Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA APLICADA
A CONSTRUÇÃO DA NORMALIDADE EM CONSULTAS PEDIÁTRICAS
KAREN SEGER
Orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Ostermann
SÃO LEOPOLDO
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA APLICADA
Karen Seger
A CONSTRUÇÃO DA NORMALIDADE EM CONSULTAS PEDIÁTRICAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Lingüística Aplicada da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
para a obtenção do título de Mestre em
Lingüística Aplicada.
Orientadora:
Profa. Dra. Ana Cristina Ostermann
SÃO LEOPOLDO
2007
ads:
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Catalogação na Publicação:
Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil - CRB 10/1184
S454c Seger, Karen
A construção da normalidade em consultas pediátricas /
por Karen Seger. -- 2007.
137 f. : il.; 30cm.
Dissertação (mestrado) -- Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada,
2007.
“Orientação: Profª. Drª. Ana Cristina Ostermann, Ciências da
Comunicação”.
1. Análise da conversa - Consulta pediátrica. 2. Fala-em-
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA APLICADA
Karen Seger
A CONSTRUÇÃO DA NORMALIDADE EM CONSULTAS PEDIÁTRICAS
___________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria de Mattos Guimarães
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada - UNISINOS
___________________________________________
Profa. Dra. Ana Cristina Ostermann, UNISINOS
Orientadora
___________________________________________
Profa. Dra. Liliana Cabral Bastos, PUC-RJ
Examinadora
___________________________________________
Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel, UNISINOS
Examinadora
___________________________________________
São Leopoldo, abril de 2007
Eu dedico essa pesquisa a duas pessoas que estiveram ao
meu lado durante todas as etapas da caminhada que agora
concluo: meu marido Rodrigo e minha filha Bruna.
Obrigada pela paciência, compreensão e carinho.
AGRADECIMENTOS
A realização da presente dissertação deve-se a um trabalho
conjunto com algumas pessoas muito especiais para mim. São elas:
RODRIGO SEGER
Obrigada por entender que por um tempo tive que dedicar
mais tempo ao Mestrado do que a nossa família.
BRUNINHA, MINHA FILHINHA
A mamãe vai estar mais presente a partir de agora.
Obrigada pela paciência que tu, mesmo assim
tão pequena, demonstrou ao longo
dessa caminhada.
JULIANA SCHOLLES
Minha irmã querida, fostes importantíssima para a
realização de várias etapas dessa pesquisa e para
a possível conciliação entre Mestrado
e minha carreira profisional.
AOS MEUS PAIS RUDY E MARLIZE
Que entenderam a ausência da filha. Prometo
ser mais presente a partir de agora!
PROFA. DRA. ANA CRISTINA OSTERMANN
Obrigada pelo incentivo, dedicação e desafios propostos.
Com certeza tais pontos foram peças-chave para
meu crescimento intelectual
como pesquisadora.
PPG EM LINGÜÍSTICA APLICADA
Obrigada a todas as professoras que de alguma forma
contribuíram para meu crescimento acadêmico.
Agradeço, também, secretárias do PPG
pelo esclarecimento de dúvidas.
PPG EM SAÚDE COLETIVA
Obrigada a todo o grupo de alunos(as) e professores(as) que muito bem me acolheram e
me ajudaram a conhecer sobre a saúde coletiva de nosso país.
Um agradecimento em especial à Profa. Dra. Stela Meneghel.
DAIANA CAMPANI
Obrigada pelas revisões textuais ao longo dessa dissertação.
AO GRUPO FALA-EM-INTERAÇÃO
Pelo apoio, amizade, sugestões e contribuições dadas em todas as etapas do Mestrado.
Um obrigada especial à colega Cristiane Maria Schnack.
PROFA. DRA. ANA ZILLES
Obrigada pela inspiração para a realização do TCLE.
AOS(ÀS) MEUS(MINHAS) ALUNOS(AS)
Que sempre têm a me ensinar e que me fazem ver, a cada dia,
a importância do ser professor(a).
RESUMO
Nesta pesquisa, investigam-se interações em consultas médicas em postos de saúde
públicos de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. O estudo qualitativo, que utiliza as
ferramentas analíticas da Análise da Conversa (SACKS, SCHEGLOFF, JEFFERSON, 1974),
deriva de um estudo maior (OSTERMANN, 2005), tem como objetivo fundamental investigar
interações entre médica e mãe com seu(sua) filho(a) recém-nascido(a) no período do
puerpério, analisando como se dá a construção e a negociação do conceito de normalidade.
Quer-se ver quais as estratégias usadas pelas médicas para comunicar seu
conhecimento e opinião, o que as mães falam e fazem nos consultórios pediátricos e como as
participantes fazem para lidar com eventuais dificuldades de compreensão nas interações. Por
isso, um estudo aprofundado das interações gravadas e transcritas foi realizado a fim de que
tais questionamentos possam ser respondidos, e um pouco mais da comunicação entre
médicos(as) e pacientes seja entendida.
Como apontado por renomados estudiosos (CANGUILHEM, 2002; FOUCAULT,
1994), o conceito de normalidade constrói-se a partir da contraposição entre o que seja
saudável e o que seja doente, entre o normal e o patológico. Dentre os conceitos da
normalidade estudados, alguns(mas) autores(as) explicam a doença como um oposto da saúde,
enquanto outros(as) a definem como uma variação quantitativa do normal.
No que se refere à construção do conceito de normalidade, as interações analisadas
revelaram um interesse das médicas e das mães em, além de contrapor o normal e o anormal,
também contrapor saúde e doença. O quão bem o(a) filho(a) está mamando ou ganhando peso
são usados como indicativos de bem-estar, tanto pelas médicas quanto pelas mães. As análises
demonstraram ainda que quando as médicas indicam que o bebê está bem, é porque ele está
dentro da média ou do padrão esperado para sua idade, ou seja, dentro da normalidade.
Contudo, não foi possível perceber se a forma como os bebês estão sendo enquadrados dentro
da normalidade pelas médicas está clara para as mães, já que os bebês são enquadrados em
determinadas médias, que não são explicadas pelas médicas nem questionadas pelas mães.
Através deste estudo, quer-se contribuir com novas perspectivas e questionamentos
sobre ambientes institucionais, trazer mais dados para as tradicionais análises sociológicas e
entender como se dá a construção e negociação do conceito de normalidade entre as médicas e
as pessoas que buscam atendimento.
Palavras-chave:
fala-em-interação – normalidade – puericultura – postos de saúde públicos – SUS –
pediatria
ABSTRACT
This qualitative investigation, which uses the analytical tools of Conversation
Analysis (SACKS, SCHEGLOFF, JEFFERSON, 1974), derives from a larger research
study (OSTERMANN, 2005) and aims to investigate interactions between doctors and
mothers during the puerperal time in public healthcare settings, analyzing how the
concept of normality is built and negotiated. The idea is to bring new perspectives and
questionings about these institutions, contribute to the traditional sociological analysis
and provide a broader understanding about how people build and negotiate the concept
of normality during medical consultations.
This research is also an attempt to explore what is conceived as normal in
relations to babies. This study aims at seeing which strategies are used by the doctors
and what the mothers do and say at the doctor’s office. The transcribed and analyzed
interactions in this study help raise questions and answers that enable us to understand
doctor-patient interactions better.
As some researchers point out (CANGUILHEM, 2002; FOUCAULT, 1994), the
concept of normality is built through the opposition between health and illness, between
something normal and something pathological. Among the concepts of normality
studied, some are explained as opposites to health, while some are defined as a variation
of a normal condition.
In relation to the concept of normality, the analyzed interactions revealed an
interest by the doctors and by the mothers to create an opposition between a normal
condition and an abnormal one, between health and sickness. How well the baby is
breastfeeding and gaining weight is used by the doctors and the mothers to check the
well-being of the child. The analysis showed that when the doctors say that something is
fine, it is because it is part of an average according to the age of the baby. However, it
was not possible to see whether this way of grouping the baby in his/her normality is
clear for the mothers, since the averages within which the babies are grouped are either
not explained by the doctors or not questioned by the mothers.
Key-words:
talk-in-interaction – normality – puerperal time – public health system - pediatrics
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................…..................................................
1 ESTUDO DA FALA-EM-INTERAÇÃO.......................................................................
1.1 ANÁLISE DA CONVERSA E ATENDIMENTOS MÉDICOS............................
1.2 A IMPORTÂNCIA DA FALA-EM-INTERAÇÃO EM CONSULTAS
PEDIÁTRICAS..................................................................................................................
1.2.1 Sou um(a) médico(a) interessado(a) em recebê-la e em escutar o que você
quer contar para mim..........................................................................................................
2 SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICO E PUERICULTURA NO BRASIL....…................
2.1 POSTOS DE SAÚDE PÚBLICOS.........................................................................
2.2 PUERICULTURA...................................................................................................
11
14
16
22
24
29
29
33
3 NORMALIDADE...........................................................................................................
3.1 AFINAL, O QUE É SER NORMAL?....................................................................
3.1.1 O normal de acordo com a normalidade (individualidade) de cada um.........
3.1.2 Normal e patológico: diferentes ou parecidos?...............................................
3.1.3 Doença e normalidade.....................................................................................
3.1.4 O normal em consultas pediátricas..................................................................
3.2 PESO E COMPRIMENTO.....................................................................................
38
38
42
44
45
48
51
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS…................................................................
4.1 ETNOGRAFIA........................................................................................................
4.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS....................................................................
55
55
55
5 DESCRIÇAO E ANÁLISE DOS DADOS.....................................................................
5.1 OLHAR ETNOGRÁFICO DO GRUPO ESTUDADO..........................................
5.1.1 As médicas participantes da pesquisa..............................................................
5.1.2 A população usuária dos postos investigados.................................................
5.1.3 Os postos de saúde envolvidos no estudo........................................................
5.1.3.1 Posto Central...........................................................................................
5.1.3.2 Posto Santo Afonso.................................................................................
5.1.3.3 Posto Três Passos....................................................................................
5.2 A AC EM CONSULTAS MÉDICAS PEDIÁTRICAS..........................................
5.2.1 A “forma-padrão” dos atendimentos pediátricos em Rios Claros...................
5.2.1.1 Abertura...................................................................................................
5.2.1.2 Identificação da razão do atendimento....................................................
5.2.1.3 Realização de práticas de puericultura....................................................
5.2.1.4 Soluções para problemas ou dúvidas apresentados.................................
5.2.1.5 Fechamento..............................................................................................
5.2.2 Conversa entre mãe do bebê e médica – por que institucional?......................
5.2.3 O normal e o anormal dos bebês em atendimentos pediátricos......................
5.2.3.1 Ganho de peso e comprimento como indicativo de que o bebê se
encontra dentro da normalidade.........................................................................................
5.2.3.2 A construção da normalidade em consultas pediátricas..........................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................
ANEXOS............................................................................................................................
64
64
66
70
73
74
80
83
87
87
89
91
92
93
95
98
104
108
113
122
126
134
INTRODUÇÃO
Esta dissertação surgiu da necessidade de se conhecer e compreender mais sobre as
interações que ocorrem nas consultas médicas em postos de saúde públicos brasileiros.
Procura-se discutir alguns aspectos envolvidos nesse contexto por meio da análise de
interações gravadas e transcritas entre médicas
1
e mães com seus(suas) filhos(as) recém-
nascidos(as) em atendimentos em consultas puerperais
2
em postos de saúde públicos. A partir
de uma perspectiva sócio-interacional, quer-se contribuir com novos questionamentos sobre
ambientes institucionais e trazer mais dados para as tradicionais análises sociológicas. Dessa
forma, este trabalho busca identificar e analisar:
1. como se dá a construção e a negociação do conceito de normalidade entre as médicas e
as mães que buscam atendimento a seus bebês recém-nascidos;
1a. quais as estratégias usadas pelas médicas para comunicar seu conhecimento e opinião;
1b. o que as mães falam e fazem nos consultórios pediátricos e como as pediatras fazem
para lidar com eventuais dificuldades de compreensão nas interações que as mães possam
ter.
O presente estudo foi realizado em três postos de saúde públicos de uma cidade do
interior do Rio Grande do Sul. Nessa cidade, são realizados, em média, 20 partos por mês. O
estudo, de cunho etnográfico, está vinculado a um projeto maior da Profa. Dra. Ana Cristina
1
Importante ressaltar que a opção de serem analisadas somente interações de médicas pediátricas não foi da
pesquisadora, mas sim por serem somente mulheres pediatras que realizam as consultas de rotina na cidade
estudada.
2
Puerpério é o nome dado à fase pós-parto, em que a mulher passa por modificações físicas e psíquicas,
tendendo a voltar ao estado em que estava antes da gravidez. É também conhecido como resguardo e dura em
torno de 6 a 8 semanas e termina com o retorno das menstruações.
Ostermann, do Programa de Pós Graduação em Lingüística Aplicada da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos – UNISINOS.
Sabe-se que bebês recém-nascidos trazem mudanças significativas na vida das pessoas
que com eles convivem. Com a rotina diária da criança, surgem para os familiares as
consultas pediátricas, que servem, entre outras coisas, para mostrar o quão bem os(as)
filhos(as) estão – ou não. E é exatamente nessa negativa que se pode perceber quão
importantes e delicados esses atendimentos podem ser. Afinal de contas, o que está em jogo
nesse momento é a saúde do bebê.
As mães presentes nas interações aqui analisadas são mulheres no período do
puerpério, que se encontram, muitas vezes, fragilizadas em decorrência do parto e das
responsabilidades exigidas pelo novo ser que agora está em sua vida. Muitas delas, muito
provavelmente, também por situações advindas de sua classe socioeconômica mais baixa. As
consultas aqui estudadas fazem parte do Sistema Único de Saúde. Os atendimentos do SUS
são destinados a todas as classes socioeconômicas, mas são predominantemente as pessoas de
classes menos privilegiadas e, muitas vezes, com difícil acesso a informações que deles
usufruem.
A pesquisa aqui proposta está dividida em cinco capítulos. No capítulo 1, “Estudo da
fala-em-interação”, é apresentada uma fundamentação teórica sobre o estudo da fala-em-
interação, principalmente em contextos médicos. No segundo,
“Serviço de saúde público e
puericultura no Brasil” é feita uma breve amostra sobre a realidade dos postos de saúde
públicos neste país e de como surgiram e são realizadas as práticas de puericultura no Brasil.
No capítulo 3, intitulado “Normalidade”, discute-se a definição de normalidade e suas
implicações. No quarto e penúltimo capítulo denominado “Procedimentos metodológicos”,
são descritos os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa. Já no capítulo 5,
“Descrição e análise dos dados”, é feita a descrição e análise dos dados coletados a partir dos
pressupostos teóricos estudados nos capítulos precedentes. Por fim, são apresentadas algumas
considerações finais e, também, algumas questões que continuam (ou podem vir) a intrigar
os(as) pesquisadores dos estudos da fala-em-interação em contextos médicos. Com esta
proposta, pretende-se trazer contribuições tanto para a Lingüística Aplicada como para
profissionais da área da Saúde. Como será observado ao logo deste trabalho, a fala é um
instrumento-chave para os(as) profissionais da saúde, por isso a importância de um trabalho
que traga uma visão lingüística para um público que, muitas vezes, pouco tem atentado a essa
área.
1 ESTUDO DA FALA-EM-INTERAÇÃO
A linguagem tem o poder de fazer com que ações sociais aconteçam, já que
comunicação e vida social estão intimamente ligadas. Uma conversa não ocorre de qualquer
forma; é preciso que haja um início, uma continuidade e um fechamento; ela não é apenas um
conjunto de enunciados desordenados e justapostos. No caso de conversas corriqueiras, as
pessoas supostamente têm os mesmos direitos, salvo em casos de situações de poderes
diferentes e consentidos por todas as partes envolvidas na interação (SACKS; SCHEGLOFF;
JEFFERSON, 1974). Regras de comunicação são compartilhadas entre os(as) participantes e
problemas de entendimentos e interpretações de significados podem ocorrer. Contudo,
conforme aponta Bastos (1999), as pessoas não estão habituadas a refletir enquanto se
comunicam nem a ligar problemas de relacionamento, tanto pessoais quanto profissionais, a
aspectos lingüísticos ou comunicativos. Como uma conversa entre médico(a) e paciente não é
uma conversa qualquer, principalmente no caso de uma primeira consulta de uma mãe
3
com
seu bebê, problemas de comunicação podem gerar agravantes mais sérios.
Entre as situações mais importantes dos serviços de saúde estão aquelas em que são
dadas informações sobre determinados procedimentos ou resultados de avaliações, ou seja, os
momentos, como afirmado por Drew, Chatwin e Collins (2001), em que se encontram as
interações entre os(as) profissionais da saúde e os(as) pacientes – ou as mães dos(as)
pacientes. Quanto mais preciso o diagnóstico, mais chance haverá de o tratamento ser seguido
pelo(a) paciente ou pela mãe do(a) paciente, no caso de bebês. Não que os tratamentos não
sejam realizados por negligência. Muitas vezes eles não são seguidos por um não-
entendimento de determinada explicação ou até mesmo por uma imposição de determinado
tratamento sem que haja disposição ou até mesmo condições socioeconômicas ou culturais
para que o tratamento ocorra. Drew, Chatwin e Collins (2001) destacam ainda que a forma
3
Sabe-se que as consultas pediátricas não são restritas a atendimentos entre mães e os(as) pacientes bebês.
Contudo, optou-se pela generalização do termo mães no presente estudo devido ao também freqüente uso de tal
termo na bibliografia estudada.
como determinado diagnóstico é dado ao(à) paciente reflete diretamente na sua satisfação
com o atendimento recebido.
A partir da aplicação de um trabalho crítico do discurso na área médica, buscar-se-á
compreender como as pessoas se comunicam em situações de consulta médica e quais as
características organizacionais das práticas médicas nesse contexto. Dessa forma, quer-se ver
quais as estratégias usadas pelo(a) médico(a) para comunicar seu conhecimento e opinião, o
que as pessoas falam e fazem em consultórios pediátricos e como os(as) pediatras e familiares
do bebê consultante fazem para lidar com eventuais dificuldades de compreensão nas
interações. Estudos de interações institucionais como o aqui proposto podem contribuir para a
compreensão sobre como as profissões são constituídas e como as relações de poder são
moldadas na conversa de trabalho. De acordo com Corrêa e Martine (1989), estudos sobre
interações entre médicos(as) e pacientes fora do Brasil fazem circular um grande número de
periódicos, trabalhos acadêmicos e livros especializados sobre o assunto, caso contrário do
que ocorre por aqui.
Charney (apud SANO, 2002) explica que uma maior adesão das mães aos tratamentos
propostos pelos(as) médicos(as) está diretamente relacionada à sua compreensão do que foi
dito pelo(a) médico(a): “48% das mães que não obedecem à prescrição o fazem por não
compreender a necessidade do tratamento” (CHARNEY apud SANO, 2002, p. 141). A
seriedade frente a essa questão agrava-se se for pensado que essa não-adesão das mães
4
é
responsável por 125.000 mortes ao ano, centenas a milhares de hospitalizações
desnecessárias, perdas de dias de trabalho e ausência escolar. O estudo de Charney revela
ainda que a maior parte dos(as) pacientes ou acompanhantes de pacientes que não seguem o
tratamento indicado pelo(a) médico(a) pertence a classes socioeconômicas mais baixas, como
é o caso da mães que levam seus(suas) filhos(as) a consultas na presente pesquisa.
Outras pesquisas, como as de May, Ellis-Hill e Payne (2001) e Lester e Griffiths
(2000), apontam o quanto uma comunicação efetiva nas organizações é importante nas
interações do cotidiano. Entretanto, conforme afirmado por L`Abbate (1994), os(as)
4
O uso do termo "mãe" na literatura como generalizador para pais e mães acaba por atribuir apenas às mães toda
a responsabilidade sobre possíveis "acertos" e "erros" no cuidado para com seus(suas) filhos(as), posição esta
com a qual não nos afiliamos.
funcionários(as) que trabalham no serviço público brasileiro não têm recebido treinamentos
que os(as) auxiliem a desenvolver habilidades comunicativas. De acordo com essa
pesquisadora, os(as) profissionais da saúde brasileiros(as) que trabalham em instituições
públicas precisam de treinamentos relacionados a uma melhor forma de se comunicar para
desenvolver e melhorar seu trabalho. No entanto, quando se pensa nos(as) profissionais da
saúde que trabalham no SUS, sabe-se que estão enfrentando “grave crise em relação à sua
situação de trabalho, aí incluindo nível salarial e carreira profissional, bem como a carência de
recursos técnicos e materiais” (L`ABBATE, 1994, p. 481).
No estudo aqui proposto, busca-se entender de que forma os(as) participantes da
interação investigada constroem e organizam seus turnos e seqüências de turnos de fala. Quer-
se mostrar como a Análise da Conversa pode trazer contribuições à categoria médica, que usa
rotineiramente a linguagem como sua ferramenta de trabalho, mas que muito pouco tem
atentado a ela. Um estudo como o aqui proposto oferece subsídios para se estudar e
compreender mais sobre “a fala na produção da vida social” (HUTCHBY, WOOFFITT, 1998,
p. 145). Para que se possa entender melhor o que se está propondo, a partir de agora, as seções
e os capítulos passam a enfocar o entendimento desses aspectos-chave para este estudo:
Análise da Conversa, Etnografia e o conceito de normalidade.
1.1 ANÁLISE DA CONVERSA E ATENDIMENTOS MÉDICOS
Uma moradora de um bairro da cidade em que ocorreram as gravações e observações
para o presente estudo procurou o jornal local em junho de 2006 para reclamar de um
atendimento recebido no Posto Central 24h. É esse o posto em que a maior parte dos
atendimentos foi gravada e observada. A mulher, que sofre de problemas da coluna, precisava
de um atestado. Ao chegar ao local, pediu para ser atendida por um médico específico, aqui
chamado de Sandro, por quem geralmente é atendida. Pegou uma ficha de atendimento e viu
que havia 20 pessoas na sua frente. Quando foi chamada, foi atendida por outro médico. Esse
lhe informou que não poderia dar atestado e que apenas o doutor Sandro era quem lhe poderia
fornecer o documento. No balcão de atendimento, pediram que a senhora retornasse mais
tarde, pois o médico Sandro estaria atendendo até às 18h. A senhora saiu e retornou às 17h.
Esperou novamente pelo atendimento, mas não foi chamada. Ficou esperando até às 19h.
Quando chegou no posto pela segunda vez, foi informada de que o médico ainda estava por
lá. Mais tarde, quando voltou a perguntar sobre ele, foi informada de que já havia ido embora.
O relato acima demonstra um episódio que provavelmente ocorreu devido a problemas
de comunicação, já que ou o atendente do posto informou de forma não clara à mulher o
momento em que ela seria atendida ou a mulher não compreendeu o que o atendente quis
dizer, pois ficou esperando um atendimento em vão. E há ainda quem diga que fala é algo
simples e que a única ação a ser realizada é falar. Falar e entender. Compreender e ser
compreendido(a). Fala não é algo simples, até porque todas as pessoas, alguma vez, já
passaram por alguma situação em que foi registrado algum problema de mal-entendimento na
interação que há pouco havia sido encerrada. Já os consultórios médicos, ou, como no relato
acima, os postos de saúde, são locais em que situações delicadas como doença e saúde e vida
e morte são tópicos conversacionais constantes. Falhas na comunicação não podem e não
devem acontecer. Mas a comunicação humana não é assim. E exatamente por sua
complexidade é que há um grande interesse da presente pesquisa em analisar e entender o que
as pessoas, mães e médicos(as), fazem ao interagir em consultórios médicos.
Na Análise da Conversa – doravante AC – (SACKS 1992; DREW e HERITAGE,
1992; HAVE 2000; ZIMMERMAN, 1998), abordagem adotada a fim de que se possam
caracterizar as interações e os atendimentos médicos gravados, a tarefa do(a) pesquisador(a) é
a de descrever determinados fenômenos interacionais que se sobressaem após uma análise
detalhada dos dados. Nas interações, quer-se compreender como seus(suas) participantes se
entendem, fazem sentido ou reagem ao que foi dito. Essa metodologia é a ferramenta mais
apropriada para o tipo de pesquisa que aqui se pretende fazer, em que os dados são coletados
de conversas naturais entre médico(a) e mães que procuram atendimento ao(à) seu(sua)
filho(a) recém-nascido(a). Por tratar-se de um estudo qualitativo, a análise feita é centralizada
em aspectos interacionais recorrentes. Não há hipóteses a serem comprovadas. Ao contrário,
quer-se trazer discussões detalhadas das análises das gravações em áudio dos atendimentos
estudados.
Os princípios da AC, originados da Etnometodologia, apareceram, conforme Couloun
(1995), com o intuito de estudar a organização social da conversa por meio de uma análise
detalhada de gravações em áudio e das transcrições resultantes. Com isso, como explica
Psathas (1994, p. 66), a tarefa da Etnometodologia e da AC é descrever e analisar os modos
como a ordem social é localmente produzida e reconhecida pelas ações práticas dos(as)
membros(as) da sociedade. As convenções da AC são utilizadas para que a transcrição possa
representar o mais fielmente possível a forma como as palavras foram ditas pelas pessoas
envolvidas na interação. Uma pesquisa guiada pela AC certamente requer do(a)
pesquisador(a) tempo, paciência e disciplina.
Porém, todo esse esforço não é em vão. Toda a engenhosidade necessária para a
realização de uma pesquisa que siga a metodologia da AC ajuda, como elucidam Drew e
Heritage (1992), a revelar um novo contexto da linguagem em uso, levando em conta o fato
de a conversa estar sendo usada como um veículo para ação social – em que pessoas se
entendem ou não e resolvem todas as situações e fatos relacionados às suas vidas. Isto é a AC:
o desenvolvimento de uma análise empírica da natureza do contexto. É, ainda, o estudo da
vida social no local em que ela realmente ocorre e é produzida, ao se observarem situações
cotidianas e rotineiras em detalhes. Sua característica principal é a análise de seqüências de
fala, geralmente gravadas em situações corriqueiras da vida real (HUTCHBY, 1998, p.145).
A AC consolidou-se e aprimorou-se com os conceitos trazidos por Harvey Sacks
(1992), sociólogo da Universidade da Califórnia, por meio das transcrições de suas palestras
após sua morte. Esse estudioso analisou em detalhes diversos tipos de falas-em-interação, e
uma de suas descobertas mais importantes foi a seqüencialidade na troca de turnos nas
interações. Esse foi um ponto-chave no desenvolvimento da AC. Sacks observou que alguns
tipos de turno de fala, como, por exemplo, um convite e sua aceitação ou recusa, vinham
sempre um após o outro. Ele, então, primeiramente os chamou de pares e observou que essas
unidades eram, de certa forma, organizadas. A partir daí, passou a tentar entender como eram
construídas. Sacks (1992) foi o primeiro a ressaltar o fato de a conversa não ser um processo
desordenado como muitas pessoas acreditam. Muito mais que isso, ela é um sistema ordenado
que obedece a regras. A AC surge para isto: encontrar padrões que se sobressaiam em uma
interação a fim de serem explicadas suas lógicas. A regra geral que as pessoas, na condição de
seres sociais, constroem e seguem colaborativamente e que a AC tenta descrever e analisar é a
de que cada participante fala de uma vez. Sacks (1992) salienta ainda a importância de serem
percebidas e analisadas características da fala como pausas, hesitações ou falas coladas.
Psathas (1994, p. 2) explica ainda que o pressuposto básico da AC é o de que as ações
sociais são significativas para aqueles(as) que as produzem e naturalmente organizadas. Essas
ações sociais podem ser analisadas e examinadas por aqueles(as) que as observarem de forma
mais minuciosa. Importante destacar que qualquer fenômeno interacional pode vir a ser
estudado, desde que faça parte de uma conversa naturalmente produzida. Sendo assim, a AC,
abordagem analítica que guia este estudo, conforme explicam Sacks (1992), Psathas (1994),
Hutchby (1998), Wooffitt (1998), Drew e Heritage (1992), Have (2000), Zimmerman (1998),
pode ser definida como um meio de tentar-se ver e analisar como os(as) participantes de certo
grupo organizam seus turnos de fala e compreender as ações que estão sendo realizadas por
esses turnos.
Durante toda a pesquisa, decisões devem ser tomadas ao serem analisadas todas as
interações. Em alguns momentos, podem vir a aparecer fenômenos que a priori haviam
passado despercebidos. Por causa disso, conforme destaca Hutchby (1998, p.75), a fase da
transcrição dos dados já é considerada um momento de análise. Essa é uma das razões por não
ser de costume pedir-se a transcritores(as) profissionais que realizem essa tarefa, já que a
transcrição é parte integral da análise. O ato de se ouvir diversas vezes a gravação faz com
que o(a) pesquisador(a) tenha uma visão mais precisa do fenômeno estudado ou identifique
outros novos. Em resumo, todos os fenômenos descobertos são o resultado desse processo
conjunto de se ouvirem repetidas vezes as gravações e de se analisarem as transcrições.
Quando muitos se sobressaem, o(a) pesquisador(a) pode vir a optar pelos que são mais
interessantes no momento e reservar os que não forem estudados para pesquisas futuras.
Em estudos como o aqui proposto, que analisa as seqüências de turnos de fala entre
médicos(as) e mães dos(as) pacientes, podem mostrar as recorrentes assimetrias interacionais
existentes no contexto da interação, em que ao(à) médico(a) é permitido corrigir o(a) seu(sua)
subordinado(a) sem fazer com que o seu turno de fala seja despreferido. Essa idéia vai ao
encontro da de Silverman (1987), que mostra que geralmente uma interação entre médico(a) e
paciente é modelada pelo controle dos turnos pelo(a) médico(a): seqüências de comentários
são usadas pelo(a) profissional da saúde a fim de conseguir que o(a) paciente fale. No entanto,
isso não significa que os(as) pacientes não tenham autonomia para começar um novo tópico e
dar rumo às interações em uma consulta. Contudo, conforme demonstra West (1993),
geralmente perguntas iniciadas pelos(as) pacientes são despreferidas nas interações entre
médicos(as) e pacientes, e são os(as) pacientes que respondem mais às perguntas feitas
pelos(as) médicos(as) do que o contrário. Entretanto, como já seria de se esperar, são os(as)
pacientes que fazem mais perguntas que recebem mais explicações.
Outro aspecto importante a ser destacado é que, nesse tipo de estudo, o(a) analista da
conversa não questiona ou reflete sobre as motivações dos(as) participantes, intenções,
propósitos, nem sobre suas idéias, pensamentos, entendimentos, emoções, sentimentos, se
esses não forem revelados através dos turnos de fala deles(as) mesmos(as). O que está sendo
percebido pelo(a) interlocutor(a) é o que deve ser estudado pelo(a) analista da conversa. As
recorrências usadas por esse tipo de pesquisador(a) não podem ser criadas por ele(a)
mesmo(a). Elas têm de ser oriundas das próprias interações.
O(A) analista da conversa deve ter em mente ainda que ele(a) quer dar uma visão fiel
da interação pela perspectiva dos(as) interlocutores(as). Portanto, o que ele(a) não deve fazer
é influenciar-se pelo conhecimento prévio que tem de determinado grupo para que essas
idéias não venham a influenciá-lo(a) ou a induzi-lo(a) a encontrar determinados fenômenos
que, na verdade, não estão nos dados. Mais uma vez, o que retorna é a concepção de que o(a)
analista da conversa deva analisar seus dados com uma visão aberta, que esteja pronta a
descobrir um território novo. Por isso, a AC não pode simplesmente ser reduzida a um
conjunto de fórmulas que podem ser aplicadas a determinados dados a fim de que sejam feitas
algumas descobertas.
Já ambientes institucionais, como o da presente pesquisa, são estudados, conforme
explanado por Drew e Heritage (1992), com o objetivo de descrever as particularidades desses
contextos
5
. Procura-se entender padrões de significado, inferência e ação. Quer-se contribuir
com novas perspectivas e questionamentos sobre ambientes institucionais e trazer mais dados
para as tradicionais análises lingüísticas e sociológicas. Porém, sabe-se, assim como Drew e
Heritage (1992), Sarangi e Roberts (1999), Silverman (2001) e Potter (2004) ressaltam, que as
5
Importante ressaltar que contexto, nessa asserção, é entendido como o ambiente ou local físico em que ocorrem
as interações. Em outros momentos do texto, contexto poderá vir a se referir às falas imediatamente anteriores
e/ou posteriores ao turno da fala em questão.
interações institucionais não estão limitadas ao ambiente em que ocorrem, assim como a
conversa espontânea não está. Isso quer dizer que a fala institucional pode ocorrer em
qualquer ambiente, assim como a espontânea.
É exatamente por isso que pessoas em ambiente de trabalho podem conversar sobre
assuntos, desempenhar ações e assumir papéis que não estejam necessariamente relacionados
ao seu local trabalho. Muitas vezes, locais não considerados institucionais, como uma casa,
podem tornar-se um ambiente para interações institucionais. Visitas profissionais na casa do
cliente são um exemplo claro de um momento em que o trabalho está ocorrendo fora de seu
ambiente habitual. Drew e Heritage (1992, p. 18) afirmam que o(a) pesquisador(a) vale-se
dessa forma de ver o mundo com o intuito de descobrir como o modo de falar e as ações são
modelados ou não pelo seu contexto e como as formas de interação institucionais mostrarão
variações sistemáticas e restrições nas atividades em relação a uma conversa cotidiana. Essas
conversas fazem parte das transcrições a serem analisadas e pertencem a um momento que
passou e jamais será repetido. As pessoas até podem tentar fazê-lo parecido, mas jamais igual.
Como visto nessa seção, com as ferramentas da AC, é possível ver como as pessoas se
entendem ou não ao falar. Para o(a) pesquisador(a), não importa o que as pessoas pensam –
até porque essa informação é bastante complexa de ser coletada – mas sim o que se vê e ouve
durante a interação. Os estudos sociolingüísticos atuais, como o aqui proposto, estão mais
preocupados com a ordem interacional do que com a institucional para que possam ser
explicados observáveis padrões interacionais e contribuem para documentar e sistematizar
novas descobertas. Interações sociais e, mais particularmente, o entendimento das interações
entre médicos(as) e pacientes podem ser usados para se ver o que ocorre nesses encontros e
para que sugestões para o aprimoramento das práticas interacionais possam ser dadas. Após
explanada a forma como serão analisados os dados a partir da AC, passar-se-á a um
detalhamento maior da fala-em-interação em consultórios pediátricos.
1.2 A IMPORTÂNCIA DA FALA-EM-INTERAÇÃO EM CONSULTAS
PEDIÁTRICAS
É preciso exprimir as enfermidades do doente, seus sofrimentos, com seus gestos,
sua atitude, seus termos e suas queixas (FOUCAULT, 1994, p. 15).
Conforme é possível perceber com as palavras de Foucault, a tarefa de um(a)
médico(a) não é das mais fáceis, principalmente se for pensado que hospitais e consultórios
médicos são locais em que decisões sobre saúde e, muitas vezes, sobre vida e morte são
rotineiramente tomadas. Enquanto em um local de determinado posto de saúde ou consultório
médico uma mãe pode vir a descobrir algum problema de saúde em seu(sua) filho(a) ou um(a)
médico(a) pode estar informando um(a) paciente de que ele(a) está livre de um câncer que não
mais o(a) incomodará, em outro local, outro(a) médico(a) pode estar dando a triste de notícia
de que uma pessoa amada da família faleceu. Enquanto pessoas morrem, bebês nascem. Essas
são situações naturais do ciclo da vida humana, e as pessoas estão cientes de que podem vir a
vivenciar tais momentos. Estudos como o de Noriega et al (2004) mostram que as mulheres
profissionais da saúde sofrem de grande stress devido à pressão de terem seres humanos
dependendo de suas ações e decisões, além do fato de terem de assumir as tarefas do trabalho,
da família, da casa, todas ao mesmo tempo. Essas, como outras que trabalham fora, têm vários
papéis em suas vidas: são muitas vezes também mães, esposas, filhas e trabalhadoras. Em
todas as situações, elas são igualmente exigidas. As diferentes adaptações a esses papéis
podem significar um alto preço à saúde.
Além dessas preocupações, há a constante de que falhas de comunicação, como as que
ocorrem em todos os locais e em todos os tipos de conversa, podem vir a acontecer nos
consultórios médicos. Nesses locais, esse tipo de falha pode vir a trazer um diagnóstico errado
e doenças e problemas nas crianças podem ser vistos e interpretados de formas diferentes
pelas mães e pelos(as) médicos(as), já que eles dependem de seus conhecimentos e vivências,
que geralmente são bastante diferentes. A dificuldade de se descrever determinado mal ou
doença foi amplamente estudada por Foucault (1994), que a define de forma exemplar com a
seguinte passagem:
Um olhar que escuta e um olhar que fala: a experiência clínica representa um
momento de equilíbrio entre a palavra e o espetáculo. Equilíbrio precário, pois
repousa sobre um formidável postulado: que todo visível é enunciável e que é
inteiramente visível, porque é integralmente enunciável. Mas a reversibilidade sem
sentido do invisível no enunciável ficou na clínica mais como exigência e limite do
que como princípio originário. A descritibilidade total é um horizonte presente e
recuado; sonho de um pensamento, muito mais do que estrutura conceitual de base
(FOUCAULT, 1994, p. 131).
Por isso, conforme Shuy (1993), a categoria médica é uma das que mais vem sentindo
a necessidade de uma comunicação mais efetiva, exatamente por tratar de um grupo que lida
com situações às vezes extremamente complicadas na vida das pessoas. Em consultas
pediátricas, a tarefa desse(a) profissional da saúde envolve uma boa comunicação, tanto sua
quanto de seu(sua) paciente, e torna-se especialmente complicada quando o(a) doente, em um
consultório pediátrico, é um ser humano que precariamente consegue exprimir suas dores e
doenças e participar da interação. Porém, os(as) pacientes entram nos consultórios de certa
forma intimidados pelo local e pela situação desconhecida em que se encontram. Médicos(as),
enfermeiros(as) e outros(as) profissionais da saúde geralmente compartilham uma linguagem
e um conhecimento que o(a) paciente não têm. Os(as) médicos(as) estão em seu território e
estão familiarizados com todas as coisas ao seu redor. São eles(as) que organizam as ações
que ocorrem naquele ambiente e de certa forma cronometram o tempo da consulta. E é pela
fala, a fala da mãe ou de outra pessoa responsável pela criança, que o(a) médico(a) obterá as
informações necessárias para dar o diagnóstico a seu(sua) paciente.
Em uma consulta médica em um posto de saúde público, assimetrias estão o tempo
todo presentes, ao contrário de uma conversa cotidiana, em que se espera que as pessoas
envolvidas tenham direitos iguais, em que todos(as) os(as) participantes têm o direito de
iniciar turnos, falar, mudar ou introduzir tópicos e responder a tópicos da mesma forma e
quantidade. Entre as possíveis assimetrias, a mais evidente está relacionada ao conhecimento
do(a) profissional da saúde sobre o assunto a ser discutido, pois o(a) médico(a) tem
habilidades técnicas e médicas que o(a) paciente não tem. Importante ressaltar o fato de que
os(as) médicos(as) não simplesmente falam de seu trabalho, mas sim o seu trabalho é
representado por sua fala. Passar-se-á agora à próxima e última seção do presente capítulo,
que tratará mais especificamente da fala médica e de suas implicações.
1.2.1 Sou um(a) médico(a) interessado(a) em recebê-la e em escutar o que você quer
contar para mim
A fala, como visto, é algo extremamente importante para a consulta médica, mas é, ao
mesmo tempo, extremamente complexa. Ela jamais conseguirá transmitir exatamente o que
o(a) paciente está sentindo. É impossível, para o(a) médico(a), compreender completamente a
experiência vivida pelo(a) paciente a partir de seu relato sobre ela. E sendo, por exemplo, no
caso de uma doença, algo novo para o(a) paciente, ele(a) não tem necessariamente experiência
de sensações e de palavras a serem usadas para explicar determinados sintomas. Além disso,
em uma consulta pediátrica, o diagnóstico do(a) médico(a) depende, quando a criança é ainda
muito pequena, das informações dadas pela pessoa que acompanha a criança, na maioria das
vezes a mãe, que pode ou não vir a ter o histórico de saúde da criança. Essa pessoa é vista
como a informante sobre o estado de saúde e dos interesses de seu(sua) filho(a), e é vista de
forma mais confiável se for a mãe. Por isso, a necessidade de os(as) médicos(as)
desenvolverem técnicas que os(as) ajudem a entender, se não tudo o que é sentido, mas tudo o
que é possível ser revelado sobre determinado sintoma que acomete seu(sua) paciente, já que
a compreensão sobre determinada doença é um processo conjunto de entendimento. Contudo,
além das assimetrias anteriormente discutidas, como Sano et al (2002, p. 140) apontam, entre
os fatores relacionados à não-compreensão da prescrição pediátrica também estão o baixo
nível socioeconômico-cultural do(a) acompanhante e o fato de os(as) médicos(as) usarem
símbolos, abreviaturas, letra ilegível e orientações fornecidas apenas verbalmente para
explicarem os sintomas.
Além dos fatores acima discutidos, o(a) médico(a) ainda deve saber lidar com a forma
de expressar suas emoções, uma vez que uma resposta emocional vinda de um(a) amigo(a) é
diferente de uma resposta emocional vinda de um(a) médico(a). Por exemplo, a do(a)
profissional pode vir a sugerir que o problema seja mais sério do que realmente é. Por isso,
um recurso freqüentemente usado pelos(as) médicos(as) ao dar determinado diagnóstico é o
de usar os termos normal e comum para explicar determinada doença. Entretanto, conforme
aponta Fisher (1993), os(as) pacientes têm interesse em entender o que o(a) médico(a) quer
dizer quando afirma que o exame não está normal, se isso indica uma doença ou o que deve
ser feito. Assim como esse recurso de usar os termos normal e comum, outro comumente
usado pelo(a) médico(a) para, de certa forma, tirar um pouco o peso da responsabilidade
sobre determinado diagnóstico, conforme explicam Drew e Heritage (1992), é o de o(a)
profissional da saúde – assim como outros tipos de profissionais enquanto falam como
membros(as) da instituição – usar constantemente a palavra “nós” e não “eu” para se referir à
instituição. Isso pode, de certa forma, ser visto como uma maneira de o(a) médica(a) estar
falando como representante e em benefício de uma instituição, tentando tirar sua
responsabilidade sobre algo que está sendo dito, chamando o(a) paciente a assumir a
responsabilidade sobre as ações realizadas (WEST, 1998) ou usando dessas palavras (ou
palavras afins) com o intuito de se “aproximar” de seu(sua) paciente (OSTERMANN, 1994).
Shuy (1993), Barnes (2005), Drew e Heritage (1992), Tannen e Wallat (1993),
Heritage e Lindström (1998), Kleinman (apud TANNEN e WALLAT, 1993), Todd e Fisher
(1993), Cicourel (1993), Silverman (1987), Maynard e Heritage (2005), Sarangi e Roberts
(1999) e Drew, Chatwin e Collins (2001) argumentam sobre a importância de estudos
lingüísticos para a medicina, enquanto compartilham conceitos organizacionais e técnicas
analíticas, trazendo importantes contribuições para a ciência social e a medicina. Por isso,
como dito anteriormente, um dos objetivos da presente pesquisa é explorar algumas das
características que definem a linguagem médica, principalmente a pediátrica. No capítulo 5 do
presente trabalho, será analisada a forma como médico(a) e paciente, ou melhor, mãe do bebê,
comunicam-se, como trocam informações ou deixam de trocá-las. As análises, a partir das
eficientes técnicas de análise da AC, preocupar-se-ão com o processo de tomadas de turnos,
reparos de problemas de comunicação, com a abertura e fechamentos de interações e com os
atos de fala em que as mães relatam ao(à) médico(a) algo relacionado ao bebê. Nas consultas
médicas, essas análises podem focar aspectos desses momentos, enquanto revelam algo bom
ou ruim, e mostrar como esses encontros são construídos conjuntamente.
Dentre aspectos delicados que tais pesquisas podem observar estão pontos como os
revelados por Tannen e Wallat (1993) e Cicourel (1993), que demonstram um crescente
descontentamento dos(as) pacientes em relação aos atendimentos médicos recebidos, muito
provavelmente pelo fato de médicos(as) e pacientes terem estilos conversacionais, histórias
compartilhadas, histórias pessoais, papéis esperados e expectativas da situação diferentes.
Além disso, há situações como as apontadas por Silverman (1987), que mostram ainda que
muitas mães afirmam que gostariam de ter feito mais perguntas e que muitas acham os
atendimentos recebidos muito rápidos. Por isso, Corrêa e Martine (1989, p. 252) afirmam que
“é nas diferenças nas regras do jogo lingüístico e nos esquemas de conhecimento
diferenciados que a maior parte dos mal-entendidos entre médico(a) e paciente são gerados”.
Outro ponto implicador é o de que, de acordo com West (1993), acompanhantes de pacientes
não questionam o(a) pediatra por considerarem-no quase como Deus, que não deve ser
questionado(a). Contudo, perguntas são uma ferramenta importante na comunicação e
auxiliam na troca de informações entre as pessoas, ainda mais em um consultório médico.
Na mesma linha de estudos, West (1993) demonstra que as perguntas feitas pelos(as)
acompanhantes de pacientes são freqüentemente ignoradas, são usadas como forma de
mudança de tópico ou a elas são dadas respostas vagas. A grande maioria dos tópicos é
iniciado pelos(as) médicos(as). Enquanto isso, as perguntas dos(as) pacientes não passam de
simples perguntas, não sendo consideradas iniciadores de tópicos. Além disso, Cicourel
(1993) afirma que pessoas leigas em medicina freqüentemente relatam seu descontentamento
pela forma como é ignorada a perspectiva do(a) paciente e pelo modo como algumas das falas
dos(as) pacientes são entendidas de forma errada. Para que tais problemas não ocorram,
Tannen e Wallat (1993) mostram que é preciso que o(a) médico(a) tenha boa comunicação e
habilidades interpessoais, como, por exemplo, saber como realizar o momento de entrevista
do(a) paciente, como conduzir o exame físico e como reconhecer problemas.
Outro ponto importante, conforme apontam Todd e Fisher (1993), é de o(a) médico(a)
não olhar seu(sua) paciente pensando apenas como alguém que tem diferentes membros em
seu corpo, pois, caso isso aconteça, estar-se-á tendo uma visão mecanicista focada na doença
e não voltada à saúde ou a prevenções. Já Scavone (1991, p. 162) explica que os(as)
médicos(as), na maioria das vezes, diagnosticam sem informar o que está ocorrendo, sem
exames laboratoriais. Mulheres não são ouvidas a propósito do que sentem e, quando são
ouvidas, não são levadas a sério. Essas ações realizadas pelo(a) profissional da saúde são uma
concepção curativa da medicina, em que o tratamento do sintoma é prescrito de forma isolada
do resto do corpo e, também, do contexto social da doença, não havendo a preocupação em
atacar as causas, mas somente os efeitos da enfermidade. O estudo revela ainda certo
descrédito por parte dos(as) médicos(as) pelos remédios caseiros usados pelas mães nos
tratamentos das enfermidades de seus(suas) filhos(as), bem como a inibição ao estarem diante
do poder médico instituído. Esse fato não é muito positivo, pois tais remédios são
freqüentemente usados em classes socioeconômicas mais baixas e ajudam no tratamento de
doenças dessas pessoas, que dificilmente conseguem comprar os remédios receitados pelo(a)
profissional da saúde.
Estudos como o de Shuy (1993, p. 28) mostram que uma conversa com um(a)
médico(a) poder vir a ser algo extremamente frio e assustador a um(a) paciente, e, se o
objetivo do(a) médico(a) é fazer com que o(a) paciente se sinta confortável, um bate-papo
informal no início da consulta pode vir a auxiliar nessa tarefa. Contudo, tal ação muitas vezes
deixa de ser praticada, principalmente no que diz respeito a postos de saúde públicos em
geral, repletos de filas e de pessoas cansadas ou com dor esperando atendimento. Entretanto,
esses “momentos perdidos” no início da consulta podem vir a ser considerados “momentos
ganhos” quando o(a) paciente estiver confortavelmente falando de determinado sintoma.
Outra situação apontada nos momentos em que o(a) paciente relata seus sintomas aos(às)
médicos(as) é o fato de que, de acordo com Barnes (2005), muitas vezes os(as) pacientes(as)
parecem tentar descrever seus problemas de acordo com as expectativas do(a) médico(a), sem
considerar que o problema do(a) paciente só será conhecido pelo(a) médico(a) por meio de
seu relato.
Em consultas médicas, outro ponto implicador é o fato de que nem todos(as) os(as)
pacientes iniciarão imediatamente o tratamento receitado pelo(a) médico(a). Alguns
aguardarão até que recebam a medicação gratuitamente, situação essa bastante comum em
postos de saúde públicos. E quando se fala nas instruções dadas pelo(a) médico(a), o(a)
profissional da saúde deve ter em mente o que apontam Silveira e Santos (2004, p. 1166), que
afirmam que, quando os(as) médicos(as) conversam com as mães, elas tendem a recordar
mais os procedimentos explicados do que aconselhamentos recebidos. Alguns procedimentos
não são recordados por não serem reconhecidos como tal. Já Bueno e Teruya (2004) alertam
os(as) médicos(as) para atentarem tanto para aos aspectos verbais quanto para os não-verbais
da interação – essa percepção permite que o(a) profissional perceba informações às vezes não
reveladas. Antes de iniciar a interação, o(a) profissional pode abrir o caminho para que a mãe
sinta-se confortável para conversar com ele(a) ou até mesmo inibi-la para começar a falar,
provocando seu desinteresse. O ideal seria o(a) médico(a) iniciar a consulta passando à mãe
a seguinte mensagem: “eu estou interessado em recebê-la e em escutar o que você quer contar
para mim” (BUENO e TERUYA, 2004, p. 128).
Barbosa (2004) explica que a situação da saúde pública brasileira sofre de
determinadas carências que precisam ser sanadas. Um dos primeiros passos seria construir
unidades com estrutura adequada (recursos materiais, humanos e financeiros) que
possibilitassem o acesso universal da população aos serviços. Entretanto, conforme apontam
Lester e Griffiths (2000), das mudanças sugeridas nos padrões de trabalho dentre as
autoridades de saúde, uma das mais importantes é a de que a comunicação deva ser
melhorada, já que problemas a ela relacionados ocorrem com freqüência nas grandes
organizações. A presente pesquisa pode vir a servir para despertar a consciência lingüística a
um público não-lingüista para que consiga refletir criticamente sobre o universo discursivo do
qual faz parte. Pode ainda auxiliar no treinamento profissional dos(as) médicos(as), tanto
dentro quanto fora das universidades, desenvolvendo habilidades comunicativas nos(as)
médicos(as) a fim de tornar mais humanas as práticas por eles(as) exercidas e apresentar
análises sistemáticas das relações entre esses(as) profissionais e seus(suas) pacientes e o
desenvolvimento social. A intenção é mostrar de que forma a estrutura do discurso médico é
construída. E esse conhecimento pode vir a trazer sugestões de técnicas para que a
comunicação possa vir a ser melhorada.
Como fechamento do presente capítulo, faz-se oportuno citar Heath et al (2000), que
colocam a importância dos(as) profissionais da saúde, principalmente aqueles(as) que
atendem a populações de classes socioeconômicas mais baixas, como a que faz parte do
estudo que aqui se propõe.
Profissionais da saúde esforçam-se para compreender as experiências de doença e
dor de seus pacientes. Quando a saúde é minada pela pobreza, ao compartilhar a
frustração e a raiva com os pacientes, tal compreensão se torna parte de um processo
de solidariedade com indivíduos e comunidades carentes. Uma vez que o sofrimento
se expressa, torna-se tangível e exige compensação. Este é um dos processos
fundamentais da arte de curar, que se aplica igualmente à injustiça social. Se o
médico ou profissional de saúde simplesmente ouve as histórias de sofrimento, mas
não tenta atuar ao lado de quem sofre pela compensação, abandona sua tarefa
(HEATH et al, 2000, p. 6).
No próximo capítulo passar-se-á a um detalhamento do serviço de saúde público no
Brasil e, como conseqüência, a um entendimento maior dos postos de saúde públicos e da
puericultura neste país.
2 SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICO E PUERICULTURA NO BRASIL
2.2 POSTOS DE SAÚDE PÚBLICOS
Conforme Barbieri e Hortale (2005, p. 1350) e Neri e Soares (2002), o Sistema Único
de Saúde (SUS) foi estabelecido em 1988, “organizado de forma descentralizada e
hierarquizada”, mas, de acordo com Hortale (2004), só foi implementado em 1990. As autoras
concordam que muito tem sido discutido acerca de como torná-lo mais eficiente e eficaz, mas
todos igualmente vêem que muito pouco tem sido feito para tentar conhecer mais os
diferentes tipos de gerenciamento que são feitos no grande número de municípios brasileiros,
fato esse que poderia vir a contribuir para uma diminuição nos problemas que são
característicos de cada posto, como por exemplo o do interior do sul do Brasil que deve ser
diferente de um do interior da região nordeste. Bittencourt, Camacho e Leal (2006, p. 20)
explicam que os trabalhos na área de saúde são, na sua maioria (58, 1%), de abrangência
nacional ou estadual, contra 41,9% de municípios. Desse total, 96,7% são de trabalhos sobre a
região sudeste. Esses trabalhos geram os bancos de dados dos serviços de saúde que são
rotineiramente usados “como ferramenta na elaboração de políticas de saúde e no
planejamento e gestão de serviços de saúde” (BITTENCOURT, CAMACHO e LEAL, 2006,
p. 19) e que muito pouco têm a revelar sobre postos de uma cidade do interior do Rio Grande
do Sul, como é o caso dos postos envolvidos nesta pesquisa.
Como visto anteriormente, a constituição de 1988 trouxe a questão da eqüidade aos
postos de saúde públicos, trazendo universalidade aos atendimentos e dando as mesmas
oportunidades de atendimento a todas as pessoas, mas, muito do que se propôs não é o que
está acontecendo de fato. Frias (2002) mostra que a elevada proporção de óbitos domiciliares
de bebês revela certa dificuldade de acesso aos serviços de saúde. E os resultados de sua
pesquisa sugerem ainda que existem
problemas na organização do sistema de saúde, como a falta de hierarquização,
indefinição de referência e ausência de contra-referência, assim como a necessidade
dos gestores municipais avaliarem a funcionalidade do modelo de atenção e os
investimentos destinados para ampliação e habilitação dos profissionais e na
capacitação e atualização dos médicos envolvidos na assistência à criança,
considerando a absoluta escassez de pediatras no sistema local de saúde (FRIAS,
2002, p. 515).
Contudo, Aerts (1997, p. 364) explica que muitos(as) pesquisadores afirmam haver
uma redução dos níveis de mortalidade devido a um melhor atendimento na área da saúde,
expansão da rede de serviços básicos de saúde e desenvolvimento tecnológico das UTIs
neonatais. Essas melhoras nas infra-estruturas urbanas e quedas de fecundidades também
trouxeram contribuições importantes para a redução da mortalidade em todo o país, que, como
seria de se esperar, é muito maior em crianças mais pobres. É possível afirmar que tais
melhoras se devem, principalmente, à construção de um sistema de saúde que esteja pensando
em atender às necessidades de sua população, tentando identificar problemas e sabendo
resolvê-los de forma individual e diferenciada, não simplesmente seguindo normas pré-
estabelecidas que, com certeza, não condizem com a realidade de todas as regiões e
populações do imenso território brasileiro.
Um país tão diverso quanto o Brasil, com suas riquezas e pobrezas tão grandes e
distantes umas das outras, não poderia deixar de transparecer tais adversidades nas questões
de saúde também. Conforme Barbosa (2004), essas desigualdades são tanto regionais quanto
nacionais. Por exemplo, Menezes et al (2006) indicam desigualdades em relação à oferta de
leitos obstétricos oferecidos às mães em diferentes cidades e até mesmo em bairros de uma
mesma cidade no Brasil. Nesse sentido, “a qualidade dos serviços prestados é extremamente
contrastante, variando de unidades altamente sofisticadas a outras sem a estrutura mínima
necessária” (BARBOSA, 2004, p. 437). E como não poderia deixar de ser, a parcela mais
carente da população é a que mais precariedade de recursos tem. A problemática aumenta
mais se for pensado que, conforme apontam Neri e Soares (2002), as pessoas que têm pior
acesso à saúde são aquelas que necessitam de mais cuidados médicos, mas vão menos aos
serviços de saúde. O maior acesso à saúde está diretamente associado a grupos sociais mais
privilegiados, que têm mais escolaridade, acesso a seguro saúde, água, esgoto, luz, coleta de
lixo, etc. Os autores explicam ainda que “mesmo garantindo acesso universal, a provisão de
saúde pública vem se tornando bastante segmentada no país” (NERI e SOARES, 2002, p. 86).
Por toda essa imensa adversidade existente, os(as) profissionais da saúde precisam
estar sempre atentos às desigualdades de saúde e riqueza das populações e “o desafio de todo
profissional da saúde tem sempre sido compreender a natureza e a extensão dos problemas
enfrentados pelos pobres, os marginalizados e os vulneráveis” (HEATH, 2000, p. 5). Ainda
mais porque é essa população que de certa forma domina o mundo, já que, ainda conforme
Heath (2000), as 225 pessoas mais ricas da Terra têm uma fortuna equivalente à renda anual
dos 2,5 bilhões mais pobres, ou seja, quase metade da população mundial, que, por
conseqüência de sua pobreza, é mais vulnerável. Mesmo em países mais desenvolvidos há
muitos exemplos de desigualdades na saúde, como, por exemplo, nos Estados Unidos, em que
“mais de uma em quatro crianças abaixo de 12 anos têm dificuldade em conseguir toda a
comida de que necessitam” (HEATH, 2000, p. 6).
Sistemas de saúde não são recentes. De acordo com Barreto (2004), todos os tipos de
sociedades tinham o seu sistema de saúde. E de longa data é também a forma como é avaliada
a eficácia dos serviços de saúde dos países mais pobres. De acordo com Frias (2002, p. 510), a
mortalidade infantil é o primeiro indicador do estado de saúde de uma população e um
indicador de como andam os serviços de saúde em países pobres. Geralmente, as mortes
infantis estão relacionadas à dificuldade de acesso a serviços de qualidade e a precárias
condições socioeconômico-culturais. Corroborando essas idéias, Aerts (1997) aponta que as
chances de sobrevivência da criança estão intimamente relacionadas ao acesso à informação,
aos serviços de saúde e à qualidade da atenção pré-natal que a mãe recebe. Da mesma forma,
o atendimento ao parto e a tecnologia disponível para os cuidados do recém-nascido
determinam sua qualidade de vida futura.
Contudo, pesquisas como as de Puccini e Blank (2003) indicam que houve um grande
crescimento do número de pessoas em atendimentos ambulatoriais, principalmente após a
Constituição de 1988, que estabeleceu a saúde como um direito de todo cidadão brasileiro.
Entretanto, tais atendimentos nem sempre trazem consigo práticas nos consultórios como as
que seriam esperadas como ideais. Outro ponto revelado é o de que há um crescente uso dos
atendimentos em pronto-socorro para consultas de rotina, o que acaba não sendo o ideal no
caso de bebês recém-nascidos que precisam de um atendimento continuado, que é essencial
no trabalho de um(a) pediatra. O que acontece é que muitas pessoas acabam optando por
atendimentos de emergência pelo fato de não precisarem pegar fichas e aguardarem
atendimento. Esse tipo de consulta acaba deixando de observar a criança de forma integral,
não acompanhando doenças e não orientando as mães sobre em que circunstâncias devem
retornar. Em muitos casos, doenças graves não são diagnosticadas. Estudos como o de Frias et
al (2002) demonstram ainda que muitas crianças que foram a óbito haviam sido liberadas logo
após consulta médica. Tais exemplos revelam o quanto as circunstâncias sociais podem vir a
interferir nas práticas médicas.
Sobre as pessoas que freqüentam o sistema de saúde brasileiro, Meyer (1999, p. 116)
afirma que são as mulheres as maiores freqüentadoras e/ou usuárias da rede de saúde. Além
disso, são elas, “sem dúvida, o maior contingente profissional na área da saúde”. Já os
atendimentos em postos de saúde públicos têm tanto limitações de tempo quanto de espaço.
Geralmente não são tão acolhedores e confortáveis quanto consultórios particulares. Essa falta
de opção de escolha de médico(a) pode acabar tornando os(as) pacientes ou as mães dos bebês
que levam seus(suas) filhos(as) muito mais vulneráveis, já que dependem das informações de
um(a) médico(a) e de sua competência profissional que desconhecem e da própria instituição.
Os(as) pacientes podem ter prejuízos também em casos de doenças mais sérias que
preferencialmente deveriam ser atendidos(as) pelo(a) mesmo(a) profissional.
Dentre todas as mudanças que ainda devem ocorrer no sistema de saúde brasileiro, a
aqui defendida é a de uma melhor comunicação. Como apontado por Lester e Griffiths
(2000), dentro da categoria de política e organização, a preocupação mais freqüentemente
mencionada foi a da necessidade de uma comunicação melhor. Se a própria categoria médica
vem identificando tal necessidade, mais uma vez a importância da presente pesquisa aparece.
E este estudo vai ao encontro das idéias de Barreto (2004), que segue a perspectiva dos(as)
pesquisadores(as) da área de saúde coletiva e explica que é importante saber de que maneira
podemos contribuir com conhecimentos que levem ao aperfeiçoamento e à regulação desse
sistema e dos(as) profissionais(as) que nele trabalham. Para esclarecer ainda mais o serviço de
saúde público, a próxima seção trará um breve panorama de como é e está a puericultura no
Brasil.
2.1 PUERICULTURA
O pediatra evidentemente se sente pressionado a dar conta, na sua consulta, da
monitorização do crescimento e desenvolvimento, das imunizações, da alimentação
e ainda acrescentar orientações sobre prevenção de injúrias, para tanto mantendo sua
percepção aguçada quanto aos vínculos familiares, auto-estima e sentimentos de
pertencimento. Sem dúvida, é um enorme desafio, que certamente exigiria uma
consulta com tempo maior (BLANK; LIBERAL, 2005, p. 122).
As palavras de Blank e Liberal acima citadas mais uma vez abordam o grande desafio
que é ser pediatra. Esse(a) profissional não se preocupa somente com os sintomas do bebê que
se encontra em sua frente acompanhado, na maioria das vezes, da mãe. Aspectos que fazem
parte do bem-estar da criança, como sua alimentação, o local em que mora e seus familiares
são assuntos igualmente importantes. As palavras de Blank e Liberal ainda vão ao encontro
das de Souza e Costa (1994), que ressaltam que a atenção integral à saúde deve ser priorizada
pelos serviços de saúde. Entretanto, o tempo das consultas, principalmente em consultórios
públicos, é geralmente bastante curto, provavelmente devido à grande quantidade, na maioria
dos postos, de pessoas esperando por atendimento. Por isso, como já foi enfatizado no
primeiro capítulo desta dissertação, em que foi comentada a importância do discurso médico,
o ser médico(a) e, principalmente, o ser pediatra envolve diversas situações difíceis que
devem ser pensadas e analisadas pelo(a) profissional, muitas delas relacionadas a doenças, má
alimentação ou choros do bebê, cujas causas são difíceis de detectar. Essas situações podem
vir a trazer momentos difíceis para esse(a) profissional da saúde, já que situações de doença,
dor, choro ou sintoma desconhecido geram situações de stress em todo tipo de local. Para
ajudar no cumprimento de suas responsabilidades para com a criança, um recurso usado
pelo(a) pediatra para tentar dar conta de todos os aspectos relacionados ao bem-estar da
criança é a puericultura, que, conforme Bonilha e Rivorêdo (2005), é um conjunto de
cuidados médicos e sociais usados pelo(a) médico(a) para promover o desenvolvimento físico
e moral das crianças desde o período da gestação até a puberdade.
Blank (2002) afirma que a puericultura sofreu diversas mudanças nos últimos tempos,
mas nem todos os(as) pediatras estão cientes de tudo que mudou e da forma como mudou.
Esse autor explica ainda que até a metade do século passado a puericultura não passava de
noções e técnicas de cuidados para crianças pequenas, cuidados esses que envolviam nutrição,
higiene e disciplina. Esses conhecimentos eram passados de mãe para filha e, como não
poderia deixar de ser, eram cheios de mitos e tabus. A pediatria apropriou-se dela no século
19 e transformou-a em uma ciência como qualquer outra. Entre 1910 e 1930, a puericultura se
institucionalizou, sendo incorporada às leis, à prática pediátrica e às propostas de saúde
pública. Devido a influências norte-americanas, a educação em saúde recebeu mais atenção,
passando a ocorrer em centros de saúde. Pré-escolares e escolares começaram a receber
orientações. No Instituto de Higiene de São Paulo, iniciaram-se visitas domiciliares que
serviram como um meio de difusão da puericultura. Em 1940, surgiu o Departamento
Nacional da Criança, o que originou a inauguração de diversos postos de puericultura,
maternidades e serviços de pré-natal.
Já na década de 50, a puericultura perdeu um pouco de sua importância, devido a
atendimentos médicos mais voltados à cura e baseados nas diversas subespecialidades
médicas. A partir da década de 60, sob influência dos Estados Unidos, novas técnicas
surgiram na puericultura, a fim de torná-la uma prática mais preventiva e comunitária.
Recentemente, ela tem sido foco de vários estudos. Bonilha e Rivorêdo (2005) afirmam que a
puericultura no Brasil não surgiu da mesma forma que em países industrializados, o que
revela a sua determinação social. Foi importada da França logo após ter surgido, mas só foi
institucionalizada na década de 20, quando a industrialização era uma realidade por aqui
também. Para a Organização Mundial de Saúde, a sua importância repousa no fato de poder
ser usada como uma “estratégia para melhorar as condições de vida das populações pobres,
fazendo uso da educação para modificar os maus hábitos, considerados responsáveis pelas
mazelas sociais, e normatizar as populações” (BONILHA, RIVORÊDO, 2005, p. 11).
No puerpério, período importante em que também se realiza a puericultura, as
mulheres encontram-se em uma situação diferente da habitual, com diversas dúvidas e
inseguranças frente às situações novas pelas quais estão passando. Por isso, conforme Bueno e
Teruya (2004), imediatamente após o parto, a habilidade mais importante do momento do
aconselhamento do(a) médico(a) é a ajuda prática. Tudo nas mães e nas crianças deve ser
observado, e é importante que o(a) profissional da saúde saiba usar de empatia enquanto
conversa com a mãe do bebê. Estudos como os dos pesquisadores acima mencionados
mostram que o(a) médico(a) constrói um relacionamento melhor entre a mãe e ele(a) quando
a empatia é praticada, quando a mãe é elogiada no que faz certo e quando é escutada com
atenção. Durante aconselhamentos de puericultura, pontos importantes a serem observados
pelos(as) médicos(as) são o fato de eles(as) sempre tentarem sugerir e não ordenar, avaliar a
situação sem pressa e intervir só quando solicitado e/ou autorizado pela mãe. Provavelmente
tais fatores farão com que a mãe sinta-se mais à vontade em relação ao período em que se
encontra e às dúvidas que tem. Contudo, tais pontos, apesar de extremamente relevantes,
muitas vezes não condizem com a realidade dos postos públicos, em que filas de pessoas
aguardando por atendimento pressionam o(a) médico(a) a maximizar as consultas.
Warren (2005) ressalta a importância de recém-nascidos serem acompanhados de
perto por um(a) profissional da saúde para que um atendimento melhor e mais individualizado
possa ser realizado. Por isso, a confiança que a mãe do bebê terá ganhado no(a) médico(a)
influenciará diretamente em todo o tratamento a ser dado à criança, inclusive para que o
tratamento seja de fato realizado e para que a mãe retorne ao consultório. O tornar-se mãe traz
consigo responsabilidades novas e extremamente sérias e importantes. Em razão disso, é
natural que as mães estejam ansiosas e inseguras, já que situações desconhecidas costumam
gerar insegurança em todo ser humano. O fato de serem responsáveis quase que
completamente por uma nova vida faz com que a nova realidade dessas mulheres às vezes se
torne bastante difícil, principalmente se não receberem nenhum tipo de acompanhamento.
Mais uma vez ressalta-se a necessidade de o(a) médico(a) pediatra estar ciente desses pontos.
Bustamante e Trad (2005) afirmam que os primeiros anos de uma criança têm um
papel importante em sua vida. Por isso, conforme Souza e Costa (1994, p. 29), “um dos
objetivos iniciais da puericultura é monitorar o crescimento e o desenvolvimento das crianças,
estimular a prática do aleitamento materno e imunizações”. Nesse sentido, conforme
Mascarenhas et al (2006, p. 291), “o aleitamento materno é uma forma segura, econômica e
emocionalmente satisfatória de alimentar os bebês, especialmente nos países em
desenvolvimento”. Entretanto, a pesquisa aponta que os índices de aleitamento materno ainda
estão abaixo do que os recomendados, o que reforça a idéia de se continuar incentivando tal
prática, principalmente nos serviços de saúde.
Outro fator que comprova a importância da puericultura no início da vida da criança é,
segundo Madeira e Aquino (2003), o fato de que os maiores problemas relacionados a
dificuldades de alimentação das pessoas podem ser resolvidos enquanto elas são bem
pequenas, cabendo ao(à) pediatra ficar atento aos problemas, identificá-los e auxiliar a mãe já
no período da amamentação. E é exatamente o(a) pediatra que estiver atento às formas como a
mãe vem amamentando seu bebê e como ele está amamentando que acabará desempenhando
um papel importante na promoção da amamentação e influenciando diretamente na sua taxa
de duração. É importante ainda que as orientações dadas às mães ou ao(à) acompanhante do
bebê sejam anotadas no prontuário, para que, caso não seja o(a) mesmo(a) médico(a) a
atender o(a) paciente(a) quando retornar para atendimento, o(a) outro(a) saiba de todo o seu
histórico, situação essa bastante comum em consultórios públicos, em que os(as) médicos(as)
geralmente não são escolhidos pelo(a) paciente, mas sim pelo sistema de saúde.
Da mesma forma, outro ponto importante a ser observado pelo(a) médico(a) enquanto
puericultor(a) é o contexto social em que a criança vive, já que esse é um fator que pode afetá-
la em muito no futuro. Estudos como o de Martins et al (2004), Bonilha e Rivorêdo (2005),
Bustamante e Trad (2005), Blank e Liberal (2005) e Blank (2002) comprovam a relevância de
serem examinados os ambientes em que as crianças vivem como possíveis indicadores de
problemas com a criança. Principalmente para Blank (2002), é importante que o(a) médico(a)
faça um diagnóstico da saúde da criança e do ambiente em que vive para que o(a) paciente
possa ser visto dentro do contexto de sua família e comunidade. Contudo, a grande
diversidade do mundo atual impõe algumas barreiras ao(à) pediatra nesse sentido, já que é
possível encontrar as mais diversas estruturas familiares: os pais e as mães podem morar
juntos ou não, trabalhar fora o dia inteiro ou simplesmente não trabalhar, ter culturas e crenças
totalmente diferentes do convencional ou residir em locais com pouca ou quase nenhuma
estrutura básica de saneamento. Além desses aspectos, há os menos visíveis, como discórdia
entre pais e mães, falta de afeto, isolamento social, racismo, escola deficiente, entre outros.
Para que tal diagnóstico possa vir a ser feito, um dos pontos a ser melhorado pelo(a)
médico(a) é a forma com que ele(a) se comunica.
Para finalizar, conforme Bonilha e Rivorêdo (2005, p. 12) salientam, o(a) pediatra
deve ter claro para si as limitações da puericultura no dia-a-dia, sempre entendendo que ela
não é constituída por “verdades científicas universais e infalíveis”. Alguns(mas) pediatras
atribuem os insucessos das consultas às mães e outros(as) acabam recebendo parcela de culpa,
sendo atribuído a eles(as) a falta de capacidade de transmitir as informações e conhecimentos
adequadamente às mães. Quando o(a) pediatra consegue entender que nem todos os
problemas são possíveis de ser resolvidos em seus consultórios e que nem todos eles serão
detectados, sua ansiedade frente a esses pontos pode, de certa forma, ser diminuída. É o caso
da amamentação, que, de acordo com Souza e Costa (1994), é uma prática determinada por
aspectos sociais e emocionais. É igualmente importante que o(a) pediatra não receba as
normas e as condutas da puericultura e das regulamentações médicas em geral como leis
absolutas, mas que esse(a) profissional esteja aberto a adaptá-las conforme a realidade do tipo
de família brasileira que ele(a) atende e com que convive.
A partir do capítulo três, passar-se-á ao entendimento da importância do conceito de
normalidade para a presente pesquisa.
3 NORMALIDADE
3.1 AFINAL, O QUE É SER NORMAL?
O valor preditivo da ultra-sonografia normal para desenvolvimento motor normal foi
85,3% e para o desenvolvimento cognitivo normal foi 86,8%. O valor preditivo da
ultra-sonografia anormal para desenvolvimento neuromotor anormal foi 66,7% e
para o desenvolvimento cognitivo anormal foi 42,9%. O valor preditivo do exame
ultra-sonográfico normal para o desenvolvimento normal das duas áreas
(neuromotora e mental) foi 82,0%. O valor preditivo do ultra-som anormal para o
desenvolvimento anormal em uma das duas áreas (neuromotora ou mental) foi
73,0% (MELLO, et al, 1999, p. 46).
A passagem acima, de um estudo realizado por Mello et al (1999), dá uma breve
amostragem de como a categoria médica vem usando os termos normal e anormal para
explicar diagnósticos, situações e males que perturbam seus(suas) pacientes e para comentar
fatos a colegas de profissão. Contudo, não somente os(as) médicos(as) utilizam-se desses
termos. A população leiga em assuntos médicos também os vem usando para perguntar e
explicar sintomas, males e doenças. Mas o que será que acontece quando dois extremos da
sociedade brasileira se encontram (médico(a) escolarizado(a) e de classe socioeconômica
elevada e mãe de nível escolar primário e de classe socioeconômica baixa) e usam desse
vocabulário para descrever algo que está acontecendo com um bebê recém-nascido que muito
precariamente consegue expressar o que está sentindo? Será que ambas as partes estão se
entendendo ao se comunicar? Qual a importância do uso de tais termos nesses atendimentos
médicos? Antes de começar a responder a esses questionamentos, o presente trabalho faz uma
revisão bibliográfica para ver o que os estudos sobre o assunto mencionam sobre o que se
entende sobre os termos normal e anormal.
Tais conceitos acompanham as mães, pais e familiares até mesmo antes do nascimento
de seus bebês, uma vez que o termo aparece já durante o período da gravidez. Nos diversos
livros e artigos analisados
nesta dissertação, é possível perceber que são usados
constantemente os termos normal e anormal. Porém, a dimensão da complexidade desses
termos trazem não parecem estar claras a toda população leiga que os utiliza, ou a toda mãe
que leva seu(sua) filho(a) em um atendimento médico pediátrico em que seu bebê é avaliado e
diagnosticado como normal.
O termo normal perpassa a medicina há longa data. Já em 1848, essa palavra apareceu
no discurso de fundação da Sociedade de Biologia. Charles Robin, primeiro presidente, teve
seu discurso seguido por seu segundo presidente, Claude Bernard, que formulou os princípios
diretores da sociedade. No discurso lido aos membros fundadores, ele falou que:
o objetivo, ao estudar a anatomia e a classificação dos seres, é elucidar o mecanismo
das funções; ao estudar a fisiologia, é chegar a compreender de que modo os órgãos
podem se alterar e dentro de que limites as funções podem se desviar do estado
normal (CANGUILHEM, 2002, p. 44).
Conforme Canguilhem explica, o discurso de Claude Bernard revela uma antiga e
atual preocupação da categoria médica em definir o ser humano dentro de sua normalidade ou
de uma situação em que esse indivíduo se encaixe ou não, a partir de um estado normal pré-
determinado. Nesse sentido, é a partir dos desvios que as normas podem vir a ser
reconhecidas. Conforme tal conceituação, é possível perceber que a definição dos termos
normal e anormal não é algo fácil de ser compreendido. A complexidade desses termos
repousa no fato de eles poderem variar seu sentido dependendo da situação em que são
utilizados. Em um dado momento e estado, a pessoa pode vir a ser considerada normal, mas
esse estado, de outra forma e em outra situação ou indivíduo, pode vir a ser considerado
anormal. Quando se pensa nas diferenças entre normal e anormal, deve-se primeiro considerar
o que é normal, já que o anormal é posterior à definição de normal.
Silverman (1987) relata que, já nos primórdios da medicina, o médico se preocupava
em diagnosticar e classificar doenças com o intuito de tentar ver a ‘normalidade’ do(a)
paciente, ou seja, o quão normal o indivíduo era ou não em relação ao padrão. Esse tipo de
medicina identificava a doença como algo anormal do processo fisiológico, o que tornava o
termo normalidade extremamente ambíguo. Com o passar do tempo, o diagnóstico tornou-se
menos importante e foi substituído pelo objetivo de se tentar entender o indivíduo pela idéia
de que todos são diferentes.
A medicina moderna nasceu nos últimos anos do século XVII; entretanto, foi só no
século XIX que o conceito de normalidade começou a ser abordado. Ele veio para substituir o
uso do termo saúde e trouxe consigo uma nova forma de se expressar um diagnóstico, que
está diretamente relacionada a um tipo de funcionamento ou estrutura que permite que sejam
formados conceitos e que intervenções sejam prescritas. Foucault (1994, p. 40) explica ainda
que o conceito de normalidade sempre está ligado ao de patológico, ou seja, para que haja o
doente, é preciso que haja o saudável; para que haja o normal, é preciso que haja o anormal.
Sobre isso afirma: “daí o caráter singular das ciências do homem[sic], impossíveis de separar
da negatividade em que apareceram, mas também ligadas à positividade que situam,
implicitamente, como norma” (FOUCAULT, 1994, p. 40).
Porém, o conceito de normalidade tão usado nos tempos passados continua a ser parte
fundamental para o(a) médico(a) ao dar explicações de diagnósticos a pacientes sobre o seu
estado de saúde, ou, conforme esta pesquisa, para as médicas ao darem explicações às mães
dos bebês. Mas tão distante quanto sua origem parece estar a compreensão do que esse normal
ou essa normalidade realmente sejam. Por exemplo, quando uma mãe vai fazer uma ecografia
durante a sua gravidez para ver se tudo está bem, a simples sinalização dada pelo(a)
médico(a) de que tudo esteja realmente bem e dentro da normalidade muitas vezes já basta
para que se sinta tranqüila e segura com sua gestação. Quando o(a) médico(a) explica algo
com termos comumente usados na medicina, como por exemplo estar abaixo do percentil 10
ou ter uma relação entre fêmur ou uma circunferência menor que 24%, provavelmente o
entendimento da mãe sobre tal explicação seja diferente do entendimento do(a) médico(a).
Apesar de as pessoas freqüentemente usarem comparações para definir o que (ou
quem) seja normal ou não, essa prática traz consigo um problema – o de se normalizar um
indivíduo a partir de determinada média ou norma. Essa média dá apenas uma idéia
generalizada de determinado grupo, do qual uns se aproximam e outros se afastam
completamente. Por exemplo, pode-se mediar a altura de diversas casas e conseguir uma
média. No entanto, pode ocorrer de alguma casa não se aproximar da média. A média indica
uma regularidade e não uma verdade absoluta. Essa tão almejada média indica determinada
normalidade, que são, na verdade, conforme apontam Coelho e Filho (2003), os padrões
socialmente aceitos, estimados e desejados, que fazem parte da sociedade atual.
Canguilhem (2002) explica que os fenômenos geralmente vistos como anormais pelas
pessoas nada mais são do que situações constantemente presentes no organismo humano. O
autor ainda explica que, em determinado momento de doença ou de anormalidade, o que
ocorre com esses fenômenos nada mais é do que uma modificação de determinada quantidade
ou intensidade de certo componente. Para exemplificar tais idéias, o autor cita a situação de
um organismo que sofre por causa de diabetes:
o diabetes é caracterizado pelos seguintes sintomas: poliúria, polidipsia, autofagia e
glicosúria. Nenhum desses fenômenos é propriamente um fenômeno novo, estranho
ao estado normal, nenhum é uma produção espontânea da natureza. Ao contrário,
todos preexistem, exceto por sua intensidade, que varia no estado normal e no estado
de doença (CANGUILHEM, 2002, p. 46).
O conceito do que seja normal e anormal na sociedade atual está relacionado,
conforme aponta Luz (2005), ao tipo de classe social ou faixa etária em que o indivíduo se
encaixa e à forma como essas pessoas representam tais conceitos em suas vidas. Por exemplo,
nas classes socioeconômicas mais elevadas, a maioria das atividades físicas realizadas com o
propósito de adquirir ou desenvolver boa saúde ou manter-se saudável ou dentro de
determinada normalidade está relacionada, na verdade, com os efeitos estéticos que essas
atividades proporcionam, em que um corpo ‘saudável’ pode vir a ser usado como instrumento
de ascensão ou promoção social. Já para pessoas mais maduras ou idosas, a normalidade é
representada por atividades que trazem vitalidade e energia ou equilíbrio e harmonia, em que
a ‘boa forma’ é usada para fins de conservação de beleza e juventude, freqüentemente usadas
como sinônimos de manutenção de saúde ou normalidade. Já para pessoas de classes
socioeconômicas mais baixas, a normalidade está relacionada à capacidade que os indivíduos
têm de trabalhar ou de desempenhar atividades que tragam o seu sustento e de seus familiares.
3.1.1 O normal de acordo com a normalidade (individualidade) de cada um
Conforme os conceitos discutidos na seção anterior, o completo entendimento do que
seja normal e anormal pode não estar claro para as pessoas, nem mesmo para a categoria
médica. A discussão torna-se mais calorosa ainda se for questionado o fato de as normas e as
normalidades adotadas como padrão pelos(as) médicos(as) não condizerem com o(a)
paciente que está em seu consultório. Dados internacionais são comumente usados como
referência no Brasil. Dados brasileiros são generalizados nas diferentes populações desse
imenso país. Afinal, quem pode ser normal em situações em que os dados comparados são
anormais a sua individualidade?
Tal problemática foi apontada por Cecatti (2000), que comenta as grandes
divergências existentes entre os padrões adotados como normais. Nessas divergências, podem
ser incluídas variações como características populacionais, fatores ambientais e o tipo de
fórmula matemática utilizada pelo(a) médico(a) ao fazer seu cálculo para alcançar
determinada média. Patologias maternas podem vir a influenciar no crescimento da criança e
nas características particulares do indivíduo já durante o período da gestação. Características
fisiológicas maternas como peso, altura e paridade influenciam no ganho de peso fetal, em
especial, no terceiro trimestre de gestação, mas acompanham a criança por toda sua vida. Os
seres humanos têm diferenças individuais em tamanho e crescimento. Quadra (1983) ressalta
em seu estudo que, quando se fala em normalidade, é sempre o indivíduo que deve ser tomado
como ponto de referência.
Já no caso das tabelas e gráficos freqüentemente usados nos consultórios pelos(as)
médicos(as) para determinar a normalidade de certa condição da criança, como, por exemplo,
peso e altura, existe a problemática de que, em muitos locais onde não foram feitas pesquisas
sobre determinada normalidade, são usados valores de pesquisas estrangeiras, o que não é o
ideal, já que as condições ambientais, socioeconômicas e étnicas influenciam nos valores
encontrados e podem gerar interpretações erradas de determinados achados. Mancini, Solé e
Naspitz (1996) comentam que, se estudos fossem feitos nas diferentes populações brasileiras,
provavelmente seriam encontrados valores bastante variáveis, muito disso decorrente de
fatores ambientais e climáticos muito diversos no imenso Brasil. Em um estudo realizado em
São Paulo, viu-se que, mesmo dentro de uma mesma cidade, os índices podem variar em
muito devido a diferentes condições de moradia e higiene em que algumas famílias vivem. O
estudo foi realizado com pessoas de classe socioeconômica baixa e acaba revelando a
realidade presente em grande parte da população brasileira.
A importância de as pessoas serem observadas e pensadas a partir de suas
individualidades é discutida por Foucault (1994) e Canguilhem (2002). Canguilhem chegou a
fazer uma comparação entre orientais e ocidentais ao mostrar as diferenças que as pessoas
podem vir a ter. São povos diferentes, com ritmos de vida diferentes e, conseqüentemente,
organismos diferentes. Por isso, a problemática normal e anormal perpassa diferentes povos e
épocas em que diferentes hábitos ditam diferentes costumes. Esse fato ocorre, por exemplo,
com os hábitos novos na vida do ser humano atual, como os de alimentação e de higiene, que
fizeram desaparecer doenças que afetavam as pessoas antigamente. O que é considerado o
anormal hoje era considerado o normal de antigamente.
Além de ser considerado que a norma é sempre individual, há também o fato de que
cada indivíduo tem sua própria concepção de normalidade. De acordo com Coelho e Filho
(2003, p. 108) em que “a normalidade deixa de se restringir a um único padrão, deixa de ser
conforme um modelo predefinido de saúde e passa a se expressar de diferentes formas”. Para
Quadra (1983, p. 42), “doenças que jamais haviam existido para o homem[sic] passam a
existir pela ciência do médico” ou seja, há doenças não sentidas e não conhecidas pelas
pessoas leigas em medicina, que são apresentadas pela categoria médica enquanto examina
determinado(a) paciente, já que “se a consciência do sofrimento denota a existência de uma
doença, o inverso não é verdadeiro: patologias existem sem que delas se tenha consciência”
(QUADRA, 1983, p. 42). Enquanto isso, o estado anormal ou patológico não pode ser visto
como uma ausência de norma. A doença é algo normal na vida das pessoas, é uma norma. Por
isso, anormal seria uma pessoa que não ficasse doente.
3.1.2 Normal e patológico: diferentes ou parecidos?
[U]m organismo só está doente em relação com as solicitações do mundo exterior,
ou com as alterações de seu funcionamento ou de sua anatomia (FOULCAULT,
1994, p. 217).
A afirmação acima feita por Foucault consegue ilustrar a importância do conceito de
normalidade, muito importante para a presente pesquisa, já que variantes desse termo
aparecem diversas vezes nos atendimentos estudados, e ele é usado para fazer as mães
entenderem o quadro clínico de seu(sua) filho(a). Tal conceito traz consigo a concepção de
que a doença somente existe em relação ou em comparação com algo sadio do mundo
exterior. E é a partir dessa idéia que todo o conceito de normalidade se constrói: a
contraposição entre o que seja saudável e o que seja doente, entre o normal e o patológico.
Foi dos gregos que veio a idéia de se ver o ser humano de forma ontológica, estudando
o seu todo e dinamizando a doença. Para eles, a natureza, tanto fora quanto dentro do ser
humano, significava harmonia e equilíbrio e qualquer forma de perturbação dessa harmonia e
desse equilíbrio seria considerada uma doença. Com essa concepção, pode-se entender que a
doença não está em parte alguma do ser humano, mas está em todo lugar e é parte dele. “As
circunstâncias internas são ocasiões e não causas” (CANGUILHEM, 2002, p. 20). Além de
desequilíbrio e harmonia, a doença era principalmente um esforço realizado pela natureza
sobre a pessoa para obter um novo equilíbrio.
De acordo com Sícoli e Nascimento (2003), o canadense, médico e historiador Henry
Sigerist foi quem trouxe uma das maiores revoluções médicas que resultou na teoria das
relações entre normal e patológico. Para ele, os fenômenos patológicos nos organismos vivos
nada mais são do que variações quantitativas, para mais ou para menos, dos fenômenos
fisiológicos correspondentes. Por isso, conforme apontado anteriormente, semanticamente, o
patológico é designado a partir do normal. A convicção de que se pode restaurar
cientificamente o normal é tal que acaba anulando o patológico. Contudo, Coelho e Filho
(2003) afirmam que a categoria médica deveria respeitar o modo de vida instaurado pela
doença, não focando todas suas ações sobre o paciente para tentar fazer com que ele(a)
retorne ao seu estado normal.
Estudos sobre as doenças trouxeram importantes contribuições, como, por exemplo, o
entendimento de que, para se estabelecer a constância de determinada doença, é preciso
perceber suas variações e determinar o seu normal e anormal. Como visto no presente
capítulo, normalidade e saúde não se reduzem à ausência de doença e, por isso, “não é
suficiente que os sistemas de saúde estejam apenas centrados na cura das doenças”
(COELHO; FILHO, 2005, p. 1734). Para que a doença possa ser diagnosticada, como
discutido anteriormente, é preciso que seja analisada a pessoa que está doente, pois cada uma
reage e sente sua doença de forma particular e também porque estar doente não implica que o
indivíduo seja enquadrado como anormal. Por isso, normalidade engloba saúde e presença e
ausência de doença.
Durante toda a vida, as pessoas sabem que sua saúde pode alterar-se de uma hora para
outra. A pessoa normal sabe que é capaz de adoecer, mas vive, de certa forma, tentando
afastar essa eventualidade. Em relação à doença, a pessoa normal tenta parar um processo que
para outro ser vivo seria o fim. Como observado na presente seção e nas anteriores, os
conceitos saúde e doença estão intimamente ligados ao de normalidade, principalmente o de
doença, já que ambos termos são freqüentemente comparados. Considerando tal estreitamento
existente, a próxima seção passará a um detalhamento maior das relações entre doença e
normalidade.
3.1.3 Doença e normalidade
Canguilhem (2002, p. 45) explica que as doenças são explicadas a partir de uma
comparação com determinada função normal. Ambas são contrapostas e vistas uma em
relação à outra. Por isso, o doente passa a ser doente quando admite que há uma norma prévia.
Ele não é anormal por ausência de norma, mas por sua incapacidade de ser normativo. Já
Coelho e Filho (2003) contrapõem doença em relação à saúde, afirmando que ambas diferem
tanto qualitativamente quanto quantitativamente: “a saúde implica uma quantidade moderada
de sofrimento, com predomínios de sentimento de bem-estar. Ela é um ideal desejado, mas
também uma realidade concreta” (COELHO; FILHO, 2003, p. 102). Por outro lado, a saúde
pode ser vista como uma ausência de doença ou sua presença, desde que temporária. Por isso,
se a pessoa doente supera sua doença e volta a sentir-se bem, ela é considerada saudável.
Enquanto isso, Quadra (1983) explica a doença a partir das relações entre o ser humano e o
meio em que vive, explicando que
a doença resulta não apenas de uma contradição entre o homem[sic] e o meio
natural, mas também necessariamente de uma contradição entre o indivíduo e o
meio social. Alguém pode ser vítima de uma agressão do meio natural, ao se tornar,
por exemplo, hospedeiro de um agente infeccioso, mas só se torna doente quando,
em conseqüência dessa agressão, o seu comportamento se transforma e ele é
reconhecido como enfermo pelo seu meio social. A abordagem, por meio do
conceito ideal de saúde, supõe uma correspondência perfeita da contradição entre o
indivíduo e o meio (natural e social), que produz no indivíduo transtornos orgânicos
ou funcionais, com a identificação dos mesmos pelo indivíduo afetado e os que o
circundam (QUADRA, 1983, p. 34).
São geralmente os(as) doentes que julgam, sob diferentes pontos de vista, o seu estado
de normalidade, indicando se não são mais normais ou se voltaram a sê-lo. Para aqueles(as)
que definem seu estado atual em relação a um passado, estar normal é retomar uma atividade
interrompida. A relação entre normalidade e doença afeta as diferentes percepções das
pessoas. Por exemplo, Foucault (1994) afirma que as pessoas não se reconhecem em um
indivíduo doente que de alguma forma rejeitam. Portanto, os casos rejeitados por esses
indivíduos dificilmente serão considerados como normais, já que as pessoas dão
características de normalidade diferentes, por essas características virem de valores
individuais de cada um e das diferentes concepções do que seja saúde, doença, normalidade
ou anormalidade (LUZ, 2005).
Jaspers (1987) comenta a dificuldade em se chegar a uma definição médica do que
seja normal e do que seja saúde. O autor é bastante crítico ao afirmar que o(a) médico(a) é a
pessoa que menos procura entender as definições de saúde e doença. Contudo, a importância
da doença para a normalidade ocorre, conforme Jaspers, devido ao fato de a pessoa doente
poder servir para o conhecimento da pessoa normal. Quando se estuda completamente a
doença, chega-se cada vez mais perto da fisiologia normal do ser humano. Tal pesquisador
complementa ainda que não se sabe se um estudo da pessoa normal, mesmo se baseado no dos
animais, seria suficiente para dar informações completas sobre a vida normal do ser humano.
Esse pesquisador explica que não existe estado normal completo, nem saúde normal perfeita.
Já para Canguilhem, as doenças são novos modos de vida. Contudo, ele sugere cautela
ao afirmar que
a idéia precedente também pode se estender num outro sentido, ligeiramente
diferente. A doença nos revela funções normais no momento preciso em que nos
impede o exercício dessas mesmas funções. A doença está na origem da atenção
especulativa que a vida dedica à vida, por intermédio do homem[sic]. Se a saúde é a
vida no silêncio dos órgãos, não há propriamente ciência da saúde. A saúde é
inocência orgânica. E deve ser perdida, como toda inocência, para que o
conhecimento seja possível (CANGUILHEM, 2002, p. 76).
Portanto, quando se diz que estar o tempo todo com a saúde perfeita é um estado
anormal, está-se admitindo o fato de a doença ser parte do ser humano. Por isso, estar doente
ou ser afetado por determinado mal não é um indicativo de anormalidade ou desvio de norma.
Porém, como dito anteriormente, as idéias que pacientes e médicos(as) têm sobre sintomas e
doenças são muitas vezes bastante adversas, principalmente pela diferença de conhecimentos
sobre o assunto que existe entre as partes envolvidas.
Apesar da dificuldade de se alcançar uma definição, as pessoas estão o tempo todo
pensando se elas e os outros estão dentro de determinada normalidade ou não. Se o(a)
profissional da saúde pode julgá-las de tal forma, é porque existe algum ser humano
considerado normal e outro considerado anormal. Mas será que existe esse ser humano? Para
esclarecer um pouco tal questionamento, Canguilhem (2002) explica a diferença entre normal
e anormal ou saudável e não-saudável, ao demonstrar que ser sadio implica não apenas ser
normal em determinada situação, mas também ser normativo nessa determinada situação e em
outras eventuais. Entretanto, Canguilhem (2002) problematiza esse fundamento ao afirmar a
grande dificuldade que se tem em saber dentro de quais oscilações em torno do valor médio
puramente teórico as pessoas virão a ser consideradas normais. Os valores biométricos
admitem variação. As normas são determinadas por médias. O ser vivo normal é o que está de
acordo com essas normas. Mas será que qualquer desvio pode ser considerado anormal?
Como se vê, alguns(mas) estudiosos(as) explicam a doença como um oposto à saúde,
outros(as) a definem como uma variação quantitativa do normal, enquanto outros(as), como
Luz (2005), afirmam que cuidar da saúde, para não ficar doente, implica cuidar do emprego,
que é questão de sobrevivência para muitas pessoas, e o recuperar-se dessa determinada
doença nada mais é do que um retorno à vida ativa, ao trabalho, à normalidade. O trabalho
aqui proposto pode servir como um esboço inicial de pontos relevantes que ainda podem vir a
ser explorados sobre esse assunto. A partir de agora passar-se-á à seção que trata da forma
como o termo normal aparece e vem sendo usado em consultas pediátricas.
3.1.4 O normal em consultas pediátricas
Canguilhem (2002, p. 16) ressalta o fato de a consulta médica ser um local em que se
usam técnicas de “instauração e restauração do normal”. No caso de consultas médicas
pediátricas como as que fazem parte da presente pesquisa, em todos momentos, as mães e as
médicas estão atentas tentando buscar a normalidade dos bebês. As mães buscam ver se
seus(suas) filhos(as) se encaixam nas normas e ficam atentas aos gráficos de crescimento
mostrados pelas médicas. Formas de avaliação de como os bebês comem, o que comem,
como mamam, que tipo de leite mamam e que quantidades são tomadas são usadas para que
se ache uma norma. Conforme Lauritzen (1997), todos os tipos de movimentos com o corpo
de seus(suas) filhos(as) são demonstrações observadas pelas mães: expressões faciais, choro,
chutes com as pernas e manifestações de felicidade. Já pelo(a) médico(a), conforme
Canguilhem (2002, p. 118), a avaliação é feita por gráficos comparativos, onde ele “encontra
um equivalente objetivo e cientificamente válido do conceito de normal e de norma”.
Conforme observado anteriormente, a constante comparação entre normal e anormal
acompanha grande parte das mães não somente a partir do momento em que o bebê está em
seu colo, mas já desde a concepção, quando as características são comparadas com dados
normais de acordo com a idade gestacional, que são conseguidos com a análise de curvas de
crescimento já estabelecidas. De acordo com Tavares (1998), essas curvas demonstram a
variação da normalidade e são geralmente expressas em percentis. As curvas indicam em que
grupo de recém-nascido o bebê se insere. No entanto, esse pesquisador ressalta o fato de que
dados internacionais usualmente utilizados, como o de Lubchenco, podem não revelar dados
da população brasileira, assim como já apontaram outros(as) autores(as) (JARDIM, 1998;
RAMOS, ODEH, LOPES, 1994).
O termo normal comprova sua importância e valor no momento em que serve para ser
usado para tranqüilizar os(as) pais(mães) em uma consulta pediátrica. Estudos como o de
Lauritzen (1997) mostram o quanto diminuem suas preocupações quando seu bebê é
declarado normal pelo(a) médico(a). A pesquisa demonstra ainda que as pessoas usam
freqüentemente conhecimentos diversos sobre doença, esses advindos de trocas com
familiares, amigos(as) ou vizinhos(as) e servem para definir padrões de doença. Esse tipo de
experiência compartilhada é muito mais usado do que os sistemas coerentes de explicação que
a categoria médica utiliza. Os conceitos podem variar bastante, como no caso da diferença
entre saúde e doença, em que a saúde pode vir a ser uma ausência de doença, ou a doença
pode ser um mal que esteja tanto relacionado ao corpo quanto ao social do indivíduo. Quando
essas mães falam de doenças, o seu ponto de partida são as observações que fazem da criança
e de comparações que fazem com outras. Tudo é observado: se o bebê está se alimentando, se
está dormindo, se está feliz ou triste. Recém-nascidos são mais suscetíveis a doenças, e a
amamentação é vista como um recurso bastante eficiente na proteção contra elas.
Lauritzen (1997) afirma ainda que há estudos que pesquisam a saúde e a doença de
crianças por meio de observações do seu cotidiano. O que tais pesquisas revelam é que mães
descrevem a saúde de seus(suas) filhos(as) baseadas em observações comportamentais em vez
de se basearem em sintomas comumente descritos por médicos(as). Por exemplo, no caso da
doença, ela é percebida quando há mudanças comportamentais na criança (mexe muito as
pernas, põe a língua para fora, apresenta diferenças no modo de comer, dormir, fazer cocô,
etc.). Essas são percepções da mãe sobre seu(sua) filho(filha), sobre o que é considerado
normal na criança considerando sua idade e sua individualidade. Muitas ainda baseiam seu
conhecimento em observações e comparações com o cotidiano de outras crianças, destacando
o que elas percebem como sendo único em seu próprio bebê.
Lauritzen argumenta ainda que as mães percebem a competência ou não da criança e, a
partir disso, avaliam seu estado de saúde ou doença pelo que ela consegue ou não fazer e da
forma como inicia atividades ou interações sociais. As comparações são constantes,
principalmente durante a gravidez e nos primeiros anos da criança. A palavra sorte é usada
freqüentemente ao relatarem quão saudáveis seus(suas) filhos(as) estão e por que não haveria
razão alguma para algo sair errado. Observe-se a passagem seguinte, de uma mãe entrevistada
por Lauritzen, que ilustra perfeitamente a insegurança da maioria das mães com bebês recém-
nascidos, que não é diminuída nem pelo fato de ela ser médica:
o meu bebê tem passado muito, muito bem. Eu estava preocupada como uma mãe de
primeira viagem que algo poderia estar errado mesmo antes dele ter nascido e ainda
duas semanas após ele ter nascido. Talvez por eu ser médica e estar o tempo todo
procurando por sinais de doença ou mal formação, mas ele está perfeito e saudável
(LAURITZEN, 1997, p. 442).
Lauritzen (1997, p. 443) explica que, quando avaliam e observam o bem-estar de seu
bebê, as mães focam nos movimentos do corpo e, para o(a) médico(a), fazem
questionamentos do tipo “por que ele mexe as pernas desse jeito?” ou “por que este lado está
abrindo mais devagar que o outro?”. No entanto, as próprias mães nomeiam essas suas
perguntas e comentários como sendo irracionais, estúpidos ou exemplos de preocupações que
todas as mães têm. Outros tipos comuns de preocupações que podem aparecer são o bebê
estar muito magro, ou ser muito alto, por exemplo, e essas são situações que podem estar
relacionadas a alguma anormalidade. Nesses momentos, a atenção das mães é constante para
observar qualquer tipo de desvio de norma ou padrão que possa haver.
As mães observam seus bebês a partir de coisas que deveriam ou não deveriam estar
no corpo deles, em seus choros ou suas dores (LAURITZEN, 1997). O quão bem o(a) filho(a)
está mamando também é um indicativo de bem-estar usado pelas mães. Por exemplo, quando
uma criança não mama, esse pode ser um sinal de que há algum problema. As formas como os
bebês se alimentam ou não são mais usadas quando tanto as mães quanto os(as) médicos(as)
querem verificar se a criança está saudável ou não. Já o crescimento é analisado a partir das
tabelas de referência usadas pelos(as) médicos(as). Outro recurso usado pelas mães para
detectar sintomas de doença em seus(suas) filhos(as) é observar a felicidade do bebê. Elas
entendem que, se a criança sorri e interage com a mãe, é porque ela está bem.
3.2 PESO E COMPRIMENTO
O conceito de normal em biologia se define objetivamente pela freqüência do caráter
assim qualificado. Para indivíduos de uma determinada espécie, do mesmo sexo e
idade, o peso, a estatura, a maturação dos instintos são os caracteres que marcam,
efetivamente, o mais numeroso dos grupos distintivamente formados pelos
indivíduos de uma população natural e que uma mensuração revela serem idênticos
(CANGUILHEM, 2002, p. 236).
As palavras de Canguilhem acima citadas demonstram mais uma vez a necessidade
que as pessoas têm de tentar qualificar os indivíduos de sua espécie em grupos. Em consultas
médicas pediátricas, os grupos comumente usados para enquadrar os bebês são os gráficos de
peso e comprimento, que inserem as crianças em determinadas categorias, como, por
exemplo, abaixo do peso, acima da média de altura, peso normal para a idade, etc. Na
presente seção, a importância será dada a um dos tópicos principais e sempre presentes em
consultas pediátricas, que diz respeito aos valores de peso e comprimento de um bebê recém-
nascido. Aparentemente, esses valores estão diretamente relacionados com a idéia de norma e
normalidade, vista e usada tanto pelos(as) médicos(as) quanto pelas mães.
Foi na década de 70 que surgiram diversos acompanhamentos de crianças recém-
nascidas de alto risco devido ao baixo peso a fim de serem respondidas diversas dúvidas
relacionadas à forma como esses bebês crescem e se desenvolvem. A importância de estudos
desse tipo deve-se a uma grande evidência de que a condição nutricional no início da vida,
incluindo a fase uterina, traz repercussões para a vida desse ser quando adulto. Devido a esse
fato, o monitoramento do crescimento infantil, principalmente no primeiro ano de vida da
criança, é extremamente importante, já que é a
época de maior vulnerabilidade a múltiplos agravos nutricionais, infecciosos e
ambientais, e é uma das ações básicas de saúde, que assume grande importância nos
países em desenvolvimento, onde cerca de um terço das crianças apresentam
crescimento inadequado. No Brasil, isso ocorre em torno de 10% das crianças
abaixo de 5 anos, e o baixo peso ao nascer, representado basicamente pela restrição
do crescimento intra-uterino, atinge cerca de 10% dos nascidos vivos (RUGOLO,
2005, p. 359).
Rugolo (2005) explica ainda que sempre foi comum uma preocupação por parte
dos(as) profissionais da saúde com o baixo peso de recém nascidos. Essa importância de
avaliá-los não somente a partir de sua idade gestacional, mas também em relação ao seu
crescimento, surgiu, conforme Tavares (1998), com a publicação de inúmeros trabalhos das
décadas de 60, 70 e 80. Esses estudos apontaram a importância de se avaliarem os bebês de
diferentes formas, e a mais utilizada acabou sendo o peso. Contudo, apesar de todos os
trabalhos, um acompanhamento mais intensificado ainda surgiu no Brasil no início dos anos
80, com o surgimento do Cartão da Criança, que registra diversas informações, como, por
exemplo, as vacinas feitas, as a serem feitas e a curva de crescimento e peso até a idade de
cinco anos.
O propósito do cartão da saúde é o de que o peso da criança seja acompanhado antes
que ela desenvolva um quadro de desnutrição sério. De acordo com Zeferino (2003), o cartão
surgiu a partir de alguns princípios práticos: que pudesse ser usado por diferentes
profissionais da saúde quando não houvesse médicos(as) suficientes para atender o(a)
paciente e que fosse de fácil leitura e escrita. A idéia de que ele ficasse com o(a) paciente veio
com a constatação de que as pessoas, principalmente as de classes socioeconômicas mais
baixas, mudam-se com freqüência. As curvas podem auxiliar o(a) pediatra a ajudar a criança
com mais antecedência. Ainda conforme Zeferino (2003, p. 26), o cartão chegou a ser
chamado “caminho da saúde”. Outra grande vantagem do controle do crescimento e do peso
da criança pelo(a) médico(a) é que ele ajuda a detectar futuros casos de obesidade.
Por reconhecerem a importância do acompanhamento do crescimento é que a
Organização Mundial de Saúde (OMS), o Ministério da Saúde (MS) e a Sociedade Brasileira
de Pediatria (SBP) recomendam que essa seja uma atividade de rotina para o
acompanhamento das crianças. Entretanto, conforme alerta Zeferino (2003, p. 25), um erro
bastante comum ao se avaliar o crescimento é o uso de curvas de crescimento como se elas
fossem padrões. Padrão é algo que deve ser igualado, e referência é algo que serve para fazer
comparações. No Brasil, as pessoas ainda usam o termo “padrão de referência”. No final, ela
conclui: “qualquer curva que se utilize, seja para fazer o diagnóstico nutricional de
populações ou para avaliar o crescimento individual, ninguém vai seguir um padrão
exatamente igual ao da curva adotada” (ZEFERINO, 2003, p. 25).
Para Cecatti (2000, p. 1085), a importância de se observar o peso do nascimento nos
recém-nascidos deve-se ao fato de que, nos países em desenvolvimento, essa medida é usada
para detectar problemas futuros e provavelmente é a única capaz de influenciar a morbidade e
a mortalidade neonatal. Acima de tudo, ela exerce papel fundamental na determinação da
mortalidade pós-neonatal. O risco de morte é quatro vezes maior em crianças que nascem com
peso entre 2.500 e 2.999g e dez vezes menor entre as que nascem de 3.000 a 3.499. Conforme
Camelo (2005), a morbidade gerada por recém-nascidos de baixo peso levam a uma criança
com desenvolvimento cognitivo pobre.
O cálculo de comprimento e de peso dos bebês é comumente avaliado a partir da
comparação com uma curva de referência e é feito por percentis. Um percentil três, por
exemplo, significa que três por cento das pessoas estão abaixo daquele valor. Conforme
Zeferino (2003, p. 27), se o(a) paciente for visto dessa forma, isso quer dizer que “muitas
crianças que procuram o médico por baixa estatura são na verdade variantes extremos da
normalidade”. Como diversos(as) pesquisadores(as) acima mencionados, essa estudiosa
igualmente ressalta a importância de o(a) médico(a) ter em mente que os ritmos de
crescimento das crianças são diferentes.
Bergman (2006) explica que, além do baixo peso ao nascer, outro fator de risco para o
desenvolvimento saudável de uma criança é o fato de pertencer a uma classe social mais
baixa. Por isso, mais uma vez ressalta-se a importância de o(a) paciente ser avaliado dentro de
sua normalidade. É importante que sejam consideradas as diferenças étnicas e econômicas das
populações.
No entanto, não são somente os(as) médicos(as) que se valem de comparações para
descrever seus(suas) pacientes. Diversos estudos (BERGMAN, 2006; BRAGA et al, 2002;
LAURITZEN, 1997; RAMOS, 2005; RUGOLO, 2005) comprovam a constante preocupação
também de pais(mães) de bebês recém-nascidos sobre o peso e o comprimento adequados de
seus(suas) filhos(as). As mães, ao levarem seus(suas) filhos(as) aos consultórios pediátricos,
usam constantemente as comparações para descrevê-los. Elas comparam-nos a colegas,
primos(as), vizinhos(as) ou amigos(as). As comparações mais comuns, assim como a dos(as)
médicos(as), são em relação a altura e peso. Tal constatação é algo que interessa
enormemente ao presente estudo.
Como visto, para Canguilhem (2002), o estado dito normal é aquele em que um
indivíduo poder adoecer e conseguir sair desse estado patológico, ou seja, é um meio-termo.
Já Foucault (1994) baseia sua idéia sobre normalidade no funcionamento regular ou normal
para identificar onde o indivíduo se desviou, enquanto que Quadra (1983), afirma que
normalidade é algo que não existe, já que uma pessoa completamente normal somente pode
ser aquela que ainda não foi examinada por um número suficiente de especialistas.
Para finalizar, faz-se oportuno citar Camelo (2005), que ressalta que o valor do modelo
usado como base para cálculo de estimativas de peso é assunto que merece mais reflexão e
estudos futuros, já que ainda há muitas dúvidas sobre o assunto e dados que ainda não são
condizentes com a população brasileira. Espera-se que este capítulo possa ter dado um
entendimento e uma amostragem maior da importância e da dificuldade de entendimento do
conceito de normalidade em um atendimento médico. Com tais definições apresentadas e
discutidas, passar-se-á agora ao quarto capítulo, que aborda os tipos de procedimentos
metodológicos adotados nesta pesquisa.
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1 ETNOGRAFIA
Etnografia é uma jornada ambiciosa através do complexo mundo da interação social.
(FETTERMAN, 1998, p. ix)
A afirmação supracitada de Fetterman fala da relação entre o(a) etnógrafo(a) e sua
pesquisa no mundo da interação social. A Etnografia vem da antropologia e através dela
determinado grupo ou cultura, que deve ser entendido como um conjunto de indivíduos que
fazem parte de um mundo maior, é analisado a fim de que possa ser descrito. É ainda, de
acordo com Duranti (1997), uma descrição de uma organização social, de atividades sociais e
práticas características de um grupo particular de pessoas em que há participação ou
observação da vida social de uma comunidade. O(A) etnógrafo(a) tem de se habituar à
linguagem falada pela comunidade estudada e ao mesmo tempo descrever todos os aspectos
sociais e culturais possíveis de ser documentados. A comunicação deve ser pensada como
parte cultural do grupo estudado. Já para Mattos (2001), a Etnografia consiste na observação
por um certo período de tempo de situações rotineiras e cotidianas de um determinado grupo
de pessoas com o objetivo de mostrar a forma como essas pessoas dão significado às tarefas
por elas realizadas. Essa técnica de coleta de dados e procedimentos analíticos tem como
característica primordial a pesquisa de campo, essa bastante trabalhosa e extensa, já que pode
levar o(a) pesquisador(a) a passar anos com as pessoas em estudo. Esse tempo despendido em
campo é ponto importante para que um estudo venha a ser considerado tipicamente
etnográfico. Contudo, alguns estudos podem assumir características etnográficas e utilizar
pressupostos da Etnografia sem despenderem anos em campo.
Quando se estuda determinado grupo de pessoas, é importante entender a cultura em
que elas estão inseridas. Geertz (1989), por meio de diversos estudos e definições sobre
cultura, explica que cultura nada mais é do que um ato de comunicação, já que é um produto
das interações humanas. Em suas relações sociais, os seres humanos criam cultura e devem
ser capazes de interpretá-la nos mais diferentes momentos e situações, e o documentar o papel
da comunicação serve para a definição de determinada cultura. Já para Duranti (1997), cultura
é tudo aquilo que as outras pessoas têm e que as fazem e as mantêm diferentes de nós. As
pessoas são parte da cultura em que vivem. Duranti (1997) cita o caso de uma criança que
nasce em determinada região do mundo e é adotada e passa a viver em um lugar totalmente
diferente e distante do que nasceu. Ela certamente fará parte da cultura de seus pais e suas
mães adotivos. E é pela socialização da linguagem que a cultura das pessoas com quem ela
convive será adquirida. Contudo, dizer que a cultura é um processo aprendido não significa
apenas afirmar que os indivíduos reconhecem lugares, pessoas e objetos. Muito mais do que
isso, a idéia é que essas pessoas compartilham determinados pensamentos, entendimentos
sobre o mundo e formas de fazer inferências e previsões durante suas relações com outros
seres humanos. Gumperz (2001) explica que o comportamento verbal de qualquer grupo
constitui um sistema. Sendo assim, grupos diferentes possuem sistemas diferentes. Essas
diferenças são importantes de ser estudadas e analisadas a fim de que o mundo das relações
sociais dos seres humanos possa vir a ser entendido.
Em uma pesquisa que queira utilizar-se das técnicas da AC, cheia de olhares
minuciosos e detalhados para as interações, não há como passar anos estudando um
determinado grupo. Porém, o estudo não pode deixar de trazer consigo o elemento mais
importante da pesquisa de campo, que é o de o(a) pesquisador(a) estar presente no ambiente
em que vive, relaciona-se ou trabalha o grupo em estudo. Além disso, deve-se considerar que,
como aponta Duranti (1997), sendo os indivíduos parte de um mundo real e maior, é
importante que sejam observados levando-se em consideração tal idéia e que sua fala seja
entendida como um meio de essas pessoas se relacionarem. É por meio da fala que elas
escolhem uma forma particular de entrar no mundo e um modo particular de manterem
relações com aqueles(as) com quem têm contato. É pela linguagem também que o ser humano
se torna ou é membro(a) de uma comunidade de práticas (WENGER, 1998). Essas pessoas
que formam determinada ‘comunidade’ devem ser observadas a fim de que sejam encontrados
traços comuns entre elas, hábitos compartilhados, atividades sociais e modos de interagir e
interpretar ações sociais. Particularidades devem ser anotadas e detalhes observados. Bucholtz
(2005, p. 597) afirma que esses detalhes etnográficos conseguem demonstrar que grupos
aparentemente homogêneos são bastante diferentes. Já Duranti (1997) ressalta o fato de que,
apesar de ser a fala que predomina nas interações face-a-face, não se deve considerar somente
o que foi dito, mas também o ambiente e as situações presentes, já que aspectos importantes
de tais momentos acabariam sendo deixados de lado.
No entanto, apesar dos enormes benefícios que a AC e Etnografia podem ter quando
usadas em conjunto, alguns pontos devem ser esclarecidos, já que ambas são comumente
usadas separadamente. Primeiramente, para os(as) que rejeitam a idéia dessa união,
provavelmente repousa o argumento de que a Etnografia poderia vir a induzir o(a)
pesquisador(a) a entender o porquê de determinado comportamento de certo indivíduo ou
entender algo que foi dito. Nesse trabalho, não se considera essa idéia, já que todo(a) analista
da conversa tem claro para si que tais informações jamais serão sabidas e, mesmo que
pudessem ser acessadas, não interessam em nada à pesquisa que se pretende com esse tipo de
análise. O que acontece, ao contrário, é um enriquecimento muito maior de informações e de
sentidos, já que estão sendo estudados seres humanos reais, em situação de vida real, e nada
melhor que um estudo etnográfico para dar conta do mundo em que as pessoas vivem. Em
conjunto com a AC, como uma ferramenta para interpretação de algo que foi dito, a
Etnografia usa da linguagem como meio para o conhecimento sobre o que as pessoas dizem, o
que as pessoas pensam, o que elas dizem que fazem e o que fazem ao dizer determinadas
coisas. Para Mattos (2001), todo esse processo etnográfico pode ser definido como uma
“escrita do visível” em que se faz uma análise detalhada de comportamentos e de seus
significados em determinada interação social.
Pelas características acima mencionadas, a Etnografia revela-se como diferente de uma
pesquisa de laboratório
6
, mas que, ao mesmo tempo, pode ser bastante rica, já que lida com
seres humanos, com vida real. Nesse processo de imersão, o(a) etnógrafo(a) vai em busca de
padrões de comportamento nos dados, observando como as pessoas se comportam nos mais
diversos locais e situações, comportamentos e situações que, por si só, já constituem uma
6
Entende-se como pesquisa de laboratório as pesquisas que têm intervenção do(a) pesquisador(a). É ele(a) que
monta o instrumento de coleta e que traz hipóteses a serem comprovadas.
análise. Para que haja qualidade nessa busca, é imprescindível que o(a) pesquisador(a) tenha
boa percepção do que está acontecendo ao seu redor e esteja atento às mais diversas
características das pessoas envolvidas no estudo (local em que se organizam, como se
organizam ou padrões de comportamento). Para que o estudo tenha sucesso, Duranti (1997, p.
90) explica que é preciso que o(a) pesquisador(a) tente responder a duas perguntas: 1) como a
ordem social é constituída (criada, gerenciada, reproduzida), isto é, o que faz desse grupo
particular de pessoas uma unidade funcional desse tipo; e 2) como os indivíduos fazem
sentido do seu modo de vida, isto é, como eles(as) explicam (para eles(as) primeiro) por que
eles(as) vivem do jeito que vivem e diferente dos outros (algumas vezes até mesmo de
seus(suas) vizinhos(as)).
Durante esses momentos de busca, a preocupação maior do(a) etnógrafo(a) é entender
como as pessoas pensam ou se comportam em determinadas situações. Esse é um ponto em
que o(a) pesquisador(a) deve ter bastante cuidado para não fazer julgamentos de valor do
grupo pesquisado. Entretanto, conforme alerta Fetterman (1998, p. 23), um(a) pesquisador(a)
não consegue ser completamente neutro já que ele(a) é um produto e sujeito de determinada
cultura. Nesse caso, é importante o(a) pesquisador(a) tentar evitar ao máximo esses
julgamentos, conceitos de valor. É preciso ter uma visão êmica do grupo pesquisado a fim de
que possa ser dada uma perspectiva que venha dos(as) próprios(as) participantes e ter clara a
importância de sua pesquisa e de repercussões que ela possa vir a ter. Ética e fidelidade de
informações devem estar presentes o tempo todo. Além disso, o(a) pesquisador(a) deve pensar
e repensar sua pesquisa em todos os momentos, principalmente durante a coleta de dados. Um
exemplo disso é o de onde e quando sentar em determinadas situações em que se está
coletando os dados, já que a presença do(a) pesquisador(a) pode influenciar de maneiras
diferentes as mais diversas interações presenciadas. O trabalho de campo consiste em
permanentes negociações com as pessoas envolvidas e há um processo mútuo de aprendizado
entre os(as) envolvidos(as).
O(A) pesquisador(a) sai de campo quando acredita que já tem informações e dados
suficientes para desenvolver sua pesquisa e no momento em que percebe que situações
começam a se repetir e praticamente nada de novo acontece. Logo após as observações, é
imprescindível que o(a) pesquisador(a) escreva ou organize as informações coletadas o quanto
antes, pois a memória humana pode ser falha em momentos posteriores, e detalhes
importantes ao estudo realizado podem vir a ser esquecidos se não forem imediatamente
registrados (DREW, HERITAGE, 1992; FETTERMAN, 1998; SILVERMAN, 2001). Esse
material documentado ajudará a contextualizar o que foi gravado nas fitas cassetes. É
imprescindível também que o(a) pesquisador(a) retorne ao seu “local de trabalho” para
organizar e arquivar os dados de forma funcional e fácil para posteriormente serem
trabalhados. Contudo, Duranti (1997) ressalta o fato de que, por mais fiel que a observação e a
descrição possam ser, elas jamais serão idênticas ao momento exato em que as ações
ocorreram. Além disso, Geertz (1989) comenta a importância de as informações coletadas
serem colocadas à disposição da comunidade acadêmica de uma forma prática. Após longa
análise dos dados, o(a) pesquisador(a) deve retornar também à comunidade que lhe abriu as
portas como uma forma de retribuir a boa disposição dos sujeitos pesquisados em revelar o
mundo em que vivem a um(a) desconhecido(a).
Duranti (1997, p. 89) explica ainda que “o(a) etnógrafo(a) vive ou observa o grupo
pesquisado a fim de entendê-lo, vê-lo trabalhar, comer, brincar, falar, rir, chorar, ficar brabo,
triste, feliz, satisfeito, frustrado”. Tal idéia mostra a importância de que o(a) pesquisador(a)
esteja presente o máximo possível em diferentes tipos de situações pelas quais os(as)
participantes possam vir a passar. Na presente pesquisa, a abordagem etnográfica foi usada a
fim de se obter uma maior aproximação do grupo estudado por meio da observação de como
os(as) profissionais da saúde envolvidos(as) no estudo trabalham e se organizam. Assim,
buscou-se, conforme explanado por Silverman (2001), ver o mundo pela perspectiva dos(as)
membros(as) do grupo pesquisado: mães e médicas. Esse tipo de estudo etnográfico
institucional, conforme Have (2004, p. 116), ocorre quando se entra numa instituição a fim de
estudar aspectos particulares das rotinas diárias da organização. A forma como os dados serão
coletados e analisados serão explicados na seção seguinte, mas antes, finaliza-se a presente
seção com as sábias palavras de Duranti que descrevem as qualidades de um bom estudo
etnográfico:
Uma boa etnografia não é somente um método em que se escreve o que se observa
como sendo a perspectiva de alguém. Muito mais do que isso, é um estilo em que
o(a) pesquisador(a) estabelece um diálogo entre diferentes pontos de vista e vozes,
incluindo as das pessoas estudadas, do etnógrafo e suas preferências teóricas. Há o
ponto de vista dos observados e do observador (DURANTI, 1997, p. 87).
4.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
Esta pesquisa, de cunho etnográfico e utilizando as ferramentas analíticas da AC,
procura utilizar alguns dos princípios dessas formas de olhar o mundo. O estudo levou a
pesquisadora a entrar em um mundo que não é seu: o mundo da categoria médica pediátrica
de três postos de saúde públicos de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Fenômenos
foram observados em seu ambiente natural, e informações foram coletadas mediante contato
freqüente com os(as) participantes. Tal procedimento permitiu que situações fossem
observadas e que a forma como as pessoas envolvidas no estudo se comportam em
determinadas situações fosse anotada em diários de campo, a fim de revelar-se mais sobre o
grupo em questão. Os cuidados éticos estiveram presentes em todos os momentos da pesquisa.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
7
, em que se explica a pesquisa
genericamente, sem explicitar detalhes que podem influenciar nas interações observadas e
gravadas, foi apresentado e assinado pelas participantes. A proposta de pesquisa foi
igualmente aprovada pelo comitê de ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS, recebendo a homologação número CEP 06/013.
Para que o estudo qualitativo aqui proposto pudesse ser realizado, foi preciso que
quatro etapas maiores fossem realizadas. A primeira foi a de observações dos postos de saúde
envolvidos no estudo, que ocorreu no momento em que se conseguiu a confiança de todos os
sujeitos pesquisados. Antes de se entrar nos postos, foi necessário um encontro inicial com a
Secretária de Saúde da cidade a fim de serem definidos quais e quantos postos seriam usados
na pesquisa e quais e quantos(as) médicos(as) seriam estudados(as). Durante o período
etnográfico nos postos, que serviu também como momento de familiarização dos(as)
médicos(as) com a pesquisadora em seus consultórios, passou-se à gravação desses
atendimentos entre os(as) médicos(as) e as mães com seus bebês recém-nascidos. O
envolvimento da pesquisadora deu-se sob a forma de “participação passiva” (DURANTI,
1997), em que a pesquisadora procurou ser o menos intrusiva possível. Durante e após a
coleta dos dados gravados, realizou-se a transcrição das gravações em áudio, pela digitação de
todas as falas e a representação do modo como são faladas com as refinadas técnicas da AC.
Esse momento já serviu para que o problema de pesquisa fosse pensado.
7
O texto do TCLE utilizado encontra-se nos Anexos.
Por fim, analisaram-se as transcrições usando-se como material de apoio os diários de
campo e as técnicas de análise da AC. Importante ressaltar o fato de que as transcrições não
são um produto final, definitivo, além de não serem o mesmo que a conversa em si, assim
como a gravação não o é. Elas são apenas representações que ajudam a entender como os
seres humanos usam da fala e de outros recursos nas suas interações cotidianas. O material
etnográfico presente nos diários de campo ajudou a enriquecer o que foi observável nos dados
de fala. Tanto quanto olhar, procurou-se ouvir, já que, conforme apontam Silverman (2001) e
Duranti (1997), ambientes aparentemente similares podem vir a ser mundos completamente
diferentes, em que os falantes são membros de comunidades complexas que compartilham
expectativas, valores morais e crenças sobre o mundo. As convenções de transcrição
utilizadas foram as propostas por Jefferson, mas traduzidas e adaptadas por Schnack, Pisoni e
Ostermann (2005).
Conforme aponta Mattos (2001), na Etnografia, as técnicas e procedimentos não
seguem padrões rígidos ou pré-determinados. As técnicas devem ser formuladas pelo(a)
pesquisador(a) em seu trabalho de campo e têm de ser adaptadas conforme for a realidade. Na
presente pesquisa, os dados obtidos na coleta partiram do estudo etnográfico de três postos de
saúde públicos de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, em que se tentou ver o
ambiente em que os(as) profissionais envolvidos(as) no estudo trabalham a partir de suas
perspectivas. Foram duas as médicas participantes da pesquisa (ambas correspondem às
únicas pediatras que atendem a consultas de rotina na cidade em que o estudo ocorreu). Já as
mães envolvidas no estudo pertencem a uma classe socioeconômica baixa. Dos catorze
atendimentos gravados, um foi descartado, pois, além da mãe, o avô da criança, pai da mãe,
estava presente. Optou-se por essa exclusão para que todas as interações analisadas tivessem
somente interações entre mãe, bebê e médica. Os atendimentos observados e gravados, como
ocorreram em situações e momentos reais, não tiveram um tempo fixo, mas pode-se dizer que
as consultas duraram em média 15 minutos cada uma. Devido a falhas que podem ocorrer,
três gravações não têm o momento em que a médica e a mãe do bebê cumprimentaram-se ou
despediram-se, mas esses momentos não gravados foram registrados pela pesquisadora em
diário de campo.
Como analista, a pesquisadora tentou se inserir no contexto específico de trabalho das
médicas a fim de descobrir recorrências ou fenômenos de fala nas interações observadas e
transcritas. Essa descoberta deu-se a partir de análises detalhadas das diversas interações das
falas transcritas. Essa tarefa envolveu identificar uma prática e coletá-la quantas vezes fosse
possível. Os detalhes das transcrições permitiram à pesquisadora identificar fenômenos de
comunicação que se repetiram ao longo das interações. No tipo de estudo realizado, como é o
proposto na presente pesquisa, a fala é apenas um dos aspectos a serem observados. Tanto a
comunicação verbal quanto a não-verbal foi observada e analisada a fim de se descobrirem e
revelarem quais as práticas comunicativas usadas pelas participantes da interação para que as
tarefas nos consultórios médicos pudessem vir a ser realizadas.
A importância de um gravador para estudos como o aqui proposto dá-se devido ao seu
valor após a saída de campo da pesquisadora. Quando o trabalho está pronto, a interação está
registrada, e o(a) estudioso(a) da fala pode ouvir inúmeras vezes os momentos do discurso.
Sem contar que seria impossível a transcrição dos dados sem esse valiosíssimo recurso. E são
esses dados, juntamente com o diário de campo, que revelarão ao(à) pesquisador(a) o que
fazem e como são feitas as ações que dão sentido às tarefas realizadas pelo grupo estudado.
As rotinas de trabalhos e outros dados coletados apenas observacionalmente também são
usados para dar sentido à fala gravada. É imprescindível que o(a) etnógrafo(a) saiba ouvir os
dados a fim de que seja possível encontrar padrões nas interações, e isso só é possível por
meio de observações ou escutas repetidas de determinada vida cotidiana. Isso permite ao(à)
pesquisador(a) prever o resultado que determinada ação produz e onde e como ela se originou.
Todas as formas de se pensar os dados coletados estão relacionadas com a
Sociolingüística Interacional. Corrêa e Martine (1989) explicam que a Sociolingüística
Interacional se preocupa com os processos interativos e interpretativos do discurso. O seu
ponto de partida é a Etnografia da Comunicação. No estudo aqui proposto, a análise Sócio-
Interacional concentrar-se-á nas trocas comunicativas envolvendo a médica e a mãe do bebê
como objeto principal de estudo. A presente pesquisa é sociológica qualitativa, que, como
definiu Silverman (1987), é pobre em hipóteses e rica em observações.
Silverman (1987) aponta um problema enfrentado por pesquisadores(as) que estudam
o que aqui se está propondo: a dificuldade que esse tipo de pesquisa traz a pessoas treinadas a
olhar somente com uma visão vinda das ciências naturais e que não tenham nenhuma hipótese
a ser comprovada. A pesquisadora foi aos postos desprovida de teorias a serem comprovadas
e suposições a serem reveladas. Os dados falaram por si e mostraram à pesquisadora qual o
caminho a ser seguido. Durante esse percurso, os aspectos teóricos da Etnografia, da AC e da
Sociolingüística Interacional não foram considerados como blocos independentes de análise;
muito mais do que isso, constituiu-se um conjunto de métodos que auxiliaram a pesquisadora
a alcançar seus objetivos de forma colaborativa. Com tal entendimento dos procedimentos
metodológicos a serem usados na presente pesquisa, passar-se-á ao próximo e último capítulo
desta dissertação, em que se percorrerão os três postos de saúde envolvidos, apresentando,
também, as duas médicas e a população envolvida no estudo e, por fim, a análise dos
atendimentos gravados e transcritos.
5 DESCRIÇAO E ANÁLISE DOS DADOS
A partir de agora, passar-se-á a uma análise dos dados do grupo estudado. Conforme
os conceitos abordados no capítulo quatro, o estudo aqui proposto, de cunho etnográfico e
seguindo a AC, procura utilizar os princípios dessas formas de olhar o mundo. Esta proposta
levou a pesquisadora a entrar em um mundo que não é seu: o mundo da categoria médica
pediátrica de três postos do Sistema de Saúde de uma cidade do interior do Rio Grande do
Sul. A abordagem etnográfica institucional foi usada a fim de se obter uma maior
aproximação com o grupo estudado e verificar como seus(suas) membros(as) trabalham e se
organizam. Assim, buscou-se, conforme explanado por Silverman (2001), ver o mundo pela
perspectiva dos(as) participantes do grupo pesquisado.
A primeira seção deste capítulo tratará do trabalho etnográfico realizado nos postos de
saúde estudados, e, na segunda, serão analisadas as transcrições advindas das gravações em
áudio dos atendimentos médicos observados.
5.1 OLHAR ETNOGRÁFICO DO GRUPO ESTUDADO
A cidade que abriga os postos de saúde estudados é uma cidade do interior do Rio
Grande do Sul e será chamada pelo nome fictício de Rios Claros. Possui cerca de 30 mil
habitantes, a sua maioria descendente de colonizadores alemães. O alemão é, inclusive,
ensinado nas escolas municipais desde as séries iniciais e é pré-requisito para pessoas
interessadas em trabalhar no comércio local. A cidade dispõe de um hospital e de cinco
unidades básicas de saúde.
A idéia inicial do estudo surgiu a partir uma conversa entre a orientadora desta
dissertação e a pesquisadora, enquanto a orientadora falava de seu projeto maior que investiga
atendimentos à saúde da mulher. Pensou-se na idéia de ampliar o leque de possibilidades que
já estavam sendo estudadas pela orientadora para então achar um ponto de interesse da
pesquisadora. Com a decisão tomada de que a área médica seria parte do trabalho a ser
desenvolvido, iniciou-se, no dia 28 de abril de 2005, o estudo dos postos de saúde
propriamente dito, com um encontro entre a pesquisadora e a secretária de Saúde da cidade.
Nesse primeiro momento, procurou-se essencialmente conquistar a confiança da secretária a
fim de que as portas dos postos de saúde fossem abertas à pesquisa. Com muita boa vontade e
gentileza, já nesse encontro inicial, a concessão foi feita. Nesse mesmo dia, descobriu-se que
há somente duas médicas pediatras, as duas mulheres, que atendem as consultas de rotina das
crianças, as quais chamarei, a partir de agora, de Diana e Eliza. O fato de não existirem
homens pediatras foi uma coincidência, já que os(as) profissionais municipais são
empregados(as) por concurso público e não por contratação direta. A pesquisa de campo,
observacional primeiramente, iniciou no dia 30 de maio de 2005, e as primeiras consultas
foram observadas nesse mesmo dia, com o consentimento das participantes envolvidas. A
partir daí, foram observados os mais diversos atendimentos, inclusive de crianças maiores. A
intenção era conhecer e deixar as médicas o mais familiarizadas possível com a presença da
pesquisadora.
Um ponto importante a ser destacado é o de que a pesquisa inicialmente intencionava
investigar interações entre obstetra e mulheres que procuram atendimento no período do pós
parto: essa primeira consulta de acompanhamento foi definida como o tipo de consulta a ser
analisada. Entretanto, um dado etnográfico bastante interessante dado pela secretária resultou
na mudança do tipo de consulta a ser estudada. Ela comentou que, por mais que as mulheres
sejam informadas e orientadas acerca da importância do acompanhamento da mãe no período
após o parto, muitas acabam não retornando ao sistema de saúde, somente em casos de doença
ou em emergências.
Para resolver essa situação, o que os(as) profissionais da saúde fazem é tentar conciliar
os momentos de atendimento a mães e bebês com situações com que elas realmente se
preocupam (isso é feito com todas as campanhas de saúde - por exemplo, “quer ganhar o
remédio de asma? Eles serão entregues após a palestra sobre o assunto no dia...”). No caso das
mães, o que elas sempre fazem é o teste do pezinho nos(as) filhos(as). Em função disso, o
primeiro atendimento médico a que comparecem após o parto é para o seu bebê, que coincide
com a realização do teste do pezinho
8
. Considerando esse dado etnográfico, optou-se por uma
análise de consultas entre pediatras e mulheres no período do puerpério que levam seus(suas)
filhos(as) recém-nascidos(as) para consultas de revisão. Outra informação interessante
revelada pela secretária é a de que muitas mulheres mudam de cidade (vindas do interior do
estado para Rios Claros) no sétimo mês de gestação para realizarem o pré-natal em Rios
Claros (a partir dessa época). Após o nascimento da criança, retornam para as cidades de
origem.
Foram sugeridos pela secretária os postos de Saúde nos seguintes bairros para a
realização da pesquisa: Três Passos, Central e Santo Afonso. Com a coleta de dados
concluída, passou-se a uma análise preliminar dos dados a partir dos princípios metodológicos
da AC. Foram gravadas e analisadas somente a primeira ou a segunda consulta dos bebês.
Entretanto, as observações foram feitas de atendimentos a crianças das mais diversas idades.
5.1.1 As médicas participantes da pesquisa
A Tabela 1 apresenta os dias e os turnos em que as médicas atendem nos postos
estudados.
8
Outro dado interessante apontado pela secretária é o de que, após a licença maternidade, as mães não querem
trazer os(as) filhos(as) a consultas de rotina por elas perderem algum tipo de premiação que as empresas dão a
funcionários(as) que não chegam atrasados e não perdem turnos ou dias de trabalho.
SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA
ELIZA
manhã manhã manhã manhã
Posto
Santo Afonso Central
Santo
Afonso Central
DIANA
tarde manhã manhã
Posto
Três Passos Três Passos Três Passos
Tabela 1 – Distribuição dos horários das médicas dos postos estudados
As duas médicas envolvidas nesta pesquisa não moram na cidade de Rios Claros e
trabalham um total de 20 horas semanais nos postos. Ambas vêm de cidades bastante
próximas, a mais longe distando no máximo 15 quilômetros. Ambas têm idades entre 35 e 40
anos e são bastante elogiadas pelas mães, tanto por sua competência como médicas, quanto
por seu relacionamento com elas. Essas avaliações positivas foram voluntariadas por meio de
conversas de corredor com as mães antes do atendimento. Eliza é a médica que atende nos
postos Central e Santo Afonso, e Diana atende no Três Passos. Em geral, elas são bastante
pontuais nos atendimentos, principalmente Diana, que, devido ao pouco fluxo de pacientes,
em alguns casos, consegue até mesmo atendê-los(as) dez minutos antes do marcado e ainda
tomar água e ir ao banheiro tranqüilamente até que chegue o(a) próximo(a) a ser atendido(a).
Já Eliza, devido ao fluxo mais intenso dos dois grandes postos em que atende, precisa pedir
com licença para poder ir ao banheiro. Atende ininterruptamente os(as) pacientes por períodos
bastante longos.
Apesar da autorização da secretária da Saúde, foi necessária muita negociação para
conseguir acesso às consultas pediátricas em si. Isso se deve, principalmente, ao fato de,
muitas vezes, as pessoas entenderem o serviço público como a algo a ser visto somente com a
finalidade de ser criticado. De forma a tranqüilizar as duas médicas envolvidas no estudo,
foram explicados os objetivos da pesquisa, e ambas foram informadas de todos os cuidados
éticos que a pesquisadora teria ao preservar o anonimato das envolvidas, assim como as
informações pessoais providas nos atendimentos. Nas primeiras observações, foi possível
perceber certo receio e desconfiança das participantes, mas, aos poucos, elas foram
adaptando-se à presença da pesquisadora durante os atendimentos. Somente ao ser percebida a
tranqüilidade delas com a pesquisadora presente em seus consultórios é que se começou a
gravar os atendimentos.
As médicas, assim como as mães dos bebês, foram informadas do tipo de pesquisa
realizada e deram seu consentimento por meio de TCLE (Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido) para a pesquisadora. O consentimento dado pelas médicas e pelas mulheres
ocorreu de forma que todos os aspectos da pesquisa fossem explicados e, caso houvesse
dúvida, receio ou algum problema para alguma das envolvidas, o atendimento não seria
observado nem gravado. Com o consentimento escrito, procurou-se informar o tipo de
pesquisa que estava acontecendo nos postos de saúde, para buscar junto às possíveis
participantes sua autorização. Pretendeu-se também esclarecer os procedimentos da pesquisa e
cercar as participantes da certeza de que as identidades das pessoas envolvidas no estudo
seriam preservadas.
Com o passar do tempo e o avanço das observações, constatou-se que uma das
médicas, Diana, responsável por um dos postos observados, o Três Passos, tem poucos(as)
pacientes para atender, pelo menos se for tomada como modelo a idéia que o senso comum
tem de postos de saúde públicos: fila e correria. Nesse, assim como em outros postos da
cidade em estudo, as consultas pediátricas de rotina são marcadas. O que muda nesse é que
um número bem menor de pacientes aparecem à procura de atendimento, muito
provavelmente por esse fazer parte de um bairro menor em relação aos outros da cidade. Por
causa disso, a pesquisadora optou por despender um tempo maior nos dois outros postos pelos
quais a outra médica, Eliza, é responsável. Logo após todas as observações, foram feitos
relatos em diários de campo.
Pelas questões apontadas anteriormente, Eliza teve mais atendimentos gravados que a
Diana. Dos catorze atendimentos gravados, dez são de Eliza e quatro são de Diana. O número
de gravações de atendimentos de Eliza foi muito maior em função do número de bebês que lá
apareceram, por serem postos de bairros maiores. Desde o início da coleta de dados, no mês
de abril de 2005, até seu término, em julho de 2006, somente quatro bebês recém-nascidos
apareceram no Posto Três Passos, de Diana, sendo somente um no ano de 2005, do total de
dois bebês que foram atendidos nesse posto nesse mesmo ano.
Os primeiros dias de contato com as médicas foram bastante tranqüilos. Ambas
ouviram atentamente as explicações sobre o projeto. Nos dois casos, a pesquisadora chegava
antes delas e iniciava uma conversa com o(a) atendente do posto. Na primeira vez que se
conversou com Eliza, chegou-se ao posto às 6h45min. A médica chegou às 7h, e logo a
pesquisadora apresentou-se e pediu um momento para conversarem. Imediatamente se
dirigiram a sua sala. A pesquisa foi explicada, e pôde ser percebido bastante receio por parte
dela, muito, quem sabe, por ela provavelmente ter pensado que a pesquisa objetivava julgar os
atendimentos. Após longas explicações e argumentações, Eliza mostrou mais tranqüilidade e
autorizou a participação do primeiro atendimento observado, que foi de uma criança de um
ano.
Já o primeiro encontro com Diana foi muito mais rápido quanto a negociações. O
consentimento foi dado logo após as primeiras explicações. Essa é uma característica dessa
médica: ela é muito mais direta e objetiva que a outra, inclusive nos atendimentos com as
mães. Em geral, como será aprofundado posteriormente, seus turnos de fala são muito mais
curtos que os de Eliza e tratam praticamente só de assuntos padrão de uma consulta
pediátrica: se o bebê come, dorme e faz cocô, como dorme e come, se há situações diferentes
a serem comentadas pelas mães e recomendações sobre possíveis dúvidas ou problemas que
apareceram. As consultas observadas e as gravadas não ultrapassam quinze minutos, enquanto
que as de Eliza chegam a durar mais de trinta minutos, dependendo da situação do(a)
paciente. Nesses primeiros encontros com as médicas, a pesquisadora procurou conversar com
ambas de maneira bastante informal e utilizando linguagem simples e de fácil compreensão
para que já começassem a se sentir à vontade com sua presença. No início, olhavam
desconfiadas para o gravador, mas com tempo pareceram não se importar mais, aparentando
conforto com a pesquisa que ali estava acontecendo.
Nos atendimentos, de formas diferentes, Eliza com uma fala mais cheia de
diminutivos e Diana de forma mais direta, percebem-se ambas as médicas atentas aos
mínimos detalhes nas crianças. As duas incentivam muito para que as mães continuem
amamentando e, em alguns casos, Eliza chega a pedir para as mães amamentarem em frente
dela caso ache que o bebê não esteja ganhando peso normalmente. Observam e sugerem
formas de tornar a mamada mais eficiente. Em conversas com as mães na sala de espera, elas
comentaram sobre Diana: “Dá uma dó quando esta médica sai de férias”. “Gostamos muito
dela, ela é ótima!”. E sobre Eliza: “É a melhor médica pediatra que tem na nossa cidade!”.
Sempre que possível tentava-se conversar sobre os mais diferentes assuntos com as
médicas e com os(as) atendentes. Descobriu-se que não há muito tempo, em 1984, época da
formação de Eliza, as mães ainda não podiam ficar nos hospitais do estado do Rio Grande do
Sul com seus(suas) filhos(as) doentes. Em conversa com uma funcionária do posto Santo
Afonso, descobriu-se que Eliza, médica pediatra, que entende principalmente de crianças e
que delas cuida diariamente, tem uma filha de 20 anos com problemas neurológicos e outras
deficiências. Propositadamente, não quis-se entrar em mais detalhes sobre o assunto. Inclusive
em uma das semanas da fase de coleta de dados, Eliza pediu duas semanas de licença para
poder cuidar dessa filha.
A fase de coleta de dados passou a tornar-se menos freqüente quando a pesquisadora
percebeu certo cansaço por parte das médicas com a sua presença, já que, nos dias em que
estava no posto, todos os atendimentos eram observados. Esse dado pode ter sido somente
impressão, já que as médicas, em todos os momentos, mostraram-se verbalmente dispostas a
ajudar em tudo que fosse necessário. Contudo, nessa fase, muito já se havia feito e decidiu-se
então somente entrar em consultas de bebês que interessassem ao presente estudo: bebês
recém-nascidos em primeira ou segunda consulta. Aproveitou-se nesse meio tempo para
observar mais os postos, as pessoas que o freqüentam e os(as) funcionários(as) que lá
trabalham. A partir de agora, antes de um detalhamento maior dos postos, passar-se-á a falar
da população que os freqüenta.
5.1.2 A população usuária dos postos investigados
A vasta maioria das pessoas que freqüentam os postos de saúde estudados são pessoas
de uma classe socioeconômica mais baixa da cidade de Rios Claros. Assim como muitos dos
indivíduos brasileiros que pertencem a essa camada, essas pessoas trazem consigo problemas
de habitação, saneamento, esgoto, escolaridade mais baixa, etc. Em Rios Claros, essas mães
geralmente trabalham em fábricas de calçado, na roça, como faxineiras ou em casa. Todas as
mães observadas encaixavam-se em uma das categorias citadas, não possuíam mais do que
ensino médio e estavam presentes em todas as consultas gravadas e transcritas. Contudo,
percebe-se que, à medida que as crianças vão crescendo, não são somente elas que trazem
os(as) filhos(as) aos atendimentos. Observa-se um grande número de avós, irmãos(ãs) da mãe
ou da própria criança, “tias” que cuidam ou vizinhos(as) trazendo-as aos postos enquanto as
mães trabalham. Não foram observados nem gravados atendimentos com mães ou bebês
negros, o que acaba revelando uma característica da cidade dos postos em estudo: cidade
típica de colonização alemã e com baixa entrada de imigrantes e de cruzamento étnico.
Após longo período de observação da população estudada, percebeu-se que muitas são
pessoas não habituadas a consultas médicas de rotina. Algumas entram nos consultórios sem
saber como agir, principalmente pelo fato de as médicas, na maioria das vezes, não falarem
nada além de “oi” até terminarem de preencher o papel com as informações finais do(a)
paciente que estava na consulta anterior. Algumas mães ou acompanhantes das crianças
permanecem de pé até que a médica peça a elas que sentem, o que mostra um alto grau de
subserviência. Geralmente esquecem informações importantes que teriam grande utilidade
para a médica descobrir estados de saúde anteriores da criança. Não lembram, por exemplo,
nomes de remédios ou do(a) médico(a) que realizou o parto do(a) seu(sua) filho(a), a época
que devem se inscrever para conseguir uma vaga na creche municipal e esquecem de trazer
resultados de exames para serem avaliados pelas médicas. Uma chegou a esquecer em casa os
exames do coração feitos pela filha (eletrocardiografia). O grupo de mãe caracteriza-se
também pela demora para realizar os exames solicitados pelas médicas. Uma afirmou ter ido a
Porto Alegre, mas não ter conseguido realizar o exame por ter esquecido a requisição, tendo
que retornar outro dia. As mães têm, na sua maioria, entre 20 e 30 anos.
Certo dia, a pesquisadora ouviu uma mulher em torno de 45 anos, que trazia uma
menina de mais ou menos sete anos, com mechas artificiais loiras no cabelo preto, perguntar:
“O que devo fazer? Onde devo ir?”, “Eu não sei consultar, nunca fui ao médico”. Era a
mulher que cuidava da menina e que a trouxera à consulta porque a mãe estava trabalhando e
não queria perder o dia de trabalho. Em outro momento, uma senhora aparentando uns 70
anos comentou: “Hoje em dia é fácil vir no médico. Na colônia era bem difícil”. Ela tem um
total de 13 filhos(as) e, de acordo com ela, “todos são saudáveis hoje em dia”. Comentou que
isso era um fato raro, já que as pessoas costumavam tratar as crianças doentes o máximo que
podiam em casa e, por causa disso, muitas acabavam morrendo. Na época e na região remota
do Rio Grande do Sul em que morava, precisavam de meio dia para chegar a algum tipo de
assistência médica. No início do percurso, era necessária meia hora a cavalo para chegar ao
carro mais próximo. A mulher comentou ainda que, no dia em que estava lá, o posto não
estava com muito movimento, já que era possível caminhar entre as pessoas: “Às vezes não
há como passar entre as pessoas de tanta gente que há”.
Por outro lado, enquanto uns(umas) não sabem como agir em um posto de saúde por
nunca terem ido a um deles, há outras pessoas que os freqüentam diariamente. Um senhor que
estava sentado ao lado da pesquisadora comentou a forma rude com que determinada
enfermeira estava tratando os(as) pacientes naquele dia. Ela mandava as pessoas entrarem e
bruscamente dizia: “Senta aqui, tira a jaqueta, vô tirar a pressão”. Ele comentou que o normal
dela é assim mesmo, mas que, nesse dia, ela estava pior e disse que ele pode afirmar isso, pois
vai ao posto todos os dias já há um ano e meio para fazer curativo por causa de um problema
na perna. Afirmou que, quando entrasse para ser atendido, iria falar alguma coisa para ela. E
sobre o Posto Central, afirmou com impaciência: “Hoje o atendimento está demorado,
normalmente é mais rápido,” disse, no mesmo dia em que a senhora citada anteriormente
havia elogiado o posto por não estar tão movimentado.
Em outro dia em que a pesquisadora conversou com uma mãe que aguardava
atendimento, foi confirmada a informação recebida pela secretária de Saúde de que as mães
não voltam para consultas médicas com o(a) obstetra após o parto. Esse dado reforça a
característica de que a população envolvida no estudo não tem o hábito de ir ao(à) médico(a)
para consultas de rotina. Outra mãe com seu filho ao colo comentou: “A gente só ganha
atestado se nós mesmos ficamos doentes, se é pra cuidar de um filho não – é descontado do
salário”.
Em geral, percebe-se que as pessoas que freqüentam os postos estão em alguns
momentos querendo achar algum problema nos atendimentos recebidos. Situações que
aparentemente os(as) atendentes ou os(as) médicos(as) não têm como resolver de maneiras
diferentes são contestadas de forma a dar a entender que foi falta de vontade o atendimento
não ter sido realizado de uma forma melhor.
A falta de conhecimento e de informações sobre as rotinas de um posto de saúde são
demonstradas também em situações burocráticas relacionadas aos direitos, por exemplo,
durante o período de licença maternidade. Uma das mães observadas comentou que não teve
direito à licença maternidade “por ter pego” o tempo necessário antes do parto para ter direito
ao benefício e poder cuidar-se melhor em casa. Essa mãe trabalha desde os 20 dias da criança.
Leva-a junto para o trabalho – trabalha como doméstica em uma casa de família. A mãe
trabalhará com a filha junto até o momento em que a menina começar a “atrapalhar” as
tarefas. Quando questionada pela pesquisadora sobre onde iria depois, a mãe respondeu que
só a vida saberia, que não tinha pensado sobre o assunto ainda. Ela igualmente não sabia se o
pai iria assumir a criança. Comentou que ele nem sabia ainda que o bebê havia nascido e nem
o sexo. A médica surpreendeu-se e perguntou se ele sabia do filho, ao que a mãe respondeu:
“Ah, isso ele sabe sim. Eu saí de casa grávida”. A mãe pretendia deixar a situação do jeito que
estava.
Como dito anteriormente, houve uma preocupação especial em certificar as mães que
levavam os bebês aos atendimentos da privacidade e do cuidado que a pesquisadora teria com
as informações, nomes e situações ocorridas nas consultas. Nenhuma pessoa desautorizou a
entrada da pesquisadora nas consultas. Sabendo-se da importância de uma conhecimento
maior dos postos de saúde estudados, passar-se-á agora a um detalhamento maior dos três
envolvidos na presente pesquisa: Central, Três Passos e Santo Afonso.
5.1.3 Os postos de saúde envolvidos no estudo
Dos cinco postos de saúde da cidade de Rios Claros, somente três foram observados e
acompanhados. Dois deles, o Posto Central e o Posto Santo Afonso, foram escolhidos por
terem um grande fluxo diário de pacientes. A médica Eliza atende em ambos. O terceiro
posto, o Três Passos, foi escolhido por ser o posto em que a médica Diana trabalha. O tempo
despendido nos postos foi de aproximadamente um ano, a ponto de os(as) funcionários(as)
que lá trabalham começarem a chamar a pesquisadora pelo nome. Sempre que a viam, sorriam
e perguntavam se tudo estava bem.
Nos postos de saúde da cidade de Rios Claros, as consultas pediátricas são agendadas.
De acordo com os(as) funcionários(as) que lá trabalham, é preciso em torno de quinze dias
para um agendamento. Em razão disso, as mães e outras pessoas que trazem as crianças não
têm grandes períodos de espera quando chegam aos postos. Outra comodidade oferecida às
crianças é o fato de os(as) atendentes dos postos ligarem para as mães dos(as) pacientes (de
consultas pediátricas) avisando que houve um imprevisto com a médica e que ela não poderia
atender naquele dia ou semana. Foi o que aconteceu na semana em que Eliza pediu uma
semana de licença para cuidar da filha doente. Ao chegar no posto, a pesquisadora viu as
atendentes do posto ligando para as mães.
Dentre os atendimentos observados, alguns eram de crianças maiores e em uma das
semanas de observação viram-se diversas crianças chegarem aos consultórios médicos
pediátricos trazendo resultados de exames de fezes feitos em todas as escolas municipais.
Esses exames fazem parte de um projeto da Secretaria de Saúde municipal para checar a
saúde das crianças da cidade de Rios Claros. Todas as crianças que freqüentam escolas
municipais realizaram os exames gratuitamente. Ainda conforme informações recebidas
pelos(as) atendentes dos postos, qualquer pessoa de qualquer bairro da cidade pode consultar
em qualquer posto, mas as pessoas são orientadas a freqüentarem o posto de seu bairro, exceto
em horários em que se encontra fechado. Como tratam-se de postos públicos, pessoas de
outras cidades que necessitem de atendimento podem ser igualmente atendidas. A partir de
agora, passar-se-á a falar de cada posto em separado, e o primeiro a ser detalhado será o Posto
Central.
5.1.3.1 Posto Central
Como o próprio nome fictício aponta, esse é um posto localizado na parte central da
cidade de Rios Claros. É o posto que recebe o maior número de pacientes e é o único posto
que atende 24 horas, inclusive nos fins de semana. Contudo, das 17h às 7h, somente
atendimentos de emergência são realizados. Isso quer dizer que, se uma pessoa necessitar de
algum atendimento de emergência, esse é o posto que ela deverá procurar. Um total médio de
4.400 atendimentos são realizados mensalmente. Do total dos atendimentos realizados no ano
de 2006 até o momento final da coleta, os pediátricos estão divididos da seguinte forma: 79 no
mês de janeiro, 44 no de fevereiro, 152 no de março, 105 em abril e 121 em maio. Por esse ser
o maior dos postos observados, muitas das queixas que os(as) usuários(as) do SUS fazem
sobre postos de saúde públicos aparecem nesse em especial. Em alguns dias é possível ver
filas e pessoas impacientes reclamando de atendimentos recebidos.
Como mencionado anteriormente, esse é o único posto da cidade que tem fila de
pessoas esperando atendimentos mesmo antes de abrir. Há dias em que há no início da manhã
em torno de 40 pessoas aguardando por atendimentos diversos. Essa situação, como será visto
posteriormente, é bem diferente dos outros postos, em que, na maioria das vezes, não há
ninguém esperando ou há, no máximo, três pessoas. As filas duram das 7h às 7h30min,
quando então as pessoas se dispersam pelo posto no atendimento, nos bancos de espera ou nos
balcões para preenchimento dos formulários para consulta. Muitas pessoas chegam bastante
cedo para poderem pegar uma ficha que garantirá o atendimento médico para o mesmo dia.
As mães que levam seus(suas) filhos(as) para atendimentos pediátricos não entram nessa fila.
De fato, os atendimentos pediátricos têm uma fila reservada só para esse tipo de consulta.
Crianças que serão atendidas às 7h30min, por exemplo, devem estar no posto às 7h. Enquanto
conversava com as atendentes do posto, a pesquisadora descobriu que as mães são informadas
do horário “errado” propositadamente, no caso meia hora antes, por normalmente não serem
pontuais para as consultas. Contudo, foram observadas diversas mães pontuais, com seus
bebês muito pequenos, tendo de esperar pelo horário real da consulta.
Diversas horas foram despendidas nesse posto, e os mais diversos atendimentos foram
observados. A mesma pessoa que abre a porta principal do posto pela manhã
9
é o(a) atendente
daquele período, nesse caso, um homem. Ele é especialmente amável e atencioso com as
pessoas que procuram atendimento. Durante todos os momentos em que a pesquisadora
observava os postos, procurava atentar a todos os detalhes e conversar com as pessoas que
esperavam por atendimento. Em um dia, descobriu-se com uma mulher que o rapaz que
atende nesse posto (o acima descrito como prestativo, atencioso e bem humorado) está
trabalhando no posto por ter recebido um tipo de promoção. O que aconteceu no caso do
atendente desse posto é que ele é concursado para ocupar um cargo em que deveria estar
capinando os canteiros da cidade. Contudo, durante o período de férias de uma telefonista da
prefeitura, ele teve de substituí-la. Naquele dia, o prefeito ligou, foi atendido no telefone por
ele e ficou bastante satisfeito com o atendimento. No mesmo instante, perguntou quem estava
falando e disse que uma pessoa como ele, com tamanha simpatia e dom para bom
atendimento, tinha de trabalhar numa função diferente da que vinha fazendo e que lidasse com
pessoas. Naquele mesmo dia ele foi promovido a recepcionista do Posto Central.
9
Para os atendimentos de emergência que ocorrem das 17h às 7h, há uma outra entrada de acesso.
Em geral, percebe-se que as pessoas procurando atendimento são impacientes, mesmo
em situações em que é visível que o(a) atendente está fazendo tudo o que lhe é possível no
momento. Ao contrário de grande parte dos(as) pacientes, os(as) atendentes são bastante
serenos. Contudo, é compreensível observar reações de impaciência nesses locais, muito
provavelmente pelo fato de as pessoas estarem geralmente vivendo situações de doença ou
dor em que, independente do local em que são atendidas, consultório particular ou público, as
pessoas têm pressa para resolver a situação. As pessoas sentadas ou encostadas nas paredes,
por vezes, estão abatidas e têm olhares tristes – o que parece natural para locais em que se
trata de saúde. Enquanto aguardam atendimento, algumas vezes, pessoas feridas ou
desmaiadas no colo de outras passam à procura de atendimento. Caso de emergência passa na
frente dos outros. Em algumas situações, consultas pediátricas também têm atrasos por causa
disso – quando há atendimento de emergência de uma criança.
Ao chegarem cedo ao posto e encontrarem a porta da entrada principal fechada, as
pessoas acabam aguardando em fila em frente a essa entrada. Observe-se a Figura 1 para um
melhor entendimento do posto e de como as pessoas nele se distribuem. A fila vira em direção
à lixeira ou estende-se até o estacionamento. O estacionamento é usado somente por
funcionários do posto e pela ambulância. Quando as portas são abertas, o local ao redor da
lixeira é usado como local para fumantes ou para pessoas que querem conversar alto. As que
conseguem sentar fazem-no pelos bancos e cadeiras espalhados na área próxima à entrada
principal ou próximas ao balcão de atendimento. Nesse balcão há uma sineta que é usada para
chamar o(a) atendente caso não esteja ali parado(a).
Figura 1 – Posto Central
As paredes do posto são beges. Sua pintura original era um bege claro, mas, com o
passar do tempo, a cor tornou-se mais escura, apresentando em certas partes um aspecto de
encardido. Em todos os locais em que se passa, vêem-se nas paredes cartazes de campanhas
de vacinação e chamadas para exames que a população deveria realizar. Nota-se uma
preocupação constante com a limpeza das instalações, já que sempre há uma pessoa limpando
ou terminando a limpeza de algum local. Como igualmente demonstra a Figura 1, ao lado do
posto, em construção geminada, encontra-se o prédio do INSS da cidade de Rios Claros.
Próximo a esse prédio, encontram-se prédios de outros pontos importantes para a cidade,
como a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), uma creche municipal, a
Brigada Militar e a Delegacia de Polícia.
Uma observação muito mais detalhada dos postos se iniciou, conforme explanado
anteriormente, no momento em que a pesquisadora percebeu que as médicas pareciam estar se
cansando das observações de todos os atendimentos. A partir desse momento, optou-se por
tentar conversar mais com as pessoas que freqüentam os postos e os(as) funcionários que
neles trabalham. Outras conversas foram realizadas com a secretária da Saúde e com as
médicas para saber mais detalhes técnicos e burocráticos dos atendimentos realizados.
Conforme a Figura 1, é possível observar que, nos fundos, na parte direita do prédio,
encontra-se a Secretaria de Saúde, assim como os serviços de assistência social e psicologia.
Foi nesse local que a pesquisadora encontrou-se pela primeira vez e em outros momentos com
a secretária de Saúde do município.
Nesse posto, há caixa de som e alto-falante para chamar as pessoas para o
atendimento, por meio de fichas numeradas. De tempos em tempos, ouve-se um número ser
chamado. Esse número representa uma ficha, e essa ficha representa o(a) próximo(a) paciente
a ser entendido. Não há nome, idade, gênero ou raça – há somente um número. Alguns(mas)
médicos(as) ou enfermeiros(as) os(as) chamam pela porta que dá acesso aos consultórios –
porta essa que fica entre a caixa de som e os banheiros – ou diretamente pelo microfone, que
não deixa de ser algo bastante funcional para situações em que há muito tumulto no local.
Uma comodidade que as pessoas que aguardam atendimento têm é uma televisão na sala de
espera que fica próxima à entrada principal.
Ao passarem pela porta que dá acesso direto aos atendimentos – somente pessoas
autorizadas podem passar por ela – algumas pessoas são atendidas no consultório 1 e outras
no consultório 2. O consultório 1 geralmente é utilizado para atendimentos de emergência ou
pelos/as enfermeiros/as para troca de curativos. Já o consultório 2 é o que foi visitado com
bastante freqüência pela pesquisadora, pois é o local de atendimentos pediátricos do Posto
Central. Quando a sala não está sendo usada para atendimentos pediátricos, outros tipos de
atendimentos médicos são realizados no local. Diretamente em frente aos consultórios 1 e 2,
encontram-se outras duas salas de atendimentos que, aparentemente, não são usadas com tanta
freqüência. O consultório 2 está representado pela Figura 2 que segue.
Figura 2 – Consultório 2 do Posto Central
Enquanto a pesquisadora observava os atendimentos, ela permanecia sentada no
banquinho que se encontra ao lado da porta. Na ausência desse, a médica sempre procurava
pôr outro para que pudesse se acomodar melhor. Muitas mães, ao entrarem na sala, após
ouvirem o número da ficha de seu bebê, permaneciam paradas entre a pesquisadora e a
balança enquanto a médica terminava de preencher os papéis da consulta anterior. Elas
sentavam-se em sua cadeira após a médica convidá-las a sentar. O gravador era acomodado
embaixo da cama usada para examinar os bebês. Nesse consultório, não há nada além da
balança usada para pesagem de crianças pequenas que o identifique como um consultório
pediátrico, já que só se vêem utensílios comuns a qualquer outra sala de atendimento do
posto. Encerrada a descrição do Posto Central, passar-se-á ao detalhamento do Posto Santo
Afonso.
5.1.3.2 Posto Santo Afonso
O posto que a partir de agora passar-se-á a descrever está localizado no segundo maior
bairro da cidade, o Santo Afonso. É um bairro que tem uma população que pertence a uma
classe socioeconômica mais baixa. Por ser uma cidade de interior, há pouquíssimos casos de
condições extremas de pobreza, mas eles existem. Há casas, ainda que poucas, sem condições
mínimas de habitação, como água encanada, luz e esgoto. Contudo, o posto desse bairro,
assim como os outros observados, é bastante limpo e organizado. É importante informar que
nesse e em todos os outros postos do município os(as) pacientes ganham medicamentos.
Algumas mães afirmam trazer as crianças somente para conseguir determinado remédio
gratuitamente, como, por exemplo, uma que comentou ter trazido o filho somente para
conseguir um tipo de vermicida. Outra comodidade para as pessoas atendidas nesses locais é
que, se não há recursos ou leitos disponíveis na cidade de Rios Claros, elas são levadas de
ambulância para outras cidades.
O prédio do Posto Santo Afonso é novo. As instalações são impecavelmente limpas e
todos os seus móveis são novos. A pintura é branca e verde. Pelo que foi observado, todos os
outros postos além do Central têm essa pintura. Nesse posto não há mais do que três pessoas
ao mesmo tempo aguardando atendimento, e não se vêem filas. As pessoas que chegam ao
balcão de atendimento são atendidas logo. Antes das consultas, algumas mães têm de
aguardar atendimento por ter ocorrido algum atraso na consulta anterior.
Figura 3 – Posto Santo Afonso
Conforme a Figura 3 mostra, é possível perceber que esse posto é proporcionalmente
bastante menor que o Central. Há somente dois consultórios de atendimento, os locais de
espera são muito menores, não há televisão, caixas de som e existem menos bancos,
provavelmente devido ao fato de esses itens não serem necessários, já que as pessoas não
precisam esperar por atendimento por longos períodos. Não há estacionamento próprio,
apenas o da rua em frente. Nesse posto, foi encontrada uma pesquisa de satisfação em cima do
balcão de atendimento, pesquisa essa que já havia sido realizada nos outros dois postos. O
questionário pergunta sobre a satisfação das pessoas em relação a diversos pontos referentes
aos atendimentos prestados. Todas as pessoas são convidadas a respondê-lo, mas só o
respondem se quiserem. É possível observar que a maioria opta por responder
10
.
Figura 4 – Consultório do Posto Santo Afonso
O consultório médico do Posto Santo Afonso, conforme comprova a Figura 4,
assemelha-se em parte ao do Posto Central. O que mais muda é a posição da pesquisadora na
sala, que nesse posto fica sentada atrás da mãe do bebê, ao lado da estante. Essa estante é
aberta e o gravador era sempre acomodado dentro dela. Nos móveis e utensílios, assemelhava-
10
A pesquisa referida encontra-se nos anexos ao final dessa dissertação.
se completamente ao do Posto Central. Nesse consultório, assim como no outro, quando não
havia cadeira para a pesquisadora sentar, a médica tratava de providenciá-la.
O Posto Santo Afonso abre suas portas às 7h e as fecha às 17h. É o segundo posto da
cidade em número total de pacientes atendidos(as), recebendo um número médio de 250
atendimentos mensais. Do total dos atendimentos até maio de 2006, os pediátricos estão
divididos da seguinte forma: 50 no mês de janeiro, 18 no de fevereiro, 101 no de março, 57
em abril e 81 em maio. Nesse posto, assim como nos outros, há diversos cartazes alertando
sobre a importância de serem feitos determinados exames e vacinas. Somente nesse foi
observado um sobre conscientização dos problemas de gravidez na adolescência. Com a
caracterização desse posto feita, passar-se-á a uma descrição do Posto Três Passos.
5.1.3.3 Posto Três Passos
O Posto Três Passos pertence ao menor bairro da cidade e é o que menos se assemelha
a um posto público convencional. Nesse posto, nunca há fila, as pessoas são atendidas
pontualmente e, se chegarem antes, em alguns casos, chegam a ser atendidas antes da hora
marcada. Assim como os anteriores, é igualmente limpo e organizado. Há duas atendentes
mulheres e ambas dizem gostar muito do trabalho que fazem. Uma delas, inclusive, mora e
trabalha em outro posto de uma cidade vizinha a Rios Claros que possui população estimada
em 250 mil habitantes. Ela comentou que os postos de saúde de Rios Claros são “um paraíso”.
Afirmou ainda que as pessoas não sabem o que tem de bom e de graça e que algumas ainda
reclamam, o que demonstra o desconhecimento dessa funcionária sobre o fato de um
atendimento público e gratuito ser um direito de todo(a) cidadão(a) e não um prêmio. Elas
recebem remédio gratuitamente, as consultas são marcadas, não há fila e, caso aconteça de
o(a) médico(a) não poder comparecer, as pessoas são avisadas. Ambas as atendentes são
técnicas em enfermagem.
O bairro em que o Posto Três Passos está localizado é um bairro de classe média e não
popular como o do Santo Afonso. Talvez esse fato, além da população do bairro ser menor,
também explique o número de consultas menor em relação aos outros postos, já que pessoas
pertencentes a classes médias costumam ter planos de saúde e, conseqüentemente, procuram
consultórios particulares. Esse, assim como o Santo Afonso, abre suas portas às 7h e as fecha
às 17h. Ele recebe um número médio de 200 atendimentos mensais. Do total dos
atendimentos até maio de 2006, os pediátricos estão divididos da seguinte forma: 30 no mês
de janeiro, 22 no de fevereiro, 67 no de março, 60 em abril e 61 em maio. O número de bebês
em primeiro e segundo atendimentos foi muito raro durante a pesquisa nesse posto. Somente
quatro consultas foram gravadas no Posto Três Passos.
Figura 5 – Posto Três Passos
Conforme é possível perceber na Figura 5, o Posto Três Passos é ainda menor que o
Posto Santo Afonso. Menor número de atendimentos, menos espaço e, conseqüentemente,
menor número de consultórios. Há somente um consultório nesse posto. Outro diferencial
desse em relação aos outros postos da cidade é que há caixas de som por todos os lugares
(menos no consultório) com música ambiente. O prédio do Três Passos e todos os móveis
dentro dele são novos e as instalações impecavelmente limpas. A pintura é igual ao do Santo
Afonso, branca e verde. Nesse posto trabalha a médica Diana.
O consultório médico do presente posto, conforme comprova a Figura 6, assemelha-se
quase que completamente ao do Posto Santo Afonso. O que mais muda é que, no lugar da
estante ao lado da cadeira em que se posiciona a pesquisadora, encontra-se uma balança que é
usada para a pesagem de crianças maiores. O gravador era sempre acomodado sobre essa
balança. Nesse local, ao contrário do Posto Central e do Santo Afonso, há quatro brinquedos
de criança espalhados pela sala, que fazem com que o consultório pareça mais com um
pediátrico. Nos outros móveis e utensílios, assemelha-se completamente aos outros. Há
sempre um banquinho de ferro na sala, que era sempre usado pela pesquisadora. Em geral, os
atendimentos nesse posto são bastante rápidos e levam no máximo 15 minutos, apesar de não
haver outras pessoas aguardando do lado de fora.
Figura 6 - Consultório do Posto Três Passos
Terminada a descrição das impressões e observações da pesquisadora sobre os postos
de saúde pesquisados, na próxima seção, passar-se-á a uma análise dos atendimentos médicos
estudados pelo uso das transcrições advindas das gravações das consultas observadas e
gravadas.
5.2 A AC EM CONSULTAS MÉDICAS PEDIÁTRICAS
A partir desta seção, passar-se-á à análise das transcrições com base nos princípios da
AC, a fim de definirem-se os aspectos interacionais que serão investigados. As ações sociais
são significativas para aqueles que as produzem e são naturalmente organizadas. Tais ações
podem ser analisadas e examinadas por aqueles(as) que as observarem de forma mais
minuciosa (PSATHAS, 1994, p. 2). Nesse sentido, com a análise que segue, pretende-se
revelar as estruturas que produzem a organização das conversas entre mães e médicas em que
médicas e mães estruturam as consultas pediátricas, principalmente no que diz respeito a suas
negociações enquanto usam dos termos normal e anormal. Os atendimentos foram analisados
a fim de serem encontradas recorrências de fenômenos interacionais que pudessem ser
descritos e pudessem ser capazes de caracterizar os atendimentos estudados.
A análise está dividida em três subseções maiores. Na primeira, demonstra-se de que
forma estão estruturados os atendimentos pediátricos estudados. Em seguida, passa-se a uma
análise da institucionalidade das interações, o que, de certa forma, distancia-as em muito de
uma conversa espontânea. Por fim, na terceira subseção, analisa-se a forma como as mães e as
médicas constroem (ou não) de forma conjunta a normalidade dos bebês em atendimento.
5.2.1 A “forma-padrão” dos atendimentos pediátricos em Rios Claros
Nos atendimentos gravados nos consultórios dos três postos estudados, foi possível
perceber um padrão de tempo adotado pelas médicas para as consultas: aproximadamente 15
minutos. Nesse curto tempo, Diana e Eliza tinham de deixar a mãe à vontade no consultório
para que se sentisse bem para falar sobre o bebê e sobre a razão da visita, examinar o(a)
paciente verbal e fisicamente, falar sobre o estado do bebê, prescrever um tratamento e/ou um
medicamento e fechar a interação. Geralmente os atendimentos levaram um longo tempo (em
torno de 20 segundos) até serem iniciados de fato, tempo esse em que as médicas, mais Eliza
do que Diana, ficavam preenchendo o prontuário da consulta anterior. A ordem em que as
ações ocorreram nos atendimentos pode ser esquematizada da seguinte forma:
ABERTURA
IDENTIFICAÇÃO DA RAZÃO
DO ATENDIMENTO
REALIZAÇÃO DE PRÁTICAS
DE PUERICULTURA
SOLUÇÕES PARA PROBLEMAS OU
DÚVIDAS APRESENTADOS
FECHAMENTO
Figura 7 – Estrutura dos atendimentos pediátricos estudados
5.2.1.1 Abertura
Uma das características que mais diferenciam uma conversa espontânea de uma
institucional é a que Drew e Heritage (1992) definem como “overall structural organization”
(OSTERMANN, 2000), ou seja, uma esquematização que possa representar de que forma se
estrutura a interação que está sendo estudada. Como a figura 7 mostra, a abertura dos
atendimentos, é o que dá início às consultas propriamente ditas. Para fins de exemplificação,
apresentar-se-á uma interação trazida por Schegloff (2002) que mostra a abertura de uma
conversa ao telefone. Alice atende ao telefonema com “hello” (ou “alô”), ao que Robin, a
moça que liga, responde com “hi” (ou “oi”). Alice aparentemente não reconhece a voz de
Robin e responde ao “oi”, mas, após três décimos de segundo, ela reconhece a pessoa ao
telefone (linha 5) ao dizer “ah, oi Robin”. Após esse momento, a interação certamente tomou
o rumo que fizera com que Robin ligasse para Alice e a conversa se desenvolveu.
1 ALICE: Hello.
2 ROBIN: Hi:
3 ALICE: Hi:
4 (0.3)
5 ALICE: Oh Hi Robin.
Schegloff (2002, p. 292)
Nos atendimentos pediátricos de Rios Claros, a abertura dos atendimentos inicia no
momento em que a médica chama a mãe a sua mesa. Às vezes, a profissional vai até a porta;
em outras, apenas fala a senha. Pelo fato de esses momentos terem ocorrido sem que o
gravador estivesse pronto para ser usado, essa parte da abertura dos atendimentos não foi
gravada nenhuma vez. Em seguida, mãe e médica cumprimentam-se. Alguns desses
momentos das interações também não foram gravados, já que ocorriam enquanto a mãe, o
bebê e a pesquisadora entravam no consultório e, por isso, algumas vezes, o gravador ainda
não estava completamente pronto para gravar. Contudo, apesar de não gravados, os momentos
foram registrados pela pesquisadora em seu diário de campo. Não sempre, mas em alguns dos
atendimentos, a abertura inicia com a médica terminando o preenchimento do prontuário da
consulta anterior; em outros, o preenchimento do prontuário é finalizado antes que o próximo
número seja chamado.
O excerto 1 traz o início do atendimento da menina Cíntia, que tem 28 dias de vida e
que está em sua primeira consulta após seu nascimento. A mãe traz sua filha para a consulta
de rotina, sem parecer estar trazendo Cíntia devido a algum problema sério até então
apresentado. Esse início representa uma típica abertura dos atendimentos pediátricos
realizados nos postos de Rios Claros, em que mãe e médica se cumprimentam. Nesse instante,
Eliza está sentada em sua mesa, e a mãe entra no consultório. Observem-se as linhas 1 e 2, em
que ambas se cumprimentam simultaneamente, situação essa representada pelo uso de “[ ]”.
EXCERTO 1: linhas 1 a 6 *ELIZA-CILENE/CÍNTIA(bebê)
1 ELIZA: [oi.]
2 CILENE: [oi.]
3
4
5
ELIZA: ((20 segundos de espera por parte da mãe – médica
termina de preencher o prontuário da consulta
anterior)) é a primeira vez, a primeira consulti::nha?=
6 CILENE: =sim, aha.
Após médica e mãe cumprimentarem-se, Eliza simplesmente abaixa a cabeça, sem
nada mais dizer à mãe, e termina de preencher o prontuário da consulta anterior. Durante 20
segundos, Cilene espera alguma reação da médica. Entretanto, essa reação ocorre somente
com o término do preenchimento do outro prontuário, instante em que a médica inicia o
momento investigativo da consulta, quando então Eliza passa a tentar identificar a razão do
atendimento. E é desse momento da consulta que a próxima subseção passará a tratar.
5.2.1.2 Identificação da razão do atendimento
A segunda fase dos atendimentos inicia então quando as médicas passam a investigar a
razão de a mãe estar trazendo seu(sua) filho(a) para o atendimento. Em geral, as médicas
iniciam essa parte dos atendimentos perguntando à mãe se é a primeira consulta do bebê e se
está tudo bem. A resposta afirmativa sobre ser o primeiro atendimento revela que essa
provavelmente seja uma consulta de rotina após o parto e que, apesar de ser de rotina, é uma
das aparentemente mais complicadas. Isso devido ao fato de ser nessa consulta que as mães
poderão ver se o peso que seu(sua) filho(a) perdeu após o nascimento foi então recuperado. A
segunda pergunta, sobre se está tudo bem, ajuda a revelar as percepções da mãe sobre o bebê
e dá um ponto de partida para que a médica consiga conduzir o atendimento dentro das
expectativas, diminuindo (ou não) as angústias das mães. Observe-se o excerto 2, que
continua o 1, da menina Cíntia, anteriormente analisado.
EXCERTO 2: linhas 3 a 12 *ELIZA-CILENE/CÍNTIA(bebê)
3
4
5
ELIZA: ((20 segundos de espera por parte da mãe – médica
termina de preencher o prontuário da consulta
anterior)) é a primeira vez, a primeira consulti::nha?=
6 CILENE: =sim, aha.
7 ELIZA: VINte Oito dias, né?
8 CILENE: é.
9 ELIZA: COmo é que tá a menina?
10 CILENE: ah:: foi ontem ela tinha um pouquinho de cólica.
11 ELIZA: antes não tinha tido?
12 CILENE: não.
Nesse excerto, Eliza inicia sua busca pela razão de Cilene estar procurando pelo
atendimento pediátrico de sua filha, ao perguntar se é a primeira consulta de Cíntia. Eliza
então certifica-se de quantos dias a menina tem para então fazer a segunda pergunta-chave
dessa fase do atendimento, a pergunta sobre o estado de saúde da criança, que ocorre na linha
9. Antes de partir para o exame propriamente dito de Cíntia e poder apontar possíveis
soluções para o problema das cólicas apresentado por Cilene na linha 10, Eliza realiza práticas
de puericultura. Essas práticas constituem a terceira fase dos atendimentos pediátricos de Rios
Claros, fase essa que passará a ser discutida na próxima subseção.
5.2.1.3 Realização de práticas de puericultura
Como visto em capítulos anteriores, a prática tanto técnica quanto social da
puericultura envolve um grande desafio para o pediatra: não apenas se preocupar com os
sintomas do bebê, mas também com diversos fatores relacionados ao seu bem-estar em geral,
como familiares, alimentação e local em que mora. Esse momento, ou a terceira fase dos
atendimentos pediátricos dos postos de Rios Claros, são, claramente, os mais extensos em
número de turnos, já que demandam mais tempo das médicas para a sua realização. Na
consulta da menina Cíntia, por exemplo, a prática de puericultura levou médica e mãe a irem
do turno 13 ao 312 (de um total de 344), trocando informações sobre praticamente tudo o que
esteja relacionado ao bem estar do bebê. É por essa razão que não se exemplificará tal parte
das interações, todas igualmente extensas.
Entretanto, é possível que se discutam os tipos de informações que são comumente
buscadas pelas pediatras. Além do bem-estar do bebê, Eliza e Diana costumam investigar
nesse momento também a saúde da mãe, ao perguntar como está e se está tendo ajuda nas
tarefas de casa e com a criança. Sobre a mãe, perguntam ainda se tem outros(as) filhos(as) e,
caso respondam afirmativamente, como estão em relação ao novo bebê e em relação à saúde
deles. As médicas sempre perguntam como está a amamentação e, em duas interações, Eliza
pede para a mãe amamentar em sua frente “para ver como está o processo”. Nessa fase
também, Eliza e Diana examinam totalmente o bebê e ainda o que foi apontado como
problema (conforme o caso do bebê). Em todos os momentos dessa parte da interação, as
médicas anotam os dados e os comentários da mãe sobre os bebês no prontuário. Todas essas
informações auxiliam as médicas na quarta fase da consulta, instante em que apontam
soluções para os problemas ou dúvidas apresentados durante a consulta. É dessa fase que a
próxima subseção passará a tratar.
5.2.1.4 Soluções para problemas ou dúvidas apresentados
Após a realização das práticas de puericultura, momento em que as médicas anotam no
prontuário as informações que estão sendo levantadas, Eliza e Diana passam então para a
quarta fase dos atendimentos, que pode ser descrita como o instante em que soluções para os
problemas ou dúvidas apresentados pelas mães são oferecidas pelas médicas. Observe-se o
excerto 3, que inicia com o momento em que Eliza e Cilene estão terminando de tratar sobre
as questões de prática de puericultura. Da linha 309 até o “é” da linha 314, mãe e médica
estão conversando sobre as vacinas que foram e ainda devem ser feitas em Cíntia. Cilene
responde que já fez as que deveriam ser feitas (linha 310) e recorda que há uma outra a ser
feita no próximo mês (linha 313). Eliza concorda que ela deva ser feita com o “é” na linha
314 e passa imediatamente a outro tópico conversacional: a solução para o problema
apresentado por Cilene no turno 10 (excerto 2 anteriormente analisado), o caso de a menina
Cíntia estar tendo cólicas. No momento em que a mãe comenta que a menina havia tido um
pouquinho de cólica no dia anterior, a médica pergunta se antes ela não havia tido, e Cilene
responde que não. A partir daí, Eliza não toca mais nesse assunto até chegar à linha 314, o que
mostra claramente que as fases das consultas, quase que na totalidade dos atendimentos, são
pautadas pelas profissionais da saúde.
EXCERTO 3: linhas 309 a 338 *ELIZA-CILENE/CÍNTIA(bebê)
309 ELIZA: sim, uhum. e as vacinas tu faz direitinho? [conforme]
310 CILENE: [sim] já
311 fiz duas.
312 ELIZA: certo.
313 CILENE: e tem mais uma mês que vem.
314 ELIZA: é. e tiver colicazinha tu dá paracetamol, né?=
315 CILENE: =paracetamol em gotas?=
316 ELIZA: =você tem?=
317 CILENE: =não.
318 ELIZA: e bota de bruços na-na tua barriga, tá?
319 CILENE: tá, aha.
320 ELIZA: ah::. aquece a barriguinha dela. com fraldinha morna,
321 só tem que cuidar pra não queimar, né?
322 CILENE: sim.
323
324
ELIZA: mas isso, é uma coisa, que com o tempo vai passando,
tá?
325 CILENE: aha.
326
327
328
ELIZA: às vezes tem que cuidar um pouquinho, alimentação é
livre, mas às vezes tem alguma mamãe que fala que se
come couve o nenê chora mais.=
329 CILENE: =sim, aha.
330
331
ELIZA: se come laran:ja, se come chocolate, então as coisa
que a gente às vezes ouve.
332 CILENE: é.
333 ELIZA: às vezes tem cuidar um pouquinho, né, mas::
334 CILENE: é.
335 ELIZA: tem que cuidar.
336 CILENE: tá.
337 ELIZA: o cocô tá certinho, né?
338 CILENE: tá, tá bem amarelinho.
Interessante, nessa seqüência, o fato de a médica perguntar à mãe se ela tem
paracetamol em casa (linha 316), turno a que Cilene imediatamente responde negativamente
(linha 317), conforme estão representados os turnos colados pelo uso do símbolo “=”, sem
comentar nada além disso. Até o final dessa parte do atendimento, Eliza não volta a falar
sobre paracetamol e deixa de comentar com a mãe que os postos de saúde distribuem
gratuitamente essa medicação, que Cilene poderia ter pedido no momento em que deixasse o
consultório. Contudo, isso não acontece. Na verdade, foi possível perceber que, após o
atendimento, a mãe saiu do posto e possivelmente tenha ido para casa sem levar a medicação.
Outra situação interessante é o fato de que, conforme comentado em capítulos
anteriores, no momento em que o(a) médico(a) prescreve determinado procedimento ou
medicação, é bastante importante que ele(a) escreva o que está explicando, já que a maioria
das palavras explicadas apenas verbalmente serão esquecidas. No excerto 3, Eliza aponta
soluções para o problema das cólicas de Cíntia entre as linhas 314 a 333. Nesses turnos, fala
para Cilene usar paracetamol (linha 314), colocar o bebê de bruços em sua barriga (linha 318),
aquecer a barriguinha de Cíntia com uma fraldinha morna, cuidando para não queimar (linhas
320 e 321) e ter cuidados com a alimentação (linhas 326 a 328 e 330 a 331). Como pode ser
observado, a quantidade de recomendações dadas por Eliza é grande, mas nem a médica e
nem a mãe preocupam-se em tomar nota do que está sendo dito, o que posteriormente pode
vir a fazer com que Cilene esqueça de determinado procedimento.
É possível perceber ainda nos excertos até agora apresentados e, principalmente, no 3
que é Eliza que conduz o atendimento, já que é ela que faz as perguntas e geralmente inicia
novos tópicos conversacionais ou fases do atendimento. Se não for considerado o turno 313,
em que a mãe ativamente afirma que há ainda outra vacina a ser feita no próximo mês, os seus
outros turnos são apenas respostas a questionamentos feitos por Eliza. Ainda, dos onze turnos
em que Cilene responde, oito não passam de respostas bastante curtas e de certa forma
passivas, como simples “não”, “sim”, “aha”, “é” e “tá”. Essa assimetria revelada no excerto 3
nada mais mostra do que uma das características principais da fala institucional, a de que há
sempre um interlocutor com mais direitos interacionais e que de certa forma “guia” a
interação que está em curso, diferentemente de uma fala espontânea, em que geralmente
todos(as) os(as) falantes têm os mesmos direitos.
5.2.1.5 Fechamento
A quinta e última fase dos atendimentos, a do fechamento das interações
(SCHEGLOFF; SACKS, 1974), ocorre no momento em que Eliza ou Diana encerra o
momento das práticas de puericultura e conduz a consulta para o fim. Em todos os
atendimentos analisados, foram as médicas que sinalizaram que a consulta estava chegando ao
seu final. Para isso, perguntavam às mães se ainda havia alguma dúvida ou então usavam da
frase “então tá, é isso então.” (cf. OSTERMANN, 2000), como revela a linha 339 do excerto
4.
EXCERTO 4: linhas 339 a 344 *ELIZA-CILENE/CÍNTIA(bebê)
339 ELIZA: então tá, é isso então.
340 CILENE: obrigada.
341 ELIZA: tchau.
342
343
CILENE: tchau, esse aqui é pra olhar, daí tem essa
pomadinha?
344 ELIZA: é.
Contudo, apesar de Eliza ter iniciado o fechamento da interação na linha 339 e ter de
fato tentado encerrá-la na linha 341 ao usar da palavra “tchau”, a mãe não encerra a consulta
naquele instante por aparentemente ter-lhe restado alguma dúvida. Cilene, como competente
interlocutora, de fato se orienta ao turno de fechamento de Eliza (linha 341), ao responder
“tchau” em 341. Entretanto, não se retira do consultório como seria esperado. A provável
dúvida que tenha ficado aparece com o questionamento feito nas linhas 342 e 343, em que a
mãe pergunta sobre umas escoriações do bebê e sobre a medicação a ser usada, o que
comprova o que anteriormente havia sido afirmado: quando os procedimentos ou as sugestões
dadas pelas médicas às mães são apenas proferidos verbalmente, eles podem vir a ser
esquecidos ou gerar dúvidas às mães posteriormente ao atendimento. Após a resposta
afirmativa de Eliza na linha 344 sobre o questionamento de Cilene nas linhas 342 e 343, a
mãe retira-se do consultório.
A partir da esquematização apresentada pela Figura 7, é possível ver que as médicas
seguem, de certa forma, esse esquema e dele usam para orientar e estruturar as diferentes
fases dos atendimentos. Em conversas posteriores à finalização da coleta de dados com a
secretária de saúde e as médicas, descobriu-se que, de fato, as médicas têm tópicos a serem
conversados com as mães, assim como tipos de procedimentos-padrão, como o de examinar o
bebê, que devem ser realizados. Esses procedimentos e tópicos a serem conversados, em
parte, advêm da formação médica das pediatras ou de reuniões periódicas que ocorrem no
posto e servem como uma forma de “padronizar” os atendimentos. Porém, o que acaba
ocorrendo devido à experiência adquirida pelas médicas ao longo tempo em que vêm
trabalhando em suas funções é que elas já não seguem essa forma-padrão de atendimento de
modo rígido, o que faz com que algumas ações ocorram em momentos diferentes nas
consultas. Entretanto, embora a consulta siga todas as fases de forma rígida, é possível
perceber um cuidado por parte das profissionais nos atendimentos para que todos os passos da
consulta-padrão sejam de alguma forma abordados.
Um momento em que é possível demonstrar que os atendimentos não estão seguindo
rigidamente os tópicos a serem abordados nas consultas é aquele em que as médicas exploram
a questão da amamentação, na fase em que realizam práticas de puericultura. Como visto em
capítulos anteriores, é durante as práticas da puericultura que esse tópico deve ser discutido
verbalmente entre a médica e a mãe, momento em que o papel da médica deve ser o de
perguntar como está a amamentação, e o da mãe, o de explicar. Para que esse processo seja
bem sucedido, a médica deve ouvir atentamente a fim de detectar possíveis problemas e para
que a prática da amamentação seja incentivada. O que acaba ocorrendo em dois dos
atendimentos analisados é que Eliza termina pedindo às mães que amamentem seus bebês no
momento da consulta para que ela possa averiguar como está a amamentação. Em conversa
com a secretária de saúde e com as médicas, foi informado que essa solicitação não faz parte
do atendimento-padrão. Observe-se o excerto 5, que mostra um dos atendimentos em que
Eliza pede à mãe para ver como o bebê está “chupando”.
EXCERTO 5: linhas 121 a 141 *ELIZA-MARIANA/MERI EDUARDA(bebê)
121 ELIZA: outro tu amamentou?
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
MARIANA:
ELIZA:
MARIANA:
ELIZA:
MARIANA:
ELIZA:
MARIANA:
ELIZA:
MARIANA:
ELIZA:
MARIANA:
ELIZA:
MARIANA:
ELIZA:
MARIANA:
sim, até três anos. ((mãe sorri de maneira não
audível))
AH, tu é experiente. então já tem experiência de
sobra, mesmo. E ele foi bem de saúde?
foi.
tu vê, que leGAL. (0.4) conte-me uma coisa, XXX
paracetamol, né?
tá bom.
e:: deita de bruços, em cima da tua barriga, tá.
é.
quem que tá com fome?
mas já?
(0.4) deixa só eu vê um pouquinho, como é que ele
chupa, tá?
tá bom.
(0.5) tem alguém pra te ajudar? tu tem alguém pra te
ajudar? tem uma vovó por perto? Ou não?
não, vó dela é de longe, tem o pai dela.
o pai te dá::. ajuda, né.
sim, né.
Esse excerto, assim como os outros, faz parte de uma interação muito maior.
Especificamente aqui se traz o momento em que a médica continua uma conversa com mãe
sobre ela ter outros filhos. Com a afirmação de Mariana, a médica passa na linha 121 ao
tópico da amamentação, ao questionar se o outro filho havia sido amamentado. A mãe,
aparentemente orgulhosa, sorri e afirma que amamentou a criança até os seus três anos. Eliza,
por sua vez, demonstra, nas linhas 123, 124 e 126, que o fato de ela ter amamentado por tanto
tempo foi algo realmente muito bom. Na linha 124, Eliza vocaliza num volume mais alto
“AH”, o que acaba revelando satisfação, e completa seu turno afirmando que Mariana “tem
experiência de sobra”. Continua, então, seus questionamentos sobre amamentação
perguntando se o primeiro filho havia tido boa saúde, ao que a mãe prontamente responde
afirmativamente. Na linha 127, mais uma vez a pediatra expressa seu contentamento e sua
provável forma de dar incentivo para que Mariana continue amamentando, ao dizer, em tom
ascendente, “que leGAL”. Logo após, Eliza retoma um tópico anteriormente abandonado, de
como a mãe deve fazer ao lidar com as cólicas de Meri Eduarda. Então, só na linha 134, a
pediatra retoma o tópico amamentação para então pedir que Mariana amamente sua filha em
frente a Eliza para ver como “ele chupa”. Interessante é que, como mencionado
anteriormente, é a própria médica que afirma que a mãe tem experiência de sobra em
amamentação. Contudo, a experiência da mãe em amamentar e o fato de o bebê estar
ganhando peso normalmente e não a pouparam de ter de provar perante à figura da
profissional da saúde o quão competente era ou não para amamentar.
Drew e Heritage (1992) afirmam que as instituições se revelam pela forma como se
estruturam e pela forma como organizam suas tarefas. Essa forma de organizarem as tarefas a
serem executadas é o que esses autores chamam de “interações orientadas por tarefas”, que
trazem consigo fases funcionalmente orientadas. Contudo, conforme os excertos anteriores
comprovam, principalmente em consultas entre médico(a) e paciente, a ordem nas consultas
existe, mas em alguns momentos podem ser desordenadas por diversos fatores, assim como
as mais diversas circunstâncias e motivos podem levar pacientes a visitar seus(suas)
médicos(as). Conversas corriqueiras não têm normalmente uma estrutura de rotina. Na
próxima subdivisão, será analisado brevemente de que forma uma conversa institucional entre
mãe e médica em atendimento pediátrico pode ser diferente de uma conversa espontânea.
5.2.2 Conversa entre mãe do bebê e médica – por que institucional?
Como é possível perceber ainda pela breve esquematização representada pela Figura 7
e pela análise dos excertos anteriormente apresentada, são as médicas que conduzem os
atendimentos, já que são elas que fazem as perguntas e iniciam os tópicos conversacionais e
fases do atendimento. Essa assimetria entre médica e mãe do(a) paciente é uma das
características que mais denunciam uma interação como institucional e não-espontânea.
Contudo, conforme explicam Maynard (1991) e Silverman (1987), essa assimetria não
é somente algo imposto pelo(a) médico(a) devido ao uso de um poder que teria
aprioristicamente, mas sim algo construído entre esse(a) profissional da saúde e seu(sua)
paciente. O que acontece é que durante essas interações é dado o direito a esses(as)
profissionais de “dominar” a conversa, ação essa que é, de certa forma, ratificada pelos(as)
pacientes ou mães dos(as) pacientes. Um exemplo de como uma interação entre médico(a) e
paciente é moldada pelo controle dos turnos pelo(a) médico(a) pode ser visto nas seqüências
de comentários que são usadas pelo(a) profissional da saúde a fim de conseguir que o(a)
paciente fale ou para corrigi-lo(a). Ainda segundo Maynard (1991) e Silverman (1987),
geralmente, esse controle é mais recorrente enquanto o(a) profissional realiza algum tipo de
exame ou dá o resultado de algum diagnóstico.
Nas conversas do dia-a-dia, as pessoas supostamente têm os mesmos direitos, salvo
em casos de situações de poder diferentes (como, por exemplo, relações entre professor(a)-
aluno(a), chefe-empregado, médico(a)-paciente), esses consentidos por todas as partes
envolvidas na interação. Uma conversa entre médica e mãe do(a) paciente não é uma conversa
qualquer, principalmente no caso de uma primeira consulta de uma mãe com seu bebê, em
que problemas de comunicação podem ter agravantes muito sérios. Por isso a importância de
se tentar entender de que forma os(as) participantes das interações investigadas constroem e
organizam seus turnos e seqüências de turnos de fala, trazendo discussões detalhadas das
análises das gravações em áudio dos atendimentos estudados. Como visto, a análise dos
atendimentos pediátricos estudados revelou assimetrias nas formas conversacionais, e essa
assimetria aumenta quando o(a) paciente é de uma classe socioeconômica mais baixa, como é
o caso das mães envolvidas nesta pesquisa.
Outra característica de fala institucional que é bastante comum nas interações
analisadas é a de as médicas freqüentemente valerem-se do termo “nós” (ou “a gente”), e não
“eu”, como se estivessem falando em nome da instituição de que são membras. Conforme
explicam Drew e Heritage (1992), é comum tanto o(a) profissional da saúde, como outros
tipos de profissionais usarem desses termos em seus atendimentos. Assim como os termos
normal e comum foram explicados previamente como palavras que são comumente usadas
pelos(as) médicos(as) para, de certa forma, tirar um pouco o peso da responsabilidade sobre
determinado diagnóstico, os termos “nós” (ou “a gente”) podem, também, ser vistos como
uma maneira de as médicas estarem falando como representantes e em benefício de uma
instituição ou, quem sabe, usando-os como forma de tirar sua responsabilidade sobre algo que
está sendo dito.
O excerto a seguir apresenta um momento do atendimento da menina Paula, uma
criança de exatamente 1 mês que está em sua primeira consulta pediátrica. A mãe tem outros
dois filhos, um de 9 anos e outro de 13. Os turnos de fala apresentados são a continuação de
uma explicação de Eliza sobre o porquê de Patrícia não poder continuar mais usando o talco
que habitualmente usava para prevenir as assaduras de Paula. A médica explica que, em bebês
muito novos, como é o caso de Paula, pode ocorrer uma pneumonia de aspiração e, por isso, é
recomendado que se use pomada. Então, no turno 52, Eliza explica, com a escolha lexical “a
gente”, que a instituição, e não ela, tem de avisar às mães sobre o melhor procedimento a ser
adotado no bebê. Imediatamente a profissional da saúde muda o tópico para saber como está o
cocô de Paula, ao que Patrícia responde com “tá direitinho.”, seguindo o rumo natural da
conversa.
EXCERTO 6: linhas 52 a 53*ELIZA-PATRÍCIA/PAULA(bebê)
52 ELIZA:
a gente tem que avisar, né. cocô tá direitinho?=
53 PATRÍCIA: =tá direitinho.
Observe o excerto 7, em que não Eliza, mas Diana aparece valendo-se do termo “a
gente”. Esse excerto traz um momento da consulta de Elena, uma menina de 20 dias que está
em sua segunda consulta após seu nascimento. Zuleika trouxe sua filha antes do tempo pedido
por Diana em consulta anterior (que lhe pediu para voltar em um mês) por estar preocupada
com o fato de Elena estar chorando muito durante a noite. Diana constatou que a menina está
trocando a noite pelo dia, mas que a mãe pode ficar bem tranqüila, pois o aumento de peso da
criança indica “que ela está super bem, não está doente porque engordou bem”.
EXCERTO 7: linhas 158 a 164*DIANA-ZULEIKA/ELENA(bebê)
158
159
160
DIANA: tá muito bem a nenê viu, tá super bem, tu traz
ela daqui há dez dias então quando ela completar
um mês daí.
161 ZULEIKA: bom.
162
163
164
DIANA:
tá:: pra gente pra gente ter o peso dela de um
mês pra gente anotar na carteirinha dela, deixa
eu ver o dia.
O uso repetido de “pra gente” no turno que inicia na linha 162 mostra um momento
em que essa expressão está sendo empregada em seu sentido literal. Ao dizer: “pra gente pra
gente ter o peso dela de um mês”, a médica de fato diz que, quando a mãe trouxer Elena após
dez dias, mãe e médica poderão conferir (“ter”) o peso da menina e mais uma vez confirmar
que tudo está bem. Contudo, o uso de “pra gente” na linha 163 não é tão literal assim.
Ostermann (1994) explica que tais estratégias discursivas, como a empregada com o uso de
“pra gente”, são muitas vezes usadas para fins de “aproximação”, aqui, nesse caso, entre mãe
e médica. Essas estratégias tornam a ação que está sendo realizada mais conjunta, o que acaba
por minimizar a diferença de poder existente entre os(as) interlocutores(as) presentes e torna a
interação menos assimétrica.
Isso também ocorre, quando Diana afirma que, ao verificarem (ela e Zuleika) o peso
de Elena, elas irão anotar os valores do peso na carteirinha da menina (“pra gente anotar”). A
médica mais uma vez está, de certa forma, tirando em parte a responsabilidade de si ao
chamar a mãe também como parte do que será feito, afinal de contas não somente a
profissional da saúde, mas também a mãe anotará na carteirinha de Elena. West (1998) chama
essa ação realizada pelo(a) médico(a) de ação conjunta, em que o(a) paciente é chamado é
participar ou assumir responsabilidade sobre o que está sendo feito, mesmo no caso do
presente excerto, em que só quem realmente anota é Diana.
Por ser, de certa forma, “previsível” (MAYNARD, 1991), uma interação entre
médico(a) e paciente traz consigo outras características que tornam possível sua
caracterização como institucional. Por exemplo, quando determinado enunciado é marcado ou
não. Se o enunciado vem marcado é porque o(a) médico(a) quer dar uma notícia ruim ou fazer
algum comentário sobre algo que não está totalmente bom ou dentro do esperado pela mãe
(ou pelo(a) próprio(a) paciente).
Observe-se o excerto 8, que traz um momento da primeira consulta pediátrica do
menino Vinícius. Esse bebê é o segundo filho de Vilma e perdeu muito peso desde seu
nascimento, aproximadamente 700 gramas. Apesar de a mãe estar com problemas para
amamentar o bebê a ponto de estar pensando em desistir, Diana não pede para vê-la
amamentando, apenas a aconselha a continuar tentando e dá dicas de como fazê-lo.
EXCERTO 8: linhas 253 a 267*DIANA-VILMA/VINÍCIUS(bebê)
253
254
255
256
257
DIANA:
tá, então vilma, então vamos combinar isso aí. tu dá o
peito pra ele TOda a VEz. NÃo deixa de dar o peito,
tá? primeiro dá o peito pra ele. DAí então tu prepara
o-o-o leitinho pra ele e dá de colherzinha, pode ser
no copinho, porque eles conseguem tomar no copinho.
258 VILMA:
0
0
.
259
260
261
DIANA: tu quiser experimentar dá de seringuinha, pode ser de
seringuinha, isso SÓ depois que tu ofereceu o peito
tá?
262 VILMA:
0
aha
0
.
263
264
265
266
DIANA: pra ver se volta o teu leite, né? e qual-pode ser que
seja provisório né? ele precisar de um:: né?, então
vamos fazer uma forcinha. daí na sexta-feira que vem
tu traz ele tá::?
267 VILMA: aha.
Observe-se o volume de voz mais elevado nas palavras “TOda a VEz” (linha 254),
“NÃo deixa” (linha 254) nos momentos em que Diana incentiva a prática da amamentação, o
que indica uma ênfase da médica para que a mãe insista em tal prática. Diana também sugere
que a mãe utilize uma colherzinha (linha 256), um copinho (linha 257) ou uma seringuinha
(linha 260) para alimentar Vinícius com leite artificial, sempre após oferecer o peito e achar
que ele não mamou o suficiente.
No turno que vai da linha 263 à 266, ainda que não deixe isso explícito, Diana aponta
para a possível anormalidade no peso do bebê, assim como para uma menor desejabilidade da
suplementação alimentar em relação ao leite do peito da mãe. Ao dizer que “pode ser que seja
provisório né? ele precisar de um:: né?”, Diana abre a opção de que talvez a alimentação da
criança venha a se normalizar novamente, ou seja, que volte somente ao leito materno e passe
a obter o ganho de peso normal, o que seria o mais desejável.
Já o excerto 9 traz parte do momento em que Diana explica determinado procedimento
para a solução de outro problema de Vinícius: uma doença de pele. Durante as explicações, na
linha 269, a profissional da saúde interrompe sua fala para autorizar que a mãe sente. Vilma
concorda imediatamente com tudo o que a pediatra lhe diz. Essa concordância imediata da
mãe pode ser comprovada com o uso de fala colada às da médica nas linhas 272 e 273, que
demonstram que sua fala veio imediatamente após a conclusão do turno de fala da
profissional da saúde.
EXCERTO 9: linhas 268 a 277*DIANA-VILMA/VINÍCIUS(bebê)
268
269
270
271
272
DIANA: eu vou te explicar bem certinho. (0.9)
0
XXX
0
(1.42)
deixa eu te explicar. pode sentar. sabonete líquido
pra:: pra:: esse tipo de problema de pele pode dá
banho no nenê duas vezes por dia, daí esfrega bem
ali no:: a:: as bolinhas.=
273 VILMA: =aha.=
274
275
276
DIANA: =e vão estourar, tá? e é bom que lava bem, enxágua,
enxágua daí bem direitinho. seca bem e daí passa
essa pomadinha aqui ó. pomada três vezes ao dia.
277 VILMA: aha.
Já o excerto 10 traz o momento de uma consulta de um menino de 22 dias, chamado
Renato. A consulta ocorre em um dia bastante frio, e a criança chega ao consultório enrolada
em um pequeno cobertor. A parte da interação transcrita ocorre após Diana examinar todo o
bebê, situação finalizada quando Renato faz xixi na pediatra. Solicitações de autorização para
a realização de determinadas ações nos atendimentos são as mais freqüentes, como pode ser
observado.
EXCERTO 10: linhas 373 a 374*DIANA-PAULA/RENATO(bebê)
373 PAULA: aha. (0.3) eu também botei, posso botar?
374 DIANA: pode, pode. só falta o ouvidinho e a garganta.
Nesse excerto, em vez de a médica dar o aval para que Paula realize determinada ação
(como, por exemplo, sentar ou vestir o bebê), no turno 373, é a própria mãe que pede
autorização à Diana para que possa vestir o bebê, provavelmente devido ao frio que fazia.
Essa ação de Paula igualmente revela, assim como no excerto anterior, a assimetria de poder
existente nos atendimentos. E a médica, usando de seu status profissional, imediatamente no
turno seguinte autoriza Paula, na linha 374, com o uso de “pode, pode.”.
Se forem desconsiderados esses pedidos, as outras falas das mães não passam de
respostas a turnos anteriores das médicas e são bastante breves, como, por exemplo, “aha”
(linhas 273 e 277, excerto 3/ linha 373, excerto 4), “mhm.”, “sim.” ou “não.”. No entanto, é
possível perceber um maior engajamento nas explicações oferecidas pelas médicas e nas
respostas providas pelas mães quando o tópico conversacional é a normalidade do bebê.
Contudo, a importância desse tópico – bastante freqüente em consultórios médicos – parece
não estar sendo percebida pela categoria médica. O enquadramento de um bebê dentro de sua
normalidade, tarefa essa, conforme visto em capítulos anteriores, bastante complexa, é usada,
conforme revelam os dados de fala, sem que sejam consideradas suas complexidades, como,
por exemplo, médicos(as) e pacientes tentarem chegar a um entendimento mútuo do que
realmente seja essa normalidade de que estão tratando. É sobre as complexidades dos usos dos
termos normal e anormal que a próxima subseção passará a tratar.
5.2.3 O normal e o anormal dos bebês em atendimentos pediátricos
Considerando o contexto em que acontecem as interações, o conceito de normalidade
tem grande importância, já que esse termo é freqüentemente usado por Diana e Eliza para
explicar algo às mães e, pelas mães, para questionar ou explicar algo às médicas. Como
discutido em capítulos anteriores, o uso dos termos normal e anormal em consultas médicas
serve, conforme Lauritzen (1997), para tranqüilizar as mães. Muitas se sentem mais
confiantes ao ver e ouvir que o bebê parece bem e normal. É na fase inicial da vida da criança
que o relacionamento da mãe com o bebê e as experiências do bebê com o seu próprio corpo
são extremamente importantes, já que pouco tempo atrás o bebê era ainda parte do corpo da
mãe. Na subseção que agora inicia, as transcrições foram analisadas a fim de se observar
como as médicas e as mães negociam e se entendem (ou não) nas interações ao utilizarem os
termos normal e anormal.
A interação que se vê no excerto 11 é de um momento anterior a do excerto 8. Para
que o(a) leitor(a) possa relembrar, o nome do bebê é Vinícius, uma criança que está em sua
primeira consulta pediátrica. Ele perdeu bastante peso desde o nascimento e está com algumas
lesões na pele. A mãe está tendo dificuldades em amamentá-lo. Observe a interação que
segue.
EXCERTO 11: linhas 120 a 133*DIANA-VILMA/VINÍCIUS(bebê)
120 DIANA: olha só, tá com DOis setecentos e cinqüenta.
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
VILMA:
DIANA:
VILMA:
DIANA:
VILMA:
DIANA:
perdeu peso?
MUIto peso. dois setecentos e cinqüenta. XXX. ((o
bebê chora ao fundo e não se entende parte do
diálogo)) aqui ó::. aqui tem pus ó::. né? e nesse
aqui também.
embaixo aqui também.
no rostinho tem pus, ó::, aham. aqui:: porque tem
algo-Isso aQUI, isso aqui não é pus, isso aqui é
diferente. isso aqui é normal, tá? mas ele tá com
várias fissurazinhas pelo corpo.
o que que é isso?
uma infecção de PEle, é isso. (0.4) vamos colocar a
fraldinha se não ele vai se molhar.
Como visto no capítulo específico sobre normalidade, uma das formas de a categoria
médica enquadrar as crianças dentro de determinado estado normal ou anormal é pela
verificação de seu ganho ou perda de peso. Nesse excerto, na linha 120, Diana, ao produzir
“olha só” e ao elevar seu tom de voz pronunciando “DOis” no momento em que está
informando o peso da criança, está, de certa forma, enfatizando e, conseqüentemente,
chamando a atenção de Vilma para essa informação. A mãe, atenta ao fato de o peso poder
estar baixo, pergunta a Diana, na linha 121, se isso significa que Vinícius perdeu peso. A
resposta em volume mais elevado da pediatra, na linha 122, mostra a ênfase dada para que a
mãe possa perceber o agravante da situação da dificuldade de ganhar peso de seu filho.
Na continuidade do excerto, na linha 124, ocorre uma mudança de tópico, em que
outro assunto preocupante em relação ao bem-estar do bebê é comentado por Diana. Nesse
novo tópico, Diana explica ainda à Vilma sobre escoriações que o bebê tem pelo corpo,
afirmando que algumas são normais e outras não. Entretanto, o uso da palavra normal da
médica pode vir a ser interpretado de formas diversas. Por exemplo, se ele for observado a
partir das outras escoriações mais sérias, pode indicar que está tudo bem. No entanto, se ele
for visto em comparação a uma parte da pele que esteja saudável, pode apresentar um
problema. Não necessariamente sério, mas um problema, um sintoma diverso, uma doença.
Na linha 131, a mãe sinaliza um não completo entendimento da explicação dada por Diana, ao
perguntar “o que que é isso?”. A pediatra prontamente responde na linha 132 que as
“fissurinhas” mencionadas são “uma infecção de pele”. Entretanto, logo após dizer que são
uma “infecção de pele”, ela faz o fechamento dessa parte da conversa ao proferir com
entonação descendente “é isso” e ao mudar de tópico, pedindo que a mãe recoloque a fralda
em Vinícius para que ele não se molhe.
Conforme explanado anteriormente, de acordo com Psathas (1994) e Hutchby e
Wooffitt (1998), a fala-em-interação é um processo conjunto e colaborativo. Nas interações
analisadas, percebe-se que Diana e Eliza desenvolvem muito mais seus turnos de fala. Como
explicado em seção anterior do presente capítulo, o que ocorre, também, é o fato de as mães
não questionarem muito Diana e Eliza e, quando as mães respondem a algum questionamento,
esse é, na maioria das vezes, bastante breve. É o que demonstra o excerto a seguir, que traz a
consulta da menina Cíntia, transcrição já anteriormente discutida.
EXCERTO 12: linhas 83 a 89*ELIZA-CILENE/CÍNTIA(bebê)
83
84
CILENE: ela BOta bastante a língua para fora, assim é
normal?
85
86
87
88
89
ELIZA:
CILENE:
o
normal, pode ser normal, assim né,
o
não vejo nada,
assim, tá tudo direitinho, né, com a boquinha de::la,
às vezes tem que dar uma olhadinha no cantinho assim,
pra ver se não tem sapinho, tá?
tá.
Em todo o atendimento do qual o excerto 12 faz parte, enquanto examina a menina e
enquanto conversa com a mãe, a pediatra insiste que tudo está bem com a menina, já que não
observa nenhum problema visível na criança e já que Cilene relata que tudo está bem.
Contudo, assim como no excerto anterior, igualmente aparece a questão da normalidade
topicalizada.
A grande necessidade das mães em terem a certificação vinda da categoria médica de
que tudo está dentro da normalidade aparece na linha 83, quando a mãe questiona se o fato de
a filha colocar a língua para fora pode ser considerado normal. Eliza fala do estado normal do
bebê na linha 85, ao dizer “pode ser normal”, não dizendo nada mais. O fato de Eliza ter
produzido o enunciado “normal, poder ser normal, assim né,” na linha 85, em volume mais
baixo em relação ao contexto anterior e posterior de fala pode sinalizar uma certa falta de
certeza sobre o que se está afirmando. Além disso, a mãe responde “tá”, na linha 89, sem
nenhum outro questionamento, o que pode ter sido um recibo de compreensão da informação
concedida pela médica ou simplesmente um recibo de audição – o que não necessariamente
significa compreensão. Ainda nesse excerto, o termo “direitinho”, na linha 86, foi
provavelmente usado como sinônimo de normal, reforçando o enunciado anterior que definia
o estado do bebê como tal e mostrando uma contraposição com algo errado, com algo
anormal, que não é o caso de Cíntia.
Ainda no excerto 12, é possível perceber que o questionamento sobre o fato de o bebê
colocar a língua para fora ser normal ou não vem da mãe. Esse questionamento, de certa
forma, comprova que não somente as médicas utilizam-se do termo normal. A população
leiga, no caso as mães, também os utilizam para perguntar e explicar sintomas, males e
doenças. Porém, a complexidade do que seja normal e anormal repousa no fato de esses
termos poderem variar de sentido dependendo da situação em que são utilizados. Quando se
pensa nas diferenças entre normal e anormal, deve-se primeiro considerar o que é normal, já
que, como explicado, o anormal é posterior à definição de normal. No caso do doente, é
preciso que haja o saudável; para que haja o normal, é preciso que haja o anormal
(FOUCAULT, 1994). Para a mãe, o que se entende é que a dúvida está em enquadrar um bebê
que coloca a língua para fora como normal, apesar de ser um fato comum a todos os bebês em
geral. Ainda, como discutido em capítulos precedentes, a compreensão do significado (ou dos
significados) da palavra normal não é necessariamente o mesmo para a médica que realiza o
atendimento e para a mãe que o procura. Essas possíveis diferentes compreensões, reveladas
pela análise dos dados, demonstram o quão problemático o uso de tais termos pode vir a ser.
Passar-se-á agora a um entendimento de como é negociada a normalidade dos bebês quando
as médicas tentam enquadrá-los de acordo com o normal dos gráficos de peso e comprimento.
5.2.3.1 Ganho de peso e comprimento como indicativo de que o bebê se encontra dentro da
normalidade
No excerto 5, analisava-se o momento em que Diana comentava a situação de o
menino Vinícius ter perdido muito peso desde seu nascimento e do quão preocupante vem a
ser tal situação, já que é normal um bebê perder um pouco de peso após o nascimento, mas
não é normal perder 700 gramas (ou mais de 10% a 15% do peso total). Também o baixo peso
ao nascer é um fator de risco e preocupação nos primeiros anos de vida de uma criança.
Exemplo disso ocorreu em uma das consultas observadas, em que uma das mães, que levava
seu filho à segunda consulta pediátrica (interação não gravada), encheu os olhos de lágrimas
ao responder a uma pergunta de Eliza sobre seu bebê ter que ficar muito tempo no hospital
após o nascimento. Seu bebê estava com dificuldades em ganhar peso e teve de permanecer
mais dias no hospital.
Os critérios comumente usados para enquadrar os bebês são os gráficos de peso e
comprimento, que inserem as crianças em determinadas categorias, como, por exemplo,
“abaixo do peso”, “acima da média de altura” e “peso normal ou anormal” para a idade.
Conforme Souza e Costa (1994, p. 29), esse é um dos objetivos da puericultura e é prática
comum nos consultórios de Diana e Eliza. Ainda, as formas como os bebês se alimentam ou
não são mais usadas quando tanto as mães quanto as médicas querem verificar se a criança
está saudável ou não. Já o crescimento é analisado a partir das tabelas de referência usadas
pelas médicas. O fato de a criança estar comendo bem é uma situação que as mães geralmente
usam para mostrar seu orgulho, como é o caso de uma das mães que comentou que seu filho
“é um gulosão” e por isso está com bastante saúde. Pelas análises, é possível perceber que,
tanto para as mães quanto para as médicas, o aumento de peso sempre é considerado como
bom, ainda que seja sobrepeso. Nas transcrições analisadas, percebe-se a grande preocupação
por parte das mães em saber se algo está normal ou não, principalmente no que diz respeito ao
peso e ao comprimento dos(as) filhos(as), dados esses que indicarão o desenvolvimento
normal ou não de seus bebês.
O excerto 13 traz um outro momento da consulta do menino Renato, excerto esse
anteriormente analisado e numerado como 8. Para que o(a) leitor(a) possa relembrar, esse é o
menino que durante o exame físico urinou em Diana. Nessa parte do atendimento, Paula e
Diana continuam comentando o bom desenvolvimento que Renato vem tendo. Primeiramente
comentam seu crescimento, momento em que a mãe constata que seu bebê está “grandão”,
para então falarem mais especificamente do aumento de peso. Interessante ressaltar o fato de
que, apesar de tanto o peso quanto o comprimento serem considerados importantes como
indicativos do bom desenvolvimento do bebê, nota-se que o peso é o indicativo principal a ser
usado para enquadrar o bebê. É como se essa forma de verificar a criança fosse preferida nos
atendimentos. Observe-se excerto 13 que mostra o bom aumento de peso do menino Renato
pela fala da médica.
EXCERTO 13: linhas 351 a 357*DIANA-PAULA/RENATO(bebê)
351
352
353
DIANA: dividido por nove, é ele, olha, aumentou bem.
aumentou quarenta e três gramas por dia nesses
últimos.
354
355
356
357
PAULA:
DIANA:
isso é assim, é bom?
sim, ele aumento bem, é que no começo né? ele ele não
conseguiu aumentar de peso, mas agora nesses últimos
nove dias aumentou bem.
Nesse excerto, logo após Diana fazer o cálculo em que dividiu o valor do peso pelo
número de dias que Renato tem (“nove”, linha 351), constata que o bebê “aumentou bem” por
ter aumentado “quarenta e três gramas por dia”. A mãe questiona se isso é bom, apontando
assim que a asserção da médica, da forma como foi proferida, isto é, sem uma explícita
avaliação sobre o que significa esse aumento de peso ainda que tenha dito “aumentou bem”,
não deixa necessariamente claro (para a mãe) se esse aumento é, de fato, algo positivo ou
negativo. A profissional, então, explica que no início havia sido difícil para ele engordar, mas
que agora estava tudo bem por ele ter aumentado de peso. Interessante apontar a dificuldade
tanto das mães quanto das médicas em tratarem de momentos difíceis relacionados ao
desenvolvimento dos bebês.
Nesse excerto específico, Diana não explicita o baixo peso de Renato nem afirma que
no começo não estava bom. A pediatra, sim, faz com que Paula tente se lembrar da situação
inicial do filho, na linha 355 (“é que no começo, né?”), para então falar o que realmente a mãe
quer ouvir, que Renato enfim aumentou bem de peso e está bem. É possível perceber que
quando as médicas indicam que o bebê está bem, é porque ele está dentro da média ou do
padrão esperado para sua idade, ou seja, dentro da normalidade.
Já o excerto 14 traz parte da consulta do menino Daniel. Esse menino está em sua
primeira consulta pediátrica e tem 24 dias de vida. Daniela, a mãe, não soube responder à
pergunta de Eliza sobre quem fez o parto da criança. Os trechos selecionados apresentados a
seguir são partes da interação em que Eliza e Daniela conversam sobre o peso de Daniel e o
desenvolvimento do bebê em relação a seu peso. A importância dada a tal tópico pode ser
comprovada já de início pela grande quantidade de turnos que são desenvolvidos pela médica
e pela mãe. Elas começam a falar sobre o peso de Daniel na linha 59 e, intercalando com
outros assuntos, continuam a conversa sobre esse tópico até a linha 243. O atendimento é
finalizado na linha 252.
EXCERTO 14: linhas 59 a 71, 134 a 144, 156 a 163 e 237 a 243*ELIZA-
DANIELA/DANIEL(bebê)
59
60
61
62
63
64
65
66
ELIZA: NOssa que baita bebê tu tá. tá grande já? NOssa::@@@.
eu acho que tu desenvolveu bastante, hein? NOssa
senhora. dois quilos oitocentos e vinte. ele é
pequenininho, né? ele realmente tá com pouco,
depois eu vou fazer a conta pra ti, tá? pra ver quanto
tinha que ter aumenta::do e quanto ele aumentou. isso
assim de fazer um:: olhar vesguinho é normal no
começo.=
67 DANIELA: =aha.=
68
69
70
ELIZA: =tá? daí tipo assim uns meses eles fazem assim com o
olhinho. E GE::me. E RESmun::ga. hein? ele é
resmungão? @@@
71 DANIELA:
(...)
mhm. @@@, quando quer mama::r.
134 ELIZA: então tá com excesso de peso, tá? @
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
156
157
158
159
DANIELA:
ELIZA:
DANIELA:
ELIZA:
DANIELA:
(...)
ELIZA:
ELIZA:
@ ele dorme e mama, fica com o peito pendurado.
@. tá então fica bem tranqüila, não me dá mamadeira,
tá?
tá. @
tá super bem, ó:: vai só o peito mesmo, tá? ((0.11
enquanto a médica preenche os dados do bebê)) cada
mês tu tem que trazer, tá? então daqui a um mês tu
traz de novo, tá? lá por metade de ju::lho ou mais de
uma semana, né?
aha.
olha, aqui continua. aqui ele nasceu ó,
dois oitocentos e pouco, né, essa linha aqui. se ele
seguir essa linha tá bom pra ele, daí já vem pra cá.
vem lá pra cima, tá vendo?
0
tá bem.
0
quarenta e nove
160
161
162
163
237
238
238
240
241
242
243
DANIELA:
(...)
ELIZA:
DANIELA:
centímetros, quando ele nasceu. (0.6)
0
XXX.
0
não, ele
é bem gulosinho viu, mãe?
pra quem::@@
@@@
é, e daí ela já pode uma boa:: apoio pra ti também,
né? porque daí ela vai ter também experiência já
viu? mas diz pra vovó que ele tá super saudável, tá
forte, engordou mais do que precisava, tá::, tá indo
tudo bem. e se tiver algum problema é pra vir
perguntar.
sim.
No início do excerto 14, que inicia na linha 59, Eliza se contradiz entre o bebê estar
“um baita bebê” (linha 59) ou “pequenininho” (linha 62). Como “pequenininho” e “ele
realmente tá com pouco” (linha 62) são as últimas palavras que a médica usa para enquadrar
Daniel em seu peso, Eliza parece pensar nesse momento que Daniel está com pouco ganho de
peso. Só então na linha 134 a pediatra revela que, na verdade, a criança está “com excesso de
peso”, o que aparentemente não trata como algo ruim, já que sorri para Daniela ao encerrar
seu turno, o que a mãe sinaliza como algo bom também, já que inicia seus turnos rindo (linha
135) e concordando com Eliza (linha 138).
Já entre as linhas 156 e 163, Eliza usa do gráfico de peso e comprimento para mostrar
à mãe o bom desenvolvimento de seu filho. Nesse momento da consulta, aparece mais uma
vez a médica dizendo que o bebê está ganhando peso bem ao afirmar, nas linhas 160 e 161,
que “ele é bem gulosinho”. Contudo, a médica não explicita a dificuldade anterior do bebê de
ganhar peso, apenas faz com que a mãe se lembre do estado anterior do bebê, ao afirmar, em
162, “pra quem::” (estava com dificuldades em ganhar peso). Ao falar essas palavras, a
médica relembra o estado anterior, mas ao mesmo tempo sinaliza o bom estado de saúde atual
de Daniel, ao rir no fechamento de seu turno, o que a mãe recebe como algo positivo, como
demonstra o seu riso na linha 163. Eliza explica ainda o crescimento do bebê no gráfico de
crescimento, mostrando que a linha ascendente indica que está tudo bem com o bebê.
Pouco antes do fechamento da interação e, conseqüentemente, da consulta como um
todo, nas linhas 237 a 243, Eliza pede inclusive que a mãe fale para a “vovó” que está tudo
bem com Daniel. Nesse momento, a pediatra chega a explicitar que ele “engordou mais do
que precisava”, para então continuar afirmando que está tudo bem com a criança. Esses
excertos demonstram que o aumento de peso majoritariamente é visto como positivo tanto
pela mãe quanto pela médica, já que Eliza diz que o bebê está super bem, mesmo estando com
excesso de peso, informação não questionada pela mãe.
O excerto 15 traz outro momento da consulta do menino Vinícius. Ao contrário dos
outros excertos analisados, nesse aparece uma situação em que o bebê, em vez de ganhar,
perdeu peso, o que Diana afirma como não estando bom (linhas 237 e 238), reforçando em
seguida a idéia de que bebê com saúde é aquele que engorda. Diana pede para que Vilma
traga Vinícius novamente na segunda-feira seguinte para pesá-lo e medi-lo na expectativa de
que possa ser enquadrado nas médias dos gráficos de crescimento, pelo menos nos valores
mínimos necessários.
EXCERTO 15: linhas 212 a 245*DIANA-VILMA/VINÍCIUS(bebê)
227
228
229
230
231
232
233
234
235
236
237
238
DIANA: (...) tem cuidar com a temperatura. cuida a
temperatura. o apetite do nenê, tá? nenê pequeno
assim com febre, recusa a-usa infec-recusa
a mamada, tem consultar. final de semana tem
pediatra no hospital daí tu leva ele lá. tá?
qualquer coisa se der pra esperar até segunda tu
traz segunda ele, tá? SE não, se tiver tudo bem, se
tu sentir ele melhorar, tu traz na sexta que vêm
de novo pra gente pesar ele, pra ver se ele
aumentou de peso. tá? porque em vez de-de recuperar
o peso que ele nasceu, ele perdeu mais, né? não tá
bom não.
239
240
241
242
243
244
245
VILMA:
DIANA:
(0.9)
0
ó, ó, ele é brabo.
0
XXX. ((0.26 bebê chora
ao fundo e não se entende parte do diálogo)) pronto.
(0.7) dentro do olho dele às vezes tinha [umas
manchinhas vermelhas.]
[isso
aqui-aha] isso daqui é por causa do:: do-do a::
trabalho de parto, né? porque passa muita coisa.
Mais uma vez, nessa interação, é possível destacar outros momentos em que Diana
ressalta à Vilma a importância de cuidar do bebê por ele não estar engordando dentro da
normalidade. Esses momentos aparecem com o uso de “tem (que) cuidar” (linha 227), “cuida”
(linha 228), “nenê pequeno assim” (linhas 228 e 229), “tem (que) consultar” (linha 230) e “em
vez de recuperar o peso que ele nasceu, ele perdeu mais, né?” (linhas 236 e 237). Com esse e
com os outros excertos apresentados na presente subseção foi possível observar que, na
maioria das consultas médicas pediátricas que fazem parte da presente pesquisa, as mães e as
médicas tentam buscar uma média para os bebês, ou seja, uma normalidade para eles(as). Para
o(a) médico(a), conforme Canguilhem (2002), a avaliação é feita por gráficos comparativos,
em que ele(a) encontra um equivalente objetivo e cientificamente válido para o conceito de
normal e de norma. Importante ressaltar o fato de que, nas análises realizadas na presente
subseção, não é possível perceber se a forma como os bebês estão sendo enquadrados dentro
da normalidade pelas médicas (posicionamento no gráfico) está clara para as mães, já que o
que acaba ocorrendo é Eliza e Diana simplesmente enquadrarem os bebês em determinadas
médias, sem que esse enquadramento seja explicado às mães ou questionado por elas.
5.2.3.2 A construção da normalidade em consultas pediátricas
Como discutido em capítulos anteriores, da formação médica vem o desejo de saber
diagnosticar problemas e poder resolvê-los. Para isso, no caso da consulta pediátrica, o(a)
profissional da saúde usa de seu raciocínio clínico para identificar os problemas verbalizados
pela mãe. Contudo, o problema real experimentado pelo(a) paciente jamais será alcançado
plenamente pelo(a) médico(a), já que os sintomas podem ser sentidos de formas diferentes
pelas pessoas nem sempre são facilmente verbalizáveis. Como os bebês comem, o que
comem, como mamam, que tipo de leite mamam e que quantidades tomam são formas de
avaliação usadas para que se defina o(a) paciente dentro de determinada norma. Conforme
Lauritzen (1997), todos os tipos de movimentos com o corpo dos(as) filhos(as) são
demonstrações observadas pelos familiares e médicos(as): expressões faciais, choro, chutes
com as pernas e manifestações de felicidade.
Contudo, na presente pesquisa, é possível perceber que não somente as mães, mas
também Diana e Eliza descrevem a saúde e a normalidade dos bebês baseadas em
observações comportamentais. Por exemplo, no caso da doença, ela é percebida quando há
mudanças comportamentais na criança (como, por exemplo, mexer muito as pernas, pôr a
língua para fora, apresentar diferenças no modo de comer, dormir ou defecar). Essas são
percepções da mãe sobre seu(sua) filho(a) ou da médica sobre o bebê para o que possa ser
considerado normal na criança, levando em conta sua idade e sua individualidade.
O excerto 16 traz alguns turnos após os anteriormente analisados da consulta do
menino Daniel. Esse menino está em sua primeira consulta pediátrica, aos 24 dias de vida, e
sua mãe é aquela que não soube responder à pergunta de Eliza sobre quem havia feito o parto
da criança. Os turnos apresentados são turnos que ocorrem logo após alguns instantes e
momentos interacionais em que Eliza e Daniela tentam acalmar o bebê, que está chorando
muito. Tanto que na primeira linha apresentada (164) aparece a pediatra consolando Daniel ao
dizer “tadinho”. Observe-se o excerto que segue.
EXCERTO 16: linhas 164 a 192*ELIZA-DANIELA/DANIEL(bebê)
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
174
175
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185
186
ELIZA: tadinho. bem daí eu vou te escrever aqui um:: banho
esse pra bundinha, permanganato, que é um:: um
remedinho roxinho que tu põe água. só uma:: um
quarto de:: XXX ((bebê chora ao fundo e não se
entende a fala)) tá::? ó, colocar, uma dosezinha,
numa bacia de água morna. daí a água tem que tá cor
de vinho rosé. se ficar muito ro:xa, a água, é
porque ficou muito forte teu preparo. daí tem que
pôr mais água, tá? vinho clarinho, tá? quando tiver
vinho rosé daí tu põe nenê dentro daquilo ali, ó::
não tem uma medida bem certa, você vai ter que
tateando com água e o remedinho, tá? ah:: daí tu
deixa a bundinha dele ali dentro, tá, pode banhar
todo ele com aquela água não faz mal. daí tu deixa
assim uns dez minutinhos ele né, naquela aguinha,
põe mais aguinha morna junto se a água tá
esfriando, tá? bem, além disso, então tem essa
pomadinha é:: plistatina,
0
creme vaginal, tá? creme
vaginal.
0
também é boa, pode passar também, tá? e
às vezes tem ver também a::, às vezes tem que
trocar a fraldinha, né? ele mesmo XXX tá? que às
vezes é o próprio xixi, às vezes é a fraldinha. tem
que é trocar seguidinho quando tu vê que tá
187
188
189
190
191
molhadinho, né? XXX ((bebê chora ao fundo e não se
entende a fala)) senão melhorar tu volta de novo,
tá? mas ele tá bem acordado ele chora forte, tá?
não sei se tu tem alguma preocupação né, quer me
perguntar mais alguma coisa? ele dorme bem?
192 DANIELA: dorme.
Nesse excerto, Eliza explica a normalidade de Daniel ao citar padrões de
comportamento observáveis no bebê. As características usadas para enquadrá-lo dentro da
normalidade aparecem na linha 189. Nessa linha, ao usar dos termos “ele tá bem acordado ele
chora forte, tá?”, a médica nada mais está fazendo do que informar a mãe de que um bebê que
chora forte é um bebê normal e que a mãe, portanto, não tem motivos para se preocupar.
Interessante é que a médica não somente dá a entender a normalidade de Daniel. Ela, para
isso, traz afirmações que ajudam a comprovar o que está querendo dizer e aonde está
querendo chegar, e por isso, realmente a mãe não tem razão para se preocupar.
Além das afirmações usadas por Eliza na linha 189, a médica finaliza esse momento
da interação ao buscar mais uma possível evidência da normalidade: o sono do bebê. Para
isso, Eliza faz um último questionamento à mãe na linha 191 (“ele dorme bem?”), ao que
Daniela responde afirmativamente e o que permite à mãe constatar mais uma vez que tudo
está bem e contribui para reforçar a normalidade de Daniel. Essa definição parte de um estado
normal pré-determinado, ou seja, uma regra pré-estabelecida. No caso dos últimos excertos
citados, o fato de um bebê poder ser considerado normal por chorar forte e estar bem
acordado são indicativos vindos de que bebês normais conseguem se manter bem acordados,
choram forte e dormem bem. Observem-se os excertos que seguem, que apresentam outros
momentos de outros atendimentos em que a saúde dos bebês é definida ou enquadrada como
normal ou não.
EXCERTO 17: linhas 72 a 74 e 266 a 291*DIANA-PAULA/RENATO(bebê)
72
73
DIANA: e o nenê passou bem depois que nasceu? não deu
problema nenhum?
74
75
76
PAULA: não só:: no hospital um dia ele ficou roxinho,
roxo roxo ele ficou. mas ele acho que tinha se
engasgado um pouco sabe né no segundo dia.=
77 DIANA: =aha.=
78
79
80
PAULA: =ele tava de noite vomitou, né? daí então, né,
normal. e daí outro dia ele ficou roxinho. daí
levaram ele disse que tava assim um pouco
81 engasgadinho, coisa que tinha que vim ainda.
82 DIANA:
(...)
aha.
266
267
268
DIANA: vou medir. assim, deitar de cabecinha pra cá.
i::sso. (0.14) Opa, cinqüenta e quatro
centímetros ele já tem.
269
270
PAULA: nossa. tá assadinho parece ah:: ou assim parece
assado, rachadinho assim.
271 DIANA: ah:: ou tá=
272 PAULA: =ou será a pelezinha que tá=
273 DIANA: =acho=
274 PAULA: =ele não chora no xixi, assim.=
275 DIANA: =não, eu acho que está descamando viu?
276 PAULA: é?
277 DIANA: aha. na pele não descamou?
278 PAULA: descamou, ah::.
279 DIANA: não mas então deve ser descamação normal.
280
281
PAULA: ele descamou bastante até agora, daí eu tô
passando aVEno. o médico me deu pra eu passar.
282
283
DIANA: aha. só um pouquinho, isso. e o umbiguinho caiu
com quantos dias?
284 PAULA: sete dias.
285 DIANA: sete dias.
286
287
288
PAULA: daí vazando assim. ah, meu deus. outra coisa,
né? daí eu ficava, será que isso é normal sair
assim um:: sanguezinho.
289
290
291
DIANA: não, é normal, até cicatrizar. é só continuar
colocando álcool. @@@ seu danado. ((bebê faz
xixi na médica))
O excerto 17 traz um outro momento da consulta do menino Renato, anteriormente
analisado quando se comentaram os excertos 10 e 13. Nessa parte do atendimento, anterior
aos analisados previamente, Diana terminara de pesar Renato para então medi-lo. Na primeira
parte do excerto (linhas 72 a 82), aparece não Diana, mas a mãe utilizando-se do termo
normal, atestando o fato de que as pessoas leigas também utilizam desse termo comumente
para caracterizar o estado de saúde das pessoas ou explicar sintomas. A mãe inicia mostrando
seu entendimento de normalidade, afirmando que é esperado que bebês vomitem (linhas 78 e
79), já que, até então, tudo estava normal. Esse estado de saúde mudou para algo anormal a
partir do momento em que o bebê ficou roxinho, estado anormal esse que, aparentemente, não
é esperado que aconteça.
A interação está construída de forma que a médica e a mãe possam conjuntamente
enquadrar a criança dentro de sua normalidade ou não. Como visto anteriormente, nos
excertos analisados, são poucos os momentos em que as mães envolvem-se mais ativamente
nos atendimentos, já que geralmente elas concordam, sem questionar tudo que é dito por Eliza
ou Diana. Contudo, conforme demonstra o excerto 17, nos momentos em que é negociada a
normalidade dos bebês, é possível ver que as mães questionam as pediatras ou ajudam-nas a
tirar suas conclusões. Nos turnos 269 e 270, Paula indica uma provável “assadurinha” na
cabeça de Renato, mas não quer afirmar isso, pois ela não é médica e não poderia ter certeza
de seu diagnóstico. Provavelmente por isso, descreve a assadura de forma incerta ao hesitar
usando da expressão alongada “ah::” (linha 269) e da conjunção alternativa “ou” (linha 269),
dando pistas de que ela possa ter dúvidas sobre determinado sintoma de Renato e ao mesmo
tempo dando à Diana a opção de diagnosticar o que Renato tem de fato. Maynard (1991)
explica que essa hesitação dos(as) pacientes em consultas médicas nada mais passam do que
outras formas de se mostrar o quão institucionais as interações aqui analisadas são. Em uma
conversa corriqueira, em que os envolvidos têm conhecimento similar do assunto que está
sendo conversado, dificilmente um dos interagentes hesitaria ao dar sua impressão sobre algo
por receio de se sobrepor à autoridade de conhecimento de seu(sua) interlocutor(a).
No turno 271, Diana, com o uso de “ah::”, parece considerar as explicações dadas pela
mãe, mas acrescenta outra possibilidade à explicação dada pela mãe ao usar novamente do
“ou”. Provavelmente pelo fato de Paula perceber que a médica estava considerando suas
constatações, mãe e médica seguem os próximos turnos construindo os sintomas de Renato de
forma conjunta. Uma completa a idéia da outra (linhas 271 a 282), o que pode ser percebido
pelo grande número de turnos que vêm colados uns nos outros (“=”) e pelas co-construções de
turnos (OSTERMANN, 2005), como em 271 e 272, em que a médica fala “ou tá=” e a mãe
completa “=ou será a pelezinha que tá=”. Esses turnos colados vão até o momento em que a
pediatra muda de tópico para falar sobre o umbigo do bebê. Interessante que no turno 275
Diana explica que, na verdade, a criança está com descamações e não assadura, explicando
ainda, na linha 279, que deve ser uma descamação normal. O caso é que, poucos turnos
abaixo, ela muda de tópico. Apesar de Diana ter-se utilizado do termo “deve ser” (linha 279)
para dar seu diagnóstico, uma possível expressão de incerteza, a mãe não a questiona e a
interação segue outro rumo. O normal de Renato, que provavelmente ocorre freqüente e
cotidianamente em outras crianças que Diana atende, é, na verdade, até o momento, algo
anormal na vida do pequeno Renato.
O excerto 18 traz uma parte da primeira consulta médica do menino Inácio, uma
criança de quinze dias de idade. A mãe, Amélia, tem outro filho de seis anos e chegou
atrasada à consulta por depender de carona para chegar até o posto. Em conversas de corredor
com a pesquisadora, chegou a afirmar: “Não passa ônibus perto da onde eu moro”. É um bebê
que aumentou 400 gramas, o que é satisfatório, mas que trocou a noite pelo dia.
EXCERTO 18: linhas 136 a 154*DIANA-AMÉLIA/INÁCIO(bebê)
136 AMÉLIA: as tetinhas dele eu tô preocupada=
137 DIANA: =eu já olho=
138 AMÉLIA: =tá bem durinhas=
139 DIANA: =sim, mas isso é normal.
140 AMÉLIA: é, não::=
141
142
DIANA: =dos dois lados, aha. isso é normal, vai
desaparecer depois.
143 AMÉLIA: e::, não tem que apertar? [nada?]
144
145
DIANA: [NÃO, nada de apertar.]
não pode apertar.
146 AMÉLIA: UM diz que é pra::.
147 DIANA: [não, não]
148
149
AMÉLIA: [outro que não] eu disse eu tô, eu não vejo a hora
de consultar com a doutora pra vê, porque::=
150
151
152
153
154
DIANA: =não, isso não pode apertar porque pode infeccionar
né? daí sim vira uma coisa séria. isso é normal.
isso é hormônio da mãe que passa, pro nenê XXX pela
placenta, né. daí questão de semanas isso vai
desaparecendo sem fazer nada mesmo.
Nesse excerto, a mãe questiona a normalidade de seu filho ao perguntar se o fato de
“as tetinhas” (linha 136) do bebê estarem durinhas é normal. Diana explica que é sim, já que
os bebês podem vir a ter isso devido a um hormônio que passa da mãe para o(a) filho(a). O
questionável na definição de Diana é o que realmente significa hormônio da mãe em bebês
recém-nascidos que acaba acarretando mamilos endurecidos. Que bebês que não ficam com o
mamilo inchado são anormais? A mãe até tenta mostrar uma não-completa concordância com
a médica ao iniciar seu turno falando “é não::=” (linha 140), enunciado que não consegue
completar pelo fato de a médica tomar-lhe o turno, o que pode ser representado pela fala
colada “=” e o que faz com que Amélia deixe de completar sua idéia. Assim como no excerto
apresentado anteriormente, a médica trata como rotina um acontecimento que, para aquele
bebê e, provavelmente, para aquela mãe, é a primeira vez que acontece. Até pode ser normal
que isso ocorra, mas é anormal para Inácio nesse momento.
Interessante ressaltar nesse excerto também o comentário que a mãe faz nas linhas 148
e 149, em que ela verbaliza o que provavelmente todas as mães almejam ao sair de uma
consulta pediátrica, uma chancela de que realmente tudo esteja bem e dentro da normalidade
com seus bebês. Com a frase “eu não vejo a hora de consultar com a doutora pra vê”, a mãe
revela sua ansiedade (“não vejo a hora”) para certificar-se de que tudo está dentro do
esperado, aparentemente deixando de lado todo o seu conhecimento de mãe sobre seu filho, já
que, como visto, são as mães as maiores conhecedoras da saúde de seus bebês.
O excerto 19 a seguir traz um segmento da segunda consulta pediátrica do menino
Ubaldo, uma criança de 45 dias. A primeira consulta fora quando o menino tinha 20 dias de
idade. A mãe o trouxe para a consulta de rotina, aparentemente sem estar motivada por outras
razões. A criança veio ao posto cheia de roupa e enrolada em um cobertor, mesmo a
temperatura externa não sendo tão baixa. Úrsula é aparentemente bastante jovem, em torno de
25 anos, e já tem outros 3 filhos. A médica comenta o fato de a mãe ser tão jovem e já ter três
filhos durante o atendimento olhando para a pesquisadora. Anteriormente a esse excerto, Eliza
e Úrsula conversavam sobre como a mãe fará quando tiver de retornar ao trabalho, situação
que a médica enfatiza bastante, orientando para que Úrsula procure ajuda de familiares para
que não se sinta sozinha e não se canse tanto no cuidado de todos os seus filhos.
EXCERTO 19: linhas 108 a 113*ELIZA-ÚRSULA/UBALDO(bebê)
108 ELIZA: (0.3) e ele vomita bastante? ou não?
109 ÚRSULA: sim.
110
111
112
ELIZA: gu-isso às vezes pode ser um tipo um refluxo do=do
bebezinho, mas se não é::, ah, se ele ganha bem
peso assim não quer dizer doença, tá, mãe?
113 ÚRSULA: tá.
No excerto 19, a saúde de Ubaldo é definida por uma contraposição com a doença. A
pediatra inicia no turno 108 questionando se a criança vomita bastante ou não, fato a que a
mãe responde afirmativamente no turno 109. No entanto, apesar de vomitar bastante, Eliza
explica que a situação é normal, não é doença, devido ao fato de Ubaldo estar ganhando peso
bem, ao afirmar que “se ele ganha bem peso assim não quer dizer doença, tá, mãe?”. Contudo,
apesar da situação revelar tranqüilidade, o uso do termo “bastante” não deixa claro até que
ponto a situação é tranqüila. Afinal de contas, o que seria vomitar bastante? Uma colher de
sopa? Um copo? Uma jarra? Esse tópico é desenvolvido em poucos turnos de fala, o que pode
contribuir para que a mãe não compreenda, de fato, o que foi perguntado, pois, como
comentado, o uso do termo “bastante” é vago. Contudo, essa mãe, assim como outras, não
questiona a pergunta feita pela médica.
O excerto 20 a seguir traz alguns turnos anteriores aos previamente analisados no
excerto 16. Ele trata da consulta do menino Daniel.
EXCERTO 20: linhas 108 a 115*ELIZA-DANIELA/DANIEL(bebê)
108
109
110
111
112
113
114
ELIZA:
0
tem um cocozão
0
ele tem também, ãh::, um pouquinho
de alergia ainda aqui no saquinho, tá? daí ele-isso
é líquido que tem dentro, tá? daí transfere pro
organismo. isso com o tempo vai normalizando com o
tempo, tá? olha aqui peso tá igualzinho, vou te
escrever também um banhinho pra tu fazer com
permanganato desse aqui, tá?=
115 DANIELA: =tá.
A linha 108 é a continuação de um momento de certa forma embaraçoso para Daniela,
já que Eliza anuncia que o bebê fez cocô e pede para que a mãe o limpe. No entanto, Daniela
diz que não trouxe nada para limpar a criança. A médica então, providencia o material
necessário para que a mãe possa fazer a limpeza.
Nesse último excerto, Eliza contrapõe normal com anormal ao afirmar que a situação
do bebê será normalizada “com o tempo” (linha 111), quando o líquido “no saquinho” se
transferir para o organismo. Explica isso e no mesmo turno (linha 112) já começa a falar no
tratamento que deverá ser realizado pela mãe para sanar uma alergia que o bebê tem (“vou te
escrever também”). A mãe não questiona a definição de normalidade usada pela médica. De
acordo com Eliza, o “saquinho” ficará normal quando o líquido se transferir para o
organismo. Mas o que isso quer dizer? Que não é normal ter esse líquido “no saquinho”? Um
bebê ter líquido “no saquinho” é normal ou anormal? Não é possível afirmar se Daniela
entendeu ou não a explicação de Eliza, já que ela simplesmente produz o recibo “tá”. Porém,
um conceito tão complexo como visto que é o de normalidade possivelmente tenha deixado
algumas dúvidas para essa mãe.
Nesta subseção, procurou-se demonstrar como médicas e mães criam contextos que
ajudam a revelar a normalidade ou não dos bebês em atendimentos. Conforme as transcrições
possibilitaram observar, as médicas tratam muitas vezes como corriqueiras situações que
provavelmente estão sendo vivenciadas pela primeira vez pelos bebês e pelas mães que os
acompanham. As profissionais da saúde acabam tratando como rotina sintomas e doenças que
aparecem nas consultas, quando, pelo menos para o(a) paciente e para a mãe que o(a)
acompanha, não são. É uma situação que é normal, já que todo mundo pode vir a ter, mas para
aquela criança e aquela mãe é a primeira vez que acontece.
Como visto em capítulos anteriores e analisado no presente, normalidade e saúde não
se reduzem à ausência de doença, assim como estar doente não necessariamente indica que o
indivíduo seja enquadrado como anormal, já que normalidade não indica necessariamente
ausência de doença. Por isso, normalidade engloba saúde e presença e ausência de doença.
Tais conceitos trazem consigo idéias complexas para se pensar um(a) paciente. Contudo,
mesmo assim, os termos normal e anormal estão sendo usados para se pensar os(as) pacientes,
tanto pela categoria médica quanto pelas mães que levam seus(suas) filhos(as) a atendimentos
pediátricos.
CONSIDERAÇÕES FINAS
Conforme abordado em capítulos anteriores, as relações entre médicos(as) e pacientes
envolvem momentos tanto de alegria quando de sofrimento. Em consultas pediátricas,
algum(a) adulto(a) responsável pela criança está presente nos atendimentos, e, na presente
pesquisa, são as mães dos bebês recém-nascidos que os acompanham. Essas mães entram
receosas para saber se está tudo bem com seus(suas) filhos(as), mesmo em consultas de
rotina, em que não estão necessariamente procurando soluções para “problemas”.
A análise dos dados transcritos dividiu-se em três partes. Na primeira, demonstrou-se
de que forma estão estruturados os atendimentos pediátricos estudados e comprovou-se que,
de fato, eles têm uma “forma-padrão” de atendimento adotado. Importante relembrar o fato de
que conversas corriqueiras geralmente não têm uma estrutura de rotina. Por fim, na terceira,
analisou-se a forma como as mães e as médicas constroem (ou não) de forma conjunta a
normalidade dos bebês em atendimento.
No que se refere à construção do conceito de normalidade, as interações analisadas
revelaram um interesse das médicas e das mães em, além de contrapor o normal e o anormal,
também contrapor saúde e doença. Essas contraposições foram anteriormente discutidas por
Canguilhem (2002), em que doenças são explicadas a partir de uma comparação com
determinada função normal e contrapostas e vistas uma em relação à outra. Importante
relembrar o fato de que o estado anormal ou patológico não pode ser visto como uma ausência
de norma. A doença é algo normal na vida das pessoas, é uma norma. Por isso, normalidade
engloba saúde e presença e ausência de doença. E é a partir dessa idéia que o conceito de
normalidade se construiu: a contraposição entre o que seja saudável e o que seja doente, entre
o normal e o patológico. Dentre os(as) estudiosos(as) da normalidade analisados(as),
alguns(mas) explicam a doença como um oposto da saúde, enquanto outros(as) a definem
como uma variação quantitativa do normal. Ainda, não é muito fácil definir fisiologia como a
ciência das leis constantes da vida normal. Por isso, uma doença pode tranqüilamente ser
considerada como normal, mas é claro que esse é um normal diferente do normal fisiológico,
já que estão sendo consideradas normas diferentes.
A observação detalhada de como a linguagem se desenvolveu nas interações mostrou
que mães e médicas tentam perceber anormalidades ou doenças em seus bebês, ao os
observarem a partir de coisas que deveriam ou não deveriam estar no corpo deles, em seus
choros ou em suas dores. Um recurso usado pelas mães e médicas para detectar a normalidade
das crianças é observar a felicidade do bebê, se chora forte ou dorme bem. O quão bem o(a)
filho(a) está mamando ou ganhando peso são usados como indicativos de bem-estar, tanto
pelas médicas quanto pelas mães. Por exemplo, o fato de uma criança mamar ou não, ganhar
peso ou não conforme a tabela de crescimento indicará seu desenvolvimento normal ou não.
As análises demonstraram ainda que quando as médicas indicam que o bebê está bem, é
porque ele está dentro da média ou do padrão esperado para sua idade, ou seja, dentro da
normalidade.
Contudo, não foi possível perceber se a forma como os bebês estão sendo enquadrados
dentro da normalidade pelas médicas está clara para as mães, já que os bebês são enquadrados
em determinadas médias, que não são explicadas pelas médicas nem questionadas pelas mães.
O enquadramento de um bebê dentro de certa normalidade é usada, conforme revelam os
dados de fala, sem que sejam consideradas suas complexidades, como, por exemplo,
médicos(as) e pacientes tentarem chegar a um entendimento mútuo do que realmente seja essa
normalidade de que estão tratando. Além disso, foi possível perceber que, nos momentos em
que é negociada a normalidade dos bebês, as mães questionam as pediatras ou ajudam-nas a
tirar suas conclusões, situação essa atípica quando outros tópicos são abordados na consulta.
Conforme Cecatti (2000) salienta e a presente pesquisadora reitera, é importante que a os(as)
médicos(as) usem padrões de comparação de peso e comprimento que condigam com as
crianças brasileiras.
Além desse desafio, há ainda um novo para o(a) pediatra nos tempos atuais: tentar
conhecer melhor os lares de seus(suas) pacientes e tentar adaptar o seu entendimento de
família e lar aos diferentes tipos de famílias e de lares possíveis de ser encontrados. Puccini e
Blank (2003) explicam que muitas mudanças ocorreram nas famílias nos últimos tempos:
mães solteiras ou pais solteiros, mães e/ou pais desempregados ou fora de casa o dia inteiro. O
ambiente familiar sofre constantes mudanças devido ao ambiente em que as pessoas vivem:
violências urbanas de todos os tipos, acesso a drogas e influência negativa dos meios de
comunicação. As crianças também se encontram nas mais diversas situações: fora da escola,
trabalhando e em variados graus de pobreza.
Levando-se em conta que o(a) pesquisador(a) deve ser bastante sensível ao grupo que
lhe abriu as portas, quer-se nesse momento (com a finalização da presente pesquisa) retornar
ao contexto pesquisado. Contudo, entende-se que um(a) pesquisador(a) que venha de uma
formação que não médica não pode simplesmente sugerir formas novas de se comunicar
melhor ou se atender bem um(a) paciente. Além disso, sabe-se que, como aponta Silverman
(1987), a tarefa de mostrar os resultados aos sujeitos pesquisados não é fácil e, em muitas
pesquisas, a única platéia para os resultados é a comunidade acadêmica. Tentar-se-á então
compartilhar as experiências e os conhecimentos adquiridos com todas aqueles(as) que
venham a demonstrar interesse pelo assunto.
As discussões abordadas foram apresentadas de forma a permitir que médicos(as)
reflitam sobre suas práticas e considerem a possibilidade de mudá-las. Ao apresentar os
achados de um modo não necessariamente conclusivo, fechado, abre-se espaço para que o
conhecimento gerado possa ser recontextualizado de um modo reflexivo pela categoria
médica. O trabalho realizado permite fazer alguns questionamentos que ajudam a pensar
como a AC pode vir a ser usada na educação médica: será que os(as) médicos(as) estão
atentos à carência de informação de seus(suas) pacientes e ao fato de que as mães estão
deixando que todo seu conhecimento prático seja esquecido ou camuflado pela figura do(a)
médico(a)? Como a categoria médica faz para transformar o momento da consulta pediátrica
em um momento de educação da população? Além disso, a interdisciplinaridade entre
Lingüística e Medicina aqui apresentada traz novas possibilidades de entendimento para
ambas as áreas e permite que se tenha uma visão mais integrada e uma compreensão maior de
como se caracteriza a fala médica em atendimentos pediátricos. As discussões e
questionamentos aqui propostos visam a contribuir para uma melhoria das práticas
profissionais médicas, principalmente pediátricas, pela reflexão analítica a que se propõe.
O uso do termo normal, como visto, poderia parecer uma tarefa simples para o(a)
médico(a), contudo não é tão simples assim. Pode ser que o que seja entendido como normal
para o(a) médico(a) pode não ter a mesma representação de normalidade para a mãe (ou vice-
versa). As médicas tratam muitas vezes como corriqueiras situações que provavelmente estão
sendo vivenciadas pela primeira vez pelos bebês e pelas mães que os acompanham. As
profissionais da saúde acabam tratando como rotina sintomas e doenças que aparecem nas
consultas, quando, pelo menos para o(a) paciente e para a mãe que o(a) acompanha, não são.
É uma situação que é normal, já que todo mundo pode vir a ter, mas para aquela criança e
aquela mãe é a primeira vez que acontece. Ainda, conforme Coelho (2005), as pessoas
pensam a normalidade sob diferentes concepções e, por isso, esse tema deve vir a ser estudado
de forma mais ampla. As idéias exploradas e os questionamentos levantados na presente
pesquisa podem vir a servir como estímulo para o desenvolvimento de trabalhos futuros sobre
o assunto na comunidade acadêmica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AERTS, Denise R. Investigação dos óbitos perinatais e infantis: seu uso no planejamento de
políticas públicas de saúde. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 73, n. 6, p. 364-366, 1997.
BARBIERI, Ana R.; HORTALE, Virginia, A. Desempenho gerencial em serviços públicos de
saúde: estudo de caso em Mato Grosso do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 21, p. 1349-1356, 2005.
BARBOSA, Arnaldo P. Terapia intensiva neonatal e pediátrica no Brasil: o ideal, o real e o
possível. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 80, n. 6, p. 437-438, 2004.
BARNES, Rebecca. Conversation analysis: a practical resource in the health care setting.
Medical Education, Blackwell Publishing Ltd, v. 39, p. 113-115, 2005.
BARRETO, Mauricio L. Os determinantes das condições de saúde das populações: qual o
papel do sistema de saúde? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, Supl. 2, p.
147-173, 2004.
BASTOS, Liliana C. Atividade Lingüística em Situação de Trabalho. Revista da Fundação
Educacional Rosemar Pimentel, Volta Redonda, v. 2, n. 2, p. 60-66, 1999.
BERGMAN, Abraham B. Studying sudden infant death syndrome in a developing country.
Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 82, n. 1, p. 4-5, 2006.
BITTENCOURT, Sonia A.; CAMACHO, Luiz A.; LEAL, Maria do C. O sistema de
informação hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 22, p. 19-30, 2006.
BLANK, Danilo. A puericultura hoje: um enfoque apoiado em evidências. Jornal de
Pediatria, Rio de Janeiro, v. 79, Supl. 1, p. 13-22, 2002.
______; LIBERAL, Edson F. O pediatra e as causas externas de morbimortalidade. Jornal de
Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 5, p. 119-122, 2005.
BONILHA, Luís R. C.; RIVORÊDO, Carlos R. S. Puericultura: duas concepções distintas.
Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 1, p. 7-13, 2005.
BRAGA, Taciana D.; LIMA, Marilia C. Razão peso/comprimento: um bom indicador do
estado nutricional em recém-nascidos a termo? Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 78, n.
3, p. 219-224, 2002.
BUCHOLTZ, Mary, HALL, Kira. Identity and Interaction: a sociocultural linguistic
approach. Discourse Studies, London: SAGE, v. 7, n. 4-5, p. 585-614, 2005.
BUENO, Lais S.; TERUYA, Keiko M. Aconselhamento em amamentação e sua prática.
Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 80(5 Supl), p. 126-130, 2004.
BUSTAMANTE, Vânia; TRAD, Leny A. Participação paterna no cuidado de crianças
pequenas: um estudo etnográfico com famílias de camadas populares. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1865-1874, 2005.
CAMELO, José S. Recém-nascidos de muito baixo peso e estado nutricional: certezas e
incertezas. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 1, p. 5-6, 2005.
CANGUILHEM, Georges. O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002. 305p.
CECATTI, José G. et al. Curva dos valores normais de peso fetal estimado por ultra-
sonografia segundo a idade gestacional. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 1083-1090, 2000.
CICOUREL, Aaron V. Hearing is not believing: language and the structure of belief in
medical communication. In: TODD, Alexandra D.; FISHER, Sue (Orgs.). The social
organization of doctor-patient communication. New Jersey: Ablex Publishing Corporation,
2ed., 1993. p. 49-66.
COELHO, Maria T. A.; FILHO, Naomar de A. Análise do conceito de saúde a partir da
epistemologia de Canguilhem e Foucault. In: GOLDENBERG, Paulete; MARSIGLIA,
Regina M.; GOMES, Mara H. de A. (Orgs.). O clássico e o novo: tendências, objetos e
abordagens em ciências sociais e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 101-113.
______; ______. Concepções populares de normalidade e saúde mental no litoral norte da
Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1726-1736, 2005.
CORRÊA, Luiza; MARTINE, Castro. Análise da Construção e Reprodução no Discurso
Médico-Paciente: uma abordagem sociolingüística interacional. In: TARALLO, Fernando
(Org.) Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Estudos da Linguagem, 1989. p. 239-269.
COULOUN, Alain. Etnometodologia. Petrópolis: Vozes, 1995. 134p.
DREW, Paul; CHATWIN, John; COLLINS, Sarah. Conversation analysis: a method for
research into interactions between patients and health-care professionals. Health
Expectations, Blackwell Science Ltd, v. 4, p. 58-70, 2001.
______; HERITAGE, John. Talk at work: interaction in institutional settings. Cambridge:
Cambridge University, 1992. 580p.
DURANTI, Alessandro. Linguistic Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press,
1997. 420p.
FERREIRA, Ana L. Acompanhamento de crianças vítimas de violência: desafios para o
pediatra. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 5, p. 173-180, 2005.
FETTERMAN, David M. Ethnography: step by step. USA: Sage, 2ed., 1998. 165p.
FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense-Universitário, 4ed.,
1994. 260p.
FRIAS, Paulo G. et al. Vigilância de óbitos infantis como indicador da efetividade do sistema
de saúde – estudo em um município do interior do Nordeste brasileiro. Jornal de Pediatria,
Rio de Janeiro, v. 78, n. 6, p. 509-516, 2002.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
323p.
GUMPERZ, John J. The speech community. In: DURANTI, Alessandro (Org.). Linguistic
Anthropology: a reader. Malden: Blackwell, 2001. p. 43-52.
HAVE, Paul T. Doing conversation analysis: a practical guide. London: SAGE, 2000.
240p.
______. Understanding Qualitative Research and Ethnomethodology.
London: SAGE, 2004. 216p.
HEATH, Iona. et al. Movimento Global pela saúde e contra a pobreza: convocação a todos os
pediatras e profissionais da saúde. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 76, n. 1, p. 5-8,
2000.
HERITAGE, John; LINDSTRÖM, Anna. Motherhood, medicine, and morality: scenes from a
medical encounter. Research on Language and Social Interaction, California, v. 31, n. 3, p.
397-438, 1998.
HORTALE, Virginia A. Fórum: a integralidade na perspectiva da formação, das práticas e da
avaliação em saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1398-1399,
2004.
HUTCHBY, Ian; WOOFFITT, Robin. Conversation Analysis. USA: Blackwell Publishers,
1998. 273p.
JARDIM, Laura B. Tirosinemia neonatal transitória – doença ou variação do normal? Jornal
de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 74, n. 6, p. 431-432, 1998.
JASPERS, Karl. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu, 2ed, 1987. 545p.
L`ABBATE, Solange. Educação em saúde: uma nova abordagem. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 481-490, out/dez 1994.
LAURITZEN, Sonja O. Notions of Child Health: mother’s accounts of health in their young
babies. Sociology of Health & Illness, USA, v. 19, n. 4, p. 436-456, 1997.
LESTER, Carolyn; GRIFFITHS, Susan. Inequalities in health: raising awareness among
health authority staff. Public Health, Cardiff, v. 114, p. 31-36, 2000.
LUZ, Madel T. Novos saberes e práticas em saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, 2005.
174p.
MADEIRA, Isabel R.; AQUINO, Leda A. Problemas de abordagem difícil: “não como” e
“não dorme”. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 79, Supl. 1, p. 43-54, 2003.
MANCINI, Ivani; SOLÉ, Dirceu; NASPITZ, Charles K. Níveis séricos de IgE total em
crianças brasileiras normais no primeiro ano de vida. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v.
72, n. 2, p. 98-102, 1996.
MARTINS, Maria de F. et al. Qualidade do ambiente e fatores associados: um estudo em
crianças de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro,
v. 20, n. 3, p. 710-718, 2004.
MASCARENHAS, Maria L. et al. Prevalência de aleitamento materno exclusivo nos 3
primeiros meses de vida e seus determinantes no Sul do Brasil. Jornal de Pediatria, Rio de
Janeiro, v. 82, n. 4, p. 289-294, 2006.
MATTOS, Carmen L. G. de. A abordagem etnográfica na investigação científica. Espaço
Informativo Técnico do Ines Mec, Rio de Janeiro, n. 16, p. 53-58, 2001.
MAYNARD, Douglas. Interaction and Asymmetry in Clinical discourse. The American
Journal of Sociology, The University of Chicago Press, v. 97, n. 2, p. 448-495, 1991.
______; HERITAGE, John. Conversation analysis, doctor-patient interaction and medical
communication. Medical Education, Blackwell Publishing Ltd, v. 39, p. 428-435, 2005.
MELLO, Rosane R. et al. Ultra-sonografia cerebral neonatal normal no prematuro – é
possível tranqüilizar os pais? Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 75, n. 1, p. 45-49, 1999.
MENEZES, Daniela C.. et al. Avaliação da peregrinação anteparto numa amostra de
puérperas no Município do Rio de Janeiro, Brasil, 1999/2001. Cadernos de Saúde Pública,
Rio de Janeiro, v. 22, p. 553-559, 2006.
MEYER, Dagmar E. Saúde da mulher: indagações sobre a produção do gênero. O Mundo da
Saúde, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 113-119, 1999.
NERI, Marcelo; SOARES, Wagner. Desigualdade social e saúde no Brasil. Cadernos de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, p. 77-87, 2002.
NORIEGA, Mariano. et al. Las trabajadoras de la salud: vida, trabajo y transtornos mentales.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, p. 1361-1372, 2004.
OSTERMANN, Ana C. Bonita de doer: análise crítica do discurso em revistas para meninas
adolescentes. the ESPecialist, São Paulo, v. 15, n. 1/2, p. 151-162, 1994.
______. Reifying and defying sisterhood: communities of practice at work at an all-
female police station and a feminist crisis intervention center in Brazil. Unpublished
Ph.D., Michigan, 2000. Tese de doutorado. University of Michigan, 2000.
______. Projeto de Pesquisa Gênero, violência e sexualidade: uma investigação
sociolingüística interacional dos atendimentos à saúde da mulher, 2005 (Projeto CNPq,
UNISINOS).
POTTER, Jonathan. Discourse analysis as a way of analyzing naturally occurring data. In:
SILVERMAN, David (Org.). Qualitative Research: theory, method and practice. London:
Sage, 2ed., 2004. p. 200-221.
PSATHAS, George. Conversational analysis: the study of talk-in-interaction. USA: Sage,
1994. 96p.
PUCCINI, Rosana F. BLANK, Danilo. Prática de consultório pediátrico. Jornal de
Pediatria, Rio de Janeiro, v. 79, Supl. 1, S1-S2, 2003.
QUADRA, A. Viver é resistir: o modelo da história natural da doença. Rio de Janeiro:
Achimé, 1983. p. 17-43.
RAMOS, José L. A. Pequenos para a idade gestacional: gravidade, proporcionalidade e
mortalidade. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 3, p. 187-188, 2005.
RAMOS, José R.; ODEH, Charles S.; LOPES, José M. Mecânica pulmonar no recém-nascido
normal. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 70, n. 3, p. 163-166, 1994.
RUGOLO, Ligia M. S. Peso de nascimento: motivo de preocupação em curto e longo prazo.
Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 5, p. 359-360, 2005.
SACKS, Harvey. Lectures on Conversation. Oxford, UK: Blackwell, 1992. vol. 1 e 2.
______; SCHEGLOFF, Emanuel A.; JEFFERSON, Gail. A simplest systematics for the
organisation of turn-taking for conversation. Language, New York, v. 50, p. 696-735, 1974.
SANO, Priscilla Y. et al. Avaliação do nível de compreensão da prescrição pediátrica. Jornal
de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 78, n. 2, p. 140-145, 2002.
SARANGI, Srikant; ROBERTS, Celia. Talk, work and institutional order: discourse in
medical, mediation and management settings. New York: Mouton de Gruyter, 1999. 529 p.
SCAVONE, Lucila. Dar a vida e cuidar da vida: sobre maternidade e saúde. Cadernos da
REDEH, Rio de Janeiro, n. 2, p. 127-186, 1991.
SCHEGLOFF, Emanuel A. Beginnings in the telephone. In: KATZ, J.E.; AAKHUS, M.
(Orgs.). Perpetual contact: mobile communication, private talk, public performance.
Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p. 284-300.
______; SACKS, Harvey. Opening up closing. Semiotica, v. VIII, n. 4, p. 289-327, 1974.
SCHNACK, Cristiane M.; PISONI, Thaís D.; OSTERMANN, Ana. C. Transcrição de fala: do
evento real à representação escrita. Entrelinhas, São Leopoldo, v. 2, n. 2, p. 2, 2005.
SHUY, Roger W. Three types of interference to an effective exchange of information in the
medical interview. In: TODD, Alexandra D.; FISHER, Sue (Orgs.). The social organization
of doctor-patient communication. New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 2ed., 1993. p.
17-30.
SÍCOLI, Juliana L.; NASCIMENTO, Paulo R. Promoção de saúde: concepções, princípios e
operacionalização. Interface - Comunicação, Saúde e Educação, São Paulo. v. 7, n. 12, p.
91-112, 2003.
SILVEIRA, Denise S.; SANTOS, Iná S. Adequação do pré-natal e peso ao nascer: uma
revisão sistemática. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1160-1168,
2004.
SILVERMAN, David. Communication and Medical Practice: social relations in the
clinic. United States of America: Sage, 1987. 279p.
______. Interpreting qualitative data: methods for analyzing talk, text and interaction.
London: Sage, 2 ed., 2001.
SOUZA, Daecy F.; COSTA, Juvenal S. Avaliação do programa de puericultura no posto de
saúde da COHAB Pestano. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 70, n. 1, p. 28-32, 1994.
TANNEN, Deborah; WALLAT, Cynthia. Doctor/ mother/ child communication: linguistic
analysis of a pediatric interaction. In: TODD, Alexandra D.; FISHER, Sue (Orgs.). The
social organization of doctor-patient communication. New Jersey: Ablex Publishing
Corporation, 2ed., 1993. p. 31-47.
TAVARES, Rinaldo F. Estudo do crescimento intra-uterino de recém-nascidos normais.
Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 74, n. 3, p. 205-212, 1998.
TODD, Alexandra D.; FISHER, Sue. The social organization of doctor-patient
communication. New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 2ed., 1993. 306 p.
WARREN, Patricia L. First-time mothers: social support and confidence in infant care.
Journal of Advanced Nursing, Blackwell Publishing Ltd, v. 50, p. 479-488, 2005.
WENGER, Etienne. Communities of practice: learning, meaning and identity. Cambridge:
Cambridge University Press, 1998. 318p.
WEST, Candace. "Ask me no questions..." An analysis of queries and replies in physician-
patient dialogues. In: TODD, Alexandra D.; FISHER, Sue (Orgs.). The social organization
of doctor-patient communication. New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 2ed., 1993. p.
127-157.
______. ‘Not just doctors’ orders’: directive-response sequences in patients’ visits to women
and men physicians. In: COATES, Jennifer (Org.). Language and gender: a reader. USA:
Blackwell, 1998. p. 328-353.
ZEFERINO, Angélica M. et al. Acompanhamento do crescimento. Jornal de Pediatria, Rio
de Janeiro, v. 79, Supl. 1, p. 23-32, 2003.
ZIMMERMAN, Don H. Identity, Context and Interaction. In: ANTAKI, C., WIDDICOMBE,
S (Orgs.). Identities in Talk. London: Sage, 1998. p. 87-106.
ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido entregue às mães
FALA INSTITUCIONAL EM POSTOS DE SAÚDE PÚBLICOS
Você está sendo convidada a participar de uma pesquisa em que serão
analisadas conversas entre médicas e mulheres em consultas logo após o
nascimento de seus bebês. Estamos interessadas em saber como acontecem estes
atendimentos e entender um pouco mais sobre como são as consultas médicas com
pediatras no início da vida da criança.
A pesquisa conta com a participação da aluna Karen Seger (mestranda da
UNISINOS) e da Profa. Dra. Ana Cristina Ostermann (também da UNISINOS).
Para que a pesquisa possa acontecer, precisamos assistir às consultas
médicas e gravá-las com um pequeno gravador.
Não há nenhum tipo de gasto ou risco para nenhuma das participantes.
Nenhuma outra pessoa terá acesso aos nomes das pessoas envolvidas. As
identidades são totalmente confidenciais e você só participa se quiser. A qualquer
momento você pode pedir para ouvir as fitas gravadas ou desistir de continuar
participando.
Caso você aceite participar, pedimos que você assine este documento. Se
necessitar de mais informações, você pode contatar Karen Seger, telefone (51) 564-
7104, e-mail <[email protected]
> ou Ana Cristina Ostermann, telefone (51) 591-
1100, ramal 1349. Você ficará com uma cópia deste documento.
Desde já, gostaríamos muito de agradecer sua participação.
Atenciosamente,
Karen Seger
Ana Cristina Ostermann
CONCORDÂNCIA EM PARTICIPAR
Eu, __________________________________, concordo em participar do
projeto descrito.
Assinatura da mãe: ____________________________________________
Data:
____________________________________________________________
ANEXO B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido entregue às médicas
FALA INSTITUCIONAL EM POSTOS DE SAÚDE PÚBLICOS
Você está sendo convidada a participar de uma pesquisa em que serão
analisadas conversas entre médicas e mulheres em consultas logo após o
nascimento de seus bebês. Estamos interessadas em saber como acontecem estes
atendimentos e entender um pouco mais sobre como são as consultas médicas com
pediatras no início da vida da criança.
A pesquisa conta com a participação da aluna Karen Seger (mestranda da
UNISINOS) e da Profa. Dra. Ana Cristina Ostermann (também da UNISINOS).
Para que a pesquisa possa acontecer, precisamos assistir às consultas
médicas e gravá-las com um pequeno gravador.
Não há nenhum tipo de gasto ou risco para nenhuma das participantes.
Nenhuma outra pessoa terá acesso aos nomes das pessoas envolvidas. As
identidades são totalmente confidenciais e você só participa se quiser. A qualquer
momento você pode pedir para ouvir as fitas gravadas ou desistir de continuar
participando.
Caso você aceite participar, pedimos que você assine este documento. Se
necessitar de mais informações, você pode contatar Karen Seger, telefone (51) 564-
7104, e-mail <[email protected]
> ou Ana Cristina Ostermann, telefone (51) 591-
1100, ramal 1349. Você ficará com uma cópia deste documento.
Desde já, gostaríamos muito de agradecer sua participação.
Atenciosamente,
Karen Seger
Ana Cristina Ostermann
CONCORDÂNCIA EM PARTICIPAR
Eu, __________________________________, concordo em participar do
projeto descrito.
Assinatura da médica: __________________________________________
Data:
____________________________________________________________
ANEXO C – Pesquisa de satisfação realizada nos postos de saúde
PESQUISA DE SATISFAÇÃO
(reproduzida exatamente conforme original)
Ótimo Bom Regular Ruim
1. Atendimento na recepção ( ) ( ) ( ) ( )
2. Atendimento do telefone ( ) ( ) ( ) ( )
3. Informações prestadas ( ) ( ) ( ) ( )
4. Palestras na sala de espera ( ) ( ) ( ) ( )
5. Limpeza dos banheiros ( ) ( ) ( ) ( )
6. Atendimento médico ( ) ( ) ( ) ( )
7. Atendimento odontológico ( ) ( ) ( ) ( )
8. Medicamentos ( ) ( ) ( ) ( )
9. Qual o seu grau de satisfação? ( ) ( ) ( ) ( )
10. Na sua opinião, o que poderia melhorar o atendimento?
11. Seu problema foi resolvido? Sim ( ) Não ( )
Se não, por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
______
Nome (opcional)
________________________________________________________________
Endereço
______________________________________________________________________
Telefone
______________________________________________________________________
ANEXO D – Convenções de transcrição
Transcritas e adaptadas por Schnack, Pisoni e Ostermann (2005).
[texto]
Colchete esquerdo indica o inicio da sobreposição de vozes. Colchete direito
indica o final.
=
Indica que não há espaço entre a fala de um interlocutor e a fala.
(1.8)
A pausa é medida em segundos ou décimos de segundos. Representa a ausência
de fala ou vocalização.
(.)
Equivale a menos de 0.2 segundos de ausência de fala ou vocalização.
,
Indica entonação contínua, como ao listar itens.
.
Indica entonação descendente e final.
?
Indica entonação ascendente.
-
Interrupção abrupta da fala em curso.
:
Indica alongamento de vogal ou consoante.
>texto<
Indica fala mais rápida em relação ao contexto anterior e posterior de fala.
<texto>
Indica fala mais lenta em relação ao contexto anterior e posterior da fala.
ºtextoº
Indica fala mais baixa em relação ao contexto anterior e posterior de fala.
Texto
Indica sílaba, palavra ou som acentuado.
Indicam aumento ou diminuição na entonação.
hhh
Expiração audível.
.hhh
Inspiração audível.
(texto)
Dúvidas na transcrição.
XXX
Indicam sílabas que não foram possíveis de se transcrever.
((texto))
Comentários da/o transcritora/o.
@@@
Pulsos de risada.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo