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ADRIANA CRISTINA DA SILVA PATRÍCIO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS
ADRIANA CRISTINA DA SILVA PATRÍCIO
NATAL/RN
2007
ADRIANA CRISTINA DA SILVA PATRÍCIO
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3
A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL
SECUNDARISTA COMO ESPAÇO DE LUTA POLÍTICA (ANOS DE 1980)
Dissertação apresentada como
requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre no Curso de Pós-Graduação
em História, Á rea de Concentração em
História e Espaços, Linha de Pesquisa
Cultura, Poder e Representações
Espaciais, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.
ORINTADORA PROFª DRª MARIA DA CONCEIÇÃO FRAGA
NATAL/RN
2007
4
Catalogação na fonte.
Biblioteca do Educador Profª Olindina Gomes.
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Ivanny Rhavena M. de Oliveira. CRB-4 / 1646.
P314p Patrício, Adriana Cristina da Silva.
A participação feminina no movimento estudantil
secundarista como espaço de luta política (anos de 1980) /
Adriana Cristina da Silva Patrício. – Natal, 2007.
124 f.
Orientadora: Maria da Conceição Fraga.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, 2007.
1. Movimento estudantil – Participação feminina 2.Política –
Rio Grande do Norte. 3.Política estudantil. 4.Movimento
estudantil – Rio Grande do Norte. 5.Espaço estudantil.I.
Fraga, Maria da Conceição. II. Título.
CDU 396.9(813.2)
5
ADRIANA CRISTINA DA SILVA PATRÍCIO
A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL
SECUNDARISTA COMO ESPAÇO DE LUTA POLÍTICA (ANOS DE 1980)
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre no Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, pela mesa examinadora composta pelos seguintes professores:
_________________________________________
Profª Drª Maria da Conceição Fraga
Orientadora
__________________________________________
Profª Drª Maria Dolores de Brito Mota
Examinadora
________________________________________
Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno
Examinador
____________________________________________
Profª Drª Margarida Dias de Oliveira
Examinadora Suplente
Natal, 06 de setembro de 2007.
6
AGRADECIMENTOS
As escrituras aqui impressas refletem parte do que penso e sinto.
Refletem questionamentos, motivações, direção e respostas múltiplas. São
resultado de quase três anos de dedicação a um projeto pessoal e coletivo.
Pessoal porque se refere a uma imensa vontade de estudar História, área
profissional que escolhi a quase dez anos, na qual me dedico através da pesquisa
e da educação. Coletivo, porque durante todo esse tempo e até mesmo antes
dele, muitas pessoas passaram por minha vida, ajudando e incentivando,
compartilhando momentos alegres e difíceis da minha caminhada social e
acadêmica. Desta forma, quero agradecer as inúmeras pessoas que ajudaram
para concretização do meu mestrado em História e Espaços.
Agradeço primeiramente a minha família. Meu filho Glauber, que já
se “acostumou” com essa vida louca de mãe, estudante, professora, Guarda,
enfim... Que conseguiu administrar as ausências, demonstrando compreende-las,
me dando carinho e apoio. Ao meu companheiro Glácio, que faz justiça a esse
adjetivo, pois durante todos esses anos, não se cansa de incentivar-me a
continuar estudando, tentando criar as condições necessárias pra que meus
projetos se realizem, agüentando o meu stress, dividindo as tarefas e obrigações,
destinando-me apoio incondicional. Aos meus pais, José Patrício e Maria do
Carmo, responsáveis pela base estrutural da minha formação pessoal e aos meus
irmãos, Roberto e Leandro, pelo incentivo e carinho.
As ex-militantes estudantis Orminda Silva, Aluizia Freire, Ana
Claudia Melo, Jalmira Damasceno, Maria Alves (Rosa) e sua irmã Neide, pelas
informações cedidas para este trabalho; Bem como, agradeço também aos ex-
militantes Luciano de Almeida, Henrique José Fernandes, Walter Júnior, Lázaro
Amaro, João Maria Fraga, Sebastião Valério da Fonseca, Rogério Marques,
Glácio Menezes, Cláudio Damasceno, Juscelino Bezerra, Serveni Cid, pelas
valiosas informações cedidas anteriormente, além do entusiasmo e incentivo que
muitos externaram ao nos encontrarmos.
7
A professora Dra. Maria da Conceição Fraga (Ceiça) pela prestativa
orientação neste trabalho, bem como, por toda ajuda, compreensão, carinho,
força e, sobretudo, confiança que tem nos dedicado durante toda a nossa
formação acadêmica, incentivando-nos em diversos espaços de conhecimento.
Aos professores do Departamento de História, que atravessaram
nosso caminho durante esses dez anos, marcando-nos com suas teorias,
práticas, contribuindo, assim, na construção do conhecimento histórico. Em
especial aos professores da Pós-graduação Durval Muniz, Almir Bueno,
Margarida Dias, Iranilson Buriti, Arisnete, Flavia Pedreira, pelas contribuições em
sala de aula e fora dela, dando dicas de livros, materiais e até mesmo caminhos
possíveis.
Aos amigos da academia que conquistamos ao longo de nossa
trajetória, Eliane, Aluizia, Rosana, Isa Paula, Ranielle, Alenuska, Abraão, Socorro,
João Mauricio, por estarem presentes em momentos importantes dessa
caminhada sempre dando força, dicas, demonstrando carinho e preocupação
conosco. Aos amigos da primeira turma do Mestrado, Rosangela, Alessandro,
Juciene, Helder, Olívia, Miriam, Lênin, Leonardo, Ursula, Daniel, pela partilha,
pelo proveitoso convívio de aprendizagem profissional e pessoal.
A Ivanny Rhavena do Centro de formação de Professores do
Município pela dedicação e competência no trabalho de normatização da
dissertação.
Aos amigos do trabalho pelas palavras de incentivo, em espacial a
Edílson e Rousiene que se mostraram presentes nos momentos cruciais de
conclusão deste trabalho, não medindo esforços para ajudar-me.
Aos grandes amigos que a vida me proporcionou, pessoas
importantes do meu cotidiano como Nivanete, Raniery, Marta, Michele, Moacir,
Jussara, Flavinho, Késsia, Luciana, Paulinho, Eleika, pelo incentivo diário, pelos
bons momentos de vida e luta.
8
A todos que direta ou indiretamente me ajudaram nas diversas fases
da pesquisa, orientando em algum aspecto, incentivando, dando força,
compreendendo o meu não comprometimento em outras atividades que
requeressem tempo e uma dedicação a qual não dispunha.
E por fim, a todos aqueles que ainda acreditam nas mudanças e
agem na procura das transformações sociais, que acreditam na política e
transformam-se constantemente. Que visualizam um mundo melhor passando por
seus atos, que sobretudo, constroem a história conscientes do seu papel.
9
RESUMO
A história das mulheres tem sido uma importante temática no campo
da historiografia nos últimos tempos. Vários historiadores se debruçam a discutir
temáticas relacionadas aos gêneros, mostrando suas relações e conflitos. Essas
novas temáticas são frutos também de uma série de mudanças na história que
trazem novos problemas, objetos, e abordagens. Nosso objetivo neste trabalho é
analisar experiência das militantes estudantis inseridas no movimento estudantil
(ME) secundarista no Rio Grande do Norte nos anos de 1980. Discutindo os
conceitos de História e Espaços, tentamos analisar o espaço político do ME
através das esferas públicas e privadas que compõem a vida da militante
estudantil, mostrando os conflitos enfrentados durante sua permanência no
movimento. Para um melhor entendimento do panorama político do ME,
organizamos um resumo mostrando a reconstrução das entidades estudantis
reorganizadas após os governos militares, bem como montamos um quadro
dessa inserção das mulheres na história. Utilizamos a fonte oral como principal
recurso metodológico para a construção do nosso trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Movimento estudantil – Participação feminina. Política – Rio Grande do
Norte. Política estudantil. Movimento estudantil – Rio Grande do Norte. Espaço estudantil.
10
ABSTRACT
The history of women has been an important thematic in the field of
Historiography in recent years. Many History scholars have discussed thematics
related to genre, pointing out their relationship and conflicts. These new thematics
are also the result of a series of changing in history that bring out new problems,
subjects and approaches. Our aim in this work is to analise the experience of
women militants inserted into the student secondarist movement (ME) in Rio
Grande do Norte in the years of 1980’s. Discussing the concepts of History and
Spaces, we try to analise the political spaces of ME through public and private
spaces that make part of the student militant life, pointing out the conflicts faced
during their standing into the movement. To a better understanding of the ME
political overview, we set a summary to point out the reconstruction of the student
entities reorganized after the military governments, as well as we picture a general
picture of this women’s insertion in history. We use the oral source as the main
methodological resource to the development of our work.
KEYWORDS: Estudantil movement - Feminine participation. Politics – Rio Grande do Norte.
Estudantil politics. Estudantil movement – Rio Grande do Norte.. Estudantil space.
11
LISTA DE ABREVIATURAS
AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ALN - Aliança Libertadora Nacional
APE - Associação Potiguar de Estudantes
APES - Associação Potiguar de Estudantes Secundários
APRN - Associação dos Professores do Rio Grande do Norte
ARENA - Aliança Renovadora Nacional
CEM - Centro Estudantal Mossoroense
CEP - Centro Estudantil Potiguar
CONEG´s - Conselhos de entidades Gerais
CONUBES – Congresso da União brasileira dos estudantes secundaristas
CONSEB - Conselho de Entidades de Base
DEM - Democratas
DS - Democracia Socialista
ETFRN - Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte
ITEPAN - Instituto de Teologia Pastoral de Natal
LIBELU - Liberdade e Luta
ME - Movimento Estudantil
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
MPB - Música Popular Brasileira (MPB)
MR-8 - Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8)
ONU - Organizações das Nações Unidas (ONU)
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PC do B - Partido Comunista do Brasil
PDS - Partido Democrático Social
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PFL - Partido da Frente Liberal
PLP - Partido da Luta Proletária
PT - Partido dos Trabalhadores
12
STF - Supremo Tribunal Federal
UBES - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UJS - União da Juventude Socialista
UMES - União Metropolitana de Estudantes Secundaristas
UMES - União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas
UNE - União Nacional dos Estudantes
VPR - Vanguarda Popular Revolucionária
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÂO ................................................................................................
12
CAPÍTULO 1 ...................................................................................................
21
A INSERÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA E NA HISTÓRIA .......................
22
1.1 MULHERES NA HISTÓRIA .................................................................22
1.2 MULHERES SECUNDARISTAS E OS ESPAÇOS DA POLÍTICA.......30
1.2.1
Mulheres e Espaços ..........................................................................
30
1.2.2
O trabalho com as fontes ..................................................................
36
CAPÍTULO 2 ...................................................................................................
44
A (RE) ORGANIZAÇÃO DAS ENTIDADES ESTUDANTIS ...........................
45
2.1 A CONJUNTURA DOS ANOS DE 1980 ..............................................48
2.2 A CONSTRUÇÃO DA UMES/NATAL ..................................................54
2.3 DIFERENTES CONCEPÇÕ ES POLÍTICAS NO MOVIMENTO
ESTUDANTIL .......................................................................................
57
2.3.1
Corrente políticas no ME norte-riograndense .................................
58
2.4 A POLARIZAÇÃO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL ...........................61
2.5 A RECONSTRUÇÃO DA APES .......................................................... 73
CAPÍTULO 3 ...................................................................................................
78
A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL
POTIGUAR .....................................................................................................
79
3.1 O PANORAMA CONFLITANTE DA INSERÇÃO DAS MILITANTES
NO ME .................................................................................................
79
3.2 OCUPANDO OS ESPAÇOS DA POLÍTICA ........................................87
3.3 REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS ANOS DE 1980 NO
MOVIMENTO SECUNDARISTA POTIGUAR ......................................
97
3.3.1
Representação de mulheres na diretoria da UBES ........................
99
3.4 ENTRE O PÚ BLICO E O PRIVADO: OS CONFLITOS DA
PARTICIPAÇÃO FEMININA NO ME ...................................................
101
3.4.1
O movimento estudantil como espaço heterogêneo: Consenso
X Conflito ............................................................................................
102
3.5 O LEGADO DO ME PARA AS MILITANTES ESTUDANTIS................109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
112
REFERÊNCIAS ..............................................................................................
115
14
INTRODUÇÃO
15
A história das mulheres tem sido uma importante temática no campo
da historiografia nos últimos tempos. Analisar as transformações de gênero e
suas conseqüências ocorridas, principalmente, a partir da segunda metade do
séc. XX – quando aparecem mais visivelmente – parece ser um dos objetivos de
vários historiadores norteados pelo curso da nova historiografia e suas vertentes
que procuram dar dimensões da vida social e cultural, destacando o cotidiano e
as mentalidades dos indivíduos na história.
Estudos sobre as mulheres no Rio Grande do Norte são inúmeros.
Temáticas que tratam da mulher no cangaço, na “Revolução de 1935”, na II
Guerra Mundial, na contemporaneidade potiguar são freqüentemente encontradas
nos centros de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Trabalhos acerca do Movimento Estudantil (ME) também são
destacados. No entanto, não conseguimos localizar inicialmente trabalhos que
tratem da participação política de militantes femininas no movimento estudantil.
Os estudos que as apontam são muito superficiais e se escondem no meio da
organização geral do movimento que apresenta uma predominância de militantes
masculinos.
O Movimento Estudantil (ME) no Rio Grande do Norte tem sido
analisado em diferentes perspectivas, em especial, a dimensão da organização
dos estudantes. Esta organização abarca aspectos das lutas políticas que os
estudantes têm travado nestas últimas décadas, dando destaques as suas
reivindicações gerais e específicas e sua atuação no seio das entidades
construídas e reorganizadas.
A participação feminina neste movimento não tem merecido grandes
destaques nos diversos trabalhos por nós observados.
1
A predominância de
lideranças masculinas a frente das entidades leva os pesquisadores a priorizarem
suas falas, deixando as militantes estudantis em segundo plano e, as vezes,
esquecidas. No trabalho de Michelle Maia (2003), sobre a ocupação da Reitoria
1
Andrade (1994); Campos (2000); Patrício (2002); Poerner (1979); Sanfelice (1986); Silva (1989);
Ventura (1988).
16
da UFRN em 1984
2
, temos um pequeno trecho destinado à participação da
mulher no movimento, mas sem um aprofundamento maior dessa participação.
Na nossa pesquisa realizada durante a Especialização em História do Campo e
da Cidade, que trabalhou a cultura política estudantil
3
, recorremos, um pouco, a
análise da prática dos militantes e a concepção sobre sexo e gênero no ME, mas
sem um maior aprofundamento, pois também priorizamos as principais lideranças
dos grupos políticos e das entidades, recorte este que nos levou ao recolhimento
de fontes orais exclusivamente masculinas. Alan Lacerda (1994) no seu trabalho
sobre a participação política de estudantes em entidades estudantis, analisa o
Centro Acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, traçando um quadro percentual de homens e mulheres nesta
entidade do final dos anos de 1970 ao início dos anos de 1990, mostrando a
inferioridade em número da participação feminina.
4
O livro de Rizolete Fernandes
(2004), A história oficial omite, eu conto: mulheres em luta no Rio grande do norte
de 1980 a 2000
5
, mostra a história do movimento feminista na cidade,
apresentando no seu relato algumas das militantes estudantis da época, no
entanto, não faz referência à luta do movimento estudantil, muito embora, nos
sirva como fonte para mostrar a militância política dessas mulheres.
As mulheres começaram a entrar na cena política estudantil potiguar
a partir de meados do séc. XX. Em entrevista, o ex-militante estudantil, Luciano
de Almeida
6
frisa que já existiam mulheres na organização política do ME em
1968, muito embora em número reduzido, mas que desempenhavam importante
papel no contexto do movimento. Na década de 1980 o número de mulheres no
ME já era consideravelmente maior, no entanto, poucas delas se dispunham estar
à frente dos cargos de liderança das entidades. Sobre esta problemática
Hobsbawm afirma que:
2
(MAIA, 2003).
3
(PATRICIO, 2004).
4
(LACERDA, 1997).
5
(FERNANDES, 2004).
6
(ALMEIDA, 2004) – Documento sonoro.
17
O mundo político estava de fato mudando rapidamente, embora o
reconhecimento público das mulheres em geral ainda assumisse,
mesmo em muitos dos mais “avançados” países, formas de
representação simbólica ou figurativa em corpos públicos.
7
Com a saída do mundo estritamente privado para o público, através
da participação política, as mulheres começam a assumir novos espaços. No
entanto, é constante observar, inclusive no ME, a participação feminina sempre
depois da masculina. Os militantes estudantis em suas falas sempre nos dizem
que havia uma política nos seus grupos de incentivar a participação feminina para
poder se destacar o papel da mulher, esse incentivo muitas vezes se concretizava
com um cargo de vice-presidência em uma entidade, por exemplo.
Esta mudança no comportamento feminino não se deu rapidamente
e por se tratar de um fenômeno sócio-cultural procuraremos pesquisar essas
militantes estudantis da década de 1980 quando da reorganização das entidades
estudantis secundaristas no Rio grande do Norte como a União Metropolitana de
Estudantes Secundaristas (UMES) construída em 1982 e a Associação Potiguar
de Estudantes Secundários (APES) reorganizada em 1988. Nesta década, os
estudantes, junto à sociedade civil organizada, se inserem nas lutas pela
“Redemocratização” do Brasil com o fim dos governos militares e observamos
mais nitidamente as conseqüências da Revolução Social e Cultural do séc. XX –
apontada por Hobsbawm
8
– no cotidiano natalense.
O movimento estudantil é o primeiro espaço de atuação política dos
jovens em nossa sociedade, espaço este que acaba influenciando diretamente na
sua formação. É um espaço heterogêneo, múltiplo, norteado por uma diversidade
de interesses individuais e coletivos, mas priorizaremos nas nossas análises
observar os interesses coletivos que norteiam e caracterizam as práticas dos
grupos. Consideramos também como um espaço privilegiado para observarmos a
militância juvenil, na maioria das vezes aguerrida por ser de uma faixa etária sem
tantas responsabilidades sociais predeterminadas e onde se desencadeia
7
(HOBSBAWM, 1995, p. 308).
8
(HOBSBAWM, 1995). Op. cit.
18
inúmeras discussões relacionadas à política, a moral, a sexualidade. Visualizar a
participação feminina no movimento estudantil é tentar responder a
questionamentos tais: Como as mulheres se inseriram no movimento estudantil?
Quais eram suas concepções de mundo? Como se inseriam na cultura política
dos grupos de militantes? Como se relacionavam com os militantes masculinos?
Como se dava a relação com a família? Qual a memória coletiva que estas
formaram acerca do movimento estudantil? Quando surgiram os departamentos
femininos nas entidades estudantis? Quais as propostas políticas destes
departamentos? Tentaremos ao longo do trabalho responder a estes
questionamentos através de fragmentos de memórias de militantes estudantis da
década de 1980.
Para conceituar movimento estudantil utilizamos as contribuições de
Fraga (1996) que analisa o movimento estudantil enquanto movimento social,
resguardando suas particularidades:
Compreendemos por movimento estudantil o movimento social
surgido a partir das ações coletivas organizadas pelos
estudantes, baseadas na solidariedade, construídas na
identidade da condição de estudante, desenvolvendo conflito
entre atores opostos, rompendo os limites de um dado sistema
em que ocorre a ação.
9
Conceituamos o termo militante em consonância com Fraga que
considera como militante os sujeitos que participaram das lutas políticas,
ocupando espaços públicos, vivendo intensas experiências que modificaram a
sua rotina de vida.
10
O nosso trabalho sobre militantes estudantis
11
nos levou a
conclusão que existe uma cultura política dentro do ME que acaba moldando à
vida do militante que passa a se dedicar primeiramente aos projetos coletivos do
grupo no qual está inserido, e que esta cultura acaba por transpassar as
gerações. Essa cultura não abrange apenas o movimento estudantil, mas todos
9
(FRAGA, 1996, p. 4).
10
(FRAGA, 2000, p. 291).
11
(PATRICIO, 2004).
19
os movimentos intitulados de esquerda. Nortearemos nosso trabalho também a
partir dessas reflexões observando a construção simbólica e imaginária deste
espaço de vivência pelo qual as estudantes passaram e para compreensão da
memória coletiva, construída pelos militantes, usaremos as contribuições de
Halbwachs que contribui muito na legitimação da escolha da história oral para
análise da memória, sobretudo, por ser um autor que privilegia a memória de
grupos.
12
Por se tratar de uma história onde as fontes bibliográficas são
precárias, recorremos ao trabalho com fontes primárias como jornais (Tribuna do
Norte e Diário de Natal), panfletos, boletins informativos dando maior destaque ao
recolhimento de fontes orais, entrevistando as militantes estudantis que
participaram do ME durante o período destacado para a pesquisa. Faremos uso
também de um arquivo de fontes orais recolhidos em 2002 e 2004 com militantes
masculinos, quando trabalhamos as nossas pesquisas anteriores com o
movimento estudantil
13
. Essas fontes serviram para fazer relação dos
pensamentos dos homens e mulheres, mostrando concepções de ambos sobre
as relações e experiências no movimento estudantil.
Como nosso foco é a participação feminina no Movimento
Estudantil, trabalhamos tentando observar as várias vozes que apresentam essas
mulheres, valorizando as vozes femininas e masculinas que constroem o espaço
do movimento. Compreendemos que nosso trabalho se insere na dimensão
política da história, dando visibilidade ao gênero feminino até então
secundarizado nas abordagens sobre o ME.
Entendemos que o conceito de gênero refere-se às relações entre
homens e mulheres na sociedade. Distingue-se do conceito de sexo diferenças
biológicas – por destacar as diferenças sociais e culturalmente produzidas entre o
masculino e o feminino ao longo do tempo.
Concordamos com Albuquerque Jr. (2003) quando no seu livro
Nordestino: a invenção do falo discute as problemáticas referentes ao gênero
12
(HALBAWCHS, 1990).
13
(PATRÍCIO, 2002; PATRICIO, 2004).
20
masculino e enfatiza que a história dos excluídos acaba excluindo uma história
dos homens. O homem apresentado na história como símbolo do sujeito universal
era confrontado numa perspectiva da história das mulheres que negava este
sujeito partindo de uma visão dualista e identitária que opunha os ser homem ao
ser mulher como duas realidades distintas e homogêneas.
14
As mudanças no campo historiográfico do séc. XX permitiram esse
olhar para as camadas e classes sociais que estavam às margens da História
Política Tradicional e esse olhar possibilitou também observar outros espaços
como: o privado, o cotidiano, o corpo. Dessa forma, homens e mulheres passam
agora a instigar e serem instigados por novas problemáticas, perguntas e
respostas sobre sua própria condição humana.
Hanna Arendt nos ajudará a pensar, através do livro A condição
humana
15
, as práticas das militantes que se inserem a partir da ação no espaço
político do Movimento estudantil. Práticas essas que são múltiplas e que
apresentam os conflitos das esferas públicas e privadas que as militantes
enfrentaram durante sua permanência no ME.
Para estudar a política, o uso da história oral se mostra de extrema
relevância. Como Camargo (1994) nos lembra “a história oral, no fundo, é um
instrumento pós-moderno para se entender a realidade contemporânea”
16
e o
“uso da História Oral nos oferece essa possibilidade de entender o ator por
dentro, no cerne da sua cultura política, e uma cultura política em movimento”.
17
Essas idéias são essenciais na compreensão dos resultados que caracterizam o
comportamento do ator político da História recente, tentando complementar o que
os documentos escritos não abordam. Compreendemos que a oralidade é tão
importante quantos os outros tipos de fontes da nossa disciplina como, por
exemplo, as escritas, que não podem requerer os postulados da objetividade
porque também foram produzidas por sujeitos históricos pertencentes a um grupo
14
(ALBUQUERQUE JÚ NIOR, 2003, p. 21).
15
(ARENDT, 1999).
16
(CAMARGO, 1994, p. 75).
17
Ibid, p. 84.
21
e um local social. As fontes orais se mostram metodologicamente essenciais
porque privilegiam a análise das representações sobre a política.
A nossa pesquisa buscará reconhecer a participação da mulher na
política estudantil durante o contexto dos anos de 1980, analisando as dimensões
dessa atuação no movimento, junto às mudanças comportamentais que o seu
sexo veio a receber nessa temporalidade, buscando analisar fragmentos de
atuação política, práticas culturais, cotidiano e memória das militantes estudantis.
Esta abordagem se baseia nas prerrogativas da Nova Historiografia
que estende seus métodos procurando compreender o cotidiano e a memória dos
variados segmentos. Por muitos séculos a forma dominante de se fazer história
foi a narração dos acontecimentos políticos e militares das sociedades, ajudando
a construir e conservar uma memória que privilegiasse os grupos que
hegemonizavam o poder. Durante o período Iluminista, ocorreu, pela primeira vez,
uma contestação a esse tipo de narrativa histórica, procurando observar a história
da sociedade, abordando a história sócio-cultural das estruturas. Contudo a
metodologia Rankeniana arruinou esta nova tendência com o seu retorno ao
estudo da história política de forma empírica. Só no séc. XX, com o aparecimento
da Escola dos Annales (1929-1989), que novas propostas conseguiram abrir a
discussão na academia, segundo Peter Burke (1997), o que causou a revolução
da historiografia.
