
imaginadas no campo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, percebe-se nitidamente a
importância de se considerá-las seriamente, pois, como foi muito bem enfatizado em todos os
trabalhos comentados, uma das características mais relevantes das comunidades imaginadas para
essa área da Lingüística Aplicada refere-se ao fato de que são capazes de estimular ou não um
investimento ao longo do processo de se aprender/ensinar línguas.
Chegando ao término da segunda parte da revisão de literatura, tratamos da identidade no
processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, discorrendo, primeira e brevemente, a
respeito da origem desse conceito enquanto teoria. Em seguida, examinamos como a noção de
identidade foi definida no início dos estudos e de que forma a contemporaneidade modificou essa
concepção. Por fim, mostramos como o foco de pesquisas da Lingüística Aplicada (LA) evoluiu de
um objeto de estudo centrado apenas em aspectos lingüísticos do ensino/aprendizagem para uma
visão mais holística do processo de ensinar/aprender línguas estrangeiras, começando, assim, a se
considerar, de fato, o professor/aprendiz como participante desse processo. Nesta mesma seção,
introduzimos nosso recorte na questão da identidade, tratando das comunidades imaginadas de
professores e alunos de línguas por meio da menção de alguns estudos em que foram contempladas.
28
Acrescentaríamos também de língua estrangeira.
29
Após as considerações expostas neste capítulo de revisão de literatura acerca das crenças e
da identidade na área de ensino/aprendizagem, nos ocupamos, no capítulo que se segue, da
metodologia utilizada na realização deste trabalho.
30
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA
No capítulo anterior, buscamos, por meio de uma revisão da literatura na área, estabelecer o
marco teórico desta investigação. Neste capítulo, descrevemos a metodologia, organizando-a em
quatro seções.
Na primeira, explanamos, brevemente, acerca da pesquisa qualitativa e apresentamos as
características da metodologia de estudo de caso, assim como a justificativa para sua utilização
neste estudo; na segunda, descrevemos o contexto da pesquisa e o perfil das participantes; na
terceira, relatamos os procedimentos adotados no processo de coleta de dados e fornecemos uma
descrição dos instrumentos utilizados na pesquisa e, por fim, na quarta seção, explicitamos os
procedimentos da análise dos dados utilizados na pesquisa.
3.1. Pesquisa qualitativa
Por ser este um estudo de desenho qualitativo abordamos, brevemente, nesta seção, a
pesquisa qualitativa.
Davis (1995) e Lazaraton (1995) observam que os pesquisadores em Lingüística Aplicada
têm cada vez mais se interessado por estudos qualitativos. Nesse tipo de pesquisa, a preocupação
central é tentar compreender o comportamento humano a partir da referência do próprio indivíduo,
por meio da utilização de questionários e entrevistas orais (Larsen-Freeman e Long, 1991; Nunan,
1992). O estudo qualitativo, conhecido como naturalista ou interpretativo, não considera a
aprendizagem como um fenômeno isolado, mas inserido nos contextos sócio-culturais em que ela
ocorre (Davis, 1995).
Nesse sentido, de acordo com Lazaraton (1995), uma das qualidades inerente à pesquisa
qualitativa é a capacidade de descrever rica e minuciosamente os contextos observados, seja a sala
de aula, a escola, a comunidade, dentre outros.
André (1995) e Bogdan e Biklen (1998), por sua vez, consideram a pesquisa qualitativa
como um termo mais geral, o qual envolve diversas modalidades de pesquisa que compartilham
certas características. Fazem parte desse paradigma, por exemplo, a pesquisa etnográfica, a
pesquisa-ação e o estudo de caso, utilizado nesta investigação.
De forma sucinta, a pesquisa qualitativa pode ser caracterizada, de acordo com Bogdan e
Biklen (1998), como: 1) naturalista: o contexto figura como a fonte direta dos dados. Em outras
palavras, para o pesquisador, as ações podem ser compreendidas se forem observadas no
contexto onde estão acontecendo; 2) descritiva: os dados são detalhados minuciosamente nos
registros e transcrições; 3) processual: a pesquisa qualitativa centra-se mais no processo do que no
produto. Assim, o foco da pesquisa em sala de aula, por exemplo, direciona-se a atividades,
31
procedimentos e interações cotidianas; 4) indutiva: a análise dos dados ocorre de maneira indutiva;
e, 5) significativa: há a preocupação com as perspectivas dos participantes, ou seja, interessa saber o
significado que os participantes da investigação conferem às suas ações.
Tendo discorrido brevemente acerca da pesquisa qualitativa, nos ocupamos, na seção
seguinte, do estudo de caso por ser esta pesquisa um exemplo do mesmo.
3.1.1. Estudo de caso
Esta pesquisa configura-se como um estudo de caso. Segundo André (1995, p. 49), um
estudo de caso refere-se a um "estudo aprofundado de uma unidade em sua complexidade e em seu
dinamismo próprio, fornecendo informações relevantes para tomada de decisão".
Johnson (1992) e Nunan (1992) definem estudo de caso em termos de “unidade de análise”,
podendo essa unidade ser tanto um indivíduo, um aluno ou um professor, uma entidade ou
população quanto uma turma, uma escola ou uma universidade.
A unidade de análise utilizada neste estudo foi composta por duas professoras de inglês em
pré-serviço que ministram aulas em um Centro de Extensão de uma universidade pública da região
sudeste do Brasil, o que permite classificá-lo como um estudo de “multi-casos”, conforme
caracterização proposta por Bogdan e Biklen (1998) e Nunan (1992), por se ocupar do estudo de
mais de um indivíduo.
De acordo com Merriam (1988, p. 16) apud Nunan (1992, p. 77), “estudos de casos são
particulares, descritivos, heurísticos e dependem de um raciocínio indutivo ao lidar com várias
fontes de dados”
29
. Também, segundo autores como Nunan (1992), André (1995) e Telles (2002), a
preocupação maior está na compreensão e na descrição do processo do que nos seus resultados.
Sobre essa questão da descrição do processo, André (1995) ressalva que o pesquisador precisa
investir muito tempo e atenção para que possa retratar coerentemente a realidade da unidade sob
investigação e se relacionar com os participantes sem que a complexidade e a dinâmica natural
dessa unidade sejam prejudicadas de alguma forma.
Yin (1984) apud André (1995, p. 51), lembra ainda que estudos de caso m como foco de
interesse “um fenômeno contemporâneo que esteja ocorrendo em uma situação de vida real”.
Allwright e Bailey (1991), Brown e Rodgers (2002) e Telles (2002), por sua vez, destacam
um aspecto importante quanto à questão da generalização dos resultados obtidos em um estudo de
caso. Segundo esses autores, os resultados dessa modalidade de pesquisa, de modo geral, não
podem ser generalizados, que em estudos de caso não se trabalha com numerosas quantidades de
informações. Entretanto, ressalvam Allwright e Bailey (1991) e Telles (2002), esses resultados
podem inspirar questões em outros trabalhos e proporcionar aos docentes e/ou outros indivíduos
29
“Case studies are particularistic, descriptive, and heuristic and rely heavily on inductive reasoning in handling
multiple data sources”.
32
momentos de reflexões a respeito de “seus próprios contextos de trabalho e salas de aula” (Telles,
2002, p. 110).
Segundo Johnson (1992), existem ainda outras características importantes relativas aos
estudos de caso que devem ser consideradas: 1) naturalistas: os dados são coletados em ambiente
natural; 2) descritivos: descrevem um fenômeno, podendo, entretanto, ir além dessa descrição e
prover interpretação de um contexto ou de uma cultura; 3) longitudinais: envolvem longos períodos
de observação, embora muitos estudos de caso tenham duração curta; e, 4) qualitativos: embora os
estudos de caso sejam, primeiramente, qualitativos, estes podem conter a quantificação de alguma
informação. Uma pesquisa realizada conforme o paradigma qualitativo permite que os dados sejam
coletados a partir das observações feitas pelo pesquisador, os quais são posteriormente analisados e
interpretados a fim de se obter um melhor entendimento acerca do fenômeno investigado (Larsen-
Freeman e Long, 1991). A pesquisa qualitativa, conforme mencionado, possibilita ainda, de
acordo com Seliger e Shohamy (1989) e Nunan (1992), uma visão naturalista e não controlada do
objeto sob análise.
Nesse sentido, esta pesquisa se caracteriza como um estudo de caso por preencher
plenamente todas as características acima mencionadas: 1) é qualitativa, pois teve como
preocupação principal investigar as crenças de professoras de língua inglesa em pré-serviço sobre
falantes de inglês e de suas respectivas culturas, e não a preocupação em medir e quantificar dados;
2) é naturalista, uma vez que os dados foram coletados em ambiente natural, à medida que ocorria o
ensino; 3) é de caráter longitudinal,que envolveu períodos de observação, embora nesta pesquisa
esse período tenha sido de curta duração (3 meses), dada a limitação temporal de uma dissertação
de mestrado; e, 4) é descritiva, pois descreveram-se os fenômenos observados.
3.2. Descrição do contexto e das participantes da pesquisa
Partindo da afirmação de que “o propósito de um estudo de caso é descrever o caso em seu
contexto”
30
(Johnson, 1992, p. 76), fornecemos, nesta seção, informações a respeito do contexto em
que esta pesquisa foi realizada e do perfil das participantes envolvidas. Lembramos que nessa
investigação não utilizamos os nomes verdadeiros das professoras com o intuito de resguardar suas
identidades. Destacamos também que os nomes das participantes neste estudo foram escolhidos por
elas mesmas.
3.2.1. Contexto
Esta pesquisa foi realizada junto a um Centro de Extensão de uma universidade pública da
região sudeste do Brasil.
30
“The purpose of a case study is to describe the case in its context”.
33
A escolha por esse contexto deve-se, primeiramente, por ser um contexto no qual a
pesquisadora atuou como professora de inglês
31
e, em segundo lugar, por ser um espaço de
formação de professores, que os alunos de Letras têm, a nosso ver, a preciosa oportunidade de
experienciar o ofício de docência ainda no decorrer do curso de graduação.
Com 30 anos de existência, esse Centro oferece cursos de línguas estrangeiras (inglês,
espanhol, italiano, alemão, francês, português como língua estrangeira) para professores,
funcionários e alunos da universidade e também para a comunidade em geral
32
. O Centro de
Extensão conta com um acervo de materiais didáticos e uma videoteca, que são utilizados tanto por
alunos quanto professores.
As aulas são ministradas quase que exclusivamente por estudantes que possuem vínculo
com a universidade em questão. Assim, o corpo docente é composto por alunos que cursam Letras,
denominados estagiários
33
, ou que fazem parte da especialização, no caso do inglês, ou do programa
de pós-graduação em Estudos Lingüísticos oferecidos pela Faculdade de Letras da instituição.
Os professores-estagiários são acompanhados durante o semestre, o qual geralmente tem a
duração de quatro meses, por coordenadores, docentes da universidade. Esse acompanhamento
envolve, conforme informações disponíveis na página on-line do Centro de Extensão, observações
de aulas, discussões e reflexões relacionadas à prática dos professores e workshops. ainda na
última sexta-feira de cada mês uma reunião com todos os professores de inglês e coordenadores. Os
estagiários, além de ministrarem as aulas, também oferecem plantões para os alunos uma vez por
semana com duração de uma hora.
As aulas ocorrem nas próprias salas de aulas da Faculdade de Letras. Nas salas em que a
pesquisadora esteve presente para observar as aulas das participantes deste estudo havia um quadro
negro, uma televisão, um vídeo, um aparelho de som (CD e fita cassete), duas caixas de som e uma
mesa para o professor. Eram salas amplas e bem iluminadas.
As aulas, de 1 hora e quarenta minutos de duração, são ministradas duas vezes por
semana. Também são oferecidos cursos aos sábados de manhã, sendo que as aulas são
geminadas, das oito e meia ao meio-dia. O livro adotado pela área do inglês no semestre da coleta
de dados para as turmas de nível básico foi o English Know-How.
3.2.2. Participantes
Esta pesquisa contou com a participação de duas professoras em pré-serviço, de 21 e 24
anos, que ministram aulas de inglês no Centro de Extensão citado anteriormente. Essas professoras,
após um primeiro contato via e-mail, se prontificaram a participar deste projeto e cada uma delas
31
Vale destacar que o Centro de Extensão em que a pesquisadora ministrou aulas de língua inglesa de junho de 2002 a
dezembro de 2004 não é o mesmo em que esta pesquisa foi realizada.
32
No semestre de coleta de dados da pesquisa havia setenta e oito turmas de língua inglesa.
33
Ainda sobre o período de coleta, havia quarenta e sete professores dos cursos de inglês. Desses, dezessete eram alunos
da graduação.
34
escolheu uma de suas turmas para a observação de aulas. As duas docentes em pré-serviço cursam
Letras (Inglês) na instituição já mencionada.
Vale mencionar que, conforme convém a uma pesquisa de cunho qualitativo assegurar a
ética e o respeito a seus participantes (Patton, 1990; Davis, 1995; Telles, 2002), as professoras em
pré-serviço, assim que concordaram em fazer parte desta investigação, foram informadas através de
uma carta a respeito dos objetivos da pesquisa e de seu papel enquanto participantes (Anexo 1).
Lembramos ainda que um termo de consentimento também foi assinado por elas (Anexo 2).
A seguir, relatamos o perfil de cada participante, tendo como base as respostas obtidas nos
questionários, nas entrevistas e no grupo de discussão.
3.2.2.1. Júlia
De acordo com a participante, sua aprendizagem de língua inglesa não ocorreu por meio de
uma instrução formal, freqüentando cursos de idiomas ou estudando no exterior, por exemplo.
Como faz questão de enfatizar no questionário e na entrevista, sempre aprendeu essa língua
autonomamente(Q
34
, 16/05/06), mais ou menos doze anos
35
. A sonoridade do idioma, o
cinema e a música sempre a fascinaram, fazendo-a interessar-se pelo conhecimento do inglês.
Por amar a língua inglesa, querer muito aprender sua literatura (Q, 16/05/06) e saber
mais sobre outras culturas (Q, 16/05/06), Júlia decidiu cursar Letras, habilitação Língua Inglesa.
A conclusão do curso se deu no final do primeiro semestre de 2006.
No semestre da coleta de dados lecionava inglês no Centro de Extensão um ano e meio e
trabalhava com duas turmas, sendo uma durante a semana e a outra aos sábados
36
. Ambas de nível
básico.
O comportamento entusiasmado de Júlia sugere que é uma professora sempre almejando
aprender mais sobre a língua inglesa e também aprimorando diariamente sua prática em sala de
aula. É uma pessoa que por meio do cinema, da música, da literatura e de trocas de experiências
profissionais com outros colegas está constantemente aberta ao aprendizado, seja da língua em si
quanto da profissão escolhida.
3.2.2.2. Bete
Bete também declara que sempre aprendeu inglês de maneira autônoma
37
, há mais ou menos
dez anos, não tendo estudado nem residido em país de língua inglesa. A identificação e o interesse
pelo idioma foram os fatores principais que a motivaram a aprendê-lo.
34
Essa letra refere-se à abreviação da palavra questionário, um dos instrumentos utilizados na coleta de dados. As
demais abreviações referentes aos outros instrumentos de coleta são: E: entrevista; NC: nota de campo; AO:
observações de aulas e GD: grupo de discussão. Essas abreviações encontram-se no próximo capítulo, o de Análise dos
Dados.
35
Percebemos também que a participante, além de salientar que sua aprendizagem de língua inglesa ocorreu de modo
autônomo, parece sentir muito orgulho dessa autonomia.
36
A turma observada dessa participante funcionava às 3
as
e 5
as
, das 11:30 hs às 13:10 hs, e era formada por 16 alunos.
37
Gostaríamos de registrar que a ênfase e o orgulho, mencionados por Júlia, quanto à questão da autonomia em sua
aprendizagem de inglês também puderam ser observados nas afirmações de Bete.
35
Em função do fato de que estudava inglês algum tempo (Q, 29/05/06) e se
interessava muito em ter formação para poder dar aulas de inglês (Q, 29/05/06), Bete optou por
estudar Letras. Até o momento da redação final deste capítulo, a data provável para o término da
graduação era no segundo semestre de 2006.
Ensina esse idioma dois anos no Centro de Extensão. Também ministra aulas
particulares, normalmente inglês instrumental”, (Q, 29/05/06) e trabalhou em outra escola de
inglês. No semestre da coleta de dados Bete ministrava aulas no Centro de Extensão para duas
turmas, ambas durante a semana e de nível básico
38
.
Bete se considera uma aluna muito envolvida nas atividades acadêmicas e fez questão de
afirmar que sempre que surge uma oportunidade para participar de congressos na área de Letras ela
a aproveita. Enquanto professora está sempre procurando se aperfeiçoar, seja por conta própria ou
trocando idéias com outros colegas que também trabalham no Centro de Extensão.
3.3.Procedimentos e instrumentos utilizados na coleta de dados
Nesta seção, primeiramente, relatamos os procedimentos utilizados na coleta de dados e,
logo em seguida, descrevemos os instrumentos usados nessa pesquisa.
3.3.1. Procedimentos adotados no processo de coleta de dados
No dia 07 de março de 2006, solicitamos à coordenadora do Centro de Extensão autorização
para realizar a coleta de dados da presente pesquisa neste local (Anexo 3). Em 16 de março, após
concedida a autorização, contactamos pessoalmente a secretaria do Centro a fim de verificarmos
quais eram os estagiários de inglês que cursavam Letras, que os participantes deste estudo, por
serem professores em pré-serviço, deveriam freqüentar esse curso. Vale ressaltar que, nesse contato,
solicitamos à secretária que nos informasse apenas a respeito de estagiários verdadeiramente
comprometidos com a tarefa de ministrar aulas no Centro de Extensão. Assim, recebemos uma lista
contendo o nome e o endereço eletrônico de nove professores-estagiários que se encaixavam no
perfil acima mencionado.
O próximo passo, em 27 de março, foi enviar, via e-mail, uma carta convite a esses
estagiários. De alguns obtivemos respostas, informando que não tinham tempo disponível ou
interesse em participar da pesquisa. De outros nunca tivemos um retorno. Assim, dos nove
contactados, apenas duas professoras se manifestaram positivamente, afirmando que tinham muito
interesse em participar do estudo e que estavam dispostas a colaborar.
Dessa forma, logo em seguida, entramos em contato, via correio eletrônico, solicitando os
horários que elas ministravam aulas para, então, combinarmos o início das observações das aulas.
38
A turma observada dessa participante era às 2
as
e 4
as
, das 17:00 hs às 18:40 hs e formada por 15 alunos.
36
Assim, a coleta de dados deu-se a partir de 03 de abril de 2006, terminando em 07 de julho do
mesmo ano
39
.
3.3.2. Instrumentos de coleta de dados
De acordo com Barcelos (2001), existem três tipos divergentes de abordagens para se
investigar crenças: a normativa, a metacognitiva e a contextual. A autora aponta que, para que uma
investigação de crenças ocorra de uma maneira mais abrangente, a abordagem contextual é a mais
indicada. Nessa, segundo Barcelos (2001), as crenças são entendidas como próprias do contexto,
devendo, portanto, ser examinadas dentro do contexto de suas ações. Essa abordagem, conforme a
autora, proporciona também uma interpretação e percepção mais ampla da relação das crenças com
as ações no ambiente investigado.
Tendo em vista o exposto acima, a investigação desta pesquisa foi realizada de maneira
interativa, identificando as crenças, refletindo a respeito das afirmativas feitas pelas professoras no
questionário, de suas exposições nas entrevistas individuais e observando a ação destas em sala de
aula.
Com o objetivo de se realizar este estudo com base em uma abordagem contextual
(Barcelos, 2001), foram utilizados os seguintes instrumentos para a coleta de dados: questionário,
entrevista individual, observações de aulas gravadas em áudio e acompanhadas de anotações de
campo e um grupo de discussão, envolvendo as professoras participantes e a pesquisadora. A
seguir, apresentamos esses instrumentos e também explicamos como foram utilizados ao longo do
processo.
3.3.2.1. Questionários
A escolha do uso de questionários justifica-se pelo fato de que a aplicação destes requer
menos tempo e menos custos (Johnson, 1992). Além disso, de acordo com McDonough e
McDonough (1997) apud Barcelos (2001, p. 78), questionários “[...] permitem que os dados sejam
coletados em épocas diferentes”.
No presente trabalho, o questionário utilizado foi do tipo aberto (Anexo 4). Neste, segundo
Nunan (1992), os informantes têm a liberdade de poder decidir o que e como dizer. De acordo com
o autor, questionários que envolvem itens abertos possibilitam ao pesquisador obter informações
mais úteis e exatas, pois refletem o que o indivíduo realmente quer exprimir.
Segundo Johnson (1992) e Nunan (1992), qualquer questionário elaborado deve ser
cuidadosamente pilotado antes de administrado a fim de verificar sua validade e compreensão. Em
consonância com a observação dos autores, no mês anterior ao início da coleta de dados dessa
pesquisa, março de 2006, enviamos, via correio eletrônico, um questionário piloto (Anexo 5) a duas
39
Cabe ressaltar que optamos por iniciar a coleta de dados dessa pesquisa somente após um mês do princípio das aulas
no Centro de Extensão a fim de que as professoras participantes e seus alunos tivessem um tempo sem a presença da
pesquisadora, para se conhecerem melhor.
37
professoras de inglês em pré-serviço que ministram aulas em um Centro de Extensão de uma
universidade pública da região sudeste do Brasil
40
.
De acordo com Johnson (1992), questionários piloto devem ser aplicados a respondentes que
sejam similares àqueles que participarão do estudo a ser realizado. Compartilhando da sugestão da
autora, encaminhamos o questionário piloto a professores que, de modo geral, se encaixavam no
perfil dos participantes que a pesquisa demandava, ou seja, alunos que cursam a graduação em
Letras, habilitação Inglês ou Inglês/Português, e que atuam como professores em curso de
extensão oferecido pela instituição em que estudam.
Assim que recebemos as respostas das duas professoras, que gentilmente nos atenderam,
percebemos que algumas questões deveriam ser reformuladas e/ou retiradas e outras, acrescentadas,
conforme pode ser constatado nos Anexos 4 e 5.
Dessa forma, depois de realizadas as alterações que julgávamos convenientes, aplicamos o
questionário reformulado às participantes do estudo, o qual foi enviado por e-mail, conforme
solicitação destas, após as quatro primeiras aulas observadas. O objetivo da utilização desse
instrumento era realizar o levantamento das crenças das professoras a respeito de falantes de inglês
e de suas respectivas culturas e de servir como base das entrevistas. Vale lembrar que o questionário
foi elaborado de acordo com as perguntas desta pesquisa e teve ainda como base leituras de outros
questionários que investigaram crenças.
Sobre o questionário em si, foi dividido em duas partes. Na primeira, com onze questões,
procuramos, basicamente, obter informações a respeito da vida acadêmica e profissional das
participantes. Na segunda, com sete perguntas, tínhamos um objetivo específico: detectar as crenças
das professoras em pré-serviço em relação a falantes de inglês, aos países que têm a língua inglesa
como oficial e às respectivas culturas desses povos. Tendo em mente a questão da identificação, ou
não-identificação, com a língua, o país, os falantes ou a cultura do idioma estrangeiro
aprendido/ensinado, procuramos verificar também se, para as participantes, existe uma relação entre
estudar uma língua estrangeira, no caso o inglês, e se identificar com a cultura dessa língua
(Pergunta 7).
3.3.2.2. Entrevistas
A utilização de entrevistas nesta pesquisa justifica-se em função do fato de que, através
destas, as informantes do presente estudo - professoras de inglês em pré-serviço - têm a
oportunidade de elaborar suas experiências e refletir sobre elas (Barcelos, 2001). Cabe ressaltar que
as participantes foram entrevistadas individualmente e uma única vez.
40
Destacamos que a universidade e o Centro de Extensão que o questionário piloto foi aplicado não são os mesmos em
que esta pesquisa foi realizada, embora se localizem na mesma região do país. Vale mencionar ainda que as duas
professoras que responderam ao questionário foram colegas de trabalho da pesquisadora na época em que esta atuou no
Centro de Extensão mencionado.
38
As entrevistas aplicadas foram semi-estruturadas. Nestas, de acordo com Nunan (1992), o
entrevistador tem uma idéia geral de como a entrevista será conduzida e dos resultados que serão
obtidos. O pesquisador, ao realizar esse tipo de entrevista, não possui uma lista de perguntas pré-
determinadas, mas sim, diversos assuntos e tópicos que estabelecerão o curso desta.
A escolha por esse tipo de entrevista deveu-se a duas razões: a) proporciona ao entrevistado
um certo grau de poder e controle em relação ao andamento da entrevista; e, b) oferece ao
entrevistador uma certa flexibilidade.
Neste trabalho, as entrevistas foram elaboradas com base nas respostas obtidas no
questionário, nas observações das aulas e nas notas tomadas ao longo dessas observações. O
propósito da utilização deste instrumento foi detectar as crenças e clarificar as afirmativas feitas no
questionário.
As entrevistas foram gravadas em áudio, pois, de acordo com Patton (1990), este
procedimento possibilita ao pesquisador centrar toda sua atenção nos entrevistados para, assim,
poder responder apropriadamente a suas necessidades e possíveis dúvidas. Quanto à aplicação
das entrevistas, essas ocorreram depois de mais ou menos um mês e meio de acompanhamento das
aulas, conforme apresentado na Tabela 1. Foram realizadas em uma sala da própria universidade
devido à praticidade do local, que as participantes permaneciam praticamente o dia inteiro nas
dependências da faculdade realizando suas atividades acadêmicas e profissionais. Vale mencionar
que as entrevistas das duas professoras transcorreram de maneira descontraída, natural.
Tabela 1: Entrevistas das professoras
Professora Data Duração
Júlia 25/05/06 50’
Bete 30/05/06 1 h e 20’
Imediatamente após a realização das entrevistas, iniciamos o processo de transcrição. Logo
no princípio desse processo tornou-se evidente que diversas palavras e até mesmo partes das
entrevistas eram impossíveis de serem compreendidas. Assim, pensamos que uma maneira de se
tentar solucionar essa dificuldade seria, primeiramente, transcrever as entrevistas destacando os
momentos que eram ininteligíveis e, logo após, apresentar essas transcrições às participantes e
solicitar que ouvissem a gravação a fim de verificar se entendiam o que haviam expresso. Cabe
registrar que as professoras aceitaram a proposta prontamente, sempre demonstrando que estavam
dispostas a contribuir efetivamente para a concretização desse estudo.
Esses encontros pós-transcrição também ocorreram em uma sala de aula da universidade e
foram realizados de maneira individual, ou seja, sempre a pesquisadora e uma das participantes de
cada vez. Três encontros, cada um com duração em média de três horas, com cada professora foram
necessários. Nesses, a pesquisadora levava um rádio no qual ela e professora ouviam, por meio de
um fone de ouvido, a gravação da entrevista. Conforme a participante ia compreendendo o que
39
havia falado, a pesquisadora tomava nota. Imediatamente após a finalização de cada seção, a
entrevista era corrigida no computador e, ao final dos seis encontros, uma cópia foi entregue às
professoras para que verificassem se havia alguma parte que gostariam de retirar, alterar ou fazer
algum comentário. Nenhuma modificação foi realizada nas transcrições das entrevistas.
Ao longo desse procedimento pudemos constatar o quão válido e relevante este se tornou,
pois já nesses encontros uma análise prévia ia se efetivando, seja por meio da pesquisadora tentando
esclarecer e compreender o que a participante em questão havia tentado exprimir em um
determinado momento da entrevista ou das próprias professoras refletindo e (re) avaliando suas
falas e crenças.
3.3.2.3. Observações de aulas
Utilizamos também nesta pesquisa a observação de sala de aula. De acordo com Nunan
(1989, p. 76), “a sala de aula é onde a ação está”
41
, justificando o motivo pelo qual o pesquisador
deve despender parte do seu tempo nesse espaço.
Barcelos (2001), assentindo com a afirmação de Nunan (1989), argumenta que é
imprescindível investigar as crenças, objeto desta pesquisa, não somente através das afirmações dos
participantes, mas também por meio de suas ações.
Tendo em vista a relevância da observação de aulas para se pesquisar crenças,
acompanhamos as aulas das duas professoras participantes durante o período de abril a junho de
2006. Os objetivos dessas observações foram: a) comparar dados dos questionários e das entrevistas
com as ações; e, b) servir como outra fonte para a triangulação de dados.
Foram observadas 11 aulas de cada professora, perfazendo um total de 22 aulas. Conforme
mencionado na seção de descrição do contexto em que este estudo foi realizado, cada aula era de 1
hora e quarenta minutos, ocorrendo duas vezes por semana. Ressaltamos que a observação dessas
aulas se deu de maneira não-participante
42
, pois tínhamos a intenção de apenas observar os fatos e
não interferir na seqüência dos acontecimentos. Vale mencionar que optamos por acompanhar
quatro aulas seguidas de cada professora e fazer um intervalo de observação de pelo menos uma
semana antes de continuarmos com as demais. Em nosso entendimento, agindo nesse sentido, o
relacionamento entre as participantes do estudo, a pesquisadora e os próprios alunos, mesmo estes
não se configurando como sujeitos principais da investigação, fluiria de modo mais tranqüilo,
menos intrusivo.
