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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: NATUREZA, RELAÇÕES
ECONÔMICO-SOCIAIS E PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS
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Mirian Silva de Jesus
NATAL – RN
2007
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2
Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Jesus, Mirian Silva de.
Abrindo espaços : os “paulistas” na formação da capitania do Rio Grande
do Norte / Mirian Silva de Jesus. - Natal, RN, 2007.
120 f.
Orientador: Prof. Dr. Paulo César Possamai.
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Gran-
de do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-
graduação em História. Área de Concentração: História e Espaços. Linha de
Pesquisa: Natureza, Relações Econômico-sociais e Produção dos Espaços.
1. História do Rio Grande do Norte – Dissertação. 2. Paulistas – Disserta-
tacão. 3. Bandeirantes – Vila de São Paulo de Piratininga – Dissertação. 4.
Espaço – Dissertação. 5. Sertão – Capitanias do Norte - Colonização – Dis-
sertação. I. Possamai, Paulo César. II. Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 94(813.2)
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3
MIRIAN SILVA DE JESUS
ABRINDO ESPAÇOS:
Os “paulistas” na formação da capitania do Rio Grande
DISSERTAÇÃO apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em
História, Área de Concentração em História e Espaços, Linha
de Pesquisa Natureza, Relações econômico-sociais e
Produção dos espaços, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, sob orientação do Prof. Dr. Paulo César
Possamai.
NATAL – RN
2007
4
MIRIAN SILVA DE JESUS
ABRINDO ESPAÇOS:
Os “paulistas” na formação da capitania do Rio Grande
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no
Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, pela comissão formada pelos professores:
______________________________________________
Professor Dr. Paulo César Possamai
Orientador - UFRN
______________________________________________
Professora Dra. Fátima Martins Lopes
Avaliador interno – UFRN
______________________________________________
Professora Dra. Kalina Vanderlei Silva
Avaliador externo – UPE
______________________________________________
Professora Dra. Maria Emília Monteiro Porto
Suplente – UFRN
Natal, 03 de setembro de 2007.
5
Conhece o lugar, conhece o tempo.
Então, tua vitória será total.
(Sun Tzu)
6
Para Domingos, Graça e Pedro,
fundamento dos passos dados,
síntese de minha existência.
7
AGRADECIMENTO
Deslocada de minha terra natal para ingressar em um programa recém
formado, me senti por muitas vezes uma bandeirante. Tanta coisa se passou, tantas
pessoas se envolveram, e contribuíram de certa maneira para o encaminhamento
desse trabalho que corro risco de não conseguir agradecer da maneira adequada a
todos, pedindo desculpas antes mesmo de cometer os erros.
Início meus agradecimentos aos meus pais, Graça e Domingos, pela
compreensão, pelo financiamento, pela confiança e pelo amor. Elementos que me
deram força para continuar a empreitada mesmo distante de casa. E ao meu irmão,
Pedro, por ter me mostrado que é mais parecido comigo do que eu imaginava,
segurando as pontas na minha ausência.
Agradeço a minha eterna orientadora Kalina Vanderlei, pois sem o
trabalho dela, o mestrado teria sido apenas sonho. Ao meu orientador, Paulo
Possamai, pelo cuidado que sempre teve comigo, pelos puxões de orelha e pela
competência em sua orientação. Aos meus amigos da Universidade de Pernambuco
pela credibilidade e incentivo nas minhas escolhas acadêmicas: Adriana, Alberon, Ju
Brainer, Juliana, Myziara, Clécia, Maciel, e todos os pesquisadores do Grupo de
Estudos de História sócio-cultural da América Latina (GEHSCAL).
Agradeço também aos professores que me ajudaram com os
ensinamentos nas disciplinas cursadas e em conversas pelos corredores do Centro
de ciências humanas da UFRN: Durval Muniz, Maria Emília, Flávia de Pedreira,
Raimundo Arrais e Raimundo Nonato. Assim como as grandes contribuições da
banca da qualificação composta pelas professoras Denise Monteiro e Fátima Martins
Lopes. A primeira sempre atenta às questões metodológicas, e a segunda pelo
direcionamento da ligação entre os capítulos, auxiliando para o encaminhamento do
trabalho. Ajuda tão válida quanto às sugestões da amiga Soraya Geronazzo, sempre
solidária com os amantes à “Guerra dos bárbaros”.
Meus agradecimentos a todos que freqüentavam o café da manhã na sala
do PPGH, contribuindo para que o dia começasse com uma energia singular,
amenizando o cansaço das leituras. Dentre essas pessoas, lembro com enorme
saudade de Cétura, Bruna, Aurinete e Almir.
8
Aos meus amigos Daniel Breda e Helder Macedo pelas idéias
compartilhadas, e por estarem comigo nos momentos mais difíceis no início do
curso. Não posso esquecer dos meus amigos da residência de Pós-graduação da
UFRN que contribuíram para que eu visse Natal como minha segunda casa:
Auxiliadora, Alcinéia, Crígina, Jochen, Alcides, Jorge, Carlos, Eva, Jossilúcio, Flávia,
Marcos e Teresa. Mas tudo isso só possível graças à assistência de assuntos
estudantis que me contemplou com uma vaga na residência de pós-graduação.
Agradeço a Graça, Rosângela e Margarida que me receberam bem desde a primeira
vez que entrei naquela sala.
Preciso fazer aqui um agradecimento particular a uma pessoa que além
de pertencer aos grupos de amigos citados, acabou se tornando a irmã que eu não
tive. Testemunha das dificuldades passadas, Olívia esteve sempre ao meu lado me
passando toda calma do mundo quando eu ameaçava jogar tudo para o ar. Assim
como, a confiável amiga em comum Juciene, ao nos acalentar nas horas de choro.
No Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte encontrei não
os documentos para minha pesquisa, como companheiras sempre prestativas:
Antonieta, Wilma e Tânia. Guardo boas lembranças das minhas conversar com
Antonieta, braço direito de Olavo de Medeiros Filho e de todos os pesquisadores e
curiosos que precisam dela.
Por fim, agradeço especialmente a Leandro por ter suportado minha
angústia dos últimos dez meses entre qualificação e defesa. Sempre com suas
palavras de incentivo e apoio, sem as quais a escrita se tornaria mais pesada.
Acreditando ainda que o nosso trabalho de historiador vale a pena.
9
RESUMO
Os “paulistas”, ou seja, os bandeirantes da vila de São Paulo de Piratininga, foram
contratados pela Coroa Portuguesa como instrumento de repressão e controle social
entre os séculos XVII e XVIII, envolvidos nos conflitos das Capitanias do Norte do
Estado do Brasil após a expulsão da Companhia das Índias Ocidentais (WIC). Esse
momento corresponde ao início da conquista do sertão, e das conseqüentes
resistências oferecidas pelos índios do interior do continente que barraram o projeto
colonial português. O sertão colonial estava compreendido como toda área fora da
jurisdição portuguesa, em condição contrária à zona açucareira. Em tais
acontecimentos, foi empregada a mão-de-obra dos “paulistas” pelas atribuições às
suas habilidades em percorrer os matos. Com isso, buscamos destacar a
participação dos “paulistas” durante e após a chamada “Guerra dos bárbaros” na
capitania do Rio Grande, bem como a produção desse espaço a partir do
estabelecimento dos grupos mobilizados para o conflito.
PALAVRAS-CHAVE: “Paulistas”. Espaço. Sertão.
10
ABSTRACT
The "paulistas", or be, the pioneers of the town of São Paulo of Piratininga, were
hired by the Portuguese Crown as instrument of repression and social control
between the centuries XVII and XVIII, were involved in conflicts of the Captainships
of the North of the State of Brazil after expulsion of the West of Indian Company.
That moment corresponds to the beginning of the conquest of the “sertão”, and of the
consequent resistances offered by the Indians of the interior of the continent that
barred the Portuguese colonial project. The colonial “sertão” was understood as all
area outside of the Portuguese jurisdiction, in contrary condition to the Sugary zone.
In such events, the labor of the "paulistas" was employed by the rights to his abilities
in traversing the weeds. With that, we are going to detach the participation of the
"paulistas" during and after the called "Guerra dos Bárbaros" in the captainship of
Rio Grande, as well as the output of that space from the establishment of the groups
that were mobilized for the conflict.
KEYWORDS: “Paulistas”. Space. “Sertão”.
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 Domingos Jorge Velho...........................................................................35
Figura 02 – “Nova et Accurata Brasiliae Totuis Tabula”............................................57
12
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
........................................................................................11
INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
1. IMAGENS DAS BANDEIRAS: ENTRE O HERÓI E O HOMEM...........................22
1.1. Imagens moldadas: a necessidade do passado heróico.....................................24
1.2. Imagens incrustadas: o revestimento das bandeiras..........................................33
1.3. Imagens reformadas: a desmistificação dos ‘paulistas’......................................39
1.4. Entre mudanças e permanências........................................................................47
2. A ATUAÇÃO DOS HOMENS: OS “PAULISTAS” NA CONQUISTA DO
SERTÃO.....................................................................................................................50
2.1. Além das fronteiras: o sertão das capitanias do norte........................................52
2.2. Guerras no sertão e a chegada dos “paulistas”..................................................61
2.3. Discursos contemporâneos: visões sobre os “paulistas” ...................................71
3. A CONQUISTA DOS HOMENS E DA TERRA: O TERÇO DOS “PAULISTAS”
NA CAPITANIA DO RIO GRANDE ..........................................................................76
3.1. A composição do terço .......................................................................................78
3.2. Nos bastidores da guerra................................................................................... 88
3.3. Os homens e a terra............................................................................................99
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................106
REFERÊNCIAS........................................................................................................111
13
Introdução
14
A História Social tem sido, ao longo das últimas décadas, um campo de
pesquisa muito valorizado, contemplando em seus estudos a estrutura social e suas
transformações, que se ligam ao econômico, político e cultural.
1
Apesar dessa ponte
com outras estruturas e uma aparente maleabilidade, a História Social, a partir da
década de 80 do século XX, foi alvo de críticas de alguns intelectuais como
mantenedora de um aspecto duro.
2
Aos poucos, a História cultural alertava para o fato de que as
representações nem sempre correspondem ao objeto o qual representa. A partir
dessa questão levantada, a análise das fontes históricas passou a ser estudada
visando novas abordagens, considerando-as como inesgotáveis. Assim, pessoas
diferentes poderiam ver o mesmo objeto a partir de perspectivas diferentes. Além
disso, outra contribuição da História sócio-cultural seria a idéia de apresentar o
passado a partir do ponto de vista das pessoas comuns.
3
Nesse sentido, a narrativa
não estaria ligada apenas aos acontecimentos, mas sim à dedicação às pessoas e
às maneiras como elas se relacionam.
Seguindo essa perspectiva teórica, escolhemos para o nosso estudo um
grupo social específico
4
, os “paulistas”, utilizados pela Coroa portuguesa como
instrumento de repressão e controle social durante os séculos XVII e XVIII. Temos
como objetivo principal, compreender sua participação na conquista do sertão das
capitanias do Norte do Estado do Brasil,
5
durante e após a chamada “Guerra dos
bárbaros”
6
, especificamente nos territórios da capitania do Rio Grande
7
. Além disso,
1
HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Ver capítulo Da
história social à História da sociedade.
2
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 101.
3
Sobre pessoas comuns, ver BURKE. Idem p. 100.
4
Segundo Eric Hobsbawn, grupo social seria o conjunto de condições sociais de existência
compartilhada por um grupo de personagens, não estando ligado ao processo de produção, uma vez
que o conceito empregado para isso seria o de classe, mas a um sistema de relações, tanto verticais
quanto horizontais. Cf. HOBSBAWN. Op. Cit. p. 99.
5
Capitanias do Norte, Estados do Norte, ou Norte eram formas usadas para designar o que hoje seria
o Nordeste (no sentido proposto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) no período
colonial. O Nordeste como conhecemos só aparecerá nas primeiras décadas do século XX a partir de
uma construção ideológica patrocinada pelas elites regionais. Cf. ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz
de.
A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: FJN/Massangana. São Paulo: Cortez, 1999.
6
A “Guerra dos Bárbaros” foi um conjunto de batalhas ocorridas no sertão e que se dividiu em dois
momentos: Guerras do Recôncavo (1651-1679) realizadas no Recôncavo Baiano, e Guerra do Açu
(1687-1704), abrangendo os sertões de Rodelas, Piauí e Paraíba, e as ribeiras dos rios Açu e
Jaguaribe, ou seja, dentro da jurisdição da capitania de Pernambuco e Capitanias Anexas. PUNTONI,
Pedro.
A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil,
1650-1720. São Paulo: Hucitec: Editora da Edusp, 2002. p. 13.
15
buscamos perceber a relação homem-espaço, desde a sua naturalidade até o seu
estabelecimento em terras distintas das de origem, seja por concessão de terra, seja
pela posse ilegal.
Nesse sentido, para trabalhar a conquista do sertão no século XVII,
utilizamos idéia de fronteira e as diferentes impressões das vertentes teóricas acerca
do conceito. Assim, após uma breve discussão das noções de fronteiras,
podemos pensar nas configurações do sertão colonial. Levaremos em consideração
a fronteira enquanto palco de encontros culturais
8
, não limitando seu sentido ao
conflito, à disputa territorial, para ser pensada, sobretudo, pelas transformações no
espaço a partir da atuação de grupos distintos.
Antes disso, julgamos necessário apresentar nossos personagens,
explicando o uso das aspas no termo “paulista”. Enquanto conceito histórico, o termo
“paulista” foi usado até o século XVIII para designar o indivíduo oriundo da vila de
São Paulo de Piratininga empenhado em percorrer sertões. O termo mudou
consideravelmente de sentido, sendo empregado hoje para qualquer indivíduo
nascido no estado de São Paulo. Na documentação consultada da Coleção
Documentos Históricos e do Arquivo Histórico Ultramarino, aparece de forma
constante a palavra “paulista” ou “sam paulista” para denominar o morador de São
Paulo que estava acostumado a se embrenhar no mato.
9
Destacamos o fragmento
de uma carta do governo-geral, representado pela Junta Provisória composta pelo
arcebispo frei Manuel da Ressurreição e Manuel Carneiro de Sá, à Câmara de São
Paulo na segunda metade do século XVII:
Considerando eu que o grande valor, e experiência dos Paulistas
poderão alli conseguir o mesmo fim, que com tanta gloria alcançaram
das nações que tyrannisavam a Bahia: e que o zelo com que
Vossas Mercês servem a Sua Magestade os poderá mover a esta
guerra [...].
10
7
Até 1737, a capitania do Rio Grande aparece sem a denominação “do Norte”, usava apenas após
essa data para se diferenciar do Rio Grande do Sul.
8
BURKE, Peter. O que é história cultural?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 151-7.
9
Segundo Washington Luís, mesmo oficialmente continuando a existir a capitania de São Vicente na
segunda metade do XVI, “Todos os seus habitantes se chamavam paulistas e trilhavam terras
desconhecidas, como os seus antepassados europeus navegaram mares tenebrosos”. LUÍS,
Washigton.
Na Capitania de São Vicente. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1980. p. 106.
10
CARTA que se escreveu aos officiaes da câmara de São Paulo persuadirem a vir os Paulistas á
guerra dos Bárbaros da capitania do Rio Grande. Bahia, 10 de março de 1688.
DH. 11:139-40.
16
Além do aparecimento do conceito em questão, o trecho acima também
pode ser pensado como meio de exemplificação da tática persuasiva utilizada pelos
governadores de Pernambuco e Bahia para a Câmara de São Paulo. As autoridades
alegavam serem os “paulistas” os mais competentes para a jornada do sertão, a fim
de que eles aceitassem ir para o local do conflito.
Ressaltamos ainda que o termo “paulista” está diretamente ligado ao
movimento de entradas e bandeiras, conceitos bastante trabalhados ao longo do
século XX, sendo assunto de predileção de muitos intelectuais nas primeiras
décadas do século. Selecionamos então essas palavras de Washington Luís acerca
das bandeiras paulistas:
Se as bandeiras se organizaram em todas as Américas, e, de todas
as partes tomaram todos os rumos, foi em S. Paulo do Brasil que
elas primeiro se criaram, culminaram e se impuseram à História,
legando-lhe o nome, que os dicionários recolheram, dando-lhe uma
significação própria, mas diferente e que a nobiliarquia local venerou.
Tendo sido, em todas as Américas, idênticos os métodos e análogos
os processos de devassar, apossear a terra, foram em S.Paulo que
se organizaram as maiores e as mais numerosas bandeiras, e, por
isso, bandeira tornou-se nome local e bandeirante ficou sinônimo de
homem paulista. Mas nelas tomaram parte homens das outras vilas
da capitania, das outras capitanias e da metrópole.
11
Apesar de admitir outras possibilidades de bandeiras, ou melhor,
originárias não de São Paulo, o autor considera que as investidas para o interior
nesse caso eram inevitáveis, e que se não fosse pela ação dos bandeirantes
paulistas provavelmente o sertão continuaria desconhecido. A finalidade de seus
escritos seria a evidência das bandeiras perante a história nacional, apontando os
refletores para aqueles que teriam sido os heróis “pioneiros” da pátria.
nas concepções de historiadores contemporâneos, como Pedro
Puntoni, os conceitos podem ser destrinchados a partir de sua formação e
constituição. Para ele:
‘Entrada’ e ‘Jornada’, como parece evidente, são denominações de
expedições ao interior do país, que podiam ser levadas a termo por
um terço completo, ou por algumas companhias, ou bandeiras,
destacadas para tal. Daí as denominações serem feitas por
11
LUÍS, Washington. Na Capitania de São Vicente. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1980. p. 187.
17
analogias. Não obstante, seria errado não perceber que a bandeira
sertanista, na sua feição paulista, resultou de uma evolução
específica da instituição miliciana portuguesa, que, generalizada na
sociedade do Planalto, conformou ‘um gênero de vida típico, próprio,
específico da gente de São Paulo’.
12
Nessa citação, percebemos o realce dado para as determinações de um e
outro conceito, classificado de acordo com o tipo de iniciativa, de caráter civil ou
militar. Salientando ainda a descendência portuguesa em sua formação miliciana.
Mas o autor especifica que, no caso da vila de São Paulo, a instituição bandeirante
encontrou característica própria, atribuída de maneira generalizada a sua população.
Consideramos “entrada” e “bandeira” como denominações de expedições
para o interior em busca de índios e metais preciosos, os “paulistas” serão
percebidos nesse trabalho vinculados a essas perspectivas, independente das
variações dos conceitos adotadas pela historiografia. Sendo assim, partindo da idéia
construída pela historiografia acerca dos “paulistas”, procuramos ligar as imagens
elaboradas ao longo do século XX, destacando a construção do mito do bandeirante
e a possível relação que este teria com os homens que lutaram na “Guerra dos
bárbaros”.
O mito pode ser entendido como algo não verídico, produzido por todas
as sociedades, independente de ser uma representação do inconsciente coletivo ou
que desempenhe uma função prática.
13
No caso dos bandeirantes, o mito
funcionava como uma projeção de valores sobre o passado, que tem uma função
social usada para justificar uma instituição do presente.
14
Assim, tratando o bandeirante como mito, alguns historiadores da primeira
metade do século XX, como Cassiano Ricardo, enfatizaram a realização da entrada
para o sertão. Misterioso, o sertão por si caracterizava-se como um mito. Uma
vez rompida essa barreira, os homens se mitificavam também. Para o autor, “é o que
12
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste
do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec: Editora da Edusp, 2002. p. 197-8.
13
SILVA, Kalina Vanderlei. SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 293-7.
14
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: UNESP, 2002. p.141-2.
18
acontece toda vez, que os fatos humanos não cabem no cotidiano das nossas
ações, ou exorbitam da realidade que estamos acostumados a admitir ou admirar.”
15
Outro ponto referente às bandeiras seria a estrutura militar. As tropas dos
“paulistas” empregadas durante o processo de colonização do sertão se
organizavam em Terços
16
, que seria a terça parte de um regimento. Tal divisão do
regimento diz respeito a um agrupamento de cerca de mil homens, separados em
dez companhias de cem homens cada, tendo à frente capitães de infantaria. De
caráter temporário, os terços auxiliares e as ordenanças eram movidos nos períodos
de guerra como recurso para socorrer as tropas regulares
17
, embora não
recebessem soldo pelos seus serviços.
18
Definidos pela historiografia como indivíduos singulares na América
portuguesa pela miscigenação da qual eram frutos, sendo resultado da integração
da cultura do europeu e do índio, os “paulistas” tornaram-se visados pelas
autoridades coloniais por sua fama em combater índios. Ficando assim diferenciados
pela região de onde provinham. A questão não girava apenas em torno do espaço e
da condição social, mas do sentido atribuído a ambos como uma representação da
particularidade paulista. Pois uma sociedade pode ser entendida se pensada
também a partir dos fenômenos mentais que constroem imagens sobre as estruturas
materiais.
19
Destarte, essa propaganda de mais “aptos” a percorrer sertões e
aprisionar índios, colaborou para a contratação dos homens de São Paulo em
meados do século XVII como mão-de-obra bélica preferencial a ser empregada na
conquista do sertão das capitanias do Norte. Nessa perspectiva da construção da
imagem que envolve o bandeirante, seja enquanto desbravador, seja enquanto
15
RICARDO, Cassiano. Marcha para oeste – A influência da “Bandeira” na formação social e política
do Brasil
. v. 2. Rio de Janeiro: Ed. da Universidade de São Paulo, 1970. p. 394.
16
Entendemos por Terço, uma unidade militar resultante das organizações de infantaria da Península
Ibérica, sucessora da hoste ou mesnada medieval. Corresponde a terça parte de uma legião ou
regimento, denominada “tercios” na Espanha e “Terços” em Portugal. POSSAMAI, Paulo.
A Vida
Quotidiana na Colónia de Sacramento
. Lisboa: Livros do Brasil, 2006, p. 80. SILVA, Kalina
Vanderlei.
O miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial. p. 51.
17
Tropas regulares são aquelas compostas por guerreiros profissionais, que exercem o ofício de
forma permanente. São cidadãos, vassalos e súditos do Estado que os contrata. Sobre a composição
das tropas regulares na Capitania de Pernambuco na segunda metade do século XVII, ver SILVA,
Kalina Vanderlei.
O Miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial. p. 23.
18
SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo. Op. Cit. p. 52.
19
DUBY, Georges. “História social e ideologias das sociedades”. In: LE GOFF, Jacques; NORA,
Pierre (dir).
História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.p. 131.
19
soldado a serviço da Coroa, buscamos observar as mudanças e as permanências
apresentadas pela historiografia no que tange às referências atribuídas aos
“paulistas”.
Fazendo uso de algumas produções historiográficas acerca do
bandeirantismo, buscamos apresentar para o primeiro capítulo uma discussão
historiográfica entre o que foi escrito no século XX. Observando ainda, diante da
falta de trabalhos voltados para os bandeirantes no Nordeste brasileiro, a
historiografia relacionada aos conflitos com negros e índios, especificamente na
“Guerra dos bárbaros”, que mencionam a participação dos “paulistas”. Analisamos
obras basilares para a construção do mito, somadas às que se dedicam à questão
das condições geográficas de São Paulo no século XVI, o cotidiano da vila de São
Paulo e as particularidades dos bandeirantes. Dentre outros, utilizamos as obras de
Alcântara Machado, Vianna Moog, Sérgio Buarque de Holanda, Myriam Ellis, Afonso
E. Taunay, Cassiano Ricardo, Oliveira Vianna e Washington Luís.
Analisamos ainda os trabalhos sobre a “Guerra dos bárbaros”, visando
perceber a participação dos “paulistas” nas capitanias do Norte. Para isso utilizamos
as obras de Maria Idalina da Cruz Pires, Pedro Puntoni, Fátima Martins Lopes, Olavo
de Medeiros Filho, Tânia Brandão e John Manuel Monteiro.
No segundo capítulo, abordaremos o contexto da guerra e a atuação dos
“paulistas” na conquista do sertão realizada após a expulsão da Companhia das
Índias Ocidentais (WIC). Momento significativo pela volta da administração
portuguesa sobre a parte do território do açúcar representado por Pernambuco e as
capitanias que estavam sob sua jurisdição.
20
Contudo, a imagem que se descortina do Segundo Período Português
21
,
luz a uma crise do açúcar, a ameaça dos negros aquilombados em Palmares, e
um contingente de brancos livres e vadios que não tinha onde se empregar, os
20
A capitania de Pernambuco tinha sob sua jurisdição as chamadas capitanias anexas, que
abrangiam: Itamaracá, Paraíba, Rio Grande e Ceará.
21
Segundo período português - conceito empregado para designar as mudanças políticas ocorridas
em Pernambuco após a expulsão da WIC e a volta da jurisdição portuguesa na segunda metade do
século XVII, quando Pernambuco se torna capitania régia.Tem início em 1654, e se estende ao longo
do século XVIII até os primeiros estertores da crise do sistema colonial entre o XVIII e o XIX. Cf.
SILVA, Kalina Vanderlei.
O Miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial. Recife:
Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2001.p. 16.
20
chamados pobres do açúcar.
22
Esse contingente se tornaria um incômodo para as
autoridades locais se continuassem instalados nos núcleos urbanos.
Dessa maneira, a conquista do sertão seria útil por servir como escape
para os grupos indesejados.
23
Mobilizando-os, a Coroa livrava-se dos homens que
não se enquadravam no processo produtivo do açúcar e assegurava a ocupação de
um novo espaço. Sem contar que tal empreendimento não traria altos custos para
Portugal, uma vez que os colonos garantiriam suas terras, concedidas legalmente,
pela apropriação caso fossem dadas como desocupadas.
A empreitada para o sertão esbarrava assim nas resistências dos
quilombos e das tribos do interior, dando início aos grandes conflitos nos quais
estiveram presentes os “paulistas”. O panorama geral da “Guerra dos bárbaros” será
nosso foco para a análise dos homens de São Paulo enquanto mão-de-obra bélica
empregada no desdobramento da guerra na capitania do Rio Grande.
O terceiro capítulo visa entender as questões internas ocorridas durante o
conflito, tentando unir as impressões da historiografia e dos discursos para perceber
os homens em si, atentando para as características do Terço dos Paulistas a partir
de sua institucionalização, e as mudanças sofridas na composição da tropa. Além
disso, buscamos também observar suas ascensões e suas relações com o espaço,
seja o espaço de origem, seja o novo espaço no qual se estabeleceu.
O conceito de espaço empregado ao longo do trabalho foi adotado de
acordo com as definições de Michel de Certeau
24
, enquanto lugar praticado, o qual
adquire sentido a partir da interação e movimentação dos corpos, para discorrer
sobre a ocupação do sertão. O estabelecimento nos territórios conquistados
representava um espaço social, ou socialmente produzido, produto da relação de um
grupo humano com o espaço que o abriga,
25
como foi o caso da colonização do
sertão das capitanias do Norte.
Para o desenvolvimento desse estudo, trabalhamos com a documentação
do Arquivo Histórico Ultramarino, os livros de sesmarias do Rio Grande do Norte e
22
SILVA, Kalina Vanderlei. “Nas Solidões Vastas e Assustadoras” Os pobres do açúcar e a
conquista do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Recife: UFPE, 2003. (Tese de
Doutorado)
23
Idem.
24
CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.
25
MORAES, Antonio Carlos Robert. Bases da Formação Territorial do Brasil: o território colonial
brasileiro no “longo” século XVI. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 18.
21
Pernambuco, o Livro de Assentamento de praça, e as correspondências
administrativas presentes na Coleção Documentos Históricos da Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, daremos ênfase à estrutura política no apanhado das
correspondências administrativas entre as instâncias da América portuguesa nas
contratações dos “paulistas”, e à cultural no tocante as representações acerca dos
“paulistas” na historiografia, bem como nos discursos das autoridades coloniais.
Nossa intenção é esclarecer os pontos que ligam os “paulistas” envolvidos nas
guerras do sertão como intrépidos bandeirantes.
O caminho que escolhemos enveredará por teias de interesses
particulares entre as facções atuantes durante o período de conquista nos séculos
XVII e XVIII, ora fazendo uma leitura do discurso, ora discorrendo sobre a trama
desenrolada. Esperamos que ambos sejam caminhos produtivos para o
entendimento daqueles que lerem esse trabalho.
22
Capítulo I
Imagens das Bandeiras:
Entre o Herói e o Homem
23
O fenômeno do bandeirantismo, abordado inúmeras vezes pela
historiografia brasileira sob diferentes óticas, passou por transformações no decorrer
do século XX, ou mesmo divergências de opiniões nas produções historiográficas
contemporâneas. Propomos aqui analisar as imagens que mudaram e as que
permanecem vigentes acerca desses personagens tão aclamados pela História do
Brasil. Posteriormente, confrontaremos as propostas desmistificadoras da ação dos
bandeirantes presentes nas produções historiográficas que desconsideram a
imagem do desbravador, do caçador de índios e do descobridor de ouro.
Nesse sentido, reunimos obras relacionadas à temática das bandeiras
produzidas ao longo do século XX. Para isso, dividimos o capítulo em “dois blocos”
historiográficos de posições distintas: os que afirmam os bandeirantes como
heróis
26
, e os que caracterizam como homens.
27
No início do século XX, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
junto ao governo do estado, se esforçou para mostrar uma raça própria, de
característica singular, particularizada pelo meio que a isolava. A historiografia dessa
época, decorrente da necessidade de justificar e exaltar os feitos heróicos, visava
pensar acima de tudo esses indivíduos enquanto elementos únicos, diferenciados
por sua natureza, buscando sobretudo ligar o desenvolvimento econômico do estado
de São Paulo através da glorificação dos bandeirantes, apresentados como
aventureiros audaciosos.
Os argumentos apresentados na construção do mito dos bandeirantes
tinham como traço marcante o engrandecimento de São Paulo através de um
passado épico, destacando o cruzamento entre o branco e o indígena que resultou
em uma nova “raça” mestiça, adaptada ao ambiente. Diferentemente da vida das
zonas açucareiras e sua economia estabelecida, a falta de uma economia de
26
Para construção dos bandeirantes como heróis, utilizamos os trabalhos de: RICARDO, Cassiano.
Marcha para oeste (1940); VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil (1920); TAUNAY,
Affonso de E.
A Guerra dos Bárbaros. (1936).
27
Sobre a atuação das bandeiras como despovoadora, destacamos as obras de: ABREU, João
Capistrano de.
Capítulos de História colonial (1907); MACHADO, Alcântara. Vida e morte do
bandeirante
(1929); MOOG, Vianna. Bandeirantes e Pioneiros (1955); LOPES, Fátima Martins.
Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte. (2003);
MONTEIRO, John Manuel.
Negros da Terra índios e bandeirantes nas origens de São Paulo.
(2000); PIRES, Maria Idalina da Cruz.
“Guerra dos Bárbaros”: resistência indígena e conflitos no
Nordeste colonial. (2002); PUNTONI, Pedro.
A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a
Colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720. (2002).
24
exportação contribuía para a procura de uma forma alternativa de sobrevivência.
Nessa busca, o espaço aberto, inexplorado, acabava sendo visto como um
impulsionador de seus moradores para os sertões, resultando, da sua penetração, a
definição dos contornos e configurações do país.
Para essa historiografia, a capitania de São Vicente se constituiu de
maneira ímpar dentro da colônia, marginalizada no projeto de colonização movido
pela Coroa portuguesa em seus domínios coloniais na América. Uma das razões
para isso se deve à falta de um produto aceito pelo mercado externo, dedicando sua
produção apenas para agricultura de subsistência. Como decorrência, seus
moradores acabaram se tornando indivíduos reconhecidos pela habilidade em
percorrer sertões e em cativar os nativos.
28
Além dessa imagem, ainda podemos ver as bandeiras em outras
elaborações historiográficas, seja reafirmando a figura divulgada no início do século
XX, seja interessada em não mitificar, mas em apresentar as atrocidades cometidas
contra os índios durante as fases de expansão, nas quais os bandeirantes estiveram
envolvidos. Dessa forma, tentaremos montar as imagens dos “paulistas” a partir de
três ângulos: a construção, a conservação, e a desmistificação.
Deixaremos então, o primeiro capítulo em essência um trabalho
historiográfico sobre as imagens dos “paulistas”, ou bandeirantes, produzidas ao
longo do século XX, visando detalhar o que se tem trabalhado sobre tal objeto, e
como as perspectivas se modificaram, do herói ao homem.
1.1. IMAGENS MOLDADAS: A NECESSIDADE DO PASSADO HERÓICO
Em fins do século XIX, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo (1894), se iniciou uma disputa historiográfica com os demais institutos
do país, especialmente com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Os
intelectuais paulistas buscaram marcar os tempos coloniais, com o intuito de aliar a
28
Como podemos perceber em: RICARDO, Cassiano. Marcha para oeste A influência da
“Bandeira” na formação social e política do Brasil
. v. 2. Rio de Janeiro: Ed. da Universidade de São
Paulo, 1970; MACHADO, Alcântara.
Vida e morte do bandeirante. Belo horizonte: Ed. Itatiaia; São
Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980.
25
ascensão político-econômica de São Paulo às qualidades dos desbravadores do
sertão.
29
Nessa época, os institutos históricos estaduais se tornaram símbolos da
concorrência por evidências de singularidades dos estados
30
. Em Pernambuco, as
elites em decadência buscavam se legitimar enfatizando o passado prestigioso
referente ao ciclo do açúcar, da mesma forma que São Paulo tentava se destacar
diante da história nacional através da figura do bandeirante.
Conforme Ferreira
31
no período de 1870 a 1940 configura-se uma cisão
épica sobre São Paulo, expressa em um amplo conjunto de textos que circularam na
região, assinados por duas ou três gerações de homens de letras. Ainda nesta
perspectiva, Ferreira destaca que:
Elegendo a cidade de São Paulo como lugar por excelência da
modernidade brasileira, tais escritores reelaboraram o discurso
épico-regional e o revestiram com imagens futuristas, numa projeção
otimista e frequentemente acrítica, presa ao ideário burguês.
32
Nas primeiras décadas do século XX os estudos acerca do
bandeirantismo tiveram um aumento considerável, pois havia um grande empenho
das famílias abastadas de São Paulo em se filiar aos bandeirantes dos primeiros
séculos da colonização. A supremacia de São Paulo seria justificada também pela
cafeicultura, pelas indústrias, pela formação da metrópole, sendo o bandeirantismo o
primeiro ponto enaltecedor da história paulista.
A idéia de se emaranhar nas teias genealógicas dos desbravadores dos
sertões longínquos, homens considerados de força superior, recuando ao período
colonial, demonstra o anseio dessas elites em destacar o passado de São Paulo, e
em se firmar como fruto dessa glória.
29
SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. "Os guardiões da nossa História Oficial": os institutos históricos e
geográficos brasileiros. São Paulo: IDESP - Instituto de Estudos Econômicos Sociais e Políticos de
São Paulo, 1989. (Série História das Ciências Sociais).
30
No tocante aos institutos históricos estaduais, e as rivalidades entre eles na busca incessante da
legitimidade das singularidades locais, ver FERREIRA, Antônio Celso.
A epopéia bandeirante:
letrados, instituições, invenção história (1870-1940).
São Paulo: Ed. UNESP, 2002. p. 109-10.
31
FERREIRA, Antônio Celso. Heróis e vanguardas, romance e história: os intelectuais modernistas
de São Paulo e a construção de uma identidade regional. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.).
Escrita, Linguagem, objetos: Leituras de História Cultural. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p.81-114.
32
Idem. p. 86.
26
Para Ilana Blaj, que discute as produções realizadas sobre o planalto de
Piratininga e seus habitantes, houve várias elaborações de acordo com o momento
histórico, visando construir e enfatizar certos traços que acabaram se solidificando
na historiografia. O trabalho da autora teve como interesse justamente mostrar o
entrecruzamento da história com a historiografia, rastreando o processo de
construção destes traços para entender as imagens produzidas e cristalizadas.
33
Segundo esta autora, no período anterior a década de 1950, São Paulo
era comparada às capitanias do norte para destacar a sua independência, altivez,
rebeldia e auto-suficiência, enquanto que, nas décadas de 1950 e 1970, a produção
historiográfica buscava ressaltar a pobreza e as dificuldades do meio, mas também o
papel dos paulistas na expansão das fronteiras. A autora, Ilana Blaj, concluiu que as
discussões de ambos os períodos tratam de São Paulo sob um mesmo viés, sempre
em comparação aos “centros dinâmicos” nordestinos ou mineiros, pouco se
preocupando com a estrutura sócio-econômica paulista.
Os estudos analisados sobre São Paulo colonial geralmente se voltavam
para a montagem do cenário, discorrendo sobre as condições geográficas da aérea
em questão. Sendo assim, o espaço da vila de São Paulo aparece como
responsável pela particularidade dos seus moradores e determinante para a
singularidade das bandeiras paulistas. Os fatores geográficos, econômicos e
psicológicos foram apontados na perspectiva da construção de um indivíduo único.
34
O território vicentino, constituído por uma estreita faixa litorânea e
terrenos baixos de mangues e pântanos, era considerado inaproveitável para a
agricultura; dificultava a presença humana, empurrando os colonos para as terras
além da Serra do Mar. Esse motivo da migração da costa para o planalto foi
apontado na historiografia como uma forma de valorizar o extremo empenho dos
colonos da capitania de São Vicente ao escalar a serra.
A configuração do espaço da vila de São Paulo contribuía dessa maneira
não para destacar o estabelecimento, mas também para justificar o
33
BLAJ, Ilana. A trama das tensões: o processo de mercantilização de São Paulo colonial
(1681-1721).
São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP: Fapesp, 2002.
34
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução Política do Brasil, e outros estudos. São Paulo: Brasiliense,
1957.
27
desenvolvimento demográfico, usado pela historiografia como explicação da
vitalidade e eficiência dos homens habituados às incursões ao sertão.
35
Conforme Cassiano Ricardo, a vila de São Paulo seria o “foco de
propulsão” com a idéia da riqueza fácil provinda dos mitos que a comportavam,
enquanto o sertão era o “foco de atração”, da riqueza escondida, do misterioso, do
real que não se explica e do mágico que envolvia as expectativas dos “paulistas”.
36
Deste modo, a penetração nos sertões em busca de índios, a expansão pastoril,
assim como a conquista das minas era apresentada como formas de deslocamento
e dispersão da população.
As considerações de Cassiano Ricardo sugerem ainda as relações entre
os bandeirantes e os mitos que envolvem o sertão, o espaço do desconhecido. O
“foco de atração” trabalhado pelo autor é apontado como razão das formas
expansionistas do movimento das bandeiras. Afirmando:
Ambição e imaginação, cheias de força, sensorial e ligadas, por
assim dizer, à concepção ‘espacial’ da vida, estão sempre prontas a
deflagrar em formas expansionistas de movimento. Os mitos levam o
bandeirante sertão adentro.
37
Mas, se por um lado os mitos estimulam a ida para o sertão, os homens
que nele penetram se tornam também mitos. Acerca disto, acrescenta Cassiano
Ricardo que a entrada para o sertão seria “[...] o mito resultante do econômico
mancomunado com o mágico.”
38
Assim, mesmo considerando o fascínio causado
pelo sertão, o autor destaca também a carência econômica da vila de São Paulo
como fato impulsionador das entradas para o interior.
A formação do espaço paulista, enquanto relação de uma sociedade
específica com o lugar, representa um processo de colonização particularizado,
onde os moradores vão buscar uma forma de sobrevivência diversa, fora do seio da
35
Um exemplo disso, ver em ELLIS, Myriam. As bandeiras na expansão geográfica do Brasil. In:
HOLANDA, Sérgio Buarque de (Dir.).
História geral da civilização brasileira. 3 ed. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1968. t. I: A época colonial, v. 1. p. 274.
36
RICARDO, Cassiano. Marcha para oeste – A influência da “Bandeira” na formação social e política
do Brasil
. Rio de Janeiro: Ed. da Universidade de São Paulo, 1970. v.2. p. 380.
37
Idem. p. 399.
38
Idem. p. 401.
28
sociedade. Essa espacialização
39
transformaria assim o paulista em um ser singular
diante do quadro da América Portuguesa.
Assim, no grupo que visava defender a ação das bandeiras estava
Affonso de E. Taunay. Tendo em vista nosso recorte espacial se destinar à capitania
do Rio Grande, optamos por selecionar uma de suas obras mais específicas: A
Guerra dos Bárbaros (1936),
40
por ter sido a pioneira na historiografia dedicada ao
conflito.
A obra referida trata de uma compilação de documentos relativos às
etapas de um dos maiores embates entre colonos e índios ocorridos durante o
período colonial. O autor se mostra a favor da ação bandeirante, considerando a
conquista como objetivo principal da guerra, indiferente a violência cometida contra
os índios. Segundo ele, seria inadmissível renegar os grandes feitos em função da
crueldade, uma vez que portugueses e espanhóis também já haviam praticado
contra outros povos nos anos iniciais do “descobrimento da América”.
Nesse seu estudo, Taunay afirma que as primeiras hostilidades entre
colonos e indígenas no evento evocado por “Guerra dos bárbaros” teriam acontecido
no Rio Grande. Considera ainda que, na segunda metade do século XVII, a situação
da capitania era grave, contando com uma tropa desguarnecida, sem elementos
bélicos de valia, e acrescenta que “[..] o principal baluarte local o forte de Três Reis
Magos estava semi-desmantelado.”
41
As informações contidas nesse trabalho, onde foram empregados muitos
documentos publicados na Revista do Instituto Histórico do Ceará pelo Barão
Studart, nos possibilitou entender o destaque dado pelo autor às bandeiras
paulistas. Narrando uma guerra prolongada de destruição de massa da população
indígena, Taunay permanece enfatizando a nobreza dos atos dos bandeirantes para
o funcionamento da sociedade colonial.
No entanto, não podemos desmerecer a produção de Taunay pelo fôlego
com que tratou a História das bandeiras, contribuindo para grande parte dos estudos
39
Entendo aqui espacializar como uma particularização do espaço, “pois as determinações oriundas
das características do meio (natural e construído) acabam dando às relações próprias de um modo de
produção tonalidades locais específicas em cada lugar”. MORAES, Antonio Carlos Robert.
Bases da
Formação Territorial do Brasil
: o território colonial brasileiro no “longo” século XVI. São Paulo:
Hucitec, 2000. p. 16-7.
40
TAUNAY, Affonso de E. A Guerra dos Bárbaros. Mossoró: Fundação Vingt-um Rosado, 1995.
41
Idem. p. 30.
29
sobre o tema até os dias atuais. Como já foi dito por Víctor Leonardi, “[...] sem ele os
remotos sertões do país – e suas ‘fronteiras’ nos séculos XVII e XVIII – seriam ainda
mais inacessíveis para o pesquisador contemporâneo interessado na história do
interior do Brasil.”
42
Além de escritos de Afonso Taunay, outro autor empenhado na
construção do mito do bandeirante foi Oliveira Vianna. Um elemento bastante
relevante ressaltado pelo autor se refere ao caráter guerreiro dos sertanistas de São
Paulo, elementos singulares, apresentados como incomparáveis na arte bélica. Em
suas palavras:
Os primitivos vaqueiros do norte, os antigos colonizadores dos
sertões setentrionais, para baterem os índios, ou exterminarem os
quilombos, são forçados a invocar o auxílio dos caudilhos do sul.
Para desafogar os vastos campos do São Francisco, do Itapicuru, do
Rio Salgado ou do Parnaíba, eles, pastores intrépidos, não
conseguem engendrar nada que possa ser comparado em poder
destrutivo, em força guerreira, em aptidão fulminatória ao poderoso
clã mameluco, organizado pelo gênio militar dos sertanistas
meridionais.
43
De acordo com Oliveira Vianna, não haveria no período colonial nada
parecido com o poder de arregimentação guerreira como o que os moradores de
São Paulo apresentavam. A superioridade defendida fazia parte da preocupação
com a mestiçagem referida na identidade paulista, resultado do cruzamento do
português, colono destemido e aventureiro, com o indígena, guerreiro nato. O
mestiço era assim definido como algo puramente nacional, elemento novo, que por
ser novo não conseguia se enquadrar na estrutura social da colônia. Mas as
intenções do autor se concentravam em mostrar o cruzamento das duas etnias de
maneira positiva, pensando para São Paulo o passado indígena, no intuito de elevar
a figura épica do bandeirante, apresentando a importância da região para a nação.
Essa discussão sobre a mestiçagem paulista também serviu de base para
Cassiano Ricardo nos estudos sobre a influência da bandeira para a formação social
do país. Para ele, a sociedade do planalto teria desenvolvido além de uma maneira
42
LEONARDI, Victor Paes de Barros. Entre árvores e esquecimentos: história social nos sertões do
Brasil. Brasília: Paralelo 15 editores, 1995. p. 25.
43
VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1987. Niterói:
Ed. da Universidade Federal Fluminense, 1987. p. 171. v.1.
30
particular de sobrevivência, uma forma de se relacionar também específica. A
coexistência entre brancos e índios em um espaço isolado da região colonial,
favoreceu não a mestiçagem, como também para formação de uma sociedade
democrática, de relações comunitárias. Deixemos a palavra ao autor:
A bandeira é, pois, a glorificação da mestiçagem. duplicado em
mestiço é que o branco conquistou e colonizou o Brasil, promovendo
e não vai nisto nenhum exagero uma das maiores revoluções da
humanidade.
44
Livres dos grilhões da política portuguesa, os bandeirantes seriam,
segundo autor, os mestiços que deram certo, ou os híbridos vigorosos, capazes de
ter a audácia de encarar uma colonização própria. Qualquer ligação errônea com as
atividades do bandeirismo poderia manchar o brio da História de São Paulo.
45
a autora Myriam Ellis Bandeiras na expansão geográfica do Brasil
(1968), buscou enaltecer a figura dos “paulistas” com seu espírito conquistador, de
aventureiro e destemido. Embora partilhasse de muitas idéias mencionadas, seu
estudo adquiriu muita relevância pela ênfase no rompimento do Tratado de
Tordesilhas realizado pelas bandeiras. Sintetiza os feitos das bandeiras paulistas
nessas linhas:
Na caça ao índio e na pesquisa de pedras e metais, descomprimiram
o Brasil de Tordesilhas, desbravaram e conquistaram a terra,
expulsaram a frente pioneira jesuítica de catequese e colonização,
alimentaram com o braço índio a agricultura do sul ao norte,
estabeleceram rotas, descobriram ouro, abriram caminhos para o
povoamento de Minas Gerais, de Mato Grosso e Goiás, como para a
ocupação efetiva do Paraná ao Rio Grande do sul.
46
Esse apontamento apresentava os bandeirantes como verdadeiros heróis.
Para a autora, eles podem não ter descoberto o Brasil, mas estiveram presentes em
quase todas as etapas de expansão, de norte a sul do país. Com característica de
roteiro, esse estudo lista fases da história do Brasil nas quais estiveram envolvidas
44
RICARDO. Op. Cit. p. 356
45
Idem. p. 447.
46
ELLIS, Myriam. As bandeiras na expansão geográfica do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de
(Dir.).
História geral da civilização brasileira. 3 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968. t. I:
A época colonial, v. 1. p. 296.
31
as bandeiras. O texto de Myriam Ellis, num todo, apresenta uma perspectiva
altamente positiva do tema, sendo um exemplo da construção dos bandeirantes
como grandes homens.
Ainda na análise dos clássicos, nos deteremos no livro
Caminhos e
Fronteiras
(1957), obra basilar de Sérgio Buarque de Holanda, para o tema das
bandeiras e a discussão de mestiçagem cultural. A idéia central do livro é a da
diluição e recuperação do legado europeu. Nesse relato sobre a integração cultural,
nem a diluição se fez de forma completa, nem a recuperação significou um
reencontro com o mesmo, e sim, o elemento novo, o americano
47
.
Os hábitos e os costumes não se transplantavam simplesmente, e sim se
adaptavam, se moldavam, se compunham com o semelhante, sujeitos a uma ação
transformadora. Em palavras de Sérgio Buarque de Holanda, “[...] com a
consistência do couro, não a do ferro ou do bronze, dobrando-se, ajustando-se,
amoldando-se a todas as asperezas do meio.”
48
A transformação decorrente desse processo caracterizou o espaço da
fronteira, esse espaço plural, ambivalente, que congrega duas situações, trazendo
como resultado algo novo, ímpar, mesclado. Assim foi pensado São Paulo colonial
por Sérgio Buarque de Holanda em
Caminhos e Fronteiras. O autor defende o
paulista como ser único, mas único principalmente pela sua formação, enaltecendo a
cultura mameluca pelos seus méritos em desbravar o meio, se configurando
diferentemente da sociedade açucareira. Para ele, essa realidade resultou da
interação entre meio, cultura e sociedade.
Mais do que se deter na justificação da localização da vila de São Paulo e
no seu isolamento, a preocupação desse caso é o deslocamento, o percurso, o
movimento, bem como as mutações acarretadas ao longo do caminho. Os espaços
percorridos aparecem como testemunhas dos combates travados, como símbolos da
permanência e da mudança.
O processo de adaptação imprime marcas no corpo desses homens.
Suas armas, seu modo de vestir, de caminhar, de comer, de falar, não eram os
mesmos saídos da Europa, e tampouco iguais aos dos nativos. Calçados não
47
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
48
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. São Paulo: Ed.Brasiliense,1989. p. 16.
32
usavam, esparramando, como os índios, toda a planta dos pés pelo chão ao andar,
virando os artelhos um pouco para dentro, para facilitar o caminhar e diminuir o
cansaço.
49
Sua armadura é o gibão de armas de algodão, adaptação da velha
jaqueta medieval às condições do meio americano, adequada para a proteção
contra a penetração das setas inimigas.
50
Nos estudos de Sérgio Buarque de Holanda, a bandeira paulista assume
além do caráter expansionista, a idéia de uma mestiçagem cultural e não somente
biológica. Os moradores de São Paulo enquanto frutos da união dos colonos com as
índias resultaram da adaptação cultural do colonizador ao colonizado. Os “paulistas”
seriam assim o produto da intersecção entre o europeu e o índio.
51
Não obstante, uma interessante ressalva de Holanda está no fato da
independência das bandeiras diante da política colonial portuguesa. Escrevendo:
A obra grandiosa das bandeiras paulistas não pode ser bem
comprehendida em toda sua extensão, se não a destacarmos um
pouco do esforço português, como um emprehendimento que
encontra em si mesmo a sua explicação, embora ainda não ouse
desfazer-se de seus vínculos com a metrópole européia, e que,
desafiando todas as leis e todos os perigos, vai dar ao Brasil a sua
actual silhueta geográfica.
52
Segundo sua perspectiva, a realidade do planalto transformava o
elemento paulista em ser único, modificado, resultado da integração de duas
culturas distintas. Por essa razão, rotulado como um grupo social à parte, não
pela região que provinha, mas pela sua formação em si, tornando-o diferenciado por
seus hábitos e pela fama em combater os índios.
Apresentando uma visão menos mítica do que as narrativas vistas até
aqui, Alcântara Machado em Vida e Morte do Bandeirante (1929) utilizou a
publicação dos inventários processados de 1578 a 1700, realizada por Washington
Luís na década de 1920, com o intuito de reconstruir o cenário do povoado paulista.
Sua interpretação não se limita a considerar os inventários apenas enquanto um
49
MELLO E SOUZA, Laura de. Formas provisórias de existência: A vida cotidiana nos caminhos, nas
fronteiras e nas fortificações. In: MELLO E SOUZA, Laura de (Org.).
História da Vida privada no
Brasil
. V. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 46.
50
MACHADO. Op. Cit. p. 240-1.
51
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
52
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1936. p.
72.
33
registro de feição econômica, mas entendê-los acima de tudo como uma
demonstração da organização da família, a relação homem-espaço, as
particularidades da vila de São Paulo, bem como a religiosidade do bandeirante.
Contudo, sua abordagem fluída do dia-a-dia desses homens acabava
contribuindo para uma outra imagem do bandeirante, como grosseiro, analfabeto e
pobre que vivia quase na indigência. Rude e selvagem, duro para consigo mesmo e
com os semelhantes, em luta permanente contra dificuldades de toda espécie, o
paulista foi buscar no sertão melhores condições de vida.
O sertão para Alcântara Machado nasce devido às limitações do meio,
ancorado na expectativa de espaço da promessa, cheio de tesouros a serem
descobertos, alvo dos maiores anseios dos moradores da vila de São Paulo. No
entanto, não a ambição mobilizava esses homens, como também a imaginação
sobre o sertão como um lugar recoberto de mistérios, de imprevistos. Para o autor,
era essa provocação que assanhava o “[...] espírito imaginoso e a índole aventureira
dos conquistadores e dos naturais da terra, com todas as volúpias másculas do risco
e da luta.”
53
Tais produções unem-se pelo fato de apresentarem o passado paulista
como resultante de um lugar de colonização própria, perspectiva que vem sendo
revisitada e encarada por outros prismas e em outras circunstâncias. Assim, elevada
num determinado contexto histórico e mesmo delimitada segundo parâmetros
diferentes, a imagem do bandeirante construída pela historiografia ainda continua
sendo objeto de estudo para aqueles que buscam entender a atuação das bandeiras
paulistas nas guerras de conquista.
1.2. IMAGENS INCRUSTADAS: O REVESTIMENTO DAS BANDEIRAS
O uso de ilustrações no texto enriquece sobremaneira a apreensão da
discussão. No entanto, a escolha da imagem se torna uma tarefa difícil quando se
tem uma variedade de impressões sobre o mesmo objeto, retratados em épocas e
por olhares diferentes. Ainda assim, consideramos o valor das fontes iconográficas
53
MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed.
da Universidade de São Paulo, 1980. p. 232.
34
que, como tais, devem ser interpretadas, e reconstruídas a cada olhar, a cada
época. Segundo Eduardo França Paiva:
A imagem, bela, simulacro da realidade, não é a realidade histórica
em si, mas traz porções dela, traços, aspectos, símbolos,
representações, dimensões ocultas, perspectivas, induções, códigos,
cores e formas nela cultivadas.
54
Em suas considerações, Eduardo França nos convida a pensar que as
imagens fornecem representações do vivenciado, “representações que se produzem
nas e sobre as variadas dimensões da vida no tempo e no espaço.”
55
Dessa forma,
entendemos que a imagem das bandeiras se construiu enquanto um símbolo da
nacionalidade, da expansão territorial, da integração entre as culturas, do combate
às resistências oferecidas ao avanço das forças coloniais, do desbravamento dos
sertões mais longínquos, e da descoberta do ouro.
56
Definida como a imagem do
homem forte e destemido, consolidada pela a importância atribuída à expansão
territorial, e gerada pela historiografia desde o início do século passado.
Tentaremos aqui vincular a imagem descrita pelo pintor santista Benedito
Calixto (1853-1927) sobre o bandeirante Domingos Jorge Velho, ao contexto de sua
produção, no que tange à ideação das bandeiras paulistas. A eleição de tal obra
pode ser justificada pela reunião de elementos que buscamos tratar ao longo de
nosso trabalho, entre eles o personagem e a data em que a tela foi pintada, que
as produções iconográficas são frutos de seleções de seus produtores e do meio no
qual eles vivem. No início do século XX, momento da construção da história
nacional, essas criações eram patrocinadas pelo governo do Estado e os intelectuais
do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo como imagens reais, isto é,
verdades históricas.
Dentre os artistas plásticos do IHGSP, Benedito Calixto, sócio-
ingressante, recebeu bastante destaque pelas suas obras. Sua arte foi instrumento
dos ideais paulistas do início do XX, pois muitos de seus quadros foram
54
PAIVA, Eduardo França. História & imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 19.
55
PAIVA, Eduardo França. Op. Cit. p. 14
56
Sobre as imagens das bandeiras me refiro às obras aqui trabalhadas, citadas em nota anterior.
35
encomendados, e produzidos de maneira rápida, dedicando sua atenção para temas
históricos ligados a São Paulo.
57
Atentamos assim para o quadro de Domingos Jorge Velho, pintado por
Benedito Calixto de acordo com suas pesquisas, que retratou a imagem do
bandeirante, e de um ajudante seu. Essa tela de 1903 (medindo 140x100 cm),
encomendada pelo governo do Estado, pretendia enriquecer o Museu Paulista, mais
conhecido como Museu do Ipiranga:
FIGURA 01
CALIXTO, Benedito. Domingos Jorge Velho. Disponível em
http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm
57
FERREIRA, Antonio Celso. A epopéia bandeirante: letrados, instituições, invenção histórica
(1871-1940). São Paulo: Ed. UNESP, 2002. p.112-3.
36
Alguns elementos presentes no quadro nos chamam atenção, como a cor
da pele e a vestimenta: homem branco de olhos claros, trajando um uniforme militar
impecável. Ao que parece, a intenção do artista era mostrar um comandante de uma
tropa, forte e impetuoso, como deveria ser o retrato do “herói dos Palmares”.
Na busca de um passado heróico, o IHGSP no início do século XX tentou
justificar o crescimento e desenvolvimento do estado pelas realizações do período
colonial. Entradas e bandeiras passaram a ser enaltecidas nesse momento,
exaltadas pelo trabalho dos homens da vila de São Paulo de Piratininga. O governo
do estado de São Paulo havia encomendado a Benedito Calixto, na última década
do século XIX, duas telas para o Museu do Ipiranga. Uma de Vicente Taques Góis e
Aranha, capitão-mor em Itu de 1779 a 1825, e outra do vencedor de Palmares,
Domingos Jorge Velho.
Na edição de de março de 1903, foram publicadas no jornal “O Diário
de Santos” assinado pelo Dr. Antônio de Toledo Piza, diretor do Arquivo Público do
Estado de São Paulo, duas cartas endereçadas ao pintor Benedito Calixto, a
respeito da caracterização do mestre-de-campo. A primeira carta foi redigida por
Theodoro Sampaio, que nessa época era sócio do IHGSP, e membro da
comissão de geografia da revista do instituto
58
, e faz suas considerações acerca do
esboço a ele enviado da obra:
Estou de acordo com o esboço do quadro projetado, e com o modo
de representar a figura do famoso paulista. Um quadro histórico
referente a uma data tão remota, da qual poucas informações
precisas e minuciosas temos sobre o trajar dos homens, tem de ser,
por via de regra, uma coisa convencional e aproximada,
reproduzindo um pouco do que se sabe ao certo e um pouco dos
costumes da época que mais se lhe aproxime. [...]. Caracterizando o
vulto de Domingos Jorge Velho como trajava qualquer sertanejo mais
abastardo ou “a bandeirante”, não se conseguirá do quadro a
demonstração ou a idéia que se tem em vista alcançar. É mister,
portanto, sacrificar um tanto a realidade à ficção, no intuito de se
conseguir maior força de expressão.
59
58
SCHWARCZ, Lilia. K. Moritz. "Os guardiões da nossa História Oficial": os institutos históricos e
geográficos brasileiros. São Paulo: IDESP - Instituto de Estudos Econômicos Sociais e Políticos de
São Paulo, 1989. (Série História das Ciências Sociais).
59
CARTA de Theodoro Sampaio a Benedito Calixto. São Paulo, 27/11/1892. Disponível em
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm> Acesso em: 12 de Julho de 2006.
37
Tomando por base esse trecho, fica claro o esforço em se enaltecer a
figura do herói no quadro. O autor da carta acreditava não ser condizente apresentar
um ícone das forças bandeirantes como um simples sertanista, retirando o brilho
desejado de um vulto célebre, e afirma que o grande conquistador de Palmares não
poderia ser retratado de outra maneira.
A segunda carta apresentada, dando parecer sobre a imagem destinada
ao Museu do Ipiranga, foi escrita pelo historiador e político Washington Luís,
pertencente à família de Domingos Jorge, por casamento. Seus comentários foram
maiores que o de Theodoro Sampaio, inclusive no que se refere à formação do
corpo militar, observando ainda que os “paulistas” eram organizados em “terços” e,
enquanto tal, não se constituía como tropas regulares, que eram pagas e fardadas.
Nas palavras do autor:
Por temperamento, pelos hábitos e educação, pelas próprias
condições dessa guerra singular, Domingos Jorge não poderia estar
vestido de sedas e veludos; não se distinguiria pelo fausto do
vestuário, mas pela bravura, energia, tenacidade, resistência ao
sofrimento, desprezo ao perigo. Ele deveria estar, sem dúvida, com o
vestuário clássico do sertanista, do bandeirante, que, em resumo, é o
tipo glorioso de São Paulo.
60
Nessa passagem podemos ver que uma aceitação de que os
bandeirantes nos primeiros séculos da colonização vestiam-se como sertanistas,
sobretudo partilhando de modos muito próximos dos índios, o que deveria ser motivo
de orgulho. Para ele, os maiores méritos não estariam descritos em roupas, mas na
bravura do indivíduo.
Um outro dado presente na carta de Washington Luís diz respeito à
descrição do corpo de Domingos Jorge Velho e seu ajudante, que segundo ele foi
definido por Joaquim de Paula Sousa no romance histórico “Os Palmares”:
Domingos Jorge, nessa época, era um homem de 70 anos de idade,
mais ou menos, pois em 14 de novembro de 1643 tinha batizado
seu filho Salvador. Era alto, robusto, de uma aparência imponente,
tinha os cabelos ruivos, cortados rente, os olhos azuis, o rosto
comprido, alvo, corado na pequena parte que não era coberta pelo
60
CARTA de Washington Luís a Benedito Calixto. São Paulo, 03/1903. Disponível em
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm> Acesso em: 12 de Julho de 2006.
38
espesso bigode e comprida barba ruiva que lhe descia ao peito. O
seu imediato em comando, o sargento-mor Antonio Fernandes de
Abreu, era meão de altura, pescoço curto e grosso, ombros largos,
corpo reforçado; a cabeça era bem feita, a testa um tanto saliente, os
olhos pequenos e vivos, os bigodes aparados. No cuidado com que
se vestia e tratava e nas suas mesmas ações, via-se que caprichava
em mostrar um soldado escravo da disciplina.
61
Trata-se de uma descrição bastante precisa das características
idealizadas de Domingos Jorge Velho e que, em parte, se assemelha ao esboço de
Benedito Calixto, destacando a idade, a altura e a aparência. Contudo, o que mais
chama atenção, sem dúvida, seria a última oração, ressaltando o modelo de oficial,
“escravo da disciplina”. Essa afirmação contribui substancialmente para a idéia do
compromisso das bandeiras com o serviço militar, que implica ordem, regras, e
hierarquias.
Percebemos então, no quadro de Benedito Calixto, a intenção em criar
uma imagem positiva dos desbravadores como ícones da identidade nacional,
corroborando com os ideais do estado e do instituto em enaltecer os tempos
pretéritos da cidade de São Paulo, a fim de elevar o sentido dessas instituições
dentro da perspectiva nacional. Uma imagem construída e defendida até os dias
atuais pela historiografia oficial. Como nos explica Lilia Schwarcz:
Garantia de um perfil ao mesmo tempo original e destoante, “o
bandeirantismo”, enquanto representação, fazia jus a uma imagem
consensual e então muito vinculada, que aliava o estado paulista em
sua ascensão às principais qualidades desses românticos e
destemidos desbravadores do sertão.
62
Sendo assim, as imagens do início do século XX foram usadas como
meios de corroboração da ideação do bandeirante a partir de uma visão romântica.
A idéia de que essa montagem do bandeirante seria intencional, aparece ainda
explícita no trabalho de Vianna Moog ao fazer o paralelo entre a cultura dos
pioneiros dos Estados Unidos e a dos bandeirantes. E diz o seguinte:
61
CARTA de Washington Luís a Benedito Calixto. São Paulo, 03/1903. Disponível em
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm> Acesso em: 12 de Julho de 2006.
62
SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. "Os guardiões da nossa História Oficial": os institutos históricos e
geográficos brasileiros. São Paulo: IDESP - Instituto de Estudos Econômicos Sociais e Políticos de
São Paulo, 1989. (Série História das Ciências Sociais).p. 55.
39
Quando não são as ideações e concepções diretamente herdadas da
bandeira, são os estilos de vida decorrentes das monoculturas semi-
orgânicas que, como sucessoras das bandeiras, vêm fazendo às
vezes de sucedâneo das antigas minas de ouro. E quando não é
nem uma nem outra, é o simples apego sentimental, transmitido de
geração em geração, à imagem idealizada do bandeirante.
63
Ressaltamos a última parte do trecho, “apego sentimental à imagem
idealizada do bandeirante”, ou seja, o bandeirante construído. O mesmo homem das
descobertas, dos dilatamentos e das aberturas de novos espaços, aparece aqui
mencionado como uma formação de idéia, uma imaginação e, porque não dizer,
uma invenção.
1.3. IMAGENS REFORMADAS: A DESMISTIFICAÇÃO DOS “PAULISTAS”
A caracterização das bandeiras foi mostrada, até agora, a partir das
concepções elaboradas pela historiografia como resultado dos esforços dos políticos
e do instituto em mostrar São Paulo de um ponto de vista superior. No entanto,
alguns autores do século XX apresentavam opinião contrária à mitificação do
bandeirante, apontando as agressões cometidas por eles em suas incursões pelo
interior.
Sobre a ação das bandeiras, Capistrano de Abreu em seu livro Caminhos
Antigos e o Povoamento do Brasil (1930) trouxe uma visão menos mítica dos
homens de São Paulo, denunciando a violência contra os indígenas, sem a intenção
de omiti-la através das realizações dadas pela expansão. Nesse sentido, diz o autor:
Concorreram antes para despovoar que para povoar nossa terra,
trazendo índios dos lugares que habitavam, causando sua morte em
grande número, ora nos assaltos às aldeias e aldeamentos, ora com
os maus tratos infligidos em viagens [...].
64
De acordo com a obra do autor, percebemos o papel do “paulista”
primeiramente enquanto um instrumento de desocupação de um espaço. Suas
63
MOOG, Vianna. Op. Cit. p.192.
64
ABREU, João Capistrano. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria
Briguiet, 1960. p.76.
40
expedições serviram para abrir caminho, contribuindo dessa forma para o
dilatamento das fronteiras coloniais, através do extermínio e da escravização dos
índios. Contudo, essa opinião que destacava a crueldade dos bandeirantes não teve
tantos adeptos no início do século XX, uma vez que a difusão de tal pensamento
atrapalharia os ideais da produção intelectual da época.
Dessa forma, pertencente à historiografia de fins do século XIX e início do
XX, Capistrano de Abreu inovou pela perspectiva com que encarou o tema das
bandeiras e a introdução do sertão como temática na historiografia, já que os
estudos anteriores aos seus restringiam a História do Brasil à colonização do litoral.
O prefácio de uma de suas obras, feito por José Honório Rodrigues
65
, discorrendo
sobre vida e obra de Capistrano de Abreu na historiografia brasileira comparava-o a
Frederick Turner, no que tange à temática do sertão e o dilatar das fronteiras.
Interessante perceber que durante esse prefácio, José Honório Rodrigues
menciona o estudo da ocidentalização
66
do Brasil, referindo-se a idéia da expansão
do Ocidente como transposição de cultura para um novo espaço. Em verdade, esse
é o significado da colonização. O termo “colonizar” abarca o sentido de ocupação de
um espaço, porém, além do caráter de ocupação e cultivo de novos territórios, a
palavra assume conotação de domínio, exploração e instalação cultural, pois a
cultura do colonizador é passada para o novo território.
67
Assim, antes da colonização, o continente americano se encontrava
ocupado por habitantes que possuíam cultura e estruturas sociais próprias, em
condições diversas ao espaço colonizado, o que em alguns casos consideravam o
território como vazio, dando margem a diferentes formas de contato e ao nascimento
de novas sociedades. Nesse lugar de contato, geralmente se desenvolveu uma
cultura mestiça, própria das áreas de fronteira. Capistrano de Abreu defendia a
mestiçagem cultural, fazendo menção aos caminhos percorridos como instrumento
de mudança. Em outras palavras, atravessando o sertão, o colono se chocava,
65
Prefácio de José Honório Rodrigues. ABREU, João Capistrano. Correspondência de Capistrano
de Abreu
. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. v. 1.Brasília: INL, 1977.
66
O conceito de Ocidentalização vem sendo trabalhado nos últimos anos por Serge Gruzinski, em
uma perspectiva mais focada. Para ele, a Ocidentalização seria uma empreitada multiforme que levou
a Europa ocidental, a fazer a conquista das almas, dos corpos e dos territórios do Novo Mundo. Cf.
GRUZISNKI, Serge.
O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
67
SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 67-70.
41
surpreendido pelo novo; depois de penetrá-lo, espaço e homem se modificavam,
desembocando no que seria a realidade americana.
Numa perspectiva de história comparativa, atentamos ainda para o
trabalho de Vianna Moog -
Bandeirantes e pioneiros (1955)
68
, ao apresentar a ação
predatória e destruidora característica das bandeiras do século XVII, em contraste
com o papel dos pioneiros dos Estados Unidos, movidos pela estabilidade. O mesmo
autor aponta a idealização da obra dos bandeirantes como decorrência de uma
imagem cultivada como símbolo pelos brasileiros:
Pois bem: apesar de tudo, a julgar pela atoarda da literatura nacional
em torno dos bandeirantes, dir-se-ia que o São Paulo moderno, o
São Paulo das indústrias, o São Paulo do café, o São Paulo que
constrói e monta o mais soberbo parque industrial da América do Sul
é obra exclusiva do bandeirante e do espírito de bandeira. Porque
nisto de emprestar ao bandeirante atributos que ele nunca teve, o
paulista de quatrocentos anos é um perfeito ianque. Se, para
valorizar o símbolo que lhe é caro, for preciso atribuir ao bandeirante
atributos orgânicos, ele o atribuirá; se para magnificá-lo for preciso
torcer a história, ele o torcerá.
69
Essas afirmações nos levam a pensar na promoção dada às realizações
dos homens do planalto de Piratininga. Assim, seguindo essa idéia de imagem
construída das bandeiras, buscamos observar as produções mais recentes acerca
da atuação dos “paulistas” nos conflitos ocorridos nas capitanias do Norte do Estado
do Brasil, em meados do século XVII.
Os estudos consultados indicam a participação das tropas de “paulistas”
nas principais guerras de resistência de negros e índios, mas não uma obra voltada
exclusivamente para a atuação dos mesmos. Os trabalhos giram em torno do
Quilombo dos Palmares e da “Guerra dos bárbaros”, principais eventos nos quais os
moradores de São Paulo estiveram envolvidos no que hoje seria a região Nordeste
do Brasil.
Nesse sentido, acreditamos que sendo esses conflitos aceitos pela
historiografia como razão para a contratação dos “paulistas” nas guerras do Norte,
68
A primeira edição em português foi em 1955, apesar da obra ter sido iniciada em 1934. MOOG,
Vianna.
Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre duas culturas. Rio de Janeiro: Graphia, 2000.
69
MOOG, Vianna. Op. Cit. p. 190-1
42
tais trabalhos adquirem uma importância singular para a compreensão do que foi a
atuação desses homens nos conflitos da capitania do Rio Grande.
Como marco nos estudos da conquista do sertão e resistência das tribos
indígenas do interior, o trabalho de Maria Idalina da Cruz Pires nos foi fundamental
para o entendimento da Guerra dos Bárbaros.
70
Na terceira parte de seu livro, ela
destaca principalmente os momentos finais do conflito, mostrando o contorno que a
guerra adquiriu após o abafamento da resistência, inclinando-se para formação de
facções internas. Mostrando ainda, como os “paulistas” envolveram-se nas disputas
por terra e poder nessa fase do conflito. Não sendo, portanto, mais úteis ao projeto
de colonização, tornaram-se indesejados pelos colonos, missionários e autoridades
locais.
Essa análise que a autora faz sobre a relação dos “paulistas” com os
demais grupos sociais envolvidos na conquista seria o primeiro ponto a ser
destacado em nosso estudo: requisitados pelas autoridades coloniais no período da
guerra, e depois encarados como rivais na posse da terra. Dessa forma, distante da
idéia da democracia social, o bandeirante envolvido em um conflito se torna parte
deste, muitas vezes enfrentando seus próprios aliados.
Sobre a mesma temática da “Guerra dos bárbaros”, o historiador Pedro
Puntoni desenvolveu seu trabalho ampliando o estudo para o que ele considera
como dois momentos distintos da guerra: Guerras do Recôncavo (1651-1679)
realizadas no Recôncavo Baiano, e Guerra do Açú (1687-1705) na ribeira do rio
desse mesmo nome no sertão do Rio Grande e Ceará.
71
Na análise do tema em questão, Puntoni aponta a experiência em
percorrer os matos e o conhecimento às táticas de guerra dos índios como motivos
para a contratação dos homens de São Paulo, já que os mesmos utilizavam a
“guerra brasílica”, ou guerra “ao modo” do Brasil. Afirmando que, os “paulistas” foram
empregados no policiamento da capitania do Rio Grande e das adjacentes para
conter os levantes indígenas que iam de encontro ao projeto colonizador.
72
70
PIRES, Maria Idalina da Cruz. “Guerra dos Bárbaros”: resistência indígena e conflitos no
Nordeste colonial. Recife: Ed. Universitária – UFPE, 2002.
71
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros. Op. Cit. 200.
72
PUNTONI. Op. Cit. p. 242.
43
Mas, o fato do autor concordar com a habilidade característica dos
bandeirantes não insinua uma superioridade bélica. Apenas destaca o tipo de guerra
empregado pelos “paulistas”, considerado ideal para combater as resistências
indígenas. Além disso, a consideração dada ao caso das guerras nas capitanias do
Norte foi referida devido à institucionalização do terço, que passava a ser assentado
e pago, assim como as tropas regulares, diferentemente do que se praticava
anteriormente. Pernambuco até então contava com os terços da guarnição da vila do
Recife, da cidade de Olinda, de Itamaracá e com o recém-criado terço dos Palmares.
Segundo Pedro Puntoni:
[...] o terço dos Palmares e o da Guerra dos Bárbaros eram
representativos do processo de formalização da ‘guerra brasílica’ que
se enquadrava em sua especificidade no sistema militar do Império
português e ganhava uma identidade particular, com uma legislação
própria. Essas guerras previam contratos para a remuneração dos
serviços que ultrapassavam o simples pagamento dos soldos, com a
utilização de crueldade máxima para com os inimigos.
73
De acordo com essa afirmação, a característica excepcional da
formalização da “guerra brasílica” contou ainda com o direito sobre os índios
rebelados, ultrapassando a simples efetuação do soldo. Mesmo sendo apontada
após a expulsão dos holandeses como uma técnica arcaica, baseada na
emboscada, a “guerra brasílica” exercida pelos “paulistas” adquiriu uma condição
singular dentro da América portuguesa.
Também de grande importância dentro da produção historiográfica
dedicada aos estudos indígenas estão os trabalhos de John Manuel Monteiro
74
, ao
enfatizar o papel da mão-de-obra dos nativos para a agricultura no planalto paulista.
Segundo o autor, os “paulistas” seriam tanto fornecedores como consumidores da
mão-de-obra indígena. Essa posição se diferencia das idéias até então aceitas do
“circuito comercial intercapitanias”, que seria o tráfico de escravos índios para a
região Nordeste.
Suas propostas tornaram-se inovadoras por pensar o lugar dos indígenas
na sociedade paulista, incorporados à economia do planalto, em vez de
73
PUNTONI. Op. Cit. p. 202.
74
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das letras, 2000. p. 7-8.
44
abastecerem um suposto mercado de escravos índios no litoral. Tal alternativa
representava um meio mais econômico de contrair mão-de-obra, alimentando uma
crescente força de trabalho indígena no planalto, e possibilitando a produção e o
transporte dos excedentes agrícolas.
Mesmo ocupando um lugar de destaque na historiografia brasileira,
segundo ele, a sociedade paulista colonial ainda permanece pouco conhecida,
diante das variadas perspectivas econômicas encontradas pelos moradores de São
Paulo. Mas apesar de não ter sido de exportação, a economia do planalto era de
grande importância para o suprimento das capitanias vizinhas.
Para John Manuel Monteiro, os vínculos dos “paulistas” poderiam se
afastar ou se unir à Coroa, de acordo com os benefícios acarretados com as
investidas. Neste sentido, as incursões dos bandeirantes, sob a ótica do autor, não
se constituíram enquanto um empreendimento geopolítico de expansão territorial,
mas como ação despovoadora dos nativos, assim como afirmava Capistrano de
Abreu. Ainda para Monteiro, os “paulistas” eram contratados temporariamente para
guerrear contra os índios, dizendo o seguinte:
Acenando com sedutoras promessas de títulos honoríficos, terras e
até dinheiro, os paulistas eram mobilizados para servir, por
determinados períodos, de mercenários. Conhecidos por suas
atividades guerreiras nos sertões, os paulistas haviam recebido
convite para participar do conflito luso-holandês no final da década
de 1640.
75
Mais uma vez, percebemos a apresentação dos “paulistas” a partir de
suas “atividades guerreiras nos sertões”, vinculada aos interesses particulares que
moviam o grupo, entre eles o direito de escravizar os índios. Assim, a expansão
territorial atribuída aos bandeirantes pode ser pensada para o caso das
capitanias do Norte enquanto mão-de-obra bélica contratada durante os conflitos de
resistência.
Contudo, a opinião de John Manuel Monteiro sobre o despovoamento
provocado pelas bandeiras paulistas nas regiões dos conflitos, ao abrir espaço para
a colonização da América portuguesa, é bastante próxima da de Capistrano de
75
MONTEIRO, John Manuel. Op. Cit. 92.
45
Abreu. E também no que se refere à permanência dos “paulistas” nos territórios
conquistados, dizendo:
Sem poder trazer cativos para suas propriedades no Sul, a maioria
dos soldados acabou por se estabelecer nas terras recém-
conquistadas dos vales do São Francisco ou do Açu, ou até na
remota hinterlândia do Piauí. Estes assentaram-se em extensas
sesmarias que se tornaram a principal recompensa para os
mercenários. Paulistas, veteranos e renegados das campanhas,
espalham-se pelo interior das várias capitanias, fundando vilas e
dedicando-se sobretudo à expansão da pecuária.
76
A ação bandeirante funcionava como processo de desocupação de
território através do arrasamento de tribos indígenas, subsidiando dessa forma a
expansão das fronteiras. Destarte, os bandeirantes não tinham um
comprometimento com a colonização apenas pela ocupação, e sim possibilitando a
abertura de espaços para uma nova ocupação. Para Robert Moraes, “a colonização
é antes de mais nada uma ocupação de novas áreas; uma apropriação das riquezas
acumuladas, dos recursos disponíveis, das terras e das populações encontradas.”
77
E é dessa apropriação das populações que os bandeirantes mantinham-se, sendo
elas sua principal força de trabalho.
Nas produções recentes avaliadas até agora, no que diz respeito à
contratação dos “paulistas” para os conflitos indígenas das capitanias do Norte,
percebe-se uma continuidade na historiografia ao apresentá-los como indivíduos
com larga experiência em percorrer sertões e aprisionar índios. Como exemplo,
temos o trabalho de Fátima Martins Lopes quando menciona a contratação dos
homens de São Paulo para a “Guerra dos bárbaros” nos sertões da Bahia:
A solução ‘paulista’ para este problema baseou-se no fato de que
eles tinham grande experiência no trato da guerra e apresamento
contra índios insubmissos na região do sul colonial e, principalmente,
porque tinham grande interesse nesta “guerra justa”, visto que lhes
era garantido o envio das presas para a venda nas cidades.
78
76
MONTEIRO, John Manuel. Op. Cit. 96.
77
MORAES, Antonio Carlos Robert. Op. Cit. p. 91.
78
LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio
Grande do Norte.
Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado, Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte, 2003. p. 143.
46
Assim como na Bahia, a repressão à resistência indígena na capitania do
Rio Grande ficou novamente a cargo da mão-de-obra paulista. No entanto, as
continuidades não se limitam à aptidão dos “paulistas”, sendo também destacada a
singularidade da vila de São Paulo, em virtude de sua inclinação para o continente.
Como também nos sugere Emmanuel Araújo ao afirmar que os “paulistas” “traçaram
seu próprio caminho sem estorvo da fiscalização dos delegados Del-rei.”
79
No que tange a colonização do Piauí, Tânia Brandão considera que, em
virtude da agressividade dos indígenas e os custos dispensados com os conflitos, a
Coroa utiliza-se da ação dos sertanistas de contrato.
80
Mas, apenas o conhecimento
da área e a expulsão dos indígenas não eram suficientes para atender seus
objetivos, o que requeria a fixação dos colonos.
A colonização efetiva do Piauí só teve início na segunda metade do
século XVII, a partir das concessões das primeiras sesmarias, uma vez que o
território não apresentava nenhum atrativo para a cultura de produtos exportáveis.
Dessa forma, a região acabava se configurando enquanto espaço de passagem. E
afirma que mesmo o bandeirante Domingos Jorge Velho, que se instalou por um
período mais longo na região, não teve a intenção de se estabelecer. Sua estadia na
região teve caráter temporário. Ainda segundo Tânia Brandão, os “paulistas” no
Piauí não tiveram por finalidade implantar estrutura sócio-econômica no local,
afirmando:
A função dos arraiais era tão somente fornecer alimentos às tropas e
guarida aos combatentes nos intervalos de luta. Alem disso, a vida
quase nômade dos bandeirantes ‘topando bandeira ao gentio bravo
onde o pediam’ não permitiu que esses núcleos habitacionais se
desenvolvessem se perpetuando.
81
Mais uma vez vemos a função despovoadora do trabalho dos “paulistas”
destacada. No entanto, a experiência do Piauí serve para demonstrar a participação
desses homens na conquista do sertão sobre outra ótica. Os bandeirantes que
atuaram no Piauí, agindo de maneira particular sob a contratação da Coroa
79
ARAÚJO, Emmanuel. “Tão vasto, tão ermo, tão longe: o sertão e o sertanejo nos tempos coloniais”.
In: PRIORE, Mary Del (org.).
Revisão do Paraíso: os brasileiros e o Estado em 500 anos de
História
. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 55.
80
BRANDÃO, Tanya Maria Pires. O Escravo na Formação Social do Piauí: Perspectiva histórica do
século XVIII. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 1999.
81
BRANDÃO. Op. Cit. p. 48.
47
portuguesa, não tiveram a intenção de se fixar. Mas mesmo se não houvessem
ocupado, enquanto colonizadores os “paulistas” ganharam concessões de terra na
região, o que também significa colonizar.
Em outras palavras, o papel dos “paulistas” servia antes de tudo para
empurrar o indígena, avançando com a “região colonial”, tendo intenção em se fixar
nos territórios ocupados como colonos nas áreas conquistadas. Outro ponto
enfatizado pela autora diz respeito ao respaldo que os mesmos tinham perante a
Coroa, lembrando os esforços metropolitanos na contratação dos serviços dos
“paulistas” ao persuadi-los.
Buscando fazer um contraponto crítico à mitologia do bandeirantismo,
recuperando os elementos históricos ocultados e esquecidos pela versão dita oficial,
Carlos Davidoff em seu livro Bandeirantismo: Verso e Reverso afirma que ainda
existe um mito vivo, uma espécie de perpetuação do bandeirismo.
82
Se predispondo
a fazer uma reavaliação historiográfica alega o seguinte:
O bandeirante foi fruto social de uma região marginalizada, de
escassos recursos materiais e de vida econômica restrita, e suas
ações se orientaram ou no sentido de tirar o máximo proveito das
brechas que a economia colonial eventualmente oferecia para a
efetivação de lucros rápidos e passageiros em conjunturas favoráveis
como no caso da caça ao índio ou no sentido de buscar
alternativas econômicas fora dos quadros da agricultura voltada para
o mercado externo, como ocorreu com a busca dos metais e das
pedras preciosas.
83
Essa perspectiva enfatizada por Carlos Davidoff, nos mostra uma
constante com relação às particularidades de São Paulo, revisadas por muitos
estudiosos, observadas por outros ângulos, encaradas sob óticas diversas, mas
defendidas, sobretudo pela caracterização que acabou assumindo com o passar do
tempo.
1.4. ENTRE MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS
82
DAVIDOFF, Carlos Henrique. Bandeirantismo: Verso e Reverso. São Paulo: Ed. Brasiliense,
1986. p. 9
83
Idem. p. 26.
48
A fim de perceber a participação dos “paulistas” na conquista do sertão do
Norte do Brasil, e o sentido do deslocamento dos mesmos para tal evento,
decidimos buscar nos trabalhos realizados acerca do tema as opiniões levantadas
sobre as imagens dos homens e do espaço da capitania de São Vicente. Fizemos
assim um apanhado nas produções historiográficas tentando estabelecer uma
relação com a caracterização dos homens empregados na “Guerra dos bárbaros”.
Percebemos que o espaço e os homens da São Paulo colonial acabaram
se fundindo. A insuficiência do meio de onde eram provindos impunha marcas nos
indivíduos que buscaram formas alternativas de sobrevivência. Caracterizados por
uma outra vivência dentro do contexto da América portuguesa, os “paulistas”
rumaram para os sertões, enveredando pelos mais diversos caminhos
proporcionados pelas vias fluviais.
Etapas de um processo contínuo, o espaço modificava os homens,
caracterizando-os como um grupo social à parte quando em contato com a região
colonial. E esses mesmos homens transformavam os espaços percorridos pelos
conflitos travados com os índios e negros, ou com as próprias autoridades coloniais.
Inserida nessa idéia de um grupo individualizado, de características
singulares dentro da lógica sócio-econômica da colônia, a historiografia paulista ao
longo do século XX ergueu seus esforços no sentido de manter os moradores da vila
de São Paulo em uma condição diferente. Fosse com a intenção de enaltecê-los
pelas vitórias conseguidas ao desbravar a natureza, ou para se apresentar como
superior perante a região Nordeste.
A associação feita, nessa época, entre o bandeirantismo e a conquista de
novos territórios, remete os bandeirantes a condição de heróis da constituição
nacional. A expansão territorial movida por eles adquiria assim o sentido de uma
ocupação ordenada, disciplinada, visando assegurar os domínios portugueses.
Posteriormente à descoberta das minas, o trabalho das bandeiras pode
ter sido controlado, com interesses ligados diretamente à Coroa. Contudo, não se
pode dizer que as incursões para o sertão, movidas por uma necessidade
econômica, buscavam propositalmente alargar os domínios lusitanos. Entendemos
então, que o mito não foi uma elaboração casual, mas estava ligado, sobretudo, a
49
um ideal das elites locais como estratégia de destaque perante a nação,
desempenhando uma função social.
Entretanto, apesar das produções recentes darem uma outra abordagem
ao tema das bandeiras, principalmente a partir da década de 1990, as imagens
passadas da experiência e singularidade das bandeiras ainda permanecem.
Construções entranhadas, que mesmo tendo sofrido um despedaçamento, corroído
pelas transformações do conhecimento histórico, continuam mantidas,
principalmente no que se refere ao motivo do deslocamento dos homens de São
Paulo para as capitanias do Norte.
Moldadas, incrustadas e reformadas, as imagens que discorrem sobre os
bandeirantes coexistem, e são essas três idéias juntas que sustentam o esqueleto
desses personagens, dando sentido aos corpos através do diálogo proferido por
elas. Dessa forma, após percebermos os “paulistas” em sua formação, marcada
pelas características do espaço em que habitavam e pelo cruzamento com os
indígenas, é que podemos partir em nossa empreitada para o momento da conquista
e as conturbações da guerra contra os índios na capitania do Rio Grande na
segunda metade do século XVII.
50
Capítulo II
A atuação dos Homens:
Os “paulistas” na conquista do sertão
51
E o primeiro a vingança dos patrícios, a
segunda o particular serviço que farão a Sua
Alteza e beneficio a este povo, e o a
conveniência própria de ficarem por escravos
seus todos os prisioneiros.
84
Os benefícios oferecidos pelos governadores aos “paulistas” durante a
“Guerra dos bárbaros” na Bahia estão presentes nos discursos das autoridades
coloniais ao longo de todo o conflito, inclusive nos acontecimentos na capitania do
Rio Grande, como forma de persuadir os homens de São Paulo para o combate. Ao
aceitar a contratação, as tropas envolvidas estariam ajudando não aos colonos e
a Coroa, mas também a eles próprios, com a obtenção do direito de escravizar todos
os índios que aprisionassem.
As condições estabelecidas durante a contratação dos “paulistas” para a
guerra nos serviram para pensar nas relações destes com os colonos e a Coroa,
apresentando-se como indivíduos atuantes no processo de dilatamento das
fronteiras. Objetivamos dessa forma, enfatizar o contexto histórico da segunda
metade do século XVII, deixando de lado a perspectiva historiográfica do mito para
compreender os homens no momento das guerras do Norte. Sendo necessário por
isso, uma explanação do contexto histórico para o entendimento da atuação desses
homens na capitania do Rio Grande. Destacando ainda a ação bandeirante como
formadora de territórios a partir do desmembramento de um espaço já construído.
A conquista do sertão impulsionou a reação das tribos indígenas do
interior das capitanias do Norte contra o avanço das fronteiras, na qual foram
contratados os “paulistas”. Trabalharemos o conceito de sertão em sua perspectiva
espacial, social e imaginária no período colonial, atentando para as construções dele
enquanto espaço que o diferenciava do litoral, no contexto da guerra de conquista.
Assim, as mudanças administrativas da capitania de Pernambuco após a
expulsão da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) e a volta da jurisdição
portuguesa contribuíram para a conquista do sertão. Tal movimento de expansão
visava um alargamento dos domínios dos colonos abastados e de seu controle
84
CARTA que se escreveu ao Capitão Hieronymo Bueno ao Capitão Fernão de Camargo, Joseph de
Camargo, ao Capitão Balthazar da Veiga Antonio de Sequeira, Francisco Bueno ausente a
Bartholomeu Bueno e ao Padre Matheus Nunes de Sequeira para irem à conquista dos Ayayos.
Bahia, 20 de fevereiro de 1677.
DH. 11: 75-6.
52
sobre a população ainda não integrada ao espaço colonial. E nesse projeto
expansionista encontramos os “paulistas”, contratados para conter as resistências
oferecidas pelos grupos do sertão, seja os negros dos Palmares, seja as tribos
indígenas na “Guerra dos bárbaros”.
Dessa forma, o processo de dilatação da fronteira será entendido como
algo que ultrapassa os limites da territorialidade, percebida também como uma
divisória cultural, marco entre grupos distintos pertencentes a espaços distintos:
litoral versus interior; civilização versus selvageria.
2.1. ALÉM DAS FRONTEIRAS: O SERTÃO DAS CAPITANIAS DO NORTE
Para refletir sobre o interior das capitanias do norte do Estado do Brasil e
as idéias em torno do sertão, buscamos inspiração nas noções de fronteiras que
perpassam a história da América. Utilizamos assim a “Tese de Fronteira” de
Frederick J. Turner elaborada para os Estados Unidos da América, e as percepções
de Sérgio Buarque de Holanda ao pensar a vila de São Paulo de Piratininga na
capitania de São Vicente.
Elaborada para explicar o contexto do avanço para o oeste dos Estados
Unidos, no século XIX, a tese de fronteira de Frederick J. Turner inovou os estudos
da época, pela perspectiva cultural apontada para o caso americano. Até então, a
História colonial se encontrava restrita a colonização do litoral, por ser o primeiro
espaço ocupado, considerado de maior relevância para a historiografia.
Segundo Turner, fronteira seria a linha que separa as terras ocupadas
das terras livres, significando o ponto de encontro entre a civilização e a selvageria,
o que a tornava elemento dinâmico por natureza e símbolo da renovação através
dos contatos entre culturas distintas.
85
A fronteira estaria assim compreendida em
três momentos: o contato inicial, onde o meio é mais forte que o homem, ou seja, a
adaptação do adventício ao meio; seguida do retorno ao legado europeu, anexando
elementos de sua cultura a realidade nativa; e por fim, o produto americano, obra do
85
TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American history. New York: Dover Publications,
1996.
53
rearranjo da tradição européia sobre um fundamento de completa adequação aos
padrões indígenas.
86
Dessa maneira, o desenvolvimento americano exibiria não meramente um
avanço territorial, mas um retorno para primitivas condições através do contato
cultural realizado na fronteira. Ainda de acordo com as afirmações de Turner, as
forças dominantes características da América do Norte foram fornecidas pela
fronteira, pelo perene renascimento, pela expansão na direção do oeste com novas
oportunidades, pelo contato contínuo com a simplicidade da sociedade primitiva. E
assim, “[...] o verdadeiro ponto de vista na história dessa nação não está na costa
Atlântica, e sim no grande oeste”.
87
A descrição de fronteira foi pensada dessa forma como o elemento de
mais rápida e efetiva americanização. Por todo o continente os contatos entre
europeus e grupos nativos aconteceram, ocorrendo de maneira mais intensa em
determinadas áreas do que em outras, o que acentuava as variações das influências
culturais. O próprio sentido de colonização diz respeito não apenas a ocupação de
um espaço, como também significa domínio, exploração e instalação cultural, pois a
cultura do colonizador é passada para o novo território.
88
E nessa integração
cultural, nem a diluição do legado europeu se fará de maneira completa, nem a
recuperação significará um reencontro com o mesmo, resultando em um elemento
novo: o americano.
Na concepção de Michel de Certeau, a fronteira servia como delimitação e
mobilidade, local de intersecção, ou seja, “um entre dois”, ao mesmo tempo em que
separa espaços distintos, ela os liga, comunicando-os, e assumindo com isso papel
mediador.
89
Além disso, adquire sentido de lugar de encontro ou zona de contato.
O interior do continente americano, em geral, se encontrava ocupado por
habitantes que possuíam cultura e estruturas sociais próprias, dando margem a
diferentes formas de contato e ao nascimento de novas sociedades. As culturas
decorrentes do encontro se formavam de maneira própria, constituindo-se como
86
WEGNER, Robert. A Conquista do Oeste - A Fronteira na Obra de Sérgio Buarque de Holanda.
Belo Horizonte: Editora da UFMG. 2000.
87
TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American history. New York: Dover Publications,
1996.
88
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 67-70.
89
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. As artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
54
mestiças. Os hábitos e os costumes dos colonos não se transplantam simplesmente
de um lugar a outro, eles se adaptam, se moldam, sujeitos a uma ação
transformadora. A transformação, a mutação decorrente desse processo caracteriza
o espaço de fronteira, esse espaço plural, híbrido, ambivalente, que ao congregar
duas situações, traz como resultado algo novo, ímpar e mesclado.
Na Europa, com a formação dos Estados nacionais, o termo fronteira
estava ligado à idéia de nação, uma vez que a consolidação nacional se deu com a
fixação de limites, de linhas divisórias. Mas, se para a realidade européia a fronteira
tinha uma forte conotação política, no sentido de demarcação territorial, na América
ela foi antes de tudo cultural, significando oportunidades oferecidas pelas terras livres,
num processo de renovação através da migração a novas terras. O território além
espaço colonial, visto como desocupado, atraía os colonos, surgindo como espaço
em ascensão.
Partilhando da idéia de fronteira enquanto processo de assimilação para
novas terras, Victor Belaúnde discute a aplicabilidade da idéia de fronteira definida
por Turner, pensando que essa relação não diz respeito apenas ao território. Por
isso, ele considera que a América hispânica não teve o mesmo acesso a terra e o
desenvolvimento econômico que os Estados Unidos. Segundo Belaúnde, o fator da
fronteira é pensado principalmente pelo lento processo de assimilação de novas
terras pela ação civilizadora, que se consolidou devido à relação do velho núcleo de
povoamento e ao aproveitamento da produção agrícola e do trabalho humano
90
.
Pensamento similar ao de Angel Rama:
Nas antípodas do critério de uma frontier progressiva, que regeria a
colonização dos Estados Unidos e a primeira época da conquista do
Brasil pelos portugueses, a conquista espanhola foi uma frenética
cavalgada por um continente imenso, atravessando rios, selvas,
montanhas, de uma extensão próxima de dez mil quilômetros,
deixando à sua passagem uma fileira de cidades, praticamente
incomunicáveis e isoladas no imenso vazio americano,
percorridas por aterrorizadas populações indígenas.
91
90
BELAÚNDE, Victor Andrés. The frontier in Hispanic America. The Rice Institute Pamphlet, v. 10,
n. 4, p. 202-213. oct.1923.
91
RAMA, Angel. A Cidade das Letras. São Paulo: Brasiliense, 1986.p. 34.
55
Esses subsídios não se concretizaram na América hispânica, tendo em
vista a dimensão das possessões espanholas, e as impossibilidades apresentadas
pelo meio para a penetração humana.
92
Mas, segundo as afirmações de Angel
Rama, o “imenso vazio americano” representava um lugar apenas percorridos pelas
tribos indígenas fugidas do litoral colonizado a priori.
Na historiografia brasileira, a noção de fronteira está ligada inicialmente à
ação dos bandeirantes de São Paulo, responsáveis pela expansão territorial para o
oeste, como foi defendido por Sérgio Buarque de Holanda. Para ele, as entradas
pelo interior colidiram com a resistência dos grupos habitantes dos territórios
“descobertos”. Essa experiência ocorreu de maneira corriqueira na América
Portuguesa, diante dos avanços do espaço colonial.
De acordo com a análise realizada por Robert Wegner da obra de Sérgio
Buarque de Holanda, o autor considerou que a extrema adaptação do europeu aos
costumes nativos seria o núcleo da tese de fronteira.
93
No discurso de Sérgio
Buarque de Holanda, essa adaptação que caracteriza a sociedade de fronteira, na
América portuguesa, parece ter sido possível graças à maleabilidade, ou
plasticidade, dos portugueses ao se integrarem a outras culturas. Seu maior grau de
plasticidade em relação ao anglo-saxão conduziu a uma fronteira mais fluída do que
o caso norte-americano. O que não nega a lógica da fronteira da América do Norte,
apenas denota a intensidade da forma como se deu no caso brasileiro
94
.
O interesse em mostrar a fronteira provém da imprecisão dos limites no
período colonial, situação que gerava uma mobilidade física e mental, produto dos
inúmeros avanços e recuos das frentes pioneiras com a paisagem natural. Os
estudos de John Hemming nos propõem a pensar os homens que desbravavam a
fronteira nas possessões luso-americanas, os quais, em geral, eram mamelucos de
sangue mestiço de europeu e índio, e andavam sempre acompanhados destes,
adotando seus métodos de marcha e sobrevivência.
95
Dessa forma, o “paulista”, filho
do colonizador com as índias, é o elemento mestiço por excelência, o signo do
homem da fronteira, habituado a dormir em redes, a beber e mascar fumo, a usar os
92
BELAÚNDE, Victor Andrés. Op. Cit. p. 203.
93
WEGNER. Op. Cit. p. 102.
94
Idem. p 128.
95
HEMMING, John. “Os índios e a fronteira no Brasil colonial”. In: BETHELL, Leslie. História da
América Latina
. São Paulo: EDUSP/Brasília: FUNAG, 1999.
56
instrumentos de caça e pesca, leves embarcações, o modo de cultivar a terra e os
sistemas de defesa típicos dos índios.
96
José de Souza Martins nos convida a refletir que o termo fronteira não se
resume a fronteira geográfica, se configurando de maneiras diferentes: “fronteira da
civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira
de culturas e visões de mundo, fronteira de etnias, fronteira da História e da
historicidade do homem, e sobretudo, fronteira do humano”.
97
O choque entre
culturas a torna lugar de conflito, como podemos notar em suas palavras:
À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões
são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados do
outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado, e os
camponeses pobres, de outro. Mas o conflito faz com que a fronteira
seja essencialmente, a um tempo, um lugar de descoberta do
outro e de desencontro. Não o desencontro e o conflito
decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo
de cada um desses grupos humanos. O desencontro na fronteira é o
desencontro de temporalidades históricas, pois cada um desses
grupos está situado diversamente no tempo da História.
98
Esse trecho nos permite fazer uma rápida reflexão das muitas fronteiras
vividas nas Américas no decorrer dos primeiros séculos de colonização na relação
entre os espaços dessemelhantes. O vazio foi pensado dessa forma por não estar
inserido na lógica colonial, o que o transforma em não-humano, ou, como diz
Martins, “a fronteira aparece freqüentemente como limite do humano”.
99
Os portugueses empregavam sertão, grafado “certão, certõis”, para se
referir às áreas situadas dentro de Portugal, afastadas de Lisboa, no século XIV
100
.
Com a expansão ultramarina e a transmissão do pensamento ocidental para as
colônias, a palavra servirá para designar os espaços vazios, longe do litoral. Durante
o período holandês, a caracterização do mapa do Brasil do século XVII nos mostra
uma linha divisória entre o espaço ocupado, dividido em capitanias, e o território
96
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
97
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo:
Hucitec, 1997. p. 13.
98
MARTINS. Op. Cit. P.151.
99
Idem. p.162.
100
AMADO, Janaína. “Região, Sertão, Nação”. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8.,
n.15, 1995, p.145-151.
57
vazio, retratado apenas por algumas tribos esparsas, como podemos perceber na
figura 02:
FIGURA 02
Nova et Accurata Brasiliae Totuis Tabula (1641)
Nessa imagem podemos observar a separação do sertão para como as
regiões ocupadas, pertencentes ao espaço colonial. Área aberta, sem divisões,
demarcações, e marcada pelo vazio, o sertão foi representado pelo artista como um
oco no continente.
Em fins do século XIX, os estudos de Capistrano de Abreu
101
e suas
contribuições para historiografia brasileira sobre a construção histórica da idéia de
101
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História colonial 1500-1800 – Os Caminhos antigos e
povoamento do Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1988.
58
sertão despertaram o interesse pelo tema, e pela origem etimológica da palavra
sertão como proveniente de desertão, de deserto. Entretanto, esses espaços
definidos como “desocupados” eram, na verdade, habitados por várias tribos
indígenas. Nesse caso, não se trata do deserto físico, e sim da ausência de vassalos
do rei, dos corpos fora do domínio real, que estavam por isso fora da condição de
existência, configurando o sertão como um espaço vazio. De acordo com Cristina
Pompa ao traçar um parâmetro desses opostos:
A região colonial é o ‘cheio’ do espaço preenchido pela colonização,
mundo da ordem estabelecida pelas duas instâncias de poder: a
Igreja e o Estado. O sertão, em oposição, é o território do vazio,
domínio do desconhecido e, por isso mesmo, reino da barbárie e da
selvageria. Ao mesmo tempo, se conhecido, pode ser ordenado
através da ocupação e da colonização, deixando de ser sertão.
102
Destarte, do território arrasado das tribos indígenas, brota um espaço
civilizado. A noção de espaço entendida enquanto um lugar praticado
103
, o qual
adquire sentido a partir da interação e movimentação dos corpos é por nós
destacada para o entendimento do sertão das capitanias do Norte ao tornar-se
espaço após a conquista. Embora aceitamos o espaço marcado pelas percepções,
como diria Chiara Evangelista:
Dito em outras palavras, o espaço é o conjunto de ações, de projetos
e de sonhos [individuais, coletivos, sociais] que se desenvolvem em
cima e a propósito de uma área, mais ou menos ampla e mais ou
menos habitada, porém organizada em função de objetivos étnicos,
sociais, culturais, políticos, e econômicos, religiosos.
104
A ocupação do território pelos vários grupos sociais envolvidos, desde
colonos, sesmeiros, missionários e “paulistas”, a tropas de negros e índios, acabava
tendo o intuito de estabelecer as bases do povoamento colonial, ou seja, “varrer” os
índios e assegurar o domínio sobre novas terras. Além disso, a expansão da região
102
POMPA, Cristina. Religião como tradução: Missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial.
SãoPaulo: EDUSC, 2003. p. 227.
103
Para definição de Espaço, utilizamos as contribuições de CERTEAU, Michel de. A Invenção do
Cotidiano
: 1. As artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
104
VANGELISTA, Chiara. “Sua vocação estaria no caminho – espaço, território e fronteira.” In:
PESAVENTO, Sandra Jatahy (org.).
Um historiador nas fronteiras: O Brasil de Sérgio Buarque de
Holanda. Belo Horizonte/MG: Ed. UFMG/Humanitas, 2005.
59
colonial carrega as intenções das instituições que a movem, levando sua
representação para um outro lugar
As imagens que foram atribuídas ao sertão, ao longo dos séculos XVI,
XVII e XVIII, seguiam os moldes da cultura do colonizador, que o imaginava espaço
contrário, seu reflexo invertido. A idéia de sertão para a colônia se constituiu assim,
a partir da visão que o colonizador tinha do outro, o que o tornava espaço da
alteridade. O sertão nascia, portanto, das visões do litoral.
Essas imagens do sertão usadas pela zona açucareira foram muitas
vezes apropriadas por elementos não pertencentes a ela. Como no caso do
“paulista” Domingos Jorge Velho, filho dos sertões verdes de São Paulo, que, por
razões particulares, apresentava os interiores das capitanias do norte como “[...]
mais áspero caminho, agreste, e faminto sertão do mundo.”
105
Seria essa uma
forma de persuadir as autoridades locais com relação às dificuldades enfrentadas
em seu empreendimento, dando ênfase a sua ação nesse sertão inóspito e sem lei.
Em A Cidade das Letras, Angel Rama coloca o núcleo urbano como
fundamento da civilização, e espaço que tem como função impulsionar a conquista
dos vazios
106
. O que corrobora para a idéia de que cabe a zona civilizada, no caso o
litoral, colonizar, como um “direito natural”. Pois, a ocupação de um espaço significa
implantação das instituições, Igreja e Estado, representadas pelos missionários e
pelas autoridades locais. O colono português, civilizado por natureza, segue a noção
de uma hierarquia dos espaços concebida desde os primeiros contatos, colocando a
Europa no primeiro plano hierárquico.
Ainda segundo Turner, a fronteira americana se constituiu em áreas de
colonização tardia, partindo dos núcleos antigos de povoamento para a conquista. É
o que acontece nos sertões da América portuguesa, cujos núcleos antigos, no caso
do sertão das capitanias do Norte, correspondem à área açucareira. O sertão
enquanto fronteira assume-se como espaço para onde escoam os colonos
105
CARTA autografada de Domingos Jorge Velho escrita do Outeiro da Barriga, Campanha dos
Palmares de 15 de julho de 1694 em que narra os trabalhos e sacrifícios que passou e acompanha a
exposição de Bento Sorrel Camiglio procurador dos paulistas. Apud ENNES, Ernesto.
As Guerras
dos Palmares
(subsídios para sua história). v. Domingos Jorge Velho e a ‘Tróia Negra’. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 204-207.
106
RAMA. Op. Cit. p. 29-34.
60
excedentes do litoral, apresentando-se como 'válvula de segurança' da zona
açucareira, atraindo os grupos não essenciais à produção mercantil da colônia
107
.
A Coroa portuguesa atribuía ao sertão o caráter de espaço de
aproveitamento humano, empregando as sobras populacionais na conquista
108
. Na
delimitação da fronteira do açúcar, os grupos indesejados poderiam ser
encaminhados para essa nova área de exploração.
Apresentado como um lugar desocupado, o sentido da palavra sertão aos
poucos estaria ligado à idéia de região inóspita e sem lei, condição adversa do litoral,
dito civilizado. Dentro dessa perspectiva, não havia um sertão, mas sim vários, de
norte a sul da América Portuguesa.
Percebemos então idéias antagônicas para o mesmo conceito, se
apresentando tanto como espaço de fuga, para onde poderiam ir índios e negros
desbaratados, quanto como região do desconhecido. Se por vezes ele atraía, por
vezes ele afastava. Imagens opostas que se fundem para descrever um mesmo
espaço, vazio que recusa e seduz. Simultâneo de lugar de liberdade e selvageria.
Construído a partir dos elementos culturais da zona açucareira, cunhado pelas suas
impressões que o constituía como seu contrário.
Os espaços que compõem o cenário colonial são em si mesmo
heterogêneos, saldo da cultura ibérica quando em contato com os índios da costa.
Mas a fronteira do sertão, ou demarcação de onde começaria esse sertão surge da
emergência da separação da área dita civilizada como uma maneira de se construir
um espaço fechado não sujeito a mudanças, de se defender do outro e de preservar
sua posição superior.
Envolta de diversos significados, empenhando vários grupos sociais, a
conquista do sertão das capitanias do norte era importante não apenas para a Coroa
como expansão territorial e evasão populacional, mas também para os colonos
interessados na obtenção de novas terras e títulos, e a Igreja que visava novas
107
A tese de fronteira como “válvula de segurança” é apresentada por Frederic Turner para o caso da
conquista do oeste dos Estados Unidos, e analisada por: WEGNER, Robert.
A Conquista do Oeste -
A Fronteira na Obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: Editora da UFMG, p.99.
108
A idéia da “válvula de segurança” descrita por Turner, pode ser aplicada aos estudos da conquista
do sertão colonial por Kalina Vanderlei Silva em sua tese
“Nas Solidões Vastas e Assustadoras”,
para a alocação dos pobres e “vadios” do açúcar, caracterizando como “válvula de escape”.
61
fronteiras para catequese
109
. O problema da expansão foi ter que se defrontar com a
resistência oferecida pelos negros palmarinos e as tribos do interior.
Dessa forma, o desenvolvimento americano foi explicado pela existência
de terras livres, contínuas recessões e avanços na direção oeste. O avanço da
fronteira se deparou com as resistências e empecilhos internos ao projeto, se
firmando a cada etapa vencida, a cada fazenda estabelecida. Nesse sentido, o
sertão do que hoje seria o Nordeste brasileiro, também se inseria como mais um
avanço da expansão do espaço colonial na América Portuguesa.
2.2. GUERRAS NO SERTÃO E A CHEGADA DOS “PAULISTAS”
A retomada do território do açúcar na segunda metade do século XVII
soava para Portugal como uma fase próspera, quando, pela primeira vez teria
controle direto sobre Pernambuco, uma das principais capitanias responsáveis pela
produção açucareira. Contudo, a fase que se inicia com o “segundo período
português”
110
foi marcada pela crise da economia açucareira, a ameaça dos negros
aquilombados em Palmares, e um contingente de brancos livres e vadios que não
tinha onde se empregar, os chamados pobres do açúcar.
111
A utilização do conceito de “segundo período português” nesse trabalho
diz respeito à necessidade de se definir o corte temporal que impulsionou a
conquista do sertão. Evento considerado a razão da ida dos “paulistas” para o
território sob controle direto do governo de Pernambuco, que abrangia a margem
norte do rio São Francisco até o Ceará. Além disso, escolhemos esse momento a
fim de visualizar os problemas de jurisdição entre o governo geral e o de
Pernambuco durante e após os conflitos da “Guerra dos bárbaros” no tocante à
permanência do terço dos paulistas na capitania do Rio Grande.
109
SILVA, Kalina Vanderlei. “Nas Solidões Vastas e Assustadoras” Os pobres do açúcar e a
conquista do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Recife: UFPE, 2003. (Tese de
Doutorado).
110
Cf. SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial. Recife:
Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2001
111
SILVA, Kalina Vanderlei. “Nas solidões vastas e assustadoras” Os pobres do açúcar e a
conquista do sertão de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. Recife: UFPE, 2003 (Tese de
Doutorado)
62
A região colonial portuguesa em suas dimensões econômicas, sociais e
culturais estava restrita aos núcleos urbanos no litoral representados como um
espaço de grande rentabilidade diante do mercado consumidor, enquanto centro
dinâmico movido pela cultura da cana-de-açúcar. As necessidades dos colonos da
zona açucareira eram supridas por atividades complementares, entre elas, a
pecuária bovina.
Com a entrada do açúcar antilhano no mercado mundial, produzido pelos
holandeses após sua saída das terras luso-americanas, houve uma quebra no
monopólio do açúcar das capitanias do Norte, que acarretou baixa nos preços.
Mesmo não sendo de qualidade tão boa, existiria a partir de então uma concorrência
a qual os colonos deveriam se preocupar.
Ao se deparar com as dificuldades iniciais representadas pelo seu retorno,
a Coroa portuguesa viu seus sonhos de riqueza através da retomada da produção
açucareira desvanecer-se diante de seus olhos. A imagem esfumaçada começava a
se tornar nítida e precisa: era o Pernambuco dos escombros. Destroçada, a
capitania necessitava de reparos que implicavam grandes despesas para uma
metrópole recém separada da União Ibérica e da guerra de expulsão dos
holandeses
112
.
A situação econômica de Pernambuco não era das melhores diante do
resultado da guerra. Contudo, os problemas de cunho social precisavam de uma
atenção especial, uma vez que havia um contingente populacional que não tinha
onde se empregar. Além das constantes ameaças do Quilombo dos Palmares,
incômodo eterno para as autoridades da América portuguesa.
As transformações políticas que caracterizaram o período não se
limitavam ao atrelamento da capitania à Coroa, mas a forma como se deu esse
processo. A capitania havia sido particular, pertencente a um donatário, acabara
de sair do domínio holandês, e agora voltava ao controle português, passando a ser
administrada por um governador indicado por Lisboa. Tais etapas vivenciadas pela
capitania de Pernambuco desenvolveram nos senhores de engenho certa autonomia
112
SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo. p. 145-6.
63
perante a Bahia, se sobressaindo das demais capitanias, e gerando conflitos com o
governo geral.
113
Nessa fase, o povoado do Recife começava a se destacar pelo seu
crescimento populacional e econômico, maior que o da vila de Olinda. As disputas
políticas ocorridas entre Recife e Olinda tiveram início com o segundo período da
administração portuguesa, devido ao crescimento do primeiro que se sobressaiu
diante da estagnação de Olinda.
114
Assim, com o crescimento nas vilas açucareiras, os colonos abastados
visando aumentar suas propriedades, iniciaram a expansão para o interior através
de outra alternativa econômica: a pecuária. A criação bovina parecia interessante
por não precisar de mão-de-obra especializada e pelo baixo custo da implantação.
Dessa forma, as frentes pastoris saíram das cidades de Salvador e Olinda,
pertencentes às capitanias da Bahia e Pernambuco, respectivamente. Os territórios
compreendidos da margem norte do rio São Francisco até o Ceará foram sendo
adentrados pelas tropas saídas de Olinda, como Capistrano de Abreu se refere
como “sertão de fora”, e a instalação de fazendas oriundas de Salvador como
“sertão de dentro”.
115
Segundo Fátima Lopes, a expansão da pecuária, a partir das capitanias
de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande, se chocava com a oriunda do Maranhão e
Piauí em direção ao Ceará, cercando os índios do sertão por todos os lados de
frentes pastoris.
116
As vias de penetração dos colonizadores portugueses para o interior
seguiam o curso dos rios, área favorável pelas terras férteis para a roça, e o
estabelecimento das fazendas. Em função dessa dependência em relação à água,
as primeiras fazendas se fixaram nas proximidades das ribeiras dos rios. Um
exemplo disso seria o fato das sesmarias sertanejas serem demarcadas a partir do
leito de um rio ou riacho.
113
SILVA, Kalina Vanderlei. “Nas solidões vastas e assustadoras”. p. 42.
114
Para uma melhor compreensão dos cenários urbanos de Recife e Olinda, ver Kalina Vanderlei
Nas solidões vastas e assustadoras”, p. 40.
115
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial 1500-1800 Os Caminhos antigos
e povoamento do Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1988.
116
LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio
Grande do Norte.
Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado, Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte, 2003. p. 134.
64
A Coroa portuguesa interessada em economizar nos gastos, após ter
reconquistado a zona do açúcar, facilitou a entrada dos colonos para o sertão
concedendo terras aos que as ocupassem. Sua tática assegurava novas terras,
dispensando gastos maiores para isso:
E se em outro tempo mandou Sua Alteza varias provisões, que
impedia a esses moradores irem ao Sertão: agora pela resolução
que foi servido tomar o podem elles fazer sem escrúpulo que
declarou por captivos todos os que se tomassem em guerra que os
Bárbaros provocassem, e a que nos fazem tem ainda maiores
conseqüências que o damno que já se está experimentado.
117
Nesse contexto, a idéia da colonização do sertão surgiu da busca tanto de
expandir a economia quanto desafogar os centros urbanos de elementos
indesejados, no caso os
vadios e pobres do açúcar
118
. Assim, diante das
resistências oferecidas pelos índios às entradas pecuaristas, as autoridades
coloniais viram a possibilidade de expedir os grupos indesejados dos núcleos
urbanos, recrutando-os para guerra.
O sertão assumia então caráter de terra abundante, de espaço
aproveitável para onde poderia ser empurrado esse contingente populacional.
Mobilizando-os, a Coroa livrava-se do excedente populacional encostado nas vilas
urbanas, e assegurava a ocupação de um novo espaço.
A capitania do Rio Grande, que também sofrera as conseqüências da
guerra com os holandeses, precisou restabelecer a ordem política, ativando forças
para ajudar a restaurar a economia da terra. Em 1659, após a expulsão dos
holandeses e o restabelecimento do Senado da Câmara em Natal, foram publicados
avisos nas capitanias vizinhas para que os colonos viessem ocupar suas terras no
prazo de seis meses, caso contrário, elas seriam consideradas devolutas. Essa
medida, tomada pelo capitão-mor Antonio Vaz Gondim (1654-1663), tinha como
finalidade atrair novamente moradores para o Rio Grande. Como resultado
conseguira trazer 150 moradores e três companhias de infantaria para a
recolonização da área. Até antes dessa decisão, as terras do litoral do Rio Grande
117
CARTA que se escreveu à Câmara de São Paulo: sobre darem todo o favor pólvora e munição ás
pessoas que hão de ir ao Rio de São Francisco á conquista dos Ayayos. Bahia, 20 de fevereiro de
1677.
DH. 11: 73-5.
118
SILVA, Kalina Vanderlei. “Nas solidões vastas e assustadoras”.
65
se encontravam praticamente desocupadas por colonos, e por índios aliados dos
holandeses que acabaram fugindo por medo do contra-ataque português.
119
A colonização do interior da capitania do Rio Grande ocorreu de forma
mais intensa no final de 1670 e início de 1680, não ocorrendo de maneira pacífica.
Pois, esse período coincide com o começo da Guerra do Açu, quando os grupos
indígenas organizaram a resistência com o intuito de defender suas terras. Tal
evento se constituiu em vários conflitos desencadeados entre colonos e índios do
interior, como reação ao movimento expansionista dos portugueses. Essa guerra
provocou o devassamento da região, e se concluiu com o aniquilamento das tribos
indígenas e aldeamento das remanescentes.
A região da ribeira do Açu era habitada por muitas tribos indígenas,
denominadas tapuia. A distinção entre tupi e tapuia, grosso modo, apresentou-se
como os habitantes do litoral e sertão, respectivamente. Para Cristina Pompa, a
noção de tapuia estava unida à de sertão, o espaço em oposição à região colonial.
120
. Algo parecido com as afirmações de Pedro Puntoni:
Nos primeiros séculos da colonização o nome tapuia designava
apenas um universo de diversidade que se definia, fosse por
contraste com a própria identidade que os grupos tupis
apresentavam (ao menos no nível da relativa homogeneidade
lingüística), fosse na prescrição de um a divisão geográfica estanque
entre duas humanidades, a costa e o sertão.
121
E foram esses grupos do sertão que reagiram à expansão econômica
mobilizada pela pecuária, realizando sucessivos ataques aos novos moradores. O
contato dos colonos com as tribos continentais, resultado do fluxo contínuo para o
interior, desencadeou uma série de eventos denominados como “Guerra dos
bárbaros”, termo pejorativo para designar os povos que não se enquadravam na
“civilização”.
Os maiores embates enfrentados pelas frentes saídas de Pernambuco e
Paraíba foram às margens de rios na capitania do Rio Grande, principalmente nas
119
LOPES, Fátima Martins. Op. Cit. p. 125-6.
120
POMPA, Cristina. Op. Cit. 229.
121
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. 68.
66
ribeiras dos rios Piranhas-Assú e Apodi-Mossoró.
122
O conflito se alastrou ainda
pelas ribeiras dos rios Açu, Jaguaribe, Piancó, Seridó e São Francisco. Daí, a
capitania do Rio Grande ter sido palco das maiores batalhas ocorridas durante o
conflito, iniciado em 1683, mas que obteve maior relevância no ano de 1687. Em
1687, os indígenas chegaram a dominar praticamente toda a região oeste da
capitania e os vales dos rios Apodi e Açu.
A razão alegada por alguns historiadores como estopim da guerra diz
respeito ao aprisionamento de dois filhos de um chefe Janduí por João Fernandes
Vieira, governador da Paraíba. O envio de outros tapuias para Lisboa teria causado
o alvoroço dos índios.
123
Nesse período o governador-geral era Mathias da Cunha (1687-1688), a
quem o Senado da Câmara de Natal se dirigia pedindo-lhe socorro diante das
atrocidades dos tapuias. Mathias da Cunha ordenava que o governador de
Pernambuco acudisse ao Rio Grande com toda força e brevidade possível, tendo em
vista a proximidade entre as capitanias.
As primeiras expedições enviadas para os conflitos do Rio Grande
partiram da zona açucareira de Pernambuco. Foram enviadas as tropas
burocráticas
124
de Manuel de Abreu Soares e Antônio Albuquerque Câmara, e as
institucionais
125
, representadas pelos henriques e camarões. A princípio foram
empregadas as tropas de Albuquerque da Câmara, e o terço dos Henriques com
Jorge Luís Soares à frente.
Mas as tropas empregadas na guerra não apresentavam resultados
favoráveis, muitas vezes desistindo pela falta de reforços e recursos no momento do
embate. Diante do quadro dos insucessos das tropas, e gravidade dos ataques
indígenas aos moradores, o governador-geral do Brasil, conhecedor da fama dos
“paulistas”, escreveu para a Câmara de São Paulo a fim de conseguir o auxílio de
suas armas na guerra do gentio brabo:
122
MONTEIRO, Denise Mattos. “Terra e trabalho em perspectiva histórica: um exemplo do sertão
nordestino (Portalegre – RN)”.
História Econômica & História de Empresas, IV.2 (2001), 7-33.
123
TAUNAY. Op. Cit. p. 20; PUNTONI. Op. Cit. p. 124-5.
124
Tropas burocráticas são aquelas forças militares permanentes, profissionais e pagas montadas e
mantidas pelo Estado centralizado. Cf.: SILVA, Kalina Vanderlei.
O Miserável soldo e a boa ordem
da sociedade colonial
. p. 28.
125
Tropas institucionais são aquelas enquadradas sob leis e regulamentos do Estado, reconhecidas,
ainda que não patrocinadas. É o caso das Tropas auxiliares que são formadas por colonos e não
profissionais. Cf.: SILVA, Kalina Vanderlei. Idem. p. 79.
67
Acha-se a Capitania do Rio Grande tão opprimida dos Bárbaros, (que
nella mataram o anno passado mais de cem pessoas entre brancos,
e escravos, destruindo mais de 30.000 cabeças de gado; e neste, 30
homens além de muitos feridos, ao Coronel Antonio de Albuquerque
da Câmara na entrada que lhe fez com trezentos, pelejando todo um
dia, com mais de três mil arcos; por cujo temor estão os mor(a)dores
quase abalados a despejarem a Capitania), que convem ao serviço
de Sua Magestade se lhe acuda por todos os meios possíveis.
126
A entrada de reforços no conflito nesse momento era de extrema
urgência, principalmente pelo número de homens perdidos nas tropas enviadas. A
solução encontrada para o problema residia no fato do paulista Domingos Jorge
Velho estar nos sertões das capitanias do norte, preparando-se para combater no
Quilombo dos Palmares. Tendo que adiar sua ida ao quilombo:
Sei que está Vossa Mercê com a sua gente de caminha para os
Palmares; e porque ora me chegou um aviso do Capitão-mor, e
Câmara da Capitania do Rio Grande, e juntamente carta do
Governador de Pernambuco em que me conta do mau successo
que teve o Coronel Antonio de Albuquerque da Câmara na entrada
que fez aos barbaros [...]. Espero que não terão todas as glorias
de degollarem os bárbaros, mas a utilidade dos que prisionarem,
porque por a guerra ser justa resolvi em Conselho de Estado, que
para isso se fez, que fossem captivos todos os Barbaros que nella se
prisionassem na forma do Regimento de Sua Magestade de 611.
127
Novamente vemos os três elementos presentes na contratação: salvar os
colonos, servir a coroa e o escravizar os índios. Essa carta enviada pelo governador-
geral a Domingos Jorge Velho representa a aceitação do discurso da superioridade
bélica dos “paulistas”, demonstrando o desapontamento com as tropas burocráticas
como uma forma de persuasão para que o mestre-de-campo aceitasse o serviço. A
utilização das tropas paulistas objetivava formar um cerco contra os indígenas a
partir das vias de entradas para o sertão. Partindo do litoral de Pernambuco,
Albuquerque Câmara e de Manuel de Abreu Soares, e do Sul, marchavam os
“paulistas” saídos de Palmares.
128
126
CARTA que se escreveu aos officiaes da Câmara de São Paulo persuadirem a vir os Paulistas á
guerra dos Bárbaros da Capitania do Rio Grande. Bahia, 10 de março de 1688.
DH. 11: 139-40.
127
CARTA para o capitão-mor Domingos Jorge Velho sobre partir com a gente que ti(ve)r sobre os
Bárbaros do Rio Grande.
DH. 10: 262-3.
128
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p. 135.
68
Uma das primeiras medidas tomadas pelo mestre-de-campo paulista diz
respeito a construção de uma casa-forte no rio Piranhas, na confluência do rio
Espinharas, com a ajuda dos homens de Albuquerque da Câmara. Os primeiros
quatro dias de combate, em 1688, se caracterizaram como uma vitória
representativa sobre os indígenas do sertão. Por essa razão, a notícia da entrada
dos “paulistas” na guerra ter sido recebida com muita satisfação pelo governador-
geral Mathias da Cunha, em 1688, principalmente após os quatro dias de peleja de
Domingos Jorge Velho, quando obtivera as primeiras vitórias.
129
A guerra adquiria
uma nova tonalidade com participação dos bandeirantes do planalto de Piratininga.
A investida dos “paulistas” teve uma pausa pela falta de munição,
fazendo com que a tropa fosse se reabastecer na casa-forte das Piranhas.
130
No
mês de outubro do mesmo ano, Domingos Jorge Velho chegava a Serra da Rajada,
palco de um dos mais violentos momentos da guerra, combatendo por dois dias. O
saldo desse breve ataque foi de mais de 1500 tapuias mortos e 300 aprisionados,
contra apenas 30 mortos do terço dos Paulistas.
131
A menção a esses números
serve para exemplificar o nível da mortandade indígena nos vários conflitos da
guerra, resultando no que a historiografia acabou registrando como um extermínio
quase total dos índios no que viria a ser o Rio Grande do Norte.
A partir de 1690, as investidas dos terços mobilizados começam a dar
resultados, quando os índios da nação Janduí aceitam o “Tratado de Paz”, no qual
implicava a alianças das tribos aldeadas para combater contra os “bárbaros”.
132
Diante das vitórias alcançadas pelos “paulistas”, o governador-geral
decide retirar as tropas de Manuel de Abreu Soares e Antonio de Albuquerque da
Câmara, deixando ativo apenas o terço dos Paulistas.
133
Além de requisitar a
presença de outra tropa dos homens de São Paulo que se encontrava instalada no
rio São Francisco chefiada pelo paulista Matias Cardoso de Almeida, podendo
129
MEDEIRO FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. João Pessoa:
UNIPÊ, 2001. p. 125.
130
Sobre a entrada do Terço de Domingos Jorge Velho na “Guerra dos Bárbaros”, e o combate na
Serra da Rajada, ver: MEDEIROS FILHO, Olavo de.
Notas para a História do Rio Grande do Norte.
João Pessoa: UNIPÊ, 2001. p. 123-5.
131
Idem. p. 126.
132
LOPES, Fátima Martins. Op. Cit. p. 35.
133
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte. p. 127.
69
marchar pelo sertão com trezentos soldados brancos e índios armados abastecidos
com armas e munições.
134
Mathias Cardoso demonstrava bastante experiência no sertão, pois
tinha sido voluntário nas expedições de Fernão Dias Paes, e nomeado, em 1681,
tenente-general de Sabarabuçu.
135
Justificativa considerada para a sua contratação
com as proeminências de mestre-de-campo, e vencimento de soldo.
Os reforços para composição da tropa de Mathias Cardoso foram
enviados de São Paulo, chegando à Bahia em 1689. Dentre eles, estava Manuel
Álvares de Morais Navarro, sargento-mor, com vinte e três soldados, índios e
brancos, encaminhados de imediato para o São Francisco a fim de se unir forças.
136
A decisão do governador visava reunir os terços de Domingos Jorge Velho e André
Pinto, somado ao do paulista Mathias Cardoso de Almeida:
E com a mesma independência delle marchem do Rio de São
Francisco pelo Sertão o Governador das Armas Mathias Cardoso
paulista com trezentos soldados brancos, e Indios, a quem daqui
mando armas, e munições, e o mais necessário e cem mil reis de
ajuda de custo; e os dous Capitães-mores Domingos Jorge Velho, e
André Pinto, a quem mando suspender a entrada que estavam para
fazer aos Palmares, [...]: communicando-se todos por avisos Antonio
de Albuquerque, para se terem entendido entre si, e o tempo, e
logares donde farão a guerra, e os Bárbaros desunirem o poder com
que se achem invadidos por tão differentes partes: e se lograr em
todos o castigo que merecem e o bom successo que espero ás
armas de Sua Magestade, e ao socego daquella Capitania.
137
Assim, o terço de Mathias Cardoso organizado em São Paulo, marchou
para o sertão, se instalando no Jaguaribe, e posteriormente indo para o Açu, onde
estabeleceu seu arraial. A intenção do uso de mais uma tropa de paulistas parece
está ligada à confiança que os governadores, até então, tinham com relação às suas
habilidades, e mesmo com a morte do governador-geral Mathias da Cunha, seu
sucessor o Arcebispo da Bahia frei Manuel da Ressurreição, continuou utilizando as
mesmas táticas de guerra, recorrendo outras vezes à Câmara de São Paulo para
que fossem mais homens para os sertões do Rio Grande.
134
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p. 136.
135
Idem. p. 148.
136
Idem. p. 150
137
CARTA que se escreveu ao Governador de Pernambuco João da Cunha de Sottomaior sobre a
guerra do gentio bárbaro do Rio Grande. Bahia, 14 de março de 1688.
DH. 10: 263-7.
70
Essa estratégia daria certo até aumentarem as despesas, e a demora na
chegada de reforços começassem a criar problemas adicionais ao andamento da
guerra. A falta de munição, mantimentos, armas, soldos e farinhas, acabaram
gerando muitas deserções, principalmente das tropas regulares
138
. Os abandonos
sofridos pela tropa faziam com que ela se encontrasse na mais avançada penúria, e
os pedidos feitos aos governadores das capitanias vizinhas não surtissem efeito. Por
exemplo, em resposta aos pedidos de socorro enviados, o capitão-mor da Paraíba
afirmava que a farinha na sua capitania, “[...] não faltava de toda, mas esta se não
dava sem dinheiro”,
139
recusando-se também a auxiliá-los.
Mathias Cardoso se mostrava inconformado com a falta de recursos, e
sem apoio para continuar atuando no sertão, e ainda tinha o agravante do atraso no
pagamento dos soldos contestados por causa das patentes passadas ao terço.
Questões estas, que contribuíam para as desistências , inclusive do próprio mestre-
de-campo, como o autor Pedro Puntoni nos diz:
Contudo, ainda em combate, Mathias Cardoso fez uma nova entrada
aos índios do Ceará no de novembro de 1693. Nessa refrega,
além de lhe matarem um filho, foi gravemente ferido. Nessas
condições, nada mais aconselhava sua permanência nos sertões. [...]
Rumou para o São Francisco, onde estabeleceu rendosas fazendas
de gados vacum e cavalares, com as quais legou abundantes
patrimônio a seus herdeiros.
140
Com o afastamento da guerra do mestre de campo Mathias Cardoso de
Almeida assume o comando o sargento-mor de seu terço, o paulista Manuel Álvares
de Morais Navarro. A resistência indígena já se encontrava bastante enfraquecida, e
Morais Navarro se oferece ao governador-geral D. João de Lencastro para formar
um novo terço.
141
A entrada do novo mestre-de-campo marcou uma nova fase na guerra,
agora não mais caracterizada apenas pelos ataques aos indígenas, mas pela
rivalidade entre as próprias facções internas, e também pela institucionalização do
138
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Op. Cit. p. 72.
139
TAUNAY, Affonso de E. A Guerra dos Bárbaros”. Mossoró: Fundação Vingt-um Rosado, 1995.
p. 228.
140
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. 162-3.
141
PIRES, Maria Idalina da Cruz. Op. Cit. p. 79.
71
terço. Dessa forma, a contratação dos “paulistas” acabou se tornando um assunto
polêmico, em fins do conflito.
Portanto, as mudanças substanciais das forças coloniais internas
exercidas durante o conflito contra os índios do sertão, revelam que as solicitações
usadas na contratação aos poucos foram sendo substituídas por acusações contra a
os “paulistas”. O lado positivo e vangloriado dos bandeirantes paulistas dava
passagem às atrocidades atribuídas aos mesmos. Em verdade, esse contraste entre
as imagens dos “paulistas” torna ainda mais evidente a distância do mito para o
homem.
2.3. DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS: VISÕES SOBRE OS “PAULISTAS”
E havendo durado quarenta annos a que
outros Bárbaros fizeram á Bahia, os
Paulistas tiveram a gloria de os vencer, e
livral-a de seus insultos: tenho por sem duvida
que para elles está reservado o triunpho
dos do Rio Grande.
142
Em 1688, a seguinte carta escrita pelo governador-geral frei Manuel da
Ressurreição aos “paulistas” nos permite refletir um pouco sobre a crença que as
autoridades coloniais tinham com relação à habilidade e a experiência dos mesmos,
assegurando que somente a eles estaria reservada a vitória das guerras do Norte do
Brasil.
As correspondências administrativas que compõem a coleção
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional possuem uma enorme carga de
elementos persuasivos empregados pelos governadores e capitães-mores das
capitanias envolvidas nos conflitos a fim de deslocar os “paulistas” para os locais
mais necessitados, como nos mostra o trecho inicial escolhido. Essa propaganda
parecia ter sido difundida pelos próprios moradores de São Paulo e aceita por toda
América portuguesa quando as tropas regulares não davam cabo das resistências
oferecidas.
142
CARTA para os officiaes da Câmara da Villa de São Paulo sobre virem os Paulistas á guerra dos
Bárbaros do Rio Grande. Bahia, 30/11/1688.
DH. 11:142-5.
72
Utilizaremos os discursos proferidos durante e após o momento da
“Guerra dos bárbaros” a respeito dos “paulistas”, como forma de elucidar o que foi a
presença desses homens nas capitanias do Norte. Percebendo então as visões que
as autoridades tinham sobre eles, ora tidos como elemento auxiliar na conquista dos
negros e índios, ora como um empecilho à retomada da colonização. Durante a fase
de maior necessidade da ação dos bandeirantes nos conflitos, as autoridades
esforçavam-se em persuadi-los para que fossem ao local do embate. Não mais
necessitando dos seus serviços, sua presença deixava de ser importante, voltando a
serem vistos como selvagens pelos habitantes da zona açucareira.
Enquanto empresa particular, o contrato dos “paulistas” se dava pela
concessão de direitos à mão-de-obra escravizada dos índios aprisionados, e a posse
sobre as terras que ocupassem. Ligando assim seus interesses aos
empreendimentos metropolitanos, como descreve o mestre-de-campo Domingos
Jorge Velho em carta ao rei quanto à composição de suas tropas:
Prim
ra
m.
te
nossas tropas com q- îmos á conquista do gentio brabo
desse vastíssimo sertão, não he de gente matriculada nos livros de
V.Mag.
de
nem obrigada por soldo, nem por pão de munição; são huas
agregaçoens q- fazemos alguns de nos, emtrando cada hu com os
servos de armas q- tem e juntos îmos ao sertão deste continente não
a cativar (como alguns hypocondriacos pretendem fazer crer a
V.Mag.de) senão adquerir o Tapûia gentio barbo e comedor da carne
humana p.ª o Reduzir ao conhecim
to
da urbana humanidade, e
humana sociedade [...].
143
A forma como os “paulistas” organizavam suas tropas tinha por finalidade
a caça e o apresamento de homens, e não a defesa de territórios e o
comprometimento com a Coroa como as tropas regulares. Contudo, nessa carta o
discurso do mestre-de-campo é usado sobretudo para afirmar sua aliança com os
objetivos da Coroa. Dessa maneira, acabava garantindo a posse dos escravos e da
terra, prometidas antes da guerra.
A necessidade dos “paulistas” em se defender das acusações como forma
de assegurar os devidos benefícios adquiridos com seu trabalho, pode ser notada a
143
CARTA autografada de Domingos Jorge Velho escrita do Outeiro da Barriga, Capanha dos
Palamres de 15 de Julho de 1694 em que narra os trabalhos e sacrifícios que passou e acompanha a
exposição de Bento Sorrel Camiglio procurador dos paulistas. Apud ENNES, Ernesto.
As Guerras
dos Palmares
(subsídios para sua história). v. Domingos Jorge Velho e a “Tróia Negra”. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p. 204-207.
73
nas falas das autoridades coloniais. Assim, nos acontecimentos do Quilombo dos
Palmares, quando em carta ao Rei, o governador de Pernambuco Caetano de Melo
e Castro demonstrava claramente que não era de bom grado ter a presença dos
“paulistas” nas terras conquistadas dos negros palmarinos, alegando que:
Não julgo será útil ao Real serviso de V.Mag.
e
que aquella gente [os
“paulistas”] fique fazendo sua morada nos Palmares porque
exprimentarão as Capitanias vezinhas maior Danno em seus Gados
e Fazendas que aquelle que lhe fazião os mesmoz Negros
levantados; e assim me parese que V.Mag.
e
lhe não deve dar Terras
naquelles destritoz e que em honrrar ao Mestre de Campo com hum
Abito de Christo e algua tença lhe premea o que obrou naquella
guerra em aqual se não deve atender ao comtrato que o dito Mestre
de Campo fes com o governador João da Cunha Souto-Maior e que
V.Mag.
e
foy srvido comfirmar [...].
144
A preocupação de Caetano de Melo e Castro era impedir que as terras de
Palmares, defendidas como as melhores da capitania de Pernambuco, fossem
entregue aos moradores da Vila de São Paulo. E essa visão era partilhada não
entre os governadores ou capitães-mores que sentiam seu domínio ameaçado, mas
por toda zona açucareira. Ou seja, para a elite do litoral o melhor era ter os
“paulistas” o mais longe possível, após eles terem realizado a conquista. O mais
cômodo seria encontrar uma outra forma de negociação que não fosse baseada na
doação das terras dos Palmares.
Segundo a opinião do governador de Pernambuco, cabia às tropas
urbanas, além da mão-de-obra bélica para a conquista, a tentativa de transplantar a
civilização colonial para os “sertões desconhecidos”, aos “paulistas” restava apenas
a condição de militares e desbravadores, que eram tão selvagens quantos os
quilombolas. Para ele os “paulistas” não eram os elementos indicados para “civilizar”
nenhuma região.
Essa impressão com relação aos bandeirantes de São Paulo
encontrou outros adeptos fervorosos que buscavam, sobretudo, ressaltar a
aparência dos sertanistas que viviam como verdadeiros “bugres”, homens do mato
que desconheciam os bons costumes. A referência mais comentada dos últimos
144
CARTA de Caetano de Melo e Castro, datada de Pernambuco de 4 de agosto de 1694 em que
notícia do feliz sucesso que teve nos Palmares. In: ENNES. Ernesto.
As Guerras nos Palmares
(subsídios para sua história). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p.197-199.
74
tempos se deve ao Bispo de Pernambuco Francisco de Lima quando deu sua
sugestão quanto à impressão que teve ao se deparar com o mestre-de-campo
Domingos Jorge Velho:
Esse homem é um dos maiores selvagens com que tenho topado:
quando se avistou comigo trouxe consigo língua [isto é, interprete],
porque nem se diferencia do mais bárbaro tapuia mais que em dizer
que é cristão, e não obstante o haver-se casado de pouco, lhe
assistem sete índias concubinas e daqui se pode inferir como
procede no mais; tendo sido a sua vida, [...] até o presente, andar
metido pelos matos à caça de índios, e de índias, estas para o
exercício das suas torpezas, e aqueles para os granjeios dos seus
interesses.
145
Segundo a fala do Bispo de Pernambuco, o perfil do mestre-de-campo
não se assemelhava às descrições de um militar requisitado. Nem poderia ser
diferente, já que a Vila de São Paulo era considerada pelos colonos da zona
açucareira como uma região ainda não inteiramente colonizada, se constituindo
também como sertão.
no caso da “Guerra dos bárbaros”, no ápice dos conflitos na capitania
do Rio Grande, percebemos na carta do governador-geral Dom João de Lencastro
aos oficiais de São Paulo a intenção de convencê-los para que seus moradores
fossem dar um fim ao conflito. Pois, eles seriam os mais indicados para realização
de tal trabalho, e escreve:
E desejando eu acudir, com o remédio mais efficaz, á ruína dos
moradores da dita Capitania, e com o castigo mais prompto á
insolência daquelles Barbaros, escrevi também a Sua Magestade,
sobre este particular apontando-lhe que o meio mais infallivel, para
esta Conquista, era mandar Sua Magestade formar a essa Villa, um
terço de Paulistas, e que seus officiaes, pareceram úteis, para esses
moradores.
146
Dessa maneira, os documentos do período em estudo, mais precisamente
no que diz respeito à presença dos “paulistas” nas capitanias do Norte, apresentam
145
CONSULTA da Juncta das Missões de 29 de outubro de 1697 sobre as cartas do Bispo e Gov.
or
de Pernambuco em q.
e
representão a falta de igrejas e párocos nos Presídios dos palmares, e Certão
de Rodellas delictos q.
e
se commettem neste certão; e dissolução com q.
e
vie o m.
e
de campo do
presídio das alagoas. In: ENNES. Op. Cit. p. 352-6.
146
CARTA para a Câmara da Villa de São Paulo sobre o terço que vae levantar o Mestre de campo
Manuel Alvres de Moraes Navarro. Bahia, 19/10/197.
DH.11: 254-7.
75
concepções diferentes sobre o assunto: eram selvagens, mas eram os mais
capacitados; eram ignorantes, mas eram hábeis nos ataques nos matos. E na
medida do possível, um adjetivo parecia compensar o outro. Devido a essa
atribuição feita aos homens de São Paulo, tanto no Quilombo dos Palmares quanto
na “Guerra dos bárbaros”, eles aparecem como responsáveis pelo fim dos conflitos.
Mais uma vez se construiu um mito acerca dos “paulistas”, agora mostrado pelos
discursos contemporâneos às guerras do Norte, como os homens que derrotaram os
Palmares e a região do Açu.
No entanto, vemos a ação dos “paulistas” enquanto uma mão-de-obra
bélica aproveitada contra as resistências dos grupos que se opunham ao projeto
colonial da construção do sertão como espaço. E após a apresentação dos espaços
da vila de São Paulo, do sertão das capitanias do Norte e da capitania do Rio
Grande, chegamos agora ao ponto principal: o espaço do homem.
Percorrendo pelas discussões historiográficas e pelas fontes manuscritas,
esbarramos em figuras diversas que num todo compõe nosso trabalho. Figura de
herói, de grandes desbravadores, de funcionários da Coroa, de aproveitadores. No
terceiro e último momento discutiremos os “paulistas” como homens que lutaram,
que passaram por dificuldades, que enfrentaram as discórdias, que se
estabeleceram. Fazendo um elo, a partir do contexto da guerra, entre as imagens
dos homens de São Paulo.
76
Capítulo III
A conquista dos homens e da terra:
O Terço dos “paulistas” na capitania
do Rio Grande
77
O mito do bandeirante apresentado durante as primeiras décadas do
século XX, servia, como foi dito anteriormente, para enaltecer o passado de São
Paulo na disputa por uma singularidade na formação nacional. Embora, tenhamos
discutido um pouco sobre as razões que levaram à construção do mito, nossas
inquietações nos levam a pensar nos “paulistas” enquanto homens que lutaram nas
capitanias do Norte na segunda metade do século XVII. Atraídos pela possibilidade
de escravizarem os índios e obterem terra no sertão das capitanias do Norte, os
“paulistas” eram, antes de tudo, instrumentos da política de extermínio indígena
conduzida pelas autoridades coloniais.
No processo de conquista do sertão, as forças mais indicadas para
combater a resistência indígena seria a utilização da guerra “ao modo” do Brasil,
muitas vezes praticada pelas tropas irregulares, ou ainda pelas ordenanças, que não
eram regulamentadas perante a lei. No decorrer dos conflitos com os indígenas, os
governadores fizeram um esforço para validar tais tropas no âmbito da
administração metropolitana. A institucionalização do Terço dos Paulistas
147
seria
então uma conseqüência do empenho contínuo das autoridades na ordem militar,
condição natural para o recrutamento.
As duas primeiras tropas dos “paulistas” enviadas para “Guerra dos
bárbaros” apresentaram uma mesma configuração. Aos mestres-de-campo
Domingos Jorge Velho e Mathias Cardoso de Almeida foram passadas cartas
patentes durante o conflito, que seriam o oferecimento de postos de oficiais das
tropas regulares
148
. Isso significa, que muitas vezes não eram reconhecidas as
patentes e não eram pagos os soldos.
Cabe então, discorrer sobre a formação do Terço dos Paulistas liderado
por Manuel Álvares de Morais Navarro, visando explanar sobre a participação dos
“paulistas” na “Guerra dos bárbaros”, as dificuldades enfrentadas e as disputas
internas que envolveram o grupo. Além disso, a relação dos homens com a terra, a
composição do terço e as modificações que sofreu no início do século XVIII também
dizem respeito aos nossos objetivos nesse capítulo.
147
Aqui não serão mais utilizadas as aspas no termo paulista, uma vez que o próprio Terço dos
Paulistas determina uma fase, se tratando de um conceito.
148
“Segundo o ‘regimento das fronteiras’ de 1645, podia ser concedido se comprovado o serviço
como soldado por seis anos, no caso do mestre-de-campo, e quatro anos, no caso de sargento e
alferes. No entanto, o pagamento desse soldo não foi reconhecido imediatamente pela Coroa e
causou postergações embaraçosas.” Cf.: PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p.193.
78
3.1. A COMPOSIÇÃO DO TERÇO
Entender a atuação do Terço dos paulistas na campanha contra os
“bárbaros” do Rio Grande no início do XVIII, quando a guerra passa adquirir um novo
contorno, vincula-se à compreensão da própria composição da tropa e das
formações do terço. Destacaremos nesse tópico a composição interna, as
particularidades notadas entre as companhias, e a ascensão militar na relação
posto-companhia.
Com o passar dos anos, da última década do século XVII e o início do
seguinte, a primeira formação do Terço aos poucos foi sendo substituída por morte
ou promoção. A durabilidade da guerra acabava prolongando a atuação desses
homens, resultando na arregimentação de outros para as companhias que mais
necessitassem.
O Terço dos paulistas gradativamente foi sofrendo alterações devido aos
acontecimentos do início do século XVIII. Nesse sentido, a formação inicial de 1698,
liberada por Dom João de Lencastro apresentava-se composta por dez companhias
lideradas pelos capitães: Jode Morais Navarro, Bento Nunes de Siqueira, Antonio
Gago de Oliveira, José Porrate de Morais Castro, Salvador de Amorim e Oliveira,
Manuel da Mata Coutinho, Antonio Raposo Barreto, Francisco Lemos Matoso,
Manuel de Siqueira Rondon, e o próprio Manuel Álvares de Morais Navarro, mestre-
de-campo e capitão de infantaria.
149
em 1701, as dez companhias estavam reduzidas a sete: a do mestre-
de-campo, as dos capitães Bento Nunes de Siqueira, Francisco Lemos Matoso,
Antônio Gago de Oliveira, Salvador de Amorim e Oliveira, que se encontravam no
arraial do Açu, e as de José Porrate de Morais Castro e Luís Lobo de Albertim, que
residiam em Olinda. O intuito do rei seria assim manter um contingente menor para
qualquer eventualidade, pois diminuindo o terço facilitaria a profissionalização do
mesmo, ficando em 1712 reduzido apenas a duas companhias.
150
Na escala hierárquica de uma companhia, o posto militar mais almejado, e
de maior relevância seria o de capitão de infantaria. Ao analisar as cartas patentes
149
CARTAS patentes do Terço dos Paulistas - Documentos Históricos, e Documentos avulsos do
IHGRN.
150
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p. 281.
79
do terço em questão, percebemos que enquanto categoria máxima, a nomeação
revelava toda a trajetória militar do indivíduo como justificativa para que este
pudesse assumir o cargo, destacando a coragem e disciplina do mesmo: “Convem
prover os postos de cappitains de infantaria do d.
to
terso em sogeito de grande vallor
pratiqua na desiplina mellitar esperiencia nos sertois e guerra do gentio, [...].”
151
Esses seriam os requisitos exigidos para um capitão de infantaria, ou pelo
menos a exigência presente nas cartas patentes como argumento para nomeação. A
vacância de um posto dentro de uma companhia poderia prejudicar seu
desempenho, sendo necessário ocupá-lo o mais rápido possível. Essas lacunas
geradas por desistência, promoção ou falecimento, significavam a entrada de um
novo homem no terço, que poderia pertencer ao mesmo terço ou ser arregimentado
de outro terço de infantaria.
No intuito de pensar na trajetória militar de um indivíduo pertencente ao
Terço dos Paulistas, escolhemos como exemplo um dos capitães de infantaria da
primeira formação do terço, quando saído de São Paulo em 1695. Seu nome,
Antônio Gago de Oliveira. Apesar de ser da formação inicial do terço de Manuel
Álvares de Morais Navarro originado em São Paulo, Antonio Gago não era paulista,
e sim nascido em Ilha Grande, Rio de Janeiro.
Sua carta patente consta nos livros da Fazenda real registrada no dia sete
do mês de outubro de 1697, na cidade de Salvador, presente na coleção
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Nas palavras do governador-geral:
Porquanto Sua Majestade que Deus guarde foi servido mandar por
carta sua escrita em 10 de março de 695 se formasse um Terço de
infantaria paga de Paullistas de que é Mestre de Campo por Patente
Real Manuel Alves de Morais Navarro para a conquista que o dito
Senhor ordena se faça aos bárbaros da Capitania do Rio Grande e a
todos os mais que houver nos sertões do Rio de S. Francisco até o
Ceará Grande e convem prover os postos de Capitães de infantaria
do Terço em sujeitos de grande valor, prática de disciplina militar e
experiência dos sertões e guerra do gentio tendo eu consideração ao
bem que estas qualidades concorrem na pessoa de Antônio Gago de
Oliveira e às honradas informações que me fez a Câmara da Vila de
São Paulo de seu procedimento esperando que daqui em diante
continuará com a mesma satisfação havendo-se nas obrigações do
151
REGISTO de hua patente de capp.
m
de infantaria paga passada na pessoa de Salvador de
Amorim e Oliveira pello governador g.
l
deste Estado do Brasil. Bahia, 8 de outubro de 1698. DH.
58:188-190.
80
dito posto muito conforme a confiança que faço do seu
merecimento.
152
Assim como Antônio Gago de Oliveira, os demais capitães de infantaria
nomeados por Dom João de Lencastro receberam os mesmos direitos de posse
correspondente ao posto mais elevado da companhia. Contudo, se tratando de
sucessão de cargos, e mudanças na composição do terço, destacamos a ascensão
de Francisco Tavares ao cargo antes ocupado por Antônio Gago:
Faço saber aos que esta carta patente virem que por coanto está
vago o posto de capitão de infantaria do pago da fronteira do Asú
de que he Mestre de campo M
el
Alvres de Morais Navarro, por
falecimento de Antonio Gago de Oliveira que o servido e convir
provelo em pessoa da satisfação servisos e mantimentos tendo eu
respeito a que estes requizitos concorem na de Fran
co
Tavares
Guerero por aver servido e Sua Magg.
e
q Deus g
de
por espaço de
coal e dezoito annos em praça de soldado pago do da guarnição
desta praça do Recife e no da fronteira do Asú, em praça de
Sargente supra e de numero de M
e
alferes, ajudante supra, e de
numero que se tual e tava exercitando com boa satisfação, como me
constou pella fée de officios e numbramtos que me aprezentou; e por
esperar delle q daqui em diante se avera da mesma maneira em
muito como deve a confiança q faço de Sua Pessoa, [...].
153
Esse exemplo não remete apenas à ocupação de um posto vago em
tropa, e sim pode ser relevado por outros fatores. Primeiro, a descrição de uma
trajetória militar considerada digna de suceder o cargo máximo de uma companhia.
Segundo, a entrada para o Terço dos Paulistas de um militar vindo de outra tropa,
atuante dezoito anos como soldado na guarnição da Praça do Recife, de onde
provinha sua formação militar.
Vimos aqui a nomeação no ato da contratação do terço devido a
procedência, e com o falecimento do capitão de infantaria Antônio Gago de Oliveira,
a sucessão baseada nos méritos adquiridos pela formação militar de Francisco
Tavares Guerreiro. São duas situações: a primeira contratação se deu a partir das
152
REGISTO da patente por que foi provido Antônio Gago de Oliveira no posto de Capitão de
infantaria paga do terço dos Paulistas do Mestre de Campo Manuel Alves de Morais Navarro. Bahia,
07/10/1697.
DH. 58:178-90.
153
REGISTO de hua Carta patente de capitão de infantaria paga pasada na pesoa de Francº Tavares
Guerreiro pello senhor Governador de Pernambuco; cuja comp
a
he do 3º Paullista. Natal, 12/07/1713.
IHGRN. Livro do Terço dos Paulistas.
81
referências passadas pela câmara da Vila de São Paulo; a segunda, pelo tempo de
serviço militar.
Em 1713, data da nomeação de Francisco Tavares Guerreiro a capitão de
infantaria, as autoridades locais não achavam necessário conduzir um indivíduo
de São Paulo. A intenção era apenas de manter uma tropa emergencial, que poderia
muito bem ser abastecida por homens das capitanias mais próximas.
Atentamos ainda para as variáveis que apontavam a companhia do
mestre-de-campo como a mais importante dentro do terço. Em muitos documentos
analisados, a mudança do posto poderia ser no sentido inverso da hierarquia de
uma tropa pelo fato, por exemplo, de estarem sendo removidos para a companhia de
Morais Navarro.
Neste sentido, destacaremos outro caso de mudança de posto. Em 25 de
janeiro de 1715, Roque da Costa Gomes passou de sargento-supra para o cargo de
sargento de número, da companhia do mestre-de-campo para a de Domingos de
Morais. Tal mudança teria ocorrido, por promoção de Diogo Lobo de Oliveira que
ocupara antes o cargo de sargento de número. Roque da Costa Gomes, em 10 de
julho do mesmo ano, mudaria novamente de cargo. Este passava a função de
alferes na companhia Francisco Ribeiro Garcia.
154
Observando as relações entre as sucessões de postos, a natureza de
uma contratação nos tempos de guerra, e a flexibilidade para o ingresso de um
indivíduo de fora do terço, pensamos nas diferenças para com a situação das tropas
anteriores de “paulistas”. Nessa segunda fase, ao invés de um “sertanismo de
contrato”, têm-se terços institucionais que, como tal, são pagos, respeitam uma
hierarquização, assentam praça e adquirem cartas patentes.
Assim, a visão do bandeirante determinado e determinante para o
movimento de expansão, perde-se no ar. As conquistas realizadas dentro do
território do Rio Grande não parecem imprimir a concepção de que os homens do
Terço dos Paulistas seriam os mesmos bandeirantes intrépidos que apareceriam na
história oficial. A guerra contra os indígenas da capitania do Rio Grande contou com
homens contratados, mantidos pelo pagamento de um soldo estabelecido pelo posto
ocupado. São homens comuns em uma guerra.
154
DOCUMENTOS avulsos sobre a Companhia de Francisco Ribeiro Garcia.IHGRN.
82
Buscamos ainda ressaltar o problema dos pedidos de baixa. O único meio
legal de sair do serviço militar era conseguir a permissão para a baixa dos quadros
das forças armadas. Mas, era bastante difícil consegui-la, visto que a Coroa
dificultava ao máximo a concessão de baixas, a fim de manter estáveis os seus
efetivos militares na colônia.
155
Como exemplo podemos usar o caso do soldado
paulista Antônio de Carvalhais de Oliveira que em virtude de seu estado de saúde
apresentou a seguinte carta ao governador:
Diz Antonio de Carvalhais de Oliveira soldado da comp.
a
do mestre
de campo M.
el
Álvares de Morais Navarro do terso paulista, que elle
sup.
te
passa de oitenta annos de idade e pellos tais o escuza a ley do
real cerviso e demais por cauza de velhice e padescer grandes
achaques com he notório pellos documentos juntos e cazado com
mulher e filhos em São Paulo e porq annos vive auzente de sua
caza por cuja auzencia experimentam grandes necessidades e lhe
he preciso remediar estas portanto.
156
Apesar da idade avançada, e diante da condição debilitada em que se
encontrava, Antônio de Carvalhais ainda precisou apresentar o aval do médico da
tropa para que seu pedido de baixa fosse aceito. O cirurgião do terço, Bento da
Fonseca, deu seu parecer da incapacidade do suplicante por velhice, e por não
dispor mais de forças suficientes para continuar no serviço militar, autorizando a
baixa do indivíduo.
O mesmo acontecia com as dispensas. Eram difíceis de serem
conseguidas, e quando eram, funcionavam condicionalmente. Destacamos para
isso, o pedido de licença do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro
concedido pela rainha:
Eu a Rainha da Gram bertanha infanta de Portugal como Regente
destes reinos na auzendia desta corte do senhor Rey, Dom Pedro
meu irmão fasso saber aos que esta minha provisam virem que
tendo respeito ao que sempre reprezentou por parte do mestre de
campo Manoel Alvez de Morais Navarro em Rezam de se achar
auzente de sua caza e familia muitos annos e nececita de hir a
Sam Paulo donde he natural e deixou sua molher e filhos a sispera e
suas contas a pagar suas dívidas como para se refazer de alguns
155
POSSAMAI, Paulo. A Vida Quotidiana na Colônia do Sacramento. Lisboa: Livros do Brasil,
2006, p. 234.
156
PEDIDO de baixa de Antônio de Carvalhais de Oliveira. Natal, 6/7/1706. Documentos avulsos do
IHGRN.
83
cabedais e me dar sua caza e sitio em que me esta servindo pedindo
me para o poder asim fazer licença e tendo a tudo consideração ir-
ley por bem conseder-lhe a sua pátria tratar do que nesesita.
157
Essa licença de um ano foi concedida como um caso particular, no qual o
mestre-de-campo estava longe de casa por muito tempo, e havia cumprido com
seu dever militar. No entanto, da data da concessão da licença de 1704 até o
registro autenticado em Natal, passaram-se seis anos, só sendo passada para
Manuel Álvares em sete de janeiro de 1710.
Permanecendo na capitania até liberação de sua dispensa, Morais
Navarro continuava a recorrer a Coroa sobre sua ida a São Paulo, enfatizando a
importância de sua viagem não para si próprio, mas preocupado com os
interesses metropolitanos. Dessa forma, o requerente procurou ressaltar a intenção
de trazer mais reforços para a conquista dos índios:
Porquanto esta o meu terço falta de infantaria e sua Magestade que
Deos guarde me consedeu licença para hir a Vila de Sam Paulo, e
como pellos certões que ei de pasar me consta estam exparçidos
muitos paulistas pretendo presuadilos a que vinhão pêra o meu terço
a fazer guerra ao tapuya a levantado e pêra os conduzir levo em
minha companhia a Manoel de Aguiar cabo de esquadra da comp
a
do
capitão Salvador de Amorim e Oliveir
a
e ao soldado Fran
co
de Aguiar
da companhia de Fernando de Souza arayal do Asú vinte e dois de
março de mil e setesentos e nove.
158
Nessa fala de Morais Navarro, percebemos que na primeira década do
século XVIII havia uma defasagem interna das companhias. As deserções,
falecimentos e promoções para outros terços, acabaram contribuindo para a redução
do Terço dos paulistas. Redução essa, não imposta no final da guerra, mas,
sobretudo conseqüente das variáveis de uma guerra sem precedente, resultando na
necessidade de contratação de novos homens para o trabalho nas companhias.
Tendo em vista a urgência no recrutamento para preencher as companhias, muitas
vezes foram arregimentados homens de outros terços ao longo do conflito.
157
REGISTO de hua provisão de licença de sua magestade por hum anno para o mestre de campo
do terço paulista que Rezide no Assú Manoel Alves de Morais Navarro. Lisboa, 13 de outubro de
1704.
IHGRN – Cx. Terço dos Paulistas.
158
REGISTO de huma licença que deu o m
te
de campo do terço Paulista que rezide no sertão do Asú
Manoel Alvez de Morais Navarro a Manoel de Aguiar cabo de esquadra e ao soldado Fran
co
de
Aguiar. Açu, 22 de março de 1709.
IHGRN – Cx. Terço dos Paulistas.
84
Após a redução do terço, uma das companhias continuava sobre o
comando do sargento-mor, natural da vila de Santos, José de Morais Navarro
159
.
Uma referência localizada nos documentos avulsos do IHGRN apresenta a seguinte
composição de sua companhia:
Aos dez dias do mês de Dezembro de mil e setecentos e dezoito
annos neste citio do Ferreyro Torto, termo da cidade do Natal
Capitania do Rio Grande onde estão cituadas as Companhias a que
ficou reduzido o terço Paulista da guarnição da Campanha desta dita
Capitania de que he Sargento mor Regente Jozeph de Moraes
Navarro [...] passou o dito vedor geral mostra e achou trinta e nove
praças, o saber, o dito Sargto mor, dois Ajudantes Capellão, e
Sirurgião, officiaes da primeira plaina e os mais officiais e soldados
da dita Companhia que todas as sobreditas fazem o dito numero de
trinta e nove, que pellas verbas, somão hum conto, ceiscentos, e trez
mil ceiscentos e quarenta e nove reis.
160
Como podemos perceber, a própria formação da tropa sofreu uma
redução significativa, mantendo-se apenas para uma situação de emergência. E
também a companhia passou a ser liderada por um sargento-mor, não mais por um
capitão de infantaria.
Além disso, utilizamos os registros de assentamento de praça do acervo
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte para visualizar a
importância da relação homem-espaço na contratação do terço. Escolhemos assim o
documento de Antônio Ribeiro Garcia, paulista, filho homônimo do sargento-mor que
faleceu devido a um surto de bexigas ocorrido na viagem do Terço dos Paulistas até
a capitania do Rio Grande:
Antonio Ribeiro Garcia natural da vila de Sam Paulo filho do
Sargento mayor Antonio Ribeiro Gracia de estatura hordinaria cara
redonda alvarinho olhos pardos cabello castanho de idade de
quatorze annos, Sargento do que athé agora foi da companhia do
mestre de campo, a senta praça nesta companhia do capitão Antonio
Gago de Oliveira de alferes por numeram.
to
do seu capitão,
159
INFORMAÇÃO do escrivão da Fazendo Real, Alfândega e Almorixarifado e Vedoria e Matrícula da
Gente de Guerra do Rio Grande do Norte, Estevão Velho de Melo, sobre os serviços do sargento-mor
do Terço dos Paulistas José de Morais Navarro, filho de Manuel Álvares Murzelo e natural da Vila de
Santos, que serviu por 24 anos no Terço dos Paulistas, no Rio Grande do Norte. Natal, 10 Julho de
1723.
AHU – RIO GRANDE DO NORTE, Cx. 1, D. 61; Cx. 2, D. 10 e Cx. 3, D. 43
160
DOCUMENTOS AVULSOS. IHGRN.
85
comfirmado pello senhor governador de Pernambuco e aprovado
pello seu mestre de campo.
161
Percebemos aqui que, os assentamentos dos militares geralmente
traziam informações sobre o corpo, ou sobre a naturalidade, apesar de não ser
regra. Muitos documentos, em péssimo estado de conservação, encontram-se
bastante corroídos, ocultando os nomes, o posto, o soldo, e até a data em que foram
registrados. Dessa forma, podemos dizer que o trabalho do historiador se a partir
dos fragmentos, e da junção dos mesmos, da costura, do cruzamento entre
diferentes fontes que possam erguer uma armação. Seria um crime omitir os
problemas da pesquisa, e os imprevistos que as fontes no revelam. No entanto,
podemos extrair coisas muito mais interessantes do que os objetivos traçados em
um projeto inicial, as surpresas que recompensam o esforço.
Observamos assim o contínuo realce dado aos homens que saíram de
São Paulo. Esse motivo, por si só, aparece por vezes como um algo valoroso.
Tomamos como exemplo Francisco Ribeiro Garcia, irmão do sargento-mor falecido
durante um surto de bexigas, Antônio Ribeiro Garcia, e tio do alferes da citação
anterior. Na carta patente passada de capitão de Infantaria no lugar de Fernando de
Souza Falcão, o governador de Pernambuco escreve:
Tendo eu respeito a que todos estes requizitos concorrem na de
Francisco Ribeiro Garcia por haver servido a sua Mag.
de
que Deus
guarde por espaço de doze annos e sinco mezes e vinte e oito dias
deixando voluntariam.
te
a sua pátria São Paullo e a sua custa
comvocar gente de que formou huma companhia e a comduzio por
terra ao Rio de Janeiro de donde se embarcou [...].
162
Podemos perceber nesse fragmento da carta patente que o espaço de
onde era proveniente Francisco Ribeiro Garcia foi enfatizado como forma de
enaltecer seus méritos, especialmente por ter deixado “voluntariamente sua pátria”.
Nesse sentido, ao relatar junto a seus feitos dentro do terço sua origem, estaria o
merecimento do cargo justificado para o exercício da atividade militar.
161
Documentos avulsos sobre o Terço dos Paulistas encontrados no IHGRN (01/05/1708). Tais
documentos estão sendo organizados em caixa por assuntos, onde provavelmente teremos uma
caixa especifica para o Terço.
162
REGISTO de hua patente de capp.
am
de infantaria pasada na pessoa de Franc.
co
Ribeiro Garcia
pello Bispo e G.
or
de Pern.
co
- 4/8/1711. IHGRN. Doc. Avulsos. Cx Terço dos Paulistas.
86
Em outro caso de preenchimento do cargo de ajudante de número da
companhia do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro, em virtude do
falecimento de Diogo Barboza Rego, foi o governador de Pernambuco quem
apresentou o seu candidato:
Tendo eu respeito a q estes requezittos concorrem na de Fran
co
Antunes Meria por haver servido a Sua Magestade naquelle terço por
espaço de treze annos e ser hum dos primeiros que viera de São
Paullo a situallo naquella Ribeira e haver ocupado os postos de
sargento supra do Alferes e ajudante supra que atualmente
estava exercendo tudo com honrrada satisfação, e zello do Real
serviço, em tudo o de que foi encarregado, e haver feito varias
marchas a campanha contra o gentio rebelde em que procedeo com
vallor e estar ocupado a dois annos na regência do Prezidio do Assú
Sendo cabo de vinte e sinco homens que tudo largam
te
consta das
suas certidões e por esperar delle que daqui em diante se haverá da
mesma maneira e muito como deve, a confiança que faço de seu
procedim
to
.
163
Novamente, aliada à atuação militar aparece a procedência como algo
relevante. Além do fato da naturalidade ressaltar a questão de serem homens de
São Paulo, considerados os mais aptos às guerras do mato, se destacava a
distância que os mesmos tiveram que percorrer com o objetivo de encerrar a guerra
contra o gentio.
Nos primeiros anos do século XVIII, quando a guerra com os índios já não
se mostrava tão ameaçadora, as referências aos militares de outras capitanias
serviam para destacar o fato de terem abandonado suas casas em prol do serviço
militar prestado à Coroa. Agora não se falava nos “paulistas” como os
desbravadores por excelência, apenas como homens de outra capitania distante que
compunham o terço.
Em verdade, no que se refere à naturalidade dos indivíduos, o próprio
Terço dos Paulistas terminou sofrendo mutações em sua formação. Entre os anos
de 1698 e 1710, os capitães e oficiais do terço eram basicamente colonos de São
Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, e pelos índios trazidos por eles. Passados
dez anos, sua composição encontrava-se inteirada por homens do Rio Grande e
capitanias vizinhas, arregimentando inclusive os reforços enviados de Pernambuco.
163
REGISTO de hua Patente do posto ajudante do numero passado na pessoa de Fran
co
Antunes
Meira pello Senhor G
or
de Pern
co
. 04/01/1712. IHGRN. Doc. Avulsos. Cx Terço dos Paulistas.
87
O que nos leva a crer que, “[...] a diversidade na composição social das tropas em
atuação no Açu é uma constante seja do lado das tropas institucionais das vilas
açucareiras, seja do lado dos contingentes paulistas.”
164
Organizamos esses quadros a partir do levantamento dos assentamentos
de praça colhidos nos documentos avulsos do IHGRN, objetivando perceber a
composição de algumas companhias do Terço. Desta forma, podemos visualizar, a
partir de alguns exemplos nos quadros seguintes, as companhias de Manuel de
Siqueira Rondon (1699) e de Francisco Ribeiro Garcia (1727).
QUADRO 01
Companhia de Manuel de Siqueira Rondon (1699)
Nome Naturalidade
Manoel de Siqueira Rondon Rio de Janeiro
Domingos Morais de Bitancor São Paulo
Francisco Martins Pereira São Paulo
Manuel de Góis São Paulo
Antônio Gonçalves Pereira Espírito Santo
Pedro da Silveira Espírito Santo
Domingos da Maia Rio de Janeiro
Manoel Paes São Paulo
João Pereira Espírito Santo
Domingos de Araújo Rio de Janeiro
Sebastião Correia Rio de Janeiro
Fonte: IHGRN – Documentos avulsos sobre o Terço dos Paulistas
164
SILVA, Kalina Vanderlei. Nas solidões vastas. Op. Cit. p. 273-4.
88
QUADRO 02
Companhia de Francisco Ribeiro Garcia (1727)
Nome Naturalidade
Luciano Dornelles Pimentel Rio Grande
Miguel Ferreira Paraíba do norte
Manoel Cabral de Marins Rio Grande
Cosme Ferreira Rio Grande
Valentim Tavares de Mello Rio Grande
João Roiz de Freitas Pernambuco
Dionizio da Costa Soares Lisboa
Fonte: IHGRN – Documentos avulsos sobre o Terço dos Paulistas
Como podemos notar, na formação inicial a origem dos homens era
basicamente do que hoje seria a região sudeste. no século XVIII, a naturalidade
dos homens do Terço, ainda denominado de paulista, se deve a presença
majoritária de indivíduos das capitanias do Norte. Isso significa que, apesar do nome
e a referência feita aos “paulistas”, a tropa apresentava-se praticamente composta
por elementos “não-paulistas”.
Vale lembrar, que nosso intuito no decorrer desse capítulo foi visualizar
corpos, condições pessoais dentro das tropas. Porém, não seria qualquer tropa. Os
homens em questão são os mesmos tratados genericamente pela historiografia
como bandeirantes. Assim, atentamos para a participação do Terço dos “paulistas”
na “Guerra dos bárbaros” envolvido em conflitos internos, e o tipo de relação que
eles teriam com as terras conquistadas.
3.2. NOS BASTIDORES DA GUERRA
O desenrolar da Guerra do Açu teve uma visibilidade maior que os
conflitos do Recôncavo baiano, fato atribuído pelo espaço onde se deu, uma região
subordinada a duas jurisdições por vezes divergentes: governo geral e governo de
Pernambuco. A pressão das forças desses dois governos atuando sobre um mesmo
espaço contribuiu para que a guerra adquirisse um outro sentido. Nesse caso, não
89
interessava o projeto de conquista, mas sim a quem esse projeto estava vinculado.
Um exemplo disso, é que o Terço dos Paulistas permanecia ligado ao governo geral,
que se opunha aos colonos do Rio Grande e ao governo pernambucano.
165
Em fins do século XVII, após a saída das tropas do mestre-de-campo
Mathias Cardoso de Almeida, chega à capitania do Rio Grande o reforço dos
homens de São Paulo, convocados pelo governador-geral Dom João de Lencastro,
tendo à frente Manuel Álvares de Morais Navarro. A entrada do Terço dos Paulistas,
ou mesmo Terço de Lencastro, representou uma nova fase da guerra, caracterizada
agora não pelas rivalidades com os índios revoltados, mas, sobretudo entre as
próprias facções internas.
A ordem de que se formasse um Terço de Paulistas dada pelo
governador-geral foi passada em 1695, evidenciando-se nas cartas patentes dos
capitães de infantaria a urgência de mão-de-obra bélica para o conflito. Vale
salientar que até o final da guerra, constantemente fez-se menção às referências
dadas pela câmara de São Paulo a respeito dos militares então contratados,
bastante significativas para o recrutamento e promoção dos mesmos. Essa seria
uma maneira de enfatizar o valor militar dos homens a serem contratados.
A credibilidade no trabalho dos paulistas, juntamente com a chegada do
terço à capitania do Rio Grande, aguçava por si própria a certeza de que seria um
empreendimento ganho. Destarte, saído da Bahia, Manuel Álvares de Morais
Navarro seguiu por mar até a capitania da Paraíba, onde sofreu um naufrágio.
Inviabilizado de dar continuidade a sua viagem por rota marítima, Navarro teve que
prosseguir até a capitania do Rio Grande por terra. Dentre os muitos problemas que
abalaram a viagem dos “paulistas”, salientamos o surto de bexigas de que padeceu
a tropa, além da própria duração da jornada que acarretou na falta de mantimentos,
como nos conta o governador-geral Dom João de Lencastro:
Asseguro a Vossa Mercê que li com particular sentimento a de 24 de
Outubro, por ver os descômodos, que na viagem padeceram os
enfermos, e a falta de mantimentos com que se acharam nessa
Capitania os que escaparam: e as mortes dos soldados de tanto
préstimo, e valor, e principalmente as do Sargento-mor Antonio
Ribeiro Garcia, e do Capitão Antonio Raposo Barreto, por serem os
165
Sobre os confrontos entre os Governos da Bahia e Pernambuco, ver SILVA, Kalina Vanderlei. Nas
solidões vastas...
p. 265-6
90
dois sujeitos, que Vossa Mercê me disse, eram os de maior
suposição, que trazia no seu Terço,[...]. Não tenho que encomendar
a Vossa Mercê, que a gente, que assentar praça no seu Terço seja
capaz para essa guerra, e que metido Vossa Mercê nela faça toda a
diligência por se destruir aqueles bárbaros deixando essa Capitania
livre das violências com que a têm oprimido; e ficarão os Paulistas
com a glória que os pernambucanos não puderam conseguir.
166
Lamentando a morte de alguns homens do terço, Lencastro deixa escapar
em seu discurso o lembrete do real motivo pelo qual estão sendo enviados: a guerra.
E espera que os lastimáveis incidentes não desviem a atenção do conflito. Por
último, utiliza como forma de persuasão a descrença no trabalho das tropas
pernambucanas, que ainda continuavam sendo empregadas, buscando com isso
enaltecer o trabalho dos “paulistas”.
No entanto, mesmo com todos os problemas na sua trajetória inicial, a
tropa recém-chegada acabou não recebendo socorro por parte do capitão-mor da
capitania do Rio Grande, Bernardo Vieira de Melo, o que deu início às discórdias
entre eles. Em carta ao rei, Manuel Álvares demonstra um pouco do seu
desapontamento com a indiferença de Bernardo Vieira:
Na frota de anno paçado dey conta a V. Magestade da minha
chegada a esta capitania, e do mas sucesso, que se me seguio, não
pello dilatado da viagem, que foi por mar, sendo ainda a respeito
do rioor do contagio das exigas, e morte de muitos officiais, e
soldados do meu terso como juntamente a dey de minha entrada
nesta campanha, e enquanto me achava dês detituido de socorros,
quando esperava me os mandassem os capitains mayores destas
capitanias, obrigados das ordens, que a esse respeito lisenciou o
G.or G.l, a qm dey disso noticia para que novamente lhes ordenasse,
me não faltassem com elles;
167
Como podemos notar, a carta se trata de uma denúncia da falta de
socorros prestados pelo capitão-mor da capitania, apesar das recomendações dadas
pelo governador-geral. Logo de início, a relação entre Bernardo Vieira e Morais
Navarro acarretou problemas característicos de grupos distintos, inviabilizando um
166
CARTA para o mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro sobre 60 mil réis para socorro
do Terço provimento do Sargento-mor e outra Patente que se lhe envia. Bahia, 21/01/1699.
DH. 39:
6-11.
167
CARTA do mestre-de-campo do Terço dos Paulistas, Manuel Álvares de Morais Navarro, ao rei
[D.Pedro II] sobre as vitórias que teve na Ribeira do Açu contra os índios tapuaias “Janipabussu, da
nação Paiacu”; e queixando-se do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo,
pela falta de apoio. Rio Grande, 6 de maio de 1700.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 1, D.50
91
trabalho em conjunto no projeto colonial. De um lado, o capitão-mor queria ter
autonomia nas escolhas dos grupos envolvidos; do outro, os “paulistas”
apropriavam-se de tudo, assegurados pelas decisões do governo geral.
Ao mesmo tempo, com a chegada dos “paulistas”, os indígenas rebelados
mostraram-se descontentes, iniciando novas investidas contra os moradores. A
primeira iniciativa do mestre-de-campo foi marchar com seus homens até o Açu,
onde poderia construir um arraial, ou mesmo se estabelecer no presídio elevado por
Bernardo Vieira:
Se o Mestre de Campo Manuel Alves de Morais Navarro, fizer o seu
Arraial no Assú, o Presídio que nele está fique logo unido ao seu
Terço, porque se poderá ajustar o número da lotação que de ter,
se de sentar praça mais gente, nenhuma pode ser melhor que
aquela, por ser guerreira, e prática no País.
168
Nesse caso, o Presídio do Açu tinha por obrigação abrigar e auxiliar o
Terço dos Paulistas, se assim o desejasse o mestre-de-campo. Desde a sua
contratação, o governador-geral havia dado autonomia a Manuel Álvares para que
tomasse suas decisões, colocando a sua disposição os reforços das capitanias
vizinhas, atitude que contrariava os governadores e capitães-mores.
Mas apesar da falta de apoio, Morais Navarro conseguiu bons resultados
em seu trabalho na conquista da região, usando a estratégia típica dos paulistas de
designar o combate aos indígenas como “guerra justa”, legitimando a escravidão dos
índios pertencentes às tribos rebeladas contra o avanço da colonização. A legislação
indigenista por vezes pareceu oscilante, o que resultou em brechas, que foram
aproveitadas pelas forças paulistas para conseguir a apropriação da mão-de-obra
indígena.
169
A atuação do terço sempre dava notícias satisfatórias ao governo geral,
relatando em números os índios mortos e escravizados que conseguiam com seu
trabalho. No entanto, o direito de ficar com os índios aprisionados criava um outro
inimigo para os “paulistas”: os missionários, que também estavam interessados na
mão-de-obra dos cativos.
168
CARTA para o Capitão-mor do Rio Grande Bernardo Vieira de Melo, sobre várias matérias,
tocantes ao Terço dos Paulistas, e conserto da fortaleza.
DH. 39: 31-40.
169
Sobre a legislação indigenista ver LOPES, Fátima Martins.
92
Conforme o exposto pelas autoridades da capitania do Rio Grande, o
mesmo Terço paulista, considerado o grande responsável pela derrota indígena,
com passar dos anos tornou-se um problema. Pois, pesava sobre eles a acusação
de incentivar guerras entre índios aldeados, além de causar indisposições com
colonos estabelecidos, com a perda de animais e mantimentos que eram
desviados para sustentar a tropa.
Em 1699, ocorreu um evento que ficou conhecido como “Massacre do
Jaguaribe”. Ao chegar às ribeiras do rio desse mesmo nome, nas proximidades da
aldeia dos Paiacu, missionados por João da Costa, oratoriano de Pernambuco,
Navarro foi recebido com festa. Mas em meio às festividades, o mestre-de-campo
dos paulistas pôs fogo na aldeia, matando cerca de quatrocentos índios e
aprisionando mais de duzentos e cinqüenta.
170
O padre João da Costa afirmou que o mestre-de-campo pretendia fazer
guerra aos Paiacu que o mesmo missionava, e em verdade seria injusta, pois os
índios de sua missão estavam sendo catequizados. Esse conflito acarretou as
maiores desavenças entre os “paulistas” e os missionários, somados aos
existentes com Bernardo Vieira de Melo e com os moradores da capitania.
Em sua justificativa, Morais Navarro alegava ter agido em legítima defesa.
Pois, os Paiacu pretendiam atacar sua tropa com uma emboscada, denunciando
ainda a ação de dois seus oficiais, os capitães Antônio da Rocha e Balthazar
Gonçalves Ferreira aliados de Bernardo Vieira, e acusados de propagadores da
discórdia, aliados do oratoriano João da Costa. Para Navarro, não havia uma
separação definitiva dos tapuias, achando que a qualquer momento poderiam se
agregar, e rebelarem-se novamente.
171
Na apuração dos fatos, as denúncias do padre João da Costa ao rei sobre
o comportamento dos “paulistas” pesaram sobremaneira na acusação contra Morais
Navarro de matar os índios aldeados que estavam sob sua jurisdição. A brutalidade
atribuída aos homens do Terço dos Paulistas colocava em risco não apenas as
missões evangelizadoras, como também os moradores, os quais eles tinham como
obrigação defender.
170
TAUNAY, Affonso de E. Op. Cit. p. 230.
171
Idem. p. 234.
93
Como resposta, Morais Navarro acusava João da Costa de pactuar com a
idéia de “guerra justa” e ter incentivado o ataque, que também tinha interesse de
escravizar alguns índios para si. Desde a chegada do terço de Morais Navarro à
capitania do Rio Grande, os colonos, assim como o capitão-mor Bernardo Vieira de
Melo, não os viam com bons olhos, adentrando no mato para não dar socorro aos
doentes da tropa.
172
Questão muito discutida, o motivo da rivalidade entre o mestre-
de-campo e o capitão-mor do Rio Grande parece estar relacionada à relativa
autonomia que dispunha Morais Navarro com relação a Bernardo Vieira,
subordinando suas ações apenas ao governador-geral dom João de Lencastro.
Um dos homens mais poderosos da capitania de Pernambuco, Bernardo
Vieira de Melo, senhor do Engenho Pindoba, em Ipojuca, foi capitão-mor da vila de
Igarassú e sargento-mor da tropa de linha que lutou em Palmares
173
. Possuidor de
parte das terras do Açu, o capitão-mor não estava satisfeito com a presença do
Terço paulista nessa área, onde pretendia estabelecer um presídio. O governador-
geral, que tinha muito préstimo pelos “paulistas”, recomendava maior benevolência
com relação ao mestre-de-campo, pois Bernardo Vieira parecia ter inveja dele.
174
No
ano de 1700, o capitão-mor do Rio Grande escrevia o seguinte ao rei D. Pedro II de
Portugal sobre a chegada do Terço à capitania:
Depois, q dey conta o anno paçado a V. Mag
de
da chegada do terso
chamado Paulista, a esta capitania chamado, q dava principio a obrar
o seu M.
e
de Campo Mel. Alz; de Morais Navarro. A dey ao gov.
or
g.
l
deste estado D. João de Lancastro, p ser obrigação minha informallo
da verdade, ignorando q nisso fazia crime q prezumo, o fiz maior em
dizer a havia dado a V.Mag.
de
, e me respondeo em termos, q eu
nunca prezumy, experimentar, q como declarey, o pouco q era
conviniente o d.o contas largas despezas da Real Faz.
da
de V.
Mag.
de
[...] pois vejo, ser o meu maior crime o zelo de querer ver
menos expediçada a R.
l
Faz.
da
de V. Mag.
de
, em hua comquista, q se
172
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste
do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 242.
173
SIQUEIRA, Nelson Barbalho. Cronologia Pernambucana, subsídios para a História do Agreste e
do Sertão. Recife: Fundação de Desenvolvimento Municipal do Interior de Pernambuco, 1982. v. 5. p.
160-2
174
Para Taunay, o motivo da briga entre o Morais Navarro e Bernardo Vieira derivava da inveja que
esse ultimo tinha das concessões feitas ao mestre-de-campo por Dom João de Lencastro. TAUNAY,
Affonso de E. Op. Cit. p. 248.
94
obra nella de manr.
a
, como suponho sera prezente V. Mag.
de
dar
devassas.
175
Em seu relato, Bernardo Vieira procura demonstrar os motivos que
fizeram com que ele fosse mal interpretado, quando sua maior preocupação eram as
grandes despesas que o terço representava para a Fazenda Real, julgando ser
desnecessária a presença deste. Em sua fala, o capitão-mor julga desconhecer o
motivo do crime que havia cometido, quando sua intenção era apenas mostrar o
quando era dispendioso manter uma tropa contratada.
O capitão-mor do Ceará, Pedro Lelou, mostrou-se a favor da postura do
mestre-de-campo dos “paulistas”, acreditando que a intenção de Bernardo Vieira era
de querer substituí-lo, tendo em vista Morais Navarro ser uma pessoa de
consideração do governador-geral.
176
Mesmo assim, Manuel Álvares de Morais Navarro foi acusado de estar se
apropriando das terras dos moradores, embasado no regimento do terço com
relação ao direito da terra conquistada. Nesse momento da guerra, a capitania do
Rio Grande encontrava-se praticamente livre dos ataques indígenas, quando a
Coroa passou a ouvir as reclamações dos missionários. Com a atuação dos
“paulistas” não sendo mais necessária, o interesse dos missionários, como também
dos sesmeiros e moradores, voltou-se para a garantia das terras conquistadas. A
questão da posse da terra tornou-se uma constante em fins do século XVII e início
do seguinte no decorrer do processo de ocupação do sertão, resultando em vários
conflitos em razão da delimitação e má distribuição das datas de terra.
As contínuas denúncias acerca do trabalho e da permanência do terço na
capitania do Rio Grande levaram o rei, em 1702, a consultar o desembargador da
demarcação das terras, Cristóvão Reymão, por ter dúvida se a assistência dos
“paulistas” estava sendo útil ou danosa aos moradores:
Por vos ter encarregado a Capitania do Ciera, a devaças dos roubos,
e excessos dos Tapuyaz da nação Piacus cituadoz na Ribeira de
Jaguaribe, cometerão contra aquelles moradorez; e convir a meu
175
CARTA do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo, ao rei [D. Pedro II]
sobre as exorbitantes despesas do Terço dos Paulistas comandado pelo mestre-de-campo Manuel
Álvares de Morais Navarro. Natal, 6 de Junho de 1700.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 1 , D. 54.
176
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p. 250.
95
serviço averiguar se convem, ou não que o 3º. Dos Paulistas se
conserve naquellas Capitanias.
177
A dúvida quanto à atuação do Terço dos Paulistas originou reflexões por
parte das autoridades sobre até que ponto estava sendo positiva a conservação
dessa tropa nas capitanias atingidas pela guerra. Vale salientar que, nesse
momento, a guerra já se encontrava quase finalizada, não sendo importante a
presença efetiva dos “paulistas”. Mesmo porque, terminada a guerra, a permanência
nos territórios conquistados implicava a apropriação das terras prometidas,
disputadas entre os colonos.
Contudo, a crença na capacidade dos “paulistas” de acabar com a guerra
permanecia mesmo quando as pressões das acusações despencaram sobre o
mestre-de-campo Manuel Álvares. Uma mostra disso se deve ao fato da
institucionalização do terço dos paulistas no final do conflito quando, teoricamente,
não seria mais necessário. Assim, apesar dos esforços conjuntos das autoridades
locais, missionários e colonos, o rei determinava em 1703, em carta a Morais
Navarro, que povoassem as terras desocupadas:
Fui servido resolver que as sesmarias que estavão dadas e
povoadas antes da invasão dos bárbaros, hão de ser restituídas a
seos donos, que pella violência dos bárbaros as largarão porem as
que não tinhão sido dadas, e não estavão povoadas pellos
donatários se devem repartir pellos officiais e soldados desse terço
conquistadores dellas, para que as povoem e defendão e dellas se
sustentem, como se fez ao terço de Domingos Jorge Velho nas
terras de Palmares com declaração que contra os donatários que
tiverão títulos, [...].
178
As terras concedidas antes da guerra deveriam ser restituídas aos seus
antigos donos, cabendo aos homens do terço colonizar as terras conquistadas,
então consideradas desocupadas. Caso não as ocupassem, as terras seriam tidas
como devolutas, sendo doadas a quem as povoassem e produzissem de acordo
com o regimento das sesmarias.
177
SOBRE averiguar se a desistência do 3º. dos paulistas he útil ou danoza no Assú. AHU, Cód. 257,
fl. 105.
178
SOBRE o requerimento do Capitão José Porrate de Moraes Castro, sobre a cerca das terras
prometidas ao Terço dos Paulistas etc.
AHU, Cód. 257, fl. 136.
96
Os moradores acusavam o terço de se alojar e usar as suas terras por
fazer parte de seu contrato, e essa seria uma das razões das querelas deles com os
“paulistas”. O limite impreciso das terras e a desigualdade na distribuição das
sesmarias eram a causa dos maiores conflitos na ocupação do sertão. Dessa forma,
o empreendimento da dilatação da fronteira da região colonial teve no desenrolar da
conquista atritos não como produto das resistências apresentadas pelos índios e
pelos negros, mas geradas, sobretudo, pela disputa da terra e da mão-de-obra entre
os diversos grupos empregados na conquista.
Com o intuito de manter o sucesso da ocupação do sertão, a Coroa
assumia a postura de mediadora entre os grupos envolvidos, entendendo as
reclamações de ambos os lados. O desentendimento maior seria quanto à fixação
do Terço dos Paulistas nos territórios conquistados. O único dever destinado a eles
seria a “limpeza” da capitania das ameaças dos índios. Se, no início do conflito, a
presença dos “paulistas” era requisitada como a única capaz de pôr fim à guerra,
após a realização da tarefa, eles passavam a ser vistos como concorrentes da posse
de terras.
Assim, após todas as denúncias contra as atitudes de Manuel Álvares de
Morais Navarro, o rei decide prendê-lo, deixando o terço sob as ordens do sargento-
mor José de Morais Navarro, orientado para seguir rumo ao Ceará e ao rio
Parnaíba.
179
Contudo, Manuel Álvares buscou todas as formas de se defender das
acusações, negando ter conhecimento de que os moradores não quisessem mais o
trabalho do Terço dos Paulistas. Dizendo:
Ao mesmo tempo, que os bons sucessos, com que nesta campanha
dey principio a conquista destes bárbaros, e prometião dar lhe
brevemente fim, para que estes vassallos de V. Mag
de
me viessem
livres do cruel jugo, a que os sogeitava tão prejudicial visinhansa,
chegou noticia se dignava V.Mag
de
ordenar se desvanessa a duração
do meu terso nesta capitania, sem chegar a alcansar nella o ultimo
fruto, que o catholico zello de V. Mag
de
, dezeja conseguir.
180
179
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p. 275.
180
CARTA do mestre-de-campo do Terço dos Paulistas, Manuel Álvares de Morais Navarro, ao rei [D.
Pedro II] sobre a ordem para que o Terço dos Paulistas se retire da Campanha do Rio Grande e
enviando pedido dos moradores apoiando a sua permanência na capitania. Rio Grande, 19 de maio
de 1700.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 1, D. 52.
97
Nesse trecho, Morais Navarro parece não acreditar que está sendo
afastado do terço antes do fim da guerra, afirmando ao longo dessa carta ao rei que
os moradores provavelmente não estariam de acordo com a possível saída dele, que
até agora lhes tinha socorrido com tanto eficiência. E pede ao rei uma apuração dos
fatos junto aos moradores.
Não obstante, com o término do governo de Bernardo Vieira de Melo, aos
poucos os “paulistas” voltaram a tecer relações com as autoridades locais. Como
afirmou Pedro Puntoni: “O mais provável é que, passados os momentos de maior
animosidade, e muito em razão da maneira como o terço se acomodou na estrutura
de poder da Colônia, tudo dar-se-ia por esquecido.”
181
De certo modo, a calmaria de fins da guerra desembocava em um
entrelaçamento cada vez maior dos homens do terço com as questões relativas aos
moradores, na disputa por um espaço na sociedade local. Alguns “paulistas”
acabaram assim, nessa nova relação, fincando bases na capitania. Referente ainda
a Manuel Álvares e a José de Morais Navarro, Puntoni diz:
Em 1715, o Conselho Ultramarino chegou a recomendar novamente
a sua prisão e a do sargento-mor. O que, porém, não ocorreu. Em
1732, em uma petição, Manuel Álvares de Morais Navarro pedia a
desobriga da exigência da devolução das armas de fogo que lhe
haviam sido passadas durante a atividade do terço.
182
Podemos notar que os esforços para afastar os “paulistas” da capitania
continuaram, mas acabaram não resultando em nada. Nesse sentido, terminada a
guerra, outros elementos referentes à atuação do terço precisam ser destrinchados,
a fim de compreender as relações entre os cargos assumidos pelos militares e a
participação dos homens do Terço na disputa pela terra.
3.3. OS HOMENS E A TERRA
Um dos objetivos do presente trabalho ao estudar o Terço dos Paulistas
na capitania do Rio Grande está em perceber a relação homem-espaço, desde a
sua naturalidade até o seu estabelecimento em terras distintas das de origem, seja
181
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p.277.
182
Idem. p. 280.
98
por concessão de terra, seja pela posse ilegal. Para tanto, como já dito antes,
buscamos pensar um grupo social específico, os “paulistas” e o seu deslocamento
para as guerras do Norte.
Os percursos dos paulistas, uma vez bandeirantes, se constituíram como
um dos objetos de estudo, para o qual buscamos enxergar as leituras e imagens
atribuídas a eles no envolvimento dos conflitos ocorridos nas capitanias do Norte.
Vimos que a configuração do mito contrastava com a do homem. Além disso, o
destaque dos moradores de São Paulo devia-se puramente ao caráter militar que
teriam desempenhado desbravando os sertões.
Intrigados com as atribuições de superioridade bélica conferida aos
“paulistas” pelas vitórias sobre os negros e índios rebelados, buscamos entender a
guerra a partir do ponto de vista político, o qual teria como conseqüência
concessões e facilidades para os militares.
183
Assim, após vermos a composição das
companhias, a trajetória e o contexto de atuação dos homens do terço, atentamos
para a relação com a terra e as afirmativas de estabelecimento após o conflito com
os índios na capitania do Rio Grande.
A historiografia do início do século XX destacava a permanência dos
“paulistas” nos locais da guerra, tendo em vista as impossibilidades de regresso para
sua terra natal, e as concessões adquiridas com o trabalho realizado. Capistrano de
Abreu defendia o seguinte:
Muitos dos paulistas empregados nas guerras do Norte não
tornavam mais a S. Paulo, e preferiram a vida de grandes
proprietários nas terras adquiridas por suas armas: de bandeirantes,
isto é, despovoadores, passaram a conquistadores, formando
estabelecimentos fixos. Ainda antes do descobrimento das minas
sabemos que nas ribeiras do rio das Velhas e do S. Francisco havia
mais de cem famílias paulistas, entregues à criação de gado.
184
Essa permanência também foi referenciada na historiografia norte-rio-
grandense, nos trabalhos de Luís da Câmara Cascudo e Olavo de Medeiros Filho.
Nos seus estudos sobre a ocupação do Rio Grande do Norte, Câmara Cascudo, em
183
Para a historiadora Kalina Vanderlei Silva, o termo Militarismo seria “a aplicação prática de
doutrinas políticas de caráter militar ao governo de um Estado.”.
Dicionário de conceitos históricos.
Op. Cit. p. 286-90.
184
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial 1500 –1800 - Os Caminhos antigos
e povoamento do Brasil. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1988, p. 106.
99
1960, corroborava as hipóteses de Capistrano. Para ele, “muitos oficiais e
certamente soldados paulistas ficaram, criando boi e plantando roças, onde haviam
combatido em fogo e sangue.”
185
Em seu livro Terra Natalense, Olavo de Medeiros Filho destacava o caso
de Ferreiro Torto, onde em 1732, José de Morais Navarro se tornou proprietário do
engenho de mesmo nome. Após sua morte, sua mulher, Dona Francisca Bezerra da
Silva assumiu o comando do engenho em 1739
186
.
A toponímia seria o estudo etimológico dos nomes de lugares. No Rio
Grande do Norte, ela apresenta vários indicativos da presença dos “paulistas”, como
serras e riachos. Em Nomes da Terra, Câmara Cascudo referencia a cidade de
Pendências, hoje desmembrada da cidade de Açu, que possui esse nome por
significar rixa, tumulto, briga. Segundo o autor, o nome se deve provavelmente por
estar ligado aos embates entre os Janduís e o Terço dos Paulistas, sediado no Açu
na segunda metade do século XVII
187
. E ainda sobre a região, diz:
A mais antiga menção geográfica encontra-se numa sesmaria
concedida ao Sargento-mor do terço dos Paulistas, José de Moraes
Navarro, em 9 de outubro de 1712: do sitio Curralinho da praia da
Ribeira do Açu, que pega da Lagoa chamada AS PENDÊNCIAS,
para baixo. O sargento-mor devia requerer terreno conhecido nas
andanças militares.
188
Apesar de mencionada pela historiografia, a carta de doação da data de
terra de José de Morais Navarro não consta nos livros das sesmarias do Rio Grande
do Norte. Talvez tenha sido uma posso ilegal, ou seu registro consta em outro tipo
de documentação. De qualquer maneira, consideramos que a historiografia local
afirma a permanência de alguns homens do Terço nas terras conquistadas.
Essa questão da terra, provinha do direito dos conquistadores receberem
sesmarias onde pudessem montar suas fazendas, enquanto os sesmeiros, que
haviam adquirido terras antes da guerra, queriam a sua restituição. Ao aumentarem
as disputas entre os “paulistas”, missionários, colonos e oficiais que combateram os
185
CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da terra Geografia, História e toponímia do Rio Grande do
Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1968. p. 49.
186
MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra natalense. Natal: Fundação José Augusto, 1991.
187
CASCUDO. Op. Cit. p. 233.
188
CASCUDO. Idem.
100
índios, as doações de datas de terra sofreriam modificações, visando disciplinar os
homens envolvidos e obrigar os sesmeiros a produzir. Assim, a Coroa determinou
que todos os que haviam recebido sesmarias deveriam demarcar suas terras,
povoá-las e fazê-las produzir no prazo de um ano, ou poderiam perdê-las, sendo
então repartidas entre os moradores da capitania.
189
O tamanho padrão adotado, a partir de 1695, foi de três léguas de
comprimento por uma de largura, deixando uma légua de terras devolutas para
servir de divisa entre as fazendas
190
. Porém, havia uma grande distância entre a
teoria e a prática, pois a dificuldade em aplicar a legislação nos sertões, se dava
pela falta de uma fiscalização diante da grande extensão de terras tomadas dos
índios, fato que originou a criação de grandes latifúndios.
O problema gerado pela posse da terra foi uma constante ao longo do
processo de expansão. Um exemplo disso pode ser notado no ano de 1704, quando
a viúva de Domingos Jorge Velho, a senhora Jerônima Cardim Froes, e outros
oficiais do terço do mestre-de-campo reivindicaram terras na capitania do Rio
Grande concedidas em 1687, quando os mesmos foram combater os índios do Açu:
[...] pedem a V.S.ª lhes faça mercê mandar-lhes passar a dita carta
de sesmaria desde as nascenças do dito rio Potingh, ou camarões
athe onde se mette naquelle da Parnahiba, como trez legôas de
largura de uma e outra banda delle, e da sua barra, que aquelle da
Parnahiba abaixo na mesma largura da banda de declarando-se
também na dita carta de lhe não poder prejudicar o ser ella passada
agora e não no dito tempo pelas razões que aqui se allegão e p. r
elles terem andado occupados no serviço de S.M., como este S
r
o
manda especificar na dita ordem, da qual a copia vai junta até que
pela Parnahiba a baixo topem em terras despovidas.
191
Sendo chamado para combater os negros fugidos e rebelados de
Palmares, Domingos Jorge Velho deixou a capitania do Rio Grande antes do término
do conflito, atitude que podia levá-lo a perder suas sesmarias, podendo ser
189
MONTEIRO, Denise Mattos. “Terra e trabalho em perspectiva histórica: um exemplo do sertão
nordestino (Portalegre RN)”.
História Econômica & História de Empresas, v. IV, n. 2, p. 7-33,
2001. p. 10.
190
Idem. p. 10-1.
191
SESMARIA que se passou a D. Jeronima Cardim Froes, viúva que ficou do Mestre de Campo
Domingos Jorge Velho e ao Sargento Mor Christovão de Mendonça Arraes, Capitães e mais Officiaes
do 3º. da guarnição dos Palmares das terras do rio dos Camarões, e Paranahiba e etc.
Documentação Histórica Pernambucana. Sesmarias. v. 1. , Biblioteca Pública, Recife, 1954. p.
116-20.
101
repartidas ou doadas novamente. Lembrando que a colonização do sertão
aconteceu principalmente a partir da iniciativa privada, que a Coroa por muito
tempo negligenciou essa área, por ela não possuir uma atividade econômica voltada
para a exportação. Dessa forma, na intenção de produzir uma atividade
complementar, foram os colonos que iniciaram o povoamento do interior, a partir das
concessões de sesmarias. Junto com eles, alguns “paulistas” não que retornavam a
vila de São Paulo, permaneceram nos sertões conquistados.
É como vínhamos discutindo, os “paulistas” participaram da conquista
do sertão, como empresa privada, contratados para dar um fim na guerra,
desocupando o espaço e assegurando a penetração pecuarista na região.
Preocupados em escravizar os índios aprisionados e na descoberta de possíveis
minérios, os “paulistas” não demonstravam, inicialmente, interesse em se fixarem
definitivamente no local.
192
Mas, com o passar do tempo, pelos indícios
historiográficos, a possibilidade em se estabelecer na região começou a ser mais
aceita entre eles. Se não por todos, pelo menos por alguns.
Assim, no que se refere às concessões de terra durante a conquista do
sertão, lembramos que dentre as famílias mais beneficiadas com as doações de
sesmarias estava a chamada Casa da Torre, pertencente aos Garcia D’Ávila.
Proprietária de grande parte das terras do rio São Francisco e seus afluentes, suas
posses se estendiam pelas capitanias do Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Ceará
e Piauí.
193
A dimensão das posses dos Garcia D’Ávila foi motivo para o
descontentamento de muitos, inclusive dos “paulistas”. Em trecho de uma carta de
1705, enviada para o mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro, o
governador-geral Rodrigo da Costa pressionava para que ele e seus homens
saíssem das terras de uma senhora pertencente à família dos Garcia D’Ávila.
Vejamos o documento:
Leonor Pereira Marinho, e seu filho Garcia de Ávila Pereira, se me
queixaram da sem razão, com que Vossa Mercê, os quer espoliar
192
BRANDÃO, Tanya Maria Pires. O escravo na formação social do Piauí: perspectiva histórica do
século XVIII. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 1999. p. 47
193
ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o Homem no Nordeste. Recife: Editora
Universitária/UFPE, 1999. p. 147-8.
102
das suas terras de que está de posse, por si, e por seus
antepassados, que são os distritos de Pinhancó, Piranhas, Assú,
Jaguaribe, e mais sertões a eles pertencentes, que a sua custa
descobriram, lançando deles o gentio bravo, com grande despesa de
sua fazenda, e neles se sustentaram até o presente, sem contradição
de pessoa alguma, tendo os mesmos sertões, que lhes pertencem
sempre povoados, como me constou pelas certidões, que me
ofereceu, por onde se verifica a sua queixa: e que para Vossa Mercê
se introduzir na posse destes distritos toma o pretexto de lhe serem
dadas, todas as que de novo conquistar, e tomar ao gentio bravo: e
como estas o estão muitos anos, como se faz notório, não
parece justo queira Vossa Mercê violentamente, e com o poder de
seu cargo, privar aos direitos senhorios do que a Vossa Mercê, da
parte de Sua Majestade, que Deus guarde, não ocasião a esta
Senhora, e a seu filho a maiores queixas, e os deixe livremente usar
de tudo o que lhes toca, na forma que até aqui o teem feito.
194
Essa carta refere-se tanto aos territórios gradativamente conquistados
pelos Garcia D’Ávila, espalhando-se desde o São Francisco até os sertões da
capitania do Rio Grande, quanto pela atitude de se apossar das terras alheias
movida pelos “paulistas”. Fica patente nesse fragmento que, muitas vezes os
“paulistas” faziam uso do seu direito de determinar as terras conquistadas como
desocupadas para tomar posse dos territórios concedidos. Logo, a fim de evitar
maiores problemas envolvendo os homens do terço de Manuel Álvares de Morais
Navarro, o governador procurou convencer que não seria viável usar de força nesse
caso, uma vez que a senhora e seu filho haviam conseguido essas terras com um
empreendimento particular.
Além disso, a relação com a terra influenciava o social, implicando poder.
Nesse sentido, o historiador Pedro Puntoni referindo-se a Manuel Álvares de Morais
Navarro afirmava que: “pouco a pouco o paulista se integrara, paradoxalmente, na
‘nobreza da terra’, tendo até mesmo se casado com Teresa de Jesus Lins,
descendente dos Wanderleys e dos Lins, famílias dos pró-homens de
Pernambuco”.
195
Nesse sentido, Olavo de Medeiros Filho com o intuito de mostrar a
descendência dos “paulistas” no nordeste brasileiro, montou uma árvore genealógica
que chegou até os tetranetos de Manuel Alves Murzelo e Ana Pedroso de Morais,
pais de Manuel Álvares de Morais Navarro e José de Morais Navarro. Assim, no
194
CARTA para o Mestre de Campo Manuel Alves de Morais Navarro sobre as terras de Leonor
Pereira Marinha nos sertões do Rio Grande. Bahia, 19 de março de 1705.
DH.41:13-4.
195
PUNTONI, Pedro. Op. Cit. p. 280.
103
tocante a união de Morais Navarro com Teresa de Jesus Lins, encontramos em seu
livro uma referência extraída da obra Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco
escrita em 1757 que fala sobre uma de suas filhas, Anna Francisca Xavier Lins:
D. Anna Francisca Xavier Lins, filha do Mestre de campo Manoel
Álvares de Moraes Navarro, e de sua mulher D. Thereza Lins, ambos
de qualificada nobreza; e mulher do Doutor João Luis da Serra, falla
com toda a elegância os idiomas Latino, e Castelhano, tem grande
Lição da História, e he celebre na promptidão com que discorre sobre
qualquer matéria. Tem composto muitos elogios latinos a diversos
assumptos, dignos certamente da luz pública.
196
Nessa pequena passagem, a respeito dessa filha do mestre-de-campo,
notamos a construção de uma imagem “civilizada” dos paulistas, por ora
apresentado como uma “qualificada nobreza”. Pensamos assim no prestígio
adquirido a partir da apropriação de terra, destacando para isso os mesmos dois
exemplos utilizados para o caso de sucessão militar apontados no tópico sobre a
composição das companhias, buscando pensar aqui no estabelecimento desses
indivíduos através da posse legal da terra.
Comecemos então por Antônio Gago de Oliveira, oriundo de Ilha Grande,
e capitão de infantaria da primeira formação do Terço dos paulistas contratado pelo
governador-geral Dom João de Lencastro. Destacamos em outro momento sua carta
patente, e a de seu sucessor. Agora nos resta apresentar a carta de doação de
sesmaria:
Ao cap
m
mor a q
m
dizem Fran
co
Gomes e o cap
m
Antº Gago de Olivrª
que elles tem descoberto nas cabeceiras do Rio Camoropim pela
terra dentro hua lagoa que está a beira dela a qual o gentio chama
arahi e tem hua pedra no meio e confronta com outra lagoa q com os
cerca com capacidade de criar gado a elles sup.
tes
tem seus gados
vacuns e cavallares e não tem terra, onde os posa criar perto [...]
seja servido conseder lhes em nome de sua Mag
de
que D
s
g
de
.
197
196
Apud: Olavo de Medeiros Filho. Aconteceu na Capitania do Rio Grande. Natal: Deptº. Estadual
de Imprensa, 1997. p. 139.
197
REGISTO de hua data de sesmaria dada a Franº Gomes e ao cap
m
Ant. Gago em 14 de dezembro
de 1709 anos.
Sesmarias do Rio Grande do Norte. Fundação Vingt-un Rosado, Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte, 2000. V. 1, p. 443-6.
104
Normalmente, as sesmarias eram concedidas quando o suplicante
apresentava dificuldade por não ter onde estabelecer seus animais de criação, e
afirmava ter encontrado terras devolutas. Nessas condições, os homens que lutaram
no Terço dos Paulistas acabaram se fixando na região conquistada montando
fazendas, e constituindo família.
Os argumentos dos suplicantes se eram considerados suficientes, a
concessão das terras seria feita. Como podemos ver em mais um caso de doação
de sesmaria a partir da descoberta e conquista de uma data tida como devoluta,
onde os requerentes pudessem criar o seu gado, nessa sesmaria do sargento-mor
Roque da Costa Gomes:
Diz o sarg
to
mor Roque da Costa Gomes e Rosa Maria Josepha
moradores nesta capitania que entre o rio Paneminha e as serras
que correm vizinhas da lagoa Piató e acabão com os morros e praias
da ponta do mar com estes meios de sua confrontação há hum
riacho o coal desagoa na praia em salgados do d
to
Paneminha e
como elle supp
te
possue cantidade de gado vacum e cavallares e as
terras que tem não são nesessarias para os agasalhar e criar pedem
[...]. Lhes passa mce conseder por doassam as sesmarias real em
nome de sua magestade que Deos guarde tres legoas de terra de
comprido e hua de largo elles supptes no lugar em que se acabar
no dito riacho ou lagoa agoas e pastos correndo o comprimento o
rumo que melhor lhes acomodar e sendo cazo que as ditas terras em
algum tempo fossem dadas por devolutas e desaproveitadas para se
e seus erdeiros tudo forra livre de pensão algua salvo dizimo a Deos
dos uzos e frutos que nelles ouvessem e receberão mercê.
198
O sargento-mor já era considerado morador da capitania, o que contribuía
para que o mesmo tivesse o direito de se estabelecer nas terras requeridas. Esse
tipo de doação não acontecia apenas com os soldados do Terço dos paulistas, mas
com todos os requerentes envolvidos na conquista do sertão. Como foi dito
anteriormente, as sesmarias eram usadas como atrativos para o dilatamento da
fronteira colonial, abrigando os mais diversos grupos sociais,
Em meio a essa diversidade estavam os “paulistas”, ou homens que
fizeram parte do Terço dos paulistas, se fixando nos lugares configurados
198
REGISTO de hua data do sarg
to
mor Roque da Costa Gomes e Rosa Maria Josepha de três
legoas de terra de comprido e hua de largo entre o rio Paneminha e as serras vizinhas da lagoa Piató
e acabão com os morros a praias da ponta do mar dada pello capp
m
mor Sebastião Nunes Collares.
Sesmarias do Rio Grande do Norte. Fundação Vingt-un Rosado, Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte, 2000. V. 1,p. 405-9.
105
anteriormente apenas pela presença indígena. Conforme os espaços se tornavam
heterogêneos pelos grupos que se instalavam, o corpo militar da tropa também
passara por uma mudança. E mesmo composto por poucos nomes de paulistas,
permaneciam as atribuições ao Terço. Um exemplo disso seria a sesmaria
concedida ao alferes da companhia de Antônio Gago, Jozeph Monteiro, natural de
Olinda:
Dizem o D
or
Simão Róis de e o alferes Jozeph Monteiro
moradores nesta capitania que tem elles terra nella para criasam de
seus gados pedirão no rio Carahú que se forma de serras negras ou
vem dellas fazia Barra no Rio do Assú seis legoas de terra três para
casa hum, pegando o passo do dito Rio ou Riacho como dizia
requeira chamado Carahú com três legoas por elle abaixo e três por
elle asima que lhe farão comodidas com uma de largo por banda
199
O alferes Jozeph Monteiro sentou praça no início do século XVIII, sua
carta patente de sargento-supra na companhia de Antônio Gago data de 1708. E
como morador da capitania do Rio Grande, tinha o direito de adquirir terra.
Percebemos que os homens do Terço dos Paulistas começaram a requisitar e
conseguir concessões de sesmaria na primeira década do século XVIII. Nesse
momento, o lugar de onde provinha não interessava; o possível estabelecimento
sim.
Aqueles que desocuparam a região, encarregados da “limpeza”,
acabaram ocupando com suas fazendas. O jogo de interesse que move o grupo
desprende os mesmos da idéia do desbravador dos mais ínfimos sertões. As
apropriações feitas pelos “paulistas” mostravam o caráter de meros conquistadores
empenhados na disputa pela terra e pelos índios. Conflitos que sombrearam a figura
do bandeirante.
199
REGISTO de hua carta de data e sesmaria passada ao D
or
Simão Róis de ao alferes Jozeph
Monteiro em três de julho de 1717.
Sesmarias do Rio Grande do Norte. Fundação Vingt-un Rosado,
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 2000. V. 2, p. 168-170.
106
Considerações Finais
107
Presentes na historiografia desde fins do século XIX, os “paulistas” foram
enaltecidos como desbravadores dos mais ínfimos sertões e responsáveis pelo
delineamento das fronteiras brasileiras. Oriundos da vila de São Paulo de
Piratininga, na capitania de São Vicente, esses homens aparecem nos discursos
historiográficos sempre destacados pelo desenvolvimento peculiar de sua
sociedade, particularizada pelo meio.
No início da colonização da América portuguesa, a economia se
encontrava pautada no comércio de produtos voltados para exportação, tendo
predileção por aqueles mais próximos da costa. Logo, o abastecimento das
embarcações não exigia uma penetração no interior e uma colonização efetiva
desse espaço.
Espremidos na estreita faixa costeira de São Vicente considerada
inaproveitável devido aos terrenos baixos, mangues e pântanos imprestáveis para a
agricultura, os colonos subiram a serra.
200
Na Serra do Mar, lugar mais plano e de
clima ameno, os colonos encontraram uma paisagem propícia ao estabelecimento.
Diante das exigências dos ideais lusos de colonização, a vila de São Paulo não
preenchia os requisitos necessários por não possuir condições geográficas propícias
à cultura de nenhum produto importante para o mercado externo, sendo considerada
zona marginal do sistema Atlântico.
201
Essa condição de relativa pobreza e o isolamento com relação às demais
capitanias contribuiu para que os colonos de São Paulo desenvolvessem uma
economia baseada nos produtos de subsistência, no intercâmbio com a população
indígena local e nas expedições periódicas para o interior em busca de índios e
metais preciosos.
202
A saída para essa dificuldade econômica seria o sertão,
promessa de uma nova condição de vida. A carência econômica era o que
alimentava essa expansão, sendo a razão movente desses homens a adentrar o
interior.
Dessa forma, percebemos que a ordem disposta pelo espaço da vila de
São Paulo colaborou substancialmente para a configuração de suas tropas, diante
200
PRADO JÚNIOR, Caio. “O fator geográfico na formação e no desenvolvimento da cidade de São
Paulo”.
Evolução Política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense, 1957. p. 98.
201
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.194.
202
ANDREWS, George Reid. Negros e Brancos em São Paulo (1888-1988). São Paulo: EDUSC,
1998. p. 54.
108
da maneira peculiar de sobrevivência no abrir caminhos, adaptando-se ao meio
ambiente e suas formas. As dificuldades apresentadas pelo planalto vicentino
serviram como um elemento a mais para a ênfase dos estudos historiográficos, no
intuito de compensar essa falta pela coragem e audácia em penetrar o interior do
continente.
Os “paulistas” teriam assim, se especializado na tática de emboscada,
característica da guerrilha, conhecida como “guerra brasílica”. Esse seria um dos
motivos alegados para sua contratação nos conflitos das capitanias do Norte,
destacando-se perante o modo “convencional” das tropas regulares. O exercício da
“guerra brasílica” era possibilitado através do conhecimento do espaço, utilizado
como sua arma principal na defesa. Nesse sentido, os homens de São Paulo,
habituados às trilhas pelos matos, teriam empregado esse tipo de guerra em seus
ataques às tribos indígenas. De acordo com Pedro Puntoni, com a saída dos
holandeses em 1654, esse tipo de guerra passaria a ser realizada apenas em áreas
consideradas como “arcaicas”, ou seja, todo território fora do espaço colonial, o que
incluía a vila de São Paulo de Piratininga.
203
Nos primeiros anos do século XX, a historiografia não se deteve nas
razões do emprego das tropas “paulistas” nas guerras do Nordeste. Até porque,
esse momento histórico não seria dedicado às explicações de determinados fatos,
mas sim ao convencimento pleno de que ele houvesse acontecido. Os bandeirantes
paulistas estiveram no Quilombo dos Palmares e na “Guerra dos bárbaros”. Motivo:
eles seriam os mais indicados para tal serviço.
No decorrer dos anos, a perspectiva a respeito do trabalho realizado
pelas bandeiras paulistas perdeu, de certo, o caráter admirável dos desbravadores.
A preocupação da historiografia agora seria com os milhões de vidas tiradas por
eles, ressaltando a história indígena. Mas apesar da base documental utilizada por
essa produção historiográfica do fim do século XX para análise do período colonial,
o motivo da mobilização dos “paulistas” para as capitanias do Norte continuou sendo
a condição de mais aptos à guerra contra índios e negros.
203
PUNTONI, Pedro. “A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militar na expansão da
fronteira na América portuguesa, 1550-1700”.
Novos Estudos CEBRAP. 53, março 1999, p. 189-
204.
109
Contudo, o que nos intrigou foi a aparente conservação do perfil dos
bandeirantes paulistas a partir da problemática do meio ao qual eles se originaram.
Mesmo que a idéia do mito do desbravador tenha sido abandonada, a montagem
desses personagens na história oficial ainda permanece. Os bandeirantes
receberam um formato, criado em um determinado contexto histórico, sendo reflexo
desse momento, e que tem se mantido até os dias atuais.
Procuramos ao longo do trabalho, perceber os “paulistas” enquanto objeto
de estudo, como homens empregados em uma guerra relacionada ao projeto de
expansão da região colonial. Longe das expectativas da edificação do espírito
nacional que os movia, ou mesmo da mera intenção em se fazer uma expansão
como benefício a Coroa, visualizamos os homens do Terço dos paulistas
contratados enquanto mão-de-obra bélica.
Em nosso recorte temporal, dedicamos o nosso estudo à conquista do
sertão. Em dimensões diferentes, vimos o sertão tanto do dilatamento da zona
açucareira quanto do planalto paulista, espaços similares dentro da lógica colonial. A
abordagem da segunda metade do século XVII não apontou para o contexto da
guerra, mas também para as visões diversas sobre os “paulistas” durante e após o
conflito. A guerra mostrada aqui foi palco; em cena, os homens que nela lutaram.
A disputa interna entre os colonizadores colaborou substancialmente para
o prolongamento da guerra, marcada pela questão da posse da terra e da mão-de-
obra indígena entre os colonos, missionários e “paulistas”. O término da guerra
representava para os colonos a ameaça do estabelecimento dos homens do Terço
nas terras conquistadas. Um exemplo disso, seria a família Morais Navarro que
permaneceu no que hoje seria o Nordeste, tornando-se grande proprietária de
terras. Da mesma forma, alguns militares de seu terço que não retornaram para São
Paulo constituíram famílias com nobres da região.
Estabelecimento discutido e muitas vezes ilegal, baseado na apropriação
de terra, essa configuração acaba, não propositalmente, desembocando em outra
questão que poderia ser levada a cabo pela historiografia: os homens de São Paulo
também compuseram a população do Nordeste. Os bandeirantes saídos em busca
de uma forma alternativa de sobrevivência percorreram boa parte da América
portuguesa, contudo, sua marca talvez não seja a mobilidade, mas também a
fixação, integrando outras regiões.
110
Na montagem de uma estrutura colonial, baseada na instalação de
instituições de poder, o sertão das capitanias do Norte, e especialmente o
povoamento do Rio Grande iniciado na metade do XVII, reluz a dessemelhança que
compõe o espaço. Espaço este, nascido pela costura dessa ocupação esparsa de
onde brotaram as vilas e cidades.
Mas além de um espaço sedutor, e das múltiplas perspectivas atribuídas
a ele, vimos a heterogeneidade na própria composição do Terço dos Paulistas. Na
primeira fase, com os terços dos mestres-de-campos Domingos Jorge Velho e
Mathias Cardoso Almeida, o trabalho dos “paulistas” se apresentou como
“sertanismo de contrato”. Já com a institucionalização do terço de Manuel Álvares de
Morais Navarro, a imagem dos bandeirantes quebra quando eles se fixam.
Conhecidos como exímios combatentes nos matos, os “paulistas” exaltados pela
historiografia e pelos discursos coloniais mostraram-se apenas como um título, uma
referência a um agrupamento em si.
111
Referências
112
FONTES
1. FONTES IMPRESSAS:
CARTA de Caetano de Melo e Castro, datada de Pernambuco de 4 de agosto de
1694 em que dá notícia do feliz sucesso que teve nos Palmares. In: ENNES.
Ernesto.
As Guerras nos Palmares (subsídios para sua história). São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1938. p.197-199.
CARTA autografa de Domingos Jorge Vellho escrita do Outeiro do Barriga,
Campanha dos Palmares de 15 de Julho de 1694 em que narra os trabalhos e
sacrificios que passou e acompanha a exposição de Bento Sorrel Camiglio
procurador dos paulistas. Apud ENNES, Ernesto.
As Guerras dos Palmares
(subsídios para sua história). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 204-
207.
CONSULTA da Juncta das Missões de 29 de outubro de 1697 sobre as cartas do
Bispo e Gov.
or
de Pernambuco em q.
e
representão a falta de igrejas e párocos nos
Presídios dos palmares, e Certão de Rodellas delictos q.
e
se commettem neste
certão; e dissolução com q.
e
vie o m.
e
de campo do presídio das alagoas. Apud
ENNES, Ernesto. As Guerras dos Palmares (subsídios para sua história). São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 204-207.
CARTA de Theodoro Sampaio a Benedito Calixto. São Paulo, 27/11/1892.
Disponível em <http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm> Acesso em: 12
de Julho de 2006.
CARTA de Washington Luís a Benedito Calixto. São Paulo, 03/1903. Disponível em
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm> Acesso em: 12 de Julho de
2006.
1.1.COLEÇÃO DOCUMENTOS HISTÓRICOS, BIBLIOTECA NACIONAL:
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
1928-1955, 110 vols. Volumes consultados: X, XI, XXXIV, XXXVIII, XXXIX, XLI,
LVIII.
CARTA para o capitão-mor Domingos Jorge Velho sobre partir com a gente que
ti(ve)r sobre os Bárbaros do Rio Grande.
DH. 10: 262-3.
CARTA que se escreveu ao Governador de Pernambuco João da Cunha de
Sottomaior sobre a guerra do gentio bárbaro do Rio Grande. Bahia, 14 de março de
1688. DH. 10: 263-7.
CARTA que se escreveu à Câmara de São Paulo: sobre darem todo o favor pólvora
e munição ás pessoas que hão de ir ao Rio de São Francisco á conquista dos
Ayayos. Bahia, 20 de fevereiro de 1677. DH. 11: 73-5.
CARTA que se escreveu ao Capitão Hieronymo Bueno ao Capitão Fernão de
Camargo, Joseph de Camargo, ao Capitão Balthazar da Veiga Antonio de Sequeira,
113
Francisco Bueno ausente a Bartholomeu Bueno e ao Padre Matheus Nunes de
Sequeira para irem à conquista dos Ayayos. Bahia, 20 de fevereiro de 1677. DH. 11:
75-6.
CARTA que se escreveu aos officiaes da Câmara de São Paulo persuadirem a vir os
Paulistas á guerra dos Bárbaros da Capitania do Rio Grande. Bahia, 10 de março de
1688. DH. 11: 139-40.
CARTA para os officiaes da Câmara da Villa de São Paulo sobre virem os Paulistas
á guerra dos Bárbaros do Rio Grande. Bahia, 30/11/1688. DH. 11:142-5.
CARTA para a Câmara da Villa de São Paulo sobre o terço que vae levantar o
Mestre de campo Manuel Alvres de Moraes Navarro. Bahia, 19/10/197.
DH.11: 254-
7.
Carta para o Mestre de Campo Manuel Álvares de Morais Navarro sobre 60 mil réis
para socorro do Terço provimento do Sargento-mor e outra Patente que se lhe envia.
Bahia, 21/01/1699.
DH. 39: 6-11.
CARTA para o Capitão-mor do Rio Grande Bernardo Vieira de Melo, sobre várias
matérias, tocantes ao Terço dos Paulistas, e conserto da fortaleza. DH. 39: 31-40.
CARTA para o Mestre de Campo Manuel Alves de Morais Navarro sobre as terras
de Leonor Pereira Marinha nos sertões do Rio Grande. Bahia, 19 de março de 1705.
DH. 41:13-4.
REGISTO da patente por que foi provido Antônio Gago de Oliveira no posto de
Capitão de infantaria paga do terço dos Paulistas do Mestre de Campo Manuel Alves
de Morais Navarro. Bahia, 07/10/1697. DH. 58:178-90.
REGISTO de hua patente de capp.
m
de infantaria paga passada na pessoa de
Salvador de Amorim e Oliveira pello governador g.
l
deste Estado do Brasil. Bahia, 8
de outubro de 1698. DH. 58: 188-190.
1.2. DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA PERNAMBUCANA, BIBLIOTECA PÚBLICA
ESTADUAL:
Sesmaria que se passou a D. Jeronima Cardim Froes, viúva que ficou do Mestre de
Campo Domingos Jorge Velho e ao Sargento Mor Christovão de Mendonça Arraes,
Capitães e mais Officiaes do 3º. da guarnição dos Palmares das terras do rio dos
Camarões, e Paranahiba e etc. Documentação Histórica Pernambucana.
Sesmarias. v. 1. , Biblioteca Pública, Recife, 1954. p. 116-20.
1.3. SESMARIAS DO RIO GRANDE DO NORTE, IHGRN:
REGISTO de hua data de sesmaria dada a Franº Gomes e ao cap
m
Ant. Gago em
14 de dezembro de 1709 anos. Sesmarias do Rio Grande do Norte. Fundação
Vingt-un Rosado, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 2000. V.
1, p. 443-6.
114
REGISTO de hua data do sarg
to
mor Roque da Costa Gomes e Rosa Maria Josepha
de três legoas de terra de comprido e hua de largo entre o rio Paneminha e as serras
vizinhas da lagoa Piató e acabão com os morros a praias da ponta do mar dada
pello capp
m
mor Sebastião Nunes Collares. Sesmarias do Rio Grande do Norte.
Fundação Vingt-un Rosado, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
2000. V. 1,p. 405-9.
REGISTO de hua carta de data e sesmaria passada ao D
or
Simão Róis de ao
alferes Jozeph Monteiro em três de julho de 1717.
Sesmarias do Rio Grande do
Norte. Fundação Vingt-un Rosado, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte, 2000. V. 2, p. 168-170.
2. FONTES MANUSCRITAS:
2.1. ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO
CD Projeto Resgate de Documentação Barão do Rio Branco (digital)
INFORMAÇÃO do escrivão da Fazendo Real, Alfândega e Almorixarifado e Vedoria
e Matrícula da Gente de Guerra do Rio Grande do Norte, Estevão Velho de Melo,
sobre os serviços do sargento-mor do Terço dos Paulistas José de Morais Navarro,
filho de Manuel Álvares Murzelo e natural da Vila de Santos, que serviu por 24 anos
no Terço dos Paulistas, no Rio Grande do Norte. Natal, 10 Julho de 1723. AHU
RIO GRANDE DO NORTE, Cx. 1, D. 61; Cx. 2, D. 10 e Cx. 3, D. 43
CARTA do mestre-de-campo do Terço dos Paulistas, Manuel Álvares de Morais
Navarro, ao rei [D.Pedro II] sobre as vitórias que teve na Ribeira do Açu contra os
índios tapuaias “Janipabussu, da nação Paiacu”; e queixando-se do capitão-mor do
Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo, pela falta de apoio. Rio Grande, 6 de
maio de 1700. AHU_ACL_CU_018, Cx. 1, D.50
CARTA do mestre-de-campo do Terço dos Paulistas, Manuel Álvares de Morais
Navarro, ao rei [D. Pedro II] sobre a ordem para que o Terço dos Paulistas se retire
da Campanha do Rio Grande e enviando pedido dos moradores apoiando a sua
permanência na capitania. Rio Grande, 19 de maio de 1700. AHU_ACL_CU_018,
Cx. 1, D. 52.
CARTA do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo, ao rei [D.
Pedro II] sobre as exorbitantes despesas do Terço dos Paulistas comandado pelo
mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro. Natal, 6 de Junho de 1700.
AHU_ACL_CU_018, Cx. 1 , D. 54.
Laboratório de Pesquisa e Ensino de História – LAPEH (UFPE)
SOBRE averiguar se a desistência do 3º. dos paulistas he útil ou danoza no Assú.
AHU, Cód. 257, fl. 105.
115
SOBRE o requerimento do Capitão José Porrate de Moraes Castro, sobre a cerca
das terras prometidas ao Terço dos Paulistas etc. AHU, Cód. 257, fl. 136.
2.2. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE
REGISTO de huma licença que deu o m
te
de campo do terço Paulista que rezide no
sertão do Asú Manoel Alvez de Morais Navarro a Manoel de Aguiar cabo de
esquadra e ao soldado Fran
co
de Aguiar. Açu, 22 de março de 1709. (Caixa Terço
dos Paulistas).
REGISTO de hua provisão de licença de sua magestade por hum anno para o
mestre de campo do terço paulista que Rezide no Assú Manoel Alves de Morais
Navarro. Lisboa, 13 de outubro de 1704. (Caixa Terço dos Paulistas).
REGISTO de hua Patente do posto ajudante do numero passado na pessoa de
Fran
co
Antunes Meira pello Senhor G
or
de Pern
co
. 04/01/1712. IHGRN. (Documentos
Avulsos).
REGISTO de hua patente de capp.
am
de infantaria pasada na pessoa de Franc.
co
Ribeiro Garcia pello Bispo e G.
or
de Pern.
co
- 4/8/1711. IHGRN. (Documentos
Avulsos).
REGISTO de hua Carta patente de capitão de infantaria paga pasada na pesoa de
Francº Tavares Guerreiro pello senhor Governador de Pernambuco; cuja comp
a
he
do 3º Paullista. Natal, 12/07/1713. (Caixa Terço dos Paulistas).
3. FONTES CARTOGRÁFICAS
NOVA ET ACCURATA BRASILIAE, de Joan Blaeu (séc. XVII). Acervo da Biblioteca
Nacional Biblioteca Nacional Digital. Disponível em <http://www.bn.br> . Acesso
em: 23 mar 2007.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Brasileira. v. 1.Brasília: INL, 1977.
116
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Recife: FJN/Massangana. São Paulo: Cortez, 1999.
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Janeiro, v. 8., n.15, 1995, p.145-151.
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Universitária/UFPE, 1999.
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