18
A nova história apresentada pelos Annales traz uma proposta
interdisciplinar de estudo, trabalhando a idéia de que a realidade é social e
culturalmente constituída. É partindo desta proposta de análise sócio-cultural que
nos propomos a pesquisar as militantes estudantis do Rio Grande do Norte,
dentro do contexto dos movimentos sociais.
Muito embora a fonte oral seja nosso principal recurso metodológico
não descartaremos o trabalho com outros tipos de documentos como os escritos,
por exemplo, jornais, teses, panfletos, atas, registros de diretorias das entidades
estudantis que nos ajudarão na comprovação de nomes e datas que, como
pudemos observar em experiência anterior, às vezes se confundem na memória.
18
(BURKE, 1997).
22
A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro faz uma
discussão teórico-metodológica do trabalho com as militantes estudantis
apresentando discussões sobre os conceitos básicos utilizados durante todo o
texto; fazendo também um balanço da inserção da temática das mulheres na
história, mostrando as principais transformações por elas protagonizadas durante
o séc. XX.
No segundo capítulo, lançamos um olhar no panorama político dos
anos de 1980, traçando a reorganização das entidades estudantis secundaristas
no Rio Grande do Norte, mostrando as forças políticas que atuavam no contexto
do movimento estudantil.
No terceiro capítulo, abordaremos as mulheres na política estudantil
secundarista do RN, observando a participação nas diretorias das entidades
reorganizadas – UMES e APES – fazendo um paralelo com a diretoria da UBES.
Neste capítulo, discutiremos também as particularidades da militância feminina,
analisando os conflitos do espaço público e privado na vida da militante estudantil.
23
CAPÍTULO 1
24
A INSERÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA E NA HISTÓRIA
1.1 MULHERES NA HISTÓRIA
A historiografia, por muito tempo, priorizou os eventos políticos nas
suas abordagens, pautada numa história política de moldes tradicionais que
destacava personagens, grandes eventos, acontecimentos factuais. Baseava-se
assim numa história narrativa herdada desde os tempos greco-romanos que
trabalhava a política como se fosse esta a única forma/lugar de poder.
19
No entanto, no século passado, esse tipo de história foi bastante
criticada pelas inúmeras vertentes historiográficas que surgiram. Os historiadores
principalmente os Annales voltaram suas reflexões para a história social e
cultural das civilizações em contraposição a denominada “História Política
Tradicional”.
Como os termos história e poder são inseparáveis, por muito tempo
pensou-se o poder apenas a partir da noção de Estado. Os pensadores do séc.
XX começam a quebrar com essa idéia quando retiram essa visão transcendental
de Poder, recolocando-a nas relações históricas que apresentam novas fontes e
novos objetos para a historiografia. Os filósofos do séc. XIX já apontavam para
essa nova perspectiva. Martinez (2003), citando Nietzsche, mostra que o autor já
propõe diversos ramos de pesquisa que visualizassem temas como: festas,
repouso, alimentos, sociabilidades, dialética do casamento, da amizade, entre
outros. Temas que os pensadores deviam se debruçar para poder realmente
entender a complexidade da humanidade.
20
É dentro dessa perspectiva que muitos historiadores se debruçam
no início do séc. XX procurando investigar os temas até então negligenciados
pela historiografia tradicional, analisando o cotidiano, as relações sociais e
econômicas que a antiga e metódica forma de fazer história não abarcava.
19
(FALCON, 1997, p.62).
23
(MARTÍNEZ, 2003, p. 439-440).
25
Essas novas perspectivas que surgem, principalmente contra a
escola metódica, vão colocar as discussões políticas de lado – muito embora a
disseminação dessa idéia não tenha conseguido acabar com as produções de
história política na historiografia que continuaram a ser maioria durante todo o
séc. XX
21
e dar a historiografia uma nova fisionomia, mais ampla, dando conta
de muitos outros elementos até então não considerados, procurando abarcar as
estruturas, as mentalidades. No seu estudo historiográfico sobre a obra de
Rodrigo Motta acerca do Anticomunista no Brasil, D’Aléssio (2004) nos afirma que
“estavam abertas as portas para a introdução de outra temporalidade da história,
o tempo longo, lugar de produção das estruturas, noção organizadora das
propostas metodológicas do grupo dos Annales”.
22
Essas novas abordagens, chamada de Nova História, tiraram de
foco o espaço da historiografia política no início do século passado. Mas, nos
anos 1970, com a terceira geração dos Annales, podemos notar certo número de
retornos, retorno da história-relato, da biografia, dos acontecimentos, mas,
sobretudo da história política. Mesmo usando a palavra retorno deixamos claro
que a historiografia problematiza esta nomenclatura, pois a nova história política é
trabalhada diferentemente, com um novo olhar. A terceira geração dos Annales,
representada por nomes como Le Goff e Duby, por exemplo, já menciona essa
reversão ao político, até então deixado de lado pelos Annales em proveito da
história econômica e social.
23
Discutindo esses retornos, René Remond (1999)
vai aprofundar a temática procurando os motivos que levaram a reversão do
político. Primeiramente, o autor tenta quebrar com alguns preconceitos que
costumam escrever o político relacionado diretamente com a história do tempo
presente, a narrativa e o factual. Remond nos mostra que a história política não
se reduz ao acontecimento, nem ao tempo curto: “Na realidade, o político, assim
como o econômico e o social , inscreve-se num curto, no médio e no longo
prazo”.
24
O que aparece na temática política são elementos antes não
observados, dentro do aspecto cultural. Se antes ele era considerado imutável,
visto de forma isolada, agora dar-se o sentido contrário. O político aparece em
24
(FALCON, 1997).
25
(D’ALÉSSIO, 2004, p. 192).
26
(REMOND, 1999, p. 51).
24
(REMOND, 1999, p.55).
26
meios de uma nova visão. Se antes ele se resumia aos grandes eventos e
personagens, agora se amplia para a dimensão estrutural, observando a cultura,
as classes, os negligenciados da história, como as mulheres, por exemplo. Essa
retomada vem numa perspectiva nova não é um “retorno do político” como se
concebia antes – ampliando a percepção da duração e do espaço histórico,
inserindo-se dentro das idéias de Cultura Política e de Poder.
Quando analisamos a história, discutindo a relação entre homens e
mulheres, destacando as resistências e concordâncias sociais entre os dois
gêneros, nos inserimos nestas discussões de relações de poder. Quando essas
relações se inserem na esfera do político, lugar de articulação do social e de sua
representação, compõe a história política.
25
Se procuramos entender as
mentalidades, a cultura política das mulheres, bem como suas atuações dentro de
movimentos sociais, encaixamos perfeitamente nossa temática dentro da história
política. Mas, salvaguardamos que a história política não pode ser vista
isoladamente e sem mutações, para não corrermos o risco dos reducionismos
como já nos alertou Rémond, pois, “a política é mutável, e o interesse que damos
a ela explica-se pela conjunção entre a evolução dos fatos e a dos espíritos”.
26
Joan Scott alinha-se entre os historiadores da história política que
trabalham dentro da perspectiva de gênero. Sua história das mulheres apresenta
uma narrativa onde à política e suas múltiplas ressonâncias são a base para
interpretação.
27
No seu livro, Os Excluídos da História, Michelle Perrot (1992)
destaca as relações das mulheres com o poder, entendendo o termo poder no
seu sentido plural, pois para a autora esta palavra:
No singular, tem uma conotação política e designa basicamente a
figura central, cardeal do Estado, que comumente se supõe
masculina. No plural, se estilhaça a fragmentos múltiplos,
25
(ROSANVALLON, 1995, p. 16).
26
(REMOND, 1999, p.59).
27
(SCOTT, 1992).
27
equivalente a ‘influências’ difusas e periféricas, onde as mulheres
têm sua grande parcela.
28
Se antes a historiografia do Gênero Feminino abordava o Poder da
mulher, mostrando apenas “mulheres espetaculares” que se destacavam na
história, muitas vezes por estarem próximas ao Estado, silenciando o cotidiano
daquelas que estavam fora da história política tradicional. Hoje, com as
perspectivas do estudo das relações de Poder, trazemos essa parcela excluída da
historiografia para nossas análises.
Outra característica fundamental para o destaque do Gênero
Feminino na atualidade é a participação crescente de mulheres nos Espaços
Públicos. Se a mulher antes se inseria quase exclusivamente nos Espaços
Privados do lar, hoje temos uma outra realidade.
Margareth Rago (1985), quando analisa os discursos que projetam a
cidade disciplinar burguesa, nos fins do séc. XIX e início do séc. XX, discute
gênero, cotidiano e relações de poder no cerne da cultura brasileira.
29
Tentando
recuperar as práticas políticas com essa nova visão que a historiografia
proporcionou, Rago penetra no interior das fábricas, dos bairros e vilas operárias
do início da industrialização do país, tentando observar os silêncios e as
resistências dos grupos também excluídos pela historiografia tradicional. Com
isso, mostra o posicionamento das mulheres frente ao discurso moralizador do
séc. XX que tenta montar um lugar específico para enquadrar o gênero feminino
seguindo o modelo: Esposa – mãe – dona-de-casa.
No seu trabalho, mostra como esse discurso foi absorvido por toda a
sociedade através dos meios científicos e ideológicos que procuravam instituir um
modelo imaginário de família nuclear, onde a “mulher padrão” tinha o seu lugar
definido no âmbito privado, cuidando do ambiente doméstico e familiar.
28
(PERROT, 1992, p. 167).
29
(RAGO, 1985).
28
Contra esse modelo se insurgiram os movimentos feministas no séc.
XX, resistindo a este molde de família nuclear. Os espaços de atuação desse
feminismo podem ser considerados múltiplos no seio de nossa sociedade,
destacando-se principalmente dentro dos movimentos sociais. Rago nos diz que:
Várias vozes se levantaram entre os libertários, defendendo os
direitos da mulher, buscando conscientiza-la da importância de
sua libertação numa sociedade machista e opressora,
anunciando a possibilidade do amor livre, da maternidade
voluntária, da igualdade de direitos entre os sexos, da eliminação
da prostituição, a partir da construção de uma ordem social
fundada na igualdade, na liberdade e na justiça social.
30
Mesmo tendo esse destaque dentro dos movimentos libertários,
temos que salientar que o modelo de família nuclear massificado no seio da
sociedade, instituiu-se inclusive dentro dos movimentos operários que
disseminavam a partir de suas práticas o discurso hegemônico, restringindo e
discriminando a participação das mulheres nas entidades de classe.
31
Não queremos, porém, generalizar essa atuação tendo em vista que
nos jornais operários do início do século passado aparecem duas imagens
femininas que se contrastam frontalmente. Uma delas mostrando essa mulher
submissa, resguardada no espaço privado do lar; e outra que revela figuras
combativas, que resistem à ordem vigente, enfrentando, inclusive, autoridades
públicas e policiais. Essa segunda, de forma bem mais restrita, devido a
hegemonia cultural do modelo normativo de feminilidade. Mas o séc. XX pode ser
considerado como o grande século das transformações que contrastaram as
discussões de gênero e o avanço do feminismo levantando a bandeira de
emancipação da mulher.
A “Revolução Social” destacada por Hobsbawm (1995) no seu livro
Era dos Extremos revela as transformações que as mulheres protagonizaram a
30
(RAGO, 1985, p. 62).
31
Ibid.
29
partir de 1945, levando-as a outras práticas e a construção de uma nova
mentalidade acerca do sexo feminino. Com o aumento de mulheres no mercado
de trabalho e na educação superior os movimentos feministas reflorescem a partir
da década de 1960.
32
Junto a esses espaços públicos que as mulheres conseguiram
ocupar na história, um outro espaço determinante passa a ser controlado, o seu
próprio corpo, onde através de métodos científicos a mulher passa a controlar sua
sexualidade e reprodução favorecendo assim sua participação nessas outras
esferas públicas.
No seu estudo sobre a experiência com contraceptivos no Brasil,
Joana Pedro (2003), procura explicar de que maneira foi vivida, no privado, uma
questão eminentemente política, dado que o uso de contraceptivo no país foi
instituído dentro do contexto de políticas populacionais que visavam à diminuição
da taxa de natalidade. Diferente da realidade de outros paises desenvolvidos
Joana nos mostra que:
Para as mulheres que viviam em países nos quais a cidadania
era respeitada minimamente, como na França, o período que se
iniciou em 1960 apresentou repercussões e mudanças que
provocaram intensas transformações nas relações de gênero.
Uma parcela destas transformações teve como pano de fundo a
disponibilidade dos contraceptivos modernos, que separaram, de
forma mais eficiente do que em qualquer outro período da
história, a sexualidade da reprodução. No Brasil, este momento
foi vivido como expansão de “campo de prova”, como
preocupação com a expansão da população pobre, e também
com o perigo subversivo que esta pobreza poderia trazer.
33
Diferente de outros países onde as práticas contraceptivas estão
diretamente ligadas as reivindicações do movimento feminista, aqui no Brasil dar-
se uma particularidade que se confronta com essa realidade, pois em meio aos
governos militares parte do movimento feminista assume um papel conservador
ao lado da igreja defendendo o não controle da reprodução. Esta postura política
32
(HOBSBAWM, 1995).
33
(PEDRO, 2003).
30
pode ser entendida dentro do contexto conjuntural como uma forma de proteção
ao processo de repressão instalado no país, dado que com o processo de
democratização, parcela do movimento feminista toma novos rumos ampliando
suas bandeiras nacionais e internacionais.
Céli Pinto (2003) nos fala no seu estudo sobre o feminismo no Brasil
que o ano de 1975 é considerado um momento inaugural do feminismo
brasileiro.
34
Neste ano, realizou-se uma conferência da Organizações das Nações
Unidas (ONU) no México que definiu 1975 como o ano Internacional da Mulher e
o primeiro ano da década da Mulher que vigorou até 1985.
Ao tratar desse espaço político que as mulheres passam a se inserir
no séc. XX, vamos encontrar a partir dos anos 1960 a participação feminina no
contexto do movimento estudantil da cidade do Natal. O Movimento Estudantil no
Rio Grande do Norte tem sido analisado em diferentes perspectivas, em especial,
a dimensão da organização dos estudantes. Esta organização abarca aspectos
das lutas políticas que os estudantes têm travado nestas últimas décadas muitas
vezes se concretizava com um cargo de vice-presidência em uma entidade como
nos lembra o ex-militante estudantil Lázaro Amaro.
35
Quase sempre, o militante estudantil masculino acaba dedicando um
tempo maior ao espaço público do movimento estudantil. As demandas do espaço
privado passam a ser um empecilho a mais para a participação feminina na esfera
pública. Além disso, outros conceitos e valores também impedem essa
participação que de certa forma discute e se confronta com o modelo formativo de
mulher.
36
Essa demanda do espaço privado, que além de práticas, também
são pautadas em uma cadeia de normas morais, acabam sendo um dos motivos
da inferioridade (em número) feminina de mulheres no movimento estudantil.
Juntam-se a isso, várias outras heranças culturais que subordinam a participação
feminina à masculina.
34
(PINTO, 2003).
35
(AMARO, 2002) – Documento sonoro.
36
(RAGO, 1985).
31
Quando tratamos desse espaço político no qual se insere a militante
estudantil, compreendemos militante recorrendo a idéia de Fraga que considera
como militante os sujeitos que participaram das lutas políticas, ocupando espaços
públicos, vivendo intensas experiências que modificaram a sua rotina de vida.
37
A mulher, ao se inserir neste espaço público do movimento, ao
compor uma cultura política que a transformava numa militante, discutia novas
idéias, compartilhava de uma experiência diferenciada das outras jovens de sua
idade. Discutia os modelos de feminilidade e acabavam se transformando e
transformando os espaços em sua volta. Só a partir dessa experiência feminina –
que a historiografia por muito tempo negligenciou ou secundarizou – observando
as relações dentro de todos esses espaços, é que poderemos entender melhor a
feminilidade, o movimento estudantil, os movimentos sociais, os tecidos dos
espaços urbanos, das práticas políticas e sociais da contemporaneidade.
A historiografia do séc. XX mudou os rumos das abordagens
históricas em todo o mundo. Não só o movimento francês, mais as correntes de
pensamento inglesa neo-marxistas, bem como os italianos da micro-história
influenciaram e influenciam diretamente as produções historiográficas de todo o
Ocidente. Discutir o papel da mulher nos espaços públicos e políticos da
sociedade, bem como a sua não participação tendo em vista os silêncios que a
história produziu e produz desses lugares femininos, amplia nossa visão de
história, nos faz sair das idéias generalizantes, que não dão conta da
complexidade da realidade. Entender as relações de poder que permeiam os
sexos e dão o contorno político das sociedades, bem como justificam suas
representações, imaginários e mentalidades, são objetivos da história.
Caminhamos assim junto com a história em busca da construção de explicações,
conscientes das limitações do ofício e abertos para as mutações que aperfeiçoem
o campo historiográfico.
1.2 MULHERES SECUNDARISTAS E OS ESPAÇOS DA POLÍTICA
37
(FRAGA, 2000, p. 291).
32
Recortaremos agora os referências teórico-metodológicos de nossa
pesquisa procurando mostrar alguns conceitos chaves para o entendimento das
leituras posteriores.
1.2.1 Mulheres e Espaços
Para melhor entender a vida das mulheres no espaço público da
política, temos que discutir conceitos importantes como: espaço, público e
privado.
Por muito tempo a historiografia secundarizou a categoria espaço. O
espaço, quando era enfocado, aparecia apenas como cenário, lugar imóvel, onde
os acontecimentos se desenrolavam. Essa forma fixa no qual se firmava era
resultado da concepção de natureza que a modernidade lhe atribuiu e propagou.
Para a modernidade a natureza não se transformava com o tempo.
Suas transformações eram superficiais, seu núcleo não se alterava. Essas
mudanças superficiais logo desapareciam, pois a natureza buscava sempre
restabelecer o seu equilíbrio.
38
Essa visão moderna de natureza preparou a
disciplina histórica com seus postulados. Como já podemos analisar, a
historiografia clássica priorizou os eventos políticos nas suas abordagens,
pautando-se numa história política de moldes tradicionais que destacava
personagens, grandes eventos, acontecimentos factuais.
Se antes a política era por onde se desenvolvia a história, que por
sua vez considerava apenas a temporalidade como principal fator de análises de
seus aspectos, os novos caminhos que postulavam uma ciência pós-moderna
preparavam o terreno para discutir o espacial.
38
(CASSIRER, 1992).
33
Discutindo as concepções de tempo e espaço da modernidade e da
pós-modernidade, Harvey nos apresenta as transformações mundiais do séc. XIX
que mudaram o pensamento do homem e levaram os historiadores a considerar o
espaço nas suas análises. Para ele “com a redução das barreiras espaciais,
aumenta muito mais a nossa sensibilidade ao que os espaços do mundo
contêm”.
39
Se antes o espaço era secundarizado, passa agora a ser essencial.
Sendo vistos agora como micro-espaços de política não mais como centros
homogêneos.
Essas novas características começam a nortear o campo das
ciências humanas no início do séc. XX e dentro desta perspectiva destacamos os
Annales como percussores do desenvolvimento dessa idéia. A partir já do séc.
XIX novas tendências começam a questionar e impulsionar os rumos para uma
nova historiografia. Essas mudanças se darão principalmente devido ao diálogo
dessa disciplina com as outras áreas humanas.
Nesta análise sobre o espaço, destacamos o debate apresentado
por Chartier entre a sociologia e a Geografia do séc. XIX.
40
Esse debate vai dar
novas prerrogativas a noção de espaço e as críticas sociológicas vão influenciar
as análises dos geógrafos seguidores de Vidal de La Blache, que começam a
colocar no centro da suas problemáticas (indiretamente) as preocupações dos
sociólogos, seguindo já as propostas de Simiand (durkheimiano) que pretende
pela multiplicação das comparações e pela observação das repetições, extrair leis
universais. Dar-se então a instituição do método comparativo.
A geografia e a sociologia dos fins do séc. XIX ocupam lugar de
destaque no âmbito do conhecimento científico conseguindo atrair para suas
bases uma grande quantidade de historiadores insatisfeitos como o modelo da
História tradicional. É em meio ao diálogo com essas disciplinas que vai ressurgir
uma nova historiografia que critica e rompe com os metódicos da escola
positivista. Essa nova configuração, denominada de Annales vai reunir várias
39
(HARVEY, 2001, p. 265).
40
(CHARTIER, 2002).
34
áreas do conhecimento humano caracterizando-se como novo paradigma para
compreensão da história.
A discussão sobre as formas de tratar e ler os espaços vai entrar
agora no âmbito da história, que até então se preocupava somente com a
temporalidade, dando toda uma nova dimensão ao olhar histórico. Os debates,
acerca de como apreender o espaço, vão continuar na historiografia. O espaço
passa a ser agora uma das categorias fundamentais para a compreensão da
história. Não pode ser mais apreendido sem movimento.
Michel de Certeau apresenta uma leitura pós-estruturalista deste
conceito compreendendo os espaços formados de práticas sociais. Dentro desta
perspectiva o movimento estudantil, como um dos primeiros espaços de atuação
política dos jovens, é um espaço formado de prática onde a partir da ação, os
militantes fazem à política, agem, moldam e são moldados, modificando o espaço
do movimento e se modificando mutuamente. O espaço dos movimentos sociais é
móvel, tecido de práticas que o transformam permanentemente. A participação
das mulheres no ME influi na formação desse espaço político que só pode ser
entendido quando estudado no seu contexto geral, mas sem generalizações,
abarcando as singularidades e especificidades. A militante estudantil para atuar
no movimento confrontava-se com o modelo burguês de feminilidade.
41
Tinha que
conciliar uma vida pública que interferia na sua vida privada, na sua relação com
a família, com outras atividades particulares. Essa fronteira entre o público e o
privado é móvel, um lugar de intercâmbios e encontros, compõe-se como um
novo espaço, “uma ponte que abre o dentro para o seu outro”.
42
Além dessas inúmeras formas de se olhar o espaço, temos
relacionado à temática de gênero um espaço que também por muito tempo foi
negligenciado pelas teorias filosóficas cientificas que é o espaço do corpo.
Espaço esse, que a racionalidade moderna trabalhada desde a antiguidade nos
fez ignorar. Para a percepção desse espaço contribuíram muito os pensadores
41
(RAGO, 1985).
42
(CERTEAU, 1994, p. 215).
35
pós-estruturalistas
43
que trouxeram o corpo para suas abordagens. Durante muito
tempo se negligenciou a intuição, a sensibilidade, o corpo na formação do
conhecimento. Temos uma memória toda construída para solidificar essa idéia
hegemônica do racional. Desconstruindo essa idéia, Onfray nos afirma que “a
razão só produz ordem quando o corpo fornece o material”
44
ressaltando que
muitos filósofos tiveram pensamentos e intuições antes de suas produções. Que
seus corpos passaram por transformações para que seus pensamentos
emanassem. Durante todo o processo de formação do pensamento ocidental o
corpo foi negligenciado. Se os antigos gregos consideravam o corpo com algo
que atrapalhava a racionalidade, foi somente a partir dos cristãos que essa idéia
passou a se institucionalizar como uma ideologia.
Os cristãos inauguraram essa ideologia de rejeição ao corpo e os
filósofos absorveram-na e prosseguiram-na. A razão ocidental nasceu e se
solidificou rejeitando a carne, os sentidos, a natureza. Com relação a esse
pensamento Michel Onfray nos diz que:
O que quiseram cristãos e filósofos convencidos dos mesmos
ideais foi a realização de uma estranha alquimia que tivesse
conduzido os seres sexuados do desejo, de onde eles vêm, ao
nada da carne, para onde vão. Transformar o homem em corpo,
a matéria em idéia.
45
Essa discussão nos interessa no sentido de que esse pensamento
influenciou e foi influenciado por idéias que afastava os sexos e lhe impunha
lugares no contexto social. O homem tinha uma predominância na vida pública,
como ser superior, assim como a mente, as idéias, a racionalidade tinha um lugar
de destaque no pensamento. A mulher como símbolo do corpo, dos sentidos, da
intuição, do “pecado” era secundarizada, afastada do saber, saber esse que se
constitui como uma relação de poder, como trabalha Foucault na Microfísica do
poder
46
. Segundo Soihet, Michelet no séc. XIX já desenvolvia estudos sobre as
43
Ver em: Onfray (1999); Serres (2004).
44
(ONFRAY, 1999, p. 30).
45
(ONFRAY, 1999, p.165).
46
(FOUCAULT; MACHADO, 1999).
36
mulheres identificando essa relação mulher/natureza, em oposição ao
homem/cultura, caracterizando as relações dos sexos como um dos motores da
História
47
.
Entendendo o espaço como móvel, composto de práticas sociais
que forma e é formado pelas ações humanas constantemente na história,
passamos a conceituar os dois espaços objetos do nosso estudo para a
compreensão dos conflitos na militância feminina estudantil que é o espaço
público e o espaço privado.