41
“The classroom is where the action is”.
42
Cabe ressaltar, entretanto, que em alguns momentos de observação das aulas da professora Júlia, esta solicitava
minha participação em alguma atividade prática que seria realizada em sala. Um exemplo do tipo de participação
ocorrida pode ser exemplificado quando Júlia ensinou o presente contínuo a seus alunos e pediu para que todos,
inclusive eu, ficassem de pé e elaborassem frases utilizando o tempo verbal ensinado.
40
Além de observadas, as aulas também foram gravadas em áudio e acompanhadas de
anotações de campo
43
. As gravações começaram a ser realizadas depois de cinco aulas observadas,
ou seja, mais ou menos um mês após o início das observações. Procedemos dessa forma, pois
acreditamos que os envolvidos em uma pesquisa conduzida em sala de aula, de modo geral,
necessitam de um certo tempo para se sentirem mais à vontade tanto com a presença de um (a)
pesquisador (a) quanto com a de um gravador/filmadora em suas aulas.
Gostaríamos de registrar que ambas as professoras, durante todo o período de coleta de
dados, não se mostraram ameaçadas com a presença da pesquisadora em suas aulas. Na verdade,
tanto elas quanto seus alunos pareciam agir como se a pesquisadora de fato não estivesse em sala
observando, tomando notas. Tal ocorrido, a nosso ver, tornou o processo de coleta de dados muito
mais prazeroso e enriquecedor, pelo menos por parte da pesquisadora.
Um outro aspecto importante, a nosso ver, que vale mencionar refere-se à questão de que, a
cada aula observada, percebemos que a pesquisadora se aproximava mais das participantes, pois,
normalmente, ao final das aulas, conversava ou trocava umas palavras com elas. Acreditamos que
essa aproximação, sem dúvida, facilitou a entrevista a qual ganhou muito em descontração –, os
encontros para checar as transcrições e a conversa no grupo de discussão. A Tabela 2 apresenta o
período das observações das aulas.
Tabela 2: Observação de aulas das professoras
Professora Abril Maio Junho
Bete 03, 05, 10 e 12 15, 17, 22 e 24 07, 12 e 14
Júlia 18, 20, 25 e 27 16, 18, 23 e 25 06, 08 e 22
3.3.2.4. Grupo de discussão
Um outro instrumento utilizado foi um grupo de discussão formado pelas duas professoras e
a pesquisadora. Através desse procedimento, almejamos os seguintes objetivos: a) conversar sobre
as crenças mais comuns das professoras em relação ao tema dessa pesquisa e sobre as justificativas
que elas apresentaram para essas crenças; e, b) abrir um espaço para que pudessem refletir a
respeito da influência dessas crenças ao longo do processo de ensino/aprendizagem de línguas.
Os tópicos discutidos nesse grupo foram elaborados tendo como base principal as
entrevistas realizadas, mas também foram consideradas as afirmativas feitas pelas professoras no
questionário e as aulas observadas. A conversa teve a duração de 40 minutos, sendo gravada em
áudio e, imediatamente, transcrita para análise.
Optamos por realizar esse grupo de discussão ao final do processo de coleta de dados, dia 07
de julho de 2006, para que, assim, pudéssemos ter uma visão mais panorâmica dos dados coletados.
43
Destacamos que as aulas foram observadas e acompanhadas de anotações de campo durante toda sua duração – 1 hora
e quarenta minutos – e gravadas por 1 hora.
41
A conversa aconteceu em uma sala de aula da universidade e transcorreu de modo extremamente
descontraído e prazeroso.
3.4. Procedimentos de análise dos dados
A análise dos dados deste estudo adotou os procedimentos da pesquisa qualitativa.
Primeiramente, realizamos uma leitura geral dos dados a fim de obter categorias. Em segundo lugar,
procedemos a uma leitura minuciosa, anotando nossas impressões, com o propósito de incitar
questionamentos e procurar conexões entre as partes. Por último, por meio dessa triangulação,
conseguimos agrupar os dados em três grandes blocos de análise. Esses blocos, constituídos por
temas que surgiram de modo freqüente e muito significativo nos dados de ambas as professoras
participantes desta pesquisa, são os eixos de sustentação do próximo capítulo.
Gostaríamos de ressaltar que, inquestionavelmente, durante todo o período de análise dos
dados, experimentamos a sensação de estarmos em uma montanha-russa. Vivenciamos momentos
de pura exaltação nos quais sentíamos que tudo era possível e ia dar certo e de completo
desespero nos quais a angústia e a incerteza imperavam nas tentativas de interpretação e
compreensão dos dados.
Várias foram as dificuldades encontradas ao longo desse processo de análise, mas talvez
uma das que nos causou maior preocupação tenha sido a questão de como apresentar de modo
objetivo os resultados obtidos na pesquisa. Não queríamos apenas enumerar as crenças de cada uma
das participantes e foi após vários dias de muito pensar que surgiu a idéia dos blocos de análise dos
dados (Povo versus cultura norte-americana: o desconforto sob análise; Você não quer viver o
American Dream, você quer viver o Irish Dream!”: a plenitude sob análise e Português eu fico
mais travada”. “[...] se eu pudesse, eu queria que a minha língua mãe fosse o inglês!”: os espaços
das línguas materna e estrangeira sob análise), possibilitando, assim, um elo entre as várias crenças.
É imprescindível registrar também que, apesar de todos os altos e baixos vivenciados e de
todas as dificuldades encontradas, a experiência da análise dos dados, da forma como foi
estruturada nos três blocos temáticos, apresentou-se extremamente enriquecedora para a
pesquisadora, exigindo uma constante reflexão que, sem dúvida, a mera listagem das crenças não
teria proporcionado.
Neste capítulo, descrevemos a metodologia utilizada na presente pesquisa. Primeiramente,
abordamos, de modo geral, a pesquisa qualitativa e apresentamos as características da metodologia
de estudo de caso, assim como a justificativa para sua utilização neste estudo. Em segundo lugar,
descrevemos o contexto da pesquisa e o perfil das participantes. Em um terceiro momento,
relatamos os procedimentos adotados no processo de coleta de dados e fornecemos uma descrição
dos instrumentos utilizados na pesquisa. Por fim, explicitamos os procedimentos da análise dos
dados utilizados neste estudo.
42
No próximo capítulo apresentamos os resultados e a análise dos dados.
43
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo apresentamos os resultados obtidos na pesquisa. Como mencionado no
capítulo anterior, os dados foram agrupados em três grandes blocos de análise. Assim, com o
propósito de facilitar a visualização e a apresentação dos resultados, optamos por responder às duas
perguntas desta pesquisa quais são as crenças que duas professoras de língua inglesa em pré-
serviço possuem a respeito de falantes de inglês e de suas respectivas culturas e como elas
justificam essas crenças tendo como ponto de referência esses três grandes temas, dos quais nos
ocupamos a seguir.
Antes, porém, é preciso registrar que os povos e culturas apresentados nesses blocos foram
os únicos mencionados pelas professoras participantes ao longo do período de coleta de dados, não
havendo, assim, nenhum tipo de seleção da nossa parte.
Vale mencionar ainda que durante a análise dos dados notou-se a existência de crenças das
participantes relacionadas ao ensino/aprendizagem de língua inglesa em geral. Essas crenças, a
princípio, parecem não ter uma relação direta com o tema da presente pesquisa, que esta se
ocupou da investigação de uma crença específica. Entretanto, por nos dedicarmos ao estudo e
compreensão das crenças na área de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, acreditamos que
seja pertinente apresentá-las. Nesse sentido, estas serão abordadas em uma seção à parte dos três
blocos de análise.
4.1. Povo versus cultura norte-americana: o desconforto sob análise
Neste primeiro bloco de análise dos dados apresentamos as crenças das participantes em
relação aos norte-americanos e sua cultura
44
e como essas crenças são justificadas.
Por parte de ambas as professoras percebe-se que não uma identificação quanto aos
norte-americanos. Para Júlia, eles, em sua maioria, podem ser definidos como cegos, egoístas,
egocêntricos, como indivíduos que não possuem um conhecimento de mundo “suficiente” e que não
precisam aprender uma língua estrangeira porque a maioria das pessoas fala a deles, o inglês.
Essas crenças são justificadas pela participante em decorrência de contatos pessoais com
norte-americanos e de experiências de amigos.
No excerto abaixo tais crenças e suas justificativas podem ser facilmente observadas:
P: [...] Agora., vamos para os. norte-americanos ((risos)).
J: É o mais complicado de todos!
44
Cabe ressaltar que, a nosso ver, a referência mais direta e recorrente das professoras era aos norte-americanos em
decorrência da situação de hegemonia no mundo. E os ingleses eram raramente mencionados por elas, talvez, devido ao
fato de representarem uma supremacia já ultrapassada.
44
P: Você comenta que acha que a maioria deles é cega, é self-centered, né?! [...] Egoísta,
egocêntrica [...] Por que você acha isso?
J: Não é só pelo o que a gente vê na mídia. É porque os americanos que chegam aqui.
P: Ah, então você já teve convívio?
J: Já. Eles são mega., eu ia falar antipáticos, não é antipático. Não sei se a pessoa é criada
daquela maneira, sabe?
P: De que eu sou o melhor do mundo, meu país.
J: É igual os que chegam aqui, [...] eles já chegam com aquela mentalidade, eu não vou
falar, eu não querendo aprender português, mas eu também, sabe? Fazer esforço por
causa que eles ((refere-se aos brasileiros)) vão falar inglês comigo. Tem uma estória. Tem
uma estória. Vou contar rapidinho: o pessoal do CRA ((Comitê de Recepção para
Americanos)) foi com eles pra Ouro Preto, um bando de americanos [...] Chegando [...]
uma amiga minha que é do CRA falou que já não tava agüentando mais, que ela vai sair do
CRA! Mas o que aconteceu? Ah, eles tirando foto das esculturas [...] falaram assim: nossa!
ela perguntou: Ah, vocês gostaram das esculturas? um virou e falou assim:
maravilhoso, os espanhóis tinham muita.
P: O quê? ((tom de muito espanto))
J: É, os espanhóis ((P se espanta)). Tudo em inglês, claro, eles não falam português [...] E
quando tentavam falar em português com o pessoal, não falavam português, falavam
espanhol, ou seja, eles acham ainda que a gente foi colonizado pela Espanha, igual ao resto
da América.
P: Mas e esse convívio que você teve, é um convívio [...] diário, assim, ou.
J: Foi. Eu fiz italiano um tempo com uma americana [...] Ela era legalzinha, mas. (E,
25/05/2006).
Júlia acredita ainda que, em sua grande maioria, os norte-americanos são ignorantes e
alienados, como podemos constatar no seguinte trecho:
J: Sabe americano burro, alienado comendo. Igual eu falo com os alunos, comendo a
coxa de galinha ((risos)) na frente da televisão?[...] Assistindo baseball ou senão
futebol americano que é aquela selvageria! [...] Nossa! Oh, gente, mas que esporte burro!
Pra povo burro tem que ter esporte burro, né?! É impressionante! ((risos)). (E,
25/05/2006).
Essa crença referente à alienação também pode ser observada no modo como a professora
percebe o estilo de vida norte-americano. Em suas palavras:
J: [...] eu não gosto. da alienação., sabe aquela coisa do American dream [...] que os
americanos impõem pro resto do mundo o American dream, que é. você tem que
trabalhar pra correr, viver pra trabalhar. pra conseguir uma casa, com uma. white
fence ((risos)). Sabe, e eu acho que é muito simplista. (E, 25/05/2006).
Tendo em mente essa imagem de Júlia de que a maioria dos norte-americanos é ignorante e
alienada supomos que talvez esta se justifique, assim como as apresentadas anteriormente, em
função de contatos que a professora tenha tido com norte-americanos. Entretanto, ao analisarmos
cuidadosamente os excertos acima, especulamos que provavelmente a justificativa para essa crença
se fundamente em estereótipos
45
. Comentários como os acima Sabe americano burro, alienado
45
Neste trabalho entendemos estereótipos segundo a definição de Brun (2004, p. 81), uma “série de imagens e de
representações compartilhadas e geralmente redutoras”. Gostaríamos de mencionar ainda que, embora a professora
expressasse com mais freqüência seus estereótipos em relação aos norte-americanos, também houve momentos em que
estereótipos a respeito dos ingleses puderam ser observados no questionário, na entrevista e em uma de suas aulas. O
mesmo pôde ser percebido em relação à participante Bete na entrevista. Nas seguintes afirmativas é possível notar
45
comendo [...] a coxa de galinha [...] na frente da televisão e uma casa, com uma. white fence
se apresentam como bons indícios para essa nossa especulação.
Assim como Júlia, Bete também não é muito dos norte-americanos (Q, 29/05/06). A
seu ver, trata-se de um povo exageradamente nacionalista, alienado, cabeça muito fechada (E,
30/05/06), obediente ao presidente e não questionador.
A professora justifica suas crenças por ter um contato muito próximo com norte-americanos,
um amigo que visitou Nova York, uma prima e amiga que moram nos Estados Unidos, bem como
pelos filmes e documentários a que assiste na televisão e pelas pesquisas que realiza na internet para
preparar suas aulas ou desenvolver trabalhos das disciplinas do curso de Letras.
As crenças de Bete em relação aos norte-americanos, assim como suas justificativas, podem
ser constatadas no excerto abaixo:
B: [...] Eu tenho um amigo que passou o Réveillon em Nova York. Na Times Square e ele
[...] achou um “saco” porque toda hora que tocava música era alguma música de
nacionalismo exagerado. Era alguma coisa, tipo, ah, God bless America e tudo era God
bless America, tudo era uma coisa muito exagerada. Ele falou que ele chegou a ficar.
entediado porque aqui no Brasil o máximo que a gente faz é tocar o hino, né? [...] Lá,
não. é uma coisa, assim, é brain wash, mesmo! Eles repetem, repetem, repetem,
repetem, repetem até o cara sair de lá, God bless America! God bless America! God bless
George Bush! Sabe, essa coisa! [...] E tudo muito ligado ao presidente porque o
presidente tem que manter aquela imagem que ele que manda, que a decisão que ele toma
é a melhor decisão pro país, esse tipo de coisa, sabe? Eu tenho uma prima nos Estados
Unidos […] tenho amigos que vão pra lá, eu tenho uma amiga que mora lá, eu tenho um
contato muito próximo com o povo americano. Filme, né, que eu vejo, muita coisa na
televisão que eu vejo. Eu acho que é muito brain wash, mesmo. Eu não simpatizo
justamente por causa disso. [...] é totalmente isso. É tocar música nacionalista e
aqui no Brasil, não.
P: Sem questionar, né?
B: É. Não tem questionamento e muita coisa que eu vejo também, em filme,
documentário. Eu acho que eu não sou muito justamente por causa disso. Tem gente
que é anti-americano. Tem gente que [...] O absurdo que é esse tipo de coisa. E,
assim, até quem o absurdo que é, às vezes, fica até com medo de falar alguma coisa
porque quem é, quem tem essa coisa forte, nacionalista, disso de God bless America,
intimida demais. E é muita gente [...] E quem é, é muito exagerado. Então, eu não me
identifico, eu não sou não. Eu não sou por causa disso. Pode ser também porque é
uma coisa do governo Bush, não sei se vier algum outro, mas eu acho que o negócio
quando tá impregnado é difícil.
P: Entendi.
B: Então, assim, eu vejo muita, muita coisa na internet. (E, 30/05/06).
alguns dos estereótipos de ambas as professoras: Júlia [...] todos os ingleses que conheci encaixam naquele padrão
frio e indiferente (Q, 16/05/06) ecomentário da professora: os britânicos são finos (está se referindo ao chá das 5).
Ela disse isto em um tom irônico porque logo após esta afirmativa afirmou que eles são’nojentos’ no sentido de
esnobes (NC, 27/04/06). Bete Eles são muito fechados [...] o britânico é muito organizado, aquela pontualidade
britânica, todos esses estereótipos, assim (E, 30/05/06). Vale mencionar ainda que, em relação à participante Bete, em
uma de nossas inúmeras conversas informais, foi possível perceber que também no tocante à cultura inglesa suas
crenças parecem estar alicerçadas em estereótipos, que, conforme afirmou, a associa ao chá das cinco, à Rainha e à
comidas ditas típicas.
46
Não é difícil perceber que as crenças e justificativas das duas participantes acerca dos norte-
americanos são muito similares e que não uma simpatia/identificação por parte delas. De forma
sucinta, nota-se que a crença de que a maioria dos norte-americanos é alienada se apresenta como
uma das mais enfatizadas tanto por Júlia quanto por Bete. Contatos pessoais e experiências de
amigos próximos, por sua vez, aparecem como as justificativas mais predominantes.
No tocante à cultura norte-americana especificamente, em contraposição à categoria “povo
americano”, ambas as participantes parecem se identificar muito. De acordo com Júlia, essa
identificação teve uma influência mega positiva (E, 25/05/06) ao longo de sua aprendizagem de
língua inglesa. Para ela, a cultura norte-americana é entendida em termos de produção literária,
cinematográfica e musical, como pode ser observado neste excerto:
P: [...] Quando você pensa na cultura norte-americana, que você pensa?
J: Na cultura eu penso [...] a literatura [...] Eu penso no Romantismo. Adoro aquele
pedaço do Romantismo norte-americano.
P: Ahã, sei.
J: Emerson, Thoreau. É maravilhoso! Penso em literatura e no cinema também, né?! O
cinema é “o”! Antes, pode até colocar antes da literatura! [...] Depois vem música
também.
P: É. Literatura, cinema e música.
J: Isso.
P: É a sua imagem, assim.
J: Hum, hum. (E, 25/05/2006).
A associação da cultura desse povo com a literatura pode ser justificada em função do fato
de cursar Letras e de ser, assumidamente, apaixonada por essa disciplina
46
, mesma paixão que
retorna no caso da associação com o cinema e com a música, conforme pudemos constatar ao longo
da convivência de três meses para a coleta dos dados.
Bete, por sua vez, além de associar a cultura norte-americana com literatura, cinema e
música, como Júlia, também pensa em datas comemorativas, como o Dia de Ação de Graças
(Thanksgiving Day), tema abordado em uma de suas aulas observadas para esta pesquisa. Segundo a
professora, o motivo de associar a cultura norte-americana com datas comemorativas deve-se a
contatos pessoais com norte-americanos e pesquisas realizadas na internet para preparar suas aulas.
Uma crença paralela à exposta acima refere-se ao fato de que Bete acredita que seja
relevante ensinar a cultura da língua-alvo, no caso o inglês, para seus alunos. Essa crença é
justificada pela participante ao afirmar que o aluno fixa mais ((quando o (a) professor (a) aborda
a cultura))” (E, 30/05/06). Em suas palavras:
B: [...] eu gosto do método comunicativo. Prefiro porque outros métodos que eu conheço
ensinam a língua de uma maneira descontextualizada [...] Então, por exemplo, é
interessante você inserir cultura. pro aluno, eu acho que o aluno fixa mais [...] Então, vou
46
Recordo que em uma de nossas inúmeras conversas informais durante o período de coleta de dados, Júlia comentou
que não consegue entender como uma pessoa que fala inglês pode desconhecer a literatura dessa língua. Para ela,
aprender inglês envolve obrigatoriamente estudar sua literatura.
47
te dar um exemplo de uma aula que eu dei que eu falo um pouco de breakfast. Como
vários breakfast em lugares diferentes, né? Aí, eu falei com eles como é que é o breakfast
nos Estados Unidos, como é que é o breakfast na Inglaterra e falei como é que é o nosso
aqui no Brasil, mas. em inglês, tudo em inglês. Aí, por exemplo, você chega pro aluno e
fala que: ah, americano come no café da manhã: bacon, ovos e. Britânico gosta de um
pão, uma torrada, um chá.. eu acho que quando você insere a cultura. eles. além, né, da
situação de uso, então, por exemplo, o tipo de café da manhã nos Estados Unidos, eu vou
pedir tal e tal coisa. Foi essa atividade, tinham três ou quatro grupos, cada um tinha que
fazer essa coisa de chegar numa lanchonete, de chegar num lugar e pedir o café da
manhã, pedir almoço e eu expliquei como é que era a cultura num lugar antes e os alunos
fixam mais, eu acho que eles se interessam, eles gostam. (E, 30/05/06).
Uma outra crença comum tanto à Júlia quanto à Bete refere-se ao fato de que, para elas, o
aluno e o professor de línguas estrangeiras precisam, pelo menos, sentir uma certa simpatia pela
cultura do idioma que estudam/ensinam.
Quando indagada no questionário se acredita que existe relação entre estudar uma língua
estrangeira, no caso o inglês, e se identificar com a cultura dessa língua, Júlia afirma queem boa
parte sim”. (Q, 16/05/06). Em suas palavras:
[...] Pelas experiências que tive como professora e como aluna, acredito que com
algum aspecto da cultura da língua inglesa a pessoa deve se identificar ou, pelo menos,
gostar, simpatizar [...]. (Q, 16/05/06).
Refletindo sobre sua própria aprendizagem de inglês, a professora comenta que o fato de se
identificar com a cultura norte-americana, conforme mencionado anteriormente, teve uma
influência mega positiva (E, 25/05/06) ao longo desse processo, o que corrobora a argumentação
de que a identificação, ou não-identificação, com a cultura, o país ou os falantes da língua estudada
pode ter um papel significativo ao longo do aprendizado de línguas estrangeiras (Jakobovits, 1970;
Tílio, 1981; Barata, 1999; Kanno e Norton, 2003; Sade, 2003; Brun, 2004).
Bete também acredita que seja importante o aluno/professor se identificar com a cultura da
língua-alvo, mais especificamente, conforme suas palavras, com [...] algum país que tem, que fale
o inglês como língua oficial. Eu acho que você tem que identificar com algum país [...] (E,
30/05/06).
Tendo apresentado as crenças das professoras a respeito da cultura norte-americana e
também alguns outros resultados, a nosso ver, relacionados a essas crenças – constata-se novamente
que as participantes também possuem representações muito semelhantes acerca dessa cultura,
prevalecendo aquela de que cultura refere-se, principalmente, a literatura, cinema e música. Pôde-se
perceber ainda que, ao contrário do que Júlia e Bete sentem em relação aos norte-americanos,
uma simpatia, uma identificação por parte delas em relação à cultura norte-americana.
Curiosas, e, principalmente, intrigadas com o fato de as participantes terem, ao mesmo
tempo, uma simpatia pela cultura norte-americana e uma antipatia em relação a seu povo
47
, como
47
Gostaríamos de explicar que nos sentimos intrigadas com esse posicionamento das professoras porque, a nosso ver,
povo e cultura representavam uma entidade única. Assim, em nosso entendimento, não há como uma pessoa simpatizar,
48
pôde ser observado ao longo da apresentação de suas crenças, resolvemos abordar essa questão nas
entrevistas
48
, a fim de compreendermos melhor o posicionamento das participantes.
Júlia, em entrevista, explica:
J: [...] é igual eu falei por um ponto eu gosto da cultura, a cultura que eu falo assim., eu
gosto muito de cinema, gosto muito das músicas, adoro Jazz, que é um movimento que
nasceu nos Estados Unidos. Gosto demais, mas eu não gosto. da alienação., sabe aquela
coisa do American dream [...] Sabe o que. os americanos impõem pro resto do mundo o
American dream, que é. você tem que trabalhar pra correr, viver pra trabalhar. pra
conseguir uma casa, com uma. white fence ((risos)). Sabe, e eu acho que é muito
simplista.
P: Então, você consegue separar bem a cultura. do povo [...] Mas, o povo não tá inserido
nessa cultura? É isso que eu queria saber, como que você consegue distinguir.
J: Como é que eu consigo distinguir?[...] Eu acho que é mais com os ideais. culturais, do
que da cultura itself [...] pra entender mais ou menos? Igual os britânicos, adoro
literatura, sabe, literatura irlandesa, literatura inglesa, adoro, mas.
P: Não necessariamente.
J: Dos britânicos
49
.
P: Entendi. Então essa distinção é bem clara pra você.
J: É.
P: Ah, tá. [...] eu fiquei pensando como que tem simpatia e antipatia ao mesmo tempo,
né?! ((risos)).
J: Mas deu pra você entender?
P: Entendi. Entendi. Assim, diferente, né?
J: Ahã. [...] Do resto do mundo, né?! ((risos)). A minha visão é uma visão única!
((risos)). (E, 25/05/06).
Essa distinção, feita pela professora, entre povo e cultura também pôde ser observada em
sua prática. Júlia, apesar de não simpatizar com os norte-americanos nem com os ingleses,
conforme nota de rodapé faz questão absoluta de oferecer aos seus alunos um repertório variado
de músicas produzidas na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Em entrevista conversamos com a participante sobre o fato de levar para a sala de aula
músicas produzidas por norte-americanos e ingleses, mesmo não gostando muito deles, e
constatamos que isso ocorre de forma natural na prática de Júlia exatamente em função do fato de
entender o povo norte-americano, inglês e sua cultura de forma isolada:
por exemplo, com o povo indiano e não gostar de sua cultura. Entretanto, faz-se imprescindível mencionar também que,
após a análise dos dados das participantes, nossa visão de povo e cultura como uma entidade única se modificou
completamente. Aliás, foi exatamente essa capacidade das professoras de distinção entre povo e cultura que as auxiliou
a apreenderem e, posteriormente, ensinarem a língua inglesa.
48
Vale mencionar que esse assunto foi tratado também no grupo de discussão, a fim de aprofundarmos um pouco mais
essa questão com as participantes.
49
Percebe-se nesse trecho que a distinção que Júlia faz em relação aos norte-americanos e sua cultura também se aplica
aos ingleses: gosta da cultura inglesa, mas não do povo inglês. A respeito das crenças da professora sobre os ingleses,
ela os considera um povo frio, indiferente e que, assim como os norte-americanos, pensa que não precisa aprender uma
língua estrangeira porque a grande maioria das pessoas fala a deles – inglês. Essas crenças são justificadas em função de
contatos com ingleses e estereótipos. Quanto às suas representações acerca da cultura inglesa, assim como em relação à
norte-americana, ela também pensa em produção musical, cinematográfica e literária. Suas justificativas se baseiam no
fato de cursar Letras e de verdadeiramente adorar filmes e músicas, como constatado durante o período de coleta de
dados para a pesquisa.
49
Bete, por sua vez, também não concebe o povo e a cultura norte-americana como uma coisa
só. Pudemos perceber isso no questionário e na entrevista, onde afirma que não é muito dos
norte-americanos(Q, 29/05/06), e em sala, onde apresenta filmes e seriados norte-americanos para
seus alunos, como na atividade extra, comentada anteriormente, envolvendo um dos episódios de
Friends.
No excerto abaixo, percebemos claramente que para a professora é indiferente esse seriado
ser norte-americano: o que interessa é o fato de gostar dos episódios, de considerar os personagens
interessantes e de perceber o seriado como um bom instrumento para aprendizagem:
P: [...] mesmo, assim, você não simpatizando muito com os norte-americanos você gosta
de Friends?
B: Hum, hum.
P: Como que é isso pra você?
B: [...] eu acho que. é mais pelo meu jeito. Então, eu posso não simpatizar muito com
americano, mas, por exemplo, os personagens, o Joey, o Joey, ele é Tribianni, ele é de
família italiana, então, ele tem aquelas coisas dele, e eu acho que não é pelo seriado
em si ser norte-americano, pelos personagens, pela descrição, os estereótipos de norte-
americanos, tipo o Ross que é aquela coisa, né? Mas, é mais pra mostrar, eu sempre
gostei de ter contato com língua através de filme, através de televisão, através de música
e eu quando eu comecei, quando eu tive a oportunidade de ter contato com TV a cabo,
esse tipo de coisa, e eu gosto muito. Eu acho muito legal e eu aprendo muito também, eu
aprendo. Então, assim, eu acho engraçado, eu acho divertido, é mais pelo meu jeito
mesmo porque eu gosto. Eu não ligo muito essa coisa do seriado de ser uma coisa norte-
americana porque é aquela coisa porque se eu pegar antipatia bloqueia! Aí, eu não
vou aprender! Então, eu posso até não gostar muito ((refere-se aos norte-americanos)),
mas eu gosto de aprender, então, eu desligo! Eu desligo! (E, 30/05/06).
Observamos que o mesmo ocorre em relação à Bete: ela não faz objeções em levar um filme
norte-americano para seus alunos porque a cultura norte-americana para Bete, conforme nosso
entendimento, encontra-se de um lado e os norte-americanos de outro.
