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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
Julio Caetano Costa
CINEMA E MORADOR DE RUA:
buscando estratégias de resistência
Porto Alegre
2006
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Julio Caetano Costa
CINEMA E MORADOR DE RUA:
buscando estratégias de resistência
Porto Alegre
2006
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia Social e Institucional. Programa
de Pós Graduação em Psicologia Social e
Institucional. Instituto de Psicologia.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientadora Dra. Liliane Seide Froemming
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3
Julio Caetano Costa
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação Cinema e morador
de rua: buscando estratégias de resistências, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Comissão Examinadora:
_________________________________________________________________
Dra. Liliane Seide Froemming (orientadora) - UFRGS
_________________________________________________________________
Dra. Flávia Seligman- UNISINOS
_________________________________________________________________
Dr. Luiz Eduardo Robinson Achutti - UFRGS
_
________________________________________________________________
Dr. Edison Luiz André de Sousa – UFRGS
4
Dedico este trabalho aos meus pais, Onofre e Mary,
aos meus irmãos Márcia, Sérgio e Fernando,
todos Caetanos Costas
à minha namorada Andréia,
à minha família
aos meus amigos
Eduardo, Felipe, Glauco,
Rogério, Luis e Lenara
5
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Dra. Liliane Seide Froemming.
Aos meus pais, Onofre e Mary.
aos meus irmãos Márcia, Sérgio e Fernando.
à minha namorada Andréia Machado Oliveira.
às minhas colegas da UFRGS
Francilene Rainone, Márcia Ribeiro,
Vanessa Oliveira, Julia Dutra de Carvalho e Camila Bakes,
às minhas colegas da FASC Luziane Rocha e Maria Luiza Nascimento
Ao Luciano Camargo da Silva, Clóvis Camilo Lombardi, Paulo Gilberto Lopes da Rosa,
Adilson Borges, Evandro Nascimento, Sílvio e Vicente Tavares
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ao Programa de Mestrado do Instituto de Psicologia Social e Institucional,
e seus professores e funcionários.
Aos colegas de todas as turmas.
Ao pessoal da Antropologia Visual da UFRGS.
Ao Departamento de Difusão Cultural e à Sala Redenção da UFRGS.
À Prefeitura Municipal de Porto Alegre – FASC - Abrigo Municipal Bom Jesus
6
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................. 07
ABSTRACT ......................................................................................................... 08
APRESENTAÇÃO................................................................................................ 09
CAPITULO I - CINEMA E REPRESENTAÇÃO 13
1.1 O Cinema como Narrativa ........................................................................... 13
1.2 O Documentário em Cena ........................................................................... 19
1.3 O Cinema como Arte de Representação ................................................... 26
1.4 Um Cinema Híbrido ...................................................................................... 28
CAPITULO II - ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA 32
2.1 Morador de Rua ............................................................................................ 32
2.2 Aproximação ................................................................................................ 36
2.3 Identidade Social ......................................................................................... 38
2.4 Os Diversos Moradores de Rua ................................................................. 44
CAPITULO III - CINEMA E MORADOR DE RUA 50
3.1 Estratégia e Mendicância ............................................................................ 51
3.2 Mímesis Ocultas ........................................................................................... 59
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 66
5 REFERÊNCIAS................................................................................................. 69
5.1 ANEXO I – Filme ........................................................................................... 75
5.2 ANEXO II – Autorização de uso de Imagem e/ou Voz .............................. 76
5.3 ANEXO III – Filmografia ............................................................................... 77
7
RESUMO
Este trabalho aborda dois temas das ciências sociais: cinema e morador de
rua. O cinema, lugar de onde nascem grandes inquietações, espaço rico para reflexões
e, em algumas oportunidades se torna um caminho de expressão. Morador de rua é um
sujeito que, individual ou coletivamente, contamina a grande magia de sobreviver.
Buscamos fazer uma fusão desses dois temas ao analisar o cinema que aborda as
estratégias de sobrevivência a partir das transformações miméticas e das
peculiaridades dos moradores de rua. Esse trabalho contou com a realização de um
audiovisual com moradores de rua sobre estratégias de resistência e modos de
sobrevivência, produção que também inclui cenas de outros filmes que abordam a
mesma temática.
Palavras-Chave: Morador de rua, cinema documental, mimetismo, estratégias de
resistência.
8
ABSTRACT
This work concerns two themes of social sciences: movies and the homeless.
The movies is the place for the birth of restlessness, a rich ground for reflection, and
sometimes a path for expression. The homeless is an individual who, alone or
collectively, contaminates the magic of surviving. Intending to make a fusion of both
themes, the movies that deal with survival strategies from the homeless' mimetic
transformations and peculiarities were analized. A documentary feature was made with
the participation of homeless people on the topic of resistance strategies and surviving
styles. The production also comprises scenes of other films about the issue.
Key words: Homeless, documentary, mimetism, resistance strategy
9
Apresentação
O ponto de partida deste trabalho situa-se na confluência de dois temas que,
embora não pareçam íntimos, se encontram nas encruzilhadas, de onde seguem
juntos, como em um filme em que a montagem aproxima o som e a imagem,
sincronizando as falas; um pode preceder o outro, criando assim uma sensação de que
ambos se completam: cinema e morador de rua. Primeiro o cinema, lugar onde nascem
grandes inquietações, espaço rico para reflexões e, em algumas oportunidades, um
caminho de expressão. Já o morador de rua deriva de um trabalho institucional que, ao
mesmo tempo, transcende a própria instituição por contaminar a grande magia de
sobreviver. Ao fazer tal fusão, passamos a analisar o cinema que aborda estratégias de
sobrevivência a partir das transformações miméticas e das peculiaridades dos
moradores de rua.
“Cinema e Representação”, o capítulo que inicia essa dissertação, aborda as
principais características do cinema desde sua invenção e a construção da narrativa
cinematográfica. Houve, inicialmente, dois movimentos fundamentais: um na França,
pelos irmãos Lumière, e outro nos Estados Unidos, por Thomas Edson. Eles
influenciaram de modo decisivo o desenvolvimento das narrativas documentais e
ficcionais.
Estudando as formas de representar a realidade encontramos inicialmente no
documentário um gênero que resgata uma forma de se fazer cinema que conserva
influências tanto das narrativas documentais como das ficcionais.
10
Em seguida procuramos imergir no gênero documentário, desde os filmes
antropológicos de Levi-Strauss dos anos 30 do século XX, passando pelas diferentes
escolas que surgiram posteriormente no Brasil - o “anti-documentário” criado por Arthur
Omar, o “filme sociológico” defendido por Jean Claude Bernardet e a “auto-
reflexividade”, que é argumentada por Sílvio Da-Rim - até chegarmos a um cinema
híbrido, um cinema que agrega diferentes influências e tendências, metamorfoseando-
se como a própria cultura brasileira, num sincretismo técnico-artístico-industrial, e
apontando modelos para análise fílmica, aproximando as ciências sociais das
produções audiovisuais.
Na segunda parte introduzimos o tema morador de rua, um histórico que
remonta a mais de quatro mil anos. Essa cultura milenar está descrita em “Estratégias
de Sobrevivência”, onde também se insere a referência sobre o mimetismo enquanto
estratégia de sobrevivência, (GAGNEBIN, 1997), possivelmente a estratégia mais
recorrente dos moradores de rua.
A subseção Identidade Social aborda o tema das identidades real e virtual,
isto é, os atributos que uma pessoa tem e os que ela deveria ter, aquilo que dela se
espera (GOFFMAN, 1988).
O terceiro capítulo discute os filmes que tratam das estratégias de
sobrevivência, através de análise, decupagem de roteiro e transcrição, e também inclui
trechos analisados e comentados das entrevistas com os moradores de rua.
A metodologia da presente dissertação consiste em construir conhecimento
através de um estudo com moradores de rua, utilizando a técnica de entrevistas
filmadas (VICTORA, 2000, BAUER, 2002). Este estudo busca detectar as estratégias
11
de sobrevivência e resistência às formas de dominação, formas estas que não podem
ser completamente explícitas, sob pena de comprometer a própria sobrevivência. São
os desidentificadores de identidade deteriorada, ou aquilo que Goffman (1988)
conceitua como “pontos”.
Buscamos identificar sobre o quê os moradores de rua gostariam de falar
para as câmeras. Não se trata apenas de dar voz aos excluídos, mas de encontrar
também peculiaridades que possam beirar a subversão da identidade estabelecida
(vida pregressa, lazer, educação, felicidade, saudades, preferências) e, se possível,
dados relativos ao que possa ser, ou não, categorizado como identidade depreciada.
As entrevistas realizadas com os moradores de rua seguiram um roteiro
previamente estabelecido: primeiramente, os respondentes foram solicitados a falar um
pouco sobre si mesmos, depois a relatar algum episódio particularmente representativo
de suas vidas e, finalmente, confiar à câmera algo sobre si mesmos ainda mantido em
segredo e que não gostariam de revelar aos outros, mas que agora se sentem
confortáveis em compartilhar com a câmera.
Nessas entrevistas, os dados qualitativos tiveram prioridade. Dos sete
entrevistados, apenas quatro foram incluídos na edição do audiovisual, que conta ainda
com cenas de outros filmes que abordam questões próximas ao tema. Esta edição
audiovisual será finalizada para a apresentação deste trabalho. São pequenos fatos
que somente fazem sentido ao serem resgatados, quando fogem do esquecimento e do
que possa desaparecer (LINS, 2004).
O cinema tem esta qualidade: guardar fragmentos sensíveis da vida das
pessoas. O mestre Eduardo Coutinho (LINS, 2004), e seu cinema de entrevistas,
12
alcança um ponto que inibe o fim da vida sem os pequenos regozijos, que consiste em
encontrar um pouco de si mesmo nos outros.
As entrevistas iniciavam com uma breve explicação sobre o estudo e a
proposta de fazer um audiovisual com pessoas que “transitam pela rua, ficam por aqui
ou por ali” e, após o consentimento formal do entrevistado (anexo I), instalava-se os
equipamentos: câmera digital com tripé, microfone ou aparelho gravador MP3 e
máquina fotográfica.
Todo trabalho de aproximação foi delicado. O universo de pesquisa
compunha-se de moradores de rua que não estivessem sob demasiado efeito de
substância psicoativa - álcool ou drogas -, devido ao grau de instabilidade emocional
que essas substâncias podem desencadear. Dos sete entrevistados, seis pareciam não
estar sob tal efeito, e um, que se disse abstêmio por mais de três horas, solicitou
permissão para ingerir bebida alcoólica durante a entrevista. Apenas um dos
informantes já era conhecido do pesquisador.
As entrevistas foram feitas durante o dia, dispensando o uso de iluminação
artificial (dado importante quando se tem captação de imagem), mesmo que boa parte
da população de rua tenha outra concepção de tempo, como, por exemplo, fazer uso da
noite para transitar e do dia para dormir.
Portanto, pensar a identidade e os papeis sociais que um sujeito produz para
si e seu meio, dentro de uma perspectiva de desvinculação com o ideário constituído e
sobrecarregado de imagens que acumulam um entendimento que pode ser equivocado
ou tendencioso, é que se institui o que poderíamos chamar de uma responsabilidade,
um compromisso com as pessoas que foram objetos de pesquisa. O registro material, a
13
dissertação e o audiovisual, acrescidos dos registros imateriais, que são constituídos
por tudo aquilo que se vivenciou, nos estudos, no trabalho de campo, nas discussões e
orientações findam neste momento este trabalho mas não está reflexão.
Capitulo I
CINEMA E REPRESENTAÇÃO
A narrativa verídica, seja ela verdadeira ou fictícia,
supõe sempre um acontecimento tomado no curso
empírico do tempo.
André Parente
1
O cinema como narrativa
O cinema, como narrativa, apresenta-se carregado de uma tensão que oscila
entre o verdadeiro acontecimento (a realidade) e sua representação, que se desdobra
no que concerne ao próprio do mundo dos humanos, seu habitat, seus valores, crenças
e cultos. Para se criar esse tensionamento, o cineasta parte de um tema que suscita
interesse em determinadas pessoas, usando estratégias cinematográficas para ir além
de contar uma história. A vocação do cinema é levar o espectador, ao mesmo tempo,
para longe e para perto de si mesmo.
1
Professor de ECO UFRJ, autor de Deleuze e as virtualidades da narrativa cinematográfica. In: Teoria
Contemporânea do Cinema. Vol. 1 São Paulo: SENAC, 2005.
14
Como arte, o cinema se diferencia consideravelmente de outros suportes pela
característica industrial de sua produção. Ao contrário de outras formas de arte, como a
pintura e a música, o cinema necessita de uma equipe especializada para sua
realização. Fazer um filme exige um domínio de técnica e de equipamentos de grande
complexidade, sendo a forma de arte que demanda maiores investimentos financeiros.
Essa indústria, responsável pelos diversos estágios que uma produção
cinematográfica percorre até chegar ao público, acabou por estabelecer divisões que,
prioritariamente, auxiliam na comercialização de seus produtos. Existem diversas
maneiras de se dar identidade aos filmes; contudo, a mais conhecida do público se
categorizou como ‘gênero’. Esta categorização visa auxiliar nas estratégias de venda
dos filmes, dividindo-os entre filme ficcional e filme documentário ou não ficcional.