O estudo de gênero recorre várias vezes aos conceitos de público e
privado dado que a história quando passou a olhar mais as mulheres, entre outros
grupos excluídos
48
, trouxe em si uma gama de novos objetos, metodologias e
abordagens. O privado passou a ser destacado como lugar diferente do público,
ocupado principalmente pelas mulheres no decorrer dos tempos. Vários
historiadores tentam trabalhar esses espaços como dicotômicos. Nossa intenção,
ao contrário, é mostrar como na vida das militantes o público e o privado estão
imbricados, formando uma unidade.
Essas categorias serão analisadas dentro da teoria de Hanna Arendt
que também trabalha os espaços na Condição Humana
49
, mesmo não lhes
atribuindo esta terminologia diretamente. A autora usa a categoria de esfera como
uma dimensão simbólica para diferenciar os dois espaços e faz uma análise do
uso e da compreensão sobre esses dois espaços da antiguidade à sociedade
contemporânea. Para Arendt a esfera privada é a esfera da casa, da família e
daquilo que é próprio ao homem. O privado é o reino da necessidade. Já o
público é o reino da liberdade, é a esfera do comum, do político. Estas duas
esferas eram bem distintas na antiguidade, pois haviam dois espaços separados
para a atuação do homem e da mulher. Para a autora:
A distinção entre uma esfera de vida privada à uma esfera de
vida pública corresponde à existência das esferas da família e da
47
(SOIHET, 1997, p. 98).
48
(PERROT, 1992).
49
(ARENDT, 1999).
37
política como entidades diferentes e separadas, pelo menos
desde o surgimento da antiga cidade-estado; mas a ascendência
da esfera social, que não é nem privada nem pública no sentido
restrito do termo, é um fenômeno relativamente novo, cuja origem
coincidiu com o surgimento da era moderna e que encontrou sua
forma política no Estado Nacional.
50
A mulher restrita ao espaço privado da necessidade não adentrava
na esfera pública da polis, que era restrita aos homens. E daí também não
aparecer na história que era escrita por homens que priorizavam os fatos e
narrativas políticas.
Como Arendt, compreendemos estas duas esferas como espaços
distintos: o privado que concerne ao individuo, suas necessidades próprias e
individuais; e o público o que diz direito a todos, ao coletivo. Embora sejam
esferas distintas mostraremos na nossa análise como elas se entrecruzam
formando o espaço político do movimento estudantil, não podendo serem vistas
separadamente.
Esse espaço político do Movimento Estudantil permitiu que as
mulheres agissem, refletissem suas condições de vida, modificassem o espaço à
sua volta e a si mesmas.
1.2.2 O trabalho com as fontes
A História não é mais aquela ciência que descreve fatos, que
procura restituir totalmente o passado procurando a verdade nos Documentos
50
(ARENDT, 1999, p. 37).
38
Históricos – que por muito tempo foram apreendidos como a verdade neutra que
falava por si só. Essas iniciais maiúsculas foram sendo problematizadas durante
todo o século XX, levando a história a ser pensada sob outros moldes que são
permeados pela noção de tempo-espaço, relatividade, subjetividade, presente.
Olhar seu ofício é uma marca da historiografia moderna que se baseia na crítica
sobre seus documentos e sua produção. O historiador procura construir um
passado já morto, dando-lhe vida.
Quando pensamos e fazemos história nos permeamos por
orientações do presente. Todo historiador pertence a um lugar social que
influencia diretamente sua produção. Suas leituras de mundo vão influenciar suas
escolhas, direcionar suas seleções, produzir suas dúvidas e encerrar sua escrita.
Ao escrever damos vida a um passado morto. A escrita da historia oferece essas
dicotomias: dá vida ao morto; liberta e aprisiona - nos libertamos ao produzir
pensamentos, mas nos aprisionamos aos nossos escritos. Novas leituras
permeiam novos olhares sob velhos olhos. Os novos olhos farão novas perguntas
e olharão de forma diferente para o passado
51
. Discutindo o fazer historiográfico,
Certeau (2000) afirma que “uma leitura do passado, por mais controlada que seja
pela análise dos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente”
52
.
Hill (2001), também nos incentiva a estarmos sempre reescrevendo a história,
pois para o autor:
A história precisa ser reescrita a cada geração porque embora o
passado não mude, o presente se modifica; cada geração
formula novas perguntas ao passado e encontra novas áreas de
simpatia à medida que revive distintos aspectos das experiências
de suas predecessoras
53
.
Hill nos alerta que mesmo que estudemos de modo sistemático o
pormenor da documentação existente, isso não modificará o que é essencial,
factualmente, na história, mas a interpretação variará segundo as nossas atitudes,
51
(RUSEN,2001; CERTEAU, 2000).
52
(CERTEAU, 2000, p. 34).
53
(HILL, 2001, p. 33).
39
segundo o que vivemos no presente. “Por isso a (re)interpretação não somente
possível – é necessária”
54
.
Como já podemos vê, nos últimos tempos os trabalhos
historiográficos têm se preocupado em tentar desconstruir, através da crítica, a
História Política Tradicional – História esta que por séculos foi trabalhada de
forma metódica, naturalizando os espaços. Os espaços não são naturais, são
construções humanas.
Novas perspectivas orientam nosso trabalho historiográfico, partindo
de novas leituras. A escrita da história não é um processo neutro, tem um
objetivo. Trazer os grupos sociais para as análises históricas tem sido um dos
principais objetivos de vários historiadores nas últimas décadas mobilizados em
dar voz aos excluídos da História que por muito tempo se preocupou apenas nas
narrativas dos grandes eventos e personagens. Os marxistas culturalistas como
Hill, Thompson, Davis destacam-se nos estudos dos grupos sociais que fizeram
história na Inglaterra no decorrer de toda a era moderna
55
. Zemon Davis, além de
trabalhar os grupos sociais se debruça a estudar as questões de gênero trazendo
as mulheres para a história. Esses trabalhos nos orientam nesses novos
caminhos da historiografia dando orientação nos procedimentos com nosso objeto
de pesquisa. Trazem uma história vista de baixo. E é dentro desta perspectiva
que procuramos direcionar nossa produção.
As transformações no campo da escrita da história se aprofundaram
a partir do séc. XX onde novos objetos e abordagens possibilitaram o uso de
novas fontes. Como disse Gaskel “todo material do passado é potencialmente
admissível como evidência para o historiador”
56
.
Nas últimas décadas vem crescendo, no Brasil, o interesse de
pesquisadores ligados às diversas áreas das ciências humanas pela História Oral.
O trabalho com fontes orais é utilizado de maneira variada. Discute-se o conceito
do termo, mas o conceito em que se chega é que “a história oral é um trabalho de
54
(HILL, 2001).
55
Hill (2001); Thompsom (1998); Davis (1990).
56
(GASKEL, 1995).
40
pesquisa, que tem por base um projeto e que se baseia em fontes orais,
coletadas em uma situação de entrevistas”
57
.
O trabalho com a oralidade vale muito no que se refere à história
contemporânea, pois dá a oportunidade ao pesquisador de colher informações
dos narradores que não estão contidas em nenhuma outra fonte. No entanto,
existe um tratamento especial que a metodologia com os trabalhos com fonte oral
nos impõe. Â ngela Gomes no seu livro Escrita de si, escrita da história discute
como diários, cartas e memórias podem ser trabalhados na história e nos diz que:
O trabalho de crítica exigido por essa documentação não é maior
ou menor do que o necessário com qualquer outra, mas precisa
levar em conta suas propriedades para que o exercício de análise
seja efetivamente produtivo [...] o que passa a importar para o
historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como
seu autor a expressa. Isto é, o documento não trata de “dizer o
que houve”, mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e
experimentou, retrospectivamente, em relação a um
acontecimento.
58
A história oral se baseia na memória e a memória é sempre uma
reconstrução, evocando um passado visto pela perspectiva do presente e
marcado pelo social. O trabalho com esse tipo de documentação memorial não
quer levar os historiadores a recuperação do passado – perspectiva essa
impossível – e sim perceber os pensamentos, as idéias, sensações, experiências
referentes ao que aconteceu devido a esta particularidade.
O senso comum muitas vezes trata memória e história como
sinônimos. Vários historiadores tentam desconstruir essa idéia, pois a história
denuncia e investiga alguns aspectos antes ignorados pela memória. Ela “é uma
operação intelectual que ao criticar as fontes, reconstruí-las à luz de uma teoria,
realiza uma interpretação do passado, onde o que importa não é só a noção de
um consenso, mas também a do conflito”
59
. A memória é o espaço da saudade, é
57
LANG, [199-?], p. 35.
58
(GOMES, 2004, p.15).
59
(MOTTA, 1998, p.76).
41
território, constrói-se sobre uma lembrança lógica. Já a história (des)territorializa,
trabalha a trama, contextualiza as falas do sujeito, do passado, reconstrói um
sentido que não só considera o sujeito da fala (limitado ao seu espaço), mas todo
o espaço e aspectos que nele interfere. Como o homem é um ser desejante
60
ele
relembra e constrói suas memórias partindo do desejo de revivê-la. Suas
memórias reconstroem espaços de saudade
61
. O relembrar, às vezes, traz
consigo o saudosismo de uma época.
Na pesquisa com militantes estudantis da década de 1980
62
, as
memórias aparecem com saudosismos. Os relatos são narrados com saudades.
Memora-se um tempo com o desejo de retorná-lo. A memória, às vezes, constrói
esse espaço desejante, repleto de lutas e conquistas que o ator social não
consegue visualizar no presente, pois não está mais inserido no contexto do
movimento.
Embora as memórias expressem, na sua grande maioria, falas
saudosistas, não podemos deixar de frisar que para alguns militantes o passado
também traz lembranças traumáticas
63
. O não dito expressa informações assim
como o dito. Dessa forma, o silêncio e o esquecimento devem servir como dados
para compreensão da fala do orador.
O historiador deve estar sempre preocupado com as
generalizações, observando que os atores, as memórias e os espaços são
múltiplos. Embora tenhamos clareza dessa multiplicidade, visualizamos práticas,
culturas e memórias coletivas, pois os atores estão inseridos num espaço social,
num tempo histórico determinado, compactuando experiências conjuntas. Dessa
maneira, recorremos às análises de Halbwachs para analisar a memória das
militantes estudantis femininas da década de 1980, procurando destacar as
memórias individual e coletiva dos grupos. Sobre a coletividade, este autor nos
diz que:
60
(NASCIMENTO, 2002, p. 172).
61
(ALBUQUE6RQUE JÚ NIOR, 2001).
62
(PATRICIO, 2004).
63
(POLLAK, 1989).
42
Desde o momento em que nós e as testemunhas fazíamos parte
de um mesmo grupo e pensávamos em comum sob alguns
aspectos, permanecemos em contato com esse grupo, e
continuamos capazes de nos identificar com ele e de confundir o
nosso passado com o seu.
64
Nos trabalhos com a história do cotidiano e principalmente com a
política, as fontes orais se mostram metodologicamente essenciais porque
privilegiam a análise das representações sobre a política, já que as fontes escritas
são escassas e perpassam uma visão única dos acontecimentos.
65
Não devemos
pensar que resgataremos o passado, porque como a memória, ele também é
reconstruído. Fraga (2000) acrescenta a esta discussão que:
Nem a história social, nem as pesquisas sobre ela, são feitas por
seres isolados, mas sim, e em qualquer época, construídas por
homens e mulheres que vivem coletivamente, e por isso mesmo
são vivências que revelam um universo permeado de
significados, seja eles na temporalidade do passado e do
presente, seja na dos cenários que apresentam para o futuro.
66
Não podemos ser ingênuos e pensar que estamos reproduzindo o
passado através da nossa escrita, pois sabemos que o que fazemos é uma
interpretação sobre este passado que é fruto da nossa relação com o espaço
social, delimitada pelas fontes disponíveis. Compreendemos como Le Goff que:
Qualquer documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro e falso,
porque um monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma
aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por
desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta
construção e analisar as condições de produção dos
documentos-monumentos.
67
64
(HALBWACHS, 1990, p.28).
65
(FRAGA, 2000, p.37).
66
(FRAGA, 2000, p. 27 – 28).
67
(LE GOFF, 1996, p. 548).
43
Os depoimentos são considerados documentos de um determinado
período, assim como algumas pessoas são encaradas pela memória coletiva
como um patrimônio histórico que representa uma época e um contexto social.
Patrimônio histórico não designa só prédios e cultura material, mas práticas e,
inclusive, pessoas. Ao olharmos alguém que nos faça memorar o passado ou que
faça memorar o passado noutros podemos considerá-lo como monumento. A
história política encarou assim os grandes personagens, mitificando-os como
símbolos de uma determinada época e até da própria história. Ao alargamos
nossa compreensão de história que abarca agora não só grandes personagens
políticos, mas vários grupos sociais, negros, trabalhadores, mulheres, estudantes
e homens comuns do cotidiano, ampliamos todos os nossos referenciais.
Construímos a história sob o viés de todos esses grupos e a noção
de patrimônio histórico e cultural também se expande. Ao estudarmos um espaço,
um período histórico, símbolos da trama aparecem como: pessoas, objetos,
lugares e práticas. Devemos considera-los como documentos/monumentos
68
,
todos nas suas devidas particularidades e seguindo pressupostos teórico-
metodológicos específicos.
Para a concretização de nossa pesquisa fizemos uma revisão
bibliográfica nos trabalhos em torno da historiografia das mulheres com enfoque
nas temáticas de gênero e memória.
Os arquivos do ME – documentos escritos como panfletos, jornais
da UMES, APES e UBES – foram utilizados como um dos principais recursos
para construção do capítulo sobre a reorganização das entidades estudantis,
após os governos militares. No entanto, muitas vezes se mostravam limitados aos
nossos interesses levando-nos a utilização da fonte oral que constituiu-se como
principal metodologia de nossa análise nos levando a observar as representações
dos atores sociais sobre a própria história, bem como, esclarecer os pontos e
lacunas das fontes escrita. Como Santana (2000) argumenta: “O uso do
68
Ibid.
44
testemunho oral possibilita ao pesquisador o acesso a perspectivas e nuances
que podem estar fora do alcance a partir de outras fontes documentais”.
69
Antes da coleta das entrevistas com as militantes, fizemos um
levantamento nos documentos escritos à procura de nomes de mulheres que
participaram das diretorias da UMES e da APES. Ao concluir esta etapa,
procuramos as estudantes com perguntas elaboradas no sentido de explorar
informações sobre sua prática militante, sua inserção no movimento estudantil,
bem como os conflitos vivenciados para sua a permanência no mesmo.
Entrevistamos cinco lideranças femininas dos diferentes grupos políticos da
época, na perspectiva de observar a multiplicidade das práticas referentes à
condição feminina dentro dos diferentes grupos que compunham o movimento
estudantil. As militantes iniciaram suas falas a partir dos dados pessoais; em
seguida falaram da sua inserção no movimento estudantil, e no decorrer da
mesma, direcionamos os questionamentos a fim de explorar as particularidades
da militância feminina no ME. Ao final da entrevista enfocavam a contribuição da
participação no movimento estudantil para as suas vidas. Encerramos cada
entrevista com um pedido oral para utilização dos dados coletados, que nos foi
cedido prontamente.
A fala das mulheres está presente em todo o trabalho, mas
recorremos também ao arquivo de entrevistas com militantes masculinos feitas no
ano de 2002 e 2004, sobretudo no capítulo dois, que fala da reorganização das
entidades estudantis, tema abordado na pesquisa Estudantes em perspectiva
70
. A
fala masculina, além de nos fornecer informações sobre a trajetória e composição
do movimento estudantil natalense, foi enfatizada no sentido relacional, ou seja,
tentamos extrair dos depoimentos a percepção masculina sobre a participação
das mulheres a fim de manter uma relação entre discurso e prática no movimento
estudantil. É no terceiro capítulo que iremos utilizarmos as falas dos militantes
masculinos para mostrar a relação com as falas femininas, tentando enfatizar a
discussão de gênero a partir das relações, e não de forma unilateral como
observamos em vários outros trabalhos.
69
(SANTANA, 2000).
70
(PATRÍCIO, 2002).
45
No capítulo a seguir, vamos lançar o olhar sob a reorganização das
entidades estudantis da década de 1980, de uma forma diferenciada dos
trabalhos anteriores, pois nos importaremos em visualizar as mulheres
constituindo esse espaço.
46
CAPÍTULO 2
47
A (RE) ORGANIZAÇÃO DAS ENTIDADES ESTUDANTIS
Como já vimos no capítulo anterior, a inserção da mulher no mundo
público, como observamos nas diversas literaturas, se deu de forma lenta na
história. Para podermos compreender a participação das mulheres no ME
potiguar faz-se necessário entender como o movimento estudantil se reorganizou
após os governos militares, período este em que as entidades foram fechadas e
postas na ilegalidade.
Foi exatamente durante os anos de 1980 que os estudantes
retomaram a organização das suas entidades de base no Rio Grande do Norte. A
discussão para construção de uma entidade municipal começou a ser
amadurecida a partir de 1981, aqui na cidade do Natal. Com a criação de alguns
grêmios, que à época ainda se chamavam Centros Cívicos, devido ainda estar em
vigor a sua proibição legal, os militantes do ME começaram a sentir a
necessidade de uma organização que de fato os representasse. Os colégios
centrais
71
que já tinham suas entidades formadas passaram a ser o destaque
para as outras escolas, que procuravam orientar-se a partir deles. Escolas como:
Escola Estadual Winston Churchill, Escola Estadual Professor Francisco Ivo
Cavalcante, Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN), Escola
Estadual Atheneu Norte-riograndense, Escola Estadual Augusto Severo, entre
outras, tinham boa parte da sua militância estudantil composta por estudantes que
vinham do interior do estado para estudar na capital, o que levava estes, por
estarem mais longe de suas famílias, a uma maior atuação no movimento. Estes
estudantes, na sua maioria, eram homens, tendo em vista que o público da Casa
do Estudante era masculino. Por sua vez, havia também uma grande participação
dos estudantes da capital, e dentro deste grupo uma expressiva participação
feminina.
Dentre as escolas já citadas, a E. E. Atheneu Norte-riograndense
tinha importante destaque, pois reunia boa parte da militância estudantil da época.
71
Centrais não por estarem no Centro da cidade, mas por serem consideradas escolas pólos.
48
A sua entidade servia como referência para os centros cívicos de outras escolas
públicas e privadas com tradição religiosa ou laicas e direções conservadoras.
Era de lá que saia boa parte dos grupos que disputavam espaço no movimento
estudantil potiguar. Muito embora não existisse nenhuma entidade municipal ou
estadual formada ou reconstruída ainda, já havia um movimento que contava com
várias forças políticas. Algumas se intitulavam “independentes” e outras com uma
posição político partidária mais definida, onde os militantes assumiam um partido.
Nesse período, a tendência que hegemonizava o ME secundarista
em Natal era o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), grupão de
resistência aos governos militares que reunia boa parte da juventude engajada.
Muitos estudantes ainda não tinham uma identidade política clara e se
aglomeravam em torno desse partido, que atuava dentro do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), haja visto que os partidos comunistas
continuavam na clandestinidade. Os que em alguma escola faziam oposição de
grêmio, por exemplo, se intitulavam como “independentes”. Não havia um outro
grupo partidário que tivesse expressão no ME secundarista nesse momento. Só a
partir de 1984 é que essa oposição ao MR-8 vai ter uma maior articulação, e
vamos encontrar a presença de militantes que se denominam enquanto Partido
dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PC do B), entre outros.
Nesse período, também, vai ocorrer uma divisão no próprio MR-8, a partir do qual
vários militantes vão procurar engajar-se em outros partidos.
Durante os governos militares, os partidos e organizações
comunistas atuaram na clandestinidade. A partir de 1974, com o início do
processo de abertura política do Regime Militar, essa estrutura vai se
modificando. A Anistia, a reforma partidária de 1979 e o retorno das eleições
diretas para governador, aprovados pelo Congresso em novembro de 1980, foram
componentes significativos na estruturação do quadro institucional.
É nesse contexto que os movimentos sociais começam a se
reorganizar em suas entidades e partidos políticos. A criação de partidos como o
PMDB – que durante os governos militares atuou como Movimento Democrático
Brasileiro, reunindo os vários grupos de oposição que lutavam pelo poder
49
institucionalmente – , PT e reorganização de outros como o Partido Democrático
Trabalhista (PDT), vão caracterizar as forças de oposição institucionalizadas. Os
partidos comunistas, como Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido
Comunista do Brasil (PC do B), também caracterizavam essa oposição, mas por
não estarem na legalidade, atuaram dentro do PMDB até o período de sua
legalização, em 1985.
A reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1979,
em seu XXXI Congresso, em Salvador/BA; da União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (UBES), em 1981, junto a inúmeras outras entidades estudantis e
sindicais pelo país, caracterizaram a organização social de vários movimentos,
que durante os governos militares se mantiveram na clandestinidade ou se
refluxiaram.
No que se refere a criação da entidade nacional dos estudantes
secundaristas, vale ressaltar que a UBES foi fundada em 25 de julho de 1948,
com o objetivo de organizar os estudantes secundaristas do país. Junto a UNE –
fundada em 1937 – foram protagonistas das diversas lutas que se desenvolveram
no século XX, como a do “Petróleo é Nosso”, contra a “Ditadura Militar”, pela
Anistia, pelas “Diretas Já”, a Constituinte e o “Fora Collor”. Desde a decretação do
Ato Institucional nº 5 em 1968, a UBES, junto com outras entidades gerais de
estudantes, é extinta, jogando, a partir de então, grande parte de seus militantes
na clandestinidade.
Sendo assim, no final da década de 1970, com a organização de
algumas entidades estudantis universitárias e secundaristas, inicia-se o processo
de discussão para a reconstrução da UBES e no dia 31 de outubro de 1981 a
entidade geral dos estudantes secundaristas brasileiros é reconstruída.
50
2.1 A CONJUNTURA DOS ANOS DE 1980
O estudante, como categoria social, sempre teve um papel importante
no quadro da política brasileira. Se formos observar na história, desde os
movimentos pré-republicanos do séc. XIX, passando pelo surgimento dos
movimentos sociais do séc. XX, na luta pelo Petróleo ou contra os regimes
autoritários da era Vargas e dos anos de 1960 e 1970, encontramos jovens
estudantes a frente das principais lutas por transformações do cenário nacional.
O Movimento Estudantil (ME), apesar de ter suas lutas específicas,
destaca-se pela sua atuação no eixo das lutas gerais da sociedade.
Caracterizamos o ME partindo da idéia de Fraga (1996), que analisa o movimento
estudantil enquanto movimento social, resguardando suas particularidades:
Compreendemos por movimento estudantil o movimento social
surgido a partir das ações coletivas organizadas pelos
estudantes, baseadas na solidariedade, construídas na
identidade da condição de estudante, desenvolvendo conflito
entre atores opostos, rompendo os limites de um dado sistema
em que ocorre a ação.
72
Como um movimento social dinâmico, surgido a partir da ação
coletiva dos estudantes, o ME apresenta diferentes formas de atuação e
organização, que são diretamente influenciadas pela conjuntura política na qual o
movimento sobrevive.
Cardoso (1994), no seu estudo sobre a trajetória dos movimentos
sociais, caracteriza esse em duas fases, a que denomina de primeira fase “a
emergência heróica dos movimentos, observando estes movimentos no período
da ditadura, mas precisamente no contexto dos anos 1970, quando os
movimentos sociais não tinham uma presença tão marcante dos partidos políticos
72
(FRAGA, 1996, p. 4).
51
e reivindicavam mudanças que visavam quebrar com as relações clientelistas,
com o modo de atuação do sistema político tradicional. A segunda fase que
denomina como institucionalização, ocorre noutro contexto político (década de
1980), no período denominado de redemocratização do país. Nesse momento
“cria-se uma nova relação entre os movimentos e os partidos políticos, por um
lado, e entre os movimentos e as agências públicas em geral, por outro.”
73
Sob esta nova conjuntura, os movimentos sociais dão uma nova
orientação às suas idéias e práticas e o militante que se insere neste contexto
também baseia uma nova forma de vida e ação, muito embora vamos observar
que os valores e as idéias de muitos ainda permaneçam voltados ao regime
anterior.
Sob a base de uma “aliança democrática” que reunia alguns setores
de oposição como os: Partido do Movimento democrático Brasileiro (PMDB),
Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e
setores conservadores do poder como o Partido Democrático Social (PDS) – nova
denominação da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – entre outros, forma-se
a candidatura de Tancredo Neves (PMDB) para presidente e José Sarney (PDS e
ex-presidente do ARENA) para vice, criando a chapa que concorreria a
presidência do país. O nome de Tancredo Neves uniu diversos segmentos da
sociedade, que acreditavam na candidatura como instrumento importante no
processo de redemocratização do Brasil, e, ao mesmo tempo, em que garantia as
elites políticas uma transição controlada. A outra chapa foi composta pelos
setores mais conservadores, tendo a sua frente Paulo Maluf (também PDS),
apoiado pelos dissidentes de seu partido que não concordavam com o nome
oficial de José Sarney e Tancredo Neves.