Refletindo a respeito das falas e ações das professoras, nos parece, primeiramente, que Júlia
e Bete entendem a cultura dos Estados Unidos como algo fragmentado, articulado em diversas
dimensões, com as quais conseguem interagir de maneira entusiasmada. Como vimos, as partes
privilegiadas referem-se à literatura, ao cinema e à música. Em segundo lugar, as participantes, em
oposição à categoria “cultura”, concebem o povo norte-americano como uma entidade única, um
bloco homogêneo, no qual todos são iguais, ou melhor, utilizando os termos das próprias
professoras, todos são alienados, nacionalistas exagerados, egocêntricos...
Assim, imaginamos que essa distinção que fazem entre povo e cultura norte-americana se
apresente como algo natural, tanto em suas falas quanto em suas ações em sala de aula, por não
perceberem essas duas categorias como necessariamente interligadas.
Chegando ao término deste primeiro bloco de análise dos dados, foi possível perceber, em
primeiro lugar, que Júlia e Bete possuem crenças e justificativas muito semelhantes, tanto em
50
relação aos norte-americanos quanto à sua cultura. Em segundo, que têm uma visão muito mais
monolítica do “povo” do que da “cultura” e, por último, que há, por parte de ambas as professoras,
uma identificação parcial, que, por um lado, não simpatizam muito com os norte-americanos e,
por outro, se identificam com sua cultura.
A respeito dessa identificação parcial, especulamos que talvez isso aconteça porque Júlia e
Bete parecem sentir uma espécie de desconforto em relação aos Estados Unidos
50
, ou, melhor
colocando, em relação a essa comunidade imaginada (imagined community)
51
.
De acordo com nossa interpretação, esse desconforto experimentado pelas professoras se
explica porque, por um lado, ao admirarem alguns aspectos e simpatizarem com eles, ou seja, com
dimensões da cultura norte-americana (literatura, cinema e música), conseguem se inserir nessa
comunidade imaginada e participar dela; entretanto, por outro lado, ao não se identificarem com os
norte-americanos, não se imaginam fazendo parte dessa comunidade.
Acreditamos que essa identificação parcial revelada, segundo nosso entendimento, nas
crenças de Júlia e Bete demonstra de modo exemplar a importância, tão enfatizada nos trabalhos
de Norton (2000, 2001), Kanno e Norton (2003), Murphey, Jin e Li-Chi (2004) e Pavlenko e Norton
(no prelo), de se considerarem seriamente as comunidades imaginadas de alunos e professores de
línguas estrangeiras.
Conforme argumentam os autores, essas comunidades são capazes de estimular, ou não, o
investimento
52
ao longo do processo de ensino/aprendizagem de um idioma. No caso de Júlia e
Bete, percebemos, felizmente, que o fato de não se sentirem integralmente partes da comunidade
imaginada “Estados Unidos” não as impediu de investirem na aprendizagem – e, posteriormente, no
ensino da língua inglesa. Entretanto, é preciso ter em mente que casos opostos aos das
participantes deste estudo podem existir, que o envolvimento de cada pessoa com suas
comunidades imaginadas se dá de modo distinto e único.
Como mencionado, a identificação parcial de Júlia e Bete em relação à nação governada por
George W. Bush não impossibilitou seus investimentos para aprenderem e ensinarem inglês, mas,
conforme nossa interpretação dos dados, acreditamos que tal parcialidade seja a razão de buscarem
uma comunidade imaginada em que possam se identificar plenamente. E esse algo mais “completo”
é encontrado na Irlanda.
50
Acrescentaríamos também a Inglaterra, como vimos no caso de Júlia.
51
Lembramos que esse termo já foi apresentado no capítulo de Revisão de Literatura desta dissertação.
52
Termo já mencionado no capítulo de Revisão de Literatura deste estudo.
51
4.2. Você não quer viver o American Dream, você quer viver o Irish Dream!: a plenitude sob
análise
Neste segundo bloco de análise, tratamos do amor
53
da vida de Júlia e Bete: a Irlanda. Para
tanto, apresentamos as crenças que possuem a respeito dos irlandeses e de sua cultura, assim como
suas justificativas para essas crenças.
Em vários momentos da entrevista, Júlia manifesta, de modo entusiástico, esse amor pela
Irlanda através de comentários como: “[...] Eu queria ir muito, muito, muito, pra Irlanda. Eu amo a
Irlanda!”; A Irlanda é o amor da minha vida!”; [...] a Irlanda é o amor da minha vida, Dublin,
sabe? The Castle”.
Esse sentimento também pôde ser observado em uma de suas aulas. Júlia preparou para seus
alunos uma música que tinha como tema o padroeiro da Irlanda, São Patrício. Tocada a canção, a
professora, em tom de brincadeira
54
, fez diversos comentários a respeito da Irlanda e do amor que
sente por esse país:
J: Eu gosto [...] muito da Irlanda. Eu amo a Irlanda, sabe? A Irlanda, assim, se fosse pra
eu nascer em outro país, eu ia nascer na Irlanda! Na Irlanda, sabe?[...] A Irlanda toda é
boa, gente! A Irlanda do Sul, a República da Irlanda. Ela é muito boa! É um lugar lindo e
eles ((refere-se aos irlandeses)) são felizes! Eu gosto muito da Irlanda! (OA, 25/05/06).
Percebemos que o amor de Júlia pela Irlanda é algo tão presente em seu dia-a-dia que até
mesmo durante a conversa realizada no grupo de discussão surgiu uma espécie de brincadeira
envolvendo esse país e sua cultura. A pesquisadora iniciava um tópico para discussão relacionado à
Irlanda e, de repente, a participante a interrompeu para mostrar o brinco que usava. O brinco em
questão era no formato do trevo de quatro folhas, símbolo dessa nação:
P: [...] Quando vocês duas falam que adoram a Irlanda, o povo, a cultura [...] o que é
isso Júlia? ((nesse momento Júlia mostra o brinco que está usando)).
J: É o símbolo da Irlanda!
P: Ah!
J: O trevinho!
P: Ah, o trevinho! É. no corpo da pessoa! Tá meio verde! Cadê você Bete? Ah, na
liguinha do cabelo! É verde, não é?
J: É meio azul. Traiu os ideais irlandeses!
P: ((risos)). (GD, 07/07/06).
Em relação ao povo irlandês, especificamente, Júlia também demonstra uma considerável
apreciação. Segundo ela, os irlandeses são carismáticos (Q, 16/05/06), muito alegres(E,
25/05/06) e “com uma base cultural fascinante(Q, 16/05/06).
53
Vale mencionar que este termo foi utilizado explicitamente apenas pela participante Júlia ao se referir à Irlanda.
Entretanto, em função do fato de Bete inúmeras vezes na entrevista, no grupo de discussão, no questionário e em nossas
várias conversas informais ao longo dos meses de coleta dos dados, expressar sua identificação e interesse em relação a
essa nação, seu povo e cultura, acreditamos que também compartilhe do mesmo sentimento de Júlia. Daí, a razão de
afirmarmos que a Irlanda seja o amor da vida tanto de Júlia quanto de Bete.
54
Gostaríamos de ressaltar que, embora Júlia tenha feito esse comentário utilizando um tom de brincadeira, essas
afirmativas parecem expressar o que pensa a respeito da Irlanda, de seu povo e cultura.
52
Essas crenças são justificadas pela professora em função de influências do vocalista Bono
do U2 grupo de rock irlandês –, de bandas irlandesas como, Boyzone e West Life –, de leituras,
filmes e estereótipos.
O seguinte excerto ilustra as crenças e justificativas apresentadas acima:
P: Essa parte da Irlanda, você fala que acha que os irlandeses são carismáticos, né?! Por
que você acha isso?
J: O Bono uma vez, falou, achei muito bom ele ter falado, que os irlandeses são
brasileiros europeus [...] Eu adorei quando ele falou isso! [...] eu adorei quando o Bono
falou isso por causa que eles [...] gostam muito de futebol [...] Cerveja. Essas coisas
assim. Então, é um povo muito alegre [...] Eu acho que eles são alegres. não têm,
assim, a coisa caliente, né?! Eu acho que não é nem caliente, é coisa de latino mesmo [...]
É, da Europa inteira [...] Do hemisfério norte todo eu acho que eles são os mais, assim,
só precisava o sangue latino pra ser mais carismático.
P: Entendi. [...] E [...] você tem essa imagem por meio de leituras?
J: Leitura., ah, música também, U2 [...] Boy band. Tem essas boy band de que eu
gosto: Boyzone, West Life [...] É, acho que vem da música. Ah, deve ter sido algum filme
que eu vi também. (E, 25/05/06).
Bete, por sua vez, considera os irlandeses descontraídos, jogados(E, 30/05/06) no
sentido de espontâneos receptivos, acolhedores, amigos, abertos e apreciadores de bebidas
alcoólicas. São parecidos, em parte, com o povo brasileiro.
As crenças da participante são justificadas em virtude de uma disciplina que cursou chamada
Literatura Irlandesa
55
, de um conhecido que morou na Irlanda, de estereótipos e de professores e
colegas que já foram para esse país.
Essas crenças e justificativas podem ser observadas no excerto abaixo:
P: Como que você acha [...] que é o povo?
B: [...] São muito jogados, que é o meu estilo! ((risos)) [...] Todos são muito jogados! E
eu acho super engraçado! A gente até brinca: [...] ah, fulano de tal é bêbado. Irlandês,
podia ser irlandês! ((risos)) Se não é irlandês ele tem um ali na Irlanda! A gente fica
brincando assim.
P: [...] você já conheceu algum irlandês?
B: [...] não. Mas eu ouço falar muita coisa [...] Muita coisa pela internet que a gente tem
que pesquisando ((para a disciplina Literatura Irlandesa)) sobre o contexto, sobre o
país [...] aí, eu acabo descobrindo muita coisa, [...] pra ouvir muita coisa [...] dos
professores [...] de outros colegas.
P: [...] você já teve algum colega que foi pra Irlanda [...]?
B: Tem um amigo de uma amiga minha que voltando agora [...] Ele falou que não tem
outro lugar pra ele ir, que a experiência foi muito boa [...] que a recepção [...] foi
muito boa, o pessoal acolhe todo mundo muito bem. [...] eu acho que tem muito dessa
coisa de brasileiro, né? [...] o brasileiro [...] Gosta muito de chegar, beijar, abraçar.
Cumprimentar de mão [...] E tem essa coisa muito da proximidade, né? [...] eu imagino
que seja uma coisa amiga, que eles sejam um pouco mais abertos, mas não tanto como
brasileiro.
55
A participante cursava essa disciplina na época da coleta de dados desta pesquisa.
53
P: Entendi. E você acha que você pensa isso mais com base [...] nessa disciplina ((refere-
se à disciplina Literatura Irlandesa)) [...] coisa que você lê na internet.
B: Hum, hum.
P: Daí que você acha.
B: É. Eu acho que é uma mistura. Uma coisa meio termo. Eles não são [...] igual
brasileiro que abre igual mala velha: abre pra todo mundo! ((risos)) [...] mas deve ser
tipo meio termo. Não são muito fechados, mas também não são [...] muito abertos, assim,
né, normal [...]. (E, 30/05/06).
Pensando em cultura irlandesa, propriamente, percebe-se também que as professoras, assim
como em relação ao povo irlandês, são grandes simpatizantes. De acordo com Júlia, essa cultura
pode ser definida como fascinante (Q, 16/05/06) e linda (E, 25/05/06). Assim como acontece
em relação à cultura norte-americana, a participante também entende a cultura irlandesa em termos
de produção literária, cinematográfica e musical, como podemos observar no seguinte excerto:
J: [...] a cultura da Irlanda é uma coisa linda!
P: Quando você pensa na cultura irlandesa, que você pensa?
J: Penso em literatura [...] Joyce [...] e no cinema também, né?! [...] Depois vem música
também. (E, 25/05/06).
Suas justificativas para essas crenças são as mesmas mencionadas a respeito dos irlandeses,
incluindo aqui seu conhecimento acerca da literatura irlandesa. Sobre esse último aspecto,
gostaríamos de registrar que esse conhecimento, de acordo com Júlia, foi todo construído por conta
própria, não tendo cursado nenhuma literatura irlandesa durante seu curso de Letras. Acreditamos
que esse fato demonstre muito bem o amor, o interesse, a identificação que possui em relação à
Irlanda, seu povo e cultura.
Bebida! (E, 30/05/06), muita (E, 30/05/06) bebida! Essa é a primeira imagem que Bete
tem ao pensar em cultura irlandesa. A professora acredita também que seja uma culturabem legal
(E, 30/05/06) e “muito alegre(E, 30/05/06):
B: [...] a cultura da Irlanda [...] eu acho bem legal.
P: Então, quando você pensa em cultura irlandesa, qual é a primeira
imagem/representação que você tem?
B:.. Bebida! ((risos)) [...] Muita! Mas é! [...] todos os professores eles passam isso pra
gente! ((risos)) [...] E tudo que eu leio falando da Irlanda é que no velório do cara é
bebida a rodo! Mulher fica olhando e comendo e os caras ficam bebendo a tarde inteira
no quintal [...] E eu acho que [...] é uma coisa muito alegre. Tudo gira em torno de
dança, de festa, de bebida, de comemoração. É um país, assim, nossa, eu vou te dar um
exemplo tosco, mas o Bono Vox, o vocalista do U2.
P: Eu ia te perguntar isso, se você tinha ouvido o comentário dele!
B: Ele é um cara que ele ama o Brasil! Por quê? Oh, o Brasil tem tudo a ver com a
Irlanda nessa coisa de festa, de bebida, de comemorações.
P: É. E eles vieram na época do carnaval, né?
B: Foi. E tudo [...] relacionado à dança e cantar, eles [...] cantam muito em todas as
festas. Então, isso é uma coisa que [...] eu estudando, né, mais de Joyce, O’Connor.
Então, é mais antigo, mas não deixa de ser, essas tradições [...] elas vêm, igual o
brasileiro [...] que o brasileiro gosta de festa, de cantar e de dançar e eu acho que essa
54
coisa, sabe, eu acredito que, não sei, posso errada, mas eu acho que, recepção [...]
acolher as pessoas, eu acho muito interessante.
P: É. Eu acho que o Bono que falou que a Irlanda é o Brasil na Europa, né, uma coisa
assim.
B: Então, eu me identifico mais com isso. Eu não sabia que a Irlanda era assim. Pra mim
era só um lugar frio, ((inint)) como todos os outros lugares!
P: Da Europa!
B: É!
P: E esse colega que você comentou que voltando [...] da Irlanda, ele confirma essas
imagens que a gente tem, tipo da bebida?
B: Confirmou! Ele falou que [...] [...] pra tudo tem uma festa e a tradição de velórios é
super engraçada porque a galera bebe o morto, mesmo! É igual ((inint)) aqui ((risos)).
(E, 30/05/06).
Suas justificativas para essas crenças, assim como ocorre com Júlia, também são as mesmas
que apresenta para os irlandeses.
Um aspecto muito enfatizado por Bete que percebemos ao longo da entrevista foi a questão
da identificação que sente em relação à cultura irlandesa. Segundo a professora, sua simpatia por
essa cultura deve-se ao fato de se identificar demais (E, 30/05/06). Observamos que essa
identificação ocorre, como a própria participante frisa muito bem em suas falas, devido ao fato de o
estilo de vida, os hábitos e costumes dos irlandeses serem muito parecidos com os dela
56
. O seguinte
excerto ilustra essa questão salientada pela participante:
B: [...] a Irlanda é um dos mais ((refere-se a países europeus)) que eu acho que eu me
identifico mais pelo meu estilo de vida [...], por exemplo, [...] tem aquela diferença de
homem e mulher, mulher não pode beber, homem pode, que eu acho um absurdo! ((risos))
E, por exemplo, [...] todos os funerais irlandeses, eu acho legal, ((inint)), vários tipos de
coisa que eu tô aprendendo agora que eu tô me identificando demais. Assim que eu comecei
a fazer a matéria ((refere-se à disciplina Literatura Irlandesa)). [...] tem todo o contexto da
Irlanda, essa coisa da religiosidade de tem umas que eu me identifico muito, essa coisa
da briga, né, o protestante e o católico [...]. (E, 30/05/06).
Uma outra questão que atraiu nossa atenção ao longo da análise das crenças de Bete sobre a
cultura irlandesa foi a maneira que externou sua identificação. De acordo com nossa interpretação,
notamos que suas afirmações a respeito dessa identificação eram feitas, na maioria das vezes, em
oposição ao povo norte-americano. Em outras palavras, ficamos com a impressão de que Bete
afirma simpatizar com a cultura da Irlanda por não se identificar com os norte-americanos.
Acreditamos que o seguinte excerto demonstre muito bem essa questão da oposição que
percebemos nas falas de Bete:
P: [...] no questionário [...] você afirma que simpatiza com a Irlanda [...] Porque se
identifica mais com a cultura européia. Eu queria que você falasse um pouquinho mais
dessa cultura européia.
B: Hum, hum. Na verdade, eu comecei a fazer agora um curso de literatura irlandesa e eu
estudando vários autores que eles falam de muitas coisas interessantes. [...] o esquema
56
Vale lembrar que essas crenças que a professora possui acerca do jeito de ser, do estilo de vida do povo irlandês
foram construídas com base em depoimentos de colegas e professores que já estiveram na Irlanda, em estereótipos e em
seus estudos na disciplina Literatura Irlandesa. Nunca, de fato, teve contato com irlandeses.
55
da cultura lá, essa coisa da diferença do homem e da mulher, muita coisa ligada ao meu
estilo de vida, às coisas que eu gosto.
P: Aí, você se identificou de cara!
B: Eu me identifiquei mais porque [...] eu acho que eles ((refere-se aos norte-
americanos)) são muito nacionalistas, é uma coisa muito brain wash mesmo, [...] eles
repetem, eles repetem muito e [...] eu tenho um contato com alguns americanos e
algumas coisas que alguns americanos falam, algumas visões [...] deles de mundo [...] é
muito diferente do meu estilo [...] eu acho [...] (E, 30/05/06 – grifos nossos).
Observamos que Júlia também externa sua identificação em termos de oposição, com a
diferença de que se refere aos havaianos e australianos e não aos irlandeses. Cabe lembrar que,
conforme mencionado no capítulo de Revisão de Literatura, o conceito clássico de identidade se
sustenta sobre a idéia de oposição em relação ao outro, o que se reflete claramente nas falas de
ambas as participantes.
Uma afirmativa, a nosso ver, muito representativa da identificação da professora com os
havaianos e sua cultura, em oposição aos norte-americanos, é quando diz, em entrevista: [...] eu
gosto da cultura ((refere-se à cultura havaiana)) [...] o Havaí pra mim é uma cultura totalmente
diferente da cultura americana”. (E, 25/05/06 – grifos nossos).
De acordo com a participante, o povo havaiano é 100% não americano. Aliás, para Júlia, o
Havaí é considerado um país e não um estado dos Estados Unidos. Em suas palavras: [...] tem um
país, que eu chamo de país, que é um estado dos Estados Unidos, o Havaí é um país! Diferente!
[...]”. (E, 25/05/06 – grifos nossos).
Assim, conforme afirma Júlia, ela não consegue imaginar um havaiano comendo cachorro
quente e trabalhando demasiadamente. Ainda, segundo a professora, os havaianos são mais
tranqüilos e não possuem a mesma pressão ideológica
57
que os norte-americanos
58
.
No tocante aos australianos, Júlia afirma que simpatiza porque são pessoas que, de acordo
com seu conhecimento histórico, não se encaixaram nos moldes ingleses e, portanto, foram
exportadas para a Austrália. A participante afirma também que acredita que o povo australiano seja
mais simpático que o inglês, apesar de, segundo ela, terem um sotaque parecido
59
.
Refletindo a respeito da nossa impressão de que as participantes se identificam com o
povo/cultura irlandesa, havaiana e australiana por não simpatizarem com os norte-americanos, e
com os ingleses, no caso de Júlia, supomos que isso seja uma outra maneira de as professoras
expressarem uma certa resistência e antipatia que possuem em relação aos norte-americanos e
ingleses
60
.
57
Por pressão ideológica, a professora refere-se à imposição do “sonho americano” ao povo norte-americano e aos
demais povos.
58
Essas crenças da participante são justificadas em função de leituras e filmes.
59
Essa crença a respeito do povo australiano se justifica em decorrência de leituras realizadas.
60
Gostaríamos de ressaltar que com essa suposição não estamos desconsiderando a possibilidade de Júlia e Bete se
identificarem com os irlandeses, havaianos e australianos, e suas culturas, simplesmente porque os apreciam, acham
interessante seus estilos de vida.
56
Nossa suposição baseia-se, primeiramente, nas crenças, e na não-identificação, de Júlia e
Bete acerca dos norte-americanos apresentadas no primeiro bloco de análise dos dados e, em
segundo lugar, por termos percebido, em vários momentos das entrevistas e das aulas observadas, a
preocupação de ambas as professoras de tentar mostrar para seus alunos que a língua inglesa não é
falada como língua oficial apenas nos Estados Unidos
61
, mas também em outros países.
No seguinte excerto, observamos, assim, que Bete acredita que seja relevantequebrar esse
conceito (E, 30/05/06) de que os Estados Unidos e a Inglaterra sejam os únicos países falantes de
inglês como língua oficial:
B: [...] tem muito aluno que não gosta dos Estados Unidos porque tem um estereótipo.
mas, e também parece que acha que nos Estados Unidos que tem inglês [...] Falou
inglês falou nos Estados Unidos. Falou inglês falou Disney [...] tudo ser em volta dos
Estados Unidos [...] tem até o projeto de uma menina que fez Prática de Ensino [...] era
produção de material didático. Essa menina, ela fez um jogo em inglês que tinha todos os
países, vários países de inglês como língua nacional e não tinha os Estados Unidos.
Tinha Irlanda, tinha Austrália, tinha alguns países na África que têm inglês como língua
nacional [...] quebra o conceito mesmo. Não tinha nem Estados Unidos nem Inglaterra
[...] Então, quebra esse conceito mesmo de ser os dois países de língua inglesa [...] eu
gosto de dar cultura, dar outras culturas sem ser a cultura americana. [...] eu acho
interessante você falar de outros países também porque não fica essa coisa de os
Estados Unidos como exemplo. (E, 30/05/06).
É interessante observar que em uma de suas aulas, Bete utilizou um episódio do seriado
Friends que, segundo ela, evidenciava a questão da diversidade. O episódio selecionado pela
professora tinha como tema o Dia de Ação de Graças (Thanksgiving Day), data celebrada tanto nos
Estados Unidos quanto no Canadá:
B: [...] Na verdade, eu gosto muito de Friends e eu não queria fazer alguma coisa que
tivesse ligação com a cultura americana [...] Porque o Thanksgiving Day eles têm no
Canadá também [...] Aí, [...] tinha, tem outros episódios também que tem essa coisa da
cultura, mas era uma coisa muito, muito da norte-americana. (E, 30/05/06).
Ao analisarmos esse excerto, percebemos claramente que Bete ao preparar essa atividade
teve a preocupação de não apresentar a seus alunos um aspecto cultural da língua inglesa que
tivesse relação apenas com a cultura norte-americana, pois, de acordo com ela, tem muito aluno
que não gosta dos Estados Unidoseessa coisa da antipatia, do não gostar [...] acaba que barra
a aprendizagem de língua estrangeira. Vira um bloqueio.
62
(E, 30/05/06).
A crença de que é válido mostrar para os alunos que existem outros países, além dos EUA e
da Inglaterra, que m o inglês como língua nacional também foi abordada no grupo de discussão
realizado com as participantes e a pesquisadora.
Bete comenta que na Faculdade de Educação, na qual cursou algumas disciplinas
relacionadas à didática de línguas estrangeiras, os docentes orientam os alunos-professores a não
61
Acrescentaríamos também a Inglaterra.
62
Uma das professoras participantes da pesquisa de mestrado de Coelho (2005, p. 85) também relata que seus alunos
não demonstravam interesse em aprender inglês “por acreditarem ser língua de americano”.
57
ligar muito a uma coisa ((refere-se a países)), a variar (GD, 07/07/06), ao ministrarem suas
aulas.
Tanto Júlia quanto Bete observam ainda que esse discurso sobre o fato de que existem outras
nações falantes oficiais de inglês, além dos Estados Unidos e da Inglaterra, também se encontra
presente na Faculdade de Letras. As professoras comentam que isso pode ser percebido mais
nitidamente nas disciplinas de Literatura:
J: [...] esse plus que tem [...] inglês em outros lugares eu acho que acontece na literatura.
B: É [...] eu tenho feito literaturas que não são voltadas pra norte-americana e nem pra
inglesa. como literatura do Caribe, literatura irlandesa.
J: É. Tem a literatura de minoria. (GD, 07/07/06).
Em um levantamento realizado por nós junto ao Colegiado de Graduação da Faculdade de
Letras, também pudemos constatar a presença desse discurso nas disciplinas destinadas ao ensino de
Literatura em Língua Inglesa. Nesse levantamento, procuramos examinar quantas disciplinas de
Literatura em Língua Inglesa, oferecidas nos anos de 2005 e 2006, abordavam a literatura de outros
países, além dos EUA e da Inglaterra. As Literaturas Canadense, Irlandesa, Caribenha e Indiana
estavam presentes na grade como temas a serem contemplados ao longo dos semestres de 2005 e
2006.
Essa crença de que é relevante apresentar para os alunos que outras nações falantes
oficiais de língua inglesa também pôde ser percebida tanto na fala quanto na ação da outra
professora. Assim como Bete, Júlia comenta que em vários momentos tem a impressão de queos
alunos já têm na cabeça que quem fala inglês é só Estados Unidos e Inglaterra (E, 25/05/06).
Quando indagada, em entrevista, se acredita que seja relevante apresentar para seus alunos
que outros países que têm a língua inglesa como oficial, Júlia responde que sim e exemplifica
como tenta fazer isso em sala de aula:
J: Eu acho legal. Por isso que eu falo [...] eu sempre falo quando eu ensino os países, eu
faço um mapinha, pseudo-mapinha, né? Eu faço um mapinha e falo: a Europa é aqui, tá,
eu vou mostrar pra vocês onde é que é isso daqui, que é o United Kingdom, eu explico,
explico pra eles o que é United Kingdom, o que é País de Gales, o que é Escócia e o que é
Irlanda do Norte e o que é República da Irlanda. (E, 25/05/06).
Em sala, essa crença de Júlia pôde ser observada nas músicas que escolhe para seus alunos,
pois tenta diversificar o máximo (E, 25/05/06), levando não apenas bandas dos Estados Unidos
ou da Inglaterra, mas também de outros países que igualmente têm o inglês como língua materna.
Em entrevista, ela explica:
J: Levar o U2 que é da Irlanda que é uma coisa que é mega conhecida, mas ninguém sabe
que eles são da Irlanda. Se você chegar pra uma pessoa na rua e falar assim: sabe quem
é o U2? Sei. Sei quem é o U2. De onde é que eles são? Eles são dos Estados Unidos. Eles
não são. Eles são da Irlanda. eu levanto isso pra eles ((para os alunos)) [...] Levar a
Alanis que é do Canadá.
P: Ah, tá. Então de vários países que falam inglês (E, 25/05/06).
58
Júlia comenta ainda que fica muito feliz! (E, 25/05/06) quando seus alunos reconhecem
seu esforço de tentar desmistificar, por meio da música, que o inglês seja falado, como língua
oficial, somente por norte-americanos e ingleses. No excerto abaixo podemos observar este
contentamento:
J: [...] Aquele dia que o C. ((refere-se a um de seus alunos)) soltou assim: ela é
canadense ((refere-se à cantora Alanis Morrissette)), eu fiquei tão feliz! ((risos)). Sabe, o
Canadá também é um país! Existe! E fala inglês! E tem gente famosa de lá! Igual o U2 da
Irlanda! Eu fico muito feliz! (E, 25/05/06).
Tendo em mente as afirmações de Júlia e Bete, podemos inferir que um possível motivo
para o fato de enfatizarem a diversidade de países falantes de inglês esteja relacionado à questão de
não simpatizarem com os Estados Unidos e com os norte-americanos. Assim, em suas falas e aulas,
essa diversidade se apresenta como um tópico fundamental
63
.
Chegando ao término deste segundo bloco de análise dos dados, constatamos,
primeiramente, que Júlia e Bete possuem crenças semelhantes quanto aos irlandeses e à cultura da
Irlanda. Sucintamente, acreditam que os irlandeses sejam carismáticos e alegres e que sua cultura
seja fascinante e muito próxima de seus próprios estilos de vida. Em segundo lugar, ambas as
professoras também apresentam justificativas muito similares. De modo geral, justificam suas
crenças com base em estereótipos seus e de professores e colegas que visitaram a Irlanda e em
leituras realizadas, seja para disciplinas que cursam na universidade ou por interesse próprio. Em
terceiro lugar, percebemos que, opostamente ao que ocorre em relação aos Estados Unidos, ambas
as professoras não distinguem o povo irlandês de sua cultura. Ao contrário, os entendem como uma
entidade única. Em outras palavras, Júlia e Bete, conforme nossa interpretação, não concebem os
irlandeses e sua cultura como algo fragmentado, no qual seja necessário selecionar as partes boas,
assim como fazem em relação à cultura norte-americana ao escolher a literatura, o cinema e a
música; mas sim, como um bloco homogêneo, no qual tanto o povo quanto a cultura da Irlanda
parecem ser constituídos apenas por aspectos positivos, como observamos nas falas das
participantes.
