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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
ADOLESCENTES EM RISCO SOCIAL:
A EXPRESSÃO DOS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO
NO MÉTODO DE RORSCHACH
MARIA ISABEL DOS SANTOS SOLDATELLI
São Paulo
2007
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2
MARIA ISABEL DOS SANTOS SOLDATELLI
ADOLESCENTES EM RISCO SOCIAL:
A EXPRESSÃO DOS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO
NO MÉTODO DE RORSCHACH
Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo para a
obtenção do título de Mestre
em Psicologia Clínica
Área de Concentração: Psicologia Clínica
Orientadora: Profª Drª. Maria Abigail de Souza
São Paulo
2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Maria Isabel dos Santos Soldatelli
Adolescentes em risco social:
A expressão dos processos de identificação no Método de Rorschach
Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo para a
obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica.
Área de Concentração: Psicologia Clínica
BANCA EXAMINADORA:
Prof.Dr............................................................................................................................
Instituição:....................................Assinatura:................................................................
Prof.Dr............................................................................................................................
Instituição:....................................Assinatura:...............................................................
Prof.Dr............................................................................................................................
Instituição:....................................Assinatura:................................................................
Dissertação defendida e aprovada em: ______/_____/_____
4
AGRADECIMENTOS
Ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, pela oportunidade que me
proporcionou desenvolver este estudo.
À Profa. Dra. Maria Abigail de Souza, pela orientação, apoio e incentivo à realização
deste estudo e que me serve de exemplo de dedicação e competência desde os tempos da
graduação.
À Almira Rosseti Lopes, pelos anos de dedicação e seriedade durante o meu processo
de análise pessoal.
Á Myriam Uchitel, pela confiança depositada em meu trabalho clínico e pela
companhia compreensiva e questionadora.
À Ana Maria Aguirre e Kátia Osternack Pinto pelas valiosas sugestões durante o
exame de qualificação.
À Eliana Herzberg, pelas sugestões e estímulo à realização deste estudo, durante as
aulas na Pós-graduação.
Aos coordenadores pedagógicos da Soabem, Renato Galvão e Sandra Soares, que
abriram as portas da instituição para a realização da pesquisa, e aos demais funcionários, pela
disponibilidade e atenção prestadas durante o período de coleta de dados.
Aos adolescentes e familiares entrevistados, cuja participação possibilitou a realização
deste trabalho.
Aos meus pais, cujo amor, dedicação e exemplos me servem de guias durante a vida.
Às minhas queridas filhas, Bianca, Betina e Bruna pelo amor e pelas alegrias e
gratificações que trazem à minha vida.
Ao querido Rui, parceiro de vida que me acompanhou de perto nesta trajetória,
mostrando-se sempre disponível com seu amor e dedicação.
5
“A verdade é que, cedo ou tarde, nesta fase de crescimento, no momento da pré-
puberdade, um longo lapso de tempo está reservado aos jovens antes de poderem entrar na
vida adulta, antes de assumirem responsabilidades de cidadãos e participarem de qualquer
modo na construção do futuro de sua sociedade.
Para atingirem o outro lado da margem, todos os adolescentes deverão atravessar certo
número de provas, vencer obstáculos, resolver crises provenientes de sua interioridade ou
da realidade das pressões do meio ambiente.
Conforme sua própria sensibilidade, sua fragilidade ou sua nova força, encontrarão ora
menos ora mais dificuldades em superar essa passagem.
Os que de início não consumaram a ruptura que lhes abre as portas da autonomia, os que
chegam a este campo de instabilidade e de fraturas, que é a adolescência, com seus
bloqueios, serão mais prejudicados que outros, mas todos terão necessidade de todo o seu
querer-viver, de toda a energia de seu anseio de sobreviver para enfrentarem esta morte da
infância.” (Dolto, 2004, p.7)
6
RESUMO
Soldatelli, M.I.S. Adolescentes em risco social: A expressão dos processos de
identificação no Método de Rorschach. 2007. 230 p. Dissertação (Mestrado). Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007
Tendo em vista a importância da família para o adolescente, especialmente das figuras
parentais, este estudo buscou compreender o processo de identificação de adolescentes em
risco social, participantes de um programa de promoção social de Organização não
governamental - ONG. A escolha dos sujeitos se deu através de critérios de inclusão que
seguiram as referências existentes na literatura acerca das situações de risco social. O grupo
de sujeitos é composto de dez adolescentes com idade entre 15 e 18 anos de idade, cinco do
sexo feminino e cinco do sexo masculino. Foram utilizadas entrevistas e o Método de
Rorschach como instrumentos de investigação psicológica. Utilizamos entrevistas semi-
dirigidas com os adolescentes e seus pais ou responsáveis, e entrevistas livres com os
educadores e coordenadores da ONG. A análise dos dados, quantitativa e qualitativa, seguiu
as referências teóricas do sistema francês do Rorschach. Os resultados evidenciam uma
defasagem entre os grupos de gênero no que se refere aos processos de identificação:
enquanto a maioria dos adolescentes do sexo masculino apresenta falhas no processo de
individuação, com uma imaturidade em seu desenvolvimento afetivo e sexual, as adolescentes
demonstram ter consolidado o processo de identificação primária, vivenciando mais
efetivamente as questões relativas à problemática de identificação sexual, em concordância
com o momento evolutivo da adolescência. O grupo de adolescentes como um todo tem em
comum as situações familiares e sociais adversas, mas os resultados do Rorschach evidenciam
que estas situações repercutiram de formas diversas sobre a constituição psíquica, de acordo
com as relações internas estabelecidas com as figuras parentais, que servem de suporte aos
processos identificatórios. Isto confirma que apesar dos adolescentes estarem inseridos em
condições externas ou ambientais de risco, é a configuração familiar que determina os
processos internos e produz diferentes estruturações de personalidade, corroborando a
importância do núcleo familiar na constituição do sujeito. Esperamos que os resultados
alcançados através desta investigação favoreçam a compreensão da dinâmica psicológica de
adolescentes em situação de risco social, no sentido de contribuir para a elaboração de
estratégias de intervenção clínica preventivas, envolvendo o adolescente, a família e a
comunidade.
Palavras Chave:
Método de Rorschach Adolescência - Risco Social - Processos de Identificação
ABSTRACT
SOLDATELLI, M.I.S. Teenagers at social risk: The expression of the identification
process in the Rorschach Method. 2007. 230 p. Masters Degree Dissertation. University of
São Paulo Psychology Institute, São Paulo, 2007
Having in mind the family’s importance for the teenager, and especially the role of their of
their parental figures, this study aimed at understanding the identification process in
teenagers at social risk, who are part of a social program within a non-governmental
organization (NGO). The subjects’ choice was based on inclusion criteria following
references in existing literature on social risk. The group was made of ten teenagers aged
between 15 and 18 years old, of which five where male and five were female. Interviews and
the Rorschach method were the psychological investigation tools used. Teenagers and their
parents (or carers) were subject to semi-driven interviews, while educators and the NGO’s
coordinators went through free interviews. Rorschach qualitative and quantitative data was
analyzed based on Rorschach’s French theory system. Results show a disparity between the
gender groups in what refers to the identification process: while most male teenagers show
gaps in the individuation process, having an immature sexual and emotional development,
female teenagers show to have consolidated the primary identification process, experiencing
more effectively the questions related to sexual identification, in agreement with
adolescence’s evolution process. The group as a whole has a common background of familial
and social adverse, but Rorschach’s results show that these situations affected their mental
foundation in different ways, in accordance with the relationship with their parental figures,
who serve as a support in the identification process. This confirms that that despite the fact
that these teenagers were inserted in external or environmental risk situations, it is the family
nucleus in its early relations with the subject that determines the subject’s constitution. We
hope that the results achieved in this investigation will help understanding teenagers at social
risk’s psychological dynamic, contributing at the development of preventive clinical
intervention strategies involving the teenager, the family and the community.
Keiywords:
Rorschach Method Adolescence - Social Risk - Identification Process
8
SUMÁRIO
Pág.
APRESENTAÇÂO................................................................................................................
12
I. ADOLESCÊNCIA - Revisão Bibliográfica..................................................................... 17
1.1. ADOLESCÊNCIA COMO PROCESSO EVOLUTIVO............................................... 17
1.1.1. As transformações da puberdade................................................................................. 17
1.1.2. A latência como período preparatório à adolescência................................................. 19
1.1.3. A interação entre as instâncias psíquicas na adolescência.......................................... 21
1.1.4. Os lutos fundamentais da adolescência....................................................................... 22
1.1.5. As problemáticas da adolescência............................................................................... 23
1.1.6. A imaturidade do adolescente..................................................................................... 28
1.2. ADOLESCÊNCIA E FAMÍLIA.................................................................................... 30
1.2.1. Funções parentais e desenvolvimento emocional........................................................ 30
1.2.2. Efeitos da privação das figuras parentais.................................................................... 40
1.3. ADOLESCÊNCIA E ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS............................................ 46
1.3.1. Adolescência nas classes sócio-econômicas desfavorecidas....................................... 46
1.3.2. A família e a produção das subjetividades contemporâneas....................................... 49
1.4. ADOLESCÊNCIA e PSICOPATOLOGIA................................................................... 51
1.5. ADOLESCÊNCIA E RISCO SOCIAL.......................................................................... 54
1.5.1. Risco e vulnerabilidade Social.................................................................................... 54
1.5.2. Fatores de risco e de proteção..................................................................................... 55
II. ADOLESCÊNCIA E MÉTODO DE RORSCHACH................................................. 59
Pesquisas com o Método de Rorschach em adolescentes.................................................... 59
III. OBJETIVO E JUSTIFICATIVA................................................................................ 67
IV. MÉTODO...................................................................................................................... 68
4.1. SUJEITOS...................................................................................................................... 68
4.2. INSTRUMENTOS......................................................................................................... 69
4.3. PROCEDIMENTOS....................................................................................................... 70
4.4. ANÁLISE DOS DADOS............................................................................................... 74
V. RESULTADOS............................................................................................................... 83
5.1. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA........................................................................ 83
5.2. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM OS ADOLESCENTES.................................. 85
5.3. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM OS PAIS OU RESPONSÁVEIS................... 97
5.4. ANÁLISE DOS RESULTADOS DO MÉTODO DE RORSCHACH.......................... 109
5.4.1. Análise dos fatores decorrentes da abordagem intelectual.......................................... 109
5.4.2. Análise dos fatores decorrentes da afetividade........................................................... 113
5.4.3. Análise dos fatores decorrentes da socialização.......................................................... 123
5.4.4. Análise dos processos de identificação 125
V. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.............................................................................. 138
6.1. DISCUSSÃO DOS DADOS DAS ENTREVISTAS..................................................... 138
6.2. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DO MÉTODO DE RORSCHACH..................... 151
VII. CONCLUSÃO............................................................................................................. 162
9
Pág.
VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 165
IX. ANEXOS........................................................................................................................ 171
ANEXO A - Roteiro das Entrevistas.................................................................................... 171
ANEXO B Termos de consentimento livre e esclarecido.................................................. 173
ANEXO C- Nomenclatura para a classificação das respostas do Método de Rorschach..... 174
ANEXO D Respostas Banais ao Método de Rorschach.................................................... 177
ANEXO E Dados normativos............................................................................................ 178
ANEXO F Sínteses das entrevistas e Análises individuais dos protocolos de Rorschach 179
ANEXO G - Protocolos de Rorschach................................................................................. 219
10
LISTA DE TABELAS
Pág.
Tabela 1 - Caracterização da amostra 83
Tabela 2 - Dados de identificação dos adolescentes 85
Tabela 3 - Condições de saúde 86
Tabela 4 - Condições de sono 86
Tabela 5 - Condições de alimentação 86
Tabela 6 - Condições de Aprendizagem 87
Tabela 7 - Relacionamento com os colegas da escola 87
Tabela 8 - Relacionamento com os professores da escola 87
Tabela 9 - Relacionamento na Soabem 88
Tabela 10 - Motivação para a participação no Projeto Social 89
Tabela 11 - Relacionamento familiar 90
Tabela 12 - Relações sociais fora do âmbito escolar 91
Tabela 13 - Relacionamento amoroso 91
Tabela 14 - Religião 92
Tabela 15 - Atividades extra-escolares 92
Tabela 16 - Programas habituais durante o fim de semana 92
Tabela 17 - Diversões preferidas 93
Tabela 18 - Programas de TV preferidos 93
Tabela 19 - Preferências musicais 94
Tabela 20 - Profissão desejada 94
Tabela 21 - Idéias e ambições relativas ao futuro 95
Tabela 22 - Como os adolescentes se vêem daqui a 10 anos 96
Tabela 23 - Dados de identificação dos pais ou responsáveis 97
Tabela 24 - Relacionamento atual entre os pais 98
Tabela 25 - Situação profissional e financeira dos pais ou responsáveis e composição da
renda familiar
98
Tabela 26 - Condições de saúde dos pais ou responsáveis 99
Tabela 27 - Familiar que compareceu às entrevistas 100
Tabela 28 - Idade do filho à época da separação 100
Tabela 29 - Gestação e parto 101
Tabela 30 - Período de amamentação ao seio 102
Tabela 31 - Aquisição do controle esfincteriano 102
Tabela 32 - Condições de sono durante a 1ª infância 102
Tabela 33 - Ocorrências marcantes durante a infância 103
Tabela 34 - Principal encarregado (a) dos cuidados durante a infância 103
Tabela 35 - Desenvolvimento escolar 104
Tabela 36 - Relacionamento na escola 105
Tabela 37 - Relacionamento familiar 106
Tabela 38 - Comportamento no âmbito familiar e social 107
Tabela 39 - Características mais marcantes da personalidade do adolescente 108
Tabela 40 - Participação no Projeto Social segundo o familiar 108
Tabela 41 - Fatores decorrentes da abordagem intelectual 110
Tabela 42 - Fatores decorrentes da afetividade 113
Tabela 43 - Determinantes 114
Tabela 44 - Conteúdos 114
Tabela 45 - Tipo de movimento percebido nas respostas K 115
Tabela 46 - Distribuição das respostas K em função do conteúdo humano e identificação
sexual dos personagens
115
Tabela 47 - Relações entre os personagens das respostas K 116
Tabela 48 - Tonalidade afetiva das respostas K 117
Tabela 49 - Dados comparativos entre K: k 117
Tabela 50 - Dados comparativos entre FC: CF 118
11
Pág.
Tabela 51 - Proporção de H: (H) +Hd+ (Hd) 119
Tabela 52 - Escolhas das pranchas 120
Tabela 53 - Distribuição dos fenômenos especiais 122
Tabela 54 - Fatores decorrentes da socialização 123
Tabela 55 - Dados comparativos entre FC/FE/FClob 124
Tabela 56 - Imagem do corpo 126
Tabela 57 - Identidade e investimento da imagem de si 128
Tabela 58 - Reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação 130
Tabela 59 - Dados quantitativos sobre a imagem do corpo 134
Tabela 60 - Dados quantitativos sobre a identidade e investimento da imagem de si 135
Tabela 61 - Dados quantitativos sobre o reconhecimento das diferenças sexuais e os
modelos de identificação
136
12
APRESENTAÇÃO
O interesse neste tema originou-se de diferentes experiências, vividas durante o nosso
percurso profissional, quando participamos de pesquisa sobre o comportamento agressivo de
meninos de classes sócio-econômicas menos favorecidas, na qual a agressividade revelou-se
como antecedente e precursora do comportamento transgressor no adolescente e adulto. Neste
contexto, tivemos a oportunidade de desenvolver trabalhos sobre o psicodinamismo familiar
de crianças agressivas (Souza, Soldatelli & Lopes, 1997), bem como, sobre a abordagem
intelectual destas crianças através do Rorschach (Souza, Soldatelli & Lopes, 1999).
Nosso projeto inicial buscava conhecer os fatores psicossociais envolvidos no
comportamento transgressor de adolescentes provenientes de classes sociais economicamente
favorecidas, mas este projeto inicial inviabilizou-se devido às dificuldades encontradas em
ter acesso aos sujeitos, conforme poderemos explicar no relato a seguir:
Entramos em contato com vários órgãos responsáveis pelo cumprimento das medidas
judiciais pertinentes às transgressões à lei por menores de idade. O primeiro contato realizado
foi com a Promotoria de Infância e Juventude dos municípios de residência dos pretensos
sujeitos, um conglomerado de condomínios com uma população de alto poder aquisitivo.
Neste órgão, que funciona junto ao Juizado de Infância e Juventude, obtivemos a informação
de que não existiam, naquele momento, processos judiciais instaurados contra menores de
classes altas, mas que teríamos um grande número de sujeitos disponíveis, se a pesquisa
versasse sobre menores carentes. Fomos, então, encaminhados às entidades que trabalham no
cumprimento da medida de Prestação de Serviços à Comunidade das prefeituras locais, onde
os menores transgressores cumprem esta medida judicial, mas novamente fomos informados
de que somente os menores carentes estariam cumprindo as medidas judiciais.
Neste âmbito os profissionais informaram que não existiam, naquele momento,
adolescentes de classe alta cumprindo aquela medida, pois como estes dispõem de recursos
13
financeiros que possibilitam o pagamento de advogados, evitam que sejam instaurados
processos ou que sejam cumpridas as medidas judiciais cabíveis. Também foi aventada a
hipótese de que as denúncias pelas autoridades policiais seriam interceptadas de alguma
forma, o que seria possível rastrear, através de uma busca de informações nas delegacias
locais. Consideramos que seria prudente não prosseguir em tal busca, pois estaríamos
desvirtuando os objetivos da pesquisa, embora essas informações fossem reveladoras de fatos
de interesse social.
Num segundo momento, buscamos informações junto à Fundação Orsa a respeito de
pesquisa feita em parceria com o Poder Judiciário (Rosa et al. 2002), com um levantamento
dos atos infracionais por menores da região de Barueri, cujos números confirmavam a
existência de processos instaurados contra menores de classe alta residentes nesta mesma
região. Após várias tentativas de contato sem êxito com os profissionais responsáveis por tal
pesquisa, buscamos as Varas de Infância e Juventude da comarca de São Paulo, através do
Serviço de Psicologia das Varas Especiais que cuidam de menores infratores. Este serviço
forneceu a informação de que menores de classes A e B que cometem pequenas transgressões
são liberados do cumprimento de medidas judiciais por ação de recursos impetrados por seus
advogados. Desta forma, somente casos graves como homicídios, por exemplo, teriam
processos instaurados com o cumprimento de medidas judiciais de caráter aberto, semi-
aberto ou fechado, e neste caso, os menores ficariam recolhidos na FEBEM. Estes
profissionais mencionaram a existência de um estudo feito pelo Núcleo de Estudos sobre a
Violência da USP, sob a responsabilidade de Sérgio Adorno, que investigou a ocorrência de
transgressões em diferentes classes sociais, chegando a uma conclusão semelhante, de que
somente jovens de classes A e B que cometem crimes graves chegariam a cumprir as
medidas judiciais cabíveis.
14
Diante desse quadro, ao longo de um ano, reformulamos a metodologia com vistas a
prosseguir no mesmo tema e objeto de pesquisa, mas desta vez buscando as escolas locais da
região, na tentativa de viabilizar o acesso aos sujeitos e suas famílias, através de profissionais
de educação diretamente implicados em situações que envolvem transgressões no âmbito
escolar. Fizemos, então, alguns contatos com duas escolas localizadas na mesma região e
fomos informados que não seria possível o acesso, tendo em vista o receio da direção de que
os alunos e famílias se sentissem constrangidos por serem indicados à participação.
Tendo em vista o histórico relatado, reformulamos mais uma vez os objetivos da
pesquisa, visando à população disponível às pesquisas: os adolescentes carentes. Buscamos
contato com algumas organizações não governamentais do município, que oferecem
programas de atendimento que visam o desenvolvimento pessoal e comunitário de jovens em
situações de risco social. Encontramos grande receptividade na primeira ONG visitada, a
SOABEM, e iniciamos contatos regulares com os coordenadores e educadores sociais
visando conhecer o trabalho desenvolvido pela instituição junto à população carente.
Conforme fomos informadas pelo coordenador do projeto destinado aos adolescentes,
grande parte de seus integrantes são encaminhados pelos Conselhos Tutelares, com queixas
de abandono escolar, envolvimento com o uso ou tráfico de drogas, problemas de conduta no
âmbito escolar ou social e também de adolescentes que precisavam de proteção devido à
violência doméstica a que estavam submetidos. Estes jovens, de modo geral, provinham de
famílias pouco continentes em termos de atendimento às suas necessidades afetivas e
emocionais, além de viverem em precárias condições sócio-econômicas e estarem expostos a
um meio social de grande vulnerabilidade à violência e à criminalidade.
Considerando que a participação no projeto social, e principalmente o relacionamento
que os adolescentes estabeleciam com os educadores sociais poderiam ter um profundo
significado em termos de referências adultas mais estáveis e seguras, além de representar
15
uma provisão ambiental que favorece o desenvolvimento psicossocial, elaboramos um novo
projeto de pesquisa, visando compreender os efeitos desta participação para os adolescentes.
Entretanto, no decorrer da coleta de dados, houve mudanças significativas nesta
ONG, com a substituição da coordenação pedagógica e dos educadores que lidavam com os
adolescentes, modificando-se substancialmente a qualidade do relacionamento mantido entre
coordenadores, educadores e alunos. Os coordenadores foram substituídos por técnicos com
formação acadêmica, assim como o quadro de professores foi totalmente renovado. Os
adolescentes mantinham um vínculo estreito com os coordenadores anteriores, pessoas da
região com acesso às famílias e ao seu meio social e cultural, além de apresentarem
condições emocionais e disposição interna para a relação com adolescentes nesta situação.
Os novos coordenadores tinham uma formação acadêmica, mas estabeleceram uma relação
distante e burocrática com os adolescentes. Foram implantadas mudanças significativas na
grade curricular à revelia dos adolescentes, sendo que alguns deles, por se sentirem alijados
do processo, tornaram-se rebeldes e agressivos, com grandes dificuldades de relacionamento
com a coordenação e com a maioria dos novos educadores.
O contexto que inicialmente foi percebido como ambiente favorável ao
desenvolvimento, pelas relações que ali se estabeleciam com os educadores, transformou-se
em um ambiente instável e tumultuado. Ao finalizarem o ano letivo, muitos se disseram
insatisfeitos e frustrados em relação ao projeto, no qual depositavam expectativas de alcançar
melhores condições de crescimento e profissionalização. Além disso, alguns abandonaram o
projeto durante o ano. Essa mudança ocorrida no início da coleta de dados trouxe
questionamentos sobre o objetivo proposto no projeto de pesquisa, levando-nos a novamente
reformulá-lo.
Chegamos então à proposição do presente estudo, que visa compreender como foram
internalizadas as figuras parentais nestes adolescentes através do estudo dos processos de
16
identificação, uma vez que, apesar de provindos de famílias pouco continentes em relação às
suas necessidades afetivas e emocionais, e vivendo em precárias condições sócio-
econômicas, encontram-se engajados em uma busca de inserção social. Consideramos que
essa busca pode demonstrar uma demanda não só de crescimento pessoal e profissional, mas
também de uma busca afetiva e relacional, um movimento em direção à saúde e o
desenvolvimento, o que pode estar sinalizando a existência de recursos internos para fazer
face às adversidades.
Inicialmente seguiremos um percurso teórico, que pretende situar a adolescência
segundo a literatura psicanalítica, uma vez que é um momento conturbado do
desenvolvimento humano, caracterizado pela vulnerabilidade emocional, que pode
desencadear distúrbios psicopatológicos. A seguir abordaremos a adolescência e o
Rorschach, apresentando algumas pesquisas desenvolvidas com este método projetivo, que
será utilizado para a investigação dos processos de identificação de adolescentes em situação
de risco social.
17
I. ADOLESCÊNCIA - Revisão Bibliográfica
1.1. ADOLESCÊNCIA COMO PROCESSO EVOLUTIVO
Freud introduziu a questão da adolescência na psicanálise, e embora não tenha se
dedicado ao tema com profundidade, lançou as bases para que seus seguidores
desenvolvessem e ampliassem posteriormente a compreensão deste período fundamental do
desenvolvimento humano. Vários anos se passaram, até que houvesse uma maior
aproximação ao tema e os psicanalistas começassem a se dedicar ao estudo da adolescência.
Atualmente encontramos uma grande quantidade de escritos sobre a adolescência dentro de
uma perspectiva psicanalítica, mas de modo geral a adolescência é caracterizada como um
processo psicossocial, um momento de transição entre a vida infantil e a vida adulta, onde
fatores internos e externos se conjugam, produzindo um período de crise e desequilíbrio
necessários ao desenvolvimento.
1.1.1. As transformações da puberdade
O estudo psicanalítico da adolescência foi iniciado através da publicação de Freud
(1905) dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, no qual o autor dedica um capítulo
ao tema da puberdade, e apresenta as fases do desenvolvimento da organização sexual,
instituindo a adolescência como uma etapa do desenvolvimento psicossexual. Considera a
puberdade como um ponto de partida, um momento essencial para o desenvolvimento do ser
humano, pois as mudanças introduzidas nesta fase conduzem a vida sexual a sua
configuração normal definitiva. Freud parte das manifestações físicas da puberdade para
compreender os fenômenos psíquicos, mantendo as questões biológicas em primeiro plano.
18
Freud (Ibid, 1905) descreve os processos de desenvolvimento sexual incrementados
pela puberdade:
- a pulsão sexual, até então predominantemente auto-erótica, encontra o objeto sexual,
e as pulsões parciais se conjugam para atingir o novo alvo sexual, enquanto as zonas
erógenas se tornam, finalmente, subordinadas ao primado da zona genital;
- o crescimento da genitália externa e o inicio da atividade dos órgãos sexuais internos
capacitam o organismo em sua função reprodutora;
- o desenvolvimento sexual do homem e da mulher se diferencia a partir de então,
assumindo alvos sexuais distintos, o que, no homem seria mais conseqüente e acessível à
compreensão, enquanto na mulher sofreria uma espécie de involução;
- a vida sexual normal estaria assegurada pela convergência das duas correntes
direcionadas ao objeto sexual, a da ternura e a sensual, tendo a primeira os resquícios da
sexualidade infantil;
- diferencia o pré-prazer aquele proporcionado pela excitação das zonas erógenas,
que já teria sido experimentado, em menor escala, pela pulsão sexual infantil - do prazer
final, produzido pela expulsão das substâncias sexuais, ou seja, o prazer de satisfação da
atividade sexual, ligado às condições surgidas na puberdade;
Nesta obra inicial Freud (Ibid, 1905) aponta para o perigo representado pelo pré-
prazer em seu possível papel patogênico, uma vez que pode se revelar demasiadamente
intenso e colocar em risco a consecução do alvo sexual normal, tomando o seu lugar. A
precondição disso está situada na vida sexual infantil, quando a pulsão ou zona erógena em
questão contribuíram para o prazer de forma exacerbada, gerando fixações que se
manifestam pela compulsão que leva a busca do pré-prazer como fim, com o fracasso da
função do mecanismo sexual, originando as perversões. Apresenta uma das descobertas mais
19
importantes da psicanálise, ou seja, de que as manifestações da sexualidade infantil são
determinantes tanto na estrutura da sexualidade adulta como nos desvios sexuais.
Alguns anos depois, em sua Conferência XXI de 1916-1917, Freud volta a mencionar
a puberdade, momento em que ocorre a recatexia dos objetos parentais incestuosos e a
reatualização do conflito edípico. Neste momento, embora mantenha a denominação
“puberdade”, que caracteriza as transformações decorrentes da maturação biológica, evolui
para uma compreensão mais ampla, abrangendo uma dimensão psicossocial ao referir-se às
tarefas psíquicas fundamentais da adolescência:
Dessa época em diante, o indivíduo humano tem que se dedicar a grande tarefa de desvincular-se
de seus pais, e, enquanto a tarefa não for cumprida, ele não pode deixar de ser uma criança para
se tornar um membro da comunidade social. Para o filho, essa tarefa consiste em desligar seus
desejos libidinais de sua mãe e empregá-los na escolha de um objeto amoroso real externo e em
reconciliar-se com o pai, se permaneceu em oposição a este, ou em liberar-se da pressão, se,
como reação a sua rebeldia infantil, tornou-se subserviente a ele. Essas tarefas são propostas a
todas as pessoas; e é de causar espécie quão raramente as pessoas enfrentam tais tarefas de
maneira ideal isto é, de maneira tal que seja correta, tanto psicológica como socialmente. Os
neuróticos, porém, não chegam absolutamente a nenhuma solução: o filho permanece por toda a
vida subjugado a autoridade do pai e é incapaz de transferir sua libido a um objeto sexual
externo. Com o relacionamento modificado, o mesmo destino pode esperar a filha. Nesse sentido,
o complexo de Édipo justificadamente pode ser considerado como o núcleo das neuroses. (p.393)
1.1.2. A latência como período preparatório da adolescência
Blos (1998) aborda a adolescência através de um ponto de vista genético,
considerando-a como uma fase no contínuo desenvolvimento psicossexual, cujos recursos
internos provém do progressivo desenvolvimento do ego nos anos intermediários da média
infância, enfatizando a importância dos períodos de lactância e latência.
O período de lactância tem influência duradoura, sendo revivida em situações criticas
de anos posteriores. A função materna reguladora da ansiedade vai sendo assumida em parte
pela criança, que desenvolve uma vida de fantasia e atividades que a acalmam (sucção,
caricias, masturbação, brincadeiras, movimentos corporais) como formas próprias de
dominar a ansiedade. A distinção entre realidade interior e exterior, entre eu e não-eu surge
20
como fruto da progressiva separação da mãe e a redução da dependência. Esse processo de
diferenciação assume um papel decisivo aos dois anos de idade, quando se inicia o processo
de individuação, estabilizando-se em torno dos três anos. O espaço vital se amplia através da
mobilidade, da linguagem e das experiências sociais da criança, trazendo a ela a necessidade
de ser como os outros, principalmente os pais e irmãos. Aos quatro ou cinco anos a criança
vivencia a fase fálica, configurada pelo Complexo de Édipo, que é abandonado mediante a
promessa de que seus desejos incestuosos serão realizados no futuro, preservando dentro de
si suas aspirações e derrotas, fazendo dos pais internalizados, uma parte de si mesmo, sob a
forma do superego, o herdeiro do Complexo de Édipo.
No período de latência, intermediário entre o primeiro florescimento da sexualidade
infantil e a sexualidade genital da puberdade, ocorre a preparação decisiva para a evolução
do processo adolescente. Nesta fase, entre os cinco e os dez anos de idade da criança, cessa a
dependência total aos pais e a identificação passa a tomar o lugar do amor objetal. O
aprendizado e a vida em grupo passam a chamar a sua atenção, ampliando-se os limites antes
restritos a família. A atividade ou fantasia sexual continua a existir, mas a criança se
encontra mais fortalecida para dominar tanto a realidade como o seu instinto, através da
sublimação, apoiada nas influências educacionais. Estabelecem-se novos caminhos para a
satisfação e domínio do ambiente, através do desenvolvimento da competência social e de
novas capacidades físicas e mentais. Ocorre um aumento da tolerância à tensão, o que
possibilita a busca do aprendizado e a ampliação da esfera livre de conflito, com a
manutenção de relações de objeto mais estáveis e diminuição da ambivalência,
desenvolvendo métodos mais funcionais e seguros, que promovem a auto-estima. As
premências instintuais da primeira infância sofrem um declínio, voltando a se manifestar na
puberdade.
21
1.1.3. A interação entre as instâncias psíquicas na adolescência
Anna Freud (1958/1995) enfatiza a necessidade do estudo da adolescência, que teria
sido negligenciada pela psicanálise como uma “enteada”, recebendo pouca atenção do
pensamento analítico. Em suas contribuições ao estudo dos problemas da adolescência teve
como foco a interação entre as instâncias psíquicas:
Em meu caso, o interesse pelos problemas do adolescente derivou de minha preocupação com
as lutas do ego para dominar as tensões e pressões surgidas dos derivados pulsionais, batalhas
que levam, no caso normal, para a formação do caráter e, sua saída patológica, para a
formação dos sintomas neuróticos. Descrevi esta batalha entre o ego e o id como terminada,
por uma primeira trégua, no início do período de latência, e surgindo novamente com a
primeira aproximação da puberdade, em que a distribuição de forças no indivíduo é perturbada
por mudanças quantitativas e qualitativas das moções pulsionais. Ameaçado com ansiedade
pelo desenvolvimento das pulsões, o ego, assim como foi formado na infância, entra em luta
pela sobrevivência, sendo que todos os métodos de defesa são colocados em jogo e forçados ao
máximo. Os resultados, que são as mudanças alcançadas na personalidade, variam.
Normalmente, a organização do ego e do superego se altera suficientemente para acomodar as
novas formas maduras da sexualidade. Em instâncias menos favoráveis, um ego rígido e
imaturo obtém sucesso em inibir ou distorcer a maturação sexual; em alguns casos, os impulsos
do id criam total confusão e caos naquilo que foi um ego ordenado, socialmente dirigido,
durante os períodos de latência. (p.67-68)
A autora (Ibid, 1958) salienta que a estrutura da personalidade, ao final do período de
latência, é o resultado de uma longa batalha entre as forças do id e do ego, e este balanço,
apesar de preliminar e precário, é fundamental para a integração da sexualidade adulta à
personalidade do adolescente. Os adolescentes que não apresentam uma inquietude interna, e
permanecem boas crianças como no período de latência, na verdade, estão com seu
desenvolvimento em atraso, necessitando de ajuda terapêutica. Isso pode estar relacionado à
relutância em crescer, derivada de aspectos egóicos ou superegóicos, cujas defesas
excessivas, construídas contra suas atividades pulsionais, funcionam como barreiras contra os
processos de maturação normais desta fase de desenvolvimento.
22
1.1.4. Os lutos fundamentais da adolescência
Aberastury (1990) caracteriza a adolescência como momento crucial da vida humana
e etapa decisiva de um longo processo de desprendimento, que atravessa três momentos
fundamentais: o nascimento, o primeiro ano (com a eclosão da genitalidade, a dentição, a
linguagem, a posição em pé e a marcha) e a adolescência. A maturidade genital estimula a
relação do adolescente com o sexo oposto, que inicia a busca do objeto de amor no mundo
externo, após definir o seu papel na procriação e escapar ao risco de incesto, viabilizado
pelas modificações corporais trazidas pela puberdade.
As mudanças psicológicas produzidas no período da adolescência são correlatas às
mudanças corporais, levando a uma nova relação com os pais e com o mundo, o que se torna
possível através da elaboração dos lutos fundamentais: lutos pela perda do corpo e
identidade infantil e luto pela relação com os pais da infância.
Até alcançar a maturidade e independência, o adolescente oscilará entre o impulso ao
desprendimento e o medo à perda do conhecido, sendo um período confuso, doloroso, cheio
de contradições e ambivalências, caracterizado pelos conflitos com o meio familiar e social.
Tanto os pais como a sociedade, manifestam sua ambivalência e resistência em aceitar o
processo de crescimento do adolescente. Os pais precisam se desprender do filho criança e
evoluir para a relação com o filho adulto, o que lhes exige muitas renúncias e a aceitação do
devenir, do envelhecimento e da morte. A imagem de líder ou ídolo criada pelo filho é
substituída por uma relação cheia de ambivalências e criticas. O aumento da capacidade e as
realizações do filho levam-nos a avaliar seus ganhos e fracassos, e o filho é sua testemunha
mais implacável. O filho torna-se duplamente rival: as modificações corporais e o papel de
procriador que o habilita biologicamente à paternidade e à maternidade instalam a
competição na situação incestuosa e o verdadeiro drama edípico.
23
A sociedade, por sua vez, oferece à criança um período de moratória social, o que
para a autora representa o conteúdo manifesto de uma situação profunda, na qual a criança
necessita tomar certo tempo para reconciliar-se com seu corpo, terminar de conformar-se a
ele e sentir-se conforme com ele. Isso acarreta um longo processo de conflito, através do qual
renuncia a seu corpo de criança e abandona a fantasia onipotente da bissexualidade, que
sustenta sua atividade masturbatória.
Em sua obra de 1992, a autora enfatiza o processo de aquisição da identidade adulta
pelo adolescente. As transformações corporais e as mudanças impostas pelo mundo externo
exigem novas pautas de convivência. O adolescente se defende dessa invasão retendo as
conquistas infantis, ainda que sinta prazer e desejo pelo novo status. Busca refúgio no mundo
interno para poder relacionar-se com o passado e, a partir daí, enfrentar o futuro. Apresenta-
se como uma combinação instável de vários corpos e identidades, devido às diversas
identificações contemporâneas e muitas vezes contraditórias entre si. Neste longo processo
uma nova identidade vai se construindo num plano consciente e inconsciente, o que
possibilitará aceitar simultaneamente os aspectos infantis e adultos.
1.1.5. As problemáticas da adolescência
Emmanuelli (2005) destaca o papel fundamental da Psicanálise na compreensão da
adolescência, que através da descoberta da sexualidade infantil e do Complexo de Édipo
revolucionou a visão a respeito da criança e do adolescente. A compreensão da sexualidade
psicológica ou psicossexualidade possibilitou o estabelecimento das bases teóricas do
fenômeno da adolescência, que constitui um período de transformações determinantes das
relações do adolescente consigo mesmo e com os outros.
24
A autora compreende a adolescência como uma etapa de modificações necessárias: a
via sexual alcança sua forma definitiva, abrindo-se para a sexualidade adulta; as relações com
os pais se modificam e um movimento de separação se inicia; o jovem sujeito se engaja em
novas ligações fora de seu núcleo familiar, e investe passo a passo em um projeto
profissional através do qual vai ganhando autonomia. As mudanças ocorrem nos planos
biológico, psíquico e social e as exigências destes diferentes domínios operam, por vezes, de
forma antagônica. É um momento de reorganização radical, ao término do qual terão
ocorrido mudanças na forma de perceber o próprio corpo, o seu lugar no seio da família e no
mundo, e o seu status em relação aos familiares e outros.
Este momento tem um papel revelador da qualidade do trabalho feito no período da
latência, onde se destaca a qualidade do narcisismo e das modalidades das relações de objeto,
que permitirão a autonomia do adolescente ou, pelo contrário, manterão sua dependência.
Essas mudanças exigem uma intensa mobilização psíquica, com modificações na
organização econômica, tópica e dinâmica da psique. A intensidade destes movimentos
psíquicos complexos e contraditórios explica a ocorrência de manifestações exuberantes ou
discretas, o que implica discriminar os aspectos normais e os riscos eventuais de derivação
psicopatológica.
A efervescência pulsional trazida pela puberdade impõe ao adolescente um novo
modo de funcionamento, com a retomada dos conflitos anteriores, que tem, assim, a
possibilidade de encontrar saídas favoráveis. As questões centrais que mobilizam o
adolescente são o complexo de Édipo e a problemática de separação, que levam às angústias
de perda e a fragilização dos suportes narcísicos,
A abordagem da adolescência, através de uma perspectiva genética está sendo
atualmente substituída, principalmente por psicanalistas franceses, pela visão das
25
problemáticas da adolescência, em torno das quais se estabelecem tarefas psíquicas
fundamentais, a seguir:
? Problemática das identificações sexuais: As modificações corporais introduzidas
com a puberdade desempenham um papel essencial, na medida em que se inscrevem num
corpo sexualizado, possibilitando tanto ao homem como à mulher ocupar uma posição numa
rede de trocas simbólicas, permitindo-os ascender à masculinidade e à feminilidade. Esse
processo ocorre a partir de três vertentes: os atributos anatômicos e fisiológicos de
macho/fêmea, que são determinados biologicamente, o par masculinidade/feminilidade, que
intervém na fantasmática pessoal do sujeito, e a identidade de gênero, relacionada aos papéis
e estereótipos sociais. Dentre os aspectos da fantasmática do sujeito está a bissexualidade
psíquica, com as identificações masculinas - ao pai e aos homens, e femininas - à mãe e às
mulheres. Este jogo de identificações, processo inconsciente que leva o sujeito a se apropriar
de traços do objeto, não impede a constituição da identidade sexual na infância, o
conhecimento anatômico e a discriminação dos gêneros. A bissexualidade mantém-se como
uma crença em potencial, que, no entanto, é abalada pela evidência biológica da puberdade.
A adolescência constitui o tempo de inscrição de uma identidade sexual irreversível:
masculina ou feminina.
? Problemática do amor e da sexualidade: A evolução social nestes aspectos é
considerável e as ligações amorosas, outrora colocadas sobre a chancela da interdição sexual,
foram radicalmente modificadas pelo desenvolvimento da contracepção, pela liberação
feminina e pela mudança de posição dos pais perante a sexualidade de seus filhos. A ausência
de proibições sexuais não simplificou as relações do adolescente com seus corpos e surgiram
psicopatologias ligadas à recusa da sexualidade, como a anorexia. A epidemia de AIDS
trouxe para a relação sexual o peso da angústia da morte. O olhar dos pais e da sociedade
26
sobre a sexualidade dos jovens testemunha a oscilação dos limites entre as gerações, de um
lado, a cumplicidade liberal e de outro, a preocupação com as formas de proteção, o que tem
efeitos perturbadores, ressexualizando as relações dos pais e dessexualizando às próprias
relações sexuais. A prática sexual livre e precoce inscrita na abolição aparente da culpa e dos
tabus significa, para certos adolescentes, mais a adoção de um ideal de ego coletivo invasor
do que uma verdadeira evolução psíquica maturativa.
? Problemática do narcisismo: A adolescência é marcada pela retração narcísica, que
reflete o refluxo do investimento libidinal para si mesmo e que constitui um movimento
necessário, mas convém distinguir os aspectos normais dos patológicos. Suas causas são
múltiplas: a desordem do encontro com outro, a inquietude diante das modificações do corpo,
as preocupações quanto à sua integridade e as potencialidades de sedução. Este movimento
tem aspectos positivos: traz o apaziguamento da excitação e reforço do sentimento de coesão
de si mesmo, diante do tumulto das pulsões e do ressurgimento da angústia de castração.
Com o acesso ao pensamento formal e o raciocínio hipotético-dedutivo o adolescente se
desliga do concreto para pensar em termos abstratos: o possível não se manifesta como um
prolongamento da realidade, mas ao contrário, a realidade se subordina ao possível. A
negociação entre pensamento formal e realidade, que corrige pouco a pouco esse movimento,
corresponde ao remanejamento entre instâncias e participa no equilíbrio entre princípio do
prazer e princípio de realidade.
A adolescência é o tempo das interrogações ansiosas sobre os aspectos do corpo ou do
rosto, sobre os quais focaliza a insatisfação e serve de deslocamento das angústias de
castração: nariz grande, pênis pequeno, seios insuficientes, peso corporal insatisfatório. Essas
preocupações exageradas relativas aos aspectos do corpo e o medo de ser disforme são
correntes e pontuais entre os 12 e 17 anos. Para o adolescente o corpo ocupa um lugar
27
essencial, de cruzamento entre o íntimo e o relacional. Ele oferece um lugar de exposição de
reivindicações, aliando exibição e disfarce: vestimentas, adereços, tatuagens, piercing,
desviando assim a atenção do corpo e do rosto.
? Problemática de separação: É um trabalho psíquico que atinge os domínios do
intrapsíquico e da realidade externa e está relacionada ao narcisismo e às relações objetais.
Comporta o reconhecimento das ligações infantis com as imagos interiorizadas dos pais, a
perda da imagem de si portadora do ideal da infância, vislumbrando a separação efetiva dos
pais da realidade e da infância. Significa a perda de uma parte de si mesmo, através das
identificações e do ideal de eu da infância, o que atinge o narcisismo. A ambivalência no
decorrer desta elaboração da separação é fortemente reativada, e a hostilidade manifesta
reflete o recurso a uma oposição necessária para acabar com uma separação difícil. Esse
processo de separação intrapsíquico é sustentado positivamente pela qualidade das relações
estáveis durante a infância entre a criança e seus pais, ao lado da capacidade dos últimos em
ter uma posição firme, face aos ataques dos quais são objeto, permitindo a emergência de um
adulto separado de seus primeiros objetos de amor, mais reconciliado e capaz de sentir
preocupação.
Emmanuelli (Ibid, 2005) contesta a utilização do termo luto empregado por teóricos
que descrevem a problemática da adolescência. Acredita que o termo separação seja mais
adequado, embora exista uma semelhança entre os processos de luto e o desprendimento
psíquico imposto pela adolescência, pois, em ambos os casos, as reações afetivas são
dolorosas e a saída implica em um longo processo que passa pela identificação ao objeto.
28
1.1.6. A imaturidade do adolescente
Winnicott (1968) enfatiza a importância da imaturidade do adolescente, parte preciosa
e elemento essencial de saúde, que contém as características do pensamento criativo,
sentimentos novos e desconhecidos, e idéias para um mundo diferente, o que se traduz no
idealismo do jovem. A cura desta imaturidade reside na passagem do tempo, única forma de
crescer em direção à maturidade. Fundamenta sua compreensão do desenrolar do processo
adolescente, onde os problemas fazem parte deste estágio. Este desenvolvimento ocorre não
só a partir de tendências herdadas, mas entrelaçado a um ambiente facilitador. Se a família
não estiver à disposição, é necessário que as unidades sociais sejam utilizadas para fornecer
continência ao processo de crescimento do adolescente.
A puberdade reativa os problemas vividos nos primeiros estágios de vida da criança, e
o adolescente revive conflitos primitivos: as fantasias de morte da criança são agora
reatualizadas sob a forma da fantasias adolescentes de assassinato ou de morte de alguém. O
tema inconsciente da morte e triunfo pessoal é parte inerente do processo de maturação em
direção a vida adulta. Cabe aos pais apenas sobreviver a esta luta de vida e morte vivida em
fantasia pelo adolescente.
O adolescente precisa de tempo e de condições para crescer e a rebelião virá como
forma de experimentação no jogo de relações estabelecidos com os pais e a sociedade, que
devem manter as suas responsabilidades, sem transferi-las prematuramente ao adolescente,
por mais que ele lute por elas. O crescimento assume o significado de ocupar o lugar dos
pais, sendo a agressividade inerente ao crescimento.
Se a criança tiver necessidade de se tornar responsável antes do tempo, por situações
familiares, como morte de um dos pais ou rompimento da família, ela envelhece
prematuramente, perdendo a espontaneidade, os jogos e o impulso criativo. Se isso ocorre na
adolescência, por situações adversas ou por uma atitude dos pais, que abdicam de suas
29
responsabilidades, transferindo-as ao filho, este é levado a assumir uma falsa maturidade,
com a perda de sua maior riqueza: a liberdade de ter idéias e agir por impulso.
Segundo Winnicott a “cura da adolescência” (1961) virá com o passar do tempo e do
gradativo desenrolar dos processos de amadurecimento, que conduzem ao surgimento da
pessoa adulta. Esses processos não poderão ser acelerados ou retardados, mas poderão ser
invadidos, destruídos ou definhar internamente, como nos casos de distúrbios psiquiátricos.
30
1.2. ADOLESCÊNCIA E FAMÍLIA
Tendo em vista a amplitude da teoria psicanalítica a respeito do desenvolvimento
emocional postulada por Freud, Klein, Winnicott e outros autores, faremos um recorte de
alguns conceitos desses teóricos, com a intenção de focalizar aspectos que interessam
particularmente a este trabalho, por estarem relacionados às representações das figuras
parentais.
1.2.1. Funções parentais e desenvolvimento emocional
? SegundoSigmund Freud
- O conceito de identificação e o complexo de Édipo: As formulações psicanalíticas
acerca do papel do pai no desenvolvimento do psiquismo do indivíduo iniciaram-se com
Freud (1921) através do conceito de identificação, no qual aborda a posição da criança no
seio da família. A identificação é definida como a mais remota expressão de um laço
emocional com alguém, anterior à escolha objetal, que molda o ego da pessoa de acordo com
seus aspectos tomados como modelo, sendo, assim, um elemento constitutivo do psiquismo.
A identificação desempenha um papel fundamental no complexo de Édipo: o menino
toma o pai como ideal, quer ser e crescer como ele e tomar o seu lugar em tudo. O laço com
o pai, objeto de identificação, e a catexia de objeto com a mãe, objeto de amor, formam dois
laços psicologicamente distintos, que subsistem na vida mental da criança por certo tempo,
sem interferência recíproca. Com a integração da vida mental estes laços convergem entre si,
dando origem ao complexo de Édipo normal (ou positivo), no qual a identificação com o pai
adquire uma tonalidade hostil e ambivalente, e o menino passa a desejar substituí-lo em seu
31
lugar junto à mãe. Na história da identificação com o pai, o caminho pode inverter-se, ou
seja, o pai passa daquele que o menino gostaria de ser (objeto de identificação) a ser aquele
que gostaria de ter (objeto de amor) Édipo invertido. Quanto à menina, as coisas se aplicam
da mesma forma, com as devidas substituições.
Em O Ego e o Id (1923) Freud aponta para os efeitos gerais e duradouros das
primeiras identificações da mais primitiva infância: as identificações com o pai em sua pré-
história pessoal ou identificação primária, direta e imediata, anterior a qualquer catexia de
objeto, que é reforçada posteriormente pelas escolhas objetais relacionadas aos pais, as
identificações secundárias masculina e feminina. Estas dependerão, em grande parte da
força relativa das disposições sexuais da criança, masculina e feminina, elementos de sua
bissexualidade constitucional.
Como resultados da dissolução do complexo de Édipo positivo se consolidam as
identificações secundárias: o menino abandona a catexia objetal da mãe e intensifica sua
identificação com o pai, consolidando a masculinidade de seu caráter; da mesma forma, a
menina intensifica ou inicia sua identificação com a mãe, o que estabelecerá seu caráter
feminino. No complexo de Édipo negativo ocorre a inversão, e os pais do mesmo sexo são
tomados como objeto de amor, enquanto os do sexo oposto serão tomados como objeto de
identificação pela criança. A preponderância de uma ou outra das disposições sexuais se
reflete na intensidade das identificações, materna ou paterna, do indivíduo.
- O superego herdeiro do complexo de Édipo: Além das transformações das
catexias de objeto em identificações, o declínio do complexo de Édipo origina o superego,
derivado do complexo paterno e representante das relações com os pais, como fruto da
admiração e temor a eles, que perpetua sua influência dentro da criança. Através desta
instância, a autoridade do pai é introjetada no ego, assumindo a sua severidade e perpetuando
32
a proibição contra o incesto, defendendo o ego do retorno da catexia libidinal. Parte das
tendências libidinais pertencentes ao complexo de Édipo serão dessexualizadas e sublimadas,
e as demais serão inibidas em seu objetivo e transformadas em impulso de afeição. Na
medida em que a criança se desenvolve, o papel do pai é exercido por professores e outras
pessoas colocadas em posição de autoridade, mas suas imposições e proibições permanecem
poderosas no superego exercendo a censura moral através da consciência, e as exigências ao
entrarem em conflito com as ações do ego, produzem um sentimento de culpa.
?Segundo Melanie Klein
- O mundo interno da criança e as figuras parentais: Klein introduziu na Psicanálise
o conceito de objeto interno, uma de suas contribuições mais significativas. Em 1952, aborda
a situação emocional do bebê a partir do nascimento, quando se iniciam suas primeiras
experiências com a alimentação e a presença da mãe, desenvolvendo com ela uma relação de
objeto. Esta é a princípio uma relação de objeto parcial, uma vez que os impulsos orais,
libidinais e destrutivos são dirigidos em particular para o seio materno evoluindo para uma
relação de objeto total, com a posição depressiva. Há uma interação permanente, em
proporções variadas, entre esses impulsos, o que corresponde à fusão entre as pulsões de vida
e de morte. O bebê vivencia ansiedades provenientes de fontes internas e externas; a ação
interna da pulsão de morte origina o medo do aniquilamento, causa primária da ansiedade
persecutória.
A experiência de nascimento constitui a primeira fonte externa de ansiedade, que
fornece o padrão para todas as situações de ansiedade posteriores, influenciando as primeiras
relações do bebê com o mundo externo. A perda do estado intra-uterino, assim como a dor e
o desconforto sofridos pelo bebê são sentidos como perseguição. A ansiedade persecutória
33
participa da relação com os objetos desde o inicio, nos momentos em que o bebê é exposto a
privações.
Um aspecto da teorização kleiniana a ser destacado, mencionado em Nosso Mundo
Adulto e suas Raízes na Infância, é de que embora tenha reconheça a importância dos fatores
externos no desenvolvimento emocional do individuo, Klein (1959) dá maior ênfase aos
fatores internos. Os impulsos destrutivos inatos sofrem variações entre os indivíduos, sendo
parte integrante da vida mental, ainda que as condições ambientais sejam favoráveis.
Em Sobre a Saúde Mental, Klein (1960) aborda a importância da relação primordial
da criança:
A primeira e fundamental relação, na qual a criança experimenta sentimentos tanto de amor
quanto de ódio, é a relação com a mãe. A mãe não apenas se apresenta como objeto externo, mas
também o bebê toma para dentro se si (introjeta, segundo Freud) aspectos de sua personalidade.
Se os aspectos bons da mãe introjetada são sentidos como predominando sobre os aspectos
frustradores, essa mãe internalizada se torna um alicerce para a força de caráter, pois o ego
pode desenvolver suas potencialidades sobre tal base. Isso porque, se ela puder ser mantida
como alguém que guia e protege mas que não domina, a identificação com ela torna possível a
paz interior. O êxito dessa primeira relação se estende às relações com outros membros da
família, em primeiro lugar com o pai, e se reflete nas atitudes adultas, tanto no círculo familiar
como em relação às pessoas em geral. (p.307)
Para Klein (1921/1970) como a mãe é o primeiro objeto que habita o mundo interno
do bebê e também o primeiro objeto de amor e ódio; é amada e odiada com toda a
intensidade e vigor que caracterizam as suas primeiras necessidades. Ela é objeto de todos os
seus desejos e está ligada em sua mente a tudo o que experimenta. Quando a mãe a alimenta,
alivia a sua fome e fornece o prazer sensual ao sugar o seio, é amada pelo bebê; quando sente
fome, dor ou desconforto físico, o bebê tem seus impulsos agressivos despertados e a mãe
passa a ser odiada. Amor e ódio lutam entre si na mente do bebê, luta que persiste na vida
mental durante toda a vida e está presente nos relacionamentos humanos.
34
O pai desempenha papel importante na vida emocional da criança e influencia
igualmente todos os relacionamentos amorosos posteriores, mas o relacionamento com ele,
como figura gratificadora, amiga e protetora, é parcialmente modelado sobre o da mãe.
- O Complexo de Édipo e superego precoce e as identificações: As concepções
kleinianas de complexo de Édipo e Superego precoces originam uma nova visão a respeito do
processo de identificação com as figuras parentais, antecipando a ocorrência destes processos
tal como havia sido proposto por Freud, e redimensionando o papel do pai na vida emocional
da criança.
Em 1928, Klein publicou Primeiras Fases do Complexo de Édipo, no qual apontou a
emergência das tendências edípicas ao fim do primeiro ano e princípio do segundo ano de
vida. Estas decorrem da frustração oral imposta à criança pelo desmame, reforçadas pelas
frustrações anais sofridas durante o treinamento do controle de esfíncteres, que são o
protótipo de todas as frustrações sofridas durante a vida.
Desde o início, os desejos edípicos produzem o medo, ainda que incipiente, de
castração, e sentimento de culpa, este último, decorrente da introjeção dos objetos de amor
edípicos, ou seja, já como produto da formação do superego. Este se origina de diferentes
identificações, datadas de diferentes períodos e estratos da vida mental. Nestas identificações,
de natureza extremamente contraditória, coexistem a bondade e o rigor excessivos. Este
superego primitivo tem as características sádicas dos impulsos das fases pré-genitais, pois
seu rigor corresponde aos sentimentos de culpa decorrentes dos desejos sádico-orais e sádico
anais.
Em artigo de 1958, Sobre o desenvolvimento do Funcionamento Mental, Klein situa o
início do superego em época anterior ao início do complexo de Édipo, que ocorre no segundo
trimestre do primeiro ano de vida, junto ao começo da posição depressiva.
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? Segundo Donald Winnicott
- A importância do ambiente: Em sua teoria sobre o desenvolvimento emocional do
ser humano, Winnicott conferiu um peso determinante ao ambiente, representado inicialmente
pela mãe, seguida pelos pais, família, o círculo social mais amplo e a sociedade. Em seus
trabalhos, observa-se a tentativa de traçar uma linha de desenvolvimento que vai desde o
estado de preocupação primária da mãe, passando pelo estado de dependência absoluta do
bebê e chegando à independência relativa, alcançada com a inserção do indivíduo adulto na
sociedade.
Segundo Winnicott (1962) as mães, em condições normais, desenvolvem um estado
de preocupação materna primária durante a gravidez. Este estado as prepara para o
desempenho da função materna, favorecendo a sua comunicação com os bebês, através do
qual se identificarão com suas necessidades vitais de ser segurado ao colo, mudado de lado,
deitado e levantado, acariciado e alimentado de uma forma que vai além da satisfação
instintual.
De acordo com Winnicott (1968), nas etapas iniciais do desenvolvimento, ainda não
existe separação entre o bebê e o ambiente; a mãe, como representante do ambiente, fornece
um holding, fundamental para o desenvolvimento do ego do bebê. O pai, como parte do
ambiente, funciona como apoio que protege a mãe da realidade exterior, capacitando-a a
proteger o bebê de fenômenos externos imprevisíveis, que perturbariam a continuidade da
existência e processo de integração do self. Com o decorrer do desenvolvimento, o bebê
introjeta a crença na confiabilidade do ambiente baseado na experiência com a mãe, que
através da adaptação às suas necessidades, proporciona-lhe a sensação de segurança e o
sentimento de ser amado. Nessa comunicação silenciosa, o bebê registra apenas os efeitos
dessa confiabilidade e só tomará conhecimento se esta lhe faltar. As inevitáveis falhas da
maternagem, se não corrigidas a tempo, colocam o bebê em estado de carência. A criança
36
que experimenta falhas fundamentais de adaptação vivencia uma intensa ansiedade, com
conteúdos intoleráveis de despedaçamento, queda e completo isolamento, devido à
inexistência de qualquer forma de comunicação e de disjunção entre psique e soma, o que
poderá trazer seqüelas ao processo inicial de integração da personalidade.
- A posição depressiva como marco fundamental no desenvolvimento emocional:
Winnicott (1954) considera que a posição depressiva é alcançada como resultado favorável
da sustentação oferecida pela mãe neste período crítico de vida, o que ocorre por volta da
segunda metade do primeiro ano de vida. A condição para esta conquista é que o bebê tenha
se estabelecido como pessoa total e se relacione como uma pessoa total com pessoas totais.
Através da maternagem suficientemente boa e da sobrevivência da mãe por um
período de tempo, integram-se gradualmente os dois aspectos da mãe na mente da criança: o
meio ambiente que cuida - mãe da relação dependente e o meio ambiente que excita - mãe
objeto do amor pulsional. O amor e o ódio coexistentes no bebê poderão ser separados, inter-
relacionados, e gradualmente controlados de dentro, possibilitando a elaboração das
experiências pulsionais.
Ao alcançar o estádio da preocupação, a criança evolui de uma crueldade inicial em
relação ao objeto, para a possibilidade de sentir remorso, isto é, o início do sentimento de
culpa, conquista significativa em termos de desenvolvimento emocional, que a capacita a
manter relações interpessoais.
-O papel da família no desenvolvimento emocional do adolescente: Winnicott (1961)
compreende que o papel da família durante a adolescência é parte de um fenômeno
evolutivo, que se inicia com o cuidado materno e prolonga-se até o interesse da família pelos
37
filhos adolescentes. Aponta para a necessidade humana de dispor de um círculo cada vez
mais amplo de cuidado identificado ao colo, braços e cuidados da mãe, através do qual
passará de um estado de dependência quase absoluta à autonomia do adulto.
A família é a única entidade que pode dar continuidade à tarefa da mãe (seguida pelo
pai) de atender as necessidades do indivíduo como a satisfação dos impulsos instintivos e
recebimento de suas contribuições criativas ou generosas, e a aceitação da rebeldia e o
retorno à dependência, próprias da adolescência. A família do adolescente é a estrutura mais
apta para suportar essa dupla exigência: a tolerância face à rebeldia e a exigência dos
cuidados, tempo e dinheiro dos pais.
No desenvolvimento saudável, apesar da rebeldia que o leva para o mundo mais
amplo que a família, o indivíduo conserva a capacidade de transitar com liberdade entre a
dependência e a independência, pois a unidade familiar permanece intacta, proporcionando a
oportunidade de desenvolvimento da autonomia. A presença de irmãos também favorece a
iniciação na vida social, na medida em que as relações familiares têm um poder aglutinador,
possibilitando a manifestação de sentimentos hostis com segurança. Winnicott (Ibid, 1961)
aponta a importância da família intacta, enunciando um princípio geral:
[...] na medida em que a família permanece intacta, tudo na vida do indivíduo relaciona-se em
última instância com seu pai e sua mãe. A criança pode ter-se afastado dos pais na vida e na
fantasia inconsciente, e pode tirar proveito disso. Não obstante, o inconsciente sempre retém o
caminho de volta aos pais. Na fantasia inconsciente da criança, toda demanda remete-se
fundamentalmente ao pai e à mãe. A criança aos poucos vai exigindo cada vez menos dos pais,
mas isso se passa em nível da fantasia inconsciente. Na realidade, o afastamento só se dá em
relação à figura externa dos pais. Esse fato constitui como que um cimento da família, pois as
figuras reais da mãe e do pai permanecem vivas na realidade psíquica e interior de cada um de
seus membros. (p.134)
A família é fundamental para que o indivíduo atinja a maturidade emocional, na
medida em que, proporciona um caminho de transição entre o cuidado dos pais (ou da mãe) e
a vida social, que é, em muitos aspectos, uma extensão das funções da família. Esta contribui
38
de duas maneiras: de um lado, oportuniza a volta à dependência a qualquer momento, e de
outro, permite a saída para um circulo social cada vez mais amplo, o que resulta em uma
identificação com agrupamentos ou instituições sociais, sem perder o sentido de continuidade
pessoal e o contato espontâneo.
? Outros autores
Knobel (1981) aponta para a poderosa influência da família como primeira expressão
da sociedade na formação da personalidade do adolescente e no processo de adolescência dos
filhos. Todas as situações pelas quais o indivíduo passa em seu desenvolvimento como o
nascimento, o desmame, as constelações pré-edipianas, as ansiedades de castração e de
separação e os conflitos da adolescência, são dificultados ou facilitados em função do
relacionamento com os objetos do meio intrafamiliar.
O autor ressalta a importância dos objetos externos, em seu potencial de gratificação
ou frustração, como determinantes do desenvolvimento emocional da criança, aonde a
realidade externa vai plasmando e condicionando o mundo interno. A realidade interna é
construída através dos processos de introjeção e projeção, na qual as figuras parentais
assumem importância fundamental, e secundariamente, os demais objetos do meio familiar.
Em sua busca de uma nova identidade em nível consciente e inconsciente, o
adolescente tem como modelo o seu mundo interno, construído sobre as imagens parentais.
Se estas figuras foram introjetadas satisfatoriamente, contribuem positivamente na
elaboração das crises internas e no enfrentamento das condições externas vividas durante a
adolescência.
Segundo Aberastury & Salas (1978/1984) o vínculo pai-filho é fundamental na
compreensão do desenvolvimento, tanto normal como patológico, indicando algumas fases
decisivas no desenvolvimento do menino:
39
Ainda que, suponhamos, a figura do pai seja fundamental ao longo de toda a vida do menino,
há dois momentos em que adquire um destaque crucial, em que sua atuação real é decisiva
para que o menino possa resolver seus conflitos. Um momento que denominamos de
organização genital precoce entre os seis e doze meses de vida, com a iniciação do triangulo
edípico. O outro é de entrada na adolescência, quando a maturação genital obriga a criança a
definir seu papel na procriação, nas meninas com a aparição da menstruação e nos meninos
com o surgimento do sêmen. (p.72)
No período que vai dos seis aos doze meses, a falta de contato corporal com o pai
pode produzir uma carência que está na raiz do desejo homossexual posterior, como uma
busca de substitutos paternos. No segundo ano de vida da criança, com o estabelecimento
interno do casal parental, a mãe mantém suas funções ligadas ao cuidado físico cotidiano,
proporcionando estabilidade e coesão, enquanto o pai proporciona a conexão com o mundo
externo, contribuindo para o desprendimento da mãe.
Durante a adolescência, ambos os pais são importantes para a identidade genital,
especialmente a mãe com a filha e o pai com o filho. Dispor da presença paterna possibilita a
separação da mãe e uma fonte de identificação masculina, imprescindível para ambos os
sexos. Pais e mães substitutos também podem oferecer fontes de identificação necessárias,
tendo em vista a bissexualidade constitucional, e satisfazerem as necessidades básicas da
criança nos diferentes níveis de desenvolvimento.
Aberastury (Ibid, 1984) cita estudos que concluem que a falta de normas, a fraqueza
do pai, sua ausência real ou psicológica, trazem como resultado uma severidade doentia do
superego. A falta de limites do pai laissez-faire gera uma imagem de abandono e solidão, que
produz internamente uma exigência paralisante e atormentadora, onde a criança procura
dentro de si os limites que lhe faltam externamente. O pai ausente pode levar o filho a ocupar
seu lugar em um processo de identificação, assumindo um lugar de adulto e pai, e ficando
impedido de desenvolver uma identidade própria.
40
1.2.2. Efeitos da privação das figuras parentais
? A privação materna
Em Cuidados maternos e Saúde mental (1981/2002) Bowlby enfatiza que a qualidade
dos cuidados parentais recebidos pela criança em seus primeiros anos de vida produz efeitos
profundos e duradouros, lançando as bases da saúde mental do adulto. A criança precisa ter a
vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe, ou com alguém que
desempenhe esse papel de forma regular e constante, numa relação que possa ser vivida com
prazer e satisfação para ambos, o que leva a uma profunda identificação recíproca.
A criança que não dispõe desta relação sofre uma privação, o que abrange diversas
situações:
- Privação parcial: situações em que a mãe é incapaz de proporcionar os cuidados
amorosos de que necessita a criança, ou desta ser afastada dos cuidados de sua mãe e
substituída por alguém que fica em seu lugar;
- Privação quase total: situações em que a criança é entregue a uma instituição, onde
não dispõe de uma pessoa determinada que lhe dedique cuidados pessoais e forneça
segurança.
As seqüelas da privação variam em função do grau em que ocorre e da idade e
condições emocionais da criança para lidar com suas emoções e impulsos. Na privação
parcial a criança é acometida de angústia, sente uma necessidade exagerada de amor, e fortes
sentimentos de vingança, e em conseqüência, culpa e depressão, o que poderá resultar em
distúrbios nervosos e uma personalidade instável. A privação total tem um alcance muito
maior sobre o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, podendo mutilar
completamente a capacidade de relacionamento com as pessoas.
41
Além da privação materna, outras situações podem prejudicar a criança como a
rejeição materna inconsciente subjacente à atitude amorosa, a necessidade excessiva da mãe
de demonstrar amor, o prazer inconsciente da mãe com um comportamento da criança,
concomitante à sua condenação.
Três tipos de experiências podem levar ao desenvolvimento de uma personalidade
incapaz de afeição e delinqüente em algumas crianças: falta total de ligação com uma figura
materna nos primeiros três anos de vida, privação por período limitado, de três a seis ou mais
meses, nos primeiros três ou quatro anos de vida, e mudanças de uma figura materna para
outra durante o mesmo período.
O autor (Ibid, 1981/2002) considera o papel do pai secundário na vida da criança
pequena, e seu valor aumenta quando já é mais independente dos cuidados maternos. Sua
importância nos momentos iniciais da vida da criança ocorre principalmente através do apoio
material e emocional à mãe, o que repercute no cuidado com o bebê.
Para o autor, a importância da família no desenvolvimento emocional da criança
decorre da possibilidade de encontrar um relacionamento com alguém que se coloque a
disposição do outro de forma contínua, mesmo quando esta sofre os efeitos, em algum grau,
da negligência parental. Refere estudos que comprovam que as crianças se desenvolvem
melhor em maus lares do que em boas instituições, mantendo fortes ligações com os pais,
apesar de nem sempre receberem cuidados adequados. Isso demonstra que pior do que um lar
insatisfatório é a inexistência de um lar.
42
? A privação paterna
Biller (1970)
*
elaborou extensa revisão sobre pesquisas que investigaram os efeitos
da ausência do pai no desenvolvimento da personalidade da criança, especialmente do
menino. Salienta que o fator ausência do pai não deve ser isolado de outros fatores
intervenientes, como tempo de duração desta ausência, meio sócio-cultural, disponibilidade
de parentes como modelos substitutos, e as diferenças individuais no comportamento
maternal.
Dentre os fatores relacionados pelo autor, enfocaremos aqueles mais diretamente
relacionados ao tema deste trabalho, ou seja: papéis sexuais, relacionamentos interpessoais e
desenvolvimento de psicopatologias.
Efeitos primários da ausência paterna se manifestam em termos de déficits e/ou
anormalidades no desenvolvimento do papel sexual masculino (Biller & Borstelmann, 1967;
Burton & Whiting, 1961; Nash, 1965; Winch, 1962; Yarrow, 1964, apud, Biller, 1970).
