deixar de ser um simples eu e se transformar, nessas circunstâncias, nesse exato
local, diante desse determinado ator, numa parte de um nós”
2
. Isto pode nos revelar
a insuficiência do teatro, ao mesmo tempo em que há uma capacidade esplêndida
de re-criar o mundo e suas condições naturais. Um jogo entre de intrincadas
relações que, em algum instante, parecem revelar a mágica das estruturas mais
recônditas do ser humano, já que é preciso uma platéia que se disponha a acreditar
fielmente na farsa ou na máscara de um grupo de atores que propõe uma trama
elaborada, de modo que esta relação se concentra em um objeto comum, o
espetáculo, o ator, a vida que pulsa que é representada, imitando a realidade.
Há como que uma espécie de atração, um fascínio entre o público e os
atores. O teatro parece ser a busca de algo, a ânsia de representar um mundo sobre
o próprio mundo que nos é dado, de forma que o teatro segue os passos da arte,
segundo Augusto Boal ao definir que “A arte recria o princípio criador das coisas
criadas”
3
. Significa, dito de outro modo, que a arte representa a re-criação da vida,
do mundo, da natureza, que estão contidos no princípio vital, naquilo criado e que é
re-criado pelo homem na sua integridade. Assim, sendo, a natureza não se torna
uma inimiga, na qual o que vale, como produto acabado e puro, é a criação da
mente, numa peripécia que se afasta cada vez mais do homem e se torna uma coisa
à parte, estranha. O homem que faz o teatro, na plenitude de sua condição
existencial, é o homem que vive a totalidade de suas realizações diante de um
mundo mítico, porém, não considerado aqui como uma atitude menor, atrasada,
sujeita a uma evolução e a uma superação, na qual o que vale é o atual e não o que
se passou.
Há nisto um profundo sentido de dignidade. A dignidade do homem diante de
sua própria miséria, a honestidade intelectual de encontrar a si na sua história, na
sua realidade, na tentativa de construir os sentidos de sua existência, a partir do
distanciamento permitido e posto pela máscara. Com isto, a personagem, o ato, a
empatia, o espectador, o ethos e a razão, compõem a emoção e a energia do
espetáculo, de tal sorte que o teatro é para o homem uma construção de sentidos,
que abarca toda sua possibilidade de expressão. E este processo de re-criação das
possibilidades de expressão ocorre porque na origem desta trajetória encontra a
2
Ibidem, p. 57.
3
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 4. ed., Rio de
Janeiro? Civilização Brasileira, 1983. (Coleção Teatro hoje, v. 27), p. 20.