Em 1985 o PDS estava dividido e acabou se desagregando
posteriormente. A ala de apoio a José Sarney acabou saindo do partido para criar
o Partido da Frente Liberal (PFL), hoje remodelado com o nome DEMOCRATAS
(DEM).
73
(CARDOSO, 1994, p. 83).
52
Em 15 de janeiro de 1985, o colégio eleitoral consagra Tancredo
Neves como presidente do Brasil com 480 votos contra 180 votos de Paulo Maluf.
No entanto, o presidente não chega a assumir, pois morre antes da sua posse,
cabendo, então, a José Sarney, depois de um acordo, a ocupação da presidência
da República.
A profunda crise que assolava o país permitiu ao povo criar uma
imagem de Tancredo Neves como o presidente que, realmente, iria mudar o país
e sua morte foi dada com uma grande comoção nacional. Essa reação era de se
esperar, tendo em vista que o país saía das mãos dos militares, que sob um
governo autoritário, reprimiu a sociedade durante 21 anos. No entanto,
examinando as articulações políticas e tendo acesso a uma análise conjuntural,
podemos observar que estas mudanças não foram tão significativas no contexto
estrutural.
Após o processo de “Diretas Já” (1984), dado o fim dos Governos
Militares (1985), com a eleição de um presidente civil (ainda que indiretamente),
no conjunto do país, as esperanças voltavam-se, agora, para a convocação de
uma Assembléia Constituinte. Sobre este processo constitucional, Teixeira Silva
diz:
Suas funções, reais ou imaginárias eram múltiplas. Para a maior
parte do povo deveria ser o momento em que seus anseios por
uma maior participação política, econômica e social seriam
preenchidos. Os partidos de esquerda como o PDT, o PT, os
partidos Comunistas e uma parcela do PMDB esperavam, acima
de tudo, remover o chamado ‘entulho autoritário’: uma série de
leis e atos que desde a implantação da ditadura limitava o
exercício da cidadania.
74
A Constituição de 1988 (aprovada no dia 05 de outubro) marca o fim
desse “entulho autoritário” e é considerada a mais democrática Constituição,
dando maior destaque aos direitos sociais. A Constituição de 1988 estabeleceu
eleições diretas em dois turnos para presidente, governadores e prefeitos, com
74
(SILVA, 1990, p. 385).
53
mandatos de cinco anos; o presidencialismo como forma de governo; a
independência dos três poderes; restringe a atuação das Forças Armadas; voto
facultativo, extensivo aos analfabetos e maiores de 16 anos por iniciativa própria.
Porém, a característica mais importante da Constituição de 1988, o que levou a
denominação de “Constituição Cidadã”, foi a incorporação de uma série de
direitos civis e sociais. Os direitos civis clássicos são amplamente assegurados
(liberdade de expressão, reunião, privacidade garantida, a inviolabilidade do
domicílio, da correspondência e das comunicações e a proibição de prisão sem
decisão judicial). Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal
Federal (STF) recuperam e ampliam suas prerrogativas, constituindo-se em um
freio face às pretensões do Poder Executivo. Estabelece-se, assim, a liberdade. A
tortura e o racismo são transformados em crimes inafiançáveis. Amplia-se uma
série de garantias trabalhistas.
75
A noção de cidadania passou a ser amplamente difundida a partir da
Constituição de 1988. Mas, apesar de ser considerada uma Constituição Cidadã,
sua atuação, na prática, está muito longe de ser alcançada. Tendo em vista essa
realidade, os movimentos sociais passaram a exigir, nas suas reivindicações, a
concretização de muitas leis que abrangem os direitos humanos na Constituição,
mas que são deixadas de lado na prática da sociedade. A luta pela cidadania
tornou-se a principal bandeira reivindicada pelos movimentos. No entanto,
observamos também uma apropriação indevida do termo cidadania no conjunto
da sociedade. Dagnino (1994) em seu estudo sobre Os Movimentos Sociais e a
emergência de uma nova noção de cidadania, destaca:
Ela expressa e responde hoje a um conjunto de interesses,
desejos e aspirações de uma parte sem dúvida significativa da
sociedade, mas que certamente não se confunde com toda a
sociedade. Nesse sentido, evidentemente as apropriações e a
crescente banalização desse termo não só abrigam projetos
diferentes no interior da sociedade, mas também certamente
tentativas de esvaziamento do seu sentido original e inovador. Há
uma disputa histórica pela fixação do seu significado e, portanto,
de seus limites.
76
75
(SILVA, 1990, p. 391).
76
(DAGNINO, 1994, p. 102).
54
Lutar por cidadania parece ser um marco que agrupa todas as
classes sociais. Isso se deve exatamente por esta diversidade de conceitos sobre
o tema. O postulado liberal, que caracterizou a cidadania criada no século dezoito
para responder às exigências daquela sociedade está sendo usado até hoje. A
cidadania não pode ser vista apenas como o direito a participar da vida política do
país. Esse pensamento é visualizado pelos setores mais conservadores da
sociedade, os quais apresentam os conceitos distorcidos de cidadania e
democracia, garantido assim a permanência da ordem e de seus interesses.
Dagnino propõe uma nova noção de cidadania, onde se responde a emergência
de duas dimensões: partindo das experiências concretas dos movimentos sociais,
tanto os do tipo urbano, quanto os movimentos de mulheres, negros,
homossexuais, ecológicos, etc. – “Na organização desses movimentos sociais, a
luta por direitos constituiu a base fundamental para a emergência de uma nova
noção de cidadania.”
77
, e outra noção, cuja abordagem sobre a cidadania aponta
para a construção e difusão de uma cultura democrática. Essa nova noção de
cidadania expressa o novo estatuto teórico e político que assumiu a questão da
democracia em todo o mundo.
78
No Brasil, essas novas dimensões começaram a ser discutidas e
implementadas (pelo menos na lei) a partir da Constituição de 1988. A
Constituição, apesar de ter apontado para inúmeros avanços sociais, não pode
ser considerada como um marco de vitória para as camadas populares, pois se
criou, na própria Constituição, mecanismos de revisão, pelos quais convocou-se o
Congresso Nacional para, em 1993, promover a sua revisão. Esses mecanismos
foram mais uma garantia para as elites de controlar e imporem seus interesses.
Mas, a partir da redemocratização do país, os movimentos populares vão lutar
contra os abusos e as retiradas de seus direitos, o que vai dificultar um pouco a
atuação livre dos grupos conservadores.
No campo econômico, o Brasil, nos anos 80, sofreu uma enorme
crise financeira, fruto ainda da política de endividamento externo acumulado ao
longo dos anos anteriores. Há um verdadeiro esgotamento do modelo econômico
77
(DAGNINO, 1994, p. 104).
78
Ibid.
55
implantado desde fins do Governo Vargas e as consequências de uma
industrialização, baseada na formação de um capitalismo dependente, dão
margens a uma crise que, por muitos autores caracterizou a década de 80 como a
“década perdida” devido a recessão, o desemprego e a miséria. No ano de 1986,
foram criados três planos econômicos que tentaram estabilizar a economia do
período: Plano Cruzado I (fevereiro); Cruzadinho (junho) e Plano cruzado II
(novembro). Entretanto, esses planos não lograram êxitos. A inflação, que
chegara a 57,4% em 1986, salta para 365,7% em 1987. A pressão inflacionária
revolta operários e desespera a classe média urbana, promovendo um violento
clima de mal-estar.
Mais uma tentativa do governo é feita em 1988, com o Plano
Bresser. Esse Plano, apesar de promover grandes perdas salariais, não consegue
conter a inflação, que chega, em 1988, a 933,6% ao ano. O mal-estar social
explode em amplos movimentos grevistas e a repressão governamental é feita
com vigor, causando vários conflitos e mortes nos campos e nas cidades.
Problemas de corrupção também entram em cena nesse momento e
isso leva o país, através da mídia, a criar a imagem do “marajá inimigo do povo”,
responsabilizando o mal e corrupto funcionário público pela miséria da população.
Começa-se a criar um novo imaginário na população, cuja utilização será bem
aproveitada na próxima campanha presidencial.
Em um clima geral de descrédito, Fernando Collor de Mello
denuncia, publicamente, o governo por corrupção, encontrando uma amplíssima
audiência.
Em plena crise econômico-financeira e numa ofensiva de acusações
de corrupção, iniciou-se a disputa eleitoral de 1989. Foram as primeiras eleições
diretas para presidente no Brasil desde 1960. Todos os candidatos se colocaram
no campo da oposição.
Nos processos políticos do Estado, como do Brasil, os estudantes
participaram ativamente, apoiando ou denunciando candidatos, promovendo
debates, atuando politicamente no espaço político da cidade e do país.
56
2.2 A CONSTRUÇÃO DA UMES/NATAL
A comissão Pró-UMES surgiu em 1981, com o objetivo de fundar a
entidade municipal. Em 1982, acontece o 1
o
Congresso dos estudantes
Secundaristas de Natal, no Instituto de Teologia Pastoral de Natal (ITEPAN)
79
,
onde a União Metropolitana de Estudantes Secudaristas foi criada. No estatuto da
entidade encontramos: “art. 1
o
O Congresso dos Estudantes Secundaristas de
1
o
e 2
o
graus, reunido em Natal nos dias 14 e 15 de maio de 1982, aprovou a
construção da União metropolitana de estudantes Secundaristas – UMES, com
personalidade jurídica e sem fins lucrativos com a finalidade de coordenar e
unificar a ação dos estudantes de 1
o
e 2
o
graus de Natal na defesa de seus
direitos, com sede na Rua Campos Sales n.º 3999 – Petrópolis, Natal, com tempo
de duração ilimitado, tendo como fórum a cidade do Natal.”
80
Nesse primeiro congresso, foi eleito como presidente o estudante
Cláudio Damasceno, militante do MR-8. Segundo relato do mesmo, esta gestão
foi muito conturbada, pois o partido acabava aparelhando a entidade e suas
ações não conseguiam legitimação.
81
No congresso seguinte da UMES, que veio acontecer em 1983 na
E. E. Atheneu, saiu como presidente da UMES Claudionor Damasceno, irmão de
Cláudio Damasceno. Sobre esse congresso, há divergências no ME secundarista.
O grupo de oposição ao MR-8
82
retrata que o Congresso iniciou, mas devido ao
tumulto acabou suspendendo os trabalhos, e Claudionor não chegou a ser eleito.
O fato é que depois disso Claudionor ficou à frente da entidade municipal até
1985, mesmo sobre a crítica de militantes que, segundo alguns depoentes, o
acusavam de golpista. Tal situação acaba de comprometer significativamente a
representatividade da entidade.
79
(UMES pela base, 1987).
80
(BRASIL, 1990).
81
(DAMASCENO, 2002) – Documento sonoro.
82
Informação retirada do Jornal de uma das diretorias paralelas da UMES que era oposta ao grupo
do MR-8.
57
O grupo de oposição ao MR-8, que na época se intitulava como
“independente” no movimento estudantil, composto por lideranças como Rogério
Marques – estudante do Atheneu Walter Júnior – estudante da Escola Técnica
Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) – , não reconheciam a direção do MR-8,
e em 1984 começaram a articular um movimento de oposição para a UMES.
Em 1985, a diretoria da UMES convocou o Conselho de Entidades
de Base (CONSEB) na Escola Estadual Winston Churchill com o objetivo de
discutir a realização do Congresso da UMES. Nessa reunião, os estudantes que
faziam oposição a Claudionor compareceram com uma maioria de entidades e
propuseram o nome do presidente do Grêmio da ETFRN, Walter Júnior, para
dirigir os trabalhos. A partir deste fato, originou-se uma confusão, pois o grupo
ligado ao MR-8 não aceitou essa proposta. O conflito acabou gerando a primeira
grande divisão da entidade, pois o grupo liderado por Walter Júnior se retirou do
conselho de entidades terminando-o em outro local, na Escola Estadual Atheneu
Norte-riograndense. Chamando, dessa forma, um outro congresso da UMES.
Em nota, os estudantes que se retiraram da reunião organizada por
Claudionor, com data de 24 de agosto de 1985, continuaram a reunião num outro
lugar
83
e deliberaram a convocação para o III Congresso de Reconstrução da
UMES a se realizar nos dia 12 e 13 de outubro no Ginásio Sílvio Pedrosa (E. E.
Atheneu). A comissão de organização desse congresso composta por: Evaniel
Cavalcanti Rocha; Gil Chavier Filho; Francisco Sueudo Pereira Araújo e Geildon
Antônio da Silva publicaram a convocação para o Congresso em Diário Oficial no
dia 08 de outubro de 1985, informando também a pauta que seria discutida na
ocasião: Situação Nacional do Município; Esporte e Cultura; Reorganização da
UMES e do Movimento Estudantil com a reformulação do seu Estatuto; Situação
atual do país; Eleição da nova diretoria da UMES.
84
83
No documento: “Caros estudantes, vimos través desta comunicar-lhes que realizou-se no dia 24
de agosto de 1985, Na Escola Estadual Winston Churchill às 15:30, o Conselho de Entidades
onde fizeram-se presentes as entidades das seguintes escolas: ETFRN, Newton Braga, Imperial
Marinheiro, Sagrada Família, Edgar, Rotari, Berilo Wanderley, Francisco Ivo, Luís Antônio, Alberto
Torres, Atheneu, Nestor Lima, José Fernandes Machado, Varela Barca, Luís Soares e Walter
Pereira.” COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO. NOTA aos estudantes, 27/08/85.
84
(III CONGRESSO..., 1985).
58
Nesse Congresso, que a princípio apresentou duas chapas, uma
encabeçada por Walter Júnior e outra por Rogério Marques, terminou apenas com
a chapa de Rogério Marques, tendo em vista que com as articulações internas,
Walter Júnior acabou retirando sua chapa. Nesse congresso os militantes do PC
do B acabaram também ficando fora da diretoria. Foram eleitos Rogério Marques
para presidente e Evaniel Cavalcanti para vice.
Os estudantes participantes desse congresso ligados ao PT e PC do
B, que já não reconheciam a diretoria da UMES anterior, passaram a divulgar o
Congresso da UMES como o marco da reconstrução da Entidade, que para eles
anteriormente além de aparelhada, não tinha legitimidade nenhuma.
Por uma estratégia acordada entre os partidos que davam as
diretrizes dessa diretoria (PT e PC do B) as gestões posteriores referendavam e
legitimavam a data de Reconstrução da UMES a partir de 1985.
Os militantes estudantis do MR-8 fizeram um congresso
posteriormente a esse, mas, seguindo a decisão do Conselho de entidades
realizado antes na E. E. Winston Churchill, elegeram uma outra diretoria com:
Lázaro Amaro – presidente da UMES e Jalmira Damasceno – vice.
A militante estudantil Jalmira Damasceno, Prima dos irmãos Cláudio
e Claudionor Damasceno, era Presidente do Grêmio do Instituto Kennedy, um
escola estadual de formação de professores (magistério). Envolvida no
movimento cultural de sua escola, esta fazia parte do MR-8 e foi eleita vice-
presidente da UMES na diretoria liderada por Lázaro Amaro. Segundo Amaro,
havia uma política do partido de incentivar a participação feminina, por isso
sempre era destinado um cargo de vice-presidência para uma mulher.
85
Essa diretoria referendava nos seus jornais e documentos a data de
fundação da UMES do dia 14 e 15 de maio de 1982 e se considerava uma
continuidade das diretorias anteriores.
85
(AMARO, 2002) – Documento sonoro.
59
Ambas as diretorias não se reconheciam, queriam legitimar suas
diretorias, suas idéias. O partido tinha a política de ocupar as entidades de
representação da sociedade. E o ME estava dentro deste contexto partidário.
Encontramos nos documentos das duas diretorias da UMES uma diferenciação
mínima de nomenclatura. A UMES ligada ao MR-8 se denominava nos seus
boletins como União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas. Já a outra
UMES, se denominava como União Metropolitana de Estudantes Secundaristas.
Desta última, como já falamos anteriormente, encontramos o estatuto registrado
em cartório em 1990.
2.3 DIFERENTES CONCEPÇÕ ES POLÍTICAS NO MOVIMENTO ESTUDANTIL
Nos estudos acerca do período militar são analisadas diversas
correntes políticas de esquerda que se contrapuseram ao regime de diferentes
formas. Várias delas agiram na clandestinidade, usando como tática a luta
armada para conseguir fazer a Revolução Socialista como foi o caso do
Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), Partido Comunista do Brasil (PC
do B), Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Aliança Libertadora
Nacional (ALN), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), entre outras. No
entanto, existiram partidos, que embora na clandestinidade, como o PCB,
avaliavam que a luta armada não era a saída para a questão política da época e
se reuniram em torno dos partidos institucionalizados, como o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) – oposição consentida durante os governos
autoritários.
Com o processo de “Redemocratização” do país, as várias correntes
que conseguiram sobreviver a repressão começaram a avaliar suas atuações
durante o regime e repensar suas maneiras de agir diante da nova conjuntura que
se colocava.
60
Na década de 1980, partidos políticos como PCB, PC do B e MR-8
passam a apoiar a “Nova República” acreditando numa concepção etapista da
revolução brasileira. Segundo Ozai da Silva:
O apoio do PCB, PC do B – até recentemente – e MR-8 à “nova
república” é fruto da concepção etapista da revolução brasileira.
Para estes companheiros, processa-se no momento atual a
primeira etapa da revolução brasileira, a revolução democrática-
nacional burguesa (ou nacional democrático-burguesa, na visão
do MR-8). Só após concluída a primeira etapa é que passaremos
à etapa socialista. Essa concepção faz com que estes
companheiros participem da CGT e da Frente democrática –
desenvolvendo uma política de alianças com o PMDB, PFL,
burguesia Nacional, etc. – com o objetivo de garantirem a
transição democrática, a libertação nacional e o desenvolvimento
do capitalismo brasileiro.
86
Já os grupos que divergiam dessa posição se concentraram em
torno da formação do Partido dos Trabalhadores que acabou não apoiando a
eleição de Tancredo Neves e José Sarney. No PT se organizaram nesse período
diversas tendências como O Trabalho, os Prestistas, a Articulação dos 113, a
Democracia Socialista (DS), Convergência Socialista (que no ME denominava-se
LIBELU - Liberdade e Luta) entre outras. Essas tendências, embora reunidas no
mesmo partido, divergiam de posições, e, a partir dos anos 1980, outras novas
começaram a surgir.
2.3.1 Correntes políticas no ME norte-riograndense
Andrade (1994) analisa que o ME sempre esteve no centro das
atenções dos partidos de esquerda e que essa intervenção tinha os seguintes
objetivos: “1. Conquistar o poder estudantil, participando das entidades, fazendo
86
(SILVA, [19--?], p. 155).
61
com que seus quadros tornassem referências; 2. Repassar para os estudantes a
posição do partido. Analisa também que:
A variedade de posições políticas é resultado da luta ideológica
existente no interior de qualquer sociedade de classes, e elas
emergem com maior freqüência e nitidez nos períodos em que a
realidade objetiva, através da luta política, se radicaliza, onde a
possibilidade de ruptura se torna iminente. Em decorrência dessa
realidade, as posições vão se diferenciando uma das outras, até
se constituirem grupos que comunguem com as mesmas idéias
formando assim matrizes ideológicas diversas.
87
Essa foi a realidade dos grupos políticos aqui no RN que no início
dos anos 1980 não tinha uma posição ideológica bem definida e só nos outros
anos é que conseguimos ver as divisões mais nitidamente. No início dos anos
1980, há a predominância de um grupo homogêneo no interior do movimento
estudantil que é o MR-8. Em oposição a esse grupo encontram-se figuras que não
se denominam enquanto partido, mas que na E. E. Atheneu já se reúnem em
torno do jornal Alerta.
Com a reestruturação das entidades de base, a partir de 1985 é que
começamos a destacar mais nitidamente as forças políticas que atuavam no
Movimento Estudantil. Muitos estudantes foram influenciados a adentrar no
movimento secundarista através de militantes do MR-8 nos primeiros anos da
década de 1980 e depois racharam com o grupo identificando-se com outros
partidos e tendências no ME, como foi o caso de alguns militantes do PC do B
que entraram no movimento via MR-8 e depois assumiram o partido como,
Vicente Elísio Neto e mais na frente Heronilza Nascimento, João Maria Fraga,
Orminda Silva e Juscelino Bezerra. Outros depois entraram no PT, quando o
Partido começava a se estruturar no estado. Ocorreu também o oposto. Em
entrevista, Lázaro Amaro disse que foi influenciado a entrar para o movimento
estudantil por Rogério Marques, que se intitulava “independente” e fazia oposição
ao grupo do MR-8. Ele relembra que quando Rogério foi expulso da E. E. Atheneu
87
(ANDRADE, 1994, p. 37).
62
acabou sendo cooptado
88
por Claudionor Damasceno, que na época já estava
organizado no partido MR-8 e a partir daí afirma ter tido uma atuação mais
politizada e engajada no movimento estudantil.
Durante a passagem pelo movimento estudantil secundarista é
freqüente observarmos essa troca de tendências. As influências ideológicas às
vezes não são tão firmes entre os militantes, isto devido a sua imaturidade
política. Um desencanto político e às vezes até emocional com algum grupo, pode
levar o militante a sair daquela organização política ideológica para uma outra e
até mesmo do próprio movimento em si.
Além dessa troca de tendências, comumente podemos observar
também a necessidade, quase sempre vindas de discussões partidárias dos
militantes se intitularem como “independentes”. Em entrevista, Rogério Marques e
Walter Júnior afirmaram não militar no partido, por isso, estamos usando essa
terminologia de “independentes” para identificá-los. Ressaltamos isto porque os
militantes de grupos diferenciados os rotulavam como petistas por estes estarem
sempre fechando e assumindo posições com os militantes que realmente
estavam engajados no Partido dos Trabalhadores.
Nas disputas das entidades de base sempre aparecia uma chapa se
denominando “independente” de partidos. No entanto, essas chapas
posteriormente apresentavam o apoio de militantes engajados em grupos políticos
de atuação no ME, o que demonstrava a influência e problematizava o caráter
“independente” da mesma. Na verdade, essa postura de se apresentar como
“independente” era uma das táticas de expansão dos próprios partidos dentro dos
movimentos sociais.
Em 1985 tínhamos no movimento estudantil potiguar o MR-8, o PC
do B que era denominado antes como Viração e a partir deste ano com a
legalização do partido começou a atuar nacionalmente no ME identificando-se
como União da Juventude Socialista (UJS), o PCB, uma pequena formação do PT
88
Termo utilizado para designar um militante que se engaja num grupo, ou muda de um para
outro.
63
e os “Independentes”. Nos anos seguintes, a formação do PT começou a
aumentar no estado e observamos, no primeiro momento, a participação de uma
tendência interna do Partido dos Trabalhadores denominada Caminhando
Secundarista, que durante o final da década de 1980 e início dos anos 1990
conseguiu ser a maior expressão do PT a nível nacional no movimento
secundarista. Em Natal, essa tendência compôs as diretorias da UMES ligada ao
grupo dos “Independentes” e em 1988 conseguiu compor a direção da UBES
através do militante estudantil Henrique José Fernandes, que participou da União
Brasileira durante duas gestões consecutivas, uma como 1
o
tesoureiro e outra
como vice presidente Nordeste 2. Já em 1988, observamos no PT o surgimento
de uma corrente política, dissidente do Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR), chamada Travessia Socialista (atuando no partido
através da tendência Brasil Socialista – BS), que durante os anos seguintes
passava a ser o grande destaque do partido no Movimento Estudantil, ficando na
direção da UMES até meados dos anos 1990.
O grupo de “Independentes” faziam oposição ao MR-8 durante a
década de 1980 com uma atuação mais próxima aos militantes do PT no
movimento estudantil, como já havíamos frisado anteriormente. No final dos anos
1980 esse grupo assume um partido fundando o Partido da Luta Proletária (PLP),
aqui no estado.
2.4 A POLARIZAÇÃO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL
Em 1985, depois dos dois congressos paralelos já citados, a UMES
passa a atuar na cidade do Natal a partir de duas entidades, uma reunindo
estudantes ligados ao grupo MR-8, e outra com estudantes do PT, PCB e
“independentes” como se intitulavam no momento. O PC do B participou do III
Congresso de Reconstrução da UMES, do dia 12 e 13 de outubro de 1985, mas,
devido às articulações internas do Congresso, acabou ficando de fora da diretoria
e passando a assumir a postura de não apoiar nenhuma das duas entidades.
64
O PC do B dirigia o grêmio da Escola Técnica Federal do Rio
Grande do Norte e em acordo com a diretoria da UBES, que também era
controlada pelo Partido, passou a representar o ME natalense nos fóruns
nacionais como os CONEG´s (Conselhos de entidades Gerais), já que a UBES
também assumiu a postura de não se posicionar entre as diretorias paralelas da
UMES.
Depois de constituídas, as diretorias da entidade municipal
natalense passaram a uma disputa na justiça e nas outras esferas da sociedade
pelo seu reconhecimento. Esse reconhecimento também era pedido à União
Brasileira, mas a entidade nacional preferiu assumir uma posição de não
reconhecimento de nenhuma das duas diretorias. Nos encontros Nacionais de
Entidade de base acabava o grêmio da ETFRN representando os estudantes
norte-rio-grandenses, com direito a voz, mas sem o direito a voto.
Inicialmente, a disputa pelo reconhecimento também se dava com
os órgãos públicos, que para não se comprometer, acabavam também assumindo
a posição de não reconhecer nenhuma das duas entidades. Portanto, essas
entidades passaram a preencher espaços destinados aos estudantes
secundaristas em Natal, participando de Conselhos e comissões da Secretaria de
Educação.
A Vice-presidente da diretoria dirigida por Lázaro Amaro, foi Jalmira
Damasceno, ao restante da diretoria não conseguimos ter acesso. A diretoria
dirigida por Rogério Marques com Evaniel Cavalcante (vice), realizou no dia
01/03/86 um conselho de entidades de bases e homologou o quadro diretivo da
entidade composto por: José Dantas de Brito – 1
o
secretário; Francisca das
Chagas – 2
o
secretário; Agemiro Diniz – 1
o
tesoureiro; Alcina Diniz – 2
o
tesoureiro;
Júlio Rosado Filho – departamento de Imprensa; Tânia Martins; Julião –
Departamento de esportes; Gilca Dantas – Departamento de 1
o
grau; Mário
Sérgio – Departamento. de 2
o
grau; Iara – Departamento Feminino; Divane Karla
Departamento de Escolas Pagas; Manacy Henrique – 1
o
suplente; e Wladimir
Fonseca – 2
o
suplente. Nessa reunião foi criado o departamento de escolas
65
pagas, até então inexistente na entidade, devido a crescente participação dos
alunos da rede particular de ensino no movimento estudantil.
89
Podemos observar que no quadro de 15 membros na diretoria, 6
eram mulheres. Um número expressivo para meados da década de 1980.
Ressalva-se que as mulheres ainda estavam ocupando sempre os cargos
secundários como: 2º secretário, 2º tesoureiro entre outros.
A primeira grande bandeira de luta dos estudantes secundaristas, na
década de 1980, foi pela legalização e reconstrução dos grêmios livres, que foram
extintos em 1968. Essa luta se expandia no sentido da democracia, haja visto que
os estudantes queriam se libertar dos Centros Cívicos e se organizar livremente,
deixando para trás toda forma organizativa que perdurou durante os governos
militares. Essa bandeira foi encampada pela UBES e trabalhada por todo o Brasil.
Depois de várias mobilizações da União Brasileira, em 02 de maio de 1985, é
aprovado na Câmara Federal o Projeto de Lei n.º 1.880 do deputado federal Aldo
Arantes
90
– PMDB (GO)
91
que legalizava os grêmios livres. E em 05 de novembro
de 1985 a lei Aldo Arantes é sancionada pelo presidente da República
92
.
O primeiro grêmio estudantil a ser reconstruído em Natal foi o da
Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte. Depois da lei sancionada, foi
realizada uma Assembléia que transformou o Centro Cívico Nilo Peçanha em
Grêmio Estudantil Djalma Maranhão. O processo de transformação não foi
amistoso na escola, pois segundo Walter Júnior o Centro Cívico chamou a
assembléia para construção do grêmio antes da lei ser sancionada o que levou a
direção da escola a tentar impedir tal evento. Mas como a lei do grêmio livre foi
aprovada antes do período marcado, a Assembléia foi realizada na legalidade e o
grêmio Estudantil Djalma Maranhão foi instituído. A vice-presidente do grêmio na
época, Heronilza Ferreira do Nascimento
93
em reportagem do Jornal da
89
(A REPÚ BLICA, 1986, p. 10).
90
Aldo Arantes, que foi presidente da UNE em 1961, era membro do PC do B, mas como o partido
estava na ilegalidade, este foi eleito pelo PMDB a deputado federal.
91
(OLIVEIRA, [1985]).
92
(Estudante em marcha, 1986)
93
Heronilza Nascimento é apresentada no Jornal da Secretaria de Educação como presidente do
Grêmio, mas nas entrevistas cedidas a autora pelos militantes estudantis a mesma é citada com
vice-presidente do Grêmio Estudantil Djalma Maranhão na gestão presidida por Walter Júnior.
66
Secretaria de Educação do Estado diz que foi eleita para o Centro Cívico da
escola e depois de uma mobilização e conseqüente conscientização foi proposto
a transformação, permanecendo com a mesma diretoria. Apesar dos Centros
Cívicos se transformarem, posteriormente a lei, em Grêmios Estudantis, as
lideranças da época não entendiam como uma simples mudança de nome, de
centro para grêmio. Rogério Marques, à época presidente de uma das diretorias
da UMES, no jornal da secretaria de Educação, afirma:
Não queremos apenas mudar o nome de Centro Cívico para
Grêmio. Agente quer que essa mudança se dê dentro de um
aspecto político. Que a assembléia de cada escola, a partir do
momento que decidir a favor dos grêmios, esteja consciente do
papel da entidade e do compromisso que ela possa assumir
dentro da escola.
94
Mesmo sem a existência legal dos grêmios, os militantes do ME nas
escolas já sabiam da importância da transformação dos Centros Cívicos em
grêmios estudantis e com a sanção da lei essa realidade começou a se
concretizar e em vários colégios os Centros se transformaram em Grêmio
Estudantil. As diversas lideranças das duas diretorias paralelas da UMES caíram
em campo para a construção dos grêmios nas escolas de Natal.
Heronilza Nascimento era considerada uma das grandes lideranças
da época, uma das principais expressões da juventude do Partido Comunista do
Brasil. Ao ser transformado em Grêmio estudantil na ETFRN, foi criado também
departamento feminino ocupado por uma mulher, a militante Márcia Gomes.
As principais bandeiras de luta do movimento estudantil sempre
passaram do âmbito mais específico ao mais geral. As lideranças entendiam que
tanto o sucateamento das escolas públicas, como a falta de professores, eram
fruto do descaso que as autoridades e os governos tinham com a educação.
Então, quando organizavam um protesto motivado pela precariedade das
condições físicas da E. E Atheneu, por exemplo, aproveitavam para denunciar o
descaso com a educação, que não era localizado, mas que abrangia várias outras
escolas e várias outras bandeiras.
94
(Jornal da Secretaria da Educação do Estado, 1986).
67
Depois de criada e reconstruída a União Metropolitana dos
Estudantes Secundaristas, as principais formas de reivindicação eram as
passeatas organizadas por elas. No contexto dos anos 1980, a mobilização contra
o aumento dos transportes coletivos era a pauta que reunia milhares de
estudantes nas ruas.
Durante a sua gestão, a UMES, liderada por Rogério Marques e
Evaniel, conseguiu uma sede na Associação dos Professores do Rio Grande do
Norte (APRN) que acabou funcionando como sede da entidade até 1994. As
reuniões eram feitas na própria Associação de professores, todos os sábados, e,
segundo os militantes, apesar de exaustivas, pois começavam entre duas e três
horas da tarde e terminavam por volta das sete, oito horas da noite, eram muito
proveitosas, um espaço de formação política para os militantes. Nelas se
discutiam todos os problemas referentes ao Movimento Estudantil. Essas
reuniões na APRN foram constantes durante toda a década de 1980.
Em 1985 as duas diretorias consideravam-se legítimas
representantes dos estudantes e ignoravam a existência uma da outra. Rogério
Marques, em entrevista, fala que o discurso da divisão do movimento estudantil
era usado apenas pela outra diretoria, porque para ele não existia uma divisão,
existia uma única entidade que foi reconstruída através do congresso de
reconstrução, que inclusive não reconhecia nem as diretorias anteriores
hegemonizadas pelo MR-8:
No nosso entendimento só havia uma UMES. Essa história de
que havia divisão na UMES não é verdadeira. [...] o que existia
era um partido [...] o MR-8 que se pretendia tomar posse da
UMES [...] como não conseguiu ter o acúmulo de organização
suficiente, na tentativa de reconstrução da UMES, eles foram,
registraram uma entidade fantasma e passou a distribuir
panfletos, enfim, começou a divulgar essa história de divisão no
movimento estudantil.
95
95
(SILVA, 2002) – Documento sonoro.
68
No discurso de Rogério, observamos como essa disputa era
acirrada e como se auto ignoravam as duas direções. Por sua vez, Lázaro Amaro
acreditava ter sido eleito no verdadeiro congresso da UMES, haja visto que para
ele o outro foi um congresso paralelo.
As duas diretorias, embora usassem o discurso de não se
reconhecerem mutuamente, viviam fazendo propaganda contrária da sua
opositora. Em 1986, quando aconteciam as eleições para governo do Estado, a
direção da UMES ligada ao MR-8 PMDB apoiou abertamente a campanha de
Rosângela Maria de Melo, a Rosa, para Deputada Estadual pelo PMDB, o que
levou a diretoria oposta a organizar um dossiê e uma intensa mobilização contra a
diretoria do MR-8, acusando de fazer aparelhamento partidário do movimento
estudantil. Neste dossiê, apareciam fotos e matérias de várias lideranças sindicais
e estudantis pedindo voto para Rosa, entre elas, Lázaro Amaro dizendo:
Nós temos em Rosa uma jovem como nós, disposta a dar a
própria vida nessa luta, como muito dos nossos jovens já o
fizeram. Porque Rosa, em todos esses anos em que vem lutando
em defesa do povo, em defesa da igualdade da mulher, sempre
vem expressando a sua compreensão, da razão principal de toda
a aflição do povo brasileiro, que é a dependência econômica e
tecnológica do Brasil
96
.
Esta reportagem servia como subsídio para que a outra diretoria
ligada a Rogério Marques denunciasse o aparelhamento e a utilização da
entidade para fins eleitoreiros, acusando-os também de estudantes profissionais.
No quadro político da cidade as eleições para prefeito aconteceram
em 1984 (a primeira eleição direta desde 1965 para este cargo) onde disputam o
executivo municipal os candidatos: Garibaldi Alves Filho, deputado estadual
desde 1970, apoiado pela coligação PMDB PC do B – PCB; e Vilma Maia
apoiada pelo PDS.
Segundo Andrade (1994), Garibaldi Filho consegue ganhar as
eleições beneficiado pelo sentimento de oposição do povo norte-rio-grandense
96
(Jornal mural, [1987]).
69
em relação a oligarquia Maia, no poder do Estado desde 1975 e que estava
vinculado aos governos militares, recém derrotado no colégio eleitoral, além de ter
capitalizado para si, eleitoralmente falando, a reunião do “Rabo de Palha”
97
.
O processo de reivindicação por Diretas Já no RN foi iniciado pelas
entidades estudantis e partidos de esquerda. Segundo Andrade (1994):
O ME participou dessa campanha através de suas entidades,
principalmente o DCE, que juntamente com os sindicatos,
lançaram manifestos de apoio e organizaram passeatas e
comícios em prol das Diretas Já; além de telegramas que foram
enviados aos parlamentares do Estado, pedindo apoio a Emenda
Dante de Oliveira.
98
Apesar dos universitários serem o grande destaque na obra de
Andrade sobre a mobilização das “Diretas Já” no Estado, lembramos que o ME
secundarista participou ativamente nesse processo, engrossando as
manifestações de rua.
Com relação ao PMDB local, só após a deflagração da campanha é
que os políticos desse partido aderem “As Diretas Já, com uma participação
muito tímida e restrita aos grandes comícios.
Nas eleições para governador, em 1986, a oposição apresentou
como candidato o empresário Geraldo José de Melo, que fora vice-governador na
administração Lavosier Maia e renunciara para ingressar no PMDB. O outro
candidato, da coligação Aliança Popular, constituída pelo Partido da Frente
Liberal (PFL) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi o deputado Federal João
Faustino. Segundo Mariz e Suassuna “A campanha foi bastante acirrada, Melo
97
Segundo ANDRADE (1994) “Rabo de Palha” foi uma denominação usada pela oposição para
caracterizar uma reunião Organizada pelo Governador José Agripino Maia como os prefeitos do
PDS/PFL de todo o interior do Estado, realizada no Centro de Convenções, localizado na Via
Costeira. Essa reunião visava preparar uma grande “confusão” nas ruas de Natal no dia da eleição
para prefeito, com pessoas articuladas pelos prefeitos do interior do RN, que passariam o dia
inteiro fazendo “boca de urna”, e impressionando o eleitorado natalense em prol da candidatura de
Vilma Maia. Mas, a reunião foi gravada de forma clandestina e denunciada na imprensa local e
nacional, fazendo com que seus Organizadores recuassem da tentativa de forjar a “Confusão”.
98
(ANDRADE, 1994, p.76).
70
venceu por uma pequena maioria e pela primeira vez em doze anos seguidos, era
eleito um governador que não pertencia ao grupo dos Maias”.
99
Segundo Mariz e Suassuna (2001) A administração de Melo “foi
voltada para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte, tendo em vista o grande
conhecimento que ele tinha das condições e problemas do Estado. Entretanto,
tomou atitudes revanchistas em vários setores da administração e, como era de
se esperar, procurou beneficiar os seus partidários.”
100
Já os movimentos sociais fizeram grandes manifestações contra o
governo de Melo. Em 1988, é datada uma greve de professores das escolas
estaduais, que teve grande participação dos estudantes secundaristas.
Em 1987, foram realizados novamente dois congressos da UMES,
puxados pelas duas diretorias. O 4
o
Congresso da UMES feito pelos estudantes
ligados ao MR-8 ocorreu nos dias 24 e 25 de outubro no colégio Dinâmico, sendo
eleita a seguinte diretoria: Serveny Araújo Cid – presidente; Elione Severino da
Fonseca – vice; João Dantas – 1
o
secretário; Carlos Antônio de Araújo – 2
o
secretário; Luís Eduardo – tesoureiro; João Maria Bezerra – 2
o
tesoureiro;
Edineide Bezerra – Departamento Feminino; Jesiel Ferreira – Departamento de 1
o
grau; Marcelo Gálio – departamento de 2
o
grau; Flávio Henrique e Cristiane
Soares – Departamento de Imprensa; Ademir Nazário e Civone Medeiros –
departamento de cultura; Fábio Henrique e Neil Armostrong – Departamento de
Esportes; Elizabeth Regina e Patrícia Cibele – departamento de Assistência
Estudantil; Jiselda Sezani Gomes – Departamento de Escolas Públicas; Jeane
Cristina Morais – Departamento de Escolas Particulares; Jerusa Araújo, Paulo
Sérgio e Jalmira Cesdrina Souza – Suplentes.
101
Dos 22 membros que compõem
a diretoria, 10 são mulheres e seguindo a orientação do partido continua-se
mantendo uma mulher na vice-presidência.
O outro congresso realizado no Ginásio Silvio Pedrosa (E. E.
Atheneu Norte-riograndense) nos dias 10, 11 e 12 de outubro elegeu esta
99
(MARIZ; SUASSUNA, 2001, p. 116).
100
Ibid.
101
UMES pela base, 1987.
71
diretoria: Walter Júnior – Presidente; Hozana Alves – vice; Wlademir Fonseca – 1
o
secretário; José Florêncio das Chagas – 2
o
secretário; Itamar Manso Júnior – 1
o
tesoureiro; Sebastião Valério – 2
o
tesoureiro; Miguel Arcanjo Filho – Diretor de
Cultura; Maria da Conceição Araújo – Departamento Feminino; Roberto Carlos –
Diretor de Esportes; João Maria – Diretor de 1
o
Grau; Carlos Wanderley Teodósio
Diretor de 2
o
grau; Henrique José Diretor de Imprensa; Lenilton de Souza
Lima – Diretor de Assistência Estudantil; Mizael – 1
o
suplente; Arthu Pinheiro da
Silva – 2
o
suplente.
102
Já nesta diretoria composta de 15 membros encontramos
apenas 2 mulheres ocupando os cargos de direção.
A diretoria ligada ao MR-8, devido a sua ligação com o movimento
feminista, teve uma política mais voltada à organização das mulheres no
movimento secundarista realizando alguns eventos. Encontramos no jornalzinho
da entidade de 1987 uma chamada para a organização do 2º Encontro da Mulher
Jovem. A matéria mostra a adesão de meninas da UMES na Federação de
mulheres do RN eleitas no 2º Congresso e diz que “Juntamente com as
secundaristas Edneide (Departamento feminino da UMES), elas vem
desenvolvendo trabalhos nas escolas visando o fortalecimento do Dept. feminino
da UMES e dos grêmios”. [...] o encontro propunha que os temas debatidos
fossem redigidos e posteriormente entregues com propostas para o Conselho
Estadual da Condição Feminina. No documento tinha mais “Questões como a
discriminação profissional e salarial das mulheres: educação sexual, informação e
acesso aos meios anticoncepcionais; reforma educacional; discriminação social,
entre outras, nós jovens não podemos mais adiar a luta para resolvê-las”.
103
em 1988, esta diretoria realiza outro evento organizado pelo Departamento
Feminino no auditório da Reitoria da UFRN, o 1º Encontro Nordestino da Mulher
Jovem secundarista.
104
Nos jornais
105
, observamos que a partir desse momento as disputas
entre as duas diretorias ficam ainda mais acirradas. Nas greves de professores, o
confronto entre os dois grupos era bem explorado pela imprensa. O MR-8 se
102
(UNIÃO METROPOLITANA, [1988]).
103
(Jornal da UMES, 1987, [p.4])
104
(Tribuna do Norte, 30 mar.1988).
105
Tribuna do Norte e Diário de Natal.
72
posicionava contra a greve argumentando que a mesma tinha um cunho
meramente político (as eleições estaduais/1988 e presidenciais/1989) e que a
paralisação fortalecia os grupos que defendem o ensino privado
106
. Já o outro
grupo sempre se posicionou a favor da luta dos professores, apoiando a greve
dos mesmos. Em entrevista ao Jornal Dois Pontos, Serveny Cid acusa a UMES
de ser do PT, de dividir o ME desde 1985, a responsabiliza também pela divisão
na UBES e a acusa de tentativa de divisão na APES. Segundo Serveny Cid “os
dissidentes devem fugir do radicalismo e respeitar os fóruns da entidade, o que
interessa aos estudantes são pessoas capacitadas, não interessa de que partido,
mas há pessoas que só são democráticas quando ganham, quando perdem
esquecem a democracia.”
107
Nesse discurso, observamos como o grupo ligado ao
MR-8 via a prática do outro grupo de oposição, classificando-a como radical. Na
entrevista dada a autora Serveny Cid comenta:
A outra diretoria tinha uma postura diferente [...] era mais radical
no sentindo de enfrentar [...] a gente chamava na época “rebelde
sem causa” [...] nós entendíamos que não era dessa forma, é
tanto que nós tínhamos uma boa relação com o governo do
estado, com a prefeitura, porque é, cada um de nós, da minha
diretoria tínhamos uma posição política, um partido no qual nós
participávamos, mas no momento em que estava se discutindo as
questões dos estudantes, existe estudantes de todos os partidos,
então a gente tinha que trabalhar em prol da maioria.
108
Jalmira Damasceno também frisa essa diferença de prática e
concepção quando fala da disputa dos grupos políticos do Instituto Kennedy.
Disputa esta que refletia o quadro do ME da cidade:
O grupo mais pauleira mesmo era... muito embora a gente
tivesse ligado ao MR-8 que gostava muito daquela porrada,
daquele cassete todo, mas agente era o grupo mais romântico
106
(Tribuna do Norte, 18 out.1989).
107
(Dois pontos, 1988).
108
(CID, 2002) – Documento sonoro.
73
né? O grupo da noite era um grupo mais voltado pra essas
questões de organização política mais séria
109
.
O grupo da noite do qual a depoente fala é exatamente o grupo
liderado por militantes do PT e “independentes”, e nesse momento a UJS já tinha
declarado um apoio mais concreto a esse grupo, haja visto que também havia
nacionalmente uma divisão do movimento estudantil, em que o MR-8 dirigia uma
outra diretoria da UBES. Esse grupo também acusava o MR-8 como divisionista e
nacionalmente fazia uma forte campanha com cartazes contra a diretoria que
acusava ser porta voz da política do Presidente José Sarney. Na Folha de São
Paulo que fala sobre o 28
o
congresso da UBES realizado em Santo André, há um
destaque falando da divisão do movimento estudantil. O jornal diz:
Uma outra UBES foi criada em 1987 numa dissidência surgida no
Congresso de Brasília. Ela representa majoritariamente o
Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) abrigado nas
fileiras do PMDB. Em agosto passado, realizaram seu congresso
em Itu (SP) reunindo cerca de 1.500 estudantes.
110
Com essa divisão em nível nacional, a UJS teve que tomar uma
posição com relação a divisão do ME também local e decidiu fazer uma atuação
mais efetiva junto à diretoria da UMES dirigida pelo grupo dos “Independentes” e
petistas.
Como no ME potiguar, as mulheres tiveram pouca participação nas
composições das diretorias da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
(UBES) na década de 1980. No entanto, tivemos uma mulher ocupando o cargo
de presidência, em 1985, que foi a secundarista Selma de Oliveira.
O congresso seguinte da UMES foi realizado em 1990 e mesmo
passando por um processo de discussão com todas as forças políticas para a
109
(DAMASCENO, 2006) – Documento sonoro.
110
(Folha de São Paulo, 1989, p. D-6).
74
unificação do ME Natalense, a tentativa não logrou êxito. Nesse momento, várias
das lideranças estavam saindo do movimento estudantil, entre elas Walter Júnior
e Serveny Cid, como outras que já haviam dado grande contribuição ao ME. O
MR-8 já não tinha grandes quadros que sustentassem o grupo no ME, mas um
novo grupo surgia, encabeçado por Ridalvo Felipe que a partir de 1988 se uniu ao
grupo do MR-8 no movimento estudantil. Esse novo grupo que surgia era acusado
pelos demais grupos que participavam do ME, de ser atrelado à prefeitura e aos
empresários de transportes da cidade, e devido a isso era um grupo que detinha
um forte apoio estrutural para sua manutenção no movimento estudantil.
Todos os grupos, PT, PC do B, PLP e esse novo grupo, trabalharam
na construção do 5
o
congresso, o qual tinha como objetivo unificar o movimento
estudantil secundarista em Natal. No entanto, após divergências e confrontos no
Congresso, o grupo PT, PLP, se retirou do Atheneu onde estava sendo realizado
o Congresso, encaminhou-se à Escola Estadual Alberto Torres, que ficava
próximo ao Colégio Atheneu e continuou com a realização de um congresso
paralelo que elegeu a nova diretoria da UMES, na qual Ronaldo Marques foi eleito
Presidente. A UJS acabou novamente não apoiando nem uma das duas
diretorias
111
, dando prioridade a sua atuação na APES.
O Congresso da Escola Estadual Atheneu continuou e ao final foi
eleito Ridalvo Felipe como presidente da UMES de Natal. Felipe conseguiu
registrar sua diretoria e a partir daí novamente dar-se a briga na justiça pela
legalidade e o movimento fica dividido.
Só em 1992, teremos a unificação da Entidade municipal onde todas
as forças políticas participam de um único congresso e concordam que a diretoria
eleita será a legitima representante dos estudantes municipais.
A nível de Estado, tivemos a reorganização da entidade máxima dos
estudantes secundaristas do RN em 1988, com um amplo movimento de
mobilização coordenado principalmente pela militância natalense ligada a diretoria
PT/PC do B.
111
(BEZERRA, 2002) – Documento sonoro.
75
2.5 A RECONSTRUÇÃO DA APES
A Associação Potiguar de Estudantes (APE) foi fundada em 1928 no
Colégio Atheneu, com o objetivo de representar os estudantes secundaristas no
Estado do Rio Grande do Norte. Em 12 de maio de 1935, é fundado o Centro
Estudantil Potiguar (CEP), entidade essa que nesse mesmo ano aglutinará as
suas atividades a APE. Em 19 de julho de 1935, através do jornal A Ordem
112
, o
Centro Estudantil Potiguar comunicava aos estudantes a decisão tomada por
unanimidade, em reunião dirigida por João Elysio da Rocha, seu presidente, a
favor da fusão da ex-Associação Potiguar de Estudantes com o CEP, tornando-se
esse a entidade representativa dos estudantes secundaristas. Tal medida se deu,
segundo a nota em obediência a Decreto Federal assinado no Rio de Janeiro,
fundando o Centro Estudantil Brasileiro. A partir de então, o CEP passou a
coordenar as atividades políticas estudantis no Rio Grande do Norte, até que em
1949 fundou-se novamente a APE e as duas entidades desencadearam uma luta
permanente pela hegemonia do ME, até a extinção legal de ambas pela Lei n.º
4.464, de 9 de novembro de 1964.
113
Com a organização de algumas entidades estudantis no Estado, os
militantes do ME secundaristas começam a se preocupar com a viabilidade de
reconstrução da entidade estadual. No dia 27 de agosto de1988, realizou-se no
Sindicato dos Empregados no Comércio Varejista de Natal o I Conselho Estadual
de Entidades Estudantis, o qual contou com a presença das seguintes entidades
estudantis: UMES (Natal), CEM (Mossoró), UMES (Pedro Velho), UNESCO
(Currais Novos) UNICES (Currais Novos), UESA (Apodi), Grêmio estudantil “Dr.