Por último, notamos que a análise dessas crenças parece nos indicar que há, por parte de
Júlia e Bete, uma identificação plena, que simpatizam tanto com os irlandeses quanto com sua
cultura.
63
Apresentada nossa argumentação a respeito do fato de que supomos que ambas as professoras participantes parecem
se identificar com os irlandeses, havaianos e australianos por não simpatizarem com os norte-americanos e com os
ingleses, no caso de Júlia –, é preciso mencionar que expusemos essa nossa suposição às professoras na conversa que
tivemos no grupo de discussão e que ambas, de modo algum, concordaram com a nossa interpretação. Entretanto, como
pôde ser observado ao longo da argumentação, vários são os indícios de que, de fato, Júlia e Bete parecem se identificar
com outros povos falantes de inglês como língua oficial em termos de oposição aos conterrâneos de Bush e da Rainha
Elizabeth. Daí, a decisão de apresentarmos nossa interpretação a respeito desse dado observado no questionário, na
entrevista e no grupo de discussão.
59
Cogitamos que essa identificação por completo ocorra, de acordo com nosso entendimento,
em decorrência do fato de Júlia e Bete sentirem pela Irlanda, ao contrário do sentimento que
experimentam em relação aos Estados Unidos, uma espécie de bem-estar e conforto quanto a essa
nação, ou, melhor colocando, quanto a essa comunidade imaginada.
Conforme nosso entendimento, o conforto que as professoras experimentam em relação à
comunidade imaginada “Irlanda” se explica em função do fato de acreditarem que essa comunidade,
em vários aspectos, é muito semelhante ao Brasil, sua terra natal. Daí, a nosso ver, a ênfase de
ambas as participantes na questão da Irlanda como um Brasil europeu. Como diria Bete: Oh, o
Brasil tem tudo a ver com a Irlanda!” (E, 30/05/06).
Assim, por imaginarem que o estilo de vida irlandês seja muito próximo de seus próprios e
que os irlandeses sejam parecidos com os brasileiros, no sentido de que são carismáticos e
acolhedores, as professoras conseguem se inserir nessa comunidade imaginada e participar dela. Em
outras palavras, se “vêem”, se imaginam fazendo parte dela, seja no futuro ou apenas em sonho.
Percebe-se também nos relatos de Júlia e Bete, exatamente em função do fato de
imaginarem que brasileiros e irlandeses sejam muito semelhantes no jeito de ser e de perceber a
vida, a crença de que suas identidades nacionais serão reconhecidas e preservadas nessa
comunidade imaginada “Irlanda”, opostamente ao que pensam que aconteceria no país governado
por George W. Bush.
Como Júlia coloca muito bem: nos Estados Unidos você não é uma pessoa, você é um
latino! Você é um rótulo (E, 25/05/06). Nesse sentido, enfatiza que [...] não quer viver o
American Dream, [...] quer viver o Irish Dream!(GD – 07/07/06 – grifos nossos).
Refletindo sobre os relatos de Júlia e Bete acerca de sua comunidade imaginada “Irlanda”,
percebe-se a relevância de se considerar seriamente a questão do pertencimento, tanto de alunos
quanto de professores, a uma comunidade imaginada ao longo do processo de ensino/aprendizagem
de línguas. No caso das participantes deste estudo, foi possível observar que devido a esse
pertencimento à comunidade imaginada “Irlanda”, Júlia e Bete conseguiram se legitimar, se
tranqüilizar como aprendizes, professoras e falantes de inglês, que, como vimos no primeiro
bloco, não conseguem se sentir integralmente partes de uma comunidade imaginada que se formaria
em torno de países como os Estados Unidos ou Inglaterra.
Assim, acreditamos que esse pertencimento de ambas as professoras possa facilitar
consideravelmente seus investimentos na continuidade do aprendizado e ensino em língua inglesa.
Chegando ao término deste bloco, apresentamos e discutimos as crenças e justificativas de
Júlia e Bete em relação aos irlandeses e sua cultura. Abordamos também a questão da identificação
plena das professoras em relação à comunidade imaginada “Irlanda”, apontando uma possível razão
para esta.
60
No próximo bloco, procuramos associar as crenças das participantes sobre ensino e
aprendizagem de inglês em geral aos sentimentos experimentados por ambas em relação à língua
estrangeira que estudam/ensinam e à sua língua materna.
61
4.3.“Português eu fico mais travada”. [...] se eu pudesse, eu queria que a minha língua mãe
fosse o inglês!: os espaços das línguas materna e estrangeira sob análise
Nosso objetivo neste terceiro bloco é associar as crenças das professoras aos sentimentos
experimentados por ambas em relação à língua estrangeira que estudam/ensinam e à sua língua
materna
64
. As crenças aqui trabalhadas são: crenças sobre ensino e aprendizagem de inglês, língua
inglesa, gramática da língua inglesa e seu ensino, pronúncia do inglês e seu ensino, viagem para
países falantes de língua inglesa e o bom professor de inglês
65
.
Neste ponto, cabe uma justificativa para a inserção deste bloco neste capítulo. Entendemos
que as crenças mencionadas, ainda que remetam ao campo do ensino e aprendizagem de línguas
como um todo, se expressaram no contexto da pesquisa, e são por nós tratadas, explicitando a
posição das duas professoras, também elas falantes de língua inglesa, frente aos falantes de outras
nações e às suas culturas. Assim, ainda que não seja preocupação deste estudo tratar de crenças
mais genéricas sobre ensino/aprendizagem, acreditamos que aquelas aqui apresentadas contribuem
para a compreensão das crenças específicas por nós evidenciadas, uma vez que a compreensão dos
sentimentos que as participantes experimentam em relação à própria língua e em relação à língua
inglesa, durante o processo de ensino/aprendizagem, adiciona clareza à compreensão tanto da forma
como interagem com os falantes nativos e suas culturas quanto das crenças envolvidas nessa
interação.
Tendo por base a análise das entrevistas e do grupo de discussão foi possível constatar que,
tanto para Júlia quanto para Bete, o inglês representa um “espaço de liberdade”, apropriando-nos do
termo utilizado por Revuz (1998, p. 224), de conforto e satisfação. o português, no caso
específico de Júlia, apresenta-se como um lugar de repressão e insegurança.
Essa relação das professoras com a língua estrangeira e a materna parece corroborar a
observação de Coracini (1998, p. 8) quanto aos espaços que esses idiomas ocupam no processo de
ensino/aprendizagem de línguas. Segundo a autora, a língua materna é entendida como “o lugar da
interdição, carregando o peso da história do sujeito [...] e a língua estrangeira parece ser o lugar
onde quase tudo é permitido, onde os desejos podem irromper mais livremente, ainda não moldada
pelos interditos”.
Nos seguintes excertos notam-se com clareza esses sentimentos de interdição e liberdade
experimentados por Júlia em relação às línguas inglesa e portuguesa:
J: Eu odeio português! [...] Sabe por que eu não gosto de português? Por causa que o
português na minha vida foi gramática! [...] eu acho que eu travei! [...] É por isso que
eu acho que eu passei a gostar muito de inglês, né?! (E, 25/05/06 – grifos nossos).
64
Gostaríamos de ressaltar que, embora nossa análise dos dados não tenha como embasamento teórico a Análise do
Discurso e a Psicanálise, acreditamos que os trabalhos de alguns autores nessa linha tornam-se oportunos para
analisarmos como as professoras participantes se relacionam com a língua estrangeira e a materna.
65
Vale destacar que essas crenças foram observadas ao longo das aulas e depois verificadas nas entrevistas.
62
J: [...] uma vez eu falei assim: ah, isso então é pra mim fazer?((fala enfatizando o
pronome mim)) [...] o professor pega e fala assim: para eu fazer ((fala enfatizando o
pronome eu)) [...] Em inglês ninguém conjuga verbo! (E, 25/05/06 - grifos nossos).
J: Hoje eu tava tentando fazer uma carta e eu não conseguia fazer [...] porque eu fico
com medo: será que isso é erro de português? Porque português pra mim eu acho que
cai gramática. [...] E como eu falo português eu tenho a obrigação de saber a gramática
do português (GD, 07/07/06 - grifos nossos).
J: A melhor invenção que Deus permitiu, Deus em sua infinita sabedoria, foi o inglês!
Gente, você tem que falar she loves, colocar um essezinho no final! [...] É muita
felicidade! [...] Quando eu descobri o inglês, a minha vida, sabe, se eu pudesse, eu
queria que a minha língua mãe fosse o inglês! (E, 25/05/06 - grifos nossos).
J: [...] o inglês me soltou, sabe? [...] eu tinha que apresentar trabalho em inglês ((refere-
se à apresentação de trabalhos escolares)), eu ia [...] e apresentava o trabalho. Aí, na
hora de apresentar em português me mais trabalho. [...] Português eu fico mais
travada. (E, 25/05/06 - grifos nossos).
Fazer uso de tradução, falar em português em sala e levar músicas para seus alunos parecem
ser as crenças predominantes de Júlia sobre como ensinar língua inglesa de maneira eficiente.
Sobre a questão de utilizar a tradução em sala de aula, Júlia comenta, em entrevista, que
para elaBásico 1 [...] Você tem que ir dar a tradução. [...] É a minha crença porque eu comecei
aprendendo assim”.
Interessante notar que essa afirmação da professora, além de nos revelar uma de suas
crenças a respeito de ensino de inglês, também confirma a observação de diversos estudiosos que se
ocupam da investigação de crenças sobre ensino/aprendizagem de línguas: a influência destas em
nossas ações ao longo do processo de aprender/ensinar (Pajares, 1992; Johnson, 1994; Freeman e
Johnson, 1998; Barcelos, 2001, dentre outros).
Quanto ao uso constante da língua portuguesa nas aulas, Júlia afirma que utiliza essa
estratégia porque acredita que pode facilitar a aprendizagem de seus alunos, que estão no início
de seus estudos em inglês. Em suas palavras:
Básico 1, pra mim ((fala com muita ênfase)), você não pode falar em inglês[...] No
início, ((o aluno)) associa primeiro com a língua mãe, depois começa a associar dentro
da própria língua ((refere-se ao inglês)). (E, 25/05/06).
Esse excerto parece nos revelar também uma crença da professora relacionada à
aprendizagem de inglês: o uso de associação entre a língua materna e a estrangeira.
No tocante à sua crença de que a utilização de músicas em uma aula de língua inglesa seja
um bom procedimento
66
, Júlia comenta que essa estratégia aumenta o interesse (E, 25/05/06) dos
alunos, motivando-os, assim, a quererem aprender o idioma:
J: [...] Eu tive um aluno que ((risos)) fala assim: ah, professora, eu gostava tanto da
sua aula porque [...] tinha música [...] as meninas ((refere-se a suas alunas)) ficam
66
Em praticamente todas as aulas observadas desta participante para a pesquisa, onze ao todo, a professora levou
músicas para trabalhar em sala com seus alunos.
63
falando: professora, passa a música do borracheiro! ((refere-se a um personagem de uma
novela que estava sendo transmitida na época da coleta de dados da pesquisa)) [...]
Quem que não quer saber o que o cara falando na música do borracheiro? [...]
((Música)) Aumenta o interesse [...] Motiva. (E, 25/05/06).
No que se refere às crenças sobre aprendizagem de inglês, Júlia acredita que ver filmes sem
legenda (Q, 16/05/06) e ouvir músicas (Q, 16/05/06) ajuda muito no processo de aprender essa
língua. A professora comenta também que para aprender inglês não é necessário que o (a) aluno (a)
domine completamente a gramática, pois, para ela, basta que ele (a) seja capaz de se comunicar. Em
suas palavras:
J: [...] vamos assistir filme e vamos ouvir música que vocês ((refere-se aos alunos)) vão
aprender a falar do mesmo jeito! [...] se você [...] falar uma coisinha errada ou outra,
eles ((refere-se a pessoas que falam inglês como língua materna)) podem te corrigir, mas
eles vão te entender. Você não vai precisar desesperar de abrir um livro chamado
gramática. (E, 25/05/06).
Quanto às crenças de Júlia sobre a língua inglesa, na primeira aula observada para a
pesquisa, ela comenta com seus alunos que o inglês é a língua mais fácil de aprender, de falar.
Mais fácil do que ficar conjugando verbos como em português, francês (NC, 18/04/06). Segundo
Júlia:
J: A melhor invenção que Deus permitiu, Deus em sua infinita sabedoria, foi o inglês!
Gente, você tem que falar she loves, colocar um essezinho no final![...] É muita
felicidade [...] ((porque)) Eu odeio conjugar verbo! (E, 25/05/06).
Também na penúltima aula que acompanhamos durante o período da coleta dos dados foi
possível inferir mais uma crença da professora a respeito da língua inglesa. Em um comentário
dirigido aos seus alunos, Júlia afirma que acha “o inglês a língua mais bonita!(NC, 08/06/06).
Ao refletirmos sobre essas crenças da participante, temos a impressão de que, por trás de
seus comentários positivos acerca da língua estrangeira que seus alunos estão aprendendo, uma
tentativa de encorajá-los a continuar esse percurso de aprendizado, de mostrar que é possível
aprender inglês, que, segundo Júlia, trata-se de um idioma, pelo menos em termos gramaticais,
mais fácil do que o português, sua língua materna.
Observe-se no entanto que, embora Júlia eleja o inglês como a língua da liberdade e o
português como a da repressão, ela ministra suas aulas de básico, praticamente, o tempo todo em
português. Assim, é possível presumir que, em alguns momentos, Júlia se obrigada a lançar mão
da língua da repressão, o português, para chegar ao sonho, a língua estrangeira, no caso em questão,
o inglês.
No tocante às crenças da professora sobre gramática da língua inglesa e seu ensino, é
possível perceber também, como veremos ao final da exposição, seus sentimentos de liberdade e
repressão experimentados em relação ao inglês e ao português, respectivamente.
64
De acordo com o que a análise dos dados indica, nota-se que Júlia parece não ser muito
apreciadora do estudo gramatical referente à qualquer língua. Pelos seguintes excertos é possível
perceber isso nitidamente:
J: [...] eu odeio gramática! Se eu pudesse, eu queimava, eu virava Hitler e pegava todas
as gramáticas do mundo [...] e queimava! (E, 25/05/06).
J: [...] eu sei chegar em Nova York [...] não passar fome [...] conseguir ir nos lugares
turísticos [...] conhecer uma pessoa e bater um papo legal [...] Não preciso ficar
entrando na gramática. Ah, detesto! (E, 25/05/06).
Talvez por não gostar de gramática, Júlia possui a crença, mencionada anteriormente, de que
dominar por completo a gramática da língua inglesa não seja um fator imprescindível para se ter
sucesso na aprendizagem.
Entretanto, gostaríamos de mencionar que, ao acompanharmos suas aulas, percebemos que
Júlia em nenhuma das aulas observadas para a pesquisa deixou de tratar de gramática com seus
alunos. Como ela mesma reconhece em entrevista, o básico da gramática eles ((refere-se a seus
alunos)) têm que saber(E, 25/05/06).
Ainda sobre as crenças da professora acerca do ensino de gramática, notamos ao longo de
suas aulas a utilização de uma estratégia: aliar a música ao ensino dos tópicos gramaticais.
Observamos que Júlia, sempre ao ensinar gramática, leva para seus alunos uma canção em que é
possível praticar amplamente o que foi ensinado.
Por meio de algumas de suas afirmativas, durante a entrevista, foi possível perceber que
utiliza músicas porque acredita que através delas os alunos conseguem associar com o ponto
gramatical que estão aprendendo:
J: Eu tive um aluno que ((risos)) fala assim: ah, professora, eu gostava tanto da sua
aula porque tinha música e a gente podia ver os “negocinhos” direitinho. Eles não
sabiam explicar, sabe? O “negocinho”, às vezes, é: it’s raining man ((fala dando ênfase
para o ing)) [...] O “negocinho”é a gramática mesmo. (E, 25/05/06).
Em algumas aulas observadas de Júlia, pudemos constatar também sua crença sobre a
utilização de músicas para o ensino de gramática. Em uma, a professora ensinou o presente
contínuo e levou uma música em que os alunos poderiam praticar amplamente este tempo verbal:
J: Seguinte, vai aparecer ((na letra da música)) esses verbinhos que estão no quadro:
talk, tap, dress, hold, take, look e set. que todos vão aparecer no presente contínuo.
Então, aí vocês ((refere-se aos alunos)) vão tentar escrever. (OA, 23/05/06).
Em uma outra aula, Júlia, após ter ensinado o passado dos verbos regulares e irregulares, fez
uso de uma música em que praticamente todas as linhas poderiam ser completadas utilizando o
passado dos verbos. A música em questão era “You’re beautiful” de James Blunt.
Retomando parte dos excertos apresentados no início deste Eu odeio português! [...] Por
causa que o português na minha vida foi gramática! (E, 25/05/06) e [...] português pra mim eu
acho que cai gramática. [...] E como eu falo português eu tenho a obrigação de saber a
65
gramática do português (GD, 07/07/06) e refletindo sobre o que ela pensa a respeito de
gramática, seu ensino e a estratégia utilizada para ensinar os tópicos gramaticais referentes ao
inglês, é possível observar que Júlia parece associar sua língua materna à regra, à repressão, porque
sua aprendizagem foi centrada, basicamente, em gramática. Assim, nos parece que lança mão de
músicas para ensinar a seus alunos a gramática da língua estrangeira por acreditar que esse
procedimento amenize a aprendizagem gramatical de uma língua, ao mesmo tempo que representa o
sonho, a liberdade experimentada por ela em relação ao inglês.
As crenças de Júlia em relação à pronúncia da língua inglesa, e seu ensino, também parecem
nos indicar como se sente em relação ao inglês e ao português. De acordo com a professora, seus
alunos conseguindo se comunicar e compreender o que as outras pessoas falam é o principal em
termos de pronúncia em língua inglesa, como podemos observar no seguinte excerto:
J: Ele ((refere-se a aluno)) entendeu e se fez entender, pra mim, é o que [...] é o meu
objetivo. (E, 25/05/06).
Assim, para ela, como veremos no fragmento abaixo, enfatizar a entonação não é uma
prioridade no que se refere ao ensino de pronúncia em inglês:
J: Eu acho que pra eles não falarem assim: I live ((laive)) in California, se eles falarem I
live ((live)) in California, eu acho que já tá bom.
P: Ahã. Uns “toques”, assim.
J: É. Só “toquezinhos” pra eles serem entendidos [...] Eles não precisam falar: I live in
California ((fala utilizando uma pronúncia “adequada”)). Aquela coisa toda!
P: A entonação, você fala?
J: É. [...] Não precisa disso. Eu acho que o aluno, ele tem que ser entendido [...] entendeu
e se fez entender [...] é o meu objetivo. (E, 25/05/06).
Aqui percebe-se facilmente que, para ela, não é preciso que seus alunos imitem estrangeiros
para sonhar e ser outra pessoa.
No que se refere ao tema viagem para países onde a língua inglesa é oficial, também notam-
se seus sentimentos de liberdade e repressão experimentados quanto ao inglês e ao português.
Em entrevista, perguntamos à Júlia o que pensa sobre o fato de viajar para algum país de
língua inglesa com o propósito de estudar mais, de se aprimorar.
Para ela, de forma alguma é importante ou necessário viajar para o exterior tendo como
objetivo estudo/aprimoramento. Segundo Júlia, é perfeitamente possível estudar inglês no Brasil e
aprender bem a língua. Como veremos no seguinte excerto, ela percebe-se como um exemplo vivo
disso:
J: Não, pra estudar não. Pra falar igual eu falo?
P: É.
J: [...] uma vez eu até brinquei quando eu tava fazendo teste pro Centro de Extensão,
muito nervosa, com o T. B., ele falou assim: você fez curso? Não, o Mel Gibson foi o
meu professor.
P: Você falou isso? ((tom de muito espanto)).
66
J: Falei! Falei assim: não existe melhor professor do que o Mel Gibson. ele olhou
assim. eu falei: eu adoro ver filme, T. [...] é, eu aprendi falar inglês vendo filme e
cantando música. (E, 25/05/06).
Ainda sobre essa questão viagem, Júlia, no grupo de discussão, critica o fato de que muitas
pessoas que permanecem um tempo no exterior e que, em muitos casos, nem chegam a estudar
formalmente o inglês, retornam para o Brasil e conseguem emprego em escolas de idiomas:
J: Ela ((refere-se a uma conhecida)) morou na Austrália, chegou aqui ((refere-se ao
Brasil)), não tinha o que fazer, foi procurar emprego e falou: ah vou dar aula de inglês
porque eu morei lá. Aí, começou a dar aula de inglês, mas não tava entendendo método,
essas coisas. Aí, que resolveu fazer Letras! [...] Se você fez Letras, ralou, soube
gramática, a língua em si que é o que a gente estuda. nem aí. [...] eu acho que tem muito
profissional que é muito mais “fodão” do que esses que foram pro exterior, aprenderam
inglês por lá e. chegou aqui e já pode dar aula porque morou. fora
67
. (GD, 07/07/06).
Ponderando sobre essas crenças, é possível perceber que, assim como nos revelam suas
representações sobre pronúncia do inglês, Júlia acredita não ser necessário ir para o exterior para se
ter a oportunidade de sonhar e ser uma outra pessoa na língua estrangeira. Nos parágrafos
seguintes, nos ocupamos de como a participante Bete sente-se em relação às línguas materna e
estrangeira
68
.
No caso desta professora, observamos que em dois momentos distintos a língua estrangeira
manifesta-se nitidamente como espaço de liberdade: no hábito de chamar, em sala de aula, alguns
de seus alunos utilizando uma pronúncia em inglês e no uso de uma camiseta na qual uma
palavra obscena escrita em língua inglesa.
A primeira ocasião, a nosso ver, corresponde a um espaço de liberdade para Bete porque
parece demonstrar a possibilidade de ser um outro, de poder brincar com as palavras em inglês
como se fosse criança novamente:
P: [...] durante as aulas eu [...] percebi que você fala o nome de três alunos [...] com uma
pronúncia em inglês. Por que você acha que [...] faz isso?
B:.. Ah, eu não sei. Eu acho que é mais brincando. mais brincando mesmo. [...] É mais
como brincadeira [...] porque eu acho engraçado e eles acham engraçado, eles gostam.
(E, 30/05/06 - grifos nossos).
O segundo momento, o uso de uma camiseta em que uma palavra obscena escrita em
inglês, representa esse lugar de liberdade porque, por meio desta atitude, nos parece que Bete
consegue experimentar a ausência de regra, regra esta que corresponde à língua materna, conforme
explicado anteriormente. No seguinte excerto é possível perceber este sentimento:
B: Eu fiz uma matéria na FAE ((refere-se à Faculdade de Educação)) e numa das
primeiras aulas [...] Eu fui com uma camisa que tá escrito fuck you. [...] E o comentário a
respeito da camisa foi que a gente fica, se sente mais confortável em falar palavrão em
67
Gostaríamos de mencionar que algumas escolas de idiomas em Belo Horizonte já começaram a exigir a graduação em
Letras de seus professores.
68
É preciso ressaltar que, ao contrário de Júlia, a professora Bete, de modo geral, faz referências apenas ao inglês, o
qual, conforme já mencionado, também é sentido como um espaço de liberdade.
67
língua estrangeira do que se eu estivesse com uma camiseta escrito um palavrão em
português
P: E você sente isso quando você pensa em inglês?
B: Exatamente. Eu me sinto mais confortável em falar um palavrão, em fazer um
comentário. (GD, 07/07/06 - grifos nossos).
Considerando essa questão de que Bete afirma sentir-se mais confortável ao falar uma
palavra ou expressão obscena em inglês do que em português, Revuz (1998, p. 223-224) observa
que na língua estrangeira:
[...] apresentam-se expressões, palavras desprovidas da sedimentação que faz
a riqueza, a complexidade, mas também o peso das palavras e expressões da
língua materna. Isso é particularmente evidente se considerarmos as palavras
grosseiras ou obscenas: sabe-se, mas não se sente, que uma palavra
estrangeira é grosseira ou obscena [...] Esse estranhamento do dito na outra
língua pode tanto ser vivido como uma perda (até mesmo como uma perda de
identidade), como uma operação salutar de renovação e de relativização da
língua materna, ou ainda como a descoberta embriagadora de um espaço de
liberdade.. (grifos da autora).
Conforme mencionado no início deste bloco, por meio da análise das crenças de ambas as
professoras sobre ensino/aprendizagem de inglês em geral, foi possível perceber suas relações com
as línguas materna e estrangeira. Assim, a seguir, apresentamos as crenças de Bete sobre este
processo e o sentimento de liberdade, satisfação experimentado por ela acerca da língua inglesa.
Falar em inglês durante as aulas, de preferência num ritmo acelerado, e ensinar alguns itens
gramaticais do inglês comparando com o português são as crenças relacionadas ao ensino de língua
inglesa inferidas ao longo das observações das aulas de Bete.
Segundo a professora, o hábito de falar em inglês, e de modo rápido, durante a maior parte
da aula faz com que o aluno vá se familiarizando com o som da língua que está sendo aprendida:
B: [...] eu sou uma pessoa [...] que desde o Básico 1 se deixar eu falando rápido
porque se eles ((refere-se aos alunos)) acostumarem com uma pessoa que tende a falar
assim: my name is Bete. How are you doing? ((fala de maneira bem pausada)) [...] na
hora de eles pegarem alguma coisa mais rápida eles não vão conseguir [...] porque
acostumado com cada palavrinha separada. (E, 30/05/06).
Quanto à questão de ensinar alguns pontos gramaticais comparando com o português,
pudemos observar essa prática de Bete mais explicitamente
69
em relação ao gerúndio, ministrado na
aula 6 em 17/05/06.
Em entrevista, perguntamos à Bete qual seria o motivo de ensinar o gerúndio comparando
com a língua materna de seus alunos. A professora afirma que faz isso no sentido de mostrar que
alguns tópicos gramaticais do inglês também existem em português.
Entretanto, também em entrevista, reconhece que utilizar de comparação, às vezes, pode
mais dificultar do que facilitar a aprendizagem. Em suas palavras:
69
Por mais explicitamente queremos dizer que, nos demais tópicos gramaticais ensinados ao longo das onze aulas
observadas de Bete para a pesquisa, ela raramente utilizou de comparação entre o inglês e o português. Entretanto, no
caso do gerúndio, lançou mão deste recurso.
68
B: [...] eu não gosto muito de comparar porque às vezes complica [...] Porque o aluno ele
preocupa muito com o português e não pensa muito no inglês. (E, 30/05/06).
No tocante às crenças sobre aprendizagem da língua inglesa, Bete acredita que o aluno para
aprender de modo eficiente deve se interessar (E, 30/05/06), ter empolgação e curiosidade
(E, 30/05/06), buscar [...] ter contato (E, 30/05/06) - tanto com quem fala o inglês como língua
oficial quanto como estrangeira - utilizar a “internet(E, 30/05/06), se dedicar e ser autônomo.
Foi possível perceber que muitas dessas crenças de Bete sobre aprendizagem de inglês
advêm de sua experiência enquanto aprendiz desse idioma, o que corrobora a observação de
Freeman e Johnson (1998) de que muito do que professores de línguas sabem vem de suas
experiências anteriores e lembranças enquanto aprendizes como aprendizes de língua.
Os seguintes excertos ilustram essas experiências, e conseqüentes crenças, de Bete:
B: [...] se não fosse todo o meu interesse, a minha empolgação pelo inglês eu acho que
eu não teria conseguido a proficiência que eu tenho hoje. O nível de inglês que eu tenho
hoje. Eu não teria conseguido. (E, 30/05/06 – grifos nossos).
B: [...] eu sempre tive muita curiosidade com inglês [...] [...] eu me interessei e a
partir do momento que eu me interesso por alguma coisa eu buscava sempre aprender
mais e mais e eu não me contentava com o que eu tinha na escola, por exemplo, e .
Eu sempre queria [...] contato com quem falava inglês já, com quem estudava inglês
fora [...] eu tentava conversar [...] com os meus próprios professores de inglês em
inglês. Eu sempre fui muito empolgada com inglês! [...] Então, os professores sabiam.
Aí eu chegava lá no colégio e conversava com os professores em inglês o que eu aprendia
e eles me consertavam. (E, 30/05/06 – grifos nossos).
B: Eu me interessava muito, eu buscava muito [...] eu estudava muito em casa sozinha
[...] eu fui muito autodidata, pesquisava muita coisa [...] Livro, gramática, internet [...]
pedia pra muita gente pra me ajudar (E, 30/05/06 - grifos nossos).
Ainda sobre a aprendizagem de inglês, ela afirma que ficar um tempo fora (E, 30/05/06) é
muito “importante porque muitas coisas a gente só aprende vivendo mesmo(GD, 07/07/06).
Sobre essa crença de que ter uma experiência no exterior é essencial para aprender inglês de
modo maiscompleto (E, 30/05/06), Bete acrescenta ainda em entrevista que não acha proveitoso,
estando em um país estrangeiro, permanecer constantemente próximo a outros brasileiros, pois essa
atitude pode atrapalhar a aprendizagem da língua inglesa.
O seguinte excerto ilustra muito bem essa crença de Bete, que elogia a atitude de um
conhecido que foi para a Irlanda:
B: ((Ele)) chegou ((na Irlanda)) e ficou com amigos brasileiros [...] mas totalmente
inserido na cultura. Não é igual brasileiro que vai pros Estados Unidos e fica no bairro
que tem um monte de brasileiro, come em restaurante brasileiro. Eles tinham 100% de
contato com os irlandeses. (E, 30/05/06 – grifos nossos).
As crenças de Bete em relação à língua inglesa também parecem nos indicar como se sente
em relação a este idioma. Percebe-se que, para ela, o inglês trata-se de uma língua interessante,
69
((que)) não é difícil de se aprender, desde que a pessoa se dedique, e [...] muito simplificada (Q,
29/05/06).
Em entrevista, quando indagada a respeito do motivo de considerar o inglês um idioma
interessante, responde que isso deve-se ao fato de apreciar muito a entonação e a sonoridade
dessa língua (E, 30/05/06).
A respeito da crença de que o inglês é uma língua muito simplificada, em uma de suas aulas
foi possível perceber a razão de pensar dessa maneira. Segundo ela, o inglês é mais simplificado
do que o português ((já que)) não existem tantas conjugações(NC, 17/05/06).
Ao longo das aulas observadas de Bete, foi possível inferir também algumas de suas crenças
relacionadas à gramática do inglês e seu ensino. Percebemos que, para ela, essa gramática é
constituída por aspectos fáceis e difíceis. Um dos difíceis, conforme comentário em sala para seus
alunos, e registrado em nota de campo (NC, 15/05/06), seria o tempo verbal presente perfeito.
Quando indagada em entrevista o que pensa a respeito da gramática da língua inglesa, Bete
responde, direcionando seu comentário para o modo que prefere ensinar os itens gramaticais, que:
B: [...] eu tento passar pros meus alunos que é fácil porque se você fala que é difícil
eles vão [...] ter aquela impressão [...] Então, [...] todo final semestre eu falo, assim:
oh, gente esse negócio é muito fácil, viu? Mas, têm umas partes que são complicadas, né,
que nem o present perfect! [...] Eu falo: gente, todo mundo acha difícil isso mesmo. É
normal. Eu deixo [...] claro que se tem algum impedimento pra pessoa aprender de cara é
porque é normal é porque é uma estrutura que não existe no português. Então, assim, eu
tento [...] fazer eles verem que é fácil, mas eu sei que tem coisas muito complicadas. (E,
30/05/06).
No tocante às suas crenças sobre pronúncia do inglês e seu ensino, observa-se que, para
Bete, é muito importante desenvolver uma boa pronúncia da língua estrangeira que se estuda.
Assim, segundo a participante, e ao contrário de Júlia, aspectos como a entonação, a música da
língua inglesa devem ser seriamente considerados ao se ensinar pronúncia. Em suas palavras:
B: Eu cobro muita entonação [...] Não falar tanta palavra separada [...] porque fica
muito artificial [...] Tentar juntar grupo de palavra [...] eu bato nessa questão da
cadência, nessa coisa do fluir [...] porque têm alguns que têm muita dificuldade com
listening exatamente porque tá acostumado com cada palavrinha separada. (E, 30/05/06).
Ter uma vivência em algum país falante oficial de língua inglesa e incentivar sempre os
alunos a se comunicarem em inglês
70
parecem ser as crenças de Bete sobre um bom professor de
inglês.
Sobre ter uma experiência no exterior, a professora afirma que acredita nisso por duas
razões: a primeira, porque com essa vivência [...] você passa a ser um profissional mais completo
(GD, 07/07/06) e a segunda, por exigência do mercado, mais especificamente da maioria das
70
Crença similar a essa também foi encontrada na pesquisa de mestrado de Silva (2000), a qual buscou investigar as
percepções de formandos de Letras sobre o que seja um bom professor de inglês. Para os participantes desse estudo,
uma das características desse docente é que este “ensina os alunos a se comunicar em inglês” (Silva, 2000, p. 52-53).
70
escolas de idiomas no Brasil - os cursos que pagam melhor eles exigem experiência fora (GD,
07/07/06).
Os seguintes fragmentos ilustram essa crença:
B: [...] eu quero muito passar por essa experiência porque eu acho que isso complementa
o profissional. (E, 30/05/06).
B: [...] eu acho que isso faz um profissional mais completo. Você ser mais versátil. (E,
30/05/06).
B: [...] você tem que especializar pra você ser um professor de inglês. Você tem que pelo
menos ficar um tempo fora. Igual a gente brinca, tirar uma foto com o Mickey pra anexar
no currículo. (E, 30/05/06).
B: Algumas escolas elas contratam quando você tem uma foto com o Mickey anexada
no currículo. (GD, 07/07/06).
Em relação à crença da participante de que um bom professor de língua inglesa é aquele que
sempre incentiva seus alunos a se comunicarem em inglês, Bete comenta que acha muito relevante
porque, segundo ela, essas duas vezes por semana, uma hora e quarenta de inglês, é o único
momento que eles ((refere-se aos alunos)) têm ((para praticar))(E, 30/05/06). Ainda para a
participante, professor que não incentiva(E, 30/05/06) faz com que os alunos iniciem um
próximo nível de estudo “sem speaking nenhum(E, 30/05/06):
B: os alunos tão chegando no Intermediário 2 sem nível de conversação nenhuma porque
o professor não incentiva a conversação dentro de sala de aula, às vezes, até incentiva,
mas senta na mesa [...] não passa igual eu passo: oh, gente, English! Questions! Ouço o
que falando, se fala errado, corrijo [...] Eu acho que é importante. Eles têm aquele
momento [...] a gente tem que incentivar [...] eu gosto muito de incentivar. (E, 30/05/06).
Inquestionavelmente esse incentivo de Bete para seus alunos se esforçarem a falar em inglês
pôde ser nitidamente percebido ao longo das aulas que observamos para a pesquisa. Abaixo, a título
de ilustração, reproduzimos algumas das notas de campo da pesquisadora referentes a esse estímulo:
A professora e os alunos parecem ter um relacionamento bem descontraído, fazem
brincadeiras uns com os outros antes do início da aula. Professora atenciosa. Pede para
os alunos tentarem falar em inglês (NC, 03/04/06 – grifos nossos).
Durante toda a atividade oral a professora incentiva os alunos a falarem em inglês (NC,
03/04/06 – grifos nossos).
Os alunos se mostram interessados em aprender como falar palavras novas. Estão
sempre perguntando para a professora (NC, 05/04/06 – grifos nossos).
Tendo em mente o exposto até o momento, é interessante notar que, embora para Júlia e
Bete a língua estrangeira represente um lugar de permissão e satisfação, enquanto a língua materna
se caracteriza como um espaço de repressão e insegurança, o inverso também pode ocorrer,
conforme relata Norton (2000) em uma pesquisa realizada no Canadá com imigrantes aprendizes de
inglês como segunda língua.
De acordo com a autora, para Katarina, uma das participantes de seu estudo, a língua inglesa
é percebida como uma língua de repressão, insegurança na qual não consegue se expressar bem; ao
71
passo que o polonês, sua língua materna, é compreendido pela participante como um espaço de
segurança, no qual sente-se muito mais confortável e segura ao expressar-se.
Norton (2000), por meio dos resultados obtidos em sua pesquisa, pretende demonstrar que as
relações de poder que se instauram em um país de imigração como o Canadá atingem também a
interação entre os indivíduos enquanto falantes dessa língua da imigração. Segundo a autora, em
uma situação ocorrida com Katarina, essas relações de poder puderam ser facilmente percebidas.
Após comentar com sua professora de língua inglesa a vontade de participar de um curso de
computação, Katarina foi explicitamente desencorajada por ela, a qual alegou que seu inglês não era
suficiente para realizar tal tarefa. Muito magoada, nunca mais retornou às aulas de inglês.
Como Norton (2000) nos explica, Katarina, em sua terra natal, a Polônia, era uma professora
experiente. No Canadá, não havia conseguido emprego nessa função e ansiava pelo reconhecimento
de outros profissionais. Assim, imaginava que com as aulas de computação suas chances de
inserção e participação em sua comunidade imaginada de profissionais seriam maiores. De acordo
com a autora, a atitude da professora fez com que Katarina sentisse que estava sendo rotulada como
uma mera imigrante e que uma importante oportunidade de alcançar um significativo acesso à sua
comunidade imaginada de profissionais lhe estava sendo negada.
Pensando a respeito das participantes desta pesquisa, Júlia e Bete, supomos que, talvez, por
estarem distantes da Irlanda –, ou seja, das relações de poder que envolvem o real, conseguem se
relacionar de maneira satisfatória, entusiasmada com os irlandeses e sua cultura. Em outras
palavras, imaginamos que em função desta distância, Júlia e Bete, ao contrário de Katarina,
conseguem se perceber como integrantes de sua comunidade imaginada “Irlanda”.
Chegando ao término deste bloco, é possível apontar duas conclusões. Primeiramente,
acreditamos que exemplos tão opostos como os das participantes deste estudo, Júlia e Bete, e de
uma das informantes da pesquisa de Norton (2000), Katarina, demonstrem muito bem a relevância
de se investigar como os agentes envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de línguas se
sentem em relação à sua própria língua e à estrangeira. Assim, quem sabe, seremos um pouco mais
capazes de melhor compreender porque algumas pessoas investem mais e outras menos - ou
simplesmente não investem - nesse processo de se aprender e/ou ensinar línguas.
Em segundo lugar, em relação às crenças de Júlia e Bete a respeito do processo de
ensino/aprendizagem de inglês em geral, percebe-se, primeiramente, uma crença que está
subjacente a todas: a língua estrangeira como um espaço da liberdade. Em segundo lugar, nota-se
claramente a presença de duas características inerentes às crenças: guiam nossas ações, influenciam
e são, ao mesmo tempo, influenciadas por elas e, em muitos casos, advêm de nossas experiências
anteriores enquanto aprendizes de línguas estrangeiras.
72
Acreditamos que essas crenças das professoras participantes vêem corroborar a relevância,
destacada por vários autores, de se estudar o construto crenças, tão presente e capaz de estimular
ou desestimular um investimento ao longo do processo de ensino/aprendizagem de línguas.
No quadro abaixo, encontram-se as crenças de Júlia e Bete sobre ensino e aprendizagem de
inglês:
Quadro 1 – Crenças sobre ensino e aprendizagem de língua inglesa
Júlia Bete
Ensino - Fazer uso de tradução, falar em
português em sala e levar músicas.
Ensino - Falar em inglês durante as aulas, de
preferência num ritmo acelerado, e ensinar
alguns itens gramaticais do inglês comparando
com o português.
Aprendizagem - Ver filmes sem legenda,
ouvir músicas e não precisar dominar
completamente a gramática. Basta que o aluno
consiga se comunicar.
Aprendizagem - Se interessar, ter empolgação
e curiosidade, buscar contato tanto com quem
fala o inglês como língua oficial quanto como
estrangeira, utilizar a internet, se dedicar, ser
autônomo, ficar um tempo em algum país
falante de inglês como língua oficial e, estando
em um país estrangeiro, não permanecer
constantemente próximo a outros brasileiros,
pois essa atitude pode atrapalhar a
aprendizagem da língua inglesa.
Língua inglesa - Língua mais fácil de
aprender, de falar e a mais bonita.
Língua inglesa - Língua interessante, não é
difícil de aprender, desde que haja dedicação, e
muito simplificada.
Gramática e seu ensino - Odeia gramática.
Dominar por completo a gramática da língua
inglesa não é um fator imprescindível para se
ter sucesso na aprendizagem, mas o básico da
gramática os alunos têm que saber.
Gramática e seu ensino Constituída por
aspectos fáceis e difíceis. Tenta mostrar para
seus alunos que a gramática do inglês é fácil.
Pronúncia e seu ensino - Se comunicar e
compreender o que as outras pessoas falam é o
principal em termos de pronúncia em língua
inglesa. Enfatizar a entonação, a música da
língua não é uma prioridade no que se refere ao
ensino de pronúncia em inglês.
Pronúncia e seu ensino Aspectos como
entonação e música da língua inglesa devem
ser seriamente considerados ao se ensinar
pronúncia.
Viagem De forma alguma acha importante
ou necessário ir para algum país cuja língua
oficial seja o inglês para estudar mais, se
aprimorar. É perfeitamente possível estudar
aqui no Brasil e aprender bem a língua.
Bom professor de inglês - Ter uma vivência
em algum país falante oficial de língua inglesa
e incentivar os alunos a se comunicarem em
inglês.
Aproximando-nos da finalização do capítulo de Análise dos Dados, apresentamos e
discutimos os resultados obtidos nesta pesquisa. No bloco 1, tratamos das crenças e justificativas
das professoras a respeito dos norte-americanos e de sua cultura. No bloco 2, nos ocupamos de suas
crenças e justificativas sobre os irlandeses e sua cultura. Por último, no terceiro bloco, procuramos
associar as crenças das participantes sobre ensino e aprendizagem de inglês em geral aos
73
sentimentos experimentados por ambas em relação à língua estrangeira que estudam/ensinam e à
sua língua materna.
No capítulo seguinte apresentamos as considerações finais deste estudo.
74
CAPÍTULO 5
CONCLUSÃO
Este capítulo divide-se em três seções. Na primeira, apresentamos algumas implicações dos
resultados obtidos nesta pesquisa para ensino/aprendizagem de língua inglesa; na segunda,
apontamos algumas sugestões para estudos vindouros e, por fim, na terceira seção, apresentamos as
considerações finais.
5.1. Implicações para o ensino/aprendizagem de língua inglesa
Nesta seção, expomos algumas implicações dos resultados obtidos neste estudo para o
ensino/aprendizagem de inglês
71
. Em primeiro lugar, e, talvez, primordialmente, este estudo
demonstra, por parte dos professores, a necessidade de conscientização (ou manutenção dessa
consciência, caso exista) da relevância de se interessarem pelas crenças que seus alunos possuem
em relação às suas comunidades imaginadas. A nosso ver, os docentes deveriam procurar se
empenhar em desvendar quais são as crenças que seus aprendizes trazem para dentro das salas de
aulas a respeito dos falantes da língua que estão aprendendo, do (s) país (es) onde esse idioma é
falado, da (s) cultura (s) dessa (s) nação (ões). Acreditamos que com esse tipo de atitude, os
professores teriam maiores chances de compreenderem o porquê de alguns de seus alunos
investirem no processo de aprendizagem e outros não.
Em segundo lugar, esta pesquisa evidencia a importância de os docentes, além de
procurarem conhecer as crenças de seus alunos sobre as comunidades imaginadas, esforçarem-se
também para identificar as próprias crenças que possuem em relação às suas comunidades. Cremos
que esse auto-conhecimento possa amenizar possíveis conflitos, desencontros entre suas
representações e a de seus alunos em relação a um mesmo país ou, melhor colocando, a uma mesma
comunidade imaginada. Como vimos na seção sobre comunidades imaginadas do capítulo de
Revisão de Literatura, alguns estudos demonstraram que em decorrência do fato de docentes e
aprendizes de língua inglesa, como segunda língua, possuírem crenças distintas em relação a uma
mesma comunidade, houve uma total desistência, por parte dos alunos, de participação nos cursos
de inglês.
Em terceiro lugar, este trabalho explicita a necessidade de os professores não de inglês,
mas todos, de modo geral – procurarem não reproduzir em sala, nem em conversas informais, idéias
pré-concebidas a respeito do (s) país (es) onde a língua estudada é falada, assim como do (s) falante
(s) e de sua (s) cultura (s). Como vimos, boa parte das crenças reveladas neste estudo se
71
Gostaríamos de registrar que, essas implicações, a nosso ver, não se destinam apenas aos Centros de Extensão,
contexto da presente pesquisa, mas também à maioria dos contextos, brasileiros, pelo menos, em que ocorre o processo
de ensino/aprendizagem de língua inglesa.
75
fundamentam em estereótipos que se perpetuam através de vários meios, como, por exemplo, a
mídia, as disciplinas de Literatura, os professores, dentre outros.
Por fim, acreditamos que o presente estudo evidencia ainda a relevância de os professores de
inglês
72
procurarem se interessar pelas experiências anteriores de seus alunos, seja com algum
falante oficial dessa língua ou em um determinado país em que o idioma inglês seja falado como
oficial. Essas experiências, seguramente, podem influenciar na formação das crenças dos aprendizes
a respeito da (s) nação (ões), falante (s) e cultura (s) do idioma estudado e também, de acordo com
nosso entendimento, na relação destes com a aprendizagem da língua inglesa, no caso em questão.
5.2. Sugestões para pesquisas futuras
Nesta seção, apontamos algumas sugestões para estudos vindouros a respeito de crenças
mais específicas sobre o processo de ensino/aprendizagem de inglês, em particular no que se refere
à relação entre crenças e país (es), povo (s) e/ou cultura (s) dessa língua:
(1) Investigações com professores em pré-serviço de outros Centros de Extensão para
refutarem ou corroborarem os resultados deste estudo;
(2) Pesquisas com docentes em serviço, e também com alunos, a respeito do tema
investigado no presente trabalho;
(3) Comparações entre as crenças dos aprendizes e dos professores sobre o (s) país (es), o (s)
falantes e/ou a (s) cultura (s) da língua inglesa;
(4) Estudos que possibilitem, tanto aos docentes quanto aos alunos, a reflexão de suas
crenças sobre o tema da presente pesquisa e como estas podem influenciar seus investimentos ao
longo do processo de ensino/aprendizagem de inglês.
5.3. Considerações finais
Conforme apresentado, as crenças das participantes deste estudo em relação às suas
comunidades imaginadas “Estados Unidos” e “Irlanda” foram, seguramente, as propulsoras de suas
identificações parcial e plena. Foram também, possivelmente, aquelas que guiaram algumas de suas
ações em sala de aula, como no caso de que tentam mostrar para seus alunos, seja por meio da
música ou de filmes, a existência de outras nações e povos, além dos Estados Unidos e Inglaterra,
que têm o inglês como língua oficial.
Percebe-se ainda, após a realização desta pesquisa, a necessidade de refletirmos sobre as
comunidades imaginadas de aprendizes e professores de línguas que compreendem “também” as
nações onde a língua-alvo é falada. Como se sabe, várias podem ser as comunidades imaginadas de
cada um, seja uma comunidade de profissionais, conterrâneos, falantes bilíngües. Nesse sentido,
acreditamos que este estudo tenha demonstrado que as comunidades imaginadas podem referir-se
também à (s) nação (ões) e ao (s) falante (s) da língua aprendida/ensinada. Daí, a importância de
72
Acreditamos que de outras línguas também.
76
considerarmos tão seriamente essas comunidades que tanto alunos quanto docentes possuem e
levam consigo para as salas de aulas e que, muitas vezes, podem ser expressas de maneiras várias
devido ao seu componente de “imaginação”.
Por fim, um outro aspecto igualmente importante que podemos observar ao término deste
estudo refere-se à questão do pertencimento de alunos e professores a uma comunidade imaginada
durante o processo de ensino/aprendizagem de línguas. Como vimos, no caso de Júlia e Bete, em
função de seu pertencimento à comunidade imaginada “Irlanda”, conseguiram se legitimar, se
tranqüilizar como aprendizes, professoras e falantes de inglês, pois, conforme apresentado no
primeiro bloco, não conseguem se sentir integralmente partes de uma comunidade imaginada que se
formaria em torno de países como os Estados Unidos ou Inglaterra.
Assim, acreditamos que o pertencimento a uma determinada comunidade imaginada possa
facilitar consideravelmente os investimentos de aprendizes e docentes ao longo do
ensino/aprendizagem de línguas. Daí, a relevância de atentarmos verdadeiramente para esse querer
ou não pertencer a uma comunidade.
77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLWRIGHT, D.; BAILEY, K. M. Focus on the Language Classroom. Cambridge: Cambridge
University Press, 1991.
ALMEIDA FILHO, J. C. P. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas: Pontes,
1993.
ALMEIDA FILHO, J. C. P. (Org.) O Professor de língua estrangeira em formação. Campinas:
Pontes, 1999.
ANDRÉ, M. C. S. Preocupado com o Futuro do Ensino de LE? Uma Sugestão: Mergulhe no
Oceano de Crenças Educacionais de Professores da Língua Alvo e as Otimize. In: Anais do XIV
Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua Inglesa. Belo Horizonte, p.233-240,
1999.
ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da Prática Escolar. Campinas: Papirus, 1995.
ARAÚJO, A. D. Crenças e concepções do professor-educador sobre a formação do professor de
língua estrangeira. In: GIMENEZ, T. (Org.) Ensinando e aprendendo inglês na universidade:
formação de professores em tempos de mudança. Londrina: ABRAPUI, p. 85-94, 2003.
ARAÚJO, D. R. Crenças de professores de inglês de escolas públicas sobre o papel do bom
aprendiz: Um estudo de caso. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: FALE, UFMG, 2004.
ARAÚJO, D. R. A auto-avaliacão de crenças e práticas pedagógicas no desenvolvimento de
professores de línguas. Simpósio: O professor de línguas estrangeiras em contextos diversos;
representações e auto-avaliacão. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística
Aplicada. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
BARATA, M. C. C. M. O ensino de cultura e a aquisição de uma língua estrangeira. Dissertação
de mestrado. Uberlândia: ILEEL, UFU, 1999.
BARATA, M. C. C. M. Crenças sobre avaliação em língua inglesa: um estudo de caso a partir das
metáforas no discurso de professores em formação. Tese de doutorado. Belo Horizonte: FALE,
UFMG, 2006.
BARCELOS, A. M. F. A Cultura de Aprender Língua Estrangeira (Inglês) de Alunos de Letras.
Dissertação de Mestrado. Campinas: IEL, UNICAMP, 1995.
BARCELOS, A. M. F. A cultura de aprender línguas (inglês) de alunos no curso de Letras. In:
ALMEIDA FILHO, J. C. P. (Org.) O professor de língua estrangeira em formação. Campinas:
Pontes, p. 157-177, 1999.
78
BARCELOS, A. M. F Understanding teachers' and students' language beliefs in experience: a
Deweyan approach. Tese de doutorado. Alabama: The University of Alabama, 2000.
BARCELOS, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre aprendizagem de línguas: estudo
da arte. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 1, n. 1, p. 71-92, 2001.
BARCELOS, A. M. F. Crenças sobre aprendizagem de línguas, Lingüística Aplicada e ensino de
línguas. Linguagem & Ensino, v. 7, n. 1, p. 123-156, 2004.
BARCELOS, A. M. F. Cognição de professores e alunos: tendências recentes na pesquisa de
crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In: BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO,
M. H. (Orgs.) Crenças e ensino de línguas - foco no professor, no aluno e na formação de
professores. Campinas: Pontes, p. 15-43, 2006.
BARCELOS, A. M. F. Crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas: reflexões de uma década
de pesquisa no Brasil (no prelo).
BASSETTI, M. Z. Crenças de uma professora de Instituição Municipal acerca do ensino da
gramática da língua inglesa. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada.
São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
BASSETTI, M. Z. A Gramática da Língua Inglesa no ensino público: implementação de uma
proposta pedagógica voltada para a comunicação. Dissertação de mestrado. São José do Rio Preto:
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, UNESP, 2006.
BELAM, P. V. A interação entre as culturas de avaliar de uma professora de língua estrangeira
(inglês) e de seus alunos do curso de Letras no contexto de uma universidade particular.
Dissertação de mestrado. São José do Rio Preto: Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas,
UNESP, 2004.
BLACKLEDGE, A. Imagining a monocultural community: racialization of cultural practice in
educational discourse. Journal of Language, Identity and Education, v. 2, n. 4, p. 331-347, 2003.
BLATYTA, D. F. Mudança de habitus e teorias implícitas - uma relação dialógica no processo de
educação continuada de professores. In: ALMEIDA FILHO, J. C. P. (Org.) O Professor de língua
estrangeira em formação. Campinas: Pontes, p. 63-81, 1999.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos
métodos. Tradução de Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista.
Portugal: Porto Editora, 1998. Título original: Qualitative research for education: an introduction
to theory and methods.
79
BORGES, T. D.; PAULA FERNANDES, A. E.; BARCELOS, A. M. F. Mapeando a metodologia
de trabalhos a respeito de crenças. In: II ELARCO - II Encontro de Lingüística Aplicada da Região
Centro-Oeste. Brasília: UnB, 2005.
BROWN, J. D.; RODGERS, T. Doing second language research. Oxford: Oxford University Press,
2002.
BRUN, M. (Re) Construção identitária no contexto da aprendizagem de línguas estrangeiras. In:
MOTA, K.; SCHEYRL, D. (Orgs.) Recortes interculturais na sala de aula de línguas estrangeiras.
Salvador: EDUFBA, p. 73-104, 2004.
CANCLINI, N. G. Consumidores y Ciudadanos Conflictos multiculturales de la globalización.
México, D.F.: Editorial Grijalbo, 1995.
CARAZZAI, M. R. P. Grammar and grammar teaching: a qualitative study of EFL teachers’
beliefs and practices. Dissertação de mestrado. Florianópolis: CCE, UFSC, 2002.
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira, 1976.
CARVALHO, V. C. P. S. A Aprendizagem de Língua Estrangeira sob a Ótica de alunos de Letras:
Crenças e Mitos. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: FALE, UFMG, 2000.
CELANI, M. A. A.; MAGALHÃES, M. C. C. Representações de professores como língua
estrangeira sobre suas identidades profissionais: uma proposta de reconstrução. In: MOITA LOPES,
L. P.; BASTOS, L. C. (Orgs.) Identidades: recortes multi e interdisciplinares. Campinas: Mercado
de Letras, p. 319-338, 2002.
CELANI, M. A. A. Professores e formadores em mudança: relato de um processo de reflexão e
transformação da prática docente. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
CHIARINI, A. M. Representações em torno de uma paixão: a língua italiana em Belo Horizonte.
Tese de doutorado. Belo Horizonte: FALE, UFMG, 2002.
COELHO, H. S. H. “É possível aprender inglês em escolas públicas?” Crenças de professores e
alunos sobre o ensino de inglês em escolas públicas. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte:
FALE, UFMG, 2005.
CONCEIÇÃO, M. P. Vocabulário e consulta ao dicionário: analisando as relações entre
experiências, crenças e ações na aprendizagem de LE. Tese de doutorado. Belo Horizonte: FALE,
UFMG, 2004.
CORACINI, M. J. R. F. Língua estrangeira e língua materna: uma questão de sujeito e identidade.
Letras & Letras, v. 14, n. 1, p. 153-170, 1998.
80
CRUZ, A. C. G. Concepções docentes sobre o ensino de gramática: depoimentos de integrantes de
um projeto público educacional. Simpósio: Necessárias interfaces entre a lingüística e o ensino de
gramática. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada. São Paulo:
LAEL/PUC-SP, 2005.
DAVIS, K. Qualitative theory and methods in applied linguistics research. TESOL Quarterly, v. 29,
n. 3, p. 427-453, autumn, 1995.
DAGENAIS, D. Accessing imagined communities through multilingualism and immersion
education. Journal of Language, Identity and Education, v. 2, n. 4, p. 269-283, 2003.
EL-DASH, L. G.; BUSNARDO, J. Brazilian attitudes toward English: Dimensions of status and
solidarity. International Journal of Applied Linguistics, v.11, n. 2, p. 224-237, 2001.
ELLIS, Rod. Understanding second language acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1985.
FEIMAN-NEMSER, S.; FLODEN, R. E. The Cultures of teaching. In: WITTROCK, M. (Ed.)
Handbook of research on teaching. New York: Macmillan, p. 505-526, 1986.
FIGUEIREDO, S. E. A. Atitudes de estudantes brasileiros diante de falantes de alemão, espanhol,
francês, inglês e português. Dissertação de mestrado. Campinas: IEL, UNICAMP, 2003.
FINARDI, K. Teachers’ use of and beliefs on ludic language in the foreign language class.
Dissertação de mestrado. Florianópolis: UFSC, 2004.
FREEMAN, D.; JOHNSON, K. Reconceptualizing the knowledge-base of language teacher
education. TESOL Quarterly, v. 32, n. 3, p. 397-417, autumn, 1998.
GARDNER, R. C.; LAMBERT, W. E. Attitudes and motivation in second language learning.
Rowley: Newbury House Publishers, 1972.
GERALDINI, A. F. S. Crenças na sala de aula de leitura. Dissertação de mestrado. São Paulo:
LAEL/PUC-SP, 1995.
