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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
Luciane Marques Raupp
ADOLESCÊNCIA, DROGADIÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS:
RECORTES NO CONTEMPORÂNEO
Porto Alegre
2006
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Luciane Marques Raupp
ADOLESCÊNCIA, DROGADIÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS:
RECORTES NO CONTEMPORÂNEO
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia Social e Institucional. Programa
de Pós-Graduação em Psicologia Social e
Institucional. Instituto de Psicologia.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Orientadora Drª. Clary Milnistky-Sapiro.
Porto Alegre
2006
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AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Clary Milnitsky Sapiro, pela sabedoria e atenção afetuosa, sem as quais esse
trabalho não teria se concretizado.
Aos componentes de minha banca examinadora, por aceitarem colaborar e lançar outro olhares
sobre este trabalho.
Às graduandas em Psicologia na UFRGS, Juliana Martins Costa e Letícia Poggere, pela simpática
e competente colaboração na análise de conteúdo das entrevistas.
À minha mãe, Isoé, e meus irmãos, Fernanda e Bruno, pelo companheirismo e amor
incondicionais.
A meu pai, Cláudio Raupp, cujo legado de paixão pelo conhecimento ilumina minhas escolhas.
Às instituições que me acolheram para a realização desse estudo.
Aos queridos companheiros de mestrado, os quais escutaram pacientemente minhas dificuldades e
muito me apoiaram nesses momentos.
“Eu tento encontra, assim, uma
resposta pra todas as minhas
perguntas, mas das minhas
respostas, só me vêm mais
perguntas; e as respostas que
têm sou eu e eu, sabe; tem que
ser eu e eu aqui nesse
tratamento”.
(Relato de uma das adolescentes
entrevistadas nesse estudo).
“O problema dramático é que os
atalhos funcionam, o drama que
vivemos é que, ao funcionarem os
atalhos, as pessoas aprendem a se
conformar. As pessoas sabem
muito bem de qual atalho se trata.
De qualquer modo, elas perderam
o desejo de ir pela estrada de mais
longo percurso. Ficam paradas,
desiludidas e aprendem a se
contentar, ‘melhor que nada’.
Temos força para propor alguma
coisa confiável e possível, que não
seja o atalho? Com o risco da
liberdade em um percurso mais
complicado, mais articulado;
podemos impedir o
depauperamento do recurso
humano e institucional, impedir
que definhe a relação entre quem
cura e quem é curado?”.
(Rotelli, 1999).
RESUMO
O abuso de álcool e outras drogas por adolescentes é considerado, atualmente, um grave
problema de saúde pública. Devido à complexidade que envolve essa questão, considera-se que a
mesma extrapola o campo da saúde pública, exigindo um olhar interdisciplinar, tanto na
investigação de suas condições de surgimento, quanto na produção de respostas de enfrentamento.
Para lidar com essa problemática, faz-se necessário compreender a adolescência de hoje
como uma operação de passagem (Rassial,1997) e uma “crise psíquica” (Melman, 1995), na qual
a busca por referências ocupa um lugar fundamental. Atualmente, esse processo se desenvolve em
um contexto social no qual os valores vigentes se colam a padrões de consumo marcados pelo
individualismo e pela instantaneidade, confundindo as novas gerações pela falta de referências
(Bauman, 1998, 2001; Milnitsky-Sapiro, 2005). Nesse contexto de hedonismo, consumismo e
referenciais voláteis, o abuso de drogas pode surgir como um caminho para o alívio das tensões
inerentes ao processo adolescente e como uma fuga da invisibilidade pela via do consumo,
realizando simbolicamente o ideal de nossa sociedade (Conte, 1998).
O presente trabalho tomou serviços de tratamento a adolescentes usuários de drogas como
objeto de pesquisa, refletindo sobre as concepções que norteiam suas práticas e a forma pela qual
as políticas públicas que prescrevem o campo se apresentam, ou não, em seus programas. O
contexto destas instituições, suas práticas e referenciais são problematizados, juntamente com
trechos de entrevistas nas quais se buscou “dar voz” aos adolescentes em tratamento nesses locais,
visando saber o que pensam e como avaliam o tratamento recebido. Também foram entrevistados
profissionais que trabalham nesses serviços. Como método de pesquisa utilizou-se a Descrição
Etnográfica da instituição, diálogos informais, observações e consultas documentais (Milnitsky-
Sapiro, 2001). Para análise dos dados procedeu-se à Análise de Conteúdo (Bardin, 1977;
Milnitsky-Sapiro, 2001) do material consultado e das narrativas dos entrevistados.
Os resultados desse estudo indicam uma defasagem entre o que é preconizado pelas políticas
públicas e as práticas dos serviços de tratamento. Dos três serviços pesquisados, apenas um se
adequava às orientações das principais políticas que regulam o setor, apesar de possuir limitações
principalmente relacionadas à escassez de recursos para qualificar e ampliar o alcance de sua
atuação. Como conclusão, aponta-se o fato de que as diretrizes do Estatuto da Criança e do
Adolescente e do Sistema Único de Saúde, entre outras, continuarão na instância teórica enquanto
não houver propostas de adequação dos serviços e de capacitação dos profissionais que trabalham
com esse público, visando qualificá-los a atender as especificidades do processo adolescente no
contexto atual.
Palavras-chave: adolescência, drogadição, políticas públicas.
ABSTRACT
Presently, drugs abuse by adolescents is considered a serious problem of Public Health.Due to the
complexity involving this question, it´s been considered it overflows the public health field. It
demands an interdisciplinar view as to investigate its origins as to produce answers to face it.
In order to deal with this problem, we need to comprehend adolescence as a stage between
childhood and adulthood (Rassial, 1997) and a psychic crisis (Melman, 1995) in which people
search for references. Nowadays, this process develops in a social context in which ordinary
values are attached to comsumption patterns identified with individualism and instantaneously. It
confuses new generations by the lack of references (Bauman, 1998, 2001; Milnitsky-Sapiro,
2005).
In this hedonism, consumism and weak references context, drugs abuse can emerge as a way to
throw tensions away, as a way adolescents generally use in their process, and as a scape from
invisibility by consumption, achieving simbolically our society ideal (Conte, 1998).
The present work took three public institutions that accept adolescents for treatment of drug
abuse as research object, thinking about the conceptions that they use in their work and the way in
which public politics that surround this field are presented or not in their programs. These
institutions context, their practices and the theories they use are inquired, with interviews sections
in which it was wanted to “give voice” to adolescents that were being treated in this places. It was
wanted to know what they think about and how they evaluate the treatment they receive.
Professionals that work in these services were also interviwed. As research method, it was used
Etnographic Description of the institution, informal dialogues, observations and document
consulting (Milnitsky-Sapiro, 2001). In order to analyse the data it was used Subject Analysis
(Bardin, 1977; Milnitsky-Sapiro, 2001) of consulted material and interviewed people narratives.
Our results indicate a gap betwen what is actually assumed by the public policies and the reality
of the services. From the three services researched, only one was adequate to the orientations of
the main public politics that regulate this sector, in spite of having limitations related to few
resources to qualificate and extend its action. As a conclusion, it is mentioned that main proposals
of ECA and SUS will continue in the theoric field while they don´t have adecquation proposals
for the services and qualification for professionals that work with this people to deal with specific
issues of adolescents process in nowadays context.
Key words: adolescence; drug-addiction; public policies.
SUMÁRIO
1. Introdução ________________________________________________________________ 8
2. Referencial Teórico _________________________________________________________ 11
2.1 Adolescência e História: a Transição da Infância para a Idade Adulta na Sociedade
Ocidental ___________________________________________________________________ 11
2.2 A Adolescência Sob as Lentes da Psicanálise ____________________________________ 16
2.3 O Uso de Drogas na Sociedade Contemporânea e seus Efeitos na Adolescência_________ 20
2.4 Políticas Públicas para a Adolescência no Brasil: a Atenção aos Problemas Relacionados ao
Abuso de Drogas _____________________________________________________________ 28
2.4.1 Políticas Públicas para a Adolescência________________________________________ 30
2.4.2 Políticas de Saúde no Brasil: da História à Atualidade ___________________________ 35
2.4.3 A Reforma Psiquiátrica e a Implantação dos CAPS ______________________________ 39
2.4.4 As Políticas Públicas Brasileiras para Atenção aos Problemas Relacionados ao Uso de
Drogas______________________________________________________________________ 40
2.4.5 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Questão do Tratamento para o usuário de
Drogas_____________________________________________________________________ 45
3. O Problema de Pesquisa _____________________________________________________ 46
4. Método __________________________________________________________________ 47
5. Descrição dos Contextos de Pesquisa___________________________________________ 48
5.1 Vivendo a Rotina de uma Comunidade Terapêutica ______________________________ 48
5.2 O Adolescente “Doente” no Hospital: o Tratamento da Drogadição em uma Unidade
Especializada ________________________________________________________________ 56
5.3 A Atenção Integral ao Adolescente em um Ambulatório Municipal __________________ 63
6. Categorias Emergentes das Narrativas __________________________________________ 67
6.1 Categorias Emergentes das Entrevistas Realizadas na Comunidade Terapêutica ________ 68
6.1.1 Os Profissionais e sua Visão do Tratamento ___________________________________ 68
6.1.1.1.Concepções sobre as adolescentes __________________________________________ 69
6.1.1.1.1 “Elas não sabem nada, só aquilo que é errado” _____________________________ 69
6.1.1.1.2 “Elas buscam ser entendidas, que alguém compreenda elas, e precisam de limites_ 70
6.1.1.2 Acolhendo a singularidade ou reeducando? __________________________________ 71
6.1.1.2.1 A Singularidade ______________________________________________________ 71
6.1.1.2.2 A Reeducação _______________________________________________________ 73
6.1.1.3 A estrutura da instituição _________________________________________________ 74
6.1.1.4. Trajetórias das adolescentes ______________________________________________ 75
6.1.1.4.1 A internação: uma “decisão forçada” ______________________________________ 75
6.1.1.4.2 Adaptação: a fase mais difícil ____________________________________________ 76
6.1.1.4.3 Percursos: uma “mudança radical” ou a desistência __________________________ 77
6.1.1.4.4 “É um passo para a melhoria, mas não é o definitivo” ________________________ 78
6.1.2 Escutando os adolescentes na CT ____________________________________________ 79
6.1.2.1 O adolescente e sua família: conflitos e mudanças _____________________________ 80
6.1.2.2. Tratamentos anteriores _________________________________________________ 81
6.1.2.3 “Crack, cocaína, maconha, tabaco, álcool...” ________________________________ 82
6.1.2.4 “Eu penso assim ó, que isso não vai levar a nada” _____________________________ 83
6.1.2.5. Con-vivendo noves meses em comunidade __________________________________ 83
6.1.2.6. “Eu acho que aqui tem tudo o que tinha que ter numa Comunidade Terapêutica”____ 85
6.2 Categorias Emergentes das Entrevistas Realizadas na Unidade de Dependência Química __ 86
6.2.1 Os profissionais e sua visão do tratamento ____________________________________ 86
6.2.1.1 Em busca de ajuda: perfil dos adolescentes em tratamento na unidade _____________ 87
6.2.1.2 Como os adolescentes chegam à unidade ____________________________________ 88
6.2.1.3 O quê necessitam os adolescentes __________________________________________ 90
6.2.1.4 A abordagem convencional e o tratamento do adolescente _______________________ 91
6.2.1.4.1 Abordagem e métodos _________________________________________________ 92
6.2.1.4.2 O adolescente em tratamento: um desafio __________________________________ 93
6.2.1.5 “Ao sair daqui, será que ele vai continuar?” _________________________________ 95
6.2.2 Escutando os adolescentes na Unidade de Dependência Química ___________________ 97
6.2.2.1 Relação com a família ___________________________________________________ 98
6.2.2.2 Drogas: relações e conseqüências __________________________________________ 99
6.2.2.3 Tratamentos: trajetórias e reincidência ______________________________________ 101
6.2.2.4 Avaliação do tratamento ________________________________________________ 103
6.2.2.5 O que poderia ser diferente ______________________________________________ 104
6.2.2.6 “Aos poucos eu tô melhorando, aos poucos” ________________________________ 105
6.3 Categorias Emergentes das Entrevistas Realizadas em um Ambulatório Municipal
Especializado no Atendimento de Adolescentes ____________________________________ 108
6.3.1 Os profissionais e sua visão do tratamento ___________________________________ 108
6.3.1.1 Percepção do adolescente que chega ao ambulatório _________________________ 109
6.3.1.2 Os encaminhamentos __________________________________________________ 110
6.3.1.3 Equipe e práticas: integralidade e redução de danos __________________________ 111
6.3.1.3.1 Práticas ___________________________________________________________ 111
6.3.1.3.2 Funcionamento da equipe e interdisciplinariedade __________________________ 113
6.3.1.3.3 Atenção ampliada: buscando novos espaços ______________________________ 115
6.3.1.4 Avaliação do atendimento ______________________________________________ 116
6.3.1.5 O quê poderia ser diferente? _____________________________________________ 117
6.3.2 “Dando voz” aos adolescentes _____________________________________________ 118
6.3.2.1 Relações familiares ____________________________________________________ 119
6.3.2.2 Encaminhamento ______________________________________________________ 120
6.3.2.3 Tratamentos anteriores _________________________________________________ 120
6.3.2.4 Drogas: usos, abusos e conseqüências _____________________________________ 121
6.3.2.4.1 “Os guri perguntaram pra mim se eu queria, aí eu fui com eles” ________________ 121
6.3.2.4.2 Trajetórias __________________________________________________________ 122
6.3.2.4.3 Prejuízos ___________________________________________________________ 122
6.3.2.4.4 “Eu acho que não devia ter mais essa coisa de droga” _______________________ 123
6.3.2.5 Avaliação do tratamento ________________________________________________ 125
6.3.2.6 “Eu vi que não era mais, que já era, e parei de usar” _________________________ 125
7. Discussão dos Resultados ___________________________________________________ 126
8. Considerações Finais ______________________________________________________ 147
9. Referências Bibliográficas __________________________________________________ 150
8
1. INTRODUÇÃO
Este projeto é o resultado de uma busca pessoal e profissional por uma compreensão mais
abrangente do campo conceitual e das práticas relativas às complexas relações que ligam
adolescência e drogadição na contemporaneidade.
Há aproximadamente cinco anos, nos dedicamos ao estudo, pesquisa e prática junto a
adolescentes que abusam ou são dependentes de álcool e outras drogas, principalmente através do
trabalho voluntário em uma ONG (Organizaçãoo-Governamental). Essa instituição atua há
mais de 20 anos nas áreas de prevenção e tratamento do abuso de álcool e outras drogas, tendo se
tornado uma referência na rede de saúde de Porto Alegre. Sua clientela abrange, principalmente,
jovens de baixa renda da cidade e região metropolitana.
O contato freqüente com esse público, tanto no âmbito clínico quanto na elaboração de
projetos sociais, evidencia a gravidade dos problemas relacionados ao abuso de drogas entre os
adolescentes, o que vem gerando uma demanda crescente por lugares e abordagens capazes de
satisfazer suas necessidades específicas. Por outro lado, esse trabalho igualmente evidencia as
dificuldades da rede de saúde em proporcionar locais de atendimento e programas que dêem
conta da procura por tratamento e que ofereçam propostas capazes de mostrar resultados efetivos,
dado o baixo índice de resolutividade comum aos tratamentos de adolescentes (Kaminer e
Szobot, 2004).
Consideramos que essas dificuldades residem, principalmente, no fato de o consumo e a
circulação de drogas envolver, na atualidade, uma multiplicidade de questões inter-relacionadas,
em diferentes níveis de complexidade. Para Birman (1999), essas questões se inscrevem nos
registros teórico, clínico, social, político e ético e constituem um tema de investigação
relacionado a diferentes saberes, ligados pela busca de compreensão das ambigüidades da
sociedade contemporânea com relação ao uso de drogas. Buscando abarcar algumas facetas dessa
complexidade, e ressaltando a importância da interdisciplinaridade no estudo da drogadição,
neste trabalho priorizaremos autores ligados à Psicanálise, Sociologia e Antropologia como
interlocutores teóricos.
O presente estudo tem como eixo norteador o entendimento de que o tratamento da
drogadição é especialmente complexo na adolescência, em função das várias operações psíquicas
9
que ocorrem nessa fase. Segundo Rassial (1997), o adolescente se situa em uma “posição no
intervalo”, na qual, por não ser mais criança e tampouco ser adulto, atravessa um período de
indecisão subjetiva e de incerteza social que possui as características de uma verdadeira crise
psíquica. Nesse contexto de incertezas, de recapitulação de conflitos infantis e de busca por novas
identificações, agora fora da família, os adolescentes estão particularmente vulneráveis ao
envolvimento com drogas. De acordo com Silveira e Silveira (1999), embora a maioria dos
jovens seja contrária ao uso de drogas, muitos se deixam levar pela chamada pressão do grupo,
especialmente em um contexto social marcado pelo hedonismo, consumismo e referenciais
voláteis, no qual a busca por prazer e satisfação imediata são alguns dos valores mais cultivados.
Para autores como Birman (1999) e Conte (2001), em nossa sociedade as drogas lícitas e
ilícitas constituem-se como mais um produto incentivado pelo mercado de consumo. Ambas
possuem em comum a promessa de satisfação e de alívio para enfrentar a realidade objetiva das
necessidades orgânicas e das dificuldades cotidianas, bem como da realidade subjetiva dos
conflitos intrapsíquicos. Dessa forma estariam perfeitamente inseridas no movimento social da
nossa cultura, que fornece bens de consumo capazes de, supostamente, preencher todos os
vazios, buscando, assim, evitar qualquer sofrimento.
Autores que analisam a sociedade contemporânea, como Lasch (1987) e Bauman (2001),
enfatizam que nossa organização cultural, centrada no individualismo, narcisismo e consumismo,
estabeleceu profundas modificações nos modos de subjetivação contemporâneos. Dentre essas
mudanças, destaca-se a proliferação de condutas aditivas, onde as toxicomanias assumem
dimensões de grave problema de saúde pública. Segundo Lasch (1987), isso se daria porque a
completa dependência do consumidor diante de bens e serviços fornecidos externamente
reativaria, em sua subjetividade, sentimentos infantis de desproteção. Assim, o narcisismo, que
para esse autor equivale a uma disposição a ver o mundo como um espelho, mais
particularmente, como uma projeção dos próprios medos e desejos, surgiria como uma
característica prevalente nos sujeitos contemporâneos, tornando-os frágeis e dependentes. Para
Lasch (1987, p 25)r, se a cultura burguesa do século XIX reforçava os padrões anais de
comportamento – estocagem de dinheiro e mantimentos, controle das funções fisiológicas,
controle dos afetos – a cultura do consumo de massa do século XX recria os padrões orais
enraizados numa fase ainda mais precoce do desenvolvimento emocional, quando a criança era
completamente dependente do seio materno: “O consumidor percebe o mundo circundante como
10
uma espécie de extensão do seio, alternadamente gratificadora e frustrante; reluta em conceber
o mundo a não ser em conexão com suas fantasias”. Por essas características, pode-se apreender
o quanto o comportamento do consumidor contemporâneo se compara ao do indivíduo
toxicômano, o qual representa, ao mesmo tempo, o êxito e o fracasso da sociedade de consumo
(Conte, 1998).
Compreendemos que as diferenciações acima aludidas, no tocante ao reconhecimento das
especificidades do processo adolescente e da influência da sociedade de consumo no
desenvolvimento de padrões aditivos de comportamento, são fundamentais para o planejamento
de qualquer programa de atenção a adolescentes. A consideração desses, entre outros fatores, é
que fará a diferença para o surgimento de Políticas Públicas que não se restrinjam a
individualizar o problema, colocando a questão no âmbito restrito de uma “escolha” individual,
desconsiderando a complexidade envolvida e, portanto, nunca alcançando resultados
significativos.
Por todas essas questões, acreditamos na importância do estudo e pesquisa sobre as PP
responsáveis pelas diretrizes e concepções presentes nos programas de atenção ao abuso de
drogas entre adolescentes. Somente a partir da análise crítica das abordagens utilizadas nesses
programas, e da organização desses serviços, será possível contribuir para a construção de
propostas mais consistentes e eficazes ao enfrentamento dessa questão.
11
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 ADOLESCÊNCIA E HISTÓRIA: A TRANSIÇÃO DA INFÂNCIA PARA A IDADE
ADULTA NA SOCIEDADE OCIDENTAL
O termo adolescência deriva do latim adolescentia, assim como adolescer, provém de
adolescere. Ambos os termos apontam para um crescer, desenvolver-se, sair da infância e ir em
direção ao “mundo dos adultos”, demarcando etimologicamente a adolescência como o tempo da
mudança. Considera-se que essas modificações ocorrem em diversos níveis, não apenas no corpo
do sujeito, pelas manifestações pubertárias, mas também em sua subjetividade e nas suas relações
com o mundo que o cerca.
Compreender a adolescência, no que ela possui de peculiar e no que a diferencia das
outras fases da existência humana, não é uma tarefa simples, pois implica o reconhecimento de
múltiplas dimensões, em sua historicidade e dinamismo. Problematizando essa questão,
Montemayor
, citado por Medrano e Lyra (2003, p. 45) elegeu cinco componentes que, em
conjunto, permitiriam uma definição mais abrangente da adolescência: idade cronológica,
desenvolvimento biológico, cognitivo e psicológico, mudança de status legal e possibilidade de
participar de eventos da vida adulta. No entanto, o autor conclui que esses componentes,
isoladamente, não a definem, pois, embora auxiliem a delimitar o conceito de modo mais
abrangente, não são fixos e tampouco abarcam a dinâmica do contexto histórico-social em que se
configuram.
Sposito (2003), ao referir-se à categoria “juventude”, aponta que o mero recorte
demográfico, delimitador de que ser jovem é estar entre os 15 e 24 anos de idade, pode ser um
marcador inicial, mas é extremamente insuficiente para compreender todos os aspectos
socioculturais presentes nessa etapa. Estendemos as mesmas questões às classificações que
demarcam a adolescência como o período compreendido entre os 14 e os 18 anos de idade
(Estatuto da Criança e do Adolescente, 1994) ou como o espaço de tempo entre o período da
Montemayor, R. Coping with the dilemmas of adolescence. In: Lamb, M e Elster, A. (eds.). Adolescent
fatherhood. Hillsdale, New Jersey: Lawrence elrbaum associates, 1986, p.1-18.
12
puberdade e o pleno desenvolvimento muscular e nervoso, até os 20 ou 23 anos (Vitelli, 2002).
Montemayor (1986), aponta, por intermédio das controvérsias entre os parâmetros de definição
da adolescência, que está cada vez mais difícil delimitar quais aspectos caracterizam as fases da
vida. Em particular, a imprecisão dos parâmetros que definem a adolescência pode ser entendida
como uma quebra da suposta linearidade da passagem entre as diferentes etapas da vida,
ressaltando a historicidade, mas não a linearidade, das categorias etárias.
Para autores que compartilham a visão psicanalítica, a adolescência é compreendida
predominantemente como um trabalho psíquico, ao invés de uma faixa etária. Sua durabilidade
não dependerá tanto da idade, mas principalmente do peculiar tempo de cada sujeito para a
realização de suas operações subjetivas. Nesse sentido, o que caracteriza a adolescência não é ser
um lugar fixo e demarcado temporalmente, mas um momento de transição e de passagem,
período no qual o sujeito é convocado a reelaborar questões infantis e reposicionar-se,
principalmente através da busca por novas identificações (Ruffino, 1995; Rassial, 1997; Bloss,
1996).
Ainda no que concerne à duração da adolescência, um fator que encontra destaque
atualmente, tanto na literatura especializada quanto na mídia, refere-se a um suposto
“alargamento” desse período, no qual as manifestações pubertárias estariam surgindo
precocemente, acompanhadas de uma tendência a permanecer por mais tempo nessa fase, se
comparado a outras épocas. Segundo Sposito (2003), há uma variação de ritmo e intensidade na
transição da infância à idade adulta de acordo com a época e a sociedade em questão, o que torna
imprecisas as marcas que definem a condição adulta da juvenil. Nesse sentido, aponta para o que
seria uma difícil questão: quando uma sociedade, em um determinado momento de sua história
social e cultural, considera alguém adulto?
Encontramos entre autores da Antropologia diversos estudos que buscam delimitar as
diferenças na passagem de uma fase da vida à outra, entre distintos povos e épocas. De acordo
com Ferreira (1978), deve-se a Margaret Mead, com seus estudos em tribos da Nova Guiné e de
Samoa, e a Ruth Benedict e suas pesquisas sobre os índios americanos, o reconhecimento inicial
da importância dos fatores culturais no desenvolvimento, através de suas descrições das variações
do comportamento adolescente em distintas sociedades. Suas conclusões remetem à existência de
diferenças na passagem da dependência infantil a uma relativa independência, de acordo com a
cultura.
13
Segundo Campbel (1997), a transformação da criança em adulto, alcançada na maioria
das sociedades modernas através de anos de educação, é efetivada nas sociedades tribais mais
rápida e abruptamente por meio dos ritos da puberdade, ou ritos de iniciação, que para essas
sociedades são as cerimônias mais importantes de seu calendário religioso.
A etimologia da palavra iniciação significa, essencialmente, "começo", ou seja, a
iniciação é o começo de um estado que deve levar o sujeito, à maturidade, à perfeição. A
iniciação comporta, assim, uma educação que é, sobretudo, uma modificação do estatuto
ontológico do sujeito a iniciado. Para Eliade (1998), a iniciação é uma mistura de ritos e
ensinamentos orais que buscam a modificação radical do estatuto religioso e social do candidato
a iniciado, introduzindo-o nos comportamentos, técnicas e instituições dos adultos, assim como
nos mitos e nas tradições sagradas da tribo.
A forma específica dessas cerimônias varia de acordo com a sociedade em questão. Para
algumas, os ritos consistiam em cerimônias idênticas para meninos e meninas e não implicavam
em qualquer deformação física ou transmissão de segredos místicos. Tratavam-se apenas de
cursos intensivos para a educação dos adolescentes, com a finalidade de fazer dos iniciados bons
pais e mães (Campbel, 1997). Para outras, cujo maior exemplo eram os grandes grupos totêmicos
de caça, os ritos de iniciação eram secretos e as mutilações físicas e provações eram levadas, por
vezes, a extremos; geralmente culminando com a circuncisão. Com freqüência a circuncisão dos
meninos equiparava-se a operações semelhantes nas meninas (defloração artificial ou cerimonial,
dilatação da vagina, remoção dos lábios menores e, parcial ou totalmente, do clitóris); mas em
tais casos os dois sistemas de ritual – o masculino e o feminino – eram mantidos em separado. O
objetivo dessas práticas era transformar os jovens em seres humanos competentes, pais e
membros da tribo, com ensinamentos e exemplos baseados no firme princípio de um Ser
Supremo (Campbel, 1997).
No Império Romano, correspondente ao período entre o século I a.C. e o ano de 467, era o
pai quem decidia o momento em que seu filho deveria encerrar a infância e iniciar sua vida
adulta. Somente quando aquele decidia que o jovem podia abandonar as vestes infantis e tomar as
vestes de um homem, em geral por volta dos 17 anos, é que o esse passava a ocupar um lugar na
vida adulta de sua comunidade, podendo entrar na carreira pública como, por exemplo, no
exército (Ariés, 1981).
14
Durante a Idade Média, o rito de transição da infância para a idade adulta, para os
homens, dava-se através da “barbatoria”, cerimônia realizada no momento do primeiro barbear
do jovem. Nessa época, o pêlo era a prova de que a criança tornara-se homem, podendo, a partir
de então, cultivar a qualidade da agressividade que visava à boa formação do guerreiro -
necessária para sua sobrevivência. O jovem adulto era preparado para exercer sua virilidade
através da habilidade em matar e da disponibilidade para morrer, se assim fosse preciso. Nessa
época, embora já houvesse uma classificação dos diferentes períodos da vida (infância e
puerilidade, juventude e adolescência, velhice e senilidade), a adolescência ainda não era
claramente definida, sendo confundida com a infância (Áries, 1981).
De acordo com Áries (1981), é apenas no século XVIII que aparecem as primeiras
tentativas de definir claramente a adolescência. Portanto, não seria em todo o percurso da
civilização ocidental, mas apenas a partir da modernidade que poderíamos encontrar o que
caracterizamos hoje como adolescência. A partir dos estudos desse autor, passou-se a considerar
a adolescência como uma fase que só pode ser definida a partir de certas condições culturais, ou
seja, como um fenômeno ocidental moderno. Em nossa sociedade, ela seria o testemunho da
alteração, não apenas cultural, mas com ressonâncias subjetivas, que se produziu na passagem da
sociedade tradicional à moderna. Segundo Áries (1981), isto estaria relacionado:
(...) com a libertação da submissão aos deuses, o afrouxamento da hierarquia
medieval e a transição de uma experiência coletiva para o fortalecimento dos
espaços privados, onde a família deixa de ser apenas unidade produtiva e o
Estado passa a ter maior influência no espaço social. Com isto torna-se
necessário maior pertencimento dos indivíduos (à família, à igreja, à moral, ao
Estado, etc), bem como a proteção de crianças e jovens das supostas tentações
da vida. Emerge daí o conceito de família nuclear, heterossexual, monogâmica
e patriarcal, sendo que os papéis de mulheres e crianças foram sendo
redefinidos a partir do século XIX e da produção industrial (p. 112).
É nesse contexto que a adolescência passa a ser considerada um período crítico, associado
ao desaparecimento de fatores da sociedade tradicional que garantiam unidade e estabilidade e
facilitavam o trânsito da infância a adultez. É somente a partir dos novos movimentos instaurados
pela modernidade, com suas fraturas na hierarquia social, relações efêmeras e quase ausência de
15
ritos de passagem que aparece a necessidade de um período prolongado para preparar o jovem à
assunção dos papéis pertinentes à vida adulta. Surge, então, a adolescência como a conhecemos
em nossos dias, época de grandes transformações, descobertas, rupturas e aprendizados; mas
também fase que envolve riscos, medos, amadurecimentos e instabilidades.
Na sociedade contemporânea, não só há espaço, tempo e certa tolerância concedidos para
a vivência dessa fase, como também a mesma se cerca de admiração e se torna um modelo a ser
imitado por crianças e adultos. Autores que analisam a sociedade de massa atual, como Lasch
(1987) e Bauman (2001), descrevem os sujeitos contemporâneos por características que os
aproximam mais da condição adolescente do que das características tradicionalmente atribuídas
ao adulto. Este processo, que refletiria uma condição de “adolescentização da sociedade”, aponta
para uma mudança dos ideais centrados na figura do adulto “maduro”, consistente em seus
valores, claro em suas metas, para imagens que o aproximam do imaginário social em torno do
adolescente. Em um contexto em que o futuro se mostra ameaçador e incerto, e no qual se
desvaloriza o passado e a maioria de seus valores, temos uma retração sobre o presente que “não
pára de ser protegido, arranjado e reciclado numa juventude sem fim” (Oliveira, 2001, p. 80).
Na contemporaneidade as características mais valorizadas centram-se na liberdade de
escolha e, portanto, na impossibilidade de fixar-se a algo, o que poderia impossibilitar a mudança
frente ao surgimento de uma possibilidade mais atraente. Seguir sempre com a sensação de viver
em um mundo cheio de oportunidades, no qual pouco é predeterminado, e menos ainda
irrevogável, e as possibilidades são infinitas, implica que nenhuma deve permanecer como uma
realidade duradoura: “Melhor que permaneçam líquidas e fluídas e tenham data de validade,
caso contrário poderiam excluir as oportunidades remanescentes e abortar o embrião da
próxima aventura” (Bauman, 2001, p. 74).
Atentos a essa tendência, o mercado de consumo e a mídia se encarregaram de
transformar a adolescência em modelos de consumo, pois o adolescente é quem melhor
representa esta idéia de fluidez e de máxima potência de afetar e ser afetado. É assim que, por
vários motivos, o adolescente não é apenas o consumidor referencial, mas um agente catalisador
e propagador de estilos para muitos adultos e também para as crianças, proliferando assim uma
estética comum entre pais e filhos. Oliveira (2001), ressalta que essa identificação dos pais aos
filhos pode levar ao exacerbamento e perpetuamento da adolescência, na medida em que os pais
não são mais tomados como ideais, ao contrário, os adolescentes é que o são. Nesse processo, os
16
filhos, desejando satisfazer os adultos, podem tornar-se ainda mais adolescentes do que já são, ou
prolongar essa fase por muito tempo.
Espig (1998) põe em dúvida os efeitos e as conseqüências desse processo para o
desenvolvimento dos sujeitos. Ressalta a incerteza quanto às características preponderantes na
sociedade atual serem capazes de propiciar movimentos de integração dos sujeitos ou se, ao
contrário, tende a deixá-los imaturos, com maior suscetibilidade a futuras patologias.
2.2 A ADOLESCÊNCIA SOB AS LENTES DA PSICANÁLISE
No que concerne à compreensão da adolescência sob a perspectiva da Psicanálise, é
somente a partir do século XX que surgem os primeiros estudos específicos. Visando apreender a
evolução desses estudos e a influência das primeiras teorias nas visões atuais, procederemos a
seguir a uma revisão histórica dos autores e teorias mais influentes sobre a adolescência.
Em 1905, com a publicação de “Três Ensaios sobre a Sexualidade”, de Sigmund Freud,
inicia o estudo da Psicanálise sobre a adolescência. Nessa obra, Freud descreve a puberdade
como o tempo no qual as mudanças que ocorrem na vida sexual infantil encontram sua forma
final. Segundo o autor, os principais acontecimentos dessa fase ligar-se-iam à subordinação das
zonas erógenas para a primazia da zona genital; ao estabelecimento de novos objetos sexuais
(diferentes para meninos e meninas); e à busca de novos alvos sexuais, agora fora da família.
Nessa obra, Freud distingue, pela primeira vez, puberdade e adolescência. A puberdade
corresponderia ao domínio do orgânico, desencadeando a subordinação das zonas erógenas à
região genital e a eleição da penetração como o novo fim sexual. Já a adolescência responderia
pelas ressonâncias psíquicas dessas mudanças orgânicas, entre as quais se destacam as novas
escolhas objetais e a necessidade de desligamento dos laços contraídos com a família na infância.
Esse trabalho psíquico seria importante ao progresso civilizatório, pois possibilitaria ao sujeito
libertar-se da autoridade paterna e dirigir seu olhar para novas formas de autoridade, podendo
integrar-se à sociedade como um todo e nela ocupar um lugar.
Referindo-se ao impacto da publicação de “Três Ensaios sobre a Sexualidade” no rumo
dos estudos sobre a adolescência, Anna Freud (1995) ressalta seu efeito paradoxal, pois, apesar
17
de inaugurar um novo entendimento dessa fase, teria igualmente contribuído para obscurecer sua
importância teórica. Segundo a autora, isso se deu porque, ao enunciar a existência da
sexualidade infantil, a adolescência, que antes possuía o status de marco de início da vida sexual
humana, foi reduzida a um período de transformações finais e transição entre a sexualidade
infantil e a genitalidade.
Os primeiros escritos de Anna Freud sobre a adolescência datam de 1936. Nesses, aborda
a adolescência como o momento no qual ocorre um abandono da relativa estabilidade alcançada
durante o período de latência, onde o equilíbrio interno alcançado é resultado de longos conflitos
entre as forças do id e do ego e, nessa nova fase, deve ser abandonado para permitir a integração
da sexualidade adulta no sujeito. As chamadas sublevações adolescentes seriam indicações
externas de que tais ajustamentos internos estariam ocorrendo. Dessa forma, essa fase seria, por
definição, uma interrupção do crescimento pacífico da criança, semelhante a uma variedade de
perturbações emocionais, o que tornaria difícil estabelecer um diagnóstico diferencial entre os
transtornos da adolescência e as patologias psíquicas (Freud, 1995). De acordo com Anna Freud
(1995), o que determinará se o adolescente obterá ou não um desenvolvimento saudável
dependerá, por um lado, da qualidade e quantidade dos conteúdos do id que atacam o ego e, por
outro, dos mecanismos de defesa empregados.
Atualmente, considera-se o trabalho de Anna Freud importante por constituir-se em uma
das primeiras sistematizações dessa fase, no entanto, muitas de suas contribuições possuem
mérito apenas na medida em que serviram de ponto de partida para pesquisas ulteriores. Segundo
Enderle (1988):
O quadro apresentado mostra-nos este período como uma fase de grande
vulnerabilidade ao desequilíbrio emocional, ou como um estado limítrofe entre
o normal e o doente. A visão ortodoxa da adolescência e suas elaborações
iniciais mostra-se a um tempo unilateral e sombria. O aspecto unilateral da
teoria de Anna Freud deve-se ao determinismo biológico, desprezando quase
por completo as relações do jovem com seu meio. Se é certo que para
compreender o adolescente é preciso reencontrar a criança que ele foi, também
é certo que se deva levar em conta todas as características que circundaram
seu desenvolvimento infantil, inclusive e principalmente à ordem sócio-
18
econômica-cultural onde se operou o processo, já que esse meio pode favorecer
ou desfavorecer, auxiliar ou dificultar (p. 56).
Outro psicanalista considerado importante por suas contribuições ao estudo da
adolescência é Erikson, conhecido como o primeiro autor a acrescentar à Psicanálise um viés
culturalista. Suas contribuições mais conhecidas referem-se ao estudo dos processos identitários,
nas quais propôs oito fases ou “idades evolutivas”, compostas cada uma por determinadas “crises
normativas” as quais os sujeitos experimentariam desde o seu nascimento até a velhice. O
conceito de “Crise de Identidade” designaria o acontecimento e desafio central da adolescência,
no qual o sujeito teria como principal desafio estabelecer um senso de identidade estável, porém
dinâmico, capaz de lhe proporcionar um senso de direção frente às escolhas que tem de efetuar
antes de entrar na adultez.
Segundo Erikson (1976), o desenvolvimento da crise de identidade já se evidencia nos
últimos anos do período escolar, quando os jovens, assediados pela revolução de sua maturação
genital e pela incerteza dos papéis adultos à sua frente, se mostram muito preocupados com o
estabelecimento de sub-culturas e de referenciais identitários. Na busca por um lugar apropriado
aos olhos dos outros, e em comparação com o que eles próprios julgam apropriado, os
adolescentes confrontar-se-iam novamente com as crises de seus anos de infância, antes de
adquirirem um senso de continuidade e de uniformidade.
Esse autor cunhou ainda o termo “Moratória Social” para designar o tempo concedido pela
sociedade para a resolução das questões inerentes à adolescência, uma espécie de “limbo” para a
preparação do jovem para o sexo, o amor e o trabalho. Ruffino (1995), utilizando es se conceito,
aponta o cenário da sociedade moderna como o responsável pela necessidade da existência desse
tempo destinado a um segundo crescimento, retomando, assim, a questão da adolescência como
uma fase que adquire um status específico apenas no cenário complexo das sociedades ocidentais
modernas.
Ao reportar-se à atualidade, Calligaris (2000) assinala que, em nossa sociedade, parecem
existir mais possibilidades de o apelo corporal gerado pela puberdade e as demandas sociais
atingirem o adolescente sob a forma de não-simbolizado. Isso produziria um estranhamento ao
qual ele não tem como responder a não ser com o adolescimento, o que torna não só possível,
19
como necessário, o processo adolescente e, conseqüentemente, a existência da “Moratória
Social”.
Na perspectiva psicanalítica atual, Rassial se destaca em seus estudos sobre a adolescência
por apresentar uma visão da fase como uma operação de passagem. Segundo o autor, as
manifestações e necessidades da adolescência se relacionam ao período de indecisão subjetiva e
de incerteza social que a constitui, caracterizado como uma “posição no intervalo”, já que o
adolescente não pode ser identificado como criança, nem como adulto (Rassial, 1997, p.76). Por
outro lado, as instituições sociais demandam que ele se reconheça ora de uma forma, ora de outra,
convocando à busca por novos lugares e novas identificações, agora fora da família. Entre duas
leis - à criança cabe brincar/ao adulto cabe trabalhar - a adolescência seria o momento de uma
tentação nômade” que foge da lógica do sim ou do não, das distinções simples entre “menores”
e “maiores”, irresponsabilidades e responsabilidades (Rassial, 1997, p.14).
De acordo com Rassial (1997) uma das operações cruciais à adolescência seria o
reconhecimento do “novo corpo”, da “nova voz” pelo Outro, o que implica que:
(...) o adolescente deverá efetuar um trabalho de apropriação ou, antes, de
reapropriação da imagem do corpo, tal como ela foi construída na primeira
infância, por volta da época chamada de Estágio do Espelho (...) Com efeito, na
adolescência, o que garante essa imagem do corpo não são mais o olhar e a voz
dos pais, em particular da mãe, mas o que verão e dirão seus pares e,
sobretudo, os eventuais parceiros do outro sexo (p. 77).
Para o adolescente, o olhar do outro adquire valor fundamental, pois ele “lê” nesse olhar
sua nova imagem e, assim, tenta construir uma nova dimensão imaginária de si. Ocorre aí, além
do reajuste da imagem, uma mudança em seu valor. Na infância, esse valor era ditado pelos pais.
Agora, o adolescente busca no olhar de um outro jovem as referências para as funções de ser
semelhante, porém de outro sexo; de despertar o seu desejo, sendo então um objeto, e assim
garantindo a substituição dos pais como referentes últimos da palavra para poder ser amado
(Rassial, 1997).
De uma forma geral, encontramos em todos os autores citados a visão da adolescência
como uma fase de variadas e difíceis mudanças, as quais exigem esforços de elaboração psíquica
20
e novos posicionamentos frente às mudanças corporais, à reedição de conflitos infantis e às novas
exigências, tanto internas quanto externas. Por isso, conforme Rassial (1997, p.40), o adolescente
está sempre confrontado, senão a uma pane, ao menos a um risco de pane, porque ele deve de
novo, e precisamente no “a posteriori”, realizar uma série de ”operações fundadoras”. É como se
o sujeito se encontrasse frente a um hiato onde, por um lado, se encontra sua condição infantil e
identificações familiares e, por outro, novas possibilidades identificatórias disseminadas no
social, o que exige do sujeito uma operação de múltiplas faces.
Segundo Torrosian (2002), frente às mudanças que ocorrem na adolescência, as castrações
são reativadas, e surge uma forte necessidade de buscar meios para lidar com os conflitos daí
decorrentes. Acreditamos que nessa fase as influências familiares, sociais e culturais serão de
grande importância e exercerão uma forte pressão nas escolhas que o sujeito fará, em busca de
alívio frente às dificuldades que emergem nesse momento. Segundo Torossian (2002), se o
adolescente não conseguir simbolizar adequadamente os seus conflitos, o abuso de drogas
1
poderá surgir como um caminho para o alívio das tensões com as quais se depara.
2.3 O USO DE DROGAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS EFEITOS NA
ADOLESCÊNCIA
As substâncias que entram em nosso corpo, por qualquer via de absorção, podem ser
assimiladas e convertidas em matéria para novas células, embora possam também resistir a essa
assimilação imediata. Aquelas que são imediatamente assimiladas merecem o nome de alimentos,
pois graças a elas a vida orgânica se conserva. Entre as que não são assimiladas imediatamente,
há dois tipos básicos: o primeiro é composto por aquelas que são expulsas intactas de nosso
organismo; e o segundo tipo é formado por substâncias que provocam alguma reação intensa.
1
Nesse trabalho utilizaremos o termo “droga” para designar toda substância psicoativa que, introduzida em um
organismo vivo pode modificar uma ou mais de suas funções. As drogas encontram-se dividas em dois grandes
segmentos: as drogas lícitas, que são aquelas legalmente produzidas e comercializadas (álcool, tabaco, solventes,
inalantes, medicamentos), e as drogas ilícitas, que são substâncias cuja comercialização é proibida por provocar
altíssimo risco de causar dependência física e/ou psíquica (CEBRID, 2002). Utilizaremos a denominação “droga”
tanto para as substâncias psicoativas lícitas quanto ilícitas.
21
Nesse segundo grupo encontra-se o que se chama, em geral, de drogas, pois afetam o organismo
de forma notável, mesmo que tenham sido absorvidas quantidades mínimas (Escohotado, 1996).
Chame-se a essas substâncias de medicamentos ou drogas, são compostas por princípios
ativos em sua maioria derivados de plantas com características tóxicas que, em quantidades
relativamente pequenas, podem causar danos ao organismo ou até mesmo sua morte – o que
demonstra que a diferença entre um veneno, um medicamento e uma droga está somente na dose
administrada.
A influência que exerce a aceitação ou o rechaço sobre a forma de consumir determinada
droga pode ser tão decisiva como suas propriedades farmacológicas, pois essas são substâncias às
quais, cultural e historicamente, sempre foram acrescidas determinadas características e
qualidades (Escohotado, 1996). A alteração de consciência provocada pelo uso de substâncias
psicoativas ocupou diferentes funções na história da humanidade, de acordo a cultura e o efeito
desejado.
Nas mais antigas culturas do planeta, a dos caçadores e coletores, os sujeitos absorviam e
reafirmavam sua identidade cultural através de rituais nos quais o uso de substâncias psicoativas
ocupava lugar central. Schultess e Hofmann (2000), no livro “Plantas de los Dioses”, procedem a
um minucioso levantamento das substâncias utilizadas por sociedades tribais em diversas partes
do mundo, atestando um uso milenar que, apesar da aculturação de muitos desses povos, segue
vivo nos dias atuais. Segundo esses autores, a maior diferença entre o uso dos alucinógenos nas
sociedades ocidentais e o uso mágico-religioso das sociedades tribais consiste no fato de as
últimas considerarem essas substâncias como presentes dos deuses ou como os próprios deuses.
Dessa forma, as utilizam para louvá-los, entrar em contato com eles e, assim, manter vivas suas
tradições.
Escohotado (1996) traz vários exemplos para demonstrar como os valores de cada
sociedade influenciam as idéias que se formam sobre as drogas, assim como seus costumes de
uso. Por exemplo, no Peru pré-colombiano as folhas de coca eram um símbolo da nobreza Inca,
reservadas exclusivamente à corte. Já na Roma pré-imperial, o uso livre de vinho estava
reservado aos homens maiores de 30 anos, sendo permitido executar qualquer homem ou mulher
jovem que fosse visto perto de uma bodega. Na Rússia, beber café foi, durante meio século, um
crime castigado com tortura e mutilação das orelhas. Fumar tabaco foi condenado entre os
católicos sob a pena de excomunhão.
22
Pela diversidade de exemplos do uso de drogas em diferentes épocas e tradições
evidencia-se que o consumo regular dessas substâncias liga-se à história da humanidade, seja
para fins terapêuticos, recreativos ou rituais. Devido a isso, diversos autores concluem que o ser
humano jamais viveu apenas a dimensão real do cotidiano, e que todas as culturas desenvolveram
formas de transcendência, sempre regulamentadas socialmente, nas quais o uso de drogas tinha
um lugar definido e não representava risco para os indivíduos (Néri Filho, 1995; Escohotado,
1996; Schultes e Hofmann, 2000).
Apesar dessa longa tradição, é apenas a partir da segunda metade do século XX que tais
substâncias passam a relacionar-se, cada vez mais, com graves problemas de saúde pública, de
desordem e de violência social. Nesse sentido, torna-se importante indagar quais seriam os
motivos da inflexão cultural que desencadeou tantas mudanças na relação dos sujeitos com essas
substâncias, presentes desde os primórdios de sua história.
No Ocidente, foi a partir do século XIX que o consumo regular de álcool e outras drogas
iniciou um aumento progressivo. Birman (1993), demarca especificamente o início dos anos
1960 como o marco do inicio de um processo significativo de mudança nos hábitos do consumo
de drogas, na medida em que, impulsionadas pelo movimento da contracultura, essas passam a
ocupar uma posição estratégica, simbolizando uma forma privilegiada de acesso a um outro
mundo. Nesse contexto, os jovens consumidores, principalmente de alucinógenos, inscreviam as
experiências que lhes eram reveladas pelas drogas em inovadores códigos éticos e estéticos. Para
eles, o consumo regular dessas substâncias estava integrado a uma visão de mundo que
contestava os valores tradicionais e almejava a construção de novos horizontes culturais.
Concomitantemente a esses processos culturais, é também nesse momento que se inicia
uma mudança decisiva nesse campo, com a expansão mundial do consumo drogas contribuindo,
progressivamente, para a constituição do que são hoje os “impérios das drogas”. A partir de
então, assiste-se a um crescente processo de criminalização que, gradualmente, subverte o
sistema de valores até então vigentes. Segundo Birman (1993), a difusão social do consumo de
drogas foi um efeito direto desse processo de criminalização, o qual teve no narcotráfico seu
agenciador fundamental.
De acordo com Birman (1999), é importante destacar que existe algo inédito nesta
realização histórica, pois, se no início do processo o consumo de drogas se inscrevia nos quadros
da visão de mundo da contracultura, logo em seguida assumiu uma direção inesperada, passando
23
a perder as malhas simbólicas que o inscreviam no campo de uma visão de mundo, sendo então
substituído apenas pelo seu valor de uso.
Ainda segundo esse autor, faz-se necessário ressaltar, para uma compreensão mais
abrangente, que a difusão das drogas, além de motivada por interesses econômicos, teve por base
o vazio existencial produzido nos sujeitos modernos pela evaporação das visões de mundo
tradicionais. Na nova ordem social, inteiramente perpassada pela ciência, o desamparo do sujeito
tornou-se agudo e assumiu formas até então inexistentes. Nesta medida, não se pode desarticular
o sucesso do narcotráfico e a difusão maciça de psicotrópicos pela medicina, pois, em ambos, é o
evitamento de qualquer sofrimento que está em pauta. Exemplificando essa questão, Gullota
(1994, p. 36) destaca a cultura americana como promotora da idéia de que as drogas podem
proporcionar respostas simples para qualquer tipo de problema. Denomina esse modelo de "pain-
pill-pleasure", pois induz pessoas com um problema qualquer (dor de estômago, dores de cabeça,
estresse), a tomar uma pílula e encontrar alívio.
Segundo Conte (2001), em nossa sociedade, a droga, da mesma forma que os
psicotrópicos lícitos, é mais um produto incentivado pelo mercado de consumo. Carrega a
promessa de satisfação e de alívio para enfrentar a realidade objetiva das necessidades orgânicas
e dos conflitos subjetivos. Dessa forma, insere-se perfeitamente no movimento social da nossa
cultura, que fornece bens de consumo de todo o tipo, capazes de, supostamente, preencher os
vazios e evitar o sofrimento.
As crianças e os adolescentes podem ser considerados os maiores prejudicados em
potencial por esta associação entre consumo e promessas de felicidade, consumo e obtenção de
imagens idealizadas. Por estarem, especialmente os adolescentes, em um processo de busca por
identificações, posicionamentos e aceitação social, em um período no qual a influência do grupo
de amigos e da mídia é proeminente, a busca de “respostas” pela via do consumo de drogas pode
ser bastante apelativa.
Buscando evidenciar a complexidade da questão das drogas na atualidade, Birman (1999),
apresenta uma indagação de importância central: representariam as toxicomanias
2
uma questão
circunscrita ao que representam na atualidade em termos sociais e políticos, ou, haveria questões
2
Para a corrente psicanalítica de inspiração francesa, a dependência de drogas é chamada de toxicomania, termo que
utilizaremos para analisá-la à luz desta teoria.
24
específicas sobre a estrutura psíquica das subjetividades próprias ao campo de estudo
psicanalítico?
Por todas as questões aludidas acima, torna-se evidente que as drogas representam
atualmente um importante problema sócio-político, no qual as Ciências Humanas são convocadas
a instrumentalizar novas práticas para responder a esse desafio. Contudo, consideramos de igual
relevância o estudo das formas através das quais essas questões se atualizam na vida dos sujeitos,
levando-os ao abuso e dependência de drogas. Nesse campo, a Psicanálise vem se destacando
como uma forma de compreensão das vicissitudes dos encontros possíveis entre os sujeitos e as
drogas, em seus diferentes contextos. Para Birman (1999), trata-se de um campo onde as questões
sociais se atualizam em um espaço de indagação das práticas, o que torna fundamental que a
Psicanálise também possa fazer uma avaliação crítica de sua forma de escutar os usuários e
toxicômanos, assim como das formas de tratamento atualmente disponíveis.
O estudo e a teorização das toxicomanias é relativamente recente no campo da
investigação analítica. As dificuldades de verbalização e a permanente irrupção do agir no
funcionamento desses pacientes trouxeram questões que colocaram em xeque o modelo clássico
do processo analítico (Birman, 1999).
As primeiras contribuições psicodinâmicas sobre as toxicomanias foram feitas por Freud.
Elas são, contudo, reflexões ocasionais, formuladas no decurso de seus múltiplos estudos, não
chegando a constituir um corpo teórico completo sobre a questão.
De acordo com Kalina e Kovadloff (1976), Freud considerava, inicialmente, as
toxicomanias e o alcoolismo como sucedâneos da masturbação, a qual seria o “hábito primário”.
Mais tarde, em 1904, Freud afirma que, sob a influência do álcool, o homem adulto passa a se
comportar de forma infantil, tal qual uma criança que encontra prazer tendo a sua disposição,
livremente, o curso de seus pensamentos, sem se submeter à compulsão da lógica. Assim, o
alcoolismo manifestaria impulsos regressivos que permitiam crer que o álcool, sem deixar de ser
um sucedâneo, não era já, primariamente, substituto de necessidades masturbatórias adolescentes,
mas sim infantis. A partir daí, Freud passa a relacionar as diferentes formas de toxicomania com
a satisfação de necessidades infantis primárias, afirmando que as suas origens devem ser
procuradas na fase oral do desenvolvimento. Segundo Kalina e Kovadloff (1976), a grande
contribuição de Freud nesse campo, relaciona-se com a teoria da oralidade, sobre a qual salientou
25
aspectos fundamentais, tais como a intolerância à espera na satisfação do desejo, a importância da
fixação e da regressão, entre outras.
Em 1930, com a publicação de: “O Mal Estar na Civilização”, Freud aponta as
toxicomanias como uma das saídas utilizadas pela humanidade para proporcionar prazer e evitar
o desprazer causado pelas renúncias necessárias à vida em sociedade:
O serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no
afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que
tanto indivíduos quanto povos lhes concederam um lugar permanente na
economia de sua libido. Devemos a tais veículos não só a produção imediata de
prazer, mas também um grau altamente desejado de independência do mundo
externo, pois sabe-se que, com o auxílio desse ‘amortecedor de preocupações’,
é possível, em qualquer ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar
refúgio num mundo próprio, com melhores condições de sensibilidade. Sabe-se
igualmente que é exatamente essa propriedade dos intoxicantes que determina o
seu perigo e a sua capacidade de causar danos. São responsáveis, em certas
circunstâncias, pelo desperdício de uma grande quota de energia que poderia
ser empregada para o aperfeiçoamento do destino humano (p.13).
Posteriormente a Freud, outras teorizações foram surgindo, principalmente influenciadas
pela leitura de Lacan. Neste trabalho, utilizaremos as contribuições de Birman (1999) para
compreender a estrutura psíquica presente nas toxicomanias.
Segundo Birman (1999), é possível distinguir dois grupos de individualidades em termos
de seu funcionamento psíquico e de sua relação com o consumo de drogas: os usuários e os
toxicômanos. A dimensão compulsiva é o que diferenciaria um grupo do outro, pois os usuários
de drogas as usam para seu deleite ou em momentos de angústia, mas nunca as colocam como
centro de sua existência, podendo até desenvolver uma dependência psíquica, mas não física. Já
os toxicômanos são compelidos ao uso por questões físicas e psíquicas, desenvolvem
dependência, e conferem a essas substâncias uma importância central em suas vidas. Segundo a
leitura estrutural freudiana, os usuários de drogas não são necessariamente portadores de qualquer
patologia psíquica, podendo estar inseridos nas diferentes estruturas psíquicas: neurose, psicose
26
ou perversão. Contudo, os toxicômanos inscrevem-se na estrutura da perversão, onde a droga
funciona como “objeto fetiche” (Birman, 1999, p. 224).
A fetichização do gozo se daria pela incidência da droga no corpo do sujeito, onde agiria
como instrumento de promoção do gozo absoluto, evitando assim o confronto do sujeito com a
experiência da castração. Assim, segundo Birman (1999):
A realidade psíquica dos toxicômanos oscila entre a depressão severa e a
mania, entre o vazio quase absoluto da estesia narcísica e a expansão
triunfante, produzida pelos efeitos da droga. Isso porque a depressão presente
nos sujeitos marcados pela toxicomania indica a incidência da angústia de
aniquilamento e do masoquismo terrificante, diante da impossibilidade de
relativizar a angústia pelos impasses da simbolização (p. 202).
Na toxicomania, o sujeito se encontra capturado na oscilação sadomasoquista na qual,
mediante a ingestão da droga, instala-se na posição de objeto ideal que preenche a falta materna,
buscando se reproduzir no registro do eu ideal e da onipotência narcísica. A figura materna
funciona freqüentemente como fomentadora desse cenário fantasmático, investindo na
onipotência do sujeito pela proteção e sedução. Dessa forma, o filho ocupa a posição de
complemento fálico da mãe, delineando o fantasma da mãe fálica, na medida em que a sua figura
não é confrontada pela castração. Por outro lado, o sujeito situa-se também como rival da figura
paterna, que é então mortificada e silenciada em seu poder simbólico e, por isso, não consegue
impor limites incisivos na relação do sujeito com a figura materna, de maneira a permitir os
efeitos de castração e possibilitar a reorganização das relações libidinais. Pela renovação
contínua da ingestão da droga, a figura materna é tamponada e sua castração recusada, com
custos incalculáveis para o sujeito, física e psicologicamente.
Quando o sujeito que estabelece uma relação com as drogas é um adolescente, faz-se
necessário iniciar a compreensão do problema a partir de algumas diferenciações fundamentais,
distinguindo uso, abuso e toxicomania. Torna-se igualmente importante ter claro que a própria
distinção entre o que é problemático nessa fase já não é uma tarefa fácil, visto todas as questões
que perpassam a subjetividade adolescente, aludidas anteriormente.
Nesse contexto, consideramos que o tratamento do adolescente não deve ser centrado no
sintoma (a droga), mas, principalmente, na relação que esse jovem estabelece com essas
27
substâncias em sua vida. Segundo Muisener (1994), para alguns, será o uso de drogas, em si, que
se constituirá em um problema, enquanto para outros serão as conseqüências desse uso
(problemas comportamentais ou físicos, queda no desempenho escolar, etc.) que apontarão a
existência ou não de uma disfunção. Para a Psicanálise, conforme visto acima, não será o fato de
um adolescente usar drogas que o levará, necessariamente, ao desenvolvimento de uma
toxicomania, mas sim o lugar e a função ocupados por essas substâncias em sua subjetividade.
Torossian (2002) sublinha o risco inerente à prática de profissionais que lidam com
adolescentes usuários de drogas, especialmente no tocante à direção dos tratamentos aplicados.
Em sua prática profissional, constatou que muitos adolescentes que consumiam drogas, mas
seguiam freqüentando a escola ou o trabalho e não apresentavam maiores disfunções, eram
freqüentemente encaminhados a tratamentos ou internações onde precisavam definir-se como
"toxicômanos" ou "dependentes químicos”. Para a autora, frente às interrogações dos
adolescentes (a si mesmos e aos outros), no tocante ao status do uso de drogas em suas vidas,
seria um erro terapêutico encaminhá-los a tratamentos onde devem se denominar dependentes
químicos, pois isso reforçaria uma resposta de desvio e de identificação pela via da droga, ato
especialmente perigoso na adolescência.
Em suma, entre os diversos autores citados que tratam a questão do abuso de drogas na
adolescência, há em comum a visão de que o tratamento desses jovens é complexo e difícil e que
inexistem técnicas infalíveis. Essa área se caracteriza por maiores taxas de abandono, dadas as
resistências comuns ao tratamento, e por menor sucesso terapêutico – há relatos de que cerca de
60% recaem ao longo dos três primeiros meses após terem completado um programa de
tratamento (Kaminer e Szobot, 2004). O processo pode ser relativamente longo, alternando
períodos de melhora com a piora dos sintomas e um índice elevado de recaídas. Outra
característica é a falta de certezas sobre a efetividade dos diferentes tipos de tratamento e formas
de abordagem adequadas para as especificidades da fase.
Com base em nossa experiência de atendimento e pesquisa nesse campo, consideramos
que um caminho promissor para a abordagem terapêutica de adolescentes consiste,
primeiramente, no reconhecimento da complexidade envolvida no problema. Para tanto, faz-se
necessário levar em consideração desde as especificidades do abuso de drogas nessa fase,
passando pelo reconhecimento da singularidade do sujeito e de sua configuração familiar e
28
comunitária, até a questão da valorização social do consumo como fonte de reconhecimento,
prazer e fuga dos problemas cotidianos.
2.4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A ADOLESCÊNCIA NO BRASIL: A ATENÇÃO
AOS PROBLEMAS RELACIONADOS AO ABUSO DE DROGAS
Apesar de o uso de drogas estar presente desde os primórdios da humanidade, nas últimas
décadas, indicadores apontam que esse consumo tem tomado dimensões preocupantes, trazendo
sérios prejuízos à população, principalmente entre adolescentes e adultos jovens. Diversos danos
secundários ao consumo abusivo de drogas foram apontados por Bastos e Cotrim (1998), tais
como, acidentes de trânsito, overdoses, envenenamentos, doenças cardiorespiratórias e violência,
envolvendo brigas, homicídios, furtos e roubos, entre outros.
No V levantamento nacional sobre o uso de drogas entre estudantes do ensino
fundamental (a partir da quinta série) e ensino médio, realizado em 2004 pelo Centro Brasileiro
de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), onde foram entrevistados estudantes das
27 capitais brasileiras, houve a confirmação de uma tendência a um consumo cada vez mais
precoce e pesado de drogas lícitas e ilícitas entre os adolescentes. Esse levantamento apontou que
na região sul há defasagem escolar em 36,7% dos estudantes entrevistados, entre os quais os
usuários de drogas apresentam maior defasagem. As drogas lícitas são as mais utilizadas na
categoria “uso na vida
3
. O total estimado de estudantes que já fizeram uso de alguma substância
foi de 21,6%, predominando o “uso pesado” e “uso freqüente” entre o sexo masculino. Embora a
partir dos 16 anos exista uma maior incidência de “usuários na vida”, o uso na faixa de 10 a 12
anos foi expressivo (9,6%).
Em um outro levantamento, realizado pelo jornal Diário de São Paulo (junho de 2004)
4
em sete clínicas da capital paulista que tratam usuários de drogas, os resultados apontaram um
3
Entre os entrevistados do sexo masculino os solventes são as drogas mais utilizadas, seguidas pelo uso de crack e
energéticos; entre as entrevistadas de sexo feminino as substâncias mais utilizadas pertencem à categoria dos
anfetamínicos, seguidas pelos ansiolíticos, tabaco e álcool.
4
Disponível em: www.einstein.br/alcooledrogas .
29
aumento no número de internações de jovens nos últimos cinco anos, representando 50% dos
internos em alguns desses locais.
Consideramos que o uso abusivo de drogas em nossa sociedade adquire as dimensões
citadas devido, principalmente, à complexidade que envolve o seu consumo e venda na
atualidade. Dentre os fatores responsáveis pelo agravamento social dessa questão, destacam-se os
interesses econômicos envolvidos em sua produção e venda, os embates de cunho moral e
ideológico em torno do assunto, somados a pouca prioridade política dos governos, que se
manifesta na insuficiência de recursos financeiros necessários para garantir uma política de
educação, prevenção e tratamento, com profissionais capacitados de forma contínua e pagos
adequadamente (Crives, 2003 In Crives e Dimenstein, 2003). Além disso, as precárias condições
de trabalho e de materiais necessários para o tratamento e assistência às necessidades e problemas
dos usuários de drogas são uma realidade no país.
As políticas públicas (PP) predominantes em relação à questão das drogas em muitos
países, inclusive no Brasil, têm privilegiado o caráter coercitivo e punitivo, ou seja, uma postura
centrada na repressão à produção e ao consumo de substâncias ilícitas (Crives e Dimenstein,
2003), exemplificada na conhecida “Guerra às Drogas” nos Estados Unidos. Por outro lado,
cresce gradativamente uma tendência a adotar outra forma de abordagem nesse campo, baseada
nos princípios da Redução de Danos, a qual vem se consolidando como uma alternativa às
abordagens baseadas nos modelos moral/criminal ou de doença em relação ao uso e dependência
de drogas. O foco da Redução de Danos visa os efeitos e conseqüências do comportamento
aditivo, ao invés de priorizar o uso de drogas em si e a meta da abstinência. A "lógica" da
Redução de Danos não se baseia no ideal de um mundo livre de drogas, no momento em que
constata que o uso dessas substâncias acompanha a história da humanidade, ocupando um
determinado papel no âmbito econômico e social. Dessa forma, a idéia básica que orienta as
ações desse modelo baseia-se na compreensão de que ao invés de direcionar todos os esforços
para prevenir o uso de drogas, devemos buscar evitar o seu abuso, ou seja, o mau uso que pode
resultar em ameaças ao bem estar do sujeito e da sociedade (MacRae, 2003). Como veremos
adiante, as PP atuais do Ministério da Saúde alocam o paradigma de “Redução de Danos Sociais
e à Saúde” (Ministério da Saúde, 2004) como uma diretriz a ser implementada na rede nacional
de atenção. Contudo, constata-se que essa orientação é ainda incipiente e convive com uma
diversidade de paradigmas e abordagens terapêuticas.
30
De acordo com Crives e Dimenstein (2003), conjuntamente à perspectiva de mudança no
quadro das PP no Brasil, há alguns sinais positivos que se expressam na criação de novos
serviços de saúde. Esses serviços são representados principalmente pelos Centros de
Atendimento Psicossocial (CAPS), os quais constituem o início da concretização de um longo
processo de lutas sociais e políticas que tiveram como marco a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS).
Visando alcançar uma visão abrangente das PP atuais relativas ao objeto desse estudo, a
seguir buscaremos compreender a importância dos movimentos já mencionados para o quadro
atual dessas políticas. Nesse caminho, enfocaremos o contexto geral das PP para os adolescentes
e as influências do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na conformação atual dessas
políticas.
2.4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A ADOLESCÊNCIA
Analisar as PP para a adolescência no Brasil implica buscar uma compreensão do seu
papel em nossa sociedade, a fim de compreender de que forma, historicamente, os adolescentes
vêm sendo contemplados por essas políticas, quais foram as suas prioridades ao longo das
últimas décadas e quais as orientações predominantes atualmente.
A idéia de PP está ligada a um conjunto de ações articuladas com recursos próprios,
envolvendo uma dimensão de tempo (duração) e alguma capacidade de impacto (Sposito e
Carraro, 2003). Essas políticas não se reduzem à implantação de serviços, pois englobam
projetos de natureza ético-política e compreendem níveis diversos de relações entre o estado e a
sociedade civil na sua constituição. Situam-se, também, no campo de conflitos entre atores que
disputam na esfera pública orientações e recursos destinados a sua implantação. Para Sposito e
Carraro (2003), é preciso não confundir PP com políticas governamentais, pois órgãos
legislativos e judiciários também são responsáveis por desenhá-las. Um traço definidor
característico das PP é a presença do aparelho público-estatal em sua definição,
acompanhamento e avaliação, assegurando seu caráter público, mesmo que ocorram algumas
parcerias em sua implantação.
31
Historicamente, as PP para a infância e adolescência no Brasil foram criadas a partir da
necessidade de propor ações e criar instituições capazes de responder ao crescente processo de
marginalização dos jovens pobres, principalmente a partir da década de 1960, como medida de
prevenção social” (Vogel, 1995, p.304). Assim, até meados dos anos 1980, as políticas
planejadas para os jovens se pautavam, basicamente, na necessidade de criação de programas e
instituições para lidar com os problemas relacionados a crianças e adolescentes abandonados,
marginalizados ou oriundos de famílias em situação de extrema pobreza.
Segundo Faleiros (1995), analisar essas políticas implica considerar as relações sociais,
econômicas, ideológicas e políticas presentes na conjuntura histórica em que foram criadas. Para
o autor, a infância dos pobres sempre foi objeto da política, dentro de um complexo processo de
articulação entre Estado, sociedade e as diversas forças atuantes na área, com suas diferentes
visões do problema e estratégias de controle, proteção, legitimação ou repressão.
As propostas e encaminhamentos de política para a infância fazem parte da
forma como o Estado brasileiro foi se constituindo ao longo da história,
combinando autoritarismo, descaso ou omissão para com a população pobre
com clientelismo, populismo e um privilegiamento do privado pelo público, em
diferentes contextos de institucionalidade política e de regulação das relações
entre Estado e sociedade (Faleiros, 1995, p. 301).
Atualmente no Brasil convive-se com uma diversidade de orientações e concepções nos
projetos e programas destinados aos jovens. Para Sposito e Carraro (2003), isso se relaciona,
entre outros fatores, ao fato de as decisões envolvendo PP serem produto de conflitos em torno do
destino de recursos e bens públicos limitados, ocupando um espectro amplo de negociações e
formações de consensos. Dessa forma, convive-se com a simultaneidade de orientações tão
diversas como as dirigidas ao controle social do tempo juvenil, à formação de mão-de-obra e as
que aspiram ao protagonismo dos jovens como sujeitos de direitos, situando-os, ora como
problemas, ora como objeto de atenção e cuidados.
Na história do Brasil, as primeiras ações e programas específicos de atenção aos
adolescentes surgem apenas na década de 1980, através da criação do Programa de Saúde do
Adolescente (PROSAD). Seu foco era a prevenção de DST/AIDS, drogadição, acidentes de
trânsito e gravidez precoce. Já na década de 1990, o tema da criminalidade passa a se fazer
32
presente de forma permanente nos debate governamentais, com a disseminação de mortes
violentas envolvendo jovens e o crescimento das redes do narcotráfico, associados ao aumento do
consumo de drogas. Por essas razões, surge o Programa do Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência da República (PIAPS), sob o controle de um general do exército, visando “salvar”
a juventude das garras do crime, do tráfico e da violência. Ainda nessa década, com a
promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS), emergem novas ações na área da infância e adolescência e o ECA se estabelece
como um marco indutor de novas orientações nas PP destinadas a esse setor.
Ao final dos anos 1990, os indicadores do desemprego juvenil e a acentuação dos
processos de precarização social fomentam a necessidade de políticas de inclusão de jovens no
mercado de trabalho, propiciando o surgimento de diferentes propostas de capacitação. Segundo
Faleiros (1995), essas propostas articulam o econômico com o político e se inscrevem no
processo de valorização/desvalorização dos jovens como mão-de-obra, visando encaminhá-los
para o trabalho, caso sejam pobres. Segundo o autor, essa lógica está impregnada pela visão de
que aos pobres caberia trabalhar para sobreviver, com sua preparação escolar e profissional
dando-se apenas ao nível da subsistência, enquanto aos jovens mais favorecidos economicamente
cabe o projeto de direção da sociedade e vida intelectual. De acordo com Sposito e Carraro
(2003), os programas que assumiram o encargo da capacitação dos jovens para um mercado de
trabalho com poucas oportunidades tendem a fazê-lo sem propor um questionamento da realidade
econômica e social que afeta o país ou dos efeitos agudos da atual crise no mundo do trabalho.
De uma forma geral, evidencia-se que grande parte das ações direcionadas aos
adolescentes a partir da década de 1990 tem como finalidade principal a prevenção ou o
tratamento de algum tipo de risco ao qual estariam expostos, como se a adolescência, em si,
constituísse uma fase patológica portadora de potenciais riscos sociais. Encontramos no âmbito
da Saúde Pública ações que se articulam em torno dos diferentes riscos que são considerados
inerentes a essa fase, entre eles, o risco de engravidar, de contrair doenças sexualmente
transmissíveis ou de usar drogas. Para Traverso e Pinheiro (2002), esse direcionamento das PP
teria como conseqüência produzir uma identificação do adolescente com a tríade sexo, drogas e
violência, colaborando para a produção de respostas sociais discriminatórias.
Se reconhecermos que cada sociedade define o que vem a ser risco em um contexto e
momento histórico-cultural específicos, fazendo referência a aspectos objetivos, mas sempre
33
perpassado por aspectos subjetivos, faz-se necessário indagar de onde parte, na atualidade, a
concepção de adolescência como uma situação de risco. Conforme Lima e Paula (2004), os
jovens são considerados “grupo de risco” na medida em que a modernidade os concebe como
sujeitos desprovidos de autocontrole e ainda não totalmente socializados nas normas e regras
sociais, localizando neles potenciais perigos ao equilíbrio societal.
Essa visão de uma adolescência problemática e sem autocontrole vem sendo largamente
propagada na mídia, na qual encontramos com freqüência a culpabilização de adolescentes
envolvidos em atos de violência, sem as devidas críticas às condições sociais que evolvem
muitos desses jovens. Segundo Lima e Paula (2004), para uma melhor compreensão dessa
questão faz-se necessário problematizar as particularidades dessa associação no contexto
brasileiro, uma vez que a violência juvenil urbana faz parte do nosso processo histórico.
No Brasil, após a década de 1970, se assiste a uma estruturação do narcotráfico e a um
aumento significativo do consumo de psicotrópicos, com a entrada do país na rota internacional
do tráfico de drogas. Ao mesmo tempo, ocorre uma elevação significativa da participação de
adolescentes nos crimes considerados violentos, seja como autores ou como vítimas. Tal
situação, agravada pela proliferação do acesso a armas de fogo a partir de década de 1980,
agregou drogas e armas à associação já existente entre juventude e violência. A partir desses
acontecimentos históricos, não raro se passa a atribuir ao uso e comércio de drogas as causas da
violência da juventude, seja pelos efeitos que as drogas causam aos seus usuários ou pelas
relações sociais, no campo da ilegalidade, que as permeiam.
Apesar do evidente papel do uso de drogas (especialmente álcool, crack e cocaína) no
desencadeamento de atos violentos, cabe ressaltar, conforme afirmado por Lima e Paula (2004,
p. 93), que a simples equação “drogas ilícitas mais juventude igual a violência" mistifica e
obscurece a discussão, pois desconsidera outros fatores decisivos na produção da violência
urbana. Para esses autores, é necessário que se contextualize o problema da violência em um
cenário mais amplo, considerando-se que são múltiplos os processos sociais que podem interagir
para a produção desse fenômeno complexo.
Segundo Mager e Silvestre (2004), a violência social vigente, que impede uma grande
parcela de nossos jovens de terem acesso aos bens públicos (como escolas de boa qualidade,
oportunidades de habilitação profissional, empregos), seria mais responsável pela escalada atual
da violência que o consumo de drogas, visto como uma conseqüência, e não a causa do
34
problema. Para as autoras, é evidente que o acesso às drogas é mais um componente responsável
pelos níveis de violência a que estamos submetidos, mas a verdadeira causa da mesma reside na
inércia do Estado e na ausência de PP assentadas em fundamentos éticos e sociais, que
privilegiem os direitos fundamentais já estabelecidos pela sociedade brasileira.
Uma outra face dessa questão é apontada por Sposito e Carraro (2003), ao constatarem a
ausência de um direcionamento político estratégico para a prevenção e o tratamento desses
problemas sociais. Segundo os autores, durante a década de 1990, o governo brasileiro optou por
um conjunto diversificado de ações, muitas efetivadas na base do ensaio e erro, através de
projetos isolados e sem avaliação, demonstrando uma falta de concepções estratégicas que
permitissem delinear formas orgânicas e duradouras de ação institucional.
Contudo, é também a partir dos anos 1990 que uma mudança importante começa a
ocorrer nesse campo, com o poder municipal assumindo o papel de um interlocutor próximo aos
grupos organizados da sociedade civil. Através dessa intermediação, surgem organismos públicos
municipais destinados a articular ações e estabelecer parcerias com a sociedade civil, tendo em
vista a implantação de programas e ações para os jovens, alguns financiados pela esfera federal
(Sposito e Carraro, 2003). Para esses autores, é exatamente nesse plano que as PP no Brasil têm
apresentado maiores inovações e resultados, muitas vezes através da absorção da experiência
destas Ongs que já estabeleciam trabalhos importantes nas comunidades.
Por outro lado, consideramos importante salientar que o crescente espaço de atuação
ocupado por Ongs e outras organizações da sociedade civil trouxe não só efeitos positivos em
termos de inovações e de proximidade cultural com o seu público-alvo, mas também
interrogações quanto à efetividade de suas ações, dada a ausência de instrumentos eficazes de
avaliação. Muitas dessas organizações, que não têm convênios com o poder público, executam
ações por meio de parcerias com instituições financiadoras e organismos de fomento, nacionais e
internacionais, que podem implicar, para sua realização, em adequações das propostas aprovadas
às prioridades e concepções dos financiadores. Por essa razão, os projetos escolhidos podem não
ser os mais adequados ou os mais afinados às especificidades dos locais em que serão
implementados, podendo também estar pautado por concepções generalistas, que não dão conta
da complexidade presente nas situações-alvo.
Acreditamos que a análise efetuada das dificuldades inerentes ao campo geral das
políticas para a adolescência no país se assemelha àquelas encontradas na área específica das PP
35
responsáveis pela atenção aos problemas relacionados ao abuso de drogas. Ressalvadas algumas
especificidades, esse é um campo com inúmeras dificuldades no qual, até agora, não houve um
direcionamento político-estratégico que embasasse as diferentes ações e propostas terapêuticas.
De acordo com o Ministério da Saúde (2003), essa é uma área na qual há a necessidade urgente
de superar o atraso histórico da assunção de responsabilidade pelo SUS e de buscar subsídios
para a construção coletiva de seu enfrentamento.
2.4.2 AS POLITICAS DE SAÚDE NO BRASIL: DA HISTÓRIA À ATUALIDADE
Compreender a abordagem atual das PP nos problemas relacionados ao abuso de drogas
requer uma compreensão do panorama geral das instituições e práticas de saúde no Brasil, no
qual aquela se insere como o desdobramento de uma problemática mais abrangente que, além da
saúde, relaciona-se, em vários níveis de complexidade, com as áreas habitacionais, econômicas,
demográficas, etc. De acordo com Luz (1991), as políticas e instituições de saúde
desempenharam um papel histórico inegável para a constituição e estabilização da ordem sócio-
política-brasileira, ajudando a moldar traços estruturais fundamentais. Esse papel continuado das
políticas e instituições de saúde pode ser percebido e analisado ao longo dos períodos que
marcaram as principais conjunturas de nossa história.
Durante a Primeira República (1889-1930), foram criados os serviços e programas
pioneiros de saúde em nível nacional. Oswaldo Cruz era o diretor geral de saúde pública e foi o
responsável pela implementação das instituições públicas de higiene e saúde no Brasil. Adotou o
modelo das “campanhas sanitárias”, destinado a combater as epidemias urbanas e as endemias
rurais. Esse modelo, de inspiração americana, tornou-se um dos pilares das políticas de saúde no
país.
Em torno do Sanitarismo, estruturou-se o discurso dominante da política de saúde da
Primeira República, simultaneamente às políticas de urbanização e de habitação. Segundo Luz
(1991), esse modelo consolidou uma estrutura administrativa de saúde centralizadora,
tecnoburocrática e corporativista, ligada a um corpo médico em geral proveniente da oligarquia
36
agrária. Para essa autora, esses traços configuraram o perfil autoritário que ainda hoje caracteriza,
em grande parte, o conjunto de instituições de saúde no Brasil.
De acordo com Conte (2001), essa visão de saúde compreendia a doença de forma
preconceituosa, pois a erradicação do “mal” se dava com a erradicação do ‘doente’ do convívio
social. Para Nunes (1991) ela faz parte de uma tecnologia disciplinar que tem por objetivo gerir a
vida dos sujeitos, num projeto de normalização e controle do corpo social.
No período posterior a Primeira República, há a instalação do estado populista, no qual se
destaca a criação dos institutos de seguridade social ao longo dos anos 1930, por Getúlio Vargas.
Segundo Luz (1991), desde o início, a implantação dos serviços de auxílios e de assistência
médica esteve impregnada por práticas clientelistas, típicas do regime que caracterizou a “Era
Vargas”. Para a autora, a primeira metade desse século caracteriza-se pelo centralismo,
verticalidade e autoritarismo coorporativo na saúde pública e clientelismo, populismo e
paternalismo, nas instituições de previdência social, o que estaria até hoje presente na saúde
pública brasileira:
Estes traços, modelados durante cerca de 50 anos, ainda são característicos
das instituições e políticas de saúde brasileira se integram a própria ordem
política que se constituiu nesse período. É o próprio rosto de nossa estrutura
social que se desenha sobre essa dupla face, ao menos no que esse rosto tem de
mais atroz e recorrente em termos de poder (Luz, 1991, p. 80).
O modelo sanitarista-campanhista domina a primeira metade do século XX, declinando a
partir dos anos 1960 (Pustai, 1998). Nos anos 1950, ainda predominava largamente nos órgãos de
saúde do então Ministério de Educação e Saúde, contudo, chegara a um estágio burocrático e
rotineiro. Opunha-se ao modelo curativista dos serviços previdenciários de atenção médica,
também burocratizados e ineficazes face aos crescentes problemas de saúde pública. Segundo
Luz (1991), justaposição, repetição, incompetência e ineficiência, que marcavam os programas e
serviços de saúde dessa época, foram combatidas com mais programas, serviços e campanhas,
que acabaram redundando no aumento e na reprodução da dicotomia saúde pública versus
atenção médica individual.
A partir da década de 1960, o centro da economia do país já está fortemente estabelecido
no meio urbano-industrial. Surge uma grande massa de assalariados e, com eles, a necessidade de
37
atendimento médico previdenciário, ou a “Medicina da Força de Trabalho”. O modelo que
evoluiu frente a tais necessidades, em um Brasil ditatorial, tinha como principais características o
máximo de centralização político-administrativa, utilizando exclusivamente a racionalidade
técnica, com total exclusão da cidadania, e a compra de serviços do setor privado. Conhecido
como paradigma médico-assistencial-privatista foi hegemônico até o fim dos anos 1970, quando
entrou em profunda crise fiscal, juntamente com a crise do estado autoritário que,
progressivamente, perdeu sua legitimidade (Pustai, 1998).
A necessidade de mudança se acelera na década de 1980, embalada pelo aprofundamento
da crise econômica e a instalação definitiva do processo de redemocratização. Em 1980, o
governo realiza a 7ª Conferência Nacional de Saúde e, a partir dela, lança o PREV – Saúde
(Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde), o qual não é implantado, e o CONASP
(Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária), para dar conta da crise fiscal.
Em 1983 foram criadas as AIS (Ações Integradas de Saúde), numa primeira tentava de integrar as
PP de saúde, até então pulverizadas em muitas instituições. Apesar das dificuldades, esses planos
abriram alguns canais de participação social.
A partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) e com o processo de elaboração da
nova Constituição, no qual o movimento sanitário e o governo reencontram-se com os
movimentos sociais populares, inaugura-se uma nova fase de participação social nas PP de saúde.
Com a promulgação da nova Constituição, em 1988, e da Lei Orgânica de Saúde, em 1990,
compôs-se um arcabouço jurídico bastante avançado, contemplando todas as diretrizes do que
deveria ser a base legal do Sistema Único de Saúde (Pustai, 1998).
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido como um conjunto de ações e serviços de
saúde que têm por finalidade a promoção de maior qualidade de vida para toda a população
brasileira. Uma de suas grandes inovações é a noção de saúde como um direito de cidadania,
inédita na história das políticas brasileiras. Segundo Luz (1991), essa concepção é fruto dos
movimentos sociais de participação em saúde da segunda metade dos anos 1970 e início dos anos
1980. Para a autora, o lema “saúde, direito de todos e dever do estado”, implica em uma
definição de saúde percebida como efeito real de um conjunto de condições coletivas de
existência e expressão ativa do exercício dos direitos de cidadania.
Conforme a lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, são princípios do SUS (Medeiros;
Silva; Custódio, 2000, p.27):
38
- Universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;
- Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos no âmbito da saúde;
- Preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
moral;
- Igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie;
- Direito à informação, das pessoas assistidas sobre sua saúde;
- Divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua
utilização pelo usuário;
- Utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a
alocação de recursos e a orientação programática;
- Participação da comunidade;
- Descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera
do governo;
- Integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e
saneamento básico;
- Conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na geração de
serviços de assistência á saúde da população;
- Capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência e
- Organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para
fins idênticos.
39
2.4.3 A REFORMA PSIQUIÁTRICA E A IMPLANTAÇÃO DOS CAPS
Para uma correta contextualização dos direcionamentos das políticas de saúde mental
vigentes na atualidade, nas quais está incluída a atenção aos problemas relacionados ao abuso de
drogas, faz-se necessária uma compreensão do papel da Reforma Psiquiátrica Brasileira (ainda
em fase de implementação) nessas políticas.
As transformações na assistência psiquiátrica brasileira foram influenciadas, dentre outras
experiências, pelo movimento conhecido como Psiquiatria Democrática Italiana, do qual
Francisco Basaglia foi o precursor e principal representante. O objetivo principal deste
movimento era a desconstrução do paradigma psiquiátrico que legitimava a tutela, a exclusão e a
idéia de periculosidade do louco para reinventar o modelo de assistência. Tratava-se de um
projeto de desconstrução/invenção, um projeto de desmontagem de saberes e práticas sobre a
loucura – que a simplificavam e reduziam à noção de doença – e tinha na comunidade e nas
relações que ela estabelece com o louco a base para a transformação do dispositivo psiquiátrico.
À proposta de Basaglia seguiu-se o trabalho de outros autores e profissionais, no sentido
de esclarecer e reforçar a idéia de que a desinstitucionalização não se restringe nem pode ser
reduzida a desospitalização do louco: “Não é o doente mental que deve ser desinstitucionalizado,
mas é a própria loucura como instituição social que precisa ser transformada (Figueiredo e
Rodrigues, 2004, p.174). Seu significado é o do rompimento com um pensamento que visa
submeter o doente mental a processos de disciplinarização e exclusão.
No Brasil, o texto da Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, marco legal da Reforma
Psiquiátrica, ratificou de forma histórica os princípios do SUS. Garante a universalidade de
acesso e direito à assistência, bem como a sua integralidade; valoriza a descentralização do
modelo de atendimento, ao determinar a estruturação de serviços mais próximos do convívio
social de seus usuários, configurando redes assistenciais mais atentas às desigualdades existentes
(Ministério da Saúde, 2004).
O Rio Grande do Sul foi o estado pioneiro na instituição da Reforma Psiquiátrica, nove
anos antes da sua instituição a nível nacional, em 07 de agosto de 1992. A lei estadual nº 9.716
regulamentou a Reforma Psiquiátrica no Rio Grande do Sul, determinando a substituição
progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por uma rede de atenção integral em saúde
40
mental, estabelecendo regras de proteção aos que padecem de sofrimento psíquico, especialmente
quanto às internações psiquiátricas compulsórias, entre outras providências.
Do ponto de vista do modelo da assistência psiquiátrica, a reorganização dos serviços e
das ações em saúde mental fez surgir dois novos dispositivos de atenção representados pelos
Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os
CAPS se caracterizam pelo caráter de serviço de atenção diária, como alternativa ao hospital
psiquiátrico e têm como objetivo principal promover a reabilitação psicossocial de seus usuários.
Em cada unidade, trabalham equipes compostas por profissionais de diversas áreas de formação
(Figueiredo e Rodrigues, 2004).
O Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e outras
Drogas, via portaria GM/816 de 30 de abril de 2002, instituiu os CAPSad (álcool e drogas),
voltados ao desenvolvimento de atividades em saúde mental para pacientes com problemas
decorrentes do abuso de álcool e outras drogas. Esses dispositivos oferecem atendimento diário
nas modalidades intensiva, semi-intensiva e não-intensiva, permitindo o planejamento
terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua. Possibilitam ainda
intervenções precoces, limitando o estigma associado ao tratamento.
2.4.4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS PARA A ATENÇÃO AOS
PROBLEMAS RELACIONADOS AO USO DE DROGAS
Analisar as PP brasileiras de atenção aos problemas relacionados ao abuso de drogas é
uma tarefa complexa, pois se trata de um campo sempre em movimento, onde atuam forças
distintas, com orientações diversas. Na breve descrição das políticas que faremos a seguir, nos
concentraremos na Política de Atenção Integral do Ministério da Saúde e na Política Nacional
Antidrogas, as quais deveriam ser os parâmetros reguladores das políticas a nível estadual e
municipal.
A política do Ministério da Saúde de “Atenção Integral ao Usuário de Álcool e outras
Drogas” tem nas diretrizes do SUS seus eixos centrais, sob os quais trabalha as especificidades
de seu público-alvo. Assim, um dos pontos fundamentais dessa política refere-se à assunção do
41
compromisso presente nas diretrizes do SUS de fortalecer o trabalho em rede, proporcionando
uma atenção integral nos moldes da intersetorialidade, incitando outras instâncias à conexão em
torno da mesma problemática:
O uso de álcool e outras drogas, por tratar-se de um tema transversal a outras
áreas da saúde, da justiça, da educação, social e de desenvolvimento, requer
uma intensa capilaridade para a execução de uma política de atenção integral
ao consumidor de álcool e outras drogas. As articulações com a sociedade civil,
movimentos sindicais, associações e organizações comunitárias e
universidades, são fundamentais para a elaboração de planos estratégicos dos
estados e municípios, ampliando-se significativamente a cobertura das ações
dirigidas a populações de difícil acesso. Tais articulações constituem-se em
instrumentos fundamentais de defesa e promoção de direitos (advocacy) e de
controle social (Ministério da Saúde, 2004, p. 20).
Buscando viabilizar os princípios de integralidade e intersetorialidade, uma das estratégias
enfatizadas nas políticas atuais consiste em buscar a integração regional entre diferentes
secretarias, através de projetos intersetoriais que viabilizem uma rede de atenção.
A garantia de acesso aos serviços e à participação do consumidor no tratamento são
também princípios assumidos como direitos fundamentais. Assim, a política do Ministério da
Saúde enfatiza a importância do estabelecimento de vínculos e da construção da co-
responsabilidade pelo tratamento.
Segundo o Ministério da Saúde (2004), comprometer-se com a formulação, execução e
avaliação de uma política de atenção a usuários de drogas requer a ruptura com a lógica
binarizante que separa e detém o problema do abuso de drogas em fronteiras rigidamente
estabelecidas. De acordo com Traverso-Yepez e Pinheiro (2002), faz-se necessário romper com a
visão unidimensional que impera no campo da saúde pública, na qual o modelo é o médico e os
problemas são avaliados apenas por sua dimensão orgânica e biológica. Essa visão, aplicada ao
campo do tratamento da drogadição, produz como efeito principal a ênfase hospitalocêntrica nos
tratamentos, os quais reduzem-se a inúmeras internações para desintoxicação sem que seja dada a
devida importância à continuidade do tratamento pós-alta (Conte, 2001). Para a autora, ao invés
de o indivíduo ser apenas hospitalizado para desintoxicação e depois voltar ao seu cotidiano,
42
deveria seguir vinculado a um ambulatório ou posto de saúde e também a outros dispositivos da
rede municipal que lhe disponibilizassem o acesso a programas como geração de renda,
profissionalização, participação comunitária, etc, seguindo o objetivo de sua recuperação integral.
Embasada por uma visão unilateral do problema da drogadição, a perspectiva da
abstinência imperou por muito tempo, e ainda é bastante forte. No entanto, de acordo com o
Ministério da Saúde (2004), a abstinência não deveria ser o único objetivo de um tratamento:
Quando se trata de lidar com vidas humanas é necessário que se tenha em primeiro plano o
respeito às singularidades e diferentes possibilidades de escolha possíveis. As práticas de saúde,
em qualquer nível, devem levar em conta esta diversidade (p. 21).
Buscando alcançar essa meta, a política do Ministério da Saúde elege a abordagem da
Redução de Danos como método de trabalho, visando adequar o tratamento à singularidade dos
pacientes. Embora o conceito de Redução de Danos em muito ultrapasse qualquer ação específica
e seja antes uma “filosofia” ampla de trabalho e investigação, cabe observar que o programa
“prototípico” de Redução de Danos para prevenir o HIV e outras infecções sanguíneas é a troca
de seringas (usadas e potencialmente contaminadas por outras novas e estéreis) entre usuários de
drogas injetáveis (Erwig e Bastos, 2000). Nesta abordagem, cada usuário deve ser reconhecido
em sua singularidade para serem traçadas estratégias voltadas não para a abstinência, mas para a
defesa de sua vida. A Redução de Danos é um método de tratamento que não exclui outros, pois
está vinculado primordialmente ao direcionamento do tratamento.
Em suma, a política que o Ministério da Saúde propõe para o enfrentamento dos
problemas relacionados ao uso de drogas assume como principais os seguintes objetivos:
- Alocar a questão do uso de álcool e outras drogas como problema de saúde
pública;
- Indicar o paradigma da Redução de Danos nas ações de prevenção e de
tratamento, como um método clínico-político de ação territorial inserido na
perspectiva da clínica ampliada;
- Formular políticas que possam desconstruir o senso comum de que todo
usuário de droga é um doente que requer internação, prisão ou absolvição;
- Mobilizar a sociedade civil, oferecendo condições de exercer seu controle,
participar das práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, bem como
43
estabelecer parcerias locais para o fortalecimento das políticas municipais e
estaduais.
Outro órgão governamental responsável pelas diretrizes nacionais no que se refere à questão
do impacto das drogas na sociedade brasileira é a Secretaria Nacional Anti Drogas (SENAD).
Diferentemente do Ministério da Saúde, que se situa no plano das diretrizes preventivas e
terapêuticas no âmbito da saúde pública, a SENAD atua tanto na redução da oferta quanto na
redução da demanda de drogas no país. Suas missões específicas, atribuídas por lei, são:
coordenar, articular e integrar as atividades relacionadas à redução da demanda de drogas
(prevenção, tratamento, Redução de Danos e reinserção social); secretariar o Conselho Nacional
Antidrogas (CONAD) e gerenciar o Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD). A SENAD é o órgão
responsável pelo Sistema Nacional Antidrogas, que abrange todos os Conselhos estaduais e
municipais de entorpecentes. Seu órgão normativo central é o Conselho Nacional Antidrogas
(CONAD). Trabalha em articulação com a Polícia Federal, no âmbito da redução da oferta de
drogas
5
.
Em junho de 1998, com a criação da SENAD, foi estabelecida como prioridade do órgão o
desenvolvimento de uma Política Nacional Antidrogas. O governo brasileiro até então não tinha
objetivos claramente definidos nem diretrizes nacionais nesse sentido. No mesmo ano, ocorreu o
I Fórum Nacional Antidrogas, quando o governo convocou diferentes setores da sociedade para
discutir o assunto e, posteriormente, transformar essas discussões na Política Nacional
Antidrogas. Em dezembro de 2001, essa política foi homologada e é mantida até os dias de hoje.
A seguir, apontaremos suas principais diretrizes, principalmente no que concerne à questão
do tratamento dos problemas relacionados ao uso de drogas:
- Buscar, incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade livre
do uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas;
- Reconhecer as diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o
dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada;
5
Disponível em www.senad.gov.br
44
- Evitar a discriminação de indivíduos pelo fato de serem usuários ou
dependentes de drogas;
- Buscar a conscientização do usuário de drogas ilícitas acerca de seu papel
nocivo ao alimentar as atividades e organizações criminosas que têm, no
narcotráfico, sua principal fonte de recursos financeiros;
- Reconhecer o direito de toda pessoa com problemas decorrentes do uso
indevido de drogas de receber tratamento adequado;
- Incentivar, por intermédio do Conselho Nacional Antidrogas - CONAD, o
desenvolvimento de estratégias e ações integradas nos setores de educação,
saúde e segurança pública, com apoio de outros órgãos, visando a planejar e
executar medidas em todos os campos do problema relacionado com as drogas;
- Identificar o tratamento, a recuperação e a reinserção social como um processo
de diferentes etapas e estágios que necessitam ter continuidade de esforços
permanentemente disponibilizados para os usuários que desejam recuperar-se;
- Experimentar de forma pragmática e sem preconceitos novos meios de reduzir
danos, com fundamento em resultados científicos comprovados;
- Adaptar o esforço especial às características específicas dos públicos-alvos,
como crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua, gestantes e indígenas;
- Priorizar os métodos de tratamento e recuperação que apresentem melhor
relação custo-benefício, com prevalência para as intervenções em grupo, em
detrimento das abordagens individuais;
- Estimular o trabalho de Instituições Residenciais de Apoio Provisório, criadas
como etapa intermediária na recuperação, dedicadas a reinserção social e
ocupacional após período de intervenção terapêutica aguda, com o apoio da
sociedade;
- Reconhecer a importância da Justiça Terapêutica, canal de retorno do
dependente químico para o campo da redução da demanda.
45
2.4.5 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A QUESTÃO DO
TRATAMENTO PARA USUÁRIOS DE DROGAS
Dentre as PP que estabelecem ações voltadas à atenção de adolescentes, o Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA (lei federal 8.069/1990) é a diretriz fundamental, devendo ser
respeitado em qualquer projeto de atenção a esse público. O ECA constituiu uma aquisição legal
fundamental para a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes como pessoas em
desenvolvimento. Traz uma nova visão desses sujeitos, considerando-os em uma “condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento”, o que lhes garante prioridade absoluta na elaboração e
aplicação de políticas que assegurem a efetivação dos direitos referentes à vida, saúde,
alimentação, educação, esporte, lazer, etc. Institui o município como espaço privilegiado para a
construção da cidadania.
Entre suas principais realizações, o ECA revoga o antigo Código de Menores, de 1979, e
a lei de criação da FUNABEM. Diferentemente dessas orientações, adota a “Doutrina da
Proteção Integral”, reconhecendo a criança e o adolescente como cidadãos e garantindo a
efetivação de seus direitos. Para tanto, regulamenta as formas de articulação entre Estado e
sociedade na operacionalização das políticas para a infância e adolescência, descentralizando-as
através da criação dos Conselhos de Direitos, dos Conselhos Tutelares e do Fundo Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Faleiros, 1995).
Quanto às questões relacionadas especificamente ao tratamento dos problemas devido ao
consumo de substâncias psicoativas, é o artigo 101, das Medidas Específicas de Proteção
6
, que
estabelece o direito a receber atendimento. Esse artigo estabelece que toda criança ou adolescente
usuário de drogas deve “receber orientação, apoio e acompanhamento temporários; requisição
de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, ou
inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras
7
6
As Medidas de Proteção à criança e ao adolescente (artigo 98) são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos
nesta Lei forem ameaçados ou violados (ECA, 1994):
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III – em razão de sua conduta
7
Consideramos importante destacar que, atualmente, a denominação “alcoólatra” aos sujeitos dependentes de álcool
não é mais utilizada, devido ao fato de tais sujeitos não serem “adoradores do álcool”, como sugere o sufixo dessa
46
e toxicômanos” (ECA, p. 36). Essas mesmas medidas são aplicáveis aos pais ou responsáveis e
são atribuições do Conselho Tutelar. Cabe ressaltar que o artigo 81 desse estatuto proíbe a venda
de substâncias capazes de causar dependência a menores de 18 anos.
3. O PROBLEMA DE PESQUISA
O objeto desse estudo foi identificar e descrever as formas de abordagem de serviços
pertencentes à rede pública de saúde à questão da drogadição na adolescência, e como essa
abordagem é praticada no município de Porto Alegre.
Buscamos investigar e descrever como se processam as práticas terapêuticas direcionadas
a adolescentes com problemas relacionados ao abuso de drogas, atendidos em serviços ligados à
rede municipal de saúde. Para tanto, em um primeiro momento, procuramos compreender quais
são as concepções e diretrizes, presentes nas principais políticas públicas, que orientam e
prescrevem essas práticas de tratamento. Em um segundo momento, fomos “a campo” investigar
como essas concepções e diretrizes se apresentam no cotidiano dos serviços da rede municipal.
Nesse percurso, buscamos ouvir as “vozes” dos próprios adolescentes para saber como percebem
e sentem-se em relação ao tratamento que recebem (trajetória até chegar ao serviço, referência,
vínculo e benefícios) e também como os profissionais que trabalham nesses locais concebem o
tratamento de adolescentes.
palavra. O uso de tal expressão em uma legislação talvez aponte à uma falta de diálogo entre os setores responsáveis
pela produção de conhecimento da área e os setores que elaboram as leis.
47
4. MÉTODO
- DELINEAMENTO:
Empregamos uma metodologia qualitativa, de caráter descritivo, envolvendo dois níveis
de investigação, em duas etapas distintas.
Na primeira etapa, buscamos, através da Descrição de Cunho Etnográfico (Milnitsky-
Sapiro, 2005), descrever os diferentes contextos de três locais de tratamento vinculados à rede
municipal de atenção que recebem adolescentes para tratamento de drogadição. A adoção dessa
fase como primeira etapa da investigação possibilitou o conhecimento de cada instituição a partir
de seus registros históricos, marcas estruturais e documentais, possibilitando um distanciamento
do viés do pesquisador. Na Descrição Etnográfica, o pesquisador faz uso da triangulação entre o
material proveniente das notas de campo, material disponível para consulta (prontuários, estatutos
e tudo o mais que se mostrar relevante) e entrevistas (com profissionais e adolescentes) nos locais
de pesquisa. Consideramos que o emprego dessa abordagem, proposta por Milnitsky-Sapiro
(1996; 2005), permite ao pesquisador uma "imersão" no local de pesquisa, facilitando-lhe
compreender como se produzem as práticas institucionais, assim como as diferenças existentes
entre o que é preconizado e o que, de fato, ocorre nesses serviços. A coleta de dados em cada
local durou aproximadamente um mês
Na segunda etapa, analisamos os dados coletados através da utilização do método de
Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). Durante este procedimento, foram identificados temas
emergentes a partir do trabalho de campo e das entrevistas realizadas, os quais delinearam a
constituição de categorias e suas subseqüentes interpretações. Para tanto, contamos com a
participação de duas auxiliares de pesquisa.
48
- PARTICIPANTES
Foram pesquisados três serviços ligados à rede municipal de saúde que recebem
adolescentes para tratamento dos problemas relacionados ao abuso de drogas. Em cada um desses
locais, foram entrevistados dois profissionais ou colaboradores e três adolescentes.
- CRITÉRIOS DE SELEÇÃO
Disponibilidade em participar da pesquisa, voluntariedade, anonimato e assinatura de
Termo de Consentimento Esclarecido e Informado.
5. DESCRIÇÃO DOS CONTEXTOS DE PESQUISA
5.1 VIVENDO A ROTINA DE UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA
O local de tratamento escolhido para o início desse estudo é uma Comunidade
Terapêutica. Essa modalidade de tratamento desenvolve-se, fundamentalmente, fora das correntes
terapêuticas tradicionais. Seu método enfatiza o potencial terapêutico da convivência entre
pessoas que compartilham de uma mesma problemática, enfatizando os efeitos socializantes do
atendimento grupal.
Nessa forma de abordagem, o grupo exerce muita influência sobre os seus
membros, pois unem-se em torno de um objetivo comum (...). A estabilidade e a
funcionalidade desta união grupal depende em grande parte da existência de um
sistema de crenças, valores, ideologias ou filosofias de trabalho, compartilhada
49
por todos, das quais emanam as normas que regem as leis internas das
comunidades, assim como as atividades e os instrumentos terapêuticos (Governo
do Estado do Rio Grande do Sul, 2001, p. 17).
Os resultados alcançados na recuperação da dependência química em uma Comunidade
Terapêutica (CT) são de longo prazo. Isto se dá porque o tratamento da drogadição é visto como
o resultado de uma mudança pessoal global, principalmente no que se refere ao estilo de vida do
interno.
A idéia de utilizar a convivência em uma comunidade como método de terapia se repete
ao longo da história, atualizando-se em todas as formas de cura, ensino, apoio e orientação por
meio da convivência em grupo. Na atualidade, podemos discernir duas formas principais do
modelo de CT: as CTs psiquiátricas e os programas de tratamento residencial-comunitário de
dependentes de substâncias psicoativas.
A primeira forma de CT pertence ao campo da psiquiatria social e foi criada pelo
psiquiatra escocês Maxwell Jones, em 1952. Jones revolucionou a atenção psiquiátrica com uma
proposta de tratamento que diferia completamente dos hospitais psiquiátricos então existentes,
questionando a relação hierárquica entre médico e pacientes, introduzindo assembléias gerais
com a participação desses, nas quais todos possuíam o direito de perguntar e expor suas idéias.
Sua proposta visava democratizar a estrutura psiquiátrica, estimulando a comunicação entre os
seus diferentes membros, incluindo todos os envolvidos no processo terapêutico, e propondo que
os pacientes participassem da condução das atividades diárias (Governo do Estado do Rio Grande
do Sul, 2001).
A segunda modalidade de CT, destinada ao tratamento da drogadição, desenvolveu-se
a partir da experiência pioneira de uma comunidade norte-americana denominada Synamon (De
Leon, 2003). Synamon foi fundada em 1958, quando um grupo de alcoolistas em recuperação,
dentre os quais destaca-se Chuck Dederich, decidiram viver juntos para, além de seguir em
abstinência, buscar um estilo alternativo de vida. Essa CT atuou por quinze anos e tornou-se uma
referência no tratamento da drogadição. A aplicação dos conceitos de ajuda às pessoas em
dificuldade, feita pelos próprios pares, foi a base das relações vividas em Synamon, onde cada
pessoa se interessa e se sente responsável pelas outras. Esse tipo de alternativa terapêutica se
50
consolidou e deu origem a outras CTS, as quais, conservando os conceitos básicos, aperfeiçoaram
o modelo inicial proposto em Synanon (Fracasso, 2001).
Com a multiplicação de CTs na América de Norte, essa abordagem terapêutica expandiu-
se para outros países e, atualmente, sob a denominação de CT, encontra-se uma gama ampla de
instituições, em vários países, sob modelos e conceitos diversificados. Estima-se que mais de
20% dos dependentes em tratamento estão em CTs (Governo do Estado do Rio Grande do Sul,
2001).
Tomamos conhecimento da CT pesquisada através de indicações do Conselho Estadual
de Entorpecentes (CONEM) e da Associação de Amor Exigente
8
de Porto Alegre (APAEX).
Elegemos essa modalidade de tratamento pela sua importância na rede de atenção a drogadição
e, especificamente esta instituição, pelo fato de dedicar-se predominantemente ao atendimento
de adolescentes, e por ter se mostrado receptiva a nossa proposta de pesquisa.
A autorização para a coleta de dados foi obtida através de contatos telefônicos com a
coordenadora da comunidade, a qual, depois de uma reunião na qual foram explicitados o
funcionamento da instituição, sua filosofia de trabalho e o cronograma de atividades, consentiu a
realização da pesquisa. Ficou acertada a presença da pesquisadora em dias e turnos alternados, a
fim de garantir sua participação em diferentes atividades do cronograma. Essa presença deveria
ser precedida de uma ligação telefônica no dia anterior à sua ida na CT.
Para que fosse possível apreender o contexto de um local tão distinto, fez-se necessária
uma “imersão” nessa realidade, a fim de possibilitar uma melhor aproximação com a filosofia,
rotina, relações e práticas da instituição. Temos claro o viés do pesquisador na forma como
percebe e apreende o local de pesquisa, o que inevitavelmente far-se-á presente nessa descrição.
Contudo, acreditamos ser justamente esse contato e as trocas efetuadas durante esse processo que
possibilitaram uma visão mais completa do contexto estudado.
A CT pesquisada qualifica-se como “urbana”, por localizar-se em um bairro periférico da
cidade de Porto Alegre, não seguindo o molde tradicional de fazenda terapêutica. Outra
característica é o fato de atender somente o público feminino
9
. Conforme seu estatuto, funciona
8
Amor Exigente é a denominação recebida no Brasil para um movimento que iniciou nos anos 1970 nos EUA
(Thouglove). Baseia-se em uma proposta comportamental, destinada a pais, orientadores e educadores, que visa
prevenir e solucionar problemas com alunos, filhos e familiares.
9
As Cts femininas são uma minoria, se comparadas ao grande número de locais destinados ao tratamento de pessoas
do sexo masculino (o Rio Grande do Sul conta com oito CTs femininas).
51
em regime de internato para jovens de 12 a 18 anos e em casos excepcionais até 21 anos, embora
no momento da pesquisa metade das residentes tivesse mais de 21 anos, e algumas na faixa dos
30 anos. Em conversa informal com a coordenadora, a mesma alegou que isso se deve ao fato de,
muitas vezes, sobrarem vagas na instituição e haver pessoas maiores de 21 anos necessitando de
internação.
Essa CT foi fundada em 1995 pela cúria metropolitana e atualmente é coordenada por
religiosas de uma congregação proveniente de outro estado (embora siga pertencendo à cúria). As
freiras que trabalham nesse local são deslocadas de seu estado sob a indicação de sua Madre
Superiora, e geralmente possuem experiência anterior de trabalho em outras CTs ou abrigos. A
instituição constitui-se legalmente como uma entidade da sociedade civil sem fins lucrativos.
No ano de 1999, a CT mudou de sede para o local atual, onde ocupa as antigas
instalações de uma escola. A sede atual possui acomodações para até 18 residentes e cinco
monitoras/estagiárias, além das três freiras que administram a comunidade; e divide-se em duas
unidades. A estrutura física da instituição envolve um pequeno anexo (uma casa de alvenaria)
onde residem as freiras e estagiárias
10
; na mesma casa localiza-se a secretaria, uma sala de visitas,
uma sala de música, banheiro e cozinha. Esta casa tem em seu entorno um grande pátio, com
varal e estacionamento na parte anterior e, na parte posterior, o pátio configura-se como um átrio
que conduz às instalações (prédio estreito de madeira - aos moldes de um internato ou escola) que
abrigam as residentes. Na parte posterior da casa há, de um lado, refeitório e cozinha contígua,
quatro quartos para até cinco jovens (com camas e armários individuais) e dois banheiros
coletivos; ao fundo, no quintal, há um galinheiro e uma pequena horta; do lado oposto um outro
prédio com as mesmas características, mas finalidades diferentes: sala de reuniões, sala de tv.,
banheiro social e capela. Neste átrio há um jardim com bancos, árvores e várias espécies de
plantas ornamentais. Ao lado da instituição há uma igreja que tem como anexo um ginásio
esportivo, utilizado pela CT para atividades esportivas ou comemorações. A estrutura física
descrita encontra-se em acordo com as exigências mínimas para o funcionamento de CTs,
10
São consideradas estagiárias as jovens que completaram o tratamento (nessa ou, por vezes, em outra CT) e que
voltam a residir na comunidade, agora, ocupando um lugar diferente na instituição, pois passam a residir na casa das
freiras (onde as residentes não podem entrar) ou em um quarto específico. Assumem a função de coordenar o
trabalho das residentes.
52
conforme Resolução nº 101 da ANVISA
11
, principal instrumento regulamentador das atividades
nesse setor.
As residentes permanecem em tratamento pelo período mínimo de nove meses, o qual
pode ser prorrogado por até um ano. A sua permanência deve ser custeada pela família através de
contribuições mensais
12
e da manutenção de utensílios de higiene pessoal e pertences de uso
individual. O tratamento de algumas residentes que não podem contribuir pode, eventualmente,
ser custeado pelo órgão público responsável pelo encaminhamento, tais como um Conselho
Tutelar ou o Ministério Público.
No que concerne aos objetivos e métodos empregados na instituição, através da consulta
aos documentos disponibilizados pela equipe percebemos que aqueles sofreram alterações ao
longo dos dez anos de existência da CT, assim como a constituição de sua equipe e coordenação
(que mudou durante a coleta de dados)
13
. Tais mudanças consistiram, entre outras, na supressão
informal do limite de idade para ingresso, a qual anteriormente era de 21 anos; na redução do
tempo de duração do programa de um ano para nove meses, e tamm em várias modificações
nas atividades oferecidas às residentes. Em nossa opinião, essas modificações podem ser
atribuídas à necessidade de adequação do programa terapêutico à demanda, às mudanças na
equipe de voluntários e também à modificações impostas pela congregação nos últimos anos.
Além disso, outro fator que vem provocando, gradativamente, mudanças na CT diz respeito aos
esforços institucionais para adaptação à Resolução nº 101 da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) em parceria com a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas
(FEBRACT), a qual regulamenta o funcionamento das CTs no país, estabelecendo regras
mínimas para seu funcionamento. Cabe ressaltar que a CT pesquisada não estava credenciada
nessa entidade.
No estatuto da instituição seus objetivos são: “a prevenção, recuperação e
ressocialização de pessoas do sexo feminino, dependentes de tóxicos e álcool, de qualquer
natureza, e o apoio aos seus respectivos familiares. Para o alcance desses objetivos, a CT segue
uma metodologia de trabalho cujos “pilares” são: “(...) laborterapia, apoio psicológico e
11
Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
12
Existem diferentes categorias de contribuições mensais, de acordo com a renda da família, as quais dividem-
se entre: contribuição de dois salários mínimos; um salário mínimo mais uma cesta básica; um salário mínimo e
um benefício ou benefício e cesta básica.
13
Uma característica dessa congregação é a rotatividade das freiras, que são encaminhadas para outra instituição
(“missão” ou “obra”) a cada três ou quatro anos.
53
desenvolvimento da espiritualidade, sob inspiração dos princípios cristãos e do Magistério da
Igreja Católica Apostólica Romana”. Nos relatórios de atividades dos quatro últimos anos
(2001, 2002, 2003 e 2004) a metodologia de trabalho é explicitada como se apoiando na
disciplina, desenvolvimento da espiritualidade, trabalho com grupos de auto-ajuda, laborterapia,
psicoterapia, princípios do Amor-Exigente, Doze Passos dos Alcoólicos Anônimos (A.A.) e
terapia de apoio.
Uma análise da metodologia da instituição à luz das principais políticas que
regulamentam o setor evidencia que, de uma forma geral, a mesma está adequada à maioria dos
preceitos básicos de funcionamento de uma CT,
14
, apesar de apresentar uma lacuna importante
no que concerne à exigência da presença fixa de um profissional da área da saúde ou assistência
social, com especialização em dependência química. Cabe ressaltar, que a instituição conta com a
presença de diversos voluntários, entre os quais um médico psiquiatra e de uma médica
ginecologista, os quais, contudo, estão presentes apenas de forma esporádica.
Um ponto importante que demarca o diferencial da modalidade de tratamento aqui
enfocada, é a importância central conferida à convivência comunitária. De acordo com a
Resolução nº 101: “o principal instrumento terapêutico de uma CT é a convivência entre os
pares que compartilham de uma mesma problemática (item 2), enfatizando os efeitos
socializantes e terapêuticos da convivência grupal. Durante o período de observação das rotinas
da CT, percebeu-se a importância desse dispositivo para a recuperação das residentes, as quais
estão, na maior parte do tempo, executando atividades em grupo. Em nossa observação,
destacava-se a alternância de momentos marcados pela integração, harmonia e apoio mútuo entre
as residentes, assim como as inúmeras ocasiões de conflitos, brigas e intrigas, marcando as
dificuldades e o sentido de desafio proporcionado pelo convívio em grupo. Nesse contexto, a
atuação das freiras é de fundamental importância para administrar os conflitos emergentes, os
quais, muitas vezes, são utilizados para trabalhar atitudes identificadas como individualistas e
prejudiciais na visão das freiras. Nossa observação tornou clara a forma pela qual essa forma de
abordagem proporciona uma vivência socializadora e educativa, na qual, a cada momento os
participantes se deparam com suas dificuldades comportamentais e grupais.
14
Conforme a Resolução nº 101 da ANVISA e FEBRACT e a portaria 16/01 da Secretaria de Saúde do Rio Grande
do Sul, a qual regulamenta os serviços de atenção à drogadição, entre outras providências.
54
Além da convivência comunitária, outro ponto fundamental na metodologia de trabalho
da CT relaciona-se ao programa terapêutico estar estruturado “(...) a partir da prática de
cuidados cotidianos, que contemplem experiências de reorganização do tempo e do espaço,
respeitando as demandas singulares de cada sujeito” (Guia Comentado para a Implantação da
Portaria 16/01, 2001, p.18). No local pesquisado, a atividade que ocupa grande parte do tempo
das residentes é a “laborterapia”, compreendida como a prática cotidiana de atividades de
limpeza, manutenção e organização dos espaços comuns da casa e do pátio. Essa atividade segue
uma escala semanal supervisionada na qual cada interna é responsável por determinada tarefa.
Além da escala semanal, toda residente é responvel pela organização de seu quarto e armário (o
qual é periodicamente vistoriado) e pela limpeza e cuidados com suas roupas e pertences
individuais.
Diferentemente do estabelecido pela portaria 16/01, na CT estudada a escala semanal não
é adequada às demandas singulares das residentes, mas fixa e obrigatória. A residente que não
cumpri-la estará sujeita às “medidas educativas”, as quais são compostas pela obrigatoriedade de
execução de alguma atividade-extra, ou pela perda do direito a comparecer a oficinas ou
atividades executadas pelos voluntários.
Além da laborterapia, a portaria 16/01 estabelece como parte do programa de uma CT a
visita periódica das residentes a espaços culturais da cidade, assim como a prática de atividades
profissionalizantes. Diferentemente disso, no local estudado as residentes só saem em casos
excepcionais, ou a partir do sexto mês de tratamento, quando têm direito à “visita terapêutica
15
uma semana por mês. Nesse período, devem continuar seguindo a ética do programa, evitando
atitudes e comportamentos considerados inadequados ou “pecaminosos. No que se refere à
profissionalização, a CT oferece aulas de computação, oficinas de violão, crochê e bordado
ministradas por voluntários. Tais atividades podem constituir-se em meios para a geração de
renda, contudo, enquadram-se melhor no âmbito de atividades lúdico-terapêuticas
16
. Há também
máquinas de costura, mas não há voluntários para ensinar as residentes a utilizá-las.
Além das atividades descritas, o programa da CT contempla ainda a realização semanal
de grupos de auto-ajuda: “Grupo de Doze Passos”, “Grupo de Amor Exigente” e “Grupo de
15
A partir do sexto mês de tratamento toda residente deve retornar à sua casa e permanecer uma semana junto aos
seus familiares. Essa atividade visa preparar, gradualmente, seu retorno definitivo à família.
16
Na resolução nº 101 da ANVISA as atividades lúdico-terapêuticas também devem ser parte integrante do
programa de uma CT.
55
Sentimentos”. O primeiro ocorre duas vezes por semana, durante duas horas, e é coordenado por
um voluntário. Sua metodologia baseia-se no estudo e reflexão sobre os Doze Passos e as Doze
Tradições dos A.A., cujo propósito primordial é a manutenção da abstinência, através da ajuda
mútua. Segundo esta filosofia, não existe cura para a drogadição: uma vez que a pessoa tenha
perdido a possibilidade de controlar o uso da bebida ou de outras drogas, nunca mais será
possível usá-las. Nessa perspectiva, há apenas duas possibilidades: ou se está em recaída, ou se
está abstêmio – mas segue-se como um “dependente químico em recuperação” (Martins, 1979).
O “Grupo de Amor-Exigente”, também se estrutura como um grupo de auto-ajuda; seu foco de
atenção é o relacionamento entre familiares e companheiros. Nos “Doze Passos de Amor-
Exigente” os sujeitos são encorajados a agir frente aos problemas familiares, ao invés de apenas
reclamar; são desencorajados a usar violência ou agressividade; levados a construir a cooperação
familiar e comunitária, entre outras orientações. O “Grupo de Amor-Exigente” ocorre uma vez
por semana e é coordenado por uma freira. O “Grupo de Sentimento” também é um grupo de
auto-ajuda. Ocorre no início da noite de sexta-feira e visa estimular o compartilhamento e a
reflexão acerca dos sentimentos que advieram às internas no transcorrer da semana. Em geral,
esse encontro é marcado por grande emotividade, pois as residentes são estimuladas a refletirem
sobre suas atitudes, dar e receber feedbacks e expressar como sentem seu processo de
recuperação.
O ingresso na CT se dá sob a condição fundamental de a candidata querer,
voluntariamente, participar do programa e aceitar, sem restrições, a participação em suas
atividades e o regulamento da instituição. Esse regulamento constitui, basicamente, uma série de
prescrições comportamentais que incluem: responsabilidade com a organização de seus
pertences, comprometimento com a filosofia da instituição e com a assunção de um
comportamento que colabore para um ambiente “livre de violência e sexualidade”, entre outras
prescrições.
No que concerne aos direitos da internas, no regulamento encontram-se as normas para a
visita de familiares, envio de correspondências, saídas da comunidade, evasões, expulsões e o
direito de desistir do programa em qualquer etapa do mesmo, desde que respeitado o prazo de
48h após a comunicação da desistência à equipe.
56
5.2 O ADOLESCENTE “DOENTE” NO HOSPITAL: O TRATAMENTO DA
DROGADIÇÃO EM UMA UNIDADE ESPECIALIZADA
O segundo local escolhido para a aplicação dessa pesquisa é uma unidade especializada
no tratamento da drogadição, pertencente a um grupo hospitalar de Porto Alegre. Esse hospital
geral existe há mais de 60; é uma instituição privada que possui convênio com o Sistema Único
de Saúde. A unidade pesquisada foi inaugurada há aproximadamente 10 anos e é uma referência
na área. Localiza-se nas dependências do hospital, embora em um prédio anexo.
Escolhemos esse local por tratar-se de uma modalidade de tratamento da drogadição que
ocupa um lugar central na rede de atenção, a qual abrange um número considerável de hospitais
gerais que atendem, entre outras especialidades, pessoas com problemas relativos ao abuso ou
dependência de drogas. A autorização para a pesquisa foi obtida através de contatos com a
psiquiatra coordenadora da unidade, a qual, avaliou o projeto de pesquisa e autorizou a coleta de
dados, sublinhando que a instituição geralmente autoriza os projetos que chegam ao local, pois
incentiva a pesquisa entre sua equipe. Antes do início da coleta de dados, a pesquisadora foi
convocada a participar da reunião de equipe para apresentar o projeto e explicar sua inserção na
unidade. A partir de então, nossa inserção se deu de forma livre, com acesso a qualquer dia e
turno a todas as unidades e atividades coletivas.
Essa unidade abrange dois setores distintos e interligados: o ambulatório e a internação. O
ambulatório destina-se à atenção de adultos e adolescentes que buscam atendimento individual ou
em grupo em dias previamente agendados. O tratamento no ambulatório não tem um tempo de
duração definido, pois o usuário segue freqüentando os grupos pelo tempo que lhe convier, desde
que respeite a regra de não faltar mais de quatro vezes seguidas sem justificativa. A internação
recebe pacientes que necessitam de tratamento intensivo, em regime fechado, devido a um maior
comprometimento físico e/ou psíquico. O tempo de internação é determinado pelo médico
responsável, e de acordo com o convênio, variando de 10 a 30 dias. O encaminhamento para
qualquer uma dessas modalidades é feito via “central de consultas” ou “central de leitos”, para
pacientes do SUS, ou diretamente no hospital, para pacientes particulares ou de convênios
privados. Excetuando a “central de leitos”, que já encaminha o paciente triado para a internação,
nos outros casos o sujeito passa pelo processo de triagem, realizada por um dos psicólogos da
57
equipe fixa, ou por estagiários de Psicologia, no caso de pacientes do SUS. Esse procedimento
consiste na aplicação de uma entrevista semi-estruturada, a qual objetiva avaliar o padrão de uso
de drogas, a presença de comorbidades, o estado atual (físico e psíquico) do paciente, entre outros
aspectos, a fim de decidir se é um caso para internação ou para atendimento ambulatorial.
Tanto na internação quanto no ambulatório são recebidos adultos e adolescentes de
ambos os sexos, maiores de 15 anos. No momento da realização da pesquisa, havia um número
bem superior de adultos em tratamento na internação. A capacidade de atendimento mensal do
ambulatório é de, em média, seiscentos e cinqüenta pacientes em grupos e noventa atendimentos
individuais. Com relação à internação, sua capacidade máxima é de vinte e cinco pacientes na
unidade destinada ao SUS, e vinte pacientes na privativa.
A equipe da unidade é composta por doze técnicos de enfermagem diurnos (não nos foi
passado o número de técnicos que trabalham à noite), dois psiquiatras, dois psicólogos, um
assistente social, uma enfermeira-chefe e duas recepcionistas. Além da equipe fixa, há ainda 10
estagiários de Psicologia, responsáveis pela coordenação da maioria dos grupos e atividades para
pacientes do SUS; estagiários de Nutrição, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (presentes na
unidade uma vez por semana) e psicólogos que fazem prática de atendimento, vinculados ao
Curso de Aperfeiçoamento em Dependência Química” oferecido pela unidade
17
.
A estrutura física da unidade divide-se em cinco setores. A “porta de entrada” é a
recepção, composta por uma sala de espera e uma sala fechada onde ficam as recepcionistas e a
sala da equipe da Psicologia. Contíguo à recepção, está o ambulatório, composto por sala de
reunião, seis salas para atendimento individual, dois banheiros e sala de espera. Ao fim do
corredor do ambulatório há uma porta fechada que divide esse da ala de internação do SUS. Na
parte térrea dessa ala, há um posto de enfermagem, uma sala para atendimento médico e a
enfermaria masculina, com quatro quartos para quatro pacientes cada; e a enfermaria feminina
17
Esse é um projeto que iniciou em 2004 e visa ampliar o atendimento ambulatorial privado através da
vinculação de ex-estagiários e outros alunos do curso à equipe. Em uma conversa informal com um profissional da
unidade, foi explicitado que a equipe busca implementar uma proposta de “hospital-escola”, incentivando o ensino e
o atendimento junto a estagiários e ex-estagiários que se identificam com a proposta do local e desejam seguir
trabalhando como profissionais na unidade.
58
com um quarto para até quatro pacientes. No sub-solo do prédio há mais uma enfermaria
masculina, composta por quatro quartos para pacientes do SUS com capacidade para até 18
internos e um posto de enfermagem. Em um andar inferior ao sub-solo há uma sala de recreação
e reuniões, um pátio interno e uma cancha esportiva. O primeiro andar do prédio destina-se às
alas de internação privadas, as quais tem capacidade para até 26 internos, alocados em quartos
individuais com banheiro privativo. Em cada um dessas alas há um posto de enfermagem e uma
sala de recreação. O prédio conta também com uma biblioteca.
O tratamento da drogadição
18
nessa unidade se dá através da vinculação do paciente a
uma das duas modalidades de atenção: o ambulatório ou a internação. A seguir, descreveremos as
abordagens presentes em cada uma dessas modalidades, segundo seu modo de funcionamento,
técnicas envolvidas e regras.
O setor de ambulatório oferece as seguintes modalidades de atendimento: psicoterapia
individual, prescrição de medicamentos, realização de exames laboratoriais para a detecção de
uso de substâncias psicoativas e atendimentos em grupo. Os atendimentos em grupo subdividem-
se entre quatro grupos distintos, diferenciados por seus objetivos e critérios de ingresso. São eles:
- “Grupo de Contrato”, destinado a informar os pacientes que estão iniciando o
tratamento sobre o funcionamento e concepções do serviço acerca da drogadição;
- “Grupo de Início”: objetiva auxiliar os pacientes que estão em tratamento a “manter-se
em abstinência
19
, orientá-los e promover a troca de experiências “como forma de mantê-los
motivados e evitar a recaída”. Não é permitido permanecer no grupo quem tenha utilizado álcool
ou outras drogas nas últimas 24 horas;
- “Grupo de Egressos: visa acompanhar pacientes que estão a algum tempo em
tratamento no local. Enfatiza a manutenção da abstinência. Não são aceitos no grupo pacientes
que estejam utilizando substâncias psicoativas;
- “Grupo de Orientação à Família”: visa “amparar e informar” familiares de pessoas em
atendimento no ambulatório.
Como se pode apreender da descrição dos grupos, o objetivo que orienta o tratamento na
unidade é o alcance da abstinência e sua manutenção. Assim, a grande maioria dos encontros visa
18
Cabe ressaltar que na unidade pesquisada utiliza-se o termo “Dependência Química”, o que denota um viés
específico na compreensão do tema, ligado a uma visão que prioriza a análise dos fatores biológicos presentes na
interação de um indivíduo com uma determinada substância psicoativa.
19
As expressões entre aspas são citações literais extraídas de boletim informativo sobre as modalidades de
atendimento em grupo da unidade.
59
promover a troca entre os integrantes, e desses com o coordenador, de estratégias para prevenir
recaídas e, assim, motivá-los a seguir ou alcançar a abstinência. A coordenação dos grupos de
pacientes do SUS é feita por estagiários de Psicologia, os quais costumam intervir pouco, em
geral, esclarecendo algum assunto relacionado ao manejo da abstinência ou situações de risco
para recaídas, ou ainda incentivando o depoimento dos integrantes. Nesses encontros, um fator
que nos chamou a atenção durante as observações foi a pouca habilidade demonstrada pela
maioria dos estagiários para conduzir os grupos. De acordo com o relato informal de um
estagiário, eles se sentem sobrecarregados e “muito soltos”, sem um acompanhamento
sistemático do andamento dos grupos por parte dos supervisores locais.
A outra modalidade de atendimento do ambulatório, o atendimento psicoterápico
individual, é conduzido por estagiários, no caso de pacientes do SUS, ou por psicólogos
vinculados ao “Curso de Aperfeiçoamento em Dependência Química” quando os pacientes são
particulares. Os profissionais da equipe fixa fazem poucos atendimentos, ligando-se mais às
atividades de coordenação e supervisão dos estagiários, à exceção do assistente social e das
enfermeiras, os quais trabalham diretamente com os pacientes.
Todas as modalidades de atendimento da unidade (individuais ou grupais) têm por base a
abordagem cognitivo-comportamental. Essa abordagem une elementos das teorias cognitivas e
comportamentais, sendo, atualmente, a linha mais utilizada e para o tratamento da drogadição.
Nessa concepção, é o ambiente que molda o sujeito através da seqüência "estímulo-resposta", de
forma que o comportamento nada mais é do que o resultado da aprendizagem. Os problemas e os
sintomas decorrem, portanto, de uma aprendizagem inadequada, e a solução está na reeducação
sistemática do indivíduo, a qual lhe permite (re)construir esquemas comportamentais mais
funcionais A Teoria do Aprendizado Social de Bandura é a base teórica dessa intervenção, sendo
o uso ou abuso de álcool e outras drogas considerados um comportamento aprendido,
desencadeado e mantido por eventos e emoções específicos e, portanto, possível de ser
modificado (Marques e Cruz, 2000). A família é considerada parte dessa disfunção e deve ser
abordada.
O tratamento nas alas de internação diferencia-se do ambulatório, basicamente, pelo
caráter intensivo da atenção, na qual o sujeito é afastado de seu convívio social e de suas
atividades rotineiras e passa a viver a rotina da unidade, a qual é pautada por regras e um
cronograma fixo de atividades diárias. Na primeira semana de internação, o paciente não
60
participa das atividades, pois deve passar por um período imediato de desintoxicação
20
. Nesse
primeiro momento, deve fazer exames clínicos e iniciar um tratamento medicamentoso. Cabe
ressaltar que todos os pacientes internados, no momento da pesquisa, tomavam ao menos um tipo
de psicofármaco.
Após a primeira semana, o paciente inicia sua participação nas rotinas da unidade, sendo-
lhe obrigatória a presença em todas as atividades do cronograma, a menos que obtenha liberação
por escrito. O atraso para os grupos, ou saídas antes do seu término, são considerados falta.
Todos os sujeitos recém chegados na unidade são informados de suas regras através da
participação no “Grupo de Regras
21
. Essas regras são prescrições comportamentais que visam
controlar o comportamento dos pacientes, de forma a evitar seu acesso ao uso de álcool e outras
drogas ou comportamentos considerados inadequados. Todos os internos são responsáveis pela
arrumação de seus quartos e pertences individuais. O programa da unidade discrimina entre
infrações leves e graves às regras; as infrações graves, tais como, usar drogas, incentivar o seu
uso, namorar ou praticar sexo nas dependências do hospital, resultam em alta hospitalar imediata.
Ainda no que diz respeito às regras da internação, quando estávamos na última semana de
coleta de dados iniciava-se a regulação do consumo de tabaco nas dependências da unidade. Esse
consumo, que antes era proibido apenas durante os atendimentos, mas liberado em todos os
outros momentos, sem controle de quantidade ou posse, agora deveria passar a um uso controlado
de 14 cigarros por dia. O consumo em horário não autorizado seria considerado infração grave.
Essa nova regra produziu, num primeiro momento, um clima de insatisfação entre os pacientes,
no entanto, alguns diziam encará-la como uma oportunidade para controlar o consumo do que
referiam ser também um tipo de droga. Ao final da primeira semana, a maioria dos pacientes
parecia resignada com a regra e o novo procedimento transcorreu sem maiores problemas.
O programa terapêutico da unidade, distribuído nas rotinas diárias, abrange três pontos
principais: a ocupação dos pacientes com atividades físicas e recreativas, os atendimentos grupais
e a atenção à família do paciente.
20
.Os métodos de desintoxicação variam de acordo com a droga usada, porém, o princípio básico é substituir a droga
ilícita anteriormente utilizada por uma outra que tenha os mesmos efeitos, mas que possa ser reduzida de forma
controlada; ou dar uma droga que alivie os sintomas da abstinência. Disponível em:
http://www.npcc.com.br/drogas.htm
. Acesso em 06/12/2005.
21
O “Grupo de Regras” acontece toda segunda-feira de manhã e objetiva orientar os pacientes novos a respeito das
regras da unidade, assim como dirimir dúvidas dos demais pacientes. Esses encontros são coordenados pelo
assistente social, que conduz a leitura e comentários a respeito do tema.
61
As atividades físicas acontecem duas vezes por semana (uma hora e quinze minutos, cada
sessão), sob a orientação de um profissional de Educação Física Afora esses momentos, não há
outros espaços para os pacientes exercitarem-se, o que é uma reclamação comum entre eles. Para
o lazer e recreação, há salas para uso comum equipadas com alguns jogos e televisão. A cada
quinze dias há uma atividade denominada Cine-fórum, na qual são passados filmes para debate
entre os participantes.
Os atendimentos grupais para os pacientes internos dividem-se em oito tipos diferentes de
grupos, realizados de segunda e sexta-feira, em horários fixos, ocupando grande parte do
cronograma de atividades. A maioria desses encontros é realizada por estagiários de Terapia
Ocupacional, Nutrição, Fisioterapia
22
, os quais realizam encontros visando abordar aspectos
relacionados às áreas de abrangência de seus respectivos cursos; e estagiários de Psicologia.
Esses realizam atividades embasadas na abordagem cognitivo-comportamental, objetivando
fornecer suporte emocional e motivacional aos pacientes, transmitir informações sobre a
dinâmica e aspectos da drogadição e orientações comportamentais sobre como prevenir e lidar
com recaídas. Esses grupos dividem-se entre:
- “Grupo de Regras”: realizado uma vez por semana, objetiva orientar os novos pacientes
sobre das regras da unidade, assim como dirimir dúvidas dos demais participantes.
- “Grupo de Sentimentos”: objetiva oportunizar aos pacientes a expressão de seus
sentimentos, a reflexão sobre suas trajetórias e as dificuldades de manter-se em abstinência após
o término do tratamento, a troca de experiências, assim como motivá-los a seguir em tratamento.
Ocorre todo o dia, exceto finais de semana.
- “Automonitoramento”: grupo no qual o coordenador utiliza diferentes recursos para
fornecer subsídios e provocar reflexões a respeito das diferentes estratégias que devem ser
utilizadas para a manutenção da abstinência após a alta do hospital. O referencial teórico
comumente utilizado nesse grupo é o da Prevenção à Recaída
23
(Marllat e Gordon, 1993). Esse
grupo ocorre duas vezes por semana.
22
O hospital mantém convênio com uma faculdade particular que possui uma clínica em suas dependência e destina
estagiários para essas atividades
23
A Prevenção à Recaída é uma abordagem teórica e prática oriunda da perspectiva cognitivo-comportamental.
Compreende os comportamentos adictos como hábitos hiperaprendidos que podem ser analisados e modificados.
Seu objetivo é ensinar o indivíduo a mudar seu estilo de vida, adquirindo novos hábitos e comportamentos mais
saudáveis (Marlatt e Gordon, 1993).
62
- “Micro-aula”: aborda temas específicos sobre dependência química e aspectos
relacionados. Esses encontros ocorrem uma vez por semana.
- “Grupo de alta”: encontro realizado uma vez por semana. Visa avaliar o tratamento dos
pacientes que estão saindo da internação na semana corrente, proporcionando um espaço para
exporem sua opinião acerca do tratamento recebido e das experiências vivenciadas na unidade,
assim como orientá-los a seguir em abstinência e permanecer em tratamento.
Durante as observações realizadas nos grupos descritos, pode-se constatar que, em geral,
a maioria dos pacientes permanece calada grande parte do tempo, limitando-se a escutar o
depoimento dos poucos colegas que falam, os quais tendem a ser sempre os mesmos, geralmente
pessoas mais velhas ou que já passaram por outras internações, nesse ou em outros locais.
Geralmente os participantes mais jovens falam pouco, alguns parecendo distantes ou
demonstrando descaso com o grupo, o que se evidencia em atitudes, tais como, chegar atrasado,
dormir durante o encontro ou escutar walk-man na sala. Em alguns encontros ocorriam
discussões ou hostilidade entre os participantes.
Além dos encontros grupais aludidos, há ainda a realização semanal (aos sábados) de um
grupo de Narcóticos Anônimos (NA)
24
, coordenado por pessoas externas ao hospital. A
participação nesse grupo é opcional, mas incentivada pela equipe.
O último ponto aludido como integrante do programa terapêutico da unidade, a atenção
aos familiares, ocorre através da sua participação em dois grupos específicos: o “Grupo de
Orientação à Família” e a “Terapia de Família”. O primeiro visa, basicamente, fornecer
informações. A “Terapia de Família” objetiva trabalhar as relações familiares que supostamente
se relacionem com o uso de drogas em um, ou mais, de seus membros. A atenção à família faz
parte do programa terapêutico devido ao fato de a abordagem cognitivo-comportamental
considerar a convivência familiar e seus conflitos, bem como as influências ambientais a que
todos os integrantes da família estão submetidos, como fatores correlacionados ao uso de drogas
entre seus membros (Leite, 2005).
24
Narcóticos Anônimos é uma variante do modelo original de Alcoólicos Anônimos, cuja ênfase, ao invés da bebida,
é posta sobre o abuso e dependência de drogas ilícitas. Segue o mesmo modelo de Doze Passos do AA, adaptando-os
à realidade da drogadição.
63
5.3 A ATENÇÃO INTEGRAL AO ADOLESCENTE EM UM AMBULATÓRIO
MUNICIPAL
O terceiro serviço escolhido para a aplicação desse estudo é um ambulatório
especializado no atendimento de adolescentes, integrante da rede especializada de saúde mental
da prefeitura de Porto Alegre. Esse serviço está localizado em uma Unidade Básica de Saúde
(UBS)
25
, ocupando metade de um dos andares do prédio que abriga a UBS.
Escolhemos esse local devido à importância da modalidade de atendimento ambulatorial
no tratamento da drogadição, principalmente em casos que requerem uma atenção não-intensiva e
de longo prazo, tais como, egressos de internações ou adolescentes que não se enquadram nos
critérios para internação. Além disso, consideramos importante estudar esse local devido ao fato
de ter ser um serviço dedicado exclusivamente ao atendimento de adolescentes.
A autorização para a coleta de dados deu-se através do contato com a coordenadora do
ambulatório, a qual só pôde liberar o acesso da pesquisadora ao serviço após o projeto ser
aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde. Após essa etapa, que durou
aproximadamente dois meses, houve uma reunião para explicações sobre o funcionamento do
serviço e agendamento de horários que possibilitassem a observação de diferentes momentos da
rotina. Entre esses, foi de fundamental importância para os objetivos dessa pesquisa a observação
dos grupos terapêuticos locais, do “Grupo de Acolhida” (no qual pode-se estar presente em dois
encontros), da reunião de equipe e a participação em uma visita à Bienal de Artes do Mercosul
com adolescentes integrantes de um dos grupos para menores de 14 anos.
Esse serviço surgiu no início dos anos 1990, situado nas dependências de um hospital
privado, onde funcionava por meio de um convênio com uma Ong. Em 1997 foi municipalizado e
transferido para outros dois locais, entre os quais, à sua sede atual. Atualmente, pertence à
Secretaria Municipal da Saúde e, embora se encontre nas dependências de uma UBS, não
pertence à sua equipe de saúde mental, constituindo-se como um serviço à parte.
O serviço oferece atendimento a adolescentes de 12 a 21 anos incompletos. Os
encaminhamentos são feitos por serviços pertencentes à rede de atenção à criança e ao
25
Dentro dos preceitos do SUS, as Unidades Básicas de Saúde, distribuídas geograficamente no município, devem
ser a “porta de entrada” do sistema de saúde, facilitando o atendimento de moradores de uma determinada região da
cidade (Oikawa, 1999).
64
adolescente, tais como, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), Abrigos
Residenciais (ARs), Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE), Programa de Execução
de Medidas Sócio-Educativas (PEMSE), Conselhos Tutelares, Juizado da Infância e
Adolescência
26
, Departamento Estadual da Criança e Adolescente (DECA), ou por pessoas que
procuram diretamente o serviço. Sua especialidade são os casos de violência doméstica, abuso
sexual, violência urbana e abuso de drogas.
A equipe do ambulatório é composta por quatro psicólogas, uma terapeuta ocupacional,
um médico clínico, uma psicopedagoga, uma auxiliar de enfermagem e três recepcionistas. Além
dos integrantes da equipe fixa, há sempre o aporte de estagiários de Psicologia, estagiários de um
centro de formação em terapia de família e alunos da residência integrada em Saúde Coletiva da
Escola de Saúde Pública do estado.
A estrutura física do ambulatório contempla: uma recepção, dividida entre uma sala de
espera e a sala da recepção; uma sala para atendimento de grupos e reuniões de equipe; cinco
salas para atendimento individual; uma cozinha; um almoxarifado; dois banheiros (um para a
equipe e outro para os usuários) e uma sala para terapia de família, localizada fora da área do
ambulatório.
As modalidades de atendimento disponíveis aos adolescentes dividem-se entre:
acolhimento, atendimentos individuais (psicológico, médico e terapêutico ocupacional),
atendimentos em grupo e acompanhamento de projetos de reintegração social:
- Acolhimento: é a “porta de entrada” do ambulatório, pois todo adolescente que acessa o
serviço deve passar inicialmente por esse atendimento. Existem duas formas de acolhimento: em
grupo (utilizada na maioria dos casos) e individual (apenas para casos que envolvam violência ou
exploração sexual, ou algum tipo de ato infracional mais grave, visando preservar o jovem da
exposição em grupo). Essa forma de atendimento surgiu em substituição ao processo de triagem
utilizado anteriormente, o qual consistia em uma entrevista com roteiro pré-estabelecido visando
o levantamento de dados do adolescente. A substituição da triagem pelo “Grupo de
26
Uma parte considerável dos jovens em atendimento no ambulatório são encaminhados sob a lógica da denominada
“Justiça Terapêutica, ou seja, estão cumprindo medida sócio-educativa em liberdade, como prestação de serviços
comunitários, acompanhamentos sistemáticos em audiências com juízes ou técnicos de referência, e são
encaminhados compulsoriamente ao serviço para tratamento de drogadição, na sua grande maioria, sem
apresentarem nenhuma demanda para discutirem essas questões (Buttes, 2004).
65
Acolhimento
27
surgiu por iniciativa de duas técnicas, as quais buscaram ampliar o conhecimento
e a escuta dos adolescentes ao disponibilizar-lhes um espaço que facilitasse o estabelecimento de
trocas entre os recém-chegados e a equipe. O acolhimento consiste em dois encontros grupais,
nos quais os adolescentes se apresentam, falam dos motivos de sua ida ao serviço, conhecem as
modalidades de atendimento disponíveis e, ao final do segundo encontro, devem optar pela(s)
forma(s) de atendimento que lhes parecer mais adequada (em alguns casos poderá ser negociado
com o adolescente a escolha por outra modalidade, caso seja necessário). Os encaminhamentos
são posteriormente discutidos com a equipe, e o adolescente encaminhado às vagas disponíveis
28
.
As modalidades de atendimento disponíveis no ambulatório são:
- Atendimento médico: atendimento com o médico-clínico da equipe para avaliar o estado
geral de saúde do adolescente. Todos são encaminhados a esse atendimento após passar pelo
acolhimento.
- Atendimentos grupais: existem quatro modalidades de grupos terapêuticos, divididos
entre: “Grupos Terapêuticos para Adolescentes de 14 a 20 anos” (um dos quais é focado nos
casos que envolvam violência doméstica); “Grupos Terapêuticos para menores de 14 anos”;
Grupo de Egressos”, voltado ao atendimento de adolescentes que já estiveram em tratamento no
ambulatório e retornaram e “Terapia de Família”, coordenada por psicólogas estagiárias oriundas
de uma instituição especializada. Todos os grupos citados (à exceção da Terapia de Família)
estão sempre abertos ao ingresso de novos integrantes, embora alguns contem com adolescentes
em tratamento há mais tempo. Nos grupos observados
29
, a dinâmica dos encontros não seguia um
padrão pré-estabelecido, geralmente iniciando a partir de interrogações da coordenadora a
respeito de como está cada integrante, como foi sua semana e, a partir daí, trabalhando as
questões emergentes. Nos grupos para menores de 14 anos são utilizados recursos, tais como,
trabalhos manuais, discussão de vídeos e passeios a locais culturais.
- Atendimentos individuais: atendimento psicoterápico e terapêutico ocupacional com
profissionais da equipe fixa e estagiários.
- Acompanhamento psicopedagógico: consiste na realização de oficinas de informática
utilizadas como recurso pedagógico. É realizado pela psicopedagoga da equipe. Nesses
27
Nos referiremos especificamente ao processo de acolhimento em grupo por ser o mais largamente utilizado na
instituição.
28
Caso não existam vagas disponíveis, o adolescente será encaminhado a uma lista de espera - o que geralmente
acontece apenas nos casos que requerem atendimento individual.
29
Não podemos observar grupos de Terapia de Família pois são grupos fechados.
66
encontros, o plano de trabalho é individual e construído a partir dos interesses do adolescente,
podendo ser utilizados trabalhos que envolvam jogos, arte, confecção de banners, cartões,
pesquisas na Internet, entre outros recursos utilizados para auxiliar o adolescente a criar, refletir e
aprender utilizando o computador como meio para a potencialização da aprendizagem. Esse
trabalho inclui também visitas às escolas dos adolescentes, para conhecer melhor sua situação
escolar e adaptar o acompanhamento à metodologia da escola, visando auxiliá-los a melhorar seu
desempenho escolar. Além dessas oficinas, a profissional responsável realiza “Oficinas de
Leitura”, visando auxiliar os adolescentes a entrar em contato com a literatura e encontrar prazer
nesse exercício.
- Acompanhamento de projetos de reintegração social: trabalho realizado pela terapeuta
ocupacional. Visa acompanhar adolescentes que estejam vinculados a algum dos projetos
vinculados ao serviço: o programa “bolsa jovem adulto
30
ou o projeto de estágio junto a
Secretaria Municipal de Administração (SMAD) para jovens que estejam cursando o segundo
grau e não conseguem preencher os requisitos básicos exigidos para os estágios da prefeitura
31
.
Os jovens que participam do programa “bolsa jovem-adulto” recebem, além do atendimento
usual no ambulatório, um acompanhamento que visa auxiliá-los a empregar adequadamente os
recursos financeiros obtidos por meio do projeto.
30
Programa que visa o fornecimento de bolsas no valor de 200,00, pelo período de um ano, a jovens de 18 a 21 anos
objetivando sua volta aos estudos ou a entrada no mercado de trabalho
31
Esse projeto, que iniciou em fevereiro de 2005, conta atualmente com 13 jovens ocupando vagas de estágio na
prefeitura
67
6. CATEGORIAS EMERGENTES DAS NARRATIVAS.
Passaremos agora à descrição das categorias emergentes a partir dos relatos dos
profissionais e adolescentes entrevistados nos serviços pesquisados, aos quais designamos nomes
fictícios. Nesses relatos, procuramos captar suas percepções acerca das relações entre
adolescência e drogadição, assim como suas experiências e concepções sobre o tratamento
oferecido aos adolescentes nas unidades estudadas.
A escolha dos dois profissionais entrevistados em cada serviço deu-se a partir do contato
com os mesmos e da percepção de sua importância na rotina da instituição, assim como por sua
disponibilidade em conceder a entrevista. Já os adolescentes entrevistados foram selecionados a
partir dos critérios de idade (máximo 18 anos) e disponibilidade em participar da pesquisa. Na
Comunidade Terapêutica, as internas foram reunidas em grupo e, após uma breve explicação da
pesquisadora sobre os objetivos da pesquisa, critérios e temáticas abordadas, lhes foi colocada a
necessidade de obter três voluntárias para a realização das entrevistas. Na unidade pesquisada do
hospital geral, devido à rotatividade de internos e ao tempo de internação ser variável, os contatos
foram estabelecidos durante as conversas informais da pesquisadora com os internos. Nessas, os
jovens que se enquadravam nos critérios de idade, disponibilidade e tempo mínimo de uma
semana de internação, eram convidados a participar da pesquisa, após uma explicação sobre os
objetivos e condições da mesma. Todos aos quais foi feito o convite aceitaram participar da
entrevista. Já no ambulatório, a seleção dos adolescentes ficou a cargo dos profissionais da
equipe, devido ao fato de os mesmos comparecerem apenas nos dias e horários específicos de
atendimento, o que impossibilitava a formação de um vínculo mínimo para convidá-los a
participar da pesquisa.
Iniciaremos com a análise das categorias emergentes nas entrevistas realizadas na
Comunidade Terapêutica, das quais analisaremos, primeiramente, os relatos dos profissionais,
seguido da análise das entrevistas com os adolescentes. Em um segundo momento, analisaremos
as categorias emergentes das entrevistas realizadas no Hospital Geral, seguidas da análise das
categorias provenientes das entrevistas no ambulatório municipal, nas quais seguiremos a mesma
ordem aludida acima: primeiro as entrevistas com os profissionais e depois dos adolescentes.
68
6.1 CATEGORIAS EMERGENTES DAS ENTREVISTAS REALIZADAS NA
COMUNIDADE TERAPÊUTICA
6.1.1 Os profissionais e sua visão do tratamento
A seguir, descreveremos as categorias que emergiram dos relatos dos profissionais
entrevistados na CT. Suas características são as seguintes:
Maria, coordenadora da instituição. Maria é uma freira da congregação que administra
a CT. Na época da entrevista, estava no local há aproximadamente seis meses e assumira a
coordenação há um mês, quando a coordenadora anterior foi transferida pra outra “obra” da
congregação por motivos de estresse. Antes de ser transferida para Porto Alegre, Maria
trabalhava em um abrigo para adolescentes no estado do Paraná. Relata que sofreu com a
transferência, pois gostava muito de seu trabalho anterior, e a decisão de sua vinda para a CT lhe
foi comunicada “do dia para a noite”, sem que tivesse tempo de se acostumar com a mudança.
No momento da entrevista, esclareceu que, apesar de o trabalho que executava anteriormente ser
semelhante ao da CT, ainda estava se adaptando a nova função e ao novo local de trabalho.
Paulo, voluntário. Paulo é administrador de empresas, com experiência na área de
treinamentos grupais. Atualmente, cursa o terceiro ano de Psicologia em uma faculdade privada.
É voluntário da CT há dois anos. Em seu primeiro ano nesse local, trabalhava com as residentes
aplicando dinâmicas de grupo, nas quais enfocava aspectos, tais como, sua trajetória na
instituição, motivação, dificuldades, perspectivas. Atualmente, a pedido das freiras, faz
atendimentos individuais com as residentes, duas vezes por semana. Na entrevista, ressaltou que
o trabalho que faz não é uma psicoterapia, mas um “apoio mais individualizado”, sob a
perspectiva da teoria cognitivo-comportamental e sob supervisão de uma professora de seu curso.
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6.1.1.1.Concepções sobre as adolescentes
Nesse tema, agrupamos categorias que expressam a forma como os profissionais
entrevistados percebem as adolescentes internas na CT, em termos de: trajetória anterior à
internação, causas da drogadição e necessidades atuais.
6.1.1.1.1 “Elas não sabem nada, só aquilo que é errado”
Nos relatos dos dois profissionais, constatamos a presença de uma associação entre
abuso de drogas, desestruturação familiar, falta de orientação educacional apropriada e
envolvimento com ações ilícitas e comportamentos moralmente condenáveis. Segundo a
coordenadora da CT, quando as adolescentes chegam ao tratamento e se deparam com a
obrigação de cumprir o cronograma, percebe-se que possuem grandes dificuldades no
desempenho de tarefas básicas, tais como, higiene pessoal, organização da casa e aprendizados
em geral. Segundo Maria, elas chegam na CT sem ter aprendido nada, sem saber fazer nada,
apenas o que “é errado”:
Maria – “Todas as adolescentes que são encaminhadas pra casa têm um comportamento
anterior que já era uma droga (...). Elas não sabem nada, só aquilo que é errado”.
Na opinião de Paulo, a trajetória da maioria das adolescentes que estão na instituição
liga-se, pela via do abuso de drogas, ao crime, prostituição e à vivência de situações degradantes:
Paulo “Das que eu conheci lá, em geral, têm um percurso com droga escondido da
família, vai pra roubo, prostituição. Que são meninas, e quase todas confessam que passaram a
vender o corpo em troca de droga, a maioria relata que fazia escondido da família, que a família
não tinha noção, que a família não sabia. Algumas, com estrutura familiar ruim, que moram
com o tio, moram com isso e com outro, e vão passando de casa em casa. Então, a maioria delas
é esse o percurso, essa coisa perdida, sem apoio, sem estrutura familiar, etc.”.
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Esse comportamento marcado por um não saber nada, apenas o que é errado, estaria
ligado à ausência de apoio familiar. Sem essa base familiar, as adolescentes sentir-se-iam
“perdidas”, sem referências e, portanto, sem uma base sobre a qual construir projetos de vida.
Nesse contexto, o abuso de drogas adviria como uma conseqüência do vazio sentido por essas
jovens:
Paulo - “(...) eu vejo que muito da drogadição, ali, seria secundário. Que elas trazem
coisas perdidas de muito tempo, personalidade pré-mórbida, perdidas, estrutura familiar ruim,
etc. Seria, se conhecêssemos elas antes da drogadição, daria até para apostar, dizendo que iam
para a droga”.
Paulo - “Outra coisa que me marcou bastante, nas conversas coletivas, em equipe ou
individuais, é o vazio que elas trazem, de não saber quem são: não sei o que eu sou, não sei o
que eu quero, não sei para onde vou (...). Então, elas têm esse vazio, assim, essa dificuldade de
enxergar tanto o passado quanto o futuro”.
6.1.1.1.2 “Elas buscam ser entendidas, que alguém compreenda elas, e precisam de limites
Nessa categoria, agrupamos relatos que expressam como um dos profissionais
entrevistados percebe as principais necessidades das adolescentes internas. De acordo com Maria,
o que elas precisam, primordialmente, é ter alguém atento, capaz de escutá-las e compreendê-las,
assim como ser firme e lhes impor os limites necessários:
Maria – “Elas precisam, primeiramente, elas buscam ser entendidos, que alguém
compreenda elas, e precisam de limites, por que todas as adolescentes que são encaminhadas
para cá não tiveram e não têm limites, tudo pra elas é muito liberal. Então, a partir do momento
em que nós botamos limites, claro que elas se revoltam, mas é isso que elas querem, ter limites”.
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Além de buscar limites e compreensão, outra necessidade das adolescentes seria a busca
por novos referenciais e valores. Segundo Maria, com o passar do tempo, as residentes começam
a se questionar acerca da vida que levaram antes da internação e a vislumbrar novas
possibilidades de viver e divertir-se sem usar drogas. Para a freira, um passo importante nesse
processo de questionamento é o contato com os jovens que fazem trabalho voluntário na casa:
Maria - “Elas sentem uma motivação com os jovens do Grupo de Oração, que são
pessoas da mesma idade, às vezes mais, mas que são jovens e vivem um jeito novo de ser e isso
deixa elas encantadas (...). Sem dúvida são exemplos, por que elas querem ter uma referência:
‘Eu vou mudar, vou fazer o que o programa está pedindo, mas quem me garante que vai dar
certo?’. Então, quando elas vêem que alguém é jovem como elas e vive basicamente também um
programa lá fora, elas vêem que realmente dá certo”.
6.1.1.2 Acolhendo a singularidade ou reeducando?
Nesse tema, agrupamos categorias que evidenciam diferenças entre os profissionais no
que concerne à visão do tipo de tratamento de que necessitam as adolescentes, assim como aos
resultados que visam alcançar. O voluntário entrevistado ressalta a importância do acolhimento,
da escuta individual e do respeito à singularidade. A freira reforça a filosofia da CT, enfatizando
a importância da reeducação e da correção do comportamento, embasada na visão de que o uso
de drogas é um problema de falta de educação e de conduta moral.
6.1.1.2.1 A Singularidade
Paulo destaca a importância da atenção e da escuta das necessidades e problemas das
adolescentes. Segundo ele, acolher e formar um bom vínculo, baseado na compreensão das
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necessidades das internas e no respeito às suas singularidades, é fundamental para a aceitação do
trabalho terapêutico.
Paulo - “Eu vejo que a acolhida funciona muito bem (...), tu tratando bem eles te tratam
bem, tu acolhendo, tu atendendo toda a característica do adolescente, eles aceitam muito bem,
então eu acho que funciona bem. Eu tenho tentado, com as que eu tenho contato, alguma coisa
comportamental, extrair deles, e não tentar impor, então, não dizer: ‘Faça isso!’, mas
perguntar: ‘O que tu acha?’, ‘Porquê tu faz isso?’, ‘O que tu gostaria de fazer?’, ‘Que
possibilidades tu vê para resolver a situação?’. Eu acho que acolher é o importante, e formar um
determinado vínculo”.
Segundo o entrevistado, a CT deveria priorizar o desenvolvimento de um programa
terapêutico individual, possibilitando mais espaços para as internas trabalharem suas trajetórias
de vida e questões íntimas. Em sua opinião, o tratamento na instituição baseia-se prioritariamente
na atenção coletiva, no tratamento do sujeito por meio do trabalho com o grupo, o que dificultaria
uma escuta individualizada, problema agravado pelo fato de a equipe permanente da casa não
possuir formação clínica:
Paulo – “Eu acho que o apoio individual é muito importante por que elas, realmente,
elas não tem. As irmãs não têm formação pra isso, além da droga elas têm muitos problemas
pessoais, então a droga talvez seja tratada lá, os problemas pessoais, tudo de uma forma muito
coletiva. Então o que eu vejo é uma grande carência delas de alguém ouvi-las, de acolher, de
alguma coisa assim. Então eu acho que o individual seria o mais importante”.
Paulo - “Não puxando para a Psicologia, mas um acompanhamento é fundamental, por
que eu vejo que muito da drogadição seria secundário, que elas trazem coisas perdidas de muito
tempo (...)”.
73
6.1.1.2.2 A Reeducação
Diferentemente da opinião de Paulo, descrita acima, Maria demonstra uma visão
generalista do adolescente com problemas relacionados ao abuso de drogas, supondo que todos
têm uma história semelhante e, portanto, necessidades parecidas. Consagra o amor, a reeducação
e a correção do comportamento das internas como as principais medidas terapêuticas da
instituição. De acordo com Maria, devido às suas histórias de vida, as adolescentes internas na
CT necessitam de limites colocados com firmeza e da convivência em um ambiente educativo,
controlado e livre de sexo, drogas e violência, onde poderão aprender o que é o “certo”:
Maria - “Então a necessidade, e o que nós precisamos, é ter coragem para impor limites
a elas, com toda caridade e entendendo o lado dessas adolescentes, por que são todas meninas
que tiveram marcas em sua infância de rejeição, espancamento, violência, e que hoje elas
precisam ser amadas, corrigidas e ensinadas, por que não sabem nada, só aquilo que é errado,
com firmeza e colocando limites”.
Maria – “O objetivo, não só o meu, mas o das irmãs é trabalha a reeducação nas
adolescentes, corrigir aquilo que elas faziam de maneira errada na rua, todas as adolescentes
que são encaminhadas pra casa têm um comportamento que já era uma droga. Então nosso
objetivo aqui é corrigir o comportamento das adolescentes através do programa terapêutico”.
Maria, quando questionada acerca de quais de suas atribuições considera mais importante,
reforça a importância de todo o programa terapêutico, de todas as atividades para todas as
internas, independente de suas diferenças individuais. A recuperação e reeducação das internas
são citadas como objetivos presentes em toda as atividades que ocorrem na casa.
Maria - “Todas são importantes, que o programa, nosso critério é: espiritualidade,
trabalho e disciplina. Nós falamos que elas entram na comunidade com duas pernas e saem com
três, então todas as três precisam estar bem para que ela possa fazer o programa continuar lá
fora. Todo o programa da casa é importante: a realização dos 12 passos, os grupos, os
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princípios de Amor Exigente, a Laborterapia, todos os trabalhos que se passam na casa é
terapêutico, visando a recuperação, a reeducação delas”.
De acordo com Maria, o adolescente seria “mais fácil” de reeducar que o adulto. Para ela,
apesar de o adolescente brigar, questionar e enfrentar a equipe, ao mesmo tempo está disposto a
aprender algo novo. Já o adulto seria mais difícil de trabalhar, pois não seria muito receptivo à
reeducação:
Maria – “Eu acho que, por mais difícil que seja trabalhar com adolescentes, eles têm
uma aceitação, não é todos, mas o adulto, ele acha que já viveu demais, que ele sabe tudo e que
uma CT não tem nada a acrescentar a ele (...). O adolescente, desde uma atividade na cozinha
que a irmã vai ensinar a elas, elas ficam atrapalhadas, mas ela está disponível a aprender,
resmunga, briga, questiona, tem que ter paciência e uma pedagogia pra trabalhar com eles, que
não adianta gritar, mas corrigir com firmeza, e com o passar do tempo vemos que elas vão
adquirindo, não é nos primeiros dias, mas com o tempo vão tomando consciência e fazendo parte
do programa”.
6.1.1.3 A estrutura da instituição
Paulo, quando questionado acerca da adequação da estrutura física do local onde está
instalada a CT, manifesta-se positivamente, considerando-o adequado aos seus fins:
Paulo – “Eu acho que sim, acho que tem bastante salas, recursos, sala de televisão, sala
de conversa individual, tem capela, tem cozinha, tem dormitórios separados. Apesar de ser
adaptado, por que antes era uma escolinha (...), acho que é suficiente (...) acho que é bastante
adequado”.
Quando se refere à postura e educação das residentes, Paulo, mais uma vez, expressa a
organização e controle que marcam o local:
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Paulo - “O que me marcou é que elas são super educadas, têm parcimônia para falar,
pedem licença, são ponderadas. Isso me marcou bastante, assim como a receptividade delas, a
educação, a postura lá dentro. Eu tinha outro conceito de dependentes químicos, imaginava
outras coisas, mas têm algumas que ficavam na rua, que eram catadoras de papel, mas lá dentro,
estão com muita educação, muito controle, então isso me marcou”.
6.1.1.4. Trajetórias das adolescentes
Nesse tema, agrupamos categorias que demonstram as formas pelas quais os adolescentes
chegam na CT, suas formas de adaptação ao programa terapêutico e diferentes trajetórias.
Também reunimos relatos que expressam suas visões acerca das possibilidades de recuperação
numa modalidade de tratamento como a CT, e o conseqüente prognóstico que atribuem às jovens
que recebem tratamento nesse local.
6.1.1.4.1 A internação: uma “decisão forçada”
Abaixo, Maria afirma que a internação na CT é sempre uma “decisão forçada”. Dessa
forma, percebe-se que o ingresso das jovens nessa CT se dá, em geral, através de alguma forma
de coação, sem que haja uma conscientização anterior sobre a necessidade do tratamento:
Maria - “Não, impossível. Tem que ter um intermédio, ou pelo Conselho Tutelar, ou pela
Vara da Infância e Juventude, ou pela família que pressiona ela a tomar a decisão forçada”.
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6.1.1.4.2 Adaptação: a fase mais difícil
Em seu relato acerca das dificuldades de adaptação à CT, Maria relaciona a resistência
inicial ao programa ao fato de o ingresso dar por pressão externa, e não como o resultado de um
reconhecimento da necessidade de buscar ajuda. Por isso, nos primeiros dias de internação, o
trabalho da equipe deve ser no sentido de ajudar a interna a reconhecer seus problemas, para que
ela aceite que precisa mudar. Nesse relato também se evidencia uma concepção de recuperação
como o resultado de um processo de reeducação global, que conduz a uma mudança “radical”:
Maria - “(Isso) dificulta, por que para elas iniciarem o programa, sempre nós fazemos:
‘Você quer participar do programa, você quer fazer o tratamento?’ Por mais que elas sejam
forçadas, elas falam que querem. A princípio, no primeiro mês, que é a adaptação, é a fase mais
difícil para elas, até elas aceitarem que precisam mudar o comportamento e trabalha os defeitos
de caráter que levou elas ao uso de drogas, até elas conseguirem assimilar isso e aceitar é o
período mais difícil. A partir do momento em que elas aceitam que precisam mudar, se torna
mais fácil o tratamento”.
De acordo com Paulo, as formas pelas quais as recém-chegadas se adaptam à instituição
são variáveis. Para ele, a maioria chega sem noção alguma a respeito do que é o tratamento e sem
reconhecer que necessita estar ali. Aponta diferenças nas formas de adaptação relacionando-as a
fase de desenvolvimento das internas: as mais velhas tenderiam a ter mais consciência da
necessidade de receber tratamento e, portanto, apresentariam menores resistências, se comparadas
às adolescentes:
Paulo - “Eu percebo assim (...), algumas contemplativas, olhando ‘O que é isto?’, outras
ainda sem noção do porquê estão lá. Hoje, até percebo algumas: ‘Eu to aqui por que realmente
quero mudar, preciso fazer’, algumas com consciência de que vai ser duro, vai ser difícil, e
outras sem saber muito bem onde andam, o quê são nove meses, o quê eu to fazendo aqui, etc.”.
Paulo - “As mais velhas talvez cheguem mais conscientes, as adolescentes, perdidas”.
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Apesar das dificuldades de adaptação das mais jovens ao tratamento, Paulo ressalta a
importância do ambiente estruturado da instituição que promove uma sensação de acolhimento e
satisfação de suas necessidades básicas:
Paulo - “Então, eu percebo que há diversidade, o pessoal mais velho, os adolescentes,
geralmente as mais jovens, perdidas (...), mas de alguma forma, acolhidas, por que tem comida,
tem cama, tem atenção, tem regras e um pouco de afeto”.
6.1.1.4.3 Percursos: uma “mudança radical” ou a desistência
Segundo Maria, o adolescente pode reagir de formas diferentes ao programa terapêutico.
No entanto, existiria uma tendência a dois tipos de trajetórias relacionadas à fase de adaptação:
ou o adolescente não tem paciência e persistência, não se adapta à disciplina da casa e acaba
desistindo; ou se adapta rapidamente à rotina, persevera, identificando-se com os propósitos do
programa. De acordo com a entrevistada, os adolescentes que perseveram e cumprem os nove
meses passam, necessariamente, por uma “mudança radical”, modificando seus hábitos e formas
de viver anteriores. Nesse processo, deixam-se moldar pela ética da instituição e, quando acabam
o tratamento, saem “outros”, “nascem de novo”.
Maria - “Temos várias adolescentes que conseguiram completa o tratamento e tiveram
uma mudança radical, eles se vestiam de preto, um monte de caveira, aquele jeito bem maluco da
rua, e mudaram completamente o estilo, como outros que desistiram já de início. Então, temos
dois níveis: tanto aqueles que chegam na comunidade e não têm paciência de passar pelo
processo de adaptação, de mudança, é com o tempo que ele vai adquirindo, como são
imediatistas, ou tem que ser tudo na hora, ou não tá bom, e acabam desistindo. E tem aquelas
que perseveram, que tem paciência e conseguem mudar, uma mudança bem radical”.
Maria - “O adolescente é uma caixinha de surpresas e elas, algumas, chegam e se
adaptam na casa com uma facilidade, e entram no programa e conseguem fazer coisas que um
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adulto não fazia. Outras já estão super revoltadas, não aceitam nada, nos desafiam o tempo
todo. Mas com o tempo elas vão aceitando, como elas ainda estão em fase de formação, eu
acredito que elas conseguem assimilar aquilo que está sendo passado, e se deixam moldar”.
6.1.1.4.4 “É um passo para a melhoria, mas não é o definitivo”
No trecho abaixo, Paulo se mostra cético quanto às possibilidades de uma recuperação
consistente e duradoura, embora valorize as experiências vividas pelas jovens na CT. Atribui
suas dúvidas principalmente à falta de apoio social e, principalmente, familiar, o que faria com
que as adolescentes, ao voltarem para casa, apresentassem grandes chances de recaída:
Paulo - “Algumas aproveitam bastante, que é um passo para a melhoria, mas não é o
definitivo”.
Paulo - “E o prognóstico, às vezes eu aposto assim, que muitas aproveitam, lá elas estão
acordando, se descobrindo, mas ainda acho que não vai ser a última vez que vão estar lá, acho
que ainda não é o suficiente (...) acho que ainda é cedo, falta muito mais tempo e apoio social e
uma estrutura pra acolher de volta, pra manter isso”.
Paulo, ao comentar a importância do acompanhamento psicoterápico individual, reitera
sua opinião acerca das dificuldades encontradas pelas adolescentes que saem da CT e não
encontram estrutura social e financeira adequada para acolhê-las de volta. Demonstra com isso
sua visão da complexidade envolvida no processo de tratamento da drogadição, e da conseqüente
necessidade de o programa terapêutico proporcionar alternativas de profissionalização que
instrumentalizem a jovem para o retorno à sua comunidade de origem:
Paulo - “A parte profissional é muito importante agora, pra saber o que gosta, pra abrir
alguma possibilidade, por que sai de lá e não sabem muito o quê fazer, mesmo com 18-19 anos,
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a família não sustenta, se não tem algum trabalho, alguma coisa estruturada, vão ter
dificuldade”.
Para Paulo, a omissão dos familiares das adolescentes para com o tratamento é indicativa
das dificuldades que essas enfrentarão quando saírem da CT:
Paulo - “O que a gente vê, e muito, é omissão das famílias, ficam de visitar e não vão,
ficam de levar algo e não levam, as famílias entregam atrás do muro e estão livres, então tu
imagina quando voltar. De alguma forma as famílias vão ter de assumir isso“.
6.1.2 Escutando os adolescentes na CT
Passaremos agora à descrição das categorias que emergiram dos relatos dos adolescentes
entrevistados na CT pesquisada. Suas principais características são as seguintes:
Amanda, 15 anos. Interna há sete meses na CT. Sua família reside em uma cidade do
interior do estado. Mora com o padrasto, a filha dele e sua avó. A mãe reside na mesma cidade,
mas não mora com a filha. Nunca conheceu seu pai. Sua mãe, padrasto e avó têm problemas com
o uso de álcool. Em geral, a adolescente interage de forma cooperativa na CT. Sua família
raramente aparece no dia de visitas. Foi encaminhada pelo Conselho Tutelar de sua cidade.
Bruna, 16 anos. Interna há um mês. Sua família reside na região metropolitana de Porto
Alegre. Mora com a mãe e a irmã. Nunca fala do pai, mas diz-se muito próxima do ex-padrasto,
que é dependente de crack. A adolescente é agitada e apresenta problemas de convivência,
principalmente por seu comportamento “autoritário e orgulhoso”, segundo sua própria
autodescrição. Já foi autuada três vezes por porte de drogas, apresentava problemas na escola e
agia de formar agressiva em casa. Chegou à CT encaminhada pelo Conselho Tutelar.
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Carol, 18 anos. Interna na CT há cinco meses. É natural de uma cidade do interior de São
Paulo, mas seu pai reside em POA. Quando seus pais se separaram, ficou residindo com a mãe,
no estado de São Paulo, mas antes de ser internada retornara à casa do pai por problemas de
convivência com a mãe. C costuma ser cooperativa na CT e bastante crítica, por vezes apresenta
problemas de convivência com as outras residentes e demonstra ser bastante religiosa.
6.1.2.1 O adolescente e sua família: conflitos e mudanças
Nessa categoria agrupamos relatos das adolescentes que demonstram sua compreensão
sobre suas relações com seus familiares mais próximos, em geral, conflituadas, permeadas por
muitas brigas, discussões e afastamento afetivo:
Amanda – “Antes era bem estranho, agora tá melhorando (...)”.
Bruna – “Não era boa, sabe. Era bom nos meus 11 anos. Quando comecei a usar drogas
foi tudo pro lixo, minha tia nem olhava pra minha cara, me dava oi lá de vez em quando (...)”.
Carol – “É que eu não tive uma relação muito perto, assim, sabe, com eles, por que eu
sempre tive que cuidar dos meus irmãozinhos e os meus pais sempre trabalhavam muito (...).
Depois que meus pais separaram eu fiquei um tempo com a minha mãe e foi bem complicada a
relação, por que a gente não se dava muito bem. Mas eu achava que eu tinha que ficar com ela
por que ela não podia ficar sem filho, e com meu pai... Meu pai é uma pessoa muito certa, mas
eu nem sempre concordava com o que ele exigia. É complicado, me dou bem com ele, e não me
dou, é que eu sempre fui revoltada, meio rebelde, desde criança”.
Amanda e Bruna relatam melhorias na qualidade de suas relações com seus familiares a
partir de sua internação na CT. No relato de Bruna, percebe-se a importância atribuída à família
em seu processo de recuperação:
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Amanda“Agora tá melhorando cada vez mais, eles estão dando valor pra mim, assim
como eu to dando pra eles”.
Bruna – “Agora, sabe, tá todo mundo me apoiando, sabe. Esses dias tava todo mundo
almoçando e a irmã botou dois pacotes cheios de bombons e um bilhetinho que minha vó tinha
mandado pra mim. Foi bom por que minha vó, sabe, nunca nada, nunca demonstrou nada, e foi
simplesmente um cartão que me deixou tri bem”.
6.1.2.2. Tratamentos anteriores
Quanto às suas experiências anteriores com tratamentos, Amanda e Carol referem nunca
ter freqüentado outro serviço, e Bruna diz ter passado por uma experiência anterior que lhe
marcou negativamente e, em sua opinião, agravou o seu estado:
Amanda – “Não, mas eu já freqüentava grupos de Amor-Exigente”.
Bruna – “Eu estive em uma casa, eu não posso dizer o nome que eu não me lembro, mas
fiquei uma semana e meia, sabe, e tipo era gemido, gente tendo problema cerebral, convulsão.
Sabe como é que eu dormia nas três primeiras noites? Eu dormia assim, com o colchão da porta
pra fora, só com lençol, tapada, morrendo de frio, com o colchão no chão, pra fora do quarto,
foi apavorante aquilo pra mim, e eu quis ir embora, eu não quis ficar lá, era muito ruim. Foi no
ano retrasado, eu acho. Depois disso, eu me afundei mais ainda”.
Carol – “Não, (nunca fiz tratamento) por que eu achava que não era dependente”.
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6.1.2.3 “Crack, cocaína, maconha, tabaco, álcool...”
Nos grupos terapêuticos ou nos diálogos entre as adolescentes observávamos com
freqüência alusões aos seus contatos iniciais com as drogas e a quais tipos já haviam
experimentado. Nos relatos a seguir, elas falam das drogas que já experimentaram e quais
utilizavam com mais freqüência. Destacam-se diferenças no padrão de uso e tipos de substâncias
experimentadas:
Amanda“Eu iniciei com o álcool entre os seis/sete anos, daí eu fui indo nas drogas
mais pesadas, cheguei às drogas. A última droga que eu usei foi a maconha. Já usei o álcool, a
maconha, a cocaína”.
Bruna“Crack, cocaína, maconha, tabaco, álcool, cheguei a cheirar, de fissura,
perfume, ah, já usei aquelas boletas pretas, usei junto com álcool pra ficar muito louca na festa,
já tomei chá de cogumelo, já tomei Diazepan, só pra chamar a atenção da minha mãe, e
consegui. Ela chegou de noite e eu tava vomitando na cama, me afogando no próprio vômito (...)
ai ela se apavorou comigo, eu queria chamar a atenção, né”.
Carol“Como eu comecei? Final de ano de família, passar reveillon em praia e dar
aquela garrafa de champagne pra filha beber, sabe, era assim, só. Depois que eu vim embora
pro sul, que eu comecei a fumar cigarro e beber mais constantemente (...). E daí eu tinha lugar
pra ir, tinha mais amigos; daí eu ia pra festa e entornava o primeiro gole, até que eu fumava, foi
quando eu tive umas brigas, assim, falta de mãe também. Fumava cigarro, maconha fumei só
uma vez, mas eu não gostei, por que eu sou muito melancólica e eu queria alguma coisa que me
agitasse e não me deixasse mais pra baixo, por que sempre que eu bebia, eu saio extravasando, e
a maconha não, não tem essa proporção”.
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6.1.2.4 “Eu penso assim ó, que isso não vai levar a nada
Interrogamos as residentes sobre suas concepções a respeito do uso de drogas e
encontramos em comum nos seus discursos a consideração das drogas como algo ruim e
destrutivo. No entanto, as falas de Bruna e Carol demonstram certa ambivalência: para Carol
droga é algo que destrói, mas também dá prazer e ajuda; enquanto Bruna não sabe o que pensa a
respeito:
Amanda “Eu penso assim, ó, que isso não vai levar a nada. Eu usei principalmente
por curiosidade, como é que era, como não era, e isso não leva a nada, só vai levar a tua vida à
morte e daí tu não vai viver, não vai poder viver a tua vida, eu penso assim”.
Bruna“Bah, o que eu penso... Eu não sei mais o que eu penso, sabe, sinceramente (...)
o que eu penso aqui é que é muito ruim, só de usar, de pensar que eu já usei é ruim, sabe”.
Carol - “Eu penso que (a droga) é algo que camufla o nosso problema, no momento é
uma fuga que camufla todinho o meu sentimento de raiva, de rancor, pra eu esquecer que eu
tenho problema, de eu ficar comigo mesma, só que, é que destrói. Mas eu não vou dizer que não
gosto, né, que eu gostava muito, sabe, e eu achava que pra mim fazia bem por que eu esquecia
(...). Então pra mim me ajudava, mas é destrutivo”.
6.1.2.5. Con-vivendo noves meses em comunidade
Nos relatos a seguir, as adolescentes expressam suas dificuldades de adaptação à vida na
CT, principalmente no tocante à convivência grupal e aos esforços de amadurecimento e
autoconscientização que essa suscita. Se conhecer, se “ver” através dos outros, ter humildade e
consciência para aceitar a opinião dos outros, cumprir as tarefas da escala e a dura disciplina
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exigida são qualificados como “confuso” e “horrível”. No entanto, as jovens mostram-se também
conscientes da necessidade de permanecer na CT e dos avanços já obtidos:
Amanda “Minha experiência aqui foi assim: quando eu cheguei me trataram muito
bem, só que tinha conflitos, muitas coisas que eu não consegui mudar ainda e pretendo mudar:
conflitos, brigas, fofocas, bate-boca por causa de uma coisinha simples, que é fácil de resolver.
Meus erros eu já mudei bastante desde quando cheguei. Lá fora era bem diferente, bem ruim. Eu
mudei bastante desde quando eu cheguei”.
Bruna – “Não é só que eu quero, eu preciso ficar (...). Eu vou ter que ficar, né, vou ter
que fazer por mim, e dá medo, por que isso aqui é horrível, sabe, se conhecer, ver os outros te
julgando, falando teus defeitos, bah, é muito ruim, muito ruim... pensamento ruim o tempo
inteiro, por mais que tu tente fazer o bem, as coisas ruins te perseguindo”.
Carol “Aqui na Comunidade é muito confuso, sabe, há dias assim, que eu to muito bem
e que eu olho, vejo alguma irmã me exigindo alguma coisa, alguma semelhante, companheira
aqui da casa, me ajudando, me orientando, eu acolho de uma forma tão boa, sabe. Mas quando
me deparo com aqueles defeitos que eu vejo que eu tenho desde criança, aí é mais confuso pra
mim”.
No relato abaixo, Bruna descreve a rotina da casa e as dificuldades do dia a dia,
principalmente pela grande quota de paciência e resignação exigidas. Frente a todas as
dificuldades expressas, Bruna considera o tempo total do tratamento (nove meses) insuficiente,
dada a imensa tarefa de mudar radicalmente, de “se transformar em outra pessoa”, ao considerar
que a residente “graduada”, ou seja, que completou o tratamento, “nasceu de novo”.
Bruna - “Nove meses eu acho pouco ainda, pra uma pessoa nasce de novo, como elas
falam, ainda nove meses é pouco, mas, sabe, é apavorante nove meses. É tu, tem que ser tu e tu
aqui dentro, tem que fazer as coisas que os outros fazem, e limpa, não importa, vai lá e faz de
novo, faz melhor do que fez na primeira vez, se elas voltarem a sujar, não importa, vai lá e limpa
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de novo que é serviço teu, que tá na tua escala. Eu faço, tô trabalhando um monte nisso essa
semana, tô tentando, minhas orações também, eu preciso que me fortaleçam pra eu melhora”.
6.1.2.6. “Eu acho que aqui tem tudo o que tinha que ter numa Comunidade Terapêutica”
Nesta categoria, agrupamos relatos que evidenciam uma avaliação positiva do tratamento
recebido por parte das três entrevistadas. Quando questionadas, as jovens mostram-se satisfeitas
com o tratamento e com a equipe, principalmente por receberem carinho, serem escutadas,
ajudadas e compreendidas. Referem sentirem-se em paz no ambiente e aprenderem novas
habilidades:
Amanda “E a experiência aqui é muito boa, aqui dentro, por que as pessoas me
ajudam e eu ajudo as pessoas também a se conhecerem mais, e elas me ajudam a me conhecer
mais. Eu acho muito bom, por que é uma experiência muito boa aqui com as irmãs, com as
residentes, muito boa mesmo, por que aqui te traz uma paz, uma tranqüilidade muito imensa,
sabe, que eu não tinha lá fora. Aqui é uma tranqüilidade, uma paz, parece que tu ta nas nuvens”.
Amanda – “As pessoas que me atendem aqui são muito companheiras, por que elas se
dedicam a ajudar a gente e a gente se dedica a ajudar elas, então as pessoas aqui são muito
atenciosas, muitas pessoas são atenciosas com a gente e entendem a gente, Grupo de
Sentimentos, o que pra ti não vale a pena dizer e pra elas já serve um monte”.
Bruna –Bah, tri bom, por que, tipo, a gente tem como desabafar, (...), com as irmãs eu
consigo olhar no olho delas e desabafar, porque eu preciso que me entendam. Bah, é uma
alegria muito grande ver que tem essa quantidade de voluntário aqui, ajudando, dando
orientações, querendo o bem das meninas e ensinando, por que sabem que, de alguma forma
,tudo o que a gente aprende aqui vai servir pra alguma coisa, tipo, a irmã me falou que essas
aulas de tricô, ponto cruz se a gente sabe administrar lá na rua a gente ganha dinheiro,
entende?”.
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Carol – “Há, se eu for falar o que eu gostaria pra mim, seria muito cômodo, por que eu
acho que aqui tem tudo o que tinha que ter numa comunidade terapêutica: exigência, carinho
(por que as irmãs dão bastante carinho). Ah, tem tudo, eu acho que eu não tenho que colocar
mais nenhuma coisinha, tá completo”.
A seguir, Bruna ressalta a importância de disciplina e regras rígidas no tratamento:
Bruna -Eu acho que precisava ser mais rígido, por que a irmã tá pegando no pé
agora: se ela vê alguma coisa pergunta pra nós todas, e não foi ninguémi, sabe, nunca ninguém
foi, ai vamos tomar aquelas medidas comunitárias hoje por causa disso(...) Dá uma raiva
imensa, mas a gente faz, têm que fazer, né, se é pro nosso bem. A gente tem que aprende o que é
correto”.
6.2 CATEGORIAS EMERGENTES DAS ENTREVISTAS REALIZADAS NA UNIDADE
DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA
6.2.1 Os profissionais e sua visão do tratamento
A seguir, descrevermos as categorias emergentes dos relatos dos profissionais
entrevistados na segunda instituição pesquisada.
João, Assistente Social. Trabalha há um ano na unidade pesquisada, onde havia sido
estagiário. Ocupa o cargo de Assistente Social, criado no lugar da função anteriormente
denominada Consultor em Dependência Química. Trabalha exclusivamente nas alas de
internação. É responsável pela disciplina dos internos e pela coordenação doGrupo de
Sentimentos” e “Grupo de Regras” (o qual foi criado a partir de uma idéia sua). Juntamente com
as enfermeiras e auxiliares, é o profissional que tem maior contato diário com os pacientes, sendo
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uma referência importante para esses.
André, Psicólogo. André trabalha há cinco anos na unidade. Foi estagiário no local,
tendo sido contratado logo após sua formatura. É responsável por atividades administrativas, pela
coordenação dos estagiários de Psicologia e do curso de capacitação em dependência química.
Não faz atendimentos com os pacientes. Atualmente faz doutorado na área de dependência
química.
6.2.1.1 Em busca de ajuda: perfil dos adolescentes em tratamento na unidade
Nessa categoria, agrupamos depoimentos dos profissionais entrevistados que delineiam
um perfil do adolescente que solicita tratamento na unidade. Segundo eles, não há uma
homogeneidade nesse público, mas pode-se afirmar que grande parte provém de famílias de baixa
renda e ingressa no programa com sérias dificuldades causadas pelo uso abusivo de drogas,
principalmente o “crack”, droga que provoca prejuízos de várias ordens:
João – “Percebo um sujeito com sérias dificuldades, normalmente quando a gente recebe
esse sujeito ele é de uma classe social menos favorecida, de um meio já problemático, tá inserido
numa situação já problemática, que é a dependência química”.
André – “O crack teve um aumento muito grande nos últimos quatro anos (...). Então
muitos adolescentes são usuários de crack, estão bem deteriorados, uma situação mais de rua
assim, não que não tenham casa, mas que estão na rua direto. Tem vindo um pouco menos
adolescentes usuários de loló (...), têm vindo muito usuário de crack. Então são um pouco mais
marginalizados, um pouco mais prejudicados, né. É variável, mas tem vindo eu tenho achado,
um pouco mais deteriorados com o aumento de uso de crack”.
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6.2.1.2 Como os adolescentes chegam à unidade
Nos relatos a seguir são descritas as formas pelas quais se consegue uma vaga na unidade.
João esclarece a forma de encaminhamento para pacientes do SUS e André explicita duas outras
vias de encaminhamento: adolescentes que são encaminhados pela FASE, ou que podem pagar
pelo atendimento e buscam diretamente uma vaga na unidade privativa do hospital.
João – “Ele vai ter de passar lá, normalmente pelo "Postão”, ali, de saúde mental,
encaminhado pelo médico que tá de plantão, e de lá é feito um contato com o nosso médico de
plantão, e aí o adolescente, no caso, é encaminhado pra nós”.
André – “Grande parte vem pela FASE, antiga febem ou nova febem, são internos de lá
ou estão em regime de liberdade, passam alguns dias ou algumas horas lá e vão para casa,
enfim, eu não sei detalhar, mas eles mandam bastante adolescentes pra cá. Pela Central de
Consultas vêm; vêm espontaneamente, puxado pela família, então a família traz, vem direto pra
cá por que a tia conhece, ou não sei quem se tratou aqui, então eu vou levar lá, aí trazem e,
resumindo, tem três focos de encaminhamento”.
Em outro momento de seu relato, André comenta uma forma de encaminhamento,
diferente das anteriormente citadas: o encaminhamento compulsório como Medida de Proteção
(Estatuto da Criança e do Adolescente, 1994), através de ordem judicial. Segundo o profissional,
essa medida estaria ocorrendo com freqüência e produzindo conflitos relacionados à divergências
de opinião acerca da necessidade de internação dos adolescentes encaminhados, assim como ao
desconhecimento dos juízes a respeito do que é um tratamento e seus possíveis resultados:
André – “Enfim o ambulatório tem adolescentes também com encaminhamento judicial,
juízes mandam fazer o tratamento, tem uma nova lei de que se pega... Eu não sei se esta nova lei
já esta vigorando, há bastante tempo se fala nela, acho que já esta vigorando, de que o
tratamento para o usuário de maconha não é mais cadeia, então o paciente vem fazer o
tratamento”.
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André – “(...) então às vezes a justiça quer obrigar a internação de adolescentes. Então
o juiz faz a triagem, o juiz examina, faz tudo isso e manda o encaminhamento, solicita a
internação: ‘deve ser internado até que cure’; então já mostra que entende bastante de
dependência química, né. Dependência química não tem cura (...). Semana passada eu respondi,
ontem eu acabei de escrever uma carta para um juiz, dizendo que isso era uma expressão muito
engraçada: ‘até que cure’. Eles vêm, chegam aqui, e é nós que temos que fazer a triagem e dizer
se precisa de internação ou não. Então tem juiz que tem essa ideologia, assim: ‘Bom, tem que
internar’, então não conhecem, né?”.
Acima, o psicólogo explicita a visão que embasa sua prática terapêutica, na qual se
concebe a dependência química como uma doença incurável. Nessa visão, motivar os pacientes à
adesão ao tratamento faz parte do programa. Apesar disso, o profissional ressalta as resistências e
dificuldades encontradas no trabalho com os adolescentes encaminhados compulsoriamente,
principalmente por eles não reconhecerem a necessidade de ingressar no programa. No entanto,
se posiciona a favor dessas medidas:
André – “Às vezes eles levam um susto com essa historia toda de ser pego pela policia,
de ter sido encaminhado para um centro de tratamento. Eles até se seguram, eles até sentem o
tranco, assim: ‘Bom desse jeito que eu tava usando droga tava me prejudicando’; às vezes até
pode ser isso, mas a gente vê parte altamente desmotivado. Mas o nosso trabalho também é
motivar. Acho que isso é mais válido do que ir pra cadeia, né, com certeza é mais válido do que
ir pra cadeia”.
Para João, a motivação e concordância do adolescente são fundamentais para a
internação, principalmente pelo fato de a instituição não possuir condições de arcar com uma
internação compulsória:
João – “O que a gente vai procurar saber é se o adolescente tá disposto, tá concordando
com a internação, porque o compulsório a gente não tem condições. Então, o adolescente, como
qualquer outro paciente, vai ter que tá concordando com essa internação. Como tu conheceu, é
uma unidade meio aberta, praticamente, a gente não tem condições físicas nem humanas de ficar
90
com pacientes contrariados, então a gente vai ver como é que está o estado de intoxicação desse
sujeito e o importante é que ele esteja afim, que ele esteja disposto a vir pra cá”.
6.2.1.3 O quê necessitam os adolescentes
Nessa categoria, agrupamos relatos que refletem a visão dos profissionais acerca das
necessidades manifestas pelos adolescentes em tratamento. O quê eles querem, as formas pelas
quais manifestam suas carências ou demonstram suas necessidades, assim como os caminhos
para suprir essas demandas são enfocados pelos entrevistados a partir de suas vivências no
cotidiano da unidade:
André – “Eu vou falar uma coisa meio óbvia, assim: falta limite. A necessidade deles às
vezes é chegar alguém aqui e ter alguém que... um suporte, né, alguém que diga: ‘Não faz isso,
vem aqui, tu tá mal por causa de drogas, olha como tu tá. Essas coisas meio maternas, até essas
funções são perceptíveis. Eu vejo isso, às vezes faz falta um pouco esse papel nesse pai alcoolista
que esse adolescente tem, ou da família mais estruturada. Eu vejo que as necessidades deles são
essas, uma coisa mais física, uma certa rotina, ou que tenha limites, por mais que eles odeiem
limites. Eu tenho a impressão que a necessidade por trás é essa (...) Eles têm necessidades bem
diferentes dos adultos”.
Enquanto André enfatiza a necessidade de suprir demandas básicas dos adolescentes, tais
como, limites, afeto, atenção, orientação, João enfatiza a importância de proporcionar um
ambiente acolhedor e atraente, compatível às especificidades dos adolescentes. No entanto,
ressalta a falta de condições materiais para a realização de mais atividades lúdicas e esportivas, as
quais seriam imprescindíveis para proporcionar vivências desafiadoras e prazerosas aos jovens:
João – “Eu entendo que seja outro tipo de acolhida que esse publico necessita. Eu não
vou dizer (que seja) mais que o publico adulto, talvez de outra forma, de outra maneira, né. Eu
entendo também que há algumas dificuldades quando a gente quer fazer umas reuniões
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específicas, a gente conseguir adequar a linguagem, porque uma coisa é eu falar com um menino
que tem vivência de rua, de 13 anos de idade, e outra é eu falar com seu Pedro, que tem 65 anos
de idade. Então isso é um efeito básico de fazer espaços diferenciados, de atividade, de esporte.
A gente não têm uma área física muito propicia pra isso, a gente também têm uma dificuldade de
material, mas eu particularmente, eu acho que essa parte mais lúdica do esporte, atividade
corporal, eu acho que isso é necessário tentar mostrar outras coisas, outras coisas que podem
também gerar prazer e podem talvez desafiá-los a buscar algo diferente, por que muitas vezes a
gurizada não teve isso, nem tiveram apoio”.
João – “Eu acho que até grupos recreativos... Uma coisa que a gente também têm
dificuldade de realizar é com a arte, pintura, um material mais interessante que a gente não
trabalha porque têm dificuldade. Tu viu o muro que a gente tá tentando pintar, é uma coisa que
dá mais vida, que mexe, que desperta o interesse, que eles consigam expressar coisas que pela
fala talvez ele ainda não consiga, normalmente não, eles têm dificuldades, se um adulto tem,
imagina um adolescente com 12, 13 anos”.
6.2.1.4 A abordagem convencional e o tratamento do adolescente
Nesse tema, reunimos categorias que explicitam as abordagens de tratamento presentes na
instituição estudada, assim como relatos que questionam a sua efetividade no tratamento de
adolescentes. No primeiro grupo, os relatos enfocam as modalidades de atendimento disponíveis,
baseadas na abordagem cognitivo-comportamental. No segundo, é sublinhada a necessidade de
produzir alterações no enfoque terapêutico para aproximá-lo da “linguagem” e especificidades do
adolescente. De acordo com um dos entrevistados, o terapeuta necessita, principalmente,
estabelecer uma relação positiva e afetiva com o adolescente, ao invés de investir na aplicação
das técnicas convencionais da abordagem cognitivo-comportamental.
92
6.2.1.4.1 Abordagem e métodos
Nessa categoria, agrupamos falas dos entrevistados que identificam as formas de
tratamento disponíveis na instituição e suas orientações. A primeira delas esclarece que o
programa terapêutico da unidade não foi planejado visando o público adolescente:
João - “O foco não é os adolescentes, até há uma orientação de que atendesse os
pacientes adultos, mas sempre tem, assim, 16, 17 anos, surgem alguns pacientes aqui, mas não é
o foco central da unidade, não é uma especialidade o publico adolescente, mas eventualmente a
gente acaba recebendo”.
Nos relato abaixo são explicitadas as diferenças entre o atendimento pelo SUS e os
atendimentos particulares. Destacam-se os atendimentos grupais como a principal abordagem da
internação, momento em que os pacientes aprofundam a discussão de assuntos relacionados à
drogadição e parecem aproveitar melhor o tratamento:
André – “Na internação particular (...) não tem psicoterapia, na internação tem
atendimento com psicólogo, tem grupo todo dia de manhã e de tarde. Já o atendimento de
psicoterapia no ambulatório é uma vez por semana ou duas. O paciente que vem ao ambulatório
é uma psicoterapia normal”.
João – “Eu considero como mais importante o momento que eu tô em grupo com os
pacientes. Eu acho que é o quê me dá mais satisfação, acho que é um momento bem importante e
marcante, a gente consegue discutir vários assuntos, entra em varias áreas, eu sinto que é um
momento em que eles se soltam mais, se sentem mais à vontade, ficam mais atentos ao trabalho
dessa problemática que é a dependência química”.
93
A seguir, o psicólogo esclarece o viés teórico que orienta as abordagens da instituição,
assim como suas principais linhas de atuação, destacando a abordagem motivacional e o
treinamento de habilidades sociais:
André – “A gente têm uma abordagem aqui mais cognitiva (...). É cognitivo-
comportamental, eu sempre trabalhei com técnicas cognitivas”.
André - “Então, nós também temos o papel de motivar as pessoas a parar de usar
drogas, não adianta querer só paciente que queira parar de usar drogas. Então, uma das linhas
que a gente trabalha na área de dependência química é a motivacional, é motivar o paciente a
parar realmente”.
André – “Então a gente tá criando um grupo novo para os pacientes internados, voltado
para o treinamento de habilidades sociais, onde tem temas bem abordados sobre dependência
química atualmente, questões do tipo: dependente para de usar drogas e tu não sabe como te
comportar, como agir, como se envolver, como é viver num mundo sem drogas. A gente vai,
nossa idéia é trabalhar isso, que eles reaprendam algumas coisas sociais, como procurar
emprego, como conversar com autoridades, como conversar com pessoas que não usam
drogas”.
6.2.1.4.2 O adolescente em tratamento: um desafio
Nos próximos relatos, é posta em dúvida a efetividade da abordagem convencional da
unidade no tratamento de adolescentes. O entrevistado afirma a necessidade de flexibilidade no
tratamento e destaca a importância da relação terapêutica:
André – “Como um todo eu questiono a modalidade mais cognitiva com o adolescente,
no formato mais ortodoxo. Eu acho que com o adolescente tem que ser bem flexível (...), acho
que vai muito do terapeuta. O que ajuda mais o paciente adolescente é também o terapeuta que
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consiga ser bem afetivo, bem simpático e, ao mesmo tempo, consiga ter uma firmeza, esse limite
na relação”.
André – “Então, a terapia cognitiva com adolescentes envolve coisa escrita, tema de
casa, então terapia com tema de casa para adolescente é dureza, né. Tema pra fazer é colégio
pra eles, é um tédio pra eles, ainda mais nossos adolescentes, que sentem falta muito mais de
uma relação afetiva boa, que consiga refazer o lado mais desestruturado. É mais uma relação
com terapeuta do que com a terapia de um tipo formal”.
Nas falas a seguir, o entrevistado relata uma tentativa de formar um grupo para
adolescentes no ambulatório, a qual não foi bem sucedida devido ao esvaziamento progressivo do
grupo. Nota-se uma ambivalência do profissional quando relata que “não adianta” fazer um
grupo para adolescentes, pois eles não têm interesse, ao mesmo tempo em que, no próximo relato,
afirma ser interessante a idéia de um grupo para adolescentes:
André – “A gente já tentou fazer grupos só para adolescentes aqui, né, tentou. Fizemos
algum tempo e acabou se esvaindo, então, começaram a ficar só os pacientes da tarde, né, que
acabou em três, quatro pacientes e um faltava porque dizia que não tinha ninguém. Tipo, vão
parando, não sentem interesse. Um estagiário tentou fazer um grupo de adolescentes, investiu
um pouco nisso, mas não adianta”.
André – “Então, de adultos acho que a gente tá muito mais treinado a atender em
grupos para adultos, do que para adolescentes. Então, eu acho mais difícil, né. Não sei se
quando a gente fez a gente tinha um background pra segurar aquele grupo, não sei, isso faz
alguns anos. Na minha opinião, eu acho que adolescentes em grupos pode ser uma coisa bem
interessante pra eles, mas eu ainda não sei se em grupo para adolescentes, mas com
adolescentes mais velhos junto, com uma gurizada de vinte e poucos anos, junto. No nosso grupo
predomina pessoas de 15 a 70, 80 anos de idade, é bem heterogêneo. Muitos adolescentes
gostam e participam bem, se envolvem, mas grande parte ficam numa coisa bem opositiva, não
entram, então ficam com radio fone, óculos escuro, dormem.”
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Da mesma forma que André, João também aponta a falha institucional no atendimento de
adolescentes. No entanto, sublinha os esforços da equipe em administrar os conflitos
provenientes das diferenças de idade entre os pacientes:
João – “Aí ele vai vir, vai internar, vai ficar aí, claro que tem as dificuldades,
normalmente há uns choques entre adolescente e o pessoal mais antigo os pacientes, mas são
coisas que a gente procura administrar, orientar né, para que tanto o paciente de 70 anos possa
ser beneficiado, quanto o de 16 anos, mesmo sabendo as diferenças. Então, a nossa internação
aqui não foi pensada para o publico adolescente”.
6.2.1.5 “Ao sair daqui, será que ele vai continuar?
Nessa categoria, agrupamos relatos dos profissionais que expressam suas opiniões acerca
da necessidade de continuidade do tratamento iniciado na internação. Apoio familiar e recursos
comunitários são indicados como fatores fundamentais para auxiliar o adolescente em sua busca
por novas alternativas de vida. No relato abaixo, André indica a importância da família, tanto no
desenvolvimento da drogadição, como em sua recuperação:
André – “É importante, é importantíssimo tanto pro desenvolvimento quanto pra
recuperação do usuário de drogas. (...). A família como agente causadora da dependência
química, a gente pode ver por esse lado também, grande parte da família dos pacientes nossos já
têm outras pessoas que usaram, grande parte dos filhos pagam por isso, as mães também, mas
mais os filhos”.
Segundo João, os recursos familiares e comunitários são imprescindíveis para acolher o
adolescente e proporcionar o suporte necessário para a continuidade de sua recuperação. Enfatiza
a importância da continuidade do tratamento após a internação, a qual define como um breve
período de abstinência:
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João – “Muitas vezes a gente fica com uma certa falta de perspectiva positiva quando a
gente sabe que a família tá com muitas dificuldades, lá fora, e não vai ter um espaço na sua
família ou na sua comunidade que lhe favoreça que continue apoiando essa de mudança. Então
às vezes é bem delicado”.
João – “Eu me atrevo a dizer que é um breve período de abstinência, uma parada, uma
redução. Agora, eu entendo que a grande parte desses adolescentes vai sair daqui, vai pra um
lugar com menos recursos e que a família provavelmente vai estar da mesma maneira, eu não
consigo ver um prognostico muito favorável, porque não adianta eles virem aqui, aí toma
medicação, participa dos grupos, desintoxica, aprende umas coisas novas, umas técnicas
diferentes, mas ao sair daqui será que ele vai continuar? Essa é uma tecla que a gente bate
muito com os pacientes, a continuidade disso, a manutenção disso lá fora, em espaços que
muitas vezes vão contra esse possível movimento de mudança que eles possam fazer”.
No próximo relato, João esclarece o que entende por recursos comunitários capazes de
favorecer e apoiar o adolescente em sua recuperação. Enfatiza a importância do acesso à
atividades lúdicas e esportivas como recursos fundamentais. Nesse sentido, valoriza o trabalho
em rede, no qual o profissional passa a ter um papel ativo quando ajuda o adolescente a conhecer
os recursos que existem em sua comunidade e o incentiva a acesá-los:
João - “(...) é da reinserção, por que eu tenho um entendimento que não basta só reduzir
ou parar de usar a droga ou álcool, mas ao sair daqui eu procuro sempre estimular os pacientes
que estão aqui à necessidade de fazer outras coisas, de tentar buscar alternativas. O esporte, e aí
tu vai botar o esporte aonde? Mas aí, o que é que eu jogo, atividade de lazer, mas daí qual é o
centro comunitário que tem mais próximo, o que é que o município oferece, quais são as opções
lá na sua comunidade? Isso é bem delicado”.
Apesar da ênfase nos recursos comunitários, João, mais uma vez, aponta as dificuldades
enfrentadas pelo adolescente de baixa renda, o qual, muitas vezes, não possui recursos adequados
em sua comunidade e, inclusive, pode enfrentar dificuldades para seguir em atendimento
ambulatorial após a internação:
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João - “Então, não vão enfrentar isso lá fora sem suporte, sem apoio, porque quem tem
condições já tem dificuldades, ou seja, quem é da unidade privativa, quem tem condições
financeiras de busca de ajuda já encontra dificuldades. Aquele sujeito que não tem condições,
vai depender dos recursos públicos, vai ter mais dificuldades, imagina, ele sai daqui pra se
deslocar lá do centro pra atendimento, é difícil a gente percebe isso”.
6.2.2 Escutando os adolescentes na Unidade de Dependência Química
Passaremos agora à descrição das categorias emergentes das entrevistas realizadas com os
adolescentes internos na segunda instituição pesquisada. Suas características são as seguintes:
Giovana, 17 anos. Giovana é uma adolescente de classe média, em tratamento na
unidade de internação privativa do hospital pesquisado. Vive com a mãe e o padrasto em uma
cidade no interior do estado. Nas conversas informais realizadas com a jovem, ela relatou não
gostar de morar com a mãe e desejar voltar a residir com a irmã, em Porto Alegre. Não conheceu
seu pai. Quando da realização da entrevista, a adolescente estava na unidade de internação há 11
dias e dizia ter sido internada sem saber o real motivo, pois sua mãe lhe dissera que faria apenas
alguns exames. Apesar disso, se dizia disposta a ficar o tempo que fosse necessário no local. Em
alguns momentos era encontrada chorando, enquanto em outros, parecia tranqüila, conversando
de forma descontraída com os jovens de sua ala.
Jonas, 18 anos. Interno há 20 dias na ala privativa da unidade, está em sua quinta
internação no mesmo local. Estabelecemos contato com o adolescente após a observação de uma
reunião em grupo onde ele estava presente e discutia com pacientes mais velhos. Mora com a
mãe, avó, irmã mais velha e seu sobrinho. O pai é separado da mãe há vários anos, mas faz-se
sempre presente junto aos filhos. Apesar das faltas à escola devido às internações, Jonas segue
estudando, pois sua mãe (professora de sua escola) conseguiu autorização para que seguisse
estudando mesmo não comparecendo as aulas.
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Fabrício, 17 anos. Estabelecemos contato com o adolescente em seu décimo dia de
internação, quando aguardava autorização para voltar a sua cidade, onde seguiria em tratamento
em um CAPS. Estava internado na ala privativa devido a um convênio entre o hospital e a
prefeitura de sua cidade. Reside com sua mãe e oito irmãos e passam por dificuldades
econômicas. Os pais separam-se há algum tempo, apesar disso, o pai os visita seguidamente.
Parou de estudar no ano corrente devido ao excesso de faltas na escola, mas pretende voltar a
estudar e trabalhar no próximo ano.
6.2.2.1 Relação com a família
Nessa categoria, agrupamos depoimentos dos adolescentes nos quais eles se referem à
qualidade de suas relações familiares, especialmente com pai e mãe. Os três entrevistados vêm de
famílias nas quais os pais são separados, estando aos cuidados da mãe, e apresentam diferentes
tipos de relação com o pai. Nos depoimentos abaixo, dois dos adolescentes relatam relações
conflituadas, permeadas por muitas brigas e discussões. Giovana denuncia, ainda, uma situação
familiar na qual a mãe a teria internado após relatar que sofrera abuso sexual por parte do
padrasto:
Giovana “Minha relação com a família é péssima. Eu sou tachada como a drogada da
família, que não quer nada da vida”.
Giovana “(estou aqui por que) eu usei maconha e porque eu sofri abuso sexual do meu
padrasto e minha mãe se quis ver livre do problema”.
Jonas – “Com a minha mãe era uma guerra dentro de casa, agora eu tô me dando
melhor com ela. (...) a gente brigava demais, discutia demais, sabe, e mesmo antes de eu usar
drogas a gente discutia pra caramba”.
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Fabrício – “É briga, mas só de vez em quando a gente discute com os irmãos, mas é só
discussão, de briga não tem muito assim. (...) Não, com a minha mãe, não. Minha mãe só me diz
as coisas, né, que não é bom usar drogas e coisarada. Só tenta me alerta das coisas, né, que as
minhas companhias não são boas. Brigar ela não briga, porque ela quer o meu bem, né, ela só
apenas diz, né, e era isso”.
6.2.2.2 Drogas: relações e conseqüências
Os três adolescentes entrevistados apresentam diferentes padrões de uso e importância
atribuída às drogas em sua vida. Destaca-se o caso de Giovana que demonstra o estabelecer uma
relação diferenciada com a droga utilizada, se comparada aos outros dois adolescentes com
menores prejuízos e importância atribuída. Visando evidenciar essas questões, agrupamos nessa
categoria relatos que descrevem como os adolescentes se envolveram inicialmente com drogas e,
a partir daí, quais foram as substâncias mais utilizadas, seus padrões de uso e conseqüências do
uso abusivo. Destaca-se a influência dos amigos na primeira experimentação, sempre ligada à
curiosidade despertada pela convivência com os pares
Giovana – “Ah meu Deus, faz tanto tempo. Devia ter uns 13, 14 anos quando fumei pela
primeira vez. Era aniversario de 15 anos de uma amiga minha e daí a gente tava no clube numa
festa dela e daí saiu um monte de gente pra fora, só que eu nem pensava em fumar, nem nada.
Meus amigos, ninguém queria me dar né, só tinha um amigo deles aqui de Porto Alegre que não
sabia que eu não fumava, aí ele fechou e ele tava fumando e eu pedi. Daí eu gostei. Daí eu segui
fumando, mas não diariamente. Teve uma fase que eu fumava mais seguido, fumava mais de uma
vez ao dia, todos os dias, mas já faz tempo. Agora só fim de semana”.
Nos próximos relatos, Fabrício conta sua trajetória. Atribui sua primeira experimentação
à curiosidade despertada pela convivência com amigos que usavam drogas. A partir desse contato
inicial, seguiu experimentando e abusando de outras drogas, até estabelecer uma relação de
exclusividade com o loló, droga que usa diariamente:
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Fabrício - “Há (eu comecei a usar) de eu vê os outros usar drogas. Assim, as pessoas
que andavam comigo junto e todo mundo usando, bah daí me deu uma vontade sabe, eu não tava
usando né, mas me deu uma vontade: ‘Bah eu vou vê como é que é isso daí”. Daí fui usando, fui
usando e quando eu vi já estava drogado de vez. Tinha uns 13, 14 anos. (...) eu fumava cigarro,
assim, mas era um, lá de vez em quando, e daí depois eu já fumei maconha, assim, daí depois já
passei pro lóló e depois já estava fumando mesclado, que é pedra com maconha, e daí depois
parei com o mesclado. Acho que já faz um grande tempo que eu parei. (...) Consegui parar
sozinho. Com maconha, parei com a maconha, e hoje eu continuo só no lóló e no cigarro”.
Abaixo, o adolescente relata a freqüência e a intensidade de seu uso de “loló”, antes da
internação:
Fabrício – “Todo dia. A hora que eu tava usando se, por exemplo, à noite eu sempre
tinha, mas se eu fosse dormir a noite e tivesse de manhã cedo, quando eu me acordava eu já tava
usando de novo. É eu já me acordava, já me acordava usando drogas. Nem comia direito, assim,
come, no meu caso eu me alimentava bem, mas, assim, eu já ia direto usar drogas”.
Também para Jonas, a primeira droga experimentada foi a maconha, a qual segue
utilizando. Relata ter experimentado também outras substâncias, entre as quais aponta o “crack
como a mais “encantadora” e a que lhe trouxe maiores problemas:
Jonas – “Eu tinha 14 anos quando eu fumei o primeiro baseado. Eu tava chegando de
uma festa, já era de manhã umas seis, quase sete horas da manhã. Daí um amigo meu tinha um
baseado e daí eu disse: ‘Tá, vamos fuma”, eu já ia dormi na casa dele mesmo, né, eu fumei e a
droga combinou mesmo comigo (...), a partir daí eu nunca mais parei de usar maconha, foi
aumentando, primeiro eu só usava fim de semana, depois os dias de semana e quando fui ver era
todo dia. Isso eu levei até os 15 anos e daí depois minha mãe descobriu. Com 16 anos eu cheirei
cocaína pela primeira vez, mas, sabe, não me agradou muito; daí aos 17 anos eu experimentei o
crack, tipo, aquela coisa de amor à primeira vista, sabe, bah, loucura. (...) é o efeito imediato da
cocaína, daí eu: ‘Bah, vou usar, né’, eu usei e depois de um mês eu usei de novo e depois
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começou seguidamente. Teve uma época que foi todo dia, acho que foi quase seis meses usando
direto, até eu vir me interna aqui a primeira vez. É a primeira vez eu cheguei aqui bem mal”.
No relato abaixo, Jonas se diz um dependente de crack, e atribui a isso a perda de todos
os objetos de uso pessoal que valorizava, além de utensílios de sua casa, os quais vendia para
comprar a droga. Refere que ao perder o controle do uso de crack “perdeu tudo”:
Jonas – “Crack, que é meu grande problema, né. (...) quando o viciado fala assim, há
comecei a usar drogas e perdi tudo, pode ter certeza que é verdade. A gente perde tudo mesmo,
roupa, eu vendi minhas roupas, só roupa de marca, tinha um monte de tênis tudo caro, vendi
tudo (...). Então foi ficando uma bola de neve, e a tendência era só aumentar. Então minha mãe
tirou minha moto, e eu já tava sem tênis e sem roupa, e daí minha mãe comprava mais, eu
vendia, e ela comprava mais e eu vendia de novo e quando eu fui ver não tinha mais o que
vender meu e comecei a pegar coisas dentro de casa, sabe, mas nunca fui na casa de alguém e
peguei algo pra vender, só peguei da minha”.
6.2.2.3 Tratamentos: trajetórias e reincidência
Nos relatos abaixo, os adolescentes contam seus percursos em tratamentos anteriores e a
forma como chegaram à internação atual.
Giovana – “Não (nunca fiz tratamento), é a primeira vez. Não por achar que eu não
precisava, nunca tinha passado pela cabeça: há um dia eu vou me internar, um dia eu vou me
internar. Achei que isso nunca ia acontecer”.
Apesar de nunca ter feito um tratamento específico para drogadição, Giovana fazia
psicoterapia em um consultório particular. No trecho abaixo, fala sobre a relação com sua
psicóloga, expressando gostar do tratamento e confiar na profissional:
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Giovana – “Eu confiava muito na minha terapeuta, era a pessoa que sempre dizia que
ela notava era que as pessoas sempre desistiam de mim e (dizia):‘Eu não vou desistir de ti’; e eu
me dava super bem com ela e de repente me cortaram a terapia, nunca mais vi ela”.
No próximo relato, Fabrício comenta os locais onde fez tratamento e o tempo decorrido
em cada um deles. Conta que, no primeiro local não “agüentou” ficar mais de quatro dias,
enquanto no segundo cumpriu o tempo estabelecido, mas recaiu em poucos dias. Refere que a
internação atual se deu por vontade própria:
Fabrício - “O primeiro era em Caxias do Sul e o outro aqui em Porto Alegre. Em Caxias
eu fiquei quatro dias e fui embora, me deu vontade de ir embora e eu fui; já no outro, fiquei 15
dias”.
Fabrício – “(referindo sobre o porquê de estar agora em tratamento) Há, porque eu tava
usando muita droga, né; daí eu pensei pra mim que era bom eu vim, pra eu tentar me recuperar,
(...) ninguém me obrigou”.
A seguir, Jonas relata sua trajetória. Refere que a primeira vez em que foi internado o foi
obrigado, por pressão da família. Não completou o tratamento e fugiu. Depois dessa experiência,
as outras quatro internações foram por vontade própria. No último relato, descreve sua última
tentativa de ficar em abstinência, durante a qual se afastou de casa e tentou manter-se sóbrio sem
recorrer a recursos terapêuticos ou medicamentosos. Quando voltou para casa e recaiu
novamente, decidiu voltar à internação:
Jonas – “Cinco internações no mesmo lugar. Vai fazer dois anos que eu venho pra cá: eu
vim no ano passado e agora eu vim esse ano de novo, pela segunda vez, e vim três vezes no ano
passado e duas vezes esse ano”.
Jonas – “(...) a primeira vez foi mais por pressão da família, que eu tava muito agitado,
sabe, eu tava no auge da drogadição, mas foi por pressão da família tanto que eu fugi a
primeira vez, fiquei 22 dias e fugi. (...) a segunda foi normal, eu vim porque eu quis”.
103
Jonas – “É, na realidade foi assim, deu três meses e eu fumei, só que eu fumei duas
pedras, no caso, e eu peguei e fui pra praia e fiquei lá e não usei. Eu mesmo consegui me
controlar, mas perto do que eu uso é praticamente não usar, né. Passou mais três meses e eu
voltei pra casa, segunda-feira, e na sexta-feira eu recai, então, bah, duas vezes né, de novo. Tá
certo que ouve um intervalo né, eu podia ter ficado em casa e tentado me segurar, ter tentado me
controla pra não ir atrás, mas eu acho que não ia conseguir. Então se é pra ficar na dúvida, eu
vim pra cá”.
6.2.2.4 Avaliação do tratamento
Nesta categoria, reunimos depoimentos que demonstram a avaliação dos jovens acerca do
tratamento recebido na unidade. Os três admitem gostar do tratamento, embora reclamem do
isolamento da primeira semana e de alguns integrantes da equipe:
Giovana –Ah, eu imaginei que era totalmente diferente, muito mais trancado, achei
que era mais rígido o negócio (...). No começo eu não gostava porque era muito trancado, mas
agora tu pode pegar o teu sol, tem atividades pra fazer, tô achando proveitoso”.
Fabrício - “Olha eu acho que foi bom aqui por causa que todos os dias que eu cheguei
né, bah, eu tava pensando assim, vou ser bem sincero, bah eu tava pensando que esse lugar deve
ser bem ruim né, mas não foi isso que aconteceu, o lugar aqui foi muito bom. Assim, até já
encontrei os amigos meus lá da minha cidade aqui, que já foram embora, bah, eu já vi o outro
pessoal, assim, e já fui fazendo umas amizades, já fui mais começando a gostar, assim, já fui
pegando o ritmo das coisas, dos grupos, assim, e daí eu já fiz mais amizade com as pessoas. Os
médicos me ajudaram também, me deram remédio, me deram tudo que eu tinha de direito, deram
alimento, nunca deixaram falta alimento. Então eu acho que aqui foi bom”.
Jonas, em sua quinta internação, avalia favoravelmente o tratamento, especialmente no
que concerne à atuação dos profissionais:
104
Jonas – “O tratamento é bom, não é ruim o tratamento. Como é que eu posso te falar, há
eles tentam fazer o melhor, o que tiver ao alcance eles tentam fazer pra gente. Ha não, sem
comentários, são fora de série. A historia do trabalho deles é excelente, eles tratam a gente muito
bem, sempre tem um ou dois que não sabem que atitude tomar em situações impróprias, sabe,
mas a grande maioria, quase todos, são profissionais excelentes”.
6.2.2.5 O que poderia ser diferente
Nesta categoria, agrupamos depoimentos que comportam críticas a aspectos do programa
considerados desfavoráveis pelos adolescentes, assim como suas sugestões. Na opinião de
Giovana, o tratamento propicia uma espécie estratégia de prevenção, no entanto, considera que o
enfoque deveria tratar da mesma forma o alcoolismo e a drogadição. Jonas também refere essa
diferença, por isso considera que os usuários de drogas deveriam ser atendidos em grupos
diferentes:
Giovana –Tem o lado bom de estar aqui, tem bastante coisa, situações em que tu não
queres chegar, tu sai daqui prevenida”.
Giovana –Tem bastante apoio, mas acho que, no sentido de droga, acho que devia ter
uma força maior, que é mais puxado pro álcool. É o que eu noto, não sei se é porque maioria das
pessoas internadas usam álcool, mas é assim”.
Jonas – “Eu acho que podia, assim, eu acho que deveriam separar os alcoólatras dos
dependentes químicos. É, eu acho que podiam separar, não em alas diferentes, mas em grupos
diferentes, sabe, um grupo atende os alcoólatras e um grupo atende os drogados (...), por que as
opiniões são muito diferentes entendeu, porque um drogado até entende o lado do alcoólatra
sabe, até entende a situação que ele vive e tudo mais, mas entende pouco, as opiniões são muitos
diferentes de um alcoólatra e um drogado, no meu ponto de vista”.
105
Na avaliação de Fabrício, o programa está bom, apenas sugere que sejam disponibilizados
recursos para a prática de atividades físicas pelos internos, o que lhes ajudaria a se distrair, gastar
energia e, assim, não ficar pensando nas drogas:
Fabrício – “Não. Pra mim eu acho que tá bom assim. Muita coisa que eu acho que
poderia ser diferente é ter um negocio pra fazer umas ginásticas, essas coisas, assim, sabe pra
passar um pouco mais o tempo, porque daí se fica mais distraído. Ter umas bicicletas, uns
negócios assim, né, que na outra clínica tinha e, bah, eu gostava um montão (...) É, com bicicleta,
essas coisas aí. Daí, bah, a gente vai pegando mais energia e vai procurando, assim, esquecer
mais, não vai fica pensando muito na droga, vai fica fazendo uma atividade ali, sei lá”.
6.2.2.6 “Aos poucos eu tô melhorando, aos poucos”
Nesta categoria, reunimos relatos nos quais os adolescentes refletem sobre as
experiências vividas na unidade, problematizando seus benefícios e as possibilidades de
estenderem à vida cotidiana o que aprenderam e vivenciaram ali. Nos relatos abaixo, Jonas reflete
sobre sua trajetória e mudanças pessoais obtidas no transcorrer de suas internações no local:
Jonas – “Minha experiência, cara... Nas duas primeiras internações eu era muito
rebelde, não aceitava as regras da casa, não me conformava de estar trancado lá em cima, não
me conformava com muita coisa, eu era muito rebelde, mas agora, sabe, eu aprendi a respeitar
as regras, me controlar porque eu não tinha controle antes do que eu digo, eu era muito
agressivo. Agora eu sou um cara calmo, compreensivo, um pouquinho mais compreensivo (...)”.
No próximo trecho da entrevista Jonas refere o “Grupo de Auto-Monitoramento” como
um dispositivo que lhe ajudou a evitar situações de risco, demonstrando aproveitamento das
vivências e ensinamentos obtidos durante as internações:
106
Jonas – “Mudou a partir da quarta vez que eu sai daqui, eu sai bem consciente, assim,
do que eu ia fazer lá na rua, sabe; assim, porque tem um grupo de automonitoramento, sabe,
muita gente pensa que é besteira, mas ajuda. Então seguir um pouco dos conselhos, é um ou dois
conselhos. E eu apliquei lá fora, em não ir aos lugares que eu ia, né, onde tem comércio de
drogas que eu ia, era onde eu vivia, praticamente, sabe, não tinha outra rotina, da casa para o
ponto de tráfico. Mudei um pouco as amizades, larguei aquelas amizades que usavam (...)”.
Para Giovana, acostumar-se a acordar cedo e seguir rotinas é um dos possíveis proveitos
que levará de sua experiência na unidade:
Giovana - “(...) Bah, tem que acordar tri cedo, né, pra tomar café da manhã, horário pra
tudo, porque antes eu não tinha horário, a hora que eu sentia fome eu ia lá e comia, não tinha
que ter aquele determinado horário. (...), mas, normal, eu acho que se está dentro do lugar tem
que seguir as regras. Até acho que agora vou acostumar a dormir cedo e acordar cedo, a hora
que eu sair daqui”.
Na opinião de Fabrício, parar de usar drogas é uma questão de escolha e de esforço
pessoal. Refere que não adianta estar internado e dizer que quer parar, pois é necessário ter essa
postura no cotidiano:
Fabrício – “Acho que pode ate ajudar sim, mas é que nem eu digo, é só eu querer parar
de usar né, não adianta dizer aqui dentro que eu quero parar de usar drogas e chegar lá fora e
eu usar. Porque eu não sei como vai ser lá fora, que é que eu vou passar lá do lado de fora.
Então eu já digo aqui dentro que eu vou procurar me esforçar lá fora para que eu não possa
usar a droga”.
Também para Giovana apenas a experiência de estar na unidade não é suficiente para
parar de usar drogas, pois isso depende de uma decisão pessoal:
Giovana - “Mas o que eu vejo são vários grupos que só falam, todo mundo fala, ai tu vai
lá e fica 10 minutos por dia com a psicóloga, sabe. O negócio é coloca na tua cabeça que tu não
107
quer mais usar droga, porque se tu vir pra cá gostando da coisa, não adianta vir. (...) se tu não
quiser parar de usar não adianta, não vai te dar um choque que tu tem que parar. Comigo tá
funcionando porque eu não quero mais usar. Eu vim pra cá, eu já tava parando, sabe, eu vou
sair daqui na boa e eu não quero mais usar”.
No relato abaixo, Jonas atribui à sua trajetória de perdas materiais o impulso para parar e
mudar. Considera que ainda não mudou o suficiente, mas que está se esforçando. Destaca a
importância do apoio de sua mãe:
Jonas - O que eu penso, bah..., por exemplo, dessa ultima vez eu vendi a minha jaqueta,
vendi minha corrente de ouro, já vendi minha camiseta nesses dois dias, sabe. Então, depois de
tudo que eu fiz, tudo isso aí, eu parei pra pensar, pra eu crescer um pouco, evolui um pouco,
assim. Sabe, mas a gente erra e, graças a Deus, a minha mãe tá comigo até hoje, e tá me
apoiando, né. Então, aos poucos eu tô melhorando, aos poucos, eu não melhorei ainda o
bastante, eu tô melhorando, tô indo pra uma outra fase”.
Apesar de dizer que está querendo mudar, a seguir Jonas afirma que sem o apoio dos pais
não conseguirá parar e sequer terá porque querê-lo. Afirma que, caso não seja ajudado, acabará
entregando-se às drogas e à criminalidade:
Jonas – “É eu quero tipo assim, é como eu tava falando, se eles não me derem uma
chance, não me apoiarem, sabe, tirar minha carteira de motorista, até comprar roupa pra mim
sabe, assim porque me sinto mal, eu não saio mais bem vestido como antes. Então, eu tento fala
tudo isso; tá certo que eu parei faz pouco tempo de usar drogas, seis meses não é nada, mas para
mim é uma eternidade, né, porque eu acho que se eles não me apoiarem, assim, se eles não me
ajudarem, eu acho que não tem motivo pra eu ficar me esforçando, lutando, aí não só lutando
por mim, pra eu ficar bem, larga esse mundinho, eu tô lutando por eles também, porque eu fiz
minha família sofre pra caramba, né, e eu acho que eles têm que ter consideração por mim
também. Por isso né que eu não to aqui só por minha causa, mas por causa deles também. Então
eu acho que se eles não me ajudarem, minha vida vai tomar um rumo diferente do que eu
108
pretendo tomar, larga de mão sabe, viver uma vida que sei lá de um viciado, volta pras drogas,
crime esse tipo de coisa”.
6.3 CATEGORIAS EMERGENTES DAS ENTREVISTAS REALIZADAS EM UM
AMBULATÓRIO MUNICIPAL ESPECIALIZADO NO ATENDIMENTO DE
ADOLESCENTES
6.3.1 Os profissionais e sua visão do tratamento
Passaremos agora à descrição das categorias emergentes dos relatos dos profissionais
entrevistados na terceira instituição pesquisada. Suas características são as seguintes:
Elis, terapeuta ocupacional. Elis é funcionária pública, trabalha no ambulatório
pesquisado há 8 anos. Suas atribuições nesse local dividem-se entre a coordenação de grupos
terapêuticos para adolescentes maiores de 14 anos e “Grupos de Acolhimento”, a realização de
atendimentos terapêutico-ocupacionais individuais e o acompanhamento de adolescentes
vinculados a projetos de estágio e ao programa “Bolsa Jovem-Adulto”, além da sua participação
na criação de projetos ligados ao ambulatório. É professora universitária em uma instituição
privada.
Marilia, psicóloga. Marilia é funcionária pública e trabalha no serviço pesquisado há 8
anos, onde executa atividades ligadas, principalmente, ao atendimento de adolescentes de até 14
anos de idade. É a responsável pelos grupos terapêuticos para adolescentes de 12 a 14 anos e pelo
Grupo de Egressos”; realiza também atendimentos psicoterapêuticos individuais.
109
6.3.1.1 Percepção do adolescente que chega ao ambulatório
Nesta categoria, agrupamos relatos nos quais os profissionais explicitam sua
compreensão das principais questões que envolvem muitos dos adolescentes atendidos no
ambulatório. Envolvimento com o tráfico, banalização da violência e do uso de drogas, maltrato,
abandono e busca de visibilidade são alguns dos principais temas destacados. No relato abaixo, a
psicóloga entrevistada cita os motivos mais freqüentes de encaminhamento ao ambulatório,
relacionando-os à sua freqüência:
Marilia – “(...) adolescentes usuários de drogas, adolescentes infratores que é o menor
número, o maior número de atendimento não é o infrator, é o usuário de drogas e vítimas de
maltrato e abuso”.
A seguir, Elis demonstra suas concepções acerca do cotidiano dos adolescentes da
periferia da cidade, para os quais o contato com a droga e a busca de sobrevivência e poder
através do crime ou do tráfico de drogas parecem ser os caminhos mais “acessíveis”, em um
contexto social que não lhes oferece outras possibilidades:
Elis – (...) um sujeito que tá mergulhado naquele cotidiano, naquela comunidade, com
experiências de uso do pai, da mãe, da tia, toda família sempre usou, ele se criou fechando
maconha pro pai dele, porque agora ele não vai usar, né, coisas desse tipo, ou se criou com o
traficante, que pagava o colégio para ele, dava merenda e tal”.
Elis – É o que nós percebemos aqui, por exemplo, o adolescente que tá muito vinculado
ao tráfico de drogas, ou com a questão do ato infracional, do roubo, do assalto; muitas vezes é
um adolescente que está nesse plano com uma certa idealização, querendo estar ali, entendendo
que esse é um lugar de poder na comunidade, e o é, a gente tem de entender isso também, né,
que é um lugar de poder que a nossa sociedade não ta dando pro jovem, que não precisaria estar
dando dessa forma (...); só que outros acabam entrando por uma pressão de falta de
oportunidades, mesmo”.
110
Na opinião de Marilia, abandono e negligência familiar são as características mais
marcantes do público atendido no serviço:
Marilia – “Eu vejo uma situação de muito abandono geral, não só aqueles que foram de
fato abandonados que moram em abrigos, mas pela própria família. Tem famílias que
freqüentam o serviço, vêm quando a gente chama, mas tem um certo abandono nisso, né. (...)
Mas eu vejo muito abandono, muita negligência, é um maltrato geral”.
6.3.1.2 Os encaminhamentos
Nesta categoria, agrupamos relatos que demonstram as principais vias de
encaminhamento ao ambulatório, entre as quais encontram-se os encaminhamentos compulsórios.
Elis – A marcação é fácil, existe uma agenda aberta, não é por central de consulta, tu
liga e se tu for um caso da região, por que agora (...) o ambulatório é responsável por casos do
Centro, Partenom e Lomba do Pinheiro. Os outros casos ficaram pra Casa Harmonia, pra
outros serviços. Mas a gente resguarda, apesar da regionalização, a nossa especificidade que é
o atendimento da violência urbana e da droga”.
Marilia – “São encaminhados pelo Conselho Tutelar, delegacia do adolescente,
Ministério Publico, etc.”.
A seguir, a profissional aborda a questão dos adolescentes encaminhados
compulsoriamente para tratamento, os quais constituem grande parte do público atual do serviço.
Sublinha que, nesses casos, por pressão do cumprimento de uma Medida de Proteção (ECA,
1990), o adolescente é obrigado a comparecer ao serviço por um tempo determinado, mesmo que
se oponha ao isso, o que lhe leva a compreender o tratamento como parte da medida que deve
cumprir:
111
Elis – “A maioria dos jovens dessa faixa etária não vêm porque querem, eles vêm por
uma medida protetiva de tratamento, né, por uma obrigação da sua técnica de execução de
medida sócio-educativa em meio aberto”.
Elis – “É, eu acho que o que a gente tem vivido no ambulatório é um momento muito
específico que é assim, um aumento enorme de encaminhamentos compulsórios pra tratamento;
não que antes não houvesse, mas havia meio que uma preparação do adolescente, assim,
quando ele dizia: ‘Não quero me tratar’, etc; agora vêm muitos adolescentes que chegam aqui
dizendo: ‘Eu disse pra dona do PEMSE que eu não quero me tratar e mesmo assim ela me
mandou vir’; né, quer dizer, já é uma tarefa difícil tratar alguém assim, jovem, nessas condições
peculiares, mas com a droga associada, ele vindo obrigado, entendendo aqui como uma parte da
medida dele, e aqui não é uma medida, é um atendimento que ele pode manter pra além da
medida, então fica muito difícil”.
6.3.1.3 Equipe e práticas: integralidade e redução de danos
Neste tema, agrupamos categorias que se complementam, propiciando uma visão de
conjunto do funcionamento do ambulatório, das principais características de sua equipe, de suas
práticas e de algumas das principais concepções que embasam o trabalho dos profissionais. Entre
essas, ocupam lugares centrais: a Redução de Danos e a busca por uma integralidade na atenção,
baseada no pressuposto de que o atendimento terapêutico não é capaz de abarcar sozinho a
complexidade do abuso e dependência de drogas na adolescência.
6.3.1.3.1 Práticas
Essa categoria inclui relatos que descrevem as principais práticas de atendimento do
ambulatório, suas características e o envolvimento dos adolescentes nas atividades propostas. As
112
profissionais dão destaque ao lugar ocupado pelos grupos e seus objetivos. Também é enfocada
importância do envolvimento dos familiares no processo terapêutico. Iniciaremos a partir de
trechos da entrevista de Elis que evidenciam o papel do “Grupo de Acolhimento” na recepção
inicial de adolescentes:
Elis – “Quando a gente começou a fazer acolhimento em grupo começou a surgir uma
gama de situações que não surgiam no acolhimento individual, por exemplo, envolvimento com
gangues, galeras, tribos, né, por exemplo, uso de drogas, atos infracionais mais graves, porte de
arma (...). O que a gente viu é que, na medida em que um falava, que tinha coragem no grupo
para falar quando tava se apresentando, que tava aqui por maconha, crack, o outro se sentia a
vontade porque um teve coragem de falar e não foi repreendido (...)”.
Nos trechos a seguir, Marilia, responsável pela coordenação dos grupos para adolescentes
de até 14 anos, descreve a dinâmica desses atendimentos, nos quais a troca é a tônica principal,
fazendo desse espaço um lugar de auto-afirmação e de reflexão sobre suas vivências e seu
envolvimento com drogas:
Marilia – “Aí, o grupo era mais em função dessa troca de experiência, de ele
compartilhar isso no grupo. Nos dois grupos que eu faço de usuários de drogas a maioria tem
essa faixa etária e têm em comum isso: a droga”.
Marilia – “(...) mas o grupo vai trazendo, eles vão contando as historias, o que é que eles
vivenciaram, daí o outro vai trocando; alguns gostam de contar vantagem em cima disso, porque
já usaram isso e aquilo, às vezes até exageram um pouco, até pela própria faixa etária. Mas eles
vão trazendo e se trabalha em cima disso, às vezes, a gente assiste um filme, coisa que eles
mesmos sugerem, e aí sempre acaba aparecendo alguma coisa relacionada com essa vida deles
no momento”.
No próximo relato, a psicóloga descreve as principais drogas usadas pelos adolescentes e
o papel do grupo terapêutico como espaço para a troca e reflexão sobre suas vivências, no qual a
Redução de Danos é conduzida pelos próprios participantes, quando contrapõe encorajam-se
113
mutuamente a trocar uma droga considerada mais prejudicial por outra que acarrete menores
prejuízos. Destaca-se também na fala da profissional o respeito às opiniões dos participantes e a
autonomia que lhes é concedida:
Marilia – “Geralmente nos meus grupos, eles têm o uso de maconha e loló, muito pouco
crack, assim, já têm alguns iniciando, mas é muito pouco. Eles mesmos já trazem a idéia de
querer largar o loló, porque o loló é pior que a maconha, eles dizem, e eles mesmos já vão
reduzindo, acham que largar o loló é melhor e ficam com a maconha por um tempo. Então eu
trabalhava assim, na fala deles mesmos: ‘Há, não, larguei o loló e tô melhor, eu só tô com a
maconha, aí o grupo mesmo vai dizendo: ‘Há não, tem que largar a maconha também, se deu
pra largar o loló dá pra largar a maconha também!’; e geralmente eles vão parando até por que
eles têm esse acompanhamento, meio sistemático, que eles são muito novinhos. É trabalhando
assim, conforme eles vão trazendo, e a gente dá ênfase numa ou em outra coisa, mas a redução é
feita por eles mesmos, por escolha deles, eles dizem: ‘Ah, o crack não dá!’; assim, alguns com
internação psiquiátrica e aí quando entra o crack, principalmente, eles dizem: ‘Bah, tu te
internaste por causa do crack, se tu usasse só maconha não iria precisar!’, mas aí a gente vai
trabalhando isso”.
A importância da família no tratamento é destacada abaixo, assim como a prática
constante de buscar o envolvimento, principalmente da mãe, no atendimento:
Marilia – “Eu chamo sempre, eu quero sempre ela aqui do lado, porque não tem como
trabalhar sozinha nisso. Como é que vou pegar um menino de 13 anos e uma mãe dizer que não
dá conta e deixa essa mãe de fora? Além da gente tentar vencer a crise da família eu acho que a
gente tem que fazer esse trabalho junto, até nos grupos eu faço encontros sistematicamente com
os pais. Mas eu noto que no individual isso ajuda muito”.
6.3.1.3.2 Funcionamento da equipe e interdisciplinariedade
114
Nesta categoria estão presentes relatos que sugerem um funcionamento interdisciplinar no
serviço, atestado pela busca permanente de troca entre os profissionais, visando ampliar a
percepção de cada jovem atendido, assim como a união de estratégias para uma maior efetividade
na atenção. Também é enfocada a capacidade de adaptação da equipe às mudanças de demanda,
assim como à mudanças no próprio público. Na opinião de Elis, essas características propiciam à
equipe uma grande abertura, capacidade de flexibilização e visão de que as regras podem ser
modificadas, se isso for necessário:
Elis – “É uma equipe aberta, tanto que tu pode ver que a modalidade que a gente atende
vai se alterando de acordo com a necessidade da população (...). Precisa de atendimento para
menino de rua? Vamos atender. Não precisa mais, tem a Casa Harmonia, então voltamos a
atender abuso sexual. E aí, a FASE começou a encaminhar alguns casos, foram casos que deram
certo e a gente começou a atender cada vez mais medida sócio-educativa (...)”.
Elis – “É essa coisa de ir se adequando de acordo com as necessidades (...), então,
quando a gente faz uma regra em um serviço de saúde ela é uma regra para normatizar, pra
facilitar, ela não é uma regra pra impedir o sujeito de acessar, se a regra está impedindo que o
sujeito acesse, ela é uma péssima regra, ela tem que ser quebrada”.
Na fala de Marilia, a equipe está sempre buscando aprimorar-se, por isso se analisa
constantemente e faz das trocas entre a equipe o principal instrumento para encontrar formas de
melhor atender às necessidades emergentes:
Marilia – “Eu acho que a gente tá sempre discutindo, querendo fazer algo a mais,
diferente, a gente sempre tem que fazer o melhor. (...) A gente tá num momento também de
questionar várias coisas, que fazer melhor é a nossa meta (...). A gente sempre tá discutindo o
que tu pode dar a mais pra eles”.
Marilia – “Claro, trocamos muito, até porque tem a pedagoga que atende um caso,
temos o psiquiatra que atende um caso, tem o clínico. Se troca, quando um caso tá complicado a
gente sempre discute, esse é um hábito nosso, contínuo, até por que não tem como tu fica
115
isolado, esse paciente vai passar por uma recepção que percebeu alguma coisa; às vezes não dá
tempo de discuti tudo”.
6.3.1.3.3 Atenção ampliada: buscando novos espaços
Nesta categoria reunimos relatos que descrevem esforços da equipe do ambulatório no
sentido de proporcionar uma atenção ampliada, visando formas de atenção integral possíveis
dentro do enquadramento enxuto de sua equipe e dos recursos disponíveis. Os depoimentos a
seguir demonstram um consenso no que tange à insuficiência de oferecer apenas atendimentos
em grupo ou individuais sem dar-se a devida atenção à outras instâncias da vida do adolescente:
Elis – “E é isso o que a gente percebeu no ambulatório, só oferecer o atendimento
terapêutico não era o suficiente, e como a gente não tinha uma rede que a gente pudesse fazer
parcerias, a gente começou por nós a começar a tocar e criar essa rede”.
Elis – “Quer dizer, a gente acabou vendo que tu tem que incluir, que dar outra
oportunidade, não adianta tu dar atendimento psicológico, atendimento terapêutico, chega o
momento em que o cara ta num sofrimento psíquico porque precisa trabalhar, porque a mãe dele
fica dizendo pra ele: ‘Tu tem 18 anos, vai te virar, meu filho!’, e ele tá naquele sofrimento ali,
acaba entrando no tráfico, acaba levando dinheiro de roubo pra dentro de casa, pra dizer que
contribuiu.”
Marilia – “É uma coisa que a gente tá vendo que precisa, ter uma ocupação, que às
vezes só o momento terapêutico não é o suficiente, tem toda uma vida lá fora”.
Nos depoimentos seguintes, Elis descreve a criação de um projeto que possibilitou a
inclusão de 13 adolescentes atendidos no ambulatório em estágios na prefeitura, o que, em sua
opinião, está lhes possibilitando nova formas de inclusão e a criação de novas possibilidades de
116
vida. Descreve também o acompanhamento realizado pela profissional visando auxiliar os jovens
à utilização dos recursos advindos de sua inclusão nos projetos:
Elis – “A gente fez uma proposta no ano passado pra Secretaria de Administração pra
que nós pudéssemos encaminhar os adolescentes triados por nós, que conseguiram chegar ao 2º
grau, que é um número muito baixo que está fazendo 2º grau, para os estágios para a prefeitura
de Porto Alegre (...). Então a gente via que os nossos adolescentes se escreviam, mobilizados por
um movimento que a gente fazia, mas nunca eram chamados, eles não tinham os requisitos
básicos que os setores da prefeitura sugeriam que eles precisavam, então a gente fez esse
projeto, a Secretaria de Administração acolheu e entendeu o mérito social dele. (...) E nós temos
hoje 13 adolescentes em estágios na prefeitura”.
Elis – “(...) a gente tentou fazer um acompanhamento no seguinte sentido (...), por
exemplo, ir visitar locais pro adolescente alugar uma peça, ele queria alugar e eu ia junto, ou ir
procurar um curso de computação pra fazer, e ele queria pagar com o dinheiro da bolsa (...)”.
6.3.1.4 Avaliação do atendimento
Os depoimentos incluídos nesta categoria descrevem a avaliação das profissionais acerca
dos resultados do trabalho do ambulatório. Apesar de serem descritas dificuldades e um número
maior de desistências do que de continuidade no tratamento, a visão de ambas sugere um
aproveitamento por parte dos adolescentes que persistem no tratamento. O serviço é descrito
como um local de referência, mesmo quando o jovem não está mais em atendimento:
Elis – “Então, o que a gente têm hoje, a gente têm pacientes antigos (...) e que se
beneficiaram muito, e que vêm agora de 15 em 15 dias, uma vez por mês, ou quando precisam,
né. A gente tem pacientes que tão se beneficiando, e a gente tem um número maior, hoje, de
pacientes que não ficam, né, a gente têm que dizer isso”.
117
Marilia – “Tem casos muito complicados; eu vejo com otimismo, eu acho que tem
muitos que estão bem e que a gente conseguiu fazer alguma coisa (...) por que quantos a gente vê
que estão se organizando, tão trabalhando, estudando”.
Marilia – Tem bastante coisa gratificante, outras nem tanto. Eu acho que quando ele
começa a apresentar uma melhora e aí tu começa a ver o resultado na escola, alguns que
retornam pra escola já que estavam sem estudar, porque a gente consegue trabalhar com a
família, então tá começando a entender isso de outra forma (...). Isso é o mais gratificante, essa
melhora, claro, quando cria um bom vinculo com o serviço, que muitas vezes acontece que eles
estão mal e vêm aqui pedir alguma ajuda, em todos os horários do grupo, a qualquer momento”.
Elis -É um atendimento pra vida do adolescente. Ele pode até não ficar aqui, ele pode
até voltar a usar drogas, ir pro presídio; mas ele volta anos depois e diz: ‘Eu sou do
ambulatório’; e isso é muito significativo. Eu sei que eu chegando ali, estando a minha terapeuta
ou não, o ambulatório vai me ouvir, vai me acolher (...). É um espaço de referência e é isso que a
gente quer ser pro adolescente. É claro que se, de quebra, tratar, melhor; se, de quebra, ele
deixar de usar drogas, melhor; se, de quebra, ele reduzir os danos, muito melhor; mas a gente
quer se constituir num lugar de referência, por que esse adolescente não tem referência”.
6.3.1.5 O quê poderia ser diferente?
Essa categoria é composta pelas respostas dos profissionais acerca do que poderia ser
diferente no serviço. Ampliação do espaço físico, mudanças em procedimentos administrativos e
burocráticos seriam as principais mudanças a serem efetuadas:
Elis – “Eu acho que tem tantas coisas que poderiam ser diferentes, que dizem respeito
mais ao funcionamento do serviço no sentido mais burocrático, administrativo (...). A gente têm
impedimentos importantes, espaço físico, né”.
118
Marilia – Olha, eu acho que a gente podia ter mais espaço físico pra grupo, faltam
salas pros atendimentos, acho que isso devia ter mais, mas acho que isso não impede que a gente
faça o que têm de fazer”.
6.3.2 “Dando voz” aos adolescentes
Descreveremos a seguir as categorias emergentes dos relatos dos adolescentes
entrevistados no ambulatório. Suas características são as seguintes:
Iara, 16 anos. Está em tratamento no ambulatório há sete anos. Nesse período,
interrompeu o tratamento por um ano e retornou há um ano e meio por ordem judicial, logo após
o parto de sua primeira filha, pois havia usado drogas durante toda a gestação e sofria de
“depressão pós-parto”. Iara foi encaminhada ao serviço com nove anos de idade, por ter sofrido
abuso sexual e ter passado a viver em um abrigo residencial. Reside até hoje em ambiente de
abrigo, junto com sua filha, e não utiliza mais drogas.
Mauricio, 17 anos. Está em tratamento há um ano e meio no ambulatório, onde faz
psicoterapia individual. Buscou atendimento devido à problemas de relacionamento familiar e
uso de drogas. Relata estar a um ano em abstinência. Trabalha e estuda. É filho adotivo.
Tiago, 18 anos. Iniciou o tratamento há aproximadamente quatro meses. Nessa época,
cumpria medida sócio-educativa em regime semi-aberto na FASE, tendo sido encaminhado por
monitores daquela instituição para o tratamento ambulatorial. Atualmente, reside com os pais e
segue fazendo psicoterapia individual. Relata não estar mais usando drogas. Não trabalha nem
estuda, mas pretende voltar a estudar no próximo semestre.
119
6.3.2.1 Relações familiares
Os relatos que compõem essa categoria referem-se à percepção dos adolescentes
entrevistados a respeito de suas relações familiares, especificamente com seus pais e irmãos.
Apesar de dois dos entrevistados possuírem um histórico de afastamento precoce do núcleo
familiar, eles avaliam positivamente suas relações familiares. Segundo Mauricio, seu
relacionamento familiar melhorou bastante desde que parou de usar drogas, readquirindo a
confiança de seus pais:
Mauricio - Era uma situação bem difícil, agora tá bem melhor. (melhorou) tudo, a
confiança do meu pai agora em mim”.
Iara possui uma trajetória de afastamento precoce de sua família. No trecho abaixo, relata
suas passagens por abrigos e seu envolvimento com drogas:
Iara – “Eu fiz os exames, tudo, e daí depois eu fui pro abrigo. Fiquei lá até os 13 anos,
depois eu fui pra outro e fiquei até os 15 anos, depois eu fui pra outro de novo e fiquei indo lá
pra outro abrigo e fui pra cá já com a nenê porque é outro abrigo, aí lá eu comecei a usar
drogas”.
A despeito desse afastamento, Iara considera satisfatória a relação com sua família.
Refere não viver com sua mãe devido à “falta de condições”, possivelmente em referência à
carência de recursos financeiros:
Iara - “Com a minha família é boa, né, mas não da pra morar junto porque a minha mãe
não tem condições; daí eu vou morar com o pai da minha filha”.
No trecho a seguir, Tiago descreve sua família. Afirma ter um relacionamento satisfatório
com seus pais:
120
Tiago – “Moro com meu pai e minha mãe e com minhas irmãs, eu tenho cinco irmãs. (...)
A relação com a minha família é legal, é bem a relação, eles gostam de mim e eu gosto deles”.
6.3.2.2 Encaminhamento
Nessa categoria agrupamos relatos que descrevem os motivos e meios pelos quais os
adolescentes buscaram atendimento no ambulatório. Destaca-se o reconhecimento da necessidade
de tratamento pelos três entrevistados:
Iara – “(...) não é por causa que eu usava droga, foi por causa que eu fui abusada e eu
tava muito machucada, né, eu tava em pânico, daí por isso que eu fiz o atendimento, mas
naquela época eu não usava droga, não fumava, não fazia nada, aí depois que eu comecei, que
eu experimentei, que eu comecei a ir nos abrigos é que eu comecei a usar drogas”.
Mauricio - “Através do Fórum. (...) É que eu tava precisando, mesmo”.
Tiago - “Porque eu tava na FASE e daí os técnicos da FASE perguntaram pra mim se eu
queria vir pro atendimento que fala sobre drogas, sobre a família. Daí eu disse que queria, e daí
eles me escreveram. (...) Daí eu achei bom, é legal pra tu conversar”.
6.3.2.3 Tratamentos anteriores
Dos três adolescentes entrevistados, apenas Tiago havia passado por uma experiência de
tratamento anterior ao ambulatório, em uma Comunidade Terapêutica rural. Comenta que não
gostou da rotina de trabalho do local. Desistiu do tratamento e voltou a usar drogas:
121
Tiago – “Já tinha, já tinha vivido numa fazenda lá, não fiquei um mês, era pra mim fica
um ano e meio lá na fazenda pra mim me tratar das drogas, do crack que eu usava. Daí eu fui,
não fiquei uma semana lá e fugi. (...) Não gostei de ter que cava buraco lá, trabalhar, me deu
vontade de ir embora”.
Tiago – “Acho que quase todos que foram pra lá não conseguiram cumprir lá, se
mandaram embora”.
6.3.2.4 Drogas: usos, abusos e conseqüências
Neste tema, agrupamos categorias que descrevem como os adolescentes entrevistados se
envolveram inicialmente com as drogas e, a partir daí, suas diferentes trajetórias. São abordados
os prejuízos ocasionados pelo abuso dessas substâncias:
6.3.2.4.1 “Os guri perguntaram pra mim se eu queria, aí eu fui com eles”
Nesta categoria reunimos depoimentos que indicam as formas pelas quais os adolescentes
usaram drogas pela primeira vez. Destaca-se o fato de os três descreverem situações em que
estavam com grupos de amigos e usaram por influência desses:
Mauricio – “A primeira vez eu conheci uma gurizada ali no Julinho. Há, eu ia ali
sempre, aí os guri perguntaram pra mim se eu queria, aí eu fui com eles e comecei a usar”.
Iara – “A primeira vez eu tava com 15 anos. (...) tava todo mundo usando fora do
abrigo; era o pessoal de outros abrigos”.
Tiago – “Bah, fumando com os amigos. Tinha 14 anos”.
122
6.3.2.4.2 Trajetórias
Nos depoimentos a seguir, os adolescentes descrevem como passaram do uso inicial
descrito acima, a um aprofundamento gradual de suas relações com as drogas, demonstrado pelo
aumento na freqüência e intensidade do uso, e pela experimentação de outras substâncias:
Mauricio – “Há no começo era só maconha, mas depois foi evoluindo, evoluindo,
comecei a fugir de casa também. (...) loló, pedra, cocaína e crack; usei crack só uma vez”.
Iara – “Eu usei por usar, assim, sabe, aí eu usei, não gostei, fiquei um tempo sem usar,
só usei uma vez, mas depois eu fui usando, fui usando aos poucos e daí eu me acostumei, daí eu
usei droga até a gravidez”.
Tiago – Maconha, depois usei cocaína, depois eu usei pedra.
6.3.2.4.3 Prejuízos
Citamos abaixo relatos dos adolescentes sobre os prejuízos sofridos a partir do
aprofundamento de suas relações com as drogas. Tais prejuízos envolvem passagens por
delegacias, inclusive o cumprimento de medida sócio-educativa, no caso de Tiago e uso de
drogas na gestação:
Iara – “Eu usava todo dia. Quando eu tava grávida eu tive anemia, eu não comia nada
por causa da droga, eu fugia do abrigo (...)”.
Iara – “(...) a gente foi pego várias vezes pela Brigada Militar, fomos várias vezes pra
delegacia, aí depois de tudo ainda usamos mais ainda. Aí então é isso, daí eu fui me
acostumando com a gravidez”.
123
Tiago – “Tive (prejuízos), já tomei tiro na perna, porque eu roubava e tomei tiro”.
6.3.2.4.4 “Eu acho que não devia ter mais essa coisa de droga
Os depoimentos agrupados nessa categoria demonstram o que os adolescentes pensam
sobre o uso de drogas. De uma forma geral, os três entrevistados consideram esse envolvimento
como algo que traz prejuízos e dificuldades.
Iara – “Que por um lado é bom porque tu passa por uma fase pra saber como é que é,
como as pessoas sentem, mas por outro lado é muito difícil”.
Tiago – “Eu não posso julgar ninguém porque eu já fui usuário de drogas, mas penso,
bah, tem que acabar com isso no mundo, só prejudica a pessoa: cadeia, morte, morte de
overdose, de tiro por causa de drogas. Eu acho que não deveria ter mais essa coisa de droga”.
Mauricio – “Droga só leva pro caminho errado, cara; não faz sentido nenhum”.
6.3.2.5 Avaliação do tratamento
Nesta categoria os adolescentes opinam acerca do tratamento recebido no ambulatório e
das pessoas que os atendem. Em algumas passagens, fazem comparações entre o seu estado ao
iniciar o tratamento e no momento atual, avaliando positivamente os resultados alcançados.
Mauricio - “Bah, no começo eu quase enlouqueci, quase quebrei essa porta aqui. Não
agüentava, começava a me irritar, não tinha calma pra esperar ela. Quando ela tava atrasada
não tinha calma, tipo, o meu atendimento era às 9h e eu chegava às 8h30, bah, e já ia embora,
mas agora já tô mais tranqüilo”.
124
Mauricio - “Fez toda diferença, praticamente. Eu não parava em casa, agora eu paro
mais em casa, faço um monte de coisa, tô mais calmo, antes eu era muito nervoso, começava a
fazer alguma coisa já começava a me irritar. Tô pintando uma parede e se tem pequenas marcas
pintadas já me irritava. Agora não, não acontece isso”.
Mauricio - “Bom. (...) Porque é legal vir conversar com a Mara, ela limpa a cabeça do
cara, ela dá uns conselhos bons, me ajuda em várias coisas”.
Também na opinião de Tiago é proveitoso estar em atendimento psicoterápico no
ambulatório:
Tiago - “Eu sempre achei legal conversar com a psicóloga, fica um pouco na rua, é legal
conversar o cara se abre”.
Abaixo, Iara avalia sua experiência no ambulatório e refere as mudanças que obteve com
os atendimentos psicoterápico e medicamentoso, principalmente a recuperação dos sintomas
adquiridos após sofrer abuso sexual. Cabe ressaltar que a adolescente não faz referência a
tratamento do uso de drogas, refere apenas a melhora dos problemas que lhe levaram inicialmente
ao serviço:
Iara – “Pra mim foi bom porque antes eu não andava no Centro, tinha pânico de andar
no Centro, de andar nas ruas, eu via as pessoas e imaginava o meu padrasto, ficava com medo
das pessoas, sabe, eu chorava muito. Aí eu fui perdendo quando eu fui vindo pra cá, fazendo o
tratamento, com os atendimentos, por causa que eu não podia andar no Centro porque eu tinha
pânico, não podia ver as pessoas porque eu tinha pânico”.
Iara – “Bom. Eu acho bom, também tem o psiquiatra, o Dr. Marcelo aqui, ele me da
medicação porque eu fico muito nervosa, eu tremo um monte. (...) Até gosto, mas tomar remédio,
né. Eu gosto das coisas que tem aqui, gosto de conversar com ele, mas quando ele dá remédio...
Mas tem que tomar se não eu fico muito nervosa”.
125
Os próximos relatos demonstram as respostas dos adolescentes quando indagados sobre o
que acham do atendimento no ambulatório, e se consideram que algo poderia ser diferente no
serviço:
Mauricio - “Aqui tem tudo. Tem Internet, não falta nada”.
Iara – “Não, pra mim tá bom”.
Tiago - “Acho legal”.
6.3.2.6 “Eu vi que não era mais, que já era, e parei de usar”
Apesar das melhorias obtidas através do tratamento no ambulatório, nos relatos abaixo os
três adolescentes atribuem a outras causas a sua recuperação. No relato de Mauricio, sua melhora
é atribuída ao apoio de sua mãe e aos medicamentos; no entanto, a seguir, ambivalente, afirma
que o tratamento o ajudou, mas o ajudou pela sua própria força de vontade:
Mauricio - “O impulso da minha mãe e os remédios. (...) Me ajudou, me ajudou pela
minha força".
Iara relata melhorias obtidas através do tratamento em relação aos problemas
conseqüentes ao abuso sofrido, mas não em relação ao seu abuso de drogas. Considera o
nascimento de sua filha e medo de perdê-la como os verdadeiros motivos de sua abstinência
atual:
Iara – “Depois que eu ganhei a nenê eu não usei mais, vai fazer um ano. (...) Não foi
difícil, por que eu tava consciente que se eu continuasse com a droga eu ia perder a minha filha.
Então eu larguei por causa da minha filha e sabendo que era uma coisa boa”.
126
Também Tiago atribui a uma decisão pessoal o motivo de ter parado de usar drogas,
embora afirme que tal resolução tenha sido concomitante ao início de seu tratamento:
Tiago - “Não, agora eu não uso mais. O primeiro final de semana que eu tava vindo aqui
eu usei, depois eu vim, continuei vindo, daí eu parei e não uso mais”.
Tiago - “Ah, eu vi que não era mais, que não era mais, que já era, e parei de usar. Foi
uma decisão minha mesmo”.
7. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O tratamento para adolescentes com problemas relativos ao abuso de drogas é,
sabidamente, um campo permeado de incertezas e dificuldades, no qual não existem métodos
infalíveis, haja visto que a produção de conhecimento específico é relativamente pequena e o
índice de efetividade dos programas é baixo (Kaminer e Szobot, 2004). Considerando a
importância dessa questão, na qual articulam-se, em diferentes níveis de complexidade, os
registros teórico, clínico, social, político e ético (Birman, 1999), esse estudo buscou descrever
diferentes formas de enfrentamento à questão da drogadição na adolescência, partindo da
compreensão de que a produção de conhecimento acadêmico deve implicar-se na análise e
produção de respostas aos desafios contemporâneos.
Com base nas observações efetuadas nos serviços pesquisados e nas incursões de campo
que precederam a coleta de dados - quando percorremos diferentes órgãos ligados à rede de
atenção à criança e ao adolescente - percebemos que a atenção ao adolescente usuário de drogas
configura-se como uma “questão-problema”. A partir de conversas informais realizadas com
profissionais ligados a esses órgãos, constatamos a existência de grandes dificuldades no
encaminhamento de adolescentes de baixa renda a locais de tratamento, as quais devem-se tanto
à escassez de serviços especializados, quanto à falta de critérios na escolha da melhor modalidade
de tratamento para a especificidade de cada caso – se é um caso para internação, atendimento
127
ambulatorial, etc. - o que pode suscitar indicações equivocadas, contribuindo para o aumento de
desistências e reincidências.
No que se refere aos encaminhamentos compulsórios, embasados no artigo 101 do ECA,
os relatos de três dos seis profissionais entrevistados descrevem as dificuldades enfrentadas pelas
instituições que recebem esse público. Essas se devem ao grande número de ocorrências nessa
modalidade, assim como a ausência de uma “preparação
32
do adolescente para o ingresso no
tratamento, e as dificuldades encontradas pelas equipes para motivar esses jovens – os quais
freqüentemente referem estar no serviço apenas devido à determinação judicial, compreendendo
o tratamento como parte da pena que devem cumprir. Aqui retomamos a questão da falta de
preparação dos profissionais ligados à rede de atenção, incluindo a atuação dos juízes, os quais
determinam o cumprimento da medida e encaminham os adolescentes para tratamento, muitas
vezes desconhecendo a complexidade de sua problemática ou as concepções que embasam as
práticas desses locais.
Dessa forma, observa-se um aumento do número de internações de adolescentes, muitas
vezes em locais cuja ênfase é hospitalocêntrica, sem haver uma compreensão da demanda
específica de cada caso. Isso pode contribuir para o aumento do número de desistências e
reincidências, conforme podemos constatar nos relatos dos profissionais entrevistados.
Segundo Zamorra (2005), a sociedade brasileira tem uma forte raiz autoritária, convive
com a injustiça, a limitação da liberdade e a tortura e tem “verdadeira mania de internar”. Para a
autora, apesar das novas políticas de atendimento aos direitos das crianças e adolescentes
instauradas pelo ECA, sua efetivação fica comprometida pelo desinteresse dos governantes e pela
ausência de mecanismos eficazes para propor, subsidiar, cobrar e avaliar políticas sociais.
Tampouco se conta com instrumentos para punir o desvio dos dirigentes do que deveria ser sua
prioridade: a formulação e execução de PP e a destinação privilegiada de recursos às áreas
relacionadas com a proteção da infância e adolescência. Nesse sentido, concordamos com a
autora quanto à compreensão de que a medida de internação deveria ser a última a ser
recomendada, devendo sempre estar fundamentada no interesse do adolescente e de sua
reintegração familiar e comunitária.
De acordo com Mendéz (2002, p.33) à “esquizofrenia jurídica” que faz com que
coexistam na atualidade as doutrinas da proteção integral e da situação irregular, corresponde
32
Palavras textuais de uma das técnicas entrevistadas.
128
uma mistura de concepções e práticas no entendimento da questão da droga. Segundo esse autor,
existiriam, basicamente, dois tipos de discursos nesse universo: um deles ligado à busca de novas
concepções e práticas, embasado nos conceitos da Redução de Danos; e outro relacionado a
correntes mais repressoras, com a tendência de criminalizar o usuário ou no máximo entendê-lo
como doente, centrado no modelo da abstinência e do controle social. Para Cruz (2000), esse
discurso corresponde ao “modelo jurídico-moral”, o qual objetiva resolver o problema impedindo
o acesso e a utilização de drogas através da repressão ao tráfico e ao uso, encontrando força nas
parcelas mais conservadoras da sociedade e sendo freqüentemente utilizado como forma de
controle social” (Cruz, 2000, p.234). De acordo com Zamorra (2005), é o predomínio do
paradigma repressivo persistente na mentalidade conservadora de tantos juízes, o que mais tem
contribuído para a superlotação das unidades de internação, tornando-as espaços insuportáveis
para jovens e funcionários.
Na opinião de Cruz (2003), vive-se no Brasil uma disputa no campo das PP. Se, por um
lado, vem sendo desenvolvida uma série de iniciativas dentro da perspectiva da Redução de
Danos por parte dos poderes executivos, por outro, no poder judiciário aplica-se um modelo
americano que pretende impor tratamento aos que são pegos pela polícia utilizando drogas.
Relativamente a essa disputa, cabe acrescentar que no próprio campo das políticas observamos
contradições explicitas. Nesse sentido, destacam-se as diferenças entre as concepções presentes
na política do Ministério da Saúde, aliada à perspectiva da “Redução de Danos Sociais e à
Saúde”, e a Política Nacional Antidrogas (PNAD), a qual tem por objetivo: “Buscar,
incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade livre do uso de drogas ilícitas e
do uso indevido de drogas lícitas” (PNAD, item 2.1). Além disso, consideramos que no interior
da própria PNAD coexistem orientações conflitantes, tais como, a que visa: “Reconhecer a
importância da Justiça Terapêutica, canal de retorno do dependente químico para o campo da
redução da demanda” (PNAD, item 5.1.5) e a diretriz que visa: “apoiar atividades, iniciativas e
estratégias dirigidas à redução de danos” (PNAD, capítulo 6), as quais priorizam o respeito à
capacidade de escolha dos usuários. Consideramos que a união entre o objetivo de alcançar uma
sociedade livre das drogas, alicerçada nas estratégias da chamada “Justiça Terapêutica”, e a
aplicação de ações de Redução de Danos é incompatível.
Marlatt (1999), ao analisar a evolução das mais recentes orientações políticas americanas
relativas à questão das drogas, afirma que o paradigma presente nas mesmas segue sendo
129
orientado por suposições nas quais o comportamento é proibido e as infrações são sujeitas à
punição, tendo por objetivo a supressão total. Segundo esse autor: “Esse objetivo, por sua vez,
exige a suposição de que a abordagem da justiça criminal poderia, teoricamente, resultar na
total supressão do uso de drogas na sociedade norte-americana - isto é, a criação de uma
‘América livre das drogas” (Marlatt, 1999, p. 253). Visando objetivos opostos, a partir da
aplicação de métodos distintos, a abordagem da Redução de Danos parte do princípio de que,
devido ao fato de o uso de drogas atravessar a história da humanidade, estando presente em todas
as sociedades já conhecidas (Conte, 2001) é, portanto, utópica a meta de “construção de uma
sociedade livre das drogas”. Segundo Marlatt (1999), apesar de todos os esforços da justiça
criminal, o desejo inerente ao ser humano de alterar os estados de consciência garante que as
pessoas irão continuar usando drogas. Por isso, os partidários da Redução de Danos se
concentram na identificação da melhor forma de minimizar os danos decorrentes do uso de
drogas, ao invés de tentar eliminá-las totalmente. De acordo com Cruz (2003), os programas de
Redução de Danos assumem uma posição de maior humildade, reconhecendo a limitação de suas
intervenções e buscando trabalhar com o que é possível em dado momento. Dessa forma,
ensaiam novas formas de abordagens a questões complexas, nas quais outras orientações
costumam fracassar.
Retomando as colocações de Sposito e Carraro (2003), no que tange ao campo mais
abrangente das PP para a juventude no Brasil, as quais se ajustam ao problema aqui estudado, há
uma ausência de direcionamento político estratégico para a prevenção e o tratamento dos
problemas sociais que afetam a juventude em nosso país. As ações imiscuem-se em um campo
heterogêneo de propostas e práticas, muitas efetivadas na base do ensaio e erro, através de
projetos e serviços isolados e sem avaliação, demonstrando uma falta de concepções estratégicas.
Tampouco há uniformidade nessa área, repleta de concepções de recuperação e de práticas
distintas, e muitas vezes incompatíveis, o que colabora para a existência de programas e serviços
ligados a diferentes modelos de entendimento do abuso de drogas na atualidade, os quais tendem
a funcionar sem integração, dificultando assim o trabalho em rede - uma das diretrizes do SUS
que deveria orientar suas ações.
Como exemplos dessa heterogeneidade, os serviços escolhidos para análise nesse estudo
vinculam-se a diferentes concepções e práticas de tratamento. Visando apreender essas diferenças
e seus efeitos, a seguir abordaremos os resultados obtidos nas três instituições pesquisadas, a fim
130
de compreender como as concepções que as permeiam realizam-se nas práticas de tratamento a
adolescentes, em cada local pesquisado.
A descrição etnográfica realizada na CT pesquisada levou-nos uma “imersão” no seu
cotidiano, a qual foi fundamental para compreendermos suas principais diretrizes e práticas.
Adentrar no “universo” de uma CT constitui uma oportunidade ímpar para conhecer uma forma
de tratamento bastante diferente do que havíamos experienciado no campo “tradicional” da
saúde. O tempo prolongado do tratamento (nove meses), o estatuto de “residente” dado às jovens
que ali moravam, riam e choravam juntas, em interação constante, a presença inegável da religião
por todos os lados (na capela, nas imagens, na música sacra, nas orações na hora das refeições,
etc.), a ausência de técnicos e a presença de voluntários são exemplos da peculiaridade dessa
modalidade. Essa “imersão” em um local tão diferenciado - que mais se assemelha a um colégio
interno do que a um local de tratamento - produziu modificações em nossos “esquemas
conceituais” acerca do que é um tratamento e qual o limite de suas possibilidades. Por isso,
concordamos com Adorno e Castro (1994) no que tange à compreensão de que a pesquisa de
abordagem qualitativa não pode restringir-se à mera aplicação de técnicas, exigindo um exercício
reflexivo de apreensão da realidade para além da incorporação pura e simples de métodos de
pesquisa. Como resultado do embate com a realidade, o qual se manifesta na interação
sujeito/objeto, a relação estabelecida requer o desenvolvimento de uma outra sensibilidade, na
qual o pesquisador precisa estar disponível para rever conceitos e concepções, estabelecendo uma
comunicação com a multiplicidade de perspectivas que o cerca.
Buscando apreender o cotidiano da instituição, deparamo-nos com a tarefa inicial de
investigar por quais meios sua estrutura, que mais parecia educacional ou familiar, poderia ser
terapêutica. Partindo da análise de alguns documentos, assim como de conversas informais e
observações realizadas no seu cotidiano, fomos, gradualmente, compreendendo que seu objetivo
principal não era apenas o tratamento do abuso ou dependência de drogas em si, mas algo que o
ultrapassava, explicitado nos relatos como a “reeducação
33
e a “transformação radical” das
adolescentes.
De acordo com a coordenadora da instituição, a reeducação é o objetivo primordial da
CT, dado que as residentes “não sabem nada, só aquilo que é errado” e possuem um
comportamento “que é uma droga”, provável conseqüência de uma “estrutura familiar ruim”.
33
As palavras e expressões em itálico e entre aspas referem-se a relatos literais dos entrevistados.
131
Por isso, os principais instrumentos de trabalho para a educação e “transformação” das jovens
são a disciplina, o desenvolvimento da espiritualidade cristã, o trabalho com os princípios de
auto-ajuda dos AA e Amor-Exigente e a laborterapia. Esses recursos são utilizados como meios
para transmitir valores, estabelecer “limites” precisos e “moldar” as residentes à aquisição de
novos comportamentos e outro “estilo de vida”.
Fundamentando nossas impressões iniciais, encontramos em De Leon (2003, p.31) a idéia
de que o objetivo e o funcionamento de um programa terapêutico em uma CT visam assemelhá-la
mais a uma escola do que a um local de tratamento: “Nessas comunidades de aprendizagem, as
atividades da vida cotidiana oferecem todo um currículo de aprendizagem sobre o próprio eu,
sobre o relacionamento com os outros e sobre o bem-viver”. Assim, o programa terapêutico
funde as idéias de terapia e ensino, pois, além dos aprendizados proporcionados pela prática da
laborterapia (atividades de limpeza, manutenção da casa e cozinha, as quais são executadas sob
supervisão, pois devem ser executadas com perfeição), e pelas atividades ministradas por
voluntários (oficinas de computação, música, crochê, etc.), todo acontecimento que ocorre no dia-
dia é utilizado como meio para o estabelecimento de limites e de expectativas morais de
desenvolvimento.
Ao lado da orientação educacional, outra característica marcante na CT estudada é o
clima familiar que a permeia. Atestando ser essa uma característica pertencente ao modelo de
tratamento em uma CT, e não uma particularidade da instituição pesquisada, De Leon (2003)
afirma que esses serviços se autoconcebem como “famílias substitutas”, fornecendo diretrizes
educacionais, afetivas e morais. Segundo o autor, as CTs se empenham em manter as principais
características de uma família, no sentido convencionalmente atribuído ao termo, fornecendo uma
estrutura para proporcionar ordem à vida cotidiana; atenção; segurança física e psicológica;
aceitação e estímulo aos residentes e transmissão de valores por meio da rotina diária de
atividades.
Conjuntamente à ênfase na construção de um “clima familiar”, e diretamente relacionado
a ele, encontra-se o principal instrumento terapêutico de qualquer modalidade de CT, ou seja, o
potencial terapêutico da convivência entre pessoas que compartilham de uma mesma
problemática. Nesse sentido, Conte (2003) sublinha que o tratamento em CTs tem como objetivo
possibilitar que o residente exercite um tipo de sociabilidade na qual não ocorra o uso de drogas.
132
Espera-se que os sujeitos possam retomar seu interesse por atividades e relações sociais que
haviam sido abandonadas ou assumir novas formas de interação social.
Encontramos, em diversas passagens das entrevistas realizadas na CT, relatos que
relacionavam as principais necessidades das adolescentes à busca por acolhimento, referências,
limites, atenção, escuta e compreensão, os quais não haviam sido supridos satisfatoriamente em
suas relações familiares, as quais foram descritas como conflituadas, permeadas por brigas,
desentendimentos e distanciamento afetivo. Indicando que a instituição está suprindo essas
necessidades, todas as adolescentes entrevistadas referiam que, apesar da rigidez e das
exigências, sentiam-se acolhidas, ensinadas, ajudadas e compreendidas, avaliando positivamente
a instituição e, inclusive, considerando que a equipe deveria ser ainda mais “dura”.
Buscando subsídios para compreender esse posicionamento das adolescentes que
permaneciam na CT, e que ali se deixavam “re-educar” e pediam, inclusive, maior rigidez nas
práticas - já rígidas - da instituição, encontramos entre autores vinculados à análise psicanalítica
do processo adolescente algumas indicações.
Para autores como Rassial (1997) e Melman (1995) é necessário compreender a fase
adolescente como uma operação de passagem e uma “crise psíquica” fundamentais para o
processo de desenvolvimento humano, na qual a busca por referências ocupa um lugar
fundamental. Segundo Rassial (1997), as principais manifestações e necessidades desse período
relacionam-se à indecisão subjetiva e à incerteza social, as quais o constituem e caracterizam
como uma “posição no intervalo”, convocando à busca por novos lugares e possibilidades
identificatórias. Além disso, Levisky (1997) sublinha a disposição dos adolescentes a “passar ao
ato” (1997, p.18), referindo-se à tendência a descarregar seus impulsos agressivos e sexuais
diretamente através do processo primário
34
, em busca da satisfação imediata dos seus desejos.
Para o autor, nesse processo, freqüentemente, os jovens pensam apenas depois de realizar a ação,
muitas vezes percebendo as conseqüências de seus atos somente depois de os terem realizado.
Considerando que esse processo se dá, atualmente, em um contexto social caracterizado
pelo “liquefação de valores (Balman, 2003), pelo individualismo e instantaneidade,
compreenderemos o sentimento de estarem “perdidas” e “vazias”, tantas vezes manifesto pelas
34
O conceito “processo primário” refere-se a um dos modos de funcionamento do aparelho psíquico, tais como foram
definidos por Freud. O processo primário caracteriza o sistema inconsciente, nele, a energia psíquica escoa
livremente, passando de uma representação à outra. Tende a reinvestir plenamente as representações ligadas às
vivências de satisfação constitutivas do desejo (Laplanche e Pontalis, 1998).
133
adolescentes. Nesse contexto onde as referências se multiplicam, sem parâmetros, os jovens
podem ser levados “de forma ainda mais confusa no sem-fundo da desterritorialização
contemporânea em um momento em que eles próprios habitam um sem-lugar” (Oliveira, 2001, p.
82). Devido ao acúmulo dessas influências, agravado pela situação de desamparo produzida pela
institucionalização e afastamento da família, talvez se possa explicar a importância que adquire
ser cuidado, protegido e contido em um ambiente com características “familiares” no qual, para
muitas adolescentes, pela primeira vez há pessoas interessadas em seu desenvolvimento pessoal.
Levisky (2005) sublinha que quando um ambiente oferece condições de continência, de holding,
pode facilitar que as pulsões do adolescente - geralmente tensas e turbulentas - sejam processadas
e re-configuradas dentro de enquadramentos melhor definidos, nos quais possam ter maiores
possibilidades de encontrar seus sistemas internos de equilíbrio e interação social.
Além disso, Cruz (2003), referindo-se à realidade dos que são entregues precocemente às
instituições de proteção, vivem em situação de rua, ou mesmo às crianças que “sendo mais uma –
uma a mais – dentre muitas a dividir um pequeno espaço” carecem de possibilidades mínimas de
subjetivação, afirma sua necessidade imperiosa de construir recursos que permitam alguma
condição subjetiva de existência. Frente a comum ausência de possibilidades, esses jovens
freqüentemente estabelecem relações que têm por base a “sexualização” precoce de seus corpos,
a transgressão, a delinqüência ou ainda a busca da anestesia e apagamento através da intoxicação.
Na ausência de respostas sociais eficazes a essas questões, o autor aponta a religião como o que,
ainda hoje, mais se aproxima da oferta de uma resposta ao associar a drogadição ao
“distanciamento de Deus” e, portanto, oferecendo como solução o restabelecimento dessa
ligação. Além disso, a inserção em uma religião, proporcionada pelo tratamento na CT, vincula
os adolescentes a uma nova comunidade, na qual encontram lugares onde se inserir e respostas
para suas perguntas, o que, muitas vezes, pode atuar como uma necessária âncora para
subjetividades errantes.
Considerando as características acima referidas, as quais compõem a modalidade de
tratamento da CT pesquisada, concluímos que seu programa terapêutico corresponde ao
postulado por Marlatt e Gordon (1993) como o “modelo moral de tratamento. Segundo esses
autores, o “modelo moral” constitui o viés mais tradicional no campo do tratamento ao abuso e
dependência de drogas. Nesse modelo, embasado na moralidade cristã, o uso excessivo de
qualquer substância é visto como um problema de controle do impulso, no qual falta ao indivíduo
134
força de vontade para exercer controle sobre si. Dessa forma, alguém que abuse ou seja
dependente de alguma substância é compreendido como uma pessoa a quem falta “fibra moral
para resistir à tentação.
Compreendemos que a CT estudada corresponde a esse modelo, pois a doutrina cristã é
sua principal referência, tal qual em outras instituições semelhantes nas quais a religião (seja ela
qual for) é o princípio condutor do tratamento
35
. Além da ênfase na religião, a rotina de
atividades diárias é estruturada de forma a controlar os impulsos das adolescentes e “moldar” seu
comportamento de acordo com os parâmetros morais da doutrina cristã, trabalhando de forma
intensiva suas capacidades de postergar, substituir, ponderar e reprimir seus impulsos. Toda a
orientação educativa e familiar, discutida anteriormente, atua sob esses dois aspectos centrais: a
disciplina e a reeducação, visando o “renascimento
36
do sujeito em outra ordem moral.
Outro aspecto do “modelo moral” encontrado na instituição liga-se à premissa básica
segundo a qual os indivíduos são considerados responsáveis pelo “início, desenvolvimento e
solução dos seus problemas, necessitando apenas de motivação apropriada para isso” (Marlatt e
Gordon, 1993, p.13). Podemos encontrar um exemplo dessa visão em uma citação de um material
de divulgação da instituição que enfatiza o esforço e o trabalho pessoais necessários à
recuperação: “A superação dos problemas e o rompimento de barreiras pessoais é um desafio a
ser conquistado dia após dia. Esse desafio não é utópico, realiza-se no trabalho fraternal e no
esforço constante de uma vida melhor”.
Constatamos, assim, que a recuperação é alcançada através de um “esforço constante
para romper as “barreiras pessoais”, o que, na prática da instituição, não deixa espaço para o
reconhecimento dos fatores inconscientes, sociais ou contextuais associados à função ocupada
pelo uso de drogas na vida dos sujeitos. Vemos com isso que o tratamento oferecido na CT tende
a desconsiderar a singularidade das histórias de vida das residentes ao propor sua conversão a
uma moral específica e a adaptação de seus comportamentos ao que é considerado “correto”
nessa doutrina. Considera-se que o auxílio do grupo de pares, o cumprimento estrito das regras e
35
Cabe ressaltar que o estatuto da instituição pesquisada garante a não discriminação à orientação religiosa das
residentes – conforme diretriz da FEBRACT - no entanto a pessoa em tratamento deverá, obrigatoriamente,
participar de todos os ritos cristãos e da educação religiosa, o que, na prática, se configura como um desrespeito à
diversidade religiosa.
36
A residente que completa o tratamento é considerada como “nascida de novo”, ao passo que uma das
denominações utilizadas para a referência à ex-residente que abandonou o tratamento é “abortada”.
135
dos “Doze Passos” e, principalmente, a entrega verdadeira a Deus e a seus mandamentos são os
únicos requisitos necessários para a recuperação das adolescentes.
Pillon e Luis (2004) enfatizam o efeito de culpabilização presente nessa abordagem.
Segundo os autores, o “modelo moral” levaria as pessoas a sentirem-se culpadas por sua
drogadição e a pensarem que, de alguma forma, lhes falta força de vontade ou "fibra moral" para
alterar sua situação.
Com base na análise efetuada, concluímos que, apesar de a CT proporcionar continência,
segurança e acolhimento às adolescentes, ajudando-as a restabelecer relações de confiança e
reestruturação egóica, a concepção moral que embasa o tratamento dificulta o desenvolvimento
de sua singularidade e potencialidades. Compreendemos que a rigidez na transmissão da
moralidade cristã, responsável pela “fervorosa” conversão de algumas residentes ao catolicismo,
não necessariamente se configure como uma resposta legítima e adequada às suas necessidades,
dado que a maioria delas, ao sair dali, não terá desenvolvido os recursos necessários para fazer
outras opções, a não ser voltar para suas condições anteriores, ser freira ou monitora de CT
37
.
Por isso, consideramos que o “estilo de vida” disponível na CT fornece modelos de
identificação rígidos demais para as características do mundo atual, não instrumentando,
efetivamente, as adolescentes para a construção de opções de vida viáveis. Bauman (2005, p.18)
afirma que vivemos em uma época na qual o mundo está repartido em fragmentos mal
coordenados, tal qual nossas vidas, que se afiguram como uma sucessão de episódios fragilmente
conectados. Devido a isso, nos acostumamos a manter nossas referências identitárias em
constante movimento, absorvendo-as e descartando-as com muita rapidez. Nesse contexto, as
antigas estruturas de referência, demasiado “sólidas” e duráveis, às quais dificilmente se agregam
novos conteúdos, são de pouca utilidade: “No admirável mundo novo das oportunidades fugazes
e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente
não funcionam” (Bauman, 2005, p.33). O autor sublinha que toda essa “velocidade” é
potencialmente geradora de grande ansiedade, estimulando o desejo pela segurança
proporcionada pela adesão a uma identidade definida. Contudo, a adesão à uma identidade rígida
37
Várias residentes que completam o tratamento demonstram grande resistência em voltar para suas casas, trabalho
ou estudos (ou não têm para onde voltar) e “optam” por seguir na CT, fazendo um estágio como monitoras ou
buscando emprego em outra CT. Também há casos de residentes que seguiram a vida religiosa, o que,
implicitamente, é incentivado pelas freiras.
136
demais, fixa, dentro da infinidade de possibilidades atuais, também não é uma perspectiva
atraente.
De forma bastante distinta da abordagem religiosa/moral predominante na CT, a segunda
instituição estudada – a unidade de dependência química do hospital geral - pode ser
compreendida a partir do que Marlatt e Gordon (1993) conceituaram como “Modelo de Doença
ou “Modelo Médico. De acordo com essa abordagem, que prevaleceu no campo de entendimento
da drogadição por muitos anos, e é ainda bastante forte, o abuso ou dependência de álcool e
outras drogas fundamenta-se em uma dependência física subjacente, salientando a importância
dos fatores biológicos predisponentes, os quais seriam geneticamente transmitidos. Assim, o foco
de atenção centra-se na substância psicoativa e seus efeitos farmacológicos, não levando em
conta as questões psíquicas singulares de cada sujeito ou suas circunstâncias sociais, entre outros
aspectos relevantes. De acordo com Cruz (2000), nessa abordagem procura-se estender para o
campo da drogadição paradigmas que obtiveram êxito no tratamento de outras formas de
adoecimento:
No caso das toxicomanias, as tentativas de explicação se ligam á ação das
drogas no sistema nervoso central, provocando quadros como a intoxicação e a
abstinência. Nesse modelo, a ação das drogas é relacionada de modo menos
consistente ao comportamento do indivíduo, quando não está sob efeito da
substância
(Cruz, 2000, p. 235).
O predomínio do “paradigma médico” na unidade estudada tornou-se evidente desde
nossa entrada em suas instalações, nas dependências de um hospital geral, tornando difícil
estabelecer diferenciações entre esta e as demais unidades - a não ser pelo fato de sua entrada ser
separada do acesso principal do hospital, o que transmite uma sensação de segregação devido ao
público atendido na unidade. Reforçando esse paradigma, a figura do médico(as) frente às
decisões importantes, e as enfermeiras/auxiliares, sempre atentas às suas funções de
cuidado/controle dos “pacientes”, sugere que se trata de uma unidade hospitalar que trata de
“doentes em situação de isolamento”, onde a unidade se distingue das demais apenas pela
presença de vários estagiários de Psicologia na rotina do serviço.
A prevalência da concepção do abuso e dependência de drogas como uma “doença” ficou
clara desde nossas primeiras conversas informais com os estagiários e profissionais, estando
137
presente igualmente no relato do psicólogo entrevistado, quando afirma que a “dependência
química não tem cura”. Da mesma forma, a grande maioria das atividades terapêuticas, tanto do
ambulatório quanto da internação, têm por objetivo o alcance ou manutenção da abstinência –
como se pôde apreender pela descrição dos objetivos dos grupos terapêuticos e também nas falas
de seus integrantes e coordenadores, reforçando entre si o paradigma de que esse é o único
caminho possível para a recuperação: ou a abstinência ou o “fundo do poço”.
Historicamente, a adesão majoritária dos serviços ao “modelo de doença” trouxe muitas
vantagens em relação à abordagem “moral”, pois colaborou para remover estigmas e encorajou
muitas pessoas a buscar tratamento, tal qual o fariam com qualquer outro transtorno biológico.
Contudo, apesar desses avanços, Marlatt e Gordon (1993) sublinham a existência de um paradoxo
importante nessa abordagem, pois, se por um lado, afirma-se que o sujeito é incapaz de exercer
controle sobre o seu comportamento, por outro lado, o único modo seguro de evitar o problema é
a abstinência total por um período indefinido, o que supõe a capacidade de auto-controle. Dessa
forma, produzir-se-ia uma restrição dicotômica acerca dos possíveis resultados do tratamento: ou
o sujeito está abstinente, ou sofreu recaída.
Conte (2003), comenta que a aplicação da concepção de doença nos tratamentos traz
como conseqüência a produção de um certo descompromisso dos sujeitos com sua vida psíquica,
pois, a idéia de sofrer de uma doença incurável acarretaria a inibição das possibilidades de
mudança em seu registro sintomático, sustentando uma relação imaginária dual, que os mantém
vinculados ao produto-droga. Outra possível conseqüência ligar-se-ia à produção de uma divisão
entre a vida do sujeito durante e depois do uso de drogas, o que poderia produzir uma alienação
de sua subjetividade e uma dissociação, na medida em que o sujeito deve negar o passado para
construir um novo homem (Conte, 2003).
Estreitamente ligadas a essa concepção, as técnicas cognitivo-comportamentais são
empregadas na unidade estudada como o principal instrumento terapêutico para a aprendizagem
de formas de controlar a “doença” e manter a abstinência. Nesse sentido, nossos achados
corroboraram a afirmação de Cruz (2000) quanto à freqüente aliança nesse campo entre as
terapias comportamentais e o “modelo médico”.
Conforme citado anteriormente, na terapia cognitivo-comportamental os problemas e
sintomas do sujeito são compreendidos como decorrentes de uma aprendizagem inadequada e,
portanto, a solução está em uma reeducação sistemática que lhe permita (re) construir esquemas
138
comportamentais mais funcionais (Marques e Cruz, 2000). Segundo Conte, (2003), a ideologia
fundamental dessas terapias centra-se na busca da contenção e do controle sobre o sujeito, o que
impede de levar em conta suas motivações profundas.
No que se relaciona à avaliação do tratamento recebido na unidade, os adolescentes
participantes da pesquisa avaliaram-no positivamente, principalmente quanto à atenção
disponibilizada pela equipe e à importância de estar em um ambiente estruturado, com “regras”,
horários”, “alimentação”. No entanto, seus relatos denotaram também uma descrença no
tratamento como meio efetivo para o alcance de uma recuperação duradoura. Como demonstra o
relato de Giovana: “O negócio é coloca na tua cabeça que tu não quer mais usar droga, por que
se tu vir pra cá gostando da coisa, não adianta, não vai te dar um choque que tu tem que parar”.
Assim como Giovana, os outros dois adolescentes entrevistados consideram a recuperação como
relacionada, principalmente, ao esforço pessoal ou ao apoio da família.
Consideramos importante destacar também o relato de Jonas que revela um sentimento de
ambivalência em relação ao desejo de querer recuperar-se, transferindo para sua família a
responsabilidade por sua recuperação:
Por que eu acho que se eles não me apoiarem, assim, se eles não me
ajudarem, eu acho que não tem motivo pra eu ficar me esforçando,
lutando, aí não só lutando por mim, pra eu ficar bem, larga esse
mundinho (...). Então, eu acho que se eles não me ajudarem, minha vida
vai tomar um rumo diferente do que eu pretendo tomar, larga de mão,
sabe, viver uma vida que, sei lá, de um viciado, volta pras drogas, crime
esse tipo de coisa.
Se considerarmos que esse adolescente estava em sua quinta internação no mesmo local,
podemos apreender a partir desse e de outros trechos de sua entrevista que o tratamento recebido
lhe ajudou a produzir mudanças comportamentais importantes - tais como, monitorar-se para
evitar o envolvimento com situações que possam incitá-lo ao uso de drogas - o que, contudo, não
foi suficiente para modificar sua relação com as drogas, tampouco alterar o lugar que ocupam em
sua economia psíquica.
139
Segundo esses dados, podemos considerar que nossa pesquisa aponta para uma
insuficiência nessa abordagem, principalmente no tocante à indicação para internação como
modalidade única de atenção, sem o necessário acompanhamento e continuidade do tratamento
pós-alta. Cabe ressaltar que essa continuidade é incentivada pela equipe da unidade estudada,
contudo, nem sempre é possível para os pacientes de baixa renda, conforme apontou o assistente
social entrevistado. Nesse sentido, Conte (2003) aponta a distorção ocorrida nos últimos anos,
responsável pela instauração da internação em hospitais gerais como uma prática generalizada e
cada vez mais freqüente, acabando por induzir a um consenso de que o tratamento para o abuso
de drogas deve ocorrer em um hospital. Segundo a autora:
(...) o encaminhamento à internação hospitalar tem sua utilidade quando
reservado aos pacientes com complicações clínicas graves e risco de vida, entre
outros. Pelo fato de a modalidade hospitalar responder às ‘urgências’, ela
acaba por ser valorizada como o tratamento em si, levando à idéia mágica de
que, ao desintoxicar, o paciente estaria livre do seu problema. No entanto, é
justamente este pensamento que dificulta o empreendimento do vínculo
terapêutico na rede de atendimento, no momento da alta hospitalar, condição
necessária para a sustentabilidade da motivação e da adesão ao tratamento
propriamente dito” (Conte, 2003, p.10).
Além disso, Kaminer e Szobot (2004) sublinham que o tratamento não-ambulatorial de
adolescentes deve ser uma exceção reservada a situações extremas. Segundo os autores, a
internação em unidades fechadas só deve ocorrer quando o adolescente apresentar risco de
suicídio ou homicídio, uso grave e descontrolado da droga, condutas de risco, surto psicótico,
grave conflito com a lei ou situações sociais que o colocam em ameaça.
Sublinhando a importância dessa constatação, referimos a internação da adolescente
Giovana, a qual não se encaixava em nenhum desses critérios (risco de suicídio, homicídio, etc.).
Conforme seu relato, pode-se considerar sua internação como um encaminhamento equivocado,
que atendeu mais a necessidades de sua família do que as suas. Nesse caso, somos levados a crer
que a história das instituições psiquiátricas como lugar de exclusão dos que, de alguma forma,
140
incomodam ou não se encaixam nos padrões socialmente estabelecidos, ainda se repete na
atualidade.
Ainda no que concerne à internação de adolescentes, cabe ressaltar que em nenhum dos
dois locais de internação onde a pesquisa foi realizada (a CT e a Unidade de Dependência
Química) cumpria-se a recomendação do artigo 12 do ECA. Nesse artigo, que trata do direito à
vida e à saúde, recomenda-se que os serviços de internação proporcionem condições para a
permanência, em tempo integral, de um dos pais ou responsável pelo adolescente.
Outro ponto importante, estabelecido pela Política Nacional Antidrogas e presente nos
relatos dos adolescentes entrevistados na unidade, refere-se à necessidade de adaptação dos
ambientes de tratamento às “características específicas do seu público-alvo, tais como (...)
crianças e adolescentes” (Secretaria Nacional Antidrogas, item 5.2.5). Nesse sentido, dois dos
adolescentes entrevistados reclamavam do fato de os grupos terapêuticos serem compostos por
pessoas dependentes de álcool (todos acima dos 50 anos), junto com usuários de drogas ilícitas
(que inclui todos os adolescentes e pacientes mais jovens), pois consideravam que o foco das
discussões centrava-se nas questões dos primeiros, em detrimento dos segundos. Jonas afirmou,
inclusive, que os alcoolistas não entendem o seu ponto de vista, pois seus problemas são
diferentes.
Segundo os profissionais entrevistados, os adolescentes têm necessidades distintas dos
adultos, relacionadas principalmente à carência de suporte familiar, limites e regras. Ressaltam
que o programa terapêutico da unidade não foi concebido para esse público, embora recebam
adolescentes. Para João, seria importante a existência de espaços propícios ao desenvolvimento
de atividades significativas para os adolescentes, tais como a prática de esportes e de atividades
lúdicas e artísticas, a fim de lhes mostrar que há outras coisas que “podem também gerar prazer e
(...) desafiá-los a buscar algo diferente”.
Um último ponto que se destacou na análise de conteúdo das entrevistas dos adolescentes
refere-se ao estabelecimento de uma diferenciação entre “drogas leves” e “drogas pesadas”.
Apesar de admitirem que todas as drogas trazem prejuízos, consideram que algumas são mais
prejudiciais que outras. Contrastando com essa opinião, constatamos que o tratamento oferecido
na unidade de internação não estabelece um plano terapêutico que contemple as necessidades e
singularidades dos adolescentes, ou ainda que seja adequado à substância utilizada e grau de
abuso, a não ser no caso da prescrição das medicações. Na unidade de internação todos os
141
pacientes participam, obrigatoriamente, de todas as atividades, sem distinção. Já no tratamento
ambulatorial, ao qual tivemos acesso apenas nas sessões em grupo, é estabelecido um plano
terapêutico individual durante a triagem.
O terceiro serviço pesquisado foi um ambulatório vinculado à Secretaria de Saúde do
Município de Porto Alegre, especializado no atendimento de adolescentes. A seguir, faremos
algumas observações sobre as características de funcionamento desse local, sua equipe e do
paradigma que orienta suas ações.
Diferentemente dos outros serviços pesquisados, este ambulatório não visa,
exclusivamente, o atendimento de adolescentes com problemas relacionados ao uso de drogas,
pois seus objetivos estendem-se à atenção a vítimas de violência doméstica, abuso sexual e
violência urbana (inclusive cometimento de ato infracional). Devido a essas especificidades, e ao
fato de ser um serviço pertencente à rede de atenção especializada da prefeitura, seu público é
composto, em sua maioria, por adolescentes vítimas de maus tratos e usuários de drogas, muitos
dos quais são oriundos de famílias de baixa renda. Serviços ligados à rede de atenção ao
adolescente, tais como, abrigos, escolas, o PEMSE
38
e instâncias do sistema judiciário são
responsáveis pelo encaminhamento de grande parte do público que chega ao ambulatório.
Segundo uma das profissionais entrevistadas, os encaminhamentos compulsórios, embasados na
aplicação de uma medida protetiva, vêm aumentando e trazendo significativos problemas ao
serviço, principalmente relacionados ao fato de a obrigatoriedade dificultar o estabelecimento de
uma demanda própria de tratamento, a qual não é trabalhada com o jovem antes de sua chegada
ao serviço.
No que diz respeito a essa interface entre justiça e saúde pública, Conte et al. (2005)
observam que os encaminhamentos compulsórios criam um grande impasse terapêutico ao fixar o
tratamento na idéia de um pagamento de pena, dificultando o estabelecimento das condições
transferenciais necessárias ao engajamento subjetivo do sujeito. Dessa forma, o adolescente pode
fixar-se na idéia da responsabilidade legal e, assim, dificilmente resignificará sua experiência
com a lei.
Durante nossa coleta de dados no ambulatório, foram poucas as oportunidades de contato
com os adolescentes – pois isso só era possível durante as observações dos grupos ou na
recepção, enquanto aguardavam suas consultas. No entanto, podíamos notar alguns
38
Programa de execução de medidas sócio-educativas.
142
“movimentos”, entre os quais, a proximidade de muitos com a equipe, o clima de descontração
do ambiente (repleto de desenhos e grafites), assim como várias manifestações explícitas de
“resistência” às idas ao serviço e comparecimento nos atendimentos. Especialmente durante as
observações dos atendimentos em grupo – principalmente no “grupo de acolhida” - notávamos
que muitos adolescentes faziam questão de mostrar-se contrariados, recusando-se a falar ou
colaborar e participando o mínimo possível. Nessas ocasiões, era exigida muita habilidade por
parte da coordenadora do grupo e uma pronunciada capacidade de ser empática, não se deixando
“abater” pela falta de colaboração dos integrantes. Fazia-se necessário que as profissionais
buscassem, continuamente, “quebrar” essa resistência através da persistência e da busca de
adaptação do conteúdo do trabalho à “linguagem” e interesses dos adolescentes. No entanto, tal
tarefa nem sempre era bem sucedida e, por vezes, as profissionais não conseguiam atingir suas
metas e os integrantes do grupo mantinham-se em silêncio, respondendo apenas ao que lhes era
perguntado e manifestando sua insatisfação por estar ali.
Compreendemos que essa dificuldade no desenvolvimento do trabalho relaciona-se
principalmente, a dois fatores: a compulsoriedade de muitos dos encaminhamentos, e às
dificuldades encontradas no trabalho terapêutico.
No que diz respeito ao primeiro ponto, Ponczek, (2005) problematizando a questão
dos encaminhamentos compulsórios, ressalta a existência de especificidades no tratamento dos
usuários de drogas que não são consideradas nessa prática. Segundo a autora, nesse tipo de
tratamento:
A demanda e a adesão se constroem com muita paciência e irregularidade. O
analista tem que, muitas vezes, “correr atrás” do paciente, e a demanda para
tratamento geralmente tem que ser construída. Não adianta forçar pontualidade
e assiduidade por decreto, isso não é terapêutico com estes pacientes, cujas
faltas e impontualidade muitas vezes temos que tolerar. Não adianta normatizar
um discurso muito em voga de que estes pacientes precisam de limites.
Certamente, em muitos casos, a lei paterna precisa ser internalizada, mas via
transferência e não por decreto. O usuário deveria ter a opção do tratamento,
mas que não seja compulsório, e sua demanda deve ser avaliada pela equipe
de saúde que é regida por um código de ética que garante o sigilo e não pelo
juiz (p.6).
143
Além disso, considerando-se que o público do ambulatório é composto por adolescentes,
as peculiaridades dessa fase estarão presentes e devem ser consideradas na análise das
dificuldades do trabalho. Nesse sentido, Kaminer e Szobot (2004) sublinham que a necessidade
do adolescente afirmar sua autonomia, somada à presença freqüente de certa onipotência (a qual
dificulta sua capacidade de estar alerta a riscos), assim como a dificuldade de projetar seu futuro -
associando comportamentos atuais com conseqüências previsíveis - tornam o tratamento difícil e
complexo. Segundo esses autores, os adolescentes com história de abuso de drogas costumam ser
resistentes ao tratamento, principalmente nos estágios iniciais.
Algumas passagens das entrevistas efetuadas confirmam as dificuldades impostas pelo
trabalho com esse público. Os adolescentes atendidos no ambulatório, muitas vezes chegam ao
serviço encaminhados por envolvimento com drogas, no entanto, possuem trajetórias marcadas
por experiências de privação, maus tratos, violência – as quais não são consideradas nas
sínteses
39
dos encaminhamentos ou nas avaliações do cometimento de ato infracional. Como um
exemplo disso, os três adolescentes entrevistados possuíam trajetórias ligadas a abandono,
violência e envolvimento com atos ilícitos. Em seus relatos, demonstraram dar-se conta da
necessidade de receberem ajuda e de o quanto o tratamento lhes foi importante; porém, como
demonstra o relato de Maurício, o início do tratamento foi difícil, permeado por muita ansiedade
e dificuldade de adaptar-se às rotinas do serviço.
Através dos relatos das profissionais, percebemos os esforços da equipe para
compreender o público que acessa o serviço e aproximar-se do universo de relações que o
constitui. Em vários trechos da fala de Elis, há referências a um aprendizado construído na
interação cotidiana com os adolescentes, quando a profissional busca decifrar e compreender suas
histórias, as disputas entre “gangues”, suas “tribos”, os novos tipos de drogas que surgem, suas
formas de expressão, etc.
Referindo-se ao trabalho com adolescentes no campo da saúde pública, Buttes (2004)
ressalta que:
A complexidade envolvida neste universo impõe mudança de posição, impõe
escuta, continência, tolerância e profunda inquietação. Precisamos abandonar a
lógica naturalizada e reducionista do lícito e do ilícito, necessitamos reconhecer
não apenas os códigos e as regras envolvidos, mas também suas transformações
39
Toda instituição que encaminha um adolescente para tratamento no ambulatório deve encaminhar uma síntese de
seu caso e motivos do encaminhamento.
144
diárias, percebendo qual a ética que permeia as relações, que se estabelecem,
cada vez mais, em margens menos definidas (p.313).
Consideramos que os termos utilizados acima – escuta, continência, tolerância e
inquietação – são ótimos descritores do trabalho no ambulatório. Em nossas observações das
interações das profissionais com os adolescentes, nas conversas informais com os mesmos e
durante as observações de grupos percebemos os esforços da equipe em evitar o estabelecimento
de uma relação assimétrica e hierárquica, caracterizada por um saber que é transmitido a um
sujeito “passivo” que deve aprender o que fazer para recuperar-se. Ao contrário, a equipe procura
criar espaços onde os adolescentes sintam-se à vontade para exporem suas dificuldades e
compreenderem que há outros passando por dificuldades semelhantes. A criação do “grupo de
acolhimento” é um exemplo dessa perspectiva. Nesse sentido, a psicóloga entrevistada enfatiza
que os encontros em grupo são conduzidos pelos próprios adolescentes, os quais abordam
assuntos de seu interesse, contam suas histórias, suas circunstâncias de vida, etc. Segundo a
profissional, procura-se enfatizar a autonomia dos adolescentes, sua capacidade de refletir sobre
suas experiências e buscar meios para reduzir os prejuízos associados aos seus comportamentos
atuais: “É trabalhando assim, conforme eles vão trazendo, e a gente dá ênfase numa ou noutra
coisa, mas a redução é feita por eles mesmos, por escolha deles (...)”.
Essa forma de trabalhar, na qual se valoriza a opinião dos adolescentes, sua autonomia e
possibilidades atuais de mudança, insere-se em uma modalidade de atenção que utiliza as
concepções da Redução de Danos no trabalho ambulatorial, de acordo com as orientações do
Ministério da Saúde. Exemplificando a aplicação dessas concepções, o relato da psicóloga
entrevistada demonstra acolhimento e incentivo à decisão do adolescente a passar do uso de uma
substância potencialmente muito prejudicial à outra que lhe acarrete menores prejuízos: “Então
eu trabalhava assim, na fala deles mesmos: ‘Ah, o crack não dá!’; assim, alguns com internação
psiquiátrica, e aí quando entra o crack, principalmente, eles dizem: ‘Bah, tu te internaste por
causa do crack, se tu usasse só maconha não iria precisar!’; mas aí a gente vai trabalhando
isso”.
Também a terapeuta ocupacional entrevistada exemplifica a aplicação dessa abordagem,
correlacionando-a com o objetivo central do ambulatório: “É um espaço de referência, e é isso
que a gente quer ser pro adolescente. É claro que se, de quebra, tratar, melhor; se, de quebra,
145
ele deixar de usar drogas, melhor; se, de quebra, ele reduzir os danos, muito melhor; mas a
gente quer se constituir num lugar de referência, por que esse adolescente não tem referência”.
Atualmente, a abordagem da Redução de Danos é uma alternativa de saúde pública aos
modelos moral/criminal e de doença no campo do entendimento e tratamento dos problemas
associados ao uso de drogas (Marlatt, 1999). No Brasil, a redução de danos surgiu junto aos
avanços promovidos pela reforma psiquiátrica, visando o reconhecimento dos direitos e deveres
dos usuários de drogas, suas demandas, o tempo de elaboração de suas experiências e a
flexibilidade no contrato. Conte et al (2005) ressaltam que esses aspectos viabilizam uma escuta
no contexto de condições preliminares à formulação de uma demanda, favorecendo o
reconhecimento de riscos e a construção de estratégias de autocuidado.
Apesar dessa abordagem apelar menos para um ideal de saúde do que para aquilo que é
viável ao sujeito e, portanto, não exigir a abstinência para a existência de um tratamento, Marlatt
(1999) ressalta que essa é uma meta desejável, porém, situada em um continuum que não
dicotomiza as possibilidades de recuperação. Assim, a abordagem de redução gradual estimula os
indivíduos com comportamentos de risco a “dar um passo de cada vez”.
Cabe ressaltar que os adolescentes indicados para participar das entrevistas no
ambulatório não estavam usando drogas na época da coleta de dados, o que poderia constituir um
indicativo de que a aplicação dos princípios da redução de danos pode facilitar o alcance da
abstinência. Seus relatos indicam que a interrupção do uso de drogas não adveio do sucesso da
aplicação de estratégicas terapêuticas específicas, mas sim como conseqüência de melhorias em
diversos aspectos de suas vidas, tais como, suas relações familiares, elaboração de experiências
traumáticas, volta ao trabalho e aos estudos, etc. Nas entrevistas, os adolescentes não atribuíram
sua abstinência ao tratamento, mas sim à sua “força de vontade”; o que pode indicar que o
tratamento produziu efeitos, principalmente, a partir da capacidade de auxiliar, apoiar, conter,
ajudar na simbolização de conflitos psíquicos primordiais, servindo de referência e “lugar de
passagem” em um momento no qual sentiam-se perdidos e incapazes de elaborar suas
experiências por outra via que não a tóxica. Dessa forma, consideramos que o alcance da
abstinência nos adolescentes entrevistados surgiu como efeito da melhoria de suas condições
subjetivas, a partir da chance de simbolizar e ressignificar suas experiências, revendo suas formas
de relação com várias instâncias importantes de sua vida, entre as quais, inclui-se o uso de
drogas.
146
Lombardi (2004) ressalta que o recurso às drogas coloca em jogo um modo de
funcionamento psíquico no qual a ação se antecipa à palavra. Frente à impossibilidade de uso de
referências simbólicas, a alternativa para o sujeito é o ato sem uma elaboração mental mais
complexa: “A droga, através do entorpecimento, impede a possibilidade de criação de novos
meios de dar sentido à existência” (Lombardi, 2004, p. 43). Além disso, a própria condição
adolescente é propicia a falhas na simbolização, devido às modificações reais por que passa o seu
corpo, as quais poderão somar-se às falhas simbólicas já existentes em seus processos psíquicos.
Segundo Torossian (2002, p.35): “onde falha o simbólico o tóxico se institui”. Nesse sentido, o
acesso a um local onde o adolescente tenha a oportunidade de falar, ser escutado, de escutar a si
mesmo e a seus semelhantes pode tornar-se um recurso fundamental na constituição de novas
formas de lidar com seus conflitos, evitando assim a via direta da ação ou a fuga pelo
entorpecimento, mas, ao invés disso, priorizando a palavra.
Outro aspecto importante relacionado à metodologia de trabalho no ambulatório
pesquisado refere-se à importância da conexão com outras instâncias no tratamento de
adolescentes, conforme salientado pelas diretrizes do SUS e do Ministério da Saúde. Nos relatos
das profissionais são explicitados os esforços do serviço para a criação de uma rede que
oportunize ao adolescente vivenciar outras formas de “ser e estar” no social, facilitando assim
seu trânsito por novas possibilidades identificatórias.
Um último aspecto a ser ressaltado no tocante ao serviço pesquisado relaciona-se às
características de funcionamento de sua equipe. Durante nossas observações, presenciávamos
uma rotina de discussão de problemas organizacionais e de casos atendidos entre a equipe, em
um contínuo processo de compartilhamento de soluções e atribuições, nos quais a busca por um
entendimento comum fundamentava as ações do grupo. Nesse sentido, compreendemos que seu
funcionamento caracteriza-se como interdisciplinar. Segundo Maddaleno (1995), os membros de
uma equipe interdisciplinar interagem de forma a mudar o foco de atenção de aspectos
específicos de sua disciplina para a prestação de serviços coordenados, centrados no problema,
sem a preocupação com limites disciplinares definidos. Nesse sentido, outra característica
constatada nesse serviço, diretamente ligada à anterior, refere-se à flexibilidade presente em suas
regras e práticas, as quais, ao longo do tempo, foram sendo alteradas de acordo com as mudanças
de demandas e características de seu público, assim como em conformidade com o potencial de
criação de novas práticas pelos seus membros.
147
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos importante finalizar esse estudo ressaltando que não existem “fórmulas
mágicas” nem tratamentos infalíveis para lidar com uma questão tão complexa quanto o abuso de
drogas na adolescência. Nesse sentido, esse estudo buscou dar visibilidade a diferentes
concepções e práticas de atenção que ocupam um importante espaço na rede de atenção do
município, a partir da pesquisa em locais de atendimento representantes desses modelos, visando,
principalmente, problematizar o lugar destinado ao adolescente em cada local.
Conforme mencionado anteriormente, percebe-se a carência de lugares específicos para o
atendimento de adolescentes com problemas relativos ao abuso de drogas, o que contrasta com a
amplitude e urgência dessa demanda - aspectos tão propagados pela mídia, mas, paradoxalmente,
pouco visados pelas políticas públicas para crianças e adolescentes. Tal constatação, face a um
problema social de crescente gravidade, faz com que ressaltemos a urgência em viabilizar algum
nível de integração nas “compreensões” do lugar do adolescente em nossa cultura, assim como
nas práticas institucionais decorrentes dessas compreensões – superando a incerta “categoria de
risco” e as formas de discriminação que lhes são impostas atualmente (Raupp e Milnitsky-Sapiro,
2005, p.67). Nesse caminho, iniciar pelo reconhecimento da questão da drogadição como um
sintoma social é de grande importância, pois produz o efeito de deslocar o foco do adolescente
marginalizado, “drogado” para nossa organização social que estabelece como saída para todos os
conflitos uma relação direta, imediata, com os objetos.
Paradoxalmente, grande parte dos serviços que oferecem tratamento para drogadição
considera a substância como o problema, desconsiderando o papel desempenhado pelas formas
de relação com o consumo propostas socialmente e seus efeitos subjetivos. Nesse sentido,
ressaltamos que o predomínio do “modelo de doença” nos tratamentos leva a uma ênfase
excessiva na química – na dependência química - e tende a desconsiderar o sujeito e suas
motivações profundas. Segundo Rotelli (1990), o problema enfrentado sempre, e de modo
errado, é o da droga e não o da drogadição, pois não é interessante ouvir o parecer dos sujeitos
que o enfrentam; o que interessa é normatizar o “fenômeno droga”, e não o confronto com as
histórias singulares. Ressaltamos que esse é um campo ainda permeado por concepções do
modelo moral” presentes, de forma direta ou indireta, em muitas práticas de prevenção e
148
tratamento, assim como nas políticas que seguem tratando a questão sob uma ótica repressiva
que, a despeito de toda a produção atual sobre o tema, coloca ênfase nas substâncias, propondo
utópicas metas de uma sociedade livre de drogas. Assim, na falta de um debate público, e com a
repetição de idéias falseadas, autoritárias e preconceituosas, tem-se operado uma “demonização”
do usuário (MacRae, 2000). Esse reducionismo seria o responsável pelo encobrimento de alguns
dos reais problemas estruturais da sociedade, criando um inimigo imaginário, o que acaba por
aumentar a marginalização dos usuários e leva à cristalização de uma “subcultura da droga” de
pouca permeabilidade a agentes de saúde ou representantes de qualquer tipo de discurso oficial.
Nesse processo, desvia-se a atenção da necessidade de um maior controle da produção e
comercialização de drogas lícitas, responsáveis pela grande maioria dos problemas relacionados
às substâncias psicoativas - como demonstrado pelo amplo levantamento realizado pelo CEBRID
(2004) em escolas de todas as capitais do país.
Nossos resultados sugerem que deve-se investir em espaços capazes de propiciar
acolhimento, continência, escuta e meios de simbolização dos conflitos psíquicos que levam um
adolescente ao uso de drogas. Da mesma forma, sugerem a importância de criação de
mecanismos que garantam a real efetivação de um trabalho em rede entre os distintos
equipamentos públicos e sociais, a fim de viabilizar o acesso do adolescente a atividades lúdicas,
artísticas, de reforço escolar e profissionalizantes, visando ampliar suas possibilidades
identificatórias a partir da descoberta de novas potencialidades, ao mesmo tempo em que lhes
instrumentalizam para uma inserção social diversificada. Para que isso seja possível, os serviços
devem ser planejados visando às especificidades e dificuldades do trabalho terapêutico com
adolescentes. Também se faz necessário que esses locais pautem seu programa terapêutico,
efetivamente, nas diretrizes do SUS, da Reforma Psiquiátrica e nas concepções que fundamentam
o ECA, buscando implementar as diretrizes de integralidade na assistência, trabalho em rede,
participação do usuário no tratamento, participação da comunidade, igualdade na assistência, etc.
Consideramos que os serviços públicos devem ser concebidos com base nesses aspectos,
buscando formas de transformar essas concepções em práticas que consigam ser mais eficientes e
sedutoras que as drogas. Conforme colocado por Rotelli (1990), os locais de tratamento deveriam
ser avaliados com base:
149
(...) no quanto de sinergia ativam junto aos empreendimentos privados culturais,
econômicos, políticos, inovadores, inteligentes. Acrescentam valor social,
valores e linguagens, experiências e aprofundamentos, cumplicidade e
agregações? Ensinam o possível, reviram de ponta a ponta a cultura do nada
suportada, fornecem meios, mediações, pedagogia concreta para se viver aqui e
agora e de maneira diferente (p. 70)?
Rotelli (1990, p. 73), referindo-se aos tratamentos oferecidos nas CTs, afirma que essas já
foram locais de “promoção da subjetividade das pessoas”, onde as dimensões individuais eram
recuperadas por meio das relações de troca no interior dos grupos, nos quais as experiências eram
valorizadas e enriquecidas. Nossa observação na CT pesquisada demonstrou o potencial dessa
modalidade para a atenção a adolescentes desprovidos de recursos sociais e familiares mínimos,
capazes de proporcionar acompanhamento e acolhimento necessários para auxiliar a modificação
de relações de exclusividade e autodestruição estabelecidas com as drogas em uma modalidade
de atenção menos restritiva. No entanto, devido às limitações constatadas no local pesquisado - as
quais não são exclusividade dessa CT - concordamos com Rotelli (1990, p. 73) no tocante à
transformação desses locais em espaços de “ortopedia”, onde não há espaço para o
reconhecimento das singularidades, pois todos devem se adequar às verdades pré-estabelecidas
que padronizam as possibilidades de desenvolvimento. Acreditando na possibilidade de
transformação dessa realidade, consideramos que as CTs devem receber maior atenção e
investimentos, pois vêm ocupando um lugar importante nesse campo, no qual impera a ausência
do poder público. Se as orientações das PP fossem efetivamente adotadas e fiscalizadas -
especialmente a regulamentação da ANVISA - poder-se-ia qualificar as CTs existentes e
aproveitar o potencial terapêutico de cada espaço.
Em suma, consideramos que os resultados desse estudo apontam à defasagem entre o que é
preconizado pelas políticas públicas e as práticas dos serviços de tratamento. Dos três serviços
pesquisados, apenas um se adequava às orientações das principais políticas que regulam o setor,
apesar de possuir limitações principalmente relacionadas à escassez de recursos para qualificar e
ampliar o alcance de sua atuação - características comuns nos serviços públicos de saúde.
Compreendemos que as diretrizes do ECA e do SUS continuarão na instância teórica enquanto
150
não houver propostas de capacitação dos profissionais que trabalham com esse público, de forma
a qualificá-los a atender as especificidades do processo adolescente no contexto atual.
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