Teorias da identificação consideram que os meninos aprendem a ser masculinos através da
identificação com o pai e a imitação de seu comportamento (Bandura & Walters, 1963; Biller
& Borstelmann, 1967; Bronfenbrenner, 1960, apud, Biller, 1970). Estudos que buscam
estabelecer relações entre a ausência paterna e os estágios de desenvolvimento do menino
indicam que a ausência do pai em fase anterior aos quatro ou cinco anos tem,
particularmente, profundos efeitos no desenvolvimento da masculinidade (Hetherington,
1966, apud. Biller, 1970). Os primeiros dois a três anos de vida têm importância crucial na
formação da orientação individual básica do papel sexual, podendo ser um período critico no
desenvolvimento do papel sexual, o que pode indicar que a ausência paterna em diferentes
*
Considerando a importância das informações obtidas através das pesquisas sobre privação paterna compiladas
por Biller (1970) optamos por utilizar o sistema de citação de citação dos autores, tendo em vista as dificuldades
de acesso a este grande número de artigos internacionais.
43
fases etárias afeta dimensões diferentes do desenvolvimento da personalidade. (Money, 1965
e Hampson, 1965, apud. Biller, 1970).
Biller (Ibid, 1970) refere que alguns estudos avaliam os diferentes graus de
disponibilidade paterna. Diversos padrões de ausência paterna devem ser considerados como
tipo (constante/intermitente), duração, causa, sexo e idade da criança e qualidade da interação
mãe-filho. O pai pode estar ausente e ter uma presença psicológica para seu filho, que pode
ter lembranças das interações passadas e/ou desenvolverem a percepção de seu pai através do
que outros falam a seu respeito e a criança pode ter um pai substituto em um parente, amigo
ou professor, o que influencia seu desenvolvimento. Por outro lado, a criança pode ter o pai
morando em casa e não ter com ele uma relação significativa. Estudos demonstram que a
qualidade da relação entre pai-filho é mais importante do que a quantidade de tempo que o
pai está em casa (Biller, 1968
a, apud. Biller, 1970
O contato com homens adultos tem um papel importante no desenvolvimento do
papel sexual do menino, pois funcionam como modelos paternos substitutos: irmãos, tios,
avôs e hóspedes, vizinhos, professores, assim como estrelas da TV, atletas, heróis da ficção.
Os meninos que sofrem da ausência paterna, mas tem irmãos, são mais masculinos do que
aqueles que têm irmãs, especialmente em famílias com dois filhos (Biller, 1968a: Brim,
1958; Brown, 1956; Koch, 1956; Sutton-Smith, Roberts &Rosenberg, 1964, apud. Biller,
1970).
A ênfase na masculinidade das gangues adolescentes pode prover os meninos de
classe baixa com pai ausente de modelos masculinos substitutos. Em classes ou culturas nas
qual a instrumentação da agressão e as proezas físicas têm importante significado para
aceitação dos pares, os meninos com pai ausente se esforçarão para apresentar este
comportamento, que pode ser uma defesa contra o comportamento feminino que aprenderam
44
com as mães, que serviram de objetos primários de identificação durante os anos de pré-
adolescência (Miller, 1958, apud. Biller, 1970).
A ausência paterna pode estar associada com conflitos do papel sexual e um grande
esforço em torno da masculinidade freqüentemente toma a forma de comportamento de
acting-out agressivo, o que é sugerido em inúmeros estudos (Bacon, Child, & Bary, 1963;
Burton &Whiting, 1961; McCord, McCord&Thurber, 1962; Miller, 1958;
Rohrer&Edmonson, 1960; Siegman, 1966; MacDonald, 1938; Wylie & Delgado, 1959, apud.
Biller, 1970). Rapazes de classes baixas, criados somente pelas mães, em seus esforços
constantes para provar sua masculinidade, envolvem-se com mais freqüência em atos anti-
sociais do que aqueles com pais presentes. (Miller, 1958, apud. Biller, 1970).
Estudos sugerem a maior ansiedade em crianças cujo pai está ausente; a ansiedade
nestes casos pode ser decorrência da não resolução da situação edípica (Fenichel, 1945, apud.
Biller, 1970).
Muitos estudos sugerem que indivíduos que tenham tido pais ausentes tem maior
probabilidade de exibir algum grau de psicopatologia, como comportamento depressivo
(Beck, Sehti, & Tuthill, 1963; Haworth, 1964; Keeler, 1954; Travis, 1933, apud. Biller,
1970), distúrbios severos de comportamento e/ou esquizofrenia (e.g., Farina, 1960; Johnson
&Meadow, 1966; Lidz, Parker & Cornelison, 1956, apud. Biller, 1970) e neuroses (Ingham,
1949; Madow & Hardy, 1947; Norton, 1952, apud. Biller, 1970).
Um estudo sugere que a ausência paterna é mais provável de ser relacionada a sérios
distúrbios psicológicos em classes baixas comparados com indivíduos de classe média; as
famílias de classe média, especialmente no que se refere à relação mãe-filho, possuem mais
recursos psicológicos e econômicos para enfrentar a ausência paterna (Cobliner, 1963, apud.
Biller, 1970).
45
A relação mãe-filho tem efeitos positivos ou negativos no desenvolvimento da
personalidade de crianças de pais ausentes. (Bach, 1946; Colley, 1959; Biller, 1969a,
Hilgard, Neuman, &Fisk, 1960; McCord, mcCord &Thurber, 1962, Pedersen, 1966, apud.
Biller, 1970). A reação da mãe à ausência do marido pode ter grande influência na extensão
em que isso afeta seu filho, necessitando com freqüência de suporte psicológico e
econômico. (Baker et al,1968; Glasser &Navarre, 1965; Hartley, 1960; Hill, 1949; Kriesberg,
1967; Schlesinger, 1966, apud. Biller, 1970).
Alguns estudos revistos por Biller and Weiss (1970 apud. Biller, 1970) indicam que
as meninas podem ser afetadas em seu desenvolvimento pela ausência paterna, assim como
os meninos, mas outros estudos sugerem que meninas são menos afetadas do que os meninos.
É provável que ambos os sexos sejam afetados pela ausência paterna, mas a extensão e
direção desse prejuízo dependem da dimensão do desenvolvimento da personalidade que está
sendo considerada.
46
1.3. ADOLESCÊNCIA E ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS
Apesar do embasamento psico-biológico que lhe confere características universais, a
adolescência é influenciada profundamente por fatores sociais, econômicos e culturais, o que
determina grande parte de suas manifestações. Muitos autores da contemporaneidade
abordam a relação entre a adolescência e o contexto sócio-cultural, de acordo com uma visão
psicanalítica da relação indivíduo-sociedade, o que será utilizado como complemento à
compreensão do fenômeno da adolescência.
1.3.1. Adolescência nas classes sócio - econômicas desfavorecidas
Levisky (1998) aborda as questões relacionadas à classe social a que pertence o
adolescente, o que interessa particularmente neste trabalho, tendo em vista que os sujeitos da
pesquisa pertencem às classes sócio-econômicas desfavorecidas.
Aponta um fenômeno da época atual, os adolescentes profissionais, provindos de
famílias de classes mais abastadas, que apesar de serem cronologicamente adultos não abrem
mão de seus privilégios infantis, e mantém-se num estado de dependência afetiva e
econômica da família que lhes dá suporte e proteção, prolongando o seu estado de
imaturidade. Por outro lado, os jovens de classes desfavorecidas têm uma passagem muito
curta pela adolescência, tendo que se preocupar com a sobrevivência e assumir a vida adulta
precocemente, sem que tenham tempo suficiente para elaborar e amadurecer os conflitos da
adolescência. Estes adolescentes entram em contato direto com a realidade, assumindo um
nível de autonomia e responsabilidade que não lhes permite falhas ou questionamentos, o que
restringe o campo das experiências intelectuais e afetivas, em comparação aos jovens de
classes sócio-culturais favorecidas.
47
Essa opinião é corroborada por Osório (1992) que apesar de considerar a adolescência
um processo universal, que ocorre em linhas gerais em todo e qualquer adolescente,
independente da matriz sócio-cultural a que pertence, não ocorre da mesma forma para os
adolescentes de classes desfavorecidas. A adolescência, como período de moratória ou
preparação para a idade adulta, é um privilégio dos jovens das classes mais abastadas, não
permitido aos jovens que tem que lutar pela subsistência. Estes experimentam a puberdade,
enquanto período de mudanças corporais, mas lhes é permitido vivenciar o processo de
elaboração de perdas infantis e assimilar as aquisições adultas, características da adolescência
em seus aspectos psicológicos, o que exige espaço e tempo inacessíveis aos que estão
vivendo a fome e a miséria. Se as necessidades básicas de alimentação e agasalho estiverem
asseguradas, podem-se encontrar os eventos psicodinâmicos que configuram o processo
adolescente.
Ranna (1998) destaca a presença de duas situações opostas na realidade dos
adolescentes brasileiros, como conseqüência da grande desigualdade econômica: os
adolescentes que vivem a falta da falta, que tudo tem e podem e não precisam desejar mais
nada, e os adolescentes cuja falta é radical. Estes dois extremos da escala social - os filhos da
carência e os filhos da abastança - se aproximam, sofrendo os efeitos desta situação. Refere
que as coisas fundamentais devem ser apenas suficientemente boas, parafraseando Winnicott,
pois tanto a ausência como a falta, vivenciadas em um grau suficiente favorecem a
constituição de uma organização psíquica que suporta as inevitáveis dificuldades da vida.
Arpini (2003) enfatiza a carência de suportes identificatórios dos adolescentes das
classes populares, cujos pais também se encontram em situação de fragilidade e precariedade
como sujeitos sociais, o que atribui à estrutura social e econômica mais ampla. Menciona o
fenômeno atual das famílias mono-parentais, em que a mãe fica sendo a única responsável
48
pela manutenção da casa, devido à instabilidade do pai ou por seu afastamento decorrente de
morte ou separação, situação esta agravada quando associada à pobreza.
Sarti (apud Arpini, 2003) refere que a sobrecarga de funções destas mães pode levar a
um relacionamento em que a autoridade é mantida através da rigidez e violência, com
dificuldades de demonstrar afeto, considerando o temor dos filhos a única forma de colocar
freios aos impulsos e demandas da adolescência. A ausência da figura paterna cria uma nova
dinâmica familiar, que leva a mãe a ser mais rígida com os filhos, na intenção de preencher o
vazio deixado pelo pai, além de ficar mais vulnerável emocionalmente pelo acúmulo de
preocupações e angústias, o que também se reflete na qualidade da relação que estabelece
com os filhos.
Ranna (2005) aborda questões pertinentes à realidade do adolescente brasileiro, cujo
problema mais grave é a alta taxa de mortalidade por causas externas, entre as quais se
destacam as mortes violentas, como homicídios, suicídios e acidentes. As mortes decorrem
do envolvimento com ações ilegais e criminosas, em choques entre grupos ou com a polícia,
ou de conflitos entre os jovens que terminam em morte. Os jovens podem ser vítimas ou
agentes, pois não há uma relação direta entre violência e pobreza, embora isso seja
parcialmente verdadeiro. O comportamento de risco dos jovens envolve fatores individuais e
sociais, decorrentes das falhas das funções parentais, somadas à falta de acolhimento e de
oportunidades, num cenário de carência social e falta de seriedade do Estado no desempenho
de suas funções. São problemas comuns na constituição familiar atual os casos de ausência
paterna, com adolescentes que são filhos da primeira ligação da mãe e são hostilizados pelo
padrasto. Estes filhos são superprotegidos pelas mães, que os tornam parceiros de suas
desilusões e submetem aos seus caprichos, gerando um quadro recorrente onde os jovens
fracassam nos estudos e não se destacam em atividades esportivas ou artísticas. Sua vida
escolar torna-se sem valor, também por falhas no sistema educacional brasileiro, não
49
encontrando oportunidades para descobrir competências e vocações. Responde com
manifestações agressivas às frustrações, e ao obter mais liberdade envolve-se no consumo de
drogas ilegais. No sexo feminino, a menina, com freqüência, encontra saída para o difícil
caminho em direção à vida adulta, através da gravidez precoce, que a coloca no papel de
cuidar de um bebê, como solução inconsciente de retorno à condição infantil.
1.3.2. A família e a produção da subjetividade contemporânea
Mayer (2001) aponta as mudanças na subjetividade da sociedade contemporânea, na
qual organizações psíquicas de nível neurótico vão perdendo terreno para organizações mais
narcisistas, relacionando a geração destas novas organizações psíquicas às influências sócio-
familiares. As subjetividades contemporâneas têm se constituído através de eixos cada vez
mais centrados em representações e crenças narcísicas e angústias primitivas de
intrusão/separação, e menos naquelas decorrentes do complexo de Édipo e da angústia de
castração. Este fenômeno está relacionado à estrutura familiar e aos modelos e valores
culturais interiorizados no decorrer da história pessoal. Entre diversas razões para essa
mudança, o autor aborda uma delas: a família, especificamente a relação mãe-filho, campo
onde se estrutura o psiquismo infantil.
O que acontece no vínculo materno-filial é parte do que acontece no seio das famílias
como um todo. A desproteção dos indivíduos diante da violência e insegurança social se
reproduz na falta de coesão e comunicação no meio familiar; o enfraquecimento da
autoridade parental, da tradição e dos ritos familiares, a instabilidade e labilidade dos
vínculos familiares, a perda do contorno dos papéis na família e na sociedade (pai, mãe,
filho, homem, mulher, criança). Esta situação repercute no vínculo materno-filial, com o
fracasso da função materna: a mãe tem dificuldade de interpretar adequadamente as
50
necessidades do bebê; numa inversão dos apoios, a criança passa a ser o apoio afetivo da
mãe; a mãe é incapaz de dar passagem à criança em direção ao pai e às demais instituições da
cultura, deficiências que fazem parte de um perfil de mãe intrusiva. São mães que
estabelecem uma relação de poder com o filho, usurpando o seu espaço de desenvolvimento,
não reconhecendo sua singularidade e autonomia, e impedindo-o de desenvolver-se como ser
dela separado.
O cenário familiar e social é carente de modelos identificatórios adequados, com uma
figura paterna inoperante e uma figura materna imprevisível e intrusiva, produzindo-se
indivíduos com fortes traços narcísicos, que se comportam como se os outros fossem eternos
provedores, partes de si mesmos e submissos a sua vontade.
Emmanuelli (2006) comenta a respeito das mudanças sociais que estão ocorrendo em
nível mundial, com mudanças no núcleo familiar e aumento de filhos de pais separados,
diferente das famílias tradicionais, onde a família extensa estava presente. Estas mudanças do
tecido social levam ao desaparecimento de tradições e vínculos. A célula familiar esta só e
isolada, tendo que encontrar formas individuais de lidar com o crescimento dos filhos
Considera que a diminuição das proibições sexuais na sociedade atual promoveu uma
maior liberdade sexual aos adolescentes, mas isso não elimina os conflitos psíquicos
inerentes à sexualidade; as dificuldades se deslocam para o campo narcísico, com uma
preocupação excessiva com o desempenho sexual. Nas antigas sociedades as patologias
prevalentes estavam relacionadas às proibições sexuais, como as neuroses; na sociedade atual
existe uma evolução das patologias do narcisismo borderlines, problemas de atuação e
condutas de risco, como a delinqüência, violência, fugas, tentativas de suicídio,
automutilações, toxicomanias, anorexia, bulimia, problemas decorrentes da não elaboração
dos conflitos psíquicos. (informação verbal)
*
*
Informação fornecida por Emmanuelli em curso ministrado no Programa de Pós-graduação em Psicologia
Clínica da Universidade de São Paulo em 2006.
51
1.4. ADOLESCÊNCIA E PSICOPATOLOGIA
Em sua obra de 1905, Três Ensaios de uma Teoria da Sexualidade, Freud alertou para
a possibilidade da ocorrência de perturbações patológicas no momento da puberdade:
Como em todas as outras ocasiões em que se devem realizar no organismo novas combinações
e composições que levam aos mecanismos complexos, também aqui há uma oportunidade para
perturbações patológicas, caso estas reordenações não se realizem. Todas as perturbações
patológicas da vida sexual devem ser consideradas, justificadamente, como inibições do
desenvolvimento. (p.196)
Chabrol (1990) contesta a visão psicanalítica da adolescência como momento de crise
ligada aos conflitos da maturação inerentes ao desenvolvimento, posição teórica que
favoreceu a banalização da psicopatologia do adolescente, que passou a ser considerada
passageira e de resolução espontânea. Relata que inúmeros estudos empíricos, no final dos
anos 60, comprovaram que as perturbações psicopatológicas nesta fase não desapareciam
espontaneamente, e quando não tratadas adequadamente progrediam para uma patologia do
adulto. Torna-se necessário fazer a distinção entre o normal e o patológico, e entre os
conflitos inerentes à maturação e os desvios ou paradas do desenvolvimento.
Kalina (1999) enfatiza o caráter crítico da adolescência, mesmo quando esta decorre
normalmente, mas salienta que é preciso dar atenção às manifestações que indicam estados
patológicos anteriores à crise da adolescência, que pode ser um fator desencadeante ou
influenciar o desenvolvimento de distúrbios psicopatológicos. A adolescência desenvolve-se
por um período prolongado, caracterizado por fenômenos progressivos e regressivos,
simultâneos ou alternados, que abrangem todas as áreas da personalidade corpo, mente e
mundo externo. A reestruturação pela qual passa a personalidade do adolescente tem como
eixo central os processos de elaboração dos lutos, que ocorrem, de um lado, em função das
aquisições progressivas em todos os níveis, e de outro, conforme os antecedentes histórico-
genéticos, e do meio social e familiar, este último, co-determinante no resultado desta crise.
52
Também Knobel (1992) considera a adolescência um período de desestabilização da
personalidade, cujas condutas poderiam ser consideradas patológicas, se não estivessem
circunscritas a esse período. Os fenômenos típicos da adolescência são denominados de
Síndrome normal da adolescência, uma entidade semipatológica perturbadora para o mundo
adulto, mas absolutamente necessária para o estabelecimento da identidade do adolescente.
Esta síndrome é produto da própria situação evolutiva e surge da interação do indivíduo com
seu meio e tem as seguintes características:
- busca de si mesmo e da identidade;
- tendência grupal;
- necessidade de intelectualizar e fantasiar;
- crises religiosas que podem variar desde o ateísmo ao misticismo extremo;
- dificuldade com a localização temporal e características de pensamento primário;
- evolução sexual manifesta do auto-erotismo à heterossexualidade genital adulta;
- atitude social reivindicatória com tendências anti ou associais de diversas
intensidades;
- contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta dominadas pela ação,
forma de expressão típica deste período da vida;
- separação progressiva dos pais;
- flutuações constantes de humor e estado de ânimo;
Este momento de crise essencial torna o adolescente mais vulnerável a sofrer os
impactos de uma realidade frustrante. As modificações do meio vão determinar a expressão
da normal anormalidade do adolescente, mas a realidade biopsicológica deste processo
evolutivo não deve estar condicionada às circunstâncias externas. O adolescente torna-se
especialmente vulnerável aos impactos projetivos de pais, irmãos, amigos e da sociedade,
53
encarregando-se dos conflitos dos outros e a assumindo os aspectos mais doentios do meio
que o circunda.
Para Emmanuelli (2005), não se deve banalizar as manifestações da adolescência com
o argumento de que é uma crise que passa por si mesma, pois exige um intenso trabalho de
elaboração psíquica do sujeito, o que pode desencadear saídas patológicas. Envolve a
integração da identidade sexual, o remanejamento das relações infantis e um trabalho de
separação, que implica numa reorganização das instâncias psíquicas e numa mudança radical
do funcionamento mental e da organização da personalidade, com conseqüências decisivas.
Refere que a psiquiatria infantil e os psicanalistas de adolescentes resistem a
enquadrá-los em categorias nosográficas, devido ao receio de petrificar um processo ainda
evolutivo, e de tomar como uma patologia fixa problemas que podem ser modificados.
Aponta a necessidade de compreender esses problemas através de uma avaliação diagnóstica
do funcionamento psíquico, a fim de determinar o grau de bloqueio, e as capacidades do
sujeito para levantá-lo e se organizar de maneira duradoura. Devem-se considerar as
manifestações sintomáticas atuais dentro da economia psíquica do sujeito, a fim de avaliar a
significação e o peso e prever sua evolução, dimensionando os riscos reais presentes em
certos sintomas e condutas.
54
1.5. ADOLESCÊNCIA E RISCO SOCIAL
1.5.1. Risco e vulnerabilidade social
Arpini (1999) considera situação de risco social aquela onde existe a falta ou ausência
de garantias mínimas de proteção, amparo e sobrevivência que assegurem ao indivíduo o
direito a cidadania, o que abrange desde os aspectos econômicos situações de pobreza ou
miséria até as questões sociais e familiares - situações de maus tratos, abandono e
violência.
Encontra-se também na literatura o termo vulnerabilidade social, empregado em
sentido similar ao de risco social, para designar indivíduos e grupos sujeitos a exclusão
econômica e social. O PCS - Programa de Capacitação Solidária (2001), em sua publicação
sobre os jovens e sua vulnerabilidade social aponta alguns fatores que expõem o jovem a uma
maior vulnerabilidade social:
- Local de moradia: jovens moradores de bairros de classes populares favela, local
invadido, periferia, subúrbio, estão mais vulneráveis a violência; a ação da criminalidade e do
narcotráfico, apesar de disseminada pelos grandes centros urbanos, está mais concentrada nos
bairros periféricos e zonas centrais das cidades, o que leva a um índice maior de violência
nessas regiões; soma-se a isso a discriminação que o jovem sofre por morar nestes locais;
- Sexualidade: constitui uma área de vulnerabilidade para os jovens, quando falta o
acesso às informações pertinentes aos aspectos ligados à reprodução e ao exercício da
sexualidade;
- Família: constitui uma área de vulnerabilidade quando a família é rígida e
autoritária; nas classes populares persiste um modelo familiar tradicional e patriarcal, cuja
visão bastante rígida em relação aos filhos decorre da falta de flexibilidade nas relações entre
gêneros e gerações;
55
- Escola: a vulnerabilidade de estudar em escola pública, quando esta reproduz um
espaço de carência e exclusão;
1.5.2. Fatores de risco e de proteção
Segundo Trombetta e Guzzo (2002) risco e proteção são dois pólos de uma mesma
variável funcionando num continuum: a resiliência está no pólo positivo das diferenças
individuais das respostas ao estresse e às adversidades, e a vulnerabilidade ocupa o pólo
oposto, relacionado ao risco, à susceptibilidade e aos resultados negativos no
desenvolvimento. Resiliência significa o equilíbrio entre os fatores de risco (eventos
estressantes, as ameaças, os perigos, o sofrimento e as condições adversas) e os fatores de
proteção (forças, competências, o sucesso, e a capacidade de reação e enfrentamento), ou
seja, a capacidade do individuo em termos de resistência e força necessária para manter a
saúde mental durante a vida.
Serão apresentadas algumas pesquisas sobre fatores de risco e de proteção,
compiladas por autores como Trombetta e Guzzo (2002) e Hutz et al. (2002).
*
Segundo vários autores pesquisados por Trombetta e Guzzo (Ibid, 2002), os fatores
de proteção podem ser divididos em três categorias:
- Condições pessoais do sujeito: Auto-estima positiva, temperamento flexível,
controle interno, habilidades pró-sociais, habilidade para lidar com as próprias emoções,
expectativas positivas quanto ao futuro, senso de humor, otimismo, entusiasmo, mente aberta
e receptiva a novas idéias e experiências, disciplina pessoal e responsabilidade,
reconhecimento e desenvolvimento dos próprios talentos, identificação com modelos
*
Considerando a importância das informações obtidas através das pesquisas sobre os fatores de risco e de
proteção compilados por Trombetta e Guzzo (2002) e Hutz et al. (2002) optamos por utilizar o sistema de citação
de citação dos autores, tendo em vista as dificuldades de acesso a este grande número de artigos internacionais.
56
positivos, busca de autonomia, capacidade de adaptação, tolerância ao sofrimento, variedade
de interesses, capacidade de comunicar sentimentos de forma adequada, estabilidade
emocional, engajamento em diferentes atividades e comportamento direcionado a metas.
- Condições familiares do sujeito: coesão, estabilidade, flexibilidade, adaptabilidade,
consistência, independência, identidade própria, respeito e compartilhamento de objetivos,
expectativas, valores e crenças (Garmezy, 1991; Werner, 1989; Grossman et al. 1992, apud
Trombetta e Guzzo, 2002). Também são condições familiares protetoras a qualidade das
interações, a estruturação de um sistema de apoio que reforça o senso de permanência,
estabilidade e a busca de soluções favoráveis (Antoni e et al., 1999, apud Trombetta e Guzzo,
2002). Pais amorosos e competentes que fazem elogios, interessados, preocupados e
participantes da vida escolar dos filhos, com auto-estima positiva e satisfação com a vida,
fornecem condições de oferecer aos filhos um clima familiar favorável e uma boa
comunicação (Amerikaner et al. 1994; Brooks, 1994; Garmezy, 1982, apud Trombetta e
Guzzo, 2002). A percepção positiva do vínculo por ambos, mãe e filho (Cecconello, Krum e
Koller, s/d, apud Trombetta e Guzzo, 2002), relação próxima com pelo menos um dos pais,
atenção focalizada no primeiro ano de vida, poucas separações do primeiro cuidador e
ausência de abuso físico (Bowlby, 1990; Werner, 1989; Herrenkol, Herrenkol e Egolf, 1994,
apud Trombetta e Guzzo, 2002) são condições familiares favoráveis.
- Condições ambientais do sujeito: apoio ou suporte oferecido fora do círculo
familiar, ou seja, um ambiente que possibilite a comunicação aberta, limites definidos e
realistas, tolerância aos conflitos, garantia de privacidade, respeito, reconhecimento e
aceitação, busca de reconciliação, receptividade às novas idéias, oportunidade de
experiências de sucesso, um círculo de amigos, com a presença de pelo menos um adulto
57
significativo. A autora destaca a escola e a comunidade como espaços fundamentais para o
cuidado e proteção de crianças e adolescentes em condições de vida difíceis, trazendo a
oportunidade de viver outro padrão de interação, favorecendo o desenvolvimento sadio.
Como fatores de risco, Tombetta e Guzzo (Ibid., 2005) enumeram:
-Pobreza crônica (Compas e et al. 1995; Winfield, 1995, Rutter, 1987; Hutchinson e
et al.1992; Albee, 1982, apud Trombetta e Guzzo, 2002);
- Sexo masculino (Rutter, 1987, apud Trombetta e Guzzo, 2002);
-Temperamento difícil com características como mau humor, baixa tolerância à
frustração, passividade, senso de inferioridade, comportamento destrutivo, auto-estima
negativa, ego frágil, inseguro e instável, cinismo e hostilidade, pobre habilidade de
comunicação, depressão, tentativa de suicídio e abuso de álcool e drogas, (Compas e et
al.1995, Rutter, 1987, Hutchinson e et al.1992, apud Trombetta e Guzzo, 2002);
- Exposição a eventos estressantes ou traumáticos de vida;
- Características ambientais que predispõem ao risco.
Três categorias de eventos ou mudanças introduzem potencialmente o risco na vida
dos indivíduos, exigindo o emprego de energia para a adaptação e causando estresse: as
transições que fazem parte do curso da vida e do processo de crescimento, o estresse
associado aos principais papéis desempenhados na vida e por último, eventos inesperados
como acidentes, doenças graves e desastres naturais. (Cohler, 1987; apud Spekman,
Goldberg e Hermam, 1993, apud Trombetta e Guzzo, 2002).
Os eventos considerados estressantes ou traumáticos por autores de pesquisas
relacionadas pela autora são: doença na família, divórcio dos pais ou conflito marital, perda
parental precoce que representa a falta de cuidado adequado, separações prolongadas da mãe
e ausência do pai no primeiro ano de vida, gravidez na adolescência, dificuldade na relação
58
entre pais e filhos, mudança da família e desemprego do provedor da família, o que
representa problemas financeiros.
Hutz et al. (2002) enfatizam o papel da família, considerada tanto como fator de
proteção como fator de risco, tendo em vista que é o grupo básico do indivíduo,
determinando o seu desenvolvimento. É responsável pela socialização da criança, através da
qual se dá a aquisição de comportamentos, habilidades e valores apropriados e desejáveis em
sua cultura (Steinberg, 2000, apud Hutz et al., 2002).
Também apontam o baixo nível sócio-econômico, considerado um dos fatores de risco
para o desenvolvimento psicológico e social. (Hutz, Koller, & Bandeira, 1996; Hutz e Koller,
1997; Lytton, 1990, apud Hutz et al., 2002) Outras situações que caracterizam as famílias
pobres, que operam como fatores de alto risco, são: baixa remuneração parental, baixa
escolaridade, famílias numerosas, e ausência de um dos pais (Hutz, Koller, & Bandeira,
1996, apud Hutz et al., 2002).
59
II . ADOLESCÊNCIA E MÉTODO DE RORSCHACH
Pesquisas com o Método de Rorschach em adolescentes
Não foram encontrados na literatura pesquisas com adolescentes em risco social
utilizando técnicas projetivas, o que parece limitado às investigações que partem de
perspectivas mais próximas à Psicologia Social e Fenomenologia, utilizando outros
métodos de investigação psicológica. Com exemplos citaremos algumas publicações
científicas brasileiras relacionadas à adolescência em situação de risco social, como os
estudos de Arpini (2003), Bandeira (1999) e Santos e Bastos (2002).
Arpini (2003) realizou um trabalho de pesquisa com adolescentes em risco social
de Santa Maria-RS, utilizando a história de vida como método qualitativo, buscando
compreender o modo como estes adolescentes representam sua história, seu cotidiano e
seus projetos em relação ao futuro. Foram utilizadas como técnicas as entrevistas abertas e
a observação participante com cinco adolescentes entre 14 e17 anos de idade, sendo três
do sexo feminino e dois do sexo masculino, participantes do Projeto Meninas na
Universidade Federal de Santa Maria e Meninos no Campus. Os resultados apontam
aspectos relacionados às experiências de ordem familiar, social e escolar, institucional e
de trabalho, entre outras. A experiência familiar indica um conjunto de vivências comuns,
como maus tratos, violência, constrangimentos em relação à vivência da sexualidade e
experiências de rejeição e perda. A autora detectou a inexistência de uma rede social para
a proteção e segurança de crianças e adolescentes sujeitos a situações de risco dentro da
família, e a necessidade de investimentos em instituições assistenciais que se tornem um
lugar possível para a construção de sujeitos. Outro aspecto apontado é a instabilidade
destes sujeitos em seu cotidiano familiar e escolar e nos projetos destinados a esse grupo
60
social. A relação entre estes jovens e a escola carece de afetividade, caracterizando-se
como uma relação de conflito e de desprezo, o que os afasta do universo escolar,
diminuindo seu desejo pela aprendizagem e profissionalização. Quanto ao projeto futuro
dos adolescentes, foi constatado um empobrecimento das expectativas, com uma visão de
futuro angustiante e que se resume na possibilidade de conseguir um emprego que garanta
condições de adquirir certa independência.
Bandeira (1999) realizou estudo para avaliar um projeto social do ponto de vista do
desenvolvimento psicológico de adolescentes que participaram do projeto Oficina Escola,
desenvolvido pela TRENSURB, de Porto Alegre/RS, que visa treinar adolescentes de
risco para o mercado de trabalho. O grupo de sujeitos da pesquisa é composto de 32
adolescentes, 21 meninos e 11 meninas, com idades entre 14 e 16 anos de idade. Os dados
foram coletados a partir de entrevistas individuais, questionários e grupos focais, através
da análise de conteúdo e metodologia fenomenológica. A conclusão mostra a importância
de projetos sociais objetivarem a diminuição de fatores de risco e preocuparem-se com
aspectos do desenvolvimento psicológico de seus participantes.
Santos e Bastos (2002) realizaram uma pesquisa-ação com adolescentes em risco
social e pessoal entre 10 e 18 anos de idade. Pretendiam demonstrar as mudanças na
dinâmica interativa dos adolescentes entre si e com os educadores, quanto à interação e
aos recursos pessoais construídos, a partir de uma breve caracterização de suas
concepções sobre risco-proteção, as concepções sobre si mesmos e seus projetos de vida.
Os resultados apontam para mudanças significativas e direcionamentos positivos no
processo de desenvolvimento dos adolescentes. Salienta-se a importância de otimizar e
construir espaços de convivência, oportunizando aos adolescentes o engajamento em
ações pró-sociais, encontrando, assim, rotas alternativas a suas trajetórias de risco.
61
Por outro lado, encontramos vários estudos científicos que utilizaram o Rorschach
como instrumento de investigação psicológica com adolescentes, como os trabalhos de
Fritsch & Holmstrom (1990), e Silvermann (1997), que estudaram as representações de
objeto. Outros trabalhos que abordam o processo de identificação na adolescência, como
Ames, Metraux e Walker (1959), Pinheiro & outros (2001), De Kernier e outros (2005).
Fritsch & Holmstrom (1990) propôs a modificação do conceito de Objeto
(S.J.Blatt et al. não publicado) na Escala Rorschach que pretende combinar os
componentes de precisão e maturidade das representações de objeto, avaliando a
qualidade de cada resposta segundo o nível da forma. Foram utilizados dados sobre o
comportamento e diagnóstico de 84 adolescentes internados (12.5 18.5 anos de idade)
com dependências variadas. O escore modificado foi diretamente relacionado ao
relacionamento com os pares, inteligência, saúde psicológica e teste da realidade, que
estão indiretamente relacionados à psicose, à hostilidade e ao comportamento
incontrolável. Resultados sugerem a utilidade da modificação com o fornecimento de um
escore contínuo, que leva em consideração a maturidade do desenvolvimento e a precisão,
as duas dimensões na qual o conceito de representação de objeto é baseado.
Silverman (1997) utilizou métodos psicanalíticos para investigar uma população
não-clínica na avaliação empírica do papel do pai no desenvolvimento feminino. O estudo
focalizou a influência da disponibilidade do pai como objeto de identificação no
desenvolvimento da identidade de gênero e do self da filha. Hipotetizou-se que filhas com
pais emocionalmente disponíveis terão menos restrições no desenvolvimento da
identidade do gênero e do self do que aquelas com pais emocionalmente indisponíveis.
Os instrumentos utilizados neste estudo foram o Inventário de Representações de Objeto,
a versão modificada de The Assessment of Self Descriptions designada como medida de
identidade do gênero, The Bem Sex-role Inventory, e a Escala de Separação-Individuação
62
aplicada às respostas do Rorschach. Resultados deste estudo indicaram que mulheres com
pais emocionalmente disponíveis desenvolvem melhor a identidade de papel sexual
masculino do que as mulheres com pais emocionalmente indisponíveis, o que sugere que
o pai influencia o tipo de comportamento de papel sexual atribuído pela filha a si mesma.
Mulheres com pais emocionalmente disponíveis têm também uma rica identidade do self,
mas não uma rica identidade de gênero do self. O estudo sugere ainda que a habilidade
para articular e integrar os multidimensionais aspectos da personalidade paterna, a
quantidade de contato com o pai, e a quantidade de contato com a mãe também influencia
aspectos do self e do desenvolvimento do gênero. Finalmente, outro resultado não
significativo é de que quanto mais terapia fez a mulher, mais articuladas e complexas as
representações femininas, mas menos essas mulheres vêem o pai como emocionalmente
disponível.
Ames e outros (1959) estudaram as tendências do desenvolvimento nas respostas
do Rorschach, através da análise de 50 registros de meninos e 50 meninas de cada idade,
entre as idades de 10 a 16 anos, residentes na área de Connecticut, de classe média
superior e inteligência acima da média. Identificaram as tendências de idade por idade e
apresentaram um protocolo ilustrativo para cada nível. Diferenças sexuais marcantes
foram encontradas, assim como muitos dos sinais de perigo listados como indicadores de
tendências neuróticas em adultos. As flutuações em cada variável nas idades sucessivas
representam mudanças na padronização total de respostas ao Rorschach e respondem
como variáveis individuais através de níveis sucessivos de reorganização de suas
personalidades.
Pinheiro e outros (2001) investigaram o processo de identificação de adolescentes
adictos à cocaína e seus pais. Foram estudados 402 sujeitos, no total de 134 tríades
familiares (pai-mãe e filho) subdivididos em 2 grupos de 67 tríades, um desses grupos
63
tendo um adolescente dependente de cocaína do sexo masculino (idade14 -24) e um grupo
de controle, devidamente combinado por idade e SES. O instrumento empregado foi o
Teste de Rorschach (1922) limitado à aplicação da escala de Lerner Defense Scale. Os
achados nas tríades afetadas se mostraram estatisticamente consistentes com a presença de
intensos processos de identificação patológica, especialmente entre pais e filhos, um sinal
da importância da presença de distúrbios da função paterna no desenvolvimento desta
adicção. A utilização de muitos mecanismos regressivos, principalmente a identificação
projetiva, foi o modo predominante de procedimento de tríades com um adolescente
dependente. A comparação entre os pais na proporção de identificação projetiva foi de
8.66 para 1, o que aponta a associação entre adição à cocaína e funcionamento mental
primitivo dos pais.
De Kernier e outros (2005), baseando-se em uma história de caso colhida em um
vasto corpo de pesquisas, se propõem a analisar os problemas de identificação ligados à
tentativa de suicídio de uma adolescente de 14 anos de idade. Esta tentativa de suicídio é
pensada em sua ligação com a natureza melancólica de suas identificações. A metodologia
da pesquisa usada aqui é a história de caso, associando entrevistas clínicas com resultados
em testes projetivos, o Rorschach e o TAT. Após a revisão da literatura sobre suicídio na
adolescência e do conceito de identificação na teoria psicanalítica, os autores analisam o
gesto suicida à luz do material clínico disponível, em particular, o material de testes
projetivos analisados de acordo com método psicanalítico. Esta análise confirma as
observações de outros especialistas sobre a extrema sensibilidade à perda apresentada por
adolescentes que tentam o suicídio, o que enfatiza a contribuição esclarecedora do estudo
das identificações.
Outros estudos utilizaram o Rorschach com adolescentes para compreender a
drogadicção, tais como Caglar (1981), que estudou a estrutura psicológica do adolescente
64
toxicômano, centrando-se em três eixos principais: a identidade estrutural dos jovens
drogadictos e de estados fronteiriços, sua elaboração fantasmática e simbólica e a
constituição da personalidade através das imagos parentais. O Rorschach foi aplicado em
três grupos distintos compostos de 22 politoxicômanos graves, 22 pacientes psiquiátricos,
e 20 adolescentes normais, como idade média aproximada de 19 anos. A autora concluiu
que não existem evidências de uma estrutura psicológica específica dos toxicômanos, que
apresentam um mosaico de traços de personalidade que recobre o estado fronteiriço.
Quanto à fantasmática simbólica, os processos primários do pensamento prevalecem nos
toxicômanos, o que também os aproxima dos estados-limite. Os resultados da pesquisa
confirmaram a hipótese de etiologia psicogenética na construção da personalidade
toxicômana.
O Rorschach também foi utilizado para a compreensão dos sistemas familiares de
adolescentes. Shulman (1982) examinou o sistema familiar de 33 adolescentes de 12-18
anos de idade consultados em psicoterapia. Instrumentos incluíram o Rorschach de
classificação da tarefa e do consenso da família. As famílias eram caracterizadas pela
disfunção que não permitiam que o adolescente conseguisse uma gradual e efetiva
separação da família, impedindo que o adolescente deixasse o sistema ou empurrando-o
para uma separação prematura. Um tipo de sistema familiar caracterizava-se pela
excessiva pressão para a coesão e o acordo enquanto o segundo tipo ficava a uma
distância sensível.
Encontramos a utilização do Rorschach em adolescentes brasileiros nos estudos de
Aguirre (1985), Santoantonio (2001) e Campagna (2003).
Aguirre (1995) estudou a gravidez na adolescência através de um grupo de 40
gestantes adolescentes de 12-16 anos de idade, atendidas em serviço de assistência pré-
natal de três hospitais públicos de São Paulo, utilizando o método clínico sob o referencial
65
psicanalítico, o Método de Rorschach e entrevistas semi-dirigidas. Os resultados indicam
que a gestação não foi intencional em 90% dos casos, e é vivida com intensa angústia e
poderosos bloqueios afetivos pelas gestantes que não dispõem de maturidade psíquica
para o estabelecimento de um relacionamento de casal e desenvolvimento de um vínculo
saudável com o bebê. O feto não seria percebido como uma criança, fruto de uma relação
com o parceiro, mas como uma extensão de si própria. No plano inconsciente, o feto seria
a concretização das fantasias pré-edípicas ou edípicas. A ocorrência da gestação parece
derivar de conflitos inconscientes próprios da adolescência normal, convertidos em
atuações para evitar etapas dolorosas da transformação de criança em mulher adulta.
Depreende uma problemática de identidade ligada a um relacionamento ambivalente e/ou
simbiótico da adolescente com a própria mãe.
Santoantonio (2001) estudou as características de personalidade de 30 adolescentes
de 12 a 17 anos de idade, do sexo feminino, pacientes com lúpus eritematoso sistêmico
por meio do método de Rorschach. O grupo controle contou com 32 adolescentes não
pacientes, pareadas segundo idade, sexo, e nível sócio-econômico. Foi verificada uma
diferença importante quanto ao nível de escolaridade, causada pela ausência às aulas em
virtude da doença. Há uma tendência a utilizar os processos de pensamento na resolução
de problemas, nos 2 grupos. As pacientes apresentam elevada interiorização dos afetos,
maiores dificuldades no manejo habitual e situacional do estresse, baixa auto-estima e
auto-percepção, embora não tenha sido encontrada diferença estatística significante entre
os grupos. O déficit relacional está presente nos dois grupos, porém as pacientes
revelaram menor habilidade para resolver questões da vida cotidiana. Foi observado,
ainda, que quanto maior a constrição afetiva, maior o grau de atividade da doença.
Campagna (2003) estudou os aspectos da identidade feminina no início da
adolescência através de uma pesquisa com 20 meninas de 12 anos, de classe média e alta da
66
cidade de São Paulo, através de entrevistas, Desenhos da Figura Humana e o Método de
Rorschach. A autora observou que as jovens têm uma auto-imagem mais negativa do que
positiva, e identificam-se muito com os pais e outros familiares, assim como com os colegas
e modelos veiculados pelos meios de comunicação. Essas identificações são mais fantasiosas
do que reais, pois as adolescentes vivem um momento de restrição nas relações e elevado
egocentrismo. Concluiu que o início da adolescência feminina é uma fase de fragilidade
egóica devido às pressões internas e externas, e que o meio social dificulta o processo de
reorganização da identidade ao impor padrões idealizados de beleza e não oferece um lugar
de pertencimento a essas jovens.
Emmanuelli e Azoulay (2001) realizaram um extenso estudo com adolescentes
utilizando o Rorschach e o TAT, destacando as problemáticas da adolescência: problemática
edípica, problemática narcísica e problemática de perda do objeto. Foram utilizados estudos
de casos de adolescentes normais, hospitalizados e em processo psicodiagnóstico, com
diversos registros psicopatológicos. Esta obra decorre da prática clínica e da experiência
docente universitária das autoras com os métodos projetivos, e visa o aprendizado e
aperfeiçoamento da utilização destes métodos na adolescência.
67
III . OBJETIVO E JUSTIFICATIVA
Este estudo teve como objetivo investigar os processos de identificação de
adolescentes em risco social, que se encontram engajados em um programa de inserção social
de uma organização não governamental.
Estes adolescentes estão inseridos em um ambiente familiar e social que os torna mais
vulneráveis à marginalidade e a violência, mas se engajaram em um projeto que visa o
desenvolvimento pessoal e profissional, ao contrário de grande número de jovens em
situações semelhantes, que derivam para a marginalidade e a criminalidade, o que assume um
significado de busca de uma melhor provisão ambiental.
Existem pesquisas com adolescentes em situação de risco social com enfoques
predominantes nos aspectos sócio-culturais e ênfase nas determinações provenientes do meio
social e familiar. Este estudo visa compreender estes adolescentes não só a partir das
condições externas em que se desenvolveram, mas principalmente em função do processo de
identificação através do qual são internalizadas as figuras parentais, ou seja, através da
compreensão da singularidade de cada um na construção de sua subjetividade.
A relevância social deste estudo decorre da dupla vertente de riscos aos quais estão
expostos os adolescentes nestas condições: além da adolescência potencializar os riscos de
distúrbios psicopatológicos, eles estão inseridos em um meio social e familiar caracterizado
como uma situação de risco social.
68
IV . MÉTODO
4.1. SUJEITOS
A coleta de dados foi realizada de março a novembro de 2005, junto à SOABEM -
Sociedade dos Amigos do Bem-Estar do Menor, entidade sem fins lucrativos que segue um
modelo não-governamental de inserção social com caráter assistencial, localizada em
Barueri, Município da Grande São Paulo. Sua atuação se dá através de núcleos e projetos de
atendimento a crianças, adolescentes e suas famílias, inserindo-os em atividades culturais,
pedagógicas e profissionalizantes.
Os sujeitos da pesquisa participavam do Projeto Agente Jovem composto de vinte e
cinco adolescentes com idade entre quinze e dezoito anos incompletos, que vivem em
situação de exclusão social, alguns deles encaminhados à entidade pelo Conselho Tutelar ou
pessoas da comunidade. Segundo dados divulgados em meio eletrônico pela ONG, “... o
maior desafio do próprio projeto é tirar a revolta e agressividade desses adolescentes, que
desde muito cedo conviveram com o vicio, as perdas e as privações. Muitos aqui perderam
amigos e parentes para o tráfico. Enfim, eles têm uma necessidade muito grande de agir com
violência”. (www. soabem. org. br).
Os adolescentes freqüentavam a entidade durante três dias da semana, das treze às
dezessete horas, desenvolvendo atividades que visavam proporcionar uma formação sócio-
cultural como inglês, espanhol, informática, jardinagem, marcenaria, português, matemática,
além de palestras e discussões sobre sexualidade, cidadania e outros assuntos relacionados ao
seu cotidiano. Estas atividades eram realizadas fora do horário em que estão na escola, uma
vez que a entidade exigia que estivessem freqüentando a escola ou se comprometessem a
retomar os estudos.
69
A amostra é composta de 10 adolescentes com idade entre 15-18 anos, sendo cinco do
sexo masculino e cinco do sexo feminino, escolhidos segundo critérios de inclusão
relacionados aos seguintes fatores de risco:
- Adolescentes encaminhados à entidade pelo Conselho Tutelar;
- Adolescentes residentes em bairros populares, por estarem mais vulneráveis à
violência e à criminalidade, assim como, à discriminação social;
- Adolescentes estudantes de escolas públicas, na medida em que estas reproduzem
um espaço de carência e exclusão;
- Adolescentes em precárias condições sócio-econômicas, com fatores de risco como
a baixa remuneração parental, o baixo nível de escolaridade dos pais, famílias numerosas ou
ausência de um dos pais;
- Adolescentes com situações familiares adversas como: separação prolongada da mãe
e ausência do pai no 1° ano de vida, doença na família, divórcio dos pais ou conflito marital,
dificuldades na relação entre pais e filhos ou desemprego do provedor da família;
4.2. INSTRUMENTOS
- Consultas aos prontuários dos adolescentes.
- Entrevistas semi-dirigidas com os adolescentes, pais ou responsáveis, segundo
roteiros em anexo, e entrevistas abertas com o coordenador e educadores do Projeto.
- Aplicação individual do Método de Rorschach.
70
4.3. PROCEDIMENTOS
Procedimentos realizados
Suj. Entrevistas
com os
coordenadores
e
educadores
Entrevistas
iniciais
com os
sujeitos
Entrevistas
com os pais ou
responsáveis
com a presença
do sujeito
Quem
compareceu
Contatos
finais
com os
sujeitos
S.1 2 2 1 Mãe 1
S.2 2 2 1 Mãe 1
S.3 2 2 1 Mãe 1
S.4 1 2 1 Mãe 0
S.5 1 2 1 Mãe 1
S.6 2 2 1 Tia materna 0
S.7 1 2 2 Pai
Pai e mãe
Negou-se a
participar
S.8 2 2 1 Mãe 0
S.9 2 2 1 Mãe 1
S.10 1 2 1 Mãe 0
- Contatos iniciais na ONG: Inicialmente tivemos três entrevistas abertas com o
coordenador do Projeto Agente Jovem, visando o conhecimento da sua estrutura e
funcionamento, bem como, de colocar nosso interesse em realizar a coleta de dados com
adolescentes em situação de risco social, esclarecendo acerca dos objetivos e procedimentos
da pesquisa. Ao final das primeiras entrevistas foram estabelecidas e aceitas as condições em
que seriam realizados os procedimentos da pesquisa.
Fomos apresentados aos adolescentes do projeto na sala de aula, quando fomos
inquiridas por eles sobre a profissão de psicóloga, sobre a Universidade em que estávamos
inseridas no programa de mestrado, encaminhando-se uma conversa onde alguns
adolescentes passaram a se colocar em relação à profissão desejada no futuro. Após essa
primeira aproximação, colocamos nosso objetivo de conhecê-los e à sua experiência no
projeto social, e que para isso seriam escolhidos alguns deles, tendo em vista a
impossibilidade de abranger todos os participantes. Explicamos que a participação consistiria
71
em algumas entrevistas, assim como com seus professores e pais ou responsáveis, no início e
final do ano, como forma de acompanhar a experiência de cada um deles no projeto.
-Processo de seleção dos sujeitos: Planejávamos uma amostra limitada a doze
sujeitos, como forma a focalizar a análise qualitativa dos dados. Começamos pelo estudo dos
prontuários dos adolescentes existentes na instituição, levantando os dados relativos às
condições familiares e sócio-econômicas, com vistas à escolha dos sujeitos que constituiriam
a amostra. Tendo feito uma pré-seleção de alguns sujeitos, tivemos novo contato com o
coordenador do projeto, visando recolher informações mais detalhadas sobre a situação
familiar e social de cada um deles, quando foram escolhidos os que se enquadravam nos
critérios de inclusão da amostra já descritos. Contudo, durante a coleta de dados, outros
fatores intervieram de forma a modificar a escolha inicial, tais como desistências e novos
ingressos no projeto social, o que exigiu nova triagem, até chegarmos ao número de dez
participantes.
-Processo Psicodiagnóstico: Após a entrevista com o coordenador do projeto social
prosseguimos com as entrevistas com os professores de Português e Matemática, que tinham
uma maior carga horária e convivência com os sujeitos. Visávamos obter informações
relativas ao desempenho intelectual, aproveitamento e comportamento em sala de aula, o
relacionamento dos sujeitos com os colegas educadores, e demais colaboradores da entidade,
ocasião em que surgiram também algumas informações sobre suas condições familiares e
sociais.
Os sujeitos eram trazidos à primeira entrevista pelos professores, quando os
convidávamos a participar da pesquisa. Em caso positivo, fornecíamos as informações sobre
os objetivos e procedimentos a serem empregados e entregávamos o Termo de
72
Consentimento que explicitava estas informações para que os pais ou responsáveis tivessem
conhecimento e dessem a sua anuência à participação dos filhos. Na entrevista seguinte
dávamos inicio às entrevistas semi-dirigidas com os adolescentes, seguidas da entrevista com
os pais ou responsáveis e aplicação do Método de Rorschach. Este teste projetivo foi
proposto como um recurso que favorecia a compreensão da dinâmica psicológica do sujeito.
Enviávamos então uma correspondência aos pais ou responsáveis, convidando-os a
comparecer, de acordo com o que já havia sido proposto no Termo de Consentimento.
Alguns deles atendiam ao chamado prontamente, mas na maioria dos casos tivemos que
entrar em contato telefônico para remarcar a entrevista, devido ao não comparecimento ao
primeiro chamado.
Como procedimento final, realizamos uma entrevista com os sujeitos nos mês
anterior ao término da programação anual, visando obter informações a respeito de suas
impressões sobre a participação no projeto social, assim como atualizar os dados sobre a sua
situação familiar e social. Neste período quatro adolescentes haviam abandonado o projeto
social por motivos diversos como trabalho, curso profissionalizante, motivos familiares ou
por insatisfação com o projeto.
-Local das entrevistas: No início utilizávamos as salas de aula que estivessem
disponíveis. No decorrer da coleta de dados nos foi destinada uma sala para as entrevistas,
mas este local tinha intenso trânsito de pessoas e não dispunha de condições acústicas
adequadas, não proporcionando a privacidade e o silêncio necessários à realização das
entrevistas.
-Freqüência das entrevistas: As entrevistas com os adolescentes foram realizadas
com o intervalo de três dias a uma semana, sendo seguidas pela aplicação do Rorschach após
73
alguns dias da última entrevista. Em alguns casos esta sistemática não foi cumprida devido à
falta do participante no dia previsto, ou em decorrência de atividades na entidade que
impossibilitavam a realização das entrevistas.
-Atitude dos entrevistados: Quanto aos adolescentes observamos uma variação de
atitudes que foram desde a demanda de atendimento psicológico até a recusa em participar.
A maioria se mostrou disponível, mas manteve certa reserva no contato, demonstrando receio
de se colocar mais livremente, o que compreendemos como decorrência da brevidade do
processo psicodiagnóstico. Alguns deles se mostraram não só disponíveis, mas ansiavam
pelos contatos, demonstrando necessidade de falar sobre si e as dificuldades pessoais e
familiares. Outros demonstravam muita necessidade de estabelecer um vínculo de confiança,
uma vez que estavam vivendo dificuldades de comunicação com alguns coordenadores e
educadores, vendo-nos como um adulto disponível para ouvir suas reivindicações. Mas em
um dos casos, apesar da concordância em participar, foi observada uma atitude de oposição
extrema, com uma restrição nas respostas às entrevistas e ao Rorschach. Em outro caso,
houve a desistência de participar após a 1ª entrevista, com a justificativa de que um colega
havia dito que era “louco” por conversar com a psicóloga, mas que este mesmo colega
desejava entrar em seu lugar, o que não foi possível por não se enquadrar nos critérios de
inclusão da amostra.
Quanto aos pais ou responsáveis que compareceram às entrevistas, observamos que a
maioria não atendia ao primeiro chamado, sendo necessário um ou mais contatos telefônicos
onde reiterávamos a necessidade de seu comparecimento. Algumas mães aproveitavam a
situação para colocarem suas dificuldades pessoais e familiares, demonstrando uma demanda
própria de ajuda psicológica. Outras focalizaram as questões do (a) filho (a), demonstrando a
necessidade de conversar sobre as questões diretamente relacionadas ao adolescente. As
74
entrevistas com os pais ou responsáveis foram realizadas, em sua maioria, com a presença do
adolescente, o que na maioria das situações nos pareceu produtivo por favorecer a expressão
direta das questões relacionais. Vale observar que a presença do adolescente junto aos pais
ou responsáveis durante as entrevista não foi planejada, mas ocorreu naturalmente, com a
vinda dos mesmos acompanhando os pais, fazendo com que modificássemos o procedimento
no decorrer da coleta de dados.
4. 4. ANÁLISE DOS DADOS
? Sobre as Entrevistas
A análise das entrevistas com os adolescentes e seus responsáveis, cujos modelos
estão em anexo, considerou os dados por ordenação de categorias em termos de freqüência
simples, tendo em vista que o presente estudo aborda um número reduzido de sujeitos, com
uma proposta de ênfase qualitativa. A caracterização da amostra considerou fatores como
idade, sexo, escolaridade e situação de risco social a que está sujeito o adolescente.
? Sobre o Método de Rorschach
A classificação das respostas ao Método de Rorschach seguiu a nomenclatura do
sistema francês do Rorschach, de Ombredane & Canivet, exposto em Augras (1969). Foram
utilizados os padrões normativos e o Atlas de localizações de Pasian (2000) para a população
adulta brasileira, segundo os dados obtidos com indivíduos de média escolaridade (três a oito
anos de estudo). A escolha por esta padronização decorre da inexistência de uma
padronização específica para os adolescentes brasileiros.
75
A análise dos dados obtidos na aplicação do Método de Rorschach foi dividida em
duas partes:
Na primeira parte foram feitas as análises individuais dos protocolos de Rorschach
dos sujeitos, nos aspectos quantitativos e qualitativos, de acordo com as formulações teóricas
de Rausch de Traubenberg (1971). A seguir procedemos a análise do grupo total e das
diferenças entre gêneros, abordando os fatores decorrentes da abordagem intelectual, da
afetividade e da socialização. É importante salientar que esta análise poderá indicar apenas
tendências dos grupos em relação aos valores normativos, visto que a amostra é reduzida a
poucos sujeitos.
A análise dos fatores decorrentes da abordagem intelectual abrange os modos de
apreensão, aparecimento e distribuição no teste, sucessão e qualidade intrínseca, e associação
aos determinantes; determinantes formais, distribuição dos F-, F+ e F±, em função do lugar e
da qualidade dos F nas determinantes duplas, e o nível de controle; número e qualidade das
respostas de cinestesia humana K; composição do A% e repartição das respostas banais.
Os fatores decorrentes da afetividade são os determinantes cinestésicos (K maiores e
k menores) e sensoriais (C e E), respostas ou comentários Clob, choques, escolhas e todas as
reações qualitativas, assim como os indícios de angústia.
Os fatores decorrentes da socialização estão parcialmente imbricados nos aspectos
intelectuais e afetivos, mas é necessário evidenciá-los através do estudo do modo de
abordagem ao teste, modo de apreensão, determinantes formais e duplas FC, FClob e FE,
conteúdos A e Ad e banalidades.
Na segunda parte foi realizada a análise quantitativa e qualitativa dos processos de
identificação, segundo as formulações teóricas de Chabert (2003), através do modelo de
análise da representação de si, que abrange a problemática de identidade e a problemática de
identificação sexual, enfocando diferentes aspectos que serão explicitados a seguir:
76
? Imagem do Corpo: A construção da imagem do corpo é uma aquisição fundamental,
que serve de suporte aos processos de individuação. A simetria das pranchas do Rorschach
em torno de um eixo médio induz o apelo ao corpo, devido a sua organização semelhante ao
esquema do corpo humano. A projeção do corpo é mais freqüente nas pranchas compactas:
- Prancha I: Situa o sujeito em relação ao teste e ao clínico, e as referências ao corpo
humano são sugeridas por suas características congruentes. A presença de respostas banais
nesta prancha atesta uma integração correta da unidade corporal percebida como um todo.
- Prancha IV: Evoca primeiramente a imagem de potência, que será organizada em
conformidade com o nível de integração, delimitação e definição da imagem corporal. A
presença de respostas com a estrutura de corpo humano ou antropomórfico (ex: gigante, ogro,
personagens potentes) recebem um valor positivo, assim como as representações de corpo
evocadas simbólica ou diretamente.
- Prancha V: Reconhecida como a prancha da identidade e da representação de si, está
mais ligada à problemática de identidade psíquica e à noção de self, do que à imagem do
esquema corporal. No entanto, é um dos últimos redutos que resiste aos ataques contra a
integridade corporal, após o aparecimento dos sinais patognomônicos da desintegração ou
fragmentação das pranchas pastéis. A resposta banal nesta prancha (borboleta ou morcego) é
uma das últimas banalidades presentes em protocolos patológicos, entretanto, é discutível a
sua validade como garantia de integridade corporal.
- Prancha VI: Apesar da construção simétrica, o simbolismo sexual pode mascarar o
apelo à imagem corporal, a qual pode se apresentar pelo surgimento de duplos em alguns
protocolos.
As pranchas de configuração bilateral (Pr.II, III e VII) colocam a representação do
corpo à prova. As imagens de corpo não integrado surgem em tentativas de apreensão global
de má qualidade formal, como se o esforço de globalização significasse uma busca
77
desesperada de unidade frente à dispersão ou fragmentação sentida no material, o que ocorre
com maior freqüência nas pranchas II e III, de intensa solicitação pulsional.
- Prancha II: Em suas fontes mais arcaicas pode ser apreendido como um todo
disperso, e a lacuna central sentida como fenda interna ou falha corporal fundamental,
revelando as dificuldades de unificação corporal e de delimitação dentro-fora. As manchas
vermelhas podem reforçar as vivências destrutivas de interior do corpo danificado.
-Prancha III: Supõe a referência à representação do corpo humano inteiro, através da
resposta banal de silhuetas humanas, mas também comporta questionamentos da vivência
corporal que revelam uma angústia de desintegração.
-Prancha VII: Sua peculiaridade dentre as pranchas de configuração bilateral está na
grande participação do branco, associado ao vazio e à falta, colocando à prova os limites
dentro-fora.
As pranchas pastéis podem evocar associações originadas de preocupações
hipocondríacas e/ou angústia de fragmentação, comuns em protocolos de psicóticos,
possibilitando a discriminação entre o funcionamento limite ou dissociativo.
-Prancha VIII: Pode originar respostas anatômicas de vísceras ou ossos (coluna
vertebral, ossos, pulmões rins, coração) ou de associações fragmentárias (dedos, mãos e pés).
- Prancha IX: Esta prancha, em especial, evoca o interior do corpo nos distúrbios dos
limites dentro-fora, com uma espécie de transparência do corpo, deixando a mostra órgãos e
vísceras.
- Prancha X: Tendo em vista a sua dispersão coloca em questão as capacidades de
unificação corporal, atingindo os sujeitos vulneráveis sob a forma de angústia de
fragmentação.
78
? A identidade e o investimento da imagem de si: O acesso à identidade pressupõe a
operação dos processos de individuação e diferenciação, possibilitando a desfusão e a
separação. O sentimento de identidade é correlato à construção da imagem corporal, e
implica no Rorschach no reconhecimento da diferença entre sujeito e objeto e pertencimento
ao mundo humano, com uma clara discriminação dos reinos mineral, vegetal, animal e
humano. As dificuldades neste processo podem se evidenciar através das representações de
duplos, da confusão de reinos dando origem a imagens híbridas e dos fenômenos decorrentes
do sentimento de despersonalização.
- Pranchas compactas (Pr.I, IV,V, VI): O esperado nestas pranchas é uma imagem
unificada, que testemunha uma separação efetiva e a individuação. Problemáticas desta
natureza podem ser verificadas através de respostas nas quais a linha média da prancha não é
vivida como eixo do corpo, mas como linha que separa duas entidades que se repetem como
partes idênticas e não complementares, favorecendo os mecanismos de clivagem.
Dentre as pranchas compactas, a prancha V é considerada a mais sensível à reativação
de problemas de identidade, e o lugar privilegiado das representações relacionadas à
identidade e ao narcisismo. A ausência de problemáticas ligadas à identidade se revela através
das respostas banais nesta prancha. Por outro lado, a fragilidade da representação de si se
traduz por manifestações de ordem narcísica: depressivas, megalomaníacas e onipotentes ou
exibicionistas.
- Pranchas de configuração bilateral (Pr. II, III e VII): A problemática narcísica pode
surgir nestas pranchas, que favorecem a evocação de relações em espelho. Evidências de
dificuldades no acesso à identidade são dadas através de personagens em duplo como réplicas
um do outro, ou através da dupla pertença a reinos diferentes.
- Pranchas pastéis (Pr.VIII, IX e X): Estas pranchas solicitam intensamente o
narcisismo dos sujeitos e induzem uma intensa regressão. As imagens podem trazer
79
manifestações simbólicas ou diretas de sofrimento, depressivas e falhas narcísicas, o que
demonstra a insuficiência do suporte objetal e um investimento de si insuficiente,
evidenciando a vivência de falta e insatisfação na relação precoce com o meio.
? O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: As
identificações sexuais, um registro simbólico mais evoluído, testam o reconhecimento das
diferenças sexuais, quando o acesso à identidade é atingido. As pranchas do Rorschach que
remetem a um simbolismo sexual dominante masculino ou feminino trazem também
referências concomitantes a ambos os sexos, respeitando a noção fundamental de
bissexualidade psíquica, especialmente nas pranchas II, IV, VII e IX.
As pranchas II, VII e IX tem um simbolismo lacunar dominante, enquanto que nas
pranchas IV e VI predomina o simbolismo fálico. Apesar de agrupá-las em termos de
simbolismo dominante, a autora enfatiza algumas peculiaridades destas pranchas:
- Prancha II: Remete à angústia de castração, e com freqüência traz referências
femininas situadas em fases do desenvolvimento psicossexual como gestação, nascimento,
regras menstruais, fantasmas de castração e de relações sexuais;
-Prancha III: Realiza a caricatura da bipolaridade sexual, com a representação de
corpos humanos susceptíveis de serem percebidos com seios e/ou pênis;
-Prancha VI: Geralmente é privilegiada a dimensão peniana;
-Pranchas II, VI , IV e IX: Evocam referências a símbolos ou imagens sexuais cruas;
-Pranchas III e VII: Mobilizam mecanismos de identificação a modelos sexuados, o
que se traduz por representações e tomadas de posição ativas e/ou passivas que atestam a
assunção de papéis sexuais. A prancha III pode originar identificações claras e sólidas ou
oscilações que testemunham a problemática de identificação sexual. Dificuldades na escolha
identificatória ficam evidentes através de respostas neutras (dois seres, duas pessoas, dois
80
personagens) A prancha VII favorece identificações femininas, quando apreendido em
configuração bilateral.
-Prancha VI: O simbolismo fálico dominante suscita tomadas de posição
identificatórias nas posições ativa ou passiva, não pressupondo uma referência masculina ou
feminina, podendo evocar associações ligadas à imago materna pré-genital. Quando a
aquisição das diferenças sexuais está consolidada, pode ser apreendido em sua dimensão
dinâmica e fálica, por meio de representações masculinas de potência (ex: gigante, homem
das neves, King-Kong).
-Prancha IX: Prancha de simbolismo materno-feminino.
?Os processos de identificação através das cinestesias humanas: Segundo Chabert
(2003) as respostas cinestésicas humanas do Rorschach contêm o elemento mais significativo
e pertinente na abordagem da representação de si, pois além da referência à imagem humana
inteira, existe uma condensação máxima do movimento que articula a identificação e a
relação com o outro.
As pranchas de configuração bilateral favorecem as cinestesias humanas e marcam a
orientação relacional e identificatória das representações humanas. As cinestesias solitárias
que surgem nos demais cartões, principalmente nos compactos, são aparentemente focadas na
imagem de si, mas é um recurso que pressupõe a relação com um modelo. Como a imagem de
si mesmo se desenvolve através de identificações sucessivas, é difícil discriminar se a
associação com uma imagem humana está relacionada ao sujeito ou à imagem parental.
O reconhecimento de uma imagem humana em certas configurações do Rorschach
demonstra a identificação do sujeito com sua espécie; ao atribuir qualidades específicas a
uma imagem genérica, destacadas da assimilação de certos traços (sexuais, afetivos,
comportamentais, psicológicos), o sujeito a transforma em relação a determinados modelos.
81
As cinestesias traduzem as representações pertencentes ao sistema mental do sujeito e
não podem ser confundidas com a sua realidade ou a dos seus pais. A análise das
representações humanas no Rorschach pode evidenciar os arranjos narcísicos e objetais, as
características das imagos parentais, e o que o sujeito pode viver e representar-se de si
mesmo.
O processo de individuação ou de identificação primária marca a separação entre
sujeito e objeto, aquisição mental que ocorre durante a posição depressiva, permitindo a
distinção entre eu-outro, o que pode ser observado através da qualidade das cinestesias
humanas. Cinestesias de boa qualidade se caracterizam pela clareza, diferenciação e
estabilidade e revelam a solidez da identidade do sujeito, situada na continuidade do ser, na
pertença ao mundo humano e na capacidade de se identificar com outro humano,
reconhecendo suas semelhanças e diferenças. Por outro lado, respostas cinestésicas com
conteúdos ambíguos (mistura de reinos) e a tendência a confundir os protagonistas (em
relação simbiótica ou de duplo) demonstram as dificuldades de delimitação entre o sujeito e o
outro.
O processo de identificação sexual estável e harmonioso se traduz no Rorschach em
representações humanas qualificadas claramente como masculinas ou femininas. A noção de
bissexualidade psíquica se torna necessária na compreensão da dialética identificatória no
Rorschach, o que aparece através da capacidade de o sujeito dar representações humanas
masculinas e femininas, com a polaridade dominante em concordância com a sua real
identidade sexual. Nestes casos as cinestesias se caracterizam por tomadas de posição
flexíveis, personagens identificados com facilidade, identidade sexual coerente com as
condutas projetadas, com um manejo em pequenas doses das energias libidinal e agressiva.
Também aparece a concordância entre as cinestesias humanas e a sensibilidade ao apelo
82
simbólico das pranchas, além da presença de outros conteúdos além dos humanos, que
mostram a dupla orientação masculino/feminino.
Por outro lado, os conflitos nas identificações sexuais produzem cinestesias nas quais
o confronto com as representações humanas é vivido com ansiedade, dúvidas e evitação.
Neste caso, as respostas se caracterizam pela presença de personagens com sexo não
identificado (ex: pessoas, alguém, indivíduos) com a esquiva do sujeito a tomar posição;
oscilação permanente entre atributos masculinos e femininos e alternância entre condutas
ativas, estênicas, potentes ou passivas, receptivas e frágeis. Os modelos sexuais são
caricaturas de hipervirilidade e feminilidade masoquista, com uma erotização da impotência,
isto é, representações opostas e extremas, que evidenciam a dificuldade do sujeito em
compreender as funções e papéis sexuais.
83
V . RESULTADOS
5.1. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
Tabela 1 Caracterização da Amostra
Gr. Suj. Idade/ Escolaridade Condições de Ingresso no
Projeto
Condições Familiares atuais
S.1
16a4m 1ªsérie E.M. Mãe procurou o Projeto, visando
ocupar o filho “.... para tirá-lo da
rua” (sic).