GIMENEZ, N. T. Learners becoming teachers: An exploratory study of beliefs held by prospective
and practising EFL teachers in Brazil. Tese de doutorado. Lancaster: Lancaster University, 1994.
GIMENEZ, T. Trajetórias na formação de professores de línguas. Londrina: Editora UEL, 2002.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP & A Ed., 1997. Título original: The question of cultural identity.
HORWITZ, E. K. Cultural and situational influences on foreign language learners' beliefs about
language learning: a review of BALLI studies. System, v. 27, n. 4, p. 557-576, 1999.
81
JAKOBOVITS, L. A. Foreign Language Learning A Psycholinguistic Analysis of the Issues.
Rowley, Mass.: Newbury House Publishers, 1970.
JOHNSON, D. Approaches to Research in Second Language Learning. New York: Longman,
1992.
JOHNSON, K. E. The emerging beliefs and instructional practices of pre-service English as a
second language teachers. Teaching and Teacher Education, v. 10, n. 4, p. 439-452, 1994.
KANNO, Y. Imagined communities, school visions, and the education of bilingual students in
Japan. Journal of Language, Identity and Education, v. 2, n. 4, p. 285-300, 2003.
KANNO, Y; NORTON, B. Imagined communities and educational possibilities: introduction.
Journal of Language, Identity and Education, v. 2, n. 4, p. 241-249, 2003.
LARSEN-FREEMAN, D.; LONG, M. H. An introduction to second language acquisition research.
London: Longman, 1991.
LARSEN-FREEMAN, D. Second language acquisition research: staking out the territory. In:
SILBERSTEIN, S. (Ed.) State of the art TESOL essays. Bloomington, Illinois: TESOL, p. 133-168,
1993.
LAZARATON, A. Qualitative research in applied linguistics: a progress report. TESOL Quarterly,
v. 29, n. 3, p. 455-472, autumn, 1995.
LIMA, S. S. Crenças de uma professora e alunos de quinta série e suas influências no processo de
ensino e aprendizagem de inglês em escola pública. Dissertação de mestrado. São José do Rio
Preto: Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, UNESP, 2005.
MADEIRA, F. Crenças sobre o explícito construídas pelos aprendizes de um novo idioma. Tese de
doutorado. Campinas: IEL, UNICAMP, 2006.
MARCUS, G. E. Ethnography though thick and thin. New Jersey: Princeton University Press, 1998.
MARQUES, E. A. Crenças e pressupostos que fundamentam a abordagem de ensinar língua
estrangeira (espanhol) em um curso de licenciatura. Dissertação de mestrado. São José do Rio
Preto: UNESP, 2001.
MATEUS, E. F.; GIMENEZ, T. N.; ORTENZI, D. I. B. G.; REIS, S. A prática do Ensino de Inglês:
Desenvolvimento de Competências ou Legitimação das Crenças? Um estudo de caso. Revista
Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 2, n. 1, p. 43-59, 2002.
82
MORAES, R. N. A cultura de avaliar de uma professora no processo ensino-aprendizagem de
língua estrangeira (inglês): implicações para a formação de professores. Dissertação de mestrado.
São José do Rio Preto: Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, UNESP, 2005.
MORAES, R. N. A cultura de avaliar de alunos e professores de inglês. Simpósio: Crenças sobre
ensino/aprendizagem de línguas: foco nos alunos. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em
Lingüística Aplicada. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
MURPHEY, T. Language Hungry! Tokyo: MacMillan Language House, 1998.
MURPHEY, T.; JIN, C.; LI-CHI, C. Learners’ constructions of identity and imagined communities.
In: BENSON, P.; NUNAN, D. (Orgs.) Learners’ stories: difference and diversity in language
learning. Cambridge: Cambridge University Press, p. 93-105, 2004.
NORTON, B. Language, identity, and the ownership of English. TESOL Quarterly, v. 31, n. 3, p.
409-429, autumn, 1997.
NORTON, B. Investment, acculturation, and language loss. In: McKAY, S.; WONG, S. L. (Orgs.)
English language learners in the United States: a resource for teachers. Cambridge: Cambridge
University Press, p. 443-461, 2000.
NORTON, B. Identity and language learning: gender, ethnicity and educational change. Harlow,
England: Pearson Education, 2000.
NORTON, B. Non-participation, imagined communities, and the language classroom. In: BREEN,
M. (Ed.) Learner contributions to language learning: new directions in research. Harlow, England:
Pearson Education, p. 159-171, 2001.
NORTON, B.; KAMAL, F. The imagined communities of English language learners in a Pakistani
school. Journal of Language, Identity and Education, v. 2, n. 4, p. 301-317, 2003.
NUNAN, D. Understanding Language Classrooms: a guide for teacher-initiated action. London:
Prentice Hall, 1989.
NUNAN, D. Research Methods in Language Learning. Cambridge: Cambridge University Press,
1992.
OLIVEIRA, E. C. Crenças de professores em formação. In: Anais do III Congresso da Associação
de Professores de Língua Inglesa do Estado de Minas Gerais & 3
o
Encontro de Professores de
Línguas Estrangeiras do CEFET – MG. Belo Horizonte, p. 43–55, 2001.
OLIVEIRA, L. A. M. Eu até hoje não sei se devo ensinar gramática: concepções sobre gramática e
seu ensino. Simpósio: Conceptualização e reconceptualização de linguagem por professores de
83
línguas. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada. São Paulo:
LAEL/PUC-SP, 2005.
ORLANDI, E. P. Identidade lingüística escolar. In: SIGNORINI, I. (Org.) Língua (gem) e
Identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas: Mercado de Letras, p.
203-212, 1998.
PAJARES, M. F. Teachers’ beliefs and educational research: cleaning up a messy construct.
Review of Educational Research, v. 62, n. 3, p. 307-332, 1992.
PATTON, M. Q. Qualitative Evaluation and Methods. California: SAGE Publications, 1990.
PAVLENKO, A. "I never knew I was a bilingual": reimagining teacher identities in TESOL.
Journal of Language, Identity and Education, v. 2, n. 4, p. 251-268, 2003.
PAVLENKO, A.; NORTON, B. Imagined communities, identity, and English language teaching. In:
CUMMINS, J.; DAVISON, C. (Eds.) Kluwer Handbook of English Language Teaching. Kluwer
Academic Publishers (no prelo).
PEIRCE, B. N. Social identity, investment, and language learning. TESOL Quarterly, v. 29, n. 1, p.
9-31, spring, 1995.
PITELI, M. L. Crenças de alunos sobre o processo de leitura. Simpósio: Crenças sobre
ensino/aprendizagem de línguas: foco nos alunos. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em
Lingüística Aplicada. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
PITELI, M. L. A leitura em língua estrangeira em um contexto de escola pública: relação entre
crenças e estratégias de aprendizagem. Dissertação de mestrado. São José do Rio Preto: Instituto
de Biociências, Letras e Ciências Exatas, UNESP, 2006.
PORTO, C. V. Percepções de professoras de Letras/inglês sobre avaliação da aprendizagem: um
estudo de caso. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: FALE, UFMG, 2003.
QUAST, K. Crenças/representações de professores de língua inglesa sobre o processo de
ensino/aprendizagem de fonologia. Simpósio: O professor de línguas estrangeiras em contextos
diversos; representações e auto-avaliacão. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em
Lingüística Aplicada. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
RAJAGOPALAN, K. Por uma lingüística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São
Paulo: Editora Parábola, 2003.
RAUBER, A. S.; GIL, G. Correção de erros gramaticais de inglês-LE em ambiente comunicativo.
In: GIL, G.; RAUBER, A. S.; CARAZZAI, M. R. P.; BERGSLEITHNER, J. M. (Orgs.) Pesquisa
84
qualitativa no ensino e aprendizagem de inglês: A sala de aula e o professor de LE. Florianópolis:
Editora da UFSC, p. 149-166, 2005.
REVUZ, C. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. In:
SIGNORINI, I. (Org.) Língua (gem) e identidade: elementos para uma discussão no campo
aplicado. Campinas: Mercado de Letras, p. 213-230, 1998.
RICHARDS, J. C.; LOCKHART, C. Reflective Teaching in Second Language Classrooms.
Cambridge: Cambridge Language Education, 1994.
RODRIGUES, R. M. Concepções do professor sobre o ensino de gramática em LE. Simpósio: O
ensino e a pesquisa em línguas estrangeiras sob diversas perspectivas. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
RUBEN, G. R. A teoria da identidade na Antropologia: um exercício de etnografia do pensamento
moderno. In: CORRÊA, M.; LARAIA, R. (Orgs.) Roberto Cardoso de Oliveira: homenagem.
Campinas: UNICAMP/IFCH, p. 79-97, 1992.
SADE, L. A. Querer é poder, querer e poder, querer sem poder: a motivação para o aprendizado
de inglês na escola pública sob uma perspectiva semiótica social. Dissertação de mestrado. Belo
Horizonte: FALE, UFMG, 2003.
SELIGER, H.; SHOHAMY, E. Second Language Research Methods. Oxford: Oxford University
Press, 1989.
SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (Orgs.) Lingüística Aplicada e transdisciplinaridade.
Campinas: Mercado de Letras, 1998.
SILBERSTEIN, S. Teaching culture: imagined communities and national fantasies in the O. J.
Simpson case. Journal of Language, Identity and Education, v. 2, n. 4, p. 319-330, 2003.
SILVA, I. M. Percepções do que seja ser um bom professor de inglês para formandos de Letras:
Um estudo de caso. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: FALE, UFMG, 2000.
SILVA, L. O. Crenças sobre aprendizagem de língua estrangeira de alunos formandos de Letras:
um estudo comparativo. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: FALE, UFMG, 2001.
SILVA, S. V. Crenças relacionadas à correção de erros: Um estudo realizado com dois
professores de escola pública e seus alunos. Dissertação de mestrado. Goiânia: Faculdade de
Letras, UFG, 2004.
SILVA, S. V. Crenças de alunos sobre correção de erros. Simpósio: Crenças sobre
ensino/aprendizagem de línguas: foco nos alunos. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em
Lingüística Aplicada. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
85
SOUSA, L. T. C. Concepções de leitura e formação do aluno em aulas de língua inglesa no ensino
médio. Simpósio: O ensino e a pesquisa em línguas estrangeiras sob diversas perspectivas. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
TELLES, J. A. “É pesquisa, é? Ah, não quero, não, bem!” Sobre pesquisa acadêmica e sua relação
com a prática do professor de línguas. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 5, n. 2, p. 91-116, 2002.
TÍLIO, M. I. C. Cultural identity and foreign language teaching: attitudes towards English-speaking
people and their culture. Revista UNIMAR, v. 3, p. 75-81, 1981.
TORRES, A. C. G. Representações a respeito da leitura em língua estrangeira de alunos de
graduação em engenharia. In: 15
o
InPLA - 15
0
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada.
São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2005.
VECHETINI, L. R. Crenças sobre o ensino de vocabulário em língua estrangeira (inglês) para
alunos iniciantes. Dissertação de mestrado. Campinas: IEL, UNICAMP, 2005.
VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. Tentativas de construção de uma prática renovada: a formação em
serviço em questão. In: ALMEIDA FILHO, J. C. P. (Org.) O Professor de língua estrangeira em
formação. Campinas: Pontes, p. 29-50, 1999.
WALLACE, M. J. Training foreign language teachers: a reflective approach. Cambridge:
Cambridge University Press, 1991.
WENDEN, A. An Introduction to Metacognitive Knowledge and Beliefs in Language Learning:
beyond the basics (commentary). System, v.27, n. 4, p. 435-441, 1999.
WILLIAMS, M.; BURDEN, R. L. Psychology for language teachers a social constructivist
approach. Cambridge, Cambridge University Press, 1997.
86
ANEXOS
87
Anexo 1
Carta convite às professoras
Belo Horizonte, 27 de março de 2006.
Prezadas estagiárias,
Gostaria de lhes convidar para participar de um trabalho de pesquisa sobre crenças a respeito de
falantes de inglês e o ensino de línguas. Trata-se de um trabalho da mestranda Tatiana Diello
Borges, orientada por mim, Ana Maria Chiarini, do Programa de Pós Graduação em Estudos
Lingüísticos, que se intitula As crenças de professores de inglês em pré-serviço a respeito de
falantes de língua inglesa e de suas respectivas culturas”.
Na metodologia do trabalho estão previstos: aplicação de um breve questionário, realização de uma
entrevista, observação de aulas, acompanhadas de anotações e gravações em áudio, e uma conversa
em conjunto com os participantes da pesquisa. É importante observar que, apesar da relevância da
participação de vocês, nada disso tomará muito de seu tempo, havendo sempre a possibilidade,
obviamente, de interromper a colaboração a qualquer momento caso não se sintam confortáveis.
Quanto às suas identidades, cabe esclarecer que serão totalmente resguardadas na redação da
dissertação.
Gostaria de terminar dizendo que seus nomes foram indicados pela secretaria do Cenex por seus
trabalhos sérios e competentes como estagiárias e também gostaria de reforçar que realmente
ficaríamos muito satisfeitas em poder contar com a colaboração de vocês.
Na expectativa de uma resposta, desde já agradeço a atenção.
Cordialmente,
Prof.ª Ana Maria Chiarini.
88
Anexo 2
Termo de consentimento
Projeto de Pesquisa: “As crenças de professores de inglês em pré-serviço a respeito de falantes
de língua inglesa e de suas respectivas culturas”
Compreendo que o objetivo desta pesquisa é identificar e analisar, por meio de um
levantamento, as crenças que professores de inglês em pré-serviço possuem em relação aos
falantes de língua inglesa e de suas respectivas culturas.
Eu confirmo minha participação voluntária neste estudo e entendo que posso desistir do
projeto a qualquer momento e por qualquer razão que julgar conveniente.
Reconheço que recebi uma carta esclarecendo os procedimentos (questionário, entrevista,
observação de aulas, acompanhadas de anotações e gravações em áudio, e grupo de discussão) que
serão utilizados no projeto e sei qual é o meu papel enquanto participante.
Entendo que meu verdadeiro nome não será utilizado. Também estou ciente que partes das
entrevistas, questionários, observações de sala de aula e discussões realizadas no grupo de
discussão poderão ser utilizados pelos pesquisadores em trabalhos, congressos, etc.
Entendo que receberei a transcrição de todas as minhas entrevistas para checá-las.
Entendo que um relatório dos resultados finais estará a minha disposição ao término da
pesquisa, caso assim deseje.
Reconheço que recebi uma cópia do termo de consentimento.
Nome: ________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Telefone: ______________________________________________________
Endereço: _____________________________________________________
Data: _________________________________________________________
Pesquisadoras responsáveis:
Profa. Ana Maria Chiarini (Orientadora) – 3293-3194
Tatiana Diello Borges (Mestranda) – 3378-2735/9125-9354
Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG
Endereço: Avenida Presidente Antônio Carlos, 6.627 – Prédio da Reitoria 7
o
andar - Sala
7018 - CEP: 31.270-901 – Belo Horizonte – MG Telefone: 3499-4592
89
Anexo 3
Carta à coordenação do Centro de Extensão
Belo Horizonte, 05 de março de 2006
Prezada professora X
Venho por meio desta solicitar autorização para realizar a coleta de dados da minha pesquisa
de mestrado no Centro de Extensão - CENEX.
Meu projeto de pesquisa, orientado pela professora Ana Maria Chiarini, intitula-se As
crenças de professores de inglês em pré-serviço a respeito de falantes de língua inglesa e de
suas respectivas culturas”. Na metodologia do trabalho está previsto aplicação de questionários,
realização de entrevistas e observação de aulas de dois professores em pré-serviço que ministram
aulas de inglês em um Curso de Extensão. Sendo assim, se autorizada, pretendo contactar dois
estagiários de inglês do CENEX para coletar os dados da pesquisa mencionada.
Antecipo agradecimentos.
Atenciosamente,
____________________________________
Tatiana Diello Borges
Mestranda em Estudos Lingüísticos
Matrícula: 2005200373
90
Anexo 4
Questionário aberto
Questionário
PARTE I:
1. Nome completo:
2. Idade:
3. Há quanto tempo estuda inglês?
4. Há quanto tempo ensina inglês?
5. Razão de se aprender esta língua:
6. Fala outra língua? Qual (quais)? Gostaria de aprender? Quais? Por quê?
7. Outros membros da família falam outro idioma? Qual (quais)?
8. Ano de início do curso de Letras-habilitação Inglês:
9. Provável data de conclusão:
10. Por que decidiu cursar esta habilitação em Letras, tendo como língua estrangeira o inglês?
11.Você ministra aulas em outro estabelecimento além do Curso de Extensão?
PARTE II:
1. Você visitou outros países (independentemente de a língua falada ser o inglês)? Se sim, qual
(quais)?
2. Você simpatiza com algum país que tenha como língua oficial o inglês? Se sim, por qual (quais)
e por quê?
3. Se respondeu sim à questão anterior, você acha que se identifica com os falantes deste (s) país
(países) e com sua cultura? Se sim, por quê? Em qual (quais) aspecto (s)?
4. Você tem antipatia por algum país que tenha como língua oficial o inglês? Se sim, por qual
(quais) e por quê?
5. Quando você começou a estudar inglês, houve alguém que te incentivou ou recriminou? Se sim,
caso se lembre, que tipo (s) de comentário (s) ocorreu (am)? Você pensa que estes comentários
influenciaram, de alguma forma, o seu aprendizado e, como conseqüência, o seu ensino?
Comente.
6. Que argumentos você utilizaria para convencer alguém que está em dúvida em relação a estudar
inglês?
7. Você pensa que existe relação entre estudar uma língua estrangeira, no caso o inglês, e se
identificar com a cultura desta língua?
91
Anexo 5
Questionário piloto
Questionário
PARTE I:
1. Nome completo:
2. Idade:
3. Há quanto tempo estuda inglês?
4. Razão de se aprender esta língua:
5. Fala outra língua? Qual (quais)? Gostaria de aprender? Quais? Por quê?
6. Outros membros da família falam outro idioma? Qual (quais)?
7. Ano de início do curso de Letras-habilitação Inglês/Português:
8. Provável data de conclusão:
9. Por que decidiu cursar esta habilitação em Letras, tendo como língua estrangeira o inglês?
10. Você ministra aulas em outro estabelecimento além do Curso de Extensão?
PARTE II:
1. Você visitou outros países (independentemente de a língua falada ser o inglês)? Se sim, qual
(quais)?
2. Você simpatiza com algum país que tenha como língua oficial o inglês? Se sim, por qual (quais)
e por quê?
3. Se respondeu sim à questão anterior, você acha que se identifica com os falantes deste (s) país
(países) e com sua cultura? Se sim, por quê? Em qual (quais) aspecto (s)?
4. Você tem antipatia por algum país que tenha como língua oficial o inglês? Se sim, por qual
(quais) e por quê?
5. O que você pensa sobre as pessoas que falam a língua inglesa como oficial?
6. E sobre a cultura dos países de língua inglesa, qual é a sua opinião?
7. Quando você começou a estudar inglês, houve alguém que te incentivou ou recriminou? Se sim,
caso se lembre, que tipo (s) de comentário (s) ocorreu (am)? Você pensa que estes comentários
influenciaram, de alguma forma, o seu aprendizado e, como conseqüência, o seu ensino? Comente.
8. Você pensa que ao se identificar, de alguma forma, com os falantes e/ou a cultura dos países de
língua inglesa, tenha que, obrigatoriamente, imitar estas pessoas e suas culturas? Comente.
92
Anexo 6
Transcrição de uma entrevista típica
Transcrição - Entrevista Júlia – 25/05/2006
P.: Então Júlia, queria começar a entrevista.. te perguntando sobre uma.. questão que você colocou
no questionário. parece que você afirma assim que tanto simpatiza quanto não simpatiza com os
Estados Unidos e a Inglaterra.
J: Hum, hum. É.
P: Então, eu queria saber como que é isso.. para você.
J: Não, é igual eu falei por um ponto eu gosto da cultura, a cultura que eu falo assim., eu gosto
muito de cinema, gosto muito das músicas, adoro Jazz, que é um movimento que nasceu nos
Estados Unidos. Gosto demais, mas assim, eu não gosto. da alienação., sabe aquela coisa do
American dream.
P: Ah, sei.
J: Sabe o que. os americanos impõem pro resto do mundo o American dream, que é. você tem que
trabalhar pra correr, viver só pra trabalhar. e depois pega e pra conseguir uma casa, com uma. white
fence ((risos)). Sabe, e eu acho que é muito simplista.
P: Então, assim, você consegue separar bem a cultura. do povo.
J: Consigo.
P: Mas, assim., o povo não inserido nessa cultura? É isso que eu queria saber, como que você
consegue distinguir.
J: Como é que eu consigo distinguir?
P: É.
J: Eu acho que é mais com os ideais. culturais, do que da cultura itself.
P: Ah, tá. Os ideais culturais. Entendi.
J: pra entender mais ou menos? Igual os britânicos, adoro literatura, sabe, literatura irlandesa,
literatura inglesa, adoro, sabe, mas.
P: Não necessariamente.
J: Dos britânicos.
P: Entendi. Então essa distinção é bem clara pra você.
J: É.
P: Você consegue.
J: Ahã.
P: Ah, tá.
J: Não sei se eu coloquei no questionário que. eu não.
P: Não, [ ]. Foi isso, mas eu fiquei pensando como que tem simpatia e antipatia ao mesmo
tempo [ ], né?! ((risos)).
J: Mas deu pra você entender?
P: Entendi. Entendi. Assim, diferente, né?
J: Ahã.
P: Um pouco.
J: Do resto do mundo, né?! ((risos)). A minha visão é uma visão única! ((risos)). A sua professora, a
A., vai ouvir?
P: .. Acho que não.
J: Ah.
P: É, o que eu ia te perguntar, é que um dia a gente tava conversando na aula, você me
perguntou sobre o intercâmbio, se tinha pra pós-graduação.
J: Ahã.
P: Né?! Aí você falou que tinha vontade de fazer lá, mas tem aqui. Não tem na UFMG?
93
J: O quê?
P: Fazer o mestrado em literatura e cinema?
J: Sim.
P: Agora porque que você queria lá fora e não aqui?
J: Eu acho que tem, não é que eu queria fazer lá. Eu queria que., porque na verdade eu queria ter
condição financeira não pra ir por causa de escola. Eu queria ir por conta própria, estudar por conta
própria.
P: Ah.
J: Eu não gosto de tá ligada à instituição, não.
P: Ah, tá. Não pra fazer um curso tradicional, vamos dizer assim.
J: Não. Igual, igual à P., por exemplo, foi e ficou, sabe?
P: Na escola.
J: Não queria fazer isso. Eu queria ir lá com o meu dinheiro, conseguir acesso à biblioteca, sabe, por
conta própria e fazer pesquisa.
P: Entendi.
J: Então, eu acho que, porque eu acho que lá tem mais sources, sabe?
P: Ahã.
J: Tipo, eu queria fazer Tolkien, alguma coisa em Tolkien. Lord of the Rings.
P: Ahã.
J: Então, eu acho que lá na Inglaterra se eu fosse.
P: É a terra, né?!
J: É a terra!
P: Entendi o que você tá dizendo.
J: E eu ia visualizando, sabe, o ambiente também, mesmo a idéia, assim, embora aqui a
gente saiba muito bem, mas não sabe completamente.
P: Lá você teria a vivência, é isso que você tá querendo dizer?
J: É.
P: Ah, tá. E viagem, assim, no geral, né?! Uma viagem pro exterior, algum país que fale inglês,
que você é professora de inglês. O que você acha disso?
J: Eu, assim, sair pra, só por viajar?
P: Não, eu acho que mais pra estudar, assim, você acha que tem, que precisa?
J: Não, pra estudar não. Pra você vê, pra falar igual eu falo?
P: É, é.
J: Igual, uma vez eu até brinquei quando eu tava fazendo teste pro Centro de Extensão, muito
nervosa, com o T. B., ele pegou e falou assim você fez curso? Não, o Mel Gibson foi o meu
professor.
P: Você falou isso? ((tom de muito espanto))
J: Falei!
P: ((risos)).
J: Falei assim, não existe melhor professor do que o Mel Gibson. ele T. olhou assim. eu falei
assim: eu adoro ver filme, T. E aí T., é, eu aprendi falar inglês só vendo filme, T. Aí ele olhou assim
ahã, ah, e eu falei cantando música. Ah, você viu aquele filme Finding Never Land? ((pergunta para
a pesquisadora)).
P: Ah, sei.
J: Com o Johnny Depp.
P: Ahã.
J: Aí a gente começou a discutir ((inint)).
P: Mas, você tem vontade de ir?
J: Eu tenho. Eu queria ir muito, muito, muito, pra Irlanda. Eu amo a Irlanda!
P: ((risos)). Eu já percebi!
J: Você já percebeu? Não é por causa do U2, não. É porque a Irlanda é um país muito.
P: Seu eu tivesse uma razão pra amar a Irlanda ia ser por causa do U2. Eu adoro o U2!
94
J: Eu amo o U2, do fundo do meu coração! Mas a Irlanda não é música, a Irlanda é cultura, a
cultura da Irlanda é uma coisa linda!
P: É, foi até bom você tocar nessa parte da Irlanda, você fala assim que é um povo que tem uma
base cultural fascinante, né?! O que você quer dizer exatamente com essa base cultural fascinante?
J: Essa base cultural é aquela base, tipo, nórdica, sabe? Celtas, eu não sei se, assim, teve muita
influência.
P: Ah, tá.
J: É por causa que a Irlanda, eles prezam muito pela língua deles, sabe? A Irlanda ela preza muito
assim, eles têm muito esse conflito ideológico da língua, o irlandês e tem o inglês, por causa que os
irlandeses foram, né?! O Imperialismo que a Inglaterra.
P: Representava.
J: Eu acho que eles têm muito isso. E isso é uma questão nossa também.
P: Como assim, você acha?
J: Ah, por causa que, assim.
P: Ah, a gente em relação aos Estados Unidos.
J: E não só os Estados Unidos, até Portugal mesmo.
P: Ah, tá. O colonizado e o colonizador.
J: Então, assim, que, aqui tem o português do Brasil. fora, né?! A distinção do português do
Brasil e português de Portugal. Aqui seria o “brasileiro”.
P: É. “Brasileiro”.
J: Aí, eu achei interessante isso porque a Irlanda tem muito isso.
P: Hum, hum.
J: O Joyce, o James Joyce, ele coloca muito isso, sabe?
P: Eu tinha uma professora que era louca pelo James Joyce.
J: Ele é perfeito!
P: ((risos)). Diz ela que foi pra Irlanda só pra tirar uma foto do lado do busto dele!
J: ((risos)). Eu não acredito! Eu queria ter muito dinheiro pra fazer isso! Eu queria ter dinheiro pra
queimar! Pra pegar e falar assim: eu vou lá na Irlanda tirar foto, tipo, tirar foto de castelo.
P: ((risos)) Diz ela ((refere-se à professora)) que foi pra tirar foto do busto dele de tão
apaixonada que ela era!
J: Você pensou? Eu sou mega apaixonada. Ontem eu vi um filme do Bloom, chama Bloom. É
uma adaptação do livro Ulisses.
P: Hum, hum. Mas continuando.
J: É. Continuando.
P: Essa parte da Irlanda, você fala assim que você acha que os irlandeses são carismáticos, né?! Por
que você acha isso?
J: O Bono uma vez falou, achei muito bom ele ter falado, que os irlandeses são brasileiros europeus.
P: Ah.
J: Eu adorei quando ele falou isso! Aí, eu adorei quando o Bono falou isso por causa que eles
têm, eles gostam muito de futebol, eles são pessoas.
P: Cerveja, eu acho também.
J: É. Cerveja. Essas coisas assim. Então, assim, é um povo muito alegre.
P: Ahã.
J: Eu acho que eles são alegres. não têm, assim, a coisa caliente, né?! Eu acho que não é nem
caliente, é coisa de latino mesmo.
P: Ahã.
J: É, da Europa inteira, o nórdico, sabe? Do hemisfério norte todo eu acho que eles são os mais,
assim, só precisava o sangue latino pra ser mais carismático, assim.
P: Entendi. E da base cultural é toda essa questão que você falou aí, né?! Das influências, né,
recebidas.
J: Hum, Hum.
P: E isso, você tem essa imagem assim por meio de leituras?
95
J: Leitura., ah, música também, U2, comecei a gostar, mas, na verdade, eu não sei como que eu
comecei a gostar da Irlanda, eu nem sei.
P: ((risos)). E como que você descobriu você não lembra assim?
J: Não lembro. Boy band [ ] Tem essas boy band de lá que eu gosto: Boyzone, West Life.
P: Ah, sei.
J: É, acho que vem da música. Ah, deve ter sido algum filme que eu vi também.
P: Hum, hum, tá. Agora., vamos para os. norte-americanos ((risos)).
J: É o mais complicado de todos!
P: Você comenta assim que você acha que a maioria deles é cega, é self-centered, né?!
J: Hum, hum.
P: Egoísta, egocêntrica.
J: Isso.