Severiano” (Macaíba), Grêmio Estudantil do CEJA (Caicó) e Grêmio Estudantil da
E. E. 11 de agosto (Umarizal).
112
Segundo Justina Iva Silva (1989) “A Ordem” foi fundada em 14 de janeiro de 1935, pela
Congregação Mariana de Moços da Arquidiocese de Natal e tinha como programa a defesa da
ordem, conforme editorial do primeiro número. Este órgão foi um dos mais importantes jornais da
cidade do Natal durante o século XX.
113
Ver mais em: Silva (1989).
76
Esse encontro criou uma Comissão Pró-Congresso de
Reconstrução da APES
114
composta pelos seguintes membros e entidades
representantes: Henrique José C. Fernandes (UBES); Eduardo Henrique
Vasconcelos (UMES-Natal); Wladimir Fonseca Marinho (UMES-Natal); Sebastião
Valério da Fonseca (UMES-Natal); Antônio Francisco de A. Santos (CEM -
Mossoró); Alexandre Henrique da Silva (UMES - Pedro Velho) Paulo Roberto da
Cruz (UNESCO - Currais Novos); Antônio Heron da Costa (UESA-Apodi);
Zacarias Lima da Silva (UNICES - Currais Novos); Sérgio Ê nio Rodrigues Neto
(Grêmio Assú); Maria Zilda de Souza (Grêmio Macaíba); Francisco Antônio
Duarte (Grêmio Umarizal); Francisca Daise Galvão Freire (Grêmio Caicó).
115
Essa
comissão teria a tarefa de organizar e realizar o III Congresso de reconstrução da
APES/RN no período de 26 a 27 de novembro de 1988 na cidade do Natal. Ela
era composta de 13 representantes, sendo 2 mulheres.
A partir de então, a comissão, junto aos demais militantes do estado,
entrou em campo para organizar o congresso. Henrique José, militante estudantil
potiguar ligado ao PT, na época também diretor da UBES, relembra que houve
uma grande articulação para viabilização desse congresso. E no XXVII Congresso
da UBES realizado na cidade de Goiânia/GO em julho de 88, no qual foi eleito 1
o
tesoureiro
116
, combinou:
Lá mesmo a gente fez uma reunião onde tirou essa diretriz,
inclusive junto com o pessoal do PC do B a nível nacional, com
Emanuel Rangel. [...] lá mesmo agente já fez um acordo, junto
com o pessoal do PC do B, de fazer esse compromisso de
reconstruir a entidade estadual. Então a gente veio pra cá e foi
assim uma maratona, de viajar interior por interior [...].
117
114
Segundo o registro do estatuto da entidade no 2
o
cartório de notas – com endereço na Av.
Tavares de Lira, 85 – a APE (Associação Potiguar de Estudantes) passou a ser registrada
enquanto APES (Associação Potiguar de Estudantes Secundários) em 09 de maio de 1960. No
órgão oficial da APES ESTUDANTE, publicado pela comissão Organizadora do Congresso data
do dia 30 de novembro de 1959 a reformulação do estatuto e nome da entidade em Assembléia
Geral.
115
(Diário Oficial do Estado, 1988).
116
ATA do XXVII Congresso da UBES, realizado nos dias 12, 15, 16 e 17 de julho de 1988, em
Goiânia/GO.
117
(FERNANDES, 2002) – Documento sonoro.
77
A entrada de estudantes potiguar na UBES sempre viabilizou a
atuação das forças políticas na esfera estadual. Analisando as entrevistas dos ex-
dirigentes observamos que colocar um militante na diretoria da entidade nacional
sempre foi estratégico para os grupos políticos que queriam abranger sua atuação
a nível estadual. Os estudantes que representaram o RN na UBES deixaram claro
essa intenção nas entrevistas concedidas.
118
Com o slogan “Nossa força está na Organização, foi realizado nos
dia 26 e 27 de novembro de 1988, na Escola Técnica Federal do Rio Grande do
Norte, o III Congresso de Reconstrução da APES. As pautas para discussão no
Congresso foram as seguintes: Situação Nacional e Internacional; Educação;
Juventude; Cultura e Esporte; Movimento estudantil e Eleição da Diretoria.
No congresso houve muitas discussões e, segundo os
entrevistados, foi bastante proveitoso, havendo subgrupos para discutir os temas
propostos. Ao final foi eleita a diretoria que ficou assim constituída: Maurício
Miranda – Presidente; Sebastião Valério da Fonseca – Vice-presidente; João
Eudes Gomes – 1
o
secretário; Maria Zilda de Souza – 2
o
secretária, Carlos
Wanderley Teodósio – 1
o
tesoureiro; Júlio Borges de Macêdo – 2
o
tesoureiro;
Erivaldo Bezerra de Souza – Diretor de Imprensa; Francisco Jorge de Lima Freire
Vice Litoral; Sérgio Ricardo de C. Oliveira – Vice-Agreste; Antônio F. de Aquino
dos Santos – Vice-Oeste; Damião Xavier Torres de Paiva – Vice Auto-Oeste;
Paulo Roberto da Silva – Vice-Seridó; Henrique José C. Fernandes – Diretor de
Cultura; Cid Robson Formiga Diretor de Esportes; Orminda Bezerra da Silva –
Diretora Feminina; Iguatemir de Carvalho Gomes – Diretor de Escolas Públicas;
Wlademir Fonseca Marinho – Diretor de Assistência Estudantil; Francisco das
Chagas da Silva – Diretor da Casa do Estudante; Tânia Nogueira do Rego –
Diretora de Escolas Particulares.
119
Embora não tenha entrado na diretoria, a ex-militante estudantil, Ana
Claúdia de Melo, membro da Travessia Socialista, que em 1988 e 1989 era uma
118
Henrique José Fernandes e Serveny Cid foram diretores da UBES paralelas em 1988.
Henrique Fernandes continuou na direção seguinte como vice-presidente nordeste 2. Em 1993, no
congresso de unificação da UBES Juscelino Bezerra compõe a diretoria da entidade e em 1995
Glácio Menezes integra-se também União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.
119
(BRASIL, 1989).
78
das principais forças políticas do ME local, relembra de sua participação na
mobilização para o Congresso da APES. Quando fala do grupo do qual fazia
parte, diz:
Era um grupo bem xiita, um bando de xiita, e eu inclusive, fui uma
das criadoras desse grupo. [risos] Agente decidiu sair pelo interior
fundando grêmio e divulgando o congresso da Apes que estava
próximo, acho que coisa de 6 meses depois disso. Pra você ter
idéia eu fugi de casa, sai sem dizer a minha mãe, nem ao meu
pai, botei a mochila nas costas e sai sem um tostão no bolso,
pegando carona pra ir aos interiores [...] fundar grêmio e divulgar
o congresso da APES. Pra tirar delegados.
120
Ser militante estudantil era dedicar-se intensamente as atividades do
movimento. Na fala de Ana Claudia podemos ter uma idéia de como o militante se
dispunha muitas vezes da sua vida pessoal para desenvolver as atividades do
movimento, afetando inclusive as relações familiares. Essa dedicação ainda era
mais questionada ao se tratar de uma militante feminina, que além de abandonar
estudos e família, saia de todos os padrões normais destinados às mulheres em
nossa sociedade.
A militância é uma ação apaixonada
121
. O militante estudantil se
insere de forma intensa no movimento, muda completamente seu cotidiano,
fazendo com que as ações políticas sejam priorizadas em detrimento das outras
esferas da sua vida privada. Muito embora essa doação leve o jovem militante a
abrir mão de algumas atividades próprias à sua faixa etária, o engajamento no
movimento parte de uma escolha feita pelo ator.
Compreendemos o conceito de militante seguindo o raciocínio de
Fraga: “Militante é aquele que participou das lutas políticas, ocupou espaços
públicos, ganhou visibilidade, viveu intensas experiências, distanciou-se da rotina
dos demais membros da sociedade e construiu uma rotina própria de vida.”
122
120
(MELO, 2006) – Documento sonoro.
121
(FRAGA, 2000).
122
(FRAGA, 2000, p.291).
79
Sendo militante, aquele jovem que se diferencia por ocupar espaços
públicos e distanciar-se da rotina dos demais membros da sociedade formando
uma rotina própria de vida, homens e mulheres no ME se enquadram nesta
caracterização. O que distingue a militância feminina da masculina são as
diferenças de gênero, os conflitos que as mulheres encaram ao adentrar no
espaço público da política, enfrentando discriminações, pressões, tendo que
conviver com um olhar diferenciado no próprio grupo que participa.
Iremos discutir no próximo capítulo a inserção das mulheres no
espaço político do Movimento estudantil, bem como os conflitos vivenciados em
detrimento a esta participação.
80
CAPÍTULO 3
81
A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL POTIGUAR
3.1 O PANORAMA CONFLITANTE DA INSERÇÃO DAS MILITANTES NO ME
Como pudemos observar na reorganização das entidades estudantis
secundaristas, as mulheres estavam presentes, muito embora não tenham
assumido posição de destaque nas entidades. Durante a década de 1980, as
encontramos nas diretorias das entidades gerais, principalmente nas entidades de
base que são os grêmios estudantis.
O movimento estudantil secundarista, normalmente, é formado por
jovens de faixa etária entre 14 a 20 anos de idade, estudantes do nível secundário
(Ensino Médio) das esferas pública e privada.
123
Esses jovens, em idade escolar,
estão submetidos à uma cultura que exige dos indivíduos postos em sociedade o
mínimo de instrução escolar para a condição de empregabilidade futura. Sendo
assim, os estudantes secundários vão às escolas para adquirirem conhecimento
científico que os prepare para o nível universitário de ensino ou que os
especialize diretamente para um determinado ramo de trabalho.
Na escola, planejada e dividida em séries, os estudantes ficam
dispostos em turmas de alunos, recebendo aulas de várias disciplinas, cada uma
delas ministrada por um professor especializado. Esta disposição na qual a turma
se insere, favorece ao agrupamento de estudantes, os quais acabam se reunindo,
dentro da escola, de acordo com suas afinidades pessoais. Os estudantes que se
destacam na sala de aula, apresentando atributos de liderança, estes, logo são
chamados ou escolhidos como líderes de turma (primeira instância de
representação estudantil) e, posteriormente, podem fazer parte do grêmio da
escola (instância de representação máxima dos estudantes do colégio). Fazem
123
A rigor a faixa etária dos estudantes compreendida na Lei de Diretrizes de Base (LDB) é de 7 a
14 anos para o ensino fundamental e 15 a 17 anos para o Ensino Médio. No entanto, a realidade
do movimento secundarista potiguar abarca um imenso número de estudantes fora de faixa, além
daqueles que fazem mais de um Nível Médio, abrangendo também os estudantes de ensino
fundamental.
82
parte das atividades do grêmio estudantil: a organização e representação dos
estudantes nas atividades políticas, cívicas, desportivas e festivas da escola; bem
como, fazer a interlocução com a direção da mesma nos problemas do dia-a-dia.
Quando analisamos os motivos que levaram os estudantes
secundaristas a participação da vida política escolar, observamos, no depoimento
de militantes da década de 1980, que boa parte deles tiveram suas inserções no
ME partindo de confrontos com as direções, as quais se mostravam autoritárias
em relação a alguns encaminhamentos ordinários do funcionamento escolar.
Então, neste caso, os estudantes que discordavam de algumas práticas da
direção acabavam se unindo em torno da crítica e mobilização contra essas
atitudes consideradas autoritárias. Esta motivação acabou por levar a formação
de um primeiro núcleo do movimento estudantil de âmbito escolar.
Sobre esse agrupamento de jovens que já começaram a fazer
política no espaço escolar, vamos perceber, nas contribuições de Fontenelle,
quando este analisa a constituição do sujeito político em Thompson que:
Quando ocorre uma ação coletiva que faz frente às ameaças que
se colocam a determinadas pessoas, elas ‘se sentem mais
próximas uma das outras e procuram imagens que as
mantenham unidas. Ações coletivas alimentando uma auto-
imagem coletiva [...]’
124
Destacamos, assim, que o agrupamento de jovens estudantes é
ocasionado primeiramente a partir da pactuação de idéias, onde, posteriormente,
pode transformar-se num grupo convergente de práticas políticas coletivas.
Confrontar-se com as direções de escolas pode ser um dos
primeiros caminhos a levar alguns jovens à participação e ao engajamento no
movimento estudantil. Porém, as discordâncias podem ser motivadas, também,
por outros grupos estudantis, ou seja, estudantes cujas discordâncias da prática
124
(FONTENELLE, 1996).
83
do grêmio podem se reunir para montarem uma oposição e se inserirem, assim,
no movimento.
A inserção do jovem no movimento estudantil pode ser ocasionada
por diversos fatores: por discordâncias – como já vimos; por influência de um
colega já militante; por se identificar culturalmente com algum grupo a frente do
movimento; por organizações em torno de atividades festivas e competitivas,
entre outros motivos. Nos dias de hoje, considerando a realidade do movimento
estudantil secundarista no Rio Grande do Norte, esses motivos podem assumir
uma dimensão bem maior, tendo em vista a confecção das carteiras de
estudante
125
, as quais acabam atraindo muitos estudantes para o movimento com
objetivos financeiros.
O engajamento do estudante no ME, nos anos 1980, o levou a um
grupo que tinha idéias e práticas comuns, e seu comportamento, provavelmente,
foi influenciado e modificado por este grupo no qual se inseriu. No estudo da
Sociabilidade na teoria de Tonnies, Miranda analisa que “A identidade é um
processo pelo qual o homem se integra e se separa de uma coletividade de
referência simultaneamente”.
126
Sendo assim, o jovem militante, para entrar e
continuar no movimento estudantil, precisava se identificar com algum grupo. De
acordo com esta idéia, Miranda nos diz também que:
Nas relações sociais próximas definidas como o processo de
sociabilidade, a pessoa deve buscar suas referências identitárias.
Para saber se o faz, e se efetivamente ali se identifica, é preciso,
portanto, analisar-se os valores vigentes no direcionamento dos
atores e sancionados pelo grupo.
127
Essa identidade com o grupo levou o jovem estudante ao
engajamento nos grupos que constroem o movimento estudantil, transformando-o
num militante a absorver a cultura política militante. Com esta inserção, este
125
A identidade estudantil (Carteira de estudante) era um documento que servia para o
pagamento da meia passagem dos estudantes em transportes coletivos da cidade. Hoje além
dessa função, o documento garante a meia-passagem intermunicipal e meia-entrada nos eventos
culturais. Até 1993 a confecção carteirinha da esteve sob a responsabilidade da Administração
municipal e em 1994 passou para a responsabilidade do movimento estudantil.
126
(MIRANDA, 1996).
127
Ibid.
84
militante passou de indivíduo a ser político coletivo e sua atuação estava
diretamente ligada ao grupo a que pertence. Sua fala, suas idéias e seu
comportamento estavam relacionados com a coletividade.
Sobre a coletividade, recorremos, ainda, as contribuições de
Halbwachs acerca da memória coletiva, quando nos diz:
Desde o momento em que nós e as testemunhas fazíamos parte
de um mesmo grupo e pensávamos em comum sob alguns
aspectos, permanecemos em contato com esse grupo, e
continuamos capazes de nos identificar com ele e de confundir o
nosso passado com o seu.
128
Esta afirmação nos ajuda a compreender a fala do depoente que
esteve inserido no grupo e que, ao nos relatar sobre sua participação, fala na
primeira pessoa do plural (nós), dando a idéia da existência de um grupo que,
mesmo disperso ou extinto, sobrevive na memória. O grupo e o seu local social
desempenham fator determinante na construção dessa memória coletiva.
Em entrevistas, as militantes estudantis destacam que aspectos de
suas personalidades já a levavam a se interessar pela crítica ou política, sendo
estes motivos responsáveis pela inserção no movimento estudantil. Sobre isso
Ana Claúdia de Melo nos diz:
Eu era muito assim, sempre fui muito questionadora, então
quando eu entrei na ETFRN, eu vinha de escola de padres, do
Salesiano, e eu achei ótimo aquela história do pessoal ir nas
salas dar aviso, fazer movimento, manifestação e aquilo me
chamou muita atenção. Então, devido a essa coisa [...] eu resolvi
começar a ir ali pelo grêmio.
129
Como espaço de contestação que reúne jovens com intuito de se
organizar e reivindicar direitos, o movimento estudantil passa a ser uma esfera
atrativa para jovens questionadores que procuram na ação uma forma de criar
128
(HALBWACHS, 1990, p.28).
129
(MELO, 2006) – Documento sonoro.
85
uma identidade e transformar o espaço. Arendt já nos diz que “é com palavras e
atos que nos inserimos no mundo humano”
130
. Para a autora: “na ação e no
discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades
pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo, enquanto suas
identidades físicas.”
131
Como um primeiro espaço de atuação política o
movimento estudantil reúne esses jovens questionadores, muitos considerados
inclusive “rebeldes” dependendo da postura assumida pelo grupo que se engajou.
Nos depoimentos, vários militantes masculinos e femininos relataram que eram
rebeldes na sua juventude e por isso participavam do movimento estudantil. A ex-
militante estudantil Orminda Silva falando sobre os motivos que levaram-na a
adentrar no movimento estudantil nos diz que:
Na realidade eu já fui sempre, desde de que eu me entendi de
gente eu fui rebelde porque eu morava no interior do estado, meu
pai era vereador da então ARENA, que nós sabemos que era um
partido altamente atrasado, conservador e [...] eu não sei lhe
dizer, mas eu sei que eu contrario a isso sem entender de
absolutamente nada. Então em 1979, eu enquanto estudante,
sem nem entender o que era partido político, sem nem entender
nada, mais tinha assim essa rebeldia dentro de mim.
132
Orminda Silva retrata o fato de ser “rebelde” como uma
característica peculiar de uma jovem propensa a reivindicar e estar no movimento
estudantil. Sua posição contrária ao partido do pai – membro da ARENA como
cita no depoimento – avalia-se como posição comum de uma jovem que
pretende-se firmar e ter uma identidade própria, muitas vezes discordando das
posturas de seus pais e familiares. Mas há de convir que, apesar das
discordâncias, essas influências políticas direta ou indiretamente - na família
são um dos principais motivos do interesse do jovem pelo mundo político. Que
estes fazem referências aos seus pais falando da importância destes na sua
formação, mesmos seguindo concepções diferenciadas na política. Esses casos
mostram-se às vezes até dicotômicos quando o militante que discorda do partido
130
(ARENDT, 1999, p. 189).
131
Ibid. p. 192.
132
(SILVA, 2006) – Documento sonoro.
86
e das posições do pai acaba se afastando do ME para apoiá-lo na campanha,
como no caso do presidente da UMES em 1988 que apoiou seu pai nas eleições
para vereador pelo PMDB e foi criticado no âmbito do movimento estudantil por
isso, já que embora se colocasse como “independente”, discutia com os grupos
secundaristas ligado ao PT e depois engajou-se no Partido da Luta Proletária
(PLP).
Parcela da juventude brasileira dos anos de 1980 foi formada dentro
de um processo de contestação dos governos militares, lutando por
redemocratização, por isso, muitas vezes essa parcela era homogenizada como
juventude rebelde. Essa rebeldia se tornava ainda mais visível aos jovens ligados
ao movimento estudantil que herdavam uma cultura política dos grupos de
esquerda das décadas anteriores que diferenciava seus comportamentos dos
outros jovens.
Embora estejamos analisando as transformações dos anos de 1980,
temos que fazer uma retrospectiva ressaltando que os anos de 1960 foram
marcantes no contexto das transformações culturais em todo o mundo. A
modernização da sociedade apressou a mudança dos padrões de conduta
privada, colocando em destaque a liberação sexual e o consumo de drogas,
temas estes, até então, considerados como tabus. Estes destaques estão
intrinsecamente ligados às formas que os jovens encontraram para imprimir suas
contestações e o movimento estudantil, como o principal espaço de discussão da
juventude, desempenha papel fundamental nestas transformações.
O militante estudantil, como um jovem comprometido com as
questões políticas e sociais do país, avaliava que a revolução tinha que ser
completa no campo social e cultural da sociedade. Muito embora carregasse em
si toda uma dimensão cultural de comportamentos obtidos na infância e
adolescência, heranças de uma formação conservadora, ditada – principalmente
pela Igreja e pela família, o militante encontrou na sua fase adolescente muitas
dúvidas com relação a sua postura no âmbito cultural. Diferente de outros jovens,
cujas práticas baseavam-se na formação machista e conservadora, os militantes
estudantis defendiam princípios que possuíam toda uma relação com a negação
87
do sistema capitalista e as noções de propriedade, para a sua prática cotidiana.
Postulamos estes aspectos culturais que faziam parte da juventude dos anos
1960 e 1970 para podermos entender melhor o comportamento juvenil, mas
observamos que o militante, muito embora esteja inserido neste contexto, tinha a
sua vida muito mais dedicada aos problemas sociais e as suas atividades
políticas, ficando um pouco recluso esses outros comportamentos de caráter mais
privado.
Os jovens da década de 1980 conseguiram encontrar um amplo
debate sobre a juventude com as relações sexuais e o consumo de drogas – bem
mais intensos neste momento. As pílulas anticoncepcionais, que apareceram bem
antes, mas neste momento já haviam se democratizado, deixavam a mulher mais
livre no que concerne a sua atuação sexual, não temendo mais o risco da
gravidez indesejada. No entanto, estas novas práticas culturais encontraram pela
frente barreiras inéditas, as quais levariam os jovens a refletir e cautelarem os
seus comportamentos. A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), como
uma doença sem cura, entra no cenário dos anos 1980 e passa a interferir nessa
liberação sexual proposta desde a década de 1960, levando toda a sociedade ao
medo e precaução no que se refere aos relacionamentos sexuais. Para a
juventude, principalmente os secundaristas, jovens com responsabilidades não
bem definidas, a doença cai como um estopim, pois com uma liberação sexual
acentuada e o consumo de drogas mais diversificado, intenso e dependente com
utilização de seringas, levou parcela expressiva de jovens a serem infectados.
Os militantes estudantis que faziam uso das drogas, principalmente
na década de 1980, discutiam esse uso de drogas e defendiam a liberação
utilizando o slogan do É proibido proibir
133
argumentando também que a proibição
da maconha, por exemplo, devia-se à política das grandes multinacionais do
tabaco de garantir sua produção exclusiva na sociedade, tendo em vista que esta
outra droga poderia ser produzida artesanalmente.
133
Este slogan foi criado em 1968 – sendo tema de uma das músicas de Caetano Veloso – em
meio aos governos militares, mais teve também uma grande repercussão ainda nos anos 1980.
88
O discurso do É proibido proibir foi uma (re) apropriação dos jovens
dos anos de 1980 das manifestações de protesto ainda dos anos de 1960 que
utilizavam este slogan, sendo propagado na música de Caetano Veloso, em 1968,
em meio aos governos militares. Nos anos de 1960 as drogas passaram a ser
consumidas como uma forma de se contrapor a obediência dos pais e das
autoridades, sendo usada como um símbolo de liberdade, de avanço. Ser
moderno era está aberto para o novo, quebrar as amarras do tradicionalismo do
sistema e o uso das drogas abarcava essa simbologia. Não usar ou experimentar
era visto como caretice
134
ou conservadorismo.
Nos anos de 1980 o movimento estudantil utilizava esse discurso,
muito embora, a realidade que assolava o consumo das drogas já se
caracterizasse num outro patamar, diferente dos anos de 1960 e 1970. As drogas
levaram muitos jovens à dependência marcando drasticamente suas vidas, além
de servir como um intenso comércio que passava a montar as bases para o
tráfico e a formação do crime organizado, um dos grandes problemas do Brasil no
séc. XXI.
O Rock and Roll também era uma das marcas características dos
jovens dos anos de 1980. As bandas de rock nacional, como os Titãs, Legião
Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, com suas músicas críticas que questionavam,
de forma rebelde, os problemas sociais, marcaram boa parte do comportamento
juvenil e militante. As passeatas e mobilizações estudantis tinham, inclusive,
como pano de fundo, uma seleção de músicas críticas, principalmente do estilo
Rock, que mostravam a “cara” da juventude e se identificavam muito com o
movimento, entendendo-se, assim, a passeata como espaço também de
formação. Estas músicas eram, na maioria das vezes, protestos contra a violência
urbana que assolava boa parte da juventude, criando assim um processo de
identificação mútuo. Além das manifestações contra a corrupção e o
autoritarismo. Na passeata organizada pelos estudantes da Escola Técnica
Federal do Rio Grande do Norte, em 1988, em protesto a pancadaria e a prisão
de alguns militantes em manifestações anteriores que se rebelaram contra a falta
134
O adjetivo “careta” era utilizando pelos jovens pra designar algo ou alguém considerado como
atrasado, conservador.
89
de professores, bem como contra os decretos 95.682 e 95.683, os quais
reduziam as verbas dos estabelecimentos de ensino da rede federal, podemos
encontrar faixas e gritos de ordem, baseados na música “Polícia”, também dos
Titãs, dizendo “Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de
polícia”
135
.
Muito embora o rock tenha assumido esse papel crítico, a militância
tinha como uma das suas preferências musicais também, a Música Popular
Brasileira (MPB), principalmente aquelas contestatórias dos Governos Militares,
as quais eram cantadas e interpretadas por personagens que sofreram com a
repressão e o exílio. A militância se diferenciava porque, de acordo com seu
ponto de vista ideológico, pretendia distanciar-se da mídia e do consumismo em
todos os seus aspectos rejeitando as músicas propagadas pelos meios de
comunicação – como a lambada e o axé que eram tidas como músicas da moda
nos anos de 1980. Havia toda uma crítica a cultura de massa imposta pelos meios
de comunicação, que serviam ao sistema e contribuíam para a manutenção do
capitalismo. O militante queria negar essa cultura dominante e, nos eventos
patrocinados pelo movimento estudantil, usava a música como um dos
instrumentos, muito embora, às vezes, a participação expressiva dos estudantes
não se confirmasse por falta de identificação e de afinidade com as propostas
culturais do ME.
3.2 OCUPANDO OS ESPAÇOS DA POLÍTICA
De acordo com as fontes disponibilizadas para a nossa pesquisa
podemos observar que a participação das mulheres no movimento estudantil
potiguar remonta ainda aos anos anteriores aos governos militares, onde já
podemos encontrá-las em congressos e atividades do movimento. Mas é a partir
135
(Tribuna do Norte, 17 set. 1988).
90
da década de 1980, com a reorganização das entidades, que vamos encontrá-las
ocupando cargos de direção nas entidades de base e gerais
136
.
As nossas entrevistadas participaram ativamente das organizações
de base das suas escolas antes de se engajarem na UMES e APES.
Jalmira Damasceno foi eleita vice-presidente de uma das diretorias
paralelas da UMES em 1985 e era também presidente do Grêmio estudantil do
Instituto Pte Kennedy
137
. Esta escola pública de grande porte que se localizava na
Zona Oeste de Natal era uma das principais escolas da cidade que oferecia o
curso magistério a nível de 2º grau, tendo uma clientela, composta na sua grande
maioria de mulheres. Jalmira Damasceno relembra que confrontos com a direção
eram habituais porque:
Aquela escola era uma escola que tinha tradição de ter
normalistas estudando, de ter futuras professoras, então você
tinha que prezar um comportamento estudantil muito diferenciado
dos outros, [...] em plena década de 80, mas não era aceitável
um grupo de mulheres participar de uma passeata; um grupo de
mulheres participar de uma passeata, vindo daquela escola. [...]
não era mais aquela repressão porque não necessitava, mas
existia um discurso repressor. E aí esse discurso repressor vinha
imbuído, vinha revestido do processo formativo que a gente tava
vivenciando e da posição social que a gente ia assumir depois
que saíssemos dali, que íamos ser professoras. Então, um grupo
de professoras faz movimento estudantil, mas faz de uma outra
forma, faz pra organizar as festas, faz para manter a aula da
saudade e assim vai; e aí quando a gente assume, a gente
assume com outro caráter.
138
Os confrontos com a direção eram habituais devido à postura que o
grêmio estudantil tomava. A escola, com uma direção nomeada pelo governo do
Estado que estava nas mãos do PDS no nome de José Agripino Maia, assumia
136
As entidades de base são os grêmios estudantis e as entidades gerais são as instancias de
representação municipal, estadual e nacional.
137
Nos anos de 1990, com a nova LDB que exige nível superior para todos os professores de
ensino fundamental, as escolas de magistério de Natal foram aos poucos se extinguindo. Hoje, O
Instituto Kennedy é um centro de formação de professores com magistério inseridos na rede
pública e privada para o provimento do nível superior. Até meados dos anos de 1990, a luta pela
não extinção dos cursos de magistério era uma das bandeiras do movimento estudantil potiguar.
138
(DAMASCENO, 2006) – Documento sonoro.
91
uma postura conservadora vivenciando muitos embates com um grêmio que
seguia orientações de uma corrente de oposição (MR-8) aos governistas à época.
Então, práticas até então inéditas para a escola, segundo a depoente, passaram a
ser questionadas pela direção como o fluxo de meninos de outras escolas para
participar de reuniões e atividades do grêmio, participação em passeatas, entre
outras.
Outra escola considerada uma das mais importantes no âmbito do
movimento estudantil natalense, de onde surgiram muitas militantes foi a Escola
Técnica Federal do Rio Grande do Norte. Uma das principais lideranças
apontadas pelos depoentes era Heronilza Ferreira do Nascimento
139
, vice-
presidente do grêmio em 1985. Uma das lideranças do PC do B que acabou
sendo uma das referências para muitas mulheres que se engajaram no
movimento posteriormente.
Da ETFRN entrevistamos as militantes Orminda Silva e Ana Cláudia
de Melo, contemporâneas de militância, mas encontrando-se em grupos
diferentes. Orminda foi Diretora do Departamento de Cultura da gestão posterior a
Heronilza. No congresso de Reconstrução da APES em 1988 assumiu o cargo de
Diretora do Departamento Feminino.
Como já vimos anteriormente, os anos e 1975 a 1985 marcaram a
década da mulher e uma das políticas sociais dos movimentos feministas era
disseminação de órgãos de representação de mulheres. O movimento estudantil
seguindo também nessa linha de democratização dos espaços criou inúmeros
departamentos femininos nas suas entidades de base e gerais. Esses
departamentos, que aumentaram expressivamente na década de 1980, não
tiveram uma ação mais direcionada porque, embora o ME tenha sido um espaço
coletivo aberto a reflexão e muitas vezes onde se discutiam e questionava os
padrões da sociedade e o próprio sistema vigente, segundo as militantes
139
Heronilza Ferreira do Nascimento adentrou na política a partir do movimento estudantil e
depois de se afastar do ME secundarista, fez movimento universitário, sindical (atuando na luta
dos guardas municipais onde trabalhou por alguns anos) e mais recentemente assumia uma
cadeira na comissão nacional de direitos humanos em Brasília. Durante nossa pesquisa não
conseguimos entrevista-la, pois a mesma chegou a falecer precocemente no ano passado vítima
de um câncer.
92
estudantis da década de 1980, não existiam reuniões direcionadas para
discussão de gênero. Apenas na segunda metade da década, podemos observar
alguns eventos direcionados feitos pela direção da UMES (ligada ao MR-8), mas,
mesmo no MR-8, segundo relato de Jalmira Damasceno que atuou sobretudo
entre 1983 e 1987, não havia reuniões para a discussões como essa.
Mesmo a depoente não percebendo, as orientações de seu partido
vinham imbuídas de um ideal feminista quando a mesma defende o nome de
Nízia Floresta para o grêmio estudantil de sua escola e quando, nas diretorias da
UMES, se incentivava a participação feminina.
Na APES o Departamento Feminino também não conseguiu fazer
atividades direcionadas as secundaristas, embora tenha tentando por meio do
Departamento, organizar algumas diretorias encabeçadas por mulheres, a
exemplo do Centro Estudantil Mossoroense (CEM). Orminda Silva relata que na
disputa pela entidade de Mossoró a diretoria da APES apoiou uma chapa
dizendo:
A gente estava brigando para colocar uma presidente no CEM e
nós fizemos várias reuniões só com mulheres, pra vê qual a
mulher que tinha mais o perfil pra ser candidata e ela não foi
presidente do CEM, mas ela entrou na diretoria.
140
Vemos neste relato uma prática de mobilização para formação de
uma chapa a partir da diretoria feminina da APES que era dirigida pelo PC do B.
Essa prática de utilização das diretorias consideradas estratégicas para os
partidos era comum nas entidades gerais haja visto que suas composições eram
feitas por diversas correntes, seguindo a proporcionalidade.
Apesar desse incentivo à formação de Departamentos Femininos,
encontramos ainda nos jornalzinhos da UBES e UMES
141
modelos de estatutos
tradicionais que não propunham na sua estrutura a criação destes departamentos,
140
(SILVA, 2006) – Documento sonoro.
141
(UMES pela base, 1988, p.[4])
93
muito embora os depoentes relatem que na formação dos grêmios e ou na
mudança dos centros cívicos o Departamento passava a ser inserido nas próprias
reuniões e assembléias.
Outra importante liderança da ETFRN nos anos de 1980 foi Ana
Claúdia de Melo, membro da Travessia Socialista, dissidência interna do PCBR
que atuava semi-clandestinamente no PT. A mesma chegou a concorrer à
presidência do grêmio. Por estar grávida e este fato ser usado pela oposição, não
conseguiu lograr êxito na sua campanha, onde a chapa oposta, também
encabeçada por uma mulher Doriana, primeira presidenta do Grêmio da ETFRN,
conseguiu se eleger.
Havia uma tentativa de democratização do movimento estudantil
incentivando-se a participação feminina, no entanto, mulheres se destacando,
ocupando espaços públicos também causavam surpresa e cautela nos homens
segundo a afirmação das depoentes. Em entrevista, Ana Claúdia de Melo diz que:
Existia sim essa coisa do preconceito contra a participação
feminina, existia, e eu senti muito esse preconceito,
principalmente quando eu comecei a me tornar, assim, liderança,
até então, ficava naquela... “Ah!, é muito bonitinho participar,
achando o voto das mulheres e tal”... mas aí quando eu comecei
a me tornar liderança, eu comecei a vê o embate que existia em
relação ao fato de eu ser mulher. Aquele monte de homem ali e
de repente eu como mulher querendo me tornar liderança, feriu
alguns egos por ali.
142
Para as militantes estudantis existia um machismo embutido que
acabava dificultando a participação mais ativa das mulheres no ME. Para Maria
de Lima – conhecida como Rosa – primeira mulher a presidir o grêmio da E. E.
Francisco Ivo no final dos anos 1980:
142
(MELO, 2006) – Documento sonoro.
94
Até hoje existe um machismo, só que ele é embutido. O
machismo ele é embutido, então assim, ele diz: não, eu não sou
machista, acho massa a participação de vocês, mas a gente
percebia que eles achavam massa a participação da gente, pra
gente ser as companheiras deles, pra gente namorar com eles,
pra gente chamar atenção de outras pessoas em congresso
quando agente ia participar, aquela coisa do vamos ver. Venha,
venha que aqui tem menina bonita. Então a gente percebia que
era machismo, mas quando a gente pegava no microfone pra
fazer intervenção eles se amedrontavam, quando a gente tomava
espaços deles eles também se amedrontavam assim, a gente
percebia que sofria algum tipo de impacto, que é exatamente isso
que a gente vê o choque do machismo.
143
Apesar desse sentimento que muitas vezes restringia a participação
mais ativa das mulheres no ME, foi no contexto dos anos 1980 que muitas delas
surgiram e se destacaram no espaço político do movimento estudantil. Para
Hanna Arendt a ação significa um nascimento para o mundo e pensando assim a
autora diz que “é com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano”.
144
A fala é um dos instrumentos de comunicação mais eficazes para se
expressar idéias. O ato de discursar é a marca registrada nos movimentos
políticos, os quais envolvem coletividade, pois é a partir dele que o sujeito e o
grupo no qual ele se insere podem expressar suas idéias e convicções. Para
Fraga:
O fato de representar alguém, ou seja, de sua fala expressar a
fala de um coletivo, de elaborando e criticando normas para fazer
valer o interesse de um coletivo (seja de um pequeno grupo, com
uma entidade estudantil ou partido político), sendo o interlocutor,
que necessita desenvolver o poder de argumentação, o
articulador, que requer inserir-se em diferentes grupos sociais, o
mediador, que demanda status e reconhecimento de sua ação;
tudo isso são qualidades e atributos de um ator social que
vivenciou ou vivencia instituições de representação política [...]
145
143
(ALVES, 2006) – Documento sonoro.
144
(ARENDT, 1999, p.189)
145
(FRAGA, 2000, p.275).
95
Como o espaço político do movimento estudantil era baseado em
reuniões, assembléias, congressos e passeatas, o ato de discursar tornava-se
extremamente necessário para a viabilização dessas atividades políticas. As
reuniões eram extensas, duravam cinco, seis horas e os militantes se revezavam
nas inscrições para expor suas idéias. As vezes repetindo-as. O fato de discursar
e falar eram importantes no ritual da reunião, servia para demarcar espaço, expor
os militantes e as idéias do grupo. Quando chamamos de ritual as atividades do
movimento estudantil – como reuniões, assembléias e congressos – concordamos
com as contribuições de Fraga que analisa a assembléia como um ritual político
afirmando que “o ritual não é algo espontâneo, mas sim minimamente planejado,
razão pela qual é um momento extraordinário construído pelos membros de uma
comunidade e voltado para a mesma”
146
. Observamos, segundo as descrições
dos protagonistas, que as reuniões estudantis eram minimamente articuladas
pelos grupos de militantes. O discurso era articulado e apresentado como
instrumento de convencimento, em que se destacava a idéia do grupo, dado a
isso, sempre pronunciado na primeira pessoa do plural (nós) para evidenciar
idéias coletivas.
Para poder formular esses discursos, fazia-se mister preparar-se
politicamente e a leitura junto com os cursos de formação compunham parte
importante do cotidiano estudantil. Porém, nem todos os militantes se
interessavam pela prática da leitura. Os estudos políticos ficavam restritos a uma
parte da militância, principalmente aquela engajada em organizações de
esquerda, a qual cumpriam uma formação, uma disciplina.
O discurso feminino era algo que chamava atenção no coletivo, pois
não era habitual ainda mulheres falando em público, se posicionando no mesmo
patamar que os homens. Nos grupos políticos havia esse sentimento contraditório
de machismo, do medo masculino da mulher se destacar como principal
liderança, ao mesmo tempo em que esse grupo “masculinizado” tentava ser
liberal, democrático e incentivava as mulheres a usar o discurso, a assumir esse
papel de destaque para chamar atenção para o próprio grupo, para seduzir os
146
(FRAGA, 1998, p. 237).
96
ouvintes e assim agregar cada vez mais integrantes. Nesses atos a mulher nascia
para o movimento e como diz Arendt:
Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é
a efetivação da condição humana da natalidade, o discurso
corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição
humana da pluralidade, isto é, de viver como ser distinto e
singular entre iguais.
147
O movimento estudantil como um movimento social baseia sua
forma de agir na ação. A ação que é privilégio exclusivo do homem, uma atividade
política por excelência e como diz Hannah Arendt:
A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os
homens sem a mediação das coisas e da matéria, corresponde a
condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o
Homem, vivem na terra e habitam o mundo. Todos os aspectos
da condição humana têm alguma relação com a política. [...] A
pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos
todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja
exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista e
venha a existir. [...] A ação, na medida em que empenha em
fundar e preservar corpos políticos, cria a condição para a
lembrança, ou seja, para a história.
148
Vemos nessa afirmação que a atividade coletiva dos indivíduos é
uma ação política e que a contribuição humana nos diversos grupos da sociedade
é que caracteriza a construção da história. Como espaço da política, o movimento
estudantil tem suas particularidades. Os jovens sentem a necessidade da ação
coletiva e normalmente se engajam em grupos na sociedade como, por exemplo:
grupos de jovens de Igreja, tribos hippies, dark’s, e no movimento estudantil entre
outros. O movimento estudantil secundarista, por ocorrer geralmente na
juventude, passa a ser a primeira instância de participação organizada dos
sujeitos sociais. Fraga (1996) na sua análise sobre o movimento estudantil
considera três características próprias e esse movimento que são: a possibilidade
147
(ARENDT,1999, p. 191).
148
(ARENDT, 1999, p. 15-16).
97
de ser a primeira participação de forma organizada na sociedade, a temporalidade
da condição de estudante e o caráter geral de suas bandeiras de luta.
149
O estudante tem um tempo determinado para estar no movimento
estudantil, seu período de estudo, no nosso caso o estudo secundário, que
normalmente vai até os 17 anos de idade. As bandeiras de luta dos estudantes,
por mais específicas que sejam, como, por exemplo, a luta por melhores
condições físicas de uma escola, passam pelo âmbito geral, haja visto que a
condição da educação é fruto de toda uma política de âmbito municipal, estadual
e nacional.
No início da década de 1980, a luta dos estudantes, como da
sociedade em geral, era a defesa da democratização do país. Essa luta por
democracia passava a nortear a atuação de alguns estudantes que procuravam
se engajar no movimento estudantil de suas escolas. Os militantes procuravam
questionar as posições que consideravam arbitrárias e em desacordo com seus
interesses, levando-os a frequentes embates com as direções das escolas. Esta
situação de confronto ocorreu durante todo o início da década de 1980. Por sua
vez, não podemos generalizar e dizer que o ME tinha só essa características, pois
em muitas escolas a direção conseguia também articular alunos para fazer
movimento junto aos seus interesses. No caso das lideranças que confrontavam
com as direções, essas normalmente eram perseguidas, chegando até a serem
expulsas ou transferidas das suas escolas como foi o caso dos militantes: Rogério
Marques – expulso da E. E Atheneu Norte-riograndense; e João Maria de França
transferido da E. E. Francisco Ivo Cavalcante devido aos constantes confrontos
com as direções. Os militantes estudantis nos seus depoimentos relembram suas
trajetórias marcadas por eventos que subvertiam a ordem da época. Quebrar com
normas como de exigência obrigatória de fardamento, disciplina e até condutas
eram corriqueiros no ME, o que causava os conflitos de militantes com as
direções de escola. Jalmira Damasceno lembra de uma ação no Instituto
Kennedy:
149
(FRAGA, 1996).
98
Então foi quando ela proibiu [a diretora], eu me lembro demais
dessa grande ação – hoje em dia a gente ri da ação – que ela
proibiu que a gente usasse os instrumentos da banda na
passeata que a gente saia do Kennedy, encontrava com o
pessoal na ETFRN, eu não me lembro como foi essa passeata,
qual o ano, mas foi uma passeata, foi antes de 85, que ela era
uma passeata que ia ter o comício das Diretas [...] e a gente fez
essa passeata do movimento, aí a gente arrombou a sala e
levamos os instrumentos. Aí pronto isso foi um ato extremamente
subversivo.
150
Esse é apenas um exemplo das diversas ações que os estudantes
consideram como subversiva naquela década. Os depoimentos orais vem
imbuídos de (re) significação dos acontecimentos registrados pela memória. O
ator expressa a sensação do período mencionado. Muitos, quando vão citar suas
experiências, adjetivam como banais, bestas, entre outros, mas tentam
demonstrar que para o momento vivido essas experiências tinham um outro
sentido e significado que não os de hoje.
No final da década de 1980, além de Doriana na ETFRN, Maria de
Lima Alves (Rosa) também é eleita como primeira mulher a presidir o grêmio
Emanuel Bezerra da Escola Estadual Francisco Ivo Cavalcante. Esta é uma
escola de 1º e 2º grau de grande porte, localizada na Zona Oeste da cidade do
Natal que inclusive era referencia para as demais escolas da região. Maria Alves
também nos relata que assumiu a secretaria da UMES neste período. Aluizia
Freire, uma de nossas entrevistadas, também era militante estudantil oriunda
desta escola. E posteriormente foi fazer um outro 2º grau na Escola Estadual Prof.
Luiz Antônio, com curso de magistério, continuando no ME secundarista até
meados dos anos de 1990.
150
(DAMASCENO, 2006) – Documento sonoro.
99
3.3 REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS ANOS DE 1980 NO MOVIMENTO
SECUNDARISTA POTIGUAR
Como já podemos ver anteriormente, as mulheres ocuparam cargos
nas entidades estadual e municipal e nos fóruns de representação da cidade
durante os anos de 1980. No quadro abaixo podemos observar que essa inserção
variou de 15 a 45% da percentagem do total de participantes.
Nas gestões e atividades dirigidas pelos militantes que se diziam
“independentes” encontramos uma média de participação feminina de cerca de
22%.
151
(UMES, 1986)
152
Gestão da UMES ligada aos “Independentes”, PT, PCB, com Rogério Marques (Pte.) e Evaniel
Cavalcanti (Vice). Dados retirados: A REPÚ BLICA. p. 2, Natal, 9 mar. 1986.
153
Gestão da UMES ligada ao MR-8 com Lázaro Amaro (Pte.) E Jalmira Damasceno (Vice). Não
conseguimos documentação falando sobre o restante da diretoria.
154
Gestão da UMES ligada aos “Independentes”, PT, PCB, e PC do B com Walter Junior (Pte.) e
Hozana Alves (Vice). Dados retirados: UMES. Manual do Grêmio estudantil: Projeto UMES Ação
Urgente. Gestão “Mãos à Obra (87/89).
155
Gestão ligada ao MR-8 com Serveny Cid (Pte.) e Elione Fonseca (vice). Dados retirados:
JORNAL DA UMES, p. 1, dez. 1987
156
(Diário Oficial do Estado, 1988)
157
(BRASIL, 1989).
REPRESENTAÇÕES HOMENS MULHERES %
encontro Municipal dos Estudantes
Secundaristas
151
25 08 24%
Diretoria paralela da UMES (85/87)
152
09 06 40%
Diretoria paralela da UMES (85/87)
153
_ _ _
Diretoria paralela da UMES (87/89)
154
13 02 13%
Diretoria paralela da UMES (87/89)
155
12 10 45 %
Comissão Pró-congresso da APES
156
11 02 15%
Diretoria da APES (1988)
157
16 03 16%
100
Segundo os dados apresentados e os relatos orais, podemos notar
que este grupo não tinha discussão prévia de redemocratização do espaço entre
os gêneros. As mulheres que ocupavam cargos ou apareciam no ME eram
aquelas que se destacavam como liderança política, que despontavam em suas
escolas e em conseguinte nos outros fóruns do ME. Essa, inclusive, pode ser
considerada uma das causas do número menor de participantes mulheres
ocupando os cargos de direção.
Em nossa análise, baseada na fala de militantes de ambos os
grupos, esta direção tinha uma discussão política mais profunda, no entanto, as
discussões sobre gênero não se apresentavam em meios aos estudos dos
grupos. No que se refere aos eventos destinados a mulheres ou pautas femininas
encontramos apenas o pedido ao fim da discriminação da mulher como a última
reivindicação aprovada no 1º Encontro municipal dos Estudantes secundaristas
realizado na Escola Estadual Atheneu Norte-riograndensense em 1986. Segundo
a ata do evento secretariado por Francisca das Chagas de Melo, cerca de um
quarto das assinaturas dos presentes eram de mulheres.
158
Já na diretoria da UMES paralela dirigida pelo MR-8, o número de
mulheres ocupando cargos era mais expressivo. Este grupo tinha uma maior
atenção à participação feminina no Movimento Estudantil, pois o partido tinha
participação ativa no movimento feminista da cidade.
Embora não tenhamos dados para avaliar a média de mulheres das
duas diretorias consecutivas da UMES ligadas ao MR-8, podemos concluir a partir
da análise da política implementada por essa diretoria, com encontros realizados
para mulheres secundaristas, por exemplo
159
, que as atividades voltadas a
participação feminina eram mais intensas. Existia uma política, já influenciada
pelas outras esferas do Partido de incentivar essa participação.
Como muitos partidos de esquerda ainda estavam na ilegalidade em
meados da década de 1980, a atuação das mulheres feministas da cidade
158
(UNIÂ O METROPOLITANA, 1986)
159
Encontro da Mulher Jovem (1987); 1º Encontro Nordestino da Mulher Jovem secundarista
(1988).
101
estavam centradas no PMDB. No livro de Risolete Fernandes (2004) é traçada a
trajetória do movimento feminista potiguar onde em 1981 há o 1º Encontro da
Mulher Natalense coordenado pelo Centro da Mulher Natalense
160
. Em 1982
houve uma divisão no movimento feminista e o MR-8 criou uma nova entidade, a
Federação da Mulher Potiguar, tendo como principal destaque a militante
feminista Rosângela Maria de Melo, conhecida como Rosa, que foi candidata a
vereadora e a deputada nas eleições de 1984 e 1986, com o apoio da diretoria da
UMES ligada ao MR-8.
3.3.1 Representação de mulheres na diretoria da UBES
Se compararmos a participação das mulheres nas direções da
UBES, vamos observar que havia uma maior adesão das mulheres ocupando
cargos de liderança nas esferas locais. Como podemos notar no quadro que
segue, a participação de mulheres nas diretorias da União Brasileira de
Estudantes Secundaristas eleitas nos congressos era ainda menor que a potiguar.
Diretorias eleitas em congresso
nacional
HOMENS MULHERES %
XXI CONUBES (1982)
161
15 02 12%
XXIII CONUBES (1984)
162
16 03 16%
XXIV CONUBES (1985)
163
_ _ _
XXV CONUBES (1986)
164
18 01 5%
XXVI CONUBES (1987)
165
13 03 19%
XXVIII CONUBES (1989)
166
19 03 14%
160
(FERNANDES, 2004).
161
(Boletim da UBES, 1983).
162
(Boletim, 1984)
163
Esta gestão foi presidida por Selma Oliveira, mas não tivemos acesso ao restante da diretoria.
Dados retirados de: UBES. Boletim. n.4, set./out. 1985.
164
(Estudante em marcha, 1986).
165
(Estudante em marcha, 1987).
166
(Estudante em marcha, 1989).
102
A participação de mulheres na política nacional estudantil manteve-
se estável durante toda a década de 1980. Se compararmos a realidade do RN,
podemos notar que no estado e no município de Natal a ocupação dos cargos nas
entidades representativas locais eram mais expressivas. Esta realidade pode ser
explicada se levarmos em consideração que assumir a esfera pública já era um
desafio para as mulheres que tinham inúmeros empecilhos para adentrar neste
espaço, além do que, uma diretoria nacional implicava em reuniões, viagens,
congressos fora do Estado, situação difícil de lidar para os militantes masculinos e
para as militantes femininas que tinham mais restrições no âmbito familiar, desafio
ainda maior. As militantes estudantis, falando de suas experiências na
participação de congressos nacionais, relatam as dificuldades para a participação,
discussões com as famílias, entre outros problemas. Em entrevista, Jalmira
Damasceno diz:
A proibição chegava ao extremo de eu ter que participar de um
CONEG em Brasília e sair daqui com a roupa do corpo. Peguei o
ônibus, Claudionor assinou, forjou a assinatura porque
antigamente a gente não podia sair do Estado sem a assinatura
do Juizado de Menor. Ele forjou a assinatura da minha mãe. A
gente conseguiu e eu fui pra o ônibus, eu fui pra Brasília só com a
roupa do corpo e a gente passou três dias lá. Um vestindo a roupa
do outro porque era importante, porque era um Conselho de
Entidades Nacionais e a gente tava naquela briga de qual era a
entidade que ia ser reconhecida.
Nesta fala, a depoente mostra algumas práticas do ME para a
participação no Conselho de Entidades Gerais que reunia os grêmios de todo o
Brasil. Falsificar assinatura para o secundarista, muitas vezes menor de idade,
era algo comum no seio do movimento, embora fosse um crime previsto em lei.
Nos encontros estudantis, embora tenhamos uma participação
menos expressiva de mulheres no quadro de composição das diretorias da UBES,
encontramos uma Presidenta eleita no XXIV Congresso da entidade nacional,
Selma Oliveira. Secundarista do Amazonas, Selma foi Diretora do Departamento
feminino da UBES em 1992, Diretora de Imprensa em 1994 e Presidente em
103
1985. Do restante da diretoria da gestão que presidiu não tivemos acesso. Mas na
gestão posterior de 1986, eleita no XXV CONUBES, encontramos apenas uma
mulher ocupando exatamente o departamento feminino.
Muito embora, como já exposto, as mulheres tivessem várias
barreiras que atrapalhassem sua entrada e permanência na política, assumir
cargos na condição feminina também causava surpresa e destacava a militante
entre as demais jovens. Os depoentes femininos e masculinos enfatizam com
orgulho em suas falas a posição da mulher nos cargos de representação
estudantil. Mas embora tenhamos esse quadro de incentivo e admiração pela
participação feminina, as militantes enfrentaram muitos conflitos no espaço
político do ME.
3.4 ENTRE O PÚ BLICO E O PRIVADO: OS CONFLITOS DA PARTICIPAÇÃO
FEMININA NO ME
Inúmero foram os conflitos que as mulheres passaram para inserção
e permanência no ME. O movimento Estudantil como espaço político deu as
condições para que essas mulheres vivessem esses conflitos e refletissem sobre
suas condições de vida. Dessa forma, durante toda a nossa análise, vamos
observar como a esfera privada da vida da militante acaba inferindo na esfera
pública do movimento, fazendo com que o espaço político do ME enquadre
ambas as esferas.
Muitos historiadores trabalham a história das mulheres separando
estes dois espaços públicos e privados, mostrando os conflitos nestas duas
esferas separadamente. Baseados em Hanna Arendt, nós compreendemos que
estes espaços realmente podem ser vistos separadamente em determinados
momentos da história, como na antiguidade. No entanto, a atualidade constituiu-
se de transformações que mudaram a vida e as práticas dos homens e mulheres,
104
funcionando sob novas prerrogativas, mudando a história. Sob as esferas
públicas e privadas Arendt (1999) nos diz:
A elevação do lar doméstico ou das atividades econômicas ao
nível público, a administração doméstica e todas as questões
antes pertinentes à esfera privada da família transformaram-se em
interesse ‘coletivo’. No mundo moderno, as duas esferas recaem
uma sobre a outra, como ondas no perene fluir do próprio
processo de vida.
167
Os movimentos sociais são demonstrações claras dessa afirmação
quando vemos os interesses até pouco tempo considerados pessoais ou
individuais unirem muitas pessoas com uma identificação coletiva para reivindicar
direitos na esfera pública. O movimento estudantil e o próprio movimento
feminista são exemplos desta afirmação.
3.4.1 O movimento estudantil como espaço heterogêneo: Consenso X
Conflito
Nos anos 1980 o discurso sobre a importância da mulher ocupar os
espaços públicos, de dividir tarefas domésticas com os homens era consensual,
embora na prática, devido as heranças culturais que separava os gêneros
masculinos e femininos na sociedade e que influenciou suas formações, a prática
no movimento estudantil não tenha condizido com o discurso.
As experiências aqui relatadas mostram as múltiplas práticas
vivenciadas por militantes femininas na década de 1980. Como o espaço político
do ME engloba inúmeros conflitos, essas práticas não podem ser consideradas
homogêneas, pois é múltipla. O movimento estudantil concentra esses conflitos
por ser um espaço em que se misturam discurso e prática.
167
(ARENDT, 1999, p. 42).
105
Embora os militantes avaliem que nos anos de 1980 não havia
discussões e debates diretos em torno da temática gênero no movimento
estudantil – já que essa terminologia passou a ser difundida mas precisamente
nos anos de 1990 – suas falas mostram que o discurso sobre a democratização
dos espaços e a participação feminina eram freqüentes. Esse discurso vinha
imbuído da discussão de gênero, com discussões voltadas para as
transformações dos papéis sociais do masculino e do feminino na sociedade.
Na fala de Jalmira Damasceno, por exemplo, podemos ver algumas
discussões que as mulheres faziam naquele momento.
A não virgindade já começava a ser discutida nos grupos. O não
casamento também era uma coisa que a gente discutia. Essa
coisa do não casamento já era algo que estava em processo
naquela época. As meninas que participavam do movimento, elas
tinham também esse discurso contra esse posicionamento
machista. Então, eram mulheres que estavam, eram meninas que
já estavam lutando pela sua profissão, pela independência
profissional, já havia uma discussão. Então assim, dentro das
pessoas que faziam movimento havia esse comportamento, muito
embora a grande maioria tenha depois casado e tenha formado –
constituído – família e tendo até uma vida tradicional mesmo,
nada muito diferente, não existe essa diferença.
168
O Movimento estudantil era o espaço político da discussão, onde as
mulheres refletiam sobre seus papéis sociais. Muito embora, esse discurso não
tenha se concretizado como tal e que muitas delas tenham vivido de forma
diferenciada do que pensavam.
Os militantes homens também partilhavam desse discurso
transformador. Em entrevista, Glacio Menezes, militante da Travessia Socialista
nos fins dos anos 1980 relata que:
A gente tinha aquela visão muito de quebrar com a cultura do
machismo, aquela questão da virgindade. Então a gente também
fazia debates sobre essas questões. Passava fitas que a gente
pegava na TV Memória Popular e resgatava um pouco esse
168
(DAMASCENO, 2006) – Documento sonoro.
106
debate sobre a questão da virgindade, de que a virgindade não
era uma coisa muito importante. Alguns, acho que até se
aproveitavam dessas coisas, mas outros não. Acho que o pessoal
que estava de linha de frente tinha realmente o compromisso em
travar um debate sério, de, inclusive, discutir a própria questão do
machismo do homem ter que dividir as tarefas de casa. A gente já
debatia sobre essas coisas, da importância de dividir a tarefa de
casa pra que a mulher também tivesse um espaço de atuação na
vida política, no movimento estudantil.
169
Observamos que o discurso para democratização do espaço político
estava presente na fala de todos, como uma das características da própria cultura
política dos militantes estudantis que lutavam por transformações sociais e
culturais na sociedade, que defendiam direitos iguais, uma sociedade alternativa
em que os homens tivessem liberdade para suas escolhas, sem tabus e
preconceitos, que não compreendiam mais a virgindade como um pré-requisito ao
casamento, considerando este um valor pequeno-burguês
170
, como também não
se via mais o casamento civil e religioso necessário à união de duas pessoas.
Enfim, o discurso consensual entre todos os gêneros naquele momento.
No estudo sobre a participação feminina, Clara Araújo (2006) diz:
A cultura política predominantemente tem sido considerada como
outro elemento importante, influenciando o acesso das mulheres à
representação em contextos socioeconômicos idênticos ou
diferentes. Na perspectiva de gênero, ela ajuda a entender como
os valores, os esteriótipos e os referenciais simbólicos sobre os
lugares de homens e mulheres interferem e, de certo modo,
condicionam atitudes e praticas que reportam ao campo
político.
171
A cultura política dos militantes da década de 1980 apontava para as
discussões de liberdade e democracia, contra a repressão política, por igualdade
de Direitos. A emancipação das mulheres era um dos pontos que se inseriam no
169
(MENEZES, 2004) – Documento sonoro.
170
Chamava-se assim algumas práticas tidas como reacionárias e conservadoras que eram
baseadas no sistema capitalista.
171
(ARAUJO, 2006. p. 215).
107
contexto dessa liberdade e da sociedade alternativas almejada pelos militantes
estudantis e/ou partidários. Os grupos não discutiam os conflitos de gênero
diretamente, mas comungavam dessa cultura em defesa da liberdade, da
participação política, da negação ao sistema, do combate à submissão feminina e
ao machismo. Mesmo que os grupos e/ou partidos não tivessem uma política
voltada para as discussões referentes à participação feminina exclusivamente,
esses pontos eram sempre encontrados nos seus discursos, teses e
reivindicações.
Quando na prática, o discurso não se concretizava, dava-se o
conflito. A ex-militante estudantil Ana Claudia fala dos problemas que enfrentou
quando estava grávida e se candidatou à presidência do grêmio da ETFRN em
1989:
Eu perdi muitos votos por causa desses boatos, o pessoal ficava:
Ah! Ela ta grávida, não vai ter condições de assumir o grêmio, não
sei o que [...] e aí de ultima hora lançou-se esse chapão bomba,
que era esse nome mesmo “Chapão Bomba”, [...] e ganhou a
eleição nessa onda Ah! Somos independentes, vamos tirar esse
povo do PT daqui e tal [...] e ganharam a eleição nessa onda e de
que também Ah! Ana Claúdia tá grávida, Ana Claúdia não tem
condições de tomar conta do grêmio não, são dois anos de
gestão, ela vai tomar conta do menino pequeno dela [...]
172
.
Ana Cláudia de Melo também estava na Travessia Socialista onde
as discussões sobre a divisão das tarefas eram importantes para a participação
política das mulheres, como falou o depoente anteriormente. No entanto, no relato
da militante a prática não se mostrou condizente com o discurso na hora em que
sua filha nasceu e ela não conseguiu dividir e conciliar suas funções familiares
com a prática militante. A filha realmente a afastou do movimento. A condição de
mãe se sobrepôs a de estudante e de militante.
Acabei me afastando quando a Mariana nasceu, ela hoje está com
17 anos. Meus pais nunca aceitaram o fato de eu está no
Movimento Estudantil. O meu ex-companheiro então, que era o
pai da minha filha, [...] e era do movimento também não me
172
(MELO, 2006) – Documento sonoro.
108
apoiava muito. Então, assim, por incrível que pareça, mesmo
sendo do movimento, não me dava o apoio necessário e não
dividia as tarefas comigo. Então, eu até queria continuar
participando, mas pra continuar participando, eu tinha que ter
alguém em casa que me ajudasse, porque minha família não me
ajudava. Disse: Olha! pra participar do movimento eu não fico com
o bebê pra você ir pra reunião, pra esses cantos, não. Fico pra
você estudar. Pra ir pra movimento não. [...] Ele [falando de seu
companheiro] queria sempre tá participando e pra isso eu tive que
optar, e minha opção foi ficar realmente com a minha filha, que eu
não ia ficar o tempo todo me ausentando e a família toda em cima,
todo mundo reclamando, enfim, essas coisas. Então, realmente,
eu fui forçada a deixar o movimento.
173
Na fala da depoente observamos que não eram só os problemas
com o companheiro que interferiam na sua militância, como também a relação
com a família era bastante conflituosa.
Os secundaristas que participavam do ME, na sua grande maioria,
moravam com os pais. Com o engajamento no ME o militante acabava muitas
vezes se prejudicando na escola por deixar os estudos em segundo plano e
priorizar as atividades políticas do grêmio, da entidade estadual e/ou municipal.
Embora muitas vezes despontasse na sala por saber se expressar melhor e
conseguir boas notas, a ausência na aula acabava prejudicando suas notas e
seus estudos. Esse fato, além de mudanças de comportamento influenciadas pela
idade juvenil e pela coletividade do ME, acabavam criando conflitos nas relações
familiares. Embora esses conflitos atingissem praticamente todos os militantes, as
mulheres sentiam uma pressão ainda maior por terem seus comportamentos mais
resguardados pela família que tentava preservar valores morais e culturais,
formando a adolescente dentro dos padrões destinados ao gênero feminino com a
representação simbólica esposa – mãe – dona-de-casa
174
já discutida por
Margareth Rago. Maria Alves (Rosa) relatando de sua experiência no ME com
sua irmã diz:
173
(MELO, 2006) – Documento sonoro.
174
(RAGO, 1985).
109
Eu e minha irmã Neide a gente enfrentou muitas coisas. A minha
mãe, ela achava que a UMES era o próprio diabo. Acho que até
hoje ela ainda acha isso. Ela achava isso, mas agente brigava. As
vezes, a gente mentia dizendo que não ia pra reunião da Umes –
era de 2 horas da tarde no sábado e era um horário até bom. Não
era de noite, não era nada de mais – mas a gente mentia pra
poder ir. Ela não via com bons olhos, nem ela, nem meu pai, eu
acho que nenhum dos pais das meninas que participavam do
movimento estudantil. Olha! Se o homens não eram vistos com
bons olhos, imagine as mulheres, no final da década de 1980.
175
A depoente exprime no relato acima a representação que parte da
sociedade tinha sobre as militantes estudantis naquele período. Essas
representações se formavam devido o comportamento diferenciado que as
militantes apresentavam para a sociedade, de discutir e tentar quebrar tabus e
preconceitos; além das imagens pejorativas que se tinha das mulheres envolvidas
na política, discutindo em torno de muitos homens, viajando, em passeatas,
enfim, inúmeros espaços públicos proibidos por muito tempo para as mesmas.
Muitas estudantes comungavam dessa visão e às vezes não se
interessavam em participar de grupos políticos. Essas imagens acabavam
repercutindo nos seus próprios pais que muitas vezes tentavam afastar seus
filhos do ME e até não permitir que eles participassem. Muitos acabaram não se
engajado no ME por pressões familiares, como também, não era difícil encontrar
casos de militantes que acabavam rompendo com a família, até saindo de casa e
procurando apoio no próprio movimento estudantil e nos partidos que estavam
inseridos. Ana Cláudia de Melo e Jalmira Damasceno já citaram casos
anteriormente sobre fugas de casa para congresso, por exemplo.
Na maioria das vezes, as militantes inventavam formas de participar
e conciliar os conflitos com a família. Apenas nos casos em que as pressões eram
mais fortes e a militante sentia-se apoiada pelo grupo é que as decisões de sair
de casa se concretizavam. Como as militantes secundaristas, na maioria das
vezes, não trabalham, sendo totalmente dependentes da família, a segurança de
sair de casa se dava quando esta via no grupo uma base para tomar esta
175
(ALVES, 2006) – Documento sonoro.
110
decisão, ou seja, ir morar temporariamente na casa de alguém, ou em algum
lugar cedido ou arranjado pelo grupo.
As relações dos militantes do ME eram imbricadas de laços políticos
e afetivos. A cumplicidade partilhada pelos militantes expandia o sentimento de
identidade com o grupo. Criava-se uma relação de irmandade familiar que unia os
grupos e em contraponto a isso, também criava-se um atrito com o grupo oposto
que também ultrapassava muitas vezes a esfera políticas chegando a confrontos
pessoais. Esses sentimentos eram partilhados por todo o grupo de militantes. Em
entrevista, Walter Junior relata:
Eu me apaixonei por uma garota que o nome dela era Nani. Ela
era militante do MR-8, e foi muito sério, porque, por exemplo, por
nós namorarmos [...] e tanto ela como eu passamos a ser tanto
quanto excluídos do grupo porque éramos tidos como aqueles que
estavam espionando, quer dizer, o que o outro estava pensando.
Então a nível de relação era muito complicado, e não [se]
conseguia distinguir isso. Ou era de um grupo, ou era de outro.
176
Vemos nesta afirmação como as esferas se imbricavam, o espaço
político do Movimento era formado por todas essas relações que misturavam
objetividades, subjetividades, razão, sentidos, estratégias e sentimentos.
Podemos ver dessa forma como a política militante reunia esferas
públicas e privadas, como na verdade essas esferas eram uma só que se
esfacelavam em múltiplas e se uniam no mesmo espaço, que também acaba se
(re)significando a cada prática, se transformando, se constituindo político através
da pluralidade.
O próprio corpo, na arte da sedução, era prática utilizada no espaço
político do ME. Homens e mulheres utilizavam a malícia, a sedução para cooptar
novos estudantes para o movimento. Neste aspecto, por uma questão cultural na
formação dos símbolos sexuais relacionados ao feminino, as mulheres eram as
mais indicadas a fazer essa cooptação pela sedução. Numa fala já citada
176
(BARBOSA JÚ NIOR, 2002) – Documento sonoro.
111
anteriormente Maria Alves (Rosa) fala de um Machismo embutido que os
militantes resguardavam quando incentivavam a participação feminina para que
as mulheres fossem suas companheiras, ou fossem figuras atrativas de seu
grupo. Essa prática era confirmada, no entanto, temos que observar que era uma
postura assumida também pelas mulheres, partilhada e reforçada. As militantes
acabavam usando esse poder de sedução para realizar atividades importantes
para todo o grupo.
Alguns pesquisadores da história das mulheres (FARGE apud
SOIHET, 1997) evitam usar o binômio dominação/subordinação como terreno
único do confronto entre os gêneros. As mulheres fazem sentir suas atuações a
partir de outros contrapoderes – maternal, o social e a própria sedução – apesar
da dominação masculina
177
. A própria Joan Scott observa essas alianças e
consentimentos feitos pelas mulheres, demonstrando assim as sutilezas
presentes nas relações de poder entre os sexos.
3.5 O LEGADO DO ME PARA AS MILITANTES ESTUDANTIS
O Movimento Estudantil secundarista – um espaço múltiplo,
consensual, conflituoso – como o primeiro espaço de atuação política vivenciado
pelas mulheres estudadas neste trabalho é recordado de forma saudosista pelas
militantes. Há uma avaliação coletiva da importância dessas experiências pra
suas vidas e suas formações.
Como “os militantes formam os movimentos e os movimentos
formam os militantes”
178
, a participação e o processo de aprendizagem que essa
experiência acarretou na vida dos protagonistas desta história foi muito valiosa.
Os atores do início dos anos 1980 tinham essa visão sobre o
movimento durante seu período de participação, considerando que, após o seu
177
(SOIHET, 1997).
178
(FRAGA, 2000, p. 291).
112
afastamento, o movimento ficou mais fraco. Os militantes de meados desta
mesma década também avaliam que o seu período de atuação foi mais
efervescente. E os do fim da década de 1980 já tinham uma outra avaliação.
Então, percebemos nessas avaliações que na militância, no momento de atuação,
a intensidade desse movimento é marcante e o sujeito não consegue ter
realmente uma avaliação na dimensão geral, sendo influenciado pela paixão que
tinha e pelos resquícios dela. Arendt nos diz:
A ação só se revela plenamente para o narrador da história, ou
seja, para o olhar retrospectivo do historiador, que realmente
sempre sabe melhor o que aconteceu do que os próprios
participantes. Todo relato feito pelos próprios atores, ainda que,
em raros casos, constitua versão fidedigna de suas intenções,
finalidades e motivos, não passa de fonte útil nas mãos do
historiador, e nunca tem a mesma significação e veracidade da
sua história.[...] Muito embora as histórias sejam resultado
inevitável da ação, não é o ator, e sim o narrador que percebe e
faz a história.
179
Além desse aspecto, os atores também avaliaram o legado da
cultura política militante para suas vidas, destacando a formação adquirida no ME
como responsável por muitas de suas vitórias. Jalmira Damasceno, falando sobre
a importância do ME na sua vida destaca:
Eu acho que o movimento estudantil ele repercute na minha vida
profissional como pessoa. Hoje, lidar com a família, lidar com as
pessoas... hoje a gente trabalha com grupos e grupos de
professores. Então a nossa conversa com eles é diferente de
quem não teve a experiência da militância. A gente percebe isso.
Essa experiência nos sedimenta nesses trabalhos de organização
social que a gente exerce. Que eu nunca deixei de exercer. Eu
sempre participei desses movimentos desde a época.
180
Aluizia Freire também relata a importância do ME secundarista e
fala:
179
(ARENDT, 1999, p. 204-205).
180
(DAMASCENO, 2006) – Documento sonoro.
113
Pra mim foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Eu acho
que se eu não tivesse entrado nesse movimento secundarista;
não tivesse obtido essa consciência, eu estaria eu acho um pouco
parada e acomodada. Hoje eu não teria a visão ideológica que eu
tenho de construir uma nova sociedade. Uma sociedade, no qual,
nós, mulheres, principalmente, não continuemos sendo
oprimidas.
181
Essas mulheres acabaram compreendendo a política como
essencial as suas vidas e tentando atuar nas diversos espaços que ocuparam e
ocupam hoje na sociedade. A formação militante lhes ajudou a repensar seus
papéis sociais, inclusive, de suas condições de gênero em outras temporalidades
como nos anos de 1990 e nos dias atuais.
181
(FREIRE, 2006) – Documento sonoro.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
115
Como vimos, durante todo o século XX, as mulheres passaram a
assumir espaços diversificados na sociedade brasileira e mundial. Essa
revolução, protagonizada sobretudo pelo feminino, modificou os diversos espaços
sociais, destacando-se a inserção da mulher no espaço público.
A participação feminina no Movimento estudantil secundarista do Rio
Grande do Norte pode ser percebida nos anos de 1980 quando da reorganização
das entidades estudantis criadas e/ou reconstruídas pós-governos militares.
Neste contexto, muitos foram os conflitos assumidos pelas mesmas para sua
inserção e permanência no ME.
O movimento estudantil mostrou-se como um espaço heterogêneo
de aglutinação de diferentes grupos e pensamentos. E as mulheres, por nós
estudadas, também foram mostradas na sua pluralidade.
Os jovens sentem a necessidade da ação coletiva e normalmente se
engajam em grupos na sociedade como, por exemplo: grupos de jovens de Igreja,
tribos hippies, dark’s, e entre esses grupos há os grupos políticos e o movimento
estudantil. O movimento estudantil secundarista, por ocorrer geralmente na
juventude, passa a ser a primeira instância de participação organizada dos
sujeitos sociais. A militância estudantil tem um papel educativo na formação do
ser político em sociedade. Como espaço de atuação que possibilita a discussão, o
ME contribui para conscientizar o indivíduo que quando adulto poderá assumir
papéis de destaque no âmbito social.
Nosso trabalho tentou mostrar a relação conflituosa entre militantes,
destacando a experiência feminina, mas gostaríamos de frisar que muitos são os
conflitos apresentados por ambos os sexos no ME, quando levamos em
consideração que muitas vezes o militante – inserido num grupo ou partido – tinha
que colocar as discussões e decisões do coletivo acima dos seus interesses
pessoais. Essa “escolha” fazia parte da sua cultura política baseada na
centralidade. Então não só as mulheres, mas todos os militantes passavam por
conflitos, no entanto nosso trabalho mostrou as particularidades femininas, o
116
público e o privado constituindo o espaço político do Movimento estudantil
secundarista.
Gostaríamos de destacar que embora o movimento estudantil
apresente práticas e heranças culturais ainda machistas na década de 1980,
caracterizando-se assim como espaço de permanências, frizamos sua
heterogeneidade, caracterizando-o também como espaço de rupturas, pois se
constituiu também como espaço privilegiado de discussão e formação, que levou
homens e mulheres a exercitar posturas políticas e discutir seus papéis sociais.
Muitas outras mulheres participaram e construíram o movimento
estudantil secundarista, mas não estiveram nos cargos representativos, o que nos
levou a não mencioná-las. Construíram história, muito embora seus nomes não
estejam nas linhas da escritura. Mas suas experiências podem ser comungadas
com tantas outras aqui descritas. Apresentamos mulheres múltiplas, admiradas,
discriminadas, fortes, fracas, tudo ao mesmo tempo. Mulheres políticas e plurais,
vendo a pluralidade como aspecto fundamental da condição humana.
117
REFERÊNCIAS
118
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