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em 1950, os 10 milhões de citadinos viam os outros 41 milhões de brasileiros que
moravam no campo e nos vilarejos.
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Em outra passagem deste capítulo, o feirante João do Couro ressaltou em
sua narrativa que “o povo da roça era tratado como tabaréu, um zé ninguém” (p. 92).
A identificação e a construção de um referencial de ser tabaréu, muitas vezes
endossada pela expressão “tabaréu da roça”, chamou atenção também de um jornal
local nos anos 40.
Entre os preconceitos mais generalizados, encontra-se o de
que o camponês, o homem da roça, o que vive da lavoura,
mais ou menos longe dos centros em que supõem-se a
civilização já fez progressos, é, em regra, um homem inculto,
retrogrado, possuidor das piores qualidades morais e
espirituais entre as quais avultam a pusilanimidade, a rotina e
até a falta de senso comum e de vergonha! Tornou-se
pejorativo o vocábulo tabaréu, sinônimo de desprezível e de
outros qualificativos indesejáveis. É de irritar, verem-se os
pelintras das cidades, criaturas muita vez sem classificação
nem profissão definida, maltratarem os pobres homens do
campo com expressões pesadas. Entretanto, se se fizesse um
cotejo entre os méritos do tal homem da cidade e do campo,
ver-se-ia que o tabaréu é muito mais homem; é figura de maior
mérito, é contribuinte de muito mais importância para a
economia nacional que o tal citadino bilontra, possivelmente
alcoólatra, parasita, jogador, sem família, sem moralidade,
inculto, presunçoso, inútil, quando não nocivo a coletividade. O
homem do campo, pode ser, e realmente é, na maioria dos
casos pouco culto, pouco letrado […].
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Pela extensão da matéria, que preferimos não reproduzi-la na integra neste
momento, publicada no Jornal O Paládio, pode-se presumir o caráter generalizante
que o articulista atribui à questão. Não sei se o Jornal O Paládio, constitui-se um
referencial para se pensar o Brasil, mas parece-me que na cidade existia uma
tentativa de estigmatizar homens e mulheres oriundos de áreas rurais.
O autor desta matéria, ao denunciar o preconceito e o tratamento desprezível,
segundo ele, já generalizado, também incorre nas mesmas armadilhas quando
estigmatiza os cidadãos viventes da cidade com adjetivos exclusivamente negativos.
139
MELLO, João Manuel de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da vida privada: contraste da intimidade contemporânea. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998, v.4. p. 574.
140
Jornal O Paládio. Ano 44, 28 de Março de 1945, nº 2.164. APMSAJ.