Mora com a mãe e um irmão de 19 anos. Pais separados desde os 5 anos de
idade. Pai é alcoólatra, sofre de tuberculose, com antecedentes criminais por
homicídio; mantém contatos esporádicos com os filhos e não colabora no seu
sustento. Mãe tem seqüelas de derrame cerebral, com paralisia motora. Pais
incapacitados para o trabalho. Mãe recebe aposentadoria pelo INSS e ajuda
assistencial da Prefeitura e SOABEM.
S. 2
16a8m 2ª série E.M. O sujeito procurou o Projeto “....
para buscar aprendizado, já que
em casa não tenho” (sic).
Mora com um primo de 20 anos, na moradia da avó materna. Mãe mora com o
companheiro e três filhos de 13, 12 e 5 anos de idade em local próximo. Pais
separados desde que tinha 5 anos de idade. Criado pela avó materna, falecida há
3 anos. Pai é alcoólatra; afastado do pai dos 5 aos 8 anos de idade, quando
retomou o contato com ele, apesar de esporádico. Relacionamento mais próximo
com a mãe, mas recusou-se a morar com ela após a morte da avó.
S.3
15a4m 1ª série E.M. A mãe procurou o Projeto,
visando “..... um futuro melhor
ara o meu filho” (sic) e a ajuda
financeira (bolsa de estudos).
Mora com a mãe e o padrasto, com quem tem um bom relacionamento. Pais
separados há 6 anos, conflitos entre os pais pós-separação perduram ainda hoje.
Afastou-se do pai “.... pois ele pediu que escolhesse entre ele e a mãe” (sic). A
irmã de 18 anos foi viver com o pai “... para ter mais liberdade e acabou ficando
grávida e é mãe solteira” (sic).
S.4
15a 4m 5ª série E.F. Encaminhado pelo Conselho
Tutelar por uso de drogas.
Mora com a mãe e os dois irmãos de 10 e 18 anos de idade. Pais separados há
alguns meses. Conflitos parentais. Esteve morando com o pai por alguns meses,
quando abandonou a escola e usou drogas, voltando a morar com a mãe.
Dificuldades de relacionamento com a mãe. Pais com problemas de saúde (pai
com hérnia de disco e mãe operada de tumor benigno na cabeça), incapacitados
para o trabalho, recebem benefícios pelo INSS.
?
S.5
15a3 m 8ª série E.F. O irmão mais velho o indicou,
pois participou do Projeto em ano
anterior e atualmente trabalha na
entidade.
Mora com o pai e seis irmãos, “.... perto da zona do tráfico” (sic). Família
numerosa (casal e oito filhos). Pai alcoólatra e agressivo no ambiente doméstico.
Conflitos conjugais. Irmão mais velho também bebe em excesso. Dificuldades no
relacionamento com o pai.
84
Gr. Suj. Idade Escolaridade Condições de Ingresso no
Projeto
Condições familiares atuais
S.6
15a 9m 2ª série E.M. A tia procurou o Projeto,
interessada em colocação em
emprego para a sobrinha.
É filha de mãe solteira e tem dois irmãos de 13 e 3 anos de idade. Há 3 meses
mora com os tios maternos e dois primos. Desde o nascimento foi afastada da
companhia materna por períodos intermitentes, quando era entregue aos cuidados
de amigos e familiares maternos. Não conhece o pai.
S.7
15a 6 m 7ª série E.F. Encaminhada pelo Conselho
Tutelar devido às fugas de casa e
comportamento agressivo no
ambiente familiar e escolar.
Mora com os pais e quatro irmãos adotivos, todos adultos. Adotada aos 4 anos de
idade, quando sua mãe biológica foi presa por tráfico de drogas. Até então vivia
na rua com a mãe e os irmãos. Dificuldades de relacionamento com a mãe e irmã
mais velha.
S.8
16a 1m 1ª série E.M. Encaminhada à entidade pelo
Conselho Tutelar por
envolvimento com traficantes de
drogas, comportamento agressivo
e problemas de disciplina na
escola.
Mora com a mãe e dois irmãos de 9 e 11 anos de idade. Filha de mãe solteira e
criada pela mãe e o padrasto desde os 15 dias de vida, era deixada durante a
semana com a madrinha. Mãe foi abandonada pelo companheiro há 2 anos.
Família vive de doações e venda de latinhas. Mãe com problemas de saúde há 9
anos (depressão, pressão alta, anemia profunda) com uso de medicação
psiquiátrica.
S.9
17a 1m 7ª série E.F. Encaminhada pelo Conselho
Tutelar, devido ao seu
comportamento agressivo no
ambiente familiar e escolar.
Mora com a mãe, o padrasto e um irmão de 19 anos de idade. Pais separados
desde os 11 meses de vida. Pai alcoólatra, afastou-se totalmente do contato com
os filhos após a separação. Tem bom relacionamento com o padrasto.
?
S.10
15a 3m 7ª série E.F. Encaminhada pelo Conselho
Tutelar, porque faltava muito à
escola, que denunciou o caso.
Mora com a mãe, o padrasto e dois irmãos de 18 e 23 anos de idade. Pais
separados desde que tinha um ano e meio de idade. Pai alcoólatra e com convívio
esporádico. Dificuldades no relacionamento com o padrasto. Mãe com problemas
de saúde (epilepsia e depressão) sem condições de trabalhar a 1 ano, recebe
auxílio-doença pelo INSS. Fugas de casa; comportamento rebelde e agressivo no
ambiente familiar e escolar. Irmão é usuário de drogas. Irmã engravidou aos 14
anos de idade.
85
5.2. ANÁLISE DOS DADOS DAS ENTREVISTAS COM OS ADOLESCENTES
Tabela 2 Dados de identificação dos adolescentes
Gr. Suj. Sexo Idade Naturalidade Escolaridade Local de residência
S.1 M 16a 8m Santana de
Parnaíba/SP
1ª série E.M. Santana do
Parnaíba/SP
S.2 M 16a 8m Osasco/SP 2ª série E.M. Barueri/SP
S.3 M 15a 4 m Vitória da
Conquista/BA
1ª série E.M. Barueri/SP
S.4 M 15a 4m São Paulo/SP 5ª série E.F. Jandira/SP
?
S.5 M 15a 3m Barueri/SP 8ª série E.F. Barueri/ SP
S.6 F 15a 9m Barueri/SP 2ª série E.M. Barueri/SP
S.7 F 15a 6m Vitória da
Conquista/BA
7ªsérie E.F. Barueri/SP
S.8 F 16a 11m Osasco/SP 1ªsérie E.M. Barueri/SP
S.9 F 16a 11m Barueri/SP 7ª série E.F. Barueri/SP
?
S.10 F 15a 3m Osasco/SP 7ªsérie E.F. Barueri/SP
Os dados de identificação dos adolescentes indicam que a maioria deles (6) encontra-
se na faixa etária de 15 anos, e o restante (4) está com 16 anos de idade. O grau de
escolaridade encontra-se dividido de forma igualitária com metade dos adolescentes cursando
o ensino médio, enquanto a outra metade cursa o ensino fundamental, evidenciando certa
defasagem destes sujeitos em relação ao nível de escolaridade esperado para sua faixa etária.
Quanto ao local de nascimento, observa-se que a maioria (8) nasceu em municípios da
Grande São Paulo, enquanto apenas dois são naturais de outros Estados da Federação. Todos
eles residem em municípios da Grande São Paulo, próximos à ONG promotora do projeto
social em que estavam inseridos.
86
? Saúde em geral
Tabela 3 - Condições de Saúde
Respostas
M F
N=10
Goza de boas condições de saúde 2 1 3
Boas, mas teve problemas respiratórios na
infância
2 2 4
Boas, mas tem tendência à anemia 1 1
Dores nas costas desde a infância 1 1
Problema cardíaco (“sopro no coração”) 1 1
Observa-se que sete adolescentes gozam de boas condições de saúde atualmente,
embora quatro destes mencionem alguns problemas de saúde na infância. Nos outros casos,
existe a tendência à anemia, queixa de dores nas costas desde a infância e a referência ao
problema cardíaco denominado “sopro no coração” (sic).
Tabela 4 - Condições do Sono
Respostas
M F
N=10
Dorme bem 1 1 2
Dorme bem, mas tinha muitos pesadelos na
infância
1 2 3
Períodos de insônia 1 1
Tem pesadelos com freqüência 1 1
Tem pesadelos freqüentes e sonambulismo 2 2
Dorme pouco, pois não tem tempo suficiente
para o descanso
1 1
Quanto às condições de sono, metade dos adolescentes tem um sono reparador, mas
três deles enfatizam que tinham muitos pesadelos na infância. Os demais relatam algum
problema relacionado ao sono: períodos de insônia, pesadelos freqüentes e sonambulismo, e
pouco tempo para dormir em função do trabalho e estudo.
Tabela 5 - Condições de alimentação
Respostas
M F
N=10
Apetite normal 4 3 7
Apetite em demasia/obesidade 1 1
Inapetência e gastrite 1 1
Faz dieta para não engordar 1 1
87
Quanto às condições de alimentação dos adolescentes, a maioria deles (7) relata ter
um apetite normal, enquanto os outros referem algum problema relacionado à alimentação.
? Desenvolvimento escolar
Tabela 6 - Condições de aprendizagem
Respostas
M F
N=14
Dificuldades de aprendizagem /disciplina com
repetências anteriores
2 2 4
Dificuldades de aprendizagem em alguma(s)
matéria(s) atualmente
2 2 4
Nunca teve problemas de
aprendizagem/disciplina
1 1 2
Observa-se que a maioria dos adolescentes (8) enfrenta dificuldades de aprendizagem,
passadas ou atuais, enquanto que apenas dois deles nunca tiveram de problemas de
aprendizagem e disciplina, com tendências semelhantes nos grupos de gênero.
Tabela 7 - Relacionamento com os colegas da escola
Respostas M F
N=10
Sem problemas de relacionamento 3 3 6
Algumas dificuldades de relacionamento 2 2
Está em adaptação em nova escola 2 2
A maioria dos adolescentes (6) afirma ter um bom relacionamento com seus colegas
de escola, enquanto que outros quatro adolescentes relatam alguma dificuldade nesta área de
relacionamento.
Tabela 8 - Relacionamento com os professores da escola
Respostas M F
N=10
Tem bom relacionamento em geral 2 1 3
Já teve discussões com professor (s) 4 4
Não gosta de algum(s) professor (s) 3 0 3
88
Quanto ao relacionamento com os professores da escola, observa-se que quatro
adolescentes do sexo feminino, já tiveram discussões com professores, e três adolescentes do
sexo masculino não gostam de algum professor, totalizando uma maioria de sujeitos (7) que
apresentam dificuldades neste aspecto, enquanto os demais afirmam ter um bom
relacionamento com os professores em geral.
Tabela 9 - Relacionamento na SOABEM
Relacionamento com os colegas
M F
N=10
• bom em geral 2 2 4
• dificuldades com colegas de sexo oposto 1 1
• relacionamento restrito 2 2
colegas “zoam” muito e o deixam
constrangido
1 1 2
• brigou com colega do sexo oposto 1 1
Relacionamento com os educadores
M F
N=10
• bom 3 3 6
• gosta do professor que conversa com os
alunos
1 1
• cita os que gosta / não gosta 1 2 3
Relacionamento com os coordenadores
M F
N=10
• bom 2 1 3
• preferia os coordenadores anteriores/não
gosta dos atuais
1 2 3
• atualmente os coordenadores não conversam
com os alunos
1 1
• não sabe 1 2 3
Quanto ao relacionamento com os colegas da SOABEM, quatro adolescentes, dois de
cada grupo, mantêm um bom relacionamento em geral. Nos demais casos existem referências
às dificuldades de relacionamento, em proporções semelhantes nos dois grupos : uma
adolescente relata dificuldades com o sexo oposto, dois adolescentes referem uma restrição
nos relacionamentos, dois reclamam que os colegas “zoam” muito, o que os deixa
constrangidos, e há, ainda, uma referência à briga com agressão física com colega. Esses
casos totalizam seis adolescentes com dificuldades na relação com os colegas da instituição,
o que, comparado com o relacionamento com colegas da escola, revela uma maior
dificuldade de integração com os colegas da instituição.
89
O relacionamento mantido com os educadores é satisfatório para seis dos
adolescentes. Nos demais casos, três deles demonstram preferências por algum professor
específico. Três adolescentes referem um bom relacionamento com os coordenadores,
enquanto os demais (3) fazem críticas à coordenação, como a preferência pelos
coordenadores anteriores ou a falta de comunicação entre a coordenação atual e os alunos,
refletindo a situação de mudança na instituição na época da coleta de dados. Observa-se que
em três casos, os adolescentes preferiram não responder esta questão.
Tabela 10 Motivação para a participação no Projeto Social
Respostas
M F
*N =13
Encaminhada (o) pelo Conselho Tutelar:
• por abstenção escolar
• por fugas de casa
1
1
2
Busca de conhecimento/aprendizagem 3 2 5
Ocupação do tempo livre 1 1 2
Interesse em aprender atividade especifica 1 1
Interesse na bolsa de estudos paga pelo
governo
1 1 2
Pais procuraram e não sabia o que era 1 1
* Este N refere-se ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta.
O motivo mais citado para a participação em projeto social foi a busca de
conhecimentos/aprendizagem, em proporção semelhante nos dois grupos. Existem duas
referências ao encaminhamento pelo Conselho Tutelar, ambas de adolescentes do sexo
feminino, o que torna compulsória a participação no projeto. Observa-se que este dado não
corresponde às informações recebidas dos coordenadores sobre o total de adolescentes da
amostra encaminhados pelo Conselho Tutelar, que totaliza cinco casos, o que pode ser
decorrente da omissão desta informação por parte de alguns adolescentes. Outras motivações
apontadas pelos adolescentes são: ocupação do tempo livre e interesse na bolsa de estudos
fornecida pelo governo aos participantes do projeto.
90
? Aspectos afetivos e relacionais
Tabela 11- Relacionamento Familiar
Relacionamento com a mãe
M F
N=10
• bom 4 1 5
• difícil (“mãe nervosa”) 2 2
• difícil (“mãe autoritária/ exigente”) 1 1 2
? difícil (“mãe é agressiva”) 1 1
Relacionamento com o pai
M F
N=10
• bom 1 1 2
• ruim 1 1
• pai é distante / convívio esporádico 3 1 4
• não conheceu o pai 3 3
Relacionamento com os irmãos
M F
N=10
• “normal” / “bom” 2 1 3
• brigas esporádicas 1 1
• brigas freqüentes 1 1
• difícil com algum(s) do (s) irmão(s) 3 2 5
Relacionamento com o padrasto
M F
N=6
• bom 2 1 3
• ruim/não gosta dele 3 3
No que se refere ao relacionamento com a mãe, observa-se que quatro adolescentes
do sexo masculino referem ter um bom relacionamento, enquanto que a mesma proporção de
adolescentes do sexo feminino aponta a situação inversa, com dificuldades nesta relação,
evidenciando uma maior incidência de problemas no grupo feminino, comparado ao grupo
masculino.
Constata-se que no grupo como um todo, apenas dois adolescentes mantêm um bom
relacionamento com o pai, enquanto oito dos adolescentes relatam alguma dificuldade ou
falta no relacionamento com o pai. No grupo masculino três adolescentes enfatizam o
distanciamento na relação como o pai, enquanto que no grupo feminino três informam não
ter sequer conhecido o pai.
91
A maioria dos adolescentes refere alguma dificuldade na relação com os irmãos,
enquanto apenas três deles considera ter um bom relacionamento.
Quanto ao relacionamento com o padrasto constata-se que de um universo de seis
adolescentes que convivem com o companheiro ou marido de sua mãe, a maioria é do grupo
feminino (4), sendo que apenas uma delas refere manter um bom relacionamento com o
padrasto. Já no grupo masculino os dois adolescentes que convivem com padrasto referem
manter um bom relacionamento com ele.
Tabela 12 - Relações sociais fora do ambiente escolar
Respostas
M F
N=10
Tem muitos amigos 2 2 4
Tem poucos amigos 3 3 6
Pouco mais da metade do grupo como um todo (6) refere ter poucos amigos fora do
ambiente escolar, enquanto os demais referem ter muitos amigos, apresentando-se a mesma
proporção entre os grupos de gêneros.
Tabela 13 - Relacionamento amoroso
Respostas M F
N=10
Namora atualmente 3 3
Já namorou /atualmente sem namorada (o) 4 1 5
Já “ficou” 1 1
Nunca namorou ou “ficou” 1 1
Observa-se que a maioria dos adolescentes tem ou já tiveram um relacionamento
amoroso, enquanto apenas uma adolescente do sexo feminino ainda não teve qualquer forma
de relação amorosa. Observa-se que dentre os que namoram, ou seja, que mantém um
relacionamento mais estável com o sexo oposto, todas são do grupo feminino.
92
? Aspectos Sócio-Culturais
Tabela 14 Religião
Respostas M F
N=10
Freqüenta a Igreja Católica 2 2 4
Freqüenta a Igreja Evangélica 2 2
Freqüenta a Igreja Batista 1 1
Não tem religião 1 1 2
Já foi “crente”, mas atualmente não sabe em
que acreditar
1 1
Observa-se que grande parte dos adolescentes (7) tem alguma religião e freqüenta
igrejas como a Católica (4), Evangélica (2) e Batista (1), enquanto apenas dois deles não tem
uma religião definida.
Tabela 15 - Atividades extra-escolares
Respostas M F
N=10
Igreja 1 1
Esporte 1 1
Trabalho 2 1 3
Nenhuma além da Soabem 1 4 5
No que se refere às atividades extra-escolares, cinco adolescentes, a maioria do sexo
feminino freqüentam apenas a Soabem. Três adolescentes trabalham e os demais vão à
Igreja e fazem esportes.
Tabela 16 - Programas habituais durante o fim de semana
Respostas M F
*N=25
Estar com amigos 3 2 5
Estar com a família em casa 3 1 4
Praticar esportes 2 2
Ajudar nos serviços domésticos 1 1 2
Freqüentar salão de baile 1 1 2
Visitar parentes 2 2
Participar de atividades na Igreja 1 1
Ir ao parque 1 1
Estar com o namorado 1 1
Ir ao cinema e Mac Donald’s 1 1
Participar de atividades na Soabem 1 1
Estar com amigos no bar 1 1
Trabalhar 1 1
Não sai de casa porque a mãe não deixa 1 1
* Este N se refere ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta.
93
Dentre as atividades habituais nos fins de semana referidas pelos sujeitos, as mais
freqüentes são estar com amigos e com a família, seguidas pela prática de esportes, a ajuda
nos serviços domésticos, a ida aos salões de baile e as visitas aos parentes .
Tabela 17 - Diversões preferidas
Respostas
M F
*N=21
Jogar futebol 3 1 4
Ir à Igreja 1 1 2
Ir dançar 1 1 2
Jogar vídeo game 1 1 2
Empinar pipa 2 2
Ir ao parque 1 1
Ir aos passeios da escola ou Soabem 1 1
Jogar vôlei-ball 1 1
Ir ao shopping 1 1
Visitar amigos 1 1
Estar com amigos na rua 1 1
Ouvir música 1 1
Ler livros 1 1
Não respondeu 1 1
* Este N se referee ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta.
A diversão preferida mais citada é o jogo de futebol, principalmente pelos
adolescentes do sexo masculino, seguida por ir à Igreja, festas, jogar videogame e empinar
pipa.
Tabela 18 - Programas de TV preferidos
Respostas
M F
*N=15
Novelas 2 4 6
Filmes 1 1 2
Programas esportivos 2 2
Desenhos animados 2 2
Programas de Guiness 1 1
Jogos eletrônicos 1 1
Não respondeu 1 1
* Este N se refere ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta.
Quanto à programação preferida na TV os adolescentes citam as novelas,
principalmente as do sexo feminino, filmes em ambos os sexos; os programas esportivos e
desenhos animados são escolhidos exclusivamente por adolescentes do sexo masculino.
94
Tabela 19 - Preferências musicais
Respostas
M F
N =23
Black 1 3 4
Rap 2 1 3
Axé 3 3
Pagode 2 1 3
Samba 1 1 2
Forró 2 2
Rock 1 1
MPB 1 1
Reggae 1 1
Hip hop 1 1
Samba Rock 1 1
Música religiosa 1 1
* Este N se referee ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta.
Os gêneros musicais mais apreciados pelas adolescentes do sexo feminino são a
música Black e Axé, enquanto o Rap e o Pagode são mais citados por adolescentes do sexo
masculino.
? Perspectivas de futuro dos adolescentes
Tabela 20- Profissão desejada
Respostas
M F
N=10
Advogada 1 1
Médica ou veterinária 1 1
Secretária 1 1
Bióloga 1 1
“Executivo” 1 1
Jogador de futebol 1 1
Professor de computação 1 1
Trabalhar com jardinagem ou fotografia 1 1
Professor de Educação Física 1 1
Não sabe 1 1
Quanto às escolhas de profissão quatro dos adolescentes desejam profissões que
exigem curso superior: advogada, médica ou veterinária, bióloga (três adolescentes do sexo
feminino) e professor de educação física (um adolescente do sexo masculino), o que
demonstra maiores aspirações intelectuais em seu desenvolvimento pessoal e profissional,
especialmente entre o grupo feminino. Os demais referem profissões que não exigem curso
95
universitário como secretária, jogador de futebol, professor de computação, jardinagem ou
fotografia, “executivo” e apenas uma delas não sabe dizer a profissão desejada.
Tabela 21 - Idéias e ambições relativas ao futuro
Respostas relacionadas aos aspectos
profissionais/ econômicos
M F
N=18
Cita profissão/trabalho desejados 3 2 5
Trabalhar/ter emprego 2 2
Ter independência financeira da família 1 1
Fazer faculdade 1 1
Não quer fazer faculdade 1 1
“Ter muito dinheiro” 1 1
Ter casa própria para não morar com a família 1 1
Ter condições financeiras para ajudar à mãe 1 1
Total 7 6 13
Respostas relacionadas aos aspectos afetivos/
relacionais
M F
N=18
Namorar 1 1
Casar e ter filhos 1 1
Ter filhos 1 1
Não quer casar 1 1
“Não penso no futuro, pois posso não viver
amanhã”
1 1
Total 1 4 5
* Este N se refere ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta.
No que se refere às idéias e ambições dos adolescentes relativas ao futuro,
apresentando-se mais respostas relacionadas aos aspectos profissionais e econômicos (13), o
que demonstra uma maior preocupação com estes aspectos, em proporção semelhante entre
adolescentes de ambos os sexos. Deste total cinco se referem à profissão ou trabalho
desejados, dois apontam o desejo de trabalhar ou ter um emprego, e em menor proporção são
citadas motivações relacionadas à autonomia, como a independência da família ou a casa
própria. Por outro lado, em cinco respostas são enfatizadas questões relacionadas às
necessidades afetivas e/ou relacionais, em sua maioria de adolescentes do sexo feminino.
96
Tabela 22 - Como os adolescentes se vêem daqui a 10 anos
Respostas relacionadas aos aspectos
profissionais e econômicos
M F
N=14
Formado/com profissão/trabalhando 3 3 6
Morando em casa própria 1 1
Tomando conta da sua casa 1 1
Morando sozinho /independente 1 1
Cursando a faculdade 1 1
Total 4 6 10
Respostas relacionadas aos aspectos afetivos e
relacionais
M F
N=14
Morando com a família 1 1
Pensando em casar 1 1
Com filhos 1 1
“Não penso em nada, pois não sonho com nada.” 1 1
Total 1 3 4
* Este N se refere ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta
Podemos observar que grande parte das respostas dadas pelos adolescentes relaciona-
se à profissão e/ou trabalho ou à faculdade, com algumas respostas relacionadas ao desejo de
independência da família como ter uma casa, tomar conta de uma casa, ou morar sozinho e
ser independente. As demais respostas relacionam-se aos aspectos afetivos e relacionais,
mencionadas em sua maior parte pelos sujeitos do grupo feminino. Quanto à proporção entre
os sexos, observa-se um maior número de respostas do grupo feminino, que abrangem desde
as questões profissionais e econômicas às questões afetivas e relacionais.
97
5.3. ANÁLISE DOS DADOS DAS ENTREVISTAS COM OS PAIS OU RESPONSÁVEIS
Tabela 23- Dados de identificação dos pais ou responsáveis
Gr Suj Pais Idade Naturalidade Nível de Escolaridade Profissão/Ocupação atual
Mãe 48 Itabuna-BA Ginásio incompleto cnica em Processamento
de dados/aposentada por
invalidez
1
Pai 42 Barueri-SP Ginásio completo Professor de Ed. Física/ em
benefício por doença.
Mãe 41 São Paulo-SP Primário incompleto Dona de casa 2
Pai s/i s/i s/i Pintor
Mãe 38 s/i Ginásio incompleto Industriaria / desempregada 3
Pai 42 s/i s/i s/i
Mãe 34 São Paulo-SP Universitária de Enfermagem Auxiliar de Enfermagem/ em
benefício por doença
4
Pai 39 São Paulo-SP Cursando supletivo (5ª série) Motorista/ em benefício por
doença
Mãe 40 Jaguapita - PR Analfabeta Dona de casa
?
5
Pai 46 Aracajú - SE Alfabetizado (não cursou
escola)
Ajudante de faxineiro
Mãe s/i s/i s/i s/i 6
Pai s/i s/i s/i s/i
Mãe 57 Alto Pimenta - SP Primário completo Costureira profissional 7
Pai 62 Guararapes - SP Primário completo Ferroviário/ aposentado
Mãe 39 Ceará Primário incompleto Passadeira/ desempregada 8
Pai s/i s/i s/i s/i
Mãe 43 Almenara -MG Primário incompleto Copeira/ dona de casa 9
Pai 46 s/i s/i s/i
Mãe 42 Itueta - MG Primário completo Funcionária pública
municipal/ em benefício por
doença
?
10
Pai 45 São Paulo - SP Ginásio incompleto Ajudante geral/
desempregado
s/i: sem informações
98
? Relacionamento atual entre os pais, situação profissional, econômica e de saúde
Tabela 24 - Relacionamento atual entre os pais
M F
N=10
Pais (adotivos) casados com boa relação
conjugal
1 1
Pais casados com relacionamento insatisfatório 1 1
Pais separados / mãe vivendo com companheiro
e com bom relacionamento
1 2 3
Pais separados /mãe vivendo com companheiro
e relacionamento insatisfatório
1 1 2
Pais separados /mãe mora sozinha com os
filhos
2 1 3
Constata-se que os pais dos adolescentes são em sua maioria (8) separados, enquanto
apenas em dois casos estão casados; destes casos, apenas um deles refere manter um bom
relacionamento conjugal, enquanto no outro caso o relacionamento não é satisfatório. Quanto
às famílias onde os pais estão separados, cinco das mães tem um novo companheiro,
enquanto três mães moram sozinhas com o(s) filho(s). Nas famílias em que a mãe convive
com companheiro, três delas referem ter um bom relacionamento conjugal, enquanto as
outras duas informam ter muitas dificuldades neste relacionamento.
Observamos que a situação de bom relacionamento entre casais ocorre em quatro
casos, enquanto que nas demais, existe um relacionamento insatisfatório entre o casal que
convive com o adolescente ou a mãe (3) ou a mãe cria os filhos sozinha sem a ajuda do pai
ou de um novo companheiro (3).
Tabela 25 - Situação profissional/financeira dos pais/responsáveis e
composição da renda familiar
Pai/Padrasto/Tio
M F
N =10
• empregado 1 2 3
• desempregado/ sem renda fixa 1 1 2
• pai não colabora no sustento 2 1 3
• em benefício por doença 1 1
• aposentado por tempo de serviço 1 1
99
Mãe/Tia
M F
N =10
• dona de casa 3 1 4
• empregada/autônoma 2 2
• desempregada/ sem renda fixa 1 1
• em benefício por doença 2 1 3
Encarregados do sustento familiar
M F
N =10
? Pai 1 1
? Padrasto
2 1 3
? Mãe
1 1 2
? Casal de pais
1 1 2
? Casal de tios
1 1
? Assistência social / donativos
1 1
Constata-se que metade dos pais ou daqueles que ocupam o status de pai dos
adolescentes tem alguma fonte de renda, seja como assalariados, em benefício por doença, ou
aposentados. Os demais estão desempregados (2) ou não colaboram no sustento do filho (3).
Quanto às mães ou mulheres encarregadas do cuidado com o adolescente, metade delas não
tem renda própria: quatro se ocupam de afazeres domésticos e outra está desempregada. Nos
demais casos, duas mães estão empregadas e outras três recebem benefício por doença, o que
totaliza metade de mães com alguma fonte de renda própria. Observa-se que em seis dos
casos, a renda familiar provém de apenas um dos responsáveis: pai (1), padrasto (3) e mãe
(2), enquanto que em apenas três casos ambos os membros do casal colaboram na renda
familiar.
Tabela 26- Condições de saúde dos pais/responsáveis
Condições de saúde do pai
M F
N = 10
Boas condições de saúde 2 1 3
Problemas de alcoolismo 1 2 3
Problemas de coluna e alcoolismo 1 1
Tuberculose e alcoolismo 1 1
Sem informações 2 2
Condições de saúde da mãe
M F
N = 10
Boas condições de saúde 2 3 5
Epilepsia/depressão/problemas de memória 1 1
Cálculo renal/depressão/pressão alta/problemas
de memória/ anemia
1 1
Tumor benigno na cabeça 1 1
Seqüelas motoras decorrentes de derrame
cerebral
1 1
Nervosismo, cisto no ovário, cálculo renal. 1 1
100
A análise dos dados relativos às condições de saúde dos pais dos adolescentes revela
que metade dos pais tem problemas de saúde, nos quais está presente o alcoolismo, associado
ou não a outras doenças. Apenas três pais gozam de boas condições de saúde, enquanto em
dois casos não obtivemos informações.
Quanto às condições de saúde das mães dos adolescentes, observa-se que metade
delas relata ter boas condições, enquanto a outra metade tem problemas de saúde, em níveis
diversos de gravidade.
? Desenvolvimento do adolescente
Tabela 27- Familiar que compareceu às entrevistas
Respostas M
F
N=10
Mãe 5 3 8
Tia materna 1 1
Pais (adotivos) 1 1
A mãe foi a responsável que compareceu à(s) entrevista(s) com os familiares dos
adolescentes na grande maioria dos casos (8). Nos outros dois casos compareceu a tia
materna, responsável legal pela sobrinha, e o pai, que compareceu à 1ª entrevista, trazendo
posteriormente a esposa, sendo o único caso de entrevista com a presença do pai e do casal,
que são pais adotivos de uma das adolescentes.
Tabela 28 Idade do filho à época da separação
M
F
N =8
Em gestação 1 2 3
Até 1 ano de idade 1 1
1 - 5 anos de idade 1 1
5 - 10 anos de idade 1 1
10 15 anos 1 1
15 anos em diante 1 1
101
Observa-se que em cinco casos dentre oito, a separação entre os pais do adolescente
ocorreu em fases muito precoces de seu desenvolvimento, isto é durante a gestação em três
casos, um no primeiro ano de vida, e outro na fase de 1 a 5 anos de idade. Destaca-se também
que todas as adolescentes do sexo feminino enquadram-se neste caso. Nos demais casos (3),
a separação ocorreu quando o filho estava com cinco anos ou mais, sendo todos eles do
grupo masculino.
Tabela 29 - Gestação e Parto
Sobre o planejamento da gestação
M F
N=10
Planejada/desejada 1 1
Não planejada 4 4 8
Sem informações 1 1
Sobre a evolução da gestação
M F
N=10
“Boa” / “normal” / “tranqüila” 4 4
“Sofrida, nervosa, com ameaças de aborto” 1 1
“Melhor gestação que tive, apesar de nervosa” 1 1
“Pior gestação que tive, pois não tinha onde
morar”
1 1
“Atribulada, nervosa” 1 1
Sem informações 2 2
Sobre o parto
M F
N=10
Parto normal 1 1
Parto de cesárea 2 2 4
Parto prematuro/cesárea 1 1 2
Sem informações 1 2 3
A maioria das gestações (8) não foi planejada, e em apenas um caso houve
planejamento. A evolução das gestações foi satisfatória em apenas quatro casos, todos de
sujeitos do grupo masculino, enquanto outros quatro casos relatam dificuldades, ligadas a
problemas orgânicos ou emocionais. Os partos foram feitos em sua maioria (6) através de
cesárea, e apenas em um caso o parto foi normal. Nos demais não obtivemos esta
informação.
102
Tabela 30 - Período de amamentação ao seio
Respostas M
F
N=10
Nunca 1 1
Menos de 3 meses 1 1 2
6 - 12 meses 2 1 3
3 anos em diante 2 2
Sem informações 2 2
Em sete casos as mães amamentaram os filhos por algum período, sendo que entre o
grupo masculino, observa-se que todos foram amamentados pela mãe. Quanto às
adolescentes, temos a informação de que duas delas foram amamentadas, pois quanto às
demais, não obtivemos esta informação. A única mãe que não amamentou sua filha justifica
que não teve leite “... porque ao invés de leite saía sangue” (sic).
Tabela 31 - Aquisição do controle de esfíncteres
Respostas
M
F
N=10
Menos de 1 ano de idade 1 1 2
Com 1 ano de idade 2 2
Com 2 anos de idade 1 1 2
Mãe não lembra 1 1 2
Sem informações 2 2
Observa-se que em quatro dos adolescentes o controle dos esfíncteres ocorreu antes
dos dois anos de idade, o que podemos considerar precoce do ponto de vista do
desenvolvimento emocional.
Tabela 32 - Condições do sono durante a 1ª infância
Respostas
M F
N=10
Dormia bem 2 1 3
Tinha muitos pesadelos/sonambulismo 1 1
Sono agitado/falava a durante o sono 1 1
Gritava /chorava durante a noite 1 1
Só dormia acompanhado (a) da mãe 1 1 2
Dificuldades para conciliar o sono 1 1
Sem informações 1 1
103
No que se refere às condições de sono dos adolescentes durante a 1ª infância, apenas
três deles dormiam bem, enquanto que os demais (6) apresentavam problemas como
pesadelos e sonambulismo, sono agitado e fala durante o sono, gritos e choro durante a noite.
Tabela 33 - Ocorrências marcantes durante a infância
Respostas
M F
N=18
Separação dos pais 2 2 4
Abandono/afastamento do pai 3 3
Abandono/afastamento da mãe 1 2 3
Hospitalizações breves por cirurgias/acidentes 1 1 2
Brigas freqüentes entre os pais 1 1 2
Hospitalizações por longos períodos durante os
dois primeiros anos de vida
1 1
Homicídio cometido pelo pai 1 1
Mudança da família para outro Estado 1 1
Morte de familiar significativo (avó) 1 1
* Este N se refere ao número de respostas, indicando que um sujeito forneceu mais de um tipo de resposta
As ocorrências marcantes mais apontadas pelo familiar que compareceu à(s)
entrevistas foram a separação dos pais (4), o abandono e afastamento do pai (3) ou da mãe
(3). Apesar do grande número de filhos de pais separados na amostra de adolescentes,
observa-se que a separação dos pais nem sempre foi apontada como ocorrência marcante
para o adolescente pelo familiar entrevistado. E a separação do pai foi apontada como
episódio marcante apenas pelas mães de três adolescentes do sexo feminino. As demais
ocorrências foram mencionadas em menor número, como as hospitalizações breves (2), e as
brigas freqüentes entre os pais (2).
Tabela 34 - Principal encarregado(a) dos cuidados durante a infância
Respostas
M F
N=10
Mãe 2 1 3
Avó 2 2
Madrinha 1 1
Irmã mais velha 1 1
Outros parentes 2 2
Creche durante o dia 1 1
104
A mãe foi a principal encarregada dos cuidados com a criança em três casos,
enquanto em outros dois casos a avó foi a encarregada dos cuidados diários, e uma delas foi a
responsável pela criação do neto. Observa-se que os adolescentes do grupo masculino em sua
maioria (4) tiveram os cuidados da mãe ou avó, enquanto que dentre as adolescentes apenas
uma delas teve os cuidados da mãe, as demais foram cuidadas por outras pessoas.
Tabela 35- Desenvolvimento escolar
Quando ocorreu o ingresso na escola
M F
N=10
P-escola 2 1 3
Escola 1 2 3
Sem informações 2 2 4
Adaptação ao ambiente escolar
M F
N=10
Sem problemas 2 1 3
Chorava no início, mas se adaptou. 2 2 4
Chorava e não queria ir à escola 1 1
Brigava e batia nos colegas 1 1
Sem informações 1 1
Desenvolvimento escolar na infância
M F
N=10
Sem dificuldades de aprendizagem 2 1 3
Problemas de aprendizagem 2 2
Problemas de aprendizagem e queixas de
comportamento
3 1 4
Sem informações 1 1
Desenvolvimento escolar atual
M F
N=10
Bom 2 1 3
Problemas de aprendizagem 1 1
Problemas de aprendizagem e queixas de
comportamento
3 1 4
Sem informações 2 2
No que diz respeito ao ingresso na escola, três adolescentes ingressaram na pré-
escola, enquanto outros três passaram a freqüentar a escola somente a partir do período de
alfabetização. Quatro dos familiares entrevistados não soube prestar esta informação.
A adaptação ao ambiente escolar ocorreu sem problemas para apenas três
adolescentes, enquanto outros quatro choraram no inicio, mas logo se adaptaram. Apenas
dois adolescentes apresentaram maiores dificuldades de adaptação à escola, um deles
reagindo agressivamente e o outro ao chorar e recusar-se a freqüentá-la.
105
O desenvolvimento escolar ocorreu sem problemas de aprendizagem para apenas três
dos adolescentes, enquanto quatro apresentavam dificuldades quanto à aprendizagem e
problemas de comportamento, e dois tinham somente os problemas de aprendizagem,
totalizando uma maioria de adolescentes (6) com alguma dificuldade no desenvolvimento
escolar. Atualmente o desenvolvimento escolar dos adolescentes é tido como bom em apenas
três casos, enquanto nos demais (5) existem problemas de aprendizagem, queixas de
comportamento, ou dificuldades de aprendizagem.
? Aspectos afetivos e relacionais
Tabela 36 - Relacionamento na escola
Relacionamento com colegas na infância
M F N=10
Bom relacionamento 3 3 6
Agressivo (a) /batia nos colegas na infância 1 1 2
Tímido e com poucos amigos 1 1
Sem informações 1 1
Relacionamento com professores na infância
M F N=10
Bom 2 1 3
“Era apegada ao professor” 1 1
“Professores gostavam dele” 1 1
“Sempre foi agressiva com os adultos” 1 1
Queixas de comportamento 1 1 2
Sem informações 1 1 2
Quanto ao relacionamento no âmbito escolar, a maioria dos adolescentes (6) mantinha
na infância uma boa relação com os colegas em geral, enquanto os outros adolescentes
manifestavam agressividade com os colegas (2), ou timidez e dificuldades de fazer amizades
(1). O relacionamento dos adolescentes com os professores na infância era satisfatório em
seis casos, enquanto três deles eram motivos de queixas de comportamento pelos professores.
106
Tabela 37 - Relacionamento familiar do adolescente
Relacionamento com a mãe
M F
N=10
Obedece e respeita a mãe 1 2 3
Ficou mais difícil depois da adolescência 3 3
Necessita de controle da mãe 3 3
Discutem às vezes 1 1
Relacionamento com o pai M F
N=10
Pai é mais tolerante do que a mãe 1 1 2
Pai é agressivo 1 1
Tem encontros esporádicos e ocasionais com o
pai após a separação
2 1 3
Não tem contato com o pai desde a separação 1 1 2
Não conhece o pai 2 2
Relacionamento com o(s) irmão(s)
M F
N=10
Melhor com uns do que outros 2 2 4
Irmãos afastados após a separação dos pais 1 1
Gosta dos irmãos, mas não convivem 1 1
Briga muito com os irmãos 1 1 2
Briga às vezes com os irmãos 1 1 2
Observa-se que quanto ao relacionamento com a mãe, três dos adolescentes são
descritos como filhos obedientes e respeitadores, enquanto nos demais casos, existem
referências às dificuldades decorrentes da adolescência em três casos do sexo feminino e a
necessidade de controle exercida pela mãe em três adolescentes do sexo masculino.
Passando aos dados sobre o relacionamento do adolescente com o pai, observa-se que
na maioria dos casos quem os descreve são as mães, cujo comparecimento às entrevistas é
quase total. Nos três casos em que este relacionamento é freqüente, as mães apontam
problemas: a tolerância excessiva e omissão paterna na educação do filho (2), e a
agressividade do pai (1). Nos demais casos, há um distanciamento do pai, sendo a
convivência apenas esporádica e ocasional (3), inexistente após a separação dos pais (2), ou
107
por não ter sequer conhecido o pai (2), totalizando uma maioria de adolescentes (7) que
sofrem de privação paterna.
Dentre os adolescentes que convivem com os irmãos (8), quatro tem uma relação
melhor com alguns irmãos do que com outros, dois brigam muito com os irmãos, e dois
brigam às vezes, evidenciando uma maioria de adolescentes com alguma dificuldade de
relacionamento fraterno. Dois adolescentes não mantêm atualmente esta convivência, em
decorrência da separação dos pais.
Tabela 38 - Comportamento no ambiente familiar e social
Comportamento no ambiente familiar
M F
N=10
Agressivo (a) com alguns familiares 1 1 2
Rebelde e desobediente 1 1 2
“Quieto, mas às vezes brincalhão”. 1 1
“Tranqüila” 1 1
“Calma, calada e muito parada” 1 1
“Preguiçosa” 1 1
“Tímido e calado” 1 1
Otimista 1 1
Comportamento no ambiente social
M F
N=10
Alegre e sociável 1 1
Tímido e quieto/quase não sai de casa 1 1
Tem amigos/faz amizades com facilidade 1 2 3
Familiar refere preocupação com o adolescente
quanto ao envolvimento com más companhias/
drogas/álcool/ crime
2 3 5
Os comportamentos dos adolescentes no ambiente familiar citados com maior
freqüência são: a agressividade com alguns familiares (2) e a rebeldia e desobediência (2).
Alguns adolescentes (3) apresentam um comportamento mais reservado ou introvertido. Em
casos isolados os pais ou responsáveis apontam características mais positivas do adolescente
como a tranqüilidade (1) e otimismo (1), ou negativos como a preguiça (1). Em metade dos
casos existe a preocupação do familiar com a vulnerabilidade do adolescente às más
companhias, às drogas, álcool ou crime. Quatro adolescentes são vistos como sociáveis e
108
habilidosos no relacionamento social, enquanto apenas um deles é tímido e quieto, o que
dificulta a convivência social.
Tabela 39 - Características mais marcantes da personalidade do adolescente
(segundo o familiar)
Sujeito Características apontadas pelo familiar
1 “Otimista, não é briguento” (mãe).
2 “Apegado às coisas materiais, não quer deixar a casa da avó” (mãe).
3 “Ele é tudo para mim, um menino de ouro” (mãe).
4 “É responsável e preocupado comigo” (mãe.).
5 “Muito agitado e nervoso” (mãe).
6 “Preguiçosa e lenta” (tia)
7 “É pirracenta, displicente, não se esforça e mente muito” (mãe).
“Sempre foi problemática e difícil” (pai).
8 “Calma, parada” (mãe).
9 “Não dá preocupação” (mãe).
10 “Tirando a rebeldia, é de melhor convívio que os irmãos, com exceção do mais velho” (mãe).
Apenas três pais ou responsáveis salientam aspectos positivos da personalidade do
filho (sujeitos 1,3 e 4) enquanto os demais apontam aspectos negativos (sujeitos 2, 5, 6,7) ou
tem colocações ambíguas e até contraditórias (sujeitos 8,9 e 10), indicando que na maioria
dos sujeitos a imagem vista pelos pais ou responsáveis não é positiva.
Tabela 40 Participação no projeto Social (segundo o familiar)
Sujeito Como o(s) familiar (es) vê a participação do adolescente no
projeto social
1 “O irmão já havia participado; é bom para tirar os moleques da rua. Espero o melhor para ele;
está gostando, se interessando. É cansativo, vem direto da escola, nem almoça” (mãe).
2 “Espero que possa ter uma profissão. Eu que procurei para ele, mas ele gosta, muito, vem por
sua vontade.” (mãe).
3 “Espero que seja algo que o ajude no futuro. Também para aprender a se relacionar. Ele está
descontente porque tiraram informática, ainda não deram a bolsa (de estudo) e a apostila. Tem
vontade de sair” (mãe).
4 “Ele estava com uma arma de brinquedo na escola. O pai queria deixá-lo internado no
Conselho Tutelar. Achei melhor trazê-lo para cá” (mãe).
5 “Espero que ele encontre um bom lugar, como o irmão, que esteve aqui no ano passado. Ele
acha que não vai conseguir nada, tiraram tudo o que interessava. Ele quer trabalhar” (mãe).
6 “Eu queria que vocês arrumassem um emprego pra ela. É o que ela está precisando” (tia).
7 “Ela fugiu de casa de novo, e acho que não volta pra cá. Não vamos atrás. Se a devolvermos
para o Conselho Tutelar, vai para a Casa da Criança. Ela quer é ficar na rua. Não sabemos se a
queremos de volta.” (pai).
8 “Ela quer continuar, mas se arrumar emprego sai. Precisamos é da ajuda dos políticos” (mãe).
9 “Quero que ela tenha algum benefício. Acho que gosta, é preocupada com as aulas. Nunca deu
problema” (mãe).
10 “Está gostando, antes estava em casa, agora está aprendendo. Parece gostar, não reclama”
(mãe).
109
Em relação à demanda de participação dos sujeitos em projeto social, alguns pais ou
responsáveis apresentam a própria demanda (sujeitos 6, 7,8) parecendo desconsiderar o que o
filho sente e pensa a respeito. Outros apontam aspectos da demanda do filho (sujeitos 2,
3,5,9,10), demonstrando maior compreensão do que se passa com ele, e alguns deles
enfatizam a procura por um ambiente melhor do que possuem em sua realidade social e
familiar (sujeitos 1 e 4).
5.4. ANÁLISE DOS DADOS DO MÉTODO DE RORSCHACH
Inicialmente apresentaremos os resultados quantitativos e qualitativos dos protocolos
dos sujeitos agrupados por gênero, masculino e feminino, e do grupo total de adolescentes,
em relação aos fatores decorrentes da abordagem intelectual, afetividade e da socialização.
A seguir passaremos à análise qualitativa dos processos de identificação primária e
secundária.
5.4.1. Análise dos fatores decorrentes da abordagem intelectual
110
Tabela 41 Fatores Decorrentes da Abordagem Intelectual
Nível de elaboração das G F% e F+% Qualidade das F
Suj. R
[11-14]
G%
[36-50]
F+
Simp
F+
Elab.
Vaga
Impr.
F-
Sinc.
F% e F%ext
[35-46]
F+%
[58-69]
F+%ext
[63-72]
F+ F- K
A%
[53-64]
Ban %
[24-31]
S.1
18
39 5 0 0 0 2 72/100
38
44
5 0 8 0 72
22
S.2
23
35
4 1 0 0 3 69,5/100
56
43,5
9 0 7 0 43,5
9
S.3
13
61,5
2 0 1 1 3 85/107
32
36
1 5 5 1+ 92
9
S.4
10
100
5 0 0 3 2 80/120
56
54
4 1 3 0 50
20
Gr. ?
S.5
19
42
3 3 0 0 1 79/103
63 62,5 9 1 5 1+ 89,5
32
? 19 4 1 4 11 28 7 28 2
S.6
16
44
5 1 0 1 0 50/87, 5
62,5
71
6 0 2 1+ 56
37,5
S.7
9
45
3 0 1 0 0 89/111
69 65 5 1 2 1+ 89
33
S.8
13
23
2 0 0 0 1 85/100
73
69
8 0 2 0 54
23
S.9
15
33,5
5 1 0 0 0 67/100
65 77
6 1 3 3+ 67
27
Gr. ?
S.10
11
36
4 0 0 0 0 73/109
87,5
83
7 0 1 3+ 56 45
? 19 2 1 1 1 32 2 10 8
LEGENDA:
? Resultados dentro da média
? Resultados acima da média
? Resultados abaixo da média
111
? Modo de apreensão Global:
- G%: O grupo masculino apresenta dois sujeitos com resultados mais elevados do que
a média, um abaixo e outros dois na média. O grupo feminino não apresenta nenhum sujeito
com resultados maiores que a média, tendo três sujeitos com resultados na média e dois
abaixo da média.
- vel de elaboração das respostas G: Os grupos apresentam os mesmos resultados
em relação às globais simples (19), o que atesta a presença de uma adaptação perceptiva
básica no grupo de adolescentes. As diferenças entre os grupos são mais expressivas nas
respostas elaboradas, com um número maior no grupo masculino (4) do que no grupo
feminino (1), indicando um trabalho de elaboração ativa do grupo masculino; as respostas
impressionistas ocorrem entre meninos (4) e meninas (1), o que indica um maior impacto
emocional e submissão ao estímulo do grupo masculino, com manifestações sensíveis que
perturbam a capacidade perceptiva. Mas a diferença mais significativa ocorre nas respostas
sincréticas, que apresentam uma proporção muito elevada do grupo masculino (11) em
relação ao grupo feminino.
O conjunto dos dados indica que existe uma tendência ao uso mais freqüente da
abordagem global entre o grupo masculino, mas observa-se que esta busca de unidade e
controle intelectual sobre a realidade não resulta eficaz. O número de respostas de má
qualidade formal é elevado (16) em comparação às respostas globais de boa qualidade formal
(23), evidenciando as dificuldades de manter o controle intelectual sobre a capacidade
perceptiva.
? Determinantes Formais: As F% e F%ext. estão elevadas em relação à média nos
dois grupos, o que evidencia o uso excessivo da formalização no grupo de adolescentes como
um todo. No entanto, a F+ % e F+% ext. que são indicativos do caráter adaptativo do
112
funcionamento cognitivo, é mais bem sucedida no grupo feminino, com resultados dentro ou
acima dos valores normativos, enquanto o grupo masculino tem apenas um sujeito com
resultados na média e os demais abaixo dos valores normativos.
? Respostas K: Existe uma diferença significativa entre o grupo masculino (2K) e
feminino (8K), o que demonstra a presença de capacidades de imaginação e criatividade e
maior maturidade no grupo feminino.
? Respostas de Conteúdo Animal: A A% encontra-se muito elevada em três entre
cinco sujeitos do grupo masculino, enquanto os outros dois sujeitos apresentam resultados
abaixo da média. O grupo feminino tem resultados mais próximos dos valores normativos,
com dois sujeitos com resultados acima da média e os demais dentro da média, o que
demonstra as dificuldades de adaptação e integração social do grupo masculino e uma
tendência à maior adaptação e integração social do grupo feminino.
? Banalidades: A Ban % está rebaixada em quatro sujeitos do grupo masculino e
acima da média em um dos sujeitos; o grupo feminino tem três sujeitos com resultados acima
da média, um abaixo e um na média. Evidencia-se a maior dificuldade de adaptação
intelectual do grupo masculino, enquanto o grupo feminino apresenta uma tendência inversa,
com uma preocupação de conformismo e docilidade passiva, ou desejo de escapar à
investigação.
113
5.4.2. Análise dos fatores decorrentes da afetividade
Tabela 42 Fatores decorrentes da Afetividade
Suj. K k ?C ?E H%
[8-13]
A%
[53-64]
Clob Ind. de
Ang.
Pat.
[>12]
S.1 0 4 0 0,5
11
72
28%
S.2 0 5 0,5 1
13
43,5
17%
S.3 1
2 2
0 15
92
ClobF-
15%
S.4 0
0 2
1
20
50
30%
Gr .?
S.5 1 3 0,5 0,5
10,5 89,5
5%
S.6 1
3 1,5 1
12,5
56
FClob-
ClobF±
12,5%
S.7 1 1 0
0 11
89
0
S.8 0 0 0
0,5 23
54
FClob- 23%
S.9 3 2 0
0 20
67
0
Gr.?
S.10 3 0 1,5 0 12,5
56 9%
LEGENDA:
? Resultados dentro da média
? Resultados acima da média
? Resultados abaixo da média
114
Tabela 43- Determinantes
DETERMINANTES
Suj. K kan kob kp CF FC FE
ClobF FClob
S.1 4 1
S.2 3 1 1 2
S.3 1 2 2 1
S.4 1 2 2
S.5 1 3 1
?? 2 12 1 1 3 2 6 1 0
S.6 1 2 1 1 1 1 1 1
S.7 1 1
S.8 1 1 1
S.9 3 2
S.1
0
3 1 1
?? 8 6 1 0 2 2 2 1 2
?T 10 18 2 1 5 4 8 2 2
Tabela 44- Conteúdos
CONTEÚDOS
Suj.
Elem Frgm
Geo
Pl Ad
A (A)
(Ad) Anat
Sg Hd (Hd)
H (H) Masc Obj
Vest Arte
(Arte)
Simb
Arq Abst
S.1 13 3 2 1 1
S.2 1(fogo)
2 1 6 1 2 2 1 1 1 5 1 2
S.3 1 6 5 2 1 1 1 2 1
S.4 1(água)
2 5 1 2 2 1
S.5 1 3 13 1 1 1
?? 2 1 0 4 5 43 6 2 8 4 4 1 2 4 0 7 1 2 0 3 0 1
S.6 1(fogo)
1 2 5 1 1 1 1 1 1 2 1 1
S.7 2 5 1 1 1
S.8 1 7 3 2
S.9 1 10 2 1 1
S.10 1 6 1 1 3 1
?? 1 0 1 3 4 33 3 1 2 0 4 0 7 1 1 4 2 0 1 0 2 0
?T 3 1 1 7 9 76 9 3 10 4 8 1 9 5 1 11 3 2 1 3 2 1
115
? Respostas K: Todas as respostas K são bem vistas nos dois grupos, embora o grupo
masculino (2K) apresente uma freqüência bem menor do que o grupo feminino (8K). A boa
qualidade formal das cinestesias humanas sugere a presença de uma representação da imagem
corporal bem delimitada.
Tabela 45- Tipo de movimento percebido nas respostas K
(K=10+)
Ativo Passivo Vitalização Pr.
M F M F M F
?por
prancha
I 0
II 1 1 2
III 1 2 3
IV 1 1
V 0
VI 0
VII 1 1 1 3
VIII 0
IX 1 1
X 0
? por
grupo
2 5 0 0 0 3 10
?total 7 0 3 10
A tabela indica que predomina o movimento ativo (7) e a vitalização dos personagens
(3), o que evidencia certa capacidade imaginativa e assertividade.
Tabela 46- Distribuição das respostas K em função do conteúdo humano e identificação sexual dos
personagens (K=10+)
H=9 (H) =1
Masc. Fem. Indef. Outros Masc. Fem. Indef. Outros Pr.
M F M F M F M F M
F M
F M
F M F ? por
prancha
I 0
II 1 1 2
III 1 1 1 1 4
IV 1 1
V 0
VI 0
VII 1 1 2
VIII 0
IX 1 1
X 0
?por
grupo
0 1 1 2 1 3 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 10
?Total
1 3 4 1 0 0 0 1 10
116
As identificações sexuais dos personagens de conteúdo H se distribuem da seguinte
forma:
- Indefinida: o grupo feminino apresenta mais respostas (3) do que o masculino (1), o
que indica as dificuldades no reconhecimento das diferenças sexuais;
- Feminina: com respostas do grupo feminino (2) e do grupo masculino (1);
- Masculina: feita por apenas um sujeito do grupo feminino;
Estes dados indicam tendências variadas no grupo: indefinição sexual dos personagens
(4), identificações de gênero compatíveis com o do sujeito (2) e inversos ao do sujeito tanto
no grupo feminino (1) e no grupo masculino (1), o que indica uma maioria de sujeitos com
dificuldades quanto à problemática de identificação sexual.
Existe apenas uma resposta cinestésica de conteúdo pára humano, emitida por um
sujeito do grupo feminino, que não se enquadra em nenhuma das categorias anteriores em
relação à identificação sexual dos personagens.
Tabela 47 - Relações entre os personagens das respostas K
Presentes Ausentes Pr.
M F M F
?por
prancha
I 0
II 1 1 2
III 2 2 4
IV 1 1
V 0
VI 0
VII 1 1 2
VIII 0
IX 1 1
X 0
? por
grupo
2 5 0 3 10
?total 7 3 10
Na maioria das respostas K existem relações entre os personagens (7), com uma
maioria de respostas do grupo feminino (5). Apesar do número reduzido de cinestesias
117
humanas no grupo masculino (2), o que indica uma restrição da capacidade de contato e
relacionamento humano, os personagens mantêm relações entre si.
Tabela 48 - Tonalidade Afetiva das respostas K
Agradável
Desagradáv
el
Neutra Pr.
M F M F M F
?por
prancha
I 0
II 1 1 2
III 2 1 1 4
IV 1 1
V 0
VI 0
VII 2 2
VIII 0
IX 1 1
X 0
? por
grupo
0 5 1 1 0 3 10
?total 5 2 3 10
A tonalidade afetiva das respostas K é em sua maioria (5) de tonalidade agradável,
seguidas pela tonalidade neutra (3), sendo todas elas do grupo feminino. Existem apenas duas
respostas de tonalidade desagradável, emitidas por um sujeito de cada grupo.
Concluindo, existe uma baixa freqüência de respostas K no grupo como um todo,
embora exista uma diferença significativa entre os dois grupos, o que demonstra uma
tendência maior às dificuldades no âmbito das relações humanas no grupo masculino.
? Cinestesias Menores Respostas kan, kob e kp
Tabela 49- Dados comparativos entre o número de K maiores e k menores em relação ao
número total de respostas e proporção K: k nos grupos masculino e feminino
K k=kan+kob+kp
N % N %
K: k
Grupo ? 2 2,4 14 16,8 K<k
Grupo ? 8 12,5 7 10,9 K>k
Grupo total 10 6,8 21 14,3 K<k
118
Observa-se que assim como as cinestesias humanas atingem uma proporção muito
maior entre o grupo feminino, as cinestesias menores são bem mais freqüentes no grupo
masculino, com uma tendência inversa na relação K: k entre os dois grupos. Segundo Pasian
(2000) a proporção apresentada pelo grupo masculino de K<k indica uma imaturidade dos
recursos internos de dinamismo associados ao movimento, impedindo o pleno uso das
capacidades de abstração e de criatividade, o que, no grupo feminino encontra-se mais
desenvolvido.
?Respostas Cromáticas Respostas Cor
Tabela 50 - Dados comparativos entre as respostas Cor e proporção FC: CF
nos grupos masculino e feminino
FC CF FC: CF
Grupo ? 2 3 FC<CF
Grupo ? 2 2 FC=CF
Grupo total 4 5 FC<CF
As respostas cor têm uma ocorrência numérica semelhante nos grupos masculino (5) e
feminino (4), com uma pequena diferença no que se refere ao controle formal prioritário sobre
a expressão afetiva o que resulta em uma diferença na proporção de FC: CF. Essa diferença
indica que a afetividade do grupo masculino apresenta uma tendência mais infantil, com
características de maior instabilidade, labilidade e egocentrismo que o grupo feminino,
embora o somatório de respostas cor decorra, em ambos os grupos, de resultados de dois
sujeitos.
? Respostas de Tonalidade- Respostas E e ClobF: A ocorrência de respostas E é
maior no grupo masculino (6) do que no grupo feminino (2) e em ambos os grupos todas as
respostas tem o controle formal prioritário sobre o determinante de tonalidade, o que confere
119
um valor mais adaptativo à expressão de ansiedade. Observa-se que as respostas E provém de
três sujeitos do grupo masculino que não apresentam respostas Cor, o que indica a
imaturidade da expressão emocional destes sujeitos.
As respostas ClobF ocorrem com mais freqüência no grupo feminino (3) do que no
masculino (1) e em ambos observa-se a ineficácia das tentativas de controle intelectual sobre
a angústia, pois resultam em respostas de má qualidade formal.
? Respostas de Conteúdo Humano H%
Tabela 51- Proporção de H: (H) +Hd+ (Hd) nos grupos masculino e feminino
H (H) Hd (Hd) H: (H) + Hd+ (Hd)
Grupo ? 2 4 4 1 H<(H) +Hd+ (Hd)
Grupo ? 7 1 4 0 H>(H) +Hd+ (Hd)
Grupo total 9 5 8 1 H<(H) +Hd+ (Hd)
A H%, um dos índice de socialização, apresenta-se dentro dos limites da norma na
maioria dos sujeitos do grupo como um todo (6), e acima da norma no restante do grupo (4).
No entanto, não é um dado suficiente para atestar a capacidade de contato humano, sendo
necessário analisar a sua constituição e a proporção entre as respostas H e respostas de
conteúdo pára - humano e parcial. Observa-se que o grupo masculino tem uma proporção
inversa à do grupo feminino, no que se refere à relação H: (H) + Hd+ (Hd), o que revela uma
maior dificuldade nos contatos humanos e de identificação. Isso pode ser corroborado pelos
dados de uma H% elevada em parte dos sujeitos do grupo masculino (2), e os demais sujeitos
dentro dos valores normativos (3), mas com poucas respostas K, indicando o recalque do
aspecto cinestésico neste grupo.
120
? Respostas de Conteúdo Animal A%: Neste fator, considerado indicativo da
capacidade de integração adaptativa e socializante, três entre cinco sujeitos do grupo
masculino apresentam um excesso de respostas de conteúdo animal, enquanto os outros dois
sujeitos apresentam resultados abaixo da média. O grupo feminino tem resultados mais
próximos dos valores normativos, com dois sujeitos com resultados acima da média e os
demais dentro da média, o que demonstra uma tendência à melhor adaptação e integração
social do grupo feminino.
- Índice de Angústia Patológica: Hd+ Anat+Sexo+Sangue >12 =Angústia
R
Este índice se encontra mais elevado em sujeitos do grupo masculino (4), do que no
grupo feminino (2) devido à maior ocorrência de respostas Hd, Anatomia e Sangue.
? Escolhas das pranchas
Tabela 52 - Dados relativos às escolhas das pranchas
Prancha que
+gostou
Prancha que
-gostou
Prancha que
despertou
medo
Prancha que
despertou
alegria
Prancha que
lembra o pai
Prancha que
lembra a
mãe
Pr. M F M F M F M F M F M F
I 1 1 2 1 1
II 1 1 1 1
III 1 2 2 1 1 1
IV 1 1 2 1 3 2
V 3 2 1
VI 1 1
VII 1 1 1 1
VIII 2 3 1
IX 2 2 1 1
X 1 2 3 1 3
nenhum
a
1 9 10 9 10
? por
grupo
10 11 10 9 5 5 6 5 10 10 10 10
?total 21 19 10 11 20 20
121
- Pranchas que mais gostaram: No grupo como um todo as pranchas mais escolhidas
foram a V(5), III(3) e a X(3);
- Pranchas que menos gostaram: Destacam-se as pranchas VIII (3) no grupo feminino
e a X(3) no grupo masculino, o que chama atenção pela diferença marcante entre os dois
grupos, embora em ambos exista uma opção por pranchas pastéis. A presença de cores pastéis
é um elemento sensorial que na prancha VIII faz parte do mundo exterior e da afetividade,
com solicitação simbólica ligada à comunicação e à troca. Já na prancha X, o apelo simbólico
pode variar de um extremo a outro, podendo suscitar alegria ou angústia de fragmentação.
(Rausch de Traubenberg, 1971). Como pranchas que foram escolhidas por sujeitos de ambos
os grupos, neste quesito temos a I (3), IV (3) a IX (3).
- Pranchas que despertaram medo: As mais escolhidas foram a IV(5) e a VI (2),
pranchas que tem um apelo simbólico semelhante, ligado a imagem paterna, mas com
simbolismo dominante superegóico e de autoridade na prancha IV, e simbolismo sexual fálico
na prancha VI;
- Pranchas que despertaram alegria: Apenas a prancha X (3) foi escolhida por mais de
um sujeito, todos do grupo feminino. É interessante apontar que neste aspecto os grupos por
gênero escolheram opções diversas, não havendo nenhuma prancha que tenha sido escolhida
por ambos os sexos.
- Pranchas que lembram os pais: Apenas um dos sujeitos do grupo masculino escolheu
alguma prancha, enquanto os demais foram categóricos em responder “nenhuma”, parecendo
muito difícil e angustiante fazer esta associação.
122
? Fenômenos Especiais: Segundo Bohm (1968; apud Passalacqua e Gravenhorst,
2005) os fenômenos especiais são fatores imponderáveis, que não podem ser medidos ou
classificados, destacando seu valor nos protocolos patológicos, mas não somente nestes casos.
Como a avaliação destes fenômenos é eminentemente qualitativa, será aprofundada nas
análises individuais que constam em anexo. A seguir apresentaremos os dados em forma de
tabela, possibilitando uma visão de conjunto dos fenômenos especiais por sujeito e por
prancha.
Tabela 53 - Distribuição dos Fenômenos Especiais
Pr.
I
Pr.II
Pr.III Pr.IV Pr.V Pr.VI Pr.VII
Pr.VIII
Pr.IX Pr.X
?
por
suj.
S.1 GI RD
TR
GI
4
S.2 RD 1
S.3 OP
CO
ChV LI DE
AR
ChN FA
CS
OP
LA
FA
DE
13
S.4 MO MO RE 3
S.5 0
Gr.?
?? 4 1 4 2 0 2 1 3 2 2 21
S.6 0
S.7 CH
FR
REp 3
S.8 CH CF CH CH CH
FR
6
S.9 0
S.10 0
Gr.?
?? 1 1 1 1 0 1 2 0 3 0 9
?gr.
total
5 2 5 3 0 3 3 3 5 2 30
LEGENDA:
AR Auto-referência
CH Choque
ChV Choque ao vermelho
ChN- Choque ao negro
CO- Contaminação
Cob Crítica ao objeto
CS Crítica ao sujeito
DE Desvitalização
FA- Fabulação
FR Fracasso
GI Giro instantâneo
LA Lógica autística
LI Ligação
MO Mórbido
OP Oscilação da
percepção
RD Resposta deteriorada
RE Reflexo
REp- Recusa parcial
TR Transparência
? Fenômenos especiais relacionados ao
funcionamento neurótico
? Fenômenos especiais relacionados ao
funcionamento limítrofe e psicótico.
Existem diferenças quantitativas e qualitativas significativas entre os grupos em
relação aos fenômenos especiais. O grupo masculino apresenta uma diferença quantitativa
(21) em relação ao grupo feminino (9), assim como qualitativa, com uma presença maior de
123
fenômenos especiais relacionados ao funcionamento limítrofe e psicótico (7), enquanto o
grupo feminino apresenta fenômenos especiais típicos de um funcionamento neurótico.
5.4.3. Análise dos fatores decorrentes da socialização
Tabela 54 Fatores decorrentes da Socialização
Suj. D%
[29-39]
F+%
[58-69]
Determinantes
Duplos
A%
[53-64]
Ban%
[24-31]
H%
[8-13]
S.1 44
38
1FE+ 72
4/22%
11
S.2 43
56
2FE- 43,5
2/9% 13
S.3 23
32
1CF±
1CF-
1ClobF
-
92
2/9%
15
S.4 0
56
1CF±
2FC±
2FE± 50
2/20%
20
Gr.?
S.5 42
63 1FE+ 89,5
6/32%
10,5
S.6 12
62,5 1CF±
1FC’+
1FE+
1FClob
-
1ClobF
±
56 6/ 37,5%
12,5
S.7 22
69 89
3/33%
11
S.8 38,5
73
1FE- FClob- 54 3/23%
23
S.9 53
65 67
4/27% 20
Gr.?
S.10 55
87,5
1FC-
1CF+
56 5/45%
27
LEGENDA:
? Resultados dentro da média
? Resultados acima da média
? Resultados abaixo da média
? Respostas de Detalhe - D%: Neste fator, índice de adaptação e socialização, o grupo
de adolescentes como um todo apresenta variações que fogem aos valores normativos, com
sujeitos dos dois grupos com resultados acima da média (5), ou abaixo da média (4), o que em
ambos os casos indica as dificuldades de adaptação social. Apenas um sujeito do grupo
feminino apresenta resultados dentro dos limites da norma.
124
? Determinantes Formais - F+%: Existe uma distinção entre os grupos, com uma
maioria de sujeitos do grupo masculino com resultados abaixo dos valores normativos (4) e
apenas um sujeito com resultados dentro da norma. No grupo feminino, os resultados se
situam acima da média (2) e na média (3), evidenciando uma eficácia maior do grupo
feminino quanto aos esforços de controle intelectual da realidade.
? Determinantes duplos FC e FE: Apresentam-se num total de respostas
ligeiramente superior no grupo masculino, tanto nas respostas com F prioritário, como
naquelas com F secundário. Observa-se que tanto nos grupos por gênero como no grupo total
existe a tentativa de controle formal sobre a expressão afetiva, o que revela a preocupação dos
sujeitos e a possibilidade de maior integração social. No entanto, como a maioria das
respostas tem má qualidade formal, evidencia-se a ineficácia dos esforços de controle
intelectual perante a emergência dos afetos e emoções.