P: Por que você acha isso?
J: Não é só pelo o que a gente vê na mídia. É porque os americanos que chegam aqui.
P: Ah, então você já teve convívio, assim?
J: Já. Eles são mega., eu ia falar antipáticos, não é antipático. Não sei se a pessoa é criada daquela
maneira, sabe? Aquela maneira assim.
P: De que eu sou o melhor do mundo, meu país.
J: É igual os que chegam aqui, mas assim, eles chegam aqui eles chegam com aquela
mentalidade, eu não vou falar, eu não querendo aprender português, mas eu também, sabe? Fazer
esforço por causa que eles ((refere-se aos brasileiros)) vão falar inglês comigo. Tem uma estória.
Tem uma estória. Vou contar rapidinho: o pessoal do CRA ((Comitê de Recepção para
Americanos)) foi com eles pra Ouro Preto, um bando de americanos.
P: Ahã.
J: Chegando em Ouro Preto, uma amiga minha que é do CRA falou assim que não tava
agüentando mais, que ela vai sair do CRA! Mas o que aconteceu? Ah, eles tirando foto das
esculturas, né?! Falaram assim: nossa, mas. ela perguntou assim: Ah, vocês gostaram das
esculturas? Aí um virou e falou assim: maravilhoso, os espanhóis tinham muita.
P: O quê? ((tom de muito espanto))
J: É, os espanhóis ((P se espanta)). Tudo em inglês, claro, eles não falam português.
P: É de matar mesmo!
J: E quando tentavam falar em português com o pessoal, não falavam português, falavam espanhol,
ou seja, eles acham ainda que a gente foi colonizado pela Espanha, igual ao resto da América.
P: Mas e esse convívio que você teve, assim, é um convívio, como é que eu posso dizer? Diário,
assim, ou.
J: Foi. Eu fiz italiano um tempo com uma americana.
P: Ah, tá, então.
J: Ela era legalzinha, mas.
P: ((risos)). Agora, quanto aos ingleses, né?! Parece assim que você acha eles um pouco assim
frios, indiferentes, né?!
J: Hum, hum.
P: E essa imagem, você acha que tem porque, assim?
J: Deixa eu ver. Ah, eu também tive contato. Tem um menino inglês que fazendo matéria
comigo. Aí tem uma menina ((brasileira)) que fica com ele o tempo todo. Eles não falam português.
Aquilo me incomoda porque ele tá aqui, entendeu?
P: Entendi.
J: Se eu tivesse lá.
P: Também penso igual a você.
J: Sabe, se eu tivesse eu ia falar com ele em inglês, ele podia até tentar alguma coisa em
português se eu não tivesse entendendo, mas eu não ia me trancar. Vem da Inglaterra pro Brasil pra
fazer literatura inglesa? ((tom de indignação)).
P: O que ele tá fazendo aqui, né?!
96
J: Exatamente, pra fazer literatura inglesa e quando conversa nunca vi o menino uma palavra de
português! Please!
P: É. Give me a break!
J: Ahã ((risos)).
P: ((risos)).
J: Mas, assim, eu acho que não são todos. Eu só queria deixar claro isso: eu não acho que são todos.
P: Não. É igual achar que todo brasileiro samba!
J: Extamente! Que eu não sambo nada!
P: Casos e casos, né?!
J: Odeio música baiana!
P: Júlia, assim, no questionário, você comenta que você acha que a maioria dos ingleses se encaixa
naquele padrão, né?! De pessoas frias e indiferentes. O que você quis dizer, assim, naquele padrão?
J: Aquele padrão que todo mundo tem de todo inglês.
P: A imagem que todo mundo tem?
J: Exatamente.
P: Ah, tá.
J: Lordes britânicos, ladies.
P: Entendi ((risos)).
J: ((risos)) Igual a J.!
P: ((risos)). Eu ia te falar isso! Príncipe Charles também!
J: Ahã. Exatamente.
P: ((risos)).
J: ((risos)). É mais ou menos isso. Eles são todos, não todos, né?! Mas a maioria, eles se encaixam
nesse padrão.
P: Hum, hum. Entendi.
J: Olha aquele ator, o Hugh Grant ((refere-se a um ator inglês)). Eu gosto muito de ator. Eu pego
muita coisa de ator, sabe?
P: Ahã.
J: O Hugh Grant é extremamente antipático!
P: Mas ele é meio intragável mesmo! Ele já pa. E eu acho que um pouco o sotaque, né?!
J: Ahã.
P: Não dá uma ajuda, assim?
J: Hum, hum. O Hugh Grant é chato e o, pra falar da Irlanda, aquele Colin Farrel, ele bebe até
mandar parar e não tá nem aí!
P: ((risos))
J: E não tá nem aí ((risos))!
P: ((risos)). Agora você falando assim que é bem nítida essa diferença cultura que você gosta,
simpatiza, com os falantes nem tanto. Você acha assim que isso te influenciou na hora de aprender
o inglês?
J: .. Na verdade, na hora de aprender o inglês, pode ser que eu fui self-centered.
P: Ah, tá.
J: No caso, esclarecendo: eu acho, eu queria ver filmes sem ler legenda, eu queria entender o que
aquelas pessoas estavam falando, sabe?
P: Entendi.
J: Porque a minha experiência com língua é uma coisa muito profunda.
P: Então, a cultura teve uma influência positiva?
J: Teve. Mega positiva!
P: Porque foi isso que te motivou. Agora, assim, essa imagem meio, vamos dizer.
J: Veio depois que eu aprendi.
P: Ah, tá. Então antes você não tinha, vamos dizer, muito conhecimento.
J: Não, não tinha noção. Era aquele. Sabe aquele conhecimento que todo adolescente no Brasil tem?
Oh, Estados Unidos! ((tom de deboche))
97
P: Ahã.
J: Sabe, eu gosto. Eu nem era tanto assim. Eu achava os Estados Unidos ((inint)). Hollywood, sabe?
P: Ahã. Sei.
J: Produção cultural. Literatura.
P: Mas aí depois que você começou a.
J: Aí depois que eu comecei a, a pessoa vai ficando mais velha.
P: Vê o povo?
J: Isso.
P: Aí você acha que já não te influenciou tanto.
J: Olha o World Trade Center! Pelo amor de Deus! Até quando?
P: ((risos)).
J: Ontem eles inauguraram uma nova torre, uma das novas torres.
P: Pelo amor de Deus, viu?! World Trade Center! Ninguém merece!
J: Sabe?
P: Ridículo!
J: E a gente não tem notícia de coisa que a gente sabe que tá acontecendo.
P: Hum, hum.
J: Ó o Iraque. Abafou o Iraque.
P: É.
J: Mas acha que o Iraque não até hoje? E eles e que tem soldado morrendo no Iraque até
hoje?
P: É. Só Deus deve saber.
J: Só muda o nome, sô. Vietnam e Iraque é a mesma coisa.
P: Ahã.
J: Só muda o nome.
P: Agora você falou assim que quando você começou tinha mais ou menos essa é idéia assim, igual
todo adolescente: Os Estados Unidos! Você tinha mais ou menos isso assim?
J: Mais ou menos. Não era tanto assim não porque todo mundo fala assim: Ah, foi pros Estados
Unidos! Minha filha foi pros Estados Unidos! Eu pensava assim, sabe? Ah, foi pra pra. Eu
sempre tive esse negócio: foi pra lá pra limpar banheiro?
P: Hum, hum.
J: Sabe?
P: Entendi.
J: What’s the big deal about it, sabe? Como uma coisa que. Colocam os Estados Unidos num
pedestal. Sendo que você vai pra lá, você, você não é uma pessoa, você é um latino!
P: É.
J: Você é um rótulo lá.
P: Hum, hum. Entendi.
J: Entendeu?
P: Entendi. Agora, uma outra coisa que você diz assim que simpatiza com outros países, além dos
Estados Unidos e da Inglaterra, né?! Com a cultura deles, vamos deixar claro! Por diferentes
motivos. Quais seriam esses países, além da Irlanda que você já comentou?
J: A Irlanda é o amor da minha vida! Ah, eu gosto de Austrália.
P: Austrália. Por quê?
J: Mais por, pelo visual da Austrália.
P: É. A Austrália eu já ouvi dizer que a Austrália é o Brasil na Oceania, né?! ((risos)).
J: Exatamente! Por causa que [ ]. Igual a gente fala pros alunos. A gente fala pros alunos assim: ah,
eles eles não falam [ ] quando é inverno aqui é verão lá. Mas eu falo é por causa que os
alunos já têm na cabeça que quem fala inglês é só Estados Unidos e Inglaterra.
P: É.
98
J: Eles não sabem que existe uma Nova Zelândia, que é um país assim, eu sou doida pra ir na Nova
Zelândia! Sou doida pra ir pra Nova Zelândia! E tem um país, que eu chamo de país, que é um
Estado dos Estados Unidos, o Havaí é um país! Diferente.
P: Tá ali por causa do poder, vamos dizer assim.
J: Ahã. Eu sou louca com o Havaí! Louca, louca, louca, assim, sabe? Não sei explicar!
P: Mas, assim, você já teve algum contato?
J: Não. Só através de Internet, filme.
P: Hum, hum
J: Sabe? Livro.
P: Então, Havaí, Austrália, Nova Zelândia, você iria eu acho que mais pelo visual assim?
J: Esses lugares.
P: ((inint)).
J: Mas eu gosto da cultura, assim, o Havaí pra mim é uma cultura totalmente diferente da cultura
americana.
P: É.
J: Hum, hum.
P: E na Austrália, assim, com o que você acha que simpatiza assim?
J: Na Austrália. Tem um professor aqui que ele fez não sei se foi o mestrado, o R., lá na Austrália.
P: Ah, sei.
J: Eu acho muito legal. Ele fala altas coisas legais, sabe? Eu acho bonitinho o jeito que ele fala! Aí,
eu gosto, sabe, do que ele fala da Austrália.
P: É, a Austrália eu também tinha vontade de conhecer.
J: Porque parece que é o Brasil, mas lá.
P: É.
J: Só que sem samba!
P: ((risos)). Samba não é a sua praia!
J: E música baiana e funk, por favor!
P: ((risos)).. Então, pensando assim mais em termos de cultura mesmo, assim, né?! Quando você
pensa na cultura norte-americana, que você pensa?
J: Nossa, agora que você falou eu pensei no povo! Eu já pensei na coisa ruim!
P: ((risos)). E na cultura em si?
J: Na cultura eu penso, questões culturais, a literatura.
P: Ahã.
J: Eu penso no Romantismo. Adoro aquele pedaço, sabe, do Romantismo norte-americano?
P: Ahã, sei.
J: Emerson, Thoreau. É maravilhoso!
P: E quando você pensa na cultura inglesa?
J: Shakespeare!
P: Shakespeare.
J: Tolkien e Shakespeare.
P: Ahã. E na irlandesa?
J: Na irlandesa, ah, Joyce ((risos))!
P: Mas nas três você pensa em literatura?
J: Penso em literatura e no cinema também, ?! O cinema é “o”! Antes, pode até colocar antes da
literatura!
P: Cinema. A gente aprende muito, né?!
J: Nossa, demais!
P: Aprende muito mesmo!
J: Depois vem música também.
P: É. Pros três, pras três culturas.
J: Um modesto terceiro lugar!
P: Literatura, cinema e música.
99
J: Isso.
P: É a sua imagem, assim.
J: Hum, hum. Mas não é. depois a coisa negativa é você a imagem. Na hora que você falou o
que você pensa em cultura, aí eu fiquei com o americano.
P: Já veio o.
J: Veio Homer. ((risos)) ((refere-se a um dos personagens do desenho animado norte-americano
The Simpson)).
P: ((risos)).
J: Sabe americano burro, alienado comendo. Igual eu falo com os alunos, comendo a coxa de
galinha ((risos)) na frente da televisão?
P: ((risos)). Segurando o osso! ((risos)).
J: Exatamente! Assistindo baseball ou senão futebol americano que é aquela selvageria!
P: É. Parece mesmo, né?!
J: Nossa! Oh, gente, mas que esporte burro!
P: ((risos)).
J: Pra povo burro tem que ter esporte burro, né?!
P: ((risos)).
J: É impressionante! ((risos)).
P: ((risos)). Uma outra coisa que você comenta assim que em relação às vantagens de se estudar
inglês, né?! Você cita “ver filmes sem legenda, entendendo o sentido pela base”. O que é esse
entender o sentido pela base?
J: Agora você vai rir!
P: Não entendi muito bem.
J: Agora você vai rir! É o seguinte ((risos)).
P: ((risos)).
J: Por exemplo, você vendo um filme, ((risos)). Ai, meu Deus, como é que eu vou falar sem
usar exemplo bobo! A pessoa pega e fala assim: motherfucker.
P: Ahã.
J: aparece assim: oh, desgraçado! ((fala em tom baixo)). Ah, por favor, né?! ((tom de
indignação)).
P: Ah, tá, entendi! Se você já sabe o inglês.
J: Ahã.
P: Ah, tá. Aí você não vai ser tipo enganada, assim.
J: Ahã. Exatamente!
P: Porque legenda e tradução. ((tom de reprovação)).
J: Eu odeio! Eu aprendi muito inglês assim: eu ouvia uma pessoa falando, por exemplo, Titanic tem
um exemplo ótimo: pega e fala assim: bastard. Bastardo, uma coisa assim.
P: Aí traduziram como?
J: traduziram assim, ah, eu não lembro, mas não traduziu assim. Deve ter traduzido “esse
cavalo”, alguma coisa assim.
P: Ah, entendi.
J: Sabe? Aí eu fico assim, gente, aí, se pudesse ter aquele senso mais crítico.
P: Ah, tá. Então é isso que você quis dizer?
J: É. Apesar de ((inint)) alguma coisa.
P: Hum, hum.
J: Eu fui ler o The Dead do Joyce.
P: Hum, hum.
J: eu peguei, primeiro eu tinha lido a versão em português do tradutor Hamilton Trevisan, acho
que era o nome dele.
P: Esse cara traduz muito mesmo.
J: Traduz. Só que a tradução dele “Dos Mortos”, The Dead, do Joyce, tá errada em certas partes lá.
P: É?
100
J: É. E o erro dele não é só um errinho bobo. É um erro que muda o sentido.
P: Aí já é mais pesado, né?!
J: Entendeu? Aí, eu não gosto de ser enganada.
P: Entendi. Entendi, agora. Ficou bem claro mesmo. Então, tá, Júlia, pra terminar essa primeira
parte aqui, você sentiu alguma mudança, assim, na sua vida, em você, depois que você se
aproximou do inglês enquanto aluna? Quando você tava aprendendo, você sentiu alguma mudança,
assim, em você, no seu jeito?
J: .. Como aluna?
P: É.
J: Eu nunca fiz, né?!
P: Você nunca fez um curso, assim?
J: Não.
P: Sempre foi.
J: Só quando eu entrei aqui eles têm três habilidades: habilidade 1, habilidade 2 e habilidade 3.
P: Mas antes não, né?!
J: É, não.
P: Hum. Assim, vamos dizer, antes de você aprender você falou que você não tinha nenhuma
imagem, vamos dizer, fixa sobre norte-americano.
J: Não, eu via o que as pessoas pensavam, mas eu sempre fui uma pessoa desconfiada.
P: Sei.
J: Tinha aquela coisa, ah, é igual eu te falei: foi pros Estados Unidos, nossa! Morou nos Estados
Unidos! Eu pensava assim.
P: Você tentava entender o que tá.
J: O que é esse Estados Unidos que é tão bom. Sendo que a pessoa vai pra e volta e fala assim:
nossa, eu limpei banheiro até e consegui comprar uma casa. Se pra conseguir comprar uma coisa
tem que limpar banheiro? Como assim?
P: Hum, hum.
J: Isso aí é que é voltar feliz? Não!
P: Então, assim.
J: Não que limpar banheiro não seja decente, não seja uma profissão digna, mas uma pessoa
formada. Se você, eu tô formando pra dar aula de inglês, eu não vou pra lá pra limpar banheiro.
P: É o que maioria do pessoal faz.
J: E é o que a maioria do pessoal faz.
P: Hum, hum. Entendi. E agora quando você começou a dar aula de inglês. Mudou, assim, alguma
coisa em você?
J: Eu acho que dar aula, eugosto, eu gosto de passar uma imagem ((inint)) pros alunos. diferente,
sabe? Eu gosto de passar a cultura pra eles.
P: É?
J: Porque o resto. Eu tenho um ódio de professor e tem um monte de professor que chega e passa
gramática. Eu odeio gramática do fundo do meu coração!
P: ((risos)).
J: Sabe, eu odeio gramática! Se eu pudesse eu queimava, eu virava Hitler e pegava todas as
gramáticas do mundo.
P: As regras.
J: Exatamente! Eu pegava os livros de gramática e queimava!
P: ((risos)).
J: E falava: agora, gente, vamos assistir filme e vamos ouvir música que vocês vão aprender a falar
do mesmo jeito!
P: Entendi.
J: E a pessoa vai te entender sem você, sabe?
101
P: Ahã. É. Até teve uma coisa que eu lembrei. Teve um dia na aula que você tava ensinando o
presente contínuo, você falou que, gente, então o presente contínuo basta manipular o verbo to
be.
J: ((risos)).
P: Manipular, eu acho que expressa bem isso aí, né?!
J: ((risos)). É, o povo acha assim, eles querem regra. Eles querem, assim, sabe? Eu não gosto de
falar: o adjetivo vem antes do substantivo. Igual hoje lá na aula.
P: É.
J: É o hot dog.
P: É.
J: E porque que é assim? Por causa do hot dog! Do blue sky e do hot dog ((risos)).
P: O que eu acho, uma que eu acho ótima é a tal da manga, né?! ((P refere-se a uma artimanha
utilizada pela professora para que seus alunos compreendam que assim como em português uma
palavra pode apresentar vários sentidos como no caso da palavra manga que pode referir-se tanto à
fruta quanto a uma das partes de uma camisa, em inglês também ocorre o mesmo fenômeno
lingüístico)).
J: A manga!
P: Você comentou com eles, assim, antes?
J: Porque todas as vezes que eu vou ensinar glass, é porque eu olho pro glass ((olhou para o vidro
da janela)), é sempre assim! tem glass, tem glass e tem glasses. eu pego, sabe, eles ficam
muito.
P: Porque aí você já meio que, como é que eu posso dizer?
J: É igual. É igual. É língua.
P: Eu falo assim, o aluno fica, ah, bom, não é de um jeito! Quando você brinca com esse
negócio da manga eu acho que isso deve ajudar bem. ((inint)) eles ficam conversando.
J: É. Porque vai dar uma palavra eles desesperam! Igual o like. Desespera! Like é o desespero!
P: ((risos)).
J: eu falo, eu dou o exemplo da manga, eu cito em todas as turmas eu dou esse exemplo da
manga e eles começam a falar: ah, é parecido. É igual, eu falo muito, eu acho que você nunca
pegou eu falando isso: eu falo assim: gente, se você chegar ((inint)). É igual se um capiau chegar
e falar: nóis vai no Shoppings, você vai entender que a pessoa do interior querendo ir no
Shopping.
P: Hum, hum.
J: perguntando para você: nóis vai no Shops? Lá, se você chegar e falar uma coisinha errada ou
outra, eles podem te corrigir, mas eles vão te entender. Você não vai precisar desesperar de abrir um
livro chamado gramática e ter que ficar falando, sabe?
P: ((risos)). Ahã.
J: Até o John Lennon canta: she’s got a ticket to ride.
P: ((risos)). É. E quando a gente vê: it don’t matter? Tem até uma música assim: if it don’t matter to
you, it don’t matter to me.
J: ((risos)).
P: Nossa, um aluno quando ouve um negócio assim fica desesperado!
J: Uma vez eu levei Beatles. Eu já levei, tipo, um Beatles. Não, foi Hoobastank, The Reason. Em
invés de ser there are many things, ele canta assim: there is many things.
P: Ahã.
J: Aí, tem aqueles alunos que têm.
P: Nossa! Desespera, ?! A última música da Madonna, aquela, Sorry, você ter percebido que
tem um erro de gramática nela, né?!
J: Eu não ouvi.
P: É. Ela canta assim: there is more important things. There are, né?! E ela canta there is. Nossa! E
aí na hora que eu tô cantando é difícil!
102
J: Ahã. E a gente vontade de corrigir, mas e quem não ama Madonna, assim? Madonna é amada
mundialmente! Os Beatles? Tá nem aí, véio!
P: É.
J: ((inint)) eu fico meio irritada.
P: É. Você tava comentando esse negócio hoje na aula, eu te falei de um texto da Oxford,
Rebecca Oxford, que ela fala da questão da pessoa ter tolerância à ambigüidade. Numa língua.
J: Hum.
P: Quem tem esse tipo de tolerância, vai, assim, rápido, sabe? Igual o like? Tem like e like, né?!
Agora, assim, quem não tem essa tolerância.
J: Ahã. E eu só aprendi mais inglês quando eu comecei a ter mais tolerância.
P: Pois é!
J: Porque antes eu ficava, assim, eu traduzia muito.
P: É aquele ((inint)).
J: Ahã.
P: Expressa bem o que é isso, né?! Uai, é e pronto!
J: Então, isso é que ninguém. É igual a sua língua!
P: É.
J: É igual.
P: Muito questionamento, assim, tem gente que estressa e dificulta um pouco, né?!
J: Hum, hum.
P: Mas, assim, então, voltando a essa questão do professor. Você acha que não teve mudança
nenhuma, assim, em você?
J: Eu comecei a gostar mais das músicas que eu já tinha predisposição a gostar.
P: Hum. Por que você acha isso?
J: Por causa que quando você é mais adolescente, você escuta aquelas coisas que adolescente gosta.
Na minha adolescência, Engenheiros do Havaí, essas coisas. Mas eu tinha mais predisposição
mesmo, não é questão de largar a minha própria cultura não, que eu odeio aquele pessoal que
levanta aquela bandeira assim: você largou a sua própria cultura.
P: Ahã.
J: Você não gosta de filme nacional.
P: É.
J: Odeio! Mas, tipo, eu tinha predisposição a gostar de banda internacional, tipo, U2 que é
muito conhecida. Até uma banda que eu descobri agora que chama Dishwalla. Adoro essa banda!
P: Mas, isso não necessariamente faz você.
J: Não é por causa da cultura. É porque eu gosto dele, sabe? Graças a Deus que eu entendo inglês!
P: Mas, em relação a sua própria cultura? Isso não faz você desmerecer.
J: Não!
P: É assim que você se sente.
J: Eu acho que é uma questão de identificação esse negócio de cultura.
P: É. Com certeza.
J: Sabe? Eu nasci aqui no Brasil e me identifico com outro, sabe?
P: Hum, hum.
J: Fica parecendo um fardo! Porque eu nasci aqui eu tenho que gostar de samba e sair no carnaval.
Eu odeio carnaval! ((risos)).
P: Hum, hum. Entendi.
J: E não posso escutar, gostar de Jazz.
P: É. Mas, eu falo no sentido assim, ah vamos supor, você se identifica com a cultura norte-
americana, mas nem por isso você menospreza a sua própria.
J: Não. São culturas. É igual pessoa, pessoa é diferente uma da outra.
P: É. Nem supervaloriza a deles.
J: Não. Tá no mesmo nível.
P: É.
103
J: Todo mundo tem predisposição, sabe?
P: Eu tenho o mesmo pensamento que você.
J: É. Sabe, eu acho que o pessoal faz muita tempestade em copo d’água por causa desse negócio
cultural.
P: É. Chega ao ponto de pirar!
J: Eu já ouvi muita coisa, muita porcaria no meu ouvido, sabe, porque eu.
P: Mas acontece também, às vezes, da pessoa supervalorizar a do outro e começar a menosprezar a
própria, né?!
J: É. Eu vejo muito isso. A pessoa geralmente quando vai aprender o inglês, eu não gosto é desse
tipo de pessoa, cursinho, essas coisas, assim. Igual eu tenho um vizinho, ele não gosta nem que eu
falo, assim: ah, eu não gosto de música, eu falo, não gosto de música baiana, não gosto de samba,
não que eu não tenha, sabe, eu não gosto. Agora, eu menosprezo, agora vou falar, eu menosprezo
esse negócio de colocar “bunda” em boca de garrafa, isso eu não gosto. Mas, tipo, têm sambas que
são, têm letras belíssimas! Eu não gosto de ((inint)) tem pessoas que falam assim: ah, eu não
gosto disso, eu gosto de música clássica. É igual música clássica, pessoa que gosta de música
clássica, sabe?
P: Entendi.
J: A pessoa já menospreza. Eu não gosto.
P: Hum, hum. Agora, você consegue levar numa boa essa sua identificação com as outras e a sua
própria.
J: Hum, hum. O mundo é que não me leva numa boa! Mas, eu sempre levo numa boa! ((risos)).
P: ((risos)). Então agora eu vou, assim, fazer perguntas mais relacionadas às anotações feitas
durante as aulas que observei. E a pronúncia, me parece que você gosta muito, né Júlia?
J: Adoro!
P: É. Eu vi lá na aula que você até propôs um plantão de pronúncia pros alunos.
J: Sabe o que é, eu aprendi foi falando. Eu aprendi primeiro, de tanto assistir, eu aprendi primeiro a
falar, sabe?
P: É. E depois vê como que era a língua escrita.
J: Não, não foi nem isso. Eu gostava, meu processo de aprendizagem foi o seguinte: eu gostava de
Bon Jovi, comecei a traduzir música de Bon Jovi, aquele “trem”. escreve.
P: Dicionário.
J: Isso. Dicionário, escreve. Dicionário, escreve. Traduzia a música, traduzia.
P: Hum, hum.
J: Comecei a ver filmes. Quando eu comecei a ver filmes porque você escuta e você fica meio
assim, sabe?
P: É.
J: Agora quando você a boca da pessoa falando, em invés de falar, sabe, igual você ouvindo e
aí fala: there’s many things. ((ênfase na pronúncia do th em inglês)).
P: Aí ouve e tá errado.
J: É. Aí quando você vê o Mel Gibson.
FIM DO LADO A DA FITA
J: Eu tava falando do Mel Gibson. Quando eu comecei a ver filmes e comecei a ver como é que eles
falavam, eu comecei, sabe, eu comecei a ver expressões prontas.
P: Hum, hum.
J: Tipo, o que eu brinco com os alunos: I’m on my way?
P: Hum, hum. Eu achei ótimo!
J: Sabe, você lendo assim: I’m on my way. Quando você vendo assim a pessoa falando I’m on
my way, você escuta numa música I’m on my way, aí você pensa assim ã, ã, ã? Aí você vai pegando
essas expressões pequenininhas assim, aquilo.
P: Eu acho que você aprende. Seu tipo deve ser auditivo, não é?!
J: Não sei.
P: Que tem o visual.
104
J: Eu acho que eu sou, meio, não, eu acho que eu sou muito.
P: Visual?
J: Visual porque em listening eu não sou tão boa.
P: Que engraçado porque você pegou primeiro foi essa parte, né, da língua.
J: Mas é porque eu gosto de associar, não é que eu não gosto de associar coisa escrita, não, adoro
associar coisa escrita!
P: Hum, hum.
J: Mas eu não sou boa em escrita.
P: Ah, entendi.
J: Eu tenho plena consciência disso.
P: Hum, hum.
J: Não sou boa. Acho que porque eu não gosto de gramática.
P: Eu também não gosto nem de escrever nem de ler. Falar e ouvir eu adoro!
J: Eu adoro ler!
P: Nossa, ler, Deus me livre!
J: Eu adoro ler, mas o meu problema é escrever. O problema, sabe.
P: É. Escrever não não! Mas, assim, numa língua estrangeira porque na minha, no português
até que eu vou bem assim.
J: Eu odeio português!
P: Até no português você não gosta de escrever?
J: Sabe por que eu não gosto de português? Por causa que o português na minha vida foi gramática!
P: ((risos)).
J: Aí eu acho que eu travei!
P: Coitada! Com certeza isso deve ter tido uma influência.
J: É por isso que eu acho que eu passei a gostar muito de inglês, né?!
P: É. que você não tava num cursinho, vamos dizer, assim, né? Mas então a pronúncia você acha
importante pra você e como que é com relação aos alunos?
J: Eu ensinar os meus alunos?
P: O que acha, assim, precisa ensinar a pronúncia?
J: Eu acho que pra eles não falarem assim: I live (laive) in California, se eles falarem I live (live) in
California, sabe, eu acho que já tá bom.
P: Ahã. Uns “toques”, assim.
J: É. Só “toquezinhos” pra eles serem entendidos.
P: Sei.
J: Eles não precisam falar, sabe, I live in California ((fala utilizando uma pronúncia “adequada”)).
Aquela coisa toda!
P: A entonação, você fala?
J: É.
P: Ah, tá. Entendi.
J: Não precisa disso. Eu acho que o aluno, ele, tem que ser entendido, sabe?
P: Comunicou. Hum, hum.
J: Ele entendeu e se fez entender, pra mim, é o que há.
P: Entendi.
J: Que é o meu objetivo.
P: Agora, você tem preferência, assim, por uma determinada pronúncia?
J: Americano ((fala bem baixo)).
P: E você se esforça pra falar de modo semelhante a esse povo que tem essa pronúncia norte-
americana?
J: Eu acho que pra falar igual não. Eu falo Brasilenglish, né?!
P: É.
J: Mas assim.
P: Mas assim, no sentido de esforço?
105
J: Não tem esforço. Não é esforço. É preferência.
P: Ah, tá.
J: Eu falo twenty ((pronúncia norte-americana)), eu não me esforço pra falar twenty ((pronúncia
britânica)).
P: É natural.
J: É natural. Agora é o que o aluno pergunta: como é que falaria em., mas eu ouvi twenty
((pronúncia britânica)) professora. Aí eu, tá. Aí eu tenho que falar twenty ((pronúncia britânica)).
P: É.
J: Aquilo. Aí já não sai mais natural.
P: Ahã.
J: Eu acho que de jeito nenhum. Eu já expliquei isso pra várias pessoas, vários alunos. É feeling.
P: Hum, hum. E, assim, com relação aos alunos, então, pelo jeito, você, assim, não, pra você não é
interessante se eles têm uma pronúncia, vamos dizer, tipo norte-americana? Eles se comunicando no
inglês deles é o que conta.
J: É. Hum, hum.
P: Entendi. E o que você pensa, assim, que país figura como modelo de inglês padrão almejado
pelos alunos de Letras?
J: Alunos de Letras?
P: É.
J: Eu acho que aqui tem muita divisão.
P: Muita divisão?
J: É. Tem uns que acham que standard English é British English, sabe?
P: Ahã.
J: Tem uns que acham que o American English é legal.
P: Pra você seria o American English.
J: Pra mim seria American English.
P: Entendi. E seria os Estados Unidos em termos de país.
J: É. Hum, hum. ((diz em tom desanimado)).
P: Tá. Entendi. Agora a parte de música, né, que eu percebi, assim, que você leva bastante música,
né, na aula, assim.
J: Hum, hum.
P: E eu acho que o ponto principal é: como que você escolhe essas músicas?
J: Eu tento diversificar o máximo, pra dar o máximo de, sabe, da cultura mesmo, sabe?
P: Ah, tá.
J: Levar o Jamie Cullum que é um Jazz britânico, levar o John Mayer que é um pop meio Jazz
americano, levar o U2 que é da Irlanda que é uma coisa que é mega conhecida, mas ninguém sabe
que eles são da Irlanda. Se você chegar pra uma pessoa na rua e falar, assim: sabe quem é o U2?
Sei. Sei quem é o U2. De onde é que eles são? Eles são dos Estados Unidos. Eles não são. Eles são
da Irlanda. Aí eu levanto isso pra eles ((para os alunos)). Levo boy band, que boy band é lento.
P: Ah, tá. Então de vários países que falam inglês.
J: É.
P: É porque eu percebi isso nas músicas: canadense, Alanis, da última, britânico, aquele Jazz. De
hoje, o que foi?
J: Foi o John Mayer, ele é americano.
P: Americano. Ah, esse aqui também, o Goo Goo Dolls.
J: Também é americano.
P: Mas, então, é nesse sentido de mostrar.
J: De mostrar várias bandas, várias pessoas cantando.
P: Ahã.
J: E também de ser mais lentinho. Tem umas que são, de serem mais lentas e também de ser
conhecido pra eles associarem.
P: Entendi.
106
J: Eu gosto de. Igual hoje, não era conhecido.
P: Hum, hum.
J: Mas igual os Beatles quando eu levei, você tava lá?
P: Dos Beatles não.
J: Não?
P: Não peguei o dos Beatles. Eu peguei do Goo Goo Dolls pra frente.
J: Ah, é? Beatles eu acho que foi no present simple. Então, eles associam She loves you com, que
tem que colocar o s no final por causa que She loves you é uma música conhecida.
P: Ah, tá. Porque eu fiquei pensando, assim, né, dos seus comentários, você tem uma certa antipatia
de norte-americanos, ingleses, mas, assim, você leva na aula, né, eu acho que é bem essa coisa
que você consegue distinguir a cultura da música. Você leva uma banda norte-americana, né,
então, porque é claro pra você essa distinção.
J: Hum, hum, mas pras outras pessoas não é! Deu pra entender?
P: Agora mais claro. Porque daí eu fico pensando assim: ah, eu não gosto de norte-americano e
vou levar uma música, assim, né?! E você consegue.
J: É difícil pro pessoal mesmo fazer essa distinção.
P: Você consegue separar bem mesmo. Impressionante!
J: Hum, hum ((risos)).
P: Agora, assim, a questão de estereótipos, né. Eu tava observando o livro, olhando assim, parece
que tem muita ênfase com relação aos Estados Unidos. Tudo é hábitos norte-americanos, não sei o
que norte-americano, Estados Unidos, não sei o que, né?!
J: Hum, hum.
P: Eu fiquei com essa impressão, assim, parece que o livro passa essa idéia de que quem fala inglês
é só norte-americano. Que onde se fala inglês é só nos Estados Unidos. Você sente isso também?
J: Imperialismo!
P: Você tem um contato maior com o livro, você sente isso?
J: Imperialismo total! É Imperialismo total! Se bem que o livro ele tenta, eu acho tão ridículo, eu
acho tão ridículo, eles colocam coreano falando. Tem no início do livro o coreano que ele
falando no sotaque dele. Pra que? O pessoal do Básico 1 não vai saber. que é um coreano. Eles vão
((inint)).
P: Ah, entendi. Eles ((quem organiza o livro)) tentam ser multiculturais, mas não são.
J: Tentam, tentam, mas não são.
P: É porque eu vi lá na, várias vezes, assim, aquele do comparando os horários de refeições ao redor
do mundo, como que é nos Estados Unidos e na Europa.
J: Madri e Nova York.
P: É, entendeu? Eu senti isso.
J: É.
P: Aí, o que eu vi também nos comentários dos alunos, meio que passa isso assim, eu acho que
meio que estereótipo, por exemplo, naquela, né, da J., aquela do golfe: ah, não é a cara do Príncipe
Charles? Deve ser da Escócia!
J: Ahã.
P: A N., no dia que você levou aquela música do Goo Goo Dolls, né, que eu não tinha certeza se
era uma banda norte-americana e acho que na hora você também não tinha ela virou e falou bem
assim: ah, deve ser americana porque o vocalista é loirinho.
J: Ah, é por causa que eu pensei: será que o Goo Goo Dolls é americana?
P: Pois é, mas aí olha a associação dela: deve ser americana, o vocalista é loirinho.
J: Uai, sabe, como se não tivesse.
P: Assim, então, pelos comentários parece que tudo vai por esse estereótipo, assim, né?! Eu vejo
muito isso, parece que.
J: Tem uma amiga minha que foi pros Estados Unidos e, ela estuda aqui, ela teve um neném, ela
voltou grávida e teve neném.
P: Hum, hum.
107
J: Aí a gente falou: ah, que legal! Aí o pai do menino chegou: loirinho, igual a um Backstreet Boy.
P: ((risos)).
J: O pai é igual a um Backstreet Boy e o menino é da África do Sul, entendeu?
P: Pois é.
J: Aí o pessoal falou assim: África do Sul? Parece que dá aquele impacto assim.
P: Só negro, é a imagem, né?!
J: É. Parece que tem negro na África do Sul e aquele menino ser loirinho, ele tinha que ser
americano, sabe?
P: Ahã. Agora você acha, assim, importante chamar a atenção dos alunos pra isso, assim?
J: Eu acho importante chamar a atenção pra eles não ficarem assim: estou aprendendo inglês. Estou,
sabe, inglês, aquela coisa? ((tom de deboche)). Tá aprendendo inglês porque é útil, né?!
P: Ahã.
J: Eu não gosto quando o aluno chega e fala: aprendendo inglês porque o meu patrão quer,
porque eu preciso.
P: Ahã. Entendi.
J: E o inglês é útil. É igual outra língua, sabe? Se você gostar de música francesa, cinema francês.
Eu não gosto muito, eu gosto mais ou menos. Não tem jeito.
P: Ahã.
J: Igual, eu comecei a estudar o italiano, sabe, porque eu gosto muito da Itália.
P: Ahã. ((inint.)).
J: É. E o cinema também italiano é muito bonito.
P: Hum, hum, mas eu falo, assim, tipo assim, de, parece que a idéia vai passando: ah, os Estados
Unidos e a Inglaterra falam inglês, como a gente já conversou, né?
J: Isso. É.
P: Nesse sentido, você acha interessante chamar a atenção, tipo: ah, vamos acordar!
J: É. Exatamente. Eu acho legal. Por isso que eu falo, a Irlanda, ah, você não tava! A primeira, eu
sempre falo quando eu ensino os países, eu faço um mapinha, pseudo-mapinha, né? Eu faço um
mapinha e falo: a Europa é aqui, tá, eu vou mostrar pra vocês onde é que é isso daqui, que é o
United Kingdom, eu explico, explico pra eles o que é United Kingdom, o que é País de Gales, o
que é Escócia e o que é Irlanda do Norte e o que é República da Irlanda.
P: Ahã.
J: Aí eles ficam meio assim, sabe? Tem uns que gostam.
P: Porque daí você já vai tipo chamando a atenção deles, ó, né?
J: Isso. Tem uns que não gostam. Tem uns que pegam e falam assim: ai meu Deus, pra que
ensinando isso. Têm outros que, assim, adoram!
P: São as motivações de cada um, né?!
J: É.
P: Entendi. Agora uma atividade de vocabulário extra que você levou aquela do Cearês para
Americanos. ((risos)).
J: ((risos)).
P: Agora eu te pergunto: por que o cearês?
J: Pra eles verem que a gente, eles vão ver que tipo a nossa língua tem tanta diferença quanto à
língua deles.
P: Ahã.
J: Então, tem pessoas que pegam, não sei se foi nessa turma que um virou e falou assim: nossa,
mais fácil de entender o americano do que o cearês! Foi nessa ou foi na de sábado?
P: Nessa aqui foi o contrário porque, eu ia até comentar isso com você, que os alunos ficaram mais
interessados lá na hora da sala em entender o cearês do que o inglês!
J: Exatamente!
P: O diferente ficou a própria língua deles!
J: Exatamente!
P: Aí, isso que eu queria saber se isso foi uma, isso era uma intenção sua ou aconteceu lá na hora?
108
J: É uma intenção. Quando eu achei isso na Internet.
P: Mas a intenção era o que, assim? Me explica!
J: É a mesma intenção da manga, sabe? A mesma intenção de mostrar que a nossa língua também
tem coisas que a gente não vai entender.
P: Ah, nesse sentido.
J: É.
P: Hum, hum. Entendi. Agora.
J: E que pra eles chegarem aqui, também qualquer coisa, sabe? Se um americano chegar aqui não
vai entender certas coisas. É língua. Eu sempre gosto de mostrar: é língua. Língua é flexível.
P: É. Isso mesmo.
J: Eu adoro passar isso pra eles ((para os alunos)). Eu tento passar de várias formas.
P: Hum, hum. Entendi. Mas, assim, você falou que levou, eram expressões que os alunos podiam
encontrar em filmes, né?!
J: Hum, hum.
P: Não era mais ou menos uma coisa assim?
J: Pior que é. E é legal que eles associam com o filme.
P: Como o C. falou, né?
J: Hum, hum.
P: Mas é isso que eu fiquei pensando: na hora eles ficaram querendo entender mais a própria
língua, entendeu, do que o inglês. O objetivo primeiro qual que era, não seria o inglês?
J: O objetivo era eles verem que, tipo, hurry up, eles vão ver que hurry up no filme, hurry up, que tá
acontecendo no filme. Aí, eles falam assim: olha que engraçado, o cearês falaria: Avia, homi, sabe?
Avia, homi! Aí, eu acho que eles acham aquilo tão legal, tão engraçado que isso aqui ((aponta para
as expressões em inglês)) já não vira aquela “a coisa” a ser atingida.
P: Ah. Entendi. No sentido, assim, de tentar neutralizar?
J: Isso.
P: Que não é um bicho de sete cabeças?
J: É, sabe? Não é aquela “a coisa” a ser atingida. Igual o I’m on way, eu ensino o I’m on way: nossa
professora eles falam cada trem esquisito! Não sei o que, que é.
P: ((risos)). Aí você tenta falar um parecido no português?
J: É.
P: Ah, tá. Entendi o objetivo.
J: É o pão-doce ((fala com um sotaque mineiro)) que eu falo assim: oh, gente, a gente fala pão-doce
((fala com um sotaque mineiro)).
P: ((risos)).
J: ((risos)).
P: Agora, uma coisa, assim, antes de pensar no cearês eu pensei, assim: Cearês para Americanos
((fala dando ênfase na palavra Americanos)).
J: Lá tava assim.
P: É. Eu imaginei que isso devia ser alguma coisa da.
J: É. Que era da Internet.
P: É. Imaginei. volta na questão, parece quequem fala inglês é norte-americano. Mas tava
assim ficou assim, né?
J: É.
P: Tá.
J: E eu na verdade eu nem pensei nisso.
P: Foi a primeira coisa que me chamou a atenção!
J: É mesmo?
P: É. Mas eu conversando com a A., pra ela chamou a atenção o cearês. Não é mesmo?
((risos)).
J: ((risos)).
P: Pra você ver como que cada um tem uma visão sobre um mesmo negócio!
109
J: Ahã.
P: Agora, outra também de vocabulário, mas do livro. Daquela que você ensinou as partes da casa.
J: Sei.
P: Aí você brincou comigo assim.
J: Você não falou pra A. que eu falei a estória dela, né?! Você falou com ela, né?! ((risos)).
P: ((risos)). Mas ela morreu de rir, achou bom!
J: É porque eu uso o exemplo dela. Professora de língua, assim, não é puxando o saco não
((pediu para desligar o gravador)).
P: Então, Júlia, naquela atividade lá que você tava ensinando sobre as partes da casa, né?
J: Hum, hum.
P: você até brincou que ia dar uma informação que podia ajudar na pesquisa, você comentou
que na Europa, nos Estados Unidos não tem área de serviço, né?! Agora, essa não tem jeito, vou
ter que ser meio direta mesmo, assim ((risos)). Esse comentário que você fez pros alunos, esse
comentário extra, não tinha na listinha de vocabulário área de serviço. Foi um extra, em termos
culturais, assim.
J: Ahã.
P: Você teria feito de qualquer jeito independente de estar fazendo parte dessa pesquisa, de eu estar
ali na sala?
J: Eu já fiz antes.
P: Você já tinha feito?
J: Já.
P: Porque, né?
J: Ah, você achou que era só pra pesquisa?
P: Não, eu sei que você falou brincando, né?! Mas só pra.
J: Ah, tá. Eu já contei em outras turmas o caso da A.! ((risos)).
P: ((risos)).
J: Eu contei pra outras turmas assim, sabe? E tive outros alunos, igual, a J. foi, né, igual ela
falou. Eu tive aluna também, eu não lembro quem ela era, que falou: ah, eu fui pra e
realmente não tinha isso, não tinha.
P: Então, de qualquer jeito seria um extra que você, que estaria ali.
J: É.
P: Tá.
J: Eu sempre, eu gosto de passar as coisas que eu sei, ainda mais da A. ((inint)). Oba, isso eu vou
usar pro resto da vida! ((risos)).
P: ((risos)). Agora, um comentário que um aluno, na aula ele fez, ele falou assim: pra falar o
inglês britânico tem que fazer “caras e bocas”, tem que ser chique, né?!
J: O ovo na boca. ((risos)).
P: É. Aí, logo em seguida você acrescentou, mais ou menos assim: que pra falar o inglês
americano tem que ser mais grosso, direto, imperativo.
J: É. Você ((inint)). [ ].
P: É isso mesmo? O que você quer dizer assim?
J: Sabe por quê? É porque pra mim é muito difícil o inglês britânico, eu tenho que parar pra falar,
sabe?
P: É.
J: Let’s go to the party. ((disse essa frase com um sotaque de inglês britânico)).
P: É. Ahã.
J: É uma coisa muito assim, sabe?
P: Ahã.
J: Agora, let’s go to the party. ((disse essa frase com um sotaque de inglês americano)). Você
((fez um som nasal)). Você já entendeu?
P: Ah, tá. Então, eu acho que seria mais no sentido de ser mais direto, menos pomposo.
J: É. A minha experiência, eu não tenho que pensar pra falar o inglês americano.
110
P: É. Porque você tá habituada, né?
J: É porque o pessoal acha esquisito falar, eu acho que eles acham esquisito o tepe, sabe? Party,
esses “tepezinhos”?
P: Sei. Então, tá. Mas não no sentido, não envolve, eu tinha anotado assim, no sentido de ser mais
imperativo, assim.
J: Não.
P: Mais grosso, mais rude, assim.
J: Não, não.
P: Nesse sentido menos ((faz cara de nojo)).
J: É de ((faz cara de nojo)).
P: ((risos)).
J: ((risos)) Tinha que tá filmando!
P: Entendi. ((risos)) Agora, eu queria te perguntar sobre a questão da tradução na sala, né? Eu
percebi, assim, que você faz bastante.
J: Hum, hum.
P: Isso é uma orientação do curso já que é iniciante ou é porque você acha que.
J: Nem mostra isso! Eles falam pra gente falar em inglês, mas como eu, é aquele negócio, né, que as
crenças dos professores vão pros alunos.
P: É.
J: Básico 1, pra mim ((fala com muita ênfase)), você não pode falar em inglês. Você tem que ir
dar a tradução. Aquele negócio de escola pública.
P: Entendi.
J: É a minha crença porque eu comecei aprendendo assim.
P: É. Aí você tem na sua prática isso.
J: Sabe, doze anos de idade? Vai na escola pública e aí lá na escola pública você só aprende o verbo
to be, mas você pega a música do Bon Jovi e traduz pra ver que love significa amor e hate
significa ódio.
P: Entendi. São as coisas que você acredita, né?!
J: É. Eu não gosto de ((aponta para a parede)) wall.
P: ((inint)) na mente.
J: Eu acho aquilo feio. Dar sico 1 é terrível. Chega no Básico 2 se eles estão sabendo, aí, vai
ficar mais fácil pra eles tirarem as amarras, sabe?
P: Entendi. Mesmo em relação ao português, né, na aula, então, não é uma orientação do curso no
Básico 1 ter que falar, mas você acha que.
J: Na verdade ((pediu pra desligar o gravador)).
P: Tá. Então, é mais porque você acha que pode facilitar assim, né, falar em português que eles
estão no Básico 1, né?!
J: No início, associa primeiro com a língua mãe, depois começa a associar dentro da própria língua.
P: Isso. Ahã. Ah, tá. Esse aqui é um comentário também que você fez na sala, né, você falou assim
que o inglês é a língua mais fácil de se aprender, de se falar, mais fácil do que ficar conjugando
verbos como em português e francês, né?
J: Exatamente.
P: Você acha mesmo isso, assim?
J: Do fundo do meu coração! Eu odeio conjugar verbo!
P: E inglês não precisa saber, né?
J: A melhor invenção que Deus permitiu, né, Deus em sua infinita sabedoria, foi o inglês! Gente,
você tem que falar she loves, só colocar um essezinho no final!
P: É.
J: Isso! É muita felicidade!
P: ((risos)).
J: Gente, tem noção?
P: ((risos)).
111
J: Eu fui aprender italiano, sabe, que a gente tem. Nossa, pelo amor de Deus! Eu amo italiano, A.,
mas ((risos)).
P: ((risos)). Essa línguas, né, o espanhol, o francês, o italiano, nossa!
J: É horroroso! Não a língua [ ].
P: Gente, cada pessoa é uma conjugação, né?
J: Eu não sei como é que eu aprendi a falar!
P: ((risos)).
J: Falando! Eu não sei! Eu não sei, sério! Quando eu descobri o inglês, a minha vida, sabe, se eu
pudesse, eu queria que a minha língua mãe fosse o inglês!
P: O inglês, né? ((risos)). Mesmo não gostando de quem fala, né? Não, de alguns que falam, né?
J: Da maioria!
P: A gente não pode generalizar, né?
J: Mesmo não gostando da maioria, assim, americanos, britânicos.
P: Entendi.
J: Mas eu queria que fosse minha língua mãe! Eu queria que no Brasil as pessoas falassem inglês!
Acho que é isso! Não preciso mudar o país, não!
P: ((risos)). Mas por que você queria, assim, que todo mundo falasse inglês aqui no Brasil?
J: Ai, gente, é muito difícil quando você pega e fala assim, igual, assim, uma vez eu tava e falei
assim: ah, isso então é pra mim fazer?
P: Ah, entendi. Ah, por causa dessas coisinhas que tem na nossa língua?
J: Mas esse “pra mim fazer”, eu acho que o inglês tem, sabe? Você não pode falar, mas ((inint)), aí,
o português é aquele negócio que eu associei com gramática.
P: Entendi.
J: Aí o professor pega e fala assim: para eu fazer.
P: Ahã.
J: Em inglês ninguém conjuga verbo!
P: Ahã. Parece assim que na língua estrangeira a gente não sente tanto, não é?!
J: Eu não sinto tanto porque foi do jeito que eu aprendi. Eu não aprendi pegando a gramática e
lendo.
P: Eu sou igual a você também, assim, tanto é que pra falar em público eu sou muito tímida se eu
tiver que falar em português. Me coloca pra falar em inglês eu sou outra pessoa!
J: ((risos)).
P: Por isso que eu gosto de dar aula, falando em inglês, né, se eu tivesse que dar aula em
português eu acho que eu não seria a mesma.
J: Ahã. Mas eu melhorei muito em apresentar trabalho em português depois que eu comecei o
inglês.
P: Ah, tá.
J: Porque o inglês me soltou, sabe? Igual te soltou? O inglês me soltou, eu tinha que apresentar
trabalho em inglês, eu ia e fazia e apresentava o trabalho. Aí, na hora de apresentar em
português me dá mais trabalho.
P: Ahã. É porque no português a gente preocupa com isso porque todo mundo que tá aqui sabe essa
língua. Agora o inglês, mesmo que todos na sala saibam, é uma língua estrangeira, não é, assim?
J: Não é que.
P: Você vai compreender ((inint)), mas parece que não vai ser igual na sua própria língua.
J: Então, é. Português eu fico mais travada porque.
P: Eu acho a mesma coisa também. Eu percebi isso também. Agora, em relação à música, né, você
acha, assim, que levar música pros alunos, assim, né, é uma estratégia pra fazer com que eles se
motivem mais, se interessem?
J: Aumenta o interesse.
P: Você acha isso?
112
J: Eu tive um aluno que ((risos)) e fala assim que: ah, professora, eu gostava tanto da sua aula
porque tinha música e a gente podia ver os “negocinhos” direitinho. Eles não sabiam explicar,
sabe? O “negocinho”, às vezes, é: it’s raining man ((fala dando ênfase para o ing)), sabe?
P: Ahã. Ah, entendi.
J: O “negocinho” é a gramática mesmo.
P: Então, mas você acha que funciona?
J: É. Então, a professora não leva música, professora. Ela vai e fica falando e escrevendo no
quadro. Eles não sabem o que é falar e escrever, sabe? Eles não sabem o método.
P: Entendi. Então, você acha, assim, que motiva no sentido deles aprenderem a língua, né?
J: Motiva.
P: É.
J: Quem que não quer saber o que o cara falando na música do borracheiro, que ouviu? ((refere-
se a um personagem de uma novela que estava sendo transmitida na época da coleta de dados da
pesquisa)).
P: É.
J: Porque as meninas ficam falando: professora, passa a música do borracheiro!
P: Ahã. E pelo o que eu vejo na aula, pelo o que você me falou aqui também, você aproveita
pra mostrar.
J: A cultura, no geral.
P: É. Ingleses e ingleses, né? Canadense, britânico, norte-americano.
J: Não sei nem se eles ficam muito aware disso.
P: Isso. É.
J: Mas eu tento.
P: Pra mim é você. Lógico.
J: Mas eu tento, sabe? Aquele dia que o C. soltou assim: ela é canadense, eu fiquei tão feliz!
P: ((risos)).
J: Sabe, o Canadá também é um país! Existe! E fala inglês! E tem gente famosa de lá! Igual o U2 da
Irlanda! Eu fico muito feliz!
P: E o Canadá, assim, você teve algum contato? Você simpatiza? Como é que é, assim?
J: Eu acho o Canadá legal, assim. Mas eu acho que lá não seria, tipo, o primeiro país que eu iria.
P: Mais a Austrália, a Irlanda.
J: Eu acho que eu iria primeiro pra Irlanda ou primeiro pros Estados Unidos? Não sei, sabe? Eu
queria muito conhecer a Califórnia!
P: Eu conheço a Califórnia.
J: Eu te odeio!
P: ((risos)).
J: Muito!
P: ((inint)). ((risos)). Ah, você é ótima Júlia!
J: Eu sou doida pra conhecer, louca por São Fancisco e Los Angeles!
P: É.
J: Seatle eu também em Washington. Eu queria conhecer Seatle, Nova York é básico do básico,
né?! Mas a Irlanda é o amor da minha vida, Dublin, sabe? The Castle, tudo lá vai.
P: Ahã.
J: E eu acho que o Canadá ficaria, assim, sabe, talvez pra depois.
P: Ahã. Mas antes, primeiro a Austrália, Nova Zelândia.
J: Antes do Canadá?
P: É.
J: Já que eu tô com dinheiro.
P: ((risos)).
J: Eu acho que eu iria nos Estados Unidos, dava um “rolezinho” por lá, na Inglaterra, Nova
Zelândia, foi filmado o Senhor dos Anéis em Nova Zelândia.
P: Pois é e o tanto que você gosta de cinema, né?
113
J: É. Austrália, assim. Canadá talvez ficasse junto, assim. Não teria tanto, assim, vou colocar a
Austrália na frente.
P: Hum, hum.
J: E o Canadá é, nossa! Eu acho que, as paisagens, o frio, né, também. li negócio de literatura
canadense, agora eu não lembro o que é. Achei legal, assim.
P: Um livro à toa, assim?
J: É. Só não gosto de feminismo!
P: Ahã.
J: Sabe aquela idéia toda de feminismo?
P: Entendi.
J: Não gosto de somos minoria, como somos coitadinhas! ((Tom de deboche)).
P: ((risos)).
J: Odeio!
P: ((risos)).
J: Odeio! Somos minoria, somos coitadinhas, mulheres! E aí, assim, o pessoal ((refere-se ao pessoal
da Faculdade de Letras)). Não, gente! Sabe? Cada um tem a sua, deixa! Não é porque eu sou mulher
que eu vou ter que escrever sobre, sabe?
P: Entendi.
J: Como eu sou coitadinha! Como eu sou oprimida! Oh!
P: ((risos)). Júlia, acho que era isso, então. A gramática é ódio, né?!
J: Ódio mortal!
P: Em relação à gramática, mas nem por isso você deixa de dar na aula, né?
J: É. O básico da gramática eles têm que saber. Eles só não têm que saber, sabe, certas pecuinhas?
P: Ahã.
J: Tipo. Pode falar?
P: Claro.
J: Igual, não tem double negation?
P: Ahã.
J: Que é pra reforçar a double negation.
P: Hum, hum. Sei.
J: Em invés de ser pra virar uma afirmativa. Então, aí, tipo, eu acho que eles se vêem que tem uma
double negation lá. E aquilo deu uma ênfase. Não precisei falar assim: gente, negação mais negação
virou uma negação maior. É double negation. Não.
P: Entendi. Agora, você acha, assim, que aprender a gramática do inglês, então, seria algo meio, no
sentido de ter muito esforço, manipular, pra adestrar essa gramática?
J: Pra mim?
P: É.
J: Eu, Júlia?
P: É.
J: Eu acho que é um caso de escolha, sabe?
P: Como assim escolha?
J: Ah, é uma escolha. Eu querer certas coisas e não querer.
P: Aprender, você fala?
J: É.
P: Ah.
J: Tipo, eu vou ter que aprender gramática, vendo ((inint)) vou ter que aprender inglês porque eu
tô trabalhando, pra fazer uma tese boa, pra fazer uma monografia boa.
P: Hum, hum.
J: Mas eu sei chegar lá em Nova York e não passar fome.
P: É.
J: E não passar fome e conseguir ir nos lugares turísticos e conhecer uma pessoa e bater um papo
legal com essa pessoa.
114
P: entendendo o que você falando. Hum, hum. Então, não seria, assim, uma prioridade, em
termos de aprendizagem.
J: É.
P: Tá. Entendi.
J: Não preciso ficar entrando na gramática. Ah, detesto!
P: E olha que ainda é uma que segundo a gente é mais fácil, né, imagina!
J: A gramática do inglês é facílima, só que.
P: Mas na hora de escrever é que são elas, né?!
J: Hum, hum.
P: Júlia, muito obrigada!
J: Acabou?
P: Acabou. Foi ótimo!
FIM
115
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo