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as flores exalam, e que as brisas levam; que antes ficaram impressas em nossas almas, como essas
doces recordações do tempo da infância, que duram sempre, e que se ruminam ainda na cabeça do
ancião... lá no invernar da consciência. Nós ardemos por mostrar, que sabemos perdoar as
impertinências do menino, sofrer os caprichos do velho, e respeitar o pudor das donzelas; que
compreendendo devidamente a honra e o dever do Médico, nossas almas sabem ser um túmulo
para o segredo das famílias; e em nossos corações soa tão fortemente o gemido exigente do rico,
como o ai abafado do pobre. Tal é a nossa saudação do futuro
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A citação é longa, certamente, mas o leitor notará que oportuna. Após o panegírico da
classe médica, que como ingresso cobrou a cada aluno seis longos anos de estudo, o autor
dirige suas palavras para a mais ilustre figura do auditório, invocando sua glória e sua sagrada
missão:
E agora, permita V.M.I., que nós rendamos os mais ferventes agradecimentos a V.M. pela graça,
que se dignou a fazer-nos, honrando com Sua Augusta Presença o ato do nosso doutoramento.
Senhor, o Monarca de uma nação livre, que ama e protege as Letras, é o representante das belas
idéias do século, e, ainda mais, era a necessidade palpitante de nosso país. Oh! não será infrutífero
o sagrado esforço, com que V.M.I. trabalha por espancar de todo as trevas, e fazer em um céu alvo
e sereno brilhar para o Brasil o sol da civilização em seu mais vivo esplendor: imenso... fértil...
rico... tão rico, que a própria ambição ainda não achou sonda, que tocasse o fundo de seu vasto mar
de riquezas, o Brasil terá, não tarde, de representar o nobre papel, que lhe cabe entre as nações. Se
fracos e desalentados somos nós para servir em tão grande obra, ao menos, Senhor, nós vemos
com entusiasmo essa cabeça loira de uma juventude esperançosa, que se ergue para responder ao
forte empenho de V.M.I.; nós sentimos ferver nessa cabeça uma imaginação ardente, como o sol
de nossa pátria: seu pensamento livre, como o favônio matinal de nossas campinas, animado pela
alta proteção de V.M.I., vai arrojar vôos de gênio: é o futuro, Senhor, que se quer vingar do
passado!... é uma brilhante cruzada, que se levanta à voz de V.M.I.! é uma coorte mais inspirada e
briosa!... a ela a vitória; pois que sua bandeira é sagrada!... a ela os triunfos; pois sempre o delírio
do poeta e do herói, que exprime essa imagem flamante, que está sempre diante dos olhos do gênio
em toda a vida... até o túmulo... e a quem ele deixa, além do túmulo, o cuidado de eternizá-lo!... a
ela o triunfo; pois que seu único interesse, seu grito de guerra, e seu alvo, é esse mote de fogo, que
terminando aqui, Senhor, repetiremos com efusão de nossas almas: - à Glória! à Glória!!
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Vemos nessa passagem que em 1844 Macedo já tinha consciência da cruzada em
curso e que com seu habitual patriotismo desejava aderir à suas valorosas fileiras. Nosso autor
tem então vinte e quatro anos e já é um homem célebre: seu romance A moreninha acaba de
ser lançado e causou certo furor na corte imperial. Já o vimos elogiar as belas letras diversas
vezes, mas e quanto à seu panegírico da classe médica? Tendo em vista sua já comprovada
verborragia não teríamos problemas em levar tal interpretação adiante – mas a verdade é bem
outra. Como já fez com outros temas, Macedo retomará seu elogio da classe médica em um
outro contexto, desta vez destinado à um público muito mais amplo.
Deus legou aos homens pensamentos grandes, importantes e sagrados, em sua passagem, de
padecimentos para ele e de salvação para nós; em sua passagem por este mundo, dizemos, cada
passo que deu, cada ação que fez, cada palavra que pronunciou, foi uma lição de virtude angélica,
uma amostra do caminho do céu, um pensamento de santidade; e o cumprimento de cada um
desses pensamentos é o emblema, o mote de cada classe da sociedade; entre eles, se fosse possível
dar-se mais beleza a uma do que a outras idéias do Espírito Divino, seria um dos mais sublimes e
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Discurso transcrito por Tania Serra em Joaquim Manuel de Macedo ou Os dois Macedos: a luneta mágica do
II Reinado. 1994, p. 251-2.
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Discurso transcrito por Tania Serra em Joaquim Manuel de Macedo ou Os dois Macedos: a luneta mágica do
II Reinado. 1994, p. 252.