Tabela 55 - Dados comparativos entre os grupos com relação
ao controle formal sobre os determinantes sensoriais (FC, FE, FClob)
FC/ FE / FClob CF/EF/ClobF
+ ± - + ± -
?
por grupo
Grupo ? 1 4 2 0 2 2 11
Grupo ? 2 0 4 1 2 0 9
?Grupo Total 3 4 6 1 4 2 20
? Respostas de Conteúdo Animal - A%: Neste fator, que indica a integração
adaptativa e socializante, o grupo masculino apresenta resultados que fogem aos valores
normativos, com três sujeitos acima da média e dois abaixo, enquanto o grupo feminino tem
três sujeitos com resultados dentro da média e dois acima, o que indica uma tendência de
maior adaptação e integração social do grupo feminino.
125
? Banalidades Ban %: Encontra-se rebaixada em quatro sujeitos do grupo
masculino e elevada em um dos sujeitos, enquanto o grupo feminino apresenta três sujeitos
com resultados acima da média, um abaixo e um na média, o que revela uma tendência do
grupo como um todo a fugir aos padrões dos valores normativos. No entanto, os grupos por
gênero apresentam tendências inversas: nos meninos este dado pode indicar as dificuldades de
contato com a realidade objetiva e social, desinteresse ou oposição sistemática, e nas meninas
a tendência maior ao conformismo e docilidade passiva, ou o desejo de escapar à
investigação.
? Respostas de Conteúdo Humano - H%: Este fator, um dos índices de socialização,
apresenta-se dentro dos limites da norma em metade do grupo como um todo (5), e acima da
norma no restante do grupo (5). No entanto, este não é um dado suficiente para atestar a
capacidade de contato humano, tornando-se necessário analisar a sua constituição e a
proporção de H: (H) + Hd+ (Hd). O grupo masculino tem uma proporção inversa à do grupo
feminino, o que revela uma maior dificuldade nos contatos humanos e de identificação.
5.4.4. Análise dos processos de identificação
Esta análise está baseada em aspectos relacionados aos processos identificatórios
primário imagem corporal e identidade e investimento da imagem de si, e secundário ou
sexual - reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação, que serão
apresentados através das tabelas a seguir.
126
Tabela 56- Imagem do Corpo
Pranchas compactas (Pr. I, IV, V e VI) Pranchas de configuração bilateral (Pr.II, III e VII) Pranchas pastéis (Pr.VIII, IX e X)
Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
S.1 (+) Pr. I e V(2) -
G/banais
? Imagem corporal
integrada e unificada;
(-) Pr. III GDbl/F-/Anat:
transparência
? Dificuldades de delimitação
dentro-fora;
? Preocupação com a
integridade corporal e/ou
angústia de fragmentação;
(-) Pr. X D/F-/Anat
órgão interno
danificado
?Preocupação com
a integridade
corporal e/ou
angústia de
fragmentação;
(+) Pr. V G/F+ (2)
G/banal (1)
? Imagem corporal
integrada e unificada;
S.2
(-) Pr. VID/ /F- /
Anat:
(pulmão)
? Preocupação com a
integridade corporal
e/ou angústia de
fragmentação;
(-) Pr.II: D/F- /Anat: órgão
interno danificado (pulmão)
(-) Pr.III D/kp+/F+/Hd:
representação
humana parcial
? Preocupação com a
integridade corporal e/ou
angústia de fragmentação
?Dificuldades com as
representações humanas
inteiras;
(+) Pr. V G/banal ? Imagem corporal
integrada e unificada;
(+) Pr.III G/K+/H/ banal ? Cinestesia humana pressupõe
uma representação de corpo
íntegro e unificado;
S.3
(-) Pr. I: G/F-/ (A):
Representação
fragmentada com
Contaminação e oscilação
da percepção
(-) Pr.IV- G/F±/ (A)
? Dificuldades de
integração da unidade
corporal;
(-) Pr. IIG/ClobF -
CF±/Anat: Choque ao
vermelho com vivência
destrutiva de interior do corpo
danificado
(-) Pr. III K- (adicional)
imagem fusional
?Busca de unidade em um
todo sentido como disperso ou
fragmentado;
?Preocupação com a
integridade corporal e/ou
angústia de fragmentação;
?Ausência de imagem corporal
unificada e delimitada;
(-) Pr.IX G/CF-
/Anat:
Interior do
corpo/transparência
gica autística e
oscilação da
percepção
(-) Pr. X (3): Repr
mal vistas com partes
dispersas e unidas
arbitrariamente e
Fabulação
? Dificuldades de
delimitação
dentro-fora;
(+) Pr.IV G/F+
(+) Pr. V G/ banal
? Imagem corporal
integrada e unificada;
S.4
(-) Pr. I - G /F-/A/Sg:
Cor em prancha negra
(-) Pr. VI- G/FE±/A:
Corpo danificado
(Mórbido)
?Dificuldades de
integração da imagem
corporal
?Preocupação com a
integr. corporal e/ou
ang. de fragmentação;
(-) Pr. I G/F-/A/Sg: Cor
em prancha negra
(-) Pr. II- G/FE± (text) /CF±/
Sg: Choque ao vermelho
(-) Pr. IIIG/F- (H):
Transparência
(-) Pr.VII G/F-/Anat:
Corpo danificado (Mórbido)
?Busca de unidade frente ao
material sentido como
disperso ou fragmentado;
?Preocupação com a
integridade corporal e/ou
angústia de fragmentação;
? Dificuldades de delimitação
dentro-fora;
(-) Pr. X G/FC±/
(H): Corpo
danificado com
apêndices dispersos
?Dificuldades de
integração e
unificação da
imagem corporal;
(+) Pr. I (2) e V (1) G/
banais
? Imagem corporal
integrada e unificada;
Gr.?
S.5
(-)Pr. VI- D/F-/Ad: fusão
? Dif. delimitação corp.
(+) Pr.III- G/K+/H/ ? Cinestesia humana pressupõe
repr. de corpo íntegro e
unificado;
127
Pranchas Compactas (Pr. I, IV, V e VI) Pranchas de configuração bilateral (Pr.II, III e VII) Pranchas pastéis (Pr.VIII, IX e X) Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
S.6 (+) Pr. I G/ banal
(+) Pr.IV G/F+ / (A):
Corpo antropomórfico
(+) Pr. V - G/kan+/A
? Imagem corporal
integrada e unificada;
(+) Pr.VII G/K+/H/banal ? Cinestesia humana
pressupõe uma representação
de corpo íntegro e unificado;
S.7 (+) Pr.IV G/F+ /(A):
Corpo antropomórfico
(+) Pr. V G/banal
? Imagem corporal
integrada e unificada;
(+) Pr. III G/K +/H/ banal ? Cinestesia humana
pressupõe uma representação
de corpo íntegro e unificado;
(+) Pr. V - G/F+/A
(+) Pr. V G/ banal
? Imagem corporal
integrada e unificada;
S.8
(-) Pr. I (2)
Dd/FClob-/A e
Dd/FE-/Hd:
Imagens parciais sem
integração do todo
(-) Pr. IV - Do/F+/Hd
Inibição /Choque
?Dificuldades de
integração da unidade
corporal;
?Manifestações de
Angústia;
(-) Pr. III G/F-/Hd:
qualidade formal e conteúdo
humano parcial
?Abordagem fóbica da
representação humana,
relacionada à angústia de
castração;
(+) Pr. I G/ banal
(+) Pr.IV G/K+/H
(+) Pr. V - G/banal
(+) Pr. VI - G/F+/A
? Imagem corporal
integrada e unificada;
(+) Pr. II e VII K+(2) ? Cinestesia humana
pressupõe uma representação
de corpo íntegro e unificado;
Gr.?
S.9
(-) Pr. V - Dd/F- /Ad:
Imagens parciais sem
integração do todo;
?Dificuldades de
integração da unidade
corporal;
S.10 (+) Pr. I G/ banal
(+) Pr.IV G/F+(A):
Corpo antropomórfico
(+) Pr. V G/ banal
? Imagem corporal
integrada e unificada;
(+) Pr. II e III (2) - G/K+/H ? Cinestesia humana
pressupõe uma representação
de corpo íntegro e unificado;
(+) Pr. IX D/K+/H ? Cinestesia
humana
pressupõe repr. de
corpo íntegro e
unificado;
128
Tabela 57 Identidade e Investimento da Imagem de si
Pranchas compactas (Pr. I, IV, V e VI) Pranchas de configuração bilateral (Pr.II, III e VII) Pranchas pastéis (Pr.VIII, IX e X)
Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
(+) Pr. I e V (2) -
G/banais
(+) Pr. IV e VI (2)
G/F+/A
?Imagem de si integrada
e unificada e
discriminação sujeito
objeto;
S.1
(-) Pr. I e V (2):
Oscilação da percepção
morcego/vampiro
?Confusão de reinos
animal e fantástico;
S.2 (-) Pr. IV G/F-
/(H)/Arte;
Desvitalização
? Confusão de reinos
com figura humana
fantástica;
(-) Pr. VII D/kan-/A:
Atribuição de qualidades
humanas ao animal
? Confusão de reinos
animal/humano;
(-) Pr. IX e X (2)
Animais fantásticos e
oscilação entre reinos
animal e humano
? Confusão de
reinos
animal/humano;
(+) Pr. V G/banal
? Banalidade acrescida
de características
agressivas e referência
anal;
S.3
(-) Pr. I: G/F-/(A):
Figura fantástica
(-) Pr.IV- G/ F±/ (A):
Figura fantástica
? Indiscriminação e
indiferenciação entre as
partes do todo e figura
fantástica;
? Confusão de reinos
animal e humano;
(-) Pr.III K adicional:
Fabulação e imagem fusional;
? Indiscriminação sujeito-
objeto;
(-) Pr.IX G/CF-
/Anat: Indefinição de
reino animal/humano
Lógica austística e
oscilação da
percepção
(-) Pr. VIII e X (2)
Fabulação com figuras
fantásticas
? Confusão de
reinos
animal/humano;
S.4 (-) Pr. I, IV e V(3):
Animais com
características de corpo
humano
? Confusão de reinos
animal e humano;
(-) Pr.III (H): Figura
fantástica com atributos do
corpo humano
? Confusão de reinos
humano/fantástico
e imagem híbrida;
(-) Pr. VIII Reflexo
(-) Pr. IX Árvore
com frutas variadas/
repres.humana
simbólica;
? Problemática de
ordem narcísica;
? Imagem híbrida
(+) Pr. I (2) e V (1)
G/ banais
?Imagens de si integrada
e unificada com a
discriminação sujeito -
objeto ;
Gr.?
S.5
(-) Pr. VI D/F-/Ad:
Imagem fusional;
? Dif. de discriminação
sujeito-objeto / angústia
de castração;
(+) Pr.III- G/K+/H:
Cinestesia humana de boa
qualidade formal;
? Separação e diferenciação
sujeito-objeto e identificação/
pertença à espécie humana;
129
Pranchas compactas (Pr. I, IV, V e VI) Pranchas de configuração bilateral (Pr.II, III e VII) Pranchas pastéis (Pr.VIII, IX e X)
Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
S.6 (+) Pr. V kan+
? Imagem de si
integrada e unificada;
? Representação de si
com qualidades
agressivas;
(+/-) Pr.VII G/ K+/H/Ban:
Cinestesia humana de boa
qualidade formal;
? Separação e diferenciação
sujeito-objeto e identificação/
pertença à espécie humana;
? Detalhe da ausência de pés
como manifestação de falta e
fragilidade da imagem de si;
(-) Pr. VIII
Dd/FCLob-/Arq:
manifestação de
afeto depressivo
? Manifestações
de sofrimento;
falhas narcísicas e
suporte objetal
insuficiente da
imagem de si;
S.7 (+) Pr. V G/ banal ? Banalidade acrescida
de detalhe (não
esclarecido) cabeça que
não parece de morcego;
(+) Pr. III G/K
+/H/Ban:Cinestesia humana
de boa qualidade formal;
? Separação e diferenciação
sujeito-objeto e identificação/
pertença à espécie humana
(+) Pr. V (2) - G/F+/A
e G/banal
?Imagem de si integrada
e unificada;
? Oscilação entre
imagem de si
frágil/passiva e
agressivo/ativa;
(-) Pr. III - G/F-/Hd e
(-) Pr. IV: Do/F+/Hd:
Representações humanas
parciais
?Abordagem fóbica da
representação humana,
relacionada à angústia de
castração;
S.8
(-) Pr. I Dd/FClob-/A:
Imagens parciais e não
complementares, sem
integração do todo;
? Dificuldades de
integração da imagem
humana relacionadas à
angústia de castração;
(+) Pr. V - G/banal
(+) Pr. IV G/K+/H;
(+) Pr. VI - G/F+/A:
Percepção de unidade
simétrica em torno de um
eixo e referências fálicas/
anais
? Imagem de si
integrada e unificada;
? Separação e
diferenciação sujeito-
objeto e identificação/
pertença à espécie
humana;
(+) Pr. II D/K+/H:
Cinestesia humana de boa
qualidade formal;
? Separação e diferenciação
sujeito-objeto e identificação/
pertença à espécie humana;
S.9
(-) Pr. V - Dd/F- /Ad
Imagens parciais sem
integração do todo e
referência fálica;
? Dificuldades de
integração da imagem
humana relacionadas à
angústia de castração;
Gr.?
S.10 (+) Pr. I, IV e V (3)G/
banais
? Imagem de si
integrada e unificada;
(+) Pr. II e III (2) G/K+/H;
Cinestesias humanas de boa
qualidade formal;
(-) Pr. VII Animais sem
patas;
? Separação e diferenciação
sujeito-objeto e identificação/
pertença à espécie humana;
? Imagem de si com
representação de falta
relacionada à ang. de castração;
(+) Pr. IX
D/K+/H: Cinestesia
humana de boa
qualidade formal;
? Separação e
diferenciação
sujeito-objeto e
identificação/
pertença à espécie
humana;
130
Tabela 58 Reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação
Pranchas de simbolismo lacunar dominante
(Pr. II, VII, IX)
Pranchas de simbolismo fálico dominante
(Pr.IV e VI)
Outras pranchas
Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
(+) Pr.IX D/F-/A
? Identificações de
gênero masculina e
feminina em
personagens animais;
S.1
(-) Pr.VII D/F-/A:
oscilação da percepção
em relação à identidade
sexual dos animais com
tendência à
identificação
feminina
? Problemática de
identificação sexual
com dúvidas e
oscilações em relação à
escolha identificatória,
deslocada para os
animais;
(-) Pr. IV (escolha) e Pr.VI
G/F+/A (2):
Fenômeno especial de Ação
sofrida pelo animal e/ou
conteúdo Mórbido
?Angústia de castração
ligada às representações
.sexuais masculinas
deslocada para os
animais;
(-) Pr.VIII Dd/kan-
/A: oscilação da
percepção em relação à
identidade sexual dos
animais com tendência
à identificação feminina
-Problemática de
identificação sexual
com dúvidas e
oscilações em relação à
escolha identificatória
deslocada para os
animais;
(+) Pr. VIII
D/F+/Vest /Orig.:
Trajes íntimos
femininos;
? Resposta Original
com conteúdo ligado à
identificação sexual
feminina de gênero
inverso ao do sujeito;
Gr.?
S.2 (-) Pr. II
GDbl/F+(Hd):
Referência fálica
(nariz) em prancha que
lembra a mãe
(-) Pr. IXD/kanC-/Ad
e Elem (fogo):
Referência oral (boca
aberta cuspindo fogo)
(- ) Pr. VII D/kan-
/A:
Referência anal
? Referência fálica
ligada à imago materna
pré-genital;
- Presença de
referências ligadas a
temáticas mais
regressivas (oral) e
mais evoluídas (fálicas)
e conteúdos humanos
parciais;
?Ausência de
representações
humanas e de
identificações sexuais;
(-) Pr.IV- G/F-/(H):
Referência .fálica de má
qualidade formal (pés)
(-) Pr.VI (2)Dd/FE-/Obj:
Referência fálica de má
qualidade formal (garrafa) e
G/F+/A: referência anal (rabo)
? Presença de referências
ligadas a temáticas mais
regressivas (anal) e mais
evoluídas (fálicas)
conteúdos humanos
parciais e objetos;
? Ausência de
representações humanas
e de identificações
sexuais
(-) Pr. I, V e VIII(3):
Referências fálicas em
respostas de má
qualidade formal;
(-) Pr.III: D/kp+/Hd:
Identificação humana e
masculina, com homens
de costas (ref. anal)
?Presença de
referências ligadas às
temáticas mais
regressivas (anal) e
mais evoluídas (fálicas)
e conteúdos humanos
parciais e objetos;
? Presença de
representação humana
parcial e masculina
com referência anal;
131
Pranchas de simbolismo lacunar dominante
(Pr. II, VII, IX)
Pranchas de simbolismo fálico dominante
(Pr.IV e VI)
Outras pranchas
Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
Gr.? S.3 (-) Pr. II G/ClobF-/
Sg: Choque ao
vermelho
(-) Pr.VII G /kan-
/F±/A: longo tempo de
latência (3’)
(-) Pr.IX G/CF-
/Anat: longo tempo de
latência (4’)
? Presença de choque
ao vermelho (1) e
dilatação do tempo de
latência (2), indica a
perturbação e angústia
frente ao simbolismo
das pranchas materno-
femininas;
?Ausência de
representações
humanas com
identificações sexuais;
(-) Pr. IV G/F±/(A): Prancha
que provocou medo
(-) Pr. VI D/F±/A: Choque ao
escuro com referencia anal
(animais de costas)
? Presença de reações de
angústia frente às
pranchas de simbolismo
fálico dominante;
?Uso de recurso
defensivo através de
regressão com ref. anal;
?Ausência de
representações humanas
com identificações
sexuais;
(-) Pr.III G/K+ /H:
K fabulado
? Presença de
Fabulação em
cinestesia humana
banal, sem
identificação sexual
dos personagens;
S.4 (-) Pr. II FE± (text.)
CF± e Sg: Choque ao
vermelho/ Prancha que
menos gostou
(-) Pr.VII G/F-/Anat
com fenômeno especial
Ação sofrida pelo
animal e/ou conteúdo
Mórbido
(-) Pr. IX - G/FC±/Pl:
Conteúdo regressivo
(árvore de frutas
variadas)
? Presença de
respostas de má
qualidade formal, com
determinantes
sensoriais e conteúdos
mais primitivos,
choque indicam a
perturbação e angústia
frente ao simbolismo
das pranchas materno-
femininas;
(-) Pr. IV G/F+/A: Prancha
que mais gostou e que
provocou medo
(-) Pr. VI G/FE±/A
fenômeno especial de Ação
sofrida pelo animal e/ou
conteúdo Mórbido
?Ambivalência afetiva
frente às representações
sexuais fálicas;
?Temor e angústia
frente às representações
sexuais fálicas
deslocados para os
animais;
(-) Pr. III e X(2)
Representações pára-
humanas (robô)
? Ausência de
representações
humanas e de
identificações sexuais;
(+) Pr. III- Gtec/K+/H:
identificação feminina
dos personagens, com
referências femininas
(peitos) e fálicas (pernas)
? Presença de
representação humana
feminina, gênero
inverso ao do sujeito,
com referências
femininas e fálicas -
bipolaridade sexual;
S.5 (-) Pr.IV G/kan-/A: com
referência fálica (pernas)
(-) Pr. VI (2) D/F-:
Referências fálicas (pernas) e
imagem fusional (cabeças
grudadas) de conteúdos
animais
? Perturbação da
capacidade perceptiva
nas pranchas de
simbolismo fálico
dominante indica a
angústia ligada às
representações sexuais
fálicas deslocados para
os animais;
(-) Pr. X
DdDbl/FE+/Hd:
identificação masculina
do personagem, com
cont.humano parcial;
? Presença de angústia
frente à representação
humana masculina de
conteúdo parcial
(bigode);
132
Pranchas de simbolismo lacunar dominante
(Pr. II, VII, IX)
Pranchas de simbolismo fálico dominante
(Pr.IV e VI)
Outras pranchas
Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
S.6 (+/-) Pr. VII-
G/K+/H/Ban:
Identificação feminina
dos personagens, com
ausência de pés;
(-) Pr. II - DdDbl(2):
Repr. de falta/vazio e
tonalidade depressiva;
em pr. de simbolismo
materno-feminino
(- ) Pr. IX-
Dd/kobC±/Elem
(fogo): Repr.simbólica
materno-feminina,
ligada às vivências de
gestação;
? Presença de
representação humana
feminina com gênero
compatível ao do
sujeito;
? Angústia frente às
representações
feminino-maternais;
(+) Pr. IV- G/F+/(Ad):
Desvitalização;( monstro sem
cabeça);Representação
masculina de potência com
apreensão na dimensão ativa e
fálica
(+) Pr. VI-
G/FE+(text)/Obj/Ban: (carpete
de urso) Representação
masculina deslocada para os
animais;
? Reconhecimento das
diferenças sexuais;
? Angústia de castração
ligada às representações
sexuais masculinas;
S.7 (-) Pr. VII Choque e
Fracasso
(-) Pr.IX Recusa
parcial
? Manifestações de
intensa angústia em
pranchas de
simbolismo materno-
feminino;
(+) Pr. IV- G/F+/(A); (monstro
de desenho) Representação
masculina de potência com
apreensão na dimensão ativa e
fálica
? Reconhecimento das
diferenças sexuais;
(+) Pr. III- Gtec/K+/H:
identificação feminina
dos personagens
? Presença de
representação humana
feminina com gênero
compatível ao do
sujeito;
Gr.?
S.8 (-) Pr.II Cinestesia
animal com
deslocamento dos
impulsos libidinais
para os animais
(-) Pr. VII - Crítica ao
Objeto
(-) Pr. IX - Choque e
Fracasso
? Animais de mesmo
gênero (cachorros) em
movimento erótico;
? Angústia intensa em
pranchas de
simbolismo materno-
feminino (VII e IX);
(-) Pr. IV- Do/F+/A:
Inibição
(-) Pr. VI- Choque e Fracasso
? Angústia de castração
relacionada às
representações sexuais
fálicas;
(-) Pr. III- Gtec/F-/Hd:
repr.humana parcial com
identificação masculina e
referência fálica (pernas)
? Presença de
representação humana
parcial masculina
com gênero inverso ao
do sujeito;
133
Pranchas de simbolismo lacunar dominante
(Pr. II, VII, IX)
Pranchas de simbolismo fálico dominante
(Pr.IV e VI)
Outras pranchas
Suj.
Respostas Significado Respostas Significado Respostas Significado
S.9 (-) Pr. II- K+/H
Percepção de casal em
prancha simétrica com
referência fálica
(chapéu);
? Atribuição arbitrária
da questão de gênero
sexual;
(-) Pr. IV- G/K+/H:
representação humana sem
identificação sexual
e referência fálica (dedos);
prancha que despertou medo
(-) Pr. VI- referência anal
(rabo)
? Ausência de
identificação sexual dos
personagens humanos;
? Ênfase nas
representações fálicas;
(-) Pr. V - Dd/F-/A:
referência fálica (pés)
(-) Pr. III- D/F-/A:
referência fálica (nariz)
? Ênfase nas
representações fálicas;
(+) Pr. IX- K+/H:
Identificação masculina
e referência fálica
(espada) dos
personagens
?Presença de
representação humana
masculina, de gênero
inverso ao do sujeito;
Gr.?
S.10
(-) Pr. II K+/H:
representação humana
sem identificação
sexual
(-) Pr. VII animais
sem patas
? Angústia de
castração com registro
de falta ligada às
representações
femininas;
(+) Pr. IV- G/F+/(A)/Ban:
monstro de filme/ representação
masculina de potência com
apreensão na dimensão ativa e
fálica
(+) Pr. VI conteúdo animal
de simbolismo fálico,
localizado na dimensão
peniana;
? Reconhecimento das
diferenças sexuais;
(+) Pr. III-Gtec/K+/H
presença de pronome
pessoal masculino, apesar
da falta de uma
identificação sexual mais
clara
(+) Pr. VIII Dd/FC-
/Pl: representações
sexuais femininas e
fálicas simbolizadas em
conteúdo de flor com
pétalas e galhos
? Tendência à
identificação sexual
masculina, inversa ao
gênero do sujeito;
134
Tabela 59 Dados quantitativos sobre a Imagem do Corpo
Imagem corporal unificada Dificuldades de integração
da imagem corporal
Pranchas
compactas
Pranchas de
configuração
bilateral
Pranchas
pastéis
? por
grupo
Pranchas
compactas
Pranchas de
configuração
bilateral
Pranchas
pastéis
? por
grupo
Gr?
11 (5) * 2 0 13 6 9 6 21
Gr?
14(4)* 6 1 21 4 1 0 5
?
Total
25 8 1 34 10 10 6 26
* Número de banalidades na Prancha V
O grupo masculino apresenta resultados inferiores (13) ao grupo feminino (21), no que
se refere à presença de uma imagem corporal integrada e unificada. No sentido inverso, o
grupo masculino apresenta resultados superiores (21) ao grupo feminino (5) no que se refere
às dificuldades de integração e unificação da imagem corporal.
Estes dados demonstram que o grupo masculino sofreu vicissitudes durante o
desenvolvimento, no que se refere à construção da imagem corporal, que se traduzem por
dificuldades de unificação desta imagem, preocupação com a integridade do corpo e angústia
de fragmentação, assim como, distúrbios dos limites dentro-fora. No entanto, observa-se que a
banalidade da Prancha V está presente em todos os sujeitos do grupo masculino, o que por um
lado é um indicador positivo de integridade da imagem corporal. Mas, como refere Chabert
(2003), existem questionamentos sobre a validade efetiva desta banalidade como única
garantia de integração da imagem corporal.
Os sujeitos do grupo feminino apresentam-se mais estruturadas em termos da
aquisição de uma imagem corporal, o que se reflete na capacidade de representar esta imagem
como um todo integrado e unificado. Esta aquisição é fundamental e serve de suporte aos
processos de individuação, o que será analisado a seguir.
135
Tabela 60 Dados quantitativos sobre a identidade e investimento da imagem de si
Imagem de si unificada Dificuldades de unificação da imagem de si
Pranchas
compactas
Pranchas de
configuração
bilateral
Pranchas
pastéis
? por
grupo
Pranchas
compactas
Pranchas de
configuração
bilateral
Pranchas
pastéis
? por
grupo
Gr?
8 1 0 9 9 3 7 19
Gr?
10 5 1 15 2 4 1 7
?
Total
18 6 1 25 11 7 8 26
O grupo de sujeitos do sexo masculino apresenta menos respostas que atestam a
individuação efetiva (9) que o grupo feminino (15). Já em relação às dificuldades de
individuação, o grupo masculino apresenta um número elevado de respostas (19) em relação
ao grupo feminino (7).
Estes dados evidenciam que o grupo de sujeitos do sexo masculino apresenta falhas no
processo de formação da identidade, com a presença de dificuldades de separação e disfusão,
de discriminação entre sujeito-objeto e de identificação com a espécie humana. Estas
dificuldades encontram equivalência na fragilidade da construção da imagem corporal,
analisada anteriormente, o que é compreensível, uma vez que esta serve de suporte aos
processos de identificação primária.
O grupo feminino apresenta resultados que demonstram um maior desenvolvimento no
processo de identificação primária, com uma capacidade de representação da imagem humana
e o sentimento de pertença à espécie. Esta capacidade está assentada sobre a base
proporcionada pela imagem corporal, cujos indicadores anteriormente analisados são
compatíveis com um maior desenvolvimento deste grupo.
136
Tabela 61 Dados quantitativos sobre o reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de
identificação
Presença de identificações sexuais Dificuldades de reconhecimento das
diferenças sexuais e de identificação sexual
Pranchas de
simbolismo
?
Pranchas de
simbolismo
?
Outras
pranchas
? ? ?? ? ?
?? ? ? ??
? por
grupo
Pranchas de
simbolismo
?
Pranchas de
simbolismo
?
Outras
pranchas
? por
grupo
Gr?
0 0 0 0 0
1 0 1 1 3
12 10 9
31
Gr?
5 0 0 1 1
0 1 1 1 10 4 12 3 19
?
Total
5 0 0 1 1
1 1 2 2 13 16 22 12 50
5 3 5
A análise dos dados relativos à presença de identificações sexuais, que atesta o
reconhecimento da diferenciação sexual e de modelos identificatórios, tem resultados
diferenciados nos dois grupos, com uma presença de menos respostas no grupo masculino (3)
do que feminino (10), o que evidencia um maior desenvolvimento no processo de
identificação sexual deste grupo.
Nas pranchas de simbolismo sexual fálico dominante (masculino) todas as respostas
(5) são de sujeitos do grupo feminino, com identificações sexuais fálicas, compatíveis com o
apelo simbólico do estímulo.
Nas pranchas de simbolismo sexual lacunar dominante (feminino) o grupo feminino
tem duas respostas, com identificações masculinas (1) e femininas (1) e o grupo masculino
apresenta uma resposta com a presença de personagens masculinos e femininos
concomitantes.
Nas demais pranchas o grupo masculino apresenta identificações femininas (1) e
masculino/femininas (1). Já o grupo feminino apresenta identificações masculinas (1),
femininas (1) e ambas (1).
Quanto às dificuldades de reconhecimento das diferenças sexuais e de modelos
identificatórios, observa-se que os sujeitos do grupo masculino apresentam uma diferença
numérica expressiva (31) em relação ao grupo feminino (19). Isto se torna mais marcante nas
pranchas de simbolismo masculino, onde o grupo masculino apresenta um número de
137
respostas bem mais elevado (12) do que o grupo feminino (4), o que também ocorre nas
demais pranchas, que tem uma diferença de 9:3. Já nas pranchas de simbolismo feminino os
grupos feminino e masculino tem resultados mais próximos do que nas de simbolismo
masculino.
138
VI . DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
6.1 – DISCUSSÃO DOS DADOS DAS ENTREVISTAS
Esta discussão apresenta como tópicos principais, alguns aspectos do desenvolvimento
dos sujeitos da gestação à adolescência, que serão posteriormente relacionados aos resultados
do Rorschach, especialmente no que se refere aos processos de identificação.
?Desenvolvimento durante a infância
A importância das figuras parentais e dos cuidados maternos na constituição do
psiquismo infantil é apontada por muitos autores, entre eles Winnicott (1962), que confere ao
ambiente um peso determinante no desenvolvimento emocional. O autor refere que as mães,
em condições normais, desenvolvem um estado de preocupação materna primária durante a
gravidez que as prepara para o desempenho da função materna, favorecendo a sua
comunicação com os bebês e a identificação com suas necessidades vitais, de uma forma que
vai além da satisfação instintual.
Winnicott (1968) enfatiza ainda a importância das etapas iniciais, quando a mãe
fornece um holding fundamental para o desenvolvimento do ego do bebê, e o pai serve como
apoio que protege a mãe da realidade exterior, para que ela seja capaz de proteger o bebê de
fenômenos externos imprevisíveis, perturbadores da integração do self. A criança que
experimenta falhas fundamentais na adaptação da mãe às suas necessidades, vivencia uma
intensa ansiedade de despedaçamento, queda e isolamento, trazendo seqüelas ao processo
inicial de integração da personalidade.
Também Klein (1959) salienta a importância da relação primordial com a mãe, com a
qual a criança experimenta as primeiras vivências de gratificação e frustração. Esta relação
de objeto modela todas as relações posteriores, inclusive com o pai, família e círculo social
139
mais amplo. O pai também desempenha um papel importante na vida emocional da criança e
influencia os relacionamentos amorosos posteriores, mas este relacionamento é parcialmente
modelado sobre o da mãe.
Como se pode observar, os autores apontam para a importância das experiências
primitivas da criança com as figuras parentais e o impacto das situações de privação
emocional e material, que colocam a criança em carência e produzem angústia elevada,
podendo deixar seqüelas em seu desenvolvimento emocional. Diante disso, consideramos
que as dificuldades vividas pela maioria das mães dos adolescentes na gestação e nos
primeiros nos de vida, devem ter tido uma repercussão emocional significativa no
desenvolvimento psíquico de seus filhos.
A gestação não foi planejada na maior parte dos casos deste estudo, o que pode
indicar, por vezes, não terem sido filhos desejados, sendo fruto de relações instáveis entre os
pais. As mães das adolescentes do sexo feminino relatam com maior freqüência problemas
enfrentados durante a gestação, bem como, um período mais breve de amamentação, o que
podemos relacionar às situações de abandono e/ou separação dos pais das crianças, assim
como às dificuldades de sobrevivência material, vivenciadas com maior freqüência por estas
mães. Outro dado que chama a atenção é o grande número de partos por cesárea no grupo, o
que pode indicar intercorrências perinatais ou externas. As dificuldades em relação ao sono
também podem ser indicadores de dificuldades emocionais durante a primeira infância.
Embora não exista uma homogeneidade nas situações relatadas pelas mães, grande
parte delas enfrentou dificuldades durante a gravidez e primeiros anos de vida da criança,
com situações de conflito conjugal acentuados, abandono do pai durante a gestação e falta de
apoio familiar, levando-as a situações de desamparo, tanto afetivo como material. Nestas
condições é de se supor que estas mães não dispuseram de condições adequadas para entrar
140
em sintonia com as necessidades do bebê e desempenhar as funções maternas que promovem
a adaptação às suas necessidades e ao desenvolvimento de sua personalidade.
Tanto nos casos das mães com dificuldades emocionais e/ou materiais, mas que
mantiveram os cuidados com os filhos durantes os primeiros anos de vida, como naquelas que
entregaram os filhos aos cuidados de terceiros, de forma intermitente ou definitiva, podem se
caracterizar situações de privação materna parcial, referidas por Bowlby (1981/2002).
Segundo o autor, nestas situações a mãe é incapaz de proporcionar os cuidados amorosos de
que a criança necessita, ou a criança é afastada dos cuidados de sua mãe, que é substituída por
alguém que fica em seu lugar. A criança experimenta níveis elevados de angústia e sente uma
necessidade exagerada de amor, com fortes sentimentos de vingança, e em conseqüência,
culpa e depressão, o que poderá resultar em distúrbios nervosos e uma personalidade instável.
A carência do pai, como figura protetora da díade mãe-bebê, está presente em grande
parte das histórias de vida dos adolescentes, o que se perpetua após a separação do casal,
quando ocorre um afastamento e abandono emocional e material pelo pai. A ausência do pai
biológico desde tenra idade é mais freqüente no grupo feminino, mas posteriormente tiveram
experiências com padrastos que podem ser considerados substitutos da figura paterna. Embora
as adolescentes relatem muitos conflitos no relacionamento com os padrastos, demonstrando
as dificuldades desta relação, de certa forma tiveram a presença de uma figura masculina. A
maioria dos sujeitos do grupo masculino conviveu com os pais até a separação, que ocorreu
entre os cinco e quinze anos de idade, mantendo um contato com o pai mesmo que esporádico
após este momento. No entanto, as mães referem que mesmo quando estavam presentes, os
pais não arcavam com o compromisso de sustento emocional e financeiro da família,
evidenciando a falta de disponibilidade interna para a paternidade.
As ocorrências mais marcantes da infância dos adolescentes, citadas pelos familiares,
foram situações direta ou indiretamente relacionadas às figuras parentais, como: separação
141
dos pais, abandono ou afastamento do pai ou da mãe, hospitalizações breves ou prolongadas
(que provocaram o afastamento da mãe e do ambiente familiar), brigas entre os pais,
homicídio cometido pelo pai e a morte da avó (que desempenhava a função materna).
Knobel (1981) refere que todas as situações pelas quais o indivíduo passa em seu
desenvolvimento como o nascimento, o desmame, as constelações pré-edipianas, as
ansiedades de castração e de separação e os conflitos da adolescência, são dificultados ou
facilitados em função do relacionamento com os objetos do meio intrafamiliar. Aponta para
a importância da interação com os objetos externos, figuras parentais e demais pessoas do
grupo familiar, em seu potencial de gratificação ou frustração, como determinantes do
desenvolvimento emocional da criança.
Diante das condições iniciais de vida dos adolescentes, podemos supor que estas
situações de privação emocional devem ter repercutido em seu desenvolvimento emocional,
representando um acréscimo de dificuldades às situações inerentes ao desenvolvimento.
? Desenvolvimento escolar
Blos (1998) aponta a importância do período de latência da criança, no que diz
respeito ao aprendizado e à ampliação dos relacionamentos fora da família. Este momento do
desenvolvimento coincide com a entrada na escola, quando ocorre um declínio das
premências instintuais vividas na primeira infância, favorecendo o aprendizado e a vida em
grupo. A criança se encontra mais fortalecida para dominar a realidade e o seu instinto,
apoiada nas influências educacionais, com um maior desenvolvimento das capacidades
físicas e mentais e da competência social.
O desenvolvimento escolar dos adolescentes no período da infância apresentou
problemas de aprendizagem e/ou comportamento em grande parte do grupo, o que sugere
142
perturbações em seu desenvolvimento, que impediram uma reorganização interna adequada
às novas exigências trazidas pela vida escolar.
As dificuldades de aprendizagem e/ou comportamento se mantiveram durante a
adolescência, em ambos os grupos, com queixas relativas ao comportamento em número
ligeiramente superior no grupo masculino. Estes dados evidenciam as dificuldades
relacionadas à produção intelectual e/ou adaptação social no decorrer da vida escolar, em
proporções semelhantes tanto no grupo masculino como no feminino.
Klein (1923) ressalta a interferência dos fatores afetivos, mais especificamente, as
relações de objeto precoces, sobre o desenvolvimento cognitivo e relaciona as dificuldades
de aprendizagem ao momento de emergência do Complexo de Édipo, entre os três e quatro
anos de idade, o que, em obra posterior, Klein (1928/1981) antecipa para o final do primeiro
ano de vida da criança. Tanto nos meninos como nas meninas, o temor à castração promove o
recalque dos componentes da atividade masculina, o que está na base das inibições
intelectuais. Assim sendo, o recalque da atividade genital poderá afetar os interesses e
atividades do ego, a ponto de interferir nas realizações intelectuais do indivíduo no decorrer
de seu desenvolvimento. Embora a relação empática estabelecida com o professor possa
dirimir tais efeitos, as relações com os pais moldam a atitude da criança diante do
aprendizado, refletindo-se na relação estabelecida com o professor e a escola.
Os problemas de relacionamento dos adolescentes no âmbito escolar surgiram com
maior freqüência no momento da adolescência, principalmente na relação com os professores
da escola, dos quais se queixam por serem agressivos e exigentes com os alunos. Os colegas
da escola são vistos como um grupo de referência, mantendo uma relação de amizade mais
estreita, o que não ocorre com os colegas do projeto social, o que, a princípio pode ser
atribuído ao menor período de convivência neste grupo.
143
Os problemas de relacionamento com colegas do projeto social estão centrados nas
dificuldades de integração entre os grupos de gênero, com queixas reiteradas das
adolescentes do grupo feminino e de adolescentes do sexo masculino com dificuldades de
integração com o seu grupo de gênero. O comportamento de alguns colegas do sexo
masculino é visto como provocativo com colegas e professores, prejudicando as condições de
integração e aprendizagem. Os adolescentes manifestaram grande insatisfação com a saída
dos coordenadores anteriores, com quem mantinham vínculos afetivos, que favoreciam a
integração do grupo e a aprendizagem.
Alguns autores apontam para as mudanças de comportamento inerentes à
adolescência, manifestados no âmbito social e familiar. Anna Freud (1958) salienta que os
adolescentes que não apresentam uma inquietude interna, permanecendo como as boas
crianças do período de latência, estão com seu desenvolvimento em atraso. Aberastury
(1990) caracteriza a adolescência como um período confuso, doloroso, cheio de contradições
e ambivalências, caracterizado pelos conflitos com o meio familiar e social. Já Knobel (1992)
considera a adolescência um período de desestabilização da personalidade, cujas condutas
poderiam ser consideradas patológicas, se não estivessem circunscritas a esse período. As
lutas e rebeliões que criam conflitos no meio familiar e social, as atitudes sociais
reivindicatórias, as condutas anti-sociais e associais, bem como, as flutuações constantes de
humor e estado de ânimo fazem parte da síndrome normal da adolescência.
De acordo com os relatos dos adolescentes do grupo, assim como das observações de
professores da instituição e da pesquisadora, o comportamento dos adolescentes no âmbito
escolar apresenta algumas diferenças entre os grupos de gênero. Os adolescentes do grupo
masculino apresentam mais relatos de indisciplina, falta de atenção e de empenho nas tarefas
durante e extra classe, fazendo piadinhas” com freqüência, dirigidas aos colegas e
professores. Já as adolescentes se mostram mais interessadas e dedicadas às tarefas, mas ao
144
se irritarem com os colegas que perturbam (“zoam”) e são mais agressivas e contestatórias,
criando situações de confronto direto com colegas, o que também acontece com em relação
aos professores da escola.
Em ambas as situações aparecem os problemas de conduta, mas as adolescentes
parecem manifestar um comportamento mais típico da adolescência, com uma exacerbação
pulsional que produz a exteriorização da agressividade, estabelecendo um embate explícito
com as figuras de autoridade, tanto no meio escolar (professores) como no meio familiar
(mães e padrastos). Os adolescentes também são agressivos, o que é manifestado através da
ironia e situações de constrangimento aos colegas, manifestando maior agitação motora que
perturba a atenção e concentração e, consequentemente, a aprendizagem.
? Relacionamento familiar
As configurações familiares atuais dos adolescentes apresentam uma maioria de
famílias reconstituídas após a separação, com apenas dois casos de convivência entre os pais.
Dentre as famílias em que existe a convivência entre um casal, pouco mais da metade
mantém um bom relacionamento conjugal, enquanto nos demais os conflitos conjugais
tornam o ambiente familiar conturbado.
Alguns dos adolescentes do estudo vivenciam situações apontadas por Ranna (2005)
como problemas comuns na constituição familiar atual: casos de ausência paterna em
famílias com adolescentes, filhos da primeira ligação da mãe, que são superprotegidos por
elas e hostilizados pelos padrastos. Estes jovens têm dificuldades na passagem para a vida
adulta, fracassando nos estudos e em atividades esportivas ou artísticas, não encontrando
oportunidades para descobrir competências e vocações. Os jovens do sexo masculino são
mais vulneráveis ao envolvimento com o consumo de drogas ilegais, enquanto as jovens
encontram saída para o difícil caminho em direção à vida adulta através da gravidez precoce.
145
Colocam-se no papel de cuidar de um bebê como solução inconsciente de retorno à condição
infantil, o que é corroborado pelos resultados da pesquisa de Aguirre (1995) com
adolescentes grávidas.
Algumas famílias dos adolescentes do grupo são mono parentais, ou seja, a mãe é a
única responsável pelos cuidados e sustento dos filhos. Sarti (apud Arpini, 2003) aborda este
fenômeno atual, cuja situação é agravada quando associada à pobreza. A ausência da figura
paterna cria uma nova dinâmica familiar, que leva a mãe a ser mais rígida com os filhos, na
intenção de preencher o vazio deixado pelo pai, além de ficar mais vulnerável
emocionalmente pelo acúmulo de preocupações e angústias, o que também se reflete na
qualidade da relação que estabelece com os filhos.
As entrevistas demonstram que os adolescentes, de ambos os gêneros, vivenciam
dificuldades no relacionamento com suas mães. As adolescentes demonstram isso mais
abertamente, dizendo que as mães são “nervosas”, “autoritárias”, “exigentes” ou
“agressivas”, enquanto estas se queixam das dificuldades incrementadas pela adolescência
das filhas, que se tornaram mais “rebeldes” e “agressivas”. No grupo masculino as
dificuldades com as mães parecem ser mascaradas pelos adolescentes, alegando em sua
maioria que a relação é “boa”. No entanto, o relato das mães é de que, devido à falta do pai,
tem uma necessidade maior de manter controle sobre os filhos, preocupadas com os riscos do
meio social em que estão inseridos. Além disso, algumas mães salientam a sua grande
proximidade e afeição pelo filho, manifestando a sua dificuldade de se separar dele e de
deixá-lo crescer.
Através da enumeração das características mais marcantes dos filhos observamos que
a maioria das mães salienta mais os aspectos negativos do adolescente de ambos os grupos.
A ausência de uma figura paterna na vida de grande parte dos adolescentes caracteriza
uma situação de privação paterna, e nos poucos casos em que este relacionamento é mais
146
próximo ou freqüente, a ênfase está colocada nos aspectos negativos do pai, evidenciando
não só as dificuldades desta relação, como também a depreciação da figura paterna aos olhos
da mãe. Alguns autores ressaltam a importância da presença concreta da figura paterna,
enquanto outros apontam que o mais relevante é a presença psicológica do pai para o filho,
que pode ter lembranças das interações passadas e/ou desenvolverem a percepção de seu pai
através do que outros falam a seu respeito. (Biller, 1968
a, apud. Biller, 1970)
Pelo que se observa em alguns adolescentes do grupo masculino, o lugar que o pai
ocupa no discurso materno é de alguém desqualificado e negligente em suas funções. Alguns
deles demonstram o desejo de maior proximidade com os pais, mas pelo que é trazido pelas
mães, os pais não correspondem ao interesse que os filhos manifestam por eles.
Grande parte das adolescentes nem sequer conheceu o pai, mas convivem com um
padrasto. Este pode ocupar o lugar de figura paterna, mas este relacionamento não é
considerado bom para a maior parte delas, que não aceitam a autoridade dos padrastos. Por
outro lado, os dois adolescentes do sexo masculino que convivem com o padrasto dizem
gostar dele, estabelecendo laços afetivos e valorizando sua presença na família, o que pode
representar uma possibilidade de dispor de uma figura masculina valorizada pela mãe, com a
qual possam buscar uma identificação. Mas consideramos que esta situação pode não dirimir
os efeitos nocivos das situações de abandono afetivo e material do pai e de sua
desqualificação no discurso materno.
A relação com os irmãos apresenta conflitos, em maior ou menor grau, em grande
parte do grupo. Esta relação foi, em alguns casos, abalada pela separação entre os pais,
quando os irmãos passaram a viver em casas separadas. Por outro lado, algumas famílias
reconstituídas trazem a convivência com meio-irmãos, frutos da nova união da mãe, o que
em alguns casos, trazem conflitos por ciúmes do adolescente com os irmãos mais novos, que
se sente preterido em algumas situações familiares.
147
A alta incidência de problemas de saúde dos pais e mães dos adolescentes, com a
presença de distúrbios psicológicos e/ou psiquiátricos repercute significativamente no
desenvolvimento emocional dos adolescentes, pois são pais e mães fragilizados em suas
condições físicas e/ou emocionais de exercer adequadamente as funções parentais. Além das
repercussões emocionais, estes pais ficaram incapacitados para o trabalho, o que acarreta
maiores dificuldades à sobrevivência material da família. Por outro lado, estas situações
colocam os filhos num lugar de cuidadores, encarregando-se de acompanhar as mães ao
médico, executar tarefas domésticas ou trabalhar para aumentar a renda familiar.
As situações familiares de grande parte dos adolescentes do grupo evidenciam que a
estes adolescentes não é permitido viver a imaturidade inerente ao seu momento do
desenvolvimento, tal como apontado por Winnicott (1968). Segundo o autor, quando os pais
não assumem as funções parentais, os adolescentes precisam assumir responsabilidades
precocemente, sendo levados a desenvolver uma falsa maturidade, perdendo sua maior
riqueza: a liberdade de ter idéias e agir por impulso.
Outros autores como Osório (1992) e Levisky (1998) abordam o processo da
adolescência nas classes desfavorecidas considerando que, apesar da adolescência ser um
processo universal, estes jovens não dispõe de tempo e condições para vivenciar e elaborar as
questões psicológicas envolvidas nesta passagem, pois precisam lidar com questões de
sobrevivência, embora não tenham a maturidade necessária para assumir responsabilidades
adultas.
A restrição das idéias e ambições sobre o futuro foi observada com mais freqüência
nos adolescentes do grupo masculino. Suas preocupações com o futuro estão centradas nas
questões de sobrevivência material e independência econômica, não conseguindo sequer ter
desejos e aspirações profissionais mais elevadas, que possam trazer uma possibilidade de
ascensão social e econômica. A maior parte das adolescentes do grupo feminino tem
148
aspirações mais elevadas, manifestando o desejo de ter uma profissão de curso superior,
trazendo mais frequentemente, questões relacionadas às necessidades afetivas e relacionais e
à autonomia e independência da família de origem.
Estas diferenças entre os grupos de gênero podem ser relacionadas às maiores
dificuldades encontradas nos adolescentes do grupo masculino, relativas ao processo de
individuação e desenvolvimento sexual, o que os torna mais imaturos para vivenciar as
questões relativas à independência e autonomia típicas da adolescência.
? Relacionamento social
Winnicott (1968) ressalta que o adolescente precisa de tempo e de condições para
crescer. Sua rebelião virá como forma de experimentação no jogo de relações estabelecidos
com os pais e a sociedade, que devem manter as suas responsabilidades, sem transferi-las
prematuramente ao adolescente, por mais que ele lute por elas. O crescimento assume o
significado de ocupar o lugar dos pais e a agressividade é inerente ao crescimento.
Observa-se o quanto esta necessidade dos adolescentes é trazida às instituições nas
quais estão inseridos, escola e comunidade, que muitas vezes são os únicos espaços
disponíveis para a experimentação da rebeldia e confrontação, buscando figuras de
autoridade que, na ausência de figuras parentais, possam ajudá-los a construir limites
internos.
Alguns adolescentes do grupo chegaram à instituição por encaminhamento do
Conselho Tutelar, com queixas como comportamento agressivo no ambiente familiar ou
escolar, abandono ou abstenção escolar, fugas de casa, porte de arma e envolvimento com
drogas, que podem ser caracterizadas como condutas anti-sociais. A busca de engajamento da
instituição em um projeto social pode ser um sinal de esperança destes adolescentes, em
busca da provisão ambiental que falta em seu meio social e familiar.
149
Podemos relacionar estas situações à teorização de Winnicott (1956) a respeito da
tendência anti-social. Esta se caracteriza por incitar o ambiente a prestar os cuidados que o
indivíduo necessita, tendo o significado de esperança em indivíduos que sofreram privação
de certas características essenciais da vida familiar, ocorrida em etapas anteriores, que tanto
pode ser um estado de ausência ou depressão materna ou rupturas no âmbito familiar.
Existe uma busca de estabilidade ambiental na manifestação de comportamentos
destrutivos, visando obter um suporte humano de confiança, para readquirir a liberdade de se
movimentar, agir e se excitar. Isso é ampliado na medida em que a criança e mais tarde, o
adolescente seguem como numa série, buscando uma moldura cada vez mais ampla, iniciada
no corpo da mãe, seguida pelos seus braços, a relação parental, o lar como um todo e a
família, a escola, a localidade e as delegacias, culminando com o país e suas leis.
Nesse sentido, os vínculos de confiança estabelecidos com o coordenadores anteriores
foram muito significativos para a maioria dos adolescentes que estiveram no projeto social
no período desta coordenação. Podemos compreender a sua grande frustração quando
perderam a convivência com eles, que alem de fornecer possibilidades de aprendizagem,
forneciam modelos identificatórios positivos e necessários neste momento crucial de seu
desenvolvimento. Um dos relatos, particularmente, nos chamou a atenção, quando um
adolescente do sexo masculino disse: “Sem o R. a Soabem perdeu a esperança.”
A maioria dos adolescentes refere ter poucos amigos, em proporção semelhante entre
os dois sexos. Alguns deles justificam suas dificuldades de maior integração na vizinhança
em decorrência dos problemas de insegurança e violência do ambiente social, o que também
é manifestado pela maioria das mães, com a preocupação de envolvimento do filho com más
companhias, vícios e criminalidade. Observa-se que a maioria destes jovens se sente inseguro
em seu meio social, e a restrição nas relações sociais encontra suporte nas reais condições de
insegurança e violência social.
150
Por outro lado, uma minoria dos adolescentes que dizem dispor de muitos amigos na
vizinhança sente-se tolhidos pelas mães e muitas vezes, os padrastos, em sua liberdade e
autonomia de sair e escolher seus amigos ou namorados. Apesar de terem a percepção do
risco proveniente do meio social em que vivem, estabelecem um embate em prol de sua
autonomia e independência, parecendo mais seguros perante os riscos reais da realidade
social, por disporem da presença de figuras parentais que atuam no sentido de demarcar
limites e estabelecer regras e com os quais possam exercer oposição.
No entanto, o que se observa é que na maioria dos casos a figura de autoridade é a
mãe, que, na tentativa de preencher a falta paterna, tenta substituí-lo em suas funções. Sarti
(apud Arpini, 2003) refere que estas mães mantêm com os filhos um relacionamento em que
a autoridade é mantida através da rigidez e violência, com dificuldades de demonstrar afeto,
cujo temor dos filhos é a única forma de colocar freios aos impulsos e demandas da
adolescência.
Conforme Aberastury (1984) os adolescentes que não dispõem externamente de
figuras que possam estabelecer limites frente aos seus desejos, podem desenvolver uma
severidade doentia do superego. A autora cita estudos que concluem que a falta de normas ou
da ausência real ou psicológica do pai, gera uma imagem de abandono e solidão, que produz
internamente uma exigência paralisante e atormentadora, na qual a criança procura dentro de
si os limites que lhe faltam externamente. O pai ausente pode levar o filho a ocupar seu lugar
em um processo de identificação, assumindo um lugar de adulto e pai, ficando impedido de
desenvolver uma identidade própria.
151
6.2. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DO MÉTODO DE RORSCHACH
A discussão dos resultados do Rorschach será realizada a partir dos aspectos
intelectuais, afetivos e de socialização e dos processos de identificação primária e secundária.
? Abordagem Intelectual
No grupo masculino prevalece uma tendência ao uso de uma abordagem global, com a
prevalência de respostas globais simples, que atestam a presença de uma adaptação perceptiva
básica. A presença de algumas respostas elaboradas demonstra certa capacidade de elaboração
ativa, com articulação entre os elementos do todo, mas seus esforços intelectuais de busca de
unidade e manutenção do controle sobre a realidade não são bem sucedidos, evidenciando a
perturbação da capacidade perceptiva pela ingerência das questões afetivas. O uso de uma
formalização excessiva demonstra a dificuldade de integrar os aspectos afetivos, com uma
rigidez do funcionamento cognitivo que restringe as suas potencialidades intelectuais. A
presença de cinestesias menores demonstra uma capacidade imaginativa, mas prevalece uma
imaginação mais infantil. Os fatores que demonstram a integração adaptativa e socializante
são discrepantes em relação aos valores normativos, revelando as dificuldades de adaptação
intelectual e participação na mentalidade coletiva.
Os aspectos intelectuais evidenciados no Rorschach demonstram as dificuldades de
desempenho intelectual na maior parte do grupo masculino, o que é corroborado pelos dados
relativos ao desenvolvimento escolar destes adolescentes, cuja maioria apresentou problemas
de aprendizagem desde a infância, o que se mantêm na adolescência.
No grupo feminino as tentativas de globalização na apreensão da realidade ocorrem
em uma freqüência menor do que o grupo masculino, mas são mais bem sucedidas,
demonstrando uma melhor adaptação do funcionamento cognitivo. Prevalecem as respostas
globais simples, que atestam a presença de uma adaptação perceptiva básica, caracterizando
152
um funcionamento mental simples, não existindo um trabalho de maior elaboração ativa e
articulação entre os elementos do todo, pois é quase nula a presença de respostas elaboradas.
A presença de cinestesias humanas, assim como de cinestesias menores, demonstra as
capacidades de imaginação e criatividade e maior maturidade no grupo feminino. Os fatores
que demonstram a integração adaptativa e socializante são mais próximos aos valores
normativos, o que evidencia uma tendência à adaptação intelectual à realidade e participação
na mentalidade coletiva.
O grupo feminino tem um melhor desempenho intelectual do que o masculino, embora
não apresente um esforço maior de apreensão global da realidade e de integração dos
elementos constituintes do todo. O funcionamento cognitivo está mais bem adaptado, com a
integração das capacidades criativas à produção intelectual, o que se reflete em níveis mais
elevados de aspirações intelectuais e desejo de autonomia da família de origem.
No entanto, também este grupo apresentou dificuldades de aprendizagem no decorrer
da escolarização, em proporções semelhantes às do grupo masculino, o que demonstra as
dificuldades de utilizar suas potencialidades intelectuais de forma mais efetiva. Este dado
também pode ser relacionado à defasagem maior deste grupo em seu nível de escolaridade de
acordo com a idade, o que parece estar associado às intercorrências na vida escolar
ocasionadas pelas situações familiares instáveis, tendo em vista que a maioria delas vivenciou
períodos de afastamento da figura materna e mudanças de local de moradia.
?Afetividade
No grupo masculino a escassez de respostas K, ainda que tenham boa qualidade,
indicam dificuldades acentuadas no âmbito das relações humanas. A presença de cinestesias
menores revela uma imaginação mais infantil e imaturidade afetiva. Segundo Chabert (1993)
o predomínio das cinestesias menores pode ser compreendido como um deslocamento da
153
representação humana para o animal, abrindo-se uma via de descarga da excitação impossível
de integrar na construção ou elaboração de uma relação humana agressiva ou libidinal. Este
dado pode ser relacionado às dificuldades nos relacionamentos humanos, com uma restrição
das relações no âmbito social e a manutenção de relações amorosas mais fugazes.
No grupo feminino as respostas K predominam sobre as k menores, e embora o
número de respostas K não seja expressivo, significa que além da capacidade imaginativa
existe uma capacidade de contato e de relacionamento humano mais desenvolvido. O
predomínio de respostas K, a maioria do grupo feminino, tem movimento ativo e relações
entre os personagens de tonalidade agradável, indicando certa assertividade e interações
humanas de boa qualidade afetiva. As adolescentes demonstram certa restrição nos
relacionamentos sociais, mas o fato de manterem relacionamentos amorosos mais estáveis
indica uma capacidade mais desenvolvida de estabelecer relacionamentos com o sexo oposto.
As identificações sexuais dos personagens nas representações humanas apresentam
tendências variadas no grupo como um todo, evidenciando a problemática de identificação
sexual presente na maioria do grupo, embora esta problemática se apresente em graus
diferenciados entre os sujeitos e entre os gêneros, o que irá ser aprofundado na discussão dos
resultados relativos aos processos de identificação.
A afetividade do grupo masculino apresenta uma tendência um pouco mais infantil,
com características de maior instabilidade, labilidade e egocentrismo que o grupo feminino,
embora o somatório de respostas cromáticas (?C) decorra, em ambos os grupos, de resultados
de apenas dois sujeitos.
A maior ocorrência de respostas de tonalidade (E) no grupo masculino revela a
presença de uma ansiedade mais acentuada neste grupo, embora a expressão desta ansiedade
esteja sob certo controle. Os índices de angústia patológica (% Ang.) mais elevados no grupo
masculino revelam o predomínio de uma angústia mais primitiva, ligada às preocupações com
154
a integridade corporal. Já as respostas de claro-escuro, com tonalidade disfórica (Clob) e as
recusas ocorrem com mais freqüência no grupo feminino, indicando a presença de uma
angústia mais neurótica, ligada à problemática sexual.
A percentagem de respostas humanas (H%) no grupo masculino apresenta um
predomínio de respostas humanas parciais e fantásticas, o que revela uma maior dificuldade
de identificação, que se reflete nos relacionamentos humanos. Por outro lado, o grupo
feminino apresenta mais respostas de conteúdo humano inteiro, demonstrando uma
capacidade mais desenvolvida de estabelecer relacionamentos interpessoais.
Os fatores indicativos da capacidade de integração adaptativa e socializante
apresentam valores mais discrepantes dos valores normativos no grupo masculino, enquanto o
grupo feminino tem resultados mais próximos, indicando melhor adaptação intelectual e
participação na mentalidade coletiva.
A freqüência e qualidade dos fenômenos especiais indicam que o grupo masculino
apresenta uma presença significativamente maior de fenômenos especiais relacionados aos
funcionamentos limítrofes e psicóticos. O grupo feminino apresenta fenômenos especiais em
menor número, sendo todos eles relacionados a um funcionamento neurótico, o que indica um
a presença de um funcionamento mental menos evoluído na maioria dos sujeitos do sexo
masculino.
As adolescentes demonstram uma maior agressividade no âmbito familiar e escolar do
que os adolescentes do grupo masculino, o que, por um lado, evidencia maiores dificuldades
de adaptação às exigências do meio ambiente, mas este movimento de confronto e
questionamento está mais coerente com o momento evolutivo da adolescência.
155
?Socialização
A adaptação e socialização do grupo de adolescentes evidenciadas através da D%
apresentam variações que fogem aos valores normativos, o que indica as dificuldades de
integração e adaptação social da maioria dos sujeitos de ambos os grupos, mas o grupo
feminino é mais bem sucedido, no que se refere aos esforços de controle intelectual sobre a
realidade.
Os determinantes duplos (FC e FE) indicam que em ambos os grupos existe a tentativa
de controle sobre a expressão afetiva, revelando a preocupação dos sujeitos e a possibilidade
de maior integração social. Entretanto, estes esforços de controle intelectual resultam
ineficazes, diante da emergência dos afetos e emoções, o que demonstra as dificuldades de
gerenciamento afetivo, que se refletem nas condições de integração e adaptação social.
A composição da H% do grupo masculino apresenta um maior número de respostas
humanas parciais e fantásticas, enquanto o grupo feminino apresenta mais respostas de
conteúdo humano inteiro, revelando uma capacidade de relacionamento interpessoal mais
desenvolvida, o que favorece a integração e adaptação social. Estes dados são corroborados
pelos fatores indicativos da capacidade de integração adaptativa e socializante (A% e Ban)
cujos valores são mais discrepantes em relação aos valores normativos no grupo masculino,
enquanto o grupo feminino tem resultados mais próximos, indicando a tendência a uma
melhor adaptação intelectual e participação no pensamento coletivo.
156
? Processos de Identificação
- Identificação Primária: Grande parte dos adolescentes do grupo masculino apresenta
falhas no que se refere à construção da imagem corporal integrada, que se traduzem por
dificuldades de unificação desta imagem, preocupação com a integridade do corpo e angústia
de fragmentação e distúrbios dos limites dentro-fora. No entanto, o fato da banalidade da
Prancha V estar presente nos protocolos dos sujeitos do grupo masculino, é um indicador
positivo de integridade da imagem corporal, mas segundo Chabert (2003) a validade efetiva
desta banalidade como única garantia de integração da imagem corporal é questionável. Em
decorrência da fragilidade da construção da imagem corporal, que serve de suporte aos
processos de individuação, os aspectos ligados à identidade e à imagem de si destes
adolescentes evidenciam dificuldades de separação e disfusão, de discriminação entre
sujeito-objeto e de identificação com o ser humano.
As adolescentes em sua maioria apresentam-se mais estruturadas em termos da
aquisição de uma imagem corporal, o que se reflete na capacidade de representar esta imagem
como um todo integrado e unificado e serve de suporte ao processo de individuação.
Demonstram a capacidade de representação da imagem humana e o sentimento de pertença à
espécie, o que está assentado sobre uma base proporcionada pela imagem corporal integrada,
cujos indicadores são compatíveis com um maior desenvolvimento deste grupo.
- Identificação secundária: A análise dos dados relativos ao processo de identificação
sexual indica que na maior parte do grupo masculino este processo encontra-se incipiente,
com dificuldades no reconhecimento das diferenças sexuais e em relação aos modelos
identificatórios. Isto se traduz pela presença de angústia ligada às representações sexuais
masculinas e femininas, oscilações e dúvidas em relação aos modelos de identificação,
157
referências sexuais que oscilam entre temáticas mais regressivas (oral, anal) e mais evoluídas
(fálicas), e mesmo a ausência de representações humanas e de identificações sexuais, o que é
compreensível, pois as dificuldades em nível de identificação primária obstaculizam o acesso
ao processo de identificação sexual.
O grupo feminino apresenta maiores possibilidades de reconhecimento das diferenças
sexuais, mas as dificuldades no processo identificatório revelam-se através da angústia frente
às representações sexuais femininas e maternas e a angústia de castração ligada às
representações fálicas, que predominam sobre as representações femininas, evidenciando
uma tendência à identificação sexual inversa ao seu gênero.
A análise dos dados relativos aos resultados do Rorschach dos adolescentes demonstra
diferenças significativas entre os grupos de gênero, com uma defasagem em termos de
desenvolvimento dos adolescentes do sexo masculino em relação às adolescentes, o que
buscaremos compreender a partir da retomada de alguns dados sobre o relacionamento com
as figuras parentais e algumas questões teóricas sobre os processos de identificação.
O conceito de identificação é fundamental para a compreensão do papel dos pais na
constituição psíquica da criança. Freud (1921) definiu a identificação como a mais remota
expressão de um laço emocional com alguém, anterior à escolha objetal, moldando o ego da
pessoa de acordo com seus aspectos tomados como modelo, sendo, assim, um elemento
constitutivo do psiquismo.
As formulações psicanalíticas sobre o papel do pai no desenvolvimento psíquico da
criança, iniciados com Freud (1923) apontam para os efeitos gerais e duradouros das
primeiras identificações com o pai em sua pré-história pessoal ou identificação primária,
reforçada posteriormente pelas escolhas objetais relacionadas aos pais: as identificações
masculinas e femininas.
158
A identificação desempenha um papel fundamental no complexo de Édipo, pois ao
tomar o pai como objeto de identificação, o menino quer ser ele e tomar o seu lugar junto à
mãe, que é tomada como objeto de amor, formando dois laços psicologicamente distintos.
Com a integração da vida mental estes laços convergem entre si, dando origem ao complexo
de Édipo positivo, no qual a identificação com o pai adquire uma tonalidade hostil e
ambivalente, e o menino passa a rivalizar com ele em seu lugar junto à mãe. A consolidação
das identificações secundárias decorre da dissolução do complexo de Édipo positivo, quando
o menino abandona a catexia objetal da mãe e intensifica sua identificação com o pai,
consolidando a masculinidade de seu caráter, da mesma forma que a menina intensifica ou
inicia sua identificação com a mãe, estabelecendo o seu caráter feminino.
Klein (1928) complementa as noções freudianas e antecipa a ocorrência desses
processos para o final do primeiro ano e princípio do segundo ano de vida, redimensionando
o papel do pai que é introduzido na vida emocional da criança em etapas precoces do
desenvolvimento.
Aberastury & Salas (1978/1984) enfatiza a importância do pai, especialmente para o
menino em momentos precoces do desenvolvimento como: durante a organização genital
precoce entre os 6-12 meses de vida, com a iniciação do triangulo edípico, durante o 2° ano
de vida da criança, com o estabelecimento interno do casal parental, o pai proporciona a
conexão com o mundo externo, contribuindo para o desprendimento da mãe; e na
adolescência, o pai possibilita a separação da mãe e é uma fonte de identificação masculina,
imprescindível para ambos os sexos.
Em Bleichmar (1988) encontramos uma ênfase no papel da mãe no processo de
identificação primária, uma vez que é, para ambos os sexos, o objeto primário: objeto
anaclítico, libidinizador, narcisizante e socializador. A identificação primária com a mãe tem
implicações diferentes de acordo com o sexo: favorece a identidade de gênero no caso das
159
meninas, e a entorpece com maior freqüência no caso dos meninos, pois ambos são criados
comumente por mulheres. Destaca a idéia de uma feminilidade precoce constituída pela
menina através da identificação primária e/ou especular com a mãe, ideal cheio de atributos e
poderes, que determina uma maior importância da relação pré-edípica com a mãe para a
menina. O acesso do menino à masculinidade como identidade de gênero se constitui a partir
da separação da mãe, enquanto que para a menina se constitui a partir do apego a esta.
A autora (Ibid, 1988) salienta o papel secundário do pai, cuja representação como
objeto interno se instalará posteriormente ao da mãe, contribuindo em menor grau para a
constituição de uma imagem especular do ego primitivo e um objeto do self, mas tem um
papel essencial no processo de separação-individuação da criança de sua mãe.
Nasio (1995) coloca a questão do complexo de Édipo a partir da separação da mãe:
“O complexo de Édipo é uma passagem esquecida na vida dos homens, uma experiência
fantasmática que todos os humanos devem inevitavelmente atravessar. Constitui uma espécie de
destino, uma prova necessária. Qual é esta passagem incontornável que denominamos Édipo?
Este complexo, estudado desde há um século, desde que Freud o anunciou pela primeira vez nas
cartas a Fliess, encontra seu sentido maior na experiência de uma separação, de uma perda, a
da mãe. Quer se trate do Édipo feminino ou do masculino, em ambos os casos, é a mãe que se
perde. Dever-se-ia mesmo quase dizer que o Édipo é o complexo de separação da mãe.” (p.26)
Outra questão a ser considerada é a relação que a mãe estabelece com a criança, que
possibilita ou impede que se efetive a separação-individuação. Mayer (2001) refere que
existe uma carência de modelos identificatórios adequados no cenário social e familiar atual:
a figura paterna é inoperante e a figura materna imprevisível e intrusiva, favorecendo a
constituição de indivíduos com fortes traços narcísicos. As necessidades se invertem e a
criança passa a ser o apoio afetivo da mãe, que é incapaz de dar passagem à criança em
direção ao pai e às demais instituições da cultura. Estas mães estabelecem uma relação de
poder com o filho, usurpando o seu espaço de desenvolvimento, não reconhecendo sua
singularidade e autonomia e impedindo-o de desenvolver-se como ser separado dela.
160
Os autores citados anteriormente enfatizam, de uma forma ou de outra, a importância
das figuras parentais na constituição psíquica da criança, cada qual em suas funções em
determinados momentos do desenvolvimento: a relação primária com a mãe fornece a
sustentação para o processo de integração e diferenciação da criança, favorecido pela entrada
do pai nesta relação dual, que possibilita a separação-individuação e o acesso ao processo de
identificação sexual. Estas formulações teóricas podem ser relacionadas a alguns estudos
realizados sobre os efeitos da ausência paterna no desenvolvimento da criança.
Estudos revistos por Biller and Weiss (1970, apud. Biller, 1970) referem que é
provável que as crianças de ambos os sexos sejam afetados pela ausência paterna, mas a
extensão e direção desse prejuízo dependem da dimensão do desenvolvimento da
personalidade que está sendo considerada. Os autores sugerem, ainda, que as meninas são
menos afetadas pela ausência paterna do que os meninos. Outros estudos apontam não só os
efeitos da ausência paterna, mas também o quanto a relação mãe-filho tem efeitos positivos ou
negativos no desenvolvimento da personalidade de crianças de pais ausentes.
Estudos realizados por Hetherington (1966, apud. Biller, 1970) concluíram que a
ausência do pai em fase anterior aos quatro e cinco anos de idade tem, particularmente,
profundos efeitos no desenvolvimento da masculinidade.
Retomando os dados trazidos nas entrevistas, apesar do grupo como um todo ter
experimentado situações familiares adversas durante o desenvolvimento, as histórias de vida
dos adolescentes dos grupos de gênero apresentam algumas diferenças quanto à relação com
as figuras parentais. Grande parte das adolescentes teve longos períodos de afastamento das
mães, que foram substituídas por outras pessoas nos cuidados (madrinhas) e a maior parte
delas não conheceu os pais biológicos, mas tiveram certa convivência com padrinhos e
posteriormente, com padrastos. Os adolescentes do grupo masculino em sua maioria tiveram
maior convivência com o casal de pais, e após a separação dos pais mantém contato com os
161
pais biológicos, embora na maioria das vezes estes se mantenham distantes e pouco
envolvidos com o filho.
Os adolescentes do grupo masculino apresentam resultados no Rorschach que
evidenciam falhas em no processo de identificação primária, tendo encontrado maiores
dificuldades de efetivar a separação da mãe do que as adolescentes do grupo feminino.
Podemos considerar que a ausência paterna teve um maior impacto no
desenvolvimento dos adolescentes do sexo masculino, dificultando o seu desprendimento da
mãe e a saída efetiva da relação dual e a formação da identidade. A privação da figura
paterna em seu papel de interdição aos desejos edipianos e de modelo de identificação
masculino pode interferir na configuração do Complexo de Édipo, dificultando o acesso ao
processo de identificação sexual, que se encontra incipiente na maioria dos casos.
O processo de individuação pode ter sido mais facilitado para as adolescentes, visto
que dispõem, na relação primária com a mãe ou substituta, da possibilidade de uma
identificação especular. Apesar do afastamento das mães biológicas, tiveram mães substitutas
que podem ter exercido a maternagem de forma adequada, e a presença de substitutos
paternos, o que pode ter contribuído para o rompimento da relação dual com a mãe,
possibilitado uma individuação mais efetiva. O processo de identificação sexual em curso
evidencia as dificuldades relacionadas às identificações com as figuras parentais e à escolha
de modelos identificatórios, reveladas através da angústia frente às representações femininas e
masculinas, com um predomínio de representações fálicas, o que pode representar obstáculos
em seu acesso à feminilidade.
162
VII . CONCLUSÃO
Este estudo investigou os processos de identificação de adolescentes em risco social,
buscando compreender como estes jovens se constituíram em sua subjetividade, uma vez que
as condições familiares e sociais adversas em que se desenvolveram poderiam favorecer a
emergência de distúrbios psicopatológicos ou anti-sociais.
Consideramos que o fato de estarem engajados em um projeto social, que visa o
desenvolvimento pessoal e profissional, poderia demonstrar a existência de recursos internos
para fazer frente às adversidades, ao contrário do grande número de jovens em situações
semelhantes, que derivam para a marginalidade e a criminalidade.
Embora os resultados demonstrem que estes jovens apresentam dificuldades em seu
desenvolvimento psicológico, não encontramos distúrbios psicopatológicos francamente
psicóticos ou condutas anti-sociais mais graves., o que poderia ser esperado em adolescentes
que enfrentam situações de risco social.
Os resultados evidenciam uma defasagem entre os grupos de gênero no que se refere
aos processos de identificação: enquanto a maioria dos adolescentes do sexo masculino
apresenta falhas no processo de individuação, com uma imaturidade em seu desenvolvimento
afetivo e sexual, as adolescentes demonstram ter consolidado o processo de identificação
primária, vivenciando mais efetivamente as questões relativas à problemática de
identificação sexual, em concordância com o momento evolutivo da adolescência.
Estas diferenças reveladas no Rorschach estão de acordo com os que se observa nos
grupos de adolescentes nos aspectos intelectuais, afetivos e de socialização. As adolescentes
são mais agressivas e contestadoras com o meio familiar e social, mas também demonstram
estarem mais evoluídas em seu desenvolvimento como um todo. Dispõem de um potencial
intelectual, embora apresentem problemas de aprendizagem e comportamento que interferem
1
63
em sua produtividade. Demonstram interesse e capacidade de estabelecer relações amorosas
com o sexo oposto, tendo aspirações de autonomia e independência da família de origem. Os
adolescentes do sexo masculino, em sua maioria, demonstram maior passividade em seu meio
familiar e social, dificuldades de desempenho intelectual e de adaptação social, assim como,
de estabelecer vínculos amorosos com o sexo oposto, demonstrando uma imaturidade afetiva
que impede de vivenciar plenamente as questões relacionadas à adolescência.
Embora a divisão dos grupos de gênero não vise um estudo comparativo, as
diferenças nos resultados destes grupos trouxeram a necessidade de compreender a
importância das questões de gênero nos processos de identificação, a partir de um referencial
psicanalítico.
Podemos considerar que a ausência paterna teve um maior impacto no
desenvolvimento dos adolescentes do sexo masculino, dificultando o desprendimento da mãe
e a saída efetiva da relação dual, o que interfere na configuração do Complexo de Édipo e no
acesso ao processo de identificação sexual. O processo de individuação pode ter sido mais
facilitado para as adolescentes, por disporem, na relação primária com a mãe ou substituta, da
possibilidade de uma identificação especular, além da presença de substitutos paternos, que
podem ter contribuído para o rompimento da relação dual com a mãe, possibilitado uma
separação mais efetiva.
A disponibilidade da mãe na relação primordial com a criança, assim como a
possibilidade de separar-se dela, parece ser a questão-chave no percurso de construção da
subjetividade, e neste ponto a entrada do pai determina a possibilidade da criança se
desprender da mãe e se constituir como ser humano desejante.
Os dados a respeito das histórias de vida dos sujeitos demonstram que todos
enfrentaram situações familiares e sociais adversas, mas os resultados do Rorschach
evidenciam que essas situações repercutiram de formas diversas sobre a constituição psíquica,
164
de acordo com as relações internas estabelecidas com as figuras parentais, que servem de
suporte aos processos identificatórios. Isto confirma que apesar dos adolescentes estarem
inseridos em condições externas ou ambientais de risco, é a configuração familiar que
determina primordialmente os processos internos e produz diferentes estruturações de
personalidade, corroborando a importância do núcleo familiar na constituição do sujeito.
A relevância social deste estudo decorre da dupla vertente de riscos aos quais estão
expostos os adolescentes nestas condições: além da adolescência potencializar os riscos de
distúrbios psicopatológicos, eles estão inseridos em um meio social e familiar caracterizado
como uma situação de risco social.
Esperamos que os resultados deste estudo, ao aprofundar a compreensão da dinâmica
psíquica de adolescentes em situação de risco social, seja uma contribuição para a elaboração
de estratégias de intervenções clínicas preventivas, possibilitando o diagnóstico e indicações
terapêuticas, envolvendo a família e a comunidade, no sentido de favorecer uma maior
inserção e adaptação destes jovens ao meio social.
165
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171
IX. ANEXOS
ANEXO A Roteiro das Entrevistas
Entrevistas com o adolescente
Nome
Data e local de nascimento
Endereço
Escolaridade e local de estudo
Atividades extra-escolares
Condições de saúde
Programas habituais aos fins de semana
Diversões preferidas
Esportes
Programas de TV preferidos
Preferências musicais
Religião
Situação escolar
Relacionamento com colegas
Relacionamento com professores
Relações sociais fora do ambiente escolar
Relacionamento familiar
Relacionamento amoroso
Idéias e ambições relativas ao futuro
Como se vê daqui a 10 anos
Motivação para a participação no projeto social
Relacionamento com os colegas de projeto
Relacionamento com os professores e coordenadores
Condições atuais de saúde do adolescente
Uso de medicação ou tratamentos prolongados
Entrevistas com os pais ou responsáveis
Nome do pai
Idade e local de nascimento
Profissão
Escolaridade
Outros dados
Nome da mãe
Idade e local de nascimento
Profissão
Escolaridade
Outros dados
Outros responsáveis
Nome
Idade
172
Profissão
Escolaridade
Vínculo de parentesco
Constelação familiar
Irmãos
Moradores da casa:
Outros dados
Dados sobre o desenvolvimento do adolescente:
Gestação
Parto
Amamentação
Alimentação
Sono
Dentição
Controle esfincteriano
Ocorrências marcantes
Doenças da infância
Tratamentos prolongados
Acidentes
Hospitalizações e cirurgias
Deficiências físicas
Encarregado (a) dos cuidados durante a infância
Brincadeiras favoritas
Programas favoritos na TV
Ingresso na escola
Desenvolvimento escolar
Relacionamento com colegas
Relacionamento com professores
Relacionamento com os irmãos
Relacionamento com o pai
Relacionamento com a mãe
Relacionamento com outros familiares significativos para o adolescente
Comportamento no ambiente familiar
Comportamento no ambiente social
Características mais marcantes da personalidade do adolescente
Para o pai
Para a mãe
Para outros
Relacionamento entre o casal
Situação sócio-econômica da família
Como os pais vêem a demanda de participação do filho no Projeto
173
ANEXO B Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
O presente estudo faz parte de uma Tese de Mestrado em Psicologia Clínica do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo USP e busca conhecer a dinâmica
psicológica dos adolescentes do projeto Agente Jovem da instituição SOABEM.
Os procedimentos consistem em entrevistas com o adolescente, seus pais ou
responsáveis, com duração de aproximadamente uma hora, realizadas nas dependências da
SOABEM. Durante as de entrevistas, serão colhidos dados relativos ao desenvolvimento do
adolescente, visando conhecer suas condições intelectuais, afetivas e sociais, com a
subseqüente aplicação do Método de Rorschach, técnica projetiva que complementará a
compreensão de sua dinâmica psicológica.
Enquanto o estudo estiver em andamento, o adolescente e seus responsáveis terão
acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de quaisquer
dúvidas.
O adolescente possui o Direito de Confidencialidade, que significa que seus dados
serão vistos em conjunto com as informações de outras pessoas, não sendo divulgada a
identificação de nenhum participante. Possui também o direito de ser mantido atualizado
sobre os resultados parciais da pesquisa ou de resultados que sejam do conhecimento dos
pesquisadores.
Deve ficar claro que não há despesas pessoais ou compensações financeiras, em
qualquer fase do estudo, pela sua participação.
Assinatura do adolescente.............................................................................................
Assinatura dos pais ou responsáveis.............................................................................
Assinatura do coordenador da SOABEM.....................................................................
174
ANEXO C Nomenclatura para classificação das respostas do
Método de Rorschach
Sistema de Ombredane e Canivet, segundo Augras, 1969, com acréscimos de outras siglas de
uso atual na nomenclatura francesa.
R Número total de respostas
T Tempo total da fala espontânea
B Resposta banal ou popular (critério estatístico)
Localização ou Modos de Apreensão
G
Resposta global, interpretando a totalidade da mancha (menos na prancha III
onde se admite a omissão das manchas vermelhas).
DG Resposta global elaborada a partir de um detalhe grande
DdG Resposta global elaborada a partir de um detalhe raro
G Resposta global omitindo um detalhe mínimo
Gbl Resposta global incluindo branco intermacular
D Detalhe grande, parte da prancha freqüentemente vista (critério estatístico).
DDbl D incluindo o branco
Dd Pequeno detalhe, parte da prancha raramente interpretada (critério estatístico).
DdDbl Pequeno detalhe incluindo o branco
Dbl Detalhe branco intermacular
Do Detalhe “oligofrênico”
175
Determinantes
F
Resposta de forma, determinada exclusivamente pela percepção do contorno
da mancha.
F+ Forma bem vista (critério estatístico)
F?
Forma de respostas com conteúdo indeterminado. Ex: nuvens, fragmentos.
F- Forma mal vista (critério estatístico)
K
Resposta “cinestésica”, determinada pela percepção de uma figura humana
viva e em movimento.
kp
Pequena cinestesia, determinada: 1) por uma forma humana, vista em
movimento, localizada num Dd; 2) ou por uma parte do corpo humano, vista
em movimento violento, localizada num Dom.
kan Forma animal vista em movimento
kob Força da natureza, ou objeto visto em movimento.
FC Resposta determinada pela forma e, em segundo lugar, pela cor.
CF Resposta determinada pela cor, em segundo lugar, pela forma.
C Resposta determinada exclusivamente pela cor
Cn Resposta de cor nomeada
FE Resposta determinada pela forma e, em segundo lugar, pelo esfumaçado.
FE (v) Resposta tridimensional, implicando em perspectiva.
EF Resposta determinada pelo esfumaçado, em segundo lugar, pela forma.
E Resposta determinada exclusivamente pelo esfumaçado
FClob
Resposta determinada pela forma e, em segundo lugar, pela impressão da
mancha escura, com caráter disfórico.
ClobF
Resposta determinada pela impressão da mancha escura com caráter disfórico
e, em segundo lugar, pela forma.
Clob
Resposta determinada exclusivamente pela impressão de massa escura, com
caráter disfórico.
FC’,
C’F, C’
Respostas tendo como determinante primário, secundário ou principal a cor
preta da mancha (ou a cor branca, tratando-se de Dbl) [Ou cinza]
FC e CF
Respostas em que a cor é utilizada arbitrariamente com a forma prioritária ou
secundária, respectivamente.
176
Conteúdos
H Figura humana
H-Cena Cena humana
(H) Figura fantasiada, fantástica ou exótica.
Hd Parte do corpo humano
A Animal
A-Cena Cena animal
(A) Animal irreal, sobrenatural ou lendário.
Ad Parte do corpo de um animal
Elem Um dos quatro elementos (ar, água, terra, fogo).
Frgm Fragmento
Geo Geografia, mapa
Pl Planta, árvore, flor.
Nat Natureza, paisagem
Anat Anatomia, radiografia, osso, vísceras.
Sg Sangue
Sex Sexo
Másc Máscara
Obj Objeto fabricado
Alim Alimento
Arte Quadro, desenho, escultura, instrumento musical.
(Arte) Quadro sem significação
Arq Arquitetura, edifícios, fontes.
Simb Símbolo
Abstr Abstração
177
ANEXO D Respostas Banais ao Método de Rorschach
Segundo Pasian (2000, p.55)
Prancha Área Resposta f %
I G
Morcego?
205 51%
I G
Borboleta?
90 22%
II
D??D?
(parte preta)
Dois animais
(quadrúpedes)
104??
26%
III
D?
Figuras humanas 247 61%
IV G Monstro animal 70 17%
V G
Morcego?
211 52%
V G Borboleta* 102 25%
VI G Pele de animal 68 17%
VII G Duas figuras femininas 68 17%
VII
D?***
Dois rostos de figura feminina 72 18%
VII
D?
Cabeça de animal 74 18%
VIII
D?
Dois animais (quadrúpedes) 321 79%
IX --- Não apresenta resposta Ban -- --
X
D?
Aranha ou Caranguejo 69 17%
Total = 13 respostas Ban
Obs.: Todas essas respostas devem se encontrar na posição normal da prancha.
* Resposta que não exigiu reagrupamento com outros conteúdos para atingir o critério de
Ban.
** Das 104 respostas aí obtidas, 64 (16%) ocorreram em D? e 40 (10%) em D?.
*** Pode ser D? como “figura feminina”, desde que a “cabeça” esteja em D?.
178
ANEXO E - Dados normativos das principais variáveis do Método de Rorschach obtidas
com os indivíduos de média escolaridade - (três a oito anos de estudo)
Segundo Pasian (2000, p. 80)
Parâmetros normativos globais Variáveis do Rorschach
P40 Mediana (P50) P60
R 11 13 14
RA 1 1 1
Rec. 0 0 0,6
Produtividade
Den. 0 0 0
G 36% 44% 50%
D 29% 33% 39%
Dd 14% 17% 20%
Dbl 0% 0% 0%
Modos de
Apreensão
Do 0% 0% 0%
F% 35% 42% 46%
F?%
58% 67% 69%
Funcionamento
lógico
F? ext. %
63% 69% 72%
A% 53% 60% 64% Conteúdos
H% 8% 10% 13%
Banalidades Ban% 24% 27% 31%
179
ANEXO F
nteses das entrevistas e
Análises individuais dos protocolos de Rorschach
180
Síntese das entrevistas - Sujeito 1 Sexo masculino, 16 anos e 4 meses, 1ª série do Ensino Médio
? Com o adolescente: O sujeito refere que seus pais estão separados há 10 anos e ele mora com a mãe e um irmão
mais velho, de 19 anos de idade. O pai saiu de casa para viver com outra mulher, com quem tem uma filha de 10 anos. A mãe
tem dois filhos de união anterior, com 24 e 28 anos de idade, ambos casados e independentes. Seus pais se separaram quando
tinha cinco anos de idade. A princípio quis ficar com o pai, com quem permaneceu por dois anos, retornando para o convívio
materno porque estava muito mal na escola, não aprendendo a ler e a escrever, tendo repetido por duas vezes a 4
a
série. A
partir da 5
a
série, período em que já estava com a mãe, melhorou o rendimento escolar, mas tinha problemas de
comportamento: “Eu era muito revoltado, rebelde, bagunceiro e desligado” (sic), o que atribui à preocupação com os
problemas de saúde dos pais. Na 6
a
série melhorou muito o comportamento: “.... fiquei mais responsável e estudioso” (sic).
Nesse mesmo ano sua mãe teve um derrame e deixou o trabalho de cozinheira, estando atualmente aposentada por invalidez.
Ele e o irmão passaram a ajudá-la nas tarefas domésticas, pois sua movimentação ficou comprometida em 70% no lado
direito do corpo. Preocupam-se em não deixar a mãe fazer esforços em demasia, “..pois ela não tem força no braço” (sic).
Seu pai é alcoólatra e passou a beber desde que cometeu um homicídio por acidente, ao atingir um familiar (tio) com uma pá
na cabeça. "Eles estavam bêbados, discutiram e começaram a brigar de brincadeira” (sic). O pai se entregou
espontaneamente a polícia, ficou preso por um tempo e está respondendo ao processo em liberdade condicional. Ressalta que
antes disso o pai foi professor de Educação Física (carreira profissional que quer seguir). Depois do crime o pai se tornou
alcoólatra, trabalha apenas com biscates, e mora com a avó paterna, que o sustenta. Posteriormente o sujeito informou que o
pai estava internado para tratar o alcoolismo e tuberculose. Refere ter boa saúde, dorme e se alimenta bem, mas na infância
esteve internado por problemas de pulmão e bateu a cabeça em uma viga. Diz não lembrar muita coisa de sua infância. Em
sua rotina diária vai à escola pela manhã e a tarde vai à Soabem. Freqüenta a Igreja com a mãe, que é evangélica. Gosta de
jogar futebol aos domingos, mas sai pouco com amigos, prefere ficar em casa. Sobre o relacionamento com a mãe: “Legal,
ela é alegre; em certas partes ela é rígida, quando precisa pegar no pé, senta e conversa” (sic). Quanto ao pai visita-o
periodicamente, sendo mais ligado a ele que o outro filho, atualmente com 19 anos. “Quando meu pai está são ele pergunta
como eu estou (sic)” Acredita que o irmão é mais distante do pai porque “deve ter visto coisas que não gostou nele” (sic).
Mantém bom relacionamento com os colegas na escola e na Soabem; “Não gosto de briga; gosto de pensar e não falo muito
dos meus problemas” (sic). Ainda tem dificuldades de aprendizagem, principalmente em matemática, mas procura ter bom
comportamento na escola. Quanto ao futuro, quer ter uma casa independente e um carro. Quer trabalhar e ter o próprio
dinheiro “.... para não precisar morar no quintal da família” (sic). Ao final do ano letivo, o sujeito refere que não alcançou
os seus objetivos com a participação no projeto, mas apesar de não ter aprendido muito, ganhou experiência e uma melhor
interação com a turma. Não gostou das novas atividades e professores, modificados durante o ano. Manteve-se no projeto
porque não tinha nada melhor a fazer, mas passou a faltar às aulas. Informa que o pai ainda está internado para tratamento de
tuberculose e que está sofrendo de epilepsia em decorrência do alcoolismo.
? Com a mãe: Durante a entrevista, percebe-se a sua boa disposição para falar a respeito do filho, que está presente
à entrevista e demonstra satisfação com a situação. Sobre a gestação diz ter sido sofrida, pois além de inesperada teve
ameaças de aborto e tinha o outro filho ainda pequeno para cuidar. “Mas depois que ele nasceu foi só alegria”. (sic) O parto
foi de cesárea, aos nove meses de gravidez, pois não tinha dilatação e “ele estava virado” (sic). Foi amamentado ao seio até
os 4 -5 anos de idade. Mamava à noite e dormiu com a mãe até os 10 anos de idade. “Pra ela eu sou um bebê”, diz o sujeito.
Deixou a mamadeira e a chupeta quando entrou na pré-escola, pois os amigos riam dele. Foi internado aos 5-6 anos para
cirurgia de retirada de água do pulmão, quando esteve em risco de vida. A mãe permaneceu com ele no hospital e o pai foi
visitá-lo uma só vez. A mãe diz: “Quem chorava era eu e ele me consolava (o filho); o otimismo dele ajudava”. (sic) O
ingresso na escola foi difícil, ele não queria ir e chorava muito, “Ele não gostava das grades da escola; deu dor de cabeça
até a 6
a
série, quando recebeu parabéns pela primeira vez” (sic). Quando a mãe estava trabalhando, a avó paterna ajudava a
cuidar dos netos, pois não contava com a ajuda do pai de seus filhos. Quando os filhos nasceram ele já bebia e usava drogas,
mas. foi um bom marido e pai para os seus filhos do primeiro casamento. O sujeito gosta muito do pai, e não gosta que falem
mal dele. Apos a separação ele nunca mais ajudou financeiramente no sustento dos filhos. Diz que tem que ser brava com os
filhos: “Sou homem e mulher dentro de casa, não dou moleza” (sic). Preocupa-se com as amizades da vizinhança, “... pois o
ambiente é carregado” (sic). Buscou a instituição para evitar que o filho ficasse na rua; “Ele está desprezando a Igreja, ele
agora quer mais o mundo que a Igreja” (sic). Sobre as condições sócio-econômicas da família, residem em casa própria, com
um dormitório, energia elétrica e rede de água e esgoto. Referem que o sustento da família provém da aposentadoria por
invalidez recebida do INSS pela mãe e do salário do irmão, soldado da Policia Militar. Recebem ajuda com alimentos através
da Igreja Evangélica e SOABEM, pois os rendimentos da família não tem sido suficientes para o atendimento às suas
necessidades básicas.
? Contatos com os representantes da ONG: O coordenador do Projeto, que fez a indicação do sujeito, diz: “Aqui
ele é muito dócil, mas é agressivo na escola. A mãe acoberta o que os filhos fazem, é muito influente na vida deles. O pai
deve ser falecido” (sic). O professor de Matemática refere que o sujeito tem dificuldade de concentração, mas quando
consegue prestar atenção, participa e aprende. Às vezes, conversa muito e não copia a matéria, parecendo desinteressado.
Tem um raciocínio mediano, com grandes deficiências de base. Não tem problemas com os colegas, mas atrapalha a aula
com conversa e piadas, tentando chamar a atenção de todos. Ao final do ano letivo, a assistente da coordenação informou que
o sujeito estava saindo muito com amigos e voltando bêbado para casa.
181
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 1
Psicograma de Rorschach
[ ] - valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.1 Sexo: Masc. Idade: 16 a 4 m
T= 9’ R= 18[11-14] T/R= 30’’ Data: 13.06.05
LOCALIZAÇÃO
G= 6
D= 8
Dd= 2
Modos de Apreensão
GDbl= 1
Ddbl=1
G D ! Dd
Total G = 7 Total D= 8 Total Dd= 3 Qualidade das resp. G:
G%= 39% [36-50]
D%= 44%[29-39]
Dd%= 17%[14 a 20]
Simples =5;
Sincréticas simples = 2
DETERMINANTES
CONTEÚDOS
Anat= 3
F+ = 5
F%= 72% [35-46]
A= 13 Hd= 2 Obj= 1
F± = 0
F% ext.= 100% Total A= 13 Total H= 2
Simb=1
F- = 8
F+%= 38% [58-69] A%= 72%[53-64] H%= 11%[8-13]
Total F = 13 F+% ext. =44%[63-72] Ban= 4/ 22% [24-31]
kan=2? 2?
FE =1+
Índice de Angústia patológica =28%[>12]
Análise da Produtividade: (R=18 [11-14] T/R =30’’): O número total de respostas está situado acima da norma. Observa-se
certa variabilidade dos tempos utilizados pelo sujeito, o que indica a reação emocional do sujeito aos estímulos. Nas três
primeiras pranchas o sujeito elabora as respostas em menor tempo, enquanto que nas pranchas seguintes (IV, V, VI, VII e IX)
leva mais tempo apesar da resposta única em cada uma delas. Já nas pranchas VIII e X, produziu mais respostas, mas estas
são pranchas que, por sua configuração, favorecem a produtividade. Quanto ao modo de sucessão das respostas, observa-se
que o sujeito não segue uma seqüência regular e ordenada. Inicia com respostas G até a Pr. VI, passando à D e Dd a partir
daí, sugerindo a ocorrência de perturbação frente à prancha VII que produz um corte e alteração na seqüência.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (5+; 2-) G% = 39% [36-50]
-Qualidade formal: A G% encontra-se dentro da norma, o que indica a busca de unidade e controle sobre a realidade externa,
sendo bem sucedido na maioria das respostas, pois a qualidade formal é bem vista em 5 de 7 respostas. Este dado evidencia
certa capacidade de articulação, crítica e controle intelectual, atenção preservada e capacidade de adaptação à realidade.
-Relação com os determinantes: As respostas globais estão associadas à F (3+; 1-) e kan (2+; 1-), o que evidencia uma
atitude mais formal e intelectualizada, com predomínio do controle intelectual, embora exista uma capacidade imaginativa,
em nível mais infantil.
-Nível de elaboração: As respostas G são, em sua maioria, respostas simples, baseadas em uma visão direta e imediata dos
contornos, sendo encontradas em pranchas que favorecem a apreensão global (I, IV, V, VI); duas delas são respostas banais,
sem um esforço maior de reflexão e articulação, além da ausência de respostas elaboradas.
Respostas D (2+; 6-) D% = 44% [29-39]
-Qualidade formal: A D% está acima dos limites da norma, mas esta tentativa de adequação à realidade exterior não é bem
sucedida, pois as respostas são, em sua maioria, de má qualidade formal, apesar da ocorrência de duas respostas banais. Isso
pode ser indicativo de dificuldades de adequação ao senso comum e de senso prático na avaliação da realidade.
-Relação com os determinantes: Todas as respostas D estão ligadas a determinantes formais puros, o que evidencia a
manutenção do controle pela realidade objetiva, tendo assim, significados adaptativos e defensivos. Mas como o controle
perceptivo é de má qualidade, não há congruência entre o modo de apreensão e o determinante, e sim a submissão
desorganizadora às moções projetivas puncionais e fantasmáticas.
Respostas Dd (2-; 1+) Dd% = 17% [14-20]
-Qualidade formal: A Dd% está dentro dos limites da norma, mas são em sua maioria mal vistas, indicando que a redução do
campo perceptivo funciona como defesa contra a emergência de impulsos perturbadores,
-Relação com os determinantes e conteúdos: A resposta Dd ligada à cinestesia animal da prancha VIII tem má qualidade
formal, com o deslocamento dos impulsos agressivos para os animais, que são vistos brigando, além da dúvida em relação ao
seu gênero (presente em outras respostas do protocolo). Na resposta seguinte à mesma prancha, o sujeito mantém a tentativa
de restrição do estímulo com outra Dd ligada a conteúdo puramente formal de má qualidade. A resposta DdDbl / FE+ é a
primeira abordagem à prancha X, ligada à única representação masculina do protocolo, o que produz ansiedade, mas o
controle formal bem sucedido indica a possibilidade de adaptação do sujeito.
Análise dos Determinantes
Determinantes Formais F = 13 (5+; 8-); F% = 72% [35-46] e F% ext.=100%%; F+ = 38%[58-69] e F+ ext = 44%[63-
72]: A F% é bastante elevada em relação à norma, o que totaliza 100% no F% extenso, demonstrando que em todas as
respostas a forma é prioritária. Evidenciam-se os grandes esforços de intelectualização e adaptação à realidade do sujeito e o
distanciamento dos aspectos afetivos, mas como a F?% está bastante rebaixada em relação à norma, mantendo-se baixa
mesmo no F?% extenso, observam-se as dificuldades de diferenciação perceptiva e a ineficácia das tentativas de controle
intelectual sobre os estímulos.
Determinantes Cinestésicos
182
K (0): As cinestesias humanas estão ausentes, o que segundo Rausch de Traubenberg (1970) pode indicar uma pobreza
ideacional e carência imaginativa, ou uma atitude hipercrítica e objetiva, que busca o rigor lógico, talvez como forma
inconsciente de evitar o envolvimento, o que é corroborado pela F% extremamente elevada. Para Chabert (2003) indica
dificuldades na incorporação da figura humana de modo geral, o que implica em profundas dificuldades de relacionamento
humano autêntico, genuíno e espontâneo.
kan (2 + e 2-): As respostas de cinestesia animal estão ligadas a conteúdos inteiros, em movimento ativo próprio ao mundo
animal, com uma conotação agressiva e desagradável em uma das respostas. Observa-se a oscilação/dúvida quanto ao gênero
dos animais ao longo do protocolo. As cinestesias animais evidenciam o recurso ao imaginário e o predomínio de aspectos
mais infantis, assim como o deslocamento dos movimentos pulsionais - agressivos e libidinais - para os animais.
Determinantes Cromáticos
?C=0: A ausência total de respostas cor indica extrema inibição, retraimento e supressão da expressão emocional. Como as
respostas K também estão ausentes nenhum dos componentes assume expressão suficiente, e as reações ao teste são
exclusivamente formais. Existe uma severa restrição na expressão afetiva como um todo, que pode ser efeito de bloqueio ou
déficit mental, ou incapacidade de manipulação de símbolos. Contudo, o fato de apresentar mais respostas G bem vistas do
que respostas Dd bem vistas indica que não se trata de déficit mental, mas de um forte bloqueio afetivo, que compromete o
seu desempenho intelectual.
Determinantes de Tonalidade
E? =0,5: A única resposta de tonalidade / textura / Ddbl /FE+/Hd é dada na prancha X e evidencia um controle bem
sucedido sobre a ansiedade, uma vez que a forma é bem vista e prioritária.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (A=13; A% = 72% [53-64]): Observa-se que a A% é bastante elevada em relação à norma o que
poderia indicar uma tendência ao infantilismo ou uma atitude defensiva do sujeito em relação ao teste, típico de adolescentes,
defesa esta que pode estar sendo utilizada para evitar um contato autêntico e uma relação verdadeira (Chabert, 2003). O
excesso de conteúdos animais pode indicar o deslocamento da agressividade e dos conflitos em torno da problemática de
identificação sexual para os animais, devido às dificuldades com as representações humanas.
Conteúdos Humanos (Hd=2; H% =11% [8-13]): Segundo Chabert (2003) a H% é considerada um índice de socialização.
Implica em ligação à imagem humana que serve de modelo identificatório, e os desvios nestas respostas evidenciam
dificuldades na elaboração da representação de si relacionadas às vicissitudes do desenvolvimento em termos de
identificação. As respostas Hd podem pertencer tanto ao registro da angústia de castração, quanto ao registro da angústia de
fragmentação. Quando a H% é constituída praticamente de respostas Hd, e estas estão associadas a formas arbitrárias, podem
ter uma conotação mais mórbida, traduzindo a ausência de integridade da imagem do corpo e/ou existência de uma angústia
de fragmentação. A H% do sujeito está dentro dos limites da norma, mas é composta apenas de duas respostas humanas
parciais, que são de uma pessoa pela metade e de um rosto. A resposta de pessoa vista pela metade é dada na prancha III,
cujo simbolismo remete à representação de si mesmo frente ao outro ou o tipo de relação buscada. É uma resposta
deteriorada, GDbl/F-/Hd/Anat, onde a pessoa é vista em transparência, revelando as dificuldades de discriminação entre o
interior e exterior do corpo. O sujeito elimina a parte de baixo do corpo na 1ª resposta e restringe a 2ª resposta a um rosto, o
que sugere o recalcamento das representações sexuais e o deslocamento de baixo para cima. Para Chabert (2003), este
sobreinvestimento das partes superiores do corpo em detrimento das partes inferiores é uma tentativa de eliminação da pulsão
sexual, relacionada às dificuldades no processo de identificação sexual.
Conteúdos Anatômicos (3): O pulmão é o órgão nomeado em todas as respostas anatômicas, o que pode estar relacionado
ao rígido e excessivo controle intelectual sobre as emoções e sentimentos do sujeito, que não encontra canais adequados para
a expressão afetiva.
Índice de Angústia Patológica = 28% (>12): Está bastante elevado devido ao número de respostas de conteúdo Hd e
Anatomia, conteúdos que indicam uma angústia relacionada à preocupação com a integridade corporal.
Banalidades (4/22% [24-31]): Encontra-se um pouco abaixo dos limites da norma, podendo indicar dificuldades de contato
com a realidade objetiva e social.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
? Imagem do corpo: Nas pranchas compactas, destacam-se as respostas banais às pranchas I e V, que demonstram a correta
integração e unificação da unidade corporal. Nas pranchas de configuração bilateral, que supõe uma referência à
representação do corpo humano inteiro, a prancha III tem como resposta uma pessoa vista pela metade, com o pulmão em
transparência, em resposta que se deteriora durante o inquérito. Segundo Chabert (2003) a transparência do corpo, que deixa
a mostra órgãos e vísceras, está relacionada aos distúrbios dos limites dentro-fora, o que é corroborado pelos conteúdos Hd e
Anat que “.... remetem para o corpo, para a sua integridade mal guardada, para a transparência e friabilidade de um
envelope que deixa ver as suas partes constituintes (os órgãos)...” (Chabert, p.194) A prancha X , assim como as demais
pranchas pastéis, presta-se a associações relacionadas às preocupações hipocondríacas e/ou angústia de fragmentação, e por
sua dispersão, coloca à prova as capacidades de unificação corporal. Nesta prancha duas respostas trazem novamente o
conteúdo pulmão (pulmão mais sadio/pulmão mais poluído) o que demonstra a preocupação do sujeito com a integridade
corporal. Observa-se que algumas respostas evidenciam uma imagem corporal integrada (Pr. I e V), mas em outras aparecem
representações corporais em transparência que deixam a mostra órgãos internos (Pr.III), e de conteúdo anatômico de interior
do corpo (Pr. X), o que no conjunto evidenciam certas dificuldades na construção de uma imagem corporal íntegra e
unificada, apesar do indicador positivo dado pela resposta da prancha V. Quanto a esta banalidade, Chabert (2003) refere ser
discutível sua validade efetiva como garantia de integridade da imagem corporal, pois a resposta banal borboleta ou morcego
é uma das últimas banalidades presentes nos protocolos patológicos.
183
? Identidade e investimento da imagem de si: Nas pranchas compactas, as respostas banais às pranchas I e IV, e as
respostas de boa qualidade formal das pranchas V e VI, atendem ao que é esperado nestas pranchas: imagens unitárias em
que a linha média da prancha é percebida como eixo do corpo, evidenciando a discriminação sujeito-objeto. No entanto, na
prancha V (assim como na prancha I e na escolha da prancha IV como a que menos gostou) ocorre a correção de vampiro,
resposta inicial, para morcego, o que dá uma conotação mais agressiva e fantástica ao morcego. Além do deslocamento de
impulsos agressivos para o animal, percebe-se a oscilação entre uma figura animal e uma figura fantástica, apesar das
banalidades atestarem as respostas como bem vistas. A prancha X, assim como as demais pranchas pastéis, induz uma
intensa regressão com imagens simbólicas ou diretas de sofrimento, como manifestação de uma vivência precoce relacional
de falta e insatisfação. A resposta de estrela de gelo com significado de homem de gelo com poder de congelar a pessoa
expressa agressividade sob a forma de congelamento. Observa-se que em algumas respostas existem evidências de uma
imagem de si unificada e integrada, que atestam a separação efetiva, mas alguns elementos indicam uma confusão de reinos,
com figuras fantásticas, que veiculam imagens agressivas e a oscilação entre um investimento objetal e um investimento
narcísico sobre si mesmo.
? O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: Nas pranchas de simbolismo fálico
dominante, pranchas IV e VI, as respostas são globais e de boa qualidade formal. Em ambas as respostas existe uma
agressividade passiva sofrida pelo animal (perna quebrada do morcego/ gato esmagado/atropelado), o que sugere uma
problemática edipiana com angústia de castração, ligada às representações sexuais masculinas. Nas pranchas VII e VIII,
respostas de má qualidade formal, percebe-se a oscilação e dúvida quanto à identidade sexual dos animais, que parecem
tender à identificação feminina, inversa ao gênero do sujeito. Na prancha IX, em resposta de má qualidade formal, conjuga na
mesma imagem identificações distintas, masculina e feminina, percebendo casais da mesma espécie animal, mas
diferenciados pela forma mais magra (fêmeas) e mais gorda (machos).
? Os processos de identificação através das cinestesias humanas: Para Chabert (2003) a ausência de cinestesias humanas
indica dificuldades na incorporação da figura humana de modo geral, o que implica em profundas dificuldades de
relacionamento humano autêntico, genuíno e espontâneo. Consideramos necessário incluir as cinestesias animais do
protocolo, pois segundo Chabert (2003) as respostas kan servem para o deslocamento dos movimentos pulsionais para os
animais, em sua dimensão agressiva e/ou libidinal, permitindo a projeção dos movimentos e negando a pertença a uma
representação humana que favoreça a identificação. Neste caso, as cinestesias animais veiculam os conflitos do sujeito em
torno da identificação sexual, evidenciados através da oscilação e dúvida sobre o gênero dos animais ao longo do protocolo.
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e da Socialização: O sujeito apresenta um funcionamento intelectual caracterizado pela
busca de unidade e controle sobre a realidade, com uma atitude mais formal e rígida, e certa capacidade imaginativa em um
nível mais infantil. O potencial intelectual sofre grandes interferências das questões emocionais, com a presença de uma
contenção afetiva, que impede que as pulsões agressivas e sexuais encontrem vias adequadas de expressão. Observa-se que o
nível de angústia elevado está relacionado tanto com a preocupação com a integridade corporal e/ou angústia de
fragmentação, como com a angústia de castração, uma angústia mais evoluída ligada à problemática edipiana. As
dificuldades de estabelecer relacionamentos autênticos e espontâneos, de adequação ao senso comum e de senso prático na
avaliação da realidade interferem na integração e adaptação social.
- Processos de Identificação Primária e Secundária: Evidenciam-se dificuldades na construção de uma imagem corporal
íntegra e unificada, com a presença de preocupações hipocondríacas e/ou angústia de fragmentação, que demonstram as
vicissitudes no processo de individuação, que não se encontra bem consolidado. O processo de identificação sexual em curso
é caracterizado pelas dúvidas e oscilações em relação às representações sexuais, evidenciando as dificuldades que o sujeito
vem encontrando na busca de uma identificação masculina.
184
Síntese das Entrevistas - Sujeito 2 - Sexo masculino, 16 anos e 8 meses, 2ª série do Ensino Médio
? Com o adolescente: O sujeito diz que sempre morou com a avó, que faleceu quando ele tinha 13 anos. Os pais
tiveram um namoro e nunca conviveram maritalmente. A mãe casou-se e foi viver com o atual padrasto, deixando-o com a
avó materna. Sua convivência maior foi com a avó e as tias maternas, que ajudaram a criá-lo. Sobre a avó diz que era viúva
há 28 anos e tinha 22 netos.. “... todo mundo tinha uma impressão estranha dela, ela tinha uma problema na perna e era
gritona, xingava na rua” (sic), mas era boa para ele, a quem era muito apegada. Sua vida mudou muito após a morte da avó.
Passou dois meses com a tia, mas quis voltar para casa. Também não se adaptou na casa da mãe, que, a princípio, não queria
deixá-lo morando sozinho. Até passa algumas horas na casa materna, mas na hora de dormir tem que voltar para a casa em
que morava com a avó, “... pois algo me prende lá, não consigo ficar em outro lugar” (sic). Diz que sempre teve medo de
escuro, mas após a morte da avó, não se incomoda mais com isso. “Sentia muita tristeza e foi difícil fazer as provas de final
de ano” (sic). A família materna, que até então se dava bem, passou a brigar após a morte da avó. Tem um primo de 27 anos,
que também morava com a avó, que “... é como um irmão mais velho” (sic). Atualmente o sujeito mora com um primo de 20
anos na casa em que viveu com a avó materna, mas convive diariamente com a mãe, padrasto, duas irmãs, de 13, 11 e um
irmão de 7 anos de idade, fazendo as refeições na casa materna, que é próxima a sua moradia. Sobre o padrasto, refere que o
admira, “... pois ele é o 2° pai da mãe, está criando ela de novo... ela faz coisas sem pensar e ele ensina, aconselha.. Comigo
ele se envolve, dá conselhos... Era difícil a questão da liberdade de sair.” (sic). O pai inicialmente trabalhava como pintor,
“... mas depois a bebida tomou conta” (sic). Os contatos com o pai e a família paterna ocorreram somente após os 8 anos de
idade, mantendo atualmente contatos esporádicos. Diz ter o mesmo jeito do pai “... mais quieto e tímido” (sic) Quanto aos
irmãos, se dá melhor com a mais velha, de 13 anos, também fruto de um relacionamento passageiro da mãe, anterior à
convivência com o padrasto. Sempre teve boas condições de saúde e alimentação; o sono é instável, às vezes dorme mal e
quando criança tinha pesadelos. Sempre teve um bom rendimento na escola, mas neste ano “... tenho seis notas vermelhas,
pois estou mais relaxado” (sic). Tem bom relacionamento com os colegas e professores. Veio participar do projeto social “...
para buscar aprendizado, já que em casa eu não tenho” (sic) Mas ali fica mais inibido e se dá melhor com as meninas.
Conversa pouco e evita “... cair na zoeira” (sic). Já namorou uma vez, mas nunca gostou muito de alguém. Evita se envolver
“... para não sofrer logo cedo” (sic). Quanto ao futuro, “..não tenho nada em mente...não gosto de estudar”(sic). Quer casar
“... mas não muito cedo, tem que ser algo bem pensado” (sic). Ao final do ano letivo o sujeito refere que a participação no
projeto social “... foi um atraso na minha vida. Não tive o rendimento que esperava.... esperava muita coisa. Não souberam
escolher os alunos, os professores não têm comando e autoridade e o ambiente é muito bagunçado. Quando estava
engrenando com um professor, ele sai.” (sic). Lamenta a saída de dois professores (Espanhol e Informática) dos quais
gostava muito. Freqüentou as aulas até o final do ano “..porque me propus”(sic). Considera que seus planos quando
ingressou no projeto foram perdidos, pois não aprendeu muita coisa. Pretende trabalhar como “embalador” no próximo ano.
? Com a mãe: A mãe comparece ao primeiro chamado e a entrevista ocorre na presença do sujeito. Salienta que
apesar de ter deixado o filho morando com a avó, nos primeiros anos de vida estava presente e era a responsável pelos
cuidados com ele. Neste período, teve uma segunda filha de um relacionamento com um homem casado. Quando o filho
estava com quatro anos, casou-se e saiu da casa da mãe. Queria tê-lo levado consigo, mas sua mãe não deixou, pois gostava
muito do neto e dizia que ele era filho dela. Depois que se casou e saiu da casa da mãe, ficou encarregada de levar o filho ao
médico e à escola. Acha que ele era mais apegado a ela enquanto estavam juntos. “Até hoje noto algo nele; ele faz cobranças
e diz que eu não o criei” (sic). Tentou levá-lo para morar consigo várias vezes, mas ele nunca aceitou, nem mesmo quando a
avó faleceu. “Ele é muito quieto e não fala a não ser quando é chamado. Com a avó era mais alegre. É muito apegado à tia
materna, que morava no mesmo pátio e ajudou a cuidá-lo..... ela é ouro para ele” (sic). Acha que ele não deixa a casa da
avó, “... porque é apegado às coisas materiais, não quer deixar a casa” (sic). Salienta que ele é quem cuida da casa onde
mora e é muito caprichoso. Comenta que o filho nasceu de uma “aventura passageira” (sic) e que o pai assumiu a
paternidade após um ano, quando foi comprovada a paternidade através de exame. O pai cumpriu o dever de pagar pensão
alimentícia até o momento em que o filho estava com 14 anos, mas depois de um acidente virou alcoólatra, parou de trabalhar
e vendeu tudo o que tinha, não ajudando em mais nada. O filho não queria ver o pai quando criança, mas atualmente tem
estado com ele e a família paterna. Sobre o desenvolvimento do filho, a gravidez foi boa, pois teve o apoio da mãe e amigos.
O parto foi de cesárea, aos nove meses de gravidez, pois não tinha dilatação. Amamentou-o por um ano, e o desmame foi
difícil, ele não queria deixar o seio e não aceitava chupeta ou mamadeira. Dormia e se alimentava bem; “... nunca deu
trabalho, como as irmãs” (sic). O controle esfincteriano ocorreu aos 12 meses. Sempre gozou de boa saúde, “... mas quando
pequeno era tão gordo que ninguém conseguia carregá-lo” (sic). Nos primeiros 6 meses na escola, estranhava o ambiente,
não queria fazer as lições, mas a avó insistia para que estudasse e depois não teve mais problemas escolares. Sempre teve
bom relacionamento com amigos, colegas e professores. “Nunca foi briguento” (sic). O relacionamento com o filho é bom,
e embora ele seja calado, às vezes é brincalhão. “... comigo ele se abre mais, mas às vezes discutimos” (sic). Refere ter tido
dificuldades no relacionamento conjugal nos últimos anos; o casal separou-se algumas vezes há 5 anos, mas atualmente se
entendem melhor. “Nos unimos por causa dos filhos”(sic). Sobre as condições sócio-econômicas da família a casa onde o
sujeito reside é de alvenaria, de propriedade da família materna, possui um dormitório, energia elétrica e rede de água e
esgoto. É sustentado pela mãe e o padrasto, cujos rendimentos provem do salário deste como motorista. Segundo a mãe, a
situação sócio-econômica é difícil, pois pagam aluguel e sustentam os 4 filhos menores.
? Contatos com os representantes da ONG: O coordenador do Projeto, que fez a indicação do sujeito, diz: Sei que
ele morava com a avó, pois foi abandonado pelos pais. É muito fechado, retraído, e por isso é motivo de chacota e é
perseguido pelos colegas daqui. Mas é prestativo e aplicado aqui e na escola.” O professor de Matemática diz que ele “...
não faz bagunça como os outros meninos da classe, que implicam muito com ele” (sic). Senta no fundo e apesar de não
participar verbalmente das aulas, mantém-se atento. Tem um rendimento razoável nas diversas matérias.
185
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 2
Psicograma de Rorschach
[ ] - valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.2 Sexo: Masc. Idade: 16 a 8 m
T= 22’ R=23[11-14] T/R= 57’’ Data: 13.06.05
LOCALIZAÇÃO Modo de Apreensão
Gbl= 1
(G) D! Dd!
Total G = 8 Total D= 10 Total Dd= 5 Qualidade das respostas G
G%=35% [36-50] D%= 43%[29-39] Dd%=22% [14 a 20]
Simples =4; Sincréticas=2
Sincrética elaborada=1; Elaborada=1
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 9
F%= 69,5% [35-46]
A= 6 (H) = 1 Elem=1
Arte=2
F- = 7
F% ext.= 100%
(A) = 1 Hd= 1 Anat=2 Vest=1
Total F = 16
F+%= 56% [58-69]
Ad=1 (Hd)=1 Pl= 2
kan=
2?
FE= 2-
F+% ext.=43,5%[63-72]
(Ad)=2 Obj=5
kanC= 1-
Total A= 10 Total H= 3
kob= 1-
A%=43,5% [53-64] H%=13% [8-13]
kp= 1+
Ban= 2 / 9% [24-31]
Índice de Angústia Patológica [>12]: 17%
Análise da Produtividade (R=23 [11-14] T/R =57’’): O número total de respostas está situado bem acima da norma, o que
pode ser interpretado como sinal de desenvoltura imaginativa e verbal ou também necessidade de expressão e desejo de
cooperação. Existe uma grande variabilidade no tempo utilizado para a emissão de respostas, o que indica a ressonância aos
estímulos. Na prancha I o tempo por prancha é muito superior às demais, o que evidencia o forte impacto emocional do
sujeito a uma situação desconhecida. Quanto ao modo de sucessão das respostas, observa-se que o sujeito não segue uma
seqüência regular e ordenada ao longo do protocolo e tampouco dentro da mesma prancha, oscilando entre G e D e vice-
versa. Destaca-se também o grande numero de respostas com a prancha invertida, 15 de um total de 23. O giro instantâneo é
considerado um fenômeno especial relacionado ao oposicionismo, sendo natural e quase normal em adolescentes, mas
aparece também em pessoas paranóides. (Passalacqua e Gravenhorst, 2005)
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (5++; 3-) G% = 35% [36-50]
-Qualidade formal: A G% encontra-se um pouco abaixo do limite mínimo da norma, mas a qualidade formal é bem vista na
maioria das respostas, o que evidencia certa capacidade de articulação, crítica e controle intelectual, atenção preservada e
capacidade de adaptação à realidade.
-Relação com os determinantes: As respostas globais estão associadas a F(5++; 2-) e kan (1-), o que evidencia uma atitude
mais formal e intelectualizada, com certa capacidade imaginativa, embora em nível mais infantil.
-Nível de elaboração: Metade das respostas G são respostas simples, enquanto as demais são sincréticas (2), sincrética
elaborada (1) e elaborada (1). As respostas simples, baseadas em uma visão direta e imediata dos contornos, são encontradas
em pranchas que favorecem a apreensão global (Pr. V, VI), sendo uma delas banal, não exigindo, assim, um esforço maior de
reflexão e articulação. A presença de respostas elaboradas (embora apenas uma delas tenha boa qualidade formal) e de uma
resposta original bem vista (resp. 19) pode indicar certa capacidade de elaboração ativa, de articulação e relacionamento entre
as partes constituintes.
Respostas D (4+ ; 6-) D% = 43% [29-39]
-Qualidade formal: A D% está acima dos limites da norma, mas as respostas são, em sua maioria, de má qualidade formal,
apesar da ocorrência de uma resposta banal. Isso pode ser indicativo de dificuldades de adequação ao senso comum e de
senso prático na avaliação da realidade.
-Relação com os determinantes: A maioria das respostas D está ligada à F(3+; 4-) e às cinestesias menores: kp (1+), kan (1-
), kanC(1-). Apesar do predomínio do controle intelectual e de uma atitude rígida, as respostas cinestésicas, uma delas
associada à cor secundária a forma, demonstram certa ressonância afetiva do sujeito e uma capacidade imaginativa mais
infantil.
Respostas Dd (4-; 1+) Dd% = 22% [14-20]
-Qualidade formal: A Dd% está acima dos limites da norma, com uma maioria de respostas mal vistas, o que evidencia o seu
significado mais afetivo e projetivo do que decorrente de uma capacidade de atenção, observação e meticulosidade.
-Relação com os determinantes e conteúdos: As respostas Dd são ligadas à F(1+, 1-), FE (2-) e kob (1-). A má qualidade
formal das respostas indica que a redução no campo perceptivo funciona como defesa não bem sucedida contra a emergência
de impulsos perturbadores. As respostas FE- evidenciam a elevação da ansiedade e ao manterem o controle formal prioritário,
indicam a tentativa mal sucedida de adaptação do sujeito.
Análise dos Determinantes
Determinantes Formais F (9+; 7-); F% = 69,5% [35-46] e F% ext.=100%; F+ = 56% [58-69] e F+ ext = 43,5% [63-72]:
A F% está elevada em relação à norma, chegando a 100% das respostas quando calculado o F% extenso, demonstrando que
em todas as respostas a forma é prioritária. Evidenciam-se os grandes esforços de intelectualização e adaptação à realidade do
sujeito e o distanciamento dos aspectos afetivos, mas como a F?% está um pouco rebaixada em relação à norma, diminuindo
ainda mais no F?% extenso, observam-se as dificuldades de diferenciação perceptiva e a ineficácia das tentativas de controle
intelectual sobre os estímulos.
186
Determinantes Cinestésicos: O número de cinestesias menores é expressivo e as cinestesias humanas estão ausentes.
Conforme Rausch de Traubenberg (1970), “Esses elementos menores, substitutivos da verdadeira projeção ou parcialmente
repressivos de sonhos e necessidades, podem, quando são numerosos, significar a acumulação e a preponderância dos
elementos fantásmicos infantis ou mórbidos sobre as capacidades de integração na realidade objetiva e de identificação
real.” (p.88). Segundo Chabert (2003) a ausência de cinestesias humanas pode indicar dificuldades na incorporação da figura
humana de modo geral, o que implica em dificuldades de relacionamento humano autêntico, genuíno e espontâneo.
kan (3-): As cinestesias animais evidenciam o recurso ao imaginário e o predomínio de aspectos mais infantis, mas também o
deslocamento dos movimentos pulsionais agressivos e libidinais para imagens animais. As respostas kan da prancha VII
estão ligadas a conteúdos animais inteiros, em movimentos ativos que não são próprios do mundo animal (gatos equilibrando
uma banana no focinho, e borboleta que está tentando voar, mas está sendo puxada por dois gatos, o que caracteriza um
movimento impossível para estes animais em ambas as respostas). Na primeira delas existe uma conotação mais lúdica e
agradável, mas na segunda, ocorre uma ação coercitiva e desagradável (que pode ser classificada como o fenômeno especial
Ação Sofrida ou Vivenciada). A kan da prancha IX é mal vista e está ligada à determinante cor, com conteúdo parcial de boca
aberta cuspindo fogo temática oral e agressiva. Observa-se que as respostas kan ocorrem em pranchas maternas (VII e IX)
e na prancha IX destacam-se a agressividade oral destrutiva e voracidade.
kob (1-): Segundo Chabert (2003), as respostas kob estão vinculadas à dimensão agressivo/destrutiva, como manifestação
das pulsões parciais de temáticas anal ou fálica, sendo freqüente na adolescência em decorrência do incremento pulsional.
Mas também emana de uma fonte interna de excitação corporal, e sua emergência visa à supressão da tensão manifestada em
respostas que a precedem, que provocam ansiedade. A resposta kob (pr. VIII) é mal vista com conteúdo objeto míssil, uma
arma mortífera, e é precedida por uma resposta formal de vestuário com trajes íntimos femininos, que, inclusive, é original.
Podemos inferir que a resposta anterior à kob revela um movimento libidinal que é seguido por uma intensa descarga
pulsional, de natureza agressiva.
kp (1+): Segundo Rausch de Traubenberg (1970), a presença desta resposta kp, de parte do ser humano (Hd) em um D, sendo
o único elemento humano do protocolo, indicam uma limitação de realização, timidez com manutenção no plano da fantasia
ou divagação pouco produtiva, ou talvez uma recusa de envolvimento.
Determinantes Cromáticos ?C = 0,5 (kanC-): Observa-se que a resposta kanC, a única com determinante cor do protocolo,
ocorre na prancha IX, prancha materna, com uma tentativa de controle formal prioritário dada pela cinestesia, mas que não
resulta eficaz, tendo em vista a má qualidade formal. Os conteúdos (Ad) e Elem(fogo) revelam uma agressividade oral e
voracidade, evidente também através das demais respostas (2) de uma boca aberta no protocolo.
Determinantes de Tonalidade ? E=1 (2FE-): As duas respostas de tonalidade têm o controle formal prioritário, mas estas
tentativas não resultam eficazes, pois são respostas de má qualidade formal. Ocorrem em Dd nas pranchas III e IV, com
conteúdo objeto, e a percepção de contraste claro-escuro. Sua utilização pode indicar a acuidade intuitiva nas relações e certo
tato e delicadeza frente ao outro, a plasticidade de representação espacial, ou ainda, uma tensão ansiosa diante o que é
subentendido e pode ser ameaçador. Pode também ser fruto da prudência afetiva em alguém pouco seguro de si, elemento
negativo que impede a expansão, mas pode ser um elemento positivo de freagem em condições maleáveis. (Rausch de
Traubenberg, 1970)
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (A =6; (A) =1; Ad=1; (Ad=1); A>Ad; A% = 43,5% [53-64]): Observa-se que a A% está rebaixada em
relação à norma, o que para Rausch de Traubenberg (1970) pode indicar interesses variados ou dispersos e uma imaginação
excessivamente pessoal. Pode existir certa criatividade, mas talvez autística, que implica em recusa da rotina cotidiana.
Destaca-se a temática oral com animais de boca aberta em três respostas, evidenciando a presença de voracidade.
Conteúdos Humanos ((H) =1; Hd=1; (Hd) =1; H <Hd; H%=13% [8-13]): A H% está dentro dos limites da norma, mas é
composta por respostas humanas parciais (1+), figuras fantásticas inteiras (1-) e parciais (1+), que são na maioria bem vistas.
Segundo Chabert (2003) a H% é considerada um índice de socialização e implica em ligação à imagem humana, que serve de
modelo identificatório. Os desvios nestas respostas evidenciam dificuldades na elaboração da representação de si
relacionadas às vicissitudes do desenvolvimento em termos de identificação. As respostas Hd podem pertencer tanto ao
registro da angústia de castração, quanto ao registro mais mórbido da angústia de fragmentação. Quando a H% é constituída
praticamente de respostas Hd, e estas estão associadas a formas arbitrárias, podem ter uma conotação mais mórbida,
traduzindo a ausência de integridade da imagem do corpo e/ou existência de uma angústia de fragmentação. A resposta Hd
ocorre na prancha III e as pessoas são vistas de perfil, o que estando associado à ausência de K, segundo Rausch de
Traubenberg (1970), pode significar a busca ansiosa de contatos humanos e as dificuldade de relações. As pessoas que
aparecem nas respostas caracterizam-se pela indefinição de gênero (resp. 2 e 4), seres híbridos (resp. 8), e as pessoas
inicialmente percebidas são transformadas em desenhos e desvitalizadas (resp. 2 e 8). A resposta que mais se aproxima de
uma representação humana é dada na prancha III, que segundo Chabert (2003) é uma das pranchas de configuração bilateral
que favorece as cinestesias humanas e marca a orientação relacional e identificatória das representações humanas. Nesta
resposta, não existe uma definição quanto ao sexo das pessoas e o corpo é visto da cintura para cima; mas é preciso destacar
que ao ser escolhida como prancha que lembra o pai, no final da aplicação o sujeito consegue configurar uma representação
humana e masculina.
Conteúdos Objeto (1+; 4-): Segundo Adrados (1987), as respostas de objeto são comuns em crianças e oligofrênicos. A
única resposta bem vista é o laço à prancha III, uma percepção bastante freqüente, embora não considerada banal por Pasian
(2000). Existem referências fálicas nos objetos nave, garrafa e míssil.
Conteúdos Anatômicos (2-): O pulmão é o órgão nomeado nas duas respostas anatômicas. Em uma das respostas o pulmão
é visto deformado, fenômeno especial denominado Mórbido por Exner (apud Passalacqua e Gravenhorst, 2005), que pode
estar associado à depressão ou melancolia, relacionado às perdas recentes e situações traumáticas em geral. Chabert (2003)
refere o significado das respostas anatômicas de órgãos danificados como tradução do sentimento de desintegração corporal.
Índice de Angústia Patológica (17% [>12]): Está elevado em decorrência da presença de respostas Hd e anatômicas.
187
Banalidades (2/ 9% [24-31]): Estão rebaixadas em relação à norma, podendo demonstrar as dificuldades de contato com a
realidade objetiva e social, desinteresse ou oposição sistematizada, o que, estando associado a uma A% rebaixada, pode
indicar as dificuldades de adaptação social do sujeito.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
? Imagem do corpo: Nas pranchas compactas, que podem evocar a imagem corporal, as três respostas de boa qualidade
formal à prancha V, uma delas banal, são indicadores da integração da imagem corporal. Na prancha VI a referência a
pulmão em uma resposta de má qualidade formal com conteúdo anatômico, evidencia a preocupação com a integridade
corporal e/ou angústia de fragmentação. Nas pranchas de configuração bilateral, destaca-se a 1ª resposta à prancha II, uma
representação humana parcial, rosto humano, transformado em desenho, sendo desvitalizado. Na 2ª resposta à prancha II, um
pulmão deformado pelo fumo, apesar do sujeito não incluir a cor na resposta, parece sofrer o impacto sensorial do vermelho,
produzindo uma resposta de órgão interno danificado. Na prancha III, que supõe uma referência a uma representação de
corpo humano inteiro, as pessoas são vistas pela metade e de costas uma para a outra, uma resposta kp de boa qualidade
formal. Observa-se que as respostas às várias pranchas que evocam a imagem corporal trazem representações humanas
parciais, distorcidas, e com conteúdos anatômicos de órgãos internos danificados, evidenciando as dificuldades na construção
de uma imagem corporal íntegra e unificada, apesar dos indicadores positivos dados pelas respostas da prancha V. É
discutível a validade efetiva da banalidade na prancha V como garantia de integridade da imagem corporal, pois é uma das
últimas banalidades presentes nos protocolos patológicos. (Chabert, 2003)
? Identidade e investimento da imagem de si: Nas pranchas compactas destaca-se a resposta à prancha IV, global com má
qualidade formal, que traz uma representação a princípio humana, de uma pessoa com três pés. Esta resposta é justificado da
seguinte forma “... tipo um desenho estilizado, não é bem uma pessoa, uma releitura de uma pessoa com um pé a mais” (sic),
com a desvitalização da representação humana. Entre as pranchas de configuração bilateral destaca-se a prancha VII, uma
cinestesia animal de má qualidade formal, onde os gatos estão equilibrando uma banana no focinho, em atividade própria do
mundo humano, com uma atribuição de atitude/capacidade humana ao animal, que se torna fantástico. Nas pranchas pastéis,
destaca-se a cinestesia animal de má qualidade formal à prancha IX (boca de bicho cuspindo fogo), e a resposta à prancha X
(bovino com várias pernas) que apresentam animais fantásticos, demonstrando uma forte oscilação do pensamento entre a
realidade e a fantasia.
? O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: A prancha III ao ser escolhida como
aquela que lembra o pai, identifica as pessoas marchando trazidas na resposta espontânea como uma representação humana e
masculina. Observa-se que algumas respostas contêm referências fálicas (nave na prancha I, nariz na prancha II, pés da
prancha IV, chifre na prancha V, garrafa na prancha VI e míssil na prancha VIII), assim como temáticas mais regredidas com
referências orais (boca aberta, nas pranchas III, V, e IX) e anais (dois homens de costas nas pranchas III e rabo na prancha
VI). A prancha IV tem simbolismo fálico dominante e uma referência fálica dada pelos três pés. Nas pranchas de
simbolismo lacunar dominante, observa-se que na resposta à prancha II, que continha uma representação humana (rosto)
desvitalizada como desenho, é escolhida como prancha que lembra a mãe. A prancha VIII tem uma resposta original de trajes
femininos íntimos, peças de vestuário que fazem parte de uma representação feminina. Na prancha IX, a resposta de boca
aberta de bicho cuspindo fogo, pode estar relacionada ao simbolismo materno pré-genital, com temas ligados à gestação e
nascimento. Apresenta referências sexuais ligadas às temáticas mais regressivas (oral e anal) e mais evoluídas (fálicas), mas
não consegue trazer representações humanas inteiras e identificações sexuais mais claras, o que ocorre apenas através de
representações humanas parciais, animais e de objetos.
? Os processos de identificação através das cinestesias humanas: Observa-se que apesar da ausência de cinestesias
humanas e das dificuldades com as representações humanas, que são vistas apenas parcialmente ou distorcidas, a resposta kp
da prancha III, ao ser escolhida como a prancha que lembra o pai, configura uma representação humana masculina, com uma
identidade de gênero compatível com a do sujeito. Contudo, o processo de identificação sexual encontra-se incipiente e pouco
desenvolvido, em decorrência das dificuldades ainda vigentes no processo de individuação ou primária, que serve de base
para a identificação secundária.
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e de Socialização: O sujeito apresenta um funcionamento intelectual caracterizado pela
busca de unidade e controle sobre a realidade, com um esforço de intelectualização e adaptação através de uma atitude mais
formal, que sofre interferências afetivas e emocionais, tornando parte das tentativas de controle intelectual ineficientes. Existe
uma capacidade imaginativa e criativa em nível mais infantil, com predomínio de aspectos menos evoluídos sobre as
capacidades de integração à realidade objetiva e de identificação. A expressão afetiva está restrita às manifestações de uma
angústia elevada, não dispondo de vias adequadas para a expressão pulsional, agressiva e libidinal. As dificuldades de
estabelecer relacionamentos autênticos e espontâneos, de adequação ao senso comum e de senso prático na avaliação da
realidade interferem na integração e adaptação social.
- Processos de Identificação Primária e Secundária: O sujeito apresenta falhas na construção de uma imagem corporal
íntegra e unificada, com preocupações hipocondríacas e/ou angústia de fragmentação, demonstrando as vicissitudes sofridas
no processo de individuação, o que interfere no acesso ao processo de identificação sexual, que ainda se encontra pouco
desenvolvido e regredido.
188
Síntese das Entrevistas - Sujeito 3 Sexo masculino, 15anos e 4 meses de idade, 1ª série do Ensino Médio
? Com o adolescente: O sujeito relata que seus pais estão separados há 6 anos e a mãe vive com novo companheiro
há 5 anos. A separação ocorreu porque a mãe queria estudar e o pai mandou que ela escolhesse entre ele e os estudos. Acha
que o pai “... não tinha muito amor pela mãe” (sic). Algum tempo depois a irmã, de 18 anos, se desentendeu com a mãe, “...
porque ela queria ter mais liberdade” (sic) e foi viver com o pai. Acha que o pai dá muita liberdade à irmã e por isso ela
ficou grávida. Não tem tido contato com o pai, assim como a mãe está mais afastada da sua irmã, pois os pais não mantêm
um relacionamento amigável. Quanto ao padrasto “... ele é bom, dá atenção e dinheiro” (sic). A mãe e o padrasto estão
estudando juntos. Sobre as condições de saúde, tem um “sopro no coração” (sic) e o médico disse que com o tempo iria
curar, “... mas não ligo muito para isso” (sic). Tem muitos pesadelos, fala durante o sono e é sonâmbulo; já acordou
assustado porque estava na rua. Acha que isso acontece quando não reza antes de dormir, e também porque não é batizado e
não tem padrinhos. Nos fins de semana costuma ir para a chácara do padrasto. Além da escola e da Soabem trabalha
carregando pedras e ajuda nas tarefas domésticas, pois a mãe está doente. Já teve uma namorada, mas por pouco tempo. Tem
três amigos com quem joga bola, mas não costuma sair muito com eles, porque a mãe não gosta. Jogar futebol e assistir
programas esportivos são as suas atividades preferidas. Sempre foi bem na escola, mas mudou para uma escola que acha
muito desorganizada. “Os alunos não respeitam os professores, e eles tem medo dos alunos.” (sic). Gosta de Matemática e
Geografia e não gosta de Português e Inglês. Tem um bom relacionamento com os colegas e professores, e procura prestar
atenção às aulas. Gosta da aula de Sexualidade e não gosta de aprender Grafite. Na Soabem ainda não conhece muitos
colegas e fica mais sozinho. Está participando do projeto social em busca de aprendizagem e também pela bolsa de estudos,
que utilizará para comprar suas roupas. Ao final do ano letivo, o sujeito comparece à entrevista e diz que esperava mais do
Projeto, pois as aulas de Informática foram muito fracas e não aprendeu muita coisa. Gostou das modificações introduzidas
durante o ano, como Arte-Terapia, Cidadania e Sexualidade, “... mas é pena que os colegas não deram valor.” (sic) Reclama
da baderna dos alunos. Diz que fez alguns amigos, mas tem dificuldades no relacionamento com alguns colegas, que lhe
colocaram apelidos. “É difícil quando a pessoa é tímida(sic). Informa que a mãe havia se aproximado da filha e do neto,
mas que ele se mantinha sem contato com o pai. Não concorda com o que o pai fez à mãe em relação à irmã, que ficou
grávida porque o pai não cuidou dela. “Ele tinha que ter ouvido a minha mãe. Ele a fez ficar nervosa, e quem sofre sou eu,
tenho que fazer tudo para ela, que não pode se abaixar para varrer a casa” (sic).
? Com a mãe: A mãe comparece à entrevista em companhia do filho, a quem faz muitos elogios: “Ele é uma
pessoa 10; ele é tudo para mim, um menino de ouro” (sic), comparando-o com a filha “... que é mais difícil. Quando pequena
era uma boa filha, criada como princesa, mas na adolescência ficou muito rebelde.” (sic) Acabou indo morar com o pai
porque “... com a mãe é uma norma e com o pai é outra”. Queria dar limites de horário e cobrava nos estudos, enquanto o
pai “... passava a mão na cabeça” (sic). O filho sempre ficou mais do seu lado: “... ele não tem amizade com o pai” (sic).
Após a separação “... o pai se afastou do filho e só agrada a filha. Não visita, não compra nada para ele, nem no
aniversário; acho que faz isso para me atingir. Nunca deu carinho, nunca bateu nos filhos, foi pai só pra fazer os filhos”
(sic). A gravidez foi desejada e ocorreu de forma satisfatória. O parto foi por cesárea, aos 9 meses de gestação “..porque não
tinha passagem” (sic). Não lembra o peso do filho ao nascer, e fez ligadura de trompas, já que não queria mais filhos.
Amamentou-o por 8 meses, e ele sempre aceitou bem os alimentos. Sempre foi a única encarregada dos cuidados com os
filhos. Quanto ao sono, ele dormia bem quando era bebê, mas na infância e ainda hoje tem muitos pesadelos e acorda
espantado. Tira a chave da porta para que ele não saia durante o sono. Não lembra quando ocorreu o controle esfincteriano,
mas acha que ele aprendeu logo, “... não deu trabalho em nada” (sic). Sobre as condições de saúde do filho, diz que na
infância ele teve uma mancha no pulmão e pneumonia, ficando hospitalizado por mais de uma semana, em companhia da
mãe. Não lembra bem a idade em que isso ocorreu. Ele teve um desmaio aos 2 anos e o diagnóstico de “sopro no coração”
(sic), mas não toma qualquer medicação. Atualmente tem dores de cabeça freqüentes, mas não se sabe a causa. O ingresso do
filho na escola ocorreu aos 4 anos de idade; “... ele chorou só um dia e pronto” (sic). Sempre teve bom rendimento escolar,
mas na 7ª série teve dificuldades, devido aos problemas com o pai e preocupação com a saúde da mãe. “... estava muito triste
e não tinha cabeça para pensar nos estudos” (sic). Tem um amigo na escola e os professores gostam dele, “... nunca deu
problemas, não tem muitas amizades e não é de ficar em turminha” (sic). Quanto ao temperamento do filho, acha que ele
ficou mais tímido após a separação dos pais. É quieto, quase não sai de casa, só para jogar futebol: “Ele não é de ficar
nervoso, ele fica é triste, adoece, é muito sentimental; é como eu, diferente da irmã que é mais dura.” (sic) Quanto às
relações na família, o relacionamento com a mãe “... é ótimo, só que ele não conversa muito, mas não tenho o que reclamar
dele. Obedece, arruma a casa, se preocupa comigo.” (sic). Tem uma boa relação com o padrasto e com o filho deste, que
freqüenta a casa. Diz que é difícil deixá-lo sair porque teme pelas más amizades ou que ele possa beber, e o previne quanto às
mulheres. Ele também não pede muito para sair, parece não fazer questão. “Não quero que ele se afaste, nem quando casar.”
(sic) Quanto ao relacionamento com a irmã “... eles conversam, mas não tem muito diálogo” (sic). Atualmente estão muito
afastados, assim como o pai e a família paterna. Seu relacionamento com o companheiro ... é bom, mas às vezes discutimos
porque sou muito nervosa, ele é mais calmo.” (sic). Enumera os seus diversos problemas de saúde: cálculo renal, cisto no
ovário, tendinite, bursite, nervosismo e desmaios desde a gravidez. Utiliza medicação psiquiátrica (Diazepan). A família
reside em casa própria, com um dormitório, dispondo de energia elétrica e rede de água e esgoto. A situação financeira da
família é difícil, pois ela está desempregada e com vários problemas de saúde. A renda mensal familiar é composta
unicamente do salário do padrasto como operador de máquinas, o que é insuficiente para atender as despesas da família, pois
o marido ainda paga pensão alimentícia aos filhos de união anterior.
? Contatos com os representantes da ONG: O sujeito ingressou no Projeto no 2° semestre, devido à existência de
vagas disponíveis e não tivemos oportunidade de conversar com os representantes a seu respeito, pois já haviam sido
implantadas as mudanças na instituição, e os alunos ingressantes não eram mais submetidos às entrevistas iniciais pelo
coordenador.
189
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 3
Psicograma de Rorschach
[ ] - valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.3 Sexo: Masc. Idade: 15 a 4 m
T= 19
R=13[11-14]
T/R= 88’’ Data: 03.10.05
LOCALIZAÇÃO Modos de Apreensão
G= 8
D= 3
Dd= 1
G! (D) Dd
DdDbl=1
Qualidade das respostas G
Total G = 8 Total D= 3 Total Dd= 2
Simples= 2; Sincréticas= 2; Sincrética elaborada= 1
G%=61,5% [36-50] D%= 23% [29-39] Dd%=15,5%[14- 20]
Sincrética impressionista= 1; Vaga= 1
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 1
F±=5
F%= 85%[35-46]
F% ext.= 107%
A= 6
(A) = 5
H= 1
(H) = 1
Anat=2
Simb=3
F- = 5
F+%=32%[58-69]
Ad=1 Sg=1
Total F = 11
F+%ext.=36%[63-72] Total A= 12 Total H= 2
Abst=1
K=1+ CF=1±;1-
A%=92% [53-64] H%=15% [8-13]
kan=1±;1- ClobF=1-
Ban= 2 / 9%[24-31]
Índice de Angústia Patológica: 15% [>12]
Análise daProdutividade (R=13 [11-14] T/R = 88’’): O número total de respostas está situado dentro da norma. Observa-se
a variabilidade dos tempos utilizados pelo sujeito, o que indica a ressonância afetiva aos estímulos. Quanto ao modo de
sucessão das respostas, observa-se que o sujeito dá apenas 1 resposta por prancha na maioria delas; dá mais de uma resposta
apenas nas pranchas VIII (2 respostas: D- Dd) e X (3 respostas: G-DdDbl-D) com uma seqüência irregular e desordenada. O
grande n° de respostas adicionais (9) é em sua maioria mal vistas (6) vagas (1), e apenas duas são bem vistas.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (2+; 4-; 5±); G% = 61,5% [36-50]
-Qualidade formal: A G% encontra-se bem acima do limite mínimo da norma, o que evidencia a busca de unidade e a
tentativa de controle intelectual sobre o estímulo, mas a má qualidade formal da maioria das respostas indica que este esforço
não é bem sucedido.
-Relação com os determinantes: F (1+; 1-; 4±), CF (1-/1±), ClobF (1-), kan (1-). A maioria das respostas globais é de má
qualidade formal. Nos determinantes duplos, a forma é secundária à cor e à Clob, evidenciando as dificuldades do sujeito em
manter o controle intelectual sobre as reações emocionais.
-Nível de elaboração: Apesar do grande número de respostas G, existem apenas duas G simples, inclusive banais, baseadas
em uma visão direta e imediata dos contornos, não exigindo um esforço maior de reflexão e articulação. Além disso, a
banalidade da pr. III tem um caráter muito pessoal: “duas pessoas do mal”, característica que se repete em pessoas e animais
vistos ao longo do protocolo. As G vagas (4F±) assim como as respostas simples, são respostas imprecisas marcadas pela
submissão ao estímulo o que segundo Chabert (2003) indica “.... um pensamento pouco estênico e pouco sólido numa
abordagem do mundo que é mal delimitada, frágil nas suas discriminações: a indefinição do objeto e a indefinição do sujeito
encontram-se numa mesma imprecisão, numa mesma insuficiência do continente, do envelope, numa mesma friabilidade das
fundações....” (p.103). Esta imprecisão também está presente na resposta CF±, uma G impressionista, onde a submissão ao
estímulo se repete, e é acompanhado por manifestações sensíveis e intensas, demonstrando a sugestionabilidade e
vulnerabilidade do sujeito. As G sincréticas (2F-) sincrética elaborada (kan-) e sincrética impressionista (ClobF-) evidenciam
uma maioria de percepções inadequadas, o que segundo Rausch de Traubenberg (1970) está relacionado às dificuldades de
individuação, freqüentes em protocolos infantis e de registro patológico.
Respostas D (2 ±; 2-); D% = 23% [29-39]
-Qualidade formal: A D% está abaixo dos limites da norma e as respostas são, em sua maioria, de má qualidade formal, o
que pode indicar dificuldades de adequação ao senso comum e de senso prático na avaliação da realidade.
-Relação com os determinantes F(2-/ 1±), kan (1±): Segundo Chabert (2003), a associação de D a determinantes formais
marcam a manutenção do controle pela realidade objetiva, tendo assim, significados adaptativos e defensivos. No entanto,
quando o controle perceptivo é de má qualidade, não há congruência entre o modo de apreensão e o determinante, e sim a
submissão desorganizadora às moções projetivas pulsionais e fantasmáticas. No caso do sujeito, isso se traduz por percepções
mal vistas e imprecisas, e pela presença de fenômenos especiais em todas as respostas D, como choque ao negro (Pr. VI) e
fabulação (Pr. III, VIII, X)..
Respostas Dd (2 -); Dd% = 15,5% [14-20]
-Qualidade formal: A Dd% está dentro dos limites da norma, mas as respostas são de má qualidade formal, o que lhes
confere um significado mais afetivo e projetivo do que decorrente de uma capacidade de atenção, observação e
meticulosidade.
-Relação com os determinantes e conteúdos: As respostas Dd são ligadas a F(2-), indicando que a redução no campo
perceptivo funciona como tentativa não bem sucedida de dominar as interferências afetivas e emocionais.
Análise dos Determinantes
Determinantes Formais F (1+; 5-; 5±); F% = 85% [35-46] e F% ext.=107%*; F+ = 32%% [58-69] e F+ ext. = 36% [63-
72]: A F% está extremamente elevada e a F?% está muito rebaixada em relação à norma. Segundo Chabert (2003) a
formalização excessiva decorre de uma rigidez defensiva que procura utilizar a realidade exterior, perceptiva e objetiva como
190
forma de evitar a expressão das moções pulsionais e fantasmáticas. Neste caso observa-se a ineficácia das tentativas de
controle intelectual sobre os estímulos, pois a maioria das respostas tem má qualidade formal. “... muitas respostas F-
mantêm o cunho da desadapatação ou da inadaptação ao mundo real ao mostrarem uma abordagem não socializada,
mesmo desintegrada do material” (p.134). Para a autora, tais falhas perceptivas podem aparecer em protocolos de
adolescentes ou de jovens adultos ameaçados de descompensação psicótica, e mesmo como crise de originalidade transitória,
apontando para o desinvestimento da realidade objetiva e do meio, isto é, das relações objetais. Quanto às respostas F± estão
ligadas a um pensamento vago que não encontra seus limites, com dificuldades de circunscrição entre a realidade interna e
externa, indício de grave perturbação na abordagem do mundo.
* Porcentagem superior a 100% devido à presença de mais de um determinante na mesma localização.
Determinantes Cinestésicos
K (1+): Ocorre na prancha III, que segundo Chabert (2003) é uma das pranchas de configuração bilateral que favorece as
cinestesias humanas e marca a orientação relacional e identificatória das representações humanas, reativando fortes moções
pulsionais. A resposta K introduz uma cena fantasmática que vai ser mantida no inquérito, em duas respostas K- adicionais.
Trata-se de uma representação humana de corpo inteiro, bem vista e banal, com duas pessoas em relação, mas são pessoas do
mal, segurando algo que parece ser ruim. Na Ad2 as pessoas estão de costas uma para a outra, segurando algo como um
símbolo. E na Ad3 as pessoas estão unidas pela parte em vermelho juntando poderes. Parece haver uma continuidade nas
respostas: começa pela cena em que as pessoas cooperam entre si, numa relação de conotação persecutória, seguida por duas
pessoas de costas mantendo a ação cooperativa, finalizando com uma interação onde as pessoas são partes iguais e
indiscriminadas, unidas corporalmente. Segundo Chabert (2003) representações como esta evidenciam a emergência de
fantasmas relacionais mais arcaicos, destrutivos e fusionais. As dificuldades de delimitação entre o sujeito e o outro aparecem
no decurso das respostas, onde as pessoas inicialmente vistas em separado, numa imagem a princípio diferenciada, tornam-se
unidas por partes em comum, como entidades humanas que se fundem, demonstrando as dificuldades no processo de
individuação.
kan (1-; 1±): As duas respostas de cinestesia animal são de má qualidade formal, tem conteúdos inteiros, em movimento
ativo: uma ave segurando animais pela cabeça, e dois bichos segurando um mestre/caricatura de uma pessoa. Na primeira
delas ocorre uma ação coercitiva e desagradável (classificada como fenômeno especial Ação Sofrida ou Vivenciada). A
segunda resposta é imprecisa e carregada de aspectos projetivos onde se repete o tema símbolo de poder, presente ao longo
do protocolo. Os personagens são ave, animais e bichos, sem discriminação da espécie ou gênero. Assim como as pessoas da
cinestesia humana não tem gênero definido, o mesmo acontece em relação às cinestesias animais, evidenciando as
dificuldades no processo de identificação ainda em nível de identidade.
Determinantes Cromáticos ?C=2(CF-; CF±): As respostas CF caracterizam uma afetividade instável, lábil e egocêntrica,
de qualidade mais infantil, uma vez que são as únicas respostas cor do protocolo. Apesar de ligadas a G e co-determinadas
pela forma essas tentativas de controle intelectual resultam ineficientes, tendo em vista a má qualidade formal das respostas.
As respostas cor são dadas nas pranchas II, que remete às pulsões sexuais e agressivas (“sangue espalhado com sensação de
perigo”) e na prancha IX, que suscita tendências ternas ou regressivas (“pessoa ou animal por dentro”). Observa-se a dúvida
entre reino humano e animal, ligada às dificuldades no processo de individuação. Conforme Chabert (2003), os conteúdos
ligados às respostas CF - sangue e anatomia- podem ser considerados mórbidos, evidenciando a angústia de fragmentação
que surge em ligação com a cor, e a fragilidade das fronteiras entre o interno e o externo ao sujeito.
Determinantes de Tonalidade ClobF (1-): Resposta dada na prancha II, em associação ao determinante CF±, onde ocorre
choque ao vermelho. Segundo Rausch de Traubenberg (1970) as respostas Clob remetem a vivências infantis de angústia que
mobilizam o sujeito, sendo uma manifestação de angústia em nível intermediário. A tentativa de controle formal não resulta
eficaz, pois além de secundário à tonalidade disfórica é de má qualidade formal.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (A=6; (A) =5; Ad=1; A>Ad; A% = 92% [53-64]: A A% está extremamente elevada em relação à
norma, o que para Rausch de Traubenberg (1970) pode indicar uma atitude defensiva ou de oposição ao teste, típico de
adolescentes. É também um índice de estereotipia e rigidez do pensamento, uma defesa que bloqueia as potencialidades
intelectivas.
Conteúdos Humanos (1H, 1(H); H% = 15% [8-13]): A H% acima da média demonstra a capacidade de se identificar com
uma imagem humana, não podendo, contudo, ser analisada apenas do ponto de vista quantitativo, pois outros aspectos
demonstram as dificuldades relacionadas às relações humanas, carregadas de persecutoriedade. É composta de uma
representação humana inteira em relação (pessoas do mal) e uma representação humana fantástica (caricatura de uma
pessoa). A primeira resposta tem uma qualidade positiva quanto ao conteúdo humano inteiro e em relação com outro, mas
está impregnada de afetos e qualidades que evidenciam uma cinestesia mais delirante do que criativa, onde a relação humana
é percebida como ameaçadora e/ou simbiótica. A outra resposta humana é de uma figura humana (mestre) que é desvitalizada
(caricatura), numa tentativa de esvaziar a representação humana. As pessoas que aparecem nas respostas caracterizam-se
pela indefinição de gênero, evidenciando as dificuldades no processo de identificação sexual.
Índice de Angústia Patológica = 15% [>12]: Está elevado devido ao número de respostas de conteúdo sangue (1) e
anatomia (1).
Banalidades (2/ 15% [24-31]): Está bastante rebaixada em relação às normas demonstrando as dificuldades de contato com
a realidade objetiva e social, desinteresse ou oposição sistematizada (Rausch de Traubenberg ,1970).
Análise dos Fenômenos Especiais (que serão analisados separadamente, tendo em vista sua presença acentuada no
protocolo):
- Oscilação da percepção/ Resposta OU (Pr. I, IX, X): (lobo ou cachorro; animal ou pessoa, dragão ou touro): Segundo
Passalacqua e Gravenhorst (2005): “Ocorre com pessoas inseguras, indecisas, dubitativas, que receiam errar ou
comprometer-se com uma resposta e com a responsabilidade que isso implica, com aspectos antagônicos de si mesma”
191
(p.138) Está relacionado a um conflito neurótico e ambivalência, e também à ansiedade, causada por confusão ainda mais
primária, além de sérios problemas de identidade.
- Choque ao vermelho (Pr.II): O simbolismo desta prancha está ligado à problemática de castração sexual ou
bissexualidade. O choque é percebido através do tempo de reação aumentado, com muitas rotações até a emissão da resposta,
e a manifestação da sensação de perigo (ClobF-) associada à percepção do vermelho/sangue, estando relacionado a problemas
com o manejo da agressão (Passalacqua e Gravenhorst, 2005).
- Choque ao negro (Pr. VI): O simbolismo da prancha evoca fortemente a sexualidade. O choque torna-se evidente através
do tempo de reação aumentado, com muitas rotações até a emissão da resposta e da ausência da banalidade nesta prancha.
Observa-se que o recorte que é feito pelo sujeito corta a parte ligada ao simbolismo fálico, podendo sugerir o fenômeno de
estupor perante os símbolos sexuais, que remete à recusa da própria sexualidade, à repressão, a conflitos com a própria
sexualidade e à ansiedade de castração, além de uma identidade problemática e até de possível homossexualidade
(Passalacqua e Gravenhorst, 2005).
- Fabulação (Pr.VIII e X): O sujeito utiliza o mesmo tema (animais / símbolo de poder) em duas respostas dadas em
pranchas diferentes. Este fenômeno evidencia um predomínio da fantasia sobre a realidade, típica de personalidades imaturas
e infantis, especialmente em fóbicos, histéricos e adolescentes (Passalacqua e Gravenhorst, 2005).
- Lógica Autística (Pr.IX): O sujeito justifica a sua resposta através de uma lógica pessoal e ilógica, desconectada da
realidade, sendo comum em crianças, mas associado às patologias severas no adulto (Passalacqua e Gravenhorst, 2005).
- Auto- Referência (Pr. IV): ocorre na justificativa da escolha como prancha que despertou medo. Encontradas em quadros
histéricos e em personalidades infantis, egocêntricas, que buscam uma segurança através do que é próprio e conhecido
(Passalacqua e Gravenhorst, 2005).
- Contaminação (Pr. I) com a presença de conteúdos que se superpõem na percepção do estímulo (bicho com asas formadas
por lobos ou cachorros). Esta resposta é dada na prancha inicial, cujo valor simbólico pode estar relacionado ao contato com
o desconhecido, e a maneira de reagir às situações novas, evidenciando uma desorganização do pensamento causado pela
angústia. Em nível mais primitivo esta prancha simboliza a imago materna onipotente que provoca a sensação de segurança
ou ameaça. Mecanismo esquizóide que indica a presença de dissociação e dificuldade para conseguir a integração posterior, e
pensamento confuso. (Passalacqua e Gravenhorst, 2005)
- Crítica ao sujeito (Pr. VIII): acontece na 2ª resposta à prancha, demonstrando a insegurança do sujeito quanto à própria
performance, o que segundo Passalacqua e Gravenhorst (2005) pode indicar uma auto-exigência, com tendência à dúvida,
ambivalência e baixa auto-estima.
- Desvitalização (Pr. X) ou Desanimalização (Pr. IV): aquilo que é visto como humano e animal, é a seguir tornado uma
caricatura.
- Ligação (Pr.III): (Duas pessoas unidas pela parte vermelha) Segundo Passalacqua e Gravenhorst (2005) ocorrem em
quadros neuróticos em que aparecem estruturas aglutinadas e confusas e como expressão de vínculos simbióticos em pessoas
muito dependentes, podendo ocorrer em homossexuais.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
? Imagem do corpo: Observa-se que entre as pranchas compactas, apenas na prancha V é dada uma resposta de boa
qualidade formal e banal. Na prancha I, apesar da resposta global, as asas do animal são formadas por lobos ou cachorros,
uma representação corporal fragmentada e bizarra, que evidencia as dificuldades de integração e delimitação da unidade
corporal. Na prancha IV, a apreensão global de uma representação de corpo animal e fantástico é vaga e imprecisa. Entre as
pranchas de configuração bilateral, na prancha II, de intensa solicitação pulsional, a tentativa de apreensão global e a má
qualidade formal da resposta (ClobF-/CF±) demonstram o que é descrito por Chabert (2003) como uma busca desesperada de
unidade frente a um material sentido como disperso, espalhado ou fragmentado. A presença do conteúdo sangue na resposta
evidencia o impacto do vermelho, reforçando a vivência destrutiva de um corpo danificado em seu interior. Na prancha III, a
cinestesia humana banal, apesar de se referir a uma representação de corpo humano inteiro, é acrescida por K-adicional que
traz uma representação de pessoas unidas por uma parte em comum, o que indica a ausência de uma imagem corporal
unificada e delimitada. Nas pranchas pastéis, que segundo Chabert (2003) “.... se prestam em particular a associações que
emanam de preocupações hipocondríacas e/ou angústia de fragmentação” (p.77), a resposta à prancha IX traz a
representação de um corpo por dentro. A autora refere que esta prancha em especial “... suscita o aparecimento de interiores
do corpo, na desordem dos limites dentro-fora e evocação de uma espécie de transparência do envelope que deixaria a
descoberto os órgãos e as vísceras” (p.78). Na prancha X, que coloca em cheque as capacidades de unificação corporal, as
respostas se caracterizam pela dispersão de partes, que são reunidas de forma arbitrária, resultando em formas bizarras e
implausíveis. Observa-se que as respostas às várias pranchas que evocam a imagem corporal trazem representações de corpo
animal arbitrárias, mal vistas ou imprecisas (Pr. I, II, IV e X), uma cinestesia humana delirante (Pr.III) e uma resposta com
conteúdo anatômico de interior do corpo (P.IX), o que no conjunto evidenciam as dificuldades na construção de uma imagem
corporal íntegra e unificada, apesar do indicador positivo dado pela resposta da prancha V. Chabert (2003) refere ser
discutível a validade efetiva desta única banalidade como garantia de integridade da imagem corporal, pois a resposta banal
borboleta ou morcego é uma das últimas banalidades presentes nos protocolos patológicos.
? Identidade e investimento da imagem de si: Segundo Chabert (2003), o esperado nas pranchas compactas é uma
imagem unificada, o que atesta a efetiva individuação. Na prancha I, apesar da resposta global, o animal não é visto como
um todo integrado, sendo constituído de asas formadas por animais, uma representação caracterizada pela indiscriminação e
indiferenciação entre partes do todo, compondo uma figura fantástica. Na prancha IV, a resposta global apresenta uma
mistura de reinos animal (bicho) e humano (mestre), resultando numa figura fantástica, prancha que provocou medo. Na
prancha V é dada uma resposta de boa qualidade formal e banal, mas é acrescido o detalhe do morcego com chifres e de
costas, o que traz uma conotação agressiva e a temática anal, esta última também presente na prancha VI, cujos animais são
vistos de costas um para o outro, na qual apresenta choque ao escuro. Nas pranchas de configuração bilateral observa-se que
192
a prancha III, uma cinestesia humana banal, apesar de se referir a uma representação de corpo humano inteiro, é acrescida no
inquérito por K-adicionais, e entre elas (Ad3) uma representação de pessoas unidas por uma parte em comum, revelando a
indiscriminação entre sujeito-objeto. Segundo Chabert (2003) representações como esta evidenciam a emergência de
fantasmas relacionais mais arcaicos, destrutivos e fusionais. As dificuldades de delimitação entre o sujeito e o outro aparecem
no decurso das respostas, onde as pessoas inicialmente vistas em separado, numa imagem a princípio diferenciada, tornam-se
unidas por partes em comum, como entidades humanas que se fundem, demonstrando as dificuldades no processo de
individuação. Nas pranchas VIII e X a mistura de reinos animal e humano se dá através de figuras fantásticas de animais com
símbolo de poder. A resposta à prancha IX traz a representação de um corpo por dentro, indefinido quanto à pertença ao reino
humano ou animal. Observa-se a problemática de identidade do sujeito, através de aspectos como a indiferenciação sujeito-
objeto com personagens fundidos entre si, personagens com dupla pertença aos reinos animal e humano, ou a dúvida quanto
ao reino que pertence os personagens, evidenciando as dificuldades de separação e desfusão que dificultam os processos de
individuação.
? O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: Não existem elementos no protocolo
que representem direta ou simbolicamente as identificações sexuais, mas alguns indicativos evidenciam a angústia frente às
pranchas de simbolismo fálico ou paterno, como a escolha da prancha IV como aquela que provocou medo, e o choque ao
escuro com referências anais (animais de costas) na prancha VI.
? Os processos de identificação através das cinestesias humanas: A única cinestesia humana apresenta K adicionais, e
entre elas uma (Ad3) uma representação de pessoas unidas por uma parte em comum, demonstra as dificuldades do sujeito de
separação efetiva entre sujeito-objeto e de discriminação entre eu - outro. Assim como as pessoas da cinestesia humana não
tem gênero definido, o mesmo acontece em relação às cinestesias animais, evidenciando as dificuldades no processo de
identificação ainda em nível de identidade.
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e de Socialização: O sujeito apresenta um desempenho intelectual bastante prejudicado,
pelas dificuldades de manter o controle intelectual e pela ingerência acentuada dos elementos afetivos. Seu pensamento é
confuso, estereotipado e rígido, com a presença de mecanismos de defesa primitivos como a dissociação, o que bloqueia as
capacidades intelectuais. Sua afetividade tem uma qualidade infantil, instável, lábil e egocêntrica, com a presença de angústia
elevada, de natureza persecutória. Extremas dificuldades de adequação ao senso comum, e de senso prático na avaliação da
realidade, o que acarreta uma grande desadaptação social.
- Processos de Identificação Primária e Secundária: Graves dificuldades de delimitação e integração da imagem corporal e
da imagem de si, com evidências de indiscriminação sujeito-objeto e falta de circunscrição entre realidade interna e externa.
Observa-se que as falhas dos processos de desfusão e separação, que possibilitam a individuação e a formação de uma
identidade primária, comprometem as possibilidades de acesso ao processo de identificação sexual ou secundária.
193
Síntese das Entrevistas - Sujeito 4 Sexo masculino, 15anos e 4 meses de idade, 5ª série do Ensino Fundamental
? Com o adolescente: O sujeito relata que seus pais estavam separados há 6 meses, mas tinham se reconciliado há
pouco tempo. Tem dois irmãos de 10 e 18 anos de idade. A relação com a mãe foi boa até o pai ficar doente (tem uma hérnia
de disco e está afastado do trabalho), pois “.... ela queria a gente ao lado dela, e nós crescemos e ficamos mais perto do pai;
ela diz que pai existem vários, mas mãe é só uma” (sic). Assistia as brigas entre os pais e procurava não tomar partido,
enquanto os irmãos defendiam a mãe. Refere que “quando os pais se separaram”.. chorava muito querendo o pai de volta, e
quando estava com ele chorava pela mãe, queria os dois juntos” (sic). Os filhos permaneceram morando com a mãe, mas há
2 meses pediu para morar com o pai. “A mãe não dava liberdade e o pai deixava fazer as coisas” (sic). Ficou sem falar com
a mãe por um mês, mas sentia saudades dela; procurava ouvir a sua voz ao telefone sem se identificar. Neste período levou
um “revólver de brinquedo” para a escola e desistiu de estudar. Foi encaminhado ao Conselho Tutelar pela escola. Ele e o
pai retornaram para a casa da mãe, e ela colocou-o na escola e no Projeto Social. A mãe fez questão de fazer tudo isso antes
da cirurgia de “câncer na cabeça” (sic) que fez há pouco tempo, “... pois pensava que poderia morrer” (sic). Souberam da
doença da mãe no dia de seu aniversário. Acha que foi por isso que o pai voltou, mas ele já está querendo ir embora
novamente e não sabe se vai junto. Ele e o irmão mais velho pensavam que as doenças dos pais foram causadas pelo
incômodo que eles deram, mas agora eles entenderam que não éramos culpados; era o stress do trabalho” (sic). O pai
sempre dizia que ia botá-los no colégio interno. Quanto às condições da saúde, teve bronquite quando criança e ficou
internado desde o nascimento até os 3 anos. Dorme bem e profundamente, mas o pai diz que ele levanta à noite dormindo.
Tem tido muitos pesadelos com a morte da mãe. É obeso, como o pai e ambos fazem tratamento médico para obesidade.
Desde que retornou para a casa da mãe sua rotina mudou: acorda às 11 da manhã, vai para a Soabem à tarde e para a escola à
noite. Trabalha como ajudante de pedreiro com o tio nas horas vagas. O lugar onde estão residindo é mais seguro do que o
lugar em que vivia com o pai. Tem estado mais com a família porque tem poucos amigos onde a mãe mora. Eles o chamam
para sair, mas tem preferido ficar em casa. Gosta de empinar pipa, jogar vídeo game e ir ao shopping. Atualmente não está
fazendo nenhum esporte, mas fez judô por 3 anos e quer voltar a praticá-lo. Gosta de ver esportes na TV, desenhos e jogos
eletrônicos. Quanto ao gosto musical, gosta de Rap e MPB antiga, como o pai. A família é evangélica. Teve uma namorada
no ano passado, mas como era mais velha (17 anos), não contou à mãe, “... “Porque ela é chata, ia pegar no pé porque a
menina tinha piercing” (sic). Está cursando supletivo à noite, porque perdeu o ano com a saída da casa da mãe. Não tem
colegas de sua idade na classe, mas fica com seu pai, que também está estudando. Foi reprovado na escola por vários anos:
repetiu por três anos subseqüentes a 4ª série e a quinta série por dois anos. “Desde a 1ª série fazia bagunça e não gostava de
estudar” (sic). Tinha bom relacionamento com colegas e respeitava os professores, mas não gostava de fazer lição de
casa. Gosta somente de Matemática. Fazia bagunça somente na escola, pois fora dali não gosta de conversar. “As pessoas
dizem que sou diferente fora da escola(sic). Tem gostado dos colegas da Soabem, mas tem apenas um amigo na sala. Gosta
do professor de Informática, mas não gosta da professora de Linguagem. Pretende cursar Administração para ser executivo.
“Vou ter muito dinheiro e levar a minha família na Disney, como o patrão da minha tia” (sic).
? Com a mãe: A mãe compareceu à entrevista e disse que o pai recusou-se a participar, pois já havia saído de casa
novamente. Conta que o retorno do filho para a sua companhia ocorreu após o episódio em que este foi pego com uma arma
de brinquedo e levado ao Conselho Tutelar. O pai queria deixá-lo internado, mas ela preferiu trazê-lo de volta para casa. O
filho contou que estava andando com más companhias e usando drogas (maconha). Pediu para voltar, dizendo “... eu sou o
problema da vida de vocês, mas prometo melhorar” (sic). Tem sido mais carinhoso e pede para não deixá-lo ir com o pai “....
pois vai desandar” (sic). Tem manifestado preocupação com a saúde da mãe e diz que ela não pode morrer porque o pai não
saberá cuidar deles. Ele gosta muito do pai, mas “..... o pai não tem pulso com os filhos” (sic). Queixa-se dos filhos para ela e
a chama para discipliná-los. A gravidez foi “... tranqüila, mas não teve boa aceitação familiar.” (sic) A avó materna não
queria que tivessem outro filho, porque o genro “era imaturo e levava vida de solteiro” (sic). O parto foi por cesárea aos 8
meses e meio de gestação, “porque tinha bacia estreita” (sic). O filho tinha peso e altura normal ao nascer (3.650kg e 51 cm)
apesar de ter nascido antes do tempo. “Era o mais bonito, rosto enorme, chamava a atenção dos outros” (sic). Amamentou-o
por apenas 2 meses, porque havia amamentado o filho mais velho por um ano e ficado anêmica. Ele aceitava bem a
mamadeira e alimentos sólidos. Ele tinha muitas dificuldades para dormir, chorava demais e era inquieto. “Dormiu à noite a
1ª vez aos 4 meses de idade” (sic). Ele teve problemas respiratórios (asma e bronquite) e esteve internado em hospital público
dos 4 meses aos 2 anos de 4 meses de idade, e após este período “... sarou e teve boa saúde” (sic). Ficava sem a companhia
da mãe, pois esta tinha de trabalhar e cuidar do outro filho. Vinha para casa por curtos períodos e voltava para o hospital. Ele
chorava muito quando ia tomar injeção e com 1 ano e 8 meses teve uma crise, levantou do berço e arrancou o oxigênio. O
controle de esfíncteres ocorreu aos 2 anos e meio, aproximadamente. Veio do hospital ainda de fraldas, mas tirou em seguida
“... pois era muito inteligente” (sic). Teve um acidente aos 3 anos, quando caiu da laje e trincou a região da bacia. Aos 10
anos quebrou o braço e aos quinze teve caxumba. Enquanto a mãe trabalhava, como auxiliar de enfermagem, os filhos mais
velhos ficavam na creche do hospital. Às vezes ficavam sozinhos até os pais chegarem do trabalho. “Sempre prendi demais
os meus filhos” (sic), que só brincavam entre os irmãos. O ingresso na escola ocorreu aos 6 anos, mas já freqüentava a creche
desde os 3 anos. Nunca chorou e gostava muito da escola. Passou de ano na 1ª série, apesar das dificuldades de leitura e
escrita, que só aprendeu efetivamente na 4ª série. Foi reprovado por três anos seguidos. Sempre tinha muitas queixas de mau
comportamento na escola. Batia nos colegas e brincava na sala. “Tentamos de tudo para ajudá-lo, até psicólogo e judô”
(sic). Tem um relacionamento difícil com os irmãos, mas é melhor com o irmão menor. Como característica de personalidade
mais marcante do filho diz: “Não sei dizer..... responsabilidade no cuidado com a mãe é preocupado com a mãe...” (sic) A
situação sócio-econômica da família é precária, pois os pais estão recebendo benefício do INSS por problemas de saúde.
Residem em casa alugada e o pai paga pensão alimentícia aos filhos. A mãe está fazendo o curso de Enfermagem na UNIP,
pretendendo com isso melhorar sua posição profissional para das melhores condições de vida à família.
194
? Contatos com os representantes da ONG: O coordenador encaminhou o sujeito para inclusão na amostra já no 2°
semestre. Informa que ele morava com o pai no Capão Redondo, onde estava se envolvendo com roubo. Ao ingressar no
projeto disse que queria estudar, pois “... não quero ser um sem futuro” (sic).
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PSICOGRAMA DE RORSCHACH Sujeito 4
Psicograma de Rorschach
[]- valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.4 Sexo: Masc. Idade: 15a4m
T= 11’ R= 10[11-14] T/R= 66’’ Data: 25.08.2005
LOCALIZAÇÃO
G= 10
D= 0
Dd= 0
Modo de Apreensão
Total G =10
G!
G%= 100% [36-50] c
Qualidade das respostas G
Simples=5; Impressionistas=3; Sincréticas=2
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 4
F%= 80% [35-46]
F%ext.=120%
A= 5 (H)=2 Elem=1 Sg=2
F± =1
F- = 3
F+%= 56% [58-69]
F+% ext.= 54% [63-72]
Total A=5 Total H= 2
Pl=2
Anat=1
Obj=1
Total F = 8
A%=50%
[53-64]
H%= 20% [8-13]
CF=1±
Ban = 2/20% [24-31]
FC=2± FE=2±
Índice de Angústia Patológica: 30% [>12]
Análise da Produtividade (R=10 [11-14] T/R = 66’’): O número total de respostas está abaixo da norma, e segundo Rausch
de Traubenberg (1970), esta restrição não tem um significado preciso, podendo ser voluntária, espontânea ou reflexo de
fadiga, depressão, falta de meios, bloqueio ou ansiedade. Observa-se a variabilidade dos tempos utilizados pelo sujeito, o que
indica a ressonância afetiva aos estímulos. Destaca-se o tempo maior utilizado nas pranchas I e II e VII, nas quais se observa
uma angústia elevada.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (4+; ;3-); G%=100% [36-50]: Para Chabert (2003) um modo de apreensão G em sua maioria pode
demonstrar capacidade de elaboração e mentalização ou ser sustentada por uma preguiça cognitiva, que se molda ao material
e não busca novas possibilidades. Também pode ser decorrente da tentativa de domínio do material ou de uma dependência
extrema ao objeto, que leva à submissão e a repetição de apreensões globais. No que diz respeito à imagem de si, pode marcar
o reconhecimento efetivo da integridade do sujeito e dos objetos ou remeter a uma fragilidade extrema, num esforço de
globalização a qualquer preço, pois qualquer recorte pode significar a ruptura ou fragmentação.
-Qualidade formal: A G% encontra-se acima do limite mínimo da norma, o que evidencia a busca de unidade e a tentativa de
controle intelectual sobre o estímulo, mas a má qualidade formal da maioria das respostas indica que este esforço não é bem
sucedido. Observam-se um grande n° de respostas vagas e impressionistas, ambas caracterizadas pela submissão ao estímulo.
As respostas associadas à F± remetem a um movimento defensivo para impedir a emergência de representações
perturbadoras, e estando associadas a determinantes sensoriais, indicam o impacto emocional do sujeito, que reage com uma
tonalidade afetiva lábil.
-Relação com os determinantes: F (4+ /3-/ 1±), CF (1±), FC (2 ±), FE (2 ±) Observa-se que as tentativas de controle formal
são ineficientes em metade das respostas formais. Nos determinantes duplos, a forma é secundária à cor na prancha II,
revelando o forte impacto emocional causado pelo simbolismo da prancha, que remete intensamente às moções pulsionais.
Nas demais respostas sensoriais, o controle formal é prioritário e o sujeito tenta retomar o controle sobre as emoções, mas só
consegue emitir respostas vagas e imprecisas.
-Nível de elaboração: Observa-se que a metade das respostas G é simples, e segundo Chabert (2003), apesar de ser baseada
em uma visão direta e imediata dos contornos, não exigindo um esforço maior de reflexão e articulação, sua presença indica a
existência de uma adaptação perceptiva básica e as possibilidades de abordagem do mundo socializado e de inserção em um
grupo humano. As demais respostas G são sincréticas (2±) e impressionistas (3±), marcadas pela submissão ao estímulo e
pelo movimento defensivo que visa impedir a emergência de representações perturbadoras. As respostas globais
impressionistas evidenciam as manifestações sensíveis e intensas, mostrando a sugestionabilidade e vulnerabilidade do
sujeito, que reage de tal forma, a ponto de descurar o quadro perceptivo. A ausência de respostas elaboradas indica uma
restrição na capacidade imaginativa e criativa do sujeito.
Respostas D :A única resposta D é dada na prancha III adicional, má qualidade formal, ligada a conteúdo agressivo.
Análise dos Determinantes
Determinantes Formais F (4+; 1± ;3-); F% = 80%[35-46] e F% ext.=120%*; F+ = 56% [58-69] e F+ ext = 54% [63-
72]: A F% está extremamente elevada em relação à norma. Segundo Chabert (2003) a formalização excessiva decorre de uma
rigidez defensiva que procura utilizar a realidade exterior, perceptiva e objetiva como forma de evitar a expressão das
pressões pulsionais e fantasmáticas. Quanto à qualidade das respostas formais, observa-se que a F+% está um pouco abaixo
do limite inferior da norma, e no F+% extenso fica ainda mais baixo. Observa-se que nas respostas formais com
195
determinantes duplos sensoriais, as possibilidades de controle intelectual diminuem, demonstrando a interferência negativa
das questões fantasmáticas e emocionais do sujeito em sua capacidade perceptiva e adaptativa.
*Porcentagem superior a 100% devido à presença de mais de um determinante para cada localização.
Determinantes Cinestésicos: Tendo em vista a ausência total de cinestesias considera-se a presença de choque cinestésico,
que segundo Passalacqua e Gravenhorst (2005) “Implica um reforço caracterológico ou obsessivo das defesas perante a
angústia. Expressa bloqueio, blindagem, imobilidade, rigidez defensiva”. (p.42) Em adolescentes é um indicador de
oposição. Para Chabert (2003) indica dificuldades na incorporação da figura humana de modo geral, o que implica em
profundas dificuldades de relacionamento humano autêntico, genuíno e espontâneo.
Determinantes Cromáticos ?C=2(1CF±, 2FC±); (FC>CF): O coeficiente de respostas cor indica que o sujeito reage
emocionalmente à cor de forma intensa. A resposta CF na prancha II, que remete às pulsões sexuais e agressivas evidencia a
ineficácia do controle formal diante da emergência pulsional, uma vez que a forma é secundária à cor e de qualidade
imprecisa (com determinante FE± na mesma resposta). As respostas FC na prancha IX e X - pranchas pastéis- indicam maior
controle do racional sobre o emocional, mas resulta em formas vagas e imprecisas, como recurso defensivo ineficiente contra
a emergência de representações perturbadoras.
Determinantes de Tonalidade ?E =1 (2FE±): As duas respostas de tonalidade têm o controle formal prioritário, o que
confere ao sujeito certo controle sobre a ansiedade, mas não totalmente eficaz, tendo em vista a imprecisão formal das
respostas. As respostas E / textura tem uma dimensão regressiva, remetendo a busca de contato físico, relacionado às
vivências mais primitivas, e que por sua conotação desagradável revelam a ansiedade ligada aos primeiros contatos com a
figura materna. A resposta à prancha II (conteúdo obj/sangue, com determinante CF± contido na mesma resposta) remete às
pulsões agressivas, revelando a emergência da agressividade em seu caráter menos evoluído e destrutivo e a dificuldade de
controle sobre a expressão pulsional. É uma prancha cujo simbolismo também pode estar ligado às relações precoces com a
mãe, simbióticas e/ou destrutivas. A resposta à prancha VI, de simbolismo sexual fálico que remete à angústia de castração,
tem uma conotação desagradável (rato esmagado), podendo ser classificado como Mórbido, fenômeno especial que segundo
Exner (apud Passalacqua e Gravenhorst, 2005) está associado à depressão ou melancolia e relacionado às perdas recentes e
situações traumáticas em geral.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (A=5; A%=50% [53-64]): A A%, considerada um fator de integração adaptativa e socializante,
encontra-se um pouco rebaixada em relação à norma.
Conteúdos Humanos (2(H); H% = 20% [8-13]): A H% demonstra a capacidade de se identificar com uma imagem
humana, não podendo, contudo, ser analisada apenas do ponto de vista quantitativo, pois outros aspectos demonstram as
dificuldades relacionadas às relações humanas. É composta de duas respostas (H) com a mesma característica desvitalizada
de robô nas pranchas III e X. Segundo Chabert (2003) a presença de respostas (H) como únicas representações humanas
evidencia que o sujeito se refugia num mundo cortado da realidade relacional e concreta, onde reina o irreal e o delírio,
carregando as representações humanas de projeções arbitrárias e deformantes. A resposta de robô à prancha III parece
simbolizar aspectos emocionais e afetivos do sujeito (representação de si desvitalizada, robotizada e sem contato afetivo) com
dois corações (evidenciando conflito emocional) e que carrega armas consigo (potencial agressivo e destrutivo). Isso
também ocorre com o robô da prancha X traz a imagem de um ser corroído pela ferrugem e cheio de sucatas velhas (partes
coloridas) colocadas nele, o que, em seu aspecto identificatório, está ligado a uma representação de si depreciada (ferrugem),
carregado de partes estragadas colocadas em si (sucatas). O robô é um ser caracterizado pela indefinição de gênero, o que
pode estar relacionado às dificuldades no processo de identificação sexual.
Conteúdo Anatômico (1-): A resposta Anat é de pedaços de corpo de elefantes que foram tirados, arrancados para o lado é
dada na prancha VII, com implicação simbólica relacionada às imagens feminina ou materna, em função da própria relação
primitiva com a mãe, podendo ser classificado como fenômeno especial denominado Mórbido.
Conteúdo Sangue (1-, 1±): A resposta dada na prancha I, que reativa em nível menos evoluído a relação com a mãe pré-
genital, está ligada a uma imagem ameaçadora de animal agressivo e feminino (abelha cheia de sangue), caracterizando o
fenômeno especial cor em prancha negra. A resposta à prancha II como percepção global e com determinante de tonalidade
e cor, parece estar mais ligada à evocação da problemática pré-genital de relações precoces com a mãe, de caráter mais
destrutivo, tendo em vista à emergência das pulsões agressivas.
Índice de Angústia Patológica = 30% [>12]: Está bastante elevado devido às respostas de conteúdo sangue e anatomia.
Banalidades (2/ 20% [24-31]): As banalidades estão rebaixadas em relação à norma, podendo demonstrar as dificuldades do
sujeito no contato com a realidade objetiva e social, desinteresse ou oposição sistemática.
Análise dos Fenômenos Especiais
-Cor em prancha negra (Pr. I): revela a dificuldade de controle sobre as perturbações emocionais, em decorrência da
fragilidade do ego, cujo sistema defensivo é marcado pela negação, tentando dar conta da tendência depressiva através da
hipomania (Bohm, 1973).
- Mórbido (Pr. VI e VII): Nas duas respostas existe a identificação do objeto como tendo sofrido uma ação que o lesionou:
“rato esmagado” e “elefantes cortados com pedaços do corpo arrancados para o lado”: Fenômeno associado à depressão
ou melancolia, relacionado às perdas recentes e situações traumáticas em geral, segundo Exner, apud Passalacqua e
Gravenhorst, 2005. Também podem ser consideradas Ação Sofrida ou Vivenciada com ações sofridas pelo objeto no
passado, associado à existência de elementos sadomasoquistas, seja nos aspectos ativos, passivos, ou ambos. Encontrados em
psicopatas e pessoas que passaram por situações de dor por perdas ou acidentes recentes (Beck Orlando, apud Passalacqua
e Gravenhorst, 2005).
-Reflexo na (Pr. VIII): Segundo Passalacqua e Gravenhorst (2005) a resposta de reflexo do animal na água é um fenômeno
especial ligado ao narcisismo, presente em pessoas que percebem os outros como prolongamentos de si mesmo, sendo
comum em adolescentes.
196
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
? Imagem do corpo: Observa-se que entre as pranchas compactas, nas quais a imagem unificada é o esperado, todas as
respostas são globais e apesar de terem representações de corpos animais, implica na apreensão da imagem como um todo
integrado, o que, a princípio demonstra a correta integração da imagem corporal. No entanto, apesar das respostas às
pranchas IV e V terem boa qualidade formal, o mesmo não acontece com as pranchas I e VI cujas respostas são de má
qualidade formal. Entre as pranchas de configuração bilateral, nas pranchas II, III e VII, as tentativas de apreensão global
não têm boa qualidade formal, demonstrando o que é descrito por Chabert (2003) como uma busca desesperada de unidade
frente a um material sentido como disperso, espalhado ou fragmentado. Nas pranchas II e III, nas quais a solicitação pulsional
é intensa, o impacto das manchas vermelhas se faz presente, demonstrando a vivência destrutiva de corpo danificado
internamente. Isso ocorre através do conteúdo sangue na resposta à prancha II, e dois corações do robô na prancha III, que é
visto em transparência, o que segundo Chabert (2003) está relacionada aos distúrbios dos limites dentro-fora. Segundo a
autora, a prancha VII, tem ainda a participação do branco associado ao vazio, à falta, colocando à prova os limites dentro-
fora. A representação de corpo de elefantes em pedaços, que foram arrancados para o lado, dada nesta prancha revela a
presença de uma intensa angústia de desintegração, ligada à preocupação com a integridade corporal. As pranchas pastéis,
“.... se prestam em particular a associações que emanam de preocupações hipocondríacas e/ou angústia de fragmentação”
(Chabert, 2003, p.77). Na prancha X, que coloca à prova as capacidades de unificação corporal, a resposta de robô cheio de
ferrugem e negócios colocados nele (sucatas), e com o corpo todo grudado, caracteriza uma representação ra - humana
com um corpo danificado e apêndices dispersos. Observa-se que as respostas às várias pranchas que evocam a imagem
corporal trazem representações que, no conjunto, evidenciam as dificuldades na construção de uma imagem corporal íntegra
e unificada, apesar do indicador positivo dado pela resposta da prancha V. Chabert (2003) refere ser discutível a validade
efetiva desta única banalidade como garantia de integridade da imagem corporal, pois a resposta banal borboleta ou morcego
é uma das últimas banalidades presentes nos protocolos patológicos.
? Identidade e investimento da imagem de si: Para Chabert (2003) um modo de apreensão G em sua maioria (que neste
caso é o total das respostas), no que diz respeito à imagem de si, pode marcar o reconhecimento efetivo da integridade do
sujeito e dos objetos ou remeter a uma fragilidade extrema, num esforço de globalização a qualquer preço, pois qualquer
recorte pode significar a ruptura ou fragmentação. Nas pranchas compactas, apesar das imagens unificadas das pranchas I,
IV e V, observa-se a confusão de reinos através das características próprias do corpo humano nos animais: a prancha I, além
da má qualidade formal da resposta tem o detalhe da abelha com asas e mãos (humano); na prancha IV, a representação de
corpo animal tem boa qualidade formal, bicho com pés (humano), braços, rosto (humano) e rabo; na prancha VI, apesar da
imagem unificada, o animal é visto esmagado e com rosto (humano). Nas pranchas de configuração bilateral, a prancha III
traz a imagem de um robô, uma representação para-humana, é vitalizada através da posse de um órgão próprio de seres vivos
(coração), formando uma imagem híbrida. Nas pranchas pastéis, que segundo Chabert (2003) solicitam intensamente o
narcisismo dos sujeitos, observa-se a resposta com reflexo na prancha VIII, que revela a problemática narcísica do sujeito. Na
prancha IX a representação de uma árvore que possui frutas variadas, por analogia com a imagem do corpo humano, pode
representar uma figura híbrida. Na prancha X, a representação para-humana de robô cheio de ferrugem, cheio de negócios
colocados nele (sucatas), e com o corpo todo grudado, pode ser interpretada como uma manifestação de sofrimento
relacionada às falhas narcísicas que segundo Chabert (2003) podem ser expressas em “... imagens que mostram a
insuficiência do suporte objetal, que arrasta a insuficiência do investimento de si, corolário de uma vivência de insatisfação
e de falta, na relação precoce com o meio.”(p.80)
? O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: Não existem elementos no protocolo que
representem direta ou simbolicamente identificações sexuais mais evoluídas. Evidencia-se a presença de angústia elevada
frente às representações ligadas ao simbolismo lacunar, indicando angústias mais primitivas relacionada à imago materna
pré-genital, assim como o temor e angústia frente ás representações fálicas.
? Os processos de identificação através das cinestesias humanas: A ausência total de cinestesias não possibilita a análise
dos processos de identificação através destas respostas. Mas isso por si só é um dado indicativo das dificuldades de
incorporação da figura humana de modo geral.
Síntese Interpretativa
-Aspectos Intelectuais, Afetivos e de Socialização: O sujeito apresenta um funcionamento intelectual caracterizado pela
busca de unidade e controle intelectual sobre a realidade, mas seu desempenho sofrendo grandes interferências das questões
afetivas e emocionais, com uma rigidez defensiva que bloqueia sua capacidade intelectual e criativa. Sua afetividade é lábil e
de qualidade infantil, tendo dificuldade de manter um controle adequado sobre a expressão pulsional, especialmente a
agressividade destrutiva. Por outro lado, existe uma tendência depressiva, que pode ser mascarada por tentativas
hipomaníacas de lidar com as questões emocionais e afetivas. Existe um alto nível de angústia, ligada às preocupações com a
integridade corporal e/ou angústia de fragmentação, decorrente das vicissitudes no processo de individuação. As dificuldades
de estabelecer relacionamentos autênticos e espontâneos, de adequação ao senso comum e de senso prático na avaliação da
realidade interferem na integração e adaptação social.
-Processos de Identificação Primária e Secundária: O sujeito apresenta falhas na construção de uma imagem corporal
integrada e unificada com preocupações hipocondríacas e/ou angústia de fragmentação e dificuldades de delimitação entre
sujeito-objeto e de pertença à espécie humana, o que dificulta o acesso ao processo mais evoluído de identificação sexual. A
representação de si mesmo, mais ligada à identidade psíquica e o investimento de si, apresenta aspectos depressivos, com
uma fragilidade narcísica relacionada às experiências precoces de falta e insatisfação na relação com o ambiente.
197
Síntese das Entrevistas-Sujeito 5Sexo masculino, 15anos e 3 meses de idade, 8ª série do Ensino Fundamental
? Com o adolescente: O sujeito relata que seus pais são casados e tem sete irmãos de 5, 8, 12,18, 20, 21 e 23 anos
de idade (esta já casada). A relação entre os pais é conturbada, porque o pai bebe e briga com a mãe, principalmente quando
está de folga e nos fins de semana. No ano anterior o pai saiu de casa e voltou no dia seguinte. Acha que o pai é mais apegado
ao filho mais novo, de 5 anos de idade. O irmão de 21 anos briga muito com o pai e a mãe fica nervosa. Sente falta do pai,
mas prefere pedir as coisas à mãe. A mãe é mais preocupada e não dorme antes dele chegar. Ela é apegada a todos os filhos,
e dá castigo quando precisa. “Tenho mais respeito da mãe porque gosto mais dela; com o pai eu gosto, mas quase não nos
falamos.” (sic) Enumera o que gosta nos pais: “Gosto quando meu pai nos leva na casa da minha avó. Não gosto quando ele
bebe porque ele fala muito. Ele fica calmo quando bebe; fica mais nervoso com a mãe quando não bebe. Gosto quando
minha mãe conversa com os filhos e não gosto quando ela não deixa sair, fico nervoso quando ela implica com as minhas
amizades.” (sic) Goza de boa saúde, e sua alimentação é “normal” (sic). Não lembra se teve doenças ou acidentes na
infância. Tem dificuldades para dormir cedo e acorda com sono. Freqüenta a escola pela manhã e à tarde vai à Soabem.
Quando retorna assiste TV com o irmão menor ou vai para a rua conversar com amigos da vizinhança. Nos sábados fica na
rua ou em casa, às vezes prefere ficar em casa. Gosta de empinar pipa e joga futebol. Gosta de ver desenhos do Supershok:
“Um super-herói que protege a cidade” (sic) Quanto ao gosto musical, gosta de Black e rap. Sua religião é católica e vai à
missa com a mãe. Ainda não namorou, pois “... se namorar tem que ficar só com uma” (sic). Costuma ficar com meninas, “...
mas só uma vez com cada uma delas” (sic). Mudou de escola no 2° semestre para freqüentar a Soabem. Antes ficava na rua,
pois não tinha nada para fazer. Na outra escola estava em recuperação em três matérias, agora está prestando mais atenção e
tem tido mais facilidades para aprender. Não conversa com ninguém, pois está sem amigos e fica sozinho no recreio.
Somente as meninas o procuram e fica envergonhado. Sempre teve bom relacionamento com os professores. Sua matéria
escolar preferida é Educação Física, “... para jogar bola” (sic). Não gosta de Matemática e tem dificuldades para aprender
Inglês. Tem notas melhores em Português e Ciências. A participação no projeto social ocorreu por influência da mãe, que o
aconselhou a procurar o que fazer. Salienta que a mãe se preocupa com os filhos, mas o pai entende mais que ela, pois sabe
ler, enquanto a mãe é analfabeta. Já tem amigos na Soabem, tanto meninos como meninas. Gosta do professor de
Computação, mas não gosta de Empreendedorismo. Quanto às idéias relativas ao futuro, antes queria ser advogado, mas
depois que começou a aprender Computação mudou de idéia e quer ser professor de Informática. Pretende casar com 35 anos
e quer ter só 2 filhos “... porque filho dá muito trabalho” (sic). Na entrevista ao final do ano, o sujeito diz que gostou de
participar do projeto social. Gostou mais de Informática e lamenta que com a mudança de programa, não tiveram mais
contato com o computador. Gostou muito da turma de colegas e fez muitas amizades. Diz que a família está bem, mas o pai
continua bebendo. Pretende estudar à noite e trabalhar de dia. Continuaria no projeto social se assim pudesse, pois acha que
ficou mais responsável “... antes não queria saber de nada” (sic).
? Com a mãe: A mãe comparece e traz os problemas familiares como tema principal. Diz que todos os filhos são
revoltados com o pai, que os chama de vagabundos e manda trabalhar, negando-se a sustentar os filhos mais velhos. Ela
argumenta com o marido que não compare sua vida, que foi muito difícil, com a dos filhos. “Ele bebe sem parar e não posso
contar com ele, fica indo e voltando da casa da irmã e perde o emprego por causa da bebida” (sic). Os filhos mais velhos
tem se encarregado do sustento da família, pois há 3 meses o marido não colabora nos gastos da casa. Ele passou a beber
depois que ficou quatro anos desempregado. Isso ocorreu depois que tiveram o 4° filho. O marido quer bater nos filhos, mas
ela os defende e o empurra para fora de casa. Diz que em sua família de origem, a situação familiar era semelhante, pois
tinham muitos filhos (26 filhos, sendo 13 vivos) e seu pai também bebia. O filho de 21 anos estudou pouco, bebe e não tem
trabalho fixo como o pai. Tem ajuda da filha de 20 anos que ajudou a conseguir vaga para os irmãos na escola e na Soabem.
O filho de 18 anos freqüentou o projeto social no ano anterior e está trabalhando na instituição. Ele ficou mais
desembaraçado, é mais calmo e ajuda a família. Quanto aos dados de desenvolvimento, refere que a gravidez do filho foi
normal, nasceu com 9 meses e “... era bonito, forte, pesou 4.250kg,....” (sic). O parto foi normal (todos os filhos nasceram de
parto normal). Nunca mamou na mamadeira ou usou chupeta, pois foi amamentado até os 3 anos de idade. “Sempre tirava o
peito quando ficava grávida do próximo filho” (sic). Sempre se alimentou bem e tirou-lhe as fraldas com 1 ano de idade. Não
teve ocorrências marcantes, doenças da infância, acidentes ou hospitalizações. Acha que seus filhos são fortes porque
mamaram no peito. Ele sempre foi muito quieto, “... era comida, peito e berço” (sic). Dormia bem quando bebê e durante a
infância. Atualmente não quer acordar pela manhã, e acha que seu sono é perturbado pelo pai. Sempre foi a encarregada dos
cuidados com os filhos, pois trabalhava em casa fazendo “sacolinhas”. Conta com a ajuda da irmã, que mora no mesmo pátio,
mas sempre trabalhou fora. Os filhos gostam muito de ver TV, o que ajuda a entretê-los. O ingresso na escola ocorreu aos 4
anos. Ele chorou e não queria ficar, puxava a sua roupa e não a largava. Mas acabou se acostumando. Custou a aprender a ler
e até hoje não gosta de fazer lição. Repetiu a 7ª série e teve problemas de mau comportamento na escola, mas não falta o
respeito com os professores. Tem muitos amigos, “... mas não é de muita conversa com os adultos” (sic). Atualmente ele tem
andado muito nervoso e agitado, cobra muito e reclama porque tiveram muitos filhos e não podem dar as coisas para ele. O
relacionamento com os irmãos é difícil, principalmente com o irmão mais velho. É melhor com os irmãos pequenos. Briga
com o pai quando este discute com a mãe, ou faz barulho e não o deixa dormir. Está querendo trabalhar, mas não vai deixá-
lo abandonar os estudos. Preocupa-se muito com as más companhias e o risco de envolvimento do filho com drogas e álcool,
pois moram em zona de tráfico. Conta que sua irmã tem quatro filhos que estão presos. “Pego muito no pé, cobro muito, vou
atrás dele na rua” (sic). Espera que como o irmão, ele encontre um lugar na Soabem, mas ele acha que “não vai conseguir
nada” (sic), pois tiraram a Computação que ele tanto gostava e fala em deixar o projeto social para trabalhar. A situação
sócio-econômica da família é precária, pois os pais não estão trabalhando e dependem da ajuda financeira dos filhos mais
velhos. Não obtivemos dados relativos às condições de moradia.
? Contatos com os representantes da ONG: O coordenador encaminhou o sujeito para inclusão na amostra no 2°
semestre, momento em que ele ingressou no projeto social. Informou que ele estaria enfrentando sérios problemas familiares
198
devido ao alcoolismo paterno. Não obtivemos mais informações a respeito do sujeito, pois a instituição estava sofrendo
muitas mudanças, com alta rotatividade dos professores.
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCLO DE RORSCHACH Sujeito 5
Psicograma de Rorschach
[ ] - valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.5 Sexo: Masc. Idade: 15anos e 3 meses
T= 13’ R= 19 [11-14] T/R= 41’’ Data: 06.10.2005
LOCALIZAÇÃO
G= 8
D= 7
Dd= 2
Modos de Apreensão
DDbl=1
DdDbl=1
G D! Dd
Total G =8 Total D= 8 Total Dd= 3 Nível de elaboração das respostas G
G%= 42%[36-50] D%= 42%[29-39] Dd%= 16%[14 a 20]
Simples=3; Elaboradas=3; Sincréticas=1
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 9
F± =1
F%=79% [35-46]
F%ext=103%
A= 14
Ad=3
H=1
Hd=1
Frgm=
1
Sg=1
F- = 5
Total F = 15
F+%= 63%[58-69]
F+% ext.= 62,5%[63-72]
Total A= 17 Total H=
2
K=1+
A%= 89,5% [53-64] H%= 10,5% [8-13]
kan= 1+,1- FE=1+
Ban = 5/26% [24-31]
kanC=1+
Índice de Angústia: Patológica: 5,3%
[>12]
Análise da Produtividade (R=19 [11-14] T/R = 41’’): O número total de respostas está acima da norma, e segundo Rausch
de Traubenberg (1970) pode ser indicativo de desenvoltura imaginativa e verbal, ou necessidade de expressão e desejo de
cooperação ou ainda, docilidade do sujeito, que procura agradar ou quer provar sua ambição. Observa-se a variabilidade dos
tempos utilizados pelo sujeito, o que indica a ressonância às emoções suscitadas pelos estímulos. Destaca-se o tempo maior
utilizado nas pranchas III, IV e VI, quando começa a dar respostas de má qualidade formal, após uma série inicial de
respostas bem vistas, evidenciando a perturbação da capacidade perceptiva ocasionada pelos estímulos. Na prancha VII
parece se recuperar, mantendo as respostas em D com perceptos de boa qualidade formal, passando a dar respostas Dd na
prancha VIII e IX, ambas com má qualidade formal.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (7+; ;1-) G% = 42% [36-50]
-Qualidade formal: A G% encontra-se dentro dos limites da norma, o que evidencia o esforço de análise, articulação e
combinação dos elementos do estímulo, além de busca de unidade e tentativa de controle intelectual, obtendo uma maioria de
respostas de boa qualidade formal, que indica um esforço intelectual bem sucedido.
-Relação com os determinantes: As respostas G estão associadas a determinantes F (4+ /1±), K (1+), kan (1+, 1-), kanC
(1+).
-Nível de elaboração: Observa-se uma maioria de respostas G simples (3) e elaboradas (3) com apenas uma G sincrética.
Segundo Chabert (2003), a presença de G simples em n° suficiente indica a existência de uma adaptação perceptiva básica e
as possibilidades de abordagem do mundo socializado e de inserção em um grupo humano. Já as G elaboradas com boa
qualidade formal são o testemunho de uma operação mental dinâmica em que o sujeito vai além dos dados do estímulo,
fornecendo uma elaboração pessoal que indica sua capacidade criativa.
Respostas D (5F+; 3F-); D% = 42% [29-39]
-Qualidade formal e relação com os determinantes: A D% está um pouco acima da norma e é constituída por uma maioria de
respostas formais bem vistas, o que segundo Chabert (2003) revela a congruência do modo de apreensão e do determinante,
definidos por critérios formais estatísticos. Isso indica as capacidades de inserção no real e de controle das percepções,
testemunhando a presença de um ego forte que é capaz de submeter-se à prova de realidade. As respostas D/ F- evidenciam a
ineficácia do compromisso defensivo, e a submissão desorganizante às moções projetivas pulsionais e fantasmáticas, o que
ocorre nas pranchas VI e IX. A resposta DDbl à prancha IX (duas caras de hipopótamos com olhos nos buracos) estando
associada ao olhar pode indicar a reativação de uma culpabilidade primária ou uma vivência de ordem persecutória, em
prancha que remete à problemática relativa às relações precoces com a imagem materna. (Chabert, 2003)
Respostas Dd (2F-; 1FE+); Dd% = 16% [14-20]
-Qualidade formal e relação com os determinantes: A Dd% está dentro dos limites da norma, mas tem um n° maior de
respostas de má qualidade formal, revelando o seu significado afetivo, com elementos mais pessoais e projetivos. São dadas
na prancha VIII, após uma resposta D bem vista, e na prancha IX, como 1ª resposta à prancha, sendo seguida por uma D,
também mal vista. A resposta DdDbl com FE+ textura na prancha X, apesar do determinante que indica ansiedade, está
controlada pela forma prioritária bem vista, e sendo a última resposta do protocolo, pode ter um valor intelectual. (Rausch de
Traubenberg, 1970)
Análise dos Determinantes
Determinantes Formais F=15(9+; 1±;5-); F%=79%[35-46] e F%ext.=103%*; F+=63% [58-69] e F+ ext= 62,5%[63-
72]: A F% está extremamente elevada em relação à norma, mas a F+% está dentro dos limites, diminuindo um pouco no
F+% extenso, quando são acrescentadas as respostas cinestésicas e de tonalidade. Observa-se a eficácia dos esforços de
199
intelectualização do sujeito, apesar da formalização excessiva, o que, segundo Chabert (2003), decorre da rigidez defensiva
que procura utilizar a realidade exterior, perceptiva e objetiva como forma de evitar a expressão das pressões pulsionais e
fantasmáticas.
*Porcentagem acima dos 100% devido à presença de mais de um determinante na mesma localização.
Determinantes Cinestésicos
K(1+): Apesar de ter apenas uma resposta K, esta é de boa qualidade formal e organizada. O reconhecimento da imagem
humana atesta a capacidade do sujeito de se identificar com a sua espécie. Os personagens, a princípio descritas como
pessoas, no inquérito são definidos como do gênero feminino, oposto ao gênero do sujeito. Esta resposta é dada na prancha
III, que remete à necessidade de representação de si face ao outro, e o tipo de relação convergente ou divergente. Os
personagens são mulheres em relação, com destaque aos seios, e com tonalidade afetiva agradável, mas destaca-se o
elemento fragmento – pedra onde estão apoiadas, que pode dar uma conotação de maior frieza e aridez à cena humana.
kan (1+; 1-); kanC (1+): As cinestesias animais da prancha II têm uma mesma temática, de animais masculinos e agressivos
brigando (ursos e lobos), em movimento ativo, de tonalidade desagradável. Segundo Chabert (2003), esta prancha reativa os
modos relacionais nos quais os investimentos pulsionais são maciçamente mobilizados, especialmente de valência agressiva,
o que aparece deslocado para os animais.
Determinantes Cromáticos ?C= 0,5 (1kanC+): A única resposta que contém a determinante cor, secundário à forma ocorre
na prancha II, com a projeção nos animais de uma agressividade mais evoluída, de luta e competição. Observa-se a
possibilidade de contenção da pulsão agressiva, dada pelo controle formal cinestésico bem sucedido.
Determinantes de Tonalidade ?E =0,5 (1FE+): A resposta de tonalidade (textura) tem o controle formal prioritário e é
bem vista, o que confere certo controle sobre a ansiedade. As respostas E/textura tem uma dimensão regressiva, remetendo a
busca de contato físico, relacionado às vivências mais primitivas, e que por sua conotação desagradável revelam a ansiedade
ligada aos primeiros contatos com a figura materna. A resposta à prancha X FE+/ Hd/ DdDbl contém a única representação
masculina ( parcial) do protocolo, sinalizada pelo bigode.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (14A; 3 Ad; A>Ad; A% = 89,5% [53-64]): A A% está muito elevada em relação à norma, o que
segundo Rausch de Traubenberg (1970) pode indicar um atitude defensiva do sujeito, que disfarça seus interesses profundos
ou como oposição ao teste, sentido como intrusão, freqüente em adolescentes. O excesso de respostas animais pode ser fruto
do deslocamento das representações relacionais e identificatórias para os animais, que são agressivos (aranha que morde,
ursos e lobos que brigam), passivos e do gênero masculino (lagarto, cachorros, ratos, cavalo, porcos, hipopótamos) e
femininos (borboletas e aranhas).
Conteúdos Humanos: (1H; 1 Hd; H=Hd; H% = 10,5% [8-13]): A H%, sendo constituída por uma resposta humana inteira
do gênero feminino e uma resposta humana parcial do gênero masculino, ambas com boa qualidade formal, demonstra a
capacidade de se identificar com uma imagem humana.
Banalidades (5/ 26% [24-31]): Estão dentro da norma, revelando a capacidade de adaptação intelectual e a participação no
senso comum.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
?Imagem do Corpo: Nas pranchas compactas, as respostas banais (morcego e borboleta) na prancha I e V, com imagens
unitárias, demonstram a correta integração da unidade corporal. No entanto, na prancha VI o simbolismo sexual se sobrepõe
ao apelo à imagem corporal, com uma resposta de má qualidade formal, de duas cabeças (de bicho desconhecido) grudadas,
na qual se percebe a falta de delimitação entre os corpos dos animais. Nas pranchas de configuração bilateral, destacam-se
as cinestesias animais da prancha II (ursos e lobos brigando em pé) e a cinestesia humana da prancha III (mulheres
conversando), todas com boa qualidade formal, pressupõem uma referência à representação de corpo inteiro e unificado, uma
vez que a capacidade de colocar personagens em relação está apoiada sobre uma imagem do corpo relativamente sólida.
?Identidade e investimento da imagem de si: As respostas às pranchas compactas I e V são banais e tem boa qualidade
formal, trazendo imagens unificadas, onde a linha média da prancha é percebida como eixo do corpo, atestando uma
individuação efetiva. No entanto, na prancha VI, a resposta de má qualidade formal apresenta um caráter fusional (cabeças
grudadas uma na outra), sugerindo dificuldades de delimitação entre sujeito-objeto, mas como se trata de um dado isolado
no protocolo, a perturbação da capacidade perceptiva parece estar ligada ao simbolismo sexual do estímulo. Observa-se que a
outra resposta a esta prancha também tem má qualidade formal, assim como na prancha IV, com uma resposta semelhante de
bicho de 4 pernas. Estas respostas evidenciam um apelo sexual predominante, com uma reivindicação fálica e ênfase nas
pontas (pernas - também presente na prancha III), o que perturba o sujeito e leva à regressão (cabeças grudadas). Nas
pranchas de configuração bilateral, destaca-se a resposta cinestésica da prancha III, com boa qualidade formal, pressupondo
uma referência à representação do corpo humano inteiro e unificado, uma vez que a capacidade de pôr pessoas em relação
está apoiada sobre uma imagem do corpo relativamente sólida, assim como, a separação sujeito-objeto e a pertença ao reino
humano.
?O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: As representações sexuais femininas e
masculinas aparecem na resposta Gtec/K+/ H à prancha III (peitos das mulheres) e na resposta DdDbl/FE+Hd da prancha X
(bigode do homem) ambas com boa qualidade formal. Nas pranchas IV e VI, de simbolismo sexual predominante, as
respostas trazem uma reivindicação fálica e ênfase nas pontas (pernas). Vale destacar que na prancha III, as mulheres são
vistas com peitos e pernas em cima de uma pedra, uma referência ambígua que conjuga na figura feminina atributos
femininos e fálicos. Vale destacar que todos estes elementos expressam uma intensa reivindicação fálica, e uma busca de
identificação masculina, que se encontra em processo.
200
?Os processos de identificação através das cinestesias humanas: Segundo Chabert (2003) as cinestesias humanas
caracterizadas pela clareza, diferenciação e estabilidade atestam a identidade do sujeito, situada na continuidade do ser, na
pertença do mundo humano, e na capacidade de se identificar com outro ser humano, reconhecendo suas semelhanças e
diferenças. A única resposta K do protocolo ocorre na prancha III, prancha que favorece as identificações sexuais, é de boa
qualidade formal e organizada, e com tonalidade afetiva agradável, apesar do elemento fragmento – pedra que pode dar uma
conotação de maior frieza e aridez à cena humana. Os personagens, a princípio descritas como pessoas, no inquérito são
identificados como do gênero feminino, oposto ao gênero real do sujeito, com destaque aos peitos e pernas, uma referência
ambígua que conjuga na figura feminina atributos femininos e fálicos. Estes elementos podem indicar uma necessidade de
afirmação da masculinidade, como parte do processo de identificação sexual em curso. Consideramos necessário incluir
também as cinestesias animais do protocolo, pois segundo Chabert (2003) as respostas kan servem para o deslocamento dos
movimentos pulsionais para os animais, em sua dimensão agressiva e/ou libidinal, permitindo a projeção dos movimentos e
negando a pertença a uma representação humana que favoreça a identificação. Neste caso as respostas à prancha II se
repetem no mesmo tema: trazem dois personagens animais brigando (ursos e lobos, que parecem ser machos), com um
deslocamento para os animais de impulsos agressivos de caráter mais evoluído (luta, competição), que parecem representar
personagens masculinos.
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e de Socialização: O sujeito apresenta um funcionamento intelectual propenso à
generalização e a busca de síntese e sistematização, com uma capacidade de análise, articulação e combinação dos elementos
constituintes, bem como, uma capacidade imaginativa e criativa desenvolvida. Existe um predomínio de defesas mais rígidas,
mas que alcançam certa eficiência no controle sobre a expressão afetiva, principalmente a agressividade, que se manifesta em
seu caráter mais evoluído, ligada à luta e à competição. Existe uma capacidade de inserção e de controle sobre a realidade, o
que atesta a existência de uma força egóica capaz de submeter-se à prova de realidade, com uma adequação ao senso comum,
o que se reflete em uma boa integração e adaptação social.
-Processos de Identificação Primária e Secundária: O sujeito apresenta evidências da aquisição de uma imagem corporal e
uma representação de si bem delimitada e unificada, o que possibilita ao sujeito o acesso ao processo de identificação sexual.
A busca de uma posição identificatória sexual aparece claramente, com a presença de evidências de uma reivindicação fálica,
ainda que permeada por dificuldades e regressões a preocupações mais arcaicas, típicas do processo de identificação
secundária em curso.
201
Síntese das Entrevistas- Sujeito 6 - Sexo feminino, 15 anos e 9 meses, 2ª série do Ensino Médio
? Com a adolescente: No início da entrevista, refere que estava mesmo pensando em procurar uma psicóloga:
Acho que é alguém que ajuda as pessoas que tem problemas” (sic). Conta que no decorrer da infância esteve sob os
cuidados de várias pessoas. A mãe a deixou morando com a madrinha do nascimento aos três anos de idade, quando foi
levada para casa de parentes maternos no Ceará. Lembra que teria chorado muito ao deixar a madrinha, a quem era muito
apegada, mas já não queria mais voltar quando a mãe a entregou a ela, aos seis anos de idade. Somente aos 10 anos de idade,
aproximadamente, passou a viver com a mãe. “De todas as pessoas que me cuidaram a que mais me apeguei foi a minha
mãe” (sic). Conta que tem uma irmã de 13 anos, que foi dada ao nascer pela mãe aos parentes do Ceará. Viveu com a mãe até
alguns meses atrás, quando sua mãe retornou ao Ceará, com o companheiro e o filho em comum, de 3 anos de idade,
deixando-a com uma tia materna. Sente falta da mãe e do irmão, “... mas já estou acostumada a sentir falta da minha mãe
(sic)”. Chora ao contar sobre as idas e vindas à companhia da mãe. Diz que “... ela é estilo antigo, não é de conversar muito,
prefere bater a dialogar; mas gosta de brincar bastante, apesar de ser séria. (sic)” Sobre o pai, diz que a mãe conta que
viveram juntos por um tempo, mas ele a abandonou quando estava grávida. Quando estava com a madrinha foi levada até
onde o pai mora, mas conheceu somente as tias paternas. Não conhece o pai, pois ele nunca a procurou. Sobre o padrasto
atual, diz gostar dele, “... mas ele é arrogante e autoritário” (sic). Não tem contato com a madrinha que a cuidou quando
pequena, pois a mãe não gosta mais dela. A tia contou que a madrinha a queria como filha e tem muitas fotos suas: “Acho
que fui da família. Já fui católica como a minha madrinha, evangélica como a minha mãe e agora sou espírita como a minha
tia. Tem vezes que eu tenho dúvidas se Deus existe, se nascemos de Adão e Eva ou dos macacos. (sic)” Não sabe se teve
problemas de saúde na infância, mas lembra que teve dores nas costas desde os 7-8 anos, “... mas minha mãe nunca ligou
muito para isso (sic)”. Atualmente reside com os tios maternos, que estão encarregados dos seus cuidados e sustento. A
adolescente é encarregada da limpeza doméstica e dos primos, nos horários em que não está estudando ou trabalhando, e nos
fins de semana. A tia se comprometeu a dar-lhe sustento e custear o tratamento ortodôntico que estava fazendo. Trabalha
como babá de uma criança pela manhã, à tarde vai para a Soabem e estuda à noite. Diz que a tia é muito exigente e diferente
da mãe quanto à ordem e a limpeza, repreendendo-a severamente quando esquece algo ou comete falha, chamando-a de
burra e preguiçosa” (sic). Sua vida sofreu uma mudança radical, pois mudou de casa e de bairro e ficou distante da
vizinhança. O relacionamento com os amigos do bairro em que morava é bom, mas a tia afastou-a desse convívio, pois tem
receio das más-companhias. Sente-se rejeitada pelo grupo de adolescentes da instituição, sendo motivo freqüente de chacota.
“Acho que é porque sou a menina mais feia da classe, me chamam de nariz de bruxa” (sic). Pretende fazer faculdade, casar e
ter filhos. Se não arrumar emprego até o final do ano, a mãe vai obrigá-la a ir para o Ceará. “Espero que eu goste de fazer
alguma coisa, queria lidar com animais, não veterinária, mas algo como biologia, na defesa dos animais. Daqui a 10 anos
queria ter um emprego, estar morando com a minha mãe, irmão, padrasto e irmã, e ajudá-los, tanto em questão de dinheiro
como em outras coisas; quero dar orgulho pra ela, sabe?” (sic).
? Com a tia materna: A tia materna parece bastante contrariada ao comparecer à entrevista, dizendo “... é difícil
essa história de estar no lugar da mãe” (sic). Diz não saber muito sobre a sobrinha, pois nunca a acompanhou de perto
durante a infância. Conta que a madrinha foi quem esteve mais próxima nos primeiros anos de vida, cuidando-a por longos
períodos, seja para a mãe trabalhar, ou porque esta não tinha condições de sustentá-la. “Cada vez que a mãe dela arrumava
um novo companheiro, tentava trazer a filha para viver junto, mas logo a devolvia à madrinha, pois nem sempre os seus
companheiros a aceitavam” (sic). Quando a mãe a levou para o Ceará, deixou-a aos cuidados de parentes, assim como a
outra filha, atualmente com 13 anos, que lá permaneceu. A mãe sempre teve medo que a madrinha da filha ficasse com a
menina, afastando-a dela quando esta tinha oito anos de idade, idade em que passou a ficar sozinha em casa, quando a mãe
não estava. Desde pequena ela foi encarregada do serviço da casa, “... enquanto a mãe vivia na Igreja” (sic). O companheiro
atual da mãe, com quem esta tem um filho de três anos, também não se responsabiliza pela enteada. A moradia dos tios é
própria, possui três dormitórios, energia elétrica e rede de água e esgoto. A família é composta do casal, dois filhos menores e
a sobrinha, sujeito da pesquisa. A tia trabalha como auxiliar de enfermagem e está cursando faculdade de Enfermagem à
noite. Não foi possível colher dados a respeito do desenvolvimento do sujeito, pois a tia diz não ter tido contato com ela
durante a infância.
? Contatos com os representantes da ONG: O coordenador do projeto indicou a adolescente, ressaltando as suas
condições sócio-econômicas extremamente precárias, e a falta de suporte familiar: “Acho que ela é órfã e está sob a guarda
dos tios, que são muito rígidos com ela. Tem uma situação financeira muito difícil, mas é responsável, cuida de uma criança.
Apesar de ser triste, é esforçada, tem maturidade e bom rendimento escolar” (sic). O professor de Matemática comenta a
respeito do desempenho e comportamento da adolescente em sala de aula: “Ela é carente de atenção, insegura, faz
perguntas, mas parece saber a resposta, colegas mexem muito com ela, tiram-lhe sarro, a chamam de Kenga, colocam
apelidos, imitam-na, associam-na a personagens tipo coitado.” (sic) É excluída pelos colegas, mas força a entrada no grupo
mais popular da sala. Pensa que ela se sente inferior aos outros, não se defende, apela para que o professor a defenda. Parece
ansiosa, mas é boa aluna e faz os deveres. É participativa no grupo, esforçada, tem condições intelectuais medianas, mas
nenhuma habilidade em especial. Tem dificuldades com Matemática, mas absorve o conhecimento. Através de informações
da coordenação da instituição, soubemos que, no segundo semestre do ano letivo, a adolescente foi retirada do projeto social
pela tia materna, que descobriu que ela estava namorando na escola e a transferiu para o turno da tarde para evitar que se
encontrasse com o namorado.
202
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCLO DE RORSCHACH Sujeito 6
Psicograma de Rorschach
[ ]- valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.6 Sexo: Fem. Idade: 15 a 9 m
T= 16’
R= 16[11-14]
T/R=1’ Data: 09.06.05
LOCALIZAÇÃO Modo de Apreensão
G = 6
G (D) Dd!
DGbl=1
D= 2
Dd= 3
Qualidades das respostas G
DdDbl= 4
Simples=5
Total G= 7 Total D=2 Total Dd= 7
Elaborada=1
G%= 44%[36-50] D%= 12%[29-39] Dd%= 44%[14 - 20]
Impressionista=1
DETERMINANTES CONTEÚDOS
Elem= 1 (fogo)
Geo= 1
Anat= 1
F+ = 6
F± = 0
F- = 2
Total F = 8
F%= 50% [35-46]
F% ext.= 87,5%[58-69]
F+%= 62,5%[63-72]
F+% ext.= 71%
A= 5
(A)= 1
Ad= 2
(Ad)= 1
H= 1
Hd= 1
Obj= 2
K= 1?
CF= 1?
FC’= 1?
FE=1?
ClobF= 1? Total A= 9 Total H= 2
Arq= 1
kan=1?
FClob = 1? A%= 56%[53-64] H%= 12,5%[8-13]
(Arte)= 1
kanE=1?
kobC=1?
Ban= 6 / 37,5%
[24-31]
Índice de Angústia
Patológica: 12,5%
[>12]
Másc= 1
Análise da Produtividade (R=16 [11-14] T/R=1’): O número total de respostas está um pouco acima da norma, o que,
segundo Rausch de Traubenberg (1970) pode indicar desenvoltura imaginativa e verbal, necessidade de expressão e desejo de
cooperação ou ainda, docilidade do sujeito, que procura agradar ou quer provar sua ambição. Observa-se a variabilidade dos
tempos utilizados pelo sujeito, particularmente na prancha III, VII e IX, o que indica a ressonância afetiva às emoções
suscitadas pelos estímulos. O modo de sucessão não é ordenado, pois inicia com apreensões globais e passa a DdDbl e Dd
(Pr. I), inicia com D e passa à DdDbL (Pr. II), passa de Dd à D (Pr. VIII) ou vai de G a DdDbl (Pr. X).
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (5+; 1±) G %= 44% [36-50]
- Qualidade formal: A G% encontra-se dentro dos limites da norma, revelando a busca de unidade e de controle sobre o
estímulo, e como são em sua maioria, associadas às formas bem vistas, evidenciam o caráter adaptativo do funcionamento
cognitivo.
- Relação com os determinantes: As respostas globais estão associadas aos determinantes F+ (2), FE+ (1), CF± (1), kan+
(1), kanE+/ClobF± (1), K+ (1).
- Nível de elaboração: As G simples (5) indicam a presença de uma adaptação perceptiva básica que possibilita a abordagem
do mundo socializado. A presença de uma resposta elaborada, associada à forma bem vista, demonstra a capacidade de ir
além dos dados imediatos do estímulo, dando-lhes uma elaboração própria e criativa. A resposta global impressionista, com
determinante formal vago, associada à resposta cor prioritária (CF?), caracteriza-se pela submissão ao estímulo. Observa-se
que sob forte reação emocional o sujeito produz uma resposta formal imprecisa e infantil, sugerindo um movimento de defesa
contra a emergência de representações perturbadoras.
Respostas D (2+); D%=12%[29-39]: A D% encontra-se bem abaixo dos limites da norma, o que segundo Rausch de
Traubenberg (1970) pode ser considerado indício de desinteresse pela realidade concreta e exterior ao sujeito.
- Qualidade formal e relação com os determinantes: A D% é composta por apenas duas respostas D/F+, observando-se a
congruência entre o modo de apreensão e o determinante, dado que indica uma capacidade preservada de inserção no real e
de controle das percepções, tendo um significado adaptativo, ainda que elas apareçam em menor número.
Respostas Dd (3+; 1±; 3-); Dd%= 44%[14-20]
- Qualidade formal: A Dd% encontra-se bem acima dos limites da norma, o que tem um significado mais afetivo e projetivo
do que decorrente de uma capacidade de atenção e observação desenvolvidas, tendo em vista a má qualidade formal da
maioria das respostas.
- Relação com os determinantes: Estão ligadas aos determinantes F+ (1), F-(3), kobC± (1), FClob-(1), FC’+ (1).
- Observa-se a freqüência elevada das respostas DdDbl no protocolo (25%), o que segundo Rausch de Traubenberg (1970)
indica tanto a oposição e a capacidade de reação assertiva a uma situação constrangedora, o que tem um aspecto positivo,
como também podem significar carência afetiva, com grande sensibilidade à falta, ao vazio, à ausência e à fluidez. Ocorre
como lacunas na prancha I (DdDbl/F-) e II (2 DdDbl/ F-e F+) enfatizando a existência de olhos, o que sugere
persecutoriedade; e como última resposta à prancha X e determinante formal bem visto tem valor intelectual, pode ser um
elemento de bom prognóstico. Nesta resposta destaca-se a ocorrência de FC’+, resposta de cor acromática, branca, que é
raríssima, sendo ligada ao espaço vazio, à falta, e um elemento de sensibilidade depressiva controlada. Para Chabert (2003) a
sensibilidade ao branco revela-se regularmente em protocolos com problemáticas narcísicas e correspondem à reativação de
experiências de falta e ou de carência afetiva real. Observa-se que apesar das dificuldades emocionais a capacidade
intelectual está preservada, pois existe uma boa articulação, integração figura - fundo e controle formal bem sucedido.
Análise dos determinantes
Determinantes Formais F (6+, 2-); F%=50% [35-46] e F% ext.= 87,5%; F+%= 62,5% [58-69]; F+%ext.= 71% [63-
72]: A F% está um pouco elevada em relação à norma e ainda mais no F% extenso, o que indica o esforço de controle
203
intelectual sobre a realidade, esforço que é bem sucedido, tendo em vista a F+% ligeiramente abaixo do limite mínimo da
norma, e dentro dos limites na F+% extenso.
Determinantes Cinestésicos (K<kan)
K(1+): O sujeito apresenta uma única resposta K, com boa qualidade formal, na prancha VII (G elab. /K+/H/Ban), prancha
que tem um simbolismo maternal e feminino, e que favorece o conteúdo humano, com a colocação de relações entre os
personagens, com tonalidade afetiva agradável, em movimento ativo, o que evidencia capacidade imaginativa. Inicia com
uma referência humana de sexo indefinido (pessoas), que evolui para a identificação feminina dos personagens (mulheres de
saiona), revelando uma identificação sexual compatível com o seu gênero. As mulheres não possuem pés e estão de costas
uma para a outra. A ausência de pés sugere a presença de angústia de castração, bem como a fragilidade da figura feminina.
A ambigüidade do movimento de aproximação e afastamento das mulheres pode sugerir as dificuldades nas relações com as
figuras feminina/maternal, o que se reflete nos relacionamentos interpessoais.
kan= 2 (kanE+/kan+): Na prancha III a resposta é uma global elaborada, e a borboleta é vista de cima, o que confere um
movimento visto em perspectiva, que sugere a avaliação de si mesmo em relação ao outro e um juízo crítico indicado pela
forma bem vista. Esta prancha é escolhida como a que mais gostou e também a que provocou medo, trazendo uma borboleta,
representação de tonalidade afetiva agradável, e uma ilha assombrada e escura, com uma tonalidade disfórica que produz o
determinante ClobF?, com a emergência de representações ameaçadoras que comprometem a qualidade perceptiva. Segundo
Chabert (2003) as respostas kan podem ser utilizadas como deslocamento dos movimentos pulsionais para imagens animais,
em sua dimensão agressiva e libidinal, favorecendo a projeção dos afetos, mais do que em outras respostas cinestésicas. A
representação animal funciona como mediação e expressão de afetos, que se colocados em figuras humanas teriam conotação
sensitiva, provocando um alivio do sofrimento. A autora refere que frequentemente as respostas kan veiculam afetos
depressivos com uma valência abandônica: “... a depressão parece difícil de elaborar e o modo relacional estabelece-se sob
uma forma anaclítica. Isto leva a compreender a freqüência deste tipo de produções nos adolescentes em crise aguda, ou
nas personalidades estados-limites..”(p.161). É o que se observa na prancha III, onde afetos depressivos são expressos
através da cinestesia animal, com a projeção de conteúdos disfóricos e ameaçadores. A outra resposta kan, dada na prancha V
parece vir para anular esta imagem, com uma cinestesia de animal de asas grandes, maiores que o corpo, em vôo de costas,
com chifrinhos, representação fálica e agressiva que contrasta com a imagem frágil e depreciada da borboleta.
kobC(1±): Resposta que tem o controle formal dado pela cinestesia de fenômeno da natureza (fogo), expressa uma carga
pulsional de grande intensidade, cujo controle não é exercido com eficácia, resultando em uma forma imprecisa. Ocorre na
prancha IX, que segundo Rausch de Traubenberg (apud Chabert, 2003) remete ao simbolismo materno pré-genital com
solicitação regressiva que pode levar à revivência de posições positivas ou negativas, que remetem a um simbolismo materno
pré-genital, associado ou não aos fantasmas de gravidez ou nascimento.
Determinantes Cromáticos: ?C=1,5
CF (1±): O sujeito demonstra certa reação emocional à cor, com uma resposta de tipo infantil cuja tentativa de controle
formal está presente, mas é ineficiente, resultando em uma forma vaga. Esta resposta artística pode ter um significado de
certa espontaneidade, por ter um conteúdo menos impulsivo.
kobC(1±): O determinante cromático é secundário à forma imprecisa dada pela cinestesia, mas como esta expressa uma
carga pulsional intensa, aliada à cor, a força pulsional é potencializada.
FC’(1+): Resposta raríssima, ligada ao espaço vazio, à falta, e a uma sensibilidade depressiva controlada. Para Chabert
(2003) a sensibilidade ao branco revela-se regularmente em protocolos com problemáticas narcísicas e correspondem à
reativação de experiências de falta e ou de carência afetiva real.
Determinantes de Tonalidade: ?E=1
kanE/persp. (1+)FE/text.(1+): As respostas de tonalidade têm controle formal prioritário, e estão ligadas a formas bem
vistas, evidenciando o controle bem sucedido sobre a ansiedade. Entretanto, a resposta kanE? de perspectiva na prancha III é
seguida por uma intensa reação emocional, com a emergência de angústia elevada, ao acrescentar a tonalidade disfórica
(ClobF±) no inquérito. Já na resposta FE? na prancha VI, também com a forma bem vista e prioritária, revela a adaptação do
sujeito, com controle sobre a ansiedade. O fato da resposta de tonalidade ser de textura pode indicar uma necessidade
primária de afeição, e uma busca de contato físico que remete aos contatos primitivos com a figura materna.
ClobF(1±), FClob(1-): Estas respostas ocorrem em pranchas onde esta reação não é esperada, uma vez que suas
configurações bilaterais favorecem representações ligadas ao estabelecimento de relações (ClobF± na prancha III) e à
colocação frente ao mundo socializado (FClob- na prancha VIII). Tais respostas sugerem a projeção de conteúdos disfóricos
ameaçadores, e a tentativa de controle formal para combater a angústia não é bem sucedida, uma vez que na primeira a forma
é imprecisa e na segunda é mal vista.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (5A; 1(A); 2Ad; 1(Ad) A>Ad; A%= 56% [53-64]): A A%, como fator de integração adaptativa e
socializante, encontra-se dentro dos limites da norma, indicando a participação do sujeito na mentalidade coletiva.
Conteúdos Humanos (1H, 1Hd; H=Hd; H% 12,5% [8-13]): A H% está dentro dos limites da norma, o que segundo
Chabert (2003) indica a capacidade de identificação do sujeito com uma imagem humana. A Hd (DdDbl/F-) é dada na
prancha I, após uma primeira resposta banal: olhos de uma pessoa mal, com raiva, com uma tonalidade afetiva desagradável
e agressiva. Observa-se a emergência de conteúdos perturbadores de conotação persecutória (olhos), tendo em vista a má
qualidade da resposta formal, e o uso do espaço em branco. Segundo Rausch de Traubenberg (apud Chabert 2003) esta
prancha reativa a relação com a mãe pré-genital, a um nível menos evoluído, em seus aspectos positivos e/ou negativos, nas
imagens de segurança ou ameaça. A resposta humana inteira dada na prancha III (G/K+) foi analisada nos determinantes
cinestésicos.
Banalidades (4/25% [24-31]): Encontra-se dentro dos limites da norma, indicando a capacidade de adaptação intelectual e
participação no pensamento coletivo.
204
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
?Imagem do Corpo: Nas pranchas compactas, a resposta banal na prancha I, tal como é vista pelo sujeito, demonstra a
correta integração e unificação da unidade corporal. Na prancha IV, que evoca imagens de potência cuja organização revela o
nível de integração da construção corporal, tem uma percepção de estrutura de corpo antropomórfico de boa qualidade formal
(monstro sem cabeça), considerada com um valor positivo no que se refere a uma imagem corporal delimitada e bem
definida. A prancha V, reconhecida como a da identidade e representação de si, tem uma resposta de boa qualidade formal,
evidenciando a integridade da imagem corporal. Nas pranchas de configuração bilateral, a resposta cinestésica da prancha
VII é bem vista, mas com o detalhe da ausência de pés, o que não parece estar relacionado às dificuldades de integração da
imagem corporal, tendo um significado mais ligado à representação de si mesmo, que será tratada no item seguinte.
?Identidade e investimento da imagem de si: Nas pranchas compactas, a prancha V, reconhecida como a da identidade e
representação de si, tem uma resposta tem boa qualidade formal, evidenciando a integridade da imagem corporal. Esta
resposta comporta um deslocamento de impulsos agressivos para o animal, que é visto com chifrinhos e de costas, em uma
representação de si potente e fálica, através da cinestesia animal de pássaro de asas grandes, maiores que o corpo, voando de
costas. Nas pranchas de configuração bilateral, a resposta cinestésica da prancha VII é bem vista, mas com o detalhe da
ausência de pés, que evidencia uma representação de si ligada à falta. Observa-se que nas pranchas pastéis, a resposta à
prancha VIII manifesta um afeto depressivo (telhado de uma casa velha e assombrada. As pranchas pastéis solicitam
intensamente o narcisismo dos sujeitos, podendo induzir à regressão, especialmente as manifestações de sofrimento,
depressivas e as falhas narcísicas. As imagens demonstram a insuficiência do suporte objetal e a insuficiência do
investimento de si, resultado de uma vivência de insatisfação e falta na relação precoce com o meio. Essas imagens de
sofrimento podem ser simbólicas ou diretas, expressando a dor sentida pela ausência relacional.
?O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: A resposta à prancha IV traz uma
representação masculina de potência (monstro de desenho) que revela a apreensão em uma dimensão ativa e fálica. O fato de
o personagem estar sem cabeça pode ter um significado de angústia de castração, sendo ainda, uma figura desvitalizada
(caricatural / de desenho). A resposta banal à prancha VI, (carpete de urso) apresenta a peculiaridade de ser de um animal
masculino, o que pode estar ligado ao simbolismo viril da prancha. Na prancha VII, que favorece as identificações femininas
quando apreendida em configuração bilateral, inicialmente o sujeito tem dificuldade de definir o sexo das pessoas, o que
evolui para uma representação feminina dos personagens (mulheres de saiona), revelando uma identificação sexual
compatível com o seu gênero. As mulheres estão dançando e não possuem pés, estando de costas uma para a outra. A
ausência de pés sugere a presença de angústia de castração, um registro de falta ligada à representação feminina, marcada
pela fragilidade e desqualificação da figura feminina. A ambigüidade do movimento de aproximação e afastamento das
mulheres pode sugerir as dificuldades nas relações com as figuras feminina/maternal, o que se reflete nos relacionamentos
interpessoais. A resposta à prancha IX (fogo envolvendo uma bola de cristal) pode ser interpretada em seu simbolismo
lacunar feminino/ materno, evocando um recipiente que contém algo, envolvido por um elemento de calor, talvez relacionado
às vivências primitivas durante a gestação.
?Os processos de identificação através das cinestesias humanas: A única cinestesia humana do protocolo atesta a
apreensão de uma imagem humana inteira, a separação sujeito/objeto e a pertença a sua espécie, revelando uma identificação
sexual compatível com o seu gênero. As mulheres estão dançando e não possuem pés, estando de costas uma para a outra. O
detalhe da ausência de pés evidencia a angústia de castração, um registro de falta ligada à representação feminina, marcada
pela fragilidade e desqualificação. A ambigüidade do movimento de aproximação e afastamento das mulheres pode
demonstrar o conflito entre desejo e temor nas relações humanas.
Síntese Interpretativa
-Aspectos Intelectuais, Afetivos e de Socialização: O sujeito apresenta um funcionamento intelectual propenso à
generalização, à busca de síntese e sistematização, com uma capacidade de análise, articulação e combinação dos elementos
constituintes, bem como, uma capacidade imaginativa e criativa desenvolvidas. Expressa uma grande carência afetiva, com
aspectos depressivos, agressivos e ansiógenos, ligados às representações humanas o que acarreta dificuldades no
estabelecimento de relações interpessoais e na integração social. Apesar das dificuldades emocionais, a existência de um
potencial intelectual preservado pode contribuir positivamente para a elaboração das vivências afetivas dolorosas e na
adaptação social.
- Processos de Identificação Primária e Secundária: O sujeito apresenta evidências da construção de uma imagem do corpo
íntegra e unificada, com uma clara discriminação entre sujeito e objeto e a pertença ao reino humano. A representação de si
mesmo, mais ligada à identidade psíquica e o investimento de si, apresenta aspectos depressivos relacionados a uma
fragilidade narcísica, relacionada às experiências precoces de falta e insatisfação na relação com o ambiente. Demonstra o
reconhecimento das diferenças sexuais, com a aquisição de uma identidade de gênero compatível com seu sexo, com
representações femininas claras e definidas, mas com peculiaridades que evidenciam as dificuldades relativas à imagem
feminina, marcada pela falta e fragilidade, com a presença de angústia de castração.
205
Síntese das Entrevistas- Sujeito 7 Sexo feminino, 15 anos e 9 meses, 2ª série do Ensino Médio
? Com a adolescente: A adolescente tem uma atitude desconfiada e arredia, o que vai aumentando no decorrer das
entrevistas, negando-se a participar da entrevista ao final do ano. Ingressou no projeto social no segundo semestre, tendo sido
encaminhada pelo Conselho Tutelar, devido ao mau comportamento na escola e as fugas de casa. Conta que mora com os
pais adotivos e os quatro irmãos, todos mais velhos que ela. Diz que não se entende com a mãe, com quem briga muito desde
que era criança. Entende-se melhor com o pai, as duas irmãs mais novas, e o irmão, mas não suporta a irmã mais velha, que
fica sempre do lado da mãe. A mãe é brava e nervosa, e é assim com todo mundo. Ela, por sua vez, se acha irritada, nervosa,
quieta, “.... se eu me estresso, bato em quem me provoca” (sic). Agora parou de brigar na escola, mas “... desde o pré eu
aprontava, brigava, fazia bagunça e dava trabalho” (sic). Conta que fugiu de casa várias vezes, a última há duas semanas
quando a mãe e a irmã a mandaram embora. Voltou para casa porque o Conselho Tutelar mandou; tem medo que os pais a
devolvam para o Juizado de Menores. Sobre as condições de saúde refere que teve catapora aos 6 anos e que já teve
pneumonia. As condições de sono variam: “.... se tiver tranqüila, durmo bem; se estiver com a cabeça pesada, pensando,
durmo mal” (sic). Sonha com o que lhe acontece e tem pesadelos com freqüência. “Desde os 6 anos sonhava que uma
sombra vinha me levar; ficava puxando, vamos embora...” (sic). Diz que sua alimentação é normal, “.... como qualquer
coisa, menos gordura” (sic). Em sua rotina diária, acorda cedo, porque o pai a chama, vai à escola, volta para casa, toma
banho, almoça e vai para a Soabem e no retorno ajuda a arrumar a casa. A mãe não a tem deixado sair de casa, porque “... ela
não tem confiança em mim, porque eu andava com más influências, meninas que mexiam com drogas e cabulavam a aula,
mas agora eu endireitei e parei de aprontar”(sic) Gosta de ir a quermesses e suas preferências musicais são Black, Hiphop,
Rap e Axé. Não gosta de esportes. Quanto à situação escolar, sempre gostou de ir para a escola “.... mas não para estudar,
para brincar” (sic). Sempre teve amizades na escola, embora discuta com alguns colegas e professores. Na Soabem fez
amizades com facilidade, mas já brigou com um colega. Gosta de todas as atividades, menos de Matemática. Tem namorado
e a mãe não o aceita “.... porque ele bebe, tem 19 anos e mora sozinho” (sic). Já fugiu de casa para ficar com ele. Quanto ao
projeto social veio encaminhada pelo Conselho Tutelar porque brigava com a mãe. Seu interesse maior é em fazer cursos. Na
segunda entrevista realizada com a adolescente, ela conta que fugiu de casa novamente, e que está em casa de conhecidos
cuja identidade não pode revelar. Não quer que os pais a localizem e diz não querer encontrá-los para a entrevista, cujo
convite foi entregue por ela.
? Com os pais: O pai comparece à 1
a
entrevista, e traz a esposa na 2
a
entrevista, quando a filha já havia retornado
para casa. Informam que são casados há 37 anos e nunca tiveram com os outros filhos os problemas que estão tendo com a
filha adotiva. Os quatro filhos são todos maiores de idade, sendo duas casadas e independentes. Adotaram a adolescente
quando ela tinha 4 anos de idade. Conheceram-na na casa de amigos e ela ia ser entregue ao Juizado porque a mãe era viciada
em drogas e estava presa. “Era uma criança parecida com um bicho encolhido” (sic). A esposa queria adotar uma criança.
Depois informaram que antes da adoção o casal perdeu uma filha com 10 anos de idade. A mãe diz que a filha adotiva “....
sempre foi problemática e difícil; é pirracenta, displicente, e não se esforça. Perdi a confiança, pois ela mente muito” (sic).
Ela já fugiu de casa 4 vezes, a 1
a
vez aos 8 anos e as outras 3 vezes no último ano. Ela está envolvida com um rapaz que não
trabalha e fica o dia inteiro no bar bebendo, e temem que ela fique grávida. Quanto aos dados sobre o desenvolvimento, os
pais não sabem informar quanto à gestação, parto e amamentação. Os dados se referem a partir da idade de 4 anos. A mãe
conta que seu sono era agitado por pesadelos; “.... gritava, chorava, via um homem dentro de casa. Gritava muito na escola e
perguntava: Quem sou eu?” (sic). Contava fatos que tinha vivido com sua mãe biológica e tremia muito. Souberam que esta
era traficante de drogas e vivia com os 4 filhos pelas ruas, que ajudavam a vender maconha. Informa que toda a família era
encarregada dos cuidados com a filha, pois a mãe trabalha em oficina de costura nos fundos da casa, e o pai é aposentado,
colaborando nos cuidados com a casa e os filhos. O desenvolvimento escolar foi dificultado pelo seu comportamento
agressivo: “Era revoltada, briguenta, batia nos colegas desde o pré” (sic). Tinha dificuldades de aprendizagem, nunca
gostou de estudar e sempre teve notas baixas. “Tem preguiça pra tudo. Era agressiva com as crianças menores e os adultos,
mas atualmente está mais amorosa com as crianças. Mentia e escondia o que acontecia na escola. Já esteve em atendimento
psicológico na escola e no Posto de Saúde (aos 11 anos de idade), mas não gostava de ir à psicóloga” (sic). Na 1
a
entrevista
o pai diz que não sabiam de seu paradeiro e que não queriam mais procurá-la, pois não conseguem controlá-la: “... a idéia
dela é ficar na rua, não respeita horário” (sic).. No Conselho Tutelar disseram-lhes que se a devolvessem iria ser mandada
para a Casa da Criança. Quanto ao relacionamento com os pais, o pai se diz menos rígido e tolerante que a mãe e com um
melhor relacionamento com a filha. A mãe diz que desde que ela entrou na adolescência começaram os desentendimentos.
“Quando criança ela era mais passiva e aceitava o meu carinho. Após os 10 anos ela não demonstrava mais afeição. Sou
enérgica e ela não aceita regras e me afronta. Entre nós duas existe uma barreira; quando ela está longe eu estou
preocupada, quando ela está perto me irrita. Mandei-a embora de casa porque ela disse que eu não era sua mãe. Mas eu
gosto dela, não vou desistir; não se desiste de filho” (sic).
? Contatos com os representantes da ONG: A coordenadora pedagógica indicou a adolescente para a inclusão na
amostra, após ter sido encaminhada pelo Conselho Tutelar, devido aos seus problemas familiares e fugas de casa. Não
obtivemos informações relativas à sua participação nas atividades no projeto social, pois ingressou no período em que ocorria
alta rotatividade de professores e já não dispúnhamos de informações a respeito dos sujeitos em seu comportamento com
colegas e professores.
206
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 7
Psicograma de Rorschach
[ ] - valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.7 Sexo: Fem. Idade: 15 a 6 m
T= 15’ R= 9[11-14] T/R=1’40’’ Data: 27.06.05
LOCALIZAÇÃO
Dd= 2
Modo de Apreensão
G = 4
D= 2
DdDbl= 1
G (D) Dd!
G%= 45%[36-50] D%= 22%[29-39] Dd%= 33%[14 a 20]
Qualidades das respostas G
Simples=3
Vaga=1
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 5
F%= 89%[35-46]
A= 5 H= 1 Obj= 1
F± = 1
F% ext.= 111%
(A)= 1
F- = 2
F+%= 69% [58-69]
Ad= 2
Total F = 8 F+% ext.= 65%[63-72]
Total A= 8 Total H= 1
K= 1+
A%= 89%[53-64] H%= 11%[8-13]
kan=1-
Ban= 3 / 33% [24-31]
Índice de Angústia Patológica: 0 [>12]
Análise da Produtividade (R=9 [11-14] T/R=1’40’’): O número total de respostas está abaixo da norma, o que para Rausch
de Traubenberg (1970) pode ser reflexo de fadiga, depressão, falta de meios, bloqueio ou ansiedade. Observa-se a
variabilidade dos tempos utilizados pelo sujeito, particularmente nas pranchas I, III e IX o que indica a ressonância afetiva às
emoções suscitadas pelos estímulos. Como ocorre apenas uma resposta por prancha, não podemos avaliar o modo de
sucessão dentro de uma mesma prancha, mas no decorrer do protocolo a sucessão se dá de forma desordenada, iniciando com
Dd (Pr. I), passando a D (Pr.II) e G(Pr.III a VI) e voltando a D (Pr.VIII) e Dd nas pranchas pastéis.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G(4+; 1±) G %= 45% [36-50]
- Qualidade formal: A G% encontra-se dentro dos limites da norma, revelando a busca de unidade e de controle sobre o
estímulo, e como as respostas são em sua maioria, associadas a formas bem vistas, evidenciam o caráter adaptativo do
funcionamento cognitivo.
- Relação com os determinantes: As respostas globais estão associadas aos determinantes F+ (3), F±(1) e K+(1).
- Nível de elaboração: As G simples (3) indicam a presença de uma adaptação perceptiva básica que possibilita a abordagem
do mundo socializado. A resposta global vaga caracteriza-se pela submissão ao estímulo, e geralmente é utilizada como
defesa contra a implicação e o engajamento, sentido como perturbador.
Respostas D (2+); D%=22%[29-39]: A D% encontra-se abaixo dos limites da norma, o que segundo Rausch de
Traubenberg (1970) pode ser considerado indício de desinteresse pela realidade concreta e exterior ao sujeito.
- Qualidade formal e relação com os determinantes: A D% é composta por duas respostas D/F+, com boa qualidade formal,
sendo uma delas banal, observando-se a congruência entre o modo de apreensão e o determinante, dado que pode ser
indicativo da capacidade de inserção no real e de controle das percepções, com um significado adaptativo, ainda que
apareçam em pequeno número.
Respostas Dd (3-); Dd%= 33%[14-20]
- Qualidade formal: A Dd% encontra-se bem acima dos limites da norma, o que tem um significado mais afetivo e projetivo
do que decorrente de uma capacidade de atenção e observação desenvolvidas, tendo em vista a má qualidade formal das
respostas.
- Relação com os determinantes: As respostas Dd estão ligadas aos determinantes F-(2) e kan-(1). Na prancha I, que tem um
apelo simbólico à relação com o primeiro objeto, suscitando referências a uma imago materna pré-genital em sua dimensão
ameaçadora, inquietante e mesmo persecutória e destrutiva, ocorre uma perturbação da capacidade perceptiva, com uma
resposta DdDbl/F-/Ad com a referência a um gato, uma figura estranha. A resposta DdDbl/F- na prancha I, um recorte
projetivo já na primeira resposta, pode ter sido utilizado como mecanismo de defesa para evitar o choque ou perturbação
suscitados pelo estímulo, ou um indício de oposição. Segundo Rausch de Traubenberg (1970) a utilização de espaços em
branco como lacunas, pode ter um caráter mais regressivo, de fantasmização das relações primitivas com a mãe. Na resposta
Dd na prancha IX, além da má qualidade formal, observa-se a atitude do sujeito próxima à recusa, num movimento de
afastamento da imagem, evidenciando a angústia suscitada pelo estímulo. Isso pode estar ligado ao seu apelo simbólico
materno pré-genital, que segundo a autora promove uma regressão a posições positivas ou negativas, associadas ou não aos
fantasmas de gravidez ou nascimento. Na outra resposta Dd (Pr. X) a cinestesia animal é mal vista e o movimento animal
explicitado no inquérito é negado a seguir.
Análise dos determinantes
Determinantes Formais F(5+; 1±; 2-); F%=89% [35-46] e F% ext.=111%*; F+%= 69% [58-69] e F+%ext.= 65% [63-
72]: A F% está bastante elevada em relação à norma e ainda mais no F% extenso, o que indica o esforço de controle
207
intelectual sobre a realidade, que é bem sucedido, tendo em vista a F+% dentro dos limites da norma. Segundo Chabert
(2003) a formalização excessiva decorre de uma rigidez defensiva que procura utilizar a realidade exterior, perceptiva e
objetiva como forma de evitar a expressão das pressões pulsionais e fantasmáticas.
* A porcentagem de F ext é superior a 100% devido à presença de mais de um determinante na mesma localização.
Determinantes Cinestésicos (K=kan)
K(1+): O sujeito apresenta uma única resposta K, com boa qualidade formal, na prancha III (G simples/ K+ e F+/ H e
Obj/Ban), com a colocação de relações entre os personagens e tonalidade afetiva neutra. Segundo Rausch de Traubenberg
(1970) a solicitação simbólica desta prancha está ligada à necessidade de representação de si face ao outro e ao tipo de
relação buscada. Inicia com uma referência humana de sexo indefinido (duas pessoas), que evolui para a identificação
feminina dos personagens (mulheres de salto e de saia), revelando uma identificação sexual compatível com o seu gênero. O
movimento é ativo, mas não bem definido, pois elas estão “só segurando” alguma coisa.
kan (1-): A cinestesia animal ocorre na prancha X, e apesar do movimento ativo e explícito (pássaro voando), assim como
nas respostas 2 e 7, acrescenta que o animal está parado. Este fenômeno especial é denominado negação do movimento
animal, que segundo Passalacqua e Gravenhorst (2005) está associado à repressão intensa daquilo que está ligado às
necessidades instintivas, implicando em não reconhecer ou aceitar os impulsos infantis, por vezes vividos como perigosos. A
resposta kan implica projeção e deslocamento de impulsos não totalmente aceitos pelo sujeito, o que atribuído a um ser vivo
pode tornar mais próximo o reconhecimento como próprio; a negação do movimento animal implica em voltar atrás neste
processo, evitando o provável reconhecimento.
Determinantes Cromáticos ?C=0: Segundo Chabert (2003) a ausência de respostas cromáticas indica um retraimento ou
desinteresse pelo mundo exterior. Pode decorrer da utilização de barreiras mais ou menos sólidas erguidas contra o impacto
das excitações externas e/ou pressões internas por elas desencadeadas. O empobrecimento dos afetos em protocolos com TRI
introversivo decorre de forte repressão, pois o eco emocional é demasiado intenso para ser expresso. Observa-se que o
fenômeno de negação do movimento animal ocorre justamente em pranchas coloridas (Pr.II, VIII e X), o que pode
representar uma defesa para conter a expressão dos afetos suscitados pela cor. Isso é corroborado pela supressão da expressão
afetiva também nas cinestesias, tanto humanas quanto animais, que tem uma tonalidade afetiva neutra e impessoal.
Banalidades (3/33% [24-31]): O número de banalidades encontra-se um pouco acima dos limites da norma, indicando a
capacidade de adaptação intelectual e participação no pensamento coletivo.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (6A; 1(A); 1 Ad; A>Ad; A%= 89% [53-64]): A A% está bastante elevada, o que segundo Chabert
(2003) evidencia a utilização de uma carapaça social como defesa, evitando o contato mais autêntico e a relação mais
verdadeira. Observa-se uma tonalidade afetiva neutra em todas as respostas e a paralisia dos animais nas Pr.II, VIII e X, o que
pode significar uma forma de repressão dos afetos.
Conteúdos Humanos (1H; H% 11% [8-13]): A H% está dentro dos limites da norma, o que segundo Chabert (2003) indica
a capacidade de identificação do sujeito com uma imagem humana. É constituída por uma única representação humana
inteira, bem vista e banal, com pessoas em relação que são identificados posteriormente como mulheres, revelando uma
identificação sexual compatível com o seu gênero.
Fenômenos especiais: Ocorre um fracasso na prancha VII, prancha materna por excelência, que evoca a relação com a
imago materna arcaica ou evoluída, evidenciando a angústia associada à figura materna. Isso também é observado na prancha
IX, que favorece evocações regressivas relacionadas à imago materna mais primitiva, com uma resposta de cabeças de dois
dinossauros (animal pré-histórico), que é mal vista e seguida por uma atitude próxima à recusa, com o afastamento da
prancha como se fosse insuportável o olhar sobre ela. Segundo Passalacqua e Gravenhorst (2005) o fracasso indica intenso
choque, que no caso da prancha VII pode ser de choque ao cinza, que indica a presença de intensa angústia. A recusa, que
quase ocorre na prancha IX, apesar da emissão de resposta, parece estar relacionada à presença de uma grande repressão
afetiva.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
?Imagem do Corpo: Nas pranchas compactas, destaca-se a prancha IV, que evoca imagens de potência cuja organização
pode revelar o nível de integração da construção corporal, o sujeito tem a percepção de uma estrutura de corpo
antropomórfico (monstro) que pode ser considerada em seu valor positivo no que se refere à imagem corporal bem delimitada
definida. Na prancha V, reconhecida como a da identidade e representação de si, observa-se que a resposta é banal e tem boa
qualidade formal, evidenciando a integridade da imagem corporal. Nas pranchas de configuração bilateral a cinestesia
humana da prancha III pressupõe uma referência à representação do corpo humano íntegro e unificado, uma vez que a
capacidade de pôr duas pessoas em relação está apoiada sobre uma imagem do corpo relativamente sólida, assim como, a
separação sujeito-objeto e a pertença ao reino humano.
?Identidade e investimento da imagem de si: Nas pranchas compactas destaca-se a prancha V, reconhecida como a da
identidade e representação de si, cuja resposta é banal e de boa qualidade formal, evidenciando a integridade da imagem
corporal. A representação de morcego apresenta uma peculiaridade de que a cabeça não parece ser de morcego, mas nada
mais é explicitado. As pranchas pastéis solicitam intensamente o narcisismo, podendo induzir à regressão, especialmente as
manifestações de sofrimento, depressivas e as falhas narcísicas. Estas podem ser expressas em imagens que demonstram a
insuficiência do suporte objetal e a insuficiência do investimento de si, resultado de uma vivência de insatisfação e falta na
relação precoce com o meio. Essas imagens de sofrimento podem ser simbólicas ou diretas, expressando a dor sentida pela
ausência relacional (Chabert, 2003). Observa-se que na prancha VIII o sujeito consegue superar o choque inicial (talvez
decorrente do impacto emocional e fracasso na prancha anterior) e dar uma resposta banal, mas assim como na prancha X
208
(pássaro voando com a asa parada) percebe os animais (ratos) parados. A paralisia dos animais também pode revelar um
aspecto mais depressivo, ligado à problemática narcísica.
?O reconhecimento da diferença dos sexos e os modelos de identificação: Na prancha III o sujeito apresenta uma
cinestesia humana de boa qualidade formal, iniciando com uma referência humana de sexo indefinido (duas pessoas), que
evolui para a identificação feminina dos personagens (mulheres de salto e de saia), revelando o reconhecimento das
diferenças sexuais e uma identificação sexual compatível com o seu gênero. Na prancha IV a representação masculina de
potência (monstro) revela a apreensão em uma dimensão ativa e fálica, o que demonstra o reconhecimento das diferenças
entre os sexos. No entanto existe um detalhe na posição do personagem, que está com a cabeça entre as pernas, o que pode
simbolizar uma passividade da figura masculina.
?Os processos de identificação através das cinestesias humanas: A cinestesia humana banal e de boa qualidade formal na
prancha III demonstra o reconhecimento da imagem humana inteira, a discriminação sujeito-objeto e a identificação com a
sua espécie. Inicia com uma referência humana de sexo indefinido (duas pessoas), que evolui para a identificação feminina
dos personagens (mulheres de salto e de saia), revelando uma identificação sexual compatível com o seu gênero. A relação
entre os personagens tem uma tonalidade afetiva neutra. O movimento é ativo, mas não é explícito, pois as mulheres estão
“só segurando” alguma coisa que permanece indefinida, o que, assim como outros elementos do protocolo, indica uma
contenção da expressão emocional muito intensa que restringe a capacidade imaginativa e criativa.
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e de Socialização: O desempenho intelectual do sujeito indica a existência de uma
adaptação perceptiva básica, que possibilita a abordagem do mundo socializado, evidenciando o caráter adaptativo do
funcionamento cognitivo. Observa-se certa capacidade imaginativa, que, assim como a produção intelectual como um todo,
sofre os efeitos de intensa inibição afetiva, que pode dificultar o desempenho em tarefas que exijam maior elaboração e
criatividade. Existe uma redução significativa da expressão emocional, com o uso de um rígido sistema defensivo para o
controle da angústia, apresentando uma tendência depressiva. Apesar da capacidade de inserção no real e participação na
mentalidade coletiva e adequação ao senso comum, existem dificuldades nas relações humanas, em função da inibição afetiva
que dificulta o estabelecimento de relações interpessoais e a integração e adaptação social.
-Processos de Identificação Primária e Secundária: Demonstra a aquisição de uma imagem do corpo íntegra e unificada,
com uma clara discriminação entre sujeito e objeto e pertença ao reino humano. A representação de si mesmo, mais ligada à
identidade psíquica e o investimento de si, apresenta aspectos depressivos relacionados a uma fragilidade narcísica,
relacionada às experiências precoces de falta e insatisfação na relação com o ambiente. Embora as representações humanas
no protocolo sejam escassas em quantidade, demonstram o reconhecimento das diferenças sexuais, com representações
femininas que indicam a aquisição de uma identidade de gênero compatível com seu sexo, e um processo de identificação
sexual em curso.
209
Síntese das Entrevistas- Sujeito 8 Sexo feminino, 16 anos e 11 meses, 1ª série do Ensino Médio
? Com a adolescente: A adolescente informa que mora com a mãe, padrasto e os dois irmãos, de 9 e 11 anos. Seu
pai biológico abandonou sua mãe já na gravidez, pois havia engravidado outra mulher e preferiu viver com ela. A mãe não
tinha casa e enfrentava dificuldades econômicas, e por isso a entregou aos cuidados da madrinha e vinha visitá-la nos fins de
semana. Quando a mãe foi viver com o padrasto a levou para viver junto com eles. Acha que isso ocorreu quando tinha uns
quinze dias de vida. Quando criança era muito apegada ao padrasto, mas agora discutem muito. Acha que ele faz diferença
entre ela e os irmãos, que são filhos dele com a mãe. “Ele é mais apegado e sempre dá razão a eles. Não me sinto tratada
com igualdade” (sic). Diz que o casal não se dá bem e não dorme no mesmo quarto. Separaram-se em duas ocasiões porque o
padrasto bebia, gastava dinheiro com jogo, quebrava tudo e agredia a mãe com palavrões. Acha que estão juntos por causa
dos filhos. A mãe não pode trabalhar porque é doente e depende dele para sustentar a família. Sobre as condições de saúde
refere ter sofrido uma cirurgia de apendicite aos 15 anos e o padrasto a acompanhou ao hospital. Dorme bem, mas gostaria de
dormir mais tempo durante a semana. Só nos fins de semana pode dormir como precisa. Alimenta-se bem, mas se cuida para
não engordar. Em sua rotina diária, vai à escola pela manhã e à Soabem à tarde. De vez em quando sai à noite com os
amigos; vão ao samba ou a festas. O padrasto não gosta que ela saia. “Ele é muito exigente, mas a minha mãe deixa ir” (sic).
Ns fins de semana vai ao parque, salão de dança. “Tenho só colegas, pois minha mãe disse que a gente não tem amigos. Não
confio em ninguém para contar as minhas coisas, pois depois a gente briga e se decepciona” (sic). Tem uma prima de 15
anos em quem confia, pois foram criadas juntas. Gosta de jogar futebol na Soabem e na escola e de ouvir música. Gosta de
ver novelas e os gêneros musicais preferidos são Pagode, Reggae e Black. Quando era criança freqüentava a Igreja Universal
com a mãe, mas atualmente fez a opção pela Igreja Católica. Faz todo o serviço doméstico para a mãe porque ela não pode
fazer esforço físico. Namorou durante 3 meses e terminou o namoro há um mês, porque foi traída. O padrasto não deixa
namorar, enquanto suas amigas podem namorar em casa. Quanto à situação escolar, repetiu o ano duas vezes: uma vez
porque foi para o Ceará e no ano passado, quando deixou a escola para trabalhar como babá. Considera-se esforçada, gosta da
escola e dos colegas. Está com três notas vermelhas e não gosta de Inglês e Matemática. Brigou com a professora desta
matéria, porque ela chamou-a de “cachorra” (sic). A professora chamou a polícia e acusou-a de tê-la ameaçado de morte.
Gosta dos outros professores, que “... dão atenção e não são ignorantes como a professora de matemática” (sic). Quanto às
idéias e ambições relativas ao futuro, quer arrumar um emprego, ajudar à mãe e “... poder namorar sem ser escondido” (sic).
Daqui a 10 anos acha que vai estar noiva. Quer trabalhar como secretária ou fazer Administração. Quanto ao projeto social, a
mãe a inscreveu para que ocupasse o tempo vago e aprendesse alguma coisa útil. Gosta dos colegas, que já conhecia da
escola. Tem muitas “panelinhas” na sala, dividindo meninos e meninas. Lamenta que alguns dos professores e o coordenador,
que eram amigos dos alunos, saíram do projeto.
? Com a mãe: A mãe comparece à entrevista na companhia da adolescente e a filha de 11 anos. Tem uma aparência
precária no que se refere à higiene e vestuário, com grande contraste da filha nestes aspectos. Demonstra dificuldades para
informar os dados sobre o desenvolvimento da filha, evidenciando lacunas de memória e enfatizando as dificuldades de
sobrevivência da família, manifestando o desejo de receber auxílio material ou emprego para a filha. Refere que a
adolescente é fruto de um relacionamento de dois anos, e que o companheiro a abandonou quando soube da gravidez. Ficou
sozinha e não tinha para onde ir, pois foi expulsa da casa da irmã quando esta soube que estava grávida. Conta que pensou
em entregar a filha para adoção, por influência da cunhada da irmã, que queria era vender a sua filha. A madrinha da filha a
abrigou em sua casa até o nascimento e não a deixou entregar o bebê. Dormia no sofá da sala durante o último mês de
gestação. O padrinho foi quem escolheu o nome e gostava muito dela, mas ele faleceu há dois anos. “Ela sonhava em ter
uma bicicleta, que acabou ganhando do padrinho” (sic). Diz ter pena da filha, pois esta “... não teve infância boa. Foi a pior
gestação das três...” (sic). O parto foi normal, não amamentou “.... porque no lugar de leite saía sangue” (sic). Nunca
amamentou os filhos. A filha tinha dificuldades com a alimentação sólida. Ela era agitada e falava dormindo. Não lembra
sobre o período em que ocorreu o controle de esfíncteres. Sofria de asma e bronquite até os 6-7 anos de idade, e teve
broncopneumonia com internação hospitalar aos 5 ou 6 anos. A mãe não permanecia no hospital, pois não era permitido. Ela
permaneceu aos cuidados da madrinha até os 3 anos de idade. Depois disso, sempre pagava pessoas para cuidá-la enquanto
trabalhava. O ingresso na escola ocorreu na 1ª série aos 7 anos de idade. “Ainda usava chupeta e tirava ao chegar à escola”
(sic). Não sabe dizer sobre o desenvolvimento escolar da filha, mas diz que ela sente-se humilhada na escola porque a família
precisa de ajuda econômica. Quanto ao relacionamento com a filha diz: “Ela nunca responde para mim. Fica triste, mas não
reage. Brigo mais com a outra filha, pois ela me enfrenta. Ela é calma. Só fala se falar com ela. Muito calada e parada. Não
vai à escola para lavar a roupa. É boa até demais. Só briga muito com os irmãos” (sic). Quanto ao companheiro, acha que
ele a trata diferente dos outros filhos. Estão separados há dois anos e ele não deu mais noticias ou ajuda aos filhos. “Sou
sozinha com eles” (sic). Quanto aos outros familiares, a filha tem uma boa relação com a tia materna e com a madrinha.
Conta que sofre de depressão, pressão alta e anemia há 9 anos. Trabalhava como doméstica e passadeira. Diz se queimou no
fogão a lenha: “Não temos dinheiro nem para o gás” (sic), chamuscando o rosto (que está visivelmente queimado). A filha
menor a acompanha, pois esquece tudo; “... estou pra ficarem doida esses dias...” (sic). Informa que usa medicação
psiquiátrica, pedindo ajuda para a filha menor em relação ao nome dos medicamentos. Enfrentam dificuldades de
sobrevivência e vivem de doações. Quer que a filha deixe o projeto, porque precisa trabalhar para pagar o aluguel, já que a
família não tem renda. A moradia da família dispõe de energia elétrica e rede de água e esgoto.
? Contatos com os representantes da ONG: O coordenador pedagógico indicou a adolescente para a inclusão na
amostra, porque teria se envolvido com traficantes e foi encaminhada pelo Conselho Tutelar. “Ela é agressiva em casa e na
escola, e tem vida sexual promíscua. A mãe é mendiga e ela é patricinha” (sic).
210
ANÁLIS E QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 8
Psicograma de Rorschach
[ ] - valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.8 Sexo: Fem. Idade: 16 a 11m
T= 13’
R= 13[11-14]
T/R=1’ Data: 20.06.05
LOCALIZAÇÃO
Modo de Apreensão
(G) D Dd!
G = 3
D= 5
Dd= 4
Qualidades das respostas G:
Do=1
Simples=2
Total G= 3 Total D=5 Total Dd= 5
Sincrética simples=1
G%= 23% [36-50] D%= 38,5% [29-
39]
Dd%= 38,5% [14 a 20]
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 8 FE= 1-
F%= 85% [35-46]
A= 7 Hd=3 Pl=1
F- = 3 FClob=1-
F% ext.= 100%
Total A= 7 Total H= 3 Vest=2
Total F = 11 F+%= 73% [58-69]
A%= 54% [53-64] H%= 23% [8-13]
kan=1+
F+% ext.= 69% [63-72]
Ban= 3 / 23% [24-31]
Índice de Angústia
Patológica: 23% [>12]
Análise da Produtividade (R=13[11-14] T/R=1’): O número total de respostas está dentro dos limites da norma. Observa-se
que segue um padrão de T/R=1’ por prancha, com exceção das pranchas III e IX o que indica a ressonância afetiva às
emoções suscitadas pelos estímulos. O modo de sucessão é heterogêneo, podendo começar com Dd, G ou D, o que, segundo
Chabert (2003) parece estar relacionado à ausência de rigor dos processos de pensamento ou raciocínio, numa diligência
tributária das emoções despertadas pelos estímulos.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G(3+) G %= 23% [36-50]
- Qualidade formal e A G% encontra-se abaixo dos limites da norma, o que pode significar certa depressão e inquietação
(Rausch de Traubenberg, 1970).
Relação com os determinantes: As respostas globais estão associadas aos determinantes F-(1) e F+ (2). Apesar do pequeno
número as respostas globais associadas a formas bem vistas indicam certa capacidade de síntese e sistematização.
- Nível de elaboração: Segundo Chabert (2003) as respostas simples atestam a inserção em uma realidade perceptiva
solidamente apreendida e a capacidade de apreensão de um objeto total e diferenciado. Além do número reduzido de
respostas G, o nível de elaboração é simples (2), sendo uma delas banal e a outra sincrética simples (1).
Respostas D(4++; 1-); D%=38,5% [29-39]
- Qualidade formal: A D% dentro dos limites da norma com a maioria das respostas bem vistas tem um significado
adaptativo e socializado, indicando a participação no pensamento coletivo.
- Relação com os determinantes: A D% é composta por respostas D/F+/banal (2), D/kan+ (1) e D/F-(1). Para Chabert
(2003) a associação de D aos determinantes que marcam a manutenção de controle pela realidade objetiva tem um
significado adaptativo e defensivo.
Respostas Dd (2+; 2-); Dd%= 38,5%[14-20]
- Qualidade formal: A Dd% encontra-se acima dos limites da norma, o que, na metade das respostas tem um significado mais
afetivo e projetivo, tendo em vista a má qualidade formal.
-Relação com os determinantes: As respostas Dd estão ligadas aos determinantes FClob-(1) F-(1) e F+ (2) e a resposta Do à
F+. As respostas à prancha I com determinante FClob- e F-/Hd indicam a utilização dos recortes perceptivos como defesa
contra a emergência de representações ou impulsos perturbadores, defesa esta que não é bem sucedida, haja vista a má
qualidade formal das respostas. Nas duas respostas Dd que sucedem às D na prancha X, estando associadas a formas bem
vistas, indicam certa capacidade de atenção e observação. A resposta Do na prancha IV indica inibição afetiva, o que pode
estar relacionada à solicitação simbólica de imago paterna conforme Rausch de Traubenberg (apud Chabert, 2003).
Análise dos determinantes
Determinantes Formais F (8+; 3-); F%=85% [35-46] e F% ext.=100%%; F+%= 73% [58-69] e F+%ext.= 69% [63-
72]: A F% está bastante elevada em relação à norma e ainda mais no F% extenso, o que indica o esforço de controle
intelectual sobre a realidade, que é bem sucedido, tendo em vista a F+% bem acima do limite máximo da norma. Observa-se
a eficácia dos esforços de intelectualização do sujeito, apesar de haver uma formalização excessiva, o que, segundo Chabert
(2003), decorre da rigidez defensiva que procura utilizar a realidade exterior, perceptiva e objetiva como forma de evitar a
expressão das pressões pulsionais e fantasmáticas.
Determinantes Cinestésicos
K =0 Chabert (2003) considera a ausência de cinestesias humanas indicativo das dificuldades na incorporação da figura
humana de modo geral, o que implica em profundas dificuldades de relacionamento humano autêntico, genuíno e espontâneo.
kan (1+): A única cinestesia animal ocorre na prancha II, quando o sujeito considera o desenho estranho, mas consegue dar
uma resposta de boa qualidade formal. Nesta prancha, que reativa fortes moções pulsionais, a resposta expressa uma relação
objetal em sua dimensão libidinal. O sujeito traz uma cena erótica entre os animais, envolvidos em um movimento ativo, mas
apresenta um detalhe em que a ação propriamente dita está adiada e não é efetivada (dois cachorros tentando se beijar), o
que pode demonstrar a interação entre o impulso e defesa.
211
Determinantes Cromáticos ?C=0: Chabert (2003) considera a ausência de respostas cromáticas indicativo de retraimento
ou desinteresse pelo mundo exterior. Pode decorrer da utilização de barreiras mais ou menos sólidas erguidas contra o
impacto das excitações externas e/ou pressões internas por elas desencadeadas.
Fenômenos Especiais: Ocorre fracasso em duas pranchas, o que segundo Passalacqua e Gravenhorst (2005) decorre da
ocorrência de choque. No caso da prancha VI o choque ao cinza indica a existência de uma grande angústia, que pode ser
atribuída ao simbolismo sexual do estímulo. Na prancha IX o choque à cor é indicativo de uma repressão afetiva intensa, e
pode estar relacionado às dificuldades de natureza intelectual, ocasionadas por interferências emocionais, tendo, portanto,
uma origem neurótica.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (7A; A>Ad; A%= 89% [53-64]): A A% está bastante elevada, o que segundo Chabert (2003)
evidencia a utilização de uma carapaça social como defesa, evitando o contato mais autêntico e a relação mais verdadeira.
Observa-se que alguns animais são agressivos: morcego (associado à FClob-), gavião, leões, aranhas e caranguejos, o que
pode representar o deslocamento de impulsos agressivos para os animais, mesmo que isso não se expresse através de
cinestesias.
Conteúdos Humanos (3 Hd; H<Hd; H%=23% [8-13]): A H% está acima dos limites da norma, mas é constituída apenas
por representações humanas parciais. Os Hd são dedo de impressão digital (pr.II), pernas de um homem (pr.III), pezão (Do
da pr. IV), todas as representações que podem ser consideradas fálicas. Segundo Chabert (2003) estas respostas podem ser
decorrentes de uma abordagem fóbica da representação humana, como se a apreensão global fosse perturbadora, e podem
pertencer tanto ao registro da angústia de castração, quanto ao registro mais mórbido da angústia de fragmentação.
Considerando as pranchas em que ocorreram (II e III) que despertam intensamente as moções pulsionais, e a reação às
pranchas IV e VI (fracasso), ambas com referências fálicas, podemos pensar em angústia de castração ligada às
representações sexuais masculinas.
Banalidades (3/23% [24-31]): O número de banalidades está um pouco rebaixado em relação à norma, o que, segundo
Rausch de traubenberg (1970) pode indicar certa dificuldade de contato com a realidade objetiva e social, desinteresse ou
oposição sistematizada.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
? Imagem do Corpo: Nas pranchas compactas, observa-se que na 1ª resposta à prancha I falta integração entre as imagens,
que são vistas parcialmente e divididas, evidenciando a dificuldade de integrar a figura como um todo, o que sugere uma
dificuldade de integração da unidade corporal. Na prancha IV, ocorre uma resposta Do/F+/Hd, onde o sujeito vê apenas parte
do corpo, em prancha que suscita projeções do conceito de eu, do esquema corporal e do ser humano em geral (Rausch de
Traubenberg, 1970). Na prancha V a percepção bem vista e banal é um indicador de integridade da imagem corporal. Na
prancha VI ocorre choque e fracasso, que pode estar relacionado ao simbolismo sexual evocado pelo estímulo. Outro dado
que pode ser relacionado à imagem corporal é o fato do sujeito apresentar apenas representações humanas parciais: dedo de
impressão digital (prancha II), pernas de um homem (prancha III), pezão (Do da prancha IV). As respostas Hd podem
decorrer de uma abordagem fóbica da representação humana, podendo pertencer tanto ao registro da angústia de castração,
quanto ao registro mais mórbido da angústia de fragmentação (Chabert, 2003). Neste caso, como são representações de
apêndices do corpo humano que tem uma conotação fálica, podem ser interpretadas como decorrência de uma angústia mais
neurótica, a angústia de castração.
?Identidade e investimento da imagem de si: Nas pranchas compactas que evocam uma percepção unificada, observam-se
as dificuldades de individuação: na prancha I, as figuras são vistas como partes iguais, mas não complementares, eliminando-
se o eixo central; na prancha III ocorre uma representação humana parcial (pernas de um homem) assim como na prancha IV
a resposta Do/F+/Hd (pezão) o que pode estar relacionado à inibição decorrente da angústia perante o simbolismo sexual do
estímulo. A prancha V reconhecida como da identidade e representação de si, que também favorece representações ligadas ao
narcisismo, tem duas respostas de boa qualidade formal, sendo uma delas banal. As respostas diferem quanto à posição da
prancha, sendo a borboleta vista na posição normal e o gavião na posição invertida. Pode-se inferir algo a partir da natureza
dos animais borboleta (frágil/passiva) e gavião (agressivo/ativo), o que pode significar uma dualidade da representação de si.
? O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: Na prancha II aparece a única cinestesia
animal do protocolo, que pode sugerir o deslocamento para os animais dos impulsos libidinais, cujo gênero é masculino
(cachorros). Na prancha III observa-se uma representação humana parcial (pernas de um homem), que é a única referência a
uma representação humana do protocolo, que indica uma identificação sexual de gênero inversa à do sujeito. Ocorrem
inibição (resp. Do) e choque na prancha IV, e na prancha IV, choque e fracasso, o que evidencia a angústia de castração
relacionada às representações fálicas. Também se observa a presença de angústia em pranchas de simbolismo materno-
feminino (VII e IX). Não existem representações femininas claras no protocolo, o que indica as dificuldades com a
identificação feminina.
? Os processos de identificação através das cinestesias humanas: Observa-se a ausência de cinestesias humanas, assim
como de representações humanas inteiras, o que indica as dificuldades do sujeito na incorporação da figura humana de modo
geral, e implica em profundas dificuldades de relacionamento humano autêntico, genuíno e espontâneo. Quanto à
identificação sexual, observa-se que a única representação humana é parcial e além de ser, uma representação masculina, de
gênero inverso ao do sujeito, é feito um recorte que situa apenas a parte das pernas, cortando a região sexual, o que pode
indicar as dificuldades com as representações humanas sexuadas, que remetem a uma intensa angústia de castração.
212
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e da Socialização: Embora os esforços de controle intelectual sobre a realidade sejam até
certo ponto bem sucedidos, a capacidade intelectual sofre grandes interferências dos aspectos afetivos e emocionais, que não
são integrados de forma adequada. Observa-se uma inibição intelectual decorrente da intensa repressão das pulsões sexuais e
agressivas, o que acarreta uma intensa contenção da expressão afetiva e uma restrição da imaginação e da criatividade.
Existem manifestações depressivas e fóbicas, com um predomínio da angústia de castração e temor às representações fálicas.
A inibição afetiva interfere também no estabelecimento de relações humanas, que carecem de espontaneidade, o que se
reflete em dificuldades de integração e adaptação social.
- Processos de Identificação Primária e Secundária: A análise das pranchas que evocam a imagem corporal e a
representação de si evidencia um predomínio de representações humanas parciais, com ênfase em partes do corpo com
referências fálicas. Isso indica a existência de uma abordagem fóbica da representação humana, que pertence ao registro da
angústia de castração, evidenciando as dificuldades que o sujeito vem encontrando em elaborar os conflitos sexuais em torno
de uma identificação compatível com seu gênero.
213
Síntese das Entrevistas- Sujeito 9 Sexo feminino, 17 anos e 1 mês, 7ª série do Ensino Fundamental
? Com a adolescente: A adolescente informa que mora com a mãe, padrasto e um irmão de 19 anos de idade. Os
pais se separam quando era bebê, e a mãe a passou a morar com novo companheiro alguns anos após a separação. Não
conheceu o pai biológico e tem um bom relacionamento com o padrasto. Tem um bom relacionamento em família, mas às
vezes briga com o irmão. A mãe não trabalha fora, pois tem pressão alta e toma alguns remédios. Sobre as condições de
saúde, refere que teve bronquite quando era criança e estava anêmica há alguns meses, tendo feito tratamento médico.
Atualmente dorme bem, mas na infância tinha pesadelos e acordava gritando. Alimenta-se bem, apesar de não ter muito
apetite. Em sua rotina diária, vai à escola pela manhã e à Soabem à tarde. Às quartas feiras à noite, vai ao culto da Igreja
Batista. Nos fins de semana vai para a casa do namorado. Costumam ir ao Mac Donald’s, cinema ou à casa de parentes.
Gosta de jogar vídeo game, ir à igreja, ver novelas e ler estórias. Os gêneros musicais preferidos são samba e axé. Não gosta
de estar na rua, e prefere não ter relações na vizinhança, pois “... são muito fofoqueiros” (sic). Quanto à situação escolar, está
com dificuldades de aprendizagem em Matemática. Teve repetências escolares devido às mudanças de cidade da família.
Gosta de estudar português, ciências e artes, mas não gosta de matemática, educação física e inglês. Tem um bom
relacionamento com os colegas e professores, mas mantém uma relação mais próxima com as meninas, pois os meninos
fazem muita bagunça e brincadeiras que não gosta, “... não gosto de nada errado” (sic). Namora há 1 ano e 7 meses um
rapaz de 19 anos de idade. Considera-se exigente e ciumenta, e “... ele também não gosta de nada errado” (sic). Ele trabalha
como funcionário do Pão de Açúcar, e estão pensando em casar logo que for possível. Quanto às idéias e ambições relativas
ao futuro, desde criança sonha em ser veterinária ou médica. Quer ser independente financeiramente. Pretende casar e ter
filhos. Daqui a 10 anos acha que estará tomando conta de sua casa. Quanto ao projeto social, foi encaminhada pela “... para
aprender certas coisas que não posso pagar” (sic). Como na escola, tem melhor relacionamento com as meninas. Não gosta
do professor de matemática e da coordenadora atual. Gostava mais do coordenador antigo. Gostava das aulas de informática e
de espanhol, que foram retirados do currículo.
? Com a mãe: A mãe comparece à entrevista na companhia da adolescente. Refere que quando se separou a filha
estava com 11 meses de idade, porque o ex-marido bebia e não sustentava a família, o que ficava ao seu encargo. Depois da
separação ele nunca mais voltou para ver os filhos ou ajudou no seu sustento. A gestação foi atribulada porque estava com
problemas conjugais, o que a deixava muito nervosa. O parto foi de cesárea, porque ocorreu antes da hora prevista; não tinha
dilatação apesar de ter dores de parto. “Foi um parto seco” (sic). Fez ligadura de trompas porque não queria mais ter filhos.
Refere que a amamentação durou apenas três meses, porque como trabalhava, a filha acostumou-se com a mamadeira. O
outro filho foi amamentado até completar 1 ano e 9 meses. A filha teve dificuldades de alimentação até os 2 anos, tendo que
trocar várias vezes até acertar o leite adequado. Sofria de vermes, o que também colaborou para a perda de peso dos 2 aos 3
anos de idade. Tinha boas condições de sono. As fraldas foram retiradas aos 2 anos de idade, mas teve enurese até os 7 anos,
que foi curada com tratamento médico. Como ocorrência marcante na vida da filha, refere que foi difícil assumir sozinha a
criação dos filhos. A tia materna, com quem a filha tem uma ligação afetiva até hoje, colaborou nos cuidados diários com ela
até os 6 anos de idade, enquanto a mãe trabalhava. A partir da entrada na escola, ela passou a ser cuidada pelo irmão, dois
anos mais velho. Sempre gostou de fazer amizades e brincar na rua. O ingresso na escola ocorreu na 1ª série, e nunca tinha
tido dificuldades escolares até a mudança para o Rio de Janeiro, onde teve dificuldades de adaptação e uma queda no
rendimento escolar, com duas repetências. Retornaram porque não gostaram do lugar. Sempre teve bom relacionamento com
colegas e professores. Quanto ao relacionamento com a filha diz ter ficado mais difícil após os 15 anos de idade. Discutem
porque quer que a filha dedique-se aos estudos, mas ela já pensa em se casar. Considera o namorado da filha um rapaz
trabalhador, mas quer que esperem mais um tempo até o casamento. Quanto à característica mais marcante da filha acha que
“Ela é tranqüila e não dá preocupação” (sic). Quanto ao padrasto, a filha não aceita que ele coloque as regras, mas quando
precisa, chama-o para intervir nas questões com os filhos. O relacionamento do casal é bom, “... ele respeita os seus filhos e
me a ajudou a criá-los” (sic). A moradia da família dispõe de energia elétrica e rede de água e esgoto, e a renda familiar
provém do salário do padrasto como eletricista. Quanto ao projeto social, quer que a filha tenha algum benefício para a sua
vida futura.
? Contatos com os representantes da ONG: O coordenador pedagógico indicou a adolescente para a inclusão na
amostra, porque esta foi encaminhada à entidade pelo Conselho Tutelar, devido à agressividade com a mãe e na escola. Acha
que ela tem dificuldades de se integrar e colaborar no grupo devido à diferença de idade, tanto na escola como no projeto
social.
214
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 9
Psicograma de Rorschach
[ ] - valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.9 Sexo: Fem. Idade: 17 a 1 m
T= 12’ R= 15 [11-14] T/R=48” Data: 15.08.05
LOCALIZAÇÃO
Modo de Apreensão
G = 5 D= 8
Dd= 2
(G) D! Dd
Total G= 5 Total D=8 Total Dd= 2 Qualidades das respostas G:
G%= 33,5%[36-50] D%= 53%[29-39] Dd%= 13,5% [14 - 20]
Simples=5 Elaborada=1
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 6
F±=1
K= 3+
F%= 67%[35-46]
F% ext.= 100%
A= 10 H=2
(H)=1
Pl=1
Arq.=1
F- = 3 kan=2+
F+%= 65%[58-69]
Total A= 10 Total H= 3
Total F = 11
F+% ext.= 77%[63-72]
A%= 67% [53-64] H%= 20% [8-13]
Ban= 4/27% [24-31]
Índice de Angústia
Patológica=0
Análise da Produtividade (R=15 [11-14] T/R=48”): O número total de respostas está um pouco acima dos limites da norma.
O modo de sucessão começa com G ou D, o que é interrompido, passando à Dd/F- como segunda resposta na prancha V, o
que sugere uma perturbação frente ao estímulo. Retoma a sucessão em G e D, o que é interrompido na prancha IX, com uma
Dd de má qualidade formal.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (5+); G %= 33,5% [36-50]
- Qualidade formal: A G% encontra-se um pouco abaixo dos limites da norma, mas tendo em vista a boa qualidade formal de
todas as respostas globais, evidencia-se que a busca de unidade e de controle sobre o estímulo é bem sucedida.
- Relação com os determinantes: As respostas globais estão associadas aos determinantes F+ (4) e K+(1), o que evidencia
uma atitude mais formal e intelectualizada, com a utilização do controle intelectual e de uma capacidade imaginativa e
criativa.
- Nível de elaboração: Segundo Chabert (2003) a presença de globais simples (5) atesta a inserção em uma realidade
perceptiva solidamente apreendida e a capacidade de apreensão de um objeto total e diferenciado. A presença de uma
resposta elaborada, associada à forma bem vista, demonstra a capacidade de ir além dos dados imediatos do estímulo, dando-
lhes uma elaboração própria e criativa.
Respostas D (6+; 1±; 1-); D%=53% [29-39]
-Qualidade formal: A D% está bem acima dos limites da norma, e a maioria das respostas tem boa qualidade formal.
- Relação com os determinantes: As respostas D estão associadas à F+(2), F-(1), F±(1) K+ (2), kan+(2), o que demonstra a
congruência do modo de apreensão e do determinante, revelando as capacidades de inserção no real e de controle das
percepções.
Respostas Dd (2-); Dd%= 13,5%[14-20]
- Qualidade formal: A Dd% está dentro dos limites da norma, mas as respostas são de má qualidade formal, indicando o seu
significado mais afetivo e projetivo.
- Relação com os determinantes e conteúdos: Após uma primeira resposta bem vista e banal na prancha V, o sujeito gira e faz
um recorte perceptivo, com uma resposta Dd de má qualidade formal, assim como a Dd da prancha IX, o que evidencia a
perturbação do sujeito frente aos estímulos.
Análise dos determinantes
Determinantes Formais F(6+; 3-; 1±); F%=67%% [35-46] e F% ext.=100%; F+%= 65% [58-69]; F+%ext.= 77% [63-
72]: A F% está elevada em relação à norma e ainda mais no F% extenso, o que indica o esforço de controle intelectual sobre
a realidade, que é bem sucedido, tendo em vista a F+% dentro dos limites da norma.
Determinantes Cinestésicos: A presença de cinestesias animais e humanas de boa qualidade formal e em número expressivo
evidencia a presença de uma capacidade imaginativa e criatividade, que revela certa maturidade, tendo em vista que K> kan.
K(3+): O sujeito apresenta três cinestesias humanas de boa qualidade formal, o que segundo Rausch de Traubenberg (1970)
tem um significado de inteligência, dinamismo de base, maturidade e imaginação criadora. Na cinestesia humana da prancha
II, a princípio são vistas duas pessoas, uma percepção que é bem vista, mas que no inquérito evolui para uma percepção de
casal dançando, o que não tem boa qualidade formal, pois vê pessoas diferentes onde deveria perceber iguais. O conteúdo
humano é inteiro. O movimento é ativo e existe uma colocação de relações de objeto de natureza libidinal entre os
personagens de tonalidade afetiva agradável, em uma prancha cujo simbolismo remete às pulsões agressivas e libidinais. Na
cinestesia humana da prancha IV, é vista uma pessoa sem discriminação de gênero, com conteúdo humano inteiro,
movimento passivo e uma tonalidade afetiva neutra. A última cinestesia é dada na prancha VII, onde são vistos dois
fantasmas de desenho, com conteúdo para humano inteiro, vitalizado e com uma expressão mais lúdica.
kan(2+): Na resposta banal à prancha VIII, onças tentando subir em alguma coisa, o movimento é ativo e com uma
tonalidade afetiva neutra. Na cinestesia animal da prancha X, búfalos brigando, observa-se o deslocamento dos movimentos
pulsionais (agressividade) para aos animais, o que não parece estar relacionado ao simbolismo da prancha, que remete ao
continente maternal em um movimento regressivo.
215
Determinantes Cromáticos ?C=0: Chabert (2003) considera a ausência de respostas cromáticas indicativo de retraimento
ou desinteresse pelo mundo exterior. Pode decorrer da utilização de barreiras mais ou menos sólidas erguidas contra o
impacto das excitações externas e/ou pressões internas por elas desencadeadas.
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (10A; A%= 67% [53-64]): A A%, um fator de integração adaptativa e socializante, está um pouco
acima do limite máximo da norma, o que indica a participação do sujeito na mentalidade coletiva.
Conteúdos Humanos (2 H; 1(H); H%=20% [8-13]): A H% está acima dos limites da norma, e as respostas são em sua
maioria de representações humanas inteiras, o que segundo Chabert (2003) atesta a capacidade do sujeito de se identificar
com uma imagem humana, que serve de modelo identificatório, com o reconhecimento de uma identidade subjetiva. A
resposta de conteúdo para humano, bem vista e de caráter inteiro, indica a presença de uma vida imaginária rica de fantasia,
sem perda de contato com o mundo real.
Banalidades (4/27% [24-31): O número de banalidades está dentro dos limites da norma, o que revela a capacidade de
adaptação intelectual e a participação no pensamento coletivo.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação primária e secundária
?Imagem Corporal: Na 1ª resposta à prancha I a presença de uma resposta banal (morcego), tal como é vista pelo sujeito,
demonstra a correta integração e unificação da unidade corporal. Na prancha IV a percepção de uma pessoa confirma a
representação de corpo humano íntegro e unificado. A 1ª resposta à prancha V é uma percepção bem vista e banal, que serve
de indicador de integridade da imagem corporal. No entanto, é seguida por uma resposta, na posição invertida da prancha,
com uma percepção que divide a linha média da prancha em duas entidades mal vistas, distanciando-se de uma representação
unificada, que seria esperada nas pranchas compactas. Na prancha VI a visão de um peixe com corpo e rabo é bem vista, com
a percepção de unidade simétrica em torno de um eixo médio, semelhante ao corpo humano. Nas pranchas bilaterais, as
cinestesias das pranchas II e VII pressupõem a representação do corpo humano íntegro e unificado.
?Identidade e investimento da imagem de si: Nas pranchas compactas, a 1ª resposta à prancha V é uma percepção bem
vista e banal, que serve de indicador de integridade e unificação da imagem corporal e do sentimento de identidade. Segundo
Chabert (2003), quando não existe uma problemática a nível de identidade e narcisismo, esta prancha é tratada pelo recurso à
banalidade. No entanto, a resposta banal é seguida de outra resposta, na posição invertida da prancha, com uma percepção
que divide a linha média da prancha em duas entidades mal vistas, ao contrário de uma representação unificada, esperada nas
pranchas compactas. Nestas representações animais são destacados os pés dos animais (dois pássaros, um de cada lado, um
pé de cada um), uma referência fálica que aparece em outras respostas de extremidades do corpo (cabeça/nariz na pr. III,
dedos na pr.IV, rabo na pr. VI). Esta perturbação da percepção unificada da figura parece estar relacionada às questões da
problemática de identificação sexual, não sendo um dado que comprometa a questão da identidade, que está assegurada por
outros elementos do protocolo, como por exemplo, as cinestesias das pranchas II e IV, que atestam o reconhecimento da
distinção sujeito-objeto e a pertença à espécie humana.
?Reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação sexual: A cinestesia da prancha II apresenta um
casal dançando, o que acentua a presença de um par, em uma relação objetal de natureza libidinal, o que poderia estar
demonstrando o reconhecimento das diferenças sexuais, mas percebe duas pessoas de gênero diferentes em um percepto
simétrico. A resposta à prancha IV, prancha de simbolismo fálico, tem boa qualidade formal, mas não apresenta uma
discriminação de gênero da representação humana. Na 2ª resposta à prancha V, são destacados os pés dos animais (dois
pássaros, um de cada lado, um pé de cada um), uma referência fálica que aparece em outras respostas de extremidades do
corpo (cabeça/nariz na pr.III, dedos na pr.IV, rabo na pr.VI). A prancha VI, que também tem referências fálicas, apresenta
uma resposta de boa qualidade formal, com simbolismo sexual representado através do rabo do peixe. Observa-se a ausência
de representações sexuais femininas e uma ênfase nas representações fálicas.
?Os processos de identificação através das cinestesias humanas: A presença de duas cinestesias humanas bem vistas
demonstra o reconhecimento da imagem humana, a capacidade de identificação com a sua espécie e a discriminação entre eu
- outro, o que demonstra a construção de uma identidade sólida e delimitada, e um processo de individuação consolidado.
Quanto ao processo de identificação sexual, a percepção de um casal dançando sinaliza, por um lado, o reconhecimento das
diferenças sexuais, mas por outro, o fato de ocorrer em uma figura simétrica, parece refletir uma ambivalência no processo de
escolha identificatória.
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e de Socialização: Do ponto de vista intelectual, o sujeito tem um funcionamento adaptado,
com uma atitude mais intelectual e formal e a utilização de capacidades imaginativas e criativas desenvolvidas. No entanto,
observa-se uma restrição da expressão emocional, que não chega a comprometer o potencial intelectual. Existe uma repressão
e inibição afetiva, evidenciando dificuldades de lidar com os impulsos agressivos e libidinais. Evidencia-se as capacidades de
inserção na realidade e de adequação ao senso comum, o que favorece a integração e adaptação social.
-Processos de Identificação Primária e Secundária: Apresenta dificuldades de reconhecimento da imagem humana, de
identificação com a sua espécie e a discriminação entre sujeito-objeto, o que demonstra a construção de uma identidade
sólida e delimitada e um processo de individuação consolidado. Existe um processo de identificação sexual em curso, com a
possibilidade de reconhecimento das diferenças sexuais. No entanto, a existência de várias referências fálicas ao longo do
protocolo e a escassez de representações femininas demonstram as dificuldades na escolha identificatória, indicando que a
identificação sexual ainda não se encontra bem consolidada no que tange a uma identificação feminina, compatível com o
gênero do sujeito.
216
Síntese das Entrevistas- Sujeito 10 - sexo feminino, 15 anos e 3 meses, 7ª série do Ensino Fundamental
? Com a adolescente: A adolescente informa que reside com a mãe, padrasto e duas irmãs, de 18 e 20 anos de
idade, pois os demais irmãos, de 23 e 26 anos são casados e independentes. Os pais são separados desde que tinha 1 ano de
idade. Relata os problemas familiares que está vivenciando: a mãe está com depressão desde o ano anterior e o avô está
doente. Os irmãos estiveram envolvidos com drogas e um deles continua dependente de maconha. Briga muito com as irmãs,
e o relacionamento com os irmãos é melhor do que com elas. A irmã de 18 anos a culpa pela depressão da mãe, que “..... está
nervosa comigo direto” (sic). Sente-se culpada porque incomoda a mãe. Não gosta de ajudar no serviço doméstico e a mãe
fica muito chateada. Tem acompanhado a mãe ao médico “... pois ela esquece tudo” (sic). A mãe é cuidada mais diretamente
por ela e a irmã. Quanto ao relacionamento com o pai o de vez em quando, mas ele não ajuda no seu sustento. “Ele bebe
pinga e faz bicos de entregas de mercadorias. Não queria que ele voltasse, mas a mãe não dá tanta atenção e sinto ciúmes
do meu padrasto (sic). A mãe está sem trabalhar a um ano, mas antes disso sempre trabalhou fora, e foi cuidada pelos irmãos
mais velhos. Quanto ao padrasto, nenhum dos filhos gosta dele, “.... acho que ele é falso”(sic). Ele trabalha com pinturas e
ajuda no sustento da família. Goza de boas condições de saúde e de sono, mas às vezes tem pesadelos. Conta que sonhou com
a morte da mãe. Não tem tido apetite e sente um mal estar quando se alimenta, acha que é gastrite “... Tem uma queimação
no estômago” (sic). Durante a semana, sua rotina diária é ir à escola pela manhã e à Soabem à tarde. Nos fins de semana, vai
à casa da avó materna, encontra as amigas, mas a mãe fica preocupada, “..pois.acha que não são boas companhias”(sic).
Gosta de ir ao parque, jogar vôlei, conversar com amigas, dançar e ver novelas. Suas preferências musicais são Axé e Black.
Sua religião é católica, mas a mãe é evangélica. Quanto à situação escolar, repetiu duas vezes a 3ª série, e atualmente está
“...mais ou menos”(sic). Não sabe as notas porque a mãe não foi à reunião de pais. Tem dificuldades em matemática e
português: “....não entram na minha cabeça”(sic). Tem muitos amigos na escola, e apesar de ser a mais velha da turma
conhece e se dá bem com todos. Alguns professores não gostam dela, “...porque não agüento desaforo, sou nervosa demais e
falo o que penso”(sic). Acha que quando o professor tem razão aceita reclamações a seu respeito. Tem duas melhores
amigas, uma na vizinhança da avó e outra na escola. Namora escondido da mãe, que o aceita que namoro por causa da
idade do namorado (23 anos). A mãe tem medo que ela fique grávida, como a irmã ficou aos 14 anos. Desde criança pensa
em ser advogada, “..para poder cuidar dos direitos das pessoas” (sic) ou professora de dança. Não quer casar “....porque
marido pega no pé e não dá liberdade. Mas a minha avó tem o sonho de me ver casando de vestido de noiva (sic). Daqui a
10 anos acha que vai estar trabalhando e morando sozinha, o que quer fazer já aos 18 anos, “...não quero depender de
ninguém, tem sempre alguém controlando a gente”(sic). Foi encaminhada pelo Conselho Tutelar devido às faltas freqüentes
à escola: “..tenho preguiça de acordar de manhã”(sic). Gosta de participar do projeto social, “...mas os meninos e meninas
se opõem muito entre si”(si). Quanto aos professores “...são diferentes da escola, tratam melhor os alunos” (sic). Gosta de
aprender Informática e Espanhol.
? Com a mãe: A mãe comparece em companhia da filha. Refere que se separou do ex-marido quando a adolescente
tinha 1 ano e meio de idade, porque ele bebia e não trabalhava. Durante a gestação, que não foi planejada, a situação conjugal
estava muito difícil e ficou grávida ao dar uma pausa nos anticoncepcionais. Ficou preocupada com a nova gestação, pois
teve infecção na cesárea anterior (tétano). “Mas foi a melhor gravidez que tive” (sic). O parto foi por cesárea porque não
tinha dilatação. Ela nasceu com 3.700 kg e ... era muito bonita ao nascer” (sic). A amamentação durou 8 meses e ela não
tomava mamadeira. Refere que a filha utiliza chupeta até o momento:“. uma é para cheirar e outra para chupar, não
consegue dormir sem chupeta”(sic). Dormiu na cama da mãe até os 7 anos e não aceitava dormir em sua cama. Retirou as
fraldas dos filhos com 1 ano de idade (durante o dia) e com 2 anos (durante a noite), mas a filha teve enurese noturna até os
13 anos de idade. A filha teve nódulos com suspeita de malignidade em diversas partes do corpo, retirados através de
pequenas cirurgias. Tem um problema de má formação, com dois dedos do pé bem menores em relação aos outros, o que a
faz ter vergonha de usar sandálias. Perdeu o dente da frente em uma batida, e fica encabulada ao sorrir. Os filhos mais velhos
sempre ajudaram nos cuidados com ela, porque as empregadas não permaneciam por muito tempo. “Até os 5-6 anos, ela
chamava o irmão mais velho de pai. Nunca fui mãe que deu carinho, porque trabalhava” (sic). Este filho é o mais atencioso
e se importa muito com a mãe, enquanto os outros dão muitos problemas. O ingresso na escola ocorreu na 1ª série, mas a
primeira semana foi difícil, pois ficava chorando. O irmão mais velho era o encarregado de levá-la. Ela nunca foi muito
ligada na escola, mas gostava de participar de tudo, era desinibida e aprendia com facilidade. O seu rendimento era instável,
“... às vezes ia bem, às vezes ia mal” (sic). Quanto ao relacionamento com os colegas, “.... até a 4ª série ia bem, mas agora
tem arrumado encrenca” (sic). Com os professores também, quando criança era apegada a eles, mas agora tem reclamado
dos professores. Refere que o pai nunca mais visitou os filhos, “... porque quase sempre estava bêbado” (sic). A adolescente
não tem muito convívio com o pai, a quem “..só vê de relance”(sic). É muito apegada à mãe, quer deitar no seu colo, mas
esta a afasta dizendo que “... está muito pesada” (sic). Ela também é muito apegada à avó materna, que morava próximo,
mas a avó sempre trabalhou fora e nunca teve muito tempo para os netos. A relação com o companheiro, com quem está há 8
anos, sempre foi difícil, pois os filhos não o aceitavam. Estão morando separados atualmente, mas mantém o relacionamento.
Ele é muito exigente e rígido e os filhos não aceitam a sua autoridade. Como característica mais marcante da filha, refere:
“..tirando a rebeldia, é de melhor convívio que os outros filhos, tirando o mais velho”(sic). Quanto ao projeto social, está
gostando de ver a filha mais ocupada e aprendendo. A mãe informa que está em tratamento médico há 1 ano devido à
depressão, epilepsia e problemas de memória. A renda familiar provém do benefício por doença que a mãe recebe como
funcionária da prefeitura, porque atualmente o companheiro está desempregado e não ajuda no sustento da casa. Não temos
dados sobre a moradia da família.
? Contatos com os representantes da ONG: A coordenadora pedagógica indicou a adolescente para a inclusão na
amostra, após ter sido encaminhada pelo Conselho Tutelar, devido às faltas freqüentes à escola, alegando ter que levar a mãe
ao médico. Os irmãos estão envolvidos com drogas e a irmã já fugiu de casa com o namorado. A mãe é depressiva e o pai é
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distante, não podendo contar com os irmãos, que não ajudam em nada. No final do ano soubemos que a adolescente fugiu de
casa ficando sumida por alguns dias até retornar à companhia dos familiares.
ANÁLISE QUANTITATIVA E QUALITATIVA DO PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 10
Psicograma de Rorschach
[]- valores normativos “médios” para adultos brasileiros segundo Pasian (2000)
Nome: S.10 Sexo: Fem. Idade: 15 a 3 m
T= 8’
R=11[11-14]
T/R= 44” Data: 30.06.05
LOCALIZAÇÃO
Modo de Apreensão
G = 4
D= 6
Dd= 1
G D! (Dd)
Total G= 4 Total D=6 Total Dd= 1 Qualidades das respostas G:
G%= 36% 36-50] D%= 55% [29-39] Dd%= 9% [14 -20]
Simples=4
DETERMINANTES CONTEÚDOS
F+ = 7
K= 3?
CF= 1+
F%= 73% [35-46]
F% ext.= 109%(*)
A= 6
(A)= 1
H= 3
Pl=1
Anat=1
F- = 1
FC=1-
F+%= 87,5% [58-69]
Total A= 9 Total H= 2 Obj= 1
Total F = 8
F+% ext.= 83% [63-72]
A%= 56% [53-64] H%=12,5% [8-13]
Ban= 5 / 45% [24-31] Índice de Angústia
Patológica: 9% [>12]
(*) A F% está acima de 100% devido à presença de mais de um determinante na mesma localização
Análise da Produtividade (R=11 [11-14] T/R= 44”): O número total de respostas está dentro do limite inferior da norma.
Observa-se a variabilidade dos tempos utilizados pelo sujeito, particularmente nas pranchas III e IV, o que indica a
ressonância afetiva às emoções suscitadas pelos estímulos, embora tenha mantido a capacidade de controle formal ao dar
respostas bem vistas e banais nestas pranchas.
Análise dos Modos de Apreensão
Respostas G (5+); G %= 36% [36-50]
- Qualidade formal: A G% encontra-se dentro dos limites da norma, revelando a busca de unidade e de controle sobre o
estímulo. Todas as respostas estão associadas a formas bem vistas, evidenciando o caráter adaptativo do funcionamento
cognitivo.
- Relação com os determinantes: As respostas globais estão associadas aos determinantes F+ (3), K+ (2).
- Nível de elaboração: Todas as respostas G são simples, indicando a presença de uma adaptação perceptiva básica que
possibilita a abordagem do mundo socializado.
Respostas D(6+/1-); D%=55% [29-39]:
- Qualidade formal: A D% encontra-se bem acima dos limites da norma, e a maioria das respostas está associada a formas
bem vistas.
-Relação com os determinantes: As respostas D estão associadas à F+ (4), F-(1), K+ (1), CF+ (1), o que demonstra a
congruência do modo de apreensão e do determinante na maioria das respostas, revelando as capacidades de inserção no real
e de controle das percepções.
Respostas Dd (1-); Dd%= 9% [14-20]
- Qualidade formal: A Dd% encontra-se abaixo dos limites da norma, o que tem um significado mais afetivo e projetivo, pois
a única resposta Dd é mal vista.
- Relação com os determinantes: A resposta Dd está ligada ao determinante FC-(1), na qual fica evidente a perturbação da
capacidade perceptiva sob o impacto emocional provocado pela cor em prancha pastel (VIII).
Análise dos determinantes
Determinantes Formais F (7+; 1-); F%=73% [35-46] e F% ext.= 109%; F+%= 87,5% [58-69] e F+%ext.= 83% [63-
72]: A F% está bastante elevada em relação à norma e ainda mais no F% extenso, o que indica o esforço de controle
intelectual sobre a realidade, que é bem sucedido, tendo em vista a F+% bem acima do limite mínimo da norma, o que
também ocorre na F+% extenso. Existe uma formalização excessiva, que decorre de uma rigidez defensiva que procura
utilizar a realidade exterior, perceptiva e objetiva como forma de evitar a expressão das pressões pulsionais e fantasmáticas.
(Chabert, 2003)
Determinantes Cinestésicos
K (3+): O sujeito apresenta respostas K de boa qualidade formal nas pranchas II, III e IX. Na prancha II, as pessoas são
apenas vitalizadas, não existindo movimento ativo ou colocação de relações entre os personagens e a tonalidade afetiva é
neutra. Na prancha III a resposta é banal, com duas pessoas segurando uma sacola, com um movimento ativo de colaboração
entre os personagens e tonalidade afetiva neutra. Observa-se que na prancha II as pessoas não apresentam gênero definido,
mas na prancha III existe uma sugestão de gênero masculino quando o sujeito faz a referência “... eles estão segurando”.
na prancha IX a identificação masculina dos personagens é bem clara e definida (homens brigando de espada) com gênero
inverso ao do sujeito, em movimento ativo e agressivo e com uma referência fálica dada pela espada.
Determinantes Cromáticos (FC=CF)
CF (1+): O sujeito demonstra forte reação emocional à cor através de uma resposta de tipo infantil, cuja tentativa de controle
formal está presente, mas tende a uma expressão mais espontânea e impulsiva.
218
FC (1-): Nesta resposta existe uma tentativa de controle formal sobre o impacto sensorial provocado pela cor, mas resulta
ineficiente, pois a forma é mal vista.
*Observa-se que na prancha vermelha existe uma reação emocional mais infantil, mas o controle formal é melhor do que a
resposta com controle formal prioritário da prancha pastel (VIII).
Análise dos Conteúdos
Conteúdos Animais (6A; 1(A) A%= 64% [53-64]): A A%, como fator de integração adaptativa e socializante, encontra-se
dentro dos limites da norma, indicando a participação do sujeito na mentalidade coletiva.
Conteúdos Humanos (3H; H% 27% [8-13]): A H% está bem acima dos limites da norma, o que indica a capacidade de
identificação do sujeito com uma imagem humana.
Banalidades (5/45% [24-31]): Encontra-se bem acima dos limites da norma, o que segundo Rausch de Traubenberg (1970)
indica a preocupação de conformismo, a docilidade passiva ou desejo de escapar à investigação.
Análise dos aspectos relacionados aos processos de identificação
?Imagem do Corpo: Nas pranchas compactas a resposta banal na prancha I, demonstra a correta integração e unificação da
unidade corporal. Na prancha IV, que evoca imagens de potência cuja organização revela o nível de integração da construção
corporal, ocorre uma percepção de estrutura de corpo antropomórfico de boa qualidade formal e banal (monstro), que pode
ser considerada em seu valor positivo, no que se refere a uma imagem corporal delimitada e bem definida. A prancha V tem
uma resposta banal de boa qualidade formal, evidenciando a integridade da imagem corporal. Nas pranchas de configuração
bilateral, as respostas cinestésicas das pranchas II e III são todas bem vistas e pressupõem uma referência à representação do
corpo humano inteiro e unificado. Na resposta da prancha VII, a ausência de patas dos animais traz uma representação de
falta de uma parte do corpo, o que pode ter um significado mais ligado à representação de si, o que será analisado no item
seguinte. Nas pranchas pastéis a cinestesia bem vista da prancha IX, implica em uma referência à representação do corpo
humano inteiro e unificado.
?Identidade e investimento da imagem de si: As respostas banais às pranchas compactas I, IV e V trazem imagens
unitárias em que a linha média da prancha é percebida como eixo do corpo, o que revela a integridade da imagem de si
mesmo. As respostas cinestésicas das pranchas II, III e IX são todas bem vistas e pressupõem uma referência à representação
do corpo humano inteiro e unificado, uma vez que a capacidade de pôr pessoas em relação está apoiada sobre uma imagem
do corpo relativamente sólida, assim como, a separação sujeito-objeto e a pertença ao reino humano. Na resposta à prancha
VII os cachorros são vistos sem patas, o que, pode representar o deslocamento da angústia de castração para uma figura
animal.
?O reconhecimento das diferenças sexuais e os modelos de identificação: A resposta à prancha IV traz uma representação
masculina de potência (monstro), que revela a apreensão em uma dimensão ativa e fálica e demonstra o reconhecimento das
diferenças sexuais. A resposta da prancha VI tem um simbolismo viril e sua localização é restrita à parte que sugere a
dimensão peniana, com uma representação de pássaro, que pode ser interpretada em seu simbolismo fálico. Na prancha II as
representações humanas não são claramente definidas (pessoas), mas na prancha III existe uma sugestão de gênero masculino
quando o sujeito faz a referência “... eles estão segurando”. Na prancha VII, que favorece as identificações femininas quando
apreendida em configuração bilateral, a ausência das patas dos animais sugere a presença de angústia de castração, um
registro de falta ligado ao apelo simbólico feminino/materno evocado pela prancha. A resposta à prancha VIII traz uma
representação de flor com pétalas, de simbolismo feminino, com galhos, de simbolismo fálico, o que conjuga na mesma
resposta representações sexuais masculinas e femininas. A prancha IX, cujo apelo simbólico remete à imago materna
primitiva, apresenta uma identificação masculina, inversa a do gênero do sujeito.
?Os processos de identificação através das cinestesias humanas: As cinestesias humanas em bom número e de boa
qualidade formal atestam a apreensão de uma imagem humana inteira, a separação sujeito e objeto e a pertença à espécie
humana. A representação de personagens tende a uma identificação masculina, com uma posição ativa e fálica, com
identidade de gênero inversa à do sujeito.
Síntese Interpretativa
- Aspectos Intelectuais, Afetivos e da Socialização: O sujeito apresenta um funcionamento cognitivo adaptado, com uma
capacidade de controle sobre as percepções e de inserção adequada na realidade, com a utilização das capacidades de
imaginação e criatividade, o que enriquece sua produção intelectual. A afetividade é caracterizada por uma expressão
emocional que tende à espontaneidade e impulsividade. Parece existir uma preocupação e certo temor ou angústia frente às
representações sexuais, o que está sendo elaborado através de defesas de nível neurótico. Os aspectos ligados à socialização
evidenciam a capacidade de inserção na realidade e adequação ao senso comum, bem como, a capacidade de estabelecer
relações interpessoais, o que favorece a integração e adaptação social.
- Processos de Identificação Primária e Secundária: Evidencia-se a capacidade de reconhecimento da imagem humana, de
identificação com a sua espécie e a discriminação entre sujeito-objeto, o que demonstra a construção de uma identidade
sólida e delimitada e um processo de individuação consolidado. O processo de identificação sexual em curso evidencia o
reconhecimento das diferenças sexuais, mas observam-se dificuldades na escolha identificatória. As representações femininas
e/ou maternais estão quase totalmente ausentes, enquanto as representações masculinas são mais freqüentes no protocolo,
sugerindo que a identificação sexual ainda não se encontra bem consolidada no que tange à identificação feminina,
compatível com o gênero do sujeito
219
ANEXO G
Protocolos de Rorschach dos sujeitos
220
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 1 - 16 anos e 4 meses, sexo masculino, 1ª série do Ensino Médio.
T/Pr
.
Pr. Respostas Inquérito L D C B/
O
Niv.
G
F.E./Esc. Obs.
1- ` Uma aranha. 1- Aqui as anteninhas e pernas, aqui os fiozinhos, ela
tecendo.
G
kan A
Sincr.
Simpl.
-Giro instantâneo
30’’ I
2- E um vampiro, não, um morcego. 2- Ela voando, dando o bote pra pegar uma presa. G
kan?
A Ban Simpl. -Indefinição de gênero
-Agressiv. ativa
15’’ II 3- ` Uma borboleta... E mais nada.
3- Aqui a cabeça, asas e pés da borboleta. G
F?
A Simpl. -Giro instantâneo
15’’ III 4- (ri ao ver a prancha) ` Um pulmão. Uma pessoa
assim (abre os braços).
4- Uma pessoa com o pulmão, braços, olhos, e o corpo
até a metade.
GDbl
F?
Hd
Anat.
Sincr.
Simpl.
-Giro instantâneo
-Transparência
-Resp. deteriorada
1’ IV 5-` Um morcego outra vez...
Mais nada.
5- Aqui as asas do morcego, assim, abertas, as patas e
a cabeça em cima.
G
F?
A Simpl. -Prancha que menos gostou
-Giro instantâneo
-Ação sofrida
1’ V 6- (ri)... Esse aqui também ta parecendo um
vampiro, não, um morcego.
6- Esse ficou mais fácil ver o morcego. Cabeça, asas e
patas. Está voando.
G
kan?
A Ban Simpl.
1’ VI 7- Esse aqui complicou... Aqui está parecendo a
cabeça de um gato, um gato esmagado, atropelado.
7- O corpo dele está esmagado, atropelado. G
F?
A Simpl. -Choque
-Prancha que provocou medo
-Agressiv. passiva
-Ação sofrida
1' VII 8- `´` Aqui estou vendo uma anta saindo de um
lado e de outro. Não lembra tamanduá.
8- Bico de cara mais redonda que a do tamanduá.
Corpo e pata.
D
F?
A -Prancha que menos gostou
-Oscilação e dúvida quanto ao
gênero
9- É interessante, dois tigres. 9- Um de cada lado. D
F?
A Ban -Prancha que mais gostou
10- E 2 leões. 10- Aqui também. D
F?
A Ban
11- E aqui uma briga desses dois que eu não
consegui justificar.
11- Não sei o que são; tão muito magros para ser
alces. Briga de duas onças?
Dd
kan?
A
-Oscilação e dúvida quanto ao
gênero
-Agressiv. ativa
1’ VIII
12- E aqui dois elefantes. 12- Cada um de um lado. Dd
F?
A
1’ IX 13- Quatro alces, dois magros e dois gordos. Mais
nada.
13- Estão olhando para o sol. Os magros são as
fêmeas e os gordos são os machos. Estão em dupla,
juntos.
D F- A -Prancha que provocou
alegria
-Referências ao gênero
14- (ri) Esse aqui é... Um rosto. 14- Aqui as sobrancelhas, nariz, olhos, bigode e
cabelo.
DdDbl
FE?
Hd -Prancha que mais gostou
15- Aqui dois pulmões.
15-Aqui o pulmão mais sadio.
D
F?
Anat
16- Aqui pulmão também.
16- Aqui o pulmão mais poluído.
D
F?
Anat
2’
X
17- Dois insetos, dois besouros.
18- Aqui uma estrela de gelo.
17- Dos dois lados.
18- Estrela de gelo, bem fininho, do Cavaleiros do
Zodíaco, homem de gelo,c/poder de congelar a pessoa.
D
D
F?
F?
A
Obj
Simb
Congelamento como
resultado da agressividade
221
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 2 16 anos e 8 meses, sexo masculino, 2ª série do Ensino Médio
T/R Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv.
G
F.E/Esc./
Obs
3’ I 1- ` Uma nave, tipo uma nave, com asas e bico...
Não consigo ver outra coisa.
1- Aqui estão as asas e o bico e aqui (parte central) dá a impressão
de ser um retrovisor, que dá pra ver a parte de fora da nave.
G F- Obj Sincr. -Resposta
deteriorada
1’30” II 2 -Eu vejo um rosto de uma pessoa, um desenho
abstrato.
3- ...Uma parte do corpo por dentro assim,
não sei dizer... Não consigo ver outra coisa
também.
2- Aqui o olho (parte branca), nariz e no meio a boca (parte branca).
3- Parece o pulmão de uma pessoa que fuma. Um pulmão
deformado.).
GDbl
D
F+
F-
(Hd)
Arte
Anat
Elab. -Prancha
que lembra a
mãe
3’30” III 4- ` Aqui eu vejo duas pessoas, uma de costas
pra outra e com o braço levantado..
5- ` E aqui no fundo eu vejo a imagem parecida
com a nave..
6- `...E vejo este laço.
7- > ...Aqui já dá a impressão de uma boca
aberta, já não vejo mais nada aqui.
4- Só na parte escura, corpos até a cintura. Dá a impressão de
pessoas marchando.
5- Entre as duas cabeças (resposta anterior) tem uma imagem mais
clara, onde está a nave.
6- O laço no meio.
7- Tipo a boca de um desses monstros que fazem desenho animado
D
Dd
D
Dd
Kp+
FE-
F+
F-
Hd
Obj
Obj
(Ad)
-Prancha
que lembra o
pai
1’ IV 8-` ´ Aqui uma pessoa com três pés..´ `....Não
vejo outra coisa.
8- Tipo um desenho estilizado, não é bem uma pessoa, uma releitura
de uma pessoa com um pé a mais.
G F- (H)
Arte
Sincr. - Prancha
que menos
gostou e que
provocou
medo
2’ V 9- ` Uma borboleta.
10- ...Uma águia.
11- Não consigo ver outra coisa a não ser um
animal voador. Não consigo imaginar um animal
assim, com a boca aberta ou o chifre na cabeça.
11- Tive a impressão de um animal com a boca aberta, mas vi que
não tinha cabimento. Só a boca aberta do animal.
G
G
Dd
F+
F+
F+
A
A
Ad
Ban Simpl.
Simpl.
-Prancha
que mais
gostou
1’ VI 12- Aqui dá a impressão de um pulmão.
13- >`E aqui nesse meio eu vejo tipo uma
garrafa.
14- `Aqui dá a impressão de um peixe.
15- ` E uma árvore.
12- Só na parte de baixo.
13- A garrafa na parte mais clara.
14- Aqui o rabo, a boca e as nadadeiras do peixe.
15- No todo também.
D
Dd
G
G
F-
FE-
F+
F+
Anat
Obj
A
Pl
Simpl.
Simpl.
3’ VII 16- Aqui dá a impressão de dois gatos
equilibrando uma banana no fo cinho.
17- `Aqui dá outra impressão de uma borboleta
sendo puxada por dois gatos... Não consigo ver
outras coisas.
16- Os gatos estão de costas.
17- Está tentando voar, só que está sendo impedida.
D
G
kan-
kan-
A
A
Sincr.
Elab.
-Prancha
que
provocou
alegria
222
T/R Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv.
G
F.E/Esc./
Obs
3’ VIII 18- Aqui dá a impressão de duas onças.
19- ` Aqui dá a impressão de trajes femininos
20- > Aqui parece um míssil nessa direção... Aqui
também não consigo ver outra coisa, além disso.
18- Uma de cada lado.
19- Só no centro, no caso, uma blusinha, cinta e calcinha.
20- Na direção para cima.
D
D
Dd
F+
F+
kob-
A
Vest
Obj
Ban
Orig
1’ IX 21- `....>´> Aqui dá a impressão de uma boca
aberta cuspindo fogo.
21- Fogo saindo da boca, na parte laranja. Boca de bicho. D kanC- (Ad)
Elem
(fogo)
3’
X 22- `´`´Aqui dá a impressão de um animal com
várias pernas, acho que é um bovino com várias
pernas...
23- `>....`Aqui parece uma árvore com a parte
do meio cortada, não consigo ver outra coisa
22- Nessas duas imagens azuis; essa parte parece uma cabeça de
bovino.
23- O caule está inteiro, mas a parte das folhas cortadas.
D
D
F-
F-
(A)
Pl
223
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 3 -15 anos e 4 meses, sexo masculino, 1ª série do Ensino Médio
T/R Pr. Respostas Inquérito L D C B/
O
Niv.
G
F.E./Esc.
/Obs
1’ I 1-.... (sorri) Parece um bicho com asas assim...
Eu ia falar um cachorro também......
1- Que bicho é? Asas formadas por animais, as asas do bicho. (Que bichos
são esses das asas?) São lobos, um de costas pra o outro... Eu ia falar o
lobo ou cachorro, as asas dele podem ser cachorros ou lobos. Ad -... E na
parte do meio eu vejo um bicho.... é, outro bicho.(D/F±/A)
G
F- (A) Sincr. Oscilação da
percepção
Contaminação
2’ II 2 - <´>`Aqui... Sei lá, um sinal de perigo, um
bicho do mal, assim.... só isso mesmo.
2 - Esse sinal de perigo formou um bicho, com essas manchas no fundo,
um bicho do mal, porque na hora que a pessoa vê uma coisa vermelha
assim é perigo, parece sangue e todo esse sangue espalhado transmite
alguma coisa pra quem vê.
G Clob
F-
CF±
A
Sg
Abst
Sincr.
Impr.
Choque ao
vermelho
3’ III 3- Acho que é.... duas pessoas .....do mal
também...porque entre as pessoas tem certa
coisa, um símbolo que significa alguma coisa,
pelo formato parece uma coisa muito
ruim...coisa de outro mundo, né, só isso.
3 Segurando algo no meio que não dá pra analisar. Ad1 -` Olhando de
cabeça pra baixo, eu vejo um animal (D/F-/A) Ad2 - ... E também duas
pessoas de costas uma pra outra e no meio delas tem um símbolo. ... Duas
pessoas segurando algo. . (D/K-/H) Ad3- Essa parte do vermelho eu vejo
....Uma parte das pessoas juntando com outra, porque as partes são
iguais, juntando poderes eu acho. (D/K-/H Abst)
G K+
H
Simb
Ban Simpl -Prancha que
mais gostou e
despertou
alegria
Persev.temática
Fabulação
2’ IV 4- <´>` Acho que está querendo dizer um
mestre de algo má, assim, um símbolo de uma
coisa má, assim..... um bicho, alguma coisa....
4 O mestre é um bicho. Ad1 - Só aqui eu vejo uma caricatura. (Dd/F-/
(Ad)) Ad2 -Eu vejo também uma cabeça de bicho (D/F+/Ad)
G (A) Vaga -Prancha que
provocou medo
1’ V 5- É mais um morcego... 5- Aqui eu vejo um morcego de costas com chifres. G F+ A Ban Simpl. Agress.(chifres)
1’ VI 6- <`>´ Esse daqui.... Não consigo imaginar
nada não.... ? numa parte assim, eu vejo dois
animais um de costas pra o outro.
6 - (Que animais são estes?)...... Não sei, são animais.
D A Choque ao
escuro
3’ VII 7–<´>`Parece uma coisa assim, não vem
nada na cabeça da pessoa, aqui parece um
animal segurado pela cabeça, um bicho,
alguma ave...
7– Uma ave em cima, segurando os animais. G kan-
A
A
Sincr.
Comb.
8–<´>`Aqui eu vejo um cachorro, o formato,
assim...
8 - A cabeça de um cachorro e dos lados eu vejo uns animais. Os olhos do
cachorro no fundo, aqui os animais, leões que se juntam.... ao todo forma
algum símbolo que transmite alguma coisa...é que eu estou vendo por
partes..(Que símbolo é este?) É poder dos animais, junta os poderes dos
animais e forma alguma coisa. (Ad- D/F-/Simb)
D F-
Ad
Fabulação 2’ VIII
9 -... E no meio eu vejo aves. Uma cara de um
cachorro desenhado com os animais. Tem
pessoas que conseguem ver mais....
9 As aves aqui embaixo. Dd F- A Crítica ao
sujeito
4’ IX 10-.<`>´ ...Acho que é por dentro do corpo de
alguma pessoa má e um animal por dentro,
assim.......acho que é isso mesmo.
10 Pelo formato do desenho quer dizer que é uma parte da pessoa por
dentro, pelas cores. (Por que a pessoa é má?) Ad - Porque no fundo aqui
eu vejo um nariz de algum bicho, nesse mais clarinho. Um animal ou uma
pessoa. (G/F-/A)
G CF- Anat Sincr. -Lógica
autística
Oscilação da
percepção
11<´>` Eu vejo um bicho formado por todos
os animais, dos dois lados se você olhar...
11 - Não sei dizer que bicho. G (A) Vaga -Prancha que
menos gostou
12 - ` Dois dragões que formam uma cara... 12 Dois dragões e olhos formando um bicho com chifres... um touro. Dd
Dbl
F - (A) Agress.(chifres)
1’ X
13 Dois bichos em pés.. vejo uma pessoa,
segurando um símbolo, comandando os
animais, transmite uma mensagem de poder.
13 Dois bichos segurando algo, (O que estão segurando?) Um mestre....
olhando bem parece uma caricatura de uma pessoa. Ad Esses
caranguejos de cima juntando todos os poderes dos animais. (D/F+/A)
D
kan±
F-
(A)
Simb
(H)
Fabulação
224
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 4 - 15 anos e 4 meses, sexo masculino, 5ª série do Ensino Fundamental.
T/
P
Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv.
G
Fen. Esp./Esc.
Observ.
2’ I 1- Parece uma abelha com asas e mão..... Parece
uma abelha cheia de sangue..só isso.
1- Aqui as asas da abelha e as mãos. G F- A
Sg
Simpl. -Prancha que menos
gostou
-Animal agressivo
-Cor em prancha
negra
2’ II 2 Xiii... Parece algum couro de vaca, tipo de um
tapete, parece igual...e sangue, um pedaço de
couro e na parte de fora.
2 Aqui em cima o sangue que está fora do tapete, e embaixo
o sangue que está dentro.
G
FE±
(text.)
CF±
Obj
Sg
Impr. -Prancha que menos
gostou
Choque ao vermelho
30” III 3 - `Parece um robô que tem dois coração, o
olho, os braços e aqui o corpo dele.
3- (localiza os olhos, braços e os 2 corações) Ad- E aqui as
armas que tem do lado dele, que ele soltou assim .(D/F-/Obj.)
G F- (H) Sincr.
5” IV 4- Parece um bicho, agora como eu não sei,
parece que tem dois pés, braço, rosto e o rabo.
4- Parece que ele está em pé. G F+ A Simpl. -Prancha que mais
gostou e que
despertou medo
25” V 5- `Parece um morcego...´`...
5- Aqui as asas, o rabo e as antenas. G F+ A Ban Simpl. -Prancha que mais
gostou
1’ VI 6- Esse aqui parece um rato esmagado. As
barbas dele, aqui o rosto, o corpo, parece... não
sei.
6- O caminhão passou encima dele. G FE± A Simpl. -Mórbido
2’ VII 7-`´`.... Esse aqui não dá pra saber o que é
não...aqui parece que é dois elefantes cortados no
meio. Corpo e pernas.
7- Os dois elefantes, um de cada lado. Pedaço do corpo que foi
tirado, arrancado para o lado.
G F- Anat Sincr. -Mórbido
1’ VIII 8- >Aqui parece um tigre em cima de uma árvore,
aqui um lago embaixo, e aqui a foto dele no lago.
8- (Vira a prancha de lado e localiza na parte de cima o tigre, a
árvore e na parte debaixo a água).
G F+
F+
A
Pl
Elem
(água)
Ban Simpl. -Prancha que mais
gostou e que
despertou alegria
-Reflexo
1’ IX 9- `Aqui parece uma árvore colorida, parece.... 9- Uma árvore cheia de frutos. Parece maçã, melancia,
coloridas e com frutas variadas.
G FC± Pl Impr.
1’
X 10- Parece outro robô, a cabeça dele mais magra
e aqui é cheio de ferrugem, cheio de negócios
colo cados nele, tudo junto.
10- O rosto dele aqui em cima, corpo dele todo grudado, cheio
de sucatas velhas, as partes coloridas são as sucatas.
G FC± (H) Impr. -Prancha que menos
gostou
225
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 5 - 15 anos e 3 meses, sexo masculino, 8ª série do Ensino Fundamental.
T/P Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv.G F.E./Esc./Obs.
1’ I 1 - Eu vejo um morcego....
2- Parece mais também com aranha....... aqui só
esses dois mesmo...
3- Uma borboleta.
1- Aqui as presas e as asas do morcego, e o rabinho também.
2- Aranha também tem isso aqui.. Onde ela morde a pessoa, o
rabo (mostra na prancha).
3- A borboleta por causa disso aqui (parte central). Primeiro
é lagarta, depois que se transforma em borboleta.
G
G
G
F+
F+
F+
A
A
A
Ban
Ban
Simpl
Simpl
Simpl.
-Prancha que mais
gostou e que despertou
alegria
- Animal agressivo
30” II 4 - É assim, ou esta ao contrário? (Do jeito que você
achar melhor.). <´>`Aqui eu vejo dois ursos....
5- ` Dois lobos.. Brigando, os dois.
4 A cabeça e o corpo dos ursos. Eles estão brigando.
(Porque estão brigando?) Por causa do sangue deles mesmos,
nessas partes vermelhas.
5 Lobo é quando ele fica meio em pé, quando tá brigando.
Os ursos estavam em pé também.
G
G
kanC+
kan+
A
Sg
A
Elab.
Elab.
-Agressividade
-Agressividade
1’
30”
III 6 - -<´>`.... ....... ´Assim eu vejo duas
pessoas............ só isso mesmo.
6 Cabeça, o peito das mulheres. Elas estão conversando com
a perna em cima da pedra.
Gtec K+
H
Frgm
Elab.
2’ IV 7 ->......... (Reclina a cabeça) ´`....... Aqui eu vejo
um bicho............Só ele mesmo.
7 Bicho de 4 pernas, ele ta andando assim de quatro. Aqui a
cabeça do bicho, (Que bicho é?)
Não sei dizer.
G kan- A Sincr.
1’ V 8- Pode ser um morcego também? Então é um
morcego.... Só morcego mesmo.
8 As perninhas, as asas e os negócios que ele tem na cabeça
aqui.
G F+ A Ban -Prancha que mais
gostou e que despertou
alegria
3’ VI 9 - <´>`.Aqui eu vejo duas cabeças grudadas uma
na outra..... Só isso mesmo......
10-<´..... Eu vejo um bicho de 4 pernas também....
9 Só a cabeça. (Que bicho é?) Desconhecido.
10 É um lagarto.....
D
D
F-
F-
Ad
A
1’ VII 11 ` Aqui eu vejo dois cachorros.
12-<..... E uma borboleta.
11 Eles estão sentados.
12 E a borboleta por causa das asas e do corpo do meio.
D
D
F+
F+
A
A
13-`>´...... Eu vejo dois ratos. 13 O rato está inteiro . D F+ A Ban 30” VIII
14 - E uma borboleta .....`...... 14 E aqui a borboleta. Dd F- A
1” IX 15 Aqui eu vejo a cara de um cavalo...
16 - <` Dois porcos.
17 -...`Duas caras de hipopótamos
15 - Vejo o nariz, só o nariz e o formato da cara.
16 Por causa das cabeças e do corpo.
17 Os olhos no buraco e o bico aqui.
Dd
D DDbl
F-
F-
F+
Ad A
Ad
-Prancha que menos
gostou
30”
X 18 Duas aranhas.
19 Uma cara de uma pessoa, só essas duas mesmo.
18 - A aranha no azul.
19 Olho, bigode e o nariz.
D
DdDbl
F+ FE+ A Hd Ban -Prancha que menos
gostou e que despertou
medo
226
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 6 - 15 anos e 9 meses, sexo feminino, 2ª série do Ensino Médio.
T/P Pr Respostas Inquérito L D C B/
O
Niv.
G
F.E./Esc.
Obs.
1’ I 1- Bom, parece com um morcego; pode ser qualquer
coisa? O que eu imaginar?
2- Esse parece o olho de uma pessoa mal, na parte
de baixo... olhando assim...
3- Parece a cara de uma raposa... Só.
1- É um morcego, todo ele.
2- (Como mal?) Com raiva, assim, aquela expressão
assim. (tenta reproduzir a expressão de raiva).
3- A raposa está com a cabeça abaixada, as
orelhinhas, a parte da boca dela, vista de cima.
G
DdDbl
Dd
F?
F?
F?
A
Hd
Ad
Ban Simpl. -Tonalidade
afetiva
desagradável/
agressiva
(resp.2)
1’ II 4 Só essa parte vermelha, parece uma raia... E o
resto eu não sei..... uma como que se fala?
5- Um crânio, o olho, o nariz, o lugar aqui.
6- Também uma pessoa triste, parece assustada, sei
lá. Só.
4 - Na parte vermelha, uma raia com rabinhos, assim.
5- Na parte do meio .
6-Sabe aquelas máscaras que expressam alguma
coisa? Lembra aquelas máscaras que tem uma
expressão.
D
DdDbl
DdDbl
F?
F-
F?
A
Anat
Másc
-Tonalidade
afetiva
depressiva
(resp.3)
3’ III 7-...... Não sei não, parece uma borboleta voando
numa escuridão.... num lugar que ela está bem alto,
e isso está abaixo dela........Só.
7- Tipo uma ilha no meio do nada, assombrada,
escura, e ela voando por cima. Vendo de cima.
DGbl
kanE?
(persp.)
ClobF?
A
Geo
Elab. -Prancha que
mais gostou e
que despertou
medo
1’ IV 8- O formato de um monstro assim (mostra os
braços) só com pescoço e sem a cabeça. ..Só.
8- Aqueles monstros de filme, de desenho. Não tem a
cabeça.
G
F?
(Ad) Simpl.
1’ V 9- Parece um pássaro com asas bem grandes,
maiores que o corpo, parece que tem uns chifrinhos
também... . Só.
9- Vendo ele de cima, ele voando de costas. G
kan?
A Simpl. -Atribuição de
qualidades
agressivas
1’ VI 10- Parece um... Aquele tipo carpete de urso parece
de um felino, só.
10- Tem bigode, parece aqueles gatos com pelinho e o
resto do corpo não é tão perfeito quanto o tapete.
G
FE?
(text.)
Obj. Ban Simpl.
2’ VII 11- Parecem duas pessoas, sei lá, sem pé, daqui pra
cima, boca, queixo, olho, nariz, testa e uma pena.
Estão dançando, aquelas danças de índio, mulheres
que usam saiona, de costas uma pra outra e viram o
pescoço.
11- Sem pé, não tem pé, viradas de costas, mas
olhando uma para a outra.
G
K?
H Ban Simpl.
12 - ...Não sei não...aqui parece o telhado de uma
casa assombrada
12- Aquelas casas velhas que aparecem em filme ou
desenho. Só o telhado.
Dd
FClob?
Arq.
2’ VIII
13... E aqui dois animais com as patas aqui, sem
rabo, e só, aqui não sei o que é.
13- Não tem rabo.. D
F?
A
Ban
-Prancha que
menos gostou
2’ IX 14- Parece um fogo nessa parte laranja, envolvendo
uma bola de cristal...
14- Se tampar assim fica mais semelhante a uma bola
de cristal.
Dd KobC
?
Elem.
(fogo)
Obj.
-Prancha que
menos gostou
2’
X 15-... Ah, não sei.....parece a arte de uma criança...a
criança coloca as tintas e vai colocando...
16- E aqui parece um gatinho, um gatinho diferente,
a orelhinha, o narizinho, aqui a cabeça e aqui
começa a se encher, como se ele tivesse assim,
começasse a contornar o corpo dele assim.
15- Em toda ela.
16- Ele é branco, o vermelho é o contorno dele. Ele
está dentro do branco. Cabeça dele. Na figura não
aparece o corpo dele.
G
DdDbl
CF?
FC’?
(Arte)
Ad
Impr. -Prancha que
mais gostou e
que despertou
alegria (lembra
o irmão)
227
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 7 - 15 anos e 6 meses, sexo feminino, 7ª série do Ensino Fundamental.
T/P Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv.G F.E/Esc.
observações
2’ I 1- Parece um gato.... Só vejo uma figura
estranha, diferente.
1- Aqui no branco os olhos e o nariz do gato. DdDbl F- Ad -Prancha que
menos gostou e
que despertou
medo
1’ II 2- ....` Parece dois porquinhos, um de frente
para o outro.
2- Tudo, menos os negócios vermelhos. Estão
parados, um de frente para o outro.
D F+ A
1’ III 3- ` Não parece nada... (ri) Parece duas
pessoas..só. Segurando alguma coisa. Parece
que as duas pessoas estão de salto, de saia.
3- Duas mulheres, de saia, segurando alguma
coisa. Só segurando, não sei o que.
Gtec K+
F+
H
Obj
Ban Simples -Prancha que
mais gostou
2’ IV 4- .... Aqui parece os bichos dos Monstros
S.A olhando por debaixo das pernas dele
mesmo.
4- Sabe aquele programa dos Monstros S. A ?
Aqui as pernas, pés e cabeça na parte debaixo.
G F+ (A) Simples -Prancha que
mais gostou
3’ V 5- `Aqui parece um morcego, só a cabeça que
não parece. Parece mais nada, só isso.
5- As antenas e as asas. G F+ A Ban Simples
1’ VI 6- Aqui parece uma espécie de coisa de mar, que
fica no fundo. Os bichos do fundo do mar.
6- Como se fosse um bicho do mar. G A Vaga
1’ VII `...aqui não dá pra ver nada mesmo. - - - -Choque e
Fracasso
1’ VIII 7- Também não estou vendo nada. Ah, não,
estou vendo, aqui como se fossem dois ratos.
7- Eles estão parados. D F+ A Ban
2’ IX 8- Aqui parece duas cabeças de dois
dinossauros.
(Se afasta da prancha, como se evitasse vê-la ou
tocá-la).
Dd F- Ad (Quase recusa)
1’
X 9- .......`Olhando isso daqui parece um pássaro;
o resto parece mancha mesmo.
9- É tipo um pássaro voando. Está pra cima, com
a asa assim, parada.
Dd kan- A
228
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 8 - 16 anos e 11 meses, sexo feminino, 1ª série do Ensino Médio.
T/P Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv.G F.E./Esc./Obs.
1- Juntando? Um morcego de cada lado. 1- Ai, que coisa feia, parecida com morcego. Dd FClob- A -Choque
-Animal agressivo
1’ I
2- Um dedo de impressão digital. 2- O negócio tipo de um dedo, só. Dd FE- Hd
1’ II 3- Ah, que desenho mais estranho. Dois
cachorros tentando se beijar.
3- Sem a parte interna, só o contorno. D kan+ A -Crítica ao objeto
2’ III 4- ` As pernas de um homem. 4- Aqui as coxas, os joelhos, os pés e as
canelas.
Gtec F- Hd Sincrética
Simples
-Prancha que menos
gostou
1’ IV 5- Gente do céu! Ah, na boa, essa eu
não sei.....Um pezão.
5- Aqui o pé. Do F+ Hd -Prancha que menos
gostou
-Choque
6- Uma borboleta . G F+ A Ban Simples 1’ V
7-` Um gavião. Só. G F+ A Simples
1’ VI (Sacode a cabeça em forma negativa)
Não sei não...nada.
-Prancha que
despertou medo
-Choque e fracasso
1’ VII 8- Aqui parece com um short. Só vejo
isso. Uns desenhos muito difíceis.
8- Aqui na parte de baixo. D F- Vest -Crítica ao objeto
1’ VIII 9- Aqui parece um animal, um leão, dois
leão. .......
9- Um de cada lado. D F+ A Ban -Prancha que menos
gostou
-Animal agressivo
2’ IX `´`´...Ah, não enxergo nada não. -Prancha que mais
gostou
-Choque e fracasso
10- Duas aranhas. D F+ A Ban -Animal agressivo
11- Dois caranguejos. D F+ A -Animal agressivo
12- Um sutiã Dd F+ Vest -Prancha que mais
gostou
1’
X
13- Duas folhas, só. Dd F+ Pl -Prancha que
despertou alegria
229
ROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 9 - 17anos e 1 mês sexo feminino, 7ª série do Ensino Fundamental.
T/P Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv. G F.E./Esc./Obs.
1- Parece um morcego... 1- O morcego está inteiro. G F+ A Ban Simples Prancha que menos
gostou:
1’ I
2- Parece um passarinho. Só. 2- Um passarinho grande. G F+ A Simples
1’
II 3- Parece duas pessoas assim de mão dada.....
Também só.
3- Acho que estão dançando. Chapéu. Acho
que um homem e uma mulher.
D K+ H Elaborada Prancha que
despertou alegria
1’ III 4- Parece um gambá, sei lá. Só. Ad- Está parecendo um boi, o formato. A
cabeça e o nariz do boi.(Dd/F-/A)
D F- A
1’ IV 5->´.... Será que é uma pessoa? Parece
que está assim, com os dedos.
5- As mãos de uma pessoa, e os braços. G K+ H Simples Prancha que
despertou medo
6- Esse aqui parece uma borboleta. 6- As antenas e as asas da borboleta.
G F+ A Ban Simples 2’ V
7- ` E aqui parece um pássaro. 7- Dois pássaros, um de cada lado, um pé de
cada um.
Dd F- A
2’ VI 8- ` Essa aqui não dá pra perceber, não dá
pra saber o que é. Parece aqui um peixe,
como é o nome dele? ...peixe raia.
8- O corpo e o rabo do peixe. G F+ A Simples
30” VII 9-...... Parece aquele bichinho do desenho do
gasparzinho, uns fantasminhas.
9- Os dois iguais, o corpo inteiro, dois
fantasminhas.
D K+ (H) Prancha que mais
gostou
30” VIII 10- Esse aqui é uma onça, eu acho. Dos dois
lados.
10- Estão tentando subir, agora onde eu não
sei. Parece que estão tentando subir em
alguma coisa.
D kan+ A Ban -Animal agressivo
11- Esse aqui parece uma janela, uns mato. 11- Uma janela na parte clara e uns matos
embaixo.
Dd F- Arq Prancha que mais
gostou
1’ IX
12- É uma janela ou uma árvore D Pl
13-Essa aqui parece aqueles bois búfalos. 13- Parece que eles estão brigando. D kan+ A -Cena de
agressividade entre
os animais
14- Essa aqui parece uma aranha. D F+ A Ban -Animal agressivo
2’
X
15- Aqui parece um caranguejo. D F+ A - Animal agressivo
230
PROTOCOLO DE RORSCHACH Sujeito 10 - 15 anos e 3 meses, sexo feminino, 7ª série do Ensino Fundamental.
T/P Pr. Respostas Inquérito L D C B/O Niv.G F.E./Esc./
Obs.
30’’ I 1- Eu vejo um morcego aqui, só.
1- Em toda a figura, aqui os olhos e as asas. G F+ A Ban Simples
2- Duas pessoas.
2- Uma pessoa de cada lado.
G K+ H Simples Prancha que
mais gostou
30” II
3- Um coração, metade pra lá e metade pra cá. 3- Pela cor e pelo formato. D CF+ Anat
2’ III 4- Eu acho que são duas pessoas também,
segurando alguma coisa. Não sei o que é isso
não.
4- Parece uma sacola o que eles estão segurando. Gtec K+
F+
H
Obj
Ban Simples Prancha que
menos gostou
2' IV 5- ....Parece um monstro, sei lá. 5- Monstro de filme; não sei qual monstro. D F+ (A) Ban Prancha que
despertou
medo
30” V 6- ` Uma borboleta.... 6- Uma borboleta assim virada. Aqui as asas e a
cabeça.
G F+ A Ban Simples Prancha que
mais gostou
1’30”
VI 7- `...Um pássaro, só. 7- A cabeça e as asas do pássaro. D F+ A
30” VII 8- `.......> Cachorros, dois cachorros. 8- Não estão inteiros, falta as patas. D F+ A
30” VIII 9- ` ...Uma flor. Só. 9- Aqui as pétalas da flor e embaixo os galhos. Dd FC- Pl Prancha que
menos gostou
30” IX 10- Aqui um cavalo. Parece um cavalo com
dois homens brigando.
10- Os homens estão brigando de espada. D K+
F-
H
A
1’
X 11-.....Pode ser só uma coisinha? Uma aranha. 11- Uma aranha de cada lado. D F+ A Ban Prancha que
despertou
alegria
231
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