Faz-se dispensável traçar uma definição cabal entre o que seria
representação e verdade. Nesse sentido, torna-se mais pertinente dirigir o foco para a
busca das potencialidades do cinema, quando ele produz uma rede de peculiaridades e
significados que irão compor a trama cinematográfica.
O cinema, já no princípio, se obrigara a ser desenvolvido e apresentado como
algo que fosse capaz de registrar a realidade como verdade. Amparado pela evolução
das técnicas fotográficas e das novas tecnologias no final do século XIX, o cinema
necessitou se apropriar do cotidiano para produzir cenas que marcaram seu princípio.
Filmavam-se as pessoas em seu cotidiano e, logo que possível, era feita a exibição
para que as mesmas pudessem ser reconhecidas na tela.
Dessa maneira, os cineastas se distanciaram das atribuições de caráter
mágico e ilusionista de que gozavam as pessoas que trabalhavam com imagem no
século XIX. Uma distinção que irá balizar o itinerário do cinema documentário em
15
diversos momentos é que, ao se aproximar da atualidade, ele irá alcançar um status de
Cinema do Real, um cinema que nasce e se torna secular documentando essa
civilização. (LABAKI & MOURÃO, 2005).
Pensar em um cinema onde a representação da realidade está presente é
talvez a característica mais forte dos filmes documentários (NICHOLS, 1991), sendo
eles filmes de exposição, de observação, interativos ou reflexivos. Assim, o filme
documentário consiste em um produto que, ao abordar algum assunto, necessita fazer
uso de provas e argumentos suficientes para a construção de um ou mais pontos de
vista. À medida que a narrativa avança, deve haver uma organização dos dados
objetivos e subjetivos em busca de uma autonomia do que os responsáveis pelo filme
pretendem.
Utilizando o suporte de imagens visuais e acústicas, o cinema se caracteriza
por expressar sua narrativa através de uma combinação de estruturas físicas e pelo
desenvolvimento de uma narrativa que segue a inter-relação dos fluxos de imagens
verbal, visual e sonora (SANTAELLA, 1999). Essa composição entre o que se mostra,
sonora ou visualmente - estímulos híbridos potencializados pela dimensão arcaica da
senso-percepção -, demove o sujeito contemporâneo de seu estado primitivo,
designando seu corpo ao contato com uma das formas mais efêmeras da evolução
humana: o cinema.
A realidade, ao ser transposta para o cinema, costuma ser adaptada através
de um “tratamento” que se apóia em alguns preceitos da narrativa cinematográfica.
Estes preceitos são comuns a diversos gêneros do cinema, como comédias, dramas,
musicais e filmes de ficção; são técnicas próprias do audiovisual (NOVAES, 2005), com
recursos cinematográficos indispensáveis para a sua realização. Contudo, é a
16
qualidade da abordagem, do ponto de vista sob o qual o filme será narrado, do que
estiver compondo a “diegese”
2
– o que comporta a construção da narrativa fílmica.
Independentemente da abordagem, em geral, um filme se desenvolve pela seqüência
de orientação: primeiramente da produção, do roteiro e do argumento, e após pela
direção e montagem, que darão a forma final ao filme.
Desde sua origem, o cinema teve um desenvolvimento que esteve muito
próximo da evolução de outras tecnologias. Embora houvesse inúmeras pesquisas
simultâneas, dois modelos de se fazer cinema acabaram por se destacar: o modelo
francês, difundido por Auguste e Louis Lumière e o modelo americano, de Thomas
Edson. Seus desempenhos se deram mais em virtude do potencial tecnológico e
comercial que cada modelo ampliou e da capacidade de proliferação em grande escala,
de forma globalizada. Em ambos os modelos, criaram-se duas indústrias: uma
responsável pela produção e outra pela comercialização dos filmes, pela sua
distribuição.
Segundo Da-Rim (2004), os irmãos Lumière pretendiam se aproximar do
campo técnico-científico dos pesquisadores do movimento. Buscavam em meios
2
Diegese - Termo grego reaproveitado por Anne Sauriau a partir de 1950, dentro do grupo de pesquisas
estéticas do instituto de Filmologia da Universidade de Paris, tendo por finalidade referir-se a uma narração e seu
conteúdo, ou seja, ao mundo especificamente posto por uma obra de arte representativa. No caso do cinema e
do teatro, há uma coincidência maior entre a forma da diegese e a realidade exterior, pois são figuras em carne e
osso que fazem "aparecer" os personagens das cenas. Ainda assim, a diegese pode ir além do que está em
cena, envolvendo o que sobre ela influi (um acontecimento passado, uma intenção ou paixão iniciais, uma
paisagem apenas mencionada). Consideram-se diegéticos, portanto, os elementos não apenas expressos,
"visíveis", mas também aqueles virtuais que pesam ou influenciam a dramatização e seu conteúdo.
www.videotexto.info/diegese.html
17
intelectualizados, como a Sociedade para o Estímulo da Industria Nacional com
doutores na Sorbonne e a Associação Francesa de Fotografia, apoio para o
desenvolvimento de seus projetos, que incluíam o domínio da técnica da fotografia
colorida já em 1895. Estudiosos de artes difundiram pela França mais de quatrocentos
aparelhos de lanterna mágica, cada um com um kit contendo mais de oito mil vistas.
Sua maior invenção foi o cinematógrafo, um equipamento (com manivela)
capaz de registrar cenas em movimento, de pequenas dimensões e com grande
mobilidade para a época, além de ser capaz de captar cenas ao ar livre. Por ser
portátil, podiam captar cenas em diversos lugares, difundindo a idéia de ser possível
fazer um filme praticamente em qualquer lugar.
Já o cinema de Thomas Edson não apresenta a mesma característica de
mobilidade. Foi ele o inventor do quinetoscópio, um aparelho onde se colocava uma
moeda para assistir a um filme individualmente. Ele acreditava que se fizesse sessões
coletivas estaria perdendo dinheiro. Sua técnica de filmar foi influenciada por sua outra
invenção, o fonógrafo, um aparelho que necessitava de total isolamento. Seu cinema é
marcado pelo uso de equipamentos pesados, como o quinetógrafo (o cinematógrafo era
cem vezes mais leve) e pelo total isolamento, um cinema de estúdio. “Edson foi o
inventor do formato de 35mm, uma característica do cinema até hoje” (DA-RIM, 2004, p.
25).
Se o modelo francês influenciou um cinema de exploração, de viagens, de
descoberta de outras culturas e distintas paisagens, o modelo americano de Edson
influenciou um cinema de estúdio, de adaptação de obras da música, da literatura, da
cultura popular. “Até 1906, metade da produção cinematográfica são filmes em um só
18
plano que mostram histórias curtas e excitantes, como um cinema de atrações” (DA-
RIM, 2004, p. 31).
No início do “cinema de atualidades”, os filmes abordavam questões mais
recentes, como noticias, viagens, eventos, ou mesmo adaptações literárias. Integravam
tela e platéia, passando a construir uma primeira narrativa cinematográfica onde os
planos eram elaborados com mais de uma tomada, exibindo alguns detalhes,
organizados através da montagem do filme.
Com a montagem, o cinema passa a ter uma nova dimensão, podendo-se
construir filmes de maior duração e com mais detalhes. Nasce aqui um novo cinema,
onde o corte não mais liga uma cena à outra, mas intensifica a própria cena. Pode-se
criar uma nova trajetória narrativa, apresentar dados que são específicos da própria
situação, investindo na criação de uma narrativa cinematográfica propriamente dita. O
cinema muda seus espaços tradicionais de exibição, sai de locais comuns como salões
de entretenimento e cafés - que intercalam teatro, música, lutas e filmes -, passando a
ocupar um espaço dedicado para sua exibição, de uso mais privativo: os “cines” ou as
salas de cinema.
Ao ganhar salas específicas, o cinema adquire um caráter mais abrangente, o
qual irá implicar algumas transformações: inaugura, em 1929, uma nova dimensão: o
cinema sonoro. É importante registrar que apesar de até então o cinema ser mudo,
suas exibições não eram silenciosas. Composições e acompanhamentos de músicos,
conjuntos ou orquestras eram bastante freqüentes. Portanto, o cinema nasce, mesmo
que não pareça, audiovisual.
A grande novidade do cinema, em 1929, é a banda sonora que irá
acompanhar o filme. A partir desse momento irá se chamar de filme sonoro - o filme
19
fala, canta, tem sons e barulhos que estão impressos junto com as imagens no
celulóide. Até a invenção da banda sonora, diversas tentativas de buscar uma
tecnologia para acompanhar as exibições já haviam sito testadas, mas nenhuma
conseguira melhor sincronização com as imagens.
Assim, as vozes dos personagens se tornam audíveis e o público pode
apreciar uma nova tecnologia que irá agregar à imagem o som que participa daquela
ação (MANZANO, 2003). É uma nova dimensão que trará para sala de cinema a
possibilidade de uma nova narrativa, a narrativa audiovisual sincronizada. Um som que
não só acompanha as imagens, mas que se beneficia do que já era particular das
imagens de cinema, a montagem. O cinema, que fazia uma narrativa baseada na
imagem, ganha então esta nova instância de ser áudio e visual simultaneamente.
Aqui cabe uma observação: o som parece ter sido o “calcanhar de Aquiles”
do cinema brasileiro até o final do século passado, uma vez que era muito penoso para
a cinematografia nacional, principalmente no caso de filmes com orçamentos menores,
conseguir manter som e imagem em sincronia durante todo o filme. A fim de contornar
situações embaraçosas em que a boca falava e a voz só aparecia um segundo mais
tarde, evitava-se grandes “closes” de sincronia labial. O que foi avanço em 1930,
passou a ser muitas vezes desconforto, fato que foi praticamente solucionado com o
uso da tecnologia digital no final dos anos 90.
O Documentário em Cena
As programações de cinema não se compõem somente de filmes
documentários. Já na primeira década do século XX, o cinema documentário começa a
20
compartilhar espaço com o gênero que irá se consagrar como absoluto, até os dias de
hoje, em termos comerciais: o cinema de ficção. São filmes com adaptações de temas
conhecidos da literatura, de mitos, nos quais os personagens são atores que
interpretam papéis segundo um roteiro predeterminado. Há um declínio comercial do
documentário, embora não suficiente para extingui-lo. Este gênero acabou por
encontrar nichos relativamente diversificados, ainda que em espaços comerciais e
alternativos. Ganhou espaço também em círculos intelectualizados com filmes de
formação político-ideológica, em universidades com o filme didático, filme etnográfico
(ACHUTTI, 2004), filmes de ciência e de curiosidades e filmes de propaganda, entre
tantos outros. Depois do advento do som direto, tornaram-se bastante freqüentes os
filmes de entrevistas faladas.
Alguns nomes foram precursores e influenciaram sobremaneira os filmes
documentários (CAVALCANTI, 1977). Robert Flaherty representou, com o filme
“Nanouk do Norte” de 1922, um divisor de águas para o gênero documentário ao
abordar a vida dos esquimós no Alaska; John Grieson foi um grande articulador que
influenciou os filmes de publicidade e institucionais fugindo da interpretação teatral e da
poetização do exotismo (DA-RIM, 2004). Sergei Eisenstein foi pioneiro, com o filme “O
Encoraçado Potemkin” de 1926, pela exposição da nova teoria da montagem, criando
um conceito próprio.
No Brasil, foi importante a filmografia do Major Luis Tomas Reis sobre as
expedições do Marechal Candido Rondon, que se iniciou em 1914 e se estendeu até o
ano de 1938. São documentários sobre os lugares, as pessoas e os costumes
encontrados nos trajetos durante as implantações de linhas telegráficas no interior do
21
Brasil, incluindo estados como Mato Grosso e Amazonas e outras partes do Brasil (DE
TACCA, 2004).
Nos anos seguintes, existem poucas referências de documentários; em sua
maioria, são produções de estrangeiros que fizeram registros fotográficos e fílmicos em
suas excursões pelo interior do Brasil.
O Português Silvino Santos, na Amazônia, realizou mais de oitenta filmes desde
o inicio do século, além de inúmeros negativos em vidro. “No país do
Amazonas”, de 1922 e “No rastro do Eldorado”, 1925 são alguns de seus
títulos. (MONTE-MÓR, 2004, p.104).
A antropóloga Patricia Mont-Mór relata que nos anos 30, Claude Lévi-Strauss
e Dina Lévi-Strauss – a qual, na época, estava à frente da Sociedade de Etnografia e
Folclore -, realizaram alguns filmes. Entre eles podemos citar “Festa do Divino”,
“Cerimônias funerárias entre os Bororós” e a “Aldeia Nalike”. Mont Mor coloca também
que tanto os filmes do major Reis quanto os de Lévi-Strauss foram produzidos
enquanto havia uma vinculação institucional. A autora acrescenta, ainda, que o alemão
Harold Shultz tem uma produção com cerca de 36 filmes, nos quais registra “as formas
de comportamento dos seres vivos em diversos grupos étnicos”, fruto de trinta anos de
dedicado trabalho etnográfico (MONTE-MÓR, 2004).
No Brasil, uma expressiva produção teórica cresce a partir da década de 60,
quando o cinema passa a ser visto como dispositivo de representação, momento em
que se “inicia no cinema um processo de modificação ética e estética, com ascensão de
um cinema crítico abordando questões da sociedade brasileira e da linguagem
cinematográfica” (BERNARDET, 2003, p. 11). Nesse contexto de mudança das
produções brasileiras, considera-se que três escolas principais se tornaram referenciais
22
teóricos: o filme sociológico, o anti-documentário e a auto-reflexividade (TEIXEIRA,
2004).
Artur Omar
3
defende a possibilidade do documentário ser um cinema ficcional
ou um espelho da ficção. Em seu filme “Congo” (1972), uma realização sobre a
congada, as cenas mostram prioritariamente letreiros com dizeres sobre a mediação de
quem está fazendo o filme, e apresentam algumas imagens de livros com poucas
tomadas de cenas. Trata-se de uma desconstrução do documentário, em seu rito
narrativo, ao inserir a experimentação e o uso de recursos das artes plásticas: a palavra
e o som são também imagem. “Ocorre uma mudança do uso da “montagem de
atrações”, de Eisenstein, para produção de choques emocionais que submetem o
espectador a ações sensoriais e psicológicas”. (RAMOS, 2004, p. 124).
Há um ritual ficcional na construção da representação da realidade e uma
narrativa fílmica que se apropria de uma estética ficcional, de um adensamento das
características dissimuladas e de uma combinação livre de seus elementos,
evidenciando uma forte tendência da concepção autoral. Não aparecem cenas de
pessoas congando, negando assim o acesso a uma narrativa formal relativa ao tema
que dá título ao filme. Desse modo, cria-se um conceito, difundido através de um
documento publicado em 1978, “O anti-documentário, provisoriamente”, onde Omar fez
um manifesto sobre o experimentalismo em uma liberdade quase anárquica da
atividade documental (OMAR, 1997)
O modelo sociológico está calcado na concepção de que o filme é um
espelho do real. Essa concepção, inspirada no neo-realismo italiano, se inicia nos anos
50, seguindo uma tendência mundial que acaba desencadeando um movimento mais
3
Artista multimídia e cineasta, diretor de Congo, 1972.
23
expressivo chamado Cinema Novo. Usando poucos recursos financeiros, os filmes são
construídos com a finalidade de esclarecer a população, evitando que ela se torne
“alienada”
4
. Usando uma voz over e montagens paralelas, o modelo sociológico
implementa a realidade como um dado concreto, como um saber superior que irá
desmascarar o que está errado (BERNARDET, 2003), do ponto de vista do diretor e
suas conseqüências.
No que tange à evolução tecnológica, há a introdução da bitola 16mm, uma
tecnologia disseminada para registros da segunda guerra mundial e resgatada dos
exércitos. Ela fora usada também para reportagens de uma outra invenção que
começara a ganhar mercado: a televisão. De fácil manuseio, a 16mm não era tão
pesada quanto as câmeras de 35mm e tinha maior qualidade que as câmeras 8mm,
consideradas de uso doméstico. O 16mm acabou por se tornar um ícone do cinema a
partir dos anos 50, quando outra tecnologia se tornou viável: o “som direto”, uma forma
de captar som e imagem simultaneamente.
Influenciados pelo Cinema Verdade de Jean Rouch (FRANCE, 2000), uma
resistência ao sistema dominante da indústria cinematográfica, os filmes poderiam ser
feitos com um volume menor de recursos (menos dinheiro, equipe reduzida). Essa foi
uma nova maneira de se fazer cinema que influenciou o Cinema Novo e uma geração
de cineastas brasileiros, como João Batista de Andrade, Glauber Rocha e Luis Carlos
Barreto, entre tantos outros.
Com o intuito de contribuir para a formação política e ideológica e de buscar
um posicionamento ativo do público, principalmente em oposição ao sistema
4
Termo de uso da medicina e da jurisprudência que fora adaptado designando pessoas que não tinham
posição crítica aos governos autoritários e servis do terceiro mundo.
24
dominante, esse movimento tem como ícone o filme “Viramundo” de Geraldo Sarno,
1965, sobre retirantes nordestinos que migram para São Paulo em busca de emprego.
Com os documentários produzidos sobre questões políticas e com o avanço
da tecnologia que possibilitou tal propagação do cinema, teve início um movimento de
exibição alternativa de filmes com equipamentos portáteis e de fácil manuseio, que
permitiam exibições em diferentes locais como salas de aula, salões paroquiais, praças
públicas ou qualquer local onde houvesse razoável isolamento de luz e de som. Estes
locais eram chamados de clubes de cinema ou cineclubismo.
A praticidade de filmar em bitola 16mm e, ao mesmo tempo, fazer a captação
do “som direto” proporcionaram aos novos cineastas a oportunidade de realizar seus
filmes e promover debates após suas exibições. Tais debates foram um dos principais
instrumentos ou “aparelhos de resistência” de movimentos sociais como o CPC - Centro
Popular de Cultura – da UNE contra a ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a
1985.
Um filme precursor do modelo sociológico, mesmo antes de “Viramundo”, que
acabou por ser interrompido pela ditadura militar, tendo parte de seu material destruído,
foi “Cabra Marcado Para Morrer”, de Eduardo Coutinho, 1964-84. Trata-se de um filme
que reconstituiria a morte de um líder camponês do interior de Pernambuco. Contando
com personagens da própria família do líder, o filme foi interrompido em 31 de março de
1964. Seus materiais foram apreendidos e destruídos, seus atores e produtores presos
e torturados - era a ditadura militar que comunicava sua nova maneira de governar o
Brasil. O filme começara sua produção com apoio do CPC (LINS, 2004, p 35).
Entretanto, parte do copião e dos negativos foram clandestinamente
guardados na Cinemateca do MAM sob outro título (LINS, 2004). O filme foi concluído
25
com modificações que incluíram uma reconstituição da história do próprio filme,
abordando não só a trajetória do sindicalista como também o que acontecera com as
pessoas depois da ação militar. O resultado é um filme que amplia sua abrangência, ao
pensar questões que têm como referência o que um filme pode acarretar nas vidas das
pessoas que nele estavam atuando.
Ao abordar questões do cinema dentro do cinema, evoca-se um processo de
auto-reflexividade (DA-RIM, 1997), um cinema capaz ser visto pelo próprio cinema, fato
que irá influenciar uma geração de cineastas a partir da década de 80. Este processo
transporta o filme “Cabra Marcado Para Morrer” de um modelo sociológico para um
modelo auto-reflexivo, ao tornar claro como o filme foi feito e mais ainda, explicitar que
o filme, na sua primeira fase, fora capaz de desencadear um metacinema.
Mostrar as estruturas internas do cinema já fora uma escola que teve Dziga
Vertov em 1928, com o filme “O Homem da Câmera”, como precursor. Sua intenção é
desvendar o caráter ilusionista construído nas produções cinematográficas, estimulando
uma leitura didática e crítica. Esta busca antiilusionista ampliou-se também ao agregar
elementos da literatura, do teatro, da televisão e da publicidade que explicitam os
exageros usando a paródia, os clichês, o humor e outros artifícios que possam
fortalecer esta vertente auto-reflexiva. O filme passa a ser feito para provocar seu
público, exercitar sua “inteligência”. Um cinema que fala de si e que coloca algumas
duvidas sobre si, como se fosse feito para gerar estranhamento.
26
O Cinema como arte de representação
Quando se pensa no cinema, parece impossível que no período de sua
invenção tenha enfrentado sérias dificuldades para ser reconhecido, sendo inclusive,
por diversos momentos, comparado a bruxarias e ilusionismos de baixa qualidade; e
que tenha sido preciso filmar pessoas nas ruas, nas suas atividades comuns, como
caminhar pela cidade, para que pudesse obter aceitação.
Esta é uma das primeiras características do cinema que nos envolve: a busca
no real, no cotidiano, para conseguir um status de cinema. Outro aspecto consiste na
simbologia de que o cinema enfrentou, na sua concepção, uma recusa que hoje
aparenta não fazer sentido. O cinema nasce de uma relação muito próxima com a
realidade e seu êxito inicial pode ser atribuído a sua capacidade de reproduzir esta
realidade. Como se observa, é no documentário que encontramos dados que parecem
ser do mundo ficcional. O que acaba por seduzir é esta capacidade de estar colada ao
real e ser uma representação do mesmo. Nesse sentido, o que poderia ser mais
importante que a realidade, senão a própria realidade?
Os filmes de ficção se encarregaram de nos aproximar do real. Assistir a um
filme é comprar um bilhete de imersão em uma arte que desloca o espectador para uma
dimensão inexplicável. O cinema, que tem recebido influências da literatura
(principalmente a de não ficção), da música, do teatro, da poesia, da dança, da fantasia,
agora recebe uma especial atenção do que possa ser a mais profunda realidade. A
27
história que acabamos de assistir não termina ao sairmos do cinema; ela irá
acompanhar o espectador até que outra realidade se sobressaia.
Este tem sido o percurso do audiovisual nas grandes instituições de
representação, com a importância de estabelecer um novo modelo de se comunicar,
capaz de influenciar multidões que contribuíram para enriquecê-lo. Um modelo que se
desprende cada vez mais da sua origem complexa para agregar o que a tecnologia tem
possibilitado, como outras formas de comunicação em escala industrial.
O sujeito transita nesse momento em um espaço de destacada importância,
se for produtivo, gerador de riquezas para si e outros. Caso contrário, um caminho que
amplia com igual ou superior habilidade transcende o moderno em salões niilistas, uma
indiferença que desencadeia uma angustia, um porta-voz institucional (coletivo) de
emoções alheias, todas externamente coordenadas.
Em suma, o que interessa ao cinema é poder levar uma história que possa
causar emoções, que instaure no espectador um desejo mínimo para que ele não
desista dessa viagem. Este é o interesse da indústria da cultura de comunicação de
massa, sem perder de vista a referência de que uma produção cinematográfica é
apenas uma seleta com hora para chegar, mas sem hora para terminar.
Muitos dos filmes atuais tendem a preencher todas as fissuras que são de
responsabilidade do espectador. São excursões para buscar o sentido do que nos é
apresentado. São espaços da interlocução, do diálogo que se estabelece diante da
performance audiovisual, como nas sessões da lanterna mágica (BERGMAN, 1987)
onde existiam lugares repletos de buracos para serem preenchidos com a imaginação
de cada um. Ao disfarçar seu vazio, o cinema busca desesperadamente preencher
estes espaços que não lhe pertencem: preenche, ele mesmo, o espaço que havia entre
28
uma imagem e o espectador. Numa busca frenética de expressar quase todas as
peculiaridades, o cinema talvez possa perder um espaço clássico da civilização: o
contato com o mundo imaginário (BARTUCCI, 2000), o que já fora simbólico e que
ainda não tenha sido engolido pelo real.
Um Cinema Híbrido
No século XXI, e também no final do século XX, as produções
cinematográficas brasileiras usam o que já se havia praticado em alguns momentos
anteriores, porém agora com maior destaque: um cinema híbrido. Os filmes comportam
características de diferentes tendências, incluindo uma maior participação de
entrevistas, de reconstituições, bem como o uso de filmes antigos ou “recine”, uso de
áudio e de fotografias de forma criativa, de efeitos especiais que vão além da tradicional
trucagem, ilustrações, desenhos animados, animações em 3D e digitais com bonecos
animados.
Um fator que torna o cinema um produto tão cativante, característica presente
também em outras formas de arte, é a identificação com o que é de interesse do ser
humano. Em última instância, um filme aborda justamente algo que prenda a atenção
das pessoas, suficiente para que o público não venha desistir do filme, a menos que
esta seja sua proposta. Em não se tratando de expulsar o público do cinema, o que um
filme pretende é instigar uma reação positiva, de modo que as pessoas saiam
satisfeitas com o tempo e dinheiro investidos. O mesmo vale para locações de fitas
VHS ou DVDs ou para filmes que passam na televisão.
29
Há uma inquietude que afeta a freqüente atribuição da denominação “cinema
social” a filmes que tratam de questões sociais. Fato esse que merece uma ressalva
pela própria natureza do cinema: todo filme parece ser social, pois sempre irá tratar de
assuntos que encontram um paralelo nas questões de interesse de alguns ou de uma
maioria, e isto já o torna social. Ao fazer uma proposta audiovisual, necessariamente
usa-se o que é do social, mesmo em ficções, animações, em filmes experimentais ou
em filmes como suporte de arte.
Ao exibir um personagem, um filme aborda maneiras de viver, de se
relacionar com objetos, ambientes e pessoas. Mostra os valores e crenças dessas
pessoas, suas decisões e o que delas decorre. Não se pode atribuir um caráter social
maior a um filme que trata questões de pobreza e miséria do que a outro que trata de
questões pertinentes aos ricos e famosos. Talvez o que possa pender para um certo
domínio do campo social é a denominação de filme de “temática de classe social”, no
sentido marxista do termo.
Encontramos no cinema narrativas que são mais diretas e simples, onde a
história se passa de forma relativamente linear. Todavia, existem narrativas mais
complexas, com relações intricadas entre os personagens e suas histórias, onde a
narrativa pode se tornar confusa, necessitando muitas vezes de uma
superinterpretação, ou seja, as possibilidades de interpretação em relação à obra, da
intenção do autor, do leitor e do texto. (ECO, 1997). Atividade assaz elaborada, já que o
público interessado em análises complexas é restrito.
Como é pertinente aos meios de comunicação de massa, o grande público
adere às narrativas diretas, abordagens de questões onde o conteúdo fica próximo,
quase colado nas representações contidas em uma fita. Entretanto, independente de
30
ser uma narrativa simples ou complexa, ao pesquisador concerne a busca de um
entendimento mais aprofundado do filme, “a compreensão do investimento ideológico e
estético que ele comporta, principalmente, sobre a forma. E, também, a rede temática
expressada pelos conteúdos e assuntos que nele possam estar problematizados ou do
que dele se possa problematizar” (BERNARDET, 2003, p. 13).
Um filme que exibe uma narrativa direta é “Rio 40 Graus” de Nelson Pereira
dos Santos, 1955. Este filme faz uma crônica sobre o contexto social carioca dos anos
50, problematizando as dificuldades de quem vive no morro, cuja condição de pobreza
já era expressada pelo ícone da favela, em contraste com a cidade urbanizada e suas
belezas naturais, onde a vida prospera em ritmo de festa e comemoração.
A trama cinematográfica que encontramos neste filme cinqüentenário exibe
personagens que hoje são caricaturas da vida pública e privada no Brasil: a mulher
favelada, pobre e afro-descendente, com um subemprego braçal e que luta com
dificuldades para educar o filho; a solidariedade entre vizinhos; o pobre ser prejudicado
por uma pessoa com maiores posses. Esta forma de abordar situações onde o pobre é
vítima de sofrimento e de injustiças aparece de modo recorrente.
Na narrativa fílmica, mostrar determinada situação decorre de um
posicionamento da câmera e do microfone frente o fato ou a ação. Para que o filme seja
convincente, não basta ser filmada toda a ação, mas também todos os detalhes
importantes, necessários para a montagem do filme. São pedaços de ações, filmados
em geral por mais de um ângulo e com diferentes enquadramentos, que vão
disponibilizar um número de cenas que sejam satisfatórias para elaborar essa narrativa.
Para estabelecer uma análise, deve-se observar o que o cineasta considera
como sendo típico para uma narrativa, descobrir de onde vêm os documentos e, assim,
31
propor uma interpretação, considerando a visão do cineasta e a maneira pela qual os
filmes são produzidos (SORLIN, 1992). São entendimentos que se criam nos ensaios
sobre as narrativas, sejam elas ficcionais ou documentárias. As análises fílmicas
(VANOYE, 1994), são fundamentadas na cultura, com destaques para algumas áreas
de conhecimento como a antropologia visual, a psicanálise, o pós-estruturalismo ou a
filosofia analítica. A teoria do cinema se amplia quando compartilha suas idéias com os
filmes.
O fato de a produção poder contar com o uso do simulacro, do mimetismo e
das estruturas da comunicação e do imaginário no decorrer da elaboração de um filme
tornou o cinema um dos marcos da era contemporânea; ele atravessa a história e
chega ao século XXI categorizado possivelmente como a forma mais nobre da
produção audiovisual.
O filme é uma ferramenta que vamos utilizar para captar de forma técnica
argumentos da subjetividade e da singularidade do morador de rua, criando
personagem (LINS, 2004) e materializando fragmentos do imaterial, dando imagem e
voz ao invisível e ao silêncio. O filme documentário tem a peculiaridade de não ser
completamente planejado, ou seja, é constituído de partes imprevisíveis que acontecem
no momento da filmagem. A esse respeito vale resgatar o que o diretor Eduardo
Coutinho atribui como fundamental para uma entrevista se tornar um filme, ou não: “o
que é dito se estrutura no encontro com o diretor, na situação de filmagem” (LINS,
2004, p. 109). O audiovisual que segue no Anexo I é o resultado destes encontros.
32
CAPÍTULO II
ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA
Quando uma pessoa de aparência pobre e suja se aproxima pedindo ajuda -
em geral, dinheiro trocado, alimento, ou mesmo uma roupa - já se deduz,
corriqueiramente, que deva ser alguém bastante necessitado e, provavelmente, um
morador de rua. Entretanto, se a mesma pessoa pudesse ser pensada em uma
situação em que a necessidade não fosse sua principal característica, que espaço
existiria para uma caracterização outra que não a de ‘necessitado’? Como o morador de
rua pode ser pensado para além desse estigma?
Morador de Rua
A mendicância está presente na consolidação do imaginário sobre os
moradores de rua desde um passado remoto. Nossa intenção é apresentar alguns
elementos que possam ser agregados ao que já se sabe sobre esta população. Uma
questão que deve preceder nossa exposição é que não há uma identidade homogênea
do morador de rua; existem diversas formas de habitar a rua, dela e nela sobreviver. No
entanto, são as particularidades mais especificamente que vão estar sendo
evidenciadas em detrimento das generalizações, que serão usadas na impossibilidade
de exposição de situações particulares.
De fato, o que tentamos abordar neste trabalho são particularidades de
pessoas que habitam locais que não foram planejados para a habitação ou permanente
33
convívio humano. São pessoas que usam o espaço público como moradia, por opção
ou por necessidade, como se observa no filme Brás Cubas
5
, onde o personagem
Quincas Borba, agora mendigo, refere morar numa escada da Cidade do Rio de
Janeiro, onde a brisa e o vento amenizam o calor que o clima tropical proporciona.
Na Roma Antiga, as vítimas da guerra, dos despejos rurais, dos exércitos
dissolvidos foram, entre tantos outros motivos, a razão de um crescente número de
moradores de rua. A maioria deles, sem ofício ou mutilados, buscava na mendicância,
na vadiagem ou em atividades consideradas marginais uma alternativa para garantir
sua sobrevivência na cidade (SIMÕES JUNIOR, 1992).
Durante a Idade Média, a organização da mendicância profissional passa a
ocorrer nas cidades, não apenas como modo de subsistência direta, mas como forma
de acúmulo de bens ou poupança. A Igreja teve importante e diferentes papéis nesta
época. Primeiro, apoiando a fundação das Ordens Mendicantes do séc. XII, que foram
corporações onde se desenvolveu a profissionalização da mendicância com locais de
reunião, linguagem e técnicas específicas ao ofício, incluindo taxas para proteção divina
e policial (HUBERMAN, 1986).
No séc. XV uma organização chamada “gueux”, na França, institucionalizava
uma confederação de mendigos profissionais urbanos; seus locais de domicílio eram
“casebres de bairros imundos chamados de pateos de milagres”, seja porque nestes
lugares desapareciam as enfermidades simuladas durante o trabalho ou pela proteção
do clero: era entre os pedintes que os monges recrutavam pessoal para seus milagres”
(SIMÕES JUNIOR, 1992, p. 19-21).
5
Brás Cubas, filme de Julio Bressane realizado em 1995, uma adaptação de Machado de Assis, em que
o personagem Quincas Borba explica sua atual filosofia de vida. ‘Filosofia’, música de Noel Rosa,
interpretada por Paulinho da Viola, acompanha o final da cena.
34
Ao que parece, havia um simulacro de grande parte destas pessoas, que não
viviam permanentemente na rua, habitando-a apenas nos momentos em que
necessitavam captar bens e dinheiro; não poderíamos categorizá-las como moradores
ou habitantes de rua. As pessoas que realmente viviam na rua eram possivelmente
menos organizadas e ocupavam os espaços menos institucionalizados, com menor
chance de ganhos, enfrentando maiores dificuldades de sobrevivência.
Já no séc. XVI a Igreja passa a condenar a mendicância profissional e o uso
da farsa e da simulação como subterfúgios para conseguir esmolas, momento em que
outras práticas, como o furto e o roubo, se tornam mais presentes e ocorrem não
somente em locais públicos, mas também privados, fazendo com que o Clero as
considerassem condenáveis.
Condenáveis, ou não, a mendicância e a prática de habitar a rua tiveram
espaço mais restrito no início da Idade Moderna, mesmo com o contínuo crescimento e
desenvolvimento das cidades. Nos mesmos espaços onde houve a repressão aos
“falsos pobres”, teve início uma “política dos pobres”, visando amparar os
“verdadeiramente necessitados”, principalmente em hospitais (também funcionavam
como asilos e casas de caridade) mantidos pela Igreja, pois doença e pobreza eram
percebidas como indissociáveis. Estes hospitais recebiam crianças abandonadas,
jovens delinqüentes, criminosos, vagabundos, mendigos, loucos, doentes, os inválidos.
(MAGNI, 1994)
Já na era industrial, com a especialização da atividade médica, os hospitais
começam a barrar os não doentes ou não deficientes (físicos ou mentais). As prisões
passam a abrigar muitas das pessoas que eram alvo das repressões à vagabundagem
35
e à mendicância, principalmente quando havia a escassez de mão-de-obra, tão cara à
Revolução Industrial no século XVIII.
No século XIX, com o crescimento da indústria e das máquinas, que
desprezam o capital humano em favor do capital tecnológico, forma-se um exército de
mão-de-obra de reserva, o lumpemproletariado, constituído por pessoas que não foram
absorvidas pelo mercado de trabalho. Nele reside um fator intrigante da Revolução
Industrial e da consolidação dos avanços da cultura capitalista: a competitividade
produtiva. São pessoas que acabaram sendo excluídas do processo de produção de
bens e serviços e entraram na categoria de consumidores ou beneficiários dos bens e
serviços das políticas sociais.
No século XX, as ruas se tornaram um espaço a ser conquistado e as
autoridades governamentais e entidades de cunho social ampliaram suas atuações,
que foram desde a filantropia, que já era praticada anteriormente, passando pela
assistência e, até mesmo, programas de resgate de cidadania. O morador de rua passa
a ser um personagem do cotidiano que a sociedade não entende, mas acolhe de
diversas formas, seja por influências humanistas de agregar o diferente ou pela relação
democrática de cidadania. Um espaço que deve ser celebrado mais como opulento
simulacro de desenvolvimento social, pelos momentos (em geral pequenos) em que se
reserva atenção a esta população.
O século XXI já inicia vivenciando o que se chama de radicalização da
democracia ou ampliação do Estado de participação de poucos, já que a situação de
competitividade não foi suficiente para criar um ambiente de desenvolvimento para
todos, como previa o Estado democrático de direito que, desde sua invenção, reservava
apenas aos cidadãos de Atenas o direito de gozar dos benefícios deste regime político.
36
O que se pode concluir de todo este histórico é que viver na rua consiste em
um modo de vida que atravessa a história da civilização. Hoje, ou mesmo no passado,
ser ‘da rua’ é uma questão que gera incômodo e desconforto maior para quem não é da
rua do que, propriamente, para quem o é.
Se ainda hoje em dia percebe-se que a exclusão social aumentou, que as
diferenças entre “os que possuem mais e os que possuem menos” estão crescendo e
que desconhecemos como resolver tal situação, é sinal de que tudo isso é típico do ser
humano e próprio da condição humana. Não há na natureza outro animal que, como o
homem, costume agir à distância sobre outros grupos, seja mudando sua cultura, seu
modo de vida, seus valores e sua forma de lidar com o seu meio. O uso do controle e
do abuso de poder são características demasiadamente humanas.
Aproximação
“Morador de Rua” parece ser uma denominação arbitrária para identificar
pessoas que estão ou são da rua. Seria interessante pensar, desde já, que fosse
trocada por outra que não esta, uma vez que não se usa a expressão “morador de casa
ou apartamento, ou habitante de cobertura”. Então, por que esta denominação
“morador de rua” tem sido empregada? Embora haja outras denominações, devido à
pobreza e ao limite de se pensar de uma forma mais sofisticada, não se consegue
ainda atribuir outra identidade para estas pessoas que possuem características
demasiadamente humanas.
Quando se fica próximo das pessoas que estão em situação de rua, é
possível observar que o espaço para as mesmas poderia ser amplo, pois existem
37
diversas identidades e papéis sociais que os moradores de rua assumem e vivenciam
cotidianamente. Dentre as diversas maneiras de se interagir com as pessoas mais
necessitadas, destacamos duas que são mais freqüentes: uma próxima e outra
distanciada. A próxima se caracteriza por ser aquela em que as pessoas se conhecem,
sabem um do outro, podendo cada um ser identificado e diferenciado de acordo com
suas particularidades; neste caso, os bens e serviços são executados por pessoas que
mantêm contato direto com o povo da rua. É o caso da distribuição de sopa noturna,
feita pelos abrigos e instituições.
A forma distanciada ocorre quando não se conhece especificamente quem é
o nosso interlocutor. Sabe-se genérica ou, até, particularmente de suas necessidades e
potencialidades através da utilização de artifícios e técnicas ao fornecer bens e
serviços, como a prática do “macaquinho”
6
. O “macaquinho” atende a dois interesses
simultâneos – a quem doa e a quem recebe: o doador, pela sua caridade, disponibiliza
o excedente de comida que seria descartado para o lixo, seja por ideologia religiosa,
pela otimização de recursos materiais ecologicamente ou por altruísmo; por outro lado,
o necessitado pode conseguir a comida sem ter que esmolar, de tal modo não
importunando as pessoas que lhe fornecem comida, fazendo com que se evite um
contato direto, o que é sempre desgastante para quem é importunado. Assim, as
pessoas não querem saber quem pega seu alimento, nem de onde vêm, configurando
uma relação distanciada.
Para os que estabelecem uma relação distanciada com os necessitados, a
tendência é associá-los a um modelo comum do imaginário social de pobreza, de
6
Sacola com restos de comida, que são colocadas em árvores, grades de residências ou edifícios em
altura razoável para que necessitados possam aproveitá-los para sua alimentação.
38
miserabilidade – como a do catador de lixo. Para outros, no entanto, essas pessoas
passam desapercebidas, seja pela velocidade com que a paisagem se modifica,
redesenhando o mosaico urbano em figuras abstratas, ou pela falta de atenção e
concentração para observar alguém que mexe em alguma coisa, pode ser até no lixo.
Outros, ainda, nem mesmo os consideram, em função da limitada representação social
para gerar signos que se tornem referências – como se não houvesse nem morador de
rua, nem lixo.
Identidade Social
Quando há um contato realmente próximo, pode-se observar as identidades
que se criam em função das experiências que se concretizam no dia-a-dia a partir do
desempenho de papéis sociais e características pessoais que se manifestam na
relação do sujeito com seu meio ambiente, no ambiente social (se é que existe um
ambiente que não seja social). Essa identidade se aproxima da que Goffman (1988)
categorizou como “identidade social”, que pode se desdobrar em duas: a “real”, aquilo
que a pessoa é; e a “virtual”, aquilo que se espera que a pessoa seja.
Ambas categorias dizem respeito ao sujeito de maneira geral. A virtual
consiste naquilo que os outros pensam, desejam ou atribuem como esperável, e a real
considera também os outros, mas, principalmente, na relação consigo, o que,
naturalmente ou com muito empenho, se consegue ser. Então, o que se espera de um
morador de rua, quais os atributos desejáveis para quem não habita uma residência, o
que ele deveria ser no ambiente social ou o que ele deve fazer para ter honrado sua
condição, isto é, ser um típico morador de rua?
39
Quando o indivíduo mostra os atributos que possui é possível dimensionar se
ele alcança o que dele é exigido. Caso haja diferença entre a identidade social real e
virtual, pode se criar um estigma, ou a diferença que pode depreciar ou desequilibrar
uma relação, atribuindo ao sujeito um conjunto de características que fogem do que
possa ser considerado próprio do ser humano. Para Goffman (1988), o estigma da
exclusão social poderá se dar de duas formas: o desacreditável – onde a pessoa não
demonstra seu estigma vivendo em uma relação de constante tensão; e o
desacreditado – onde o estigma tem visibilidade e é perceptível, vivenciando o ônus da
crítica e do nível de exigência e tolerância naquele ambiente.
Há uma tensão nessa relação entre “o real e o virtual” que visa aproximar um
do outro. O real está nas capacidades individuais e sociais que o indivíduo desempenha
- seria um verbo conjugado no presente, com o vigor e energia pertinentes àquela
pessoa, o que ela faz para ser conhecida. O virtual está nos valores que o grupo
circundante acredita que devem ser seguidos e o que a pessoa faz para ser
reconhecida. A pessoa então é fruto deste real-virtual, que no fundo se parece mais
com um personagem que será composto no decorrer da sua existência.
A composição do personagem morador de rua se dá na medida em que haja
disponibilidade e interesse, uma crença na viabilidade da sobrevivência na rua ser
apropriada, pelo menos naquele momento. Há nessa composição do personagem da
rua a elaboração de um discurso visual e verbal que possa auxiliar nas estratégias de
sobrevivência, como se alimentar e repousar. Quando a pessoa sobrevive sem ter que
mendigar, seu discurso pode ser simples e sua identidade pode passar desapercebida.
Quando vira um achacador, a presença desta pessoa começa a ser notada e seu
40
discurso, tanto visual quanto verbal, tende a buscar uma justificativa material para
sobrevivência: sinais de pobreza, da miséria e da necessidade devem ser expostos.
A elaboração desse discurso consiste em residir na esfera da leitura imediata,
de uma interpretação planejada pelo emissor, de tal forma que o conteúdo transmitido
seja fruto de intenções diretas ao processo de composição das estratégias de
sobrevivência, e o lugar apropriado da ilusão é na realidade (ZIZEK, 1992, 2003).
É através da execução de sua performance, criada na representação pela
constante referência dos caracteres do infortúnio (uso de imagem e das solicitações),
elaborados a partir do corpo que exibe e explicita, que os moradores de rua reforçam tal
interpretação ligeira, colaborando para a organização e a manutenção da vida na rua.
Neste mesmo sentido, a organização voltada para a vivência na rua é
executada em vista de uma diversidade de situações que as pessoas em desabrigo
tenham passado. Mesmo em casos onde não há doença mental explícita e uso ou
abuso de substâncias psicoativas, há um plano de vida mínimo, com estratégias
próprias de sobrevivência que se enquadram de forma ambígua como o simulacro, o
mimetismo, os valores de uso e de culto (ZIZEK, 1992). Uma cultura baseada em
valores que não são o do trabalho, da moradia, das relações familiares (VIEIRA, 2003).
À medida que a rua se torna o local de permanência prolongada, cada
situação vivenciada deve ter/criar alguma estratégia para garantir seu êxito. São
habilidades necessárias para quem geralmente pode contar apenas com o corpo e o
que ele possa transportar. “Desprovido de casa, o homem de rua concentra sua
expressão no corpo, carregando consigo numa sacola seus pertences, que se resumem
a algumas roupas, objetos de uso pessoal e substancias psicoativas” (VIEIRA, 2003, p
99).
41
Algumas pessoas permanecem mais tempo em um local, outras se deslocam
com facilidade para pequenas distâncias, mas poucas se deslocam por grandes
itinerários como atravessar a cidade ou mesmo viajar para outras cidades ou estados -
característica de pessoas mais jovens ou doentes mentais com transtorno bipolar em
crise maníaca ou hipomaníaca.
Estão associadas ao morador de rua características de incapacidades,
fraquezas, desonestidade e doenças, do necessitado ou do perigoso, de quem tem um
“defeito” que impossibilita a vida autônoma, o que torna justo o “ser ajudado”. Essas
características são as informações que uma pessoa fornece ao exibir ou ocultar seu
“defeito”, que auxiliam numa leitura preliminar da sua identidade.
Essas informações são indícios, aparentes ou não, a partir dos quais uma
pessoa demonstra sua identidade, o modo como lida com pessoas e objetos, como
cuida, que uso faz, onde guarda seus objetos e outras peculiaridades. São partes
indissociáveis do dia-a-dia, na composição das estratégias de sobrevivência, e podem
ser naturalmente apresentadas ou manipuladas para alterar essa leitura e potencializar
os benefícios.
Há também a possibilidade de agregar outras informações, que irão reforçar e
ampliar o estigma, ou ainda outras que irão torná-lo mais brando numa escala de
valores depreciativos. Essas informações que alteram a identidade social são
chamadas de desidentificadores, que podem ser de dois tipos: erros, quando reforçam
a identidade depreciada e pontos, quando atenuam, disfarçam ou descolam o que há
de depreciado nessa identidade (GOFFMAN, 1988).
42
Os pontos são informações adicionais que não se espera de determinada
pessoa, visto que sua imagem é quebrada, colocando em dúvida sua identidade social
virtual e resgatando, mesmo que parcialmente, redefinições de exigências e valores.
Essa é uma busca de exceções dentro das regras e normas, das variáveis que
compõem as constantes. Na rotina diária, são usadas como reveladoras de grande
fidelidade das identidades dos indivíduos.
Talvez os desidentificadores constituam uma questão importante a ser
destacada: onde reside o espaço para as diferenças que não são da ordem do
necessitado, da miséria e do infortúnio dos moradores de rua senão nas informações
que contradizem a tendência da imagem estigmatizada? Nas entrevistas executadas
foram presenciados alguns exemplos do que poderia parecer impossível, algo que
possivelmente não seria típico de morador de rua. Seus gostos e preferências podem
não ser tão exóticos ou precários como se costuma pensar, mesmo para quem se
aproxima dessas pessoas.
Nesse momento, a identidade pessoal enquanto aquilo que a pessoa traz
como bagagem, fruto de suas histórias de vida, de experiências e influências do seu
meio-ambiente, carrega uma dimensão que tende a penetrar na singularidade e na
subjetividade do indivíduo. É parte do que escapa ao arcabouço da representação das
identidades totalitárias e que é necessário para a sobrevivência. Este arcabouço é uma
padronização de comportamentos, de imagens e de discursos próprios para quem está
na rua e faz parte de uma cultura da rua.
Considerar uma identidade pessoal de excluído social como sendo
depreciada é uma avaliação equivocada. Não há subsídios concretos que possam
legitimar essa avaliação, pelo menos no âmbito das relações sociais de convivência. Ao
43
associar a condição da miséria, do infortúnio, da doença, da incapacidade produtiva, e,
conseqüentemente, da falta de autonomia financeira é que se justifica o auxílio como
supridor de necessidades básicas. Aqui se constitui a construção do excluído social,
quando a satisfação de suas necessidades básicas não está de acordo com o mínimo
para a sobrevivência.
Existe uma mística de que o morador de rua não tem voz ou visibilidade.
Nesse ponto, parece haver uma certa fantasia de que a exclusão se dá de forma
capital. Pode-se afirmar que existe um espaço, mesmo que diferenciado, destinado
para esta população. Seja em instituições ou em espaços sociais, a visibilidade do
morador de rua ganha, no decorrer do tempo, espaços diferentes. No ambiente de
circulação, que é um espaço onde o morador de rua se relaciona por natureza, sua
visibilidade se dá pela presença física ou moral.
Os meios de comunicação de massa, como os jornais, são veículos de
visibilidade e voz; existe uma Associação Internacional de jornais de moradores de rua,
bem como a televisão, onde a imagem do morador de rua tem sido evocada. Interessa
saber se a imagem do morador de rua exibida é a que ele gostaria de exibir ou se as
representações estão de acordo com seus ideais.
Como se observa, boa parte da população conhece e sabe como usar seus
direitos. A radicalização da democracia vivida com ardor no início desse século, através
do conceito de cidadania, disponibilizou este acesso. A identidade do morador de rua
pode até, algumas vezes, estar vinculada a uma imagem depreciada, contudo é
possível que esteja muito colada na sua realidade, onde o real é sua própria
reprodução (ZIZEK, 1992).
44
Talvez como estratégia, as oportunidades para exposição não devam ser tão
realistas. Os espaços conquistados ou disponibilizados não foram suficientes para que
se pudesse construir outra identidade das pessoas que moram na rua. Há um esforço
(bastante institucional) que parece buscar um outro caminho, uma nova maneira de se
referir, mas que em geral esbarra em dispositivos que reforçam a velha identidade,
apesar de se familiarizar com os meios de comunicação.
Os Diversos Moradores de Rua
O tema morador de rua tem sido investigado com crescente freqüência em
estudos na área das ciências sociais. Sua relevância parece decorrer de um processo
progressivo de exclusão que assola principalmente as classes mais pobres da
população. É um fenômeno também observado em outras classes de populações
ocorrendo em diversos paises, pois os relatos da presença de moradores de rua
atravessam historicamente a convivência social em diversos pontos do planeta em
praticamente todas as épocas.
Considerando o que Platão menciona em O Banquete, de 428 a.C, quando
discursa sobre a Pobreza - que, ao final do festim do nascimento de Afrodite, veio
esmolar os restos e, ao encontrar Recurso (filho da Prudência), acabou por conceber o
Amor (MAGNI, 1994) -, é possível pensarmos, em um primeiro momento, que esta
condição entre a pobreza e miserabilidade seja capaz de, ainda que em condições
precárias, gerar e fazer a manutenção da vida, muito provavelmente pela presença do
amor.
45
Se for na pobreza que nasce o amor, é na consolidação da propriedade
privada com a expropriação das terras comuns, em detrimento do que se chamou de
sociedade arcaica na Grécia Antiga, que se estabeleceu um ambiente propício para a
criação dos espaços urbanos. Local este permissivo para uma crescente concentração
de pessoas sem posses, que darão origem aos primeiros mendicantes e vacantes
urbanos. Esta é uma das origens dos modos de sobrevivência das pessoas com
poucas ou nenhuma posse. Todavia não é a única, pois existiram e continuam existindo
outras formas de sobrevivência em lugares precários.
Habitar locais precários não é, como muitos atribuem, uma característica
apenas das populações mais pobres do terceiro mundo. Encontramos em diversos
países pessoas vivendo massivamente em espaços que não foram concebidos,
originalmente, para habitação, inclusive em nações com melhor nível de
desenvolvimento econômico e social. Jack London
7
, por exemplo, em 1902, já havia
feito um estudo detalhado sobre esta população na Inglaterra.
Se considerarmos que na década de 80 do século passado o canadense
Ward fez uma estimativa de mais de cem milhões de pessoas vivendo na rua, sendo
que vinte milhões estavam na América Latina, o Brasil tem uma contribuição importante
para esta aferição, que incluiu como homeless pessoas que estão em habitações
precárias como cortiços e favelas (WARD 1988, apud VIEIRA, 2004, p. 48).
Morador de rua é um dos termos mais utilizados para designar as pessoas ou
grupos que vivem na rua. No entanto, alguns autores utilizam outras denominações
para nomear ou se referir a essa população. Dois autores importantes que realizaram
7
O Povo do Abismo. Fome e miséria no coração do império britânico. Uma reportagem onde o autor se
disfarça de morador de rua e realiza um estudo sobre o submundo do país da revolução industrial.
46
seus trabalhos em cultura anglo-saxônica relatam suas experiências com esta
população: Michael Snow e Jack London. Jack London fez uma reportagem no começo
de 1900, na Inglaterra, justamente no início de sua carreira como jornalista. Ele
denominou “o povo do abismo” uma população que vivia no East End de Londres. Na
década de 80, David Snow fez um estudo sobre os nos Estados Unidos com o povo da
rua, na cidade de Austin, Texas, “num exame em profundidade e possível
desmascaramento ou refinamento de pressupostos tradicionais e teóricos existentes
sobre o estilo de vida, subcultura” (Snow, 1984, p. 64) chamando-os “os
desafortunados”.
No Brasil, é crescente o número de trabalhos que abordam essa população,
executados, em sua maioria, em grandes centros urbanos. Destacamos quatro estudos,
relativamente recentes, que utilizam diferentes denominações para essa população. O
primeiro é um trabalho realizado em 1991 para a SEBES – Secretaria de Bem-Estar
Social do Município de São Paulo -, onde Maria Antonieta da Costa Vieira organiza um
excelente material sobre o que denomina “a população de rua” em três aspectos: quem
é, como vive e como é vista. É um panorama descritivo da população de rua de São
Paulo, com dados quantitativos e qualitativos. Outro estudo, realizado por Claudia Turra
Magni (1994) nos anos 90 em Porto Alegre, utilizou o termo “os habitantes da rua ou
nômades urbanos”. Ela traça uma evolução da cidade e as peculiaridades da vivência
dos moradores de rua, diversas vezes já exploradas neste trabalho.
Outros dois estudos foram conduzidos da cidade de São Paulo. Jorge Bróide
(1993), em trabalho de mestrado no inicio da década de 90, utiliza a rua como espaço
terapêutico, para a qual designou “as populações marginalizadas”. Em seu trabalho há
47
uma abordagem psicanalítica calcada nos processos de socialização do Grupo
Terapêutico de Pichon-Rivière.
Um pouco antes, no inicio da década de 80, José Geraldo Simões Junior
executa um estudo para a Polis, uma organização sediada em São Paulo que atua com
projetos de desenvolvimento urbano. Produz, com apoios de instituições internacionais,
um material para “circulação interna” que faz uma aproximação mais sistemática com o
tema. Também apresenta uma revisão histórica da vida na rua, além resgatar questões
do cotidiano da vida e as estratégias de sobrevivência, bem como experiências de auto-
gestão em projetos com auxílio do governo e de entidades.
Em seu trabalho, Simões usa a denominação “moradores de rua”, também
empregada por outros autores que, coincidentemente, é aplicada como identificação
pelos entrevistados desta pesquisa. Portanto, morador de rua será a principal
denominação adotada neste trabalho, sem, no entanto, ser exclusiva, já que outros
termos podem e devem estar associados ao conceito, bastante flexível, que se aplica
às pessoas que estão ou são da rua.
Uma característica comum aos trabalhos referidos anteriormente, é que são
feitos sobre ou com a população de rua. São investigações sobre situações envolvendo
os que vivem na rua e como solucionam seus problemas. No entanto, não há um
detalhamento mais específico de histórias de vida pregressas ao “morar na rua”. Quase
todos os trabalhos fazem uma breve trajetória dos momentos que antecedem ou
motivam a opção de se viver na rua, mas não investigam com detalhamento como era a
vida destas pessoas antes da rua. Exceto as pessoas que já nasceram na rua, todos
têm uma história que precede tal situação, temporária ou permanente, mas que existe.
48
Encontramos pouco espaço para estes momentos que, na maioria das vezes, não
fazem parte da cultura investigativa dos trabalhos sobre moradores de rua.
Em geral, o morador de rua participa de uma classe de população que habita
cidades, de grande e médio porte principalmente, mas que, atualmente, também
começa a aparecer nos pequenos municípios. Sua questão vai além de ter um espaço
onde possa viver que não seja uma morada/casa, já que são necessárias algumas
características para sobreviver sem os benefícios que um domicílio/morada possa
prover. Estar na rua exige um domínio de técnicas que se adquirem através da
experiência própria ou pela orientação de outros que já dominam esta forma de habitar
o urbano.
Tais técnicas são desenvolvidas em uma relação entre os espaços, o corpo e
as coisas (MAGNI 1994). Em um estudo antropológico realizado em Porto Alegre no
inicio da década de 90, chamado Nomadismo Urbano, distintos universos dos
habitantes de rua são narrados e descritos. São contribuições valiosas para se
entender a cultura de rua e suas peculiaridades, os valores individuais e de grupo,
questões como gênero e, principalmente, de sobrevivência em situações de
vulnerabilidade social.
Para esta autora, o “nômade” tem se tornado personagem cada vez mais
comum nos espaços urbanos contemporâneos. Sua presença predominantemente
indesejada é marcada por um “gap
8
que representa uma ameaça à sociedade
estabelecida, ou seja, ao bom funcionamento da cidade: o sedentarismo e o
desenvolvimento tecnológico. Ele consiste em uma presença que incomoda, mas que,
8
Expressão inglesa usada para designar a diferença entre filhos e pais que não compartilham de
mesmos valores, cultos e cotidianos, apesar de serem responsáveis por sua formação, estarem
fisicamente próximos, inclusive morando na mesma casa, e conviverem diariamente.
49
não obstante, encontra interlocutores – por vezes involuntários - com quem interage
diretamente. Outros recorrem a uma relação indireta, utilizando-se de técnicas e ações
distanciadas. Por fim, existe uma parcela da população que evita interagir com os
moradores de rua, seja pelo distanciamento físico, pela prática de ignorar sua presença
ou por outros motivos.
Se, ao andar pela cidade, deparamo-nos com um número crescente desta
população que resiste aos modos de sobrevivência dominantes, isso por si só torna-se
intrigante e desperta uma questão importante a ser estudada.
50
CAPITULO III
O CINEMA DAS ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA
Este capítulo tem por objetivo fazer algumas observações sobre filmes que
abordam estratégias de sobrevivência de pessoas que estão em situação de
vulnerabilidade social ou que resistem aos processos de exploração e dominação, bem
como uma correlação com um audiovisual realizado por mim desde 2004 em um
trabalho de campo com pessoas que são moradores de rua. Essas observações são
como ensaios reflexivos sobre a potencialidade do cinema de representar pessoas que
sobrevivem usando essas estratégias, pelas particularidades que possam expressar os
momentos, onde não necessariamente se explore as situações de pobreza, apenas as
dificuldades da vida dessas pessoas.
Existem imagens clássicas dessas pessoas e, em geral, estão associadas a
um ideal de pobreza, sujeira, de situação mendicante ou de pedinte. Essas imagens
construídas em função de uma visibilidade social. No caso de moradores de rua, em
virtude de vivências onde se possa estar presente, mesmo que distantes ao se
apresentarem pedindo, esmolando, estando sujos ou desarrumados, são observações
de quem partilha, por pequenos ou mínimos momentos, um espaço comum.
51
Estratégia e Mendicância
No filme “Brás Cubas” de Julio Bressane, 1985, adaptação para o cinema do
livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, o personagem Quincas Borba reaparece na
forma de um morador de rua. Nesta cena, Brás está em uma praça sentado sob uma
árvore, aparentemente descansando do calor, quando chega um sujeito perguntando se
ele não o está reconhecendo. O sujeito se identifica como Quincas Borba, aquele que
“em outras épocas reinava por ali” e que agora não comia há algum tempo, uma vez
que tudo estava muito caro e difícil de conseguir. Brás oferece ajuda e Quincas
responde: “Não és o primeiro que me oferece ajuda e nem serás o último que não fará
nada por mim”. Mas acaba solicitando um dinheiro, e Brás lhe faz uma doação
generosa de cinqüenta contos.
Há um incremento que podemos chamar de mímese do personagem
Quincas, pelo seu atravessamento na narrativa, o que Sorlin considera “los modelos
miméticos”: “Llamaré ‘miméticos’ a los modelos de análisis construídos sobre la idea de
que una imagen es siempre una copia, una reprodución del universo sensible”. Refere
ainda que a visão é o mais agudo dos sentidos e que não se duvida do que se vê. Um
filme deve se organizar para mostrar a realidade física das coisas e dos seres
(KRACAUER apud SORLIN, 1977, pág 219),.
O que é importante ressaltar como característica do mimetismo é o
movimento de transformação que ele comporta, mesmo quando se situa em uma não
transformação (GAGNENBIN, 1997, VAZ, 2001). A transformação de Quincas é um
52
processo mimético; sua habitação é super ventilada, e ele não precisa pagar aluguel ou
assumir outros compromissos. O aparecimento do personagem em situação de miséria,
impossível de ser reconhecido espontaneamente, retrata histórias e folclores de
pessoas que já prosperaram financeiramente e acabam por se tornar mendigos e
pedintes. Mas se há no personagem uma alusão de que já fora rico e independente,
hoje sua situação é de miséria. Uma miséria que o impossibilita de se alimentar – uma
atividade imprescindível para a manutenção da vida.
A dificuldade de satisfazer seu ciclo fisiológico de alimentação, necessidade
básica para sobrevivência de qualquer sujeito, parece justificar algo que é comum às
estratégias de sobrevivência das pessoas que moram na rua, mas que não é exclusivo
delas: achacar
9
.
O achaque é uma estratégia de sobrevivência onde se pede algo específico:
pode ser cigarro, um pedaço de comida ou bebida, sendo o mais comum, dinheiro. Ao
achacar por dinheiro, o sujeito pode investir em um argumento suficientemente
convincente para que a ajuda seja dada especificamente em dinheiro. Quincas não
aceita que as pessoas lhe ajudem, senão com dinheiro; seu argumento é a fome: relata
que não havia comido ainda nada naquele dia. Com este argumento, não se duvida que
ele esteja necessitando de algo valioso para a vida, assim a solicitação parece ser
justa.
“Habitantes da Rua”, o documentário de Claudia Turra Magni é um filme de
1994 com pessoas que moram nas ruas de Porto Alegre. Neste documentário há um
personagem chamado Dante, que fala da situação de pedir. Ele diz o seguinte: “essa
sopa é boa, é sopa dos pobres, amanhã é sábado e não tem, só na segunda-feira,
9
Pedir dinheiro, comida ou outra coisa
53
amanhã não tem sopa, amanhã eu vou fazer o quê, vou pedir, vou ter que apertar a
campainha, vou pedir nas casas” (MAGNI, 1994, 30’05’’). O costume de pedir e a
cultura da mendicância, não só no Brasil como em diversos lugares, continua sendo
uma estratégia eficaz na busca da sobrevivência.
Usar a fome como forma de sensibilização para obter doações de comida,
dinheiro ou objetos que possam ser usados ou trocados é uma estratégia válida
atualmente. Nesse filme a cena se potencializa quando o personagem primeiro elogia a
qualidade da comida e, em seguida, afirma que no dia seguinte não haverá comida
para os “pobres”. Nesse momento cria-se no espectador a expectativa de que essa
pessoa possivelmente passará fome novamente e sugere-se que sua estratégia será
pedir nas casas por onde possa passar. Ele investe em uma responsabilização ao
outro, e talvez seja esta uma das questões que viabilizaram a mendicância no decorrer
da história: o sujeito delega para o “outro” a responsabilidade se suprir o que acredita
ser importante para sua sobrevivência.
Assim como o personagem Quincas, a lógica do trabalho é refutada de uma
forma sofisticada. Não há uma identificação de que o trabalho (no sentido formal de
mão-de-obra) possa ser suficientemente sedutor para que se empreenda uma
sistemática laborativa. Parece que para quem vive mendigando, esse é o trabalho
formal e, assim como outras formas de sobrevivência - prestação de serviço ou
transformação de bens -, demandam energia no sentido de que deve haver um
investimento, ainda que mínimo, para que tenha efeito positivo.
Como estratégia, a atividade de pedir nem sempre parece ser uma situação
fácil de ser executada. No filme “Rio 40 Graus” de Nelson Pereira dos Santos, 1955, o
personagem Jorge vive em uma favela junto com sua mãe, que é empregada
54
doméstica. Ela está acamada e pede para Jorge trazer “oitenta cruzeiro” para comprar
remédio. Jorge, apesar de não ser adulto, trabalha vendendo amendoim torrado na
praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Jorge acaba por ficar sem dinheiro, quando
um rapaz que freqüenta a praia derruba seu produto e não lhe ressarce. Nesse
momento Jorge sai da calçada da praia e dirige-se para o outro lado da rua, na seguinte
decupagem:
Externa, em um bar de frente para a praia, duas mulheres estrangeiras bem
vestidas estão sentadas a uma mesa. O rapaz se aproxima delas e segue a transcrição
do diálogo:
Mulher 1: So wondeful country, isn’t it?
Mulher 2: It’s but so primitive
Mulher 1: yes, ... It’s another one coming
Jorge: Moça, me dá um dinheiro?
Mulher 1: yes, ... give him something
Mulher 2: I have nothing but dollar
Mulher 1: Não tem nada (com sotaque de estrangeiro)
A cena continua com o rapaz se distanciando e ele continua a solicitar em
outra rua onde pessoas caminham:
Jorge: Moço, me dá um dinheiro?
Sujeito 1: Vá trabalhar!
Jorge então pede para outro, que nem lhe responde. Nesse momento
aparece um menino pequeno com um cigarro na mão, que fica rindo e zomba de Jorge:
Jorge: Que que houve?
Menino: Você não sabe pedir esmola!
55
Jorge: Eu não preciso pedir esmola, não. Eu só pedi um dinheiro para mim
voltar para casa.
Menino: Tu qué ver como que se arranca dinheiro dessa gente?
O menino segue, com seu olhar jocoso, em direção a uma pessoa que
caminha. Rapidamente, ele coloca um dos braços para trás, escondendo o cigarro que
está fumando, e o outro para frente, esticando a mão aberta com a palma para cima,
pronta para receber uma doação. Ao mesmo tempo em que estende o braço, sua feição
muda, seu rosto demonstra uma humildade e então ele pede com uma voz manhosa.
Menino: Me dá um dinheiro para minha mãe que tá doente?
O sujeito coloca uma moeda na mão da criança e ela agradece. O menino
volta ao encontro de Jorge, agora mostrando a mão que escondia, tragando o cigarro.
Menino: Ta vendo só! Pedir dinheiro pra gente mesmo não “gruda”, tu tem
que pedir dinheiro é pra tua mãe, que é só dizer que ela está doente que não falha!
Nessa cena, não é um morador de rua que está sendo representado, mas um
favelado que está passando por uma situação difícil em virtude da doença na família, e
vender amendoim parece ser a estratégia de Jorge para auxiliar no orçamento
doméstico. Ao se deparar com um imprevisto que o impossibilitou de trabalhar
vendendo amendoim, Jorge tem um primeiro contato onde presencia uma estratégia de
como arranjar dinheiro sem ter que trabalhar, uma substituição da atividade laboral para
outra onde não há prestação de serviço e nem mesmo comércio.
A característica desse primeiro contato é de frustração; as mulheres fazem
um comentário enquanto ele se aproxima: “aí vem mais um!” Certamente outras
pessoas já haviam passado por elas e solicitado alguma coisa. Seguem-se mais
tentativas frustradas quando o menino zomba de Jorge, como se fosse um mestre
56
naquilo em Jorge fraquejou. E o menino é realmente um mestre na arte de achacar, ele
domina a técnica de abordagem e usa uma justificativa que sensibiliza seu interlocutor.
Nesse sentido, uma lógica está sendo quebrada. Jorge ganha dinheiro
através do trabalho com a venda de amendoim para pessoas que estão na praia em
momento de lazer. Ele, ao contrário, freqüenta a praia para trabalhar; para Jorge a praia
é um lugar de trabalho, onde, através do empenho, pode ter bom rendimento. Jorge
acredita que é pela recompensa do trabalho que irá ajudar sua mãe que está doente e
necessitando de remédio.
A facilidade com que o outro menino consegue dinheiro, mesmo que uma
quantia pequena, não demorou mais que cinco segundos. Ao solicitar essa quantia o
menino tem uma performance que demonstra que ele sabe pedir, uma performance
semelhante ao personagem Dante, que afirma buscar alternativas nos dias em que não
há doação de sopa para os pobres. Em menos de trinta e cinco segundos, um garoto
ensina uma profissão que se perpetua por mais de quarenta séculos.
A dificuldade que Jorge apresenta no filme é também relatada em uma
entrevista realizada no início deste trabalho. No “piloto” realizado em 2004, a primeira
entrevista de campo já explicita a diversidade das estratégias de sobrevivência.
Evandro, um morador de rua de Porto Alegre, abrigado em instituição municipal, coloca
o seguinte: “a rua pra mim foi horrível, saí de Viamão e vim direto, nunca gostei de
pedir, não sabia pedir; o cara para pedir tem que saber, eu ficava sem comer” (Evandro,
2004). Parece que as estratégias de sobrevivência não são as mesmas para todos.
Para exercer uma atividade com êxito é necessário ter domínio ou uma noção básica
da técnica que esta atividade exige.
57
Talvez, entrando um pouco na história de vida de Evandro, se possa
compreender algo das diferenças que mantêm oscilante as estratégias de
sobrevivência. Evandro relata a seguinte história: “Eu me criei em Porto Alegre, por uma
mãe de criação, depois uma tia de criação, que me deu para minha mãe verdadeira,
que me deu para uma família que me deu para várias famílias e aí comecei a fugir....”
(EVANDRO, 2004).
Existe uma experiência de transitar por diferentes lares no decorrer de sua
infância. Evandro parece ter dificuldade, a princípio, de permanecer em um lugar por
um tempo maior. A breve permanência em cada lar tem motivo preciso, o qual Evandro
relata da seguinte forma:
Eu me criei com mais de 10 famílias quando era pequeno no interior. Eu rolei
por todo interior bem dizer, do Rio Grande do Sul, naqueles lugares Palmeiras,
Carazinho e ultimo lugar onde eu fui para foi Ibirubá. Fiquei mais tempo lá, foi
onde eu acabei fugindo. Eu fugia muito quando era pequeno. Batiam em mim e
eu fugia, eu era um fujão mesmo. Como era chamado mesmo por alguns...
companheiros de criação: eu era o Fujão. Eu não ficava muito na rua – sempre
tinha alguém que acabava me acolhendo ... (EVANDRO, 2004)
A troca de família parece ter sido a melhor solução que ele conseguiu
encontrar para escapar de inúmeras situações indesejáveis, como ser surrado. O que
se torna mais importante é que em cada fuga existe um destino que ele mesmo relata
ser receptivo, e dessa maneira ele obtém segurança em cada partida. Há um processo
que parece garantir o acolhimento a cada experiência de rua, mesmo a de pequena
duração, mas não menos importante. Talvez o pouco tempo de permanência na rua
não tenha deixado Evandro confortável para usar a estratégia da mendicância.
Em diversos filmes, quando existe algum morador de rua, mesmo que em
figuração, a identidade costuma estar atrelada a um potencial fracasso, como se
58
estabelecesse na relação das identidades deterioradas. Há uma expectativa de
incompatibilidade com histórias de sucesso. Talvez resida, nesse ponto, a questão
principal desse trabalho – uma busca por algo que não seja comum nessa
representação sobre o morador de rua. Algo como particularidades que não sejam
conotações exóticas ou bizarras, que não sejam arremedos paralelos de identidades
que buscam assemelhar o modo de vida das pessoas que moram na rua ao das que
residem em casas ou apartamentos.
No filme “A Margem da Imagem” de Evaldo Moscarzel, 2003, há um
depoimento de uma freira que fornece um dado significativo sobre o viver em uma
grande metrópole:
....na cidade tem a questão do anonimato. O anonimato para a população de rua
é um grande parceiro, o anonimato, porque você pode suar [sic]... você pode ser
versátil, hoje você pode estar chegando, amanhã você pode ser roubado, você cada dia
conta uma hisria para um, que ninguém te conhece, o que não pode acontecer
numa cidade pequena. Então a cidade dá essa liberdade através do anonimato.
Então hoje sou Ivete, aman sou Dalva, amanhã sou Maria.... (BERNARDET, 2004,
p. 292)
Essas vantagens do anonimato podem garantir uma constante mutação, um
mimetismo de identidades, uma criação constante de personagens a fim de sensibilizar
e garantir a sobrevivência. O discurso é construído no sentido de uma sensibilização,
para que possa comover ”se não um transeunte, o cineasta ou o espectador.... , pois ao
duvidar da veracidade da fala, e a fala é o ponto forte do filme, ele mostra a fragilidade
do cinema, pratica um sistema que o solapa ao dar sinais de duvidar de si”.
(BERNARDET, 2004, p. 292).
O mesmo acontece no filme “Edifício Master” de Eduardo Coutinho, 2002,
quando uma personagem fala de sua vida, das dificuldades de sua profissão de
prostituta, no futuro de sua filha. No final da entrevista, ela (a prostituta) revela que
59
costuma mentir, que é muito mentirosa, e que às vezes a mentira chega a ser tão
intensa que ela acredita, então Eduardo Coutinho pergunta se ela mentiu na entrevista,
e ela responde que não, apenas no dia anterior quando do primeiro contato, visto que
não estava segura em concedê-la. Nesse momento, o diretor cria um clima de dúvida,
de que algo possa não ser verdadeiro, cria-se uma tensão que coloca em cheque todos
os outros personagens, uma tensão que fica delegada para o expectador resolver.
Mimeses ocultas
Pode-se pensar outra questão a partir do achaque. Se há uma possibilidade
de não ser verdadeiro o argumento que justifica o achaque, ela consiste, justamente, na
contrapartida de ser verdadeiro, já que pode residir em uma atividade mimética, no
sentido de autopreservação ou uma reconciliação com a natureza (GAGNEMBIN,
1997). Ao lançar mão de um argumento concreto de necessidade como representação
formal de uma estratégia de sobrevivência, estabelece um vínculo positivo através da
mediação, que é o objeto solicitado. Como por exemplo, no filme “Rio 40 graus”,
referido anteriormente: um dos meninos, ao mostrar como se consegue dinheiro
pedindo - mesmo não necessitando do mesmo -, mimetiza a situação para
supostamente garantir a sua sobrevivência.
Novamente entra em questão o que possa ou não ser realidade, e Zizek
(2003) aponta nesse jogo um espaço preciso, pois o lugar da ilusão é na realidade. É
na condição repetitiva de necessidade que alguns momentos miméticos são capazes
de gerar conhecimento/sobrevivência; quando se domina uma estratégia exitosa, ela
deve ser usada em momentos oportunos.
60
Ao se buscar particularidades de pessoas que vivem nas ruas, observa-se, de
forma geral, que as histórias são muito parecidas, há uma semelhança nas narrativas
da transição “casa –rua”. Conforme os próprios moradores de rua, houve um momento
anterior à vivência na rua. Entretanto, o agravamento de certas situações levou à
impossibilidade de continuar vivendo em um domicílio fixo. Em outros casos, houve
uma perda significativa (emprego, parente) e então a rua se tornou o destino. Histórias
de fracasso. Mas como poderia uma pessoa sobreviver vivenciando unicamente
situações de fracasso? A sobrevivência em si já consiste, ou não, em uma situação
considerada vitoriosa. Há um paradoxo que surge da simultaneidade de estados de
resistência e de fragilidade: O indivíduo é forte porque sobrevive aos processos de
exclusão, mas é justamente a fragilidade exposta que poderá lhe garantir a
sobrevivência.
Se o acesso a bens básicos para a sobrevivência está diminuído ou negado,
a exclusão social sujeita o indivíduo a ter que optar por outras formas de acesso a estes
bens, e esta é uma capacidade de resistir aos processos de exclusão social; no
entanto, é a fragilidade que irá legitimar e garantir, pelas redes de cooperação informais
ou pelo viés institucional, a possibilidade de aquisição imediata ou provisória de bens
que serão indispensáveis para a sobrevivência.
Independente do acesso, por exemplo, o que poderia se dizer de alguém que
gosta de cavalos. Felipe é um nome que tem na sua origem uma composição a palavra
Philos, que designa o que se poderia chamar de amigo e Hipus, que significa cavalo.
Filipe seria o “amigo do cavalo”, aquele que gosta de cavalo. Esta deve ser a
designação de Adilson. Seu nome poderia ser Filipe, pois ele gosta de cavalo.
61
A história de Adilson pode ser contada de várias maneiras. A mãe morreu
quando ele tinha 7 ou 8 anos e aí começa a vida dura. Possivelmente, sua vida já não
vinha sendo muito fácil até essa idade e com a morte da mãe, sua situação parece ter
piorado. No entanto, aqui fora escolhida uma outra maneira de contar sua história, e
assim é que será apresentada: o Adilson que gosta dos cavalos.
Adilson relata que seu interesse por cavalos surgiu quando começou a
freqüentar a Hípica. Como jóquei, chegou a correr em competições. Ganhou e perdeu
em corridas de cavalo, e destaca que é preciso saber perder. Sua linguagem inclui
termos que são de uso próprio do hipismo, de quem entende do assunto.
Em seu discurso, não demonstra ambição em ter um cavalo ou ser
proprietário de uma cabanha. Seu interesse é lidar com o animal, cuidar dele, correr
nele. Adilson demonstra uma afetividade quando faz uma referência ao mundo hípico.
Sua fala, inclusive, usa um léxico próprio de quem se preocupa com os animais,
entende do ofício, da lida zôo-competitiva. Apesar do áudio da filmagem não estar
muito claro, pode-se perceber que o mundo de Adilson está vinculado ao cavalo.
Isso fica mais evidente quando diz o que segue em relação ao momento em
que tudo já está preparado para iniciar a corrida: “a porta que tava fechada, quando
abria saía lotado, né!”. Na narrativa em que fala do momento da largada, Adilson se
refere ao momento decisivo da competição. Todos ficam ansiosos e querem sair o mais
depressa possível. O êxito de uma corrida de cavalos inclui uma boa largada, e como
seus concorrentes, ao ser autorizado a iniciar a competição, ele quer sair o mais rápido
possível.
O cavalo, para quem mora no interior, é usado principalmente como tração
animal. Em geral, é nas áreas urbanas que existem lugares que preparam os animais
62
para essa outra utilidade que é a competição. Ele explica que desde cedo já tinha
interesse em cavalos: “Com cavalo... com cavalo eu aprendi lá em Sobradinho...
primeiro foi um doutor lá que me pagava um outro rapaz... Lá um baixinho pra me
ensinar né... a corrê”.
Quando evoca a questão dos cavalos, não parece ser no mundo produtivo
que Adilson acaba por se reportar. Em seu depoimento, seu vínculo parece estar
colado às atividades especiais, um trabalho que une uma relação de cuidado com
vistas às atividades competitivas. Ele revela que gosta de correr, mas não parece se
importar com o universo extremamente competitivo dos prados, das hípicas ou de
lugares de aposta. Adilson mostra encontrar um local apropriado para si, sendo este
lugar junto aos cavalos: montando, cuidando, treinando, competindo, perdendo ou
ganhando. Como ele próprio refere: “Já ganhei um torneio da Pet Feijão... bah eu
ganhei várias e perdi várias também... é por que o cara não adianta só ganha, só ganha
que não vai ganha. Mas eu mais ganhei do que perdi né”. (Adilson, 2005)
Há um momento em que a competitividade parece se aproximar do lúdico, e
nesse ponto o que ele se refere ao falar em ‘cavalo’ são os cavalos de corrida, que
recebem um treinamento para vencer em competições, mas não se trata
necessariamente de uma obsessão pela vitória. Adilson demonstra que sabe e não se
abala quando seu resultado seja outro do que o primeiro lugar. Não há indícios de que
exista uma grande frustração em caso de derrota, e pode-se perceber que a derrota,
perder, é uma situação que não deprecia sua relação com o hipismo.
Quando afirma que nas quintas-feiras vai até a Hípica de Porto Alegre, com
seu jeito tímido e tranqüilo ele fala: “Eu sempre vou lá, porque tem um cara lá que eu
cuido o cavalo pra ele. Eu gosto de lidar com bicho, mas eu não gosto de ser treinador
63
e coisa. O que eu gosto é de correr né?”, e mostra um cronômetro, próprio para marcar
o tempo de corrida de cavalo.
Quando da aproximação de Paulo, ele se encontrava sentado à sombra de
uma árvore num dia quente e ensolarado, distanciado do grupo de sua convivência
naquele momento em virtude de não ter “se sentido muito bem” (sic). Ele responde a
algumas perguntas e começa falando sobre a questão de morar na rua, pergunta se
está gravando e então faz um resumo de sua vida:
Então grava...Eu tenho pouco o que falá, né cara, eu sou um cara que foi casa,
divorciado, tenho duas filha, quatro neto, so avô de quatro neto. Só que o
seguinte, por uma eventualidade eu cai na rua aí...caí na vida da da rua né...e
comecei a gosta e fiquei. Morei com meu irmão, voltei; morei com minhas filha,
voltei; gostei da rua. E aí...mas não porque eu gosto também de...também
acho que isso é da vida eu sou...mas eu também não me queixo né ô Júlio.
(PAULO, 2005)
Na realidade a entrevista foi extensa, e Paulo forneceu um dado precioso já
de início: gostou de morar na rua. Esse é um dado difícil de encontrar. As pessoas
dizem que não gostam da rua, que querem ter um emprego para construir uma casa e
reerguer sua vida. Paulo é direto em apontar que sua situação está de acordo com seu
prazer. Ao expressar “comecei, gostei e fiquei” demonstra como é forte seu vínculo com
esta forma de viver. Paulo também refere cuidados em relação à bebida de álcool:
... mas eu não caio.. eles pode anda tudo maloquero aí, mas eu não ando cara,
pior...eu ando sempre bem arrumado, Deus o livre. Eles até me chamam de
riquinho aí...a o riquinho aí. Não é isso aí né...eu não deixo a peteca caí não.
Tomo as cachacinha e tudo, mas eu me controlo. (PAULO, 2005)
O cuidado com a aparência é um fato que, se tem alguma importância para o
achacador em geral, para Paulo não tem o mesmo significado. Existe satisfação em
cuidar de si, pelo uso de roupas limpas e combinando. Paulo não só se distancia do
modelo bizarro das vestimentas dos doentes mentais que estão na rua, como valoriza
64
sua apresentação como motivo de orgulho próprio. Sua aparência pode ser
considerada uma mímese que reforça sua identidade de pessoa organizada.
Nessa pesquisa, as falas são importantes fontes de dados. Falar de si, sob a
ótica de estar se expondo a uma câmera de vídeo, algo que ficasse registrado, tem
uma implicação. Em um ou outro momento da entrevista, Paulo hesita quanto ao fato
de que ele esteja falando possa ser divulgado, e em seguida reforça a autorização.
Essa é uma fragilidade com a qual o pesquisador tem que saber lidar: mesmo
autorizando o uso de sua imagem visual e sonora, o entrevistado pode solicitar em
qualquer momento sua exclusão da pesquisa, o que deve ser acatado.
Muitos se interessam pelo Grêmio e pelo Internacional, pois esses são os
times de futebol com o maior número de torcedores no estado. Mais que clubes, são
ícones da identidade do gaúcho. O Clovis conheceu e trabalhou com dois jogadores
que se tornaram ídolos da geração dos anos 80 no Rio Grande do Sul: Mazaropi e
Taffarel. Um era do Grêmio e o outro do Internacional. Essa história é contada assim:
Eu trabalho...eu trabalhei na assembléia, trabalhei de estagiário, batia
cartão...trabalhei na assembléia e servia café pros deputado, daí trabalhei em
farmácia e agora to na latinha, fui gandula do Inter, no tempo do Taffarel e do
Grêmio no tempo do Mazaropi, nosso abrigo era da Arcal e da Paquetá.
Depois eu comecei a junta latinha... única chance... servi o exército...Foi há
muitos anos atrás, no tempo do Mazaropi, do Taffarel, gandula do Inter e do
Grêmio né, nóis treinava com bola de areia, ia dez gandula, muitos anos
atrás... (Falha na gravação)... nosso abrigo era da Arcal vermelha e da
Paquetá que treinava nóis era o Seu Cláudio, nóis treinava com bola de areia,
por que ficava dez gandula, ficava três em cada lateral e eu ficava atrás da
golera né. E era sempre o mesmo... nóis ia aqui no Beira Rio e no Olímpico...
que era o Antônio Mazzaropi... era legal assim eu achava legal... entrava no
vestuário. Jogava bola lá dentro, e na saída já ganhava o dinhero na época
né..(CLOVIS, 2004)
Clovis teve a oportunidade de trabalhar, entre outras coisas, como gandula.
Uma profissão aprendida nos programas de assistência social que os clubes fazem,
estimulando crianças pobres ou abandonadas a conviverem com o universo esportivo.
65
Tanto para um gremista, como para um colorado, conhecer um jogador se tornara um
fato inesquecível, Clóvis guarda na memória o que foi e continua sendo o sonho de
todo torcedor: conhecer o jogador do seu time e ficar perto dele, não só nos dias de
treinamento como nos dias de jogo.
A memória que retém essa passagem, quando exibida no filme, adquire uma
dimensão concreta da vivência, resgatada pela evocação da lembrança em testemunho
histórico. “O filme faz coincidir memória e verdade histórica. Confia-se plenamente no
fato de que a memória das pessoas que viveram uma ação a reproduz fielmente”
(BERNARDET, 2003, p. 181).
Observamos na compleição física de Clóvis seu atributo para ser gandula.
Não poderia ser muito pequeno, pois teria dificuldade para buscar a bola com rapidez, e
nem muito alto, para não ser confundido com algum jogador ou atrapalhar a imprensa
que fica registrando o evento.
Um fato importante de ser destacado é que houve dúvida ao avistar o Clovis
caminhando pela rua. Estava um pouco frio, o dia nublado, poucas pessoas pela rua. À
primeira vista não foi possível identificá-lo como morador de rua. Estava calçado e bem
vestido, com roupas limpas, calça, jaqueta, mochila e boné muito bem cuidados, sem
cicatrizes aparentes, enfim, nada que pudesse indicar uma procedência típica do que
se imagina ser da rua. O que despertou atenção foi um saco plástico também bastante
limpo que carregava segurando pela mão, ao contrário da maioria que caminha com ele
apoiado nas costas.
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Considerações Finais
Não é exatamente o que Voltaire (1985) atribuiu a Cândido, seu personagem
que fica à deriva depois de uma ação mal sucedida e relativamente mal interpretada por
seu preceptor, o que Adilson, Paulo e tantos outros têm em comum. O que interessa
neste momento, e possivelmente poderemos encontrar em muitos casos que não
fizeram parte desta amostragem, é uma resistência diante da impossibilidade de se ter
algo incomum. Morar na rua é uma situação que pode se perpetuar até o fim de cada
uma destas vidas e até mesmo acelerar este final, o que Agamben (2002) concebe
como Homo Sacer, vida que não merece ser vivida.
Se existe um mal-estar na pós-modernidade (BAUMAN, 1998), uma
insatisfação freqüente que zomba da capacidade humana de alteridade, uma condição
que fraciona a noção de humildade, esta condição já pairava sobre nossas cidades no
final do século XIX.
A velha humildade fazia com que um homem duvidasse dos seus esforços, e
isso dava-lhe animo para trabalhar com mais afinco; a nova humildade faz com
que o homem duvide de seus objetivos, e isso o obriga a parar com os seus
trabalhos. (CHESTERTON, 2001, pág. 51)
Chesterton coloca esta falta de objetivo do homem, uma dificuldade de encontrar
sentido que reflete numa abstração das formas de trabalho convencionais. Ainda é
deste autor a noção pendente da vida: o grande poderia-ter-sido ou grande poderia-
não-ter-sido. Parece não haver dúvida de que uma vida de sucesso não merece
67
reparos e que a do infortúnio, cheia de ponderações calcadas em erros, é passível de
reconstituição das forças que convergem para a felicidade.
Ao pensar em felicidade, Schopenhauer (2001) atribuía três condições para o
que chamou de Eudemonismo: o que uma pessoa é, o que ela tem, e o que ela
representa. São características que, dependendo do ponto de vista, podem subestimar
classes com menor “competitividade” como os párias (BAUMAN, 1998), casta inferior
ou não-casta na cultura hindu, formando assim uma região moral (PARKS apud
VELHO, 2000), local onde tendem a se concentrar pessoas de origens diversas, mas
com características sócio-psicológicas semelhantes – o que ocorre nos bairros Cidade
Baixa e Menino Deus, onde foi desenvolvida esta pesquisa.
Nestes locais, mas não exclusivamente ali, é possível encontrar algo que solapa
a tradição de usos e costumes do cidadão - uma cultura marginal e ordinária (DE
CERTEAU, 2003) que agrega valor no desenvolvimento sociocultural. São invenções
de diferentes modos de viver, seja pelas novas práticas ou pelos diferentes usos de
objetos, resultando em uma pluralização e uma multiplicidade de diferenças.
Ao categorizar um objeto pelo seu valor de uso ou de troca em detrimento de seu
valor de culto, as pessoas que estão na rua subvertem a lógica sedentária capitalista de
preservação e acúmulo de bens ou riquezas. É um exercício que pode se assemelhar
aos comerciantes, que desenvolvem seu valor afetivo mais no culto ao dinheiro do que
na mercadoria. São metamorfoses de usos e de práticas que subvertem a ordem social
da propriedade privada.
Ao focar esta pesquisa nas situações intensas vivenciadas por pessoas comuns,
objetivamos criar uma nova ética ou estética de reportar aqueles que não têm uma
representatividade privilegiada na produção de bens e serviços, mas que carregam
68
singularidades e experiências tão intensas; pessoas que vivem numa constante
mutação, mas cuja memória ainda guarda lembranças. Acredita-se, portanto, que o
filme documentário possa ser um co-responsável nesta caminhada.
69
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ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do Real! Cinco ensaios sobre 11 de
setembro e datas relacionadas. São Paulo: Boi Tempo Editorial, 2003.
75
ANEXO I
Filme
TALENTO, eu tenho. Direção de Julio Caetano Costa. [Brasil], 2006. 1 vídeo
(13 min), son., color., Mini DV.
76
ANEXO II
AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E/OU VOZ
Eu, abaixo assinado, autorizo a
Júlio Caetano Costa
a gravar a minha voz e
imagem para peças audiovisuais diversas que venham a ser produzidas sobre
o
projeto
Cinema e Morador de Rua
- do mestrado em Psicologia Social e
Institucional da UFRGS. Declaro concordar e ter conhecimento de que estas
peças serão veiculadas, exibidas, reproduzidas e transmitidas, sem limitação
de
tempo, no Brasil e no exterior, pelo autor ou por terceiros, com caráter
comercial ou não, em cinemas, festivais, televisões, de canal aberto ou
fechado, homevídeo (dvd, vhs, cd-rom, e outros), pela internet, telefones
celulares, ou em aeronaves, embarcações e em outros meios de transporte.
Essa autorização é gratuita e será válida pelo prazo de proteção do direito
autoral sobre as peças, no Brasil e no exterior.
Nome:
________________________________________________________
RG:_______________________ CPF:_____________________________
Endereço:___________________________________________________
Telefones: __________________________________________________
Assinatura
77
ANEXO III
FILMOGRAFIA
BRAS CUBAS. Direção de Julio Bressane [Brasil], 1985. 1 filme (92min), son.,
color., 35mm.
HABITANTES DA RUA. Direção de Claudia Turra Magni. [Brasil], 1994. 1
filme (52min), son., color., VHS.
QUANTO VALE OU É POR QUILO?. Direção de Sérgio Bianchi. [Brasil],
2005. 1 filme (109min), son., color., 35mm.
RIO 40 Graus. Direção de Nelson Pereira dos Santos. [Brasil], 1955. 1 filme
(93min), P/B., 35mm.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo